Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PT
CRIME FRANCISCO
29/11/2023. . CONT. E ILHAS: €4. SEMANAL
DO “REI” DAS
TROTINETES
N.º 1603 .. 23/11
NAPOLEÃO
O HOMEM POR
DETRÁS DO MITO
A juventude, as batalhas, as mulheres e o declínio do fugaz imperador
dos franceses, que fez tremer a Europa e se tornou uma das figuras
mais lendárias da História – agora reinventada no cinema
NotíciasFlix
A R CT IC O C E A N
D E N D R O NOT U S F R O N D O S U S
A R CT IC O C E A N
23 NOVEMBRO 2023 --- Nº 1603
VISÃO
ENTREVISTA
James Crawford ............14
RADAR
A semana
em 7 pontos
O terramoto Milei não
nasceu no vácuo............ 20
Holofote
Sam Altman, o inventor
do ChatGPT .................... 22 VISÃO SETE
Os resistentes do Bairro
Raio-X Alto .................................... 92
O negócio do lítio......... 23
LUÍS BARRA
Super Bock em Stock:
Periscópio Descobertas na avenida
Afinal, de quem .......................................... 100
foi a ideia? ....................... 25
Próximos capítulos
Francisco Seixas da Costa: “Custou-me muito Remédio: Teatro sobre
saúde mental pelos
E, agora, Argentina? .... 26 a Cimeira das Lajes” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 6 Artistas Unidos ........... 102
Diplomata de carreira, esteve com Mário Soares em Gaza e ao serviço de
Fotos com História Casa Grande de
Portugal em França, no Brasil e junto da Organização das Nações Unidas.
O canto do cisne Romarigães, em Paredes
Entrevista com o embaixador, no lançamento do seu livro de memórias
da Revolução ..................30 de Coura ........................ 104
Transições Napoleão Bonaparte: O homem por detrás É Uma Mesa:
Sara Tavares: Um ponto A irrecusável leveza
de luz longe do mundo do mito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 6 de ajudar ........................ 108
............................................. 32 Na semana em que se estreia uma superprodução de Ridley Scott sobre o
imperador dos franceses, quem foi de facto esta figura histórica de destino
Na primeira pessoa singular e de nome inesquecível OPINIÃO
Nathan Martins: “Estive Mia Couto
14 dias em coma A assinatura póstuma ..10
e disseram à minha Assalto dos “narcos” ao porto de Setúbal . . . . . . . . . . . . . 50
mãe para se despedir Um comando narcotraficante português sequestrou um vigilante e invadiu Mafalda Anjos
de mim” ........................... 34 o porto de Setúbal, para recuperar uma carga de cocaína da América do Sul. A tragédia espanhola,
A VISÃO conta como tudo se passou ou como vender a alma
ao diabo ............................ 12
FOCAR
Como atua um governo- Reféns do terror .................................................................66 Pedro Marques Lopes
-zombie ........................... 84 Com ou sem cessar-fogo, Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de As culpas do PS e o que
Israel, e Yahya Sinwar, o líder do Hamas em Gaza, estão condenados a perder dirá Montenegro........... 24
este conflito Bernardo Pires de Lima
Xi Jinping
Markus Villig quer continuar a pedalar ................. 72 em São Francisco ........ 28
Aos 19 anos, criou a Bolt e, aos 29, mantém o sonho de mudar o mundo – uma José Carlos de
cidade de cada vez. “Lisboa tem capacidade para cinco vezes mais trotinetes” Vasconcelos
Interdita a reprodução, Devia António Costa
mesmo parcial, de textos,
fotografias ou ilustrações Felizes os que têm teto .................................................... 78 ter-se demitido? ........... 90
sob quaisquer meios, Foram sem-abrigo, dormiram ao deus-dará, caídos como as folhas das
e para quaisquer fins,
Joana Marques
inclusive comerciais. árvores, mas deram a volta, e os seus testemunhos são exemplo de como Marshmello e os caramelos
uma casa devolve a dignidade da Web Summit...............114
w w w.visao.pt
ONLINE Gabriel Leite Mota Luís Delgado Massimo Forte
Últimos DA ECONOMIA, LINHAS DIREITAS BOLSA
artigos COM FELICIDADE Argentina de Milei DE ESPECIALISTAS
no site da O nosso vencimento Redes sociais,
VISÃO não é o nosso valor um mal necessário?
Subscreva
as nossas
newsletters
A melhor informação,
gratuitamente, na sua
caixa do correio.
www.visão.pt
ANTEVISÃO
VISÃO SETE
VISÃO PLUS Uma investigação
VISÃO VERDE para ler à luz dos
problemas da Justiça
– Afonso Cabral, Lisboa
ANSIEDADE
Napoleão, o homem,
O conteúdo [Ansiedade: O tempo
do medo, V1600] é pobre. Vários
Nas bancas psicólogos e clínicos abordaram o
N
de forma tão pueril?
apoleão, o filme de Ridley Scott, protagoni- – José Branco
zado por Joaquin Phoenix, é uma das estreias
mais aguardadas do ano cinematográfico. E, “INFLUENCER”
como a qualquer épico que se preze, começa Os títulos, e muito melhor os
já com uma boa dose de polémica. Por um lado, alguns textos, dos artigos de Rui Tavares
historiadores apontaram erros e imprecisões históricas; Guedes e de Mafalda Anjos, defi-
por outro lado, os franceses não gostaram de ver alguns nem bem a choldra em que que-
aspetos da sua identidade retratados no grande ecrã rem transformar a nossa socie-
ESPECIAL AÇORES dade. Influência desastrosa e Um
pelo autor de Alien, Blade Runner e Hannibal. Perante
A força da Natureza minuto de silêncio pela imagem
as críticas, do alto dos seus 85 anos, o realizador inglês
das instituições [V1602] definem
ripostou com ironia e irritação, não se coibindo de exi-
bem a falta de bom senso, de
bir o seu habitual mau feitio. “Os franceses nem de si
qualidade e de independência
próprios gostam”, disse Scott, neste fim de semana, em que grassa em instituições que
entrevista à BBC. O filme – que se estreia nesta quinta, cada vez mais nos atraiçoam.
23, entre nós – serve-nos de pretexto para publicar um – José Mendes, Vouzela
longo artigo, que faz o tema de capa da VISÃO desta
semana. Assinado por Luís Almeida Martins, ele próprio CORREÇÃO
um “histórico” da VISÃO e, atualmente, editor da VISÃO Um lapso, a que o autor foi
História, O Homem por Detrás do Mito leva-nos a des- alheio, fez com que o título da
cobrir uma personagem “maior do que a vida” e, quer se crónica de Pedro Marques Lo-
queira ou não, uma das figuras fundacionais do Império pes, publicada na última edição
Francês. visao@visao.pt da VISÃO, Boa noite e boa sorte,
LIBERDADE democracia, perdesse a referên-
Quando a canção cia ao filme realizado por George
é uma arma Clooney. As nossas desculpas.
VISÃO vence prémio de Jornalismo
em Psiquiatria e Saúde Mental --------
Contactos
As jornalistas da VISÃO Rita visao@visao.pt
Rato Nunes e Mariana Almeida As cartas devem ter um máximo
Nogueira receberam o terceiro de 60 palavras e conter nome,
prémio da Sociedade Portuguesa morada e telefone. A revista
de Psiquiatria e Saúde Mental, reserva-se o direito
com a reportagem Burnout: de selecionar os trechos que
Trabalhar até Quebrar publicada considerar mais importantes.
na nossa edição de 1 de junho.
Depressão: Os Caminhos da Morada
GASTRONOMIA
Cura, de Mariana Almeida CORREIO: Av. Jacques Delors,
À mesa com
Nogueira, também foi distinguido Edifício Inovação 3.1, Espaço
Ljubomir Stanisic
com uma menção honrosa do nº 511/512, 2740-122 Porto Salvo
mesmo galardão.
Mia
O
Couto uvia-a chegar sabendo, pelo
ruído do passo, que era uma
mulher descalça. A voz dela
vagueava trémula:
– Valha-me meu santo...
meu santo...
E a voz ficava suspensa. Invocava santos,
mas não tinha nome para lhes dar. Que-
ria um nome mais familiar, um nome na
sua língua. Mas não lhe parecia bem: santo
Malinguane? E ensaiava uma outra versão:
“Valha-me santo Mucadji...”
Ajoelhou-se e benzeu-se à porta da mi-
— Escritor
nha casa.
– Não sou padre – avisei. – Sou escritor.
– É a mesma coisa – disse ela.
Pediu-me então que escrevesse uma
carta. Uma carta para o filho Zefé.
– A senhora sabe onde ele está?
– Sei sim, ele morreu. É por isso que lhe
vou escrever.
Sentou-se no degrau do pátio e foi fa-
lando como se não houvesse tempo. O filho
tinha ido para a cidade e não mais voltara.
Tinha-se perdido porque, nas guerras, os ca-
minhos ficam todos iguais. Cheios de pedras
soltas e resvaladiças para nunca mais serem
pisadas. Sem regresso, o filho estava morto.
– Não é verdade – interrompi.
Fui paciente nas explicações. Zefé esta-
Sentou-se va, com certeza, são e salvo. Acontece que
as cidades são grandes e os jovens perdem-
no degrau -se dentro delas. Com certeza, o moço sen- – Diga-me apenas para eu não desistir.
do pátio e tia saudades da sua aldeia. Não tardaria que “Sabe porque é que eu tenho a certeza
foi falando a viesse buscar e a levasse com ele. Mas com
as estradas em chamas quem pode viajar?
de que Zefé morto”, perguntou. “Porque
ele volta todas as noites. Volta para dormir
como se não Em silêncio, ela esperou que eu abrisse dentro do meu ventre. Ele volta e eu deixo
houvesse o caderno. Suspendeu a fala porque, segun- de ter cama, a casa ergue-se do chão como
do me disse depois, Deus distrai-se com um pássaro cego.”
tempo. O facilidade. Ancorou os olhos no chão como “Eu avisei o meu filho, senhor padre. Dis-
filho tinha se estivesse vendo um rio a passar. Aguardei se-lhe: ‘Não te enganes, Zefé. A estrada foi
ido para a com a caneta suspensa sobre o papel.
– Espere, padre. Preciso de chorar.
feita pelas tuas mãos, mas não foi feita para
os teus pés. Quando decidires partir, a es-
cidade e não Não deitou uma lágrima. Apenas encheu trada caminhará contigo. E vai-te perseguir
mais voltara. o peito de ar e suspirou como se quisesse todo o caminho. Até te devorar no destino.’”
desaparecer. Depois explicou-se, falando – Posso chamá-la de mãe? – perguntei.
Tinha-se agora na sua própria língua. Há muito que A resposta foi um sorriso triste. “Quan-
perdido olhava em volta e já não havia ninguém de do o senhor diz que sou mãe está a dizer
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO
A tragédia espanhola, ou
como vender a alma ao diabo
Mafalda
N
Anjos o Fausto, de Goethe, a gran- Sánchez, que ficou em segundo lugar
diosa tragédia clássica alemã nas eleições gerais, corre riscos de ganhar
em que o protagonista, com o governo, mas perder o país. A indignação
tanto de ingénuo como de popular que se tem visto pelas ruas, onde
ambicioso, faz um pacto com milhares se têm manifestado diariamente
Mefistófeles, há uma pequena tirada que desde há duas semanas, tem raízes fun-
abarca um traço essencial da Humanidade: das: há séculos que Espanha convive com
“A lei é poderosa; mais poderosa, porém, é movimentos independentistas e regiona-
a necessidade.” A necessidade, ou o que se listas que ameaçam a sua soberania, um
imagina como tal, faz o Homem perder a processo que deixou marcas sangrentas na
moral e a razão. memória coletiva. Só a ETA, organização
Foi o que Pedro Sánchez viu como uma nacionalista basca, e grupos simpatizantes,
necessidade imperiosa – evitar que a ex- como os Comandos Autónomos, fizeram
— Diretora
trema-direita chegue ao poder em Espanha mais de 800 vítimas em 53 anos de terror,
– que o levou, tal como Fausto, a fazer um cuja luta armada só terminou há 12 anos.
pacto com o diabo. O objetivo de Sánchez, Um dos acontecimentos mais esclarece-
sublinhe-se, era legítimo: a chegada da dores da semana de investidura espanhola
extrema-direita ao governo, em Espanha, foi destacado por Joaquín Manso, diretor
representa um rombo para a democracia do El Mundo. O número três do PSOE,
espanhola e, até mesmo, um retrocesso Santos Cérdan, disse que desde março que
civilizacional. O problema é que a solução está em contacto com o Junts, esclarecen-
alternativa que o recém-empossado pri- do que o acordo nunca correu perigo. Uma
meiro-ministro de Espanha encontrou não admissão clara de que a amnistia, que Pedro
é melhor. Sánchez negou sempre durante a campa-
O acordo estabelecido entre o PSOE e o nha, estava a ser negociada com o fugitivo
Junts per Catalunya, que permitiu a investi- Carles Puigdemont, agora amnistiado, antes
dura de Sánchez, dá proveniência a antigas das eleições e ocultada dos cidadãos.
exigências independentistas, a maior das Não vou tão longe como Isabel Díaz
quais a polémica amnistia alargada “tanto Ayuso, a nova estrela do Partido Popular,
aos responsáveis como aos cidadãos que, que acusa o PSOE de “introduzir uma di-
antes e depois da consulta de 2014 e do tadura pela porta de trás”, mas parece-me
referendo de 2017, tenham sido objeto de evidente o desprezo pela ética democrática
decisões ou processos judiciais vinculados e pela transparência perante o eleitorado.
a estes acontecimentos”. Estão, estima-se, A questão que se impõe é sempre a mes-
mais de 300 cidadãos abrangidos. Além ma – onde devem ser colocadas as linhas
disso, Sánchez ofereceu ainda a marcação vermelhas? À qual acrescem outras duas:
de “um referendo sobre a autodetermina- São estes acordos, que põem em causa a
ção do futuro político da Catalunha”, um soberania, menos prejudiciais para a de-
modelo de financiamento diferenciado para mocracia espanhola do que a presença do
a Catalunha e um perdão de 20% da dívida Vox no governo? Não é isto ir longe demais
da região. para bloquear a alternância e perpetuar-se
Sánchez, Para conseguir uma maioria, Sánchez
precisou ainda do apoio da aliança à es-
no poder?
Com a fragmentação de voto e enco-
que ficou em querda Sumar, mas também de negociar lhimento dos centrões, e o crescimento de
segundo lugar favores com a Esquerda Republicana da franjas radicais um pouco por todo o lado,
Catalunha (ERC), a coligação basca EH estas são questões com que vários paí-
nas eleições Bildu, o Partido Nacionalista Basco (PNV), ses europeus, destacando-se Portugal, se
gerais, o Bloco Nacionalista Galego (BNG) e a Co- confrontam ou vão confrontar. E que são
corre riscos ligação Canária (CC). Um artilugio (gerin-
gonça em espanhol) bastante complexo, de
válidas tanto para a extrema-direita – e há
já 15, em 27 Estados-membros da União,
de ganhar geometrias e interesses altamente variá- onde a extrema-direita tem mais de 20%
o governo, veis, com muito por onde correr mal. Há nas intenções de voto – como para a extre-
quem diga que Sánchez prossegue sobre ma-esquerda. Não tenhamos dúvidas: não
mas perder gelo fino – parece-me mais que corre des- há puros e impuros, a ameaça pode vir dos
o país calço sobre brasas. dois lados. manjos@visao.pt
As fronteiras são um
sistema antigo para lidar com
as consequências de guerras
religiosas. Não estão feitas
para lidar com a globalização,
a internet e as alterações
climáticas. Daqui a 50 anos,
haverá um movimento de
massas para zonas habitáveis
— POR SARA RODRIGUES
A
A pergunta “O que é uma frontei-
ra?” acompanhou o escritor e his-
toriador escocês durante décadas.
A queda do Muro de Berlim, na-
quela noite de novembro de 1989,
deixou James Crawford, hoje com
um substituto dessa linha, ainda
teremos de tentar explicar porque é
que está lá.
Que tipo de fronteiras existem?
O que temos certamente, nos úl-
timos 20 anos, é um aumento das
fronteiras físicas. O Muro de Ber-
lim caiu quando eu tinha 11 anos.
Essa estrutura pela qual, de certa
forma, estava um pouco obceca-
do, porque parecia que não dividia
apenas uma cidade mas o mundo,
caiu naquela noite de novembro
de 1989. Falando das histórias das
fronteiras, dizemos que o muro
caiu naquela noite e, embora isso
não seja verdade, o que o muro
ser, porque assumem a forma que
se quiser. Podem ser, até, uma sim-
ples linha que nem se assinala no
mapa. Se olharmos para a maneira
como são legalmente feitas, vemos
que, em primeiro lugar, há um tra-
tado entre dois países e só depois
vem o processo de a marcar carto-
graficamente e a maneira como é
construída. Pode ser uma vedação
ou um muro de oito metros
de altura, mas é sempre o símbo-
lo de uma vontade política. Apesar
disso, sabemos que não impede
as pessoas de tentar trespassá-la,
como acontece entre o México e os
EUA ou no Norte de África para
45 anos, obcecado pela ideia de que significava mudou completamen- a Europa. Pode dificultar a ação,
a construção de betão, mais do que te. Antes de ter caído, de ter sido mas não impede.
uma estrutura física, é a história derrubado fisicamente, caiu porque A ideia de que as fronteiras são
que contamos sobre ela. Depois de se quebrou na mente das pessoas, fixas ou imutáveis é ficção?
estudar as origens das fronteiras, não havia mais uma barreira ali. Sim. Se olharmos para a história
fez uma viagem pela sua configu- Quando o Muro de Berlim desapa- das fronteiras (e é isso que tento
ração atual e escreveu O Poder das receu, existiam 12 muros frontei- fazer no livro), no momento em
Fronteiras – Como Constroem, riços, hoje são 75. Pensou-se, na que se traça uma linha, a ideia é a
Destroem e Definem o Nosso Mun- altura, que seria o início da dimi- de que ela estará lá para sempre e
do (Saída de Emergência, 366 págs., nuição das fronteiras, por causa da nunca mudará. Mas o que aconte-
€19,90), recentemente lançado Cortina de Ferro, mas na verdade, ce na realidade é que as fronteiras
entre nós. a tendência, principalmente desde estão em constante movimento e
A pandemia, também ela uma o início dos anos 1990, é o cresci- um dos melhores exemplos está
barreira que nos impôs obstáculos mento de muros. nos EUA.
até dentro de casa, interrompeu Para que servem as fronteiras Se recuarmos a 1819, a frontei-
o périplo que James Crawford fez e de hoje? ra entre o México e os EUA não
que passou pelos EUA, pelo México, E interessante verificar como incluía 800 mil metros quadrados
pela Palestina, por Espanha ou pelo as fronteiras mudaram. As que que são hoje dos americanos. Além
Norte de África. Apesar do entusias- existem hoje têm, em termos de disso, no tratado assinado entre
mo de décadas anteriores, o escritor formação e de construção, con- os dois países, estava escrito que
diz que a globalização e a internet ceptualmente, cerca de 350 anos, os EUA renunciariam a todas as
não tornaram os Estados-nação e sendo que esse sistema de frontei- reivindicações sobre as terras a sul
as fronteiras nacionais irrelevantes, ras surgiu de uma resolução de paz e a oeste dessa linha de fronteira.
mas há um desafio que se avizinha: depois de uma guerra religiosa que Essa promessa durou pouco mais
as alterações climáticas podem fazer destruiu a Europa, de uma divisão de 30 anos. A América entrou em
alterar várias linhas da cartografia na igreja e do crescimento do pro- guerra com o México e empurrou
mundial. E os primeiros refugiados testantismo perante o catolicismo a fronteira para a sua posição atual
climáticos virão da Oceânia. e a necessidade de ter limites e agora age como se tivesse estado
O que é, afinal, uma fronteira? geográficos. A partir desse acordo sempre lá.
De diferentes maneiras, é isso que de paz, apareceu a ideia de que o Porque é que uma linha num
o livro tenta interrogar. Em última monarca deveria decidir que reli- mapa tem tanto poder?
análise, o que pretendo dizer é que gião era praticada no seu território. Penso que é uma forma simples
toda a história de uma fronteira Hoje em dia, as fronteiras ser- de mostrar o que é de cada um. Há
tem de ser a história que conta- vem menos para dividir nações e uma frase de um escritor e poeta
mos, porque não existe nenhuma muito mais para mais lidar com norte-americano, Robert Frost, que
fronteira política que seja natu- fluxos migratórios. Na verdade, diz que “as boas cercas fazem bons
ral. Sempre que se tenta demarcar para vizinhos”. Mas quem decide o que
o local de onde nos movemos de dividir os ricos dos mais pobres. é uma boa cerca? Uma fileira de
um território para outro, temos de As fronteiras, particularmente árvores que permite conversar com
ter isso em conta, que existe uma os muros que se vão construindo, o vizinho ou uma vedação enor-
razão para isso. A razão pela qual têm como objetivo canalizar os me de onde não se consegue vê-lo
um centímetro além de uma linha migrantes. porque o que se quer é privacida-
BRODIE CRAWFORD
deixa de ser um território, uma na- É por isso que são uma expressão de? A Humanidade é tribal, gos-
ção, um país, e passa a ser outro. E política? tamos de pertencer, mas também
mesmo que se utilize, por exemplo, As fronteiras são sempre uma ex- queremos definir-nos em oposição
um rio ou uma cordilheira para pressão política. Aliás, só podem aos outros.
7PONTOS
DA SEMANA
O terramoto Milei
não nasceu no vácuo
Na Argentina, há uma geração que nasceu e
cresceu sob uma economia em permanente
estado de crise, com uma inflação que, este
ano, se aproxima dos 150%, com uma moe-
da em contínuo declínio e com a pobreza a
atingir cada vez mais camadas da população.
E, no segundo maior país da América do Sul,
há também várias gerações que, ao longo das
últimas décadas, foram vendo diversos líderes
a passar pelo poder sem conseguirem evitar
o agravamento da situação, mesmo que, no
momento da sua eleição, prometessem que
eleitorado, e que lhe deram os votos de 14
milhões de argentinos, correspondendo a 55%
dos eleitores e a maior margem de vitória em
quatro décadas de regime democrático. Esse é
o enigma que só poderá ser desvendado atra-
vés do choque com a realidade. E é também o
momento em que se irá perceber, da melhor
ou da pior forma, se serão realmente peri-
gosas as pulsões autoritárias de um homem
que nunca privilegiou o diálogo com os seus
rivais. Como irá ele responder à contestação
popular, quando milhares de funcionários
iriam fazer diferente. Desde o início deste forem atirados para o desemprego?
século, milhões de argentinos assistiram a Se houve algo que estas eleições demonstra-
diversas desvalorizações da moeda, a vários ram é que numa Argentina deprimida, em
programas económicos e também a muitos profunda crise económica e social, a raiva
jogos políticos, embora sem nunca terem ao sistema político enclausurado já supera o
visto uma verdadeira renovação da classe medo de uma deriva ditatorial. Por mais que
dirigente. nos custe admitir, os argentinos preferiram
É nesta realidade que temos de procurar a o salto no escuro do que continuar numa
explicação para o terramoto político que realidade de que já estão fartos e que não lhes
ocorreu, no último domingo, na Argentina, apresenta qualquer solução.
R U I TAVA R E S
GUEDES*
com a eleição para Presidente de um ultra- A ascensão quase instantânea de um populista
liberal sem qualquer experiência política, como Milei precisa, por isso, de ser obser-
saído da esfera dos partidos tradicionais, que vada e analisada, não somente pela ameaça
se autodefine como anarcocapitalista e que futura que representa mas pelas condições
tem como programa imediato de governo que lhe permitiram alcançar o poder. Ainda
romper com o statu quo. E quer fazê-lo, logo para mais, quando veio quase do nada e até
de início, em grande e em força: extinguir o usou estratégias diferentes das de Trump ou
banco central, trocar o peso pelo dólar e, dessa Bolsonaro – ao contrário deles, não só man-
forma, deixar a moeda do país às ordens da teve distância face à religião, como, ainda por
Reserva Federal dos EUA. Mas não só: logo cima, arriscou na heresia de criticar o Papa
a seguir a ser eleito, anunciou a privatização Francisco… e o “deus” Maradona.
da petrolífera argentina, da televisão pública “Se Javier penteasse o cabelo, se não ficasse
e da agência estatal de notícias. Pretende fe- furioso, alguém o teria convidado alguma vez
char ainda a maioria dos ministérios, tornar para falar?”, interrogou-se um membro da sua
a educação e a saúde privadas e, sem rodeios, equipa, numa entrevista à Reuters. E nessa
despedir milhares e milhares de funcionários pergunta está uma parte da resposta para a
públicos. Avisa também que o seu plano de sua ascensão: o cultivo de uma imagem que
cortes orçamentais é ainda mais duro do que chamou a atenção dos programas de debates
aquele que é exigido pelo Fundo Monetário na televisão, que foi ampliado por uma eficaz
Internacional – onde já vimos isto?... equipa nas redes sociais e que, finalmente,
Sem maioria no Parlamento, nem apoios depois dos primeiros êxitos, conseguiu cap-
partidários verdadeiramente implantados turar os dirigentes da direita moderada, em
*Diretor-executivo no terreno, ninguém sabe como é que Javier busca de um quinhão no poder. A realidade,
rguedes@visao.pt Milei conseguirá levar para a frente a maio- no final, ditará a viabilidade desta experiên-
ria das propostas com que se apresentou ao cia – e o futuro da democracia na Argentina.
PORTUGAL TECNOLOGIA
“Tenho
e Costa. Com uma particularidade: as jogadas são No fim, ninguém ficará
em “bola corrida”, a maior parte, já depois do tempo desempregado: Altman foi
regulamentar e, nalguns casos, feitas com o recurso a imediatamente contratado pela
outras equipas. E o jogo vai durar, no mínimo, até março...
certeza Microsoft e, se quiser, poderá
reencontrar em breve todos
de que
os seus antigos colaboradores.
Deus vai te
iluminar, vai
te proteger.
Estou quase GUERRA
Sam Altman
A demissão do “menino de ouro”
Avanço Bastidores
da Microsoft Criou a OpenAI, da demissão
O maior investidor A maioria da
da OpenAI em 2015, ao lado administração da
é a gigante de nomes como OpenAI teme que
tecnológica a empresa não
norte-americana Elon Musk. Inventou esteja a conseguir
Saída-
Microsoft, liderada o famoso ChatGPT, lidar com os
Vitória
por Satya Nadella, potenciais riscos
relâmpago que, no total, já em 2022. da Inteligência de Nadella
Sam Altman, injetou cerca de A administração Artificial e, Segurar Sam
criador da OpenAI 12 mil milhões de de certa forma, Altman foi uma
– empresa de euros na empresa temia que ele não esteja a prioridade para
Inteligência de IA – o maior tivesse travões para desenvolver-se a Microsoft,
Artificial (IA), dona investimento feito demasiado rápido. tal a rapidez
do ChatGPT –, numa organização fazer abrandar esta Uma visão que com que Satya
foi demitido na do setor. Após a arma tão poderosa. contrariava a Nadella agiu. No
passada sexta- demissão de Sam atuação do seu setor, é unânime
feira, 17, com Altman, Nadella E demitiu-o, contra líder, Sam Altman, a opinião de que
quatro dos cinco entrou em cena todas as expectativas que considerava foi a empresa
membros da e contratou-o fundamental tecnológica que
administração para liderar uma — P O R G O N Ç A LO A L M E I D A gerar receita mais ficou a
a votarem a favor nova equipa para continuar ganhar com toda
da sua saída, especializada a a desenvolver esta telenovela.
devido a falta na área. Assim,
m, a tecnologia – E a reação
de “sinceridade” impediu que o mesmo que, na dos mercados
e “transparência”. “prodígio” da IAA sua origem, este também o
A decisão caiu fosse parar a ffosse um projeto indicia: na sessão
com estrondo qualquer outro o ssem fins lucrativos. de segunda-
no mundo da tubarão da A cisão entre feira, as ações
tecnologia e concorrência. ambas as partes
a da Microsoft
gerou muita Com Altman, foi oi agudizou-se nos
a subiram mais de
polémica entre também outro meses recentes,
m 2%, renovando
os funcionários dos fundadoress com a tentativa
co máximos
da empresa. Ao da OpenAI, Greg g de Altman de históricos. Agora,
ponto de 700 dos Brockman. captar mais
ca terá um segmento
770 empregados financiamento
fin reforçado dentro
assinarem uma ec criar novos de portas no
carta em forma projetos de IA.
pro campo da
de protesto, em Inteligência
que pediam o seu Artificial, com
regresso. Mas a dois nomes de
administração peso, e pode
já apontou o concorrer com a
sucessor. Trata-se própria OpenAI.
de Emmett Shear, De acordo com os
ex-líder do Twitch. especialistas, mais
nomes poderão
sair da empresa
nos próximos dias,
para se juntarem
à Microsoft.
A quimera do lítio
O negócio global de baterias deve atingir os €370 mil milhões
em 2030. Portugal tem a nona maior reserva mundial deste metal
— POR MANUEL BARROS MOURA
$31 EUA
$62
$53 EM PORTUGAL,
$15 Resto do mundo EXISTEM OITO
$39 REGIÕES NAS
$37 $14 QUAIS SE VERIFICA
A MINERALIZAÇÃO
$11 DE LÍTIO
$34 $20
$22 $11
Serra de Arga
$11
Barroso-Alvão
Seixoso-Vieiros
TOP 9 6
OS MAIORES Canadá Almendra-Barca de Alva
RESERVAS 5 930 9 4 Massueime
DE LÍTIO Portugal China Guarda
EUA 60
POR PAÍS, 1 000 2 000
EM 2023 Argemela
8 2
VALORES Segura
EM MILHARES Brasil Austrália
DE TONELADAS 250 6 200
1 7
Chile Zimbabwe
9 300 3 310
Resto do mundo
Argentina
3 300 000 2 700
O
Pedro tempo tem a capacidade de limpas” à portuguesa não tiverem feito explo-
Marques nublar as histórias. Quando da-
mos por ela, já não estamos tão
dir o nosso sistema político, entretanto.
Não, o Governo não caiu porque há proble-
Lopes seguros do que vimos e vivemos. mas na Saúde ou na Habitação, nem porque
Claro que a possibilidade de teve muitos casos e casinhos, nem por causa da
mudarmos a nossa perceção sobre aquilo que extraordinária descoberta de que há pessoas
aconteceu tem muito que ver com o que se vai com mais acesso ao poder do que outras, e, cla-
dizendo e com a passagem do tempo. Quanto ro, um primeiro-ministro não lança um País no
mais tempo passar, maior será a possibilidade caos político por causa de terceiros sem que ele
de uma história se tornar outra completamen- esteja envolvido. Caiu porque a PGR o fez cair.
te diferente. Refiro-me, claro, à tentativa em Se as razões do MP, infelizmente, se en-
curso de estabelecer que não foi o Ministério tendem, não é compreensível que a oposição,
Público (MP) a demitir o primeiro-ministro. nomeadamente o PSD, caia nessa falácia – por
Consigo compreender que o porta-voz três razões. A primeira é que a tese já muito
oficioso de um setor do MP, Adão Carvalho, divulgada de que o Governo caiu por outras
— Analista político
defenda que um primeiro-ministro possa con- razões que não a atuação do MP tem um pro-
tinuar em funções quando uma procuradora- blema grave de adesão à realidade. Os acon-
-geral da República escreve, em letra de forma, tecimentos foram demasiado traumáticos, rele-
que este é suspeito de crimes graves. Por muito vantes e recentes para que seja possível que as
cínico que isto seja, um magistrado não pode pessoas comprem uma verdade alternativa. Os
dizer outra coisa. Se dissesse o contrário, esta- cidadãos podem achar o Governo péssimo e,
ria a admitir ter um poder desproporcionado e no limite, estarem contentes com a hipótese de
discricionário: o poder de demitir um primei- escolherem outro, mas sabem porque este caiu.
ro-ministro e derrubar uma maioria sem indí- Sabem mais, sabem que a vontade expressa em
cios sólidos, sem uma investigação bem condu- urnas foi desrespeitada – porque, aparente-
zida e já com provas relevantes recolhidas. mente, a lei penal foi violada. Estudos de opi-
Pois, claro, não sabemos nada do proces- nião não são eleições, não são assim tidos nem
so. Daqui a uns anos saberemos se o primei- chamados para validar se um Governo deve
ro-ministro estava envolvido numa teia de cair ou não. A credibilidade é fulcral para um
corrupção, prevaricação ou tráfico de influên- líder; ir atrás de uma narrativa falsa não ajuda.
cias e julgaremos as boas ações do MP. Ou Em segundo lugar, o PSD não pode deixar
Não, seja: quando se fizer a investigação. Pode ser de lembrar que o anterior líder, Rui Rio, foi o
o Governo que essa investigação mostre que há mesmo maior combatente de uma reforma na Justiça
uma grande conspiração. Nessa altura, não e o maior denunciador dos desmandos de
não caiu nos queixaremos dos muitos anos a investigar alguns setores do MP. Foi o PS quem mais
porque há esses crimes e celebraremos quem, apesar de ajudou a criar o caos na Justiça e, sobretudo,
problemas tão ténues indícios, derrubou um Governo.
Ou não. Talvez António Costa não seja sequer
no MP. Foi o PS que nunca quis reformar o
edifício. Foi o PS que semeou a converseta
na Saúde ou acusado, talvez não haja teia de corrupção sem sentido de “à Justiça o que é da Justiça, à
na Habitação, nenhuma a envolver governantes e ex-gover- política o que é da política”, como se não fos-
nantes, e nessa altura a Procuradoria-Geral da se a política a responsável pelo bem comum e
nem porque República (PGR) encolherá os ombros e pedirá nesse não estivesse incluído o bom funciona-
teve muitos desculpa por qualquer coisinha. Talvez alguém mento da Justiça.
casos e com responsabilidades políticas se lembre dos
Paulos Pedrosos, Miguéis Macedos, dos Tutti-
Em terceiro lugar, o PSD é um partido de
poder. Cedo ou tarde, será Governo. É evidente
casinhos, nem -Frutti, dos Manéis Salgados, dos Rios e diga que não pode deixar de dizer que a Justiça está
por causa da que se calhar será tempo de admitir que há um a trabalhar, mas não pode fazer como se não
problema com o MP. Talvez alguém recorde tivesse nada que ver com o assunto.
extraordinária que a procuradora-adjunta, Maria José Fer- O líder do PSD tem todas as razões para
descoberta nandes, escrevia no Público de 19 de novem- estar preocupado com este processo, porque
de que há bro um texto em que, mais uma vez, apontava
de forma clara os problemas de funcionamen-
muito simplesmente é o maior problema
de regime desde a normalização da nossa
pessoas com to e a mentalidade de setores que dominam democracia. No entanto, bastava que Luís
mais acesso o MP, nomeadamente o seu sindicato. Talvez Montenegro se interrogasse e perguntasse
mesmo os nossos representantes políticos para os seus botões: “O que direi eu enquan-
ao poder percebam que têm mesmo de reformar a Jus- to primeiro-ministro se todo este processo
do que outras tiça. Isto, claro, se os vários processos “mãos der em nada?” visao@visao.pt
Javier Milei
eleito Presidente
da Argentina
Desespero mais
forte do que
o medo do salto
no vazio
— POR MANUEL BARROS MOURA
N
em o próprio candi- didato ultraliberal durante
dato parecia estar a uma larga campanha em que
acreditar nos resul- decretou guerra à “casta”,
tados eleitorais, no como apelidava toda a classe
último domingo, 22, na sua política “oficialista”, de pe-
sede de campanha, em Buenos ronistas e antiperonistas que
Aires. “Obrigado à equipa têm governado a Argentina
que tem vindo a trabalhar desde o final da ditadura,
nos últimos dois anos para a quem prometeu correr a
transformar a Argentina e “biqueiradas no cu”. De mo-
conseguir o milagre de ter um tosserra em punho, andou
Presidente liberal libertário.” pelas ruas do país a prometer
Assim qualificou Javier Milei a cortar a eito em tudo o que
sua própria vitória na segunda considerava gastos inúteis
volta das eleições presiden- do Estado, encerrar minis-
ciais, em que obteve uns sur- térios, privatizar empresas MILEI “DIXIT”
preendentes 55,7% dos votos, estatais, escolas e hospitais,
derrotando, por uma margem baixar impostos, acabar com Algumas das tiradas mais controversas do futuro Presidente
maior do que as sondagens subvenções públicas, fechar o
previam, o candidato Sérgio Banco Central e fazer do dó-
Massa (44,3%), atual ministro lar norte-americano a moeda Acreditar que As mulheres podem
da Economia e representante oficial do país. Com um lema os políticos vão ter o direito de escolha
do peronismo. Sem qualquer de campanha tão elabora- cuidar de vocês sobre o seu corpo, mas
experiência de governação e do quanto “Viva la libertad, é como deixar o que têm no ventre
contando com o apoio de um carajo!”, o economista de 53 não é corpo delas,
partido, A Liberdade Avança, anos, que se fez conhecido do
os vossos filhos nas
que elegeu apenas 38 depu- grande público pelas tiradas mãos de um pedófilo é o de outro indivíduo
tados num parlamento com desbragadas contra a classe
257 membros e oito entre 72 política em populares pro- O Papa é o Se fosse verdade
senadores, Milei conseguiu gramas de televisão, conse- representante do Mal que as mulheres
convencer a maioria do elei- guiu convencer largas faixas na Terra. (…) É um ganham menos,
torado argentino de que, pe- de um eleitorado bloqueado imbecil, promove as empresas estariam
rante o desespero provocado pela profunda crise financeira o comunismo cheias delas
pela falta de saídas, vale a pena num país completamente en-
apostar na mudança, nem que dividado e onde galopa uma
ela possa, para muitos, parecer inflação que já ultrapassou os
Sou contra todos Se querem drogar-
um verdadeiro salto no vazio. 140% no último ano. Foram os impostos. -se, façam o que vos
“Mas qual salto no vazio? precisamente as classes mé- São um roubo que apetecer, mas não
No Inferno já nós estamos”, dias e baixas, sobretudo os se paga de maneira me peçam para
gritou inúmeras vezes o can- mais jovens, que preferiram a violenta pagar a conta
26 VISÃO 23 NOVEMBRO 2023
“Milagre” Na hora da vitória,
o candidato liberal libertário
garantiu que chegou ao fim
“a decadência da Argentina”
U
ma reunião de quatro ho- partido de desalinhamentos que enfraque-
Bernardo ras não será suficiente para çam a estratégia russa na Ucrânia e no arco
Pires resolver uma série de proble-
mas bilaterais entre os EUA e
de influência que Putin mantém no Médio
Oriente: Irão, Síria, Iémen, Iraque e, por via
de Lima a China, mas, num tempo em disso, no Hezbollah e no Hamas. Até aqui, a
que a berraria e o choque estão a impor-se China não correspondeu minimamente às
na política, é um sinal de maturidade que expectativas ocidentais, dando sinais opostos
devemos saudar. O encontro de São Fran- que acomodaram a passada do Kremlin na
cisco, à margem da cimeira da APEC, não Europa, Médio Oriente e ainda no Sahel.
nasceu do nada, tem mais de seis meses de Para a reverter em tempo útil é preciso fazer
encontros setoriais preparatórios, com idas mais: gerar mais confiança bilateral, estar
a Pequim de vários membros da adminis- disposto a cedências negociais, ter em conta
tração Biden, na tentativa de encontrarem alguns interesses da China na sua geogra-
pontos de distensão bilateral nas finanças, fia próxima, permitir algumas reformas em
comércio, segurança e defesa. Podemos, organizações internacionais, nomeadamente
por isso, apontar pelo menos três razões de comerciais e financeiras, que acomodem o
— Analista de política
contexto para que tal tenha acontecido. seu atual poder. Se esta abordagem tiver uma
internacional
A primeira resulta da leitura que sintonia transatlântica, mais consolidada
Washington faz dos termos da competi- estará, mais peso negocial terá, mais eficácia
NORTE ção tecnológica em curso e das restrições alcançará. Não é um assomo de ingenui-
No rigor do inverno nórdico, que unilateralmente impôs às exportações dade aceitar que as duas grandes potências
tal como já tinha acontecido chinesas, com efeitos em aliados demasia- do sistema precisam de um modus vivendi
aquando dos piores anos do dependentes das mesmas. É preferível mais razoável e menos destrutivo, apesar das
da guerra na Síria, a Rússia que estas dinâmicas não resultem numa diferenças que as separam. Até porque é do
incentiva corredores migra- tensão permanente que distorça o comér- superior interesse europeu, já agora, esvaziar
tórios para pressionar as
cio e os mercados, inflacionando os preços a força de Moscovo à entrada de um ano que
fronteiras da Finlândia, que
numa fase eleitoral decisiva para o futuro nos pode deixar entalados entre Trump de
reforçará o seu fecho.
dos EUA e numa outra de arrefecimento um lado e Putin do outro.
SUL
económico em quarenta anos de ascen- A terceira razão acaba por encaixar aqui,
Sem disrupções produtivas são chinesa. Não é do interesse de Pequim ou seja, em resultado da leitura que Pequim
no Médio Oriente, o barril que se acentue uma perceção de descola- faz da posição de influência que hoje tem na
desceu para mínimos nos mento comercial do Ocidente, sobretudo geopolítica do Médio Oriente, como prin-
últimos quatro meses. Para dos mercados europeus instigados a optar cipal comprador de petróleo e gás, o que
a semana, a OPEP acordará por mais investimento norte-americano a motiva a acautelar a descida do preço do
num corte acentuado da e menos chinês, mas sim contribuir para barril, a produção estabilizada e as tensões
produção, sobretudo saudita, um ambiente externo mais normaliza- militares controladas. Isto é crucial para a
aumentando os preços. As do. O encontro entre Xi Jinping e grandes recuperação económica chinesa, embora
finanças russas agradecem. empresários norte-americanos reforça este prejudique as receitas russas para financiar
princípio. Para Biden, no meio do turbilhão o brutal esforço militar que o orçamento
ESTE de conflitos na Europa e no Médio Orien- contempla para o ano. Para isso, o poderoso
Em 2022, o Sri Lanka foi o te, de uma disfuncional negociação com os ministro dos negócios estrangeiros chinês,
primeiro país asiático em vin- republicanos no Congresso e da ameaça de Wang Yi, recebeu há dias em Pequim vários
te anos a declarar bancarrota. um regresso de Trump, faz sentido gerar homólogos da região, da Indonésia e o líder
Com uma forte dependência uma imagem de confiabilidade junto da sua da Organização para a Cooperação Islâmi-
financeira da China, tem vin- plataforma eleitoral, entrando também nos ca, para alinharem esforços sobre a guerra
do a equilibrar investimentos independentes, que estarão mais sintoni- em Gaza, evitar a regionalização do conflito,
da Índia e EUA, nomeada-
zados com uma resolução pragmática das retomar a solução dois Estados. Por outras
mente no estratégico porto
tensões com a China, nomeadamente em palavras, Pequim entra no circuito regional
de Colombo.
Taiwan, capaz de não acrescentar uma nova procurando pontes com o Ocidente e com
OESTE frente calamitosa a um ambiente externo o mundo árabe, com o objetivo de elevar a
Javier Milei, o surreal eleito apocalíptico e a um interno onde a econo- sua influência diplomática para defender a
Presidente argentino, não terá mia recupera a um ritmo surpreendente. estabilidade dos seus interesses económicos
maioria no Congresso para A segunda resulta da leitura que ambos e energéticos. Nada mais normal. Acontece
lidar com outra brutal crise fazem das transformações no ambiente es- que os meios para lá chegar são do interes-
financeira. Com propostas tratégico global. Washington, assim como a se do Ocidente, em particular da Europa –
bizarras e perigosas, a sua pro- Europa, tem interesse em promover divi- energia mais barata, solução para o conflito,
paganda realça-o entre Trump sões entre Pequim e Moscovo, acentuar o desalinhamento com a Rússia. E, quando
e Bolsonaro. Vai correr bem. desequilíbrio de poder entre ambos, tirar assim é, devemos apoiar Pequim. visao@visao.pt
D.R.
25 DE NOVEMBRO DE 1975
PRÉMIO
João Canijo
O realizador português
recebeu na segunda-feira,
20, o prémio de carreira no
festival de cinema Cineuropa,
que decorreu em Santiago de
Compostela, Espanha. João
Canijo regressou à Galiza
depois de este festival lhe ter
dedicado uma retrospetiva
em 2011. Nesta 37.ª edição,
o Cineuropa exibiu os filmes
Sangue do Meu Sangue,
Trabalho de Atriz, Trabalho
de Ator, Fátima e os mais
recentes Mal Viver e Viver
Mal. Sobre este díptico, o
diretor do festival, José Luis
Losa, afirmou que é “uma das
experiências cinematográficas
mais imersivas” da atual
temporada.
MORTES
Rosalynn Carter
A mulher do antigo
Presidente dos Estados
D.R.
Unidos da América, Jimmy
Carter, morreu no domingo,
19. Depois de um diagnóstico
de demência em maio, a 1978-2023
sua saúde agravara-se na
sexta-feira. Foi primeira-
dama durante o único Sara Tavares
mandato do marido na Casa
Branca e a sua conselheira
mais próxima, entre 1977
Um ponto de luz longe do mundo
e 1981. É-lhe atribuída a
“profissionalização” do
Em 1994, com apenas 16 anos, foi a pri- um irmão mais velho, filhos de pais cabo-
papel de primeira-dama. meira artista a afirmar-se a partir de um -verdianos que aqui tentavam a sua sorte.
Os dois prosseguiram novo mundo que subsiste até hoje: o dos Mas a família desintegrou-se rapidamente.
um reconhecido trabalho programas de talentos, que eram então O pai rumou para outras paragens distan-
humanitário, sobretudo uma das grandes novidades no início da tes e a mãe arranjou um trabalho no Algar-
através do Centro Carter, que era das televisões privadas. Sara Tavares ve, para onde foi viver com a filha mais
criaram. venceu a primeira edição do Chuva de nova e o filho mais velho. Sara Tavares
Estrelas, na SIC, com apresentação de Ca- ficou em Almada, na zona do Pragal, com
tarina Furtado, imitando Whitney Hous- a sua ama, Eugénia, que seria uma espé-
João Lima ton e impressionando toda a gente com a cie de avó emprestada. Essa opção não foi
O atleta que participou nos sua voz e a sua qualidade de interpretação. sentida pela pequena Sara, ao longo dos
110 metros barreiras nos Esse foi um ano que marcou, com toda a anos, como um grande trauma. “Fiquei cá
Jogos Olímpicos de 1988, em clareza, um “antes” e um “depois” na vida com a minha avó porque ela estava apaixo-
Seul, morreu neste sábado de Sara Alexandra Lima Tavares. Ainda nada por mim”, resumia em entrevista ao
aos 62 anos, informou a
em 1994 participaria no Festival RTP da programa da SIC Alta Definição em 2012.
Federação Portuguesa de
Canção, que venceu com o tema Chamar A partir de 1994, muitas portas se es-
Atletismo (FPA).
a Música (letra de Rosa Lobato Faria e cancararam à frente de Sara Tavares. Aos
música de João Mota Oliveira) que a levou olhos de vários responsáveis da indústria
Suzanne Shepherd a representar Portugal na Eurovisão, em musical, ela era um diamante que nem
A atriz norte-americana, Dublin – de onde saiu com um honroso 8º sequer era preciso lapidar demasiado,
conhecida pelos papéis na lugar entre 25 concorrentes. uma verdadeira estrela pop à espera de
série Sopranos e no filme A música parecia, sem ambiguidades, dar acontecer. Em 1996, o seu primeiro disco
Tudo Bons Rapazes, morreu formas e sonhos ao seu futuro. Tudo era foi gravado com o coro gospel Shout e
na sexta-feira, 17, em Nova um mundo novo para Sara, mas ela não se nesse mesmo ano a sua voz ecoou em
Iorque. Tinha 89 anos. deixou deslumbrar demasiado. Nasceu em muitas salas de cinema na canção Longe
Lisboa, assim como uma irmã mais nova e do Mundo, da banda sonora do filme da
Aos 25 anos,
Nathan Martins
foi vítima de um
acidente de mota
e a vida, como a
conhecia, acabou.
Quatro anos
depois, a recuperar
de um traumatismo
cranioencefálico
grave, o jovem
continua a
superar-se e a
inspirar outros
V
ivo em Portugal há
nove anos. Tinha
20 quando deixei
São Paulo, no Bra-
sil, e fui viver para o con-
celho de Mafra, na casa da
minha mãe. Era responsável
técnico numa empresa de
transformação de plásticos,
na Venda do Pinheiro, e, ao
mesmo tempo, continuava
os meus estudos no Institu-
to Superior de Engenharia
de Lisboa (ISEL).
No dia em que fiquei
efetivo na empresa, a 12
LUÍS BARRA
para se despedir
traço contínuo e foi contra
mim. Não me lembro de
mais nada.
GETTY IMAGES
a alcunha de Paille au Nez (Palha no Nariz), resultante da adotando a graça mais democrática e francesa de Napoléon
forma como ele pronunciava o próprio nome: qualquer coisa Bonaparte. Pertencia à classe então mais bem posicionada
como “Napoionê”. para subir na vida: se fosse da grande aristocracia, seria
Aos 16 anos era já oficial. Naquele tempo em que se vivia banido ou mesmo executado pela extrema-esquerda re-
mais depressa, isso era normal. Seguiu-se meia dúzia de volucionária; se fosse plebeu, não lhe teriam sido abertas
anos de vida monótona em quartéis de terras de província, quaisquer portas; ao ser o que era, tinha um futuro pro-
como Valence e Auxonne, com longas licenças na Córsega. missor, desde que soubesse agarrar as oportunidades.
Em 1789, em vésperas de o nosso jovem completar 20 Em 1793, com a patente de capitão de Artilharia, dis-
anos, rebentou a grande Revolução Francesa. Manda a ver- tinguiu-se na retomada de Toulon, o grande porto militar
dade que se diga que ele assistiu com certa indiferença a francês do Mediterrâneo, que tinha sido ocupado por in-
episódios marcantes, como a reunião dos Estados Gerais, gleses e espanhóis, no quadro das guerras de coligações de
o juramento dos deputados populares na Sala do Jogo da coroas e altares contra a “assustadora” República Francesa.
Pela, a tomada da Bastilha, a mudança forçada da família As operações do cerco foram dirigidas pelo general Co-
real de Versalhes para Paris ou a colocação do barrete frígio quille, mas foi o nosso Bonaparte quem elaborou o plano
na cabeça de Luís XVI. Mas este distanciamento da política que levou os franceses à vitória.
só ocorreu na França continental, já que, numa duas idas Pouco depois, num daqueles lances do gigantesco
à Córsega, gizou o projeto megalómano de conquista da PREC que foi a Revolução Francesa, Napoleão esteve à
Sardenha para a França, acabando por ser escorraçado pe- beira de ser guilhotinado. Aconteceu isso quando o líder
los velhos independentistas partidários de Paoli. A família jacobino Robespierre, que mandara cortar a cabeça a
Buonaparte viu-se perseguida e foi forçada a mudar-se para tanta gente, acabou também com a cabeça cortada. Da-
o continente, fixando-se em Marselha. va-se o caso de o nosso herói, na altura já aureolado de
democrata por ter expulsado os reacionários anglo-his-
SIMPLESMENTE BONAPARTE pânicos de Toulon, ser amigo do irmão de Robespierre.
De regresso a Paris, o nosso herói tudo fez por se adaptar Não conseguiu evitar algumas semanas na cadeia, mas
aos novos tempos, de matriz antiaristocrática. Deixou cair foi salvo graças à intervenção do conterrâneo Saliceti,
a partícula “di” e o “u” do nome Napoleone di Buonaparte, que estava nas boas graças dos que mandavam na altu-
FINALMENTE, NO PODER
Para tomar o poder, o laureado general Bonaparte preparou
e levou à prática – logo três semanas depois da chegada do
Egito – um golpe de Estado, que se tornaria o protótipo de
Egito e Trafalgar Bonaparte junto da esfinge,
durante a campanha no país dos faraós (em cima),
todas as posteriores ações deste tipo. Ficou conhecido por
e um momento da batalha naval, cujo desfecho golpe do 18 de Brumário, por ter ocorrido nessa data do
barraria à França os caminhos do mar calendário republicano, correspondente a 8 de novembro de
1799. Aproveitando uma conjuntura favorável, uma vez que
o regime do Diretório estava corroído pela inflação, pelas
Para despistar a inteligência inglesa, Bonaparte fez constar, dificuldades militares em França, na Alemanha e de novo
à partida do porto de Toulon, que o objetivo da campanha na Vendeia, e ainda as constantes conspirações da direita
era a conquista de Gibraltar. No caminho, a expedição tomou monárquica e da esquerda jacobina, Bonaparte, depois de
Malta aos Cavaleiros Hospitalários. À chegada ao Egito, os ter feito pender para o seu lado a maioria dos diretores
franceses derrotaram os mamelucos na Batalha das Pirâ- (nomeadamente Barras e Sieyès), induziu os órgãos legisla-
mides. “Soldados, do alto destas pirâmides, 40 séculos vos tivos, o Conselho dos Anciãos e o Conselho dos Quinhentos
contemplam”, bradara Bonaparte na arenga às tropas. Mas (câmaras alta e baixa do Parlamento), a transferirem-se de
o almirante britânico Nelson infligiu aí uma pesada derrota Paris para Saint-Cloud, nos arredores, longe do campo de
à esquadra francesa na baía de Abukir. atuação dessa poderosa força política de França que é “a
A partir desse momento, a campanha do Egito estava per- rua”, ou seja o povo enfurecido. Resumindo: ali cercou as
dida para os franceses, que, sem navios, nem sequer podiam câmaras por forças militares que lhe eram favoráveis, fez
regressar a casa. Mas o nosso herói corso não quis dar logo debandar os deputados e forçou alguns dos que restavam,
o braço a torcer e lançou-se em campanhas militares, sem ameaçados pelas baionetas, a aprovarem a criação de um
verdadeiro objetivo, contra forças do Império Otomano, Consulado provisório de três membros, chefiado por ele,
na Palestina e na Síria – isto enquanto os sábios que levara Bonaparte (com o título de primeiro cônsul), e composto
consigo procediam a estudos de egiptologia no vale do Nilo. ainda pelos ex-diretores Sieyès e Ducos. Em 1802, o nosso
A recolha de dados preciosos sobre a antiga civilização dos herói proclamar-se-ia cônsul perpétuo e transformar-se-ia
faraós acabaria por ser o único saldo positivo desta campa- em ditador da França.
nha louca e aventureira. O regime que ele fundou nesses finais de 1799 – o Con-
Incapaz de encarar a derrota, o fogoso Bonaparte optou sulado, antecâmara do Império – era um poder forte que
por abandonar o Exército no Egito, sob o comando de Kléber, consagrava o triunfo da burguesia sob o signo da lei e da
e regressar a França, num navio que conseguiu atravessar ordem. O Consulado centralizou a administração, fundou
o Mediterrâneo escapando às patrulhas navais britânicas. o Banco de França, criou os liceus, rasgou estradas, cons-
Vinha furioso com os zunzuns sobre a infidelidade de Jo- truiu pontes e portos, reforçou o sistema fiscal, outorgou
sefina e com notícias sobre derrotas francesas na Itália e na o Código Civil e instituiu a Legião de Honra como única
Alemanha, ocorridas durante a sua ausência. Era demais para condecoração nacional. O modelo continua a ser uma
um ego tão dilatado – e ao desembarcar em Fréjus divul- referência para a direita musculada, rejeitando simulta-
gou relatórios militares que se referiam a vitórias no Egito. neamente os velhos privilégios aristocrático-feudais e as
O embusteiro foi recebido em Paris como um triunfador. investidas da esquerda.
Mas, se formos objetivos, não poderemos deixar de o con- Esta estabilidade política não trouxe, contudo, a paz.
siderar um biltre. O Exército que deixara no Egito padecia Desde 1792 que a França vivia em guerra, e em guerra
retirado ensinamentos da derrota de Austerlitz, bateram- mês na cidade, governando o império a partir do Kremlin,
-se bem – e conta-se que, quando estava a negociar o com correios a cavalgarem pelas estepes – teve de se render
casamento com Maria Luísa, Napoleão respondeu a um à evidência de que, impossibilitado de concluir um tratado de
conselheiro que lhe fizera apreciações depreciativas sobre paz e sem forças para rumar com o Exército até à então capital,
a Áustria: “Vê-se que não esteve em Wagram...” A nova São Petersburgo, apenas lhe restava a alternativa da retirada.
derrota, saldada pelo Tratado de Schönbrunn, custou a Essa retirada foi um calvário. O “general inverno” flage-
Viena vários territórios e mais de três milhões de súbditos, lava as tropas em debandada, o mesmo fazendo grupos de
mas garantiria a aliança matrimonial. combatentes de Kutuzov e guerrilheiros cossacos. O resul-
Foi então que se precipitou o choque com a Rússia e tado foi uma enorme mortandade, cujo ponto culminante
se desencadeou a mais fatal das campanhas napoleónicas. se fixaria na passagem do rio Beresina.
Em abril de 1812, Alexandre I, arvorando-se em defensor No início de dezembro, constando-lhe que teria havido
dos nacionalismos e embebido na ideia recorrente de que em Paris uma tentativa de golpe, encabeçada pelo general
a Rússia tem a missão histórica de salvar a Europa, enviou Mallet (que, aliás, seria preso e executado), o imperador de-
a Napoleão um ultimato a exigir a retirada das tropas cidiu partir a grande velocidade para França. Sentou-se num
francesas da Prússia. O Exército francês, de 600 mil ho- trenó, envolvido no seu capote cinzento e escoltado por uma
mens (muitos deles compatriotas nossos, pertencentes à guarda fiel, rumo às bases mais seguras da Prússia Oriental
Legião Portuguesa), fez exatamente o oposto, pondo-se e alcançando depois Paris. Era a segunda vez – depois do
em marcha para leste, e, em junho, atravessou o Niemen Egito, em 1799 – que abandonava o campo de batalha, dei-
e entrou na Rússia – 129 anos antes, quase dia por dia, de xando as tropas para trás.
Hitler invadir também o vasto país. À campanha da Rússia apenas sobreviveram 30 mil dos 600
A marcha até Moscovo duraria mais de dois meses, mil homens inicialmente envolvidos. Napoleão não previra o
sempre com as tropas russas a recuarem à frente das na-
poleónicas. Só a 17 de agosto se travaria, em Smolensk, uma
batalha que Napoleão venceu. Foi então nomeado para o
comando do Exército russo o prudente general Kutuzov,
A retirada da Rússia foi um
que, pressionado pelo czar e pelos cortesãos, deu aos in- calvário, com o que restava do
vasores uma batalha que não pretendia: foi o sangrento
recontro de Borodino, que fez 57 mil mortos e em que a “Grande Exército” napoleónico
vitória é reclamada pelos dois lados. Enquanto os sobre-
viventes russos recuavam em boa ordem, os franceses,
(de que faziam parte muitos
sofrendo com as dificuldades de abastecimentos, devido à soldados portugueses) a
grande distância da retaguarda, entravam em Moscovo para
depararem, surpreendidos, com uma cidade em chamas. ser fustigado pelo “general
O incêndio correspondia a um sentimento de autodes-
truição como alternativa à entrega da Rússia ao invasor.
Inverno” e pelas investidas dos
Impressionado, Napoleão – que se manteve mais de um guerrilheiros cossacos
44 VISÃO 23 NOVEMBRO 2023
O Napoleão
de Ridley Scott
Do ponto de vista ficcional, Protagonizada por Joaquin
convenhamos, Napoleão Phoenix e por Vanessa
é bastante apetecível. Até Kirby, no papel de Josefina,
Stanley Kubrick escreveu a versão de Ridley Scott
um argumento para um – o filme estreia-se nesta
filme que nunca chegou a quinta, 23, nas salas portu-
fazer – supostamente, Ste- guesas – retrata a ascensão
ven Spielberg andará às vol- e a queda de Bonaparte.
tas com ele. Existem, aliás, Começa com a Revolução
registos de declarações do Francesa e termina com a
autor de 2001, Odisseia no morte no exílio, na ilha de
Espaço, que nos ajudam a Santa Helena. O último fim
perceber o interesse pela de semana – à medida que
figura. “As batalhas napoleó- surgiam as primeiras críticas
nicas são lindas. São como ao filme, cinematográficas e
se fossem ballets, grandes históricas – foi pródigo em
e letais… Todas refletem um respostas ríspidas e napo-
brilho estético, que não exi- leónicas por parte de Ridley
ge uma mente militar para Scott: “Os franceses nem de
apreciá-las”, disse Kubrick. si próprios gostam.” – S.B.L.
D.R.
desastre, porque, habituado a batalhas rápidas e fulgurantes, sua carreira, vendo-se forçado a combater contra russos,
como Austerlitz e Wagram, não convivia bem com as táticas de prussianos, austríacos e ainda suecos, além de uma força
guerrilha. Mas, tal como já acontecera aquando da campanha da Saxónia. A retirada dos franceses, que contabilizaram
egípcia, o nosso herói fez correr versões “revistas” dos aconte- 65 mil mortos (na maioria adolescentes, pois eram agora
cimentos e foi recebido em Paris com subserviência e lisonja. estes a espinha dorsal de um Exército outrora composto
por veteranos), transformou-se numa debandada. No
VENTOS ADVERSOS, EM 1813 E 1814 princípio de novembro, Napoleão atravessou o Reno para
No tabuleiro da guerra, Napoleão estudava freneticamente oeste flagelado por forças da Baviera, antes sua aliada.
movimentos de peças. A Inglaterra continuaria a combatê- Atingida na asa por diversos grãos de chumbo, a Águia
-lo só na Península Ibérica ou desferiria um ataque noutro estava em queda. Mesmo assim, a coligação adversa pro-
ponto? E o que pensar da Áustria? E da Rússia? E da Prússia? pôs-lhe manter o trono imperial e as fronteiras francesas
Este último reino, e a Alemanha em geral, não tinham do Tratado de Luneville (de 1801), que incluíam a Bélgica,
esquecido a humilhação de 1806, e a intelectualidade ger- a Renânia e um pouco da Itália. Incapaz de ceder um só
mânica, apoiante de políticas reformadoras em curso, re- milímetro, ele recusou.
jubilou com o desastre napoleónico na Rússia, país que se Entretanto, o império que construíra desmoronava-se.
aproximara da Prússia. A aliança franco-prussiana estava por A Confederação do Reno desfez-se, a Holanda sublevou-
um fio, e não surpreendeu que, em março de 1813, Frederico -se, a Itália agitava-se, a Ilíria foi abandonada, Portugal e
Guilherme, coligado com o czar, tenha declarado guerra à a Espanha estavam perdidos, o Grão-Ducado de Varsóvia
França. Napoleão resolveu antecipar-se e, à frente de um era ocupado pelos russos, a Saxónia, a Baviera e a Ves-
Exército de 145 mil homens, invadiu a Prússia e bateu os tefália passaram para o outro lado... Nos finais de 1813,
russo-prussianos em Lützen e Bautzen. A seguir, poderia ter os inimigos estavam à porta e iria começar a Campanha
perseguido e esmagado os adversários, mas preferiu aceitar de França de 1814, durante a qual Napoleão obteve ainda
a mediação austríaca e assinar, em Pläswitz, um armistício algumas vitórias desesperadas, uma delas em Brienne, nas
válido por pouco mais de um mês. Mas, entretanto, a Áus- vizinhanças da escola militar onde estudara em jovem.
tria (então já governada pelo famoso chanceler Metternich) Os êxitos pontuais iam protelando a quase inevitável
rompia a neutralidade e juntava-se aos aliados russo-prus- derrota final. O seu destino estava traçado. Em março,
sianos. Num encontro que teve com Metternich, em Dresden, quando tentava cortar as ligações dos Exércitos inimi-
Napoleão disse ao chanceler austríaco algo de semelhante gos com a retaguarda no Reno, foi surpreendido com
ao que viria a ser proferido por Hitler, em abril de 1945: “Eu um ataque a Paris, que acabaria por se render após um
posso perder o meu trono, mas enterrarei o mundo inteiro desesperado esforço de defesa. A ocupação de Paris, por
nas suas ruínas!”. O encontro não deu em nada, e o prazo forças russas, seria, porém, relativamente benigna: o czar
do armistício esgotou-se. Ia começar a decisiva campanha Alexandre era um francófilo e gabava-se de falar francês
do verão e do outono de 1813. melhor do que Napoleão, o que certamente era verdade...
Depois de uma derradeira vitória sobre os austríacos em O imperador, que estava fora da cidade, arengou aos 70
Dresden, no fim de agosto, Napoleão travou, em meados de mil soldados com que ainda contava, exortando-os a irem
outubro, em Leipzig, a Batalha das Nações. Foi a maior da libertar Paris – e estes ainda se entusiasmaram com a
E
m novembro de 1806, Napoleão ordenou
aos países da Europa Continental que
fechassem os portos aos navios ingleses.
Isto levantava um problema a Portugal,
pois desagradar à Inglaterra equivalia a
perder o contacto com a imprescindível
colónia do Brasil (bastaria a Royal Navy
fechar a barra do Tejo) e incorrer na ira da França levaria
à invasão por terra.
E levou mesmo. A invasão, comandada por Junot, con-
sumou-se no outono de 1807. Quando chegou a Lisboa, o
general francês soube que a Corte portuguesa embarcara
na véspera, 29 de novembro, para o Brasil. Do alto de San-
ta Catarina, ainda avistou a frota a afastar-se; a partir de oportunidade. A nova invasão principiou em 10 de março
então, passou a dizer-se de alguém nas mesmas condições de 1810, quando um Exército, comandado pelo marechal
que “ficou a ver navios”. Soult, entrou por Chaves. As populações da região de Boticas
Na primavera de 1808, após meses de governo de Junot enterraram as garrafas de vinho, para evitar que caíssem
em Lisboa, os ventos mudaram. À paz podre sucedeu-se nas mãos dos soldados invasores; quando, passado o peri-
o formigueiro da agitação na Península Ibérica. Napoleão, go, as desenterraram, gostaram do sabor do vinho e assim
que tinha aprisionado Carlos IV de Espanha, cometeu o nasceu na zona o costume de enterrar as garrafas – ou seja,
erro de elevar ao trono do país vizinho José Bonaparte, seu o “vinho dos mortos”.
irmão. O povo espanhol pegou então em armas e o próprio No final do mês, as tropas de Soult entraram no Porto e
Exército enfrentou e derrotou o ocupante, na Batalha de saquearam a cidade. O povo tentou passar em massa para
Bailén, a 19 de julho. O exemplo da contestação espanhola o lado de Gaia, mas a ponte, assente em barcas fundeadas
não tardaria a ser seguido do lado de cá da fronteira. no rio Douro, não aguentou o peso e quebrou-se; houve
Este ano de agitação ibérica deu tempo aos ingleses quatro mil mortos. A 12 de maio, os franceses seriam derro-
para organizarem o que ainda hoje consideram o seu tados pelas tropas anglo-lusas comandadas por Wellington
melhor Exército de sempre. A 1 de agosto de 1808, os e retiraram pela fronteira de Montalegre.
“casacos vermelhos” desembarcavam a sul da Figueira Uma terceira invasão, comandada pelo general Masséna,
da Foz. Daí, avançaram rumo a Lisboa, a eles se juntando entrou em julho de 1810 pela Beira Alta. Depois do combate
tropas portuguesas. do Côa, Masséna capturou Almeida e chegou em setembro
Uma força francesa, comandada por Delaborde, partiu ao Buçaco, onde se travou, a 27 de setembro, uma batalha de
então ao encontro dos anglo-lusos, e o primeiro recontro consideráveis dimensões. A vitória coube aos anglo-lusos,
ocorreu no dia 17, na Roliça, onde os aliados obtiveram mas não impediu o avanço dos franceses para Coimbra,
uma vitória difícil. Um segundo choque, de maiores di- que foi saqueada. A tropa napoleónica seria, porém, contida
mensões, deu-se quatro dias depois, no Vimeiro, com mais a sul, nas fortificações que defendiam a capital por-
novo triunfo anglo-luso. A tropa francesa deixava de ter tuguesa. Tratava-se das Linhas de Torres Vedras, uma série
condições para ocupar Portugal.
Junot viu-se, pois, forçado por Wellington a assinar
a Convenção de Sintra. Pelos termos estipulados, os in-
vasores tiveram de regressar a França, mas os ingleses O Maneta era um general
ofereceram-lhes transporte marítimo e deixaram-nos
levar de Portugal o produto dos saques. Mas eles próprios,
francês chamado Loison,
ingleses, ficaram por cá, aproveitando-se da ausência da que ficou na memória
Corte para instituírem uma espécie de protetorado.
Napoleão resolveu, então, investir numa segunda popular pela crueldade
EDIÇÃO MENSAL
GRATUITA,
EXCLUSIVA PARA
INVISUAIS
Porque
é bom ler
Com o apoio de:
da própria marca) – “estava comple- o assaltante decisão continua nas mãos do TC,
que, entretanto, voltou a receber
tamente cheia”.
A investigação não tem dúvidas. ao vigilante, o documento de Marcelo Rebelo
de Sousa, decisão justificada pelo
À VISÃO, fonte próxima do pro-
cesso confirma que “este episódio
enquanto lhe Presidente por “razões de certeza
jurídica”.
foi protagonizado por um comando apontava a pistola
23 NOVEMBRO 2023 VISÃO 53
a portaria o mais rápido que pôde.
Ainda com as mãos a tremer, procu-
rou o seu telemóvel, que encontraria
descartado no caixote do lixo. Tinham
passado apenas sete minutos desde
que o assalto terminara, quando o
vigilante conseguiu contactar o seu
supervisor, relatando-lhe tudo o
que acontecera. A Polícia Marítima
foi contactada pelo responsável pela
segurança do porto de Setúbal, des-
locando-se prontamente ao local. Aos
primeiros raios de sol, dois inspetores
da PJ entraram em cena para assumir
GETTY IMAGES
a investigação.
As autoridades não demoraram
a estabelecer as ligações com o nar-
cotráfico internacional. O contentor
O (mau) exemplo da Bélgica violado tinha sido transportado num
navio denominado Cala – que, se-
No mês passado, um comando de narcotraficantes holandês – na posse de três manalmente, faz a ligação comercial
armas de guerra prontas a disparar – foi travado pela polícia belga, quando marítima entre a Colômbia e a Costa
já circulava no centro de Antuérpia, numa operação com vista a recuperar Rica e o porto de Setúbal –, o qual
cocaína que tinha sido apreendida na véspera partira do porto de Moín, na Costa
Rica, com uma carga de bananas que
No dia 16 de outubro, a polícia armazém localizado na zona de tinha Espanha como destino final.
belga encontrou 7,7 toneladas de Ijzerlaan, no centro da cidade – onde O histórico não deixava margem para
cocaína no interior de um contentor a cocaína estava, de facto, guardada dúvidas e o caso seria entregue nas
carregado de farinha de soja, que –, quando foi travada por uma equipa
mãos da Unidade Nacional de Com-
chegara, nessa mesma manhã, de intervenção rápida da polícia
bate ao Tráfico de Estupefacientes
ao porto de Antuérpia, vindo da de Antuérpia. Os sete homens que
Serra Leoa. O segundo maior porto seguiam no veículo – com idades entre
(UNCTE) da Polícia Judiciária, nas
da Europa (apenas atrás do de 22 e 35 anos, todos de nacionalidade
horas que se seguiram.
Roterdão, nos Países Baixos) é, há holandesa – não tiveram tempo de No processo, que a VISÃO consul-
muito, visto como a principal porta reagir. O comando seria detido sem tou, a investigação concluiu que os
de entrada de cocaína na Europa oferecer resistência. Na sua posse, quatro indivíduos tinham “informação
– foram ali apreendidas, em 2022, tinham três armas de guerra prontas a prévia” da localização do contentor no
110 toneladas do estupefaciente, o disparar. interior do terminal e que atuaram
que corresponde a 40% de toda a Os momentos da detenção seriam com “a intenção de retirar do aludido
cocaína localizada, pelas autoridades, filmados por vídeo amador e [contentor] produto estupefaciente
no continente. Analisando as divulgados pela comunicação social. [cocaína] proveniente da América do
estimativas locais – que indicam que “As intenções dos suspeitos e Sul”. A PJ não tem dúvidas de que “a
os narcotraficantes conseguem fazer para onde se dirigiam terão de ser organização criminosa não logrou
passar 90% da cocaína que chega determinadas pela investigação. Temos retirar o produto estupefaciente como
a Antuérpia –, percebe-se o porquê de determinar se existe uma ligação previamente planeado, o que motivou
de esta operação não ter alterado, entre estas detenções e a grande o assalto subsequente às instalações”
de forma assinalável, o quotidiano do quantidade de droga intercetada, do porto de Setúbal. À VISÃO, fon-
porto. ontem, no porto de Antuérpia”, te próxima do caso recorda que “já
Os “donos da droga” terão recebido declarou, aos média, Kato Belmans, tinham sido registados assaltos na-
informações sobre o local onde porta-voz do Ministério Público quele local”, mas refere que “nunca
a cocaína apreendida estava local. Os jornais belgas, por sua vez,
tinha acontecido um assalto com
armazenada e, pouco mais de 24 seriam menos prudentes nas palavras.
estas características e esta violência”.
horas depois, um comando de Apoiados por fontes da investigação,
narcotraficantes, fortemente armado, apresentaram o caso como “a prova”
“Tínhamos detetado outras situações,
seria acionado por uma organização da “crescente e contínua pressão dos pessoas que saltaram ou destruíram a
criminosa para recuperar a totalidade narcotraficantes” sobre a cidade e o cerca exterior, mas nunca assim, com
ou, pelo menos, parte dessa carga – porto de Antuérpia – preocupação recurso a arma de fogo e este nível de
que poderia render algo como €200 que tem dominado os responsáveis profissionalismo”, afirma.
milhões, segundo as autoridades. daquele país. A União Europeia Os assaltantes deixaram pistas para
Graças a uma dica, a polícia pôde declarou formalmente guerra ao trás, mas todas se revelariam inconse-
reagir, colocando-se no terreno para fenómeno. Hoje, o caso do porto quentes. A escada metálica extensível
frustrar estas intenções. A carrinha de Setúbal, relatado nestas páginas, ficou esquecida junto aos contentores,
preta dos narcotraficantes já seguia, justifica a pergunta: o (mau) exemplo o que permitiu aos especialistas da
a alta velocidade, em direção a um da Bélgica já chegou a Portugal? Polícia Científica da PJ descobrirem
duas impressões digitais diferentes – e
Há um esgotamento
de soluções por
parte dos partidos
moderados.
E há um cansaço
das caras
— P O R M A FA L D A A N J O S E R U I TAVA R E S G U E D E S T E X T O
LU Í S BARR A FOTOS
lizar colaboracionistas ou “agentes ao grades: “Nós sabemos que Israel está interessado. Continuou a falar do dia
serviço dos sionistas”. À frente desta sentado em cima de 200 ogivas nucle- em que sairia em liberdade. Respon-
célula, conhecida por Al Majd (A Gló- ares e que tem as forças armadas mais di-lhe que isso nunca iria acontecer.
ria) e que serviria depois para fundar avançadas da região. Nós sabemos que Disse-me que havia até uma data e que
as brigadas Al-Qassam, conquistou o não dispomos da capacidade para des- Deus a conhecia.”
título de “carniceiro de Khan Younis”. mantelar Israel.” O talento do homem Não foi necessária nenhuma profe-
A fama tem custos. Em 1989, após que montou a estrutura de segurança cia, nem qualquer intervenção divina.
executar dois israelitas e uma dúzia do Hamas ficava bem demonstrado. A 18 de outubro de 2011, Yahya Sinwar
de compatriotas (um deles decapitado Ninguém sabe ao certo a motivação voltava à sua terra natal, após ele e 1 026
e outro enterrado vivo), Yahya Sinwar para tais declarações. Todavia, há um outros palestinianos serem trocados
foi uma vez mais detido e recebeu uma incidente que pode, ou não, justificá- pelo soldado Gilad Shalit, capturado
sentença exemplar: quatro penas de -las. Em 2004, Sinwar foi acometido cinco anos antes por um comando do
prisão perpétua. de problemas de visão e de violentas Hamas (que alegadamente incluía um
Não se conformou e tentou evadir- enxaquecas. Diagnóstico do pessoal irmão seu, Mohammed, então oficial
-se diversas vezes, sempre em vão. Foi clínico que o assistiu na prisão: absces- das brigadas Al-Qassam e dado como
a partir desse momento que concen- so cerebral. “Se tivesse rebentado, ele morto três anos mais tarde).
trou a energia numa outra forma de já cá não estaria. Os médicos israelitas Quando Yahya Sinwar voltou a ins-
resistência: “De [Vladimir] Jabotinsky, salvaram-lhe a vida”, afirmou, a 27 de talar-se em Gaza, o movimento de re-
a [Menachem] Begin e a [Yitzhak] Ra- outubro, a um canal televisivo, Yuval sistência islâmica era já dono e senhor
bin – ele passou a ler todos os livros Biton, o brigadeiro e dentista que, nesse do enclave, após ganhar as legislativas
sobre as figuras mais proeminentes ano, era também responsável pelos ser- de 2006 e expulsar do território os
de Israel (...) Da base até ao topo, quis viços de informação nas penitenciárias nacionalistas laicos da Fatah – parti-
aprender connosco”, recordou ao Fi- do país. A história não é nova e já fora do criado pelo histórico Yasser Arafat
nancial Times Micha Kobi, ex-agente contada, em 2017, pelo diário Times of –, na sequência de uma brutal peleja
dos serviços secretos domésticos (Shin Israel, citando Orit Adato, a general e entre palestinianos que fez centena
Beth), que o interrogou nesses tempos e primeira mulher a liderar o sistema e meia de mortos. Ou seja, com uma
o ouviu gabar-se dos crimes cometidos. prisional. aura renovada, ele integra de imediato
Em simultâneo, impõe-se como líder o politburo do Hamas e encarrega-se
incontestável dos detidos e promove PEQUENO HITLER de fazer a ponte com o braço armado da
várias greves de fome, a reivindicar Num perfil que a agência Bloomberg organização, atuando como se ocupasse
melhores condições nas celas e nos traçou recentemente a Sinwar, revela- as pastas da Defesa e da Administração
refeitórios. -se um dado adicional: Israel tentou Interna. Do lado de Israel, com Gaza
Cumpridos 15 anos de cárcere, o fazer chantagem e seduzi-lo politica- sob um bloqueio total, debatia-se até
dirigente do Hamas aceitou ser entre- mente, após a intervenção cirúrgica. que ponto o antigo ilustre prisioneiro
vistado por um canal israelita e, num Quem o afirma é uma outra oficial dos era uma ameaça credível: “‘Ele não
hebraico quase sem sotaque, apelou a serviços secretos, Betty Lahat: “Pensei pretende regressar às atividades pe-
uma “trégua” e reconheceu a superiori- que poderia convencê-lo e colocá-lo rigosas, ele já se esqueceu de como se
dade do Estado que o colocou atrás das do nosso lado, mas ele não se mostrou prepara um ataque terrorista.’ Tentei
explicar-lhes que estavam enganados.
(...) Hoje, em Gaza, o Hamas é Sinwar”,
disse Michael Milshtein, antigo opera-
cional dos serviços secretos militares
(Aman), à Bloomberg, recordando as
discussões que teve.
Em rigor, convém explicar que o ca-
rismático Sinwar nunca deixou de estar
sob estreita vigilância dos serviços de
informações israelitas. Em 2014, duran-
te o conflito militar também designado
de Operação Margem Protetora, que
ocorreu entre julho e agosto desse ano
e custou a vida a mais de dois milhares
de civis em Gaza, todas as casas da fa-
mília de Sinwar foram bombardeadas.
Ele, como de costume, escapou ileso
e, poucos meses depois, mostrava-se,
pela enésima vez, implacável com quem
ISMAIL HANIYEH
O GUIA SUPREMO
Desde 2017 que é
o responsável pelo
gabinete político
(Politburo), órgão
executivo do movimento
(composto por 15
elementos). Nascido há 61 anos num
campo de refugiados a sul da cidade
(Al-Majdal, atual Ashkelon), onde
sempre viveram os seus antepassados,
Haniyeh aderiu aos movimentos
islâmicos na universidade de Gaza
e formou-se em Literatura Árabe.
Durante a primeira Intifada (1987-
1993), esteve detido por subversão e
torna-se um dos principais assessores
do xeque Ahmed Yassin, fundador do
Hamas. Entre 2007 e 2014, liderou o
governo de Gaza. Tem 13 filhos e vive
exilado em Doha, no Qatar.
colaborava com Israel ou desafiava o contados. Menos de 24 horas depois,
seu poder. Que o diga Mahmoud Ish- em conferência de imprensa, Benjamin KHALED MASHAL
tiwi, comandante do Hamas acusado Netanyahu veio dizer quase o mesmo: O ETERNO EXILADO
de homossexualidade e corrupção, “Sinwar não se preocupa com o seu Filho de agricultores
entretanto executado. povo e atua como um pequeno Hitler e de ativistas que
Em 2017, Sinwar e Mohammed Deif no seu bunker.” Palavras que não ser- combateram a
presença britânica na
(o líder das brigadas Al-Qassam) são vem de consolo aos habitantes de Gaza Palestina, nasceu há
já os principais inimigos públicos de nem aos familiares dos reféns do Ha- 67 anos na Cisjordânia
Israel. Ambos aprenderam a sobre- mas. Estes últimos acusam o primeiro- ocupada por Israel e emigrou
viver às investidas da Aman, do Shin -ministro de ser incapaz de garantir a com a família para o Kuwait, onde se
Beth e da Mossad e parecem ter uma segurança dos cidadãos e de já não ser envolve nos movimentos islâmicos
e se licencia em Física. É um dos
capacidade inigualável de liderar a re- um governante fiável. De acordo com fundadores do Hamas e assume a
sistência islâmica nos túneis de Gaza. uma sondagem realizada este mês pela liderança política do movimento entre
A forma como um e outro planearam Universidade Bar-Ilan, apenas 4% dos 1996 e 2017. Alvo privilegiado dos
os massacres de 7 de outubro, apa- israelitas confiam em Netanyahu e um serviços secretos israelitas, sobrevive
rentemente sem intervenção direta outro estudo de opinião, divulgado pelo a um atentado rocambolesco em Amã,
do Irão, do Hezbollah ou dos seus canal televisivo 13, revela que 44% da em 1997. Um veneno em spray, lançado
por um agente da Mossad, deixa-o
camaradas no exílio – casos de Ismail população o aponta como “principal em coma, mas a rápida intervenção
Haniyeh e de Khaled Mashal –, e têm responsável” pelo maior fracasso de do então rei Hussein da Jordânia e
conseguido alimentar este conflito que segurança na História de Israel. Apesar de Bill Clinton obrigou o governo
já supera os 14 mil mortos é a prova de das pressões internacionais, dos EUA de Benjamin Netanyahu a entregar
que devem ser levados muito a sério. A à China, Netanyahu diz que o seu país o antídoto salvador. Vive há mais de
uma década em Doha, após ter estado
4 de novembro, o ministro da Defesa trava agora uma guerra pela “segunda exilado em Damasco, a capital síria.
de Israel, Yoav Gallant, garantiu aos independência” e rejeita um cessar-fo-
seus compatriotas que, mais cedo ou go e a libertação dos 5 500 prisioneiros MOHAMMED DEIF
mais tarde, os dias de Sinwar estavam palestinianos exigida pelo Hamas. Sin- O COMANDANTE
war, por saber que o tempo joga a seu BRUTAL
favor, aposta na mediação do Qatar e
Para Netanyahu do Egito para beneficiar de eventuais
Tal como Haniyeh,
Yahya Sinwar e outros
pausas humanitárias e de uma troca
e as forças de parcial de prisioneiros. Afinal, ele sabe
dirigentes históricos
do Hamas, passou pela
50
circularam por Lisboa 8750 trotine-
tes, ou seja, se o número aumentasse
em cinco vezes, representariam 43
700 trotinetes na cidade – mais sete
CIDADES
Serviço de boleias está presente
vezes do que o número permitido em
em 50 cidades portuguesas Madrid, por exemplo.
Carlos Moedas, presidente da Câ-
mara de Lisboa, anunciou novas regras
para a utilização de trotinetes no início
deste ano. Os velocípedes ficaram limi-
8 000
tados a 20 km/h, passou a ser proibido
o estacionamento em praças, passeios
e estações de metro e em sentido con-
trário ao trânsito. Para além das regras
TROTINETES
de utilização, Moedas quis implemen-
Existem mais de 8 000 trotinetes
elétricas da Bolt por todo o País
tar um limite ao número de trotinetes
que circulam na cidade. Cada uma das
cinco operadoras presentes tem um
enorme”: África. Tem operação em máximo de 1 750 trotinetes na época
11 países diferentes, como na África alta e 1 500 na época baixa. Em janeiro,
3 000
do Sul ou em Moçambique. explicou a CML através de comunica-
Em Portugal, “um dos melhores do: “Se a trotinete não for estacionada
mercados em termos globais” para no local devido, o utilizador não con-
a empresa, abriu “o maior escritório segue desligar o serviço.”
BICICLETAS
regional da Europa”, em janeiro deste Na capital portuguesa, a Bolt tem
A Bolt tem mais de
ano, com cinco andares, no coração da 3 000 bicicletas elétricas
os seus serviços disponíveis. O de bo-
capital. “Esta é a décima vez que venho disponíveis em Portugal. A maioria, leias, a que se juntam o das entregas
a Lisboa. Já me rendi aos pastéis de no Porto e em Lisboa em casa, dos alugueres de viaturas,
nata e ao peixe”, remata o empresário, das trotinetes e bicicletas elétricas
de passagem pela cidade a propósito e dos mercados online. A cidade é
da edição deste ano da Web Summit. um dos focos de Markus Villig para
25 000
fazer crescer o negócio. Até porque,
TROTINETES EM LISBOA? HÁ no primeiro semestre deste ano, o
ESPAÇO PARA CINCO VEZES MAIS número de viagens realizadas cres-
Várias cidades europeias estão a banir ceu 50%, face ao mesmo período do
MOTORISTAS
ou a restringir o uso de trotinetes elé- ano passado, de acordo com os da-
Atualmente, a tecnológica tem
tricas, como é o caso de Paris, devido mais de 25 000 condutores
dos enviados pela empresa. A juntar
à desregulação da sua utilização. A registados na sua aplicação aos 150 trabalhadores do “hub” na
capital francesa foi a primeira a abrir para o serviço de boleias Avenida da Liberdade, em Lisboa, a
as portas a este tipo de velocípedes, – muitos deles têm as suas empresa conta com mais de 25 000
em 2018, e foi também a primeira a próprias empresas, que prestam condutores e 9 000 entregadores de
excluir as 15 000 que restavam. Um serviços à Bolt comida e mercadorias registados na
referendo, feito em abril deste ano, aplicação, por todo o País.
não deixou dúvidas: 90% dos pari- O CEO da Bolt defende uma maior
sienses quiseram banir as trotinetes regulação no uso tanto de trotinetes
desta cidade. Em Madrid, o executivo como de bicicletas, mas de forma a
9 000
abriu um concurso para apenas três coexistirem na cidade com os carros
empresas poderem operar na capital e os peões. “É claro que precisam de
espanhola, durante três anos, e com ser reguladas de forma inteligente.
um limite de 2 000 trotinetes cada. ENTREGADORES O grande pedido dos nossos clientes
A Bolt ficou de fora. Para além dos motoristas vai no sentido de arranjarmos mais
“Acho a ideia de limitar o núme- parceiros da Bolt, existem ainda parques e estamos a trabalhar para
ro de trotinetes horrível. (…) Porque cerca de 9 000 dedicados isso. O ideal seria haver um estacio-
queremos que as pessoas usem menos às entregas em casa, seja namento a cada 50 metros”, remata.
trotinetes e bicicletas? A alternativa de refeições ou de produtos “Lisboa, como a grande maioria das
é usar o carro, e isso é péssimo para de mercearia grandes cidades, tem problemas de
O
ME
NDADA VISÃO
JÚNIOR,
A VISÃO DOS MAIS
NOVOS
Campanha válida até 30 de novembro de 2023 na versão impressa e digital, salvo erro tipográfico.
Felizes os
que têm teto
78 VISÃO 23 NOVEMBRO 2023
Foram sem-abrigo, dormiram ao deus-dará, caídos
como as folhas das árvores. Mas deram a volta,
e os seus testemunhos são exemplo de como uma casa
devolve a dignidade e a possibilidade de reinserção
na sociedade. No final do ano passado, Portugal
contabilizava quase 11 mil pessoas em situação
de sem-abrigo, um aumento de 78% em quatro anos
— P O R S Ó N I A C A L H E I R O S T E X T O E J O S É C A R LO S C A R VA L H O F O T O S
100
MILHÕES
Pessoas em todo
de mesa de Natal, mais um conjunto completo o mundo sem
de pratos. qualquer tipo de
Luísa Gomes é uma inquilina de confiança, habitação, segundo
mesmo quando foi “ocupa” num prédio na Rua a Organização das
Washington, com o aval do senhor Eduardo, Nações Unidas recorda com muita clareza a chegada a Lisboa,
o senhorio, que, depois de expulsar todos os em 1975, a bordo de um avião militar.
outros sem-abrigo, lhe pediu para guardar o Aos 16 anos, deixou de estudar e casou na
edifício vandalizado. igreja, de véu e grinalda. Teve um filho – o
Sem água canalizada, Luísa e o companheiro, primeiro de quatro – e, passados seis anos,
Pedro Teixeira, tinham de acartar com garrafões divorciou-se. Começou a fazer “vida da
de cinco litros de água até ao terceiro andar, para noite” numa boîte: “Ganhei muito dinheiro,
os banhos remediados e a comida preparada mas também bebi muito álcool.” Foi uma das
numa placa elétrica, numa casa com quatro primeiras utentes do Centro das Taipas, onde
assoalhadas vazias e um closet para a roupa e fez 11 tentativas de desintoxicação.
os sapatos que não tinham. Em remissão do cancro e a receber Pres-
Com o passar do tempo, Luísa começou a ir tação Social para a Inclusão (€473), Luísa
à cantina e ao balneário de uma associação em Gomes quer acabar o 12º ano de escolarida-
Alfama, onde deixava a sua roupa para lavar e de para seguir o curso de Gestão Hoteleira e
vestia outras peças limpas. chegar a subchefe numa cozinha. Se, quando
Quando lhe foi diagnosticado um cancro morou na rua tinha medo da violência e dos
na amígdala esquerda, ficou alojada numa roubos, desde que tem uma casa até deixa a
residencial em frente ao Instituto Português janela aberta, nas noites de verão, para entrar
de Oncologia, para receber os tratamentos,
ratamentos, ar fr
fresco.
passando a ser inquilina prioritária ia do projeto
É Uma Casa, da Associação Crescer, cer, usando o OS NOVOS
N SEM-ABRIGO
método Housing First (Casa Primeiro),
meiro), desti- “Um sem-abrigo é muitas vezes invisível,
nado a pessoas em situação de sem-abrigo, ignorado. Quando sai da rua e passa a ser o
igno
atribuindo-lhes uma casa e apoio o para a sua nosso vizinho do lado, cumprimentamo-lo
noss
inclusão na sociedade. na eescada ou na rua”, constata Américo Nave,
Com lúpus e degeneração óssea, a, Luísa tam- psic
psicólogo clínico e diretor-executivo da Asso-
bém ganhou uma anemia crónica ca depois de ciaçã
ciação Crescer.
fluxos menstruais intensos, quando do dormia ao
relento no Martim Moniz e acordava ava a meio da
noite cheia de sangue. “Já roubei pensos
nsos higiéni-
cos no supermercado, não tenho vergonha de
dizer. Era uma preocupação maior or do que “O estigma é tão
comer”, assume Luísa Gomes, uma
fundadoras da associação Somos, a pri-
ma das grande que ainda há
meira dedicada às mulheres sem-abrigoabrigo quem diga: ‘Estas
em Portugal.
Nascida há 55 anos em Timor Loro pessoas não sabem
Sa’e, filha de pai português e mãe timo-
mo-
gal,
rense, Luísa foi enviada para Portugal,
viver em casas’”
AMÉRICO NAVE, psicólogo clínico e
aos 7 anos, para casa da avó paterna, a, e diretor-executivo da Associação Crescer
OS PODERES
E OS LIMITES
DE UM GOVERNO
“ZOMBIE”
Solução de Marcelo
rcelo para a demissão de Costa
ivo socialista a atingir o recorde
coloca o executivo
de tempo em queue estará com poderes limitados.
ssolução de Parlamento ainda
Apesar de dissolução
finida, alguns governantes estão
não ter data definida,
em modo de despedida. Quem já passou por
erta para o facto de os ministros
este cenário alerta
em deixar obra por concluir
não deverem
— P O R N U N O M I G U E L R O P I O E R I TA R ATO N U N E S
MARCOS BORGA
mento de escalas, com mais novas competências para as
de 2 500 médicos em greve às autarquias e a massificação
horas extraordinárias. Porém, das Unidades Locais de Saúde,
os representantes sindicais que ainda não têm dirigentes
acusam desânimo. nomeados. Roque da Cunha
Acabar “com dignidade”... O secretário-geral do tem receio de que a “inca-
Sindicato Independente dos pacidade de legislar muitos
Como serão os últimos dias da relação institucional Médicos (uma das duas es- destes aspetos práticos e a
entre Marcelo e Costa? truturas que se têm sentado incapacidade de dar orienta-
à mesa com Manuel Pizarro) ções políticas e operacionais”
A relação institucional entre correrão com menor fluidez.” sublinha que “uma crise po- conduzam a “perturbações
António Costa e Marcelo No rescaldo desta troca de lítica em cima da gravíssima mais severas” no setor.
Rebelo de Sousa parece galhardetes, o conselheiro de crise no SNS não é boa para No caso dos professores,
ter-se degradado, depois Estado António Lobo Xavier ninguém”, antevendo que o sentido de urgência dimi-
da demissão do primeiro- revelou, praticamente, que a os problemas da Saúde po- nui, fruto de uma luta que se
ministro. Confrontado com a assunção pública de Costa dem ficar em banho-maria, tem arrastado por sucessivos
ida polémica da procuradora- da ideia de chamar a PGR a durante o inverno: “Se não governos. “O atual contexto
geral da República a Belém, Belém ocorreu na reunião do houver acordo enquanto o não atrasa, necessariamente,
na manhã do dia 7 de Conselho de Estado – de que Governo estiver na plenitude a resposta a estes problemas,
novembro, ao mesmo tempo o comentador faz parte. funções, só para o segundo pois ao fim de oito anos, mes-
que prosseguiam as buscas Fontes socialistas semestre de 2024 é que se mo onde se verificaram alguns
no âmbito da operação asseguram entretanto que, poderão reiniciar as negocia- progressos, estes foram cla-
Influencer, o Presidente uma vez demissionário, ções com um novo governo, ramente insuficientes, tendo
da República disse aos António Costa já não tem e isto com a evidente degra- sido até nos últimos anos que
jornalistas que a ideia tinha nada a perder e que a sua dação das dificuldades de a falta de professores – fruto
sido do primeiro-ministro: impaciência com “certas acesso dos portugueses aos da desvalorização da profissão
“O sr. primeiro-ministro já atitudes” do Presidente cuidados de saúde”. e do agravamento das condi-
esclareceu que pediu para eu pode ser tornada pública Além das dúvidas sobre as ções de trabalho dos docentes
pedir o encontro à senhora mais vezes. Num Governo carreiras dos médicos, a Saúde – se verificou e se acentuou”,
procuradora-geral”, disse de gestão, a vigilância enfrentará, no início do próxi- refere Mário Nogueira, líder
Marcelo. Costa, que nunca presidencial sobre o que mo ano, questões relacionadas da Fenprof, acrescentando
tinha assumido publicamente o executivo pode ou não com a reforma organizacional que aproveitarão as eleições
essa informação, reagiu pode fazer vai acentuar- antecipadas para “insistir jun-
mal, afirmando não se se, e Marcelo, segundo to dos partidos para que es-
lembrar de ter feito qualquer apurou a VISÃO, estará À esquerda, tes assumam compromissos
comentário público sobre o
assunto. Depois, sem criticar
“ainda mais atento” à ação
governativa, por forma a
considera-se que, claros, com vista à resolução
dos problemas, ainda que de
diretamente o Presidente, impedir que o Governo até Marcelo aceitar forma faseada”.
fez estalar o verniz... nas “ponha o pé em ramo verde”. a demissão de Além disso, será também
entrelinhas: “Em oito anos Mas o Presidente não em dezembro que a Comis-
como primeiro-ministro, deseja escalar ainda mais a
Costa e dissolver são Técnica Independente,
tenho o princípio de, nem por turbulência institucional e o Parlamento, liderada por Rosário Parti-
mim nem por heterónimos
que escrevem nos jornais,
prefere que o assunto fique
por aqui. Entretanto, do lado
o Governo tem dário, anunciará a avaliação
sobre a localização do futuro
dizer o que acontece nas das duas candidaturas à plenos poderes. aeroporto de Lisboa – uma
conversas entre mim e o sr. liderança do PS, ninguém Mas para a direita, decisão que terá de ser sus-
Presidente da República.” parece estar na disposição pensa até ao novo governo
Depois, continuou a “prática de comprar uma guerra
é isso mesmo tomar posse ou que exigi-
da chazada” e acrescentou: com Marcelo: afinal, José que a preocupa. rá um acordo com o PSD,
“No dia em que um começar
a achar que pode dizer
Luís Carneiro ainda faz
parte do Governo e Pedro
“Cria riscos sérios abençoado por Belém. Só
que, tendo em conta que a
o que o outro disse, ou Nuno Santos, dizem fontes de confusão e relação entre Marcelo e Costa
o que o outro não disse, da candidatura, “já teve de manipulação já conheceu melhores dias, o
seguramente as relações problemas que chegassem futuro da Portela arrisca-se
entre órgãos de soberania com o Presidente”… — F.L.
política”, alerta a sofrer mais um adiamento.
Poiares Maduro visao@visao.pt
OFERTA
NO VALOR DE
€135
OFERTA DE UM WORKSHOP:
CERÂMICA, MARCENARIA OU SERIGRAFIA
Aprenda a fazer por si. Ponha as mãos na massa e torne-se um artesão. Os workshops
são constituídos por três sessões de três horas cada. A FICA Oficina Criativa é em Lisboa,
em arroios, e funciona como um espaço onde vários ofícios têm lugar.
LOJA .T R U S T I N N E WS . P T O U L I G U E 2 1 8 7 0 5 0 5 0
DIAS ÚTEIS DAS 9H ÀS 19H | CUSTO DE CHAMADA PARA A REDE FIXA, DE ACORDO COM O SEU TARIFÁRIO.
INDIQUE O CÓDIGO PROMOCIONAL COCFX
Campanha válida até 31 de dezembro de 2023 e oferta disponível após boa cobrança. A marcação das sessões é da responsabilidade da FICA Oficina Criativa
e é feita diretamente com a mesma, através do telefone +351 919 194 823 ou pelo email workshop@fica-oc.pt. Oferta limitada às vagas disponíveis.
Os workshops podem ser utilizados até 9 meses após aquisição da assinatura.
O P I N I ÃO
1.
António Costa pediu a responsabilidade na escolha, tinha de se
demissão a (muito) quente, logo demitir. É assim? Foi assim com os seus
após conhecer o comunicado antecessores? Lembro apenas o exemplo
da PGR sobre a agora chamada do que esteve mais tempo no topo do
Operação Influencer. E logo poder, e líder incontestado do PSD, Cavaco
após essa demissão escrevi aqui ter dúvidas Silva: Oliveira Costa, o do BPN (que deu
sobre se deveria tê-lo feito, explicando milhões de contos de prejuízo ao País, e
porquê. Duas semanas corridas, conhecidas lucros a alguns amigos), foi seu secretário
as acusações aos suspeitos, e tendo o juiz de Estado; Dias Loureiro, seu destacado
de instrução decidido não haver sequer ministro; Duarte Lima, líder parlamentar
— Fundador da VISÃO do seu partido. Tem comparação possível
indícios dos crimes de corrupção e
prevaricação, tendo a deixar de ter dúvidas o que cada um deles fez com aquilo de que
À MARGEM de que, na defesa da estabilidade política Lacerda, Escária ou Galamba são acusados?
Sobre o MP e no interesse do País, Costa não devia
Sempre defendi a ter-se demitido. Com a convicção de que o 4. Mas será que Costa pediu a demissão
autonomia, que não pode decurso do tempo e do “processo” mais o esperando que Marcelo não a aceitasse?
ser irresponsabilidade nem confirmará. Sem prejuízo de compreender, Era óbvio que a aceitaria. Além de por
impunidade, do MP. MP como então disse, a sua atitude, também razões de distanciamento, se não conflito,
que desde o 25 de Abril em parte explicável pela forma como entre político, que nestes últimos dias se tem
teve à sua frente (além de
nós se faz política, oposição, certo dito agravado – o que a ambos cabe evitar –,
nos seus quadros) vários
jornalismo e comentário político – quase porque se não a aceitasse dir-se-ia que
respeitáveis, ilustres, juristas:
unânime em afirmar que era forçoso passara a (man)ter o Governo ao “colo”…
Arala Chaves foi o primeiro,
outros se seguiram, entre
demitir-se. Como era óbvio que Marcelo dissolveria
eles meus colegas de curso o Parlamento e marcaria novas eleições
e amigos. Assim, lamento 2. Para Costa, aliás, a demissão era – com alta probabilidade de ser o PS o
muito o que mais uma vez talvez, no momento, a atitude mais clara e principal prejudicado, e o PSD (sobretudo
está a ocorrer, que não se simples, a mais favorável à sua imagem e Montenegro) e o Chega serem os principais
pode imputar à instituição até ao seu futuro político. Não foi por isto, beneficiados.
em geral, mas mostra a porém, que se demitiu, antes apenas pelo
necessidade de reformar teor daquele comunicado. Mas o que creio 5. Nada disto exclui a culpa da situação
o seu funcionamento – devia ter feito era falar aos portugueses a que se chegou ser de quem no MP agiu
como a procuradora- manifestando a sua surpresa pelo resultado como agiu. Desde prender, e manter
-geral adjunta, Maria José de “suspeitos” haverem citado o seu nome presos, para interrogar, suspeitos que
Fernandes, salientou num para “desbloquear procedimentos” – o nada indicia se notificados para o efeito
excelente e corajoso texto que é nada. E sendo isto nada, garantindo não comparecessem ou destruíssem
saído no Público. Costa, como fez, não ter praticado nenhum documentação, até qualificar como crime
Ainda bem, para o MP ato criminal, ilícito ou sequer censurável, o que de clareza meridiana parece não o
e para o País, que o não se demitiria de imediato, para evitar ser, antes configurar práticas normais,
fez. Ainda mal que não uma crise política grave; mas que de não ilegais, em casos com a importância
o faça o sindicato da imediato o faria, independentemente de ser e a complexidade dos sub judice. E
classe, entrincheirado
constituído arguido ou de alguma acusação chega a ser confrangedor, inadmissível,
numa espécie de velho
formal, caso o Supremo Tribunal de Justiça considerar corrupção, prevaricação, tráfico
corporativismo. Ao
contrário do Sindicato dos
viesse a admitir a existência de qualquer de influência ou benefício indevido de
Jornalistas, cujo Conselho suspeita sobre qualquer seu procedimento. vantagem o pagamento de almoços ou
Deontológico emitiu uma jantares; ou uma autarquia receber, em
lúcida e também corajosa 3. Já houve quem dissesse que o troca de supostos favores, subsídios, aliás
recomendação sobre como primeiro-ministro, por várias razões mínimos, para um festival de música e
os média devem, ética e (incluindo erros que de facto cometeu) para a prática de desporto por jovens; ou
deontologicamente, tratar desgastado, aproveitou o pretexto para a promessa de construção de uma nova
as escutas telefónicas, se ir embora. O que não é verdade. Ou estrada num concelho que aceita nele seja
“repudiando” a forma como dissesse que a investigação recaindo sobre feita a exploração de lítio. E muito mais
alguns o têm feito. alguns dos seus mais próximos, dada a sua haveria a acrescentar... visao@visao.pt
APOIO AO CLIENTE/ASSINANTE
apoiocliente@trustinnews.pt LISBON
Estatuto editorial disponível em www.visao.pt
MARRIOT
HOTEL
A Trust in News não é responsável pelo conteúdo dos anúncios
nem pela exatidão das características e propriedade dos produtos
e/ou bens anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a
realidade, são da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes
e agências ou empresas publicitárias. Interdita a reprodução, mesmo BRUNCH
parcial de textos, fotografias ou ilustrações sob qualquer meios,
e para quaisquer fins, inclusive comerciais. O Lisbon Marriott
Hotel, localizado na
Av.dos Combatentes,
ASSINATURAS acaba de lançar
Ligue já
brunches exclusivos
21 870 50 50 para degustar com a
Dias úteis – 9h às 19h
família, amigos ou numa
reunião profissional.
POR
Marshmello
Joana
Marques e os caramelos
— Humorista
da Web Summit
ELEFANTE NA SALA
E
, ao fim de oito edi- validado, desde que apresentado activistas Mike Bonanno e Andy
ções, aconteceu! Foi nos termos certos: criptomoeda, Bichlbaum fizeram-se passar por
apresentado na Web metaverso, pitch, e outros con- famoso DJ e executivo da Adidas
Summit um projec- ceitos que nos soam sofisticados com o intuito de alertar para o
to verdadeiramente ainda que não saibamos bem o desrespeito dos direitos laborais
revolucionário: o teletranspor- que são. A própria Web Summit em grandes organizações, mas
te. Só isso tornou possível que é um desses conceitos: todos isto serve também para lembrar
Marshmello, DJ norte-america- sabemos que é uma cimeira os perigos da Internet. Se a CEO
no, tenha viajado de Las Vegas, tecnológica, mas ninguém sabe de um gigantesco evento acre-
onde actuou a 15 de Novembro, para que serve. Os anos vão ditou que estava a contratar um
para o Parque das Nações, onde passando e aquilo que acontece artista internacional, como é que
discursou a 15 de Novembro, dentro da Web Summit perma- uma senhora aposentada não se
tudo isto no espaço de uma nece tão misterioso como o que há-de apaixonar por um homem
hora. Esta, sim, é a inovação que se passa na casa de banho das que diz ser ex-sargento na Síria
todos aguardávamos com ansie- mulheres. Só sabemos que há e precisar urgentemente de cinco
dade. E é melhor sentarmo-nos, muita conversa e que demora mil euros?! Em ambos os casos
porque a espera vai continuar. uma eternidade. A Web Summit o esquema é igual: de um lado,
O DJ que se apresentou em parece o cenário de uma me- uma pessoa que esconde a sua
Lisboa era falso, os visitantes gaprodução de Hollywood, em verdadeira identidade, do outro,
da Web Summit pagaram um que metade dos figurantes tem alguém que quer muito apai-
balúrdio para entrar, e depois de andar de um lado para xonar-se: seja por um militar
em vez de Smarties serviram- o outro com o ar preocupado de enxuto, seja pela ideia de que
-lhes Pintarolas. O pretenso quem tem uma startup e a outra tudo o que é digital é sinónimo
DJ fez-se acompanhar por um, metade tem de circular com o de progresso. Não estranhem,
também falso, executivo da Adi- ar ocupado de quem é investi- portanto, se para o ano figu-
das, que apresentou o adiVerse, dor. Depois há meia dúzia que rar na lista de oradores da Web
um dispositivo implantado nos de facto esbarram uns com os Summit o príncipe da Nigéria,
colaboradores da empresa, para outros e se apaixonam, tornan- esse grande empreendedor, que
controlar e rastrear o traba- do-se assim os protagonistas já facturou biliões de dólares
lho, e gerar uma moeda virtual, desta comédia romântica patro- graças às novas tecnologias.
a adiCoin, que permitira que cinada por Carlos Moedas. Os visao@visao.pt
mesmo aqueles funcionários
que não conseguem pagar uma
refeição diária passassem a viver
vidas gratificantes, sem dinheiro
físico. No final, o artista can-
tou, com uma voz diferente da
habitual, e todos os caramelos
presentes aplaudiram, provando
que qualquer esquema de escra-
vatura contemporânea pode ser