Você está na página 1de 27

 

EMPREENDEDORISMO
AULA 1

Prof. Paulo Fernando Cherubin


CONVERSA INICIAL

O empreendedorismo como fenômeno econômico-social ganhou destaque após a Revolução


Industrial. Nesta aula faremos uma contextualização histórica do empreendedorismo até os dias atuais.
Na sequência, discutiremos o conceito de empreendedorismo, motivação empreendedora,
comportamento empreendedor e, por fim, processo empreendedor.

Os objetivos desta aula são:

Possibilitar que você entenda o contexto histórico da evolução do empreendedorismo;

Conhecer o conceito de empreendedorismo;


Compreender a motivação dos empreendedores;
Entender o comportamento empreendedor e os elementos que o compõem e o influenciam;
Conhecer o processo empreendedor.

TEMA 1 – PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DO EMPREENDEDORISMO

O empreendedorismo esteve presente na história humana desde sempre, inicialmente de forma


rudimentar, chegando aos dias atuais como uma das áreas de grande importância para o
desenvolvimento econômico da sociedade.

Na antiguidade, a atividade empreendedora era a produção agrícola familiar, a produção artesanal


de bens e o comércio desses bens. Podemos identificar um ciclo de expansão com as grandes
navegações do século XIV, com as rotas para o Oriente e o descobrimento das Américas pelas potências
marítimas da época, Espanha e Portugal. Novos mercados, assim como novas fontes de matéria-prima,

impulsionaram o comércio entre os continentes.

O próximo advento significativo que impulsionou a atividade empreendedora foi a Revolução


Industrial, provocada pelo uso intenso da máquina a vapor, substituindo as forças humanas e da
natureza na atividade manufatureira. A força mecânica obtida pela máquina a vapor (Figura 1)
empregada na manufatura aumentou e ampliou significativamente a produção de bens.

Figura 1 – Máquina a vapor

Fonte: Martin Bergsma/Shutterstock.

Essa época iniciou o que viria a se chamar sociedade industrial, substituindo a sociedade agrícola; ou
seja, a atividade agrícola deixou de ser o principal motor econômico da sociedade – papel assumido
então pela atividade industrial. Os donos das fábricas se tornaram os empreendedores característicos da
época.

Na sequência da Revolução Industrial, a invenção da linha de montagem por Henry Ford no início
do século XX catapultou a produção em massa. Além de carros, muitos outros bens passaram a ser

produzidos em grande quantidade, de forma padronizada, reduzindo o custo de produção e,


consequentemente, o preço final para o consumidor.

A partir daí se consolidaram as grandes corporações industriais que, além de produzirem bens de
forma massificada, demandaram uma grande quantidade de empregados, tornando o emprego em
massa nas fábricas uma figura comum da época. Os grandes industriais dessa época se tornaram
símbolo do empreendedorismo, como Henry Ford, William C. Durant e outros.

Com a Segunda Guerra Mundial surgiu o Eniac (Figura 2), uma máquina que se tornaria o “avô” dos

computadores e o agente de mais uma revolução anos depois: a revolução da informação.

Figura 2 – Eniac: o primeiro computador do mundo

Fonte: Everett Collection/Shutterstock.

Uma das corporações que se destacaram nessa era da informação foi a IBM, com seus
computadores de grande porte – os mainframes –, utilizados pelas grandes empresas, principalmente

durante os anos 1970 e 1980. Thomas Watson Senior foi o responsável pelo direcionamento da empresa
existente, mudando seu nome para IBM e tornando-a um ícone na área de computação e negócio.

Se poucas pessoas ouviram falar de Thomas Watson, quase todo mundo ouviu falar de Steve Jobs,

não é mesmo? Apesar de não ter inventado o microcomputador, Jobs fez com que sua máquina fosse
aceita e comprada por mais consumidores que outros fabricantes de microcomputadores na época.
O ano era 1977, e o mundo começava a ouvir falar dos empreendedores digitais; entre os mais
conhecidos, além de Jobs, temos Bill Gates, fundador da Microsoft. Em 2007 a Apple, sob o comando de

Jobs, lançou o iPhone (Figura 3). Já existiam outras empresas que ofereciam produtos análogos, como a
Motorola, a Nokia e a BlackBerry, mas nenhuma tinha um produto que captava tão bem o que o

consumidor queria em termos de telefone móvel. Basta dizer que as três empresas citadas, que
dominavam o mercado de celulares na época, venderam ou fecharam suas divisões.

Figura 3 – iPhone e outros celulares da época

Fonte: Dedi Grigoroiu/Shutterstock.

Apesar de a tecnologia dos computadores e celulares continuar evoluindo, a década de 2010 foi
marcada por empreendedores que encontraram novas aplicações dessas tecnologias para necessidades

antigas ou novas do mercado. Nessa nova frente, destacam-se Jeff Bezos (com a Amazon), Elon Musk

(com a Tesla Motors) e Reed Hastings (com a Netflix). Essa nova época foi chamada por muitos de era do
conhecimento.
Empreendedores usam a tecnologia para criar novos produtos ou atender melhor necessidades já

existentes, impactando o mercado de trabalho. Se a era industrial precisava empregar muitos

funcionários nas suas fábricas, hoje, graças à automação tanto da produção quanto de bens tangíveis ou
intangíveis, emprega-se bem menos pessoas.

Some a isso o fenômeno da globalização, que deslocou a produção de bens tangíveis pelo mundo
em busca de condições mais vantajosas de produção. Nos dias atuais, isso pode ser constatado pela

grande quantidade de produtos produzidos na China, ao passo que o Brasil responde por quantidades
significativas da produção mundial de grãos e proteína animal.

Até aqui enxergamos o empreendedorismo como um fenômeno social que move o

desenvolvimento da humanidade. É com base nele que inovações ganham corpo e se tornam os
produtos e serviços que melhoram a sociedade. Mas o empreendedorismo também se mostra como

fenômeno econômico que cria oportunidades de ocupação, renda e enriquecimento para as pessoas,
criando oportunidades para os empreendedores inovarem e trazerem benefícios aos consumidores,

sendo recompensados pelos seus esforços.

TEMA 2 – CONCEITO DE EMPREENDEDORISMO

Quem são os empreendedores? São super-heróis que vieram salvar o mundo? São seres iluminados
que guiam a humanidade? São os “escolhidos”, como o Neo, da trilogia de filmes Matrix?

Lembramos facilmente dos empreendedores de sucesso, como Henry Ford, Bill Gates e Steve Jobs,
que se tornaram celebridades, mas além deles existem milhares de outros empreendedores bem-
sucedidos e que trouxeram inúmeras contribuições, como os inventores do zíper. Obviamente, não
podemos nos esquecer de tantos outros, famosos ou não, que não foram bem-sucedidos. Empreender é

uma atividade de risco, sujeita ao sucesso e ao insucesso.

O que significa “ser empreendedor”? Nos dicionários, o significado do termo “empreender” tem
como definição: decidir ou tentar uma tarefa difícil; pôr em execução; realizar. Ou seja, é o ato de uma
pessoa fazer alguma coisa não muito fácil, relacionada a qualquer atividade humana. Com o tempo, o
termo passou a representar atividades empresariais, e sua derivação “empreendedorismo” compreende
predominantemente a iniciativa de implementar novos negócios.

Muitos autores e estudiosos tratam do tema empreendedorismo e apresentam diferentes


definições. Aqui nós o definimos conforme Filion (2011, p. 8): "um empreendedor é um ator que inova a
partir do reconhecimento de oportunidades, toma decisões de risco moderado que levam a ações que

requerem o uso eficiente de recursos e contribuem para adicionar valor”. Essa definição é oportuna pois
engloba seis componentes que constituem a essência da atividade empreendedora para Filion,
conforme a Figura 4.

Figura 4 – Principais elementos que compõem a definição de “empreendedorismo”

Fonte: Filion, 2011, p. 8.

Entre os elementos apontados por Filion, podemos começar pelo reconhecimento de


oportunidade. A oportunidade é uma necessidade não satisfeita, sem a qual o interesse pelo consumo

de bens e serviços não faz sentido; se existe a necessidade, esse é o ponto de partida. A inovação trata
de atender a oportunidade de uma nova forma. Mas não devemos entender isso somente como uma
questão de novas tecnologias sofisticadas de última geração.

O Manual de Oslo (OCDE, 2006, p. 23) cita quatro tipos diferentes de inovação:

1. De produto: muda as potencialidades de produtos e serviços;

2. De processo: muda os métodos de produção e distribuição;

3. Organizacional: implementa novos métodos organizacionais;

4. De marketing: implementa novos métodos de marketing.

O empreendedor não precisa ser um cientista envolvido com as últimas conquistas tecnológicas
para inovar; uma “inovação” só se denomina assim se houver uma aplicação, um uso no mercado. Caso

contrário, trata-se de uma “invenção”. Veja o Quadro 1.

Quadro 1 – Diferença entre inovação e invenção

Ator Inventor Empreendedor

Objeto Invenção Inovação

Beneficiário ??? Consumidor

Agrega valor Não necessariamente Sim

Fonte: Cherubin, 2020.

O empreendedor deve ser capaz de executar uma ação ou conjunto de ações para tornar realidade
o atendimento da oportunidade. Para isso, ele precisará usar recursos dos mais diversos, como
financeiros, humanos e materiais. Se o empreendedor fizer isso corretamente, adicionará valor ao

consumidor, que então estará disposto a comprar os produtos/serviços ofertados pelo empreendimento.

Nessa equação, o risco está presente da seguinte forma:


Não conseguir identificar uma oportunidade real;
A inovação proposta não ser percebida assim pelo mercado;
As ações não serem executadas, ou serem executadas de forma inadequada;

Não conseguir reunir os recursos suficientes ou adequados para o empreendimento.

Vamos visualizar o funcionamento desses elementos no caso dos calçados – produto imprescindível
na vida moderna, que acompanha o homem há muitos séculos. Sua inovação começou com materiais

rudimentares, juntados em forma de sola e tiras, para proteger a sola do pé do contato com o chão. O
couro foi usado por muito tempo e, em meados do século XX, borracha, plásticos e tecidos passaram a
ser usados também. Pode-se reconhecer uma oportunidade na finalidade dos calçados: inicialmente
proteção, depois diferentes atividades e meios e, por fim, a aparência.

A organização da produção artesanal data de muitos séculos, passando pela produção fabril, restrita
geograficamente, chegando à produção descentralizada dos dias atuais. Os recursos, por sua vez,
passam pelo uso de ferramentas simples na produção artesanal até chegarem nas grandes fábricas, com

suas linhas de produção – algumas automatizadas.

O consumidor adiciona mais valor ao produto quando está diante dos mais variados modelos de
calçados (Figura 5) para os mais diversos fins – seja trabalho ou lazer –, buscando proteção, conforto,
melhoria de desempenho ou aparência.

Figura 5 – Modelos de sapato


Fonte: Ewa Studio/Shutterstock.

O risco se apresenta na forma de produzir um calçado que não agrade o consumidor ou não
ofereça um produto melhor que a concorrência. Por isso um bom empreendedor precisa ter sempre em

mente os elementos apresentados, para garantir o sucesso de sua atividade empreendedora. Lembre-se
que a dinâmica de mercado – impulsionada pela própria atividade empreendedora – impacta
continuamente esses elementos. Isso obriga o empreendedor a ter uma vigilância constante sobre a
maestria na gestão de elementos.

TEMA 3 – MOTIVAÇÃO EMPREENDEDORA

Empreender pode ser uma “carreira”, sujeita ao sucesso e ao fracasso, como tantas outras. Tornar-se
empreendedor depende das escolhas do indivíduo, sujeitas a crenças, valores e também a seus medos.
Além disso, uma vez tomada a decisão, muito trabalho, perseverança e esforço serão necessários para

tornar o empreendimento uma realidade.

Mendes (2017, p. 62) traz uma observação interessante sobre ser empreendedor: é muito fácil
querer – e deixar de querer – ser empreendedor. Ao aplicar métodos de avaliação de perfil

empreendedor, o autor descobriu que, enquanto 90% se diz pronto para empreender, mais de 90%
prefere continuar empregado enquanto não surgir uma oportunidade segura.

Essa avaliação mostra o quão pouco as pessoas estão dispostas a lidar com o elemento risco
(apontado por Filion como parte da definição do termo “empreendedor”). Separando as pessoas que

dizem que gostariam de empreender das que realmente empreendem, perguntamos: o que leva alguém
a empreender?

Na análise do comportamento empreendedor, a notação mais conhecida sobre a motivação para

empreender agrupa os fatores que levam as pessoas a se envolver com o empreendedorismo em duas
categorias: por oportunidade e por necessidade.

Segundo o Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2017, p. 9):


Considera-se empreendedor por oportunidade quem inicia um negócio principalmente pelo fato
de ter percebido uma oportunidade no ambiente;
Empreendedor por necessidade é quem inicia um negócio pela ausência de alternativas para

gerar ocupação e renda.

Para entender a motivação empreendedora, devemos entender um pouco a motivação humana.


Vários autores estudam esse tema, e uma das teorias mais conhecidas na área é a teoria de motivação
humana de Maslow (2014), que propõe uma classificação hierárquica para as motivações humanas. Essa

teoria, muito popular, ficou conhecida pela sua representação gráfica em forma de pirâmide, conforme a
Figura 6.

Figura 6 – Pirâmide da hierarquia de necessidades (Maslow)

Fonte: Maslow, 2014.

Cada um dos níveis compreende um conjunto de necessidades hierárquicas. Conforme as


necessidades da base são satisfeitas, as do nível superior passam a ser o fator motivador do
comportamento humano.

Resumidamente, temos:
Necessidades fisiológicas: alimentação, sede, descanso e proteção em relação às intempéries da
natureza;

Necessidades de segurança: proteção de perigos, tanto dos meios naturais quanto sociais;
Necessidades sociais: aceitação, pertencimento, amor, relacionamentos e amizades;
Necessidades de estima: autoestima, confiança, respeito por si e pelos outros;
Necessidades de realização: autorrealização, uso do potencial próprio, “fazer o que gosta”,
autonomia e independência.

Elas podem ser agrupadas em três categorias:

1. Necessidades básicas (fisiológicas e segurança);

2. Necessidades psicológicas (sociais e estima);

3. Necessidade pessoal (realização).

Para atender essas necessidades, começando pela base, o ser humano precisa trabalhar para obter
alimentos e um local para habitar. Inicialmente ele começou trabalhando para si mesmo e para sua

família. Eram os tempos da caça e coleta de folhas e raízes na pré-história.

Na sociedade moderna, a produção própria foi substituída pelo trabalho assalariado, característico
da era do emprego. E, como vimos, boa parte das pessoas ainda busca o emprego, pois ele representa
menos riscos à sobrevivência. Quando uma pessoa não consegue o emprego, se vê obrigada a
empreender para atender suas necessidades básicas – o que caracteriza o empreendedorismo por
necessidade.

Conforme as necessidades básicas são atendidas, uma pessoa pode pensar em suprir suas
necessidades psicológicas. Com a pressão de “ter o que comer” aliviada, agora ela pode se dedicar a
suprir as necessidades sociais e de estima, abrindo-se um campo para olhar para o empreendedorismo
não como forma de sobrevivência, mas como alternativa para satisfazer as necessidades seguintes da
hierarquia.

Conforme ela sobe na pirâmide, mais condições tem de olhar as necessidades dos outros (para além
de suas próprias necessidades), identificando reais oportunidades no mercado. A relação entre as
motivações empreendedoras e as necessidades de Maslow pode ser observada na Figura 7.

Figura 7 – Relação entre a motivação empreendedora e as necessidades humanas

Fonte: Cherubin, 2020.

Compreendidas as motivações para empreender (voluntárias ou involuntárias), a taxa de sucesso de


qualquer empreendedor depende do quanto ele está preparado para levar adiante seu
empreendimento.

TEMA 4 – COMPORTAMENTO EMPREENDEDOR

As motivações para empreender surgem em determinado momento da vida do indivíduo, cabendo


a ele decidir se tornar ou não um empreendedor. Isso corrobora uma afirmação de Peter Drucker, citado

por Mendes (2017, p. 63): “empreendedorismo é um comportamento, e não um traço de personalidade”.


Se o empreendedorismo é um comportamento, passamos então a focá-lo e analisá-lo, buscando
entender quais fatores levam ao seu sucesso.

4.1 CARACTERÍSTICAS DO EMPREENDEDOR


Mendes (2017, p. 63) compilou um conjunto de características que influenciam o potencial
empreendedor (Quadro 2).

Quadro 2 – Características que influenciam o potencial empreendedor

São mestres em iniciativa, criatividade, autonomia, autoconfiança e otimismo;


São responsáveis e aceitam assumir os riscos e as possibilidades de fracassar;
São comprometidos e acreditam no que fazem;
São visionários: conseguem visualizar o futuro na mente;
São especialistas em tomar decisões;
São orientados a resultados de longo prazo;
São dotados de uma forte intuição;
São indivíduos que fazem a diferença;
São farejadores e exploradores de oportunidades;
São determinados e dinâmicos;
São dedicados, organizados e atualizados sobre o negócio em que atuam;
São otimistas e apaixonados pelo que fazem;
São líderes, formadores de equipes e formadores de opinião;
São independentes e constroem o próprio destino;
São inovadores e criadores de métodos próprios;
São dotados de um forte sentido de contribuição e realização;
São resilientes.

Fonte: Mendes, 2017, p. 63.

4.2 PERSONALIDADE DO EMPREENDEDOR

Há mais de 30 anos, Michel Gerber escreveu um livro que ficou famoso, O mito do empreendedor,
que apresenta uma ideia muito interessante: “cada pessoa que inicia um negócio é três pessoas em uma:
o empreendedor, o gerente e o técnico. Cada um desses personagens quer ser patrão. Então eles iniciam
um negócio juntos a fim de livrar-se do patrão. Aí começa o conflito” (1990, p. 19).

Cada uma dessas personalidades (Figura 8) tem foco diferente: o empreendedor é o visionário e
sonhador; o gerente é o pragmático; e o técnico é o executor. Atingir um equilíbrio entre elas, para
Gerber, resulta numa pessoa muito competente.
Figura 8 – As personalidades empreendedoras: o técnico, o empreendedor e o gerente

Fonte: Ilussart/Shutterstock.

Na época, Gerber construiu essa tipologia com base na sua experiência profissional, pois percebeu
que, das pessoas que ele conhecia e que abriram um negócio, 99% eram empregadas e exerciam uma
função técnica, e começaram a empreender porque estavam insatisfeitas no trabalho.

Continuando as colocações de Gerber, sem o equilíbrio, em momentos diferentes cada


personalidade se sobressai, e então surge o conflito. O resultado é este: quem tem a vertente técnica

acaba “vencendo” o conflito e toma conta do empreendimento, o que resulta no desastre do negócio. A
realidade hoje é diferente da época do livro, mas é oportuno observar que o equilíbrio entre as três
personalidades continua importante para o sucesso de um novo negócio. E qual é a contribuição de
cada uma?

O técnico é o sujeito da execução, que tem a habilidade de fazer um produto ou executar um


serviço. É o marceneiro, o programador de computador, o farmacêutico, entre outros. É esse
conhecimento que permite criar um produto que atenda a determinada necessidade;
O empreendedor é o sujeito que vislumbra uma nova forma de atender melhor uma necessidade

já existente ou atender uma necessidade ainda não atendida. É quem está disposto a correr riscos
e organizar os recursos para isso;
O gerente é o sujeito que organiza e controla a estrutura organizacional da empresa. Ele garante

que os recursos – organizados em forma de uma empresa perene – funcionem de forma eficiente e
eficaz.

Estamos falando de três papéis que podem ser exercidos pela mesma pessoa ou não. No caso dos
pequenos empreendimentos, esses papéis se concentram no proprietário; nas empresas maiores, temos
uma ou mais pessoas para cada papel. No caso do proprietário, o desafio é muito maior para equilibrar
essas três dimensões (Figura 9).

Figura 9 – Equilíbrio entre técnico, empreendedor e gerente

Fonte: Cherubin, 2020.

Historicamente, a origem de muitos empreendedores no Brasil é técnica. Antes de virar


empreendedor, o técnico estava desempregado, insatisfeito no emprego anterior ou vislumbrou uma

oportunidade para aplicar seu conhecimento técnico, e assim criou uma empresa.

Um caso de empreendedor de formação técnica bem-sucedido é Miguel Krigsner, formado em


farmácia e bioquímica. Sua formação técnica lhe conferiu o conhecimento para desenvolver produtos de
beleza e criar seu próprio negócio, que hoje é o Grupo Boticário, e seu sucesso se deve ao fato de ter
conseguido alinhar personalidades empreendedoras e gerenciais, garantindo crescimento e bons
resultados até hoje.

Mas os casos de insucesso entre os técnicos são inúmeros. Um exemplo comum é o técnico em

manutenção de máquinas de lavar roupa. Esse funcionário é um excelente técnico e resolve sair da
empresa para a qual presta assistência técnica e cria sua própria assistência, aluga uma sala, monta a
oficina e começa o trabalho. Como ele é um bom técnico, surgem clientes que ficam satisfeitos com o
serviço e fazem propaganda boca a boca. Mais clientes vão aparecendo, e mais serviços são aceitos.
Enquanto esse empreendedor privilegiar sua expertise e suas atividades-fim, fará um bom trabalho e
aumentará a demanda, mas isso exigirá a ampliação da estrutura para além de um único indivíduo.

Ao ampliar a estrutura para atender a demanda crescente, normalmente é necessário contratar mais

pessoas e aumentar a estrutura da empresa, o que exige a criação e formalização de novos processos de
gerenciamento, com mais clientes, funcionários e processos.

Ou seja, para o empreendedor de origem técnica, inicialmente as dimensões empreendedoras e


técnicas são claras, já a dimensão gerencial é uma zona cinzenta, sobre a qual ele tem pouca noção e
não compreende bem. Veja a Figura 10, que ilustra essa situação.

Figura 10 – Percepção das três dimensões pelo empreendedor


Fonte: Cherubin, 2020.

4.3 HABILIDADES EMPREENDEDORAS

Para aumentar as chances de sucesso, o empreendedor precisa de um conjunto de habilidades que


lhe permitam executar as tarefas necessárias à operação do seu empreendimento de modo eficiente.
Razzolini Filho (2012, p.  148) identificou e classificou as habilidades necessárias ao empreendedor,
listadas no Quadro 3.

Quadro 3 – Habilidades empreendedoras

Gerenciais Comportamentais
Formação Empatia
Atualização Inteligência emocional
Informação Capacidade de ensinar e aprender
Liderança
Críticas
Princípios
Insatisfação estabelecida
Generosidade
Formação política e social
Formação humanista Bom senso
Indignação Caráter
Honestidade
Morais e intelectuais
Paixão
Inteligência
Ética
Criatividade
 
Independência e autonomia
Capacidade de reformular regras

Fonte: Cherubin, 2020, com base em Razzolini Filho, 2012, p. 148.

4.4 O PERFIL DO ENGENHEIRO

No contexto abordado aqui, o engenheiro se encaixa na dimensão técnica, tendo em vista a

racionalidade que embasa sua formação. Vários cursos procuram desenvolver outras habilidades além
das técnicas, ajudando muito o profissional de engenharia. Mas isso não o exime de ter consciência das
suas necessidades em desenvolver outras habilidades.

Como uma das profissões mais antigas e tradicionais no Brasil, historicamente os engenheiros
estiveram à frente de empresas na área de infraestrutura. Além de proprietários de empresa, muitos
engenheiros ocupam cargos de direção. Graças à sua formação quantitativa, muitos engenheiros
também são alocados para cargos de gestão financeira e de produção.

Todavia, se na segunda metade do século XX a construção da infraestrutura absorvia os


profissionais da área, hoje o quadro é diferente. O campo de atuação do engenheiro se ampliou e se
tornou mais dinâmico, e ao mesmo tempo se mostra como oportunidade – com mais opções de
atuação – e ameaça – pois vários campos de atuação operam num ambiente de mudança intensa e
rápida (Figura 11).

Figura 11 – A inteligência artificial e o aprendizado de máquina são campos promissores da engenharia


Fonte: Zapp2Photo/Shutterstock.

TEMA 5 – O PROCESSO EMPREENDEDOR

“Processo empreendedor” é a denominação que a literatura confere ao processo de iniciar o novo


negócio, desde a identificação da oportunidade até sua operação. Segundo Mendes (2017, p.  31), “o
processo empreendedor compreende quatro fases distintas, que demandam diferentes
comportamentos, habilidades e formas de atuação”:

1. Identificar e avaliar oportunidades;

2. Elaborar o plano de negócios;

3. Identificar e organizar recursos;

4. Administrar as atividades.

Ao falarmos do processo empreendedor, precisamos entender três variáveis que o influenciam:


inovação, existência e porte da empresa. Vamos entender um pouco de cada uma.
Será que identificar uma oportunidade e atender necessidades não satisfeitas requer a criação de
uma nova empresa? Para responder essa pergunta, vamos voltar à definição de empreendedorismo
formulada por Filion (2011, p. 8): “um empreendedor é um ator que inova a partir do reconhecimento de
oportunidades, toma decisões de risco moderado que levam à ações que requerem o uso eficiente de
recursos e contribuem para adicionar valor”. Perceba que não se menciona a criação de uma nova

empresa. De modo similar, outras definições do termo “empreendedorismo” não mencionam


explicitamente a criação de uma nova empresa, já outras definições mencionam.

Muitas oportunidades são atendidas por produtos e serviços criados por empresas já existentes, e
muitas delas criam produtos e serviços regularmente, como o Google e a Nestlé. Esse processo de
criação de produtos e serviços por empresas existentes recebeu o termo intraempreendedorismo,
cunhado por Gifford Pinchott III, em seu livro Intraempreendedorismo: por que você não tem que deixar a
corporação para se tornar um empreendedor?, publicado em 1985. O autor defende que as habilidades

empreendedoras podem ser adquiridas pelos colaboradores para empreender dentro da organização
em que atua.

Na época do livro, o ambiente de negócios era muito mais estável e menos mutável que hoje. Para
fazer frente ao ambiente atual de mudanças frenéticas, muitas corporações têm processos que
desenvolvem e incentivam habilidades equivalentes às “habilidades empreendedoras”, mantendo
programas de desenvolvimento de criatividade e inovação organizacional.

A grande diferença entre empreender numa empresa existente e em outra ainda a ser criada é que a

primeira já tem expertise e recursos organizados e operantes, e a segunda, não. Passando para a variável
inovação, quando se fala em empreendedorismo, novamente nem todas as suas definições mencionam
que precisa ser um produto ou serviço inovador; algumas definições enfatizam a inovação, e outras não.
A Uber, por exemplo, foi inovadora quando trouxe o modelo de intermediação entre donos de carros e
passageiros para facilitar o deslocamento das pessoas, mas, ao lançar a Uber Eats, já havia o iFood e
outras empresas atuando no mercado. Ou seja, a Uber começou como uma empresa inovadora e depois
se tornou seguidora.

Um segundo exemplo é a 99Taxi, que começou como aplicativo para taxistas, passou a atender
motoristas autônomos com a marca 99Pop e, em seguida, unificou os dois segmentos, mudando de
nome para 99App. Na sequência, entrou no ramo de delivery de comidas com a marca 99Food. Em 2018
foi adquirida pela empresa chinesa DiDi Chuxing, a maior plataforma de transporte por celular do
mundo.

A Figura 12 mostra a evolução da empresa, que no primeiro serviço foi inovadora e, nos outros, foi
seguidora.

Figura 12 – Evolução da empresa 99

Fonte: RafaPress; Daniel Constante/Shutterstock.


A inovação está atrelada a determinados mercados, mas em tempos de globalização fica cada vez
mais difícil separá-los geograficamente. Por exemplo, o aplicativo para celulares Tik  Tok, de criação e

compartilhamento de vídeos curtos, foi criado em 2016 por uma empresa chinesa e se tornou o
aplicativo mais baixado nos Estados Unidos em outubro de 2018 – inovação de uma empresa chinesa
que se expandiu rapidamente do mercado local para o global.

Mas e no caso de um produto mais singelo, como a tapioca? Onde estaria a inovação? Trata-se de
um produto de origem indígena, muito popular no Nordeste do Brasil e que, por volta de 2016,
começou a se tornar popular em outras regiões. Seria um produto inovador no Sul? E se um
empreendedor resolvesse montar uma “tapiocaria” numa cidade do interior do Sul, na qual não existia

nada similar? É uma inovação? E uma tapiocaria na Alemanha (Figura 13)? É uma inovação ainda maior?

Figura 13 – Tapiocaria food truck na Alemanha

Retomando as variáveis em discussão – inovação, existência e porte da empresa –, o intuito deste


texto não é discutir as dualidades para cada uma delas, mas mostrar ao candidato a empreendedor
como somente essas três variáveis podem abrir vários cenários para o empreendedorismo.
Nossa ideia é focar a combinação que traz mais desafios para o potencial empreendedor, conforme
a Figura 14.

Figura 14 – Variáveis que afetam o processo empreendedor

Fonte: Cherubin, 2020.

Os maiores desafios estão em começar uma empresa nova, de pequeno porte e alta inovação; por
isso damos mais atenção a essa configuração. Empresas existentes e de grande porte têm recursos e
conhecimento para lançar produtos e serviços inovadores – mas isso não é uma garantia por si só de
que serão bem-sucedidas.

O processo empreendedor trata das etapas para criar uma estrutura empresarial que forneça o
produto/serviço objeto da atividade empreendedora. Veja a Figura 15.

Figura 15 – O processo empreendedor


Fonte: Mendes, 2017, p. 32.

Na etapa de identificar/avaliar a oportunidade, o empreendedor identifica uma oportunidade não


atendida ou que possa ser mais bem atendida. Também verifica a sustentabilidade dessa oportunidade,
verificando num primeiro momento o quanto é capaz de gerar lucro.

A etapa de elaborar o plano de negócios demonstra a viabilidade do negócio a ser criado para
atender a oportunidade identificada com uma análise financeira. Também relaciona os recursos
necessários para a empresa funcionar e, por fim, mostra as etapas necessárias para criar a empresa,
numa perspectiva cronológica.

Na etapa de identificar e organizar recursos, o empreendedor busca recursos financeiros,


materiais e humanos para criar a empresa e estruturá-la. Por fim, a etapa de administrar as atividades
se refere à gestão da empresa após o início de sua operação. Trata-se de monitorar o mercado, o
ambiente e a estrutura organizacional para garantir o bom desempenho, o lucro e a perenidade da

empresa.

FINALIZANDO
Vimos que o empreendedorismo sempre esteve presente na história, assumindo um papel de
protagonista no seu desenvolvimento econômico e social. Os empreendedores são agentes de
transformação com diversas motivações, que impulsionam seu ímpeto e esforço na oferta de bens e
serviços.

O risco é uma realidade presente nesse processo, e o empreendedor precisa sempre minimizá-lo.
Ele precisa se desenvolver, conhecer suas características e personalidades, e desenvolver suas
habilidades. Ao se desenvolver, o empreendedor estará mais apto a seu ofício, diminuindo as chances de
fracasso e atendendo às oportunidades oferecidas pelo mercado.

REFERÊNCIAS

FILION, L. J. Defining the entrepreneur. In: DANA, L.-P. (Ed.). World encyclopedia of
entrepreneurship. Cheltenham; Northampton: Edward Elgar, 2011. p. 41-52.

GEM – Global Entrepreneurship Monitor. Empreendedorismo no Brasil: relatório executivo.


Curitiba: IBQP, 2017.

GERBER, M. E. O mito do empreendedor. São Paulo: Saraiva, 1990.

MASLOW, A. H. A theory of human motivation. Floyd: Sublime Books, 2014.

MENDES, G. Empreendedorismo 360º: a prática na prática. São Paulo: Atlas, 2017.

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Manual de Oslo: diretrizes

para coleta e interpretação de dados sobre inovação. 3. ed. São Paulo: Finep, 2005.

RAZOLLINI FILHO, E. Empreendedorismo: dicas e planos de negócios para o século XXI. Curitiba:
Ibpex, 2010.

Você também pode gostar