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MULHERES DA ANTIGUIDADE
TI O
AR
R ISÃ
Vol. 1: A Presença das Mulheres
LH
na Literatura e na História
PA V
M E
O R
C A R
ÃO PA
R ÃO
VO RS
N
FA VE
Tempestiva
Goiânia, 2021.
Editora Tempestiva, 2021
© Todos os direitos reservados.
TI O
Óleo sobre tela. Imagem de domínio público (Wikimedia Commons).
AR
R ISÃ
LH
PA V
M E
O R
C A R
ÃO PA
R ÃO
X000
N
ISBN 978-65-992343-5-4
TI O
AR
R ISÃ
COMPÊNDIO HISTÓRICO DE
LH
MULHERES DA ANTIGUIDADE
PA V
M E
Vol. 1: A Presença das Mulheres
O R
na Literatura e na História
C A R
ÃO PA
R ÃO
Tempestiva
Goiânia, 2021.
FA VE
VO RS
R ÃO
N
ÃO PA
C A R
O R
M E
PA V
R ISÃ
TI O
LH
AR
Sumário
TI O
AR
Antiguidade a serviço da convivência.................................19
R ISÃ
Prefácio de Pedro Paulo A. Funari
LH
PA V
Compêndio Histórico de Mulheres da Antiguidade, 1:
M E
A Presença das Mulheres na Literatura e na História
O R
C A
Apresentação...........................................................................27
R
Musas................................................................................44
N
Ninfas...............................................................................48
por María Cecilia Colombani
Dafne................................................................................55
por Pedro Schmidt
Hermafrodite..................................................................64
por Pérola de Paula Sanfelice
Psiquê...............................................................................69
por Nádia Maria Weber Santos
& Ivan Vieira Neto
Pandora............................................................................79
por Marta Mega de Andrade
TI O
AR
Europa..............................................................................85
R ISÃ
por Félix Jácome Neto
LH
PA V
Pasífae...............................................................................91
M E
por Thirzá Amaral Berquó
O R
Esfinge.............................................................................99
C A
Sêmele............................................................................105
por Juarez Oliveira
R ÃO
Dânae.............................................................................113
por Renata Cardoso Belleboni Rodrigues
VO RS
N
Medusa...........................................................................120
FA VE
Andrômeda....................................................................127
por Clara Lacerda Crepaldi
Geropso..........................................................................145
por Carolina Kesser Barcellos Dias
Alcmena.........................................................................153
TI O
AR
por Ivan Vieira Neto, Jaqueline da Silva
& Ana Lina de Carvalho Rodrigues
R ISÃ
LH
Etra.................................................................................159
PA V
por Vander Gabriel Camargo
M E
& Thirzá Amaral Berquó
O R
Ariadne..........................................................................167
C A
por Ariadne Borges Coelho
R
Eurídice..........................................................................173
ÃO PA
Atalanta..........................................................................181
por Thirzá Amaral Berquó
VO RS
Hipsípile........................................................................189
N
Leda................................................................................197
por Lolita Guimarães Guerra
Galateia (Nereida).........................................................206
por Júlia Batista Castilho de Avellar
Lâmias e Empusas.........................................................217
por Semíramis Corsi Silva
§02 Mulheres na Antiga Mesopotâmia............................227
por Kátia M. P. Pozzer
Ku-Baba........................................................................239
por Fábio Vergara Cerqueira
Enheduana....................................................................249
por Janaina de Fátima Zdebskyi
TI O
AR
Tarām-Kūbi e Šimat-Aššur...........................................255
R ISÃ
por Anita Fattori
LH
Sammu-ramat...............................................................263
PA V
por Anita Fattori
M E
O R
Semíramis......................................................................269
por Marina Regis Cavicchioli
C A
Naqi’a.............................................................................277
por Kátia M. P. Pozzer
R ÃO
Libbāli-šarrat.................................................................285
por Simone Silva da Silva
VO RS
N
Deportadas na Assíria.................................................291
por Simone Silva da Silva
FA VE
Nitócris da Babilônia.....................................................297
por Simone Silva da Silva
Hatshepsut.....................................................................325
por Priscila Scoville
Tiye.................................................................................331
TI O
por Priscila Scoville
AR
R ISÃ
Nefertiti.........................................................................337
LH
por Gisela Chapot
PA V
Ankhiry.........................................................................345
M E
por Liliane Cristina Coelho
O R
Naunakhte....................................................................351
C A
Ankhnesneferibre........................................................363
por Wellington Rafael Balém
VO RS
N
Tsenhor.........................................................................369
por Wellington Rafael Balém
FA VE
Arsinoé II.......................................................................375
por Joana Campos Clímaco
Berenice II.....................................................................383
por Karine Lima da Costa
Shanakdakhete.............................................................387
por Fábio Amorim Vieira
Cleópatra VII................................................................393
por Camilla Ferreira da Silva Paulino
Amaniremas..................................................................401
por Fábio Amorim Vieira
Amanishaketo...............................................................407
TI O
AR
por Raisa Sagredo
R ISÃ
LH
Amanitare......................................................................413
por Fábio Amorim Vieira
PA V
M E
Sha-Amun-en-su e ‹Kherima›: as múmias femininas
O R
do Museu Nacional........................................................419
C A
por Helinny Machado da Silva
R
ÃO PA
Lilith...............................................................................439
VO RS
Eva..................................................................................445
FA VE
Sara................................................................................451
por Nayara do Vale Moreira
& Rosemary Francisca Neves Silva
Rebeca...........................................................................455
por Valmor da Silva
Lia...................................................................................461
por Karine Marques Rodrigues Teixeira
& Rosemary Francisca Neves Silva
Raquel............................................................................467
por Karine Marques Rodrigues Teixeira
& Rosemary Francisca Neves Silva
TI O
AR
Tamar.............................................................................473
R ISÃ
por Janaina de Fátima Zdebskyi
LH
Judite..............................................................................479
PA V
por Victor Passuello
M E
O R
Diná...............................................................................485
por Janaina de Fátima Zdebskyi
C A R
Miriam.........................................................................491
ÃO PA
Joquebede e Zípora.......................................................499
R ÃO
Raab................................................................................513
Sue’Hellen Monteiro de Matos
Rute...............................................................................517
por Joel Antônio Ferreira
& Gláucia Loureiro de Paula
Débora...........................................................................523
por Nathália Pawlowski Mariano
Dalila..............................................................................529
por Luiz Alexandre Solano Rossi
Jezabel............................................................................535
por Semíramis Corsi Silva
& Tailiny Femi Fabris
TI O
AR
§05 Mulheres na Épica Homérica...........................................543
R ISÃ
por Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho
LH
Criseida..........................................................................556
PA V
por Antonio Orlando Dourado-Lopes
M E
O R
Briseida..........................................................................561
por Antonio Orlando Dourado-Lopes
C A R
Helena............................................................................567
ÃO PA
Hécuba...........................................................................577
R ÃO
Andrômaca....................................................................583
N
Calipso...........................................................................591
por Camila Jourdan
Penélope.........................................................................597
por Lilian Amadei Sais
Euricleia.........................................................................603
por Teodoro Rennó Assunção
Nausícaa........................................................................611
por Rafael de A. Semêdo
Arete...............................................................................619
por Rafael de A. Semêdo
Circe...............................................................................625
TI O
AR
por Dolores Puga
R ISÃ
LH
Sereias.............................................................................633
por Mary de Camargo Neves Lafer
PA V
M E
§06 Mulheres na Grécia Arcaica, Clássica e no Mundo Greco-
O R
-Macedônico........................................................................641
por Fábio de Souza Lessa
C A R
Artesãs Ceramistas.......................................................649
ÃO PA
Hetairas.........................................................................657
R ÃO
Musicistas......................................................................663
N
Artemísia I da Cária.....................................................685
por Anderson Zalewski Vargas
Cinisa.............................................................................693
por Luis Filipe Bantim de Assumpção
Gorgo.............................................................................699
por Luis Filipe Bantim de Assumpção
Timéia............................................................................705
TI O
AR
por Luis Filipe Bantim de Assumpção
R ISÃ
LH
Xantipa..........................................................................709
por Miguel Spinelli
PA V
M E
Neera..............................................................................717
O R
por Daniel Barbo
C A
Olímpia de Épiro........................................................721
R
Safo.................................................................................737
N
Cleobulina.....................................................................743
por Isabella Demarchi
Mírtis..............................................................................749
por Rafael de Carvalho Matiello Brunhara
Corina...........................................................................753
por Clara M. Sperb
Praxila............................................................................757
por Isabella Demarchi
Telesila...........................................................................763
por Thais Rocha Carvalho
Ânite de Tégea............................................................767
TI O
AR
por Marina Lacerda Machado
R ISÃ
LH
Erina...............................................................................771
por Clara M. Sperb
PA V
M E
Mero...............................................................................779
O R
por Thais Rocha Carvalho
C A
Nóssis.............................................................................783
R
Melino..........................................................................787
por Thais Rocha Carvalho
R ÃO
VO RS
Calírroe.........................................................................801
por Adriane da Silva Duarte
Quartila........................................................................807
por Fabrício Sparvoli
Fortunata.......................................................................813
por Fabrício Sparvoli
Matrona de Éfeso..........................................................819
por Renata Senna Garraffoni
Circe (Satyricon).............................................................827
por Fabrício Sparvoli
Proselenos....................................................................833
TI O
AR
por Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet
R ISÃ
LH
Ântia...............................................................................839
por Adriane da Silva Duarte
PA V
M E
Leucipe...........................................................................843
O R
por Lucia Sano
C A
Méroe.............................................................................849
R
Panfília...........................................................................853
por Nátalle Garcia dos Santos
R ÃO
Fótis..............................................................................859
VO RS
Cloé................................................................................863
por Lucia Sano
Caricleia........................................................................869
por Lucia Sano
Camila............................................................................907
por Sérgio Murilo de Anadrade Barbosa
Lavínia...........................................................................913
TI O
AR
por Alexandre Agnolon
R ISÃ
LH
Reia Sílvia......................................................................920
por Caroline Morato Martins
PA V
M E
Aca Larência..................................................................927
O R
por Sérgio Murilo de Andrade Barbosa
C A
Sabinas...........................................................................935
R
Tanaquil........................................................................943
por Caroline Morato Martins
R ÃO
Lucrécia.........................................................................951
VO RS
Lenas...............................................................................957
por Beatriz Rezende Lara Pinton
Meretrizes......................................................................963
por Charlene Martins Miotti
& Beatriz Rezende Lara Pinton
Virgo..............................................................................971
por Amy Richlin
Syra................................................................................979
por Amy Richlin
Lésbia.............................................................................983
por Alexandre Cozer
Cíntia............................................................................989
TI O
AR
por Paulo Martins
R ISÃ
Délia...............................................................................995
LH
por Maria Ozana Lima de Arruda
PA V
M E
Corina (Ovidiana).........................................................998
por Guilherme Horst Duque
O R
C A
Dipsas...........................................................................1005
R
Canídia e Sagana........................................................1011
por Semíramis Corsi Silva
R ÃO
Medeias Latinas..........................................................1019
por Fernanda Messeder Moura
VO RS
N
Ericto............................................................................1027
FA VE
Amazonas....................................................................1041
por Iván Pérez Miranda
Hipólita.......................................................................1047
por Paulina Nólibos
Pentesileia...................................................................1055
por Ivan Vieira Neto
Teuta............................................................................1065
por Paulo Pires Duque
TI O
AR
R ISÃ
Tômiris........................................................................1073
LH
por Rodrigo dos Santos Oliveira
PA V
Blenda de Småland....................................................1079
M E
por Renan Marques Birro
O R
Hervör..........................................................................1085
C A
Lagertha.......................................................................1091
por Pablo Gomes de Miranda
R ÃO
VO RS
N
FA VE
FA VE
VO RS
R ÃO
N
ÃO PA
C A R
O R
M E
PA V
R ISÃ
TI O
LH
AR
TI O
AR
R ISÃ
LH
MULHERES NA
PA V
LITERATURA LATINA
M E
Compêndio Histórico de
O R
Mulheres da Antiguidade
C A
Volume I
R
ÃO PA
R ÃO
VO RS
N
FA VE
FA VE
VO RS
R ÃO
N
ÃO PA
C A R
O R
M E
PA V
R ISÃ
TI O
LH
AR
Mulheres na Literatura Latina
por Anderson Martins
TI O
extensão, o olhar sobre uma característica específica de algumas
AR
dessas sociedades, tal qual a literatura— é sempre e de modo
R ISÃ
inarredável um olhar contemporâneo. É dizer, estamos todos
LH
nós, pesquisadores da Antiguidade, cingidos pelas amarras irre-
PA V
mediáveis de um certo anacronismo, que advém da circuns-
M E
tância mesma de nosso ofício de interpelar, hoje, uma civili-
O R
zação que deixou de existir há séculos, que não se nos apresenta
senão como uma rede fragmentária de «mitos, emblemas e
C A
TI O
AR
luzidios com irrefutável lastro na Antiguidade – família, viri-
R ISÃ
lidade, erotismo, religião, autor, filosofia e tantíssimos outros,
LH
que recebem a chancela dos puristas —que não guardam
equivalência semântica e cultural com os seus pares antigos.
PA V
Estamos, repito, fadados a um certo grau de anacronismo—
M E
donde o corajoso «elogio do anacronismo» de Nicole Loraux
O R
—e lidamos com ele com uma variedade de modelos teóricos
e metodológicos, dos mais ingênuos e primitivistas aos mais
C A
conscientes e modernistas.
R
TI O
AR
pouco nas obras literárias da Roma Antiga. Literariamente, as
R ISÃ
mulheres apareciam muito menos do que sua presença real na
LH
sociedade, o que equivale a dizer, portanto, que sofriam uma
significativa sub-representação.
PA V
Não nos referimos à disparidade da importância, ou, mais
M E
precisamente, do destaque dado às personagens masculinas em
O R
relação às femininas, já que nos parece fato evidente, mesmo
aos que têm pouca intimidade com a literatura romana. Indis-
C A
TI O
AR
Talvez se possa argumentar, para relativizar a discrepância,
R ISÃ
que é da própria natureza do gênero épico, no qual se inscreve
LH
a Eneida, exaltar os feitos dos heróis – quase todos homens,
bem entendido – e que, apenas por este motivo, as mulheres
PA V
tenham um papel secundário. Ainda que possamos aceitar o
M E
argumento – falacioso, sem dúvida, já que o mesmo fato que
O R
o épico privilegie a ação de heróis e não de heroínas (a não ser
por via de exceção e para ilustrar valores masculinos presentes
C A
TI O
AR
O leitor atento pode arguir o lapso temporal de quase dois
R ISÃ
séculos entre o período de composição da Eneida e o das comé-
LH
dias plautinas e preferir comparar a composição de Virgílio
PA V
com seus contemporâneos. Talvez, afinal, na literatura augus-
M E
tana a mulher apareça mais em outras composições literárias de
O R
outros gêneros literários, que não a Épica. Pois examinemos
esta hipótese pelo mesmo método, de amostragem e pouco
C A
TI O
AR
sejam deusas, como Juno e Minerva, ou monstros, como Cila
R ISÃ
e Caríbdis, que aparecem em ambos autores; sejam perso-
LH
nificações de ideias abstratas, como Fides, em Virgílio e
Mens Bona, na elegia— aparecem sensivelmente menos do
PA V
que seus contrapares masculinos, em uma (des)proporção de
M E
aproximadamente 50%, na melhor das contagens, até 20%,
O R
no pior dos casos (i.e. que as mulheres aparecem, respecti-
vamente, entre 50% e 80% menos do que os homens).
C A
TI O
AR
sido escrito por mulheres romanas, preferindo, na dúvida,
R ISÃ
atribuí-los a um homem —in dubio, pro viro. Alicerçado, é
LH
verdade, na penúria de evidência, essa atmosfera científica de
pessimismo— expressa, por exemplo, pelo enunciado fatalista
PA V
de Niklas Holzberg, que sentencia, no início de um artigo:
M E
«Roma na Antiguidade é uma espécie de decepção para aqueles
O R
interessados em gender studies» (1998-1999, 169) —foi tóxica
para o avanço dos estudos da produção literária feminina na
C A
TI O
AR
1. 1. 6). Há controvérsias sobre a autenticidade de dois trechos
R ISÃ
de uma carta de Cornélia a seu filho Caio Graco, preservada
LH
em alguns manuscritos que contém fragmentos de uma obra
PA V
perdida de Cornélio Nepos, mas, ainda assim, sabemos que
M E
produção epistolar da autora era marcada pelos conselhos
O R
de uma matrona sobre atuação política dos irmãos Gracos.
A personificação da figura da «matrona» na figura lite-
C A
ele o poema 55. Nada nos restou de seus poemas, que, entre-
tanto, são citados nas Crônicas de Jerônimo, que ao consignar
a morte irmão Cornifício, em 41 aEC, nos informa Chro-
nicon, 184ª Olimpíada, 3a): «huius soror Cornificia, cuius insignia
extant epigrammata» (a irmã deste era Cornifícia, cujos notáveis
epigramas sobrevivem). Ou seja, sua produção, a julgar pela
letra do texto de Jerônimo, teria sobrevivido pelo menos por
quatro séculos (até o final do século IV EC).
886
A presença das mulheres na Poesia e na História
TI O
AR
poeta e possivelmente uma recolha de poemas de amigos
R ISÃ
de Marco Valério Messala Corvino. Os poemas atribuídos à
LH
Sulpícia – precedidos pela assim chamada Grinalda de Sulpícia
(3. 8-12), de autoria desconhecida – são os 3. 13-18, conforme
PA V
a anotação tradicional nas principais edições do século XX.
M E
Esses 40 versos em dísticos elegíacos representam o único
O R
conjunto cujos manuscritos atribuem a uma mulher romana
em toda a literatura latina clássica e, talvez por isso mesmo, sua
C A
TI O
AR
filha de Agripina Vipsânia e de Germânico. Primeiramente,
R ISÃ
Agripina tinha uma influência política ímpar em seu tempo:
LH
foi esposa do imperador Cláudio e mãe de Nero, sucessor
deste – e, a julgar pelos relatos de Tácito, Suetônio e Díon
PA V
Cássio, responsável por orquestrar essa sucessão. Junto com
M E
Lívia, esposa de Augusto, foi talvez a mulher mais atuante
O R
politicamente nos primeiros anos do Principado romano, o
que não era o caso das poetas referidas anteriormente. Sobre
C A
TI O
AR
seu legado no espaço extremamente sexista da política romana
R ISÃ
de meados do século I EC.
LH
Finalmente, chegamos a Sulpícia, poeta satírica – também
chamada de Sulpícia II, para diferenciá-la da poeta elegíaca
PA V
homônima, ou de Sulpicia Caleni, i.e. «Súlpícia de Caleno»
M E
(esposa de Caleno), forma que, ainda que possa ter sido o
O R
modo como os romanos se referiam a suas mulheres e que
C A
possa agradar a alguns puristas mais apegados às expressões
R
TI O
AR
vista político, como Cornélia e Agripina, quer do ponto de
R ISÃ
vista literário, como Cornifícia e as duas Sulpícias; mas, em
LH
nenhuma hipótese, esta lista deve ser lida como um cânone ou,
o que é pior, como uma enumeração exaustiva. Já se passaram
PA V
muitos anos desde a ideia de «uma meia-dúzia de mulheres de
M E
língua latina que tentaram escrever», como Holzberg (98-99,
O R
169) se refere à lista de Santirocco (1979, 229). Houve muitas
mais, sobretudo se consideramos a evidência epigráfica e se
C A
TI O
AR
coloca a nítida questão da representatividade da mulher na nossa
R ISÃ
sociedade, fazer o melhor que podemos para pôr em evidência
LH
essas personagens. É nossa tarefa fazer justiça àquela metade da
população de Roma que, embora tenha atuado ativamente na
PA V
construção da República e, depois, do Império, foram silenciadas,
M E
por diversos expedientes, na literatura latina. É preciso relem-
O R
brar o ânimo guerreiro de Camila, a coragem (que se revelou
revolucionária) de Lucrécia, o furor das Medeias romanas.
C A
Referências
N
Fontes históricas
FA VE
TI O
AR
VIII-XII. Texte établi et traduit par H. J. Izaac. Collection
R ISÃ
Budé. Paris: Les Belles Lettres.
LH
PLINE L’ANCIEN. 1977. Histoire naturelle. Livre VII. Texte
établi et traduit par Robert Schilling. Collection Budé. Paris:
PA V
Les Belles Lettres.
M E
PROPÉRCIO. 2014. Elegias. Edição bilíngue. Organização,
O R
tradução, introdução e notas de Guilherme Gontijo Flores.
C A
TI O
DUPONT, F. 1994. L’invention de la littérature: De l’ivresse
AR
grecque au livre latin Paris: Éditions La Découverte.
R ISÃ
HABINEK, T. 1998. The Politics of Latin Literature. Princeton.
LH
HEMELRIJK, E. A. 2004. Matrona Docta: Educated Women
PA V
in the Roman Elite from Cornelia to Julia Domna. London:
Routledge.
M E
O R
HOLZBERG, N. 1998-1999. Four Poets and a Poetess or a
C A
Portrait of the Poet as a Young Man? Thoughts on Book 3 of
R
TI O
AR
R ISÃ
LH
PA V
M E
O R
C A R
ÃO PA
R ÃO
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N
FA VE
894
Dido
por Paulo Martins
TI O
AR
à migração de um grupo de fenícios de Tiro (atualmente no
R ISÃ
Líbano) para Cartago (hoje na Tunísia), em aproximadamente
LH
814 AEC. Foi Dido que, em desavença com seu irmão Pigma-
leão, liderou a fuga dos tírios para fundar uma nova cidade
PA V
(Qart-Hadašt), significado literal de Cartago.
M E
Ela tinha se casado com um sacerdote de Hércules, Siqueu
O R
—também chamado Sicarbas –, cuja fortuna era disputada pelo
rei, seu irmão, Pigmaleão, que o matou. Restou à filha do rei
C A
TI O
AR
cunhada entre 320 – 310 AEC, na Sicília, provavelmente em
R ISÃ
Entela (Ἔντελλα), portanto algo em torno de 150 anos antes
LH
das guerras púnicas.
PA V
M E
O R
C A R
ÃO PA
R ÃO
VO RS
TI O
AR
da história de Dido o seu mito e esse fecundou a poesia. Para
R ISÃ
o poeta português “a lenda (de Ulisses) se escorre/ a entrar na
LH
realidade” (Pessoa. Mensagem, 6), afinal dele vem o nome de
Lisboa (Ulissipona). Já para aqueles poetas romanos, Dido, uma
PA V
realidade, como outras tantas, tornou-se efabulação poética.
M E
Nesse viés, a rainha fenícia é uma mescla de personas de três
O R
gêneros letrados, sem contarmos a historiografia: a épica, a
elegia e a tragédia. Mesmo que tenhamos na historiografia
C A
TI O
AR
entre a sidônia e o troiano, Eneias, no primeiro canto. O enlace
R ISÃ
amoroso entre ambos, provocado por Cupido, e o desfecho
LH
trágico urgido por Vênus no canto quarto. E o reencontro
dos dois na catábase do sexto canto. Não que Dido desapareça
PA V
completamente no decurso da epopeia, afinal sua memória
M E
é reestabelecida, a partir de presentes que ofertou ao filho
O R
do herói (Eneida, 5. 571), um cavalo e a Eneias, uma cratera
(Eneida, 9. 266) e um manto (Eneida, 11. 74).
C A
TI O
AR
R ISÃ
LH
PA V
M E
O R
C A R
TI O
AR
R ISÃ
LH
PA V
M E
O R
C A R
ÃO PA
TI O
AR
do inferno Virgílio faz com que Eneias conheça divindades
R ISÃ
próprias, pois que lá “vê” essas como imagens primordiais
LH
e não concretas: o Medo, as Doenças, a Fome, a Discórdia
etc. São imagens de um mundo essencialmente únicas, logo
PA V
verdadeiras platonicamente pensando.
M E
Logo após a travessia do Aqueronte – onde conhece
O R
Caronte – tem contato com os Campos Lugentes, isto é,
os campos daqueles que choram eternamente: almas de
C A
TI O
AR
como vimos no canto sexto da Eneida.
R ISÃ
Entretanto, algo nos parece muito curioso quanto ao
LH
mosaico inglês do século IV E.C., no qual vemos a imagem
PA V
do mito de Dido e Eneias cristianizada, uma vez que ao
M E
conluio amoroso une-se uma serpente ao torno do corpo
O R
nu de Dido.
Por fim, o que devemos guardar desta “mithistória”,
C A
Referências
Fontes históricas
DANCE-HOLLAND, N. 1766. The Meeting of Dido and
Aeneas. Londres: Tate Britain. Disponível em: em https://
commons.wikimedia.org/wiki/File:Sir_Nathaniel_Dance-
-Holland_-_The_Meeting_of_Dido_and_Aeneas_-_Google_
Art_Project.jpg. Acesso em: 31 jul. 2021.
903
Compêndio Histórico de Mulheres da Antiguidade
TI O
AR
Nova Aguilar.
R ISÃ
ROMAN MOSAIC OF LOW HAM. Somerset County
LH
Museum (Taunton): Sumerset, Inglaterra. Disponível em :
PA V
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Low_ham_mosaic.
M E
jpg. Acesso em: 31 jul. 2021.
O R
SACCHI, A. La mort de Didon. Caen: Musée des Beaux-Arts.
Acesso em 31 jul. 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.
C A
org/wiki/Dido#/media/Ficheiro:Sacchi,_Andrea_-_The_
R
Referências bibliográficas
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sidade de São Paulo – USP.
MARTINS, P.; RODRIGUES, M. 2017. A Elegia no Canto
IV da Eneida, CODEX - Revista de Estudos Clássicos, 5.2, p.
91-108.
904
A presença das mulheres na Poesia e na História
TI O
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LH
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Camila
por Sérgio Murilo de Andrade Barbosa
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de Roma. Devota à deusa Diana, Camila desde muito nova
R ISÃ
foi treinada nas artes da caça e da guerra, além de surpreender
LH
por sua beleza, extrema velocidade e habilidade em combate.
Apresentada no catálogo de guerreiros do sétimo livro da
PA V
Eneida, Camila é uma personagem feminina cuja criação acre-
M E
dita-se ser quase exclusiva de Virgílio, pois ela não aparece em
O R
nenhum outro documento literário ou epigráfico anterior à
Eneida (Mota 2020, 134). Desse modo, o poema é a principal
C A
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Acredita-se que a história de Camila teve narrativas popu-
R ISÃ
lares italianas daquele contexto como fundamento. Entretanto,
LH
não se sabe detalhes sobre esses elementos locais que inspiraram
Virgílio, porém há modelos mais famosos que influenciaram
PA V
as características da personagem, por exemplo: as caracterís-
M E
ticas físicas e seu desempenho em campo de batalha da rainha
O R
amazona Pentesileia; e a história da infância da guerreira
Harpálice.
C A
fície das águas sem que seus delicados pés sentissem a umidade
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de tirania. Expulso após a morte de sua mulher, Casmila, ele
R ISÃ
foge através dos bosques levando a recém-nascida Camila.
LH
Os inimigos o perseguem até às margens do rio Amaseno,
PA V
no Lácio, que impede sua passagem, pois o volume das águas
M E
havia aumentado pelas chuvas. Metabo consagra Camila à
O R
deusa Diana, quando, para protegê-la, a envolve nas cascas de
um sobreiro e a atira para a outra margem presa a uma lança.
C A
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mão, maneja um sólido machado com a outra, além de trazer
R ISÃ
o arco de ouro e as armas de Diana nos ombros. Sua paixão
LH
ardente pelos combates faz com que ela exulte em meio à
matança. O cenário muda quando, ao longe, ela avista Cloreu,
PA V
um guerreiro adornado de vestes esplendentes e armas magní-
M E
ficas. Sua juventude e feminilidade, até aí dominadas, saem de
O R
seu controle quando a virgem guerreira o vê e não o perde de
vista, ficando cega para todo o resto e desejando apenas aqueles
C A
direção, ela apenas sente a dor que ele provoca ao atingir seu
seio descoberto. Camila cai, tenta em vão remover o dardo,
não resiste ao ferimento e morre. Apesar de ser represen-
tada com qualidades masculinas (segundo o ideário romano),
Camila é traída pelo seu lado feminino, o desejo de possuir as
belas vestes de Cloreu, que a leva à morte por falta de cautela
(Vasconcellos 2001, 321). Desse modo, sua morte é atribuída
ao desejo irresponsável por despojos de guerra, um desejo
caracterizado como tipicamente feminino (Keith 2000, 28).
910
A presença das mulheres na Poesia e na História
TI O
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pelas mortes que causou em batalha, nem por sua excessiva
R ISÃ
autoconfiança ou por seu desejo desmedido pelos despojos de
LH
Cloreu. Apesar de Dante Alighieri colocar Camila no Inferno,
ela está junto àqueles que não pecaram, porém viveram antes
PA V
da vinda de Cristo ao mundo, portanto não foram batizados
M E
e não viveram segundo os ensinamentos cristãos.
O R
Camila é um paradoxo para o leitor. Sua velocidade é
superior à dos ventos, parece flutuar sobre o chão e as águas.
C A
Referências
N
Fontes históricas
FA VE
Obras de referência
GLARE, P. G. W. 1968. Oxford Latin Dictionary. London:
Oxford University Press/Clarendon Press.
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TORRÃO, J. M. N. 1993. Camila, a virgem guerreira, Hvma-
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LH
VASCONCELLOS, P. S. 2001. Efeitos Intertextuais na Eneida
de Virgílio. São Paulo: Humanitas/FAPESP.
PA V
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ÃO PA
R ÃO
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912
Lavínia
por Alexandre Agnolon
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das fontes antigas disponíveis, em linhas gerais, Lavínia é filha
R ISÃ
única do rei Latino, epônimo dos latinos, e de sua esposa,
LH
Amata; foi dada pelo pai em casamento a Eneias, com quem
teve posteriormente um filho, fato responsável para a conso-
PA V
lidação da aliança entre os troianos que, prófugos, desembar-
M E
caram na Itália e os povos aborígenes, habitantes do Lácio
O R
naquele tempo, época pouco posterior ao saque e destruição
de Troia e que precede, pois, em muitas gerações a fundação
C A
temporal que vai desde o século III aEC até a época tardia
FA VE
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AR
VII. 37), como se sabe, musa da poesia erótica. A passagem é
R ISÃ
tanto imitação de passo análogo das Argonáuticas de Apolônio
LH
de Rodes (Argonáuticas, III. 1-3), como, obliquamente, guarda
PA V
também similitude quanto à matéria, já que a temática amorosa
M E
assume papel importante, em ambas as epopeias, para o desen-
O R
volvimento da narrativa: em Apolônio, narra-se a paixão de
Medeia por Jasão, inspirada por Eros, a mando de Afrodite,
C A
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AR
palácio e que fora, no tempo da fundação da cidade, dedicado
R ISÃ
outrora por Latino a Apolo – daí o nome Laurento, derivado
LH
de laurus, «loureiro» em latim. Um sacerdote, contemplando a
cena, declara de pronto tratar-se de um augúrio: chegaria em
PA V
pouco um estrangeiro, originário das mesmas terras daquelas
M E
abelhas, acompanhado de um grande exército e tornar-se-ia
O R
ele o senhor do alto da cidadela. Após isso, Lavínia junta-
mente com o pai queimava incensos nos altares no momento
C A
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noivo preterido de Lavínia, recobra-lhe, pois, os brios, para
R ISÃ
que o rútulo pegue em armas contra os troianos. Logo em
LH
seguida, a divindade dirige-se às matas onde Ascânio caçava
e, desviando uma flecha disparada pelo jovem, atinge mortal-
PA V
mente um cervo querido de Sílvia, filha de Tirro, guarda do
M E
rebanho de Latino. A morte do animal, que falece aos pés de
O R
sua dona, provoca, assim, a fúria dos pastores que, instados por
Alecto, perseguem Ascânio, salvo por pouco pelos compa-
C A
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Ciente agora de que se tratavam dos troianos liderados por
R ISÃ
Eneias, filho de Anquises e Vênus, admirado por tamanha fama
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e nobreza, resolve aliar-se a eles e, como prova de amizade,
dá ao herói sua filha, Lavínia, em casamento. Diz ainda Tito
PA V
Lívio – e não só, mas também Apiano (História Romana, I.
M E
1) e Dionísio de Halicarnasso (Antiguidades Romanas, I. 59)
O R
– que, pouco depois, Eneias funda uma cidade a que chama
Lavínio em honra de sua jovem esposa (Tito Lívio. História
C A
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AR
chamado Iulo, donde a gens Iulia afirmava descender, apenas
R ISÃ
toma por certo que se tratava do filho de Eneias (cf. Tito
LH
Lívio, História de Roma, I. 3). Virgílio, por seu turno, deno-
mina-o Sílvio, seu nome, segundo o poeta, advém do fato
PA V
de ter sido educado nas matas (educet siluis regem regumque
M E
parentem – Eneida, VI. 765; grifo nosso). Há, porém, em Tito
O R
Lívio (História de Roma, I. 3), menção a um Sílvio, nascido nas
matas, mas este é filho e herdeiro de Ascânio. No comentário
C A
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por salvar umas serpentes, recebera a dádiva de compreender
R ISÃ
a língua dos animais, enquanto lhe teria Apolo concedido o
LH
dom da profecia.
PA V
Referências
M E
Fontes históricas
O R
APIANO. 1980. Historia Romana. Introducción, traducción
C A
y notas de Antonio Sancho Royo. Madrid: Editorial Gredos.
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M E
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RICH, A. Dictionnaire des Antiquités Romaines et Grecques.
Paris: Didot, 1883.
R ÃO
n. 1. p. 85-100.
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Reia Sílvia
por Caroline Morato Martins
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mãe dos gêmeos fundadores da cidade, Rômulo e Remo (Tito
R ISÃ
Lívio. I, 3, 10 ss.). A única variação sobrevivente registrada de
LH
seu nome é o de Ilia, mencionada por por Dionísio de Halicar-
nasso (Antiguidades Romanas. I, 76, 3), Dião Cássio (Fragmentos
PA V
do Livro I. 5, 1) e Plutarco (Vida de Rômulo. 3) (Radke 1979).
M E
As representações de Reia Sílvia centram-se em seu
O R
lugar como mulher que originou os primeiros líderes do que
viria a ser a cidade de Roma. Neste sentido, o episódio de
C A
ocidental.
As menções a Reia Sílvia nas obras antigas concentra-
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AR
seja, o período de transição da República e estabelecimento
R ISÃ
do Principado, Réia Sílvia foi restrita pelo tio à condição de
LH
vestal, tendo sido vítima de violação. Segundo Lívio, para
enobrecer o evento do estupro, ela atribuiu ao deus Marte a
PA V
paternidade dos gêmeos. A partir deste evento foi relatado o
M E
que foi, provavelmente, o mais famoso e mais representado
O R
episódio da história das origens de Roma: o rei Amúlio, tio
C A
da vestal grávida, puniu a sacerdotisa com prisão e mandou
R
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exibiu nenhuma atuação proeminente em função dos filhos
R ISÃ
que, por exemplo, garantiria o exercício de poder dos gêmeos.
LH
Neste sentido, a representação de Reia Sílvia como mãe destas
PA V
figuras masculinas tão importantes da história de fundação de
M E
Roma contrasta com a representação de outras mães repre-
O R
sentadas nas narrativas sobre as origens de Roma, como é o
caso de Lavínia, que teria sido liderança política, assegurando
C A
por trinta anos o poder, até que seu filho pudesse assumi-lo.
R
TI O
AR
romano. Assim, torna-se relevante que no período de princí-
R ISÃ
pios do império romano, a possibilidade de uma mulher da casa
LH
governante gerar descendentes seguirá sendo algo relevante.
PA V
Por outro lado, houve fatores que causaram alterações consi-
M E
deráveis, como a perda da centralidade de laços de sangue por
O R
meio da possibilidade de adoções (Saller 1984), e por novas
dinâmicas implicadas nos casamentos e divórcios.
C A R
Referências
ÃO PA
Fontes históricas
DIO CASSIUS. 1914. Roman History. Volume 1. Translated by
R ÃO
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Band 4. München:
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925
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R ÃO
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Aca Larência
por Sérgio Murilo de Andrade Barbosa
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ao longo da história: a mãe adotiva dos gêmeos Rômulo e
R ISÃ
Remo (também associada à loba que os amamentou) e a pros-
LH
tituta que legou aos romanos suas riquezas. As fontes fornecem
poucos detalhes sobre sua vida, não encontramos a descrição
PA V
de sua aparência, origem, infância etc. Sua aparição se dá já
M E
adulta como ama de Rômulo e Remo, e esposa de Fáustulo,
O R
ou como a meretriz que doou sua herança aos romanos.
Aca é mencionada por autores de um longo período,
C A
desde o século III aEC até por volta do século V EC. As obras
R
dios de Roma.
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AR
De acordo com a segunda versão, no reinado de Anco
R ISÃ
Márcio (ou Rômulo), o guardião do Templo de Hércules,
LH
em Roma, convidou Hércules para participar de um jogo de
dados. Se vencesse, receberia um presente valioso do deus, se
PA V
perdesse, serviria um banquete e ofereceria uma prostituta a
M E
ele. Hércules venceu e o guardião lhe serviu um banquete e
O R
lhe garantiu os favores da mais bela moça que então se falava
em Roma: Aca Larência. Hércules a aconselha a se colocar
C A
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e muitas deixam em aberto (Hraste; Vukovic 2015, 14).
R ISÃ
No poema Fastos, do poeta romano Públio Ovídio Naso
LH
(43 aEC – 17 EC), Larência foi a esposa de Fáustulo, ama do
povo romano e é associada à Larentália (Ovídio. Fastos, III.
PA V
52-58). A respeito do local dos sacrifícios a Larência, Marco
M E
Túlio Cícero (106 aEC – 43 aEC) afirma que ocorriam num
O R
altar localizado no Velabro (Cícero. Cartas a Bruto, XXIV. 8).
Mas é Marco Terêncio Varrão (116 aEC – 27 aEC), um filó-
C A
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nome fez com que a história fosse para o reino do fabuloso
R ISÃ
(Plutarco. Rômulo, IV. 3). Dionísio de Halicarnasso (53 aEC
LH
– ?), historiador e crítico literário grego, e Tito Lívio (59 aEC
– 17 EC), historiador romano, corroboram essa ideia. Além
PA V
disso, para Dionísio, dizia-se que os bebês foram entregues a
M E
Fáustulo, que os levou para sua esposa Larência, chamada de
O R
lupa por já ter se prostituído (Dionísio de Halicarnasso. Anti-
C A
guidades Romanas, I, 84. 1-4). Isso teria dado origem à história
R
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tituta pública (Tertuliano. Apologia, XIII. 9), para a qual, ao
R ISÃ
lado de Stercolo (divindade agrícola) e Mutuno (divindade de
LH
fertilização), os romanos deveriam atribuir suas vitórias, pois
eram deuses originários de Roma (ele pontua ironicamente)
PA V
(Tertuliano. Apologia, XXV. 3). Tertuliano afirma que os
M E
romanos nunca prestaram tanta homenagem a outros deuses
O R
quanto à prostituta Larência (Tertuliano. Apologia, XXV. 9).
Agostinho de Hipona (354 – 430), teólogo e filósofo
C A
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demonstram que Larência se complexificou e se ramificou,
R ISÃ
mostrando-se presente na memória dos romanos através da
LH
topografia, rituais e produções textuais diversas.
PA V
Referências
M E
Fontes históricas
O R
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Moralia. Vol. IV. Cambridge/London: Harvard University
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TERTULLIAN. 2007. Ad Nationes. In: The Writings of the
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Fathers Down to A.D. 325: Ante-Nicene Fathers. Vol. 3. Massa-
O R
chusetts: Hendrickson Publishers.
C A
TERTULLIAN. 2007. The Apology. In: The Writings of the
R
Obras de referência
VO RS
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rido nos primeiros tempos de Roma (753 aEC) – Dionísio de
R ISÃ
Halicarnasso (Antiguidades Romanas, II. 31. 1) considera que
LH
o fato ocorrera no quarto ano depois da fundação da Urbe,
ao passo que Plutarco (Vida de Rômulo, 20), único a fazê-
PA V
lo, situa-o no quarto mês logo após sua fundação. Segundo
M E
o conjunto das fontes, elas foram raptadas pelos romanos a
O R
mando de Rômulo, durante o festival por este promovido em
honra de Netuno equestre, sob o pretexto de prover esposas
C A
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episódio também é aludido pelo vate nos Anais (fr. 47-50 e
R ISÃ
possivelmente também o fr. 274; ver Natividade 2009, 8).
LH
A Roma dos primeiros tempos, conta-se, cresceu muito
rapidamente, fazendo frente desde cedo a outras cidades mais
PA V
ou menos próximas. Com o intento de aumentar sua popu-
M E
lação, Rômulo cercou-se de pessoas numerosas de obscura
O R
origem, provenientes de vários lugares, formando «toda uma
turba indiscriminada de homens livres e escravos» (Tito Lívio.
C A
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na região (Tito Lívio. História de Roma, I. 9). Não impor-
R ISÃ
tava quantas embaixadas o rei romano enviasse ou benesses
LH
oferecesse às cidades das cercanias, não havia boa acolhida,
chegando ao ponto de amiúde questionarem de modo zombe-
PA V
teiro os legados romanos, perguntando-lhes, já que Roma
M E
acolhia gente de toda sorte, se por acaso não se poderia fazer
O R
o mesmo com as mulheres (Tito Lívio. História de Roma, I. 9).
Ato contínuo, Rômulo, ressentido diante de tal afronta,
C A
TI O
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certo Talássio: uma vez que perguntassem, com o fim de evitar
R ISÃ
qualquer violência contra a jovem, a quem seria ela entregue,
LH
diziam aos clamores «a Talássio», o que dá origem ao grito que
se costumava entoar nos casamentos romanos (cf. Tito Lívio.
PA V
História de Roma, I. 9; Plutarco. Vida de Rômulo, 21).
M E
Após o pandemônio provocado pelo rapto, Rômulo em
O R
pessoa dirigiu-se a cada uma das sabinas com o intento de
lhes acalmar os ânimos, atribuindo a causa de tudo ao ultraje
C A
diziam ser 527; ao passo que Juba, 683, número este que coin-
cide com o de Dionísio de Halicarnasso (Antiguidades Romanas,
II. 30. 6). As fontes antigas, em linhas gerais, atribuem o rapto
não somente a uma forma de vingança de Rômulo às recusas
reiteradas dos povos vizinhos, mas sobretudo à necessidade
premente de constituir alianças e perpetuar a raça romana –
não à toa, Ovídio, por exemplo, n’Os Fastos (II. 431), alude às
sabinas nas partes dedicadas à Lupercalia, festividade de caráter
agrário e propiciatório. A ideia, pois, de que a necessidade
938
A presença das mulheres na Poesia e na História
TI O
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solitários: fundamental notar que, neste caso, as causas do rapto
R ISÃ
põem-se em harmonia – causa do decoro portanto – com o
LH
ambiente licencioso da própria elegia erótica, mais ainda em
PA V
sua possibilidade erotodidática.
M E
O rapto das sabinas gerou efeito imediato: diversas
O R
cidades vizinhas entraram em guerra contra Roma. Os ceni-
nenses, primeiro, atacaram os territórios romanos; Rômulo,
C A
TI O
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mas temporariamente, já que Rômulo, após dirigir preces a
R ISÃ
Júpiter e prometer-lhe um templo – a Júpiter «Stator», ou seja:
LH
«que faz parar» – , reúne os mais fortes romanos que passam
agora, sob o comando de seu rei, a perseguir o inimigo, que
PA V
foge. No meio da peleja, porém, percebendo a gravidade da
M E
situação, as sabinas intervêm, suplicando aos maridos e aos
O R
pais que cessassem o conflito. Segundo Dionísio de Halicar-
nasso (Antiguidades Romanas, II. 45. 6), fora Hersília, a líder
C A
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lugar-comum é figurável, é amiúde representado pelas artes,
R ISÃ
de Giambologna a Picasso. Na mentalidade, por assim dizer,
LH
mítico-histórica romana, enfim, a violência contra mulheres
se é indicativa de misoginia não deixa de marcar também,
PA V
como observa Mary Beard (2017, 119), «simbolicamente o
M E
início e o fim do período dos reis» – ora, mister recordá-lo:
O R
o rapto das sabinas inaugura o efetivo início da monarquia com
Rômulo, e a queda da realeza tem como estopim justamente
C A
o estupro de Lucrécia.
R
ÃO PA
Referências
Fontes históricas
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University Press.
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University Press.
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translation by B. O. Foster. Cambridge: Harvard University
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São Paulo: Editora 34.
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O R
BEARD, M. 2017. SPQR: Uma história da Roma antiga.
C A
Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta.
R
942
Tanaquil
por Caroline Morato Martins
TI O
AR
rainha e a penúltima a ocupar este lugar em Roma (Tito Lívio.
R ISÃ
I, 34). Ela foi apresentada como esposa de Lucumã, que teria
LH
mudado seu nome para Lúcio Tarquínio Prisco quando o casal
emigrou da cidade de Tarquínia para Roma (Tito Lívio. I, 34-35).
PA V
Na cidade, seu marido se tornou o quinto e primeiro rei etrusco
M E
de Roma. Os autores Tito Lívio e Dionísio de Halicarnasso (Anti-
O R
guidades Romanas. III, 47, 4; IV, 2, 2; 10, 6) designam a perso-
nagem como apenas Tanaquil (em grego, Θanaχvil, Τανακυ[λ]
C A
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AR
aparece na narrativa como uma reminiscência do comporta-
R ISÃ
mento de Hersília e Tarpéia, personagens antecessoras no relato,
devido ao tema da lealdade ter sido central nos episódios de todas
LH
essas figuras. Além dessas, a mulher que imediatamente ante-
PA V
cede Tanaquil em Lívio, Horácia, se vincula à ela mostrando a
M E
conexão entre todas estas personagens pelo tema da deslealdade
O R
familiar e a Roma. Tanaquil, portanto, se conecta como sucessora
destas mulheres anteriores na narrativa, sendo não só semelhante
C A
944
A presença das mulheres na Poesia e na História
TI O
AR
quil foi representada como agente da ascensão de seu marido
R ISÃ
como rei. Contudo, a interferência principal dela se mostra
LH
a partir da morte do rei. Lívio relata que, por volta do trigé-
simo ano de reinado de Tarquínio, já havia enorme preferência
PA V
por um sucessor chamado Sérvio Túlio (Tito Lívio. I, 39-41)
M E
(Dião Cássio, Fragmentos do Livro IX). Após Tarquínio ser
O R
morto pelos inimigos descendentes do antigo trono, Tana-
quil atuou de forma fundamental para a ascensão deste
C A
TI O
nagem feminina em relatos da Roma inicial. Assim, Tana-
AR
quil se mostra, após inúmeras outras personagens, a mais bem
R ISÃ
desenvolvida figura feminina. Como rainha que se tornava
LH
viúva, ela controlou a situação de assassinato promovido pelos
PA V
filhos de Anco, que reivindicaram o poder, então tentando
M E
salvar o marido, incitando justiça pelo crime, legitimando
O R
o poder de Sérvio Túlio, controlando o palácio e omitindo
C A
a morte do rei enquanto o sucessor se estabelecia no poder.
R
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uma vez que esta coincide com uma mudança significativa na
AR
representação que fez Lívio sobre os exempla femininos. A nova
R ISÃ
atenção na narrativa dedicada a personagens femininas, então
LH
com a relevância dada à Tanaquil e suas sucessoras, sobretudo,
PA V
Túlia, é uma forma de preparar os leitores para a maior mudança
M E
política da primeira parte da obra: da Monarquia à República. Tal
O R
mudança foi concluída no relato do episódio de Lucrécia, usada
C A
como motivação inicial para queda da Monarquia e instauração da
R
Referências
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A presença das mulheres na Poesia e na História
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PA V
WILSON, R. A. 2015. An Attempt at Clarity: Understanding
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the Lives of Livia, Tanaquil, and Alexandra. Macalester College,
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Classics Honors Projects. Paper 21.
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Lucrécia
por Renata Cerqueira Barbosa
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Lúcio Tarquínio Colatino (Cônsul em 509 aEC) foi utilizada
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como exempla de pudicitia para as matronas romanas, e seu
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estupro por Sexto Tarquínio, filho do Rei de Roma, foi consi-
derado um evento de caráter fundador na história da cidade,
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que acarreta a expulsão dos reis e a instauração da República.
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Conforme nos conta Tito Lívio (Ab urbe condita libri, I. 57-60)
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o rei de Roma, Tarquínio Soberbo, tentou tomar Ardéia,
nação dos Rútulos que se destacava por sua riqueza. Durante
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Sob essa ameaça, Lucrécia cedeu aos desejos de Tarquínio, o
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qual partiu contente por ter desonrado uma mulher. Abatida
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por tal acontecimento, Lucrécia enviou um mensageiro a
Roma e a Ardéia para pedir ao pai e ao marido que viessem
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imediatamente acompanhados de um amigo fiel. Espúrio
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Lucrécio veio com o filho de Públio Valério Volésio e Cola-
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tino com Lúcio Júnio Bruto, que havia encontrado a caminho
de Roma quando atendia ao chamado da esposa.
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a partir imediatamente para combater a realeza, eles o seguiram
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como a um chefe. O corpo de Lucrécia foi transportado à
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Roma e depositado no Fórum, onde a população se comoveu
com o acontecido, incriminando a violência do príncipe.
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Diz a tradição, que após esses acontecimentos, os Tarquí-
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nios foram expulsos de Roma e teve início a República.
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O conto de Lucrécia finaliza o livro I de Tito Lívio. Segundo
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Ogilvie (1965, 218-219), considera-se uma tradição tão bem
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prefácio, Tito Lívio apresenta o tema a ser tratado, a estrutura
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da obra e explicita o objetivo central, que apresenta uma série
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de exempla aos cidadãos romanos. Nesse sentido, os histo-
riadores modernos o criticaram por ser impreciso nas narra-
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tivas dos fatos. No entanto, hoje, seu estilo é entendido como
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simbólico no processo de construção da identidade romana.
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Nessa perspectiva, o prefácio já indicaria aos leitores que o
trabalho é uma espécie de conjunto de ações individuais dos
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(1965) que analisa como os teóricos republicanos de diferentes
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momentos históricos, como Tito Lívio, Maquiavel e Rousseau,
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recontam a história do estupro de Lucrécia para apoiar suas
próprias concepções de republicanismo.
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Muitos autores, da Antiguidade aos dias atuais, revi-
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sitam e reanalisam o conto de Lucrécia, partindo de várias
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possibilidades. Pierre Grimal (1991, 35-36) interpreta que a
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paixão é destruidora da ordem, pois teve consequências polí-
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Referências
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Fontes históricas
LH
TITO LÍVIO. 1989. História de Roma – Ab Urbe Condita Libri.
Tradução de Paulo Matos Peixoto. São Paulo: Paumapé.
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OVID. 1989. Fasti. London: Harvard University Press.
M E
VIRGIL. 2007. The Aeneid. Oxford: Oxford University Press.
O R
Obras de referência
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Fontes.
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abrandar, acariciar, afagar, tornar favorável. As lenas eram
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mulheres que se dedicavam ao ofício de alcoviteiras, mediando
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as relações profissionais das meretrizes sob seus cuidados e
estabelecendo as regras a serem seguidas pelos amantes.
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A contraparte masculina, o leno, exerce o mesmo ofício,
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mas há particularidades relativas apenas ao gênero feminino:
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em geral são descritas pelos autores romanos como mulheres
que já foram também prostitutas na juventude, e que entregam
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Ovídio, Amores I. 8. 113-14; Plauto, Asinaria 129-135; Plauto,
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Mostellaria 191-193, 203, 206-207, 212-213).
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Em Propércio (IV. 5), temos um poema elegíaco dedicado
inteiramente à lena Acândite, cujo nome provém de acanthus,
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em referência a espinhos. O poeta expressa descontentamento
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com a intervenção da mulher nas suas investidas amorosas,
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além de frisar as habilidades mágicas da lena, que a aproximam
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ainda mais do estereótipo da feiticeira (v. 13-14). Propércio
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(v. 29-52). Ovídio, nos Amores (I. 8), narra a conversa entre
a sua amada e a lena Dipsas, ouvida em segredo pelo poeta.
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os seus conselhos para as jovens meretrizes e, muitas vezes assu-
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mindo a responsabilidade de provedora da família, preocupa-se
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com a segurança financeira dela mesma e das filhas, garantida
pela conquista dos divites amatores. Suas atitudes rígidas se justi-
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ficam por encarar o meretrício como ofício e sustento, no qual
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há pouco ou nenhum espaço para a imprudência do amor nos
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moldes que os poetas propõem.
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Na comédia latina, as lenas aparecem nas peças de
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a se ajudarem mutuamente. Em Cistellaria, 23, por exemplo,
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a lena menciona hunc ordinem para se referir ao grupo das
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meretrizes que deveriam ser benevolentes entre si e, no verso
33, a referência se repete, nostro ordini, também na fala da lena,
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incluindo a si mesma, a filha e as amigas no mesmo coletivo;
M E
para comparação entre meretrizes e matronas (Fantham 2011;
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Dutsch 2019). Até mesmo a rivalidade citada entre as cortesãs e
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as matronas é interpretada por elas como injusta, uma vez que
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juventude, a lena assume o papel feminino equivalente ao
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do pater familias, controlando as finanças e sendo responsável
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pela segurança e bem-estar de seu núcleo familiar. Plauto usa
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o conceito de decorum (As. 514) para se referir ao sentimento
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da filha em relação à mãe, criando um efeito cômico a partir
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da realidade invertida proposta pela comparação entre a auto-
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ridade de uma cafetina sobre a sua filha e a de um cidadão
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sobre sua família.
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Referências
Fontes históricas
OVÍDIO. 2011. Amores & Arte de amar. Tradução de Carlos
R ÃO
Obras de referência
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PRADO, J. B. T. Elegias de Tibulo. Introdução, tradução e notas.
C A
Dissertação de Mestrado em Letras Clássicas defendida na
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Meretrizes
por Charlene Martins Miotti
& Beatriz Rezende Lara Pinton
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tituta”, sendo os mais comuns scortum e meretrix. Enquanto
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scortum originalmente significava “pele” ou “couro” (referin-
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do-se à vagina, tomada então metonimicamente), a palavra
meretrix, composta pelo radical do verbo mereo – receber
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recompensa, fazer-se pagar, merecer – seguido por sufixo de
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substantivo feminino -trix, indica, etimologicamente, a mulher
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que prestava serviços pelos quais era paga (para uma discussão
mais detalhada sobre nomes latinos usados para o mesmo
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de Silva 2012).
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Ateneu de Náucratis, no início do século III, conta que muitos
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outros autores (entre os quais Sosícrates de Panagoreia, Nice-
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neto de Samos ou Abdera, Apolodoro, Calístrato e Górgias)
escreveram catálogos de mulheres ou tratados sobre meretrizes
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(Banquete dos Eruditos, XIII). Ele mesmo faz um longo relato
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sobre as mais célebres de que se tem notícia: Taís, a ateniense
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(amante de Alexandre, o Grande, e Ptolomeu, primeiro rei
do Egito; é um personagem de Luciano e também dá nome a
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(figura que Menandro e Plauto exploram, respectivamente,
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em Dìs Exapaton e Bacchides), Glícera (amante de Menandro,
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personagem da comédia Perikeiroméne e do Diálogo das cortesãs;
nome também mencionado por Horácio em Odes I. 33. 2),
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Dórica (a quem Heródoto chama Ródope, ignorando, segundo
M E
Ateneu, que fossem duas pessoas diferentes; teria sido amante
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de Cáraxo, irmão de Safo, a poeta), Arquedice de Náucratis
(segundo Heródoto, origem de belas meretrizes, II. 135. 5),
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18, 19; II. 5, 6, 7, 13, 13b, 14, 19, 24a, 29b, 30b, 32, 33a, 34b;
III. 21, 24, 25; IV. 7, 8); de Délia e Nêmesis em Tibulo (I. 1,
2, 3, 5, 6; II. 3, 4, 5, 6); de Corina (Amores I. 5, 10, 11, 12, 14;
II. 6, 13; III.12; personagem também do Diálogo das cortesãs
de Luciano) e Cipásside (II. 7 e 8) em Ovídio; Lídia (Odes I.
8, 13, 25; III. 9), Glícera e Mírtale (Odes I. 33) em Horácio.
Paralelamente, encontramos mulheres nobres figurando como
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meretrizes, por exemplo, em Propércio (III. 11. 39-42), que
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representará Cleópatra como meretrix regina, rainha prosti-
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tuta, e em Juvenal, que, na famosa sátira contra as mulheres
(Sátiras, VI. 115-135), descreve Messalina, esposa do imperador
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Cláudio, como meretrix Augusta, atuando num bordel sob o
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pseudônimo Lícisca. Ainda no gênero satírico, são de interesse
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a descrição de meretrizes (como Origo, que teria atuado em
farsas populares chamadas mimos) na sátira horaciana I. 2.
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7 anos de idade).
Na comédia latina, a figura da meretrix contrasta com as
da matrona e a da uirgo. Tradicionalmente, a primeira repre-
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uma mulher de baixo status social que, por sua generosidade
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e virtuosidade, transcende a má reputação associada às mere-
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trizes. Terêncio escreve duas peças em que o roteiro gira em
torno do romance entre bonae meretrices (Báquide em Hecyra
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e Taís em Eunuchus) e jovens provenientes de famílias ricas
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(para um perfil detalhado da bona meretrix, ver Gilula 1980).
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Plauto também representa meretrizes apaixonadas, cujo obje-
tivo no enredo não é extorquir seus amantes, como Filênio
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o dinheiro para comprar a meretriz que ele mesmo amava e,
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em seguida, é deserdado.
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As representações literárias das meretrizes refletem, enfim,
a curiosa ambivalência que circunscreveu a realidade histórica
PA V
dessas mulheres simultaneamente entre o desejo e o desprezo.
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Referências
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Fontes históricas
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VI. Texte établi et traduit par Alfred Ernout. Paris: Les Belles
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Lettres.
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PLAUTE. 2001. Comédies: Amphitryon, Asinaria, Aulularia.
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Tome I. Texte établi et traduit par Alfred Ernout. Paris: Les
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Belles Lettres.
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PRADO, J. B. T. 1990. Elegias de Tibulo. Introdução, tradução e
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notas. Dissertação de mestrado em Letras Clássicas na Univer-
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Virgo
por Amy Richlin
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é apenas um rótulo, que significa «garota livre solteira».
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Como tal, ela é uma exceção importante à regra de que
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virgens livres não falam no palco nas primeiras comédias
romanas. Em outras peças de Plauto, meninas livres estão fora
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do palco: dando à luz como resultado de estupro (Aulularia),
M E
apenas tendo dado à luz (Truculentus) ou, ainda, usadas como
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um motivador da ação (Trinummus). Virgo também é única
por ser filha de um parasita, um tipo de personagem comum
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falando acima não apenas do cafetão, mas de Toxilus e Saga-
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ristio. Seus discursos, então, apelam, muitas vezes, diretamente
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ao público (ver Richlin 2017, 260-265).
Ela poderia muito bem esperar que eles simpatizassem com
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ela. As primeiras comédias romanas se desenvolveram durante
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uma época de guerras constantes em todo o Mediterrâneo,
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incluindo a Península Itálica, e a guerra frequentemente envolvia
escravizações em massa quando as cidades eram saqueadas.
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personagem-título da Andrômaca de Ênio, uma peça conside-
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rada tão importante que gerações de alunos memorizaram os
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discursos de Andrômaca, como sabemos por Cícero (Tusculan
Disputations, 3. 53). O cruzamento de gêneros, se presente para
PA V
os espectadores, pode muito bem ter sido visto como engraçado,
M E
como quando o Pernalonga se veste de personagem de uma
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grande ópera. No entanto, mesmo assim, isso só teria reforçado
a qualidade de estrela de Virgo.
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Seu pai responde que ela tem um dote em sua coleção de livros
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bem haver um jovem menino escravo, talvez ele próprio expe-
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riente em exploração sexual, o impacto desse personagem sem
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nome é redobrado. Porém, falar em Drag em Plauto é algo
complexo pelo estado desconhecido dos atores sob o traje envol-
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vente e a máscara coberta que, provavelmente, foram usados (ver
M E
Richlin 2017, 281-303). A audiência também era mais complexa
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do que podemos imaginar, pois eles sabiam o que a escravidão
significava por dentro e seus conhecimentos variavam de pessoa
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para pessoa. Mas Virgo não tem nome. Diante disso, quem vai
R
Referências
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Fontes históricas
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Obras de referência
HARDY, C. S. 2005. The Parasite’s Daughter: Metatheatrical
Costuming in Plautus’ Persa, Classical World, 99.1, p. 25-33.
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A presença das mulheres na Poesia e na História
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RICHLIN, A. 2017. Slave Theater in the Roman Republic:
R ISÃ
Plautus and Popular Comedy. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press.
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Syra
por Amy Richlin
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cador de Plauto. Ela representa um grande grupo de escravas
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domésticas colocadas no palco, muitas das quais não têm ne-
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nhuma fala ou têm apenas algumas, mas tendem a apoiar suas
donas, pelo menos fisicamente (ver James 2012). Ela entra
PA V
carregando a bagagem de seu dono e, como outros escravi-
M E
zados no palco, ela reclama de seus fardos enquanto seu dono
O R
a repreende por sua lentidão (Para as circunstâncias históricas
por trás da representação da escravidão nas peças de Plauto,
C A
disso, por seu nome, “Syra”, ela representa outro grupo insul-
tado: os escravizados da Síria, estereotipados tanto nas peças
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a infidelidade do cônjuge como fundamento para o divórcio.
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Ela conclui estimando que, se assim fosse, mais maridos se
divorciariam de suas esposas do que vice-versa.
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A importância desse discurso não é realmente prejudi-
PA V
cada pelo fato de que as esposas, em várias peças de Plauto,
M E
ameaçam se divorciar de seus maridos: Alcumena em O Anfi-
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trião, devido à sua acusação de que ela foi infiel a ele; a esposa
de Menecmo em Os Menecmos, cujo marido está de fato visi-
C A
rígida!” Nós devemos nos perguntar qual teria sido seu efeito
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Referências
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Fontes históricas
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PLAUTUS. 2011. The Merchant, The Braggart Soldier, The
M E
Ghost, The Persian. Edited and Translated by Wolfgang de
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Referências bibliográficas
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235-237.
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Figurante n’O livro de Catulo, a personagem literária inaugura
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para os textos romanos uma sequência de personagens femininas
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presentes nos textos elegíacos e epigramáticos, com os quais
interagem os escritores dessas poesias e que os levam à loucura, à
PA V
possessão sentimental, ao sofrimento, e que os motivam mesmo
M E
à escrita. O nome não era o de uma pessoa romana que convivia
O R
com Catulo, mas era relacionado à ilha de Lesbos e sua expli-
cação é ambígua: pode ter sido motivada pela inspiração que
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foi Safo para o poeta romano, já que a autora vivera nessa ilha;
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bonitas.
Entretanto, como primeira personagem do tipo, Lésbia
também é identificada com uma mulher na História de Roma:
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veis. Nesse contexto, estabeleciam-se relações de clientelismo,
R ISÃ
nas quais algumas famílias ricas de origem menos tradicional
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dependiam ou se associavam com as mais importantes, como
era a dos Metelos ou dos Julios. Também nesse contexto, a
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cultura romana havia se transformado: a inserção de gêneros
M E
poéticos como a elegia e a epigramática ressaltam uma vida
O R
social mais próxima dos banquetes, jantares que se ofereciam
a tais clientes. Ao mesmo tempo, os anos finais da República,
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negar a guerra e o político e observar os desejos e sentimentos
R ISÃ
cotidianos. Nessa poesia, Lésbia apareceria como uma repre-
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sentação de Clódia, mas certamente idealizada e cheia de inter-
PA V
ferências imaginárias da poesia. A interpretação de Quinn, em
M E
certa medida, dá azo a uma visão romantizada da relação de
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Catulo e Lésbia, na qual se figuraria uma mulher de classe alta
e que era, como uma espécie de musa, extremamente desejada
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de Catulo).
De um ponto de vista da historiografia e da crítica lite-
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confissão, ao mesmo tempo que de uma crítica um pouco épicas
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ou dramáticas. Em Wiseman (1985), e com menor debate em
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Vasconsellos (1991), Lésbia é entendida como uma mulher mal
compreendida por sua cultura e, por isso, tão desejada por Catulo
PA V
e ao mesmo tempo tão ofendida por ele. Enquanto mulher de
M E
alto calão, ela estaria acima do poeta e teria com ele uma relação
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de poder, assim ele confessava seus desejos, a via sendo livre e
assumindo uma vida independente do marido, mas ao mesmo
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Lésbia ressalta-se também uma na literatura brasileira. Em 1890,
R ISÃ
a escritora Maria Benedita Cândida Bormann, mais conhecida
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com o nome que emprestou de outra personagem antiga, Delia,
PA V
escreveu o romance Lesbia. No romance, com certa dúvida
M E
biográfica, Delia se inspira na Lésbia de Catulo para narrar a
O R
história de uma mulher de elite no Brasil aristocrático que se
entediava com seus homens, abandonava o marido e procu-
C A
Referências
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Fontes históricas
BORMANN, M. B. C. 1999. Lesbia. Florianópolis: Editora
Mulheres.
CATULO. 1996. O livro de Catulo. Tradução de J. A Oliva
Neto. São Paulo: EDUSP.
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World Classics. Edited and translated by D. H. Berry. New
York: Oxford University Press.
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Michigan: The University of Michigan Press.
RICHLIN, A. 1992. The garden of Priapus: sexuality and
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aggression in Roman Humor. Nova Iorque: Oxford Univer-
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SKINNER, M. B. 2003. Catullus in Verona: a reading of the
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VASCONCELLOS, P. S. 1991. Catulo: O cancioneiro de Lésbia.
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São Paulo: Hucitec.
WISEMAN, T. P. 1985. Catullus and his world: a reappraisal.
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988
Cíntia
por Paulo Martins
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ciona entre os chamados poetas augustanos ou poetas da Época
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de Otávio Augusto. A poesia de Propércio é exclusivamente
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elegíaca, tendo como precursores, ora na poesia grega arcaica
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com Mimnermo de Colofon (630 aEC – 600), ora na poesia
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helenística com o poeta e bibliotecário de Alexandria, Calímaco
de Cirene (310 aEC – 240), ora na poesia que o antecede em
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Roma, com os poetas novos (poetae noui) ou neotéricos, Catulo
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(84 aEC – 57) e Cornélio Galo.
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e Corina.
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deliberado de Propércio e dos outros elegíacos e líricos. Importa
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ao autor construir um jogo, ludus ou iocus, em que seus leitores
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acabam por se reconhecer em suas personagens ficcionais.
Cíntia, portanto, é persona poética e não persona histórica, já
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que a distância entre a ficção e a história já fora enunciada por
M E
Aristóteles muito tempo antes (Aristóteles. Poética, 9). Mais do
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que isso, Cíntia e todas suas «companheiras» na poesia possuem
características semelhantes, como bem demonstra Maria Wyke
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(2007).
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(vida) e a segunda de nomeá-la scripta puella (menina escrita).
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Chamar alguém de «vida» é comum até nos nossos dias,
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entre pares amorosos isso é muito comum. Aquilo que para nós
responde ao nível de importância do «outro» em relação ao «eu»,
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em Propércio é, acredito, sinônimo de narrativa – pensemos
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no gênero historiográfico «vidas» ou «biói» – de uma elabo-
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ração linguística, um enunciado, afinal a vida não passa de uma
sucessão de eventos conexos e consequentes, portanto ligados
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motiv é Cíntia e ela mesmo, sua vida e sua escritura, pois que
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(mar) é metáfora de poesia épica e Basso, um poeta «baixo»
R ISÃ
(é palavra cognata de bassus) de iambos. Assim, Cíntia está
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sendo assediada por poetas, representantes de gêneros poéticos
confins à elegia. Temos então que a poesia/amada (Cíntia) está
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sendo ameaçada por personas que são simultaneamente rivais
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amorosos e êmulos poéticos de Propércio, poeta e amante.
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A polissemia está instaurada. Cíntia, poesia, está encurralada
por poetas cortejadores. Cíntia, amada, está sendo posta à prova
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amor). E qualquer coisa que ela fale ou faça, ele, poeta e amante,
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arquetípicas, Frina de Tebas, Taís de Atenas e Laís de Corinto.
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Se repensarmos os três níveis de significação para a tríade
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amada/poesia, amante/poeta e rival/êmulo, a vulgarização de
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Cíntia aponta para o entendimento de que Cíntia, muitas vezes,
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converte-se completamente em poesia. Assim, ao compará-la a
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Helena, ao dizer que ela está na boca de Roma (uma catacrese);
ao colocá-la lado a lado das três meretrizes, Propércio constrói
C A
é dado «ler» uma mistress. Sua mulher também era uma poesia.
Mas Propércio não foi tão inovador, um de seus êmulos,
Catulo (87 – 57 aEC), valeu-se do mesmo expediente poético,
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Referências
Fontes históricas
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TI O
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by Christopher P. Jones. Cambridge, Mass.: Harvard Univer-
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M E
São Paulo: Penguin/Cia. das Letras.
O R
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Guilherme Gontijo Flores. Belo Horizonte: Autêntica.
C A R
Obras de referência
ÃO PA
University Press.
N
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994
DÉLIA
por Maria Ozana Lima de Arruda
TI O
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pacífico de vida amorosa no campo (Maltby 2002, 43-44).
R ISÃ
Délia, conforme retratada por Tibulo, seria uma mulher casada,
LH
pois aparece relacionada a um coniunx, ou, uma vez que não
use os trajes típicos de uma matrona romana, poderia ser uma
PA V
libertina, isto é, uma escrava liberta, possivelmente ligada em
M E
um relacionamento amoroso a um homem, rival do poeta
O R
(Maltby 2002, 44). Tibulo teria vivido aproximadamente entre
55 aEC - 19 aEC e escreveu em dísticos elegíacos uma obra
C A
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X), identifica Délia com uma mulher de nome Plânia, tradução
R ISÃ
do nome grego de Délia (δῆλος = planus), possibilidade que
LH
é atualmente refutada e considerada apenas um palpite de
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Apuleio baseado na equivalência do significado dos dois nomes
M E
(Maltby 2002, 44).
O R
Tibulo escreveu durante o que chamamos de período
Augustano e fez parte do círculo de Valério Messala Corvino,
C A
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Amores, III. 9. 31, 51-52), em referência ao fato de que ela
R ISÃ
é celebrada no primeiro livro, em contraste com Nêmesis, a
LH
puella do livro 2.
PA V
Referências
M E
Fontes históricas
O R
APULEI PLATONICI MADAURENSIS OPERA QUAE
SUPERSUNT: Pro se de magia liber (Apologia). 1972. Ed.:
C A
Obras de referência
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997
Compêndio Histórico de Mulheres da Antiguidade
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M E
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Corina (Ovidiana)
por Guilherme Horst Duque
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de elegias eróticas, os Amores, seguindo a tradição estabele-
R ISÃ
cida por Catulo, Galo, Tibulo e Propércio de dedicar elegias
LH
amorosas a uma puella literária. Seu nome, derivado do grego
κόρη – kore (menina), é também uma alusão à poetisa lírica
PA V
grega homônima do século V aEC. A primeira aparição de
M E
Corina nos Amores se dá na quinta elegia do primeiro livro
O R
(Am. I, 5.9), onde se lê o desenrolar de uma união sexual em
uma tarde quente. O poeta se encontra em um quarto privado,
C A
com a inscrição (Am. II, 13, 25): «seruata Naso Corinna» (Nasão,
pela cura de Corina). Semelhantemente, Corina também tem
um papel importante em Am. II, 6 (elegia em que se lamenta
a morte do papagaio da jovem, seguindo o modelo de Catul.
II), em Am. II, 11 (em que o poeta lamenta a ausência da
jovem, que se encontra em viagem, e os perigos de se partir em
jornadas ultramarinas) e em Am. II, 12 (em que o poeta come-
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mora o acesso que conquistou a intimidades com a jovem).
R ISÃ
Em todos esses casos, porém, a jovem não é mais que o meca-
nismo introdutor de um outro tema que será desenvolvido
LH
pelo poeta, a saber, a morte do papagaio, a invectiva à ausência
PA V
da amante, e a celebração da habilidade de sedução do poeta,
M E
respectivamente. Outras breves menções anedóticas de Ovídio
O R
a Corina podem ser encontradas em Am. I, 11; II, 8; II, 17;
II, 19; III, 1; III, 7; e III, 12, além de duas outras passagens
C A
na Ars Amatoria (Ars III, 538) e nos Tristia (Tr. IV, 10, 60).
R
pelas quais Ovídio passa com uma amante não nomeada que
poderia ser interpretada como Corina. No entanto, em mais
de uma ocasião o poeta alude a relações que teve com outras
R ÃO
mulheres (cf. por exemplo Am. II, 10 e III, 7, 23-24), o que nos
impede de afirmar definitivamente que em todos os encontros
VO RS
Corina.
A historicidade das puellae elegíacas é um tema deba-
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1000
Apuleio em Apologia (10.2-4), que identifica Clódia (Lésbia),
Hóstia (Cíntia) e Plânia (Délia) como as amantes históricas de
Catulo, Propércio e Tibulo – note-se, porém, que a identidade
de Corina não figura na lista. Evidentemente, não temos meios
de comprovar se tais equivalências seriam factuais ou não,
mas desde meados da década de 1980 a crítica literária tem
enfatizado a textualidade da puella elegíaca, lendo-a como um
TI O
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recurso literário, um elemento estrutural do gênero elegíaco
R ISÃ
sem vínculos com a realidade. Esse é um traço que marca, por
LH
exemplo, os estudos de Maria Wyke, Paul Veyne e Duncan F.
Kennedy em meados das décadas de 1980 e 1990. Estudiosos
PA V
mais recentes, no entanto, como Sharon L. James, buscam
M E
conciliar a ficcionalidade dessas personagens com as condi-
O R
ções materiais históricas do período em que os textos que as
imortalizaram foram escritos.
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importante notar que os acordos de compensação financeira
R ISÃ
em troca de favores sexuais, cujos termos são geralmente claros
LH
na comédia, são muito mais voláteis na elegia. Apesar dos
indícios de que as puellae tenham uma expectativa de ganho
PA V
material em seus romances, os termos da transação não são
M E
prescritos ou combinados antecipadamente, mas são condu-
O R
zidos informalmente em um jogo de solicitação e resistência
entre a amante e o poeta (cf. e.g. Ars I, 417-436). A única
C A
16).
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esclarecer que o texto em si não faz nenhuma ligação explícita
R ISÃ
entre os episódios, mas é possível relacioná-los tendo em mente
LH
o lugar comum da viagem como tentativa de se escapar a um
amor danoso (ver, por exemplo, Plauto Merc. 80-84, e Ovídio
PA V
Rem. 213-224). Os eventos de Am. II, 12, elegia seguinte,
M E
reforçam tal hipótese, pois o poeta celebra o acesso renovado
O R
à jovem, que presumivelmente teria retornado. À união do
C A
Referências
Fontes históricas
APULEIUS. 2017. Apologia, Florida, De Deo Socratis. Trans-
lated by C. P. Jones. Cambridge, MA: Harvard University
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Oxford: Oxford University Press.
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Oxford University Press.
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PA V
Remedia Amoris. Edited by E. J. Kenney. Oxford: Oxford
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and translated by Wolfgang De Melo. Cambridge: Harvard
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WYKE, M. 1994. Taking the woman’s part: engendering
Roman love elegy, Ramus, n. 23, p. 110-128.
1004
Dipsas
por Gabriel Paredes Teixeira
TI O
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tradição da elegia erótica latina, que possui como uma de
R ISÃ
suas principais características a grande ênfase às aventuras
LH
e desventuras amorosas do poeta (Citroni et al. 2006, 548).
Dipsas é apresentada como uma velha alcoviteira (lena) que
PA V
tenta convencer a amada do poeta a abandoná-lo em prol de
M E
amantes ricos. A velha é descrita como uma feiticeira conhe-
O R
cedora das artes mágicas e seus conselhos à jovem amada
(que Ovídio não nomeia no poema, mas que podemos crer
C A
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designar um tipo de serpente, cuja picada era capaz de gerar
R ISÃ
sede extrema em suas vítimas, o que sugere uma natureza traiço-
LH
eira da personagem, que é comparada a um animal peçonhento
(Cokayne 2003, 146).
PA V
As capacidades mágicas atribuídas à Dipsas pelo poema
M E
são várias: a reversão do curso das águas dos rios, a utilização de
O R
ervas, da secreção das éguas no cio (substância conhecida como
hippomanes e utilizada para a confecção de poções de amor) e
C A
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gerar destruição através do olhar pode ser encontrada na enci-
AR
clopédia escrita por Plínio, o antigo (História Natural, VII. 18).
R ISÃ
Transformações de feiticeiras nas aves striges – corujas que se
LH
alimentavam de sangue, principalmente de crianças – são apre-
PA V
sentadas por Ovídio (Fastos, VI. 131-140) e Petrônio (Satyricon,
M E
LXIII). A utilização do rhombo como uma ferramenta mágica para
O R
atrair o amor foi representada na poesia de Propércio (Elegias,
C A
III. 6. 25) e de Marcial (Epigramas, IX. 29. 9). A invocação de
R
Referências
Fontes históricas
APULEIUS. 1996. Metamorphoses (in two volumes). Translated
by A. Hanson. Cambridge, MA: Harvard University Press.
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1008
A presença das mulheres na Poesia e na História
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art: new thoughts on an old image, Magic, Ritual, and Witch-
R ISÃ
craft, vol. 3, n. 2, p. 119-155.
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Canídia e Ságana
por Semíramis Corsi Silva
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sagae, anus, maleficae) criadas por Quinto Horácio Flaco (65-8
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aEC), poeta latino que mais escreveu sobre o tema da magia.
R ISÃ
Elas aparecem nas Sátiras (publicadas entre 35 e 30 aEC) e
LH
nos Epodos (publicados em 30). O Livro I das Sátiras foi o
PA V
primeiro publicado por Horácio, embora seja possível que
M E
alguns Epodos tenham sido escritos antes de algumas Sátiras.
O R
Não podemos precisar, portanto, a ordem exata de aparição
dessas personagens, havendo pesquisadores que apontam o
C A
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traços de individualismo, há poderes diferenciados respeitados.
R ISÃ
Elas também apresentam certo profissionalismo, pois conhecem
LH
bem os gestos que compõem o ritual. Canídia se destaca nesse
poema e, da mesma forma, ela aparecerá mencionada sozinha
PA V
novamente nas Sátiras II, 1 e II, 8 e no Epodo 17, esse último
M E
sendo um poema dedicado somente à ela, quando o poeta se
O R
redime perante à feiticeira (verso 1 ao 52) e lhe deixa falar
(verso 53 ao 81).
C A
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como poções, fumo ou unguentos.
R ISÃ
Outro elemento interessante das feiticeiras literárias
LH
que Horácio não deixa de utilizar em suas personagens é seu
estado animalesco em algumas ocasiões. Canídia e Ságana
PA V
uivam (ululantem), escavam a terra com as unhas e rasgam
M E
um cordeiro negro com os dentes na Sátira I, 8. E Horácio
O R
compara Ságana a um javali (aper) em fuga no Epodo 5.
C A
Na Sátira I, 8, Horácio coloca Canídia, como no Epodo
R
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AR
de contaminar alimentos.
R ISÃ
A identidade da possível Canídia que teria inspirado
LH
Horácio suscitou diversas hipóteses. Uma delas seria que
Canídia era Cecília de Como, que aparece em poemas de
PA V
Catulo sob o pseudônimo Mecília (Herrmann, 1958). Em outra
M E
interpretação, também de Leon Herrmann, Canídia poderia
O R
ser a irmã de Canídio Craso, um político romano da gens
Canídia que se tornou cônsul em 40 aEC (Tupet 1976, 294).
C A
Ou, ainda, ela poderia ser Cecília, filha de Clódia Metelli (Paule
R
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Segundo Cícero (De Divinatione, I, 30), sagire significava ter
R ISÃ
uma percepção profunda e, por isso, mulheres idosas eram
LH
chamadas de sagae anus, aquelas que conheciam muitas coisas,
PA V
também os cachorros (canes) podiam ser chamados de sagaces.
M E
Já Pompônio Porfírio diz que Ságana teria sido uma liberta de
O R
um senador chamado Pompônio (Tupet 1976, 297). Ságana
é referida na Sátira I, 8 como Sagana maiore, o que poderia
C A
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morais. Era um período de transformações políticas intensas,
R ISÃ
no qual era preciso controlar os romanos, seus atos e as gran-
LH
dezas do Império conquistado.
Assim, a magia (veneficia, maleficium, carmen, ars magica)
PA V
estaria como a cobiça, a avareza, o adultério, também criticados
M E
por Horácio em sua obra, colocando em risco o patrimônio
O R
ético sobre o qual se estrutura a sociedade romana. Ao escrever
C A
seus poemas, Horácio estabelece um diálogo com a camada
social que faz parte e mostra que não admite ser a magia algo
R
Referências
Fontes históricas
CICERO. 1964. De Senectute, De Amicitia, De Divinatione.
Translated by William Armistead Falconer. Cambridge/
London: Harvard University Press (Loeb Classical Library).
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A presença das mulheres na Poesia e na História
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HORACE. 2004. Odes and Epodes. Edited and Translated by
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LUCAN. 1928. The Civil War (Pharsalia). Translated by J. D.
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Duff. Cambridge/London: Harvard University Press (Loeb
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VIRGILIO. 1990. Bucólicas, Geórgicas, Apéndice Virgiliano.
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Obras de referência
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VO RS
1017
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Medeias Latinas
por Fernanda Messeder Moura
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butos míticos essenciais: sua genealogia divina, sua condição
AR
de estrangeira, o uso de feitiços e o assassinato dos próprios
R ISÃ
filhos. A expansão geográfica e cultural das narrativas ligadas
LH
à Medeia, desde a sua proveniência da região da Cólquida,
PA V
na costa do Mar Negro (conforme, por exemplo, Píndaro,
M E
ca. 518 aEC - 438 aEC, na quarta ode pítica), até a reelabo-
O R
ração da sua figura pelos latinos, com acréscimos de aspectos
ritualísticos de tradição etrusca (como na tragédia Medeia ou
C A
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e Tétis), e de Eetes, rei da Cólquida, ele próprio filho de outra
R ISÃ
Oceânide, Perseis, e de Helios, deus sol. Em outras fontes,
LH
Hécate é apresentada como mãe de Medeia.
Aspecto central ao mito de Medeia e às suas adaptações
PA V
pelos poetas antigos é seu amor por Jasão, herói que liderou
M E
os Argonautas, uma geração antes da Guerra de Troia, em
O R
busca do velo de ouro. Hesíodo atribuiu à própria deusa do
amor, Afrodite, a união de Medeia e Jasão (Teogonia, 961-962);
C A
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localidades em que ela as busca para sua magia.
R ISÃ
Ao tratamento trágico do mito de Medeia, a condição
LH
de assassina se mostra central. Eurípides constrói o enredo de
sua tragédia a partir da chegada de Medeia em Corinto, onde
PA V
reinava Creonte e onde habita sua filha, Glauce, dada em casa-
M E
mento a Jasão, após sua expulsão de Iolco, região da Tessália, ao
O R
lado de Medeia, que fugia por ter sido responsável pela morte
de Pélias, rei de Iolco. Exacerba-se, com Eurípides, a figura
C A
fugir pelos ares em uma carruagem por ele enviada para tanto.
Conforme referência de Cícero (Da República 3.9.14), o trage-
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a enfermidade de um espírito acometido por um amor cruel,
R ISÃ
o enfrentamento do parto pela mulher em ato de coragem três
LH
vezes superior ao do homem que combate na guerra, a ira, o
crime, a ruína e a invocação ao Sol. Os dois curtos fragmentos
PA V
de que dispomos da Medeia de Ovídio nos trazem falas da
M E
protagonista que denotam sua capacidade de salvar e destruir
O R
conforme o seu desejo e o estado em que pode entrar como
se tomada por uma divindade. Já no gênero lírico, no terceiro
C A
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que ele lhe ocasionou bem como a ousadia de Medeia em dizer
R ISÃ
ao pai a primazia que confere a seu marido na comparação do
LH
amor que nutria por um (Jasão) e por outro (seu pai). Em sua
defesa a Célio, já em contexto político, é notória a alusão a
PA V
Clódia como a Medeia do Palatino (Palatinam Medeam), isto é,
M E
a alusão a quem teria tentado vingar-se de quem a abandonou.
O R
Do sumário do mito oferecido por Higino (ca. 64 aEC -
17 aEC) é clara a distinção feita entre o status de donzela (uirgo)
C A
Referências
TI O
AR
Fontes históricas
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1024
A presença das mulheres na Poesia e na História
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Ericto
por Anderson Martins
& Carlos Eduardo da Costa Campos
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nário social romano e posterior com suas feiticeiras em cenas
R ISÃ
de amarração amorosa, produção de poções e sacrifício infantil.
LH
Entretanto, neste verbete, temos interesse em analisar outra
importante personagem deste cenário mágico da literatura latina:
PA V
Ericto (Ἐριχθώ), a feiticeira que o poeta Marco Aneu Lucano
M E
(século I EC) apresenta em sua obra Farsália, também conhecida
O R
como Bellum Ciuile.
Preliminarmente, frisamos que toda produção literária é obra
C A
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epistolográficas, bem como por seus elementos relacionados à
R ISÃ
dialética platônica e ética estoica, por exemplo. Dessa forma, a
LH
obra reúne fatos históricos e ficção, como no episódio da consulta
PA V
de Sexto Pompeu à feiticeira tessália Ericto (6. 413-830).
M E
Enquanto uma saga, compreendemos a personagem Ericto
O R
como detentora de um saber – poder que gerava temor em seus
contemporâneos, no âmbito da ficção. De acordo com Georg
C A
Luck (1995, 41), a saga era quem detinha o controle sobre a natu-
R
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realizar a necromancia solicitada para fins espúrios. Os ingre-
R ISÃ
dientes de sua magia envolvem desde uma cobra voadora até a
LH
fênix, fato esse que para Ogden (2002, p. 197) alude às maravi-
PA V
lhas do Egito, descrito por Heródoto (Histórias, 2. 73-5). Ericto
M E
produz sons tenebrosos na narrativa para iniciar o seu feitiço
O R
(667-718), completamente inarticulados, ao contrário das voces
magicae, mas como eles, havia um significado especial nessa forma
C A
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camos que, no segundo ato, Ericto estabelece um discurso em
R ISÃ
que se representa como uma vítima de disforização pelos poetas,
LH
como uma referência à construção de seu retrato por Lucano.
Em suma, Ericto é uma personagem complexa e intrigante
PA V
tanto em Lucano como em suas recepções. Entretanto, sobre a
M E
Ericto de Lucano, cabe salientar que a compreendemos como
O R
a representação da ordem moral invertida, ela transgride cada
limite cuidadosamente mantido em torno do mos maiorum, como
C A
Referências
Fontes históricas
LUCANO. 2011. Farsália: cantos de I a V. Tradução de
VO RS
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ÃO PA
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