A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.

PT

NATUREZA POLÍTICA
A FAUNA FRANCISCO
ENCANTADA ASSIS
DO GERÊS E MARQUES
MENDES
OPINIÃO PEDEM
A BUSCA DA DIÁLOGO
IDENTIDADE, AO CENTRO
N.º 1564 . 23/2 A 1/3/2023

SEGUNDO
YUVAL NOAH
HARARI

LONDRES
Preço €8 426
médio de
venda por
m2 BRUXELAS BARCELONA
€3 869 €6 251
PORTO
€2 753

ROMA
€3 208

PARIS
€13 352 MADRID
€5 037
LISBOA
€4 715

ESTUDO COMPARATIVO COM AS PRINCIPAIS CIDADES

PREÇO DAS CASAS

EM PORTUGAL
AO NÍVEL DA EUROPA
Lisboa é mais cara do que Roma e Bruxelas. Um apartamento
no Porto custa tanto como em Dublin
O ARRENDAMENTO COMPULSIVO DE CASAS DEVOLUTAS É CONSTITUCIONAL?
A opinião dos constitucionalistas João Miranda (sim) e Paulo Otero (não)
 VISÃO
23 FEVEREIRO 2023 --- Nº 1564
ENTREVISTA
Joana Brandão ...............10

RADAR
A semana
em 7 pontos
Estado a mais, eficiência
a menos ............................. 14
Holofote
Carlos Cortes, o novo
bastonário ........................ 16
Raio-X
Companhias petrolíferas
faturam como nunca ... 17
Periscópio
Habitação: Bem me quer,
mal me quer .................... 19
Próximos capítulos
O poder da Nigéria ...... 20
Fotos com História
Olof Palme, crime sem
castigo............................... 23
Transições
João Salgueiro, um dos
últimos senadores........ 24
Na primeira pessoa
“Ali, não somos só
guardas” ........................... 26
Imagens
Riso e lágrimas .............. 28
FOCAR
Prigozhin: Marioneta ou
ameaça?............................ 70
Adeus cargo, olá
competências .................. 74
Vaguear faz bem ............78
Interdita a reprodução,
mesmo parcial, de textos,
fotografias ou ilustrações
sob quaisquer meios,
e para quaisquer fins,
inclusive comerciais.
VISÃO SETE
Parque de Serralves
celebra 100 anos ........... 82
Patrick Deville: O
fantasma do futuro...... 92
38 Graus Studio: Verão o
ano inteiro ...................... 97
Kaigi, o novo japonês do
Porto ................................. 99
Televisão: o regresso de
“The Mandalorian” ... 100
O “exército-sombra” do ex-juiz negacionista ..... 38
Lidera um movimento seguido por vários tipos de extremistas. Casa das Arribas: Raul
Autoridades vigiam as suas ramificações internacionais e ligações Lino à beira-mar ........ 102
perigosas. O que anda a fazer Rui Fonseca e Castro, o ex-juiz
negacionista? OPINIÃO
Dulce Maria Cardoso
Mariana Mortágua, a hora da “ministra” . . . . . . . . . . . . . . 30 Imortal ................................6
Com a saída de Catarina Martins, a estrutura do Bloco de Esquerda Rui Tavares Guedes
movimenta-se para eleger Mariana Mortágua. A hora é da mulher que, Regresso do Estado à
um dia, Francisco Louçã apontou como futura ministra das Finanças casa de partida..................8
Pedro Marques Lopes
Os moderados Assis e Marques Mendes . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 4 A “Cosa” deles ................. 18
“Faz falta mais diálogo, mais ambição e mais competência”, concordam
estas figuras políticas do PS e do PSD. Francisco Assis e Marques Mendes Bernardo Pires de
estiveram à conversa na conferência anual da Exame Lima
Novos tempos?.............. 22
A vida secreta dos animais do Gerês ...................... 50 Yuval Noah Harari
Quase um milhão de imagens e mais de 14 mil observações depois, os A busca perigosa da
primeiros resultados de um estudo de monitorização a longo prazo dos identidade ....................... 76
mamíferos no Parque Nacional da Peneda-Gerês trazem várias surpresas Filipe Luís
O partido Peter Pan e o
Imobiliário: Somos dos mais caros da Europa?. . . 5 6 capitão Gancho .............80
É comum dizer-se que, ao nível de preços, Lisboa e Porto ainda têm Joana Marques
muito que evoluir. Mas, no valor das casas, Lisboa já é mais cara do Fogos habitacionais para
que Bruxelas e Roma; o Porto está ao nível de Dublin. Dossier VISÃO apagar ............................. 106
Imobiliário

w w w.visao.pt
ONLINE Adão Carvalho Bruno de Carvalho Matos Luís Delgado
BOLSA IMOBILIÁRIO LINHAS DIREITAS
Últimos DE ESPECIALISTAS A ocorrência de um sismo Biden no sítio certo!
artigos Dar voz às vítimas catastrófico equiparável ao
no site da de abusos sexuais de 1755 é provável, só não se
VISÃO sabe quando

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 3

---------- L I N H A D I R E TA

– CORREIO D O LEI TOR

Subscreva
as nossas
newsletters
A melhor informação,
gratuitamente, na sua
caixa do correio.
www.visão.pt

ANTEVISÃO
VISÃO SETE
VISÃO PLUS A VISÃO mostra
VISÃO VERDE imagens diferentes das
pessoas mais velhas,
que não são apenas
as que aparecem
a jogar cartas nos
O (alto) preço a pagar Nas bancas
lares ou nos jardins.
Na aposentação, há
por uma casa europeia mais tempo para a
vida pessoal, para

T
o apoio familiar e
em sido o tema da semana e andam aqui muitas para a participação
paixões à mistura. A habitação, que tinha tudo socialmente útil.
para ser algo tão básico como “todos precisamos – Luís Noronha S. Miguel, Açores
de um teto senão não conseguimos viver de
forma digna”, nada tem de simples e acaba por levantar SEENAGERS
questões ideológicas que há muito não se viam. Vem daí Dei comigo a pensar que
o PREC para acabar com a propriedade privada, por um estou muito contente por não
lado; ali estão os proprietários sovinas do grande capital, fazer parte desses “antive-
ANIMAÇÃO
que querem as casas só para eles, mesmo que estejam lhos”. Daqui a quatro meses,
EM PORTUGAL
ao abandono. E nesta polarização perde-se muito foco 68 anos continuam a ser um
Um século de história
– além de, e sobretudo, grande parte da eficácia para estímulo para não parar. O
resolver problemas. ritmo intenso de trabalho que
A contribuição que aqui lhe trazemos, caro leitor, é me imponho, conjugado com
a informação mais aprofundada, para lá destas paixões os tempos de lazer, é sobeja
da espuma dos dias que se espraia nas redes sociais. razão de satisfação.
Um trabalho meticuloso de análise de dados, no nosso – Carlos Peixoto
caderno de imobiliário, sempre presente na última INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
semana do mês, mostra-nos como estão os preços da A Inteligência Artificial [V1562]
habitação em mais de três dezenas de cidades europeias. liberta os humanos de tarefas
Falamos de valores de compra e de arrendamento. funcionais! E liberta-os de
Percebemos, assim, que Lisboa e Porto ainda não estão decidir, criar e recriar?... O
nos níveis estratosféricos de uma Paris ou de uma grande e visionário Stephen
Londres, valha-nos isso, mas há surpresas. Lisboa já é INIMIGOS DA SAÚDE Hawking alertou para o pos-
mais cara do que Bruxelas e Roma, em construção nova. Como combatê-los sível monstro por detrás da
Porto está ao nível de Dublin, por exemplo. Escusado maravilha!
será dizer que continuamos a não ter os salários destes – António Dias Lisboa
países. --------
Mas talvez o dado mais perturbador seja o do top 10 Contactos
das cidades cujo nível de preços na habitação se encontra visao@visao.pt
As cartas devem ter um máximo
mais afastado do nível do próprio país. E, aí, na Europa, de 60 palavras e conter nome,
não há como bater Lisboa. Custa muito menos a um morada e telefone. A revista
habitante de Manchester mudar-se para Londres do que reserva-se o direito
um de Coimbra ir viver para a capital. O Porto também de selecionar os trechos que
está neste embaraçoso ranking. considerar mais importantes.
Outro aspeto muito interessante deste nosso caderno Morada
imobiliário é a comparação de preços que fazemos, CORREIO: Rua da Fonte da
INÊS MENESES
bairro a bairro, entre as duas principais cidades A fabulosa Caspolima – Quinta da Fonte,
portuguesas e espanholas. Vamos dissecar Lisboa, Porto, perguntadora
Edifício Fernão Magalhães, 8,
Madrid e Barcelona e perceber que, talvez, ali ao lado, 2770-190 Paço de Arcos
não se esteja assim tão mal. Talvez. visao@visao.pt

4 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

AUTOBIOGRAFIA
NÃO AUTORIZADA

Imortal
Dulce
Maria

E
Cardoso ntro no carro, arranco como se
estivesse a fugir. Não levo nada
comigo, mas tenho a certeza de
que se me abeirasse de um balcão
de embarque do aeroporto, de
um terminal de comboios ou de autocarros
de longo curso, ficaria retida por excesso
de bagagem: levo-me. Não é possível seguir
viagem com este peso que desabou sobre
mim. Quando fico fechada por um tal céu
de tempestade, as pernas inquietas e as cri-
ses de pânico insistem em querer levar-me
— Escritora
daqui. Contudo, não tenho como partir. En-
tro no carro, arranco apressada. Sozinha.
É o carro quem me conduz, se bem que
eu já saiba para onde me leva. Ao mar do
Guincho. Aí, mesmo que aquietados, ar e
mar nunca enganam, a paz é só um balanço
sonso entre o arrepio das guerras. Estacio-
nada de frente para o horizonte, continuo
ao volante. Pouco tempo depois, a porta do
outro lado abre-se. Ele senta-se no lugar do
morto.
‒ Não tem piada.
‒ O que é que não tem piada?
Não sei se dissemos isto logo que ele
entrou, se apenas o pensámos, qual de nós
disse o quê, não sei a que nos referíamos.
‒ Precisava tanto de voltar a ver-te. Não
ando bem.
Encosto-me a ele. Reconheço, refletido
no para-brisas, o abraço que damos numa
das últimas fotografias que tenho do meu
pai.
‒ O que é que se passa, Dulcinha?
Nessa fotografia estamos abraçados no
sofá, ainda vestidos com os casacos da rua,
o casaco azul-escuro dele e o meu azul-pe-
tróleo. O meu pai parece muito mais velho
O meu pai do que era, a bengala na mão esquerda, os
doente foi olhos claros assustados com o abismo que
a passagem do tempo cavava, veloz, à sua
substancial- frente. Eu aninhada nele, como se fosse
mente dife- possível tirar a fotografia certa na ida-
de errada. Em criança, nunca tive o corpo
rente do meu do meu pai assim tão confortavelmente
pai saudável. próximo do meu. A sua ideia de serieda-
era prazerosa. Nos seus últimos anos, ele
mudou. Todos aqueles que nascem têm
dupla cidadania, no reino dos sãos e no
reino dos doentes, escreveu Susan Son-
tag. O mais assustador é que não somos os
mesmos num reino e no outro. O meu pai
doente foi substancialmente diferente do
meu pai saudável. O meu pai saudável não
permitia que eu me abraçasse a ele. Dupla
cidadania. Dupla, não, tripla. Todos aqueles
que nascem têm tripla cidadania, digo eu.
Porque há também o reino dos mortos. De
onde, afinal, podemos voltar. São os outros
que nos inventam dúplices. Tríplices. Cada
um de nós é sempre o mesmo. Ou vai sendo
sempre outro e mais outro, centúplice.
‒ Às vezes, a consciência da inutilidade
de tudo isto torna-se tão aguda que parece
impossível avançar sem ser trespassada.
‒ Brutidades.
Era o que o meu pai dizia quando não
concordava. Para além dele, nunca ouvi
ninguém dizer tal palavra. Li-a no dicioná-
rio, quando quis confirmar a sua inexistên-
cia, julgando-a um testemunho da pouca
instrução do meu pai. Aqui fica a palavra,
agora: brutidades.
‒ Às vezes apetece-me desistir.
Vencer na vida. O meu pai estava con-
vencido de que se nasce para vencer na
vida, Tens de vencer na vida, repetia-me
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO

O meu pai de sempre lhe exigiu uma compostura que

censurava manifestações de afeto, garga-
saudável não lhadas, hesitações, medos, falhanços. Mas
permitia que chamava-me Bebé. E, mais tarde, Dulcinha.
‒ O que se passa, Dulcinha?
eu me abra- O meu pai não tinha um feitio fá-
çasse a ele cil. A nossa convivência nem sempre me
amiúde. O meu pai venceu na vida. Apesar
de tudo. Conseguiu moldar a sua existência
à sua vontade ou vice-versa. E nisso foi fe-
liz. Gostou de viver. Apesar de tudo. É fácil
amar vencedores. De forma absoluta ou à
sua maneira, o meu pai venceu. Ainda que
muitas, terríficas, vezes tenha sido derrota-

6 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

do. As suas derrotas em nada beliscaram o
meu amor.
‒ Desistir do quê? De quem?
‒ É isso, é precisamente isso que me
segura: o ridículo de não saber responder a
essas perguntas.
Nascido numa aldeia transmontana de
uma família entregue à pobreza, à falta de
instrução, à violência, o meu pai conseguiu
descobrir nele o desejo e a força para criar
uma família protegida desses e doutros
males. Foi o primeiro feminista que conhe-
ci, ao dizer-me, ainda eu não tinha entra-
do para a escola, que eu tinha de estudar
porque não podia depender de um homem
nem de ninguém. Também foi o primei-
ro machista que conheci, ao impor-me o
comportamento que considerava que uma
rapariga deve ter. Com revolta e mágoa, não
deixei de o amar nas suas torpezas e ambi-
guidades.
E depois houve a doença dele, as doenças
dele. Sei agora que passei pelas doenças do
meu pai com a insensatez de quem deci-
de avançar descalço pela areia, quando não
se avista mar e tudo é já só deserto. Nunca
aceitei que o meu pai estava a morrer.
‒ A morte é injusta.
O homem forte, corajoso, voluntario-
so, que toda a vida conheci, não podia ser
aquele doente que mirrava como um balão
esquecido no salão da festa de aniversário
de uma criança.
‒ Por causa disso a vida devia dispensar
injustiças.
Quando morreu, o meu pai tinha 73 anos
e eu 37. Os números parecem brincar com
os avessos que nos uniram ou com as se-
melhanças que nos separaram. O amor do
‒ Mesmo esta nossa conversa: não sei se
faz sentido, se vale a pena continuar. meu pai
‒ Não sabes se vale a pena continuares é imortal.
esta nossa conversa? Sou apenas o que es-
creves, não sou o teu pai.
Consegue
‒ Não me magoes, ando triste. E não é limpar-me
verdade o que dizes, és o meu pai. Se sobra das vilezas do
só isto, a culpa é da imperfeição destes
instrumentozinhos que temos para tratar o mundo. Re-
amor. Culpa minha, também. gresso a casa.
‒ Referes-te às palavras escritas? O amor
não é mais do que uma construção da me-
À vida
mória.
‒ Refiro-me às palavras ditas, também.
Não me fales como se não fosses tu, não
deixes que o meu pai vá embora de ti, não
me deixes a falar sozinha.
‒ Brutidades.
De repente, caminhamos os dois à bei-
ra-mar.
‒ Não tem piada.
‒ O que é que não tem piada?
‒ Teres morrido.
‒ Pelo menos agora podemos caminhar
assim, juntos.
‒ Pois é, não gostavas de andar na areia
por causa do teu joelho avariado. Mas vi-
nhas quase todos os dias ver o mar. A volta
que aqui me trouxe é a tua volta, a volta do
Guincho.
Rasteiras, as ondas engolem as pegadas
do meu pai. A maré está a subir. Mais umas
ondas e também as minhas desaparecerão.
O amor do meu pai é imortal. Consegue
limpar-me das vilezas do mundo. Regresso
a casa. À vida. Continuo, ainda.
visao@visao.pt
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 7
 E D I TO R I A L
Regresso do Estado à casa
de partida
O
Rui problema da falta de habitação, a
Tavares preços suportáveis pelas famílias,
nunca será resolvido pelo mer-
Guedes cado imobiliário. A solução para
essa crise gritante é da compe-
tência do Estado, a quem cabe a obrigação de
garantir o direito à habitação para todos. Esta
não é, ressalve-se, uma afirmação de cariz
ideológico. Trata-se somente da constatação
de uma realidade, cada vez mais transver-
sal e crescente nos países desenvolvidos. Em
toda a Europa assiste-se, nos últimos anos, ao
regresso cada vez maior do papel do Estado,
quer através dos governos centrais quer dos
locais, na regulação e controlo do mercado
— Diretor-executivo
de habitação. E isso ocorre, em simultâneo,
tanto nos países com governos socialistas ou
social-democratas, como nos conservado-
res, democrata-cristãos ou até onde qualquer
um deles está em coligação com os liberais –
como acontece, no último caso, na Alemanha,
onde o executivo “arco-íris” de Berlim (socia-
listas, liberais e Verdes) pretende construir 400
mil casas até 2026, num projeto de 14,5 mil
milhões de euros, como forma de tentar mini-
mizar o problema.
Na Europa, tanto nos governos de esquerda
como nos de direita, percebe-se que cresce a
necessidade de intervir mais diretamente no
mercado da habitação. E o que isto significa,
na prática, é o assumir de um erro generaliza-
do e cujos custos estão agora a ser pagos pelas
gerações mais jovens, que se veem impedi-
das de alcançar o direito básico à habitação: a
convicção de que o mercado iria resolver tudo,
e que o Estado só teria de se preocupar com as
casas para os mais desfavorecidos ou carencia-
dos. Não foi isso que aconteceu. E os resulta-
dos estão à vista: atualmente, na maior parte
As medidas das principais cidades europeias, tornou-se
quase impossível o acesso à habitação por par-
previstas no te das gerações mais jovens, de classe média
programa e em início de vida profissional. Não é só em
Mais Lisboa ou no Porto que soam os alarmes – eles
ecoam também, e por vezes de forma ainda
Habitação mais sonora e com medidas mais radicais, em
são apenas Amesterdão, Berlim, Copenhaga ou Dublin. E,
cada vez mais, é dado o exemplo de Viena, a
uma espécie capital austríaca considerada nos estudos mais
de resumo de recentes como a melhor cidade para se viver
tudo aquilo e onde 80% dos seus 1,7 milhões de habitan-
tes residem em casas arrendadas, a preços
que já está a controlados e que não ultrapassam os 25% do
ser tentado rendimento de cada família. E onde, eliminado
o estigma da “habitação social”, o governo local
por essa e as cooperativas de habitação são os maiores
Europa fora senhorios.
8 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Se olharmos com um mínimo de atenção,
percebe-se que o pacote de apoio à habitação
apresentado na última semana por António
Costa não tem, propriamente, uma inovação
genial, daquelas capazes de fazer com que o
resto do mundo olhasse para nós com espanto
e curiosidade. Apesar do alarido e de diversas
indignações, as medidas previstas no progra-
ma Mais Habitação, das mais aplaudidas às
mais polémicas, são apenas uma espécie de
resumo de tudo aquilo que já está a ser tenta-
do por essa Europa fora ou, em alguns casos
excecionais, estão em vigor há anos. A grande
diferença é que há demasiado tempo que não
se fazia nada em Portugal e agora parece que
o plano é o de querer fazer tudo de uma vez
– felizmente, a discussão pública que agora
se iniciou vai permitir tornar as opções mais
claras, atirar algumas medidas para o caixote
do lixo e quantificar o verdadeiro alcance de
todas as outras.
Como acontece com cada vez maior fre-
quência nestes tempos de crescente polariza-
ção, corre-se o risco de o debate ficar centrado
nos pormenores ou nas propostas que, pelos
seus contornos, mais estimulam o debate
ideológico, por configurarem maiores dúvidas
na relação entre o Estado e a propriedade
privada. É o caso da ideia do arrendamen-
to compulsivo de casas vazias, proposto pelo
Governo e que tanta celeuma tem causado.
Mais uma vez, no entanto, não se trata de
uma ideia inovadora: não só já foi tentada
em Lisboa, sem êxito, como está em vigor
na Dinamarca – onde, ao fim de apenas seis
semanas, os proprietários têm de comunicar à
autarquia que a sua casa está vazia e, portan-
to, disponível para arrendar – e também faz
parte das medidas atualmente em estudo pelo
governo irlandês, tantas vezes elogiado como
um arauto do liberalismo, mas que tem a sua
sobrevivência em risco, nas próximas eleições,
por causa precisamente da crise na habitação,
entre os jovens.
Não adianta discutir se há muito ou pouco
Estado nesta questão. É preciso ter a humilda-
de de reconhecer que o problema só se resolve
através da intervenção do Estado – de prefe-
rência em colaboração com o resto da socieda-
de, estimulando parcerias com o setor privado,
mas definindo também regras rígidas – dra-
conianas, caso seja necessário – para impedir
os abusos e a ganância desenfreada. Para haver
mais casas, é necessário que o Estado regresse
à casa... de partida: com regras, planos e estí-
mulos. E depois, a partir, daí, deixar a socieda-
de funcionar e organizar-se. rguedes@visao.pt
 + + + +

+ + + +

É PRECISO
TER VISÃO + + + +

+ + + +

Acesso ilimitado
aos conteúdos exclusivos,
no site VISÃO

App mais completa com

podcasts, newsletters
diárias, alertas noticiosos

Acesso ao arquivo digital

Edição impressa todas

as semanas em sua casa
Campanha válida até 31/12/2023, na versão digital, salvo erro de digitação. Consulte todas as opções em loja.trustinnews.pt

Cancele quando quiser

ASSINAR:
+

Assine a VISÃO e apoie o jornalismo de qualidade

+

D I G I TA L 1 MÊS €16 €6,90

+

APROVEITE OS BENEFÍCIOS FISCAIS E RECUPERE PARTE DO IVA DA SUA ASSINATURA

+

Aceda a loja.trustinnews.pt ou ligue 21 870 50 50

Dias úteis das 9h às 19h. Custo de chamada para a rede fixa, de acordo com o seu tarifário.
+

Indique o código promocional COCDM

+

+
Joana Brandão Diretora nacional da Portugal com ACNUR

É importante abrir as
fronteiras da Europa. Os
refugiados não escolhem fugir.
Querem trabalhar, querem um
futuro e têm o mesmo valor que
nós. Não podemos querer viver
em condomínios fechados
— P O R R U I AN T U N ES T E X TO E LU Í S BARR A FOTO
 J
Joana Brandão, 45 anos, foi escolhida
pelo Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (ACNUR),
com sede em Genebra, Suíça, para
liderar a estratégia de comunicação e
de angariação de fundos em Portu-
gal. Depois de 17 anos de experiência
acumulada, em funções idênticas, nas
ONG Aldeias de Crianças SOS e Am-
nistia Internacional, estreou-se em
2021 no novo cargo, enquadrado na
estratégia global do ACNUR para dar
a conhecer as missões da organização
no mundo. Avançou com o registo le-
gal, formou equipa e, em novembro, a
Portugal com ACNUR – uma réplica
de organizações já estabelecidas em 11
países – passou a contar com o esta-
tuto de utilidade pública, fundamen-
tal para conceder benefícios fiscais
aos doadores da causa. Natural de
Santarém e formada em Psicologia,
Joana diz ter-se “ligado ao mundo”
em voluntariados em Cabo Verde e na
Argentina. Um mundo que, na última
década, duplicou o número de re-
fugiados. É disso que falamos, agora
que se completa um ano da guerra na
Ucrânia, responsável por oito milhões
desses refugiados, além de mais 5,3
milhões de deslocados internos.
Na Ucrânia, os refugiados repre-
sentam 30% dos habitantes, antes
de 24 de fevereiro de 2022, sendo
que muitos já conseguiram regres-
sar. Qual é o ponto de situação ao
fim de um ano de conflito?
É chocante. Falamos de um país que
tinha 43 milhões de habitantes e nes-
te momento tem 35 milhões. Metade
destes, 17,6 milhões, precisa de ajuda
urgente, incluindo cerca de 4,4 mi-
lhões de pessoas que entretanto re-
gressaram. Uma das grandes preocu-
pações do ACNUR, neste momento,
é o frio. Estas pessoas enfrentam não
só a subida dos preços, mas também
muitos cortes de eletricidade. Duran-
te o dia, podem ter temperaturas de
menos 20 graus e, quando há falhas
de energia, numa hora a casa fica
completamente congelada. Há relatos
de crianças com as pernas a gelar e
que não conseguem dormir. São si-
tuações gravíssimas. Há pessoas que
ficaram sem janelas, outras vivem em
abrigos frágeis e temporários.
Qual tem sido a ação do ACNUR
no terreno?
O ACNUR está na Ucrânia desde
1994. Porque os conflitos não surgi-
ram agora, embora não tivessem esta
dimensão. Há mais de 100 funcio-
nários no país. No escritório de Kiev,
também existe uma cave, um abrigo
onde se trabalha quando soam os
alarmes de ataques aéreos. O ACNUR
atua não só a nível de emergência, ou
seja, a salvar vidas e a dar bens essen-
ciais às pessoas no momento em que
as emergências surgem, como está a
acontecer, também, na Turquia e na
Síria, na sequência do terramoto. O
ACNUR consegue montar uma res-
posta em 72 horas e apoiar cerca de
600 mil pessoas. Assim o fez na atual
operação na Ucrânia e nos países vi-
zinhos, juntamente com outros par-
ceiros. Até hoje, o ACNUR já ajudou
4,3 milhões de pessoas.
A missão na Ucrânia está mais
vocacionada para a ajuda cirúrgica,
do bem de primeira necessidade,
ou prolongada no tempo?
Falamos de ajuda monetária, por
exemplo, que é algo que muitas vezes
se esquece e que é essencial. As pes-
soas ficaram sem nada e precisam de
dinheiro para ir a um supermercado,
para pagarem despesas básicas, para
conseguirem refazer a vida. Falamos
sobretudo de abrigo, numa primeira
instância, de cobertores, colchões,
roupa de inverno, comida, cuidados
de saúde, apoio legal e psicossocial.
Mas também se trabalha muito em
soluções duradouras. O plano para
este ano já está definido e a ser pre-
parado com o governo, assim como
há programas de acompanhamento
aos refugiados que fugiram para ou-
tros países. Existe um esforço de arti-
culação muito grande com os gover-
nos para sensibilizar os atores locais
e nacionais para acolher pessoas e
proporcionar-lhes oportunidades de
integração a nível social e económico.
Se ainda há respostas de emergência,
é porque infelizmente todos os dias
há bombardeamentos e novas zonas
a serem bombardeadas.
O que envolve de novo o plano para
2023?
Uma das ações planeadas, em par-
ceria com o governo da Ucrânia,
chama-se Home. O objetivo é criar
soluções de habitação para quem re-
gressou e para quem ficou com a casa
danificada.
Que bens materiais fazem mais
falta neste momento?
Mais do que bens, precisamos de
dinheiro. É preciso assumir isto. É
importantíssimo para o ACNUR ter
apoio financeiro. No ano passado,
atingimos um número recorde de
pessoas forçadas a fugir. Falamos de
uma em cada 77 pessoas. O ACNUR
precisa de parceiros para conseguir
responder a tantas pessoas. Portan-
to, é essencial que possam confiar no
ACNUR para dar essa resposta no
local. Na Ucrânia, é agora necessá-
rio colocar janelas, reparar telhados,
disponibilizar geradores em cida-
des onde as pessoas passam frio.
Num primeiro momento, instância,
falamos sempre em itens básicos de
socorro, como água, cobertores ou
roupa quente, mas a felicidade que
uma janela traz a uma família, quan-
do a temperatura marca menos 20
graus, é total.
Perante a maior vaga de refugiados
desde a II Guerra Mundial, uma só
organização não consegue acudir
a todos. Como se escolhe a quem
ajudar?
Um dos critérios é a vulnerabilida-
de das pessoas. Na perspetiva do
ACNUR, é atuar junto das pessoas
deslocadas e refugiadas, mas num
momento de guerra tem muito que
ver com a resposta que é montada de
imediato com as autoridades, quando
é possível, e com as ONG e outros
parceiros. É uma ajuda não discri-
minatória, na tentativa de ajudar o
maior número de pessoas.
A Europa respondeu bem
às necessidades humanitárias?
Por um lado, sim. É importante ver
que os países se mobilizaram rapi-
damente e que as pessoas também
quiseram ajudar. Do nosso lado, a
generosidade das pessoas e das em-
presas foi incrível. Se era possível ter
sido feito mais, quer na Ucrânia quer
noutras emergências, às vezes mais
invisíveis, é sempre. Porque existe al-
gum ódio e xenofobia que bloqueiam
um pouco estes processos de inte-
gração. Mas, para esta emergência,
houve uma abertura muito grande na
Europa.
A ativação da diretiva europeia
da proteção temporária atenuou
as consequências para estes
refugiados?
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 11
Simplifica a integração das pes-
soas, acelera os processos. Falamos
sobretudo de mulheres e crianças.
80% das pessoas forçadas a fugir
no mundo são mulheres e crianças.
A prioridade é voltarem para casa,
mas entretanto precisam de um
sítio onde viver, de voltar a colocar
os filhos na escola, de encontrar um
emprego.
Como avalia a resposta de Portugal?
Portugal acompanha as necessida-
des identificadas pelo ACNUR para a
integração dos refugiados. Recebeu
mais de 50 mil pessoas da Ucrânia,
conhecemos várias que colocaram
as crianças na escola e conseguiram
restabelecer a sua vida profissio-
nal. Sabemos que pode ser sempre
melhor, mas neste caso houve uma
abertura positiva.
Antes da guerra, Portugal tinha
acolhido apenas 0,1% do total de 2,7
milhões de refugiados na Europa.
É pouco?
Na minha perspetiva, é pouco, e por
isso é que é preciso sensibilizar e
pedir às pessoas que se coloquem
no lugar do outro. Por isso é que é
preciso ensinar a uma criança o que
é um refugiado e o direito humano
ao asilo. É este o caminho para um
dia conseguirmos ter políticas mais
inclusivas, e é nesse sentido que tra-
balhamos.
O que está a querer dizer é que, se
a sociedade assim o exigir, as deci-
sões políticas irão nessa direção?
Completamente. As autoridades
representam a sociedade. Hoje te-
mos redes sociais que alimentam
os discursos de ódio e não ajudam
à inclusão das pessoas. A xenofobia
é uma ameaça, mas acredito que, ao
fornecermos informação credível,
adequada às várias faixas etárias,
podemos construir um olhar mais
empático e levar a uma reflexão de
que isto também nos pode acontecer
a nós. Estamos todos em pé de igual-
dade nesta matéria.
Nos últimos 10 anos, o número de
deslocados e refugiados duplicou,
de 51 milhões para 103 milhões, no
fim do primeiro semestre de 2022…
... E depois de junho, só nas tem-
pestades do Paquistão deslocaram-
-se mais oito milhões de pessoas.
Portanto, quando saírem os dados de
dezembro, serão muitos mais.
O mundo está a ficar um lugar
pior?
Não quero acreditar nisso. Com as
12 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Mais do que
bens, precisamos
de dinheiro
na Ucrânia.
A felicidade
que uma janela
traz a uma
família, quando
a temperatura
marca menos
20 graus, é total’’
lições que aprendemos no passado, já
devia ser um lugar melhor. Mas sem
dúvida que para estas pessoas é um
lugar pior. E não podemos esquecer a
questão climática.
Até ao fim do século XXI, as esti-
mativas apontam para mais 250 a
400 milhões de deslocados, só por
causa da subida do nível do mar.
Sim, e podemos acrescentar outras
consequências das alterações climá-
ticas, como incêndios, tempestades,
falta de água. Em 2021, fugiram 21
milhões de pessoas só por causa do
clima. Na Somália e no Quénia, onde
o ACNUR tem acampamentos, há
populações que deixaram de ter água
para regar ou para os animais. São
pessoas que têm de pegar nos filhos e
fugir, muitas vezes a pé, porque não
há condições básicas para viver. Não
é por haver um conflito, nem por
serem perseguidas, nem por qualquer
ameaça política; é porque o clima
não permite a sobrevivência. E isto é
assustador.
Sempre houve movimentos de pes-
soas em busca de terra fértil, mas
hoje é quase consensual que o nos-
so modo de vida está a contribuir
para o aumento da temperatura do
planeta e a agravar as condições de
vida em certas regiões.
Na última cimeira do clima, o al-
to-comissário do ACNUR, Filippo
Grandi, chamou a atenção para o
facto de que as pessoas que menos
contribuem para a crise climática se-
rem as mais afetadas. Falta uma visão
política global para os próximos 50
ou 100 anos.
África continua a ser um continen-
te esquecido?
Os programas do ACNUR em África,
de uma maneira geral, estão subfi-
nanciados. Os campos de refugiados
estão lá, tanto que, em média, uma
pessoa vive neles durante 17 anos. A
habitação, a água, a educação, a vida
de milhões de pessoas depende do
ACNUR, e é preciso centrar o foco
nesses países mais esquecidos. Estão
longe e têm menos impacto, mas são
pessoas como nós.
Qual a sua opinião sobre a forma
como a Europa lida com os refu-
giados que tentam atravessar o
Mediterrâneo?
É importante abrir as fronteiras, para
as pessoas entrarem. Cada vez há
menos fronteiras, estamos todos a
viver em todo o lado, seja porque so-
mos migrantes, seja porque fugimos.
Os refugiados não escolhem fugir.
Querem trabalhar, querem um futu-
ro e têm o mesmo valor que nós. Não
podemos querer viver em condomí-
nios fechados.
Há lugar para toda a gente
que queira vir para a Europa?
Idealmente, deve haver oportunida-
des por todo o mundo. Deve haver
conforto e estabilidade económica e
social em todos os continentes. Não
têm de ser condições iguais às da Eu-
ropa, mas podem ser ótimas.
Venezuela e Palestina são duas zo-
nas com crises de refugiados anti-
gas. Que comentário lhe merecem?
A única coisa que queria dizer é que,
tal como existe a emergência da
Ucrânia, existem essas emergências,
e não são menos importantes. Se o
nosso papel também é o de mobilizar
donativos, as pessoas não se devem
esquecer que também podem fazer a
diferença na Venezuela e na Palestina.
Para onde vai o dinheiro
dos donativos em Portugal?
Todos os donativos que seguem para
o ACNUR em Genebra são alocados à
missão definida pelos doadores, por
exemplo, para a emergência da Ucrâ-
nia ou para o terramoto da Turquia e
da Síria.
Qual o papel do Portugal
com ACNUR?
Somos um parceiro intermédio,
digamos assim, porque doando
em Portugal as pessoas recebem
informação em português e podem
deduzir fiscalmente nos seus im-
postos. Somos a agência das Nações
Unidas para os refugiados, e quem
puder deve ajudar de forma regular
ou pontual. rantunes@visao.pt
 últimos
dias
inscrições até
28 fev.

inovação em prevenção

3. edição

candidate a
sua empresa
A Ageas Seguros e a EXAME lançam a 3.ª edição
do Prémio Inovação em Prevenção.
Candidate a sua empresa e aproveite a oportunidade de
valorizar e ser premiado pelo que a sua empresa faz bem
na área da prevenção e segurança.

Inscrições até 28 de fevereiro

INSCREVA AQUI

visao.sapo.pt/premioprevencao

Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., Sede Praça Príncipe Perfeito 2, 1990-278 Lisboa. Matrícula / Pessoa Coletiva 503454109. CRC Porto.
Capital Social 7.500.000 Euros. Registo ASF 1129, www.asf.com.pt

Ageas Portugal - Companhia de Seguros de Vida, S.A., Sede Praça Príncipe Perfeito 2, 1990-278 Lisboa. Matrícula / Pessoa Coletiva 502220473.
CRC Lisboa. Capital Social 10.000.000 Euros. Registo ASF 1039, www.asf.com.pt

PUB. (02/2023). Não dispensa a consulta da informação e regulamento do Prémio Inovação em Prevenção, disponível em www.ageas.pt/premio-prevencao.

EM PARCERIA COM:
 RR A DA R
7PONTOS
DA SEMANA
Estado a mais, eficiência a menos
S
ó não vê quem não quer ver. O diag-
nóstico está feito e deu capa da VISÃO
em dezembro: existe uma grave crise
de habitação em Portugal. Em seis
anos, o custo das casas subiu mais
de 80%. Como contamos nesta semana, Lisboa
lidera o ranking das dez cidades europeias mais
caras em relação à média do seu país. Portugal
é, na Europa, uma das regiões em que o valor
do arrendamento mais aumentou desde 2015.
40% dos agregados habitacionais pagam rendas
entre €650 e €1 000 por mês. Cenário agravado
pelo facto de termos um dos mais baixos par-
ques públicos de habitação da Europa: apenas
2% do total, longe dos 5% que o Governo traçou
como meta para final desta legislatura e ainda
mais longe dos 8% da média europeia.
Tudo isto são tendências que já se agravam há
vários anos: não só o mercado sozinho não se
ajustou, nem se autorregulou, como a situação
se tem deteriorado. A oferta continuou baixa
(nos últimos cinco anos, por cada dez casas
vendidas construiu-se apenas uma), e a procu-
ra alta nas grandes cidades (com a ajuda extra
dos alojamentos locais, vistos Gold e nómadas
digitais). Tudo isto se traduz num esforço sig-
nificativo para as famílias – e não apenas as
M A FA L D A A N J O S *
mais carenciadas –, agravado pela inflação e o
aumento das taxas de juro, que contribuíram
para o desbaste das suas economias (taxa de
poupança em mínimos históricos).
Perante este cenário, é evidente que ao Gover-
no cabia agir. É o clássico caso de uma falha
de mercado em que uma intervenção estatal é
justificada – falha, aliás, que não é só nossa e
que levou muitos outros países a fazer o mes-
mo, perante problemas semelhantes. A questão
é que o mercado é intrincado e não se presta
a soluções fáceis, indolores e muito menos de
efeito imediato. E quando existem dois direitos
em conflito, que têm de ser articulados – o da
propriedade privada e o da habitação, ambos
consagrados na Constituição –, estamos tam-
bém perante um clássico terreno fértil para
profundo confronto ideológico.
O programa apresentado por António Costa e
pelos ministros da Habitação e das Finanças,
que estará por um mês em consulta pública,
tem pelo menos a benesse de querer ir à pro-
cura de respostas para os problemas concretos,
*Diretora com um pacote de medidas abrangentes. Há
manjos@visao.pt soluções interessantes e imediatas: o apoio ao
14 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
pagamento dos juros de crédito à habitação
das famílias com taxas de esforço elevadas e a
limitação das rendas para novos contratos, por
exemplo. Mas, no curto prazo, o pacote tem
mais de foguetório e de intenções do que de
medidas com efeito rápido na vida das pessoas.
E levanta inúmeras questões de princípio que
não são despiciendas.
Primeiro problema: há Estado a mais neste
plano (é senhorio, fiador, credor, intermediário,
cobrador, construtor), coisa que, imagine-se,
até Mariana Mortágua sublinhou. E muitas
destas medidas são de aplicação complexa e
exigem uma máquina pública eficiente, para
identificar, avaliar, processar e despachar as
situações previstas, com agilidade e sem fa-
vorecimentos, além de uma boa articulação
entre as autarquias e as instituições nacionais.
Com o histórico que conhecemos, tudo coisas
difíceis de acreditar...
Segundo problema: há ideias questionáveis, que
abrem ruturas profundas na sociedade portu-
guesa. A polémica medida do arrendamento
coercivo das casas devolutas é o exemplo mais
flagrante. Levanta questões de constitucionali-
dade, e a doutrina divide-se nas respostas, mui-
to conforme a sua orientação ideológica de base:
há quem sublinhe que a lei já prevê situações
em que o direito de propriedade cede perante
o fim social da habitação, ou do interesse co-
letivo em certas situações, e há quem veja uma
intromissão desproporcional e abusiva num
dos mais estruturantes direitos fundamentais
(ver Frente a frente, pág. 66).
Para mim, a maior dúvida é, além de consti-
tucional, sobretudo de ordem política. É uma
incongruência gritante ver um Estado – que
desvalorizou o problema, deixou crescer o
monstro, não construiu parque público durante
anos e nem sequer sabe que propriedades tem
a seu cargo ou consegue fazer o devido uso das
muitas centenas de imóveis que tutela – vir
tentar colmatar, agora, a situação com recurso a
bens dos privados. Se não consegue gerir o seu
património, como vamos acreditar que gerirá
melhor o alheio? Mais: esta medida tem uma
carga intrusiva que atenta contra a confiança no
Estado e que deixa marcas aos agentes priva-
dos. De aplicação dificílima, é sobretudo uma
hostilização infrutífera e um erro estratégico:
dá argumentos para a polarização, divide mais
do que resolve. Vale a pena insistir nisto?
 15 620
NÚMERO
Vistos Gold atribuídos no País a nacionais das 30
jurisdições com maior risco de branqueamento de capitais
Desde 2012, mais de 29 mil pessoas obtiveram autorização de residência
em Portugal ao abrigo dos Vistos Gold. Como divulgou o Público,
grande parte provinha de países de risco, como China, Vietname,
Paquistão e Camboja.

REDES
IGREJA CATÓLICA
Zuckerberg
O silêncio dos pouco copia Musk
inocentes Depois de o Twitter ter lançado o
Depois do anúncio das conclusões do relatório
serviço pago de verificação de con-
sobre os abusos sexuais na Igreja Católica,
tas, desvirtuando o conceito original
entre os fiéis há dor, consternação e até de relevância na atribuição do selo
vigílias de oração, marcadas para “mostrar azul, o Facebook e o Instagram co-
vergonha e pedir perdão”. Mas, no essencial, municaram que iriam fazer o mesmo.
não existiram desenvolvimentos significativos A casa-mãe Meta, detida por Mark
após as revelações-choque. Há mais de 100 Zuckerberg, anunciou que está a
membros da Igreja, incluindo padres, que ainda preparar um pacote semelhante
se encontram no ativo e cujos crimes terão para as duas redes sociais, que vai
prescrito, e há bispos que não quiseram saber. custar cerca de €11 por mês. Come-
“Temos imensos casos em que o bispo não ligou çará a ser implementado na Austrá-
nenhuma”, disse Daniel Sampaio, membro da lia e na Nova Zelândia, e só depois
comissão independente, à VISÃO. Acabar com de testado é que se expandirá a
este clima de ocultação, com o silêncio cúmplice outros países. Uma forma de contor-
e com o encobrimento é fulcral para a instituição nar a queda acentuada no número
reconquistar a confiança dos portugueses. de utilizadores e de receitas.

FRASE

“Espero
que dê aos
mais novos
PARTIDOS

algumas
ideias!”
DAVID HOCKNEY
Aos 85 anos, o pintor
continua em grande
GUERRA
forma e acaba de
Eu sou um ucraniano inaugurar um dos
seus projetos mais
“Histórica. Oportuna. Corajosa.” É assim que o ambiciosos: uma grande
Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky clas- exposição imersiva. São
cerca de 250 obras
sificou a visita-surpresa de Joe Biden a Kiev,
de Hockney – umas
nas vésperas em que se assinala um ano do
conhecidas, outras feitas
início da guerra. Foi a primeira vez que o Presi-
especialmente para esta
dente norte-americano se deslocou ao país, um
ato simbólico que mostra o compromisso dos exposição tecnológica
–, abrangendo a sua
Estados Unidos da América com a luta contra a
Rússia – e que faz lembrar a ida de Kennedy a carreira excecional com
mais de seis décadas.
Berlim, em plena Guerra Fria, em 1963, quando
pronunciou a célebre frase “ich bin ein Berli-
ner”. Durante a visita de Biden, foi anunciado
um novo pacote de apoio à Ucrânia no valor de
€470 milhões.
De nome
de imposto
a líder do Bloco?
Mariana Mortágua vai candida-
tar-se à sucessão do Bloco de
Esquerda, que irá a votos no fim
de maio. Tem vantagens e desvan-
tagens: é combativa, sobejamen-
te conhecida dos portugueses,
possui competências económicas
e políticas, reconhecidas desde a
comissão de inquérito ao BES, em
que se notabilizou publicamente, e
tem capacidade de criar polariza-
ção – há quem a ame e há quem
a deteste (vejam-se as reações ao
famoso “imposto Mortágua”), o que,
neste momento, pode ser bom para
o partido. Mas, por outro lado, fal-
tam-lhe empatia e jeito para a rua,
características que Catarina Martins
tinha. O desafio é recuperar o
terreno perdido pelo BE nas últimas
legislativas, depois do trauma da
Geringonça.

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 15

R ---------- H O LO FOT E

Carlos Cortes
O novo bastonário dos médicos
Modernizar Sob
Promete Patologista clínico investigação
mudanças na Carlos Cortes
Ordem dos de Coimbra deixa tem um inqué-
Médicos a partir presidência da Secção rito aberto no
de 14 de março Departamento
(quando toma Regional do Centro da de Investigação

Eleição
posse), com uma Ordem dos Médicos e Ação Penal
Medicina
forte aposta na (DIAP) de Lisboa
Foi uma corrida desburocratização e assume o lugar de por alegadamen- Nasceu em Lisboa,
renhida e pouco e na bastonário. Foi eleito te ter assinado há 53 anos, mas
participada (ape- modernização quatro contratos trocou a capital
nas um terço dos dos serviços. com 57% dos votos irregulares com por Coimbra
médicos inscritos Quer ainda criar a empresa First quando optou
— P O R R I TA R ATO N U N E S
votou) e, no final, a Academia Five Consulting, pela Medicina.
57% escolheram OM, um centro durante o tempo Depois de ter
a prata da casa. de formação em que esteve à cumprido o
Carlos Cortes para médicos, frente da Secção serviço militar
– que sucede a e reforçar o Regional do Cen- nos Açores,
Miguel Guimarães Gabinete Nacional tro. Segundo o especializou-se,
no cargo desde de Apoio ao semanário Expres- em 2006, em
2017 – foi eleito, Médico. Até 2025, so – que revelou Patologia Clínica
na semana pas- a sua atenção está esta informação e escolheu a
sada, bastonário virada para ser há um mês –, os Microbiologia
dos médicos, mas “um bastonário contratos, cele- Médica como
já integrava o or- de proximidade e brados por ajuste subespecialidade.
ganismo. Presidia de intervenção” e direto entre 2020 Exerceu sempre
a Secção Regional “um provedor do e 2021, envolvem atividade no SNS
do Centro desde doente”. a prestação de e hoje é diretor
2014, o colégio de serviços de asses- do Serviço de
subespecialidade soria no valor de Patologia Clínica
de Microbiologia €332 mil. do Centro
Médica e é mem- Hospitalar do
bro do Conselho Médio Tejo (que
Nacional. No Cen- inclui as unidades
tro, criou um gabi- de Abrantes,
nete de apoio aos Tomar e Torres
especialistas com Novas), onde
burnoutt ou vítimas trabalha desde
de violência física 2011.
e psicológica.

16 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

R ---------- R A I O -X

Petrolíferas somam e seguem

O mundo sofre uma crise energética e um aumento do preço
dos combustíveis, mas as Big Oil registam os maiores lucros de sempre
— POR MANUEL BARROS MOURA

Todas as Big Oil, como são conhecidas as principais

companhias petrolíferas mundiais, têm registado, neste
início de ano, resultados extraordinários. A ExxonMobil,
por exemplo, reportou, em 2022, o maior lucro de sempre 881
de uma petrolífera ocidental. A Shell anunciou os maiores

*
457

S
ganhos em 115 anos de história da empresa, enquanto

E EURO
a Chevron, a TotalEnergies e a BP estabeleceram também
novos recordes. Por surgir na sequência do aumento
dos preços dos combustíveis, em virtude da guerra Galp

ES D
na Ucrânia, esta escalada nos ganhos das petrolíferas

HÕ
tem obrigado as autoridades políticas, nomeadamente

IL
nos EUA e na UE, a responder com a imposição de taxas M
sobre estes lucros extraordinários EM

LUCROS RECORDE PORTUGAL SEGUE A ONDA

VALORES EM MILHARES DE MILHÕES DE EUROS* No caso da Galp, apesar de os valores serem
bastante menos impressionantes, os lucros
também quase que duplicaram de 2021 para 2022
55,3
37,3 34,1 33,9
25,9
21,5 18,1 14,6 16,9
12
2021 2022

FONTE Energy Monitor

*Valores reportados pelas empresas nos seus relatórios de contas

PREÇOS EM ALTA
“Esta ganância grotesca está
VALORES EM DÓLARES POR BARRIL 16 fev 2023 a punir as pessoas mais pobres
DE CRUDE (BRENT)
84,643 e vulneráveis, enquanto destrói
120 a nossa única casa”
RÚSSIA CONCENTRA
TROPAS NA FRONTEIRA ANTÓNIO GUTERRES
COM A UCRÂNIA
4 jan 2016
37,088 Já em agosto de 2022, quando os lucros
combinados das Big Oil ultrapassavam
os 100 mil milhões de dólares, o secretário-geral
40 das Nações Unidas considerava “imoral”
INÍCIO DA PANDEMIA TROPAS RUSSAS as empresas de petróleo e de gás estarem,
(COVID-19) INVADEM A UCRÂNIA durante uma crise energética, com resultados
0 financeiros recorde e exortava todos os governos
a tributar os respetivos “lucros extraordinários”
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
FONTE Trading Economics RL/AR

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 17

POLITICAMENTE
CORRETO
A “Cosa” deles
N
ão sei o que me revolve mais
as entranhas: se as declarações
muito arrependidas e muito pias
Pedro e santas da hierarquia da Igreja
Marques Católica, sabendo nós que esta
protegeu ativamente abusadores e, no fundo,
Lopes promoveu crimes hediondos, se os elogios
de muitos, nomeadamente de altas figuras do
Estado, por a mesma Igreja ter decidido levar
a cabo a investigação sobre abusos sexuais.
Começo pelos elogios. Soam a assobio
para o lado, a um “vamos ver se ninguém
percebe que fomos cúmplices, durante ge-
rações e gerações, destes e de outros crimes
praticados pela Igreja”. É verdade que alguns
abusos sexuais a menores não tinham a san-
ção social que, nas últimas décadas, passaram
a ter. Mas não só o Estado não quis olhar para
— Analista político
o que se passava na Igreja, quando já eram
crimes muito penalizados socialmente (e
alguns sempre o foram e as autoridades olha-
vam para o lado), como também foi o mesmo
Estado que optou por deixar a Igreja viver
sob as próprias regras, desprezando o poder
político (democrático ou não).
Se toda a gente suspeitava do que se pas-
sava, por que diabo não temos conhecimento
de investigações das polícias e do Ministério
Público?
As relações de muitos séculos entre Igreja
e Estado foram o que foram, e não sou his-
toriador nem tenho a ousadia de fazer um
balanço que me diga se beneficiaram ou se
prejudicaram mais os homens, as mulheres
ou a comunidade. Sei que somos todos filhos
dos valores que a Igreja nos inculcou e que
a nossa comunidade é também fruto dessa
relação.
Também não ignoro que as revoluções são
momentos, mas as mentalidades, os hábitos,
as relações fáticas de poder permaneceram
inalteradas durante muito tempo. Portan-
O suposto ar- to, sei que a efetiva rutura, que o 25 de Abril
provocou entre Estado e Igreja, só há relati-
rependimento vamente pouco tempo começou a produzir
da Igreja é de efeitos relevantes, mas, então, por que razão
uma hipocri- o Estado continuou a proteger a Igreja? A
conceder-lhe privilégios incompreensíveis
sia sem fim. num Estado laico?
Afinal, ela O suposto arrependimento da Igreja é de
uma hipocrisia sem fim. Afinal, ela quer o
quer o quê? quê? Que acreditemos que tem mesmo muita
Que acredite- pena por aquilo que aconteceu? Quer que
mos que tem acreditemos que aqueles bispos e padres não
sabiam o que se passava? Quantos daqueles
mesmo muita não encobriram os colegas? Se não todos,
pena por com certeza muitos. Era e é a cultura da ins-
tituição, era e é suposto esconder tudo.
aquilo que O ar triste e sério da hierarquia não é de
aconteceu? arrependimento, é de derrota.
18 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Não duvido nem por um instante de que
a maioria dos servidores da Igreja se sente
enojada quando ouve os relatos de abusos,
mas também não tenho a mais pequena dú-
vida de que preferiu que estes permaneces-
sem escondidos.
Mais do que a natureza endémica dos
abusos dentro da Igreja, mais do que as
consequências perversas da sua fobia sexual,
e de esta ter sido um ótimo porto de acolhi-
mento para a impunidade de abusadores, fica
mais uma vez evidente o que a Igreja pensa
sobre ela própria: que não tem de dar contas
de nada a ninguém – o que é normal numa
instituição cuja razão de existir é representar
Deus na terra.
Todas as intromissões de leis humanas
ou, melhor, feitas fora da Igreja mas que lhe
possam dizer respeito (no limite, todas) serão
sempre vistas como intromissões insuportá-
veis. Ontem, agora e sempre.
Tudo o que foi revelado foi contra a vonta-
de da Igreja. Todos os privilégios e alcavalas
que lhe foram retirados, foram-lhe retira-
dos à força, não foi por finalmente a Igre-
ja aceder ao sempre ignorado e mentiroso
brocado sobre Deus e César. Toda a influên-
cia sobre a vida das pessoas e comunidades,
que resultava em leis (direitos das mulheres,
dos homossexuais, da moral sexual, aborto,
divórcio, etc.) que tinha, só com muita luta
lhe foi tirada. Não foi reflexão interna, ou o
súbito ataque de humanidade ou uma melhor
leitura dos livros sagrados, o que fez com que
a Igreja andasse com esta cruz às costas, foi a
coragem dos abusados, a decência de ativis-
tas, a força de alguns Estados.
O arrependimento da Igreja e, sobretudo,
a vontade de mudar estão bem expressos nas
concordatas assinadas já no tempo do Papa
Francisco. Através de um trabalho de inves-
tigação da Fernanda Câncio, no DN, ficámos
a saber que nelas está claramente exibida a
vontade de ocultar os crimes nos países onde
estes ainda não foram expostos.
A Igreja tem um lugar ímpar na História
da nossa civilização; queiramos ou não, cren-
tes e não crentes, somos todos, em alguma
medida, filhos dela. Continua solidamente
instalada no nosso meio por razões bem hu-
manas (ensino, saúde), embora a sua influên-
cia espiritual tenha vindo a diluir-se como
nunca.
O que julgo saber é que as instituições
duram enquanto as pessoas confiarem nelas
e que recuperar a confiança na Igreja exigirá
um milagre nunca registado nem nos livros
sagrados. Tudo acaba, e dois mil anos são
menos de um segundo na História do mun-
do. visao@visao.pt
 R ---------- P E R I SCÓ P I O
Habitação: bem me quer, mal me quer
As medidas anunciadas pelo Governo vistas por duas perspetivas:
um autarca do PSD e outro do PS. Quem desempata?
“Não podemos
[os autarcas] admitir
que se entre na gestão
do nosso território sem
nos consultar. Pensamos
que isso é muito grave”
CARLOS MOEDAS
Presidente da Câmara
Municipal de Lisboa
INDISCRETOS
Arrendar casas devolutas?
Está bem, abelha...
A imaginação “tuga” não tem limites.
No momento em que Costa anunciava
as medidas para tentar resolver os
problemas da Habitação, já corriam,
nalgumas redes sociais, certos truques
para contornar as supostas novas
regras. E fica-se a saber como fugir
ao arrendamento forçado de habitações
devolutas. Um proprietário só precisa
de encontrar alguém na mesma
situação, podendo arrendar, um
ao outro, os respetivos imóveis –
continuando a casa desocupada.
Problema: e o Estado não vai
arrecadar o devido imposto? Resposta:
“Arrendamos por cinco euros”...
Próstata de Costa
em forma
Foram quase três horas no palanque,
a anunciar as novas medidas para
o setor da Habitação, ao lado do
ministro das Finanças, Fernando
Medida, e da ministra da Habitação,
Marina Gonçalves. António Costa,
duramente treinado por dois anos
a anunciar, de pé, as regras para
combater a Covid-19, nem por uma vez
se retirou... para ir à casa de banho!
Numa sumária investigação,
o Periscópio apurou que, nestes dias,
o primeiro-ministro evita líquidos antes,
e só beberrica da garrafa de água
disponível no palanque...
“Encaro estas
medidas com muita
naturalidade. (...)
são muito corretas
e muito justas”
EDUARDO VÍTOR
RODRIGUES
Presidente da Câmara
Municipal de Gaia
e da Área Metropolitana
do Porto
15 MINUTOS DE FAMA
Quem não
reconhece?
O PCP não gostou que
Marcelo tenha decidido
condecorar o seu homólogo
ucraniano, Volodymyr
Zelensky, com o Grande Colar
O careto improvável... da Ordem da Liberdade,
Marcelo Rebelo de Sousa só era esperado numa próxima deslocação a
em Podence, concelho de Macedo de Kiev. Vai daí, os comunistas
Cavaleiros, durante a tarde de sexta- recorrem a termos fortes:
feira, para o início do tradicional “Entrudo “Zelensky reconhecidamente
Chocalheiro” e inauguração de um mural personifica um poder
(na foto) com o seu rosto e em sua xenófobo, belicista e
homenagem. Mas irrompeu, de surpresa, pela antidemocrático, rodeado
aldeia transmontana, logo na quinta-feira à e sustentado por forças
noite, tendo antes jantado na Taberna dos de cariz fascista e nazi.” O
Bombeiros, em Macedo, quando, no local, sublinhado é nosso. De facto,
Paulo Raimundo e Putin
ainda se preparava a festa. Passeou, tirou
estão de acordo, e tanto
selfies, petiscou do fumeiro e provou da
pinga local. E logo se comentou, nas tabernas, no Kremlin como na Soeiro
que ninguém ficaria surpreendido se, no Pereira Gomes, Zelensky é
Domingo Gordo, o Presidente aparecesse, “reconhecido” como tal...
disfarçado, sob as vestes de careto e uma
máscara tradicional...
Martelo, a arma política
Primeiro, foi o deputado da IL Carlos
Guimarães Pinto a comentar o símbolo do
PCP: “Os comunistas usam sempre o martelo
da proibição [e a democracia foice]!” Depois,
foi Rui Tavares a queixar-se, no Twitter, de que
uma proposta do Livre foi obliterada “pelo
martelo pneumático da maioria absoluta”.
O martelo é uma arma? — F.L.
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 19
19
 ---------- P R ÓX I M O S CA P Í T U LO S
Eleições
na Nigéria
O grande teste
à maior democracia
de África
— P O R R U I TAVA R E S G U E D E S
O
país mais populo-
so de África, com
a maior economia
do continente e
um dos maiores produtores
de petróleo do planeta, vai
a eleições, a 25 de feverei-
ro, para escolher um novo
Presidente. O desfecho dessa
votação, que pode ser ganha
por um candidato externo
aos partidos que exerceram
o poder nas últimas déca-
das, não será só decisivo
para os mais de 220 milhões
de nigerianos, que vivem
tempos difíceis e explosi-
vos, marcados por muita
insegurança, alta inflação e
uma grave crise económica.
Aquilo que se passar no “Gi-
gante de África”, como o país
é conhecido, acabará por ter
consequências para o resto
do continente e também
para o mundo. São mui-
tos os riscos e as incertezas
que rodeiam esta eleição na
maior democracia de África:
há rumores de um golpe
de Estado em preparação,
muitas informações falsas a
serem difundidas nas redes
sociais, diversos relatos de
violência contra as campa-
nhas dos candidatos e ainda
uma enorme insegurança
devido às ameaças do gru-
po terrorista Boko Haram,
muito ativo no Norte da
Nigéria, onde, nos últimos
13 anos, já matou mais de
40 mil pessoas e provocou
cerca de 2,2 milhões de des-
locados.
20 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
O retrato económico
do país, que enfrenta a sua
segunda recessão em ape-
nas cinco anos, também é
preocupante, como escreve
Ian Bremmer, na Time, a
sublinhar o estado frágil em
que vive a população: “A in-
flação atingiu 21,5% no final
de 2022. A taxa de desem-
prego é de 33% no geral, e de
42,5% entre os jovens. Cerca
de 40% da população vive
abaixo da linha de pobreza,
segundo o Banco Mundial,
e muitos nigerianos têm
falta de acesso à educação
e a infraestruturas básicas,
como eletricidade, seguran-
ça, água potável e sanea-
mento.” É neste cenário que,
como escreve Nick Westcott,
diretor da Royal African So-
ciety, na African Arguments,
as eleições nigerianas terão
uma importância global:
“Serão vistas como um sinal
de que a democracia está a
avançar ou a recuar. Como a
maior democracia de África,
com cerca de 93 milhões de
potenciais votantes – mesmo
que a taxa de participação
tenha sido, até agora, bem
abaixo de 50% –, a Nigé-
ria será encarada como um
termómetro para o mundo
em geral.” E explica porquê:
“A democracia tem esta-
do sob ameaça nos últimos
anos. Nos EUA e no Reino
Unido, os líderes populistas
tentaram minar as insti-
tuições e desafiar o Estado
de direito. Em África, os
eleitores escolheram líderes
que enfraquecem as insti-
tuições democráticas, como
na Tunísia, enquanto países
como a Guiné, Mali e Burki-
na Faso tiveram mudanças
inconstitucionais de governo.
As eleições da Nigéria vão
ser observadas de perto, não
apenas pelos seus vizinhos e
grupos de observadores in-
ternacionais mas por aqueles
que ficariam felizes em ver
a democracia recuar ainda
mais.”
TENSÃO E COMPLEXIDADE
No mínimo, haverá mui-
Há três candidatos tos motivos para a tensão
crescer nos próximos dias,
com hipóteses tendo em conta o gigantis-
reais entre os mo do país, a sua escassa
18 concorrentes. experiência democrática e,
finalmente, a complexidade
Como o vencedor da votação. Apesar de apenas
precisa de ter mais três candidatos terem hipó-
teses reais de ganhar, os bo-
de 50% e ganhar letins de voto têm 18 nomes
em dois terços inscritos. E o vencedor, para
dos 36 estados ser declarado, precisa de ter
mais de 50% dos votos, mas
da Nigéria, tudo também ganhar em dois
aponta para uma terços dos 36 estados da
Nigéria – o que indica que
segunda volta, uma segunda volta será mais
inédita desde 1999 do que provável, embora

inédita desde 1999. Segun-
do todos os analistas, as
eleições vão decidir-se entre
três candidatos e… uma
ausência. “Embora o atual
Presidente, Muhammadu
Buhari, não seja candidato,
as eleições tornaram-se um
referendo ao seu desem-
penho”, lê-se na Inkstick.
“Em 2015, Buhari chegou ao
poder, após três tentativas
fracassadas, com o mandato
de acabar com a corrupção,
fazer crescer a economia
e lidar com a insegurança.
Oito anos depois, muitos
acreditam que a Nigéria
está pior.” Buhari diz apoiar
aquele que, há uns meses,
parecia ser o favorito, como
escreve o The New York
Times: “Bola Ahmed Tinubu,
70 anos, que, como candida-
to do Congresso de Todos os
Progressistas no poder, tem
uma forte máquina polí-
tica a apoiá-lo. Um astuto
e multimilionário ex-go-
vernador de Lagos, a maior
cidade da Nigéria, Tinubu é
um muçulmano do Sudoeste
e vangloria-se de ter levado
Buhari ao poder, o que o
afasta de muitos eleitores
jovens.”
Campanha Todos os lugares
são bons para apelar ao voto,
nem que seja um barco na lagoa
da capital, Lagos, com cartazes
do candidato Bola Tinubu
À partida, o seu prin-
cipal opositor seria, ainda
para o The New York Times,
“o ex-vice-presidente e
empresário multimilioná-
rio Atiku Abubakar, de 76
anos, candidato do Partido
Democrático do Povo, que já
concorreu cinco vezes à pre-
sidência, desde 1993. Muçul-
mano do Norte, ele espera
obter muito mais votos lá
do que no passado, agora
que não precisa de con-
correr contra o seu antigo
adversário, Buhari, que tinha
seguidores fervorosos na re-
gião.” Depois, “entre os dois
grandes favoritos”, segundo
o Jornal de Angola, está o
candidato do Partido Traba-
lhista, Peter Obi, de 61 anos,
que tem conseguido reunir
o apoio dos eleitores mais
jovens, graças à mensagem
de que ele “é diferente dos
seus rivais da velha guarda e
quer trazer mudanças reais
para a Nigéria”.
A verdade, no entanto, é
que, na Nigéria, as eleições
não se resumem apenas à
avaliação política dos can-
didatos. “A religião, a etnia
e a origem desempenham
um papel importante e têm
reflexos nas preferências dos
eleitores”, escreve a Deuts-
che Welle, preocupada com
a crescente onda de fake
news, disseminada nas redes
sociais, destinadas a lançar
suspeitas sobre os candi-
datos e o próprio processo
eleitoral.
Neste contexto, a incer-
teza sobre o resultado das
eleições e, acima de tudo,
sobre o dia seguinte é o que
mais preocupa os analistas.
É o caso da investigadora
nigeriana, radicada na Suí-
ça, Medinat Malefakis, que
sublinha a necessidade de o
resto do mundo seguir com
atenção o que vai acontecer,
nos próximos dias, no seu
país: “A Nigéria não é só o
país mais populoso de Áfri-
ca, é também o sétimo mais
populoso do mundo – e as
projeções dizem que ultra-
passará os EUA pouco antes
de 2050. O mundo não pode
ignorar o que está a aconte-
cer na Nigéria, que tem até
a maior economia de África,
um PIB nominal de mais de
500 mil milhões de dóla-
res e uma economia ainda
a crescer. Para os parceiros
comerciais, nomeadamente
os EUA, a Índia e o Reino
Unido, as coisas que podem
causar instabilidade na Nigé-
ria, como as eleições, devem
ser consideradas relevantes.”
“Mais de 17 milhões de
nigerianos estão espalha-
dos em diferentes partes
do mundo. O que ocorre na
Nigéria deve ser importante
para todos os países onde
eles vivam”, sublinha, numa
entrevista à Swissinfo. Na
African Arguments, Nick
Westcott acrescenta um
argumento poderoso: “Uma
Nigéria democrática, resi-
liente, próspera e ativa pode
liderar o continente. Uma
Nigéria caótica vai baralhar
toda a África.” É por isso que
o mundo precisa de olhar,
de perto, para o que vai
acontecer nas eleições de 25
de fevereiro – e na mais do
que provável segunda volta.
visao@visao.pt
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO
DEMOCRACIA
EM NÚMEROS
No “Gigante de África”,
as eleições exigem uma
gigantesca mobilização
de meios e de pessoas
93,5 milhões
É o maior número de eleitores
inscritos de sempre, que
vão ser chamados a eleger
o Presidente a 25 de fevereiro
e, duas semanas depois,
a 11 de março, os membros
do Parlamento e do Senado.
Há 18 partidos inscritos, cada
um a apresentar também
um candidato presidencial.
10,4 milhões
De novos votantes, face
às eleições de 2019, o que
é um excelente indicador
sobre o crescimento
demográfico do país, com
221 milhões de habitantes.
Cerca de 84% dos eleitores
têm menos de 34 anos.
176 606
É o número de mesas de
voto, onde serão contados
os boletins e apurados
os vencedores, entre 18
candidatos à presidência,
1 101 candidatos ao Senado
e 3 122 ao Parlamento.
1 642 386
É o total de pessoas que vão
estar nas mesas de voto, o que
inclui mais de meio milhão de
agentes de segurança. Para a
operação, serão utilizados mais
de 100 mil automóveis e cerca
de 4 200 barcos.
2% do PIB
É o custo total das eleições
democráticas na Nigéria.
Ou seja: cerca de oito mil
milhões de euros, o que inclui
os gastos em campanha
eleitoral e os 24 dólares pagos
aos 1,6 milhões de funcionários
nas mesas de voto.
21
 P O N TO S
CA R D E A I S
Bernardo
Pires
de Lima
— Analista de política
internacional
NORTE
A demissão da PM esco-
cesa reflete o impasse do
seu projeto político, após
decisão judicial contra
novo referendo, o veto de
Westminster a legislação
de Edimburgo, e sonda-
gens onde o independen-
tismo não descola.
SUL
A África do Sul acolhe
exercícios militares navais
com a Rússia e a China,
num momento em que os
países da África Austral
declararam o “não alinha-
mento” sobre conflitos fora
da região. Só que o timing
é tudo em política.
ESTE
O Presidente do Irão
esteve na China, o que não
acontecia há vinte anos,
e Xi Jinping retribuirá em
breve a gentileza. Reforça-
ram-se acordos e jurou-se
respeito pelo princípio da
integridade territorial. A
Ucrânia que o diga.
OESTE
O Brasil está de volta à
política internacional e de-
pois da Argentina, Uruguai
e EUA, Lula irá a Portugal,
África do Sul, Angola, Mo-
çambique e China. Vere-
mos se conseguirá resistir
a uma ida a Moscovo.
22 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Novos tempos?
U
m dos efeitos indiretos da
guerra na Ucrânia tem sido
permitir ao Reino Unido e às
restantes capitais europeias um
novo tempo para se reencon-
trarem. Londres tem sido impecável no
apoio militar, político e financeiro a Kiev,
como notou Rishi Sunak há dias em Muni-
que, o que fez coincidir agendas com Esta-
dos-membros e com as instituições euro-
peias. Esse compromisso britânico tem sido
ainda importante para motivar os países da
UE a trabalharem em dois planos com-
plementares: por um lado, acompanhan-
do a parada britânica no apoio existencial
à Ucrânia; por outro, procurando novos
termos na relação bilateral que preservem
a cooperação estreita anterior ao Brexit ou
reinventem os seus termos para o futuro.
Portugal é um dos mais interessados nesta
dupla frente e precisa de promover essa
ligação à medida que a continentalização da
política europeia se concentra a leste.
Este novo tempo entre Londres e Bruxe-
las acaba por coincidir com duas dinâmi-
cas também elas simultâneas no tempo. A
primeira está relacionada com a fragilidade
política do protocolo da Irlanda do Norte,
negociado no quadro da saída formal do
Reino Unido da UE. Londres procurou de-
nunciá-lo desde cedo, de forma unilateral,
um contributo inestimável para a descon-
fiança que já existia com Bruxelas, dando
assim um passo rumo à desconstrução da
arquitetura de paz com Belfast, cuja ins-
tabilidade política acelerou com o risco da
fronteira física com a Irlanda. Rishi Sunak
tem pelo menos tentado negociar o pro-
tocolo com a Comissão, aproveitando este
tempo de maior alinhamento estratégico
que a guerra na Ucrânia abriu.
A segunda está relacionada com o blo-
queio a que chegou o projeto político de
Nicola Sturgeon na Escócia. Como ficou
implícito ao demitir-se, era insustentável
permanecer ao leme de um governo após
derrotas judiciais com Londres sobre a le-
galidade de um novo referendo à indepen-
dência com origem no parlamento escocês,
e sobre legislação respeitante a direitos so-
ciais cujo veto inédito de Westminster esva-
ziou a autonomia de Edimburgo. Acrescem
sondagens recorrentes sem expressarem
qualquer descolagem do independentismo,
muitas dando-o mesmo como derrotado.
Ou seja, este progressivo bloqueio ao go-
verno escocês acabou por facilitar a relação
entre Londres e Bruxelas, que não tinha
qualquer acomodação política e jurídica ao
independentismo unilateral escocês, cuja
expetativa seria sempre pedir a adesão à
UE. Significa isso que a unidade do Reino
Unido, via Belfast e Edimburgo, é do inte-
resse da União, contributos que Sunak vê
como vantajosos em negociação, qualquer
que seja o seu âmbito.
Este é também um tempo em que a di-
plomacia presencial recuperou o ritmo pré-
-pandémico. O mais correto será dizer que
os contactos, as viagens e os apertos de mão
de oportunidade ganharam um ritmo ainda
mais intenso, provando a falência da diplo-
macia por zoom que muitos diziam ser o
seu futuro, e a necessidade de cercar diplo-
maticamente um agressor como a Rússia,
mostrando-se assim o mérito da progres-
siva exclusão de Moscovo. É também neste
contexto de diplomacia presencial ritmada
que a relação entre Londres e Bruxelas me-
lhora. Esta leitura pode parecer superficial,
mas não é: estou plenamente convenci-
do de que nada substitui a relação pessoal
que se estabelece entre decisores políticos,
sobretudo quando têm em mãos assuntos
como a paz e a guerra, que exigem níveis de
confiança não produzidos por uma video-
conferência. Neste sentido, estar na Con-
ferência de Segurança de Munique passou
a ser imprescindível: pelo momento que a
Europa vive e que a relação sino-americana
atravessa. Estavam, por isso, todos fechados
num hotel durante três dias: presidentes,
chefes de governo, ministros, diplomatas,
chefes militares, líderes de grandes organi-
zações internacionais, académicos e jorna-
listas. Muitas dessas comitivas de alto-nível
não vinham da Europa ou dos EUA, mas do
Médio Oriente, de África, da Ásia e da Amé-
rica Latina. Eles sabem o potencial deste
fórum para passarem as suas mensagens
ao mundo mediático ocidental e, também,
como ficam facilitadas as reuniões bilaterais
que querem realizar.
Portugal, que habitualmente está ape-
nas representado pelo titular da Defesa,
devia apostar mais na presença em Muni-
que, alargando a sua delegação. E não vale
argumentar que os temas estão habitual-
mente focados nos dilemas a leste, porque
é precisamente por isso que não podemos
ficar na periferia estratégica sobre o futuro
da Europa, deixando que outros pensem e
decidam por nós. Para o ano veremos como
será. visao@visao.pt
R ---------- FOTO S CO M H I STÓ R I A

GETTYIMAGE

28 DE FEVEREIRO DE 1986

Crime sem castigo

Poucos minutos faltavam para as zero horas do dia 1 de março de 1986, quando o então primeiro-minis-
tro da Suécia, Olof Palme, foi assassinado a tiro, no momento em que passava, a pé, com a sua mulher, na
esquina da Rua Sveavägen com a Tunnelgatan, em pleno centro de Estocolmo. Ao fim de um mês, Hans
Holmér, que era o chefe da investigação, mostrava, em conferência de imprensa, dois revólveres Smith &
Wesson 357 Magnum que teriam sido usados no crime. Na altura, foi acusado e condenado a prisão per-
pétua o cidadão Chris Petterson, um alcoólico e toxicodependente, mas o homem viria a ser libertado e
ilibado por falta de provas. Só em 10 de junho de 2020, a polícia sueca anunciou a conclusão do caso, afir-
mando que o assassino terá sido Stig Egstrom, um designer gráfico. Mesmo não conseguindo determinar
o motivo que o terá levado a cometer o crime, a polícia considerou que Egstrom tinha conhecimento do
manuseamento de armas por ter sido militar, era opositor da política de Olof Palme e tinha problemas de
alcoolismo. Além disso, a revisão dos seus depoimentos, dados na altura do crime, revelavam incoerên-
cias. E assim se terá desvendado um crime… sem castigo, já que o alegado homicida se suicidou em 2000.

— POR MANUEL BARROS MOURA

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 23

R ---------- T R A N S I ÇÕ ES

MORTES

Raquel Welch
Os seus pais chamaram-lhe,
a 5 de setembro de 1940,
Jo Raquel Tejada. Nasceu em
Chicago, mas era parente
de Lidia Gueiler Tejada,
ex-presidente da Bolívia.
Cresceu e acabaria por ser
tornar a morena curvilínea
que o mundo conheceu e
aplaudiu como Raquel Welch,
atriz, considerada o maior
símbolo sexual dos anos 60
e a “mulher mais desejada”
na década seguinte. Mais
do que apenas um ícone
de beleza, ao longo da
carreira, contracenou com
Marcello Mastroianni, Frank
Sinatra ou Burt Reynolds,
fez teatro na Broadway e
atuou em vários programas
televisivos. Entre tantos
outros filmes, ficou conhecida
pelas participações em
Viagem Fantástica (1966), de
Richard Fleischer, Quando
o Mundo Nasceu (1966),
de Don Chaffey, ou Os Três 1934 –2023
Mosqueteiros (1973), de
Richard Lester, que lhe valeu
um Globo de Ouro. Morreu na
João Salgueiro
quarta-feira, 15, com 82 anos.
Um dos últimos senadores
Trindade Guedes
O jornalista, de 85 anos,
Foi uma das figuras marcantes da vida polí- a dedicar-se a tarefas executivas em 1981,
morreu no domingo, 19, vítima
de doença prolongada.
tica, económica e cívica do País. Como tan- enquanto ministro de Estado, das Finanças
Dedicado mais de 30 anos tos outros da sua geração, fez a transição da e do Plano do VIII Governo Constitucio-
à Rádio Renascença, onde ditadura para o regime democrático nascido nal, de Francisco Pinto Balsemão. Em 1985,
se distinguiu no desporto, após o 25 de Abril e manteve uma atividade a sua vida (e a de Portugal, eventualmente)
nomeadamente na cobertura intensa até ao fim da vida, que chegou na poderia ter tomado um rumo totalmente
de eventos futebolísticos, última sexta-feira, aos 88 anos. João Mau- diverso, quando concorreu à liderança do
sendo um dos jornalistas rício Fernandes Salgueiro nasceu em Braga, Partido Social-Democrata, acabando por
que realizavam o conhecido a 4 de setembro de 1934, e licenciou-se perder o famoso Congresso da Figueira da
programa Bola Branca. em Economia, pelo Instituto Superior de Foz para Aníbal Cavaco Silva, por uma dife-
Ciências Económicas e Financeiras, da Uni- rença de apenas 57 votos.
versidade Técnica de Lisboa (atual ISEG). Ao longo da carreira, João Salgueiro tam-
Duangpetch Presidiu à Juventude Católica Portuguesa e bém exerceu funções docentes ligadas à
Promthep participou na fundação da SEDES, em 1970, Economia e à Gestão Bancária. Ocupou
Era o capitão da equipa tendo sido, posteriormente, presidente da diversos cargos na banca, tendo sido pre-
de jovens futebolistas que assembleia-geral desta associação cívica. sidente do conselho de administração do
foram resgatados de uma Em 1969, foi nomeado subsecretário de Es- Banco Nacional Ultramarino e da Caixa
gruta na Tailândia, em 2018. tado do Planeamento no governo liderado Geral de Depósitos. Assumiu a presidência
Atualmente com 17 anos, era por Marcello Caetano, cargo que ocupou até da Associação Portuguesa de Bancos, após
aluno da escola de futebol 1971. Na sua nota de pesar, o Presidente da alterações aos estatutos que permitiram que
Brooke House College, em República realça o “papel particularmente o líder não fosse um banqueiro, e foi ainda
Leicester (Reino Unido), importante” que João Salgueiro teve “no vice-presidente do Conselho Económico e
em cujos dormitórios foi
planeamento económico, no nascimento Social. Em 2021, Salgueiro foi condecorado
encontrado inconsciente, na
das regiões Plano, que viriam a dar origem por Marcelo Rebelo de Sousa com a Grã-
quarta-feira, 15. A polícia não
suspeita de morte violenta.
às CCDR”, reconhecendo, porém, que essa -Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
foi uma “tentativa, falhada, de moderniza- Em 2010, Cavaco Silva já lhe tinha atribuído
ção” do Estado Novo. O economista voltaria a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. M.B.M.

24 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

 amor, dinheiro
e saúde
POR APENAS

€ 4,99 (cont.)

COMPRE AQUI

TODAS AS PRE V ISÕE S DE MA R I A HE L E N A

PA RA UM ANO AUSPICIOSO
P R O C U R E N O S E U P O N TO D E V E N DA O U E M LOJA .T R U ST I N N E WS . P T
 ---------- N A P R I M E I R A P ES SOA

Guarda prisional
há 15 anos, Mónica
Trindade tenta
humanizar o dia
a dia de quem
perdeu a liberdade,
sem fazer juízos
e lutando por um
melhor sistema
de reabilitação
e reinserção. Para
muitas reclusas
da cadeia de Tires,
é um verdadeiro
anjo da guarda

T
enho uma tia que
conta que, des-
de pequenina, eu
dizia que queria ser
“polícia de guardar maus”.
Sempre tive curiosidade so-
bre o motivo de aquelas mu-
lheres cometerem os crimes.
Em 2008, quando entrei no
JOSÉ CARLOS CARVALHO

Estabelecimento Prisional
de Tires, ia muito assustada.
Passado aquele portão enor-
me, lá dentro, o que quer
que aconteça não é visível a
ninguém. Por isso, comecei
a dar-me a conhecer um bo-

Mónica Trindade cadinho às reclusas. Pensei:

“Qualquer dia, estou sozinha
num terceiro piso com 80

“Ali, não somos só reclusas… sem câmaras, sem

telefone, sem bastão. Na
altura, nem sequer rádios

guardas; somos quem tínhamos; era só eu e um

molho de chaves.”
Há muita falta de recur-

pega nos bebés ao sos. Nos pavilhões grandes,

com 180 mulheres, encon-
tramos muitas delas aban-

colo quando têm febre donadas, umas entregues à

sua sorte desde que nasce-
ram, outras porque foram

e as mães estão condenadas e ninguém quer

saber delas. Sem visitas, a
família não lhes leva roupa,

no isolamento” pasta de dentes ou pensos

higiénicos – essas coisas
mexeram muito comigo.

26 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

 Prefiro não saber o crime
cometido. Tive uma senhora
de 66 anos que era pedófi-
la. Vivia com o seu segundo
marido, que não era avô dos
seus 13 netos. Ela dizia aos
filhos que tomava conta de-
les e era para dar as crian-
ças ao marido – ela pró-
pria tinha prazer com isso,
confessou-o. Para mim, é o
limite do pior.
A maior parte está presa
por causa do tráfico de dro-
ga, um dinheiro muito fácil
e rápido, pensam elas. Há
roubos e prostituição que
derivam do tráfico, com es-
quemas bem montados. Há
reclusas de origem brasilei-
ra, por exemplo, apanhadas
no aeroporto, que estavam
mesmo no limite da escas-
sez.
Na Casa das Mães, os
filhos até aos 3 anos podem
ficar com elas. Custa-me
muito ver aquelas crian-
ças que não fizeram mal
nenhum e estão presas, mas
em 80% dos casos prefiro
que estejam ali. Uma vez,
depois de dar à luz, uma
mulher agarrou-me nas
mãos e disse: “Peça para eu
ser condenada. Se ficar aqui,
a minha filha vai ser operada
[nascera com lábio lepori-
no], tem leite e fraldas e não
tem de começar a comer da
panela.” Graças a Deus, foi
condenada.
Ali, nós não somos só
guardas, somos quem pega
nos bebés ao colo quando
estão a chorar, estamos lá
quando têm febre e a mãe
está isolada. As mães parece
que deixam de saber tomar
conta dos filhos; à mínima
tosse, entram em pânico.
Somos o braço-direito da
mãe. Chegamos a inventar
vapores, com rebuçados de
eucalipto dentro da chaleira
com água quente.
O dia em que o Serviço
de Estrangeiros e Fronteiras
foi buscar o Vítor e a mãe
foi muito complicado para
mim. A criança estava habi-
tuada a pessoas vestidas de
azul e a carrinhas celulares e,
de repente, vê um carro civil
e pessoas sem farda. Agar-
rou-se a mim, e só eu o con-
segui pôr na cadeirinha no
carro, para voltar para o seu
país. Penso muito na história
destas pessoas e acho que a
minha depressão, em parte,
também se deveu a isto.
“TAMBÉM ME SINTO
PRESA”
Estive nove dias internada
só para dormir e um ano
ausente, de baixa médica.
Vivo em dois mundos muito
diferentes dos das outras
pessoas, porque daquele
portão para dentro fico 48
horas, no mínimo, sem ver
as minhas filhas.
Nem elas nem nós temos
telemóvel. E os telefones que
existem só ligam interna-
mente. O meu telemóvel
tem as chamadas reencami-
nhadas para o número do
meu marido, e na escola da
minha filha mais nova, com
11 anos, têm indicação para
telefonar para o número ge-
ral. Tenho sempre o coração
nas mãos, até porque tenho
uma filha rebelde, que às ve-
zes desaparece, e anda meio
mundo à procura dela. Só
na hora de almoço posso ir
à portaria e ver o telemóvel.
Também me sinto presa.
Fiquei doente numa al-
tura em que se suicidaram
várias reclusas no espaço
de meio ano. Sem qualquer
formação específica, temos
de ter muita estaleca para
lidar com as que têm surtos
psicóticos, as que se cortam,
as que dizem ouvir vozes
a mandá-las matarem-se.
Sabendo o que sei hoje, pelo
salário e pelas condições de
trabalho, talvez trocasse de
país, mas sempre na mesma
profissão.
Não me posso distrair
com nenhuma reclusa.
Enquanto acompanho uma
delas do pavilhão 2 (onde
estão as condenadas) até aos
serviços clínicos, se a reclusa
correr mais do que eu, estou
tramada. Sem seguran-
ça e com os muros baixos,
Quando entrei no consegue fugir. Já passei por
Estabelecimento uma situação em que levava
seis, uma de cada vez, para
Prisional de Tires, irem fazer análises ao san-
ia muito assustada. gue. E uma delas avisou-me
de que, dentro da carrinha,
Passado aquele se preparavam para fugir.
portão enorme, Temos ali mulheres pre-
lá dentro, o que sas há 17 anos, sem curricu-
lum, e, para qualquer traba-
quer que aconteça lho, vão-lhes pedir o registo
não é visível a criminal. Com a folha suja,
nem para varrer ruas as que-
ninguém. Pensei: rem. Além disso, entraram
“Qualquer dia, na cadeia no tempo em que
estou sozinha os telemóveis eram de teclas
e saem para usar telemóveis
num terceiro piso que fazem videochamadas.
com 80 reclusas… Como se adaptam?
Quando uma mulher vai
sem câmaras, de precária, toda a gente se
sem telefone, sem preocupa para que não saia
bastão. Na altura, da sua área; quando sai em
liberdade, ninguém quer
nem sequer rádios saber se tem para onde ir. Se
tínhamos; era eu ganhasse o Euromilhões,
arranjava uma quinta, para
só eu e um molho ter animais e árvores de fru-
de chaves to, e ia buscar estas raparigas
e mulheres que quisessem
recomeçar a vida. Quan-
do são toxicodependentes,
voltam ao único lugar que
conhecem: a rua. Dou-lhes
este conselho: “Tenta não
voltar aos mesmos amigos,
aos mesmos grupos; tenta
fugir da tua zona.”
A forma de estar das reclu-
sas mais mediáticas, as dos
casos que aparecem nas
notícias [como Rosa Grilo
ou Diana Fialho], é diferente
da das outras. Tentam fazer,
lá dentro, uma vida perfeita-
mente normal, como se esti-
vessem cá fora. Há mulhe-
res a estudar na faculdade,
outras optam por trabalhar
no bar ou estão de faxina no
pavilhão. Muitas vezes, as
histórias que oiço nos noti-
ciários não batem certo com
o que elas me contam.
Não questiono ninguém e
não as consigo julgar. Para
mim, são todas iguais e, se
estão aqui, é porque um
juiz decidiu. Mas não acre-
dito que a Justiça é sempre
justa. Depoimento recolhido
por Sónia Calheiros
scalheiros@visao.pt
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 27
R ---------- I M AG E N S

Riso e lágrimas
Enquanto em boa parte do mundo, mas sobretudo
no Rio de Janeiro, é tempo de os foliões brincarem
ao Carnaval, milhões de outras pessoas não
conseguem conter as lágrimas perante o horror
da guerra e das catástrofes naturais e ambientais

GETTYIMAGES

RIO DE JANEIRO BRASIL

Foliões são borrifados por um canhão de água, para atenuar o
calor, durante uma festa de rua chamada Bloco das Barbas que
decorreu, no sábado, 18, no Rio de Janeiro. Além dos desfiles das
escolas de samba, centenas de festas populares regressaram em
força às ruas da cidade, após dois anos de constrangimentos por
causa da pandemia.

QUIRIHUE CHILE
Um casal acompanha
a descarga de um avião
de combate a incêndios
DC-10 Air Tanker enquanto
ele despeja água sobre
um incêndio florestal em
Quirihue, região de Ñuble, no
Chile. Os incêndios florestais
duram há quase duas
semanas no centro-sul do
país e, até à última segunda-
-feira, 20, já tinham
provocado, pelo menos,
24 mortes.

28 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

KRAMATORSK UCRÂNIA
A imagem de dezenas de bandeiras ucranianas a abanar ao vento, junto aos túmulos
improvisados de soldados mortos na região de Kramatorsk, no domingo, 19, é um
símbolo terrível da situação dramática em que aquele país se encontra desde o início
da invasão Russa, que aconteceu há já um ano.

KAHRAMANMARAS TURQUIA
Quase duas semanas após os
devastadores sismos terem
arrasado cidades inteiras na
Turquia e na Síria, equipas
de resgate continuavam,
no sábado, 18, a procurar
sobreviventes nos escombros
de um prédio desabado
em Kahramanmaras. Na
sequência dos sismos
registados a 6 de fevereiro,
mais de 45 mil pessoas
perderam a vida, cerca de
100 mil ficaram feridas e há
milhões sem casa.

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 29

 Mortágua
PROMETE
DAR LUTA
Com a saída de cena de
Catarina Martins, a estrutura
do Bloco de Esquerda
movimenta-se para eleger
Mariana Mortágua como
nova líder. Mais do que uma
opção de continuidade, o
partido acredita que a imagem
de competência e de garra,
conquistada nas comissões
de inquérito à banca, possa
ser suficiente para inverter a
tendência de queda nas urnas.
A hora é da jovem mulher
que, um dia, Francisco Louçã
garantiu que haveria de chegar
a ministra das Finanças
— P O R J O Ã O A M A R A L S A N TO S

30 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

 TIAGO MIRANDA

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 31

P
Legado A atual direção do BE deixa um partido
dividido e frágil nas sondagens. Mortágua, uma
jovem mulher, é vista como solução para o Bloco
recuperar o eleitorado urbano

Passado pouco mais de um ano da

hecatombe eleitoral do Bloco de Es-
querda (BE), nas legislativas de janeiro
de 2022, Mariana Mortágua prepara-
-se para, aos 36 anos, abrir um novo
ciclo na liderança do seu partido.
Mais do que representar uma linha
de continuidade, ao ser herdeira do
legado deixado por Catarina Martins,
que encabeçou a cúpula do BE duran-
te dez anos, a (mais do que provável)
futura líder terá pela frente a delicada
tarefa de projetar, para o futuro, um
partido que procura reencontrar o dos eleitorais. Mesmo com um gover-
rumo que o catapultou para terceira no enredado em “casos e casinhos”,
força política nacional, já na segunda como descreveria António Costa na
década deste século. entrevista à VISÃO, em dezembro
Primeiro, Mariana Mortágua terá do ano passado, Mariana Mortágua
como encargo reparar brechas in- terá ainda de se preocupar em gerir
ternas, próprias do BE, nascido, em os profundos danos causados pela
1999, a partir de um amálgama de
movimentos e de correntes marxistas,
Mariana chegou decisão do partido em chumbar o
Orçamento do Estado para 2022, que
trotskistas e leninistas. Desde 2015 ao BE em 2009, empurrou o País para eleições ante-
que as diferenças no interior do par- cipadas e que culminaria no maior
tido se têm vindo a alargar e a agravar, pela mão de trambolhão eleitoral do BE, nos seus
demonstradas pelas críticas à estra-
tégia política da atual direção, que
Francisco Louçã. 23 anos de história.
Numa fase em que – segundo as
teve na Geringonça o seu expoente
máximo. Ainda na última convenção
Brilhou com a sondagens mais recentes – as forças
políticas da direita (PSD, Chega e IL),
do partido, realizada em maio de 2021, prestação nas juntas, superam o peso da esquerda, o
personalidades ligadas à Associação
Política UDP (UDP-AP) apresentaram comissões de BE, partido da oposição desse espec-
tro político, continua a não descolar
uma moção que apontava o dedo ao
excessivo “parlamentarismo” do BE
inquérito à banca. nas pesquisas de opinião, situando-se
nos modestos 4,8% (Intercampus),
e que defendia um regresso às ruas, A Bloomberg 5,6% (Pitagórica) ou 6,6% (Aximage)
junto dos militantes de base. Na pró-
xima reunião magna, os recados pro- chamou-lhe das intenções de voto, confirman-
do a inversão de uma trajetória de
metem repetir-se.
A (crescente) intranquilidade den-
“estrela crescimento contínuo, que chegou a
permitir ao partido obter mais de 500
tro de casa refletir-se-ia nos resulta- portuguesa” mil votos e eleger 19 deputados nas

32 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

 E a oposição move-se...
A surpresa pode vir da Plataforma Unitária, em que pontuam o major
Tomé e Pedro Soares, que apontam baterias à herança da ainda líder

Muitos dos que subscre- cia natural (e desejada)

veram as quatro moções disso é a perda de
alternativas à direção diversidade política na
de Catarina Martins, em Convenção, o afunila-
2021, ainda estavam a mento do debate interno,
digerir as novas regras forçando-se uma narrati-
para poderem apresen- va bipolarizada, que está
tar-se à reunião magna, longe de corresponder à
de 27 e 28 de maio, em realidade de um partido
Lisboa, quando foram que, outrora, queria ser
apanhados de surpresa, partido-movimento”,
não só pelo anúncio da apontaram os autores
líder bloquista como, da Moção Q. Um desses
poucas horas depois, subscritores, Carlos Ca-
pelo facto de ter sido rujo, ex-candidato do BE
posto a correr que à Câmara de Municipal
Mariana Mortágua está de Sintra, assume que,
disponível para suce- “assim, com estas regras,
der a Catarina Martins. não há capacidade para
Ao descontentamento Mário Tomé se promover uma moção
Um dos rostos
quanto à forma como da contestação à convenção”. “Iremos
a preparação da con- participar na discussão
venção nacional está a sobre o futuro, porque
ser levada a cabo pela está também, como o que a Mesa Nacio-
atual direção do BE, aconteceu há dois anos nal decidiu não nos vai
junta-se, agora, uma com a crítica Moção E, impedir, mas queríamos
JOSÉ CARIA

corrida contra o tempo, o ex-deputado Pedro fazê-lo como sempre foi

por parte dos críticos da Soares, que se afastou feito até agora, permi-
estratégia seguida pelo da atual linha dirigente tindo uma análise e uma
partido desde 2017. Um bloquista, em confronto discussão aprofunda-
legislativas de 2015 e nas de 2019 – e documento alternativo à com a decisão de o par- das. A nós, pouco nos
o maior desafio, hoje, é remar contra moção A – encabeçada tido continuar a integrar interessam anúncios de
esta tendência. por Catarina Martins e a Geringonça, a seguir às saídas ou de entradas,
Mesmo que adivinhando oposi- em que se contam diri- autárquicas de 2017. quando o que deve estar
ção interna (ver caixa), a próxima gentes como a própria A VISÃO apurou que em causa é o futuro do
convenção bloquista – que tem lugar Mariana Mortágua, o esta Plataforma Unitária BE”, admitiu à VISÃO Ca-
nos dias 27 e 28 de maio, no Pavilhão líder parlamentar, Pedro poderá agregar muitos rujo, recusando comentar
do Casal Vistoso, em Lisboa – deve- Filipe Soares, e o histó- daqueles que subscre- “o que foi ventilado à
rá mesmo confirmar a promoção de rico Luís Fazenda – foi veram outras moções Imprensa”, sobre a can-
Mariana Mortágua, vista como uma desenhado há poucos em 2021 e que agora se didatura de Mortágua.
escolha natural da atual direção do dias e já está a percor- veem sem capacidade Análise, aliás, que Pedro
BE para a liderança. Jovem mulher, rer diversas estruturas de replicá-las. É que, Soares também recu-
a deputada, que conquistou capital locais e regionais, por na sua última reunião sou: “Apesar de ela ser
político e mediático com as presta- forma a ser discutida, a no início de fevereiro, uma excecional colega,
ções nas comissões parlamentares de 24 de fevereiro, por um a Mesa Nacional do com quem trabalhei na
inquérito à banca portuguesa, surge, plenário nacional, às 21 partido decidiu que Assembleia da República,
agora, como um rosto rejuvenescido horas. Mário Tomé, antigo o número mínimo de essa é uma discussão
e aguerrido, com capacidade e com- líder da UDP (partido subscritores de moções star system, para a qual
petência para enfrentar os principais que, com outras forças, deveria passar de 20 não contribuo e que
temas da agenda política do partido deu origem ao BE), é um para 200; além disso, o demonstra desconhe-
– que, no imediato, procura recon- dos incentivadores da prazo para a entrega das cimento de como é
quistar os eleitores urbanos, princi- denominada “Plataforma mesmas passou para três feita a escolha de um
palmente mulheres e jovens. Entre as Unitária”, cujo lema é “Um semanas. coordenador. Vamos,
prioridades, destacam-se temas caros Bloco plural para uma “Nunca as condições antes, discutir o futuro
a Mariana Mortágua, como a habita- Alternativa de Esquerda para a apresentação de e tirar conclusões sobre
ção ou os transportes. Depois de já – um desafio que pode- uma moção foram tão o percurso do Bloco até
ter brilhado no Parlamento, a futura mos vencer!”. Por detrás limitadas. A consequên- agora.” — N.M.R.

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 33

Não deixa de ser
bastante curioso que
o dono disto tudo
nos tenha aparecido
aqui, hoje, como a
vítima disto tudo
Dirigindo-se a Ricardo Salgado,
em dezembro de 2014
Temos de perder a
vergonha e ir buscar
a quem está a
acumular dinheiro
Discurso na rentrée do BE,
em setembro de 2015
Duvido de que
envie à comissão
a informação
que confirme que
desviou dinheiro
para contas
pessoais, mas faça-o
(...), agradeço
Diálogo com Moniz da Maia,
em abril de 2021
Berardo foi à
comissão de
inquérito da Caixa
gabar-se de ser
intocável e de
ter conseguido
encontrar um truque
Reagindo à detenção de Joe
Berardo, em junho de 2021
34 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
líder do BE prepara-se para voltar aos
comandos na comissão de inquérito
à gestão da TAP, que vai levar a tutela
política à Assembleia da República.
A tomada de posse da comissão está
agendada para a próxima quarta-feira,
dia 22. Neste palco, Mortágua sente-se
como peixe na água.
Coincidência ou não, este foi o
momento escolhido pelo partido para
formalizar a entrada num novo ciclo
político, o mesmo com que Catarina
Martins justificou a saída de cena. No
discurso de despedida – na última
terça-feira, dia 14 –, a ainda coorde-
nadora do BE garantiu que a mudança
política “já aí está”, como demonstram
os sinais de “instabilidade da maioria
absoluta” do PS. Também Marisa Ma-
tias, outro nome forte do BE, acompa-
nha esta convicção, considerando que
o momento “requer outra energia”. No
Irrevogável, podcast de entrevistas da
VISÃO, a eurodeputada descreveu que
vivemos “um período de muita ten-
são social e política, de um desgaste
enorme de um Governo com pouco
tempo”. Depois de ter sido apontada
como potencial sucessora de Catarina
Martins, Marisa Matias viu o seu es-
paço encolher, fruto do desaire elei-
toral nas presidenciais de 2021 – em
que não foi além dos 3,95% (face aos
10,19% em 2015) –, apostando agora
todas as fichas numa oposição “mais
ativa” do partido; nomes, não os disse
(ver entrevista).
ASCENSÃO METEÓRICA NO BE
Natural do Alvito, Alentejo, a luta
política sempre correu nas veias de Parlamento Entrou na Assembleia da
República em 2013, substituindo Ana
Mariana Mortágua. Filha de Camilo Drago. O registo combativo promete
Mortágua, antifascista e antigo diri- uma oposição “mais ativa” no futuro
gente da Liga de Unidade e Ação Re-
volucionária (LUAR) – conhecido por
ter desafiado o Estado Novo, protago-
nizando ações de resistência, como o
assalto milionário à filial do Banco de
sem dor. Surpreendentemente, tor-
nou-se deputada logo em setembro
Portugal, na Figueira da Foz, em maio de 2013, quando tinha apenas 27 anos,
de 1967 (na companhia de Hermínio
da Palma Inácio, António Barracosa e
e ocupou a cadeira vaga no hemiciclo
deixada por Ana Drago, que entrara
Luís Benvindo) –, a deputada aproxi-
mou-se, ainda muito jovem, da UDP,
em choque com a recém-eleita dire-
ção de Catarina Martins – levando,
junto com a irmã mais nova, Joana. meses depois, a ex-deputada a aban-
Influenciada pelo economista e
professor Francisco Louçã (com quem
donar o partido, ato formalizado com
a desvinculação da Associação Fórum
já escreveu três livros), entraria para
o Bloco de Esquerda em 2009, pela
Manifesto (da qual também fazia parte
Daniel Oliveira) do Bloco de Esquerda.
mão do antigo coordenador do par- A nomeação de Mariana Mortágua
tido, reservando, desde cedo, lugar na motivou intenso debate interno, com
Mesa Nacional e na Comissão Política. um grupo de militantes a contestar o
O seu crescimento no interior do “critério tecnocrata” que orientou a
BE seria, aliás, meteórico – mas não escolha. A atualidade, porém, viria a
 demonstrar o acerto da opção. Com
Louçã fora do Parlamento, Mortágua,
licenciada e mestre em Economia,
pelo ISCTE, assumiu a pasta dos As-
suntos Financeiros do partido. Numa
altura em que o sistema bancário
português se preparava para entrar
em erupção, a nova deputada soube
aproveitar o momento para brilhar.
Bem preparada, decidida e frontal,
cedo começou a granjear a simpatia
da maioria do País, o qual, apanhado
de surpresa, atribuía o estatuto de
“vilões” aos homens que, um por um,
procuravam fintar as perguntas incó-
modas postas em cima da mesa nas
comissões parlamentares de inquérito.
Para a história, ficariam os frente a
frente com Ricardo Salgado e Zeinal
Bava, no Caso BES, em que Mariana
chegou a confrontar, olhos nos olhos,
o ex-presidente daquela instituição,
com tiradas que, ainda hoje, se man-
têm congeladas na memória coletiva:
“Não deixa de ser bastante curioso que
o dono disto tudo nos tenha aparecido
aqui, hoje, como a vítima disto tudo.”
Seguiram-se os choques com Carlos
Costa e Vítor Constâncio, a propósito
do Banco de Portugal, com Joe Be-
rardo, no inquérito à gestão da Caixa
Geral de Depósitos, e ainda com Luís
Filipe Vieira e Moniz da Maia, sobre
o Novo Banco.
JOSÉ CARLOS CARVALHO
O mediatismo conquistado foi tal
que as suas prestações na Assembleia
da República chegaram a dar-lhe vi-
sibilidade além-fronteiras. Em 2015,
a deputada do BE foi destacada pela
D.R.
Família A política corre-lhe nas veias, desde a nascença, no Alvito,
Alentejo. Filha do antifascista Camilo Mortágua (na foto), Mariana
aproximou-se, ainda muito jovem, da UDP
norte-americana Bloomberg, que a
classificou como uma “estrela por-
tuguesa”, e merecendo até elogios de
personalidades oriundas de quadran-
tes políticos distintos. Em privado,
Henrique Medina Carreira, ex-mi-
nistro das Finanças, que enfrentara o
primeiro resgate do FMI, em 1977 – e
falecido em julho de 2017 –, chegaria
a confessar “apreciar muito” Mariana
Mortágua, que descrevia como “uma
jovem deputada esperta” e que “estava
sempre muito bem preparada” para
enfrentar o momento.
Atento ao percurso da discípula,
Francisco Louçã também não pou-
pou nos elogios. Convencido pela
solução Geringonça – de que a pró-
pria foi uma das arquitetas, graças
às pontes de natureza parlamentar
–, o ex-líder do Bloco de Esquerda
chegou a afirmar, numa entrevista
ao Expresso, publicada em janeiro de
2017, que “Mariana Mortágua há de ser
ministra das Finanças”. Nessa mesma
conversa, o ex-líder do BE referia que
“há personalidades brilhantes, que se
destacam e que se afirmam por si”,
dando como exemplo a economista
e deputada.
Reforçado o seu capital político,
Mariana Mortágua chegou a ver atri-
buído o seu nome a um imposto, na
área da habitação. Criado em 2017,
o “Imposto Mortágua” (assim ficaria
conhecido), adicional ao IMI, aplica-se
aos proprietários de prédios urbanos
com elevado valor patrimonial. A res-
petiva receita líquida é, então, trans-
ferida pelo Estado português, através
do Ministério das Finanças, para o
Fundo de Estabilização Financeira da
Segurança Social – em apenas cinco
anos, este imposto já gerou perto de
€500 milhões.
DISPONÍVEL PARA A “GUERRA”
Com a convenção de maio já à porta, a
verdade é que Mariana Mortágua ain-
da não se pronunciou publicamente
sobre o seu próximo passo. O silêncio
parece mesmo ser regra de ouro (e
respeitada) no seio do partido. Falar
da futura liderança fica para mais
tarde. Mas, nos bastidores, ninguém
tem dúvidas de que chegou a hora de
a “ministra” assumir o papel de líder
do Bloco de Esquerda, hoje reduzido a
um grupo de apenas cinco deputados,
formado pela própria Mariana Mor-
tágua, a irmã, Joana, e ainda Catarina
Martins, Pedro Filipe Soares (líder da
bancada) e José Soeiro. Se o registo
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 35
combativo poderá ou não inverter a
situação, só o futuro o dirá.
Disponível para enfrentar as bata- Marisa Matias
Este ciclo
lhas que se seguem? Pelo menos assim
parece estar, como, aliás, o comprova
a guerra sem quartel que, nos últimos
meses, tem protagonizado com Marco
Galinha, empresário que controla a
Global Media Group – detentora de
títulos como Diário de Notícias, Jor- político requer
outra energia.
nal de Notícias ou TSF, entre outros
–, e que, muito provavelmente, só
terminará nas salas do tribunal.
Sem papas na língua, em abril de

Já não é o tempo
2022, Mariana Mortágua acusou o em-
presário de, há cerca de dois anos, ter
exercido pressões para que a crónica
que ela escrevia, semanalmente, no
JN, desde 2015, fosse cancelada (o que
acabou por acontecer). No meio da po-
lémica, ainda surgiu uma queixa apre-
da construção
de pontes
sentada no Ministério Público contra a
deputada, por esta ter recebido o sub-
sídio de exclusividade pelo seu trabalho
no Parlamento, ao mesmo tempo que
desempenhara atividades remuneradas
na comunicação social, nomeadamente A eurodeputada e ex-candidata presidencial do BE
no programa Linhas Vermelhas, na considera que o novo líder deve “ajudar a reforçar
SIC Notícias, entre outubro de 2021 e direitos”, “dar esperança às pessoas” e desempenhar
março de 2022. Para esvaziar o proces-
so, Mariana Mortágua reagiu pronta-
“uma oposição mais ativa” ao Governo
mente, admitindo que “desconhecia” — P O R R I TA R ATO N U N E S
uma alteração à regra que permite aos
deputados receber dinheiro por artigos

de opinião, que têm direitos autorais,
mas não por participar em programas
de comentário televisivo, como era o
caso. A deputada informou a SIC que
abdicava de qualquer remuneração
pelo programa e pediu à Assembleia
da República para que fossem feitos os
“acertos remuneratórios”, com vista a
devolver o dinheiro que recebeu nesses
cinco meses.
A “guerra”, no entanto, conheceria
novos capítulos. Ainda na ressaca dos
primeiros dias da ofensiva militar
russa na Ucrânia – iniciada a 24 de
fevereiro do ano passado –, no início
de março, a deputada iria mais longe,
acusando Marco Galinha de ter liga-
ções e de ser financiado por oligarcas
russos. O empresário desmentiu e
decidiu apresentar queixa contra a de-
putada pelo crime de difamação, pro-
cesso que avançou, no mês passado,
depois de a Assembleia da República
e a própria Mariana Mortágua terem
concordado com o levantamento da
imunidade parlamentar, para que esta
fosse ouvida no inquérito.
A futura líder do Bloco de Esquerda
promete dar luta. jsantos@visao.pt
F
oi surpreendida com
o anúncio da saída
de Catarina Martins
ou – tal como a ainda
líder deu a entender
na semana passada –
também acredita que
o Bloco de Esquerda (BE) tem de
aproveitar esta ocasião para prepa-
rar uma nova liderança, caso exis-
tam eleições antecipadas?
Não posso dizer que tenha sido
apanhada de surpresa, porque,
além de fazermos parte do mesmo
partido e de integrarmos órgãos em
comum, também somos amigas. E
concordo com o diagnóstico feito
[por Catarina Martins]: são dez
anos de liderança, e faz todo o sen-
tido que se procure um novo ca-
minho no contexto, que estamos a
viver, de elevadíssima instabilidade
política e social. A Catarina não vai
deixar o BE nem a política. Vamos
apenas fazer uma mudança no mo-
delo da direção e uma adaptação ao
contexto político.
Que balanço faz da década de Ca-
tarina Martins à frente do BE?
Uma marca clara destes dez anos foi
a capacidade que a Catarina teve de
vislumbrar um cenário político di-
ferente e de lançar o desafio de um
acordo parlamentar, que permitisse
tirar a direita do poder, depois da
intervenção da Troika – a chama-
da Geringonça. Foi ela que lançou a
ideia, durante a campanha de 2015,
e foi um período que gerou muito
mais estabilidade política e social do
que aquele que estamos a viver. O
PS, em contexto de maioria absolu-
ta, mantém uma política de desin-
vestimento nos serviços públicos,
ignora a importância do Serviço
Nacional de Saúde, faz uma espécie
de bullying permanente à escola pú-
blica e aos professores.
Foi inevitável enterrar a Gerin-
gonça?
Não acho inevitável, mas essa é
uma pergunta que tem de ser feita
a António Costa. Havia disponi-

36 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023


bilidade para a continuação deste
modelo, mas o primeiro-ministro
insistiu em que seria necessária uma
maioria absoluta, libertar-se dos
empecilhos da esquerda. O que es-
tamos a viver prova que havia mais
estabilidade no cenário do acordo
parlamentar.
Ainda voltando a Catarina Martins, a
Geringonça foi um dos momentos-
-chave destes dez anos, mas houve
outros, nomeadamente quando ela
assumiu a liderança numa altura
difícil, a seguir a um resultado elei-
toral muito mau. Num contexto de
particular dificuldade para o BE, a
Catarina teve uma enorme capaci-
dade de fazer renascer o partido e
de consolidar o projeto político.
A convenção que a elegeu pela
primeira vez, em 2014, terminou
empatada. Receia que a saída de
Catarina Martins possa precipitar
o partido numa repetição desses
tempos difíceis?
Não creio. Haverá seguramente
mais do que uma proposta à lide-
rança do partido. As vozes críticas
do partido não ficam acantonadas
em quatro paredes, elas são bem
ouvidas, e as posições de quem não
está alinhado com a maioria são
conhecidas. Tudo isso é saudável, e
esta também foi uma liderança que
conseguiu reconstruir a cultura uni-
tária dentro do partido. Deste ponto
de vista, não espero que tenhamos
um cenário igual ao de 2014, na
próxima convenção.
Disse nesta semana que existem
várias opções interessantes para
substituir Catarina Martins. Refe-
ria-se a quem?
Há várias, mas, sinceramente, por
respeito aos militantes do Bloco,
acho que nós, que temos mais es-
paço público, não devemos andar a
lançar nomes. Isto é um processo
coletivo.
Por esta altura, é quase seguro
que Mariana Mortágua irá avan-
çar. Como vê uma candidatura da
deputada?
Quando estiverem efetivadas as
candidaturas, terei muitas coisas
a dizer. Agora, quero só dizer que
acho que temos todas as condições
para sair da convenção com uma
liderança forte e com capacidade de
trabalho.
Esta é uma versão resumida e editada
da conversa. Veja a entrevista completa em vídeo
no site da VISÃO em www.visão.pt/irrevogavel
Chegou a considerar avançar para
a liderança?
Não. Estou ainda em funções no
Parlamento Europeu. Digo ain-
da porque, também nos cargos de
representação, não acredito que se
possa ficar para sempre. Estou no
As vozes críticas do meu terceiro mandato e não me vou
recandidatar [em 2024]. Não me
partido não ficam passou pela cabeça estar a apresen-
tar uma candidatura à liderança,
acantonadas em neste momento.
quatro paredes, Que caraterística tem de ter este
elas são bem novo líder?
Estamos num ciclo político
ouvidas, e as diferente, que requer uma energia
diferente. Já não é o tempo da
posições de quem construção de pontes, embora estas
não está alinhado nunca devam ser recusadas, em
questões que podem contribuir para
com a maioria são avanços concretos na sociedade, por
exemplo nos direitos de trabalho. É
conhecidas um período de muita tensão social e
política, de desgaste enorme de um
Governo que tem tão pouco tempo,
e esta deve ser uma liderança que
ajude a construir maiorias no
sentido de reforço de direitos; deve
dar esperança, para que as pessoas
sintam que há um futuro, mas
também deve ser uma oposição
ativa em relação às políticas do
Governo.
Em que se deve traduzir essa
“oposição ativa”?
No anterior contexto, havia pelo
menos disponibilidade do PS para
dialogar à esquerda. Agora, a estra-
tégia de António Costa é diferente:
ao não fazer uma política ativa de
contenção da extrema-direita, quase
que depende deste medo perma-
nente que existe na sociedade e do
crescimento do Chega – que o PS
alimenta e normaliza – para ter uma
espécie de voto seguro. Isto é muito
perigoso.
Tendo em conta o fraco resultado
eleitoral do BE, nas últimas legis-
lativas [passou de 19 para cinco
deputados], e as últimas sonda-
gens, preocupa-a o que poderia
acontecer, se as eleições fossem
antecipadas?
Em democracia, nunca nos pode-
mos preocupar com a vontade das
pessoas. Temos de fazer é um traba-
lho de reforço. Não podemos evitar
tomar posições políticas difíceis
com medo dos resultados eleitorais.
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 37
 O “EXÉRCITO-
-SOMBRA” DO
EX-JUIZ
NEGACIONISTA
Lidera um movimento seguido por todo o tipo
de extremistas, incluindo mercenários, neonazis
e cadastrados, alguns com treino paramilitar,
formação em artes marciais e acesso a armas
ilegais. A influência do Habeas Corpus junto de
grupos violentos e os laços internacionais de Rui
Fonseca e Castro preocupam as autoridades. A
VISÃO mergulhou neste universo, onde os factos
pouco importam e nada é o que parece
— P O R M I G U E L C A R VA L H O

38 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

A 21 de janeiro, uma fria
manhã de sábado, perto de 200 pessoas de várias zonas do País,
do Minho ao Algarve, acorreram ao cineteatro dos Bombeiros
Voluntários de Vila Praia de Âncora. Para assistir a uma confe-
rência que se estendeu até ao final da tarde, cada uma pagou
15 euros, recebeu um bloco de apontamentos de capa preta do
movimento Habeas Corpus (HC) e seguiu para a plateia.
Nos corredores, evangélicos desabafavam sobre a sua rutu-
ra com o Chega, “oportunidade perdida”. Outros procuravam
lugares discretos, ao fundo da sala. Nas filas, gente de todas as
idades, casais, famílias, crianças, estreantes e até uma “delega-
ção” galega. Deu nas vistas Mesquita Guimarães, empresário
agroflorestal, membro supranumerário do Opus Dei, o pai que
litigou nos tribunais pelo direito de impedir dois dos filhos de
frequentarem aulas de Cidadania. Tomás Seixas, do movimento
Filhos da Luta, apresentou. Frank Gomez, do Habeas Corpus da
Galiza, calvinista, agente imobiliário, apelou à união entre povos
e à desobediência civil. “Estamos numa nova guerra mundial.”
Maria Helena Costa, evangélica, presidente da Associação Família
Conservadora, ex-dirigente do Chega (integrou o seu gabinete de
estudos), falou sobre os seus temas-fetiche: ideologia de género e
mudança de sexo. “Porque é que o Governo está tão interessado
em sexualizar as nossas crianças?”, questionou, apelando à luta
contra casas de banho mistas nas escolas. “É uma ideia conve-
niente para os pedófilos”, ouviu-se, na assistência. Ela concordou.
Margarida Oliveira, negacionista dos Médicos pela Verdade,
suspensa três meses pela Ordem dos Médicos por divulgar um
método de limpeza das fossas nasais para evitar testes positivos
à Covid-19, interrompeu: “Quando era jovem, adorava homens
mais velhos; pelava-me pelo mais malcomportado, o mais rebelde
da turma, os perigosos. Não sabia escolher.” Hoje, diz, “há meni-
nas de 14 anos que têm mais corpo” do que ela, “são podres de
boas, um pedaço de mau caminho, e vão na cantiga do bandido”.
Uma professora pediu o microfone para se manifestar contra a
ida de “associações LGBTI” às escolas para discutir esses temas
com crianças. “Eu não vou assinar o sumário de uma aula de
javardice!”, garantiu. Os aplausos ecoaram.
Gustavo Santos foi bailarino, músico de uma boy band,
concorrente do Big Brother, personagem secundária de tele-
novela, modelo, apresentador de TV. Orador profissional, das
conferências dos aspiradores Rainbow a sessões esotéricas de
“desenvolvimento pessoal”, é escritor “motivacional”. Veio com a
mulher, grávida, e uma fornada do seu livro Não Obedeças Mais
para vender. “Tenho espírito de last man standing.” Andou de
um lado para o outro no palco, qual entertainer, e denunciou a
pandemia como “maior fraude da Humanidade”, atacou “a nova
ordem mundial” e o comunismo chinês, norte-coreano e cuba-
no “que estão a chegar”. Criticou o modelo de ensino “obsoleto
e criminoso” e pregou a liberdade individual. “Foda-se! Se eu,
com cinco filhos, não conseguir revolucionar este País, não sou
nada!” Um participante, de cabeça rapada e blusão de ganga,
tirou notas e suspirou: “Ó espírito grande!”
No final da sessão da manhã, boa parte dos organizadores e
do público seguiu para o restaurante Lagoa Azul. Houve bacalhau

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 39

à moda de Braga, um prato de carne e uma opção vegan. É
a sexta vez de uma participante de Faro nestes eventos. É
avó, teme as más influências da escola nos netos. Vacinas
não toma: “São perigosíssimas.” Censura a quantidade de
lojas chinesas espalhadas por Portugal e faz críticas veladas
a angolanos, cabo-verdianos e indianos. Na mesa, está tam-
bém um casal, ele produtor de mirtilos na região de Viana
do Castelo, ela professora. São contra vacinas no corpo e
telemóveis nas mãos de crianças.
A sessão da tarde recomeça com Natalia Prego, funda-
dora do Médicos Pela Verdade espanhol. A desinformação
é a sua praia: promoveu falsas curas e atribuiu a pandemia
a um “plano de dominação mundial”. Veio à conferência
em nome da luta pela “liberdade” e para relembrar os fei-
tos do seu movimento na batalha contra leis à moda de
Auschwitz. Diz ela.
Outra estrela é Sérgio Tavares, produtor de conteúdos e
repetente nestas lides. Ele prefere o termo “repórter-cida-
dão”. Diz-se perseguido. “Já me deitaram abaixo 13 canais do
YouTube e três páginas de Facebook.” Mas também aprendeu
a jogar “sujo”: criou 15 perfis falsos e mantém-se à tona nas
redes. Pandemia, alterações climáticas, “ideologia de género” e
o poder dos “donos do mundo” são o seu território de comba-
te. “Acordaram um exército e, agora, estão fodidos!”, garante.
Pelas cinco e meia da tarde, fala a figura por todos aguar-
dada: Rui Fonseca e Castro, líder do Habeas Corpus, da
“resistência”. O juiz, expulso da magistratura por promover
a violação das regras sanitárias durante a pandemia, assistira
a tudo, por vezes com impaciência, a cambalear de sono ou
a olhar para o telemóvel. Dias depois, pedirá desculpa, nas
redes sociais, por estar adoentado.
Diante de uma fotografia em que surgem Ferro Rodri-
gues e António Costa ladeados por juízes, que ocupa toda a
tela do cineteatro, comenta: “É um pedófilo junto do maior
protetor de pedófilos do País.” Para o ex-juiz, “o regime
é constituído por predadores sexuais de crianças”. O seu
movimento, garante, está a crescer. Têm “amigos em vários
locais”, uma “família alargada”, em “círculos”. E uma arma.
“O medo é muito bom se não formos nós a ter medo. Eles
têm medo de nós. E vão ter razões para ter medo de nós.”
O CAMPO DE TIRO E O “EXÉRCITO-SOMBRA”
Três dias após a conferência, Rui Fonseca e Castro foi dar
aulas à Escola Básica de Vale de Milhaços (Corroios, Seixal).
Conseguiu-o com a ajuda de uma dirigente do seu movimen-
to, funcionária do estabelecimento público. O Ministério da
Educação e a direção da escola abriram inquéritos (ver caixa).
Esta é a face visível das ações e do “exército” de Rui Fon-
seca e Castro. Mas nem tudo é o que parece.
Como qualquer pastor do seu “rebanho” ou agitador de
massas, oferece aos fiéis uma narrativa simples e conspi-
rativa sobre Portugal e o mundo. É dono de um discurso
recheado de insultos, acusações e alusões a titulares de ór-
Aderem negacionistas, adeptos
da filosofia New Age, cristãos
ultraconservadores e membros
de grupos de extrema-direita
e neonazis. Alguns têm cadastro
e até homicídios no currículo
40 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Ataques Na conferência do Habeas Corpus em Vila Praia de
Âncora, nem os humoristas ditos “do regime” escaparam às
críticas do movimento negacionista de Rui Fonseca e Castro
gãos de soberania, palavras que aquecem almas revoltadas e
instruídas pelas redes sociais em busca de um salvador. Os
“casos e casinhos” mediáticos são o seu combustível para a
contestação social. O “regime” urdiu um plano de vacinação
sinistro e “injeta substâncias experimentais em crianças
para proteger os adultos”. A pandemia é uma “invenção” das
elites mundiais para eliminar população. Portugal assiste à
“substituição populacional” por “povos islâmicos”. O socia-
lismo destrói a “família natural”, e as escolas reeducam as
crianças “para aceitarem vários parceiros sexuais”, incluindo
“professores e funcionários”.
Em Braga, a 10 de junho de 2022, famílias, crianças e até
mães a amamentar juntaram-se para ouvir algo parecido.
Tal como noutros eventos, aderiram pessoas de aparência
civilizada, cordata, banal. Dizem-se bem-intencionadas e
apologistas de uma vida tranquila, fiel a Deus, à ordem e à
tradição. Querem a Pátria acima de tudo e o Estado longe
da vista. O HC tem, segundo o ex-juiz, algumas centenas
de associados, de todas as classes sociais e profissionais, a
maioria em Lisboa. O perfil de aderentes e simpatizantes
é, na verdade, heterogéneo: inclui “militantes” de teorias da
conspiração, negacionistas, adeptos da filosofia New Age,
cristãos ultraconservadores e grupos avulsos de extrema-
-direita. De acordo com fontes policiais e dos serviços de
informação, vários recebem formação em artes marciais,
treino paramilitar e têm fácil acesso a armas, legais ou ile-
gais. Um campo para a prática de tiro na zona de Barcelos
estará a ser usado pelo próprio ex-juiz e por elementos
do movimento. O HC “não defende o recurso à violência”,
desmente Rui Fonseca e Castro. Ele defende a “transição de
regime” e a “democracia direta”.
A presença, à sua volta, de ativistas com cadastro e cur-
rículo em movimentos e organizações de extrema-direita e
neonazis é, porém, constante. E a marcha de Braga foi a que
atraiu mais “tropas” com esse perfil. Pedro Q. terá mobilizado
grupos para esta e outras iniciativas do HC. É ex-militante do
Chega, com passado na Nova Ordem Social (NOS), de Mário
Machado, e na filial portuguesa do movimento neonazi Blood

Os polémicos apoios
da câmara de Caminha
Presidente confirma à VISÃO cedência de instalações dos
bombeiros, equipamento e apoio técnico ao Habeas Corpus
No final da conferência
realizada no cineteatro
dos Bombeiros Voluntários
de Vila Praia de Âncora, e
depois nas redes sociais, Rui
Fonseca e Castro agrade-
ceu à câmara de Caminha
o apoio à realização da
mesma, “pese embora as evi-
dentes pressões em sentido
contrário que recebeu do
regime”. Ao Expresso, a au-
tarquia desmentiu apoios e
qualquer papel na organiza-
ção da sessão. Mas à VISÃO,
o presidente Rui Lages con-
firma que a câmara “cedeu
as instalações referidas e o
equipamento integrante do
espaço, acompanhado pelo
técnico responsável pela
infraestrutura”, na sequência
de um pedido por email, a
19 de outubro, assinado por
Nelson Porfírio, dirigente da
associação Habeas Corpus.
O autarca socialista foi ad-
junto do ex-ministro Eduardo
Cabrita e, curiosamente, até
tem um discurso sustentado
e público contra extremis-
LUCÍLIA MONTEIRO
mos. “Para estes novos mo-
vimentos de extrema-direita,
não interessa ver discutido
o problema de fundo! O que
pretendem é criar anátemas,
dividir a sociedade e criar
fossos na comunidade. En-
contram um ou dois temas,
de franjas da sociedade,
e erguem-no como ban-
deiras”, afirmou Rui Lages,
em novembro de 2020, em
entrevista a O Blog do Vilas,
acrescentando: “Está na
hora de encostar às cordas
aqueles que vociferam e
propagam as ideologias
extremistas de direita! Temos
de dizer ‘não!’.”
Mas há outras ajudas. Pri-
vadas. A empresa Etifast, de
Guimarães, fabricou e ofere-
ceu duas mil pulseiras para o
movimento distribuir durante
uma iniciativa na cidade, em
julho de 2022. Já neste ano,
os sócios passaram a bene-
ficiar de descontos nas aulas
do professor de jiu-jítsu
Edinaldo Silva, da academia
ZR Team, em Sintra.
& Honour, ativo em Matosinhos. Gere uma empresa de segu-
rança privada, que recruta diversos “ilegais” e já atuou como
mercenário na Síria, do lado das milícias curdas.
A ele juntaram-se frequentadores das ações e celebrações
do Blood & Honour e do Movimento Social Nacionalista,
skinheads históricos, ex-militantes do Chega e do PNR (atual
Ergue-te!), membros dos Super Dragões, claque do FC Por-
to, ex-fuzileiros e militares ainda no ativo conotados com
a extrema-direita, e antigos membros dos Hammerskins,
neonazis responsáveis por ações violentas com motivações
raciais, ideológicas e sexuais.
Alguns tratam o crime por tu. M. Gonçalves foi conde-
nado pelo homicídio de um tunisino em França, em 1995, e
José R., indiciado por ofensas corporais ao jovem angolano
Francisco Faustino, espancado e abandonado numa linha
férrea do Porto, em 1989. Alexandre C. apareceu com a
mulher e os cinco filhos. É dos mais ferrenhos da causa do
ex-juiz. Personal trainer de convicções neonazis, supre-
macista branco condenado pela morte do cabo-verdiano
Alcindo Monteiro (1995), recolheu-se no vale do rio Âncora,
em Caminha, onde organiza “rituais pagãos”. Entre as suas
visitas de casa está um casal alemão com ligações a grupos
neonazis de Bremen, que vive em Portugal desde 2019 e
explora um quarto para turistas na Sertã.
Rui Fonseca e Castro garante desconhecer este universo e
não alinha em “rótulos usados para definir tudo e todos que
não integrem o regime”. À cautela, porém, apagou das redes
sociais publicações que pudessem ser interpretadas como
“incitamento à rebelião”, palavras dele. A fachada do HC
pretende ser mais suave. Na manifestação no Funchal, em
agosto passado, falou o médico Rafael Macedo. Despedido
do serviço regional de saúde da Madeira e suspenso pela
Ordem dos Médicos, por denunciar uma alegada negligência
de colegas, diz que a pandemia é “gripe” e as vacinas, “peri-
gosas”. Outro orador foi o ex-militar Filipe Fernandes, líder
do núcleo regional do HC e propagandista do movimento
conspiracionista norte-americano de extrema-direita QA-
non. Na ocasião, prometeu revelar abusos de poder e casos
de pedofilia. Aguardemos.
“JUIZ DO POVO”: LIGAÇÕES INTERNACIONAIS
O HC é, formalmente, uma associação que promove a “de-
fesa dos Direitos Humanos”. Pelo menos, assim foi registada
num cartório de Matosinhos, a 3 de novembro de 2021, tendo
como um dos fundadores e líder Rui Fonseca e Castro, 48
anos, angolano de nascença, pai de três filhos. Com sede em
Benfica, o HC é o “templo” itinerante do antigo magistrado,
um movimento “cívico e político” com um discurso que “se
vai tornar cada vez mais agressivo”, ameaça.
Uma das fontes de “informação” mais partilhadas nos
seus canais é The Epoch Times, sediado nos EUA. O jornal
digital tem estreitas ligações à Falun Gong (também cha-
mada Falun Dafa), multinacional “espiritual” e “filosófica”
ultraconservadora, liderada por dissidentes chineses. É
editado em 33 países e 22 idiomas, incluindo o português.
Segundo a NBC, gastou 1,5 milhões de dólares em 11 mil
anúncios de apoio à primeira campanha do ex-Presidente
Trump à Casa Branca. Promove o extremismo religioso
e de direita, mas sobretudo a desinformação associada à
pandemia e à vacinação.
Rui Fonseca e Castro está ativo na Ordem dos Advogados
do Brasil, mas não exerce. Por cá, não reativou a inscrição.
Ex-emigrante no Brasil e na Alemanha, reside em Ponte de
Lima com Isabel Stodden, antiga designer de roupa desportiva
da Adidas e vice-presidente do Habeas Corpus. A pandemia
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 41
tê-lo-á radicalizado. Despiu a timidez de outrora, adotou um
perfil providencialista e acercou-se do ideário ultranaciona-
lista. Autoridades policiais e serviços de informações receiam
que a postura do antigo magistrado inspire ações mais radicais
por parte de grupos violentos ou de extremistas solitários.

O CASO FRANCÊS
O exemplo vem de França. Rémy Daillet, conspiracionista de
extrema-direita, tinha discurso idêntico ao de Rui Fonseca
e Castro, plano e meios para arquitetar um golpe de Estado.
Tentou e está acusado de terrorismo. Desde logo, a narrativa
assemelha-se: as vacinas matam, o governo é genocida, o
sistema político, corrupto e o regime está dominado por
uma elite satânica, pedófila e maçónica. Mas Rémy Daillet
deu um passo em frente. Nome histórico dos circuitos
neonazis franceses e referência dos protestos negacionis-
tas e antivacinas, tinha as armas, os explosivos e perto de
300 “soldados” disponíveis para assaltar o Eliseu e tentar
um golpe de Estado. Frustrados os seus objetivos através
da interceção de comunicações do grupo neonazi Honra e
Nação (Honneur et Nation, no original), Daillet foi detido,
e os planos da sua Operação Azur valeram-lhe, e a outros
colaboradores, acusações de terrorismo. O seu “exército”
incluía ex-polícias, ex-militares, neonazis, negacionistas,
seguidores do QAnon e figuras do movimento antissistema
Coletes Amarelos. Rémy Daillet já fora detido, pelo rapto de
uma menor, e mantinha uma rede de núcleos regionais, um
ramo paramilitar e outro civil. Visava ações violentas contra
órgãos de soberania, lojas maçónicas e centros de vacinação.
D.R.

Outras das detidas no âmbito deste processo, mas pos-

teriormente libertada e ainda sem acusação, foi a parisiense
Virginie de Araujo-Recchia, advogada de organizações e
grupos negacionistas. As suas ligações a Rui Fonseca e Castro
são por via de uma espécie de tribunal popular da opinião
pública chamado Grand Jury. O foco é desmontar “a farsa
da pandemia”, concebida pelas elites “corruptas e crimino-
sas” dos governos mundiais, com o propósito de levá-las
a tribunal e julgá-las por crimes contra a Humanidade. Os
membros do grupo são, sobretudo, advogados, mas também
políticos, educadores, financeiros e “ativistas” dos “Direitos
Humanos”, oriundos da Alemanha, Austrália, Canadá, Itália,
Nova Zelândia, EUA, Índia, África do Sul e Eslovénia.
Estas ligações externas – de que o ex-juiz recusa falar –
fizeram disparar alarmes nas autoridades portuguesas, in-
cluindo pelas narrativas comuns. Mas, até agora, Rui Fonseca
e Castro não passou do foguetório. “Nunca houve qualquer
ato de violência nos nossos eventos”, reage. Ele acusa a polícia,
isso sim, de “carregar” sobre “manifestantes pacíficos”: os seus.
A maioria dos vídeos que o ex-juiz faz e divulga nas
redes sociais é transmitida a partir da “caverna” de casa,
expressão dele. É um cenário com pedra rústica em fundo
e a bandeira das quinas presente. Aparece quase sempre de
t-shirt e mantém o ar grave, a voz cavernosa e o olhar de ave
Polícias e serviços
Protestos Marcha de Braga (em cima) terá reunido
vários membros ligados a grupos violentos. Mas os eventos
do movimento têm sempre uma fachada civilizada
de rapina, entre o zangado e o revoltado com o mundo. No
Telegram, reúne mais de nove mil seguidores. Aí, solicita
donativos para a organização e para a sua conta bancária,
neste caso, indicando o IBAN pessoal. O cargo e o trabalho
que vem com ele não são remunerados, justifica.
O advogado vende “cursos jurídicos” online, 15 euros para
membros, 20 para os restantes. Ensina a fugir às multas de
trânsito e incentiva famílias a retirar os filhos das escolas
públicas. Em alternativa, sugere a inscrição na Clonlara,
escola privada norte-americana, de ensino à distância, que
aguarda decisão do Governo para instalar um campus em
Idanha-a-Nova. “Pode ser uma boa solução para salvar os
nossos filhos da voracidade ideológica do regime”, argu-
menta Rui Fonseca e Castro. Mas dificilmente será aprovado.
Os planos de estudo e de ofertas educativas apresentados
“não se encontram reconhecidos pelo Estado”, e, por isso,
o processo de autorização revela “elevada complexidade”,
esclareceu o Ministério da Educação à VISÃO, dando como
exemplo o facto de a componente de ensino à distância es-
tar reservada a um conjunto de situações específicas “que
poderão não estar inteiramente salvaguardadas”.

de informação receiam que RAIDES SOBRE FARMÁCIAS

No cardápio do ex-juiz, não falta, claro, o prato principal:
teorias do ex-juiz inspirem um rodízio de teorias conspirativas para todos os palada-
ações violentas. Conspirações res. A do “bebé magnético” de Esmoriz é uma. A pretexto
da vacinação contra a hepatite B, teria sido introduzido no
delirantes, sem base real, são organismo do recém-nascido um metal ou microchip que, tal
como um íman, atraía ao seu corpo colheres, garfos, moedas
o prato forte das mensagens e até uma pinça. Havia vídeo e tudo. Há também o caso do

42 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023


Caso da aula de ex-juiz
origina inspeção à escola
Rui Fonseca e Castro deu aula em Vale de Milhaços. Inspeção-
Geral da Educação e Ciência apura responsabilidades
Como é que o ex-juiz nega-
cionista conseguiu dar uma
aula a dezenas de alunos
na Escola Básica de Vale
de Milhaços? Rui Fonseca
e Castro garante que não
foi uma, mas quatro aulas a
cinco turmas sobre direitos,
liberdades e garantias. E até
publicou um curto vídeo nas
redes sociais. O Ministério
da Educação só tem conhe-
cimento de uma aula, a 24
de janeiro. Mas a pergunta
é: como é que ele lá entrou?
Uma professora bibliotecária
procurava alguém para dar
uma aula sobre Direitos Hu-
manos às crianças entre os
11 e os 14 anos. A assistente
operacional Susana Porfírio,
dirigente do Habeas Corpus,
casada com Nelson Porfírio,
D.R.
LUCÍLIA MONTEIRO
secretário da direção do
movimento, aproveitou a
deixa e sugeriu o nome. A
diretora da escola aprovou,
sem averiguar o perfil do
orador. Finalizado o inqué-
rito urgente e analisadas as
conclusões, a Direção-Geral
dos Estabelecimentos Esco-
lares instaurou um processo
instruído pela Inspeção-Ge-
ral da Educação e Ciência.
Agora, a responsável pelo
estabelecimento de ensino
arrisca uma advertência ou
até o afastamento. “Existem
já outros convites, que acei-
tei sem hesitação”, desafia,
entretanto, Rui Fonseca e
Castro. A direção da escola
e a associação de pais não
responderam aos contactos
da VISÃO.
óleo de grafeno nas vacinas, usado como condicionador de
metais, tese “comprovada” por um investigador espanhol.
A exemplo de outras, aquelas duas histórias replicadas
pelo ex-juiz não passaram o teste dos verificadores de factos:
são falsas. Contudo, desistir não é com ele.
Os raides noturnos do movimento junto de farmácias
são prática corrente. Em Lisboa, Porto, Oeiras, Sintra e Gui-
marães, aqueles estabelecimentos ou outros nas imediações
“despertaram” com panfletos antivacinas ou antimáscaras
colados nas paredes. “Os portugueses estão a morrer, porque
foram coagidos a um tratamento de que não necessitavam”,
lê-se num papel. Noutros, são indicados os contactos do
HC, que dá apoio jurídico a quem apresentar ações judi-
ciais destinadas a “fazer cessar a atividade criminosa dos
farmacêuticos”. O Ministério Público arquiva a maioria das
denúncias e queixas criminais inspiradas pelo HC. O ex-juiz
culpa o “sistema de Justiça”.
O movimento promove piqueniques, encontros, protestos
e manifestações, alguns de razoável impacto, de norte a sul.
Às vezes, incluem-se aulas de defesa pessoal e meditação
coletiva. O Juiz do Povo, termo cunhado pelos seguidores,
participou em conferências – uma delas internacional, em
Fátima – para denunciar a corrupção e a “falsa pandemia”.
E também em ações de rua em Madrid e Vigo.
Rui Fonseca e Castro desdobra-se em entrevistas a
youtubers, “ativistas”, canais e publicações “alternativas”
vinculadas a setores da direita radical de Espanha, França,
Inglaterra, Itália, Polónia, Suécia e Austrália. O traço co-
mum – e o negócio – é a difusão de falsidades ou narrativas
enganadoras. Uma prática seguida pelo ex-juiz e pelo HC.
Por isso, as suas páginas nas redes sociais são bloqueadas,
suspensas ou encerradas pelas plataformas digitais. Em se-
tembro passado, o agora advogado demitiu-se da liderança
do movimento por causa de “atropelos graves e reiterados”
aos valores do HC. Algumas pessoas, alegou, estariam a
usá-lo como “plataforma para a fermentação da mentira,
da desonestidade e da cobardia”. Para remover o “cancro”,
recandidatou-se a 5 de outubro, na assembleia-geral de
Coimbra. “Trata-se de assuntos internos da Habeas Corpus,
há muito resolvidos”, menorizou à VISÃO.
O ADN E O CHEGA
O ex-juiz é secretário-geral da Alternativa Democrática
Nacional (ADN), liderada por Bruno Fialho, que acolheu
dissidentes do Chega e outros eleitores negacionistas. O
HC e o partido partilham eventos e palcos, como no 1º En-
contro da Família no Parque [Eduardo VII], em Lisboa, em
setembro. O ADN estreou-se nas legislativas de 2022 com
pouco mais de dez mil votos (0,2%), logo atrás do MRPP. A
adesão de Rui Fonseca e Castro gerou celeuma no HC, en-
tretanto apaziguada. O movimento desafiou ainda o Chega
para uma estratégia comum, mas André Ventura ter-se-á
distanciado após os contactos iniciais. Sobre isso, o ex-juiz
não fala. Mas chama “rato mentiroso” ao líder da direita
radical parlamentar. Explicará alguma coisa?
De Ventura, ele tem pouco. E, em Âncora, nem as hostes
ferveram. O público emocionou-se, sim, quando dois irmãos,
de 12 e 14 anos, envergando t-shirts do Habeas Corpus,
agradeceram o facto de não serem vacinados. “Não somos
ratos de laboratório”, justificaram. À despedida, trocaram-se
contactos e propostas de adesão com João Alpoim, do núcleo
de Viana do Castelo. Um bazar chinês do outro lado da rua
e ainda tentou um participante. “Queria levar uma prenda
para a Luana”, ponderou. “Mas, depois do que ouvi hoje, não
compro mais nada nos chineses.” mbcarvalho@visao.pt
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 43
 “A VIDA POLÍTICA
PORTUGUESA
POLARIZOU-SE
EXCESSIVAMENTE”
FOTOS: LUÍS BARRA

44
44 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Na conferência anual da revista EXAME,
o socialista Francisco Assis e o social-
-democrata Luís Marques Mendes
juntaram-se para a rubrica Clube dos
Moderados. Uma conversa em que os
dois concordaram no diagnóstico sobre
o estado do País: faz falta mais diálogo,
mais ambição e mais competência
— P O R M A FA L D A A N J O S

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 45

4 5
F
Francisco Assis é, desde 2020, pre-
sidente do Conselho Económico e
Social (CES), um espaço de diálogo
social por excelência. Luís Marques
Mendes, comentador e conselheiro
de Estado desde 2016. Os dois fa-
zem jus ao nome da rubrica habi-
tual na conferência anual da revista
EXAME – Clube dos Moderados.
Com a economia como pano de
fundo, juntaram-se na semana
passada para uma discussão sobre
o estado do País e o momento que
vivemos.
Enfrentamos um momento pa-
radoxal: temos contas públicas
com brilharetes, um défice que
pode ficar nos 1,3% e crescimento
económico de 6,7% em 2022, mas
contas privadas muito apertadas,
famílias a braços com uma infla-
ção recorde em décadas e taxas de
poupança em mínimos históri-
cos. Esta situação é uma panela de
pressão social?
Francisco Assis: Vivemos uma
guerra no nosso continente, em
que temos uma inflação que tem de
ser controlada e obriga à adoção de
políticas de natureza restritiva, que
se traduzem, na prática, em efeitos
na vida das famílias, com aumento
das taxas de juros e o seu impacto
nos empréstimos… É evidente que
este é um momento de tensões. E é
um aspeto que tem de ser discutido
com racionalidade e elevação, que é o
facto de ser necessária uma polí-
tica séria de imigração. O País tem
um problema de demografia muito
profundo; é um problema estrutural,
que pode e deve resolver-se por duas
vias: uma é aumentar a taxa de na-
talidade – mas não foram só fatores
de natureza económica e social que
levaram a esta redução, foram sobre-
tudo fatores de modelo de organiza-
ção da sociedade, e não se consegue
reverter isso de um momento para o
46 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
outro –; e a outra é recebermos imi-
grantes. Mas, para isso, precisamos
de ter uma política de imigração. Não
podemos andar num campeonato, a
saber quem é que tem uma posição
moralmente mais elevada em relação
a esse tema – essa é a pior forma de
abordar o assunto.
Como viu a tomada de posição do
Presidente da República com um
recado a Luís Montenegro e a Car-
los Moedas?
Francisco Assis: Não é só o Presi-
dente da República... O problema
é a discussão fazer-se sempre em
termos puramente morais, com mo-
ralidade básica, diga-se de passagem,
e nunca se fazer nos termos rigoro-
sos em que tem de ser feita. Há uma
dimensão política séria, e económica
também, mas, do ponto de vista da
economia, é uma evidência. Estive
em França há dias, e aquela é uma
sociedade em polvorosa absoluta,
porque vai ser votada a proposta de
passar a idade de reforma de 62 para
64 anos, algo que gerou uma reação de. Como chegámos a esta confli-
brutal, e não apenas dos extremos, tualidade, crispação e radicaliza-
com confrontos nas ruas, de contor- ção do discurso e do debate? Isto
nos preocupantes. A direita francesa não é prejudicial para o desenvol-
gosta de lembrar isto, com maldade vimento do País?
naturalmente, mas, em 1970, o se- Luís Marques Mendes: Nos últi-
cretário-geral do partido comunista mos anos, em Portugal, temos duas
francês, Georges Marchais, tinha a características, ambas negativas: a
preocupação de dizer: “Alto, que é primeira é que se discute sempre
preciso ter um bocadinho de cuidado aquilo que é lançado pelo Chega na
com a política de imigração!” Claro agenda política – toda a gente critica
que ele, na sua ótica marxista-leni- o partido, mas, quando lança um
nista, via tudo em termos de luta de debate, vamos todos atrás –; a se-
classes e achava que quem queria gunda é que temos outro vício muito
os imigrantes eram os empresári- cultural: tratamos o que é urgente e
os, porque assim mantinham a mão deixamos o que é estruturalmente
de obra mais barata – e a verdade é importante. Eu subscrevo tudo o que
que não seria inteiramente falso, o o Francisco Assis disse. Acho que
Marx, do ponto de vista da análise do esta questão da política de imigração
concreto, em muitas coisas acertou; é importante, mas está longe de ser
na previsão, acertou menos [risos]. uma das grandes prioridades do País.
Com exceção dos pontos de vista E, se não tivesse sido introduzida
absurdos, que são aqueles eticamen- há dias, não estaríamos aqui, hoje, a
te inaceitáveis, como os que queriam levar o debate para este tema. Penso
que, por racismo ou xenofobia, nos que o problema maior que Portugal
fechássemos inteiramente sobre nós tem, neste momento, é que a política
próprios, o que contraria até a nossa está numa encruzilhada. E a políti-
história nacional, ou aqueles que ca é decisiva para que tudo o resto
acham que, em nome de valores abs- ande melhor ou pior. Há duas ou
tratos, devíamos abrir em absoluto as três coisas profundamente negati-
portas… entre uns e outros, é possível vas, e é nessas que me parece que o
moderação, e deve haver um debate País se devia concentrar. As maio-
sobre esse tema. rias absolutas são boas, porque dão
Francisco Assis falou da questão estabilidade, dão governabilidade aos
da imigração como exemplo de governos e dão tempo às oposições
uma discussão que, de repente, para se prepararem para ser alter-
passa para alguma irracionalida- nativas, mas esta maioria absoluta

protagonizaram um debate
vivo na conferência
“Portugal em Exame”
veio no tempo errado. Se viesse em
2019, poderia ter sido útil. Agora,
o primeiro-ministro está farto do
Governo e do País, e os portugue-
ses estão fartos do primeiro-minis-
tro [risos da plateia]! Isto é a pura
verdade. Ele está farto do Governo,
gostaria de estar a preparar a sua ida
para Bruxelas e está aqui amarrado
a uma coisa para a qual já não tem
paciência… Eu já vivi por dentro o
fim do chamado cavaquismo, e é em
tudo igual ao que estamos a viver, em
que já ninguém tinha paciência para
o primeiro-ministro e o primeiro-
-ministro já não tinha paciência
“Esta maioria para nenhum de nós. Torna-se uma
situação ingovernável. Isto é perigoso
absoluta veio no do ponto de vista nacional e conduz
tempo errado. Se a várias encruzilhadas.
E quais são os outros problemas?
viesse em 2019, Luís Marques Mendes: O segundo
problema sério é que olhamos para
poderia ter sido útil. a vida política e se, por um lado, esta
solução governativa parece esgo-
Neste momento, tada, por outro, olhamos para a
o primeiro- alternativa, e ela não parece sólida e
consistente. Todos sabem a que lado
-ministro está farto da política eu pertenço, mas gos-
to de ser sério e verdadeiro. Claro
do Governo, e os que é preciso tempo, e, por isso,
portugueses estão eu defendo que eleições antecipa-
das seriam um desastre de todo o
fartos do primeiro- tamanho – seria a solução fácil, mas
não sustentável. Do ponto de vista
-ministro!” económico, por fim, o que me pre-
Luís Marques Mendes ocupa é que continuamos a não ir às
Diálogo Os dois políticos
questões essenciais. Neste momento,
estamos concentrados no D. Sebasti-
ão da política, que é o PRR. Se o PRR
for executado dentro dos prazos e
tiver resultados, ótimo. Mas não nos
podemos esquecer de que todos os
países têm PRR: a Hungria, os países
do Leste, que concorrem connosco e
nos ultrapassam em metas, a Espa-
nha… Não é por aí que vamos fazer a
diferença para passarmos a ser mais
competitivos. Andamos sempre à
procura do D. Sebastião, mas esque-
cemos que, se chegarmos a 2026 e
não fizermos mais nada de estrutu-
ral noutras áreas, corremos o risco
de continuar na cauda da Europa.
Há um mês, saiu mais um relatório
anual de um instituto internacional
sobre a competitividade da economia
portuguesa e de mais sessenta e tal
países, e Portugal caiu nove lugares
em seis anos. Ali, foram apresenta-
das duas falhas sérias: competitivi-
dade fiscal e más práticas de ges-
tão. E estes assuntos ninguém quer
discutir: a esquerda não quer olhar
para a questão da baixa de impostos,
e temos um problema seríssimo de
perda de competitividade nesse do-
mínio; e a direita não quer olhar para
o problema da gestão. Chegámos a
uma fase da vida nacional em que es-
tamos melhor do que vários outros,
mas podíamos estar muito melhor.
Temos de ter ambição. E temos de
olhar para aquilo que é realmente
importante do ponto de vista estru-
tural, e não apenas para aquilo que
é apenas urgente do ponto de vista
conjuntural.
É esta política numa encruzilha-
da que não tem permitido pensar
num projeto estrutural para o
País?
Francisco Assis: O momento ade-
quado para o fazer é precisamen-
te este. Eu, aqui, discordo, porque
acho que a questão da imigração já
é um tema central em toda a Europa
e já é um tema central em Portu-
gal. Percebo que o dr. Luís Marques
Mendes não o valorize tanto como
eu, e procurou colocar a questão no
crescimento da economia e na sua
articulação com a dimensão da po-
lítica. Temos tentado, no CES, fazer
o seguinte: além de prestar apoio ao
processo da concertação social, que,
a meu ver, pode ser melhorado, te-
mos procurado assumir plenamente
ser uma instância central na função
consultiva do Estado e fazer análi-
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 47
se prospetiva dos grandes proble-
mas que se colocam ao País. Sobre
a questão demográfica, elaborámos
um parecer, e é na sequência dele
que constatámos a necessidade de
recorrer a imigração em grande es-
cala. E o segundo grande parecer que
estamos a fazer é sobre a questão da
produtividade. É um dos enigmas:
depois de 20 ou 30 anos em que
fizemos um grande investimento em
qualificações, Portugal deu um salto
notável, aumentámos substancial-
mente o número de pessoas licen-
ciadas, com mestrados, mas como é
que continuamos a manter um nível
de produtividade que está em 70%
da média comunitária? Porque é que
não transformamos estas competên-
cias num aumento real da produ-
tividade e, assim, num aumento
significativo do crescimento econó-
mico? Temos de ver as circunstâncias
em que ocorreu esse aumento do PIB
de 6,7%, e que, neste ano, vai baixar
substancialmente: Portugal teve uma
quebra brutal – fomos dos últimos
países a reerguer-se no contexto
europeu. Não podemos ficar satis-
feitos, porque, num ou noutro ano,
estamos a crescer acima do ritmo
europeu zero vírgula qualquer coisa
por cento, quando a média europeia
baixa muito, uma vez que os outros
países estão com crises graves e a
crescer anormalmente abaixo do que
seria a sua perspetiva. Não podemos
ficar satisfeitos com uma coisa destas
– devíamos estar a crescer muito
mais. E esse tem de ser um grande
desígnio nacional. Os últimos anos,
infelizmente, não foram propícios a
isso. A vida política portuguesa, des-
de há uns dez, 12 anos, polarizou-se
excessivamente. E essa polarização
não pode ser estritamente imputada
aos partidos políticos que se colocam
mais nos campos extremistas, seja
o Chega, de um lado, ou o Bloco e o
PCP, do outro. Estou a falar do PS e
do PSD.
Falta diálogo ao centro?
Francisco Assis: O PS e o PSD per-
deram a capacidade de falar um com
o outro. Acho que as responsabili-
dades estão repartidas, mas tenho a
minha opinião e não vou divulgá-la
aqui… Há esta incapacidade dos dois
partidos de falarem e, nalguns temas,
até fazem um esforço para estar em
divergência onde naturalmente es-
tariam em convergência. Porque têm
o mesmo modelo de organização
48 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
económica e social – nem o PS é um
partido coletivista, nem o PSD é um
partido liberal. Há pontos em que o
PS tem maior preocupação com o
Estado social e com a promoção de
políticas de incentivo à igualdade, e
o PSD confia mais na iniciativa pri-
vada e na capacidade de o mercado
se regular, mas é possível haver um
entendimento. Algumas conclusões
importantes são estas que aqui fo-
ram referidas: há um problema sério
ao nível de gestão e de organização
do Estado e dos privados. Temos um
tecido empresarial que precisa de se
“Não podemos
ficar satisfeitos,
porque num
ou noutro ano
estamos a crescer
acima do ritmo
europeu zero
vírgula qualquer
coisa por cento,
quando outros
países estão com
crises graves”
Francisco Assis
transformar; há muitas PME que são
muito pequenas ao nível europeu. O
PRR é apenas um instrumento – que
os outros países também têm, de
facto. A questão fundamental é saber
como é que esse dinheiro vai ser
aplicado e se, no final, o País assis-
tiu a uma alteração estrutural do seu
aparelho produtivo, do seu modelo
de Estado, ou se verdadeiramente
nada de substancial mudou e aque-
le dinheiro apenas serviu para ser
uma espécie de complemento dos
orçamentos do Estado e até serviu
para suprir algumas insuficiências
orçamentais num momento em que
o País mantém algumas restrições,
devido à circunstância de termos
uma dívida pública bastante elevada
e, agora, estarmos muito mais ex-
postos do que estávamos há um ano,
por causa das alterações da política
do BCE. Esta equação é muito difícil,
com as variáveis diversas e por vezes
muito contraditórias, e não é fácil al-
cançar um certo equilíbrio. Entendo,
por isso, que era interessante que,
pelo menos, os dois maiores partidos
políticos portugueses fossem capa-
zes de falar um com o outro, como
falaram algumas vezes. Recordo-me
de quando o dr. Marques Mendes
era líder parlamentar, os líderes dos
nossos partidos eram o Eng. Guter-
res e o Professor Marcelo Rebelo de
Sousa, e fez-se, por exemplo, uma
revisão constitucional. Viabilizaram-
-se orçamentos do Estado, e o PSD
não deixou de ser um grande partido
da oposição e, mais tarde, ganhou
eleições. Foi possível fazer isso
porque os dois tinham uma relação
conhecida – que facilitou bastante
as coisas e dificultou bastante a vida
aos líderes parlamentares [risos]
–, mas como é que se fez a revisão
constitucional de 1982 e a de 1989?
Com sentido de responsabilidade. Já
 Consensos Ambos
concordam que falta diálogo
ao centro. Há matérias em
que PS e PSD podem
e devem entender-se
houve momentos em que foi possível
chegar a entendimentos de fundo,
sem que os partidos perdessem as
suas identidades e deixassem de se
constituir em partidos alternativos
um ao outro.
Com a maioria absoluta altamen-
te desgastada, como é visível, a
oposição no estado em que está, é
possível este diálogo ao centro? E
em que áreas era essencial que ele
fosse feito?
Luís Marques Mendes: Subscrevo o
que o Francisco Assis diz. É essenci-
al. Eis um exemplo imediato em que
em 24 horas se entenderiam: há anos
que andamos a discutir a questão dos
metadados. Sei que não é um tema
caro, mas está a causar perturbações
enormes. Um dia destes, há liberta-
ção de presos por causa dessa maté-
ria, e temos o populismo à direita e à
esquerda a fazer disso um caso. E, aí,
toda a gente vai perceber, que é nor-
malmente o que acontece em Por-
tugal – normalmente, só reagimos;
nunca agimos. PS e PSD pensam
rigorosamente a mesma coisa sobre
esta matéria; como é possível não
se mudar uma alínea numa revisão
Com o apoio de:
constitucional – porque é que não se
entendem? Porque não são bons da
cabeça, politicamente falando! Não
há coragem de afirmar a moderação
no sentido da responsabilidade. Por-
que todos, PS e PSD, estão a pensar:
“Ah, se faço isto, depois, tenho logo
críticas internas.” A vida política faz-
-se com este taticismo, e isto é um
desastre. Estive 13 anos dentro de
quatro governos, tenho uma expe-
riência única para perceber isto. E,
hoje, uma das grandes diferenças
relativamente ao passado é que tudo
se lê de forma tática e para nada há o
mínimo de sentido de responsabili-
dade e de visão estratégica. Fui líder
da oposição, que reconheço que é
um lugar difícil. E toda a gente sabe,
pelos meus comentários públicos e
por aquilo que, já na altura, dizia, em
2005 e 2006, do então primeiro-mi-
nistro José Sócrates, mas isso não me
impediu de fazer com ele um acordo
em 24 horas, que é estruturante
para a democracia portuguesa: o da
limitação de mandatos dos autarcas,
que não havia em Portugal. Fizemos
esse acordo, apesar de não gostar-
mos nada um do outro! Mas nada!
Porque
é bom ler
Para mais informações: frc6@sapo.pt ou ligue 913 998 221
Ele nunca me suportou, e eu tratei-o
na mesma moeda. Mas, além do pro-
blema conjuntural, há um problema
ainda mais sério, que é estrutural
e que contamina a economia: sem
bons decisores políticos, não há boas
decisões políticas. E, hoje, temos
um problema de competência. A
competência na vida política, tanto
no poder como no lado da oposi-
ção, baixou brutalmente. E isto não
tem que ver com corrupção: a maior
parte dos dirigentes políticos não são
corruptos, mas uma parte é incom-
petente. Os partidos têm de impor
critérios mais exigentes aos seus
dirigentes políticos. Para concluir,
temos de ter um sentimento de am-
bição. Não somos um país pequeno;
no quadro da Europa, somos um país
médio, quer em território quer em
população. E temos de olhar para os
problemas importantes, e não apenas
urgentes, e tratá-los. Temos de fazer
entendimentos para desbloquear
situações e introduzir, na agenda
nacional, novas formas de desenvol-
vimento, como, por exemplo,
a Inteligência Artificial.
visao@visao.pt
EDIÇÃO MENSAL
GRATUITA,
EXCLUSIVA PARA
INVISUAIS
Papel fornecido por:
A VIDA SECRETA
DOS ANIMAIS
DO GERÊS
Seis verões, quase um milhão de imagens e mais
de 14 mil observações depois, os primeiros
resultados de um estudo de monitorização
a longo prazo dos mamíferos no Parque Nacional
da Peneda-Gerês trazem várias surpresas.
E recuperam uma história antiga de cabras
— POR ROSA RUELA

LUCÍLIA MONTEIRO
N
Naquele dia, Henrique Pereira andava a passear
sozinho na serra da Peneda quando começou a
ouvir “tac, tac, tac...”. Era um ruído repetitivo,
mas irregular, que o biólogo não identificou
logo. “Pareciam umas rochas a cair do monte,
não muito longe”, recorda. “Só quando pus os
binóculos é que vi que eram dois machos de
cabra-montês à luta, numa escarpa rochosa,
com os cornos um contra o outro, e uma série
de cabras a assistir.”
Não era a primeira vez que este especialista
em biodiversidade via cabras-monteses por ali,
mas, passados quase dois anos, relembra essa
observação como “a mais impressionante” de
sempre. Afinal, durante perto de 100 anos não
tinha sido possível presenciar aquele ritual no
Parque Nacional da Peneda-Gerês, no Norte
de Portugal.
A história da cabra-montês (Capra pyre-
naica), na zona raiana entre o Minho, Trás-os-
-Montes e a Galiza, é longa e tem de tudo um
pouco – até de mistério. Já voltaremos, por
isso, a ela, mas para já centremo-nos no estudo
que Henrique Pereira coordena, há quase uma
década, num dos mais belos pedaços do único
parque nacional português, nas imediações de
Castro Laboreiro.
Iniciado em 2015, o estudo em curso tem
como objetivo perceber a dinâmica na área
entre as várias populações de mamíferos
selvagens de grande e médio portes (cabras-
-monteses, claro, mas também corças, javalis,
raposas, lobos, texugos, martas, ginetes, vea-
52 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Convivência Segundo
este estudo, os
mamíferos selvagens
não parecem evitar os
locais habitados pelos
cavalos e gado que
ali passam uma boa
parte do ano. Raposas,
corças, javalis e até
cabras-monteses
foram observados
nos mesmos habitats
Algumas
dos) e os cavalos quase assilvestrados, além
do gado doméstico que vive em liberdade.
Os investigadores querem saber como todos
eles interagem num ambiente relativamente
natural e como essa interação se altera ao
longo do tempo.
A PRIMEIRA SURPRESA
Nos últimos 60 anos, tem acontecido um
abandono agrícola naquela zona do parque,
além de se ter alterado a maneira como o
pastoreio é feito. Ao mesmo tempo, também
houve alterações na caça e na perseguição de
certas espécies, nomeadamente dos lobos.
Todas estas mudanças tiveram um impacto
visível na floresta e na vegetação arbustiva, mas
falta perceber como a comunidade de grandes
mamíferos selvagens interage com os cavalos
e com o gado, que ali passam uma boa parte
do ano. Haverá conflitos entre eles?
Para tanto, desde 2015 e sempre nos meses
do verão, foram instaladas 64 câmaras-ar-
madilha nas freguesias de Castro Laboreiro
e Lamas de Mouro, numa grelha de 16 km²,
fotografias, limitados a sul pelo santuário da Senhora da
Peneda. É uma zona de serra, com rochas nuas
em que (45,30%), arbustos baixos (20,13%), floresta
de carvalho (18,77%), arbustos altos (8,64%),
os animais pinhal (3,63%), lameiros e outros campos agrí-
parecem colas (2,42%) e infraestruturas urbanas (1,11%).
Existem trilhos de montanha, medievais, mas
estar a tirar é uma região agreste, com altitudes entre os
300 e os 1 340 metros.
selfies, são “Estamos a falar de uma serra que tem
um bónus grandes domos graníticos, que é como se cha-
ma em geologia aos rochedos, e que localmen-
que torna te são conhecidos por fragas”, há de ensinar
Henrique Pereira, num dos telefonemas que
o trabalho trocamos nos intervalos do seu trabalho na
científico Universidade Martin-Luther de Halle-Wit-
tenberg (MLU), na Alemanha, onde dá aulas e
mais coordena diferentes projetos de investigação.
“Torna-se complicado colocar as câmaras,
divertido porque há muitas zonas de difícil acesso.”
 As câmaras foram distribuídas aproxima-
damente de 500 em 500 metros, mas o que
na cidade são cinco minutos a andar, ali pode
demorar meia hora ou mais. Depende do ter-
reno. “Por causa do relevo e dos arbustos, que
são altos, muitas vezes temos de ir à volta. Não
somos cabras”, ri-se o biólogo.
Apesar dos obstáculos, o estudo foi sempre
avançando. E, entre outras surpresas, os pri-
meiros resultados, publicados recentemente
no Biodiversity Data Journal, revelam que a
cabra-montês, em 1908 considerada extinta
no território nacional, é hoje uma espécie em
franca expansão naquela zona do parque.
Essa não foi, porém, a única surpresa. Os
investigadores chegaram a mais resultados
“interessantes”, adjetiva Henrique Pereira, a
começar pela densidade por km² de vários
outros mamíferos de que não havia estimati-
vas tão precisas. Algumas fotografias, em que
alguns animais parecem estar a tirar selfies,
são um bónus que torna o trabalho científico
mais divertido.
Na maioria das vezes, os animais passam
pelas HC600 Hyperfire sem darem pela sua
existência, sobretudo à noite porque elas dis-
param uma luz infravermelha muito ténue,
apenas visível quando se olha diretamente ou
quando se está realmente próximo. Noutras,
estranharão estas volumosas câmaras atadas
a árvores, a sensivelmente um metro do solo.
OS ANIMAIS “APANHADOS”
Entre 2015 e 2021, os investigadores obtiveram
quase um milhão de imagens e mais de 14 mil
observações. Isto apesar dos roubos e do mau
funcionamento de algumas das câmaras, e das
restrições de viagem por causa da pandemia
Covid-19 que fizeram com que estas tives-
sem de ficar no terreno entre junho de 2020
e maio de 2021.
Foi essa a única altura em que a distância
geográfica prejudicou o regular andamen-
to deste estudo. Mesmo depois de se tornar
professor e investigador na MLU, já há uma
Uma longa década, o biólogo ruma constantemente a
Castro Laboreiro, seja porque tem uns dias de
história férias seja por ter trabalho de campo para fazer.
Extinta durante quase 100 O estudo foi iniciado por uma sua aluna de
anos, a cabra-montês foi doutoramento, Andrea Perino, e depois conti-
reintroduzida no Gerês, nuado por Annika Zuleger, atual doutoranda.
acidentalmente Henrique Pereira tem sido sempre o líder do
1892 É observado projeto e um dos seus maiores entusiastas. O
um último indivíduo, biólogo dirigiu o Parque Nacional da Pene-
na Lomba do Pau da-Gerês entre 2006 e 2009 e considera-se
castrejo.
1908 Durante uma A família é de Guimarães e ele já cresceu em
excursão venatória, Lisboa. Mas, há mais de 20 anos, escolheu fazer
promovida pela revista o seu trabalho de campo na região de Castro
Illustração Portugueza, Laboreiro, e passava lá tanto tempo que de-
confirma-se a extinção cidiu recuperar uma casa numa “inverneira”,
uma aldeia de inverno, no vale. Sempre gostou
1992 A cabra-montês de fazer caminhadas por ali, mas quando, na-
é reintroduzida no Parque quele dia de maio de 2021, foi surpreendido
Natural do Invernadeiro, pela ruidosa luta dos dois machos de Capra
em Espanha pyrenaica, ainda não sabia que a espécie já
estava em expansão na zona.
1997 O Parque Natural As câmaras-armadilha são uma ferra-
da Baixa Límia-Serra do menta eficaz para estudar as interações e a
Xurês recebe 18 cabras- dinâmica de ocupação das espécies, porque
-monteses permitem uma monitorização a longo prazo
com um mínimo de interferência, lembra-se
1999 Três cabras- no relatório do estudo. Estas estiveram ativas
monteses escapam de 24 horas por dia e tinham sido programadas
um cercado galego e são com um sensor de movimento, para tirarem
vistas no Parque Nacional três fotografias consecutivas de cada vez que
da Peneda-Gerês fossem acionadas por um animal.
As imagens recolhidas foram classificadas
2009 O diretor do parque manualmente e logo agrupadas em sequências,
espanhol liberta uma representando cada sequência uma ocorrência
dezena de indivíduos, ao distinta, resultando em 80 191. Destas, 14 442
lado da serra da Peneda continham observações de uma espécie, en-
quanto as restantes ou estavam em branco ou
2023 Estima-se que a espécie não era identificável. Note-se ainda
existam mais de 200 que, em cada fotografia, apenas se registou a
cabras-monteses na serra presença ou a ausência de uma espécie, des-
do Gerês e 60 a 70 considerando-se o número de indivíduos.
na serra da Peneda No total de todos os anos, a maioria das ob-
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 53
servações foi de gado doméstico e de cavalos,
seguidos de corças e de javalis. Em número
muito menor, e por ordem decrescente, as
câmaras também apanharam raposas-verme-
lhas, cães domésticos, lobos-cinzentos, cabras-
-monteses, aves, pequenos roedores, ovelhas e
cabras domésticas, martas-das-pedras e gine-
tes comuns. Por fim, foram ainda fotografados
menos de uma dezena de veados-vermelhos,
texugos-eurasiáticos, coelhos-europeus, gatos
domésticos e lagartos.
“Com este estudo, obtivemos estimativas
para as densidades destas espécies. Não havia
com esta precisão”, nota Henrique Pereira. “Por
exemplo, no lobo temos agora uma estimativa
que nos dá uma abundância de 0,15 indivíduos
por km², ou seja aproximadamente um lobo
por 7 km².”
No caso das corças, a densidade é de seis
indivíduos por km², ou seja há 50 vezes mais
corças do que lobos, “o que faz sentido, porque
um lobo tem de comer várias corças por ano”,
lembra o biólogo. “E, se formos para os javalis,
a estimativa também é mais alta do que a dos
lobos: três indivíduos por km².”
Segundo o relatório, no gado bovino e equi-
no estamos nas dezenas – quase 11 cavalos por
km² e cerca de 20 cabeças de gado por km².
E as raposas-vermelhas serão o dobro dos
lobos, embora os investigadores frisem terem
obtido muito poucas observações destas duas
espécies perto das câmaras, indicando que
alguns animais podem não ter sido detetados
a pequenas distâncias.
Quanto às corças, elas são muitas e vivem
em todos os habitats. “Nesta região, a corça
é a espécie que aparece em vários sítios, tem
uma distribuição muito ampla”, já sabia Hen-
rique Pereira. “Embora haja mais cavalos e
bois do que qualquer mamífero selvagem, eles
só ocupam uma parte do habitat, enquanto a
corça está em todo o lado.” Lembre-se que o
gado bovino baixa aos estábulos no inverno
e, por vezes, mesmo no resto do ano, à noite,
enquanto a corça nunca sai dali.
Em muito menor número do que o espera-
do está o coelho, hoje raro. Das duas observa-
ções em 2015, passou-se para seis, em 2016, e
zero de 2017 a 2021. “É surpreendente, porque
historicamente havia muito mais”, diz o biólo-
go, “mas o coelho teve a mixomatose e a febre
hemorrágica que o dizimaram... E era caçado,
o que levou a que praticamente desaparecesse.
Era bom termos coelhinho, há alguns, já vi,
mas não temos imagens.”
As câmaras talvez não estejam a uma altura
ideal para detetar coelhos, ressalva, ainda assim
é surpreendente e de lamentar a sua raridade
naquela zona do parque. “Todas as espécies
têm uma função no ecossistema. Os coelhos
são alimento para o lobo e para outros carní-
voros”, esclarece.
As outras populações de mamíferos pa-
recem estáveis, à exceção da cabra-montês,
como se viu. O estudo vai continuar, mas a
54 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Infravermelhos
As câmaras-
-armadilha
estiveram ativas
24 horas por
dia, captando
os animais
mais dinâmicos
depois de
escurecer, porque
historicamente
eram caçados
tendência de expansão desta espécie já parece
muito clara.
O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO
DAS CABRAS
A sua história é longa, mesmo recuando
apenas a 1892, ano em que José Thomaz de
Sousa Pereira, o silvicultor que deu início ao
repovoamento florestal da serra do Gerês no
final do século XIX, observou uma última
“cabra-brava” na Lomba do Pau. Anos depois,
setembro de 1908, a revista Illustração Por-
tugueza promoveria uma “grande excursão
venatória, científica e de turismo” ao Gerês,
Em 1908, na com o patrocínio do rei D. Miguel, que con-
firmou a extinção da espécie.
excursão Durante três dias, a serra foi percorrida
por caçadores e naturalistas que regressaram
que con- convictos de que não sobrevivera um único
exemplar da variedade hispânica daquela
firmaria a cabra selvagem. Num “dos mais abundantes
extinção da viveiros da caça grossa do País, guardado
zelosamente pelo Estado e onde há anos ne-
cabra-mon- nhum caçador obtivera licença para caçar”, os
78 caçadores e cerca de 100 batedores apenas
tês, o silên- abateriam seis corças e umas 80 perdizes.
cio da ser- O programa teve direito a um filme, apre-
sentado no Salão Central, em Lisboa, e a
ra iria im- várias reportagens ilustradas por clichés de
Joshua Benoliel. Além da extinção da “cabra-
pressionar -brava”, para a história ficava que a revista
caçadores e conseguira levar a bom termo a ambiciosa
expedição que incluía um acampamento
naturalistas montado a 1 500 metros de altura, num re-

moto e agreste planalto entre penhascos e
urzes, capaz de abrigar 300 pessoas e “ilumi-
nado pelos leques fulgurantes do acetileno”.
Os excursionistas terão ficado surpreen-
didos com os almoços volantes, servidos em
alvas toalhas pela equipa do Hotel Ribeiro do
Gerês que garantiu sempre pão fresco a todas
as refeições. Mas ainda mais, espera-se, com o
grande silêncio da serra, “que só o estalar das
urzes desmanchava ao de leve”, e com vistas
belíssimas como a do “formidável corredor
de montanhas”, por onde descia, “encurralado
entre calhas de penedia, o rio Homem”, que
o repórter comparava com “as mais impres-
sionantes ilustrações de Gustave Doré para ‘O
Inferno’, de Dante”.
Quanto à cabra-montês, ela só voltaria a
ser vista no Gerês quase um século mais tarde,
quando Miguel Dantas da Gama, cofundador
do FAPAS (Fundo para a Proteção dos Animais
Selvagens), andava a recensear a águia-real.
“Sábado, 20 de fevereiro de 1999”, registou
o ambientalista. “De repente, as silhuetas de
um, depois dois, finalmente três animais, uns
200 metros abaixo do topo da escarpa onde
me encontro, fazem-me instantaneamente
pensar no que não posso acreditar. O binóculo
desfaz, historicamente, a dúvida. São 14h50. A
cabra-montês está de volta a Portugal! O Gerês
não me parece o mesmo! Um reixelo (macho
adulto), uma fêmea e uma cria pastam em li-
berdade no Parque Nacional da Peneda-Gerês!”
Em 1992, o FAPAS tinha tentado que o
Ministério do Ambiente intercedesse junto
de Espanha para trazer para Portugal alguns
exemplares, sem êxito. Nesse mesmo ano, a
Junta da Galiza introduziu no Parque Natural
do Invernadeiro quatro machos e oito fêmeas,
vindos de uma reserva em Salamanca. E, cin-
co anos depois, quando o grupo já ia nos 70
indivíduos, foram transferidos 18 para Parque
Natural da Baixa Límia-Serra do Xurês.
Os três animais que Miguel Dantas da
Gama viu tinham escapado de um cercado
galego, junto à serra do Gerês, e, em pouco
tempo, iriam colonizar aquela zona do parque
português. Só dez anos mais tarde, em 2009,
é que o diretor do parque espanhol libertou
intencionalmente uns indivíduos mesmo ao
lado da serra da Peneda.
“É aí que vemos agora a sua expansão”,
explica Henrique Pereira. “Elas começaram
por ocupar a zona da fronteira e, ao longo dos
anos, vemo-las a virem para o ocidente e cada
vez mais indivíduos. Nessa zona, Portugal está
a oeste de Espanha porque faz ali uma covi-
nha. Tem Espanha no meio, a serra do Gerês a
oriente, e a serra da Peneda a ocidente.”
As cabras-monteses observadas no estudo
de monitorização dos mamíferos são o resul-
tado dessa segunda reintrodução, intencional.
Entre umas e outras, há 30 e tal quilómetros
em linha reta, o que é muito. As cabras do Ge-
rês nunca chegaram à serra da Peneda.
Enquanto no Gerês existem atualmente
mais de 200 indivíduos, na Peneda serão
60 a 70. “O nosso estudo demonstra que o
número de cabras-monteses está a crescer
depressa e que, nos últimos dez anos, se mo-
veram uns seis ou sete quilómetros”, conta o
biólogo. “Têm vales escarpados no meio, têm
de atravessar rios e subir a cordilheira outra
vez… No primeiro ano, não são encontradas no
lado mais ocidental, mas depois começaram
a mover-se. A população vai crescendo e elas
têm de procurar outros terrenos, até por causa
dos machos que se poriam à luta.”
Além da clara expansão da Capra pyre-
“No lobo naica, simbólica no Gerês, os investigadores
depararam com mais uma surpresa: os locais
temos agora habitados pelo gado não são evitados pelos
mamíferos selvagens. Segundo a análise dos
uma esti- dados feita até agora, entre os herbívoros, não
mativa que há evidência de uma competição pelo espaço,
mas os investigadores querem saber qual é o
nos dá 0,15 período do dia em que os animais estão mais
ativos e também o que acontece quando há
indivíduos uma alteração do clima.
por km², ou “Os herbívoros selvagens, porque historica-
mente eram caçados, só estão ativos no final do
seja aproxi- dia, quando está a escurecer”, lembra Henrique
Pereira. “E quando está lua cheia? Pensámos
madamente que íamos conseguir vê-los melhor, mas os
lobos estão mais ativos e uma coisa cancelará
um lobo por a outra?” São essas as análises que a equipa
7 km²” de Henrique está agora a fazer – para ver se
descobre mais alguns segredos dos animais
Henrique Pereira do Gerês. rruela@visao.pt
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 55
 ---------- I M O B I L I Á R I O

QUANTO
CUSTAM AS CASAS
NA EUROPA

56 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

 Lisboa é a cidade europeia onde o valor da habitação é mais
exorbitante, em relação ao nível de preços do seu próprio país.
Nesse perturbador top 10 encontramos também o Porto, à frente
de Londres, uma das capitais mais caras do mundo. Nas próximas
páginas ficamos a conhecer o valor do metro quadrado
em 36 cidades e percebemos onde nos situamos neste
“campeonato” da valorização dos bens imobiliários
— POR ALEX ANDRA CORREIA E MARISA ANTUNES

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 57

 ---------- I M O B I L I Á R I O
É
É um apartamento muito pequeno,
tem 49 metros quadrados, dois quar-
tos e uma sala de estar com kitche-
nette e pouquíssima luz, a mesa de
refeições quase em cima da televisão,
a televisão sem distância para o sofá…
Está na plataforma Idealista a €9 184
o metro quadrado, €450 mil, mais
€95 mensais de condomínio. Mas
vive-se na Calle de Goya, no mais
distinto bairro madrileno, Salamanca.
Por esse preço, e com o mesmo
tamanho, compramos um T2 no
Chiado, em Lisboa, mas com acaba-
mentos e soluções arquitetónicas de
outro planeta. Nada a ver. Ou então
vemos para a mesma simplicidade
espanhola ou então optamos por uma
casa por remodelar, mas nesse caso
poupamos quase €100 mil. Calma,
que ainda não chegámos a Madrid!
Mas já chegámos a Bruxelas e até a
Roma. Segundo o Property Index da
consultora Deloitte, de 2022, um es-
tudo comparativo entre várias cidades
europeias, com base em valores de
transações concluídas, já com o devi-
do desconto entre o valor anunciado e
o efetivamente pago pela construção
nova, o valor por metro quadrado em
Lisboa anda nos €4 715, o que com-
para com Madrid (€5 037). Ficamos
melhor servidos comprando casa em
Bruxelas (€3 869), em Roma (€3 208)
ou Milão (€3 844), ou em Marselha
(€4 391). Em contrapartida, a capital
portuguesa apresenta valores por
metro quadrado bastante abaixo em
relação a Paris (€13 352) ou Amester-
dão (€7 600), por exemplo.
58 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
O Porto é mais em conta (€2 753/
m2), mas ao nível da capital da Irlan-
da, Dublin (€2 792), e mais caro do
que Varsóvia (€2 406) ou Budapeste
(€2 566). Todos estes números estão
ao virar da página, na infografia com
o mapa da Europa.
Também aí encontramos uma
tabela porventura mais reveladora
(e perturbadora). A Deloitte ordena
também as cidades mais caras em
relação ao nível de preços da habi-
tação no seu próprio país. Ou seja,
aquelas que estão nitidamente acima
das suas possibilidades, digamos as-
sim, para recordar uma frase batida.
Lisboa está em primeiro lugar. O
Porto em oitavo. Londres, uma das
capitais mais exorbitantes do mun-
do – onde há três anos um magnata
chinês adquiriu uma moradia por
240 milhões de euros e um oligarca
russo é proprietário de outra avaliada
em €450 milhões –, encontra-se no
10.º lugar.
Quer isto dizer que uma pessoa
mais facilmente se muda de uma
qualquer cidade inglesa para a sua
capital do que alguém vai de malas
e bagagens de um ponto de Portugal
para Lisboa. Como se pode ver, aliás,
pela quantidade de profissionais
(médicos, professores, polícias, etc.)
que recusam trabalhar aqui porque
lhes é impossível pagar uma renda.
NÓS E OS VIZINHOS
Mas estará Lisboa a valorizar assim
tanto perante as outras cidades euro-
peias? Nem por isso, afirma, convic-
to, o economista Ricardo Guimarães,
diretor da Confidencial Imobiliário, Em Londres,
empresa especializada em dados do
setor, dando como exemplo Espanha.
há negócios
“Se compararmos centro com estratosféricos.
centro, vamos encontrar preços mé-
dios muito mais baixos em Lisboa do Em 2020, um
que em Madrid. Lisboa é uma cidade
muito pequena e, na prática, quando
magnata chinês
confrontamos com Madrid, temos
de perceber com que ‘anel’ da cidade
adquiriu uma
espanhola estamos a comparar. É a moradia por
mesma coisa que pegar nos números
de Lisboa e cruzar com toda a Área €240 milhões.
Metropolitana da capital. Aí, também
iríamos dizer que a cidade estaria
Uma outra,
baratíssima, e não pode ser assim. É de um oligarca
preciso comparar alhos com alhos...”,
continua Ricardo Guimarães. russo, está
Efetivamente, uma compara-
ção entre os bairros mais caros de
avaliada em
Madrid e os de Lisboa mostra um €450 milhões
 O ALTO LUXO
DE VIVER NO CENTRO
Nas cidades mais caras
do mundo, 5 m² ficam ao preço
de um apartamento

PREÇO POR M² (€)

31 271
BEAUCHAMP ESTATES/TOM ST. AUBYN PHOTOGRAPHY

1 Hong Kong (China)

2 Seul (Coreia do Sul) 22 421
3 Zurique (Suíça) 20 834
4 Singapura (Singapura) 20 342
5 Xangai (China) 18 264
6 Pequim (China) 18 119
7 Genebra (Suíça) 17 952
8 Shenzhen (China) 17 456
9 Telavive (Israel) 15 362
10 Lausana (Suíça) 14 865
11 Taipé (Taiwan) 14 729
12 Sidney (Austrália) 14 454
Casa Gucci Foi um dos grandes 13 Santa Bárbara (EUA) 14 394
negócios londrinos de 2022. 14 Londres (Reino Unido) 14 368
Os escritórios da Gucci, no
bairro de Mayfair (em baixo),
15 Nova Iorque (EUA) 14 278
foram vendidos como casa 16 Paris (França) 13 364
particular, tendo estado 17 San José (EUA) 13 224
anunciados por €62 milhões
18 Munique (Alemanha) 13 070
19 Guangzhou (China) 13 052
20 Jerusalém (Israel) 12 570

89 Lisboa (Portugal) 6 050

98 Cascais (Portugal) 5 759

180 Porto (Portugal) 3 514

FONTE Numbeo, uma base de dados online

sobre o preço das casas construída com base
nas contribuições dos utilizadores AR/MT/RL
GETTYIMAGES

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 59

 ---------- I M O B I L I Á R I O
SOTHEBY’S
diferencial significativo. Segundo
dados recentes da Tinsa, o distrito
de Salamanca é o mais caro da capital
espanhola, com o metro quadrado a
valer €7 016. Aqui estão situados os
dois bairros mais aristocráticos –
Recoletos, onde o metro quadrado
dispara para os €8 735, e Castellana,
a €8 118 por metro quadrado.
As zonas mais caras de Lisboa –
o Chiado e a Avenida da Liberdade
– ficam manifestamente a perder
comparativamente aos bairros de luxo
madrilenos. Números da Confidencial
Imobiliário, cedidos à VISÃO, revelam
que, no mesmo período, dezembro
de 2022, a freguesia da Misericórdia
(onde se integra o Chiado) vale €4 919
o metro quadrado, seguida do Parque
das Nações (€4 515/m2) e de Santa
Maria Maior (€4 243/m2).
Nem com Barcelona os preços
das casas da capital portuguesa são
comparáveis. Direcionando a lupa
para a cidade catalã, percebe-se que
as habitações estão mais baratas em
quatro dos seus dez bairros. Sarrià-
-Sant Gervasi continua a ser o mais
caro (€5 675/m2), embora os preços
60 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Uma “penthouse” em Paris Bem no
centro, no 8th arrondissement, este
apartamento, com 375 m² e oito quartos,
vende-se por €21 milhões
EUROPA
TODOS OS PREÇOS
Lisboa é mais cara do que Roma
e Bruxelas e aproxima-se do nível
de Madrid. Um apartamento no Porto
custa tanto como em Dublin.
Está tudo neste mapa
PREÇO DE VENDA POR M², EM EUROS
GETTYIMAGES
REINO
UNIDO
SOTHEBY’S
Manchester
3 628
IRLANDA
tenham caído 1,7% em 2022. Loca-
Dublin
lizado na parte alta de Barcelona, 2 792
estende-se até o monte Tibidabo e
a serra de Collserola. Esta área, uma Londres
das mais exclusivas e com maior ren- 8 426
dimento per capita, está dividida nos
bairros de Sarrià (€6 795/m2), Sant
Gervasi-Galvany (€6 197/m2), Les Tres
Torres (€6 197/m2), Sant Gervasi-La
Bonanova (€5 228/m2) e El Putxet i
el Farró (€4 813/m2).
Em segundo lugar está o distrito de
Eixample, onde os apartamentos cus-
tam em média €5 510/m2 (mais 4,4%
do que há um ano). É outra das áreas
premium do mercado imobiliário de
Barcelona e, segundo os especialistas,
um dos bairros que mais interes- ESPANHA
se despertam entre os investidores PORTUGAL
internacionais, principalmente nor- Porto Barcelona
2 753 6 251
te-americanos, franceses e ingleses.
Madrid
Questionado sobre a diferencia- 5 037
ção de valores por metro quadrado Lisboa
4 715 Alicante
entre cidades, como Lisboa, Madrid
e Barcelona, Ricardo Sousa, CEO da 2 376
rede Century21 para o mercado ibé-
rico, fala de realidades distintas, não
só em termos de escala mas também
de outros fenómenos, com influên-
 AS 10 CIDADES MAIS CARAS
EM RELAÇÃO À MÉDIA DO SEU PAÍS
Lisboa vive muito acima das possibilidades de Portugal, ou seja,
acaba por ser mais fácil uma pessoa mudar-se de Manchester para Londres,
por exemplo, uma das cidades mais caras do mundo, do que vir de Coimbra
para Lisboa, onde o nível do preço das casas é acima de 300%, quando
o indicador da média do país é o 100

1 Lisboa 306,8
2 Paris 290,2
3 Barcelona 239,0
4 Munique 228,3
5 Copenhaga 212,0
6 Madrid 193,9
7 Frankfurt 182,6
8 Porto 179,1
9 Oslo 175,7
10 Londres 171,8
NORUEGA
Bergen
4 925 Oslo QUANTO CUSTA
8 417
UM T2 DE 80 METROS
QUADRADOS? EM EUROS
1 Paris 1 076 960
2 Londres 674 080
DINAMARCA 3 Berlim 520 000
4 Madrid 405 840
LETÓNIA 5 Lisboa 377 200
Copenhaga Riga 6 Bruxelas 309 520
7 283 1 903 7 Roma 256 640
8 Dublin 223 360
Antuérpia 9 Porto 220 240
4 050 10 Varsóvia 192 480
HOLANDA
Gdansk
Amesterdão
2 238
7 600 ALEMANHA VALORES DAS RENDAS
Berlim POLÓNIA
Varsóvia
MÉDIAS POR M , EM EUROS 2

Roterdão
6 500
2 406 1 Paris 29,10
3 875 2 Oslo 26,56
Frankfurt
BÉLGICA 3 Londres 25,12
8 400
Bruxelas CHÉQUIA Cracóvia 4 Amesterdão 22,45
3 869 Praga 2 099 5 Barcelona 21,30
Munique 4 353 6 Copenhaga 20,46
10 500 ESLOVÁQUIA 7 Munique 18,90
FRANÇA Bratislava 8 Madrid 18,46
Paris 3 490 9 Varsóvia 17,86
13 352 ÁUSTRIA Viena HUNGRIA 10 Roterdão 16,98
Linz 5 788 Budapeste ROMÉNIA 11 Lyon 16,70
4 382 2 566 Bucareste 12 Frankfurt 15,90
ESLOVÉNIA 1 573 13 Berlim 14,30
Lyon Milão SÉRVIA 14 Marselha 14,20
Liubliana
5 262 3 844 Belgrado 15
3 393 Bruxelas 14,10
2 172 16 Dublin 13,81
BÓSNIA
Turim ITÁLIA E HERZEGOVINA BULGÁRIA 17 Roma 12,99
Marselha 1 922 Roma Banja Luka Sófia 18 Milão 12,69
4 391 3 208 1 236 1 262 19 Lisboa 12,60
20 Antuérpia 11,93
CROÁCIA 21 Manchester 11,86
Zagreb 22 Bratislava 11,55
1 950 23 Praga 11,25
24 Gdansk 10,57
25 Alicante 10,50
26 Budapeste 10,39
27 Porto 10,30
28 Linz 10,22
29 Cracóvia 9,96
30 Liubliana 9,48

FONTE Deloitte, Property Index, agosto 2022 INFOGRAFIA AR/MT/RL

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 61

 ---------- I M O B I L I Á R I O

cia direta nos valores das casas e na

quantidade de imóveis em stock ou
COMPARE COM OS "NUESTROS HERMANOS"
em obra, muito assentes em parcerias Lisboa, Porto, Madrid e Barcelona bairro a bairro. Como são os preços nas quatro grandes
público-privadas. cidades da Península Ibérica

O FATOR DA CONSTRUÇÃO PREÇOS MÉDIOS DE VENDA DA HABITAÇÃO (USADOS) NO PORTO E EM LISBOA, 2022 (€/M²)
Em termos de escala, Ricardo Sousa
PORTO FREGUESIAS
realça que Madrid tem um segmen-
to de luxo bem superior ao lisboeta, MÉDIA PORTO 2 492
“com muitos imóveis em valores aci- 5 6 1 UF Aldoar...* 3 623
ma dos €10 milhões nesta classe de 1 2 UF Cedofeita...** 3 026
2 7
4 3 3 UF Lordelo...*** 2 390
ativos”. Por outro lado, existe também
“um segmento médio e médio-baixo 4 Bonfim 2 353
* Aldoar, Foz do Douro 5 Paranhos 2 261
enorme, incomparavelmente superior e Nevogilde 6 Ramalde 2 152
ao de Lisboa e ao de Barcelona”, re- ** Cedofeita, Santo
7 Campanhã 1 724
força o CEO da Century21. Ildefonso, Sé, Miragaia,
São Nicolau e Vitória
“E aqui há um fator, que não po- *** Lordelo do Ouro MÉDIA LISBOA 3 903
demos dissociar da análise que se faz e Massarelos 1 Misericórdia 4 919
do mercado imobiliário, e que é a di- 2 Campo de Ourique 4 874
mensão das próprias cidades: Madrid 3 Avenidas Novas 4 820
tem 600 quilómetros quadrados de LISBOA 4 Santo António 4 804
área, já Barcelona e Lisboa não só são 5 Belém 4 572
mais pequenas – ambas têm cerca de 24 6 Estrela 4 552
100 quilómetros quadrados – como 22 7 Parque das Nações 4 515
16 7
também têm barreiras naturais, o mar 19 8 Alvalade 4 479
ou o rio, que limitam a expansão da 8 9 Sta Maria Maior 4 243
13 23
cidade”, lembra o responsável. 10 10 Areeiro 4 170
18 3 11 Arroios
11 17 21
A escala da capital espanhola e as 14 4 017
12 São Vicente 4 008
parcerias público-privadas têm per- 2 4 12
20 15 9 13 São Domingos de Benfica 3 950
mitido uma convivência não muito 6 1 14 Campolide
5 3 916
desequilibrada entre os vários seg- 15 Alcântara 3 610
mentos, afirma Ricardo Sousa. “E 16 Lumiar 3 556
Madrid até tem um mercado bastante 17 Penha de França 3 430
mais liberal do que o nosso. Não teve 18 Benfica 3 401
os problemas do passado de contro- 19 Carnide 3 368
lo e o congelamento de rendas, mas 20 Ajuda 3 323
apresenta uma zona de expansão e de 21 Beato 3 126
construção nova, com uma dinâmica 22 Olivais 2 957
muito superior à nossa. O projeto 23 Marvila 2 466
Castelhana Norte é um bom exemplo 24 Santa Clara 2 404
FONTE Confidencial Imobiliário (SIR -Sistema de Informação Residencial)
disso. Só aqui estão em curso mais de
dez mil casas”, exemplifica Ricardo
Sousa, sublinhando que são “projetos de valorização relativamente contí-
estruturantes deste tipo que faltam nuas”, sublinha, por seu turno, Ri-
à cidade de Lisboa, porque, mesmo cardo Guimarães. “Olhemos para os
com a limitação geográfica, ainda dados do Eurostat, por exemplo, em
existe espaço para a expansão”. que podemos ver que é nos países com
Já, em Portugal, a construção está, as casas mais baratas que se registam
como se sabe, pelas ruas da amargura. taxas de valorização muito altas. Isso
Em 2021, construíram-se 19 mil no-
vos fogos – o culminar de uma década
Mesmo que pode dar a sensação de que estes paí-
ses estão muito mais caros, mas não é
terrível, com números como 7 126 (em os Vistos Gold por Portugal estar a valorizar ao do-
2015) ou 8 156 (em 2017). Para se per-
ceber o tamanho da queda, basta ver sejam erradicados, bro da média da União Europeia que
é mais caro do que a média da UE. É
quantos se construíam em 2001 (115
154), 2002 (125 708) e 2003 (92 508).
não é previsível mais barato”, frisa o economista.
A verdade é que os valores são de-
Tal como Madrid, outras capitais, um afastamento masiado elevados para as bolsas dos
têm “macroplanos” definidos. É o que
acontece em Paris, Londres ou Milão, dos investidores portugueses. E poderão os preços
manter a sua trajetória de subida,
reforça ainda Ricardo Sousa.
Cidades com imobiliário mais
estrangeiros em mesmo com a implementação plena
do programa Mais Habitação, em que
caro, “mas com taxas de crescimento relação a Portugal está previsto o fim dos Vistos Gold

62 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

 e o travão a fundo no Alojamento
Local (AL)?

ONDAS DE CHOQUE
“Quem compra imobiliário de luxo
PREÇOS MÉDIOS DE VENDA DA HABITAÇÃO (USADOS) EM BARCELONA E EM MADRID, 2022 (€/M²) em Portugal vem pelo país, não pelo
Visto Gold”, sublinha Vanessa Morei-
BARCELONA DISTRITOS
ra, sales director da Engel & Volkers.
MÉDIA BARCELONA 4 306 A colega Margarita Oltra, regional
10
9 1 Sarrià Sant Gervasi 5 675 manager desta empresa, dá o exem-
8 2 Eixample 5 510 plo do Algarve, um mercado desde
3 Les Corts 5 384 sempre acarinhado e muito concor-
4 6 4 Gràcia 4 588
1 rido pelos britânicos abastados, e que
2 5 Ciutat Vella 4 562
5 assim se manteve, apesar do Brexit
3 6 Sant Martí 3 976
7 Sants-Montjuic 3 469 – um fenómeno que também pode-
7 8 Horta-Guinardó 3 379 ria ter afetado as vendas das casas a
9 Sant Andreu 3 185 sul, o que não veio a concretizar-se.
10 Nou Barris 2 639 “Entre os nossos melhores clien-
tes na região algarvia estão os ale-
MÉDIA MADRID 4 198 mães, os ingleses e os holandeses.
1 Salamanca 7 015 E são os ingleses que compram as
MADRID 2 Chamberí 6 161 casas mais caras, pois mantêm a
3 Chamartín 5 595 preferência em zonas como a Quinta
4 Centro 5 536 do Lago e o Vale do Lobo”, reforça
5 Retiro 5 000 Margarita Oltra.
6 Moncloa 4 648 Contudo, mesmo que os Vistos
7 Arganzuela 4 422 Gold sejam erradicados, não é pre-
10 8 Tetuán 4 311 visível um afastamento claro dos
9 Hortaleza 4 050
investidores estrangeiros em relação
12 10 Fuencarral-El Pardo 4 017
11 Ciudad Lineal
a Portugal. “A verdade é que, nos últi-
9 3 555
12 Barajas 3 368
mos tempos, as pessoas que querem
8 3 efetivamente investir em Portugal
6 13 San Blas 2 953
2
1 11 13 14 Vicálvaro 2 838 também querem aqui viver. Existe
4 15 Moratalaz 2 692 um interesse genuíno pela qualidade
5 15
7 16 Latina 2 621 de vida que o País oferece”, sublinha
14
18 20 19 17 Villa de Vallecas 2 693 Maria Inês Assis, da Abreu Advoga-
16
18 Carabanchel 2 511 dos, lembrando que há programas
17 19 Puente de Vallecas 2 402 similares ao Visto Gold português
21
20 Usera 2 241 em Espanha, Malta ou Chipre.
21 Villaverde 1 951 Se, pelos Vistos Gold, não se prevê
FONTE Expansion INFOGRAFIA AR/MT/RL
grande impacto no valor das casas,
até que ponto as limitações impostas
ao alojamento local poderão trazer
mais casas ao mercado, impactando
Madrid com vista Ali está
a igreja de San Jeronimo, os preços?
junto ao parque do Retiro, Cético, Ricardo Sousa, da Cen-
uma das zonas mais caras tury21, dá o exemplo de Barcelona.
da capital espanhola “O arrendamento é mais caro do que
em Madrid, e esta é a cidade onde há
uma maior intervenção por parte do
governo regional. Tentaram impor
limites nas licenças turísticas, res-
© TOMáS LLAMAS QUINTAS | DREAMSTIME.COM

trições nos arrendamentos, limites

na construção, quotas de habitação
social (que lá se chama vivienda pro-
tegida), etc. Mas a dinâmica no mer-
cado em Barcelona não é melhor do
que a de Madrid. Madrid e Barcelona
já passaram o que estamos a viver,
hoje, em Lisboa. Lisboa está simples-
mente a fechar o gap que tinha em
relação a estas duas cidades”, refere

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 63

 ---------- I M O B I L I Á R I O

Encontram-se
vários exemplos As medidas do Governo
na Europa com para a habitação
restrições em O programa Mais Habitação ficará um mês em consulta pública

relação aos
valores dos novos ARRENDAMENTO em Alojamento Local > Isenção de
> Arrendamento (AL) através do mais-valias para
contratos, caso da coercivo das casas controlo da emissão amortização de
França, Alemanha, devolutAs, ou seja,
imóveis sem uso há
das novas licenças
para qualquer
crédito à habitação
do próprio e de
Dinamarca mais de um ano e
que não sejam casas
localidade do País,
exceto em zonas
descendentes;

ou Irlanda de férias; rurais. A manutenção > Obrigatoriedade dos

das atuais licenças bancos oferecerem
> Arrendamento de prolonga-se taxa fixa no crédito à
casas por parte até 2030, com habitação;
o responsável, acrescentando que, na do Estado pelo reavaliação, a partir
base da inacessibilidade à habitação, prazo de cinco daquela data, de > Estímulo às
estará sempre o baixo rendimento anos, para depois cinco em cinco anos. cooperativas de
médio das famílias portuguesas e a subarrendar. O Criação de uma taxa habitação através da
inexistência de projetos macro, alicer- Estado compromete- extraordinária para o disponibilização de
çados numa boa rede de transportes, se a pagar a renda Alojamento Local. terrenos municipais;
que assegure uma habitação digna aos proprietários,
aos cidadãos. de forma a > Os proprietários > Vendas de
Não faltam, no entanto, exemplos eliminar o risco de que tenham fogos imóveis ao Estado
incumprimento; em regime de AL e isentas de mais-
por esse mundo fora de intervenção
que os transfiram valias. O Estado
governamental que tenha vindo regu-
> Teto máximo para arrendamento compromete-se
lar o mercado habitacional, impondo habitacional serão a colocá-las no
para rendas em
restrições a uma certa ganância de- taxados a 0% em arrendamento
novos contratos
senfreada. O mais recente exemplo de arrendamento, IRS até 2030, desde acessível;
vem do Canadá, onde, desde 1 de ja- definido de acordo que transfiram os
neiro, está proibida a venda de casas com a inflação. imóveis até 2024; > Incentivo às
a estrangeiros por um período de dois Limites aplicam-se construções
anos. O executivo de Trudeau justifica apenas às casas > Apoio a todos os modulares e “off-
a medida com a intenção de desenco- que já estavam no agregados familiares site”;
rajar os compradores a olharem para mercado nos últimos que tenham
o imobiliário como uma commodity, cinco anos; rendimentos até ao > Conversão do
num país em que o preço médio das 6.º escalão de IRS uso de imóveis
habitações atinge os 535 mil euros, > Estado garante (inclusive) e uma taxa de comércio ou
mais de 11 vezes o rendimento médio pagamento após de esforço superior serviços para uso
dos agregados. 3 meses de a 35%. O valor pode habitacional;
Além disso, no Canadá, existe mes- incumprimento do ir até aos 200 euros
mo uma escassez de casas, enquanto inquilino incumpridor; por agregado familiar. > Simplificação dos
Portugal tem mais de 700 mil fogos licenciamentos
desabitados. Nova Zelândia, Tailândia > Isenção fiscal ao através de termo de
arrendamento VENDA responsabilidade
e Bali também têm fortes restrições à
acessível; > Fim da concessão dos projetistas.
aquisição de propriedades por cida-
de novos vistos gold; Quem incumprir será
dãos não residentes.
> Financiamento aos sujeito a um quadro
Quanto às rendas, não só se ve- > Proteção face à sancionatório “muito
municípios para
rificam controlos em relação aos subida da taxa duro”;
realizarem obras
aumentos como também encontram- coercivas e em de juro, através
-se vários exemplos na Europa com habitações que estão da concessão de > Entidades públicas
restrições em relação aos valores dos fora do mercado; créditos até 200 mil serão penalizadas,
novos contratos, caso da França, Ale- euros, de agregados com juros de mora,
manha, Dinamarca, Irlanda, etc. > Incentivo à familiares que sejam por incumprimento
Resta saber com que linhas se co- transferência para tributados até ao 6.º dos prazos de
será o futuro habitacional das famílias habitação das casas escalão do IRS; licenciamento.
portuguesas que precisam de um teto
que as abrigue. visao@visao.pt

64 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

 O P I N I ÃO
O arrendamento
compulsivo de casas
devolutas é constitucional?
João
Miranda SIM
Em defesa da constitucionalidade
do arrendamento forçado de imóveis devolutos
A
resolução do problema do acesso
à habitação exige uma combinação
de medidas e o envolvimento do
setor público, do setor privado e
do setor cooperativo. Cabe ao Es-
tado incentivar e fomentar a construção priva-
da e cooperativa, criar um parque habitacional
— Professor da
público, ou apoiar quem não tem condições
Faculdade de Direito
para suportar uma habitação própria ou
da Universidade de
arrendada. Mas também compete ao Estado
Lisboa e advogado
atuar em caso de incumprimento pelos pro-
prietários dos respetivos deveres urbanísticos
de conservar, reabilitar e utilizar os imóveis.
Tendo o Governo anunciado a intenção de
impor o arrendamento forçado de imóveis devo-
lutos, logo levantaram-se vozes sustentando que
a medida impõe um sacrifício inconstitucional
do direito de propriedade privada. Sem razão.
Antes de mais, importa assinalar que uma
medida desta natureza não é propriamente
inovadora. Já está consagrada desde 2019 no
Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação
em caso de não pagamento pelos proprietários
das despesas assumidas pelos municípios com
as obras coercivas de conservação e reabilitação
(artigo 108.º-B). E está também consagrada des-
Se a de a mesma data na Lei de Bases da Habitação,
Constituição em que se prevê a aplicação de sanções aos pro-
já consente prietários de habitações devolutas (artigos 5.º e
28.º). Se retrocedermos a 2014, verificamos ainda
a expropriação que a Lei de Bases da Política Pública de Solos,
ou a requisição de Ordenamento do Território e de Urbanismo
consagrou o dever de utilizar os imóveis, a par
por utilidade com o dever de proceder à sua conservação e
pública reabilitação [alínea a) do n.º 2 do artigo 14.º].
de imóveis A invocação da constitucionalidade do arren-
damento forçado traz à colação o debate travado
devolutos (...) em 2009, a propósito da consagração no Regime
deve permitir, Jurídico da Reabilitação Urbana do mecanismo
da venda forçada de imóveis não reabilitados.
também Nessa altura foi igualmente esgrimido o ar-
e por maioria gumento da inconstitucionalidade por ofensa
de razão, um desproporcional à propriedade privada, tendo o
então Presidente da República requerido a fisca-
meio menos lização preventiva da constitucionalidade. Toda-
ablativo da via, o Tribunal Constitucional (TC), no Acórdão
n.º 421/2009, pronunciou-se por unanimidade
propriedade pela não inconstitucionalidade da medida, em
privada nome dos poderes do legislador de conformação
66 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
social da propriedade, invocando “a necessária
compatibilização – a efetuar pelo legislador or-
dinário – entre o direito de propriedade e outras
exigências ou valores constitucionais”. O direito
fundamental de propriedade privada não é um
direito absoluto e pode ser restringido para sa-
tisfação de outros direitos, nomeadamente do
direito à habitação.
A emergência que se vive no acesso à ha-
bitação justifica a adoção de medidas contra
o incumprimento de deveres urbanísticos dos
proprietários, mobilizando para o mercado os
imóveis privados desprovidos de uso habitacio-
nal e permitindo dessa forma aumentar a oferta
de imóveis para habitação.
Em concreto, a providência do arrendamento
forçado nem sequer é a mais onerosa para os
proprietários. Se a Constituição já consente a ex-
propriação ou a requisição por utilidade pública
de imóveis devolutos, desde que acompanhadas
do pagamento de uma justa indemnização, deve
permitir, também e por maioria de razão, um
meio menos ablativo da propriedade privada,
como é o arrendamento forçado de imóveis
devolutos.
Mais: apesar de a Constituição contemplar,
no artigo 88.º, n.º 2, o arrendamento forçado
dos meios de produção e não da propriedade
privada, a verdade é que a apropriação pública
aí prevista envolve igualmente uma intervenção
restritiva na propriedade privada. Não se com-
preenderia a permissão de uma medida para
o abandono dos meios de produção, que não
pudesse ser convocada perante a existência de
imóveis devolutos, tanto mais que, conforme
afirmou o TC no Acórdão n.º 421/2009, não
existe um numerus clausus de instrumentos
destinados a assegurar a utilidade pública ur-
banística, podendo o legislador ordinário criar,
para além da expropriação, aqueles que sejam
necessários a alcançar tal desiderato, desde
que assegurados os mesmos procedimentos de
defesa dos particulares perante expropriações.
Uma nota final para assinalar que o dever de
utilização efetiva da propriedade privada tam-
bém se aplica à propriedade pública, pelo que a
Administração está obrigada nos mesmos exatos
termos a colocar no mercado habitacional o seu
património devoluto. visao@visao.pt
 A medida incluída no programa Mais Habitação
anunciado pelo Governo suscitou polémica.
Pedimos a dois constitucionalistas para analisarem
a ideia à luz da lei fundamental
NÃO
Arrendamento compulsivo de casas devolutas: a sua
admissibilidade “diga a Constituição o que diga”?
1
O primeiro-ministro anunciou, a 16
de fevereiro, o propósito de criar “um
regime de arrendamento compulsivo
das casas que estejam devolutas”.
Apesar de não se conhecerem ain-
da os termos de concretização legislativa de
uma tal medida, o certo é que já se sabe que
a mesma, conduzindo a um mecanismo de
arrendamento forçado de casas devolutas, se
revela inconstitucional, à luz da garantia do
direito (fundamental) de propriedade privada
expressamente acolhida na Constituição, na
Declaração Universal dos Direitos do Homem,
na Convenção Europeia dos Direitos do Ho-
mem e na Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia.
A tutela da propriedade privada, num
contexto constitucional multinível, deixou
de ser um problema exclusivamente interno
de Portugal.
2. Não se nega que a propriedade privada
tem uma função social, fazendo daí decor-
rer, atendendo a interesses da coletividade, a
possibilidade de serem introduzidas, por via
legislativa, limitações ao direito de proprieda-
de privada de imóveis destinados à habitação,
sempre dentro dos parâmetros ditados pelo
princípio da proporcionalidade – as limita-
ções ou restrições não podem ser excessivas,
nem desadequadas ou irrazoáveis face ao
propósito visado.
A lei pode, a título exemplificativo, instituir
incentivos fiscais ao arrendamento (v.g., reduzir
a tributação em sede de IRS ou IRC das rendas),
criar benefícios no acesso ao crédito para a
realização de obras em imóveis destinados ao
arrendamento, tal como pode estabelecer de-
sincentivos fiscais a que as casas se mantenham
devolutas (v.g., agravamento progressivo do IMT
de imóveis devolutos). Tudo isto está na margem
de liberdade conformadora do legislador.
3. O dever de o Estado estimular o acesso à
habitação própria ou arrendada, isto no sen-
tido de assegurar o direito à habitação, tem
sempre de se compatibilizar com a garantia
da propriedade privada.
A lei não pode obrigar os proprietários
privados a arrendar imóveis para habitação
Paulo
Otero
contra a sua vontade, pois estamos perante
uma forma de arrendamento compulsivo que
o art. 88.º, n.º 2, da Constituição apenas per-
mite face aos meios de produção ao abandono.
Ora, se essa medida fosse possível ao nível do
arrendamento para habitação, a Constituição
— Professor
teria, por identidade de razões, feito expressa
catedrático de Direito
referência a essa admissibilidade, tanto mais
na Universidade
que a solução existente ao nível dos meios
de Lisboa
de produção ao abandono é insuscetível de
aplicação analógica ao arrendamento para
habitação.
Qualquer mecanismo de arrendamento
compulsivo traduzir-se-á sempre numa vio-
lação excessiva e, por isso, desproporcional
do núcleo essencial do direito de propriedade
privada.
O arrendamento compulsivo de imóveis
para habitação consubstancia uma medida
análoga a uma expropriação e, se não for
acompanhada de uma justa indemnização a
pagar pelo Estado, traduzir-se-á, material-
mente, num ato de confisco (temporário) da
propriedade privada.
4. Politicamente, o arrendamento compul-
sivo de propriedade privada para habitação Politicamente,
traduzirá uma medida própria de um Estado o arrendamento
em “transição para o socialismo”, à luz de um
modelo marxista, nem sequer admissível no
compulsivo
quadro da versão inicial da de propriedade
Constituição de 1976. Aliás, nem o general privada para
Vasco Gonçalves, em 1975, foi tão longe no
ataque à propriedade privada. habitação
5. É certo que, em 27 de abril de 2020, no traduzirá
auge da pandemia, o primeiro-ministro já
nos havia brindado, a propósito de medidas
uma medida
restritivas da liberdade, com a sua peculiar própria de um
sensibilidade constitucional, afirmando que Estado em
o confinamento seria implementado, “diga
a Constituição o que diga”. O desprezo que “transição para
mostrou pelo texto constitucional em matéria o socialismo”.
de liberdades básicas não permite auspiciar
que, a propósito da garantia do direito de
(...) Nem
propriedade privada, revele maior ou melhor o general Vasco
adesão ao propósito de respeito ou fidelidade Gonçalves,
pela Constituição.
Felizmente, todavia, ainda existem tribu- em 1975, foi
nais nacionais e europeus… visao@visao.pt tão longe
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 67
 ---------- I M O B I L I Á R I O

Centro Social de Vales do Rio,

Covilhã A Cleanwatts tem 18 projetos
aprovados e mais 57 comunidades
a aguardar licenciamento

D.R.
Juntar os vizinhos Dois anos volvidos, seria criada a
primeira Comunidade de Energia Reno-

para pagar a luz

vável na Santa Casa da Misericórdia de
Miranda do Douro, a primeira das 100
que a Cleanwatts, um dos operadores
mais ativos do mercado, quer criar em
Os moradores em prédios urbanos podem criar Comunidades Portugal.
Esta CER tem por objetivo produzir
de Energia Renovável no topo dos edifícios. A vantagem? energia para alimentar os vários edifí-
Energia grátis para o condomínio e para as casas cios da Santa Casa e o remanescente é
canalizado para os bombeiros e serviços
— POR MARISA ANTUNES
municipais.

É
ecológico, tem custo zero, mas
rende centenas de euros. Dito
assim, quase poderia parecer
uma burla, pois, já se sabe,
quando a esmola é generosa demais,
o “cego desconfia”. O facto, é que es-
tas vantagens existem para as pessoas
que, através dos telhados dos seus
prédios ou nos terrenos das suas casas
em zonas rurais, aceitem a instalação
de painéis fotovoltaicos para a pro-
dução de energia. Uma parte reverte
para o edifício onde os painéis estão
instalados; a outra parte é gerida pela
empresa instaladora que assegura o
investimento (e que acaba por ter o
seu retorno vendendo essa parte à
rede). São as chamadas Comunidades
de Energia Renovável (CER).
Vamos por partes. Em 2019, a União
Europeia adotou o programa Energia
Limpa para Todos os Europeus, ele-
vando o consumidor particular a um
estatuto ativo no sistema de produção/
consumo de energia. Lançado o repto,
todos os países-membros se ajusta-
ram e, em Portugal, viria então a ser
aprovado o Decreto-Lei 162/2019, que
estabeleceu o regime jurídico aplicável
ao autoconsumo de energia renovável,
bem como o conceito do direito de
partilha da energia.
Entretanto, e depois da experiência
bem-sucedida da Santa Casa de Mi-
randa do Douro, a Cleanwatts resolveu
aumentar a escala e, há pouco mais de
uma semana, assinou um protocolo de
colaboração com a União das Miseri-
córdias Portuguesas (UMP) para desen-
volver e potenciar “o acesso a energia
limpa e redução de custos energéticos
para as Santas Casas da Misericórdia
em Portugal”.
TODOS GANHAM
As CER não estão circunscritas a
empresas e grandes instituições ou
apenas a zonas rurais. Os particulares
em zona urbana podem organizar-se

68 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

para, com a vizinhança, se tornarem
produtores de energia no topo dos
seus edifícios, beneficiando depois
de reduções nas faturas energéticas.
“A lei não impõe condições mínimas
e, no fundo, uma comunidade pode ser
só de duas pessoas. A questão é que criar
uma comunidade destas exige alguma
complexidade”, resume José Basílio
Simões, vice-chairman e cofundador
da Cleanwatts. Ou seja, “é necessário
garantir que há um alinhamento entre
a quantidade de energia que vai ser
gerada e a quantidade que vai ser con-
sumida e, para isso, existem contadores
inteligentes que vão monitorizar o que
é consumido e o que é produzido. É ne-
cessário comunicar os dados no final do
mês à e-redes (através de um software e
alguns serviços associados) e é preciso
um processo de licenciamento”, realça
ainda o engenheiro.
Assim, para que o investimento
na instalação de uma CER compense
à Cleanwatts, sem cobrar aos parti-
culares, é necessário que a área de
instalação dos painéis solares tenha,
no mínimo, 500 metros quadrados.
“Num só prédio, poderá ser difícil
atingir essa área, mas mais dois ou
três na proximidade (e aqui falamos de
um raio de dois ou três quilómetros,
se for em baixa tensão), já permite a
criação de uma CER e a instalação
dos painéis nos telhados. A produção
reverte, desde logo, para a redução ou
até mesmo eliminação da despesa do
condomínio. Depois, o excesso pode
ir para os apartamentos que fazem
parte desse condomínio. Acaba por
existir um benefício duplo, porque
reduz a taxa do condomínio e quem
lá vive tem também acesso a energia
mais barata”, explica Basílio Simões.
A aprovação da instalação tem de
ser assegurada pela maioria dos resi-
dentes e não há compromissos eternos
– “quem decidir participar e depois
quiser sair pode fazê-lo quando quiser,
não há obrigações de entradas ou de
permanência”, assegura o responsável
da Cleanwatts, garantindo que os pai-
néis colocados no telhado não produ-
zem ruídos e até acabam por ter “um
efeito térmico positivo, no verão, para
os pisos de baixo, uma vez que o Sol
não incide diretamente na cobertura”.
Do lado de quem investe, também
não faltam interessados. “Há fundos
internacionais dedicados à área das re-
nováveis e até fundos de pensões come-
çam a investir”, garante Basílio Simões.
Acaba por existir
um benefício duplo,
porque reduz a taxa
do condomínio e quem
lá vive tem também
acesso a energia mais
barata José Basílio
Simões Cofundador
da Cleanwatts
E desvantagens? O tempo de apro-
vação dos projetos. A Cleanwatts tem
18 aprovados e mais 57 comunidades
a aguardar licenciamento – destas,
algumas há mais de um ano à espe-
ra. “A resposta habitual é a falta de
recursos. Portugal tem tendência a
criar processos perfeitos, mas que
depois se tornam muito difíceis de
operacionalizar”, lamenta o responsá-
vel, sublinhando que em países como
Espanha, França ou Itália os processos
são bastante mais céleres.
Apesar da morosidade, os proje-
tos vão sendo lançados pelas várias
entidades. Uma das iniciativas mais
recentes foi protagonizada no início
deste mês pela AcerBatalha, cons-
tituída por 13 entidades públicas e
privadas, entre as quais a Câmara
Municipal da Batalha.
A AcerBatalha quer dar bom uso ao
dinheiro disponível no Plano de Recu-
peração e Resiliência (PRR), através do
Fundo Ambiental, e candidatou-se a
um investimento total superior a meio
milhão de euros, que permitirá a pou-
pança anual de 106,50 tep (toneladas
equivalentes de petróleo). “O projeto
envolve a instalação de painéis solares
fotovoltaicos em 25 edifícios públicos
e unidades empresariais”, informou o
município da Batalha em comunicado.
Segundo o mesmo documento, “o
atual consumo de energia elétrica das
entidades associadas a esta candidatu-
ra é na ordem dos 7 817 087,41 kWh”,
sendo que a autarquia perspetiva uma
redução anual da fatura energética
global de 454 660,07 euros, tendo
por base os preços médios do custo
da energia.
Verbas do PRR que podem fazer a
diferença na preparação para a tran-
sição energética do País. O planeta
agradece! visao@visao.pt
Como
concorrer
Saiba como fazer parte de uma
comunidade de energia renovável
QUEM PODE PERTENCER?
São elegíveis pessoas singulares
ou grupos de consumidores
(incluindo condomínios, áreas
urbanas/bairros, pequenas
e médias empresas, unidades
agrícolas, unidades industriais,
freguesias e municípios).
SÃO SÓ PARA EMPRESAS?
Não, o regime jurídico que está
contemplado no Decreto-Lei
n.º 162/2019 destina-se
a empresas, instituições ou
grupos de cidadãos. Os seus
membros devem estar numa
relação de proximidade física,
podendo organizar-se entre
si sobre o autoconsumo coletivo
ou estabelecer uma comunidade
de energia.
QUANTO SE INVESTE?
As comunidades não têm
de fazer forçosamente quaisquer
investimentos de capital com
a instalação de infraestruturas.
Há empresas no setor que
fazem a ponte entre os cidadãos
e os investidores que se
comprometem a fazer a instalação
dos painéis fotovoltaicos. O seu
ganho assenta no excedente
de energia renovável que vendem
posteriormente à rede. Explica
o responsável da Cleanwatts que
o primeiro passo é “submeter
à Direção-Geral de Energia um
projeto em que é referenciada
a localização da unidade
de produção e os membros
que vão consumir. Depois,
há um regulamento interno
que é estabelecido, ou seja,
os condóminos têm que
assinar uma declaração a dizer
que aceitam pertencer a esta
comunidade e depois têm
de nomear uma entidade, que
se chama Entidade Gestora
do Autoconsumo Coletivo”.
QUANTO SE POUPA?
Os beneficiários podem conseguir
uma redução entre 10% a 30% na
sua fatura de eletricidade.
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 69
 ---------- R Ú S S I A

70 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023


MARIONETA
OU AMEAÇA
A PUTIN?
Por ordem do Kremlin, Yevgeny
Prigozhin, o oportunista oligarca
que lidera o Grupo Wagner, acaba
de ser posto na ordem e forçado
a abdicar de protagonismo público
— POR FILIPE FIALHO
É
É desbocado, gabarolas, usa
e abusa do vernáculo, mas,
quando quer, tem um ta-
lento especial para dissimu-
lar intenções. Aos 61 anos,
Yevgeny Prigozhin é visto
como um “empreendedor
geopolítico”, um dos homens
mais poderosos da Rússia,
que comanda, nas suas pró-
prias palavras, “talvez um dos
mais experientes exércitos do
mundo”. Os seus recrutas são
“heróis” e “patriotas” a quem
enaltece as proezas bélicas e
trata de forma paternalista –
“molodets”, “bons rapazes”
– por, alegadamente, esta-
rem a desempenhar um papel
decisivo na “operação militar
especial” desencadeada a 24
de fevereiro.
De acordo com Joseph
Henrotin, um politólogo bel-
ga especialista em questões
de defesa, a companhia mi-
litar privada de Prigozhin é
responsável pelos “únicos
sucessos táticos das últimas
semanas”, no Sul e Leste da
Ucrânia, em particular na
região de Donetsk, onde se
concentra uma das principais
frentes de batalha, junto a
Bakhmut. Uma opinião par-
tilhada por Sergei Markov,
politólogo e antigo conse-
lheiro do Kremlin, que, por
diversas vezes, tem elogiado a
“elevada eficiência” do grupo.
Pelo contrário, no entender
de John Kirby, porta-voz do
Conselho de Segurança Na-
cional dos EUA, os 50 mil
soldados da fortuna contra-
tados pelo empresário russo
são maioritariamente ex-
-presidiários sem capacidade
operacional, simples mal-
feitores dispostos a cometer
todo o tipo de atrocidades.
Nas contas da Administração
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 71
 ---------- R Ú S S I A
Biden, as tropas ucranianas,
só no último mês, terão pro-
vocado mais de 14 mil bai-
xas (quatro mil mortos e dez
mil feridos) a esta milícia –
classificada por Washington
como uma “organização ter-
rorista transnacional” –, que
tem o apelido do compositor
favorito de Adolf Hitler.
Não consta que Yevgeny
Prigozhin seja um melómano
ou um conhecedor da obra
do músico que criou a Ca-
valgada das Valquírias. O
antigo praticante de esqui
de fundo, que ficou órfão na
infância e que foi, por duas
vezes, condenado por furto
– passou quase nove anos
detido (1981-1990) –, parecia
condenado a uma existência
discreta, até à implosão da
União Soviética. Graças aos
contactos no submundo da
sua terra natal, São Peters-
burgo, e à venda ambulante
de cachorros quentes, con-
seguiu entrar nos negócios
do jogo e do retalho, até se
tornar coproprietário dos
primeiros casinos e da maior
cadeia de mercearias da anti-
ga Leninegrado.
Inspirado nos restauran-
tes parisienses junto ao Sena,
replica o modelo no rio Neva
e abre o Velha Alfândega e o
72 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
Nova Ilha, dois estabeleci-
mentos que chegaram a in-
cluir espetáculos de striptease
nas respetivas ementas. É des-
tes tempos que lhe vem o tí-
tulo de cozinheiro de Putin. O
agora Presidente da Federação
Russa era então número dois
da autarquia e, tal como a fina
flor da elite local, era cliente
assíduo – com direito a des-
contos especiais. “Prigozhin
teve a chance de encontrar
um nicho [económico] e de
alinhar os seus passos com
os de Putin. É o oportunista
perfeito”, afiançou, em 2020,
ao diário Le Monde o britâ-
nico e ilustre kremlinólogo
Mark Galeotti.
A relação entre o empre-
sário e o autarca torna-se
ainda mais próxima quando
o segundo se instala na Pra-
ça Vermelha, na mudança de
milénio, como delfim de Bo-
ris Ieltsin. Daí em diante, os
banquetes em honra dos altos
dignitários estrangeiros – de
Jacques Chirac a George W.
Bush – ficam arrematados,
e os interesses recíprocos
multiplicam-se.
Em 2012, Prigozhin e as
suas firmas de catering têm
já contratos milionários com
os ministérios da Educação,
da Saúde e da Defesa, entre
Duelos Soldados do Grupo
Wagner na sede, inaugurada
em novembro, em São
Petersburgo, e militares
ucranianos na frente de
combate, perto de Bakhmut
outros, abastecendo escolas,
hospitais e quartéis em todo
o país. Aparentemente, está
disposto a tudo para cor-
responder às expectativas e
solicitações do poder polí-
tico, e, dois anos mais tarde,
na sequência da invasão da
Crimeia, as milícias Wagner
integram as colunas de “ho-
mens verdes” que ocupam o
território ucraniano e pro-
movem o conflito separatis-
ta no Donbass. Apesar das
especulações e das estórias
à volta do alegado chef e do
antigo espião do KGB, só em
setembro acabou o segredo
de polichinelo. O empresário
admitiu, nas redes sociais,
ser ele o fundador e “finan-
ciador” do exército privado
que, na última década, tem
participado em diferentes Ramzan Kadyrov,
missões em África, no Médio
Oriente e na América Latina.
o líder da
No vídeo em causa, assume Chechénia,
uma nova postura pública e, é um aliado
em nome da liberdade, re-
vela a intenção de contribuir de Prigozhin,
cada vez mais para a derro- a quem chama
ta do regime de Volodymyr
Zelensky, enquanto recruta
“querido irmão”,
detidos na república de Mari e diz que quer
El. “Só duas pessoas vos po- também criar
dem tirar daqui, Deus ou Alá,
mas num caixão. Eu dou-vos uma empresa
a oportunidade de saírem da- de mercenários

qui vivos”, prometendo-lhes
uma “segunda oportunida-
de”, a troco de cumprirem
seis meses de mobilização
na Ucrânia. Alguns dos que
se deixam seduzir acreditam
que, findo esse período, ficam
sem cadastro e podem até vir
a ganhar bolsas universitárias
ou um emprego no aparelho
de Estado. A realidade de-
monstrou que um número
significativo jaz agora em ce-
mitérios remotos, como o de
Bakinskaya, no Sul da Rússia,
como revelou o New York
Times, na passada semana.
No final de outubro, An-
drei Kolesnikov, comentador
e antigo diretor do Novaya
Gazeta, escreveu que o pa-
trão dos Wagner era uma
eminência parda com uma
influência no Kremlin só
equiparável à de Rasputin, o
polémico místico que con-
viveu com o último czar e
acabou afogado, e com um
tiro na cabeça, no rio Neva.
O crescente protagonismo
do oligarca da restauração
não lhe augura um futuro
brilhante. É o que pensam
vários académicos e jornalis-
tas. Estará ele em condições
de desafiar Putin e constituir
uma alternativa credível? Ivan
Krastev, Marie Mendras e
Tatiana Stanovaya acham que
não; consideram-no uma
marioneta que ganhou vida
própria, mas que pode ser
esmagada a qualquer mo-
mento. “Prigozhin é uma
estrela-cadente. Exagerou
nas críticas aos militares e
às outras elites. As suas asas
estão a ser cortadas”, escreveu
Dmitri Alperovitch no Twit-
ter, referindo-se às recentes
declarações do empresário
sobre o ministro da Defesa
e o comandante-chefe das
Forças Armadas russas, acu-
sando-os de incompetência
na condução da guerra e de
quererem ficar com os louros
da conquista de Soledar (pe-
quena cidade ucraniana, no
Donbass) pelos Wagner. A isto
acresce a fanfarronice com
que Prigozhin admitiu ter
interferido nas eleições dos
EUA (através da sua Internet
Research Agency, em 2016, a
favor de Donald Trump) e se
filmou a comentar as execu-
ções e as deserções dos seus
próprios soldados. Razões
para ter sido proibido de vi-
sitar penitenciárias federais,
de mobilizar mais gente para
a Ucrânia, de se implicar nas
questões que não lhe dizem
respeito e, sobretudo, de for-
mar um movimento políti-
co ou filiar-se num partido
já existente. Os “avisos” do
Kremlin obrigaram-no a di-
zer que tem “zero ambições”
de atingir cargos oficiais, só
que a sua máquina de propa-
ganda parece ter ainda alia-
dos de peso, como Vladimir
Soloviov, uma vedeta dos
debates televisivos, e Ramzan
Kadyrov, o líder checheno.
Este último chama-lhe “que-
rido irmão” e, na plataforma
Telegram, anunciou que pre-
tende seguir-lhe o exemplo
e formar uma companhia
militar privada. Algo que a
maior empresa da Rússia, a
energética Gazprom, também
quer fazer, noticiou o jornal
Kyiv Independent, por ser
uma atividade lucrativa e que
encaixa bem no esquema de
“poder vertical” promovido
pelo Presidente do país, com
várias personalidades e ins-
tituições a competir entre si.
Quanto mais não seja porque
Putin ainda tem a força e a lei
do seu lado. Quanto a Prigo-
zhin, deve conhecer de cor e
salteado o artigo 359 do Có-
digo Penal russo, que define
que o “recrutamento, treino e
financiamento” de mercená-
rios pode levar à aplicação de
penas de quatro a oito anos
de prisão. ffialho@visao.pt
ESTATÍSTICAS
DE ARREPIAR
€700 MIL MILHÕES
Valor que o governo ucra-
niano considera ser neces-
sário para reconstruir o país.
Em setembro, o Banco Mun-
dial colocou a fasquia mais
baixa: €326 mil milhões.
€129
MIL MILHÕES
Estimativa dos danos do
conflito só em infraestrutu-
ras críticas ucranianas,
de acordo com a Escola
de Economia de Kiev
€103
MIL MILHÕES
Valor total da assistência
financeira, humanitária
e militar do Ocidente à
Ucrânia, entre fevereiro
e novembro de 2022,
segundo o Instituto Kiel para
a Economia Mundial (com
sede na Alemanha)
18
MILHÕES
População ucraniana
a precisar de assistência
humanitária (perto de 40%
do total), segundo a ONU
14
MILHÕES
Número de ucranianos for-
çados a abandonar as suas
casas. A ONU e a Organi-
zação Internacional para as
Migrações estima que mais
de 8 milhões saíram do país
(90% são mulheres e crian-
ças) e quase 6 milhões são
deslocados internos
30 MIL
Estimativa do número de
mortos e feridos do grupo
Wagner, nos últimos 12
meses, na Ucrânia
824
Número de soldados russos
que estão a morrer diaria-
mente na Ucrânia, segundo
o Governo de Kiev
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 73
 ---------- T R A B A L H O
Adeus cargo,
olá competências
No futuro, a função escrita no seu
cartão de visita pode não valer nada.
O novo mundo do trabalho passa pela
quebra de barreiras entre cargos e entre
lideranças e funcionários
— PO R T IAG O FREI RE
N
os últimos anos, não
temos feito outra
coisa senão correr
em busca de uma
adaptação a circunstâncias
que estão sempre a mudar.
No mundo do trabalho e das
empresas, o grande símbolo
visível, com a pandemia, foi
o trabalho remoto ou híbrido.
E se isso não for suficiente?
Se for apenas uma pequena
parte de uma revolução mui-
to maior, em que a regra é a
flexibilidade de forma mais
alargada?
É isso que é sugerido na
edição deste ano do estu-
do Global Human Capital
Trends, da consultora Deloit-
te, que ouviu perto de dez mil
profissionais – incluindo de
Portugal – para perceber para
onde vai, afinal, o mundo do
trabalho.
Todas as principais con-
clusões apontam para uma
maior flexibilidade como
modelo de base, e não apenas
como capacidade para nos
adaptarmos a circunstâncias
imprevistas. E isto tem im-
plicações em tudo.
Desde há mais de um sé-
culo, a organização do tra-
balho girou à volta de três
eixos: as profissões (quem faz
o quê), a empresa (escritório/
fábrica/loja) e o horário (de-
finido, à partida, com origem
nos turnos fabris). Ora, se-
gundo este estudo, isso já não
está a funcionar e cada vez
vai criar mais problemas no
funcionamento das empresas
e na atração de talento.
74 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
“No último século, temos
sido governados por uma vi-
são mecanicista do trabalho.
Assumimos que este é fixo
e repetível, facilmente or-
ganizado em tarefas discre-
tas e agrupadas em funções
bem definidas. Os esforços
de transformação centra-
ram-se nos custos e na pro-
dutividade – como entregar o
mesmo resultado, através de
métodos mais rápidos e mais
eficientes. Mas, nos últimos
anos, esses modelos foram
desafiados, com organizações
e trabalhadores a terem de
lidar com um nível de des-
continuidade e de disrupção
maiores do que alguma vez
viram”, pode ler-se no do-
cumento.
“O trabalho não é definido
pelas funções, o local de tra-
balho não é um local especí-
fico e as decisões estratégicas
não estão apenas centradas
em resultados”, sintetiza
Nuno Carvalho, partner da
Deloitte, em Portugal.
Em primeiro lugar, algu-
mas empresas estão a cen-
trar-se em competências e
não em carreiras profissio-
nais. Ou seja: se um traba-
lhador é bom a resolver pro-
blemas, mas tem a função de
responsável de Recursos Hu-
manos, fará sentido que não
possa contribuir para uma
solução no chão de fábrica,
mesmo que funcionalmente
não seja um operário?
A Deloitte põe mesmo a
hipótese de se estar perante
“o fim dos cargos”, isto é: da
classificação típica que nos Um caminho de mistura
diz o que somos, no mundo Menos divisão de
empresarial. competências, mais decisões
coletivas e mais poder para
“As fronteiras, que deli- os colaboradores
neavam as funções umas das
outras e que categorizavam,
de forma estreita, os cola-
boradores em papéis e res-
ponsabilidades, estão agora
a limitar avanços organiza-
cionais como a inovação e a
agilidade. Muitas empresas
estão a experimentar usar
competências, e não funções,
como base a partir da qual
as decisões relativas à for-
ça de trabalho são tomadas. O trabalho não
Quando retirados das caixas
das funções, os trabalhadores é definido pelas
têm a oportunidade de utili- funções, o local
zar melhor as suas capacida-
des, experiências e interesses,
de trabalho
de um modo que faz avançar não é um local
os resultados da organização específico,
e do trabalhador”, refere o
relatório. e as decisões
E isto não é apenas uma estratégicas não
questão de se abolir as fun-
ções ou os cargos técnicos; é
estão apenas
instituir uma forma de “pen- centradas
sar como um investigador”. em resultados
“As organizações e os traba-
lhadores devem ativar a sua NUNO CARVALHO
curiosidade, olhando para Partner da Deloitte Portugal

cada decisão como uma ex-
periência, que irá acelerar o
impacto e gerar novas formas
de ver. A diferenciação e o su-
cesso não vêm de se acreditar
que se tem sempre a resposta
certa desde o início, mas da
capacidade de desafiar orto-
doxias, de operar com humil-
dade e empatia e de aprender
com nova informação, para
refinar o mais rápido possível
a decisão tomada”, sintetiza a
Deloitte.
No entanto, esta é uma
verdadeira revolução na for-
ma como os sistemas estão
montados e é geradora de
ansiedade. O inquérito mos-
tra isso: os participantes afir-
mam que a principal barreira
na melhoria de resultados
está no facto de se sentirem
soterrados em “demasiadas
mudanças, ao mesmo tempo”.
PODER ÀS BASES
Além desta mudança de pa-
radigma na forma como se
olha para os recursos huma-
nos de uma organização, há
outra tendência que vem de
trás e que continua, cada vez
mais, a afirmar-se, não po-
dendo ser ignorada. Em tem-
pos de escassez e de grande
concorrência pelo talento, a
vantagem das organizações
deixou de ser apenas a remu-
neração e o estatuto.
“A relação entre colabora-
dores e as organizações está
prestes a mudar (novamente)
de paradigma. O poder da
influência dos colaboradores
nas decisões estratégicas não
para de aumentar, obrigando
as organizações a dar cada
vez mais atenção à voz dos
colaboradores”, salienta Nuno
Carvalho.
Com a quebra das pare-
des das funções, também os
alicerces hierárquicos tende-
rão a ficar mais diluídos, com
impacto evidente ao nível da
organização da empresa. As
gerações mais novas, sobretu-
do, continuam a preferir tra-
balhar em organizações que
prossigam valores positivos,
com os quais se identificam.
Aliás, noutro inquérito, dois
em cada cinco trabalhadores
das gerações Z e millennial
afirmam ter rejeitado ofertas
por falta desse alinhamento.
No mesmo sentido, metade
dos responsáveis por empre-
sas com uma missão susten-
tável e bem definida afirma
sentir mais condições para
reter o talento.
Mas não se trata apenas
de reter e de captar talen-
to, mas de o pôr ao serviço
do bem geral da empresa,
num regime de “cocriação”.
“Hoje em dia, os trabalha-
dores têm mais influência
do que alguma vez tiveram
e demonstram uma vontade
de a utilizar para moldarem o
trabalho que as suas organi-
zações fazem e a forma como
o desempenham”, afirma Ste-
ve Hatfield, responsável pela
área de Futuro do Trabalho
da Deloitte Consulting LLP.
“Para serem bem-sucedidas
neste novo mundo do traba-
lho, as organizações têm de
abandonar a ideia de controlo
total e passar a cocriar com
os trabalhadores, por forma
a desenharem as novas regras
e os seus limites, que irão
definir o modo de operar”,
acrescenta.
Por último, e ligado ao
ponto anterior, surge a “hu-
manização”, não só da forma
como os colaboradores de-
sempenham as funções mas
também do impacto que o
desfecho tem na sociedade.
Isto passa por iniciativas in-
ternas, como um reforço da
diversidade e da inclusão, e
pela análise do impacto ex-
terior, de forma mais clara
e definida.
São muitos desafios, sim,
e é possível que muitos deem
luta pelo caminho, devido a
lideranças que não estão pre-
paradas para tanta mudança.
É que se a maioria dos ouvi-
dos no inquérito (94%) acre-
dita que o papel dos líderes é
essencial para esta transição
e o sucesso da empresa, só
23% acredita que os líderes
são capazes de o fazer. Se-
gundo a Deloitte, “esta inca-
pacidade da liderança poderá
ter que ver com o facto de se
estar a olhar para o trabalho
e os trabalhadores através de
uma lente ultrapassada”.
tfreire@exame.pt
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO
Uma
revolução
em três
pontos
Nuno Carvalho,
da Deloitte, sintetiza
as três estratégias-chave,
resultantes do estudo
Enquadrar o desafio
Pensar como um
investigador
Este fundamento desafia
as organizações a olhar
para a forma como o
trabalho é organizado, a
pensar em quem, como
e onde se faz o trabalho,
bem como a questionar
se o conceito de função,
enquanto descrição de
tarefas e de responsa-
bilidades, continua a dar
resposta à agilidade deste
novo mundo?
Delinear o caminho
Cocriar a relação
A relação entre colabo-
radores e organizações
está prestes a mudar
(novamente) de para-
digma. Os dados que as
organizações têm sobre
os colaboradores, como
trabalham, como cola-
boram e interagem nas
aplicações, é um ativo
estratégico, cuja utiliza-
ção deve ser negociada
para se cocriar esta rela-
ção numa lógica win-win.
Criar impacto
na sociedade
Priorizar a humanização
As organizações co-
meçam a olhar para a
diversidade, equidade
e inclusão como um
conjunto de ações que
promove resultados
equitativos nas pessoas
e na sociedade, enquan-
to promovem a inovação,
a competitividade e o
sucesso a longo prazo.
Há hoje uma maior cons-
ciencialização coletiva
quanto ao impacto que
as organizações têm no
planeta, nas pessoas
e na comunidade.
75
 O P I N I ÃO
A busca perigosa
da identidade
Yuval Noah
Harari
T
odos os humanos se questionam
sobre quem são, de onde vêm e
qual a sua identidade. Esta busca
da identidade é importante e
fascinante, mas também pode ser
perigosa. Ao tentar definir uma clara identida-
de para mim mesmo, posso estar a fechar-me
para o mundo. Estarei a concluir que a minha
identidade é definida por eu pertencer a um
grupo único de pessoas, enfatizando as partes
que em mim me ligam ao grupo escolhido e
ignorando as demais. Só que as pessoas são
— Historiador,
seres incrivelmente complexos.
investigador e
Se nos concentrarmos apenas numa parte
professor de História
da nossa identidade e se imaginarmos que
do Mundo, na
Universidade Hebraica
só isso importa, não será possível entender
de Jerusalém. quem realmente somos. No meu caso, como
Autor de “Sapiens – judeu, é óbvio que a História e a cultura judai-
Uma Breve História cas são importantes para a minha identidade,
da Humanidade” mas, para eu entender quem sou, a história
e de “21 Lições dos judeus está longe de ser suficiente. Sou
para o Século XXI”, feito de muitas peças que vieram do mundo.
entre outros livros O gosto pelo futebol, devo-o aos ingleses.
Foram eles que inventaram este jogo. Por
isso, quando chuto uma bola, sou um pouco
britânico. Gosto de beber café de manhã,
pelo que devo agradecer aos etíopes, que o
descobriram, e aos árabes e aos turcos, que
difundiram esta bebida por toda a parte.
Gosto de adoçar o meu café com uma colher
de açúcar, por isso estou grato aos papuas,
que domesticaram a cana-de-açúcar na
Nova Guiné, há pelo menos oito mil anos. Às
vezes, ainda dulcifico mais o meu café com
um pedacinho de chocolate, que chegou até
Ao contrário mim vindo das florestas tropicais da América
do que clamam Central e da Amazónia, onde povos indíge-
nas americanos começaram a fazer gulosei-
os racistas mas de cacau, talvez há uns cinco mil anos.
fanáticos e as Alguns judeus não gostam de futebol, não
pessoas que bebem café e evitam açúcar e chocolate, mas
continuam a dever muito aos estrangeiros. O
levam ao extremo hebraico, a língua sagrada do judaísmo, foi
a condenação buscar muitas das suas palavras, expressões
idiomáticas e estruturas básicas a outras lín-
da “apropriação guas, como o fenício, o acadiano [que se falava
cultural”, Tolstoi na antiga Babilónia], o grego, o árabe e, princi-
não é propriedade palmente, o aramaico.
Fragmentos inteiros do Antigo Testamen-
exclusiva dos to foram escritos em aramaico, e não em
russos. Tolstoi hebraico, assim como uma grande parte do
Mixna, do Talmude e de outros textos judaicos
pertence a todos importantes. Os antigos arameus adoravam
os humanos o deus Hadad, e não Jeová, e mataram vários
76 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
reis judeus, mas a língua hebraica e a cultura
judaica dificilmente podem ser imaginadas
sem os contributos aramaicos.
Os judeus ortodoxos deixam o mun-
do ao som aramaico do kadish [conhecido
como “oração dos mortos”]. Num determi-
nado momento, há cerca de 2 500 anos, os
judeus também abandonaram o hebraico e
ainda hoje escrevem a Torá, o Talmude e os
jornais diários em aramaico. Quanto à pró-
pria ideia de escrita, esta não é um contri-
buto dos arameus mas dos antigos sumé-
rios. Milhares de anos antes do nascimento
do primeiro judeu, alguns geeks sumérios
criaram [por volta de 3500 a.C.] uma star-
tup: usaram um pau para gravar símbolos
num pedaço de argila. Inventaram um códi-
go para esses símbolos e criaram a tecno-
logia da escrita [cuneiforme], o que acabou
por nos dar livros, jornais e websites.
Não foram apenas uma linguagem e um
sistema de escrita que vieram de fora e se jun-
taram ao judaísmo; foram também as crenças
religiosas centrais. Por exemplo, a crença de
que os humanos têm uma alma eterna, pu-
nida ou recompensada na vida após a morte,
não é mencionada em lado nenhum na Torá
e, aparentemente, não era sequer uma parte
fundamental do judaísmo bíblico. O deus do
Antigo Testamento nunca promete às pes-
soas que, se seguirem os seus mandamentos,
desfrutarão da bem-aventurança eterna no
Céu; também não as ameaça de que, se peca-
rem, serão queimadas no Inferno para toda a
eternidade. A crença na vida depois da morte
infiltrou-se no judaísmo a partir de outros
credos, principalmente a filosofia grega de
Platão e o zoroastrismo, primeira religião dos
persas. Estes também transmitiram aos ju-
deus o conceito de Diabo – e de Messias.
Da comida à filosofia, da medicina à arte, a
maioria do que nos mantém vivos e a maioria
do que faz a vida valer a pena são coisas in-
ventadas não por membros da minha nação
específica, mas por pessoas de todo o mundo.
E isto não acontece apenas nos judeus, mas
em todo o mundo.
Alguém que quis menosprezar as culturas
africanas perguntou, um dia, ironicamente:
“Quem é o Tolstoi dos zulus?” Esta pessoa
talvez acreditasse que nenhum povo africa-
no – os zulus ou qualquer outro – pudes-
se produzir obras literárias comparáveis a
Guerra e Paz, de Tolstoi, ou a Anna Karénina,

de Dostoievski. Ralph Wiley [1952-2004],
um jornalista afro-americano, respondeu
ao desafio com uma simplicidade de tirar o
fôlego.
Wiley não enumerou autores zulus, como
Benedict Wallet Vilakazi, Mazisi Kunene ou
John Langalibalele Dube, nem insistiu em
que escritores africanos, como Chinua Ache-
be, Chimamanda Ngozi Adichie ou Ngugi wa
Thiong’o, são tão bons como os ocidentais.
Wiley contornou completamente a arma-
dilha sectária. No seu livro Dark Witness:
When Black People Should Be Sacrificed
(Again), preferiu escrever que “Tolstoi é o
Tolstoi dos zulus – a não ser que vos con-
venha cercar as propriedades universais da
Humanidade para as transformar em pro-
priedade tribal exclusiva”.
Ao contrário do que clamam os racistas
fanáticos e as pessoas que levam ao extremo
a condenação da “apropriação cultural”, Tols-
toi não é propriedade exclusiva dos russos.
Tolstoi pertence a todos os humanos. O pró-
prio Tolstoi foi profundamente influenciado
por ideias de estrangeiros, como o francês
Victor Hugo e o alemão Arthur Schope-
nhauer, para não falar de Jesus e de Buda.
Há dois mil anos, o dramaturgo afro-ro-
mano Terêncio [195 a.C.-185 a.C.], livre da
escravatura, exprimiu esta ideia-chave ao
afirmar: “Sou humano, nada do que é huma-
no me é estranho.”
Todo o ser humano é herdeiro da criação
humana. Pessoas que, em busca da iden-
tidade, restringem o seu mundo à história
de uma única nação estão a virar as costas à
Humanidade. Desvalorizam o que partilham
com os outros humanos e desvalorizam algo
ainda mais profundo. Todas as invenções e
todas as ideias dos humanos, nos últimos
milhares de anos, são apenas a crosta su-
perior de quem somos. Sob essa crosta, nas
profundezas dos nossos corpos e mentes,
nós somos portadores de coisas que evo-
luíram ao longo de milhões de anos, muito
GETTY IMAGES
antes de existirem humanos. Este mistério
profundo manifesta-se em tudo o que sinto
e penso. Para entender quem sou, é necessá-
rio que eu esteja aberto a esse mistério, bem
como a explorá-lo, em vez de me contentar
com a história de que pertenço a uma tribo
que viveu, durante alguns milhares de anos,
numas colinas perto de um certo rio [Jordão].
Consideremos, por exemplo, os nossos
rituais de namoro. O que sentimos quan-
do vemos alguém que achamos atraente,
damos as mãos pela primeira vez e trocamos
o primeiro beijo? Pensemos na tempestade
emocional, nas esperanças e nos medos, no
friozinho na barriga, no calor corporal cres-
cente, na respiração acelerada. O que são es-
tas coisas que fascinam os escritores e sobre
as quais os músicos não se cansam de cantar?
Nada disto foi inventado pelos judeus,
arameus, russos ou zulus. Não são coisas in-
ventadas por nenhum ser humano. A evolu-
ção moldou-as, ao longo de milhões de anos,
e nós partilhamo-las não apenas com outros
humanos mas também com chimpanzés,
golfinhos, ursos e vários animais.
Cerimónias religiosas como o Bar Mitzvá
judaico ou a Eucaristia cristã têm, no máxi-
mo, dois mil anos e ligam a geração atual a
cerca de 100 gerações anteriores. No entanto,
os rituais de romance entre os mamíferos
remontam a dezenas de milhões de anos e
ligam-nos a milhões de gerações anteriores,
e até a antepassados pré-mamíferos.
Estarei a ignorar tudo isto, se insistir
em limitar a minha identidade ao facto de
pertencer a um grupo humano específico.
Deixo pouco espaço na minha identidade
para o futebol e o chocolate, para o ara-
maico e o Tolstoi – e até para o romance. © 2023, TIME Inc.
O que resta é uma história tribal estreita, Todos os direitos
que pode servir de arma afiada nas bata- reservados.
lhas da política de identidade, mas que tem Traduzido da TIME
um preço elevado. Enquanto aderir a esta magazine e publicado
história estreita, nunca saberei a verdade com autorização
sobre mim mesmo. visao@visao.pt da TIME Inc.
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 77
 ---------- S AÚ D E

Hábito Desde muito jovem

que Pedro Pimenta começou
a conhecer Portugal a andar a pé,
“um estado de espírito viciante”

LUÍS BARRA
Vaguear faz bem
dera-se um “felizardo” por
trabalhar ao ar livre e andar
sempre “para trás e para a
frente”, sem vislumbre de
Passear por lugares nunca antes vistos é fonte rotina. Ao fim do dia, gosta
de bem-estar para adolescentes e adultos, segundo de dar a sua “voltinha”, como
investigadores norte-americanos que identificaram lhe chama, muitas vezes “aos
esses”. No último domin-
os circuitos cerebrais onde a relação acontece go, deu corda aos sapatos na
— POR RUI ANTUNES zona de Abrantes. “Sou uma
pessoa de bem com a vida,
e as caminhadas fazem-me

P
edro Pimenta, 55
anos, sempre gostou
de descobrir novos
lugares a caminhar.
Ao atingir a maioridade, lem-
bra-se de ir de Troia a Por-
to Corvo ou de percorrer o
Algarve de mochila às cos-
tas, sozinho mas ao mesmo
tempo acompanhado. Nessa
década de 1980, diz, “fala-
va-se com toda a gente”, e
ele aproveitava para praticar
o inglês e o francês com os
turistas. Na serra de Sintra,
sentia-se como peixe na água
“no meio do mato”, atrás do
rasto dos animais.
Hoje, este explorador lis-
boeta aprecia mais o campo
e a Natureza, mas também se
“perde” nas cidades, sempre
observador. Quem antes pas-
sou por ali, como ergueram
aquela construção, que esfor-
ços não teriam de fazer para
transportar cereais encosta
acima, a curiosidade a mil e
a imaginação numa roda-vi-
va permanente, à procura de
respostas numa espécie de
“mundo paralelo”, que passa
a ser dele também.
“A mente viaja e é como
uma terapia”, admite. “Va-
mos assimilando tudo o que
nos aparece à frente e é su-
perenriquecedor porque são
coisas novas. Quero saber o
que vem a seguir e sinto que é
tudo meu, que tudo ao redor
é o meu mundo.”
Torna-se “um estado de
espírito viciante”, este va-
guear em busca da “novi-
dade ao virar da esquina”
que Pedro Pimenta alimenta
desde que se conhece. Nos
anos mais recentes, cumpriu
a pé a Grande Rota do Zêzere
(cerca de 370 quilómetros) e
percorreu de lés a lés a cos-
ta portuguesa, por etapas.
Funcionário público, consi-
sentir ainda melhor”, justifica.
A sensação de bem-estar
e de felicidade, associada à
diversidade de ambientes
frequentados, por certo já
experimentada por muitos,
está agora comprovada cien-
tificamente, através de dois
estudos de investigadores
norte-americanos, o primei-
ro publicado em 2020 e o
segundo no ano passado.
“Empiricamente, já tínha-
mos esta perceção de que as
pessoas que viajam, que saem
e que vão para a Natureza
apresentavam maiores ín-
dices de bem-estar, embora
isso não se medisse. Mas,

78 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

como costumo dizer, quando
há uma observação sistemá-
tica, ainda que empírica, se
calhar ela tem algum funda-
mento científico”, comenta
Manuela Grazina, investiga-
dora do Centro de Neuro-
ciências da Universidade de
Coimbra e também docente
na Faculdade de Medicina da
mesma instituição.
Investigadores da área da
psicologia nas universidades
de Nova Iorque e de Miami
foram capazes de demonstrar
esse fundamento científico,
a ponto de terem identifi-
cado os circuitos cerebrais
associados ao estímulo pro-
duzido pela experimenta-
ção de novos ambientes e ao
seu respetivo benefício (ou
recompensa) na forma de
emoções positivas. Segundo
Catherine Hartley, coautora
de ambos os estudos, “as pes-
soas sentem-se mais felizes
quando têm maior variedade
nas suas rotinas diárias”, ou
seja, “quando vão a novos sí-
tios e têm maior diversidade
de experiências”.
GPS DA DOPAMINA
A investigação centrou-se
nos movimentos de mais de
uma centena de voluntários
adultos, cuja localização foi
registada por GPS durante
mais de três meses conse-
cutivos, enquanto faziam a
sua vida normal. Ao mesmo
tempo, a cada 48 horas, re-
ceberam uma mensagem no
telemóvel a perguntar-lhes
como se sentiam naquele
preciso momento, numa es-
cala de zero a 100. Daqui re-
sultaram duas medidas que
os investigadores, depois,
correlacionaram: a entropia
do movimento, que reflete a
quantidade de novos locais
frequentados e o respetivo
tempo de permanência; e
a afetividade positiva, que
traduz as emoções sentidas.
Quanto mais elevada se ve-
rificou a primeira medida,
mais satisfatória se revelou
a segunda.
Através de imagens do
cérebro obtidas por resso-
nância magnética funcional,
realizadas a cerca de metade
dos participantes no estudo,
os investigadores detetaram
uma interação mais intensa
entre as regiões cerebrais do
hipocampo e do estriado nos
indivíduos que registaram
maior grau de bem-estar, o
que ajuda a sustentar a rela-
ção causa e efeito.
“A exposição a novos am-
bientes promove a atividade
do hipocampo em integra-
ção com o estriado, duas re-
giões do cérebro envolvidas
no processamento de novos
acontecimentos e no circuito
da recompensa, que, de for-
ma simplista, inclui também
outra estrutura, o nucleus
accumbens, onde ocorre a
libertação de dopamina”, de-
talha Manuela Grazina, espe-
cialista em neurociência da
felicidade, sublinhando que
“a dopamina é o neurotrans-
missor do bem-estar e do
prazer por excelência”.
O primeiro estudo refe-
rido sugere ainda, com base
em características sociode-
mográficas das várias zonas
frequentadas pelos voluntá-
rios, que a diversidade ao ní-
vel da densidade populacio-
nal, da média de idades, dos
níveis de escolaridade e de
desemprego, etc., contribui
A Ciência
conseguiu
demonstrar que
a diversidade
de ambientes
frequentados
aumenta
a sensação
de bem-estar
e de felicidade.
Vaguear é bom,
seja no campo
ou na cidade
igualmente para sensações de
bem-estar mais reforçadas.
TREINAR O CÉREBRO
Já a segunda investigação,
que partilha os autores prin-
cipais da primeira, conclui
que a mesma afetividade
positiva, relacionada com
a diversidade de ambientes
experimentados, é percecio-
nada por adolescentes – sem
variações associadas à idade,
portanto. E estabelece uma
associação entre o desejo de
explorar novos lugares e a
dimensão da rede de amigos
e conhecidos com os quais
se mantém contacto, seja
na adolescência ou na idade
adulta. O mesmo é dizer que
“os participantes que repor-
taram maior conetividade
social coincidiram com os
que exploraram mais novos
ambientes”, como explica
Manuela Grazina, acrescen-
tando que a relação acontece
nos dois sentidos, uma vez
que uma coisa parece levar à
outra e vice-versa.
Estas “evidências inequí-
vocas” não determinam, ain-
da assim, que todas as pes-
soas reajam de igual forma
perante o mesmo estímulo,
ressalva a investigadora por-
tuguesa. Desde logo, nem
todos produzem a mesma
quantidade de dopamina, por
razões genéticas, alimentares
(falta de proteínas) ou até de
treino. “Provavelmente, há
quem prefira o conforto do
sofá, somos todos diferentes.
Mas a grande notícia é que o
nosso cérebro pode treinar-
-se, isso é o mais extraor-
dinário. Daí a importância
desta literacia. Sabendo que
temos aqui um estímulo que
pode ser uma grande fonte de
bem-estar, devemos promo-
vê-lo”, remata.
Pedro Pimenta descobriu-
-o desde cedo e, assim as
pernas o deixem, não conta
parar tão depressa. “O cami-
nho é como uma espinha. As
pessoas que conhecemos e os
bons momentos que vivemos
são perpendiculares ao cami-
nho.” rantunes@visao.pt
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO
Sair da sala
de aula
Investigadora pede
decisões políticas
ajustadas à Ciência.
Uma vez que a Ciência
conseguiu demonstrar
a correlação entre
a diversidade de
ambientes frequentados
e o bem-estar das
pessoas, Manuela
Grazina assume que
gostaria de ver este
conhecimento traduzir-
se em benefícios reais
para as pessoas.
“Se sabemos que isto
é fundamental para
o bem-estar e se
sabemos que o bem-
-estar se traduz em
mais saúde e em mais
produtividade, porque
não ter isto em conta
nas decisões políticas?”,
questiona-se. “Ainda
sonho com esse dia.”
A investigadora de
Coimbra não esconde
uma certa desilusão por
não ver o conhecimento
científico ser tido em
consideração nas
opções do Estado e dá
o exemplo das escolas
e dos locais de trabalho,
onde prevalecem
velhos hábitos.
“A aprendizagem
em espaço fechado
e demasiado formal
pode ser feita de igual
modo em espaço
aberto. Só temos de
definir a meta, ou seja,
aquilo que queremos
que o aluno saiba, e de
que forma o espaço
exterior e novo poderia
contribuir para isso”,
sustenta, apelando à
criação de condições
para promover mais
saídas da sala de aula
habitual. “Mudaria
radicalmente o
panorama em Portugal,
até ao nível da saúde
mental”, conclui.
79
 O P I N I ÃO
Filipe
Luís
— Editor-executivo
GOLPE DE VISTA
IMOBILIÁRIA
COSTA, LDA.
Numa das medidas
para a Habitação,
o Estado propõe-
-se arrendar
e subarrendar
casas devolutas,
encarregando-se,
ainda, da reabilitação.
Ou seja, o Governo
escolhe os armários
de cozinha e o
pavimento para a sala.
Podem recorrer ao
amigo de Sócrates, ele
saiu-se bem, em Paris.
80 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
O partido Peter Pan
e o capitão Gancho
C
om a saída de Catarina Mar-
tins de coordenadora do Bloco
de Esquerda, cai o 5.º líder de
partidos da oposição, desde que
o PS obteve a maioria absoluta.
Num ano, Francisco Rodrigues dos Santos
(CDS), Rui Rio (PSD), Cotrim de Figueire-
do (IL) e Jerónimo de Sousa (PCP) também
já tinham sido substituídos. Se formos um
pouco mais atrás, verificamos que, desde
2018, o PSD mudou de liderança não uma,
mas duas vezes. Que o CDS já tinha muda-
do em 2016, com a saída de Paulo Portas e
a entrada de Assunção Cristas, por sua vez
substituída, em 2020, pelo fogoso “Chicão”.
E que também o PAN, em 2021, fez a sua
mudança de líder, com André Silva a dar
o lugar a Inês de Sousa Real. Ou seja, em
sete anos como primeiro-ministro, António
Costa já conseguiu “despachar” nove líderes
de outros partidos, sendo que, só à direita,
viu sair nada menos do que seis. António
Costa, senhor absoluto dos socialistas desde
2014, é, portanto, um dos dois líderes real-
mente longevos da política portuguesa. E
quem é o outro? Adivinharam: André Ven-
tura. Isto há de querer dizer qualquer coisa.
As razões para a despedida de Catari-
na Martins, explicadas pela própria, fazem
sentido. A ideia de “fim de ciclo” é completa-
mente ajustada ao momento presente. Cata-
rina era a última peça museológica da velha
e agora abandonada e enferrujada geringon-
ça, se excetuarmos o seu dínamo, António
Costa, reciclado na “máquina sofisticada”
da maioria absoluta. A ainda coordenado-
ra do Bloco, que será substituída em maio,
identificou que a virada de página mostrou
um País de protesto, de lutas sociais, de gre-
ves e de reivindicações várias. Para apanhar
este comboio, o Bloco não podia ter um
rosto com o ferrete da ex-geringonça, hoje
um tanto ou quanto deslocada no tempo.
Catarina Martins representou a imagem de
um partido que queria ser governo. Mariana
Mortágua, embora uma “adiada ministra das
Finanças”, pode voltar ao registo do pro-
testo, que exercerá muito melhor (ver pág.
30 e seguintes). Mas mesmo este nome não
convence a linha mais dura do Bloco, que
defende a tomada das ruas e do megafone do
descontentamento. Em tempo de polariza-
ção, percebeu Catarina, interessa radicalizar.
O BE passou 16 longos anos, entre 1999,
ano da sua fundação, e 2015, nas margens
do protesto. Escondeu debaixo do tapete
os estafados modelos dos primórdios do
século XX, que estiveram na sua génese, o
leninismo e o trotskismo, preferindo exibir
uma mensagem inovadora. Tal como, 20
anos depois, a Iniciativa Liberal (fenómeno
que funciona, à direita, como imagem in-
vertida de espelho…), o Bloco surgiu fresco,
inovador e imaginativo. Na altura, trazia um
programa de causas fraturantes e identi-
tárias que sopravam a poeirada dos velhos
conflitos sociais baseados na dialética entre
explorados e exploradores. Não: o Bloco
não era o partido dos trabalhadores, era o
movimento da modernidade. Tal como, 20
anos depois, a IL, ao chegar ao Parlamento,
eles iam sem gravata. O marketing espe-
tacular que precedeu, em duas décadas, a
imaginação dos liberais, sensibilizou exata-
mente as mesmas faixas etárias, nas mes-
mas elites e nos mesmos bairros urbanos
que estes penetrariam em 2019 e, sobretu-
do, em 2022. Um eleitorado urbano e ca-
sual chic que, entretanto, envelheceu e viu
convertidas em leis progressistas (aborto,
casamento entre pessoas do mesmo sexo...)
as principais bandeiras bloquistas – sem
que o BE tenha mais nada para apresentar
ou conquistar. Tal como a IL vinte anos de-
pois, o Bloco tinha mais votos no Restelo do
que em Alcântara. E, com o definhamento
ideológico do PCP, as margens suburbanas
e excluídas ficavam para pasto do Chega.
Os 16 anos iniciais de protesto revelavam
um partido com aversão ao Poder e imune
aos cantos de sereia dos salões governa-
mentais. Um partido com medo de crescer
demasiado. Um partido Peter Pan. A partir
de 2015, porém, surgiu a oportunidade de
dar o salto. Quase sem que se desse por
isso, a estratégia teve uma inversão de 180
graus. O Bloco aburguesou-se e convenceu-
-se de que, pela mão do PS, chegava lá.
Havia um problema. António Costa co-
nhecia muito bem o Bloco e as suas inten-
ções. Em intervenções públicas anteriores,
o líder do PS já tinha identificado o partido
fundado por Francisco Louçã, Luís Fazen-
da e Miguel Portas como um perigo mortal
para o PS. Nunca lhe passou pela cabe-
ça levar o BE para o Governo. E quando o
partido Peter Pan, finalmente, quis crescer,
tomou consciência, com horror, de que,
afinal, António Costa era o capitão Gancho.
fluis@visao.pt
Proprietária/Editora: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
Sede: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte
Edifício Fernão de Magalhães, n.º 8, 2770-190 Paço de Arcos
NIPC: 514674520.
Gerência da TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 10.000,00 euros,
Principal acionista: Luís Delgado (100%)

Diretora: Mafalda Anjos

Diretor-Executivo: Rui Tavares Guedes
Subdiretora: Sara Belo Luís
Editores-Executivos: Alexandra Correia e Filipe Luís AVÈNE
Conselheiro Editorial: José Carlos de Vasconcelos PROTEÇÃO SOLAR
EXAME/Economia: Tiago Freire (diretor)
Editores: Clara Cardoso (visao.pt) Filipe Fialho (Mundo), Inês Belo (VISÃO Se7e),
O ANO INTEIRO
João Carlos Mendes (Grafismo), Manuel Barros Moura (Radar)
e Pedro Dias de Almeida (Cultura) A proteção solar não tem
Redatores Principais e Grandes Repórteres: Carlos Rodrigues Lima, uma estação do ano
Cláudia Lobo, José Plácido Júnior, Miguel Carvalho e Rosa Ruela especifica. Quando se
Redação: Carmo Lico (online), Cesaltina Pinto, Clara Soares, Clara Teixeira,
Florbela Alves (Coordenadora VISÃO Se7e/Porto), Joana Loureiro, João Amaral Santos,
expõe ao sol, seja na praia,
Luísa Oliveira, Luís Ribeiro (Coordenador Ambiente), Margarida Vaqueiro Lopes, seja na cidade, seja
Mariana Almeida Nogueira, Marta Marques Silva, Nuno Aguiar, Nuno Miguel Ropio, durante uma hora, está
Paulo C. Santos, Rita Rato Nunes, Rui Antunes, Rui Barroso, Sandra Pinto,
Sara Rodrigues, Sara Santos, Sílvia Souto Cunha, Sónia Calheiros, Susana Lopes Faustino,
sempre a correr riscos.
Susana Silva Oliveira e Vânia Maia
Grafismo: Paulo Reis (Editor adjunto), Teresa Sengo (Coordenadora), https://www.eau-thermale-avene.pt/
Ana Rita Rosa, Edgar Antunes, Filipa Caetano, Hugo Filipe, Patrícia Pereira e Rita Cabral
Infografia: Álvaro Rosendo e Manuela Tomé
Fotografia: Fernando Negreira (Coordenador), José Carlos Carvalho,
Lucília Monteiro, Luís Barra e Marcos Borga
Copydesk: Rui Carvalho e Teresa Machado
Secretariado: Sofia Vicente (Direção) e Ana Paula Figueiredo
Colunistas: Bernardo Pires de Lima, Pedro Marques Lopes e Joana Marques
Colaboradores Texto: Manuel Halpern, Miguel Judas, Pedro Dias,
Margarida Robalo e Sónia Graça (Revisão)
Ilustração: Susa Monteiro
Redação, Administração e Serviços Comerciais: Rua da Fonte da Caspolima
– Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8 GUERLAIN
2770-190 Paço de Arcos – Tel.: 218 705 000 LOVE IS IN THE AIR
Delegação Norte: CEP – Escritórios, Rua Santos Pousada 441- sala 206 e 208,
4000-486 Porto, Telefone: 220 993 810
Marketing e Publicidade: Vânia Delgado (Diretora Comercial) vdelgado@trustinnews.pt
GUERLAIN tem criado excecionais
Marketing: Joana Hipólito (gestora de marca) – jhipolito@trustinnews.pt Fragrâncias e produtos de Beleza
Digital e Parcerias Coordenador: Hugo Lourenço Furão hfurao@trustinnews.pt desde 1828 e esforça-se por
Publicidade: Telefone 218 705 000 (Lisboa) preservar, desenvolver e transmitir
Maria João Costa (Diretora Coordenadora de Publicidade) mjcosta@trustinnews.pt
Mariana Jesus (Gestora de Marca) mjesus@trustinnews.pt
este legado único.
Rita Roseiro (Gestora de Marca) rroseiro@trustinnews.pt Em Nome da Beleza, trabalhamos
Tiago Garrido (Gestor de Marca) tgarrido@trustinnews.pt no sentido de elevar a Natureza a
Florbela Figueiras (Assistente Comercial Lisboa) ffigueiras@trustinnews.pt
Elisabete Anacleto (Assistente Comercial Lisboa) eanacleto@trustinnews.pt
Arte e comprometemo-nos a
Delegação Norte - Telefone: 220 990 052 transmitir as suas maravilhas às
Margarida Vasconcelos (Gestora de Marca) mvasconvelos@trustinnews.pt gerações futuras, com a Abelha
Tecnologias de Informação: João Mendes (Diretor) como sentinela.

A VISÃO BS é a unidade de produção de conteúdos patrocinados https://www.guerlain.com/pt

para parceiros da VISÃO, com coordenação do TIN Brand Studio.
Produção e Circulação: Vasco Fernandez (Diretor)
Pedro Guilhermino (Coordenador de Produção) Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves,
Paulo Duarte (Produtores) e Isabel Anton (Coordenadora de Circulação)
Assinaturas: Helena Matoso (Coordenadora de Assinaturas) HERDADE
Serviço de apoio ao assinante: Tel.: 21 870 50 50 (Dias úteis das 9h às 19h)
Custo de chamada para a rede fixa, de acordo com o seu tarifário DO MONTE BRANCO
Impressão: Lisgráfica – Estrada de São Marcos Nº 27 S. Marcos – 2735-521 Cacém GRANDE LISBOA
Distribuição: VASP MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal. Venda Seca,
2739-511 Agualva-Cacém Tel.: 214 337 000.
Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt – Tel.: 808 206 545
A Herdade do Monte Branco está agora também
Tiragem média do mês de Janeiro: 28 200 exemplares www.herdademontebranco.pt na Grande Lisboa! Sim, os vinhos deste
Registo na ERC com o nº 112 348 privilegiado “terroir” do Alentejo acabam de
Depósito Legal nº 127961/98 – ISSN nº 0872-3540
ganhar a sua primeira loja de venda direta ao
APOIO AO CLIENTE/ASSINANTE público, mais precisamente em Carnaxide.
apoiocliente@trustinnews.pt
Estatuto editorial disponível em www.visao.pt
A Trust in News não é responsável pelo conteúdo dos anúncios
nem pela exatidão das características e propriedade dos produtos
e/ou bens anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a
realidade, são da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes
e agências ou empresas publicitárias. Interdita a reprodução, mesmo
parcial de textos, fotografias ou ilustrações sob qualquer meios,
e para quaisquer fins, inclusive comerciais.

ASSINATURAS
Ligue já
21 870 50 50
Dias úteis – 9h às 19h
 POR
Joana
Marques Fogos habitacionais
— Humorista
para apagar
ELEFANTE NA SALA

A
rrendamento
obrigatório, por
cinco anos, de
casas que estejam
vazias há mais de
12 meses: das medidas apre-
sentadas pelo Governo para
combater a crise na habita-
ção, foi esta a que mais tinta
fez correr. Nomeadamente
tinta para cartazes a dizer
“Vende-se”. Não creio que
esta proposta venha resolver
o problema da escassez de
casas para arrendar, a preços
razoáveis, mas provavelmen-
te fará aumentar o número
de apartamentos para venda:
entre entregar a casa ao Estado
ou à Remax, talvez se opte pela
entidade que não tem fama
de má pagadora. Esta ideia já
devia estar na forja há algum
tempo, o que explica porque é
que Marcelo Rebelo de Sousa
e António Costa optaram por
nunca se mudar em definiti-
vo para o Palácio de Belém e
o Palacete de São Bento: é que
corriam o risco de, findos os
mandatos, terem estranhos a
viver nas suas casas. Percebe-
-se também porque é que a
família Teixeira Duarte vendeu
um duplex numa zona nobre
da capital, muito abaixo do
valor de mercado, a Fernan-
do Medina: tinham muitos
imóveis vazios para despachar
até 2023. Percebo que, entre
receber a pronto do então
presidente da câmara ou es-
perar pelas medidas do futuro
ministro das Finanças, fosse
mais seguro vender. O Go-
verno propõe subarrendar as
casas devolutas e crê que isto
vai aumentar a segurança dos
senhorios. Em princípio, só
resultará com senhorios que
nunca tenham passado pela
experiência de tentar receber
dinheiro do Estado, mas não
custa tentar. Se este plano der
certo, deixaremos de ter casas
vazias, em cidades onde a pro-
cura é imensa. Continuaremos
é a ter casas cheias de estu-
dantes, a pagar 400 euros por
quartos de dez metros, sem
janela. Uma vez que o Estado
identifica as casas devolutas
através da ausência de contra-
tos de electricidade, água ou
telecomunicações, pode apro-
veitar para averiguar o que se
passa em casas com consumos
absurdos: trata-se de um pro-
prietário muito lavadinho, que
toma sete banhos diários, ou
de um T2 onde vivem 13 pes-
soas?! Nos últimos dias, temos
ouvido queixas por parte dos
proprietários, dos empresários
de alojamento local e até de
detentores de vistos gold, mas,
na verdade, o maior prejudi-
cado parece ser José Sócrates.
Quando reclamávamos medi-
das para evitar que casos como
o do ex-primeiro-ministro se
repetissem, não era bem isto
que tínhamos em mente... Em
vez de um pacote de medidas
anti-corrupção, o Governo
apresentou um pacote que
impede amigos de terem casas
disponíveis para emprestar a
um ex-governante em apu-
ros. Aliás, se lermos as letras
pequeninas deste programa,
vemos que o título comple-
to é “mais habitação para os
portugueses que não têm
casa própria, menos habita-
ções para aquele português
que nunca está na sua própria
casa”. visao@visao.pt

Em vez de um pacote de medidas

anti-corrupção, o governo
apresentou um pacote que
impede amigos de terem casas
disponíveis para emprestar a um
ex-governante em apuros
106 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023
 OFEREÇA
O JORNAL 1 ANO | 26 EDIÇÕES

€39,90
PAPEL + DIGITAL

DE LETRAS
Campanha válida em Portugal até 31/01/2023, na versão impressa + digital, salvo erro de digitação.

OFEREÇA LETRAS, ARTE E IDEIAS

Ofereça o Jornal Irá receber um e-mail com Agora o seu amigo

de Letras através do o voucher. Poderá imprimir vai ter acesso ao
QR code acima, ou em ou reencaminhar para Jornal de Letras na versão
loja.trustinnews.pt oferecer impressa e digital

Para mais informações vá a loja.trustinnews.pt ou ligue 21 870 50 50

Dias úteis das 9h às 19h. Custo de chamada para a rede fixa, de acordo com o seu tarifário.
Indique o código promocional COCDI

… der por si em Odemira? Liga para
casa, manda vir a família e escreve
um email para o trabalho a dizer que
quer tirar as férias de verão agora
mesmo, enquanto a primavera não
chega. Um paraíso plantado entre o
mar, a serra e a planície, com praias,
aldeias pitorescas e medronheiros,
Odemira tem o melhor do Alentejo.
E, no inverno, oferece-o com vagar
F
C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O
Férias grandes no inverno?! Quem
nunca experimentou é capaz de ter
vontade de atirar a primeira pedra.
Mas será assim uma ideia tão má?... E
não, não estamos a falar de férias no
inverno daqui, que é o verão do Brasil,
nem de férias na neve. Falamos da-
queles sítios onde pensa que só pode
ir no verão, mas que, na verdade, são
destinos encantadores (e tranquilos)
no inverno. Quer um exemplo? Que
tal o concelho de Odemira? Praias,
rio, barragem, serra, surf, trilhos
pedonais, passeios a cavalo, ermidas,
casinhas caiadas, burros, ovelhas e
cabras, anciãos nas suas oficinas arte-
sanais, pão acabado de sair do forno,
manteiga caseira, uma lareira quen-
tinha, um copinho de aguardente de
medronho. E o que será aquilo ali ao
fundo? É mais um que decidiu fazer
férias no inverno. Venha daí, amigo,
há lugar para todos!
Odemira no inverno é um segredo
bem guardado, que vale a pena des-
cobrir. Mas não conte a muita gente,
senão já sabe o que acontece...
Situado na Costa Alentejana, Ode-
mira é o maior concelho do País: tem
1 720 quilómetros quadrados para
explorar. É um território único, que
se estende entre o mar, a planície e a
serra, com uma diversidade natural e
uma riqueza cultural de fazer inve-
ja a qualquer região. Há muito para
conhecer e experiências para todos os
gostos: turismo de Natureza, turis-
mo náutico, o rio Mira, a albufeira
de Santa Clara, praias de areia fina,
portinhos de pesca artesanal, o im-
ponente cabo Sardão, aldeias típicas,
património religioso, artesanato e
uma gastronomia com os melhores
Se numa noite
de inverno
um viajante...
 C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

PASSEIOS A CAVALO, CAMINHADAS,

BTT, SURF E PASSEIOS DE BARCO:
TUDO BOAS FORMAS DE PASSAR
O TEMPO EM ODEMIRA

sabores do campo e do mar.
A água é um dos elementos mais
marcantes, não só pelas praias da
Costa Sudoeste mas também pelo rio
Mira e pela albufeira de Santa Clara.
Ao longo dos 50 quilómetros cos-
teiros, Odemira tem 12 praias numa
das zonas mais bem preservadas da
Europa – todas com Bandeira Azul.
Também o rio Mira é um dos
menos poluídos do Velho Continente.
Atravessa o concelho de Odemira,
alimenta a albufeira de Santa Clara e
desagua em Vila Nova de Milfontes.
Todo o vale do rio, entre Odemira e
a sua foz, está integrado na área do
Parque Natural do Sudoeste Alen-
tejano e Costa Vicentina. A zona
ribeirinha constitui o habitat de uma
grande variedade de fauna e flora.
Já a foz é uma importante zona de
maternidade para várias espécies de
peixes e uma paragem para as aves
migratórias.
A imensidão do Espelho de Água
de Santa Clara é mais uma prova
de que o concelho de Odemira é
muito mais do que praia oceânica.
A barragem de Santa Clara, que já
foi a maior de Portugal, tem uma
praia fluvial num cenário idílico, em
que pode usufruir de um percurso
pedestre circular, zona de estar e
contemplação. Já que está em Santa
Clara, descubra também a ponte D.
Maria, do século XVIII, a igreja de
Santa Clara de Assis, a fonte do Azi-
nhal e o parque de merendas.
E não pense que, por ser inverno,
não pode desfrutar de toda a água
FAZER
1 | BASS CATCH IN SANTA CLARA
Passeio de barco na barragem
de Santa Clara
∙ https://basscatchinsantaclara.com/
Tel. 963 553 829 | 967 108 936
2 | MILEMOTIONS
Passeios de barco no mar e no rio Mira
∙ https://milemotions.pt/ Tel. 961 719 277
3 | SURF MILFONTES
Escola de surf
∙ https://surfmilfontes.pt/pt/inicio/
Tel. 928 078 950 | 926 900 891
4 | ECOTRAILS
Passeios a cavalo
∙ https://www.ecotrails.pt/pt/
Tel. 967 155 383
que Odemira tem para oferecer. Pode 5 | 110 SW
fazer canoagem, stand up paddle,
Stand up paddle e canoagem
passeios de barco (no mar, rio ou ∙ https://110sw.pt
barragem), observação de aves, surf, Tel. 965 156 374
bodyboard, mergulho (com um fato
apropriado não vai sentir frio). Se
gosta de caminhadas, saiba que por
aqui passa a Rota Vicentina, o grande
percurso que liga Sagres ao norte da
Europa e que, em Odemira, contem-
pla o Trilho dos Pescadores (junto ao
mar) e o Caminho Histórico. Além
destes dois trilhos, existem diversos
percursos circulares no território,
que permitem explorar o litoral e o
interior do concelho. Encontra, por
exemplo, o Trilho de Troviscais ao 1
Mira, com 11,5 quilómetros, em que
densas matas de sobreiros, euca-
liptos e medronheiros o conduzem
até às águas tranquilas do rio, ou o
Trilho das Dunas do Almograve, que
coincide, em parte, com o Trilho dos
Pescadores. Para os amantes do BTT,
a Rota Vicentina propõe mil quiló-
metros de percursos espalhados pelo
território.
PONTO MAIS OCIDENTAL DA COSTA
ALENTEJANA 3
Vila Nova de Milfontes é a porta de
entrada do concelho, para quem vem
de Norte. Dê início à visita pelo nú-
cleo antigo da vila, a Praça da Barbacã
e o cais da Fateixa. Já que está aqui,
aproveite e apanhe o passadiço que
vai até ao Forte de São Clemente e
caminhe sobre as águas do rio (pelo
menos, é o que parece). Passe ainda
pelo portinho de pescas e admire as
5
 C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

COMER
A gastronomia é tão variada quanto a paisagem. Do mar:
o polvo, o sargo, o robalo, a feijoada de chocos e búzios, arroz
de marisco, percebes, lagosta, navalheira ou ouriços.
8 Do interior: a feijoada e o cozido de grão, mas também
enchidos, queijos, pão, mel, vinho e a incontornável
aguardente de medronho.

6 | FONTE FÉRREA
Acabado de abrir, este icónico restaurante, dedicado a pizzas,
hambúrgueres e saladas, fica num agradável jardim e é explorado
pelo turismo Craveiral Farmhouse.
∙ Jardim da Fonte Férrea, Odemira.
Fecha ao fim de semana.

7 | COSTA ALENTEJANA
As especialidades são o peixe e marisco frescos da costa
6 e a carne produzida na Herdade do Sardanito da Frente.
∙ Rua Mira Mar, nº 8, Zambujeira do Mar. Fecha à segunda-feira.

8 | MANJEDOURA
Uma antiga discoteca que renasceu como restaurante.
A ementa combina petiscos, carnes grelhadas e pizzas cozidas
em forno de lenha. Abre às 12h30 e fecha às 2 da manhã.
∙ Cerca do Arneirão, Rua António Mantas, Vila Nova de Milfontes
Aberto todos os dias.

9 | AZENHA DO MAR
Restaurante típico, famoso pelo marisco e peixe fresco.
Arroz de marisco, caldeirada de peixe, massa de peixe, feijoada
de camarão. Sapateira e camarão frito são as especialidades.
7 ∙ Azenha do Mar, freguesia de São Teotónio. Fecha à quarta-feira.

10 | BARCA DO TRANQUITANAS
Situado nas imediações do porto de pesca, o peixe e o marisco
são sempre frescos. Comece com uns percebes, búzios, bruxas
ou navalheiras, e siga para uns filetes de peixe pampo.
∙ Entrada da Barca, Zambujeira do Mar. Fecha à segunda-feira.

11 | TASCA DO CELSO
Restaurante típico, com um ambiente rústico contemporâneo.
FILIPE POMBO

Experimente a carne de porco à alentejana, o arroz de feijão

com linguado ou pregado frito, ou a açorda de camarão.
∙ Rua dos Aviadores, nº 34 A, Vila Nova de Milfontes. Fecha à segunda-feira.
11
12 | PORTO DAS BARCAS
Um espaço moderno e descontraído, com vista para o porto
que lhe dá o nome. Prove o borrego em pasta de alecrim na grelha,
as gambas à Brás e a massinha de peixe com hortelã.
∙ Estrada do Canal, Vila Nova de Milfontes.
Fecha à terça-feira (na época baixa).

13 | SACAS
Nesta antiga tasca de pescadores, aposte no peixe e marisco,
comprados na lota, ali a poucos metros. Prove a raia de coentrada,
os bifes de peixe pampo à Ti’ Ana, ou as sopas de cação.
∙ Entrada da Barca, 22, Zambujeira do Mar.
Fecha à quarta-feira (na época baixa).
13
pequenas embarcações. Conheça a
Rocha de Água d’Alto, local que, em
época de chuva, se transforma numa
grande queda-d’água natural.
Ainda na costa, mas mais para sul,
não deixe de visitar o cabo Sardão – o
ponto mais ocidental da costa alen-
tejana, guardado por um farol. Este
é um sítio de passagem ao longo da
estrada costeira, que liga Almograve
a Zambujeira do Mar. Caminhe até ao
imponente farol, construído em 1915 e
com uma torre de 17 metros de altura.
Mais adiante, junto à falésia, poderá
admirar as cegonhas-brancas que só
aqui, e apenas nesta costa, escolhe-
ram nidificar. No resto da Europa,
poderá encontrá-las, mas mais para o
interior.
É agora tempo de dar um pas-
seio pela vila de Odemira. A sede do
concelho revela a brancura das casas
e os jardins floridos, e é fácil encon-
trar a igreja de São Salvador, a igreja
da Misericórdia, a igreja paroquial
de Santa Maria e o Bairro do Castelo.
Vá até à Fonte da Bica da Rola e ao
chafariz do Alto de São Sebastião.
Um dos pontos altos deste percur-
so é o moinho de vento de Odemira,
que remonta ao século XVIII e está
em pleno funcionamento, de acordo
com a tecnologia mais tradicional.
Este engenho merece uma demora-
da visita, não só para contemplar a
paisagem mas também para ter uma
boa conversa com o moleiro José
Guilherme, descendente de antiga
família de mestres moleiros.
Aproveite ainda para percorrer a
zona ribeirinha e observe os Marcos
da Barca, do século XVI, em que se
fixavam os cabos que permitiam a
passagem da barca entre as margens.
E se é amante de fotografia, não se
esqueça de tirar uma selfie no Monu-
mento do Cante, uma imponente es-
cultura de um grupo coral alentejano,
que presta homenagem ao cante.
Depois, enverede por territórios
menos conhecidos e encontre alguns
tesouros do interior do concelho. Em
Odemira, descobrem-se aldeias genuí-
nas, de casinhas caiadas, arquitetura
tradicional, ruelas apertadas, com inte-
ressante património religioso e civil.
NA ZAMBUJEIRA DO MAR FICA
UM DOS QUATRO PORTINHOS
DE PESCA TRADICIONAL DO
CONCELHO
São Martinho das Amoreiras é
uma dessas aldeias, rodeada de verde
e de frescura, em que a imponente
igreja paroquial marca o tempo e a
paisagem. Mesmo ali ao lado, na úni-
ca padaria da zona, é feito o “melhor
pão do mundo”. Visite-a e, com dois
dedos de conversa, aprenda os méto-
dos de produção tradicional do pão
alentejano. Ali perto, há também para
descobrir a Necrópole do Pardieiro,
monumento arqueológico funerário
da Idade do Ferro, onde foram des-
cobertas estelas com a antiga e ainda
indecifrável escrita do Sudoeste.
De seguida, vale a pena rumar até
Colos, antiga sede de concelho, vila
histórica com foral atribuído. Nes-
ta freguesia, impõe-se uma visita à
Senhora de Neves, pequena capela
no alto da serra, de onde se avista
o imenso território de planície e de
serra.
Outra paragem obrigatória é a
aldeia de São Luís, antiga povoação
que dedica a sua interessante igreja à
Ordem de Santiago. Um passeio pelas
ruas permite descobrir um mercado
feito em taipa (técnica ancestral de
construção com terra). Já no Ate-
neu do Catorze, fica a conhecer um
 COMPRAR
O artesanato é uma das riquezas culturais de
Odemira. Abegoaria, produção de mobiliário,
instrumentos musicais (com especial relevo para as
violas campaniças), cestaria em vime, empalhamento
de cadeiras, traparia, joalharia, produção de cajados,
cerâmica e tecelagem são atividades com grande 14 15
vigor. Sem esquecer os queijos e a aguardente de
medronho que, não sendo artesanato, também não
deixam de o ser. Aqui ficam as nossas sugestões:

14 | LOJA DA CACO – ASSOCIAÇÃO

DE ARTESÃOS DO CONCELHO DE ODEMIRA
Aqui encontra peças de artesanato e produtos regionais
do concelho.
∙ Avenida Teófilo da Trindade, nº 8, Odemira

15 | FÁBRICA DE CHOCOLATES DA BEATRIZ

Beatriz é uma argentina que trouxe para Odemira 18 19
a sua paixão pelo chocolate.
∙ Rua do Cemitério, nº 7, Odemira

16 | ATELIER HELENA LOERMANS

Helena é uma holandesa que vive e tece em Odemira há
mais de 20 anos e produz a sua própria coleção de têxteis.
∙ Rua Alexandre Herculano nº 50, Odemira

17 | JÚNIOR JACQUES DESTILADORES

Aguardente de medronho e melosa.
∙ Sobral – São Miguel, São Teotónio

18 | APICORTES 21 22
Mel, licor de mel e sabonetes.
AGUARDENTE DE MEDRONHO, AZEITE, MEL, QUEIJOS
∙ Rua António Mateus Alves nº 39, Bicos – Vale de Santiago
DE OVELHA E CABRA E UM BOM PÃO ALENTEJANO:
19 | QUEIJARIA DO MIRA ABASTEÇA-SE ANTES DE REGRESSAR
Queijos de ovelha e cabra.
∙ Rua das Barreiras Vermelhas, Odemira coletivo de artistas plásticos que ali
encontra liberdade criativa, em várias
20 | AZEITE VALE DA CASCA áreas. Nos arredores de São Luís, as
A Herdade Vale da Casca produz azeite virgem extra propostas de passeios recaem nos
com marca registada. percursos pedonais da Rota Vicenti-
∙ Herdade Vale da Casca – Lameiros, São Luís na, como o das hortas de São Luís e o
da serra de São Domingos. Conheça
21 | JOIAS DE ELZA PEREIRA também o Pego das Pias, uma piscina
Joalharia de autor. natural, na ribeira do Torgal, com
∙ Rua Sarmento Beires, 40, Vila Nova de Milfontes impressionante património geológico,
e ainda o cais da Casa Branca, antigo
22 | ARTESANATO DO MAR DE MIGUEL SANTOS cais fluvial no Mira, que permite ace-
(VEIGA PARA OS AMIGOS) der ao rio e conhecer de perto a sua
Peças únicas, criadas a partir de materiais biodiversidade.
encontrados na costa e nas praias. Odemira é também um impor-
∙ Aldeia da Longueira
tante núcleo piscatório, o que faz
do concelho também uma gran-
de referência gastronómica. Aqui
exercem a sua atividade dezenas de
pescadores que se dedicam à pesca
 C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

DORMIR
23 | CRAVEIRAL FARMHOUSE, SÃO TEOTÓNIO
A meio caminho entre o campo e o mar, a poucos
quilómetros da Zambujeira do Mar, é a combinação perfeita
entre a ligação à Natureza e o conforto da vida moderna.
JOSÉ CARLOS CARVALHO

∙ www.craveiral.pt
A partir de €198

ANA BRIGIDA
24 | PARAÍSO ESCONDIDO, SÃO TEOTÓNIO
Neste paraíso com bungalows sobre estacas, no meio
24 25 da floresta, a harmonia com a Natureza e a sustentabilidade
são palavras de ordem. Perfeito para retiros de ioga
e chi kung.
∙ www.paraisoescondido.pt
A partir de €250

25 | HERDADE DO TOURIL, SÃO TEOTÓNIO

Na mesma família desde 1826, a Herdade do Touril dispõe
de cinco casas com 18 quartos duplos. Tem piscina de água
salgada e um restaurante de comida tradicional alentejana.
∙ www.herdadedotouril.com
MARCOS BORGA

A partir de €124

26 | TRÊS MARIAS, VILA NOVA DE MILFONTES

Uma casa de campo integrada num monte alentejano,
26 27
onde a planície se funde com as colinas da serra do Cercal,
com campos onde pastam burros, ovelhas e uma avestruz
amigável.
∙ www.tresmarias.pt
A partir de €95

27 | QUINTA DO CHOCALHINHO,
BEMPOSTA – ODEMIRA
É uma herdade centenária circundada de oliveiras
e sobreiros. No verdadeiro espírito do agroturismo, tem
tanques de rega, animais de quinta e vestígios de javalis.
∙ www.chocalhinho.pt
A partir de €85

28 29 28 | TEIMA, SÃO TEOTÓNIO

Um monte abandonado durante 15 anos, coberto de mato,
com cheiros de urze, é hoje um bonito retiro com oliveiras
artesanal e mantêm as características
e horta biológica, cadelas, gatos, burros, cavalos e patos.
das embarcações mais antigas – de
∙ www.teima.pt
pequenas dimensões, boca aberta
A partir de €135
e casco de madeira. Sargo, robalo,
congro, safio, pata-roxa, pampo,
29 | NATURARTE CAMPO, SÃO LUÍS
abrótea, besugo, búzio e polvo são as
espécies mais comuns. Os crustáceos Este espaço proporciona as melhores experiências de vida
revelam-se igualmente apetecíveis, no campo. Tem piscina, campo de ténis, picadeiro, estábulos
e uma área de descanso com camas suspensas em pleno
destacando-se as navalheiras e os
laranjal.
percebes. Não perca a oportunidade
de degustar este património gastro- ∙ https://www.naturarte.pt/campo/
A partir de €110
nómico.
Agora que já lhe falámos das
30 | HS MILFONTES BEACH,
maravilhas que Odemira tem para
VILA NOVA DE MILFONTES
lhe oferecer, longe dos veraneantes,
deixamos-lhe ainda um guia com Hotel de três estrelas, situado na Marginal de Vila Nova de
hotéis, restaurantes, lojas e ativida- Milfontes, junto à baía do rio Mira. Tem 28 quartos com vista
para a foz e para a praia das Furnas ou para a piscina.
des. Portanto, vá e não olhe para trás.
Lembre-se de que o inverno só dura ∙ https://www.hsmilfontesbeach.com/pt/
A partir de €50
até dia 20 de março.
 #DESCUBRAODEMIRA

ODEMIRA ON DE O I N V ER N O É M A I S BO N I TO

ENTRE O MAR, A SERRA ESTADAS DE SONHO TANTO PARA FAZER

E O RIO
Planícies douradas, ruelas
de casinhas caiadas e
medronheiros verdejantes
Dos antigos montes alentejanos Trilhos para caminhadas
aos modernos paraísos e BTT, surf, passeios de barco
sustentáveis e a cavalo. Há de tudo