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ARAÚJO E ZAMBUJO HISTÓRIAS E SEGREDOS ENTRE AMIGOS

A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.PT

PROPAGANDA
AS GUERRAS DOSSIER
TAMBÉM SE VERDE
GANHAM OS NÚMEROS
COM PALAVRAS DA POLUIÇÃO
NAS CIDADES
CONTESTAÇÃO
N.º 1562 . 9/2 A 15/2/2023

AS RAZÕES
DE TANTOS
PROTESTOS
FOTO: JÜRGEN FÄLCHLE/ADOBE STOCK

INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
COMO VAI MUDAR A NOSSA VIDA
O ChatGPT marca o início de uma nova era: a das máquinas capazes de desempenhar tarefas
que julgávamos reservadas aos humanos. Qual o impacto na economia, nas relações laborais,
no ensino, na criação artística e até na forma como comunicamos e pensamos
• O CHOQUE NOS EMPREGOS • O CONFRONTO DAS TECNOLÓGICAS
• OS DESAFIOS NAS ESCOLAS E UNIVERSIDADES
9 FEVEREIRO 2023 --- Nº 1562
VISÃO
ENTREVISTA
Julie Smith .......................10

RADAR
A semana
em 7 pontos
Vai tudo pelo melhor,
no melhor dos mundos
possíveis ........................... 14
Holofote
VISÃO SETE
A rainha Beyoncé........... 16
Regresso à Praça
Raio-X das Flores ....................... 90
Os milhões de Enzo...... 17
Correntes d’Escritas,

GETTY IMAGES
Periscópio na Póvoa de Varzim ..... 99
Marcelo
Cate Blanchett: Sinfonia
versus João Costa .......... 19
para uma atriz ............ 100
Próximos capítulos
Visita ao Museu
Para onde vai Israel? ... 20 Eterna arma de guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 0 de História Natural
Fotos com História Como é que, ao longo dos vários conflitos da História, a propaganda e da Ciência
1923: A descoberta foi uma arma precisa e certeira. “Somos todos propagandistas”, do Porto ......................... 104
do túmulo diz o historiador inglês David Welch Sea Me – Next Door,
de Tutankhamon .......... 23
em Lisboa: Coisas boas
Transições Inteligência Artificial (IA): a revolução do nosso mar ............... 107
Paco Rabanne, chegou ao texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2 O Gosto dos Outros:
o visionário ..................... 24 O ChatGPT deixou-nos a imaginar como será um mundo em que Eduardo Marçal Grilo..111
Na primeira pessoa a IA esteja ainda mais integrada no nosso dia a dia. Perigos e vantagens,
“Tinha ataques de pânico e que impacto devemos esperar na economia e na tecnologia
OPINIÃO
todos os dias”................. 26
Rui Tavares Guedes
Imagens Dias de raiva incendeiam ruas ................................... 46 O grande teste
A destruição Protestos, greves e agitação social varrem o País de norte a sul. à inteligência
na terra já devastada ... 28 De onde vem tanta indignação, um ano depois da maioria absoluta do PS? dos humanos ....................8
Pedro Marques Lopes
FOCAR O fiasco da Carris Metropolitana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 4 O regresso de Passos
Semana dos quatro dias: Anunciada como solução para os transportes na Grande Lisboa, a Carris Coelho é urgente
experiência ou utopia? .84 Metropolitana acumula queixas e descontentamento dos utentes. Porquê? e necessário ..................... 18
Bernardo Pires
António Zambujo e Miguel Araújo: de Lima
O discurso
partida de sucesso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 8 de Guterres ..................... 22
Entrevista com a dupla que esgota coliseus e que, além da música,
também tem os courts de ténis em comum: match point! Sara Belo Luís
Interdita a reprodução, Quem tem medo
mesmo parcial, de textos, dos professores? ........... 88
fotografias ou ilustrações A assassina silenciosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 4
sob quaisquer meios, A poluição do ar mata sete milhões de pessoas por ano e, em Lisboa, Joana Marques
e para quaisquer fins,
os valores de dióxido de azoto chegam a ser 4,5 vezes superiores A casa de (quem
inclusive comerciais.
ao máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde não tem) papel ...............114

w w w.visao.pt
ONLINE David Mourão Adão Carvalho Luís Delgado
Ferreira BOLSA LINHAS DIREITAS
Últimos
OPINIÃO DE ESPECIALISTAS O Governo juntinho
artigos É possível construir Metadados
no site da casas mais baratas?
VISÃO

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 3


---------- L I N H A D I R E TA

– CORREIO D O LEI TOR

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ANTEVISÃO
VISÃO SETE
VISÃO PLUS Se as famílias que têm
VISÃO VERDE 10% do PIB tiverem
90% de filantropia
estão de parabéns
– Ademar Costa,
Póvoa de Varzim

ARTIGOS DE OPINIÃO
Nas bancas Quando leio a VISÃO, o que
invariavelmente procuro em
Os nossos inimigos e a primeiro lugar são os artigos
de Pedro Marques Lopes,

forma de os combater Mafalda Anjos e José Carlos


de Vasconcelos. Este último, no
seu artigo Direitos e Deveres

E
[V1561], vem lembrar-nos muito
scolhemos cinco. São bem mais, mas esta mão- a propósito da existência de
-cheia já vai exigir de nós um total apelo às “ar- um princípio que, pelos vistos,
mas”. Porque o sal, o açúcar, o colesterol, o stres- anda muito esquecido: “A liber-
se e o sedentarismo – os cinco inimigos da sua dade de imprensa por um lado,
PERGUNTAS o direito ao bom nome, honra e
saúde que elegemos como grande tema da VISÃO Saúde
E RESPOSTAS consideração, por outro.” Pena
que encontra já nas bancas – são tão insidiosos que “as- O mundo à nossa volta
saltam” o nosso cérebro, tornam-no refém. Ao mesmo que os múltiplos afazeres de
José Carlos de Vasconcelos
tempo, rodeiam a nossa vida de tão socialmente aceitáveis
não lhe permitam uma partici-
que são (podíamos acrescentar aqui o álcool), colam-se
pação semanal na VISÃO.
aos melhores momentos, aos convívios, à felicidade da – Maria Luísa Soares, Lisboa
celebração. Enquanto nos tiram anos de vida saudável.
O primeiro passo neste combate desigual começa O VALOR DA PAZ
pelo conhecimento e é essa a nossa proposta. É tática de Quando os dirigentes ociden-
guerra. “Conhece o teu inimigo e conhece-te a ti próprio”, tais fornecem aos ucranianos
escreveu Sun Tzu. Quais são os mecanismos do vício no armas em vez de se empe-
nosso cérebro, pois é disso que se trata, sem floreados. nharem em promover a paz,
Mesmo no caso do stresse, em que ficamos programados mostram culto pela morte e
na armadilha mental da “ameaça/fuga” quando já nem desprezo pela vida e pela paz.
sequer temos predadores – ou melhor, somos nós os CORRENTES D’ESCRITAS
Alimentam o ódio e dificultam
nossos próprios predadores. Muitos escritores, o diálogo.
O cérebro treina-se. Há formas de escaparmos a estas muitas vozes – Cândido Gonçalves, Braga
rodas autodestrutivas e, felizmente, a Ciência vai indi-
cando os caminhos da libertação. É deles que falamos ao --------
longo de 50 páginas na VISÃO Saúde, apontando sempre Contactos
as alternativas, os produtos mais saudáveis que podem visao@visao.pt
As cartas devem ter um máximo
substituir o sal, o açúcar e os alimentos que provocam de 60 palavras e conter nome,
mais colesterol, bem como formas de melhorar o bem- morada e telefone. A revista
-estar, eliminando o stresse e aumentando o exercício reserva-se o direito
físico. de selecionar os trechos que
Depois, além deste dossier, temos outros temas que considerar mais importantes.
aqui destacamos: testemunhos de portugueses com doen- Morada
ças raríssimas; as novas armas no combate à diabetes; CORREIO: Rua da Fonte da
CHINA
os diferentes tipos de arritmia e como os controlar; ou O que pensa Caspolima – Quinta da Fonte,
respostas sobre quando devemos começar a fazer exames Xi Jinping
Edifício Fernão Magalhães, 8,
para detetar um cancro… O melhor jornalismo na área da 2770-190 Paço de Arcos
Saúde com a qualidade da sua VISÃO. visao@visao.pt

4 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


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AUTOBIOGRAFIA
NÃO AUTORIZADA
Foto #8: As escadas
em pedra
Dulce

H
Maria á umas escadas em pedra. pesam-me nas fotografias de Paraty.
Cardoso Penso que ficavam perto da Não gosto de viajar, já o disse várias
pousada onde os escritores vezes. Uma das minhas aflições é nun-
estavam hospedados, mas não ca acertar na quantidade nem no tipo de
tenho a certeza disso, lembro- roupa e calçado que levo. Acabo a comprar
-me de que não andámos muito até lá. O roupa em outlets ou a amaldiçoar o peso
fotógrafo pedira-me para o acompanhar de malas cheias de coisas que não usei. Pa-
à beira-rio e, ao reparar naquelas esca- raty fazia parte de uma grande viagem, que
das, Finja que está a subi-las. Eu obedeci, incluía ainda o Rio de Janeiro e São Paulo,
maravilhosamente descontraída no meu eu levara uma mala cheia, como sem-
confortável conjunto de calças cinzentas e pre, fizera opções erradas, roupas muito
t-shirt, cabelo despenteado num rabo de cerimoniosas ou demasiado informais, a
cavalo, maquilhada para parecer que não dar ares de isto ou daquilo, apertadas ou
— Escritora
estava. Segui as indicações, o corpo em largas. No pequeno-almoço do dia das
movimento ascendente, a cabeça voltada fotografias nas escadas em pedra, eu tinha
para a esquerda, ligeiramente para bai- um vestido em que riscas castanhas e azul-
xo, para a câmara. Terei sido eu quem deu -turquesa criavam um estampado que não
conta da mulher que descia. Satisfeito com sei descrever. Não era um vestido bonito.
a minha imagem no visor da máquina, Talvez o fosse em 2012, as modas são mes-
concentrado na tarefa de me registar, o fo- mo assim, tornam-nos invisíveis no pre-
tógrafo foi surpreendido pela entrada dela sente e causam-nos estranheza no futuro,
no enquadramento, mas, ao ver-me cum- nunca chegamos os mesmos ao futuro.
primentá-la, continuou a disparar, É para Além da roupa, do peso e do cabelo
isto que escrevemos?!, disse eu, sorrindo, errados, a minha mesa do pequeno-al-
indecisa entre a interrogação e a exclama- moço estava cheia de pratos e pratinhos,
ção. Nessa manhã vira aquela escritora na não deixando dúvidas a quem me pres-
sala do pequeno-almoço da pousada. O tasse atenção de que eu não pertencia ali.
fotógrafo baixou a máquina e esperou que Provara isto e aquilo, como fazem os que,
ela se afastasse. A pata-choca. não tendo o regresso garantido, têm de
Na verdade, as coisas não se passaram aproveitar tudo, demonstrando o seu re-
assim. medeio nessa avidez. Tinha-me levantado
Estávamos em Paraty, a convite da festa da minha mesa, para ir buscar um prato
literária internacional que todos os anos com pequenos croissants, quando avis-
aí acontece, eu mais atenta à abundância tei a Jennifer Egan do outro lado da sala.
tropical de árvores, pássaros, vida do que A Visita do Brutamontes, o romance com
aos encontros com jornalistas e escritores. que ela ganhara o Prémio Pulitzer do ano
Pela segunda vez em território brasileiro, a anterior, era um dos livros que eu queria
Não gosto ideia que guardo da minha infância voltava ler. Recostada na cadeira, a Jennifer Egan
a materializar-se do outro lado do Atlân- tinha um bloco de notas onde escrevia. Ao
de viajar, já tico. seu lado uma caneca de café fumegante,
o disse várias Olhando para as fotografias que tenho um sumo de laranja e uma torrada. Nin-
vezes. Uma dessa ida a Paraty quase nada me agrada
no meu aspeto. Refiro-me às outras foto-
guém podia duvidar de que a Jennifer Egan
pertencia ali. Eu não. Voltei a vê-la quando
das minhas grafias, não àquelas das escadas em pedra. ela atravessou a sala para sair, maravilho-
aflições Nessa altura, eu usava o cabelo pintado de samente descontraída no seu conjunto
ruivo e cortado de uma maneira esquisita, de confortáveis calças cinzentas e t-shirt,
é nunca talvez fosse uma daquelas fases em que es- cabelo despenteado num rabo de cavalo,
acertar na tava a deixá-lo crescer. Além disso, estava maquilhada para parecer que não estava,
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO

quantidade gorda. Emagreço e engordo com facilidade.


O nutricionista que consultei diz que é por
Oh céus, era assim que eu deveria ter-me
apresentado no pequeno-almoço.
nem no tipo causa do stress, que tenho azar, porque em Houve, de facto, um fotógrafo que, de-
de roupa geral as pessoas emagrecem com a ansie- pois desse pequeno-almoço, me pediu para
dade. É capaz de ter razão, nunca estive o acompanhar à beira-rio. E havia as tais
e calçado tão gorda como no luto pela morte do meu escadas em pedra, Finja que está a descê-
que levo pai. De qualquer maneira, os quilos a mais -las, pediu-me. Não fui capaz de confessar

6 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


que o meu corpo não sabe fingir. É um cor- uma notícia breve sobre o meu trabalho e Finja que está
po tristemente verdadeiro. Eu devia descer
as escadas, olhando para o lado direito, mas
haveria uma pequena fotografia minha a
acompanhar, ele perdera mais tempo co-
a descê-las,
teimava em baixar a cabeça. Perante a mi- migo porque nunca se sabe o que o futuro pediu-me.
nha falta de jeito, o fotógrafo quis que en- nos esconde, Imagine que você vira famosa Não fui capaz
saiássemos. Estávamos numa das repetições como aquela outra lá, como é mesmo o
quando a Jennifer Egan começou a subir as nome da gringa?, reconheci a cara, só não de confessar
escadas, É para isto que escrevemos, disse- estou ligando o nome. Era um rapaz sim- que o meu
-me sorrindo quando nos cruzámos. É para
isto que escrevemos? Eu não sabia o que
pático e esperto, que, sem perceber nada
de literatura, conhecia tudo sobre o poder.
corpo não
responder. Quando o fotógrafo começou a Nunca vi as fotografias que aquele fotó- sabe fingir.
fotografá-la, a Jennifer Egan foi educada, grafo me tirou. Ao contrário do prometi- É um corpo
afável, elegante. Houve um momento em do, não mas enviou e já não me lembro se
que se aproximou de mim como se quisesse cheguei a saber aonde as escadas em pedra tristemente
proteger-me. De quê? iam dar. Na minha memória elas existem verdadeiro
Pouco depois de a Jennifer Egan ter sozinhas, desligadas de tudo, como sobras
desaparecido, o fotógrafo deu a sessão por de um fim do mundo. Para onde iria a
terminada. O seu jornal ia fazer apenas Jennifer Egan? visao@visao.pt

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 7


E D I TO R I A L

O grande teste
à inteligência dos humanos
Rui

A
Tavares s revoluções tecnológicas são
vistas sempre como uma fonte
O ChatGPT é, no entanto, apenas a pe-
quena ponta visível do imenso icebergue da
Guedes de oportunidades ou como um Inteligência Artificial – que crescerá e me-
poço de ameaças. Com maior lhorará à medida que formos interagindo
ou menor rapidez temporal, com ele, contribuindo todos nós, gratuita-
elas transformam a economia, alteram as mente, para o tornar mais perfeito, eficaz e
relações laborais e acabam por mudar as criativo. Nos próximos tempos, muitas ou-
sociedades. Permitem grandes avanços no tras aplicações semelhantes vão tornar-se
conhecimento e no bem-estar, mas também comuns nos motores de busca da internet,
criam perigos até então desconhecidos. A permitindo o acesso a uma tecnologia que,
reinvenção da máquina a vapor, em 1769, por si só, vai fazer-nos questionar sobre o
por James Watt, permitiu a industrialização que passará a ser o valor do conhecimento,
e a criação de mais riqueza, nos séculos as fronteiras da criatividade e, finalmente, a
seguintes, mas acabou por ser também importância do trabalho, tal como o conhe-
— Diretor-executivo
o tiro de partida para o lento processo cemos até aqui.
de aquecimento global que agora está Como sempre acontece quando estamos
prestes a atingir os limites aceitáveis para perante uma revolução tecnológica, o
a nossa vida na Terra. Mais recentemente, mundo divide-se: uns apenas veem a
a criação do primeiro circuito integrado, oportunidade, outros só conseguem
no laboratório da Texas Instruments, em distinguir a ameaça. Convém, por isso,
1959, abriu o caminho para a revolução nestes momentos, ter presente a velha Lei
digital que, nas últimas décadas, com a de Amara, ditada por um dos pioneiros de
internet, transformou as nossas vidas, Silicon Valley: “Tendemos a superestimar
universalizou o acesso ao conhecimento, o efeito de uma tecnologia no curto prazo
criou novas cadeias de valor… mas também e a subestimar o seu efeito no longo
fez disparar a desigualdade económica para prazo.” Ou seja, no caso concreto do atual
níveis estratosféricos e, recentemente e de estado da Inteligência Artificial, estamos
forma cada vez mais acentuada, tem feito a olhar já demasiado para os efeitos
aumentar a desinformação e a intolerância. nocivos que ela pode ter no curto prazo,
As revoluções tecnológicas são impa- nomeadamente na irrelevância a que a
ráveis. Provocam disrupções, baralham tecnologia pode atirar todos aqueles que
convicções, aniquilam postos de trabalho, até aqui julgávamos imunes à revolução
mudam conceitos, provocam conflitos, mas tecnológica, por pertencerem à categoria
ninguém as consegue travar – porque tra- dos “criativos”. Afinal, em poucos segundos,
O grande zem benefícios, abrem novas possibilida- a IA consegue criar uma ilustração ao estilo
desafio que nos des, melhoram a realidade ou, no mínimo, a
perceção que temos dela. E, apesar de todos
de Matisse ou de Picasso, criar músicas
que muitos compositores de renome
espera é o de os pessimismos que nos possam assaltar, reconheceriam como suas ou até responder
perceber como a verdade é que a História da Humanidade às perguntas que, antes, só estavam ao
tem sido construída, nos últimos séculos, alcance dos eruditos. Nesta descrição temos
poderemos, numa narrativa de progresso. concentradas todas as oportunidades e
coletivamente, Após décadas de avanços tímidos, bem os perigos. Mas como bem assinalou Roy
aproveitar a como de muitas previsões catastrofistas que
nunca se cumpriram, parece ter chegado
Amara, ainda estamos na fase de subestimar
tudo o que virá no longo prazo – e que será
Inteligência agora o momento em que a Inteligência muito diferente e maior do que aquilo que
Artificial para Artificial (IA) vai assumir um papel central vemos hoje.
e, sabe-se lá, dominante nas nossas vi- Já sabemos que não conseguimos travar
benefício de das. É isso que anuncia o salto tecnológico as revoluções tecnológicas quando elas
todos. Com representado pelo ChatGPT, uma inovação iniciam a sua marcha imparável. Por isso, o
as pessoas disponível na internet, capaz de, em poucos
segundos, demonstrar as suas possibilida-
maior desafio à Inteligência Artificial será o
teste à inteligência dos humanos. O gran-
no centro e des “criativas” como se fosse um humano: de desafio que nos espera é o de perceber
não apenas seja a escrever poesia, a compor músicas, como poderemos, coletivamente, aproveitar
a criar códigos informáticos ou até a ser a Inteligência Artificial para benefício de to-
como ativos aprovado, com distinção, num exame de dos. Com as pessoas no centro e não apenas
descartáveis Medicina. como ativos descartáveis. rguedes@visao.pt

8 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


CONFERÊNCIA

PORTUGAL
EM EXAME
A ECONOMIA
NA ENCRUZILHADA

Q UA N D O
16/02/23 às 09H00
PROGRAMA
PROGRAMA ONDE
EPIC SANA
09:00 11:15
MARQUÊS HOTEL
Check-in Coffee Break

09:30
11:35
Abertura: Navegar na incerteza
Gerir em Português
António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar
Anna Lenz, diretora-geral da Nestlé Portugal
Helen Duphorn, country manager da Ikea Portugal
09:50
Susanne Hägglund, CEO da Volvo Portugal
Os desafios dos bancos centrais Moderador – Tiago Freire, diretor da revista EXAME
a caminho do euro digital
Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal
12:05
10:10 A Economia na Encruzilhada
CEO Outlook Alberto Ramos, country manager do Bankinter
Isabel Vaz, CEO da Luz Saúde Portugal
Vítor Ribeirinho, CEO/Chairman da KPMG Portugal António Saraiva, presidente da CIP
Moderador – Tiago Freire, diretor da revista EXAME João Duque, professor catedrático no ISEG INSCREVA-SE AQUI:
Sara do Ó, fundadora e CEO do Grupo Your
10:45 Moderador – Nuno Aguiar, jornalista da revista EXAME
Clube dos Moderados
Francisco Assis, presidente do Conselho Económico
e Social 12:50
Luís Marques Mendes, advogado Encerramento
Moderadora – Mafalda Anjos, diretora da revista VISÃO Tiago Freire, diretor da revista EXAME

Organização Patrocinadores
Julie Smith Psicóloga, investigadora e membro do Laboratório Colaborativo ProChild

O stresse não parte de nós,


mas de como se espera que
vivamos. Se a nossa vida for
acordar e trabalhar, fazer
algo que detestamos e só
viver ao fim de semana, as
probabilidades de singrarmos
serão escassas
— P O R CL AR A SOARES T E X TO
T
Tem 38 anos, trabalhou durante dez
no Serviço Nacional de Saúde britâ-
nico e exerce agora a prática clínica
no setor privado, em Hampshire,
no Reino Unido. Ao dar-se conta de
que nem todos podem pagar os cus-
A maior audiência é juvenil. No Ins-
tagram, as idades variam entre os 20
e os 40 e tal anos. No YouTube não
sei ao certo. Desde que o livro foi
publicado, são mais de seis milhões
de seguidores, por esta ordem: Tik-
Tok, YouTube, Instagram e outras
plataformas, como o LinkedIn e o
Snapchat. As questões são diversas,
mas há temas comuns: stresse, no-
vos relacionamentos, perdas. Tenho
uma lista em que vou registando
os tópicos que recebo e nos quais
procuro refletir também para criar
novos conteúdos.
Ser uma figura mediática, ou um
modelo para quem a segue online,
Os conceitos e as competências que
partilho baseiam-se na minha for-
mação enquanto psicóloga e partem
de casos clínicos, que são úteis a
todos. Por exemplo: quando alguém
fica com o pensamento enviesado
e olha para as coisas de um prisma
mais negativo, ou fica mais ansioso
e tende a imaginar o pior cenário,
basta que tenha consciência disso
para poder responder de maneira
diferente e mudar dramaticamente a
sua experiência.
Por que razão a autoconfiança só
cresce quando se está disposto a
abdicar dela, como diz no livro?
É uma variável que está ligada às
tos de uma terapia, e de que parte interfere na sua prática clínica? situações e que tende a ser posta à
dela é pedagogia, a mãe de três fi- Tenho o cuidado de não expor da- prova em momentos específicos.
lhos decidiu fazer vídeos curtos com dos da minha vida privada ou falar No pós-pandemia, posso sentir-me
conselhos para navegar pelos altos e da minha saúde mental, seja online confiante em casa, mas, quando saio
baixos da vida e publicou-os nas re- seja em iniciativas públicas. Preser- à rua, afasto-me desse lugar em
des sociais, onde tem já mais de seis var esses limites é essencial. que me sinto à vontade. Construir
milhões de seguidores. O seu livro Tem três filhos. Como gere o volu- e expandir a autoconfiança implica
Porque É Que Ninguém Me Disse me de solicitações, preservando o abdicar temporariamente do senti-
Isto Antes? (Editorial Presença, 312 tempo para a família e para si? mento de conforto e ir aonde não se
págs., €17,90) é um bestseller e, tal O processo de adaptação foi difícil. vai tê-lo, com a convicção de que se
como os vídeos, tem a meta de fazer Costumava estar no meu gabinete a terá ajuda, se algo não correr bem.
chegar a todos a saúde mental. Em- dar consultas, com algum sossego, É possível combater problemas
bora admita que não tem respostas enquanto os meus filhos estavam como a adição às redes sociais no
WILL-BEMBRIDGE

para tudo, está convicta de que a na escola. Não ambicionava falar “local do crime”?
partilha de conteúdos de autoco- para o público nem imaginava que Não foi fácil e explico-lhe porquê.
nhecimento, assentes em evidên- os vídeos se convertessem num fe- Houve uma altura em que me dei
cias científicas e numa linguagem nómeno. Tive o impulso de parar de conta de que era um tanto ou quan-
simples, podem ajudar muita gente os fazer, mas recebi muitas mensa- to idealista da minha parte estar
a encontrar o seu rumo. gens de gratidão, como “obrigada, sentada no consultório a lamentar-
Alcançou a fama nas redes sociais. aprendi isto e aquilo, e mudei para -me com o volume de desinforma-
Como tudo começou? melhor” ou “inspirou-me a procu- ção que havia na internet sobre o
Tinha filhos pequenos e queria usu- rar terapia e está a ser muito útil”. assunto, a qual só contribuía para
fruir de um equilíbrio entre trabalho Por isso continuei, mas está a ser as pessoas se sentirem ainda pior,
e família, então passei a trabalhar em desafiador. Sempre que sinto que a em vez de fazerem terapia. Olhan-
casa. As pessoas imaginam que uma balança está a desnivelar-se, paro e do para a questão de forma realista,
sessão é para falar e ser ouvido, mas avalio a minha vida, se ela se alinha não vamos livrar-nos das redes so-
também recebem informação sobre o com aquilo que é prioritário para ciais, que são as novas estradas: elas
funcionamento do cérebro e de como mim. Se não estou a dar o meu me- podem ser tão úteis que, no limi-
a Psicologia tem impacto no seu lhor ou a afastar-me dos meus va- te, não chegam a lado nenhum. Da
estado emocional e relacionamentos. lores, então faço ajustes ou reservo mesma forma que não deixamos os
Isso empodera-as e torna-as mais um dia para estar com o meu filho nossos filhos brincar na rua, a me-
confiantes para gerirem melhor as mais novo, por exemplo. nos que o façam de forma segura,
suas vidas. Então, pensei: Porque não O que entende por maus momen- também precisamos de orientá-los
tornar esse conhecimento acessível tos, o ponto de partida do livro? a andar nas estradas virtuais.
a todos? Falei com o meu marido e Na versão inglesa chamo-lhes “luga- Faz sentido, embora seja um pou-
ele sugeriu-me que publicasse alguns res sombrios”. São aquelas alturas em co paradoxal. Sentiu isso?
vídeos nas redes sociais para ver se que tudo nos custa ou que é mais di- Há pessoas que passam demasiado
havia interesse. Comecei pelo TikTok, fícil por nos sentirmos mais em baixo tempo online e ficam vulneráveis
que estava a ser um sucesso nessa do que gostaríamos. Isso é normal, a tudo o que lá encontram. Tenho
altura. Depois, surgiram a pandemia não deve ser patologizado, porém plena consciência de que não posso
e o confinamento e, em poucas se- não se deve ficar refém desse registo. alterar essa realidade, mas os meus
manas, as visualizações aumentaram Conteúdos de autoajuda, como vídeos sim: quem os vê tem hipóte-
de uma forma que eu não previa. “eu não sou aquilo que penso” ou ses acrescidas de aceder a informa-
Quem procura os seus conteú- “não há decisões perfeitas”, por ções decentes e profissionais. Assim,
dos e o que lhe perguntam mais, exemplo, têm um impacto real em vez de estar da parte de fora da
online? nas pessoas? arena a lamentar os comportamen-

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 11


tos de dependência da internet e das Há pessoas ram alternativas, os jovens estão a
redes sociais, achei melhor entrar expressar mal-estar, que deve ser
nesse universo e fazer o que estava que passam interpretado como um sintoma e não
ao meu alcance para ajudar e marcar demasiado como uma causa. O stresse não parte
a diferença. dos indivíduos, mas de como se es-
Como responde aos adolescentes tempo online pera que eles vivam. Se a sua vida for
que lhe pedem ajuda online por se e ficam acordar e trabalhar até à noite, fazer
sentirem ansiosos ou deprimidos? algo que detestam e só ter vida e ver
Faço uma distinção clara entre os vulneráveis o Sol ao fim de semana, as probabili-
pacientes, que acompanho de forma a tudo o que dades de singrarem são escassas.
personalizada, e os seguidores, a No início da sua carreira traba-
quem forneço conteúdos pedagógicos lá encontram lhou em intervenção na crise e em
online, como não podia deixar de ser. cuidados intensivos. O que signi-
Independentemente da idade ou ficou esta fase para si?
das circunstâncias de vida, perse- Foi uma experiência marcante. A
gue-se o ideal da felicidade. Essa ideia era especializar-me numa uni-
crença pode aumentar os sentimen- dade do Ministério da Defesa, que
tos de frustração e de mal-estar? se estes fossem a resposta para acompanhava militares após o seu
Essa idealização já existia antes da todos os nossos males, quando não regresso de missões no Afeganistão
pandemia. Se perguntar a alguém passam de um penso rápido para se e no Iraque. O trabalho era tão en-
o que quer da vida, a resposta mais anestesiar sentimentos dolorosos volvente que fiquei lá mais um ano
óbvia é: “Eu só quero ser feliz.” no imediato. A cura passa por deixar do que o previsto, mas, como era
Contudo, quando se pergunta o que sarar a ferida, e isso pode demorar longe de casa e eu planeava ser mãe,
isso quer dizer, a maioria não sabe algum tempo. No Reino Unido, os acabei por sair, também para preser-
responder. A felicidade pode ser vis- serviços de saúde estão política e var a minha saúde mental: é muito
ta de duas maneiras: por um lado, é economicamente organizados para duro lidar com traumas de guerra.
um sentimento passageiro de alegria dar respostas com base no princí- Ainda existem mitos sobre a tera-
ou de prazer, é o caso de quando pio do custo-benefício. Fazem-se pia: o que é e o que não é?
tenho o meu filho ao colo e sinto muitas consultas de psiquiatria e, [Pausa.] Começo por aquilo que não
amor por ele, que me faz feliz; por aparentemente, resolvem-se muitos é: dizer aos pacientes o que devem
outro, é um sentimento duradou- problemas, com menos encargos fazer, dar-lhes uma cura ou deixá-
ro, a pessoa sente que a sua vida faz financeiros, mas há um desinves- -los num sofá ou numa poltrona a
sentido e está satisfeita com aquilo timento nos psicólogos porque o divagar. O que é: um espaço seguro
que tem, sem querer mais do que processo é mais demorado, embora onde duas pessoas sabem o que
isso. A maioria das pessoas perse- deva ser esse o caminho, se quiser- pretendem alcançar, e o terapeuta
gue o prazer numa lógica de curto mos que as pessoas consigam con- está na retaguarda com uma caixa
prazo: compra-se um par de botas e duzir melhor as suas vidas. de ferramentas. Se a pessoa precisar
fica-se feliz, mas depois a satisfação A pedagogia e as dicas de autoa- de uma nova ferramenta, ele pode
desaparece. Quando há um propósi- juda correm o risco de passar facultá-la; se ela precisar de saber
to de vida, tudo é diferente. Se deci- normas sociais implícitas, acerca como usá-la, ele pode mostrar-lhe
dir escalar uma montanha com fins da melhor forma de se comportar como fazê-lo. Umas vezes funcio-
solidários, isso até pode ser uma ex- ou de se ser? na, outras vezes não. O que quer
periência dolorosa e desconfortável, Um terapeuta qualificado nunca diz que aconteça, o terapeuta está lá,
mas não é importante, porque vou ao paciente quais as escolhas que ele a acompanhar o processo. Mui-
ficar contente com aquilo que fiz. pode fazer. O seu papel é aumentar tas pessoas vão nervosas e cheias
Apesar de haver mais informação, a autoconsciência para que a pessoa de equívocos para a consulta. Na
ainda é comum atribuir as causas consiga decidir o que é melhor para segunda ou na terceira sessão, é fre-
do mal-estar próprio aos outros? ela. Do ponto de vista pedagógico, quente começarem a ver o consul-
Não se trata de atribuir culpas, mas aborda-se a maneira como o corpo tório como um santuário, por ser o
de ter a consciência de estar num e a mente funcionam, e o foco está único sítio onde podem estar e falar
lugar onde não se deseja estar e de na forma como se usa esse conheci- abertamente dos seus problemas,
se responsabilizar. Nesses casos, o mento para se promover o bem-es- sem receio de serem julgadas.
importante é dar a entender que, na tar. O meu livro tem essa função, a Fazer terapia é necessário para ter
hora de resolver problemas, cada de educar. uma vida boa?
um deve fazer a sua parte, até por- Muitos jovens estão desencanta- Não. Há pessoas que sabem como
que é dessa forma que pode mudar dos com a sociedade e o trabalho. querem viver e passam bem sem ela.
alguma coisa na sua realidade, tor- O que não está a correr bem? Depois, nem todos têm a disposição
nando-a mais satisfatória. Não creio que as novas gerações es- ou a capacidade de refletirem sobre
A prescrição de antidepressivos tejam erradas, que tenham proble- si mesmos, e pressioná-los nesse
nos países da OCDE mais do que mas ou sejam fracas, como por vezes sentido não é útil. Por fim, é possível
duplicou. O que mudou na forma há quem as descreva. Quando não estar vários anos num processo tera-
de encarar o que nos acontece? estão bem ou se mostram infelizes pêutico e continuar a ter dificuldades
Vendem-se muitos fármacos como no mundo do trabalho e procu- nos relacionamentos. csoares@visao.pt

12 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

UM CARRO POR SUBSCRIÇÃO


Quando tantas coisas que usamos – filmes, música, revistas – nos chegam por subscrição,
por que não utilizar a mesma lógica com um carro? Com o seu primeiro carro 100%
eléctrico, o CUPRA Born, a marca decidiu dar resposta a esta pergunta

O
budismo diz que a felicidade está a partir de 399 euros, o serviço inclui abaixo dos 15 euros, também não precisa
no desapego dos bens materiais. a manutenção completa, seguros, as- de vender um rim para seguir viagem.
Quando a casa, um armário sistência em viagem, linha de apoio 24 Para além disso, o Born adapta-se
cheio de roupas ou uma estante horas, IUC e inspecção periódica. Na muito bem a qualquer estilo de vida. Com
cheia de livros não nos prendem, somos prática, fica com as coisas boas de ter um os seus cinco lugares, cinco portas e uma
mais livres. Livres para fazer escolhas e carro e deixa as chatas para a CUPRA. O bagageira de mais de 350 litros, este pe-
livres de irritações, quando essas coisas, contrato tem uma duração de 60 meses queno grande carro eléctrico tem espaço
inevitavelmente, se partem, perdem ou e/ou 75 mil quilómetros. para a família, o cão, o gato, as pranchas,
são roubadas. Uma filosofia antiga, mas Mas há mais razões para escolher um as compras, as bicicletas e as caixas de
adequada aos tempos modernos. Tempos CUPRA Born. Para além de ser fabrica- mobiliário de pinho nórdico – famosas
de preocupações éticas e ecológicas com do com materiais reciclados e de usar por derrotarem os mais ávidos jogadores
os efeitos do consumismo e os seus da- tecidos com fios elaborados a partir de de Tetris de bagageira. E faz tudo isto com
nos na saúde física e mental de todos nós. plásticos poluentes recolhidos no mar, sensualidade e elegância: tem iluminação
Tudo muito sensato, mas difícil de pôr o CUPRA Born é o primeiro modelo exterior em LED, jantes de liga leve de 18
em prática quando pomos os olhos num da marca a ser entregue ao cliente com polegadas, bancos tipo bacquet, cores de
CUPRA Born: um carro desportivo sexy, um conceito de CO2 neutro: a energia carroçaria exclusivas, aplicações cobrea-
arrojado e 100% eléctrico. Se é mais que utilizada na cadeia de fornecimento tem das, ecrã táctil de 12 polegadas e volante
certo que vamos querer levá-lo para casa, origem em fontes renováveis e as restan- forrado a pele, aquecido e com comandos
a coisa boa é que podemos ter o melhor tes emissões são compensadas através multifunções.
de dois mundos: conduzi-lo todos os dias de investimentos ambientais. Quando o seu vizinho lhe fizer um
sem termos de o comprar. Carro bonito e O CUPRA Born tem uma autonomia de olhar de inveja, diga-lhe que é uma subs-
estilo de vida despojado? Agora é possível. mais de 400 quilómetros e com poucos crição e que qualquer pessoa a pode fa-
A CUPRA acaba de lançar uma cam- minutos de carga rápida consegue ter 100 zer. Se ele não acreditar, mande-o para…
panha de renting (aluguer operacional) quilómetros adicionais de alcance, garan- cupraofficial.pt. Para
para o seu modelo Born – 58 kWh com tindo que nunca fica perdido no meio do mais informações,
204 cavalos. Com uma renda mensal nada. Com cada reabastecimento a ficar claro.

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 13


RR A DA R

7PONTOS
DA SEMANA
Vai tudo pelo melhor,
no melhor dos mundos possíveis
Este texto abre com um momento confessio-
nal: tenho uma coisa com sismos. A ridicularia
da nossa existência perante a força bruta e
imprevisível da Natureza inquieta-me. E por
isso tenho planos de contingência desenhados
na minha cabeça para a eventualidade de tal
acontecer nos sítios que mais frequento.
Serei, feliz ou infelizmente, caso raro. A maior
parte dos portugueses vive num confortável
e inconsciente aprazimento perante o facto
de estar em cima de explosivos à espera de
rebentar, a qualquer momento, debaixo dos
magnitude do sismo seria menor, “apenas” de
7,7 na escala de Richter, mas os abalos maiores
podem ter sido causados por dois terramotos
mais próximos subsequentes, em terra, que
explicam o elevado grau de destruição.
Porque é que isto importa? Porque estas es-
truturas geológicas ativas próximas de Lisboa
com tamanha capacidade destrutiva não estão
suficientemente estudadas – algo essencial
para que possamos ter estratégias de defesa
minimamente eficientes.
Para lá da geologia, há falhas conhecidas, e
seus pés. Isto não é alarmismo, é Ciência. Vai preocupantes, ao nível da construção civil. Em
acontecer. Os grandes sismos repetem-se pe- Portugal, há legislação desde 1958, melhorada
riodicamente. A grande questão, porém, é só em 1983, que estipula as especificidades técni-
uma: e alguém quer saber? cas de resistência sísmica de edifícios, pontes e
Quando acontecem tragédias como as que se outras estruturas. O problema, à boa maneira
vivem por estes dias na Turquia e na Síria, o portuguesa, está no cumprimento da lei e na
tema salta para a ordem do dia. Lembramo-nos sua fiscalização. As vistorias de edificado an-
de que vivemos numa zona de intensa atividade tigo são raras e poucos conhecem as caracte-
sísmica – Lisboa, a segunda cidade europeia rísticas do edifício onde vivem em termos de
com o maior risco –, recordamos os grandes risco sísmico e conseguem avaliar eventuais
M A FA L D A A N J O S *
terramotos de 1755 e de 1969, lamentamos os irregularidades na construção.
mortos e os danos, dizemos que temos de fazer Os danos potenciais são enormes. Uma simu-
mais. Até ao terramoto seguinte. lação feita pelo LNEC em 2009, a pedido do
Desde logo, falta-nos ganhar consciência do Expresso, para as três zonas do País com um
problema. E cientificamente ir mais a fundo nível de risco sísmico mais elevado – a cidade
no tema. Há dúvidas sobre a magnitude e o de Lisboa, a Área Metropolitana de Lisboa e o
epicentro do terramoto de 1755 – o que traz Algarve – é assustadora. Um sismo noturno de
implicações, por exemplo, na correção do 8,7 a 9 graus na escala de Richter provocaria
nosso mapa de riscos sísmicos. Há quase seis mais de 25 mil mortos, 14 mil feridos, o colapso
décadas que se diz que este terramoto terá tido de 25 mil edifícios de habitação, danos severos
um grau de 8,5 a 8,9 na escala de Richter e que noutros 74 mil. Alarmismo ou uma tragédia
se deveu a ajustamentos no banco de Gorringe, à espera de acontecer, depende do ponto de
maciço montanhoso submerso a 120 milhas do vista. Mas preferimos alinhar pelo encolher
cabo de São Vicente. de ombros.
Porém, estudos de um grupo de investigação “Vai tudo pelo melhor, no melhor dos mundos
liderado por João Duarte Fonseca, sismólogo possíveis.” A máxima de Pangloss, o filósofo da
do Instituto Superior Técnico da Universidade famosa sátira de Voltaire escrita dias depois do
de Lisboa, apontam para uma interpretação terramoto de 1755, bem podia ser a nossa. Cân-
alternativa para os danos causados em Lisboa dido, que confrontado com a terra a mexer de
por este terramoto. Segundo o estudo divulga- tal forma em Lisboa gritou apavorado “Chegou
do em 2020, que prossegue na linha de outro o último dia do mundo!”, tornar-se-ia menos
de 2003, a localização do epicentro terá sido otimista, e deixou, na última frase do livro, a
*Diretora no Sudoeste da costa da Península Ibérica, misteriosa tirada: “Devemos cultivar o nosso
manjos@visao.pt mas também podem ter acontecido falhas jardim.” E, em calhando, olhar também ao que
geológicas em terra, perto de Lisboa. Afinal, a temos debaixo dos pés e às nossas construções.

14 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


0,3
NÚMERO
reações adversas graves por 1 000 vacinas Covid-19 em Portugal
Foram registadas mais de 39 mil reações adversas aos 28 milhões de doses de vacinas
contra a Covid-19, o que corresponde a 1,4 casos por cada 1 000, segundo o Infarmed.
Destas, 8 518 foram consideradas graves, implicando situações de incapacidade temporária,
como o absentismo laboral.

MUNDO CONTAS CERTAS

Uma guerra mais ampla, Défice ainda


antevê Guterres mais baixo?
“Não se concentre apenas no que pode acontecer O valor do défice de 2022
hoje – e hesite. Pense no que vai acontecer com ainda não está fechado
todos nós amanhã – e aja.” É esta a mensagem de – depende da receita
António Guterres para os políticos deixada num de IVA apurada em janeiro
discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova e fevereiro, por exemplo –, mas
Iorque. O secretário-geral da ONU teme que o conflito
o no Governo trabalha-se com
na Ucrânia avance para uma “guerra mais ampla” e nãoo intervalos e acredita-se que
antevê uma solução próxima. Diz que “as perspetivas possa ficar em apenas 1,3%
de paz continuam a diminuir”, e que isso ameaça a do PIB. Um valor menor
ordem mundial. “Chegou a altura de transformarmos do que aquele que
a nossa abordagem para a paz e voltarmos a o primeiro-ministro antecipou
comprometer-nos com a Carta – pondo os direitos na entrevista à VISÃO em
humanos e a dignidade em primeiro lugar”, afirmou. dezembro (1,5%) e quatro
décimas abaixo das anteriores
previsões do Governo.

FRASE

“Não há nada
REINO UNIDO
que justifique
tratamento Liz Truss
e o realismo
desumano,
antidemocrático A primeira-ministra britânica
menos longeva da História veio
BANCA e criminoso” quebrar o (curto) silêncio e
escrever um texto em que falou
Taxas dos créditos sobem, MARCELO REBELO
DE SOUSA, que esta
da sua (falta de) responsabili-
dade na queda do seu gover-
mas as dos depósitos não semana pediu desculpa no. “Não digo ser inocente no
Os bancos vivem hoje no melhor dos mundos: ao imigrante nepalês que aconteceu, mas funda-
emprestam a taxas altas e pagam a taxas baixas. agredido em Olhão. mentalmente não tive uma
A taxa Euribor subiu, nos dois prazos mais curtos, O Presidente hipótese realista de implemen-
para máximos de mais de 14 anos. A 12 meses, a taxa da República sublinhou tar as minhas políticas devido
Euribor, a mais utilizada em Portugal nos créditos à que Portugal é um país ao poder económico instalado,
habitação, tocou os 3,435%. Já a taxa de juro de novos de emigrantes e que por muito poderoso, a que se so-
depósitos a prazo de particulares atingiu 0,35% em isso os portugueses “têm mou a falta de apoio político.”
dezembro, a mais baixa remuneração entre os países a obrigação de perceber A culpa foi, pois, da “ortodoxia
da Zona Euro. Isto enquanto a taxa de poupança das melhor” o que sentem do sistema económico” e da
os imigrantes que aqui
famílias desceu para níveis históricos, situando-se em “bolha de interesses”, e não
chegam.
apenas 0,24%. O governador do Banco de Portugal já do desconchavo do seu plano
por três vezes disse que os bancos têm de melhorar sem pés nem cabeça. É o
a remuneração das poupanças, mas pediu “alguma neoliberalismo do pensamento
paciência”. Mesmo essa tem limites… mágico.

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 15


R ---------- H O LO FOT E

Beyoncé
Rainha dos Grammys
Lendas Portugal
Com os 32 Queen B já partilhava de fora
prémios entregues Com 41 anos, a
pela Academia de com o marido, Jay-Z, cantora originária
Artes e Ciência o recorde de de Houston, no
de Gravação, Texas, começou a
Beyoncé maior número brilhar no mundo

Recordista
ultrapassa no top de nomeações Prémios
da música na
dos artistas mais banda Destiny’s
À entrada da galardoados dois para os principais em falta Child, antes de
Crypto.com Arena, vultos da história prémios da música Apesar de ter enveredar pela
em Los Angeles, da música. Com entrado para a carreira a solo, na
onde decorreu, menos um passou norte-americana. história da música, qual leva já sete
no domingo, a estar Georg Agora, tornou-se a edição de 2023 discos editados
5, a cerimónia Solti, maestro e dos Grammy desde 2003. O
de entrega dos compositor de a artista que mais Awards terá último dos quais,
prémios Grammy, música clássica galardões destes voltado a deixar Renaissance,
Beyoncé e o de origem judaica um amargo de surgiu em 2022,
marido, o rapper que nasceu na levou para casa boca em Beyoncé, depois de quase
Jay-Z, já eram Hungria, mas que uma vez que, sete anos sem
recordistas teve de se refugiar — POR MANUEL BARROS MOURA tal como lhe foi gravar. Na semana
absolutos em naa Suíça, durante acontecendo em
acontecen que antecedeu
número de a Segunda Guerra anteriores,
anos anter os Grammys,
nomeações para Mundial.
undial. Depois, não
voltou a nã Beyoncé
os principais acabou
cabou por arrecadar prémios
p anunciara que
prémios da música dirigir
rigir algumas principais
nas princip a sua próxima
norte-americana: das
as maiores categorias: o tournée mundial
88 cada um. orquestras
rquestras Prémio para
par vai começar a
À saída, a cantora, sinfónicas
nfónicas Álbum do A Ano 10 de maio, em
compositora e doo mundo, Harry’s
foi para Ha Estocolmo, na
dançarina voltou dee Munique House, de Suécia, e terminar
para casa com a Chicago, Styles;
Harry Style a 27 de setembro,
mais quatro passando
assando por a cantora L Lizzo, em Nova Orleães,
grafonolas Paris
aris e Londres. que fez ququestão nos EUA. Portugal,
douradas, ganhas Até
té morrer, em de agradecer
agradec que já mereceu
nas categorias de 1997,
997, gravou a inspiração
inspiraçã a visita da artista
Melhor Álbum de centenas
entenas de que Queen B norte-americana
Dança/Eletrónica discos,
scos, entre sempre foi para por três ocasiões,
por Renaissance, oss quais ela, levou para
p vai ficar, desta
Melhor Gravação 455 óperas casa o Prémio
Pré vez, de fora.
de Dança/ completas.
ompletas. Gravação
para Grava O concerto mais
Eletrónica com Noo terceiro do Ano por
p próximo a que os
a canção Break lugar
gar do About Damm
Abou fãs portugueses
My Soul, Melhor ranking
nking Time; e a de Queen B
Performance de passou
assou vencedora
vence poderão aspirar
R&B Tradicional a estar o categoria
na ca vai decorrer a
por Plastic Off compositor
ompositor Canção
de Ca 8 de junho, em
the Sofa e Melhor e produtor do Ano foi Barcelona.
Canção R&B por Quincy
uincy Jones, veterana
a veter
Cuff It. Com os 28 que
ue ganhou Bonnie Raitt,
conquistados em 288 Grammys ao pelo tema
te Just
anos anteriores, longo
ngo dos seus Like That.
Th
Queen B passou mais
ais de 70 anos
a ser a artista com dee carreira.
mais Grammys
(32) na história
da música.

16 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


R ---------- R A I O -X

Furacão Enzo
Em seis meses, passou de jovem promessa na Argentina a futebolista
mais caro de sempre de Inglaterra. Uma máquina de gerar milhões
— POR MANUEL BARROS MOURA

Chegou ao Benfica vindo do River Plate, em agosto, com 21 anos. Fez 29 jogos
de águia ao peito, marcou 4 golos e fez 5 assistências. Pelo meio, foi campeão
do mundo pela Argentina e eleito o melhor jogador jovem do Qatar2022.
No último dia de janeiro, deixou o Benfica para representar o Chelsea, numa
transferência que atingiu os €121 milhões e lhe permitiu bater inúmeros
recordes, entre os quais o de jogador mais caro de sempre em Inglaterra
e o de nunca nenhum clube no mundo ter desembolsado tanto
por um médio ou por um futebolista argentino

As contas do Benfica As contas do River Plate


(em milhões de €) (em milhões €)

Valor total pago pelo Chelsea 121 Valor total (com objetivos)
Mecanismo de solidariedade (3,78%) -4,6 da transferência para o Benfica 18
Comissões (6,56%) -7,6 Percentagem da venda ao Chelsea 27,2
Percentagem River Plate (25%) -27,2 Mecanismo de solidariedade* 4
Valor a receber pelo Benfica 81,6 Total 49,2
Contrato de compra ao River Plate -18 Descontos** (25,7%) -12,6
LUCRO FINAL LUCRO FINAL 36,6

€63,6M *Sem a parte do Defensa y Justicia; **Impostos, percentagens


e taxas para a federação e sindicato dos jogadores argentinos

BENFICA, CAMPEÃO DE INVERNO FÚRIA AZUL


Com a venda de Enzo Fernández, o Benfica assumiu Como se pode ver na tabela em baixo, o Chelsea
o posto de clube do mundo que mais dinheiro foi a equipa mais ativa neste mercado de inverno.
arrecada em vendas do mercado de janeiro desde Ao todo, em empréstimos e aquisições em definitivo,
2000. Foram €374M faturados em 23 anos. o clube de Londres investiu, entre dezembro e janeiro,
O segundo clube que mais ganhou nesse período €329,5M, que devem juntar-se aos €281,99M que já
foi o Chelsea (€354M) e o terceiro o Liverpool, tinha gasto no verão de 2022. No total, foram
com €306M. O FC Porto é o 31.º (€123,5M), o Sporting €611,49M só nesta época
43.º (€105,7M) e o Sp. Braga é 48.º, com €96,4M

Dez maiores transferências Dez maiores transferências


da história do futebol do mercado de inverno 2022-2023
(em milhões de €) (em milhões de €)

JOGADOR ANO CLUBE VENDEDOR CLUBE COMPRADOR JOGADOR CLUBE VENDEDOR CLUBE COMPRADOR
1 Neymar 2017 Barcelona PSG 222 1 Enzo Fernández Benfica Chelsea 121
2 Mbappé 2017 Mónaco PSG 180 2 Mudryk Shakhtar Donetsk Chelsea 70
3 Dembélé 2017 Bor. Dortmund Barcelona 140 3 Anthony Gordon Everton Newcastle 45,6
4 Coutinho 2018 Liverpool Barcelona 130 4 Cody Gakpo PSV Liverpool 42
5 João Félix 2019 Benfica Atlético Madrid 126 5 Badiashile Mónaco Chelsea 38
6 Enzo Fernández 2023 Benfica Chelsea 121 6 Madueke PSV Chelsea 35
7 Griezmann 2019 Atlético Madrid Barcelona 120 7 Vitinha Sporting de Braga Marselha 32
8 Jack Grealish 2021 Aston Villa Manchester City 117,5 8 Malo Gusto Lyon Chelsea 31
9 Cristiano Ronaldo 2019 Real Madrid Juventus 117 9 Rutter Hoffenheim Leeds 28
10 Eden Hazard 2019 Chelsea Real Madrid 115 10 Sulemana Rennes Southampton 25

FENÓMENO VITINHA
Com a venda recorde de Vitinha para o Marselha, o Sporting de Braga entra para o top 10 das transferências
deste mercado de inverno, do qual o Sporting não consta porque a venda definitiva de Pedro Porro por €40M
ao Tottenham só se concretizará no verão. Até lá, o lateral espanhol foi cedido por empréstimo a troco de €5M
FONTES Transfermarkt, A Bola, O Jogo, Clarín e MaisFutebol AR/VISÃO

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 17


POLITICAMENTE
CORRETO
O regresso de Passos Coelho
é urgente e necessário

É
Pedro normal que se fale tanto sobre o PSD, Há, porém, uma grande diferença nas duas
Marques e até que se fale mais do que se fala
do partido que governa o País há sete
derrotas: Passos Coelho vinha da governação
da Troika. Apesar de o ex-primeiro-ministro
Lopes anos e que mais tempo governou ter sido claro na defesa daquelas que foram
desde que vivemos em democracia. as soluções económicas e sociais (o ir além da
Aliás, é exatamente por o PS ser aquele que Troika), apesar de estas terem contribuído para
mais exerceu o poder que tanto se traz o PSD à afastar setores que sempre foram votantes no
colação. partido e apesar de o que Passos Coelho e os
O País precisa de uma alternativa política seus ideólogos defendem representar um corte
e de outros protagonistas. A democracia sem com o património político do PSD, grande
alternância definha. Torna-se pasto fértil para parte do partido, e até boa parte da sociedade
compadrios, cumplicidades danosas ao bem portuguesa, vê Passos Coelho como protago-
comum e faz crescer movimentos que nada nista de um caminho diferente ao do PS.
mais têm a oferecer do que a contestação pela Não é só importante para o PSD que Passos
contestação e a venda de soluções fáceis para Coelho tenha a possibilidade de voltar a candi-
— Analista político
problemas complicados. datar-se a primeiro-ministro, é, aliás, funda-
O PSD ainda é a única alternativa. Sublinho mental para o nosso sistema político e atrevo-
o ainda. A degradação dos, uma vez, “sociais- -me a dizer que seria muito bom para a saúde
-democratas, outras não tanto e outras mesmo da nossa democracia. Enquanto isso não acon-
nada”, é evidente e constante. A incapacidade tecer, qualquer liderança do PSD se sentirá, e
de renovarem quadros e de conseguirem atrair de facto ficará, refém do fantasma do ex-pri-
pessoas com qualidade já vem de trás, mas meiro-ministro. É impossível uma liderança
agora tornou-se chocante. A prova disso é que afirmar-se quando os militantes do partido e
não poucas pessoas que se tornaram compag- os seus eleitores pensam que o melhor líder se-
nons de route do PS seriam, em circunstâncias ria outro, que, além do mais, é novo e não tem
normais, do PSD, e estou a pensar até em gente compromissos profissionais visíveis.
que teve e que tem cargos ministeriais ou de Estou convencido de que o caminho que
semelhante relevância. Passos Coelho defende para o PSD não é o
O PSD está, nas suas cúpulas, pouco mais do certo, ou seja o encosto à direita. Também
que reduzido a gente que se fez nas jotas, sem penso que o ex-primeiro-ministro conseguirá
conhecimento do mundo, viciada nos jogos conquistar o partido e unir boa parte da direita
de baixa política e que precisa do partido para e do centro-direita, mas não chegará para ga-
sobreviver. Claro que a falta de poder criou nhar eleições – qualquer solução que encoste o
um círculo vicioso de não atração de pessoas, PSD à direita ajuda os socialistas. Pior: Pas-
mas, mais importante do que isso, o que era a sos Coelho faria algo que destruiria o PSD a
grande vantagem do partido tornou-se o seu curto-médio prazo: uma aliança ou um acordo
martírio: a plasticidade ideológica e progra- com o Chega. Existe, aliás, uma corrente que
mática. Essa plasticidade permitia que este se defende que esse acordo esvaziaria a organiza-
fosse adaptando sempre a novas realidades. ção de André Ventura, mas está profundamente
No entanto, sabíamos quais eram as bandeiras errada. Mal ou bem, o eleitorado de Ventura
do PSD, os setores sociais em que se ancorava. está em boa parte consolidado (sempre existiu,
Agora, não só alijou boa parte dos seus grupos não tinha era voz), além de que o preço que
tradicionais de apoio (pequenos empresários, este cobraria para, digamos, o Chega entrar no
reformados, funcionários públicos) como nin- sistema seria demasiado alto até para Passos
guém sabe quais são as suas causas diferencia- Coelho.
doras. Tudo isto me faria não desejar a volta de
Passos Coelho, Passos Coelho, na sua segunda vida de ho- Passos Coelho, mas, sem o seu regresso, o
mem de direita tradicional, teve uma ideia para sistema e a sua fundamental alternância estão
concorde-se o PSD, e Rui Rio teve outra, diametralmente bloqueados e o PSD não conseguirá tomar
ou não com oposta. Rui Rio perdeu-se porque propunha rumo. A sua possível vitória eleitoral consolida-
ele, é um um recentramento do partido e, depois, não
cortou claramente com a extrema-direita (a
ria um caminho; a sua derrota afastaria o fan-
tasma que paira sobre o partido e que o asfixia.
patriota e incoerência matou-o); Passos Coelho encostou Passos Coelho, concorde-se ou não com ele,
alguém que o PSD à direita e também perdeu (não conse- é um patriota e alguém que acredita no serviço
guiu formar governo, portanto não vale a pena público. Quero acreditar que este, o mais cedo
acredita no andar com a conversa patética de que ganhou possível e sem calculismos, apresentará a sua
serviço público as eleições). candidatura à liderança do PSD. visao@visao.pt

18 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


R ---------- P E R I SCÓ P I O

Exames examinados
Marcelo antecipou que a divergência entre o minis
ministro da Educação
o Superior estava ultrapassad
e a ministra do Ensino ultrapassada. Qual divergência?

“Está ultrapassado
ssado “Não há divergênc
divergência
o que veio noticiado
iciado nenhuma, embo
embora
como podendo do ser por vezes se gost
goste
divergência ou como de criar folhetins
folhetins”
não havendo avaliação
aliação JOÃO COSTA
final no Secundário”
dário” Educaçã
Ministro da Educação
MARCELO REBELO DE SOUSA
pública
Presidente da República

INDISCRETOS 15 MINUTOS DE FAMA

Convenções há muitas! sorteados de 185 pessoas, desde cidadãos


comuns a filósofos ou a técnicos, e que
Com o objetivo de acomodar as alterações
refletem sobre um determinado tema.
impostas por mais um “chumbo” do
É a chamada “democracia deliberativa”,
Tribunal Constitucional (TC) às suas regras
e Assis acha que a experiência pode ser
internas, o Chega realizou, há semanas,
replicada em Portugal, “para ajudar os
a sua V Convenção. Mas, pelo volume
decisores políticos”. Em França, com as ruas
de pedidos de impugnação do conclave,
tomadas por violentos protestos sindicais,
que têm entrado no TC, talvez não seja
está a dar um resultadão...
má ideia André Ventura preparar-se para
outra reunião magna, ainda este ano.
Curiosamente, a maioria das queixas tem Receita para Temido
origem no escritório de uma advogada Marta Temido passou a ser a líder da
de Torres Vedras, velha amiga do líder do
partido, antiga colega do Externato de
concelhia do PS/Lisboa, com a demissão de O grande salto
Penafirme e da Faculdade de Direito da
Davide Amado, depois de este ser acusado
pelo Ministério Público num processo, que em frente
Universidade Nova de Lisboa. Ao contrário envolve, entre outros, a social-democrata
do fundador Nuno Afonso, que se desfiliou Helena Lopes da Costa, sobre o uso Como sempre politicamente
e anunciou a sua passagem a vereador indevido de dinheiros da Santa Casa da pouco correto (vestindo uma
independente em Sintra, Fernanda Misericórdia de Lisboa. Parece que os samarra com pele de raposa),
Marques Lopes, também fundadora, planetas começam a alinhar-se, no sentido João Soares publicou, no
mantém-se militante e disposta a provar de levar Temido a ser a candidata socialista Facebook, esta fotografia, tirada
a Ventura que não se escreve Direito... a correr contra Moedas, em 2026... durante um passeio pela serra
por linhas tortas. dos Candeeiros. E citou uma
lição de maoísmo: “Nunca fui

Assis e a democracia Amor à distância maoísta, nem de perto nem


No último fim de semana, o deputado de longe, mas aprendi alguma
deliberativa socialista Porfírio Silva optou por dar coisa com eles. É no campo que
O presidente do Conselho Económico os parabéns à mulher, a eurodeputada está a chave. É preciso estar
e Social (CES), Francisco Assis, deslocou- socialista e ex-secretária de Estado, no terreno, entre o povo a que
p
-se, esta semana, a Paris para Margarida Marques, nas redes sociais. Para pertencemos como peixe na
balhos do
acompanhar os trabalhos tal publicou,
publico da sua autoria, o “Soneto dos água.” Pacheco Pereira, que,
Conseil Économique,ue, Social anjos brus
bruscos (e de por que te procuro)”. Só sobre o maoísmo, não poderá
et Environnementall e ficar não se percebeu
pe se a estrofe “amargamos dizer o mesmo, já descobriu isso
a saber o que são, afinal, novos dias
dia de ramos” tem que ver com há muito tempo: a Marmeleira,
bleias
as famosas Assembleias a distância,
distânci por a parlamentar estar em no concelho de Rio Maior, fica
ões
de Cidadãos, reuniões Bruxelas ou com o atual estado da maioria
Bruxelas, mesmo pegada à serra que
que juntam grupos a
absoluta do PS. — F.L./M.C./N.M.R. tanto encanta o socialista...

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 19


---------- P R ÓX I M O S CA P Í T U LO S

Israel em crise
A imparável
deriva autoritária
de Benjamin
Netanyahu
— POR FILIPE FIALHO

E
is uma questão Europeu para a Reconstru-
retórica, formula- ção e o Desenvolvimento
da pelo politólogo avisa que Israel está “à beira
Bruno Maçães: “Irá de um verdadeiro fracasso
Israel tornar-se um Estado político e moral”, em larga
nacionalista ou mesmo teo- medida devido a uma per-
crático, excluindo todos os sonagem “particularmente
que não aceitem a unicidade cínica” – o primeiro-minis-
do povo, da terra e da reli- tro, Bibi Netanyahu: “Não
gião?” A resposta é igual- é possível continuar a ser
mente dada pelo académico um grande país quando a
português, na última edição juventude só conhece os vi-
da revista Time: “Israel zinhos que estão ao alcance
deixou de ser uma demo- da sua espingarda. Quan-
cracia liberal. Desde que o do um governo trata os
novo governo de Benjamin outros como sub-humanos
Netanyahu tomou posse, e subcidadãos. Quando ele
a 29 de dezembro, o seu decide reduzir os direitos ultranacionalistas e religio-
iliberalismo era evidente.” das minorias sexuais e das sos ultraortodoxos. Obje-
Maçães está longe de ser o mulheres. Quando ele se tivo: “Tentar salvar o país”,
único analista a passar uma enreda em definições gro- nas palavras de Yair Lapid,
certidão de óbito ao regime tescas limitadas à identida- o antigo primeiro-minis-
do país muitas vezes des- de judaica (...). Quando ele tro, que não perde oportu-
crito como a única demo- favorece os seus inimigos nidade para denunciar as
cracia do Médio Oriente. mais extremistas para não “loucuras” do seu sucessor,
Steven Levitsky e Daniel fazer a paz com os mais ra- particularmente a reforma
Ziblatt, ambos professores zoáveis. (...) Muitos israelitas judicial anunciada a 4 de ja-
na Universidade de Har- partilham este ponto de vis- neiro, com o propósito ex-
vard e autores do aclamado ta. Têm orgulho no seu país presso de reduzir as com-
ensaio Como Morrem as e na sua história. É preciso No mais petências e a autonomia do
Democracias, alinham no apoiá-los.” recente Índice Tribunal Supremo (TS). De
mesmo discurso. E um dos Ele próprio judeu, Ja- acordo com as intenções do
mais conhecidos e influen- cques Attali parece ter da Democracia, ministro da Justiça, Yariv
tes intelectuais franceses, quem o leia na Terra Santa. elaborado Levin, as decisões dos ma-
Jacques Attali, escreveu um
artigo de opinião no cente-
Desde o final de 2022 que,
todos os sábados [dia do pela Economist, gistrados podem e devem
ser derrogadas ou anuladas
nário Les Echos, cujo título, shabat, o descanso sema- Israel aparece por maioria simples no Par-
ainda que interrogativo, é
um autêntico manifesto po-
nal no judaísmo], dezenas
de milhares de pessoas vão
em 29º lugar lamento – em que a ban-
cada pró-governamental
lítico: “Rumo a um suicídio para as ruas das principais (logo atrás detém 64 dos 120 assentos
do sionismo?” Na prosa, o cidades manifestar a sua de Portugal –, com os juízes a perderem
antigo conselheiro do Presi- oposição ao novo executivo ainda o poder de delibe-
dente François Mitterrand e – uma coligação nunca vista e à frente ração sobre as “leis bási-
ex-administrador do Banco de partidos conservadores, dos EUA) cas”, que funcionam como

20 VISÃO 1 JANEIRO 1999


Protestos
Desde o início do ano que
os israelitas se manifestam,
todos os sábados, contra
a coligação extremista
que governa o país

parlamentar pretendem até ESTATÍSTICAS


eliminar do Código Penal os
crimes de fraude e abuso de POUCO
confiança, o que, a confir- DEMOCRÁTICAS
mar-se, poderá ser muito
útil a Netanyahu. Recorde- Números que demonstram
-se que o primeiro-minis- a violência nesta nova
tro com mais anos de poder era do conflito israelo-
na história do país (ocupou -palestiniano e a oposição
o cargo pela primeira vez interna a Netanyahu
em 1996) é ainda arguido
em três processos relacio- 44 mortos
nados com esquemas de Balanço de
corrupção e que a procu- vítimas, feito pela
radora-geral do país, Gali Autoridade Palestiniana,
Baharav-Miara, o proibiu, dos raides israelitas,
no mês passado, de par- desde o início do ano,
ticipar diretamente nas na Cisjordânia. Trata-se
reformas judiciais, por con- de um número sem
siderar que isso configu- precedentes desde
raria um caso flagrante de o arranque da Segunda
“conflito de interesses”. Não Intifada (2000-2005)
deve ter muita sorte. Para a e inclui, pelo menos, sete
generalidade dos analistas, crianças e adolescentes
Netanyahu quer replicar em
Israel as políticas de Viktor 7 mortos
Orbán na Hungria – res- Judeus israelitas
tringindo direitos, liberda- que perderam
des e garantias, privatizando a vida no dia 27 de janeiro,
e instrumentalizando os na sequência do ataque
média e as universidades a uma sinagoga, em
–, ao mesmo tempo que Jerusalém Oriental, levado
GETTYIMAGES

continuará a intensificar a a cabo por um palestiniano


repressão nos territórios de 21 anos. O atentado levou
palestinianos e a multiplicar o executivo hebraico
as ações (políticas e milita- a multiplicar as ações
Constituição do país. Para mocracia com falhas” que res) contra o Irão. Motivos de retaliação
uma parte significativa da tendem a agravar-se, como de sobra para, na opinião do
população, trata-se de um sublinham os autores do jornalista Anshel Pfeffer, os 20 mil casas
“golpe institucional”, que relatório. A 12 de janeiro, protestos que “começaram Estimativa do
vem confirmar um editorial num seminário público à chuva e ao frio tenderem número de lares
do diário Haaretz, após as em Haifa, a presidente do a aumentar, em número e palestinianos,
legislativas de 1 de novem- TS, Esther Hayut, classifi- em intensidade, assim que em Jerusalém
bro: “Israel está, agora, mais cou a postura do governo o tempo ficar mais quente”. Oriental, que o executivo
próximo de uma revolução como “um ataque desabrido Mas há quem vá ainda mais de Netanyahu admite
autoritária religiosa e de contra o sistema judicial, longe. Zeev Raz, coronel demolir, no âmbito
extrema-direita, cujo fim como se este representasse aposentado e um herói das suas “atividades
é dizimar a infraestrutura um inimigo que deve ser nacional, por ter liderado o antiterroristas”
democrática sobre a qual o combatido e esmagado”. ataque contra as instalações
país foi construído.” Declarações que devem ter nucleares iraquianas, em 28 cidades
Diagnóstico profético ou reforçado a convicção de 1981, escreveu, nas redes so- Além de Telavive
manifesto exagero? Segun- muitos ministros de que ciais, que estão reunidas as e de Jerusalém,
do o mais recente Índice é necessário concretizar condições para os israelitas 26 cidades
da Democracia, produzido quanto antes as mudan- invocarem o velho princípio israelitas foram palco de
pela Economist desde 2006, ças legislativas – incluindo judaico do din rodef, que protestos contra o governo,
o país liderado por Benja- controlar o Comité de Sele- legitima o homicídio em a 4 de fevereiro, pela
min Netanyahu encontra-se ção de Juízes –, para evitar condições especiais. Se um quinta semana consecutiva.
num honroso 29º lugar – que os agentes da Justi- líder “se comporta de forma Objetivo: impedir
entre 167 Estados sobera- ça se unam aos média e à ditatorial, temos o dever de a aprovação da reforma
nos (logo atrás de Portugal oposição laica, contrariando o matar”. O comentário já judicial anunciada pelo
e à frente dos EUA) –, com os “verdadeiros e legítimos lhe valeu um processo por primeiro-ministro
uma pontuação de 7,93 (em representantes” do povo. “ameaça” e “incitação à vio-
10). Ou seja, é uma “de- Aliás, o governo e a maioria lência”. ffialho@visao.pt

1 JANEIRO 1999 VISÃO 21


P O N TO S
CA R D E A I S

O discurso de Guterres
Bernardo

A
Pires o contrário do que o bom senso
exigiria, os tempos não estão
tal, a proteção de minorias e a igualda-
de de género, a reorientação do sistema
de Lima fáceis para as organizações financeiro e o combate às desigualdades
multilaterais. O imediatismo da económicas e sociais, os roteiros multilate-
ação política tende a fechar ho- rais parecem estreitar importância contra
rizontes na feitura e avaliação das políticas as agendas protecionistas, nacionalistas,
públicas, a voragem informativa empurra os revisionistas, violentas e conspirativas. Dir-
decisores para um ciclo de entretenimen- -me-ão que os ciclos da globalização e da
to mediático sem grande conteúdo políti- política internacional são invariavelmente
co, e o ambiente apocalíptico mergulha as assim. É um facto. Acontece que é neste
lideranças numa linguagem concordante, tempo que eu vivo, que quero continuar
parecendo bizarro qualquer ângulo positivo a viver e acompanhar o crescimento dos
levantado. Como corolário, a ditadura do meus filhos, não noutro. E quero fazê-lo
presente abafa o desenho de uma neces- numa democracia que não deixe ninguém
— Analista de política
sária visão estratégica e o passado passa para trás, que não se deixe desumanizar,
internacional
rapidamente a paleolítico ao fim de algu- que não perca o sentido coletivo das suas
mas semanas, como se o enquadramento conquistas. E que seja ativa nas soluções
NORTE no tempo, no espaço e no modo estivessem multilaterais promovidas pelas organiza-
A emigração portuguesa totalmente desligados das ruturas e das re- ções que integramos. Se há derrota histó-
revela crescente atração pelo formas que se querem implementar. rica para a minha geração, ela passa por
Norte da Europa. São 75 mil Neste ambiente global tremendista, num assistir, impávida e serena, à desmultipli-
na Dinamarca, Países Baixos, rodopio conspirativo sobre instituições, cação de fatores que nos atiram para a era
Bélgica, Suécia, Noruega, práticas, decisões, ciência, ambiente, políti- medieval dos direitos e liberdades e para
Finlândia e Islândia. A nossa
ca, justiça, migrações e outras tantas patifa- a era autoritária da degradação da vida em
política externa precisa de
rias, encurta-se a propensão para o diálogo, comunidade. Intérpretes grotescos desse
acompanhar o seu potencial.
para a cooperação, para a tolerância, para os projeto não faltam em Portugal.
SUL
direitos humanos e para a empatia. Ganham De certa forma, o discurso de Guterres
Sergei Lavrov andou por certamente algumas agendas políticas em concilia-me com a ideia de que nem tudo
estes dias em Angola, sistemas partidários fragmentados, triun- está perdido para o fatalismo, apesar do ar
Eritreia, África do Sul, Mali fam uma vez mais os demagogos, e perdem dos tempos e dos limites dos cargos. Que
e Iraque. No radar russo eficácia as organizações capazes de afirmar vale a pena afirmar em bom som e com
estiveram exportações de virtudes humanistas. realismo o muito que vai mal na agenda da
petróleo e gás, reforço da Tomemos o exemplo das Nações Unidas segurança internacional, dos conflitos ao
presença militar, exploração e do secretário-geral António Guterres, ambiente, do comércio aos recursos natu-
de minérios e apoio político que há dias enunciou na Assembleia Geral rais, da liberdade de expressão às desigual-
à guerra. – o único fórum mundial no qual todos os dades. Que, apesar de tudo, as organizações
Estados têm o mesmo peso eleitoral – as continuam a funcionar, podem ser mobili-
ESTE prioridades para 2023. Num misto de diag- zadores e fazer a diferença no terreno. Que,
O devastador sismo que nóstico realista com respostas preventivas apesar de tudo, e da contração do número
atingiu a Turquia e a e corretivas, elencou meia dúzia de grandes de democracias, há milhões que continuam
Síria desencadeou uma dilemas de segurança de alcance estrutu- a pagar com a vida por lutarem diariamente
solidariedade internacional ral às relações internacionais, de impacto por direitos e liberdades, do Irão à Ucrâ-
imediata, com apoios de duradouro, intergeracional e até existen- nia, da Birmânia ao Afeganistão, dos EUA
vária natureza e origem. cial à saúde dos nossos sistemas políticos à Rússia. E que, apesar de tudo, é possível
Felizmente, nem tudo é
integrados. Foi, se quiserem, um retrato fiel envolver vontades várias, lideranças de
política e competição nas
do estado do mundo e um ato de frustra- boa vontade e visão estratégica, num contí-
relações internacionais.
ção público, resultado em parte dos limites nuo de ações que façam a diferença e con-
OESTE às funções que exerce, dos bloqueios do voquem outros em seguida.
A equidistância de Lula Conselho de Segurança, dos equilíbrios de Não sei se António Guterres terá ou não
sobre a guerra na Ucrânia sentido oposto entre grandes potências ou sucesso nestas tarefas gigantescas. Prova-
não é uma surpresa, nem potências regionais, dos meios ao dispor e velmente, não. O que sei é que, apesar da
espanta quem acompanha as do desalinhamento de prioridades. frustração, ele está certo. Está do lado certo
posições dos líderes latino- Voltando ao início do texto, quando se da história, da justiça social e da política.
americanos, africanos ou pedia coragem para prevenir novos focos Espero, por isso, que depois de cumprir
asiáticos. Podia, isso sim, ser de guerra e extremismo, promovendo sim o seu mandato em Nova Iorque, Portugal
corajosa e diferenciadora. os direitos humanos e a proteção ambien- possa voltar a cruzar-se com ele. visao@visao.pt

22 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


R ---------- FOTO S CO M H I STÓ R I A

GETTYIMAGES

16 DE FEVEREIRO DE 1923

À procura de faraós
Foi uma das maiores descobertas da história da Arqueologia. A 4 de novembro de 1922, uma equipa de ar-
queólogos liderada pelo britânico Howard Carter descobriu o túmulo do faraó Tutankhamon no famoso Vale
dos Reis, uma região a 600 quilómetros do Cairo, escolhida pelos egípcios para enterrar os seus reis. Depois de
vários meses de trabalhos ‒ durante os quais foram encontrados mais de cinco mil objetos valiosos, entre cofres
de ouro, joias e uma carruagem ‒, só a 16 de fevereiro de 1923, há cem anos portanto, Carter (à esquerda, na
foto) e o seu ajudante Arthur Callender abriram a última sala do túmulo e encontraram um sarcófago com três
caixões metidos uns dentro dos outros. O último caixão, feito de ouro maciço, continha o corpo mumificado
de Tutankhamon, que reinou, no Egito, na XVIII dinastia (c. de 1354-1346 a.C.). Curiosamente, esta efeméride é
assinalada cerca de duas semanas depois de, também no Egito, ter sido anunciada a descoberta de quatro novos
túmulos de faraós, entre os quais se encontrava umas das mais bem conservadas múmias que alguma vez foi
descoberta. O achado ocorreu na necrópole de Saqqara, sítio arqueológico conhecido pela famosa pirâmide do
faraó Djoser, um dos monumentos mais antigos da Humanidade. Tal como a de Tutankhamon, a múmia estava
toda coberta de ouro e calcula-se que tenha cerca de 4 mil anos.

— POR MANUEL BARROS MOURA

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 23


R ---------- T R A N S I ÇÕ ES

MORTES

Glória Maria
Na televisão brasileira, foi
pioneira inúmeras vezes,
tendo sido, por exemplo,
a primeira repórter a fazer
uma entrada em direto no
Jornal Nacional. Passou
por programas jornalísticos
como o Jornal Hoje, o Bom
Dia Rio e o RJTV. A jornalista
da TV Globo morreu na
quinta-feira, 2, aos 73 anos,
depois de não resistir a
metástases no cérebro,
derivadas de um cancro no
pulmão diagnosticado em
2019. A sua morte motivou
inúmeras reações, incluindo
a do Presidente Lula da
Silva, que a descreveu como
“uma das maiores jornalistas
da história” da televisão
brasileira.

Pervez Musharraf
Foi Presidente do Paquistão 1934–2023

Paco Rabanne
entre 2001 e 2008. Antigo
general de quatro estrelas,
tomou o poder num golpe
sem sangue e geriu o
país numa altura em que
alcançou crescimento
Um visionário da moda
económico e conseguiu
alguma liberalização
Os destinos de Francisco Rabaneda y para o qual utilizou, sobretudo, plástico e
de costumes. O uso do
Cuervo, nascido a 18 de fevereiro de 1934, ferro. O próprio explicava que eram “Doze
Exército para reprimir vozes
em Pasaia, País Basco, que o mundo ha- vestidos que não se podem vestir em ma-
dissidentes, a violação
de direitos humanos e o
veria de conhecer como Paco Rabanne, teriais contemporâneos”. Meses depois,
seu apoio aos EUA na luta começaram a ser escritos logo na infância, voltou a inovar, sendo o primeiro criador a
contra a Al-Qaeda e os quando o pai, republicano andaluz que utilizar música num desfile de moda. Anos
talibãs afegãos marcariam os combatia na guerra civil espanhola contra depois, haveria também de ser o primei-
anos em que foi Presidente. as tropas de Franco, foi fuzilado, perto de ro a chamar modelos negras. E continuou
Reuniu apoios, mas também Guernica, em 1937. A mãe, basca, chefiava durante todo o resto da carreira a fazer
ódios: a Al-Qaeda e outros a equipa de costureiras da casa Balenciaga, as coisas de forma diferente de todos os
extremistas islâmicos em San Sebastian, e era dirigente do Parti- outros, o que lhe deu a fama de enfant ter-
tentaram matá-lo pelo do Comunista Espanhol. Ao ver-se viúva, rible, mas também de pioneiro e visioná-
menos três vezes. Mas só com quatro filhos a cargo, não teve outra rio. Exemplo dessa visão de vanguarda foi
morreu no domingo, 5, no opção que não fosse o exílio na região da a aposta certeira, aliada ao grupo catalão
Dubai, com um cancro. Tinha Bretanha, em França. Aí, o percurso acadé- Puig, numa cadeia de pronto-a-vestir e na
79 anos. mico de Paco haveria de levá-lo até à Esco- vasta gama de perfumes que deram à mar-
la Superior de Belas-Artes, em Paris, para ca Paco Rabanne uma escala planetária. A
George estudar Arquitetura. Mas seria na moda, reforma chegou em 1999, embora se tenha
e mantendo como mestre inspirador o mantido sempre ligado à empresa, com
R. Robertson antigo patrão da mãe, Cristóbal Balencia- controlo do processo criativo. Era membro
O ator canadiano era ga, que o seu espírito criativo e visionário da Ordem Nacional da Legião de Honra
conhecido por interpretar se soltaria. Apaixonado pela exploração francesa, desde 1989, mas, no seu país de
o chefe da polícia e depois de todo o tipo de materiais, dos volumes e origem, o verdadeiro reconhecimento só
comissário Henry Hurst do espaço, e após vários anos a desenhar chegou depois: em 2000, foi distinguido
nos seis filmes da série
acessórios para coleções de alta-costura com a Medalha de Ouro em Belas-Artes e,
Academia de Polícia. Morreu
de marcas como Nina Ricci, Balenciaga, em 2010, com o Prémio Nacional de Moda.
no domingo, 5, aos 89 anos,
num hospital de Toronto.
Givenchy ou Pierre Cardin, Paco Rabanne Morreu na sexta-feira, na sua casa na Bre-
lançou-se em nome próprio, em 1966, com tanha, em França, a 15 dias de completar
o que chamou The Manifesto Collection, 89 anos. — M.B.M.

24 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


ISTA R
REV EC

a visão

O
ME
NDADA
dos
mais novos
tal como os adultos, os miúdos também gostam
de estar bem informados. é para isso que
existe a visão júnior, uma forma leve e divertida
de aprender, com a qualidade da Visão
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---------- N A P R I M E I R A P ES SOA

Aos 23 anos,
a ex-tenista revela
estar a sair do
buraco negro onde
tem passado os
últimos anos, por
culpa de uma
depressão e da
ansiedade, que
a faz andar sempre
no limbo. Finalista
do curso de Gestão,
Cuca sente que
é hora de olhar
em frente com
otimismo

F
aço terapia há muito
tempo, desde o 5º
ano de escolaridade,
e de forma continua-
da desde os 14/15 anos. Em
julho de 2019, foi-me diag-
nosticada uma depressão, e
também comecei a ir a uma
psiquiatra, que me receitou
medicamentos.
JOSÉ CARLOS CARVALHO

Embora fosse uma crian-


ça saudável, muito brinca-
lhona, extrovertida e com a
mania de que tinha piada,
aconteceram-me muitas
coisas que me causaram
sofrimento, alturas em que

Cuca Borges Ralheta o meu coração diminuía de


uma maneira gigante, e via
tudo escuro. Isto apesar de

“Tinha 19 anos, acabava


gostar imenso de jogar ténis
e do ambiente em que cres-
ci, rodeada de courts.

de desistir do ténis e da
Tudo começou quando
levei este desporto mais a
sério e passei a ir a compe-

faculdade, metia-me
tições. Tive medo de desilu-
dir o meu pai, que também
foi jogador e era conhecido

no quarto às escuras e
no meio. Sentia, desde cedo,
que devia deixá-lo orgu-
lhoso, ser a melhor, pois ele
também foi, durante algum

quase não tomava banho. tempo, meu treinador. Pen-


sava que, se falhasse como
atleta, falhava como filha.

Sentia-me perdida” Passava a vida em trei-


nos, em ambiente de com-

26 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


petição. Tinha mau perder, e sar de uma ajuda extra. Foi Não fazia a das pessoas que me ro-
foi daí que veio a frustração.
Comecei a ficar com muita
então que passei a ter uma
psiquiatra – achava que era
mínima ideia deavam aos sítios do social
(hoje, não tenho a mínima
raiva e a levar aquilo da for- uma médica de malucos. do que se tratava, paciência para isso). Mas
ma errada. Só queria ganhar, Não fazia a mínima ideia não tinha ninguém só posso dizer que a minha
preocupava-me com o que do que se tratava, não tinha vida começou realmente a
se passava para lá do campo, ninguém no meu meio que no meu meio mudar em março [de 2022],
já não me divertia. Quan- tivesse uma depressão. que tivesse ganhando hábitos que me
do acabava o treino, estava
muitas vezes triste.
Comecei a medicação, que
ainda hoje faço: ansiolíticos,
uma depressão. fizeram muito bem – es-
crever a Jesus e ler muito
Em 2014, fiz uma lesão antidepressivos, outro para Comecei a sobre desenvolvimento
grave no tornozelo direito, dormir e um SOS. As do- medicação, que pessoal. Mais tarde, decidi
uma rutura de ligamentos, sagens têm vindo a mudar, que ia para Itália, fazer
a um mês de começarem os são adaptadas consoante a ainda hoje faço: Erasmus, e foi espetacu-
torneios nacionais e inter- evolução da doença. ansiolíticos, lar. Percebi, com a ajuda de
nacionais. Esta lesão, que me
fez parar mais ou menos um
Lembro-me pouco dessa
fase. Tinha 19 anos, acaba-
antidepressivos, muita terapia (lá, fazia on-
line), como me sentia livre,
ano, mudou a minha vida, va de desistir do ténis, da outro para dormir adolescente até.
no sentido em que sabia, não faculdade, e só me recordo e um SOS. Porém, em novembro,
sabendo, que era o princípio de me sentir perdida, de me comecei com um cansa-
do fim. Nessa altura, passei meter no quarto às escuras As dosagens têm ço estranho, a ficar muito
a ficar na escola depois das e de quase não tomar ba- vindo a mudar pensativa, preocupada com
aulas. Tive um verão dito nho. Nem consigo dizer que o que as pessoas pensavam
normal... até ia à praia. a Covid-19 me afetou: es- de mim, principalmente os
A seguir, sofri outras le- tava deprimidíssima, sofria outros estudantes. Passei
sões, porque já não treinava de ansiedade e tinha vários de uma fase de relativizar,
como dantes. Mais tarde, ataques de pânico por dia. em que me sentia muito
enquanto os meus pais se Mas, como não queria feliz, para estar outra vez
separavam, também sofri o falhar às minhas amigas, preocupada e triste. Tentei
primeiro desgosto de amor. muitas delas nem sabiam acabar com a minha vida.
Já entrei triste para o o que se passava comigo, Depois do Natal, já não
secundário. Estava constan- lá ia fazendo alguma coisa. voltei para Itália. Então, a
temente a querer agradar Perdi muito peso e, depois, psiquiatra aumentou-me
aos outros, fossem amigos engordei até aos 67 quilos, a dose da medicação. Acho
ou familiares. Ligava muito por causa da medicação. que é por isso que estou tão
à aparência, ao que vestia, ao bem agora, muito mais ma-
Instagram. Era muito inse- “O QUE POSSO FAZER PARA dura e a lidar melhor com a
gura e tinha as prioridades MELHORAR O MUNDO?” realidade.
um pouco trocadas. E, no Em setembro de 2020, Em meados de janeiro,
ténis, ainda pior, porque já entrei na universidade, em comecei a sentir-me muito
não ganhava tanto. Portugal. As aulas eram frustrada com o estado da
Terminado o secundá- de manhã, e eu estuda- saúde mental em Portugal.
rio, com 18 anos, fui para os va durante toda a tarde. Virei-me para uma amiga,
Estados Unidos da América, Tirava boas notas, embora a chorar, e perguntei-lhe:
com uma bolsa de estudo. Lá, tivesse imensa ansieda- “Diz-me, por favor, o que
chorava muito, tinha várias de com os testes. Em abril posso fazer para melhorar
crises de ansiedade, ataques de 2021, tive uma enorme o mundo?” E foi quando
de pânico, e ainda não estava recaída, com muita frustra- decidi partilhar a minha
medicada. De manhã cedo, ção e muito choro. Estava história no Instagram, para
tínhamos horas de estu- com uma tristeza profun- ser uma voz, uma mensa-
do obrigatórias e, depois, da. Cada dia, cavava mais gem de esperança que ajude
treinos, além das aulas e dos o buraco. Comia, mas só as pessoas.
trabalhos de casa. Na minha emagrecia. Depois, aprovei- Hoje, estou muito orgu-
equipa, fizeram-me a vida tei-me da situação para fi- lhosa de mim, por ter von-
negra desde o início. Comecei car magra, deixando de me tade de sair disto, bater o pé
a retrair-me. alimentar – cheguei aos 43 no chão. Tenho muita sorte
A seguir ao verão em Por- quilos e achava que ainda por ter sido sempre muito
tugal, era suposto regressar podia perder mais. Não me bem acompanhada. Infe-
para estudar noutra faculda- disseram que era anorexia, lizmente, há muita gente a
de e fugir ao mau ambiente. mas era isso que se passava. sofrer sem ter acesso a esta
Mas, durante essa estada Em setembro de 2021, relíquia. loliveira@visao.pt
por cá, a minha psicóloga percebi que precisava de Depoimento recolhido
disse-me que íamos preci- mudar tudo na minha vida, por Luísa Oliveira

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 27


R ---------- I M AG E N S

Horror e esperança
As regiões do Sudeste da Turquia e do Noroeste da
Síria foram abaladas, na segunda-feira, 6, por sismos
devastadores, que deixaram um rasto de profunda
destruição e provocaram um número elevado de
mortos e de feridos. As operações de salvamento já
permitiram resgatar milhares de pessoas entre os
escombros, mas a Organização Mundial da Saúde
estima que o total de cidadãos de alguma forma
afetados por esta tragédia possa atingir os 23 milhões
32 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
A REVOLUÇÃO
SERÁ ESCRITA?
O ChatGPT expôs um público mais
alargado aos avanços da Inteligência
Artificial, deixando-nos a imaginar
como será um mundo em que ela esteja
integrada no nosso dia a dia. Essa
e outras ferramentas são capazes
de desempenhar tarefas que, até
há pouco tempo, achávamos exclusivas
dos humanos. Que impacto devemos
esperar que estas tenham na economia?
E no nosso emprego?
— PO R N U N O AG U IAR

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 33


Q
“Quer dizer… quem é que odeia fruta?”
“Talvez esteja só a tentar ser arrojado
ou tem uma alergia secreta à fruta.”
“Se calhar é só frutofóbico.”
O diálogo é de Nothing, Forever.
Uma versão infinita da série Seinfeld,
gerada por Inteligência Artificial (IA)
e transmitida no Twitch. Tem o aspe-
to de um cruzamento de um DOOM
superpixelizado com um SIMS feito
no Paint. Larry, Fred, Yvonne e Kakler
– as versões “por favor, não nos pro-
cessem” de Jerry, George, Elaine e
Kramer – estão em apartamentos ou
palcos de stand-up, a fazer piadas, a
falar sobre criar a própria base de pi-
zza, a discutir um filme, um encontro
e, sim, IA. Vinte e quatro horas por
dia, sete dias por semana. Mais de 15
mil pessoas viram em direto. A voz, a
realização, a música e o movimento
das personagens são gerados automa- Criativo Quatro variações
ticamente. O diálogo tem como base feitas pela DALLE-2 sobre o
o GPT-3, da OpenAI. quadro famoso de Fernando
Não é particularmente engraçado, Pessoa, da autoria de Almada para o colapso do Império Khmer.
tem uma tendência para o existencia- Negreiros. Bastou dar uma Se quiser, pode pedir-lhe para que
instrução simples
lismo não intencional – e as gargalhas faça cada uma destas coisas ao estilo
aparecem em momentos aleatórios, de uma letra de Bob Dylan ou de um
mas também não é esse, para já, o diálogo de George Costanza. E ele
objetivo. Um Seinfeld sem fim é só um corresponde-lhe.
dos vários episódios distópicos que O ChatGPT foi lançado em novem-
têm rodeado os recentes avanços em bro pela OpenAI, empresa fundada,
IA. O GPT-3, que alimenta a série (?),
é essencialmente a base em que está
Há 100 milhões entre outros, por Sam Altman (CEO)
e Elon Musk (que saiu da empresa).
construído o ChatGPT. Um chatbot de pessoas a Criou um daqueles ciclos de entu-
que tem motivado uma surpreen-
dente vaga de atenção mediática – e interagir com a siasmo a que o mundo tecnológico
nos habituou, ainda para mais num
de financiamento –, num misto de
excitação e de desconfiança. Aberto
Inteligência Artificial. momento difícil para o setor, com
quebras em bolsa e despedimentos
a todos, ele é capaz de escrever, em É um momento em massa. No espaço de dias, fomos
segundos, uma receita de arroz de inundados por artigos sobre como esta
cabidela ou o resumo do enredo dos histórico nova ferramenta vai mudar o mundo,
Sopranos. Diz-lhe como explicar a PAULO DIMAS substituir a pesquisa online, destruir
Teoria da Relatividade a uma criança Vice-presidente de inovação qualquer emprego que lide com tex-
de 6 anos ou os motivos económicos de produto da Unbabel to, revolucionar sistemas educativos

34 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Empregos abanados
À pergunta “que empregos serão afetados?”, a resposta dos especialistas tende
a ser “os que lidem com texto”. São muitos. Todos eles têm a ganhar com a
utilização destas ferramentas. Mas a sua profissão também pode mudar e,
eventualmente, precisar de menos gente

PROGRAMADORES
Aprender programação
deveria ser uma garantia
de interesse do mercado
de trabalho. A IA vem
baralhar um bocado as
coisas. Serão sempre
necessários, é preciso
ter ideias. Mas uma fatia
do trabalho diário, mais
mecanizado e repetitivo,
poderá deixar de ser
feita por humanos.
O ChatGPT escreve
código, corrige erros e
traduz linguagens. Ainda
dá muitos erros, mas
pode ser mais prático do projeto. Com o CNET, faltam ferramentas que
que escrever de raiz. a experiência correu geram imagens a partir
mal, com notícias a da descrição que lhes
ADVOGADOS apresentarem vários damos, com o estilo
O advogado que temos erros. A IA ainda não que pretendemos. É
no nosso imaginário, consegue, claro, fazer arte? Dificilmente, mas é
que vai de fato e uma investigação competente. O próximo
gravata a tribunal, jornalística no terreno. passo será o vídeo.
estará provavelmente
COMUNICAÇÃO ANALISTAS
a salvo. Mas o trabalho
E PUBLICIDADE FINANCEIROS
legal envolve várias
tarefas altamente No seguimento dos A IA é capaz de
repetitivas e de baixo media, uma parte do processar enormes
valor que, em breve, trabalho poderá ser feito quantidades de dados
poderemos delegar por máquinas. Mesmo em poucos segundos.
na IA, como sintetizar que não use, dá-lhe Haverá sempre alguém
informação, redação de ideias. A IA consegue que diga que o seu
contratos básicos ou gerar dezenas de “instinto” é imbatível,
aconselhamento legal headlines em segundos mas a capacidade
simples. (a esmagadora maioria computacional
e matar a criatividade. Nas redes so- de qualidade duvidosa) da máquina será
JORNALISTAS e, provavelmente, gerir provavelmente melhor a
ciais, multiplicaram-se exemplos das
Hoje, ferramentas de campanhas online de identificar tendências e
proezas do chat, desde argumentos
IA já são usadas para forma mais eficiente. a antecipar desempenho
para filmes de ação a descrições so-
escrever notícias, por E quanto tempo futuro.
bre o drama de quando se perde as passa uma equipa de
exemplo, por agências
meias na máquina de lavar ao estilo comunicação a escrever APOIO AO CLIENTE
financeiras, como a
da Declaração da Independência dos comunicados? Pode Talvez o mais óbvio pela
Reuters e a Bloomberg.
EUA. Começaram a surgir notícias de bastar alguém que reveja natureza do ChatGPT.
Mas o potencial do
estudantes, que estavam a usá-lo para ChatGPT, para aceder o que escreveu o chat. Hoje, pode já ser um
copiar trabalhos, e de profissionais, que a muito conhecimento desafio conseguir
estavam a integrá-lo na sua rotina. Em DESIGNERS falar de viva voz com
e escrever de forma
menos de uma semana, um milhão competente, deve Se eu consigo pedir, um operador. Várias
de pessoas já o tinha experimentado. tentar alguns órgãos de em português ou inglês, empresas usam chatbots
Passadas duas semanas, já eram 100 comunicação social a a um chat para me limitados, para uma
milhões. É a mais rápida adoção de expandir essa utilização desenhar um site com primeira interação com
sempre de uma aplicação. O Instagram para aumentar o tráfego. a característica X e Y, é os clientes. À medida
demorou dois anos e meio a chegar a É uma fonte inesgotável fácil perceber o risco. que esta nova geração
esse número de utilizadores. O TikTok para listas ou textos O mesmo se aplica a vai sendo integrada,
levou nove meses. de curiosidades. O quem esteja no campo haverá cada vez menos
“A IA chegou ao cidadão comum. Buzzfeed anunciou um da ilustração. Não humanos.
Já passei por vários ciclos e comparo

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 35


Riscos
e limitações
É fácil deixarmo-nos entusiasmar
pelo ChatGPT. Mas estas ferramentas
trazem também riscos relevantes para
a nossa sociedade

O QUE É A VERDADE?
O ChatGPT simplesmente não
sabe o que é verdade ou mentira.
Ele consegue prever que palavra é
mais provável vir a seguir num texto,
mas não entende os conceitos que
está a cuspir. Daí ser relativamente
fácil enganá-lo ou escrever coisas
sem sentido. Não há garantias de
factualidade no que escreve.

PRECONCEITOS
Desenhados por nós, estes chats Desejo Uma vida descansada,
carregam os nossos preconceitos. a aproveitar o sol, enquanto os
Não são neutros. Revelam, por robôs fazem o trabalho todo, na
interpretação do DALL-E2. Todo
vezes, tendências racistas ou
o processo, desde o pedido à
conta. Ela completa as suas frases no
discriminatórias e têm de ter concretização, demorou cerca Gmail, ajuda-o nos mapas, faz parte
“barras de segurança” para não as de um minuto dos ingredientes dos motores de bus-
expressarem. ca, está por detrás da Siri ou de cada
ALINHAMENTO
Uber que chama. É relativamente con-
sensual que o ChatGPT não representa
O ChatGPT é de esquerda ou isto ao momento em que vi a Web a um salto tecnológico significativo em
de direita? Os conservadores ser utilizada de forma mais universal”, relação a outras ferramentas (até da
norte-americanos queixaram-
afirma Paulo Dimas, vice-presidente própria OpenAI). Há concorrentes
se imediatamente de que o
de inovação de produto da Unbabel, com chats igualmente sofisticados.
chat era muito liberal ou “woke”.
Independente de terem razão ou
empresa que usa IA no seu negócio Além disso, há outro tipo de aplica-
não, a decisão do que pode ou não
de tradução. “Há 100 milhões de pes- ções neste espaço, como a geração de
o chat escrever vai alimentar longos soas no planeta a interagir com a IA. imagens e vídeo, que podem ser tão
debates. Ninguém estava à espera disto. Até as ou mais impressionantes. No entanto,
pessoas da OpenAI eram céticas. É um foi esta que capturou a atenção do
DESINFORMAÇÃO momento histórico, não propriamente mundo, numa manobra de marketing
Se já é simples colocar uma notícia na tecnologia, mas por bater o ritmo que se revelou certeira.
falsa a circular, é fácil imaginar de utilização de qualquer produto “Foi uma boa cartada da OpenAI. O
o impacto de ferramentas que o tecnológico.” ChatGPT é um demonstrador muito
permitam fazer automaticamente, A IA já faz parte das nossas vidas, poderoso”, aponta Alípio Jorge, di-
imitando qualquer estilo jornalístico. mesmo que uma pessoa não se dê retor do Departamento de Ciência
de Computadores, da Faculdade de
BOTS
Ciências da Universidade do Porto, e
Hoje já existem exércitos de bots coordenador do laboratório de IA do
que tentam influenciar a cobertura
mediática, debates internos nos
É muito difícil INESC TEC. “A IA era um meio muito
esotérico. A tecnologia estava lá, mas
países e até as suas eleições. prever que era difícil de utilizar. Ficava dentro
Ferramentas como o ChatGPT
permitirão multiplicar esses exércitos setores serão de uma cerca técnica. O ChatGPT
permitiu saltar essa cerca e abri-la a
e torná-los mais parecidos com
seres humanos. mais afetados, um público mais alargado. Criou uma
onda de choque.”
LIXO mas será algo Nestas páginas, o autor Martin
A internet já está cheia de informação
de baixa qualidade ou sites que
mais abrangente Ford diz que a aplicação disparou,
porque as pessoas “estão a usá-la
apenas servem para capturar cliques. do que muitos para coisas práticas”. O economista
Tyler Cowen fala de um “grande sal-
Os chatbots deverão contribuir para
saturar ainda mais o espaço online imaginam to” histórico.
com “bullshit”. Numa área dominada por empresas
DANIEL SUSSKIND
Investigador para Ética na IA, privadas, mais utilizadores e mais in-
em Oxford teresse traduzem-se em mais dinheiro

36 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Google vs. Microsoft
Este duelo não ocupa o mesmo lugar no imaginário do mundo da tecnologia do que uma Microsoft vs. Apple
ou uma Apple vs. Google, mas a rivalidade entre estes dois gigantes marcou o arranque do século e promete
estender-se pelas próximas décadas, especialmente na arena da Inteligência Artificial

ORIGENS DA RIVALIDADE Já não procuramos, googlamos. Além de não desafiar o


No arranque do século, a Microsoft afirmava-se como um domínio da Google, motivou acusações de que o Bing
gigante insuperável e a Google era uma empresa na infância, “copiava” os seus resultados, com os engenheiros da Google
que começava a fazer mossa no ainda recente espaço da a montarem uma operação com palavras falsas – como
internet, oferecendo email e outras ferramentas grátis. Mais “hiybbprqag” –, para as quais davam artificialmente sites.
do que pedir o seu dinheiro, o negócio da empresa fundada Esses sites passaram a aparecer no Bing. Na viragem da
por Larry Page e Sergey Brin sempre foi monetizar o seu década, as empresas trocaram acusações e processos por
tempo e a sua atenção via publicidade. violação de regras de concorrência.
A Microsoft quer vender software. Num mundo ideal, terá um
computador com Windows e Office instalados, usa um email ALERTA VERMELHO
Outlook, a partir do qual envia ficheiros Excel. Se tiver um O século XXI mostrou uma empresa mais jovem e dinâmica
Xbox, ainda melhor. Hoje, o seu modelo de negócio está mais a ultrapassar um gigante visto como conservador. A Google
diversificado, com um grande peso nos serviços cloud. conquistou um espaço incomensurável nas nossas vidas. É
A primeira salva nesta guerra começou com a concorrência pouco provável que não tenha uma conta Gmail e talvez esteja
por talento. Numa altura em que a Microsoft tinha acabado de a ler este texto no Chrome e passe horas no YouTube. No
atravessar uma dura batalha legal por práticas monopolistas, a entanto, a perceção pode estar a mudar, graças à proximidade
Google começou a “roubar-lhe” trabalhadores, levando Steve e aos investimentos que a Microsoft fez na OpenAI, criadora
Ballmer a atirar uma cadeira de um lado ao outro da sala, do ChatGPT. A Microsoft investiu três mil milhões de dólares
prometendo “matar” a Google. em 2019 e agora fez uma nova parceria de dez mil milhões. Há
dias, foi lançada uma versão premium do Teams, que resume
CONCORRÊNCIA CERRADA notas de reunião, organiza tarefas e traduz textos. Espera-se,
Com o tempo, a Google foi vencendo grande parte das batalhas. em breve, uma integração no Bing. Não é como se a Google
Lançou, em 2008, o seu navegador, que demorou poucos estivesse a dormir neste campo. A empresa comprou a Deep-
anos a ultrapassar o velhinho Internet Explorer, que se tornou Mind, em 2014, e foram os seus investigadores a desenvolver
uma punchline. O Chrome passou a ser o maior navegador do a tecnologia Transformer, o “T” de ChatGPT. A Google tem um
mundo, com quase dois terços do mercado. Entre os desktops, chatbot, o LaMDA, que os responsáveis afirmam ser tão ou
o Microsoft Edge ainda tem uma fatia de cerca de 10%, mas nos mais competente do que a versão da OpenAI (um investigador
telemóveis só o Safari consegue ter um peso significativo (muito disse mesmo que este era já consciente). Enquanto gigante,
longe do Chrome). A história não é muito diferente nos sistemas a Google tem mais a perder do que a OpenAI, estando a ser
operativos: o Windows ainda domina no mundo do desktop, mas mais cautelosa. Horas antes de este texto fechar, foi anunciado
o Android, da Google, controla o mobile. que o rival do ChatGPT se chamará Bard.
A guerra aquecia sempre que uma empresa entrava no Desde que o ChatGPT foi lançado, tem-se especulado se
território da outra. Foi isso que a Microsoft tentou fazer com o domínio que a Google tem da pesquisa online não ficará
o lançamento do motor de pesquisa Bing. Em menos de uma ameaçado. Alegadamente, a Google acionou internamente
década, a Google tornara-se sinónimo de pesquisa online. um “code red” à ameaça do ChatGPT.

O criador da criatura
“Sam Altman é um empresário e engenheiro de software norte-americano, conhecido por ser o presidente da OpenAI
e anteriormente o CEO da Loopt. Ele também é conhecido por ser um investidor ativo em startups de tecnologia”

A minibiografia da entrada de startups Y Combinator. Em ser uma organização sem fins de gás e “um pedaço de terra
deste texto foi escrita pelo 2014, o fundador da Y, Paul lucrativos. Enquadra-se na tra- na Big Sur, para onde pos-
ChatGPT acerca do seu CEO. Graham, escolheu Altman para dição de empreendedores de so voar”, revelou à The New
É até relativamente contida o suceder na presidência. No Silicon Valley determinados a Yorker. Dores de cabeça fa-
para descrever um dos nomes ano seguinte, Altman fundou salvar o mundo, uma app de zem-no pesquisar no Google
que, aos 37 anos, mais excita- a OpenAI com Elon cada vez. Altman reco- e ligar à mãe, dermatologista.
ção estão a gerar em Silicon Musk, conseguindo nhece ser obcecado “Tenho de o descansar e de
Valley. Depois de ter estudado financiamento de pelo Apocalipse lhe dizer que não tem me-
Ciência de Computação em pesos-pesados de (foi, aliás, isso que ningite nem um linfoma, que
Stanford, fundou a Loopt, Silicon Valley, como motivou o nasci- é só stresse”, disse a própria
que permitia aos utilizadores Reid Hoffman e Peter mento da OpenAI). à mesma revista. Ter um chat
partilhar a sua localização – e Thiel. Em 2019, Alt- Tem consigo armas, ao qual pode recorrer e fazer
que acabaria vendida por 43 man torna-se CEO da ouro, antibióticos, essas perguntas 24h por dia
milhões de dólares –, tendo empresa, e esta baterias, iodeto de poderá não ser a solução para
sido apoiado pela aceleradora deixa de potássio, máscaras essa ansiedade.

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 37


Tyler Cowen
“O ChatGPT tem o poder de pensar em coisas
que nós não conseguimos. Pode ser mais criativo”
Professor na Universidade George Mason, o economista libertário é um admirador do potencial do ChatGPT. Acha que temos
dificuldades em perceber a velocidade do progresso da IA e que ela nos levará a valorizar caraterísticas diferentes nos seres humanos

O que o entusiasma ou produção humana é replicável está a dizer? vai demorar. Os professores
intriga mais no potencial do por máquinas. Alguém tem E eu tenho a noção? Não são lentos. Haverá anos em
ChatGPT? de editar o conteúdo, dar-lhe sei. Ele tem as suas forças e que tudo será um caos, com
Agora conseguimos conversar comandos, supervisionar o limitações, que podem com- muito copianço, isso aliás já
com computadores, utilizan- que está a fazer e decidir o plementar as nossas. Há um está a acontecer.
do uma linguagem natural. É que perguntar a seguir. Mas homenzinho verde dentro da Normalmente comparamos
a primeira vez na História da muitos empregos vão mudar caixa? Não. Mas frequentemen- a robotização ou a ascen-
Humanidade que conseguimos radicalmente, incluindo o seu, te funciona muito bem. Fico são da IA à substituição do
dialogar e obter deles uma res- de jornalista. descansado por ele não estar trabalho manual nas fábricas
posta inteligente. É um grande Como integrou o ChatGPT mesmo a pensar, independen- aquando da Revolução In-
salto. Pense em questões sim- na sua vida? temente do que isso significar. dustrial. É um bom paralelo?
ples, como a forma de empre- Um exemplo: estou a escrever Que setores podem ser mais Acho que é muito diferente. A
sas e organizações guardarem um estudo sobre um escritor afetados? Revolução Industrial era sobre
informação. Pode armazená-la irlandês, Jonathan Swift, autor O Direito. É muito bom nisso. a força e a energia. Isto é sobre
em algo como o ChatGPT e de muitos panfletos bastan- Qualquer setor em que as texto, ideias, imagens. E está a
simplesmente perguntar-lhe te obscuros, nem sequer se pessoas trabalhem com texto. A acontecer muito mais rápido.
quando precisar de saber algo. consegue googlar informação programação já foi revoluciona- Se a IA conseguir varrer e imi-
É incrivelmente poderoso. sobre eles. Porém, se perguntar da: pode gerar muito código e tar tudo o que está online, isso
Faz-nos pensar na nossa ao ChatGPT para os resumir, muito depressa. Precisa de ser significa que experiências e
própria criatividade? Muito ele fá-lo-á. Assim, sei se pre- editado, mas é muito mais fácil objetos exclusivamente físicos
do que fazemos é menos ciso de ler ou não o panfleto. e rápido. Na educação, pode ou únicos ganharão valor?
criativo do que julgamos? Ao entrevistar uma pessoa no funcionar como um tutor indivi- É muito provável. Objetos
É essa a minha opinião: somos meu podcast, às vezes uso o dual numa caixa, ao qual pode físicos, como primeiras edições
criaturas de rotinas. Não há ChatGPT para perguntar coisas fazer perguntas o tempo todo. de livros, quadros clássicos,
nada de errado nisso. Pode- aleatórias, mas muito específi- Embora conheça muitas pes- concertos ao vivo. A sua vida
mos dizer que o chat não é cas sobre o convidado. Mesmo soas que usam o ChatGPT, a será muito digital ou muito real.
Shakespeare, mas, quando que este não seja totalmente minha mãe nunca ouviu falar E o que está no meio desapa-
pensamos em quão bem fiável, dá-me ideias para outras dele. Quanto tempo demo- recerá.
consegue desempenhar certas perguntas, outros ângulos. rará a chegar ao dia a dia de Aquilo que achamos útil ou
tarefas, acho que mostra Portanto, nalguns aspetos, é todos, independentemente bom noutro ser humano vai
como muita da escrita e da mais criativo. Tem o poder de do seu trabalho? mudar?
pensar em coisas que nós não Quer dizer, a toda a gente Sim. Quando falamos com
conseguimos. Não confiaria a nunca chegará, mas a 25% da algumas pessoas podemos
100% naquilo que ele me diz, população… talvez num mês? pensar que é o GPT-3, e eu re-
mas dá-me ideias, o que pode Dou uma cadeira a estudantes cebo muitos livros que podiam
ser muito útil. de Direito e, na primeira aula, ter sido escritos por IA. Portan-
O ChatGPT é capaz de coi- disse-lhes que íamos usar o to, sim, pessoas carismáticas e
sas incríveis, mas as suas li- ChatGPT. Eles olharam para originais terão mais valor.
mitações também são óbvias, mim como se eu fosse um Os introvertidos, que a in-
desde simples problemas louco. Na segunda semana, já ternet ajudou, podem perder
de matemática a informação vinham entusiasmados com o para este futuro imaginado?
factual. que leram. Está a acontecer É muito possível, sim. Ter uma
Cinco minutos antes da nossa muito rápido. Não estamos a presença forte vai ser mais im-
entrevista, a OpenAI anunciou anos dessa realidade. portante. Haverá um premium
que melhoraram a fiabilidade Faz sentido estarmos preo- para vozes únicas e originais.
factual do Chat. Se com- cupados com o futuro da Um dia, o ChatGPT poderá
parar com o GPT-2, a educação? estar a ter esta conversa
evolução é muito rápida. Bom, devemos estar preocu- consigo?
Os críticos não estão a pados, mas a educação terá Alguém terá de lhe dar os
perceber a velocidade. de se adaptar e nós teremos comandos certos. Ainda preci-
Tem mérito a crítica de gastar mais tempo a ensinar samos de alguém que o faça.
de que o chatbot as pessoas a usarem IA. A Com as indicações certas con-
está apenas a cuspir forma de avaliação de exames seguirá fazer boas perguntas?
coisas e de que não e papers terá de mudar muito. Acho que sim. Não vai tirar-lhe
tem noção do que E não há problemas nisso, mas o trabalho, mas vai mudá-lo.

3
38 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023
postos de trabalho nos EUA poderiam
ser totalmente automatizados, mas que
60% deles tinham tarefas que poderiam
ser automatizadas em pelo menos um
terço. Ou seja: a maioria das profissões
tem uma fatia significativa de tarefas
que pode ser feita por máquinas. Os
humanos continuam a ser necessários.
Mas quantos? “Estas tecnologias de-
sempenham cada vez mais tarefas não
rotineiras. É muito difícil prever quais
os setores mais afetados, mas acho que
será algo bem mais abrangente do que
muitas pessoas imaginam.”

SILICON VALLEY
É O NOVO RUST BELT?
Quando se fala em máquinas e em mer-
cado de trabalho, é importante lembrar
que, apesar do medo cíclico da “invasão
das máquinas”, nenhuma vaga tecnoló-
Sonhador “Desenha uma
criança com um tablet, que,
gica criou desemprego em massa. No
graças à Inteligência Artificial, entanto, devemos ter presente a lição de
para startups, significam mudar as tem uma entrada noutra que, tendo a possibilidade de trocar um
prioridades de algumas das maiores dimensão”, eis a instrução humano por uma máquina, as empresas
empresas do mundo e inclinar a curva dada. Depois, acrescentou-se tendem a fazê-lo.
o estilo: Digital art
do desenvolvimento. Ainda só passaram semanas desde
Para Arlindo Oliveira, “mudou o lançamento do ChatGPT e a utiliza-
mais a perceção do que a tecnolo- ção já se foi generalizando. Empresas
gia”. Contudo, o professor do IST e usam-no para compor material pro-
presidente do INESC considera que mocional, CEO vão lá escrever emails,
“o entusiasmo se justifica”. “Embora advogados – qualquer profissão que estudantes exploram-no em busca de
não possa ser ainda usado de forma lide com texto será afetada: não ne- melhores notas, jornalistas trocam
séria – por exemplo, deixá-lo a diag- cessariamente destruída, mas prova- ideias com ele; ele que também ajuda
nosticar doenças –, conseguimos ver velmente mudada. programadores com códigos e acadé-
o seu potencial.” “Se achar que um dia vai acordar e micos com notas e citações. Grandes
Deixar que seja um programa de perceber que já não tem emprego, não empresas portuguesas já o estão a
computador a dizer-lhe que tem uma está a perceber o que está a acontecer”, testar informalmente nas áreas de
rutura de ligamentos no joelho pode nota Daniel Susskind, professor de comunicação e de recursos humanos,
ser algo difícil de digerir, mas em ja- Economia no King’s College e investi- procurando avaliar o seu potencial.
neiro o ChatGPT já passou o exame gador de Ética na IA, em Oxford. Não é Luís Jorge, copywriter sénior da
de licença médica, obrigatório para assim que a robotização vai funcionar. Uzina, conta que estava bloqueado
se exercer Medicina nos EUA. E este E cita um estudo da McKinsey, em num trabalho mais pequeno com um
não foi o único teste que ele superou. que se conclui que “apenas” 5% dos colega mais júnior e que o ChatGPT lhe
Passou também no exame final do deu alguns headlines. “Não tinha nada
MBA da Wharton, da Universidade da de jeito, mas desbloqueou”, conta à VI-
Pensilvânia. Na Faculdade de Direito da SÃO. Acha que uma parte importante
Universidade de Minnesota, conseguiu Que do que faz ainda só está ao alcance dos
uma média de C+ a uma série de testes.
O mesmo ChatGPT foi capaz de gerar competências humanos, mas reconhece que “algum
do trabalho criativo é mecânico e in-
um guião para um filme de domingo à
tarde, de traduzir linguagem de código
vamos ensinar diferenciado” e pode ser substituído.
Talvez o impacto mais imediato
e de sugerir dez políticas públicas para aos alunos? Terão esteja a sentir-se na educação. Devem
se diminuir o preço das casas.
Durante décadas, contaram-nos de programar? ser poucas as universidades que não
tenham pelo menos uma conversa so-
uma história sobre robotização: os
empregos afetados teriam uma natu-
Vamos precisar bre o que fazer com esta ferramenta,
quando ela consegue, com relativa
reza repetitiva. Os setores criativos ou de saber competência, escrever em segundos
que exigissem imaginação estariam a ensaios sobre quase qualquer tema.
salvo. Talvez não estivéssemos prepa- linguagens? João Duarte é professor na Uni-
rados para este terramoto. Jornalistas, ALÍPIO JORGE versidade de Maastricht nas áreas de
publicitários, designers, consultores e Coordenador do laboratório Conhecimento, Inovação e Mudança
analistas financeiros, programadores, de IA do INESC TEC Tecnológica. À VISÃO conta como, no

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 39


regresso às aulas, todos os colegas ti-
veram de se confrontar com os efeitos
do ChatGPT. A universidade decidiu
que o fenómeno não deve ser ignora-
do, que o chat deve ser usado em aulas
e estimular a interação com os alunos.
Porém, a avaliação irá adaptar-se.
Os professores têm alguma latitude.
“Decidi começar a realizar exames
escritos, que não possam ser levados
para casa. Vou fazer, pela primeira vez,
um exame de pen and paper”, refere.
A avaliação em aula volta a ganhar
peso. “Os trabalhos têm de ser trazi-
dos para avaliar as apresentações, e
mudei as componentes de avaliação,
dando mais peso as que eu tenho a
garantia de que foram eles a fazer.”
Um caso especialmente interes-
sante é o dos programadores, porque,
ao contrário de profissões como a
de jornalista – numa indústria em
crise –, escrever códigos parecia ser
garantia de interesse no mercado de
trabalho. Estes modelos de linguagem
vêm mudar isso, escrevendo códigos,
corrigindo erros, traduzindo lingua-
gens. O ChatGPT junta-se a outras
ferramentas de IA, como o Copilot
Cuidadoso Um bom exemplo
(Microsoft), que já fazem autocom- de arte digital, produzido
plete de código. A Amazon também com um comando simples.
tem uma versão. Esta é a terceira versão de As suas respostas tinham tantos erros
Tal como noutros setores, não uma primeira proposta, de que foram banidas do Stack Overflow
substitui quem tenha uma ideia para que depois se pediram outras (plataforma colaborativa em que pro-
variações
criar algo novo, mas, então, e a versão gramadores podem tirar dúvidas).
“braçal” do trabalho de programar? O académico não está muito preo-
Talvez não sejam necessários tantos cupado com a destruição de empregos
braços. Como questionava The Atlan- – “aparecem sempre outros”. Aliás, já
tic, será que a IA vai transformar Sili- há emprego a ser criado. Saber tirar
con Valley no novo Rust Belt, símbolo o máximo proveito dos chatbots será
do declínio industrial dos EUA? uma capacidade importante. Utiliza-
“Podemos explicar o que queremos dores do PromptBase podem contra-
e em que linguagem. No outro dia, tar engenheiros, que cobram 50 a 200
estava a escrever um programa em dólares por comando/indicação usado
Python e, depois de meia hora à pro- para produzir imagens no DALL-E
cura no Google, pedi ao ChatGPT e ele e Midjourney (ver caixa: Empregos
deu-me a resposta em segundos. Não Abanados), diz a The Economist.
era funcional, mas escreveu com mui- O problema é a velocidade da transi-
to mais informação do que eu tinha ção. As revoluções anteriores demora-
naqueles 30 minutos”, lembra Alípio ram uma ou duas gerações. Economias
Jorge. “Que competências é que nós, de mercado altamente financeirizadas
académicos, vamos ensinar aos nossos e dominadas por gigantes privados,
alunos? Terão de programar ou terão Embora com poder de fogo superior ao de um
de saber pedir a um programa? Vamos pequeno país europeu, tornam estas
precisar mesmo de saber linguagens ainda não possa transições mais violentas. O papel dos
de programação?”
Arlindo Oliveira aponta para um
ser usado de Estados será crucial no que respeita ao
embate da transição.
recente concurso de programação, em forma séria, Haverá obviamente consequências
que a IA já ficou na metade de cima positivas. Após décadas de produti-
dos participantes. Por outro lado, “o conseguimos ver vidade estagnada, com consequên-
trabalho do programador raramente
é autocontido”. Este precisa de falar
o potencial cias na evolução do bem-estar, um
empurrão pode ser bem-vindo. No
com outras pessoas e de colaborar. O ARLINDO OLIVEIRA passado, estes sismos tecnológicos
ChatGPT também tem de melhorar. Presidente do INESC acabaram por melhorar a vida das

40 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Martin Ford
pessoas. No entanto, isso foi tam-
bém feito com políticas públicas que
“A IA não tem de ser
garantiram que a prosperidade fosse
partilhada.
verdadeiramente inteligente
GIGANTES EM CONTRARRELÓGIO
para ameaçar o emprego”
Especializado em automatização e impacto no mercado de trabalho, o autor de
É impossível perceber o que se passa “Rise of the Robots” indica o potencial e as limitações da Inteligência Artificial (IA)
no campo da IA sem se falar das em-
presas que se movem neste espaço. Os
maiores grupos do mundo têm a mira Há muito entusiasmo te, sou cético quanto a este
nestas tecnologias, seja por verem ne- em torno do ChatGPT. ser o caminho para uma IA
las enorme potencial ou pelo medo de Mudou alguma coisa no ao nível dos humanos.
serem deixadas para trás. A ascensão mundo da IA nos últimos Porquê?
do ChatGPT virou os holofotes para a meses ou foi só uma boa Para ser verdadeiramen-
Microsoft. Com uma relação próxima estratégia de marketing? te inteligente é preciso
com a OpenAI, há alguns anos, alguns É um pouco dos dois mover-se pelo mundo e
veem aqui uma hipótese para a empre- pontos. No último ano, manipulá-lo. Pode ser-se
sa finalmente ripostar contra a Google houve avanços significati- “inteligente” apenas por
(ver caixa: Google vs. Microsoft). vos e a demonstração de ler? Os animais movem-se
Uma das primeiras observações aplicação prática destes no mundo, interagem, en-
feitas, quando o ChatGPT se tornou modelos de linguagem. Se pensarmos nos nos- contram presas, caçam. Foi
público, foi no sentido de que ele seria Ora isto aconteceu numa sos trabalhos, mesmo os assim que toda a inteligên-
uma ameaça séria ao monopólio que altura em que se achava “criativos”, uma per- cia evoluiu. Apenas analisar
a Google tem nos motores de busca. que a área de IA tinha centagem não tem essa texto não será suficiente.
A empresa tem o próprio modelo de estagnado. É um feito do dimensão mecânica? Centrarmo-nos só na
linguagem, o LaMDA, mas tem sido GPT-3. É certamente a Certo. É um ponto impor- linguagem pode ser uma
mais cautelosa na respetiva divulgação. melhor demonstração de tante que eu sublinho des- distração?
Perante o sucesso do ChatGPT, a Goo- conversa com Inteligên- de que comecei a escrever Algumas pessoas, como
gle terá decretado um code red interno, cia Artificial. Também há sobre isto: as pessoas Yann LeCun [responsável
que acabaria por resultar no anúncio, “hype”. É a aplicação com assumem que, para verem de IA da Meta], acham que
nesta semana, do lançamento do Bard, crescimento mais rápido o seu emprego ameaçado, é um desvio da estrada
um chatbot alimentado pelo LaMDA, da História. É incrível como a IA tem de ser verdadei- principal. Há alguma ver-
que será disponibilizado em breve. disparou, e isso é porque ramente inteligente, que dade nisso. Por outro lado,
“A Microsoft vê uma oportunidade as pessoas estão a usá-la tem de pensar como um argumentaria que, quando
para virar o jogo. A OpenAI oferece- para coisas práticas. Há humano, mas isso não é a inteligência geral chegar,
-lhe a possibilidade de mudar o para- estudantes a utilizá-la para verdade, porque muito do ela terá alguns elementos
digma dos motores de busca e de me- escrever ensaios, agentes que fazemos é rotina. Tão destes modelos de lingua-
lhorar as suas aplicações, ao permtir de imobiliário para gerar cedo estas tecnologias gem. Há coisas úteis aqui.
que os consumidores interajam com descrições de casas. não conseguirão substituir Quais são os riscos?
tecnologia de forma mais intuitiva”, O que o surpreendeu totalmente um posto de Alguns são óbvios. Outros
explica à VISÃO David B. Yoffie, pro- mais quando usou o trabalho, mas uma gran- ainda nem conseguimos
fessor na Harvard Business School. “A ChatGPT pela primeira de empresa talvez tenha antecipar. O facto de alu-
Google está preocupada, embora seja vez? dez pessoas que fazem a nos estarem a usá-la para
pouco provável que esteja atrasada.” Ele gera respostas coe- mesma coisa. Se metade copiar não é algo bom. É
Numa análise feita pela The Eco- rentes que, na maior parte do que fazem for automa- possível que estas tecno-
nomist, que testou o LaMDA, con- das vezes, estão corretas. tizado, se calhar, no futuro, logias nos façam perder
cluiu-se que nenhum era claramente O problema é que não haverá apenas cinco pes- capacidades. As pessoas
superior ao outro. “Ninguém está à sabe o que é verdade. soas. Haverá impacto no podem passar a escrever
frente de ninguém por mais de dois Parece fantástico, mas está emprego, não porque um menos. Há também a pos-
a seis meses”, assegurou Yann LeCun, apenas a juntar palavras. A robot chega e lhe roubará sibilidade de quantidades
o líder de IA da Meta. sua função básica é prever o lugar, mas porque a tec- incompreensíveis de textos
A mesma The Economist diz que, a próxima palavra numa nologia começará a fazer serem postas na internet
em 2022, foram investidos 67 mil mi- sequência. Gera coisas mais do que faz agora. para gerarem cliques. Po-
lhões de dólares em capital de risco novas, mas com base na Que indústrias podem demos duplicar o tamanho
em empresas que dizem especiali- forma como as palavras se ser mais afetadas? da internet e metade dela
zar-se em IA, o que é mais do que o juntam, não por perceber Tudo o que envolva a será lixo. A internet já está
Governo português gasta anualmente o mundo. E há nisto uma escrita. Não há um setor a ficar assim, mas agora
com apoios sociais. Talvez algumas enorme diferença. Quando específico. As ferramentas será possível automatizar
empresas estejam a atuar assumindo nós falamos, não estamos são cada vez melhores. Há e ter mais fidelidade. Além
que este mercado será igual ao das simplesmente a juntar rumores de que o GPT-4 disso, pode criar dez mil
redes sociais ou dos motores de bus- palavras. Temos um conhe- será um salto grande. E, contas no Twitter, nas quais
ca, em que poucos atores o dominam. cimento de como o mundo claro, haverá um GPT-5. as conversas se asseme-
Yoffie acha que este não será um mer- funciona. Embora seja impressionan- lharão em às dos humanos.
cado de “winner-takes-all”.

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 41


A IA ao longo dos tempos
Foi com a definição de Alan Turing que se começou a falar de Inteligência Artificial. Pelo meio, criaram-se robôs
para a indústria automóvel e até para servirem de cães de companhia. Agora, anda nos nossos bolsos

1950 1964 1997


O TESTE DE TURING ELIZA “DEEP BLUE”
O cientista Alan Turing Joseph Weizenbaum, O famoso
propôs um teste para do MIT, desenvolve computador criado
aferir a inteligência das o primeiro programa pela IBM consegue
máquinas. Se a máquina informático que permitia derrotar o campeão
conseguisse levar o gerar uma conversação do mundo de xadrez,
humano a acreditar que com humanos Garry Kasparov.
ela é inteligente, ficava
provada a sua inteligência

2022 2014 2011 2002


CHATGPT ALEXA SIRI ROOMBA
A 30 de novembro, a A Amazon lança um A Apple integra É o primeiro robô
OpenAI lança o bot que, assistente pessoal, no iPhone 4S autónomo concebido
em poucas semanas, foi com interface de voz, um assistente para ser vendido em
acedido por milhões de a Alexa, que ajuda as virtual, dotado de larga escala. Aprende
utilizadores em todo o pessoas a tomarem Inteligência Artificial, rotas, evita obstáculos,
mundo decisões sobre as com um interface de enquanto limpa a casa
compras que fazem voz, a Siri

É natural que esteja desconfiado com um intenso lançamento de apli-


e que comece a imaginar uma bolha cações em funções – veja-se o caso da
a inchar. Afinal, há pouco mais de Google –, sem grande reflexão sobre
um ano, este entusiasmo estava di- os efeitos secundários. Basta apontar
recionado para o blockchain ou para para o “faoreste” das redes sociais e
o metaverso. O ciclo de “hype” e o nos lembrarmos da importância de
investimento saltam de tecnologia andar mais devagar.
para tecnologia, com a diferença de A utilização do ChatGPT tem dei-
que, neste caso, conseguimos pôr xado a nu as suas muitas fragilidades,
qualquer pessoa em frente ao chat e desde problemas simples de mate-
de que ela percebe imediatamente a mática a informação falsa. Por vezes,
sua utilidade.
Porém, não é garantido que haja
ele “alucina”, inventando pedaços
de biografias, e pode sugerir coisas
A Microsoft
aqui um modelo de negócio. Para já, as
pessoas gostam de usar, brincar e ex-
impensáveis, como dizer que colocar
porcelana em pó no leite faz bem.
vê uma
perimentar, e as empresas estão exci- Para impedir que diga coisas racistas oportunidade
tadas. Mas quando lhes for exigido um
pagamento, estarão dispostas a isso?
ou homofóbicas, estes chatbots têm
grades de segurança que os proibem de para virar o
E será possível gerar receita suficiente
para pagar os gastos e investimentos
dizer certas coisas. Por exemplo: depois
de se perceber que pedir ao ChatGPT
jogo. A Google
destas empresas? Precisamos de mais para completar “Dois muçulmanos está preocupada,
algum tempo para saber. entram…” dava origem a mais frases
sobre violência do que dizer “dois cris- embora seja
É CRIATIVO? E NÓS?
O entusiasmo com estas ferramentas
tãos” ou “dois judeus”, os engenheiros
proibiram o chat de responder a essa
pouco provável
não nos deve ofuscar no que se refere pergunta. A máquina foi programada que esteja
aos muitos riscos que trazem com por nós e leu-nos. Carrega com ela os
elas, começando precisamente com o nossos preconceitos. O problema está atrasada
contrarrelógio em que algumas destas atenuado, mas não resolvido. Lembra- DAVID B. YOFFIE
empresas entraram. Estamos numa -se do Seinfeld AI do início do texto? Professor na Harvard Business
daquelas violentas corridas ao ouro, Foi suspenso esta semana do Twitch, School

42 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Para além do ChatGPT
É um erro achar que o ChatGPT se move sozinho neste espaço
ou que é significativamente melhor do que os outros. Estes são DALL-E
alguns dos seus concorrentes e aliados Ok, não é um rival. Também é da OpenAI, mas gera
imagens em vez de texto. A Microsoft integrou-o na
sua app Designer. O nome é uma brincadeira entre
BARD/LAMDA Salvador Dalí e a personagem WALL-E, da Disney.
O chatbot da Google, anunciado esta semana, irá
chamar-se Bard e correrá em cima do modelo LaMDA.
Nas próximas semanas, será testado por um grupo de
MIDJOURNEY
pessoas até ser lançado ao público. É a resposta da
Google à possível integração do ChatGPT no Bing. É um concorrente do DALL-E, criando imagens a
partir de pedidos feitos em texto. Em junho de 2022,
fez a capa da revista The Economist.

CLAUDE
Fundada por alguns ex-trabalhadores da OpenAI que
BLENDERBOT
discordaram da viragem comercial da empresa, a An-
thropic terá recebido financiamento que a avalia em A tentativa da Meta (dona do Facebook) entrar no
5 mil milhões de dólares, incluindo 300 milhões da jogo dos chatbots não tem corrido bem. O Blender-
Google. O seu chatbot, Claude, passou num exame bot recebeu muitas críticas pela sua baixa qualida-
de Direito Económico na George Mason University. de. O Galactica, dedicado à investigação científica,
durou apenas três dias.

BLOOM
BAIDU
O modelo de linguagem Bloom foi criado por mais de
mil investigadores, que procuram quebrar o domínio A empresa chinesa deverá lançar um rival
dos gigantes de tecnologia neste campo. Ao contrário do ChatGPT em março, segundo noticiou a Reuters.
da OpenAI, o seu código estará aberto a todos. É fácil perceber como terá rapidamente milhões
de utilizadores.

devido a piadas transfóbicas (os en- peu para o AI Act avançar (espera-se Claro que isso nos leva a uma re-
genheiros explicaram que se deveu a que seja em março). Embora a base flexão que talvez seja desconfortável:
uma mudança temporária para outro da Unbabel seja IA, Paulo Dimas não seremos também nós máquinas de
chatbot mais velho). tem dúvidas: é preciso regulação. “Tal bullshit? Grande parte da nossa vida
Ainda assim, o ChatGPT já é um como controlamos os medicamentos, também é passada a realizar tarefas
grande avanço em relação ao bot Tay, temos de controlar a IA.” A Unbabel mecânicas ou a “cuspir” informação,
da Microsoft, que, em 2016, demorou lidera um consórcio de “inteligência que nos passaram, por vezes, de for-
menos de 16 horas a escrever tweets artificial responsável”, tendo recebido ma acrítica. Os especialistas ouvidos
de coisas como “GASEIEM OS JU- €51 milhões do PRR. pela VISÃO tendem a concordar que
DEUS, GUERRA RACIAL JÁ”, assim Por último, importa relativizar a sobrestimamos a nossa criatividade.
mesmo, em maiúsculas. utilização da palavra “inteligência”. O O ChatGPT não é Shakespeare, Da
Também não é complicado ver os ChatGPT consegue prever que palavra Vinci ou Einstein, mas quão perto
riscos para a desinformação. Se já tan- deve aparecer a seguir, mas não sabe estamos nós?
ta gente tem dificuldade em identificar o que está a dizer. Estas ferramentas Talvez isso nem sequer seja eco-
o que é uma fonte fiável, que efeitos simplesmente cospem conteúdo. “É nomicamente relevante. “Os sistemas
terão estas ferramentas na produção um corte e cola glorificado”, aponta não estão a ser criativos, mas não im-
de muito mais informação num estilo Gary Marcus, um conhecido cético porta”, refere Susskind. “São capazes
jornalístico? E quanto aos bots rus- em relação a estes desenvolvimentos. de resolver problemas que requerem
sos (e de outras nacionalidades) que Ele chama-lhe “pastiche”. Vários espe- criatividade dos seres humanos.”
inundam as redes sociais? Quão fácil cialistas dizem que é uma máquina de Por entre o entusiasmo geral, a
será criar milhares de contas falsas? “bullshit” (treta), o que ajuda a explicar OpenAI tem sido criticada por ter
Atualmente estes já são problemas a sua relação difícil com a verdade. iniciado a corrida às armas, em vez
graves, mas podemos estar a falar da O próprio fundador da OpenAI de esperar até a tecnologia estar
diferença entre um mosquete e uma reconheceu isso num tweet, em de- mais desenvolvida e segura. Agora,
arma automática. A capacidade des- zembro. “O ChatGPT é incrivelmente será complicado voltar a pôr o génio
trutiva é incomparável. limitado, mas é bom o suficiente em dentro da lâmpada. A empresa que
Como vem sendo habitual na arena algumas coisas, dando uma impressão nasceu do medo de que o desen-
tecnológica, os Estados estão a ficar enganadora de grandeza”, escreveu volvimento da IA acabasse com a
para trás. Ainda assim, a UE está mais Sam Altman. “É um erro depender Humanidade terá de refletir se está
bem preparada do que os EUA, faltan- dele para algo importante, para já”, a travar ou a acelerar esse cenário.
do apenas o voto do Parlamento Euro- acrescentou. naguiar@exame.pt

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 43


ENSINO
PROIBIR
OU INCLUIR?
O debate sobre o uso do ChatGPT
nas universidades portuguesas já arrancou,
com os professores a reconhecer potencialidades
e riscos desta ferramenta
— P O R J O A N A LO U R E I R O

P
ara os alunos e docentes foi proibida a utilização do ChatGPT
de Engenharia Informá- nas redes e dispositivos. Revistas cien-
tica da Universidade de tíficas, como a Science, baniram o uso
Inspirado nos clássicos
Coimbra (UC), atentos às de textos produzidos pela ferramenta Uma ilustração feita, em
novas tecnologias, o de- e não aceitam que a citem como autor. menos de 20 segundos, pelo
senvolvimento dos gran- A VISÃO contactou algumas universi- DALL-E, ao qual foi pedido
des modelos de linguagem dades portuguesas e a reação foi mais que concebesse uma imagem
não é propriamente uma novidade. Mas moderada. “Outras empresas, como de um estudante a realizar
um exame, com o auxílio
o lançamento do ChatGPT, em finais a Microsoft e a Google, anunciarão da Inteligência Artificial, ao
de novembro, pelo consórcio OpenAI, em breve soluções semelhantes à da estilo de Pablo Picasso
numa versão gratuita e aberta ao público, OpenAI, que serão incluídas nos seus na obra-prima Guernica
não deixou de ser surpreendente, assim motores de busca. Tais ferramentas
como a velocidade estonteante com que começarão a ser usadas muito em breve
foi recebido. “Há um deslumbramento nos locais de trabalho, por profissionais
inicial, está muito à frente dos outros das mais diversas áreas.” Comparam-
grandes modelos de linguagem, que nós -nas, por exemplo, à normalização das
conhecíamos, mas também tem muitas calculadoras, computadores, corretores
limitações”, assegura Hugo Oliveira, ortográficos e outras formas de escrita
professor e investigador no Centro de assistida. “É pela inclusão destas fer-
Informática e Sistemas da UC. ramentas – e não pela proibição – que
A preocupação na Academia quanto à poderemos tornar os nossos proces-
utilização indiscriminada da ferramen- sos de ensino e de aprendizagem mais
ta pelos estudantes é real. “Já consegui adequados à realidade do trabalho no Não me admira
identificá-la em alguns relatórios, por-
que conhecia a escrita dos alunos em
século XXI. Quanto mais cedo o estu-
dante se cruzar com elas, tanto melhor”,
que, no futuro, se
causa – que melhorou, mas também fi- defende Paulo Jorge Ferreira, reitor da normalize o uso
cou com muitos floreados. A solução foi Universidade de Aveiro (UA). O docente
falar com eles, mostrar-lhes que certos do Departamento de Eletrónica, Tele- desta ferramenta.
parágrafos não diziam absolutamente
nada e alertar para outros casos em que
comunicações e Informática também
não parece muito preocupado com o
O que a Academia
o ChatGPT falha claramente”, confessa modelo adotado em futuras avaliações. tem de fazer
o docente de Engenharia Informática. “Em geral, a utilização de ferramentas
Hugo sabe que, no seu departamento, de Inteligência Artificial (IA) pode até é ser exigente
dificilmente será contido o acesso a estes
programas de processamento de lingua-
enriquecer o conjunto de abordagens
à avaliação”, respondeu.
e definir padrões
gem natural, mas também espera que os
alunos tenham, “com a sua utilização,
A reflexão sobre o uso do ChatGPT
também chegou à Universidade Nova
de qualidade
uma maior noção dos problemas. Temos SBE. “Estamos a promover debates na produção
de ensiná-los a tirar melhor partido da
ferramenta”.
para incentivar os nossos professores
a explorar o tema e a discuti-lo com dos textos
Por todo o mundo, as reações não se os alunos. Em breve, iremos anunciar RUI SOUSA SILVA
fizeram esperar. Nas escolas públicas de diretrizes. Mas, numa escola em que Professor da Faculdade de Letras da
Nova Iorque e de Seattle, por exemplo, incentivamos o uso das novas tecno- Universidade do Porto

44 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


ou de fraude académica é proibida e que se deixam seduzir e usam aqueles
alvo de procedimento disciplinar”. Já a conteúdos indiscriminadamente”, alerta.
reitoria da Universidade do Porto (UP) Nas aulas, abordou o uso do programa,
responde que a utilização do ChatGPT deixando alertas vermelhos sobre a ne-
em processos de avaliação de conheci- cessidade de se analisar minuciosamente
mentos “está proibida pelo Código Ético o que produz. “Ainda tenho dúvidas das
de Conduta Académica, que condena o receitas a adotar. Ninguém quer proibir,
plágio, o autoplágio, bem como outras até porque é contraproducente, mas
práticas que envolvam violações dos será que é aceitável o seu uso? É preci-
direitos de propriedade intelectual e de so criar nos alunos a perceção de que a
autor”. O regulamento como conduta ferramenta é uma mais-valia, mas que,
imprópria o estudante “submeter tra- no momento da avaliação, eles têm de
balho supostamente pessoal e original, ser íntegros”, defende.
elaborado total ou parcialmente por É certo que os resultados imediatos
outrem, sem o respeito pelas normas produzidos pelo ChatGPT podem ajudar
de citação e referenciação bibliográfica, a desbloquear a fase inicial de um traba-
de identificação do autor ou autores ou lho académico, “mas também aniquilam
de outras fontes utilizadas”. a busca interior associada a uma folha
No que diz respeito aos estudantes, em branco e todo o processo de constru-
Ana Gabriela Cabilhas, presidente da ção de um texto. Em muitos alunos, as
Federação Académica do Porto, acredi- competências de escrita já são bastante
ta que os estudantes “têm maturidade reduzidas”, sublinha Nelson Zagalo. A
para perceber a vulnerabilidade da fer- opinião é corroborada por Rui Sousa
ramenta e uma visão crítica da sua uti- Silva, professor da Faculdade de Letras,
lização. A maioria está comprometida investigador e coordenador científico do
com a qualidade da aprendizagem; não Centro de Linguística da Universidade
é correto associar o uso do ChatGPT do Porto. “Estas ferramentas poderão
a trabalho fraudulento”. Já os nativos levar a um desrespeito pela escrita e a
logias, a única alternativa é encorajar digitais reconhecem as potencialidades uma falha na sua utilização como forma
este tipo de ferramentas. Não podemos da ferramenta e também sabem que o de raciocínio. Só que, infelizmente, isso
parar o vento com as mãos”, defende debate ainda agora começou. já existe”, lamenta.
Pedro Oliveira. Recém-empossado Não sabemos se este será o fim dos
diretor, recorda os meses anteriores, RESISTIR OU ABRAÇAR? ensaios universitários, como escreveu o
vividos na Dinamarca, quando lecio- Nos últimos meses, muitos foram os professor Stephen Marche num artigo
nava na Copenhagen Business School. que perderam horas em conversações muito comentado e publicado na revista
“Não queria acreditar quando a minha com o ChatGPT, para avaliarem as suas The Atlantic. Mas é, sem dúvida, “o prin-
filha, estudante do Ensino Secundário, capacidades. “Apanhei alguns erros cípio da sua reformulação”, defende o
disse que os colegas estavam a fazer os básicos, mas, em 99% das conversas linguista. “Não me admira que, no futuro,
trabalhos através do Chat GPT. Pensava que tive com ele, sobre assuntos que eu se normalize o uso desta ferramenta. O
que era algo apenas discutido entre os domino, a resposta estava certa”, admite que a Academia tem de fazer é ser exi-
académicos. Na escola dela, proibiram Pedro Oliveira. Professor de Gestão de gente e definir padrões de qualidade na
o uso e implementaram uma tecnologia Operações, foi precisamente nesta ca- produção dos textos.” O que tem lido no
para detetar se um texto tinha recorri- deira que a ferramenta foi testada, na ChatGPt, especialmente quando é escrito
do à ferramenta, mas, no dia seguinte, Wharton Business School, na Pensil- em português, não o tem impressiona-
os colegas já tinham encontrado uma vânia, tendo obtido a nota final de B a do. “À superfície, os textos produzidos
maneira de dar a volta à questão”, conta. B-, “o que não deixa de ser assustador”. parecem ser coerentes e coesos, mas,
A própria OpenAI lançou uma fer- Entre os docentes, há uma mistu- quando analisamos melhor, percebemos
ramenta para identificar conteúdos ra de fascínio e de preocupação em que dizem muito pouco, que reúnem
gerados pela IA, mas reconheceu não relação às novas possibilidades da IA, informação básica e de senso comum”,
ser muito fiável, uma vez que o texto cientes de que estes grandes mode- considera. Rui Sousa Silva entende que
pode ser editado, contornando-se as- los de linguagem estão em constante o ensino deve estar atento, mas que não
sim o problema. Face às dificuldades aperfeiçoamento. “O ChatGPT tem uma há motivo para alarmismo. “Em vez de
de verificação de plágio, a solução na capacidade de discussão, de diálogo fazermos de conta que a ferramenta não
Nova SBE passará por mudar substan- e de interligação de conteúdos como existe, devemos mostrar como funciona.
cialmente as avaliações. “Estamos a ver nunca vimos. Em textos mais longos, Se um estudante, depois de elucidado
como isso pode ser feito, por exemplo, a ferramenta satisfaz, mas, além de quanto às limitações, consegue trabalhar
com apresentações orais ou questões erros factuais graves, falta-lhe uma com ela, refletir e produzir um texto
que não são suscetíveis de serem resol- voz interna que motive o que nos diz”, bom, o objetivo está cumprido.” O espe-
vidas pelo programa. Mas não vai ser aponta Nelson Zagalo, professor na cialista em Linguística Forense acredita
uma transição fácil”, acredita. UA e coordenador científico do Di- que, se editarmos os textos produzidos
Já a reitoria da UC sublinha que “um giMedia – Centro de Investigação de pelo ChatGPt, manteremos a nossa for-
texto construído ou criado com recurso Media Digitais e Interação. “Do ponto ma única e idiossincrática de falar e de
à IA tem uma forte probabilidade de ser de vista educativo, o problema será com escrever. Quem sabe se um dia a OpenAI
identificado ou classificado como plágio. os alunos médios, com menor literacia conseguirá reproduzir o estilo de cada
Ora, na UC, qualquer situação de plágio e capacidade de compreensão de texto, utilizador. jloureiro@visao.pt

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 45


DIAS DE RAIVA
INCENDEIAM
AS RUAS
A maioria absoluta inaugurou um novo ciclo
político, marcado pelo regresso dos protestos nas
ruas. A inflação e a perda de poder de compra
não poupam Portugal, contribuindo para a
escalada do conflito social e político, aproveitado
pelos “novos senhores” do megafone
— P O R J O Ã O A M A R A L S A N TO S
9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 47
47
A
Avistava-se, à distância, a chama de greves e
manifestações que hoje incendeia o País. Já na
noite de 30 de janeiro de 2022, com a maioria
absoluta no bolso do PS nas eleições legislati-
vas – muito à custa dos votos conquistados às
forças políticas da esquerda (CDU e Bloco de
Esquerda) –, fechada a porta, em definitivo, à
reabilitação da Geringonça, se abria caminho
para o regresso da luta nas ruas, promovida
por sindicatos e movimentos sociais apon-
tados como “braços armados” de PCP e BE.
apresentação do Orçamento do Estado, em
outubro passado.
Posição que a própria CGTP – estrutura
apontada como próxima do PCP – denuncia e
critica abertamente, como repetiu a dirigente
sindical Ana Pires, numa recente entrevista
ao Jornal Económico, em que afirmou que
“o dinheiro [para aumentos salariais] existe,
mas não há vontade [do Governo]”.
A juntar a tudo isto surge ainda a sucessão
de polémicas – ou “casos e casinhos”, desva-
lorizados por António Costa, em entrevista à
VISÃO – em que se enredou a equipa gover-
nativa, e que desgastou e fragilizou a imagem
do Executivo perante a opinião pública.
Tudo somado, estão reunidos os ingre-
dientes para uma tempestade perfeita. Ou
seja, o regresso em força das greves e ma-
nifestações, que devolvem à memória os
conturbados tempos em que Portugal foi
sujeito ao programa de ajustamento finan-
ceiro da Troika.
À VISÃO, António Costa Pinto refere que
“esta dinâmica de protesto tem características
de continuidade”, seguindo um guião tradi-
cional (e nacional). “[As greves e manifesta-
ções] Dizem respeito, fundamentalmente,
Os primeiros sinais de um cenário de con- ao setor público”, sublinha, considerando
flito social e político surgiram ainda no ano tratar-se de “protestos naturais”, que sur-
passado, período em que foram comunicados gem, como em casos anteriores, a partir “de
1 087 pré-avisos de greve ao Ministério do Animais As ruas das um contexto de inflação e perda do poder de
principais cidades
Trabalho, o que significa um aumento de 25% portuguesas voltam
compra da população em geral”, acentuado
em relação a 2021, e o valor mais alto desde a encher-se de pelo que considera ser “uma notória estratégia
2013. Entre janeiro e dezembro de 2022, de- cartazes e de palavras do Governo de contenção da inflação através
ram entrada mais 215 pré-avisos de greve no de ordem. Cerca da desvalorização salarial, de acordo com a
Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segu- de dez mil pessoas política de ‘contas certas’ anunciada”.
rança Social do que no ano anterior, quando participaram na “É natural, nesta fase, que a pressão social
manifestação do IRA,
foram entregues 872, segundo os dados di- pela lei que criminaliza aumente, porque os atores dos sindicatos
vulgados pela Direção-Geral do Emprego e os maus-tratos aos e dos movimentos sociais são estratégicos,
das Relações do Trabalho (DGERT). animais de companhia reagindo em períodos em que percecionam
Mas após largos meses em lume brando,
a fogueira dos protestos ganhou (ainda mais)
vida no início do novo ano, com a entrada em
cena dos professores, e uma correria de no-
vas estruturas – mais ou menos inorgânicas
– pelo controlo do megafone que encabeça
a contestação, seja ela qual for.
Rastilhos não faltam, e acumulam-se
diariamente: a guerra na Ucrânia contribuiu
para uma taxa de inflação média anual em
Portugal de 7,8%, em 2022 – o valor mais
alto desde 1992 –, e para a perda do poder de
compra da população. Com os vencimentos
a não acompanharem o aumento dos preços,
sindicatos e trabalhadores exigem melhores
salários e mais investimento nos setores pú-
blicos essenciais, nomeadamente na Educação
e na Saúde.
O ministro das Finanças, Fernando Me-
dina, continua, no entanto, a ignorar os
protestos, não se desviando da estratégia
de “contas certas” e de “redução da dívida”
delineada para este ano, como afirmou na
INTERVENÇÃO E RESGATE ANIMAL
48 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023
A luta tradicional
PENSIONISTAS
vs a popular
Centrais sindicais apontam baterias
ao Governo e não receiam ser substituídas
por movimentos populares

A CGTP e a UGT associam a intensificação


dos protestos em Portugal à falta de respostas
do Executivo ao aumento do custo de vida.
“O acumular das necessidades, a precarieda-
de, os baixos salários, os horários cada vez
mais longos e desregulados” precisam de um
travão, defende, à VISÃO, Isabel Camarinha,
secretária-geral da maior central sindical do
País, a CGTP-IN, crítica da “opção do Governo
por uma política que promove a desigualdade
e a exploração”.
Perante a inflação galopante, com impacto no
poder de compra dos portugueses, o líder da
UGT, Mário Mourão, lamenta, por sua vez, uma
“estagnação da negociação coletiva, que tem
impedido a valorização da carreira e a pro-
gressão dos salários”. E, tendo este cenário
em mente, é com “naturalidade” que vê surgir
novos movimentos sindicais, como o STOP,
uma oportunidade perante a fragilidade do Protestos “criados para atuar nas redes sociais”, caval-
Governo”, afirma o politólogo e professor A conflituosidade gando o descontentamento de uma classe.
social que se faz A CGTP e a UGT demarcam-se deste género
universitário. sentir nas ruas
Também em declarações à VISÃO, José de luta, rejeitando que a mesma esvazie o tra-
conta com pessoas
balho das duas centrais sindicais. A primeira
Adelino Maltez prefere destacar a “quebra” na de todas as
gerações. As greves refere inclusive ter visto aumentar os traba-
relação político-partidária à esquerda (entre
e manifestações lhadores sindicalizados nas estruturas afetas
PS, PCP e Bloco), considerando que esta é a à CGTP. Já a UGT desvaloriza as críticas feitas
prosseguem nos
“principal razão” para o atual clima de confli- próximos dias ao sindicalismo tradicional pelos novos rostos
tuosidade que se vive no País. “A Geringonça do sindicalismo nacional, como o excesso de
era uma fatura que se pagava para não haver burocracia, referindo que continuam a ser “os
esta agitação. O primeiro-ministro [António] sindicatos ditos tradicionais que têm um papel
Costa deixou de pagar essa fatura e agora so- ativo na resolução dos problemas”. Estes ou-
fre com as consequências”, diz o politólogo tros fenómenos “surgem circunstancialmente
e professor universitário, acrescentando que e são fruto de movimentos baseados na con-
“era expectável que, com a maioria absolu- testação e na luta, descurando a negociação
ta do PS, no momento em que deixasse de e a propositura. A história do sindicalismo em
existir diálogo e negociação permanentes, os Portugal retrata várias situações deste tipo”.
protestos surgissem em força”. Rita Rato Nunes
Força essa que ganha novos protagonistas
– o que não é, necessariamente, uma novi-
dade. “O facto de agora terem surgido novos
sindicatos e movimentos sociais, que não são
controlados pelos antigos parceiros da Ge-
ringonça [PCP e BE], deu-nos um diferente
ponto de vista destes protestos. Mas não es-
tamos, propriamente, perante uma novidade.
Apenas a organização e a encenação destas
ações são diferentes”, diz José Adelino Maltez.
“O acumular das
OS “NOVOS” ATORES DA LUTA
CGTP e PCP (mas também o Bloco) tentam necessidades, a
capitalizar o momento de agitação, mas, nas precariedade, os baixos
últimas semanas, têm sido os novos movi-
mentos sindicais e sociais a conquistar o papel salários, os horários
de protagonistas.
Em particular, no setor dos professores,
cada vez mais longos e
com o Sindicato de Todos os Profissionais desregulados levam à
da Educação (STOP), com ligações ao Movi-
mento Alternativa Socialista (MAS), de Renata
intensificação da luta”
Cambra – professora e líder política, que deu Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP-IN

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 49


NÚMEROS
DA LUTA
CONTESTAÇÃO
DISPARA A PAR
DA INFLAÇÃO.
nas vistas na campanha das últimas legisla-
PROFESSORES
tivas, e que é uma das principais promoto-
“LIDERAM”
ras deste sindicato –, a propor uma agenda PROTESTOS
mais “radical” e “incisiva”, em contraponto à

1 087
estratégia da Federação Nacional de Profes-
sores (Fenprof), de Mário Nogueira, que os
professores classificam como “demasiado
burocrática” e “antiquada”.
PRÉ-AVISOS
A popularidade do STOP é tal, que o coor-
O clima de conflito
denador André Pestana (também ligado ao
social acentuou-se
MAS) é descrito em grupos privados de pro- após as legislativas de
fessores como uma “estrela em ascensão”. 2022. No ano passado,
Depois de propor “formas criativas” para o Ministério do
contornar os serviços mínimos nas escolas, Trabalho recebeu 1 087
pedidos pelo Ministério da Educação, e apro- pré-avisos de greve,
vados pelos tribunais, houve mesmo quem um aumento de 25%
chegasse a compará-lo com ativistas como face a 2021 e o valor
Nelson Mandela ou Martin Luther King Jr. mais alto desde 2013
A questão, porém, vai muito além dos

7,8%
docentes.
A prová-lo, na prática, está a demonstra-
ção de força popular no protesto promovido
pelo IRA – Intervenção e Resgate Animal, no INFLAÇÃO
passado dia 20 de janeiro, que colocou dez A taxa de inflação
mil pessoas nas ruas de Lisboa, em defesa de média anual em
uma lei para criminalizar os maus-tratos e o Portugal fixou-se em
abandono dos animais de companhia (chum- 7,8% em 2022, o valor
bada pelo Tribunal Constitucional). mais elevado desde
Volvidos apenas quatro dias, foi a vez de 1992. O aumento do
os pensionistas encherem avenidas e praças custo de vida serviu
de norte a sul do País, numa iniciativa (pouco de combustível aos
comum) do MURPI – Confederação Nacio- protestos
nal de Reformados, Pensionistas e Idosos e

100
do Inter-Reformados (afeto à CGTP), que
pretendeu exigir ao Governo um travão na

MIL PROFESSORES
A manifestação escalada dos preços de bens essenciais como
convocada pelo STOP, o leite, a carne e o peixe.
no dia 14 de janeiro, A motivação para uma “luta nas ruas”,
tornou-se a maior menos dependente do sindicalismo tradi-
ação de protesto do cional – e dos partidos políticos associados
setor desde 2009. –, vai continuar a ser medida nos próximos
O sindicato fala de dias. (Ver agenda na pág. 52.) No dia 25
100 mil manifestantes deste mês, o movimento Vida Justa – que
nas ruas. Autoridades conta com o apoio de nomes como o músico
“Já tivemos outros apontam para 20 mil Dino D’Santiago, a jornalista Alexandra Lu-
cas Coelho, a escritora Joana Bértholo ou o
[movimentos de
11
historiador Manuel Loff, além de dezenas de
protesto] e até bem ativistas, entre os quais alguns que participa-
ram no movimento Que se Lixe a Troika, que
mais radicais. Não vale MANIFESTAÇÃO protagonizou dezenas de protestos durante
a pena exagerar (...) No próximo sábado,
11, a Fenprof faz
o governo de Pedro Passos Coelho – realiza
uma manifestação em Lisboa. E no dia 1 de
Portugal vai continuar prova de força numa
manifestação nacional
abril é a vez de uma rede de coletivos euro-
peus (da qual faz parte a associação Habita!)
a ter uma taxa de que promete voltar protestar por mais e melhor habitação na
conflituosidade social a invadir as ruas da
capital
capital – causas que, normalmente, o Bloco
de Esquerda procura representar.
abaixo da média Ainda assim, declarar o óbito do sindi-
europeia” calismo tradicional parece, neste momento,
demasiado exagerado, asseguram as centrais
António Costa Pinto, politólogo CGTP e UGT. (Ver caixa na pág. 49.)

50 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


aquilo que se passa noutros países. Veja-se,
por exemplo, o que tem acontecido no Reino
Unido ou em França.” (Ver caixa na pág. 53.)
PROFESSORES TUDO E TODOS PARA AS RUAS
No domingo, dia 5, Paulo Raimundo admitiu
que o clima que se vive – de greves e manifes-
tações – “não é coincidência”. “Todos os dias,
cada um de nós, estamos a ser apertados nos
seus setores, nas suas profissões, nos salários
e nas pensões. Está tudo a apertar e as pessoas
têm de reagir. As pessoas não são respeitadas,
ganham mal e não conseguem viver com con-
dições de dignidade e têm de reagir, não há
alternativa”, disse o secretário-geral do PCP
aos jornalistas, à margem de uma passagem
pelo mercado mensal de Azeitão. Com mais
de 50 iniciativas, o PCP começou, este mês,
a ação Mais Força aos Trabalhadores, “que se
desenvolverá em empresas e locais de traba-
lho em todo o País, com os trabalhadores, até
ao final de maio”.
Entretanto, também a CGTP já preen-
cheu o calendário de protestos, ignorando
(uns mais, outros menos) os movimentos
sindicais e sociais “não alinhados” com a
central sindical – que, diga-se, também não
têm mãos a medir. Apenas a UGT diverge
deste registo. Embora não abdique da luta,
a central liderada por Mário Mourão adota
uma postura mais moderada, privilegiando
os acordos e criticando frontalmente o que
designa de “movimentos criados para atuar
nas redes sociais”.
Cozinhando este (complexo) caldeirão, as
próximas semanas preparam-se para servir
novas greves e manifestações – a começar já
E os analistas concordam neste ponto. An- Professores nesta quinta-feira, dia 9, com uma jornada de
Os protestos dos
tónio Costa Pinto considera que “já tivemos docentes têm protesto nacional, decretada pela CGTP, “em
[em Portugal] outros movimentos do género, dominado a atenção todos os setores e em todo o País”.
e até bem mais radicais”, dando como exem- mediática De resto, a lista é longa: depois das para-
plo os protestos dos estivadores, nos portos, lisações de dezembro na CP e na Infraestru-
e dos motoristas de matérias perigosas, entre turas de Portugal (IP), os sindicatos do setor
2018 e 2019. “Existe, pura e simplesmente, ferroviário voltam a realizar paralisações até
um cansaço dos antigos atores, surgindo, por ao dia 21 de fevereiro. Os enfermeiros e os
isso, com naturalidade, novos protagonistas oficiais de justiça mantêm as interrupções ao
com mais dinamismo, mais incisivos, capa- trabalho, pontualmente. E até os agricultores
zes de mobilizar mais pessoas e de liderar os protestam, este mês, contra a extinção das
protestos”, diz. direções regionais de agricultura e os atrasos
O politólogo refere mesmo que “não na execução dos programas de apoio, prove-
vale a pena exagerar muito”, quando se fala nientes de Bruxelas, para o setor, naquela que
de “linhas vermelhas” ou de perigos para é a única ação protagonizada por “patrões”.
a democracia. “Todos os dados que temos Mais polémica é a greve nacional dos
apontam para que Portugal continue a ter médicos, agendada pela Federação Nacional
uma taxa de conflituosidade social abaixo da dos Médicos (FNAM), para os dias 8 e 9 de
média europeia. É mais uma conflituosidade março. À VISÃO, a presidente daquela estru-
percecionada do que verdadeiramente real”, tura, Joana Bordalo e Sá, fala de um protesto
conclui António Costa Pinto. “contra as más condições de trabalho” e o que
Afinando pelo mesmo diapasão, José considera ser “o constante desinvestimento
Adelino Maltez concorda que os novos movi- no Serviço Nacional de Saúde (SNS) por parte
mentos sindicais e sociais “não colocam nada do Governo”. O protesto, no entanto, é visto
em causa, muito menos a democracia”. “Até com “maus olhos” pelo Sindicato Indepen-
somos muito pacíficos em comparação com dente dos Médicos (SIM), que considera que

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 51


Um País na rua
A lista de protestos e manifestações em
Portugal cresce diariamente. Sindicatos
e movimentos sociais exigem melhores
condições de vida

CGTP AO ATAQUE
A CGTP convocou um Dia Nacional de
“A Geringonça era
Indignação, Protesto e Luta para esta quinta- uma fatura que se
-feira, 9, com greves e paralisações em todos
os setores e em todo o País. pagava para não haver
MISERICÓRDIA – 9 DE FEVEREIRO
esta agitação social.
Também os trabalhadores da Santa Casa da [António] Costa deixou
Misericórdia de Lisboa fazem greve nesta
quinta-feira, 9. O protesto por aumentos de pagar essa fatura
salariais e progressões de carreira prossegue
com interrupções nas duas primeiras horas
e agora sofre com as
de cada turno, na próxima semana. consequências… Mas
PROFESSORES – 11 DE FEVEREIRO não estamos perante
A Fenprof realiza, neste sábado, 11,
uma manifestação nacional em Lisboa.
uma novidade”
Associações de polícias e de oficiais das José Adelino Maltez, politólogo
Forças Armadas apoiam protestos e marcam
presença. O STOP mantém os protestos por
tempo indeterminado. os colegas “cederam ao populismo e ao des-
contentamento”. O líder do SIM, Jorge Roque
COMBOIOS – ATÉ 21 DE FEVEREIRO da Cunha, recorda que “há negociações a de-
Os sindicatos do setor ferroviário estão correr até 30 de junho” e que, por isso, “este
a realizar paralisações que se prolongam é um momento de soluções, não de greves”.
até ao dia 21 de fevereiro. Muitos parecem discordar, a começar pelos
professores. É, precisamente, neste setor que
ENFERMEIROS – ATÉ 24 DE FEVEREIRO estão concentradas (todas) as atenções. A pró-
O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses xima manifestação está agendada já para este
elege este mês para lutar. As greves Inflação O aumento
do custo de vida
sábado, dia 11, convocada pela Fenprof, e que
decorrem em todo o território nacional, até tem a curiosidade de contar com o apoio e a
24 de fevereiro. disparou desde
que começou a presença dos sindicatos da PSP e dos oficiais
guerra na Ucrânia, das Forças Armadas.
VIDA JUSTA CONTRA A CRISE mas os salários não
– 25 DE FEVEREIRO acompanham a À DIREITA, NADA DE NOVO
O movimento Vida Justa realiza uma subida. A insatisfação
manifestação por melhores condições de silenciosa deu lugar à O Chega sempre reclamou a presença na linha
vida, agendada para o dia 25 de fevereiro, revolta (ruidosa) nas da frente dos protestos, chegando a anunciar,
em Lisboa. ruas do País em outubro do ano passado, a intenção de

AGRICULTORES – EM FEVEREIRO
É o único protesto protagonizado por
“patrões”. A CAP contesta a extinção das
direções regionais de agricultura, entre
outros.

MÉDICOS – 8 E 9 DE MARÇO
A Federação Nacional dos Médicos anunciou
greve nacional de médicos para 8 e 9 de
março. O Sindicato Independente dos
Médicos discorda da posição.

PELA HABITAÇÃO – 1 DE ABRIL


Rede de coletivos europeus agendou
jornada de protesto para 1 de abril. Ação
pelo direito à habitação está prevista para
Lisboa e Porto.

OFICIAIS DE JUSTIÇA
– POR TEMPO INDETERMINADO
O Sindicato dos Oficiais de Justiça mantém
greve no período das tardes (das 13h30
às 24h), por tempo indeterminado.
ENFERMEIROS
52 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023
Tensão lá fora
Reino Unido e França estão a “ferro e fogo”.
Milhões de trabalhadores invadem as ruas

Pode ser um clássico, mas as imagens


que chegam dos protestos no exterior
AGRICULTORES continuam a impressionar. Instalado o
clima de conflituosidade social em boa
parte dos países europeus – a sofrerem
as consequências do maior conflito bélico
no continente, desde a II Guerra Mundial
–, as ruas das principais cidades de França
e do Reino Unido voltaram, nas últimas
semanas, a transformar-se em palco de
(violentos) protestos.
No Reino Unido, vivem-se as maiores
greves da última década. Com uma
inflação acima dos 11%, a consequente
perda do poder de compra, e ainda a
falta de investimento do governo de
Rishi Sunak em serviços do Estado
considerados essenciais – como o Serviço
Nacional de Saúde britânico (NHS) –,
os movimentos sindicais e sociais têm
vindo a paralisar o país. As jornadas de
luta, partilhadas pelos setores público e
criar um sindicato “à direita”, replicando o Agricultores privado, já encerraram escolas e pararam
Os empresários comboios, e não parecem abrandar. Aliás,
modelo do partido espanhol Vox, de Santiago ligados ao setor da
Abascal – da mesma família política da direi- a resposta do primeiro-ministro à crise,
agricultura têm unido
ta radical populista –, que, em 2020, lançou esforços contra o procurando aprovar nova legislação com
o… Solidaridad. Para já, o projeto português que consideram ser vista a garantir serviços mínimos em
parece em ponto morto. o “esvaziamento” casos de greve, tem servido, apenas, para
“Está tudo parado, não foi dado qual- do Ministério da acentuar a contestação.
Agricultura. É o Em França, o rastilho acendeu-se depois
quer passo”, diz fonte do grupo parlamentar único protesto de o governo ter avançado para a reforma
do Chega, à VISÃO, sobre a ideia de André protagonizado por do sistema de pensões, que tem como
Ventura de impulsionar a criação de uma “patrões”
principal efeito o aumento gradual da
central sindical destinada a intrometer-se na idade da reforma, dos 62 para os 64 anos,
histórica bipolarização entre CGTP e UGT. até 2030. O projeto de lei, apresentado
A liderança dos mais recentes protestos dos pela primeira-ministra, Élisabeth Borne,
professores por parte do novo sindicato STOP no dia 10 de janeiro (e já aprovado pelo
não terá, contudo, demovido André Ventura Conselho de Ministros), teve resposta
da intenção e as manifestações até atraíram imediata, com os oito principais sindicatos
militantes e dirigentes do Chega, apesar de franceses a unirem-se, pela primeira vez
lideradas por dirigentes afetos ao MAS, co- em 12 anos, e a avançarem para greves e
notado com a extrema-esquerda. “Mas a ideia manifestações que voltaram a mergulhar o
do ‘nosso’ sindicato ainda só está na cabeça país num caos político e social. A primeira
do líder do partido, não houve reuniões nem jornada de protesto levou dois milhões
contactos relacionados com o tema”, explica de pessoas às ruas de nove cidades
a mesma fonte. francesas e ficou marcada por violentos
O Chega pretenderá, nesta fase, estimular c
confrontos entre manifestantes e polícia.
focos de contestação ao Governo, e esse sinal
foi dado na recente convenção do partido,
em Santarém. Em anteriores conclaves, as
reivindicações dos professores nunca fo-
ram um tema central e a Educação teve no
atual deputado Gabriel Mithá uma espécie
de cavaleiro solitário. Desta vez, porém, foi
o próprio Ventura a levantar a “bandeira”,
logo à chegada à reunião magna do partido,
realizada no fim de semana de 27 a 29 do
mês passado: “O Governo está a falhar ro-
tundamente na luta pela Educação”, afirmou,
garantindo que o Chega está “ao lado” dos
professores nas lutas de rua que têm travado.
Uma mensagem partilhada por outros dele-
gados na convenção. jsantos@visao.pt
*com Miguel Carvalho e Rita Rato Nunes

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 53


CARRIS
METROPOLITANA
UM CALVÁRIO
PARA OS UTENTES
Transportadora replica no distrito de Lisboa dores
de cabeça sentidas na Margem Sul desde 2022.
Passageiros apeados, falta de motoristas e linhas
sem reforço contrariam prometida mudança
pioneira do serviço público. Operadores
e câmaras descartam-se perante
empresa criada há quatro anos
— POR NUNO MIGUEL ROPIO

54 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


LUÍS BARRA

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 55


D
Depois de 46 anos a apanhar junto à
porta de casa o mesmo transporte, as-
segurado nas duas décadas iniciais pela
Rodoviária Nacional e depois, até 2023,
pela Rodoviária de Lisboa, Maria Ramos
sentiu na pele a entrada em vigor da
Carris Metropolitana (CM) na margem
norte da Grande Lisboa: aguardou mais
de uma hora por um autocarro que, pela
primeira vez, não veio e acabou por ser
retirada de um processo de cirurgia no
Protestos No Marquês
Serviço Nacional de Saúde, por ter fa- de Pombal, em Lisboa, muitos
lhado uma consulta nesse dia. Desde 1 são os que passam horas
de janeiro, quando os oito concelhos à à espera de autocarros
volta da capital passaram a contar com que não chegam e acabam
um sistema rodoviário público partilha- por ter de apanhar outras
LUÍS BARRA

ligações, contrariados
do de mobilidade, igual ao que arrancou
na Margem Sul no verão de 2022 e que
era apelidado de “a maior revolução” no
setor, não faltam episódios similares ao aflui a maioria das carreiras – só agora blica intermunicipal, criada em 2018,
daquela mulher de 80 anos, que ainda se confronta com um cenário que deu que assumiu os poderes de autoridade
está a adaptar-se à nova numeração do muitas dores de cabeça, nos últimos sete de transportes na região e à qual coube
veículo 2722. meses, a quem vive e trabalha na Mar- lançar em plena pandemia um concur-
Há passageiros a chegarem atrasa- gem Sul – ao ponto de algumas reuniões so internacional de 1,2 mil milhões de
dos ao trabalho, por falhas em ligações de câmaras desse território terem sido euros para que a Carris Metropolitana
que sempre usaram; outros levam ho- “tomadas de assalto” por gente revolta- saísse do papel.
ras no regresso a casa, após esperarem da, após ficar apeada sucessivas vezes. Contudo, questionados sobre este
em paragens onde não consta qualquer “Agora estamos a sentir o que ouvíamos processo, no qual estão a inspirar-se as
informação; o recurso às plataformas que se estava a passar lá em baixo, e é congéneres do Grande Porto e outras
TVDE e a táxis é grande, até porque terrível”, admite Filipa de Sousa, que já comunidades intermunicipais do País
um prometido reforço de serviços por uns quantos dias se vê obrigada a para lançarem concursos de conces-
noturnos não é sequer sentido por abrir os cordões à bolsa para pagar um são de transportes, os responsáveis
quem trabalha em grandes superfícies TVDE, à falta do autocarro 2705, das políticos da região – entre eles, a líder
comerciais; e nas interfaces, como a 21h30, em direção ao Catujal. Tal como do Conselho Metropolitano, Carla
Estação do Oriente, ou nos terminais António Quental, que, se quer chegar a Tavares, que é a presidente da Câmara
do Marquês de Pombal, Campo Gran- horas ao trabalho a Paço de Arcos, outra Municipal da Amadora – empurraram
de e Cacém, as filas para as diferentes solução não tem tido. para a TML todas as explicações sobre
carreiras atropelam-se, perante a falta o que está a acontecer. “Esta altura não
de espaço para os novos veículos par- EMPURRAR É MAIS FÁCIL é a adequada para nos pronunciarmos
quearem. A juntar a isto, grande parte Uma das principais causas para tais sobre questões de ordem mais políti-
dos motoristas das empresas que ope- problemas poderá estar atenuada so- ca, relativas à Carris Metropolitana”,
ram em nome da CM anda de orelhas a mente durante o mês de março, apurou indicou fonte oficial da AML. E este
arder, tal é o tom das queixas de quem a VISÃO junto de várias entidades. Ela não foi caso único: a Viação Alvorada,
vê neles o alvo mais fácil para mostrar prende-se com a falta crónica de mo- que controla o lote 1 de municípios, e
o seu descontentamento relativamente toristas. Algo com que os operadores a Rodoviária de Lisboa, que tem a seu
ao transporte público rodoviário da das quatro áreas de serviço conces- cargo o lote 2, também apontaram o
zona norte da Área Metropolitana de sionado na AML (ver infografia, em foco à TML, alegando confidencialidade
Lisboa (AML). cima) acenaram quando começaram contratual para não responderem, en-
Porém, a população residente em a ser confrontados com as falhas no tre várias perguntas, sobre as garantias
Oeiras, Cascais, Amadora, Odivelas, Sin- serviço contratado pela Transportes que deram à gestora de que, a partir
tra, Mafra, Loures, Vila Franca de Xira e Metropolitanos de Lisboa (TML) – a de 1 de janeiro, tinham condições para
também Lisboa – porque é à capital que empresa gestora da rede coletiva pú- arrancar com a operação.

56 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Dimensão da Carris Metropolitana
A operação na Área 4 arrancou a 1 de junho de 2022; já na Área 3 começou de forma
parcial a partir de 1 de julho de 2022. Tendo em conta as diversas falhas, principalmente
na Área 4, os serviços nas áreas 1 e 2 só se iniciaram a 1 de janeiro de 2023

OPERADORES
Área 1 Viação Alvorada
Área 2 Rodoviária de Lisboa
V. F. Área 3 Transportes Sul do Tejo
Mafra de Xira Área 4 Alsa Todi
MobiCascais*
Loures Transportes Coletivos
do Barreiro*
Sintra
Odivelas
Amadora
Lisboa Alcochete Montijo
Cascais Oeiras

Almada
Moita
Palmela
Seixal
Barreiro
1,2
mil milhões
de euros Setúbal
Investimento Sesimbra * Concelhos
que representa que mantiveram
o novo sistema sistemas próprios
de transportes de transportes internos

FONTE Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML) MT/VISÃO

A sul, os espanhóis da Alsa Todi (que ao longo dos seis meses de atividade da
foram os primeiros a entrar em funcio- Carris Metropolitana na Margem Sul,
namento, a 1 de junho de 2023, e aqueles numa forma de apaziguar os ânimos, a
que mais queixas desencadearam na área estratégia agora passa pelo comedimen-
4) e a TST (que durante anos deteve o to, “para não haver mais ruído sobre um
monopólio naquela margem e agora processo pioneiro e em relação ao qual
possui apenas o lote 3) nada disseram muitos parecem querer que corra mal”,
até ao fecho desta edição. Um gesto se- como adiantou fonte próxima daqueles
Passageiros melhante ao revelado pelos municípios
onde a VISÃO se deparou com enorme
dirigentes. Refira-se que o PSD também
tem assento na administração, por ter
relatam falhas descontentamento dos passageiros. A indicado Sónia Alegre, que, ao assumir
exceção foi de Oeiras, que, prontamen- a tutela das finanças da empresa, nunca
no serviço te, não só confirmou que tem recebido deu a cara pela mesma. À VISÃO, fonte
de autocarros que queixas de passageiros – entre os quais
utentes estrangeiros do antigo 15 e agora
oficial da TML admitiu poder haver um
balanço, sobre a entrada em vigor da
usam há muitos 1733, que têm ficado apeados no Mar- CM nas áreas 1 e 2, no início de março.
quês de Pombal no seu percurso para o
anos e a ausência trabalho no Tagus Park – mas também BASE DESATUALIZADA

do reforço fez questão de frisar que “é a TML que


tem a responsabilidade de avaliar o teor
A ideia de uma Carris Metropolitana
(CM) que uniformizasse sob uma única
de horários, como e a validade das reclamações recebidas,
bem como aplicar às empresas con-
sigla o transporte rodoviário público de
passageiros da AML surgiu às portas
era prometido no cessionárias dos serviços de transporte do verão de 2019, quase um ano após o
arranque da Carris rodoviário – no caso do concelho de
Oeiras, a Viação Alvorada – as sanções
surgimento da TML. Além de ter como
meta transformar os então diversos
Metropolitana. que se encontrem previstas em sede do
caderno de encargos”.
operadores na região em concessioná-
rios do sistema, o aparecimento da CM
Quem trabalha até Quanto à TML, após o seu presiden- foi facilitado pela criação do passe de
tarde queixa-se te, Faustino Gomes, e o vice, Rui Lopo
– com percursos profissionais no setor
valor único nas áreas metropolitanas
(de 40 euros mensais para toda a rede),
da falta e indicados para os cargos por autarcas
socialistas e comunistas, respetivamente
em abril de 2019, graças ao Programa de
Apoio à Redução Tarifária (PART). Aliás,
de respostas –, se terem desdobrado em declarações por serem então tempos da Geringon-

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 57


Fernando Nunes da Silva:
“Foi tudo demasiado brusco”
Docente universitário, antigo vereador da Mobilidade da Câmara de Lisboa
e especialista em planeamento e urbanismo, critica plano de transição
de anterior sistema de transporte público para o da Carris Metropolitana

O que está por detrás Que se evitavam com a


deste arranque entrada em vigor de cada
problemático da Carris área de forma espaçada?
Metropolitana? Teria sido uma hipótese.
As ineficiências devem-se Se o grosso da atividade
à falta de um planeamento se mantinha, e não
adaptado à realidade do houve uma revolução
País e, em concreto, da ou alteração brutal das
Área Metropolitana. Terá áreas tradicionais, era
havido uma confiança possível a entrada faseada.
grande nos modelos O resultado está aí: as
matemáticos que davam queixas na margem norte
MARCOS BORGA

as melhores ligações, para são muitas, as falhas


satisfazer as necessidades bastante notórias e o
de deslocação detetadas que podia ser um salto
no Inquérito à Mobilidade extremamente qualitativo
[de 2016], muito anterior à muito cuidado, porque no transporte coletivo está
pandemia e com problemas pode existir violação a ser minimizado por tais
de atualização. Juntou-se de contratos, mesmo problemas.
uma menor atenção em havendo motivos como
falar com quem estava no a forte concorrência na A Carris Metropolitana
terreno – os operadores captação de motoristas. deveria gerir os metros, ça e mesmo estando Fernando Medina
e motoristas. Apostou-se Aspetos estruturais podem barcos e ligações como líder da AML, coube ao comunista
imenso em tecnologias de revelar má preparação ferroviárias de Lisboa Carlos Humberto, ex-autarca do Barreiro
informação longe de ser das empresas para para Vila Franca de (município que tem nos TCB uma rede
intuitivas, porque, entre responder àquilo com que Xira, Cascais, Malveira e própria de autocarros e nos quais o vice
outros detalhes, exploram se comprometeram. Teria Setúbal? da TML, Rui Lopo, fez carreira), levar a
inúmeros caminhos de sido possível negociar É evidente que sim. Isto bom porto o plano. Os municípios com-
uma forma completamente com quem estava no é uma loucura e um prometeram-se a financiá-lo através do
diferente – que pode terreno a continuação do exemplo de que somos pagamento dos quilómetros percorridos
ser racional do ponto de serviço, enquanto não se sempre inovadores para pelos operadores.
vista da modulação, mas resolvessem as falhas do o pior. Em todas as áreas Após a elaboração de um denso ca-
contrária à forma como se sistema que entrava. Houve metropolitanas e grandes derno de encargos, que passava por ter
procura e se vê informação, um enorme voluntarismo, a capitais europeias houve a uma CM a concessionar as quatro áreas
principalmente por parte de começar pelos presidentes integração total de todos de serviço por um período de sete anos,
quem perdeu a rotina do das câmaras e técnicos os modos de transporte o concurso internacional viu a luz do dia
uso de transportes devido que elaboraram a rede, público e privado. Mas aqui um mês antes dos primeiros casos de
à pandemia. Soma-se a por se achar que esta era mantêm-se os regimes Covid-19 no País. No total, os contratos
evidente falta de motoristas a revolução na mobilidade feudais no seio do Governo. previam mais de 1 600 autocarros ao
– se o planeamento em transporte rodoviário. Basta dizer que o Metro serviço, a maioria novos e com uma úni-
implicava um maior de Lisboa pertence a um ca cor – o amarelo da Carris da capital.
conjunto de autocarros, Foi assim vendida: uma ministro [do Ambiente] e a Quanto ao plano dos horários dos au-
era preciso quem os revolução. CP e os barcos pertencem tocarros em serviço e às novas ligações,
conduzisse. Nada disto se Quando se dá o aumento a outro [das Infraestruturas], as responsabilidades ficaram divididas
teve em devida conta e do número de autocarros, e não se entendem sobre da seguinte forma, como adiantou à
foi tudo demasiadamente uma cobertura territorial o problema de Alcântara VISÃO um responsável deste sistema:
brusco. maior e mais frequências, é [Linha de Cintura], apesar as empresas que já operavam na região
claro que há uma mudança de estarem os dois no indicaram as linhas e as respetivas horas
Os operadores, que muito grande. Era preciso mesmo Conselho de (daí que muitos passageiros não sintam
disseram ter condições de algo faseado, controlado, Ministros. Seria uma um reforço das carreiras preexistentes ou
operar os novos serviços, e gerir a transição de um situação inédita e digna uma extensão de horários até mais tarde)
devem ser sancionados? serviço para o outro – foi aí do livro Guinness World e os municípios apontaram novos per-
A Autoridade dos que se cometeram os erros Records que esta situação cursos, alguns dos quais para responder
Transportes deve agir com maiores. não desse asneira. a necessidades identificadas num estudo

58 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Falha Falta de horários afixados nas
estações e nos postaletes é das
queixas mais frequentes de utentes
mais velhos. Já os jovens apontam
que aplicação da Carris Metropolitana
não tem uma leitura intuitiva

mas não se sabe como chegaram àqueles


horários”. “As paragens continuam sem
informação [é obrigação dos operadores
afixar dados nos postaletes]. Tenho 72
anos, e a necessidade de autocarros da
população não é igual à de quando vim
viver para aqui, em que se saía de casa
às oito da manhã e se voltava às cinco da
tarde. A lacuna à noite é muito acentuada
e grave para quem sai à uma da manhã de
supermercados”, defende Fernanda San-
ches, de Odivelas. A VISÃO questionou
diversos municípios por não ter sido ate-
nuada, com carreiras noturnas – como
as existentes na capital – a sensação da
população, identificada há vários anos,
de que tem de viver em estado de sítio
a partir das 22h. Não houve respostas.

“FOI ENGANADO QUEM QUIS”


Para Anabela Carvalheira, líder da Fede-
ração dos Sindicatos de Transportes e
Comunicações (Fectrans), “só foi enga-
nado quem quis”. “Todos sabíamos que
assim que entrasse em funcionamento
a Carris Metropolitana, às linhas dese-
nhadas só podiam faltar trabalhadores,
LUÍS BARRA

porque os motoristas já eram um nú-


mero pequeno para as necessidades. Na
maior parte das vezes, devido aos salários
de mobilidade, realizado em 2016. muito baixos, os motoristas já se obri-
Segundo Fernando Nunes da Silva, gavam a fazer trabalho suplementar até
um dos fundadores do Instituto Superior 14 horas, para levar cerca de 1 200 euros.
de Transportes e docente do Instituto Com a multiplicação de linhas, ficou a
Superior Técnico (ler entrevista ao lado), descoberto aquilo que a Fectrans vinha
“esse inquérito à mobilidade na Área Me- a denunciar”, conclui.
tropolitana de Lisboa não tinha um nível Fonte ligada aos operadores asse-
de desagregação espacial suficientemente Gestora do sistema, gurou que na Viação Alvorada e na Ro-
detalhado para permitir afinações mais
precisas deste tipo de serviços”. Marco
a TML prevê fazer doviária de Lisboa, até março, estará
concluída a contratação de 597 novos
Sargento, porta-voz da Comissão de só em março motoristas, vindos do Brasil e dos PA-
Utentes de Transportes da Margem Sul, LOP, a par do que já aconteceu na Mar-
não tem “memória de os passageiros o balanço gem Sul, onde a Alsa Todi reforçou a
terem contribuído com sugestões para
o tal propalado aumento de horários e
do serviço no sua rede com quase uma centena de
trabalhadores cabo-verdianos. “A norte
ligações”. “Tratou-se de um processo distrito de Lisboa, de Lisboa, as coisas poderiam ter corrido
pouco participado. O desenho da rede melhor se o IMT (Instituto da Mobilidade
foi feito sem ouvir ninguém e sem aus- em vigor desde e dos Transportes Terrestres), em vez das
cultar utentes e populações. Mesmos os
municípios referem que o plano lhes foi
1 de janeiro, 35 horas de formação para a certificação
pedida aos motoristas que vêm de fora,
apresentado uma semana antes de entrar
em prática, a 1 de junho de 2022”, conta,
e na Margem Sul, não tivesse exigido mais de 140, ou seja,
um mês”, disse. Até lá, um motorista
acrescentando que, naquela área, “não que entrou em da Viação Alvorada, confrontado pela
se concretizaram linhas anunciadas”.
“As coisas já melhoraram, mas as linhas funcionamento VISÃO com a espera de várias emprega-
das de limpeza, que saíram de empresas
novas foram abandonadas ou não estão
em prática por não terem motoristas.”
a 1 de junho junto à SIC, resumiu em poucas palavras
a nova rotina de quem usa a Carris Me-
Esta é uma versão partilhada pela de 2022. Falta tropolitana: “Porque é que há tanta gente
margem norte. Miguel Rato, da Comissão
de Utentes da Linha de Sintra, relata que, de motoristas à espera? Está a ver aí essas oito linhas?
Só temos motoristas para quatro. As
em janeiro, “os autocarros nem sequer
se concertavam com os dos comboios.
estará colmatada outras fazem-se quando temos possibi-
lidade. É como diz o primeiro-ministro:
A Carris Metropolitana já corrigiu isso, nessa altura habituem-se.” nropio@visao.pt

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 59


Propaganda
ARMA
DE
GUERRA
“Para Angola rapidamente e em
força” (Salazar); “Vamos alcançar
a desnazificação da Ucrânia”
(Putin); “Hitler quer uma guerra
total? Dar-lhe-emos uma guerra
total” (Estaline); “Temos de tornar
o mundo seguro para
a democracia” (Woodrow Wilson).
É destas palavras que reza a
História, pois o seu alvo foi preciso
e certeiro: convencer-nos de que
era imprescindível derramar
o nosso sangue
— POR ALEX ANDRA CORREIA

“Nie Karm Putina”


(não alimente Putin).
Campanha na
Polónia, apelando
ao uso de formas
mais ecológicas
GETTY IMAGES

de energia, para não


encher os bolsos
da Rússia com
o negócio do gás

60 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 61
O
O livro obrigatório na mesinha de cabeceira de
qualquer aspirante político (seja a presidente
de junta ou a líder de um Estado totalitário)
é A Arte da Guerra, do general chinês Sun
Tzu. Foi escrito há 2 500 anos, mas ainda é ali
que vamos buscar o essencial que nos pode
conduzir à vitória, pois o básico da condição
humana permanece. A primeira regra da pro-
paganda em tempo de guerra encontra-se na
frase “Conhece o teu inimigo e conhece-te a
ti mesmo”.
“São as duas mensagem essenciais”, diz-nos
David Welch, especialista em propaganda de
guerra (ver entrevista nas páginas seguintes).
“Uma é quem estamos a combater e a outra é
1, 2, 3
Folhetos de ação
psicológica para
convencer os
elementos da guerrilha
a entregarem as armas
e a juntarem-se às
tropas portuguesas.
O medo era uma das
estratégias: “Na mata,
não tens vacinas; quem
não está vacinado
morre”; “Foge do
bandido”

4 A mensagem da
“guerra que vai acabar
1

com a guerra” já
porque estamos a combater.” tinha sido usada na
Conhecer o inimigo e conhecer o próprio I Guerra Mundial. É
povo é fundamental para jogar com uns e com aqui recuperada pelo
outros. “Muito pouco mudou no que diz res- MPLA, na Guerra Civil
peito à pós-verdade, e podemos ir à I Guerra de Angola
Mundial. Nesse período, a Grã-Bretanha foi 2
5 Poucos morrerão de
particularmente boa em disseminar fake news boa vontade, mas na
com a sua propaganda da atrocidade, contan- I Guerra Mundial os
do histórias horríveis sobre os alemães. Mas portugueses deram a Zelensky, aquela para a qual o Presidente da
podemos ir mais longe, às guerras napoleóni- vida sem compreender Ucrânia parece ter nascido.
a razão. A mensagem
cas, e também aos romanos e aos gregos, onde foi desastrosa e as
a construção do que um inimigo era capaz revoltas na frente de
DESUMANIZAR, O ELEMENTO-CHAVE
de fazer, ou do que tinha feito, se baseava em guerra sucederam-se Mudam-se os tempos, mudam-se os meios
mitos e estereótipos e não necessariamente de comunicação, não se mudam as táticas da
na verdade”, continua o historiador da Uni- 6 1933. O Estado Novo propaganda, feitas para mexer com os nossos
estava a nascer e a
versidade de Kent. “criança” veio bem
instintos ancestrais. “A literatura antropológi-
Dependendo de quem conta a história, os forte ca está recheada de exemplos de tribos que só
combatentes das antigas colónias portuguesas consideram plenamente humanos os mem-
serão os bravos heróis dos movimentos de bros do próprio grupo”, refere o investigador
libertação ou os terroristas, os “turras” que Marco Antônio Corrêa Varella à Folha de São
atacaram o “Portugal uno, do Minho a Timor”. Paulo, num artigo sobre a desumanização do
E Volodymyr Zelensky e os seus ministros são inimigo.
“um gangue de viciados em drogas e neona- Este conceito, que devia ser “esmagado” ao
zis, que se estabeleceram em Kiev e fizeram londo da vida pela habilidade social de com-
refém todo o povo ucraniano”, como descre- preender os outros e as suas complexidades
veu Vladimir Putin, no dia 25 de fevereiro de – algo que começa a desenvolver-se por volta
2022. Ou os “gigantes” que, nesse mesmo dos 4 anos de idade com a chamada “teoria
dia, apareceram na Rua Bankova, num vídeo da mente”, a capacidade de nos pormos no
de breves segundos, e disseram “Estamos lugar do outro –, pode ser visto nos campos
aqui. Estamos em Kiev. Estamos a defender a de futebol, por exemplo. Comparam-se os
Ucrânia”, deixando meio mundo emocionado. adversários negros a macacos, atiram-se-
Foi o levantar do pano da “grande atuação” de -lhes bananas.

62 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


5

RA
FOTOS: EPHEME
6
4

Ora, não é de hoje que os cientistas rela- japonês no corpo de um rato, com a frase
cionam o preconceito com o quociente de ‘Jam your cigarette butts on this rat’ [esma-
inteligência. “Pode haver limites cognitivos gue a sua beata neste rato]. Os japoneses – e
na capacidade de assumir a perspetiva dos existia uma grande comunidade nos EUA –
outros, particularmente estrangeiros, já que eram retratados como uma ameaça para as
parece que o preconceito tem origens emoci- mulheres norte-americanas... Era a campanha
onais, não cognitivas”, explica o investigador para a aniquilação, e não se pode olhar para “Durante
Gordon Hodson ao site Live Science. as bombas atómicas sem se ter em conta esta a Guerra
Na guerra, a separação de grupos por es- propaganda racista. Isto culmina em 1945,
pécies está em todo o lado. Ratos e baratas com um jogo distribuído às crianças, em que Colonial,
são os animais de eleição. No genocídio do uma espécie de berlinde tem de deslizar até o lema era:
Ruanda, os hutus eram incentivados a “matar acertar no buraco. Era o jogo da bomba ató-
as baratas”, que eram os tutsis. Para os nazis, mica, com o mapa do Japão, onde havia dois ‘A nação não
os judeus eram ratos. buracos: Nagasaki e Hiroshima.” se discute,
“O que trazem os ratos? Ruína, pestilência, Na Rússia, o apresentador de televisão
doença... É ideologia racista, e ninguém con- Vladimir Solovyov explicou assim a invasão cumpre-se’.
testa isso”, refere David Welch. No entanto, há da Ucrânia: “Quando um veterinário está a E a censura
uma parte da História menos bem contada. desparasitar um gato, para o veterinário, é
“Temos argumentos parecidos no Pacífico. A uma operação especial; para os parasitas, é não falhava
propaganda dos Estados Unidos da América uma guerra; e para o gato, é uma limpeza.” nessa
sobre o Japão era racista. Havia uma banda
desenhada do Super-Homem que dizia ‘You GUERRAS PORTUGUESAS matéria”
can slap a jap’ [podes bater num japonês]. Quando começou a Guerra Colonial, em 1961, FERNANDO ROSAS
Havia cinzeiros com a cara de um soldado ainda vigorava o Estatuto do Indígena. Os ne- Historiador

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 63


1

locais destinava-se a cortar o contacto com a


guerrilha para lhe retirar o apoio. “Os folhetos
eram meio a convencê-los, meio a intimidá-
-los com ameaças pouco veladas”, continua.
2 3 Em Portugal, as mães dos soldados desapa-
recidos não se atreviam a ir pedir explicações
sobre o paradeiro dos filhos, como aconteceu
1 I Guerra Mundial. gros não tinham direitos civis nem jurídicos, agora na Rússia. “Nem pensar! Eram logo pre-
Os soldados italianos não eram cidadãos. “Quando eu estava na sas. ‘A nação não se discute, cumpre-se’, esse
são os melhores do Academia Militar, ensinavam-nos que ao ter- era o lema. E a censura não tinha falhas nessa
mundo, diziam eles rorismo se respondia com terrorismo. Assim matéria. Mas mesmo na oposição tradicional,
2 “Is your home worth se justificavam certas barbáries nas colónias. o anticolonialismo é tardio. Em grande parte,
fighting for?” (vale Alinhavam-nos contra um muro, dizendo ele surge devido ao ativismo da esquerda ra-
a pena lutar pela tua que lhes iam tirar uma fotografia, e a máqui- dical e dos católicos”, remata Fernando Rosas.
casa?). Póster irlandês, na fotográfica era uma metralhadora”, conta Apesar de tudo, a mensagem em defesa da
de 1915, para mobilizar
tropas o coronel Vasco Lourenço, capitão de Abril. Guerra Colonial, a imagem do Portugal uno,
Na Guiné-Bissau, onde esteve na guerra, era bem clara, assim como a da defesa da
3 “Keep this off the fazia-se “ação psicossocial” sobre as popula- pátria, ainda que fosse uma “pátria” distante,
USA” (mantém- ções, no sentido de as convencer a colaborar exótica, noutro continente. Já a propaganda
nas fora dos EUA).
As botas alemãs com a tropa portuguesa e não com a guer- que levou os portugueses à I Guerra Mundial
ensanguentadas, claro rilha. Dentro da tropa, o discurso era “ata- foi um “desastre”.
caram-nos, temos de nos defender”, porque “Ninguém percebia porque tinha de ir
4 “I want you for US
army”. O famoso
“Portugal vai de Minho a Timor”. “Quando os morrer para a Flandres. A grande maioria foi
apelo do “tio Sam”, de oficiais começaram a questionar que a guerra obrigada a ir, o que originou grandes níveis de
1917, desenhado por não ia a lado nenhum, que tinha de haver uma indisciplina e revoltas na frente portuguesa. A
James Montgomery solução política, respondiam-nos: ‘Vamos guerra era impopular também entre os mili-
Flagg trair os que já morreram pela pátria?’ Não tares, que sabiam bem que o País não estava
havia solução”, conta, para depois desabafar: minimamente preparado para participar na
“Ficava revoltado quando vinha à metrópole.
E era como se não houvesse guerra; não se
falava, o assunto não existia!” “Deixamo-
Não se falava da guerra, mas a propaganda
sobre as colónias intensificou-se, com cartazes -nos levar pela
nas ruas, programas na rádio e na televisão, e propaganda
até a meteorologia passou a dar o tempo no
Ultramar. “A mensagem era sobre quão bem que parece
se vivia lá, o progresso económico, a praia, o confirmar as
turismo. Foi um tempo em que a emigração
portuguesa para África cresceu exponencial- nossas crenças”
mente. Para o grande público, Portugal era um NELSON RIBEIRO
país tranquilo, pluricontinental e plurirracial”, Diretor da Faculdade
sublinha o historiador Fernando Rosas. de Ciências Humanas
A ação psicológica dirigida às populações da Universidade Católica

64 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


1
mais sofisticada guerra que já tinha havido”,
continua Fernando Rosas.
Uma das justificações era a de que tínha-
mos de lutar “contra os impérios centrais”,
em prol das pequenas nações. No entanto, o
que era a Inglaterra, nossa aliada? Ou a Rússia
czarista? Outra explicação prendia-se com
a necessidade de preservar o nosso império
colonial, pois havia a ideia de que, no fim da
guerra, África voltaria a ser dividida. Porém, na
altura, o império era longe, “terra de degredo”. 2
Em suma, é essencial “vender” um bom
motivo para a guerra. E a I Grande Guerra
foi, para David Welch, o ponto de viragem no
que diz respeito à propaganda, pois foi aqui
que começámos a ter de convencer as massas.
Algo que, pelos vistos, os portugueses não
perceberam bem.

COMO SE COMBATE?
“Hoje, olhamos para alguma propaganda
da II Guerra Mundial e pensamos: ‘Como é
possível isto ter enganado alguém?’ Hoje em
dia, temos outros códigos para descodificar
estas mensagens, mas a propaganda vai-se
reinventando com novas roupagens”, avisa 1 “Qui s’y frotte s’y
Nelson Ribeiro, diretor da Faculdade de Ci- pique” (Quem semeia
ências Humanas da Universidade Católica, ventos… em tradução
doutorado em Media and Cultural Studies livre). Cartaz francês,
de 1944
pela Universidade de Lincoln.
Não sejamos, no entanto, condescenden- 2 “Kampf fur die Sache”
tes. Continuamos a ser “enganados”, até pela (luta pela causa). Uma 3
dificuldade acrescida da velocidade a que pin-up nazi
tudo acontece. É que, reforça, “os mitos e as 3 “Su loro ricade la
narrativas sobre o inimigo não são assim tão colpa!” (a culpa recai
diferentes”. sobre eles). Cartaz
Mas o que não aconteceu com os portu- italiano, de 1942,
retratando Roosevelt
gueses na I Guerra Mundial e aconteceu com
e Churchill como
os alemães na II ou com os russos agora na gangsters
Ucrânia é que a propaganda estava bem en-
tranhada. Porque as estratégias da propaganda 4 “This is the enemy”
são “tão mais eficazes quanto mais endémicas (este é o inimigo). Um
japonês retratado de
se tornam”. Nelson Ribeiro explica melhor: “A forma estereotipada,
máquina de Putin não começou em fevereiro roubando uma mulher 5
de 2022, há muito que os ucranianos eram norte-americana nua
associados aos nazis; como a campanha dos
5 “Jam your cigarette
alemães contra os judeus havia começado butts on this rat”
muito tempo antes do extermínio. É mais fácil (esmague a sua beata
ativar ideias quando as mesmas já lá estão.” neste rato). Cinzeiro 4
Outro elemento-chave é o medo. A Guerra da propaganda racista
norte-americana
Fria, por exemplo, foi tempo fértil para histó- contra os japoneses
rias como a que o KGB pôs a circular sobre o
VIH, de que o vírus da sida tinha sido criado 6 “Der ewige Jude”
num laboratório norte-americano. Lições (o judeu sempiterno).
que Putin aprendeu bem – o medo da amea- Póster de uma
exposição em 1937, em
ça externa, do demoníaco Ocidente que vem Munique, que retrata
exterminar a Rússia (algo que o regime chinês os judeus como
explora também à exaustão). “O medo altera agiotas, marxistas e
a forma como vemos a realidade”, continua esclavagistas
o professor. 7 “Rotten” (podridão).
Como é que isto se resolve? Com educação, A imagem de um judeu
com literacia mediática? Sim, mas também num corpo de rato, 7
com a noção de que temos um “enviesamento símbolo da pestilência 6

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 65


David Welch Historiador irmãos. É aí que, na minha
opinião, a propaganda russa

“Agora, somos todos


começa a desintegrar-se:
passa-se da noção de
uma guerra justa, porque
há nazis a oprimir o seu

propagandistas” próprio povo, para a ideia


de que a Ucrânia é que é o
agressor como marioneta
Como as mensagens confusas nos fazem perder a opinião pública do Ocidente – eles estão
a armá-la. Passa-se da
e como as democracias lidam mal com uma palavra “suja” libertação dos nossos
irmãos para a defesa da
“mãe Rússia”, e é aqui
que me parece residir a
Professor de História o próprio povo, depois, Mas isso era credível? dificuldade em envolver
Moderna e diretor do para os aliados e, a seguir, Acho que era, mas se as pessoas. Nas famílias
Centro para o Estudo da cativar a opinião neutra fosse baseado na ideia normais com rapazes jovens,
Propaganda e da Guerra de outras nações. Não é de uma intervenção curta. vimos o que aconteceu
da Universidade de Kent, possível manter uma guerra Era o tipo de propaganda – milhares fugiram para a
Inglaterra, David Welch, 72 indefinidamente sem estar que colhia, tal como a Finlândia e outros países.
anos, falou com a VISÃO constantemente a justificar anexação da Crimeia, em Eles não acreditaram na
em Lisboa, onde esteve os sacrifícios que pedimos 2014. O argumento de propaganda. Esta noção
como orador convidado na à nação. Vemos isso agora que a Crimeia já era russa, de patriotismo – luta e não
conferência da Faculdade na Ucrânia, em direto. Nas aquelas pessoas são russas, questiones porque lutas –
de Ciências Humanas da redes sociais e na televisão, é a sua primeira língua! Ao não tem o impacto que o
Católica dedicada aos o Presidente Zelensky está fim de três meses, tornou- regime do Putin achava que
média e à propaganda. sempre a tentar manter o se claro que a guerra não ia ter. Mensagens confusas...
As principais mensagens moral do seu povo e, ao ia ser curta. E, quando as São o pecado capital da
em tempo de guerra mesmo tempo, a apelar tropas russas começaram propaganda?
mudaram do século aos aliados: precisamos de a retrair-se, como é que Sim, mensagens confusas
passado para este? apoio, de mais dinheiro, de os média justificam isso ao destroem a eficácia da
Apesar de os meios de mais mísseis. Além disso, fala próprio povo? A censura propaganda. Aconteceu
comunicação terem mudado para o mundo não alinhado: tem o seu papel, mas é o mesmo em relação à
muito, as mensagens são não apoiem a Rússia, são muito mais difícil controlar Covid-19 e às vacinas:
bastante parecidas. A precisas sanções... uma população nos dias de muitas mensagens confusas
primeira é: conhece o teu É um mestre da hoje. Até na China, o povo e que foram sendo alteradas
inimigo, quem estamos a propaganda. Faz os russos consegue obter alguma ao longo da pandemia.
combater. A segunda é: parecerem amadores. informação através das Por outro lado, o Ocidente
porque estamos a combater. Curiosamente, a primeira redes sociais. Além disso, tem tendência para
Neste aspeto, a I Guerra mensagem para justificar a temos muitas mães russas acreditar em tudo o que
Mundial muda tudo. Antes, I Guerra Mundial, em 1914, para quem os filhos não vem da Ucrânia...
a propaganda de guerra era que a mesma estaria voltam. John Reith, que foi
era associada à opinião terminada pelo Natal. O discurso teve de mudar. diretor-geral da BBC e, em
das elites – os exércitos Começou em setembro, Como se continua a 1940, se tornou ministro
não eram de massas, iam ser três meses e justificar a guerra? Afinal, da Informação, dizia: “A
mas profissionais que levou quatro anos. Mas a não ia ser curta e os propaganda deve dizer a
normalmente combatiam mensagem era: vai ser uma ucranianos não estavam verdade, e o mais perto
fora das cidades, pilhavam guerra curta, a vitória é a acolher-nos de braços possível de toda a verdade.”
e violavam, traziam para certa e vamos ficar bem. abertos, como se fôssemos É que a propaganda é
casa os despojos. Com Quando Putin invadiu a
a I Grande Guerra, os Ucrânia, em fevereiro, a
governos tiveram de ter em mensagem foi semelhante.
consideração o impacto das Depois, o problema da
suas decisões nas famílias, justificação, porque vamos
muitas mulheres estavam combater. Inicialmente,
a votar pela primeira vez... diziam que a Ucrânia,
A opinião pública torna-se como nação, não existia
importante por oposição verdadeiramente, era um
à opinião da elite. Isso Estado falso, devia ser parte
vai mudar a natureza da da “mãe Rússia”; portanto,
propaganda. não estavam a invadir, mas a
Em que sentido? libertar – e usavam imagens
Seja na I Guerra Mundial, poderosas de Zelensky e
seja na guerra da Ucrânia, do seu governo retratados
é preciso justificá-la para como nazis.

66 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


muito mais eficiente quando
é baseada na verdade e
não em mentiras. Porque,
especialmente agora, as 1
pessoas podem verificar os
factos, e os média também
o fazem. Diz-se que a
propaganda e a censura
são duas faces da mesma
moeda – quanto podemos
revelar quando estamos a
orientar uma mensagem de
propaganda?
Devemos confiar mais
na propaganda das
democracias?
Na Rússia, a propaganda do
Estado é uma parte da sua
cultura – eles não a veem
2
como uma palavra suja, é
um meio de comunicação
entre o Estado e o povo, cognitivo, gostamos que a realidade se adeque
um meio de educação. Já 1, 2 Eles apontam-nos
o caminho São ao que pensamos e deixamo-nos levar pela
as democracias tiveram
líderes fortíssimos, propaganda que parece confirmar as nossas
de viver com o dilema:
que guiam as crenças”.
em quanta propaganda massas, mostrando-
devemos acreditar? Putin Todos os regimes têm a sua propaganda,
-lhes para onde
joga com esta noção de que seguir. Na Rússia,
democracias incluídas. A origem da palavra
as democracias liberais são Vladimir Ilyich está ligada à Igreja Católica e ao aparecimento
fracas, frágeis. Porque temos Ulianov (Lenine); do protestantismo – em 1622, o Papa Gregório
canais abertos, debatemos, na China, Mao estabeleceu aquilo a que chamou Propaganda
Tsé-Tung, homens Fide, um comité que financiava o trabalho
falamos de desinformação,
da revolução e da
porque até podemos dizer libertação. Imagens
missionário –, mas as democracias envergo-
abertamente que não que marcam uma nham-se de a usar.
acreditamos em tudo o época “Depois da I Guerra Mundial, a primeira
que Zelensky diz, porque coisa que acaba, em Inglaterra, é o Ministério
também ele está a fabricar da Propaganda. A palavra ganhou uma cono-
uma narrativa, naturalmente. tação muito negativa, porque as promessas
A propaganda ganha feitas aos combatentes não foram cumpridas.
guerras? Logo depois, os fascismos percebem, justa-
Não vamos insuflar o seu mente pelas lições da guerra, que a propa-
poder. É uma das armas. ganda é essencial para lidar com as massas.
Mas o Vietname não se O comunismo também. Trotsky na URSS,
perdeu na opinião pública?
Mussolini em Itália, Hitler na Alemanha, todos
Sim, mas também porque
montam uma forte máquina de propaganda.
eles não estavam, de
facto, a ganhar a guerra.
Os totalitarismos viram-na como uma arma
A propaganda não ganha
essencial, no seu arsenal, para chegar ao po-
guerras nem as perde, mas der e para o manter”, sublinha David Welch.
está a tornar-se cada vez “Mensagens Talvez possamos chegar a um ponto em
que atingimos a imunidade total a esta palavra
mais importante, pela forma
como as comunicações
confusas “suja”. “Há um risco de cairmos num certo
globais se desenvolveram. destroem cinismo e não acreditarmos em ninguém, o
que também não é solução. Para vivermos em
A propaganda é um
monopólio dos governos?
a eficácia da sociedade, temos de ter um nível de confiança
De todo! Agora, somos propaganda. em instituições que nos regem. O ideal é avali-
todos propagandistas nas ar a informação que nos chega e conseguirmos
redes sociais, seja pelos Como escrutiná-la. O problema é vivermos na vora-
ativismos (questões de aconteceu gem do tempo”, analisa Nelson Ribeiro, para
género, ambientais), seja quem o jornalismo é, hoje em dia, muito mais
mesmo ao nível pessoal. em relação uma “atividade de escrutínio e menos uma
Pode ser libertador, mas
é também muito perigoso,
à Covid-19 atividade que relata o que está a acontecer”.
O jornalismo, eis o ponto. Mas, aqui, so-
porque navegamos em e às vacinas” mos suspeitos. Avalie o leitor se vale ou não
câmaras de eco dos nossos
DAVID WELCH a pena “propagandear” esta nossa atividade.
próprios preconceitos.
Historiador acorreia@visao.pt

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 67


ANTÓNIO ZAMBUJO
E MIGUEL ARAÚJO

MATCH
POINT Na música ou nos courts de ténis, são artistas
de alta competição, mas nada competitivos.
Depois de esgotar 28 coliseus em 2016, a dupla
António Zambujo e Miguel Araújo estará de volta
aos palcos lá mais para o final do ano, com a mesma
fórmula simples e vencedora – duas vozes e duas
guitarras. Em 2023, haverá ainda um disco que junta
os seus talentos. Conversa com dois bons amigos,
sem deixar cair a bola no chão
— P O R P E D R O D I A S D E A L M E I D A T E X T O E J O S É C A R LO S C A R VA L H O F O T O S

68 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 69
T
Tudo começou numa noitada em Lisboa,
ainda no século passado. Foi aí que Antó-
nio (ou Tozé) e Miguel se conheceram. O
estrondoso sucesso do concerto que levaram
aos palcos dos coliseus de Lisboa e do Porto,
em 2016, na verdade, nasceu desses ambien-
tes descontraídos, encontros em que cada
um pegava na sua guitarra e cantava o que
lhe apetecia pela noite fora. Hoje, António
Zambujo, 47 anos, natural de Beja, e Miguel
Araújo, 42, da Maia, são dos mais reconheci-
dos músicos portugueses, com carreiras que
muitas vezes se cruzaram. Ainda neste ano,
o novo disco de Zambujo será mais um mo-
mento dessa história de amizade e cumpli-
cidade artística: todas as canções de Cidade
são de Miguel Araújo, que assina também a futebol. Mas começamos a não ter idade para
produção. futebol...
E a dupla voltará aos (grandes) palcos no final A.Z.: O futebol torna-se facilmente mui-
do ano, com essa fórmula simples, feita de to agressivo. Houve uma altura em que, às
duas vozes, duas guitarras e muita conversa. segundas-feiras, havia aqui, em Lisboa, um
A 6 e 7 de outubro, estarão na Altice Arena, encontro de músicos para jogar...
em Lisboa; de 26 a 28 do mesmo mês, tocam M.A.: Não foi aí que partiste a mão?
na Super Bock Arena, no Porto; e, antes dis- A.Z.: Foi. Apesar de gostar muito de futebol,
so, vão subir ao palco do Coliseu Micaelense, não tinha, e não tenho, jeito nenhum. Nesses
em Ponta Delgada, nos dias 22 e 23 de se- jogos, vi cenas de agressividade e de compe-
tembro. Não os encontrámos a ensaiar, mas tição que não me agradavam nada. Há malta
sim numa disputada partida de ténis, bem no que leva aquilo muito a sério e que julga que,
centro de Lisboa. mesmo aos 40 anos, ainda vai ser o próximo
Quem ganha, normalmente, nestes Cristiano Ronaldo.
vossos jogos de ténis? M.A.: Há muito mais lesões no futebol... puxa
A.Z.: O Miguel está num nível mais avançado, pelo pior das pessoas. Eu nunca gostei muito
até porque eu tive de parar algum tempo por Sempre de jogar.
causa duma lesão no ombro, e ele continuou
a treinar. Agora, estou a tentar atalhar cami- senti, desde E entre vocês, no ténis, há muito espírito
de competição?
nho... miúdo, uma M.A.: No ténis, é mais uma competição con-
Conseguem jogar muitas vezes, estando
um no Porto e outro em Lisboa?
ligação tigo próprio. O desafio é fazer bem as coisas.
A.Z.: Há uma coisa engraçada no ténis, que
M.A.: Há uns tempos, ele foi ao Porto só para muito existe entre nós os dois, mas que vejo tam-
jogar. Houve lá um minitorneio entre amigos.
A.Z.: É verdade, fui de propósito ao Porto
forte com bém em toda a malta: quando o adversário
faz um ponto bom, o outro aplaude e elogia
para jogar ténis! a música. a jogada. E não é para ficar bem na fotografia.
Há quem vá para comer uma
francesinha...
Nunca foi São valores genuínos e bonitos. E a verdade
é que, no ténis, é muito melhor jogares com
A.Z.: Também vou lá de propósito para co- uma coisa um gajo melhor do que tu, mesmo que per-
mer uma francesinha.
M.A.: Antes, tínhamos um hábito, que era
imposta cas, porque evoluis e aprendes muito mais.
M.A.: Sim, e joga-se melhor contra um gajo
juntar as nossas bandas e fazer uns jogos de António Zambujo que joga bem.

70 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Mas não há uma picardia entre vocês? era; era Tozé! E ainda nem havia Os Azeito-
A.Z.: Ele, agora, não me dá hipótese... nas. Foi no século passado...
M.A.: Mas tu não és muito competitivo. Nem A.Z.: Nessa altura, eu estava no Amália
eu. [espetáculo musical de Filipe La Féria] e, no
A.Z.: Eu gosto da prática do desporto em si. Quando final, íamos sempre para os fados. Íamos
E de sentir que estou a melhorar, a fazer as
coisas bem-feitas. somos muito para o Bacalhau de Molho, em Alfama,
e, a seguir, o fim de noite era no Berimbar,
Conseguem ver alguma semelhança putos, a na Lapa, um restaurante que funcionava fora
entre estarem juntos nos courts e nos
palcos? música e de horas, até de manhã. Numa certa noite,
fui para aí com um grupo enorme de malta
M.A.: No palco é que estamos sempre um as artes do teatro, e estava lá o Miguel com o Diogo
contra o outro, a ver quem ganha! [Risos] Es-
tou a brincar... Quando somos putos, e acho são um Aranha e o Fred...
M.A.: Um grupinho de amigos do Porto. Esse
que isso aconteceu nos nossos casos, a mú- escape para nosso amigo, o Diogo, canta fado, e, da mi-
sica e as artes são um escape para quem não
tem jeito nenhum para o desporto. É raro quem não nha geração, devia ser o único gajo do Porto
que cantava fado. Era assim uma música es-
um bom desportista que vai para a música... tem jeito trangeira e exótica... Como eu tocava guitarra
Só me lembro do Yannick Noah e do Neno.
O Helton também toca e canta... nenhum elétrica, ele desafiou-me para tocar guitarra
portuguesa. Comprei uma, por 30 contos,
A.Z.: E o Julio Iglesias, que foi guarda-redes para o numa loja com instrumentos usados, e to-
do Real Madrid... Mas, no meu caso, inde-
pendentemente do jeito que tinha para o
desporto cava às vezes com ele, que andava sempre a
dizer: “Temos de ir passar um fim de semana
desporto ou não, sempre senti uma ligação Miguel Araújo a Lisboa!” Foi uma espécie de visita de estu-
muito forte com a música. Nunca foi uma do e de aprendizagem, andávamos por tudo
coisa imposta. Hoje, há muito aquela coisa quanto era sítio com fados. Numa das noites,
dos pais que põem o filho nos conservatórios fomos arrastados para esse lugar, onde, por
e em aulas de música desde muito cedo...
Sonharam, desde cedo, ser músicos
profissionais?
M.A.: Não, e acho que o António também
não...
A.Z.: Eu sentia, e sabia, que a música iria es-
tar sempre ligada à minha vida.
M.A.: Mas ninguém sabe o que vai acontecer.
É sempre a música que nos chama, nunca
parte só da nossa vontade.
Como o desporto? Se calhar, nunca leva-
ram o desporto tão a sério como agora...
A.Z.: Eu nunca fiz tanto desporto e exercício
na minha vida como agora, isso é verda-
de. Quando não jogo ténis, vou ter com um
PT [personal trainer], para manter a forma
física... Esta lesão do ombro deixou-me um
bocadinho preocupado. É uma coisa que não
desaparece totalmente, exige reforço muscu-
lar para ficar mais protegido.
M.A.: No meu caso, a pandemia puxou-me
para o ténis; aconteceu no meu grupo de
amigos, toda a gente começou a jogar... Ago-
ra, também faço ginásio e pilates, para não
ficar todo empenado com o esforço do ténis.
Esgotar 28 coliseus de seguida, como
fizeram em 2016, também puxa pelo lado
físico?
M.A.: Não... Ouvi dizer que o Bryan Adams
perdia três quilos por concerto. Eu não perco
nenhum. Estou lá sentadinho...
A.Z.: Eu acho que, nos coliseus, até ganhei
uns quilinhos com os whiskies que bebia no
final. [Risos]
Como se conheceram? Teve que ver, já,
com os vossos percursos artísticos?
M.A.: Foi uma coincidência total. Ainda ele
não era músico profissional. Nem António

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 71


“Fair play” O resultado
nunca é o mais
importante nos jogos
de ténis entre os amigos
Miguel e António

acaso, estava essa comitiva. Malta da mesma Eu pensei que adorava ver esse concerto.
idade, a tocar umas coisas... Juntaram-se as E, depois, disse: “Olha, vamos fazer isso os
mesas e foi uma noite épica! Acabámos, já dois!”
de manhã, a apanhar limões em casa de uma M.A.: Primeiro, pensámos: “Será que o Co-
velhota, lá na Lapa, que nos convidou para liseu enche?” Mas, se tinha enchido para o
irmos ao quintal dela. Adoro andar meu concerto e enchia para os dele, concluí-
A.Z.: Acho que foram duas noites épicas...
M.A.: Sim. No dia seguinte, fomos ver o de comboio, mos que provavelmente também enchia para
esse espetáculo com os dois juntos… Quan-
Amália, eles convidaram-nos... E acabou dormitar do começámos a vender bilhetes, no verão,
tudo noutra noitada. Foi uma semana brava!
Lembro-me de que estivemos com a Mariza, nos o primeiro concerto esgotou logo, e era só
no ano seguinte... Abrimos várias datas, que
que ainda não era nada conhecida, a cantar comboios. continuaram a vender muito bem, e as pes-
connosco... isto foi em 1999. Nessa altura, eu
gravava tudo. Portanto, havia registo destes E, uma vez, soas à nossa volta começaram a dizer: “Eh
pá, não pode ser só voz e guitarra, têm de ter
encontros, mas, um dia, assaltaram o meu vieram mais qualquer coisa...”
A.Z.: Toda a gente já queria mudar tudo...
carro, em Oeiras, e levaram esses minidiscs...
E mantiveram contacto... acordar- M.A.: Mas era exatamente aquilo que nós tí-
M.A.: Sim. Algum tempo depois, este gajo -me para nhamos anunciado; tínhamos um cheque em
foi ao Porto, precisamente com o Amália, e
encontrámo-nos. Havia um barzinho onde tirar uma branco para fazermos o que quiséssemos.
Era assim, e era assim mesmo. Este gajo até
organizávamos umas noitadas de música, foi fotografia! começou a ter pesadelos...
A.Z.: Sonhava que a malta toda pedia o
aí que nasceram Os Azeitonas... Era o Pop, e
o dono era o Rui Moreira, atual presidente da
Foi a única dinheiro de volta... E tinha outro pesadelo re-
câmara do Porto. coisa chata corrente muito estranho: só conseguia cantar
A.Z.: Lembro-me de nos mostrarem as pri-
meiras músicas d’Os Azeitonas nesse bar, já
da minha em italiano!
E cantava bem, ao menos?
de dia... vida de A.Z.: Cantava como canto, mas em italiano
M.A.: Nunca mais nos perdemos de vista.
Depois, este gajo gravou o primeiro disco
famoso... [risos]. Tive esse sonho muitas vezes.
Não se preocuparam em produzir, nem
[O Mesmo Fado, de 2002], e eu, mais tarde, Miguel Araújo ensaiar, muito esses concertos, não é?
gravei com Os Azeitonas... Nasceu ali, naque- Isso fazia parte do espírito...
les encontros, uma amizade, mesmo entre A.Z.: A ideia era mesmo fazer um espetáculo
outros músicos. como se estivéssemos juntos num jantar, a
Mas a ideia de cantarem em dupla só tocar e a cantar.
aconteceu muitos anos depois... M.A.: Mas tivemos a lucidez de ensaiar algu-
M.A.: Eu, antes, era mais guitarrista do que mas partes...
cantor. Por isso, nem nos sonhos mais loucos A.Z.: A primeira noite foi horrível. Estávamos
isso me podia passar pela cabeça. super tensos.
Como acabou por surgir esse projeto? M.A.: Depois, houve uma noite em que
Foi uma visão inspirada de um produtor sentimos “eh pá, isto foi mágico!”. E havia a
de concertos? tentação de, noutras noites, imitarmos o que
A.Z.: Não, foi mesmo uma ideia nossa. Aliás, tínhamos feito e dito... Mas tentámos sempre
eu autoincluí-me nessa ideia... evitar isso, não cair em repetições.
M.A.: Quem disse que gostava de nos ver em Nesses 28 coliseus que esgotaram em
palco só com voz e guitarra foi a Ana [mulher 2016, pode-se dizer que todas as noites
de Miguel Araújo]. foram diferentes?
A.Z.: Exato, ela disse isso depois de ver o pri- A.Z.: Com certeza absoluta.
meiro concerto do Miguel no Coliseu, com M.A.: Para editarmos o disco ao vivo desses
a banda dele e ainda uma secção de sopros e concertos, ouvimos muitas gravações e per-
de cordas. Imensa gente em palco... cebemos bem isso. Aliás, houve muita malta
M.A.: Era o concerto do meu disco Crónicas que foi a vários e pode responder melhor do
da Cidade Grande. que nós.
A.Z.: No dia a seguir, fomos almoçar a uma Qual foi o segredo do sucesso dessas
marisqueira em Matosinhos e estávamos a noites? Passou por essa sensação de que
falar do concerto, dessas coisas todas... há um lado de imprevisibilidade num
M.A.: Se bem me lembro, saímos de lá às três encontro de amigos?
da manhã... A.Z.: O segredo do sucesso foi as pessoas
A.Z.: E foi aí que a Ana disse, e eu concor- terem comprado o bilhete.
dei com ela, que era giro o Miguel fazer um M.A.: Exato... Mas acho que esse lado muito
espetáculo muito mais simples, só com a descomprometido e espontâneo ajudou, cla-
guitarra, como fazíamos nessas jantaradas, ro. Sinto que foi nessa temporada que perdi
em que tocávamos umas merdas, às vezes, de vez o medo do palco. Dia após dia, após
parávamos a meio porque nos enganávamos. dia... Este gajo é muito tranquilão. Chegáva-

72 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


A.Z.: Já aconteceu mais do que uma vez es-
tarmos os dois juntos, vir alguém pedir para
fazer uma fotografia comigo e pede-lhe a ele
para a tirar… [Risos]. A televisão não perdoa.
Confesso que não esperava que me desse
tanta visibilidade. Agora, vem mesmo muita
gente falar comigo na rua...
E isso incomoda-o?
A.Z.: Normalmente, não me incomoda nada.
É sempre bom ter reconhecimento, mas
estar a meio de um almoço e virem inter-
romper para meter conversa ou pedir uma
fotografia pode ser chato...
M.A.: Eu adoro andar de comboio, dormitar
nos comboios. E, uma vez, vieram acordar-
-me para tirar uma fotografia! Foi a única
coisa chata da minha vida de famoso...
Lembro-me de o Miguel me ter dito, numa
entrevista também com a Capicua, que
acha que o seu público é sobretudo gente
que não gosta muito de música, que tem
o disco Pavarotti & Friends lá por casa...
M.A.: Às vezes, posso ser um bocado mal
interpretado... Mas, sim, não é aquele pessoal
que é mesmo fã, que compra revistas sobre
mos cedo, bebíamos uma cervejinha no bar música...
e, de repente, já estávamos em cima do palco, E os fãs do Zambujo, que discos
ali na palheta. é que acha que têm em casa?
A.Z.: Às vezes, só lhe dizia: “Concentra-te, M.A.: Têm a Marie Claire, a VIP, a Casa e
concentra-te...” Decoração, a Hola... São assim senhoras de
M.A.: Sim, eu desconcentro-me facilmente. uma certa idade. [Risos]
A.Z.: Quando o pano sobe e a sala está cheia, A.Z.: Há muitos velhotes, é verdade... Ainda
mete um bocadinho de respeito. ontem, num restaurante, veio ter comigo
M.A.: E ele começava logo a cantar, a capella, um senhor de 87 anos, pediu desculpa por
Foi Deus... incomodar e disse que gostava muito de me
O êxito foi tão grande, e esse formato de ouvir: “Faz-me lembrar os cantores antigos.”
dupla é tão raro em Portugal, que po- Este vosso regresso aos palcos, em outu-
diam ter-se transformado numa espécie bro, vai ter uma lógica igual à dos con-
de Simon & Garfunkel, podiam ter apos- certos de 2016, com repertório parecido?
tado numa carreira como dupla... A.Z.: Não, tem muitas outras músicas. Mas
A.Z.: É mais giro cada um fazer as suas coi- a base é a mesma: nós os dois, com duas
sas... Mas a verdade é que temos colaborado Já guitarras.
M.A.: Temos muitos discos posteriores a
várias vezes.
M.A.: No Guia, o primeiro álbum com mais aconteceu 2016, muitas canções... A minha discografia
sucesso do António, há uma música minha, a mais do que ia a menos de meio.
A.Z.: Só tinhas dois discos editados.
primeira que fiz para outro músico. E o disco
que ele acabou de gravar foi todo produzido uma vez A Altice Arena ainda intimida mais
por mim e tem só músicas minhas. estarmos os do que o Coliseu?
M.A.: As pessoas sabem ao que vão, estão ali
Quando sai?
A.Z.: Neste ano. Em março, já se deve ouvir dois juntos, para nos ver.
alguma coisa, e o disco todo sairá lá mais vir alguém A.Z.: Não somos muito de ficar acagaçados...
M.A.: Por acaso, temos rituais nos camarins
para a frente. Chama-se Cidade.
M.A.: É muito centrado no piano, bastante pedir para muito diferentes. No meu caso, o camarim é
diferente do habitual. fazer uma comum à banda toda, e andamos por ali, de
Costumam dizer, nas entrevistas, so-
bretudo o Miguel, que, apesar de vende-
fotografia um lado para o outro, antes de entrarmos em
palco. Não me preparo nada; se o fizer, co-
rem muitos discos e esgotarem salas em comigo e meço a ficar nervoso... E ele é o oposto: gosta
noites seguidas, não têm nada o estatuto
de estrelas pop quando andam nas ruas.
pede-lhe de estar no seu canto, a compenetrar-se.
A.Z.: Gosto de estar sozinho.
Muitas vezes, nem são reconhecidos... a ele para M.A.: Mas ele, agora, também já gosta de an-
M.A.: Com o António, isso mudou, desde que
foi fazer de júri num concurso na televisão
a tirar... dar ali a passarinhar... Acho que nos adaptá-
mos um bocadinho um ao outro.
[The Voice Portugal, na RTP1]. António Zambujo A.Z.: Os casais são assim, não é? palmeida@visao.pt

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 73


A ASSASSINA
SILENCIOSA
As cidades portuguesas têm níveis elevados de poluição
do ar. Mas não estão sozinhas: 96% da população urbana
da UE está exposta a altos níveis de poluentes. No mundo,
todos os anos morrem 7 milhões devido a doenças
provocadas ou exacerbadas pela poluição do ar. Quais são
as causas e as soluções para este flagelo ambiental?
— PO R LU ÍS RI BEI RO

74 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 75
DO CANCRO DO PULMÃO AO AVC ticamente os 40 μg/m3 na Avenida da Pior, continua, apesar de a situação
A associação ambientalista Zero aler- Liberdade, passou para 10 μg/m3, e as estar identificada, Portugal não toma
tou no mês passado para os elevados partículas finas para 5 μg/m3, porque medidas concretas. “Nós sabemos o
valores de concentração de dióxido se considera existirem danos signi- que é preciso fazer: retirar trânsito do
de azoto na Avenida da Liberdade, ficativos para a saúde acima disso.” centro das cidades, que é o que ou-
em Lisboa. A média anual em 2022 De acordo com a AEA, 96% da tros países europeus estão a fazer. No
foi de 45 μg/m3 (microgramas por população urbana da UE respira ar caso de Lisboa, por exemplo, devemos
metro cúbico), quando o valor máxi- com concentrações de partículas finas estimular o uso pedonal, limitar a en-
mo exigido na lei nacional e europeia superiores ao recomendado pela OMS. trada de veículos a cargas e descargas,
é de 40 μg/m3 (e dois dias registaram O objetivo da UE, com o seu “plano estimular os veículos elétricos. Mas
mais de 200 μg/m3). O valor repre- de ação zero poluição para 2050” é nada se faz. A nossa esperança é que
senta um incumprimento de 12,5%. chegar a 2030 com uma redução de o Tribunal Europeu de Justiça obrigue
Mas, se não conseguimos cumprir 55% de mortes prematuras causadas o Estado a agir, aplicando-lhe multas
os limites atuais, será muito pior no pelas partículas finas, face a 2005. diárias significativas, para garantir a
futuro próximo: está a ser revista a Entre os problemas de saúde, pro- proteção da saúde das pessoas.”
legislação europeia da qualidade do vocados ou agravados pela poluição O ambientalista recorda o projeto
ar, que deverá definir o valor máximo do ar, estão as doenças respiratórias de criação da Zona de Emissões Re-
seguro para a saúde em 20 μg/m3. e os acidentes vasculares cerebrais duzidas Avenida Baixa Chiado (ZER
Francisco Ferreira, presidente da Zero, (AVC), mas também asma e cancro ABC), apresentada no início de 2020
prevê uma enxurrada de multas por do pulmão. Calcula-se que 7% dos pelo então presidente da câmara, Fer-
incumprimento, a somar às questões casos e 17% das mortes por cancro do nando Medina, que prometia tornar
de saúde. “Portugal tem um processo pulmão sejam atribuíveis à má quali- aquela zona da cidade exclusiva para
em fase final de decisão, no Tribunal dade do ar. Estudos recentes apontam veículos de residentes, comerciantes,
Europeu de Justiça, por este motivo. ainda para maiores taxas de depressão táxis, motos e carros elétricos. Pouco
Como vai ser quando o limite passar e ansiedade em pessoas expostas a depois, veio a pandemia, a ideia foi
para metade?.” poluentes do ar. Mesmo o ar que uma para a gaveta e não foi ressuscitada
E os valores europeus para poluen- grávida respira vai influenciar o seu pelo executivo de Carlos Moedas. “Ha-
tes continuarão muito acima do que bebé, com impactos no desenvolvi- via ali coisas discutíveis, outras pouco
a OMS entende serem inofensivos, mento mental da criança. ambiciosas, mas era um projeto que
acrescenta. “Em 2021, a OMS reviu podia ajudar a resolver o problema.
em baixa os valores-guia. O dióxido de AS (OUTRAS) MORTES Da mesma forma, também temos um
azoto, em que ultrapassamos sistema- DOS INCÊNDIOS plano de melhoria da qualidade do ar
O principal responsável pelo ar po- para a região de Lisboa e Vale do Tejo,
luído nas cidades é o automóvel. “No mas o programa de execução nunca
Um conforto perigoso
caso das partículas ultrafinas, o pro- avançou.”
As lareiras são um importante blema são os navios e os aviões, mas Outra fonte importante de poluição
foco de poluição do ar, sobretudo o dióxido de azoto tem origem nos do ar são as centrais termoelétricas
em dias sem vento ou chuva carros”, explica Francisco Ferreira. a carvão. Na Alemanha, a decisão de
apressar o descomissionamento das
centrais nucleares, após o desastre
de Fukushima, em 2011, levou ao
aumento da queima de carvão, de
modo a cobrir as perdas de produção
de eletricidade. Investigadores calcu-
lam que essa decisão levou à morte
de 1 100 pessoas por ano, vítimas
de doenças causadas pela poluição
acrescida do ar.
Em Portugal, já não há centrais a
carvão. Mas, para compensar, temos
fogos florestais. Um estudo liderado
por Sofia Augusto, do Instituto de
Saúde Pública (Universidade do Por-
to) e publicado na revista científica
Environment International, analisou
os incêndios de outubro de 2017,
comparou a mortalidade diária com a
média e concluiu que a concentração
de fumo teve um “efeito significativo”
na mortalidade. “Por cada 10 μg/m3
adicionais de PM10 [partículas com
diâmetro inferior a 10 micrómetros],
houve um aumento de 0,89% no nú-

78 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


mero de mortes naturais e de 2,34% O PROBLEMA DAS LAREIRAS O perigo ignorado Estima-se
no número de mortes por doenças E DOS FOGÕES A GÁS que a poluição do ar mate,
todos os anos, 7 milhões de
cardiorrespiratórias.” No verão, respiramos o fumo dos pessoas – mais do que as
É um problema que as alterações grandes incêndios. No inverno, o dos mortes de Covid até agora
climáticas vai agravar seriamente, pequenos: as lareiras. Uma análise do
dado que alguns cenários apontam Departamento de Ciências e Enge-
para um aumento de 50% ao longo nharia do Ambiente da Faculdade de
deste século. “As consequências dos Ciências e Tecnologia, da NOVA, ten- vivem em casas onde se cozinha com
incêndios florestais são generalizadas do por base os dados de qualidade do gás têm uma probabilidade 42% mais
e se, como sugerem os modelos, se ar da Agência Portuguesa do Ambiente alta de desenvolverem asma. Em Nova
tornarem mais comuns, podem afetar de final de janeiro e início de fevereiro, Iorque, medições na concentração de
pessoas e animais numa ampla faixa encontrou elevadas concentrações de dióxido de azoto em casas com fogões
do planeta”, alertou em novembro partículas PM10, principalmente na a gás, durante a preparação da comi-
Jacqueline Alvarez, chefe da Divisão Região Norte, “com efeitos nocivos da, encontraram médias de 197 partes
de Química e Saúde do Programa das para a saúde humana”. Numa estação por mil milhões, contra apenas 14 nas
Nações Unidas para o Ambiente. de medição de Paços de Ferreira, os casas com fogões elétricos.
valores atingiram o triplo do limite A preocupação com o gás dentro
legal; noutra de Santo Tirso, o dobro. de casa levou, no mês passado, o co-
Estes níveis de poluição são expli- missário da Comissão de Segurança
cados pelo facto de as pessoas terem de Produtos de Consumo (entidade do
Na semana acendido mais lareiras para enfren- governo federal americano) a sugerir
tar os dias frios. Por outro lado, não banir ou limitar a venda de fogões a
passada, no houve chuva nem vento, que teriam gás. As declarações deflagraram uma
Norte do País, ajudado a dispersar as partículas. E
assim, em vez dos dois picos de po-
polémica tal que obrigou a porta-voz
de Joe Biden a garantir que o Presi-
chegaram a luição habituais, coincidentes com as
horas de ponta, os dados mostram que
dente americano não apoiava uma
eventual proibição.
ser registadas houve um terceiro, entre as onze da Um senador democrata, Joe Man-
noite e a meia-noite. chin, e outro republicano, Ted Cruz,
concentrações As lareiras também têm impactos uniram mesmo esforços, numa rara
de partículas três negativos no ar interior (recuperado-
res de calor ou sistemas a pellets são
parceria bipartidária, para avançarem
com o projeto de lei “Proteção e Li-
vezes superiores menos nocivos, neste aspeto). Mas há
outra ameaça nas nossas casas: o fogão
berdade do Fogão a Gás”. Nas palavras
de Manchin, “O governo federal não
ao limite legal, a gás. Uma meta-análise publicada
na International Journal of Epide-
tem nada que dizer às famílias ame-
ricanas como preparar o jantar.”
devido às lareiras miology constatou que crianças que lribeiro@visao.pt

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 79


Humberto Delgado Rosa
Não podemos esperar que
alguém com salário baixo tenha
o ambiente como prioridade
O diretor para a Biodiversidade na Direção-Geral do Ambiente da
Comissão Europeia defende incentivos económicos, para que as más
práticas ambientais nunca sejam mais baratas do que as boas
— PO R LU ÍS RI BEI RO

F
oi secretário de Estado nados. No enquadramento nacional, sabemos o que fazer. Vamos pôr um
do Ambiente duran- será oportuno revisitar a eventual aterro? Vamos queimar, quando tem
te seis anos, de 2005 a regulação de solos, no contexto des- muita água, quando poderíamos re-
2011. Em 2012, rumou te quadro comunitário. colhê-la seletivamente, fazer com-
à Comissão Europeia, Mas porque é que acordámos tão postagem ou equivalente e devolvê-
passando pela Ação tarde para os solos? -la em boa condição ao solo? E por
Climática antes de, em Há muita iliteracia sobre o solo e outro lado temos de encarar o solo
2015, assumir o cargo de diretor para o seu papel no ecossistema. Mas como um recurso escasso, finito e
a Biodiversidade na Direção-Geral do também é algo que está debaixo dos não renovável. Desperdiçá-lo não
Ambiente, responsável também pela nossos pés e damos como garantido. faz sentido.
unidade de Gestão e Uso do Solo. De um ponto de vista mais político, Como é ver de fora a performan-
Foi nessa qualidade que Humberto houve alguma resistência de esta- ce ambiental de Portugal? É uma
Delgado Rosa, doutorado em Biologia dos-membros que entenderam ser análise diferente, comparada com
Evolutiva, veio a Portugal participar, desnecessária uma intervenção da o tempo em que era secretário de
como keynote speaker, na conferên- UE, por já terem legislação própria Estado, por exemplo?
cia Solos Saudáveis e Gestão Susten- ou porque algumas partes inter- Portugal era visto como um pouco
tável do Solo, organizada pela AEPSA venientes tinham pouco interesse atrasado no tema do ambiente. Isso
(Associação das Empresas Portu- em ver a legislação avançar. Mas mudou, com o grande impulso que
guesas para o Setor do Ambiente), isso mudou radicalmente. A vasta demos nos resíduos, nas lixeiras,
Ordem dos Engenheiros e Associação maioria dos estados-membros está nas águas... Conseguimos dar passos
Técnica para o Estudo da Contami- abertamente a favor, o Parlamen- em frente de grande qualidade e
nação do Solo e Água Subterrânea to Europeu também. E isso pode passámos a ser vistos como um país
(AECSAS). E é precisamente por aí, enquadrar-se neste sentido de uma com mais ambição no ambiente.
pelo solo, que começamos a conversa. perceção pública mais generalizada. Nalgumas matérias, mais proativos,
A economia circular também tem noutras, menos. Está tudo bem?
Porque é que continuamos sem um papel a desempenhar na reso- Não, mas isso em nenhum Estado-
aprovar a lei dos solos contami- lução deste problema. -membro.
nados? É um conceito que tem muito que É nas energias renováveis que nos
Também estamos à espera há muito ver com solo. Quem é que inventou destacamos?
tempo, no contexto europeu, para a circularidade? A natureza, onde É seguramente um dos destaques. Eu
termos legislação que proteja os tudo se transforma. A ideia de que lembro-me da crítica de que se gas-
solos. Este compartimento ambien- a economia humana estava à parte tava dinheiro demais com renová-
tal tem estado órfão, quando temos dos processos naturais está erra-
a legislação para o ar, para a água, da. Quando retiramos materiais do
para a natureza. Não havia para o meio natural, devemos utilizá-los o
solo. Agora, com o Pacto Ecológico mais possível na economia e depois
Europeu, sabemos que vamos ter devolvê-los em condições para re-
uma proposta de legislação para so- tomarem os fluxos. Os solos, desde
los saudáveis, da qual uma compo- logo, precisam de matéria orgânica,
nente é lidar com os solos contami- matéria essa a que muitas vezes não

80 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


veis, mas provaram ser uma mais- Temos hoje uma que foi bem identificado e que está
-valia. Agora o que temos também é lançado em Portugal e noutros es-
este contexto conjuntural da guerra economia mais tados-membros. Não se espere que
na Ucrânia, que nos veio mostrar os fogos florestais de dimensão con-
como é uma má ideia estarmos de- desenvolvida e com siderável deixem de nos visitar, mas
pendentes de energia importada de
um parceiro tão pouco fiável como
menos emissões tenho esperança que cheguemos lá.
Há uma palavra-chave que se aplica
a Rússia. Este é mais um grande im-
pulso para a necessidade de energia
do que tínhamos aos solos, às florestas e a tudo o que
estamos a fazer com o Pacto Ecoló-
renovável. E precisamos, no contex- há alguns anos gico: restauração. Podemos restaurar
to do Pacto Ecológico, de conseguir os ecossistemas de forma a que nos
aprovar e desenvolver as energias re- deem os serviços de que precisamos,
nováveis com ganhos máximos e sem um grande impulsionador de ener- incluindo o serviço de resiliência ao
dano noutras áreas do ambiente. gia renovável. Esta transição para o fogo, até para fins económicos – não
Estamos agora a ver, nomeada- renovável, que é a energia limpa que me serve de nada plantar se, ao fim
mente na Alemanha, um regres- temos, sobretudo solar e eólica, é de 10 anos, arde tudo e não tirei ne-
so a curto prazo ao carvão, que é imparável. nhum rendimento.
mais poluente do que o gás natu- A floresta portuguesa é mais Está na hora de começarmos a
ral, para fazer face a este proble- vulnerável a incêndios, porque o discutir o pagamento de serviços
ma que vem da Rússia. Mas, a lon- clima é quente e seco e, por outro de ecossistema?
go prazo, esta guerra vai acelerar lado, a propriedade é fragmenta- Absolutamente. Aliás, na estraté-
a transição energética, com um da. Estamos fadados a arder? gia florestal europeia há um quadro
resultado positivo no clima? Não é um problema só português. com exemplos de política florestal, e
Não só a prazo. Já estamos mesmo Em 2017, tivemos grandes incêndios um dos exemplos é um projeto-pi-
a fazê-lo. Se há um caso pontual até na Suécia. Estamos condenados a loto feito pelo Ministério do Am-
da Alemanha, com uma dependên- isso? Durante algum tempo, sim. Em biente português de pagar serviços
cia tão tremenda do gás russo, que certas condições climáticas extremas, de ecossistema numa área prote-
precisa pontualmente de recorrer ao de vento, humidade, temperatura e gida, para que o proprietário seja
carvão, isso é seguramente limitado acumulação de biomassa no terri- compensado ao plantar uma árvore
no tempo. E a Alemanha é também tório, o fogo é quase incontrolável. que leva 50 anos a crescer em vez
O risco de fogos está ainda muito de 12. Esse princípio de estimular o
relacionado com o risco climáti- pagamento de serviços de ecossis-
co, porque os nossos ecossistemas tema está lá e passa por repensar os
florestais passaram a estar “incom- incentivos para que os proprietários
pletos”. Os fogos florestais precedem possam dar um uso diferente ao ter-
os seres humanos, mas havia uma ritório ou estarem disponíveis para
dinâmica entre árvores e grandes que uma entidade o faça por eles.
herbívoros. Nós viemos substituir a Ficou satisfeito com o resultado
maior parte do herbivorismo por um da COP15 [Conferência da Bio-
herbivorismo doméstico ou por um diversidade no âmbito da ONU,
uso direto da biomassa. Hoje em dia, que decorreu em dezembro em
em muito do nosso território, isso Montreal]?
já lá não está. A própria composição Foi um sucesso histórico. E fiquei
da floresta é diferente. Não é que surpreendido, não porque não ti-
haja árvores que não ardem, mas há véssemos trabalhado para isso, mas
ecossistemas florestais mais resilien- porque pouco antes tinha havido a
tes ao fogo que outros. E em cima COP27 do Clima, que não foi pro-
disso temos o aumento dos impactos priamente um sucesso. O que espe-
climáticos. Criar as condições so- rar, então, de um tema por muitos
cioeconómicas para uma recompo- visto como menor da biodiversi-
sição da floresta, com mais mosaico, dade, e logo num contexto desta
diversidade, outras espécies e mais situação internacional com a guerra
herbivorismo, seja ele doméstico ou disparatada que a Rússia lançou?
selvagem, leva tempo. É um processo A verdade é que a UE teve um pa-
pel-chave ao liderar pelo exemplo,
com a nossa estratégia Europeia de
Biodiversidade. Será para analisar
agora porque é que a biodiversida-
de consegue um sucesso tão grande
neste contexto difícil. E para todos
os países signatários da Convenção,
UE em particular, há ali pistas de

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 81


reforço da política de ambiente com crescimento infinito, num mundo a fazer na UE é dizer que há vanta-
uma ligação grande ao clima que de recursos finitos? gens em ter até 25% de área agrícola
decorrem deste novo acordo. Eu sou da área das ciências naturais, biológica útil. Agora, esta não é a
Uma coisa é prometer, outra é e sempre me pareceu extraordiná- única agricultura sustentável. Há
cumprir... rio que os meus amigos economis- uma série de práticas agroecológi-
O que havia nos acordos de biodi- tas tratassem a economia como se cas. Há menos produção nalgumas
versidade era falta de quantificação. o mundo fosse infinito. O termo colheitas? Sim, mas não em todas,
Agora temos metas quantificadas crescimento sustentável é uma con- e em muitas essa menor produção
num acordo global para áreas prote- tradição nos termos, no sentido de é compensada pelo facto de haver
gidas, para restauração de ecossiste- se poder manter para sempre. Creio menos inputs químicos. Isto não
mas degradados, redução de risco de que isso já está um bocadinho a ser significa que em todo o mundo se
extinção, não introdução de espécies incorporado pela própria ciência deva aplicar a mesma receita. No
exóticas invasoras, financiamen- económica. Não se trata de dizer acordo da COP15, está referida a
to da biodiversidade, redução de que crescimento é mau, mas sim de agroecologia, enquanto conceito
pesticidas, redução dos nutrientes… encontrar novas formas de cres- mais geral que incorpora a agri-
Podem não ser cumpridas? Podem, é cimento que não impliquem mais cultura biológica, mas também um
verdade. O acordo não é legalmente impactos ambientais. E a Europa, conceito de intensificação sustentá-
vinculativo. Mas é politicamente vin- nalgumas áreas, já o fez: temos hoje vel para os países em que o proble-
culativo e vem com um sistema de uma economia mais desenvolvida ma é uma agricultura muito pouco
monitorização e de reporting de in- e com menos emissões do que há produtiva, que se expande para
dicadores que nos vão permitir saber alguns anos. áreas naturais. Nesses casos, tem de
se estamos a chegar lá e o que cada A estratégia Do Prado ao Prato, da se aumentar a intensificação, para
parte está a fazer com o seu pla- UE, tem uma meta de 25% de área aumentar a produção, mas de uma
no nacional de biodiversidade. Isto agrícola dedicada à agricultura forma sustentável. Neste equilíbrio
muda o enquadramento político e dá biológica. Sendo esta menos pro- encontraremos uma solução.
pelo menos hipóteses à biodiversi- dutiva, será necessária mais área A agricultura biológica não é uma
dade de ter um percurso equivalente agrícola. Onde vamos buscá-la? manta para cobrir tudo, mas sim
ao que o clima já atingiu. Às florestas? Não é uma pressão para ser decidida caso a caso, re-
Perguntamos a qualquer pessoa se acrescida sobre os habitats, que gião a região?
se preocupa com o ambiente, e a pode pôr em causa a Estratégia E colheita a colheita. Onde é que o
resposta é quase sempre que sim. para a Biodiversidade 2030? terreno se presta bem a isso? Onde
Mas porque é que essa preocupa- Ninguém está a dizer que se pode é que a própria economia subjacen-
ção não se traduz em hábitos de ou deve alimentar o mundo com te daquele produto faz sentido? Nas
consumo mais amigos do ambien- agricultura biológica. O que estamos avaliações feitas pela Comissão Eu-
te? ropeia, estes objetivos são compatí-
Não basta dar factos às pessoas veis com a meta de 25% até 2030.
para elas mudarem os seus com- Há quem defenda uma agricul-
portamentos. Há uma componente tura o mais produtiva possível,
de emoções que é muito relevante para se poder renaturalizar mais
nos nossos comportamentos. Não área. Por exemplo, deixando que
podemos esperar que alguém com uma determinada percentagem
salário baixo, ou que está em risco da propriedade seja para habitats
de não conseguir pagar a escola dos naturais, como se faz em florestas
filhos, ou que não sabe se vai perder
o emprego, tenha o ambiente como
Devemos usar certificadas.
São duas visões: separação e inte-
prioridade. Mas, quando existe uma metodologias gração. Vemos esse debate no con-
certa estabilidade social ou na vida texto florestal e no agrícola, que é
de cada um, é um valor que lá está de fiscalidade como quem diz, deixem-me inten-
na hierarquia das pessoas. Preci-
samos é de incentivos económicos para incorporar sificar a minha produção florestal
ou agrícola à vontade que eu meto
que vão a par com os valores que as
pessoas já têm dentro da cabeça, e
nos preços aqui uns hectares de floresta natural
à volta. Primeiro, há lugar para tudo.
frequentemente os incentivos eco- a degradação Nós precisamos de certos ecossis-
nómicos não estão lá. Ou seja, a má temas estritamente protegidos, ba-
prática é muitas vezes mais barata ambiental, para sicamente sem intervenção huma-
do que a boa prática. Temos de usar na, com biodiversidade. E também
metodologias de fiscalidade para que as boas precisamos de algumas produções
incorporar nos preços a degradação
ambiental, para que as boas práticas
práticas climáticas florestais ou agrícolas intensivas por
questões de quantidade. Mas, entre
climáticas signifiquem poupança.
Como vê o debate sobre a possi-
signifiquem estes dois extremos, podemos ter
mais serviços de ecossistemas em
bilidade ou impossibilidade de poupança todos eles. lribeiro@visao.pt

82 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


12
NÚMERO
Homens do petróleo
à frente da Cimeira
do Clima
Há pelo menos uma dúzia de

GETTYIMAGES
funcionários da companhia
estatal de petróleo, Adnoc,
na equipa climática dos
Emirados Árabes Unidos,
ENERGIA país que organiza a cimeira
climática deste ano (COP28).

Vento e sol foram a principal A revelação foi feita pelo


consórcio de investigação

fonte de energia na UE em 2022 Centre for Climate Reporting,


a partir da análise das
contas de LinkedIn destes
É um marco histórico: no ano passado, os sistemas eólicos e fotovoltaicos, juntos, ul- representantes oficiais. A
trapassaram o nuclear e o gás como fonte que mais eletricidade produziu na UE. As estes 12, junta-se o próprio
contas são do think tank climático Ember, num relatório que concluiu que estas duas CEO da Adnoc, Sultan
energias renováveis foram fundamentais para que o bloco europeu ultrapassasse uma Al Jaber, cujo nome foi
crise tripla: redução de produção de eletricidade a partir do gás (devido às restrições divulgado em janeiro como
de gás russo), hidroelétrica e nuclear. No caso destas duas, a queda foi, no total, de presidente da COP28.
83%, devido sobretudo à seca que atravessou o continente.
Segundo a análise, o vento e o sol produziram 22,3% da eletricidade europeia (dez anos
antes, representavam apenas 8,86%). Pela primeira vez neste século, o nuclear passou ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
para segundo lugar, com 21,9%. O gás surge em terceiro, com 19,9%. O carvão, que há
muito vinha a descer no mix energético, voltou a subir, para compensar as perdas do
gás, tendo representado 15,99% da energia. A hidro ficou-se pelos 10,12%.
Líbano pode
Os analistas acrescentam que este sucesso deve-se em grande parte ao crescimento ficar quente
de 24% da energia fotovoltaica, de 2021 para 2022, o que permitiu uma poupança de
€10 mil milhões em custos com gás. Preveem ainda que hidro e nuclear recuperem
demais para
em 2023, o que deverá resultar numa queda de 20% no consumo de combustíveis produzir azeite
fósseis – também um recorde. O aquecimento global está
a provocar uma enorme
pressão sobre as oliveiras
no Líbano, uma das pátrias
NATUREZA históricas do azeite. O alerta
é dado por um estudo

Mamíferos que vivem em grupo publicado na Nature Plants,


que analisou 5 400 anos

vivem mais tempo de dados de pólen na


cidade de Tiro e chegou a
uma temperatura ideal para
Um estudo a 947 espécies de mamíferos, publicado na Nature Communications, concluiu crescimento das oliveiras de
que viver em grupo faz aumentar a esperança média de vida dos animais. Os investigadores 16,9º C. De acordo com os
analisaram a longevidade de acordo com as três categorias sociais de cada espécie (grupo, investigadores, a meio deste
casais e indivíduos solitários) e encontraram uma correlação: os animais que vivem em século as regiões do Sul do
grupo vivem mais tempo do que os outros. país tornar-se-ão demasiado
É verdade que o metabolismo lento de animais corpulentos, como os elefantes e as baleias, quentes para as árvores
explica a sua maior longevidade. Mas há diferenças que não se explicam pelo tamanho. Por criarem flor e fruto – as
exemplo, o solitário musaranho Blarina brevicauda pesa o mesmo que o gregário morce- projeções apontam para uma
go-grande-de-ferradura, mas, enquanto o primeiro vive dois anos, o segundo chega aos 30. temperatura bem acima dos
Além das vantagens relacionadas com a proteção de grupo contra predadores, os cientistas 18,3º C que a árvore tolera,
identificaram 31 genes e hormonas relacionadas com a organização social e a longevidade. no florescimento.

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 83


---------- T R A B A L H O

SEMANA
DE QUATRO DIAS
UM CAMINHO
SEM RETORNO?
O mundo está a avançar a passos
largos para a adoção de novas leis
laborais. Depois do trabalho remoto,
a grande discussão, agora, centra-se
na semana de quatro dias
— P O R PA U LO M . S A N TO S

84 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


U
Um pouco por todo o mundo,
dos EUA ao Japão, passando
pela Europa, governos, sindi-
catos e patrões estão a testar
a introdução da semana de
quatro dias, uma ideia que
começa a ganhar força e que
poderá tornar-se a regra até
ao fim desta década.
Os especialistas apontam,
como grandes benefícios da
semana de quatro dias, o au-
mento da produtividade e
a melhoria da qualidade de
vida das pessoas. Um estudo
da Universidade de Stanford,
nos EUA, revelou a existência
de uma correlação direta entre
estes dois fatores. Os traba-
lhadores sobrecarregados são
menos produtivos do que os
restantes, devido aos elevados
níveis de stresse. Além disso,
com mais tempo para a famí-
lia, os funcionários tornam-se
mais comprometidos com a
entidade patronal. Em 2019, a
Microsoft japonesa começou
a testar a semana de quatro
dias, oferecendo um fim de
semana de três dias durante
um mês inteiro. Os resultados
foram conclusivos: a produ-
tividade aumentou 40% e o
fluxo de trabalho tornou-se
mais eficiente.
Entre 2015 e 2017, a Suécia
realizou um estudo em que re-
duziu a carga de trabalho de 80
enfermeiros de oito para seis
horas diárias, e os resultados
foram algo surpreendentes: o
número de baixas por doença
diminuiu significativamente,
tal como as doses de stresse.
Por outro lado, estes profissio-
nais mostraram-se mais com-
prometidos com os pacientes
que tinham a seu cargo.
Outra das vantagens está
diretamente relacionada com
a transição ambiental. A re-

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 85


---------- T R A B A L H O

dução de cinco para quatro


dias de trabalho fará baixar a
pegada carbónica dos países
que adotarem esta modalidade.
Um estudo feito no estado do
Utah, nos EUA, mostrou que,
nos primeiros dez meses, os
serviços governamentais que
diminuíram o horário de tra-
balho de cinco para quatro dias
conseguiram uma poupança
de 1,7 milhões de euros em
custos energéticos e o equi-
valente a uma redução de seis
mil toneladas de emissões de
carbono para a atmosfera.
Contudo, existe o outro
lado da moeda. E podemos
pegar nos mesmos estudos
para dar os exemplos. O teste
do Utah foi fortemente cri-
ticado pela população, que
passou a ter menos um dia por
semana para tratar dos seus
problemas junto do governo
estadual, o que gerou uma
onda de contestação. O uso de
tecnologias e de novos serviços
potenciados pela Inteligência
Artificial poderá resolver parte
destas insatisfações, mas ainda
serão necessários alguns anos
até que as primeiras estejam
massificadas e mais interativas
entre as empresas e os clientes. com empresas privadas para companhias nacionais decidi- subida de 16% durante este
Já no caso da Suécia, o ensaiar este novo modelo. O ram antecipar-se e começaram período.
problema residiu nos custos projeto arranca em junho deste a aplicar a semana de quatro Segundo a 360imprimir.pt,
acrescidos que esta medida ano, e os interessados pode- dias, por iniciativa própria. A um dos efeitos positivos deste
originou. Ao reduzir a carga rão inscrever-se até ao dia 15 360imprimir.pt, uma tecnoló- modelo é uma maior retenção
horária dos enfermeiros, o go- de fevereiro. Nesta semana, a gica de soluções gráficas, co- de talento que a empresa está
verno viu-se obrigado a con- governante revelou, em entre- meçou a experiência no dia 10 a conseguir. Do total dos co-
tratar mais profissionais, agra- vista à Antena 1, que “90 socie- de outubro de 2022 e criou um laboradores inquiridos, 75%
vando as despesas do Serviço dades manifestaram interesse estudo trimestral para avaliar a dizem que seria necessário um
Nacional de Saúde sueco, o que em participar” no teste. evolução da semana de quatro aumento salarial da ordem dos
acabou por gerar um debate A ideia geral é que as em- dias. O projeto, voluntário, foi 30% para considerar trabalhar
polémico junto da população presas passem a funcionar subscrito por 98% dos fun- numa empresa com um horá-
deste país escandinavo. de segunda a quinta-feira e cionários. A experiência está rio semanal de cinco dias. Este
que o horário de trabalho dos a revelar-se melhor para os projeto-piloto estará em vigor
O CASO PORTUGUÊS seus colaboradores seja re- colaboradores do que para as durante dois anos, e só após
Em Portugal, a discussão sobre duzido das atuais 40 para 36 chefias: 87% dos primeiros este período é que a empresa
a semana de quatro dias come- (ou menos) horas. O diploma admitem usufruir regular- decidirá se regressa, ou não, ao
çou em força no ano passado, do executivo deixa claro que, mente do dia extra que têm modelo tradicional.
quando o Governo admitiu apesar da diminuição da carga disponível, enquanto 36% dos
que queria fazer um teste-pi- laboral, os salários terão de ser líderes dizem não o conseguir TESTE EM LARGA ESCALA
loto para tentar perceber como mantidos. Uma vez terminado fazer. Outra das conclusões do Apesar das controvérsias, a
esta nova modalidade iria fun- este período experimental de estudo é que a produtividade semana de quatro dias já co-
cionar. Depois de uma reunião seis meses, as empresas pode- não aumentou tanto como era meçou a ser testada em vários
com os parceiros sociais, em rão manter esta modalidade ou esperado, pois o número de pontos do globo. A Islândia
novembro de 2022, a ministra regressar à antiga “fórmula” la- horas de trabalho foi reduzido foi um dos primeiros países a
do Trabalho, Solidariedade e boral de cinco dias por semana. em 7%, mas a produtividade fazer um ensaio da redução do
Segurança Social, Ana Men- Embora este teste oficial decresceu 6,4%. Também ao horário laboral. O projeto, rea-
des Godinho, anunciou que o só tenha início marcado para contrário das expectativas, lizado entre 2015 e 2019, en-
País iria fazer um teste-piloto meados deste ano, algumas o absentismo registou uma volveu mais de 2 500 pessoas,

86 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


Em curso Ana Mendes
Godinho diz que 90 empresas
já se inscreveram para testar
a semana de quatro dias

colocou 80 funcionários neo- horária semanal, com uma A prova


zelandeses a trabalhar qua-
tro dias por semana, durante
média de 34,2 horas, segundo
o Forum Económico Mundial, dos quatro
um ano. E os responsáveis os sindicatos estão a pressio-
admitiram, na altura, que, se nar o governo para que seja O Governo português
o teste for um êxito, a ado- adotada a semana de quatro vai começar a testar
ção desta modalidade poderá dias. De acordo com uma pes- a semana de quatro dias
estender-se a outros países. quisa da Forsa, uma empresa de trabalho, num projeto-
“O nosso objetivo é medir o de estudos de mercado, 71% -piloto que terá início
desempenho e não o tempo dos alemães gostariam de ter em junho
de trabalho. Acreditamos que a hipótese de escolher entre a
os modelos de trabalho estão semana de quatro dias e a de Período de teste
ultrapassados e já não se inse- cinco dias, e dois em cada três O teste-piloto para
rem nos novos propósitos das empresários também gos- a introdução da
empresas”, admitiu Nick Ban- tariam de ter a possibilidade semana de quatro dias
gs, diretor-geral da Unilever na de optar. começará a ser feito
Nova Zelândia. Em Espanha, o projeto- em junho deste ano
Há cerca de um ano, as au- -piloto para perceber como e terá a duração
toridades belgas autorizaram funcionará a semana de quatro de seis meses
as empresas a iniciar a semana dias foi iniciado em dezembro
de quatro dias, com a condi- último. O governo criou um Prazo de inscrição
ção de não existir qualquer incentivo de dez milhões de O período de inscrição
redução de salário. E, desde o euros, mas obrigou as empre- das empresas que
dia 21 de novembro, os belgas sas que entrarem neste projeto queiram aderir a este
passaram a ter a possibilidade a desenhar medidas específi- projeto-piloto começou
de escolher entre a semana de cas para que a produtividade em janeiro e termina a
quatro dias e a de cinco dias, compense o menor número de 15 de fevereiro. Já estão
uma medida que o chefe de horas de trabalho. E esta é uma 90 inscritas
governo, Alexander De Croo, iniciativa que não parte apenas
disse que poderia criar uma dos governos. No Japão, são as Redução de horas
MARCOS BORGA

economia mais dinâmica, tor- grandes corporações que lide- O horário de trabalho
nar o mercado de trabalho ram este debate. O processo semanal passará das
mais flexível e, quanto às pes- começou depois de o executivo atuais 40 horas para 36,
soas, melhorar a relação entre nipónico ter anunciado, em ou menos. As oito horas
que passaram de uma carga a vida familiar e a carreira. “O 2021, estar a pensar num plano diárias dão lugar a nove
laboral de 40 para 36 horas objetivo é dar a opção às pes- para criar uma melhor relação
semanais. O estudo agradou a soas e às empresas de adapta- entre o trabalho e a vida fa- Manutenção de salário
sindicatos e aos representantes rem o seu horário de trabalho”, miliar das pessoas, num país Apesar da diminuição
do patronato, e, atualmente, salientou o primeiro-ministro. que tem uma das mais altas das horas de trabalho,
cerca de 90% da população Já na Alemanha, um dos taxas de suicídio, causadas por as empresas não
islandesa tem o seu horário países que têm a menor carga excesso de trabalho. Após este poderão alterar os
reduzido. anúncio, várias multinacionais níveis salariais dos seus
Logo a seguir ao primeiro japonesas começaram a estu- funcionários
confinamento, em maio de dar novos modelos laborais
2020, a então primeira-mi- e a fazer testes internos para Medida reversível
nistra da Nova Zelândia, Ja- A redução de verificar os fluxos de trabalho e A adoção da semana
cinda Ardern, admitiu que “a as alterações na produtividade. de quatro dias é feita
produtividade e a flexibilidade cinco para quatro Nos EUA, a Qualtrics, uma de forma voluntária
que as pessoas demonstraram dias de trabalho empresa que comercializa sof- pelas empresas, e a
a trabalhar a partir de casa são
prometedoras”. E encorajou a
nos serviços tware de cloud, fez uma pes-
quisa interna sobre esta ma-
decisão é reversível,
terminado o período
sociedade a “pensar na adoção públicos do téria e concluiu que 92% dos de seis meses de
da semana de quatro dias”, so- Utah, no espaço seus funcionários preferiam experiência
bretudo “se é um empregador trabalhar apenas quatro dias
e acha que o sistema poderá de dez meses, por semana, mesmo que isso Decisão final
funcionar” na sua empresa. permitiu poupar obrigasse a fazer mais horas Após a fase
A ideia ganhou forma e,
atualmente, decorrem vários
€1,7 milhões em por dia. A adoção da semana
de quatro dias tem vindo a ser
experimental, os
aderentes terão um mês
testes neste país, que pode- energia e baixar concretizada de forma lenta, para decidir se querem
rão ter repercussões noutros as emissões de mas está a ganhar adeptos um manter o modelo de
pontos do mundo. Um deles pouco por todo o mundo. Falta quatro dias ou regressar
está a ser conduzido pelo gi- carbono em seis saber se e quando se tornará à semana normal
gante Unilever. Esta empresa mil toneladas obrigatória. pcsantos@visao.pt de trabalho

9 FEVEREIRO 2023 VISÃO 87


O P I N I ÃO

Quem tem medo


dos professores?
Sara Belo

C
Luís omo em anos passados já foram
aconselhados a emigrar por Pedro
aos professores decidir a que tempos letivos
faltam, transformando os horários dos alunos
Passos Coelho, é bom deixar claro num rendilhado incompatível com as dinâmi-
desde já: em qualquer parte do cas da maioria das famílias. No princípio desta
mundo, ser professor é a profissão semana, André Pestana, coordenador do Stop e
mais importante de todas as profissões. São militante do Movimento Alternativa Socialista,
eles que semeiam e fazem germinar o capital pediu às duas centrais sindicais para marcarem
humano, riqueza maior no futuro de um país uma greve geral ainda durante este mês.
e aquela que pode marcar a diferença, sobre- Por tudo isto, com algum grau de probabi-
tudo quando as condições de base são difíceis lidade, é possível adivinhar que, no próximo
e as adversidades parecem intransponíveis. sábado, 11, haverá novo mar de gente nas ruas
Ora, o problema é que os professores deixaram de Lisboa. O ferro está quente e, apesar das
de se sentir parte integrante desse grupo de greves, as negociações têm prosseguido, com o
privilegiados, pessoas cuja profissão é social- executivo a dar sinais de abertura. Em entre-
— Subdiretora
mente reconhecida por todos. Nada a fazer, é vista à RTP, o primeiro-ministro não concre-
o resultado da democratização, dirão os mais tizou nada, mas revelou-se preocupado com a
pragmáticos, porventura cheios de razão. Mas situação dos professores. Carlos César, presi-
por que motivo isto deve preocupar-nos? dente do PS, também disse que há um período
Não é de ânimo leve que, nas manifestações em que Governo e PS se devem “debruçar e
dos últimos dois meses, se vê muitos profes- atender a esses problemas salariais”. Entretan-
sores exigir reconhecimento através de duas to, o ministro das Finanças, Fernando Medina,
palavras que – entre nós, herdeiros trágicos já refreou as hostes despesistas: “Temos de ter
de uma ditadura que perpetuou o atavismo em conta a situação geral do País.” Tudo certo,
em matéria de qualificações durante mais de cada um no papel que é suposto, num enredo
quatro décadas – encerram tantas reminis- de tal maneira embrulhado que só os muito
BREVIÁRIO cências históricas: autoridade e respeito. Não, irresponsáveis dispõem de soluções rápidas e
antigamente não era bom. Ninguém de bom fáceis. De qualquer modo, segundo a proposta
O meu reino não é senso, muito menos professores, pretende que do Ministério da Educação, serão vinculados
mesmo deste mundo? a escola volte a ser aquilo que era no tempo da todos os professores com 1095 dias de serviço
Mesmo já não sendo outra senhora – onde abundava autoridade e (que podem não ser sucessivos), o que significa
proprietária de uma respeito, Salazar e crucifixo omnipresentes em que deverão ser admitidos mais 10 700 profis-
televisão, a Igreja todas as salas de aulas do País, mas também sionais. Mas, como os sindicatos têm insistido
continua a ter uma escasseava uma genuína admiração pela figura no descongelamento do tempo de serviço,
forte presença na do professor e ainda mais rareava o gosto pela a luta deve estar para durar. Até do lado dos
comunicação social, transmissão do conhecimento, o prazer de sindicatos “fofinhos”, já há quem ponha a hi-
nomeadamente, com a ensinar e de aprender. pótese de fazer greve até ao fim do ano (Mário
Rádio Renascença e a Os professores estão zangados e, em grande Nogueira, líder histórico da Fenprof).
agência Ecclesia. Não medida, têm razão: foram esquecidos, legisla- Como tudo o que se prolonga no tempo,
se entende por isso o tura após legislatura, sentem-se desprezados, há de chegar o dia em que a contestação co-
modo como (não) tem não se lhes atribui um lugar primordial, o valor meçará a gerar cansaço e indiferença. Marcelo
gerido, do ponto de que continuam a merecer. Muitos deles estão, Rebelo de Sousa, sempre atento ao barómetro
vista da comunicação, inclusivamente, zangados com quem era su- mediático, alertou que “a simpatia da opinião
questões relevantes – posto tê-los defendido, os “velhos” sindicatos pública” pode “virar-se contra os profes-
e de grande impacto da Fenprof, próxima da CGTP e do PCP, e da sores”. Na memória dos mais atentos a este
social, como se vê –
Federação Nacional de Educação, próxima da assunto ecoam as palavras de Maria de Lurdes
como a coordenação
UGT e do PS. Estão exaustos, fartos e não acre- Rodrigues, a antiga ministra da Educação que
da Jornada Mundial
da Juventude ou a
ditam nas respostas dessas estruturas. Descon- criou a avaliação de desempenho (em nome
investigação sobre fiam do “regime” e, sem réstia de esperança, do PS, recorde-se): “Perdi os professores, ga-
os abusos sexuais de viram-se para os que estão mais disponíveis nhei a opinião pública.” Quando esse dia che-
menores (o relatório da no momento para acolher toda a sua indigna- gar, os professores terão conseguido algumas
comissão independente ção. O Sindicato de Todos os Profissionais da das suas reivindicações. No entanto, sobrará
será tornado público Educação (Stop) – que também chamou até outro sentimento no qual, para lá do respeito
na próxima semana). É si outros trabalhadores da Administração Pú- e da autoridade, também assentava a cartilha
caso para perguntar: “O blica (de polícias a funcionários dos tribunais) da escola do outro tempo: o medo. O medo
meu reino não é deste – tem levado a cabo “greves-guerrilha”, uma do que vamos fazer com todo este ressenti-
mundo?” forma mais radical de protesto que permite mento. sbluis@visao.pt

88 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023


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m casa onde não não se pense, por isso, que o para os pais que estão ansiosos
há pão, todos ra- Governo esqueceu os portu- por transformar aquele quarto
lham e ninguém gueses. O Turismo de Portugal de solteiro num bom escritório,
tem razão”, di- também se preocupa connosco, e vêem esse sonho eternamente
zíamos nós, em tanto que vai relançar a campa- adiado. Confesso que isto me
tempos remotos, em que o úni- nha do “vá para fora cá dentro”. preocupa especialmente. Um fi-
co problema era a escassez de Já que, se quisermos continuar lho é como um leasing: a grande
papos-secos. Não é caso para a viver cá, em princípio teremos vantagem é saber que há um
aplicar o exasperante “éramos de ir para fora da nossa casa, e prazo para devolver o produto
felizes e não sabíamos”, mas entregá-la ao banco. Portugal à locadora que, neste caso, é o
talvez seja para um “passáva- deixou de ser um jardim à bei- mundo. Soubesse eu que era
mos fome e não sabíamos que ra-mar plantado. Agora é uma um contrato vitalício e se calhar
ainda íamos passar frio”. loja de luxo plantada nas laterais tinha pensado duas vezes. Não
O preço das casas, em Portu- da Avenida da Liberdade, e nós me interpretem mal, mas não
gal, subiu 38% nos dois últimos somos todos empregados. Po- me imagino a dizer “meu meni-
anos, enquanto o rendimento demos vender casas por milha- no, enquanto viveres debaixo do
das famílias não foi além dos res de euros, mas não podemos meu tecto, as regras são estas”
9%. Parece que estamos numa sequer sonhar comprá-las. a um marmanjo de cinquenta
daquelas competições de “Ho- “Quem casa quer casa”, e sete anos. Os nossos pais de-
mem mais forte do mundo”, em dizia-se antigamente. Hoje, sejavam que nós arranjássemos
que brutamontes empurram quem casa não ousa sonhar tão um bom emprego, já que isso
camiões. Só que no lugar do alto. Já é uma sorte ter en- garantiria o resto. Agora um
halterofilista temos um portu- contrado uma alma gémea, é bom trabalho não chega, temos
guês escanzelado, e uma presta- muito improvável que consiga de rezar para que sejam totalis-
ção do crédito à habitação mais encontrar também um T2 por tas do euromilhões, de maneira
pesada do que dois camiões TIR. menos de trezentos mil euros. a que possam tornar-se excên-
E pur si muove! Por incrível que Isto é dramático não só para os tricos e adquirir, na loucura, um
pareça, conseguimos empurrar jovens que querem tornar-se T4 com arrecadação e um lugar
o camião. Talvez seja do nosso independentes, mas sobretudo de garagem. visao@visao.pt
treino de muitos anos a em-
purrar com a barriga, mas não
deixa de ser impressionante a
capacidade que os portugueses
têm de resistir com a corda ao
pescoço. Já a usamos como se
fosse um acessório de moda. Na
próxima edição dos Globos de
Ouro: “Então, vem vestido por
quem?” “O fato é do Dino Alves,
a corda ao pescoço é da situação
macroeconómica.”
Lisboa e Porto são grandes
chamarizes para turistas, mas

Portugal deixou de ser um jardim


à beira mar plantado. Agora é
uma loja de luxo plantada nas
laterais da Avenida da Liberdade,
e nós somos todos empregados
114 VISÃO 9 FEVEREIRO 2023
A sua saúde merece
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