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Sendo assim destacaremos seis virtudes democráticas
caracterizando elas em função das críticas que lhe são feitas por
conta das categorias do espaço da política representativa. Opondo
à forma política da internet à forma política representativa
tradicional esperamos expor as virtudes e as armadilhas.
Numerosos trabalhos já colocaram em evidência a ideologia “liberal-
libertária” da rede das redes, apoiando-se notadamente sobre as
biografias e representações dos pioneiros da internet(1). Outras
implantaram, com perspectivas múltiplas, a metáfora da rede-
rizoma para desenhar os contornos de uma outra política de web,
feita de subjetividades, de exílios e de novas formas do comum.
Aqui pretendemos sobretudo nos determos sobre o tratamento
particular que a internet reserva à quem toma a palavra em público.
1. A pressuposição da igualdade
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A Internet manifesta, no seu nível mais elevado, a “pressuposição
da igualdade” que o ideal democrático visa quando ele reivindica,
contra toda partilha, “a parte sem parte” no espaço da palavra
pública(2). A autoridade do estatuto, como tal, não recebeu mais
que uma fraca legitimidade quando ela não é mais que o objeto de
um processo de liberação pendente ou de uma contestação
implícita. Entretanto essa pressuposição de igualdade não é, como
no processo eleitoral, uma ficção útil destinada a manter isoladas as
características sócio-econômicas dos indivíduos afim de produzir
uma contagem igualitária de opiniões.
A pressuposição de igualdade na Internet – desse ponto de vista a
Wikipédia é exemplar - visa não valorizar, nem hierarquizar as
pessoas senão pelo que fazem, produzem e dizem, e não a partir
do que elas são. A Internet incorporou de uma maneira
particularmente sensível essa idealização democrática que convida
todos e cada um a colocar na prática uma ou outra de suas
competências, tão diversas quanto sejam. É a primeira lição
democrática que devemos à experiência da Internet. Na
pressuposição de uma igualdade de todos ela leva o mais longe
possível e refutação de examinar as qualidades e posição das
pessoas , instaurando mecanismos de socialização e correção, afim
de integrar, sem concessões nem paternalismo, as novas
personagens no espaço de expressão da rede das redes.
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a lição democrática a que nos convida essa pressuposição de
universalidade das competências é a reabilitação das formas
ínfimas, incompletas, fúteis e murmurantes, de participação. O que
a Internet nos mostra é que é possível fazer emergir uma grande
variedade de definições de qualidade das pessoas, sem, entretanto,
lhes organizar imediatamente sob as asas de uma legitimidade
produtora de desqualificações simbólicas.
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as formas de participação cidadã na web são submetidas a uma
vigilância crítica permanente, submetidas pela manipulação dos
atores públicos.
Mas os internautas também apreenderam que certas propostas
devem ficar ocultas nas zonas obscuras e fechadas da Internet e
que outras podem florescer nos espaços intermediários, num tom
cinza, onde, por estarem públicas fica difícil imaginar que têm um
caráter semi-clandestino (5). O que nunca se comentou é que essa
plasticidade das formas de visibilidade está na origem da
diversidade, da vitalidade e da criatividade dos jogos de
conversação que os internautas souberam demonstrar depois da
invenção da World Wide Web; sem dívida abrigaram nas zonas
cinzas as experimentações estilísticas e narrativas mais ricas.
Assim uma transparência completa da própria Internet, abolindo os
espaços cinza a fim de trazer luz aos motores da pesquisa constitui-
se em real ameaça para os que detêm a palavra e que souberam se
afirmar e proliferar por conta daqueles que tem sua visibilidade
limitada.
A despolitização narcisística
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individuais benévolas em mercadoria, em decorrência dos novos
vetores do capitalismo internacional (6). Portanto, rompendo a
barreira entre expressão privada e pública, essas críticas
testemunham uma concepção muito restringente e homogeneizante
da participação cidadã, transformando o espaço público num
simples prolongamento do espaço representativo do governo e das
mídias frente a um círculo escolhido de cidadãos esclarecidos.
Então as novas formas de expressão da Internet não buscam
apenas abrir o espaço público “oligárquico” a uma periferia de
novos locutores. Elas pluralizam e distribuem diferentemente as
formas de palavra política, apurando as linguagens e ocupando os
espaços que política convencional não sabe reconhecer.
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Internet nos apresenta assim uma concepção heróica e unitária do
“público” e atenta a agregação dos públicos como uma dinâmica de
encadeamento de conversações que alargam e se somam para
abandonar seu isolamento e ganhar a atenção comum (7).
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efeitos da circulação, da parceria e da difusão. Mesmo se,
contrariamente a certas crenças, as informações pessoais estão
visíveis na Internet, longe de revelar a intimidade das pessoas, são
muito mais revelação de sua atuação estratégica. É incontestável
que o espaço público alargado da Internet está num embate, por
sua vez, contra o segredo das informações e contra a invisibilidade
das pessoas.
A descoberta do comum
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pressupõe a existência, nos indivíduos, de um valor ou atributo
incorporado a eles antes do seu engajamento.
As maiores partes dos coletivos de Internet são a consequência
emergente de interações oportunistas onde a premissa é a
exposição pelos indivíduos de sua identidade, de seus gostos, de
suas atividades e de suas obras. Os indivíduos começam por tornar
públicos seus interesses expressivos. Os outros capturam as
atrativas privacidades oferecidas pelos indivíduos expostos como
forma de iniciar uma interação entre eles. Dessa forma se dão as
cooperações “fracas” (11). É o tecido do engajamento nos qual as
pessoas se deixam prender que contribui para lhes revelar os
interesses e as intenções que elas não sabem ou podem formular
inicialmente. Elas se deixam assim redefinir pelas
interdependências suscitadas por terem exposto suas
individualidades. Não é senão em raras ocasiões que essas
“cooperações fracas”, ao fim de um longo trabalho de consolidação
e reforço das ligações em os participantes fazem aparecer as
normas e os valores que os atores adotam como atributos de
identidade se engajando explicitamente, envolvendo-se com as
tarefas coletivas (12). Então as cooperações “fracas” da Internet
poderão efetivamente se transformar em “fortes” e dotar-se de
recursos e instrumentos de ação, como os coletivos do mundo real.
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envolverá agora o esquecer do coletivo, como deploraram os
numerosos negadores da cultura individualista dos engajamentos
instáveis e líquidos (14). Esta moda de constituição de coletivos
voluntários, auto-organizados, horizontais pode parecer
essencialmente frágil e desorganizada. A pretensão, algumas vezes
ilusória, de produzir reagrupamentos ao acaso, sobre uma base
voluntária e eletiva, e em favor de uma mobilização autolimitada e
temporalizada, constitui o limite da maior parte dos processos de
ação coletiva que têm a web como suporte. E inútil, entretanto, opor
a expressividade e o projeto comunitário, dramatizando a oposição
entre o indivíduo e o coletivo. Parece, com efeito, mais pertinnente
insistir sobre a maneira como o “expressivismo” (15), bem longe do
narcisismo solipsista, incorpora sempre a interação e o
reconhecimento do outro no seu projeto. Assim, pode conduzir às
formas originais e novas, postas em comum.
5. Virtudes da auto-organização
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que fica visível, público e acessível à todos não fez parte de uma
deliberação inicial. É sobre o princípio das formas sociais mais
inovadoras da internet, o software de uso livre, que a Wikipédia, o
Creative Commons, os API (Appication Interface Protocol) abertos
etc. são desenvolvidos para produzir o comum a partir do
engajamento heterogêneo. Em segundo lugar, a consciência do
coletivo é mais custosa que a coordenação, na medida em que ela
supõe que uma instância de regulação sobreponha o interesse
coletivo sobre os interesses individuais (17). No mundo real, os
coletivos “possuem’ por conta de que as pessoas que reúnem já
possuem um sistema de valores e de interesses suficientemente
próximos para serem estimuladas a se coordenar. No mundo virtual,
os valores partilhados são uma produção resultante de interações
entre os participantes que incorporam progressivamente as
identidades e as crenças coletivas. Mas, sobretudo, em razão da
diversidade e da hetegenidade dos participantes, os coletivos de
internet se definem menos pelos valores partilhados do que pelos
procedimentos comuns.
De fato, as formas coletivas em rede desenvolvem os modos de
institucionalização e os sistemas de regulação que se distinguem
dos coletivos políticos ordinários por um alto grau de rotinização
(18). Em primeiro lugar, o perímetro dos coletivos é particularmente
impreciso e a variabilidade dos níveis de engajamento em seu
interior muito elevada. Esta inexatidão de fronteiras do coletivo é
consequência da heterogeneidade dos atores, da falta de
consistência dos custos de entrada e da diversidade dos critérios de
pertinência. Em segundo lugar, esses coletivos são (relativamente)
não-centrados e delegam muito raramente ao centro o direito de
falar em nome do coletivo e representá-lo. Enfim, as maiores partes
dos procedimentos decisórios envolvem alguma forma de consenso
ou compromisso.
A BUROCRACIA NORMATIVA
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Rendendo-se ás evidências necessárias devido a obrigação de
respeito do pluralismo das identidades e das diversidades do
engajamento, as formas da auto-organização dos coletivos na
internet fazem, entretanto, aparecer os tipos de autoridade e de
governança eventualmente problemáticos e dificilmente
sustentáveis. Inicialmente eles criam uma instabilidade contunua
das regras de funcionamento e de decisão da comunidade. Eles
favorecem na sequência a constituição de inegualdades entre os
mais engajados na vida das comunidades e dos outros. Eles
engendram enfim uma burocracia normativa que pode parecer
dificilmente tolerável, sobretudo para os que entraram à pouco (20).
No mundo do software de uso livre particularmente, mas de maneira
mais geral na reunião das comunidades on-line, a ameaça do
“garfo”(fork), quer dizer da cisão da comunidade e seu
desdobramento em projetos paralelos, submetidos à formas de
governanças diferentes, constitui o horizonte onipresente de todas
as comunidades on-line da internet. A crítica da desordem da
internet, de sua natureza fundamentalmente dispersa, múltipla e
“proliferante”, dissimula sempre a nostalgia da ausência da
autoridade (21), a se considerar as reiteradas tentativas (Nupédia,
citizendium) e sempre dificultadas, de qualificar os artigos da
Wikipédia, demandando aos experts que coloquem fim à incessante
participação dos profanadores. De fato, a vocação dos dispositivos
normativos que se afirmam nos espaços coletivos da internet é de
substituir as formas de autoridade substanciais que regem a
parceria dos participantes e dos poderes pelo espaço público
”oligárquico”.
.
6. A legitimidade ex-post
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permite punir, transformando em invisíveis as propostas que se
contrapõem às regras. Esse modo de produção do espaço público
pelas mídias de informação modernas assegura então a visibilidade
e a publicidade dos enunciados, conjuntamente.
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A quebra de diversidade
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fim de ajudar a “longa cauda”, o fenômeno mais radicalmente
“democrático’ da Internet, não se vê-la desagregar e desaparecer,
como é o caso de certos enunciados no espaço público tradicional,
mas a permanecer, se enriquecer e vibrar. A virada ideológica da
massificação da Internet está em via de se transformar sob o efeito
de um profundo e súbito movimento de massificação dos usos. O
desenvolvimento dos blogs e das redes sociais, a generalização
dos usos da web pelos jovens de todas as origens sociais, a
penetração dos instrumentos de informática num número cada vez
maior de esferas da vida social, a diversificação comercial, lúdica,
prática ou funcional da rede das redes, brevemente a rotinização
das práticas de internet, constituem uma virada importante e um
desafio intelectual decisivo.
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Hoje a massificação dos usos da Internet impõe uma mudança de
escala que, mantido o resto sem mudanças, parecerá com a
maneira pela qual a democratização dos públicos escolares trouxe
tensão aos ideais educacionais “republicanos”. O espaço de prática
de um grupo com forte homogeneidade social e cultural é agora
objeto de investida de populações mais e mais heterogêneas social
e culturalmente. Elas se multiplicam em todas as direções,
transbordam em universos diferentes, se comprometem com
comerciantes em todo o mundo, exibem os indivíduos sob diversas
facetas, encorajam os comportamentos oportunistas, miméticos,
infantis, aceleram tanto as produções da alta cultura, tanto como a
mais trivial, absurda ou vulgar, facilitam a cooperação e o
calculismo, o original e o simulacro, a criatividade e a
standartização. As categorias políticas que serviram para definir a
Internet na origem se encontram retidas por uma barreira devido ao
processo de massificação dos usos da rede das redes.
Do wiki ao Facebook
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oferecidas aos novos usuários, menos competentes para enfrentar
as searas técnicas da rede. Uma tensão cada vez mais forte se faz
assim existir entre os militantes da Internet para primeira era e seus
filhos. Entre os parceiros do wiki e os apostadores do Face, entre os
que estabelecem códigos para as comunidades e os
costumizadores de página do My Space, etc.
Notes
[1] . Ver, por exemplo, Flichy (Patrice), L’imaginaire d’Internet, Paris,
La Découverte, 2001 ou, mais recentemente: Turner (Fred), From
Counterculture to Cyberculture. Steward Brand, the Whole Earth
Network, and the Rise of Digital Utopianism, Chicago, The
University of Chicago Press, 2006.
17
[3] . Boltanski (Luc), Chiapello (Eve), Le nouvel esprit du
capitalisme, Paris, Gallimard, 1999.
[10] . Sobre esta inversão frente ao modelo “Publish, then filter”, ver
Shirky (Clay), Here Comes Everybody. The Power of Organizing
without Organizations, New York, The Penguin Press, 2008, chap.
4.
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modelo que constituição das « comunidades » da internet que
envolve o entendimento último da expressão “networked
individualism” em Wellman (Barry), “Physical Place and cyber
place : the rise of personalised netxorking”,Journal of Urban and
Regional Research, n° 25, juin 2001, p. 227-252 et Castells
(Robert), La galaxie Internet, Paris, Fayard, 2002.
[18] . Sob esse olhar os coletivos políticos que estão muito próximos
do modo de regulação das cooperações na Internet são estruturas
políticas inventadas por militantes alteromundistas por meio dos
processos de fóruns sociais. Ver: Aguiton (Christophe), Cardon
(Dominique), « De la cooptation à l’agglutination. Culture
participative et formes organisationnelles des forums
sociaux », in Neveu (Catherine), Cultures et pratiques participatives.
Perspectives comparatives, Paris, L’Harmattan, 2007, p. 55-74.
19
[19] . Cardon (Dominique), Levrel (Julien), « La vigilance
participative. Une interprétation de la gouvernance de
Wikipédia », Réseaux, n° 154, 2009, p. 51-89.
20
[28] . Benkler (Yochai), The Wealth of Networks. How Social
Production Transforms Markets and Freedom, New Haven, Yale
University Press, 2006 ; Lessig (Lawrence), The Future of Ideas.
The Fate of the Commons in a Connected World, New York,
Random House, 2001.
[30] . Zittrain (Jonathan), The Future of Internet. And how to stop it,
New York, Yale University Press, 2008.
Wikipédia : http://fr.wikipedia.org/wiki/Accueil
21
Centro coletivo, reagrupador, de mídias
independentes : http://www.indymedia.org/fr/
•
Agoravox, mídia cidadã » : http://www.agoravox.fr/
•
Nettime divulga as listas de difusão para constituir um discurso
internacional na rede : http://www.nettime.org
•
Original em :
http://www.laviedesidees.fr/Vertus-democratiques-de-l-
Internet.html?lang=fr
Demetrio Carneiro
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