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CAPA
O CAMPO DO SIGNO - 1945/ 1966
WALTER HÜNE 11 IIIIOIHJÇÁO .... ,..................... ... ........ ........... .................................... 13
DESENHO
(Michel Foucault, Jacques Lacan.
Claude Lévi-Strauss e Roland Barthes)
MAURICE HENRY
1. OS ANOS CINQUENTA:
A ÉPOCÁ ÉPICA
REVISÃO
CARMEM SIMÕES DA COSTA O I C I IPSE DE UMA ESTRELA: JEAN-P AUL SARTRE .......... .... 23
E ? t> NASCIMENTO DE UM HERÓI: CLAUDE LÉVI-STRAUSS ..... 31
EQUIPE ENSAIO 1IA SUTURA NATUREZA/CULTURA: O INCESTO .. ................... 39
1 l'I Ç AM O PROGRAM A: O MAUSS ......................... .......... ..... 47
DIAGRAMAÇÃO, COMPOSIÇÃO E FILMES l\ IJM I l'?ANCO-ATIRADOR: GEORGES DUMÉZIL ...................... 53
ENSAIO - EDITORAÇÃO ELETRÔNICA ir A PASSARELA FENOMENOLÓGICA .... ...... .... ......... .... ,...... ,..... 59
/ () COílTE SAUSSU RIANO .............................................. .......... .. 65
IMPRESSÃO E ACABAMENTO li O HOMEM-O RQUESTRA: ROMAN JAKOBSON ............. .... .... 75
GRÁFICA EDITORA HAMBURG •J \JMA C IÊNCIA-PILOTO SEM AVIÃO : A LINGÜÍSTICA .. ......... 83
111 MI í'OfHAS DE ALEXANDRIA .... ............ ................. .................. 91
Dados lnternocionols de Cotologoçóo no Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do livro, SP, 6rasi~ 11 A I ICUílA-MÃE DO ESTRUTURALISMO:
OosS<,, François, 1950- 110 1ANO BARTHES ................... ...... ........... .. .............. .. ............... 95
História do estruturalismo, v. l : o campo do signo, I.' A I XIGÊNCIA EPISTÊMICA .............. .. .................. ................... . 103
1945-1966 / tradução Álvaro Cabral. - São Paulo: Ensaio;
Campinas, SP: Editora do Universidade Estad ual de Campi-
11 IJM ílEBELDE CHAMADO JACQUES LACAN ..... .. ................ 117
nas, 1993. 1I O C HAMADO DE ROMA (1953): O RETORNO A FREUD 125
Obro em 2 vai. 11, O INCONSCIENTE: UM UNIVERSO SIMBÓLICO ...... ............. 135
1. Estruturoli;mo - História 1. rrtulo. li. n ulo: O Campo do 1t, HSI' A HERESIA ... .. ..................... .............................., .............. .. 145
signo, 1945-1966. I/ A SCDUÇÃO DOS TRÓPICOS ... ... ............. ,.......................... .. 153
93-2493 COD-149.96
111 ,O DESVARIO DA RAZÃO:
Índices Poro Catálogo Sistemático A OBRA DE MICHEL FOUCAULT ....................... ................... . 169
111 ( msc DO MARXISMO: DEGELO ou REGEL O ?. ............. f ... .. 187
1. Estruturalismo: filosofia : História 149.96
.'li, A V IA ESTRUTURAL DA ESCOLA
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS · UNICAMP I IIANCESA DE ECONOMIA ........... ............. ........................... 195
Reita: Carlos Vog t ,' 1 C O MO A ESTRUTURA É BELA! ......... ....... ....... .... ,............... .... 203
Coordenador Geral da Universidade: José Martins FIiho
Conselho Editorial: Aécio Pereira Chagas, Alfredo Miguel Ozório de
Almeida, Antonio Carlos Bannwart. César Francisco Ciacco (Presidente).
Eduardo Guimarães. Hermógenes de Frê!tas Leitão Filho, Jayme Antunes
Mac iel Júnior. Luiz Cesar Marques Filho, Geraldo Severo de Souza Ávila
Diretor Executivo: Eduardo Guimarães li. OS ANOS SESSENTA
Título publicado com o apoio do
MINISTÉRE DE LA CULTURE ET DE LA COMMUNICATION OE FRANCE
1963-1966: LA BELLE ÉPOQUE
~~. A SORBONNE CONTEST ADA:
A QUESTÃO DOS ANTIGOS É DOS MODERNOS ............... 221
1993 '/,\ 1964: A BRECHA PARA A AVENTURA SEMIOLÓGICA ...... 233
TÍTULO SELECIONADO PELA :Ili A IDADE DE OURO DO PENSAMENTO FORMAL .......... .... . 2 41
·e. cl 1'1'<> rc:::a e...-,. s c:::a i e>
:,th, OS GRA NDES DUELOS ............... .... ......................... ...... .......... 255
MOVIMENTO DE IDÉIAS/IDÉIAS EM MOVIMENTO '/f1 AS C ADEIAS SIGNIFICANTES .................................................. 271
Ruo Tupí, 784 J ri n,u DA MltO I OGIA É REDONDA ............................... 2.03
HIST RIA DO i;SrRUTUIMLISMO
ANEXO
LISTA DAS ENTREVISTAS REALIZADAS ..... ..................................... 433
ÍNDICE DE NOMES .......................................... ............................... 437
,i
-
:t, i.:
Milner. Edgar Morin. Thérese Parisot, Jean-Claude Passeron, Jean-
l ,::,,'.1.:.:•.
1.,l.·i:',i,.l:~l
~,f
...
Bertrand Pontalis, Paul ílicoeur, Jacqueline de Romilly, François
íloustang, Mlchel Serres e Louis-Vlncent Thomas.
INTRODUÇAO
Também estou profundamente grato a todos aqueles que
acelta!am a pesa~a tarefa de rever o meu manuscrito e cujas
sugestoes e correçoes me proporcionaram útil ajuda. permitindo-
me assim levar a bom term o este empreendimento: Daniel e
Trudi Becquemont, Alain Boissinot, ílené Gelly, François Geze e
Thlerry Paquot.
Agradeço, por_ fim, a Monlque Lulin, das Éditions du Seuil, a d• ,
O 6xlto que o estiuturolismo conheceu na França ao lon-
go dos anos 50 e 60 não tem precedente na história
vii lo Intelectual desse país. O fenômeno obteve a adesão
~ferre Nor~, das Editlons Gallimard, e a Chrlstlne Sylva, das Édi- ti• 1 11111lor porte da lntelligentsia, até reduzir a nada algumas re-
t1ons La Decouverte, por me terem comunicado as tiragens de t!hh 11< loff ou objeções que se manifestaram quando do que se
um certo número de obras editad os no período em estudo. 11111h ohomor <;> momento estruturalista.
A• ftl/Oes desse êxito espetacular dependeJam esseoc[gJroen-
h do fo t o de que o estruJu,ralismo_g_ru esentou-se como um
1111 lodo rigoroso que podia_ ~ ~nar .~ Je,,~Ô.~as~spI~~ de
1 111 11111 progressos decisivos no rumo da ciência; mas também, sl-
1ttl tllc III omente, e de um modo mais funda~ental do f ato de
, 111, u ostrulurallsmo constttÚlu um mori'.ient o particular ao histó-
11, t , lo ponsamento suscetível de ser qualificado como o tempo
l11tlcl do consclêncl.9 <?_!Í!lc_si.. Essa conjunção é que permite
, t 11,1p14Jonder porque tontos Intelectuais se .reconheceram num
----
111,u,1 no programa. Programa que suscitou múltiplos entusiasmos,
11 pnnlo de o treinador da seleção nacional de futebol anun-
1 1111, no década de 60, uma reorganização "estruturallsta" da
_,,,, uqulpe a fim de melhorar os resultados.
<> triunfo do paradigma estruturalista resulta. em primeiro lu-
\Jt 11, tio um contexto histórico particular marcado. desde o final
1111 11' o uro XIX, pela progressiva tendência do ocidente para
111111, tomporalidade moderada. Mas também é fruto do notóvel
, h1fl11 t1volvlmentõ qas ciências socia!s, que se defrontou com a
t11,111l11oçôo hegemônico da velha Sorbonne. detentora da legl-
lll11ltludo sóbla e distribuidora das humanidades clósslcas. Uma
v111dncJolro estratégia inconsciente de superação do 1 academis-
11111 fl() poder consubstanciou-se então num programa estrutura-
ll1ili 1, ( IU O leve uma dupla função - a de_ s.2.,~!esta~ão e a de
1 11111!<1c u1tura. O paradigma estrutural demonstrou sua eficócia
, 11111"'' domínio ao garantir o lugar para todo um saber proscrito,
, 1 , nwoom das Instituições canônicas.
1 ><prossõo da conte.stoção, o estruturalismo corresponde, sem
d11vll1o, o um momento da história ocidental enquanto expres-
•'111 d l) uma certa dose de auto-aversão, de rejeição da cul-
111111 ocldontal tradicion al, de apetite de modernismo em busca
1 ht n ovos modelos. À glorificação de valores antigos, o estrutu-
O período atual, que alguns chamam a era do vazio e ou- 11111 olos o corre ntes. Numerosos e ntrevistas (integradas no corpus
tros a da pós-modernidade, induz uma abordagem do humano hlslórlco) fo ram re alizados com filósofos, lingüistas. sociólo-
, t111I ()
em que se expõe uma oposição binária, igualmente ilusória, en- ~,n,. h lsl orlado re s, antropólogos, psicanalistas e economistas
tre a dissolução do homem do estruturalismo e seu Inverso, a 111 , ,co do lugar do est rutu ralismo em seus respectivos trabalhos
divinização do homem a que hoje se assiste em reação. o ho- , l,i posqufsa, d e sua contribuição e dos meios eventuais de suo
mem criativo. para além das limitações de seu tempo, remete 111puroção. Esta investigaç ão* revela, para além da diversidade
para a morte do homem como seu duplo. o homem, paradig- , I, pontos de vista. a importância central do fe nómeno estrutu-
ma perdido da abordagem estrutural, ressurge na sua figura 111IIAIO. e permite tentar o sua periodização.
narcisista do ante-ciências sociais. A grande vaga estrutural im- Ir sompre mais longe na perspectiva de desconstrução da
peliu as ciências humanas para as margens que as distancia- 1,11 1ollslca ocide ntal, levar a fissura até aos fundamentos da se-
ram da historicidade. Anuncia -se um ponto de mutação no i 11lologla, esvaziar todo o significado, todo o sentido, para fazer
sentido de um retorno à escrita antiga em nome do declínio , lrr.ulor melhor um Significante puro: semelhan_!.e modo de críti -
do pensamento, tia perda dos nossos valores, do recuo para os , q portence a l.!m .rnom.erito da história ocld ~01PI qe _aut<2.::..a~ r- '
mais recônditos escaninhos de nosso herança. Os velhos cava- 1rm do qua l se saiu graças a uma progressiva reconciliação da
los estão de volto. Reencontram -se os discretos charmes das /11/01//gen tsla com os vÔIÔres: demÔcrátic.Qs. Mas essa evàsão da
paisagens vidallanas, os heróis da história lavissiana, as obras-pri- , 1u c rítica não pode significar um simples retorno ao -que a
mos do patrimônio nacional dos Lagarde e Mlchard. Para além 1111 oodeu. p o is o olhar sobre o outro, sobre a d iferença. viu-se
desse retorno a um certo século XIX. o recuo atual ârr ta -nos i11r,rnodlavelm ente transformado e requer, portanto, esse retorno
para os horizontes de um século XVIII em que o home é 11 11m período do qual ·um certo número de descobertas faz
apreendido como abstração, livre das coações do tempo, s 111 uto de um saber Incontornável no conhecime nto do homem.
nhor do sistema jurídico-político em que se realiza a sua racio -
nalidade.
Pode-se pensar, entretanto, como se a revolu~o copernica -
no-galileana, os cortes freudiano e marxista, e os avanços rea-
lizados pelas ciências sociais não tivessem acontecido? Colocar
' ~~çj_g__ os impa_sses do es~ ~ @ J le signJ!!~ar
uma ~ QJ.é, à _i dac;t!? .de ouro do ll~ mlnismo m _a L p_elo
e-on-rráno, um salto e rn..tce.oJ.e..-0.0 rumo de um futuro - o do
constitui~ãoi e : um<E maniSl'Tlo histó~o') Ne~ ap erspec ttvÔ, im-
porta identificar as falsasCWezos e os verdadeiros dogmatis-
mos. os procedimentos reducionistas, mecânicos, e interrogar a
validade dos conceitos transversais utilizados pelas ciências so-
ciais para além dos fronteiras disciplinares. Não se trota de fazer
I
ressurgir uma postura abrangente do todo, um magma informal,
mas de extrair do movimento browniono em curso os prolegô-
menos de uma ciência do homem forjada a partir de um certo
número de conceitos, de níveis estruturantes operacionais.
A experiência dos ciências sociais é aqui chamada a res-
ponder ao emergir de um~ Q~ ssível, talvez em
torno da figura transitória ~ - Suplantar o es-
truturalismo impõe um retorno a essa corrente de pensamento
que difundiu amplamente o seu método no campo das ciên-
cias sociais como um todo. Refazer as etapas de sua conquisto
hegemónica. valorizar os processos de adaptação de um méto-
do à pluralidade disciplinar dos ciências do homem, apreender
seus limites e impasses onde se esgotou essa tentativa de re no -
vação do pensamento.
1 I' . OflY • J , F SiíliNElLI, ~o, tntellootvot, on Fronoo. Cio l'offolro Oroyfvs à nos
1 OS AN OS <.;INQULN I/\: /\ POC/\ l'IC./\
1. O / C Lll~SL D/: UMA ESTRELA: JEAN-PAUL SI\IURt
e-
U m a p e rsonagem simboliza, simultaneamente, essa evolu-
ção e a t e ndência para conciliar o que pode parecer
r mllnôm ico: é Jean Pouillon. Companheiro íntimo de Sartre. vai
ra~ a Libertação, sua Imagem vai colar-se-lhe à , m-werte r-se na única ponte que permite a ligação entre Les
pele até ser e le próprio a sua primeira vítima. / 111 ,,ps modernes e L 'Homme. ou seja, entre Sartre e Claude Lé-
O eclipse da estrela sartreana. se é a resultante de fatores vl Slrauss. Jean Pouillon conheceu Sartre muito cedo, desde
políticos, també m-está ligado ao s urgim"ênto d e~ uma nova con- IIJ37. e os dois homens devotaram-se uma amizade recíproca e
figur9_ção _no campo infeíe't:to·a1:~a- ascens-eio aãsêTê ncias aw n sombras até o fim. apesar dos diferentes rumos Intelectuais.
humanas, reivindicÕr-ido um espoçÕ institucional a fim de permi- lhlO ca rreira é, no mínimo. singular: "Eu era professor de filosofia
tir a expressão de uma terceira via entre a literatura e as ciên- 1 huonte a guerra e depois, em 1945, Sartre pergunta-me: Isso di-
cias exatas. D~ ~lfou um deslocamento das l.ntêrrogações v u, lo-o, ocupar-se da filosofia? Respondi-lhe que bancar o
que S_9rtre não acompanhará. absorvido como estava emseu 1>11tôo diante dos alunos não é de t odo desagradável. mas o
~ orço de recuperaç.Q.Q_potítiCQ.,.sULel.à ~11ª posiç ão defiiôsõ. 1 t1gto e ra corrigir as provas e ser mal pago. Ele me disse então
__!~Esta só lhe valeu até aí satisfações e recÕnheclmenfõ;-'e quo fosse ver um amigo normalista que tinha descoberto algo
permaneceu alheio às mutações em curso. Se Sartre se interro- quo existe sempre: o indicador analítico das Atas das Sessões
ga em 1948, o Que É o Uteroturo?, é para formula r a questão , lc:l Assembléia Nacional. Em virtude da separação dos poderes,
do autor e de seu publico, ae suõsmotivações. mas pressupõe o l oglslativo. ao votar o seu próprio orçamento. é mais genero-
esta~ 2d_a a sin..9ula.dctg,gg, a existência da literatura. Q!_~ . e •n pa ro com os seus próprios funcio ná rios do que com os
Justq!:!)e_nte esse P_,?_stulado...._que vai ser posto em d ú vida e çon- 11\llros poderes. Recebem melhores salários e têm. em geral, seis
testq9.9 no final dos o.nos..§.Q;, ---. - · 111 ses de férias por ano. Fui aprovado no concurso realizado
O desmoronamento da figura tutelar de Sartre provocará 11osse momento e, ao mesmo tempo, fazia o que gostava: es-
uma crise. um momento de Incerteza. de dúvida. dos filósofos l rover em Les Temps modernas. Foi por isso, sem dúvida. que
que vão utilizar especialmente os ciências sociais ascendentes a t lo ude Lévl-Strauss me pediu que me ocupasse de L 'Homme
fim de apurar seu questionamento crítico. Essa interrogação rnn 1960. porque não estava absorvido por uma carreira no en-
cootesfa_o .ex~J~ncialismo eng_ u_qnto filosotiãeia'"subietividade, ~1110. Eu não fazia sombra a ninguém e. ao mesmo t/ mpo, nin-
~ n_guanto filosg!.\.q_do_ s~~ito. O homem sartreano só existe pela uuóm me fazia sombra" 5 •
intencionalidade de sua consciência. condenado à liberdade Joan Pouillon Ignora P,,OL-Gompleto a · etnologia até o instante
porque "a existência precede a essência". Somente a a lienação 11111 q ue é publicado, em 1955;\Trístes Tropiques [Tristes Trópicos].
e a mó-fé obstruem os caminhos da liberdade. Um Rolond Bar- ~<Hlr 8 está entusiosmodô e d iri.J e:sê'ã"JeêÍnl>ouillon, no comitê
thes que se definiu como sortreano no imediato pós-guerra vai d o redação de Temps ~ãe'fnes. para que se encarregue de
pouco o pouco desligar-se de sua filosofia a fim de participar 1111crove r o comentário sobre o livro: "E por que não você?". Em
plenamente na aventura estruturalista. O sujeito, a c,o.osciência, vru de lhe dedicar um simples artigo elogioso sobre o qualida-
~cp ..9pagar-s~~.J2rOve.!1,o da reg_!~ o codi20 e do estrutura. d1 do livro. Jean Pouillon empolga-se e decide escrever um
vordodeiro estudo, interrogando-se mais sobre a evolução do
pr nsamento de C laude Lévi-Strauss do que sobre o seu ponto
1 ulmlnante: Tristes Tropiques. [ê então tudo o que Claude Lévi-
!llrouss publicou até então. Les Structures élémentaires de lapa-
1011tó (As Estruturas Elementares do Parentesco] e os artigos que
•ó mais tarde aparecerão sob a formo de livro (1958) com o tí-
h1lo geral d e Anthropologíe structurole [Antropologia Estrutural].
l•ort onto. o a rti go d e Je an Pouillon transcende o âmbito de
111110 ,ocensõo; procura d e te rminar a posição exata da obra de
FRANÇOIS DOSSE 1 OS ANOS C INQÜf NfA: A (J>OCA (PICA
H
_/__
S....
Tó ..,...R
_ I_A_ D_O ESTRUTURALISM O 1. O ECLIPSE DE UMA ESTRELÃ: JEAN-PAUL SARTRE
Claude Lévl-Strauss e seu ensaio é publicado em 1956 em Las urvols essas diferenças. o recurso à estru tura era passagem obrl-
Temps modernes 6 • UCl l ó rla. não como realizada na vida concreta de tal ou tal
O que parecia ser à primeira vista um desvio fortuito, uma urupo, mas como possibilidade de permuta, como lógica pró-
evasão momentânea para outras latitudes, vai tornar-se paro pila dessa gramótica que permite compreender diversas realiza-
Jean Poulllon, mas além dele para todo uma geração, 0 com - <.,Oes possíveis.
promisso de uma vida, uma existência voltada para as novas Em 1960. quando foi lançado o primeiro volume da Critique
inter!QJJ.9_9,Ões,,...!'.llillL antroQojQg~ ~ e- vão abandonar a fllo- Oo la roison diolectique [Crítica da Razão Dialética]. Claude Lé-
,!bfl9 clássica.: Jean Poulllon descobre a interrogação sõ'i'>re a Vl•Strauss. que tem ao seu alcance o melhor especialista em
alteridade. "Ê enquanto essencialmente outro que o outro deve p o nsomento sortreano. convida-o a fazer no seu seminário uma
ser visto" 7, e adere à postura estrutural que permite a ultrapas- t1presentação daquela obra. Jean Poulllon consagra então três
sagem do empirismo, do descritivo, do vivenciado. ·Ele encontra 11omlnários de duas horas à leitura da Critique de lo rolson dio-
em Claude lévi-Strouss um modelo rigoroso onde o racional /octlque e, ;,i()al do Interesse que Sartre continua suscitando,
permite construir "relações motematizóveis"8 • Adere totalmente à ussas sessões que geralmente não mobilizavam mais que umas
posição de Claude Lévi-Strauss que visa conceder predominân- lrlnla pessoas transformaram -se numa "multidão compacta que
cia ao modelo lingüístico a fim de permitir transpor os resíduos Invadiu a sala e onde reconheci a presença de pessoas como
da estreita ligação entre observador e objeto observado: "Dizia 1uclen Goldmann· 12 • Se Je an Pouillon procurava conciliar Sartre
Durkheim que era preciso tratar os fatos sociais como coisas o Claude Lévi-Strauss. deve ter experimentado uma certa de-
/ .. ./. Cumpria, portanto, parafraseando Durkhelm, trató-los como copção quando a resposta do segundo à Critique de lo rolson
p~avra~~ · dlalectique foi publicada em 1962. no final de Lo Pensée sou-
É a uma verdadeira conversão a que se assiste em meados voga (O Pensamento Selvagem) . O ataque é violento e voltare-
da década de 50, com exceção de uma pequena ressalva mos a falar dele, mas nem por isso Poulllon, ficou tão desespe-
onde Jean Pouillon retoma os argumentos de Claude Lefort so- 1odo que o inibisse de, em 1966, cotejar as duas obras em
bre a relegação para segundo plano da historicidade em t ' Are. apresentando-as como complementares e lncomensurá-
Claude Lévl-Strauss. Nesse nível. ele se mantém fiel às posições vols, ponto de vista que ele consewa ainda hoje: "É agradável
sartreanas sobre a dialética histórica e opõe à (ógld:J sincrônlca r1or atenção a um ou a outro sem perturbações de visão. pois
do Jogo de xadrez a, diacrônica, do jogo de bridge. Excetuan- c,uondo um está presente, o outro não" 13.
do-se essa ressalva, a dupla adesão ao estruturalismo e à antro- Se JeQD..J'~on ~ erte~~ .9_u!:!}a _si~n_çlg . . b . 9 ~omis-
pologia é total; e, a partir daí, Jean Pouillon assiste aos seminá- 110ra. o antropologia, Sartre, por sua e . 9 ! . t ~ ~ ~uito
rios de Claude Lévl-Strauss na 5 11 Seção da École des Houtes 1 Jlstanle em face ,d Õs múltiplos desafios ~Uf..eJ$_as ciêo~ios hu-
Études. De um comentário crítico passou-se a uma escolha de rnonas~Áfi!osofla_dq_co.ru.êlêncla. do sujeito,~levo.Y.:.Q a cooside·
existência, e Jean Pouillon não resistiu ao apelo dos trópicos. 1nr a llogüística uma ciência menor e a praticar a seu respeito
Obtém alguns créditos e parte em 1958 para o Chade, a con- , ,ma e.\lU._çi,ç.QQ...quqs~_jlstrupg!ic.a.. A psié'a iláiise dificilmente se
selho de Robert Jaulin, que lhe apresenta esse país como uma c..oncllia com a sua teoria da má-fé, da liberdade do sujeito e.
terra ainda Inexplorada no P!ano etnológico. 11m •L'ltre et /e Néont (1943) [O Ser e o Nado]. consi~era Freud
Estaria Sartre ciente de que serrava o ramo onde se senta- o Instigador de uma doutrina mecanicista. Ele vai. porém, ter
va? Certamente que não, como explica Jean Poulllon 1º: Sartre c1ue penetrar no labirinto freudiano de um modo inteiramente
enganava-se sobre a importância de Tristes Tropiques. que lhe Imprevisto e até arriscado. Em 1958. Sartre é, com efeito. conta -
tinha agradado pela valoriza ção da presença do observador lC1do por John Houston que lhe encomenda um roteiro sobre
na obsewação e da comunicação Instituída com os indígenas. t roud. Essa encomenda hollywoodiana obriga Sartre a ler toda
~ensível a uma etnologia mais compreensiva do que explicatfva, 11 obro de Ffeud, assim como a sua correspondência. Em 15 de
e o esse mal-entendido que se deve a conversão de Jean t1 02.embro de 1958, envia a John Hb uston uma sinopse de 95
Poulllon, que a isso chama gentilmente "a fecundidade dos póglnas e um ano mais tarde conclui o roteiro. Mas os dois ho-
mal-entendidos". No Chade, Pouillon estuda sete ou oito grupos. 1,1ons vão se desavir. pois Houston quer que Sartre torne seu
no móximo de dez mil pessoas cada um. e Identifica o rganiza- totolro mais leve; acha-o excessivamente pesado e enfadonho.
ções sempre diferentes. uma repartição nunca semelhante das 1110s Sartre amplia-o cada vez mais e acabo por retirar reu no-
competências político-religiosas; em contrapartida. "o vocabulá - lrlQ dos c réditos do filme. Freud, Paixão Secreto. Portanto, Sartre
rio, o léxico era sempre o mesmo. idêntlco" 11 • Para tornar Intel!- h u"Y\lliorlzou -se com o freudismo no final dos anos 50, ,.mas se a
plllc:onóllse retém pouco a pouco o seu Interesse. ~ le permane-
6. J. POUILLON. "L'oeuvre de Claude lévi-Strc;iuss', Les Temps modernes. nº 126. Ju• t mó fechado para a noção analítica central do ~ e Õlê,
lho d e 1956. reimpresso em Fétlches sons féflchlsme, Maspero, 1975.
7. J. POUILLON. Fétlches sons fétlchlsme. op. clt.• p . 301.
uo partir do postulado de que um homem pode s~r integ!,_al-
8 . /b .. p. 307.
9. /b .• p, 312.
HISTÓRIA DO ES1TWWRALISMO 1 OIC/fl>Sf /)/ UMA LSIWIA:JlANf'AUl SAIWU
~ e.!:)t~ compreendido no_e!_ÓXis. o que tentaró demonstrar com !neto o qualquer odesôo partidário, em Claude Lévl-Strauss. que
o seu Floubert, obro também lnocaboda. J:ião existia luga r. _por t'l mosma pergunta sobre engaj amento respondeu: "Não. eu
~.P-4 onde, colo$._QLJl,l,!l_l~~· esses dolê_ s onlb~ ' " gue sãq_S<?.!!!_e
e Claude Levl-Strauss sem se correr o risco de um comer o ou- ~1~~s:t~eq~::n:~~ªPi~~~ri~~~~~~t;~;~~;l. .:as~:i~~ : : :i/~::fifi
]2;._NÕ f~l!q_jtê f uggr, ~g, história P~.ífl}UIU o um homem, ~ liolho, nos escrúpulos de rigor e de exatidão" 18 •
E opõe-se um
.f.9uillon._tow a i:.Jmpossível toda . e quolguer tentaJJva~d e.. ~ l)lli)po- Vic tor Hugo. que podia julgar-se capaz de dominar todos os
tg_gLg_ problemas de sua época. ao período atual. complexo demais,
trogmentado demais, paro que se possa pretender apenas um
único referencial e um só compromisso. É o fi ~ fo
que se apago então como sujeito questionador. como_§u1eito
do probl~!_T1.~~{?~~.!::'~~~~ua dive~si~ ~..:.~Õm el~ é
Sartre que..se....d~ _ l q e g_e]!5_(! ~ mpo livre .mas_clê.o.Gias
,__ -- - ~-
1,umanas a1Õssificotória.s e freqüentemente deterministas
~ ...
_
14. lb.
1 ~- Georges Bolondier, entrevisto com o oufor.
16. G. DtJMe.2:tL. Entreffens ovec D. trlbon. Golllmord 108-7 "-.-2""
,,. :,:,, ' ...:
2, NASCIMENTO DE UM HERÓI:
CLAUDE LÉVI-STRAUSS
,t ,
O ostruturollsmo Identificar-se-ó rapidamente com um ho-
rnom: Claude Lévi-Strouss. Num século em que o divisão
t111lmlho Intelectual limito o um saber cada vez mais frag -
11n 1,111,10. o le t e ró sido tentado a gpostar na realização do
q11t11t11ln entre o sensível e o inteligb!._el. Dividido entre a vonta-
1! , l rJ rocons tltuir os lógicas internas. subjacentes ao real. e
1111111 • •tl\i.lbllldade poética que o liga fortemente ao mundo da
11 1h11 10, Lévl-Strauss concebeu grandes sínteses intelectuais lns-
1'111 t• 111 no modelo das partituras musicais.
11• 11c i<Jo em 1908, o seu meio familiar colocou-o sempre no
fl, "' 1un da criação artística. Descendente de um bisavô violinls-
t 1 , 111 pai e tios pintores, passa todas as suas horas de ócio,
1 11,111114 onte, esquadrinhando antlquórios. e descobre. exultante,
1 , , < llodlno. uma natureza exótica quando seus pais compra-
1rn 11 111110 c oso nas montanhas das Cévennes. Percorre os com-
i , , 11111 longas caminhadas de l O a 15 horas. É essa dupla
1 tim o, o arte e _a n~za. que vai marcar esse homêrn de
11hu t le>l11 mundos. seu.,p_ensamento ero. ruptura, a ambição es-
fi 111 l11lrnon te estética _çle suo obro. Entretanto, recusa-se a
, 1 l u1 t, sedução que sua sensibilidade lhe proplcía e, sem re-
oprovodo em 1931, obtendo um terceiro lugar no concurso po- 1111u pnl•. o Allônllco num navio pouco confiável, o Cap/-
ro docente de fllosofia. íl /', 111/ / ~morto, t e ndo por companheiros aqueles que os
O seu engajam~ socialista declino subitamente em ~gul- li 1,,1 q1111Hllcovom de escória: André Breton. Victor Serge. An·
da: um pequeno acidente e uma carta esperada que não t Jl1111 Assim que pisou terra americana e se apresentou
chega sobrepujam-no. Enquanto foi pacifista. o troumotlsmo de N w !..e /1001, fizeram Lévl-Strouss compreender que deveria
1940, do "drôle de guerre· e do "estranha derrota•. como lhe 111\l I> 11 , lo 11omo: passaria daí em diante o chamar-se, enquan-
chamovo More Bloch. prevalecem sobre o engajamento políti- 1 1 11,1, 111 cosse nos Estados Unidos, Claude L. Strauss. o fim de
co. Extrai daí a Idéia de que é perigoso •encerro, as realldades 11 11 t, 11 lu confusão com a marco de Jeans: "Ê raríssimo passar-
políticos no quadro de idéias formalsº 3 • Não se recuperará des- 111, 1 , 1110 som que eu receba, em geral do África, uma en-
sa decepção e não voltaremos a vê-lo num engajamento polí- l!t tu li I d o Jeans" 5• À margem desses incômodos um tanto
tico qualquer, mesmo que, poro além de suas declarações. o 111 1 11 Novo York torna-se o lugar decisivo da elaboração
suo posição de etnólogo tenha em si uma dimensão político. 111, 11 1 1m tropologla estruturalista, graças a um encontro decl·
Mas essa mutação é Importante e, em vez de lançar seu olhar , , 11h11 1óvl-Strouss e seu coleg a lingüista da New Schoo/,
pma o mundo vindouro, Lévl-Strauss volto -se, nostálgico, para o 11 111 h1kobsoh. exilado como ele e que dá aulas de fonolo -
passado, mesmo correndo o risco de parecer anacrônico. des- t 11111!11101 em francês. Esse encontro vai ser particularmente
locado no tempo à maneira de Dom Quixote, que fo i a suo q11t111, Jonlo no plano intelectua l quanto no afetivo . Uma
paixão desde os dez anos. 1111 ,11, Ido de amistosa nasce desse momento e Jamais seró
t M11• 1111dCJ . Jakobson assiste aos cursos de Lévl-Strauss SO...Q!_e o
11 1d,m o. e Lévi-Strauss aéompÕnha os cursos de Jakobspn
t 1 , , 10m e o sentido: ·os seus cursos eram um deslumbra-
1,111 • ( da simbiose de suas Investigações respectivas que
ti 11t1 ,, 1 1 a antropologia estrutural. Ali6s. é a conselho de Ja-
~ 1 111 11 q110 Lévl -Strauss começo ·a redigir em 1943 o sua tese
, 1 1,, 1 onverteró em obra essencial: Les Structures é/émenfaí-
A ATRAÇÃO DO LONGÍNQUO lo /11 porenté.
1,., v111Jc1 à França em 1948, Lévi-Strauss assume algumas res-
I 11 11hlllclodes temporórias: professor de pesquisa no Centre
3. CI. L~Vl·STRAUSS. L• Monde, entrevisto com J M B•""''' .,, ,.._ •-~-•·- ..,
- - - - - - - - - - - - - - - - - --,.-,r tnl'íÇ·,-,,,...-rrr-,...,.,...,..- - - - - - - - - - - - -..,.r-- -- - - - -,--~\J M f1 Cl,1 a;: H'IWOTNf1\ , /\ rrO CI\ t f'I C/\
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 2. NI\SCIMlNIO Df.. UM IICRÓI: CLAUD[ LtVI-STRI\USS
~g,I
30. pelo durkheimismo. E pode-se dizer, portanto, como R. Bou- Lévi-Strauss, que não se satisfaz com uma delimitação éto fenô -
don, que "do lado dos antropólogos, o holismo foi um pouco meno a uma órea geográfica e a uma era temporal. busca.
chupado na mamadeira• 10 . pelo contrário, raízes atemporais, universais. que elucidem a per-
Para Durkheim, assim como para A. Comte, a sociedade manência dessa interdição. Se Lévl-Strauss se situa na filiação
constitui um todo irreduttvel à soma de suas partes. É nessa ba- de A~gus~ Comte, de Êmile Durkhelm e Mauss, não
se que irá constituir-se a disciplina soclológica. O êxito crescente se deve esquecer o- p ãpeilmportantê qu rvforx t esempeimou
da noção de sistema, depois da de estrutura, encontra-se v(n- para ele. Jó vimÕS q ue teve de Marx um cor:ihe Ímenfopréco-
culado ao conjunto das mutações científicas das divers~s disci- ce e- profundo, que alimentou na época o seu mllltantismo .
p linas na virada do século, principalmente à sua capacidade Marx é apresentado como uma de suas "três amantes" 13, com
paro explicar a interdependência dos elementos constitutivos do Freud e a geologia. Retém dos ensinamentos de Marx que as
seu objeto próprio. Essa mutação afetou tanto a sociologia realid ades manifestas nem por Isso são as mais significantes e
quanto a lingüística, a economia tanto quanto a biologia ... Por- que compete ao investigador construir modelos o f im de ter
tanto. Lévi-Strauss não pode deixar de situar-se na filiação dur- acesso aos fundamentos do real e ultrapassar a aparência sen-
kheimlana. Aliás, não retomou ele, em 1949, o desafio de F. sível: "Marx nos ensinou que as ciências sociais não se cons-
Simland de 1903 contra os historiadores? Entretanto, o encami- troem no plano dos aconteclm.entos do mesmo modp que a
nhamento de Lévi-Strauss é o inverso do adotado por Durkheim. física não assenta em dados da senslbilidade" 14. '
No momento em que escreve Les Régias de la máthode, Dur- Fiel ao ensinamento de Marx. defende-se. numa estrita orto-
khelm escolhe privilegiar os materiais dos historiadores, as fontes doxia. de querer ocultar o papel determinante das infra-estrutu-
escritas e desconfia das informações reunidas pelo etnógrafo. ras, mesmo que seu intuito seja construir uma teoria das supe-
Estamos em plena era do positivismo histórico. Só tardiamente, restruturas: "Não pretendemos. de forma nenhuma, Insinuar que .
por volta de 1912, Durkheim coloca os dois métodos, histórico e transforma ções ideológicas engendram transformações sociais. A
etnográfico. no mesmo plano. desvio acelerado pela fundação ordem inversa é a única verdadelra" 15 • É certo que. com o pas-
de L 'Année sociologique. Em contrapartida. para Lévl-Strouss. sar dos a ~os, a impregnação marxista. o diálogo subjacente
que Iniciou suas minuciosas pesquisas de campo no Brasil. a ob- com Engels. tudo isso desaparecerá ... Mos. no ponto de parti-
servação vem em primeiro lugar. anterior a toda construção da. no Brasil. ele se apresenta sobretudo como marxista. A esse
lógica. a toda conceituallzação. A etnologia é para ele, em propósito, diz a Éribon que os brasileiros ficaram decepcionados
primeiro lugar. uma etnografia: "A antropologia é, acima de tu- por ver chegar um sociólogo nãó-durkheimlano. Que outra coi-
do, uma ciência empírica ... O estudo empírico condiciona o sa se poderia ser na época senão durkheimiano? "Eu apostava
acesso à estrutura" 11 • A observação não é. certamente, um fim e m como ele era marxista. Estivera prestes a tornar-se o filósofo
em si - Lévi-Strauss bater-se-á também contra o empirismo - . ofic ial da SFIO [Seção Francesa da Internacional Operária] / .. ./.
mas um indispensável estágio Inicial.
12. É. OUílKHEIM, 'la prohibllion de !' Inceste', em L'Année soclologlque, vol. 1,
8. Franc ine Le Bret. entrevista com o autor. 1898.
9. ílaymond Boudon, entrevista com o autor. 13. C I. LÉV~STílAUSS. Tristes Tro,::,/ques, op. clf.. p. 44.
FRANÇOIS DOSSE 1 - OS AN OS C INQÜENTA: A ~POCA tPICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 2. N ASCIMENTO D E UM HERÓI: C LAUDE LÉVI-STRAUSS
Manifestamente. passou-se alguma coisa no Brasil que fez com pologla americana e seu campo de curiosidades e Investiga-
que o que ele era ao chegar já não fosse mais depois; deve ções não conhecia limites. Lévi-Strauss assistiu até ao faleci-
ter sido o contato com o campo, mas não unicamente isso." 1~ mento do grande mestre, no decorrer de um almoço organi-
Em confronto com o terrltórlo da antropologia. Lévi-filJ,oJ..1SSJ e- za d o por Boas em homenagem a Rlvet. que visitava a
cusa os dois caminhos que se lhe oferecem coinõ" as únicas faculdade de Columbia: "Boas estava muito alegre. No meio da
~ ssibittd~ s d~ ãsqulsa nesse dÕm ínlõ:õ ·evoTÜCIÕnism~u o conversa, empurrou violentamente a mesa e caiu para trás. Eu
difusionismo:ê o tunclonalismo.- ..xdm irã~Tem- dúv ida, a qualida- esta va sentado a seu l ado e precipitei-me para erguê-lo ... Boas
d e d-;, trabalho d e c ampo de Malinowsld, seus estudos sobre a estava morto"21 • A mais importante contribuição de Boas e sua
vida sexual na Melanésia ou sobre os Argonautas. mas denun- Influê ncia sobre Lévl-Stra uss terão sido a ênfase que deu à na-
cia neles o culto do emplrlsmo e seu funcionalismo: "A Idéia de lureza Inconsciente dos fenômenos culturais e a colocação das
que a observação empírlca de uma sociedade qualquer permi- leis d a linguagem no centro da inteligibilidade dessa estrutura
te atingir motivações universais. aparece nela [na obra de Mali- Inconscie nte. O Impul so lingüístico estava dado. oriundo do
nowski} constantemente. como um elemento de corrupção que campo C!~a tl!'o12olq gia._O..:ii.atl,ir g_e..J S1U ,..i=..Jrla. fa~orecer. a -fe-
corrói e diminui o alcance de notações, das quais se conhece,
aliás, a vivacidade e a riqueza" 17 . O funcionalismo de Malinows-
-
cundidade do e.ncoA-tr0-e nue-bév-i..St La.uss....e. Jakobson.
. ~-
ki, no entender de Lévl-Strauss. cai na armadilha da descontinui-
dade, da singularidade. Ao confundir estruturas sociais e rela·
ções sociais v isíveis. essa análise mantém-se à superfície das
coisas e passo. portanto, à margem da essencialidade dos fe-
nômenos sociais. Assim, a respeito da proibição do incesto. Mali-
nowski não sai das considerações de ordem biológica sobre a
incompatibilidade dos sentimentos parentals e das relações
amorosas. Um pouco mais próximo de uma abordagem estrutu-
ral. Radcliffe-Brown já utilizara o concei to de estrutura social a
A IMPORTAÇÃO DO MODELO LINGÜÍSTICO
. propósito do estudo dos sistemas de parentesco aust{alianos.
Procurou classificar de maneiro sistemática, especlfi~r cada sis-
,
tema e, depois. oferecer generalizações válidos paro o conjunto
das sociedades humanos: "A análise procura reduzir a diversida-
E
quand~
nesse ponto preciso que Lévl-Strauss inova strícto sensu,
ao trO f1.§P.Ç>r pa rÕÕ ã ntroi:fologia - o ·rrfo~ elõ:l]ríg üístico.
_Eillt Q.Ó.,..) Í aFral'}.ç_a..._ a ar:trop<;>J ogia estava ligada
de (de 200 a 300 sistemas de parentesco) o uma ordem. qual- às ciências da natureza. sendo dominante a antropologia tísi -
quer que posso ser" 18• Mos Lévi-Strauss considera que a metodo- c a ao longo de todo o século .XIX. Esses- m od e lo s das ciên-
logia de Radcliffe-Brown continuou sendo excessivamente c ias danãfüiezaesfaõ:-a1émciisso. ao seu alcance imediato,
descritiva e empirista, e compartilha em definitlvo com Mali- vist o que, tendo regressado à França em 1948, Lévl-Strauss é
nowski uma interpretação funcionallsta que não vai além da nomeado subdiretor do Museu do Homem. Entretanto, ele
superfície dos sistemas sociais. não adota esse enfoque e vai buscar nos ciências humanas.
Ao abandonar a corrente do empirlsmo anglo-saxónico. Lévi- m ais precisamente na lingüística. um modelo de clentificida-
Strauss vai encontrar seus mestres em antropologia nos herdeiros de. Por que esse desvio criador? "Eu tenho uma resposta
da escola histórico alemã que se desviaram da história, defen- pa ra isso, que me proponho apresentar-lhe. A antropologia
sores que são do relativismo cultural: Lowle. Kroeber e Boas. "au- biológica. física. comprometeu-se tanto com os racismos de
tores f rente aos quais sinto necessidade de proclamar-me em tod as as espécies. que era difícil recorrer a essa disclpl!na e
dívlda" 19 . Ele vê em R. H. Lowie o iniciador. aquele que. a par- basear nela essa miragem de uma ciência geral. de uma an-
tir de 1915, abria o caminho promissor do estudo dos sistemas tropologia geJal que Integras.s e tanto o físico quanto o cultu-
de parentesco: "A própria substância do vida social pode ser. ra l. Houve uma liquidaç,ão histórica da antropologia física. o
por vezes, analisada de maneira rigorosa em função do modo
Que provocou a economia de um debate t eórico. Claude
de classificação dos pois e demais parentes"20 • Quanto a Franz Lé vl -Strauss chega e o lugar foi limpo pela hlstória."22 A ruptu -
Boas. Lévl-Strauss procurou imediatamente encontrar-se com ele ra realizada por Lévi-Strauss é tanto mais espetacula r visto
após sua chegada a Nova York. Boas dominava então a antro- Qu e a flllação naturalista e biologista da antropologia
fr a ncesa era amplamente dominante; essa disciplina designa-
va o p e squisa dos bases naturais do homem e fundam en-
16. Ph~ippe Descolo. entrevísto com o autor.
1 7. CI. ll:VI-STRAUSS. Anthropolog!e structurole, Plon. 1958, p. 19.
to vo -$e, portanto, num determinismo essencialmente biológico.
18. A. R. RADCLIFFE-BROWN, 'The Study of Kinshíp Systems'. Journol of fhe Royal A esse re speito, a guerra deixou o terreno limpo, e Lévi-
Anfhropo/ogy fnsf/fute. 1941. p. 17. [N. do T. Este ensaio seria pos1eri~nte inc luí· Slrouss p ô de e ntão, sem risco ideológico, reapossar-se do ter-
_.__ --- -- • -••- --- , _ _..1.... .., 1 _ __._ c4-,,_..._.~ --·- - ' t=,.__ __ , _ _ -'--O-""-NI•~-- ~-.-la l u lOA? 1
mo antropologia, elevando a a ntro pologla franc esa ao níve l
do campo semântico da antropologia anglo-saxónica, alicer-
çando-a numa disciplino-piloto: a lingüística2J. 3. NA SUTURA NATUREZA/CULTURA:
O INCESTO
nuo fiel a essa opinião, representou um avanço comparável, no o prescritos os casamentos com primos cruzados [primos deriva-
seu domínio, a O Capital, de Marx, ou à Interpretação de So- dos d e coirmãos de sexos opostos] e, por vezes, mais precisa-
nhos. de Freud"4 • Aqui também, é a capacidade para ordenar ment e, primos cruzados matrilineares. As sociedades dividem-se,
um domínio aparentemente entregue à Incoerência total. ao portanto, em dois grupos: o dos cônjuges possíveis e o dos côn-
empírico, o que seduz o nosso jovem filósofo, e esse fascínio vai juges proibidos. Reencontra-se esse sistema nos australianos que
confirmar para ele uma escolha de carreira e de existência: a Lévl-Strauss estuda: o sistema karlera ou o sistema oronda. No
antropologia. sist ema korfera, a tribo está dividida em dois grupos locais. os
quais se subdividem, por suo vez, em duas seções. e a perten-
ça aos grupos locais transmite-se em linha patrllinear, mas o
filho pertence à outra seção. Temos. portanto, em primeiro lu-
gar, uma alternôncla das gerações .e um sistema de aliança
que se forma com a prima bilateral cruzada {a prima é bilate-
ral porque é, ao mesmo tempo, filha da Irmã do pai e filha do
Irmão aa mãe de Ego). O sistema aronda é semelhante. mas
A INVARIANTE UNIVERSAL possui classes matrimoniais. Trata-se, neste caso, de alianças si-
métricas que Lévi-Strauss reagrupa sob a forma de trocas restri-
tos que se opõem a sistemas, também elementares, mas com
qüêncla do adoção do modelo fonológico, "Claude Lévl-Strauss 1 t1t,em p é de Igualdade com as ciências exatas. ·1em-se. o lrn-
Inicia a crítica da eficácia da abordagem histórica ou da cons- p roasõ o d e que os ciências humanas vão tornar-se clenclas
ciência na explicação científica dos fenômenos sociais"15• e o mpletas, corno o física de Newton. Isso existe em Claude Lé-
Lévi-Slrauss adere, pois, à escola dos lingüistas, fascinado pe- vl Stra uss. / .. ./0 cientismo torna-se digno de crédito porque a lin-
lo êxito do modelo deles: " Gostaríamos de apreender dos lin- uuístlca apresenta-se como algo c ientífico, no sentido das ciên -
güistas o segredo ·do seu sucesso. Não poderíamos, nós < las da natureza. / .. ./~ essa, fundamentalmente, a chove do
também, aplicar ao campo complexo de nossos estudos / .. ./ 6,clto.'21 C aminho fecundo. por certo. mas chave também para
esses métodos rigorosos dos quais a lingüística verifica diaria- devaneios e miragens que vão pairar, durante uma vintena de
mente a eflcácla?·16 Mas seria desconhecer Lévl-Strauss pensar 11 nos, sobre a comunidade científica, no domínio das ciências
numa simples renúncia do antropólogo ao encontrar no lingüis- l\umonas.
ta seu mestre. Pelo contrário, essa contribuição do lingüista ins-
creve-se numa perspectiva abrangente que Integra o própria
lingüístico num projeto mais geral, cujo mestre-de-obro seria o
antropólogo. A Interpretação do social seria, desta forma, o re-
sultado de uma •teoria da comunicaçâo" 17 em três estágios: a
comunicação das mulheres entre os grupos graças às regras de
parentesco; a comunicação de bens e serviços graças às re-
gras econômicas; e a comunicação de mensagens graças às UM ACONTECIMENTO MARCAN!E
regras lingüísticos. Dado que esses três níveis se Incorporam num
projeto antropológico global, a analogia entre os dois métodos
é constante em Lévl-Strauss: •o sistema de parentesco é uma acolhimento dispensado à publicação de Les Structures
linguagem"18; "Postulamos, portanto, a existência de uma corres-
pondência formal entre a estrutura da língua e a do sistema
O élémentoires de lo porenté teve repercussões imediatas,
pois é Simone de Beauvoir quem assina um comentário suma-
de parentesco" 19• _AJ!_ngC:ístlca foi a§Slm ele_yoda pQ_r Lévl-Strauss monte e logioso em Les Temps modernas , cujo público formado
à categoria de ciência -piloto, de modelo primordial. Eiãcreve m sua grande maioria de Intelectuais lato sensu permite dar
permitir à antropotog,a basear-se no cultural, -no social, desligar- no livro um eco Instantâneo, bem mais amp lo do que o do
se c_2mpletamente do seu passado de antropologia física. Gra- restrito círculo de antropólogos, sem que isso signifique, no en-
ças a Jakobson, Lévi Sti auss percebe desde muito cedo esse tanto, que se chegasse ao ponto de ter a volumosa tese. Jean
papel estratégico, portanto, não se pode concordar co~ Jean flo ulllon está nesse caso, pois só começa a ler Lévi-Strauss a
Pouillon, quando este reduz a contribuição da lingüística em Lé- partir d e Tristes Tropiques. O acaso provocou, portanto, esse pa-
vl -Strauss ao simples fato de pensar que •o sentido é sempre radoxo : a primeira recensão dessa obra estrutural-estruturalista foi
um sentido de posição· 20 • A partir de Les Structures élémentaires publicada justamente no próprio órgão de expressão do existen-
de la parenté, encontraremos sempre os dois principais pólos de c ia lismo sartr eano. Les Temps modernes! Simone de Beouvolr,
Impulsão do paradigma estruturallsta?'ã lingüística; mas tamõém que era da mesma idade de Lévl-Strauss e o conhecera super-
a linguagem._ formalízada _iiõr definição, (as m_ate~ ~ticas_)Lévl- f lclalmente antes da guerra, por ocasião do seu período de
Strauss requer os serviços das matemáticas estruturais do grupo p ro fessora estagiária, estava prestes a terminar Le Deuxiàme Se-
Bo•Jrbak.l, graças a um encontro com o Irmão de Simone Well. xo [O Segundo Sexo}.
André Weil, que escreve o apêndice matemático do livro. Lévi- Ela toma conhecimento por Michel Leiris de que, por seu la-
Strauss encontrou nessa transcrição matemática de suas desco- d o, Lévl -Strauss la publicar suo tese sobre os sistemas de paren-
bertas o prolongamento de um deslocamento análogo ao ope- l osco . Interessada pelo ponto de vista antropológlco sobre a
rado por Jak.obson: da atenção aos te rmos das relações para q ue stão, Simone de Beauvoir pede a Leiris que inte rceda em
a preponderância acordada às próprias relações entre esses sou favor junto de Lévl-Strauss, que lhe remete as provas do li-
termos, Independentemente do seu conteúdo. v ro antes que e la termine sua própria obra. "Para agradecer o
Essa dupla fecundidade, essa dupla contribuição de rigor, de gesto de Claude Lévl-Strauss, ela escreve então. um exten~ co-
clentificldade, no ventre macio de uma ciência social ainda mentário para Les Temps modernes.· 22 Esse artigo é particular-
l::.'.llbu clante e não implantada, s6 podia fazer nascer o sonho mente positivo quanto ao valor das teses de Lévi-Strau~s: "Els
de se ter, enfim. alcançado o derrâdelro e~óglocte cientlflGida- q ue a sociologia francesa estava mergulhada no sono ~a mul-
to t e mp 0 •2J. Simone de Beauvolr adere ao método e as suas
conclusões. convida à leitura mas, ao mesmo tempo, Integra a
15. Y. SIMONIS, L&vl-Strouss ou la passlon d& /'Inceste. Chomps-Flammorion. 1980 o bra no grêmio sartreano ao dar-lhe um alcance existencialista,
(1968). p , 19.
16. CI. l~VI-SlRAUSS. A n fhropok>Qle sfructura/e, op. clf.. p . 79 .
17. lb .. p . 95.
18. lb. (1945). p, 58.
ANÇOIS DOSSE
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO
Ta'.""'b_ém em Les Temps modernas, que v ai decididamente S e Lévi-Strauss se dedica em Las Structures ~émentaires de
la parenté ao estudo de um tema específico, o paren-
losco, próprio da antropofagia, o status de sua lntroductlon à
contribuir mult? par:1 tornar conhecida a obra de Lévi-Strauss,
Claude Lefort intervem, desta vez de maneira crítica, no início /'oeuvre de Marcel Mouss (1950) é diferente . Não se limita a
do ª~? d_e 1951. Censura a lévl-Strauss colocar o sentido da uma slmples apresentação da obra· de um dos mestres, durkhei-
rnlono, da antropologia francesa, mas aproveita a ocasião para
expe11enc10 fora da própria experiência e fazer prevalecer 0
modelo matemótlco apresentado como mais real que O reali- <,toflnlr o seu próprio programa, estruturalista, que é a exposição
dade: "O que se criticaria ao Sr. Lévi-Strauss é o fato de cio uma rigorosa mê todologia. Cüílõsamente, portanto, o que
apreender na sociedade mais os regras do que os do Início parece ser um modesto e ritual prefócio acabou fa·
comportomentos"25. Jean Pouillon responderó mais tarde às crí- ,onda época e constituiu a primeira definição de um programa
ticas de lefort quand_o,_ em 1956, determina a posição ocu- unltórlo proposto ao conjunto das ciências do homem desde a
pada pela _obra de lev1-Strauss. Considera· então infundado 0 l on tativa dos ideólogos do começo do século XIX qu,e tinham
ponto de vista de lefort na medida em que Lévi-Strauss evita doflnido, com Destutt de Tracy, uma vasta ciência das idéias
slm~ltaneamente confundir a realidade e sua expressão mate- que permanecera apenas tolerada. Outro motivo de espanto é
mótica, serr_i tampouco separó-las a fim de fazer prevalecer a ô sociólogo Georges Gurvitch, mais tarde muito hostil às teses
:egunda_ Na~ hó, portanto, ontologização do modelo, visto que da Lévl-Strauss, que pede a este último que redija essa lntro-
essa exp~essao matemótica do real jamais é confundida com duction para uma coleção que ele tinha fundado nas Presses
26 Unlversitalres de France.
o real" - E nessa adesão global ao método que ficaremos. em
~eados dos anos 50, aguardando as críticas tanto anglo-saxô- Georges Gurvitch aliós percebeu logo a distância que o se-
nicas quanto francesas, a partir do momento em que O para- parava de Lévl-Strauss, e acrescentou um pós-escrito para expri-
digma estruturalista for fragilizado, sobretudo em conseqüência mir suas reservas, qualificando a interpretação de Lévi-Strauss de
de Maio de 68. , loltura muito particular do obra de Marcel Mouss: "Foi aí que as
coisas começaram a se estragar" 1 • ~i.f-Glas-:ft11ien q;re1]!10.s não
60 engana sobre a importôncla desse texto. Encontra-se então
om Alexand ria e, óvido de alimento Intelectual, descobre a ln-
lroduc tion à /'oeuvre de Marcel Mauss. Essa leitura. a par de
ou tras. vai encorajá-lo em seu projeto de construçã <J de uma
metodologia globalizante para as ciências do homem: "Se os li-
vros realmente contam. talvez seja esse o que vai desempenhar
o papel mais importante. O estruturalismo é, em última análise,
o encontro da lingüística e da antropologia"2 • Lévi-Strauss apóia-
se, portanto, na autoridade que a obra de Marcel Mauss ad-
quiri u para alicerçar a antropologia em teoria e formula esta de
acordo com um modelo capaz de explicar o sentido dos fatos
observados no campo da pesquisa. Daí o recurso à lingüística,
apresentada como o mei,lhor meio de tornar o conceito ade-
quado ao seu objeto. Ele parte do postulado, semelhante ao
da lingüística moderna, de que somente existem fatos construí-
dos. A lingüística torna-se, portanto, a ferramenta capaz de
aproximar a antropologia da cultura, do simbólico, retirando-a
assim dos antigos modelos naturalistas ou energéticos. Pela de-
finição desse programa metodológico, Lévl-Strauss singulariza-se
ainda e m relação ao ambiente etnológico francês, estabele-
24. 10.. p. 949. Cef1do uma distância que separo de formo clara a antropolo-
25. CI. lEFORT, 'l'échange et la lutte des hommes" Les Tem~• moei f
ro ci. 1951 . • ~ emes. &verei-
FRANÇOIS DOSSE OS A NOS CINQÜCNTA: A ÉPOCA (IJICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 4 . PEÇAM O Pf?OGRAMA : O M A USS
g ia da te cnologia. dos museus. e a orienta resolutamente para a m b ição, expressa por Mauss no Essai sur le don [Ensaio sobre
o conceito e a teoria: "Tudo parte do museu e tudo aí retorna. o Dom ], de estudar o fato social total. Entretanto, só existe to-
Ora, Lévi-Strauss afasta-se dele para fundar teoricamente a talida d e a partir do momento em que se supera o a tomismo
antropologla"3 .J:_évi-Strauss vê em Mauss~ Q.QCÍQJ)to_a_~ - social e se é capaz de Integrar todos os fofos numq,,, an tropolo-
tual do estruturalismo. Essa escolha tem. por certo, como toda g lo p e rcebida como _sistema _globol de Interpretação 9.ue ..:_ex-
escolha, üm ã"spectõ arbitrório, com suas injustiças que Jean Ja- plica sirnul1ane-Õme~_9s aspectos físlé o, fisiológiéo, pSÍc:::tU!CO e
min sublinha quando exuma do esquecimento Robert Hertz, por sociológico de todas as condutas" 1?. No centro dessa t~ ~de:
ele considerado ainda mais pioneiro do que Marcel Mauss na O COrJ?O hÚ nJ~ nq,, ..slgno a pàrente d Ô. noJurefg_mas;- d ~_! ato, __in-
arqueologia do paradigma estruturallsta . Morto ' durante o p rimei- teírÓmente cultural. Ora, Mauss Introduz •umo arqueologia das
ro conflito mundial, em 1915, Robert Hertz deixou alguns estudos: a1itwje7côrporais" 11, programa que seró retomado em maior
"Em minha opinião. um dos fundadores do estruturalismo. ao detalhe e com p leno êxito por Michel Foucault.
ponto de o etnólogo britânico Needham dedicar todo um livro, No cerne corg oral,._g_ inconsciente, cuja preponderância - o
Ríght ond lett, em homenagem a Robert Hertz"4 • Num desses que vai se tornar importante traço do paradigma estruturalista -
textos encontra-se, com efeito, a binariedode estrutural. "A pree- Lévl-St rauss sublinha, vendo urna vez mais uma Intenção precur-
minência da mão dlreita" 5 é uma descoberta do polaridade sora em Mauss: "Nada tem de surpreendente que Mauss / .. ./
religiosa entre um direito sagrado e um esquerdo sagrado ... Ro- ten ho reco rrido consta ntemente ao inconsciente como fornece-
bert Hertz mostra em que é que a lateralização, que talvez dor d o caróter comum e específico dos fatos soclais"12 • Ora, o
tenha um fundamento blológlco, fundamenta -se sobretudo no acesso ao inconscie nte passo pela mediação da linguagem e .
plano simbólico e opõe o aspecto fasto e · puro da d ireita ao nesse domínio, Lévi-Strauss mobiliza a lingüística modé rna, sous-
impuro e nefasto da esquerda: "Essa descoberta teró uma Im- surlana, poro o qual os fatos da língua situam-se no estágio do
portância muito mais acentuada do que se julga, visto que, no pensamento inconsciente: "É uma operação do mesmo tipo
Colégio de Sociologia, M. Leiris. G . Bataille e R. CaJllols retoma- que. na psicanálise, permite reconquistar 'paro nós mesmos o
rão essa polaridade do sagrado" 6• nosso eu mais estranho e. no investigação etnológica. nos faz
ganhar acesso ao mais estranho dos o utros como a um outro
nós" 13. Lévl-Strauss sela aqui o união fundamental d~A:Íuas clên-
clos-faróisCW-:gTan-er-e· pérío Oo-ésffuturolislâ : aor\tiopologlo e o
psicanóllse,- ~p~i~-;.-;e amba s numàõutf a ciê ncia (ciência-pi-
loto), verdadeirõmõ'cr ·e lo heurís'tlco: a lingüística.
O~tra caracte'rístTcci- desse- pé ríodo, que iõ se expressa nesse
texto-manifesto de Lévl-Strauss, e que veremos ser particularmen-
O INCONSCIENTE te desenvolvida em Jacques Lacan, é o retomada do signo
saussuriano, forçando -o no sentido de um esvaziamento do sig-
nificado ou, em todo caso, de sua atenuação em p roveito do
de Marcel Granet, tendo freqüentado seus cursos na Escola de polovros. a permanência dos conceitos. Poro apreender as va -
riações do modelo . ele utiliza os noções de d iferenço . seme-
Línguas Orientais, de 1933 a 1935: "Foi ouvindo e vendo Granet
lhança, de oposição de valor, que são outros tantos instru-
trabalhar que ele provocou em mim uma espécie de metamor-
111o ntos de um método que se pode Indiferenteme nte qualificar J
fose ou de amadurecimento que não posso deflnir"3 •
~ de efe~ent~ Dumézil ocupa um lugar.... àJ2..ar_ts1...J10 .que
cio comparatisto ou de estruturalista.
se refere ao movim~nto estruturalista. e que explica as S!:JOS re -
ticências quanto a ser assimilado a essa corrente,__g__p_ela_ ausên-
cia daquele que se converteu em referêncla _obrig.atórla de
toda a obra estrutural: Ferdinond de ·savssyre. Dumézll apresen-
tou -se sempre como um filólogo e, o esse título. suo obro ins-
creve-se numa herança anterior ao •corte" soussurlono. na
esteiro do c omparotismo dos filólogos do século XIX. principal-
mente dos t rabalhos dos irmãos Friedrich e August Wilhelm von
Schtegel, de Auguste Schleicher e, sobretudo, de Franz Bopp, A TRI FUNCIONALIDADE
que elucidou os parentescos lexicais e sintáticos do sânscrito, do
grego, do latim e do eslavo4 • Portanto, Dumézil ligo-se mais o
ve rdadelro bomba que Georges Dumézil deposita sob os
essa corrente da lingüístico histórica que porte, desde o come-
ço do século XIX, do postulado de um parentesco entre essas
diversos línguas. descendentes de uma raiz comum, a de uma
A nossas certezas data de 1938, ainda que só venho a ex-
plodir. d e fato, após a guerra. Se existe um corte epistemoló -
língua-mãe. indo-européia. É dessa corrente \fe filologia histórica 0 10 0 na longa seqüência de seus trabalhos cuja publicação
que Dumézll ext ra i também a noção essencial de transforma- começa em 1924. ele se situa no mome nto em que. em 1938,
ção, básica no nascimento da ciência da linguagem . Essa npós ter sondado as possibilidades de c o mparação entre um
noção conhecerá um êxito retumbante: não tardará em encon- u rupo d e fatos Indianos e um grupo de fatos romanos, encon-
trar-se no âmago da maior parte das obras estruturolistas. E lro a explicação dos três tlâmlnes principais de Roma/ sacerdo-
lévi-Strauss considera Dumézll. também nesse ponto. um pionei- tos o serviço de Júpiter. Marte e Quirino, por seu paralelismo
ro: "Com a noção de transformação, que você foi o primeiro com os trê s classes sociais d a Índio védica: sacerdotes. guerrei-
dentre nós o utilizar. deu [às ciências humanos] sua melhor fe r- 1os e produtores6 • É dessa desc oberta q ue data o hipótese de
romenta "5. uma Ideologia tripartida, trifuncional. comum aos indo-europeus,
É claro que Dumézil não permaneceu à margem da lingüís- hipótese so b re a qual 'Dumézíl não deixará de trabalhar, até
tica moderna. Se Ignorou. quanto ao essencial, a obra de Saus- lllJO morte . conve rtendo-se assim no arqueólogo do imaginário
sure, conheceu pelo menos a de um dos seus discípulos, Indo-europeu. Essa descobe rto situa-o. de foto. digo-se o que se
Antoine Melllet e. sobretudo. a de Émlle Benvenlste. que irá rilsser, e ntre os pioneiros. do estruturalismo. uma vez que vai en-
apoiá-lo com todo o seu peso a fim de obter suo eleição pa- lôo orga nizar toda a sua leitura da história ocidental em torno
ra o College de Fronce em 1948. numa rude batalho em que el o esq ue ma o rganizador a que chamará ciclo, depois sistema
to((::>s os defensores do tradição se opõem o 4:;:;se decifrador in- o, e nfim . estrutura, e o qual adoto a forma dessa t rifuncionoli-
cômodo. Dumézll tem contra ele, ao mesmo tempo, o medie- cJode. Esse esquema comum das repre sentações mentais dos
valista Edmond Farol, o especialista em Roma André Piganiol, o Indo-eu ropeus te m su\'.JS ra ízes mergulhadas. para Dumézll. numa
V('ISto órea cultural e ntre o Báltico e o Mor Negro, entre os Cár-
po tos e o Urat no f im do Ili milênio a .e. Existe portanto. para
2. CI. LÉVf.SmAUSS, "D u mézil et les sciences humoines', Fronce-Culture, 2 de out u -
u lo, uma singula ridad e d o fenômeno que não se vinculo, e é
b ro de 1978.
3. G . DUMÉZIL. Enfr&tfens OVQC D . trlbon, Gollimord, 1987. p, 64. nosso ponto q ue se o p õe a Lévi -Strauss. às le is do espírito hu ·
4. F. 80PP. Sysfhértlé dé con}ugaffon de la langu e scmsc rlfe , c omparé o celul d &s
1 OS ANOS CINQlJlNIA: A POCA PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 5 UM FRANCO -ATIRADOR: GEORGE$ DUMlZIL
mano em sua universalidade. A sua abordagem aparenta-se obra não traduz necessariamente a vontade de seu autor.
também com a estruturalista na medida em que não conside- voorges Dumézll teró sido, sem dúvida, um iniciador, um arau-
ra que essa Invariante trifuncional resulte de sucessivas aquisi- to da epopéia _estrutural.
ções, a partir de um núcleo original de difusão. Ele preconizo,
pelo contrórlo. um método de comparotismo genético que eli-
mina o tese do empréstimo. Num enfoque que qualifico de
ultra-história, uma vez que tem por objeto os mitos. Dumézil
compora sistematicamente os dados do Veda, depois do Mo-
hôbhôroto, com os dos citas, romanos, Irlandeses.. . e reagrupa
todas essas sociedades e essas diferentes épocas numa estrutu-
ra que lhes é comum, à qual opõe a função de soberania, de
sacerdócio - Zeus, Júpiter, Mitro. Odln -, a função guerreira -
Morte, /ndro. Tyr - e, enfim. a função produtora, nutriente - Qui-
rlno, Nosatya, Nijórdr.
O relativo Isolamento de Dumézil também resulta das dificul-
dades de exportação do seu modelo, o que não significa que
sua obra tenha ficado sem continuadores. Mas a partir do mo-
mento em que o seu esquema organizador fica delimitado a
uma órea particular, ele fecha-se a todas as extrapolações ge-
neralizadoras que florescerão na bel/e époque estruturallsta. Por
outra parte, Dumézil situa seu método numa posição interme-
diária entre a pesquisa de elementos exógenos aos mitos paro
explicá-los e a de um confinamento numa estrutura interna in-
dependente daquilo a que os mitos remetem. Integrando ao
mesmo tempo a articulação dos conceitos entre si em sua es-
trutura própria e os aspectos do universo trotados nos mitos,
__Qu~é~o-~~mel~_S.9.!DJJ1hO_enf.te~os-filóiogos come2ratistas
do século XIX e o método estruturollsto. E esse caráter t1íbrido
de D~zil. sÜà~~nsideração dÕ história ("gostaria de me defi-
nir como historiador"'). o que vai favorecer um vasto prolonga-
mento de suas descobertas entre os hlsto~adores da terceira
geração dos Annoles. Mesmo que o esquema trifuncional não
seja um dado Importante do mundo helênico, os especialistas
do Grécia antiga, Pierre Vidal-Naquet, Jean-Pierre Vernont. Mar-
cel Detlenne, renovaram o partir de Dumézil sua abordagem do
Panteão, e os medievalistas como Jacques Le Goff ou Georges
Duby, diante de uma sociedade separada em três ordens, não
podiam deixar de inte1rogar-se sobre os fundamentos dessa di-
visão. Mas esses prolongamentos são mais tardios, datam dos
anos 70. e a eles voltaremos ao tratar desse período.
As lições de Dumézll não desaparecem, pois. nesse dia de
11 de outubro de 1986 em que ele se extingue, aos 88 anos.
no hospital de Val-de-Grôce. É um lingüista, Claude Hagàge,
quem lhe rende homenagem em Le Monde. Sob o título "La
clé des civlllsations· [A Chave dos Civilizações]. escreveu: "De-
pois de Dumézíl. a ciência das religiões não pode mais ser o
que era antes dele. A razão pôs ordem no caos. Ele substituiu
as blandícias de uma vaga noção de religiosidade pela clari-
dade iluminadora das estruturas do pensamento. É uma de suas
grandes lições"8 • Çecididamente,_a .eajrvtura o ~~uiu conJra
a sua~ontad~ e.9ra alé,!!l do roorte. mas .o sentid.o de uma
6, A PASSARELA FENOMENOLÓGICA
18 M ~n11rA1ttT , _ _ •• •
F-RA NÇOIS DOSS( OS AN OS C INQUtN tA : A POCJ\ PIC A
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 7, O COIUE SAUSSURIANO
truturalista de base. O p rimeiro fator relaciona-se com a prepon- 1tllCJ parte mítico. Não obstonte~ 12ara g~..t;nelt)QJ...§e avalie_ a
derância assumido p elos russos e suíços após o Primeiro Guerra -11(,1 lmportâ~ c.ia,.J?..Q_d e -se inqggar se ,bouve_ _eJeJiy a.meote, um
Mundial numa d isciplino lingüístico dominada até então pelos 1 o de e ntre Ur_:!:!a li.\}g_Qístiç_g_~.9..§.:§9~~\.9,D.9.:.,. A essa inda-
alemães. propensos essencialmente a uma filologia comparativo. y11ç60, ãsrespostas divergem de acordo com os lingüistas. Nin-
No I Congresso Internacional de Lingüística realizado em Haia lJllÓm , evidentemente, tem a ingenuidade ae supor que o
em 1928, selo-se uma aliança prenunciadora de um grande fu- 111rnsomento lingüístico saiu pronto e acabado para consumo
turo: "As propostas apresentados pelos russos Jakobson, Karcevski hnodlato da cabeça de um único indivíduo, Ferdinond de saus-
·e Troubetzkoy, por uma porte, e pelos genebrinos Bolly e Séche- •1110, m os alguns insistem mais sobre a descontinuidade que ele
haye, por outra, têm em comum destacar a referência a Saus- 111presenta e outros sobre uma mudança mais contínua.
sure para descrever o língua como sistemo"3 • Portanto, Genebra 1ronçoise Gode t d e tende a idéia de um corte multo nítido
e Moscou estão no bÔse de definição de Ü m programa eslrutu- , 11lre "o concepção que tinha sido o do período
rallsta. Aliás, foi nessa ocasião que Jakobson empregou pela pri- p1ô-so ussurlano"6 e aquela que Soussure inaugurou. A abordo-
meira vez o termo •estruturalismo" ... Saussure só fizera uso do \J' m descritiva, a prevalência do sistema. a preocupação em
termo sistema, múltiplos vezes citado, 138 vezes nas 300 páginas 11 montar até as unidades elementares a partir de procedimen-
do CLG. 1\1" c onstruídos e explicítos, tal é a nova orientação. oferecido
O segundo acontecimento que condiciona o futuro do CLG, t mr Soussure, e que vai constituir o menor denominador comum
desta vez no França, é. entre outros fatore, , o artigo de Grei- ti o tod os os movimentos estruturalistas. També m poro Roland
mas. que doto de 1956: "L'actualité du saussurisme", publicado lhuthes. Soussure represento o verdadeiro nascimento da lingüís-
1
em Le François mode rna (3. 1956). "Nesse artigo, eu mostrava 11,.0 moderna : "Com Soussure. ocorre uma mudança epistemo-
que a lingüística era invocado por toda a parte: Merleou-Ponty lt~úlco: o analogismo toma o lugar do evolucionismo, a
em filosofia. Lévi-Strauss em antropologia, Borthes na literatura, 1111llação substitui a derivação"º. Em seu entusiasmo. Roland Bar·
Locon no psicanálise, mas que nodo acontecia no lingüístico 1110s apresenta Soussure até como portador do modelo demo-
propriamente dita, e que seria tempo, portanto, para repor Fer- , róllco. graças à homologia que se pode formular entre
dinand de Saussure em seu justo lugor" 4• Manifestamente, a defi- , ontroto social e contrato lingüístico. Todo uma filiação remete.
nição progressiva nesses anos 50 e 60 de um programa semlo- 11usle p onto, a um enraizamento de longa duração do estrutu-
lógico global, suplantando a lingüístico para englobar todos os 111ilsmo. Com efeito. essa corrente deve muito ao romantismo
ciências humanos num projeto comum, que foi o grande ambi- 111 mão. o qual já defendera o concepção de uma arte como
ção do período. encontro suo justificação e seus incentivos no 11~1iuturo que escapa à imitação do real. A poesia devia ser
definição que dá Soussure do semiologio como "o ciência que llfTI discurso republicano, segundo os irmãos Wilhelm e Frie drich
estudo a vida dos signos no seio da vida social". llchlegel7 •
Cloudine Normond, professoro de lingüística em Paris-X. adep-
to da lingüístico o partir do idéia do corte soussuriono, vê reol-
rn o n te um corte mas não onde é hábito colocá-lo: "É difícil
•lluó lo: o discu rso saussuriono é muito confuso. uma vez que é
fruto da discussão positivista do seu tempo"ª· A contribuição es- 111110"10 para so ver d e finido o programa realment e fundador
sencial de Soussure não seria a descoberta do arbitrórlo do l lu os truturallsmo: "Eu sou saussurlano mos. e digo -o com a
signo. do qual todos os lingüistas jó estavam convencidos no fi- 111e1lor admiração por Saussure. ele não é o fundador do estru- 69
nal do século XIX. Todos os trabalhos comporotlstas já tinham houllsmo"'4.
adotado o ponto de vista convenclonollsta e rejeitado o mode-
lo naturalista. Entretanto, "ele fez outra coisa: vinculou-o ao prin-
cípio semlológlco, ou seja, à teoria do valor, o que lhe permite
dizer que na língua há apenas diferenças sem signo oposltlvo09•
A ruptura situar-se-ia. portanto, essencialmente, no plano da de-
finição de uma teoria do valor, nos princípios de generalidade
de descrição, na abstração da postura. A sua noção de siste-
ma é a expressão da construção de uma p ostura abstr_ata.
PREPONDERÂNCIA DA SINCRONIA
conceituai, pois um sistema não se observa e no entanto, cada
elemento lingüístico depende dele. Quanto à oposição diacronia/
sincronia, Claudlne Normand considera que ela já estava em ges-
tação antes de Saussure, especialmente em todos os trabalhos de
dialetologia que deviam naturalmente fazer prevalecer, na ausên-
A ndré Martinet crit ica, sobretudo, a abstenção diante do
grande problema que se apresentava na época de
'111 ussure e que não encontrou resposta no CLG: Por que as
cia de traços escritos. o sincronia em sua coleta de dialetos. 1111idanças fonéticas são regulares? Ora, para apreender esse
Sobre esse ponto. Saussure não teria feito mais do que "sistemati- l,mômeno. não era preciso encerrar a estruturo na sinc!onia, no
zar os coisos que começavam a dizer-se. a fazer-se· 10• -,atótico: "Uma estrutura. ela se mexe" 15• As categorias saussurla-
Jean-Claude Coquei, p or sua parte, faz remontar ao século 1,ns vão, portanto. servir de Instrumento e pistêmíco ao estrutura-
XIX e até mesmo ao final do século XVIII os grandes movimen- 11.ri,o generalizado. mesmo que os diversos trabalhos tomem
tos constitutivos da lingüística contemporânea. A noção de sis- , , tias liberdades com a letra saussuriana a fim de adaptá-la à
tema preexistia a Saussure: "É. em primeiro lugar, uma noção r1mecificidode de seus respectivos campos. A principal inflexão
taxion ómica e, portanto, foi do lado dos biólogos que se obser- , tá a preponderãncla atribuída à sincronia. S9ussure ilustra es-
varam os primeiros esforços coroados de êxito. É a época de
Goethe e de Geoffroy Saint-Hiloire"11 • Portant o. com Sau~ure dá-
•n privilégio e seu corolório, a Insignificânciada""'l11storlcldede,
1 <>m a metálora - do jogo de- xadrez. A Inteligência da partida
se tão-só uma solidificação, um endurecimento, por assim dizer, tusulla dÕ vlsõo do lugar e das combinações possíveis das pe-
da idéia de sistema que, para dar-lhe o máximo de alcance, i.;os col C>2_adas no tabuleiro d e jogo: "É totalmente indifer:nte
reduz o seu campo de estudos ao sistema sincrónico, d eixando , 1uo se tenha chegado a ela por um cominho ou outro• 1ó. E no
de lado os aspectos históricos, pancrônicos. Jean-Claude Milner. Y&ludo da combinação recíproca de unidades distintas que as
na esteira de Mlchel Foucault. vê em Bopp a base essencial, a 1, IS Internas que regem u ma língua podem ser reconstituídas. Es-
do constituição de uma gramática que sai do universo da ida- 10 f'ese da independência da Investigação slncrônica para ter
d e clássica, do representação. Saussure teyia simplesmente ucesso ao sistema rompe com a postura dos comporcitistas e
dado forma aos princípios fundamentais de que o lingüístico do tJo filosofia clássico. baseada na busca de sucessivos emprésti-
seu tempo, ou seja, a lingüística histórica. tinha necessidade. rn os. dos diversos estratos na constituição das línguas.
Ora. esta precisava de uma lingüística geral desde finais do sé- Essa radical mudança de perspectiva relega a diacronia pa-
culo XIX e de reatar assim os seus vínculos com um período ro o status de simples derivado e a evolução de uma língua
anterior em que a lingüística geral existia, antes de ser reprimi- Joró concebida como a passagem de uma sincronia para uma
da pelo historicismo das pesquisas filológicas: " Não cabe, pois, ou lra sincronia. Não se pode deixar de pensar nas eplstemes
prlvileglar o ponto de visto descontlnuísta·12• ló que a lingüístico foucaultianas. mesmo que a referência a Saussure em Foucault
geral é um te,mo que se começo a encontrar desde a déca- nõo seja verdadeiramente explícita. Esse tour_s;te. locce permitiu
da de 1880. Quanto a André Martlnet. se contribuiu muito para 6 llngüíst[ca Jib.eJJm-~da tutela historiadora, fa".'orec_e ndo a sua
fazer ler e conhecer Saussure. considero que, p ela distinção que outonomização_..C.OillQ çiência, mas oo alto custo de uma a -his-
estabeleceu entre Ungua (longue) e fala (parole). cedeu à pres- toricidade; e , portanto, de uma amputaç-90 q_ue _§e tornou tal-
são da sociologia e "fracassou em seu programa de estudar o voz necessóÍÍa a fim de romper com O evolucionismo em curso.
fenômeno lingüístico em si mesmo e por si mesmo" 13 . Segundo mos que conduzirá ~ - aporia~ POLn.õo ter sabido dialetizar os
Martinet, é necessário esperar pelo Círculo de Praga e pela fo- vínculos diacronia/sincronia. Mas Saussure terá permitido mostrar
que uma língua não muda de acordo com as mesmas leis da
8 . Claudine Normond. entrevisto com o autor. sociedade e, por conseguinte. entender que urna língua não é
9. lb.
10. lb.
l l . Jean-Claude Coquei. en1Telllsta com o autor. 14 lb.
12. Sylvoin Auroux. entre11lsto com o autor. - - - ·-~ - - - - 1õ A.n rt,6 M,.., ,in~• ...... ...-.~• -- --
13. André Mortinet, entrevlStn eô,...... " ,.. ..........
FRANÇOIS DOSSE OS A N OS C INQÚENíA: A ~POCA éPICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 7. O CO/?TE SA USSURIA NO
a simples expressão de algum particularismo racial, como pen- /OÇÕO vai p ermitir que se realize m progressos muito conseqüen-
savam os lingüistas do século XIX, que reconstituíam a história tos na descrição dos línguas; mas vai transformar-se. com fre-
das sociedades Indo-européias através dos línguas certificados. qüência, d e m eio e m finalidade e. por essa razão, será repeti -
uamente o c ult ado ra, se não m istificadora. em seu fechamento.
l)ols mod os de alinhamento permitem o inteligibilidade do com-
binató ria interna da língua: as relações de contigüidade. cha-
1-nadas sintagmáticas, lineares. e os relações ín obsentio. a que
Soussure chamo relôções associativos. e que serão retomadas
t'nols t arde na noção de paradigma.
Se a postura saussuriana é, pois. restritiva por d efinição. elo
O FECHAMENTO DA LÍNGU A Inscre ve-se, não obstant e. numa ambição multo ampla de
construção de UIT\a semioiogia geral que integre todas os disci-
plinas que se interessam p e la vida dos signos no seio da vida
outra inflexão, essencial, d~ i?ª9~ .!fl ~ ~~.±, o AOcial: "A lingüística é apenas uma parte dessa ciência gerai"20 •
A fechamenfo ã ã - íínguo sobre si mesmo. o signo lingüístico
une não umã coisa -º ;- seÜ n Õme , -~as Úm conceito o uma
( no realização desse ambicioso programa que se inscreve o
projeto estr.u turalista, reagrupando em torno d e um mesmo pa-
Imagem acústica num vínculo arbltrório _que remete o realida - 1od igmo todas as ciências do signo. É esse impulso que irá
de, o referente. para o exterior do campo .do estudo a fim de fazer d a lingüística a ciência-p iloto. no centro do projeto. com
definir a perspectiva. por definição restrita, do ling üista . O signo o fo rç a de um método que pode prevalecer-se de resultados;
saussurlano só envolve, portanto, a relação entre signl«ê'ãdo ·(o ola v ai aprese ntar-se como o cadinho, o meltíng-pot, de todas
'""e'"ónceito)esignÍfÍcante (imagem ocúsffca). com exclu~ÕdÕie- os ciências humanas. ,
'rerentê."'"t- ~ õe Õ signo a o- símbolo . dÕdo que e ste O caráte r excepcional e inovador dessa configuração na
último cÕnserva um vínculo natural na relação significado/signi- paisag em Intele ctual france sa deve. não obstante. ser modera-
ficante. "A língua é um sistema que só conhece a suo própria c.Jo. se o compararmos com a situação similar que prevalece u
ordem• - "A língua é uma forma. não uma substância" 17 • Nesse no Alemanha no século XIX, em que a filologia e a g ramática
sentido. a unidade lingüística, por seu duplo aspecto tônico e comparada são as primeiras disciplinas a institucionalizar-se sob
semântico, remet e sempre para todas as outras numa combina - o forma do ci ê ncia moderna. A comparação do núme ro de
tória p uramente e ndógena. có te d ras universitárias. de créditos, de revistas que serviam de
~ -·--- - --~
A função referencial, também chamada denotg.ç , ~ o r-
rimida. Situa-se~- num ... outro nivel. o das relaçoes - entre o
indicador. confirma essa ante rioridade: "Penso que a gramática
com parada custa mais caro do que a física no século XIX na
stgn o e o refere n te. S€: s9 ~ ngo....f;,.O.QGgQa..Q~Y!Jl&l- P.re- A le m a nha"2 1• U ii.9ç9.o saur'~r~ano ret~ _q ,_1:?_o is._qua l)IQ....QQ_es-
ponderônci~ slgni,!!~onte em_ ~ 19.kf!Q....PJ;>_ §iOOifi_çggo os _g.uais sencia l, o C LG. o qual é apena§ um dos as12...~ctos ç g_g~ rsona -
são para e le inçlissocióveis como dy_a ~ fac~es ele U[OQ folha de tldad e de SaUSS(;!!~:~2 s e_y_ lado sist~ Jorm alis,ta. aL se
papel, o significante define-se- p or sua_~ en20 sensível ao pas- o xpõ e .9~Q...Qr.Q_grama, embo ra enunciado em aulas como
so que o significado caracterizo -se p or sua au~ ncla: ''..Q._.l1!9n.o uma im provisação sem apontamentos, além de um vago peda-
é, ao mesmo tempo, marco e c ~ . . : Ori9inalmente dldQI0" 18• <;o de papel dobrado em quatro. se gundo o t este munho d e
Essa relação desigual, constitutiva da significação, será retoma - llcus alunos.
da, especialmente por Jacques Lacan. a fim de minorar o sig-
nifrcodo em proveito do significante numa torção que acentuo
ainda o caráter Imanente da abordagem da llnguo. Por essa
orientação Imanentista, Soussure limito o seu projeto e escopo a
toda e q ualquer correlação entTe duas de suas proposições: "A·
quela segundo a qual a língua é um sistema de signos. e
aquela segundo a qual a língua é um fato social" 19. Ele encer-
ro a sua lingüístico num estudo restritivo do código. separado DO IS SAUSSUR ES?
de suas cond ições de aparecimento e de suo significação.
~ou~ ure tez, e ort_2!J!g...... a escolho do signo contra o sen tido,
devolvido a o ~ 0- ID?~ e~ o~ o q ~ _ c_o.ove.rteró nu-
m ~ ç_QLa cterístic.a s....s;lo_ par.2,gJs;imo estruturoli$fa. Essa formou- O b inarismo redescobre-se nos cen tros de interesse e na
pró pria personalidade do lingüista genebrino, que troca-
vo freq üe ntemente Genebra por Marselha: nessas viagens regu-
lo res. e le levava peque nos c a dern os que c o bria d e m e ditaç õ e s
17. /b .. pp. 43, \57. 169.
FRANÇOIS OOSSE 1 - OS AN OS C INQULNTA: A éPOCA t PIC A
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO ! . O C ORTE SAUSSURIANO
sobre os textos védicos e saturnlnos da poesia sagrada da Índia llmllar-se a ter por objeto a língua, único objeto que pode dar
e de Roma. Assim foi que ele encheu 200 cadernos a respeito l1Jgar a uma racionalização científica. A conseqüência disso é o
dos anagramas e efetuou toda uma pesquisa cabalístlca para liminaç ão do sujeito falante. do homem de fala: "A língua não
ver se não haveria um nome próprio disseminado no inte rior c.onstltul, pois, uma função do falante: é o produto que o lndl·
desses textos que fosse, ao mesmo tempo, o destlnatório e o vlduo registra passivamente / ... /.-A líng4....a,'_dlsttntg do fajg.~ m
sentido fundamental da mensagem. o b je to que se pode estudar separadamente. Não falamos mais
Perturbado por suas descobertas. Saussure até se Interessa os línguas mortas, mas podemos perfeitamente '7:;ssimllar-lhes o
por sessões de espiritismo durante os anos de 1895- 1898. Essa o rg anismo lingüístlco"26 • A llngüístlca só tem ac~Õ ao estágio
dualidade não é, allós. exclusiva de Saussure e vamos encon- r1o c iência. para Saussure, na condição de delimitar multo bem
trá-la também em outros cientistas. Foi o que ocorreu com o seu objeto específico: a língua; e deve, portanto, desembara-
Newton, por exemplo, que enchia milhares de páginas sobre ai· ç a r-se dos resíduos da fala. do sujeito, da pslcologlo ._ p_.!ndwf.
quimla ao mesmo tempo que redigia os seus Principio. O fun- duo é expulso da perspectiva c ientífica saussurlana. vitima de
dador da mecânica clóssica e da racionalidade ocidental uma ..N_dUÇãO fÔrmalista o ~ de não ter.nrnals -~ gar. - -
estava também empenhado na descoberta da pedra filosofal. Essa negação do homem, 16 ângulo morto do horizonte saus-
Haveria, portanto. naquele que Louis-Jean Calvet chamou o se- 1urla no, também vol passar a ser um e lemento essencial do
gundo Saussure22, a Idéia da existência de uma linguagem sob paradigma estruturalista. para além do campo lingüístico. Ela le·
o linguagem. de uma codificação consciente ou Inconsciente vo ao paroxismo um formalismo que. depois de já se te r esva -
das palavras sob as palavras, uma busca de estruturas latentes, tlodo de sentido, exclui também o locutor para culminar numa
dos quais não existe o menor traço no CLG, no Saussure oficial, 1lluoção em que •tudo se passa como se ninguém falasse" 26,. O
ajardinado. Saussure chegou mesmo a ser convocado em 1898 r,roço o pagar pelo lingüística moderno para impor-se é. como
por um professor de psicologia de Genebra. Aeury, para examl· 11 vê . multo pesado, po, ;G'as negaçõês'de prin cípio e por suas
nar o coso de glossolalio de Mlle. Smith que, sob hipnose, e o nseq üênclo~ as tamj:>Jám_oesse c ~ lo asingulÕrld~ de
declarava fala r sânscrito. Saussure, professor de sânscrito, dedu· !loussurecl e~ seu elacio!J..<.:ldg_ com a tradlçã; dos comparatis·
zlu que "não era sânscrito. mos que nado havia que fosse con- tas alemães do século XIX: estes buscavam as verdadeiras estru-
tra o sânscrlto· 23 • turas no língua7onslderondo que o atividade do fala destruía
Todos esses cadernos foram cuidadosamente mantidos em o estrutura lingüística. Portanto. essa corrente 16 considerava in-
segredo pela família e somente em 1964 pôde Jean Staroblns- dlspensóvel reconstituir uma estrutura da língua, que se encon-
ki publicar parcialmente esses anogromas24 . Pod er-se-ó então t rava exterior ao que se lhe fazia. Também nesse plano Saus-
Inaugu rar uma nova direção nas Investigações. apoiando-se 1111re teria opeQas,_em YLtJm.Q.. lnstância, _slstê ~ds> olgo:.que
nessa descoberto. em meados dos anos 60, com destaque pa· lho _P.reexlstia.
ro Julia Krlsteva. Pode.:se....lalar. CQ.!!1....Jakobson, da "segunda Su~ nten didos nessa oposição língua/ fala. há para Oswald
revolução saussurlana•, PO.!..,.Tulto tef!!QO rer:,rl'!:1@_g. l>ucrot dois planos confundidos por Saussure "e que seria inferes.
1unle distinguir bem, que foi o que procurei fazerwi7• A oposição
1/ngua/fola pode ser considerada. em primeiro lugar/ como a
cllsllnção entre o dado - o fala - e o construído - a língua. Es-
10 distinção metodológica ou epistemológica é Indispensável e
11ompre válida; ela é, Inclusive. o condição da postura científica.
rnos não pressupõe a segunda oposição formulada por Saussu-
" . e ssa contestóvel. entre um sistema llngüístlco abstrato. do
qual o sujeito foi suprimido, e a atividade da fala, entre um có-
O SUJ EITO AUS ENTE d igo objetivo e a utilização desse código pelos sujeitos. Mas
poro toda a corrente soussuriana dos anos 60, a confusão en-
lr o e sses dois níveis será maciçamente retomada e produzirá
11 m as da morte do homem, do anti-humanismo teórico. Levará
E sta segunda filiação permitirá o retorno ao sujeito. Contu-
do, este é explicitamente reduzido à Insignificância, senão
ao silêncio. pelo CLG com a distinção essencial que Saussure
110 seu paroxismo a esperança científica, finalmente d e semba·
roçado do sujeito da enunciação.
estabelece entre linguagem e fala. Essa oposição encobre a
distinção entre social e Individual. concreto e abstrato, contin·
gente e necessário; por essa razão, a ciência lingüística deve
Soviética, e os soviéticos teriam podido, portanto. encontrar-se p rlo slgno" 1' . o Círc ulo de Praga pretende essencialmente con-
na vanguarda das investigações lingüísticos. É certo que linguis- 1ugrar-se ao estudo, até então negligenciado, da linguagem
tas como E. Pollvanov optaram por ficar na Rússia. mas serão poóllc o.
rapidamente liquidados. eles e suas obras, pelas autoridades so- Pro fessor na Universidade de Brno até 1939, Jakobson, en-
viéticas. Essa repressão prova. aliás. a contrario, os limites das quanto vice -presidente do Círculo, vai contribuir paro a difusão
teses formalistas: ela põe de manifesto o compromisso político 110 programa estruturalista no ocidente e, especialmente, graças
da escritura e contradiz, de fato, o postulado formalista segun- no I Congresso de lingüístico Geral em Haia, de 10 a 15 de
do o qual a literatura não tem outra finalidade senão ela pró- ubrl de 1928. O Círculo de Praga chega a esse congresso com
pria, para além de todo o contexto histórico. Jakobson é 1 sos modernistas prévio e cuidadosamente preparadas. Assim,
nomeado adido cultural soviético na embaixada de Praga, gra- os dois primeiros dias serão consagrados. sob o seu impulso, a
ças ao embaixador Antonov. que tomara de assalto o Palácio questões de ordem teórico: "Pela primeiro vez, empregamos a
de Inverno em outubro de 1917. sob a direção de Trotsky, cri- oxpressão lingüístico estrutural e funcional. Apresentamos a ques-
me suficiente poro também ser liquidado pouco depois: "Anto- tOo da estrutura como central, sem a qual nada pode ser tra-
nov foi chamado a Moscou com todo o pessoal da embai- tado em llngüístlca" 15• Jokobson teró também excelentes rela -
xada, que será fuzilado de A a Z, incluindo os moços de ções com o Círculo de Copenhague, criado em 1939 por L~uls
recados do escritório e a faxinelra" 11 • f rolle Hjelmslev e Viggo Brondol. ambos convidados a realtzar
Jakobson entedia-se em Praga. Orienta-se, então, para o fre- c o nferências perante o Círculo de Praga. Reencontramos Ja-
qüente convívio com poetas tchecos e, em seus encontros. tra- kobson , além disso, c o laborando na revista do Círculo de
duz paro o tcheco os poetas russos, pois na é poca a cultura Copenhague, Acto Lingulstlca, apesar das divergências, em es-
russa ainda não era a de um país irmão. Foi nessa leitura em pecial com Hjelmslev que. segundo Jakobson. quer Ir l~nge
tcheco de Gorki. de Malakovskl. ... nos traduções Improvisadas <Jamais em sua vontade de eliminar toda a substôncla fónico e
que davam lugar a discussões acaloradas, que Jokobson des- aomântica do estudo da língua.
cobriu de súbito •essa diferença de.-.musical!g_ade entre ã's""Ctuas Mas a colaboração dos Círculos de Praga e de Copenha -
línguas. a diferençã de tooalldade entre o cuss.o....e...o tc..b.e.co, gue vai abortar, uma vez mais por razões históricas, com a
duas línguas multo p róximas por suas raízes e bases lexicais mas invasão da Tchecoslovóquia pelas tropas nazistas em 1939. Ja-
com preferências fon ológicas muito dlv.e rsg_s, ainda que bÕstãn- kobson foge paro a Dinamarca, depois para a Noruega e Sué-
te próximas para que- se perceba ser preciso multo pouco para ci a. Mas os tropas nazistas avançam Implacavelmente na
que a diferença pertinente mude" 12• direção oeste e Jakobson deve abandonar a Europa para en-
A fonologia estrutural nasceu assim d essa interação entre lín- contrar refúgio em 1941 em Nova York, na Escola Livre de Altos
guas naturais, línguas culturais e língua poética. Jokobson reen- estudos. Ora, paralelament~ constituíra -se .em 1934_um ~ ulo
contra -se também com o príncipe russo Nicolal Troube tzkoy, o llng_üísflc ó d e:},çva .Y_otl<. Portanto, ele desembar~ou em terras
quem conhecia desde 1915 e que se re fugiara em Viena, fu - receptivos às suas teses e o revista com que o Circulo se dotou
gindo da revolução bolchevique. Em 16 de outubro de 1926. o m 1945. Word, conta com Jakobson entre os membros do seu
por Iniciativa dos tchecos Vilém Matheslus. Makorovsky e J. Va - comitê de redaçóo. o primeiro número é, aliás, uma s ondensa-
chek. e dos russos Nicolal Troubetzkoy, Roman Jakobson e Serge çõo do programa estruturolista, pois trata das apl~caç ões da
Karcevskl. é fundado o Círculo Lingüístico de Praga. Do í sairão, anólise estrutural em lingüística e em antropologia. E como
o partir de 1929, os trabalhos que definirão um programo expll· Word se propõe a consolidar "a cooperação entre lingüistas
cltamente estruturallsta: "Ele próprio (o Círculo] deu-se o nome americanos e europeus de div ersas e scolas" 10 • ter -se -á com -
de estruturalismo. sendo seu conceito fundamental a estrutura, preendido que, uma v ez mais, Jokobson se encontra entre os
concebida como um todo dinômico" 13 • O Círculo de Praga si- m ais bem situados para obter ê xito num tal e mpreendimento.
tua_§eus trabalhos na filiação saussuriana. b""';m c omo na ru:> for- o momento mais fecundo e fundamental é em Praga nos
ma.Jl_smq_ ru~ de Husserl, _da Gesf'!_lf, e é ~ Õbelece, p ~ outro décadas de 1920-1930. Ora. o Cjr.culo de Pra.ga....QO mesmo
lado. vínculos com o Círculo de Viena. "As te ses de 1929" do tempo que situo suas tesesnÜmQ R_erspes!!Va SaJJ~UrtOA<Y.tOm·
Círculo deF¼Ôga vão ter valor depro g rama para várias gera- bém mantém uma·· certa distância de Saussure _em. diw sos
ções de lingüistas. Elas definem uma rigorosa distinção entre a pon tÕs e ssenc iais. Em primeiro lugar, o Círculo de Praga definiu
linguagem interna e a linguagem manifesta: "Em seu papel so- a sua - concepção da língua como um sistema funcional. Ora.
cial, cumpre distinguir a linguagem segundo a relação existente "o adjetivo funcional introduz uma teleologia que lhe é (a Saus-
17
entre ela e a realidade extralingüística. Ela tem ora uma função sure] estranho. mais inspirada nas funções de Bühler" • Por outro
de comunicação, ou seja, que está d irigido para o significado, la do. as teses de Praga também divergem do corte soussuriano
oro uma função poético. isto é, que está dirigida para o pró- d iacronia/sincronia, recusando-se a aceitar essa cesura como
uma barreira Intransponível. Jakobson recusa po1 diversos vezes c lóncla na seleção ). o contexto constitui um fator indispensável
essa linha dlvlsó1la e prefere-lhe a noção de sincronia dinâmica: o decisivo. / .. ./ Quanto mais suas palavras dependem do con-
"Sincrónico não é Igual a estátlco" 18 . Mais do que um modelo t oxto. melhor se so l de suo tarefo verbal. / .. ./ Assim, é somente
lingüístico. o que vai constituir o núcleo racional do estruturalls- o armação, os elos de conexão do comunicação, que estão
mo. o modelo dos modelos, é a fonologia estrutural. sa lva guardados nesse .tipo de afasla ."2º Esse tipo de afasia
Em Praga. o melhor especiallsta nesse estrito domínio fonoló- opõe-se àquele em que o doente sofre, pelo contrário, de uma
gico é Nicolal Troubetzkoy, que escreve o que virá a tornar-se deficiência quanto ao contexto, de distúrbio de contigüidade, o
um clássico: os Príncipes de phonologie (1939). Ele define ai o q ue redunda em agramatismo ou caos verbal. Jakobson vincu-
fonema por seu lugar no sistema fonológico; o método consiste la o s dois fenômenos às duas grandes figuras de retórica que
em identificar os oposições tônicas, levando-se em conta qua- sõo a metáfora, impossibilitada no primeiro caso de afasia, ou
tro traços distintivos que são a nasalidade, o ponto de articula- seja. no caso de perturbação da similaridade, e a metonímia,
ção. a labialidade e a abertura. Reencontra -se aí o princípio q ue se torna Impossível no caso de perturbação de contigüidade.
saussu1lano da diferença pertinente, da investigação de unida- Jacques Locan. que se encontra com Jakobson em 1950, e
des mínimas de pertinência: neste coso, o fonema. O distancia- q ue virá o ser seu íntimo, retomará essa distinção deslocando-a,
mento do referente próprio de Saussure é 1etomado, assim no c ampo freudiano, para as noções de condensação e de
como essa investigação das leis intemas do código do língua. deslocamento, a fim de explicar o modo d e funcionamento do
A fonologia mantém-se à margem de toda o - reolkrode-exi.ralln- Inconsciente. "A fonologia serviu de modelo para os d isciplinas
_qg_í~tlca. EssÕ-d êscrlç é:Ío cto' m ~ t~rial sonoro que a fonol~gia quer que se relacionam com a linguagem, aquelas tantas disciplinas
realizar vai redundar, em Jokobson. num quadro em que ele que possuíam uma formalização bostante débil. A fono logia
reúne todos os traços pertinentes a pa(tir de doze oposições bi- apresentava-lhes um sistema de formalização por pares, por
nários. as quais se supõe explicarem todos as oposições em o posições. simultaneamente simples e sedut or, porquanto expor-
todas os línguas do mundo, portanto. realizarem o sonho de táv el. A fonologia é o elemento transportador do estruturolls-
universalidade que anima a corrente estruturalista 19• mo."21 Entretanto, esse modelo aperfeiçoado no final dos anos
Tai como a linguagem formal matemática. o código fonemá- 20 só conhecerá suo verdadeira expansão a partir do pós-Se-
tlc o também é, para Jakobson, binário desde o mais tenro gu nda Guerra Mundial; e é necessário esperar o final ?º
Infância. O blnari,smo está no âmago do sistema fonológico. on- década de 60 na França para assistir à sua institucionallzaçao.
de se re e ncontrb o pensamento dicotômico de Ferdinand de Para compreender essa defasagem, cumpre considerar a situa-
Saussure. Ao dualismo do signo entre significante e significado, ç ão da lingüística na França nos anos 50.
entre o sensível e o Inteligível, responde a binaridade do siste-
ma fonológico.
18 . R. JA K08SOI\I. Essals d e llnaulstlaue oéoéro/e, Le Seuil. 1963, pp. 35-36. ~ ILJAK08SON, ·eeux ospec:1$ du longoge e t deu x types d'ophosle" (1956), e m
9. UMA CIÊNCIA-PILOTO SEM AVIÃO:
A LINGÜÍSTICA
guns lugares onde se promove o pesquiso em linguístico conti- 110 o mais jovom assiStente da Sorbonne. graças a Antolno. doa
nua total. Quanto àquele que terlo podido dinamizar a paisa- d e 1954. Quanto a Bernard Pottler. é nomeado mestre de con
gem. André Mortlnet, encontro-se nos Estados Unidos, de onde fo rê nclas em Bordéus em 1954, Jean Perrot vai lecionar e m 81
só regressará em 1955. Por outro lodo, o desaparecimento de Montpellier. Antoine Culloll e Jean Dubols Ingressam no CNRS ..
Antoine Meillet em 1936. o morte de Edouard Pichon em 1940. André Martlnet regresso dos Estados Unidos e substitui Mlchel Le-
acentuam a defasagem do França em relação ao resto da Eu- loune na Sorbonne. Mas a diplomação em Lingüística Geral. do
ropa e aos Estados Unidos. Se o Ingresso de R. L. Wagner na q ual é encarregado. só Intervém como opção para o quarto
Sorbonne represento uma esperança de renovação, ela será lo- d iploma de licenciatura em línguas estrangeiras.
go cerceada pela cátedra que ele ocupa, a de francês
arcaico. R. L. Wagner deplora essa situação: "É evidentemente
anormal que a França seja, na Europa, o pais onde os estudos
de lingüístiça francesa têm menos êxito entre aqueles cuja fun-
ção é e será ensinar francês"2 • Há, não obstante, alguns cientis-
tas, aqui ou ali, que representam pólos de renovação, ainda
muito isolados. É o caso de Marcel Cohen, que ensina etíope
no lnstitut des Longues Orientoles e na École des Hautes Études: A PERIFERIA SITIA O CENTRO
"Desde antes de 1950, Marcel Cohen é o lingüista mais sensível
às novidades / .. ./. Ele foi para mim um guia multo importante e
muito incentlvador"3 • sopro de novidade, na ausência d e Paris, vai chegar
11
A maior parte daqueles que conseguirão Impor a mudança
no final dos anos 60 está. desde esse momento, em pleno for-
O da província, e a campanha sitiará progressivamente a
Sorbonne, pedra angular do edifício universitário francês. A ad-
mação. Ora. quanto ao essencial, eles saíram de fileiras muito ministração desempenhou. aliás, um papel dinamizador nessa
clássicas. Hó sobretudo os afrancesantes, professores de gramá- estratégia de conquista, pois foi o próprio diretor do Ensino Su-
tica como Jean-Claude Chevalier, Jean Dubols ou Michel Arrivé. perior, Gaston Berger, quem criou, em 1955-1956, os primeiros
Para eles, o encontro com o lingüística moderna foi tardio, pois c entros de pesquisas lingüísticos no Interior da Universidade.
sua formação a Ignorava soberanamente. Professor de gramáti- Em Estrasburgo. Gaston Berger cria o centro de filologia neo-
ca em 1945, Jean Dubois só em 1958 ouviu falar de Saussurel latina, onde lmbs e depois Georges Straka multiplicam os coló-
Acompanho, entretanto. os cursos de filologia , mas a llngüístlca quios Internacionais que permitem aos lingüistas franceses pôr-se
geral estava totalmente ausente deles: ·os clássicos, como eu. em dia com as pesquisas mais modernas e ficar conhecendo,
aprovados para o ensino de gramática. podiam perfeitamente pelo' publicação das atas desses colóquios. o estado mais re-
não saber o que era a lingüístlca" 4 • cente da Investigação. Uma verdadeira comunidade lnternaclo-
Em contrapartida, os não-afrancesantes. mais afastados do nal reencontra-se, pois. em Estrasburgo. em torno dos Investiga-
classicismo, desfrutaram de mais oportunidades para descobrir a d ores do centro. o partir de 1956. sobre o temo das 'ten-
llngülstlca moderna. fosse no Co//àge de Franca, no École des dências atuais da lingüística estrutural", com , Georges
Houtes Études ou no lnstitut de Unguistlque. Foi' o caso de Ber- Gougenhelm, Louis HJelmslev, André Marttnet, Knud Togeby...
nard Pottier ou de Antoine Culioll. É, portanto, nesses enclaves o diretor, Gaston Berger, cria também nesse ambiente dos
marginalizados em relação ao dispositivo universitário que vão anos 50 um centro de lexicologia em Besançon, onde se en-
ser lançadas as fundações da revolução vindoura: "Desde o co- contra desde 1950 o lexicólogo Bernard Quémada. Este último
meço. eu tinha vontade de ser lingüista ... Comecei com a vai fazer de Besonçon um centro particularmente dinâmico. Su-
fonética experimental, com Fouché na Sorbonne. Foi sobretudo pera a especialidade lexlcológlca ao c riar um centro de apren-
nos Hautes Études que me formei: freqüentei os cursos em 1944 dizagem de línguas, depois um centro de lingüística aplicada
e nos anos seguintes, e, de maneira Irregular, até l 955"s. Mos se que reúne •até 2.200 estagiários no verão, freqüentemente por
Bernard Pottter participa desde cedo nas atividades e publica- um período de oito semanas"6. Esse centro de formação permi-
ções lingüísticos, foi como hispanizante que ele p ôde abrir-se te não só difundir os novos métodos mas obter créditos suple-
para esse novo campo. Quanto o Antoine Culloll, foi como an- mentares e. portanto, multlplicar as mesas-redondas. Bernard
gliclsta, à semelhança de André Martlnet, que se tornou lingüista. Quémado convida para Besançon toda a jovem geração de
Em meados dos anos 50, uma jovem geração de lingüistas lingüistas: Henri Mitterand torna-se seu assistente. e chegam ao
começa. pois, o Instalar-se no campo universitário, mas ainda centro Algirdas-Jullen Grelmas. Jean Oubois, Henri Meschonnlc.
na periferia. se excetuarmos Jean-Claude Chevaller, que se tor- Gullbert Wagner, Roland Barthes no momento da publicação
de Mythologles. Essa atividade Intenso é lgncicda. evidentemen-
2. A. l. WAGNER. prefócio de /ntroductfon 6 la HngulsffQue fronçcise. 1947, cilado te, pela Sorbonne, mas começa a fazer-se conhecer mediante
por J .-C . Chevalier e P. Encrevé, op. clt. suas publicações. Quémada assume a direção em Besançon
3 . B. QUlMAOA. enlrevlsla com J.·C. Chevalier e P. Encrevé. op. c/f.
4. Michel Arrlvé. enlrevlslo com o oulor.
5 . B. POTTIEA. enlrevisla com J.-C. Chevalier e P. Encrevé. oo, clf
-,...,...-- - - - - - - - - - - - : --r'"""""V'""".-O'CT:lr:JI'""- - - - - - - - - - ,
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 9. UMA C~fNCIA, PILOTO SEM AVl1'0: A L/NG0fSTICA
dos Cahiers de lexlcologíe. em 1959, com uma tiragem de 1.500 dlolo e espetacular: "Lembro-me de conversas com R. ~arthes
exemplares. Essa revista periódica jó se dirige a um vasto públi- nos onos 50. quando ele dizia que era absolutamente 1mpres-
co: "A minha convicção era que a lexicologia era uma disci- < lndfvel ler Saussure" 11 •
plina-encruzilhada que, embora se revestindo de algum Interesse
para os lingüistas. Interessava muito mais a outros domínios. aos
homens de le tras, historiadores, filósofos, milltares ...•7•
Bernard Quémada, tal entoso chefe de empresa da lingüística
estrutural, lança uma outra revista a partir de suas atividades
em Besançon em 1960, com os ttudes de linguistíque app/i-
quée. também com uma tiragem de l .500 exemplares e com
o apoio de um editor nacional. Didier. A Idéia de Gaston Ber-
ger de contornar a Sorbonne - que tinha recusado a criação A BRECHA NA FRANÇA: ANDRÉ MARTINET
desses centros de pesquisa - prossegue seu caminho e permite
ao jovem assistente Jean-Claude Chevalier quebrar o seu isola-
mento na vetusta Sorbonne ao participar nos múltiplos grupos ma personalidade domina. porém. a lingüística no Fran-
de trabalho que se ccnstltuem. Ele reencontra no CEílM os lin-
güistas filiados ao PCF - Jean Dubols, Henri Mitterand, Antoine
U ça nos anos 50: é André Martinet. ainda que se encon-
tre nos Estados Unidos até 1955. Professor de gramática, vai
Culioll - e multiplica suas viagens a Besançon: "Todos se reen- beneficiar-se multo cedo, desde 1928, de uma Interessante pro-
contravam ló durante as férias, Borthes, Dubols, Greimas, e era posta de Vendryes, que é garantir a tradução ~e Longuo_ge,
ló que se tinha notícias dos primos da Amérlca" 8 • de Otto Jespersen. Essa tradução põe-no a caminho da Dina-
Se uma certa efervescência atinge o melo dos lingülstas, os marca onde se encontra com Jespersen e HJelmslev. Publica o
métodos estruturais vão ter mais dificuldades ainda no melo lite- seu primeiro artigo em 1933 no Bulletln de lo socíété de llng_ul~-
rório. cujos representantes estão no centro do dispositivo dos tlq ue e já In ovo no plano do que vlró o ser o sua espec1oh·
humanidades clássicas e poro quem toda evocação de ordem dode: 0 fonologia. Ê publicado pelos Travoux du Cercle 1/nguls-
lógico ou científico é profundamente Incongruente no campo li· tlque de Progue em 1936 e co laboro com Trou_b etzkoy.
terário: "Pode-se dizer que, paradoxalmente, é a supervolorlzo- Portanto. Martinet participa ativamente nessa renovaçoo d<:1 l~n-
ção slstemótlco do literatura, objeto prlvllegiado do ensino güístico européia dos anos 30, o que lhe vale o suo ele1çoo
secundório e universitário e unicamente ensinada enquanto his- em 1937 para uma nova cótedro de fonologia criada paro ele
tória literário. que impediu antes de 1955-1960 o renovação de no Éco/e des Houtes Études.
uma verdadeiro reflexão teórica"9. A guerra. e ntretanto. vai conduzi-lo ao exílio. não em 1941
É certo que também aí. no domínio da anóllse do texto lite- c omo Jakobson, mas em 19461 Foi paradoxalmente a Liberta-
rário, vamos encontrar alguns Inovadores Isolados, como P. Gul- ç ão que o forçou a partir. não que ele tlvess1: fosse o ~ue
roud, que participo no Colóquio qe Uêge em 1960 sobre a lite- fosse a reprochor-se - foi até prisioneiro dos a lemaes; mas tinha
ratura moderna. com uma comunicação que se Intitulo "Para c asado com uma sueco que, elo sim, tinha colaborado com
uma semiologia do expretsão poética•. Léo Spitzer, que partici- os alemães, obrigando assim André Martinet a abandonar suas
pa nesse colóquio, distingue trlt razões paro o atraso francês: o raízes tanto familiares quanto nacionais. Foi o exilado_ Jakobson
encerramento das universidades francesas dentro das fronteiras quem O acolheu em Nova York. Mortinet ossu~e entoo respon-
do país, o que os montinha no desconhecimento dos trabalhos sabllidad es particularmente importantes. o d11,eç~JO do maior
dos formalistas russos, dos da nova critica onglo-soxônlca, assim revista de lingüística dos Estados Unidos: Word. orgoo do. Centro
como das pesquisas alemãs; em segundo lugar, o predomínio de Lingüística de Novo York. Assim. o acaso colocou muito bem
dos estudos de gênese, do história llterório t radicional; e, em Mortinet no centro do Europa quando esta se encontrava no
terceiro lugar, a prática escolar, didática, do explicação de tex- vanguarda. Ele pôde então, ao lodo de Jakobson, estabelecer
to. A essas três razões Philippe Hamon acrescenta uma quarto: a ponte com a lingüístico onglo·soxônica, vlst~ que leciono e
"Um desconhecimento quase total da lingüístico como discipllna dirige O departamento de lingüística do Universidade de Colum-
º.
autônomo" 1 É necessório esperar, portanto, que a lingüística se bla, Nova York. de 1947 a 1955.
Imponha paro que o modo de abordagem do llterotura se re- Quando regressa à França em 1955, Mortinet Jó é, portanto.
nove. Isso não ocorrerá antes de 1960. se excetuarmos alguns mundialmente conhecido nos meios lingüísticos; não obstante. o
casos singulares mais importantes, como Roland Barthes, que es- acolhimento que O França lhe reservou é significativo do coró·
tabelece o vínculo entre as duas disclplinas. com um êxito ime- ter ma:\Jlnol que se atribui à lingüística. "Ele est~va numa posi-
ção difícil 00 chegar à frança . Lembro·me muito bem, eu .era
7. B. QUÉMADA, entrevista com J.-C . Cheva lier e P. Encrevé, op. clf. antão assJstenle na Sorbonne e ele aparecia aos o lhos dos sor-
8. Jean-Claude Chevalier, entrevista com o autor. bons' literários e historiadores como um temível e escandaloso
9 . Ph. HAMON. 'lllté,ature', em Les Sclences du /ongog• en Fronce ou XX• slô·
e/e, diriQldo POr 8. Pollk>r. SEI A~ IOAn n ? ....
FRANÇOIS DOSSE 1 - OS ANOS C IN QÜENTA: A ~POCA ~PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 9. UMA CltN CIA-PIL OTO SEM A V/AO: A L/NGÜ{STICA
renovador, um anti-humanista a empurrar para fora:12 Apesar 1939 pelo Círculo de Praga, André-Georges Houdrlcourt é um
de sua notoriedade, Martinet teve que. brigar e ameaçar indig- personagem deveras curioso em comparação com os nossos
nado com a sua demissão se não o nomeassem professor titu- gramáticos clássicos. Não põe os pés no escola antes dos 14
lar na Sorbonne. Nesse mesmo ano de 1955, faz publicar sua anos. vivendo no fazendo familiar do Picardia, à margem do
princlpal obra teórica, claramente inscrita na filiação do Círcu- mundo urbano. Aprende ortografia com a viúvo do mestre-es-
lo de Praga, Économie das chongements phonétíques. Defende cola da aldeia vizinha e termina o secundário na sétima tenta-
aí uma abordagem lingüística que parece mais dinâmica do tivo. para seguir logo o curso de agronomia. o que lhe permite
que a de Saussure e que vai buscar ao Círculo de Praga a in- obter o diploma de engenheiro agrônomo em 1931 mos provo-
sistência sobre a função da comunicação da língua: "Isso pro- c a nele uma aversão permanente por essa ciência. Três perso-
vém de Praga. A grande Idéia é a noção de pertinência. Toda nalidades vão então adquirir enorme importância para ele:
ciência se baseia numa pertinência. Uma ciência só pode de- Marcel Mauss, "que me domesticou" 15, More Bloch, que publica
senvolver-se independentemente de uma metafísica se se con- o seu p rimeiro artigo em 1936 nos Annoles, e Marcel Cohen,
centrar num único aspecto da realidade. / .../ Ora , é porque a seu mestre e seu amigo. Quando este último Ingressa no moquis
lingüísfíca serve para a comunicação que podemos saber o e oferece a Haudricourt sua biblioteca para que esta não cala
que o lingüista deve procurar / .. ./. Não tem o menor sentido fa- em poder dos alemães - "Vá buscar os livros que lhe interes-
zer estruturalismo em lingüística se não for funcional" 13. .,, sam. Dirigi-me a Viroflay com cestas de vime para recolher
Martlnet concentra, pois, o seu estudo nas escolhas que a esses livros"16 - , e is o nosso futuro lingüista Indo fazer suas provi-
língua possibilita, a partir de uma abordagem em primeiro lugar sões.
sintagmática. permitindo delimitar o inventário de possibilidades. É a partir daí que ele troco a botânica pela lingüística, mu-
antes de se abordar, em segundo lugar, a análise paradigmá- dando de especialidade no seio do CNRS. Houdricourt situa-se
tica. Se Martinet abre o estudo lingüístico ao social, ao conside- n a filiação de Antoine Melllet: "A lingüística , aprendi-o, ~m
rar a função de comunicação como sua identidade própria, a Meillet• 17. Mas não reconhece nenhuma autoridade clent1f1ca
sua' dellmitação restritiva da singularidade do trabalho lingüístico, e m Saussure - "esse pobre suíço alcoólico que morreu de de/i-
que consiste em estudar a língua por e para ela mesma, sepa- r/um fremens, essa criatura grotesca!" - nem em Jakobson, "esse
ra -o das outras ciências sociais e encerra-o no terreno estrito da clown de Moscou, multo simpático mas que contava qualquer
~ descrição do modo de funcionamento das línguas. Ele se dedi- lorota"1s. Haudricourt mantém-se um comparatlsta, muito próxi-
ca, pois, a delimitar as unidades distintivas de base da língua, a mo. como Meíllet, de uma postura histórica.
que c .h ama monemas (unidades de primeira articulação) e fo- Compartilha com André Marfinet de uma mesma concepção
nemas (unidades de segunda articulação). Essas regras de des- funcional e diacrônica da língua. Se Mortinet supervlsou um
crição serão codificadas por Martlnet no que vai se tornar. em g rande número de teses sobre as línguas africanas, Haud!icourt,
escalo internacional, o best-seller dos anos 60. Éléments de /in- por seu lado, permite o reconstituição de numerosas lmg_uas
gulst/que générale 14 •
asiáticas. Do seu duplo, Interesse pela botânica e a lingüística,
"\, 1
retira uma abordagem concreta da língua, uma recusá do for-
malismo lóglco-matemótico, separado do social. Personalidade
\ renitente às normas, Haudricourt considero -se o inventor da fo-
nologia: "Martlnet seria um louco furioso mas, entenda, a fo~o-
logia fui eu quem a inventou" 19 • Portanto, à lingüística nao
faltam pilotos no França, mas nem por isso deixo de ser ainda
muito marginal nestes anos 50, na ausência de legitimação cien-
tífica e institucional bastante sólida. Esse atraso explica a febrili-
UM ITINERÁRIO POUCO CLÁSSICO: dade que Irá caracterizar o período subseqüente. e também uma
ANDRÉ-GEORGES HAUDRICOURT certa ingenuidade na descoberta de teorias que são assimiladas
à expressão da derradeira modernidade, ao passo que, com bas-
tan te freqüência, elas já estão prestes a ser ultrapassadas.
•em gfrio, um Individuo que lud ibria ou1ros com polovros insinuon1es e falsos dQ·
mon atroc.6ea d e a m lz.ode : v elhoco. vlc01lsto.. (N, d o T.)
141ST RIA 00 l:STRUTUl?ALISM O 10. AS />O/NAS or ALCXANDRIA
que chegara ao mesmo tempo ao Egito, a ler Saussure e 8arthes que Hjelmslev teró, nesse melo temp~rn...P..!_Oi<_:>0Ç1ª·
Hjelmslev ... Por seu lado, Barthes faz Greimas ler o começo do mento na França. Ele m~diflca um pouco os termos saussuria-
que vlró a ser o Michelet por ful-même. nos, reformulando a distinção significante/significado por
- Estó muito bem · comentou Grelmas. - mas você poderia expressão (significante)/cont eúdo (significado). Esses deslizamen-
utilizar Saussure.
tos semânticos correspondem ao desejo de dissociar os dois
- Quem é Saussure? - perguntou Barthes. níveis de anólise,, o que permite pensar a estrutura como sepa-
- Mas é Impossível não conhecer Saussure! . respondeu o ou- róvel dela estrutura e, portanto, elevá-ia a um nível puramente
tro, peremptório 3 •
formal: "É somente pela tipologia que a lingüística se eleva a
É verdade que Barthes não pôde prolongar sua estada em pontos de vista gerais e assim se converte numa ciência"6 •
Alexandria, por causa dos seus problemas pulmonares, mas 0 Mais do que em Saussure, o mo.dela matemático desempe-
!~pulso estó dado e Grelmas. de volta a Paris todos os verões. nha aqui um papel central na busca da clentlflcldade. A estru-
nao perde o precioso contato com seu amigo Barthes. Essa in- tura subjacente em toda seqüência de linguagem deve ser
fl~êncla d~ ~reim~s sobre este último é tal que Charles Slnge- reencontrada por abstração, a partir de um código que é uma
vm podera , dizer: Barthes encontrou o caminho de Greimas combinatória de associações~\.d e comutações. A glossemática
como São Paulo o caminho de Damasco... "4 • Ora, Greimas estó toma por modelo as teorias ióglcàs. arriscando-se a fazer resva-
dedicado à lingüística moderna. considera-se o continuador do lar sub-reptlciarnente a lingüística como epistemologia geral,
corte saussurlano e, nessa perspectiva, é particularmente sedu- caso particular de uma abordagem logicista global, para uma
zido pelos trabalhos do Círculo lingüístico de Copenhague. com ontologização da estrutura subjacente: "Não se vê com clareza
destaque para Hjelmslev. que ele apresentaró como O único se essa álgebra pertence à etapa hipotético-dedutiva da pes-
herdeiro fiel aos ensinamentos do mestre genebrino: "O verda- quisa ou se faz parte do modo de funcionamento da própria
delr~. talvez o único, continuador de Saussure. que soube tornar língua"7. O ~ Q.(ioc.íp_i.QJ~__!'edução iógicg _ opre_1e_nta~os. por
expltcitas as suas intenções e dar-lhes uma formulação perfei- Hjelro.slev pmticipam de forma_ crescente no _êxito do formah~mo
ta"5.
na Europa, seja na Alemanha com a descoberta do Barroco,
na França com a descoberta da arte românt ica por Focillon,
ou na Rússia com Propp; uma só éplstàme liga entre si todas
essas pesquisas formais. _ E. por outra parte, Hje\!l!~!.~..'~- ~ rá _y_rpa
gran<Je difusão na França, onde a "miragem lingüística", o am-
bição de clentifici~ade, estarão particularmente vivas nas ciên-
cias humanas durant e a década de 60. Da conceituallzação
,:;-ais extensa, a do Círc~i; d; Viena. de Rudolf Carnap e Lud-
A FILIAÇÃO HJELMSLEVIANA wig Wlttgenstein, pass~u-se depressa à idéia de uma possível
matematização do conjunto do campo das ciências do ho-
mem. Hjelmslev contribuiu para dar corpo a essa esperança um
G
relrn..o.L:lt'..ê,- P.Qͧ.~.m Hjelmslev-2,_y~da~1o_f.y_ndador da
lin.~üística moderna, simultaneamente por sua concepção
multo restritiva da língua. reduzida a um esquema, por sua acen-
tanto ilusória por intermédio de uma redução matemática cada
vez mais rigorosa do dado lingüístico, postulando que toda e
qualquer outra realidade além da dos relações internas da lín-
tuação do corte saussuriano, por uma postura mais axiomatizada gua depende "da hipótese metafísica de que a lingüística f~ria
mas também por sua aspiração à ampliação de um método ~ muito melhor em líbertar-se"8 • Hjelmslev levou ao extremo a logl-
todo um vasto campo semiótico que ultrapassa o terreno restrito ca da abstração, até construir uma escolástica fechada sobre si
da disciplina na lingüística. Hjelmslev define uma nova disciplina mesma. Foi manifestamente essa orientação a que prevaleceu.
a que chama a_g_~tic_g, e que ele insere na tradição saus- Havia, entretanto. outras orientações possíveis no mesmo Cír-
surlana. Enfatiza o a ~ n t o de toda realidade extralingüístlca culo de Copenhague. O com atriota 4::. adversário de HtgJm_slev.
para concentrar o esforço do lingüista na sua busca de uma es- mais velho do que ele, V go Bro da . <;:ferece ao m ~ e m -
trutura subjacente à ordem Interna da língua, Independen te de ® n Jª ...:ori·e -ntação- algo crl'ferenfé' de uma~ nn~ gual-
toda e qualquer referência à experiência. mente ciosa de rigor, de estrutur.a.....::ma,s tombem gberta para a
. Hjelmslev d efiniu seu projeto em 1943 nos Omkring Sprogteo- história e para o movi~ento: existe nele toda urna parte dinô-
nens Grund loeggelse [Prolegômenos a uma Teoria da Lingua- 'mica que 'considerava que os fatos da língua deviam ser toma-
gem}. Mas a obra só ser'ó traduzida para o francês em 1968 dos em seu desenvolvimento e não no Interior de um sistema
pela editora Mlnuit. Co!}!lli:lo.-é-esseAGiolQ:t.e,Dt~12.Ql . 2 ~ s e fechado" 9 • o sistema de relações Internas da língua não basta,
3 . A.-J. G,..imas .. R. BorthG<, citados por l...J. Colvet. Roland Barfhes, Aommork>n,
1990. p. 124. 6. L. HJELMSlEV. lê langag,., op. clt., p. 129.
7. Th. PAVEL, t .. M/roge Hngulsflque. M inuit. 1988, p. 92.
4. Ch. Singevin, citado por t...J. Colv,.t. /b., p. 124.
;;
0
~~/ Gr,.lmos. prefácio ao livro de L. HJELMSLEV. Le Longag ... Minuit. 1966 .. ,
8 . L. HJElMSLEV. Pro/égomenes 6 une _théorle du langage. Minui t, l96B (1943), p.
HISTÓ RIA D O ESTRUTURALISM O
O GRAU ZERO
10. lb.
11. André Martinet, entrevista com o autor.
12. lb.
13. A. MARTINET, exposição sobre os Prolegômenos de L. Hjelmslev, no Bu/letln de
la soclété de 1/ngulst}que, 1946, vot. 42. pp. 17-42.
14. Serge Martin, entrevista com o autor.
e om Le Degré zéro de f'écriture, Barthes participo na
corrente formalista, preconizando uma ética da escrita,
libe rtado d e todas as restrições: "O que se pretende fazer aqul
-1- _ • _._ ~ - -• ~ _, __ • ,.......,_ ,,,..,.,...._1inr1_
ALISMO 11 , li 1/~ UIM MÃL DO ESTRUTUfMUSM O
de formal independente da língua e do estilo" 1• Barthes retomo Borthes passo em revista em sua obro todos os escritos alie-
o tema sartreono do liberdade conquistada pelo alo de escre· nados: o discurso político "só pode confirmar um universo poli-
ver, mos Inova ao situar o compromisso que a escrita repre - c lalesco", a escrita Intelectua l estó condenado a ser uma
senta. não no conteúdo do escrito mas em sua forma. A "poroliterotura• 4 ; quanto ao romane;e. é o expressão caracterís-
linguagem passa do status de melo ao de finalidade, identifica- tico do ideologia burguesa em sua pretensão de universalidade
da com a liberdade reconquistada. Ora. o literatura encontra- que soçobrou em meados do século XIX. para dar lugar a uma
se num ponto zero a reconquistar entre duas formos ollernatlvas pluralidade de escritas pelos quais o escritor se situa em rela-
Igualmente resvaladlças que são o sua dissolução no língua co- ç ão à condição burguesa. Mos essa pluralidade. essa descons-
tldia no feita de hóbitos. de prescrições. e a estllfstica. que trução do universal, nunca é mais do que o expressão de um
remete para um modo autórqulco, uma ideologla que apresen- período que deixou de ser levado avante pela dialética históri-
ta o autor como separado do sociedade, reduzido a um c o: ·o que a modernidade dó a ler na pluralidade de suas
esplêndido isolamento. escrllos é o impasse de sua próprio hl~tória"5 • Na medida em
Reencontra-se em Barthes esse tema. próprio da lingüística que o criador deve perturbar a ordem instituído e não pode
moderna e da antropologia estrutural, da prevalência da troca. mais fazê-lo contentando-se em acrescentar sua partitura a
da relação primeira que deve partir de um ponto nodal. de uma orquestra já preparado para acolhê-lo, nada mais lhe res-
um ponto zero, não definido por seu conteúdo empírico, mas ta senão. poro perturbar, escrever o partir e em torno da falto,
pelo foto de permitir ao conteúdo Instituir-se numa posição re- do silêncio: "Criar uma escrita bronca" 6 • Barthes prossegue e
lacional. Há a mesma busco do grau zero de parentesco em desloca a busco do tempo perdido de Proust pelo procuro de
Lévl-Strauss, do grou zero da unidade língüís1ica em Jakobson e um lugar de nenhuma-porte da literatura: "A literatura torna-se
do grau zero da escrita em Borthes: a busca de um pacto, do a utopia da linguagem• 7 • Dessa procura vai nascer. simultanea-
contrato inicial que fundamento, neste último. a relação do es- mente. uma novo estético e. poro Barthes. a tomada de cons-
critor com a sociedade. Entretanto. Barthes ainda não possui c iência do Impossibilidade de escrever como escritor, assim
em 1953 uma bagagem estrutural sólido. ~ receptivo, sem dúvi- c omo o esboço de teorização do escritor como escritor do mo-
da, aos conselhos que lhe dá Greimas nesse domínio, e já dernidade.
conhece um pouco Brondal e Jakobson; mos ainda não são
poro ele mais do que curiosidades entre muitos outras. A moti-
vação essencial de Borthes é então. sobretudo, observar de
perto as máscaras que a Ideologia envergo sob o formo de
expressão literária. Mais tarde, com outros objetos, essa 01iento-
ção subsistirá como um parâmetro constante de suo obro.
Le Degrà zéro de l'écriture deve o seu êxito ao fato de par-
ticipar de uma novo sensibilidade literário, de uma exigência que
vai consubstanciar-se no que se convencionou chamar o nou- ITINERÁRIO
veou roman. uma nova estilística, foro dos normas tradicionais do
romance. Existe. portanto, um lado manifesto no discurso de Bor-
thes. mas também um aspecto desesperado na busca de uma
nova escrito, separada de toda linguagem de valor. a qual pa-
rece exprimir o impasse de toda formo de escrita, depois do
S e Roland Borthes estó buscando um não-lugar, isso não
significa que ele não sinto. pessoalmente, um enraizamen-
to multo profundo que o devolve a toda sua Infância passado
ponto culminante o que o romance foi levado por Marcel Proust. com a mãe no sudoeste. em Bayonne. Esse período muito den-
A obra. que foi publicada pela editora Seuil em 1953, recebeu so desenrolo-se em torno do fig_uro ausente do pai, morto
aliás a consagração da crítica. Mourice Nadeou dedico-lhe oito durante a Primeiro Guerra Mundial, menos de um ano após o
páginas em Les Latires nouvelles. Conclui o seu artigo celebran- nascimento de Roland Barthes. Essa falta seró compensado por
do o jovem autor que ele descobrira em 1947: ·uma obro cujos um superinvestimento da Imagem materna: 'Slmula-se sempre,
primeiros passos cumpre saudar. Eles são notáveis. na medida na relação afetiva, quer seja amistosa ou amorosa. um certo
em que anunciam o nascimento de um ensaísta que se desloca espaço maternal que é um espaço de segurança. um espaço
de todos os outros"2 • Quanto o Jean-Bertrand Pontalis, ele celebra de dádiva"ª· Depois. aos 10 anos de idade. Rolond Borthes ·so-
sobretudo, em Les Temps JTlodernes. o surgimento de um escritor: be" poro Paris. indo morar no bairro de Salnt-Germain-des-Prés;
'Um grande escritor está presente entre nós de um modo que foz seus estudos nos liceus Montoigne e Louls-le-Grond, e Inicia
nada tem a ver com um mobiliário de época. uma organização
econômica ou mesmo uma ldeologia"3 • 4 . R. BARTHES. Le Oeg/'$ zéro de l'ecrlture. op. clt.. p. 24.
6. rb.. p . 45.
6 . rb , p 55.
1. R. BARTHES, Le Oegrá :réro de l'écritvre. Points-Seuil, 1972 (1953). p . 10. 7 . 10.. p. 65.
2. M. NADEAU, Les Leffres novvelles. julho de 1 953, p. 599 8 . R. Borthes. entrevisto• e om J.- M . Benolst e 8 .•H. lévy, Fronce-Cvllure. fevereiro
~ ~I eA Pf"H\JT 411c: I -· T---.. -- •
OS ANOS C IN Q I NI/\: A POC/\ PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 11 . A FIOUIM M ÁE DO ESTRUTURALISMO
em 1935 o curso de Letras Clósslcas na Sorbonne. Ao mesmo pequeno-burguesa, expressa pelos gostos e valores veiculados
tempo, tem uma atividade teatral e cria com Jacques Vellle o pela mídia. cujo papel nõo vai parar de crescer. Essa Ideologia
teaho antigo da Sorbonne. que produzlró, entre outras. uma pequeno-burguesa contra-expressa reveste-se, poro Borthes, de
montagem de Os Persas. de Ésquilo, no dia da vitória do Fren- uma significação essencialmente ética, à maneira de Flaubert,
te Popular, o 3 de maio de 1936. Passo a guerra de cama conceito simultaneamente social, ético e estético: é tudo o que
num sanatório perto de Grenoble, em Salnt-Hilaire-du-Touvet. Ao "provoca em mim a náusea do meio termo, do melo caminho,
terminar a guerra, Barthes é ao mesmo tempo sartreano - "Des- do vulgaridade, do medíocre e. sobretudo, do estereótipo" 11 •
cobria -se Sartre com poixão"9 - e marxista. Com efeito. ele Barthes empreende, portanto, contra a naturalização dos va -
conhecera no sanatório um tipógrafo trotskista. Georges Fournlé, lores transformados em estereótipos evidentes, uma obra sist e-
amigo de Mourice Nadeau. que o tinha iniciado no marxismo. mática de desmontagem. de desmistificação, mostrando como
sua doença pulmonar e o tratamento que ela exige tornam funciona um mito na sociedade contemporânea a 1,:>affi'r-de. ca-
Impossível candidatar-se ao magistério superior. A carreira univer- sos concretos da v ida cotidiano. Essa soma de artigos, em
sitário clássica está, portanto, fechada paio ele. envereda número de 54 estudos, foi reunido por Borthes e constitui uma
então pelo caminho Jornalístico. graças a Mourice Nadeau. que dos principais obras do período, Mythologies. editada por Le
lhe pede artigos lite1ários para o jornal Combat. Seuil em 1957. Somente o posteriori Barthes elaboro ró a teoriza-
Esse desvio, tanto espacial - Barthes parte paro a Romênia çã o desses cas~ on9r8t~ mo ~~9 ,E,?it~ 2ro~ Le
em 1948, depois para o Egito em 1949, regressando a Paris em myth~_yjourd'!}ui" [O ,mito hoje}, que se_ q1:;>J~sgvt_a....9..2.m~e-
1950 - quanto institucional - e le não pertence mais a uma car- flnição_d.e~!rl E ~ ~ ~miolqgi_g,_o_g,!g,b_g.!,._~ o vez alimen-
reira universitária clássica - vai ter uma dupla conseqüência tado po1_ u ':!!<! J.2.Lma_são li ~SÇJ recent~,- v~q_ ~ z_s.ue
principal: em p rimeiro lugar, como já vimos, o encontro com ~aleLa._S..aussur.e_sç,,mente em . 19.56, e acaba,r,q _çte descobrir
Grelmos em Alexandria e também o desejo que animará Bar- Hjelmslev.
thes a vida Inteira de ajustar suas contas com o universidade, ~ - tõrmalizoçào é, porJQ.Q!.O.:. pos~_!9r_~ o~~tl:!.92~s_mitos
uma vontade incessantemente manifestada de ser reconhecido oferecidos pelo a tualidade em que o adversário designado é o
por elo, vontade tanto mais agudo visto que Barthes jamais pequena burguesia: •Jó osslnalel o predileção da pequeno bur-
aceitou o fato de ser apenas um licenciado; só se sentirá ver- guesia pelos raciocínios tautológlcos" 12 • Oro, são justamente os
dadeiramente entronizado no dia em que. em 1976, ingressou falsas evidências que Borthes quer desestabilizar, cujos máscaras
no College de Franca. Até então, é uma luto contínua consigo pretende despedaçar. Assim, investe sucessivamente contra o
mesmo e confidencia a Louis-Jean Calvet: "Eu, você sabe, ca- catch, a operação Ast ro, o rosto do Garbo, o bife com f ritos,
da vez que publico um livro é uma tese"1º. Barthes também os Guides 8/eus, o novo Citroên, a literatura segundo Minou
participará plenamente do aventura estruturolista em conse- Drouet ...
qüência da fragilidade de sua base institucional; o seu caso é A porte teórico que encerro a obra está situada na dupla fi-
semelhante ao da maior parte dos estruturollstas que tiveram de liação de Saussure (citado duas vezes), de quem retoma essen-
contornar a velha Sorbonne poro se Impor. c ialmente as noções de significante/significado, e de Hjelmslev
(não citado), de quem utillza as distinções entre denota8ão e
conotação e entre linguagem-objeto e metalinguagem. E certo
que se obseNam ainda algumas flutuações na assimilação dos
noções soussurionas; e Louis-Jean Calvet pode opor a fórmula
que figura no prefácio, "o mito é linguagem", àquela que está
em epígrafe da parte teóri ca: "O mito é uma falo "13 . Portanto,
Barthes ainda não encampou a distinção. essenci al paro Saus-
MITOLOGIAS sure, ent re língua e fa la. ÇoJ.!L .'.'.L
. e....m'ltb.e_aujo_urdJl.ut, el~ rea-
lizo, contudo, a sua conversão à lingüístico, e isso represento,
n ~ Õ nodê i957~ ~mo revlravoltãe;senciol em suo obra e,
uronte dois anos, de 1954 a 1956, Bmthes envia mensal-
D mente a Mourice Nodeau um artigo para Les Lettres
nouvelles. Neles dó p,osseguimento regular o um t rabalho de
ao mesmo tempo, de um modo mais global: "Ele ingressa defi-
nitivamente na lingüística, como se ingressa na religlão" 14.
Já fascinado pelo formg,ILsruoJ_ Barthes encontra no semiologia_
depuração dos mitos contemporâneos, uma crítica ideológica os meios poro e rigir ~ seu programo em c.iê.oci..9; Ela pe;rnite
do cultura de massa que começa. o favor do reconstrução e pôr de lodo E. qontgú.do em prov~ do lógica dos formas.
dos •trinta gloriosos", a propagar-se no vida cotidiana dos fran- TaJnbém vai buscar em Saussure o estudo slncrônlco e desse
ceses. Barthes opõe o sarcasmo ao que qualifica de Ideologia emw.éstlmo..\LO.LreSÜÍtar, em todo a obra de Barthes, _Um_Ql_har
mais es~oclol_do Q.l.le temporal: •o modo de presença do for- C oragem de Brecht, no Teatro dos Noções em 1955: foi um
ma é espaclal' 1$. É uma outra ruptura com o abordagem de c hoque. Ele vê então em Brecht aquele que realizo no _teatro o
Degré zéro de f'écrlture, que se dava como uma abordagem que ele ambiciono fazer com o literatura ou com os mitos con-
diacrônico da relação com o escrita. O mito é um objeto par- t e m porôneos. o distanciamento brechtlono, seu estetismo,
t icularmente apropriado à aplicação dos princípios sõüssurlanos: geram O sua adesão to.tal: "Brecht rejeito / .. ./ todos os estilos de
--ryi, função do mito é esvaziar o réÕr; "O mito é constituído pe- e nvlsgomento ou de participação que levariam o espectador o
lo dlssipoçõo do qualidade histórico dos colsas• 1ó. Borthes pode, Identificar-se completamente com Mãe Coragem. o perder-se
portanto, utilizar tonto a prevalência saussurlono acordado à sin- nela, a deixar-se arrostar em sua cegueira ou em suo
cronia quanto o afastamento do referente para um plano futllldode",ª. Borthes vê no teatro de Brecht o esboço d? uma
secundário. novo ética do relação entre o dramaturgo e o seu publico,
A escrito barthesiana, a utilização distinto de um código num uma escola da responsabilidade, um deslocamento do pothos
discurso acessível, o abertura científico e seu corolário crítico, psicológico em Inteligência dos situações. Essa dram~~ur~lo mos-
todos esses Ingredientes vão fazer do obro um grande êxito pú- t ra que convém menos exprimir o real do que sigrnhco-lo. Por-
blico que assegura o Barthes um considerável contingente de tanto, ele vê nessa arte revolucionário, essa arte de vanguarda,
leitores conquistados de antemão. O êxito supera de longe as a própria realização do método semlológico e crítico.
tiragens habituais no setor das ciências humanos: 29.650 exem- Com Barthes, o projeto estruturolisto vai alçar vô o , . graças à
plares na coleção "Plerres vives•. 350.000 exemplares em lrradloç-ão Inigualável de que ele dispõe nesse período, mesmo
Polnts-Seull o partir de 1970. É grande o repercussão nos mais que assumo liberdades bastante co~derávels en:i f".~e. do saus-
diversos meios Intelectuais. favorecendo os aproxlroa_ç..Q§s lnter- surlsmo -propriament4:. dito <?_U dos canones do linguística. Mais
disclplino res. André Green, psicanalista. multo interessado por do que -um "Õuºtslder do estruturalismo. ele é fundamentalmente
Mythologles. escreve um extenso comentário à obra no revisto um retórico•19. Assim, Georges Mounin qualifica a semiologia de
Critique e encontro-se com Borthes nessa ocasião, em 1962. Já Barthes de semiologlo desviante em relação a Saussure, que es-
se conheciam por terem tido atividades teatrais comuns no gru- tabeleceu as regras de uma semiologlo da comunicação. ao
po do teatro antigo da Sorbonne. Borthes, então diretor de passo que Barthes teria formulado apenas uma semiologla ~a
estudos do École des Houtes Études, pede a André Green que significação: •o que Barthes procurou sempre fazer foi uma sm·
faço uma exposição sobre Locon no âmbito do seu seminário: º.
tomatologio do mundo burguês"2 Para Georges Mounin. Barthes
"O que eu fiz, e ra o meu período laconlono, e em seguido fo- confunde signos, símbolos e índices. É verdade que Barthes dó
mos beber um trago no botequim do esquina. Barthes inclino-se então uma acepção muito ampla à noção de signo. que en·
então para o meu lado e diz-me o meia voz: 'Está vendo globo tudo O que reveste uma significação. Ele procura nesta o
aqueles dois ali? Ele s vêm o todos os meus seminários. me per- conteúdo latente e. por essa razão. Georges Mounln considero
seguem. me contradizem de maneira multo desagradável. que- mais legítimo falar de psicologia social ou de psicossoclologia
rem me ver em pedaços'. Eram Jocques-Alaln MIiier e Jean- do que de semlologla.
Claude Mllner" 17• Mesmo se os lingüistas profissionais Já não encontrem aí o seu
objeto. a visão muito extensiva da linguagem que Barthe_s P_'.?·
põe vai contribuir Imensamente para o êxito do modelo hngu1s-
tico e para o seu papel de ciência -piloto.
A NOVA ESTÉTICA
18. R. BARTHES. Eud, crltfqves. Poln1s-Saui. 1971 (1964), ·Mera couroga oveugla'
15. rl. 8ArlTHES, MytholOQI "s.ff'í'A.1!.flof. l'J~1; :--,,. • (M6• Corog•m C•go) (1955), ' l héótre populolra' .
16, rl. BARTHES, Mytho/ogl . 't!lr.',p, 251.
17 AnNá ,:,.___,.,.. ,.. ......... . .i-+ ---·" 10 ~ . , . . .-.a:;1.w, ~,fn tl fl,ntr•vl!lto r..nrn o outor.
12. A EXIGÊNCIA EP ISTÊMICA
roult essa orientação nada deva a Saussure. Guéroult justifi c a c ausalidades exógenas ao disc urso filosófico , de ordem psicosso-
assim o interesse das monografias. pois o est<uturo a que e le c lo lóglc o . Po rta nto. Guéroult retira dos sistemas filosóflcos todo e
tem acesso é aquela, singular, de um autor. de uma obro qualque r fun ç ão representativa do realidade. tal como Saussu-
apreendida em suo coerência Interno. Ele renuncia o localizar re sep a rara o signo do referente. Ele confere a esses sistemas
aí uma estruturo dos estruturas mos empenha-se em "averiguar filosóficos uma autonomia fundamental em relação à realidade
como cada doutrino se constitui através e por meio dos com- exterior. o Interesse desses slistemas não reside no que ele con-
plexidades de suas estruturas orquitetônicos" 4 • sid era ser a "missão intelectiva" dos mesmos, mas "o que é estri-
tamen t e filosófico é justame nt e essa realidade autô noma das
estruturas da obro"8 • Os discursos filosóficos são apreendidos pe-
lo historiador como •monumentos filosóficos na medida em que
possuem esse valor intrínseco que os torna independentes do
te mpo"9 . Essa transformação do documento em monumento e
a analogia arqueológica que lhe é implícita serão ret~ ' ! l ~
m ais tarde pot M ichel Fouç ~ult. _A reconstituição da"'coerêncla
Interna d e -uma obra exige uma postura globalizante que seja
O MÉTODO GUÉROULT e xaustiva e situe numa relação de solidariedade lndissocióvel as
te ses formuladas pelo autor. a arquitetônica de sua obra e seus
procedimentos argumentativos. Guéroult defende por isso "uma
plano metafórico e como condição científica, as ciências hu• sua vida e de sua obra. Ele morre como herói, na Resistência,
manas vão a limentar-se de um discurso lógico-matemótlco que sob as batas nazistas em 1944, aos 41 anos de Idade. A ciên-
permite efet uar generalizações. explicar processos de auto':'fegu- cia. para Jean Cavalllês, é todo ela demonstração, ou seja,
lação para além dos casos concretos estudados. Outros impul- lógica. Dó-lhe o nome de filosofia do conceito. Mas não com-
sos também contaram, como o da b iologia e da psicologia partilha da posição do Círculo de Viena, seu ext remo forma-
experimental com a teoria d g_Gc:2~t. o da~ ~e_rn ética s_ue lismo e sua vontade de construir uma grande lógica na qual as
permite a regulação perfeita e, portanto, a autoconservação matemótlcas encontrariam seus problemas resolvidos. Sua abor-
da estruturo. dagem visava apreender o par operação/objeto, o gesto cria-
~Q.Qd§!.j~n6fn~~nte!ectual. no p lano eeist~ógico, dor do encadeamento das operações do pensamento, aquilo
durante os anos 30.,_.fil!JP·sg_~ a Franç_? : é a conexão entre a que chamava "a Idéia da idéia". O destino do seu pensa-
esse formalismo dos ciências "duras'' e o positivismo lógico que mento vai sofrer as conseqüências do seu b rutal desapareci-
se desenvolve, por um lado, com o Círculo de Viena de Moritz mento. Entretanto, suas teses conhecerão um ressurgimento
Schil,s..k e Rudoif Carnap e, por outro, na Inglaterra, em Cam- espetacular uns vinte anos após sua morte com o êxito do pa-
bridge, em torno de 8 ~ 1 1 . , . . e ainda com a obro de rad igma estruturalista. Ele teró lançado os fundamentos teóricos
Ludwl9 Wittgensteln. ligado tonto ao Circulo vienense quanto o de um estruturalismo conceituai que será retomado nos anos 60. f
Bertrand Russell, a quem se Juntou em Cambridge a partir de 1
No obra que escreveu enquanto foi prisioneiro dos alemães
1911. Esses ló~fender:n_a idéia..de_~ ência unificada, e que só seró publicada depois da guerro 19, Cavallles Introduz o
codifi~ ..9-ê,cutiJ-=dalógicq_
JQ!!J)Q!. em tQ!.U,~~todo conceito de estrutura. Ora, este conceito corresponde jó àque-
·puramente dedutivo. A formalização é proposta, nesse caso, le que vai triunfar, após o parêntese existencialista. Ele valoriza
c omo hOrizÕnte Comum a todas as ciências. Nessa perspectiva, a estrutura como contestação radical das filosofias da consciên-
as matemólicas são integrados como uma linguagem entre ou- cia. Inspirado por Spinoza, Jean Cavaillês empreendeu a cons-
tras. Na medida em que a lógica não estó ligada a nenhum trução de uma filosofia sem sujeito e Já censura à fenomeno-
conteúdo particular, e la oferece-se como quadro comum paro logia de Husserl o fato de conceder excessiva importância ao
explicar a universalidade das estruturas. O Círculo de V iena vai cogito. Também reconhece a orientação formalista que permi-
privilegiar o linguagem na medida em que o problema f ilosófi- te à ciência, segundo Cavaillês, escapar ao domínio do mundo
co primeiro situa-se ao nível da significação; o lógica vai tomar- ambiente, à experiência comum. A verdade da estrutura só se
'"'se a_ sua ferramenta e QJ~':Jª o_ seu.. obje.to. es~encí91. Esse du- dó nas próprias regras que a regem, não existe estrutura da es-
plo Impulso, lógico e lingüístico. delxaró em herança a cha- trutura, metalinguagem. Se os elementos exógenos da estrutura
mada filosofia analítica da linguagem. forem eliminados do campo da análise, cumpre reencontrar,
Diante dessa renovação do pensamento lógico na Europa, em contrapartida, o movimento autônomo, original da ciência
dessa efervescência teórica, a França mantém-se à margem: que desenvolve suas próprias leis. É nesse fechamento que
"isso foi borrado pela ação conjugada de Poincaré e de cumpre permanecer, nessa autonomização da ciência. nesse
Brunschvicg" 18 • Daí um atraso no enslno de lógica, d istanciado estrito ponto de vista que somente considera a sua coerência
das faculdades de Letras e do ensino de filosofia, ao Invés do discursiva. Reconhece-se aí uma semelhança tant9 com a
que se passa em outros centros. A semiótica dos anos 60 pode abordagem dos textos filosóficos que Guéroult preconiza quan-
ser percebido desde esse ponto de vista como um ersatz des- to com o ponto de vista formalista dos semiólogos.
sa lógica que escapou aos franceses.
BACHELARD E A RUPTURA
A FILOSOFIA DO CONCEITO: CAVAILLES
c,encia da ciência, a partir do desenvolvimento dos processos e vor da reslstôncla é Imediata para Cangullhem. Numa França
....leiscc5nslíluflvos das p róprias ciências. Abre-se todo um campo de 1940, essencialmente favorável a Pétain. recusa todo ato de
d e reflexão poro o e p istemologia que deve operar a separa- submissão ao regime de Vichy: "Não me formei em filosofia pa-
ção com os in vestimentos do sujei to humano, com o vivência. ro ensinar Trabalho, Família e Pótrla"23, declara ele prontamente
a experiência. O fechamento é aí apresentado como uma rup- ao reitor da academia de Toulouse. Robert Deltheil. Muito mar-
tura epist emológica Indispensável para dar lugar aos próprios c ado pela Segunda Guerra Mundial. o combate que el~ trava
processos do pensamento rigoroso. nem por isso o incita ao otimismo; conservará e t ransmitirá u':"
Bachelard rechaça o evolucionismo e opõe-lhe um relativismo pessimismo profundo que. não obstante, não constitui um obsta-
24
que permite ressituar o percurso científico corno uma longa ca- culo à ação. é um •pessimismo tônico" . , •
minhada. feita de Invenções mas também de erros e desvios. o cominho paro a prova está semeado de lnfortunios e pro-
Bachelard ficou algo Isolado num pós-guerra essencialmente exis- vações, e o morte pairo à sua volta, duplamente. pela guerra
tencialista, mas terá grande repercussão mais tarde com o sua e pelos estudos de medicino que empreendeu e o levam a re-
noção de ruptura epistemológica. a qual será retomada e acen- fletir sobre o proximidade entre saúde e doença, vida e morte,
tuada por Louis Althusser em sua leitura de Marx. ou ainda em razão e demência. Defendendo sua tese em 1943, Essai sur
Michel Foucault com a sua noção descontinuísta da história . quelques problemas concernont te normal et /e pothologique
[Ensaio sobre Alguns Problemas Relativos ao Normal e ao Pato-
lógico]. Canguilhem converte-se. pois, no epistemólogo do ~aber
médico: "O p resente trabalho é um esforço para integrar a es-
peculação filosófica alguns dos métodos e aquisições da med,-
clna"25.
Ele interroga a noção de norma e mostra até ~~e, ponto é
frágil a fronteira entre racional e Irracional. e que e rnut11 procu-
rar um momento fundador da norma, mesmo .em algum corte
O PAP EL SEM INAL DE CANGU ILHEM bachelardiano. o ponto de vista de Canguílhem repele toda vi-
são evolucionista de um progresso contínuo da ciência e . d<;'
razão. Opõe-lhe um ponto de vista nletzscheano. em subst1tu1-
herdeiro direto que, allós, ele reconhece como tal quando faz nele se contenha. Resultaró daí uma abertura sócio-histórico da
o comentório sobre Les Mots et /es Choses [As Palavras e as problematlzação filosófico Inteiramente fecunda. A Influência de
Coisos] no revista Critique. Cangullhem Interroga-se, no conclu- Canguilhem também seró multo Importante sobre ~oda_ a cor-
são do seu artigo sobre essa obro de Foucauit, sobre o que rente althusserlana. Sem dúvida. o terreno de lnvesttgoçao está
quereria dizer Cavoilles quando apelava para uma filosofia de muito distanciado entre a tentativo de revivescência de concei-
conceitos: Não serio o estruturalismo a realização desse desejo? tos marxistas e a reflexão sobre o patológico. mas em ambos
Sem deixar de fazer referência a Lévl-Strauss e a Dumézil. ele os casos estó em questão o status do ciência. a validade dos
vê em Michel Foucauit esse filósofo do conceito para o futuro. conceitos.
Mlchel Foucault, por seu lodo, sublinhou a Importância que Pierre Macherey não se engana sobre a Importância do
teve para ele e para todos os filósofos do seu tempo o ensino obra de Canguilhem. à qual dedica o primeiro estudo aprofun-
de Cangullhem: "Façam desaparecer Conguilhem e não com- dado em janeiro de 196430. É o próprio Louis Althusser quem
preenderão muito coisa de toda uma série de discussões que apresenta o artigo de Pierre Macherey, e saúda essa renova-
tiveram lugar entre os marxistas franceses; tampouco entende- ção do pensamento epistemológico que ro!:!P~ão só com as
rão o que há de específico em sociólogos como Bourdieu. C os- crônicas científicas descritivas. mas tom_pém_ c ~ uma aborg_,Q-
tel. Passeron ... Deixarão escapar todo um aspecto do trabalho gem ldeaiista .9a história do progresso das clênc~ ~ejo ela
teórico realizado pelos psicanalistas e. em particular. pelos loco- ãieca]Lclsto_ ('!' Alembert. Dlderot, Condorcet) ~ d1alét1ça ~e-
nlanos"28. gel, Husserl...). A revolução que Canguilhem representa no histó-
ria das ciências é saudada por Pierre Macherey com entu-
siasmo. •com a obra de G. Conguilhem, possui-se, no sentido
muito forte e não especializado que Freud dava a essa pala-
vra, Isto é, no sentido objetivo e racional, a análise de uma hls-
tório."31
Também no terreno da pslcanólise Canguilhem corrobororó o
ruptura lacaniana em virtude de suas posições a~tipslcolo~lstas.
É essencialmente contra a psicologia que Congu1lhem tera ba·
OS LUGARES DO DISCURSO CIENTÍFICO talhado. Ele opõe a esse saber positivo uma desconstrução do
seu edifício disciplinar ao pluralizar a psicologia em múlllplas
psicologlas32. Essa desconstrução que visa desestabl~zor uma dls-
Amigo de René Crevel, relaciona -se com André Breton, saúda de lo constftutfon de lo réalité, conçu en relofion ovec /'expé-
em Salvador Dali uma renovação surrealista e, em 1939, posso rlence et to doctrine psychonolytíque [O Estádio do Espelho.
a viver com a primeira mulher de Bataille, Sylvla, com quem so Teoria de um momento estruturante e genético da constituição
casará em 1953. da realidade, concebido em relação com a experiência e a
Desde multo cedo, em 1930, privilegia uma preocupoçõo doutrina psicanalítico]. Nesse momento~ sofr::__~ ~ ~n-
muito particular com o exame da escrita na sua prática psi• c la de q ~ d~slgará mais tard~ a _do _psl~ol~g~n!I -.yãiíortl
qulátrica. É o caso na comunicação que ele escreve a respeito No Início dos anos 30, Wallon percebe uma etapa qualitativa
de uma professoro de 34 anos, erotômano e paranóica. uma realizado pela criança quando passa da fase do Imaginário pa-
certo Marcelle. Ela toma-se por Joana d' Are e imagina ter por ra a fase simbólico. O mesmo processo, agora deslocado para
missão regenerar os costumes. Paro descrever a estrutura dessa o plano do inconsciente, é descrito por lacan: trata-se do im-
paranóia, Lacan parte do exame de suas cartas a fim de de- portante momento constitutivo em qu~ a criança descobre a
marcar nelas as perturbações semânticas e estllísticas3 • Aluno de Imagem do seu próprio corpo. Essa identificação permite a es-
Clérambault, lacan realiza com a análise do caso de Aimée truturação do "Eu" e a superação do ' tose anterior da experiên-
uma reviravolta completa e decisiva. Ao recusar-se a Integrar a cia do corpo dividido. É essa passagem para a consciência de
teoria freudiana no molde do organicismo psiquiátrico. inverte os um corpo próprio em sua unidade que falta aos pslcótlcos; es-
termos tradicionais das relações entre psiquiatria e psicanálise. e tes permanecem num estado de dispersão de um sujeito desin-
Introduz "o primado do inconsciente no estudo clínico"4 • O caso tegrado poro sempre. Essa experiência do estádio do espelho
pslcótico das irmãs Papin acentua ainda mais a idéia do ln- na criança entre seis e oito meses conhece três momentos. co-
consciente como estrutura constituinte do Outro, como alterl- mo na dialética hegeliana. A criança percebe primeiro a sua
dade radical de si mesmo. imagem refletida pelo espelho como a de um outro, que ela
Em 1932, Lacan defende sua tese de doutorado, De lo tenta apreender; permanece na fase Imaginária. Segundo tem -
psychose poranoTaque dons ses rapports avec la personnalifé po: "A criança é sub-reptlclamente levada a descobrir que o
[Da Psicose Paranóica em suas Relações com a Personalidade]. outro do espelho não é um ser real, mas uma imagem"8 • Final-
a qual terá repercussões muito além dos meios psiquiátricos. Ela mente. a criança realiza a sua identificação primordial durante
será imediatamente notado e discutida por Boris Souvarine e o terceiro tempo, conscientizando-se de que essa imagem reco-
Georges Bataille em Lo Critique socíole5 . Lacon rompe com to- nhecida é a dela, mas essa passagem é prematura para que
das as formos de organicismo e Integra a paranóia nas catego- a criança taça a experiência do conhecimento do seu próprio
rias freudianas, cuja estruturo define. Ora, esta não pode resultar corpo: "Trata-se apenas, portanto, de um reconhecimento ima-
de uma abordagem fenomenológico da personalidade: ·o sen- ginário e nada mais do que lsso"9 . Daí resulta paro o sujeito
tido especificamente humano dos comportamentos humanos que ele vai constituir a sua Identidade a partir de uma alienação
jamais se revela com tanto clareza quanto em suo aproxima- Imaginária, vítima dos engodas de sua ldentifícoção espacial.
ção dos comportamentos animais" 6• A partir da sua tese, pode- Se ~ .e_ rn.QI.n~n!s>~ gá como etapa, está~dlo, no sentido
se falar de r~torno a Freud em Lacan, não paro repetir o seu wailoniano. genético ~o _terrno, em L~:}_6.,__L.9c<;1_Q...Yªi ! eternar es-
ensino mas para o prolongar e. em especial, num terreno dian- sa comunlcaçéÍo para o Congresso Internacional de Psicanálise
te do qual Freud tinha deposto as armas: o da psicose. Para de Zurique, em 1949"..,rnas des.!9_ vez a leitura é mais_est~dturolis-
lacan. a · psicanálise deve poder explicar a psicose e, no caso ta do que genética. Com efeito, se a sua comunicação con-
contrário, não prestará paro muita coisa. serva o qualificativo de estódio, Le Stade du míroir comme
OQ_q_e o Lacan· da tese ainda nã<;> é o dos Écrlts é no _seu formateur de la fonction du Je [O Estádio do Espelho como For-
_g~ net.!_c~ ~ Ma~cado p~n®o heg5')1iano:_ L a ~ a perso- mador da Função do Eu], ele já deixou de ser pensado çomo
nalldgd~ ~ituir-se p 9..r eta~s.:.. até a realização do que ele momento de um processo genético para o ser como matriz
chama a personalidade completa que atinge a transparência fundadora da identificação, da relação estabelecida pelo sujei-
hegeliana da ordem da razão numa história completo. Esse mo- to entre exterioridade e interioridade, daí resultando então uma
mento lacanlano ainda é, portanto, "tributário do geneticismo; "configuração inultrapassável"1 º. O qualificativo de estádio não
/ .. ./ a primeira grande doutrina lacaniana é uma doutrina abso- corresponde mais, portanto, ao que Lacan descreve. Por essa
·lutamente genética"7• Em 1936, Lacon ·teve ocasião de exprimir Identificação imaginária, a criança já se encontra, por conse-
esse ponto de vista genético durante o XIV Congresso Psicana- guinte. estruturada em seu devenir, tolhida na armadilha do
lítico lnternaciono! do Mcr:s .. bcd, com sua comunicação, Le que acredita ser a sua identidade, o que torna doravante im-
Stade du mlrofr. Théorfe d'un moment. structurant et génétfque possível e Ilusória todo tentativa, por parte do sujeito, de ter
acesso a si mesmo, pois a Imagem do seu ego devolve-o a
3. /b., p . 124. um outro que não é ele.
4. lb., p. 129.
5 . Ver Boris Souva/ne et ' La Critique soe/ale", sob o direção de Anne íloche, Lo
Découverte, 1990. 8. J. DOR. lntroc:l1.::.;1on à lo fecture ele Lacan, O..noel, 1985, p. 100.
6 . 8. OGILVIE, Locan, /e su/et, PUF, 1987, pp. 20-21. 9. /b. , D ~ lOL
1
HISTÓ RIA DO EST/W TURALISM O 13. UM m UI /l)l CHA M ADO JACQUES LACAN
Portanto. Lacan acentua desde o pós-guerra o corte e ntro Hyppollte recuso o psic ologismo subjacente no noção de dene-
consciente e Inconsciente, a partir de dois registros em sltuoçôo
de exterioridade recíproca: o ser de si mesmo escopo lrre dutl-
velmente ao "ente". ao mundo, à consciência. Esse estódlo c on-
~;J~n~~r~aq~~~r~r~~::~~:~:ga~:e:t~;o:~~~~ ~~:'~ei!~~
v isa Integrar o freudismo como etapa constituinte do logos. do
\,_i.~.L.·~.i
:.~.>
.:•.
verte-se na chave que permite delimitar a repartição entre Espírito tal como Hegel o vê operando no história: ele "queria,
imaginórlo e slmbólico no indivíduo, primeiro passo de uma alie- em suma. mostrar como se poderio incluir a obra de Freud nu-
nação do ego: "Pode-se discernir com J . Lacan no estádio do m a fenomenologia do espíiito contemporâneo. Construiu enge-
espelho uma verdadeira encruzilhada estrutu,ai" 11 . É necessório n hosamente uma nova figura do espírito. a do consciência
ler ness..9..n_o_yg_ abordagem do. estádio º-º
esgellJ..o u~a dupla denegodoro"1s. Ao contrórlo dessa leitura, Lacon considera Freud
influência: ~ <1a _lingüística estrutural, qe ~aussure, que lacan c omo o futuro de Hegel.
descobre ·no pós.guerra graças a Lévi-Strauss, e a dos temos
.!'~l9 egge~ anos, que t.9!!)~m o lugar _d9...9l9.LéJ.L~Ttãna. A
essa essência do Ser, perdldÕ . Üm pouco mais a cada dia no
esquecimento do Ser, à perda inexorável no sendo, correspon-
de essa construção vindoura do ego, após o estádio do espe-
1h o , a qua l vai escapar cada ve z mais ao Eu, ao sujeito
descentrado para sempre de si mesmo: "A discordâncjg..s).r.o·
gresslva__g~ SEl_ estabel~_ce entre o e_go_e .Q .§.e r ÇJP~E?.!lt.YOJ: se-ó
em toda q_b~!QJ\Q.....~.YJca" 12 • -
A ESCANSÃO
Nesse sentido, a partir de 1949, Lacan pertence ao paradig·
ma estruturalista, antes mesmo de se referir explicitamente a
e Locan inova no plano teórico, o mesmo pode ser dito
Saussure (em 1953), pois ~ dio do esp elho _ _ g ~.torl-
Fidad~ .....f!ó-se com9 estrul_uro p ri~~9._.!.!,~ersíveL.. ~..!).ÇIO
p ~ de funcionar d_e _ou!ro ~ o~ o ,senão RO~ ~ ~róprlas.
S dele no plano da prótlca terapêutico da curo e, nesse
domínio, o passo dado converteu-o num rebelde. um psicana-
_Nao exlst-ª,_,J?.2!!anto, p ossibilidade de passar de uma estw.t.ura a lista em ruptura em relação à organização oficial que é o
~~tra, mas tõ~~~__q_e tal'g,ãra fal '"gestão da_dil~.à[utu- Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Intervém por diversas ve-
zes, no início dos anos 50. perante a SPP a fim de justificar sua
~ A partir desse momento, Lacan abandona totalmen te a
prático das sessões com duração vorlóvel. Trota-se de dioletlzor
idéia hegeliana, enunciada em sua tese, de uma possível per-
sonalidade pronta e acabada, transparente para si mesma. o relação transferencial pela interrupção da sessão. por sua es-
Não há mais ultrapassagem dialéttca possível da estrutura inicial. c onsão, em cima de uma palavra significante do paciente,
Em conseqüência, o Inconsciente escapa à historicidade, do c onvidado então o voltar para caso.
Essas sessões de duração variável não tardam em gerar es-
mesmo modo que deixa nas ilusões da imago o cogito, a
consciência de si. Lacan coloca -se uma vez mais a certa dis- cândalo, tonto mais que, como foi constatado pela SPP. elas se
tância da dialética hegeliana do desejo como desejo de reco- transformam no grande maioria das vezes em sessões curtas. e
nhecimento que, para e le, é da jurisdição do imaginário, logo, a té multo curtas. Essa prático vai red~hdar em pomo de d iscór-
do pedido e não do desejo, que só encontra seu lugar próprio dia entre o instituição psicanalítica dticiol e Lacon que, nesse
no Inconsciente. A ldéla loconiana. proveniente de Freud e en- p lano. participo também de mod~(eno no aventuro estruturo-
fatizada, d e divisão do sujeito implica em si mesma uma c rítica lista de rompimento com os oc emismos, com os poderes
do hegelianismo e de sua idéia de saber absoluto, devolvido à estabelecidos. É evidente que e as sessões multo curtas permi-
sua condição de milagre: "Direi mesmo que, de ponta a ponto, tem o Lacan recuperar o máximo de dinheiro num mínimo de
Locan enuncia uma crítica sumamente válida do hegelionls- tempo, fazendo assim da profissão de analista uma profissão
rno"'J. mais lucrativo do que a de chefe de empresa, . melo como
Em 1956, Locon opõe-se o seu mestre Jean Hyppolite. repre- qualquer outro de fazer do psicanálise uma carreira social, acu-
sentante do hegelianismo, ao apresentar a psicanálise como a mulando a leglttmldade científico e a possibilidade de fazer for-
substituta possível não só do hegelianismo mas do filosofia . tuna. o seu gosto pelo dinheiro tornou-se lendário: "Se você sair
Hyppolite fizera uma exposição no âmbito do semlnórlo de Lo- c om Lacon poro ir ao cinema. será obrigado a ir ao Fouquet e
can em começos da década de 50, e que f,....,i publicada em comer caviar. Por que caviar? Porque era o que ali havia de
conjunto com a resposta de Lacan 14• Trato-se da questão da mais caro• 16, testemunha Wladimir Granoff sorrindo porque ele,
tradução do conceito de denegação (Verneínung e,,-n a lemão). como russo, prefere o caviar em pasta ao caviar em grãos. Na
ho ra do toylorismo, Loca n tinha uma noção muito apurada do
rendimento horórlo. Entretanto, alguns vêem aí um ponto de es-
11. A . l EMAIRE. Lacan, Mordogo, 1977, p. 273 .
12. /b., p . 277.
13. M o ustofo Sofouon, entrevisto c om o outor. lõ. v. OESCOM Bes, Les Enjeux ph/losophlque s des années clnquanle, op. ctf., p .
H/Sf RIA DO l:SffWIURAUSM O 13, UM Ili Ili li)/ C III\Ml\00 JI\CQUI S LACI\
i
dado ao freudismo suas cortas de nobreza, um segundo alento.
tas por Inconfessáveis razões económicas. isso num momento, nos anos 50, em que "se tornara mais co -
Outros. como Wlodimlr Granoff, consideram que não hó mais mum considerar Freud um re§peitável ancião. mos qU:9 jó dei-
nado o pensar a tal respeito, além da experiência que teve xara de ser lido' •
124
Lacan depois do guerra quando não resistiu à vontade de pôr Esse retorno a Freud é real' ado, pois, por mediação de La-
um paciente no olho do rua. Locan censurou-se depois por ter con, que se beneficiou disso ocupando a posiçã~ ~o Pai que
cedido à sua impaciência e inquietou-se por não saber se esse enuncia o Lei. Lacan vai e carnar o Nome-do-P01. impondo-se
paciente voltaria a procurá-lo. Ora. na hora combinado. o ana- por seu carisma. distrlbuin<:io as prebendas, maltratando os seus
lista reencontrou o seu analisando no divã: "Nesse dia, o mundo vassa los. correndo o risco de transformar alguns dos seus fiéis
balançou. Ele bol'ançou como todo vez que um analista foz al- em simples reproduções miméticas do Pai fundador, mos garan-
º.
guma coisa de ordem transgressiva" 2 A partir dessa descoberta, tindo um incontestável sucesso à disciplino psicanalítica. que
Lacon começou a encurtar o tempo das sessões. e pôde cons- conhece então no França uma espécie de Idade de Ouro.
tatar. a cada vez. que Isso não incitava de maneira nenhuma
os seus pacientes a deixá-lo. Além dessa experiência pessoal,
essas sessões curtos, enquanto doutrino terapêutico, "não apre-
sentam qualquer interesse, não lesam ninguém. nunca ajudaram
ninguém e não constituem crime" 21 •
em _1954: "Era verdadeiramente um discurso categórlco"3, É 0 p o rtanto. esse_ duplo e p_§lri_goso obstóculo: por u_r:na_ p<:Jrte. uma
partir desse choque que ele empreende a leitura da obra de p slcanóllse em via~ de ~ er o seu ob]e~ ~lente, em
Freud. A fala de lacan produz nele "um poderoso afrodisíaco proveito de uma psicologia dinâmica e, por outra. a me.dicall-
para o pensamento. punha a cabeça para funclonar"4, o dls- zação de tod~ ~ a t ~ . por conseguinte, a
c~rso d~ laca~. e':1 sincronia com sua experiência clínica coll- dissolução da pslcanólise na psiquiatria. Nesse sentido, a inter-
drana, tinha nao so valor teórico mas desempenhava também venção de Lacan provoca um sobressalto quase gaulliano: "Sua
para seus ouvintes, o papel de associações livres e, ao mesm~ e ntrada em cena prestou incontestavelmente um grande servi-
te,:npo, de interpretação destas. Além disso, a partir dessa clrcu- ço. Ela deteve uma espécie de maré de lama, de imbecilida-
la~rdade, ele manipulava uma relação transferencial com O seu des analfabetas, em que o governo francês da análise estava
publico. A fala de lacan levava para além do que ela signifi- prestes a atolar-se"8 •
cava. conforme pôde teorizar. Que se a julgue com este depol- Wladimlr Granoff. para ilustrar esse estado de perdição do
~ento de Claude Dumézil, neófito na época: "Quando me pensamento analítico, sofrendo de metóstases mortais, adota o
inscrevi nos anos de 1954-1955 no semlnório de Lacan, ele ló exemplo do tratamento no pós-guerra de uma regro da prótlca
falava do nome-do-pai e eu entendi: não do pai. Portanto. não analítica que é aquela segundo a qual o paciente deve pagar
compreendo nada do que estó em jogo mas, apesar de tudo, as sessões a que faltou. Ora, os princípios que regem essa prá-
com esse erro, estou ainda assim completamente por dentro do tica não são periféricos, em absoluto, mas, pelo contrário. têm
05 valor axiomático: "Finda a guerra, inscrevi-m~ numa anólise de
tema' •• A tal ponto por dentro do tema que o filho de Georges
Duméz1I e~t~a em anólise com Lacan pouco depois, em 1958 . controle com alguém que era portador das maiores esperanças
Mas. n<:> diva, descobre um outro registro: "É .um horror, de súbi- da Sociedade de Paris. Mourice Bouvet. Fiz parte da primeira
to a brilhante personagem torna-se muda como uma carpa 0 geração de analistas entregues à supervisão de Bouvet. Em
homem sedutor estó roubando minha grana. Aí, jó não se t~a- controle coletivo, um colega relata o caso de seu paciente
ta mais de uma questão de conceito, mas como Isso sangrai"º que nesse momento estava doente e não comparece, portan-
A_recusa..do_PS.i.GQ{Qglsmo e~ve, portanto, na o r i g ~ sedu- to, às sessões. O que fazer? Esse grande teórico Bouvet. após
Ç.Q.2...Y~~~elo discurso lacanlano, da via crucis que daí ter maduramente refletido, respondeu: 'Pode-se fazê-lo pagar
resultou e da c ~ ê f í n t t í v ã -ém°'favor da psicanálise. Foi es- até aos 38º de febre, para além disso, nãol' Evidentemente, é
se o caso para numerosos psiquiatras na época. uma sonda, um termômetro enfiado no traseiro de uma discipli-
na. E, no entanto. Bouvet era um digno rep resentante seu. eml·
nente e convincente" 9 •
Nesse domínio, como nos outros, a intervenção de Lacan foi
salutar. na medida em que proporciono à prática analítica,
além das lnspiraçôes teóricas. garantias científicas sólidas. regras
de funcionamento rigorosas que lhe permitem apresentar-se co·
mo ciência autônoma, dotada de procedimentos claros que
('\<;, ....-'1- \ f:' \,,1) validam o seu grau de científicidade. Esse saneamento do pen-
O SOBRESSALTO NECESSÁRIO samento e da prática contribui então, de forma conslderóvel,
para a mudança da lrn~m social do psicanalista que. até
põe o relno do cultura ao reino do natureza. entregue à lol do gôo'; "O ser humano caracteriza -se pelo foto de seus órgãos es-
acasalamento. O tabu do Incesto é apenas o seu pivô subivll tarem foro dele". No seu discurso de Roma, Lacon opõe essa
vo / .../. Portanto, essa lei faz-se conhecer suficientemente como função simbólico, que fundamenta a Identidade do homem. à
Idêntica a uma ordem de linguogem" 16. linguagem dos abelhas. que só vale pela fixidez da relação es-
Lacon. numa abordagem que recorre à filosofia de Heldeg tabeleci do com o realidade que elo significo. Locon encontro,
ger, considera que a noção de ciência perdeu-se desde o portanto. no signo soussuriono, cortado do referente , o núcleo
Teóitetos. lenta degradação acentuada pela fase positivista que quase-ontológico do condição humana: "Se se quiser caracteri-
subordinou o edifício das ciências do homem às ciências expo zar essa doutrina da linguagem. cumpre dizer, em suma, que
rlmentois. O sobressalto. o retorno às fontes, deve provir da lln e lo é abe.1tomente criacionlslg._A.li.Q.g\.l.QQ~~~~criodqro" 21 • A
güfstlco . que encontra a partir de 1953, para Lacan. o seu existência humãnan ã o ~ outro lugar para Lacan o não ser
papel de ciência -piloto: ·A lingüística pode servir-nos aqui de esse nível simbólico, e encontro naturalmente Soussure e Lévi-
guio, pois é esse o papel que elo recebe diretamente do on Strouss nessa preponde rância conferida à linguagem. à cultura.
tropologlo contemporânea e ao qual não poderíamos ficar à troca. à relação com o outro.
lndiferentes" 17 • A referência é explícito a Lévi-Strauss que, 001 Em Roma, Locan apropriou-se. pois, da cientlflcldode do lin-
olhos de Locon - v oltaremos a trator deste ponto - avançou güística: ºEle estava muito feliz por poder se apoiar em algo
mais no próprio terreno do Inconsciente freudiano do que oa que tinha um suporte científico. Isso fazia porte Integrante de
psicanalistas profissionais; e a ·chave dÕ seu êxitÕêncÓntra-se no um projeto. o de expor e explicar a pslconóllse de um modo
implicação das estruturas da linguagem. mormente fonológicas, científico 022 • Locan oferece então à psicanálise o possibilidade
nas regras da aliança terapêutico. de desafiar a filosofia, aproximando-se dela, desmedlcallzando a
A releltura que Lacan faz de Freud Inscreve-se na filiação abordagem do inconsciente e preconizando, p elo contrórlo, o
saussurlana, ao fazer prevalecer a dimensão sincrónica: "Enfim, a abordagem do inconsciente como discurso. É um novo desafio
referência à lingüística nos introduzlró no método que. ao distin- lançado à filosofia, proveniente de uma pslcanóllse renovada.
guir as estruturações sincrónicas das estruturações diacrônicas na revitalizada, e que pretende ser a sucessora do discurso filosófico.
linguagem. pode permitir-nos compreender melhor o valor dife-
rente que a nossa linguagem adquire na interpretação dos
resistências e do transferêncio" 18• Nesse sentido, ele também par-
ticipo plenamente do paradigma estrufürallsià e Incito a uma
no~o le ltu!.Q _d ,e Freud que npo aceite. mais como essencial o
teoria das.Jases suc~sslvas mos refira estas a uma estrutura edí·
pica de base caracterizada por sua universalidade. autonoml-
zad_a em Tu1oção -às contingências temporÔis_e espg_c ioi~ ló
presentes o~ s de,).29.9 a..b.!àória: "O que foi multo importante O RETORNO A FREUD ATRAVÉS DE SAUSSURE
do parte de Locon foi introduzir essa perspectiva sincrónico, em
substituição da perspectiva diacrônlca•19 _ Ao contrórlo de Sous·
sure. cujo objeto privilegiado é o língua {/on_gueJ. Locan privile- m 1953, é sobretudo Indiretamente, pelo obra de Lévi-
gia o fota [parole). deslocamento que se tornou necessário peta
prática do ·curo. Mas essa fato nem por Isso representa a ex-
E Strauss. que Locan tomo conhecimento de Saussure. De·
pois de 1953. porém. ele apr~ undo a questão trabalhando.
pressão de um sujeito consci~nte e s~or do seu dizer, multo desta vez d iretamente. com o Curso de Ungüístlca Geral. Esta
pelo contrário: "Identifico-me na linguagem, mas somente para segunda leitura fornece a Locqn todo um vocabulário novo,
me perder neta como objeto" 2º. Essa falo está cortad o poro oriundo de Saussure, de que el+ se aproprio e usa com brilho
sempre de todo a êesso ao real, ela só veicula significantes que em 1957 em L'lnstance de lo leffre dons l'inconscient [A Instân-
se remetem entre si. O homem só existe por suo função simbó- cia do Letra no Inconsciente). Nesse Importante texto, Lacon
lica e é por ela que deve ser apreendido. Lacan apresento, apóia-se totalmente no lingüística estrutural e cita com tonto
pois, uma inversão radical da idéia do sujeito pensado como o fervor Soussure quanto o seu amigo Jokobson. que vem regular-
produto do linguagem. seu efeito, o que implica a fomosa fór- mente vê-lo em Paris, tendo escolhido o seu domicílio parisiense
mula segundo a qual •o inconsciente está estruturado como na residência de sua mulher Sylvlo. Lacon situa-se então dentro
uma linguagem•. Por conseguinte, não hó por que procurar o do saussurionlsmo, cujo conceltualizoção retoma, ainda que
essência humana em outros lugares atém da linguagem. É o adaptado aos seus propósitos: "É todo o estrutura do linguagem
que Lacan quer dizer quando afirma que •a língua é um ór- que a experiência psicanalítico descobre no inconsclente"23 •
Aposso-se do algoritmo de Soussure que. para ele. fundamenta
16. lb., p , 156. a clentiflcldode do lingüístico: ·o signo escrito assim merece ser
1 7. lb., p , 165.
18. lb.. p , 168.
21 . 8 SICHEl'l E, L• Moment /ocorl.;,n. Grosset. 1983. p . 59.
19. ílené Major, entrevisto com o autor.
FRANÇOIS OOSSE 1 OS ANOS C INQÜENTA: A ÉPOCA ~PICA
-H-IS-TÓ
~R- IA DO ESTRUTURALISMO 14. O CHAM ADO DE ROM A (1953) : O RETOf?N O A FREUD
atribuído a Saussure"24. embora submeta o algoritmo saussurlano senvolvim e nto do discurso e assimila esses dois processos ao
a um certo número de modificações muito significativas do mecanismo de funcionamento do inconsciente que, estruturado
perspectiva lacanlana. Modifica-lhe a simbolização ao atribuir como uma linguagem, situa-se em total isologia em relação às
uma maiúscula ao significante e ao relegar o significado paro regras desta última .
a minúscula. No mesmo espírito. a prevalência do significante o
faz passar para o lado de cima da barra, contrariamente à suo
posição em Saussure: { .
realista• e o fato de que "o deslocamento do significante detor Inconsciente. Apreende-se em que o aspecto formalista do es-
mina os sujeitos em seus atos. em seu destino. em sua recusu, truturalismo encontra sua eflcócla na prática da cura. E Lacan
em suas ceguelras" 30. No decorrer da novela de Poe, todos 01 aconselha aos analistas que se Iniciem na lingüística: "Se quise-
autores, o Rei, a Rainha, Dupin, deixam-se ludibriar sucessivo rem saber mais, leiam Saussure, e assim como um campanário
mente em seus lugares respectivos, enquanto a carta circula pode esconder até um sol, esclareço que não se trata da assi-
sem que eles o saibam. Cada um é induzido a conduzir-se por natura que se encontra em pslcanóllse mas de Ferdinand. de
influência dessa circulação do significante (a carta), sem que quem se pode dizer que é o fundador da lingüística
lhe conheça o significado (o conteúdo). Por outro lado, nessa moderna"33 . Portanto, é a própria estrutura da linguagem que
busca da carta, a verdade esquiva-se sempre e Lacan retomo confere seu status ao inconsciente em lacan. e permite assim
o tema heideggeriano da verdade como otéthéío. o significon objetivá -lo, tornar acessfvel o seu modo de funcionamento .
te (a carta) brilho por sua ausência. Freud já tinha dito que o sonho era um enigma e Lacan toma
Outro procedimento retórico utilizado pelo inconsciente é 0 aqui Freud à letra. Mas a busca da significação final do enig-
metonímia. Tra to-se de uma transferência de denominação que ma é constantemente adiada pela cadeia significante que
pode apresentar-se sob diversas formas: a substituição do con - e ncobre para sempre a verdade a partir de pontos de estofo
teúdo pelo continente, "eu bebo um copo", a designação da que é possível, por certo, assinalar nas relações significantes/sig-
parte pelo todo, o fato de tomar a causa pelo efeito ou 0 nificados. mas aos quais falta radicalmente a d imensão inco-
ab_strato pe1o concreto. V:jamos d? novo o exemplo dado por mensurável do Real. atribuída ao impossível.
3
Joel Dor . com a expressao metornmica •ter um divã" para sig- Lacan também empresta seu vocabulário a um outro lingüis-
nificar "estar em análise·. A figura metonímica Implica neste ta, o gramático Êdouard Pichon. que já sublinhara a divisão
caso uma relação de contigüidade com o significante anterior e xistente entre o "Eu" (Je) e o "ego" (m01). Lacan ·retoma essa
que substitui: distinção separando desta vez radicalmente o ego, condenado
ao imaginário do "Eu", sujeito do inconsciente, ele próprio dividi-
Sl imagem acústica: ·anóllse" do a partir de uma dupla estruturação que corta para sempre
sl idéia de estar em anóllse o "Eu" de todo acesso ao sujeito do desejo, tal como o Ser hei-
deggeriano é inacessível ao ente. Em 1928. Pichon Introduz um
S2 imagem acústica: "divã" conceito que vai tornar-se uma noção capital do laconismo. o
s2 idéia de divã de foraclusão. Trata-se de designar o fracasso do recalque ori-
ginário. Ao contrário do processo de recalque que permite ao
neurótico trabalhar para o retorno do que foi recalcado, "a fo-
raclusão, pelo contrário, jamais conserva o que rejeita: ela o
risca ou apaga pura e simplesmente" 34 • A foroclusão que vai
~ - ,...,....,__
~ S2 ( ...... Sl) s2 acarretar a psicose está ligada à confusão dos dois planos do
significado e do significante. A alteração do uso do signo lin-
~ sl güístico fundamenta, portanto, a patologia do psicótico: "O
@] esquizofrênico vive, pois, num mundo de símbolos múltiplos, e é
a dimensão do imaginári.o. dos conceitos, o que, nesse caso.
A diferença aqui em relação à metáfora reside no fato de está alterada. Para o delirante. pelo contrário, um único signifi-
que o significante excluído não passa para o lado de baixo da cante pode designar não importa que significado. O significante
barra de significação; em contrapartida. o significado s2 (idéia não está ligado a um conceito definldo"3!>.
de divã) é expulso: • As noções de metáfora e metonímia cons- Ao constatar a que ponto a ordem do significante é central
tituem, na perspectiva lacaniana, duas das peças-mestras da para Lacan, não se pode concordar com o lingüista Georges
concepção estrutural do processo inconsciente•J2. Mounin quando vê na utilização do conceito de significante por
Esses_~ p_os escoram, por sua homologia com os fenó- Lacon o simples sinônimo de "significativo na acepção banal
menos <!e C.Qr)_ d ~_n sação ê d_~ d~a";i;entÔ, a- hit?ó tese de do termo" 36 • Paro Georges Mounin, Lacan, tardiamente atingido
Lacan _~Q..do a g.!:!Q.!...Q.J.nconsciente é estw!y_rQ.dQ....c.amo urna pelo contágio lingüístico, foi vítima da "cl~ca voracidade dos
ling':!agern. Lacan sugere, pois, ao analista que tome o pacien- retardatários" 37 • Lacan que, fazendo em 19 um balanço da si-
te à letra e não insira o seu dizer em nenhuma hermenêutica. tuação da psicanálise e avaliando a dim nsão do fenômeno
Nisso, ele segue as instruções do próprio Freud quanto à escu- estruturalista, ainda convida os psicanalista a estarem particular-
ta flutuante do analista. A literalidade da fala proferida apre- mente atentos aos fonemas, locuçõ;s, sentenças. pausas,
senta em si mesma a cadeia significante que é a trama do
33. J . LACAN. ºLa chose freudienne' . 1956. Éctffs, op. c/f., p. 144.
34. A. LEMAIRE, Locon, op. clf.. p , 340.
30. J . LACAN, ºSéminaíre sur lo leffre voléeº. Écrffs J, op. clf.. pp. 35 e 40. 35. 10.. p . 347.
31 . J. DOR. fnfroducflon à /o tecfure d~ I l""lenn ""',..., rJ+ ..... ~ J J''' &L - • • - • •• 111o..1 ,.-•1--
,_..,_ _ Ão , __ ,..1.-1-1--1- ..__.:-,,:r. '"lô'T.n -- lQ--A lQA
TRUTURALISMO
dagem do Inconsciente que lhe permite lançar •as basos do avoluçôo dos forças que atuam nos fenômenos de recalque,
uma álgebra signlficante" 1º em pslconóllse, da mesmo maneiro condensação. deslocamento, censuras etc.. Lévl-Strauss somen-
que Lévl-Strauss o realizou em antropologia. Em sua lntroducllon te retém, como estruturalista. o dimensão tópico. "aquela que
à roeuvre de Marcel Mouss. Lévl-Strauss precisa o suo deflnlçõo se relaciona com o sistema dos lugares que definem a topolo-
de Inconsciente. apoiando-se essencialmente em Mauss...:. O ln gia do aparelho psíqulco• 1s. O Inconsciente permite. situar_ ao
consclen~ é gefiold.2_po1_su_q_J~gQ_<!_Ur<?_2a, ~ o_termo mesmo tempo o lugar da função simbólica e sua unaversahda-
medla~or entre o ..eu.~ outro e não Q..!arctlm secreto do sujei de, o que a vincula aos recintos mentais; permite extraf.la das
tõ. Nesse Importante texto. Lévl-Strouss define um caminho pelo contingências espaço-temporais e fazer dela uma entidade pu-
qual Lacon enveredará. o da autonomia do simbólico: "Os sim ramente autônoma. abstrata, formal. À questão de saber por
bolos são mais reais do que o que eles simbolizam, o slgnlll que ele se esquiva à dimensão do desejo em seu manuseio d?
cante precede e determina o slgnificado" 11 • noção de Inconsciente. Lévl-Strauss responde: "É essa uma d•·
mensõo fundamental do Inconsciente? Não estou convencido
dlsso•16, e opino que o tratamento dos sonhos por Freud como
realização de um desejo traduz uma concepção singularmente
estreita, simples máscara, fumaça Irrisória para ocultar a igno-
rância em que nos encontramos para explicar as realidades
biológicas.
OS RECINTOS MENTAIS
i;iara
EÔlém..
stó aí a raiz do mal-entendido, pois o inconsciente do an-
tropólogo está multo dlst'ãntedoincoosclent;- tréudlano,
da~nqÍog!_9s que ~ p'õ°'ssa_jissinolar entre a deco-
dificação semânNca dos mitose ãs técnicos de interpr_eiação
psicanalítiêa. ·EmTévi-S tr~ss.- ·o incÔnsclenteé õ lugar das A RIVALIDADE:
estrutÜrãsilf2'." O inconsciente lévi-strausslano é definido, portanto.
como um sistema de condicionamentos lógicos, um conjunto
PSICANÁLISE/ ANTROPOLOGIA
estruturante. •a causa ausente desses efeitos de estrutura que
são os sistemas de parentesco, os ritos, as formas da vida eco- ecentemente, Lévi-Strauss reat<:>~ e~e diólogo ininterr~pto
nômico. os sistemas simbólicos' 13. Esse inconsciente puramente
formal, lugar vazio, puro receptáculo. está bem longe do in-
R com a psicanálise em Lo Pot,ere Jalouse, em que situa,
desta vez claramente, o que está em jogo: a rivalidade entre
consciente freudiano, definido por um certo número de conteú- duas disciplinas que trabalham ambas sobre o Inconsciente; e
dos privilegiados. Esse afastamento do conteúdo, do afeto. Lévl- }o/ouse (ciúme) do título remete para o do antrop61090 em fa-
Strauss volto o ocupar-se dele em Le Totemisme aujourd'hul, em ce do psicanalista que pode prevalecer-se de um óbjeto cir-
que critica o recurso do psicanálise à afetividade, às emoções. cunscrito de uma terapia particular, de uma Implantação Irre-
às pulsões que correspondem ao nível mais obscuro do homem versível ~o corpo social. Portanto, o próprio Lévl-Strauss anunciou
e impróprio poro explicações de natureza científica. Lévi-Strouss a coloração desse diólogo, ao situar-se no registro do ciúme:
justifica o distinção entre esses dois planos ao expllcar que o ln· ·os mitos analisados em La Potlere )alouse, s<?_bretudo os dos Ji-
telecto só pode analisar o que depende de uma natureza varo, oferecem de cÜrf~ o _fat~e _prefigurarem _os teorias psi-
semelhante. uma abordagem que exclui. portanto, o afeto. E canalíticas. Era preciso evitar que os psicanalistas se apode-
não deixa por menos do que reiterar o inconsciente como ob- rassem deles para encontrar aí uma legltlmação" 17 . Repete o
jeto específico da antropologia: "A etmologla é, em primeiro censura que tinha endereçado o Freud de só decifrar a partir
lugar, uma psicologio" 14, e o ambição que ele atribui o esta úl- de um código único, e traço um paralelo entre a vida p~q.ulca
timo é o de reconstituir os leis universais de funcionamento do dos selvagens e a dos psicanalistas. Se~ndo ele, estes ~l!1mos
espírito humano. aproveitaram os caracteres de analldad e de oralidade Ja en-
Do teoria freudiana que se desenvolve em duas dimensões, contrados pelas sociedades primitivas: "E contramos sob forma
uma, tópico, de diferenciação de diferentes camada:; do apa- perfeitamente explícito noções e categor as - t~is con_:io as do
relho psíquico. e outra. dinâmica. o dos conflitos. perturbações, caráter oral e do caróter anal • que os 7canahstas nao pode·
rão pretender terem descoberto: não fizeram mais do que re sub-repllclamente o Inconsciente sob o barra significante do pa-
descobrl-los"18 . radigma estruturollsto . Lacan teria assim pago caro o seu dló·
Segund_o ~-Strouss.._f!eud__g_eve ser in_~ído. portanto. no nl logo. 0 sua caução antropológico. ao preço do perda do
vel aos mitos. ele não tem sequer o mérito do invençãp, visto objeto singular da pslcanóllse, daquilo que fundamenta suo
que apenas -reciclou um antigo universo simbólico. Lévi-Strauss Identidade científica: o inconsciente. ·o
que acredito e sempre
formulo ainda mais claramente a determinante institucional su acreditei é que Lacon pensava trabalhar sobre o lnconsclent.e
bentendido nesse debate/combate de anterioridade: " Poder- mos trabalhava sobre o pré-consciente. / .. ./ Dizer que o pre-
se-ó ver na psiconóllse outro coiso senão um ramo da etnolo- consclente estó estruturado como uma linguagem é Inteiramen-
gia comparada. ampliado ao estudo do psiquismo lndivldual?"1' te defensóvel"22 • .
Lévi-Strauss termina até sua obra de maneiro sorcóstlco com Cerca de 10 anos após Gérard Mendel, um antigo lacorno-
uma comparação entre o Édipo Rei, de Sófocles. e Um Cha - no. Ffonçois Roustang. retomo a mesma análise segundo a qual
0 Inconsciente simbólico de Lacan nada mais seria do qu~ .º
péu de Palha da ltólía. de Lobiche. paro assinalar o mesmo
mito em ação em dois registros diferentes: "Trato-se de fazer os transcrição do concepção lévi-strausslono para o dom1nro
º.
psicanalistas comerem seus chopéus'2 como observou justa- pslcanolítlco23_ Essa adoção do simbóllco representa um m_o-
mente André Green perante um areópago de antropólogos. mento decisivo no percurso de Lacon, que tinha num primeiro
tempo polarizado sua atenção sobre o imogi~órlo, ~o momen-
0
to em que estuda as Imagens especulares do estód10_ do espe-
lho". Ele apóia-se em seguida e m Lévl-Strouss poro afirmar ess~
irredutibilidade, essa exterioridade de um Inconsciente que v~1
além do homem. e cuja combinatório interna Ih~ caberia
apreender. "Essa exterioridade do simbólico em reloçao ªº. h?·
mem é a própria noção do lnconsclente" 24 • Essa heterornm10
torno ilusório todo O enfoque histórico. Elo estabelece uma ca-
LACAN APROPRIA-SE DO INCONSCIENTE deia na qual se encontra preso o homem desd: antes de nas-
SEGUNDO LÉVI-STRAUSS cer e após suo morte ' à maneira de um _peao. no jogo ~o
signlficonfe"2s_ A ordem simbólico não é mais referível a _um. 1~-
dlvíduo do que ao social, ela é, tal como no concepçao lev,-
L
acon vai. segundo a suo expressão, •empanturrar-se" de
Lévl-Strouss. Cito-o a partir d e Le Stade du Mlrolr (1949) e
depois cada vez mais assiduamente, como testemunham suas
straussiona. vazia. função de troco.
François íloustang percebe nessa ação o necessidade de
um novo deslocamento em que. ao abandonar o suporte do
.
numerosas referências o Lévi-Strauss nos Écrits. Mos Locon não social. "lacon é obrigado a substantlficor a talo e o dar-l~e
se conte nto apenas. o que se1io secundário, com uma simples uma potência ... em suma. a restaurar a teologia d~ crloçao
caução científica ao citar Lévi-Strauss. É lícito perguntor-~ ~té pelo verbo•20. Lacan vê-~ pois. dlvld.ldo entr~ os s.m.mas meta-
quJLponto e le lhe empresto a suo abQLdogem_ antropológico físicos o Evangelho segundo São João, q~~~ coloco e,r:!1_9es-
do Inconsciente. e se essa Influência não representa um _ponto t Õqu~ no seu discurso, e o mode lo da~ lêncla~ uras·. o
de mutação declslvo em relação às , ;:;ses de F~d. - mÕtemátlco e O física: "Em que medida devemos nos aproximar
Gérord Me nde l discerniu nessa apropriação um deslizamento dos- Ideais da ciência do natureza. entendendo-os tal ~orno se
que afasto do concepção freudiana do inconsciente. em pro- desenrolaram paro nós, ou seja. a físico com a qual . lidamos:
veito de uma redução intelectualista que esvazio este último de Em que medido não podemos nos distinguir dela? Pois bem, e
todo o conteúd o, que o naturaliza. O campo específico do ln- em relaçã o a essas definiçõe s do significante e da e.strutura
21
consciente freudiano é feito de processos primários em que se que pode ser troçado a fronteiro que convém' .__!:.~t::§!!Q.YSS
desenrolam representações e fantasmas. que possam por mo- · de modelo _paro a conquista__
serve, pois. do clen.hfie1dade
. do
mentos de ativaçã o , de recalque, ao Invés do inconsciente
vazio de todo o conteúdo segundo Lévi-Strouss e retomado por
Locon:~"Acreditondo folar do Inconsciente . Lévl-Strouss falo excu-
slvomente do pré-consciente. / .. ./ O que é aqui negado -
como em Locon mais tarde • é a próprio existência de um ln-
consciente específico. contribuição decisiva de Freud" 21 ~ No 22 Gérord Mendel. ..ntrevlslo com o autor
23
: F. llOUSTANG . Locon. Mlnu~. 1966: ver também: V
d
discurso psicanalítico, e Lacan ínveJa -lb.e -.Q s1m.blose que ele
conseguiu realizar entre etnologia. lingüísti<2._g, matero.Q1lcas e psi-
conólise.
•.
ESCOM8ES. l éaulvoque
nome-do-pai Freud. Lacan. em contrapartida. teria feito deslizar du symbolique' Confrontottons. nº 3, 1960. pp. 77-95.
24 . J . lACAN. 'Situation de lo p sychanotyse en 1956". 3/'rlls li, Points-Seul. 1971. p .
19.
16. CI . l~V~SIRAUSS. Lo Poffér&folouse IA oleiro ciumento!. Plon, 1965, p . 243.
25. lb.. p , 19.
19. lb.. p, 252. 26 F llOUSTANG. Locan. op. c/1.• pp. 36-37. .
27. J . lACAN Le Sémlnal,., Uvre UI: Les Psychoses (19~-1966?, ~e S.u:t, _1 ~·. ~
20. André G ll EEN . Sémlnolres de M . Jzord . loborotoire d'onlhropologle soclole, 8 9
de dezembro de 1988.
RIA DO E:STfWTUfMLISMO
nólise, por Serge Leclaire, Jean Laplanche, François Perrler e bárie" como Jean Loplanche. A sua c rítica junta-se, num outro
Jean-Bertrand Pontalis - mas também filósofos como Paul Rl- terreno, à que Claude Lefort, no início dos anos 50, fez a Lévi-
Strauss. Ora, Loplanche participou com Cornélius Castoriodis e
coeur, Mourice Merleau-Ponty, Henri Lefebvre, Jean Hyppolite e,
Claude Lefort na fundação do grupo "Socialismo ou barbárie"
i1
enfim, os psiquiatras mais assíduos às reuniões de trabalho orga- 1
nizadas por Henri Ey 10• no pós-guerra. Ele começa a Interessar-se pela pslcanálíse nos
Para Lacan, trata-se de demonstrar a científicidade da psica- Estados Unidos em 1946 e encontra-se com Loewenstein em No-
nóll.se, simultaneamente em face da IPA e em face dos filósofos va York, que o aconselho a seguir os cursos de psicanálise
fenomenólogos, ao desestabilizar suas convicções sobre o lugar dados em Harvard. De regresso à França, Jean Laplanche vai
central da consciência. Merleau-Ponty, se bem que aberto pa- visitar seu antigo professor da Escola Normcl Superior, Ferdinand
ra a interrogação psicanalítica, como o testemunhou por outro Alquié, para que lhe indique o nome de um analista a fim de
lado, nesse mesmo ano de 1960, com a publicação de Signes, iniciar uma terapia, e Alquié informa-o a respeito da realização
não acompanha porém Lacan em suas conclusões e declara: regular de conferências apaixonant es por um certo Lacan: "Ele
"algumas vezes experimento um mal-estar em ver a categoria falava na época do estádio do espelho, da identificação das
da linguagem ocupar todo seu espaço" 11 . Nesse colóquio, todo rotas, dos pombos e dos gafa~h'Jtos. Apresentei-me o Lacon e
ele dedicado ao objeto próprio da psicanálise, o inconsciente. cornec.ei com ele uma psicanálise. Portanto, conheci Lacón co-
numerosos psiquiatras consumaram sua conversão, passando da mo psicanalista durante anos e recusei-me a freqüenta r o seu
psiquiatria para a psicanálise. Ora, a maio1ia deles seró seduzi- seminário durante todo esse tempo a fim de evitar essa mistura
da pelo discurso que se apresenta como o mais moderno, o que ele praticava entre seu ensino e suas análises" 1r..
mais rigoroso, sustentado pela dupla garantia da lingüística e Jean Laplanche encontra-se numa situação ambígua e frus-
da antropologia: o discurso lacaniano. tradora em Bonneval, pois é o discípulo de Lacon diante do
A grande comunicação desse colóquio é a desenvolvida por SPP mas, por outro iodo, gostaria de fazer ouvir algumas reser-
dois discípulos de Lacan: Jean Laplanche e Serge Leclaire. Eles vas críticas que. não discutidos, seriam sacrificadas à lógica dos
assinam em c onjunto um texto que comporta uma parte teóri- grupos. Ele retoma a defintção freudiana do Inconsciente. seu
ca, escrita por Jean laplanche, e uma parte mais clínica, con- sentido tópico, oposto tanto ao consciente quanto ao pré-cons-
fiada a Serge Leclaire. Este último analisa o sonho de um ciente. Defende a Idéia de uma segunda estrut ura para expli-
paciente judeu de trinta e poucos anos. a cujo respeito se sa- car a distinção freudiana entre o representante da coisa e o
be hoje que se trata do próprio Leclalre. O que essa análise de representante da palavra, o processo primário e o processo se-
extrema sutileza significa é uma renovação total do tratamento cundário. Daí resulta um primeiro nível) de linguagem não-verbal,
clássico. que se limitava a um puro trabalho de a\-,amnese. o
1 12. S. LECLAIRE. "L' lnconscient, une étude psychqnolytlque', Qm L'lnconsclenf, Des-
10. Informações extraídos de ~- ROUDINESCO, Hlsfolre de la psycf>onolys&. op. c lé" d e Bro uwer, 1966, pp . 95-130. pp. 170-1 17: reimpresso em Psychonolyser.
c/1., vol. 2 . p. 318. ' Points-Se u ll, 1968. p . 99. /
11 . M . Merl&ou-Ponty, Vte Colloque d e Bonne vol, l 'lnco nscle nl, o4sclóe de Brou- 13. lb .. p. 11 6.
o d os re presentações de coisos, e um segundo, verb a lizado o
das representa ç ões de palavras. Jean Laplanc he d edu z doí ~uo Ilusões do cogito carteslono e. de caminho, a filosofia clósslca
"o ~nconsciente é a condição d o linguagem " 16_ Inverte a p ropo que se refere a um saber absoluto à maneira de Hegel. A
slçao lacanlana e reduz o papel atribuído à linguagem e ao consciência está inteiramente ocupada na captura do eu por
seu modo de funcionamento metafórico e metonímico que nôo seu reflexo especular e. portanto. atfibuída à "função de desco-
esgota a realidade do Inconsciente: "O que desliza, 0 q ue ~ nhecimento que lhe permanece vlnculada" 24 • O cogito carte-
deslocado. é a energia pulslonal, em estado puro, não especl siano é, por conseguinte, paro Lacan, um primeiro momento,
ficada "17 • um pressuposto do Inconsciente. Ele afirma a prioridade do sig-
Jean Laplanche recuso de imediato, portanto, o papel d e nificante sobre o sujeito. instituindo-se o registro segundo o qual
modelo que Lacan quer atribuir à lingüística e acentuaró poste um significante representa um sujeito para um outro significante.
rlormente a suo discordância afirmando que o Inconsciente não O segundo momento distinguido por Lacan é o da separação
é tão estruturado quanto Lacan diz: "Se existem elementos d e ou "refenda" do sujeito. e lacan ilustra esse momento do nasci-
linguagem no inconsciente, o que -é inegável, o re calque ope- mento do recém -nascido, separado não da mãe, como se diz
ra, de fato , uma desestruturação e não uma estruturação d es com excessiva freqüência, mas de uma parte de si mesmo;
ses elementos" 18• Hoje, Jean Laplonche está ainda mais distan- quando se corta o cordão umbilical. ele perde então seu com-
ciado do afirmação segundo a qual o inconsciente é estru - plemento anatômico: "Ao quebrar o ovo, faz-se o Homem, mas
turado como uma linguagem 19• Afirma e le, mais radicalmente também a Homelete"25• Esse corte inicial é incessantemente rea -
do que em 1960, em primeiro lugar que a linguagem não estó tivado na vida ulterior e torna necessário o estabelecimento de
tão estruturada quanto se diz ao reduzi-la a uma estrutura binó- limites para que "a Homelete" não se espalhe por toda parte e
ria e, por outro lado, que o Inconsciente não se constitui com destrua tudo à sua passagem. Esse corte vai tornar o Real ina-
palavras mas com os traços. as impressõe s de coisas, que 0 cessível e dar uma d imensão mortífero à pulsão que é para aí
seu funcionamento é até oposto ao da estrutura: "Ausência de remetida e constitui virtualmente uma pulsão de morte.
negação. coexistência dos contrários, ausência de julgamento, Quanto ao inconsciente, remete para o simbólico, é feito de
nenhuma retenção ou fixidez dos investlmentos"2º. Preconiza 0 fonemas, de grupos de fonemas, e encontra, portanto, seus fun -
substituição da fórmula lacaniana por "o inconsciente é como- dament os na linguagem. O que faz Lacan dizer em 1966: "A
uma-linguogem. mas não estruturada"21 _ c iência de que depende o inconsciente é certamente a
A junção estabelecida por Laplanche entre pensamento e lingüística"26 • Ao Ser sucede o Letra: é a hora triunfal do para-
linguagem é , de fato, rechaçada por Lacan em proveito do digma estruturalista em psicanálise.
corte que e le considera radical no algoritmo saussuriano. Para
Lacan, é sem dúvida tão estrategicamente importante ancorar
de uma forma total a psicanálise nas descobertas do lingüística
moderna quanto considerar q ue "o humano é linguagem"22. Em
su~ ambiçã<: epistemológica, Lacan vê. com essa concepção,
a unlca posstbllldade de fazer participar a dlsclplina psicanalíti-
co no aventura semiológlco global que vem adquirindo impulso
desde o iníc io dos anos 50. Entretanto. ele não discutirá o tex-
to de Laplanche durante o colóquio de Bonneval, onde a uni-
dade devia prevalecer sob suo égide, para fins tóticos. Lacon
desenvolve. pelo contrário, a idéia de que o Inconsciente é um
efeito de linguagem, de um cogito cindido entre verdade e sa-
ber. S_ó exprimiró seu desacordo com o discípulo em 1969, por
ocaslao de um prefácio escrito paro o tese de Aniko Lemalre
que lhe foi dedicada23 •
Em 1960, em Bonneval, lacan pronuncia um discurso que
depois remodela profundamente para Inseri-lo nos seus Écrits em
1966, sob o título de "Position de i' lnconscient·. Nele discute as
multo mais vasto, baseado na pluriformidade das culturas o. sal' 6 . Com e retto. Montalgne já dizia que nós apressamos a ruí
portanto. num enriquecimento do conhecimento do humano. na das nações do Novo Mundo e deplorava que os chamados
Lévl-Strauss diferencia duas formas de refação com o hfstorl civilizadores não tivessem podido estabelecer entre eles o os ín-
cidade. opondo a história acumuladora das grandes cfvlllzaçôea dios uma sociedade fraterna e Inteligente. Reativando osso
ã vontade d;; dissolver todo Inovação percebida- como perigo pesar. esse Importante ensaio de Lévl-Strauss. Roce et Hlstolra.
decÕmprometimento - do equilíbrio primitivo. Essa história cumu- logo se converteu no breviário do pensamento anti-racista.
lativa não é privilégio do ocidente. uma vez que se processou
também em outras latitudes. Por outro lodo. Lévl-Strauss recha -
ço todo e qualquer valor hierárquico que permita apresentar
esta ou aquela clvlllzação como mais avançada do que as de-
mais. Ele relativiza todas as considerações dessa ordem, decom-
pondo os critérios conservados. A esse respeito, a civilização
ocidental dispõe de um avanço Incontestável no plano da téc-
nica mas. se retivermos outros critérios, vê-se que civilizações
que pareciam aos ocidentais representar o estágio primitivo. o A POLÊMICA: CAILLOIS/LÉVI-STRAUSS
berço do mundo. mostraram de fato muito mais engenhosidade
que o ocidente: ·se o critério usado tivesse sido o grau de ap-
tidão em triunfar sobre os meios geográficos mais hostis, não hó
a menor dúvida de que os esquimós, por um lado, e os beduí-
nos. de outro. levariam a palma"2 •
N ão obstante, ele foi alvo de uma dura crítica de Rogar
Calllois6 . O paradoxo quis que no dia em que Lévl-
Strauss foi acolhido na Academia Francesa. sucedendo na ca-
Nesse jogo variável do campo dos possíveis, o ocidente é su- deira Montherlant, em 1974. Roger Coillols fosse o escolhido
perado em todos os planos. exceto nos técnicos. Assim ocorre para recepcioná-lo. Este último não deixará. porém, que esse
no tocante aos exercícios espirituais. às relações entre o corpo momento de virulenta polêmica passe em brancos nuvens: ·o
e a concentração do espírito. Nesse domínio, o oriente. com senhor respondeu-me num tom, com uma eloqüência. uma
sous exercícios práticos e sua espiritualidade, tem um •avanço veemência e usando procedimentos polêmicos Ião pouco habi-
de alguns mílênlos"3 . Nesse leque de múltiplos critérios. os austra- tuais nas controvérsias de Idéias. que fiquei, na época,
lianos ganham a medalha da complexidade na organização estupefato" 7. Como recorda Roger Calllois, a resposta que Lévl-
das relações de parentesco e os melanésios a da audácia es- Strauss lhe dera tinha sido de uma violência jamais Igualada. e
tética. Lévl-Strauss extrai daí um duplo ensinamento que é o do de tal ordem que nunca mais incluirá "Dlogene couchéª" em
relatividade do d íagfüstlco estabelecido a partir dos critérios suas futuras coletâneas de artigos. Quais são os termos do po-
constituídos éíe toda e qualquer sociedade e o fato de que o lêmica?
enriquecimento humano só pode resultar de um processo de Roger Caillois estabelece um paralelo multo Interessante entre
coalescêncla entre essas diversas experiências. fonte de novas o aparecimento de cert as filosofias e a época que as viu nas-
descobêrtas: "A fatalidade exclusiva e a única taro que pode cer. observando não um simples reflexo do período mas. pelo
afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente sua contrário, o preenchimento de uma carência. Até Hegel. a fllo-
natureza. é a de ser só"4 • sofla ocidental penso essencialmente a história em sua lineari-
De maneira espetacular, Lévi-Strauss fundamenta em teoria o dade, em sua universalidade, ao passo que as relações entre o
prática da rejeição do enxerto colonial. e reintegra no mesmo ocidente e seus impérios ainda são precárias, lacunares. As
movimento essas sociedades da alteridade no campo do saber doutrinas em curso forçam o traço de um encadeamento úni-
e da problematização da sociedade ocidental. Mas a questão co de causas e efeitos da evolução humana, quando esta
do diferença não é somente a expressão da lrredutlbllidode do engloba ainda uma realidade muito díspar. Ora. é no momen-
Outro. é também um conceito Ideológico que não escapo à to. com o primeiro conflito mundial. em que a história torna-se
análise . A esse respeito.-0....poradigcn~truturalista avqnçado efetivamente planetária. que a pesquisa erudita e a sensibilida-
mina as bases das filosofias da totalidade ocidental, de _v1co, de coletivo valorizam a pluralidade. a Irredutibilidade das dife-
Comte...1,o~orc-;;t , Hegel ou Marx. P~e·S_!: ve!_aí o r,e.5S.urgl- renças, no próprio instante em que essa pluralidade se dissipa.
me..']_to .Q__e ~ Q.fillS(!l!)el')to nasctao dg d~_scobertg_gQ. _Novo Roger Calliols vê em Roce et Histoire o concentrado científico
Mundo, no século X'{J: "A razão ocidental sofre então uma flssu· dessa segunda atitude e percebe-a como a expressão da de-
ra. Mo~tgne ~ ebe que atgo de totatmente heterogêneo cadência preconizada do ocidente. Censura a Lévl-Strauss a
arruína seus alicerces. ~ uma constante do ocidente. desde os
gregos, jamais exercer o poder sem fundamentá -lo no unlver-
5 . Bertrand Ogltvie, entrevisto com o autor.
6 . fl. CAlllOIS. 'lluslons à rebours'. Nouvelle Revue Françoise. 1 de dezembro de
2 . CI. lÊVI-STRAUSS, 'floce et Histoire' ( 1 9 ~ r e s s o em Anfhropolog/e strvchJ· 1954. pp, 1010-1021. e 1 de janeiro de 19~. pp. 58-70.
rale deux. Plon. 1973, p . 399. 7. A. CAlllOIS. 'lo réponse de n. Colllois', te Monde, 26 de Junho de 1974.
3 . lb. 6 . Claude li;Vl•SlflAUSS. •p;..,.,.;.no .................. 'A• T~---
4. lb.. p . 415.
H/STÓRl/1 00 ESTf?UTURALISM O 11 I\
paradoxalmente de tribuna a Lévi-Strauss para desenvolver as Mediterranée vai em breve esquadrinhar os continentes. ofere-
suas teses. O tom é dado desde o começo: "Diógenes provava cendo a descoberta do Outro por menor custo. por trás das
grades de seus acampamentos entrincheirados. ao abrigo de 11
o movimento caminhando. O Sr. Roger Colllois deita-se para
não o enxergal"11 • Retomo as linhas de forço de sua demonstra- Incursões Indígenas. Foi nesse momento oportuno em que os in-
ção, sem ceder em nada à argumentação de Roger Caillois. À teresses intelectuais estão prestes a oscilar. que surge o livro-
alusão deste último ao canibalismo, Lévi-Strauss retruca que não evento, Tristes Tropíques. em 1955. Lévi-Strauss responde p lena-
situa a moral na cozinha e que, no tocante à relação do nú- mente às aspirações da sensibilidade coletiva da época. e seu
mero de homens mortos, nós, ocidentais. somos muito mais efi- triunfo é testemunho disso. Ele realiza a abertura espetacular
cientes do que os papuas. É sobretudo a violência da polê- que tanto desejava para a antropologia e para o programa es-
mico que surpreende: "0 Sr. Caillois entrega-se a um exercício truturalista, Instalando-os no mais íntimo daqueles que projeta-
que começa por gracejos de mesa de botequim, prossegue vam o mundo intelectual francês. Ao mesmo tempo, modifico a
com declarações de pregador para terminar com lamentações imagem que se tendia a ter dele. Era apresentado quase sem-
de penitente. É bem esse, aliás, o estilo dos cínicos de que ele pre como um cientista inumano: "Eu estava irritado por me ver
se vale"12. "A América teve o seu McCorthy; nós teremos o nos- rotulado nos fichórlos universitários como um mecanicista sem
14
so McCaillois" 13• Para além do tom polêmico, permanece um alma, somente prestável para meter os homens em fórrpulas" •
importante opúsculo no combate aos preconceitos racistas no Curiosamente, a gênese da obra é a de um duplo fracasso.
limiar dos anos 50, e uma Intuição exata. a de Calllois, segundo Lévi-Strauss aspirava. sobretudo, a utilizar suo experiência de et_-
a qual um pensamento crepuscular está prestes a p redominar nógrofo para escrever um romance; abandona-o ao fim de
na Europa, exposta a um declínio que parece inexorável. trinta páginas e dele só restam alguns vestígios. como o título e
um magnífico pôr-do-sol. Outro revés de que resulto u Tristas Tro-
piques foi o das suas duas primeiras candidaturas ao College
de Franca, quando foi sucessivamente derrotado em 1949 e
/ 1950. Convencido nessa altura de que jamais poderia fazer
uma carreiro universitária, Lévi-Strauss consagra seu tempo a es-
crever Tristas Troplques. •que eu jamais teria ousado publicar se
estivesse envolvido numa competição qualquer para uma posi-
ção universitólra"15• Esse episódio é sintomático de um momento
em que a força e a inovação do programa estrut uralista con-
fiam em suo capacidade paro Ir além dos limites da instituição
universitária e encontrar outJos canais de legitimação. Foi graças
9. R. CAILLOIS. 'llusions à rQbours'. ort. clt.. p. · 1~
10. /t,., p , 1024. 14. CI. L~VI-STRAUSS. "ntrevista com Jean-José Marchond, Arfs. 28 de dezembro
11. CI. LÉVI-STRAUSS. 'Oiogêne couché". ort. clf., p . 1187.
1? Ih n l?O? de 1955.
saber, Lévl-Strouss doflnlu, em 1955, uma posição da qual nun-
a esse desvio que Lévl-Strouss se preparou poro Intervir no mo c a mais se apartoró. a do cientista que renunc iou. por seu
mento mais oportuno, apresentando-se como um filósofo de via compromisso com a ciência. a todo combate partidórlo. Ele re-
gem. Em seu olhar hó um misto de clentiflcldode, de lltoratura, tiro -se da ação e considero essa retirada uma regra deontoló-
de nostalgia dos origens perdidos. de culpabilidade e do reden gico Intangível, à maneiro do religioso que ingressa num?
ção. que tornam suo obra diffcll de classificar. Ordem e mantém-se à distância do século. O papel do etno-
Ele manifesto, pelo subjetividade do seu reloto, o vínculo que grafo "seró somente compreender esses ou tros"20, e paro cumprir•
une a busca do Eu e o descoberta do Outro pela Idéia de essa tarefa ele deverá aceitar um certo número de renúncias,
que o etnógrafo tem acesso à fonte da humanidade e, aSSim, de mutilações. Compreender ou agir, é necessário escolher, tal
como pensava Rousseau. o uma verdade do homem que "so- parece ser a diviso daquele que encontra um reconforto. funda-
mente crio algo de grande no iníclo"16. Hó uma nostalgia origi- mental na •meditação do sábio ao pé do ó1vore· 21 • E a um
nal nessa perspectiva que só considera a história humana como verdadeiro crepúsculo dos homens que Lévl-Strauss nos convida
póllda repetição de um momento perdido para sempre, que é ao propor até o conversão da antropologia em "entropologla",
o momento - autêntico - do nascimento: •reremos acesso o es- ciência que tem por objeto os processos de desintegração. Es-
sa nobreza de pensamento que consiste / ... / em dar como se desengojamento não exclui de formo nenhuma, é claro. a
ponto de partida para as nossas reflexões o Indefinível grande- expressão da sensibilidade do etnógrafo em sua descrição do
za dC">s começos" 17 • Nessa valorização dos começos, hó como Outro. Essa subjetividade e essa extremo receptividade são una-
que uma parcela de expiação das culpas de uma sociedade nimemente saudados pela crítica e contribuem para o sucesso
ocidental com passado genocldárlo, à qual pertence plena- popular de Tristes Tropiques.
mente o etnógrafo. Participando outrora nas obras miSSionários. Não só Lévi-Strauss nos faz participar a cada passo do entu-
quando do tempo glorioso da colonização, o etnógrafo mostro siasmo que nele suscitam as suas descobertas mas, sobretudo,
seu arrependimento na hora do rejeição do enxerto ocidental. ultrapassa o exotismo em vogo ao reconstituir as lógicas sublo-
acompanhando aSSim o movimento de refluxo e tratando de centes nos comportamentos que observa. Portanto, a despeito
sarar algumas chagas morais. Se esses trópicos são tão tristes, de seu envolvimento no campo, o observador continua sendo
não é somente em conseqüência da aculturação mas tem o um homem de ciência em busco de leis de funcionamento da
ver também com a própria natureza de uma etnografia cujo sociedade e, por essa razão, deve desprender-se de si mesmo.
obleto estó em vias de extinção. Esses desaparecimentos são é esse exercício de descenlroçõo que vai fascinar o público In-
Inegáveis, principalmente no terreno explorado por Lévl-Strauss, telectual e envolver as ciências humanos no nova aventuro do
mas essas civilizações estão, sobretudo. em vias de transforma- esttuturolismo. o modelo ainda é Rousseau, de quem foz um vi-
ção no tempo da descolonização, reivindicando sua Identi- brante elogio: "Rousseau, nosso mestre, Rousseau. nosso Irmão,
dade, saindo de suas tradições para tornar-se sociedades quen- por quem mostramos tanta ingrotldão"22 • Segundo Lévi-Strauss.
tes. ele está em posição de precursor por ter respondido ao cogito
Paradoxalmente, a descolonização que assegura o êxito de cartesiano do "Eu penso, logo sou· com a pergunta de desfe-
Tristes Tropfques acarreta, ao mesmo tempo, a eclosão da crise cho Incerto: •o que sou eu?" E o etnólogo acompanha-o no
resultante de sua orientação baseada em sociedades imóveis, recusa das evidências do Eu, para tornar-se receptivo ao discur-
tomadas numa tensão entre conservação e desaparecimento: so do Outro: "No verdade, eu não sou eu. mas o mais !fraco. o
"O mundo começou sem o homem e acabará sem ele" 18• ao mais humilde dos outros. Esta é a descoberto das Confissões" •
23
passo que as sociedades do terceiro mundo mostram copacl- No seu Discurso sobre o Origem e os Fundamentos da Desigual-
d ade para superar essa alternativo redutora e para abrir os dada entre os Homens. Rousseau já Incitava à descoberta de
caminhos da transformação que exigem. evidentemente. modi- sociedades desconhecidas do ocidente, nõo para extrair delas
ficações em suas respectivos Identidades. A eficácia social da qualquer riqueza material mas paro descobrir aí outros costumes
antropologia não consiste em oferecer uma abertura suplemen- que pudessem e lucidar a nossa maneira de viver: "Rousseau
tar a inscrever no programa das viagens organizadas mas em não se limitou a prever a etnografia: ele o fundou" 24 • A reposi-
acompanhar seu tempo o fim de esclarecê-lo mediante um sa- ção do observador em situação de se expor. de expor suas
ber científico. É também esse o sentido da mensagem de Lévl- dúvidas e suas ambições, prossegue com Lévl-Strouss quando
Strouss no dia seguinte à derrota de Diên Biên Phu: "Cinqüenta escreve suas confissões com Tristes TrQPiques.
anos de pesquiso modesta e sem prestígio, conduzida por etnó-
logos em número suficiente, teriam podido preparar no Vietnã e
no África do Norte soluções do tipo daquela que a Inglaterra
--
tinha encontrado na indiaº19.
Se o antropólogo deve acompanhar o político com seu 20. CI. LÉV~STílAUSS. Tristes Troplques, op. clt.. p. 416.
21. /b.• p. 445.
16. a. ll:V~STRAUSS, Tristes Troplques. op. clt.. p . 442. 22. lb.. p. 421 .
17. lb.. p. 424. 23. CI. LÉV~STílAUSS. Anlhropotor;la s/Ncluro/e deux. op. cll.. p. 51.
18. lb.. p , 447. 24. lb.. pp. 46-47.
19. CI. L~V5,,$TílAUSS. ·Le drolt ou vnvnno• I •ç.,,,-..,,:u• ?1 "'º ..,...,.....,....,.,.,... . . . . 1
õ,t.~
Troplques: "O livro mais Interessante do semana não é um ro-
mance. É obro de um etnógrafo, o Sr. Claude Lévl-Strouss"32 • Le
Conord enchoiné falo até de ·refrescantes trópicos' (31 de ou-
tubro de 1956).
Recensóes mais substanciais encontram-se nos Annales e na
Revue Philosophique. de autoria de Jean Cozeneuve. Nos Anna-
/es, Luclen Febvre reservara-se para folar ele próprio do obra
que o deslumbrara, somente sua morte o Impedira de concre-
UM SUC ESSO RETUMBANTE tizar essa Intenção. Na revisto Critique, é o próprio Georges
Batollle, diretor da revista. quem escreve um extenso artigo Inti-
tulado: 'Um livro humano. um grande livro·~. Viu nele um deslo-
-
de urna nova positividade. se à proflssõo de etnólogo. É. sobretudo. a oportunidade para fl.
lósofos que tenham necessidade de um certificado de ciências
para a obtenção de seu diploma de licenciatura. de seguir um
curso de formação diretamente ligado às suas preocupações;
Mlchel lzard conserva disso uma lembrança de Insatisfação. E
38. CI. l~V~STRAUSS. Trl$1es Trop/qu,u. op. clt. , pp. 3 e 27.
39. L• F/goro. l de dezembro de 1956. certo que havia algumas óreas bem constituídas. como a de
40. M . ílODINSON, NO<Jve//e Critique, nº 66, 1955; n°_ 69, novembro de 19~; Lo tecnologia cutural, a antropologia física ou a pré-história, ·mas o
Pensée. moio-junho de 1957. - resto parecia-nos de uma Indigência tota1" 44 • O ensino do etnolo-
41. M . RODINSON. ·Roclsme et clvlisation'. Nouvell• Crtflque. nº 66, 1955. p . 130,
42. ETIEMSLE. Évldenc,u, abrôl rlA 1Q!Y> nn ;\.'\ •.'\.4
gla era feito segundo as grandes regiões do mundo ou oa ospocto de modolo o os promessas do programo estruturallsto.
grandes temas, sem um Instrumento de ordenamento metódico. o que o decide o romper com a filosofia. A essa ambição
Nessas condições. a repercussão medlótlca era essencial poro
convencer a geração Jovem de uma posslvel alternativa às car-
científica soma-se a vontade de ·voltar os costas 00 ocidente.
de Ir o algum lugar que est eja fora da nossa história, aquela
i316$
reiras tradicionais. de uma brecha ontropológlco o abrir à mar- que nos produzlu"49 • Mlchel lzard freqüento então os semlnórios
gem do cidadela do Sorbonne. A semelhança é grande, neste de Lévl-Strouss na 5 11 Seção do EPHE. assim como os cursos de
coso, com a situação do llngüfstlco no mesmo momento. o Jacques Soustelle e de Rogar Bastlde. no perspectiva de uma
que vai c imentar seu destino comum. sua compenetração. v erdadeira profisslonallzação. No final do ano de 1957, Lévl-
Em meados dos anos 50, o publicação de Tristes Tropiques e Strauss foz-lhe duas propostos de pesquisa: por um lodo. traba-
do livro de Alejo Co rpentler, La Portoge das eoux, ressoo poro lhar no Museu de Antigüidades do Sudão, em Cartum o fim de
Mlchel lzord como 'um chamado paro outro lugar"'5• A aventu- abrir solos sobre o Sudão animista negro do sul. mas seu currí-
ro proposto por Lévl-Strouss não conduz. porém, à terra prome- culo é ainda demasiado exíguo poro concretizar esse projeto;
tida mos, como se viu. o um desencanto. É a exploração de por outro, trabalhar no quadro de um Instituto de Ciências Hu-
uma descoberto que contém em seu bojo o fracasso: "Eu era manas Aplicadas que procurava um etnólogo e um geógrafo
sensível a esse lado pessimista, o esse lado fim de caminho" 46 • poro realizar um estudo no Alto Volta. Els o nosso etnólogo-
Mlchel lzard converteu-se, pois, em meados dos anos 50. Estu- aprendiz empenhado por um ano num trabalho no terreno afri-
dante de filosofia na Sorbonne, jó possuía um conhecimento de cano que ocarretoró suo conversão definitiva.
Lévi-Strouss graças ao prestígio de Las Temps modernas. onde Ele arrasto paro essa aventuro um outro neófito, Françoise
alguns dos textos mais importantes deste último tinham sido pu- Hérltier. Ela é oriundo de uma disclplina ainda mais deslocada
blicados. Mos a etnologia é uma preocupação multo marginal em relação à antropologia: a história. Estudante de história na
do ensino que lzard recebe. Os seus professores, Jean Hyppoll- Sorbonne de 1953 a 1957, estava mais propensa o dedicar-se à
te, que prossegue com o ensino hegeliano. Jean Wahl. Mourice história antiga, · mos o encontro com estudantes de filosofia e
de Gandilloc ou Vlodlmlr Jonkélévitch, não se Interessam por es- em particular com Mlchel lzard, com quem vive. leva-o o inte-
se novo campo de investigação. Domínios Inteiros são assim ressar-se pelo antropologia. Passo então. em 1957, a assistir aos
Ignorados. como a filosofia analítica, o epistemologia, os proble- cursos de Lévl-Strouss no 511 Seção da EPHE: "Era evidente que
mas da linguagem em geral. Quanto à etnologlo, era quase paro alguém que tinha feito estudos de história e geografia, e
Inexistente. embora com algumas raros exceções: "Tínhamos co- preparava o ogrégotion, essas coisos eram Inteiramente 1
mo assistente M:kel Dufrenne. cuja tese complementar abordava novas'so. o choque é triplo paro Françoise Hérltier, que desco- 1 1
a personalidade de base e estava ministrando um curso sobre bre sociedades das quais Ignorava até o existência. próticas
o antropologia cultural americana. Também chegou, tardiamen- racionais Insuspeitadas e uma forma totalmente novo de racio-
te para mim, Claude Lefort, como novo assistente. Ora, ele cinar. Entusiasmado, elo prossegue, portanto, nesse caminho e
tinha escrito artigos sobre o obra de Claude Lévl-Strauss desde obtém o diploma de Etnologia. Como não se encontra o geó-
1951-1952"47 • grafo que devia acompanhar Michel lzord, é Françoise Héritier
Mais inclinado para o epistemologia, leitor de Georges Con- que se candidato para a tarefo e é escolhido poro formar o
guilhem e de Goston Bochelord, o conselho de seu amigo equipe. Ela se tornaró. allós. a Sra. Héritler-lzard no decorrer do
Pierre Guottarl, denominado Félix, Mlchel lzord obtém o certifica- expedição africana. Incumbe-lhes a missão de estudar um pro-
do de Etnologia no ano de preparação do seu diplomo sob a blema de deslocamento de população o partir de um projeto
direção de Jean Wohl. No In stituto, ele reencontro Ollvler de barragem num afluente do Volta. Era necessário descobrir
Herrenschmldt, que escolhera o órea do história e operava a por que a região para onde se queria enviar a população ti-
suo reconversão graças a um misto de antropologia. lingüística nha permanecido tão pouco povoada: "Era astucioso pedir a
e história dos religiões. Michel lzord encontra tambéryi filósofos etnólogos e geógrafos que estudassem o questão, pois era uma
que vão passar para a antropologia. como Mlchel Cortry. Esse das primeiras vezes que se tinha em vista deslocamentos não
ano de 1956. que não devlq ser paro Mlchel lzard mais do que autori-tórios e se procurava entender os motivações dos pes-
uma diversão passageiro, um simples desvio, adquire de súbito so/•s1.
uma outra Importância: ' No final do ano. eu tinha decidido
abandonar a filosofia para dedicar-me à ontropologio"'5.
Se Tristes Troplquas contribuiu fortemente paro seduzir Mlchel
lzord, levando-o o procurar do lodo do etnologia qual o cam -
po de Investigação que se oferecia ao pesquisador. é sobre-
tudo a feitura de Structures élémentofres de lo porenté, seu
45. M . IZAílD. Sérnlnolrv, Loborotoire d"onthropologia sociole. 1 de junho de 1989 49. Michel IZAílD. Sémlnalre. Laborotolre d'onthropologl• soclale. 1 de junho de
46. Michel lzard, entrevisto com o autor. 1989.
47.
48.
/b,
/b. ..,
50. Françoise Héritier·Aug(;. entrevisto com o autor.
,....
rnANÇ I OSSI
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO
54. CI. léV~SIRAUSS. em Lerol-Gourtion ou /&$ vo/1» d& J'horrrne, Albin Míchel 1968,
52. Olivler HERRENSCHMIDT. Sémlndre de Mlch&I lzord, Loboro1olle d'onthropologl• pp, 205-206 .
..... • r:t-., , . . _ , __, _ ,..J- " " ',.. ...,,.., ,?,...,ri lnk.rl,ntnl,A d'nnthroooloaie socklle.
arquiteto, é que ele construiu sua casa em sua cabeça, a ntes d o
realízó -lo. Mas onde situar o corte? É o trabalho ou a linguagem?
A resposta é, a esse respeito, algo diferente segundo se a dote o
18. O DESVARIO DA RAZÃO:
ponto de vista de Lévi-Strauss, que enfatizará a linguagem, ou o A OBRA DE MICHEL FOUCAULT
de Leroi-Gourhan, que volorlzaró a práxis.
Para além dessas diferenças de orientações, esses diversos p ó -
los vão dinamizar a pesquisa antropológica. Esta utUiza dispositivos
que vão prosperar durante cerca de trinta anos. A ambição estru-
turalista parece reunir essa comunidade de investigadores para N o momento em que o Outro do ocidente é questionado
_______,...-- ---- ~ - - --
dentro da a D.Í!.QQÕfÔgla-:- exumÕ ndo as -sociedades primi-
~.
além da singularidade de seus d iferentes campos e de suas dlfe. tivas da_ lg[I.Q!Q.Q9la e rJLql.l~r:!}_pe~~..T~.!:'to .,?_u,!~Ce~ t~•<;:o as
rentes personalidades. O contexto é o de um pothos terceiro-mun- --;;:;a;;tlv era por muito tempo, um filósofo equaciona o probíenfa
dista, tendo por pano de fundo o início da guerra da Argélia, o - do avessO -da razão o cídê"nfãTOõ- escrEWer um·a · r]s'fõrla da lou-
fim da guerra da Indochina e a conferência de Bandung, numa -cura*: essenltósofo- e ·tv11Chel Foucãu1f:'" "põ rfras çf~ T ãzão trriJn-
França que por largo tempo negou a questão colonia l para des- ·fontê, ele desvenda e acompanha de peito as l'T'\anifestações
cobrir, de súbito, uma realidade dramática que atinge as cons- reprimidas do desvario. Manejando o bisturi pater~ o no plano
ciências até fazer surgir uma consciência fundamentalmente das Idéias, Foucault situa-se de imediato nos limites do pensa-
perversa. Tudo isso vai constituir mais do que um convite à via- mento ocidental. nos limites de sua própria história .
gem, um chamado dos trópicos paro uma /ovem geração que A coincidência dos tempos ainda é impressionante. Michel
se sente mal em sua sociedade de origem. Um p rograma ambi- Foucault inicia a redação da Histoire de la Folie em 1956, pou-
cioso e rigoroso se lhe oferece, o programa estruturalista, que co depois da publicação de Tristes TropÍques e da Conferência
parece p romover a reconciliação de uma sensibHidade desencan- de Bandung, e a obra é editada em 1961 , pouco antes dos
tada com a razão. acordos de Évian e da independência argelina. A priori, a coin-
cidência desses eventos políticos e culturais é puramente for-
tuito, tanto mais que na época Michel Foucault nada tinha de
um militante terceiro -mundisto. E, no entanto, a Hístoíre de la
Folie vai converter-se imediatamente no sintoma de uma ruptu-
ra com a história do indivíduo ocidental, ao qual o autor opõe
a imagem do seu duplo, esquecido e recalcado, produto da
exclusão, a loucura. Ora, o povo argelino, ao sair do quadro
político francês, também apresentava uma história de excluíd?.
Essa re:ação entre a incriminação do etnocentrismo trances
na África do Norte e o e tnocentrismo da razão , que Michel Fou-
cault apresenta foi percebido de Imediato por Pierre Nora, que
acaba de publicar Les François d 'Algérie1 •
Entusiasmado, Nora escreve a Michel Foucault, de quem vira
a ser mais tarde o editor na Galllrnard. Michel Foucault fdz res-
surgir o esquecido, o recalcado da razão e abre assim para
uma nova sensibilidade histórica que já não é mais a do valo-
rização dos heróis (que estão cansados), nem a da glorificação
dos réprobos (a dialética ficou tolhida em seus nós em 1956),
\ mas a dos esquecidos da hist ória, investigados em todos os seus
traços atrás dos muros onde a razão os encerrou. Assim Michel
Foucault "abria novas terras ao Permitir que também a prisão, o
manicômio / .. ./ se integrassem num campo de reflexão c omo
outras tantas situações penosas, outras tantas vicissitudes de na-
tureza teórica e política" 2 •
11
Da mesma maneira que Lévi-Strauss permitia pensar as socie-
dades primitivas como d iferentes e, ao pensá-las, recuperava-os
para O campo da razão, Mlchel Foucault segue os. Indícios de
Isso foi menos marcado por um modelo, o da medicina. como daria chamar a dlmensóo militar da sociedade" 1º.
prisma através do qual é possível apreender as ciências huma- Mas voltemos ao Jovem Michel Foucoult. Ele Ingressa, portan-
nas. a partir de seus traços visíveis, de suas diversas positivida- to, em Poltiers, no ciclo preparatório poro o exame de admis-
des. mas entendidas pelo avesso, por seu lado negativo, à são à Escola Normal Superior da rua de Ulm. É reprovado uma
maneira do médico que procuro restabelecer o saúde trotando primeira vez. por uma diferenço mínima de pontos. e decide
do doença, pela patologia. Assim, Mlchel Foucault teró criado então preparar-se para o exame em Paris, onde se Instala em
um verdadeiro •paradigma médico da abordagem das ciências 1945 e encontra um outro Liceu Henri IV, no coração da capi-
humanas"7 • Após uma escolaridade sem problemas no liceu tal. Seus condiscípulos, nessa altura. sóo André Worrnser, François
Henri IV de Poitiers até o final do terceiro ano ginasial. Michel Bédarida, Robert Mausl e François Furet.
Foucault é colocado por seus pais num estabelecimento religio- É aí que se desenha suo opção definitiva pela filosofia, gra-
so, o Colégio Saint-Stanlslas, para disciplinar seu espírito cada ças ao ensino de Jean Hyppollte, que Inicia os seus- álunos em
vez mais crítico, até cóustico. Termina aí o ciclo de seus estu- Hegel. Ora, Mlchel Foucault reencontrará seu professor no ENS e
dos secundórlos: "Ele Impressionava-nos demais. muito corrosivo, suceder-lhe-ó até no College de Fronce. 'Os que eram estagiá-
duvidava de todos os dogmas·6• rios da Escola Normal Superior no final do guerra lembram-se
Esse momento constitui uma outra chave biogrófica essencial das lições de Jean Hyppolite sobre a Fenomenologia do Espíri-
para se compreender o obra de Mlchel Foucault. profundamen- to: nessa voz que não se cansava de corrigir-se como se medi-
te marcada pela experiência dromótlco da guerra. Pouco tasse no interior do seu próprio movimento, não percebíamos
dado a confidências. Mlchel Foucault não se exporá jamais em somente a voz de um professor: escutávamos algo da própria
público; comentará mais tarde essa época no âmbito bem res- voz de Hegel.' 11 o ensino de Jean Hyppollte, tradutor de O/e
trito de uma revisto de índios canadenses que pregam o silên- Phõnomenologle des Gelstes, devolve ao pensamento de Hegel
c lo e cuja difusão não terá u ltrapassado uma dezena de urna modernidade até então escondida atrás de uma reputa-
exemplares. Ele confidencia a esses índios que se lembra desse ção de filósofo romântico. Suo tese defendida em 1947, Genese
momento da adolescência marcado por um horizonte perma- et structure de lo phénomenologie de /'esprít, é saudada em
nente. o da guerra e. portanto. da morte: "O que me Impres- Les Temps modernas como um importante acontecimento e res-
siona. quando procuro reunir as minhas reminiscências, é que titui ao hegelianismo um lugar fundamental no pensamento filo-
quase todas as minhas lembranças emocionais estão vinculadas sófico do pós-guerra. na linha do ensino de Kojeve e de Jean
à situação política: / .../ Penso que os rapazes e moças da mi- Wahl. Ainda em 1975, Mlchel Foucault envio à mulher de Jean /11
nha geração tiveram sua Infância modeladas por esses grandes Hyppoli1e um exemplar de Surveiller et punir, com a dedicatória:
eventos históricos. A ameaça da guerra era o nosso horizonte, o "A Madame Hyppolite, em recordação daquele a quem devo
nosso referencial de existência. Depois a guerra chegou. / .. ./ tudo" 12. Por outro lado. um dos principais textos de Mlchel Fou-
Talvez seja essa o razão pela qual me fascino a história e a re- cault, Nietzsche, lo généalogle, f'hisfoire, foi e.;crito no âmbito
lação entre a experiência pessoal e esses acontecimentos nos de uma obro coletiva de homenagem a Jean Hyppolite, em
quais somos colhidos. Penso ser esse o ponto de partida do que se encontram as colaborações de Georges Canguilhem.
meu desejo teórico"q. \ Martial Guéroult, Jean Laplanche. Mlchel Serres e Jean-Claude
A reflexão sobre a guerra é nele essencial; ela alicerça \im Parlente 13 •
paradigma central em sua obra em torno das noções de estra-
t églo, de tática dos poderes, de rupturas. de relações de
forço... Em sua abordagem da governabilidade, da capacida-
de de cada um para avaliar a conduta do outro, em todos os
níveis da atividade social e prlvadà:' Mlchel Foucault coloca a
problemático da guerra como um momento essencial. pois é
nesse nível que se Joga o enfrentamento com a morte. É. allós.
o trabalho que ele tinha empreendido no College de Franca
A DOENÇA MENTAL
em fins do década de 70 e ao qual decidira consagrar-se
após a sua Hlstoire de lo sexuolíté. Ele menciona essa Investiga- m 1946, ele é finalmente admitido na ENS em Ulm. sendo
ção futura na entrevista que concedeu quando de seu convite
para o Faculdade de Rlosofla da Universidade Católica de Lou-
E o quar1o de sua classe. Entretanto. esse êxito não permi-
te a Michel Foucault encontrar equilíbrio psicológico e, em 1948.
vain: 'Se Deus me der vida, após o loucura. o crime e a sexua-
lidade, a última coisa que eu gostaria de estudar seria o
problema da guerra e da instituição da guerra no que se po- 10. M. FOUCAULT, Enlreflen ovec André Berlen. Unlversité cotholique de Louvoln.
1981; d ifusão. Fíl3. 13 de jonevo de 1988.
11. M . FOUCAULT, 'Jean Hyppoltte . 1907-1968'. Revue de métophyslqu& &t de mo-
7 . lb. ro/e, vol. 14, n• 2. obrlHunho de 1969, p. 131.
8 Llbératlon, pesquiso. 30 de junho de 1984. 12. M. Foucoull, citado por D . É.íllBON, Mlchel Foucouft. op. olt.. p. 35.
13. Horrrnao• à Hyppotte. PUF. 1969.
tento suicidar-se. Não é fócll, nessa é poca. vive r suo homosso de roto, dividida e ntre dois grupos, o dos 'talos" (aqueles que
xualidode de maneiro feliz, e Mlchel Foucoult tomo contato vão à missa) e aquele composto pelos comunistas e muitos cris-
com o Instituição psiquiátrico. Foro desde cedo Iniciado e m tãos de esquerda que se apoderarão da mão estendido poro
Freud por um médico de Poitiers. o Dr. Beouchomp, que se Ingressar nas fileiras do PCF.
correspondia com Freud. Não se contento em seguir os cursos Quando toda a Escola aguardava o êxito triunfal de Mlchel
em Ulm. posso o freqüentar diversos Institutos parisienses de psi- Foucault no exame de licenciatura .e m 1950, e le fracassa na
cologia e realizo estágios em Sointe-Anne. Apaixono-se então provo oral, após ter sido aprovado em todas as demais provas
pela psicologia e especializa-se em psicopatologia: "A loucura do exame final. Deve preparar-se paro o exame no ano se-
parecia exercer sobre ele um certo fascínio e voltava de suas guinte e, durante as suas provas, pela segunda vez, uma baliza
visitas ao hospital com Inúmeras anedotas a respeito do mundo essencial no seu percurso aí se encontro, como que um cha-
dos oliênados"14, recorda Jacques Proust. mamento a si mesmo e ao seu destino. _..!:P.J.Q-O prova oral,
Essa formação, que ultrapassa o currículo e o conteúdo do toca-lhe no sorteio um tema pouco bonaí e que Jean Hyppo-
filosofia especulativa clássica, e permite entrar em contato com lite. membro da banca, teve que Impor batalhando contra os
um continente específico, simultaneamente teórico e prótico. do demais membros da banca examinadora: "A Sexualidade"! Con-
saber, prepora os deslocamentos ulteriores. Estes são até bastan- venha-se que o ac~so do sorteio fez bem as coisos, propondo
te rápidos. visto que o primeiro livro de Michel Foucoult. Mo/a- esse tema onde já se lê o que vai ser o maior área de traba-
die menta/e et personnollté [Doença Mentol e Personalidade)*. lho de Michel Foucault.
dato de 1954 e é dedicado à psicopatologia, aos conceitos Obtida a licenciatura (ogrégation). não conhece o purgató-
psicanalíticos e à leitura das representações sociais do loucura. rio do liceu porque é nomeado, após um ano na Fondation
Foi uma encomendo de Louis Althusser paio o coleção dirigido Thiers. àssistente de pslcolo.gia no Faculdade de Lille. Isso não o
por seu amigo Jean Lacroix. "lnitiation philosophlque" das Presses impede de continuar parisiense e leciona ao mesmo tempo em
Universitoires de France (PUF). Mlchel Foucault também assiste Ulm. onde ascende o docente de psicologia, ainda a pedido
no época a cursos na Sorbonne. os de Daniel Lagoche, Jean de Louis Althusser. É nesse momento que ele estabelece laços
Hyppolite. cuja nomeação ocorreu em '1949, Jean Beaufret, que de amizade com todo u m grupo de normalistas comunistas:
trata de Heidegger. Jean Wohl e Jeon-Toussaint Desonti; "mas. é Gerard Genette, Jean-Claude Posseron. Paul Veyne, Mourice
cloro. o curso de Merleou-Ponty é o que impressiona mais forte- P"fnguet. Jean Molino, que lhe dá o apelido de "Fuchs" (raposa
mente os jovens estudontes" 16 • em alemão). porque Michel Foucault é mais esperto que os ou-
tros e porque as raposas cavam as tocas mais profundas. Já
em 1953. "ele ia todas as semanas ao hospital Sainte-Anne ou-
vir o seminário que aí começara um desconhecido. o Dr.
Locon, a quem admirava infinitament e . Ele aludia por vezes à
imagem especular e ao estádio do espellio: era. na época, o
máximo de sutileza e refinamento" 17 . Seu amigo Mourice Pinguet
menciona a importância que teve para Michel Foucault a des-
EM BUSCA DOS LIMITES DO PENSAMENTO coberta de Nietzsche em 1953: "Hegel. Ma rx. Heidegger e
Freud: eram eles. em 1953, os seus eixos de referência, quando
.se produziu o encontro com N ietzsche. / .. ./ Revejo Foucault len-
N a escola. a personalidade que vai marcar Mlchel Fou-
coult é o metodólogo de filosofia do Escola desde 1948,
Louis Althusser. Nesse início dos anos 50. a grande máquina de
do ao sol, na praia de Civitavecchla, as Considerações Intem-
pestivas. / .. ./ A partir de 1953, desenhava-se um projeto de
conjunto: uma decisão ética de espírito nletzscheano coroava
pensar é o marxismo, e Althusser -lQicia seus ouvintes. entre os
uma crítica genealógico do moral e do ciêncla" 18•
quais Mlchel Foucault, no pensamento de Marx. Inscreve-o. inclu -
Nesse Início dos anos 50, Mlchel Foucault é também um
sive, nos quadros do Partido Comunista Francês (PCF): "Veleidade
g rande leitor de literatura e 'está particularmente fascinado por
ou adesão, depois re1Jrada, já não me lembro muito bem", diz o
um modo de escrita, o d e Mourice Blanchot, que nunca deixa-
seu camarada de partido Mourice Agulhon, mas o seu colega
rá de Imprimir sua marca na estilística foucaultlana. sobretudo
de lille. O livier Revault d' Allonnes, lembra-se de ter visto Michel
pelo uso sistemático da figuro do oxímoro. "Nessa época, eu so-
Foucault chorar ao tomar conhecimento da morte do "paizinho
nhava ser Blonchot•, confidenciará Michet Foucoult a Paul
dos povos'', Stalin, em 1953 16• É a época em que a ENS estava.
Veyne 19• Essa sensibilidade literária conduz Michel Foucoult na
esteiro de Samuel Beckett, George Ba taille, Raymond Roussel e
14. J . PROUST. Llbératlon, pesquiso de 30 de junho de 1984.
• Esta obro serio posteriormente reescrito em g rande porte e reedttodo com o 11· 17. M. PINGUET, Le Dábot, n• 41. setembro-novembro de 1986, pp. 125-126.
lula de Mo/adie Menta/e et Psycologle (Doença Mental e Pslco/ogla). traduzido 18. lb.. pp. 129· l 30. .
no Brasil em 1968 pelos Edições Tempo Brasileiro. (N . T.) 19. Citado por D. ÉRIBON. Mlchel Foucoulf. op. c/t., p. 79. (De Mourice Bl ANCHOT
15. D. ~RIBON. Mlchel Foucaulf. Flommorion. 1989. p . 49. traduzimos em 1987 um dos liv ros mais representativos de seu pensamento. O Ei-
16. Olivier Revoult d'A llonnes, entrevisto com o autor. paço Uterórlo. publicado pelo Ed. Rocco. (N. do T.)J
NISTÓRIA DO LSTfWTUIMI ISMO 18 O DI SV/\W n , ouc,w
Ren é Cha1. Um verdadeiro fascínio do pensamento do ·espaço e le reconhece sua dívida: "Nessa tarefo um pouco solitária. to·
de fora", de um pensamento do limite extremo, enraíza-se tom dos aqueles que me ajudaram têm direito ao meu reconheci·
bém, portanto, em Mlchel Foucault, e esses nutrientes llterórlos manto. E o Sr. G. Dumézll é o primeiro, sem quem este trabalho
traduzem a sua angústia primordial. a da morte, que não logra não poderia ter sido empreendldo" 23 . No Le Monde, declara
ser acalmada por um saber psicanalítico pelo qual ele passa que Georges Oumézll desempenhou o principal papel entre as
como um forasteiro. Influências que sofreu: "Por sua idéia de estrutura. Como fez Du·
Conhecedor precoce de Freud. depois de Lacan, Mlchel mézll em rela ção aos mitos. eu tentei descobrir normas estrutu·
Foucault, cuja internação foi desaconselhada por Louis Althussor rodas da experiência cujo esquema pudesse ser reencontrado
em Ulm, logo aconselhado por Daniel Lagache a Iniciar um tra com modificações em diversos níveis"24• Foi lá. na Suécia, que
tomento psicanalíllco, tentará mais tarde essa aventura da ·cu Michel Foucault redigiu a sua tese. Vasculha a Carolina rediviva.
ra·. mas não se estenderá no divã mais de três semanas. Sua grande b iblioteca onde encontra uma cole<i,_ãq_multo rica de 11·
relação com a psicanálise ficará sempre amblvalente, misto de vros médicos dos séculos XVII-XVIII, legacxCpor um amador, em
fascínio e de rejeição . Foi graças a Mlchel Foucault que se busca de manifestações da loucura. Fará deles sua matéria-pri-
criou o departamento de psicanálise em 1968 em Parls-VIII-Vin- ma para emprestar sua voz ao mundo do silêncio.
cennes, mas escarnece daqueles que para ganhar a vida "alu
gam suas orelhas" 20 •
A TESE
O EXÍLIO
N o sá bado, 20 d e maio de 1961. um importante evento
tem lugar na sala de Louis-llard da Sorbonne. Nesse so-
37. lb.. p . 415. 39. D. l:RIBON, M/chel Foucouft, op. clt.. p. 131 .
J~cques Bellefrold, que passa sua tese ao historiador Phlllppo n oxôo com umo somlologla geral. com a construçôo de vastos
Ahés. diretor da coleção "Clvllisatlons d'hler et d'aujourd'hul". é "semante mos• c ujo objeto é o estudo das formas e , por essa ra -
o primeiro contato de uma longa série que ligo o filósofo à d1S· zóo, a loucura nunca será mais que uma forma acrônica a
clpllno histórica. Daí resultarão colaborações frutuosos. mas tom localizar com exatidão retirando dela toda a substância. todo o
bém mal-entendidos e diólogos de surdos. Nesse ano de 1961 , conteúdo transcendente.
o encontro decisivo com Philippe Ariés decorre de uma Incon - Mourice Blanchot também saúda a obra de Mlchel Foucault,
gruência absoluto. O que hó em comum entre esse demolidor na qual ele reconhece a sua experiência de escrituro sobre os
de preconceitos, esse niilist a nietzscheano que é Mlchel Fou- limites, de definição de um novo espaço llterórlo: "Preparar, pa-
cault, e o historiador ultraconservador. monarquista, antigo mlll - ra além da cultura. uma relação com o que a cultura rejeita:
tante da Action Françoise. que é Philippe A riés? Uma mesmo fala dos confins, o lado de fora da escritura. Cumpre ler e reler
sensibilidade para os fenômenos das mentalidades vai permitir esse livro em tal perspectlva"43 .
esse encontro com o autor de L'Enfont et to fomítfe sous f'An · Michel Foucault recebe, enfim, um bom acolhimento por por-
oien Régime*, uma mesma valorização subjacente dos tempos te da vanguarda literária. na qual ~· êm Integrar-se alguns
pré-modernos, uma certa sensibllidaqe nostólgica a propósito do historiador:s-44 e epistemolo?lstas45 • Mas, uanto a~ esse_ncial, o
mundo fetal de antes da partilha disciplinar, onde teriam coa- sucesso publico previsto noo se concretizo , e o livro nao teve
bitado num mesmo impulso loucos e homens de razão, crianças verdadeiramente repercussão entre os filósofos (Les Temps mo-
e velhos, em níveis de base da sociabilidade e do convívio. dernas e Esprit não trotaram do livro) nem entre os psiquiatras,
É g raças a Philippe Arles, a quem mais tarde Michel Foucault que consideram a obra de Foucault um simples exercício de
prestará homenagem, que Folie et déroison pôde sair pela Plon: estilo literório e metafísico. A modéstia da tiragem de Folie et
"Um volumoso manuscrito chegou às minhas mãos: uma tese de déroison revela que é necessário esperar Les Mots et /es choses
filosofia sobre as relações entre a loucura e a perda da razão poro que Michel Foucault conheço o eco público que não
na época clóssica. de um autor para mim desconhecido . mais será desmentido . A tiragem Inicial é de 3.000 exemplares
Quando o li, fiquei empolgado. Mas tive de batalhar muito pa- em maio de 1961, com uma reedição modesta de 1.200 exem-
ra impô-1o"40. p lares em feverei ro de 196446 • A ot;>ra de Michel Foucault não
Quando Michel Foucault preparava a sua tese na noite sue- ' atinge, portanto. o seu a lvo num primeiro tempo; o saber psi-
ca, convidou por duas vezes Roland Barthes. com quem vai quiátrico não se sente, com efeito, interpelado, em absoluto,
manter relações amistosas em cada uma de suas viagens a pelo filósofo: "Por conseguinte, é somente num registro não prá-
Paris. Roland Barthes sa(L_d çi..,. desde a publica.çõ.Q_ctg_Q.Qra , a _prl - tico que a s obras de Foucault puderam ter algum lmpacto"47 .
qie!ra apli_cgç,go_ d g_estrlJturalisr::i. suLtiJstória: "A história descrita Esse Impact o foi duplo, segundo Robert Castel: foi. por uma
por Michel Foucault é uma história estrutural. Essa história é es- parte, um incitamento ao corte epistemológico e, em segundo
trutural em dois níveis. o da análise e o do projeto' 41 • Roland lugar, a doença mental, convertida em conceito positivo, reen-
l!_arthes _co~preen~:u ~ lda~E:nte o Pª!!ln.t escq...91!e_ une o contra-se carregada de sua alteridade, como outra da razão. A
t rabalho de L"evr.Slraüss, o âelocan, o de Foucault e o dele, obra de Mlchel Foucault, consagrada como tese original mas
sem q ue-·lsso. slgnlflqüe'aexlsfên"'éiãêlãm'eno r'~êiã'bÕrâçõõ êo- acadêmica em 1-961, conhecerá um segundo destino graças a
m um. O trabalho de Foucault é percebido por Barthes como um duplo evento: Maio de 1968 e o Interesse que ela suscita
uma ilustração da conquista da etnologia modei~Foucault com bastante rapidez nos antipsiquiatras anglo-saxõel,, Ronald
realizo o mesmo deslocamento da natureza para a culfura. ao Lalng e David Cooper. Somente no final dos anos 60 o livro res-
estudar o q 'u e era considerado até então um fãtc;- puramente ponde então a uma senslbilldade coletiva. o uma exigência de
médico. Da mesma maneira que as relações de parentesco fo - transformação das próticas e passa a ser a fonte de inspiração
ram analiso.dos por Lévi-Strauss como fenômeno de alíonça, o dos movimentos de contestação das práticas asilares.
Inconsciente estruturado /como linguagem por Lacan. o escritu-
ro literária depende de uma aprendizagem. de uma produção
que nada tem a ' ver com um gênio qualquer criador na nova
crítica literária. Michel Foucault "recusou-se a considerar a loucu-
ra como realidade nosográflca" 42 . Roland Borthes faz uma leitura
do obra de Michel Foucault que retém. essencialmente, sua co-
43. M. BLANCHOT, 'l'oubll, la déroison·. Nouvelle Revue Françoise, outub10 de
1961. pp. 676-686. reimpresso em l'Entretien nfini. Gollimard. 1969, P, 292 .
*Obra editado no Brasil com o tftulo de História Soe/ai da Criança e da Fomíla. 44. R. MANOROU, 'Trois clés pour comprendre l'hístoire de la folie à l'époque cios·
Zohor Editores, 1978. (N. do T.) slque', Anndes. n• 4, julho-agosto de 1962. pp. 761-771.
40. Ph. ARl~S. Un hfsforfen du d/manche. Le Seuil, 1962, p. 145. 45. M. SERRES. "Géornétrie de la folie'. Mercure de France, n• 1188, agosto de
4 1 . R. BART HES, 'De port et d'outre', Critique. n• 17, pp. 9 15-922. 1961, reimpresso 1962, pp. 683-696, e n• 1169, setQmbro de 1962. pp. 63-81; reimpresso em Hermés
em Essals Critiques, Le Seuil, 1971, p. 1 71. [Esse ensaio intitulo-se "De um Lodo e ou la communlcaflon, Minuit, 1968.
do Outro' e est6 contido no volume Intitulado Critica e Verdade, Editora PerSPec· 46. O. ÉRIBON. M/che/ Foucault, op. clf.. p. 147.
tiva. 1970. (N. do T.)] 47. R. CASTEL. 'Les aventures de lo pratique', Le Débaf, nº 41, setembro-novem·
42. lt:>., p. 168. bro de 1986, p . 43.
Hl:S I 01<111 IJ O F :S 11<0/ UI0\115MO 'º () IJr'1YIHfl(7 , .,,., ,,r,rM \ 7- ,, "''""'' t>G #YH O "* e=- , • v w , .• •
da política desde o pós-guerra e se rodela pela primeira vez no combate anticolonial contra a guerra da Argélia a prova
de ministros técnicos. vai assumir a responsabilidade pela histó- flagrante do mentira da acusação de se haver passado para o
ria francesa. É o que significa o deposição da Escola Normal outro lado. Portanto. 1956 varre uma boa parte das seqüelas
Superior pela Escola Nacional de Administração. A instituição da guerra para numerosos intelectuais do ocidente, muito antes
que encarnava até aí a reprodução das humanidades. cede que 1989 venha completar a limpeza no leste. Apresenta -se en-
seu lugar à que forma os tecnocratas. Ulm. que vlró a ser o tão a questão de saber como é que se pode ser marxista com
epicentro do sismo estrutural em 1966, reagiró ao erigir-se porta- tudo aquilo que se sabe?
dora do discurso mais científico, tentando assim retardar o A bistória Jó não _!e apresenta como esperqi:,Q~<;!~~ futu-
momento de suo relegação a um papel .. secundório na forma- r~ho!, .!!'OS Interroga-~ em sua~ falhas para~ ar com -
ção das elites do república. A partir de 1958, o pensamento P ~.LO.O que ela pôde conter ~m.e.SQ!Q_o_§ _g~.i;mes da
técnico estó no poder: "Paro mim, o estruturalismo teve multo barbórle. Essa fenda de 1956 "levou-nos a não ser mais obriga-
êxito porque foi o suporte do pensamento tecnocrótlco. deu-lhe dosa esperar alguma colsa"6 • Em vez de sentir-se levado pelo
, uma maquilagem lógica, uma racionalidade, uma espécie de fluxo contínuo da história, o Intelectual, segundo Mlchel Fou-
vigor. Entre esse tempo e o estruturalismo existe mais do que cault. deve sinalizar o campo dos possíveis e o das impossibili-
um encontro feliz, um casamento de conveniência"3 • dades numa dada sociedade, sem esperar a chegada do
Messias, encarnado pelo partido como guia na conquista da
salvação terrena. Mas antes mesmo de se reconstituir uma órea
de pesquisas e uma identidade, cumpre romper com um parti-
do que se atribuía as virtudes de um foco de ,sociabilidade,
família de adoção com seus ritos. seus costumes... todo um ha-
bítus.
Pierre Fougeyrollos abandona assim o PCF em 1956: "Eu lecio-
nava na época no liceu Montaigne em Bordéus, era membro
A ERA DAS RUPTURAS: 1950 do bureau federal do PCF da Gironde e rompi em conseqüên-
cia da questão húngara. Quando cheguei a Paris em 1958,
aderi ao grupo Arguments"7 • Gérard Genette desliga-se também
P ar seu lado. a rev1sao crítica do "paizinho dos povos" pe-
los sacerdotes encarregados do cultó teve por efeito o
desmoronamento do edifício da crença. O estruturalismo ofere-
do PCF nesse ano de 1956: "Depois, submeti-me a uma cura
de desintoxicação durante três anos em Socialisme ou Barbaria,
onde convivi com Claude Lefort, Cornélius Castorladis, Jean-
ce~5.e ,9.J:!Mt.2§,_g__eSSEUesp~O, Como uril_a t9büçi ~Q.ê_~OÇÓO
François Lyotard. Para tornar-me não-marxista, após ter sido sta-
no momento da agonia do marxismo institucional: "Uma éspécie
llnista durante oito anos, era Imprescindível uma boa e forte
de massacre cerimoniÕSÕ. /.~.r lssOp ermltfü' Úma boa limpeza,
centrifugadora, e Sociolisme ou Barbaria, era uma que raspava
uma vassourada, uma grande corrente de ar, um ato higiênico.
a fundo" 8 • Como disse Ollvler Revault d' Allonnes, que também aí
Nem sempre se escolhe o aroma do desodorante ou dos pro-
estava: "Poder-se-ia fazer uma associação dos veteranos da tur-
dutos de lixívia, que muitas vezes é enjoativo, mas o que
ma de 1956" 9 • Ele tinha aderido em 1953 em Lllle, onde se
Importa é que limpe" 4 . Abre-se a era das rupturas para Intelec-
encontrara na companhia de Michel Foucault para opor-se à
tuais que jó não podem continuar fazendo o Jogo dos simula-
guerra da Indochina.
cros e que renegaram seus fetiches.
É a favor do apolo ao outubro polonês que Jean-Pierre Faye
Roger Vailland afasta-se e tira do seu escritório o retrato de
descobre em 1956, fascinado, o rigor do programo de Lévi-
Stalin. Claude Roy é expulso do PCF por · ter feito o Jogo da
Strouss. Com efeito, assiste na sala Louis-Llard da Sorbonne a
reação, dos Inimigos da classe operórla e do povo" 5 • O próprio
uma grande recepção solene dos representantes poloneses or-
Jean-Paul Sartre, que percorreu desde o começo dos anos 50 a
ganizada pela UNESCO, sob a égide de Fernand Braudel. A
sua via crucis, na esteira do PCF, como lrreprochóvel compa-
reunião conclui com um rasgo teatral: a entrada do vencedor
nheiro de estrada, publica em L'Express de 9 de novembro de
microeconomla. que permaneceu essencialmente à margom de qual se transformaró mais tarde em Direção da Previsão e d o
toda a reflexão crítica sobre os seus postulados. Plano, com seus organismos. o CREDOC e o CEPREM AP. Essa
atenção do estado pelo saber econômico "adotou dois cami-
nhos principais: o estabelecimento da contabilidade nacional e
a construção de modelos macroeconômicos de prevlsão"5.
Dessa aliança orgânica do estado com os teóricos e próticos
da macroeconomia resulta uma acentuação da defasagem
com o mundo universitário das humanidades, o dos homens de
letras. Nas equipes Integradas por homens como Claude Gru-
son, Pierre Url, Alfred Sauvy, Fmnçols Perroux. o componente uni·
O CASAMENTO versltárlo constitui uma franca minoria em relação aos enge-
DO ESTADO E DA ESTRUTURA nheiros oriundos das Grandes Escolas e aos administradores civis.
Assim, é no mais alto nível dos responsóveis da administração
que são criadas as modelizações prospectivas da economia na-
proporções e ntre o s fluxos e e ntre os estoques d e unidades e le- por ocasião do colóquio dirigido por Roger Bastid e e m 1959 13,
mentares e combinações objetivamente significativas dessas uni- uma concepção estática da noção de estrutura, a de François
dades''7. Perroux. a uma perspectiva dinâmico que deseja promover. Es-
É por volta dos anos 30 que os europeus utilizaram maciça- sa abordagem está fundamentada numa relativização das leis
mente, em economia política, o paradigma estrutural, em rea - econômicas válidas segundo o tipo de estrutura ou entre dois li-
ção à crise de 1929. Mas antes mesmo dessa difusão do mites estruturais no Interior de um sistema econômico no qual
conceito de estrutura em economia política, pode-se afirmar evolui uma combinatória de múltiplas dimensões14•
com Henri Bartoll que "0 estruturalismo sociológico e o estrutura- André Marchai Interrogou-se sobre o ressurgimento da noção
lismo econômico sõo contemporâneos do nascimento da socio- de estruturo no pensamento econômico contemporâneo 15. Vê
logia e da econ'omia política" 8• Essa idéia de estrutura nasceu aí em ação uma busca de explloltação, por parte dos econo-
no século XVIII do correlacionamento dos diversos dados econô- mistas, das grandes mutações históricas do capitalismo monopo-
micos considerados como outros tantos elementos de uma coe- lista, a crise de 1929, a descolonização. A conjunção de todas
rência global que gula a vida econômica. essas mutações tornava necessário ultrapassar as mode lizações
Auguste Comte jó situara os fisiocratas entre os Iniciadores da depuradas de todo e qualquer elemento exógeno colhido no
"física social". Depois. Marx dedicou-se a Identificar as leis de ambiente sócio-político.
func ionamento do capital mediante noções estruturais como as
de modos de produção, formações sociais, relações sociais de
p rodução. Ele tentou ultrapassar o simples descritivo do observá-
v el. para descobrir "a organização interna do modÇ> de produ-
ção capitalista, de certo modo em sua média ldeai"9 , Se hó
em Marx um uso da noção de estrutura que faz dela um mo-
delo teórico, puramente conceituai, ele nem por Isso esquec e o
outro extremo da cadela e a conexão do modelo com a rea -
lidade econômica do estado de desenvolvimento das forças A TENTATIVA DE U~A
produtivas num dado sistema social. Em contrapartida, a estru- ANTROPOLOGIA ECONOMICA
tura de que se trata após 1945 na escola franc esa de econo-
mia depende mais do empírico, do observável. do que do ,
plano teórico, numa acepção mais próxima dos historiadores do
que dos antropólogos. Isso é indubitável em François Perroux,
que define a estrutura pelas proporções de fluxo, de estoques
E n e ssa perspectiva de confronto global que se Inscreve o
trabalho de André Nicolal, que defende a sua tese em
1957 10. A reflexão sobre a estrutura remonta nele ao ano em
de unidades elementares, ou em R. Clémens, que a vê nas que terminou seu curso secundário, ou seja. em 1948. Apaixona -
"proporções e relações de valor dos custos. p reços, rendimentos se e ntão pelo debate entre Tarde e Durkheim, nos q uais assina-
e moeda num determinado meio" 1 º. la a existência de um problema que vai tornar-se central em
Jó nos anos 30, o alemão Ernest Wagemann tinha utilizado toda a sua obra ulterlor: é o dilema polêmico entre a prevalên-
de maneira sistematizada a noção de estrutura. Propusera uma c ia acordada aos comportamentos (Tarde) e conce d ida às
definição que os economistas adotarão. especialmente na Fran- estruturas (Durkheim). Considera André Nicolai, desde essa épo-
ça a partir de 1936, quando das reformas estruturais da Frente ca. que "os dois têm razão em parte. v isto que a sociedade
Popular. A estrutura é aí considerada como •o mais permanen- obstina-se em ser composta de agentes e. ao mesmo tempo,
te"11: ela é o que resiste aos movimentos rápidos. o que permite esses agentes parecem ser acionados pela sociedade" 17. Refle-
o conjuntura, Influi nela sem se lhe identificar. É marcada pela tir a partir dessa contradição induz a uma superação do estrito
lentidão dos seus ritmos. em geral cíclicos. movidos por meca- ponto de vista da economia pura, e André Nicolal descobre
nismos profundos. Essa visão da estruturo como invariante, ou extasiado Tristes Tropiques em 1955. Ele inscreve-se não só em
variante de fraca amplitude, é retomada por François Perroux. economia mas em ciências políticas e na Sorbonne, freqüenta
para quem as estruturas são "conjuntos de quantidades em mo- cursos de filosofia, de sociologia, de psicologia ministrados por
vimentos moderados, conjuntos de tipos de condutas ou de Plaget, Lagache, Merleau-Ponty, Gurvltch ... e encontra-se assim
comportamentos relativamente estóveis" 12. André Marchai opõe. colocado, desde o final dos anos 50, no centro da confluência
estrutural. No campo da economia é um estruturollsta precoce,
7. F. PERROUX. em Sens e f U$age du terme do ,tructure. obro d irigido por Roger
BASTIOE, Mounton, 1972 (1962) , p . 61.
8 . H, BARTOU, Économ/e ef créatlon col/ectlve, Économioo, 1977, p . 315. 13. A . M A RCHA L. Sens e t usoge$ d u terme d e $fruclure. Mouton, 1972 (1962). pp.
9. K. MARX. Le Capita, Édltions socioles. 1960. Livro li. vol. 3. p . 208. 65-66.
10. R. CLEMENS, "Prolégoménes d ' une théorie de lo structure', Revue d'économ/e 14 . A. MARCHAL, Méthod e $Cientifique et $C/en c e é conomlque . Éd. de M é dic is.
pol/tlque. 1952. nº 6. p . 997. 1955.
11. E. WAGEMANN, lntroductlo n à lo thé orle du mou v ement des offolte$, Povot. 15. A . MARCHA L, Sy$tàmes e t strucfures. PUF, 1959 .
lO't.'.'.> ~:,?.e..,.,... -- ,.,.., ~,,.,,,..,,..Ã._I_ _Ã_,_ .......,._, ,_, , ..., 0-,-• , õ~_Q --- A.. O ..,,._..
um pouco atípico por sua abertura para todas as ciências hu- tas o substanciar seus lnstrumenlos de conhecimen to até atri-
manas, e por sua vontade de fundar uma antropologia econô- buir-lhes a reconstituição da própria reolidade. Eles abandonam
mica estrutural. à lnslgnificôncla tudo o que não é mensurável. Aí se vislumbra
também um esvaziamento da historicidade, próprio do paradig-
ma estrutural. visto que a previsão só é possível nesse esquema
a partir do momento em que o modelo se reproduz de manei-
ra Idêntica, se não houver algumas variações de quantidade.
Também aí está, pois, a dificuldade em construir um aparelho
de análise de simples reprodução do mesmo, uma verdadeira
mecânica de auto-regulação que remete à insignificância toda
prática humana, fora do esquema Inicial. assim como toda a
A ECONOMETRIA historicidade dessa ação. O perigo não tardou em ser denun-
ciado por Gllles Gaston-Granger: resulta do Ilusão que o forma-
lismo ocasiona e · provém do fato de se querer conferir aos
___ ______
um truísmo; mos dizer que tudo, numa sociedade. funciona é
um absurdo" 13 . Em face do excesso .. ---
de história do métoc:lo difu-
temente ampla para englobar todos os níveis da realidade
social: "Abre-se o cominho para uma antropologia concebida
11. M. DE GANDILLAC. lb., p . 120. • como teoria geral dos relações" 17 • Essa perspectiva permit e à
12. C I. LÉVI-STllAUSS, Anthropologle structuro/e, op. clt .. pp. 3-33, reimpresso de antropologia captar seus modelos de análise da linguagem for-
" Histoir<> et ethnologie'. f?evue de mi,tophyslque et de rnorole. noS 3-4. 1949, pp.
363-391. [No edição b rasileiro de Anlropologlo Estrutural. Ed. Tempo Brasileiro.
14, lb., p . 25.
1967. o artígo 'História e Etnologia' figura como Introdução do volume. pp. 13 ·41 .
N. do T.] 15. lb.. p . 30. 95
16. CI. LÉVI-STf'!AUSS. Antropologle strvcturole, 'Langoge el parente', p . ·
13. /b., p, 17.
17. lb .. p, 110.
mal por excelência, os motemóticas. Ao ordenar séries comple-
moiro lugar. sobro relações. ~ própri o do estruturalismo ter m os·
tas de variantes sob o formo de um grupo de permutações, o trodo que se trata de um caminho excessivamente fecundo.
programa estruturallsto aspiro o descobrir a próprio lei do grupo Trabalhar sobre relações, mais do que sobre objetos, p e rmite es-
estudado. Nesse esquema de onólise, o estruturo do grupo é capar ao que. durante multo tempo, foi o obstáculo da antro-
apreendido mediante o processo do repetição, o partir do in- pologia: a tlpologla, a classificação tlpológica" 21 .
variante que tem por função fa zer aflorar o estrutura do mito
para além do diversidade de sua enunciação. Uma vez mais, a
história e a etnologia ~õem-se por suo capacid ade para mo-
~ - : -A etnorogiàê strutural pode aspirar a uma modelização
mecânica: "O etnólogo recorre a um tempo mecânico, Isto é,
reversível e não-cumulativo" 18, ao passo que a história deveró
cingir-se a um tempo não-reversível, contingente e que requer a
estatística: "O tempo da história é estatístico"l9.
As sociedades frias aparentam-se aos mecanismos que utili- A ONTO LOGIZAÇÃO DA ESTRUTURA
zam ao infinito a energia formada no Início, o relógio, por
exemplo; as sociedades quentes assemelham-se a máquinas ter-
modinâmicas, como a máquina a vapor, a qual funciona a
partir de variações de temperatura. Elas produzem mais traba-
lho, mas consomem mais energia, destruindo-a progressiva-
e laude Roy, em 1959, considera a pesquisa de Lévl-
Strauss o repetição moderno da •velha e incansável
busca do Graal dos Argonautas do intelecto, dos alquimistas do
mente . Esta última sociedade busca faixas diferenciais cada vez espírito: a busca da Grande correspondência, da Chave
maiores, mais amplas e mais numerosas, para poder avançar e primordial" 22 , No fundo, nessa busca às avessas do pedra filoso-
encontrar recursos energéticos revivificados, A sucessão tempo- fal, há em Lévi-Strauss um azedume em face do pesadelo em
ral deve, para os sociedades frias, influir o menos possível em que a história se converteu, um desencanto que procura eva-
suas instituições. O desafio lançado aos historiadores por Lévi- dir-se do tempo presente. Por seu lodo, Jean Duvlgnaud apre-
Strouss é o mais radical e o mais desestabilizador que e les pos- senta Claude Lévl-Strauss como o "vigário dos trópicos" 23 , que
sam ter conhecido, pois a ambição do antropologia estrutural reassume por sua contei o sonho nostálgico da pureza original
apóia-se no que se apresenta como os avanços mais modernos dos primeiros homens do vigário sovoyard (Jean-Jacques Rous-
e mais eficientes das ciências humanas. Tendo colocado resolu- seau).
tamente o antropologia no terreno da cultura, Lévi-Strauss des- À crítica que Jean Ouvignaud formula em 1958 sobre a pos-
fruta da vantagem, em relação aos historiadores, de se preva- tura estruturallsta, à q uai opõe uma abordagem pluralista do
lecer de um horizonte teórico que deve permitir um dia decifrar sociedade, Lévl-Strauss responde com uma carta onde defende
as estruturas internas do cérebro. Há nele uma espécie de ma- e até radicaliza o seu ponto de vista: "Não sei o que é a so-
terialismo estruturalista: segundo suas análises, ele ora enfatiza a ciedade humana. Ocupo-me de certos modos permanentes e
estrutura como grade de análise, ora considera a estrutura algo universais das sociedades humanas, de certos níveis isoláveis de
diretamente dependente da matéria: "Claude Lévl-Strauss é um anállse"24 • Às críticas de Jean Duvignaud que reterem o proble-
materialista. Ele o repete constantemente"20• ma do status da liberdade e do lugar do dlnamisrf\O coletivo
A antropologia estruturalista pode, portanto, desenvolver-se, no projeto antropológico, Lévi-Strauss responde na mésma carta:
segundo Lévi-Strauss, sem fronte iras; ela permite transcender a "A questão não é pertinente. O problema da liberdade não
divisão tradicional natureza/cultura, da mesma maneira que po- tem mais sentido, no nível da observação em que me situo, do
de estender suas considerações ao conjunto do gênero que tem poro aquele que estuda o homem no nível da quími-
humano. A esse respeito, o manifesto estruturalisto de 1958 ca orgânica" 25 •
apresenta-se como um duplo desafio à historicidade e à filoso - O sujeito está, por conseguinte, definitivamente excluído da
fia. Esta última, cujo campo primário de reflexão situo-se na antropologia estrutural para Lévi-Strauss, que adota neste caso o
compreensão do funcionamento do espírito humano, vê subtrair- modelo epistemológico das ciências da natureza. Assim, o ho-
se-lhe o seu objeto de interrogação em proveito de uma antro- mem não pode fazer outra coisa senão constatar a sua impo-
pologla que pretende ter acesso, ao término do seu longo tência, a sua !nonidade em face dos mecanismos que ele vai,
caminho, aos recintos mentais e suas estruturas Internas, e isso em última instância, tornar int e ligíveis, mos sobre os quais não
em nome de uma postura que tem a vantagem de apresen- tem poder nenhum. A esse respeito, Lévi-Strauss está próximo da
tar-se como científica. A maior incursão permitida por Lévi-
Strauss na história da antropologia terá sido "trabalhar, em pri- 21 . Philippe Descolo. entrevista com o autor.
22. C I. ROY, 'Cloude Lévi•Strouss ou l ' homme en question'. La Nef, nº 28. 1959, p .
70.
23 . J. OUVIGNAUO, om Los Lottros nouvo //os, nº 62, 1958 .
18. /b., ' Lo n o tion d e structure en ethnologie', p . 314.
19. /b.. p. 314. 24. Corto d<a CI. l4ví-Strouss. citado por J . DUVIGNAUD, le Langage peráu. PUF,
1973. p. 234.
20. Mourice Godeli<>r. entrevista com o autor.
25. lb.• p, 251.
llusõo cientista dos positivistas, cujo exemplo de clentltlcldodo programo do vocoçõo multo mais vasto da ontropologlo ostru
era representado pela físico teórico. turol. A esso respeito, aquele que entendeu bem o lnfençõo. os i~· N.!:i-
De maneira algo similar, ao ir buscar na fonologia o seu mo- vlclssitudes e os riscos, vem de um outro horizonte: trato -se de t«z~'t:111:
delo, o antropologia estrutural rechaço toda e qualquer formo Fernond Braudel. Preocupado em preservar o primeiro lugar po- . .
de substonclallsmo e de causalismo em proveito da noção de ra os historiadores no concerto das ciências sociais, consciente
arbltrório. Seu desígnio oriento-se mais poro os meandros da da força do desafio lançado por Lévi-Strouss, que ameaça fra-
complexidade neurônlca, que parece deter a chave ontológi- gilizar a posição dominante que a escola histórica francesa dos
ca, verdadeira estruturo dos estruturas, suporte essencial do Annales ocupa no seio do 6g Seção da EPHE a que preside
estruturalidade. desde a morte de Lucien Febvre em 1956, Fernand Braudel res-
ponde a Lévi-Strauss num artigo-manifesto. publicado no final do
ano de 1958, nos Annales, "Économles, soclétés, clvillsations".
Brau~J gropõ~ aí _ç l on.g__Q_ Rr.QZQ...C.~gem_ comurri, d~
fõaas__os...ciê.ncias sociais federadas pelo historlador31 • Essg_r.eph-
4
47. /b.. p. 24. 50. CI. l~Vl·STRAUSS, De pres de loln. op. clt., p. 96.
48. Pierre Nora. entrevisto com o autor. 51. CI. l~Vl·STRAUSS. em G. CHAR80NNIER, Entretlens ovec Cloude Lévl-Sfrau».
49. CI. L~V~STRAUSS, 'leçon lnougurole ou College de Fronce·. em op. c/t.. p . 44. 10/18. 1969 (1961). p . 181 .
li - OS ANOS SESSENTA:
1963-1966:
LA BELLE ÉPOQUE
22. A SORBONNE CONTESTADA:
-
A QUESTAO DOS ANTIGOS
E DOS MODERNOS
3. André Mortinet. entrevisto com o autor 6 . J.-CI. CHEVALIER, Lo Notfon de complemenf chez I<» grommolrlens. Oro~ 1968.
4. Jean-Claude Chevalier. entrevisto com o autor. 7 . Jean -Claude Chevolíer, entrevisto com o autor.
ti ,,.., A /b
turol, est6 totalmente ausente do Sorbonne. A confusOo oxpo,I
.mentada pelo Jovem búlgaro Tzvetan Todorov na sua c t1agodo
à França. na primavera de 1963, constitui um b elo exemplo.
Vindo da Universidade de Sofia, após ter concluído seu clclo
universitário. Todorov procurava em Paris um quadro lnstl1uc lonal
poro desenvolver uma pesquisa sobre o que ela 16 d e nominava
a teoria da literatura, ou seja, uma reflexão sobre o objeto llte
rário que não porta de elementos exógenos. pslcológlcos ou
sociológicos. É o mesmo que procurar agulho em palheiro. Mu·
nldo de uma recomendação do administrador do faculd ade
de Letras da Universidade de Sofia, e convencido de uma res-
posta positiva, Todorov contacta o reitor da Sorbonne para ser
informado sobre o que se fazia nesse domínio na Sorbonne: "E·
le me olhou como se eu estivesse chegando de um outro pla-
neta, e disse-me friamente que não se estudava teoria líterórl o
em sua faculdade e que estava tora da questão estudá-la"9 •
Perplexo, Todorov pensa então que deve estar ocorrendo um
mal-entendido· e pergunto se. na falta dessa cadeira, have ri a
um ciclo de formação em estilística, mas o reitor quer que e le
lhe diga exatamente em que língua. O diálogo de surdos pros-
segue e Todorov sente um mal-estar crescente, pois "não podia
dizer-lhe em estilística do francês, já que eu gaguejava diante
dele um francês deveras discutível. Ele me teria certamente res-
JEAN-PAUL SARTRE Colóquio de Cerlsy, 1955:
pondido para ir primeiro estudar a língua"'º· Era, evidentemente,
do estilístico geral que se trotava. e o reitor da Sorbonne reite-
(l l 1lu. Aogor-Vlollet, C Lípnilzkl-Vlollet). O que é a filosofia? Da esquerda
ra a Todorov a Inexistência de um tal domínio de pesquisa. para a direita: KOSTAS AXELOS,
Foi ao preço de um conjunto de clrcunstônclas totalmente MARTIN HEIQEGGER, SRA M.
fortuitas que Todorov vai finalmente deparar-se, em sua busco HEIDEGGER .
(C Arquivos de Pontigny Cerlsy).
de uma reflexão parisiense sobre teoria literária, com o que se
chamará a poética. Tendo estabelecido um contato simpático
com a diretora da biblioteca da Sorbonne, graças a uma reco-
mendação de seu pai, ele próprio bibliotecário em Sofia, Todo-
rov começa por consolar-se mergulhando nos livros. Essa biblio- , 1luqulo de Cerlsy, 1956: Teoria da História. Da esquerda para a direita:
tecária dá-lhe notícia dos trabalhos que estão sendo realizados X, RAYMOND ARON, R. P. DANIELOU, CLAUDE LEFORT,
por seu sobrinho, que talvez pudesse Iniciá-lo nos circuitos alea- JEAN-CLAUDE MICHAUD
(C Arquivos de Pontlgny-Certsy).
tórios do modernidade parisiense. Todorov vai então õ caso
desse sobrinho, assistente de psicologia na Sorbonne, François
Jodelet. Este diz-lhe conhecer um outro assistente da Sorbonne
que trabalha no domínio literário. um certo Gérard Genette: "Foi
assim que conheêt-Genette. Ele compreendeu imediatamente o
que ·eu procurava e Informou-me haver a lguém que trabalhava
' nesse sentido: Roland Bdrthes. e que era Indispensável, portanto,
assistir ao seu seminórlo"11 •
~--
A INSATISFAÇÃO
DOS HOMENS DE LETRAS
/ , 11111 11{10 pudera assistir à aula e aquilo foi para ela uma reve-
1, 1,. (m : "Disse paro mim mesma. aí sim, há verdadeiramente
th,I• u, x!gêncla" 13• Elo optou, no nível de licenciatura em Letras.
to 11 IIITI corllfic ado de lingüística, encontro-se com Mortlnet e bi-
11111 11 do literatura para a lingüística estrutural. Para Françoise
r , 111, 1, o estruturalismo significa a escolho do rigor: "Quando se
vlv111 1 (l atmosfera da Sorbonne nos anos 60, a pessoa dá-se
Colóquio de Cerisy, 1964: o Homem e o Diabo, MAURICE DE GANDILLAC, 1 1111lu do que não havia outros lug·a res onde ir. Quando se viu
CATHERINE BACKE$-CLÉMENT (O Arquivos de Pontigny-Cerlsy). , 1 , 1110 ponto aquilo era um cemitério, compreende-se o entu-
lh t ,r 110 pelo estruturallsmo" 14. • ·
01 p1ofessores dê literatura do época eram, entre outros, Gé-
111111 Coste x, Jacques Deloffre, Marie-Jeanne Durry:, poetisa e .
on1wclollsta em Apollinaire, Charles Dédéyan, príncipe armênio
qw loclonava literatura comparada, todos professores conscien-
, h 1•03, mas que esvaziavam um anfiteatro de um d ia para o
1111lro: ''Vivi essa experiência no curso de Dédéyan. Havia 150
111111100s no primeiro aula e três na segunda" 1~. conta Philippe
llwnon que, como muitos de sua geração, também optou pe-
11 t llngüístlca em meados dos anos 60: "Era a primeira vez que
11111u c iência chamada humana podia atingir uma espécié de
rluor: o ra um discurso claro, demonstróvel, reiterável, reproduzí-
v111"1º. Essa insatisfação diante dos estudos literórlos também ~
l11to"11omente sentida por Élisabeth ·Roudinesco, que inicio em
1964 os seus estudos de Letras no Sorbonne. Deporo,so l ogo n """ programa ro novodo pela lingüístico apresenta-se como a
com o foto de que os seus centros de Interesse não e n con t,om l1101t111lro do modernlzaçôo em face de uma Sorbonne que
nenhum prolongamento no ensino que elo recebe: "Quando so ,,.,11,111nocou ossenclolmente Insensível à mudança.
estava em Let ras, a linha divisória era: Jó leste o último Borthes?
Havia dois campos. Por oütro lodo, só nos ensinavam
bobogens" 17 • Havia, pois. nos departamentos de Letras do Sor·
bonne. um corte muito acentuado entre duas linguagens, dois
tipos de centro de interesse, um fosso crescente entre os do·
centes e seu público discente, fonte de muitos frustrações mos
também acumulação de pólvora que não vai tardar em explo-
dir. Esse estado de Insatisfação, ollós, não afeta somente os
1 estudantes de literatura; é também compartilhado pelos de filo-
sofia: "A Sorbonne é o vazio absoluto", conto François Ewald 18, OS FOCOS DA MODERNIDADE
i Insatisfeito com os seus professores do época, com Roymond
Aron, que opunha um soniso sardônlco e altivo à Crítíco do Ra-
zão Oio/étlco, de Jean-Paul Sartre.
O sentimento de um vazio sideral é de tal monto que Fran· N o decorre r dos anos 60 assiste-se a uma certo efer s-
cOncla como- estratégia cietrÕnsbordomento o lnstltul-
<111 1.on tral unlv~'Ririã. Ã i nÕvaçã o' p a rtedo periferia:
1 çols Ewald chega até a conceber. com seu amigo François
George, o projeto que não se concretizaró de lançar Les Co- 11111111110 Paris pelÕ prÕvín cia ou implanta-se em bolsões margi-
hiers pour J'époché, tomando por modelo os Cohlers pour /'o - 11111~ 1lt1 capital: "Essa universidade é incapaz de fazer alguma
1 ,1,., , tio novo em seu selo" 22 • O filósofo Cournot já constatava,
no/yse. Eles deveriam traduzir um sentimento de fim da história,
a expressão de um mundo crepuscular que corresponde inteira- 11111 1111n o Segundo mpérlo. que a França tinha sido dotado de
mente à novo sensibilidade estruturalista, com o qual se rela - 111 ffil ttt-1lvorsldode florescente até à Renascença, de onde este-
ciona rapidamente Jó que conhece o pessoal de Ulm dos V• •• pon to de surgir a reformo que f inalmente acarretou o
Cahlers pour /'anolyse e assiste na Sorbonne às aulas de um l111",,11volvlme nto dos universidades do norte da Europa. Depois,
fundir-se num Intento essencialmente descr111vo do obro lltorórlo. ''"'" p<11l11lcmsoa o estrangolros, toda uma poronlola lntoloctuul.
no sentido do relacionamento dos diversos níveis de semolhon- 1 e-; 111 onlro o, dosso modo, supere a dispersõo geogróflca e xls
ço e de oposição, ou seja, num trabalho propriamente linguís- t 11lu 011tro um Jean-Claude Chevalier que estava om Lllle,
tico. O decênio que come~em 1960 é. pois. um momento h 1111 D11l>ols om Rouen e depois Paris, Greimas em Poltiers...
~ e~óo .especlolmêníê Intenso no França, "onde se desco- 1 ovldc,nte que os nuanças são grandes entre os pesquisas
bre c ~ foscJ_noçqç, o modelo lingüístt.c.Q....(p.rlnc.!Q_olmente estru- lt 1111n um. Barthes, a grande referência da época, Interessa-
turollsto) ~ esf_ç>JÇO metOd.Qlóglco"24 • " " , 1,1011 polo funcionamento dos códigos em jogo numa
U m- dõs focos dessa renovação estruturallsto é Estrasburgo e llw 1 u nquanto que Greimas tinha por objetivo encontrar por
tem por articulador um professor de filologia românico, Georges 1111 ci o l<txto a slslemótlca que ordena o modo de funclona-
Stroka. Amigo de Grelmos, publico sobretudo trabalhos de se- f tH 11 111 <.Jo osplrlto humano. Mas, para além das diferenças,
miótica numa revisto com o tiragem de mil exemplares distribuí- ti o~ 111 uue 'posicionamento do crítico como explorador do
dos por Kllncksieck: Les Trovoux de /ingulstique et de littéroture 11111 0 11\IIC 10•21, noção criada por Knld Togeby, discípulo de Hjelm-
(Trollll). fundado em 1963. Strako organizo colóquios, reúne lin · t v ,, pro fessor em Copenhogue; Togeby tinha publicado, em
gülstos franceses e estrangeiros em Estrasburgo e divulga suas 1Vi•'• / u , Structures immanentes de la langue frança/se. e o ter-
pesquisas graças ao apoio editorial d e Klincksleck e ao poder 111h 1t 1111o u -so rapidamente o pólo de convergência de toda
de Irradiação de uma universidade, a de Estrasburgo, que 16 11111, 1 j11vom g e ração da nova crítica.
em 1929 assistira à grande revolução hlstoriogr6flca dos Annoles. 11 1 ldldomente, o leste do França est6 em festa e o vento
O outro foco de Inovações. de convergências. é a foculdo· 1 IJ•"' 1 o rn fo rça, pois Nancy torna-se também . a partir de
de de Besançon. As razões do vitalidade desse centro unlversl· 1 ti,.) ,un contro dlnômlco de pesquisa. com o criação por Ber-
tório são Inteiramente contingentes: resultam simplesmente do " 11d l'o tll o r de uma sociedade de tradução simultânea que
foto de que os mais jovens são chamados a pegar no bordão 111 11 d or.do 1961, num colóquio consagrado a esse tema. cien-
de peregrinos paro chegar a uma universidade excêntrico. e l~h11 1 linguistas. Esse ramo da anóllse da linguagem vai con-
Besonçon represento um lugar particularmente longínquo. Insula· v, 1ft I t r linguística muitos cientistas profissionais. Foi o caso, no
do. É 16 que vão encontrar-se jovens pesquisadores condenados }Ili• ,. o d os anos 60, de Mourice Gross, engenheiro do Labora-
a trabalhar juntos: Bernard Quémada, Georges Motoré, Henri l 111, 1 ,mirai do Armamento. servindo no Centro de C61culo: "Eu
/ Mltte rond, Louis Hoy... A orientação é aqui deliberadamente ln· 11 , llr1IH'J o menor Idéia do que era um lingüista. Nem mesmo
terdlsciplinor. são construídos pontes entre os professores dos , ri ,1, 1 q110 Isso exlstla" 2ª. A tradução simultâneo permite ao en-
faculdades de Letras e de Ciências a fim de se Iniciar o apll· ~· 11l1uhu Mourice Gross tornar-se lingüista e partir em outubro
cação dos métodos de laboratório nas ciências humanos: 'O 1, 1w, l poro Harvard, onde trava conhecimento com Noam
di61ogo Interdisciplinar fazia -se por toda parte, no trem, nos res- 111,111~ky, O período é propício a_os gtf.J.P.O~abalho, a uma
taurantes. Henri Mltterand, que sempre teve um espírito pr6tico, u, t, 1 1ll1p o rsôo dos pólosde _pes__qulsa_ os quais. tentam -preen-
dizia que se deveria publicar Las Cohiers du ropide 59, cujo ní· 111 r 11u p e riferia a ausência_ de..urn ..c,gou.o....
vel seria multo superior ao da maioria das revistas lnstituclonall· No·,·~, c omeço dos anos 60, o Partido Comunista Francês aln-
zadas" 25• Havia uma avidez em aprender, uma sofreguidóo em 111 11 uma força política Influente e são numerosos os intelec-
aderi! à modernidade, próprias de uma jovem geração entu- 111111" q11 0 militam em suas fileiras ou se contentam com o papel
siasta nesse centro de intercâmbio de Besançon: "O que des- 1, , omponhelros de estrada. Ora. um lingüista comunista lm-
pertava o nosso Interesse eram todos os novidades que Jl Q 1t1111tu, Marcel Cohen, anima todo um grupo de pesquisa
estavam chegando"2". As obras de Barthes, de Grelmas, de Lé- 111,111,1110 ondo se encontra uma boa parte dos lingüistas estrutu·
vl -Strauss. recebem nesse lugar um acolhimento especialmente H1li•l111 rase grupo reúne-se regularmente nas casas de uns e
entusiástico. nessa época de alto tensão intelectual. A por do , I• 1111110s, e em redor de Marcel Cohen vamos encontrar Jean
germanista Louis Hoy, h6 nessa jovem universidade o gramático 1111111111, Antoine Culloli, Henri Mitterond, André-Georges Haudri-
e filólogo Henri Mitterond, que se lembro como de um momen- 1 01111 Mas não tardou multo para que tanto a evolução polí-
to capital do aparecimento da tese de Jean Dubols, Le Voca· 111 u qlionto a concepção considerada restritiva demais do
bulalre po/ltique et social en Franca de 1849 a 1872 (Lorousse, lt11h11lho llngüísllco de Marcel Cohen provocassem uma dl6spo-
1962). Essa tese Incitava todo uma geração a procurar um PO· ro cto, vetaron os do grupo de pesquisa marxista: ·Cohen tinha
raleio. uma correspondência entre os estruturas do discurso, 111n<1 ldólo do marxismo que era sociológica e durkheimiano .
poro além dos estruturas de classes e dos estTuturos de vocobu· / J 01 americanos sempre foram mal vistos por Marcel
lórlo. O dinamismo de Besançon permite que essa universidade t":ohnn•1• . Quanto a André-Georges Haudrlcourt, sem deixar de
sala do situação de enclave isolado e, antes de converter-se 1111 1111hooer o lmportôncla desse grupo, sublinho o caráter sec-
num centro de emigração Intelectual, seja um pólo de reunlôo tório do Cohen: 'O bravo Cohen era muito totalit6rio. para ele
24. Ph. HAMON. Les Sc/ences du longOQ• en Fronce ou XX• ~ele, 10b o dite • 1'7 tteml Mllre,and.
ent,evleto com o autor
çõo de 8. POTTIER. SELAF, 1960.p , 289. 1 M QIIOS!I. em 'lo c,•atlOn de ,evuea dana lel onn4.. tolxonre·, Lonr;,ue lron-c . - - - - ~
25 Louis Hoy, enrrevlsto com o autor.
havia o partido e os outros"30• As curiosidades do grupo o rl o nto
i,, 111111011, A tutura o qu!pe do Vln connes també m aí estó quaso
rom -se poro os formollstos russos dos anos 20, o llnguísllc o sovló
11llu lt 11" 11 ,
fica, o de Vlnogrodov, no perspectiva de construçôo d o umo
1 11 1110 vlvolro de re novação. a 6'w Seção de EPHE, com desta-
soclotogio da linguagem que não se coadunava com o ombl
q 11,s prn o o somlnórlo de Roland Barthes, que fazia em 1964 um
ção estruturallsta. Daí seu desaparecimento bostante rópldo. 1 1111111 1ob10 a c ozinha. Fora nomeado em 1962 d iretor de estu -
apesar do seu papel Importante como lugar de frutuosos en- 111•• 1111 urno p esquisa que se intitulava "Sociologle et sémlologie
contros.
11·• 11lu11us 0 1 d e s symboles". Além da atividade particularmente
li• 111~h m cJan te dos homens de letras, a obra de Lévi-Strauss de-
1!11111p o l'ho também seu papel estimulante de propulsora de
111,vc 111 lnto rrogações.
A p u bllc açóo de Anthropologle structurale em 1958 teve
111111 1 11/r,llco Incidência sobre esse meio literário em ebullção34 : a
h, 11m lldod e do modelo fonológico numa das disciplinas das
1 11, 111 lns humanas, a leitura ocrônica do mito de Éqipo e a fór-
UMA CRESCENTE EFERVESCÊNCIA
111111c I tra nsformacional do mito. Dois anos mais tarde, em 1960,
1, vi ', II CJLJSS Intervém diretamente no campo literário com um ar-
foi em virtude de um balanço de fracassos mas, pelo contrário, 111rnlos da lingüístico mas de uma c rítico literária e de uma
porque o papel de catalisador que tinhd desempenhado era ,,, 11,,xõo sobre a retó rica renovadas: Léo Spitzer, Gaêtan Picon ...
uma fase superado pela amplitude que o movimento adquirira. llm,01re u aos estudos sobre a estilística alemã de Léo Spitzer
Enhe os outros agrupamentos de meados dos anos 60. cum- 111 uc:i formular uma das grandes id é ias do estru turalismo em lite-
pre mencionar o papel do Ensino para o Pesquisa em Antropo - 111lw o nos anos 60: o fato de estudar uma obra isolada consl-
logia Social (EPRAS), do Instituto de Altos Estudos, onde Grelmas 1 l 11t(ldO como um organismo completo, apreendido em sua
"Hó duas fases em Roland Barthes. Na primeira, ele acreditava .! , .li. oJ,6glca, sociológica ... A outra orientação dessa ciência será
na necessidade e possiçilidade de fazer uma ciência do ho- 11 1 11 o historicismo: "O corpus deve eliminar ao máximo os ele-
mem. Da mesma maneira que os ciências da natureza tinham 111 111110& diacrônicos; deve coincidir com um estado do sistema,
1111 1 C' or le da história" • Quanto ao Instrumento utilizado nessa
15
sido constituídas no século XIX. o século XX não seria O das
ciências do homem?",º 11111, e de sentido, Barthes encontra-o essencialmente numa lin-
" Les éléments de sémlologle", publicados em Communica - \ JIIÍ11lloa conotativa que retoma a oposição de Hjelmslev entre
tions n° 4, oferecem uma exposição didática que apresenta os i1~1mtaçõo/conotação. já utilizada antes em Le Mythe aujourd'
ensinamentos saussurianos e hjelmslevianos em vista da constru- /111/
ção dessa ciência nova. Barthes retoma os pares saussurianos Nossa mesmo ano de 1964, para dar mais peso ao ambicio-
de língua/fala, significante/significado e sintagma/sistema, e ins- 11, 1 proleto de construção de um programa semiológlco. R. Bar-
crev:-se numa estrito ortodoxia estruturalista desde esse ponto li 11111 roagrupa o essencial de sua atividade de cronis1a de 1953
d_e vista. Ele acrescenta a essas dicotomias a redistribuição , , IQ63 numa coletânea intitulada Essals critiques. Pode-se ler ai
hJelmsleviana dos termos saussurianos, ou seja, a repartição em wno semlologla em construção, elaborada ao longo de suces-
três planos distintos: o esquema (a língua no sentido saussurlo- 1lvus tenta tivas e vacilações, verdadeira bricolagemr científica
no), a norma (a língua como forma material) e o uso (a lín- , l lll se concentra, mais do que em seus primeiros trabalhos so-
gua corrio conjunto de hábitos de uma dada sociedade). Essa l iro uma problemática do signo, alimentada por um certo
trilogia permite a Hjelmslev formalizar radicalmente o conceito 111'wnoro de modelos: o binorismo de Jakobson, a análise em
de língua e substituir o par saussuriano língua/fala pelo por es- ti 11rnos de posições diferenciais de Troubetzkoy. "Portanto, é en-
quema/uso. 1, u 1962 e 1963 / .. ./ que ocorre a revolução Interna de Bar-
Barthes retém dessa revolução lingüístico seu valor geral pa- lhos"1º.
ra a construção de uma ciência nova e, a esse respeito,
Inverte o sentido da proposição saussuriana de uma semiologia
como horizonte do desenvolvimento da lingüística. Pelo contrá -
rio, ele define o programa de uma semiologla como subcon-
junto da lingüística 11. e para mostrar bem a eficácia desta,
convoca todos os esforços realizados nas diversas disciplfnas. Es-
sa ciência futura. a construir, a semiologia. apresenta-se como
i, R. BARIHES. "tléments de sémiologie' . Commun/caffons, n• 4. 1964. reimpresso
a ciência por excelência da sociedade, pelo que ela significa: em L 'A venture sémlologlqu&. le Seuíl. 1985. p, 28 [Edltodo no Brosil com o título
de Elementos de Sem/o/og/o pelo Editoro Cultrlx, 1972. N. do T.)
6. lb. 13 ll, BAl'ITHES. L'Avenlure s.émlaloglqu&. op. clt .. p. 29.
9. R. BARTHES, Océanlqu&s, FR3. 27 de joneiro de 1988 (entrvislo: 1970). 14. lb.. p . õl.
10 . Algírdos-Jullen Greímos, entrevisto com o outo r. 18 lb .. p. 82
11. R. BARTH ES. Le Svstême de lo modo lo Souil Pnint_ ... s.o .. u 10'7~ noA7\ '"'--- L ..J CALVEI. Ratonei Borlhes, op. clf .. p, 83.
lf /\ li/?/ CI IA l'l\fM A I\ VI NI UIM SI MIO/ ÓGICI\
volte dentro de um ano'. Perspectiva pouc o atroentol"A 1 1 1,, 1, ilnouo, o os Instrumentos lingüísticos que representam
O Roland Barthes dos Éléments de sémlo/ogle estó nltldamon 1111 1 1,11,tullngüístlc a . Numa perspectiva hjelmslevlana, tudo vai
te situado ~uma perspectiva grelmassiana de semiótica gorai, 1 ,, o ~,, uo ,,rvo l de duas metalinguagens: a descritiva, na ~uai
mesmo q ue tenha Institucionalmente precedido seu m estre do •• I\Jlliflc oçôos sôo formuladas na língua, e uma linguagem
Alexandria na 6 11 Seção da EPHE, onde promove em 1965 o ,n lildlt fl , Sompre de acordo com a perspectiva hjelmsleviana,
eleição de Grelmas, com a ajuda de Lévi-Strauss. · Uma vez dlro• 1,, , thordogom Implico novos Instrumentos, novas denomina-
tor de estudos, e após a publicação da Sémontique structuro/o, i • , , 11 roloçõo os distinções soussurionas. Greimas diferencia
a semiótica na França começo a dotar-se de bases lnstltuclo• 1 r, ,, 111 u1 do significante dos semas do significado, considerando
nais graças ao apoio. uma vez mais, de Lévl-Strauss, precursor t ,, , lupondom de dois planos diferentes: a unidade significan-
na elaboração do programa estruturalista e jó consolidado em 1 / ~,Jllllll m i o é assim questionada, cindida em dois níveis hete-
posições de poder. ' 111111•: "A junçõo do significado e do slgnif·i cante, uma vez
Em 1966, uma equipe de pesquiso agrupa-se em torno de 111 , 1, h, no comunicação, está destinada. portanto, a dissolver-
Greimas. adotando a designação de Seção Semiolingüístlca do • ptitllr do Instante em que se queira fazer progredir, por
Laboratório de Antropologia Social do EPHE e do College de 11111111 pouc o que seja, a análise de um ou do outro p lano da
Franca. ou seja, ligada a Lévi-Strauss e à suo equipe de antro- Ih u11, 1u1 rn"º. A partír dessa unidade m ínima d istintiva, a do se-
pólogos . Aí se encontram reunidos Oswald Ducrot, Gérord ti 1 -,111 110, possível construir lexemas. paralexemas. sintagmas ...
Genette, Tzvetan Todorov, Julio Kristeva, Christian Metz. Jean- , , 11 , ttllo de lsotopla, extraído também da lógica, deve fazer
Claude Coquet e Yves Gentilhomme5 • Paralelamente ao traba - 11 , 11, 1 01 o conexão de textos inteiros a níveis semânticos ho-
lho de pesquisa, era m inistrado um ensino semiótico de alto ll 1 , ,oon que podem ser Interpretados como realidades estru-
nível, apoiando-se na lingüística geral, matemóticas, lógico, se- 111 11 , tn manifestação lingüí~tica: •o valor dessas técnicas é
mântica e gramótlco. 111p111c1vol. para as c1ênclas humanas. à formallzaçõo algébrl-
1 111 t• < IOnclos da nat ureza'11 º. Esse modelo deve permitir, por-
111,111 q110 as ciências do homem atinjam o mesmo grau de
1 1,1111, ldude das chamadas ciências "duras•. Paro chegar a es-
111-,111, a semântica estrutural deve dissociar-se de toda a
1I''" tiva humanista e desfazer-se das intuições, substituídas
, r,1,11 11cJlmentos de verificação. Isso Induz a uma normaliza-
, 1, 1 1t1lonclonalidade do locutor, ao operar a sua dissolução
''" 1 1th11orquia de lmbricações contextuais.
A SEMÂNTICA ESTRUTURAL: A 111111<1 Implicação, jó presente em Saussure, mas reforçada
O GREIMASSISMO Ili 1 ,, Imos. é o a-htstoricismo da démarche que procura ex-
li th , 1,, 11 0 1 uma realidade estrutural Intemporal e organizadora,
111 11 , 111• r que sejam o conteúdo significado e o quadro con-
dependentes de realidades diferentes, mas "como passar d e ,11,1116 11co. Ponso que se te m o direito d e utlllzó -lo e m fim de
uma teoria Imanente da língua para uma teoria imanente do 101111111n mos. sobre tudo, nunca recorrer a ele no lníclo"18 . O qua-
sentido em geral? Dito de outro modo, como do binarismo dos ,1,11110 eomlótlco permite uma radicaliza ç ão do distanciamento
signos inferir o da slgniflcação?" 12 t111 1t1undo e mpírico, d o re ferente, em proveito de um núcleo
A resposta a essas questões essenciais nos é fornecida por 11 11 lnlellglbllldade que se dá c omo chave principal e invisível
Claude Brémond 13, que diferencia duas etapas de anólise em 1111 todo o realidad e significada. O sentído é, nesse caso, díre-
Grelmas, na sua leitura de Vladimir Propp. ó primeiro momento ti 1111onl o dorlvad o de uma estrutura que lhe é imanente.
é um momento indutivo a partir do modelo da Morphologie flurodoxalme nte, esse programo semíótico que se oferecia
das contes populaires, de Propp: "Grelmas refletiu sobre a se- , 111110 o m ais e nglobante, conjunção dos ensinamentos de
qüência das funções propostas por Propp para extrair dela, e d 1111,pp, do a nó llse dos mitos de Léví-Strauss e dos Prolegôr.'l~nos
Idéia é meritória, um sistema de oposições · de base que esteja • 1, 1li lmslev, não d e u os resultados esperados. Pelo contréno, o
melhor estruturado" 14• A contribuição de Greimas terá sido, nes- u1~1h,1tt11.'llsmo p a rece ter-se rapidamente fechado em si mesmo,
se nível, a de oferecer um certo número de Instrumentos de 11111110 abstração c ada v e z mais confidencial; funcionou como
anólise úteis, distinguindo. por exemplo, entre os personagens de 1,, l11tloxla num c irc ulo cada vez mais vazio, mobilizando os
Propp, os atores dos octantes* a partir de seus respectivos níveis 1nulo• rnols sofistica dos de um desdobramento lógico meticulo-
operacionais, o que lhe permite construir um modelo actancial 11 111 m I chogar a resulto dos bem decepcionantes, muitas vezes
com seis termos, mais performante do que o esquema de sete 1,111lc1lóolcos: "Lembro-me d e ter sido o relator de uma volumo -
personagens de Propp. ,, li •u do u m aluno muito conhecido de Greimas sobre o
Mas Greimas não se limita a esse primeiro estádio de elabo- , 1 "" 1111, to. E concluía que o casamento é uma estrutura blnó-
ração teórica; ele passa rapidamente para uma segunda 11, 1 1h• 1-ttrio certa maneiro, Isso é verdade, mas seró uma con-
etapa de abstração, dedutiva, em que postula o priori a exis- ll 11f, o (lUO req u e ira forçosamente uma onóllse de mil
tência de um princípio transcendente a partir do qual é possí- 11 llJl1111A?"'q· Se o greimossismo não .teve um g ran~ destino,
vel descer os diferentes degraus que conduzem às manifesta- rnh,1{1t toró sido, pe~§.Q_q,!JJ)e ot ~, uma das .Q_r~ es fo!'tes da
ções concretas, textuais, daquele. Essa abordagem dedutiva , 111u11 "'ço rofle tlda no entuslasm_o est~ut~Jralista ~ sir:.os 60: "A
define-se em torno de duas noções centrais: o quadrado semió- í'N, ,, 11/11110 struoturole foi um livro verdadeiramente genial. pletó-
tica que é a unidade elementar de significação, e a geração 11 11 1lt1 lclólas, um livro-mestre desse período" 2º, para Jean-
semiótica dos objetos significativos. Para Claude Brémond, esse 1 1111 I•, < oquot, q ue conheceu Greimas na universidade, de Pol-
quadrado é "completamente estéril", e procede, de fato, de ' 1111 h lo clonou com ele durante um ano, o mesmo ano
uma "Idéia mística, de um princípio transcendente" 16. Nada legi- 1111 p11,11uo.
tima a seus olhos a construção de uma extrapolação a partir 11, 11,, 111 Orolmas sal de Poltlers, deixa aí um discíp.ulo que
do modelo propplano que serviria de modelo dos modelos pa- ,n , 11 I'' 111 melo um diploma de estudos superiores, '?ufa oríen-
ra tod<D o texto em geral, depois para todo o texto possível 1 1 1 1 ,1,ri, 1 ,. Joan-Claude Coquet: "François Rast1er estava
escrito e não escrito: "É, em última instância. sobre uma cabe- 111 11 1 1 ln 1, r,,olmo s, que o considerava seu filho espiritual.
ça de a lfinete, sobre essa postulação tão simples, que se faz 1 li , po,1,1 ino e n sinou o que era a semântica estrutural.
repousar a riqueza do universo inteiro• 1ó. t t 1111 !11 11p11,ndl a conhecer Greimas e fiquei t;:iscinado
Esse quadrado semiótica, reapresentação do quadrado aristo- t 1 11 li ,1 Ili h1d u lnlolectual, por sua força de conviéção" 21 • A
télico - quadrado dos contrórios e dos contraditórios -, serve em Ili, 1 li I f lt ,1 111111h lu nessa época era a ligada ao sujeito e à
seguida de matriz para explicar um número indefinido de estru- 1 f 1 11 , , 1111 ti qpr 111 ela, pois, nesse plano, como o mais radi-
turas narrativas: "É o caso mais flagrante de teoria irrefutável no 1 111111, ,,, 111tcesso que deixou na sombra a diferente
sentido de Popper" 17 • O uso do quadrado, na maioria das ve- 1 , 111, 1111 11, 11 estrutural preconizada por Émile Benve-
zes, Impôs à narrativa, seja ela fílmica ou textual, uma estrutura 1 111 111• 1111i.lrtvlano, retomado por Grelmas, baseia-se,
de saída que permite retornar sempre à sua base na medida 1111 , 111il111 lte> de um texto "normalizado", "objetiva-
em que se pode colocar o que se quiser nos quatro cantos do " g, 11 , 1 1111,0 purificação, à apresentação de um
quadrado, sem procedimento de verificação: "Quanto a mim, fi- ,1•I t , 1 t 11111 1 11 lt, ,, 1 p ra tica a eliminação de todas as ma-
quei sempre um pouco escandalizado com o uso do quadrado l ti!• 11u ô 11 li• th •Uh 011 , 111 todos as formas que se referem a um
01111 lln (tJ ~ " r 111 ) fim~, período, ele obtém, portanto, enun-
12. Th. PAVEL. Le Mlroge llnç;ut,tlque. Minuil, 1988. p . 151. 1, 1d11• 1 , 11 ,i\1ilt 11 111 1 lt ,, ulttl pessoa. Normaliza também os tex-
13. CI. BREMOND. Loglque du réclt. Le Seuil. 1972. to,, r lll 11hi rtnd 11hlt ~ lltdo o que depende do tempo, em
14. C loude Br~mond. entrevisto com o autor.
p rnvult11 .,.., 11m , '""' 1i1,, 1rr1llorme. O critério para dissociar an-
• Sobre os conceitos de octante. gramático acfonclo/ e perlormonce. recomen-
damos o lelluro de A. J . GREIMAS e J. COURTÉS. 0/clonérfo de Sem/ótico. tradu- te rl11 1ld111hl " p o, t 11 11 lt1111h vem a se r o retorno vago a um
ção do Editoro Culti lx do original Sémloffque - 0/cttonnorlre rolsonné de ta théo,te
du longoge. (N. do 't.~
1n M111 Ve111e1 •1111•~111 1 11l1h"
15. lb.
19 101111 lh1y. •11 l t•vltlO tt , 111lu,
16. lb.
?ll l•cm ( lu11d• t rn111•I •11l1111•l1h1 , 0111 o outor.
1 7 , Joco ucu Mo o urnu ontrcv~tn .,..."",.,,... ..... ,....,, , . .......
mo IJO""PlN:J/\MtNICJ , OIIMAI
longínquo passado: "Daí o Interesse que Grelmas tinha p o los 11 0 tro bolho: "Ele ero fundamentalmente o contrórlo de um boê-
contos. pelas narrativas míticas. sobre os quais era mais lócll m io com um regime de vida tipicamente pequeno-burguês e o
. 24
trabalhar" 22 • Mas essa quódrupla negação do eu. do sufelto. do «11o1ROIO absoluto de não ser sacudido por even t os 1nop1na d os" .
dlólogo Intersubjetivo. do agora para o tempo, e do aqui para Nuaso Início dos anos 60, Barthes tmbolha no que ele teria de-
o espaço. paga-se coro e cal com bastante rapidez no perigo •ufodo que fosse a sua tese de Estado, Le Syste:710 de la
de um empobrecimento da realidade narrativa a explicar. em mode. No busco de um orientador para a tese vai a casa de
proveito de uma onlologlzação da estrutura. André Martinet. na companhia de Grelmas: "Estive a pon~o ~e
A semiótica seró capaz de realizar esse programa unificador orlo ntar Le Systàme de la moda. Dei-lhe a minha concordanc1a,
6
das ciências do homem? O seu Imperialismo científico é lndubl- 111os dizendo-lhe que não se trotava de lingüística-2 • Diante des-
tóvel e a coabitação com um outro empreendimento globali- 10 falto de entusiasmo. Barthes foi ver Lévl-Strauss, para lhe
zante, a antropologia estrutural, num mesmo laboratório, seró de p odlr que orientasse o seu trabalho. Grelmas volta a acompo·
curta duroçõo. nhó-lo e aguarda, como um pai ansioso, os resultados da entre-
vlsla num botequim vizinho: "Barthes sai do prédio cerca de
rnola hora depois. dizendo que Lévi-Slrauss tinha -se recusado o
u tonder seu pedido•2°. A discordância dera-se em torno do de-
aonvolvimento demasiado restrito do projeto. na medid_? em
q ue. para Lévi-Strauss, o 1rabalho de Barthes ocupa-se tao-so-
rne nte do sistema da moda escrita e não da moda em geral.
Por seu lado, Barthes considerava nada existir de signlfl<:ante
nosse domínio fora da escrita. Foi essa discordância que pos fim
os esperanças de consagração universiJária de Barlhes. Mos o
BARTHES, SEMIÓTICO livro saiu pela editoro Le Seull em 1967, fruto de um longo tra·
balno de 1957 a 1963. Tinha por essa obra um particular
a pego; atribuía-lhe valor de tese, mesmo que nõo tivesse rece-
22. lb. ~~· : · BARTHES. Lo Systé, no do /a mode. le Soull. Ponts-Seuil. 1983 (1967). P 16
23. Claudo &émond, ontrovis1a com o autor. ")0 , .... - ,.,
~4. A IDA/)/ /)l OWO DO PENSAMlNTO I OUMAI
prótlca parasltórla: "Por essas razões. foi a estrutura verbal que •luno·>•.
optamos por explorar aqu1"30 • Ele define então o seu corpus. o Jullo Krlsteva saúdo nesse livro de Barthes um questionamen-
qual é constituído pelos jornais dos anos de 1958-1959, e Inven- to radical de todo metarfíslco do profundidade e o corte est?· ~~'49,~
taria de maneira exaustiva e minuciosa as revistas f//e e Le Jor- holocldo entre slgnlllcante e significado em proveito da relaçao
dln des MOdes. Barthes Inscreve o seu estudo numa estrita orto- doe significantes entre eles, o que indica. por ou~ro ~ad.~. a lel-
d oxla saussuriano , reproduzindo a distinção língua/fala na 11110 que faz Lacan de Saussure. com suo cadeia S1~nif1cante.
oposição entre o vestuório-lmagem, colocado do lado do fala, 1 Systàme de to mode permite a toda uma geraçao pensar
portanto. Impróprio para onólise científica, e o vestuório-escrlto, que O mesmo enfoque poderia ser aplicado o um campo par-
que estó do lado da língua e é . portanto, objeto possível da tic ularmente vasto; se Barthes pôde Isolar os vestemas no modo
ciência. u11erlta/descrlta. por que não desentranhar os gostemos e . outras
A base da anóllse de Borthes situo-se na oposição estabele- ""Idades distintivas em todos os níveis das prótlcas sociais?
cida por Hjelmslev: "O problema apresentado pelo coincidência Embora Barthes tenha tido, assim, de Imediato, um eco espe-
de dois sistemas semônttcos num só enunciado foi abordado locular nesse ano de 1967, quando um verdadeiro fervor cole·
principalmente por Hjelmslev"31 • Ele retoma, portanto, a divisão llvo se apossou do seu programo semiológlco. o construt.or
entre o plano da expressão (E) e o do conteúdo (C). unidos desse programa não tardaria em distanciar-se dos seus próprios
pela relação (R); o que dó lugar a uma anóllse em vórios ní- ununciados e ambições. Deixando Greimas ocupar o t erreno ~a
veis. o da denotação e o do conotação. a linguagem-objeto e •umlótica, Barthes vai reencontrar bem depressa a suo voc~çao
o plano do metalinguagem. A modo encontro-se num processo cio escritor, que ele ofe,ece de longe para um e~truturah~o
de formalização, logo, de dessubstontificoção, movimento pelo que não teria O menor sentido se o seu empreendimento n~o
qual Borthes tem acesso à sua essência. Ela apresenta-se como e onsegulsse- subverter de dentro para fora ~ lingua_gem clent1fi-
sistema de significantes, atividade clossificatórla cortado do sig- ' a : •o prolong~m~to_ lógico_ do esf!ut~~;...mo_ na2 pode ser
nificado: "A moda procede assim a uma espécie de sacrallza- ftônão uAif-se à literatura. não mais com~ ob.@to_de.:-o nólise-mas
ç ão imediata do signo: o significado é separado de seu o omo atlvld~êescriiura. / .. ./ nesta. portanto. ao estrutur~lls-
slgnificante"32 • Ela funciona a partir d9 uma dupla postulação; to um camlnho--;-trÕnsfÕrmar-se em escritor·~- E~ horlzo~te llte-
de um lado. como sistema naturalista, ela pode apresentar-se rórlo que Barthes faz ressurgir de sua exigenc10 metódica em
como sistema lógico. De outro lado. a imprensa popular prottco 1967 pressupõe um outro renascimento que vai co~v~r-~ no
9
uma moda naturalizada, rica em repetições de fragmentos do próprio princípio da escritura borthesian~lo.ç(p1Q de-.praz r.
mundo transformados em sonhos de uso; e. do outro. uma im· Numõ entrevlstOconcedlaa nesse ano de 1967 a Georges
prensa mais "distinta· prefere praticar a modo pura, livre de Charbonnier. Barthes responde à interrogação do seu inte~ocu-
todo subshato Ideológico. Ao ser evidenciado, na conclusão lo r que pergunto se O livro do ano seró uma obro matematlca.
desse longo estudo, que o significado pleno representa o signi- tôo grande é a admiração do público pelo pe~~a~ento formal.
ficante da alienação, Barthes reencontro conclusões d e ordem ponto de nõo demorar muito para que as c1enc1as humanas
0
sociológica sem cair, porém, no perigo do sociologismo. Esse sis- se entredevorem: 0 seu advento estabelecer-se-la como, uma
tema do modo é a tradução de uma semlologia que se ordem meramente transitório: "A última etapa a transpor e que
caracteriza pela elaboração de uma taxinomia. A novidade re- elas questionem a sua própria linguagem e se convertbm._ por
side no desenvolvimento de todo esse esforço para dissolver o sua vez, em escrltura"37. Se Barthes não repele o as~ecto hber-
sujeito , na linguagem. todor da formalização generalizado. o banimento tnunfo~te de
A obra é acolhido com ironia por Jean-François Revel, que toda e qualquer referência à Insignificância. a conjunçao de
Ilustro a tese mediante o silogismo seguinte: o roto rói o queijo, trabalho e de destino no filiação mallarmeiana entre escrltur~ e
oro, rato é um dlSS11obo, logo, o dlSS11obo rói o queijo. • A um ra- formalização, ele reconhece. não obstante. que •a escritl!ra hte-
to estruturolista. nada é impossível, por certo. Mos o rato escrito rórla conserva uma espécie de Ilusão referencial que lhe per-
pode ainda comer o queijo? Cabe aos sociólogos o tarefa de mite ser saborosa•Ja. Esse sabor, o escritura como figura do
nos esclarecer o respeito"33 • Mas, de um modo geral, o acolhi· desejo do outro, a erótica da linguagem. não o partir do real
mente é muito favorável. Raymond Bellour entrevista Barthes em mas do Ilusão do referente. toda essa estética da es~rlturo bar-
Les Leffres. fronçoises 34• e Julia Krlsteva vê no livro um novo pas- thesiana já preparo, 0 partir de 1967. uma mutaçao radical
so dado no sentido da desmistificação, essa, endógeno, do que lró desabrochar no Barthes do pós-68.
ciência do signo por si mesmo: ·o trabalho de Borthes subverte
a corrente que domino a ciência moderna, o pensamento do
30. lb.• p . 18. _ J. KRISTEVA. ' L• Sens el 1a mode'. Crtttque n• 247. dezerroro de 1967. p . 1008.
35
31 . lb.• p. 28. . R. BARTHES. 'De la science à lo filláro1u,,.•, Times UHero,y Supp/ement. 1967.
36
32 lb.. p. 282. reimpresso em L• Brutssemenf de la tangue. Le Seull, 1984. P · 17.
33. J.·F. REVEL. 'Le rat et la mode', L'Express. 22 de maio de 1967. 37. R. BARTHES. enlrevislos com G. Chorbonnler. France-Cullure. dezembro de
34 R BELLOUR. 'Entretien avec R. Barthes·. L&s Leffr&s frança/ses. n• 1172. 2 de 1967
março de 1967.
24 A IDA
--- ...........,....
43 Oswold Oucrot. entrevisto com o outor .
. ····-·-
osso e m do egot e ma ao mate mo, e e nc ontla-se no ponto
~o po~ida d as múltiplos manifestações topológicas. Para alguns,
0$SO form aliza ç ão v isa menos a psicanólise em suo prótlca do
que a Su a transmissão. Trotar-se-lo, sobretudo, de uma preocu-
ôo d ldótlco de elaborações meto, d'icos e ng · orosas·. "Ê . claro
paç Locan não utiliza esses objetos como objetos motematicos.
c;i~ status é puramente metafórico"48. Para outros, ~ transforma-
ç ôo topológlca é multo mais essencial; ela permite a Lacan
A MUTAÇÃO LÓGICA DE LACAN reapossar-se da estrutura do sujeito: "P?ra _ele:,4~ estfutura do su-
jeito é topológica. segundo ele própno disse ·.
BARTH ES/PICARD
A publicação do artigo de Barthes nos Annoles é reve lado ra 11, ,1 slnol e uma cominação"º.
da ,fil_iação em que ele inscreve a sua abordagem da história 11- Nosse combate mítico da sombra e da luz que anima os he-
terana. recorrendo a Lucien Febvre con tra os defensores do 1, ti• 1aclnia no s, desenvolve-se toda uma dialetização da lógica
positivismo literó rio. Reinicia por conta p rópria os combates tra - doA lugares em te rmos de contigüidade e de hierarquia. O he-
vados ~o_r Lucien Febvre contra a história historicizante, contra o 11·,1 ,aclntano deve manifestar-se por sua capacidade para o
predom1n10 da descrição de eventos, para defender a dissocia- 111p tura: ele nasce de suo Infidelidade, advém então como cria-
ção necessórla entre o que é hist ória da função literária e 0 11110 de Deus, produto da luta inexpiável entre o Pai e seu filho.
que é história dos criadores de literatura. Para tanto, Barthes re- , i,m p recisão, Barthes mostra que Racine substitui a práxis, o
toma as problematizações esboçadas por Lucien Febvre 11 v nto. que tem lugar fora de cena, pelo logos, a comunica -
quando formulava o desejo de um estudo do meio no qual se 1,r10 verb al como fonte do desorganização. o próprio lugar da
encontra o escritor, em ligação com o seu público e, de um lrt ruódla que aí se desenrola e se consuma. Barthes reenc;>ntr<:',
modo m_als geral, dos fatos da mentalidade coletiva, aquilo a 1,ola, e m Racine essa autonomização da linguagem que e . pro-
que Luc1en Febv re chamava as ferramentas mentais de uma l •rio do e struturalismo: "A realidade fundamental da tragédia é,
época: "Dito de outro modo, a história lite ró ria só é possível se p o 1lonto , essa fala -ação. Suo função é evidente: mediatizar a
ela se fizer sociológica, se ela se interessar pelas atividades e as li• loç ào de Força" 7 • .
instituições. não pelos indivíduos"3. t ssa análise da tragédia rociniana. que mobiliza tanto o bina-
Barthes retoma a idéia dos Annoles sobre a parte ativa do li rno de Jakobson quanto as categorias freudianas. ou ainda o
crític o que não pode contenta r-se em reunir, coligir docu- .,, 1toque sincrônico estrutural. provoca uma reação sobremaneira
men_tos, sondar arquivos, sem lhes formular perguntas e sub- violenta do ma~ erudito raciniano do Sorbonne, autor de Lo Cor-
m_ete-los a novas hipóteses. Da me$ma maneira que o história ,1,~, o de Jean Racine. editor do Racine da "Bibliotheque de la
nao era some~t: a do dado para Lucien Febvre, que preco- t•tt~lode" e grande especialist a da obra, Raymond Picard. Este_
nizava uma h istoria-problema, a crítica literó ria para Barthes publica em 1965 um livro de título significativo, Nouvelle Critique
d:ve-se fazer P:>radoxal, submeter a obra às suas interroga - m.1 Nouve/le Imposture. A réplica de Picord situa-se, sobretudo. no
çoes contemporaneos, e assim participar também da eficácia 11tuno do lugar excessivo atribuído por Barthes à decodificação
indefinida da obra literória. Portanto, Barthes submete Racine p ulca nalítica para exp licar o teatro raciniono. Picard apressa-se
a uma leitura simultaneamenteanalítica e estruturalista~ au- nm e nvolver de novo n um véu pudico os heróis cujas secretas
ro1, deixa então de ser objetÕdecu1ié;- pa ra t ~ -se terreno pulxões sexuais contrariadas foram desvendadas por Barthe~:
de investigação da validade d e novas metodologias de enfo- •cumpre r.eler Racine para se adquirir a c onvicção de que, afl-
que. 1\'11 de c tjntas, seus personagens são m uito diferentes dos de D.
O homem racinlano tem sua estrutura investigada por Bar- 11 . La wre ~ ce. / .. ./ Barthes decidiu descobrir uma sexualidade
thes, a qual se revela em especial por uma dialética m inuciosa dosenfrea~ a" 8 . Pica'.d estraçalh_a _o sistematismo da abordagem
do espaço, por ~ma lógica dos lugares. É assim q u e ele opõe do Barthes\ denuncia sua conflssao em que reconhece sua im-
o e~paço interior, ~. do aposento, antro mítico separado do an- potência para enunciar a Verdade sobre Racine e, por conse-
t~camara - lugar 9enlco do comunicação - por um objeto trá - ouln te , nega-lhe o direito de dizer seja o que seja a cer?a d ~ um
gico (a po_rta). ?f ieto de transgressão, ao espaço exterior, 0 uulor de que não é especialista. Para Picard, Barthes e e;, "instru-
qual contem tres espaços: o da morte, o da fuga e O do mento de uma crítica a trevlda"9 que se enfeita com um Jargão
evento: "Em suma, a topografia raciniana é convergente: tudo nscudoclentífico para formular inépcias e_ ?bsurdos, tu~o em, ~o-
concorre para o lugar trágico, mos tudo aí se aglutina a té for- tno d o saber biológico, psicanalítico, filosofrco ... Nesse Jogo cnt1co
mar um todo inextrincóvel"4 • que confunde e baralha as pistas, Picard denuncia a tendência
. A part~r dessa topo-lógica, Barthes vê a unidade trágica rea- poro o generalização. para tomar o caso concreto, singular, por
hza'.-~e nao tanto na singularidade individual dos personagens lJma c ategoria de vocação universal. Nesse ritmo de indetermi-
racrnranos quanto na função ..que define o herói como o encer- nação modernista, mist u,a para Picard de impressionismo e de
rado: "Aquele que não pode sair sem morrer: seu limite é seu dogmatismo, "pode-se d izer não importa o quê" 1º. .
p r!vilégio, o cativeiro sua distlnção"5 • Essa oposição funcional, bi- Trata-se, pois, de um contra -ataque em regra por parte de
nario. q ue delimita o espaço. Interior e exterior, também permite um Plcard que não era pessoalmente visado pelo estudo de
a distinçã<? entre dois Eros: o amor enraizado na inf ância, 0 8orthes sobre Racine. mas que se arvora em porta-voz de uma
amor sororal cujas manifestações são aprazíveis, e O Eros-even- Sorbonne indignada com essa agitação estruturalista e que gos-
- to: brutal, súbito, de efeitos funestos e devastadores, fonte de t o rla imenso de ver o ídolo em que Bart hes se converte ra
alienação, que é. segundo Barthes, o verdadeiro tema racinio-
no: "A desordem rac iniona é essencialmente um signo. ou seja,
6 . lb.. p. 21.
7 . lb.. p . 60.
8. íl . PICARO. Mouvelle Critique ou nouvelle imposture. J.-J . Pouvert. 1965. pp.
3. lb.. p . 146.
30•3 4.
~ - ~ - BAR~H_ES. Sur Racine, op. clt., p . 13. Q, /b., D , 52.
2b. OS OfMNOLS OULLOS
beleclda ~ ara sempre é, para Barthes, o motivo das acusações lltulhes reaparece no papel da donzela de Orléans enfrentando
de que to, alvo. 11 uuto-de-fé. É a ocasião escolhida para inflamar toda uma
Toda a geração estruturalista se coloca, evidentemente 00 , omunldade intelectual em torno do ambicioso programa dos
lado de Barthes_e faz causa comum com ele contra O v~lha / lnments d e sémíotogie, que pode assim conquistar um vasto
Sorbonne: ~'No ~!ano humano, estamos sempre do lado de Bar- 11wbllco. Desta vez, Barthes responde, utilizando-se da polêmica.
thes. Eu nao d1110 hoje que Plcard estava inteiramente errado Denuncia o fato de que no "estado literário, a crítica deve
no plano _Intelectual, mas estava obviamente errado no plano "' , lôo 'controlada' quanto uma polícla" 17. A crítica de Picord é
da agreSS1vldade. Não fazendo Barthes nem Greimas port e do 11 coblda por Barthes como a expressão da história literária mais
corpo docente, eles não tinham o d ireito de voltar a entrar na hudlclonal, que se apega a uma vaga noção do que é ·a crí-
unlver~da~e. A tese de Barthes foi recusada; quanto aos lingüis- llro verossímil", axiomática e que não tem, portanto, necessi-
tas .. na~ tinham a possibilidade de uma carreira universitá ria e dude d e ser apoiada numa demonstração. Essa noção
muitos f1.caram deprimidos por isso. Sentia m -se vítimas de uma ,mglo b a as referências à objetividade do crítico, ao seu gosto
ver~adeira Interdição. Os especialistas em língua francesa eram 11, o m tércelro lugar. à clareza da exposição. Barthes qualifica a
entoo, s?bre.~udo, pessoas da direita, dominados por escrúpulos lllsló rla literária assim constituída de "velha crítica": "Essas regras
universltarlos 12•. A _resposta
d' de Picru"'
_:__;_;;.;..;;:.-.ao.=_.__--.. · ""'- m "•,·~•·~
,,.....,,_....,
n,0 rt ano,
t como o 1160 são de nosso tempo: as duas últimas vêm do século clás-
IS_:U~ a9emlco esíO'(_~chado em si mesm?"ero - . •lco. a p rimeira do século positivlsta"18 . Também refuta o postu-
va demo t - d .;;._;:e;..;.;...;:;:. -r-'-·· uma no
. . ns raça.? a sua obstinada recusa em abrir-se para ludo segundo o qual a crítica llt e rórla deve ria manter-se no
novas interrogaçoes. 11/vol literário; nesse domínio, Barthes sai um pouco das procla-
Por seu lado, o professor de Estética Olivier Revault d' Allonnes 1110ções Imanentistas para fazer-se defensor do conteúdo, dos
conta os P~ntos e, ~um ª':esso de ecumenismo, declara que ,,1o mentos exógenos que concorrem para esclarecer a econo-
todos os poléi:_rlstas tem razoo. Não quer tomar partido entre os mia ger6 1 do texto literário, e que tornam necessário o recurso
pontos de vist9 sociológico de Luclen Goldmann, psicanalítico 6 hlstó ria \ à psicanálise, a toda urna cultura antropológica . Bar-
de Charles Moiuron, biográfico de Raymond Plcard e estrutura- lhos o põe à postura positivista o ato crítico como a to de escri-
11sta de Rolon9 Barthes: "Todos eles têm razã~. Tudo isso existe tura la to sensu, enquanto trabalho sobre a linguagem . E. nessa
em Phêdre, t!1'.Jlvez seja por esse meio que se reconheçam as qualidade. ao conjugar as figuras do escritor e do crítrco, mina
gr.a ndes ~bras. Elas suportam estratificações, para usar a metá- os contornos. as Imitações e os interditos que funda ram a cons-
fora geologlca de Adorno sobre elas" 13. De momento, conforme tituiçã o de gêneros d istintos de escritura. ·
nos mostra Louis-Jean Caivet, Picard é favoravelmente acolhido A linha de defesa barthesiana em face de Plcard é dupla:
na Imprensa . Jacqueline Platler faz causa comum com ele em o le reivindica os d ireitos de crítica como escritor, portador de
Le Monde e c ita "as surpreendentes interpretações dadas por sentido. verdadeiro criador em sua própria leitura a tiva da o.bra;
Roland Barthes ~as tragédias de Raci ne"14. Por seu lado, Le o, por outro lado, ele faz-se o representante de um discurso
Journat de Geneve saboreia o contra -ataque de Picard : "Ro- mais c ientífico que não considera mais a escritura como um or-
land Barthes K.O . em 150 páginas" 15. Bart hes acusa Imediata- namento da sociedade, um decorum, mas como fonte de ver-
mente O golpe, pois não suporta a polêmica e confidencia ao dade. Nessa perspectiva, Barthes apóia -se em toda a corrente
seu, amigo Philippe Rebeyrol: "Você entende, o que eu escrevi ostruturalista e recorre tanto ao trabalho de locan quanto a o
é ludico, e se me atacam nisso não sobro nada•1ó. Mas O de- de Jakobson. de lévl-Strauss... Substit,uí....a-bis16úo trodic Jongl d a
...... ~
literatura, solidamente escç>rçi do no tcqbalho.~ t«:ição
:~ ~ ~~.RTHES, Océonlques. Fíl3. 8 de fevereiro fr 1988 (novembro de 1970-moio
97
dos ciênc!_?~ ~ ~n~ gor..,.uma "ciência da literat.1,1ra" 191.,..d g_gy__a l
12. Jeon Dubois, entrevista com o autor. se faz o porta-voz e que não se define como uma cJêr::icio dos
13 . Ollvier ílevaull d ' Aflonnes, entrevista com O autor conte údos mas_ das ~ ondi2 ões do conteúdo, o ~ as for-
14
· J. PIATIER, Le Monde, 23 de outubro de 1965 cita.da po L J CALVET, Rolond
Borthes, op, cff., p. 187. · r ·· ·
17. R. 8ARTHES. C rlffque et v érlté. Le Seuil. 1966, p . 13 (Critico e Verdade, p . 190
15. lb•. p . 188
do ed. b rasile iro) .
16. Citado por l.·J. CALVET, lb.. p . 188. 'IA ,..., .-.. ":I" ,.,... ?n'l ..,....., ...,.,.. ....,,..,eilftl,..... l
mas d este úl~i~o. Não surpreende v er Barthes descobrir o mo-
delo dessa ..<:1encia na lingüística: "Seu mode lo seró evidente- 111H 110 com outros te rm os, em oposição a estes. Assim. para
mente llngu1stico"2º. A linguagem é porta t
su1·e·to t · n o, o verdadeiro
:::i'~v~c:~,r~~u~~~sd~sti~~u~;~l~~o~~ :;u~ª~st~~ ':~~~~a~':s.q~:
i que orna o lugar da noção de autor A b d í,j·i·~=:·l'~.!
..:1·
'.=·:,i
, .i,~,~,.;
sentid 0 11 , . · usca e um •• 18 ostruturas sociais são o objeto de processos de desestrutura- __ --
oc_u o e ultimo da obra é estéril, porquanto se apóia
~uma noçao de sujeito que é, de foto, uma ausência· "A iitera i.t'>os o de reestruturações; estão, portanto, comprometidas num
, 11ocesso, numa dialética. Paro Gurvitch, o fenômeno social ex-
ura nunca enuncia mais do que a àusência do suJei°to"21 ·
r do a estrutura e não deve, por conseguinte, ser reduzido a
da Ao anunciar o nascimento de uma nova era histórica b~sea-
uat(l: "É multo mais rico do que era [a est rutura], e sua plenitu-
a b~ª- unidade e verdade da escritura, Barthes enuncia a
tl Implica em alto grau o lnesperado"24. Gurvltch critica p Q.1§.. o
m ~ao de to~o uma geração que vê na explosão do discur-
so critico das ciencias humanos um modo d nalruturalismo como ',JJ1! regu_cic~[liSr!)Q...Q.l,!g.:IDi\pobJ:...ec.e_ Q.Ji.q.ueza
min , _ e escrever que cul- do real e, O<_? mE:lSQ'l'"º-. t ~!!IJ?.2· c ~ u~ o..,.2@1C::..º - .ffi.l-ª e.srooga
~ra. no criaçao propriamente literária. Ele coloca em
1 om seu pes-9 o m ~vl~ r : : ) ! ~ ~ ~ ~ ~edade,
evidencia e desestabiliza um discurso universitário que quer per-
A resposta de Lévl-Strauss é particularmente veemente: "Com
;anecer surdo a uma fala cada vez mais exigente Para além
t esse ano de 19~6. os ecos longínquos desses combates/emba-
que direito, com que título, Gurvitch se coloca como nosso
c,onsor? / .. ./ Porque é puro teórico. Gurvitch só se interesso pe-
Res ?inda se farao ouvir, e a violência das declarações de
e~e Pomm!er22 rE:_vela b em o estrago que Barthes provocou no
lo porte teórica de nossos trabalhos" 25 • Deve-se fazer prevalecer
-!:! er acade mico, verdadeira andorinha anuncian- do u caróter singular do evento ou as permanências da estrutura?
----
ra-"ãe- 19õ8. _ a primave- 1e.se debate constantemente renovado da sociologia. já trova-
do entre Durkheim e Tarde, está no âmago do confronto Lévi-
Strauss/Gurvitcfi. e foi exposto num artigo largamente citado do
Inicio dos anos 60 do autoria de Gilles-Gaston Granger26 .
O e pistemologista G illes-Gaston Granger define bem o alter-
r,atlva que parece opor a apreensão sensível do mundo e o
concepção inteligível do esquema científico. A esse respeito,
compara a postura de Gurvitch com a de Lévi-Strauss: "Para
C urvitch, uma estrutura é, de certa maneira, um ser; para lévi-
LÉVI-STRAUSS/GURVITCH Strauss. é apenas um modelo" 27. Recusando a ferramenta mate-
mótica, a formalização, Gurvitch considera a estrutura como um
. h
O oytro confronto dos anos 60 opõe Lévi-Strauss a todo
urn
J setor do sociologia, renitente em dissolver-se no ca-
fenôme mo. ao passo que para Lévi-Strauss trato-se de uma fer-
ramenta\ do conhecimento. Granger qualifica a postura de Gur-
vl1ch de\~arlstotelismo. enquanto que Lévi-Strauss representa "o
d 1n o estr furai - ainda -
que a noçao de estrutura não lhe seja partido d uma matemática do homem"28 • É certo que Granger
~Sfra_nha 1, e marcada pela personalidade colorida de Georges assinalo o erigo de hipóstose do ferramenta do conhecimento,
.urvitch/ E uma outra frente dos combates do momento que pode transformar-se no próprio objeto do conhecimento
c1al ' L, · . essen-
en ~o~a evr-Strauss,. ~ue deve conseguir imperativamente o e m ciências sociais, mas o lance é tentador, apesar ,da cons-
gaJamento dos soc1ologos se quiser reunir todas as ciências ciência desse possível obstáculo: "É preciso correr esse risco" 29•
~o 7omem em torno de uma antropologia que se tornou estru- Portanto, Granger coloco -se do lado do empreendimento estru-
uro · Portanto, a polêmico é intensa entre Gurvitch e Lévi tural, se bem que conserve uma certa d istância crítica que o
Sfiraussi· ~arque. 0 que estó em Jogo, nos planos teórico e institu: leva a censurar em Lévi-Strauss o passagem de modelos de
e ona. e decisivo. análise para esquemas de vocação universal. uma posição que
Gurvitch expõe sua concepção da estrutura social em 195523 a meaça reintroduzir uma forma de ontologlzação de seus Instru-
Define-a da mesma maneira que Murdock, como um fenôme~ mentos de conceitualização.
no iq_ue designa a idéia de uma coerência das instituições Trinta anos depois desse artigo, Granger considera, com mais
soe ais. Enquanto fenômeno. a noção de estrutura pode relacio- liberdade do que na época, uma vez que não desejava ferir
demais os suscetibilidades de Gurvitch, que este último era "in-
finitamente pequeno ao lado de Lévi-Strauss e portador de uma
20. lb.. p. 57 (P, 217 do ed. b roslleirol
21. lb. , P, 71 (p. 226 do ed. brasileiro):
22. R. POMMIE-R Assez décod, ~d R
blot. 1967. on~ otoco Borthee; e.;,.~blot. 1_978;• e R. Barlhes, Ras /e boi!, ·É d. Ra-
2 4. lb., p . 31.
25. CI. LÉV~STRAUSS, Anfhropolog/e structural&, op. c/1., p, 356 [ p. 364 do ed. bra-
sos: "As tolices de um ll Bo Ih ~borth,ens . Pode-se ler oí. ent re outros col-
humona• (P 40)· ' Quond . 1 '. es soo, poro m im, um insulto à inteligência slleiro J.
· , o o @10. nunca digo infm t ·p 26. G.-G. GRANGER 'Événernenl e t structure dons 1es sciences de l'homrne', Co·
Borthes é inteligente!'· d;,.,o-me t' , omen e, uxo. como esse R.
hlers de /'ISEA, d ..semb<o d .. 1959.
d o .. 'C omo se pode •ser ·1=1 con ,nuamente, com um espanto sem
tão c re tino?·• ( . pre renovo-
23. G. GURVITCH "L . p .21). Por oqu1 se pode apreciar o nível! 27. G .-G . GRANGER. 'l:vénement et structure dons les sciences de l'homme·, ort ,
, e concept de structure social • e c itado. p . 168.
soc/o/og/e, XIX, 1955. e, nos ohlers lntematlonaw, de
28. lb., p , 174.
30
escolóstico vozlo" . Quanto a Lévi-Strauss, G rang e r ape nas ,,111ru 1u ro 11smo que ele qualifica de genético, aberto para a hls-
0
prevenira contra o perigo de apreender as estruturas como exis- tórlo. Mas e ssa Influência também é perceptível entre os socló-
tentes, ~orno seres mais reais do que a realidade, à maneira h>(IOS do grupo, como Pierre Ansart, que preparava ~ su~ tese,
d~ ~latao; mas nem por Isso deixava de esperar dele a consti- 1 ri ho ta nto, sob a direção de Gurvitch. e que foi senStvel a con-
tu,çao ~e uma grande sociologia ou antropologia estrutural que lilhulçõ o estruturalisto: "Lembro-me perfeitamente do primeiro dia
fornece~,a a chave de uma compreensão científica do homem um que ouvi falar de estruturalismo. Foi numa aula que Geor-
em sociedade. Ora, desse ponto de vista, Granger estó hoje \JDS Davy nos deu ao sair da defeso da tese de Lévi-Strauss. Foi
~enos otimista acerca do alcance do programa lévi-straussiano: ,wna aula apaixonante sobre Les Structures étémentoíres de lo
Penso que a obra de Lévi-Strauss não deu o que eu esperava porenté, que ele nos apresentou como uma possibilidade lnte-
dela"31 •
litotual excepcionoi" 34 . Ora, Pierre Ansart, que tinha feito uma
_ O julgamento de Granger acerca de Gurvltch é severo e 11 ao complementar sobre o nascimento do anarquismo · que
nao le_va em conta a importôncla que ele teve para toda uma e,lo sustento, aliós, após o morte de Gurvltch, em 1969 -. adoto
geraçao de sociólogos e antropólogos. É certo que Gurvitch ti- 1una problemático voluntariamente estruturalista . Inspirado pela
nha uma personalidade algo megalomaníaca, de uma vaidade posição de Lucien Goldmann, ele tentou construir sobre o anar-
quase natural que o falia considerar que somente a sua obra
' 1ulsmo uma apresentação da estruturação de um pensamento
era digna de ser levada a sério. Aliós, foi a isso que se dedicou , m suas relações homológicas com as estruturas econômicas,
aquele que se tornaró seu assistente, Roger Establet: "Eu devia p róllcas, e as visões do mundo de seu tempo: "Para nós, que
dar um curso sobre a sua obra"32 • Era famoso por seu dogmatis- p1ocuróvamos o nosso caminho, o estruturalismo mostrava-se de
mo: "Qu~ndo ele dizia haver quatorze patamares de profundi- uma fecundidade extraordinória do ponto de vista do t raba-
dade,. nao eram treze nem quinze, evocava com ironia um lho"35.
D~rkhe1m que apenas encontrara t rês"33 . Mas a face oculta por Se o estruturalismo teve sobre esse grupo de sociólogos de
tras dessas proclamações dogmáticos releva um personagem o&querda uma influência real, nem por isso deixou de ser o ob-
tocante, machucado pela história e animado de uma paixão loto de uma vigoroso crítico na medida em que era revelador
devoradora. Morando na rua Vaneau, no mesmo apartamento (Jo uma civilização técnico em vias de desumanização. Foi o
e_m que residira Marx durante sua passagem pela França, Gur- coso, em particular, de um colóquio em Royaumont, em 1960,
v,tch era em Paris um exilado, só acumulando livros na espe- onde um consenso em torno do crítica assestada por Gurvitch
ra_nça sempre presente de regressar à União Soviética. As condi- contra o estruturalismo reuniu Jeannine Verdés-Leroux, Sonla Da-
çoes qu~ estabelecia para o seu regresso, numa contínua yon, Plvidol, Tristani e Claude Lefort... Esse correlaclonamento do
negoclaçoo com os autoridades soviéticas, tornam-no particuiar- ostruturalismo com seu lugar de enunciação é analisado, em
ment~ slmpófic?. Desejava poder falar em russo aos operórios ospeci À.I, por alguém muito chegado a Gurvitch, Jean Duvig-
no satfJa dos fabricas e, por outro lado, consultar com total li- naud: \uitos pessoas foram arrastados para esse conflito, pois,
berdaf~ os arquivos da Rússia para escrever uma história da havia alg~ mais além da mera aparência. A questão estava
~ev~'.Yçao Ru~a no próprio lugar onde ele tinha sido Comissá- o m saber sê uma sociedade pode transformar-se de dentro pa-
no d)" Povo. E, portanto, um sociólogo que estará separado ra fora" 36• Para Jean Duvlgnaud, o famoso corte epistemológico,
pard ~empre do terreno que teria querido lavrar e quando ob- que outorga suas credenciais de nobreza ao estruturqlismo ideo-
tém, finalmente, suo autorização em 1964 (renunciando, porém, lógico para converter-se no doutrina oficial do universidade e
a conselho do esposa, a dirigir-se aos operários em russo), a do intellígentsia, reproduz o corte entre as leis dominantes da
morte Impede-o de realizar sua promessa.
tocnoestrutura e os de uma eventual mudança global: "Eu direi
Gurvitch terá sido durante todo esse período O líder um tan- o n tão que o pensamento de Lévi-Strauss tornou-se verdadeiro,
to carismático de uma rede mais ou menos reticente à voga o té evidente, pois que reencontrou, após o desvio pelo selva-
estruturallsta. Nesse pequeno cenóculo reuniam-se sociólogos co- geria, as próprias estruturas da segunda Idade lnd~strial"37 • Jean
mo Jean Duvignaud ou Pierre Ansort, filósofos como Luclen
D u vlgnaud emite a hipótese segundo a qual a nao-consldera-
Gold_mann ou Henri Lefebvre, e antropólogos como Georges Ba-
çã o da história em Lévl-Strauss não resultaria tanto do constata-
land1er. A maior parte não queria, aliás, entrar em confronto ·
çã o do predomínio de uma relação de reprodução, de um
direto com Lévl-Strauss. A alternativa punha-se, antes, entre as a rre fecimento da temporalidade nas chamados •sociedades frias
duas figuras emblemáticas da sociologia: Raymond Aron e d os trópicos mas, pelo contrário, proviria do intuição das mu-
Georg~s ~urvitch. Entretanto, mesmo nesse grupo gurvitchlano, danças em curso na civilização pós-industrial, na hora em que
a Influencia esfruturolista suscitou trabalhos e teve efeitos sobre o comunicação levo o melhor sobre o mudança.
as opções metodológicas.
Há, sem dúvida, o receptividade de Luclen Goldmann um
O
,
111
ostõo ngadas numa relação de redobramento. Ciência do
e nncreto, nodo tem, contudo, de espontânea e c.,?nfuso, como
11,, acreditou por multo tempo. O seu terreno predileto é o dos
1 ,uvk:t odes cotidianos das sociedades prrnitlvos: a coço, o coleta,
11 posca ... "A riqueza em palavras abstratas não é opanóglo ex-
, hl·jvo dos línguas clvll2ados"30, e Lévl-Strauss descreve a confusão
do& etnógrafos em face do soma de conhecimentos dos tnbos ín-
UM LIVRO-EVENTO: LA PENSÉE SAUVAGE dios, diante de sua capacidade poro distinguir, Identificar e repre-
'" nlor O mundo animal e vegetal que é o mundo delas. Os índios
llnpl recensearam assim 150 plantas, os Navojos, mais de 50'.)! Es-
----
mente atéia filosofia deste tempo"45, e que se avizinha por vezes 1ont e estrutural. A história nodo mais é senão uma relação de
de um materialismo vulgar que vê nos próprios enunciados da uventos,_ç q~ .§.QOdo à ~grafia._Lévi-Stral.!S§..9.!<!S:~ maneira
matemática o reflexo do livre funcionamento do espírito, ou seja,
a atividade das células do córtex cerebral, obedecendo às suas
próprJas leis. O jornal Le Monde concede um espaço muito con-
--
com o Sartre o arvoro em persp ectiva unificadora, totat fzã doro:
"No sistema de Sartre, o história desempenno, de um modo
m ulto preciso, o papel de um rnito"48 • O vivenciado, os eventos,
slderavel ao acontecimento, visto que, ao artigo de Jean Lacroix o material histórico, tudo depende do m ito. A partir desse ..e.,o s-
de novembro de 1962, cumpre adicionar o artigo de Yves Aoren- tulado. Lévi-Strouss_ oã9...rnr..eJWd~ 91 gue' os filósofo~ r-
ne de maio de 1962 e a entrevista com Lévi-Strauss em 14 de lre e r:n p ~ eiro lugar'. ~~!!!l_am-s~3 m otrie ~ , ! ! !~_9~te
julho de 1962. Em Le Figoro, é Claude Mauriac quem analiso a p re pond~JçtncJa.._à..,bistó.r.io. Esse fascínio é visto como tentativo
\obra, enquanto que Robert Kanters, em Le Rgoro líttéroire, entu- de restabêl~cer uma continuidade temporal coletiva. ao contrá-
s!asma-se e observa judiciosamente que "as ciências do homem rio da abord'ogem do etnólogo que se desenvolve no descon-
1 '• '
HoJe, são as fontes da arte de amanhã''4ó. tinuidade espo'ê-101. Paro Lévl-Strauss, esse conteúdo é pura -
} ·A comunidade estruturalista manifesta-se pelo crítico elogiosa mente mítico, ilusório, quando mais não seja porque pressupõe
/ que Barthes foz das duas obras de lévi-Strouss de 1962. Ele cele- a escolho, por parte do historiador, de tal ou tal região, de tal
bra o substituição de uma sociologia dos símbolos por uma socio- o u tal época ... Portanto, ele só pode construir histórias, jamais
logia dos signos e o introdução de urna sócio-lógico que se te ndo acesso a qualquer globalidade significante: "Urna história
coaduno com o projeto semlológico global. O mérito de Lévi- total neutralizar-se-la a si mesma: o seu produto serio igual a
Strouss está, poro Borthes, no extensão do campo do liberdade zero" 49• Por conseguinte, não ~ i s t 0 1 l G O . . m Q~ uma
humana a um domínio que até então lhe escapava: "A sociolo- p luralidade de historio§ rfcfõ'"11godos o um ~ t~ Ql: _o ho-
gl~ poro o qual lévi-Strouss nos convida é uma sociologia do pro- mem. Assim, a hisfõriã noo pode deixar d e ser parcial e perma-
pnomente humano: ela reconhece nos homens o poder ilimitado n~ rá "parclol"50•
de fazer significar os colsas"47• é_ uma diatribe em regia contra o filosofia do história: sua
"pr~ tenso coo1io11id.gge hist órica só é assegurado RQJ.-CQg_lo de ---/.,
tcQç,.Q.QQ.s..1.r.oudulentos" 61 • A história serio g g ~ e -
f úgio de um humanismo transcendental. e ~évl-Strayss convido
os historiadores o se 'desvencilharem ·da p 9 slçõ~ entroi a.tribuí-
• A plolovro pensée que. como se sabe. significo "pensamento•. é também O no-
m<>_ dado o. uma espécie de fio, do gênero violeta (amor-perfeito em po,tuguês). da ao homem e ãt'é mesmo a saírem da B!.9J:2!:i9 dJ.sciplirul his-
Ass1,:n. pensee sauVOQe, olém de "pensamento selvagem'. te,-ia tombém a cono- tórico: "A hisfÕrlác onduz a tudo, mos na condição de se sair
toçao de "violeta selvagem•, temo do copo a que alude o jomolista . (N. do T.)
delo"62 •
43. Ct. ROY. "Un g rand livre civilisé: La Pens&e sauvoge•, LJbéroflon. 19 de junho
de 1962.
44. E. ORTIGUES. Critique. nº 189, fevereiro de 1963. p . 143. 48. CI. LÉV I-STRAUSS, la Pensée sauvOQ", op. clt.. p . 336.
45. J . LACROIX. Le Monde. 27 d" novembro d" 1962. 49. lb .. p . 340.
46. R. KANTERS. la FIQaro llftérolre. 3-23 de junho de 1962. 50. lb., p. 342.
47. R. BARTHES. 'Socíologie et. socío-logique', lnfoJTna/íons sur les sclences soe/ales. 5 1. lb.. p. 345.
n• 4, dezembro de 1962. p . 242. 52. lb.. p. 347.
HIST WA DO LSTfWTUIMLISMO 25 OS CRANDfS DUELOS
À_hlstórla Identificada com a humanidade. Lévl-Strauss opõe 111 .. 1•crnl Rlcoeur expõe no seu artigo "L'herméneulique et le
o pensamento selvagem como Intemporal, apreensão do mun- I IIIIQll1tuli$tne". Paul Rlcoeur não recusa o clentiílcldade do Ira·
d Õ numg tetalldade reencontrada, mas no plano slncrônlco. IJnllio o slrutural sobre os códigos em uso nas línguas, nos mitos,
Sartre não responderó diretamente a esse ataque mas, em sua 1101 t ontosta, em contrapartida. o transgressão de limites que
revista, Pierre Verstraeten analisa a obra de Lévl-Strauss sob o tí- 1 Jn J~to cm passar. sem justificação. poro o estóglo da g~nera-
tulo: "Claude Lévl-Strauss ou a tentação do nada". Considera 11 1 i t,, l'l o, da sistematização. Poro Paul Ricoeur. ca~e distinguir
que "Lévi-Strauss confunde deliberadamente os domínios da se- 1111111 0 b o m dois níveis de abordagem: o primeiro rnvel apóio-se
miologla com os da semântica (ou da lingüística) ao aplicar. , .. 1 lols llngüístlcos e forma o estrato Inconsciente. não-reflexivo.
de forma sistemótica, os princípios da semântica a todo o cam- , 1111 llnr,o rativo categórico, sem que haja o necessidade de re-
po semloiógico" 53 • Lévi-Strauss terá. provado o poder da dialé- 1, ri lo O um sujeito consciente. Esse nível é ilustrado tonto pelas
tica. mas de maneiro negativa. revelando aí a inonldode que , •1' 11 ,lc.Oos blnórlos do fonologia, quanto pelos dos sistemas ele-
para ele representa a temporalidade histórica. Verstraeten reme- l m 11 1oro s do parentesco. a cujo respeito Paul Ricoeur re co-
te. portanto. o imaginário de Lévi-Strauss para o seu próprio 11111 e.o, o ilás, o validade dos onóllses de Lévl-Strouss_: ·o
objeto de estudo. da mesma maneira que Lévi-Strouss atribuía à 1' tJ1fGOndlmento estruturalista parece-me perfeitamente leg1tlmo
. t
fliosofia sartreana o status de mito. Esse combate subjacente 110 o brigo de toda crítico. enquanto permanecer c~ns_c,e:e
entre os dois monstros sagrados do período traduz-se. em 1962. ( ln 111as condições de validade e, portanto. dos seus limites .
pelo triunfo daquele que encarna o programa estrutural, Lévl- e <>m Lo Pensée sauvoge. Lévi-Strouss generalizo o enfoque
Strauss. e pela derrota. portanto, do historicismo encarnado por 1111 rnodlda em que este funciona tonto nos trópicos quanto
Sartre. ,,, 11 1u11tudes temperados e encontro-se em relação de homolo-
uh I oom O pensamento lógico. Oro. Paul Ricoeur opõe o pen-
.1111o nto totêmlco ao pensamento bíblico. no medido em q~e
llllplic o uma relação Inversa entre diacronia e sincronia. Be noo
o p ôQ à objetividade de um sentido formalizado ~ de um subje-
11 111:un o de sentido, mos o que ele chamo de ob1eto do herme-
11 ~,llc o : •ou seja. as dimensões de sentido abertos por essas
,,e osslvos repetições; cabe então perguntar: todos os cultur~:
11 1,uoc e m O mesmo poro ser retomado. redito e rep ensado? ·
\ RICOEUR/LÉVI-STRAUSS " passagem do ciência estrutural para o filosofia estrutural é
, 111ullllcoda por Paul Ricoeur como "kantismo sem sujeito trans-
58
o undo ntal, no veipode. um formalismo obsoluto" • E oferece a
~ó . /b.• p . 644.
53. P. VEflSTllAETEN. Lcn T&mps rnodermu. n• 206. Julho de 1963. p . 83. =>1 lb.• p 618
54. CI. lóvl-Strauss. declarações feitas. citadas par Jean-Marie Domenaeh em en-
trevista com o outor.
------ !! 7'· !~~~~~n~uss.. ,o..:. p . ~37. -'-· ·- - · •. ,... ___ .._,.,__ ........ ,....1••~,,,.. ........ ~ •tntl'Ltu..
_ nl~ s de comQ~Dcia. e a lnte rdisclpllnaridode vai converter-se
~ a nova. r.=!i_glão. Para ser um bom estruturallsta. é n ecessó-
rlo fazer-se hnguTsfã, a~tropólogo, com uma pitada d e psican6-
26. AS CADEIAS SIGNIFICANTES
!1se e de marxismo. -E--um_p.eríodo particularmente fecundo,
intenso, em que homens e conceitos se transformam em objetos
num contínuo _vaivé~, transgredindo fronteiras, escapando aos
postos aduanetros. Soo esses os sinais anunciadores de um estru-
turalismo ~ ai~i.Q_eofogk~.Q- f:f_~ que científico. Essapiãstick1Õd e
pode servir para a conquista de posições de poder. para aba-
lar a velha Sorbonne. Sua forço propulsara fez-se sentir no fra-
c~sso de Paul Ricoeur no College de Franca. derrotado pm
Mtchel FoucauJt em novembro de 1969.
A multiplicação desses cruzamentos, encontros e debates A CISÃO
obrlg~ freqüentemente as disciplinas a rever sua situação, a re-
d~flntr _seu posicionamento. Ê o que faz André Green para a
p 51canalls~, <?~ia prótica Interroga a partir da oposição em cur- a cisão de 1953 à excomunhão de 1963, Lacan pôde
so entre htstona e estrutura60• Não dá ganho de causa a Sartre
que nega t~da a base teórica à psicanálise, nem a Lévi-Strauss:
D consolidar suas posições suturando-as fortemente ao pa-
radigma estruturalista em pleno desenvolvimento. Esse ponto de
cujo panlog1smo o leva a nada considerar do homem fora de ostofo [poínt de copiton) torna-se essencial no momento em
sua estrutura físico-química. Defensor da .obra de Freud, André que fracassam as negociações com a Associação Psicanalítica
Green, mostra o ca'.óter indissociável da estrutura e da história Internacional (IP A) para filiação da Sociedade Francesa de Psi-
na _p~atlca pslcanalttlca: "A história não é pensável fora da re- c análise (SFP). constituída em 1953. A condição requerida é o
P:hçao que ela própria remete à estrutura; a estrutura, no que abandono Imediato das práticas lacanlanas e a exclusão pura
diz respeito ao homem, é impensável fora de sua relação com o simples do próprio Lacan. que se convertera no obstáculo
os ~eus genltores, constituintes do simbólico, Introduzindo uma re- principal à reconciliação geral.
laçc:10 temporal-Intemporal que implica a dimensão da história"61 . Banido, Lacan reagrupa os seus fiéis e crio a Escola France-
Nesse concerto de discordâncias, atritos, fontes de anátemas sa de Psicanqlise em 1964. que logo se torna a Escola Freu-
de mo_?el<:;>s_~ ludenfes. o pon tÕde- vista de André Green d~ diana de Paris\ ao passo que uma outra parte da Sociedade
- ~~~ ____
~ . est~
!>
..,...
10
~
..llOS excessos.
~ !
lismo _bem temperado apresenta-se na posição ...do
i
ec~ ç __hora onde~ será necessário pôr um freio
-
Francesa de P~O<::Jnóllse, a SFP, reunida em torno de Jean La-
planche. obtém à--{!Jlação na IPA em 1963, sob o nome de
Associação Pslcanalíftca da França. Tal como no movimento
trotskista. as cisões e dissoluções tornar-se-ão o fermento do mo-
J vimento lacaniano. A cisão entre eles que, no entanto. viveram
dez anos na mesma organização. a SFP, além da benção pro-
c urada de porte do organização internacional de pslconóllse, é
também a resultante de um certo número de desacordos.
Por uma parte, a prótlca das sessões curtos multiplica os
ecos Inquietantes sobre a taxa de preenchimento das salas de
espera; por outra parte. a misturo entre a análise individual
c hamada didática e o ensino também suscita alguma inquieta-
ç ão no tocante aos riscos de mistura dos gêneros: "Mas. sobre-
tudo, o foto de que Lacan não estava disposto a renunciar em
q ue quer que fosse a essas práticas era. de súbito, revelador
de sua importância. / ... / Assim, o que a nossos olhos (a meus
olhos) Ingênuos tinha podido passar por acessório passara a ser
o que de mais importante estava em jogo" 1 • Um bom número
de discípulos das teses teóricas de lacan vai, portanto, cami-
nhar no interior de uma outra organização que não a dele.
O risco de isolamento, de marginalização, é então a princi-
pal preocupação de lacan, que considera que quem não está
com ele é forçosamente contra ele. Ê a política de quem me
amo que me sigo mos, poro que elo tenho êxito, cumpre ga-
nhar altura, o fim de Impor o seu carisma. Exilado, proscrito,
excluído definitivamente de suo igreja, Locon Identifico-se com
Splnozo, vítima do mesmo excomunhão em dois tempos: o do
Kherem a 27 de julho de 1656. que represento o excomunhão
maior, seguido mais tarde do Chommota. ou seja, o retorno lm-
1
possfvel ao selo do comunidade Judaico de Amsterdã2 • Para
completar a Imagem de mórtlr, Locan deixa o quadro docen-
te no hospital Salnte-Anne. O SIGNIFICANTE
Nesse momento, Lacan estó só, sem Colombey-les-Deux-~gll-
ses como lugar de refúglo; - mos- é como herói que o autor do
discurso de Roma retorno à cena poro fazer soar as três pan- ssa Influência do estruturalismo na teoria laconlana do ln·
cadas de uma nova aventuro, anunciando em 21 de Junho de
1964 a criação do Escola Francesa de Psicanálise: "Fundo, tão
E consciente é, na verdade, perceptível em ,virtude do
lugar central que nela desempenho o significante._Ja vim.os co-
só quanto sempre estive na minha relação com a causa psica- mo nos anos 50 Lacan adotou de Saussure a noçao de sgno e
nalítico, a Escola Francesa de Psicanálise·. Ele obtém a prote- de que maneiro modificou o lugar respectivo do sl~n'.fl~ado e
ção de Fernand Broudel e de Louis Althusser para instituir uma do significante poro valorizar este último. No seu semmano so~re
unidade avançada da 6º Seção da EPHE na Escola Normal Su- As Psicoses (1955-1956).- Locan sublinha que ne~ Pº! lsso ~ si~-
perior. Esse deslocamento geogróflco permite-lhe ampliar consi- nltlcado estó liberado de seus vínculos com o Significante: Insi-
deravelmente o seu público e, graças ao aval dos filósofos, nua-se sob ele até que atinge um ponto de ama!ra~ao, o
ocupar uma Importante posição estratégico no campo Intelec- chamado •ponto de estofo": •é graças a ele que o sgnifica~te
tual. Consciente do necessidade Imperiosa de voltar o atrair os detém O deslizamento da significação que, de outra maneira.
atenções gerais, aceito publicar. o Insistentes pedidos de Fran- seria lndeflnldo"s. Portanto, não existe semelha~ç<:1 do slgnlflcan-
çois Wahl, o essencial de suo obra escrita. o que ele sempre se an mesmo que o sgniflcante saussu-
te em saussure e em Lac · d0
recusara a fazer. e que seró publicado em 1966 pelos Édilions rlano "seja não só o homônimo mas também o epônlmo
du Seull. significante laconiano·~. A noção de significante. após _ter·S:
A político teórica de Locon necessita da busco de garantias. emancipado d ~ noção de significado e ganho outono~!º· Ira
Depois de ler fracassado com Paul RicoeurJ, Locon convido po- adquirir uma tmpor:tãncia ainda maior para Locan no Inicio dos
ro o sessão Inaugural dos seus seminórlos, no Sala Dussane da anos 60 quando esfa última represento o sujeito para um outro
Escola Normal Superior. Claude Lévi-Strauss, que aceita o convi- signiflca~te· "É exatamente a 6 de dezembro de 1961, portanto,
1 no decorr~r do seminário sobre A /dentlflcaçõ~. que Locon f?r·
te apesar de não ser muito do seu agrado o estilo locanlano.
Cc,msegue, pois, transformar o seu malogro junto da lPA, o en- mula pelo primeira vez, 0 sua definição do significante, dlsll~-
fraquecimento de seu movimento após a cisão, num momento guindo-o então e daí em diante com total nitidez do signo" .
. glorioso que simbolizo o seu ensino na Escola Normal Superior Será mesmo preciso aguardar o ano de 1964 (Os Qua~~ Con·
onde, durante cinco anos, o tout-Paris Intelectual se comprime ceitos Fundamentais do Psicanálise) paro que o slgnihc~nte
para ver e ouvir o palavra daquele que então se apresenta ocupe verdadeiramente o lugar do sujeito para um outro Signi-
como um xamã dos tempos modernos: "Repelido do movimen- ficante que se lhe conhece doravante. . .
to psicanalítico Internacional, o obra lacanlana vai, portanto, significante ocupa então O lugar do sujeito, cujo ex1stênc10
0
ocupar um lugar central na aventura francesa do estruturalis- se dó como couso ausente poro seus efeitos, a sob~r.. o C_?·
mo·•. dela significante pelo qual ele se torna l_ntellgív~I. O su1e1to noo
é reduzido a nada. mas ao status de nao-ser; e o fundamento
não-significante da slgniflcôncla dos significantes, ou _seja. a s~o
próprio condição de existência. o trabalho do analista baseio-
se pois na restituição da lógica interno a essa cadeia signlfl·
c~nte, ·da qual nenhum elemento ~ capaz em si mesmo ~e
o de significoçao. o significante é entoo
represen t ar u m temp • · t
um sujeito paro um outro significante e so cumpre, portan o, o
suo função ao retirar-se constantemente para dor lugar a um
novo significante. Locan representa essa cadela desdobrando_ o
sigla s em S2 que represento a cadeia significante. e Sl o s1g-
2 . J. LACAN. "L' excommun icotíon", Ornlcar?. 1977. 5. J . LACAN, [crlts. op. clf.. p. 805. , . .
3. Ver É. llOUOINESC O. Hlstolre de la p.sychanalyse, op. clt.. vol. 2. pp 399-403. . M . AlllllV~. Ungu/stlque ef psychonalyse. Khncksieck. 1987. p . 12.
6
4 . lb.. p . 383.
nlflcante adicional que a lm ele
to, não estó em nenhuma ~rt para_ diante. Quanto ao su/el- c, 60 foi fello em dois tempos: Locan e voca prlmehomente o
conte, de quem recebe P e. o noo ser no lugar do slgnlfl- "poqueno outro· como elemento de mediação entre o sujeito .,.i;\i::, 1%
6
~oª~~n~~0 0
~:':~ t~~n~u;~b~~~J~:/:~~~ ~~Íe~:~~ ftii,i!
o encargo de ·
o 1gumo; transcreve-se sob si noo estar em porte
do em relação o si mes~o g~o. do S com barra: $, desloco- :ieiçu~~·
sujeito por excelência e t. • v1dldo para sempre. [Eu) do !oito. objeto metonímico do desejo, simples significante do dese-
quarto termo da estrutur~ad:~orado par~ sempre de o eu•. O jo cortado de sua referência a um sujeito desejoso, como à de
to, também ele excentrod gnlficonte e ocupado pelo obje- uma qualquer referência simbólica a um significado inconsciente.
• o em relação a 0 é .
ele e representado como objeto . , que enunciado; O objeto (a) já não se encontra então vinculado ao imoginórlo
O
O Interesse desse . (m,nusculo). mos ao Real no sentido toconiono do termo, não à realidad e
conceito de sign'fi t
tanto, central e só ganha . lall ' can e em locon é, por- mas ao que resiste à significância. "O Real é o impossível."
elemento essencial na v ,mp so_ a partir dos anos 60, como Locan. que atribui um lugar importante o esse objeto parcial
ogo estruturollsta E
que Jean-David Noslo d 1 · sse contexto revelo 0 (chamado a minúsculo), situa-o ao nível da função de perda.
es gno como a · it· •
de um conceito ou seja sign ,caçoo "umbilical" Revitalizo a separação Inicial do feto, separado para sempre
conceito e sua ~volução·ª o; condições de nascimento de um do placenta. que vai para o lixo. Designa assim a libido como
toda uma dialético se d . partir dessa estruturo significante o cadeia desmultiplicada dos d esejos. procurando em vão subs-
esenvolveró de O d ·
lógica dos lugares e dos for os . cor o com uma duplo tituir à separação Inicial. O objeto (a) seró situado "no IU9QL do
o primado do Significante so~re. E~o d1ol~![c~que fundamenta p e rda provenie~ 9_<:l QPElli]ÇQ_q__§jgnifiSQn~_:12 . Terá uma rela-
~d<? como fantasio e d e - slgn o significado estabeleceo "r'.nun- ção com todos as partes do corpo que podem estar ligados à
- o o ordem dos · -
nodo à linguagem. Nesse sentld ~ COISOS como subordl- função de perda, de passagem ou de separação. 9 objeto (a)
cante tomo não poucos l'b d o , mesmo se a cadela signlfl- como obíeto de desejo sempre ,enascente e sempre em falta
1 er odes em relo · ,
soussurlono, nem por isso deixa de . çao o concepção ocupa lJm· lugar cada vez mais central nÕ dispositivo laconlano,
mais geral, própria d o estruturallsm participar numa concepção otéencornar o próp--;io objeto da pslcanóllse: "O objeto da psi-
à esfera do discurso e Institui o ordº..:_a qua~ c':nfere autonomia canálise / .. ./ não é outrp senão o que já desloquei no tocante
-dem dos palavras. O mundo- só em das coisos o parti~ da or- à função que o objeto (ai nela desempenho" 13• Ê o objeto do
-conte do falta ·o Coisa" l se mantém coeso pelo signifi- pulsão que faz funcionar a lei _do desejo, assim como objeto de
. que acon toma d H
designar o quadripartido da terr e eldegger poro fantasio: ·o
objeto (a) é o negativo do corpo" 14 • Não se pode,
nos: "A Coiso reúne e dó
. coesao
?· do céu, dos humanos e divl-
ao mundo"9
entretanto. evocar o objeto (o), seja qual for a suo Importância
em He1degger, a Coisa •sustento e . . mos, tal como no d ispositivo toconiano, como um ob]eto isolado: ele só existe
é essencialmente const·, tuída sse quadripartido porque elo em virtude da articulação que o liga ao simbólico e ao imagi-
. por um vozio"10 A t
do rnscreve-se, portanto o ortlr . ramo do mun- nário o partir do Real. Oro.__é a_ caslra ç õo que vai dar o modo
de sua unidade. · P de uma falta c~ntral. condição dessa articulação e permitir ao desejo manifestar~: "A castra-
ç ã o ~ ~ e i queõiãenãõãesejo humano como verdade
porcia1" 15• Elo é responsável pelo ingresso na ordem da lei, vin-
culada ao Nome-do-Pai, ou sela. o uma figura que pode ser
dissociado entre a do pof real e a do pai simbólico.
Nesse P-OnJ.2, ~oc9.n.J..nverte o ~ ãq__ fr~udjg_~vo, que
ap~n2_e a ~I ..s_o ~ 1Ktêr<:J1~ poro fazer dela o elémento_Jje
uma positividade. a db-ctesejo. Nesse Início dos anos 60 e
quando~ ncial do seu ensino é fala, Lacan privilegia a es-
O OBJETO (a) crituro, como mais tarde Jacques Derrlda, e Identifica o signifi-
cante com o letra (A Carta Roubada). numa filiação muito
soussuriona: "A Coisa feita palavra diz Lacon, no sentido de mo-
LJ: : ~ s r::~:~;:.~~:lpol; dob estruturo significante em la-
tus: ela é fala, mas também silêncio, que sidero a fala e corta
a respiroção" 16• Na prático analítica, o objeto (o) torn ou-se o
essa é uma Importante de~ceo~ o t /eto (a); Paro Serge leclolre, ferramenta essencial de certos psica,nalistas: "O objeto (a). isso
que merece o Nobel u er o cientifica: "Uma Invenção
· ma verdadeira lnvenção•n E serve. Há até anallstos que dizem ser passivei deduzir tal ou tal
· ssa 1nova pulsão segundo o objeto que for escolhido. Ele permite relançar
• Poro o troduç6o dos dois o desejo e evita assim a recaída no desespero" 17 •
Mol. ambos usados por lac:n'º;:::;,,~:,~oo is do 1•_ Pessoa em francês. Je e
propasto por Morio Chrístino lozri'k P s conotoçoes. recorremos à solução
nórlo. Ver o Noto 1. P . 409 do , . ~not em suo tradução d o livro 2 do Se J. 12. J.-A. MILLER Ornlcor?. n • 24, 1981. p . 43.
8. J. D. NASIO, Les Sept Co. ed,çoo Zohor. (N. do T.) m
9 ncep,s crucfoux d 1 13. J . LACAN. tcrlts. op. clt .. p . 863.
. M . HEIDEGGER. E$$a/s ef conférenc G e o /OSYChonaly;e, ~d. Rivoges. 1988 14 . A . JURANVILLE, Locon et lo phllo,ophle. op. clt.. p . 1 75.
10. A . JURANVILLE, Locan et lo hll es. o U,mord. 1958, p. 215. . 15. lb . • p . 195.
11 . S.rQe Lecloire, entrevisto copm osopt,le. PUF, 1988 (1984). p. 167. 16. lb.. p. 286.
o autor.
17 Gennie Lemoine, entrevisto com o autor.
20 . AS CADtlAS S/GN/f/CAN fS
RUTUfMLISMO
dos ensinamentos essenciais de Lacan e tem em si a virtude de ' llnou conceitualmente para o ~ 1e . "N~o penso que a teoria
Impedir o fechamento dogmático: "Todos os analistas que con- Uca s a esse aspecto do lacan sm~ uma teoria do obieto par·
tribuíram verdadeiramente com alguma coisa Interessante fala- p&lcanalítlca possa contentar-,~~ co hamado obieto total, relntro·
ram do objeto. Quer se trate de Freud, por certo, mas também , lol. Ao fazer-se a economia o co t o A Grande que não
Idade do Grande u ro, .
de Melanie Klein. Winnicott ou Lacan" 19• d uz-se a ne~ess •24 dré Green vai Interrogar-se sobre as
A questão da significância é formulada, para Lacan, a par- o utro senao Deus . An ' articular sobre Agostinho li-
tir da noção de seqüência significante. Existe sempre uma rela- fon te s agostlnistas de Lacan e. em Pd lam~nte habitado pela
\I O por Pascal (Écr/ts sur 1 grâct':;:n ~~ 2s. Essa dupla polartza·
'!
~=
ção diferida entre a enunciação e a Interpretação ulterior. 6 0
Ora, essa diferença temporal também torna necessório o re- 11 tlgião e pela formallzaç~o ma , operando e m Lacan. Este
curso ao objeto (a) como substituto do desligamento da signi- r,ôo, André Green tamb_ m àª, a que ele crtttcava. mos a
ficação da relação significante/significado. Pode-se até 11 111mo teria oferecido. ~a2,_ _g l . . ·A Õpreensão es-
- - íf Idade de uma renova a · , .
perguntar se Derrlda* não teria simplesmente ido buscar em u s pais. a opo un . eve ser a primeira e a unica
Lacan esse (a) que lhe permite construir o seu conceito de lru turaT (da questtio-elo Filfo_que) ata da função das imagens. O
différonce como central em sua obra de desconstrução. Para que permite uma ap'.eciaçao ex aracterísticas de uma obra de
/)o Trinitate tem aqui todas as c , um modelo•21>, A relel·
Lacon, o objeto (a) seria, de certa maneira, o meio de recu- adotada por nos como
perar o esvaziamento do significado na cadela significante: "É loorla e po d e ser t um significante puto que
F d por Lacan reme e a .
a queda desse objeto (a). enquanto objeto-causo do desejo e l u ra de reu . I' i sa A substituição da , castraçao
objeto do desejo como tal, o que vai. ao mesmo tempo, fazer pode ser lido de maneira re ig o . t - a· o lacaníanã detentora
angústia pela cas raç - - -- - t·
falar o sujeito e aquilo de que ele vai falar. mesmo que lhe fr e udiana como - d litome':cto -Pai a oraem n-
escape de forma permanente»2°. O psicanalista se sente, pois.
ua um status ontoíógico deriva~o º- lná~O'ffá uma temó·
nltó ria do Sujeito: Real/'Slmbónco/'t'ndgLacan...qll\3ê.' alérndissc,,
feliz por poder enganchar a escuta de seu paciente num des- . d ser reencontrada em ·- · -
ses objetos (a). tlc a crista P..2.. L - - a E- Ttüiõs Quanto ao Grande 0 U·
Entretanto, todos os analistas. mesmo os fortemente marcados um gra~e ..::onhe~edor :~ét:~:m-na-çóo em relação à cadeia
pelo ensino de Lacan. não atribuem toda essa Importância ao tr o. estó em po~ç~o det i xnaterritorial, verdadeiro equivalente
objeto (a): "Eu não funciono. em absoluto, com o objeto (a)"21• pulsional, puro S1grnflcan e e desõo de Freud a Goethe em
da alma: ' Lacan, ao inverter a a • o' . confessava prefe·
Mas o mais crítico de todos sobre esse ponto essencial é, sem
dúvida, André Green. Tinha publicado em 1966 nos Cohiers rot em e Tabu . 'N~ princídplo t ' ª ~o~~~'No· ptincípio era a lln·
tlr uma fórmula denvada e ao
pour J'onolyse um artigo sobre o objeto (a) que, na época, ex-
punha o ponto de vista d e Lacan sobre a questão, assim g uagem··21 • , . é O
caso da do filósofo Ala)n
Outras leituras são poss1ve1s. e
como o de Jacques-Alain Miller sobre as relações entre (a) e o
15 de fevereio de 1989
22 A. GREEN. ·te bon ploisir', Fronce-Culture.
18. S. lEClAlllE. 'l'objet o dons lo c u re', f?om pre /e$ c h c,,rne$, Inter lditions. 1981
(1971), p, 174. 23 /o. ou1or
:1 4 André Green. enlrevisto com o . 1 • Longage$, Les llenc ontret
19. Jean Clovreul entrevista com o autor. dons lo psycho n o yse •
?õ A . G llEEN. 'le longoge Le• Belles Lettres. 1984
• Sobre o conceito de différonce, ct. G/o$$6rlo de Derrlda, supervlsõo de Solvia- 1983
p1yehonolyt1Ques d' A l x~n-Provenc•. ,
no Sonliogo, E. Fronci>eo Alves. pp. 22-24. (N. do 1.) ..__ __ ., ... 1 1 AC":A N. l orlts. Ot:>, ctt.. p . 873 · - ·
20. Joel Dor. entrevisto com o autor.
21 . Jean 1,,,,,_""'"'""' .--•...........
IA DO ESTfWTURAI ISMO
;ó.. A S C A D I IAS SIO NII /C ANTE S
essencla da lln
ene
n ca que reraciona as coisas
guagem. Ló onde Freud
tuais um Inconsciente pró!10 lza. até apresentar aos lntelec-
,rvel por Intermédio de uma transferência de trabalho. Mas o
lro nsferêncla mudo então de natureza. vetor de ciência. é Isen-
to de sentimentos e remete poro "aquele que se supõe saber".
O sujeito lacanlono é um sujeito desencarnado. Reencontro-se
o te mático do negação da Individualidade, da slnguloridode,
segundo André Green. consiste. quando o trabalho analítico, próprio do estruturalismo: "A operação locanlana tem que ser
ellmlnação do afeto e . em expor a complexidade. Essa duplo, Isto é, perfeitamente contraditório. Por uma parte, cum-
. , m proveito de um 51 1
explica por que Saussure foi, ness gn ficante purificado, pre-lhe manter a subjetividade. / .. ./ e, por outra, esvaziar essa
ra da consciência moderna P . ~ ponto, considerado a ouro- 1ubjettvidade de todo encarnação, humanização, afetividade,
a fim de estabelecer a nat~r ois e e t:ve também que eliminar. otc.. para fazer dela um objeto matemático"39.
rente, a fala, o singular a d~za cientifica da lingüística, o rafe- Paro Jean Clavreul, a crítica feita por André Green a respei-
sentido da linguagem q. f I acronla ... Essa desvltallzação do to da questão do afeto nêo está verdadeiramente fundamen-
ue o o preço P
se a lingüística moderna enc t ago para que nasces- tad a . É certo que Lacan se recusou sempre a comprazer-se nos
nlana: esta t:!ttma pode. apol~~= seu por na psicanólise laca- <Jolíc ias da Intersubjetividade, onde se odeia ou se ama ... Mas
negar o afeto. deixando na so na ruptura saussurlana, para nem por isso ele menosprezou o afeto. e não póro de falar do
possíveis que se Inspiravam is mbra outras fontes lingüísticos omor, do ódio, da "odlenamoração", tendo mesmo consagrado
Charles Bafly36 discípulo d ms a no afetivo, como é o caso de todo um seminório à angústlb: "Mos o que mostra Lacan, é es-
• e aussure
A busca de uma formaliza ã . / ao espécie de dependência do afeto em relação ao jogo dos
particular destaque nos d . ç o sempre mais apurado deu slgnlficontes· 40 . \
.
d 0 ps,conálise 01s casos O do li -·, ti
locaniano à di · nguis co estrutural e 0 Serge Leclaire tampouco se convence com a c1ftica de An-
de domínio é tonto mais ·possí ~ensão do afeto. O sentimento d ré Green a Lacan sobre a evicção do afeto, que considero
mogenelzar o campo Or • ve quanto mais se reslringlr e ho- oxcessivomente vaga. preferindo a noção de economia ou de
· o, o afeto é ai b
se t em verdadeiramente domínio . go so re o qual não ,..movimento pulsional: "Recordo-me de um debate com Green
abissal, cheio de desorde ns e d~ é fugidio, ~vanescente. difuso, em que eu propusera outros fórmulas, dizendo que se pode
essenciaf•37 A propósito d . ruído. Por isso ele me parece contrair afeto por uma posição ou um cargo, ma:i fazer disso
enfattza, a·liós, a necessl:a~eeusdestudos sobre o histeria, Freud uma pedra angular. não" 41 .
traumáticas mas també e reencontrar as lembranças Lacan poderó usar o afeto. entretanto, na relação que pro-
• m o afeto que
mando a metáfora tão co a as acompanhava. Reto- move de transferência de trabalho com os seus discípulos.
Viderman considera que e~ a~s estr~turallst<;1s do cristal, Serge Nesse plano, não hesita em misturar os gêneros. pois o saber
fumaça opaca do que .d t P con~II~. esta-se mais perto do a dquirido a partir de uma análise pessoal logo é reinjetado no
ção do afeto, esse (a) r:nl~ú~:r::ti~enc1a cristalina. Essa nega- c ircuito orgonlzaclonal de poder e de saber, em nome do im-
perfeitamente a resultante de u rrodo, _também poderio ser perativo da transmissão didótica. Em reação contra essa ten-
analítica a que Lacon t
mesmo tempo, precave~::
Por um lado Lacan
::,~emo dlmensao essencial da cura
recorrer mos da qual quis, ao
ao recalque: o transferência.
d ê ncia, •a APF é o único associação do mundo onde não há
analistas didatas, onde se considera que a análise é um assun-
to estritamente pessoal" 42 •
· , em suo preocup -
de purificação do situoçã r oçoo de formalização O interesse das instituições articuladoras criadas por Lacan
ferênclo, pois esta é a f o .°n~ itico, reduziu ao mínimo o trons'. foi. porém. o de tornar dinâmico o saber analítico, o de impe-
dos de mais difícil racion~~z~çãos ~ntimentos mais aberrantes. d ir que este se fixasse num dogma, alimentando-o com um tra-
mo contra -transferência n t
ona/Isto: "Ele proibiu
t· om efeito, ele baniu o ter-
• eu ra zodo na rubrico do desejo do
b alho contínuo entre analistas. A convenção do passe, os
que se fale ou qu c ontroles, a multiplicação dos cartéis, são outras tontos ferra-
e om o pretexto de q , e se utilize o termo•Ja mentas, observatórios: "Eu disse sob,e o passe que era um
ue o proprlo Freud t ·
ta coiso a respeito seu m d ampouco dissera mui- observatório da conjuntura transferenclol" 43 • Quanto aos cartéis.
Terá sido também p~ro o o de saneamento foi facilitado são de dois tipos: são grupos de trabalho de três pessoas, pelo
. precaver-se contra . ·
soais poro uma afelça· t b suas 1nchnoções pes- menos, e de cinco no máximo, ora com uma pessoa a mais
o rans ordante? N - ,
ele tenha elaborado /ustifl _ · ao e Impossível que ("o um a mais"), ora o "mais um", ou seja, 'os Indivíduos do gru-
caçoes teórica .
ter suas próprias pulsões afetivas S s a postenort paro con- po encarnam sucessivamente. um de cada vez, o · mais um•,
contlda na cura em e t . e a transferência deve ser sobre quem se foz a transferência sem que esta seja encarna-
• on raportlda é
na difusão e no ensino do slc , recomendado por Lacon d a por uma pessoa suplementar. Esses dispositivos servem,
Escola Freudiana preciso P an~llse. O primeiro anuário do sobretudo, para dar prosseguimento ao trabalho analítico con -
que o ensino da pslcanólise só é pos-
35, lb.
39. f . ROUSTANG. Lacan, op. clt.. p. 58.
36. Ch . BALLY Le Lang
37. Serge Vi~rmon - ogt e l et la vle , Droz. 1965 (1913). 40. Jean Ck>vreul, enlTevlsro com o autor,
3 • -n revsro com o out 41 . Serge l ecloire , e n trevisto com o a u tor.
8. Wk>dlmlr Gronoff. entrevisto com o ou~~;. 42. Jean Loplonche, entrevisto com o autor.
~-.- - · --· . ...,_ "'· , -.&. ..;1 ca,ntr'ovidn r:om o autor.
siderado Inacabado Permitem
de manivela, muita~ vezes v 1oi"ªr;9r a s Ilusões m e dia nte voltas
ação. Para Claude Dumé . en as, .do seu Inconscie nte e m 27. A TE8RA DA MITOLOGIA
fícil, o único possível queZJ~ la~an tera Indicado o caminho dl-
brlnquedos de q , o e quebrar, pouco a pouco os E REDONDA
ue se serve e segund • •
maneira de deixar abertas , . . . o e 1e, essa e a única
analítica. as poss1b1hdades de investigação
m Lacan, a c adela significante situa-se no nível do fun -
E c ionamento do Inconsciente; para Lévi-Strauss. ela estó na
llwossante reapresentação de mitos entre si, o que permite ter
,,e.osso à significação do mitologia. A matriz das significações
t r1onlfesta-se a partir de transformaç ões que se aparentam aos
111ocessos de condensação e de deslocamento do inconsclen-
111. A estrutura dos mitos, segundo lévi-Strauss, resulta de uma
\11)1d adelra sintaxe das transformações. A tetralogla que Lévl-
'llrouss consagra aos mitos com seus Mythofogiques mantém-se
11 certa distôncla da teoria dominante do começo do século, a
h orla simbolista que considerava a na)1..._a tlva mítica como obje-
_/ lo, cortado de seu contexto, procurandÔ'-~m sentido oculto em
1 tid a te rmo dessa narrativa . O enfoque lévi=stCQ,ussiano também
, onstltui uma superação do funcionalismo que. com Mallnowsky,
pretende analisar a função social dos mitos em seu contexto
particular. lévi-Strauss integra o estudo dos mitos num sistema
1lmbólico mas sublinhando a noção de sistema, de encade a-
rnonto , de estruturo, ao decompor o mito em unidades mínl-
rnos, os mltemas. que ele classifica em paradigmas. A sua
lontativa constitui, portanto, essencialmente, uma decodificação
Inferna do discurso dos m itos, referidos uns em relação a outros
1) estudados, ao contrário dos funclonallstas, numa vasta auto-
A DECODIFICAÇÃQ:
A M EDIAÇÃO CULINARIA
da anóllse freudiano
1
tureza: "E~oluí muito, .desde então, sob a Influê nc ia dos progres-
so~ da PSICOiogia animal e da tendência paro fazer Inte rvir nas 1r,onolras de preparar e consumir as refeições. Cada etapa llus-
cienclas da natureza noções de ordem cultura1"'7. A oposição l lCl o fato de que •a cultura não se define como üm domínio
n~tureza/cultura desloco-se então e passa do estatuto de pro- ,nos c omo uma operação. aquela que faz da Natureza um
pue,~ade Imanente no real para uma antinomia própria do vurdadelro universo. / ... / Essa operação é uma mediação que
espmt? humano: "A oposição não é objetiva, são os homens para e une simultaneamente" 20 . Assim, a natureza é constan-
que tem necessidade de a formular" 18 • O contexto etnográfico tomen te culturalizada e a cultura é, inversamente, naturalizada.
é apenas uma molduro, o ponto de partida de uma reflexão a11rvl ndo o pensamento mítico, neste caso, de operador nos
q~e deve desligar-se dos costumes. crenças e ritos das popula- d ois sentidos.
ç?es de onde provém o mito, o fim de atingir um mais alto
n1vel de abstração. de tal maneira que "o contexto de cada
mito consiste fada vez mais em outros m itos" ' 9. Assim é que
':'el e fumo, diferentemente das noções estáticas de cru e co-
zido, representam desequilíbrios dinâmicos, oposições não em
termos de espaços mas em termos temporais.
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A TETRALOGIA
A MORAL CULINÁRIA
A
,iro,ó
publicação em 1971 do quarto e último volume dessa
tetralogia, L'Homme nu. encerra toda uma aventura que
durado sete anos e deu lugar a uma obra excepcional,
i Mythologíques. A imprensa saudou o evento à altura de sua di-
e om o tercetio volume, L 'Origine des manieres de tabte
Lé~I-Strauss amplia sua área espacial até então confina'.
, mensão. Le Monde publica todo um caderno especial no qual
ao pode ler, ao lado de uma entrevista dada por Lévl-Strauss a
l~aymond Bellour, artigos de Hélene Cixous: "Le regard d' un écri-
da à Amerlca do Sul. Ele Integra em seu estudo comparativo voin", dos historiadores Marcel Detlenne e Jean-Pierre Vernont:
mitos dos lndlos da América do Norte. e atinge um nível ainda "Eurydice. la femme-abeme•, e do lingüista-musicólogo Nicolas
superior de complexlficoção ao substituir o estudo dos termos ílu wet: "Qui a hérité?", bem como um artigo de Catherine
P,:la o~osição entre as diversas maneiras segundo as quais eles Ooc kes-Clément.
sao ~tihzados, ou conjuntos ou seporados._Permanecemos no A televisão oferece aos telespectadores o que Le Figaro
dom1~fo da mediação culinária. c5>m um_opjet,2 novo e central Qualifica de "Domingo, estudioso": Lévi-Strauss é o convidado de
:-<"~e e o_: a e~ _ent? da !TI.°'ª'· É o terceiro _lli'L~.I d ~ - domingo! Ele decide deixar a estrela principal no laboratório de
ça<1:_da!..0gicas, ..:P..?~.9 do sensível, a das formas, trato -se antropologia social que criara e vemo-lo desfilar uma série de
~ora de um°76g~a ~as P! <?E:_Osições. pesquisas de campo conduzidas por François Zonabend, Pierre
? muntto oréfenaão é também um mundo ameaçado, por Clastres, Mourice Godelier e François lzard. Consagra-se por
muito pouco que se desloquem nele as linhas fronteiriças, que unanimidade L 'Homme nu e o conjunto da tetralogia de Lévi-
se trans?ridam as boas distâncias. Os bons usos desempenham Strauss, que se junta assim a Wagner no registro das ciências
nesse niv~I um papel regulador. Toda infração está sujeita 0 sociais.
perturbaçoes que se refletem então no universo, tanto natural Esse quarto volume parece o priori deslocado em relação
quanto cultural, e Lévt-Strauss opõe duas éticas: a do ocidental aos três primeiros. na medida em que já não se trata mais da
qu~ respeita as medidas de higiene para proteger-se como in- c ozinha ou de metáforas culinárias. Mas, de fato, uma profunda
dividuo, enquanto que nas chamadas sociedades primitivas elas unidade liga o .conjunto e está claro desde o começo para Lé-
são r~speitadas para que os outros não sejam vítimas de sua vi-Strauss que. se o primeiro termo de Mythologiques era "cru". o
própria Impureza. O "selvagem•. ao contrário do "civilizado", dó último seria •nu", pois ao término dessa viagem mitológica Lévi-
assim provas de mais humildade em face da ordem do mundo. Slrauss reencontra o equivalente do seu mito de referência bo-
Portanto, _çipós a origem da cozinha e de :,uas dependências ro ro do Brasil. Por outro lado, •se para os índios da América tro-
Lévl:__Str.o~...d..edi.c_e4se_o.J.d.e.otilicar os seus CQD.tOrf)Ç>S~r u_dillersa~ p ic al. a passagem da natureza à cultura é simbolizada pela
p assagem do cru para o cozido, para esses índios da América
.11. CI. l~VI-STRAUSS. entrevisto com R. 8ellour, L&Hres França/ses. n• 1165 12 de do Norte ela é simbolizada pela invenção dos enfeites, dos or-
Janeiro de 1967, reimpresso em L& Livre des outres, 10 /18, 1978, p . 38 . ' n o m en tos, das vestimentas e, também. pela das trocas
18. lb., p. , p, 38.
19. CI. l~VI-STRAUSS, Ou miei oux cendres, oi:,. clt.. o. 305
rsrsstNIA 1voJ 1900- 11\ Bllll ,,.owc
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 27. A TERRA DA MITOLOGIA É REDONDA
comerclals"21 • Ao herói reduzido ao esfado de natureza - ou sé- Ouro do Reno. L 'Origine des Monlàres de fobia corresponde a
.Jsl. ~ estadõ""deciu - da América fropic~. conesP()nd.,.U'la A Volqufrlo em seu tratamento das relações de parentesco. de
Amé~ca do_!Jorte o herói reduzido ao estado d8.-.0.Y9ez. 111costos e modo de evitó-los. Ou miei aux cendres corresponde
Êsse livro retorna aos determinismos próprios da infra-esfrufura uo Siegfried como aculturação da selvageria. e L 'Homme nu.
econômica. A fefralogla conclui-se com L'Homme nu: "Assim se vldentemente, ao Crepúsculo dos Deuses. retorno às origens.
encerra um vasfo sisfema cujos elementos Invariantes podem 11p6s o desaparecimento do sistema construído ' para chegar ao
sempre ser represenfados sob a forma de um combate entre a •11nale". A analogia musical é constante desde a definição do
Terra e o Céu para a conquista do fogo" 22 . O evento decisivo, projeto de estudo dos mitos em "lo structure des mythes•, onde
fun~ador , é portanto essa conquista do fogo ao céu por um 1óvl -Strauss comparo o objeto mitológico a uma partitura de or-
herol terrestre que a isso se aventurou, voluntariamente ou não. questra que se deve ler vertical e horizontalmente. Le Cru et /e
O forno-de-terra aparece como operador principal da dupla c ult é dedicado à música e adoto a figura de uma fuga. A
conquista do fogo e da ógua pela arte culinórla do cozimento. rolerêncla musical é ainda mais explícito em L'Homme nu: "É
Verdadeiro eixo dessas narrativas míticas, o forno-de-terra, como rrionlfestamente certo que tentei e dificar com os sentidos uma
26
operador central. desempenha o papel de um esquema formal: obra comparóvel àquelas que a músico cria com os sons" •
"A Imagem antecipada do forno-de-terra / .. ./ determina a pas- Músico e mitologia apresentam-se aos olhos de lévi-Strouss
(
sagem do estado de natureza ao estado de sociedade"23. e orno Imagens Inversas uma da outro, desd~ à lnve~çõo da fu-
No "flnale" de L 'Homme nu, que responde à maneira de um uo, cujo composição se reencontro na narrativo mítico._ A
motivo musical à "abertura· do primeiro volume, lévl-Strauss re- música tomou o lugar do mito: "Quando morre o mito, a musi-
27
corda a ne=..=sslda<:!_~ metodológica de supressão do ~uTeito c o torna-se mítico do mesma form~ que as obras de orte" •
para ...!.:! a~~so à e~trut~,ra _g_o ~ - A_o,epellrÕSÚjelto, ele Por outro lado, a perspectiva científico, senão cientista, do pro-
reata a polêmica que nunca deixara de alimentar conmr as uromo do antropologia estrutural é incessontement~ reiterada
pretensões dcrdlscurso fllosoflco. As críticas que lhe saO feitas t.om muito mais otimismo acerco de suas capacidades de
de dissecar e empobrecerõ"üniverso humano, por suas redu- ' onólise: "O estruturalismo propõe às ciências humanos um mo-
ções formais das mensagens formuladas pelas sociedades que delo epistemológico de uma potência Incomparavelmente
estuda. ele re~ponde: "A filosofia conseguiu por tempo demais auperior à dos modelos de que elos dispunham antes-2ª. Na ver-
manter as ciências humanas aprisionadas num círculo, não lhes cfade, o que estó sendo visado é a filosofia, elo. que sempre
permitindo descortinar poro a consciência outro objeto de estu- privilegiou o sujeito. esse "lnsuportóvel enfont góté que por de-
do senão a própria consciência. / ... / O que, na esteira de masiado tempo ocupou o cena filosóflca"29•
Rousseau, Marx, Durkheim, Saussure e Freud, o estruturalismo pro-
cura realizar é desvendar para a consci ência um outro objeto:
colocá-la, portanto. vis-à-vis dos fenômenos humanos. numa po-
sição comparável àquela em que as ciências físicas e naturais
provaram que somente elas podiam permitir ao conhecimento
se exercer"24• No horizonte dessa critica v islumbra-se a esperan-
ça de adquirir o status de ciência da natureza, tendo acesso
às condições de funcionamento do espírito humano graças, en-
tre outros, ao saber antropológico. A tensão interna entre natu- UM ESTRUTURALISMO NATURALISTA
reza e cultura desdobra-se. no Interior do discurso do próprio
lévl-Strauss, na tensõo entre sua ambição de ganhar acesso às
e l évl-Strauss r,~~!:'cootra o h ~ q y _ a nto ngtur~zo
leis Intangíveis da natureza neuronal do cérebro humano. e a
vontade jamais enterrada do c riador que escolheu o terreno de
Investigação das ciências humanas para fazer uma obra artísti-
S
bre ~
humano. e apóio-se, em L 'Homme nu. nos pesquisas so -
obre o córtex cerebral. gye mostro~_ os
ca. dod~da_percepçã..o são~ m a ~&? formo de op2.~es
Essa tensão é perceptível na própria composição de Mytho- blnórlos. Portanto, o binarlsmo não seria um simples aparelho ló-
loglques, concebida segundo o modelo da tetralogia de Wag - gico -;;;terlor aplicado sobre o real mos apenas reproduziria, de
ner, com uma única exceção, como o mostra Catherine roto, a natureza do funcionamento do corpo humano, ·e se ele
Backes-Clément25: La Cru et la cuit trata da origem da cozinha (o blnarlsmo] constitui uma propriedade Imediata do nossa or-
e retoma assim o tema da gênese do mundo, da lei de o ganização nervoso e cerebral. não causaria surpreso se tam -
bém fornecesse o mais adequado denominador comum para
fazer coincidir entre si experiências humanos que superflcialmen-
21 . CI. ll:VI-STRAUSS, entrevista com R. Bellour. Le Monde, 5 de novembro de
1971.
22 . CI. ll:V I-STRAUSS. L'Hornrne nu, op. cft.• p . 535. '16 CI l~VI-SIRAUSS. L'Homme nu, op. clf.. p . 580.
23. lb., p. 5~.
24. CI. ll:VI-STRAUSS, L'Homrne nu, oo. clt. nn .<;...? .'IA"\ - -~. '7 lb. p 584
l?I DONDA
21. A TE /lRA DA MIT O LOOII\
ESTRUTURAI ISMO ~ ~?h ,,.
li i
• ti dos fonemas"3'. A analogia da
olgnlflcaçõo é um~ caract~n~t~a desse ponto de vista, em Lévi-
te poderiam parecer lrredutíveis"30.
rnllologlo e da ~úslca sus e te~rio construída, desligada do ob·
No horizonte de sua aventura. Lévl-Strauss espera. portanto.
~ Shauss. a amblçao de uma nor dúvida,_ uQ'1 .rnooumenJo_ fascl·
despertar entre as ciências da natureza no dia do Juízo final. O
~:~~hlt~~ preço a pagar por tal acessão é eliminar da cadela significan-
Joi o . D.Qí resulta, sem a me -
•
no nte, o propr 1O O
bra de Lévl-Strauss. m
.
os à custa de uma
·p·o de toda perspectiva her·
te os conteúdos narrativos dos mitos e, à maneira dos fonemas,
porda. pelo abandono. ~mi ~~~c1p;o~ede a uma evltação do
reduzir os mitemas a um valor opositivo. A conquista científica
me nêutica. A reduçóo og c s o modo que em Lacan:
baseia-se então em relações de compatibilidade ou Incompati- si 'f nte do mesm
a fe to na cadela gni ica , des ameríndias serve para tu·
bilidade, mas conduz Lévi-Strauss a •um formalismo iógico"31 que
Assim. a sexualidade das _socieda de a •uma dialética de
contribui para o reladonamento entre os mltemas no Interior de
do, salvo para fins sexuo•~;35e: ~~:~º;ortanto. para um mundo
um mito. Esse formalismo funda o encadeamento slntagmático
abertura e de fechamento_ • é de ~utra coisa que se trata . A
e a sobreposição de mitemas tomados dos mitos diferentes. os
dessexualizado quando nao I d Lévi-Strauss e Lacan en·
quais constituem os conjuntos paradigmáticos. O espírito repete osturo estrutura e . .
a natureza porque ele é natureza; o isomorfismo é total e ques- ,emelhança d a P 'f ta e revelada pela afumaçao
i ma vez mani es .
tiona o corte tradicional entre essas duas ordens da realidade. contra -se ma s u 1 •as relações sexuais nao exis·
similar de Lacan, segundo o qua I te ~e uma negação do
A esse respeito, pode-se falar de um materialismo radical de
te m ' . Essa evitoção resulta lgua~~~clol o1er.etcldo o um pen-
Lévi-Strouss. que declara que. se lhe perguntarem para que sig-
auJello entendido como lugar lnsu I nele· com a- promessa de
nificado último remetem os suas cadelas significantes, •a única • . que se desenro a
sarnento anonimo 'ltimo mas no condição de
resposta que este livro sugere é que os mitos significam o espí-
um melhor conhecimento deste u h 'nas malhos da tela es-
rito, que os elabora por intermédio do mundo de que ele pró- . ·to •se dissolva • qual aran a,
q ue o su1e1
prio faz parte "32•
truturo1•Jó.
Há, p or ç_on_seffi:!ln~. um ca~salismo em aç~ nessas cadelas
mitológicas, mas é de natureza neuronal e implica, por defini-
ção. uma cõlocaçàO à disfõncla máxima do conteúdos8mân-
t1codasprõpôs1ções mltológicas, do referente social POLO o
'"quÕleleremefe. Sem dúvida, esse referente social não está OU·
- sente dãteiralogia dos Mythologiques, a qual Integra todas as
informações etnográficas de que dispõe Lévi-Strouss. mos suo
pertinência é reduzida o um simples pano de fundo, um simples
material de base de que se serve sem que Influa de maneira UMA MÁQUINA DE SUPRIMIR O TEMPO
decisiva no modo de pensar. Pois é somente no nível gramati-
cal que o mito revela os limitações lógicas de sua enunciação
. morto de Mythologi~':Lª~ é a ~tqijo, e
e re presenta, portanto, o único plano pertinente de sua neces-
sidade. Somente esse nível gramatical permite o acesso aos
âmbitos mentais e revela pelo sintoma que representa o que
O outro horizonte _ _ - - -
- - ;
com o temporalidade.
1
Lévl-Strouss e . ~ ~ ~r2._a,2. - -
ão particular dos mitos
A mitologia tal corno 0
. . '
-musica-S
-
·
• 37 0 objeto escolhi·
ão,
ele evita dizer. A verdade do mito consiste em 'relações lógicas . ó I s de supnmu o tempo . •
c om efeito, m qu na d d rnonsttoção em sua pole·
desprovidas de conteúdo ou. mais exatamente. cujas proprieda- d o por Lévl-Stra~ss tem valo~es:st:bllizar o privilégio. que ele
des Invariantes esgotam o valor operotórlo" 33 • Assim. Lévi-Strouss m ico com os fllosofos para dldo à historicidade. Mas nem por
pode evitar o relação especular entre realidade social e mito. c onsidera exorbitante, conce Le' vi Strauss recrimina·
. •. • nte e Jó vimos que · .
Ele escapa, com razão. aos mecanismos próprios de um pensa- Isso a historia esta ouse • . la dependendo. porem
v a ao funcionalismo o fato de ,gnor . . 6
mento do reflexo mas para substituí-lo por uma lógica Interna
da mitologia que se esquiva de toda e qualquer restrição exte- d o registro da slmpl~s ~~ntlngê;cl~~ cabe de direito à contin·
rior, à parte a neuronal. O lugar da história e aquel q "ó el uma pesquisa Inteira·
• / / Para ser v1 v ,
A autonomização necessória do campo cultural em rela___ç_ão g ênclo lrre d u t 1ve1. ... eça por Inclinar-se diante
ao sÕciãl 4Lle:-JadÕ ao extr~m~ de sua lógica. até converter-se as estruturas com
mente voltado poro t •38 o corre pois uma reJei-
num horizonte Independente desse último. O modelo fonológico da potência e inanidade do even o .prellmln~r de, uma inicia·
serve de fundÕmento teórlso para e_ssa_ extração- d Õ c"'õrileúdo se apresenta como
çõo de ':llo, que . ue as dicotomias estabelecidos
social. da mensogem....em piovelto_do. código: "A proposição se- tiva cientifica na medido em, q f gêncla natureza/cultura. tor-
gundo a qual os elementos que compõem o mito carecem de por Lévl-Strauss . necessidade con in •
significação Independente é uma conseqüência da aplicação
de métodos fonológicos aos mitos. Com efeito, a ausência de 4 1h PAVEL. Le Mtroge 1/ngulst/que, op. ctt.. p. 4~-44
3 e t ,. culf op. ctt.. P · ·
3~. CI. L~Vi.STRAUSS. L• ru • nê ~truoturcJlsme?. CeJr. 1989. p . 56.
30. CI. L~V~STllAUSS. Le Magazine llttérolre. novembro de 1971. 36 M FllANt<. Qu'est•C8 c,u• lá O• 23-24.
31. J. OUVIGNAUO, Le Longoge perdu, op. clt.. p . 243. 37,
; L~Vi.StnAUSS, te Cru et /e oult. op. olt.. PP·
e,
32. CI. L~Vl-STRAUSS. Le Cru et le cult, op. clf.. p. 346.
33. Ih n ?A.4.
27. A TWIM DA M/IOLOGIA l REDONDA
Ambos estavam a:;sociados a um mesmo organismo vinculado 1PHE, onde fundo uma direção de estudos de soclo~ogio da
à UNESCO depois de 1954, o Conselho Internacional de Ciên- Alilca Negra; participa igualmente, em 1954, no gabinete do
cias Sociais, do qual Lévi-Strauss era secretário-geral e Georges
11 c re tárlo de estado Henri Longchambon, do governo Mendê~
Balondler responsável por um departamento de pesquiso. "Isso 1,o nce, com O incumbência das ciências humanas. E~ 1961. e
tudo se deteriorou por causa de um Incidente trivial, uma espé- i o nvldado por Jean Hyppolite para re9lizar um semlnáno na Es-
cie de mexerico" 2, e a polêmica foi desencadeado por uma t,olo Normal Superior, na rua de Ulm, que coordenará até 1966:
c~>ntundente crítica sobre a Inconseqüência de Georges Balon- •o estruturalismo era ~um fluido que Inundava tudo, após ter or-
d1er no encadeamento de suas proposições desde 19623. o mbatado muita coisa em seu fluxo" 7 . Foi nesse templo do estru-
rompimento nunca será superado mas, para além dos Inciden- lwalismo triunfante nos anos 60 que ele conseguiu Induzir alguns
tes, das suscetibilidades machucadas, ele simboliza bem duas- uoógrafos, historiadores, homens de letras e filósofos a trobal~~r
orientações divergentes. m proveito da antropologia. como Jean-Noel Jeanneney, Reg1s
Georges Balandier foi. com efeito, fortemente influenciado l)obray, Emmonuel Terray, More Augé... _
pelo exlstenclaiismo do pós-guerra. Membro da Resistência du- o fascínio que ele exerce sobre toda urna geraçao que
rante a Segunda Guerra Mundial, ligado ao Museu do Homem combateu a guerra da Argélia está ligado à sua ca!'a~ldade 1
e o Michel Leiris, é Introduzido por este na entouroge de Sartre !)oro confrontar a sua prática teórica com as turbul~nc1as da
em Temps Modernas . Está ausente, porém, dos grandes debates
do pós-guerra, uma vez que em 1946 parte como antropólogo
l\lstórla, para evitar o encerramento na torre de marfim do !ª·
b oratório científico. No Início do ano letivo de 1962, ele realiza
poro a África Negra e se Instala em Dacor, onde exerce os o seu primeiro curso na Sorbonne: "O ,africanismo que ~u ::pu-
funções de redator-chefe da revista Présence ofrlcoine. Participa nha não fazia concessão nenhum.a a moda estruturahst':1 . ~
Intensamente da descolonização na África, da qual se torna que Impressiona de Imediato Balandier, ao chegar na Áfnca, e
"um agente ativo junto a certos líderes africanos" 4 • Diretamente
0 miséria social. considera desde logo a política como o melo
envolvido na história em processo de construção, Georges Ba- de atingir O emancipação, e essa dimensão vai tornar-se P<;1ra
la,ndler convive quase diariamente com Léopold Sédar Senghor, ole um objeto de estudo privilegiado que o distingue ta~~em
Sel<ou Touré, Houphouêt-Boigny, Nl<rumah. E se descobre a figu- da postura estruturalista. Publica em 1967 Anthropolog1e pol1flque
ra do outro, da alterldade, da negrltude reivindicada como cul-
8 ultrapassa O visão clássica do poder como simples gestão _da
tura diferente, ele tem o sentimento de participar numa história torça repressiva. Inclui aí as dimensões do imaginário e do sim-
em plena ebulição, não só por sua hostilidade aos quadros co- bólico. Equipara-se ass.im. no território africano. ao estudo de
loniais, pelo seu desejo de emancipação política, mas também More Bloch sobre Les Rols thoumaturgues, colocando no cora-
pela reivindicação histórica desses povos que aspiram O um ç ão da análise o corpo transformado do detentor do poder
reatamento com sua própria história, para além do corte colo- político. Acentua, portanto. uma dimen~~ largamente ocul~~da
nial.
na tradição estruturalisto que se constro1 a margem dp poh11co,
O seu campo de investigação está em plena mutação. De- õ ngulo morto da antropologia estrutural na Franç':1. Balandler
pois de Bandung, o continente africano se sublevo, os confron- tem que se apoiar nos trabalhos de africanistas poh!icos_ anglo-
tos multiplicam -se, ao mesmo tempo que as populações saxões desde 1945: Meyer Fortes, John Mlddleton, S1eg!ned-Fre-
conhecem a escolada do pauperismo, o recrudescimento das derlcl< Nadei, Michael-Gorfleld Smith, D. Apter, J. Beatt,e ...
favelas ... Os partidos, os sindicatos fazem sua aparição num uni- Retoma as críticas formuladas por Edmund Leach, em rela-
verso até então triboi. Portanto, o que Georges Balandier des- ç ão à abordagem estruturalista aplica~a ao, ~studo dos siste-
cobre é o contrário de uma sociedade Imobilizado no tempo: mas políticos. No caso da organizaçao pohttca dos Kachln,
"Não posso, por conseguinte, aderir de maneira nenhuma à Edmund Leach i9 entifica uma oscilação entre os pólos aristocrá-
Idéia segundo o qual nessas sociedades o mito dó formo O tu- tico e democrático que requer variações e ajustal;'~ntos cons-
do, e,º história não estaria presente, em nome do fato de que tantes da estrutura sócio-política: "O rigor de vanos análises
tudo e sistema de relações e de codificações, com uma lógica estruturalistas é aparente e enganador•'9, porque fundamentadas
dos permutações possíveis que permite à sociedade manter 0 em situações Irreais de equilíbrio. Por um caminho di~ do
5
equilíbrio" • Pelo contrário, Balandier descobre o movimento a adotado por Lévl-Strauss. Balandieírlão~ ~ ~t_9!:.E9Jérn.
fecundidade do caos, o caráter indissociável do diacronia e 'da em conflnUR:tadce-:çpm-ére no ptaoo do g ueillgna.m..i:!'to do et-
2. lb.
3. CI. l~VI-STRAUSS, La Pensée sauvage, op. clt.. p. 311. 6. lb. 187
7. G. BALANDIER. Hlstolre cJ'aufre$, Stock, 1977, P, ·
4. Georges Bolondier, entrevisto com o autor.
5. Georges Balondier, entrevista com o autor. 6. lb.. p . 183. - 2
9. G. BALANDIER, Anthropo/ogle pol/tlque. PUF. 1967, p. 2 ,
u1u1mt1sMO
1 6 . lb.
na . entrev,sto com o autor. 17. lb.
18 lb.
29. O APOGE:U D
Mounln critica o divulgação exagerado e pouco escrupuloso · Borges Gombrowlcz. Jacques-Alain Miller e acusado por Robert
do modelo lingüístico, e Lucien Seve defende um humanismo Unhart'. "Tudo O que você procura, é uma carreira acadêmica.
científico contra o anti-humanismo teórico dos althusserlonos31 . uma posição burguesa de autorldadel"32 O ano de 1966 é. nes-
Se não ocorre a adoção do paradigma, Lo Nouvel/e Critique se melo ulmlano. 0 de um duplo rompimento: o do grupo lide·
contribui. não obstante. poro tornó-lo conhecido. difundi-lo, ao rod o por Jocques-Alain Miller para fundar em Ulm um círculo
discuti-lo sob múltiplos aspectos. e essa estratégia vai culminar de epistemologia que vai editar Les Cahiers pour /'ono/yse; e o
no adesão de um certo número de intelectuais ao PCF, visto q ue vai atingir O União dos Estudantes Comunistas ~m novem-
como o lugar de um possível debate: Catherine Backes-Clé- bro de l 966. no momento em que o setor "pró-chlnes" ~ dlssol·
ment. Christlne Bucl-Glucksmonn. Éllsabeth Roudlnesco ... Essa revi- vldo e deve fundar a sua própria organização. a Unlao. das
ravolta nas relações do PCF com os intelectuais é o resultado Juventudes comunistas Marxistas-Leninistas (UJC~L). A partir do
de um certo degelo Internacional. ao mesmo tempo que se número 9.10 dos Cohiers morxlstes./énlnlstes. o d1~et~r d<iJ publl·
tornou necessórla para a direção do partido, pela concorrência cação passa a ser Oominlque Lecourt. e a referencia a Althus-
que re presenta o efervescência cultural e política de uma ju- ser é cada vez mais acentuada; o número 11 é:l~e dedlc~do.
ventude estudantil que vai romper com ele e lançar as bases Inclusive com O publicação de extratos de Matenollsme h1storl·
de seus próprios locais de elaboração teórica. que et matérlalisme d/a/ecNque. . .
A partir do número 14, os Cahiers marx,stes-lénmlstes, possam
o ser o órgão teórico e político das JC(ML) ~ _esse _numero é
consagrado à grande revolução cultural proletono ch1~esa . Des-
ta vez O ruptura estó consumada com um PCF qualificado de
revlsio~ista, segundo a linha chinesa. Ora, Althusser. que permo·
sua benção. entretanto, o seus alunos ao
nece no PCF. dó - 1
publicar nesse mesmo número um artigo sobre a revoluçao cu·
tural embora sem O assinar. Por mais paradoxal que Isso po~a
28. J. M llHAU, 'les d4bats philosophlques des onnées solxonte'. Lo Nouvel/e Crltl·
par~cer, levando-se em conta o distanciamento das posiçoes
que. nº 130, 1980. pp. 50-51.
29. 'Te/ Que/ répond: présenlotlon•, Lo Nouvel/e Crlt/que. novembro-dezembro, re spectivas de exaltação da Chino maofsta. por uma parte, e
1967. p , 50. as posições estruturallstas, por outra. essa simbiose vai_dupla·
3d". Levontomento reoli zodlo por F. MATONTI: 'Entre A rgenteuil et les borrlcodes· . mente fascinar política e teoricamente toda uma geraçao estu-
orl. clt.. p . 108.
31. J . COLOMBEl, ·Les mots dle Foucoult el les choses'. Lo Nouvello Crlflque. 4, dantil.
1967; P. VILAR. 'Les mots et i.s choses dons la pensée économique'. Lo Nouvel-
1• Ctftlque . 5, 1967; G . MOUNIN, 'linguisllque, structurolisme et morxísme', Lo Nou-
velle Crlffque. 7, 1967; l. SEVE. 'Mar,cbme el sclences de l"homme·, Lo Nouv•II•
Crltlque, 2. 1967.
• bolhar um conceito. é fazer va·
, 1l11lndo o ,enexôo coletiva: Tra sã generollzó-lo pela incorpo·
O diretor dos Coh/ers morxlstes-lénlnistes, Domlnlque Lecourt, tlt li o sua extensão e compreen o. tó lo para longe de sua
simbolizo bem, na época, esse duplo engajamento reconciliado. xceção expor ·
r• 11.,0o dos traços d e e . delo ou Inversamente. pro-
Tendo ingressado na ENS em 1965 como helenista. converteu-se .. m tomá -lo como mo ' te
1, ,ylOo de ouge , nferlr-lhe progresslvamen
à filosofia. Militante no Início dos anos 60 contra a guerra da modelo em suma. co 37
, 111or lhe um • f n ão de uma formo· .
Argélia no quadro da UNEF. é através dessa ação mllltante que 111 1nsformoções regulados ~e1a u ç sse lugar sagrado da ENS
ele é seduzido pelas posições de Althusser. Será em 1966 um Com Les Cohiers pour I onolyse, ne ação mais sintomático
dos cinco fundadores da UJCML: 'Havia nos temas da revolu- t s diante do emon 1
, tu ruo de Ulm. es orno sses anos 60, em suas omb.
ção cultural ecos de um certo número de teses de Althusser'33• "" e fervescência estruturollsto de rlências científicos mais
As preocupações teóricos constituem para Oomlnique Lecourt ' r>os mais desmedidas. em suas expde uma dialética vanguar-
um vetor essencial do seu combate político; o partir de 1967, . . ecto mais elltlsta e d' 1
acompanha assiduamente o seminário de Georges Canguilhem,
,udlcals, em seu osp do proletarlodo mun 'º
clu/massa que pretende 1olar em no;~lo nos prótlcos teóricos
que "desempenhou um papel absolutamente decisivo na minha u o ncontrar-se legitimado, a esse ' .
formação"34 . Estando Lacon em Ulm. não perde esse espetácu- 1no ls terroristas e aterrorizantes. o paródia ubuesco ou.
lo, mesmo se esses mllitantes mooístas ficassem, de toda Trato-se de uma caricatura, de um to sério que se alterno
maneira, •um pouco aturdidos pela atmosfera pouco concillóvel d um empreendlmen . ,
p olo contr á r1o, e uos coisas. sem duvido, e e
com os nossos ideais proletórios" 3f>. t o m o pnmelro est,uturallsmo? As d. de aumento Intelectual o
O objetivo desses jovens normalistas era a lcançar na interpre- ' ISO mistura explosivo que. vol servtr
tação de Marx o mesmo rigor científico irretocável que Lévl- um a geração inteiro de filosofas.
Strouss lograra obter com o pensamento selvagem. Mos era /
preciso ter seguras as duas pontas da corrente: o combate teó-
rico e o combate político. Foi o que um certo número de
olthussertanos. entre os quais Dominlque Lecourt e Robert Linhort,
não suportou o propósito do número 8 dos Cahiers marxistes-lé-
nlnlstes, preparado por Jocques-Aloin MIiier, François Régnault e
Jean-Claude Milner: •o número tinha-nos parecido de um esote-
rismo total e houve uma cisão no final de uma série de sessões
surpreendentes que duravam até às três horas da madrugada.
Discutimos a ruptura epistemológico e o Sig nificante. Eu me
lembro principalmente da grande sessão de ruptura, em que
Robert Unhart discutia com Jean·Claude Milner sobre o Signifi-
cante e o lnsignlflcado do Significante durante horas a fio, paro
saber em que isso era materialista. Toda essa polêmica, lembro-
me bem. desenrolava-se num ambiente de impecável elegân-
cia"3ó.
É dessa ruptura que emana a revista da jovem geração al-
thusserlona. Les Cahiers pour f'ano/yse, que pode ser qualificada
de revista althussero-lacaniano. Ela situa-se no perspectiva de
um estruturalismo de combate como filosofia abrangente, e va-
le-se ao mesmo tempo de Althusser. Lacan. Foucault e Lévl-
Strouss. Aí se encontram os filhos de Althusser e de Lacan. uma
vez que todos os membros do conselho de redação. composto
de Alaln Grosrlchard, Jacques-Alaln MIiier, Jean-Claude Milner e
François Régnautt. são membros da organização de psicanálise
lacanlana. a Escola Freudiana de Paris.
De 1966 a 1969, Les Cohiers pour /'ano/yse vão conduzir um
trabalho eplstemológlco e Interrogar, portanto. o científicidade
da psicanálise, do lingüístico e da lógica. a fim de construir a
ciência, no singular. concebida como teoria do discurso, como
filosofia do conceito. Como divisa. os números do revisto osten-
tam em epígrafe uma citação de Georges Conguilhem,
O- ~ ----
desafio das ciências humanas é enfrentado nos anos 60
SAINT-CLOUD
o PCF desde 1958. Entretanto, este último linho ofudado os can- l lo Integro a ENS de Solnt-Cloud, é aprovado na ogrégaflon,
didatos de Ulm à ogrégation. entre eles Althusser. o passar no d o pols num doutorado em filosofia , leciona durante algum tem
concurso: "Fui eu quem o fez aderir ao partido / .. ./ Como o p o num liceu e finalmente ingressa no CNRS, na área de ciôn-
lamentol"3 • Arrepende -se de tê-lo conduzido para o que, desde o t lo s da linguagem. Realiza. assim. o conselho de Desantl de se
final dos anos 50, considera um impasse. Vê a obra de Allhusser lf\Slalor no interior de uma positividade, e torna-se diretor de
como um verdadeiro trabalho filosófico de complexificação do p o squisas do CNRS, no meio dos lingüistas: "Pessoas como eu
marxismo, mas que teria apenas ·uma função de retardamento. p o rceberom sempre Althusser como um fabricante de ideologia.
pois essa tarefa muito elaborada de manutenção do marxlsma- I .. / Ele cometeu a façanha de dar uma versão platônica do
leninlsmo estó muito pouco adaptada aos problemas do nosso rr1arxlsmo" 9 •
tempo. Quem é leninlsta nos dias de hoje, além dos albaneses?"' Ao contrório do construção de uma epistemologia em situa-
Desanti conjuga o estruturalismo e a fenomelogia na sua tn· ç ôo de exterioridade crítica em rela ção às ciências, Oesantl
vestigação das idealidades matemóticas. Estas, entretanto, não Inc itava, portanto, à condução de um trabalho de epistemolo-
são a resultante de uma evasão para fora do mundo, para fo. ula das ciências no Interior destas. o que Sylvain Auroux iró reo-
ra do campo da experiência: "Elas são o modo de exigência 11, ar: •como dizia Desonti nessa época. ser filósofo das matemó-
que leva a perceber a produtividade desse gênero de objetos, tic & é sltuor-se no campo dos matemóticos" 1º. A conversão de
os obfetos ideais"5 • Elas enraízam-se num campo orlginartamente 'iylvoin Auroux a uma positividade específico, a do lingüística, não
simbolizóvel, não dependendo, pois. diretamente nem da esfe- quer dizer que a filosofia tenha sido abandonado por parte dos
ra da inteligibilidade nem da do mundo sensível, mas de uma normalistas de Saint-Cloud, visto que Mortlal Guéroult os Inicio, por
intermédia entre ambas. Desanti apóia-se. em sua Investigação o utro lado. numa história muito estrita dos textos filosóficos.
dos obfetos matemóticos, na contribuição que, desde meados
do século XIX, constitui a emancipação dos estruturas e. depois,
Jó no início do século XX. nas contribuições do grupo Bourbaki
que permitiram construir objetos problemóticos simbolicamente
definidos: "É uma estrutura pobre mas a partir da qual é possí-
vel obter teoremas multo poderosos que permitem dominar as
cadeias de propriedades em campos de objetos Inicialmente
diferenciados"º.
Assim. Desanti foi estimulado pelo desejo de soltar a estrutura. ULM
de destacar a formo, a unidade. O seu profe to teórico de esta-
belecimento de conexões significantes com os princípios de fecha-
mento e de regras de passagem assemelha-se ao profeta estrutu-
ralista. Mas Isso não significa que renuncie aos atos propiciadores
de sentido e a essa busca eidética de uma região onde o senti-
E m Ulm, a figura tutelar da nova geração é Louis Althusser.
licenciado em filosofia em 1948, assume as responsabili-
dades de agrégé-répétiteur secretório çla Escola. chamado "ca,-
do é pré-constituído e. por conseguinte, suscetível de reativação. ma n• de filosofia do Escola Normal Superior. Mais do que
Nesse particular. Desantl permanece fundamentalmente fenomeno- Desantl, Althusser considera que o filosofia tem um papel a de·
logisto: "A exigência de ter que ligar os comportamentos à deter- se mpenhar vis-à-vis das ciências sociais modernas, enquanto
minação de uma estrutura subjacente repousa na questão do teoria das prótlcas teóricas. capaz de avaliar o validade clen·
sujeito. O sujeito não é abolido porque não significa nado, care- tífica das positividades o fim de lhes testar o verdade. Assim,
ce de estrutura. A estrutura é a estrutura disto. disto que se faz, para Allhusser, o filosofia não deve renunciar ao seu papel tra -
que é feito. que se quer fazer. e é preciso compreender essa re- dicional de disciplina-rainha. mesmo que tenha de renovar o
lação. É esse o problema que hoje se apresenta" 7• seu discurso e abrir-se poro novas problematizações.
O papel de destaque que Althusser e os althusserionos vôo
2 . Syllloln Auroux. entrevisto com o autor.
desempenhar na preponderância da Influência estruturalisto dos
3. Jeon-Toussainl Desontl. entrevista com o autor. a nos 60 está relacionado com essa capacidade poro enfrentar
4. lb.
5. J .-T. DESANTl Aufrement. nº 102, novembro de 1988, p , 116.
6 . Jeon-Toussoint Oesonti. entrevista com o autor. 8 . Sytvo,n Aurox. entrevista com o autor.
7. lb. 9 . lb.
HISTÓRIA DO ESTRUTUUAl/SMO
n~ quadro das confrontações internas do PCF, onde as posl- ques ílonclére, normalista em 1960. é imediatamente seduzido
çoes althusserionas são objeto de vigorosas críticas de Goroudy polo "dinâmico intelectual que se criou em torno de Althusser"25,
desde 1963. O estruturalismo também se vê utilizado, como no quando até então o cultura filosófico se limitava a Husserl e
coso dos lingüistas frente à história literária clóssica. como modo ltoldegger. Quando ele chega à ENS. •a geração que obtinha
de contestação das autoridades dirigentes, cuJo,. lmpreclsão e eI ogrégot/on era todo a velha guardo heldeggeriono"26; foi o
falto de transparência se denuncia em nome do rigor, da cien- tlltlmo ano do curso dado por Jean Beoufret, discípulo de Hei-
tiflcidode. Também em Ulm, nesse cadinho do conceito estrutu- «lagger. Com a nova guardo olthusserlona. é o abertura aos
rolista. é praticado a simbiose entre diversos continentes do 11ovos campos do saber. a ampliação do cultura filosófica o
saber. Michel Pêcheux tinha adquirido uma sólido formação lin- 11ovos objetos e o concretização de uma ruptura radical com
güístico, muitos freqü entavam os aulas de Georges Conguilhem h1do o que depende da psicologia clássica: "Para a minha ge-
e interessavam-se, portanto, pela epistemologia. A obro de Lé- m ç ão. Isso correspondia o uma espécie de libertação em rela -
vl-Strouss era conhecido por todos: "Eu me Interessara por Lévl- 1, 0o à cultura universltória"27 . · ~
Strouss um pouco por reação contra a norma imposto paro ob- Se os lingüistas Investem contra o homem e o obra, se os
tenção do diploma de moral e sociologia. Havia nisso um lodo untropólogos e ..Q§_Qsiconalistos contornam os modelos conscien-
de controculturo·22 • Althusser acrescentava o esse paradigma es- h s. os filósofos alth~erl ~optô'!' por a!_9~h~smo, /
truturalisto um Marx revisitado. efetuand7 um
retom.Q...o......rx, à 1f lJe é sepultado com júbilo ·e deleite como um traste obsoleto
11110 datava d<2.s tempos- i ~ i do bur~a t r i u ~ o m e m
maneira dos "retornos a• Soussure e Freud. Havia o sentimento
estimulante de que se poderio realizar, enfim, ~ ntesefilosó- (\ objeto de um ato de deposição, aevé entregÕr° os armas e
flco capaz de explicar os diversos forl"QOS...d,o ros;:j~ de con- 11 olJi'Rra-yfma e -deixar tug_ar paro Õsdiversos 1ógicas de con-
temporônea. paro além dos ciências sociais. - cllctonamento degue ele t apenas~ das ~tas mÕisi rrisó-
De maneira confusa, Althusser retomÕvo as orientações estru- ,1,,s. Nesse sentido, o empreendlmento...9l1!:'~rl~ o~eri3:0Jal-
turallstos, sem deixar de adotar uma certo dlstôncio crítico, em 111o nte, em sua contestação da validade e da próprla.....,exls-
nome do marxismo. De saída, havia uma tensão Interna nos 1 nela do sujeit~·- ao conj~nto do movimentÕ esfrütwaiista.
conceitos referidos que permite compreender por que Althusser
falará mais tarde de um "flerte• exagerado com o estruturalismo.
Tratava-se então de utilizar suo forço propulsora, o lado cientis-
ta de um positivismo lingüístico bem-sucedido, que se julga
capaz de Interpretar todos os domínios do saber numa semlolo-
gla global, a partir de um mode lo fono lógico simples. Moa
N em Deus. nem César, nem tribuno ... , nem por Isso Louis
Althusser deixo de se apresentar, aos olhos de muitos,
O REFORÇO DE LACAN c o mo um salvador supremo do marxismo. Ele tenta levar a
bom termo um empreendimento difícil, uma verdadeira aposta
Que equivale a colocar o marxismo no centro da racionalidade
dos crimes stalinistas e tinha sede de absoluto. O que permite a Os althusserlanos efetuam, portanto, um •retorno a .. ." o pró-
conciliação paradoxal de um voluntarismo político muitas vezes p rio Marx. separado dos comentários e exegeses elaborados até
delirante, de um mllllantismo encarniçado, com a concepção e ntão sobre sua obra e que encobriam. como urna cortino, um
de um processo sem sujeito que se une ao engajamento místi- conhecimento direto de suas teses. É no ato _de ler Marx ~e
co: "Como ocorre em todas as religiões, o sujeito aparta-se de se...i.Qs_cr,eye o orimeiro deslocamento dos althusseriangli..J>~Uais
si mesmo a fim de ser o agente de um processo. Eu fui educa- p articipam plenamente nesse .Q.nto. d.9_p,ru.o.dl.g r:na-est-ruturol,
d~ pelos jesuítas. É evidente. apartávamo-nos de nós mesmos. na me ida em que privilegiam a ·esfer,g_ru,_ qi§G_l.1/S.~ gico
nao sendo mais sujeitos perante o grande Sujeito que era 0 .Interno de um sistema .Le_ç,tJ_gdo em si mesmo. E certo que o
Processo. e assim salvávamos as nossas almas. Isso era inteira- ponto de visto de Althusser não deriva da lingüística, mas par-
mente concilióvel" 17• Para uma geração inteira, . Althusser vai tor- ticipa dessa autonomização da esfera discursiva que deve ser
nar-se o pólo de convergência de todos os que querem sair a bordada a partir de uma nova teoria do Ler. inaugurada pe-
dos academismos, encontrando nele o porta-bandeira, o ponto lo próprio Marx. ignorada pela vulgata e retornada por Althus-
de ligação: "Realizei os meus estudos em 1955-1960, e Althusser ser.
forneceu-nps uma espécie de iluminação. Era extraordinariamen- Essa novo p rótlca da leitura é denominada leitura sintoma!,
te estimulante" 13• q ualificativo tornado diretamente do psicanálise, em particular,
d e Lacan. Aí se reencontra o cará t er mais essencial do que
nâo é visível e que se refere à falto, à ausência. Althusser distin-
g ue dois modos de leitura dos clósslcos do economia político
e m Marx. Em primeiro 1,ugar, lê o discurso do outro, Ricardo,
Smith etc .. no Interior de suas próprias categorias de pensamen-
15. lloger-Pol Droit, entrevista com o autor. to. para captar os Insuficiências e estabelecer a diferenclali-
16. Jacques Bouveresse. entrevista com o autor. dade, mostrando assim o que não foi percebido pelos seus
17. Dominique Lecourt. entrevista com o autor.
l B. Pierre Macherey, entrevista com o autor.
predecessores. O resultado dessa primeiro leitura posslblllto "um
levantamento de concordâncias e dlscordânclas"20 • Por detrós .
dessa primeiro abordagem perfilo-se uma feitura mais essencial
de Marx, poro a lém dos faltos, lacunas e silêncios que foram
assinalados; essa re leitura permite a Marx perceber o que o
economia política c lóssica não via, embora visse. Torna manifes-
tos positividades não-problematizadas, não questionados por
seus predecessores. Marx foz assim aparecerem respostas onde
não havia a pergunta, num Jogo puramente lntratextual em O CORTE EPISTEMO LÓGICO
que ele vê o não-visto do v isto da economia político clássico:
"O não ver é , p ois, Interior ao ver, é uma forma de ver e, por·
tanto, estó num a relação necessórla com o ver" 21 • Do mesmo
modo que o Indivíduo exprime um certo número de sintomas
do sua neurose sem poder referir o que pode observar do seu
A lthusser utiliza também a noção de ruptura epistemológi-
ca que retoma de Bachelard, radicalizando-a sob o
l ormo de corte poro acentuar-lhe o caráter decisivo, termlnan-
próprio comportamento àquilo que o provoca, também a eco- to. Vai buscar, portanto, o seu modelo de análise na epistemo-
nomia política não pode ver e combinar o que foz. logia científica poro utlll.zó-lo em suo leitura da obra de Marx.
Esse modo de leitura combina uma dupla vantagem: de Oachelard aplicava particularmente a suo noção de ruptura ao
uma porte, a de inscrever-se no interior de uma exigência de ri· domínio da físico, com destaque para o mecânica quâ,rtica. a
gor lingüístico, ao procurar a chave da problematização no fim de exprimir o diferença entre conhecimento cientíticp e co-
Interior do próprio texto, em sua economia interna; e, de outro nhecimento sensível.
porte. a de oferecer um método que, à maneira da análise Althusser estende essa noção de ruptura ao valor do concel-
freudiana. considera que a realidade mais essencial é a mais 10 geral, passível de transposição para toda a história das ciên-
escondida, não se situando nem na ausência do discurso, nem c ias, sublinhando o necessidade de discernir as descontlnul-
no explícito deste, mas no entremeio de suo latência, necessi- /dº des o partir das quais se ergue este ou aquele edifício
tando, portanto. de uma escuta ou leitura particular a fim de o / ~léntífico. Em seu afã de apresentar Marx como o portador de
revelar a si mesmo. Se o erro grosseiro [bévue] Implica o ver, a uma ciência nova. Althusser percebe um corte radical entre um
vista depende das condições estruturais, das condições de exis- Jovem Marx ainda impregnado de Idealismo hegeliano, e um
t ência do dizer. do campo de possibilidades do dizer e do não- Marx científico da maturidade. Ora, "jamais Bachelard teria fa-
dizer. Esse deslocamento apóia-se tanto em Mlchel Foucault lado de corte entre uma ciência e um edifício filosófico
quanto em Lacan: "Althusser nada mais fez do que demarcar o nterior"24 • Segundo Althusser, Marx atinge o nível científico
os conceitos de Foucault e de Lacan•22 • Essa dlaletlzação do q uando consegue operar com êxito um corte com a herança
espaço do visível e do Invisível adota por modelo o trabalho fil osófica e Ideológica de que estava Impregnado. Althusser es-
de Foucault em sua Histoire de Lo folie [História da Loucura). in- ta belece, inclusive. as fases de gestação desse processo, e
vocada como exemplar no início de Llre le Copito/, nãq_ só a dato com precisão o momento dessa cesura que o faz Ingres-
p ropósito da relação de interioridade da sombra, das trevas e sar no campo científico: 1845. Tudo o que precede essa data
da luz, mas também a propósito da atenção às condições, pertence às obras da juventude, a um Marx antes de , Marx.
aparentemente heterogêneos, que constituem as positividades O jovem Marx é marcado, então, pela temótlca feuerba-
do saber em unidades: "Termos que provêm de notáveis passa- chlana da alienação, do homem genérico. É a época de um
gens do prefócio de M. Foucault para a sua Hístoíre de la Marx humanista, racionalista, liberal, mais próximo de Kant e de
fofie" 23 • Flchte que de Hegel: "As obras do primeiro momento supõem
uma problemática do tipo kantlano-fichtlano•25 _ A sua problemá-
llc a gravita então em redor de um homem consagrado à liber-
d ade, que deve restaurar a sua essência perdida na trama de
uma história que o alienou. A contradição a superar situa-se,
p ortanto. no alienação do razão. encornada por um estado
que permanece surdo à reivindicação de Liberdade. A seu
m algrado, o homem realiza a sua essência pelos produtos alie-
na d os do seu trabalho, e deve concluir a suo realização
m e diante a recuperação dessa essência alienado para tornar-
se transparente paro si mesmo. homem total. finalmente realiza-
20. l. ALTHUSSER. Ure Le Capita/, vol. 1, Pelile Colleclion Masparo, 1971 (19~). p . do e perfeito ao termo da história. Essa inversão é diretamente
16.
21 . Jb.• p . 20.
22. Daniel Becquemonl, entrevista com o oulor. 24. Dominique Lecourt. entrevisto com o autor. /
23. L. ALTHUSSER. Ure Le Capita/, op~ cft., vol. 1, p. 26. 1!S. L. ALTHUSSER, Pour Mane, Mospero, 1969 (1965), p. 27.
I
111,torlador. mesmo quo est eja fortemente comp rom otld o na ~
proveniente da obra de Feuerbach: ·o fundo da problomótlca
filosófica é feuerbochlono" 26 •
.._Segundo Althusser. é ero 1845 que Marx rompe com essa
concepção que fundamento o história e o político numa essfm.
~:~~::;~~: ~~;;:;!~e~:~~t:s:~m3~~:e:::;:~~~ó~~:
lhan te concepção, a qual se liga . de foto, à obra de
iê!:i;
ela dÕ homem, a fim de substitui-lo por uma teoria científica
1oucoult" 30• Althusser quis certam~nt~ escapar à vulgota_. stallnls-
da hÍstóriÕ. Õrticulodo com base em conceitos inteiramente no- la. propensãã entender tudo como reflexo do econômico. ao
vos~ elucl~oção, ç_ori'\o os d E:._formoção social._ d.2_ fo!90S p,o-
outonom líor U m C a_inpo_çl~tíflco purlfl~ a <!,o . EÍe susclt;-u, -pois.
autlvos, de relo_ç_ões de produção.. . Ele esvazio então os cote-
uma v er.d.QQ.elr.a..J.eJ)Oll.QÇ.Õo.....dO pensam_entg_marxlsta .
.. gorlos filosóficos de sujeito, de essência. de alienação. e efetuo
Mas ao oferecer-lhe um sistema fechado em si mesmo, pre-
uma crítica radical do humanismo, atribuído ao estatuto mistifi-
c ipitou ÓCri~: - ~ Õnunclou o firTI de um certo marxismo por-
cador do Ideologia do classe dominante. Esse Marx, o do ama-
que. após esse fechamento sistemático. ele nada mais produziu.
durecimento, abrange o período de 1845-1857, e permite o Se o marxismo estó vivo. não é contentando-se em exumar
grande obro científica do maturidade. O Copito!. verdadeiro conceitos científicos. Esse aspecto contribuiu para um certo de-
ciência dos modos de produção. portanto, da história humano. c línio do marxismo que ele quis. entretanto. salvar. Como cons-
Essa cesura fundamental percebido no interior do obro de lrulr um marxismo que é fundamentalmente um pensamento do
Marx é possibilitado pelo deslocamento do marxismo do terreno história com um método que é profundamente o-hlstórico?"31 •
do práxis paro o do epistemologia. Marx teria definitivamente
Se. no limite, Althusser serrou o galho onde estava sentado.
rompido, graças a O Copito/ que, como contribuição científica, nem por isso deixou de alimentar um segundo alento temp.oró-
ocupo um lugar Igual ao dos Principio de Newton. com o ideo-
rlo do pensamento marxista. e de reforçar todo uma corrente
lógico: "Sabemos que só existe ciência puro na condição de a
Intelectual modernista em conformidade com a busco de uma
purificar incessantemente. / ... / Essa purificação. essa libertação. ruptura radical tanto teórica quanto institucional e política.
só são adquiridos à custo de uma incessante luta contra o pró-
pria ideologia•21 . Enquanto que até então a obro de Marx era
percebido como a retomado do dialético hegeliana de um
ponto de visto materialista. Althusser opõe termo o termo a dia·
lético em Hegel e em Marx. Este não se contentou em recons-
tituir o Idealismo hegeliano. mas teria construído uma teoria cuja
estrutura é totalmente diferente. mesmo se a terminologia da
negação, da Identidade dos contrários, do superação do con-
tradição. pode levar a pensar numa grande semelhança de UMA TOTALIDADE ESTRUTURADA
enfoque: "É decididamente impossível manter, em seu aparente
rigor. o ficção da Inversão. Pois, na verdade, Marx não conser-
vou. ao Invertê-los. os termos do modelo hegeliano do socieda- lthusser subsl~~lgatg me<;,Q_QIC~~Q!j_g_d..u..Le:
de"28.
Essa descontinuidade que Althusser perce~ entr~ Hegel e
A ~ 0 ! 9 ! i d ade es!r.!!!u19.da ao qual o seotldo e
funç ão da poslcã9 de~gçi. uro.~o~,i.as.._g_QJJlQ.Q.O de
M-9.rx permite-lhe rompE:!_ cÕm avulgota eCOIJ.Q[!11Cisto stolinista, p r o d ~ Ãsslm. Althusser reconhece uma eficócia pr?pria da
qu~ _çon~ntovo em substltuJ.r o ~ ssêncl_9 políti_so·lq__eológlca superestrutura. o qual pode encontrar-se, em certos casos. em
c;je J:!egel pelo esf ~ <;!Q_ ~nômlco ~ssêncla....l,1as essa posição de dominância e. em todos os casos. figurar numa re-
crítica do mecÕnlsmo em uso no pensamento marxista foz-se lação de autonomia relativa em relação à infra-estrutura. t-essa
em nome do construçã-; de uma teo;i; p;:;Ta, de~ xty_oliza- desvinculação da esferg_lqe.QLQ.gicQ-R9.J.í!is.o gue oermite,J1....Al-
daT c õm õ tal -que elo tem acesso ao status de ciência. Para thusser salvaguardau:i. base socJg_~a_ l)oigQ Soviético. pois a
Ãlthusser, o moterlalismo dlalétlco é a teoria que fundamenta a sua autonomia relativa •explica muito simplesmente, em teoria,
científicidade do materialismo histórico, e deve preservar-se. por- que a Infra-estrutura socialista tenha podido, quanto ao essen-
tanto. de todo a contaminação ideológico que incessante- cial. desenvolver-se sem danos, durante esse período de erros
mente a assedia: "Vê-se que não pode mais ser, em última que afetaram a superestrutura"32 • Como se dizia na época. não
análise. uma questão de Inversão. Pois não se obtém uma ciên- se Joga fora o bebê com a água do banho, e se se pode fa-
cia invertendo uma ideologia-2'1. lar legitimamente dos crimes stallnlstas. do repressão feroz exer-
Q...JnateiloUsmo..J:)lst~. pois. a ciência da cienti{lcidade cida pelo poder sobre os mossas. não se pode falar ainda de
das cl@-Cla.s.. Um cientismo evidente Impregno. portanto. a exploração e fracasso de um sistema. que permaneceu funda-
abordagem olthusserlona. o que só pode deixar perplexo um mental e milagrosamente preservado ao nível de suo infra-estru-
26. l. ALTHUSSER. Pour Mar,(, op. cH., p. 39. 30. Pierre Vilar, entrevista com o autor.
27. lb.. p . 171 . 31. Paul Valadier. en!Jevísta com o autor.
28. /b.. p . 108. 32. L. ALTHUSSER. Pour Mane, op. clf.. p. ~ ·
turo, lndene em face da degenerescência burocróllc o e afe- tJo a dmirável paro designar a ausência em pessoa da estrutu-
tando somente as altos esferas do sociedade soviétic o . Althusser ro nos e feitos considerodos" 36 •
opôs à totalidade Ideológico-político hegeliano o totalidade es- Esse conceito de eflcócla de uma ausência, essa estrutura
truturado do marxismo, estrutura complexa e hierarquizado dife- doflnldo como causa ausente para seus efeitos. no medida em
rentemente segundo os momentos históricos pelo lugar respec- (lU& ela excede cada um de seus elementos, da mesmo mo·
tivo que os diversos instâncias (Ideológica. política ...) ocupam nol ro que o significante excede o significado, se aproxima o
no modo de produção. entendendo-se que o econômico per- osso estruturo o -esférica que define o Sujeito em Lacan, esse
manece determinante , em último instância. Sujeito construído a partir da falto, do perda do primeiro Slgnl-
Com Althusser. o estruturo pluraliza-se e decompõe-se o tem- llconte. Essa dlolétlco em torno do vazio encontro-se paralela-
põrâlldad·e- unÍtórla em temporalidades múlllplos: -·Não existe hls· mente em Althusser e Lo con, e o princípio de explicação,
rõrlã em- gerÕI. mas ~struturãs específicas de historicidade""· Só obviamente Infalsificável. pode acomodar-se a todos os molhos
hó, portanto, temporalidades diferenciais, situados numa relação como o gergellm. A purificação do marxismo atinge aí o mais
de autonomia a respeito do todo: "A especificidade de cada o ito grou de uma metafísico que "também sacrifica um Deus
um desses tempos, de cada uma dessas histórias. por outros oculto e Isso em nome do luto contra a t eotogla"37 • Essa filoso-
palavras, suo autonomia e Independência relativas, baseiam-se flo es.tr.u!vrall§to... q ~ ~ no de todo.§.....OS aq_ereçosdÕ clen -
num certo tipo de articulação no todo"34• tlflcld ade _parg_renovar o marxlsmo_ ou 2 freud~o. reforça-se,
Althusser port1clpa, portantoJ de uma desconstc.uçâo da histó- porta.filo- com....uma_ontologlzação daL estruturas. graças ao
ria;""' próprio do- paradigma estrutural. não mediante o negação conc~o de causalidade estrutural. Apresenta-se então o fato
"Ctd" hlsforÍcldademos' decompondo-a em unidades heterogê- de que •os estruturas são cousas profundas e os fenômenos ob-
..neos. A t otalidade estruturado em Althusser é desistoriêizodo e tervóveis slmples efeitos de superfície; / .. ./ essas estruturas têm,
descontextualizado, visto que se deve desllgó-lo do Ideológico pois, um status ambíguo•38 • São, com efeito, entidades- ocultas.
paro que tenha acesso à ciência. O conhecimento (Generoll· nôo suficientemente sólidas paro agir, dado que, enquanto es-
dode Ili) só é possibilitado pelo mediação de um corpo de truturas, elas não passam de puras relações; mos, por outro
conceitos (Generalidades 11) que trabalha em cima da matéria· l9do. são demasiado sólidas poro ser estruturas no sentido de
primo empírica (Generalidade 1). Tal abordagem assimilo o ob- L'o vl-Strouss e permitem assim explicar fenômenos observóvels
jeto de anólise do marxismo a os objetos dos ciências físicos e em te,mos de causalidades.
químicas, o que Implica uma total descentração do sujeito: ·~ Os ;ecursos o Lacan são onipresentes em Althusser, e a exls-
confundir ciências experimentais com os chamadas ciências hu· Jê ncla \:ie uma forte corrente althussero-locanlono na rua de
monas"35 • Ulm baseia-se. portanto, numa matriz teórica que perrr.::a ope-
ra r a simbiose entre os duas abordagens: da leitura slntomal,
passando pela causalldode estrutural ausente em seus efeitos,
poro culminar num outro Instrumento conceituai fundamental do
ollhusserionlsmo, Importado da psicanálise: o sobredetermlnoção.
"Eu não forjei esse conceito. Como Jó Indiquei antes, fui buscó-
lo em duas disclpllnas existentes - especificamente. à lingüístico
o à psicanóllse•39•
Esse conceito é central porque confere à controdiçãÓ marxis-
A CAUSALIDADE ESTRUTURAL ta suo especificidade, permite explicar a totandade estruturada,
o passagem de uma estruturo a uma outra estrutura, numa for-
. mação social concreta. Com a sobredetermlnação, Althusser
O
thusser ~
estruturalismo tentou escapar globalmente dos sistemas
simplistas de causalidade e, desse ponto de vista, AI·
trlbul por~ sso orientação, r~end.Q_ com_g teoiia
Importa outros conceitos freudianos, como o de condensação,
de deslocamento, que fazem suo entrado no campo do mar·
xlsm o. Essa Intrusão permite plurallzor o controdlçôo. quando
do reflexo, opondo-lhe o combinatório .Interno à estruturo do nõo a dissolve. Ela •vem corroer / .. ./ as disposições confortáveis
modo gg_pro~çâo:...Mas ~m p Õriss~un8.2._ à busco de do logos do controdlção" 40 •
um sistema de cousalidod~ dlsp~nsóv~_ora ~t~ corá·
ter clenfí~co de "SO"a feoiíà. Ele define, portanto, uma determina·
ção no~ a. qu~ gualr~ o d ~ ~usa.!!29de estrutural ou _gecousa•
tidade metonímico: ·creio que entendidocomo o conceito do
eficácia cte "'Uma cousa ausente, esse conceito convém de mo-
36, l . ALTHUSSER. u,e Le Capita/, op. cll.. V?I. 2 . p . 171 .
37 . J .- M. VINCENT, 'le théoricisme et so rectllicotion", em Contre A/tnuuer, op. clf..
33. l . ALTHUSSER. Ure Le Copito/, op. c lf.. vol. 2 . p . 59. p 226.
34. lb.. p . 47. )8 Vincent Oescombes. entrevisto com o outor.
35. K . NAiíl, 'Mondsme ou structuroll$me?'. em Contre A/thuuer. Ed. 10/18. 1974, ,:, . 39. l . AlTHUSSER. Pour Marx. op, c/1., p . 212. noto 48.
192. 110 J,·M. BENOIST. Lo Révo/utlon structurole, op. clt.. p . 85.
J.
um lnstr~mento de comunicação de significações que existiriam 1110s avalio Imediatamente o medida do Interesse de uma lrrup-
e pod~nom 5:.9r definid_as independentemente da linguagem"'º· t llo de suas teses no domínio da antropologia. A partir desse
A orientoçao que Pecheux dá à análise do discurso Inscreve momento, Terroy encontro-se, por conseguinte, Integrado no cír-
se no interlo.r do _concepção olthusseriano de ideologia, erigida ' 1110 dos olthusserionos.
em ver~adeiro su1etto do discurso. elemento universal do existên- No mesma época. trabalhava na Costa do Marfim um ou1ro
cia hlstorlco. É poro explicitar o vínculo entre linguagem e ldeo utnólogo que, amigo de Terroy, iria também compartilhar da
!ogla que Pêcheux constrói o seu conceito de discurso. Ele problemática althusseriana: More Augé. "Althusser· teve uma
colocou-se. ~ntre o que se pode chamar o sujeito do lingua 11norme influência porque aparecia como um libertador, um
gem e º. su1erto da ldeologia" 11 , no âmago da problemática de ,,,odeio de nuanças em relação à vulgata marxista• 1s. Em sua
um marxismo estruturalizado.
tnonografla sobre os aladianos. ele também testava, mas so-
rnen te em notas, a pertinência do modelo olthusserlano 16,
urnboro reconheço hoje n ão se ter sentido multo à vontade
11•s.sa ginástica de projeção teórico sobre uma realidade mal
11cloptada à grade de leitura que era a sua. na época: "Isso
11tio correspondia ao que empiricamente tinha sob os olhos. a
111be r, pessoas que se Interrogavam sobre a morte, sobre a
clnonça. sobre o além"17 • Esses modos de questionamento esta-
~11m, pois, multo excentrados em relação "aos Instrumentos em
O ALTHUSSERIANISMO 11 o no estrutural-marxismo althusseriono, o ~ue não deixou de
EM ANTROPOLOGIA 1mrmltir uma real abertura da antropologia a todo uma reflexão
••)bre o social e o econômico.
Balibar. "les concepts fondamentaux du matérlalisme hlstorlqu ,ti,monstror - e nesse ponto separo-se de Althusser - o restabe-
em llre Le Capital. lu, lmento do modo de produção copltollsto no União Soviética.
T*:rray vai testar o validade dos conceitos de modo de pr Apoiando-se numa Invariante, a do separação entre produtores
duçao. de relação de produção, de forças produtivas. sua a • detentores dos meios de produção que constitui o fundomen-
culoção com os estudos de campo do antropologia: "F 111 do organização da empresa no economia soviética, Bette-
depois de ler esse texto que escrevi a segundo parte do lholm deduz doí a dominância capltallsto da formação social.
livro, Le Marxfsme devont fes sociétés pr/mltlves 13, Isto é, uma r N11rno perspectiva estrutural-marxista. o sentido é um sentido de
feitura do trabalho de Claude Melllassoux a tra vés da grad 1malçôo definido por uma bipolaridade que opõe o proletário
conceituai proposta por Étlenne Bolibar" 14• Antes da publlcaçõ un burocrata. o qual, à semelhança do capitalista, se encontra
e nvio o seu t exto a Althusser. que o Julga não só pertlnen do o utro lodo da estrutura. ~J,rteresse da obJp de B~ttelhelm
10. lb. l•lltlla também numa atenuação do papel dominante atribuído
11. P. HENRY, 'lpist..mologie de L'Anotyse oufomatlque du dlscoura de MleMI "0 VUigata marxista ~ forças pr odutiVaS, ,.gceófuanctã:° rutl.e. CQn-
cheux", texto citado.
12. &nmanuel Terroy. entrevisto com o autor.
More Augé. entrevisto com o autor.
l:4 r: JÇDD.4.Y la A,A,,,..,Jvn,,a rlAvr,nf IA.e V\~t;h rvfrNHv-.~ Mr,~tô 1060
M AUGt. Le Rtvao• Alodlon. ORSTOM. 1969.
trórlo. o Importante papel desempenhado pelos relações sociais
deproduçõo no próprio orgo.nlzaçõo do produçõo'ª· Concorda
- nesse- ponto com Bolibar por considerar que o nível das forças
produtivos é também uma reíoção de produçõo. Questiona a
: i.~:~~~:,~,º~:~~~:~~,~~~~:~:~:~:~·~~~~:~~~"~~~~~
11 para dizer: no seu princípio, Freud fundou uma_ ciêncio"22. Ora,
lllfla ciência deve ter seu objeto próprio; ela nao pode constl-
li
neutralidade das forças produtivas. tese que seró retomada 11111 88 como simples arte de acomodar os restos. Após a desca-
mais tarde por Robert Linhart no seu estudo sobre as contradi- i> rto freudiana desse objeto específico, o. inconsciente, Lacan
ções inerentes no desenvolvimento do socialismo soviético.
11 p resenta. segundo Althusser, um passo adiante na constltuiç_'.lo
Lénlne, /es paysans, Tay/o,19 • psicanólise como ciência, ao situar a passag~m da exlsten-
110
Robert Llnhart mostra a oposição entre a construção de uma 1 lo biológica paro O existência humana no registro da Lei da
realidade socialista e a aplicação pretendida por Lenin. desde Ord em, que é O da linguagem. Segundo Althusser, a contrlbul-
1918, do modelo taylorlsta. o qual subentendia uma divisão nl- t'Jo de Lacan situa-se na prevalência que concede ao simbó-
ttda entre uma tecnocracia dirigente e os executores. Essa apH-
cação do taylorismo subverte a divisão técnica do trabalho, ao
;~t O
sobre O Imaginário: ·o ponto capital que Lacan elucidou:
nl\SeS dois momentos são dominados, governados e marcados
mesmo tempo que retiro dos operários o seu saber próprio a , 1 d · ból'1 co"23·
fim de o transferir para uma burocracia patronal. 1,c>r uma unlca Le , a o s,m _ r-
Essa descentralização do ego. sua subordinaçao a uma o
Entretanto, o caráter muito teórico das teses althusserianas d o m que lhe escapa junta-se à leitura que Althusser !ªzde
não permite realizar uma brecha decisiva e Imediata no territó- Marx segundo O qual a história é um processo sem sujerto._h.s,
rio dos economistas, que só serão verdadeiramente sacudidos •lm. ~m althuss~o~c~l~~odi~a.J)_ha! Impulso e fazer do
pelo ollhusserianlsmo após a onda de choque do movimento p a r Marx/Freug_ q_grand~ ~óqulna de pensar _doJ_ arios 60.
de maio de 1968. r..Jondo O um morxísm§ r~n_g_Y.a dQ' um segundo fol~ go de que
hlo ben...fill_cif!J.·S§1_sobr~do n Q_ ~s-28.
\ /
ALTHUSSER: INTRODUTOR DE LACAN
)
I
1 G lAPOUGE. ·encore un effort et j"ouroi épousé mon temps'. La Qulnzalne llt-
1,,01,e.nº 4~. 16-30 d<t março de 1986. p . 30.
2. A. BAATHES. Euo/s crlflques, Polnt-Seull, 1981. "Avont-propos: 1971", p. 7.
, . ._ --- ...............
HISTÓRIA DO 1:smururMI ISM O
15. A.-J. Gl'lEIMAS. 'l'analy$e structurale du récit'. Comf'f'IJricaflon$, 8, 1966. reed 19. CI. L~VI-STRAUSS. lb .. reeditado em Anthopologle structvrde deu><. op. cll.. P
Points-Seul. 1981. p. 34. 159. ('A Estruturo e o formo'. cop. VIII de Anl10po/ogla E,tn.Jturd Dol$. op. clt.. pp.
16. Claude 8<émond, entrevista com o autor. 121 e ss.
17. /b. 20. V. PROPP. no Apêndice o Morphologla de/la flabo. Turim. 1966.
18. CI . LÉVI-STRAUSS. "lo Struclure et lo forme' , Coh/ers de /'lmtltul de sc/ence 21 . V. Pl'lOPP. Les Racine• hlstorlqve$ civ conte. Gollimord. 1983.
"" r,,... ,,..a R.r6rnnnd. entrevisto com o autor.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO U 711'10' c=o
1953, a matriz Invariante de todos os livros posteriores, e Interro- góvel de que o esftuturollsmo estó na modo~ modo tem isso
ga-se sobre os mecanismos geradores do êxito popular do de- éxo~qgru_- ~e a..Q._crlticó -la jgmbém ~celtqmos-2:_o~
figura heróica de James Bond. Eco desloca então a anólise ha- fine o fenômeno como a expressão de duas grandes idéias: o
bitual das obras de Flemlng, que valoriza os aspectos ldeológl· de totoNêiode e o de lnt;rdependêncla, ou seja, o 15usco de re-
cos, ao mostrar que eles respondem sobretudo a uma lações entre termos dlf~esÕprÕximocÍos. não o despeito de,
exigência retórica. O mundo de Flemlng é um mundo manl· mas em virtude de suas diferenças. O estruturalsmo cansaste, por·
queísta por comodidade, no arte de persuadir o leitor: 'Remlng tanto, "em procurar as relações que dão aos termos que elas
não é reacionórlo pelo fato de preencher a casa 'mal' do seu unem um valor de posição num conjunto organlzodo" 27 . More
esquema com um russo ou um Judeu; ele é reaclonórlo porque Borbut interroga-se sobre o sentido da palavra estruturo em ma-
procede por meio de esquemos"23 • Eco desloca, portanto, a ca- temótlca, e evoco o utilização onológlca que Lévl-Strouss foz do
racterização do reacionórlo, atribuída o Flemlng, para qualificar sistema dos quatro classes na suo anólise de parentesco Karlera.
um gênero particular que é o da fóbulo, cujo dogmatismo que Quanto o Grelmas, analisa as relações entre "estrutura e histó-
lhe é Inerente induz um pensamento por esquemas inevitavel· ria" para sublinhar a ausência de pertinência do dicotomia saus-
mente reaclonórlos. suriana entre diacronia e sincronia. a que opõe o concepção
Por seu lado, Todorov se apóia no deslocamento efetuado de H)elmslev do estruturo como mecanismo acrónico. Responde
pelos formalistas russos para estabelecer as categorias da narra· assim à critica de antl-hlstorismo feita ao estruturalismo, e cito a
tiva llterórla no quadro do que )6 não é um estudo da Utera· decomposição da temporalidad e em Fernand Broudel em três
tura mas da literalidade; não mais o apreensão direta das temporalidades: estrutural/conjuntural/eventual, para saudar a i um
obras, mas das virtualidades do discurso literório que as torna- esboço reflexivo e uma tentação de Integração da estrutura nos
ram possíveis: "Assim é que os estudos literários poderão vir a ser historiadores. mas sem que adira por esse fato ao uso que dela
uma ciência da literotura'24 • é feito: "Tal concepção não resiste 1nfettzmente ao exame. Não
Quanto o Gérard Genette, ele se Interroga acerco dos fronte!· se vê, inicialmente, como estabelecer o e quação postulando
ras do narrativa a partir dos definições que dó à tradição clós· qut o que dura mais é mais essencial do que o que dura
slca de Aristóteles e de Platão, até o uso que lhe é dado na pouco•28 • Para um estruturallsto, segundo Greimas. tudo se situo
escrita romanesco contemporâneo em Phlllpe Sollers ou Jean Thl· no hjvel do modelo metafingüístico. e numa tal perspectiva. a di·
baudeau: estes exprimem o esgotamento do modo representa· mens'õo histórico é relegado paro o papel de "pano de fundo"29•
tlvo e anunciam, talvez, a saída definitiva da Idade do represen· No mesmo número de Les Temps modemes, Mourice Godelier
toção. A_ conJl!nçã9 de_ tod~ ess~con.tdbulçi>es oferece um afirma a pertinência da filiação entre Marx e o estruturalismo.
lme~ ~mp~e~~ J::!ara O§_homens de let_!Qs,._ que vão ~ orx •anuncia a corrente estruturollsta moderno"30 • Portanto. Ma.rx
se apoderar ~ s s ~ o v ~riei;rt.Qçõ§,S_pJJJO c,ontestoL..o..dlscurso é ~to a partir da obra de Lévi-Strauss como o verdadeiro pre·
do!!!ínan.!_e dQ. história literó,!)o clóssica com um entusiasmo tanto cursor do paradigma estruturalisto na medido, em que permitiu
maior uma vez que o projetopare"c;. ao mesmo tempo, colell· dissociar os relações sociais visíveis e sua lógica escondida. quan-
vo e promissor do edificação de uma verdadeiro ciência nova. do rechaçou o historicismo para fazer prevalecer o estudo estru-
tural e. por fim, desdobrou o contradição de que ele não se
situo no selo de uma só estruturo mos na combinação de "duas
estruturas irredutíveis uma a outro, os forças produtivos .e as rela-
ções de produção" 31 . Por seu lodo, Pierre Bourdleu anuncio _os
bases de uma sociologia do p ensamento Intelectual e do ena·
ção artístico que deve superar o oposição tradicional entre esté-
tica interno e externo, graças o um método estrutural rigoroso:
'/ .. ./ o campo Intelectual (e por Isso mesmo o campo cultural)
LES TEMPS MODERNES possui uma autonomia relativo. que a~torlzo o autonomização
metodológica efetuada pelo m étodo estrutural ao tratar o cam-
32
po Intelectual como um sistema regido por leis próprlos• •
S lnal de um êxito que permite transbordar todos os diques.
a revista de Sartre, Las Temps modernas, dedico em 1966
um número especial ao estruturolismo25 . Jean Pouil!Qn, QJ,!8 se
-
26. J. POUILLON. lb .. p. 769. IPP· 7-8 do ed. Zohór.]
en~rregg_ d~e_resentar o número, porte do constatação lne•
------ -- - -- --
27. Jb .. p. 772. [p . 10 do ed. Zohor.]
28. A .-J. GREIMA S. /b., reed. em Ou $&r>S, l e Seui. 1970. p. 106. (P, 56 do ed. Zo·
hor.J
23. U. ECO. communlcations, n• 8. 1966, ,_d. Points-Seuíl 1981, p. 98. 29. lb .. p . 107. (p. 57 do ed . Zohor.J
24. T. TODOROV. lb.• p. 131. 30. M . GOOELIER. 'Systeme, structure et controdiction dons te Capltd". Les Temps
25. Les Ternps mod&m~u. 'Probk}mes du structurolisme". n• 246. novemb<o de 1966. modarnes. n• 246, novembro de 1966. p. 832. IP, 67 do ed. Zohor.l
contrbuições de J. POUILLON. M . BARBUT. A.-J. GREIMAS., M . GOOELIER, P. BOUR· 31. M . GOOELIER. tes Temps modemes. n° 246. ort. cltodo. p . 829. IP, 68 do ed.
OIEU, P. MACHEREY e J. EHílMANN. (Com o título de Problemas do Estrvl\Jrolfvno. Zohor. J
"-a " 1' • , _0 ,,... rto lo't T,:a,rnrg rnndwne.J foi traduzido e editodo no íntegro pelo Zo· 32. P. 80Uíl0 1EU. 'Chomp lntelhactuel e t projat créotaur". /b. p . 866. (P l 06 do
É sempre a morte do homem, a sua dissolução nos estrutu-
l\~~i
ras, o que provoca as reticências e críttcas da revista Esprít. Por
um lado, Mlkel Dufrenne coloca num mesmo plano o neoposi-
tlvlsmo em voga numa França que descobre com atraso o
positivismo lógico anglo-saxão e que o interpreta à sua manei·
ra, e o anti-humanismo: • A filosofia contemporôneo manifesto
suo Indignação contra o homeml"36 Por outro lado, Paul Ricoeur
ALÉTHÉIA reconhece que a conquista do ponto de vista estrutural é uma
conquista do cientificidode, mas é especialmente oneroso, e o
ganho que elo permite paga-se bem caro com duas importan-
-------
ESPRIT
\ \_
SARTRE SAI DA SUA RESERVA
tese eclético em que Robbe-Grlllet. o estruturalismo. o llngulstlco, lidado do referê ncia o um grupo estruturolisto qualquer que te-
Locon, Tal Que/, são utilizados sucessivamente poro demonstrar nha alguma homogeneidade: "Quem vai acreditar que nos
o lmposslbllldode de uma reflexão histórico. Poro ló do história, comblnamos"4ó? Claro que não se trota de complô mos de de-
bem entendido, é o marxismo que estó sendo visado. Trato-se bate de Idéias, e Jean-François Revai, virulento crítico dos teses
de constituir uma Ideologia novo, o ütimo barragem que o bur- estruturallstos em suas crônicas de L'Express, poro comentar a
guesia pode ainda erguer contra Marx" 40• respeito do número de l 'Arc dedicado o Sartre, escolhe o títu-
Após esse ataque um tonto redutor. Sartre pondero acerco lo "Sartre no pelourinho". Cito, o propósito, •o rei Lear", rene-
de seus pontos de visto, precisando que não é, de formo algu- gado, despojado por suas filhos"47 , e acrescenta à onologla
ma, hostil ao método estruturalisto, quando este se mantém sortreono da correspondência entre o advento de uma tec-
consciente dos seus limites. Se, paro Sartre, o pensamento não noestruturo e o sucesso de uma doutrino anti-histórica e nega-
se reduz à linguagem. nem por Isso deixo de ser uma peço dora do sujeito. uma correspondência de ordem político com o
fundamental do suo filosofia que corresponde o um elemento goulllsmo no qual o cidadão francês é falado quando o seu
constitutivo do prático-Inerte. Se o obro de Lévl-Strouss é visto papel se limito a ouvir o general enc·m119r a falo da França no
com benevolência aos olhos de Sartre, este responde, não obs- decorrer de suas famosos conferências de Imprenso.
tante, à polêmica trovado contra ele em La Pensée sauvage
ao considerar que •o estruturalismo. tal como o concebe e o
pratica Lévl-Strauss. muito contribuiu para o descrédito atual do
hlstório" 41 . Paro Sartre, Lacan participa totalmente do estruturalis-
mo, no medido em que o seu descentromento do sujeito estó
ligado ao mesmo descrédito do história: •se Jó não existe próxls,
tampouco pode haver sujeito. O que nos dizem Locon e os psl-
conallstos que se valem dele? O homem não penso, é pen-
sado, tal como é falado paro certos llngülstos" 42 • Reconhece, O ESTRUTURALISMO CRUZA O ATLÂNTICO
não obstante, o filiação freudiano do idéia de Lacon. pois o lu-
gar atribuído ao sujeito em Freud Já era omblguo e a curo
analítica pressupõe. por princípio, que o paciente se deixo agir,
abandonando-se às associações livres. A mesmo crítico de
o-historicismo é endereçado o Althusser, que privilegio o concel·
O ano de 1966 é também o dos grandes encontros, sim-
pósios e colóqulos. O polócio de Cerlsy permanece
como um centro Importante de atividade Intelectual, e acolhe
to em suo otemporolldode à custo da noção, sem perceber o nesse ano um colóquio sobre · os Rumos Atuais do Crítica•, cu-
•contradição permanente entre a estrutura prót1co-lnerte e o hO· \ los atas serão publicados em 1968 pelo Editoro Plon.
mem que descobre estar condicionado por ela"43 • Nos margens do logo Lemon, realiza-se em Genebra, em se-
~nfim, Some.. atribui essa explosão dus_clências humanas em tembro de 1966, um congresso de filosofia de língua francesa
sobre o linguagem. cujos debates gravitam em torno dos expo-
torno do pa~dlgmo ~ruturallstg_~.!f!!portação nort~;.ome-
sições apresentadas por Émile Benveniste e Mlrcéo Eliode. Mos
rlcana; tratar-se -ia do adaptação Ideológico a uma civilização
o efervescência francesa do momento começa também o sus-
tecnocrática na qual lá não há lugar para o filosofia: "Veja o
que se passo nos Estados Unidos: a filosofia foi substituída pelas c l to r Interesse foro da Europa: em outubro de 1966, uma
ciências humonos"44 • Nesse ano de 1966, durante o qual as 8 grande cerimônia estruturalisto é organizada nos Estados Unidos
52 do presidente Johnson bombardeiam cotldlanamente o Viet- sob os auspícios do Centro de Humanidades do Universidade
nã do Norte, compreende-se o que ponto essa apreciação John Hopkins. É a primeiro vez que o estruturalismo atravessa o
pode ser Infamante para os mosqueteiros estruturolistas. Atlântico poro conquistar o Novo M undo. Os americanos perce-
O caso provoco, aliás, grande alvoroço. pois desejava-se vi- bem multo bem o fenômeno do pensamento crítico no França
vamente que Sartre desse o seu ponto de vista sobre os suces- como plurldisclpllnor e convidam os representantes das diversos
sivos questionamentos à suo filosofia desde o Início dos anos 60. c iências humonas 48 : Luclen Gol~monn e Georges Poulet sõo
Le F/garo llttéraire pratica o dramatização máximo com esta con vidados poro representar a crítico llterário de tipo sociológi-
manchete de primeiro póglna: "Locon Julga Sartre•. Locan res- co. Rolond Borthes, Tzvetan Todorov e Nicolas Ruwet para a
ponde a uma entrevisto no qual Ironiza e relativizo o tomada semlologio literário, Jacques Derrldd1 no qualidade de filósofo por
de posição de Sartre: "Não me situo absolutamente em reloçõo seu trabalho sobre Soussure e sobre Lévl-Strouss publicado no fi-
o ele' 46 • A linho de defeso de Locon consiste em recusar o va - nal de 1965 na revisto Crltlque49, Jean-Pierre Vernont por suo
50. The Sfrucfurdlst·s Confroversy. The Longoges of Crfflclsm ond the Sc/ences oi
Mon, ed. organizado por Richard MARKSEY e Eugenio DONATO. lhe John Hopkln1 1, M. FOUCAULT. Les Mots et /es chos&s. op. clt.. p . 221 .
Press, Baltimore e Londres. 1970 e 1972. a. M. FOUCAUll, 'lectures pour tous'. 1966, clocument INA. difusõo Océonlqu&s. FR3,
51. Jean-Pierre Vernont, entrevisto com o autor. 13 de Janeiro de 1968.
HISTÓRIA DO EST(WTURAL/SMO 34. 19ó6: O ANCJ I UI li. f OUCAULT V/:NDC COMO PÁCZINIIOS
etnológica que eu quis reconstltuir"4; e Foucault Investe contra to- somente a paternidade. À questão de saber quando ele deixou
da e qualquer Iniciativa de Identificação com a figura puramente de acreditar no sen11do, feita numa entrevista que concedeu a Lo
efêmera do homem, ao mesmo tempo recente e destinada a Qulnzaine líttéraire, Fouoautt responde: "Q.. QQOÍO de. r~P1Y!.a situa-se
desaparecer proxímamente. Deus está morto, e o homem segue-o no dia em_ q_u~ Lévi-Stra_uss e Lacan, o primeiro no que__~ refere
para um desaparecimento Irresistível, para o qual trabalham. em às sõc1êaodes e o segundo no que diz respeito ao in,c~iente,
especial. as ciências que se valem de sua existência: "Paradoxal- mõstraram- que- o sentido nãÕ era,fprovavelmente, mais do que
mente, o desenvolvimento das ciências humanas convida-nos mais um efeito de superfície, uma rever,beração, uma espuma, e que
ao desaparecimento do que a uma apoteose do homem"5• o que nos penetrava profundameMte, o que estava antes de nós,
É manifestamente essa morte do homem que fascina a época, o que nos sustentava no tempo e no espaço era o sistema" 11 •
e numerosos são aqueles que se comprimem atrás do cortejo fú- Raymond Bellour traz seu decidido apoio às teses foucaultianas,
nebre. As negações sucessivas do sujeito na lingüística saussuriana, ao passo que o acolhimento que lhe reservará o seu partido (o
na antropologia estrutural e na psicanálise lacaniana acabam de PCF) será nitidamente mais reservado; mas ele desfruta de certa
encontrar em Foucault aquele que reinstala no próprio âmago da autonomia em Las Lettres françaísas. onde entrevista Foucault. Vê
história cultural ocidental essa figura enquanto ausência, enquan- neste o Iniciador de uma ver9adeira revolução no domínio da his-
to falta em torno da qual se dobram as epistemes. tória das Idéias, quando elf' restabelece o totaUdade lógica dos
conceitos de uma épocajrelegand~ ~ara os porõe~ .da história o
que até então passava ror ser a b1bl1a nesse dom1n10, O famoso
"Acaso" e sua Crise da consciência européia. Com lucidez.. Ray-
mond Bellour percebe, sob a filosofia, o escritor de estilo fulgu-
rante: "Esta época terá visto nascer, sob o rosto dos decifradores
do sentido, um novo tipo de escritores'"12•
Em todas as sua.!_~!!9.9~! -ryiú!!!P.Jq~_[le~ ano de 1_966,
F ucault não ~f! ca ~
O EFEITO FOUCAULT
- -- ---.....--
si ar-se firmemente ao lado de Lévi-Strauss, Dumezil, Lacan e AI·
. -- .
th~er. ou s~a. da modernidod"ª-dq_.s.éç_vlo._LX. O que justifica
piênarnente a -;;~~Õ de Didier Êrlbon: "Parece evidente que
---
e rem_§),!'?r Sartre para_ o ~éculo Xl'S_ e de
4. lb.
5 . lb.
6 . J. LACROIX. ' Lo fin de l'humanisme'. Le Monde, 9 de junho de 1966.
7. R. KANTERS, 'Tu couses, tu couses, c'est tout ce que tu sois loire', Le Flgcro. 23 de i l. M . FOUCAULT, entrevisto, La Qulnzcine Jtfférdf8. nº 5, 15 de maio de 1966. [Cf. Es·
junho de 1966. fNlvrollsmo, op. cff.. p. 301.
8. F. CHATEtET. 'l'horrme, ce Norcisse íncerton', Lo Qulnzdne lffércite. 1º de obril de 12. R. 6ELLOUR. L&s Leltres franço/S&s, n° 1125. 31 d& março de 1966. reimpresso em
1966. to Uvre des autres. 10/18, 1978. p. 14.
9. M . CHAPSAL L'Expres,, n• 779. 23-29 de maio de 1966, pp. 119-121. 13. D. ~RIBON. Fouoo.,ff, op. clf.. p. 189.
10. G. DELEUZE. "l'homme. une existence douteuse·. l& NouvQ/ Ohw>rvotoo, 1° do lu 14 1 PIAG; ET L• Slrvclvro/13mo. PUF. ·Que sols·le?'. p , 106.
brlr que o Terra não está no centro do universo, revoluciona o
c ampo do pensamento e desloca a soberania primitiva do ho-
mem. Darwin, descobrindo em seguida que no limiar do homem
está o símio, recoloca o homem no estágio de episódio num tem-
po biológico que o ultrapassa. Depois, Freud descobre que o
homem não pode conhecer-se sozinho, que não está plenamen-
te consciente e conduz-se sob a determinação de um Incons-
O HOMEM: ciente a que não tem acesso e qtie"-no entanto. torna inteligíveis
seus fatos e gestos.
FIGURA TRANSITÓRIA E EFÊMERA Por conseguinte, o homem viu-se despojado, por etapas, de
seus atributos. mas reapropriou-se dessas rupturas no campo do
L es Mots et les choses situa-se, sobretudo, na linho do traba·
. , l~o de ~eorges Conguilhem. Foucault anafisa aí Igualmente
saber para fazer delas ou1Tos tantos instrumentos de recuperação
do seu reino. Apresentou-se, pois, ao século XIX em toda a sua
a histona cientifica a partir das descontinuidades e do desconstru- nudez. na confluência de três formas de saber, como objeto con-
ção nietzscheana das disciplinas estabelecidos. Essa base creto, perceptível. com o surgimento da filologia de Propp, de
nl~~scheana do abordagem de Foucautt reconhece-se numa re- uma economia política com Adam Smith e Ricardo, de uma bio·
Je1çao radical do humanismo. O homem-sujeito de suo história, logla com Lamarck e Cuvier. Aparecia então o figura singular de
atuante, consciente de sua ação. desaparece. A sua figura só um sujeito vivo. falante e trabalhador. O homem seria, portanto.
aparece em data recente e sua descoberto anuncia seu fim pró- fruto dessa t ríplice resultante. ocupando o lugar central desses no-
ximo. "2 suo . P?sição central no pensamento ocidental não passa vos saberes, figuro indefectível desses dispositivos de conhecimento,
de llusao, d1SS1pado pelo estudo dos múltiplos condicionamentos seu significado comum. Pôde então reinstalar-se numa posição so-
que ele sofre. O homem é assim descentrado, engolido de novo berano em relação à natureza. A astronomia permitiu a físico, o
na p~rlf~r!a das coisas, sob influências, até perder-se na espuma biol~gla permitiu a medldna, o inconsciente permitiu a psicanálise.
dos dias. O homem / .../ nado mais é, sem dúvida. que u-na cer- Ma essa soberania é, paro Foucault, simultaneamente recente,
ta brecha na ordem das coisas. / ... / o homem não passa de co denodo o desaparecer e Ilusória. Na esteiro J:la...Er.e-YQ, qqe
uma Invenção recente. uma figura que não tem dois séculos. d~sa,obr~ o lncon~clente da~ práticos ~ dianas do hQi.víduo. e
uma _sl~ples dobra em nosso saber" 16• Foucault dedica-se, pois, a de Lévi-Strouss, que se liga ao inconsciente dos_p~ letlvas
hlstonc1zar o advento dessa Ilusão que seria O homem e que só das soei dades, Fou cãult part eem busco do iQc.oos.cJ.e.nte das
nasceria neste mundo no século XIX. o que existia na Idade gre- clên as que se crê habitados por nossas c ÕÔsciêocios.
ga eram os deuses, a natureza, o cosmo; não havia lugar para oi é a revolução c~erni"õanã q°7Je ele- quer r~alizar poro des·
um pensamen~o do sujeito responsóvel. Na problemóttca platônica. mistificar o humanismo que é, poro ele. o grande perversão do
a_ cul?a é atribuível a um erro de julgamento, à ignorância. e período contemporâneo: "A nossa Idade Médio na época moder-
nao a responsabilidade Individual. na, é o humanisrno"18• O principal papel do filósofo, segund_g .Fou·
O homem tampouco tem lugar na episteme clóssJca. Tanto a cault. consiste, p-9.!_fonto':'em_ a~rrubor o obstÕculo ~~temo~gico
Renascença quanto o racionalismo dos clósslcos não puderam fOrmado pelos privilégios concedidos ao e ífo ao sujeito como
P:nsar o homem. Foi preciso aguardar uma brecha na configura• consciência e s~ Ocio .. F'°;~cault teorizo plenamente a ~ onstltui-
çoo do saber paro que o homem viesse a ocupar o centro do ção de uma verdadeira base filosófico onde se Interligam os
campo do saber. A cultura ocidental é, então, aquela que con- diversas semióticos, tendo l odos o texto por ponto cordeai e sub-
fe!e ao homem o seu melhor papel. Ele apresento-se numa sltuo- metendo o homem o uma' ted.e.. que o dissolve o contragosto:
ça_o central, a de rei da criação, referente absoluto de todas as "Acabar com o velho filosofemo do natureza humana. com esse
co~~s. Essa fetichizoção exprime-se. em particular, numa forma fl. homem obstrato"19• Tal é a perspectiva foLicoulttono. Junto-se à de
losofica. com o introdução pelo ego cartesiano do sujeito como Lévi-Strauss. a qual evocava também a figura fugitiva do homem:
substância, receptáculo de verdades. Elo Inverte a problemática "O mundo começou sem o homem e acabará sem ele"20 • Aliás,
do erro e do culpa tal como funcionava no Antiguidade e ainda Foucoult prestará homenagem a Lévi-Strauss quando permite, gra-
no escolástica medieval: "A subordinação Inverte-se e é O esque· ças à etnologia, dissolver o homem, desfazer sucessivamente todos
ma d<;> erro que se relativiza ao da culpa: enganar-se, / .. ./ é aflr- as suas tentativas de positividade. A etnologia e o psicanálise
m ar li~remente, por melo de sua vontade livre e Infinita, ocupam um lugar privilegiado no nosso saber moderno, constata
conteudos de sentido do entendimento que permanecem Foucault: "Pode-se dizer de ambas o que Lévl-Strouss dizia do et-
confusos" 17• Entretanto, como observa Foucault. segundo Freud. es- nologia: que elas dissolvem o homem" 21 •
se homem conheceu na história do pensamento ocidental um E~ rtlcieaç ão de folecimentq_de que Foucoult eigpolou o
certo número de grandes feridas narcísicas. Copérnico, ao desco-
18. M . FOUCAULT. ffonce-Cultu ..i. rodiodifusôo em junho de 1984.
19. J .-M. BENOIST. La Ré vok.Jtlon slructurde. op. clt.. p. 27.
16. M. FOUCAULT. Les Mofs ef /es choses. op. clt.• p. 15.
20. CI. l~VI-STílAUSS. Tristes Trop/Ques, op. clt.. p . 447.
17. J .•M. BENOIST, La Révolulion slrucfurd<> " " ,-,H " """
_e_aróbolg__gQ.Çiq_ R_arecer paradoxal na hora da explosão das clên· o coroló rlo necessórlo da desce ntração do sujeito: "O ser hum a -
clgs humanas. .roas fou~ault concebe a. psicanólise e a etnoto gla no d eixou d e te r história ç u._melhor dizendo, uma vez que fala,
como •contrg_cJ~nçi9.,s'~ e o status valorizado que lhes confere Jun- trabalhg _e vive, se en contJ,.g e m seu p róerio ser. todÔemedado
ta-se ao paradigma e s!Tuturalsta que as destacou como Importan- e m histórias que não lhe são nem subordinadas nem homogê-
tes chaves da Inteligibilidade moderna. A revolução estrutural é, n~ T
L.. o homem que a·p coo~ênoin1CiõCí(;7éCuio ·x ix~estg
nesse plano, •guardiã da ausência do homem"23 • desistoricizado''2°. A consciência de si dissolve-se no discurso-obje-
to. na multiplicidade de hlstórias-l}eterogêneas.
Foucault procede a uma desco~ução da história à maneira
d o cubismo, à sua fragmentação numa constelação desumani-
zada. A unidade temporal é. nesse caso. apenas ficcional. não
o bedece a nenhuma necessidade. A história pertence apenas
a o registro do aleatório, dia contingência como em Lévl-Strouss, é
a o mesmo tempo incontornável e insignificante. Entretanto. ao
TEMPORALIDADES MÚ LTIPLAS, c ontrário do estruturaDsmo l~vi-straussiano. Foucault" Jigo s~ fld!!_,a à
- 11Tsfõiiêl~tó manêiÕ-a até comd campo privilegiado de aná-
DESCONTÍNUAS m-e: lugar p or excelência de su/ pesquisa arqueológica, mos
p ara localizar aí as descontinuidades que a trabalham, a partir
de grandes fraturas que justapõem cortes slncrônicos coerentes.
E sse descentramento do homem, guando não a sua dissolu-
2_ão, " induz uma Õutra -;;laçfu> -~om a tem~oralidade, com
a historicidade, s~ r_glizaçá,o e imoblllzaçãg~ m- cômo um
d 0slocam_~ _çto. olb.a r-para as condições~ içte1~ s que ~ 1 -
~lidm as prótlcas humanas: "A história do homem será mÕ isdo
que · uma espécie de modulação comum para as mudanças nas
condições de vida (climas, fecundidade do solo. modos de cultu-
ra, exploração de riquezas). para as transformações do economia
(e, por via de conseqüência. do sociedade e das instituições) e
para a sucessão das formos e usos da língua? Mos nesse caso o
\ EPISTEMES
homem não é histórico: o tempo vem-lhe de algum out ro lado,
não de si mesmo"24 . O homem está submetido, portanto, a tem-
,
r_/4ssjmque Foucault identifica duas grandes descontinulda-
poratidades múlJ!plas qLiei'h e escapam--:-não· poãenaõ nesse gua·
2.ro ser sujeito~ som~ o~ 'filiJ.os- ev"ênt~ exterior~s a
r: des na episteme do cultura ocidental: a da idade clás-
sica. em meados do século XVII. e a do século XIX que inau-
~ A conscienc1a é então o horizonte morto do pensamento. O
g ura a nossa era moderna. Essas a lterações na ordem do saber
impensado não deve ser procurado no fundo da consciência hu-
foram percebidas por Foucault a partir de campos tã o d iferen·
mana. ele é o Outro em relação ao homem. ao mesmo tempo
te s quanto a linguagem, a eco nomia polít ica. a biologia, e
nele e fora dele. ao lado dele, irredutível e incompreensível. "nu-
o pero. em cada etapa, a d ivisão e ntre o que é pensável e o
ma dualidade sem recurso"2s. O homem articula-se sobre o Já-
q ue não o é: " A história do saber só pode ser fe ita a partir do
começado da vida, do trabalho e da linguagem. e encontra fe-
que lhe fo i contemporâneo" 27 • As d escontinuidades apontadas
chadas. portanto. as vias de acesso ao que seria sua origem. seu
p or Foucault , na medida em que e le rechaça toda e qualquer
advento.
forma de evô k,Jclonisnío. são outras tantas figuras enigmáticas.
Para Foucault. a modernidade situa-se aí. no reconhecimento
Trata-se de verdadeiros surgimentos, dilacerações, de que se
dessa Impotência e da Ilusão inerente à teologia do homem do
cont enta em anotar as modalidades e o lugar, sem se formular
cogito cartesiano. 6J2.gs ter feito descer o herói e fetiche de pos-
a questão d e seu processo de emergência. Nessa abordagem,
~ ltuca do seu pedestal, Foucault Investe- ~Õntra o historicismo,
os eventos-adventos mantêm-se fundamentalmente enlgmóticos:
..g_hlstórla como totalidade, como referente contínuo. A históri~-
· uma tal tarefa implica o questionamento de tudo o que per-
~ultia*na_ não é mais g pe,s_çti.çgo de uma evolução. n~ção
tence ao tempo, tudo o que é formado nele, / .. ./ de maneira
tomada da biologia. !)em a localização de um progresso, noção
que apareça o rasgão sem cronologia e sem história de onde
ético-moral. mas a anô itse d as mulfiplas liansformaçoes· em curso
provém o tempo''28 • A descontinuidade apresenta-se em sua sin-
locg]izac:z?.2 ~e i dentiffcaçó o das dêocontinuidades como outros tan'.
g ula rldade, não redutível a um sistema de causalidade na
) os "flashes" instãmôneõs."'J\ suõversao ã a c on tlfiõld a ae hlsforica é
,....__,w r• - ._. medida em que ela está cortada de suas raízes. figuro etérea
saída das brumas da manhã da criação do mundo.
- ~ enf~~ de F~ucault Implica, portanto, romper radlcalmo n poder de assimilar os diversas coisas a uma identidade funda-
.!§!_ cor;n toda )?eSq!JlsO das origens ou de um sistema qualquor mental. O século XVI sobrepôs semiologia e hermenêutica na
de causalidgde !-~ e substitui por um polimorfísmo que torno form a de um saber simultaneamente pletórico, na medida em
h::npnssíveJ a _reconstUuJt;õo de lJ[Y)a dialética histórica. A sua ar que a similitude. o encaminhamento para uma semelhança é
queologla das ciências humanas, Las Mots at las choses, Ilimitado mas também pobre. pois esse saber constrói-se sob a
dedica-se a reconstituir a maneira como surge uma nova con fo rma da simples adição: ·osaber do século XVI estó conde-
flguraçõo do saber a partir de um método, o mais estruturallsto nado a conhecer sempre a mesma colsa"32 • A natureza é aí
no percurso de Foucault, que leva de uma episteme a outro, apenas uma figura redupllcaecr-âo cosmo; erudição e adivinha-
de um tecido discursivo a outro, num desenvolvimento em que ç ão participam de uma hermenêutica idêntica.
as palavras remetem para outras palavras. Essa 12.9stura. propria Essa eplsteme vai balançar no século XVI a partir de uma
mente estruturalista, de valorização da esfera disc~va em suo ruptura q·ue afetará o velho parentesco entre as palavras e as
autonomia em relação ao referenle. p"e'rmile. por sua dlmensôo coisas. lugar a partir dO' qual o homem vai poder nascer para
sincrônica, ~cont~ar coerênci.9s ~gnificantes ê rilre- díscursos que, si mesmo. tornar-se oq{eto singular do saber. Essa mutação é
na aparência. não têm relações entre si, ...apenas slmultaneida s 1rnbolizada pela busc6 de Dom Quixote, que tenta ler o mun-
de: ·o quê ele- me proporcionou, foi ~ sa ~ u ~ i ;·dé.• tazer do para demonstra.7 a veracidade dos livros. Ele esbarra na
uma aproximação inteligente entre biologia. astronomia e físico. não-concordância dos signos e do real, no perfeito desacordo
/ .. ./ Hoje, a sociologia contemporónea não é essa potência ex onde sua utopia vai se consumar. Não obstante, ele persiste
pansiva"29 • em querer decodificar o mundo através de sua grade obsoleta.
Mas é essa noção de eplsteme a que formulará o maior nú A sua aventura é duplamente significante, na medida em que
mero de Indagações, não somente aquela, não resolvida. d e nos revela o nascimento de uma nova configuração do saber,
saber como se passa de uma episteme para outra, ma~ tom assim como da historicidade da linguagem. A defasagem vivida
bém a que se apresenta ao próprio Foucault: a partir de que por Dom Quixote entre os palavras e as coisas, o caráter ina-
eplsteme ele fala? Essa noção, onipresente em 1966 em Les de'f.ado da sua forma de saber, podem engendrar a loucura
Mots et /es choses, será contestada a tal ponto que não se en na , .. edida em que ele não faz a decifração das d iferenças:
contra em toda a obra ulterior de Foucault. A sua arqueologlo "As palavras erram ao acaso. sem conteúdo. sem semelhança
busca no subsolo dos continentes do saber as linhas da fraturo, para\s,reenchê-las; não marcam mais as coisas" 33•
cs .rupturas significativas: ;_Q...g!!e se gueria eLy~,:;Jdoú_Q__ç_ampo A nova eplsteme, a da era clássic'a, do século XVI, do racio-
ep,stemológlco. a eplsteme ~ de os conheciro.en t os. cooru;iero l)alismo cartesiano, substitui a hierarquia analógica pelo trabalho
d_?S fõiããe todó o _çriiétiQ çi_ u e se refira _<;19_ ~ ~u valor racional de a!)áltse crítica. Toda semelhança é então submetida ao tes-
_ou à ~~~~rmas objetivas, enJerram SUCL..AOsiíi'li.dQruLe.._Cnanl te dÓ comparação: "A razão ocidental entra na idade do
•testam assim uma história"3º. julgamento"34• O que possibilita, nessa episteme clássica. o pro-
jeto de uma ciência geral, de uma teoria dos signos. é o
recurso a uma mothesis para as estruturas simples cujo método
universal é a álgebra, e uma taxinomia poro as naturezas com-
plexas. É no interior dessa construção de uma ordem crítica
que nasce a gramática gEtral: "A tarefa fundamental do discur-
so clósstco é atribuir um nome às coisas, e nesse nome a de
nomear-lhes 3
. o"-- seu ser" r.. Uma
. ciência da linguagem nasce, por-
tanto. dessa nova -distância entre as palavras e as coisas. e o
A REPRESENTAÇÃO DO REPRESENTADO mesmo ocorre nessa época no tocante ao nascimento de uma
história natural. não dissocióvel do linguagem. Essa história natu-
ral subdivide o seu campo em três classes: os minerais. os vege -
36. lb . p . 238.
38. M . FOUCAULT. L•u Mots et las choses, op. clt.• p . 382.
39. M . FOUCAULT. fronce-Cullure. 10 de julho de 1969.
priori histórico. À maneira como Lévl-Strauss percebe o lmpe nso ·
do das próticas sociais nas sociedades primitivas, Foucault d eci- 35. 1966: O ANO-LUZ
fra o Impensado da base constitutiva do saber ocidental,
prolongando assim o esforço kantiano para "nos sacudir do no&-
Ili. QUANDO JULIA CHEGA A PARIS
so sono antropológlco" 40 •
É para escapar desse espaço antropológico, da onólise do
flnltude, do plano empírico-transcendental, que Foucault atribui,
no final do livro, um status particular a três disciplinas: a pslca -
nólise revista e corrigido por Lacon, a etnologia em sua versão
U mo jovem búlgara de 24 anos desembarca em Paris na
véspera de Natal em 1965. Tem apenas c inco dólares
no bolso quando o seu avião pousa na pista de Orly sob uma
lévi-strousslono e o história numa versão nietzscheana, descons- fustigante nevasca. Nesse Instante, ela11ão tem a menor suspel·
truída. O livro termina, portanto, apoiado numa eplsteme bem ta de que lró tornar -se a egério do estruturalismo, sob o nome
específico: o do estruturalismo que se apresento como a reali- d e Julio Krlstevo. Esse grande momento do pensamento na
zação do consciência moderna. França é também Isto: o erncontro de uma aventura cultural
Nesse programa, que se insere plenamente na conjuntura es- a udaciosa e de uma mulher,Áolentosa. O momento é propício,
truturallsta, nota-se uma ausência de peso. É a de Marx, rele- sua chegado à França n~ imiar do ano de 1966 mergulho-a
gado no livro para a episteme do século XIX: "No nível num verdadeiro turbllhã9/ culturol que ela coptaró com o pal-
profundo do saber ocidental, o marxismo não introduziu nenhum xõ o de uma estrangeira frustrada na sua Bulgórla natal. As cir-
corte real; olofou-se sem dificuldade / .. ./ no interior de uma dls- c unstônclas vão colocó-la no próprio centro do ciclone, tanto
poslçõo epistemológico que o acolheu com indulgência. / ... / O m ais que os franceses, atentos ao formalismo russo cujos textos
marxismo insere-se no pensamento do século XIX como peixe Todorov publico. estão na escuta do que se passa no leste,
na ógua: quer dizer, ele deixa de respirar em qualquer outro t anto no plano literário quanto político, nesse momento de de-
melo" 41 • Aí temos uma fratu ra Importante entre a posição d e gelo das relações leste/oeste. É nesse contexto privilegiado que
Foucault, que procura constituir uma bifurcação tanto do mo- J ulla pôde, ·0l~ ftneficiar-se de u~a bolsa concedida pelo
delo marxista quanto do modelo fenomenológico, e o posição g overno francês do general De Gaulle. Mulher de letras. Interro-
da corrente althusserlana que, pelo contrório, tenta proporcionar g a-se sobre o que parece ser o própria expressão da moderni-
a Marx um segundo a lento, fazer dele o iniciador da principal d ade na França, o nouveau romon. Decide escrever uma tese
ruptura na história das ciências. Foucault deveró responder p e unlversltórla em torno desse tema, sob a orientação de Luclen
la sua posição, considerado provocadora pelo grupo althusse- G oldmann; mas o contato direto com a reflexão semlológica,
riano do círculo epistemológico da ENS, e corrigirá mais tarde o e ntõo ~ n o desenvolvimento, depressa o lévou a descons-
tiro com a redação de l'Archéologie du savoír: "Quando escre- truir o seu objeto de estudo para interrogar-se sobre a constitui-
veu Les Mots et les choses, desconhecia a leitura de Althusse r ç ão do romance como gênero, sobre o narração ... A partir daí,
de Marx, ao posso que em l'Archéologle du savoir nos falo d e p articipa plenamente da efervescência intelectual em curso.
um Marx revisitado por Althusser" 42 . A perspectiva do Foucault
de 1966 participa plenamente do teoricismo ambiente do estru
turallsmo, ao qual dó uma resposta filosófico partindo do prl
modo da razão puro, da representação das estruturas da expe
rlênclo enquanto articuladas com base na constituição d e
obfetos epistemológicos.
É...J2_arg ele, o meio de a ~§entar-se como o líder ~enclal
.____ ----/
de_ fQdos O§ !asfruturallstos reuoldQ$ er:o_seu combate ç ontro a n O FASCÍNIO PELO FORMALISMO
·,~ fio do_ ~ ntldo, contra o humanismo e a fenomenologia, for
mulando ainda. a maneira de Kant, a questão da atualidade
da filosofia enquanto presente, e de apreendê-lo em sub capa
cidade crítica e desmistificadora. J ulia freqüenta o seminário de Barthes nos Altos Estudos e o
laboratório de antropologia social de Lévl-Strouss, que abriga
uma seção de semioMngüística. O momento decisivo, entretanto, é
o encontro com Philippe Sollers, que provoca um mútuo cOLJp de
foudre: "Eu o verei sempre como ela me apareceu nesse momen-
to, muito atraente. Há nela algo de maravilhoso, que satta aos
olhos - sua graciosidade, suo sensualidade, essa aliança entre a
delicadeza. a beleza física e sua capacidade de reflexão. De~e
ponto de visto, é um caso ímpar na hist6ria"1 •
40. H .-L. D ílEYFUS e P. ílABINOW. Foucault, un porcours phHosophlque. Golllmord ,
1984. p. 71 .
41 . M . FOUCAULT. Les Mofs et les choses. op. clt.. p . 274. 1. Ph . SOLLEílS. 'Le bon Ploisir de J. Kristeva' . Fronce-Culture. 10 de d e ze mbro de
42. étienne Bollbor, entrevisto com o autor. 1988.
••• ...,,,,, • •w ,.:a t t t v + ..,, ••
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1. e. SCHORSKE. Rn de $/ôcle Vlenna, Allred A. Knopf, Nova York. 1979; lrad. franc.-
so, Le Seul!, 1983.
HISTÓRIA DO ES Tl?UTURALISM O 36 NA lfOIM DA PÔS M ODWNIDI\D[
ao sucesso -~- ~ -~sen~imento de uma lógica estrutural. da tmanonlls1o dos c lOn c los humanos também encontro no excen-
um':'~Y[Q_~ntomat. de um logicismo ou formalismo que vai on 11oçôo dos próllcos humanas as fontes do rigor cientifico.
contrar suas coerên?ios foro do mundo das realia sem atrativos.
Alguns, comõ ·~ ri Lefebv°ffu estabeleceram a esse respeito
, . ~ ~ __,,-,
um vinculo, direto entre o exlto do estruturalismo e o estabeleci
mento da sociedade tecnocrótica. O estruturalismo desempe
nharla, a esse nível, o papel de uma Ideologia de legitimação
de uma casta social, o tecnoestruturo do novo estado industrial,
Justificação do seu lugar no mais oito nível das responsoblllda
~ REPETIÇÃO
des do poder, e teorização da liquidação do histórico. Numa
tal perspectiva, o estruturalismo seria o anúncio do fim da hlstó A COMPULSÃO
ria para uma classe média guindada a uma posição domi -
nante. ~ ~gla dCJ coe.!9~0 ....$?.._P.~~- do _e$.trutural sob!e uma
liberdade humana reduzida à aquisição de bens, que seria o
~ d ' ;...C..2.!2SUf'!ii_smo e~ ~ } o .:c icfudp o -; ede o · 1~~_9.!_ ao A
eter~
É=_histórl<:1_ f~ os reingressar nu~ re..!9_çc:so ni:>Vo com
U!!!,..P!.ese~fe dilatado que se apresento como o -histórico,
iclogem das diversas configurações âo passado. Esse
usuario. O universo social e a representação do mundo que ele
engendra encontram-se, pois, magnificamente ligados a uma si presente, horizonte fechado sobre si mesmo: 's ó p Õde aüto-re-
tuação de Infortúnios e decepções de uma esquerda européia produzir-se no presentismo dominante. A voga das comemora -
que nos anos 60 se desvia da história e das Idéias de progres- ções ilustro bem essa nova relação, com a historicidade. A
so. O eshuturollsmo viu-se assim na situação de responder a ~ª~~ ~~me ~ ~tó!ia. n~ '!1~{ a bus9a ?ªs o_Ug E;._~~P~
uma demanda social, cristalização de uma determinada con- ~ esen~~r 2; ~oten~~~9~s do fev(r, mos o_ si_~ es recorda-
juntura histórico em que o deslocamento do olhar paro o figura ç..'.;:<;> do unl"'.E:rso dos ~ grros~ ~o P?SS_ado que _J()breviv~ no pre-
do "selvagem• ló não significava a resposta a uma necessidade sen~ vel. Signos que se remetem uns aos outros 'é não
do exotismo mas a busca desesperada da verdade do homem possuem outros referentes senão os lugares da memória. outros
tantos troços deixados no espaço de um passado, percebido
nu~lv~~Q.. donde o futuro se encontrava excluído.
~ ret percebeu desde 1967 o meio intelectual da es- para além dos linhas de umo fratura intransponível. Conhece-
querda marxizonte como o mais receptivo à moda estruturalis- m_os ·o fim do que vivíamos como uma evidência: a adequa-
ta 18. Esse melo teria realizado uma relação ,de inversão em que çoo da história e da memório" 21 • Esses lugares do memória não
pôde exprimir-se a nostalgia de um marximo pouco a pouco são revisitados numa perspectiva reconstrutora mas simplesmen-
desertado ao ritmo dos revelações go,,-gutog, e encontrar, gra- te considêrÕdos como os resíduos de um passado recalcado,
ças ao estruturalismo, a compensação de uma mesma ambi- desaparecido. Conservam ainda um valor simbólico e Inaugu-
ção universalista. totalizadora, determinista, mos desembaraçada ram uma relação arquivística com o tempo pretérito.
da história. fiessa hipótese._ o _g~q!Lsm,o ~~r,kl~g ~ xpressão de Umq_9.~sco_!lt~qg,,~ rodiQ.gL._~p_pe (:~!!)órla ~ um ~passa-
UrQ.J)1QL!l~nJ.Q, bl§fórico muito ~~9!:,_sie uma c q n j u ~ mar- ~ d e f1nll@!.J:2q~J~PJe,_ln..~sí':!,el cor::n,Q...J~gL _.§g_l')_g.Q_Qg-1Jlate-
~q9.9_gelQ jmobili§.mo político e a consolidação dos ~istemas. riohdade de S~,l;Js.-:§ig ~ s múltiBJos,. com ....Ym...R(e.§~vel que
O~gicar de sinos do prugc.essor _,q.ue...resso.a....com a onda_ etr r~o.-eomeénor.a a r,ememora. A relação com o temporalida-
de estó cindida e a memória pluraliza-se, atomizo-se, na ausên-
truturglistg_ traduz-se, pelo g u e ~ , o i o do pensamento_s!!al~-
.J.!.ç.P. - os filósofos são portadores de uma nova leitura que deve cia de substrato constitutivo de uma memória coletiva plena. A
história reflui no instante, favorecido pelo unificação dos modos
comprometer os embasamentos hegelianos de suas anóllses. Es-
tas são substituídas por uma leitura sintoma! que permite locali- de vida e dos mentotidades quando não hó mais verdadeiros
zar um corte epistemológico entre o "Jovem Mmx" ainda hege- eve~tos ~as profusão de •notícias". O_Presente mer9ulha suas
llano e o "velho Marx• da maturidade científica, estruturalisto ram1ficaçoes no passado pgr uma relação puramente muse o-
avant fa fettre: "Estó em curso de formação uma cultura não gróflca,, .sert·.-SeÍÍgar
--
aos- çjeli~ecimêntõ~ ...do~
"'*" __......_,.,,..._ g ~
d~ça·-o de um
dialética"19• No mesmo momento, François Châtelet reduz o dia- ~ E....9 ~~ fun_ç .9Q..9.9-9~rso his!2,_r)g~o rrio inter-rela-
lética a uma retórica e Gilles Deleuze anuncia "um refluxo do Ç.Q...o entre_passodQ e_ :uíuro_ C1.J,Le_§.e_ e,DE2n.!.!.º - dell~~~l,dà.
pensamento dialético em favor do estruturolismo"20• Como é ho- O pós-modernismo instaura uma relação com o história que
0
je costumeiro d izer, o refluxo dos Ideologias permitiu às cem flo- pode ser assimilado à do indivíduo senil que só pode colecio-
res estruturalistas que desabrochassem. Assim como os limites do nar suas lembranças, cortado que estó paro sempre de toda
possibilidade de projetos futuros. O sucesso do estruturalismo cor-
próxis provocaram o descentralização do homem, uma leitura
responde, portanto, o um fenôm-e-rro:=2:1cs1ra1 ae civilização e X
Q.Qm.êre retêíHo tanto ao estabereciruento de- uma sociedade
18, F. FURET. ' Les intelleetuels fronço is et le strueturolisme', Preuv&$, nº 92. feverel·
ro de 1967. reproduzido em L'Afel/er de /'hlsfo/re, Flommorion. 1982.
19. M . fOUCAULT. Arfs. 15 de junho de 1966.
2~. G. DELEUZE. Le N-:>uvel Ob$ervoteur. 5 de abril de 1967. reimpresso e m L. 21. P. NORA. Les Lleux de mémo/re, Lo Républ/que. Golllmord. 1984. vol . 1. p ,
,.t.ecnocrótlca quanto a esse homem unidimensional que Herb o rt i, 1 subolto rno o antigo c lasse político trodlc lo nal. Num tal qua-
Marcuse via nÕsêêre a u ma relficação do homem reduzld o ó dro. a questõo da legltlmaçõo desvia-se paro provocar uma
_!,U a dl~nsgo de ·c~ÚmLdor. O ~fil_r.\,!!ur.9lls~o é, a esse rasp e i c: rise das grandes narrativas: "Uma erosão Interna do princípio
!º..:..-~ .....9u~ .~ ~ ~ve~ 9 i~. g ideologia das não-Ideologias, <Jo legltlmldode do saber" 24. A desconstrução do Um. dos meto-
a do_fim_dqs- ideQloglas revolucionórias. das Ideologias colonfals. cllscursos. dó lugar à proliferação de discursos múltiplos não atri-
dos ideologias cristãs... E;e ~edo é, contudo, nos Õ nos 60, o buídos a um sujeito, simples jogos de linguagem. fibra sem
iiao-dlto. o não-consciente de transformações profundas que se malhas. O horizonte humano apaga-se. substituído por uma
revelarão transparentes nos anos 80 e reivindicadas em sua PO· c o ntingência de performance. uma "legitimação pelo fato con-
sitividade. Esse processo de pacificação, esse fim das rupturas sumado"26.
significantes. encerram o presente em si mesmo e fazem domi-
nar o sentimento de repetição Incessante. sociedade onde •o
novo é acolhldo como o antigo. onde a Inovação é bo.na!lzo-
\
da"22.
UM OLHAR CREPUSCULAR
I
-- -
depende da metafisica - ...-.:,------
qgdeesta ria Ot'üándonã evolução histórica. Essa acepção
,_ ,- na medida em que pressupõe estar o
homem no centro do processo histórico. Uma tal crença partici-
Heidegger envereda por um caminho sinuoso, o dos peregrina-
ções de um entre-dois, de um mundo obscuro que "não con-
duzlró à partéolguma". Pensamento do erradio para se apro-
pa, portanto, de uma ilusão. de uma metafísica da subjetivi- ximar dos tamlnhos que levam à região das origens, do logos.
dade paro Heidegger. De outro,_E!~ca~hegelianlsmo co~mo Essa temótica do encaminhamento que não encontroró ponto
teleologia o..uge_a razão se revela a si mesma, pg_uco a ppuco, de chegod& terrestre, essas peregrinações do "pastor do Ser"
O PRIMADO DA LINGUAGEM
!:!º
N essa busca das_}2!l_9e~s
- ge~
pensável, Ni~tzsche e Heldeg-
eqem um_ valor prMlegiado à linguagem e ao
~ studp de SUaJ~ d.e funcioname_nto. A língÜa teriãperaidO
boa parte de sua pureza original. desencaminhada pela funcio-
nalidade do ente. A pesquiso filosófico ou poética propõe-se a O PR GRAMA GENEALÓGICO
suprir essa falta a fim de reencontrar o sentido do logos perdi-
do. O ente mascara as condições que presidem à sua reali-
dade. Heidegger preconiza, portanto, que se passe pelo Inter-
pretação do linguagem, que constitui o veículo privilegiado do
história do Ser: "Heidegger dá ao método fenomenológico o
T ambém aí, à e lhanç6 de Heidegger, Nietzsche privile-
gia a língua que deve {er liberta da submissão ao impe-
rativo de verdade: "Com se~ aforismos, Nietzsche estabelece o
sentido de uma hermenêutica ontológica•-2°. retorno com forço dos elementos censurados. recalcados, colo-
Na perspectiva heldeggerlana, o campo do linguagem será, ca dos em perspectiva" 22 • ~ . a _ o i ~ e a na deve
portanto, o objeto de estudo privilegiado. É evidente que se re- desenvolver uma outro abordagem da temeoralidade e da re-
conhece aí uma raiz essencial do que irá caracterizar o estrutu- là çoo coro a ~iem,gde.J)á .:.~ inteiromeofsl...Qomo a oposiç_ão da
ralismo, o qual conhecerá seu pleno desenvolvimento ao gene- Q.bQ1dogem, Q)AlQoiçg,-9..Q.o,D,gg_g iemjpiscêncio.LI.e.c.o,r:ibe.clmen-
ralizar o modelo lingüístico a todo o campo do saber dos to o uso de§trutoc9.....aa...1e,'1il@rui; à tradJção o uso do irre.oliza-
ciências humanos. Impulso fecundo mas que se edifica à dis- çã o e dissoclo!Lvo_ dau dentidad~;_ e a história-conhecimgJ1to é
tância do que depende do ente. Além disso, essa influência é s ~tifü'@opela destrulç.Qo_dQ \/&Ldade: "A genealogia é a his-
marcado pela ignorância da pragmática de Charles-Sanders tória como carnaval premeditodo"23 • A busco de verdades é
Peirce. assim como do filosofia lingüística de Ludwig Wlttgenstein duplomen,te<macessível. Por uma parte, as verdades nado mais
ou de John L. Austin. são do que d°'êi1-1sos nuvens de metáforas, metonímias, ontropo-
~ ra Heidegger, desconhecenct&-.os avanços da pragmática, m~.rflsmos, a tal ~nto que se os crê estáveis. simples valores dê'
não é o homem q ~~· talg .m~<:!
iirki~.9.9.em,.~o ho~ro_con- troco cujo valor de uso foi esquecido. O segundo termo da ilu-
~ em ser falado . Resulto doí uma Ôbordagem nominalista são encontro-se haficção do cogito: "Já não existe ninguém
e uma fetlchização do nível discursivo. uma vez que o homem bastante Inocente para formular ainda à maneira de Descartes
se diferencio então do mundo vegetal e animal pelo lingua- o sujeito 'Eu' como condição do 'penso"'24• O cogito apresenta-
gem que represento simultaneamente a sua distinção e seu far- se a Nietzsche como o modelo dos enunciados metafísicos, a
do. hipóstase do sujeito fictício cuja polissemia ele analiso.
Da mesmo maneiro, o crítico nletzscheona da metafísico rea- A genealogia valoriza o espaço do signo que deve ser ex-
lizo essa des~ntrOlizoç ão do cogito poro ã linguagem ogresen- p _ostD:ae õruZ'~ desv,gLqr:nentõ'"'a"'õ::-dlsêü~ i~ etofí-
tada n a suãrêtOricõ "n0Tuíã1". b sproc edlmenlôs metafóricos ou slco. O sentido encontra-se aí por trás da opacidade do texto.
metÕnímlcos- dc;-Jínguõ"gem- crlam uma crítico do verdade, Im- sempre negado. Cumpre, pois, após ter desconstruído os más-
possível de atingir, em substituição do infinito labirinto das inter- caras carnavalescas, reconstruir as cadeias significantes ininter-
pretações que só valem na rela tividade de seu lugar de enun- ruptos das sucessivas interpretações; essas cadelas não se dão
ciação: "O mundo, paro nós, tornou-se infinito, no sentido de em sua continuidade mas, pelo contrário, a partir de desconti-
que não podemos recusar-lhe a posslbilidade de prestar-se o nuidades, de sintomas, de faltas. O enfoque genealógico privi-
uma infinidade de lnterpretoções"21• Esse novo campo da inter- legio o outro lado do dizer, o face escondida dos significados,
pretação deve escapar à metafísica, o que equivale o ampliar define-se como um jogo de deslocamento paro desinvestir. de-
a busco dos origens. da gênese, para estabelecer os continul- slmplicar as camadas estratificadas dos signos de seu conteúdo
20. J . HABERMAS. L& Dlscours phllosoph/qu& de la modemlté. Gollimord. 1988, p, 22. J .• M . REY. Hlsfolre de la phllosophle, 'Lo philosophie du monde scientifiqu& et
172. Industrial', sob o direção de F. CHÂTELET, Hochelle, 1973. pp. 151 - 187.
21. F. NIETZSCHE, le Gof Savolr. edição 10/18, p, 374. 23. M. FOVCAULT. Hommoge à Hyppollfe, PUF. 1971, p. 168.
24. F. NIETZSC HE. Lo Volonfé de pu/ssonc<>, Gollimord, vol . t pp . 79 e 141.
metafísico. Essas são mais os condições do que o conteúdo do
d..i.licJH§Q qlJe _essêê"rJoque pretende reconstituir. Esse doslocu
,m~ento (>Q~º o ~çlsqursl'!f) é_cornum a Held~ger e a Nletische, r~~ºE~~~~~~~t~'::%~i~~~~:~l~ :7~:if~ ~~::u~~~E
do discurso, redunda numa novo abordagem do texto literário
o do trabalho do crítico, que deve deslocar o seu olhar do au-
1
- ·.. · -·=
40. É. ROUOIN ESCO, Hfstofre de la Psychandyse en France. op. c/t., pp. 309-310,
37 . É. ROUOINESCO, Les En}eux ph/losoph/ques des années clnquontes, Éd. do entrevisto com Sylvio Lacon. (História da Psicanállse no França, op. clt.. pp.
Centre Georges-Pompídou. 1989. p . 93 .
3 19-20.]
38. É. ROUOINESCO. H/stolre de la psychanalyse en France, op. clf.. vol. 2. p. 309
4l. Bertrand Ogilvie. entrevisto corn o autor.
(História da Pslcanálfse. na França, Vol. 2 (1925-1965). Jorge Zahor Editor, p . 319,1
42. Élisobeth Roudinesco, entrevisto com o autor.
"º 1 1 õrAM , _ Ou,,..n-nrJ_v,c_o / Ptu:: 10M n A
3/. :AS /M'// S N/11/SCHI O lll/O[OGCRIANAS
HISTÓRIA DO ES1t 'WTURALISM O '
1
efetivamente. no tocante ao problema da ciência. suas poel
ções sejam antinômicas. Quanto ao essencial, a sabe r, o foto
de que Heidegger tenho proposto uma filosofia como língua
comum para todas as ciências humanas, existe uma llgaç õ o
que supera de longe a Lacan e ao lacanlsmo.
mos a falar. Introduzem -nos na multiplicidade dos ecos do
nletzsche o -heldeggerlanismo francês que adotaram por emble-
ma o estruturalismo para desenvolver as potencialidades de
Investigações particularmente diversas em todo o campo do sa-
ber das ciências humanas.
A IMPREGNAÇÃO HEIDEGGERIANA
DE JACQUES DERRIDA
~\
Granger. As condições sociais de aparecimento e de transro,
mação de uma teoria como o estruturalismo podem ser parcial
mente elucidadas pelo exame dos contatos interdisciplinares no
Interior do campo da pesquisa e do ensino e, em termos mola
amplos, da própria paisagem Intelectual.
A SOCIA~IZAÇÃO INTENSA / --
DAS CIENCIAS SOCIAIS
tuol que Sartre jó nõo encorno, vítima expiatório do dlstensôQ. lo. Do um lodo, uma flllaçôo que ó a de Sartre e de Merloau
O segundo pólo de reflexão filosófico do qual os fllósotos c,e Ponty; e, do outro, o que é de Cavailles, de Bachelard. do Ko
truturolistos vão dissociar-se é o fenomenologia. Sem dúvida. o yré e de Canguilhem" 11 •
estruturalismo pode obter na fenomenologia orientações que re As ciências sociais, ao encamparem toda urna sério do
tomaró por conta própria, como o privilégio concedido às estru questões que eram, até então, privilégio de urna roflexõo do
turas, o busca do sentido, a tal ponto que Jean Víet, autor da ordem filosófica, levam o vanguarda filosófico. sob o bondolra
primeiro tese sobre o estruturalismo, percebe a fenomenologia do estruturalismo, o deflagrar com êxito a contra-o fonslva . A clla
como uma tendência espec.(fico do estruturalismo7 • Entretanto, a clpllna filosófico, aberta, renovada, respaldada por seu púhllc o
fenomenologia continua sendo uma filosofia da consciência, • c rescente, sal revigorada do dyelo e beneficia-se do um lrnlct
vincula-se essencialmente à descrição dos fenômenos. Para Joc aumento do seu pessoal docente12 : o número de codulru1 du
ques Derrlda, a fenomenologia permanece encerrada no ·•• filosofia nos liceus passo de 905 em 1960 para l .311 om 1w,•, n
chamento da representação• ao manter o princípio do sujeito. 1.673 em 1970. No ensino superior, era de 124 em 1963 o ó chl
"As desconstruções tomaram o lugar das descrições"8 • O concel 267 em 1967.
to de desconstrução, que vai orientar todo o pensamento estru Se os gurus do est;,uturalismo quiseram absorver as clônclua
turalista, foi Inicialmente Introduzido por Jacques Derrlda para sociais, nem por Isso \deixaram de contestó-las em numerosos
traduzir o Destrukfion de Heidegger, termo que não deve suge pontos, criticando sobretudo o seu modelo de positividada.
rir um sentido negativo nem ser interpretado como positividade· C om efeito, os filósofo~ estruturalistas multiplicaram seus virulentos
"A finalidade da desconstrução consiste em propor uma teoria ataques contra as prefensões cientistas dos ciências sociais: La
do discurso filosófico. Um tal programa é manifestamente crltl c an contra a psicologia, Aithusser contra a história, Foucault
co" 9 • contra os métodos de classificação das ciências humanas. Assis·
Esse estruturalismo filosófico, oriundo da contestação da feno 1e-se a um verdadeiro tiro de barragem contra o que é apre
menologla. coloca portanto no mais alto nível o paradigma cri sentado como uma Impostura, a das ciências humanas Insto
fico. e vai poder utllizó-lo como meio de abertura e de Iodas em suas certezas de cientlficldade. Contra elas. os estru
captação em relação ao campo de investigação das clênclaa turalistas opõem uma crítico eplstemológlco alimentada por
sociais em expansão. A maioria dos estruturallstas provém da Gaslon Bachelard e Georges Cangullhem.
disciplino filosófica: Claude Lévl-Strouss. Pierre Bourdleu, Jacquea Étienne Balibar descreve com detalhe essa mudança de ru-
Lacan. Louis Althusser, Jacques Derrlda e Jean-Pierre Vernonl mo bem-sucedida que vai conduzir as ciências humanas depu-
são todos de formação filosófica. Entretanto, têm em comum o radas pela ' crítica estruturallsta a buscarem suo positividade a
rompimento com a filosofia tradicional. unlversltórta. Procuram partir dos modelos e conceitos elaborados pelos filósofos: "Assim.
uma outra coisa multo diferente. É uma geração filosófica cons o texto Jue escrevi em Ure Le Capital (1965) seduz.iu os antro·
ciente do desafio das ciências sociais, e que rompe com a pólogos ~ alguns historiadores, pois eu construía um conceito de
retórica do exercício universltórlo. Para Isso. é necessórlo conto, modo de produção e eles acharam-no op~raciona1" 13• O estru-
nar. passar além dos velhos aparelhos legítimos e rotineiros da turaasmo, ao privilegiar um discurso essencialmente conceituai.
instituição para dirigir-se diretamente à intelligentsia, ao escolher teórico, e ao perturbar o perfil, às fronteiras e às delimitações
novos objetos do filosofia mediante uma eluctda.99-~specífica das diversas e jovens ciências sociais em expansão. podia assim
do atualidade, ao Qrticular o pensamento col)1" os campos so- preservar a primazia de uma filosofia renovada. Estd foi edifica-
ciais e os lnstltuiçõe's, assim adquirindo um valor praxeológlco. da no base de uma "fórmula de compromlsso" 14 entre, por uma
Atém disso, o esfiuturallsmo. para esses filósofos, serviu para parte, uma redefinição dlnamiz.onte e crítica do humanismo,
renovar um discurso que se tornou mais científico. que lhes ofe portadora de uma ruptura radical, científica; e. por outra parte,
recla uma forma de ~vitar as Incursões das ciências humanas. ~ o preservação da altura estatutária da disciplina filosófica, mes-
ao que Pierre Bourdleu chamo •a efellologla"1º, que ele consta- mo que a referência freqüente ao fim do filosofia pareça ocul·
ta com o êxito obtido pela arqueologia. a gramatologia. a tor o fenômeno. É com essa preocupação que, como assinala
sernlologla ... Essa desinência evoco a ambição científica de um Louis Plnto15, a fórmula do arqueologia em Foucault permite sa-
estruturalismo especulativo. que recorre tanto à lógica matemó, tisfazer a dupla exigência de propor um discurso histórico sobre
tice quanto à lingüística para constituir um pólo científico que as ciências humanas. mas que seja também o melo de pensó-
ocupe plenamente o seu lugar na história das ciências. Fou- los filosoficamente. de um modo diferente e melhor do que
cault descreve essa linha de clivagem. que ele acentuo e que elos podem faz.ê-lo por si mesmas.
transcende toda e qualquer outra forma de oposição: "É aque-
la que separa uma filosofia da experiência, do sentido. do
11. M . FOUCAULT {1977). Revue c:Je méfophyslque &t de morde. n• 1. janeiro-mar-
sujeito, e uma filosofia do saber. da racionalidade e do concel- ço de 1985. p. 4.
12. L. PINro. Le• PhR0$0phe• entre/& /ycée et rcvonf,garde. L'Hormotton. 1987, p
7 . J. VIET, L&s Méfhoc:J&s strucfurollsfe•. Mouton, 1965. p. 11. 68.
8 . V. DESCOM8ES, Le Mltme et l'oufre, op. c/f., p, 96. 13. i;uenne 8o~bor, entrevisto com o autor.
9 . lb.• p. 98. 14. L. PINTO. Les Phl/osoph&s entre /e /ycée •t /'ovont~ard&, op. c/f., p . 78
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 38. A, Cl?ISL D/ cm SCIML NTO DAS C /~NC IAS SOCIAIS
Nesse nível. a vanguarda filosófica aceitou plename nte o d osa portanto, ressaltando o que, desde longa data, Já era porte In-
fio das ciências sociais; alias, favoreêei:.a sua expansão nesse, te grante do próprio programa deles, a saber. o estudo das
~ QQ._ao- ryiesmo~ 2._gll_f pres~ ãva pÔJº-Jl filosotla o lu estruturas econômico-sociais, dos ciclos e fenômenos repetitivos,
gar mais prestigioso do dispositivo. Ela continua sendo •a dlscl sem que pudessem proclamar-se estruturalistas, pois o antinomia
p ffnãae co, Oam-ê n.to": com7 uas posições dominadoras no e ra grande demais.~~er!fic;~e portanto, uma vontade radjcol
óplce do currículo do ensino secundário, e seus bastiões porN de emon~Q em~reJaçé!Q ..9...1).~_!érla, lev_a,g ,g-9-9 extremo do
cuiarmente representativos no papel de reprodução das- elite 1: negação absurdo de todo o fundamento histórico. Assim é que
as Escolas Normais Superiores. A esse respeito, a filosofia teró re Michelle Perrot, no pontÕ domoderni~o na disciplina histórico,
slstldo bem à ofensiva. como testemunha a segurança com e m Paris-VII, realizou no época um seminário com home ns de
que Louis Althusser rejeita "essas ciências ditas sociais", anátema letras que redundou num diálogo de surdos. Mlchelle Perro t
que "não pode explicar-se sem referência ao estado de fraque p ensava realizar um avanço plurldlsc lplinor e , no e nto nto, sob o
za Institucional (e freqüentemente intelectual) em que elas ae g olpe dos ataques desferidos contra to da e qualq uer roforê nc lo
encontravam nos anos 50" 16• Nesse plano, a batalha das humo o algum contexto histórico, fosse e le q ua l fosso. o la linho "o
nidodes em relação às ciências sociais reproduz o duelo que ae sentimento de ser multo .pre te nsiosa". Com e fe ito, paro os do
travou na reprodução das elites entre a ENS e a ENA, entre a tensores da nova críticb 'literário , "o _Qró _prl o pala vr a contoxl o
elite c).Qsslca e_ ~ 9 'Jlq.,elite-té-cnic.a_ . 1 . ~
faz1q ~ pular, era u11J._t§{rmo_ 1nfoai..onte . Cumpria m o nter-so no
texto fechado, o que torrou o diálogo sumame nte dlfíc i1" 18•
S ~
e .2 estruty[g]lsmo se opôs a uma filosofia acadêmico ,
bém atacou uma q u tra e antiQ,9,._,discJB!ino...10§!9!.ada,
- -
_o ANTI-ACÀOEMISMO
16. J.·L. FABIANl Leu Enfeux phWosoph/ques des onnées c ln quant e . op. clt.. p, 11 6
17 ~ nnc::c::~ , ·u,~,,..,,_ - - _,__u-~ ___ __ ... , ,. , u .._.,,_ .
dos pesquisadores que hoje conhecemos: "Em 1967, não havia fado; s(Jstentadas por seu profundo positivismo. evitaram entrar
sequer um departamento de lingüística na Sorbonne. mas um no próprio debate. É o caso da psicologia , que atravessou o
simples Instituto de lingüística. / .. ./ Quando escrevi uma tese do período desenvolvendo os seus sistemas de modelização. os
lingüística. sendo professor de liceu, era para ficar desemprega - seus aparelhos científicos sem problema metafísico. É também,
do: Isso não servia para nada"20 • essencialmente. o caso da economia. .
O peso das tradições. o conservadorismo da velha Sorbonne. ~ tore~_!!)~ afetados i:2elos.Qol,á_giq ling~ístiÇ.Q..J.2!.am as
fechado às Influências novas. cobriram com uma chapa de disciplinas que se en_gontravam numa situqção ail}_9Q... P! ecária
chumbo a universidade fr~::mcesa e encerraram-na no Imobilis- no plano insti!!!ci911a1. ou que estavam em busca de Identida-
mo. Este alimentou a revolta, a necessária ruptura. As ciências de, em virtude de suas contradições internas entre suas preten-
do signo. para conseguir um lugar. tinham que transpor os limi- sões à positividade científica e sua relação com o político.
tes da instituição. encontrar apoios maciços e eficazes. O estru- como a sociologia; e, enfim. aquelas que. como os estudos lite-
turalismo que permitia reunir as vanguardas das diversas dlscl- rá rios ou a filosofia, estavam plenamente engajadas numa dis-
p li nas podia propiciar a transformação da revolta que puto entre antigos e modernos. Essa conjunção contribuiu poro
fermentava em revolução. e nfroquec~r _as,lwntel_ras entre àiscip~!las. -Õ estruturalismo apre-
É nesse contexto que as referências a Nietzsche, Marx e sentou-se. poi~ como projeto unificador: "Pareceu necessário. no
Saussure vão ser operacionais, verdadeiras armas da crítica an- final dos ano~60. unificar os diversas tentativas de renovação
tiacadêmica contra os defensores da ortodoxia universitária e das ciências hU(Oanas numa único corrente. quando não numa
mandarinal. Os estruturaiistas retomam. de fato. um programa só disciplina, ma~, geral do que a lingüíst1co"21 . Essa tentação foi
.!!)Ois Q.Q!jgo Õfiii,dé- Ó atüãlizár é- rellôvar:-A vontade de fazer expresso com maior clareza por Rolond Barthes ou Umberto
aparecer no campo das cíencíâs-· ao homem domínios que Eco, que concordam em propor uma semlologia geral capaz
obedecem a racionalidades específicas é uma idéia que já se de reagrupar todos as ciências humanos em torno do estudo
encontra na obra de Auguste Comte. do signo.
Quanto ao outro paradigma central do estruturalismo segun- A modernização conjuga-se então com a interdisciplinarida-
do o qual o que é determinante não são os elementos toma - de, pois é necessário violar as fronteiros sacrossantos para per-
dos isoladamente mas suas relações objetivas sem que a cons- mitir a entrada do modelo lingüístico em todo o campo das
ciência interfira nessas redes. a Idéia de uma decalagem entre ciências humanas. A partir do momento em que tudo é lingua-
comportamento e consciência, essa visão das coisas já é a de gem, ~ - que- nós somos todoslínguagem, em que o mundo é
toda a corrente durkheimlono ou hegeliana. linguagem, •então tudo se torna intercambiável. permutável,
O que é inovador situa-se mais na atualização das virtualida- transformável, conversível, tudo" 22 • Essa interdisciplinaridade que
.Q~.L<ie_ um...e~grama do que no c_~ ~ ~ ~IJ'lO infringe o modelo humboldtlano do Universidade em que cada
na aceleração do implementaç;~o d,e~es prog_!'.Qril0$, o~y_ais disciplina tem s~u lugar dentro de limites estritos, provoca um
~ ----------,.,.
-Óbfem resüllã"c:fos c fe ntiflcos tangíveis. verdadeiro foscí~ por, todos os variantes do formalismo. por
um saber imanente em si mesmo. A palavra-chave do período
OGRAMA COMU)
/
!
LISTA DAS ENTREVISTAS
REALIZADAS
More ABÉLÉS. antropólogo, pesquisador no Loborot61lo de Antro-
p ologia Social. EHESS.
Alfred ADLER. antropólogo • pesquisador no Laboratório de An-
tropologia Social. EHESS.
Michel AGLIETT A. economista, professor de Economia na Univer-
sidade Paris-X. 0
Jean A~LOUCH psicanalista, diretor da revista Littorol.
Pierre A "{SART: sociólogo, professor na Universidade Paris-VII.
Michel AJ\RIVE, lingüista, professor na Universidade Paris-X.
More AUGE-, antropólogo , diretor de estudos na !HESS. presiden-
te da EHESS.
Sylvaln AUROUX, filósofo e lingüista, diretor de pesquisa no CNRS.
Kostas AXELOS, filósofo, antigo redator-chefe da revista Argu-
ments, docente na Sorbonne.
G eorges BALANDIER, antropólogo. professor na Sorbonne. diretor
de estudos na EHESS.
Étlenne BALIBAR. filósofo. mestre de conferências na Universida-
de e.aris=t ---.. ___ _
Hénrl BARTOLI. economista. professor na Universidade Paris-1.
Michel BEAUD. economista , professor na Universidade Paris-VIII.
Daniel BECQUEMONT. anglicista e antropólogo, professor na Uni-
versidade ~ -
Jean-Marie BENOIST. filósofo, subdiretor da cadeira de História da
-~ Clvllização Moderna no College de Fronce (falecido em 1990).
Alain BOISSINOT. homem de letras, professor de letras no ciclo
} preparatório do liceu Louis-le-Grand.
Raymond BOUDON, sociólogo. professor na Universidade Paris-IV,
diretor do g1upo de estudos de métodos de análise sobiológlca
) (G EMAS).
Jacques BOUVERESSE. filósofo. professor na Universidade Paris-!.
Louis-Jean CAL VET, lingüista. professor na Sorbonne.
Jean-Claude CHEVALIER. língülsta. professor na Universidade Pa-
ris-VII. secretório geral do revista Langue Françoise.
Jean c LAVREUL. psicanalista.
Claude CONTÉ, psicanalista. antigo chefe de clínica na Facul-
dade de Medicina de Paris.
Jean-Claude COQUET. lingüista, professor na Universidade Paris-
VIII.
Maria DARAKI, historiadora. professoro na Universidade Paris-VIII.
Jean-Toussaint DESANTI. filósofo. lecionou na Universidade Paris-1
e na ENS de Saint-Cloud .
. Philippe DESCOLA. antropólogo. diretor-adjunto do laboratório
de Anhopologla Social.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO
Vlncent DESCOMBES, filósofo, professor na Universidade Johna Jean-Luc JAMARD, antropólogo, pesquisador do CNRS.
Hopkins. Baltimore, EUA. Jean JAMIN, antropólogo, pesquisador do Laboratório de Etnolo-
Jean-Marie DOMENACH, filósofo, ex-diretor do revista Esprft. cria- gia do Museu do Homem. co-diretor da revista Gradhlva.
dor do CREA. Julie KRISTEVA, lingüista , professora na Universidade Porls-VII.
Joel DOR. pslconallsto, diretor da revista Esqu/sses psychanalyf/. Bernard LAKS, lingüista, pesquisador do CNRS.
ques, professo, na Universidade Paris-VII. Jérôme LALLEMENT, economista. mestre de conferência na Uni-
Daniel DORY, geógrafo, pesquisador do CNRS em Paris-1. versidade Paris-1.
Roger-Pol DROIT, filósofo, edltorialista do Le Monde. Jean LAPLANCHE. pslcanallsta, professor na Universidade Paris-VII,
Jean DUBOIS, lingüista, professor na Universidade Paris-X. revista diretor da revista Psychonolyse à l'Unlversíté.
Langages. Franclne LE BRET, filósofa, professora no Liceu Jacques-Prévert de
Georges DUBY, historiador. professor no College de Franca. Boulogne-Blllancourt.
Oswald DUCROIT. lingüista. diretor de estudos na EHESS. Serge LECLAIRE. psclconalisto.
Claude DUMÉZIL. psicanalista. Domlnique LECOURT. filósofo, professor na Universidade Paris-VII.
Jean DUVIGNAUD. sociólogo. professor na Universidade Paris-VII. Henri LEFEBVRE, filósofo, antigo professor nas universidades de Es-
Roger EST ABLET. sociólogo, membro do CERCOM (EHESS). mestre trasburg~. Nanterre, Paris-VIII e da Califórnia.
de conferência na Universidade de Aix-Marselha. Pierre LEGENDRÉ. filósofo. professor na Universidade Paris-1.
François EWALD. filósofo, presidente da associação para o Cen- Gennie LEMOINE. psicanalista.
tro Michel Foucoult. Claude LÉVI-STRAUSS, antropólogo, professor no Collàge de Fran-
Arlette FRARGE. historiadora, diretora de pesquisos na EHESS. ca.
Jean-Pierre FAYE. filósofo, lingülsto, professor no Universidade FIio- Jacques LÉVY, geógrafo, pesquisador do CNRS, um dos anima-
sófica Européia. dores da revista Espaces-Temps.
Pierre FOUGEYROLLAS, sociólogo, professor na Universidade Paris- Alain LIPIETZ. economista, encarregado de pesquiso no CNRS e
VII. no CEPREMAP.
Françoise GADET. lingüista, professora na Universidade Paris-X. René LOURAU, sociólogo, professor na Universidade Paris-VIII.
Marcel GAUCHET. historiador, responsóvel da redação na revisto Pierre MACHEREY, filósofo. mestre de conferência em Paris-1.
Le Débat. René MAJOR, psicanalista. leciona no Colégio Internacional de
Gérard GENETTE, lingüista. semlologlsta. diretor de estudos na filosofia. diretor dos Cohíers Confrontatlons ,
EHESS. Serge MARTIN. filósofo, professor no Liceu de Pontolse.
Jeon-Christophe GODDARD. filósofo, professor da classe prepara- André MAIU.WET, lingülsta. professor emérito da Universidade Re-
tória · de HEC. né Descartes e da 6° Seção da EPHE.
Maurtce\ GODELIER, antropólogo, diretor científico no CNRS, dire- Claude MEILLASSOUX, antropólogo , diretor de pesquisa no
tor de estt.1dos na EHESS. CNRS.
Gllles GASTÇ)N-GRANGER, filósofo, professor no College de Fran- Charles MELMAN, psicanalista, diretor do revista Discours psycho-
ca. nalit/que.
Wladlmlr ~RANOFF. psicanalista, médico-chefe do Centro Médl· Gérard MENDEL, psicanalista, ex-interno do Hospital P~qulótrico
co-PslcolóQICo de Nanterre. de la Selne.
André GRE,EN, psicanalista, antigo diretor do Instituto de Psicanó- Henri MITTERAND, lingüista. professor na Nova Sorbonne.
llse de P91ls. Juan-David NASIO, psicanalista, anima o seminório de psicaná-
Algirdos-Julien GREIMAS, lngüista. diretor de estudos honorórlo da lise de Paris.
EHESS. André NICOLAI, economlsta, professor na Universidade Paris-X.
More GUILLAUME, economista, professor na Universidade Paris- Pierre NORA, historiador, diretor de estudos na EHESS, diretor da
Dauphlne. mestre de conferências na Escola Politécnica. diretor revisto Le Débot, editor da Gallimard.
do IRIS. Claudine NORMAND, lingüista, professora na Universidade Paris-X.
Claude HAGEGE, lingüista, professor no College de Franca. Bertrand OGILVIE, filósofo, professor na Escola Normal de
Philippe HAMON, lingüista. professor na Universidade Paris-Ili. Cergy-Pontoise.
Andre-Georges HAUDRICOURT, antropólogo e lingüista. Mlchelle PERROT, histor1adora. professora na Universidade Paris-VII.
Louis HAY, lingüista, fundador do ITEM. Marcelin PLEYNET. escritor, antigo secretório da revista Te/ Que/.
Paul HENRY. lingüista, pesquisador no CNRS. Jean POUILLON, filósofo e antropólogo, pesquisador do Labora-
Françoise HÉRITIER-AUGÉ, antropóloga. professora do College de tório de Antropologia Social, EHESS. ·
France. diretora do Laboratório de Antropologia Social. Joêlle PROUST, filósofo, grupo de pesquisa sobre a cognição,
Jacques HOURAU, filósofo, professor no Centro de Formação de CREA, CNRS.
Professores de Monlignon. Jacques RANCIERE, filósofo. docente na Universidade Paris-VIII.
Mlchel IZARD, antropólogo, diretor de pesquisas no CNRS. co-di- Alaln RCNAUT, filósofo, professor n::i Unive rsidade de Caen, fun-
__. - - 1 - .. _. _ ro.-uA.-- ri- D.hill""\~l""\nhiA
Ollvler REVAULT D' ALLONNES. filósofo, professor na Universidade
ÍNDICE I
Parls-1.
Éllsabeth ROUDINESCO, escritora e psicanalista.
ONOMASTICO-REMISSIVO
Nicolas RUWET, lingüista, professor na Universidade Paris-VIII.
Moustofo SAFOUAN. psicanalista.
Georges-Elia SAFATI, lingüista, docente na Universidade Paris-Ili. ABÊLES, More, 104. BADIOU, Alain, 39, 346.
Bernard SICHERE. filósofo , professor na Universidade de Caen. ADLER, Alfred, 62, 190, 191. BAKHTINE, Mlchaél, 381.
antigo membro da equipe Tel Que/. ADORNO, Theodor, 258, 390. BALANDIER, Georgos, 28, 100,
Dan SPERBER, antropólogo, pesquisador do CNRS. AGLIETTA, Michel, 195. 262, 299, 300, 301, 303 307, 4')/
Joseph SUMPF, sociólogo e lingüista, professor na Unlversldode AGOSTINHO (Santo). 277. BALFET, Hé làne, 167.
Paris-VIII. AGULHON, Mourice. 174, 212. BALIBAR, Étlenne. 325. 326, ,);;>li,
Emmanuel TERRAY, antropólogo, diretor de estudos na EHESS. AIMÉE (caso), 118. 331, 335, 342, 343, 3'10, 3 /11 ,
Tzvertan TODOROV, lingüista, semlologlsta. pesquisador no CNRS. ALAIN (filósofo), 11 O. 423.
Alaln TOURAINE. sociólogo, diretor de pesquisa no EHESS. ALEMBERT, j BALLY, Charles, 65, 66. 280.
Paul VALADIER. filósofo, antigo redator-chefe da revista ttudes. Jean LE ROND D. 113. BARBUT, More, 360, 361.
professor do Centre Sevres, em Paris. ALLOUCH\. Jean, 118, 145. BARTHES. Roland, 14, 16, 17. 24.
Jean-Pierre VERNANT, helenista. professor honorórlo do Co//àge ALQUIÉ, Ferdlnand, 149. 66, 67. 85-87. 91-93, 95-101, 117,
de Franca. ALTHUSSER, Hélene, 14. 182, 192, 224. 229. 231, 233,
More VERNET, semlologista do cinema, professor da Universidade ALTHUSSER, Louis, 14, 16, 24, 236, 238, 240, 242. 246, 248,
Paris-Ili. 110. 113, 174-176, 223, 252, 272, 255, 258, 259, 266, 353, 354,
Serge VIDERMAN, psicanalista. doutor em Medicina. 315-318, 321 -328, 330-335, 339, 357 , 365, 366. 379, 380, 420 .
Pierre VILAR, historiador, professor honorário na Sorbonne. 341, 348. 350, 351, 364, 369. 425, 427, 431.
François WAHL. filósofo, editor no Seuil. 378, 416, 422-425, 430, 431. BARTOU. Henri, 198, 200, 201.
Marina YAGUELLO, lingüista, professora na Universidade Paris-VII. A NSART, Pierre. 262, 263. 374. BASTIDE. Françols-Régls, 165,
ANTOINE, Gêrald, 85. 167. 199, 203.
ANTONOV, ,s-: BASTIDE. Rogar. 48, 62. 118, 161 ,
ANZIEU, Didier, 146. 171. 175, 299.
APOLINAIRE, Guillaume, 225. BAT AILLE. Georges, 118.
APTER, D~e-1""'.' BAT A ILLE. Sylvla, 240.
ARAGON. Louis, 315, 317. BAUDELAIRE, Charles, 231.
ARQUIMEDES, 162. BAUDELOT. Christian. 325.
\ J
ARIES, Philippe, 181 , 182, 397.
ARISTÓTELES, 325, 360.
ARON, Jean-Paul, 1 71 .
BAUDRILLARD, Jean, 11.
BAYET, Albert. 39.
BEATIIE, J .. 301.
)
360, 361, 422. 249. DARBEL. Alaln, 356. 238, 281, 356, 367, 369.
BOUVERESSE, Jacques, 324, 334. CHATEAUBRIAND, François, René DARWIN, Charles, 235, 371. DUMÉZIL. Georges, 2~. 53 !,/,
BOUVET. Mourice, 127. De, 160. DAVV, Georges, 39, 263. 112, 125, 126, 176, 1 77, 181.
BOYER, Robert, 197. c HÂTELET. François. 368, 394, DAYAN, Sonla, 263. 213, 214, 425.
BRAUDEL, Fernand, 166, 189, 409. DEBRA Y, Régls, 24. 301, 325, DUMONT, Louis, 166.
195, 196, 211, 237, 272, 312, CHESNEAUX. Jean, 393. 393. DUMONT, René, 166.
314. 356, 357-359. CHEVALIER, Jean-Claude, 81, DÉDÉY AN. Charles, 225. DUMUR, G uy, 100.
BRECHT, Bertold, 100, 101. 83-87, 222. 223, 229, 230, 310, DEFERT, Danlel, 1 71. DURAFFOUR, 91.
BRÉHIER, Louis, 32. 354. DEHOVE, Marlo, 197. DURKHEIM, Émlle, l 5, 26, 34, 35,
BRÉMOND, Claude, 235, 244, CHKLOVSKI. Victor, 77. DELAY, Jean, 181. 199. 292, 388.
357. CHOMSKY, Noam, 229, 251, ÔELEUZE. Gilles, 368, 394. DUROUX, Yves, 325.
BRETON, André, 23, 33, 118. 311. DELOFFRE, Jacques. 225. DURRY, Morle-Jeanne, 225.
BROCHIER. Hubert, 11. CIXOUS, Héléne, 291. DELTHEIL, Robert, 111. DUVIGNAUD, Jean, 100, 192.
BRONDAL. Viggo, 79, 93, 94, 96. CLASTRES. Pierre, 190, 191. 291. DERRIDA. Jacques. 16, 1 7, 275, 193, 209, 262. 263, 294, 299,
BRUNEAU, Charles, 91. CLAUDEL, Paul, 231. 276, 314, 334, 353, 365, 410, 306, .307, 412. 430.
BRUNOFF. Suzanne DE,349 . CLAVEL. Mourice, 189. 416, 422. 430.
BRUNSCHVICG, León, 31, 108. CLAVREUL, Jean, 123, 276, 281. DESANTI, Jean-Toussalnl, 174,
BUCI-GLUCKSMANN, CLÉMENS, René, 198. 251. ECO, Umberlo, 312, 357, 359,
Christine, 316. CLÉMENT, Catherine BACKES. DESCARTES, René, 104-106, 179, 360, 427.
BÜHLER, K.. 79. 291, 292, 316. 222, 325. 382, 409, 420. EHRMANN, J., 360.
BURGELIN, Pierre, 362. CLÉRAMBAULT, Gaêtan Gatlan DESCOLA, Philippe, 36, 209. EIKHENBAUM,
BURKE. Edmund, 397. DE, 118. ni:~rnMRI=~ Vlnr.o:.nt .40 51 Rnris Mlkhn1lovítch 77.
cOUfH Andró Ceorgoa.
EINSTEIN. Albert, 389. FOUQUE, Anlolnette, 382. GOETll(. Johann Wotfgang von. HAUDíll 217 229.
ÉLIADE. Mlrcéa, 365. FOURNIÉ. Georges. 98. 68. 277. 88, 89, 162 • '
ENCREVÉ, Pierre, 83-85, 310, GOLD MANN, Lucien, 27, HAZARD, paul, 3~4·5
9 44
FRANCASTEL, Pierre. 315.
354. 203-205. 258. 262. 365, 379. HA Y Louis, 228. .
FRANK, M a nfred, 295.
ENGELS. Frledrich, 35. GOLDMANN, Pierre. 14. HÉCAEN Henry, 311.
FREGE, Gotttob, 252, 276. Georg Wllholm írlQ,trlc 11,
ERASMO, 179. FREUD, Sigmund, 27, 35, 40, 6 1, GOLDSCHMIDT. Victor, 104. HEGEL 121 129 161, l',4
ÉRIBON, Didie r, 35, 17 1, 1 74, 65, 113, 117, 118, 121-123, 125, GOLDSTEIN, Kurt, 125. 15 111 11 3 • ' '
• 7' ,:, 1 75. 190, 20ti, ,!.\~ 1
177, 181, 183, 369. 126. 129-1 35, 137, 138, 141. 142, GOM BROWICZ, Wilold, 31 7. 155, 1 ..,,
ERNOUT. Alfred, 55. 145. 147, 174-176, 266. 276-278, GOMULKA. Wladyslaw. 190. 338. ER Mwllf' , t?Y, 1:'Ili,
ESCARRA, Jean, 39. 280, 292, 315, 326, 328, 347, GORKI, Maxime. 78. HEIDEG G 274 32/. 1101, ll!M 1\11,,
ESPINAS, Alfred, 61. 350 , 351. 353, 366, 370, 3 71, GOUBERT, Pierre, 356. 175, 188, '
ESTABLET, Roger, 262, 325, 335. 382, 383, 388, 411, 414. GOUGENHEIM, Georges, 83, 85. 422. ciémons. 16ó ,
ETIEMBLE. René, 23, 161. 162. FREUND, Julien. 11. GOUHIER. Henri. 177. HELLER.
EV A NS-PRITCHARD, 1 346
FREYRE, Gilberto, 161. GOURqu. Pierre. 217. 309, 356. HENRY. pou. m~s (Mlch, 1 l't
Edward. 302. FRIEDMANN, Georges, 311, 312.
• GRAC~. Julien. 16t HERBERT, ThO
EWALD. Fraçois. 226, 369. FROM M , Erich, 129. GRA M1v10NT, Mauri e. 83. CHEUX), 3 47 ·
,,,UGÉ Franrolso, 16b.
EY. Henri, 125, 148. FURET. François, l 73, 394, 430. GRANAI, Geo:ges, 62. HÉRITIER·r" ' "
GRANET, Marcel. 54. 291 • 307 ·
GRA NOFF. Wladimlr. 1 21, 122, HERRE N SCH MIDT ' 011 ver,
1 1611 '
FABIANI, Jean-Louis, 103, 421, GADET, Françoise, 65-67. 79, 127 . 166. 48
n t,ert, .
424. 225, 347. GREEN, André, l 00, 125, 142, 0
HERTZ. " 205 206. 214. 215.
FARAL. Edmond, 55. GALILEU. 347, 420. 148. 269. 270, 276, 279, 281. HESlooO, LUC de. 163.
FARGE, Arlette, 412. GANDILLAC, Mourice de, 164, GREIMAS. Alglrdas-Julien, 16, 47, HEUSCH, f 110 162
FARIAS, Victor, 416. 62, 63, 66, 85, 86. 91 -96, 98 , n
HITLE "· Adol , • ·
1 77, 203, 205, 206. V Louis. 16, 79. 85, 87.
FAYE, Jean-Pierre. 78, 189, 190, GARAUDY, Roger, 316, 325. 326, 228, 229, 233, 241-243, 247, 253, HJELMSLE ' 2 29, 230, 236, 237,
312, 31 4. 315. 335, 336. 258, 33.!,_, _354, 357,358,360, 92-94, 99. 50 353
48 2
FEBVRE. Lucien, 55, 101, 161, 361, 425. 242 244 2 • • ·
211, 255.
GARBO, Greta, 99.
GRIAULE. Marcel, 39, 62, 163,
·
HOARA , 0
Ú J cques. 2411. ?!JO.
GARDIN, Jean-Claude, 238.
FEIGL, Herbert. 431. GARRONE (Cardeal), 330. 167~ HOBBES, Thomas. 420.
John, 27
FEITÔ, François, 192. GASTON-GRANGER. Gilles, 104, GRITTI. Jules. 312, 357. HOSTON , ul:f-BOIGNY. íóllx, ,100.
FELIPE li. 356. 197, 201, 238, 345, 419. GROSRICHARD, Alain, 318. HOUPHO
F~RRY, Luc, 184, 405. 410. GRO SS, Mourice, 229, 241. HUGO v1ctor. 29.
GA U CHET, Marce l, 184, 187, · IN 1<ené-J. 312 .
'1
MEYRIAT, J., 160. NKRUMAH, Kwame, 300. PLEYNET. Marcolln, 312. 313. RICOEUR, Paul, 268-270, 362 ,
MICHARD. Laurenf, 18. NORA. Pierre. 169, 216, 355, PLON, Mlchel, 365. 363.
MICHAUD, René, 330. 356, 367, 395. POE, Edgar, 133, 134. RIFFATERRE. Michael, 230.
MICHELET, Jules, 92. NORMAND, Claudlne, 67, 68, POINCARÉ. Henri, 108. RIMBAUD, Arthur. 240, 353.
MIDDLETON. John, 301. 233, 347. POINCARÉ (Instituto). 241. RIVAUD, Albert. 31.
MIKHARILOVITCH. Boris. 77. POLIVANOV, Evgenl. 77, 78. RIVET. Paul, 37, 62, 153, 420.
MILHAU, Jacques. 316. POMMIER. Jean. 55. RIVIERE, Georges-Henri. 21 7.
MILLER. Gérard, 11. POMMIER. René, 260. ROBBE-GRILLET. Alaln, 364.
MILLER, Jacques-Alaln. 100. OGILVIE. Bertrand, 118,119, PONTALIS, Jean-Bertrand, 96. ROBIN. Régine, 347.
146. 226, 252, 274, 276, 325, 415, 420. POPPER, Karl. 244. 431. ROCHE. Anne, 118.
328, 357. ORTIGUES, Edmond. 266. POTTIER, Bernard, 84, 85, 229, ROCHE. Denis, 313.
M ILNER, Jean-Claude. 68. 100, ORY. Pascal, 188. 233, 241. 310. \ ROCKEFELLER (Fundação). 32.
318, 326. OZOUF. Jacques, 212. POUILLON, Jean, 25-28, 43, 45, RODINSON, Maxime, 162.
M ITTERAND, Henri, 85, 86, 229. 46. 291. 354, 360, 361 \ ROMILLY. Jacquellne DE, 12.
230. POUJADE. Pierre, 162 ROSSI. Tino. 91.
MITTERRAND. François, 14. POULANTZAS, Nlcoi, 14. ROTMAN. Patrick. 317.
MOISÉS, 278. PAGES. Robert. 204. POULET, Georges, 232. 365. ROUDINESCO, Élisabeth, 11 7.
MOLIERE. 65. PAPIN, Christine e Léa (irmãs PROPP, Vladimir. 93. 231. 235, 123. 126, 128, 150, 225. 252,
MOLINO, Jean. 175. Papin). 118. 238, 244, 245, 284. 353, 358, 272. 326, 328. 382, 414. 415.
MONDRIAN. Piet. 238. PAQUOT, Thierry, 12. 359. ROUSSEAU, Jean-Jacques. 158,
MONNET. Georges. 31. PARAIN, Brlce, 181. PROUST, Jacques, 174. 159, 292. 402.
MONTAIGNE, 154, 155. PARIENTE, Jean-Claude, 173. PROUST, Joêlle, 105, 346. ROUSSEL. Raymond, 175.
MONTESQUIEU, 325. PARISOT, Thàrese, 12. PROUST. Marcel, 96, 97. ROUSSET, David, 23.
MONTHERLANT, Henri DE, 155. PASCAL. Blaise. 179. 205, 277. PUCHKIN, 76. ROUSSET. Jean, 231, 232. 356.
MONTUCLARD, Mourice. 330. 330. 420. ROUSTANG. François, 143, 278,
~ MORENO, Jacob-Lévy, 204. PASSERON, Jean-Claude, 112, 281.
- rii'IURGAN, Lewis-Henry, 15, 40. 175. ROY. Claude, 160, 188, 209,
MORIN, Edgar, 170, 192. 193. PAVEL, Thomas, 93, 294, 427. QUÉMADA. Bernard, 84-86, 97, 266.
312 . 431. 228. 2 3 3 ~ ROYER-COLLARD. Pierre Paul,
MUKAROVSKY, J, 78. PERROT. Jean. 85. RAC INE, Jean. 205, 255.
MURDOCK. George-Pefer, 204, PERROT, Mlchelle. 212, 412, 425. RADCLIFFE-BROWN. A.R.. 36.
260. PERROUX, François, 196, RANCIÊRE, Jacques. 169, SAFOUAN, Moustafa, 120, 146.
MURY. Gilbert, 333. 197-199, 204. 325-328. 335. SAINT-HILAIRE, Jeoffroy, 68.
PIATIER, Jacqueline. 258. RASTIER. François. 244. SAINT-SERNIN. Bertrand, 111.
PICARD. Raymond, 255, RAULET, Georges, 63. SAINT-SIMON, Claude Henri.
257-259, 354, 420. RÉBEYROL. Philippe, 258. Conde DE. 387.
NACHT, Sacha, 128. PIAGET. Jean, 107, 199, 203, REDONDI, Pietro. 103. SALGAS, Jean-Pierre, 356.
NADEAU. Mourice. 96. 98. 205. 234, 251, 369, 410. RÉGNAULT. François, 318, 325. SAÔ ANTONIO, 251.
NADEL, Siegfried-Frederick, 301. PICHON, Édouard, 84, 135. RAYMOND, Pierre, 250. SÃO JOÃO. 143, 277.
NAIR, K., 340. PICON, Gaêtan, 231. RENA UD, P.A., 160. SAPIR, J. David, 76.
NAPOLEÃO Ili, 312. PIERCE, 75. RENAUT, Alain, 184. 187, 405. SARFATI. Georges-Ello, 101, 411.
NASIO, Juan-David, 273. PIGANIOL. André, 55. 410. SARTRE, Jean-Paul. 15, 23-29,
NAVILLE, Pierre, 234, 305. PINGAUD. Bernard, 363. REVAU LT-0' ALLONNES, Olivler. 60. 98, 156, 160, 188, 226, 264,
NEEDHAM, Rodney, 48. PINGUET. Mourice, 175, 413. 39, 174. 189, 258. 267, 268, 300, 345. 360, 363,
NEURATH. Otto, 431. PINTO, Louis, 423. REVEL. Jean-François. 248. 365. 364. 365. 36 7, 407, 421-423.
NEWTON, Isaac, 45, 72. PIOT, Collete, 234. REY. Jean-Michel, 409. 429.
NICOLAI, André, 195, 196, 199. PIOT, More, 305. RICARDO. David, 353. SAUSSURE, Ferdinand DE, 15.
NIETZSCHE, Friedrich. 170. l 75, PIVIDAL, 263. RICARDOU, Jean. 313. 43. 54, 60-63, 65-73. 75. 76. 79,
1
101, 104, 105, 117, 120, STOCKING, George W .. 62 . v Eíl)(AINI ' l'rnll, '" 2 33 . 291.
129-132, 135, 136, 193, 204, STRAKA, Georges, 85, 228. VEnNANI, Jíl<III Jlln rt u, I /, 56, WAHL, François, 2 72. 31 2. 354 .
215, 234, 242, 243, 249, 2 72, SULLIVAN, Harry STACK. 129. 205, 206, 2 13? I h, 29 1. 365, WAHL. Jean, 164, 173, 174. 447
273, 279, 292, 326. 353, 363, SUMPF, Joseph, 233, 234. 366. 422. WALLON, Henri, 119.
365, 426. SWAIN, Gladys, 184. VERNET, More, 245. W ANTERS, Arthur. 31.
SAUVY, Alfred, 197. SYLVA, Christine, 12. VERRET, Mlchel, 332. WEIL, André, 44, 107.
SCHAFF. Adam, 316. VERSTRAETEN, Pierre, 268. WEIL. Simone, 44, 107.
SCHLEGEL. August Wilhem von, VEYNE, Paul, 175, 412. WEILLER. Jean, 196.
54, 67. VICO. Giambattista, 154. WESTERMARCK. Edward, 40.
SCHLEGEL, Friedrich von, 54. TARDE, Gagriel, 199, 261 . VIDAL-NAQUET, Pierre, 56. WINNICOTT, Donald W., 2 /6.
SCHLEICHER, Auguste .. 108 . TARDITZ, Claude, 307. VIDERMAN, Se1ge, 280_ WITTGENSTEIN, Ludwig, 93, 10 11,
SCHLICK, Moritz. l 08. TAYLOR. Frederick Winslow, 350. VIET. Jean, 422. / 408.
SCHORSKE. C., 387. TERRAY, Emmanuel. 39, 301, VILAR, Jean, 100. WOLFF. Étienne, 203.
SEBAG. Lucien, 190, 191, 241, 305, 307, 348, 384. VILAR, Pierre, 204, 316. 339. WORMSER, André, 173.
362. TEXIER, Jean, 333. VINCENT. Jean-Marie, 341.
SÊCHEHAYE. Albert, 65, 66. TH IBAUDEAU, Jean. 313, 360. VINOGRADOV, 230.
SÊDAR-SENGHOR, léopold, 300. TH IERS (Fundação), 175. VIRILIO, Paul. 396. YAGUELLO. Marina. 78. 225.
SEGHERS, Anna, 33 . THOMAS, Louls-Vlncent, 12. VOLTAIRE. 402. YAKOUBINSKI. 77.
SEMPRUN, Jorge, 332. THOREZ, Mourice, 333.
SENGHOR, Léopold Sedar, 157. THORNER. Daniel, 166.
SERGE, Victor, 33. TODOROV, Tzvetan. 16. 67, 70, WAGEMANN, Ernst, 19,8.
SERRES, Michel. 16, 114, 115, 223, 224, 235, 241. 242. WAGNER. Richard, 84, 85. ZOLA, tmllo. 114.
173, 183. 311 -314, 355,357, 360, 379, WAGNER. Robert-Léon, 230, ZO NAB F N O. rm1 1çQ lau, ?9 1.
SEVE. Lucien, 316, 333, 394. 380, 425.
SICHÊRE, Bernard, 131, 171. TOGEBY, Knud. 85, 229.
278. TOMÁS (Santo), 279.
SIMIAND. François, 34, 206, 211. TORRES. Félix. 388.
212. TORT, Michel. 326.
SIMON, Michel. 332, 346. TOURAINE, Alain, 11.
SIMONIS, Yvan, 44. TOURÉ. Sékou, 300.
SINGEVIN, Charles, 91, 92. TRACY, Destutt DE. 47.
SIRINELLI. Jean-François, 188. TRISTANI. 263.
SMITH, Adam, 371, 376. TROTSKY, Léon. 78.
SMITH. Michael-Garfleld, 301. TROUBETZKOV, Nicolal. 15, 43,
SMITH, Mlle, 72. 51, 66, 77, 78, 80, 87, 91, 94,
SÓCRATES, 403. 204, 237, 238.
SOLLERS. Philippe, 2 78, 312-314, TUDESQ, André. 212.
360, 379, 380.
SÓFOCLES, 142.
SOUSTELLE. Jacques, 32, 62,
165. URl,P;eue~
SOUVARINE. Boris, 118.
SPERBER. Dan. 41, 304.
SPENCER, Herbert. 15, 387. VACHEK. J., 78.
SPENGLER, Oswald, 387, 401. VAILLAND, Roger, 188.
SPINOZA, Baruch, 104, 106. 109. VALADIER, Paul, 339, 389, 399,
271, 343, 420. 421.
SPITZER. Léo, 86, 231. VALÉRY, Paul, 231, 266.
STALIN. Joseph, 174, 187, 188, VATTIMO, Gianni, 404.
200. VAUGELAS. Claude Favre, 15.
STAROBINSKI, Jean, 72. VEILLE. Jacques. 97.
STEIN, Conrad. 148, 149. VENDRYES, Joseph, 83, 87.
STEINER, George, 405. VERDÊS-LEROUX, Jeannine, 263,
STENDHAL. 353. 333, 335.