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" .

Texto 02
História da América II
Prof. Raphael Sebrian
HISTÓRIA
DOS ESTADOS UNIDOS
· das origens ao século XXI

Leandro Karnal
Sean Purdy
Luiz Esrevam Fernandes
Marcus Vinícius de Morais

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ed itoracontexto
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I

Copyright© 2007 dos autor<s


Todos os direitos dcsca edição rcscn••dos ~
E<!icor:t Contexto (Edicora Pinsky Ltda.)

lmagrm t!r rapa


"WashingtOn crossing Oelawarc",
Emonucl Leurzc, 1851 (Óleo sobre rela).
Momagmt tk upa
Antonio Kchl
SUMÁRIO
Consuúorin hittórica
Corla Bamne:ú Pinsky
Díagm11111(âo
Gus~avo S. Vilas Boas

Rtvisão
Lilian Aquino
Ruth Mic:wic Kluska

Dados lnccrnacionais de Caralosação na Publicação (CIP) APRESENTAÇÃO ................................................................................ 9


(Câmara Brasileira do Livro, SP, llrasil)
História dos Est<tdos Unidos: das origens ao
século XXII - le<tndro lúrn:tl ... let ai.). 2. ed.
INTRODUÇÃO ................................................................................. 11
-São Paulo: Contexto, 2007. úandro Kamnl

Outros autores: Marcus Vinícius de: J\~orais, Luiz. UM PRJMEI RO OLHAR .............................................................................. 11
Esccvam Fernandes, Scan Putd)'·
Bibliogr:~fi:o. CAso ANTIGO......................................................................................... 14
ISBN 978-85-7244-361-G
No BRASIL ............................................................................................. 18
I. Esrados Unidos - História I. l<;,rnal,
Leandto. II. Mor:lis, Marcus Vinráus de. III. PoR FIM ................................................................................................. 21
f-crnandes, Lui1 Escev<tm. IV. Purdy. Sean.
07-2384 coo. 973
fndicc para car~logo siscem:lrico:
I. Esudos Unidos: Históri• 973 A FORMAÇÃO DA NAÇÃO ........................................................... 23
Leandro Knrnal
EDITORA CONTEX1'0
Oirctor editorial: jaimr l'insky
COMPARAÇÓES INCÓMODAS ................................................................... .. 25
Rua Dr. José Elias, 520- Alro da upa
05083-030 - São Paulo - sr Outras explicações ............................................................................................ 26
PABX: (11) 3832 5838
COI\tcx&O@edicoracontcxto.com.br 0 MODELO ORJGINAL: A INGLATERRA ................................. ...................... 31
ww,..·.editorac:ontc:xto.com.br
A ascensão dos Tudor ....................................................................................... 31
O século XVII e os Sruart ................................................................................... 35

0 INÍCIO ............................................................................................... 39
Proibid• a reprodução &oc:!.l ou pucial.
Os infr:uor<S serio procasados na forma da lei. O difícil nascimenro da colonização ................................................................ 40
Nova chance para a Virgínia ............................................................................. 42
Quem veio para a América do Norte? .............................................................. 44
Os peregrinos e a Nova Inglaterra .................................................................... 46
Educação e religião .................................................................................... _..... 47

L
A FORMAÇÃO DA NAÇÃO
"Ó admirável mundo novo em q~te vivem tais pessoas!"
Shakesp~ãr~'" •
3
COMPARAÇÕES INCOMODAS

Por que os Estados Unidos são tão ricos e nós não? Essa pergunta já
provocou muita reflexão. Desde o século XIX a explicação dos norte~americaros
para seu "sucesso" diante dos vizinhos da América hispânica e portuguesa fOi
clara: havia um "destino manifesto", uma vocação dada por Deus a eles, um
caminho claro de êxico em função de serem um "povo escolh ido".
No Brasil sempre houve desconfiança sobre a idéia de um-"dêstino
manifesro" que privilegiasse o governo de Washington. Porém, muito
curiosamente, criou-se aqui uma explicação cão f.·mtasiosa como aquela. A
riqueza deles e nossas mazelas decorreriam de dois modelos históricos: as
colónias de povoamento e as de exploração.
As colónias de exploração seriam as ibéricas. As áreas colonizadas por
Portugal e Espanha existiriam apenas para enriquecer as metrópoles. Nesse
modelo, as pessoas sairiam da Europa apenas para enriquecer e retornar ao
país de origem. A América ibérica seria um local para suportar um cerro
período, extrair o máximo e retornar à pátria européia. Da mesma forma
que aventureiros e degredados que enchiam nossas praias, o Estado ibérico
também só tinha o interesse na exploração do Novo Mundo e obter os
maiores lucros no m enor praw possível. Sobre portugueses e espanhóis
corrupros e ambiciosos pairava um Estado igualmente corrupto eambicioro.
O escritor Manoel Bonfim consagrou, no início do século XX, a metáfora
desse Estado: a coroa ibérica seria idêntica a um certo molusco que só posswa
sistema para entrada e saída de alimentos. 1 Estado sem cérebro, sem método,
sem planejamenco: apenas com apareU1o digestivo-excretor - essa en. a
imagem consagtada do português que nos pariu.
Cm ll'AMÇÕES D'CÓ~I()Il\S 21
1115TÓR1A DOS ESTADOS UNIDOS

O oposto das colônias de exploração seriam as de povoamento. Para lá.


as pessoas iriam para·morar definitivamente. A atitude não era predatória,
mas preo~upada com o desenvolvimento local. Isso explicaria o grande
d csenvolvtmento das áreas anglo-saxônicas como os EUA. Famflias bem
constituídas, pessoas d e alto nível intelectual e sólida base religiosa: tais
seriam os colonos que originaram o povo norte-americano.
Há uma idéia associada a essa que versa sobre a qualidade dos colonos.

•.
Para as colôniasde exploração, as metrópoles enviariam o "refugo": aventureiros
sem valor que chegariam aqui com olhos fixos no desejo d e ascensão. As
colônias de povoamento receberiam o que houvesse de melhor nas metrópoles,
- -;;. zeAté <le valor que, p erseguida na Europa, viria com seus bens e cultura para ·.- ~::{~
o Novo Mundo trazendo n a bagagem apenas a honradez e a Btblia. ..".. ~
.. .
. . .•
Pronto! A explicação é perfeita! Somos pobres porque fomos fundados . . ..,
. ..
pela escó~ia~a Europa! Os Estados Unidos são ricos porque tiveram o privilégio •':" ~ ...
..
' _·.. .._·· ... . . ..
.
da col_omzaçao de alto nível da Inglaterra. Adoramos explicações polares: Deus
~
..·-..
e o dtabo, povoamemo e exploração, preto e branco. Os livros didáticos
consagraram isso e o bloco binário povoamemo-exploração p enetrou como
um amplo e lógico conceito em muitos corações. Os EUA foram d estinados A chegada dos ingles6s A VNpfnia, ~ustração de Theodor do Bry (1590).

P? r D~us ao sucesso .e os latinos condenados ao fracasso pelo p eso da origem


htstónca. Ambos detxavam de ser agentes históricos para serem submetidos A configuração geográfica era só o início. A diferença maior estaria
ao peso insuperável da vontade divina e da carga do passado. entre a postura colonizadora católica e protestante. Na Idade Média, a Ign:ja
Católica d esconfiou do lucro e dos juros. O ideal católico era a salvação da
alma; o progresso econômico era visto com desconfiança. Demônio e riqueza
OUTRAS EXPLICAÇOES estavam constantemente associados na ética ibérica.
Os protestantes, no entanto, particularmente os calvinisras, desenvolva:un
Vianna Moog con testava várias d essas postu ras na obra Bandeirantes e
postura oposta. Deus ama o trabalho e a poupança: o dinheiro é sinal externo da
pfoneir~s. Escrita no debate do N Centenário de São Paulo, o autor gaúcho
2

graça divina. O ócio é pecado, o luxo também: assim falava o austero advogado
amda dt,aloga com temas que foram caros a Paulo Bonfim e Gilberto Freyre:
Calvino, na Suíça. Protestantismo e capitalismo estão associados profunda-
o que ha de específico na formação social brasileira? Tal como os dois autores
mente, conforme analisou .Max·Weber, muito eirado por Moog.
d o Nordeste, Moog recusa a idéia d e raça como elemento definidor para 0
Lembrando esses fatores, M oog destaca como as colonizações do Brasil cdos
sucesso o~ não d e uma ci viliza~o. O inglês n ão é melhor do que o português.
EUA foram baseadas em pressupostos diferentes. Se em pontos como a geografia
Às d tferenças entre brastleiros e norte-americanos, prefere fatores
e as raças ele parece preso a um debate antigo, em ourros aspectos, como vida
gco~ráficos e _c~l turais. Quanto à geografia, o autor destaca para os Estados
cotidianae organização do espaço doméstico, ele continua um arguto observador.
Um dos as ~ac~h~a?es de planícies imensas e rios excelentes para a navegação,
Mais recentemente, Richard .Morse indicou outros caminhos para essa
como o .Mtsstsstpt. A natureza norte-americana, ao contrário da brasileira,
facilita em muito o trabalho do colonizador. No Brasil, a Serra do Mar e os questão no texto O espelho de Próspero. O norte-americano afirma que o
rios encachoeirados dificultariam a ação colonizadora. O s analistas atuais dito subdesenvolvimento da América Latina é uma opção culruraL Em outraS
costumam ironizar esse aparente "determinismo geográfico". A temática palavras, o mundo ibérico n ão ficou como está hoje por incompetência ou
das relações História-Geografia estava em alta d esde o fim do século XIX e acidente, mas porque assim o d esejou. As diferenças entre a América aoglo-
cresceu com a obra de Fernand Braudel sobre o espaço do M editerrâneo. saxônica e a ibérica são frutos de "escolhas politicas".
28 HJSTÕRIA DOS llSTADOS UNIDOS C0;>-!1'.\R.\ÇÕES J:o-:CÔMODt\S 29

A expressão de Morse pode gerar dúvidas. O que significaria, na verdade, O mundo ibérico dá a idéia de permanência. Construir e reformar ao
"desejo e opção"? Não se trata aqui de tornar a América ibérica um indivíduo, longo de três séculos uma catedral como a da Cidade do México não é
como se o continente tivesse uma vontade própria, fizesse escolhas ou atitude típica de quem quer apenas enriquecer c voltar para a Europa. A
apresentasse desejos... Morse destaca aqui a ação dos construtores da história da solidez. das cidades coloniais espanholas, seus traçados urbanos e suas pesadas
América ibérica, os homens que nela viveram e vivem, e que criaram nesse espaço construções não harmonizam com um projeto de exploração imediara.
um mundo de acordo com suas visões. É evidente que não é possível tratar esses O europeu que viesse para a América, em primeiro lugar, deveria ser
homens como se dvessem un1a visão clara do que seria o futuro, como profetas de uma coragem extrema. Uma vez. aqui, sua volta tornava-se extremamente
e críticos da sociedade que construíam. M as deve-se af.tstar, segundo Morse, a difícil. Em pleno século XIX, Simón Bolívar, membro de uma das famílias
idéia de acidente, como se a América Latina fosse fruto do acaso. mais ricas e ilustres da América, teve dificuldades em obter licença para
O primeiro deles, que contesta várias idéias sobre a colonização da estudar na Eúropa. E óbvio que a atração das riquezas da América foi force.
América, é que a ibérica foi, em quase todos os sentidos, mais organizada," Porém, poucas pessoas tinham liberdade para ir e vir nas Américas.
planejada e metódica que a anglo-saxônica. Caso atribuamos valor à No limite do cômico, aqueles que apelam para a explicação de colônias
organização, é inegável que a colonização ibérica foi muito "melhor" que a de povoamento e exploração parecem dizer que, caso um colono em Boston
anglo-saxônica. no século XVII encontrasse um monte d e ouro no quintal, diria: "não vou
Na verdade, só podemos falar em projeto colonial nas áreas portuguesa pegar este ouro porque sou um colono de povoamento, não de exploração;
e espanhola. Só nelas houve preocupação constante e sistemática quanto às vim aqui para trabalhar não para ficar rico e voltar". Quando os norte-
questões da América. A colonização da América do Norte inglesa, por razões americanos encontraram, enfim, ouro na Califórnia e no Alasca, o
que veremos adiante, foi assistemácica. comporcamenco dos puritanos não ficou muito distante do dos católi~os
. No século XVII, quando a América espanhola já apresentava universidade, das Minas Gerais. A cobiça, o arrivismo e a violência não parecem mutto
bispados, produções literárias e artísdcas de várias gerações, a costa inglesa dependentes da religião ou da suposta "raça".
da América do Norte era um amoiuoado de pequenas aldeias atacadas por Em se tratando da colonização ibérica, devemos seguir o conselho da
índios e rondadas pela fome. historiadora Janice Theodoro da Silva: ''desconfiar da empresa e degustar a
A península ibérica.enviava ao Novo Mundo homens de toda espécie. epopéia". A epopéia incluiu a exploração mercamilista, mas não se reduziu a ela.
Dentre os primeiros franciscanos que foram ao M éxico, por exemplo, estava Não é, certamente, nessa explicação simplista de exploração e
Pedro d e Gante, parente do próprio imperador da Espanha. No Brasil, a povoamento que encontraremos as respostas para as rão gritances diferenças
nova e entusiasmada ordem dos jesuítas veio com o primeiro governador- na América. Entender a especificidade das colônias inglesas na América do
geral. Imaginar o Brasil povoado só por ladrões e estupradores é tão falso Norte significa falar da Inglaterra moderna.
como supor que apenas intelectuais piedosos foram para as 13 colônias.
D ecorridos cem anos do início da colonização, caso comparássemos as NOTAS
d uas Américas, constataríamos que a ibérica tornou-se muito mais urbana I Manoc::l Bonfim, Amtrica u!Ína: m.Jes de origem, 2. ed.• S~o P•ulo, TopBook<, 2005.
e possuía mais comércio, maior população e produções culturais e artísticas ' Vwma Moog, Bandeiranoes e piondros, 3. ed.• PonoAicgrc. Globo, 1?54.
mais "desenvolvidas" que a inglesa. Nesse fato vai residir a maior facilidade
dos colonos norte-americanos em proclamarem sua independência. A falta
de um efetivo projeto colonial aproximou os EUA de sua independência. As
13 colônias nascem sem a tutela direta do Estado. Por ter sido "fraca", como
veremos adiante, a colonização inglesa deu origem à primeira independência
vitoriosa d a América. Quando a Coroa britânica tentou implantar um
modelo sistemático de pacto colonial, o resultado foi o desastre. Em suma,
quando Londres tentou imitar Lisboa, já era tarde demais.
1'1

O MODELO ORIGINAL: A INGLATERRA

.. . '!\ •.

A ASCENSÃO DOS TUDOR

É impossível entender a colonização inglesa e suas particularidades se


não levarmos em conta a situação da pr6pria Inglaterra. Já no século >N, a
Inglaterra enfrentava o mais longo conflito da hist6ria: a Guerra dos Cem
Anos (1337- 1453). Lutando contra um inimigo comum, os irigleses
começam a pensar no que os unia, no que era ser inglês. Porém, mal
terminada a Guerra dos Cem Anos, a ilha é envolvida numa violenta guerra
civil: a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). A família York (que usava
uma rosa branca como símbolo) e a família Lancaster (que usava uma rosa
vermelha) submergiram o país em mais três décadas de violência.
Qual a importância das duas guerras para a Inglaterra? A luta contra a
França estimulou cerra unidade na ilha, reforçando o chamado "esplêndido
isolamento", como os ingleses denominaram seu relativo afastamento do
continente. A sucessão de guerras colabora também para enfraquecer a
nobreza e suscitar no país o desejo de wn poder centralizado e pacificador.
A dinastia Tudor (1485-1603), que surge desse processo, torna-se, de f.uo,
a primeira dinastia absolutista na Inglaterra.
A família Tudor no governo seria responsável pela afirmação do poder
real inglês em escala inédita. Um país cansado de guerras ofereceu-se à ação
dos Tudor sem grandes resistências. A expressão "país cansado" pode dar a
idéia de que a Nação seja um indivíduo. Quem é "o país"? Nesse momento,
é importante destacar que as guerras atrapalhavam as atividades produtivas
e comerciais. Logo, uma das panes do "país" que estava mais cansa<la era
O MODELO ORIGINAL
32 HJS'TÓJUA DOS ESTADOS UNIDOS

constituída por burgueses que, em sua maioria, queriam um poder forre e Os ingleses estavam desenvolvendo a "modernid~de política". Mas no
centralizado. A outra parte do "país", que poderia oferecer resistência - os que ela consistia? Basicamente, seria uma ação polf~1~ mdependente ~a
nobres-, tinha sido duramente atingida pelas guerras. teologia e da moral. Em outras palavras, a ação dos pnnc1pes modernos nao
O poder dos Tudor aumentou ainda mais com a Reforma religiosa procura lcv~r em conta se o que fazem é mora~m~nte corr~to: Os príncipes
(século XVl). Usando como justificativa sua intenção de di,·ó rcio, o rei modernos agem porque tal ação é eficaz para aong1r seus obJenvos, dentre o s
Henrique Vlll rompeu com o papa e fundou o anglicanismo, tornando-se quais 0 maior é conseguir o poder absoluto. Na história pol_ftica da Ingl~terra:
chefe da Igreja na Inglaterra c confiscando as cerras da Igreja Católica. en tre o final da Idade Média e o início da Moderna, esse opo d e príncipe foi
Os dois maiores limjtes ao poder real eram os nobres e a Igreja Católica. comum. Eram príncipes reais, concretos, sem fumos divinos ao redor do trono.
Graças à Reforma e à fraqueza da nobreza inglesa, esses limites foram Essa memória política· pôde servir d e base p ara personagens de
eliminados ou d iminuídos durante a dinastia Tudor. Shakespeare como Macbeth e Ricardo 111. Mesmo ambientando suas ~nas
Se o injmigo francês fora a realidade do fun da Idade Média, na Moderna na Escócia rccdiev:A.l ou na Inglaterra do século anterior ao seu, Shakespeare
' ·- -- ~~iâeria substituído pelo "perigo espanhol", ou seja, o risco de a Espanha remete à memória política dos ingleses, marcada pela astúcia, violência e,
invadir a Inglaterra. Esse risco foi bastante alto (ao menos até a derrota da acima de tudo, por um apego à realidade. . .
Invencível Armada da Espanha, em 1588). Um inimigo force e agressivo Macbeth faz de tudo para conseguir o trono da Escócta. Mata, tra1 e
no exterior refreia críticas internas. Atacar o rei, condutor d a nação, diante personifica um tipo particular de política não muito distante daquele a que
do risco nacional permanente, parecia uma traição. os ingleses haviam assistido no princípio da Idade Modem a. A fala d as
No século XVl, o nacionalismo na Inglaterra fortaleceu-se. O que significa feiticeiras da peça Macbeth mostra que esse é um mundo em que os valores
isto: mesmo com todas as diferenças, cada inglês olha para o outro e sente estão em transformação: "O belo é feio e o feio é belo". Da guerr.a nasce
que há pontos em com um, coisas que os diferenciam dos franceses e uma relatividade nos valores tradicionais, uma das caracterísncas do
espanhóis, formando laços de união entre eles. m oderno. O que valia até aqui pode não valer mais, é isso que as feiticeiras
dizem aos ingleses que assistem a sua fala. .
Ricardo m segue os passos de M acbeth. Que outra figura a hterarura
terá criado com tamanha maldade e falta de escrúpulos? Ele é capaz de
matar crianças e supostos amigos; feio, disforme, repugna~te de corpo c
alma. Ricardo, duque de Glócester, nos obriga a rever o conceuo d e maldad e.
Não obstante, Shakespeare o faz personagem central de uma peça. . .
No final de Ricardo III, Shakespeare anuncia o fim da gue rra Civil c o
advento da paz com o início do governo Tudor. Era preciso descrever como
era terrível o rei que anteced eu a dinastia para a qual o poeta trabalhava. Mesmo
querendo realçar a ruptura en trc Ricardo III e H enrique Vll , Sh~espearea~ba •
nos mostrando quanto a Inglaterra é fruto também de modernidade políttca,
seja ela York, Lancaster ou Tudor. O dramaturg? distancia-se o suficie~te do
poder para analisá-lo, e este, bem ou ~ai exerctd.o: torna-se um conceito .. É
possível, então, jogar com ele, distanciar-se, relauvtzar. Apesar do proverbial
amor shakesperiano à ordem e a poderes absolu~os e sua repu~sa, ~gad~ a
agitações populares, o bardo instalou uma mode~n;dade extraord tnarta. VeJa-
se essa notável modernidade moral quando o v1lao lago (Otelo, o Mouro ~e
As súbi1as mudanças de orientação nas diretrizes religiosas e a convivência com a desordem marcaram a
Veneza- Ato 1, cena 1!1) rejeita qualquer traço externo a suas escolhas pessoais
vida espiritual e politica na Inglaterra do sé<:uto XIII. Na ilustração: perseguição a católicos ingleses. e proclama o primado absoluto da sua vontade indiv idual:
HISfÓIUA DOS C:STAOOS UNIDOS O MODELO ORIGINAL l5
34

Só de nós mesmos depende ser de uma maneira ou de outra. Nossos corpos são No século >.\11, quando se iniciou a dinastia Stuarc,, ~ ilha estava
jardins e nossa vontade é Ó jardineiro. De modo que, se quisermos planrar urtigas
fragmentada em inúmeras denon~inações ~rotestantes, vanos focos de
ou semear alfàces, criar flores ou arrancar ervas, guarnecê-lo com um só gênero de
planras ou dividi-lo em moiros para torná-lo estéril por meio do ócio, ou fértil à resistência católicos e a Igreja Anglicana oficral.
força da indústria, muito bem!; o poder, a autoridade corretiva disro tudo residem
cm nossa vonrade. Se a balança de nossas existências não tivesse o prato da razão
como contrapeso à sensualidade, o sangue c a baixeza de nossa natureza nos O St.CULO XVII E OS STUART
conduziriam às mais desagradáveis conseqüências. Mas possuímos a razão para esfriar
nossas furiosas paixões, nossos impulsos carnais, nossos desejos desenfreados. A Ingla terra escava em tra nsformação. Primeira~ente quant? à
população: havia 2,2 milhões·de ingleses em 1525 e esse numero passana a
O homem é livre. Não existe sina, estrela ou destino. Em ve:z. da política 4 1 milhões em 160 1. A Revolução Agrícola e o progresso das manufàturas
dinásri<.:~ e da crença na legitimidade do poder real, a Inglaterra entra na f~ram da era Tudor um momento de prosperidade.
ld"d:1e! lVfõdérna tendo convivido com a relatividade desses valores. Mas a No século xvu, intensifica-se o processo de cercamentos (enciJJsta'eJ) que
Inglaterra também passa a conviver com outra questão moderna: a tinham se iniciado no final da Idade Média. As velhas terras comuns e os cunpos
diversidade religiosa. abertos, indispensáveis à sobrevivência dos camponeses, estavam sendo ce:n::ad~s
H enrique VIII casara-se seis ve:z.es. Ao casar-se pela segunda vez, rompera e vendidos pelos proprietários, principalmente em função do progress~ deroaçao
com a Igreja de Roma, tornando-se chefe da Igreja inglesa: a Igreja Anglicana. de ovelhas. O capitalismo avançava sobre o campo e o. desenvolVliTlento da
Ao m orrer, deixa como herdeiro seu filho Eduardo VI, de tendências propriedade privada excluía muitos trabalhad~res. Para diversos campoocses, 0
calvinistas. O curto reinado de Eduardo VI é seguido pelo de Maria 1, fim das terras comuns foi também o ftm da v1da no campo.
alcunhada de "sanguinária" pelos ingleses. M aria recebeu esse apelido ao O êxodo rural cresce consideravelmente. As cidades inglesas aumen~
reprimir com grande violência os protestanres e tentar reinstalar o catolicismo e 0 número de pobres nelas é grande. É dessa massa de pobres que saua
na Inglaterra, chegando mesmo a casar-se com o rei Filipe 11 da Espanha, grande parte do contingente que emtgra · para a Arn'enca· em bu.sca de
tradicional inimigo. Ao morrer sem deixar herdeiros, Maria abre o caminho melhores condições. _ .
do p oder para sua meio-irmã, Elizabeth 1, que por quase cinqüenta anos Esse processo de cercamencos e de êxodo rural fot analtsado por ~~
afirmou o anglicanismo como religião da Inglaterra. Marx, que destaca as grandes transformações decorrentes ~ele. O ráp1do
Difícil imaginar a importância da religião no século XVI. Romper com crescimento econômico e as m udanças súbitas de valores cnam uma éyoca
Roma, negar a autoridade do papa, sucessor de São Pedro e figu ra que por em que, segundo Marx, "tudo o que é sólido se desmancha no~.· As
muitos séculos os ingleses respeitaram, representa muito mais do que uma cidades se transformam. Não há verdades absolutas. O mund~ .ttad1c10nal
ruptura política. O s ingleses e o rei, ao fundarem uma nova Igreja, criaram fica diluído inclusive com a ascensão de novos grupos soc1a1s, oomo a
também uma nova visão de mundo. O rei desejou casar-se novameme, o burguesia e a pequena nobreza inglesa. .
papa não autorizou, o rei casou-se m esmo assim. Apesar de todas as A política inglesa do século XVII con_:ive com. o espínto de Macbeth - a
justificativas bíblicas que Henrique VIII usou, o que ele fe:z. foi afirmar a "política moderna"- anteriormente exphcada: os JOgos de poder e a ltu:a pelo
supremacia de sua vontade individual sobre a tradição. Em outras palavras, mundo.AdinastiaStuart, ao tentar governar sem a rédea do Parlamenro, ~ntra
Henrique VIII ~~- sua liberdade contra a tradição, quebra o que "sempre em colisão com uma parte dãsõciedade da ilha. Estoura a Guerra Gvtl e a
foi" e torna válido um ato de rebeldia. Revolução Puritana. O novo líder da Inglaterra, Cr~m~ell, ma~da-~atar
Por meio século, os ingleses conviveram com súbitas mudanças de Carlos 1. O regicídio tinha sido comum nas conspuaçoes d a. htsrona da
orientação nas diretrizes religiosas do país. Ao contrário de uma Espanha Inglaterra, porém, pela primeira ve:z. um rei era mortq após um Julgamenco,
que se unificava em torno do catolic ismo , expulsando judeus e como os franceses fariam no século seguinte com Luís XVI. Ao matarem Cario~ 1•
muçulmanos e perseguindo as vozes discordantes, a Inglaterra conheceu · ' ~ ~ contráno
os ingleses estavam declarando: os reis devem servir a naçao e nao o . ·
a relatividade religiosa. Os juízes, em 1649, declararam que C'lrlos 1 era "· mano, trai"dor, as sassmo e
O ~IODELO ORJCJ'\:.-\1.
36 IIIS'l'ÓRJI\ DOS CSTI\OOS UNIDOS

inimigo público". Como disse o historiador Christopher Hill, a ill1a da Grã- Outro faro r tornava as vidas inglesa e européia bastante difíceis nos séculos
Bretanha tinha virado a "ilha da Grã-loucura". A necessidade concreta de XVI e xvn: a alta de preços. A inflação dos produtos de primeira necessidade
grupos particulares pode vencer tradição e leis. Isso é importante para reforçar escava associada à abundância de ouro e prata que jorrava da Espanha pelo
o que já trararnos várias vezes: o conceito de modernidade política. continente. Os metais retirados da América empurravam os preços para cima
e, como cosruma acontecer, atingiam a classe baixa de forma panicularmente
violenta.Aspenurbaçõessociais!lessesséculossãoconsranres.Afome eapeste,
filhas da inflação e do aumento populacional, varrem a Europa.
Essa situação da Inglaterra explica a inexistência de um projero colonial
sistemático para a América c a pr6pria "ausência" da ~etr6pol~ no _século
xvu. Há a falta de um referenc,i2J ,uniforme que norteie a colomz.açao.
As perseguições religiosas qu~· ~ãr~~ o período ta~bém estimul~~
muitos grupos minoritários, como os quakers, a se refugtarem na Amcnca.
O aumento da pobreza nas cidades favorece grupos sem posses a ver na
América a oportunidade de melhorarem sua vida e ser~m livres. .
Os ingleses que vêm para a América trazem uma tradição cultu~al d1vcrsa
da espanhola ou portuguesa. Os colonos ingleses, por exempl~, convivem com
mais religiões. O senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar
estabeleceria uma possibilidade de opção bem maior, uma visão de mundo
mais diversificada para nortear as escolhas de vida feiras na nova terra.
O Estado e a Igreja oficial, na verdade, não acompanharam os colon~s
ingleses. Aqui eles teriam de construir muita coisa nova, inclusive a memóna.
No entanto, uma nova memória só foi possível graças às transformações
que a pr6pria história inglesa havia sofrido desde o final da Idade Média e
a conseqüente criação de novos referenciais culturais. O fant~ma d~ ~~cbeth
acompanhou os colonos. Suficientemente fluido para permmr a cnaoVIdade.
"'s reis devem servir à nação e não o contrário". Uma sessão no Parlamento inglês, 1641. Suficientemente nítido para resistir à travessia do Arlânrico.

Moderna novamente, a Inglaterra torna-se sede da primeira e efeciva


rev~l.ução burgue~a da Europa (por levar os burgueses ao controle do poder
politico), que, m:us tarde, formularia a Declaração de Direitos, estabelecendo
novas bases para a po11tica. Era a Revolução Gloriosa, que depôs mais um
Stuart em 1688. No mesmo ano, a Frmça vivia o apogeu do absolutismo
sob o governo de Luís xrv, os pofiugueses eram dominados pela dinastia de
Bragança c os espanh6is continuav:un sob o poder dos H absburgo.
Os choques constantes entre rei e burguesia, entre a religião oficial e
grupos reformados, bem como choques entre grupos mais democráticos e
populares contra grupos burgueses- tudo isso colabora para tornar o século
XVII um momento conturbado na hist6ria da Inglaterra e ajuda a explicar 0
pouco controle inglês sobre suas colônia.~.
O INÍCIO

r ..
.
·~ .. ··~~ . . ..~·
i~hkl.. ~...

A presença européia na América é bem anterior ao século XV. Temos


provas concretas da presença de vikings no Canadá quase cinco séculos
antes de Colombo. Porém, apenas a partir de 1492 uma imensa massa de
terras, com mais de 44 milhões de quilómetros quadrados coroa-se um
horizonte para a presença colonizadora dos europeus.
A princípio donos do oceano Atlântico, portugueses e espanhóis
dividiram o Novo Mundo entre si. Os ingleses contestam a validade de
Tordesilhas e praticam a pirataria oficial como corsários. Por muitos anos, o
saque de riquezas dos galeões espanhóis foi mais tentador do que o esforço
sistemático da colonização.
A Inglaterra, entretanto, não ficou apenas concentrada no roubo dos navios
ibéricos e nos saques da costa. Ainda no final do século xv, encarregara John
C'lbot de explorar a América do Norte. A marca do desconhecido é C\Wente na
carta que Henrique VIl entrega ao italiano. O rei concede o que ninguém sabe
o que é, a América, entregando a Cabot quaisquer ilhas, quaisquer naO\'OS,
quaisquer castelos que o navegante cnconrrasse... A América é um mundo de
incertezas, terra do desconhecido, mas capaz de atrair expedições em busca de
riquezas. De concreto, Cabot encontraria bacalhau no acual Canadá.
D as terras espanholas começavam a chegar notícias crescentes de muita
rique1..a, como o ouro e a prata retirados do México e do Peru. A América
cada vez mais passa a ser vista como um lugar de muitos recursos e de
possibilidades económicas. Comerciantes e aventureiros, a Coroa inglesa e
pessoas comuns nas ilhas britânicas agiram-se com essas notícias. A idéia da
exploração vai se tornando uma necessidade aos súditos dos Tudor. Cada
ataque que o corsário inglês Francis Drake fazia aos ricos galeões espanhóis
I. OINfOO 41
40 HIS'fÓIUJ\ 005 f:>IAOOS UNIDOS

no Aclánrico estimulava essa idéia. Pérolas das Filipinas ornam as jóias da


rainha Elizaberh. Ouro saqueado de Lima ou do Rio de Janeiro por piraras
ingleses incendeiam a imaginação britânica.

O DIFfCIL NASCIMENTO DA COLONIZAÇÃO

Como vimos, os ingleses não foram pioneiros na América. Também não


o foram no território dosatuais Estados Unidos. Navegadores como Verrazano,
a serviço da França, Ponce de Leon, a serviço da Espanha, e muitos outros já

I "•
.., . tinham pisado no território que viria a ser chamado de Estados Unidos .
Hernando de Soro, por exemplo, bacizou como Rio do Espírito Saruo um
imenso curso d'água que viria a ser conhecido como Mississipi.
Essas primeiras aproximações européias do território dos Estados Unidos
já causaram um efeito duplo sobre as imensas populações indígenas da região.
Prim_eiro, foram trazidas doenças novas como o sarampo e a gripe, que
causaram milhares de vítimas encre os povos nativos, absolutamente
despreparados para esse conrato biológico. Também restaram cavalos nas
terras da América do Norte, trazidos e depois abandonados pelos
conquistadores, tomando-se selvagens. Esses cavalos passaram a ser, depois
de domados, utilizados pelos índios, que assim modificavam suas táticas de
guerra e seus meios de transporte.
Ignorando as pretensões de outros soberanos, a rainha Elizabeth 1
concedeu permissão a sir Walter Raleight para que iniciasse a colonização
da América. Sir Walter estabeleceu- em 1584, 1585 e 1587- expedições à
terra que barizou de Virgínia, cm homenagem a Elizabeth, a rainha virgem.
Em agosco de 1587, nascia também Virgínia, a primeira criança inglesa na
América do Norte, filha de Ananias e Ellinor Dare.
A cédula de doação a sir Walter assumia um tom que iniciava um
verdadeiro processo de colonização:

\Vaher Raleighr poderá apropriar-se de todo o solo dessas terras, territórios e regiões
por descobrir e possuir, como antes se disse, assim como rodas as cidades, castelos,
vilas e vilarejos e demais lugares dos mesmos, com os direitos, regalias, franquias e
jurisdições, ramo marCtimas como ourras, nas ditas terras ou regiões ou mares
adjuntos, para utilizá-los com plenos poderes, para dispor deles, em todo ou em
pane, li\Tememe ou de outro modo, de acordo com os ordenamenros das leis da
lnglarerra [...] reservando sempre para nós, nossos herdeiros e sucessores, para atender
qualquer serviço, rarelà ou necessidade. a quinta parte de rodo o mi neral, ouro ou
prata que venha a se obter lá. i · ecem como parte do Novo Mundo.
Imagens feitas por John White na Virglnla do século xv1. fndlos e an ma1s apar
(25 de março de 1585)
O INICIO 4l

42 HIS'rÓIUA DOS F..STADOS UNIDOS

O projeto que estava sendo montado no final do século XVI em muito


se assemelhava ao ibérico. O soberano absoluto concede a um nobre um
pedaço de terra assegurando seus direitos. Pouca coisa diferenciava sir Walter
de um donatário brasileiro do período das capitanias hereditárias.
AJém dessa semeU1ança, notamos a mesma preocupação metalista no
documento: a fome de ouro e prata que marca a era do Estado Moderno. A
Coro~, i.mpossibilitada de promover ela própria a colonização, delega a outros
essedtretto,rescrvan~oparasi umapanedeeventuaisdescobertasdeouroeprata.
A_ aventura de str Walter, no entanto, fracassou. O sistema colonial que
parecta es~oçar-se com sua cédula morreu com ele. Os ataques indígenas
L
aos colontzad~res, a fome e as doenças minaram a experiência inicial da
ln?lat~rra. A tlha de Roanoke (na atual Carolina do Norte), sede dessas
pnmetras tentativas, estava deserta quando, em 1590, chegou uma expedição
de reforço para os colonos. O líder d a expedição que tinha vindo salvar a
colônia desaparecida encontrou apenas a palavra "Croatoan" escrita numa
ár;ore. Talv~ a palavra indicasse uma tribo ou um líder indígena próximos.
Nmguém fot achado. O Novo Mundo tragou seus debutantes ingleses.
Balizado da primeira criança Inglesa nascida na Virginía.
. Na I~glaterra, apesar da derrota da Espanha e da Invencível Armada, o Tanto a terra como o menina receberam o nome em homeMgem à última soberana Tudor.
pengo da Invasão espanhola permanecia. Até o final do século XVI não houve
outras tentativas de colonização sistemática da América do Norte. 24 dólares em contas e bugigangas. Os vendedores, os índios canarsees,
acabavam de vender ao líder holandês Peter Minuit um dos pedaços mais
valorizados do mundo arual: o centro da cidade de Nova York, chamada, no
NOVA CHANCE PARA A VIRGÍNIA século XVII, de Nova Amsterdã.
A cédula de concessão à Companhia de Londres falava dos objetivos de
. No início ~o século XVII, já sob a dinastia Stuart, a Inglaterra reviveu o catequese dos índios da América do Norte: "(...] conduzirá, a seu devido
tmpu~~.o colomzado.r. Passou o perigo espanhol imediato, o país estava tempo, aos infiéis e selvagens habitantes desta terra até a civilização humana
tranqutlo e a nec~stdade de comércio avançava. A estabilidade alcançada e um governo estabelecido e tranqüilo (.. .]". No entanto, mesmo que esse
na era. Tudor contm~~va a dar frutos. Mais uma vez, porém, a Coroa entrega fosse o desejo do rei James 1, nenhum projeto eferivo de catequese aconteceu
a paroculares essa atlVldade. Não mais nobres individuais, mas as companhias na América. As companhias não estabeleceram práticas para a conversão
como a de Londres e a de Plymouth. dos índiós ao cristianismo (conversão é ati rude própria de epopéia, aventura,
As companhi~ foram organizadas por comerciantes e apresentavam não de empresa capitalista).
~od~ as caracterísncas de empresas capitalistas. Aqui, ao contrário da América A atitude diante dos índios nessa f.tse inicial foi praticamenre a mesma ao
1bénca, define-se uma colonização de empresa, não de Estado. longo de toda a colonização inglesa na América do Norte: um permanente
A ~ompanhia de Plymouth receberia as terras e o monopólio do repúdio à integração do índio. O universo inglês, mesmo quando evenrualmente
comércto entre a região da Flórida e o rio Potomac, restando à Companhia favorável à figura do índio, jamais promoveu um projeto de integração. O índio
d e Londres as terras entre os atuais cabo Fear e Nova York. Separando as permaneceu um estranho- aliado ou inimigo-, mas sempre estranho.
duas concessões havia uma região neutra, par-a evitar conflitos de jurisdição. As duas companhias não durariam muito. Em 1624, a Companhia de
N~sa área, os ~ol~dese~ a.proveitaram para fundar colônias, das quais a Londres teria sua licença caçada. Igual destino teve a Companhia de
mrus .~mosa dana ongem a ctdade de Nova York. Curiosamente, ao chegarem
Plymouch em 1635, ambas com grandes dívidas.
à regtao, os holandeses compraram a ilha d e Manhattan pelo equivalente a
Ot NIOO 45
44 H ISTÓ RJ..\ r>OS ESTADO S UN IDOS

Apesar dos fracassos, a colonização tinha ganhado um impulso que não A própria Companhia de Londres declarara, em 1624, que seu objeõvo
cessaria. As dificuldades foram imensas. Só para se ter urna idéia de quantos era: "a remoção d a sobrecarga de pessoas necessitadas, material ou
obstáculos havia, 144 colonos tinham parcido para a fundação de Jamesrown. combustível para perigosas insurreições e assim deixar ficar maior fartura
Apenas 105 colonos desembarcaram e, passados alguns meses, a fome mataria para sustencar os que ficam no país". Ao contrário de Portugal, n~ção de
ou era parcela importante dessa comunidade. A fome inicial era tanra que cães, pequena população, a Inglaterra já vivia problemas com seu cresctm:nro
garosecobrasforamucilizadoscomoalimenrose urncolonofoi acusadodefàtiar demográfico no momento do início da colonização dos Estados UnuJos.
o corpo da sua esposa fàlecida e utilizá-lo como refeição. Não bastassem todos Portugal sofreu imensamente com o envio dos contingentes de homens
esses problemas, havia ainda traições e ataques de índios. George Kendall, por para 0 além-mar. A Inglaterra faria da colonização um meio de descar~~r
exemplo, foi o primeiro inglês executado por espionagem na Virgínia acusado no Novo Mundo tudo o que não fosse mais desejável no Velho. Mas a JdéJa
de trabalhar secretamente para o rei da Espanha. Um começo muico diffcil. de "colônias de povoamento" parece sobreviver a tudo...
\ . ,._,:.n·=·~
Em 1620, a Companhia de Londres trazia cem órfãos para a Virgfcia.
As 13 colônias originais Da mesma maneira, mulheres eram tra11Sportadas para serem leiloadas no
No me F undada por Ano N ovo Mundo. E natural concluir que essas mulheres, dispostas a atravessar
Virgfnia Companhia de Londres 1607 oceano e serem vendidas na América como esposas, não eram integraotes
0
New Hampshire Companhia de Londres 1623 da aristocracia intelectual ou financeira da Inglaterra.
Massachusetts John Mason e outros 1620·1630 Poucos podiam pagar o alto preço de uma passagem para a América.
(Piymouth} separatistas puritanos
Esse facor, combinado à necessidade de mão-de-obra, fez surgir uma nova
Marytand Lord Boltimore 1634
forma de servidão nas colônias: a servidão temporária (indenturent servmu).
Connecticut Emigrantes de Mass 1635
O sistema consistia cm prestar alguns anos de trabalho gratuito à pessoa
que se dispusesse a pagar a passagem do imigrante. O transporte d~
RhOdo lsland Roger Williams 1636
Carolina do Norte Emigrantes da Virglnln 1653
servos era feito sob condições tão difíceis que houve quem o comparasse :ro
Nova York Holanda t 613
tráfico de escravos africanos. Em vários momentos e lugares, o servo
Nova Jersey Barkeley Carteret 1664
temporário foi a principal força de trabalho branca das colônias.
Carolina do Sul Nobres ingleses 1670
Pensilvânia
Nem rodos os servos eram voluntários para essa situação. Uma d ívida
William Penn 1681
Oelaware
não saldada poderia também reduzir o devedor a esse trabalho forçado no
Suécia 1638
Geórgia George Oglethorpo
período de, geralmente, sete anos. Raptos de crianças na Inglaterra para
1733
vendê-las como empregadas na América, prática m uito comum no sérulo

I
XVJI, eram outra fonte de servidão.
QUEM VEIO PARA A AMÉRICA DO NORTE?

O processo de êxodo rural na Inglaterra acentuava-se no decorrer do


século XVI! e inundava as cidades inglesas de homens sem recursos. A idéia
de uma cerra férril e abundante, um mundo imenso e a possibilidade de
enriquecer a todos era um poderoso ímã sobre essas massas.
Naturalmente, as autoridades inglesas também viam com simpatia a ida
desses elementos para lugares distantes. A colônia serviria, assim, como
receptáculo de tudo o que a metrópole não desejasse. (A idéia de que para a
América do Norte dirigiu-se um grupo seleto de colonos altamente instruídos As ímagens da chegada dos peregrinos puritanos à América do Norte sempre r~forçam. as idéias de
e com capitais abundantes é, como se vê,. uma generalização incorrera.) sacriflcio, virtude e coragem. No Novo Mundo eles deveriam prover a própria sWsiStênaa.

l
46 HISTÓRIA DOS USTADOS UNIDOS
OINÍOO

Mesmo entre os servos que aceitavam o contrato de servidão para 0 os modelos de colonos. Construiu-se uma memória que identificava os
pagamento da passagem, a situação não era tranqüila. Ao longo do século
peregrinos, o Mayflower e o Dia de Ação de Graças .como as ~ases sobre as
xvn, ocorrem várias rebeliões de servos na América do Norte, reivindicando
quais a nação tinha sido edificada. Como toda memóna da prectsa obscurecer
meU10res condições de vida.
alguns pontos c destacar outros.
Os "puritanos" (protestantes calvinjstas) tinham em alríssimaconta a idéia
OS PEREGRINOS E A NOVA INGLATERRA de que constituíam uma "nova Canaã", um novo "povo de Israel": um grupo
escolhido por Deus para criar uma sociedade de "eleitos". Em toda a Bíhlia
Nem só de órfãos, mulheres sem outro futuro e pobres constituiu-se 0 procuravam as afirmativas de D eus sobre a maneira como El_e escolhia,os seus
flux~ de _imigrantes para as colônias. Há, minoritariamente, um grupo que e as repetiam com freqüência. Tal como os hebreus no Eguo, rambem eles
a H1stóna consagraria como "peregrinos". foram perseguidos na Inglaterra. Tal como os hebreus, eles atravessaram o longo
" I.#. •• ·~ ~
A perseguição religiosa era uma constante na Inglaterra dos sécuios xv1 e tenebroso oceano, muito semelhante à travessia do deserto do Sinai. Tal como
e XVII. J:
América seria um refúgio também para esses grupos religiosos os hebreus, os puritanos receberam as indicações divinas de uma nova terra e,
persegutdos. Um dos grupos que chegou a Massachusetts em 1620 tinha como veremos adiante, são freqüentes as referências ao "pacto" entre Deus e
como llderes John Robinson, William Brewstcr c William Bradfort os colonos puritanos. A idéia de povo eleito e especial diante do mundo é uma
indivíduos religiosos e com formação escolar desenvolvida. ' das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados tlnidos.
Ainda a bordo do navio que os trazia, o Mayflower, esses peregrinos Diante de uma desgraça, como a seca de 1662 na Nova Inglaterra, os
firmaram um pacto estabelecendo que seguiriam leis justas e iguais. Esse puritanos ainda encontravam novos paralelos com a Blblúz: Deus também
d~cu"_lento é chamado "Mayflower Compact" e sempre é lembrado pela castigara os judeus quando estes foram infiéis ao pacto. Deus salva a poucos,
htstonografia norte-americana como um marco fundad or da idéia de como os pregadores puritanos costumavam afirmar. Fiéis à tradição dos
liberdade, ainda que o documento dedique longos trechos à gloria do rei reformistas Lutero e Calvino, a predestinação era uma idéia forte entre eles.
James da Inglaterra. Para manter sua identidade e a coesão do grupo, os puritanos exerceam
A chegada ao território que hoje é Massachusetts não foi F.ícil. O navio um controle muito grande sobre todas as atividades dos indivíduos. A id6a
ap~rrou mais ao norte do que se imaginava. O clima era fi-i o e o mar congelava. de uma moral coletiva onde o erro de um indivíduo pode comprometer o
O mverno na região era mais rigoroso do que o inglês. O primeiro ano dos grupo é também um diálogo com a concepção da moral hebraica no deserro.
colonos na terra prometida custou a vida de quase a metade dos peregrinos. O pacto Deus-povo é com todos os eleitos.
. ~ouco antes de a nova estação fria chegar, em 1621, os sobreviventes A população das colônias crescia rápido, passando de 2.500 pessoas em
de_c~dJram fuzer uma festa de Ação de Graças (Thanksgiving). Os colonos 1620 (sem contar índios) para três milhões um século depois. Nesse grande
~tlhzacam sua primeira colheita de milho, já que a plantação de trigo europeu contingente, embrião do que seriam os Estados Unidos, _mistu~~-se
tmha falhado, e convidaram para a festa o chefe Massasoit, da tribo inúmeros tipos de colonos: aventureiros, órfãos, membros de settas reiigtosas,
wampanoag, que os havia auxiliado desde a sua chegada. O cardápio foi mulheres sem posses, crianças raptadas, negros e africanos, degredados,
reforçado com uma ave nativa, o peru, e tortas de abóbora. Desde então, os comerciantes e nobres. Tomar, assim, os peregrinos protestantes como padrão
n~rte-americanos repetem, no mês de novembro, a festa de Ação de Graças, _ é reforçar uma parte do processo e ignorar outras.
retterando a idéia de que eles querem ter os "pais peregrinos" de
Massachusetts como modelo de fundação.
Os "pais peregrinos" (pilgrim fothers) são tomados como fundadores EDUCAÇÃO E RELIGIÃO
~os ~tados. Un~dos. ~ão são os pais de toda a nação, são os pais da parte A educação formal escolar adquiriu um caráter todo éspecial nas colônias.
WASP (em mgles, whzte anglo-saxon protestant, ou seja, branco, anglo-saxão
A existência de muitos protestantes colaborou para isso. Uma das origens
e protestante) dos EUA. Em geral, a historiografia costuma consagrá-los como
da Reforma religiosa na Europa tinha sido a defesa da livre interpretação da
OIN(CIO 49
HISTóRIA DOS ESTADOS UNIDOS

Bíblia. Tal como Lurero uaduzira a Blblia para o alemão e os calvinistas pagariam multas e receberiam adverrências. Quem praticasse os crimes. de
para o francês em Genebra, os ingleses tinham várias versões do texto 11a fornicação, furto e falsificação, seria imediatamente expulso. Blasfêmsas,
sua língua, especialmente a famosa versão do rei James desde 1611. opiniões erróneas sobre a Blblia, difamação, arrombamento da porta de um
Essa preocupação levou a medidas bastante originais no contexto das colega, jogar baralho ou dados na universidade, praticar danos ao prédio, ~lar
colonizações da América. É certo que em toda a América espanhola houve alto durante o estudo, portar revólver ou vestir-se inadequadamence podenam
um grande esforço em prol da educação formal. A universidade do México resultar em advertência, multa ou expulsão, conforme a gravidade do ato.
havia sido fw1dada em 1553 e havia similares em Lima e em quase todos os
grandes centros coloniais hispânicos. No entanro, um sistema tão organizado
de escolas primárias e a preocupação de que rodos aprendessem a ler e
escrever é algo mais forte nas colônias protestantes do Norte.
l Em 1647, Massachusetts publica uma lei fulando da obrigação de cada
povoado com mais de cinqüenta famílias em manter um professor. O texto
dessa lei torna-se interessante por suas justificativas:

Sendo um projeto principal do Velho Sacan:is manrer os homens distantes do


conhecimento das Escrituras, como em tempos antigos quando. as tinham numa
Hngua desconhecida [...] se decreta para tanto que toda municipalidade nesta
jurisdição, depois que o Senhor tenha aumentado sua cifra para cinqüeota fumflias,
dali em diante designará a um dentre seu povo para que ensine a todas as crianças
que recorram a ele para ler e escrever, cujo salário será pago pelos pais, seja pelos
amos dos meninos seja pelos habitames em geral.

É importante notar que os documentos sobre educação nas colônias


inglesas apresentam um caráter religioso, mas não clerical. As propostas são,
na verdade, leigas. A educação será feita e paga por membros da comunidade.
Um grupo que se pretendia eleito por Deus deveria voltar-se também
para a educação superior. A~ insticujções de caráter superior faziam parte
um grupo que se preiendia eleito por Deus preowpllva·so tambllm com a educação superior.
dessa preocupação com a religião, já que se destinavam notadan1ente à
Universidade de Harvard , Cambridge. Massachusetts, 1682.
formação de elementos para a direção religiosa das colônjas.
Os estatutos da Universiçlade de Yale, datados de 1745, estabelecem Em todos os documentos sobre educação há a mesma preocupação: o
alguns elemen tos interessantes para a compreensão dos projetos educacionais conhecimento das coisas relativas à religião. Do ensino primário ao superior,
dos colonos. 0 conhecimento da Bíblia parece ter orientado rodo o projeto educacional
Para ser admitido na universidade era necessário ter capacidade de ler e das colónias inglesas. Quando Samuel Davies escreve sobre as Razões para
interpretar Virgflio e trechos em grego da Blblia, escrever em latim, saber - fUndar universidades, "insiste na necessidade de formar líderes religiosos para
aritmética e levar uma vida "inofensiva". O candidato a pupilo deveria ser uma população que crescia sem parar. Nesse texto, de 1752, o autor
piedoso e seguir "as regras do Verbo de Deus, lendo assiduamence as Sagradas argumenta que "a religião deve ser a meta de toda a instruçiio e dar a esta o
Escrituras, a fonte da luz e da verdade, e atendendo constantemente a todos último grau de perfeição". . .
os deveres da religião tanto em público como em segredo". O presidente deveria Com essa preocupação, não é diffcil imaginar o surgimento de vánas
rezar no auditório da universidade toda manhã e toda tarde, lendo trechos da instituições de ensino superior nas 13 colô nias. Até 1764, estabeleceram-se

I
Sagrada Escritura. Os alunos que faltassem ou chegassem arrasados às aulas nas colônias sete instiruições de ensino superior.

1.
OINÍCIO SI
50 HISTÓRIA DOS l;sTADOS UNIDOS

crença obriga 0 crente ou a radicali~r s~~s posiç~es (e, por vezes, isso
Harvard (1636) Massachusetts
aconteceu) ou a assumir de forma mats cnttca su~ fe. . . . , .
William and Mary (1693) Virgínia As posições protestantes têm outro efeito: a leitura md1v~dual da ~íb!ta.
Yale (1701) Connecticut Em permanente processo de reciclagem pessoal das narrat_tvas. bí~hcas, o
Princeton (1746) Nova Jersey protestante cria uma relação diferente c~m .o sagrado. O ms~tuciOn.aJ ~a
Universidade da Pensilvânia (1754) Pensilvânia igreja estabelecida) diminui sua impo~nc1a dtant: do pessoal. A t~portancla
Columbia (I 754) Nova York de ler a Biblia determina até, como v1mos, um 1mp~lso educa~onal ~orce
Brown University (1764) - Rhode Island nas colônias. A Igreja formal protestante é um apo1o à salvaçao e nao o
canal insubstituível como no mundo católico.
Nos séculos XVII e XVIII, essas instituições foram influenciadas pelo
pensamento ilustrado. Não sem oposições, as reses de Newton e Locke
constavam nas bibliotecas das colônias. Muitos alunos das fàmCJias abastadas OS PURITANOS D E MASSACHUSETTS
iam estudar na Europa. Da França c da Inglaterra partiam livros e idéias A colônia de Massachusetts recebera puritanos descontentes com a I!Y"eja
para a América. inglesa. Sua disposição era contrária à tolerância religiosa que ca~cte~~a
O grande interesse pela educação corn.ou as 13 colônias uma das regiões outros grupos protestantes. Na colônia, ess~s puritanos d~ ~nfluenc1a
do mundo onde o índice de analfabetismo era dos mais baixos. Apesar das calvinista acreditavam numa Igreja forte que tivesse pode~es c1v1s.. • .
variações regionais (o sistema educacional da Nova Inglaterra era melhor Para a conStrução dessa Igreja-Estado tomaram-se várias p~ov1de~c1as.
do que em outras áreas) e raciais (poucos negros eram alfabetizados), as 13 Primeiro estabeleceu-se que somente os membros da IgreJa. Punt~na
colônias tinham um nível de educação formal bastante superior à realidade poderiam votar e ter cargos públicos. Depois, tornou-se. ohngatóna a
dos séculos >..'Vll e xvm, seja na Europa ou no restante da América. Ainda presença na igreja para as cerimônias, f.uo que não acontecta no resto das
assim, é inegável que havia mais alfabetizados brancos homens e ricos do Igrejas protestantes. Todos os novos credos deveriam ser aprovados ~ela
que mulheres, negros, indígenas e pobres. Igreja e pelo Estado. Por fim, estabeleceu-se que Igreja e Estado at~a~
A situação religiosa da Inglaterra era marcada pela diversidade quando juntos para punir as desobediências a essas e outras norm~. Essa colonta
da colonização da América do Norte. Essa diversidade colaborou para o aprOJcimava-sc, dessa fo rma, dos ideais católicos da teocracta.
que chamamos de um pensamento mais "moderno" na Inglaterra e,
posteriormente, nas 13 colônias. O DEMONIO ATACA: O SURTO DE SALEM
Imagine-se uma cidade no México colonial. L1 todos são católicos e só Um dos fatos mais significativos derivado do ideal de Igreja-Estado f~i
encontramos igrejas católicas. Em toda a colônia a missa é rezada com o a perseguição às bruxas. O autoritarismo de un~a~religião que se pretendta
mesmo ritual romano, na mesma lfngua e por um grupo que, em traços única desencadearia, naturalmente, na perscgmçao de todas as formas de
gerais, teve uma formação semelhante: os padres. Todo o ensino está nas contestação - fossem reais ou imaginárias. . _
mãos da Igreja e a noção de Deus é imposta como igual por roda a colônia. As acusações de bruxaria, uma constante em todo o mundo cr~~o ~a
As diversidades são consideradas crime e a heresia, punida com a Inquisição. época, existiam desde o início da colonização. No.ema_nro, um surto de fe1uçana
Judeus e protestantes são queimados. como 0 de Salem, em 1692, assumia proporções médttas. Nesse ano, um grupo
O oposto ocorre nas aldeias e cidades das colônias inglesas. Aqui de adolescentes acuso~ várias pessoas de enfeitiçá-las. O processo acabou
puritanos, lá batistas, mais adiante quakers, por vezes também católicos, envolvendo muitos membros da comunidade, entre hot.ncns e mulh:.res.
além de uma infinidade de pequenas seitas protestantes também de outras A cidade de Salem viveu uma histeria coletiva. Hav1a surtos frequen_res:
partes da Europa. Unidade? Genericamente, todos acreditam em Jesus. Dai moças rolavam gritando, caíam doentes sem causa apa~ente, não consegm~
por diante o caleidoscópio m uda de forma com grande variação. acordar pela manhã, animais morriam, árvores che1as d~ frutos s_eca':,arn. As
razões, no entender dos habitantes de Salem, só podenam ter ltgaçao com
É natural também imaginar a dificuldade de absolucizar as posições
religiosas desse universo. O confronto permanente com outras formas de uma ação demoníaca.
52 1115TÓRJA DOS ESTADOS UNIDOS O INICIO

Alguém era acusado de feitiçaria e comparecia diante do juiz. O juiz que não poderiam normalmente fazer e alegando estarem enfeitiçadas. Em
fazia o acusado e as vítimas (as moças aflitas, como eram usualmente outras palavras, alegando o poder do demônio, uma jovem poderia gritar com
chamadas) ficarem frente a freme. Era comum as moças terem novo ataque sua mãe ou mesmo ficar nua! Afinal, era tudo obra do demônio ... A moral
histérico diante do suposto feiciceiro. Os acusados eram enviados à prisão. puritana de oração e trabalho era tão force qu~ os jov_e~s não podi~m, por
A acusação cala sobre gente de todas as categorias sociais e sobre pessoas exemplo, praticar esportes de inverno como pannar, po1s ISSO era considerado
que gozavam da confiança da comunidade há anos. O acusado era imoral. Assim, diante dessa vida dura, a possessão passou a ser uma boa saída.
examinado. Havia uma crença generalizada de que a associação com o Outras explicações remetem às tensões internas das colônias - entre as
demônio produzia marcas no corpo: um tumor, uma mancha, regiões que principais fam([ias - em que acusar o membro de uma família rival de
não sangravam, polegar deformado. Submetidos a "tratamentos especiais", bruxo ou bruxa cinha um grande peso político.
muitos réus acabavam confessando que, de fato, estavam associados ao Conflitos entre indígenas e puritanos, como a chamada Guerra do Rei
demônio e realizavam feiciços contra a comunidade. Filipe (nome que os colonos deram a um líder indígena em 1675-76), tinham
deixado a Nova Inglaterra em tensão permanenre. Muitos colonos haviam
sido morros ou capturados. As tensões entre vizinhos vinham se acumulando.
Tudo isso colabora para explicar o ambiente que gerou o surto de Salem.
Por fim, sem esgotar as explicações, há de se levar em conta todas as
frustrações dos protestantes no Novo Mundo, onde o sonho de uma
comurtidade perfeitamente construída de acordo com as leis de Deus e da
Bíblia não havia se realizado. Os pastores puritanos viram no aparente surto
de feitiçaria uma maneira de recuperar o controle e o entusiasmo do grupo.
O s habitantes de Massachusetts haviam se dado conta de que não apenas a
Bíblia e as boas intenções haviam atravessado o oceano, mas todas as suas
mesquinharias, maledicências e tensões. Melhor seria, assim, atribuir esses
problemas ao demônio e a seus seguidores.
Ao final da crise, quase 200 pessoas tinl1am sido presas e 14 mulheres
e 6 homens executados. A teocracia puritana tinha deixado um saldo trágico
na memória dos colonos. Quase 100 anos depois, a primeira emenda à
Constituição dos EUA estabelecia que o Congresso não furia leis sobre o livre
exercício da religião.
Imagem fantasiosa dos Julgamentos do Salem. Enquanto a moça depõe, raios caem do céu.

A histeria das feiciceiras não seria possívd sem as ardentes pregações de OS QUAKERS DA PENSILVÂNIA E OUTROS GRUPOS
pastores como Cotton Mather ( 1663-1728). Esse pastor, nascido em Boston,
.~çreveu o livro As maravilhas do mundo invisível, em que o leitor é levado Além dos puritanos, as colônias receberam outros grupos rdigiosos
a conhecer as grandes forças maléficas que agem sobre o mundo. Como no como os quakers (ou sociedades de amigos), o grupo mais liberal que surgiu
mw1do católico, a crença num mal real e com ação efetiva era um dado com a Reforma. Tratar-se por "tu", sem nenhum título, sendo cada homem
social que unia desde o rei James 1 (autor de livro sobre feitiçaria) até o mais sacerdote de si mesmo, eis um dos princípios dos quakers que valeu até a
humilde camponês. admiração do pensador Voltaire no Dicionário filosófico.
Os Processos de Salem já receberan1 várias explicações. Algumas, de caráter Ao iniciar sua pregação no Novo Mundo, os quakers encontraram
mais psicológico, lembram as tensões enue mães e filhas, estas fazendo coisas grande oposição dos líderes puritanos. Alguns foram até mortos como
O INiCIO 55
HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS

subversivos, ao mesmo tempo em que suas idéias encontravam eco entre os de diminuir a liberdade religiosa e outras tantas desavenças ocorre,ram,
desencantados com a rígida disciplina puritana. perturbando 0 ideal primitivo. No encanto, mesmo que, :o ~ongo do seculo
A experiência quaker no Novo Mundo foi solidificada quando \Vtlliam XVIII, a Pensilvânia em pouco se diferenciasse~~ outras colo mas, permaneceu
Penn estabeleceu uma grande colônia para abrigá-los: a Pensilvânia. A sendo um dos locais de maior tolerância rehg10sa do mundo.
Pensilvânia não era apenas um local para refúgio dos quakcrs, mas também
' 1 XVIII um fenômeno chamado "Grande Despertar" ( Great
de todas as religiões que desejassem viver em liberdade e paz. O próprio N o secu o , , · d
Peno referia-se a esse fato corno "a sama cxperiêncià'. Awakming) marcou a vida religiosa das colônias..~ma das caractens~~ o
movimento foi 0 surgimento de pregadores mneran~e~~ Os ~mmst~os
Nascido em Londres, em 1644, Penn era filho de um almirante
religiosos iam de povoado em povoado pregando uma rehg1a~ mats emouva
conquistador da Jamaica. Em Oxford, converteu-se aos quakers após ouvir
e carismática. Sermões exaltados, conversões milagrosas, encus1asmo ~cantos:
um animado sermão de Thomas Loc. Há nas idéias de Penn e dos quakers
as pregações desses pastores atraiam os grupos cansados do formahsmo da
princípios anarquistas. Peno gostava 'de· 'dizer: "No''..%H,a11o croum" (nem
cruz, nem coroa). Perseguido por suas idéias na Inglaterra, ele desejou religião oficial. .
O "Grande Despertar" foi descrito, em 1743, pelo pesqwsador norte-
estabelecer uma comunidade-modelo na América, obtendo então uma vasta
extensão de terra a oeste do rio Delaware. americano J. Edwards:
Oferecendo terras gratuitas e a garantia de liberdade religiosa, Penn Ultimamente, em alguns aspectos, as pessoas em geral têm m~dado c m~lhorado
atraiu grande quantidade de colonos da Europa c das outras colônias inglesas. muito cm suas noções de rdigião; parecem mais sensíveis ao .pengo de ap01.ar-se em
Gente de todas as partes da Europa viu nas propostas do líder uma nova antigas expcri~ncia.~ [...] e estão mais plenamente convenc1das da nc~1~de. de
esquecer 0 que está atrás e avançar, mantendo avidamente o trabalho, a v•g•lanc•a e
oportunidade. Dentre eles, por exemplo, alemães e holandeses do grupo
a oração enquanto vivam.
menonita rumaram para a América. (Sua marca até hoje é uma vida no
campo, sem elecricidade ou outros símbolos do mundo industrial.) Ao valorizar a experiência pessoal da religião, o "Gran~e .Despertar"
Descrevendo os quakers, em 1696, o próprio Penn afirmava que Deus estimulou 0 surgimento de inúmeras seitas pr~testant~s: M:us unpor~ante
ilun1ina cada homem sobre sua missão. Por isso, os quakers insistem em ainda, esse movimento procurou negar a cradtção reltg10sa..Como vu:nos
expressões do tipo: "luz de Cristo dentro de cada homem" e "luz imerior". no documento transcrito, as pessoas devem evitar o. apo1o d.e anugas
Com esses princípios, Peno defendia a grande liberdade religiosa, tendo em experiências e esquecer o passado. Isso colabora amda maiS para o
conta que Deus pode falar de maneiras variadas a cada homem. particularismo religioso das colônias. .· . . d
No início do século xvm, Filadélfia, capital da Pensilvânia, era uma das Também existia uma importante comumdade cacóhca em ~aryl~ ·
maiores cidades das colônias inglesas e também uma das mais alfabetizadas. Apesar de quase 113 dos cidadãos norte-americanôs serem catóhcos hoje e
Um viajante a descreve em 1748: terem fornecido um presidente ao país no século xx (Kennedy), no período
colonial havia grandedesconfiançaconcraos ch~ados "papistas"· Os cat6licos
Todas as ruas, execro as que estão mais próximas do rio, correm em linha reta c romanos foram vistos como avessos à democracia no período d~ Guerras de
formam ângulos reros nos cruzamentos. A maior parte das ruas está pavimentada...
Independência e fiéis seguidores de ~ma autorid~de est:ange1ra (o~ papa),
As casas têm boa aparência, freqüentemente são de vários pisos... A cada ano se
montam duas grandes feiras, uma em 16 de maio, outra em 16 de no,·embro. Além sendo, por isso, considerados potenctalmente pengosos a nova naçao.
desras feiras, a cada semana há dois dias de mercado, às quartas c sábados. Nesses
dias, gente do campo da Pensilvânia e Nova Jersey traz à cidade grande quanridadc
de alimentos e outros produtos do campo... COLONIAS DO NORTE

A experiência de Peno funcionou de fato enquanto seu fundador esteve As colônias do Norte da costa atlântica apresentám o clima temperado,
à &ente dela. Os problemas da Pensilvânia longe do governo pessoal do semeU1ante ao europeu. Dificilmente essa área poderia oferecer algum
fundador revelaram-se grandes. Choques entre os grupos religiosos, tentativa produto de que a Inglaterra necessicasse.
HISI'ÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS
O JNIOO 57

Essa questão climática favoreceu o surgimento, único no universo colonial O comércio triangular também poderia envolver a Europa, para onde
das Américas, de um núcleo colonial voltado à policultura, ao mercado interno os navios levavam açúcar das Antilhas, voltando com os porões repletos de
e não totalmente condicionado aos interesses metropolitanos.
roducos manufaturados. Estabeleciam-se assim s6lidas relações comerciais
A agricultura das colônias setentrionais destacava o consumo interno,
com produtos como o milho. O trabalho familiar, em pequenas propriedades,
~mbasadas na pr6spera indústria naval das colônias da Nova Inglaterra.
foi dominante. O comércio triangular é muito diferente da maioria dos procedimentos
comerciais do resto da América. Apesar de as leis estabelecerem limites,
Nas colônias da Nova Inglaterra (parte norte das 13 colónias) surge
uma pr6spera produção de navios. Desses estaleiros, favorecidos pela
os comerciantes das colônias agiam com grande liberdade e seguiam mais
a lei da oferta e da procura do que as leis do Parlamento de Londres. ~a
abundância de madeira do Novo Mundo, saem grandes quantidades de
navios que seriam usados no chamado com,ér~io triangular. prática, estabeleceram um sistema de liberdade muiro gran~e, desconhecido

t :: 1m
. • -· . .
., .
'''•' J! l!;h..:>:.t. .ti ' para mexicanos e brasileiros e inrocado pela repr~s.ã9,1p~glesa até, pelo
menos, 1764.
Outra atividade desenvolvida foi a pesca. Pr6xima a um dos maiores
,.i
bancos pesqueiros do mundo (Terra Nova), as colônias da Nova InglateU:
exploraram largamente a acividade pesqueira. A venda de peles também fo1
importante na economia dessas colônias. Do narre_ das.colôni~.e do Canadá
fluíam, para a Europa, milhares de peles de an1ma1s que mam adornar
roupas elegantes contra o frio do Velho Mundo.

lnlerior de cosa do perlodo colonial. Massachusetts, final do século xv11.

O comércio triangular pode ser descrito, simplificadamente, como a


compra de cana e melado das Antilhas, que seriam transformados em rum.
A bebida obtinha fáceis mercados na África, para onde-era levada por navios
da Nova Inglaterra e trocada, usualmente, por escravos. Esses escravos eram
levados para serem vendidos nas fazendas das Antilhas ou nas colônias do
sul. Ap6s a venda, os navios voltavam para a Nova Inglaterra com mais
melado e cana para a produção de rum. Era uma atividade altamente
lucrativa, entre outros motivos por garantir que o navio sempre estivesse
carregado de produtos para vender em outro lugar. As cofOnlas do Norte estavam voltadas à policultura o ao mercado intemo e não se condicionavam lotalmente
aos Interesses da melrópole. Na ilustração: fiação e leoelagem caseiras na Nova l~rm.
58 HISTóRIA DOS ESTADOS UNIDOS
O INÍOO

COLONJAS DO SUL INDÍGENAS


As colônias do Sul, por sua ve:z., abrigaram uma economia diference.
Seu solo e clima eram mais propícios para uma colonização voltada aos Centenas de tribos indígenas habitavam a América do Norte até a
interesses europeus. chegada dos europeus. Há uma variedade enorme nessas tribos: só em línguas
O produto que a economia sulina destacou desde cedo foi o tabaco. A diferen'tes encontraram-se mais de tre:z.entas.
planta implicou permanente expansão agrícola por ser exigente, esgotando Grupos indígenas como os cherokees, iroqueses, algonquinos,
rapidamente o solo e obrigando a novas áreas de cultivo. O fumo tomou-se comanches e apaches povoavam todo o território, do Atlântico até o Paáfico.
j um produto fundamental no Sul. Alguns outros grupos deram nomes à geografia dos EUA: Dakota, Delaware,
A f.Uta de braços para o tabaco em pouco tempo impôs o uso do escravo. Massachusetts, Iowa, Illinois, Missouri. Por toda a América, a história dessas
Esse trabalho ~S~~?...ff~s.ceu lentamente, posto que, como vimos, a mão- tribos seria profundamente mo~i~~d;l.,p!!la chegada dos europeus.
J de-obra branca se.V1l era muito forte no século XVIL As opiniões dos colonos sobre os indígenas variaram, mas foram, quase
A sociedade sulina que acompanha essa economia é marcada, como sempre, negativas. Um dos mais antigos relatos sobre eles, de 1628, de
1 não poderia deixar de ser, por uma grande desigualdade. Como ressaltou autoria de Jonas Michaelius, mostra bem isso:
um contemporâneo, Isaac Weld, logo após a Independência:
í Os principais donos de plantações na Virgínia têm quase tudo que querem em sua Quanto aos nativos deste país, encontro-os rotalmeme selvagens e primitivos, alheios
própria propriedade. As propriedades grandes são administradas por mordomos e a toda decência; mais ainda, incivilizados e estúpidos, como estacas de jardim, espertos
capatazes, todo o rrabaU10 é feito por escravos... Suas habitações estão geralmente a em todas as perversidades e fmpios, homens endemoniados que não servem a
cem ou duzentas jardas [90 a 180m] da casa principal, o que dá aparência de aldeia ninguém senão o diabo [...]. ~ difícil dizer como se pode guiar a esta gente o
às residências dos donos de plantações na Virgínia. verdadeiro conhecimento de Deus e de seu mediador Jesus Cristo.

Com essa economia mais voltada ao mercado externo, as colônias do Jonas Michaelius parte de um ponto de vista europeu. Como os índios
Sul resistirão mais à idéia de independência. Os plantadores meridionais não têm uma cultura semelhante à européia, ele os considera incivilizados.
das 13 colônias temiam que uma ruptura com a Inglaterra pudesse significar
Jonas não pode ver outro tipo de civilização: vê apenas dôis grupos, os que
uma ruptura com sua estrutura econômica.
são civilizados e os que não são. Os que não são, no caso os nativos, são
Ilustrando essa idéia, uma testemunha registrava, em 1760, como as
como ''estacas de jardim".
colônias do Sul dependiam da Inglaterra, afirmando que quase todas as
roupas vinham de lá, apesar de o Sul produzir excelente linho e algodão. O preconceito, como mostrado no documento, não foi o único dano que
Constatava ainda, horrorizada, que apesar de as colônias estarem cheias de os ingleses causaram aos índios. Mesmo se não fossem agressivos, os europeus
madeira, importam bancos, cadeiras e cômodas. já seriam perigosos. A imigração européia havia introduzido na América do
As colôn ias centrais teriam sua vida econômica mais ligada à agricultura, Norte doenças para as quais os nativos não tinham defesa. As epidemias nas
principalmente a de cereais. Últimas colônias conquistadas pela Inglaterra, colônias inglesas atingiram os indígenas da mesma forma que nas áreas ibéricas.
predominaram nelas as pequenas propriedades e, a exemplo do Norte, O sarampo matou milhares de indígenas em toda a América.
desenvolveram atividades manuf.·uureiras. A ocupação das terras indígenas por parte dos colonos baseava-se em
Assim, podemos identificar com clareza duas áreas bastante distintas argumentos de ordem teológica. Os peregrinos haviam se identificado com o
nas 13 colônias. As colônias Oô Norte, com predominância da pequena povo eleito que Deus cond~ia a uma terra prom~rid.a. Talco mo Deus dera força
propriedade, do trabalho livre, de acividades manufatureiras e com um a Josué (na Bíblia) para expulsar os habitantes da terra prometida, eles
mercado interno relativamente desenvolvido, realizando o comércio acreditavam no seu direito de expulsar os que habitavam a sua Canaã. John
triangular. As colônias do Sul com o predomínio do latifúndio, voltado Cotton, pastor puritano, fez vários sermões nos quais destacou a semelhança
quase que inteiramente à exportação, ao trabalho servil e escravo e pouco entreanaçãoinglesaealutapelaterraprometidadescritanoAntigoTestamento.
desenvolvidas quanto às manufaturas. Essas diferenças serão fundamentais Embora o fato seja bem pouco conhecido da História norte-americana,
tanto no momento da Independência quanto no da Guerra Civil americana. os índios também foram escravizados. Os colonos das Caroli.nas, em
O INÍCIO (,1
HISTÓ RIA DOS 13$TAT>OS UNIDOS

particular, desenvolveram o hábiro de vender índios como escravos. Em


1708, a Carolina do Sul contava com 1.400 escravos índios. Essa prática
permaneceria até a Independência.
É natural imaginar uma reação indígena. A expansão agrícola por sobre
áreas indígenas originou violemos ataques às cerras dos colonos. No começo
da colonização, mais de uma aldeia inglesa foi arrasada por ataques de índios,
como, por exemplo, a de Wolstenholme, na Virgínia.
Dos diversos tratados de paz entre colonos e índios, demarcando terras
de uns e de outros, surgiu a prática das reservas indígenas, áreas que
pertenceriam exclusivamente aos índios. A permanência de conflirps mesmo , ..... - ..
:a. ._. ...

com os índios das "reservas" revela que estes acordos não foran1 cumpridos
em sua totalidade.
Mais de uma vez historiadores empregaram a expressão "genoddio"
para caracterizar o massacre de populações indígenas na América do Norte.
Isto não é incorreto nem diferente do que ocorria em todo o resto da América.
A idéia européia de colonização significou uma mortandade imensa em
todo o continente americano.
Um grande debate ocorreu em função dos casamentos mistos ou não.
Encontramos no mundo inglês da América documentos que apóiam a
mestiçagem como instrumento de evangelização e aré de domínio dos índios.
Em 1728, Byrd havia dito isro lireralmeme, afirmando que:

todas as nações formadas por homens têm a mesma dignidade cuJrural, e rodos
sabemos que calemos muito brilhantes podem estar albergados em peles muito
morenas [...] as mulheres indígenas poderiam ser esposas muito hon esras dos
primeiros colonos.
Pocahontls aos 21 anos. já crislã e com trajes europeus.
Da mesma forma, Pecer Fonraine havia defendido a mestiçagem com
as mulheres índias em vez de com as negras, em 1757.
Já nos primórdios da colonização temos um caso significativo. Em 1607
chegara a Jamestown o capitão inglês John Smith. Pouco tempo após sua rei, envolvida pela mística de uma "princesa indígena" na corte Stuart. O
chegada, foi capturado por índios. Quando a cabeça do capitão escava para clima inglês parece ter sido danoso a sua saúde, pois morreu lá tentando
ser esmagada, a jovem Pocahonras (que então contava dez ou doze anos) voltar para a América.
reivindica a vida do prisioneiro para si. No futuro, muitas vezes a jovem Existem, é bem verd~de, experiências puritanas de conversão do índio
Pocahonras levaria comida até a vila faminta dos ingleses, avisaria o capitão além de Pocahontas. Havia mesmo um colégio índio em Harvard, onde
.dos ataques indígenas e tudo faria para agradá-lo. No encanto, ao contrário os puritanos pretendiam formar elites índias cristianizadas para atuarem
~o que se .poderia esperar, o capitão J. Smith não se casa com a jovem próximos aos índios. Os índios deveriam estudar Lógica, Retórica, Grego
mdígena. Ele acaba voltando para a Inglaterra. Em 1614, Pocahontas aceita e Hebraico. É fácil imaginar que o colégio não foi um sucesso enorme
a fé cristã, passa a se chamar Rebeca, e casa-se com um plantador de tabaco: entre as populações indígenas. Em 1665, um índio com o complexo nome
John Rolfe. Em 1616, da viaja para a Inglaterra e é recebida pelo próprio de Caleb Cheesahahteaumuck concluiu seu bacharelado no colégio. Foi
OINICIO 63

G2 H!SfÓ RJA DOS ESTADOS UNIDOS

NEGROS
o único. Nenhum outro índio conseguiu esta proeza. O colégio tornara-
se um fracasso, e, em 1698, foi demolido. Houve outras experiências de 0 primeiro navio ho landês com escravos negros chegou à ~ugínia em
conversão e catequese. N unca houve um processo sistemático e permanente !619. Em 1624, em Jamestown, o primeiro menino n.egro nasaa e'?' s~lo
como no mundo da América ibérica. Os esforços do reverendo Eliot, que americano. Era William Tucker, filho de africanos e, ofictalmente, o pnmeuo
chegou a traduzir o Novo Testamento para os índios algonquinos, são afro-americano. .
exceção, não a regra. Em duas décadas, a escravidão já escava presente em todas as col? mas e
Existem vários relatos em inglês sobre a visão do índio em relação ao havia uma legislação específica para ela. A escravidão ~e?ra concorna ~m
homem branco. Com rodas as limitações de se descrever uma invasão na ·d~ branca mas o contato dos mercadores das colo mas com asAnolhas
a servt ao • c: A
língua dos invasores, esses relatos ainda assim apontam dados interessantes. foi servindo como propaganda para o uso da mão-dc-o~ra arn~a. os
Um índio descreve a chegaqa d9s brancos: ... >~1Hin m ~· plantadores, a escravidão negra foi parecendo cada vez mats vantaJOSa e seu
·r m número crescia bastante. .
[...] buscaram por rodos os lados bons terrenos, e q uando encontravam um, Guscavus Vassa, um nigeriano trazido para os Estados U~dos com_o
imecliacamcnte e sem cerimônia se apossavam dele; nós esrávamos arôniros, mas,
escravo e baózado com nome cristão, em 1794, d escreve a ternvel cra: esS12
do oceano que os negros enfrentavam. Em navios superlotados, a mort~tdade
ainda assim, nós permitimos que continuassem, achando que não valia a pena guerrear
por um pouco de terra. Mas qll3ndo chegaram a nossos terrenos favoritos - aqueles
que estavam mais próximos das zonas de pesca - então aco nteceram guerras era alta. Alimentação escassa e chicote abundante eram ~esponsávets ~do
sangrentas. Estaríamos contentes em compartilhar as terras uns com os outros, mas idade Os que sobreviviam à cravessta eram vendtdos
aumento dessa mortal · . d
esses homens brancos nos invadiram tão npidamence que perderíamos tudo se não nos mercados da América. A impressão dessa venda é descnta por Vassa, e
os en&entássemos... Por fim, apossaram-se de todo o país que o Grande Espírito
pr6prio tendo sido leiloado na chegada:
nos havia dado ...
Conduziram-nos imediatamente ao pátio ... como ovelhas cm um redil~ sem olha.ran
A idéia de predestinação, o ideal de empresa, tudo colaborou para para icbde ou sexo. Como tudo me era novo, tudo o que vinha ca~va-me asso":'bro.
enfraquecer a mestiçagem e a catequese dos índios. O mundo inglês Não sabia 0 que diziam, e pensei que esta gente estav~ verdadcu~mcnte chea: !
conviveria com o índio, mas sem amálgama. mágicas ... A um sinal de tambor, os compradores com am ao páoo onde esta
D e várias formas os índios resistiram à violência da colonização. Uma presos os escravos e escolhiam o lote que mais lhes agr:~dava. O cuido e ~ clamor
com que se fazia isso e a ansiedade visível nos rostos dos compradores scrv1am para
maneira comum era fugir para o interior, estratégia que seria utilizada até · sem escrúpulos • eram
aumentar muito o terror dos africanos... O essa mane1ra,
o século XIX. Outra era reagir com violência à invasão. Em 1622, por
separados parentes e amigos, a maioria para nunca mais voltarem a se ver.
exemplo, os índios atacaram Jamestown e mataram 350 colonos da
Virgínia. O chefe M etacom (chamado rei Filipe pelos brancos) atacou, Muitos aurores costumam considerar a escravidão norte-~~~ricana como
em 1676, os colonos da Nova Ing laterra, causando muitas mortes. Ao a mais c ruel que a América registrou. É extremamente dtftctl fazer ~~a
longo dos séculos XVII e XVI II, os índios fizeram várias alianças com franceses comparação de ordem moral (melhor/~ior) ?'m e as formas qu~a escravl(láo
contra os ingleses. africana conheceu na América. O lusconador norce.-amen cano Frank
É importante dizer, por fim, que nem rodos os colonos tinham o Tannenbaum diz que a escravidão em áreas anglo-saxômcas ~ez pare~ de ~
mesmo g rau de agressividade contra os índios. G rupos quakers e mundo moderno, com relações sociais individualistas e ~m stste~a JUrídico
menonicas recusavam a violência contra índios e também a violência da baseado nas leis anglo-saxônicas. Isso faria do escravo ma1s um obJeto ~o que
compra de escravos negros. Porém , q uakers, menonicas, cató licos e um ser humano. O escravo negro em zona ibérica faria parte de uma soct~dade
p uritanos ocupavam d e igual modo as cerras que foram, originalmente, paternalista e fundamentada no Di.reito R?mano, o que o tornana u m
d os índios. A longa "trilha de lágrimas" indígena continuaria durante elemento da base da sociedade, mas amda asstm um ser humano. O q~to
rodo o período colonial e seria até intensificada com a expansão para o essas diferenças de fato foram sentidas pelos escravos e qual o ~elhor chl~te
Oeste no século XIX. Apenas recentemente a população indígena dos ou 0 trabalho menos árduosãoquestõesqueaindamerecem maJores pesqwsas.
Estados Unidos voltou a crescer.
HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS O INICIO 65

No século XVIII, a legislação sobre os escravos se desenvolve bast:mtc,


acompanhando o próprio aumento da escravidão no sul das 13 colônias.
Um código escravisra da C'lfolina do Sul faz nessa época (1712) um amplo
conjunto de leis se referindo à vida dos escravos, verdadeiro retrato da
escravidão nas áreas colonirus inglesas.
Nesse código havia uma proibição de os negros saírem aos domingos
para a cidade a fim de evirar aj unramentos de negros nas Carolinas. Nenhum

. ..8.
escravo poderia portar armas de qualquer espécie. Recomendava-se rigor
aos juízes que tratassem de crimes cometidos por escravos, especialmente se
o crime fosse de rebelião coletiva conrra a autoridade instituída. A escravidão
............ ,,. "' havia, assim;~resddo a ponto de a revolta dos escravos tornar-se um pesadelo
para o mundo branco.
Naturalmente, diante da violência da escravidão, os negros resistiram
de várias maneiras. O historiador norte-americano Aptheker retrata algumas
formas de resistência: lentidão no trabalho, doenças fingidas, maus-nacos
aos animais da fazenda, fugas, incêndios, assassinatos (especialmente pelo
Para uma parto importante da população, o sonho do Novo Mundo foi este: veneno), automutilações, insurreições etc. Em 1740, os escravos tentaram,
o pesadelo dos instrumentos para punir escravos.
em Nova York, envenenar todo o abastecimento de água da cidade.
Houve historiadores, especialmente o sulista Ulrich Phillips, que fizeram
defesa apaixonada de uma escravidão benéfica. A visão foi duramente atacada
por historiadores mrus críticos como Herbert Aptheker ou Kenneth Stamp.
Na verdade, as posições sobre a escravidão colonial dialogam sempre com a
$150 REWARD Jl .\~ ,\ 11".\ , . r rPIII lhr •U~,..-ril..' r, Ull

siruação do negro na sociedade norte-americana. lhf' "'~"' o r Uae ::l:d Ja"";.tPI, a ••r:Tf.t~ft,

t
''llo rnll..-ltlnbtff llt!'lllriJ.fl tr!J. :~bouf ~~
)C"U n< o ld, 6 feel fJ • r H lru·IKs hi~.1.. •r-
O que fazia de alguém escravo? Leis votadas na Virgínia, em 1662, dln.~o~r") C'ttlor, ratbe:r duaak:r ••dU, ~.,
h ('utl. a hd ""' 1t dlvlde4 a....-:11) .,. .., •.
determinavam que a condição de escravo fosse dada pela mãe. Dessa forma, ,.tdr, •nd k«ps 11 Yery Dkdf ~;
hu .. b<-c·ta rnl.w4 ln lhf' ~.• nd l~ aan.c
o filho de pru inglês e mãe africana seria escravo. Pouco tempo depois, outra rMe dlulu~~ serraDt, aa4 ,...~i. tt
I MU'r u lo Loul"''·llle ffN" I H amnt_...... I
questão importante é tratada pela assembléia da Virgínia, q ue decide que os • p

n,_lr..- 1.1• .,_..,.,., .. •


r:J.I'~(';I be ~" aow ln Loai.s,Uit• tr, ia:lo
~ H-'t'o (ln .ti ~t•ili tJ lu t -...~4 i, CUt-..1 l 'o..-

escravos batizados permanecem escravos. O interessante é colocar a hipótese ~-'r...:~; i:~!:;'~~.:qt::'h"::.~~··:id·· ...:•:t: 1::""~ ~~
de amos piedosos batizarem seus escravos. A conversão dos escravos não ~.i:~i:-:~ ·t~~·;.~...~~~!~~ :;:.~~ t:=~~"7.:d~:~~·:.-:-~:
~ bn•.-ln"\1 miiH fh••n l~oni• ri11t• i"llot.<Htlllft•, fll'\d JAc• olfllt. .... ô(hoLo • ~·
;:~..~~~· Nt~rr·.••ud d•TJ•r~ liJm,.. ••r ,....,.,,""' iu·"'~\·Íi;!rJ :~:t •, ;-:~::.,·,'. 1.0~
era, então, obrigatória como nas áreas ibéricas. Integrar ou não o escravo 1
11... ,...,.,....... ,..,., .• ,....,.,..Jw, :tJ, t~:t ....

negro ao universo cristão, impor-lhe ou não o batismo era um aro de piedade


que dependia do proprietário. Em regiões como a Carolina do Sul -com cerca do GOo/o da po;>utação composta por negros- eram comuns
revoltas de escravos. Gordas rocor;npensas crom oferecidas pela captura dos quo fugiam de seus amos.
Em outubro de 1669, uma nova lei sobre escravos determina que, se
um escravo vier a morrer em conseqüência dos castigos corporais impostos Apesar de os escravos no conjunto da população das colônias não
pelo capataz ou por seu amo, não será considerado isso "delito maior, mas ultrapassarem os 20%, em áreas como a Carolina do Sul eram a mruoria da
se absolverá o amo". A lei contínua com lógica implacável: matar o escravo população. E justamente nessas áreas que o medo de uma rebelião
não é ato intencional, posto que ninguém, intencionalmente, procura generalizada aparecia. · , .
destroçar "seus próprios bens". Essa lei revela a "reificação" (tornar coisa) Entre 1619 e 1860, cerca de 400 mil negros foram levados daMnca
do escravo na legislação colonial. para os Estados Unidos. Ao fim da época colonial, havia cerca de meio
HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS o~fCJO 61

milhão de escravos nas colônias inglesas da América do Norte. A escravidão Às vésperas da Independência, as maiores cidades das colônias er.am:
não sofreria abalos com o movimento de independência, levado adiante,
em parte, por ricos escravocratas. Os ventos de liberdade de 1776 tinham Filadélfia: 40 mil habitantes
cor branca... Nova York: 25 mil habitantes
N o século XIX, um romance abolicionista (A cabana do Pai Tomds - Boston: 16 mil habitantes
Une/e Tom's Cabin) de H arriet Stowe coloca-se radicalmente contra a Charleston: 12 mil habitantes.
escravidão, concluindo que ela era um mal em si. Porém, para poder (Obs.: no mesmo período, a Cidade do México tinha 70 mil habitantes.)
elogiar um negro como Pai Thomas, a autora atribui a ele virtudes
"brancas" como ordem, limpeza e trabalho cristão. O mesmo apareceria Nas cidades, a elite comerciante era o grupo mais imperante.
no século XX em fi lmes como ...E o vento levott ( Gone With the Wind- Comparativamente à . Inglat~rr-a do mesmo período, havia menos pobres
' JII!,';.ll' ' l l ' l
1939], ::;be~ com seu racismo declarado, mostrava as delícias da vida de nas cidades da América. No entanto, a maioria da população das 13 colônias
um escravo nos algodoais do Sul. era rural. No Norte, predominavam as pequenas propriedades familiares;
no Sul, as grandes plantações eram mais freqüences.
POPULAÇÃO
VIDA COTIDIANA
No século XVIII, há um grande crescimento da população. Em 1700,
250 mil pessoas habitavam as 13 colônias. Na época da Independência, esse A família das colônias em muito se assemelhava às famílias européias.
número havia subido para dois milhões e meio. As fontes desse crescimento Havia uma média de sere filhos por casa, com uma alta taxa de morta1idade
são a imigração e o desenvolvimento natural da população. infantil. A autoridade residia no pai, mas todos os membros da família
A devastadora Guerra da Sucessão Espanhola havia empurrado grandes deveriam trabalhar.
massas da Europa para a América. Um desses grupos estava constituído pelos As mulheres tinham trabalhos dentro e fora de casa. Por suas mãos a
alemães da região do Palatinado, chegando em tão grande número que fàmília se vestia, comia e obtinha iluminação, tendo em vista que tecidos,
preocuparam os colonos de origem inglesa. Em 1751, escrevia B. Franklin: alimentos e velas eram geralmente produção caseira. No século XVIII, as
Por que permitimos aos alemães do Palatinado encher nossas comunidades e
mulheres das colônias dificilmente ficavam solteiras, casando-se por volta
estabelecer sua lfngua e costumes até expulsar as nossas? Por que vamos converter a dos 24 anos- bem mais tarde que as mulheres européias do período. Já no
Pensilvânia, que foi fundada por ingleses, nwna colônia de estrangeiros que são tão século XIX, o autor francês Alexis de Tocqueville notaria que as mulhaes da
numerosos que nos germanizarão em lugar de eles se anglicizarem? América eram muito mais liberadas do que as européias.
A História tradicional preocupou-se pouco com a vida das pessoas
Além dos alemães, chegaram também muitos escoceses e irlandeses. Os
anônimas, guardando para si os atos dos reis e figuras notáveis. Mesmo
franceses protestantes também constituíram um significativo grupo de
assim, por meio de poucos documentos, podemos reconstituir uma parte
imigrantes no século XVIII. Perseguidos na França, foram para a América e
da vida cotidiana. O viajfJlte francês Duram de Dauplúné descrevcu, por
tornaram-se responsáveis pelo crescimento da indústria da seda nas colônias.
exemplo, um casamento na Virgínia de 1765:
Um dos efeitos dessa grande leva de imigrantes não ingleses foi colaborar
para o afastamento das colônias americanas de sua metrópole. Constituía- Havia cerca de cem pessoas convidadas, várias delas de boa classe, e algumas damas,
se, assim, um novo mundo, com valores diversos dos ingleses. bem vestidas e agradáveis à vista. Mesmo sendo o mês d.e novembro, o blmquece
Em 1754, Virgínia era a mais povoada das colônias inglesas na América, realizou-se debaixo das árvores. Era um dia esplêndido. !!ramos oitenta na primeira
com 284 mil habitantes, seguida por Massachusetts e Pensilvânia, mesa e nos serviam carnes de rodo o tipo e em ranra abundância, que, estou seguro,
respectivamente com 210 mil e 206 mil habitantes. havia suficiente para um regimento de quinhentos homens [...].
IIIS'I'ÓlUt\ DOS ESTADOS UNIDOS O INiCIO G9

Prossegue o cronista relatando a falta de vinho, substituído por cerveja, Em uma culmra prática, os objetos também são, acima de rudo, práticos.
cidra e ponche. Temos até a receita desse ponche: três partes de cerveja, três Casas geralmente pequenas, camas compartilhadas por várias crianças.
de brandy, um quilo e meio de açúcar e um pouco de noz-moscada e canela. Banheiro exterior à habitação. Poucos móveis.
O banquete começava por volta das duas da tarde e durava até noite alta. As roupas eram, como já vimos, confeccionadas em casa. A sociedade
As mulheres dormiam dentro da casa e os homens pela rua e no celeiro. Quase
liI·
puritana, em particular, vestia-se sobriamente, com tons escuros. As jóias
rodos pernoitavam no anfitrião e retornavam para suas casas no dja seguinte. eram quase inexistentes. Quase rodos os homens andavam armados.
I As mulheres brancas gozavam de boa fama entre os viajantes que A vida cotidiana nas colónias inglesas da América do Norte revela uma
visitavam a América. Lord Adam, um inglês visitando os EUA em 1765, cultura voltada à função e não à forma. Nas igrejas coloniais ibéricas, quadros
descreve-as como diligentes, excelentes esposas e boas para criar família. ornamentados, altares cheios de detalhes, pinruras - rudo destacava uma
Apesar dos :t.o~~?~~UPNiheres não tinham identidade legal. Sua vida forma opulenta que devia levar a Dç\t~.. ~ ~g13!jas da América anglo-saxônica
transcorria à sorribi1:i dô'pâi edo marido. O divórcio foi escasso nas colónias. eram despojadas, com bancos para os fiéis, um local elevado para a pregação
A maior parte das mulheres casava-se uma única vex. do pastor (púlpito) e um órgão. As igrejas puritanas, notadamenre, tinham
O universo p uritano dividia a existência humana entre infância e o destaque para o púlpito, ao contrário das católicas, que destacavam o altar.
idade adulta, sem intermediários. Assim, depois dos sete anos de idade, as Em um mundo que se dedicava pouco às diversões, o anglo-saxão
crianças eram vestidas como ad ultos pequenos. Aprender a ler e escrever e costumava ligar trabalho e lazer. As reuniões festivas dos colonos tinham,
o ofício dos pais era, basicamente, a educação que os pequenos recebiam. quase sempre, um objetivo prático: construir um celeiro, preparar conservas
As crianças tinham várias tarefas na casa colonial, concebida como uma erc. A festa miscurava-se ao rrabaU10.
microcomunidade de trabalho. Em 1759, o clérigo britânico Burnaby descreveu Williamsburg (na
Mesmo com o desenvolvimento do comércio e das atividades Virgínia) como uma cidade de duzentas casas, ruas paralelas, praça ao centro
manufatureiras, grande parte da população ligava-se ao campo; a maioria e construções de madeira. O autor destaca a simplicidade dos edifícios públicos,
dos homens, portanro, dedicava-se à agricultura. à exceção do palácio governamental. A cidade só ficava mais "animada" em
época de assembléias, quando a população rural se destinava a ela.
Nos relatos da vida cotidiana na.~ colónias há um princípio prático que
volta com insistência. Tanto na vida cultural como na econônúca, as
populações das colónias dedicaram-se pouco a arividades de especulação
filosófica ou arcística. Poucos documenros ilustrariam tão bem essa
característica como uma carta de John Adams, em 1780. Residindo em
Paris, escrevia ele:

Eu poderia encher volumes com descrições de templos e palácios, pinturas, esculturas,


tapeçarias e porcelanas - se me sobrasse tempo. Mas não poderia fazer isso sem
negligenciar os meus deveres ... Devo esrudar polírica e guerra para que meus filhos
possam ter a liberdade de estudar matemática c filosofia, geografia, história natural,
arqui.tetura naval, navegação, comércio c agricultura~ ·a fim de que dêem a seus
filhos o d ireito de estudarem pinrura, poesia, música, arquircrura, csratuária, tapeçaria
e porcelana.

Logo, na mentalidade de Adams, que não constitui uma exceçáo nas


colónias, a guerra era o primeiro item, depois viriam as atividades económicas
e, por fim, quando tudo isso estivesse feito, sobraria o espaço para a arte
Cozinha de colonos na Nova lnglaleml, local de encontro e intensa allvídado familiar. formal propriamente dica.
O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA
I

,I
I
I GUERRASENUUSGUE~

O final do século XVII e todo o século XVIII foram acompanludos de

I.i muitas guerras na Europa e na América. D e muitas formas, essas guerras


significaram o início do processo de independência das 13 colônias com
relaç.'io à Inglaterra.

I A primeira dessas guerras ocorreu no final do século XVIf, anunciando


o clima de conflitos permanentes que acompanhariam as 13 colôniasdurante
quase todo o século XVIII. Trata-se da Guerra da Liga de Augsbwgo, que,
nas colônias inglesas, foi chamada de Guerra do Rei Guilherme (William).
Essa guerra foi uma reação da Inglaterra à política expansionistãdo rei
Luís XIV da França. Inicialmente indiferente a essa política, a lnglatena muda
de atitude quando da expulsão dos protestantes franceses promovida por Luis
XIV. O rei Guilherme da Inglaterra, ao subir ao trono, declara guerraàfrança.
Essa guerra (1688-1697) já apresenta as características dos conflitos
seguintes: iniciam-se na Europa e contam, na América, com a participaç.í.o
dos índios. Estes, aliados dos franceses, quase tomaram Nova York, mas
navios da colônia de Massachusetts impediram a investida, atacando Porto
Royal, nas possessões frâncesas.
Ao final da guerra, o tratado entre França e Inglaterra (Tatado de
Ryswick) estabeleceu a devolução de Porco Royal para os francesa, que, a
essa altura, já tinha sido rebatizado como Nova Escócia. Esse tratado mostra
como os interesses dos colonos pouco importavam· para a Inglan:rra. Aos
negociantes ingleses do tratado interessaram apenas as necessidades da
Inglaterra, traçando decisões sobre o mapa das colônias sem levar c:m conta


t
HI5TÓIUA DOS ESTADOS UNIDOS O PROCESSO DE INDEI'EI'.'DÊNOA 73

os interesses dos habitantes locais. Esses tratados ajudam a explicar por que, da expedição, naturalmente, foi atribuído ao comando inglês. Apenas
logo após as guerras coloniais, começa a se acelerar o processo de seiscenros colonos sobreviveram, aumentando o ressentimento contra o
independência das 13 colônias. exército britânico.
A guerra seguinte é a da Rainha Ana ou da Sucessão Espanhola ( 1703- Outro problema de sucessão, desta feita na Áustria, provo caria um
,,I 1713). Carlos 11, rei da decadente Espanha, havia morrido sem deixar atrito entre as nações da Europa. Trata-se da Guerra da Sucessão Austríaca,
Jl
herdeiros. A política de casamentos entre a realeza européia tornava inúmeros entre 1740 e 1768. A Inglaterra apoiava Maria Teresa; os franceses, alegando
reis sucessores em potencial. A Inglaterra apoiava a Áustria, em oposição à a impossibilidade de uma mulher assumir o trono, opuseram-se a ela. Na
França, que tentava colocar no trono espanhol Filipe, neto de Luís XIV. América, essa guerra foi conhecida como Guerra do Rei Jorge.
Durante o conflito, as colônias inglesas enfrentaram duas frentes de Durante a guerra, nas colônias, o forte francês de Louisbourg foi tomado
batalha. Ao norte, os colonos franceses e os índios aliados. Nessa, como em por uma expedição saída de Boston. Quando foi assinado o tratado de P.az
todas as outras guerras, os franceses haviam seduzido: mêaianre promessas (Tratado de Aix-La-Chapelle), a Inglaterra comprometeu-se a devolver o ··
de territórios, algumas tribos ind ígenas. O mesmo aconteceu com os colonos force para a França. Mais uma vez, os interesses ingleses eram sobrepostos
ingleses, que também tinh am aliado índios (essas promessas eram, com aos interesses dos colonos. Os colonos, que haviam financiado a tomada d o
freqüência, esquecidas após a vitória). Ao sul, a Carolina do Sul enfrentava force, enviaram ao Parlamento as despesas de sua captura.
os espanhóis da Flórida. A G uerra d o Rei Jorge colaborou também para de.~pertar o interesse da
Os intere.~ses europeus na An1érica misturavam-se e até opunham-se França e da Inglaterra pelo vale de Ohio, interesse que apareceria de forma
aos interesses dos colo nos. O s colonos do Sul queriam o domínio do bastante incensa no conflito seguinte.
Mississipi; os do Norte, o domínio do comércio de peles e a posse dos Dois anos antes de começar na Europa a G uerra dos Sete Anos (1756-
bancos pesqueiros da Terra Nova. 1763), começavam na América os conflitos nomeados de Guerra Franco-
Ao enviar uma tropa de dez mil soldados para a América a fim de Índia. O início do choque ligava-se exatamente às pretensões d os colonos
auxiliar os colonos, a Inglaterra acabou atrapalhando a luta das 13 colônias de se expandirem sobre as áreas indígenas do Ohio.
comra os franceses e espanhóis. O exército inglês foi acusado pelos colonos
de ineficiente, corrupto e, acima de rudo, extremamente caro para a economia
das colônias. Mais uma vez, as guerras coloniais contribuíam para contrapor
os interesses dos colonos aos interesses da Inglaterra.
Apesar desses atritos entre os colonos e as tropas inglesas, o Tratado de
Utrecht, que pôs fun à guerra, foi eXtremamente benéfico para as 13 colônias,
particularmente para as do Norte. Os colonos adquiriram o controle da
bafa de Hudson e o con~eqüenre domínio sobre o comércio de peles na
região. A Acádia francesa tornou-se possessão da Inglaterra e as ilhas da
Terra Nova abriran1-se ao domínio da pesca dos colonos ingleses, que se
apossaram do lucrativo comércio de bacalhau.
A Guerra da "Orelha de Jenkins", entre 1739 e 1742, agitou a vida·,ia
América após o conflito da Sucessão Espanhola. Aproveitando-se do ataque
espanhol ao navio do capitão Jenkins (durante o qual ele perdeu uma orelha),
os colonos atacaram possessões espanholas. O ataque dirigiu-se à Flórida e,
logo em seguida, à Cartagena, na atual Colômbia.
Três mil e guinhem os colonos foram comandados por oficiais ingleses
JOI N, or DI E.
"Faça a uniao das colóoias ou desapareça!",
nesses ataques. A febre amarela atacou-os com violência no Caribe. O fracasso a primeira caricatura norte-americana a favor da união das 13 colõnias.
74 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS O PROCESSO DE INDEPENDÉ).)(JA 7S

Em junho de 1754, foi organizada uma conferência das colônias inglesas A burguesia no poder inglês, contando com matéria-prima (como ferro
em Albany (Nova York). Pela primeira vez, de faro, surge um plano de e carvão), com vasta mão-de-obra e a invenção de máquinas na área têxlil,
união entre as colônias, elaborado pelo bostoniano Benjamin Franklin, como passa a concentrar trabalhadores em espaços chamados fábricas. A Revolução
forma de dar mais força aos colonos em sua luta contra os inimigos. A idéia Industrial é, antes de mais nada, a introdução de uma nova disciplina de
de uma união desagradou o governo inglês, que remia os efeitos posteriores trabalho, explorando ao máximo a mão-de-obra e provocando um aummto
dela. As próprias colônias desconfiaram também dessa união, temendo a extraordinário de produção. Essa produção, é claro, provoca uma nova busca
perda da autonomia. de mercados consumidores e de maiores necessidades de matérias-primas
AGuerraFranco-índiaeadosSeteAnosacabaramporeliminarolmpério como o algodão. Assim, na segunda metade do século XVIII, as colônias da
Francês na América do Norte. Derrotada na Europa e na América, a França América são vistas como importantes fontes para alimentar o processo
entrega para a Inglaterra uma parte de suas possessões no Caribe e no Canadá. industrial inglês.
'-., .. De muitas formas, a Guerra dos Sete Anos é a mais importante de · ;:· · Outro elemento que colaborou para a mudança da atitude inglesa com
todas as guerras do século XVIII. D eixou evidente o que já aparecera em relação às colônias foram as guerras do século xvm. Essas guerras obrigaf21Il
outras guerras: os interesses ingleses nem sempre eram idênticos aos dos a uma maior presença de tropas britânicas na América, causando inúmeros
colonos da América. atritos. Os acordos ao final desses conflitos nem sempre foram favoráms
A derrota da França afastou o perigo permanente que as invasões aos colonos. Por fim, guerras como a dos Sete Anos, mesmo terminando
fra ncesas represen tavam na América, deixando os colonos menos com a vitória da Inglaterra, implicaram altos gastos. Eram inúmeras as vazes
dependentes do poderio militar inglês para sua defesa. Além disso, os no Parlamento da Inglaterra que desejavam ver as colônias da América
habitantes das 13 colônias tinham experimentado a prática do exército e o colaborando para o pagamento desses gastos.
exercfcio da força para conseguir seus objetivos e haviam tido, ainda que A Guerra dos Sete Anos estabelecera uma maior presença militar ms
fracameme, sentimemos de unidade contra inimigos comuns. Somando-se colónias. A Coroa decidiu manter um exército regular na América, a um ClJS1IO
a esse novo contexto, a política fiscal inglesa para com as colônias, após a de 400 mil libras por ano. Para o sustento desse exército, os colonos passar:Wn
Guerra dos Sete Anos, alterou-se bastante, como veremos adiante. Levando a ver aumentada sua carga de impostos. Situação desagradável para os coloJJOS:
em conta os argumentos apresentados, é absolutamente correco relacionar pagar por um exército que, a rigor, estava ali para policiá-los.
as guerras coloniais com as origens da independência das 13 colônias. O final da Guerra dos Sete Anos também trouxe novos problemas entre
·-colonos e índios. Vencido o inimigo francês, os colonos queriam uma
expansão mais firme entre os monres Apalaches e o rio Mississipi, áreas
OS COLONOS VENCEM A GUERRA E PERDEM A PAZ... tradicionais de grandes tribos indígenas. O resultado disso foi uma llOVa
fase de guerra entre os índios e os colonos. Várias tribos unidas nllffia
Como já foi visco, a colonização inglesa da América do Norte,
confederação devastaram inúmeros fortes ingleses com táticas de guerrilha.
parcicularmence das colônias setentrionais, não foi feita mediante um plano
Contra essa rebelião liderada por Pontiac, os ingleses usaram de todos os
s~stemáfico. Em parte pelas características das colônias, em parte pela própria
recursos, inclusive espalhar varíola entre os índios.
sttuação da Inglaterra no século XVH com suas crises internas, as colônias
Apesar da derrota dos índios, o governo inglês decidiu apazigua~ os
gozavam de cerca autonomia. A metrópole, ausente e distante, raramente
ânimos e, em setembro de 1763, o rei Jorge lll proibiu o acesso dos colonos
interferia na vida interna das colônias.
a várias áreas entre os Apalaches e o Mississipi. O decreto de Jorge Ill
Essa situação tende a mudar no século XVIII. O sistema político inglês
definira-se como uma monarquia parlamentar, o que proporcionará à reconhecia a soberania indígena sobre essas áreas, afirmando também que:
~ngl acerra grande estabilidade política. Participando do poder, a burguesia Considerando que é justo e razoável e essencial ao nosso jnreresse e à segurançt de
mglesa promove grande desenvolvimento econômico. Os séculos XVIIJ e XIX nossas colônias que as diversas nações ou tribos de índios como as que estall105 cm
na Inglaterra, ao contrário da França, serão de relativa paz interna, contato, e que vivem sob nossa proteção, não sejam molestadas ou incomodalbs na
favorecendo a expansão e o controle do Império colonial. posse das ditas partes de nossos domínios [...].
O PROCESSO DE INDEI'ENDENclA 77
76 HlSTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS

Geralmente pouco considerada, a Declaração de 1763 é uma origem O que significa isso? Desde a Idade Média até o século XVIII a Inglaterra
importantíssima para a revolta colonial contra a Inglaterra. Importante, em sofreu muitos movimentos que afirmavam este princípio: para alguém pagar
primeiro lugar, porque fere os interesses de expansão dos colonos. Tanto os um imposro (taxação), essa pessoa deve ter votado num representante que
que exploravam as peles como os que planeavam fumo viam nessas ricas terras, julgou e aprovou este imposto (representação). Assim foi com os burgueses
que o decreto agora reconhecia como indJgena, uma ótima oportunidade de que impuseram limites a Carlos I . Era esse princípio tradicional da Inglaterra
ganho. Importante também porque representava uma mudança grande da que Ocis, no fundo, queria fazer valer para as colônias.
Coroa inglesa em relação às colônias da América: o início de uma política de Além dos protestos como o de James Otis, os colonos organizaram
interferência nos assuntos internos dos colonos. O ano de 1763 marcou uma boicotes às importações de produtos ingleses, como, por exemplo, às rendas
mudança na história das relações entre a Inglaterra e suas colô nias. para a confecção de vestidos.
No mesmo ano de 1764, o governo inglês baixa a Lei da Moeda,
proibindo a emissão de papéis de crédito na colônia, que, até então, eram
AS LEIS DA RUPTURA usados como moeda. O comandante do exército britânico na América,
general Thomas Gage, sugeria e fazia aprovar no mesmo ano a Lei. de
A Inglaterra tornou-se, após a Guerra dos Sere Anos, a grande potência Hospedagem. Essa lei determinava as formas como os colonos deven am
mundial e passou a desenvolver uma politica crescente de domínio político abrigar os soldados da Inglaterra na América e fornecer-lhes alimento.
e econômico sobre colônias. Mais uma vez, a Lei de Hospedagem e a da Moeda revelam mudanças
A Lei do Açúcar (American Revenue Acc ou Sugar Acc), em 1764, na política inglesa. O objetivo claro da Lei da ~oeda er~ ~estringi: a
representou outro ato dessa nova política. Essa lei reduzia de seis para três autonomia das colônias. A Lei da Hospedagem deseJava, em úlnma análiSe,
pence o imposto sobre o melaço estrangeiro, mas estabelecia impostos tomar as colônias mais baratas para o tesouro inglês.
adicionais sobre o açúcar, artigos de luxo, vinhos, café, seda, roupas brancas. Porém é somente com a Lei do Selo, de 1765, que notamos uma
D esde 1733 havia lei semelhante, no entanto os impostos sobre os produtos resistência 'o rganizada dos colonos a esta onda de leis mercanúlistas. A
perdiam-se na ineficiência das alfândegas inglesas nas colônias. Inglaterra estabelecia, em 22 de março de 1765, que todos os contratos,
O que irritava os colonos não era tanto a Lei do Açúcar, mas a disposição jornais, cartazes e documentos públicos fossem taxados.
da Inglaterra em fazê-la cumprir. Criou-se uma corte na Nova Escócia com A lei caiu como uma bomba nas colônias! Foram realizados protestos em
jurisdição sobre todas as colônias da América para punir os q ue não Boston c cm outras grandes cidades. Em Nova York, um agente do governo
cumprissem essa e outras leis. inglês foi dependurado pelas calças num denominado "poste da liberdade". Um
Além disso, a Lei do Açúcar procurava destruir uma tradição dos grupo chamado FilhosdaLiberdadechegou a invadiresaquearacasadeThomas
colonos da América: comprar o melaço para o comércio triangular onde Hutchinson, representante do governo inglês em MassachusettS.
ele fosse oferecido em melhores condições. Isso significava que a escolha Além de todos esses aros, foi convocado o Congresso da Lei do Selo.
nem sempre recaía sobre as ilhas inglesas do Caribe, mas também sobre as Em Nova York, os representantes das colônias elaboraram a Declaração dos
possessões francesas. Direitos e Reivindicações. Esse documento é bastante interessante para
Ao indicar em sua introdução que seu objetivo era "melhorar a receita avaliarmos o sentimento dos. colonos, em particular da elite comerciante, às
deste reino", a Lei do Açúcar torna claro o mecanismo mercantilista que a medidas inglesas.
Inglaterra pretendia. No segundo século da colonização, a Coroa britânica O documento afirma sua lealdade em relação ao rei Jorge m. No entanto,
queria fazer as colônias cumprirem a sua função de colônias: engrandecimento invoca para as colônias os mesmos direitos que os ingleses tinham na
da metrópole. Ficava clara uma mudança na política inglesa. metrópole. O documento afirma, lembrando uma tradição que remonta às
Os colonos reagiram imediatamente. Um deles, James Otis, publicou idéias do ftlósofo inglês Locke, que nenhuma lei pode ser válida sem uma
uma obra denunciando as medidas e reafirmando um velho princípio inglês representação dos colonos na Câmara dos Comuns. _Por .fim, pe~e a
que os colonos invocavam para si: "raxação sem representação é ilegal". Declaração que essa e outras leis que restringem o comérao seJam abolidas.
78 HISTÓRIA DOS llSTADOS UNIDOS O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA

Com a Lei do Selo, a Coroa havia incomodado a elite das colônias. A que foram conhecidas como Atos Townshend. Esses atas lançavam impostos
reação foi grande, assustando os agentes do tesouro da Inglaterra. H ouve sobre o vidro, corantes e chá. A Assembléia de Nova York foi dissolvida por
um movimento de boicote ao comércio inglês; no verão d e 1765, decaiu o não cumprir a Lei de H ospedagem. Foram nomeados novos funcionários
comércio com a Inglaterra em 600 mil libras. Em quase rodas as colônias, para reprimir o contrabando, bastante praticado nas colônias.
os agentes do tesouro inglês eram impossibilitados de colocar os selos nos O resulcado dessas novas leis foi novos protestos, novos boicotes e
documentos. A rcação era generalizada. Em 1766, o Parlamento inglês viu- declarações dos colonos contra as medidas. As leis acabariam sendo revogadas.
se obrigado a abolir a odiada lei. O s colonos haviam demonstrado sua força. No entanto, em Boston, quase ao mesmo tempo em que se deu a
A Inglaterra retrocedia para avançar mais, logo em seguida. anulação dos Atos Townshend, um choque en tre americanos e soldados
ingleses tornaria as relações entre as duas partes muito difíceis. Protestando
conrra os soldados, Uf!l grupo de colonos havia atirado bolas de neve contra
" '"" ~ o quartel. O comandan te, assustado, mandara os soldados defenderem o
prédio. Estes acabaram disparando contra os manifestantes. Cinco colonos

morreram. Seis outros colonos foram feridos, mas conseguiram sobreViver.
Era 5 de março d e 1770. O M assacre d e Boston, como ficou conhecido, foi
usado largamente como propaganda dos que eram adeptos da separaÇio.
Um desenho com a cena do massacre percorreu a colônia. O cheiro de
guerra começava a ficar mais forte.
I.
CHÁ AMARGO...

Mais uma vez entra em cena o chá. Mais uma vez su rge o mercantilismo
que a Inglaterra parece disposta a implantar nas colônias. M ais uma vez, a
rcação dos colonos.
Para favorecer a Com pan hia das fndias Orientais, que escava à beirada
falência, o governo britânico lhe concede o monopólio da venda do d1á
para as colônias americanas.
Os colonos tinham o mesmo hábito britânico do chá. Tal como na
Inglaterra, o preço da bebida vinha baixando, tornando-a cada vez m ais
popular. Com o monopólio do fornecimento de chá nas mãos d e uma
companhia, os preços natu ralmente subiriam.
A reação dos colonos à lei foi, pelo menos, original. Primeiro a população
procurou substituir o chá por café e chocolate para escapar ao monopólio.
O Massacre do Boston, gravura de Paul Revere. O episódio do ·Massacro de Boston" Além disso, na noite de 16 de dezembro d e 1773, 150 colonos disfarçados
foi usado largamente como propaganda por parte dos adeptos da separação.
de índios atacaram 3 navios no porco de Boston e atiraram o chá ao mar.
Um novo ministério formado na Inglaterra traria ao poder homens Era a Boston Tea Party (Festa do C há de Boston). Cerca de 340 caixas de
mais dispostos a submeter a colônia do que ceder às pressões dos colonos. chá foram arremessadas ao mar. Um patriota entusiasmado disse: "O porto
O ministro da Fazenda, Charles Townshend, decretou, em 1767, medidas de Boston virou um bule de chá esta noite... ".
80 HIS'IÚRJA DOS ESTADOS UNIDOS

A r~ação do Parlamento inglês foi force. Foram decretadas várias leis que
? s am~ncanos passaram a chamar de "leis intoleráveis". A mais conhecida delas
uuerditava o ~or:to de Boston até que fosse pago o prejuízo causado pelos
colonos. A colonta de Massachusetts foi transformada em colônia real, 0 que
emp.res~ava grandes poderes a seu governador. O direito de reuniões foi
restnngrdo. A Inglaterra demonstrava que não toleraria oposições às suas leis.
A RUPTURA E O NOVO PAÍS

,.ltt ..
~1 ~

A Independência das 13 colônias foi influenciada por m uitos aut()res


do iluminismo, movimento filosófico de crítica ao poder dos reis e à
exploração das colônias por m eio de monopólios. Dos filósofos do mundo
iluminista, um dos mais importantes para os colonos foi John Locke.
O inglês John Locke, filho de uma família protestante, nasceu cm
1632. Viveu o agitado século XVII na Inglaterra e, quando Guilhenne e
Maria de Orange foram entronados, olhou com aprovação para o novo
Nessa iluslra~o do ~a ui Re~er~, .o~ciais ingleses obrigam a América a tomar chá amargo, governo que se instalava.
uma alusao à arbtlrária let bntamca que concedia à Companhia das índias Orientais
o monopólio da venda do chá para as colónias.
As idéias de Lockeestavam profundamente relacionadas com a Revolução
Gloriosa inglesa, que estabeleceu o governo de_G uilherme e Maria e consagrou
No lugar ~a esperada·.submi.ssão das colônias, a Inglaterra conseguiu a supremacia do Parlamento na Inglaterra. Na sua maior obra política, Ensaio
com estas m edidas apenas mcenuvar o processo de independência. sobre o governo civil, Locke justifica os acontecimentos da Inglaterra.
O filósofo desenvolveu a idéia de um Estado de base contratual Esse
contrato imaginário entre o Estado e os seus cidadãos teria por objccivo
garantir os "direitos naturais do homem", que Locke identifica como a
liberdade, a felicidade e a prosperidade. Para o filósofo, a maioria ttm o
direito de fàzer valer seu ponto de vista e, quando o Estado não cumpre
seus objetivos e não assegura aos cidadãos a possibilidade de defenda seus
direitos naturais, os cidadãos podem e devem4azer urna revolução para
depô-lo. Ou seja, Locke é também favorável ao direito à rebelião. (Esse
princípio de resistência à tirania justificava a revolta dos ingleses dianrc das
medidas autoritárias dos Stuart no trono da Inglaterra.)
Tais princípios, expostos na obra de Locke, tornaram-se com o o:mpo
parte da tradição poücica da Inglaterra. Muitos ingleses que emigraram para
as colônias conheciam as idéias do filósofo. Os estudantes das colônias, que
82 HISTóRIA DOS ESTADOS UNLDOS A RUPTIJRA EO NOVO PAIS 83

iam para a Europa em busca das universidades, voltavam influenciados por independência. M esmo assim, esse sentimento a favor da independência
ele e por o urros pensadores. Dessas e de muitas outras formas, as idéias liberais não foi unânime desde o prindpio. Já vimos anteriormente que o Sul era
atravessavam o oceano e frutificavam nas colônias, onde encontravam cerre no mais resistente à idéia da separação. E tanto entre as elites do Norte como as
fértil, passando a fazer parte da tradição polftica também do Novo Mundo. do Sul, outro medo era forre: o de que um movimento pela independência
O filósofo inglês defendia a participação política para determinar a acabasse virando um conflito interno incontrolável, em que os negros ou
validade de uma lei. As leis inglesas eram votadas sem que os colonos pobres interpretassem os ideais de liberdade como aplicáveis também a eles.
participassem da votação. Por várias vezes os colonos recusaram-se a aceitar Na verdade, as elites latifundiárias o u comerciantes das colônias
leis votadas por wn parlamento no qual eles não tinham assento, alegando resistiram bastante à separação, aceitando-a somente quando ficou claro
o direito de participar em decisões que os afetariam. que a metrópole desejava prejudicar seus interesses econômicos.
. Na visão dos colonos, ~ go~e~o i~ftlês não procurava preservar a vida, As sociedades secretas foram uma das primeiras reações d os colonos
a hberdade e a propriedade. Pelo l:o'iid'árío, atentava com sua legislação contra as medidas inglesas. A mais.famosa delas fo·i Os Filhos da Liberdade,
mercantilista contra a propriedade dos colonos e, por vezes, como no que estabeleceu uma grande rede de comunicações, em muito facilitando a
Massacre de Boston, contra a própria vida dos colonos. As palavras de Locke articulação entre os colo nos. Os Filhos da Liberdade também eram uma
(Segundo tratado sobre o governo) assumiam na colônia o papel de ideário de escola de política, pois seus membros liam as principais obras políticas (como
uma revolução: a de Locke, entre outras) para darem base intelectual ao movimento.
Houve também um grupo feminino intitulado Filhas da Liberdade,
q uem quer que use força sem direito, como o f.u todo aquele que deixa de lado a com o mesmo propósito. As mulheres também organizaram Ligas do C~ com
le1, coloca-se em estado de guerra com aqudes conrra os quais assim a emprega; e o objecivo de boicotar a importação de chá inglês. Nas grandes ctdades
nesse estado ~~ceiam-se todos os vínculos, cessam rodos os o urros direiros, e qua.lquer
como Nova York e Boston, mulheres encabeçavam campanhas contra
um rem o dm:ltO de defender-se e de resislir ao agressor.
produtos elegantes importados da Inglaterra e incentivavam produtos feitos
É interessante identificarmos na Declaraç.'í o de Independência das 13 em casa, mais simples, porém mais "patrióticos". Na Carolina do Norte,
colônias longos trechos extraídos d as idéias de Locke. O filósofo inglês, ao um grupo de mulheres chegou a elaborar um documento c~a~ado
pretender justificar um movimento em sua terra, acabou servindo de base, Proclamação Edenton, dizendo que o sexo feminino tinha todo o dtretto de
quase um século depois, para um movimento contra o domínio da Inglaterra, participar da vida política. Mais tarde, quando a guerra ~ntr~_ as co~~nias e
a mesma Inglaterra que Locke tanto amava. a Coroa Britânica começou, as colo nas demonstraram mats uma habtltdade:
foram administradoras das fazendas e negócios enquanto os maridos lutavam.
A continuidade das medidas inglesas para as 13 colônias levou os colonos
"DÊEM-ME A LIBERDADE OU DÊEM-ME A MORTE!" a o rganizarem o Congresso Continental da Filadélfia, mais tarde conhecido
como Primeiro Congresso Continental. Representantes de quase todas as
Essa frase foi dita por um patriota americano: Patrick Henry ("Give me colônias (com exceção da Geórgia) acabaram elaborando uma petição ao
liberty, or give me death!"). Ela representa muito do crescente estado de rei Jorge, protestando contra as medidas. O texto redigido em 1774 ex:a
espírito que as leis inglesas iam provocando nas colônias. m oderado, o que mostra que a separação não era ainda um consenso. Depots
Quando a Inglaterra começou sua política••m ercantilista, os colonos de protestar contra as medidas i'nglesas, os colonos encerraram o-do~ento
americanos passaram, de forma crescente, a protestar contra esses fatos. dizendo que prestavam lealdade a sua M ajestade. O conservadonsmo da
E importante lembrar que não havia na América do Norte, de forma elite colonial reunida no Congresso não foi suficiente para uma generosa
alguma, uma nação unificada contra a Inglaterra. N a verdade, as 13 colônias influência de Locke no texto enviado ao rei.
não se uniram por um sentimento nacional, mas por um sentimento A reação inglesa foi ambígua. Ao mesmo tempo em'que houve tentativas
antibritânico. Era o crescente ódio à Inglaterra, não o amor aos Estados de conceder maiores regalias aos colonos, foi aumentado o número de
Unidos (que nem existiam ainda) q ue tornava fone o movimento pela soldados ingleses na América_ Esse incremento da força militar acabou
84 HISTÕRI/1 DOS ESTADOS UNIDOS
A RUP'IUJL\ E O NOVO PAfS 85

estimul~ndo um inevitável choque entre as forças dos colonos e as inglesas. 1774 . Filho do dono de uma fábrica de espartilhos, o ati vista teve uma vida
Em Lexmgton e Concord ocorreram os primeiros choques armados. atribulada e marcada por movimentos políticos. Falido e divorciado, passou
. Em meio ao início de hostilidades deu-se o Segundo Congresso da nove semanas dentro de um navio até chegar à Pensilvânia. Nos jornais da
Ftladélfia. Esse Congresso acabaria reunindo todas as colônias, inclusive a Pensilvânia, adquire fama de escritor "radical", contrário à escravidão e adepto
r~istente Geórgia. Inicialmente, apenas renovou seus protestos junto ao da independência d as colônias.
ret, que acabou se decidindo a declarar as colônias "em rebeldia". A 1O de janeiro de 1776, o foU1eto Senso comum chega às livrari:ts da
A opinião dos congressistas estava dividida enquanto panfletos como 0 Filadélfia. Em meio às agitações políticas do inverno de 1776, as cinqüenta
de T homas Paine, Smso comum (Common Sense), pregavam enfaticamente páginas desse folheto divulgado como anônimo teriam uma impon ância
a separação e atribuíam ao rei os m ales das colônias. muito grande, fund amental como elemento de propaganda. Suas afirmações
Pode parecer contraditório, mas Paine nasceu na Inglaterl'<l:: Entretanto, foram espalhadas pelas colônias com grande velocidade. Como o próprio . ..
aos 37 anos, já era um "cidadão do m undo" quando chego~· ~-kérica, em nome d iz, Paine sistematizou um sentimento que era crescente entre' ci': ., · 1;·h"
colonos, um senso com um e "bom"; deu forma escrita à revolta e coqx> às
idéias esparsas e aos protestos contra a Inglaterra. D iz o autor:

A Inglaterra é, apesar de rudo, a p:ítria-mãe, dizem alguns. Sendo assim, mais


vergonhosa resul ta sua conduta, porque nem sequer os animais devoram suas crias
nem finem os selvagens guerra a suas famílias; d e modo que esse fato volta-se aind a
ma is para a cond enação d a Inglaterra. [ ...] Eu ropa é a nossa pá tria-m ãe. não a
Inglaterra. Com efeito, este novo continente foi asilo d os a mantes persegWdos da
li berdade c ivil e religiosa d e q ualquer pane d a Europa [...] a mesma ti1'21lia que
ob rigou aos primei ros imigrantes a d eixar o país segue perseguindo seus d escendentes.

Firmemente republicano, Paine ataca não só o abuso da monarqu ia


sobre as colônias, m as também a própria mo narquia como instituição. A
necessidade de uma constituição é ressaltada no folheto. N a visão de Pain e,
um corpo de leis elaborado nas colônias seria o mais lógico e convcnience
para a vida dos co lonos. Era a hora da separação:

A Europa está separada em m uitos reinos para que possa viver muito rempo em paz,
e o nde quer que estoure uma guerra entre a Inglaterra c qualquer potência estnngeira,
o comércio d a colônia sofre ruínas, por causa de sua conexão co m a Grii-Bm.anha ...
Tudo o que é justo o u .-azoávcl advoga cm favor d a separação. O sangue dos q ue
calcam e a voz chorosa da naturC?A"l exclamam: Já é hora de sepa rar-nos! lndusive a
distância que o Todo-Poderoso colocou entre a Inglate rra e as colônias const itui
u ma p rova firme e natural de: q ue a auto ridade daquela sobre estas nunca entro u
nos desígnios do Céu ...

O próprio autor manifestou-se surpreso com o sucesso do seu folhe to.


Mais tarde, porém , m ais vaidoso, afirmava numa carta que
Mulheres patriotas org.anizam boicotes a produtos Ingleses e incentivam a produção caseira. Na ilustração: a impo rtância d aquele panAero foi tanta que, se não ti"esse sido publicado , e no
as damas da Soc::iedade de Senhoras Patriotas de Edenton, Caronna do Norto, jurando não tornar momento exato em q ue o foi, o Congresso não teria se reu nido ali onde se reuniu.
mnls chá até a libertação e defendendo a participação feminina na vida política americana.
A obta deu à polftica da América u m rumo que lhe permitiu enfren tar a questão.
A RUMURA E O N0\'0 PAIS 87
86 1115TÓRIA OOS ESTADOS t!:-JIOOS

1:- CO~ G R[SS. ],L,. .;. '776'·


~fir unonimN~uforation """-.... $ tntl'!' ofC:Xnurica..

r .- --

A América w>SP declara a Independência.

O sucesso dos escritos de Painc está ligado ao que, no início do livro,


chamamos de "espírito de Macbeth". Essa modernidade política é exatamente
a capacidade de separaras partes constitutivas da política como um todo, avaliá-
:. las de form a quase abstrata, manipular os conceitos e jogar com eles a favor de
!
um determinado interesse. Paine afirma que "a sociedade é produzida por
nossas necessidades, o governo por nossa iniqüidade". A Inglaterra é negada
em sua condição de mãe-pátria por seus erros, pregando o autor a separaç.:to.
A 2 de julho de 1776, o Congresso da Filadélfia acaba decidindo-se
pela separação e encarrega uma comissão de redigir a Declaração da
Independência. A Declaração fica pronta dois dias depois, em 4 de julho.
O teor da Declaração de Independência é típico desse "pensamento
ilustrado", presente nas colônias no século XVIII. Em muitos aspectos, lembra
o panfleto de Paine, misturando elementos de pensamento racional com
argumentos religiosos.
Thomas Jefferson não é o único, mas é o mais importante autor desse
documento. A consciência de que as colônias inglesas da América do Norte
pretendiam algo inédito - separar-se da metrópole - deu aos autores do Em 4 de julho de 1ne. o Congresso se reuníu na Fíladélfla e pr~=':ia América.
texto um sentido de importância e majestade, como se as colônias estivessem com 0 apoio da população. o surgímenlo de uma nova nação: os Estados •
Na ilustração: o espírito de 1776, de Archlbald M. Willard, simboliza a lndepondênaa.
diante do tribunal do mundo:
11 RUPTURA E O NOVO PAIS l9
88 HISTóRIA DOS ESTADOS UNIDOS

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, torna-se necessário para um povo ue deveriam estar prontos para defender-se a qualquer minuto dos ataques
dissolver o vinculo politico que o mantinha ligado a outro, e assumir entre as potências qda Inglaterra, sendo os verd a d. ct ad~aos em armas" . . . _
etros ".d
da terra a situação separada e igual a que as leis da natureza e o Deus da natureza lhe Em decorrência dessa mentalidade, na futura Constttmçao dos EUA
dão direito, um decoroso respeito às opiniões da humanidade exige que ele declare seria garantido o direito ao cidadão de portar armas, princípio mantido até
as causas que o impelem à separação.
hoje. (Se na época da guerra contra a Inglaterra essa idéia tinha uma certa
Os representantes das colônias, reunidos na Filadélfia, resolveram então validade, hoje ela é um obstáculo ao desarmamento da pop~ação.)_
A guerra não foi fácil. Os ingleses enviaram vários generats conceituados
explicar ao mundo o que o mundo não tinha perguntado: as causas da
como William Howe, John Burgoyne e Lord Corwallis e tropas apoiadas
separação. Para isso, enumeram 27 atitudes da Inglaterra que prejudicaram
pela maior m arinha do mundo. Apesar do ~ntusiasmo d~s colonos, a
as colônias. A explicação e a justificativa não se destinavam à "humanidade",
experi..ência e a marinha britânicas ~arectam ser obstacul~s quase
como dizia o texto, mas aos próprios colonos que _só pouco antes haviam
intransponíveis. O s ingleses pagaram atnda uma grande quanndade_ d e
decidido pela separação.
mercenários alemães, famosos pela energia de ataque, para lutar na Aménca.
Os problemas que a Declaração de Independência enumera já são nossos
Para piorar a situação dos rebeldes, muitos colonos passaram para o
conhecidos: as leis mercantilistas, as guerras que prejudicavam os interesses dos
lado dos ingleses, contrários à Independência ou simplesmente em busca de
colonos, a existência de tropas inglesas que os colonos deviam sustentar etc. A
recompensas imediatas. Houve traições ainda mais graves, como a do general
paciência dos colonos, sua calma e ponderação são destacadas em oposição à
Benedict Arnold, que levou aos ingleses muitas informações sobre as forças
posição intransigente e autoritária do rei da Inglaterra, no caso, Jorge 111.
rebeldes. H avia urna parte dos colonos entusiasmada com a causa~ ruptura.
Interessante que, dentro do sistema parlamentarista inglês, o rei tem menos H avia uma pane leal à Coroa Britânica e havia um grande numero de
importância do que o Ministério. As ações contra os colonos não partiram
colonos absolutamente indiferente aos dois lados.
diretarnente deJorge JII, mas d os ministros que pelo Parlamento as impunham Um dos fatores que mais uniu os colo nos em tomo da causa d~
à aprovação real. A Declaração, no entanco, resolve concentrar seus ataques Independência foi a violênci~ inglesa. Banastre Tarleton, p~r exemplo, fot
na figura do rei, tentando, calvez, "criar" um inimigo conhecido e fixo. apelidado de açougueiro pelos norce~america~1os: pe~a feroc•dade co~ ~ue
No último parágrafo, por fim, o rompimento definitivo é anunciado. matava mulheres e crianças e incendtava alde1as mtetras..Um do~ obJe~vos
As colônias declaram-se estados livres e independentes, sem qualquer ligação de Tarlecon era capturar um gerrilheiro pró-Independêncta Francis Munon,
com a Grã-Bretanha. Invocando a proteção divina, selam a primeira apelidado de Raposa do Pântano. Tarleton morreu com tí~o de Si~ na
Independência das Américas. Inglaterra, em 1833. Francis Murion morreu como um respettado patriOta
A Declaração foi recebida com entusiasmo por quase todos os colonos. na Carolina do Sul, em 1795. Cada um foi herói para o ~eu país ..•.
Em Nova York, a estátua do rei Jorge 111 foi derrubada pela população A guerra foi uma sucessão de batalhas que ora fàvorectam os ?~ttamcos,
entusiasmada. Em quase todas as colônias houve festas. ora 05 colonos. Vitórias dos colonos- como em Saratoga- penmnram_~ue
Declarar independência era, porém, mais fácil do que lutar por ela. As 0 embaixador das colônias, Benjamin Franklin, conquistasse em definmvo
colônias tiveram que enfrentar uma guerra para garantir essa independência 0 apoio espan hol e francês. A França enviou exército e marinha, sob o
diante da Inglaterra. George Washington, fazendeiro da Virgínia, foi comando do marquês de Lafa}:ene e do general Roc~ambeau. Holanda J:
noweado comandante das forças rebeldes. também aproveiiõü a guerra para atacar possessões mg~esas, at~da _que a
As hostilidades haviam começado em Lexington e Concord, como princípio não reconhecesse a independência das colômas. As nval1dad es
dissemos. Foi organizado o Exército Continental, uma força regular a cargo européias, dessa vez, eram canalizadas a favor d os colonos. .
de Washington. Porém, a Guerra de Independência é também fruto da luta A entrada da França e da Espanha mudou os rumos da guerra. O confllto
das milicias, grupos mais ou menos autônomos de colonos que miam aros havia se deslocado para o Sul. Em 19 de outubro de 1781, as trop_as de ~lo nos
de sabotagem contra o Exército inglês. Nessa época, desenvolve-se uma e seus aliados obtêm a vitória decisiva em Yorktown na Virgínia. DoiS an~s
noção muito importante para os Estados Unidos: os minutemen, homens após a vitória de Washington, em 1783, peloTratado de Paris, a França recebia

+'' •
HlsróRJA DOS ESTADOS UNIDOS 91
A RUPTIJRA E. O NOVO PAÍS

o Senegal na África e algumas ilhas das Antilhas; a Espanha recebia a ilha de George Washington era um fazendeiro da Virgínia. Lutou nas guerras
Minorca no Mediterrâneo e territ6rios da Flórida. Pela primeira vez na história, coloniais e adquiriu fama de bom militar. Quando a Independência
um país da Europa reconhecia a independência de uma colônia. aconteceu, tornou-se chefe m aior das tropas americanas contra as inglesas.
Nascido em 1732, Washington pertencia à elite colonial. A participação
OS PAIS DA PÁTRIA dele no Primeiro e Segundo Congressos da Filadélfia não é algo estranho. A
Independência e a construção do novo regime republicano foi um projeto
A traclição política e historiográfica nane-americana elegeu alguns levado adiante pelas elites das colônias. Escravos, mulheres e pobres não são
homens ~orno "pais da pátria" o u "pais fundadores". Eles figuram, com os líderes desse movimemo, a Independência norte-americana é um
rost?s ~el1zes, nas também felizes notas de d6lar. George Washing ton e fenômeno branco, predominantemente masculino e latifundiário ou
Benpuntll Fr~klin são dois dos mais destacados. comerciante. Washington é o pai dessa pátria, uma parte da nação que, em
1776, identificou-se com a noção de toda a pátria.

II .. .
·~ '

Benjamin Franklin foi um dos mais &mosos intelectuais do século xvm.


Sua imagem é associada com freqüência ao pára-raio, bibliotecas públicas,
• .,, I ' j #~ • •

corpo de bombeiros e outras instituições que, se não foram inteiramente

II criação sua, muito lhe devem.


Nascido em Boston, em 1706, Franklin representa o elemento urbano
que participou do processo de independência.
Franklin foi alimentando ao longo de sua vida idéias sobre a liberdade
I e a democracia. Crítico da escravidão, foge do pensamento-padrão dos outros
I líderes, tendo em vista que a escravidão foi um dos elementos em que não
I chegaram as idéias de liberdade pregadas pelos colou"os. Franklin defendera
desde m uito cedo a unidade das colônias. Vimos que é de sua autoria o
Plano de União de Albany, em 1745. Honesto, trabalhador, Franklin reúne
todas as condições para tomar-se um "pai da pátria".
Em 1748, ainda longe do destaque que o movimento de independência
lhe traria, Franklin dava instruções a um jovem aprendiz:

Recorda que tempo é di nheiro ... Recorda que crédito é dinheiro... O dinheiro pode
gerar dinheiro e rua prole pode gerar mais ... O caminho da riqueza depende
principalmenre de duas palavras: diligência e frugalidade; isto é, não desperdices
tempo nem dinheiro, mas os emprega da melhor maneira possíveL. Quem ganha
tudo o que pode honrad.ameme e guarda tudo o que ganha (exceruando os gastos
necessários), sem dúvida alguma chegará a ser rico, se este Sc:r que: governa o mundo
a quem todos devemos pedir a bênção para nossas empresas honestas não determina
o contrário na Sua sábia providência.

O bom trabalhador protestante, que envolve D éus em seus negócios:


O povo de Nova York derruba a estátua do rel Jorge 11: as colôoias rompem com antigos símbolos. esse é o retrato que o p~6prio Franklin traçou de si. Trabalhar de sol a sol,
Logo surgirão outros, como os "pais da pátria". não desperdiçar, poupar e acumular, regras franklinianas para um viver
A RlWIURA E O 1\'0VOals 93
92 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS

feliz. Franklin é o pai de outra parte da pátria: os protestantes, dedicados a liberdade para as colónias agirem de forma mais autónoma? Esse probl~a
fj ra levantado ainda antes da Independência e permaneceu mal resolvido
a~é 0 século XIX, acabando por gerar a Guerra Civil Americana.
guardar o dinheiro que Deus lhes envia em retribuição a seus esforços.

Durante vários m eses, a Convenção da Filadélfia discutiu o texto da nova


E PLURJBUS UNUM Constituiç.:to. James Madison foi um dos mais destacados redatores d~se t~o.
Desde que foi submetido ao Congresso, em setembro de 1787, ate ma1o ~e
Essa frase em latim significa: "de muitos, um". Ela foi escolhida como 1790, quando ratificado pelo mesmo Congresso, rranscorreram quase ~es
lema do novo país e consta em muitos símbolos oficiais dos Estados Unidos. anos, demonstrando a dificuldade de consenso em torno dealgum~questoes.
Representa o surgimento de um pais unificado, nascido de muitas colônias. De muitas formas, o texto constitucional é inovador. Começa mvo~o
Essa unidade, porém, não era tão fácil de ser suscencada. A unidade
0 povo e falando dos direitos, i~spira?os_ em Locke~ . A.- .~~?~.-~~nC21la
contra os ingleses não sigoificou em tef!!J.'f?,!!Jg.!ffl?-.J~'m sentimento nacional rocurava assentar sua base J. urfdtca na 1dé1a de representattvu1a<le poptd:ar,
de faro. A idéia de ser membro de um pafs deveria ser construída, e essa ainda que 0 conceito de povo fosse, nesse momento, excr:m:m:nte rtmt·tado.
P
construção não terminaria com a Independência. Já no início da Constituição encontramos a expressao: Nos, o po:odos
A bandeira já havia sido escolhida. T inha 13 listras alternando o Estados Unidos...". Quem eram "nós"? Certamente não todos os ha~~~
vermelho e o branco, cada listra representando uma colónia. No canto das colônias. A maior parte dos "americanos" estava excluída da partt~tpa~o
superior esquerdo, 13 estrelas sobre um fundo azul. A primeira foi olftica. O processo d e independência fora liderado por comefCiarurs,
confeccionada por Betsy Ross. Cada novo estado que, ao longo da história, facifundiários e intelectuais urbanos. Com a Constituição, cada estado, por
foi sendo incorporado ao país (hoje são cinqüenta) acrescentou uma nova exemplo, tinha a liberdade de organizar suas próprias eleições.
estrela nesta área. Como símbolo dos Estados Unidos também foi escolhida
uma ave: a águia careca, animal típico da América do Norte. Houve protestos
contra a escolha. Por incrível q ue pareça, alguns chegaram a sugerir o peru
cÕmo ave nacional, porque, além de ser também típico da América, era
mais sociável e menos agressivo. Prevaleceu a águia.
O trabalho de construção de identidade, entretanto, seria longo, bem
mais complicado do que escolher uma ave o u _bandeira. Na expressão do
historiador norte-americano JoyceAppleby (Inheritirzg the Revolution), houve
ainda uma geração inteira que ceve que se conscientizar de que era americana
e absorver os novos vaJores republicanos e de independência. Por m eio da
análise de muitas cartas e biografias da época, Appleby fala de uma geração
que se viu diante da taref.1 de inventar um país na América.
Pela primeira vez uma colônia ficara independente. Devia-se a partir
de então criar um pais livre com novos princípios. A primeira dificuldade
era exatamenre a existência não de uma colônia, mas sim de 13. A luta
contra os ingleses havia unido as 13 colônias. D esapareêtdo o inimigo em
comum, restavam os problemas da organização política interna.
Para enfrentá-los, Benjamin Franklin havia proposto os Artigos de uma
Confidemçlio e União Perpétt~a ainda antes da Independência de fato. Com
base nesse texto, uma comissão passou a elaborar uma Constituição.
A lenta discussão preparatória da Constituição perturbava o andamento
o momento histórico da assinatura da Constitulçlio. na interpretação do artista Howard C. Chrís\Y.
de outras medidas. Unidade em torno de um governo central forte o u
HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS A RUP'IURA E O NOVO P.ÚS

O federalismo (autonomia para cada estado) é um conceito que atravessa ser aplicáveis em termos concretos. Soberania popular, resistência à tirania,
toda a Constituição. A Constituição criou uma república federalista fim do pacto colonial; tudo isso os Estados Unidos mostravam às oull'3S
presidencial. O governo decadacolônia (agora estado) procura se equilibrar com colônias com seu feito.
o governo federal. Além disto, os poderes estão, dentro da tradição ensinada pelo Para os índios, a Independência foi negativa, pois, a partir dela,
filósofo Montesquieu, divididos em Executivo, Legislativo e Judiciário. aumentou a pressão expansionista dos brancos sobre os territórios ocupados
Por seu caráter bastante amplo, a carta m agna dos Estados Unidos pelas tribos indígenas.
assegurou a sua durabilidade. Ao contrário da primeira Constituição brasileira, Para os negros escravos, foi umatoque emsinada representou. Temos nolicia
de 1824, a~one-ameri~~ estabelece princípios gerais e suficientemente vagos de um grande aumento do número de fugas durante o período da Guerra de
paragaranttremsuaestabtltdadee permanência. À Suprema Corte dos Estados Independência.ThomasJefferson declarou que, em 1778, a Vtrgínia perdeu trinta
Unidos iria ~~r, no. futuro, o papel de interpretar a .Constitui~~. r. ~esJ..<JJr mil escravos pela fuga. No entanto, nem à Inglaterra (que dependia do trabalho
sobre a consmucwnalidade ou não das leis estaduais e das decisões presidericiiis. escravo em áreas como a Jamaica) nem aos colonos - os sulinos em particular-
A eleição de Washington como o primeiro presidente era um fi1to mais interessavam que a Guerra de Independência se cransformassenumaguerrasocial
ou menos óbvio. Era o único a contar com apoio em quase todos os estados. entre escravos c latifundiários, o que de furo não ocorreu.
Um colégio eleitoral, constituído de eleitores por estados, deu maioria de Com todas as suas limitações, o movimento de independência signifiCIV3
votos a Washington e a vice-presidência a John Adams. um furo histórico novo e fundamental: a promulgação da soberania "popular"
como elemento suficientemente forte para mudar e derrubar formas
estabelecidas de governo, e da capacidade, tão inspirada em Locke, de romper
AS REPERCUSSÓES DA INDEPEND~NCIA
o elo entre governantes e governados quando os primeiros n ão garantissem
O primeiro país atingido pela Independência dos Estados Unidos foi a
Inglaterra. O rei Jorge lll, que vinha tentando uma maior concentração de
poderes, ficou extremamente desacreditado com a separação das 13 colônias.
A derrota inglesa e o Tratado de Paris abalaram mom entaneamente a
expansão inglesa.
A França absolutista de Luís XVl também foi atingida. Os soldãdos
franc~s~ que ~aviam lutado na Independência voltaram para a Europa
com tdéJas de hberdade e república. Haviam lutado contra uma tirania na
América e, de volta à pátria, reencontravam um soberano absoluto. No
entanto, só 13 anos depois da Independência norte-americana esse germe
de liberdade frutificará na França.
As despesas do Estado francês com a guerra no além-mar foram elevadas,
fazendo o já debilitado tesouro francês sofrer bastante. As vantagens obtidas
pelo Tratado d e Paris só supriram pane do déficit. Dessa forma também, a
Revolução Americana colaborou para enfraquecer o poder real e d esencadear
a Revolução Francesa.
Para o resto da América, os Estados Unidos serviriam corno exemplo.
Urna ~n~ep~nd~ocia concre~ e p ossível passou a ser o grande modelo para
~ co~o~tas tbéncas que d~eJavam separar-se das metrópoles. Os princípios As negociaçOes de paz foram retratadas pelo artista Benjamin West.
tlumamstas, que também mfluenciavam a América ibérica, demonstraram mas os delegados Ingleses se recusaram a posar para o quadro, que ficou Incompleto.
A RUI'l1JRA E O NOVO PAIS 97
96 HISTÓRIA DOS ESfADOS UNIDOS

aos cidadãos seus direitos fundamentais. Existia uma firme defesa da


liberdade, a princfpio limitada, mas que se foi estendendo em diversas áreas.
Já nas dez primeiras emendas à Constituição, em 1791, os direitos e
liberdades individuais são esclarecidos e aprofundados. Essas emendas,
chamadas Bill of Rights, são muitas vezes consideradas mais importantes t• •,: •

do que todo o texto da Constituição.


A Primeira Emenda proíbe que se estabeleça uma religião oficial ou se
limite o exercício de qualquer religião. A liberdade de expressão e a de imprensa
são declaradas fundamentais e o povo tem o direito de reunir-se pacificamente
e fàzer petições contra um ato governamental que não lhe agrade. A Segunda
Emenda garante o direito de cada cidadão ao porte de armas. A Terceira trata da
proibição de se alojar soldados nas casas sem consentimento do proprietário.
Outras emendas falam do direito ao júri, do direito a um julgamento público e
rápido, proíbem multas excessivas e penas cruéis, e - no máximo do cuidado
democrático - a Nona Emenda afirma que todos os direitos garantidos nas
emendas não significam que outros, não escritos, não sejam válidos também.
Surgia um novo país que, apesar de graves limitações aos olhos atuais
(permanência da escravidão, falta de voto de pobres e de mulheres), causava
admiração por ser uma das mais avançadas democracias do planeta naquela
ocasião. Essas realidades encantariam um pensador francês em visita aos Estados
Unidos no século XIX, Alexis de Tocqueville, que, entusiasmado, afirmou:

Há países onde um poder, de certo modo exterior ao corpo social, age sobre ele e o
força a marchar em cena di reçáo. Outros há em que a força é dividida, estando ao
mesmo tempo situada na sociedade e fora dela. Nada de semelhante se vê nos Estados
Un idos; ali, a sociedade age sozinha c sobre ela própria [...). O povo reina sobre o
mundo polftico americano como Deus sob re o universo. É ele a causa e o fim de Ilustração ~a primeira sede do govemo ~mericano, o Fede!al Hall. em N.ova Yorll.
todas as coisas, tudo sai de seu seio e tudo se absorYe nele. Sobre a fachada em estilo colonial. a águia. slmbolo do novo paos.
No balcão, Goorge Washington presta juramento corno presidente.
Entretanto, o mesmo Tocgueville, vindo de uma sociedade aristocrática,
não deixa de tecer críticas à maneira de ser da jovem nação. Em passagem Como vemos, a admiração pela política do novo país não er~ ampliada
venenosa, o autor declara: para a admiração pela conversa dos novos cidadãos. Escava_m:us uma vez
registrada a ambigüidade permanente do mundo com relaçao aos EUA.
Freqüentemenre observei nos Estados Unidos que não é fácil fazer uma pessoa
compreender que sua presença pode ser dispensada, e as insinuações nem sempre
bastam para afusrá-la. Se contradigo um americano a cada palavra que diz, para lhe
mostrar que sua conversação me aborrece, ele logo se esforça com redobrado ímpeto
para me convencer; se mantenho um silêncio mortal, de julga que estou meditando
profundamente nas verdades que profere; se por fim fujo da sua companhia, ele
supõe que algum assunco urgente me chama para outro lugar. Esse homem nunca
compreenderá que me cansa mortalmente, a não ser que cu diga, e, assim, a única
maneira de me ver livre dele é trar!Sformá-lo em meu inimigo pela vida inteira.

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