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A sociedade da informação: democracia, diversidade

cultural e o reconhecimento de métodos complementares para


a solução de conflitos.

Wagner de Souza Berton1


Neuro José Zambam2

Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo abordar o tema


Multiculturalismo na sociedade da informação, com especial enfoque aos
conflitos culturais e sua possível pacificação por meio de métodos
complementares ao do Poder Estatal. O reconhecimento social de tais métodos
mostra-se indispensável diante de um Poder Judiciário sobrecarregado e
desacreditado, precipuamente diante de um povo que cada vez mais está
globalizado e sem tempo disponível aos entraves burocráticos da justiça. Por
outro lado, ocorre que a sociedade, no uso de seu senso comum, não presta a
devida importância aos meios complementares de solução de controvérsias,
seja pela falta de informação sobre a temática, seja pela dúvida em um método
diverso de solução de conflitos que não possua poder cogente. A afirmação da
democracia perpassa pela garantia ao cidadão de uma solução de conflitos
rápida, eficaz e principalmente humana, de modo que se possa estabelecer
uma sociedade justa e assentada sob o prisma dos direitos inerentes ao
homem, no caso, os direitos humanos. Diante deste panorama, justifica-se o
presente estudo, no intuito de aprofundar o conhecimento acerca da
diversidade cultural e de novas formas de se fazer Direito, como a Arbitragem e
mormente a Mediação.

1
Servidor público militar, Bacharel em Direito e Especializando em Direito Constitucional
Contemporâneo, ambos pela Faculdade Meridional - IMED de Passo Fundo. E-mail:
wagberton@hotmail.com. Este artigo é fruto da participação do Grupo de Estudo:
Desenvolvimento, inclusão e multiculturalismo - coordenador por: Prof. Dr. Neuro José
Zambam.
2
Doutor em Filosofia pela PUCRS. Professor dos Cursos de Direito e Administração da
Faculdade Meridional - Imed. Coordenador de Grupo de Estudos: Desenvolvimento, inclusão e
multiculturalismo. Pesquisador integrado ao Grupo de Pesquisa: Novas Tecnologias, marcos
regulatórios e reconhecimento de direitos na diversidade cultural. E-mail:
neurojose@hotmail.com.
Palavras-chaves: Multiculturalismo. Reconhecimento. Democracia. Mediação.
Direito.

Abstract: This article aims to address the issue of multiculturalism in the


information society, with special focus on cultural conflict and its possible
peacemaking through additional methods of State power. The social recognition
of such methods is essential before a Judiciary overloaded and discredited,
mainly on a people that is increasingly globalized and no time available to
bureaucratic justice. On the other hand, occurs that society, using his common
sense, does not pay due importance to supplementary means of dispute
settlement, either by lack of information, whether by doubt in an alternative
method of conflict resolution that does not have power cogent. The affirmation
of democracy through ensuring the citizen of a solution of conflicts quickly,
efficiently and above all human, so that we can establish a fair society and
seated under the Prism rights inherent to man, in the case, human rights. On
this scenery, justified the present study, in order to deepen the knowledge of
cultural diversity and new ways to do it right, as arbitration and mediation.

Keywords: Multiculturalism. Recognition. Democracy. Mediation. Right.


1 Introdução

Cada vez mais os meios complementares de solução de controvérsias


ganham força no mundo jurídico e em alguns setores da sociedade civil. Isto se
dá pelo fato do Poder Judiciário estar assoberbado de processos com a
chamada explosão da litigiosidade, derivado do aumento significativo de
demandas judiciais, gerando com isso um atraso em escala da prestação
jurisdicional pleiteada.

Diante deste cenário, muitas já foram as ideias tendentes a agilizar os


tramites processuais, que vão desde projetos de leis à emendas
constitucionais, que acabam por carecer de eficácia prática, uma vez que o
problema é demasiadamente grande para ser resolvido por propostas frágeis e
que visam tão somente mascarar a impotência do Poder Judiciário.

Some-se a isso, a realidade social que se torna mais multicultural a cada


dia, tornando as relações cotidianas muito mais dinâmicas e voláteis, o que
muitas vezes torna a lei e a própria Justiça ultrapassadas. Neste contexto
multicultural dominado pelo avanço tecnológico, observa-se o distanciamento
do indivíduo em relação aos seus pares, já que esta é uma das características
da sociedade da informação – o isolamento social.

Estes fatores acabam por desencadear relações sociais essencialmente


superficiais, sem vínculos emocionais sólidos e de comprometimento com o
outro, especialmente com a expansão de um mundo artificial: o ciberespaço.

Nesta senda, como é possível estabelecer a identidade do indivíduo no


seio de uma sociedade onde desaparecem os valores tangíveis e fraternos,
que acabam por fornecer espaço a relações distantes e virtualizadas? Eis aí o
berço da anomia, promotora de diversos conflitos sócio-culturais, mas também
de um amplo campo de trabalho para os métodos complementares de
pacificação, como a Arbitragem e a Mediação.

Em uma sociedade democrática, a questão da diversidade cultural


proporcionará um ambiente acolhedor à pluralidade social, mesmo que as
culturas tragam em seu bojo valores conflitantes, que dificultem a solução do
problema. O fato é que, estas novas tecnologias poderão prestar um relevante
serviço na busca desta pacificação social.

Ressalte-se ainda, que este trabalho não tem a pretensão de adentrar


em cada meio alternativo de resolução de conflitos, mas busca tão somente
chamar a atenção para um novo modelo de compor lides, um modelo que
esteja mais próximo das partes e capaz de devolver-lhes sua essência
humana, característica esta que lhes foi retirada com o atual processo jurídico,
onde as partes tornam-se apenas um número para o poder judicante.

2 O multiculturalismo na sociedade da informação

Com o rápido avanço das tecnologias e com a elevação do poder de


consumo por grande parte do povo, obter acesso às ferramentas de
telecomunicação já não é mais empecilho para a sociedade contemporânea.

A vida humana está cada dia mais informatizada, e isto nos mais
diversos enfoques – social, jurídico, econômico, privado, etc. – sendo, portanto,
inegável que a sociedade está em uma nova era, a Era da Informação,
caracterizada pelo tráfego de informações jamais visto, o que despontou na
globalização, onde o planeta já não impõe mais barreiras geográficas a país
algum, devido a popularização dos meios de telecomunicação.

Hoje em dia, tem-se acesso a tudo pela grande Rede – filmes, música,
jogos, conversação, compras -, enfim, praticamente tudo o que diz respeito ao
entretenimento, trabalho, comércio ou cultura, tornando desnecessário o
cidadão sair de sua residência. O que pode confirmar esta afirmativa é o fato
de 66 milhões de usuários brasileiros terem acessado a Internet em 2009, eis a
tabela comparativa segundo dados do IBOPE 3:
Milhões 2006 2007 2008 2009
Usuários4 de 32,5 39 62,3 66,3
Internet

A Internet propiciou à sociedade o acesso à informação numa


velocidade incrível, fazendo com que uma pessoa aqui do Brasil pudesse
acessar dados ou interagir em tempo real com uma pessoa do Oriente, por
exemplo. A Rede caracteriza-se por ser um mundo com possibilidades
ilimitadas, transcendendo qualquer tipo de fronteira, o que favoreceu o
desenvolvimento do comércio interno e internacional.

Assim, pode-se afirmar que “a complexificação é uma das características


da sociedade moderna”5, considerando que a Internet superou qualquer forma
de barreira e de espaço, já que “quando próximo e distante se mesclam em um
horizonte de percepção artificialmente ampliado, as coordenadas individuais de
espaço e tempo se perturbam.”6

Neste cenário, a sociedade digital parece ser neutra e imparcial, ou seja,


proporciona acesso tecnológico sem qualquer distinção de raça, cor, credo, etc.
De fato, a Internet está disponível para qualquer pessoa, mas o professor
lusitano José Oliveira Ascensão, faz uma observação:

A ‘sociedade da informação’ é uma sociedade igualitária na


aparência. Todos ficaríamos em idênticas condições perante ela, num
meio qualificado pela interatividade. Mas essa aparência é facilmente
desfeita, quando se confronta a posição dos que instituem o sistema
com a dos destinatários. Aí, encontramos antes uma desigualdade
profunda.7

3
Fonte: IBOPE Nielsen Online.
4
Total de pessoas com mais de 16 anos com acesso à Internet em qualquer ambiente (casa,
trabalho, escolas, universidades e outros locais).
5
BRÜSEKE, Franz Josef. A técnica e os riscos da modernidade. Florianópolis: Ed. da UFSC,
2001, p. 168.
6
DUPAS, Gilberto. O mito do progresso ou progresso como ideologia. São Paulo: Ed. UNESP,
2006, p. 126.
7
Apud BOFF, Salete Oro; PIMENTEL, Luíz Otávio. (Orgs.). Propriedade Intelectual, Gestão da
Inovação e Desenvolvimento: patentes, marcas, software, cultivares, indicações geográficas,
núcleos de inovação tecnológica. Passo Fundo: IMED, 2009, p. 15.
Isto se dá, em razão do avanço tecnológico distanciar os que possuem
acesso às novidades dos que permanecem alheios ao desenvolvimento, já que
para estar inserido neste processo, o sujeito deve ser capaz de suportar custos
elevados, algo que não é possível para toda a sociedade. 8

De fato, a Internet tem o condão de separar aquele que está atualizado,


daquele que não está, gerando com isso até certo preconceito, pelo fato do
cidadão estar “ultrapassado”, como assevera novamente DUPAS:

No entanto, “sempre acessível e conectado” passou a ser o


lema do progresso na era da tecnologia da informação; sentimo-nos
culpados e temos de justificar quando não estamos “ligados”. Esse
dilúvio de informações e agressões ataca nosso espírito que, para
manter-se íntegro e diferenciado, exige sistemas eficientes de filtros
como uma espécie de proteção imunológica contra agressões
externas.9

Esta desigualdade propiciada pela globalização em nada ajuda com a


pacificação social, com o diálogo intercultural e com o desenvolvimento de um
direito fraterno como estabelece a Constituição Federal. O avanço tecnológico
é irreversível, mas seu desenvolvimento deve estar em harmonia com os
princípios democráticos da igualdade e da solidariedade, de forma que também
possa proporcionar a inclusão digital do individuo.

Sendo assim, o reconhecimento público da igualdade entre os cidadãos


dependeria de duas formas de respeito:

(1) em relação ao caracter único das identidades dos


indivíduos, independentemente do sexo, da raça ou da etnia, e (2) em
relação àquelas actividades, práticas e modos de perspectivar o
mundo que são particularmente valorizadas por, ou associadas a,
membros dos grupos minoritários.10

Portanto, o reconhecimento social da identidade cultural de cada


indivíduo constitui a essência do sistema democrático, o que elevaria o
multiculturalismo a um patamar superior na democracia liberal.
8
BOFF, Salete Oro. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento – Inovação, gestão e
transferência tecnológica. Passo Fundo: IMED. 2009.
9
DUPAS, Gilberto. O mito do progresso ou progresso como ideologia. São Paulo: Ed. UNESP,
2006, p. 109.
10
TAYLOR, Charles. Multiculturalismo. Princeton Universisty Press, 1994, p. 27.
Daí que a democracia liberal enriqueça as nossas
oportunidades, nos permita reconhecer o valor das diversas culturas
e, por conseguinte, nos ensine a valorizar a diversidade, não pelo
mérito que daí advém, mas sim por possibilitar a melhoria da
qualidade de vida e da educação. Ao advogar a diversidade, a
democracia liberal está a adoptar, não uma perspectiva particularista,
mas sim universalista.11

Um marco importante para o reconhecimento do multiculturalismo foi a


ratificação do Brasil em 2007 da Convenção sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais, aprovada em 2005 em parceria com a
UNESCO, que tem contribuído para a análise do impacto desse instrumento
sobre as relações que envolvem serviços culturais e bens culturais, norteando
o trabalho da Organização na realização de metas e políticas em prol da
diversidade cultural, com ênfase no pluralismo e no diálogo entre as culturas.

Ações como estas são de grande valia para a aproximação de culturas


que nunca interagiram, e que agora, com o rompimento das barreiras físicas
que as tecnologias proporcionam, acabam por co-habitarem num mesmo
tempo e espaço. Com esta miscigenação cultural, há um terreno fértil ao
desenvolvimento de conflitos culturais, sejam eles religiosos, políticos ou até
mesmo linguísticos.

No que tange à definição de cultura, o antropólogo Edward Burnett Tylor


foi um dos estudiosos que buscaram uma definição para o que é cultura.
Segundo o doutrinador, cultura é o que designa todo o complexo metabiológico
criado pelo homem. São práticas e ações sociais que seguem um padrão
determinado no espaço. Contudo, qualquer definição estática de cultura estará
ultrapassada, devido ao grande impacto das novas tecnologias da informação.

Nos tempos atuais o imaginário e a cultura coletiva são


altamente tributários de um novo universo simbólico que emana de
forma massiva das novas tecnologias da informação. O mundo do
ciberespaço constitui-se em fonte de boa parte das novas
manifestações culturais.12

A Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural,


aprovada por 185 Estados-Membros em 2001, representa o primeiro
instrumento de definição de padrão internacional destinado a preservar e
11
Ibid., p. 28.
12
SIDEKUM, Antônio. (Org.). Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p.16.
promover a diversidade cultural e o diálogo intercultural.

Tanto é assim, que o primeiro artigo da referida declaração afirma que a


diversidade cultural é patrimônio comum da humanidade:

Artigo 1 – A diversidade cultural, patrimônio comum da


humanidade.
A cultura adquire formas diversas através do tempo e do
espaço. Essa diversidade manifesta-se na originalidade e na
pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as
sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de
inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero
humano, tão necessária como a diversidade biológica para a
natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da
humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em beneficio das
gerações presentes e futuras.

Esta declaração foi o primeiro instrumento jurídico/político a nível


universal destinado a reconhecer os efeitos da globalização na seara da
cultura. Diante desta diversidade cultural em um mesmo espaço, torna-se
rotineiro o surgimento de conflitos, como é o caso do Builling.

Portanto, é inegável a carência que há acerca de um método mais


humano e que propicie a aproximação entre as partes, pois é sabido que a
Justiça não tem condições de viabilizar um trabalho nestes moldes. É neste
ponto que entra em cena a Mediação e a Arbitragem a fim de reconhecer as
identidades culturais distintas de cada parte numa solução de litígios.

3 Meios complementares de solução de conflitos multiculturais


como promotores da democracia

A temática acerca de métodos complementares ao do poder estatal para


a solução de conflitos tem sido muito discutida nos últimos tempos, mormente
nos bancos escolares dos cursos de Direito, como uma alternativa de
desafogar a Justiça e de resgatar a identidade do individuo.

Deste tema, decorrem medidas que, em boa parte das situações visam
tão somente proposições imediatistas e ilusórias para o problema do
congestionamento das vias da prestação jurisdicional, e por conseguinte,
acabam por prestar um verdadeiro desserviço na procura de um remédio
jurídico adequado para a quase falência do Poder Judiciário. Isto por que,
desvia-se o objetivo inicial da Carta Magna em se obter uma justiça efetiva e
seriamente comprometida com os anseios sociais.

E mais: acabam mesmo por gerar mecanismos de insidioso


solapamento desse importante instrumental técnico, teoricamente
apto a conduzir, em boa parte, os naturais conflitos de uma sociedade
pluralista e democrática a uma rede decisional inicial de
compatibilização refletida e ponderada de diferenças, para fins de
marcante contribuição para a obtenção de uma convivência
verdadeiramente pacífica entre os variados integrantes desta
sociedade.13

A cultura da litigiosidade que tem se vivido nos últimos tempos necessita


de uma profunda reflexão desde o seu nascedouro, já que não possui uma
causa recente, mas inúmeras e que se renovam a cada dia que passa.

Logo, um fenômeno que simplesmente não pode ser tratado


de forma reducionista, como um problema estrito do Judiciário. A
litigiosidade expandida é um problema da sociedade, com intrincados
laços políticos, sociológicos, históricos e raízes para bem além do
jurídico; não é, portanto, um problema do “Judiciário”, nem debate de
natureza estritamente jurídica, que possa ser resolvido por panacéias
normativas ou medidas unilaterais e arbitrárias do Estado, tendentes
a simplesmente acelerar a prestação jurisdicional.14

A litigiosidade que aqui se refere é aquele conflito em massa que se


desenvolve fora dos padrões normais de um contexto social. Diz-se isto, pois, o
conflito faz parte da realidade democrática, na verdade, é intrínseco ao ser
humano, e no nível ideal, é até sadio sua existência para o desenvolvimento de
uma sociedade multicultural, ainda mais inserida numa realidade globalizada
como é atualmente.

...e é mesmo eterna no bojo de uma sociedade que vive o

13
JÚNIOR, José Alcebíades de Oliveira; BAGGIO, Moacir Camargo. Jurisdição: da litigiosidade
à mediação. In: Direitos Culturais - Revista do programa de pós-graduação em Direito –
Mestrado – v.1, n.1. Santo Ângelo: EDIURI, 2007, p. 112.
14
Ibid., p. 112.
surgimento das expressões da diferença, é essencial que se
reconheça a necessidade de suporte ao conflito, do eterno assistir e
solucionar, adequadamente, as discussões e divergências da
pluralidade e da multiculturalidade.15

Em face desse contexto, o cidadão precisa reconhecer que também é


dotado de deveres e não só de direitos - como o de se ver substituído pelo
poder judicante do Estado. Afinal, as partes envolvidas no conflito têm melhor
condições de “sentir” e reconhecer a situação controversa e, em consenso,
poderem juntas deliberar acerca do problema, mesmo que com concessões
mútuas.

O respeito mútuo implica, por sua vez, a vontade e


capacidade generalizadas de conciliar os nossos desentendimentos,
de defende-los perante aqueles de quem discordamos, de
discernirmos entre divergência respeitável e desrespeitável, e de nos
abrirmos e sermos receptivos à mudança quando precedida de crítica
bem fundamentada.
A garantia moral do multiculturalismo depende da prática
destes méritos de deliberação.16

E uma das principais características da Mediação é resgatar o diálogo,


promover e exercitar a tolerância e o reconhecimento entre as partes para que
busquem resultados específicos e especializados para a pacificação de suas
relações. Muitas vezes o que falta ao Poder Judiciário é justamente a
sensibilidade para reconhecer os anseios das partes e “o não reconhecimento
ou o reconhecimento incorrecto podem afectar negativamente, podem ser uma
forma de agressão, reduzindo a pessoa a uma maneira de ser falsa, distorcida,
que a restringe”.17

Na mediação, não se visa unicamente um acordo, mas sim, a satisfação


dos anseios das partes envolvidas no conflito, através de um terceiro com
conhecimento profundo da relação entre os envolvidos, que buscará estimular
o diálogo cooperativo entre eles, objetivando a solução das controvérsias em
questão. Destarte, o acordo tende a ser o resultado óbvio da cooperação entre
as partes e do bom trabalho desenvolvido pelo mediador ao longo de todo o
procedimento.
15
JÚNIOR; BAGGIO, 2007, p. 115.
16
TAYLOR, 1994, p. 43.
17
Ibid., p. 45.
Para contextualizar, importante explanar acerca dos princípios
norteadores da Mediação, segundo Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo
Braga Neto18:

 Autonomia da vontade das partes: Os mediados detêm total


autonomia, podendo administrar o conflito e o procedimento da forma
que bem entenderem, tendo toda a liberdade de decidirem sobre os
assuntos abordados ao longo de todo o processo.

 Imparcialidade: O mediador terá que ser neutro no processo, devendo


entender a situação dos mediados sem julgá-los. Seus valores,
princípios e preconceitos deverão ser desconsiderados na mediação.

 Independência: O mediador, comparando ao juiz, não pode ser


suspeito ou impedido, ou seja, não pode haver vinculo anterior algum
com os mediados, mantendo assim a equidistância.

 Competência: Para ser um facilitador entre as partes, o mediador


deverá ser apto e qualificado para o assunto controvertido. Devendo
ter qualidades mínimas para conduzir o processo.

 Confidencialidade: É defeso ao mediador revelar o que fora tratado na


mediação, cabendo a este manter sob segredo todas as informações
sobre o conteúdo do processo, inclusive no caso de ser chamado em
juízo.

 Diligência: O processo da mediação deverá ser conduzido de forma


consciente, diligente, responsável e eficaz por parte do mediador,
com o fito de promover o diálogo entre os mediados.

Como comentado alhures, o cidadão ainda mantém uma crença em que


as soluções impostas pelo Estado têm maior valor e garantia do que uma
autocomposição extrajudicial entre as partes, o que na verdade pode ser
muitas vezes uma grande falácia, como diz o adágio popular “o pior acordo
ainda é melhor do que a melhor das decisões judiciais”.

SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O Que é Mediação de Conflitos. São
18

Paulo: Ed. Brasiliense, 2007.


A verdade é que na construção de uma sociedade multicultural, pautada
na pluralidade social e no dever de cada pessoa, a singularidade das vias de
resolução de conflitos já não é mais comportada de forma exclusiva pelo
Estado, daí o debate em torno da pertinência dos meios complementares de
solução de lides para uma real pacificação social e ratificação da democracia.

Com efeito, é para a manutenção de um bem de grande valor político-


social – a democracia – que se estuda meios de promover a desobstrução do
Judiciário e de garantir uma efetiva justiça ao cidadão, enquanto membro de
uma sociedade marcada pela multiculturalidade numa era digital.

Resta claro, que a adoção de alternativas ao Poder Judiciário não


buscam lhe substituir, já que ao Estado compete tutelar os direitos
indispensáveis, principalmente os direitos fundamentais inerentes ao homem, e
com isso garantir a razão de ser do ordenamento jurídico.

A função da Mediação, por exemplo, seria o de atuar paralelamente ao


Judiciário, dirimindo conflitos que versem sobre bens transigíveis, como
geralmente seriam os conflitos oriundos da diversidade cultural, algo tão
presente no Brasil, e que deve ser preservado por todos, pois “a necessidade
de vivermos juntos, tanto em harmonia numa sociedade, como à escala
mundial, é cada vez maior”.19

Ademais, a questão do conflito cultural geraria tão somente um processo


judicial penoso que seria carecedor de uma necessária sintonia entre a forma
de solução buscada e o resultado final almejado entre as partes. Ora, é de
clareza solar, que um caso com este tipo de conteúdo seria muito melhor
resolvido pela autocomposição construída entre as partes, mesmo que fosse
apenas a simples realização de um direito.

O próprio sistema normativo brasileiro, seguindo sempre a linha do


legislador, procura prestigiar, em vários dispositivos, os meios alternativos de
solução de conflitos (art. 125, IV; 331; 447 a 449 e 599 do CPC) e a arbitragem
(Lei 9.307/96); Juizados Especiais (antes denominados Juizados de Pequenas
Causas) – Lei 9.099/95.

19
TAYLOR, 1994, p. 93.
Como se percebe, o campo de ação dos meios complementares de
solução de conflitos não é somente aquele destinado a desafogar o Judiciário.
Trata-se de um novo ramo do Direito que busca reinventar a própria maneira
de se fazer Direito, de uma forma comprometida com princípios de
solidariedade, igualdade e fraternidade, resgatando os ideais estampados na
Carta Magna.
4 Considerações finais

Com o desenvolvimento das tecnologias da informação a sociedade


passou a estar inserida em um novo contexto social, pautado pela diversidade
cultural e pelo grande acesso a informação.

Estes fatores ajudaram a disseminar a globalização, promovendo o


desenvolvimento de relações altamente complexas no domínio civil – com a
juridicização de fatos que o poder judiciário não estava preparado – e o
agravamento das desigualdades sociais e culturais.

Como, então, esperar que situações tão complexas como estas sejam
revertidas por um Estado que mal pode gerir-se? Como resolver a questão do
aumento incontrolável por respostas judiciais à demandas que muitas vezes
geram custos maiores do que o próprio bem da vida pleiteado? É difícil crer
que o poder estatal conseguirá por si só prestar um serviço jurídico célere e
eficiente com instrumentos paliativos que muitas vezes propõe.

Este questionamento novamente salienta a reflexão aqui proposta de


que o Estado já não possui mais condições de atender toda a pluralidade de
demandas que a sociedade lhe apresenta, mesmo com as frágeis
reformulações do ordenamento jurídico pátrio que o poder legiferante
apresenta.

Por outro lado, será apenas com a presença ativa da sociedade no


processo de reconhecimento dos meios alternativos que se promoverá o
exercício de valores humanitários - como o da fraternidade e o da tolerância –
e, por conseguinte, a garantia do sistema democrático.

Frise-se, que não se pretende aqui descartar todos os esforços estatais


que se destinam a liberar as vias da prestação jurisdicional, já que inclusive a
próxima reforma do Código de Processo Civil brasileiro trará importantes
otimizações ao processo jurídico para um deslinde mais célere.

Este breve estudo sugere então, um convite para que cada individuo
venha a assumir sua parcela de responsabilidade perante o Estado
Democrático de Direito ao qual fazemos parte e, desta forma, buscar por meios
complementares de solução de conflitos a fim de devolver dignidade e
humanidade àqueles envolvidos em controvérsias sócio-culturais, e por
conseguinte, desafogar o Poder Judiciário da litigiosidade.
REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BOFF, Salete Oro; PIMENTEL, Luíz Otávio. (Orgs.). Propriedade Intelectual,


Gestão da Inovação e Desenvolvimento: patentes, marcas, software, cultivares,
indicações geográficas, núcleos de inovação tecnológica. Passo Fundo: IMED,
2009.

BOFF, Salete Oro. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento – Inovação,


gestão e transferência tecnológica. Passo Fundo: IMED. 2009.

BRÜSEKE, Franz Josef. A técnica e os riscos da modernidade. Florianópolis:


Ed. da UFSC, 2001.

DUPAS, Gilberto. O mito do progresso ou progresso como ideologia. São


Paulo: Ed. UNESP, 2006.

GELLNER, Ernest. Antropologia e Política: Revolução no bosque sagrado.


Tradução: Ruy Jungmann. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1997.

JÚNIOR, José Alcebíades de Oliveira; BAGGIO, Moacir Camargo. Jurisdição:


da litigiosidade à mediação. In: Direitos Culturais - Revista do programa de pós-
graduação em Direito – Mestrado – v.1, n.1. Santo Ângelo: EDIURI, 2007.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

MELO, Luís Gonzaga de. Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas. 11.
Ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O Que é Mediação de


Conflitos. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007.

SIDEKUM, Antônio. (Org.). Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.

TAYLOR, Charles. Multiculturalismo. Princeton Universisty Press, 1994.

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