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11 o êxito que o estruturalismo conheceu na França ao lon-


go dos anos 50 e 60 não tem precedente na história
da vida intelectual desse país. O fenômeno obteve a,
FRANÇOIS DOSSE
VOLUME 1
odosõo da moior parte da intelligentsia, olé reduzir a nada algu-
mas resistências ou objeções que se manifestaram quando do que O CAMPO DO SIGNO - 1945/1966
se pode chamar o momento estruturalista. TRADUÇÃO
As razões desse êxito espetacular dependeram essencialmente do ,
foto de que o estruturalismo apresentou-se como um método rigo- ALV ARO CABRAL
roso que podia ocasionar esperanças á respeito de certos progres-
sos decisivos no rumo da ciência; mas também, simultaneamente, e
de um modo mais fundamental, do fato de que o estruturalismo
constituiu um momento particular do história do pensamento sus-
cetível de ser qualificado como o tempo forte cio consciência crítico.
Essa conjunção é que permite compreender porque tantos intelec- ··-·-· .. -- i
CENTRO \lNlVERSiT.\Ki()
tuo,is se reconheceram num mesmo programa. /.../ Expressão da t•NINOVE
contestação, o estruturalismo corresponde, sem dúvida, a um mo- BIBUOTI=CA
Nº de Cha,'!1303
mento do história ocidental enquanto expressão de uma certo dose QATA '
de auto-aversão, de rejeição do cultura ocidental tradicional, de ~"' Fornecactot"
Tomt>O
AQUl$lçAO:
apetite de modernismo em busco de novos modelos. /.../ O estru- NF
turalismo terá sido, nesse plano, o estandarte dos modernos em Preço 1

suo lura contra os antigos. Terá sido ainda o instrumento de uma


desideologização poro numerosos intelectuais comprometidos, ao rit-
mo dos desilusões da segundo metade do século XX. /.../
O esboço de periodização tampouco é simples. Ele evidencia
uma clara e irresistível progressão nos anos 50 da referência aos
fenômenos de estruturo paro transformar-se nos anos 60 em ver-
dadeiro modo estruturolisto que se assenhorie do essencial do
campo Intelectual. O ponto central de referência o partir do qual
a ollvldode estrutu rolisto irradia mais fortemente em rodo o cam-
po lnloloctuol é o ano de 1966. É o momento-farol desse período
paio l11tomldode, o brilho irradiante, a fusão do universo dos sig-
11111111
177744
no, que ele reollzo poro além de todas os fronteiros disciplinares )
l\tubola<ldu,. At6 1966, é o progresso que parece irresistível, o fase
m1111durd• da atlvldudo estruturalisto. A partir -de 1967, é o início do
f ,i 1 TULO OR I G INA~
1 k1 HISTOIRE OU STRUCTURALISME /
J Q.d · 1. LE CHAMP DU SIGNE, 1945-1966
IJ 'l © ÉD ITIONS LA DÉCOUVE IHE/PARIS/1991 INDICE
bc rt7t~U4 © DA EDIÇÃO BRASILEIRA: EDITORA ENSAIO/SP/ 1 993

CAPA
O CAMPO DO SIGNO - 1945/ 1966
WALTER HÜNE 11 IIIIOIHJÇÁO .... ,..................... ... ........ ........... .................................... 13

DESENHO
(Michel Foucault, Jacques Lacan.
Claude Lévi-Strauss e Roland Barthes)
MAURICE HENRY
1. OS ANOS CINQUENTA:
A ÉPOCÁ ÉPICA
REVISÃO
CARMEM SIMÕES DA COSTA O I C I IPSE DE UMA ESTRELA: JEAN-P AUL SARTRE .......... .... 23
E ? t> NASCIMENTO DE UM HERÓI: CLAUDE LÉVI-STRAUSS ..... 31
EQUIPE ENSAIO 1IA SUTURA NATUREZA/CULTURA: O INCESTO .. ................... 39
1 l'I Ç AM O PROGRAM A: O MAUSS ......................... .......... ..... 47
DIAGRAMAÇÃO, COMPOSIÇÃO E FILMES l\ IJM I l'?ANCO-ATIRADOR: GEORGES DUMÉZIL ...................... 53
ENSAIO - EDITORAÇÃO ELETRÔNICA ir A PASSARELA FENOMENOLÓGICA .... ...... .... ......... .... ,...... ,..... 59
/ () COílTE SAUSSU RIANO .............................................. .......... .. 65
IMPRESSÃO E ACABAMENTO li O HOMEM-O RQUESTRA: ROMAN JAKOBSON ............. .... .... 75
GRÁFICA EDITORA HAMBURG •J \JMA C IÊNCIA-PILOTO SEM AVIÃO : A LINGÜÍSTICA .. ......... 83
111 MI í'OfHAS DE ALEXANDRIA .... ............ ................. .................. 91
Dados lnternocionols de Cotologoçóo no Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do livro, SP, 6rasi~ 11 A I ICUílA-MÃE DO ESTRUTURALISMO:
OosS<,, François, 1950- 110 1ANO BARTHES ................... ...... ........... .. .............. .. ............... 95
História do estruturalismo, v. l : o campo do signo, I.' A I XIGÊNCIA EPISTÊMICA .............. .. .................. ................... . 103
1945-1966 / tradução Álvaro Cabral. - São Paulo: Ensaio;
Campinas, SP: Editora do Universidade Estad ual de Campi-
11 IJM ílEBELDE CHAMADO JACQUES LACAN ..... .. ................ 117
nas, 1993. 1I O C HAMADO DE ROMA (1953): O RETORNO A FREUD 125
Obro em 2 vai. 11, O INCONSCIENTE: UM UNIVERSO SIMBÓLICO ...... ............. 135
1. Estruturoli;mo - História 1. rrtulo. li. n ulo: O Campo do 1t, HSI' A HERESIA ... .. ..................... .............................., .............. .. 145
signo, 1945-1966. I/ A SCDUÇÃO DOS TRÓPICOS ... ... ............. ,.......................... .. 153

93-2493 COD-149.96
111 ,O DESVARIO DA RAZÃO:
Índices Poro Catálogo Sistemático A OBRA DE MICHEL FOUCAULT ....................... ................... . 169
111 ( msc DO MARXISMO: DEGELO ou REGEL O ?. ............. f ... .. 187
1. Estruturalismo: filosofia : História 149.96
.'li, A V IA ESTRUTURAL DA ESCOLA
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS · UNICAMP I IIANCESA DE ECONOMIA ........... ............. ........................... 195
Reita: Carlos Vog t ,' 1 C O MO A ESTRUTURA É BELA! ......... ....... ....... .... ,............... .... 203
Coordenador Geral da Universidade: José Martins FIiho
Conselho Editorial: Aécio Pereira Chagas, Alfredo Miguel Ozório de
Almeida, Antonio Carlos Bannwart. César Francisco Ciacco (Presidente).
Eduardo Guimarães. Hermógenes de Frê!tas Leitão Filho, Jayme Antunes
Mac iel Júnior. Luiz Cesar Marques Filho, Geraldo Severo de Souza Ávila
Diretor Executivo: Eduardo Guimarães li. OS ANOS SESSENTA
Título publicado com o apoio do
MINISTÉRE DE LA CULTURE ET DE LA COMMUNICATION OE FRANCE
1963-1966: LA BELLE ÉPOQUE
~~. A SORBONNE CONTEST ADA:
A QUESTÃO DOS ANTIGOS É DOS MODERNOS ............... 221
1993 '/,\ 1964: A BRECHA PARA A AVENTURA SEMIOLÓGICA ...... 233
TÍTULO SELECIONADO PELA :Ili A IDADE DE OURO DO PENSAMENTO FORMAL .......... .... . 2 41
·e. cl 1'1'<> rc:::a e...-,. s c:::a i e>
:,th, OS GRA NDES DUELOS ............... .... ......................... ...... .......... 255
MOVIMENTO DE IDÉIAS/IDÉIAS EM MOVIMENTO '/f1 AS C ADEIAS SIGNIFICANTES .................................................. 271
Ruo Tupí, 784 J ri n,u DA MltO I OGIA É REDONDA ............................... 2.03
HIST RIA DO i;SrRUTUIMLISMO

29. O APOGEU DAS REVISTAS ...... ........................... .................... 309


30. ULM OU SAINT-CLOUD: ALTHU OU TOUKI? ........................ 321
31. A EXPLOSÃO ALTHUSSERIANA ................ ............................... 329
32. O SEGUNDO FÔLEGO DO MARXISMO .................. ............. 345
33. 1966: O ANO-LUZ - 1. O ANO ESTRUTURAL ................................... 353
34. 1966: O ANO-LUZ • li. FOUCAULT VENDE COMO PÃEZINHOS 367
35. 1966: O ANO-LUZ - 1a. QUANDO JULIA CHEGA A PARIS ........ 379

Ili. UMA FEBRE HEXAGONAL


36. NA HORA DA PÓS-MODERNIDADE ..................................... 387
37. AS RAÍZES NIETZSCHEO-HEIDEGGERIANAS ........................... 401
38. A CRISE DE CRESCIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ........ 419

ANEXO
LISTA DAS ENTREVISTAS REALIZADAS ..... ..................................... 433
ÍNDICE DE NOMES .......................................... ............................... 437

,i

A FLORENCE, ANTOINE, CHLOÉ E AURÉLIEN


AGRADECIMENTOS
- ------------------- -------
A vro doço o todos aqueles que tiveram a gentileza de
11 0 0 1tar depor no decorrer de entrevistas que foram re-
11• o '"1,11lus na íntegra. Sua contribuição foi essencial, constituindo
11111 doll rnaterlals m a is importantes paro a realização deste ca -
l ,1111111 <~u t,lstórla Intelectual francesa*:
Mrnc Abélés. Alfre d Adler. M ichel Aglletta. Jean Allouch, Pier-
" /\11•1w1, Mlche l Arrivé, More Augé, Sy1voin Auroux. Kostas Àxe-
1• ,.,, t, uo1gos Balandier, Étlenne Balibar, Henri Bart o li, Mie hei
Ih••""" Daniel Be cquemont. Jean-Marie Benoist, A lain Boissinot,
1111y111u11c.l Boudon. Jacques Bouveresse, Claude Brémond, Hubert
111, 11 hllJt, Louis-Jean Calvei. Jean -Claude Chevalier, Jean Clo-
v11111I, C laude Conté, Jean-Claude Coquet, Maria Darakl, Jean-
f 1,, 11.,c tin i Oesanti, Philippe Descola , Vincent Descombes. Jean-
M, 0111 Oomenach, Joel Dor, Daniel Do1t, Roger-Pol Droit , Jean
11111111111, Georges Duby, Oswald Ducrot, Claude Dumézil, Jean
1111v11111oud. Roger Estabtet. François Ewald, Arlette Farge, Jean-
111, 1111 1oyo, Pie,re Fougeyrollas, Fmnçoise Gadet, Marcel Gau-
' !,ui, ôórord Genette. Jean-Christophe GodCilard, Mourice Gode-
11• ·1, Ol llo s Go ston-Gronger, Wladlmlr Granoff, And ré G reen,
lul11l<Js Jullen Greimos, More Guillaume, Claude Hogege, Philip-
1" ' l lwno n. André -Georges Haudricourt, Louis Hay. Paul Henry.
1,, II H.,olso Héritie r-Augé. Jacques Hoarau. M ichel lzard, Jean-Luc
t,1111wd, Jean J amin, Julia Krlsteva, Bernard La ks, Jérôme Lalle-
11111111, Jo an Laplanche, Frçmcine Le Bret, Serge Leclaire, Domini-
111111 1ocourt, Henri Lefebvre. Pierre Legendre. Gennie Lemoine .
1 li 1wlo Lévl-Strauss. Jacques Lévy, Alain Lipie tz. René Lourou,
l'lu1 11t Macherey, Ren.é Ma jor, Serge Martin, André Martinet,
• h 111tlo Melllassoux, Charles Melman, Gérard Mendel, · Henri Mit-
1,,11111,J, Juan- David Nasio. André Nicola'f. Pierre Nora, C laudine
1h III nw,d, Bertrand Ogilvie, Michelle Perrot. Marceltn Pleynet,
1111111 roulllo n, Joêlle Proust. Jacques Ranciere, A lain Ren aut, Oli·
v1,,1 ll vault d' Allonnes. Êlisabeth Roudinesco. N·l colas Ruwet ,
Mi 11wlttfo Safouan, Georges-Elia Sarfati. Bernard Sichere, Dan
1
111111lwr, Joseph Sumpf. Emmanuel Terroy, Tzvetan Todorov, Alain
l 111 uulno, Paul Valadier. Jean-Pierre Vernant, More Verne t , Serge
Vld, ,mon. Pierre Vilar, François Wahl, Marina Yaguello.
ovtios personalidades foram igualmente contactados. mos
111111 pudo encontrar-me com e las: Didier Anzleu, Alain Badiou,
1 l11l~llun Baudelot. Jean Baudrillard, Pierre Bourdieu, George
1 • 111uu1them. Cornélius Castoriadis, Héléne Cixous. Serge Collet.
l\11 lolno C ulloll, Gilles Deleuze, Jacques Derrido. Louis Dumont,
l11lh111 1,ound, Luce lrígaray, Francis Jacques, Christian Jambet,
1 nll1111tno Kerbra t-Orecchioni, Victor Karady, Serge-Christ ophe
""""· C loude Le fort, Philippe Lejeune, Emmanuel Lévinas. Jean-
111mc;ol1J Lyoto rd, Gérard Mille r, Jacques-Alain Miller. Jean-Claude

• 1J 1•11111 ,rncon tro,6 om onoxo um detolhomon to dos ospeclolldodos o runçõ,M


,,111111• d11 , u<Jt> umo do, POstOO$ o oue1m o ntrovistomos.
FRAN ÇOIS OOSSE
HISTÓRIA DO E§TRUTURALISMO

-
:t, i.:
Milner. Edgar Morin. Thérese Parisot, Jean-Claude Passeron, Jean-
l ,::,,'.1.:.:•.
1.,l.·i:',i,.l:~l

~,f
...
Bertrand Pontalis, Paul ílicoeur, Jacqueline de Romilly, François
íloustang, Mlchel Serres e Louis-Vlncent Thomas.
INTRODUÇAO
Também estou profundamente grato a todos aqueles que
acelta!am a pesa~a tarefa de rever o meu manuscrito e cujas
sugestoes e correçoes me proporcionaram útil ajuda. permitindo-
me assim levar a bom term o este empreendimento: Daniel e
Trudi Becquemont, Alain Boissinot, ílené Gelly, François Geze e
Thlerry Paquot.
Agradeço, por_ fim, a Monlque Lulin, das Éditions du Seuil, a d• ,
O 6xlto que o estiuturolismo conheceu na França ao lon-
go dos anos 50 e 60 não tem precedente na história
vii lo Intelectual desse país. O fenômeno obteve a adesão
~ferre Nor~, das Editlons Gallimard, e a Chrlstlne Sylva, das Édi- ti• 1 11111lor porte da lntelligentsia, até reduzir a nada algumas re-
t1ons La Decouverte, por me terem comunicado as tiragens de t!hh 11< loff ou objeções que se manifestaram quando do que se
um certo número de obras editad os no período em estudo. 11111h ohomor <;> momento estruturalista.
A• ftl/Oes desse êxito espetacular dependeJam esseoc[gJroen-
h do fo t o de que o estruJu,ralismo_g_ru esentou-se como um
1111 lodo rigoroso que podia_ ~ ~nar .~ Je,,~Ô.~as~spI~~ de
1 111 11111 progressos decisivos no rumo da ciência; mas também, sl-
1ttl tllc III omente, e de um modo mais funda~ental do f ato de
, 111, u ostrulurallsmo constttÚlu um mori'.ient o particular ao histó-
11, t , lo ponsamento suscetível de ser qualificado como o tempo
l11tlcl do consclêncl.9 <?_!Í!lc_si.. Essa conjunção é que permite
, t 11,1p14Jonder porque tontos Intelectuais se .reconheceram num
----
111,u,1 no programa. Programa que suscitou múltiplos entusiasmos,
11 pnnlo de o treinador da seleção nacional de futebol anun-
1 1111, no década de 60, uma reorganização "estruturallsta" da
_,,,, uqulpe a fim de melhorar os resultados.
<> triunfo do paradigma estruturalista resulta. em primeiro lu-
\Jt 11, tio um contexto histórico particular marcado. desde o final
1111 11' o uro XIX, pela progressiva tendência do ocidente para
111111, tomporalidade moderada. Mas também é fruto do notóvel
, h1fl11 t1volvlmentõ qas ciências socia!s, que se defrontou com a
t11,111l11oçôo hegemônico da velha Sorbonne. detentora da legl-
lll11ltludo sóbla e distribuidora das humanidades clósslcas. Uma
v111dncJolro estratégia inconsciente de superação do 1 academis-
11111 fl() poder consubstanciou-se então num programa estrutura-
ll1ili 1, ( IU O leve uma dupla função - a de_ s.2.,~!esta~ão e a de
1 11111!<1c u1tura. O paradigma estrutural demonstrou sua eficócia
, 11111"'' domínio ao garantir o lugar para todo um saber proscrito,
, 1 , nwoom das Instituições canônicas.
1 ><prossõo da conte.stoção, o estruturalismo corresponde, sem
d11vll1o, o um momento da história ocidental enquanto expres-
•'111 d l) uma certa dose de auto-aversão, de rejeição da cul-
111111 ocldontal tradicion al, de apetite de modernismo em busca
1 ht n ovos modelos. À glorificação de valores antigos, o estrutu-

111llh! no to ró oposto uma extrema sensibilidade para tudo o que


lol 1un1lcado nessa história ocidental, e não é um acaso se as
, 1111111 c;l()nclas-foróls do momento - a antropologia e a pslcanó-
11"" prlvllogtam o Inconsciente, o avesso do sentido manifesto,
11 11 p,lrflldo, Inacessível. da história ocidental.
r lombóm o momento em que o lingüística desempenha a
ltmc,tw do clônclo-plloto que orienta os passos da aquisição
1 hmllllc:t1 poro os ciên cias sociais em geral. O estruturalismo ta-
___.J.J.______ .. ._• ...,. '"'1,-..,.._" --" n.<A..tnndnrt o rlne; mr\rtarnrtA am ~ l 10 luto
_ _ _F_R_
A N Ç OIS DOSSE O C AMP O D O SIG NO
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO INTRODUÇ AO

deologlzoçõo para numerosos Intelectuais comprometidos. ao rit-


mo dos desilusões da segundo metade do século XX. Conjun-
tura político particular marcado pelo desencanto. configuração
do campo do saber que precisava fazer uma revolução poro
:·~~:; .~: ~E~:!~~;::~~i.~°:~~.;.~:~~~~ :~~::: ii
11111 p1 0 acrescentar o de Jean-Paul Sartre. Inaugura um novo
ver uma reforma ser bem sucedida: essa conjunção permitiu ao 1
,.,,rc 1<1o de revisão e reformulação dos questões fundamentais.
estruturalismo ser o pólo de convergência de uma geração in- 111 11m porfume de nostalgia flutuava no começo dos anos 80,
teira que descobriu o mundo por trós da grade estrutural. 11, 11 m do se compraziam novamente e';' evocar essas !l~uras de
Essa busca maior de uma saída para o desconcerto existen- 11 11 ,o p assado com um misto de distancia e de fascrn10, tonto
clal teve por efeito uma tendência para ontologlzar a estrutura: 11 11 ,1, fo rte uma vez que elas acabaram sendo convertidas em
esta apresentou-se, em nome da Ciência, da Teoria. como a 1,1111\111 om c onseqüência do caráter excepcional do destino que
alternativa para a velha metafísica ocidental. Ambição desme- Ili• 1 fo ra reservado. Enquanto que aqui e ali havia quem se
dida de um período que deslocava as linhas fronteiriças. os limi- 11 ,u•l rosse d eliciado em assinar o atestado de óbito do estrutu-
tes das figuras impostas, para aventurar-se nos caminhos mais 1, 111-mo. o c adáver ainda se remexia. a crer na p~squisa de
recentes. abertos pela eclosão das ciências sociais. 11pl11l<'lo re alizada pela revista Ure em abril de 1981 . A pergunta
Depois. subitamente. tudo foi abalado e um destino funesto 111 11uoontada a vórtos centenas de escritores. jornalistas. prof~sso-
golpeou o estruturalismo no Início dos anos 80. A maior porte 1, .. ostudantes. políticos... : "Quais são os trê s Intelectuais vivos,
dos heróis franceses dessa gesta épica. de fulgurante irradiação clu a m bos os sexos e de língua francesa. cujos escritos lhe pa-
Internacional. desapareceu num mesmo sopro da cena dos vi- 1,11 1 oxercerem. em profundidade, a maior Influência sobre a
vos, transferindo-se para um outro palco, como se os teóricos u 1,111luçõo das idéias. das letras. das artes. das ciências etc.?", as
do morte do homem se tivessem todos deixado arrebatar ao 11 , postas c olocam em primeiro lugar: Claude Lévi-Strauss <.101):
mesmo tempo por um espetacular trespasse. Nicos Poulontzas 11 11 aogunda posição, Raymond Aron (84): na terceira. M1chel
suicido-se, jogando-se de suo janela no dia 3 de outubro de l 1111cou1t (83) e na quarta Jacques Lacon (5 l ) ...
1979. após defender-se de ter traído Pierre G~ldmannl Rolond Do o nde vem o conceito de estruturalismo que suscitou ton-
Borthes. após almoçar com Jacques Berque e François Mitter- t, 1 o tõo exagerado admiração e tanto opróbrio? Derivado de
rand, então primeiro - secretório do Partido Socialista, é atrope- , ,htJl ura (structura em latim. do verbo struere). teve no começo
lado na rue des Écoles por uma camioneta de lavanderia. , 11 11 aonlldo arquitetural. A estrutura designa •a maneira como
Sofre apenas um ligeiro traumatismo craniano. mas deixa-se 111 ,1 d lríc lo é construído" (Dlctionnalre de Trévoux. ed. de l 771 ).
morrer. segundo os testemunhos de quantos foram vê-lo no hos- llo~ sóculos XVII-XVIII. o sentido do termo "estrutura• modifica-se
pital de La Pltié-Salpêtriêre; desaparece a 26 de março de ., m 1'plla-se por analogia aos seres vivos: tanto o corpo do ho-
1980. Na noite de 16 de novembro de 1980, Louis Althusser es- 1ll fllll perc ebido como uma construção em Fontenelle, quanto
trangulo sua fiel esposa Héléne. O eminent e representante do , 1 língua com Vaugelas ou Bernot . .9-termo_ assume e_n1ª.Q.. o
mais rigoroso racionalismo é Julgado e considerado Irresponsável 11 nlldo da descrlção__fl a rQ..aneira como as partes Integrantes
por seu ato. e vê-se hospitalizado em Salnte-Anne, antes de in- , h um ser concreto organizam-se numa totalidade. Pede abran-
ternar-se, graças ao seu antigo mestre de filosofia. Jean Gultton. H"' m últiplas apllcaçõ~ (estri:rturas anatômicas. psicológicos.
numa clínica da região parisiense (Althusser morre em 1990]. o w ,ológlcas. matemótlcas ...). A postura estrutural só se apossou
homem das palavras, o grande xamã dos tempos modernos. ,
111
,d odolramente do campo das c iências humanas num segun-
Jacques Locan. extingue-se ofósico em 9 de setembro de 1981. dn Ji:>mpo, recente, a partir do século XIX. com Spencer, Mor-
Passam-se a lguns anos. poucos. e o vento ruim da morte volta ~1, 11, o Marx. Trata-se então de um fenômeno duradouro que
a soprar para. desta vez. arrebatar Michel Foucault no apogeu 111t1blna de maneira complexa as várias partes de um conjun-
da popularidade e em plena atividade criativa. Escrevia uma 111 m ,ma a c epção mais abstrata . O termo "estrutura". ainda
história da sexualidade que o fustiga em cheio com a nova , 111 ~ nl o e m Hegel e pouco freqüente em Marx. a não ser pe-
doença do século: a aids. Morre em 25 de Junho de 1984. 1, , pro fócio à Critica do Economia Político (1859), é cons~grado
Esses desaparecimentos. seu caráter incomum e quase simul- 1111 fina l d o século XIX por Ourkheim (Les Régias de lo methode
tâneo, acentuaram a Impressão de fim de uma época. Alguns .,, lnloglq ue, 1895). A estrutura dó então origem ao que o Vo-
vão mesmo ao ponto de teorizar a coisa e vislumbrar. por trós ' 11hci/o/ro de André Lalande qualifica de neologismo: o estrutu-
da conjunção desses destinos trágicos. a revelação do Impasse 111lhi1HO, onhe 1900 e 1926. O estruturalismo nasce nos psicólogos
de um pensamento comum e comumente chamado estrutura- puru o p o r se à psicologia funcional no começo do século, m_os
lismo. O corte epistemológico de um pensamento especulativo n v 111dodeiro ponto de partida do m~todo ~ sua ac~pçoo
com o real teria conduzldo à autodestruição. ~ evidente que m o d rn rm , na escala d e todos os ciências humanas. pr9~m da
tal aproximação depende do artifício, ainda mais do que o dos "voluç ô o da Jlngüísllc.a. Se Saussure emprega apenas em três
anos 60 que levava à glória mediática o banquete estruturolls 111 u lllôos o fo rmo "estrutura· no C urso de L/ngüfstlca G eral. é SO·
ta: o dos auatro mosa11PtPlro.c: n,u:,. r1 ... ,,, ., ...... . ,..- ,.., ___ , _ __ ""---------
FRANÇOIS OOSSE O CAMPO DO SIGNO
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO INTRODUÇÂO

peclflcada por seu método de abordagem, é reivindicada pe-


lo lingüista dinamarquês Hjelmslev. que fundou em 1939 o
revista Acta lingulsNca, cujo primeiro artigo trota de "lingüístico
estrutural". A portJr desse n(K:leo lingüístico, o termo vai provocar
:.::::::.rc:~ ~{7'nE::~~·:·~~~~,:,~~:;·:~~,,~~: ;;~~~ 1
1t 11 111 r.sôo de se ler o mesmo livro apesar das variações de es-
uma verêkide_!!.g re~ução_ de- 'i'Õcias ãs ciê~cias ~umanas em 111,1 , do disciplino que separam um Borthes. um Foucoult, um
pl~no século ~ Elg_s vão pensar que odqul.rlrom aí o sua ata IJt rrlclcl, um Locan ... O estruturalismo teró sido a Koi'né de todo
de batismo científico. 1u 1H1 goração Intelectual, mesmo que não exista solidariedade
Milagre ou miragem? A história das ciências não é a história ln doulrlna e menos ainda de escola ou de combate entre
do cemitério de suas teorias? Isso não significa. em absoluto, lil 111 diversos representantes.
que cada etapa ultrapassada deixa de ter eficiência mas. sim- o osboço de periodização tampouco é simples. Ele eviden-
plesmente, que um programa perde sua fecundidade, e que r h, 11ma clara e irresistível progressão nos anos 50 do referência
ele se abre então para uma necessória renovação metodológi- u, •• lonõmenos de estruturo para transformar-se nos anos ro em
co. No caso do estruturalismo. essa mutação corre o risco, v,mlodolro modo estruturolista que se assenhorle do essencial
entretanto. de voltar a cai! nas armadilhas gue o -m é todo pre- 111 compo Intelectual. O ponto central de referência a partir
cedente_ evitava; daí a necessidade de lhe restituir toda a 1 , qual a atividade estruturalisto irradia mais fortemente em to-
riqueza, todo o fecundidade, antes de estabelece8fi.e os limites. li I o campo Intelectual é o ano de 1966. É o momento-farol
~ essa aventura que vamos acompanhar, pois os seus precurso- t, período pela intensidade. o brilho irradiante, a fusão do
res, apesar dos obslóculos, permitiram lançar sobre a sociedade 1111 1vorso dos signos que ele realiza poro além de todos as fron-
humano um olhar diferente. a tal ponto que não é mais possí- 1• 1111s disciplinares estabelecidos. Até 1966, é o progresso que
vel pensar como se essa revolução nunca tivesse ocorrido. ., ,,, co Irresistível. a fase ascendente da atividade estruturalista.
1
Fragmento da nossa história intelectual, o momento eslrulura- , porllr de 1967, é o Início do refluxo, das críticos, dos tomadas
llsta Inaugurou um per/odo particularmente fecundo da investi- , lu posição de distanciamento em relação ao fenômeno estru-
gação nos domínios das ciências humanas. Hist~la cuja recons- t111ollsto Incensado em prosa e em verso por todo a imprenso.
tituição é complexa, pois os contornos da referência estrutura- r:, , riuxo precede, portanto. o evento 68; ló é latente em 1967,
lista são sobremaneira vagos, difusos. Para ter acesso às q 11ondo os quatro mosqueteiros não descansaram enquanto
principais orientações do período, cumpre reconstituir a plurali- 111 m tomaram suas dlstônclas em relação ao fenômeno estrutu-
dade das abordagens. dos personalidades, sem reduclonismo, 111ll1to.
sem deixar de procurar alguns núcleos coerentes que revelem a 1n tr o tonto, por trós do refluxo, o prosseguimento das investi-
matriz de uma abordagem, para além da multiplicidade de u11<,,0os universitár1os oferece uma outro temporalidade que não
seus objetos e das disciplinas em questão. Estratificar os níveis, u reduz aos efeitos de moda: estes multiplicam-se. no próprio
diferençar os estruturalismos por trás do rótulo "estruturallsta·, tra- 111omonto em que se acredita enterrar um cadóver, ressurgên-
1 h
zer poro a luz os compromissos essenciais, tanto teóricos quanto II do um programo que perdeu em brilho m ediático o que
disciplinares, no campo Intelectual. Reconstituir a riqueza de iti- U' 111hova em eficócia pedagógica. A temporalidade do fe~ô-
nerários Individuais que não se deixam reduzir a uma história 111nr,o lompouco é unívoco; é preciso levar em conto as mulli-
massificante. Contingências de encontros fortuitos mas essenciais, pl111 defasogens entre as diversas disciplinas das ciências
esta história oferece-se como um combinatório de conceitos e 11,unonos. Algumas delas, como a lingüística, o sociologia, a on-
de carne. Envolve múltiplos fatores explicativos e não pode. em t,11pologla ou o pslconóllse, encontraram com o estrutu~alísmo o
nenhum caso, ser reduzida a um esquema ·m onocausal. - 1111.Jo que lhes permitiu se estribarem num modelo cientifico. Ou-
Existem diversas formas de aplicação do estruturalismo no t11 111 mais Instaladas no campo universitár1o, mais protegidos das
campo das ciências sociais. Para além do Jogo das adoções hul;ul6nclos epistemológicas, como o história, transformar-se-ão
recíprocas, das correspondências, de uma contigüidade que 111 111• lorde, Integrando o programo estruturalísta no mome~to
nos caberá localizar e sinalizar - segundo o conselho de Barthes 111 ou refluxo genera lizado. Defosogens temporais. flutuaçoes
1 11
aos futuros historiadores do estruturalismo -. é passivei efetuar 111 , lpllnoros nesses jogos do troca do campo intelectual. o es-
uma distinção que não oculte as fronteiras disciplinares: de um ltt illuull mo permitiu, em todo coso. encetar numerosos diálogos.
lado, um ,..,e struturalismo científico. representa do principalmente 111 111tlplicor colóquios e pesquisas fecundas, dedicar uma aten-
por Claude Lévi-Strauss, Algirdas-Julien Grelmos ou Jacques La- ( 111 ullvo oos trabalhos e progressos dos disciplinas vizinhas. Um
can e envolvendo ao mesmo tempo, portanto, o antropologia, , 1Jo<lo tnlonso, animado por pensadores que, paro muitos, pro-
11
a semiótica e a pslcanólise; e, do outro, contíguo a essa busca 111e1vom artic ular suas Investigações no base de sua prótlca
da Lei, um estruturalismo mais flexível, mais ondulante e cam- ti•,. te ,1 umo verdadeira revolução que ainda condiciono a nos-
biante, com RoÍÕnd Barthes, Gérard -Genette, Tzvetan Todorov • •• vlNfro c.10 mundo.
ou Mlchel Serres, e que se poderia qualificar de estruturalismo
semlológico. Enfim, também existe um eshuturollsmo hlstorlclmdo
FRANÇOIS DOSSE O CAM PO 00 SIGNO
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO INTRODUÇAO

O período atual, que alguns chamam a era do vazio e ou- 11111 olos o corre ntes. Numerosos e ntrevistas (integradas no corpus
tros a da pós-modernidade, induz uma abordagem do humano hlslórlco) fo ram re alizados com filósofos, lingüistas. sociólo-
, t111I ()
em que se expõe uma oposição binária, igualmente ilusória, en- ~,n,. h lsl orlado re s, antropólogos, psicanalistas e economistas
tre a dissolução do homem do estruturalismo e seu Inverso, a 111 , ,co do lugar do est rutu ralismo em seus respectivos trabalhos
divinização do homem a que hoje se assiste em reação. o ho- , l,i posqufsa, d e sua contribuição e dos meios eventuais de suo
mem criativo. para além das limitações de seu tempo, remete 111puroção. Esta investigaç ão* revela, para além da diversidade
para a morte do homem como seu duplo. o homem, paradig- , I, pontos de vista. a importância central do fe nómeno estrutu-
ma perdido da abordagem estrutural, ressurge na sua figura 111IIAIO. e permite tentar o sua periodização.
narcisista do ante-ciências sociais. A grande vaga estrutural im- Ir sompre mais longe na perspectiva de desconstrução da
peliu as ciências humanas para as margens que as distancia- 1,11 1ollslca ocide ntal, levar a fissura até aos fundamentos da se-
ram da historicidade. Anuncia -se um ponto de mutação no i 11lologla, esvaziar todo o significado, todo o sentido, para fazer
sentido de um retorno à escrita antiga em nome do declínio , lrr.ulor melhor um Significante puro: semelhan_!.e modo de críti -
do pensamento, tia perda dos nossos valores, do recuo para os , q portence a l.!m .rnom.erito da história ocld ~01PI qe _aut<2.::..a~ r- '
mais recônditos escaninhos de nosso herança. Os velhos cava- 1rm do qua l se saiu graças a uma progressiva reconciliação da
los estão de volto. Reencontram -se os discretos charmes das /11/01//gen tsla com os vÔIÔres: demÔcrátic.Qs. Mas essa evàsão da
paisagens vidallanas, os heróis da história lavissiana, as obras-pri- , 1u c rítica não pode significar um simples retorno ao -que a
mos do patrimônio nacional dos Lagarde e Mlchard. Para além 1111 oodeu. p o is o olhar sobre o outro, sobre a d iferença. viu-se
desse retorno a um certo século XIX. o recuo atual ârr ta -nos i11r,rnodlavelm ente transformado e requer, portanto, esse retorno
para os horizontes de um século XVIII em que o home é 11 11m período do qual ·um certo número de descobertas faz
apreendido como abstração, livre das coações do tempo, s 111 uto de um saber Incontornável no conhecime nto do homem.
nhor do sistema jurídico-político em que se realiza a sua racio -
nalidade.
Pode-se pensar, entretanto, como se a revolu~o copernica -
no-galileana, os cortes freudiano e marxista, e os avanços rea-
lizados pelas ciências sociais não tivessem acontecido? Colocar
' ~~çj_g__ os impa_sses do es~ ~ @ J le signJ!!~ar
uma ~ QJ.é, à _i dac;t!? .de ouro do ll~ mlnismo m _a L p_elo
e-on-rráno, um salto e rn..tce.oJ.e..-0.0 rumo de um futuro - o do
constitui~ãoi e : um<E maniSl'Tlo histó~o') Ne~ ap erspec ttvÔ, im-
porta identificar as falsasCWezos e os verdadeiros dogmatis-
mos. os procedimentos reducionistas, mecânicos, e interrogar a
validade dos conceitos transversais utilizados pelas ciências so-
ciais para além dos fronteiras disciplinares. Não se trota de fazer
I
ressurgir uma postura abrangente do todo, um magma informal,
mas de extrair do movimento browniono em curso os prolegô-
menos de uma ciência do homem forjada a partir de um certo
número de conceitos, de níveis estruturantes operacionais.
A experiência dos ciências sociais é aqui chamada a res-
ponder ao emergir de um~ Q~ ssível, talvez em
torno da figura transitória ~ - Suplantar o es-
truturalismo impõe um retorno a essa corrente de pensamento
que difundiu amplamente o seu método no campo das ciên-
cias sociais como um todo. Refazer as etapas de sua conquisto
hegemónica. valorizar os processos de adaptação de um méto-
do à pluralidade disciplinar dos ciências do homem, apreender
seus limites e impasses onde se esgotou essa tentativa de re no -
vação do pensamento.

Para re constituir o histórico d e sse c apítulo Intelectua l fra n cês


d os a nos 50 e 60. lnterrooom os og nrln l""innl,o nb,,.,.,_ ,..,,..,_.,_.,,. ,,....,,,r,___
..
1 - OS ANOS CINQUENTA:
A ÉPOCA ÉPICA
1. O ECLIPSE DE UMA ESTRELA:
JEAN-PAUL SARTRE

o ro triunfar, o estruturalismo devia, como em toda tragé-


P dia, matar. Ora, a figura tutelar dos intelectuais do pós-
\111 rro e ra Jean-Paul Sartre. Desde a Libertação, e le obtivera
111 no re perc ussão muito particular ao faze r a filosofia descer pa-
11 1 o rua . Mas esta vai, pouco a pouco, devolver-lhe o rumor
1H ,slste nte de temas novos sustentados por uma geração as-
t ,mdente, a qual vai progressivamente encaminhó-lo ·para a
1,1rngem da estrada.
Nosses anos 50, decisivos para o que se chamará mais tarde
11 fo nôm e no estrutu ralista, Sartre conhece uma série de . rupturas
ir,o dolorosas quanto dramáticas que vão, no desfiar dos anos,
l~uló lo, apesar do seu Inegável sucesso público. Uma das ra-
lf'ius desses dilaceramentos resulta, de fato, c;lo vontade de Sar-
1111 de a pagar seus anos de apolitismo, de cegueira, nos quais
MIi o n cerrora. e que o tornaram surdo e mudo perante a esca-
lt tt lo de horror nazista, desatento e indiferente às lutos sociais
11011 anos 30. Mordido na nuca pela suo própria história. Sartre
procura superar essas lacunas do seu passado ligando-se de
pmlo ao Partido Comunista Francês em 1952, em pleno guerra
lllo, no próprio momento em que todo uma geração de lnte-
l11c. tuols começa a d istanciar-se cada dia mais do partido em
rn co das sucessivas revelações do que se possa na União So-
vló llc a. Vai e xplodir e fragmentar-se a bela u nidade que re i-
11t1vo ao tempo do Rassemblement democrático revolucionórlo
, 111 permitira reunir na mesma tribuna da Sala Pleyet, em 13 de
11, ,ombro d e 1948, em torno do tema ·o internaclont usmo do
,uipfrlto", André Breton, Albert Camus, David Rousset, Jean-Paul
'\111lro e muitos outros intelectuais1.
Começou então a era dos rupturas para Sartre. As turbulên-
, lus da guerra fria vão, com efeito, afetar a equipe de Les
1,,mps modernes . "Não desesperar Billancourt" Irá custar muito
1 !IFO a Sartre. que se separa em 1953 de um colab orador es-
•11n c lol, p ilar da revisto, Claude Lefort. numa polêmica ocerba2 •
1 •1u polêmica seguiu-se o duas outras rupturas importantes, com
t ttmus e depois com Etlemble. e precede aquela que vai opor
,rn tro a um de seus amigos mais íntimos, membro de Temps
1r1<,dornes desde a primeira hora. Mourice Merleau-Ponty. O par
'iur t ,o-Merleau -Ponty funcionara sem percalços até então. a
ponto de "serem até, durante um certo tempo, substit uíveis um
pt lo ou tro sem se notar grandes diferenças"3 . Merleau-Pont y
11l >ondono Les Temps modernas no verão de 1952 e. pouco de-

1 I' . OflY • J , F SiíliNElLI, ~o, tntellootvot, on Fronoo. Cio l'offolro Oroyfvs à nos
1 OS AN OS <.;INQULN I/\: /\ POC/\ l'IC./\
1. O / C Lll~SL D/: UMA ESTRELA: JEAN-PAUL SI\IURt

pois, em 1955, publico Les Aventures de lo dlole c tlqu e [A s


Aventuras da Dialética ], onde denuncia o voluntarismo ultrabol-
chevista de Sartre. Mesmo que outras aventuras se pre porem
sem Sartre, o fascínio que, ele exerce sobre a Jovem g e ração
continua multo forte: "Não éramos poucos, nos anos 50, no m e u
liceu. aqueles a quem L 'Êtra et /e Néont fazia bater forte o co-
ração". escreve Régis Debray4 • Entretanto. o existencialismo é
contestado e o duelo oratório que opõe Sartre a Althusser em JEAN POUILLON: O HOMEM DO MEIO
1960 na ENS de Ulm, na presença de Jean Hyppolite, Georges
Canguilhem e Mourice Merleau-Ponty. termina, no dizer do pró-
prio Régls Debray, que se preparava então para o concurso do
magistério, a favor de Louis Althusser. Sartre, apesar de sua gló-
.};.ª· vai figurar como - valor do passaq o, ~nêÕrnÕçóÕckis-;;sp 0

e-
U m a p e rsonagem simboliza, simultaneamente, essa evolu-
ção e a t e ndência para conciliar o que pode parecer
r mllnôm ico: é Jean Pouillon. Companheiro íntimo de Sartre. vai
ra~ a Libertação, sua Imagem vai colar-se-lhe à , m-werte r-se na única ponte que permite a ligação entre Les
pele até ser e le próprio a sua primeira vítima. / 111 ,,ps modernes e L 'Homme. ou seja, entre Sartre e Claude Lé-
O eclipse da estrela sartreana. se é a resultante de fatores vl Slrauss. Jean Pouillon conheceu Sartre muito cedo, desde
políticos, també m-está ligado ao s urgim"ênto d e~ uma nova con- IIJ37. e os dois homens devotaram-se uma amizade recíproca e
figur9_ção _no campo infeíe't:to·a1:~a- ascens-eio aãsêTê ncias aw n sombras até o fim. apesar dos diferentes rumos Intelectuais.
humanas, reivindicÕr-ido um espoçÕ institucional a fim de permi- lhlO ca rreira é, no mínimo. singular: "Eu era professor de filosofia
tir a expressão de uma terceira via entre a literatura e as ciên- 1 huonte a guerra e depois, em 1945, Sartre pergunta-me: Isso di-

cias exatas. D~ ~lfou um deslocamento das l.ntêrrogações v u, lo-o, ocupar-se da filosofia? Respondi-lhe que bancar o
que S_9rtre não acompanhará. absorvido como estava emseu 1>11tôo diante dos alunos não é de t odo desagradável. mas o
~ orço de recuperaç.Q.Q_potítiCQ.,.sULel.à ~11ª posiç ão defiiôsõ. 1 t1gto e ra corrigir as provas e ser mal pago. Ele me disse então

__!~Esta só lhe valeu até aí satisfações e recÕnheclmenfõ;-'e quo fosse ver um amigo normalista que tinha descoberto algo
permaneceu alheio às mutações em curso. Se Sartre se interro- quo existe sempre: o indicador analítico das Atas das Sessões
ga em 1948, o Que É o Uteroturo?, é para formula r a questão , lc:l Assembléia Nacional. Em virtude da separação dos poderes,
do autor e de seu publico, ae suõsmotivações. mas pressupõe o l oglslativo. ao votar o seu próprio orçamento. é mais genero-
esta~ 2d_a a sin..9ula.dctg,gg, a existência da literatura. Q!_~ . e •n pa ro com os seus próprios funcio ná rios do que com os
Justq!:!)e_nte esse P_,?_stulado...._que vai ser posto em d ú vida e çon- 11\llros poderes. Recebem melhores salários e têm. em geral, seis
testq9.9 no final dos o.nos..§.Q;, ---. - · 111 ses de férias por ano. Fui aprovado no concurso realizado
O desmoronamento da figura tutelar de Sartre provocará 11osse momento e, ao mesmo tempo, fazia o que gostava: es-
uma crise. um momento de Incerteza. de dúvida. dos filósofos l rover em Les Temps modernas. Foi por isso, sem dúvida. que
que vão utilizar especialmente os ciências sociais ascendentes a t lo ude Lévl-Strauss me pediu que me ocupasse de L 'Homme
fim de apurar seu questionamento crítico. Essa interrogação rnn 1960. porque não estava absorvido por uma carreira no en-
cootesfa_o .ex~J~ncialismo eng_ u_qnto filosotiãeia'"subietividade, ~1110. Eu não fazia sombra a ninguém e. ao mesmo t/ mpo, nin-
~ n_guanto filosg!.\.q_do_ s~~ito. O homem sartreano só existe pela uuóm me fazia sombra" 5 •
intencionalidade de sua consciência. condenado à liberdade Joan Pouillon Ignora P,,OL-Gompleto a · etnologia até o instante
porque "a existência precede a essência". Somente a a lienação 11111 q ue é publicado, em 1955;\Trístes Tropiques [Tristes Trópicos].
e a mó-fé obstruem os caminhos da liberdade. Um Rolond Bar- ~<Hlr 8 está entusiosmodô e d iri.J e:sê'ã"JeêÍnl>ouillon, no comitê
thes que se definiu como sortreano no imediato pós-guerra vai d o redação de Temps ~ãe'fnes. para que se encarregue de
pouco o pouco desligar-se de sua filosofia a fim de participar 1111crove r o comentário sobre o livro: "E por que não você?". Em
plenamente na aventura estruturalista. O sujeito, a c,o.osciência, vru de lhe dedicar um simples artigo elogioso sobre o qualida-
~cp ..9pagar-s~~.J2rOve.!1,o da reg_!~ o codi20 e do estrutura. d1 do livro. Jean Pouillon empolga-se e decide escrever um
vordodeiro estudo, interrogando-se mais sobre a evolução do
pr nsamento de C laude Lévi-Strauss do que sobre o seu ponto
1 ulmlnante: Tristes Tropiques. [ê então tudo o que Claude Lévi-
!llrouss publicou até então. Les Structures élémentaires de lapa-
1011tó (As Estruturas Elementares do Parentesco] e os artigos que
•ó mais tarde aparecerão sob a formo de livro (1958) com o tí-
h1lo geral d e Anthropologíe structurole [Antropologia Estrutural].
l•ort onto. o a rti go d e Je an Pouillon transcende o âmbito de
111110 ,ocensõo; procura d e te rminar a posição exata da obra de
FRANÇOIS DOSSE 1 OS ANOS C INQÜf NfA: A (J>OCA (PICA
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_ I_A_ D_O ESTRUTURALISM O 1. O ECLIPSE DE UMA ESTRELÃ: JEAN-PAUL SARTRE

Claude Lévl-Strauss e seu ensaio é publicado em 1956 em Las urvols essas diferenças. o recurso à estru tura era passagem obrl-
Temps modernes 6 • UCl l ó rla. não como realizada na vida concreta de tal ou tal
O que parecia ser à primeira vista um desvio fortuito, uma urupo, mas como possibilidade de permuta, como lógica pró-
evasão momentânea para outras latitudes, vai tornar-se paro pila dessa gramótica que permite compreender diversas realiza-
Jean Poulllon, mas além dele para todo uma geração, 0 com - <.,Oes possíveis.
promisso de uma vida, uma existência voltada para as novas Em 1960. quando foi lançado o primeiro volume da Critique
inter!QJJ.9_9,Ões,,...!'.llillL antroQojQg~ ~ e- vão abandonar a fllo- Oo la roison diolectique [Crítica da Razão Dialética]. Claude Lé-
,!bfl9 clássica.: Jean Poulllon descobre a interrogação sõ'i'>re a Vl•Strauss. que tem ao seu alcance o melhor especialista em
alteridade. "Ê enquanto essencialmente outro que o outro deve p o nsomento sortreano. convida-o a fazer no seu seminário uma
ser visto" 7, e adere à postura estrutural que permite a ultrapas- t1presentação daquela obra. Jean Poulllon consagra então três
sagem do empirismo, do descritivo, do vivenciado. ·Ele encontra 11omlnários de duas horas à leitura da Critique de lo rolson dio-
em Claude lévi-Strouss um modelo rigoroso onde o racional /octlque e, ;,i()al do Interesse que Sartre continua suscitando,
permite construir "relações motematizóveis"8 • Adere totalmente à ussas sessões que geralmente não mobilizavam mais que umas
posição de Claude Lévi-Strauss que visa conceder predominân- lrlnla pessoas transformaram -se numa "multidão compacta que
cia ao modelo lingüístico a fim de permitir transpor os resíduos Invadiu a sala e onde reconheci a presença de pessoas como
da estreita ligação entre observador e objeto observado: "Dizia 1uclen Goldmann· 12 • Se Je an Pouillon procurava conciliar Sartre
Durkheim que era preciso tratar os fatos sociais como coisas o Claude Lévi-Strauss. deve ter experimentado uma certa de-
/ .. ./. Cumpria, portanto, parafraseando Durkhelm, trató-los como copção quando a resposta do segundo à Critique de lo rolson
p~avra~~ · dlalectique foi publicada em 1962. no final de Lo Pensée sou-
É a uma verdadeira conversão a que se assiste em meados voga (O Pensamento Selvagem) . O ataque é violento e voltare-
da década de 50, com exceção de uma pequena ressalva mos a falar dele, mas nem por isso Poulllon, ficou tão desespe-
onde Jean Pouillon retoma os argumentos de Claude Lefort so- 1odo que o inibisse de, em 1966, cotejar as duas obras em
bre a relegação para segundo plano da historicidade em t ' Are. apresentando-as como complementares e lncomensurá-
Claude Lévl-Strauss. Nesse nível. ele se mantém fiel às posições vols, ponto de vista que ele consewa ainda hoje: "É agradável
sartreanas sobre a dialética histórica e opõe à (ógld:J sincrônlca r1or atenção a um ou a outro sem perturbações de visão. pois
do Jogo de xadrez a, diacrônica, do jogo de bridge. Excetuan- c,uondo um está presente, o outro não" 13.
do-se essa ressalva, a dupla adesão ao estruturalismo e à antro- Se JeQD..J'~on ~ erte~~ .9_u!:!}a _si~n_çlg . . b . 9 ~omis-
pologia é total; e, a partir daí, Jean Pouillon assiste aos seminá- 110ra. o antropologia, Sartre, por sua e . 9 ! . t ~ ~ ~uito
rios de Claude Lévl-Strauss na 5 11 Seção da École des Houtes 1 Jlstanle em face ,d Õs múltiplos desafios ~Uf..eJ$_as ciêo~ios hu-
Études. De um comentário crítico passou-se a uma escolha de rnonas~Áfi!osofla_dq_co.ru.êlêncla. do sujeito,~levo.Y.:.Q a cooside·
existência, e Jean Pouillon não resistiu ao apelo dos trópicos. 1nr a llogüística uma ciência menor e a praticar a seu respeito
Obtém alguns créditos e parte em 1958 para o Chade, a con- , ,ma e.\lU._çi,ç.QQ...quqs~_jlstrupg!ic.a.. A psié'a iláiise dificilmente se
selho de Robert Jaulin, que lhe apresenta esse país como uma c..oncllia com a sua teoria da má-fé, da liberdade do sujeito e.
terra ainda Inexplorada no P!ano etnológico. 11m •L'ltre et /e Néont (1943) [O Ser e o Nado]. consi~era Freud
Estaria Sartre ciente de que serrava o ramo onde se senta- o Instigador de uma doutrina mecanicista. Ele vai. porém, ter
va? Certamente que não, como explica Jean Poulllon 1º: Sartre c1ue penetrar no labirinto freudiano de um modo inteiramente
enganava-se sobre a importância de Tristes Tropiques. que lhe Imprevisto e até arriscado. Em 1958. Sartre é, com efeito. conta -
tinha agradado pela valoriza ção da presença do observador lC1do por John Houston que lhe encomenda um roteiro sobre
na obsewação e da comunicação Instituída com os indígenas. t roud. Essa encomenda hollywoodiana obriga Sartre a ler toda
~ensível a uma etnologia mais compreensiva do que explicatfva, 11 obro de Ffeud, assim como a sua correspondência. Em 15 de
e o esse mal-entendido que se deve a conversão de Jean t1 02.embro de 1958, envia a John Hb uston uma sinopse de 95
Poulllon, que a isso chama gentilmente "a fecundidade dos póglnas e um ano mais tarde conclui o roteiro. Mas os dois ho-
mal-entendidos". No Chade, Pouillon estuda sete ou oito grupos. 1,1ons vão se desavir. pois Houston quer que Sartre torne seu
no móximo de dez mil pessoas cada um. e Identifica o rganiza- totolro mais leve; acha-o excessivamente pesado e enfadonho.
ções sempre diferentes. uma repartição nunca semelhante das 1110s Sartre amplia-o cada vez mais e acabo por retirar reu no-
competências político-religiosas; em contrapartida. "o vocabulá - lrlQ dos c réditos do filme. Freud, Paixão Secreto. Portanto, Sartre
rio, o léxico era sempre o mesmo. idêntlco" 11 • Para tornar Intel!- h u"Y\lliorlzou -se com o freudismo no final dos anos 50, ,.mas se a
plllc:onóllse retém pouco a pouco o seu Interesse. ~ le permane-
6. J. POUILLON. "L'oeuvre de Claude lévi-Strc;iuss', Les Temps modernes. nº 126. Ju• t mó fechado para a noção analítica central do ~ e Õlê,
lho d e 1956. reimpresso em Fétlches sons féflchlsme, Maspero, 1975.
7. J. POUILLON. Fétlches sons fétlchlsme. op. clt.• p . 301.
uo partir do postulado de que um homem pode s~r integ!,_al-
8 . /b .. p. 307.
9. /b .• p, 312.
HISTÓRIA DO ES1TWWRALISMO 1 OIC/fl>Sf /)/ UMA LSIWIA:JlANf'AUl SAIWU

~ e.!:)t~ compreendido no_e!_ÓXis. o que tentaró demonstrar com !neto o qualquer odesôo partidário, em Claude Lévl-Strauss. que
o seu Floubert, obro também lnocaboda. J:ião existia luga r. _por t'l mosma pergunta sobre engaj amento respondeu: "Não. eu
~.P-4 onde, colo$._QLJl,l,!l_l~~· esses dolê_ s onlb~ ' " gue sãq_S<?.!!!_e
e Claude Levl-Strauss sem se correr o risco de um comer o ou- ~1~~s:t~eq~::n:~~ªPi~~~ri~~~~~~t;~;~~;l. .:as~:i~~ : : :i/~::fifi
]2;._NÕ f~l!q_jtê f uggr, ~g, história P~.ífl}UIU o um homem, ~ liolho, nos escrúpulos de rigor e de exatidão" 18 •
E opõe-se um
.f.9uillon._tow a i:.Jmpossível toda . e quolguer tentaJJva~d e.. ~ l)lli)po- Vic tor Hugo. que podia julgar-se capaz de dominar todos os
tg_gLg_ problemas de sua época. ao período atual. complexo demais,
trogmentado demais, paro que se possa pretender apenas um
único referencial e um só compromisso. É o fi ~ fo
que se apago então como sujeito questionador. como_§u1eito
do probl~!_T1.~~{?~~.!::'~~~~ua dive~si~ ~..:.~Õm el~ é
Sartre que..se....d~ _ l q e g_e]!5_(! ~ mpo livre .mas_clê.o.Gias
,__ -- - ~-
1,umanas a1Õssificotória.s e freqüentemente deterministas
~ ...
_

A CRISE DO INTELECTUAL ENGAJADO

O terceiro aspecto em que Sartre vai ser contestado é a


sua concepção do Intelectual engajado. tradição fran-
cesa que remonta ao processo Dreyfus. Tradição essa que Sar-
tre encarna de maneira magnífica até o momento em que se
Irá considerar que o intelectual não pode conflnuar manifestan-
do o seu ponto de vista sobre não importa que domínio, mas
deve ater-se estritamente ao seu campo de especialidade. o
trabalho crítico do Intelectual será considerado mais limitado
mais circunstanciado, mas ganhando em pertinência o..que per~
de em possibilidades de intervenção. Essa retirada do intelectual
em nome da racionalidade corresponde também a um desin-
vestimento e até mesmo a uma recusa da história foto sensu:
"O estruturallsmo surge uma dezena de anos após o fim do
guerra, pois, o guerra terminou num mundo imobilizado. 1948 é
a ameaço de uma rep etição. dois blocos se defrontam, um gri-
tando Liberdade, o outro gritando Igualdade. Tudo Isso contri-
buiu para uma denegação do hlstórlo" 15.
Duas grandes figuras do estruturalismo exprimem perfeitamen-
te esse distanciamento em relação ao engajamento sartreano:
Georges Dumézll e Claude Lévi-Strauss. À pergunta sobre se
nunca se sentiu próximo do tradição do intelectual engajado,
Georges Dumézll responde: "Não. sinto até uma espécie de re-
pulsa pelas pessoas que detêm esse papel. Por Sartre, em
parttcular"16• Esse desengajamento provém aqui de uma aborda-
gem fundamentalmente reacionária que nado mais espero do
futuro e encara o mundo com uma nostalgia Incuráve l pelo
passado mais longínquo: "O princípio não simplesmente monár-
quico mas dlnósflco, que coloca o mais alto cargo do estado
ao obrigo de caprichos e ambições, parecia-se, e continua pa-
recendo-me preferível à eleição generalizado em que vivemos
deSde Danton e Bonaporte"17 • Verifica -se o mesmo recuo dian-
te de todo e qualquer tomada de posição no atualidade, de

14. lb.
1 ~- Georges Bolondier, entrevisto com o oufor.
16. G. DtJMe.2:tL. Entreffens ovec D. trlbon. Golllmord 108-7 "-.-2""
,,. :,:,, ' ...:

2, NASCIMENTO DE UM HERÓI:
CLAUDE LÉVI-STRAUSS

,t ,
O ostruturollsmo Identificar-se-ó rapidamente com um ho-
rnom: Claude Lévi-Strouss. Num século em que o divisão
t111lmlho Intelectual limito o um saber cada vez mais frag -
11n 1,111,10. o le t e ró sido tentado a gpostar na realização do
q11t11t11ln entre o sensível e o inteligb!._el. Dividido entre a vonta-
1! , l rJ rocons tltuir os lógicas internas. subjacentes ao real. e
1111111 • •tl\i.lbllldade poética que o liga fortemente ao mundo da
11 1h11 10, Lévl-Strauss concebeu grandes sínteses intelectuais lns-
1'111 t• 111 no modelo das partituras musicais.
11• 11c i<Jo em 1908, o seu meio familiar colocou-o sempre no
fl, "' 1un da criação artística. Descendente de um bisavô violinls-
t 1 , 111 pai e tios pintores, passa todas as suas horas de ócio,
1 11,111114 onte, esquadrinhando antlquórios. e descobre. exultante,
1 , , < llodlno. uma natureza exótica quando seus pais compra-
1rn 11 111110 c oso nas montanhas das Cévennes. Percorre os com-
i , , 11111 longas caminhadas de l O a 15 horas. É essa dupla
1 tim o, o arte e _a n~za. que vai marcar esse homêrn de
11hu t le>l11 mundos. seu.,p_ensamento ero. ruptura, a ambição es-
fi 111 l11lrnon te estética _çle suo obro. Entretanto, recusa-se a
, 1 l u1 t, sedução que sua sensibilidade lhe proplcía e, sem re-

111 \JH lct , aspiro o contê-ta mediante a construção de grandes


il 1, ,, ,u ,, lógicos. É aí que vamos reconhecer suo dedicação ln-
t, h11 Hvo l ao seu programo estrutural Inicial. paro a lém das ftu-
t11111 t1n11 dos modos.
'""' lnleresse pelo mundo da natureza soma-se, desde multo
1 v, r11. e, uma abertura para o mundo social. Jó no liceu enga-
1'•~· no combate socialista. Adquire muito cedo um c~ecr:
1111 1,111 profundo da obra de MÕrx grÕças a um Jovem socialista
1 1 1011, /1.r thur Wanters, convidado num verão para a casa de
111111 ftunílla e que o faz ler Marx aos 17 anos: "Marx fascinou-me
h lr11mlloto / .. ./. Não demorei multo a mergulhar na leitura de
J 1 11p/lol"'. Mos foi sobretudo nos preparatórios poro o curso
11, 11111111 superior, no grupo de estudos socialistas. sob a Influência
lo <,Potgos Lefranc. que Lévi-Strauss deu uma base sólida ao
1 11 1111001amento. Multiplica as Intervenções e declarações ao
111111 lo elo assumir Importantes responsabilidades em 1928, quan-
111 f oi olelto secretório-geral da Federação dos Estudantes
c11 1ulll1to~. Nesse final dos anos 20, é também o secretório de
11111 dnputodo soclollst a. Georges Monnet; mos em 1930 deve
1111 mdormr ossos pesadas responsabilidades a fim de preporar-
lff 11111<1 o concurso de magistério superior em filosofia. Não se
N11lu , ntuslosmado. Todos os seus professores. Léon Brunschvlcg,
~11,urt lllvo ud, Joan Loporte, Louis Bréhler... deixam-no fundo -
111arnl11lrrH>nto Insatisfeito: ·Passei por tudo aquilo um pouco
_ __ _,..111110 11m "'mbl" 2• Isso em nada ofuscou o brilho com que foi
1 os ANOS C INQIJ[ NIA A (POÇA (1•1c A
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO NIISCIMI NIO OF UM HlRÓI. CLAUDE ltVJ.Sll?AUSS

oprovodo em 1931, obtendo um terceiro lugar no concurso po- 1111u pnl•. o Allônllco num navio pouco confiável, o Cap/-
ro docente de fllosofia. íl /', 111/ / ~morto, t e ndo por companheiros aqueles que os
O seu engajam~ socialista declino subitamente em ~gul- li 1,,1 q1111Hllcovom de escória: André Breton. Victor Serge. An·
da: um pequeno acidente e uma carta esperada que não t Jl1111 Assim que pisou terra americana e se apresentou
chega sobrepujam-no. Enquanto foi pacifista. o troumotlsmo de N w !..e /1001, fizeram Lévl-Strouss compreender que deveria
1940, do "drôle de guerre· e do "estranha derrota•. como lhe 111\l I> 11 , lo 11omo: passaria daí em diante o chamar-se, enquan-
chamovo More Bloch. prevalecem sobre o engajamento políti- 1 1 11,1, 111 cosse nos Estados Unidos, Claude L. Strauss. o fim de
co. Extrai daí a Idéia de que é perigoso •encerro, as realldades 11 11 t, 11 lu confusão com a marco de Jeans: "Ê raríssimo passar-
políticos no quadro de idéias formalsº 3 • Não se recuperará des- 111, 1 , 1110 som que eu receba, em geral do África, uma en-
sa decepção e não voltaremos a vê-lo num engajamento polí- l!t tu li I d o Jeans" 5• À margem desses incômodos um tanto
tico qualquer, mesmo que, poro além de suas declarações. o 111 1 11 Novo York torna-se o lugar decisivo da elaboração
suo posição de etnólogo tenha em si uma dimensão político. 111, 11 1 1m tropologla estruturalista, graças a um encontro decl·
Mas essa mutação é Importante e, em vez de lançar seu olhar , , 11h11 1óvl-Strouss e seu coleg a lingüista da New Schoo/,
pma o mundo vindouro, Lévl-Strauss volto -se, nostálgico, para o 11 111 h1kobsoh. exilado como ele e que dá aulas de fonolo -
passado, mesmo correndo o risco de parecer anacrônico. des- t 11111!11101 em francês. Esse encontro vai ser particularmente
locado no tempo à maneira de Dom Quixote, que fo i a suo q11t111, Jonlo no plano intelectua l quanto no afetivo . Uma
paixão desde os dez anos. 1111 ,11, Ido de amistosa nasce desse momento e Jamais seró
t M11• 1111dCJ . Jakobson assiste aos cursos de Lévl-Strauss SO...Q!_e o
11 1d,m o. e Lévi-Strauss aéompÕnha os cursos de Jakobspn
t 1 , , 10m e o sentido: ·os seus cursos eram um deslumbra-
1,111 • ( da simbiose de suas Investigações respectivas que
ti 11t1 ,, 1 1 a antropologia estrutural. Ali6s. é a conselho de Ja-
~ 1 111 11 q110 Lévl -Strauss começo ·a redigir em 1943 o sua tese
, 1 1,, 1 onverteró em obra essencial: Les Structures é/émenfaí-
A ATRAÇÃO DO LONGÍNQUO lo /11 porenté.
1,., v111Jc1 à França em 1948, Lévi-Strauss assume algumas res-
I 11 11hlllclodes temporórias: professor de pesquisa no Centre

S uo carreiro de etnólogo começa. como nos conta em


• Trístes Trop/ques, num domingo de outono de 1934 por
um telefonema de Célestln Bouglé, diretor da Escola Normal Su-
1 ,, ,, 1/ e/o /a Recherche Scientifíque, depois subdiretor do Mu-
11 1111 ll<>mem. Ê eleito, finalmente, g raças ao apoio de Geor-
1 1111111"'111, para a 5" Seção da Éco/e Pratique des Hautes
perlo~. que lhe propôs apresentar sua _can~tura como profes- I , oc upondo a cátedra de "Religiões dos Povos Não-Civill-
sor de sociologia no Universidade de São P~IÕ. Célestin Bouglé 1 , r l1tnomlnaçõo que ele modifico rapidamente. em conse-
acreditava piamente que os subúrbios de São Paulo estavam tt 1 11• 111 cio discussões com ouvintes negros. "Não se podia dizer
coalhados de índios e sugere a Lévi-Strauss dedicar-lhes os seus 1•1 111• oos que vinham debater comigo na Sorbonne eram
fins de semana. Parte, portanto. para o Brasil, não para buscar t 1 , lvlllmdosl"7 • A sua cátedra adoto então o título de "Rell-
aí o exotismo - "Detesto as viagens e os exploradores" 4 - moa 1 • tl,111 Povos Sem Escrita".
para abandonar a filosofia especulativa e converter-se definltl·
vamente a essa Jovem disciplina ainda muito marginal, a antro-
pologia. Já tinha nessa época um exêmplo de conversão desse
t ipo com Jacques Soustelle. Organiza uma exposição em Parla
do que conseguira reunir em dois anos e obtém créditos que
lhe permitem montar uma exped!ção aos Nhambiquara. Seu,
trabalhos começam a ser notados num reduzido circulo de es-
pecialistas. especialmente por Robert Lowie e Alfred Métraux. A AMBIÇÃO CIENTÍFICA
Mos. tendo voltado em 1939 à França, Lévi-Strauss tem que
partir de novo, desta vez para o exílio a fim de escapar à ocu-
oatruturollsmo em ontropol9gio não na!_ceu. contudo;
pação alemã. Recebe um convite da New School for Social
Research de rNÕ v a ~no âmbito de um vasto plano de res·
O pot goroçõo espontâneo do cér~ro de um cle.Q.tifil.o. E _
1 111ll1111tu do uma situação particular da antropologia .nas-
gole dos homens desaber europeus, criada pelo Fundoçôo
ttl• u, do um modo mais amplo, do avanço do conceito de
Roe kefeller.
d omfnio d o estudo dos sociedades. Nesse plano. e

3. CI. L~Vl·STRAUSS. L• Monde, entrevisto com J M B•""''' .,, ,.._ •-~-•·- ..,
- - - - - - - - - - - - - - - - - --,.-,r tnl'íÇ·,-,,,...-rrr-,...,.,...,..- - - - - - - - - - - - -..,.r-- -- - - - -,--~\J M f1 Cl,1 a;: H'IWOTNf1\ , /\ rrO CI\ t f'I C/\
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 2. NI\SCIMlNIO Df.. UM IICRÓI: CLAUD[ LtVI-STRI\USS

mesmo que Lévi-Strauss se distancie ~ m i e o estruturallsm~


creve-se na filiação positivista de Auguste ~ . do sei{ c~en-
11sm61. e não do otimismo comteano que vê na h istóriaaa
t)umanidode um progresso por etapas da espécie para a idade
positiva; mas a idéia de que um conhecimento só se reveste
de Interesse se se inspirar no modelo da ciência, ou se lograr
transformar-se em c iência, em teoria. essa idéia comteana é
bem sucedida: "Nesse plano. há uma fuga em face da filosofia
tradlcional"8 , característica no percurso de Lévi-Strauss. A outra CONTRA O FUNCIONALISMO
vertente da influência comteana está associada à globalidade E O EMPIRISMO
de sua ambição, ao seu "hollsmo"9 . Encontramos em A. Comte
a mesma condenação da psicologia que se verifica mais tarde
em Lévi-Strauss. No campo da sociologia em gestaç~ ~o -
meço do século XX, ~ o herdeiro dessa e!Tibição glo-
M izante) limitando o'seo-õ6f~to à ciência do homem. Mesmo
O primeiro grande objeto de e studo de Lévi-Strauss. a proi-
bição di) incest'o, é aliás a ocasião para que ele se -
distancie do que Durkheim pôde dizer em relação ao mesmo
que LévÍ-Strauss tenha partido para o Brasil. conquistado pela lema 12• Em face de uma explicação que remete a origem da
etnologia em rebelião contra Durkheim na medida em que es- proibição do incesto a u ma mentalidade já ultrapassada. a um
te último não era homem de pesquisas de campo, a sua cul- medo do sangue menstrual. a crenças obsoletas e. portanto, a
tura sociológica não pôde deixar de ser alimentada, nos anos uma relação de heterogeneidade com a nossa modernidade,

~g,I
30. pelo durkheimismo. E pode-se dizer, portanto, como R. Bou- Lévi-Strauss, que não se satisfaz com uma delimitação éto fenô -
don, que "do lado dos antropólogos, o holismo foi um pouco meno a uma órea geográfica e a uma era temporal. busca.
chupado na mamadeira• 10 . pelo contrário, raízes atemporais, universais. que elucidem a per-
Para Durkheim, assim como para A. Comte, a sociedade manência dessa interdição. Se Lévl-Strauss se situa na filiação
constitui um todo irreduttvel à soma de suas partes. É nessa ba- de A~gus~ Comte, de Êmile Durkhelm e Mauss, não
se que irá constituir-se a disciplina soclológica. O êxito crescente se deve esquecer o- p ãpeilmportantê qu rvforx t esempeimou
da noção de sistema, depois da de estrutura, encontra-se v(n- para ele. Jó vimÕS q ue teve de Marx um cor:ihe Ímenfopréco-
culado ao conjunto das mutações científicas das divers~s disci- ce e- profundo, que alimentou na época o seu mllltantismo .
p linas na virada do século, principalmente à sua capacidade Marx é apresentado como uma de suas "três amantes" 13, com
paro explicar a interdependência dos elementos constitutivos do Freud e a geologia. Retém dos ensinamentos de Marx que as
seu objeto próprio. Essa mutação afetou tanto a sociologia realid ades manifestas nem por Isso são as mais significantes e
quanto a lingüística, a economia tanto quanto a biologia ... Por- que compete ao investigador construir modelos o f im de ter
tanto. Lévi-Strauss não pode deixar de situar-se na filiação dur- acesso aos fundamentos do real e ultrapassar a aparência sen-
kheimlana. Aliás, não retomou ele, em 1949, o desafio de F. sível: "Marx nos ensinou que as ciências sociais não se cons-
Simland de 1903 contra os historiadores? Entretanto, o encami- troem no plano dos aconteclm.entos do mesmo modp que a
nhamento de Lévi-Strauss é o inverso do adotado por Durkheim. física não assenta em dados da senslbilidade" 14. '
No momento em que escreve Les Régias de la máthode, Dur- Fiel ao ensinamento de Marx. defende-se. numa estrita orto-
khelm escolhe privilegiar os materiais dos historiadores, as fontes doxia. de querer ocultar o papel determinante das infra-estrutu-
escritas e desconfia das informações reunidas pelo etnógrafo. ras, mesmo que seu intuito seja construir uma teoria das supe-
Estamos em plena era do positivismo histórico. Só tardiamente, restruturas: "Não pretendemos. de forma nenhuma, Insinuar que .
por volta de 1912, Durkheim coloca os dois métodos, histórico e transforma ções ideológicas engendram transformações sociais. A
etnográfico. no mesmo plano. desvio acelerado pela fundação ordem inversa é a única verdadelra" 15 • É certo que. com o pas-
de L 'Année sociologique. Em contrapartida. para Lévl-Strouss. sar dos a ~os, a impregnação marxista. o diálogo subjacente
que Iniciou suas minuciosas pesquisas de campo no Brasil. a ob- com Engels. tudo isso desaparecerá ... Mos. no ponto de parti-
servação vem em primeiro lugar. anterior a toda construção da. no Brasil. ele se apresenta sobretudo como marxista. A esse
lógica. a toda conceituallzação. A etnologia é para ele, em propósito, diz a Éribon que os brasileiros ficaram decepcionados
primeiro lugar. uma etnografia: "A antropologia é, acima de tu- por ver chegar um sociólogo nãó-durkheimlano. Que outra coi-
do, uma ciência empírica ... O estudo empírico condiciona o sa se poderia ser na época senão durkheimiano? "Eu apostava
acesso à estrutura" 11 • A observação não é. certamente, um fim e m como ele era marxista. Estivera prestes a tornar-se o filósofo
em si - Lévi-Strauss bater-se-á também contra o empirismo - . ofic ial da SFIO [Seção Francesa da Internacional Operária] / .. ./.
mas um indispensável estágio Inicial.
12. É. OUílKHEIM, 'la prohibllion de !' Inceste', em L'Année soclologlque, vol. 1,
8. Franc ine Le Bret. entrevista com o autor. 1898.
9. ílaymond Boudon, entrevista com o autor. 13. C I. LÉV~STílAUSS. Tristes Tro,::,/ques, op. clf.. p. 44.
FRANÇOIS DOSSE 1 - OS AN OS C INQÜENTA: A ~POCA tPICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 2. N ASCIMENTO D E UM HERÓI: C LAUDE LÉVI-STRAUSS

Manifestamente. passou-se alguma coisa no Brasil que fez com pologla americana e seu campo de curiosidades e Investiga-
que o que ele era ao chegar já não fosse mais depois; deve ções não conhecia limites. Lévi-Strauss assistiu até ao faleci-
ter sido o contato com o campo, mas não unicamente isso." 1~ mento do grande mestre, no decorrer de um almoço organi-
Em confronto com o terrltórlo da antropologia. Lévi-filJ,oJ..1SSJ e- za d o por Boas em homenagem a Rlvet. que visitava a
cusa os dois caminhos que se lhe oferecem coinõ" as únicas faculdade de Columbia: "Boas estava muito alegre. No meio da
~ ssibittd~ s d~ ãsqulsa nesse dÕm ínlõ:õ ·evoTÜCIÕnism~u o conversa, empurrou violentamente a mesa e caiu para trás. Eu
difusionismo:ê o tunclonalismo.- ..xdm irã~Tem- dúv ida, a qualida- esta va sentado a seu l ado e precipitei-me para erguê-lo ... Boas
d e d-;, trabalho d e c ampo de Malinowsld, seus estudos sobre a estava morto"21 • A mais importante contribuição de Boas e sua
vida sexual na Melanésia ou sobre os Argonautas. mas denun- Influê ncia sobre Lévl-Stra uss terão sido a ênfase que deu à na-
cia neles o culto do emplrlsmo e seu funcionalismo: "A Idéia de lureza Inconsciente dos fenômenos culturais e a colocação das
que a observação empírlca de uma sociedade qualquer permi- leis d a linguagem no centro da inteligibilidade dessa estrutura
te atingir motivações universais. aparece nela [na obra de Mali- Inconscie nte. O Impul so lingüístico estava dado. oriundo do
nowski} constantemente. como um elemento de corrupção que campo C!~a tl!'o12olq gia._O..:ii.atl,ir g_e..J S1U ,..i=..Jrla. fa~orecer. a -fe-
corrói e diminui o alcance de notações, das quais se conhece,
aliás, a vivacidade e a riqueza" 17 . O funcionalismo de Malinows-
-
cundidade do e.ncoA-tr0-e nue-bév-i..St La.uss....e. Jakobson.
. ~-
ki, no entender de Lévl-Strauss. cai na armadilha da descontinui-
dade, da singularidade. Ao confundir estruturas sociais e rela·
ções sociais v isíveis. essa análise mantém-se à superfície das
coisas e passo. portanto, à margem da essencialidade dos fe-
nômenos sociais. Assim, a respeito da proibição do incesto. Mali-
nowski não sai das considerações de ordem biológica sobre a
incompatibilidade dos sentimentos parentals e das relações
amorosas. Um pouco mais próximo de uma abordagem estrutu-
ral. Radcliffe-Brown já utilizara o concei to de estrutura social a
A IMPORTAÇÃO DO MODELO LINGÜÍSTICO
. propósito do estudo dos sistemas de parentesco aust{alianos.
Procurou classificar de maneiro sistemática, especlfi~r cada sis-
,
tema e, depois. oferecer generalizações válidos paro o conjunto
das sociedades humanos: "A análise procura reduzir a diversida-
E
quand~
nesse ponto preciso que Lévl-Strauss inova strícto sensu,
ao trO f1.§P.Ç>r pa rÕÕ ã ntroi:fologia - o ·rrfo~ elõ:l]ríg üístico.
_Eillt Q.Ó.,..) Í aFral'}.ç_a..._ a ar:trop<;>J ogia estava ligada
de (de 200 a 300 sistemas de parentesco) o uma ordem. qual- às ciências da natureza. sendo dominante a antropologia tísi -
quer que posso ser" 18• Mos Lévi-Strauss considera que a metodo- c a ao longo de todo o século .XIX. Esses- m od e lo s das ciên-
logia de Radcliffe-Brown continuou sendo excessivamente c ias danãfüiezaesfaõ:-a1émciisso. ao seu alcance imediato,
descritiva e empirista, e compartilha em definitlvo com Mali- vist o que, tendo regressado à França em 1948, Lévl-Strauss é
nowski uma interpretação funcionallsta que não vai além da nomeado subdiretor do Museu do Homem. Entretanto, ele
superfície dos sistemas sociais. não adota esse enfoque e vai buscar nos ciências humanas.
Ao abandonar a corrente do empirlsmo anglo-saxónico. Lévi- m ais precisamente na lingüística. um modelo de clentificida-
Strauss vai encontrar seus mestres em antropologia nos herdeiros de. Por que esse desvio criador? "Eu tenho uma resposta
da escola histórico alemã que se desviaram da história, defen- pa ra isso, que me proponho apresentar-lhe. A antropologia
sores que são do relativismo cultural: Lowle. Kroeber e Boas. "au- biológica. física. comprometeu-se tanto com os racismos de
tores f rente aos quais sinto necessidade de proclamar-me em tod as as espécies. que era difícil recorrer a essa disclpl!na e
dívlda" 19 . Ele vê em R. H. Lowie o iniciador. aquele que. a par- basear nela essa miragem de uma ciência geral. de uma an-
tir de 1915, abria o caminho promissor do estudo dos sistemas tropologia geJal que Integras.s e tanto o físico quanto o cultu-
de parentesco: "A própria substância do vida social pode ser. ra l. Houve uma liquidaç,ão histórica da antropologia física. o
por vezes, analisada de maneira rigorosa em função do modo
Que provocou a economia de um debate t eórico. Claude
de classificação dos pois e demais parentes"20 • Quanto a Franz Lé vl -Strauss chega e o lugar foi limpo pela hlstória."22 A ruptu -
Boas. Lévl-Strauss procurou imediatamente encontrar-se com ele ra realizada por Lévi-Strauss é tanto mais espetacula r visto
após sua chegada a Nova York. Boas dominava então a antro- Qu e a flllação naturalista e biologista da antropologia
fr a ncesa era amplamente dominante; essa disciplina designa-
va o p e squisa dos bases naturais do homem e fundam en-
16. Ph~ippe Descolo. entrevísto com o autor.
1 7. CI. ll:VI-STRAUSS. Anthropolog!e structurole, Plon. 1958, p. 19.
to vo -$e, portanto, num determinismo essencialmente biológico.
18. A. R. RADCLIFFE-BROWN, 'The Study of Kinshíp Systems'. Journol of fhe Royal A esse re speito, a guerra deixou o terreno limpo, e Lévi-
Anfhropo/ogy fnsf/fute. 1941. p. 17. [N. do T. Este ensaio seria pos1eri~nte inc luí· Slrouss p ô de e ntão, sem risco ideológico, reapossar-se do ter-
_.__ --- -- • -••- --- , _ _..1.... .., 1 _ __._ c4-,,_..._.~ --·- - ' t=,.__ __ , _ _ -'--O-""-NI•~-- ~-.-la l u lOA? 1
mo antropologia, elevando a a ntro pologla franc esa ao níve l
do campo semântico da antropologia anglo-saxónica, alicer-
çando-a numa disciplino-piloto: a lingüística2J. 3. NA SUTURA NATUREZA/CULTURA:
O INCESTO

e re gresso à França. em 1948, Claude Lévl-Strauss defen-


D d e , portanto. a sua tese, Les Structures élémentoires de
lo paren té, e apresenta a sua tese complementar, Lo Vie fomi-
1/ole et sociole das Namblkworo, perante um Júri composto por
Ceorges- Davy. Marcel Grioule, Émile Benvenlste, Albert Bayet e
Joan Escarra.~ blicaç ão da tese em livro _n-9-gn_p_ seg11inte 1
óum d os mais lmf2~~....QÇ.Q!)teç lm~11tos da hlstóJjgjntelectual
do pós-g uerra e a_ pedra 9ngular n~ funda_2~~..9_0 p rograma
ostruturollsta. Quarenta anos depois, esse evento continua sendo
perce~ pelos antropólogos como um momento culminante
de criação e Inovação: •o que me parece mais importante.
mais fundamental , são Les Structures élémentoires de la paren-
tó, pelo vontade científica aí Introduzida na análise da multipli-
c ação social, pela busca do modelo mais abrangente para
explicar fenômenos que, à primeira vista. não parecem depen-
der das mesmos categorias de análise. e , pela passagem de
uma problemático da filiação a uma problemática da alian-
c:;a"2.
Se a escola ontropológlca francesa conhece uma verdadei -
ro re volução epistemológica com a publicação da tese de
Lévl-Strouss, outros meios e. é claro, os filósofos. também ficarão
assombrados. Foi o que aconteceu na época com um jovem
p rofessor de filosofia. Olivle r Revoult d' Allonnes: "É um momento
Importante, decisivo. Eu acabara de ser nomeado poro um li-
ceu de Ulle, após minha aprovação no concurso para professor
de filosofia em 1948, e Isso foi um vislumbre fundam e ntai. Eu
v ia . à é poca. em Les Structures élémentaires de la parent é,
uma confirmação de Marx"3 . A onda de choque ultrppassa. as-
sim, o pequeno círculo antropológico. além de Instalar-se tam-
bém duradouramente. Cerco de dez anos após a sua publi-
caç ã o. um jovem normalista descobre também com assombro
Las Structures élérnentoires de lo porenté desde o se u ingresso
n a ENS, em 1957: Emmanuel Terray. Filósofo, ele sente, já tenta-
do pela antropologia, necessidade de deixar uma França em
p le na guerra colonial que rep rova e contra a qual se engaja.
Seu amigo Alain Badiou empresta-lhe então Les Structures élé-
mentoires de lb parenté. porque era difícil adquirir o livro: •Alain
e mprestou-me esse livro do qual recopiei uma centena de pá-
g inas que ainda conservo. E. quando terminei de reproduzir
essas c e m páginas. considerando o esforço que Isso representa-
va. Alaln não pôde deixar de me dar o seu exemplar. Eis
como obtive a primeira edição. Para mim, no época. e conti-

23 . CI. L~VI-STRAUSS. 'L'onolyse st ructurale en linguistíque et en onthropologie ' ,


Word, 1101. 1. n 9 2, 1945, pp. 1-21. reimpresso em Anthrope/og/e sfrucfurcie, op. cff. ; 1. CI. L~Vl·STl'lAU SS. La via familio/e et soe/o/e des lndlens N omblk wora [A vida la·
CI. L~VI- STl'lAUSS, 'Linguistique et onthropologie ' . Supp/ement to /nternatfonat Jour- m íllar e socia l dos índio s Nhambiquara ). Socié té des Américonistes, Paris. 1948; Les
n o/ of Amertcan Llngulstlcs, vol, 19, nº 2. abril de 1953, reimpresso em Anfhropo- Strvctures élémen to/res de la p arenté, PUF, 1949,
loe1to d,:.unt, 1rnlo ,..._ ,,..11- ~ ._Al!"lrl'! A 1,,..Á _on fro\/ie tn enm n 0 11tõr
FRANÇOIS DOSSE 1 - OS ANOS CINQÜ ENTA: A ÉPOCA ÉPIC A
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 3. NA SUTURA NATUREZA/CULTURA: O INCESTO

nuo fiel a essa opinião, representou um avanço comparável, no o prescritos os casamentos com primos cruzados [primos deriva-
seu domínio, a O Capital, de Marx, ou à Interpretação de So- dos d e coirmãos de sexos opostos] e, por vezes, mais precisa-
nhos. de Freud"4 • Aqui também, é a capacidade para ordenar ment e, primos cruzados matrilineares. As sociedades dividem-se,
um domínio aparentemente entregue à Incoerência total. ao portanto, em dois grupos: o dos cônjuges possíveis e o dos côn-
empírico, o que seduz o nosso jovem filósofo, e esse fascínio vai juges proibidos. Reencontra-se esse sistema nos australianos que
confirmar para ele uma escolha de carreira e de existência: a Lévl-Strauss estuda: o sistema karlera ou o sistema oronda. No
antropologia. sist ema korfera, a tribo está dividida em dois grupos locais. os
quais se subdividem, por suo vez, em duas seções. e a perten-
ça aos grupos locais transmite-se em linha patrllinear, mas o
filho pertence à outra seção. Temos. portanto, em primeiro lu-
gar, uma alternôncla das gerações .e um sistema de aliança
que se forma com a prima bilateral cruzada {a prima é bilate-
ral porque é, ao mesmo tempo, filha da Irmã do pai e filha do
Irmão aa mãe de Ego). O sistema aronda é semelhante. mas
A INVARIANTE UNIVERSAL possui classes matrimoniais. Trata-se, neste caso, de alianças si-
métricas que Lévi-Strauss reagrupa sob a forma de trocas restri-
tos que se opõem a sistemas, também elementares, mas com

N a busco de invariantes que possam explicar universais


nas práticas sociais, Lévl-Strauss encontrá a proibição do
Incesto, comportamento Imutável para atém da diversidade das
um número indefinido de grupos, com alianças unilaferais: nes-
te ca so. temos trocas generalizadas: "Enquant9 que um sistema
de aliança b ilateral pode funcionar com duas linhagens, são
sociedades humanas. Realiza um deslocamento fundamental necessárias pelo menos três para permitir um sistema de aliança
em relação à abordagem tradicional, na medida em que se ti- unilateral: se A toma suas esposas em B. é necessário que e le
nha o hábito de pensar o fenômeno em termos de interdições dê suas mulheres a uma terceira linhagem C. a qual pode
morais e não no plano de sua positividade social. Era essa a e ventualmente dar as suas a B. fechando o clclo"ó. Ao contrá-
concepção de Lewis-Henry Morgan. poro quem a proi~lção do rio desses sistemas elementares de parentesco que procuram
Incesto era uma proteção da espécie contra os efeitos funestos manter a aliança no quadro do parentesco, outras estruturas,
dos casamentos consangüíneos. Para Edvord Westermarck, ela semicomplexas como os sistemas Crow-Omoho, procuram tornar
explica-se pelo debilitação provocada em conseqüência dos Incompatíveis os vínculos de aliança e os vínculos de parentes-
hábitos cotidianos sobre o desejo sexual, tese derrotado pelo co. Nesse caso, é vedado casar-se num clã que já tenha
teoria freudiana do Édipo. A revolução lévi-straussiana consiste dado, no decurso de um certo número de gerações, um côn-
em desblologlzar o fenômeno. em retirá-lo tanto do esquema juge ao seu clã.
simples da consangüinidade quanto de considerações morais Portanto, Lévi-Strauss sal de uma análise em termos de filia-
etnocêntrlcas. A hipótese estruturallsta procede aí a um deslo- çã o.._de con~güinid gge.,.J2.9..10 m qstrar ~a~ ~os é
camento do objeto para restituir-lhe plenamente o seu caráter o objeto de uma transação cuja resp onsabilidade é assumida
de transação, de comunlcaç:'lo que se Instaura com a aliança pela sociêda .cJWÕta~~i,§:-d-;-"um fa'to sod a ( c ú1tú'r al. ~
matrimonial. Situa as relações de parentesco como base primei- proibição deixa de ser percebi~ 2.º l!l.2. ~ .!dfpment~ga-
ra da reprodução social. tlvo mas. pelõ - contrári~c'g,!IíQ..1.gJo~pQsi.ti.v.o_ çJ.i.Odo.r....d.Q.. social.
Para não se perder no labirinto das múltiplas práticas matri- Qua Qto.:cm::'.sist~made ~Lea.t~ sco, é analisado como depen-
moniais. Lévi-Strauss opera uma redução no sentido matemático dente de U r:J).; S: ma_grgjtrg rio_, d~ ~~senta à maneim do
do termo, definindo um número limitado de possíveis que ele a rbitrário do signo saussuriano.
define como as estruturas elementares de parentesco: "Entende- Lévl-Strauss realiza, nesse ponto um importante deslocamento,
mos por estruturas elementares de parentesco / .. ./ os sistemas ao romper com o naturalismo que cercava a noção de proibl-
que prescrevem o casamento com um certo tipo de parentes çôo do Incesto e ao fazer desta a pedra de toque da passa-
ou, se se prefere, os sistemas que. embora definindo todos os gem da natureza para a cultura. O social nasce dessa organi-
membros do grupo como parentes, distinguem-nos em duas ca - zação da troca em torno da proibição do incesto. que se
tegorias: cônjuges possíveis e cônjuges proibidos"5 • As estruturas re veste. por conseguinte, de uma importância capital: "A proibi-
elementares pe1mitem, a partir de uma nomenclatura, determi- ção do incesto exprime a passagem do fato natural da con-
nar o círculo dos parentes e o dos aliados. Assim, nesse tipo de sangüinidade para o fato cultural da aliança" 7• É a intervenção
estrutura. são proscritos os casamentos com os Irmãos. irmãs e decisiva no nascimento da ordem social. Por sua situação me-
primos paralelos [primos derivados de coirmãos do mesmo sexo], diana e fundadora, não pode ser unicamente referida no nível
FRANÇOIS DOSSE
1 • OS /\NOS C IN QÜENTA: A ÉPOCA éPICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO
3. N A SUTURA N ATÜREZA!CÜLTURA: O INCESTO

da o rdem na tural, cujo caráter universal, espontâneo, ela p ossui,


r,o época uma espécie de estruturalisto simplista. Fazia estrutu-
nem a penas no nível cultural caracterizado p or uma norma, leis
1ollsmo sem o saber. Jakobson revelou-me a existência de um
particulares, um caráter restritivo. A proibição do incesto perten-
corpo de doutrina jó constituído numa disciplina : a lingüística.
ce, pois, aos dois domínios simultaneamente, colocada na
que e u jamais praticara. Para mim. foi uma revelação" 11 . Lévi-
suturo da nature za e da cultura. Constitui a indispensável regra
Strouss não se limito, porém, a acrescentar um continente novo
arbitrária estabe lecida p e lo homem em substituição da o rdem
do saber. justaposto ao seu; incorporo -o no seu método, subver-
natural. Na proibição d o Incesto existem, ao m e smo tempo, re-
lo ndo assim a perspect iva global: "Tal CO.!JlQ....OS fonemas, os ter-
g ras particulares, um código n ormativo (a cultura) e um caráter
mos de parentesco_S90 ~~mentos de A_gnJ~.?Ç~ º : como eles.
universal (o natureza): "A pro ibição do Incesto situa-se, simulta-
só odquirem ~§~Q .,sig,nlfi.9oç_q o sol;> a _condiç92_~e se inte ~rorem
neam e n te, no limiar da c ultura. na cultura e, num sentido, é a
o m sistemas"12 • Lévi-Strm.Jss, que assiste em Novo York aos cursos
próp rio c u ltu10" 8 • A s estrutura s elementares que resultam dessa
do Joko bson~ os prefaciará em 197613 .
proibiçã o não devem ser consid e radas fatos do natureza . per-
As duas grandes lições que ele retém Pªf.ª ?. antropologia
ceptíveis e re constituíveis a partir de uma observação; elas
s6o, por umo- pàrte, a investigação de invariantes poro além
d e p endem de "uma grade de decifraçõo ou, em termos kan -
do m ultidão_ dev ariedades identiffc ados; e , 'por outro porte, o
tianos, de um esquema, no qual não é necessário que estejam
orostamento de~todo e qualquer recurso ô consciênc~a do sujei-
presentes todos os termos ou todos os aspectos para que fun-
to fola nte. log9, a preporde rânci~ do~_fe !::l~m,.!:n~~ inconsc ientes
cione de modo eficiente•"I. Lévl-Strauss realiza com esse estudo
<Jo estru tura. Essas duas orientaçoes soo too validas, segundo
exemplar a emancipação da antropologia dos ciências · da ~a-
Lóvl-S trauss:" para a fonética quanto para a antrop?logla. As
·- -
tureza, colocando-a de imediato no terreno exclusivo da cultura.
- ·- - - duas disciplinas nem por isso deixam de atender à realídade
concre ta, em p roveito de um formalismo sisfemótlco. e Lévl-
Strouss Inv oca, nesse domínio, a postura do -fonólogo russo Nico-
lo l Tro ubetzkoy: "A fonologia atual não se limito a declarar que
os fonemas são sempre membros de um sistema; ela mostra sis-
t o mos fonológicos concretos e coloco em evidência a sua
ostrutura "14 . A antropologia estrutura listo deve, portanto, acompa-
1 • nhar o lingüista nesse cominho traçado pela lingüística estrutural,
O ENCONTRO COM JAKO BSO N ' ciue renunciou à explicação maciça da evolução lin,g?ística p~-
ro dedicar·se o localizar e identificar os elementos d1ferencla1s
o ntre as línguas. Essa decomposição do material complexo do
O modelo que permitirá a Lévi-Strauss _opergr__E!.,_~ desloca-
~ e a Tin-güísticÕ estrutural Ã- êsse respeito, o nÔSCJ-
m e n t o e os desen volvimentos da fonologia vão abalar o
língua num limitado número de fonemas d e ve servir à antropo-
logia em suo abordagem dos sistemas em vig~r nas socledod:s
prim itivas; d eve igualmente desconstru ir, reduzir o real observa -
c a m po do pensame nto nas c iências sociais. Sem e lhante trans- vol na medido em que se dedica o seguir um número tam-
forma ção afigurou-se, aos olhos de Lévi-Strauss, como algo aná- l>ó~ lim itado de variáveis. É o que ocoue com os sistemas
logo a uma ve rd a d eira re volução c o p émico-galileana: •A fono- ,notrlmoniois que vão o rganizar-se em torno do relação entre o
lo gia nã o p ode deixa r d e d esempenhar, perante as c iências rogro de filiação e a de residência, relação tão orbitr~rio quan-
so ci ais, o m esmo papel re n o vad o r que a física nuclear, p o r to o sig no saussuriono. _Ao inspi!.Qi:Se em Jakobson~ vi-SJ!Oj,J~
exemplo, d esempenhou no conjunto das ciê ncias e xa tas· 10• Os nsslmlla o corte saussuriono.
ê xitos crescentes do m étodo fonoló g ico traduzem a existência se re tomo. por exêmplo, o fomosa distinção de Soussure en-
d e um sistema e ficaz do qual a a ntro p ologia pode extra ir lições tro significante e significado, adapta-o ao terreno ant ropológico
essenciais para aplicá-las ao campo complexo do social. Lévi- oo atribuir ao significante o lugar do estruturo e ao significado
St ro uss vai. portan to, retomar por conta próprio , quase termo a o do sentido. ao p a sso que em Saussure trota-se, antes, de
t e rmo, os paradigmas básicos desse siste ma . A fonologia tem opor som e c o nce ito. Mos se nesse plano existe transformação
por objeto ultrapassar o e stágio dos fenômenos lingüísticoscõns- do modelo. no que tange às relaçõ es entre sincronia e d locro-
c ientes, não se contenta em considerar os termos em suã""àspe- r,10, Lóvl-Strouss reassume tota lmente a preponde rância da_ ~ln-
,, c íficíêia de mas entende apr;endê-los em sua·s relaçõ; s internas; c ronla própria da ling üística saussuriano, e esse recurso contem
imroduz a noção de sistema e visa à const! UÇãO de Teis gerais. om si mesmo as futura s polêmicas contra a história. Em conse-
Toda o abordagem estruturalista se insere nessa amb lÇÕ~
Essa contribuição lhe é fornecida, evidentemente, pelas con-
versas que t eve com Roman Jakobson em Nova York: "Eu era 1 l , C I. LIÊVl•STflAUSS. Oa pré$ a t d e loln, op. clt., p . 63 .
l 'J . CI. LÉVI-STl'lAUSS. Anthropologle sfn.,cfurole, op. clt .. p p . 40-41.
1 1 ri JAKOBSON, Slx teçom •ur /e son e l /e sens. M in ult, 1976. prefóclo de C I. LI:·
,, 1 .._.1111,,. 1 1 t!rl...._ - • - - - - - · - - ___ , _o-------' ""'""'',... .... .Ã. ' 1 6• ,.,...,~r'\"- A • ln 11.n nuit.Hõua • Plo.n...
1 OS A NOS C INQ ULNTA; A POCA PIC A
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO J NA SUTUf?A NA TUREZA/CULTURA : O INCESTO

qüêncla do adoção do modelo fonológico, "Claude Lévl-Strauss 1 t1t,em p é de Igualdade com as ciências exatas. ·1em-se. o lrn-
Inicia a crítica da eficácia da abordagem histórica ou da cons- p roasõ o d e que os ciências humanas vão tornar-se clenclas
ciência na explicação científica dos fenômenos sociais"15• e o mpletas, corno o física de Newton. Isso existe em Claude Lé-
Lévi-Slrauss adere, pois, à escola dos lingüistas, fascinado pe- vl Stra uss. / .. ./0 cientismo torna-se digno de crédito porque a lin-
lo êxito do modelo deles: " Gostaríamos de apreender dos lin- uuístlca apresenta-se como algo c ientífico, no sentido das ciên -
güistas o segredo ·do seu sucesso. Não poderíamos, nós < las da natureza. / .. ./~ essa, fundamentalmente, a chove do
também, aplicar ao campo complexo de nossos estudos / .. ./ 6,clto.'21 C aminho fecundo. por certo. mas chave também para
esses métodos rigorosos dos quais a lingüística verifica diaria- devaneios e miragens que vão pairar, durante uma vintena de
mente a eflcácla?·16 Mas seria desconhecer Lévl-Strauss pensar 11 nos, sobre a comunidade científica, no domínio das ciências
numa simples renúncia do antropólogo ao encontrar no lingüis- l\umonas.
ta seu mestre. Pelo contrário, essa contribuição do lingüista ins-
creve-se numa perspectiva abrangente que Integra o própria
lingüístico num projeto mais geral, cujo mestre-de-obro seria o
antropólogo. A Interpretação do social seria, desta forma, o re-
sultado de uma •teoria da comunicaçâo" 17 em três estágios: a
comunicação das mulheres entre os grupos graças às regras de
parentesco; a comunicação de bens e serviços graças às re-
gras econômicas; e a comunicação de mensagens graças às UM ACONTECIMENTO MARCAN!E
regras lingüísticos. Dado que esses três níveis se Incorporam num
projeto antropológico global, a analogia entre os dois métodos
é constante em Lévl-Strauss: •o sistema de parentesco é uma acolhimento dispensado à publicação de Les Structures
linguagem"18; "Postulamos, portanto, a existência de uma corres-
pondência formal entre a estrutura da língua e a do sistema
O élémentoires de lo porenté teve repercussões imediatas,
pois é Simone de Beauvoir quem assina um comentário suma-
de parentesco" 19• _AJ!_ngC:ístlca foi a§Slm ele_yoda pQ_r Lévl-Strauss monte e logioso em Les Temps modernas , cujo público formado
à categoria de ciência -piloto, de modelo primordial. Eiãcreve m sua grande maioria de Intelectuais lato sensu permite dar
permitir à antropotog,a basear-se no cultural, -no social, desligar- no livro um eco Instantâneo, bem mais amp lo do que o do
se c_2mpletamente do seu passado de antropologia física. Gra- restrito círculo de antropólogos, sem que isso signifique, no en-
ças a Jakobson, Lévi Sti auss percebe desde muito cedo esse tanto, que se chegasse ao ponto de ter a volumosa tese. Jean
papel estratégico, portanto, não se pode concordar co~ Jean flo ulllon está nesse caso, pois só começa a ler Lévi-Strauss a
Pouillon, quando este reduz a contribuição da lingüística em Lé- partir d e Tristes Tropiques. O acaso provocou, portanto, esse pa-
vl -Strauss ao simples fato de pensar que •o sentido é sempre radoxo : a primeira recensão dessa obra estrutural-estruturalista foi
um sentido de posição· 20 • A partir de Les Structures élémentaires publicada justamente no próprio órgão de expressão do existen-
de la parenté, encontraremos sempre os dois principais pólos de c ia lismo sartr eano. Les Temps modernes! Simone de Beouvolr,
Impulsão do paradigma estruturallsta?'ã lingüística; mas tamõém que era da mesma idade de Lévl-Strauss e o conhecera super-
a linguagem._ formalízada _iiõr definição, (as m_ate~ ~ticas_)Lévl- f lclalmente antes da guerra, por ocasião do seu período de
Strauss requer os serviços das matemáticas estruturais do grupo p ro fessora estagiária, estava prestes a terminar Le Deuxiàme Se-
Bo•Jrbak.l, graças a um encontro com o Irmão de Simone Well. xo [O Segundo Sexo}.
André Weil, que escreve o apêndice matemático do livro. Lévi- Ela toma conhecimento por Michel Leiris de que, por seu la-
Strauss encontrou nessa transcrição matemática de suas desco- d o, Lévl -Strauss la publicar suo tese sobre os sistemas de paren-
bertas o prolongamento de um deslocamento análogo ao ope- l osco . Interessada pelo ponto de vista antropológlco sobre a
rado por Jak.obson: da atenção aos te rmos das relações para q ue stão, Simone de Beauvoir pede a Leiris que inte rceda em
a preponderância acordada às próprias relações entre esses sou favor junto de Lévl-Strauss, que lhe remete as provas do li-
termos, Independentemente do seu conteúdo. v ro antes que e la termine sua própria obra. "Para agradecer o
Essa dupla fecundidade, essa dupla contribuição de rigor, de gesto de Claude Lévl-Strauss, ela escreve então. um exten~ co-
clentificldade, no ventre macio de uma ciência social ainda mentário para Les Temps modernes.· 22 Esse artigo é particular-
l::.'.llbu clante e não implantada, s6 podia fazer nascer o sonho mente positivo quanto ao valor das teses de Lévi-Strau~s: "Els
de se ter, enfim. alcançado o derrâdelro e~óglocte cientlflGida- q ue a sociologia francesa estava mergulhada no sono ~a mul-
to t e mp 0 •2J. Simone de Beauvolr adere ao método e as suas
conclusões. convida à leitura mas, ao mesmo tempo, Integra a
15. Y. SIMONIS, L&vl-Strouss ou la passlon d& /'Inceste. Chomps-Flammorion. 1980 o bra no grêmio sartreano ao dar-lhe um alcance existencialista,
(1968). p , 19.
16. CI. l~VI-SlRAUSS. A n fhropok>Qle sfructura/e, op. clf.. p . 79 .
17. lb .. p . 95.
18. lb. (1945). p, 58.
ANÇOIS DOSSE
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO

o qual resulta manifestamente do mal-entendido ou da recupe-


ração. Constatando que lévi-Strauss não diz de onde provêm
as estruturas cuja lógica descreve, ela fornece a sua resposta
4. PEÇAM O PROGRAMA:
sar!reana: "lévl-Strauss absteve-se de se aventurar no terreno fl: O MAUSS
l~oflco, jamais se afastando de uma rigorosa objetividade cien-
tífica; mas o seu pensamento inscreve-se, evidentemente, na
grande corrente humanista que considera a existência humana
como contendo em si a suo própria razão"24 0

Ta'.""'b_ém em Les Temps modernas, que v ai decididamente S e Lévi-Strauss se dedica em Las Structures ~émentaires de
la parenté ao estudo de um tema específico, o paren-
losco, próprio da antropofagia, o status de sua lntroductlon à
contribuir mult? par:1 tornar conhecida a obra de Lévi-Strauss,
Claude Lefort intervem, desta vez de maneira crítica, no início /'oeuvre de Marcel Mouss (1950) é diferente . Não se limita a
do ª~? d_e 1951. Censura a lévl-Strauss colocar o sentido da uma slmples apresentação da obra· de um dos mestres, durkhei-
rnlono, da antropologia francesa, mas aproveita a ocasião para
expe11enc10 fora da própria experiência e fazer prevalecer 0
modelo matemótlco apresentado como mais real que O reali- <,toflnlr o seu próprio programa, estruturalista, que é a exposição
dade: "O que se criticaria ao Sr. Lévi-Strauss é o fato de cio uma rigorosa mê todologia. Cüílõsamente, portanto, o que
apreender na sociedade mais os regras do que os do Início parece ser um modesto e ritual prefócio acabou fa·
comportomentos"25. Jean Pouillon responderó mais tarde às crí- ,onda época e constituiu a primeira definição de um programa
ticas de lefort quand_o,_ em 1956, determina a posição ocu- unltórlo proposto ao conjunto das ciências do homem desde a
pada pela _obra de lev1-Strauss. Considera· então infundado 0 l on tativa dos ideólogos do começo do século XIX qu,e tinham
ponto de vista de lefort na medida em que Lévi-Strauss evita doflnido, com Destutt de Tracy, uma vasta ciência das idéias
slm~ltaneamente confundir a realidade e sua expressão mate- que permanecera apenas tolerada. Outro motivo de espanto é
mótica, serr_i tampouco separó-las a fim de fazer prevalecer a ô sociólogo Georges Gurvitch, mais tarde muito hostil às teses
:egunda_ Na~ hó, portanto, ontologização do modelo, visto que da Lévl-Strauss, que pede a este último que redija essa lntro-
essa exp~essao matemótica do real jamais é confundida com duction para uma coleção que ele tinha fundado nas Presses
26 Unlversitalres de France.
o real" - E nessa adesão global ao método que ficaremos. em
~eados dos anos 50, aguardando as críticas tanto anglo-saxô- Georges Gurvitch aliós percebeu logo a distância que o se-
nicas quanto francesas, a partir do momento em que O para- parava de Lévl-Strauss, e acrescentou um pós-escrito para expri-
digma estruturalista for fragilizado, sobretudo em conseqüência mir suas reservas, qualificando a interpretação de Lévi-Strauss de
de Maio de 68. , loltura muito particular do obra de Marcel Mouss: "Foi aí que as
coisas começaram a se estragar" 1 • ~i.f-Glas-:ft11ien q;re1]!10.s não
60 engana sobre a importôncla desse texto. Encontra-se então
om Alexand ria e, óvido de alimento Intelectual, descobre a ln-
lroduc tion à /'oeuvre de Marcel Mauss. Essa leitura. a par de
ou tras. vai encorajá-lo em seu projeto de construçã <J de uma
metodologia globalizante para as ciências do homem: "Se os li-
vros realmente contam. talvez seja esse o que vai desempenhar
o papel mais importante. O estruturalismo é, em última análise,
o encontro da lingüística e da antropologia"2 • Lévi-Strauss apóia-
se, portanto, na autoridade que a obra de Marcel Mauss ad-
quiri u para alicerçar a antropologia em teoria e formula esta de
acordo com um modelo capaz de explicar o sentido dos fatos
observados no campo da pesquisa. Daí o recurso à lingüística,
apresentada como o mei,lhor meio de tornar o conceito ade-
quado ao seu objeto. Ele parte do postulado, semelhante ao
da lingüística moderna, de que somente existem fatos construí-
dos. A lingüística torna-se, portanto, a ferramenta capaz de
aproximar a antropologia da cultura, do simbólico, retirando-a
assim dos antigos modelos naturalistas ou energéticos. Pela de-
finição desse programa metodológico, Lévl-Strauss singulariza-se
ainda e m relação ao ambiente etnológico francês, estabele-
24. 10.. p. 949. Cef1do uma distância que separo de formo clara a antropolo-
25. CI. lEFORT, 'l'échange et la lutte des hommes" Les Tem~• moei f
ro ci. 1951 . • ~ emes. &verei-
FRANÇOIS DOSSE OS A NOS CINQÜCNTA: A ÉPOCA (IJICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 4 . PEÇAM O Pf?OGRAMA : O M A USS

g ia da te cnologia. dos museus. e a orienta resolutamente para a m b ição, expressa por Mauss no Essai sur le don [Ensaio sobre
o conceito e a teoria: "Tudo parte do museu e tudo aí retorna. o Dom ], de estudar o fato social total. Entretanto, só existe to-
Ora, Lévi-Strauss afasta-se dele para fundar teoricamente a talida d e a partir do momento em que se supera o a tomismo
antropologla"3 .J:_évi-Strauss vê em Mauss~ Q.QCÍQJ)to_a_~ - social e se é capaz de Integrar todos os fofos numq,,, an tropolo-
tual do estruturalismo. Essa escolha tem. por certo, como toda g lo p e rcebida como _sistema _globol de Interpretação 9.ue ..:_ex-
escolha, üm ã"spectõ arbitrório, com suas injustiças que Jean Ja- plica sirnul1ane-Õme~_9s aspectos físlé o, fisiológiéo, pSÍc:::tU!CO e
min sublinha quando exuma do esquecimento Robert Hertz, por sociológico de todas as condutas" 1?. No centro dessa t~ ~de:
ele considerado ainda mais pioneiro do que Marcel Mauss na O COrJ?O hÚ nJ~ nq,, ..slgno a pàrente d Ô. noJurefg_mas;- d ~_! ato, __in-
arqueologia do paradigma estruturallsta . Morto ' durante o p rimei- teírÓmente cultural. Ora, Mauss Introduz •umo arqueologia das
ro conflito mundial, em 1915, Robert Hertz deixou alguns estudos: a1itwje7côrporais" 11, programa que seró retomado em maior
"Em minha opinião. um dos fundadores do estruturalismo. ao detalhe e com p leno êxito por Michel Foucault.
ponto de o etnólogo britânico Needham dedicar todo um livro, No cerne corg oral,._g_ inconsciente, cuja preponderância - o
Ríght ond lett, em homenagem a Robert Hertz"4 • Num desses que vai se tornar importante traço do paradigma estruturalista -
textos encontra-se, com efeito, a binariedode estrutural. "A pree- Lévl-St rauss sublinha, vendo urna vez mais uma Intenção precur-
minência da mão dlreita" 5 é uma descoberta do polaridade sora em Mauss: "Nada tem de surpreendente que Mauss / .. ./
religiosa entre um direito sagrado e um esquerdo sagrado ... Ro- ten ho reco rrido consta ntemente ao inconsciente como fornece-
bert Hertz mostra em que é que a lateralização, que talvez dor d o caróter comum e específico dos fatos soclais"12 • Ora, o
tenha um fundamento blológlco, fundamenta -se sobretudo no acesso ao inconscie nte passo pela mediação da linguagem e .
plano simbólico e opõe o aspecto fasto e · puro da d ireita ao nesse domínio, Lévi-Strauss mobiliza a lingüística modé rna, sous-
impuro e nefasto da esquerda: "Essa descoberta teró uma Im- surlana, poro o qual os fatos da língua situam-se no estágio do
portância muito mais acentuada do que se julga, visto que, no pensamento inconsciente: "É uma operação do mesmo tipo
Colégio de Sociologia, M. Leiris. G . Bataille e R. CaJllols retoma- que. na psicanálise, permite reconquistar 'paro nós mesmos o
rão essa polaridade do sagrado" 6• nosso eu mais estranho e. no investigação etnológica. nos faz
ganhar acesso ao mais estranho dos o utros como a um outro
nós" 13. Lévl-Strauss sela aqui o união fundamental d~A:Íuas clên-
clos-faróisCW-:gTan-er-e· pérío Oo-ésffuturolislâ : aor\tiopologlo e o
psicanóllse,- ~p~i~-;.-;e amba s numàõutf a ciê ncia (ciência-pi-
loto), verdadeirõmõ'cr ·e lo heurís'tlco: a lingüística.
O~tra caracte'rístTcci- desse- pé ríodo, que iõ se expressa nesse
texto-manifesto de Lévl-Strauss, e que veremos ser particularmen-
O INCONSCIENTE te desenvolvida em Jacques Lacan, é o retomada do signo
saussuriano, forçando -o no sentido de um esvaziamento do sig-
nificado ou, em todo caso, de sua atenuação em p roveito do

M as é em Mauss que Lévi-Strauss procura apoio, subli-


nhando-lhe "o modernismo"7 • Vê no autor do Manuel
d'Ethnogrophíe aquele que percebeu e abriu a interrogação
sig nificante: "Tal como a linguagem, o social é umd realidade
autônoma (a mesma , aliós); os símbolos são mais reais do que
o que eles simbolizam. o significante precede e determina o
ant ropológica às outras c iências humanas e assim t raçou os slgnificodo"14• É aí que se consolida o projeto globalizante para
prolegômenos dos paralelos v indouros. É o caso das re lações o c onjunto dos ciências do homem, convocadas com vistos à
entre a etnologla e a psiconólise. que se descobrem com um realização de um vasto programa semlológlco que seria anima-
objeto comum de anólise: o campo do simbólico. que integra do pela antropologia, a único em condições de realizar o sín-
Igualmente os sistemas econômicos, de parentesco ou de reli- tese de seus trabalhos. Paro além do horizonte interdisciplinar
gião. Também nesse ponto Lévl-Strauss apóio -se em Marcel q ue aí é definido por Lévl-Strauss, -~ ·1}!!!2.Qi.9..Jd!:!l..Q. ~~ ....9anô-
Mguss. . . q . ~ ~. d~ fi~ a vida social como JJDLO)u"ndo nlco do estruturalismo ao a t!rm ar _gy.ê.,...Q_c.ó.di.g,a_~ce.de o
de rela9~ es S1mbollcas·~~ prosseguiu na mesmo filiação ao ci - menságem. qÜêé ing.t;Pend.en te d §IQ, e
~ e g_.s,ul.e~~ sub-
tar os seus p ró prios trabalhos de comparação do xamã em m e tid,o à _ LeÍdÕsi~Uiçç'hJe. É nesse nível que se encontro o
transe com o neurótico9 • Lévl-Strauss retom a, evidentemente, a núc le o estrutural da abordagem: "A definição de um código é
ser traduzível num outro código: a essa propriedade que o de-
fine dó-se o nome de estrutura• 1$.
3. Jean Jomin, entrevista com o autor.
4 . Jb.
5 . R. HERTZ. Mélonges de soc/ologle rellg/&use ef folk/ore. 1928. 10. C I. LÉV I-STílAUSS. · 1ntroductlon à l'oeuvre de Marcel Mouss·, op, clf., p. XXV.
6. Jean Jomin. entrevisto com o autor. 11. /b., p , XIV.
7. CI. LÉVI-STRAUSS, 'lntroduction à l'oeuvre de Marcel Mauss•, ém M . M ouss. So- l 2. l b., p , XXX.
c/õloõ /A ot nnfh~ ~,...,,...,..,,c. 10.A.Q 11 o "rn o , ,c - v
HISTÓRIA DO ESTRUTUl?ALISMO 4 l'l ÇAM O />/?OOIMMA : O MAUSS

no programa traçado por Lévi-Strouss, a contribuição docisivo


do fonologia, os trabalhos de Troubetzkoy e de Jokobson, suos
noções de variantes facultativas. de variantes combinotó1ios. do
tormos de grupo, de neutralização, que permitem as reduçôos
nocessórias do material empírico. Lévl-Slrauss define bem nosso

toxto o programa estruturolista\ "Para mim. o estruturalismo ó a
looria do simbólico na lntroduction à /'oeuvre de Marcel Mouss:
A DÍVIDA PARA COM MARCEL MAUSS o Independência do línguagem e dos regras de parentesco, ó
o autonomização do simbólico, do significante.·•~

S e Lévl-Strauss convoca de maneira um tanto forçada


Marcel Mouss como iniciador do seu programo estruturo-
iisto, liquida assim o sua dívida para com ele, pois foi Marcel
Mauss quem. de fato. inspirou no essencial o tese central de
L~s Structures élémentoíres de lo porenté. O Essoí sur le_ggo ser-
viu. a esse respeito, de modelo com sua feoíia do recJRroci-
dade. ampliada e sistematizada por Lévi-Strauss em sua abor-
dagem das relações de parentesco. A regra da reciprocidade, UMA FORMA DE KANTISMO
sua tríplice obrigação: dar, receber. restituir, baseia a economia
das trocos matrimoniais. O dote e o contradote permitem
e maneira não explícita, pois Lévi-Strauss abandonou o
apreender o rede de conexões. de equivalências. de solidarie-
dades, que ultrapassam. pelo universalidade de suas regras. o D território do filósofo para ganhar outros continentes do
saber, pode-se considerar o embasamento desse programa es-
dado empírico. É nesse nível que a proibição do Incesto rece-
be, simultaneamente. o esclarecimento que a torna inteligível e truturaiista como marcado pela filosofia kantiana em sua von-
o universalidade que lhe confere valor de chave para o con- tade de vincular todos os sistemas sociais a c o t e ~primor-
junto das sociedades: "A proibição do Incesto, como o exoga- diais que funcionam como categorias numênlcas. O pensa -
mia que é sua expansão social ampliada, é uma regra de reci- mento está- aí controlado por essas categorias apriorísllcas,
procidade. / .. ./ O conteúdo da proibição do incesto não se embora sem deixo r de aplicar-se de maneiro apropriada a ca-
esgota no fato da proibição: esta só é instaurada para garan- da caso nas diversos sociedades. Entretanto, é o espírito que se
tir e fundamentar, direta ou Indiretamente, imediata ou media- e ncontra em cada caso. Esse aspecto kantiano. Lévi-Strauss foi
tamente, uma troc a" 16• ,; buscó-lo mais no fonologia do que na filosofia. Assim se corres-
A troca situa-se, portanto. no centro do fenômeno da circu- pondem. termo a termo, a definição de Jakobson do fonema
lação das mulfieres nas ananças matrimoníÕise constitui uma zero (1949) e a de Lévl-Strauss do valor simbólico zero. Para o
verdadeira estrutura de comunicação a partir da qual os 0,ru- primeiro. o fonema zero opõe-se o todos os outros fonemas na
pos Instituem sua relação de reciprocidade. O que .Jesquc::iflca medido em que não comporto nenhum caráter diferencial e
o incesto não é a repro'l_ação moral. o venªavãf e:~ oc:;xão, nenhum valor fonético constante, assim como pór sua função
mas o valor de troca que fundamento a relação t : : > ~ Casar própria de opor-se à ausência de fonema. Para Lévl-Strouss, é a
com a Irmã é um absurdo para ÕSlnformantes de Mcrbaret definição do sistema de símbolos que constitui todo a cosmolo-
Mead. os Arapesh das Montanhas (cf. M. Mead, Sex ond Te.n- gia dado: "Isso seria simplesmente um valor simbólico zero, ou
peroment ln Three Prlmítive Socíetles], pois é privar-se de sela. um signo assinalando a necessidade de um conteúdo sim-
cunhado e. sem cunhado, com quem pescar ou caçar? ·o in- bólico suplementar daquele que o significado Jó carrego mos
cesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente que pode ser um valor quolquer-2°.
culpado." 17 O Essoi sur /e don inaugura, portanto. uma nova era
que Lévl-Strauss, extraindo dela todos os lições, compora à d es-
....__
Lévl-Strauss -~
Se ~ considera a apropriação da obro de Mauss por
- ---- -
.c_omo o ...expressão d&,d;Jmo de{QL!Jl..a~ã~verdodo
coberta do análise combinató rio para o pensamento matemá- de suo obr~ esse é um senlime~que c ~ m e.çirtllha CQ!Jl C lau-
tico moderno: "A proibição do Incesto é menos uma regra que de Lefo rt que. no artigo de Les Temps modernas de 1951,
interdiz casar-se com mãe, Irmã ou filha, do que uma regra rejeito a s teses de tes Structures álémentoires de la parenté e
que obriga a dar mãe, irmã ou filha a outrem. É a regra do da lntroduction à l'oeuvre de Marcel Mauss para denunciar no
dote por excelêncio" 18• Há aí uma fecundidade e uma filiação l os o vontade de matematlzação das relações sociais e o
manifestos que o lntroductíon à l'oeuvre de Marcel Mouss re - perda de significação que resulto desse programa. Para Cloudo
constitui com brilho. Do ponto de visto maussiono sobrepõem-se, Lefort. a redução dos fenômenos sociais à suo natureza de sls
tema simbólico "i:;,,orece-n.os estranha à sua Inspiração; Mouss
16. CI. l~VI-SrRAUSS. Les Structures élémentalres de lo porenfé. op. clf.. pp. 64·6õ.
17. lb.. p. ÕÕ6.
\O Vlnrt•nt noteol'Y'lh•• $ntrevlsto com o autor,
FRANÇOIS OOSSE
HISTORIA DO ESTRUTURALISMO

~ ~sa ~~nlfiç_9_çgo, n.90_0 ~ símbolo; e le tende para compreen-


der a intenção Imanente nas condu t as, sem abandonar o 5. UM FRANCO-ATIRADOR:
plano da vivência, e não para estabelecer uma ordem lógica
em relação à q ual o concreto seria apenas aparência" 21. Clau- GEORGES DUMÉZIL
de lefort critico o cientismo subjacente no programa de Lévi-
Strauss, a sua crença numa realidade mais profunda, subjacen-
te à realidade matemática. Ele aí vislumbra também os vestí-
13 de junho de 1979, a Academia Francesa recebe
gios de um Idealismo kantiano que. sob o termo de Incons-
ciente, significa essencialmente a consciência transcendental, no A Georges Dumézil. O padrinho do reclpiendário que o
n c o lhe sob a cúpula para fazer o síntese de sua obra não é
sentido kantiano. e revela -se pelas expressões de "categoria in-
consciente• e de "categoria do pensament o coletlvo 00 zz. E o u tro senão Claude Lévi-Strauss. Essa escolha não é devida ao
Claude Lefort derruba o id~OliS!T)_O lévl-stmusslano ao a firmar que nc oso das circunstâncias, mas a um parentesco de seus proje-
o comportamerilõ aõssujeitos empírjcos não se deduz de uma 1011. p aro além da manifesta slogulaÍidade de ê ac1ãum-:-É- Õerto
éonsciência trãnscenc:ientat mas, pelo contrório, constitui-se na quo Dumézf mÕstrou-se con;antementê désconfiadÕ de toda e
experiência. Tanto na enunciação do programa quanto nas crí- qualquer assimilação de seus trabalhos a um modelo no qual
ticas formuladas por C laude Lefort, tem-se o núcleo racional a 111'1 0 se reconhecia. Dificilmente admitiria ser citado numa hlst6-
partir do qual vão se desenvolver lodos os debates e combates 1lu do estruturalismo. ao qual se sentia estranho: "Não sou, não
dos anos 50 e 60 em torno do banquete estruturolista. p ro te ndo ser nem deixm de ser estruturolista"1 . A sua posição é
1r, 1ongível e chega ao ponto de privar-se de toda e qualquer
1, fo rê ncla à palavra "estrutura• para evitar todos as formas de
1 o b rança. Acol~a_do por seus entusiasmos de juventude pelos
~lnte mos_oq~~ ~ ~- 99 _g,omíni~ ~ egião~de J u ©.~n-
r..los - do filologia.
Nã o resta dúvida de que o lugar de Dumézil é singular. A 16-
u lc a das filiações que permitiram suo obra, assim como a da
lloron ç a que ela deixou, desenvolve-se por meandros difíceis de
e a ta logar. Sem obrigações de mestre-escola, sem a bandeira
pro g ramática de uma determinada disciplina a defender, dife-
I ron te mente de Lévl-Strauss, Georges Dumézil figura como genial
Inovador, fr~ o.fuacl.QL SO.l.ltru!..O, verdadeiro arauto de uma mi-
tologla compÓrada cujos contornos traçou sozinho. à margem
dos trilhos disciplinares que ele ignorava e que o Ignoravam. Ele
to ró re novado e fecundado múltiplas investigações sem a preo-
c upação de monopolizá-las ou de lhes dar bases instílucionals.
Jlo de-se por Isso ir contra o sua vontade e evocar sucintamen-
lo a lgumas pistas Inovadoras percorridas por esse aventureiro da
rnllologia Indo-européia no âmbito do processo de elaboração
cio paradigma estruturarista? Pode-se, sim. E Lévl-Strauss teve ra-
/Ô O e m recebê-lo, sob a Cúpula, dizendo-lhe que o termo
os trutura. estrutural, acudiria imediatamente ao espírito para
qualificar o seu corpo de doutrina. se ele não o tivesse recusa-
do e m 1973.
A cumplicidade intelectual dos dois homens não data, aliás,
do Ingresso de Dumézll na Academia Francesa. Eles se conhe-
c ia m desde 1946 e Dumézil desempenhou um papel decisivo,
p rime iro na elelção de lévi-Strauss para a Éco/e des Houtes Étu-
dos e . depois, em 1959, na sua eleição para o Co//ége de
/ ronc a. O parentesco entre eles não foi feito, porém, na base
uo c onside rações de carreiro. Lévi-Strauss descobriu a obra de
0\Jmézll oo preparar sua agrégation, mas esse foi apenas um
m lmolro c ontato. fortuito. Mais tarde, depois da guerra. é quan-
d v. com o e tnólOQO, medita longamente sobre suas descobertas
1 • OS ANOS C INQUl:Nl'A: A (POC/\ (PICA
FRANÇOIS DOSSE
5. UM FRA NCO -ATIRADOR: GEORGES D UM€ZIL
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO

,u lovlsto An d ré Mazon, mas levou o melhor g raças ao comba -


e se d iz con vencido de q ue Dumézil "foi o Iniciador do método
1o tra v a d o por Émlle Benvenlste e ao apoio de Jules Bloch.
estrutural" 2 • Allós_ e.o_contram~ em_.am_bos d_ç,i_s mestres que lhes
l 11c len Febvre, Louis Masslgnon, Alfred Ernout e Jean Pommier.
~ omuns:_MQI~ .M_a])."2§. sobre quem vlmÔs a Importância
que teve para Lévi-Strauss e cujas aulas serão freqüentadas por l'or tonto, t em ao mesmo tempo do seu lodo a vontade dur-}
Oumézil, e MÓrcel G ranet~ de quem lévi-Strauss recordou a im- ~tlelmlon o expressa p,or M,arc.el ,.M QU§.s..do fqtp soci9I total, o
portância q ~ e pará' ele em sua escolha do estudo das foto de pensar sociedade. mitologia e religião como um todo,
relações de parentesco. Com efeito. ele descobre Marcel Gra- o que vai naturalmente levó-lo a utilizar o noção de estrutura. E
net muito cedo, no liceu de Montpelller, pela feitura de Cotá- íumbém ~.ern..comurn com_.os_outros estruturallstas conslderór
gories motrímonioles et relotions de proximité dons la Chine n língua o vet9; e...s.§encial de lntelig ibilid-âct'é. ',leícÚlo da tradl-
oncienne. Quanto a Dumézll, foi ainda mais marcado pela obra QÔO , e ncarnação da Invariante- que p ermite encontrar, sob os

de Marcel Granet, tendo freqüentado seus cursos na Escola de polovros. a permanência dos conceitos. Poro apreender as va -
riações do modelo . ele utiliza os noções de d iferenço . seme-
Línguas Orientais, de 1933 a 1935: "Foi ouvindo e vendo Granet
lhança, de oposição de valor, que são outros tantos instru-
trabalhar que ele provocou em mim uma espécie de metamor-
111o ntos de um método que se pode Indiferenteme nte qualificar J
fose ou de amadurecimento que não posso deflnir"3 •
~ de efe~ent~ Dumézil ocupa um lugar.... àJ2..ar_ts1...J10 .que
cio comparatisto ou de estruturalista.
se refere ao movim~nto estruturalista. e que explica as S!:JOS re -
ticências quanto a ser assimilado a essa corrente,__g__p_ela_ ausên-
cia daquele que se converteu em referêncla _obrig.atórla de
toda a obra estrutural: Ferdinond de ·savssyre. Dumézll apresen-
tou -se sempre como um filólogo e, o esse título. suo obro ins-
creve-se numa herança anterior ao •corte" soussurlono. na
esteiro do c omparotismo dos filólogos do século XIX. principal-
mente dos t rabalhos dos irmãos Friedrich e August Wilhelm von
Schtegel, de Auguste Schleicher e, sobretudo, de Franz Bopp, A TRI FUNCIONALIDADE
que elucidou os parentescos lexicais e sintáticos do sânscrito, do
grego, do latim e do eslavo4 • Portanto, Dumézil ligo-se mais o
ve rdadelro bomba que Georges Dumézil deposita sob os
essa corrente da lingüístico histórica que porte, desde o come-
ço do século XIX, do postulado de um parentesco entre essas
diversos línguas. descendentes de uma raiz comum, a de uma
A nossas certezas data de 1938, ainda que só venho a ex-
plodir. d e fato, após a guerra. Se existe um corte epistemoló -
língua-mãe. indo-européia. É dessa corrente \fe filologia histórica 0 10 0 na longa seqüência de seus trabalhos cuja publicação
que Dumézll ext ra i também a noção essencial de transforma- começa em 1924. ele se situa no mome nto em que. em 1938,
ção, básica no nascimento da ciência da linguagem . Essa npós ter sondado as possibilidades de c o mparação entre um
noção conhecerá um êxito retumbante: não tardará em encon- u rupo d e fatos Indianos e um grupo de fatos romanos, encon-
trar-se no âmago da maior parte das obras estruturolistas. E lro a explicação dos três tlâmlnes principais de Roma/ sacerdo-
lévi-Strauss considera Dumézll. também nesse ponto. um pionei- tos o serviço de Júpiter. Marte e Quirino, por seu paralelismo
ro: "Com a noção de transformação, que você foi o primeiro com os trê s classes sociais d a Índio védica: sacerdotes. guerrei-
dentre nós o utilizar. deu [às ciências humanos] sua melhor fe r- 1os e produtores6 • É dessa desc oberta q ue data o hipótese de
romenta "5. uma Ideologia tripartida, trifuncional. comum aos indo-europeus,
É claro que Dumézil não permaneceu à margem da lingüís- hipótese so b re a qual 'Dumézíl não deixará de trabalhar, até
tica moderna. Se Ignorou. quanto ao essencial, a obra de Saus- lllJO morte . conve rtendo-se assim no arqueólogo do imaginário
sure, conheceu pelo menos a de um dos seus discípulos, Indo-europeu. Essa descobe rto situa-o. de foto. digo-se o que se
Antoine Melllet e. sobretudo. a de Émlle Benvenlste. que irá rilsser, e ntre os pioneiros. do estruturalismo. uma vez que vai en-
apoiá-lo com todo o seu peso a fim de obter suo eleição pa- lôo orga nizar toda a sua leitura da história ocidental em torno
ra o College de Fronce em 1948. numa rude batalho em que el o esq ue ma o rganizador a que chamará ciclo, depois sistema
to((::>s os defensores do tradição se opõem o 4:;:;se decifrador in- o, e nfim . estrutura, e o qual adoto a forma dessa t rifuncionoli-
cômodo. Dumézll tem contra ele, ao mesmo tempo, o medie- cJode. Esse esquema comum das repre sentações mentais dos
valista Edmond Farol, o especialista em Roma André Piganiol, o Indo-eu ropeus te m su\'.JS ra ízes mergulhadas. para Dumézll. numa
V('ISto órea cultural e ntre o Báltico e o Mor Negro, entre os Cár-
po tos e o Urat no f im do Ili milênio a .e. Existe portanto. para
2. CI. LÉVf.SmAUSS, "D u mézil et les sciences humoines', Fronce-Culture, 2 de out u -
u lo, uma singula ridad e d o fenômeno que não se vinculo, e é
b ro de 1978.
3. G . DUMÉZIL. Enfr&tfens OVQC D . trlbon, Gollimord, 1987. p, 64. nosso ponto q ue se o p õe a Lévi -Strauss. às le is do espírito hu ·
4. F. 80PP. Sysfhértlé dé con}ugaffon de la langu e scmsc rlfe , c omparé o celul d &s
1 OS ANOS CINQlJlNIA: A POCA PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 5 UM FRANCO -ATIRADOR: GEORGE$ DUMlZIL

mano em sua universalidade. A sua abordagem aparenta-se obra não traduz necessariamente a vontade de seu autor.
também com a estruturalista na medida em que não conside- voorges Dumézll teró sido, sem dúvida, um iniciador, um arau-
ra que essa Invariante trifuncional resulte de sucessivas aquisi- to da epopéia _estrutural.
ções, a partir de um núcleo original de difusão. Ele preconizo,
pelo contrórlo. um método de comparotismo genético que eli-
mina o tese do empréstimo. Num enfoque que qualifico de
ultra-história, uma vez que tem por objeto os mitos. Dumézil
compora sistematicamente os dados do Veda, depois do Mo-
hôbhôroto, com os dos citas, romanos, Irlandeses.. . e reagrupa
todas essas sociedades e essas diferentes épocas numa estrutu-
ra que lhes é comum, à qual opõe a função de soberania, de
sacerdócio - Zeus, Júpiter, Mitro. Odln -, a função guerreira -
Morte, /ndro. Tyr - e, enfim. a função produtora, nutriente - Qui-
rlno, Nosatya, Nijórdr.
O relativo Isolamento de Dumézil também resulta das dificul-
dades de exportação do seu modelo, o que não significa que
sua obra tenha ficado sem continuadores. Mas a partir do mo-
mento em que o seu esquema organizador fica delimitado a
uma órea particular, ele fecha-se a todas as extrapolações ge-
neralizadoras que florescerão na bel/e époque estruturallsta. Por
outra parte, Dumézil situa seu método numa posição interme-
diária entre a pesquisa de elementos exógenos aos mitos paro
explicá-los e a de um confinamento numa estrutura interna in-
dependente daquilo a que os mitos remetem. Integrando ao
mesmo tempo a articulação dos conceitos entre si em sua es-
trutura própria e os aspectos do universo trotados nos mitos,
__Qu~é~o-~~mel~_S.9.!DJJ1hO_enf.te~os-filóiogos come2ratistas
do século XIX e o método estruturollsto. E esse caráter t1íbrido
de D~zil. sÜà~~nsideração dÕ história ("gostaria de me defi-
nir como historiador"'). o que vai favorecer um vasto prolonga-
mento de suas descobertas entre os hlsto~adores da terceira
geração dos Annoles. Mesmo que o esquema trifuncional não
seja um dado Importante do mundo helênico, os especialistas
do Grécia antiga, Pierre Vidal-Naquet, Jean-Pierre Vernont. Mar-
cel Detlenne, renovaram o partir de Dumézil sua abordagem do
Panteão, e os medievalistas como Jacques Le Goff ou Georges
Duby, diante de uma sociedade separada em três ordens, não
podiam deixar de inte1rogar-se sobre os fundamentos dessa di-
visão. Mas esses prolongamentos são mais tardios, datam dos
anos 70. e a eles voltaremos ao tratar desse período.
As lições de Dumézll não desaparecem, pois. nesse dia de
11 de outubro de 1986 em que ele se extingue, aos 88 anos.
no hospital de Val-de-Grôce. É um lingüista, Claude Hagàge,
quem lhe rende homenagem em Le Monde. Sob o título "La
clé des civlllsations· [A Chave dos Civilizações]. escreveu: "De-
pois de Dumézíl. a ciência das religiões não pode mais ser o
que era antes dele. A razão pôs ordem no caos. Ele substituiu
as blandícias de uma vaga noção de religiosidade pela clari-
dade iluminadora das estruturas do pensamento. É uma de suas
grandes lições"8 • Çecididamente,_a .eajrvtura o ~~uiu conJra
a sua~ontad~ e.9ra alé,!!l do roorte. mas .o sentid.o de uma
6, A PASSARELA FENOMENOLÓGICA

os a~ s ~ ~ filo~o!!_a franc e sa estó_ ~'l!!!;)a <.!e_ pelo pro-


N je t~ orne.nplõglco. Na filiação da obra d e Husse rl.
, 11mpre re tornar às "próprias coisas" e ao seu corolório, a inten-
c lonalldad e da consciência, sempre orientada para as coisos.
1r.110 postura fica, portanto, muito atenta ao vivenciado, ao des-
' 1lllvo, a o concreto, e a tribui à ·etividade uma preponderân-
' iq manifesta. O projeto e Husserl onsiste em fazer passar a
lllosofla do estágio de ideologia para o estatuto de ciência. Na
111rno da postura fenomenológico não são os fatos. porém, mas
1111 ossên clos que constituem o fundamento o riginário no acep-
' (10 das condições de possibilidades da consciência, correlati-
vnmente ao seu objeto.
Na lib e rtação, a fenomenologia na França era , sobretudo,
111tre~a e enfatizava a consciência, uma consciência~transpa·
11111 t e e m si mesma . Por seu lado, <::W::ãu ri ce Me rl e á u~ y
11,toma o projeto de Husserl mas oriento-o mol?i)ãTa "craJaretica
11110 se trava entre sentido proferido e aquele que se revela nas
, olsas. Isso vai conduzi -lo a um diálogo cada vez mais íntimo
, om as ciências do homem, tanto mais que estas se encon-
llum e m pleno desenvolvimento. Ele retoma a idéia de Husserl
d expurgar os dados da experiência oferecidos ao fenomeno-
luglsta de todos os elementos herdados do pensamento cientí-
llco. pera nte os quais a filosofia teria abdicado. Daí a fórmula
c lu Merle au-Ponty: "A fenomenologia é, em primeiro lugar, a ne-
uo ç ão da ciência"; mas, longe de negá -la, Merleau-Ponty
,,spera. de fato, reinstalá-la no campo do pensamento filosófico.
l lo com e ça, desde a guerra, a conduzir esse trabalho em face
d a biolog ia e, sobretudo, da psicologia criticando nestas o seu
1,nróte r coisifican t e e mecanicista 1 • Entretanto, ele questiona
lijuolmen te o Idealismo de uma consciência pura e por isso se
tnloressa cada vez mais pelas estruturas de significações que as
n ovos ciências humanas lhe oferecem. Estas são, para ele. ou-
t ros ton tos focos de ontologias regionais de que o f il ósofo
poderá reapropriar-se, reiterando as perspectivas e restituindo-
u,os o sentido, graças à suo Importante posição de sujeito, con -
cob ld o como transcendência do mundo em suo globalidade.
" Merl e ou- Ponty alimentava um projeto muito ambicioso que
consstia em mante r uma espécie de relação de complemento -
tidade e n tre a filosofia e os ciências do homem. Portanto, esfor-
çou-se por seguir todas as disciplinas• 2•

1. M . M (ílLEAU-PONTY. Stn.,c/ure du comPQrle m e nl. PUF. 1942; Phé n ornenologle de


ó A PASSAl?ELA FlNOM[NOLÓOICA
HIST RIA DO ESTRUWRALISMO

tllólogos múltiplos? Acha1lo ele dever depor as armas do fllóso·


f<> poronte as ciências humanas? Certamente que nôo, pois
< onsldorava que o papel do filósofo fenomenólogo consistia om 61
cJor continuidade às conlrlbuições de Mouss, Lévl-Strauss, Saussu
,u, Freud, não para dar fundamentos epistemológicos o cada
11ma dessas disciplinas, mos no perspectiva de uma reapresen -
loçõo fenomenológica de todos os seus materiais, redefinindo-os
O PROGRAMA FENOMENOLÓGICO do ponto de vista filosófico - na condição de ser entendido
que O filósofo aceita como vóllda a informação do especlallsta,
que ele, aliás, não pode veríflca1. Portanto, a idéia é fazer o fe

O texto essencial pelo qual Merleau-Ponty daró a conhe-


cer aos filósofos os conhecimentos adquiridos pela lin-
güística moderna e os avanços da antropologia foi publicado
110menólogo desempenhar o papel do ~ge.0..!._e de orquestra,
que acolheria todos os resultados obje tivos forn E;_c idos pelas
e lônclas do homem, apontando-lhes um sentido, um valor em
em l 960 pela Galllmard: Signes. Nessa obra, de suprema Impor- 101mos de experiência subjetiva, de significação g lobal: "Lembro-
tância para toda uma geração, Merleau-Ponty retoma uma rne do seu curso sobre Lévi-StTauss. apresentava-o como o álge-
comunicação que fizera em 195 l3, na qual mostra todo o Inte- bra do parentesco que precisava ser completada pela signiflca-
resse da obra de Saussure como Inauguração da lingüística çõo do familiar para os humanos: a paternidade, a filiação .. .'ª.
moderna: ·o que aprendemos em Saussure é que os signos, um
por um, nada significam, que cada um deles exprime menos
um sentido do que assinala uma diferença de sentido entre ele
próprio e os outros" 4 • Na mesma obra, e le trata das relações
entre a filosofia e a sociologia para deplorar a fronteiro que as
separa e apelar para um trabalho comum: "A separação que
combatemos não é menos prejudicial à filosofia do que ao de-
senvolvimento do saber" 5 • Para Merleou-Ponty compete ao filó- A DERRUB ADA DO PARADIGMA
sofo delimitar o campo dos possíveis, interpretar o trabalho
empírico realizado p elos ciências sociais; ele fornece a cada
uma das positividades, mediante um trabalho hermenêutico, o esses anos 50, com essa _aproximaçpo _ffiJe~~-Ponty
questão do sentido. Por outro lado, o filósofo tem necessidade
dessas ciências positivas, visto que lhe cumpre raciocinar com
N tentou entre nlosofia e~nçia~ti.umanos,-p.01,tUo.,.se no
horizonte uma lny~rsõÕ dõ:_j;_Qradigma. Já não é a antropologia
base no conhecido, validado por procedimentos científicos. que procura situar-se em relação ao discurso filosófico, como
A outra ponte lançada por Merleau-Ponty em Signes viso, quando Marcel Mauss recorria à noção de falo social total pos-
desta vez. a antropologia social de Lévi-Stra~ss. Após seu rompi- tulada pelo seu professor de filosofia. Alfred Espinas. Ê, pelo con·
mento com Sartre, Merleau-Ponty aproximou-se de Lévi-Strouss, e trárlo, a filosofia, neste caso Merleau-Ponty, que se situa em
foi ele quem, eleito poro o Col/àge de Franca desde 1952, su- relação à antropologia, à lingüístico, à pslcanólis~ enquanto
gere ao segundo que se apresente em 1954 sacrificando •três que Les Temps modernas abrem-se para os trabalhos de Michel
meses de uma vida cujo fio Iria romper-se tão depressa•6 • M er- Leirls. de Claude Lévi-Strauss ... Merleou-Ponty inaugura assim
leau-Ponty consagra o 411 capítulo de sua obro à antropologia: perspectivas muito promissoras quando escreve: • A tarefa consis-
"De Marcel Mouss a Claude Lévl-Strauss". Faz aí uma ardoroso te, pois, em ampliar a nossa razão o fim de torná-la capaz de
defesa do programa definido desde 1950 por Lévi-Strouss em compreender o que em nós e nos outros precede e excede a
sua lntroductlon à l'oeuvre de Marcel Mauss: ·os fatos sociais razão"9. Ele abre o campo filosófico à intellglbílidade do Irracio-
não são coisas nem idéias. são estruturas / .. ./ . A estrutura nada nal sob a dupla figura do louco e do selvagem. Era dar o
tira à sociedade de sua espessura ou de seu peso. Ela própria du~s disciplinas, a antropologia e a psicanálise, uma posição
é uma estruturo das estruturas" 7• Nascerá dessa cumplicidade In- de destaque que elas ocuparão efetivamente nos anos 60.
telectual uma verdadeiro amizade e a fotografia de Merleau- Mas por que a filosofia teró perdido as suas certezas? Por
Ponty ficará sempre presente no escritório de Lévl-Strauss. que o projeto fenomenológico se deteve t ão depressa e lncon·
Mas qual e ra o objetivo perseguido por Merleou-Ponty nesses cluso ? A primeira resposta, de ordem biográfica, consiste em
imputar esse fracasso à morte prematura, em 4 de maio de
1961, daquele que encornava esse projeto. Merleau-Ponty fale-
3. M . M EíllEAU-PONTY, 'Sur la phénoménologie du longoge'. comunlooçõo no Pri-
meiro Col6Qulo lnternocionol de Fenomenologlo, Bruxelas, 1951. reimpresso em ceu aos 54 anos de idade. deixando uma construção que mal
Slgnes, Golimord. 1960. começara e muitos órfãos. Mas, de um modo mais fundamen·
4. lb,. p . 49.
5 . M . MEíllEAU-PONTY. Coh/ers lnternatlanaux de •oclo/og/e. X. 1951. pp. 55-69,
reimpresso em $/gnes. op. c/1., p . 127 8 Vlncent Oescombes, enrrevi"o com o autor
. . ........ -··· --· ·- pr••
6 . CI. LÉVI-STRAUSS. Oe
..,
el de loln. op clf.. p, 88
- -- - - - - - - - - ~ - - - - - -,,.ITT\1VÇOl:5'"UOS OS ANOS C INQÜLNTA: A !'OCA PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO ó . A PASSARELA fENOMENOLÓGICA

tal. a resposta de Vlncent Descombes é esclarecedora: "Esse


projeto filosófico estava condenado ao fracasso por uma razão
muito simples: é que as disciplinas científicos Jó procediam à
suo próprio elaboração conceituai. Portanto, não têm necessi-
dade de Mer1eou-Ponty ou de qualquer outro filósofo para dor
um sentido às suas descobertos. Todas elos Jó trabalham em
dois níveis" 10• Q _proJ~to de recuperação das ciências humanos
ao que se veró claramente não ter sido Marx mos Saussure
quom Inventou O fllosoflo do história. É um paradoxo que me
ful refleth no foto de que antes de se fazer o história dos even-
to• serio necessórlo fazer a história dos sistemas de pensamento,
tios sistemas econômicos. e somente então procurar so~er co-
rn o e les evoluem•1s. o filósofo Jean-Marie Benoist, próximo ~e
l óvl-Strouss. autor de Lo Révolutlon structurale (1975), tombem
1
vai. portanto. transformar-se em armadilha paro uma filosofia e onflrma que teve acesso à obro de Lévl-Strouss por Intermédio
propenso à dúvida e que vai ser abandonada em proveito ilo Merleau-Ponty, lido desde os tempos de estoglórlo do mogls-
uessas Jovens e promissoras ciências socld1s. Foi nesse sentido tó rlo superior. em 1962: "Merleau-Ponty funcionou como estóglo
que Merleou-Ponty desempenhou um Importante papel poro to- procursor de uma condição de disponibilidade paro acolher o
do uma geração de filósofos que, despertados poro novas pro- 16
focundldode do trabalho estruturollsto" -
blematizações. graças a ele, deixaram o navio fllosóflco com Resulto de todos essas conversões uma verdadeira hemorra-
armas e bagagens a fim de se tornarem antropólogos, ou lin- lo da qualO filosÔfio vai ter dificuldade em recuperar-~. Ela
ll ' - · c h ego um _de seus
güistas. ou psicanalistas. Essa quedo do paradigma dominaró c,stó ainda nos primeiros abalos. p01s -:- filhos
_
todo o período estruturallsta dos anos 60. No domínio da antro- ptódlgos quelró aplicar o golpe de mlserlc~rdlo .no proJeto fe-
pologia, Isso modifico de formo considerável a paisagem do nomenológico e nas pretensões de uma. f1losof10 acim~ ~os
disciplino. Com raros exceções, como Luclen Lévy-Bruhl, Marcel querelas das ciências empíricas: Micl)el Foucaulh A suo crft1co
Mouss, Jacques Soustelle ou Claude Lévl-Strauss, que vêm do fi- e6 viró mais tarde, no decorrer dos anos 60, mas o seu encaml-
losofia, os etnólogos são oriundos de horizontes muito diversos, "homento parte, sobretudo. de uma insatisfação o respeito do
efeito mais da fusão do que do fllloção 11 : Paul Rlvet provém do ,ro ramo fenomenológico que dominava o campo fllosó!lco
meio médico. como a maior parte dos outros pesquisadores, ~nq~onto ele escrevia L'Historie de lo folie (1955-1960) {A H1st6-
Marcel G rioule, primeiro aviador, provém das línguas orientais, tlo do Loucura). Censura -lhe o fato de se limitar ao estrito domí-
Michel Leirls vem do poesia e do surrealismo, Alfred Métraux, da nio acadêmico. e de praticar a evitoção no que se refere à
Escola de Cartografia. onde foi condiscípulo de Georges Botait- questão kantiano de saber qual é a nossa atualidade. Mlch~
le. Melo marcado por sua heterogeneidade, os etnólogos "não 1o ucoult obriró o Interrogação poro novos objet~s e desl~cor
dependem de uma lógica trlba1"12. <• perspectiva fenomenológica, ou seja, o descriç?o lnterlonz?do
~bretu,g_o por .M..erleo~nty q'de todo uma geração de <Jo experiência vivido. que abandono em prov01to do ;luc,do-
Jove~fllósofos iró afluir. portanto, poro as ciências modernas. Es- ô de prótlcas e instituições sociais problematizados: Tudo o
tudante def i losoflo na SorbÕnne êm l952::s'3, Aifred Adler des- ~u~ se passou em torno dos anos 60 provinha. ~e f~:º· dessa
cobre o obra de Merleou-Ponty: "Graças a Merleau-Ponty, tem- Insatisfação com o teoria fenomenológica do su1e1to . "': ~lfu~-
se interesse no pslconálise. no pslcologla infantil nos problemas e;oção que Foucault realiza situo-se, ollós, tonto em opo~1çao 0
teóricos do llnguogem"13. Esse despertar e o ev~lução da situa- probtemótlca fenomenológico quanto em face do marxismo. A
ção político completar-se-ão poro fazer desse estudante de filo- l onomenologia Inspirou, entretanto. uma abertura importante do
sofia dos anos 50 um etnólogo no começo do decênio lntenogoçõo filosófico. ao enfatizar o foto de que o homem
seguinte. No campo da lingüístico, Michel Arrivé confirma esse nôo é aquele que é conhecido mas aquele que conhece e,
importante papel de Merleou-Ponty: "Merleau-Ponty foi um inter- por conseguinte. 0 impossibilidade paro o ln~tôncia cognos~en-
cessor consideróvel; foi certamente por ele que Locan leu tc, de ter acesso ao outoconhecimento. o nao s;r por um 1ogo
Saussure" 14. Hipótese inteiramente verossímil, o do descoberto de <.lo espelho que torna manifesta O diferenço tnvls1vel entre o ros-
Saussure por Jacques Lacan graças a Merleou-Ponty, pois nesse to e sua representação.
começo dos anos 50 eles viam-se assiduamente em particular, Essa perspectiva seró amplamente retomada por Jacques Lo-
com Michel Lelrls e Claude Lévl-Strouss. o texto de Merleau- c on no ante bel/um com O •estádio do espelho" .. Ele busco
Ponty sobre Saussure doto de 1951, e o discurso de Roma de nossa momento. nos fenomenólogos, o meio de evitar o redu-
Locon é de 1953. É a mesma Importância que lhe reconhece c lo nlsmo biológico. o próprio Foucoult começa Les Mots et les
Alglrdos-Julien Grelmos: ·o tiro de largada foi a lição Inaugural cnoses [As Palavras e os Coisos) pelo f amoso quadro "As Menl-
de Merleau-Ponty no College de Fronce (1952), quando e le dis- nos• e mostro um sujeito-rei que só entra no quadro graças ao
ospelho. Mos O fenomenologia não pôde ou não soube apar-
tar -se do círculo antropológico. e, é uma ultropossag~~ fund~-
10. Vincent Descombes. entrevisto com o oulor.
m e ntol O que Foucaull propõe: "E impossível, sem duvida, at~-
11. George W. STOCKING. 1-1/sfo/res de J'or,thropologle: V/G-XIX s/ec/es. Kllncksíeck.
1984, pp. 421-43 1. l) ulr valor transcendental aos conteúdos empíricos nem desloc -
12. J . JAMIN, Le.s En]euK phl/osophfques des onnés c/nquonfe, Ed. Cen!Je Geo,ges-
Pompidou. 1989. p . 103.
13. Allred AOLER, Sémlno/1'& de Mlchel lzord, loborotolre d'ar,lhropofogle soclole.
17 tio nru,,.......,_,...,.,.. -, ... """nn --- - ---- . .. . - .. .- ·-- --- - -···-·
1i, AIQ~doa·Jullen Grelmo1, en1revlslo com o oulor.
/ST RIA DO ESTRUTURALISMO

los do lado de uma subjetividade constituinte, sem dor lugar.


pelo menos silenciosamente. a uma antropologla" 18• 7. O CORTE SAUSSURIANO
A Interrogação fenomenológico, em suo tensão interna entre
o._em_pfrlco e..o....tronscendenta~ mg_ntidos separados mos ambos
visados. ao mesmo tempo, na noção de vivenciado, deve ser
deslocada poro Indagar se verdadeiramente o homem existe, e o estruturalismo engloba um fenômeno multo diversifica-
se ele não é o lugçir da falta de ser em torno da qual õ hu-
manismo ocidental dormia com absoluta Impunidade. O
S do. mais do que um método e menos do que uma filo -
aofla. ele encontra seu cerne. suo base unificadora no modelo
Impasse do tentativa fenomenológica. apesar de sua ambição d o Ungüís11co moderna e no figuro daquele que é apresentado
de afilmar-se capaz de manter-se simultaneamente no interior e como o seu iniciador: Ferdinand de Soussure. Daí o tema d0 re-
fora do seu próprio campo de percepção e de cultura. pro- to rno a Soussure que vai dominar esse período e inscrever-se
vém da sua vontade de fundar o Impensado no próprio num movimento mais geral de "retorno a ..." Marx. Freud. como
homem, quando ele estó, para Foucault, em sua sombra. no ao um programa que pretende encornar a modernidade. a ra-
Outro. numa olterldade e num dualismo sem recurso. Esse do- cionalidade encontrada, enfim. nos ciências humanos. tivesse
bramento tem que ser desfeito para dar lugar ao que no nocessldade de mobilizar o passado, pressupondo assim uma
sujeito vivo, falante e trabalhador, escapa ao primado do "Eu" J)erda entre os dois momentos: o do corte inicial e o da sua
(Je) e, suplantando o empirismo do vivido, permite o desenvol- rodescoberto.
vimento pleno dos ciências da linguagem e da psicanóllse. O Soussure figuro, portanto, como pai fundador, mesmo que
projeto foucaultiano dó-se por objetivo realizar o travessia da om tantas Investigações o conhecimento de suo obra $'ela me-
consistência tangível do que falo no homem, mais do que da- diado por este ou aquele. Ele dó o sua solução paro o velho
quilo que ele ouve dizer. O sujeito fenomenológico encontra-se. p ro blema formulado por Platão no Crótllos. Com efello. Platão
evidentemente. desqualíflcado num tal projeto. o qual vai tor- o põe duas versões das relações entre natureza e cultura: Her-
nar-se. um pouco mais tarde, um dos aspectos mais importantes m ó genes defende a poslçõo segundo a qual os nomes atribuí-
e mais discutidos da filosofia estruturallsta. dos às coisas são arbitrariamente escolhidos pelo cultura e
Crótllos vê nos nomes um decalque da natureza. uma relação
rundomentalmente natural. Esse velho debate. recorrente, en-
contra em saussure ague e qüe vai dru razão a Herf"!:!Ógenes
com a sua no~o~e arbitrório do sl.gno. Jocosamente. Vlncent
Doscombes evoca o ca16ter •revolucionórlo" dessa descoberta
rozendo do mestre de filosofia que Mollêre coloca em cena em
o Burguês Gent/1-Homem (Ato li. cena V) o Iniciador do método
atruturalista1 • A história é muito conhecida: Monsleur Jourdaln.
que faz prosa sem o saber. quer escrever uma carta a uma
marquesa para dizer-lhe: "Bela marquesa. vossos belos olhos fa-
1om -me morrer de amor•. Esta simples declaração dó lugar a
e lnco posições sucessivas. decomponíveis em 120 permutações
1uc esslvas. e faz variar outras tantos vezes a conotação a par-
Ih de uma mesma denotação.
Foi necessórlo, porém. esperar o publicação do Cours de lin-
a ulsflque généro/e [Curso de Lingüística Geral] (chamado o
CLG) para assistir ao nascimento da lingüística moderna. Como
ao sobe. essa obro de Saussure é oral. ela resulta dos cursos
que ele ministrou entre 1907 e 1911. e da coleta. depuração e
o rdenamento dos raros escritos deixados pelo mestre, assim co-
rno dos apontamentos recolhidos por seus alunos dufante as
c,ulas. Sõo dois professores de Genebra .. Charles Bally e Albert
Séchehaye. que publícam o CLG após a morte de Saussure.
om 1915. O essencial do demonstração_consiste em fundamen-
tor o arbltrório do signo. em mostrar QUEL a....!.[lgl!_a é UT sistema
do valores constituído não por conteúdos 5?.U produtos de uma
viv ê ncia mas por diferenças puras. Saussure oferece uma lnter-
pretaçôo do língua que o coloca resolutamente do lado da

18 M ~n11rA1ttT , _ _ •• •
F-RA NÇOIS DOSS( OS AN OS C INQUtN tA : A POCJ\ PIC A
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 7, O COIUE SAUSSURIANO

abstração poro melhor o separar do ernpmsmo e das consJd e -


rações psicologizontes. Fundo assim uma novo disciplino. auto-
nomizado em relação êís ·o UtiÕsciênclÔs ·h~ma-;:;~ o lingüístlco.
"'u mõ"7ezestaBetecidas as suas regras próprias. eia vaC por seu
rigor, seu g rau de formalização, arrastar em suo esteiro todas as
outras disciplinas e fazê-los assimilar seu programo e seus méto-
dos.
O destino dessa publicação é deveras paradoxal. Françoise
Godet, que acompanhou seu p~rcurso2 , mostro suo fraco reper- O TEMA DO CORTE
cussão quando do suo publicação, em contraste com o
período que vai dos anos 60 até os dias atuais. O ritmo de tra-
duções e reedições amplia-se e acompanha a onda crescente
do estruturalismo generalizado: cinco traduções de 1916 o 1960
e 12 poro o curto p e ríodo de 1960 o 1980. Dois acontecimentos
P a ro compreender o paradigma estruturollsto, é necessário.
portanto, partir do corte saussuriano, no medida em que
,, CLG foi lido e entendido por toda uma geração como o
vão desempenhar um papel decisivo nesse êxito cada vez l11()men to criador. Isso basto para tornar tangível o postulado
maior do CLG. que vai converter-se no livrinho vermelho do es- 1 to corte , mesmo que seja, segundo certos especialistas. em

truturalista de base. O p rimeiro fator relaciona-se com a prepon- 1tllCJ parte mítico. Não obstonte~ 12ara g~..t;nelt)QJ...§e avalie_ a
derância assumido p elos russos e suíços após o Primeiro Guerra -11(,1 lmportâ~ c.ia,.J?..Q_d e -se inqggar se ,bouve_ _eJeJiy a.meote, um
Mundial numa d isciplino lingüístico dominada até então pelos 1 o de e ntre Ur_:!:!a li.\}g_Qístiç_g_~.9..§.:§9~~\.9,D.9.:.,. A essa inda-

alemães. propensos essencialmente a uma filologia comparativo. y11ç60, ãsrespostas divergem de acordo com os lingüistas. Nin-
No I Congresso Internacional de Lingüística realizado em Haia lJllÓm , evidentemente, tem a ingenuidade ae supor que o
em 1928, selo-se uma aliança prenunciadora de um grande fu- 111rnsomento lingüístico saiu pronto e acabado para consumo
turo: "As propostas apresentados pelos russos Jakobson, Karcevski hnodlato da cabeça de um único indivíduo, Ferdinond de saus-
·e Troubetzkoy, por uma porte, e pelos genebrinos Bolly e Séche- •1110, m os alguns insistem mais sobre a descontinuidade que ele
haye, por outra, têm em comum destacar a referência a Saus- 111presenta e outros sobre uma mudança mais contínua.
sure para descrever o língua como sistemo"3 • Portanto, Genebra 1ronçoise Gode t d e tende a idéia de um corte multo nítido
e Moscou estão no bÔse de definição de Ü m programa eslrutu- , 11lre "o concepção que tinha sido o do período
rallsta. Aliás, foi nessa ocasião que Jakobson empregou pela pri- p1ô-so ussurlano"6 e aquela que Soussure inaugurou. A abordo-
meira vez o termo •estruturalismo" ... Saussure só fizera uso do \J' m descritiva, a prevalência do sistema. a preocupação em
termo sistema, múltiplos vezes citado, 138 vezes nas 300 páginas 11 montar até as unidades elementares a partir de procedimen-
do CLG. 1\1" c onstruídos e explicítos, tal é a nova orientação. oferecido
O segundo acontecimento que condiciona o futuro do CLG, t mr Soussure, e que vai constituir o menor denominador comum
desta vez no França, é. entre outros fatore, , o artigo de Grei- ti o tod os os movimentos estruturalistas. També m poro Roland
mas. que doto de 1956: "L'actualité du saussurisme", publicado lhuthes. Soussure represento o verdadeiro nascimento da lingüís-
1
em Le François mode rna (3. 1956). "Nesse artigo, eu mostrava 11,.0 moderna : "Com Soussure. ocorre uma mudança epistemo-
que a lingüística era invocado por toda a parte: Merleou-Ponty lt~úlco: o analogismo toma o lugar do evolucionismo, a
em filosofia. Lévi-Strauss em antropologia, Borthes na literatura, 1111llação substitui a derivação"º. Em seu entusiasmo. Roland Bar·
Locon no psicanálise, mas que nodo acontecia no lingüístico 1110s apresenta Soussure até como portador do modelo demo-
propriamente dita, e que seria tempo, portanto, para repor Fer- , róllco. graças à homologia que se pode formular entre
dinand de Saussure em seu justo lugor" 4• Manifestamente, a defi- , ontroto social e contrato lingüístico. Todo uma filiação remete.
nição progressiva nesses anos 50 e 60 de um programa semlo- 11usle p onto, a um enraizamento de longa duração do estrutu-
lógico global, suplantando a lingüístico para englobar todos os 111ilsmo. Com efeito. essa corrente deve muito ao romantismo
ciências humanos num projeto comum, que foi o grande ambi- 111 mão. o qual já defendera o concepção de uma arte como
ção do período. encontro suo justificação e seus incentivos no 11~1iuturo que escapa à imitação do real. A poesia devia ser
definição que dá Soussure do semiologio como "o ciência que llfTI discurso republicano, segundo os irmãos Wilhelm e Frie drich
estudo a vida dos signos no seio da vida social". llchlegel7 •
Cloudine Normond, professoro de lingüística em Paris-X. adep-
to da lingüístico o partir do idéia do corte soussuriono, vê reol-
rn o n te um corte mas não onde é hábito colocá-lo: "É difícil
•lluó lo: o discu rso saussuriono é muito confuso. uma vez que é

/\ f C./\OEf, ORLAV, fl e vue de llnç;u/$1/que. orl. clt .. p. 18.


2 . F. GA D ET, 'le signe et te sens' . DRLAV. Revue d e 1/ngulst/que. nº 40. 1989. ÜA Ol u t.t: ~no..1•• 11, . 1.- . ,~"'- .,.. l"t.Ã....,._,..l"ôtlA· , o n,.cl"'!.ôHl'.'f, ftôr:!.lf'11 n~ 3 ..4-- õbr:il
"'º' '""' A t l'OC /\ 1 l'IC/\
/, o coruc SI\USSURII\NO

fruto da discussão positivista do seu tempo"ª· A contribuição es- 111110"10 para so ver d e finido o programa realment e fundador
sencial de Soussure não seria a descoberta do arbitrórlo do l lu os truturallsmo: "Eu sou saussurlano mos. e digo -o com a
signo. do qual todos os lingüistas jó estavam convencidos no fi- 111e1lor admiração por Saussure. ele não é o fundador do estru- 69
nal do século XIX. Todos os trabalhos comporotlstas já tinham houllsmo"'4.
adotado o ponto de vista convenclonollsta e rejeitado o mode-
lo naturalista. Entretanto, "ele fez outra coisa: vinculou-o ao prin-
cípio semlológlco, ou seja, à teoria do valor, o que lhe permite
dizer que na língua há apenas diferenças sem signo oposltlvo09•
A ruptura situar-se-ia. portanto, essencialmente, no plano da de-
finição de uma teoria do valor, nos princípios de generalidade
de descrição, na abstração da postura. A sua noção de siste-
ma é a expressão da construção de uma p ostura abstr_ata.
PREPONDERÂNCIA DA SINCRONIA
conceituai, pois um sistema não se observa e no entanto, cada
elemento lingüístico depende dele. Quanto à oposição diacronia/
sincronia, Claudlne Normand considera que ela já estava em ges-
tação antes de Saussure, especialmente em todos os trabalhos de
dialetologia que deviam naturalmente fazer prevalecer, na ausên-
A ndré Martinet crit ica, sobretudo, a abstenção diante do
grande problema que se apresentava na época de
'111 ussure e que não encontrou resposta no CLG: Por que as
cia de traços escritos. o sincronia em sua coleta de dialetos. 1111idanças fonéticas são regulares? Ora, para apreender esse
Sobre esse ponto. Saussure não teria feito mais do que "sistemati- l,mômeno. não era preciso encerrar a estruturo na sinc!onia, no
zar os coisos que começavam a dizer-se. a fazer-se· 10• -,atótico: "Uma estrutura. ela se mexe" 15• As categorias saussurla-
Jean-Claude Coquei, p or sua parte, faz remontar ao século 1,ns vão, portanto. servir de Instrumento e pistêmíco ao estrutura-
XIX e até mesmo ao final do século XVIII os grandes movimen- 11.ri,o generalizado. mesmo que os diversos trabalhos tomem
tos constitutivos da lingüística contemporânea. A noção de sis- , , tias liberdades com a letra saussuriana a fim de adaptá-la à
tema preexistia a Saussure: "É. em primeiro lugar, uma noção r1mecificidode de seus respectivos campos. A principal inflexão
taxion ómica e, portanto, foi do lado dos biólogos que se obser- , tá a preponderãncla atribuída à sincronia. S9ussure ilustra es-
varam os primeiros esforços coroados de êxito. É a época de
Goethe e de Geoffroy Saint-Hiloire"11 • Portant o. com Sau~ure dá-
•n privilégio e seu corolório, a Insignificânciada""'l11storlcldede,
1 <>m a metálora - do jogo de- xadrez. A Inteligência da partida
se tão-só uma solidificação, um endurecimento, por assim dizer, tusulla dÕ vlsõo do lugar e das combinações possíveis das pe-
da idéia de sistema que, para dar-lhe o máximo de alcance, i.;os col C>2_adas no tabuleiro d e jogo: "É totalmente indifer:nte
reduz o seu campo de estudos ao sistema sincrónico, d eixando , 1uo se tenha chegado a ela por um cominho ou outro• 1ó. E no
de lado os aspectos históricos, pancrônicos. Jean-Claude Milner. Y&ludo da combinação recíproca de unidades distintas que as
na esteira de Mlchel Foucault. vê em Bopp a base essencial, a 1, IS Internas que regem u ma língua podem ser reconstituídas. Es-
do constituição de uma gramática que sai do universo da ida- 10 f'ese da independência da Investigação slncrônica para ter
d e clássica, do representação. Saussure teyia simplesmente ucesso ao sistema rompe com a postura dos comporcitistas e
dado forma aos princípios fundamentais de que o lingüístico do tJo filosofia clássico. baseada na busca de sucessivos emprésti-
seu tempo, ou seja, a lingüística histórica. tinha necessidade. rn os. dos diversos estratos na constituição das línguas.
Ora. esta precisava de uma lingüística geral desde finais do sé- Essa radical mudança de perspectiva relega a diacronia pa-
culo XIX e de reatar assim os seus vínculos com um período ro o status de simples derivado e a evolução de uma língua
anterior em que a lingüística geral existia, antes de ser reprimi- Joró concebida como a passagem de uma sincronia para uma
da pelo historicismo das pesquisas filológicas: " Não cabe, pois, ou lra sincronia. Não se pode deixar de pensar nas eplstemes
prlvileglar o ponto de visto descontlnuísta·12• ló que a lingüístico foucaultianas. mesmo que a referência a Saussure em Foucault
geral é um te,mo que se começo a encontrar desde a déca- nõo seja verdadeiramente explícita. Esse tour_s;te. locce permitiu
da de 1880. Quanto a André Martlnet. se contribuiu muito para 6 llngüíst[ca Jib.eJJm-~da tutela historiadora, fa".'orec_e ndo a sua
fazer ler e conhecer Saussure. considero que, p ela distinção que outonomização_..C.OillQ çiência, mas oo alto custo de uma a -his-
estabeleceu entre Ungua (longue) e fala (parole). cedeu à pres- toricidade; e , portanto, de uma amputaç-90 q_ue _§e tornou tal-
são da sociologia e "fracassou em seu programa de estudar o voz necessóÍÍa a fim de romper com O evolucionismo em curso.
fenômeno lingüístico em si mesmo e por si mesmo" 13 . Segundo mos que conduzirá ~ - aporia~ POLn.õo ter sabido dialetizar os
Martinet, é necessário esperar pelo Círculo de Praga e pela fo- vínculos diacronia/sincronia. Mas Saussure terá permitido mostrar
que uma língua não muda de acordo com as mesmas leis da
8 . Claudine Normond. entrevisto com o autor. sociedade e, por conseguinte. entender que urna língua não é
9. lb.
10. lb.
l l . Jean-Claude Coquei. en1Telllsta com o autor. 14 lb.
12. Sylvoin Auroux. entre11lsto com o autor. - - - ·-~ - - - - 1õ A.n rt,6 M,.., ,in~• ...... ...-.~• -- --
13. André Mortinet, entrevlStn eô,...... " ,.. ..........
FRANÇOIS DOSSE OS A N OS C INQÚENíA: A ~POCA éPICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 7. O CO/?TE SA USSURIA NO

a simples expressão de algum particularismo racial, como pen- /OÇÕO vai p ermitir que se realize m progressos muito conseqüen-
savam os lingüistas do século XIX, que reconstituíam a história tos na descrição dos línguas; mas vai transformar-se. com fre-
das sociedades Indo-européias através dos línguas certificados. qüência, d e m eio e m finalidade e. por essa razão, será repeti -
uamente o c ult ado ra, se não m istificadora. em seu fechamento.
l)ols mod os de alinhamento permitem o inteligibilidade do com-
binató ria interna da língua: as relações de contigüidade. cha-
1-nadas sintagmáticas, lineares. e os relações ín obsentio. a que
Soussure chamo relôções associativos. e que serão retomadas
t'nols t arde na noção de paradigma.
Se a postura saussuriana é, pois. restritiva por d efinição. elo
O FECHAMENTO DA LÍNGU A Inscre ve-se, não obstant e. numa ambição multo ampla de
construção de UIT\a semioiogia geral que integre todas os disci-
plinas que se interessam p e la vida dos signos no seio da vida
outra inflexão, essencial, d~ i?ª9~ .!fl ~ ~~.±, o AOcial: "A lingüística é apenas uma parte dessa ciência gerai"20 •
A fechamenfo ã ã - íínguo sobre si mesmo. o signo lingüístico
une não umã coisa -º ;- seÜ n Õme , -~as Úm conceito o uma
( no realização desse ambicioso programa que se inscreve o
projeto estr.u turalista, reagrupando em torno d e um mesmo pa-
Imagem acústica num vínculo arbltrório _que remete o realida - 1od igmo todas as ciências do signo. É esse impulso que irá
de, o referente. para o exterior do campo .do estudo a fim de fazer d a lingüística a ciência-p iloto. no centro do projeto. com
definir a perspectiva. por definição restrita, do ling üista . O signo o fo rç a de um método que pode prevalecer-se de resultados;
saussurlano só envolve, portanto, a relação entre signl«ê'ãdo ·(o ola v ai aprese ntar-se como o cadinho, o meltíng-pot, de todas
'""e'"ónceito)esignÍfÍcante (imagem ocúsffca). com exclu~ÕdÕie- os ciências humanas. ,
'rerentê."'"t- ~ õe Õ signo a o- símbolo . dÕdo que e ste O caráte r excepcional e inovador dessa configuração na
último cÕnserva um vínculo natural na relação significado/signi- paisag em Intele ctual france sa deve. não obstante. ser modera-
ficante. "A língua é um sistema que só conhece a suo própria c.Jo. se o compararmos com a situação similar que prevalece u
ordem• - "A língua é uma forma. não uma substância" 17 • Nesse no Alemanha no século XIX, em que a filologia e a g ramática
sentido. a unidade lingüística, por seu duplo aspecto tônico e comparada são as primeiras disciplinas a institucionalizar-se sob
semântico, remet e sempre para todas as outras numa combina - o forma do ci ê ncia moderna. A comparação do núme ro de
tória p uramente e ndógena. có te d ras universitárias. de créditos, de revistas que serviam de

~ -·--- - --~
A função referencial, também chamada denotg.ç , ~ o r-
rimida. Situa-se~- num ... outro nivel. o das relaçoes - entre o
indicador. confirma essa ante rioridade: "Penso que a gramática
com parada custa mais caro do que a física no século XIX na
stgn o e o refere n te. S€: s9 ~ ngo....f;,.O.QGgQa..Q~Y!Jl&l- P.re- A le m a nha"2 1• U ii.9ç9.o saur'~r~ano ret~ _q ,_1:?_o is._qua l)IQ....QQ_es-
ponderônci~ slgni,!!~onte em_ ~ 19.kf!Q....PJ;>_ §iOOifi_çggo os _g.uais sencia l, o C LG. o qual é apena§ um dos as12...~ctos ç g_g~ rsona -
são para e le inçlissocióveis como dy_a ~ fac~es ele U[OQ folha de tldad e de SaUSS(;!!~:~2 s e_y_ lado sist~ Jorm alis,ta. aL se
papel, o significante define-se- p or sua_~ en20 sensível ao pas- o xpõ e .9~Q...Qr.Q_grama, embo ra enunciado em aulas como
so que o significado caracterizo -se p or sua au~ ncla: ''..Q._.l1!9n.o uma im provisação sem apontamentos, além de um vago peda-
é, ao mesmo tempo, marco e c ~ . . : Ori9inalmente dldQI0" 18• <;o de papel dobrado em quatro. se gundo o t este munho d e
Essa relação desigual, constitutiva da significação, será retoma - llcus alunos.
da, especialmente por Jacques Lacan. a fim de minorar o sig-
nifrcodo em proveito do significante numa torção que acentuo
ainda o caráter Imanente da abordagem da llnguo. Por essa
orientação Imanentista, Soussure limito o seu projeto e escopo a
toda e q ualquer correlação entTe duas de suas proposições: "A·
quela segundo a qual a língua é um sistema de signos. e
aquela segundo a qual a língua é um fato social" 19. Ele encer-
ro a sua lingüístico num estudo restritivo do código. separado DO IS SAUSSUR ES?
de suas cond ições de aparecimento e de suo significação.
~ou~ ure tez, e ort_2!J!g...... a escolho do signo contra o sen tido,
devolvido a o ~ 0- ID?~ e~ o~ o q ~ _ c_o.ove.rteró nu-
m ~ ç_QLa cterístic.a s....s;lo_ par.2,gJs;imo estruturoli$fa. Essa formou- O b inarismo redescobre-se nos cen tros de interesse e na
pró pria personalidade do lingüista genebrino, que troca-
vo freq üe ntemente Genebra por Marselha: nessas viagens regu-
lo res. e le levava peque nos c a dern os que c o bria d e m e ditaç õ e s
17. /b .. pp. 43, \57. 169.
FRANÇOIS OOSSE 1 - OS AN OS C INQULNTA: A éPOCA t PIC A
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO ! . O C ORTE SAUSSURIANO

sobre os textos védicos e saturnlnos da poesia sagrada da Índia llmllar-se a ter por objeto a língua, único objeto que pode dar
e de Roma. Assim foi que ele encheu 200 cadernos a respeito l1Jgar a uma racionalização científica. A conseqüência disso é o
dos anagramas e efetuou toda uma pesquisa cabalístlca para liminaç ão do sujeito falante. do homem de fala: "A língua não
ver se não haveria um nome próprio disseminado no inte rior c.onstltul, pois, uma função do falante: é o produto que o lndl·
desses textos que fosse, ao mesmo tempo, o destlnatório e o vlduo registra passivamente / ... /.-A líng4....a,'_dlsttntg do fajg.~ m
sentido fundamental da mensagem. o b je to que se pode estudar separadamente. Não falamos mais
Perturbado por suas descobertas. Saussure até se Interessa os línguas mortas, mas podemos perfeitamente '7:;ssimllar-lhes o
por sessões de espiritismo durante os anos de 1895- 1898. Essa o rg anismo lingüístlco"26 • A llngüístlca só tem ac~Õ ao estágio
dualidade não é, allós. exclusiva de Saussure e vamos encon- r1o c iência. para Saussure, na condição de delimitar multo bem
trá-la também em outros cientistas. Foi o que ocorreu com o seu objeto específico: a língua; e deve, portanto, desembara-
Newton, por exemplo, que enchia milhares de páginas sobre ai· ç a r-se dos resíduos da fala. do sujeito, da pslcologlo ._ p_.!ndwf.
quimla ao mesmo tempo que redigia os seus Principio. O fun- duo é expulso da perspectiva c ientífica saussurlana. vitima de
dador da mecânica clóssica e da racionalidade ocidental uma ..N_dUÇãO fÔrmalista o ~ de não ter.nrnals -~ gar. - -
estava também empenhado na descoberta da pedra filosofal. Essa negação do homem, 16 ângulo morto do horizonte saus-
Haveria, portanto. naquele que Louis-Jean Calvet chamou o se- 1urla no, também vol passar a ser um e lemento essencial do
gundo Saussure22, a Idéia da existência de uma linguagem sob paradigma estruturalista. para além do campo lingüístico. Ela le·
o linguagem. de uma codificação consciente ou Inconsciente vo ao paroxismo um formalismo que. depois de já se te r esva -
das palavras sob as palavras, uma busca de estruturas latentes, tlodo de sentido, exclui também o locutor para culminar numa
dos quais não existe o menor traço no CLG, no Saussure oficial, 1lluoção em que •tudo se passa como se ninguém falasse" 26,. O
ajardinado. Saussure chegou mesmo a ser convocado em 1898 r,roço o pagar pelo lingüística moderno para impor-se é. como
por um professor de psicologia de Genebra. Aeury, para examl· 11 vê . multo pesado, po, ;G'as negaçõês'de prin cípio e por suas
nar o coso de glossolalio de Mlle. Smith que, sob hipnose, e o nseq üênclo~ as tamj:>Jám_oesse c ~ lo asingulÕrld~ de
declarava fala r sânscrito. Saussure, professor de sânscrito, dedu· !loussurecl e~ seu elacio!J..<.:ldg_ com a tradlçã; dos comparatis·
zlu que "não era sânscrito. mos que nado havia que fosse con- tas alemães do século XIX: estes buscavam as verdadeiras estru-
tra o sânscrlto· 23 • turas no língua7onslderondo que o atividade do fala destruía
Todos esses cadernos foram cuidadosamente mantidos em o estrutura lingüística. Portanto. essa corrente 16 considerava in-
segredo pela família e somente em 1964 pôde Jean Staroblns- dlspensóvel reconstituir uma estrutura da língua, que se encon-
ki publicar parcialmente esses anogromas24 . Pod er-se-ó então t rava exterior ao que se lhe fazia. Também nesse plano Saus-
Inaugu rar uma nova direção nas Investigações. apoiando-se 1111re teria opeQas,_em YLtJm.Q.. lnstância, _slstê ~ds> olgo:.que
nessa descoberto. em meados dos anos 60, com destaque pa· lho _P.reexlstia.
ro Julia Krlsteva. Pode.:se....lalar. CQ.!!1....Jakobson, da "segunda Su~ nten didos nessa oposição língua/ fala. há para Oswald
revolução saussurlana•, PO.!..,.Tulto tef!!QO rer:,rl'!:1@_g. l>ucrot dois planos confundidos por Saussure "e que seria inferes.
1unle distinguir bem, que foi o que procurei fazerwi7• A oposição
1/ngua/fola pode ser considerada. em primeiro lugar/ como a
cllsllnção entre o dado - o fala - e o construído - a língua. Es-
10 distinção metodológica ou epistemológica é Indispensável e
11ompre válida; ela é, Inclusive. o condição da postura científica.
rnos não pressupõe a segunda oposição formulada por Saussu-
" . e ssa contestóvel. entre um sistema llngüístlco abstrato. do
qual o sujeito foi suprimido, e a atividade da fala, entre um có-
O SUJ EITO AUS ENTE d igo objetivo e a utilização desse código pelos sujeitos. Mas
poro toda a corrente soussuriana dos anos 60, a confusão en-
lr o e sses dois níveis será maciçamente retomada e produzirá
11 m as da morte do homem, do anti-humanismo teórico. Levará
E sta segunda filiação permitirá o retorno ao sujeito. Contu-
do, este é explicitamente reduzido à Insignificância, senão
ao silêncio. pelo CLG com a distinção essencial que Saussure
110 seu paroxismo a esperança científica, finalmente d e semba·
roçado do sujeito da enunciação.
estabelece entre linguagem e fala. Essa oposição encobre a
distinção entre social e Individual. concreto e abstrato, contin·
gente e necessário; por essa razão, a ciência lingüística deve

?? 1 . ,J CALVET. Pour el contre sau..ure, op. clf., 1975.


• • • - - _ u - *"
8. O HOMEM-ORQUESTRA:
ROMAN JAKOBSON

O êxito do estruturalismo na França é, entre outros fatores,


o resultado de um encontro particula rmente fecundo
o m 1942. em Novo York, entre Claude Lévl-Strauss e Roman Ja-
ko bso;;': Nascida com base num mal-entendido. essa amizade
vol produzir seu móxlmo brilho na unidade de suas obras res-
p oc tivas, as quais pertencem ao mesmo movimento de pensa-
1r1onto e de método. Se Jakobson se deixa enganar quando
vO e m Lévl-Strauss aquele com quem vai poder beber a noite
In teira. em contrapartida. a cumplicidade de ambos nunca se-
tt'• desmentida. No entardecer da vida. Roman Jakobson envia
11ma separata de um artigo ao seu amigo com a dedicatória:
"A meu irmão Claude". Por um lado, Lévi-Strauss adota o mode-
lo fonoló_ g ic~ e~ ..91!,_e: ! ~ ! i _o. lniçi~ p ô r Õüíio,Jakobson
("Jbre a lingüística para a antropologia.
No capítulo em - forma deprÕgrama "Le langage commum
cJes linguistes et des anthropologues"1. Jakobson destaca o pa-
p e l da teoria matemática da comunicação e da teoria da
Informação nos p rogressos da lingüística desde Saussure e Pler-
c e. seu contemporâneo. Cumpre. portanto. abrir resolutamente
o lingüística ao campo da significação. pôr fim ao Jogo de es-
c o nde-esconde entre signo e significação: "Estamos diante da
lo refa de Incorporar as significações lingüísticos à ciência da
llnguagem"2 • Um vasto programa comum de pesquisas abre-se.
pois, tanto para o lingüista quanto para o antropólogo na co-
m utação dos códigos de uma língua para outro, o que é pos-
sibilitado pela isomorfia de suas estruturas internos. A mesma
vontade de universal reencontro-se em Jakobson e em Lévi-
Slrouss: "Chegou o momento de enfrentar o questão das leis
universais do linguagem"3 • Percebe-se aí a mesmo vontade de
ancoragem na modernidade dos ciências exatas. Jakobson
c o mpara os desenvolvimentos recentes da lingüística geral, sua
passagem do enfoque genético à abordagem descritiva, à
tra nsformação da mecânica clóssica em mecânica quântica:
'A lingüística estrutural. à semelhança da mecânica quântica,
perde em determinismo temporal o que ganha em determinis-
m o mórflco"4 •
Essa abertura para a antropologia em Jakobson não data,
porém, do seu encontro com Lévi-Strauss. É-lhe anterior na me-
d ida em que Jakobson situa-se na dupla filiação da lingüística
e uropéia e dos aquisições de uma lingüística norte-americana,
b aseada no trabalho dos antropólogos: a partir das línguas

l . íl. JAK08SON. toxto conclusivo do Conferêncio de Antrop6logos o Lingüistas


,eallza do no Unlversldode de- Indiano em 1952, Essals de 1/ngulsfique générale.
l'olnta-Soull. 1970 (1963. Minui t).
, . /b., p , 42 .
H/Sr RIA DO ES Tl?UTURALISM O 8. O HO MLM Of1QUl:S1RA : 1/0 MAN JA KOBSON

~~b~~n~:C',;.~, :.~:v';;, ~~~~E~~~~~;!ºN~1~19:,~~~~~;:~~: ~


ameríndias, da etnollngüístlca: Saplr, Boas... Por caminhos dife- 1
rentes dos de Saussure, essa tradição também enfatizou a pre-
valência do descritivo das línguas e da comprovação de sua (lue lhe fala dos trabalhos franceses da Escola de Meillet.
estrutura interna. Cumpria encontrar, com efeito, a coerência Segundo Antoine Melllet, Troubetzkoy era o líder obstinado da
dessas línguas ameríndias o mais depressa possível, na medida llngüístlca moderna. Ele estará na origem da renovação decisi-
em que estavam ameaçadas de desaparecer com grande ra~ vo da llngüísttca. graças à fonologia. Uma grande amizade iró
pldez.
llgó-lo a Jakobson, sobretudo depois de 1920 e até sua morte
Mas antes de se Integrar à vida americana, Roman Jakobson om 1938, ao ponto de Jakobson dizer que jó não sabia multo
teve um percurso surpreendente. Verdadeiro globe-trotter do es- bem o que era seu e o que pertencia ao seu amigo, tão nu-
truturalismo, ele deve sua posição central e sua influência a um merosas e fecundas eram suas conversos e contribuições recí-
percurso que o levou de Moscou a Nova York, passando por p ro cas. "Era uma cooperação espantosa. tínhamos necessidade
Praga, Copenhague, Oslo, Estocolmo e Upsala, sem contar com um do outro" 7 • Lê Husserl, os Logische Untersuchungen [Investiga-
as viagens muito freqüentes a Paris. Reconstituir o seu ltinerório ç ões Lógicos], •que tiveram talvez a maior influência sobre os
equivale a seguir as voltas e desvios do paradigma estruturalis- meus trabalhos teórlcos" 8 . No começo de 1917, participa na
ta nascente, em sua escala internacional. c riação em São Petersburgo do Opoyaz; este círculo de São
Petersburgo é uma sociedade J:)aro o estudo da linguagem
poética. Ele desenvolve ainda os relações entre teoria, poética
o prática. num ambiente de poetas (Eikhenbaum, Poltvonov, Ya -
koublnskl e Chklovskl): "O aspecto lingüístico do poesia foi deli-
beradamente enfatizado em todos esses empreendlmentos" 9 •
Jakobson defende então a idéia do Imanência do estudo
do texto literário, de sua coerência interna. que foz dele um to-
O CÍRCULO LINGÜÍSTICO DE MOSCOU do superior à soma de partes. Jakobson. que quer assim conse-
g uir a junção entre criação e ciência, graças à lingüística,

·p ersonalidade extremamente receptiva a tudo o que se


relaciona com a modernidade, tanto em arte quanto em
espero obter o acesso desta último ao estóglo de ciência no-
m otétlca. A linguagem poético lhe oferece uma boa base de
p artido pelo seu caróter fundamentalmente outotélico. o que a
ciência, Jakobson nasceu a 11 de outubro de 1896 em Mos- d istingue do linguagem cotidiana determinada por elementos
cou. Seu interesse recai desde muito cedo sobre os contos que exteriores à suo lógica própria, logo, excessivamente marcado
ele devora sofregamente, pois é Jó um "leitor furloso" 5 aos seis de heterotellsmo. Essa postura formalista não se coaduna com
anos de idade! Também aprende desde muito jovem as línguas o manto de chumbo stallnlsta que se abateu sobre · a Rússia
estrangeiras, o francês, o alemão, descobre a poesia: Puchkin, dos anos 20 e 30.
Verlaine, depois Mallarmé aos 12 anos! Em 1912, é o choque:
adere a uma nova corrente particularmente criadora: a cqrren-
te futurista. Lê os poemas de Velimlr Khlebnikov. depois os de
Vladimir Maiakowski, de quem se tornaró amigo, bem como do
pintor Kazlmir Malevltch: "Cresci num ambiente de plntores" 6 • Ja-
kobson tem pois em comum com Lévi-Strauss essa proximidade
com a pintura que, para ele, encarna a cultura criativa no que
ela tem de mais intenso.
Em 1915, Jakobson toma a Iniciativa da criação do Círculo
O CÍRCULO DE PRAGA
Lingüístico de Moscou, que se impõe como tarefa promover a
lingüística e a poética. A primeira sessão do Círculo tem lugar
na sala de jantar da residência dos pais de Jakobson. Mas o
fato de animar um Círculo em plena guerra sob o regime cza -
A o contrário do seu amigo E. Polivanov, que fica na Rús-
sia, Jakobson deixa o seu país e vai paro o Tchecoslo-
váquia, no começo como Intérprete da missão da Cruz
rista é perigoso, e ele . seró rapidamente colocado na depen- Vermelha soviético em Praga. "Foi, portanto, um acidente da
dência do Comitê de Dialetologia da Academia das Ciências. história que propiciou o desenvolvimento do estruturalismo no
E~e Impulso dado .?..° estudo Un.9üístlc.9 p rové~ portanto, quan- ocldente." 1º Com efeito, teria podido desenvolver-se no União
to a Jakobson, essencialmente. dos meios formaTisfus e r ufuristas.
~ fillg_ç,9~ssuriana~ 1s tarde, pois Jakobson só des- 7. R. JAKOBSON. em Arch/ves ciu xxe slec/e, de J .•J. Marchand, entrevistos _de1?
d e fe vereiro de 1972, 2 de janeiro de 1973. 14 de setembro de 1974. red1stnbu1·
960, Lo Sept. outubro de 1990.
8 . lb.. p . 16. .
5. R. Jokobson, entrevisto realizada por T. Todorov. Poétlque. nº 57. fevereiro de 9. R. JAKOBSON, pref6c lo poro T. TOOOROV. Théorle de lo 1/fférature, l e Seud,
1984. p. 4.
lOM ..., O
fl!STÓl?IA DO ESfRUTURALISMO 8 O 1/0 M LM OflOUCSlfM ROMAN JAl<08SON

Soviética, e os soviéticos teriam podido, portanto. encontrar-se p rlo slgno" 1' . o Círc ulo de Praga pretende essencialmente con-
na vanguarda das investigações lingüísticos. É certo que linguis- 1ugrar-se ao estudo, até então negligenciado, da linguagem
tas como E. Pollvanov optaram por ficar na Rússia. mas serão poóllc o.
rapidamente liquidados. eles e suas obras, pelas autoridades so- Pro fessor na Universidade de Brno até 1939, Jakobson, en-
viéticas. Essa repressão prova. aliás. a contrario, os limites das quanto vice -presidente do Círculo, vai contribuir paro a difusão
teses formalistas: ela põe de manifesto o compromisso político 110 programa estruturalista no ocidente e, especialmente, graças
da escritura e contradiz, de fato, o postulado formalista segun- no I Congresso de lingüístico Geral em Haia, de 10 a 15 de
do o qual a literatura não tem outra finalidade senão ela pró- ubrl de 1928. O Círculo de Praga chega a esse congresso com
pria, para além de todo o contexto histórico. Jakobson é 1 sos modernistas prévio e cuidadosamente preparadas. Assim,
nomeado adido cultural soviético na embaixada de Praga, gra- os dois primeiros dias serão consagrados. sob o seu impulso, a
ças ao embaixador Antonov. que tomara de assalto o Palácio questões de ordem teórico: "Pela primeiro vez, empregamos a
de Inverno em outubro de 1917. sob a direção de Trotsky, cri- oxpressão lingüístico estrutural e funcional. Apresentamos a ques-
me suficiente poro também ser liquidado pouco depois: "Anto- tOo da estrutura como central, sem a qual nada pode ser tra-
nov foi chamado a Moscou com todo o pessoal da embai- tado em llngüístlca" 15• Jokobson teró também excelentes rela -
xada, que será fuzilado de A a Z, incluindo os moços de ções com o Círculo de Copenhague, criado em 1939 por L~uls
recados do escritório e a faxinelra" 11 • f rolle Hjelmslev e Viggo Brondol. ambos convidados a realtzar
Jakobson entedia-se em Praga. Orienta-se, então, para o fre- c o nferências perante o Círculo de Praga. Reencontramos Ja-
qüente convívio com poetas tchecos e, em seus encontros. tra- kobson , além disso, c o laborando na revista do Círculo de
duz paro o tcheco os poetas russos, pois na é poca a cultura Copenhague, Acto Lingulstlca, apesar das divergências, em es-
russa ainda não era a de um país irmão. Foi nessa leitura em pecial com Hjelmslev que. segundo Jakobson. quer Ir l~nge
tcheco de Gorki. de Malakovskl. ... nos traduções Improvisadas <Jamais em sua vontade de eliminar toda a substôncla fónico e
que davam lugar a discussões acaloradas, que Jokobson des- aomântica do estudo da língua.
cobriu de súbito •essa diferença de.-.musical!g_ade entre ã's""Ctuas Mas a colaboração dos Círculos de Praga e de Copenha -
línguas. a diferençã de tooalldade entre o cuss.o....e...o tc..b.e.co, gue vai abortar, uma vez mais por razões históricas, com a
duas línguas multo p róximas por suas raízes e bases lexicais mas invasão da Tchecoslovóquia pelas tropas nazistas em 1939. Ja-
com preferências fon ológicas muito dlv.e rsg_s, ainda que bÕstãn- kobson foge paro a Dinamarca, depois para a Noruega e Sué-
te próximas para que- se perceba ser preciso multo pouco para ci a. Mas os tropas nazistas avançam Implacavelmente na
que a diferença pertinente mude" 12• direção oeste e Jakobson deve abandonar a Europa para en-
A fonologia estrutural nasceu assim d essa interação entre lín- contrar refúgio em 1941 em Nova York, na Escola Livre de Altos
guas naturais, línguas culturais e língua poética. Jokobson reen- estudos. Ora, paralelament~ constituíra -se .em 1934_um ~ ulo
contra -se também com o príncipe russo Nicolal Troube tzkoy, o llng_üísflc ó d e:},çva .Y_otl<. Portanto, ele desembar~ou em terras
quem conhecia desde 1915 e que se re fugiara em Viena, fu - receptivos às suas teses e o revista com que o Circulo se dotou
gindo da revolução bolchevique. Em 16 de outubro de 1926. o m 1945. Word, conta com Jakobson entre os membros do seu
por Iniciativa dos tchecos Vilém Matheslus. Makorovsky e J. Va - comitê de redaçóo. o primeiro número é, aliás, uma s ondensa-
chek. e dos russos Nicolal Troubetzkoy, Roman Jakobson e Serge çõo do programa estruturolista, pois trata das apl~caç ões da
Karcevskl. é fundado o Círculo Lingüístico de Praga. Do í sairão, anólise estrutural em lingüística e em antropologia. E como
o partir de 1929, os trabalhos que definirão um programo expll· Word se propõe a consolidar "a cooperação entre lingüistas
cltamente estruturallsta: "Ele próprio (o Círculo] deu-se o nome americanos e europeus de div ersas e scolas" 10 • ter -se -á com -
de estruturalismo. sendo seu conceito fundamental a estrutura, preendido que, uma v ez mais, Jokobson se encontra entre os
concebida como um todo dinômico" 13 • O Círculo de Praga si- m ais bem situados para obter ê xito num tal e mpreendimento.
tua_§eus trabalhos na filiação saussuriana. b""';m c omo na ru:> for- o momento mais fecundo e fundamental é em Praga nos
ma.Jl_smq_ ru~ de Husserl, _da Gesf'!_lf, e é ~ Õbelece, p ~ outro décadas de 1920-1930. Ora. o Cjr.culo de Pra.ga....QO mesmo
lado. vínculos com o Círculo de Viena. "As te ses de 1929" do tempo que situo suas tesesnÜmQ R_erspes!!Va SaJJ~UrtOA<Y.tOm·
Círculo deF¼Ôga vão ter valor depro g rama para várias gera- bém mantém uma·· certa distância de Saussure _em. diw sos
ções de lingüistas. Elas definem uma rigorosa distinção entre a pon tÕs e ssenc iais. Em primeiro lugar, o Círculo de Praga definiu
linguagem interna e a linguagem manifesta: "Em seu papel so- a sua - concepção da língua como um sistema funcional. Ora.
cial, cumpre distinguir a linguagem segundo a relação existente "o adjetivo funcional introduz uma teleologia que lhe é (a Saus-
17
entre ela e a realidade extralingüística. Ela tem ora uma função sure] estranho. mais inspirada nas funções de Bühler" • Por outro
de comunicação, ou seja, que está d irigido para o significado, la do. as teses de Praga também divergem do corte soussuriano
oro uma função poético. isto é, que está dirigida para o pró- d iacronia/sincronia, recusando-se a aceitar essa cesura como

14 'les rh•se• de 1929". pu~icodos p or Cho nge. l e Seull, 1969, P 31.


1 1. Jean-Pierre Foye, ent revisto c om o autor.
12. /b.
•m
1 õ rt. JA KO BSON. Archlv•s d v xxe s/ec/e. J ..J Morc hond, op. c/1.
H~AN ÇOIS oosse 1 OS ANOS C N
H
- -,S-TÓ
~R- 1-A DO ESTRUTURALISMO 8 . O HOM EM ORQUESTRA : ROM A N JAK OBSON

uma barreira Intransponível. Jakobson recusa po1 diversos vezes c lóncla na seleção ). o contexto constitui um fator indispensável
essa linha dlvlsó1la e prefere-lhe a noção de sincronia dinâmica: o decisivo. / .. ./ Quanto mais suas palavras dependem do con-
"Sincrónico não é Igual a estátlco" 18 . Mais do que um modelo t oxto. melhor se so l de suo tarefo verbal. / .. ./ Assim, é somente
lingüístico. o que vai constituir o núcleo racional do estruturalls- o armação, os elos de conexão do comunicação, que estão
mo. o modelo dos modelos, é a fonologia estrutural. sa lva guardados nesse .tipo de afasla ."2º Esse tipo de afasia
Em Praga. o melhor especiallsta nesse estrito domínio fonoló- opõe-se àquele em que o doente sofre, pelo contrário, de uma
gico é Nicolal Troubetzkoy, que escreve o que virá a tornar-se deficiência quanto ao contexto, de distúrbio de contigüidade, o
um clássico: os Príncipes de phonologie (1939). Ele define ai o q ue redunda em agramatismo ou caos verbal. Jakobson vincu-
fonema por seu lugar no sistema fonológico; o método consiste la o s dois fenômenos às duas grandes figuras de retórica que
em identificar os oposições tônicas, levando-se em conta qua- sõo a metáfora, impossibilitada no primeiro caso de afasia, ou
tro traços distintivos que são a nasalidade, o ponto de articula- seja. no caso de perturbação da similaridade, e a metonímia,
ção. a labialidade e a abertura. Reencontra -se aí o princípio q ue se torna Impossível no caso de perturbação de contigüidade.
saussu1lano da diferença pertinente, da investigação de unida- Jacques Locan. que se encontra com Jakobson em 1950, e
des mínimas de pertinência: neste coso, o fonema. O distancia- q ue virá o ser seu íntimo, retomará essa distinção deslocando-a,
mento do referente próprio de Saussure é 1etomado, assim no c ampo freudiano, para as noções de condensação e de
como essa investigação das leis intemas do código do língua. deslocamento, a fim de explicar o modo d e funcionamento do
A fonologia mantém-se à margem de toda o - reolkrode-exi.ralln- Inconsciente. "A fonologia serviu de modelo para os d isciplinas
_qg_í~tlca. EssÕ-d êscrlç é:Ío cto' m ~ t~rial sonoro que a fonol~gia quer que se relacionam com a linguagem, aquelas tantas disciplinas
realizar vai redundar, em Jokobson. num quadro em que ele que possuíam uma formalização bostante débil. A fono logia
reúne todos os traços pertinentes a pa(tir de doze oposições bi- apresentava-lhes um sistema de formalização por pares, por
nários. as quais se supõe explicarem todos as oposições em o posições. simultaneamente simples e sedut or, porquanto expor-
todas os línguas do mundo, portanto. realizarem o sonho de táv el. A fonologia é o elemento transportador do estruturolls-
universalidade que anima a corrente estruturalista 19• mo."21 Entretanto, esse modelo aperfeiçoado no final dos anos
Tai como a linguagem formal matemática. o código fonemá- 20 só conhecerá suo verdadeira expansão a partir do pós-Se-
tlc o também é, para Jakobson, binário desde o mais tenro gu nda Guerra Mundial; e é necessário esperar o final ?º
Infância. O blnari,smo está no âmago do sistema fonológico. on- década de 60 na França para assistir à sua institucionallzaçao.
de se re e ncontrb o pensamento dicotômico de Ferdinand de Para compreender essa defasagem, cumpre considerar a situa-
Saussure. Ao dualismo do signo entre significante e significado, ç ão da lingüística na França nos anos 50.
entre o sensível e o Inteligível, responde a binaridade do siste-
ma fonológico.

A ABERTURA PARA A PSICANÁLISE

j okobson vai permitir, por exemplo, a ampliação do cam -


po de difusão do modelo fonológico à psicanálise, gra-
ças aos estudos sobre a afasia. Com efeito, ele distingue nesse
distúrbio da linguagem dois tipos de alteração que permitem
L
reconst ituir os mecanismos de aquisição da linguagem, portan-
to. de suas leis próprias, e extrair ensinamentos clínicos sobre
dois tipos de disfunção.- Opõe a combinação dos signos entre
~les e o seleção, que é a possibilidade de substituir um dos ter-
mos pelo outro. Retoma assim a oposição saussuriana entre sin-
tagma e associação . "Poro os afásicos do primeiro tipo (de fi -

18 . R. JA K08SOI\I. Essals d e llnaulstlaue oéoéro/e, Le Seuil. 1963, pp. 35-36. ~ ILJAK08SON, ·eeux ospec:1$ du longoge e t deu x types d'ophosle" (1956), e m
9. UMA CIÊNCIA-PILOTO SEM AVIÃO:
A LINGÜÍSTICA

N a França, a efervescência lingüí~ca t_?!, ~ om.z ~ e mani-


festa !"'Q.J:uropa nQ!/. anos. 30 não tardou., em conhecer
prolongame,:ito~ mas uma dlsto1ção vafê a üsõr p roblemãs. A
le ntidão institucional ~-~ I flear a Implantação unlversltórlo 'da lin-
güística moderna: esta vai sitiar a fortaleza da Sorbonne mos
sem êxito. Será necessária uma verda.deira estratégia de assédio
para lograr uma vitória difícil diante das posições bem estabe-
le cid as do mandarlnato acadêmico.
O melo dos lingüistas franceses, dominado pela personalida-
de de Antoine Meillet, e dispondo de uma sociedade de lin-
güística e de um Bufletin dessa sociedade, mantém-se ao
corrente da revolução em curso; mas se a Informação passa,
e la permanece um pouco distante das preocupações de inves-
tiga dores fundamentalmente marcados por sua função clássica
e pelo peso das t radições greco-latinas. A modernidade dos
métodos estruturais tem, portanto, dificuldade em penetrar pro-
fund amente num melo não obstante aberto e que conta -
com Antoine Meillet, Grommont ou Vendryàs - com discípulos
de Saussure, mais influenciados, porém, pelo Saussure compara-
lista do final do século XIX do que pelo Saussu,e do CLG.
Quanto à universidade, está completamente divorciado des-
sas preocupações, e o seu sono prolongar -se -á por multo
tempo, apesar dos repetidos safanões. O que caracterizava a
lingüística na França nos anos 30 já corresponde bastante bem
ao que vai fazer desmoronar o edifício em 1968: é a centrali-
dade. Nesse domínio, a autoridade de Antoine Meillet parece
ter sido absoluta. O c lassicismo das formações, logo, das orien-
tações, preponderou na época, salvo raras exceções. t-Jo essen-
cial, os lingüistas eram professores de gramática, portanto,
defensores de uma lingüística multo tradicional. Hó, sen:i dúvida,
casos atípicos, como o de Gulllaume, que vai ,eagrupar à sua
volta numerosos discípulos nesse enclave da modernidade que
é a Éco/e des Hautes Éfudes: "O caso de Guillaume é interes-
sante. Era bancário. Meditara solitariomente sobre os problemas
lingüísticos. Melllet fac ilitou sua nomeação como encarregado
de conferências em 1919-20 nos Hautes Études" 1• Há também o
trabalho muito inovador de Georges Gougenheim, publicado
e m 1939, Systàme grammatical de lo langue française. Mas os
que seguem o curso clássico de agregação têm, então, todas
as possibilidades de passar à margem do fenômeno estruturalis-
la, nascente em lingüística.
Se a modernidade tem dificuldade em impor-se· antes da
guerra, o que se passo nos anos 50? Verifica-se que o atraso
do França acentua-se, que o abismo ent,e a Sorbonne e ai-

L A. MARTINET. "m LonouQ fcancolsa. n° 63. enlrQvíslo com J. -C . ChQVOller " P.


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9 UMA Cl/'NCI/\ /li/ 0/0 SLM AVIAO: A LINO VISIIC'A

guns lugares onde se promove o pesquiso em linguístico conti- 110 o mais jovom assiStente da Sorbonne. graças a Antolno. doa
nua total. Quanto àquele que terlo podido dinamizar a paisa- d e 1954. Quanto a Bernard Pottler. é nomeado mestre de con
gem. André Mortlnet, encontro-se nos Estados Unidos, de onde fo rê nclas em Bordéus em 1954, Jean Perrot vai lecionar e m 81
só regressará em 1955. Por outro lodo, o desaparecimento de Montpellier. Antoine Culloll e Jean Dubols Ingressam no CNRS ..
Antoine Meillet em 1936. o morte de Edouard Pichon em 1940. André Martlnet regresso dos Estados Unidos e substitui Mlchel Le-
acentuam a defasagem do França em relação ao resto da Eu- loune na Sorbonne. Mas a diplomação em Lingüística Geral. do
ropa e aos Estados Unidos. Se o Ingresso de R. L. Wagner na q ual é encarregado. só Intervém como opção para o quarto
Sorbonne represento uma esperança de renovação, ela será lo- d iploma de licenciatura em línguas estrangeiras.
go cerceada pela cátedra que ele ocupa, a de francês
arcaico. R. L. Wagner deplora essa situação: "É evidentemente
anormal que a França seja, na Europa, o pais onde os estudos
de lingüístiça francesa têm menos êxito entre aqueles cuja fun-
ção é e será ensinar francês"2 • Há, não obstante, alguns cientis-
tas, aqui ou ali, que representam pólos de renovação, ainda
muito isolados. É o caso de Marcel Cohen, que ensina etíope
no lnstitut des Longues Orientoles e na École des Hautes Études: A PERIFERIA SITIA O CENTRO
"Desde antes de 1950, Marcel Cohen é o lingüista mais sensível
às novidades / .. ./. Ele foi para mim um guia multo importante e
muito incentlvador"3 • sopro de novidade, na ausência d e Paris, vai chegar
11
A maior parte daqueles que conseguirão Impor a mudança
no final dos anos 60 está. desde esse momento, em pleno for-
O da província, e a campanha sitiará progressivamente a
Sorbonne, pedra angular do edifício universitário francês. A ad-
mação. Ora. quanto ao essencial, eles saíram de fileiras muito ministração desempenhou. aliás, um papel dinamizador nessa
clássicas. Hó sobretudo os afrancesantes, professores de gramá- estratégia de conquista, pois foi o próprio diretor do Ensino Su-
tica como Jean-Claude Chevalier, Jean Dubols ou Michel Arrivé. perior, Gaston Berger, quem criou, em 1955-1956, os primeiros
Para eles, o encontro com o lingüística moderna foi tardio, pois c entros de pesquisas lingüísticos no Interior da Universidade.
sua formação a Ignorava soberanamente. Professor de gramáti- Em Estrasburgo. Gaston Berger cria o centro de filologia neo-
ca em 1945, Jean Dubois só em 1958 ouviu falar de Saussurel latina, onde lmbs e depois Georges Straka multiplicam os coló-
Acompanho, entretanto. os cursos de filologia , mas a llngüístlca quios Internacionais que permitem aos lingüistas franceses pôr-se
geral estava totalmente ausente deles: ·os clássicos, como eu. em dia com as pesquisas mais modernas e ficar conhecendo,
aprovados para o ensino de gramática. podiam perfeitamente pelo' publicação das atas desses colóquios. o estado mais re-
não saber o que era a lingüístlca" 4 • cente da Investigação. Uma verdadeira comunidade lnternaclo-
Em contrapartida, os não-afrancesantes. mais afastados do nal reencontra-se, pois. em Estrasburgo. em torno dos Investiga-
classicismo, desfrutaram de mais oportunidades para descobrir a d ores do centro. o partir de 1956. sobre o temo das 'ten-
llngülstlca moderna. fosse no Co//àge de Franca, no École des dências atuais da lingüística estrutural", com , Georges
Houtes Études ou no lnstitut de Unguistlque. Foi' o caso de Ber- Gougenhelm, Louis HJelmslev, André Marttnet, Knud Togeby...
nard Pottier ou de Antoine Culioll. É, portanto, nesses enclaves o diretor, Gaston Berger, cria também nesse ambiente dos
marginalizados em relação ao dispositivo universitário que vão anos 50 um centro de lexicologia em Besançon, onde se en-
ser lançadas as fundações da revolução vindoura: "Desde o co- contra desde 1950 o lexicólogo Bernard Quémada. Este último
meço. eu tinha vontade de ser lingüista ... Comecei com a vai fazer de Besonçon um centro particularmente dinâmico. Su-
fonética experimental, com Fouché na Sorbonne. Foi sobretudo pera a especialidade lexlcológlca ao c riar um centro de apren-
nos Hautes Études que me formei: freqüentei os cursos em 1944 dizagem de línguas, depois um centro de lingüística aplicada
e nos anos seguintes, e, de maneira Irregular, até l 955"s. Mos se que reúne •até 2.200 estagiários no verão, freqüentemente por
Bernard Pottter participa desde cedo nas atividades e publica- um período de oito semanas"6. Esse centro de formação permi-
ções lingüísticos, foi como hispanizante que ele p ôde abrir-se te não só difundir os novos métodos mas obter créditos suple-
para esse novo campo. Quanto o Antoine Culloll, foi como an- mentares e. portanto, multlplicar as mesas-redondas. Bernard
gliclsta, à semelhança de André Martlnet, que se tornou lingüista. Quémado convida para Besançon toda a jovem geração de
Em meados dos anos 50, uma jovem geração de lingüistas lingüistas: Henri Mitterand torna-se seu assistente. e chegam ao
começa. pois, o Instalar-se no campo universitário, mas ainda centro Algirdas-Jullen Grelmas. Jean Oubois, Henri Meschonnlc.
na periferia. se excetuarmos Jean-Claude Chevaller, que se tor- Gullbert Wagner, Roland Barthes no momento da publicação
de Mythologles. Essa atividade Intenso é lgncicda. evidentemen-
2. A. l. WAGNER. prefócio de /ntroductfon 6 la HngulsffQue fronçcise. 1947, cilado te, pela Sorbonne, mas começa a fazer-se conhecer mediante
por J .-C . Chevalier e P. Encrevé, op. clt. suas publicações. Quémada assume a direção em Besançon
3 . B. QUlMAOA. enlrevlsla com J.·C. Chevalier e P. Encrevé. op. c/f.
4. Michel Arrlvé. enlrevlslo com o oulor.
5 . B. POTTIEA. enlrevisla com J.-C. Chevalier e P. Encrevé. oo, clf
-,...,...-- - - - - - - - - - - - : --r'"""""V'""".-O'CT:lr:JI'""- - - - - - - - - - ,
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 9. UMA C~fNCIA, PILOTO SEM AVl1'0: A L/NG0fSTICA

dos Cahiers de lexlcologíe. em 1959, com uma tiragem de 1.500 dlolo e espetacular: "Lembro-me de conversas com R. ~arthes
exemplares. Essa revista periódica jó se dirige a um vasto públi- nos onos 50. quando ele dizia que era absolutamente 1mpres-
co: "A minha convicção era que a lexicologia era uma disci- < lndfvel ler Saussure" 11 •
plina-encruzilhada que, embora se revestindo de algum Interesse
para os lingüistas. Interessava muito mais a outros domínios. aos
homens de le tras, historiadores, filósofos, milltares ...•7•
Bernard Quémada, tal entoso chefe de empresa da lingüística
estrutural, lança uma outra revista a partir de suas atividades
em Besançon em 1960, com os ttudes de linguistíque app/i-
quée. também com uma tiragem de l .500 exemplares e com
o apoio de um editor nacional. Didier. A Idéia de Gaston Ber-
ger de contornar a Sorbonne - que tinha recusado a criação A BRECHA NA FRANÇA: ANDRÉ MARTINET
desses centros de pesquisa - prossegue seu caminho e permite
ao jovem assistente Jean-Claude Chevalier quebrar o seu isola-
mento na vetusta Sorbonne ao participar nos múltiplos grupos ma personalidade domina. porém. a lingüística no Fran-
de trabalho que se ccnstltuem. Ele reencontra no CEílM os lin-
güistas filiados ao PCF - Jean Dubols, Henri Mitterand, Antoine
U ça nos anos 50: é André Martinet. ainda que se encon-
tre nos Estados Unidos até 1955. Professor de gramática, vai
Culioll - e multiplica suas viagens a Besançon: "Todos se reen- beneficiar-se multo cedo, desde 1928, de uma Interessante pro-
contravam ló durante as férias, Borthes, Dubols, Greimas, e era posta de Vendryes, que é garantir a tradução ~e Longuo_ge,
ló que se tinha notícias dos primos da Amérlca" 8 • de Otto Jespersen. Essa tradução põe-no a caminho da Dina-
Se uma certa efervescência atinge o melo dos lingülstas, os marca onde se encontra com Jespersen e HJelmslev. Publica o
métodos estruturais vão ter mais dificuldades ainda no melo lite- seu primeiro artigo em 1933 no Bulletln de lo socíété de llng_ul~-
rório. cujos representantes estão no centro do dispositivo dos tlq ue e já In ovo no plano do que vlró o ser o sua espec1oh·
humanidades clássicas e poro quem toda evocação de ordem dode: 0 fonologia. Ê publicado pelos Travoux du Cercle 1/nguls-
lógico ou científico é profundamente Incongruente no campo li· tlque de Progue em 1936 e co laboro com Trou_b etzkoy.
terário: "Pode-se dizer que, paradoxalmente, é a supervolorlzo- Portanto. Martinet participa ativamente nessa renovaçoo d<:1 l~n-
ção slstemótlco do literatura, objeto prlvllegiado do ensino güístico européia dos anos 30, o que lhe vale o suo ele1çoo
secundório e universitário e unicamente ensinada enquanto his- em 1937 para uma nova cótedro de fonologia criada paro ele
tória literário. que impediu antes de 1955-1960 o renovação de no Éco/e des Houtes Études.
uma verdadeiro reflexão teórica"9. A guerra. e ntretanto. vai conduzi-lo ao exílio. não em 1941
É certo que também aí. no domínio da anóllse do texto lite- c omo Jakobson, mas em 19461 Foi paradoxalmente a Liberta-
rário, vamos encontrar alguns Inovadores Isolados, como P. Gul- ç ão que o forçou a partir. não que ele tlvess1: fosse o ~ue
roud, que participo no Colóquio qe Uêge em 1960 sobre a lite- fosse a reprochor-se - foi até prisioneiro dos a lemaes; mas tinha
ratura moderna. com uma comunicação que se Intitulo "Para c asado com uma sueco que, elo sim, tinha colaborado com
uma semiologia do expretsão poética•. Léo Spitzer, que partici- os alemães, obrigando assim André Martinet a abandonar suas
pa nesse colóquio, distingue trlt razões paro o atraso francês: o raízes tanto familiares quanto nacionais. Foi o exilado_ Jakobson
encerramento das universidades francesas dentro das fronteiras quem O acolheu em Nova York. Mortinet ossu~e entoo respon-
do país, o que os montinha no desconhecimento dos trabalhos sabllidad es particularmente importantes. o d11,eç~JO do maior
dos formalistas russos, dos da nova critica onglo-soxônlca, assim revista de lingüística dos Estados Unidos: Word. orgoo do. Centro
como das pesquisas alemãs; em segundo lugar, o predomínio de Lingüística de Novo York. Assim. o acaso colocou muito bem
dos estudos de gênese, do história llterório t radicional; e, em Mortinet no centro do Europa quando esta se encontrava no
terceiro lugar, a prática escolar, didática, do explicação de tex- vanguarda. Ele pôde então, ao lodo de Jakobson, estabelecer
to. A essas três razões Philippe Hamon acrescenta uma quarto: a ponte com a lingüístico onglo·soxônica, vlst~ que leciono e
"Um desconhecimento quase total da lingüístico como discipllna dirige O departamento de lingüística do Universidade de Colum-
º.
autônomo" 1 É necessório esperar, portanto, que a lingüística se bla, Nova York. de 1947 a 1955.
Imponha paro que o modo de abordagem do llterotura se re- Quando regressa à França em 1955, Mortinet Jó é, portanto.
nove. Isso não ocorrerá antes de 1960. se excetuarmos alguns mundialmente conhecido nos meios lingüísticos; não obstante. o
casos singulares mais importantes, como Roland Barthes, que es- acolhimento que O França lhe reservou é significativo do coró·
tabelece o vínculo entre as duas disclplinas. com um êxito ime- ter ma:\Jlnol que se atribui à lingüística. "Ele est~va numa posi-
ção difícil 00 chegar à frança . Lembro·me muito bem, eu .era
7. B. QUÉMADA, entrevista com J.-C . Cheva lier e P. Encrevé, op. clf. antão assJstenle na Sorbonne e ele aparecia aos o lhos dos sor-
8. Jean-Claude Chevalier, entrevista com o autor. bons' literários e historiadores como um temível e escandaloso
9 . Ph. HAMON. 'lllté,ature', em Les Sclences du /ongog• en Fronce ou XX• slô·
e/e, diriQldo POr 8. Pollk>r. SEI A~ IOAn n ? ....
FRANÇOIS DOSSE 1 - OS ANOS C IN QÜENTA: A ~POCA ~PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 9. UMA CltN CIA-PIL OTO SEM A V/AO: A L/NGÜ{STICA

renovador, um anti-humanista a empurrar para fora:12 Apesar 1939 pelo Círculo de Praga, André-Georges Houdrlcourt é um
de sua notoriedade, Martinet teve que. brigar e ameaçar indig- personagem deveras curioso em comparação com os nossos
nado com a sua demissão se não o nomeassem professor titu- gramáticos clássicos. Não põe os pés no escola antes dos 14
lar na Sorbonne. Nesse mesmo ano de 1955, faz publicar sua anos. vivendo no fazendo familiar do Picardia, à margem do
princlpal obra teórica, claramente inscrita na filiação do Círcu- mundo urbano. Aprende ortografia com a viúvo do mestre-es-
lo de Praga, Économie das chongements phonétíques. Defende cola da aldeia vizinha e termina o secundário na sétima tenta-
aí uma abordagem lingüística que parece mais dinâmica do tivo. para seguir logo o curso de agronomia. o que lhe permite
que a de Saussure e que vai buscar ao Círculo de Praga a in- obter o diploma de engenheiro agrônomo em 1931 mos provo-
sistência sobre a função da comunicação da língua: "Isso pro- c a nele uma aversão permanente por essa ciência. Três perso-
vém de Praga. A grande Idéia é a noção de pertinência. Toda nalidades vão então adquirir enorme importância para ele:
ciência se baseia numa pertinência. Uma ciência só pode de- Marcel Mauss, "que me domesticou" 15, More Bloch, que publica
senvolver-se independentemente de uma metafísica se se con- o seu p rimeiro artigo em 1936 nos Annoles, e Marcel Cohen,
centrar num único aspecto da realidade. / .../ Ora , é porque a seu mestre e seu amigo. Quando este último Ingressa no moquis
lingüísfíca serve para a comunicação que podemos saber o e oferece a Haudricourt sua biblioteca para que esta não cala
que o lingüista deve procurar / .. ./. Não tem o menor sentido fa- em poder dos alemães - "Vá buscar os livros que lhe interes-
zer estruturalismo em lingüística se não for funcional" 13. .,, sam. Dirigi-me a Viroflay com cestas de vime para recolher
Martlnet concentra, pois, o seu estudo nas escolhas que a esses livros"16 - , e is o nosso futuro lingüista Indo fazer suas provi-
língua possibilita, a partir de uma abordagem em primeiro lugar sões.
sintagmática. permitindo delimitar o inventário de possibilidades. É a partir daí que ele troco a botânica pela lingüística, mu-
antes de se abordar, em segundo lugar, a análise paradigmá- dando de especialidade no seio do CNRS. Houdricourt situa-se
tica. Se Martinet abre o estudo lingüístico ao social, ao conside- n a filiação de Antoine Melllet: "A lingüística , aprendi-o, ~m
rar a função de comunicação como sua identidade própria, a Meillet• 17. Mas não reconhece nenhuma autoridade clent1f1ca
sua' dellmitação restritiva da singularidade do trabalho lingüístico, e m Saussure - "esse pobre suíço alcoólico que morreu de de/i-
que consiste em estudar a língua por e para ela mesma, sepa- r/um fremens, essa criatura grotesca!" - nem em Jakobson, "esse
ra -o das outras ciências sociais e encerra-o no terreno estrito da clown de Moscou, multo simpático mas que contava qualquer
~ descrição do modo de funcionamento das línguas. Ele se dedi- lorota"1s. Haudricourt mantém-se um comparatlsta, muito próxi-
ca, pois, a delimitar as unidades distintivas de base da língua, a mo. como Meíllet, de uma postura histórica.
que c .h ama monemas (unidades de primeira articulação) e fo- Compartilha com André Marfinet de uma mesma concepção
nemas (unidades de segunda articulação). Essas regras de des- funcional e diacrônica da língua. Se Mortinet supervlsou um
crição serão codificadas por Martlnet no que vai se tornar. em g rande número de teses sobre as línguas africanas, Haud!icourt,
escalo internacional, o best-seller dos anos 60. Éléments de /in- por seu lado, permite o reconstituição de numerosas lmg_uas
gulst/que générale 14 •
asiáticas. Do seu duplo, Interesse pela botânica e a lingüística,
"\, 1
retira uma abordagem concreta da língua, uma recusá do for-
malismo lóglco-matemótico, separado do social. Personalidade
\ renitente às normas, Haudricourt considero -se o inventor da fo-
nologia: "Martlnet seria um louco furioso mas, entenda, a fo~o-
logia fui eu quem a inventou" 19 • Portanto, à lingüística nao
faltam pilotos no França, mas nem por isso deixo de ser ainda
muito marginal nestes anos 50, na ausência de legitimação cien-
tífica e institucional bastante sólida. Esse atraso explica a febrili-
UM ITINERÁRIO POUCO CLÁSSICO: dade que Irá caracterizar o período subseqüente. e também uma
ANDRÉ-GEORGES HAUDRICOURT certa ingenuidade na descoberta de teorias que são assimiladas
à expressão da derradeira modernidade, ao passo que, com bas-
tan te freqüência, elas já estão prestes a ser ultrapassadas.

U m outro grande língüista francês, essencialmente autodi-


data, testemunho, por seu itinerário um pouco desco-
nexo e sua marginalidade permanente, as dificuldades que a _
lingüística conhece 12010 criar raízes na Franca e os me@dros
~~deve ~ eara Qrog~ dir. Trata-se deà ndré-Georges
Hauarrcourf. Com um artigo sobre a fonologia p u b lica d o e m
1õ. André•Goorgos Haudrlcourt, ontrovlsta com o outor .
,,·,:,.::·:,:,:%.$;,:$)J··········~~?s~~).$~~l······*~~!~S~.:····<.,.>fü········:····•~st"!::'s}::$;.:.·.··•········,·.;•<:·······•······•······~·x··············•·•···•·:.·.·:-;::·{:::;%:;·:-x·::x······":...

10. AS PORTAS DE ALEXANDRIA

S e a fortal~~q_dq_S,orQonne ..co.o.tinug3 e,ndo_urri51 _!astilha


iG.fils,QYgnóvel 09 J ongo d q s anos §..0 (._a renovaç ~ a i
p rosseguir por caminhos slnUO§.OJ,~ iJ2reci~ c_heg_au;;i~ p.Qrtas
do Õrien!e._g Alexandrla J .o_La-en.contJçH 1![!1_ -99s_RQ)o~ n-
c ioi!_ll9,_Çj!tl!nlç.ã_o d.Q...p_aroçjigma _ uturalisto. É aí que se
e ncontra um Importante lingüista, 1 irdas-Julien Greimas forma-
d o na França. natural da Lituânia. Tendo nascido em 1917, foi
realizar seus estudos de filologia em Grenoble antes da guerra.
Seus p rofessores são adeptos de uma lingüística clóssica, hostis
à s teses saussurianos. Em. 1-9-~9.~ um de seus professores, Duraf-
fo ur. chegou mesmo a comparar Troubetzkoy com Tino Rossi
para explicar ao seu auditório, composto de numerosos ameri-
c anos, a significação do qualificativo "con•*. Greimas conserva.
porém , uma excelente lembrança dessa aquisição dos métodos
da lingüística do século XIX. Depois, teve que regressar ao seu
país natal, onde passa toda a guerra, primeiro sob ocupação
russa. logo alemã. até reencontrar em 1945 o caminho da Fran-
ç a, a fim de concluir seu doutorado. Constata amargamente o
tênue dinamismo da lingüística em Paris e afasta-se, portanto,
da maioria dos ensinos prodigalizados para consagrar-se inteira-
mente à sua tese, sob a direção de Charles Bruneau. sobre o
vocabulário da moda . Nesse pós-guerra Imediato Jó se constitui
um pequeno grupo em Paris, onde se encontram Algirdas-Julien
Grelmas, Georges Matoré e Bernard Quémada, que descobre e
trab alha a obro ae Saussure com a Intenção de criar uma no-
va disciplina. a !!;_xicolog!g.
Em 1949, Greimas torn o-se leitor em Alexandria. "É a grande
decepção. pensei que iria encontrar o Biblioteca e não havia
absolutamente nado!"1 É do deserto egípcio. porém, f que vai
nascer um grupo dinâmico em torno de Greimas e de Charles
Slngevln. Na falta de lív1os. um certo número de pesquisadores
e uropeus, uma dezena de pessoas, passa a reunir-se, de 1949 a
1958. ao m enos uma vez por semana. em torno de uma garra-
fa de uísque. "Ora, do que é que se pode que1er falar quando
estão juntos um filósofo. um sociólogo. um historiador e um lin-
güista? O único tema comum , é pensar em epistemologia .
Recordo-me de ter lançado a palavra. porque zombaram de
m im no começo, não sabendo ló muito bem o que ela envol-
via. A moda era falar de fenomenologia . Faz.ia-se fenomenolo-
gia a propósito de qualquer coisa. não Importava o quê."2
Foi em Alexandria que teve lugar um encontro decisivo. pre-
nunciador também de uma grande cumplicidade e amizade,
e ntre ~ ~ ele que vai se tornar ~~
!Ismo: 1321and Barthes. Foi aí que Greimas aconselhou Barthes,

•em gfrio, um Individuo que lud ibria ou1ros com polovros insinuon1es e falsos dQ·
mon atroc.6ea d e a m lz.ode : v elhoco. vlc01lsto.. (N, d o T.)
141ST RIA 00 l:STRUTUl?ALISM O 10. AS />O/NAS or ALCXANDRIA

que chegara ao mesmo tempo ao Egito, a ler Saussure e 8arthes que Hjelmslev teró, nesse melo temp~rn...P..!_Oi<_:>0Ç1ª·
Hjelmslev ... Por seu lado, Barthes faz Greimas ler o começo do mento na França. Ele m~diflca um pouco os termos saussuria-
que vlró a ser o Michelet por ful-même. nos, reformulando a distinção significante/significado por
- Estó muito bem · comentou Grelmas. - mas você poderia expressão (significante)/cont eúdo (significado). Esses deslizamen-
utilizar Saussure.
tos semânticos correspondem ao desejo de dissociar os dois
- Quem é Saussure? - perguntou Barthes. níveis de anólise,, o que permite pensar a estrutura como sepa-
- Mas é Impossível não conhecer Saussure! . respondeu o ou- róvel dela estrutura e, portanto, elevá-ia a um nível puramente
tro, peremptório 3 •
formal: "É somente pela tipologia que a lingüística se eleva a
É verdade que Barthes não pôde prolongar sua estada em pontos de vista gerais e assim se converte numa ciência"6 •
Alexandria, por causa dos seus problemas pulmonares, mas 0 Mais do que em Saussure, o mo.dela matemático desempe-
!~pulso estó dado e Grelmas. de volta a Paris todos os verões. nha aqui um papel central na busca da clentlflcldade. A estru-
nao perde o precioso contato com seu amigo Barthes. Essa in- tura subjacente em toda seqüência de linguagem deve ser
fl~êncla d~ ~reim~s sobre este último é tal que Charles Slnge- reencontrada por abstração, a partir de um código que é uma
vm podera , dizer: Barthes encontrou o caminho de Greimas combinatória de associações~\.d e comutações. A glossemática
como São Paulo o caminho de Damasco... "4 • Ora, Greimas estó toma por modelo as teorias ióglcàs. arriscando-se a fazer resva-
dedicado à lingüística moderna. considera-se o continuador do lar sub-reptlciarnente a lingüística como epistemologia geral,
corte saussurlano e, nessa perspectiva, é particularmente sedu- caso particular de uma abordagem logicista global, para uma
zido pelos trabalhos do Círculo lingüístico de Copenhague. com ontologização da estrutura subjacente: "Não se vê com clareza
destaque para Hjelmslev. que ele apresentaró como O único se essa álgebra pertence à etapa hipotético-dedutiva da pes-
herdeiro fiel aos ensinamentos do mestre genebrino: "O verda- quisa ou se faz parte do modo de funcionamento da própria
delr~. talvez o único, continuador de Saussure. que soube tornar língua"7. O ~ Q.(ioc.íp_i.QJ~__!'edução iógicg _ opre_1e_nta~os. por
expltcitas as suas intenções e dar-lhes uma formulação perfei- Hjelro.slev pmticipam de forma_ crescente no _êxito do formah~mo
ta"5.
na Europa, seja na Alemanha com a descoberta do Barroco,
na França com a descoberta da arte românt ica por Focillon,
ou na Rússia com Propp; uma só éplstàme liga entre si todas
essas pesquisas formais. _ E. por outra parte, Hje\!l!~!.~..'~- ~ rá _y_rpa
gran<Je difusão na França, onde a "miragem lingüística", o am-
bição de clentifici~ade, estarão particularmente vivas nas ciên-
cias humanas durant e a década de 60. Da conceituallzação
,:;-ais extensa, a do Círc~i; d; Viena. de Rudolf Carnap e Lud-
A FILIAÇÃO HJELMSLEVIANA wig Wlttgenstein, pass~u-se depressa à idéia de uma possível
matematização do conjunto do campo das ciências do ho-
mem. Hjelmslev contribuiu para dar corpo a essa esperança um

G
relrn..o.L:lt'..ê,- P.Qͧ.~.m Hjelmslev-2,_y~da~1o_f.y_ndador da
lin.~üística moderna, simultaneamente por sua concepção
multo restritiva da língua. reduzida a um esquema, por sua acen-
tanto ilusória por intermédio de uma redução matemática cada
vez mais rigorosa do dado lingüístico, postulando que toda e
qualquer outra realidade além da dos relações internas da lín-
tuação do corte saussuriano, por uma postura mais axiomatizada gua depende "da hipótese metafísica de que a lingüística f~ria
mas também por sua aspiração à ampliação de um método ~ muito melhor em líbertar-se"8 • Hjelmslev levou ao extremo a logl-
todo um vasto campo semiótico que ultrapassa o terreno restrito ca da abstração, até construir uma escolástica fechada sobre si
da disciplina na lingüística. Hjelmslev define uma nova disciplina mesma. Foi manifestamente essa orientação a que prevaleceu.
a que chama a_g_~tic_g, e que ele insere na tradição saus- Havia, entretanto. outras orientações possíveis no mesmo Cír-
surlana. Enfatiza o a ~ n t o de toda realidade extralingüístlca culo de Copenhague. O com atriota 4::. adversário de HtgJm_slev.
para concentrar o esforço do lingüista na sua busca de uma es- mais velho do que ele, V go Bro da . <;:ferece ao m ~ e m -
trutura subjacente à ordem Interna da língua, Independen te de ® n Jª ...:ori·e -ntação- algo crl'ferenfé' de uma~ nn~ gual-
toda e qualquer referência à experiência. mente ciosa de rigor, de estrutur.a.....::ma,s tombem gberta para a
. Hjelmslev d efiniu seu projeto em 1943 nos Omkring Sprogteo- história e para o movi~ento: existe nele toda urna parte dinô-
nens Grund loeggelse [Prolegômenos a uma Teoria da Lingua- 'mica que 'considerava que os fatos da língua deviam ser toma-
gem}. Mas a obra só ser'ó traduzida para o francês em 1968 dos em seu desenvolvimento e não no Interior de um sistema
pela editora Mlnuit. Co!}!lli:lo.-é-esseAGiolQ:t.e,Dt~12.Ql . 2 ~ s e fechado" 9 • o sistema de relações Internas da língua não basta,

3 . A.-J. G,..imas .. R. BorthG<, citados por l...J. Colvet. Roland Barfhes, Aommork>n,
1990. p. 124. 6. L. HJELMSlEV. lê langag,., op. clt., p. 129.
7. Th. PAVEL, t .. M/roge Hngulsflque. M inuit. 1988, p. 92.
4. Ch. Singevin, citado por t...J. Colv,.t. /b., p. 124.
;;
0
~~/ Gr,.lmos. prefácio ao livro de L. HJELMSLEV. Le Longag ... Minuit. 1966 .. ,
8 . L. HJElMSLEV. Pro/égomenes 6 une _théorle du langage. Minui t, l96B (1943), p.
HISTÓ RIA D O ESTRUTURALISM O

segundo Brondal, para chegar àquela exaustividade que Hjelm-


slev pensa alcançar, graças a um enfoque puramente Imanen-
tista. A noção de totalidade é, pelo contrório, aberta em
11. A FIGURA-MÃE DO ESTRUTURALISMO:
Brondal, assim como em Benveniste. Entretanto, "há períodos du- ROLAND BARTHES
rante os quais os noções mais rígidas preponderam, sendo esse
o caso de Hjelmslev em relação a Brondal" 1º. Se a filiação
hjelmsleviana passa incontestavelmente por Greimas, para quem
m 1953, um livro recebe um acolhimento unâ,nime ~ to;·
tudo parte da glossemática, André Martinet conheceu, no en-
tanto, Hjelmslev nos começos dos anos 30, quando foi ver Jes-
persen em Copenhague: "Mantivemo-nos em contato até a sua
E na-se depressa o sintoma de uma nova exigencia lltera-
rla, um ato de ruptura com a tradi~ão e o expressão d: uma
morte"11 • Seus vínculos são, de início, bastante estreitos e Martt- p rofunda perturbação que se alimenta de O Estrange,ro,. de
net, presente no Congresso de Fonética realizado em Londres C amus: é Le Degré zéro de /'écriture {O Grou Zero da Escuta].
em 1935, aconselhou Hjelmslev, que apresenta as suas teses sob de Roland Barthes. Depois do seu encontro com Greimas em
o nome de "fonemática", a mudar de denominação: "Eu lhe Alexandria, ele já não é mais o sartreano que foi no imediato
disse, não, meu velho, Isso não pode ser a fonemática, visto p ós-guerra e, no entanto, ainda não é o lingüista que será ~o
que não se ocupa de substância. Não deve ter 'fone·. / .. ./ E final dos anos 50. Já se pode perceber nele o que vai angariar
no ano seguinte passava a chamar-lhe glossemática. / .. ./ Rece- 0
adesão do maioria, sua mobilidade, sua flexibilidade diante
bi o trabalho dele depois da guerra e suei sangue e água d as teorias: pronto paro encampá-las. é igualmente rápido pa-
paro compreendê-10• 12. ro desprender-se delas.
Martinet, herdeiro da Escola de Praga, contra a qual Hjelm- Figuro mítica do estruturalismo, Rolond Barthes é sua en~arna:
slev, que detestava Trouhetzkoy, tentou criar uma teoria dife- ç ão ondulante e sutil, feito mais de humores do que de ngor; e
rente, não podia aderir às suas teses antifuncionalistas. Mas nem 0
melhor barômetro, capaz de registrar tanto as perturbações
por isso deixará de apresentar na Sorbonne as teses de Hjelm- e m curso quanto pressentir as que estão por acontecer. E:;sa
slev, desconhecidas até a sua tradução tardia. Portanto. ele sensibilidade extrema encontrará. porém, no âmbito das eslrutu-
desempenho, paradoxalmente, um papel não desprezível na di- ras O meio de exprimir-se; mas troto-se de uma estrutura cam-
fusão da obra de Hjelmslev, à qual. porém. não adere de biante. mais uma cosmogonia encornando o universo fusional
forma nenhuma: "A tradução de Pro/egómenos foi tardia. Só d a relação com a Imagem materno do que uma estrutura bl-
em 1968 se tem ocesso ao texto em francês. O primeiro conhe- narizada funcionando como uma mecânica implacável Barth~
cimento que tive desse livro chegou-me pela apresentação que vai se-r a chapa sensível do estruturalismo. Nele vão atuar. por
dele fez Martinet" 13, depõe Serge Martin14, que aplicará no do- uma sutil escrita feita de intertextualidade, todas as vozes/vias
mínio da semiótica musical os princípios hjelmslevianos: a retirada do paradigma. o simples exame das referências dos seus textos
de todos os elementos transcendentes e a construção de hierar- permitem discernir essa posição-encruzilhada. Verdadeiro mag-
quias sobrepostas de classes, constitutivos da estrutura globa11s. neto entre os diversos estruturalismos, Barthes será ~ ~_:. por-
qugnto se exprime nele mais do- que um ~~om's:tma me~odol?·
gico; ele é um rec ê ptóc ufõ do período. chapa sen.s1vel as
múffiplas variações dos valores. O !f!1périQ~ slgn~s- ~g_g;se
nele em império dos sentido~ .!L9.!,lr..Q-.r.nge gue ele _ep.(½:lma
pÕ c i 0 s ~ ~,of~ CW go §eU opostg binário. a _g,Q_J;2.g i
sevE2ro do estrutuJ.Q.ܧD)~Ç,,~ ~ . . 0 -

O GRAU ZERO
10. lb.
11. André Martinet, entrevista com o autor.
12. lb.
13. A. MARTINET, exposição sobre os Prolegômenos de L. Hjelmslev, no Bu/letln de
la soclété de 1/ngulst}que, 1946, vot. 42. pp. 17-42.
14. Serge Martin, entrevista com o autor.
e om Le Degré zéro de f'écriture, Barthes participo na
corrente formalista, preconizando uma ética da escrita,
libe rtado d e todas as restrições: "O que se pretende fazer aqul
-1- _ • _._ ~ - -• ~ _, __ • ,.......,_ ,,,..,.,...._1inr1_
ALISMO 11 , li 1/~ UIM MÃL DO ESTRUTUfMUSM O

de formal independente da língua e do estilo" 1• Barthes retomo Borthes passo em revista em sua obro todos os escritos alie-
o tema sartreono do liberdade conquistada pelo alo de escre· nados: o discurso político "só pode confirmar um universo poli-
ver, mos Inova ao situar o compromisso que a escrita repre - c lalesco", a escrita Intelectua l estó condenado a ser uma
senta. não no conteúdo do escrito mas em sua forma. A "poroliterotura• 4 ; quanto ao romane;e. é o expressão caracterís-
linguagem passa do status de melo ao de finalidade, identifica- tico do ideologia burguesa em sua pretensão de universalidade
da com a liberdade reconquistada. Ora. o literatura encontra- que soçobrou em meados do século XIX. para dar lugar a uma
se num ponto zero a reconquistar entre duas formos ollernatlvas pluralidade de escritas pelos quais o escritor se situa em rela-
Igualmente resvaladlças que são o sua dissolução no língua co- ç ão à condição burguesa. Mos essa pluralidade. essa descons-
tldia no feita de hóbitos. de prescrições. e a estllfstica. que trução do universal, nunca é mais do que o expressão de um
remete para um modo autórqulco, uma ideologla que apresen- período que deixou de ser levado avante pela dialética históri-
ta o autor como separado do sociedade, reduzido a um c o: ·o que a modernidade dó a ler na pluralidade de suas
esplêndido isolamento. escrllos é o impasse de sua próprio hl~tória"5 • Na medida em
Reencontra-se em Barthes esse tema. próprio da lingüística que o criador deve perturbar a ordem instituído e não pode
moderna e da antropologia estrutural, da prevalência da troca. mais fazê-lo contentando-se em acrescentar sua partitura a
da relação primeira que deve partir de um ponto nodal. de uma orquestra já preparado para acolhê-lo, nada mais lhe res-
um ponto zero, não definido por seu conteúdo empírico, mas ta senão. poro perturbar, escrever o partir e em torno da falto,
pelo foto de permitir ao conteúdo Instituir-se numa posição re- do silêncio: "Criar uma escrita bronca" 6 • Barthes prossegue e
lacional. Há a mesma busco do grau zero de parentesco em desloca a busco do tempo perdido de Proust pelo procuro de
Lévl-Strauss, do grou zero da unidade língüís1ica em Jakobson e um lugar de nenhuma-porte da literatura: "A literatura torna-se
do grau zero da escrita em Borthes: a busca de um pacto, do a utopia da linguagem• 7 • Dessa procura vai nascer. simultanea-
contrato inicial que fundamento, neste último. a relação do es- mente. uma novo estético e. poro Barthes. a tomada de cons-
critor com a sociedade. Entretanto. Barthes ainda não possui c iência do Impossibilidade de escrever como escritor, assim
em 1953 uma bagagem estrutural sólido. ~ receptivo, sem dúvi- c omo o esboço de teorização do escritor como escritor do mo-
da, aos conselhos que lhe dá Greimas nesse domínio, e já dernidade.
conhece um pouco Brondal e Jakobson; mos ainda não são
poro ele mais do que curiosidades entre muitos outras. A moti-
vação essencial de Borthes é então. sobretudo, observar de
perto as máscaras que a Ideologia envergo sob o formo de
expressão literária. Mais tarde, com outros objetos, essa 01iento-
ção subsistirá como um parâmetro constante de suo obro.
Le Degrà zéro de l'écriture deve o seu êxito ao fato de par-
ticipar de uma novo sensibilidade literário, de uma exigência que
vai consubstanciar-se no que se convencionou chamar o nou- ITINERÁRIO
veou roman. uma nova estilística, foro dos normas tradicionais do
romance. Existe. portanto, um lado manifesto no discurso de Bor-
thes. mas também um aspecto desesperado na busca de uma
nova escrito, separada de toda linguagem de valor. a qual pa-
rece exprimir o impasse de toda formo de escrita, depois do
S e Roland Borthes estó buscando um não-lugar, isso não
significa que ele não sinto. pessoalmente, um enraizamen-
to multo profundo que o devolve a toda sua Infância passado
ponto culminante o que o romance foi levado por Marcel Proust. com a mãe no sudoeste. em Bayonne. Esse período muito den-
A obra. que foi publicada pela editora Seuil em 1953, recebeu so desenrolo-se em torno do fig_uro ausente do pai, morto
aliás a consagração da crítica. Mourice Nadeou dedico-lhe oito durante a Primeiro Guerra Mundial, menos de um ano após o
páginas em Les Latires nouvelles. Conclui o seu artigo celebran- nascimento de Roland Barthes. Essa falta seró compensado por
do o jovem autor que ele descobrira em 1947: ·uma obro cujos um superinvestimento da Imagem materna: 'Slmula-se sempre,
primeiros passos cumpre saudar. Eles são notáveis. na medida na relação afetiva, quer seja amistosa ou amorosa. um certo
em que anunciam o nascimento de um ensaísta que se desloca espaço maternal que é um espaço de segurança. um espaço
de todos os outros"2 • Quanto o Jean-Bertrand Pontalis, ele celebra de dádiva"ª· Depois. aos 10 anos de idade. Rolond Borthes ·so-
sobretudo, em Les Temps JTlodernes. o surgimento de um escritor: be" poro Paris. indo morar no bairro de Salnt-Germain-des-Prés;
'Um grande escritor está presente entre nós de um modo que foz seus estudos nos liceus Montoigne e Louls-le-Grond, e Inicia
nada tem a ver com um mobiliário de época. uma organização
econômica ou mesmo uma ldeologia"3 • 4 . R. BARTHES. Le Oeg/'$ zéro de l'ecrlture. op. clt.. p. 24.
6. rb.. p . 45.
6 . rb , p 55.
1. R. BARTHES, Le Oegrá :réro de l'écritvre. Points-Seuil, 1972 (1953). p . 10. 7 . 10.. p. 65.
2. M. NADEAU, Les Leffres novvelles. julho de 1 953, p. 599 8 . R. Borthes. entrevisto• e om J.- M . Benolst e 8 .•H. lévy, Fronce-Cvllure. fevereiro
~ ~I eA Pf"H\JT 411c: I -· T---.. -- •
OS ANOS C IN Q I NI/\: A POC/\ PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 11 . A FIOUIM M ÁE DO ESTRUTURALISMO

em 1935 o curso de Letras Clósslcas na Sorbonne. Ao mesmo pequeno-burguesa, expressa pelos gostos e valores veiculados
tempo, tem uma atividade teatral e cria com Jacques Vellle o pela mídia. cujo papel nõo vai parar de crescer. Essa Ideologia
teaho antigo da Sorbonne. que produzlró, entre outras. uma pequeno-burguesa contra-expressa reveste-se, poro Borthes, de
montagem de Os Persas. de Ésquilo, no dia da vitória do Fren- uma significação essencialmente ética, à maneira de Flaubert,
te Popular, o 3 de maio de 1936. Passo a guerra de cama conceito simultaneamente social, ético e estético: é tudo o que
num sanatório perto de Grenoble, em Salnt-Hilaire-du-Touvet. Ao "provoca em mim a náusea do meio termo, do melo caminho,
terminar a guerra, Barthes é ao mesmo tempo sartreano - "Des- do vulgaridade, do medíocre e. sobretudo, do estereótipo" 11 •
cobria -se Sartre com poixão"9 - e marxista. Com efeito. ele Barthes empreende, portanto, contra a naturalização dos va -
conhecera no sanatório um tipógrafo trotskista. Georges Fournlé, lores transformados em estereótipos evidentes, uma obra sist e-
amigo de Mourice Nadeau. que o tinha iniciado no marxismo. mática de desmontagem. de desmistificação, mostrando como
sua doença pulmonar e o tratamento que ela exige tornam funciona um mito na sociedade contemporânea a 1,:>affi'r-de. ca-
Impossível candidatar-se ao magistério superior. A carreira univer- sos concretos da v ida cotidiano. Essa soma de artigos, em
sitário clássica está, portanto, fechada paio ele. envereda número de 54 estudos, foi reunido por Borthes e constitui uma
então pelo caminho Jornalístico. graças a Mourice Nadeau. que dos principais obras do período, Mythologies. editada por Le
lhe pede artigos lite1ários para o jornal Combat. Seuil em 1957. Somente o posteriori Barthes elaboro ró a teoriza-
Esse desvio, tanto espacial - Barthes parte paro a Romênia çã o desses cas~ on9r8t~ mo ~~9 ,E,?it~ 2ro~ Le
em 1948, depois para o Egito em 1949, regressando a Paris em myth~_yjourd'!}ui" [O ,mito hoje}, que se_ q1:;>J~sgvt_a....9..2.m~e-
1950 - quanto institucional - e le não pertence mais a uma car- flnição_d.e~!rl E ~ ~ ~miolqgi_g,_o_g,!g,b_g.!,._~ o vez alimen-
reira universitária clássica - vai ter uma dupla conseqüência tado po1_ u ':!!<! J.2.Lma_são li ~SÇJ recent~,- v~q_ ~ z_s.ue
principal: em p rimeiro lugar, como já vimos, o encontro com ~aleLa._S..aussur.e_sç,,mente em . 19.56, e acaba,r,q _çte descobrir
Grelmos em Alexandria e também o desejo que animará Bar- Hjelmslev.
thes a vida Inteira de ajustar suas contas com o universidade, ~ - tõrmalizoçào é, porJQ.Q!.O.:. pos~_!9r_~ o~~tl:!.92~s_mitos
uma vontade incessantemente manifestada de ser reconhecido oferecidos pelo a tualidade em que o adversário designado é o
por elo, vontade tanto mais agudo visto que Barthes jamais pequena burguesia: •Jó osslnalel o predileção da pequeno bur-
aceitou o fato de ser apenas um licenciado; só se sentirá ver- guesia pelos raciocínios tautológlcos" 12 • Oro, são justamente os
dadeiramente entronizado no dia em que. em 1976, ingressou falsas evidências que Borthes quer desestabilizar, cujos máscaras
no College de Franca. Até então, é uma luto contínua consigo pretende despedaçar. Assim, investe sucessivamente contra o
mesmo e confidencia a Louis-Jean Calvet: "Eu, você sabe, ca- catch, a operação Ast ro, o rosto do Garbo, o bife com f ritos,
da vez que publico um livro é uma tese"1º. Barthes também os Guides 8/eus, o novo Citroên, a literatura segundo Minou
participará plenamente do aventura estruturolista em conse- Drouet ...
qüência da fragilidade de sua base institucional; o seu caso é A porte teórico que encerro a obra está situada na dupla fi-
semelhante ao da maior parte dos estruturollstas que tiveram de liação de Saussure (citado duas vezes), de quem retoma essen-
contornar a velha Sorbonne poro se Impor. c ialmente as noções de significante/significado, e de Hjelmslev
(não citado), de quem utillza as distinções entre denota8ão e
conotação e entre linguagem-objeto e metalinguagem. E certo
que se obseNam ainda algumas flutuações na assimilação dos
noções soussurionas; e Louis-Jean Calvet pode opor a fórmula
que figura no prefácio, "o mito é linguagem", àquela que está
em epígrafe da parte teóri ca: "O mito é uma falo "13 . Portanto,
Barthes ainda não encampou a distinção. essenci al paro Saus-
MITOLOGIAS sure, ent re língua e fa la. ÇoJ.!L .'.'.L
. e....m'ltb.e_aujo_urdJl.ut, el~ rea-
lizo, contudo, a sua conversão à lingüístico, e isso represento,
n ~ Õ nodê i957~ ~mo revlravoltãe;senciol em suo obra e,
uronte dois anos, de 1954 a 1956, Bmthes envia mensal-
D mente a Mourice Nodeau um artigo para Les Lettres
nouvelles. Neles dó p,osseguimento regular o um t rabalho de
ao mesmo tempo, de um modo mais global: "Ele ingressa defi-
nitivamente na lingüística, como se ingressa na religlão" 14.
Já fascinado pelo formg,ILsruoJ_ Barthes encontra no semiologia_
depuração dos mitos contemporâneos, uma crítica ideológica os meios poro e rigir ~ seu programo em c.iê.oci..9; Ela pe;rnite
do cultura de massa que começa. o favor do reconstrução e pôr de lodo E. qontgú.do em prov~ do lógica dos formas.
dos •trinta gloriosos", a propagar-se no vida cotidiana dos fran- TaJnbém vai buscar em Saussure o estudo slncrônlco e desse
ceses. Barthes opõe o sarcasmo ao que qualifica de Ideologia emw.éstlmo..\LO.LreSÜÍtar, em todo a obra de Barthes, _Um_Ql_har

11 . R. BAílTHES, Océanlques, Fíl3 ( 1970-1971). reedição em 27 de janeiro de 1988.


9. R. BAIHHES, Océanlques. FR3 (novembro de 1970-molo de 1971). reedição em 12. íl. 8AílTHES, MytholoQles, Le Seul!, 1957, p. 109.
,- vv ,,,.c,c, ~

li RIA DO l.STRUTURAI ISMO 11 . A FI G UIM •MÀE DO E:S IIWTURAIISM O

mais es~oclol_do Q.l.le temporal: •o modo de presença do for- C oragem de Brecht, no Teatro dos Noções em 1955: foi um
ma é espaclal' 1$. É uma outra ruptura com o abordagem de c hoque. Ele vê então em Brecht aquele que realizo no _teatro o
Degré zéro de f'écrlture, que se dava como uma abordagem que ele ambiciono fazer com o literatura ou com os mitos con-
diacrônico da relação com o escrita. O mito é um objeto par- t e m porôneos. o distanciamento brechtlono, seu estetismo,
t icularmente apropriado à aplicação dos princípios sõüssurlanos: geram O sua adesão to.tal: "Brecht rejeito / .. ./ todos os estilos de
--ryi, função do mito é esvaziar o réÕr; "O mito é constituído pe- e nvlsgomento ou de participação que levariam o espectador o
lo dlssipoçõo do qualidade histórico dos colsas• 1ó. Borthes pode, Identificar-se completamente com Mãe Coragem. o perder-se
portanto, utilizar tonto a prevalência saussurlono acordado à sin- nela, a deixar-se arrostar em sua cegueira ou em suo
cronia quanto o afastamento do referente para um plano futllldode",ª. Borthes vê no teatro de Brecht o esboço d? uma
secundário. novo ética do relação entre o dramaturgo e o seu publico,
A escrito barthesiana, a utilização distinto de um código num uma escola da responsabilidade, um deslocamento do pothos
discurso acessível, o abertura científico e seu corolário crítico, psicológico em Inteligência dos situações. Essa dram~~ur~lo mos-
todos esses Ingredientes vão fazer do obro um grande êxito pú- t ra que convém menos exprimir o real do que sigrnhco-lo. Por-
blico que assegura o Barthes um considerável contingente de tanto, ele vê nessa arte revolucionário, essa arte de vanguarda,
leitores conquistados de antemão. O êxito supera de longe as a própria realização do método semlológico e crítico.
tiragens habituais no setor das ciências humanos: 29.650 exem- Com Barthes, o projeto estruturolisto vai alçar vô o , . graças à
plares na coleção "Plerres vives•. 350.000 exemplares em lrradloç-ão Inigualável de que ele dispõe nesse período, mesmo
Polnts-Seull o partir de 1970. É grande o repercussão nos mais que assumo liberdades bastante co~derávels en:i f".~e. do saus-
diversos meios Intelectuais. favorecendo os aproxlroa_ç..Q§s lnter- surlsmo -propriament4:. dito <?_U dos canones do linguística. Mais
disclplino res. André Green, psicanalista. multo interessado por do que -um "Õuºtslder do estruturalismo. ele é fundamentalmente
Mythologles. escreve um extenso comentário à obra no revisto um retórico•19. Assim, Georges Mounin qualifica a semiologia de
Critique e encontro-se com Borthes nessa ocasião, em 1962. Já Barthes de semiologlo desviante em relação a Saussure, que es-
se conheciam por terem tido atividades teatrais comuns no gru- tabeleceu as regras de uma semiologlo da comunicação. ao
po do teatro antigo da Sorbonne. Borthes, então diretor de passo que Barthes teria formulado apenas uma semiologla ~a
estudos do École des Houtes Études, pede a André Green que significação: •o que Barthes procurou sempre fazer foi uma sm·
faço uma exposição sobre Locon no âmbito do seu seminário: º.
tomatologio do mundo burguês"2 Para Georges Mounin. Barthes
"O que eu fiz, e ra o meu período laconlono, e em seguido fo- confunde signos, símbolos e índices. É verdade que Barthes dó
mos beber um trago no botequim do esquina. Barthes inclino-se então uma acepção muito ampla à noção de signo. que en·
então para o meu lado e diz-me o meia voz: 'Está vendo globo tudo O que reveste uma significação. Ele procura nesta o
aqueles dois ali? Ele s vêm o todos os meus seminários. me per- conteúdo latente e. por essa razão. Georges Mounln considero
seguem. me contradizem de maneira multo desagradável. que- mais legítimo falar de psicologia social ou de psicossoclologia
rem me ver em pedaços'. Eram Jocques-Alaln MIiier e Jean- do que de semlologla.
Claude Mllner" 17• Mesmo se os lingüistas profissionais Já não encontrem aí o seu
objeto. a visão muito extensiva da linguagem que Barthe_s P_'.?·
põe vai contribuir Imensamente para o êxito do modelo hngu1s-
tico e para o seu papel de ciência -piloto.

A NOVA ESTÉTICA

D urante esses anos 50, Bo,thes também participo ativa-


mente numa revisto teatral. Théôtre popu/olre, onde con-
vive com Jean Duvignau, Guy Dumur, Bernard Dort e Morvan
lebesque. Defende o Théótre Notíonol Popu/olre (TNP) de Jean
Vilar e contribui para que ele atraia um público vastíssimo. É no
âmbito dessa atividade de crítico teatral que ele assiste, entu-
siasmado, a uma representação pelo Berllner En te de Mãe

18. R. BARTHES. Eud, crltfqves. Poln1s-Saui. 1971 (1964), ·Mera couroga oveugla'
15. rl. 8ArlTHES, MytholOQI "s.ff'í'A.1!.flof. l'J~1; :--,,. • (M6• Corog•m C•go) (1955), ' l héótre populolra' .
16, rl. BARTHES, Mytho/ogl . 't!lr.',p, 251.
17 AnNá ,:,.___,.,.. ,.. ......... . .i-+ ---·" 10 ~ . , . . .-.a:;1.w, ~,fn tl fl,ntr•vl!lto r..nrn o outor.
12. A EXIGÊNCIA EP ISTÊMICA

A 4 de dezemb10 de 1951, vm !_mportg_ntLh.!storiadQI_da fi-


_l~fl~g~oJ:!_no ~o/là'i!_e df! Frot?__ce~ Gyéroult.
Teró sldQ. esc_olhldo erl] detrimento de Alexan~K<?_Yré, e essa
opção é slntomótica do período. Koyré aproximava sua postura
filosófica da dos historiadores dos Annoles e mantinha 1elações
assíduas com Luclen Febvre. O seu projeto paro o candidatura
ao College de Franca enfatizava, pois. o vínculo entre a histó-
ria das ciências e a história das m e ntalldades, que Luclen Feb-
vre encornava na época com seus trabalhos sobre Martinho
Lutero e François Rabelals, em torno da noção de ferramentas
mentais: "A história do pensamento científico, tal como o enten-
do e me esforço por praticá-lo / .. ./: é essencial repor as obras
estudadas em seu meio Intelectual e espiritual, lnterpretó-las em
função de hábitos mentais. de preferências e aversões de seus
autores" 1• A abordagem de Martlal Guéroult situa-se, ao contrá-
rio dessa abertura do texto - filosófico parao contexto histórico
global. exclusivamente no campo do mental; e- o seÜ êxito "as-
slnaLa claramente os limites do reconhecimento de uma proble-
mática de historiclzação da verdade no decorrer dos anos 50"2.
Martial Guéroult construiu a partir dos anos 30 a sua obra à
margem dos projetores mediáticos, e permanece ignorado do
grande público. Nesse ano de 1951 sucedeu a Étienne Gllson
na cátedra de história e tecnologia dos sistemas filosóficos. Des-
de sua aula Inaugural, Mortlol Guéroult defende o Interesse
maior e a legitimidade de uma história da filosofia, apesar da
antinomia que se pode apontar entre o que se dó como alea-
tório, a história, e o que, pelo contrário, se apresenta como
eterno, intemporal, a filosofia. Ora. essa aparente heterogenei-
dade pode ser superada por uma dupla atitude do historiador
da filosofia , simultaneamente cético como historiador e dogmó-
tlco como filósofo.
Martial Guéroutt oferece uma solução que deve evitar ' que a
história da filosofia vacile e seja absorvida pela psicologia, a so-
ciologia, a epistemologia, convertendo -se em simples ciência
auxiliar. Espera alcançar e reconstituir. por sua postura de histo-
riador, "a presença de uma certa subst ância real em cada filo-
sofia ... É esse essencial (a própria filosofia) que, tornando os
sistemas dignos de uma história, os subtrai ao tempo histórico"3 .
A ~a poslurQ d~ls!g,riador pretende se_ ! !_por!anto. negadora
da temporall<!ade.._da çJiactoniQi_çla busca de filiações. da gê-
n ~ o s sist emas. Reencontramos aqui um ''é:Jos- e l emenlos
característicos do paradigma estruturalista, a atenção dada es-
sencialmente 'à sincronia, mesmo se no coso de Martlal Gué-

l A . kOYR~. De lo my$l/que à lo $Clence; cour$. confárence$ et documenl$,


1922-1962. ed. orgonizodo por Piel ro Redondi. Ed . EHESS. 1986. p . 129.
2 . J.-L. FABIANL Les EnjeuJ< phH0$0ph/que• de$ onnéQ$ clnquonfe. Ed. Centre Ge0<-
o•s- Pompldou, 1989. p. 125.
3. M . GU~ROULT. Leçon Inaugura/e ou College de Fronce, 4 de d,uembro de
1951. pp 16-17.
U/ST RIA DO LS IIW TUIM I ISMO

roult essa orientação nada deva a Saussure. Guéroult justifi c a c ausalidades exógenas ao disc urso filosófico , de ordem psicosso-
assim o interesse das monografias. pois o est<uturo a que e le c lo lóglc o . Po rta nto. Guéroult retira dos sistemas filosóflcos todo e
tem acesso é aquela, singular, de um autor. de uma obro qualque r fun ç ão representativa do realidade. tal como Saussu-
apreendida em suo coerência Interno. Ele renuncia o localizar re sep a rara o signo do referente. Ele confere a esses sistemas
aí uma estruturo dos estruturas mos empenha-se em "averiguar filosóficos uma autonomia fundamental em relação à realidade
como cada doutrino se constitui através e por meio dos com- exterior. o Interesse desses slistemas não reside no que ele con-
plexidades de suas estruturas orquitetônicos" 4 • sid era ser a "missão intelectiva" dos mesmos, mas "o que é estri-
tamen t e filosófico é justame nt e essa realidade autô noma das
estruturas da obro"8 • Os discursos filosóficos são apreendidos pe-
lo historiador como •monumentos filosóficos na medida em que
possuem esse valor intrínseco que os torna independentes do
te mpo"9 . Essa transformação do documento em monumento e
a analogia arqueológica que lhe é implícita serão ret~ ' ! l ~
m ais tarde pot M ichel Fouç ~ult. _A reconstituição da"'coerêncla
Interna d e -uma obra exige uma postura globalizante que seja
O MÉTODO GUÉROULT e xaustiva e situe numa relação de solidariedade lndissocióvel as
te ses formuladas pelo autor. a arquitetônica de sua obra e seus
procedimentos argumentativos. Guéroult defende por isso "uma

T ornar uma obro q e filo~Qfla . como tal. em~.s.ua. §.iogulârida-


·ae, e cortó -lo ficticiamente de suas raízes. do seu
aspeettrpõrê~ a descrever melhor a ·sua· coer ênciã°lntêr-
d outrina holística da obra'' 1 º.
Se uma obra filosófica é uma unidade fechada sobre si mes-
ma, ela pressupõe uma concepção descontinufsta da história
- nã-:-õ'"encÓdeÓ~en;, do~ conceitos, ldentlfl~ r-sü-as lacunas e do filosofia que teró um ·p rolongamento espetacular com a no-
c onfrodiçoês, eisÕ método que Guéroult V~ oplicru-·a Flctne, ç ão de episteme de Michel Foucault. que conhecia bem a
't>escartes :-°Splnozo ... : "Um dos modos de penetração do noção o bro de Guéroult. No prefácio de sua obra sobre Descartes11.
de estruturo parece-me advir de Martial Guéroult"5 • Mesmo que Guéroult definiu suo escolha metodológica para fundamentar e
ele tenho apenas mela dúzia de discípulos e não tenha consti- legitimar o interesse pela h istória da filosofia que, apesar das
tuído nenhuma escola, conta, não obstante, com alguns admi- c ontradições dos sistemas entre si, deve escapar ao relativismo 1
radores como Gllles Gaston-Granger. que foi seu amigo, e e ao ceticismo: "O historiad or dispõe, a esse respeito, de duo{
alguns discípulos como V ictor Goldschmldt. técnicas. a crítica propriamente dita e a onólise das estruh,1-
Entretanto, o seu método, correspondente ao espírito da épo- ros·12.
ca, vai constituir paro muitos filósofos o própria base de suo for-
mação filosófica. Esse é ainda o caso para a jovem geração
no final do década de 60. More Abéles acompanha os cursos
de filosofia de Guéroult na Escola Normal Superior de
Salnt-Cloud: "Guéroult nos ensinou a ler os textos com um pon-
to de vista que podemos chamar de estrutural. Contudo, um
dia alguém o qualificou, por zombaria, de estrutur.olisto. Ele ne-
gou com veemência .todo e qualquer aproximação; conside-
rava-se um professor tradicional, um verdadeiro historiador da A RE~POST A DE GUÉROULT
filosofia" 6 • O seu ensino devia permitir toda uma ginástica inte- A MODERNIDADE
lectual e os alunos de Soint-Cioud eram submetidos ao que ele
chamava "o pequeno exercício Guéroult", que consistia. a par-
tir de uma proposição de um filósofo, em demonstrar que ele ssa perspectiva perten ce plenamente a uma época que
teria podido fazer de outro modo a mesma demonstração. de
urna maneira mais econômica: "Fascinante pelo trabalho realiza-
E busca o sentido nas profundezas das estruturas subjacen·
tes, pois se a crítica é considerada um estóglo necessó rio, ela
do sobre o texto. o método Guéroult consistia sempre em supor só é atribuída a uma tarefa preparatória da descoberta da es-
que era possível reconstruir virtualmente o texto" 7• Essa contribui- trutura que detém a verdade essencial da obra . Guéroulf dá,
ção didática de Guéroult teró marcado toda uma época.
Out1o_p,arâr:ne1ro_ g 9-R,<ttõ"êU'gm?C êlf©.!9.E1]l_~ ta presente em
9 .~ roult: ~!:!8.9u~ .!l!).~.D,te_ qu,e _~ Qt~co_ n iza. liberto de 8 . J" on-Christophe Goddord, entrevist o com o autor.
9 . M. GUl:ROUL T. Leçon Inaugura/e ou College de France, 4 de dezembro d e
1951. p . 18.
4. lb.. p. 34 . 1 o. J . PROUST, Buf/etln de fa soctété frança/se de phf/osophle. julho-setembro de
5 . GiHes Goston•Gronger, entrevisto com o autor. 1988, p . 81 .
6 . More Abélàs. entrevisto com o autor. 11 . M . G Ul:ROULT, Desca rtes selon /'ordre das rolsons. Aubier, 1953.
_ _F _RANÇOIS DOSSE 1 - OS ANOS CINQULNIA: A l'OC A PIC A
HISTORIA DO ESTRUTURALISMO 12. A- EXJGfNCIA EPISTfMICA

portanto, o sua resposta ao desafio das ciências humanas. às


injunções do modernidade. quando despacho para a masmor-
ra os sistemas filosóficos passados que se basearam em postula-
dos científicos ultrapassados. Guéroult recusa-se, portanto, a
considerar a filosofia como tendo concluído sua tarefa. o estru-
turalismo filosófico, a defeso da realidade autônoma dos siste-
mas filosóficos. seNem-lhe de quebra-mar a fim de evitar que a
filosofia venha dlssolver-se no campo das ciências humanas. Ou- O TODO EPISTEMOLÓGICO
tros, mais tarde, Inspirando-se no mesmo método, mas mais
audaciosos, Irão ocupar os canteiros onde brotam as Jovens i
ciências sociais, em vez de se barricarem atrós da legitimação sse impulso ampliou a significação dada ao termo eplste- Il
filosófica. É sobretudo nesse sentido que Guéroult terá poucos
discípulos diretos. O retumbante sucesso do estruturalismo arras-
E mologia. que ultrapassa então o plano estrilo da reflexão
sobre os procedimentos científicos para abrir-se ao social e es-
tou seus discípulos potenciais paro outros horizontes. A ambição tabelecer uma dialética com o ideológico. Esse período estrutu-
de Guéroult situa-se na estrita filiação filosófica, Junta-se à de rallsta é também o d o êxito do reflexão epistemológica. As
Kant e de Fichte "de realizar, graças a esse estruturalismo meto- dtsclpllnas lnterrog'Õrn-se agorÕ s~bre o seu objeto, sobre a va-
dológico, a revolução copernicana que eles não puderam lidade doss eus co;:;-ceitos, sua ambição científica. Os cientistas
conclulr" 13 • Ele censuro a esses dois filósofos terem permanecido são propensos a aba-;donar o filosofia, preterida em favor das
prisioneiros das realidades e de sua representação. Opõe-lhes o ciências do homem. à maneira de Lévl-Strauss.
auto-suficiência dos sistemas filosóficos numa abordagem em É o que ocorre com um dos grandes epistemólogos do pe-
que se reconhece o formalismo do período: ·o objetivo filosófi- ríodo, Jean Plaget: "A unidade da ciência. que é o nosso obje-
co aplicado aos objetos do história da filosofia , / ... / é um modo tivo comum / .. ./ só pode ser realizado às custos da filosofia. / .. ./
de encarar o matéria dessa história, ou seja, os sistemas como Todas as ciências se dissociaram do filosofia, desde as matemó-
objetos que têm em si mesmos um valor, uma realidade que só tlcas. ao tempo dos g1egos, até a psicologia experimental em
o eles pertence e só por eles se explica" 14 • Ao fechamento do º.
fins do século XIX" 1 Libertar-se da tutela filosófica parece ser
~ o sobr~s!_mesm _Q__qps llngQi§las. cor~ ~ ".í)ae, poi ~ Q fecha- paro alguns o caminho a seguir para fazer das ciências huma-
mento do sistema filosófic..o ..sobJe si mesmo, em Guéroult. nos ciências "duras". à maneira das ciências exatas. Jean Plaget
Q_ outro par~nt8 sêõ""'de GuérQYtlcos:Oã3eoôroal'.l.O estrutura- propõe. portanto, livrar as ciências humanas de todo o questio-
~ t u a-~~ _no cará~stgnifi~e da per~lldade filosófica namento exterior ao seu próprio obj e to, que dependeria do
que se encontra por trás do sistema posto o claro, sua intenclo- metafísica. o único c1ltérlo consiste em saber como aumentar
nalldade, a relação de intersubjetividade, o diálogo instituído os conhecimentos num determinado domínio. Plaget distingue-
pelo criação de uma obra, tudo isso é subtraído do mesmo se, entretanto. do paradigma geral por seu interesse pela histo-
modo que a consciência do sujeito falante na lingüística saussu- ricidade das noções utilizadas. e pode-se, a esse respeito, qua-
riana ou hjelmslevlona. De certa maneira, e mesmo que Gué- lificar o seu estruturalismo de genético 17 • Reconhece-se . esse
roult estude sucessivamente Flchte, Descartes, Splnoza ... "não se geneticismo em Jean Piaget na sua teoria da evolução do . per-
lê mais os filósofos. não se estó em relação de comunidade ou cepção na criança. que conhece vórlbs etapas de equlhbro-
de lntersubjetivldode" 1$, mas numa relação de descontinuidade, ção constituídos em sistemas de transformação. permitindo a~m •
de d istanciamento máximo com uma lógica o que é necessá- a assimilação de esquemas. de estruturas novas de percepçao.
rio restituir uma coerência simultaneamente Interno ao autor e A reflexão epistemológica no domínio das ciências humanos
exterior ao leitor. Essa descentralização do sujeito permitiu a é tributário dos mutações em curso nas ciências "duros" e, nes-
abertura para investigações particularmente fecundas que se se plano. constata-se a me$íllo inflexão formalista. O exemplo
dedicaram a Identificar o campo de constituição e de valida- mais Impressionante é a evolução da matemóllca, com o gru-
de dos concel!os. Pensa-se, uma vez mais, na lmportôncla para po Bourbaki. que resultará nas famosas matemáticos m odernas
Michel Foucault de uma tal orientação do trabalho filosófico. nos anos 50 e 60. As matemáticas aplicam-se então a conjun-
tos de elementos cuja natureza não é especificada: elas dedu-
zem-se a partir dos axiomas de estruturas-mãe. O protótipo é a
estrutura algébrica. o grupo é a estrutura de ordem e, enfim. a
estrutura topológico. Reencontraremos esses modelos estruturais
tanto em Claude Lévi-Strauss. por intermédio de André Weil,
quanto em Jacques Lacan. com toda a suo topologia dos nós
borromlonos. dos gráficos... Mas. de um modo mais amplo no
/\
HISTÓRIA 00 éSTRUTURALJSM O

plano metafórico e como condição científica, as ciências hu• sua vida e de sua obra. Ele morre como herói, na Resistência,
manas vão a limentar-se de um discurso lógico-matemótlco que sob as batas nazistas em 1944, aos 41 anos de Idade. A ciên-
permite efet uar generalizações. explicar processos de auto':'fegu- cia. para Jean Cavalllês, é todo ela demonstração, ou seja,
lação para além dos casos concretos estudados. Outros impul- lógica. Dó-lhe o nome de filosofia do conceito. Mas não com-
sos também contaram, como o da b iologia e da psicologia partilha da posição do Círculo de Viena, seu ext remo forma-
experimental com a teoria d g_Gc:2~t. o da~ ~e_rn ética s_ue lismo e sua vontade de construir uma grande lógica na qual as
permite a regulação perfeita e, portanto, a autoconservação matemótlcas encontrariam seus problemas resolvidos. Sua abor-
da estruturo. dagem visava apreender o par operação/objeto, o gesto cria-
~Q.Qd§!.j~n6fn~~nte!ectual. no p lano eeist~ógico, dor do encadeamento das operações do pensamento, aquilo
durante os anos 30.,_.fil!JP·sg_~ a Franç_? : é a conexão entre a que chamava "a Idéia da idéia". O destino do seu pensa-
esse formalismo dos ciências "duras'' e o positivismo lógico que mento vai sofrer as conseqüências do seu b rutal desapareci-
se desenvolve, por um lado, com o Círculo de Viena de Moritz mento. Entretanto, suas teses conhecerão um ressurgimento
Schil,s..k e Rudoif Carnap e, por outro, na Inglaterra, em Cam- espetacular uns vinte anos após sua morte com o êxito do pa-
bridge, em torno de 8 ~ 1 1 . , . . e ainda com a obro de rad igma estruturalista. Ele teró lançado os fundamentos teóricos
Ludwl9 Wittgensteln. ligado tonto ao Circulo vienense quanto o de um estruturalismo conceituai que será retomado nos anos 60. f
Bertrand Russell, a quem se Juntou em Cambridge a partir de 1
No obra que escreveu enquanto foi prisioneiro dos alemães
1911. Esses ló~fender:n_a idéia..de_~ ência unificada, e que só seró publicada depois da guerro 19, Cavallles Introduz o
codifi~ ..9-ê,cutiJ-=dalógicq_
JQ!!J)Q!. em tQ!.U,~~todo conceito de estrutura. Ora, este conceito corresponde jó àque-
·puramente dedutivo. A formalização é proposta, nesse caso, le que vai triunfar, após o parêntese existencialista. Ele valoriza
c omo hOrizÕnte Comum a todas as ciências. Nessa perspectiva, a estrutura como contestação radical das filosofias da consciên-
as matemólicas são integrados como uma linguagem entre ou- cia. Inspirado por Spinoza, Jean Cavaillês empreendeu a cons-
tras. Na medida em que a lógica não estó ligada a nenhum trução de uma filosofia sem sujeito e Já censura à fenomeno-
conteúdo particular, e la oferece-se como quadro comum paro logia de Husserl o fato de conceder excessiva importância ao
explicar a universalidade das estruturas. O Círculo de V iena vai cogito. Também reconhece a orientação formalista que permi-
privilegiar o linguagem na medida em que o problema f ilosófi- te à ciência, segundo Cavaillês, escapar ao domínio do mundo
co primeiro situa-se ao nível da significação; o lógica vai tomar- ambiente, à experiência comum. A verdade da estrutura só se
'"'se a_ sua ferramenta e QJ~':Jª o_ seu.. obje.to. es~encí91. Esse du- dó nas próprias regras que a regem, não existe estrutura da es-
plo Impulso, lógico e lingüístico. delxaró em herança a cha- trutura, metalinguagem. Se os elementos exógenos da estrutura
mada filosofia analítica da linguagem. forem eliminados do campo da análise, cumpre reencontrar,
Diante dessa renovação do pensamento lógico na Europa, em contrapartida, o movimento autônomo, original da ciência
dessa efervescência teórica, a França mantém-se à margem: que desenvolve suas próprias leis. É nesse fechamento que
"isso foi borrado pela ação conjugada de Poincaré e de cumpre permanecer, nessa autonomização da ciência. nesse
Brunschvicg" 18 • Daí um atraso no enslno de lógica, d istanciado estrito ponto de vista que somente considera a sua coerência
das faculdades de Letras e do ensino de filosofia, ao Invés do discursiva. Reconhece-se aí uma semelhança tant9 com a
que se passa em outros centros. A semiótica dos anos 60 pode abordagem dos textos filosóficos que Guéroult preconiza quan-
ser percebido desde esse ponto de vista como um ersatz des- to com o ponto de vista formalista dos semiólogos.
sa lógica que escapou aos franceses.

BACHELARD E A RUPTURA
A FILOSOFIA DO CONCEITO: CAVAILLES

H ó, contudo, um filósofo francês, epistemólogo. cujo obje-


to privilegiado foram as matemóticas e que esteve asso-
E ssa reflexão epistemológica prossegue no pós-guerra ime-
d i a to. àpesà~ do desaparecimento de Cavaitlês, e
encorna -se na pessoa de Gaston Bachelard, que terá um vas-
ciado aos começos do Círculo de Viena: é Jean Cavalllês. Mas tíssimo público e uma Influência profunda. Reencontra -se em
a história irá prematura e brutalmente Interrompe r o curso de Gaston Bachelard o Id éia dq_ e.2ssi~lidad~_ d..e-cÕús!ituir_l!rna
HIS1'ÓRIA DO ESflWIURALISMO l!l, A I XI() NCIA 1 />/SI MI A

c,encia da ciência, a partir do desenvolvimento dos processos e vor da reslstôncla é Imediata para Cangullhem. Numa França
....leiscc5nslíluflvos das p róprias ciências. Abre-se todo um campo de 1940, essencialmente favorável a Pétain. recusa todo ato de
d e reflexão poro o e p istemologia que deve operar a separa- submissão ao regime de Vichy: "Não me formei em filosofia pa-
ção com os in vestimentos do sujei to humano, com o vivência. ro ensinar Trabalho, Família e Pótrla"23, declara ele prontamente
a experiência. O fechamento é aí apresentado como uma rup- ao reitor da academia de Toulouse. Robert Deltheil. Muito mar-
tura epist emológica Indispensável para dar lugar aos próprios c ado pela Segunda Guerra Mundial. o combate que el~ trava
processos do pensamento rigoroso. nem por isso o incita ao otimismo; conservará e t ransmitirá u':"
Bachelard rechaça o evolucionismo e opõe-lhe um relativismo pessimismo profundo que. não obstante, não constitui um obsta-
24
que permite ressituar o percurso científico corno uma longa ca- culo à ação. é um •pessimismo tônico" . , •
minhada. feita de Invenções mas também de erros e desvios. o cominho paro a prova está semeado de lnfortunios e pro-
Bachelard ficou algo Isolado num pós-guerra essencialmente exis- vações, e o morte pairo à sua volta, duplamente. pela guerra
tencialista, mas terá grande repercussão mais tarde com o sua e pelos estudos de medicino que empreendeu e o levam a re-
noção de ruptura epistemológica. a qual será retomada e acen- fletir sobre o proximidade entre saúde e doença, vida e morte,
tuada por Louis Althusser em sua leitura de Marx. ou ainda em razão e demência. Defendendo sua tese em 1943, Essai sur
Michel Foucault com a sua noção descontinuísta da história . quelques problemas concernont te normal et /e pothologique
[Ensaio sobre Alguns Problemas Relativos ao Normal e ao Pato-
lógico]. Canguilhem converte-se. pois, no epistemólogo do ~aber
médico: "O p resente trabalho é um esforço para integrar a es-
peculação filosófica alguns dos métodos e aquisições da med,-
clna"25.
Ele interroga a noção de norma e mostra até ~~e, ponto é
frágil a fronteira entre racional e Irracional. e que e rnut11 procu-
rar um momento fundador da norma, mesmo .em algum corte
O PAP EL SEM INAL DE CANGU ILHEM bachelardiano. o ponto de vista de Canguílhem repele toda vi-
são evolucionista de um progresso contínuo da ciência e . d<;'
razão. Opõe-lhe um ponto de vista nletzscheano. em subst1tu1-

O sucessor de Bachelord na Sorbonne em 1955 é menos


conhecido. Georges Canguilhem vai, entretanto, desem-
penhar um papel Importante na reflexão epistemológica do
ção de um discurso historlclsta sobre a cons!ruç.ão ~o sab.er
médico. uma busca das configurações conce1tu01s e IJ)stitucto-
nais que possibilitaram tal ou tal delimitação do normal e do
período. Retoma a herança de Bachelard de urna reflexão so- patológico. A postu1a que Canguilhem adota leva-o .. portanto,
bre as ciências e dirige o Instituto de História dos Ciências do a re c haçar toda visão. dialética, hegeliana: "Cangutlhem tem
Universidade de Paris. O contraste entre os dois homens é, con- uma alergia absoluta a Hegel"26 • A Idéia de um progresso hlst:Ó·
tudo. gritante: "Bachelard era um vinhateiro borguinhão, de rico é-lhe estranha e fundamenta o pessimismo de sua t,losofla.
transbordante vitalidade; Canguilhem era um homem de alta se no raiz dessa desesperança histórica se encontra o trauma-
tensão Interior, um cátaro. um homem duro, no sentido do rigor tismo da Segunda Guerra Mundial, Conguilhem vê ur1a outra
extre rno"2º. Tendo ingressado na Escola Normal Superior em 1924. razão para O desmoronamento da idéia de progress~. as con-
foi aluno de Alain. A partir de 1936 é professor no liceu de Tou-. seqüências da invenção da máquina a vapor, dos princípios de
louse, onde lhe confiam as funções de metodólogo dos esta- degradação energética, portanto. o princípio de Carn?t: "A po-
giários do magistério: "Quando cheguei à classe de Canguilhem tência motriz do fogo / .. .f c~ntribuiu para a decadencia da
em Toulouse, em 1940, eu pretendia fazer letras clássicas. Can- Idéia de progresso pela introdução em filosofia de conceitos
guilhern estava dando um curso sobre a inversão copernicana elaborados pelos fundadores da termodinâmica. / ... ~ Perceb~~-
através da história, a partir de Kant. Quando descobri esse indl· se rapidamente a morte no horizonte da degradaçao energet1-
víduo. disse para mim mesmo. as letras que se danem, eu ca•21. .
quero mesmo é fazer filosofia"21 • Nesse meio tempo. Canguilhem Esse princípio de explicação ilustra, por outro .1ª~º: o méto~o
começou os estudos de medicina. De início pacifista. como de cangullhem e leva-o a cruzar as fronteiras d1sc1ph,nares a fim
bom discípulo de Alain, a guerra vai fazer dele um resistente de descobrir coerências epistêmicas num mesmo penodo, cortes
ativo, membro da rede Libérotíon-Sud. Sua tornada de cons- transversais fundamentando aquilo o que Michel Foucault cha-
ciência do perigo hitlerista remonta a 1934-1935. momento em mará eplstemes. cangullhem tem. com efeito, em Foucault um
que abandona suas posições pacifista s e "conscientiza-se de
que é impossível tratar com Hitler" 22 • A escolha decisiva em fa-
23. li:>. · · 1985 86
24 B SAINT·SERNIN. f?avue de métaphy$/que et de moro/e, 1one110, , P- ·
20. Pierre Fougeyrollas, entravista com o autor. 25: G. CANGUILHEM, Le Normal et /e palho/oglque. PUF. 1975 (1966). P - 8.
21. lt:,. 26. Pierre FougeyroRos. entrevisto com o autor. . , •
22. G. CANGUILHEM. entrevisto com J.- F. Sirinelli, Généraflon lntet/ectuelle. Fovord, 27. G. CANGUILHEM. 'Lo déc_::>den~~- de J'ldée de progres. /'?evue de méfophysl
11/Sf WA DO l STfWfUfML/SMO

herdeiro direto que, allós, ele reconhece como tal quando faz nele se contenha. Resultaró daí uma abertura sócio-histórico da
o comentório sobre Les Mots et /es Choses [As Palavras e as problematlzação filosófico Inteiramente fecunda. A Influência de
Coisos] no revista Critique. Cangullhem Interroga-se, no conclu- Canguilhem também seró multo Importante sobre ~oda_ a cor-
são do seu artigo sobre essa obro de Foucauit, sobre o que rente althusserlana. Sem dúvida. o terreno de lnvesttgoçao está
quereria dizer Cavoilles quando apelava para uma filosofia de muito distanciado entre a tentativo de revivescência de concei-
conceitos: Não serio o estruturalismo a realização desse desejo? tos marxistas e a reflexão sobre o patológico. mas em ambos
Sem deixar de fazer referência a Lévl-Strauss e a Dumézil. ele os casos estó em questão o status do ciência. a validade dos
vê em Michel Foucauit esse filósofo do conceito para o futuro. conceitos.
Mlchel Foucault, por seu lodo, sublinhou a Importância que Pierre Macherey não se engana sobre a Importância do
teve para ele e para todos os filósofos do seu tempo o ensino obra de Canguilhem. à qual dedica o primeiro estudo aprofun-
de Cangullhem: "Façam desaparecer Conguilhem e não com- dado em janeiro de 196430. É o próprio Louis Althusser quem
preenderão muito coisa de toda uma série de discussões que apresenta o artigo de Pierre Macherey, e saúda essa renova-
tiveram lugar entre os marxistas franceses; tampouco entende- ção do pensamento epistemológico que ro!:!P~ão só com as
rão o que há de específico em sociólogos como Bourdieu. C os- crônicas científicas descritivas. mas tom_pém_ c ~ uma aborg_,Q-
tel. Passeron ... Deixarão escapar todo um aspecto do trabalho gem ldeaiista .9a história do progresso das clênc~ ~ejo ela
teórico realizado pelos psicanalistas e. em particular. pelos loco- ãieca]Lclsto_ ('!' Alembert. Dlderot, Condorcet) ~ d1alét1ça ~e-
nlanos"28. gel, Husserl...). A revolução que Canguilhem representa no histó-
ria das ciências é saudada por Pierre Macherey com entu-
siasmo. •com a obra de G. Conguilhem, possui-se, no sentido
muito forte e não especializado que Freud dava a essa pala-
vra, Isto é, no sentido objetivo e racional, a análise de uma hls-
tório."31
Também no terreno da pslcanólise Canguilhem corrobororó o
ruptura lacaniana em virtude de suas posições a~tipslcolo~lstas.
É essencialmente contra a psicologia que Congu1lhem tera ba·
OS LUGARES DO DISCURSO CIENTÍFICO talhado. Ele opõe a esse saber positivo uma desconstrução do
seu edifício disciplinar ao pluralizar a psicologia em múlllplas
psicologlas32. Essa desconstrução que visa desestabl~zor uma dls-

e angullhem realiza um deslocamento fundamental da in-


t,err<:>g~ t!ad°isio~I o_s::_ercà d~ ] n~stigÕção ~;s ori-
gens num questloname..[lto sobre o lugar. a domiciliação do
cipllno determinada, mostrando que o seu saber nao é acumu-
lável, que engloba paradigmas Incompatíveis, será ulteriormente
dirigida contra a própria disciplina histórico por Mlchel Foucault.
- aiscurso. Isso cuTmin-; no estobêlec1mentô de uma correlação em nome de uma abordagem arqueológica. numa perspectiva
entre o discurso dito e o espaço lnstituclonol que permitiu seu análoga. Georges Cangullhem também Interpela o psicólogo no
surgimento e que constitui a suo base. Essa busca de delimita- plano da ética, questionando-o para saber se ele trab9lha pa-
ção das condições de enunciação do saber científico vai tor- ra a ciência ou paro a polícia. Esse mlst~de_ques.tlou~to
nar-se o eixo fundamental das Investigações de Michel Foucault de ordem soclológlca, de hist~o g_as ciên9.ios e de. consciência
sobre o clínica. a prisão. o loucura ... moral vaLconstituir uma fecunda eplst~mologlo hlstgrJca...france-
Canguilhem também rompe com o concepção cumulativa s<i mas "cumpre admitir que a exposição de Canguilhem sobre
do progresso científico. opõe-lhe uma abordagem simultanea- a psicologia não é epistemológica no sentido em que se enten-
mente desconlinulsto e na qual as fronteiras internos do saber 33
de a epistemologia em toda porte salvo na França" • Essa pos-
científico elaborado estão em Incessante deslocamento, sujeitos tura crítico, especificamente francesa, tem portanto em Georges
a remanejamentos e refundiç ões sucessivos. Portanto. o história cangullhem um Important e Iniciador que se reconhece no ho-
dos ciências não é mqj§_ considerada o elucidação piogresslva rizonte de todos os trabalhos do período estruturalista, mesmo
dÕVeÍdadelro-:-Co~ o de~endamento po;- etapas do verda- que tenha preferido ficar na sombra do paradigma ~ara cujo
de,- mãsteifo de apÕriã's, d~ r;;esés: "O erro é para C-;ngui- nascimento ele teró, no entonto, largamente contrlbu1do.
lhem o acaso permãnenteem torno do qual se enrolam a
história da vida e o devir do homem" 29 . Canguilhem. por essa
30. P. MACHEREY. 'Lo phllosophle de lo science de Congullhem', Lo Pensée. nº
Investigação do campo de constituição e de validade dos con-
113. joneoro de 1964.
ceitos, abre. portanto. uma vasta área de estudos para elucida- 31. P. MACHEREY, /b•• p . 74.
ção dos relações mantidas entre a elaboração do saber das 32 . G. CANGUILHEM, 'Qu'es1-ce que lo psychoio9ie?'. cooler(tncio d e 18 de de·
zamb,o de 1956 no College Phllosophlou<> de Jaan Wahl, reeditado "m ~evue
diversas ciências e o grau de realidade institucional. social. que de métophy,lque et de moro/e, 1958. pp. 12-25, depois <1m Cohlers pour I onoly-
se, nº 2, março de 1966, e em ttudes d ' hlsfo/re ef de phllosophle des sclences,

28. M . FOUCAULT, l?evue de métophy,lque ef de moro/e, jonelto de 1985, p 3


Vrln, 1968.
"'"' ,, r.re ,,...,..,.•••<" , __ ,._,_.. _..... - ..
29 lo n 1.d
FRAN ÇOIS D OSSI: 1 • OS /\NOS CIN QÜLN I A: A (POCA (PICA
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 12. A EXIG~NCIA EPISTlMICA

acima do sentido, ao contrário da análise simbólica que seria


esmagada por este; daí uma concepção kantiar:a da estrutura
à qual Michel Serres adere ao estabelecer uma distinção entre
e strutura e modelo. equivalente à distinção kan tiano entre nú-
meno e fenômeno. Há nesse texto de 1961 a p romessa de rea-
lização de um programa filosófico muito ambicioso, pois se esse
método provém de uma região do saber, as matemáticas mo-
dernas. ele deve poder exportar-se para todos os outros c am-
pos problemáticos . Existe, portanto. uma possibilidade de
A LOGANÁLISE DE MICHEL SERRES e~globar todos os campos do saber. dos mitos às matemáticas,
a partir de um paradigma comum qualificado por Mlchel Serres
de loganállse, ou seja. esse ordenamento realizado a partir da
E ssa filosofia do conceito, assim denominada por Cavoilles,
vai conhecer um ressurgimento espetacular com a obra
de Michel Serres. Nele se conjuga o duplo ensino de Cavollles
acumulação e dispersão c ulturol. Esse avanço conceituai ofere-
ce também, aos olhos de Michel Serres, a possibilidade de rea -
tamento com a abstração do classicismo e de •compreensão
e de Canguilhem numa investigação dos modelos epistêmicos
Instantânea do milagre grego das matemáticas e do floresci-
característicos de uma época. para além dos fronteiras discipli-
mento delirante de sua mit ologia"38, graças ao desaparecimento
nares. A história das ciências é, nesse caso. uma sucessão de
dos compartimentos escolósticos que separam ciência e letras,
estratos. de cortes sincrônlcos: ao paradigma do ponto fixo, da
graças à universalidade e transversalidade h istórica do projeto.
harmonia preestabelecida de Leibniz, segue-se a idade moder-
Enquanto Merleau-Ponty definia o seu programo fenomenoló-
na com a termodinâmica que vale como modelo não só para
gico, em 1960, Michel Serres preparavo-s~ para coloc_a~ em
todas os ciências mas também para as mentalidades, para a li-
órbita, em 1961, o programa estruturolista. E este o que 110 de-
teratura ou as visões do mundo que estão todas Impregnadas
colar nos anos 60.
pelo modelo dominante. É assim que Michel Serres verá operan-
do, nos Rougon-Macquart de Zola, o p róprio princípio da termo-
dlnômlca . Daí resulta uma outra linha divisória diferente da que
separa o saber científico do universo ficcional, os quais se en-
contram reunidos. em última inst ância, na mesmo adesão ao
paradigma dominante da época. Portanto, a mltologla une-se
à ciência do mesmo modo que, em Canguilhem, o patológico
corrobora o normalidade: "Os mitos estão cheios de saber, e o
saber está repleto de sonhos e ilusões" 34• e o erro também é,
por conseguinte. consubstancial à verdade.
Michel Serres será, sem dúvida. o p rimeilo filósofo a definir
um programa global explicitamente estruturalista no campo da
filosofia, o partir de l 96 l35 • Ele vislumbra a ocorrência de uma
segunda revolução do século XX como resultado da utilização
crítica de uma noção Importado dos matemáticas: a noção de
estruturo. Vê em Gaston Bachelard o remate final de um sécu-
lo XIX simbolista que substituiu os arquétipos-heróis por arquéti-
pos-elementos como a terra, a água. o fogo ... O estruturalismo
Inaugura uma nova era cujo método é qualificado por Mlchel
Serres de "loganálise"36.
O novo método visa, pois. a depurar a estrutura de todo o
conteúdo significativo, retirar dela todo o conteúdo semântico:
"Uma estrutura é um conjunto operacional de significação inde-
finida, agrupando elementos em qualquer número. cujo con -
teúdo não se especifica, e relações. em número finito. cuja
natureza não se especifica, mas cuja função e certos resultados
se definem quanto aos e lementos" 37• A análise estrutural situa-se

34. M . SERRES. La Traductlon. M inuit, 1974, p . 259.


35. M. SERRES. ·structure et importotlon: des mothémotk!ues ouic mvth•s· (n o v •m-
• L • • . . _ . . _. . . _ .. __. ..
13. UM REBELDE CHAMADO
JACQUES LACAN

S e Roland Barthes evoca uma Imagem diferenciada do


estruturalismo, dlr-se-6, no ômblto de uma anóiise blnória
própria do paradigma estruturallsta, que Jacques Lacan é a sua
vertente abrupta, encarnaçóo do pai-severo, empenhado sem-
pre em alcançar o mais alto grau de clentlflcldade a fim de
defender a prática analítica. Sua influência no período dos
anos 60 vai ser espetacular mas o essencial de sua obra é, no
e ntanto, anterior e quando os leitores descobrem em 1966 Jac-
ques Lacan por seus Écríts, a ruptura em questóo remonta, na
verdade, ao começo da década de 50. O inconsciente está
no centro do paradigma estruturalista e não somente pelo subs-
tancial progresso registrado pela prática terapêutica que é a
psicanálise; vimo-lo em ação na antropologia preconizada por
Lévi-Strauss e na distinçóo estabelecida entre linguagem e fala
por Saussure. Essa Importância atribuída ao inconsciente ao lon-
go do referido período favorece a dífusóo de que Lacan se
beneficiará.
Oriundo de um melo católico, Lacan depressa renuncia à fé
e simboliza essa ruptura mediante o abandono de uma parte
do seu prenome: Jacques-Marie reterá apenas o Jacques. En-
tretanto, ver-se-ó mais tarde que Isso não basto, de maneiro
nenhuma, para romper com a cultura católica que impregna
uma boa parte da sua releitura de Freud. Lacan, em todo o
caso. conhece aí apenas a primeira de uma longa série de
rupturas. Ele procede por acumulação de sucessivas camadas
sedimentares de um saber que monopoliza em proveito da es-
pecialidade que escolheu, primeiro a neuropsiquiatria, depois o
psicanálise. Adere desde o início dos anos 30 a todas qs formos
de modernidade, oo dadaísmo no domínio da expressc'.'10 artísti-
ca e ao hegelianismo, assistindo aos cursos de KoJeve na École
des Hautes Études: "O ensino de Kojeve exerce sobre Lacan
uma influência no sentido literal desta palavra" 1 • Dele reterá as
lições da dialética hegeliana, em especial a representada pelas
relações senhor/escravo; mas, sobretudo, uma leitura koJeviana
de Hegel que se traduz por uma acentuada descentração do
homem, da consciência, uma crítica da metafísica e a prepon-
derôncia concedida ao conceito de desejo. Essa noção do
desejo encontra-se no centro da teoria lacaniana e retoma a
leitura que Kojêve propõe de Hegel. em que •a história huma-
na é a história dos desejos desejados"2 • Portanto, é Kojeve
quem vai permitir a Lacan postular que desejar não é desefar o
outro mas desejar o desejo do outro. Se Lacan utiliza o ensino
hegeliano para reler Freud, o seu modo extremamente singular
de escritura, o seu estilo, deve-os sobre1udo ao seu interesse pe-
los meios surrealistas. por ele freqüentados com assiduidade.
<>o ,,nc,o e n•wor ,.,,,. ,-, , r
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 13. UM Ul UU DL CW\MADO JACQUES LACAN

Amigo de René Crevel, relaciona -se com André Breton, saúda de lo constftutfon de lo réalité, conçu en relofion ovec /'expé-
em Salvador Dali uma renovação surrealista e, em 1939, posso rlence et to doctrine psychonolytíque [O Estádio do Espelho.
a viver com a primeira mulher de Bataille, Sylvla, com quem so Teoria de um momento estruturante e genético da constituição
casará em 1953. da realidade, concebido em relação com a experiência e a
Desde multo cedo, em 1930, privilegia uma preocupoçõo doutrina psicanalítico]. Nesse momento~ sofr::__~ ~ ~n-
muito particular com o exame da escrita na sua prática psi• c la de q ~ d~slgará mais tard~ a _do _psl~ol~g~n!I -.yãiíortl
qulátrica. É o caso na comunicação que ele escreve a respeito No Início dos anos 30, Wallon percebe uma etapa qualitativa
de uma professoro de 34 anos, erotômano e paranóica. uma realizado pela criança quando passa da fase do Imaginário pa-
certo Marcelle. Ela toma-se por Joana d' Are e imagina ter por ra a fase simbólico. O mesmo processo, agora deslocado para
missão regenerar os costumes. Paro descrever a estrutura dessa o plano do inconsciente, é descrito por lacan: trata-se do im-
paranóia, Lacan parte do exame de suas cartas a fim de de- portante momento constitutivo em qu~ a criança descobre a
marcar nelas as perturbações semânticas e estllísticas3 • Aluno de Imagem do seu próprio corpo. Essa identificação permite a es-
Clérambault, lacan realiza com a análise do caso de Aimée truturação do "Eu" e a superação do ' tose anterior da experiên-
uma reviravolta completa e decisiva. Ao recusar-se a Integrar a cia do corpo dividido. É essa passagem para a consciência de
teoria freudiana no molde do organicismo psiquiátrico. inverte os um corpo próprio em sua unidade que falta aos pslcótlcos; es-
termos tradicionais das relações entre psiquiatria e psicanálise. e tes permanecem num estado de dispersão de um sujeito desin-
Introduz "o primado do inconsciente no estudo clínico"4 • O caso tegrado poro sempre. Essa experiência do estádio do espelho
pslcótico das irmãs Papin acentua ainda mais a idéia do ln- na criança entre seis e oito meses conhece três momentos. co-
consciente como estrutura constituinte do Outro, como alterl- mo na dialética hegeliana. A criança percebe primeiro a sua
dade radical de si mesmo. imagem refletida pelo espelho como a de um outro, que ela
Em 1932, Lacan defende sua tese de doutorado, De lo tenta apreender; permanece na fase Imaginária. Segundo tem -
psychose poranoTaque dons ses rapports avec la personnalifé po: "A criança é sub-reptlclamente levada a descobrir que o
[Da Psicose Paranóica em suas Relações com a Personalidade]. outro do espelho não é um ser real, mas uma imagem"8 • Final-
a qual terá repercussões muito além dos meios psiquiátricos. Ela mente. a criança realiza a sua identificação primordial durante
será imediatamente notado e discutida por Boris Souvarine e o terceiro tempo, conscientizando-se de que essa imagem reco-
Georges Bataille em Lo Critique socíole5 . Lacon rompe com to- nhecida é a dela, mas essa passagem é prematura para que
das as formos de organicismo e Integra a paranóia nas catego- a criança taça a experiência do conhecimento do seu próprio
rias freudianas, cuja estruturo define. Ora, esta não pode resultar corpo: "Trata-se apenas, portanto, de um reconhecimento ima-
de uma abordagem fenomenológico da personalidade: ·o sen- ginário e nada mais do que lsso"9 . Daí resulta paro o sujeito
tido especificamente humano dos comportamentos humanos que ele vai constituir a sua Identidade a partir de uma alienação
jamais se revela com tanto clareza quanto em suo aproxima- Imaginária, vítima dos engodas de sua ldentifícoção espacial.
ção dos comportamentos animais" 6• A partir da sua tese, pode- Se ~ .e_ rn.QI.n~n!s>~ gá como etapa, está~dlo, no sentido
se falar de r~torno a Freud em Lacan, não paro repetir o seu wailoniano. genético ~o _terrno, em L~:}_6.,__L.9c<;1_Q...Yªi ! eternar es-
ensino mas para o prolongar e. em especial, num terreno dian- sa comunlcaçéÍo para o Congresso Internacional de Psicanálise
te do qual Freud tinha deposto as armas: o da psicose. Para de Zurique, em 1949"..,rnas des.!9_ vez a leitura é mais_est~dturolis-
lacan. a · psicanálise deve poder explicar a psicose e, no caso ta do que genética. Com efeito, se a sua comunicação con-
contrário, não prestará paro muita coisa. serva o qualificativo de estódio, Le Stade du míroir comme
OQ_q_e o Lacan· da tese ainda nã<;> é o dos Écrlts é no _seu formateur de la fonction du Je [O Estádio do Espelho como For-
_g~ net.!_c~ ~ Ma~cado p~n®o heg5')1iano:_ L a ~ a perso- mador da Função do Eu], ele já deixou de ser pensado çomo
nalldgd~ ~ituir-se p 9..r eta~s.:.. até a realização do que ele momento de um processo genético para o ser como matriz
chama a personalidade completa que atinge a transparência fundadora da identificação, da relação estabelecida pelo sujei-
hegeliana da ordem da razão numa história completo. Esse mo- to entre exterioridade e interioridade, daí resultando então uma
mento lacanlano ainda é, portanto, "tributário do geneticismo; "configuração inultrapassável"1 º. O qualificativo de estádio não
/ .. ./ a primeira grande doutrina lacaniana é uma doutrina abso- corresponde mais, portanto, ao que Lacan descreve. Por essa
·lutamente genética"7• Em 1936, Lacon ·teve ocasião de exprimir Identificação imaginária, a criança já se encontra, por conse-
esse ponto de vista genético durante o XIV Congresso Psicana- guinte. estruturada em seu devenir, tolhida na armadilha do
lítico lnternaciono! do Mcr:s .. bcd, com sua comunicação, Le que acredita ser a sua identidade, o que torna doravante im-
Stade du mlrofr. Théorfe d'un moment. structurant et génétfque possível e Ilusória todo tentativa, por parte do sujeito, de ter
acesso a si mesmo, pois a Imagem do seu ego devolve-o a
3. /b., p . 124. um outro que não é ele.
4. lb., p. 129.
5 . Ver Boris Souva/ne et ' La Critique soe/ale", sob o direção de Anne íloche, Lo
Découverte, 1990. 8. J. DOR. lntroc:l1.::.;1on à lo fecture ele Lacan, O..noel, 1985, p. 100.
6 . 8. OGILVIE, Locan, /e su/et, PUF, 1987, pp. 20-21. 9. /b. , D ~ lOL
1
HISTÓ RIA DO EST/W TURALISM O 13. UM m UI /l)l CHA M ADO JACQUES LACAN

Portanto. Lacan acentua desde o pós-guerra o corte e ntro Hyppollte recuso o psic ologismo subjacente no noção de dene-
consciente e Inconsciente, a partir de dois registros em sltuoçôo
de exterioridade recíproca: o ser de si mesmo escopo lrre dutl-
velmente ao "ente". ao mundo, à consciência. Esse estódlo c on-
~;J~n~~r~aq~~~r~r~~::~~:~:ga~:e:t~;o:~~~~ ~~:'~ei!~~
v isa Integrar o freudismo como etapa constituinte do logos. do
\,_i.~.L.·~.i
:.~.>
.:•.

verte-se na chave que permite delimitar a repartição entre Espírito tal como Hegel o vê operando no história: ele "queria,
imaginórlo e slmbólico no indivíduo, primeiro passo de uma alie- em suma. mostrar como se poderio incluir a obra de Freud nu-
nação do ego: "Pode-se discernir com J . Lacan no estádio do m a fenomenologia do espíiito contemporâneo. Construiu enge-
espelho uma verdadeira encruzilhada estrutu,ai" 11 . É necessório n hosamente uma nova figura do espírito. a do consciência
ler ness..9..n_o_yg_ abordagem do. estádio º-º
esgellJ..o u~a dupla denegodoro"1s. Ao contrórlo dessa leitura, Lacon considera Freud
influência: ~ <1a _lingüística estrutural, qe ~aussure, que lacan c omo o futuro de Hegel.
descobre ·no pós.guerra graças a Lévi-Strauss, e a dos temos
.!'~l9 egge~ anos, que t.9!!)~m o lugar _d9...9l9.LéJ.L~Ttãna. A
essa essência do Ser, perdldÕ . Üm pouco mais a cada dia no
esquecimento do Ser, à perda inexorável no sendo, correspon-
de essa construção vindoura do ego, após o estádio do espe-
1h o , a qua l vai escapar cada ve z mais ao Eu, ao sujeito
descentrado para sempre de si mesmo: "A discordâncjg..s).r.o·
gresslva__g~ SEl_ estabel~_ce entre o e_go_e .Q .§.e r ÇJP~E?.!lt.YOJ: se-ó
em toda q_b~!QJ\Q.....~.YJca" 12 • -
A ESCANSÃO
Nesse sentido, a partir de 1949, Lacan pertence ao paradig·
ma estruturalista, antes mesmo de se referir explicitamente a
e Locan inova no plano teórico, o mesmo pode ser dito
Saussure (em 1953), pois ~ dio do esp elho _ _ g ~.torl-
Fidad~ .....f!ó-se com9 estrul_uro p ri~~9._.!.!,~ersíveL.. ~..!).ÇIO
p ~ de funcionar d_e _ou!ro ~ o~ o ,senão RO~ ~ ~róprlas.
S dele no plano da prótlca terapêutico da curo e, nesse
domínio, o passo dado converteu-o num rebelde. um psicana-
_Nao exlst-ª,_,J?.2!!anto, p ossibilidade de passar de uma estw.t.ura a lista em ruptura em relação à organização oficial que é o
~~tra, mas tõ~~~__q_e tal'g,ãra fal '"gestão da_dil~.à[utu- Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Intervém por diversas ve-
zes, no início dos anos 50. perante a SPP a fim de justificar sua
~ A partir desse momento, Lacan abandona totalmen te a
prático das sessões com duração vorlóvel. Trota-se de dioletlzor
idéia hegeliana, enunciada em sua tese, de uma possível per-
sonalidade pronta e acabada, transparente para si mesma. o relação transferencial pela interrupção da sessão. por sua es-
Não há mais ultrapassagem dialéttca possível da estrutura inicial. c onsão, em cima de uma palavra significante do paciente,
Em conseqüência, o Inconsciente escapa à historicidade, do c onvidado então o voltar para caso.
Essas sessões de duração variável não tardam em gerar es-
mesmo modo que deixa nas ilusões da imago o cogito, a
consciência de si. Lacan coloca -se uma vez mais a certa dis- cândalo, tonto mais que, como foi constatado pela SPP. elas se
tância da dialética hegeliana do desejo como desejo de reco- transformam no grande maioria das vezes em sessões curtas. e
nhecimento que, para e le, é da jurisdição do imaginário, logo, a té multo curtas. Essa prático vai red~hdar em pomo de d iscór-
do pedido e não do desejo, que só encontra seu lugar próprio dia entre o instituição psicanalítica dticiol e Lacon que, nesse
no Inconsciente. A ldéla loconiana. proveniente de Freud e en- p lano. participo também de mod~(eno no aventuro estruturo-
fatizada, d e divisão do sujeito implica em si mesma uma c rítica lista de rompimento com os oc emismos, com os poderes
do hegelianismo e de sua idéia de saber absoluto, devolvido à estabelecidos. É evidente que e as sessões multo curtas permi-
sua condição de milagre: "Direi mesmo que, de ponta a ponto, tem o Lacan recuperar o máximo de dinheiro num mínimo de
Locan enuncia uma crítica sumamente válida do hegelionls- tempo, fazendo assim da profissão de analista uma profissão
rno"'J. mais lucrativo do que a de chefe de empresa, . melo como
Em 1956, Locon opõe-se o seu mestre Jean Hyppolite. repre- qualquer outro de fazer do psicanálise uma carreira social, acu-
sentante do hegelianismo, ao apresentar a psicanálise como a mulando a leglttmldade científico e a possibilidade de fazer for-
substituta possível não só do hegelianismo mas do filosofia . tuna. o seu gosto pelo dinheiro tornou-se lendário: "Se você sair
Hyppolite fizera uma exposição no âmbito do semlnórlo de Lo- c om Lacon poro ir ao cinema. será obrigado a ir ao Fouquet e
can em começos da década de 50, e que f,....,i publicada em comer caviar. Por que caviar? Porque era o que ali havia de
conjunto com a resposta de Lacan 14• Trato-se da questão da mais caro• 16, testemunha Wladimir Granoff sorrindo porque ele,
tradução do conceito de denegação (Verneínung e,,-n a lemão). como russo, prefere o caviar em pasta ao caviar em grãos. Na
ho ra do toylorismo, Loca n tinha uma noção muito apurada do
rendimento horórlo. Entretanto, alguns vêem aí um ponto de es-
11. A . l EMAIRE. Lacan, Mordogo, 1977, p. 273 .
12. /b., p . 277.
13. M o ustofo Sofouon, entrevisto c om o outor. lõ. v. OESCOM Bes, Les Enjeux ph/losophlque s des années clnquanle, op. ctf., p .
H/Sf RIA DO l:SffWIURAUSM O 13, UM Ili Ili li)/ C III\Ml\00 JI\CQUI S LACI\

tofo [polnt copítonné] do laconismo. uma das mais lmportontos


contribuições do mestre: "A escansão, a pontuação. é o quo
permite estruturar uma frase. O que é a pontuação? É o te m
po do outro. Eis no que ela é uma intervenção fundamental,
na medida em que constitui a articulação com o tempo do
outro. Sem pontuação, o paciente fala sozinho" 17•
Hó uma outra vantagem nessas sessões curtos: é a posslblll·
dade para Lacan de multiplicar o número de seus pacientes e. RELER FREUD
como Lacan quer fazer escola fora da escola. é um meio pa-
ra ele formar uma geração de analistas em sua esteiro. fazer
deles discípulos fiéis, não só para o seu ensino didótlco mas resultado é, em todo caso, impressionante, pois todo
também engajados numa . relação tronsferenciol de dependên-
cia afetivo total ao mestre. A sessão curto tem. portanto, valor
O uma geração de analistas será profundamente marca-
do por Locon, não apenas por seus seminários mas. de um
mercantil mos é também o meio de fornecer uma sólido base modo ainda mais profundo, pelo passagem por seu divã. Poro
à ruptura lacanlono. Essa prótico retorno. oliós, à cura tal como adquirir tal influência, para intensificar o relação transferenciol. a
o entendia o próprio Freud. É certo que não se encontra a es· passagem pelo sessão curta era Indispensável. Jean Clovreul,
cansão em Freud, mos "ele fazia durar certas euros três meses, em 1947. inicio uma análise com Locan quando se encontra
outros seis meses / ... /, o que depende da mesma idéia, a do sob grande angústia moral: "Ele foi o único a me entender co-
ª.
chefe de éscola que lança a suo teoria no mercado"1 É com mo devia ser. É alguém que metaforizava os problemos"22 • Serge
base nessa prático que Lacan será mais tarde excluído da SPP Leclaire trovo conh ecimento com Françoise Deito, que o enca-
e assim acaba vendo-se ele próprio chefe de escola. Existe. minha a Locan e entro t ambém em anóllse com ele de 1949
portanto, essa ,dimensão de proselitismo comum a Freud e a a 1953, tornando-se então "o primeiro lacaniono da história" 23 •
Lacan. Sessões longos com tempo curto ou sessões curtas com Se alguns entram em relação com Lacon a partir do relação
tempo longo. o objetivo é mais ou menos o mesmo. Alguns tronsferencial. outros chegam ao divã depois de o terem des-
consideram hoje. mesmo fora da Escola da Cousa Freudiana coberto nos seus seminários. É o coso de Claude Conté que,
(ECF), que o princípio de escansão é legítimo quando se pen- com formação de psiquiatro mas insatisfeito tanto com a psi-
sa no inconsciente estruturado como linguagem: "Pode-se perfei- quiatria quanto com os comentários feitos sobre Freud, desco-
tamente admitir que uma escansão oportuno intervenha no bre Locan em 1957 e acompanho os seus seminários. A partir
discurso do analisando para sublinhar alguma coiso e, ao mes- daí, relê Freud e realiza, como toda uma geração, esse retorno
mo tempo, ponha um limite provisório à sua fala na transferên- a Freud que Lacan preconizava ... depois estende-se no seu di·
cia para o anolista" 19, diz Joel Dor. lamentando que essa Idéia vã durante dez anos, de 1959 a 1969. Foi essa uma importante
fundamentada e fecunda das sessões em tempo varióvel se contribuição de Lacon. o de ter feito ler/reler Freud, a de ter
transformasse em sistematização das sessões extremamente cur-

i
dado ao freudismo suas cortas de nobreza, um segundo alento.
tas por Inconfessáveis razões económicas. isso num momento, nos anos 50, em que "se tornara mais co -
Outros. como Wlodimlr Granoff, consideram que não hó mais mum considerar Freud um re§peitável ancião. mos qU:9 jó dei-
nado o pensar a tal respeito, além da experiência que teve xara de ser lido' •
124
Lacan depois do guerra quando não resistiu à vontade de pôr Esse retorno a Freud é real' ado, pois, por mediação de La-
um paciente no olho do rua. Locan censurou-se depois por ter con, que se beneficiou disso ocupando a posiçã~ ~o Pai que
cedido à sua impaciência e inquietou-se por não saber se esse enuncia o Lei. Lacan vai e carnar o Nome-do-P01. impondo-se
paciente voltaria a procurá-lo. Ora. na hora combinado. o ana- por seu carisma. distrlbuin<:io as prebendas, maltratando os seus
lista reencontrou o seu analisando no divã: "Nesse dia, o mundo vassa los. correndo o risco de transformar alguns dos seus fiéis
balançou. Ele bol'ançou como todo vez que um analista foz al- em simples reproduções miméticas do Pai fundador, mos garan-
º.
guma coisa de ordem transgressiva" 2 A partir dessa descoberta, tindo um incontestável sucesso à disciplino psicanalítica. que
Lacon começou a encurtar o tempo das sessões. e pôde cons- conhece então no França uma espécie de Idade de Ouro.
tatar. a cada vez. que Isso não incitava de maneira nenhuma
os seus pacientes a deixá-lo. Além dessa experiência pessoal,
essas sessões curtos, enquanto doutrino terapêutico, "não apre-
sentam qualquer interesse, não lesam ninguém. nunca ajudaram
ninguém e não constituem crime" 21 •

1 7. Gennie lemoine. entrovisto com o autor.


16. Jeon Laplanche, entrevlslo com o autor.
l 9. Joel Dor. entrevisla com o aulor. 22. Jean Clovreul. entrevisto com o aulor.
20. Wlodimir Gronoff. enlrevisto com o autor. 23 . 1:. ROUOINESCO. Hlstolre de la psychana/yse em Fronce, op. clt.. p. 204.
14. O CHAMADO DE ROMA (1953):
O RETORNO A FREUD

S e o chamado de 18 de junho de 1940 fez do militar de


Gaulle um político, o discurso de Roma de Lacan. em
setembro de 1953, consagra o psicanalista. Mos esquece-se
com muita freqüência que ele foi, em primeiro lugar. psiquiatra
e. a esse respeito. suas tomadas de posição devem ser ressitua -
das no contexto epistemológico dessa disciplina. Ora. n º2.._0QOS
~O.!--a pS!_quiatria é o que estó em jogo num grande debate em
to~ da_ qu~stão da afasia, entre localizaçlon~tas e ,gtoballs!_as
no tocante à topologia cerebra11. Alguns consideram ser possível
locallzãr os distúrbios nos diverso; componentes do cérebro: Kurt
Goldstein. retomando as teses da teoria da Gestatt, rechaça es-
sa perspectiva reducionista que consiste em atribuir ao distúrbio
uma lnstrumentolidade localizada. Ele preconiza um enfoque es-
trutural, segundo o qual a modificação neuronal afeta o funcio-
namento do cérebro como um todo. Esse debate, aliós. tem
um prolongamento fora do meio psiquiótrico com a publicação
em 1942 de Lo Structure du Comportemenf. de Merleou-Ponty,
que defende o posição globalisto de Goldstein. A noção de
estrutura. não assimilóvel. porém, à que seró utilizada no perlo-
d o estruturalista. já constitui. portanto, um objeto central de
reflexão no meio onde evolui o jovem psiquiatra Lacan.
Ora. a psiquiatria continua sendo para Lacan um horizonte
de suma Importância. não só por sua formação Inicial mos pro-
longada por uma amizade muito profunda com aquele que se
tornou o papo da psiquiatria: Henry Ey. Este último foz uma car-
reira hospitalar. torna-se médico-chefe dos hospitais psiquiátricos
e assume um posto, perto de Chartres, no antiga abadia de
Bonneval. Henri Ey transforma esse ~c::tcal numa encruzllhçida de
Importantes encontros teóricos; organiza ai colóquios regulares
em que se reúnem psiquiatras e pslcançlistas. Por ouflo lado. é
ele quem forma praticamente toda a 'rova geração de psi-
quiatras: "Ele tem, pois, um conslderáv~I peso moral e é ele
quem se torna o promotor do Idéia de estrutura em psiquiatria.
Nós. os jovens psiquiatras do época. estamos por Isso Inteira-
mente famlliarlzados com o pensamento estrutural no momento
da eclosão do estruturalismo; simplesmente, o estruturalismo que
foz um tremendo barulho não tem nada a ver com lsso" 2 •
Caso sintomático de uma conversão da psiquiatria à psica-
nálise em meados dos anos 50, Claude Dumézil, filho de Geor-
ges, seguia o duplo ensino de Henri Ey e de Daniel Lagache.
mos não estava_ ~atisfelto C:_<:?m ~ di59u~~ulótrico vgcilan-
do entre considerações fenomenológicas. um glscu!!e_psicologl-
zante e uma saída formocológlca. Sente-se num beco sem
saída quando descobre e..; sainte-Anne os seminários de Lacan

' ,.,_...,. ..,. a ......"' •nhovlsto com o outor.


_ .,....,- ---------------,.-.,..,,.-,..,"Çu-1'..-rrr,..,,n--------------.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 14. O C /11\M I\ IJO 1) / IW MA (1 953): O l~UORN O A mLUD

em _1954: "Era verdadeiramente um discurso categórlco"3, É 0 p o rtanto. esse_ duplo e p_§lri_goso obstóculo: por u_r:na_ p<:Jrte. uma
partir desse choque que ele empreende a leitura da obra de p slcanóllse em via~ de ~ er o seu ob]e~ ~lente, em
Freud. A fala de lacan produz nele "um poderoso afrodisíaco proveito de uma psicologia dinâmica e, por outra. a me.dicall-
para o pensamento. punha a cabeça para funclonar"4, o dls- zação de tod~ ~ a t ~ . por conseguinte, a
c~rso d~ laca~. e':1 sincronia com sua experiência clínica coll- dissolução da pslcanólise na psiquiatria. Nesse sentido, a inter-
drana, tinha nao so valor teórico mas desempenhava também venção de Lacan provoca um sobressalto quase gaulliano: "Sua
para seus ouvintes, o papel de associações livres e, ao mesm~ e ntrada em cena prestou incontestavelmente um grande servi-
te,:npo, de interpretação destas. Além disso, a partir dessa clrcu- ço. Ela deteve uma espécie de maré de lama, de imbecilida-
la~rdade, ele manipulava uma relação transferencial com O seu des analfabetas, em que o governo francês da análise estava
publico. A fala de lacan levava para além do que ela signifi- prestes a atolar-se"8 •
cava. conforme pôde teorizar. Que se a julgue com este depol- Wladimlr Granoff. para ilustrar esse estado de perdição do
~ento de Claude Dumézil, neófito na época: "Quando me pensamento analítico, sofrendo de metóstases mortais, adota o
inscrevi nos anos de 1954-1955 no semlnório de Lacan, ele ló exemplo do tratamento no pós-guerra de uma regro da prótlca
falava do nome-do-pai e eu entendi: não do pai. Portanto. não analítica que é aquela segundo a qual o paciente deve pagar
compreendo nada do que estó em jogo mas, apesar de tudo, as sessões a que faltou. Ora, os princípios que regem essa prá-
com esse erro, estou ainda assim completamente por dentro do tica não são periféricos, em absoluto, mas, pelo contrário. têm
05 valor axiomático: "Finda a guerra, inscrevi-m~ numa anólise de
tema' •• A tal ponto por dentro do tema que o filho de Georges
Duméz1I e~t~a em anólise com Lacan pouco depois, em 1958 . controle com alguém que era portador das maiores esperanças
Mas. n<:> diva, descobre um outro registro: "É .um horror, de súbi- da Sociedade de Paris. Mourice Bouvet. Fiz parte da primeira
to a brilhante personagem torna-se muda como uma carpa 0 geração de analistas entregues à supervisão de Bouvet. Em
homem sedutor estó roubando minha grana. Aí, jó não se t~a- controle coletivo, um colega relata o caso de seu paciente
ta mais de uma questão de conceito, mas como Isso sangrai"º que nesse momento estava doente e não comparece, portan-
A_recusa..do_PS.i.GQ{Qglsmo e~ve, portanto, na o r i g ~ sedu- to, às sessões. O que fazer? Esse grande teórico Bouvet. após
Ç.Q.2...Y~~~elo discurso lacanlano, da via crucis que daí ter maduramente refletido, respondeu: 'Pode-se fazê-lo pagar
resultou e da c ~ ê f í n t t í v ã -ém°'favor da psicanálise. Foi es- até aos 38º de febre, para além disso, nãol' Evidentemente, é
se o caso para numerosos psiquiatras na época. uma sonda, um termômetro enfiado no traseiro de uma discipli-
na. E, no entanto. Bouvet era um digno rep resentante seu. eml·
nente e convincente" 9 •
Nesse domínio, como nos outros, a intervenção de Lacan foi
salutar. na medida em que proporciono à prática analítica,
além das lnspiraçôes teóricas. garantias científicas sólidas. regras
de funcionamento rigorosas que lhe permitem apresentar-se co·
mo ciência autônoma, dotada de procedimentos claros que
('\<;, ....-'1- \ f:' \,,1) validam o seu grau de científicidade. Esse saneamento do pen-
O SOBRESSALTO NECESSÁRIO samento e da prática contribui então, de forma conslderóvel,
para a mudança da lrn~m social do psicanalista que. até

M as qual era a situação da psicanólise em meados dos


anos 50? O freudismo parece seguir um caminho que
então, era visto um pouco orno um perigoso bruxo e que vai
ser doravante considerado u homem de ciência: "Na época,
quando um psicanalista saía ~ noite e convidava uma senhora
ameaça arrastó-lo para a perda de sua identidade: "O que se para dançar, ouvia dizer: 'Me!,J Deus, você estó querendo me
tinha em 1950 como freudismo era uma espécie de molho me- analisar!' Os analistas conduziam-se assim. Ora, eles começaram
di~inal bloióglco" 7 • É certo que essa tendência para a biologlza- então a se conduzir como participantes num trabalho, como
ç ao da ruptura psicanalítica tem raízes na própria obra de cientistas. É uma nova identidade que nesse momento se abre
Freud . Ela pode apoiar-se no seu fllogeneticismo, mas essa é para eles"1º. Esse sobressalto científico Interveio no momento cer-
Jus!amente a vertente de Freud pela qual ele permanece prisio- to. A conjuntura global é, ~ ~~o. ~ vo&yel: el.ç U~- n,ão ofe-
neiro do positivismo de sua época. Ora, a leitura dominante de rece mais a perspectiva mobili!,9dç,!2_ ~ 9.~g!!,Q _sie créd1to para
Freud na Fr<:mça, nos anos 50. Identifica pulsão e Instinto, dese-
jo e necessidade. Considera-se então Freud um bom médico
que trata as neuroses com uma eficácia reconhecida . Havia.
- -- --- --------
a mudãriçÕ coletiva da sociedade, e isso !m:,Qt.e_ç~. uma atitude
social feitâ de recuo, de retorno de cada pessoa ........
11
a ss~ mesma.
A psicanállsé torna-se o novo "Eldorado" no finÕI dôs anos 50.

3. C laude DumézU, entrevlsla com o autor.


4. /b. 8 . Wladlmir Granoff. entrevista com o autor.
5. /b. 9. 10.
6 . /b. ,n lk
HISTÓRIA DO t:STRUTURALISM O 14. O C IIA MAOO D I ROMA (1953) : O l~C. I OUNO A lf?WI)

A RUPTURA TODOS OS CAMINHOS LEVAM A ROMA

.O momento-chave dessa ruptura lacanlana situa-se em


1953, quando uma rebelião interna na SPP se opõe o
Sacha Nacht, que tem a Intenção de reservar o reconhecimen -
E
sse retat6rlo de Roma é simultaneamente um retorno a
Freud, revisto por Hegel. Heidegger, Lévi-Strouss e uma pi-
tada de Saussure. Lacan Já aumentou a sua esfera de influên-
to do diploma de analista exclusivamente para os médicos no c ia nessa data. pois é uma das personalidades psicanalíticas
novo lnstltut de Psychanalyse. Sacha Nacht é derrubado dos mais notórias no França e, para fazer seus seminários, abando-
suas ~unções de diretor e Lacan é eleito novo dirigente: mos na O domicílio de sua mulher, Sylvia. trocando-o pelo anfiteatro
ele nao busco a cisão, pelo contrário. · foz o impossível por pre- do hospital de Salnte-Anne, onde pode acolher um público
servo r a unidade da escola francesa. Não tardou em ser multo mais numeroso. Para definir essa nova doutrina em gesta-
levado a se demitir de suas responsabilldades e a ceder O lu· ção de um freudismo renovado, sustentod.~ pela nova Société
gar a Daniel lagache que, este sim, provoca o cisão da SPP. França/se de Psychonolyse (SFP), Locan apoia-se desta vez expH-
Lacan, minoritário, deve em seguida demitir-se também da s0 • citamente no paradigmà estruturalista que se assume como a
ciedade. Ê nesse contexto de crise aberta que Lacan pronun- próprio expressão da modernidade em ciências soci<:1~s. Laca~
cia em 1953 o seu "Relatório de Roma•. conclomo paro que se reencontre o sentido da expenencla psi-
Deve. portanto, abrir um caminho atraente, um caminho canalítica. Tem por ambição assegurar-lhe o acesso ao nível de
francês para o Inconsciente. Para obter êxito nesse empreendi· uma ciência: "Para alcançar esse objetivo não poderíamos fazei
mente, procura bases, garantias institucionais e teóricas. Locan nada melhor do que retomar. à obra de Freud" 13 . Isso significa,
part~ em busca de pontos de apoio do lado das duas organl- em primeiro lugar, mante~o.cJa o destjno do psicanóllse
zaç oes de massa que são, na época, o Partido Comunista nos Estad~.ru>s,_ q!l_de ela se perdeu . no pragmatismo.. La~an
Francês e a Igreja Católlca. Transmite uma cópia do seu dlscur- denuncia aí O behavior[§!Jl.O.....§!!L ação,. o qual tem por finalida-
s<? d": Roma a Luclen Bonnafé, membro do PCF, para que a de O simples adaptação do indivíduo às normas sociais. uma
d1reçao do partido esteja atenta às teses que ele desenvolve12 função de ordem, de normalização representada pelos traba -
e envia uma longa carta ao seu irmão Marc-Frànçois, que é lhos de Erich Fromm, Sullivan ... Esse retorno deve fazer-se a par-
monge e a quem pede que interceda a seu favor junto ao tir de uma atenção especial à linguagem: "A psicanálise só tem
p~pa Pio XII a fim de obter uma audiência que lhe será recu- um veículo: a fala do paciente. A evidência do fato não é
sada, apesar da ordem trinitária na qual Lacan acabou de desculpo para que se o negligencie" 14 • Nesse domínio. L~can
redefinir o freudismo. Há nessas duas tentativas frust radas a justifica o sua práticcf\da escansão da sessão e opõe à parada
preocupação de dar um segundo alento à psicanálise, de re- cronométrico a lógic°\ interno da ~ramo do dls~urso do P?clen-
frear a crise mediante uma estratégia ofensiva e .dinâmica de te. A prevalência a9ordoda à linguagem af11mo-se 01 com
aliança. Se Lacan acende uma vela a Deus e outra ao Diabo forço e clareza: "É <f mundo das palavras que crio o mundo
ta·mbém se nutre de todos os alimentos intelectuais. no que foÍ das coisa 5 •1&. Lacan,,retoma o corte estabelecido em sua comu-
mais bem-sucedido. nicação de 1949, é'm Zurique sobre o estádio do espelho. entre
0 imaginário e o simbólico. Longe de uma continuidade entre
as duas ordens, o simbólico serve para o sujeito se distanciar de
sua ·relação cativa com o outro. Na curo, o simbolização ope-
ra-se graças à relação transferencial com C: analista, dupl<:J-
mente Investido na posição do outro Imaginário e do outr_?
simbólico. daquele que se supõe ser detentor do saber. A ,~na-
lise preenche, portanto. essa função simbólica e Lacan apoio-se
em As Estruturas E/ementares do Parentesco de Lévl-Strauss: • A
lei primordial é, pois, aquela que. ao regular a aliança, sobre-

13. J . LACAN. 'Ropport de Rome", 1953, (crffs I. op. clt.. p. 145.


14 /b. o . 123.
- - - - - -- r- ~ r,,;, J\ r.rOÇI\
cr.r-r'l'lVOTr-l:::WfWU1
f.STfWTUfMLISMO l?OMA (1953): O f?ETORNO A Fl?EUD

põe o relno do cultura ao reino do natureza. entregue à lol do gôo'; "O ser humano caracteriza -se pelo foto de seus órgãos es-
acasalamento. O tabu do Incesto é apenas o seu pivô subivll tarem foro dele". No seu discurso de Roma, Lacon opõe essa
vo / .../. Portanto, essa lei faz-se conhecer suficientemente como função simbólico, que fundamenta a Identidade do homem. à
Idêntica a uma ordem de linguogem" 16. linguagem dos abelhas. que só vale pela fixidez da relação es-
Lacon. numa abordagem que recorre à filosofia de Heldeg tabeleci do com o realidade que elo significo. Locon encontro,
ger, considera que a noção de ciência perdeu-se desde o portanto. no signo soussuriono, cortado do referente , o núcleo
Teóitetos. lenta degradação acentuada pela fase positivista que quase-ontológico do condição humana: "Se se quiser caracteri-
subordinou o edifício das ciências do homem às ciências expo zar essa doutrina da linguagem. cumpre dizer, em suma, que
rlmentois. O sobressalto. o retorno às fontes, deve provir da lln e lo é abe.1tomente criacionlslg._A.li.Q.g\.l.QQ~~~~criodqro" 21 • A
güfstlco . que encontra a partir de 1953, para Lacan. o seu existência humãnan ã o ~ outro lugar para Lacan o não ser
papel de ciência -piloto: ·A lingüística pode servir-nos aqui de esse nível simbólico, e encontro naturalmente Soussure e Lévi-
guio, pois é esse o papel que elo recebe diretamente do on Strouss nessa preponde rância conferida à linguagem. à cultura.
tropologlo contemporânea e ao qual não poderíamos ficar à troca. à relação com o outro.
lndiferentes" 17 • A referência é explícito a Lévi-Strauss que, 001 Em Roma, Locan apropriou-se. pois, da cientlflcldode do lin-
olhos de Locon - v oltaremos a trator deste ponto - avançou güística: ºEle estava muito feliz por poder se apoiar em algo
mais no próprio terreno do Inconsciente freudiano do que oa que tinha um suporte científico. Isso fazia porte Integrante de
psicanalistas profissionais; e a ·chave dÕ seu êxitÕêncÓntra-se no um projeto. o de expor e explicar a pslconóllse de um modo
implicação das estruturas da linguagem. mormente fonológicas, científico 022 • Locan oferece então à psicanálise o possibilidade
nas regras da aliança terapêutico. de desafiar a filosofia, aproximando-se dela, desmedlcallzando a
A releltura que Lacan faz de Freud Inscreve-se na filiação abordagem do inconsciente e preconizando, p elo contrórlo, o
saussurlana, ao fazer prevalecer a dimensão sincrónica: "Enfim, a abordagem do inconsciente como discurso. É um novo desafio
referência à lingüística nos introduzlró no método que. ao distin- lançado à filosofia, proveniente de uma pslcanóllse renovada.
guir as estruturações sincrónicas das estruturações diacrônicas na revitalizada, e que pretende ser a sucessora do discurso filosófico.
linguagem. pode permitir-nos compreender melhor o valor dife-
rente que a nossa linguagem adquire na interpretação dos
resistências e do transferêncio" 18• Nesse sentido, ele também par-
ticipo plenamente do paradigma estrufürallsià e Incito a uma
no~o le ltu!.Q _d ,e Freud que npo aceite. mais como essencial o
teoria das.Jases suc~sslvas mos refira estas a uma estrutura edí·
pica de base caracterizada por sua universalidade. autonoml-
zad_a em Tu1oção -às contingências temporÔis_e espg_c ioi~ ló
presentes o~ s de,).29.9 a..b.!àória: "O que foi multo importante O RETORNO A FREUD ATRAVÉS DE SAUSSURE
do parte de Locon foi introduzir essa perspectiva sincrónico, em
substituição da perspectiva diacrônlca•19 _ Ao contrórlo de Sous·
sure. cujo objeto privilegiado é o língua {/on_gueJ. Locan privile- m 1953, é sobretudo Indiretamente, pelo obra de Lévi-
gia o fota [parole). deslocamento que se tornou necessário peta
prática do ·curo. Mas essa fato nem por Isso representa a ex-
E Strauss. que Locan tomo conhecimento de Saussure. De·
pois de 1953. porém. ele apr~ undo a questão trabalhando.
pressão de um sujeito consci~nte e s~or do seu dizer, multo desta vez d iretamente. com o Curso de Ungüístlca Geral. Esta
pelo contrário: "Identifico-me na linguagem, mas somente para segunda leitura fornece a Locqn todo um vocabulário novo,
me perder neta como objeto" 2º. Essa falo está cortad o poro oriundo de Saussure, de que el+ se aproprio e usa com brilho
sempre de todo a êesso ao real, ela só veicula significantes que em 1957 em L'lnstance de lo leffre dons l'inconscient [A Instân-
se remetem entre si. O homem só existe por suo função simbó- cia do Letra no Inconsciente). Nesse Importante texto, Lacon
lica e é por ela que deve ser apreendido. Lacan apresento, apóia-se totalmente no lingüística estrutural e cita com tonto
pois, uma inversão radical da idéia do sujeito pensado como o fervor Soussure quanto o seu amigo Jokobson. que vem regular-
produto do linguagem. seu efeito, o que implica a fomosa fór- mente vê-lo em Paris, tendo escolhido o seu domicílio parisiense
mula segundo a qual •o inconsciente está estruturado como na residência de sua mulher Sylvlo. Lacon situa-se então dentro
uma linguagem•. Por conseguinte, não hó por que procurar o do saussurionlsmo, cujo conceltualizoção retoma, ainda que
essência humana em outros lugares atém da linguagem. É o adaptado aos seus propósitos: "É todo o estrutura do linguagem
que Lacan quer dizer quando afirma que •a língua é um ór- que a experiência psicanalítico descobre no inconsclente"23 •
Aposso-se do algoritmo de Soussure que. para ele. fundamenta
16. lb., p , 156. a clentiflcldode do lingüístico: ·o signo escrito assim merece ser
1 7. lb., p , 165.
18. lb.. p , 168.
21 . 8 SICHEl'l E, L• Moment /ocorl.;,n. Grosset. 1983. p . 59.
19. ílené Major, entrevisto com o autor.
FRANÇOIS OOSSE 1 OS ANOS C INQÜENTA: A ÉPOCA ~PICA
-H-IS-TÓ
~R- IA DO ESTRUTURALISMO 14. O CHAM ADO DE ROM A (1953) : O RETOf?N O A FREUD

atribuído a Saussure"24. embora submeta o algoritmo saussurlano senvolvim e nto do discurso e assimila esses dois processos ao
a um certo número de modificações muito significativas do mecanismo de funcionamento do inconsciente que, estruturado
perspectiva lacanlana. Modifica-lhe a simbolização ao atribuir como uma linguagem, situa-se em total isologia em relação às
uma maiúscula ao significante e ao relegar o significado paro regras desta última .
a minúscula. No mesmo espírito. a prevalência do significante o
faz passar para o lado de cima da barra, contrariamente à suo
posição em Saussure: { .

Faz desaparecer as setas que Indicavam, no CLG, ·a relação


recíproca das duas faces do signo. seu caróter indissociável. co-
mo a frente e o verso de uma folha de papel. Finalmente, se
se encontra a barra saussurlana. Lacan interpreta-a, não como
o estabelecimento de relação entre o plano do significante e o O INCONSCIENTE
do significado mas. pelo contrário. como "uma barreira resisten- ESTRUTURADO COMO LINGUAGEM
te à significação"2s.
Os lingüistas têm. pois, de se sentirem desconcertados com o
uso que é feito de Saussure, mas percebe-se muito bem o pon- condensação freudiana é assimilável, portanto, ao pro-
to de vista de Lacan, que também aqui participa inteiramente
do paradigma estruturalista. esvaziando ainda mais radicalmen-
A cesso metafórico. ao passo que o deslocamento freu-
d iano aparenta-se à meton ímia. A metáfora funciona como
te o referente, relegando para um lugar secundário o signifi- u ma substituição significante e revela, pois, a autonomia e a su-
cado que experimenta a cadeia significante num movimento p remacia do significante em relação ao significado. Para ilustrar
em que Lacan introduz "a noção de deslizamento incessante esse fenômeno, aproveitemos o exemplo elucidativo de Joel
do significado sob o signiflcante''26 • 9 .s1;1jeito..encon.tt..a-se descen- D or29, a saber, a utilização metafórica do termo "pe ste" para
trado, efeito de sl_g_!)ificant~_r~~tg_~le próp~io para um d esignar a psicanálise. qualificativo empregado por Freud ao
outro significante, ~Q_Ql_o..duío da 1in gu9.9em que fala nele. O chegar aos Estados Unidos:
Ln.ç_o])sciente_ ~ , portanto, efeito de linguagem. de suas re-
gr~_Q_~seu G..,ódigo: "O cogito filosófi co estãnõ.õco dessa Sl Imagem acústica: "psicanálise"
miragem que torna o homem moderno tão seguro de si em sl conceito de psicanálise
suas incertezas sobre si mesmo"; "Eu penso onde não sou. logo
eu sou onde não penso"27 •
Essa nova visão de um sujeito descentrado, cindido, é inteira- S2 imagem acústica: "a peste"
mente coerente com a noção de sujeito que está atuando, na s2 conceito de peste
época, nos outros campos estruturalistas das ciências do ho-
mem . Esse sujeito é. de certo modo, uma ficção que só tem
existência emv irtÜde de sua dimensão simbólÍC~ nificon- A figura metafórica vai de
fe. Se h<'.C 'preponc:iêrâiic iado significante sÕbre ~ gnificodo Sl por S2:
não se trata, porém, de esvaziar o significado: "O fenômeno
analítico é Incompreensível sem o duplicidade essencial do sig-
nificante e do significado"28 . Subsiste, pois, uma interação desses
dois planos diferentes que Lacan refere à descoberta freudiano
do inconsciente, o que faria de Freud, aos olhos de Lacan, o
primeiro estruturalista. O significante faz até o significado sofrer
uma espécie de paixão. Conforme se pode medir aqui, Lacan
f ~ que conc.eitqs de S~ussl!!~ ofram um certo núme·ro s2
de torções, e se a n.Q.Ção de deslizamento do significado sob o
s!gnificandu_nüo.Jiü ba_s.e.r:illffo algum para Saussure. tOmbém, Essa substituição faz passar Sl para debaixo da barra de sig-
.QQ..Ol~ ~aneira, a noção de inconsciente lhe escapava. nificação, tornando-se o novosignificado e expulsando assim o
Lacan retoma as duas grandes figuras de retorica 1áu tTilzadas antigo significado s2 (idéia de doença, conceito de peste). La-
por Jakobson, a metáfora e a metonímia, para explicar o de- can. com a figura metafórica, mostra que a cadeia significante
rege a ordem dos significados e adota em 1956, no seu semi-
24. lb.. p . 253.
nórlo, o exemplo da novela de Edgar Poe. A Corto Roubado,
25. J. LACAN. 'L.instonce de lo lettre dons !'inconsciente ' , t crlts 1, op. o /1., p . 254 . para d e monstrar a prevalência do significante, "a Imbecilidade
HISTÓl?IA DO ESTRUTURALISMO 14. O CIIAMA/JO DL f?OMA (1953): O RCTORNO A 1-REUD

realista• e o fato de que "o deslocamento do significante detor Inconsciente. Apreende-se em que o aspecto formalista do es-
mina os sujeitos em seus atos. em seu destino. em sua recusu, truturalismo encontra sua eflcócla na prática da cura. E Lacan
em suas ceguelras" 30. No decorrer da novela de Poe, todos 01 aconselha aos analistas que se Iniciem na lingüística: "Se quise-
autores, o Rei, a Rainha, Dupin, deixam-se ludibriar sucessivo rem saber mais, leiam Saussure, e assim como um campanário
mente em seus lugares respectivos, enquanto a carta circula pode esconder até um sol, esclareço que não se trata da assi-
sem que eles o saibam. Cada um é induzido a conduzir-se por natura que se encontra em pslcanóllse mas de Ferdinand. de
influência dessa circulação do significante (a carta), sem que quem se pode dizer que é o fundador da lingüística
lhe conheça o significado (o conteúdo). Por outro lado, nessa moderna"33 . Portanto, é a própria estrutura da linguagem que
busca da carta, a verdade esquiva-se sempre e Lacan retomo confere seu status ao inconsciente em lacan. e permite assim
o tema heideggeriano da verdade como otéthéío. o significon objetivá -lo, tornar acessfvel o seu modo de funcionamento .
te (a carta) brilho por sua ausência. Freud já tinha dito que o sonho era um enigma e Lacan toma
Outro procedimento retórico utilizado pelo inconsciente é 0 aqui Freud à letra. Mas a busca da significação final do enig-
metonímia. Tra to-se de uma transferência de denominação que ma é constantemente adiada pela cadeia significante que
pode apresentar-se sob diversas formas: a substituição do con - e ncobre para sempre a verdade a partir de pontos de estofo
teúdo pelo continente, "eu bebo um copo", a designação da que é possível, por certo, assinalar nas relações significantes/sig-
parte pelo todo, o fato de tomar a causa pelo efeito ou 0 nificados. mas aos quais falta radicalmente a d imensão inco-
ab_strato pe1o concreto. V:jamos d? novo o exemplo dado por mensurável do Real. atribuída ao impossível.
3
Joel Dor . com a expressao metornmica •ter um divã" para sig- Lacan também empresta seu vocabulário a um outro lingüis-
nificar "estar em análise·. A figura metonímica Implica neste ta, o gramático Êdouard Pichon. que já sublinhara a divisão
caso uma relação de contigüidade com o significante anterior e xistente entre o "Eu" (Je) e o "ego" (m01). Lacan ·retoma essa
que substitui: distinção separando desta vez radicalmente o ego, condenado
ao imaginário do "Eu", sujeito do inconsciente, ele próprio dividi-
Sl imagem acústica: ·anóllse" do a partir de uma dupla estruturação que corta para sempre
sl idéia de estar em anóllse o "Eu" de todo acesso ao sujeito do desejo, tal como o Ser hei-
deggeriano é inacessível ao ente. Em 1928. Pichon Introduz um
S2 imagem acústica: "divã" conceito que vai tornar-se uma noção capital do laconismo. o
s2 idéia de divã de foraclusão. Trata-se de designar o fracasso do recalque ori-
ginário. Ao contrário do processo de recalque que permite ao
neurótico trabalhar para o retorno do que foi recalcado, "a fo-
raclusão, pelo contrário, jamais conserva o que rejeita: ela o
risca ou apaga pura e simplesmente" 34 • A foroclusão que vai
~ - ,...,....,__
~ S2 ( ...... Sl) s2 acarretar a psicose está ligada à confusão dos dois planos do
significado e do significante. A alteração do uso do signo lin-
~ sl güístico fundamenta, portanto, a patologia do psicótico: "O
@] esquizofrênico vive, pois, num mundo de símbolos múltiplos, e é
a dimensão do imaginári.o. dos conceitos, o que, nesse caso.
A diferença aqui em relação à metáfora reside no fato de está alterada. Para o delirante. pelo contrário, um único signifi-
que o significante excluído não passa para o lado de baixo da cante pode designar não importa que significado. O significante
barra de significação; em contrapartida. o significado s2 (idéia não está ligado a um conceito definldo"3!>.
de divã) é expulso: • As noções de metáfora e metonímia cons- Ao constatar a que ponto a ordem do significante é central
tituem, na perspectiva lacaniana, duas das peças-mestras da para Lacan, não se pode concordar com o lingüista Georges
concepção estrutural do processo inconsciente•J2. Mounin quando vê na utilização do conceito de significante por
Esses_~ p_os escoram, por sua homologia com os fenó- Lacon o simples sinônimo de "significativo na acepção banal
menos <!e C.Qr)_ d ~_n sação ê d_~ d~a";i;entÔ, a- hit?ó tese de do termo" 36 • Paro Georges Mounin, Lacan, tardiamente atingido
Lacan _~Q..do a g.!:!Q.!...Q.J.nconsciente é estw!y_rQ.dQ....c.amo urna pelo contágio lingüístico, foi vítima da "cl~ca voracidade dos
ling':!agern. Lacan sugere, pois, ao analista que tome o pacien- retardatários" 37 • Lacan que, fazendo em 19 um balanço da si-
te à letra e não insira o seu dizer em nenhuma hermenêutica. tuação da psicanálise e avaliando a dim nsão do fenômeno
Nisso, ele segue as instruções do próprio Freud quanto à escu- estruturalista, ainda convida os psicanalista a estarem particular-
ta flutuante do analista. A literalidade da fala proferida apre- mente atentos aos fonemas, locuçõ;s, sentenças. pausas,
senta em si mesma a cadeia significante que é a trama do
33. J . LACAN. ºLa chose freudienne' . 1956. Éctffs, op. c/f., p. 144.
34. A. LEMAIRE, Locon, op. clf.. p , 340.
30. J . LACAN, ºSéminaíre sur lo leffre voléeº. Écrffs J, op. clf.. pp. 35 e 40. 35. 10.. p . 347.
31 . J. DOR. fnfroducflon à /o tecfure d~ I l""lenn ""',..., rJ+ ..... ~ J J''' &L - • • - • •• 111o..1 ,.-•1--
,_..,_ _ Ão , __ ,..1.-1-1--1- ..__.:-,,:r. '"lô'T.n -- lQ--A lQA
TRUTURALISMO

escansões, cortes, i;,eríodos e paralelismos próprios do discurso


~e seus pacientes. uss.a..s1,1pôfte da_anállse~m_ suporte lingüís
tico, e.sJLutUlQ.9.2,_Q_q,Y.§-19.L.de L.9can, portanto_ um estruturo 15. O INCONSCIENTE:
listo,;._ "J. Lacan é estruturalista. Ele próp110-0 sublinhou em suas
entrevistas. Subscreveu até, com seu nome. o Ingresso da pslco
UM UNIVERSO SIMBÓLICO
nállse nessa corrente de pensamento" 38.
O papel atribuído por Locan à linguagem permitiu deslocar
os compromissos primordiais da psicanálise, tal como eram pos-
tulados em m ~ a,?os dos _anos 50. Passou-se da medicalização
poro uma pos,çao mais importante da disciplina analítica no
Q uando Lévi-Strauss escreve a lntroduction à f'oeuvre de
Marcel Mauss em 1950, cita Lacan para corroborar suas
teses: "É precisamente aquele a quem chamamos são de espí-
âmago das ciências humanas, desafiando a filosofia e des~ian- rito o que se aliena, uma vez que aceita viver num mundo
do numerosos filósofos que. atraídos por sua conversão ao estru- definível somente pela refação do eu e do outro (nota 1) : é es-
tu'.alismo, chegaram ao ponto de abandonar sua disciplina de sa, ao que nos parece. a conclusão que se aduz do p rofundo
,origem para converter-se à psicanálise. Mas Lacan não se estudo do Dr. Jacques Lacan, 'L'agressivité en psychanalyse'.
apoiou somente em Saussure e Jakobson. assegurou-se também Revue françoise de psychanalyse. nº 3, julho-setembro de 1948"1•
de uma outra garantia que lhe permitiu rematar com êxito a Se Lévf-Strauss leva em conta os trabalhos de Lacan de manei-
sua iniciativa de sedução e de ambição científica: a proporcio- ra tão precoce. mesmo antes do discurso de Roma, a influên-
( nada pela antropologia estrutural e, portanto, por Lévf-Strauss. c ia é sobretudo manifesta no outro sentido.
Lacan inspirou-se amplamente na antropologia estruturar em
sua releitura de Freud. e recorre explicitamente à obra de Lévi-
Strauss: "Nós próprios damos ao termo estrutura um emprego
para o qual acreditamos estar autorizados pela definição que
dele nos dá Claude Lévi-Strauss"2 • A obra de Lévi-St rauss, o es-
truturalismo antropológico. constitui a pedra angular da ruptura
lacaniana do pós-guerra. A convergência é tal que lacan não
cessa de referir-se a lévi-Strauss (ver Écrits. 1966), de tomá-lo co-
mo caução científica para a sua renovada abordagem do
inconsciente.
Q._geslo~mento q~~ ~vi-Stra.u&S.J9grou realizm da aritropolo-
gia física para a gotropo.lo.gia clJltural, prfvHe.9iando ~ _modelo
lingüístico, é semelhante....90 ...9..b jetivo perseguido por Lacan de
desrnedícalização, de desbiologizaçao àocfíscurso- freud iano. A
busca de invariantes estruturais nas relações de parentesco ser-
vem de exemplo a Lacan para extrair o inconsciente. como
estrutura. das teorias psicologizantes. behavioristas. Essa simbiose
cultural realiza-se contra um fundo de amistosa cumplicidade:
"Fomos muito amigos durante alguns anos. Íamos almoçar com
os Merleau-Ponty em Guitroncourt, onde ele tinha uma casa" 3 •
Se Lévi-Strauss declara, por diversas vezes, não compreender a
obra de Lacan. é possível levantar algumas dúvidas a tal res-
peito. mesmo sendo Incontestável que o estilo de escrita de
Lacan. seu barroquismo, colide evidentemente com o classicis-
mo de Lévi-Strauss. De um modo mais profundo, é incontestável
que se lévl-Strouss não precisava do aval de Lacan. este último
apóia-se amplamente em Lévi-Strauss parf faze r valer suas te-
ses, para introduzir sua reflexão psicanalí)t· a num campo inte-
lectual mais vasto.

1 . CI. L~VI-ST/lAUSS, lnfrodvcffon à l'oevvre de Marcel Movss, PUF. 1950, p. XX.


38. A. LEMA IA~ 1 .,...,..,.," nn _,. - ~n
2. J . LACAN. "Remarques sur 18 ropport de Daniel logoche' , 1958, tcrtts, op. clf.,
HISTÓl?IA DO ESTRUTURALISMO
. ~\
symbotique• {A Eficácia Simbólica]. Estes dois artigos serão reim-
Í&i1.~I pressos mais tarde em Anthropo/ogie structurole6 •
Lévl-Strouss descreve a ação de curandeiro do feiticeiro, a
l !f.i relação que ele institui com sua assembléia, e utiliza, para qua-
llficar o ato xamônlco. o termo psicanalítico de ab-reação. um
processo semelhante ao que se desenrola na cura. quando o
analista leva seu paciente a reviver a situação traumática que
está na origem de seu distúrbio psíquico. Se Lévi-S trauss recorre
ao esquema psicanalítico como melo heurístico. a fim de com-
LÉVI-STRAUSS E O FREUDISMO preender melhor as sociedades primitivas, conserva-se. porém. a
uma certa distância da psicanálise como disciplina: "Mas a in-
quietante evolução que tende, desde alguns anos. a transfor-

Q uai é a relação de Lévl-Strauss com a pslcanóllse?


Cumpre distinguir três níveis e é possível Identificar uma
mar o sistema pslcanalítlco, de corpo de hipóteses científicos
verificáveis experimentalmente em certos casos precisos e limita-
certo e volução. Em primeiro lugar, no plano de sua formação, dos, numa espécie de mitologia difusa .. ." 7• Se Lévi-Strauss com-
Lévi-Strouss descobre multo "cedo -a
obrade Freud. No Liceu paro a curo xamânica à cura psicanalítica é para mostrar que
Janson tem um colega cujo pai, psiquiatra, foi um dos primeiros o paralelismo não significa semelhança e que os termos das
Introdutores de Freud no França e trabalhava em estreita cola- duas práticas se encontram, mas em posição invertida.
boração com Marie Bonaparte. Foi por esse colega de classe
que ele foi alertado logo para a existência da psicanálise: 'li
na época, entre 1925 e 1930. tudo o que estava traduzido de
Freud. que desempenhou, portanto. um importante papel no
formação do meu pensamento••.
O segundo nível situa -se ~enslo_omentos do freudl~o po-
ro ..2.. ant!Qpologia_e, nesse plano, Lévl-Strauss viu uma amplia-
ção dos quadros do velho racionalismo, a possível Inteligência
de fenômenos que pareciam até então rebeldes a toda e O INCONSCIENTE SIMBÓLICO
qualquer interpretação lógica. o fato de que as realidades mais
manifestos não são as mais profundos e esclarecedoras. Ne sse
nde Lévl-Strauss vai lnflu~n_clar_Q_rofundamente Lacan é
plano. lévi-Strauss manter-se-á fi el ao ensinamento freudiano.
Mas há um ter_celrq_riív~e é o da confr~.9ã.9. desta
vez concorrencial e m suas respec tivas abordagens do humano,
O quando, por ocasião desse e ~ o cçrnparado, EUe dó
suo própria definição do lncons_çient~. não o considerando o
entre duas disciplinas: a antropologia e a p sicanálise. Oro. o refúgio de particularidades de uma história puramente individual,
seu relacionamento, de excessiva proximidade. só pode desem- singular, mas des-historiza ndo-o, afirmando seu parentesco com
bocar em laços conflitantes. tanto mais que Lévi-Strauss tem a função simbólica: "Ele se reduz [o Inconsciente] a um termo
sérias dúvidas quanto à eficócia terapêutico da anóllse. Portan- pelo qual designamos uma função: o função simbólica"ª. E Lé-
to, em face dos crescentes ê xitos da psicanálise. ele será pro- vl-Strauss recorre o uma distinção mais acentuada entre o sub-
penso a ver no obra freudiana a construção de uma mitologia consciente, reseNotórlo de recordações e Imagens colecionadas
ocidental singular do qual ele, mitólogo. pode decifrar a coe- ao longo de cada vida, e o inconsciente, que "está sempre va·
rência e relatlvlzor o alcance: 'O que Freud fez. na realidade. z lo; ou, mais exatamente, ele é tão est ranho às Imagens
fol construir grandes mitos"5 • A lógico da confrontaçã o disciplinar quanto o estômago aos alime ntos que por e le passam. Órgão
9
levou l é vi-Strauss, portanto, o "endurecer• (termo que ele em- de urna função específico, ele se limita a Impor leis estruturois" •
prega e m La Totémlsme oujourd'hui, Plon. 1962) o seu Julga- o Inconsciente lévi-straussiano é estranho. portanto, aos afetos.
mento da psicanálise. ao passo que no começo estó fascinado ao conte údo, à historicidade do Indivíduo. Reencontra-se o pre-
com a abordagem do Inconsciente e realizo um diálogo cons- domínio concedido à Invariante sobre as v ariações. à formo
tante com a obro de Freud. Desde Les Structures élémentoires sobre o conteúdo. ao sgnificonte sobre ~\significado, próprio do
de lo porenté, em 1949, Lévi-Strauss critica Totem e Tabu, con- paradigma estrutural. Locan. como se ver), retornará essa abo r-
siderando Jó então que Freud tinha e laborado um mito. Mos
sobretudo, nesse m esmo ano de 1949, ele escreve dois artigos 6. C I. l~V~SlllAUSS. "le sorc'8r et so mogie', Les tem,} modemes. nº 41 , 1949, PP,
sobre o inconsciente; e esses textos vão ter o maior influência 3-24: 'l'etricocité symbolique', Revue d 'hlstalro des;o//g/ons. n° 1. 1949, PP- 5-27:
reimpresso em Antlvopo/ogle structuroJe. op. c/t.
sobre os psicanalistas em geral e sobre Lacan em particular: "Le 7. CI. L~V~SlllAUSS. 'le sorc'8r et so mogie". Les Temps modemes, 1949. reimpres-
sorcler e t sa magie" [O Feiticeiro e suo Magia) e "L'efficacité so em Anthropologle structuro/e, op. cit., p . 201.
8 , CI. L~Vi-SlllAUSS. 'l ' e fficoclté symbollque', r?evue d'hlsto/re des re//glons. n• l ,
1 l'\A" .,_,_ _ .,___ _ -- A -.•1..----•~--- __._ ,_. --t- -- -M - -A

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15, O /NCONSC li NTI UM UNIVWSO SIMIJÓLICO

dagem do Inconsciente que lhe permite lançar •as basos do avoluçôo dos forças que atuam nos fenômenos de recalque,
uma álgebra signlficante" 1º em pslconóllse, da mesmo maneiro condensação. deslocamento, censuras etc.. Lévl-Strauss somen-
que Lévl-Strauss o realizou em antropologia. Em sua lntroducllon te retém, como estruturalista. o dimensão tópico. "aquela que
à roeuvre de Marcel Mouss. Lévl-Strauss precisa o suo deflnlçõo se relaciona com o sistema dos lugares que definem a topolo-
de Inconsciente. apoiando-se essencialmente em Mauss...:. O ln gia do aparelho psíqulco• 1s. O Inconsciente permite. situar_ ao
consclen~ é gefiold.2_po1_su_q_J~gQ_<!_Ur<?_2a, ~ o_termo mesmo tempo o lugar da função simbólica e sua unaversahda-
medla~or entre o ..eu.~ outro e não Q..!arctlm secreto do sujei de, o que a vincula aos recintos mentais; permite extraf.la das
tõ. Nesse Importante texto. Lévl-Strouss define um caminho pelo contingências espaço-temporais e fazer dela uma entidade pu-
qual Lacon enveredará. o da autonomia do simbólico: "Os sim ramente autônoma. abstrata, formal. À questão de saber por
bolos são mais reais do que o que eles simbolizam, o slgnlll que ele se esquiva à dimensão do desejo em seu manuseio d?
cante precede e determina o slgnificado" 11 • noção de Inconsciente. Lévl-Strauss responde: "É essa uma d•·
mensõo fundamental do Inconsciente? Não estou convencido
dlsso•16, e opino que o tratamento dos sonhos por Freud como
realização de um desejo traduz uma concepção singularmente
estreita, simples máscara, fumaça Irrisória para ocultar a igno-
rância em que nos encontramos para explicar as realidades
biológicas.

OS RECINTOS MENTAIS

i;iara
EÔlém..
stó aí a raiz do mal-entendido, pois o inconsciente do an-
tropólogo está multo dlst'ãntedoincoosclent;- tréudlano,
da~nqÍog!_9s que ~ p'õ°'ssa_jissinolar entre a deco-
dificação semânNca dos mitose ãs técnicos de interpr_eiação
psicanalítiêa. ·EmTévi-S tr~ss.- ·o incÔnsclenteé õ lugar das A RIVALIDADE:
estrutÜrãsilf2'." O inconsciente lévi-strausslano é definido, portanto.
como um sistema de condicionamentos lógicos, um conjunto
PSICANÁLISE/ ANTROPOLOGIA
estruturante. •a causa ausente desses efeitos de estrutura que
são os sistemas de parentesco, os ritos, as formas da vida eco- ecentemente, Lévi-Strauss reat<:>~ e~e diólogo ininterr~pto
nômico. os sistemas simbólicos' 13. Esse inconsciente puramente
formal, lugar vazio, puro receptáculo. está bem longe do in-
R com a psicanálise em Lo Pot,ere Jalouse, em que situa,
desta vez claramente, o que está em jogo: a rivalidade entre
consciente freudiano, definido por um certo número de conteú- duas disciplinas que trabalham ambas sobre o Inconsciente; e
dos privilegiados. Esse afastamento do conteúdo, do afeto. Lévl- }o/ouse (ciúme) do título remete para o do antrop61090 em fa-
Strauss volto o ocupar-se dele em Le Totemisme aujourd'hul, em ce do psicanalista que pode prevalecer-se de um óbjeto cir-
que critica o recurso do psicanálise à afetividade, às emoções. cunscrito de uma terapia particular, de uma Implantação Irre-
às pulsões que correspondem ao nível mais obscuro do homem versível ~o corpo social. Portanto, o próprio Lévl-Strauss anunciou
e impróprio poro explicações de natureza científica. Lévi-Strouss a coloração desse diólogo, ao situar-se no registro do ciúme:
justifica o distinção entre esses dois planos ao expllcar que o ln· ·os mitos analisados em La Potlere )alouse, s<?_bretudo os dos Ji-
telecto só pode analisar o que depende de uma natureza varo, oferecem de cÜrf~ o _fat~e _prefigurarem _os teorias psi-
semelhante. uma abordagem que exclui. portanto, o afeto. E canalíticas. Era preciso evitar que os psicanalistas se apode-
não deixa por menos do que reiterar o inconsciente como ob- rassem deles para encontrar aí uma legltlmação" 17 . Repete o
jeto específico da antropologia: "A etmologla é, em primeiro censura que tinha endereçado o Freud de só decifrar a partir
lugar, uma psicologio" 14, e o ambição que ele atribui o esta úl- de um código único, e traço um paralelo entre a vida p~q.ulca
timo é o de reconstituir os leis universais de funcionamento do dos selvagens e a dos psicanalistas. Se~ndo ele, estes ~l!1mos
espírito humano. aproveitaram os caracteres de analldad e de oralidade Ja en-
Do teoria freudiana que se desenvolve em duas dimensões, contrados pelas sociedades primitivas: "E contramos sob forma
uma, tópico, de diferenciação de diferentes camada:; do apa- perfeitamente explícito noções e categor as - t~is con_:io as do
relho psíquico. e outra. dinâmica. o dos conflitos. perturbações, caráter oral e do caróter anal • que os 7canahstas nao pode·

10. R. GEORGIN, Oe Lóvl-Sfrouu à Lacon, Clstro, 1983, p. 125.


11. CI. l ÉV ~STRAUSS. lnfrodvcflon à l'oevvre de Marcel Mouu. op. clt.. p XXXII l !1. E. R. DE IPOLA, op. clt., p . 244.
12. E. R. DE IPOLA. Le Strvctvra//Yne ou l'hlsfcl-o on ex//, 1969, tese, p, 122. 16. Claude LÉVI-SlílAUSS. entrevisto com R. Bollour (19n). tdées-GolNmord. 1979, P ,
13. /b., p, 126. ?05
14. CI. L~V l STRAUSS, Lo Penú>,. •rwrv~"" - - _,. - '~-
0
ITTJ\ ' A l f'OC'A t I'
11/STÓRIA DO ESTRUTURALISMO f5 . O /NC ONSC/f.NTE: UM UNIVERSO SIMBÓLICO

rão pretender terem descoberto: não fizeram mais do que re sub-repllclamente o Inconsciente sob o barra significante do pa-
descobrl-los"18 . radigma estruturollsto . Lacan teria assim pago caro o seu dló·
Segund_o ~-Strouss.._f!eud__g_eve ser in_~ído. portanto. no nl logo. 0 sua caução antropológico. ao preço do perda do
vel aos mitos. ele não tem sequer o mérito do invençãp, visto objeto singular da pslcanóllse, daquilo que fundamenta suo
que apenas -reciclou um antigo universo simbólico. Lévi-Strauss Identidade científica: o inconsciente. ·o
que acredito e sempre
formulo ainda mais claramente a determinante institucional su acreditei é que Lacon pensava trabalhar sobre o lnconsclent.e
bentendido nesse debate/combate de anterioridade: " Poder- mos trabalhava sobre o pré-consciente. / .. ./ Dizer que o pre-
se-ó ver na psiconóllse outro coiso senão um ramo da etnolo- consclente estó estruturado como uma linguagem é Inteiramen-
gia comparada. ampliado ao estudo do psiquismo lndivldual?"1' te defensóvel"22 • .
Lévi-Strauss termina até sua obra de maneiro sorcóstlco com Cerca de 10 anos após Gérard Mendel, um antigo lacorno-
uma comparação entre o Édipo Rei, de Sófocles. e Um Cha - no. Ffonçois Roustang. retomo a mesma análise segundo a qual
0 Inconsciente simbólico de Lacan nada mais seria do qu~ .º
péu de Palha da ltólía. de Lobiche. paro assinalar o mesmo
mito em ação em dois registros diferentes: "Trato-se de fazer os transcrição do concepção lévi-strausslono para o dom1nro
º.
psicanalistas comerem seus chopéus'2 como observou justa- pslcanolítlco23_ Essa adoção do simbóllco representa um m_o-
mente André Green perante um areópago de antropólogos. mento decisivo no percurso de Lacon, que tinha num primeiro
tempo polarizado sua atenção sobre o imogi~órlo, ~o momen-
0
to em que estuda as Imagens especulares do estód10_ do espe-
lho". Ele apóia-se em seguida e m Lévl-Strouss poro afirmar ess~
irredutibilidade, essa exterioridade de um Inconsciente que v~1
além do homem. e cuja combinatório interna Ih~ caberia
apreender. "Essa exterioridade do simbólico em reloçao ªº. h?·
mem é a própria noção do lnconsclente" 24 • Essa heterornm10
torno ilusório todo O enfoque histórico. Elo estabelece uma ca-
LACAN APROPRIA-SE DO INCONSCIENTE deia na qual se encontra preso o homem desd: antes de nas-
SEGUNDO LÉVI-STRAUSS cer e após suo morte ' à maneira de um _peao. no jogo ~o
signlficonfe"2s_ A ordem simbólico não é mais referível a _um. 1~-
dlvíduo do que ao social, ela é, tal como no concepçao lev,-

L
acon vai. segundo a suo expressão, •empanturrar-se" de
Lévl-Strouss. Cito-o a partir d e Le Stade du Mlrolr (1949) e
depois cada vez mais assiduamente, como testemunham suas
straussiona. vazia. função de troco.
François íloustang percebe nessa ação o necessidade de
um novo deslocamento em que. ao abandonar o suporte do
.

numerosas referências o Lévi-Strauss nos Écrits. Mos Locon não social. "lacon é obrigado a substantlficor a talo e o dar-l~e
se conte nto apenas. o que se1io secundário, com uma simples uma potência ... em suma. a restaurar a teologia d~ crloçao
caução científica ao citar Lévi-Strauss. É lícito perguntor-~ ~té pelo verbo•20. Lacan vê-~ pois. dlvld.ldo entr~ os s.m.mas meta-
quJLponto e le lhe empresto a suo abQLdogem_ antropológico físicos o Evangelho segundo São João, q~~~ coloco e,r:!1_9es-
do Inconsciente. e se essa Influência não representa um _ponto t Õqu~ no seu discurso, e o mode lo da~ lêncla~ uras·. o
de mutação declslvo em relação às , ;:;ses de F~d. - mÕtemátlco e O física: "Em que medida devemos nos aproximar
Gérord Me nde l discerniu nessa apropriação um deslizamento dos- Ideais da ciência do natureza. entendendo-os tal ~orno se
que afasto do concepção freudiana do inconsciente. em pro- desenrolaram paro nós, ou seja. a físico com a qual . lidamos:
veito de uma redução intelectualista que esvazio este último de Em que medido não podemos nos distinguir dela? Pois bem, e
todo o conteúd o, que o naturaliza. O campo específico do ln- em relaçã o a essas definiçõe s do significante e da e.strutura
21
consciente freudiano é feito de processos primários em que se que pode ser troçado a fronteiro que convém' .__!:.~t::§!!Q.YSS
desenrolam representações e fantasmas. que possam por mo- · de modelo _paro a conquista__
serve, pois. do clen.hfie1dade
. do
mentos de ativaçã o , de recalque, ao Invés do inconsciente
vazio de todo o conteúdo segundo Lévi-Strouss e retomado por
Locon:~"Acreditondo folar do Inconsciente . Lévl-Strouss falo excu-
slvomente do pré-consciente. / .. ./ O que é aqui negado -
como em Locon mais tarde • é a próprio existência de um ln-
consciente específico. contribuição decisiva de Freud" 21 ~ No 22 Gérord Mendel. ..ntrevlslo com o autor
23
: F. llOUSTANG . Locon. Mlnu~. 1966: ver também: V
d
discurso psicanalítico, e Lacan ínveJa -lb.e -.Q s1m.blose que ele
conseguiu realizar entre etnologia. lingüísti<2._g, matero.Q1lcas e psi-

conólise.

•.
ESCOM8ES. l éaulvoque
nome-do-pai Freud. Lacan. em contrapartida. teria feito deslizar du symbolique' Confrontottons. nº 3, 1960. pp. 77-95.
24 . J . lACAN. 'Situation de lo p sychanotyse en 1956". 3/'rlls li, Points-Seul. 1971. p .
19.
16. CI . l~V~SIRAUSS. Lo Poffér&folouse IA oleiro ciumento!. Plon, 1965, p . 243.
25. lb.. p , 19.
19. lb.. p, 252. 26 F llOUSTANG. Locan. op. c/1.• pp. 36-37. .
27. J . lACAN Le Sémlnal,., Uvre UI: Les Psychoses (19~-1966?, ~e S.u:t, _1 ~·. ~
20. André G ll EEN . Sémlnolres de M . Jzord . loborotoire d'onlhropologle soclole, 8 9
de dezembro de 1988.
RIA DO E:STfWTUfMLISMO

Se é lncontestóvel que o categoria fundamental do slmbóll


co foi tomada por Lacan a Lévl-Strauss. deslocada do campo 16. RSI: A HERESIA
antropológico paro o campo psicanalítico e, além disso. hipos
toslado, radlcallzodo em relação ao seu uso por Lévl-Strau$$,
Isso não ~goj_flca~ p_orém, que haja unanlml~e ente.e _os..ono
lístas para considerar ~ Laca~cla..oblJter:Q.d.o a_.c.onoepçõo
freudiana do Inconsciente: "Chegar ao ponto de dizer que Isso
não 1:>ermlfea Lêiê'ãn ter acesso ao nível do inconsciente num
D e uma formo bostante paradoxal. uma dos grandes dbs
cobertos de Locon ficou ausente do seu discurso de
Roma apesar dela o ter precedido de dois meses. Trato-se do
sistema que não ultrapassaria a primeira tópico, é uma total fomosa trlloglo Real/ Simbólico/Imaginário (RSI), que em Julho de
oberração" 28. Paro Joel Dor, o Inconsciente enquanto cadela 1953 adquire ainda uma outro ordem, SIR: Simbólico/lmaglnórlo
significante não lnvollda os duas tópicos freudianas mas. pelo /Real: "Em meu entender, é o grande achado de Locan"'. Cha-
contrário, os eluclda e ultrapasso. Se Locan segue a escola do mo-lhe o suo terlogo, nome do medicamento mais conhecido
rigor lévl-strausslano. nem por isso deixa de deslocar para seu da Antigüidade, no horizonte do qual se acreditou por largo
próprio campo os instrumentos que tomou dela. Assim, retoma tempo no panacéia. É também o seu ternórlo e mais 1orde,
a Idéia de uma estruturo, de um circuito de troco como funda- simplesmente, .,Rsi) ou a suo heresia em relação a Freud: "Penso
mento social, mos "introduz que Lévl-Strouss incorre em erro ao que seu recurso à lingüístico adquire Importância em relação o
pensar que são os mulheres que se permuta entre os tribos, essa Invenção. Ele estava então e ngajado num combate e ne-
quando é o falo que se troca"29 • cessitava, portanto, de uma político do teorlo"2 . Essa inovação
Apesar desses deslocamentos. observa-se a partir dos anos 50 doto, assim, de 1953, num momento em que Lévi-Strouss exerce
toda uma temático comum o Lévl-Strouss e Locan. feito de enorme influência sobre Locan, e não é indiferente constatar
ambição universalista, científica, de antievolucionismo e de bus- que, nessa ordem térnório, o símbólico situo-se no primeiro pla-
co de legitimação. Locon dirá, por exemplo, a respeito da his- no.
tória, que elo é "essa coisa que ele detesta pelas melhores O estruturalismo enuncio-se, neste ponto. na valorização des-
razões" 3º. Essa rejeição radical do historicidade apresenta, por sa terceiro ordem que vem alojar-se entre o real e o lmoglnó-
outro lodo, um Importante problema no prático de anomnese rlo. de formo dominante. Mas o binorismo lingüístico transforma-
da curo mos permite. não obstante, aderir ao paradigma estru- se aqui em ordem trilógico, segundo o esquema do dialético
turollsto. o prevalência acordado à sincronia. Mesmo admitindo hegeliana, mas também segundo o tópico freudiano que sepa-
que Locon tem acesso ao Inconsciente freudiano, não se pode, ro o ld, o ego e o superego. mesmo se Lacon dó o essa sub-
portanto, considerar o referência a Lévi-Strauss como um simples divisão um outro nome. A Inversão e [!l relação q_F.revd situo-se
"apolo mas, antes, como uma chave que teria servido para no foto de que o slmbóllco gero o estruturo, O_Q_Qosso que o
abrir tal ou tal porta secretaoJ'. Locon, aliás, não sofreu somen- lá. osslnqJtivel ao Real de Locon, estava na base dos pulsões
te o influência de Claude Lévl-Strouss mas também de Monique oo perspectiva freudiano. É o principal oçõo de bósculo, no Hn-
Lévl-Strouss. dívida que reconheceu publicamente. 8e aproprio-se, guogem e no estruturo. O inconsciente já não é mais atribuível
com efeito, do formo que elo lhe aventou um dia e segundo a a uma espécie de Inferno, enterrado, o exumar, mos torno-se
qual •o emissor recebe suo mensagem sob uma forma invertida", apreensível à flor dos palavras, nos tropeços e vocilbções do dl·
o que se converteu num clósslco do laconismo. zer.
Pelo simbiose que ele realizo com a obro lévi-slrousslano, La- Doí resulto a preponderância dos métodos lingüísticos em
con também tem por ambição fazer participar os avanços da que Locon se apóio em Roma, em 1953, protelando assim o
psicanálise no projeto antropológico global de reflexão sobre a comunicação de suo descoberta. A suo topologia Inicial coloco
suturo natureza/cultura. Daí a Importante temático do Outro em o Simbólico depois do nível do Real, que não deve ser confun -
Locon, reflexão sobre o olterldode, sobre o que escapa à razão. dido com o realidade; é. pelo contrário, o suo face oculto, Ina-
sobre o lugar do falto, sobre o descentroção do desejo, sobre cessível. O Real laconlono é o ºlm-mundo", é o Impossível. Do
sua errância. Quando Lévi-Strauss procuro as figuras do alterido- mesmo modo que o Ser heideggeriano estó ausente do ente, o
de nos Nhamblquara, Locan ensino o potência do Outro, inaces- Real de Lacon é o falto de ser da realidade. Quanto ao lmo-
sível paro sempre. eterno falta de ser. Existe, portonto~_entre Lévl- glnório. é concernente à relação dual do estódlo do espelho e
Strauss e Lacan mais do que um encontro amistoso - um núcleo voto o ego ao ilusório. inclusive ao é~godo que se oculto nos
de inteligibilidade comum aos dois projetos intelectuais nesses diversos afetos. Essa tríad e artlcula-se_fº sujeito numa cadela
anos 50, uma mesma política teórica, uma mesmo estratégia po- significante Indefinido em torno do falto Inicial de um Real lno ·
ro além de duas disciplinas que possuem objetos distintos. cessível. A ordem ternórla de Locan ~ põe-se radicalmente o
toda apreensão empirista do desejo ,~baixado à expressõo do
28. Joel Dor. ennevísta com o auto,. necessidades. ao posso que o sustentáculo do deseJo provém
29. Claude Contá. entrevista oom o outot.
30. J . LACAN. Sémlnolre XX, Encore (1973-1974), le Seull, 1975. p. 45. [O Seminá-
rio. livro 20: Mais. Ainda .]
:l1 (....,,,-to, .. .... ,.., _ _ __ ..___ . •
paro ele do encontro com o desejo do Outro, com o slgnlfl hermenêutica que atribuía à estrutura um lugar escondido quo
cante-mestre que reme1e ainda poro a falto e esclarece o fato c umpria descobrir e decifrar, a estrutura de Lacan so ororocg
do pedido. no mundo visível pela capturo que ela empreende do corpo vi
No Início dos anos 50. o jovem filósofo Moustafa Safouan. vo onde falo sem o suo participação. Diferentemente da ostru
convertido à pslcanólise. d eve 1ratar o caso de um paciente fura soussurlona. que se apresento em oposição e se defino
histérico abandonado pelo pai aos 4 anos de idade. Ora, ele pela completação entre significante e significado, o sujeito do
Inconsciente do estruturo laconlana mantém-se fundamental
se desesperava por não compreender por que a cura gravito·
mente Inacessível. Permanece cindido poro sempre. além do
va em torno da imagem paterna. quando o paciente jamais
conhecera verdadeiramente seu pai. Prestes a renunciar. Mous- todo posslbllldode de apreensão. ausência de ser. sempre em
tafa Safouan pensa então em retornar à filosofia quando Lacan outro lugar: "Por essa razão. parece-me tratar-se de um estrutu
o convida a participar do seminórlo que realizava em sua cosa, reiismo sui generis, visto que, em suma, é uma teoria que levo
rue de Lilie. onde trava conhecimento com Didier Anzleu, Jenny em conta o foto de exlsttr o Inapreensível, algo de não-opreen
Aubry, Serge Leclaire, Octave Mannonl... A distinção de que to - dido no teorlo" 6 •
mou conhecimento entre pai Imaginário. pai real e pai slmbó- Se se pode. portanto, assinalar essa distinção entre um eshu
llco permite-lhe tornar inteligível o discurso de seu paciente. o turallsmo baseado na completação e um laconismo que
efeito devastador do seu superego, suas condutas autopunltivas. assenta na incompletação, é possível também. não obstante.
suas evilações: "Com essas distinções. Isso renova a escuta e o observar que se registro nos dois casos uma mesma retirado do
modo como se responde ao que nos é comunlcodo" 3 • sujeito do campo de Investigação. De um lado, ele está redu·
Essa novo elucidação convence deíinitivomente Moustafa Sa- zido à insignificância no enfoque saussuriano ou lévi-strousslano
fouon do eficócla do psicanólise e do leitura fundamentado de e. do outro. é supervalorizado no abordagem de Lacan, mas
Lacan. Ele ficará sob o supervisão de Lacon durante um perío- ao ponto de ser inacessível paro sempre. nõo erradicado mas
do muito longo: 15 anos. A trilogia locaniono parte do postu- frustrado. Existe. pois. em ambos os casos um distanciamento do
lado de que o sujeito significo sempre mais do que aquilo de mundo das coisas, seja ele orgânico ou social.
que tem consciência. de que existem, portanto, significantes O desejo do sujeito jó nado tem de orgânico em Lacan, es·
que acabam sendo enunciados, sem que por isso sejam utiliza- tó desligado de todo realidade fisiológica da mesmo maneira
dos como ilustrações de uma significação da qual o sujeito que o signo lingüístico encontra-se cortado de todo o referente .
teria previamente o domínio. Concepção essa que é repelida pelo sociólogo marxista Pierre
Fougeyrollas: "Freud sabia que desejamos, no sentido sexual,
porque existimos como animais humanos, e teria considerado
uma extravagância paranóica uma concepção segundo a qual
existiremos porque desejomos" 7• Lacon. desse ponto de vista,
acentua o corte significante/significado saussurlano e propõe
uma versão pessoal do estruturalismo lingüístico, que François
George qualifica com humor de "pére-version" 8 •
, Lacan entende fazer prevalecer a psicanálise como ciência
E LACAN ESTRUTURA LISTA? em pé de igualdade com as ciências exatas e, mais precisa-
mente, com o modelo da ciência física. Recusa em 1953 a
oposição fictícia traçada entre ciências exatas e as chamadas

A grande Inovação de Locon situa-se duplamente. portan-


to, em 1953, com a suo ordem ternária e o apoio que
foi buscar ao modelo lingüístico, por ocasião do discurso de Ro-
ciências humanas conjeturais. lacan recorda a relação proble·
mática mantido pelas ciências experimentais, formalizadas, com
a natureza. o antropomorfismo no qual elos se inserem, inclusive
ma. Ele confessa, aliás. a existência de um antes e um depois a física, e portanto a ausência de fundamento da distinção uti-
quando escreve: "T.t.y.e.m.u.p.t.·, que se d eve ler "Tu f'y es mis llzoda para diferenciar ciências "duras" e ciências •moles". Após
un peu tord" [Tu começaste nisso um pouco tarde] . A partir ter derrubado essa compartimentação, Lacan pode então do-
desse momento, "É Lacan estruturolisto?", Indago-se Jacques- tar a psicanólise de uma ambição científica. segundo o modelo
Alaln Miller4 • A resposta que ele dó é contrastada. Por um lodo, das ciências mais formalizados: "Vê-se como a formalização
Locan participo efetivamente do fenômeno estruturollsta. visto matemótica que Inspirou a lógico de Boole, Inclusive a teoria
que extrai sua noção de estrutura de Jokobson por Intermédio dos conjuntos, pode proporcionar à ciência da ação humana
de Lévi-Strouss. mos se dissocia dele porque o estrutura dos es·
truturalistos "é coerente e completa, ao posso que a estrutura
loconlana é antinômica e des-completada"5 • Ao c ' ntrório do

3 . Mousrofo Sofouon. entrevisto com o autor.


4. J.-A. MILLER. Omloar, nº 24. 1981.
6. C laude Conté, entrevisto com o autor. t
essa estrutura do tempo Intersubjetivo, de que a conjetura psl-
c analítico tem necessidade para garantir-se em seu rigor"9 •

7. P. FOUGEVAOLLAS, Contre CfOJd& Lél/l-Stro., . Locon. A/thuuer, Loveli, 1976. p


99.
8. F. GEORGE. L'Effet you de poêie. Hochett . 1979, p . 65.
õ. lb. 9. J. lACAN, "ílopport ci. ílome•, lcrlts 1 (1953). oo. olt o tAA
1 A':"" A Cl' OCA C
16. RSI: A HERESIA

sonho do llcorne (unicórnio), que é um dos temas da anóllse, é


a ocasião para fazer preval ecer o significante: "A psicanálise
demonstra ser, portanto, uma prótica da letra" 12 • Ao contrário
i
da abordagem tradicional de busca de um sentido oculto no
não-dito, Serge Leclalre considera ser "a f órmula literária a que
Incute à representação o seu valor singular" 13 . Ele Ilustra com
seu sonh~ do licorne a teoria de Lacan segundo a qual o in-
conscle nte está estruturado como uma linguagem. O único
BONN EVAL: O IN-CONSCIENTE ponto em que se dissociava do mestre e a partir do qual espe-
rava uma discussão que não aconteceu, refere-se à sua con-
cepção do recalque originário: "Em Bonneval, a discussão sobre
A ssegurar-se de uma sólida base para a vocação científi-
ca faz parte de uma política teórica que se tornou
necessória em conseqüência da ruptura no seio da escola psi-
esse ponto acontece com Stein, mas não com Lacan. Postulei,
entretanto, um ponto de vista d ivergente em relação ao de La-
canalítica freudiana. Após o discurso de Roma, o psiquiatra e can, mas isso não foi percebido de momento"14 •
amigo de Lacan, Henri Ey, decide consagrar o colóquio d e Jean Laplanche, por sua parte, embora participando da li-
Bonneval de 1960 ao Inconsciente. Esse colóquio permite reunir nho lacanlana, assume nessa ocasião certa distância da fór-
e colocar em confronto não só as duas tendências da psicanó- mula essencial de Lacan, segundo a qual o Inconsciente é
llse francesa - a Sociedade de Pslcanólise de Paris, que é estruturado como uma linguagem. Talvez não se deva ao aca-
representada , entre outros, por Serge Lebovlci, "René Diatkine, so encontrar posições críticas em relação a essa orientação
estruturolista num antigo militante do grupo "Socialismo ou Bar- 1
André Green e Conrad Steln, e a Sociedade Francesa de Psica- 1

nólise, por Serge Leclaire, Jean Laplanche, François Perrler e bárie" como Jean Loplanche. A sua c rítica junta-se, num outro
Jean-Bertrand Pontalis - mas também filósofos como Paul Rl- terreno, à que Claude Lefort, no início dos anos 50, fez a Lévi-
Strauss. Ora, Loplanche participou com Cornélius Castoriodis e
coeur, Mourice Merleau-Ponty, Henri Lefebvre, Jean Hyppolite e,
Claude Lefort na fundação do grupo "Socialismo ou barbárie"
i1
enfim, os psiquiatras mais assíduos às reuniões de trabalho orga- 1

nizadas por Henri Ey 10• no pós-guerra. Ele começa a Interessar-se pela pslcanálíse nos
Para Lacan, trata-se de demonstrar a científicidade da psica- Estados Unidos em 1946 e encontra-se com Loewenstein em No-
nóll.se, simultaneamente em face da IPA e em face dos filósofos va York, que o aconselho a seguir os cursos de psicanálise
fenomenólogos, ao desestabilizar suas convicções sobre o lugar dados em Harvard. De regresso à França, Jean Laplanche vai
central da consciência. Merleau-Ponty, se bem que aberto pa- visitar seu antigo professor da Escola Normcl Superior, Ferdinand
ra a interrogação psicanalítica, como o testemunhou por outro Alquié, para que lhe indique o nome de um analista a fim de
lado, nesse mesmo ano de 1960, com a publicação de Signes, iniciar uma terapia, e Alquié informa-o a respeito da realização
não acompanha porém Lacan em suas conclusões e declara: regular de conferências apaixonant es por um certo Lacan: "Ele
"algumas vezes experimento um mal-estar em ver a categoria falava na época do estádio do espelho, da identificação das
da linguagem ocupar todo seu espaço" 11 . Nesse colóquio, todo rotas, dos pombos e dos gafa~h'Jtos. Apresentei-me o Lacon e
ele dedicado ao objeto próprio da psicanálise, o inconsciente. cornec.ei com ele uma psicanálise. Portanto, conheci Lacón co-
numerosos psiquiatras consumaram sua conversão, passando da mo psicanalista durante anos e recusei-me a freqüenta r o seu
psiquiatria para a psicanálise. Ora, a maio1ia deles seró seduzi- seminário durante todo esse tempo a fim de evitar essa mistura
da pelo discurso que se apresenta como o mais moderno, o que ele praticava entre seu ensino e suas análises" 1r..
mais rigoroso, sustentado pela dupla garantia da lingüística e Jean Laplanche encontra-se numa situação ambígua e frus-
da antropologia: o discurso lacaniano. tradora em Bonneval, pois é o discípulo de Lacon diante do
A grande comunicação desse colóquio é a desenvolvida por SPP mas, por outro iodo, gostaria de fazer ouvir algumas reser-
dois discípulos de Lacan: Jean Laplanche e Serge Leclaire. Eles vas críticas que. não discutidos, seriam sacrificadas à lógica dos
assinam em c onjunto um texto que comporta uma parte teóri- grupos. Ele retoma a defintção freudiana do Inconsciente. seu
ca, escrita por Jean laplanche, e uma parte mais clínica, con- sentido tópico, oposto tanto ao consciente quanto ao pré-cons-
fiada a Serge Leclaire. Este último analisa o sonho de um ciente. Defende a Idéia de uma segunda estrut ura para expli-
paciente judeu de trinta e poucos anos. a cujo respeito se sa- car a distinção freudiana entre o representante da coisa e o
be hoje que se trata do próprio Leclalre. O que essa análise de representante da palavra, o processo primário e o processo se-
extrema sutileza significa é uma renovação total do tratamento cundário. Daí resulta um primeiro nível) de linguagem não-verbal,
clássico. que se limitava a um puro trabalho de a\-,amnese. o
1 12. S. LECLAIRE. "L' lnconscient, une étude psychqnolytlque', Qm L'lnconsclenf, Des-
10. Informações extraídos de ~- ROUDINESCO, Hlsfolre de la psycf>onolys&. op. c lé" d e Bro uwer, 1966, pp . 95-130. pp. 170-1 17: reimpresso em Psychonolyser.
c/1., vol. 2 . p. 318. ' Points-Se u ll, 1968. p . 99. /
11 . M . Merl&ou-Ponty, Vte Colloque d e Bonne vol, l 'lnco nscle nl, o4sclóe de Brou- 13. lb .. p. 11 6.
o d os re presentações de coisos, e um segundo, verb a lizado o
das representa ç ões de palavras. Jean Laplanc he d edu z doí ~uo Ilusões do cogito carteslono e. de caminho, a filosofia clósslca
"o ~nconsciente é a condição d o linguagem " 16_ Inverte a p ropo que se refere a um saber absoluto à maneira de Hegel. A
slçao lacanlana e reduz o papel atribuído à linguagem e ao consciência está inteiramente ocupada na captura do eu por
seu modo de funcionamento metafórico e metonímico que nôo seu reflexo especular e. portanto. atfibuída à "função de desco-
esgota a realidade do Inconsciente: "O que desliza, 0 q ue ~ nhecimento que lhe permanece vlnculada" 24 • O cogito carte-
deslocado. é a energia pulslonal, em estado puro, não especl siano é, por conseguinte, paro Lacan, um primeiro momento,
ficada "17 • um pressuposto do Inconsciente. Ele afirma a prioridade do sig-
Jean Laplanche recuso de imediato, portanto, o papel d e nificante sobre o sujeito. instituindo-se o registro segundo o qual
modelo que Lacan quer atribuir à lingüística e acentuaró poste um significante representa um sujeito para um outro significante.
rlormente a suo discordância afirmando que o Inconsciente não O segundo momento distinguido por Lacan é o da separação
é tão estruturado quanto Lacan diz: "Se existem elementos d e ou "refenda" do sujeito. e lacan ilustra esse momento do nasci-
linguagem no inconsciente, o que -é inegável, o re calque ope- mento do recém -nascido, separado não da mãe, como se diz
ra, de fato , uma desestruturação e não uma estruturação d es com excessiva freqüência, mas de uma parte de si mesmo;
ses elementos" 18• Hoje, Jean Laplonche está ainda mais distan- quando se corta o cordão umbilical. ele perde então seu com-
ciado do afirmação segundo a qual o inconsciente é estru - plemento anatômico: "Ao quebrar o ovo, faz-se o Homem, mas
turado como uma linguagem 19• Afirma e le, mais radicalmente também a Homelete"25• Esse corte inicial é incessantemente rea -
do que em 1960, em primeiro lugar que a linguagem não estó tivado na vida ulterior e torna necessário o estabelecimento de
tão estruturada quanto se diz ao reduzi-la a uma estrutura binó- limites para que "a Homelete" não se espalhe por toda parte e
ria e, por outro lado, que o Inconsciente não se constitui com destrua tudo à sua passagem. Esse corte vai tornar o Real ina-
palavras mas com os traços. as impressõe s de coisas, que 0 cessível e dar uma d imensão mortífero à pulsão que é para aí
seu funcionamento é até oposto ao da estrutura: "Ausência de remetida e constitui virtualmente uma pulsão de morte.
negação. coexistência dos contrários, ausência de julgamento, Quanto ao inconsciente, remete para o simbólico, é feito de
nenhuma retenção ou fixidez dos investlmentos"2º. Preconiza 0 fonemas, de grupos de fonemas, e encontra, portanto, seus fun -
substituição da fórmula lacaniana por "o inconsciente é como- dament os na linguagem. O que faz Lacan dizer em 1966: "A
uma-linguogem. mas não estruturada"21 _ c iência de que depende o inconsciente é certamente a
A junção estabelecida por Laplanche entre pensamento e lingüística"26 • Ao Ser sucede o Letra: é a hora triunfal do para-
linguagem é , de fato, rechaçada por Lacan em proveito do digma estruturalista em psicanálise.
corte que e le considera radical no algoritmo saussuriano. Para
Lacan, é sem dúvida tão estrategicamente importante ancorar
de uma forma total a psicanálise nas descobertas do lingüística
moderna quanto considerar q ue "o humano é linguagem"22. Em
su~ ambiçã<: epistemológica, Lacan vê. com essa concepção,
a unlca posstbllldade de fazer participar a dlsclplina psicanalíti-
co no aventura semiológlco global que vem adquirindo impulso
desde o iníc io dos anos 50. Entretanto. ele não discutirá o tex-
to de Laplanche durante o colóquio de Bonneval, onde a uni-
dade devia prevalecer sob suo égide, para fins tóticos. Lacon
desenvolve. pelo contrário, a idéia de que o Inconsciente é um
efeito de linguagem, de um cogito cindido entre verdade e sa-
ber. S_ó exprimiró seu desacordo com o discípulo em 1969, por
ocaslao de um prefácio escrito paro o tese de Aniko Lemalre
que lhe foi dedicada23 •
Em 1960, em Bonneval, lacan pronuncia um discurso que
depois remodela profundamente para Inseri-lo nos seus Écrits em
1966, sob o título de "Position de i' lnconscient·. Nele discute as

16. J. lAPLANCHE. Vl 9 Colloque de Bonneval. op. clt.. p. 115.


17. lb.. p , 121.
18. Jaon Laplanche, entrevista com o autor.
19. J . LAPLANCHE, Psychanalyse à /'Unlverslté, vol
523-528. 4, nº 15.\ unho de 1979, pp .
20. lb., p, 527 .
21. /b.
22. É. ROUOINESCO, Hlsfolre ele /o psychonolyse,
op. c/t., vol.) 2. p 323. 24. J . LACAN, " Position de l'inconscient', Éc) s /, op. clt., p . 196.
23. A. LEMAIRE. Jacques Locon, op. clt.
I --25.- J.. .LACAN. ---
ló.. p. 2 11 ,
.- ... . . . .. . . . . -- -.
17. A SEDUÇÃO DOS TRÓPICOS

E ntre o Conferência de Novo Delhi (1949) e o de Bon-


llung (1955), uma novo exigência manifesto-se com fulgor
crescente, o qual destrói os divisões habituais entre leste e oes-
te e Impõe um terceiro caminho. Elo tem origem no sul e
aspiro ao reconhecimento de dignidade Igual entre civilização
ocidental e povos de cor. É nesse contexto de descolonização
que a UNESCO encomendo o Claude Lévl-Strouss o realização
de um estudo que, no âmbito de uma coleção sobre "a ques-
tão racial perante o ciência moderno", vai converter-se em
Roce et Histoire, publicado em 1952.
Texto decisivo e contribuição fundamental para o teorização
do fenômeno de emancipação em curso, Claude Lévi-Strouss
interessa-se pelos preconceitos raciais. Sua intervenção permite
levar a antropologia paro o centro dos alternativos sociais, tal
como Paul Rivet jó fizera antes do guerra, e tornar manifesto o
deslocamento jó esboçado da antropologia física paro a antro-
pologia social. Ele critica o teleolo glg___l]~t 2l_l~9..-~ o d o na
~_!2Q~ã~_! ! ' ~ ~e -º ~<::.·lh~ o~~io ~~ i~ ~~e dos
culturas. a irredutibilidade do diferenço. Realiza assim umorevo-
- 1uçãoessenclÔIdÓs éspírttc)~~dida em que ataca os fun-
damentos de um eurocentrismo abalado pelo despertar trlcon-
tlnentol dos povos do Terceiro Mundo que sacodem o jugo
colonial. Semelhante visão não mais permite pensar-se em ter-
mos de anterioridade ou de inferioridade. Quebro o molde hie-
rórqulco de uma sociedade ocidental que se apresentava
como o modelo a ser seguido pelo resto do mundo. O enxerto
ocidental é rejeitado e debruçam-se então sobre o que ele en-
cobria com seu véu. Contestando o evolucionismo, Lévi-Strouss
permanece na filiação mausslona, mas nem por Isso correró o
risco de um localismo que encerraria cada sociedade no pe-
queno universo de seu particularismo. Ele considera. pelo con-
1
trório, que cada sociedade é o expressão de um unlverso
concreto. Nesse sentido, apresento-se não só como o guia que
abre o ocidente poro o compreensão do Outro, mas também
significo que esse Outro pode instruir-nos a respeito de nós pró-
prios, retroceder para nos transformar enquanto fragmento signi-
ficante do universal humano.
A___tlostura estrutU1alisto otes.e.c.e~s.e agul como pr~in~r para
a Inteligibilidade do Outro_.....pela idéia do intercomunical511lCfade
dos códiQOS. Com efeito, todos os sistemas poaem comunicar-se
entre si namedida em que sejam colocados no plano do PÇJS·
sagem de um código para outro: "O que não se pode fazer é
um dlólogo direto. A incompreensão provém de sua incapaci-
dade paro ultrapassar o seu próprio sistema. Se alguém contri -
buiu para esse humanismo universaliáto, foi Claude Lévi-Strauss,

) centrado, é a abertura para J


sem dúvida olguma" 1• Em relo;ã~t encerramento ocidental-
preensão de um universo

1 . S,,rge Martin. entrevista com o autor.


........, • n•wor,,,,...--,, fFC)( I\ 1 PICA
11. I\ Sf.OUÇÀO DOS mó1•1cos

multo mais vasto, baseado na pluriformidade das culturas o. sal' 6 . Com e retto. Montalgne já dizia que nós apressamos a ruí
portanto. num enriquecimento do conhecimento do humano. na das nações do Novo Mundo e deplorava que os chamados
Lévl-Strauss diferencia duas formas de refação com o hfstorl civilizadores não tivessem podido estabelecer entre eles o os ín-
cidade. opondo a história acumuladora das grandes cfvlllzaçôea dios uma sociedade fraterna e Inteligente. Reativando osso
ã vontade d;; dissolver todo Inovação percebida- como perigo pesar. esse Importante ensaio de Lévl-Strauss. Roce et Hlstolra.
decÕmprometimento - do equilíbrio primitivo. Essa história cumu- logo se converteu no breviário do pensamento anti-racista.
lativa não é privilégio do ocidente. uma vez que se processou
também em outras latitudes. Por outro lodo. Lévl-Strauss recha -
ço todo e qualquer valor hierárquico que permita apresentar
esta ou aquela clvlllzação como mais avançada do que as de-
mais. Ele relativiza todas as considerações dessa ordem, decom-
pondo os critérios conservados. A esse respeito, a civilização
ocidental dispõe de um avanço Incontestável no plano da téc-
nica mas. se retivermos outros critérios, vê-se que civilizações
que pareciam aos ocidentais representar o estágio primitivo. o A POLÊMICA: CAILLOIS/LÉVI-STRAUSS
berço do mundo. mostraram de fato muito mais engenhosidade
que o ocidente: ·se o critério usado tivesse sido o grau de ap-
tidão em triunfar sobre os meios geográficos mais hostis, não hó
a menor dúvida de que os esquimós, por um lado, e os beduí-
nos. de outro. levariam a palma"2 •
N ão obstante, ele foi alvo de uma dura crítica de Rogar
Calllois6 . O paradoxo quis que no dia em que Lévl-
Strauss foi acolhido na Academia Francesa. sucedendo na ca-
Nesse jogo variável do campo dos possíveis, o ocidente é su- deira Montherlant, em 1974. Roger Coillols fosse o escolhido
perado em todos os planos. exceto nos técnicos. Assim ocorre para recepcioná-lo. Este último não deixará. porém, que esse
no tocante aos exercícios espirituais. às relações entre o corpo momento de virulenta polêmica passe em brancos nuvens: ·o
e a concentração do espírito. Nesse domínio, o oriente. com senhor respondeu-me num tom, com uma eloqüência. uma
sous exercícios práticos e sua espiritualidade, tem um •avanço veemência e usando procedimentos polêmicos Ião pouco habi-
de alguns mílênlos"3 . Nesse leque de múltiplos critérios. os austra- tuais nas controvérsias de Idéias. que fiquei, na época,
lianos ganham a medalha da complexidade na organização estupefato" 7. Como recorda Roger Calllois, a resposta que Lévl-
das relações de parentesco e os melanésios a da audácia es- Strauss lhe dera tinha sido de uma violência jamais Igualada. e
tética. Lévl-Strauss extrai daí um duplo ensinamento que é o do de tal ordem que nunca mais incluirá "Dlogene couchéª" em
relatividade do d íagfüstlco estabelecido a partir dos critérios suas futuras coletâneas de artigos. Quais são os termos do po-
constituídos éíe toda e qualquer sociedade e o fato de que o lêmica?
enriquecimento humano só pode resultar de um processo de Roger Caillois estabelece um paralelo multo Interessante entre
coalescêncla entre essas diversas experiências. fonte de novas o aparecimento de cert as filosofias e a época que as viu nas-
descobêrtas: "A fatalidade exclusiva e a única taro que pode cer. observando não um simples reflexo do período mas. pelo
afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente sua contrário, o preenchimento de uma carência. Até Hegel. a fllo-
natureza. é a de ser só"4 • sofla ocidental penso essencialmente a história em sua lineari-
De maneira espetacular, Lévi-Strauss fundamenta em teoria o dade, em sua universalidade, ao passo que as relações entre o
prática da rejeição do enxerto colonial. e reintegra no mesmo ocidente e seus impérios ainda são precárias, lacunares. As
movimento essas sociedades da alteridade no campo do saber doutrinas em curso forçam o traço de um encadeamento úni-
e da problematização da sociedade ocidental. Mas a questão co de causas e efeitos da evolução humana, quando esta
do diferença não é somente a expressão da lrredutlbllidode do engloba ainda uma realidade muito díspar. Ora. é no momen-
Outro. é também um conceito Ideológico que não escapo à to. com o primeiro conflito mundial. em que a história torna-se
análise . A esse respeito.-0....poradigcn~truturalista avqnçado efetivamente planetária. que a pesquisa erudita e a sensibilida-
mina as bases das filosofias da totalidade ocidental, de _v1co, de coletivo valorizam a pluralidade. a Irredutibilidade das dife-
Comte...1,o~orc-;;t , Hegel ou Marx. P~e·S_!: ve!_aí o r,e.5S.urgl- renças, no próprio instante em que essa pluralidade se dissipa.
me..']_to .Q__e ~ Q.fillS(!l!)el')to nasctao dg d~_scobertg_gQ. _Novo Roger Calliols vê em Roce et Histoire o concentrado científico
Mundo, no século X'{J: "A razão ocidental sofre então uma flssu· dessa segunda atitude e percebe-a como a expressão da de-
ra. Mo~tgne ~ ebe que atgo de totatmente heterogêneo cadência preconizada do ocidente. Censura a Lévl-Strauss a
arruína seus alicerces. ~ uma constante do ocidente. desde os
gregos, jamais exercer o poder sem fundamentá -lo no unlver-
5 . Bertrand Ogltvie, entrevisto com o autor.
6 . fl. CAlllOIS. 'lluslons à rebours'. Nouvelle Revue Françoise. 1 de dezembro de
2 . CI. lÊVI-STRAUSS, 'floce et Histoire' ( 1 9 ~ r e s s o em Anfhropolog/e strvchJ· 1954. pp, 1010-1021. e 1 de janeiro de 19~. pp. 58-70.
rale deux. Plon. 1973, p . 399. 7. A. CAlllOIS. 'lo réponse de n. Colllois', te Monde, 26 de Junho de 1974.
3 . lb. 6 . Claude li;Vl•SlflAUSS. •p;..,.,.;.no .................. 'A• T~---
4. lb.. p . 415.
H/STÓRl/1 00 ESTf?UTURALISM O 11 I\

atribuição de virtudes desproporcionadas aos povos outrora de


samparados, e critica globalmente seu ponto de vista relatlvlsta .
A esse respeito, coloca Lévl-Strauss em autocontradição quando
este considera, de uma parte, que todas as culturas são equi-
valentes e incomparáveis ("O progresso de uma cultura não ó
mensurável no sistema de referências que uma outra cultura uti-
liza. / .. ./ A atitude é sustentóve1" 9 ) e, por outra parte, que o
oriente teria um avanço de vários milênios sobre o ocidente no UM LIVRO-EVENTO: TRISTES TROP/QUES
plano das relações entre físico e moral. O relativismo lévi-straus-
siano leva-o longe demais e Roger Callols opõe-lhe essa supe·
m 1955, a conferência de Bandung intervém como "um
rloridade do civilização ocidental que se situo. segundo ele,
nessa curiosidade constante o respeito das outras culturas de
onde nasceu o etnografia, necessidade que não foi sentido pe-
E trovão" em escala planetário. segundo um dos líderes do
afro-asiatismo da época. Léopold Sédor Senghor. No mesmo
las outras civilizações: "Ao contrário do que diz o provérbio. o momento, os progressos da aeronáutica civil colocam ao alcan-
orgueiro que está no o lho de Lévi-Strauss impediu-o de enxergar ce dos turistas ocidentais as civilizações mais longínquas. Um
o barrote no olho dos outros. / .. ./ A atitude é nobre, mas um verdadeiro frenesi de exotismo apodera-se do Velho Mundo. As
cientista deve aplicar-se, antes. a reconhecer os argueiros e os agências de viagens oferecem. cada uma à sua maneira. uma
barrotes onde quer que se encontrem"1º. expatriação aclimatada com molho ocidental. Cabeças de
A réplica não se fará esperar e será contundente. Verifica-se ponte do turismo implantam-se por toda parte como outras tan- I[
de novo que a revista de Sartre, Las Temps modernas, serve tos penínsulas extroterritoriais fechadas sobre si mesmas. O Club 1

paradoxalmente de tribuna a Lévi-Strauss para desenvolver as Mediterranée vai em breve esquadrinhar os continentes. ofere-
suas teses. O tom é dado desde o começo: "Diógenes provava cendo a descoberta do Outro por menor custo. por trás das
grades de seus acampamentos entrincheirados. ao abrigo de 11
o movimento caminhando. O Sr. Roger Colllois deita-se para
não o enxergal"11 • Retomo as linhas de forço de sua demonstra- Incursões Indígenas. Foi nesse momento oportuno em que os in-
ção, sem ceder em nada à argumentação de Roger Caillois. À teresses intelectuais estão prestes a oscilar. que surge o livro-
alusão deste último ao canibalismo, Lévi-Strauss retruca que não evento, Tristes Tropíques. em 1955. Lévi-Strauss responde p lena-
situa a moral na cozinha e que, no tocante à relação do nú- mente às aspirações da sensibilidade coletiva da época. e seu
mero de homens mortos, nós, ocidentais. somos muito mais efi- triunfo é testemunho disso. Ele realiza a abertura espetacular
cientes do que os papuas. É sobretudo a violência da polê- que tanto desejava para a antropologia e para o programa es-
mico que surpreende: "0 Sr. Caillois entrega-se a um exercício truturalista, Instalando-os no mais íntimo daqueles que projeta-
que começa por gracejos de mesa de botequim, prossegue vam o mundo intelectual francês. Ao mesmo tempo, modifico a
com declarações de pregador para terminar com lamentações imagem que se tendia a ter dele. Era apresentado quase sem-
de penitente. É bem esse, aliás, o estilo dos cínicos de que ele pre como um cientista inumano: "Eu estava irritado por me ver
se vale"12. "A América teve o seu McCorthy; nós teremos o nos- rotulado nos fichórlos universitários como um mecanicista sem
14
so McCaillois" 13• Para além do tom polêmico, permanece um alma, somente prestável para meter os homens em fórrpulas" •
importante opúsculo no combate aos preconceitos racistas no Curiosamente, a gênese da obra é a de um duplo fracasso.
limiar dos anos 50, e uma Intuição exata. a de Calllois, segundo Lévi-Strauss aspirava. sobretudo, a utilizar suo experiência de et_-
a qual um pensamento crepuscular está prestes a p redominar nógrofo para escrever um romance; abandona-o ao fim de
na Europa, exposta a um declínio que parece inexorável. trinta páginas e dele só restam alguns vestígios. como o título e
um magnífico pôr-do-sol. Outro revés de que resulto u Tristas Tro-
piques foi o das suas duas primeiras candidaturas ao College
de Franca, quando foi sucessivamente derrotado em 1949 e
/ 1950. Convencido nessa altura de que jamais poderia fazer
uma carreiro universitária, Lévi-Strauss consagra seu tempo a es-
crever Tristas Troplques. •que eu jamais teria ousado publicar se
estivesse envolvido numa competição qualquer para uma posi-
ção universitólra"15• Esse episódio é sintomático de um momento
em que a força e a inovação do programa estrut uralista con-
fiam em suo capacidade paro Ir além dos limites da instituição
universitária e encontrar outJos canais de legitimação. Foi graças
9. R. CAILLOIS. 'llusions à rQbours'. ort. clt.. p. · 1~
10. /t,., p , 1024. 14. CI. L~VI-STRAUSS. "ntrevista com Jean-José Marchond, Arfs. 28 de dezembro
11. CI. LÉVI-STRAUSS. 'Oiogêne couché". ort. clf., p . 1187.
1? Ih n l?O? de 1955.
saber, Lévl-Strouss doflnlu, em 1955, uma posição da qual nun-
a esse desvio que Lévl-Strouss se preparou poro Intervir no mo c a mais se apartoró. a do cientista que renunc iou. por seu
mento mais oportuno, apresentando-se como um filósofo de via compromisso com a ciência. a todo combate partidórlo. Ele re-
gem. Em seu olhar hó um misto de clentiflcldode, de lltoratura, tiro -se da ação e considero essa retirada uma regra deontoló-
de nostalgia dos origens perdidos. de culpabilidade e do reden gico Intangível, à maneiro do religioso que ingressa num?
ção. que tornam suo obra diffcll de classificar. Ordem e mantém-se à distância do século. O papel do etno-
Ele manifesto, pelo subjetividade do seu reloto, o vínculo que grafo "seró somente compreender esses ou tros"20, e paro cumprir•
une a busca do Eu e o descoberta do Outro pela Idéia de essa tarefa ele deverá aceitar um certo número de renúncias,
que o etnógrafo tem acesso à fonte da humanidade e, aSSim, de mutilações. Compreender ou agir, é necessário escolher, tal
como pensava Rousseau. o uma verdade do homem que "so- parece ser a diviso daquele que encontra um reconforto. funda-
mente crio algo de grande no iníclo"16. Hó uma nostalgia origi- mental na •meditação do sábio ao pé do ó1vore· 21 • E a um
nal nessa perspectiva que só considera a história humana como verdadeiro crepúsculo dos homens que Lévl-Strauss nos convida
póllda repetição de um momento perdido para sempre, que é ao propor até o conversão da antropologia em "entropologla",
o momento - autêntico - do nascimento: •reremos acesso o es- ciência que tem por objeto os processos de desintegração. Es-
sa nobreza de pensamento que consiste / ... / em dar como se desengojamento não exclui de formo nenhuma, é claro. a
ponto de partida para as nossas reflexões o Indefinível grande- expressão da sensibilidade do etnógrafo em sua descrição do
za dC">s começos" 17 • Nessa valorização dos começos, hó como Outro. Essa subjetividade e essa extremo receptividade são una-
que uma parcela de expiação das culpas de uma sociedade nimemente saudados pela crítica e contribuem para o sucesso
ocidental com passado genocldárlo, à qual pertence plena- popular de Tristes Tropiques.
mente o etnógrafo. Participando outrora nas obras miSSionários. Não só Lévi-Strauss nos faz participar a cada passo do entu-
quando do tempo glorioso da colonização, o etnógrafo mostro siasmo que nele suscitam as suas descobertas mas, sobretudo,
seu arrependimento na hora do rejeição do enxerto ocidental. ultrapassa o exotismo em vogo ao reconstituir as lógicas sublo-
acompanhando aSSim o movimento de refluxo e tratando de centes nos comportamentos que observa. Portanto, a despeito
sarar algumas chagas morais. Se esses trópicos são tão tristes, de seu envolvimento no campo, o observador continua sendo
não é somente em conseqüência da aculturação mas tem o um homem de ciência em busco de leis de funcionamento da
ver também com a própria natureza de uma etnografia cujo sociedade e, por essa razão, deve desprender-se de si mesmo.
obleto estó em vias de extinção. Esses desaparecimentos são é esse exercício de descenlroçõo que vai fascinar o público In-
Inegáveis, principalmente no terreno explorado por Lévl-Strauss, telectual e envolver as ciências humanos no nova aventuro do
mas essas civilizações estão, sobretudo. em vias de transforma- esttuturolismo. o modelo ainda é Rousseau, de quem foz um vi-
ção no tempo da descolonização, reivindicando sua Identi- brante elogio: "Rousseau, nosso mestre, Rousseau. nosso Irmão,
dade, saindo de suas tradições para tornar-se sociedades quen- por quem mostramos tanta ingrotldão"22 • Segundo Lévi-Strauss.
tes. ele está em posição de precursor por ter respondido ao cogito
Paradoxalmente, a descolonização que assegura o êxito de cartesiano do "Eu penso, logo sou· com a pergunta de desfe-
Tristes Tropfques acarreta, ao mesmo tempo, a eclosão da crise cho Incerto: •o que sou eu?" E o etnólogo acompanha-o no
resultante de sua orientação baseada em sociedades imóveis, recusa das evidências do Eu, para tornar-se receptivo ao discur-
tomadas numa tensão entre conservação e desaparecimento: so do Outro: "No verdade, eu não sou eu. mas o mais !fraco. o
"O mundo começou sem o homem e acabará sem ele" 18• ao mais humilde dos outros. Esta é a descoberto das Confissões" •
23

passo que as sociedades do terceiro mundo mostram copacl- No seu Discurso sobre o Origem e os Fundamentos da Desigual-
d ade para superar essa alternativo redutora e para abrir os dada entre os Homens. Rousseau já Incitava à descoberta de
caminhos da transformação que exigem. evidentemente. modi- sociedades desconhecidas do ocidente, nõo para extrair delas
ficações em suas respectivos Identidades. A eficácia social da qualquer riqueza material mas paro descobrir aí outros costumes
antropologia não consiste em oferecer uma abertura suplemen- que pudessem e lucidar a nossa maneira de viver: "Rousseau
tar a inscrever no programa das viagens organizadas mas em não se limitou a prever a etnografia: ele o fundou" 24 • A reposi-
acompanhar seu tempo o fim de esclarecê-lo mediante um sa- ção do observador em situação de se expor. de expor suas
ber científico. É também esse o sentido da mensagem de Lévl- dúvidas e suas ambições, prossegue com Lévl-Strouss quando
Strouss no dia seguinte à derrota de Diên Biên Phu: "Cinqüenta escreve suas confissões com Tristes TrQPiques.
anos de pesquiso modesta e sem prestígio, conduzida por etnó-
logos em número suficiente, teriam podido preparar no Vietnã e
no África do Norte soluções do tipo daquela que a Inglaterra

--
tinha encontrado na indiaº19.
Se o antropólogo deve acompanhar o político com seu 20. CI. LÉV~STílAUSS. Tristes Troplques, op. clt.. p. 416.
21. /b.• p. 445.
16. a. ll:V~STRAUSS, Tristes Troplques. op. clt.. p . 442. 22. lb.. p. 421 .
17. lb.. p. 424. 23. CI. LÉV~STílAUSS. Anlhropotor;la s/Ncluro/e deux. op. cll.. p. 51.
18. lb.. p , 447. 24. lb.. pp. 46-47.
19. CI. L~V5,,$TílAUSS. ·Le drolt ou vnvnno• I •ç.,,,-..,,:u• ?1 "'º ..,...,.....,....,.,.,... . . . . 1
õ,t.~
Troplques: "O livro mais Interessante do semana não é um ro-
mance. É obro de um etnógrafo, o Sr. Claude Lévl-Strouss"32 • Le
Conord enchoiné falo até de ·refrescantes trópicos' (31 de ou-
tubro de 1956).
Recensóes mais substanciais encontram-se nos Annales e na
Revue Philosophique. de autoria de Jean Cozeneuve. Nos Anna-
/es, Luclen Febvre reservara-se para folar ele próprio do obra
que o deslumbrara, somente sua morte o Impedira de concre-
UM SUC ESSO RETUMBANTE tizar essa Intenção. Na revisto Critique, é o próprio Georges
Batollle, diretor da revista. quem escreve um extenso artigo Inti-
tulado: 'Um livro humano. um grande livro·~. Viu nele um deslo-

A repercussão da obra é espetacular. Seu caróter híbrido,


avesso a qualquer classificação neste ou naquele gêno
ro, permite-lhe conquistar um público excepcionalmente vasto
camento do campo literórlo para atividades mais especiali-
zadas. Ora, efetivamente. o obra de Lévi-Strouss. tal como o de
Alfred MétrouxJ.1, participo dessa nova sensibilidade, dessa nova
para um livro de ciências humanas. Até então. somente o lite relação entre literatura e cien1ificidade que supera o tradicional
rotura de ficção e. o rigor. alguns grandes temas do debate antinomia entre a obra de arte e a descoberta científica: "Tris-
filosófico podiam pretendei tal acolhimento. Tinha sido o coso tes Troplques apresenta-se desde o começo, não como uma
do exlstenclolismo sartreano, sobretudo em sua versão teatral e obro científico mas como uma obro de arte' 35• A composição
literórla. A Influência de Sartre, aliós. ainda é ·importante e Lévl literária do obra está ligada não só ao fato de ser. em primei-
Strauss publica um bom número de póglnos do seu livro em Les ro lugar. a expressão de um homem, de seus sentimentos. de
Temps modernes25 , mos o eco que encontra consagra a sua seu estilo, mas também ao foto de o espírito geral do livro ser
emancipação, assim como a do programo estruturolisto. De to orientado mais pelo que atrai e seduz seu autor do que pela
dos os horizontes políticos. de todos os disclpllnos, íornollstos. simples vontade de transcrever uma ordem lógica.
cientistas, Intelectuais, saúdam Tristes Troplques como um grande Esse deslocamento da literatura para o gênero etnogrófico
acontecimento. foi sublinhado o tal ponto que os Goncourt publicam um co-
Em Le Figaro. Roymond Aron aplaude esse livro 'suprema - municado segundo o qual lamentam não poder atribuir seu
mente filosóflco" 26, que reata o tradição da viagem de filósofos prêmio a Tristes Tropiques, René Etlemble consagra também um
e resiste ao confronto com as Cartas Persas. O Jornal Combot longo estudo à obro de Lévi-Strauss, em quem reconhece um
vê em Lévl-Strouss •a atitude de um Cervantes". François Régls- semelhante, um herético-na to. Tristes Troplques "é o tipo de livro
Bostlde saúdo o nascimento de um poeta e de um novo para pegar ou largar. Eu o guardo no tesouro do minha biblio-
Choteoubriond 27 • Em L'Express. Madeleine Chapsal fala de escri- teca, como o mais precioso dos meus allmentos' 36 . Apóia o
tos de um vidente: 'Hó dez anos, talvez. que não aparecia um ponto de vista crítico de Lévi-Strouss sobre o modernidade oci-
livro mais diretamente endereçado o todos nós"28 . A rubrico filo- dental ao citar a obro de Gilberto Freyre que descreve como
sófica do Monde, a cargo de Jean Lacroix, é dedicado no os franceses. depois os portugueses. abordaram o futuro Brasil e
íntegro o Tristes Tropiques. Ele enuncia o paradoxo em ação no a degradação física e moral que daí resultou para as popula-
pensamento de Lévl-Strauss: ·o autor denuncio o prog1esso, e ções Indígenas: "Eles não civilizaram nado. mas hó indícios de
ninguém presta maior homenagem aos progressos da nossa que slflllzaram bastante bem o Brasll", reconhece Freyre, ele pró-
cullura"29• Numerosos comentaristas são seduZidos pela reflexão prio brasllelro37 •
sobre o envolvimento do Investigador no objeto de suo Investi- O entusiasmo é tão grande e unânime que não podia ficar
gação, sobre uma pesquisa que nado tem de exótico: "É, em Imune a alguns mal-entendidos. Houve quem se contentasse
primeiro lugar, numa Inquirição sobre si mesmo que f ie nos em ver no livro um banho de exotismo, quando era Isso o que
convida o portlclpar"3°. ·o leitor. neste livro. encontraró sobretu- Lévi-Strauss mais repudiava; outros. que viram nele a expressão
do um homem. Não é Isso. afinal de contas. o que ele do sensibilidade de um Indivíduo, não tardam em ser apanha-
busco?" 31 Errl Libérotlon, Claude Roy, especialista na crítica de dos no contropé pela futura celebração da morte do homem.
romances. abre uma exceção à regro que o confino o esse simples figura efêmera, "eflorescêncla passageiro". O qüiproquó
gênero llterórlo, e escreve um extenso comentório sobre Tristes mais famoso continua sendo, sem dúvida. o prêmio atribuído a
Lévl-Strouss em 30 de novembro de 1956 pelo Júri da Pluma
d'Or, que recompenso os livros de viagens e de exploração.
25. CI. LÉVI-STRAUSS. 'Oes lndiens et leur ethnogrophe' , excertos de Tristes Trop/-
ques. no prelo. Les Temps modemes. nº 116. agosto de 1955.
26. R. ARON. Le Flgoro, 24 de dezembro de 1955. 32.CI. ROY. L/bérotlon, 16 de novembro de 1955.
27. F. RtGIS-BASTIOE. Oema/n. 29 de jonelro de 1 9 ~ 33.G. 8ATAILLE. Critique. nº 11 õ, fever•lro de 1956.
28. M. CHAPSAl. L'Expres,, 24 de fevereiro de 19M. 34.A. M~TRAUX. L'lle de Pôques, Golllmord, 1941, 2º edição, 1956.
29. J. LACROIX. Le Monde. 13-14 de outubro de 1957. 35.G. 8ATAILLE. Ctft/que, n° 110, fever•i<o de 195é. p, 101.
30. P. A. RENAUO, Fronce-Observoteur. 29 de dezembro de 1955. 36 ETIEMBLE. lvldences. abril de 1956. p . 32.
31. J . MEYRIAT. Revue frol'IQo/se de se/ence oolt/oue. vol 6 n° 2
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO

Tristes Troplques foi o vencedor pela margem mínima (cinco vo-


tos contra quatro dados a Jean-Claude Berryer por Au Poys do
rétéphant bianel). quando o livro principia com o famoso ·o.
delo as viagens e os exploradores· e prossegue em ·o que vós.
viagens, nos mostrais atualmente em primeiro lugar, são os nos-
sos lixos lançados ao rosto da humanldade"38. Lévl-Strauss recusa
o seu prêmio, o que lhe vale uma nova comparação e logiosa
e llterórla: "Novo Julien Gracq. Um especialista em índios recuso
uma Pfume d'Or" 39 • A CONVERSÃO DOS FILÓSOFOS
Nesse concerto de louvores, algumas notas discordantes têm
certa dificuldade em fazer-se ouvir. É o caso de Maxime Rodln-
son. que publica uma crítica de Tristes Troplques 40 em que repercussão obtida por Lévl-Strauss não se Nmitou à esfera
rechaça a posição relativista de Lévl-Strauss e defende contra
essa tentação a dialético histórica: •Aos olhos desse relativismo
A da mídia; ele perturbou o campo intelectual em seu con-
junto e, mais profundamente ainda, atraiu para os trópicos o
integral, nado permite afirmar. portanto, que o conhecimento destino de numerosos filósofos. historiadores e economistas que
do princípio de Arquimedes seja mais Importante do que o co- romperam com suas disciplinas de origem a fim de responder a
nhecimento de nossa genealogia" 41 • No artigo, elogioso no esse chamado de lugares distantes. A preocupação em reconci-
fundo, de Etiemble. lê-se também algumas apreciações críticas. liar sua própria sensibilidade com um trabalho racional numa
Lévl-Strauss vai longe demais quando vê na gênese da comuni- sociedade viva. numa relação de interatividade vai entusiasmar
cação escrita o melo de facilitar a servidão, conclusão que tanto mais a Jovem geração visto que o ocidente parece não
extrai de suas obseNações com os Nhamblquara. Etiemble res- exigir mais os compromissos de outrora. A esse respeito, Tristes Tro-
ponde-lhe que Hitler e PouJade começaram pelo falo e o p/ques apresenta-se corno o sintoma de um novo estado de
comício. Quanto a transformar a antropologia em entropologla: espírito. de urna vontade de captar as linhas de fuga, sem
"Ah, não! Em absoluto / .. ./. Lévl-Strauss faz concessões um tan- abandonar as exigências da Razão mas aplicadas a outros ob-
to excessivas à clbernética"42 • Jetos.
Lévl-Stral.Jss responderó no seu seminário no Museu do Ho- As conversões são numerosas e Lévi-Strauss é o seu pólo de
mem, em 15 de outubro de 1956, às críticas de Maxime Rodln- convergência. Luc de Heusch, etnólogo, Já realizava um trabalho
son, de André-Georges Haudrlcourt e de G. Granai, acusando de campo no Congo Belga, o atual Zaire. Aluno de Marcel
estes últimos de lhe atribuírem uma Intencionalidade quando ele Grlaule na Sorbonne. ficou decepcionado por não encontrar as
não quis construir um modelo dos modelos mas apenas salien- grandes construções simbólicas do seu mestre. Regressa à França
tar certas conclusões parciais. limitadas. "Existe aí, como pre- em 1955 e descobre, fascinado. Tristes Tropiques. Ao passo que
tende Rodinson. alguma coisa para desesperar Billancourt? / .. ./. apenas percorrera superficialmente Les Structures élémentoíres de
Nem em Roce et hl$J..olre, nem tampouco ~rn TristesJI.QpJques, /o porenté antes de partir para a África. ele aí retorna agora
prÕcure~ des!rulr a ic.f.~a _9_e pro-wesso J D..9§,_ºntes. fa~:J.g_passor corno um levl-strausslano, e transpõe os métodos apllcad~s às so-
da posição de coteggrla unlv~al d.o dese.QY.Qlvjme.nto_hJ.!rnOno ciedades índias à sociedade banto da África Central a fim de
ó de modo particular de ~xistêncla.. próprio ..d..e.....nossa compreender o pensamento simbólico africano a partir do con-
socledade."43 Lévl-Strauss exprime aqui urna posição de defesa. fronto de todas as variantes das narrativas mitológicas.
mantida sempre contra toda crítica ao seu a -historicismo. Ele O brilho do sucesso de Claude Lévi-Strauss compensa a débil
pretende não ser portador de uma filosofia geral mas tão -so- Implantação da etnologia no sistema universltório. É certo que
mente de um método científico parficular. Essa resposta, porém. existe, desde 1925, o Instituto de Etnologia no Museu do Homem.
não satisfaz. uma vez que encobre manifestamente os postula- mas consta de um único departamento. um agrupamento de
dos filosóficos lnegóvels do postura estruturolista. Mas em 1955. docentes para um auditório composto essencialmente de estu-
não chegara ainda a hora do grande debate filosófico que te- / dantes c1.40 Intuito é obter o único d iploma que tem uma v~rsão
ró lugar nos anos 60. Lévl-Strauss estó então entregue ao triunfo / ~etras e uma versão Ciências. sem que por isso devam dedicar-

-
de urna nova positividade. se à proflssõo de etnólogo. É. sobretudo. a oportunidade para fl.
lósofos que tenham necessidade de um certificado de ciências
para a obtenção de seu diploma de licenciatura. de seguir um
curso de formação diretamente ligado às suas preocupações;
Mlchel lzard conserva disso uma lembrança de Insatisfação. E
38. CI. l~V~STRAUSS. Trl$1es Trop/qu,u. op. clt. , pp. 3 e 27.
39. L• F/goro. l de dezembro de 1956. certo que havia algumas óreas bem constituídas. como a de
40. M . ílODINSON, NO<Jve//e Critique, nº 66, 1955; n°_ 69, novembro de 19~; Lo tecnologia cutural, a antropologia física ou a pré-história, ·mas o
Pensée. moio-junho de 1957. - resto parecia-nos de uma Indigência tota1" 44 • O ensino do etnolo-
41. M . RODINSON. ·Roclsme et clvlisation'. Nouvell• Crtflque. nº 66, 1955. p . 130,
42. ETIEMSLE. Évldenc,u, abrôl rlA 1Q!Y> nn ;\.'\ •.'\.4
gla era feito segundo as grandes regiões do mundo ou oa ospocto de modolo o os promessas do programo estruturallsto.
grandes temas, sem um Instrumento de ordenamento metódico. o que o decide o romper com a filosofia. A essa ambição
Nessas condições. a repercussão medlótlca era essencial poro
convencer a geração Jovem de uma posslvel alternativa às car-
científica soma-se a vontade de ·voltar os costas 00 ocidente.
de Ir o algum lugar que est eja fora da nossa história, aquela
i316$
reiras tradicionais. de uma brecha ontropológlco o abrir à mar- que nos produzlu"49 • Mlchel lzard freqüento então os semlnórios
gem do cidadela do Sorbonne. A semelhança é grande, neste de Lévl-Strouss na 5 11 Seção do EPHE. assim como os cursos de
coso, com a situação do llngüfstlco no mesmo momento. o Jacques Soustelle e de Rogar Bastlde. no perspectiva de uma
que vai c imentar seu destino comum. sua compenetração. v erdadeira profisslonallzação. No final do ano de 1957, Lévl-
Em meados dos anos 50, o publicação de Tristes Tropiques e Strauss foz-lhe duas propostos de pesquisa: por um lodo. traba-
do livro de Alejo Co rpentler, La Portoge das eoux, ressoo poro lhar no Museu de Antigüidades do Sudão, em Cartum o fim de
Mlchel lzord como 'um chamado paro outro lugar"'5• A aventu- abrir solos sobre o Sudão animista negro do sul. mas seu currí-
ro proposto por Lévl-Strouss não conduz. porém, à terra prome- culo é ainda demasiado exíguo poro concretizar esse projeto;
tida mos, como se viu. o um desencanto. É a exploração de por outro, trabalhar no quadro de um Instituto de Ciências Hu-
uma descoberto que contém em seu bojo o fracasso: "Eu era manas Aplicadas que procurava um etnólogo e um geógrafo
sensível a esse lado pessimista, o esse lado fim de caminho" 46 • poro realizar um estudo no Alto Volta. Els o nosso etnólogo-
Mlchel lzard converteu-se, pois, em meados dos anos 50. Estu- aprendiz empenhado por um ano num trabalho no terreno afri-
dante de filosofia na Sorbonne, jó possuía um conhecimento de cano que ocarretoró suo conversão definitiva.
Lévi-Strouss graças ao prestígio de Las Temps modernas. onde Ele arrasto paro essa aventuro um outro neófito, Françoise
alguns dos textos mais importantes deste último tinham sido pu- Hérltier. Ela é oriundo de uma disclplina ainda mais deslocada
blicados. Mos a etnologia é uma preocupação multo marginal em relação à antropologia: a história. Estudante de história na
do ensino que lzard recebe. Os seus professores, Jean Hyppoll- Sorbonne de 1953 a 1957, estava mais propensa o dedicar-se à
te, que prossegue com o ensino hegeliano. Jean Wahl. Mourice história antiga, · mos o encontro com estudantes de filosofia e
de Gandilloc ou Vlodlmlr Jonkélévitch, não se Interessam por es- em particular com Mlchel lzard, com quem vive. leva-o o inte-
se novo campo de investigação. Domínios Inteiros são assim ressar-se pelo antropologia. Passo então. em 1957, a assistir aos
Ignorados. como a filosofia analítica, o epistemologia, os proble- cursos de Lévl-Strouss no 511 Seção da EPHE: "Era evidente que
mas da linguagem em geral. Quanto à etnologlo, era quase paro alguém que tinha feito estudos de história e geografia, e
Inexistente. embora com algumas raros exceções: "Tínhamos co- preparava o ogrégotion, essas coisos eram Inteiramente 1
mo assistente M:kel Dufrenne. cuja tese complementar abordava novas'so. o choque é triplo paro Françoise Hérltier, que desco- 1 1

a personalidade de base e estava ministrando um curso sobre bre sociedades das quais Ignorava até o existência. próticas
o antropologia cultural americana. Também chegou, tardiamen- racionais Insuspeitadas e uma forma totalmente novo de racio-
te para mim, Claude Lefort, como novo assistente. Ora, ele cinar. Entusiasmado, elo prossegue, portanto, nesse caminho e
tinha escrito artigos sobre o obra de Claude Lévl-Strauss desde obtém o diploma de Etnologia. Como não se encontra o geó-
1951-1952"47 • grafo que devia acompanhar Michel lzord, é Françoise Héritier
Mais inclinado para o epistemologia, leitor de Georges Con- que se candidato para a tarefo e é escolhido poro formar o
guilhem e de Goston Bochelord, o conselho de seu amigo equipe. Ela se tornaró. allós. a Sra. Héritler-lzard no decorrer do
Pierre Guottarl, denominado Félix, Mlchel lzord obtém o certifica- expedição africana. Incumbe-lhes a missão de estudar um pro-
do de Etnologia no ano de preparação do seu diplomo sob a blema de deslocamento de população o partir de um projeto
direção de Jean Wohl. No In stituto, ele reencontro Ollvler de barragem num afluente do Volta. Era necessário descobrir
Herrenschmldt, que escolhera o órea do história e operava a por que a região para onde se queria enviar a população ti-
suo reconversão graças a um misto de antropologia. lingüística nha permanecido tão pouco povoada: "Era astucioso pedir a
e história dos religiões. Michel lzord encontra tambéryi filósofos etnólogos e geógrafos que estudassem o questão, pois era uma
que vão passar para a antropologia. como Mlchel Cortry. Esse das primeiras vezes que se tinha em vista deslocamentos não
ano de 1956. que não devlq ser paro Mlchel lzard mais do que autori-tórios e se procurava entender os motivações dos pes-
uma diversão passageiro, um simples desvio, adquire de súbito so/•s1.
uma outra Importância: ' No final do ano. eu tinha decidido
abandonar a filosofia para dedicar-me à ontropologio"'5.
Se Tristes Troplquas contribuiu fortemente paro seduzir Mlchel
lzord, levando-o o procurar do lodo do etnologia qual o cam -
po de Investigação que se oferecia ao pesquisador. é sobre-
tudo a feitura de Structures élémentofres de lo porenté, seu

45. M . IZAílD. Sérnlnolrv, Loborotoire d"onthropologia sociole. 1 de junho de 1989 49. Michel IZAílD. Sémlnalre. Laborotolre d'onthropologl• soclale. 1 de junho de
46. Michel lzard, entrevisto com o autor. 1989.
47.
48.
/b,
/b. ..,
50. Françoise Héritier·Aug(;. entrevisto com o autor.
,....
rnANÇ I OSSI
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO

O PÓLO TÉCNICO: LEROI-GOURHAN


O PÓLO INDIANISTA

E sse ano de 1955 é decididamente um momento culmi-


nante para a arrancada da antropologia. É o momento
U m terceiro pólo contribui para o sucesso da antropologia
em meados dos anos 50, graças à nomeação para a ca-
deira de etnologia da Sorbonne (a única) de André Leroi-Gourhan
em que Louis Dumont retorna de Oxford para a França e inicia em 1956, sucessor de Marcel Griaule, que desaparece nesse ano.
seu curso na EPHE. É também nessa data que Fernand Braudel Uma segunda cadeira será criada em 1959. ocupada por Roger
e Clemens Heller lançam na 6G Seção da EPHE o programa dos Bastide, e um certificado de arqueologia pré-histórica será definido
Araa Studias (áreas culturais) que deve lavorecer o reagrupa- em 1960-1 961. colocado sob a responsabilidade d e André Leroi-
mento, segundo o modelo americano. de múltiplas disciplinas, Gourhan. Este ütfmo representa a vertente arqueológica e tecnlcls-
entre elas a antropologia, em torno de objetos comuns de estu- fa da etnologia. Nesse sentido, a sua contribuição pode ser per-
do. O regresso de Louis Dumont transforma radicalmente o cebida como complementar das orientações culturais de Lévl-
curso d e Olivier Herrenschmldt que era dado na Sorbonne. on- Strauss, que reconhecerá. num colóquio de 1987. a semelhança
de ele se especializava em história das religiões. Ele se lança de suas respectivas posturas no plano metodológlco54.
não só numa formaç ão de etnólogo. de lingüista, mas especia- Uma das grandes novidades de André Leroi-Gourhan é tam-
liza-se nos estudos Indianistas. Assiste simultaneamente aos cursos bém a de privilegiar a sincronia. não tonto a partir do modelo
de Martlnet na Sorbonne. recém -chegado dos Estados Unidos, saussurlano. como em Lévi-Stra uss, mas em seu método de esca-
aos de Lévl-Strauss na 5g Seção da EPHE e aos d e Louis Du- vação, que deve ser horizontal. Em fins da década de 40, Isso foi
mont na 6G Seção da EPHE. Essa conjunção do estudo do sâns- objeto de grande controvérsia en!Te os horizontalistas e os vert1ca-
crito, da lingüística e da antropologia estrutural p e rmite dar um listas. Por sua noção de desprendimento sistemó11co por zonas hori-
segundo alento, e urn sentido diferente aos estudos Indianistas zontais [décopoge ], André Lerol-Gourhan defendia uma posição
que ultrapassam e ntão o estágio das monografias de campo segundo a qual era necessório "re11rar a terra deixando as coisas
realizadas até então. Constitui-se todo um grupo em torno de falarem na horizontal"65• Encontra-se também a mesma ambição
Louis Dumont com Madeleine Biardeau, filósofa. especialista do totalizadora própria do programa estruturolista. A sua noção de
bramanismo e que será nomeada para a EPHE em 1960, Daniel cutura etnográfica tem menos por obleto suas manifestações sin-
Thorner, economista norte-americano, e Robert Llngat, sanscritls- gulares do que as relações de seus diversos ramos; é. pois. na
ta. nomeado para a EPHE onde ocupa a cátedra de direito e conjugação destes que a coerência pode ser reconstituída: Hélà-
Instituições do sudeste asiático em 1962: "É uma equipe limitada, ne Balfet. aluna de André Leroi-Gourhan, e que assegurou a con-
de grande qualidade, pluridisciplinar e à margem do meio In- tinuidade dos cursos de tecnologia no Museu do Homem quando
dianista francês" 52 • Lerol-Gourhan foi nomeado para a Sorbonne em 1956, representa
É certo que esse pólo Indianista, pelas\ exigênclas que requer, bem essa ponte entre os dois pólos do universo antropológico, vis-
não atrai multidões. e quando Louis Dumont se encontra um to que ela segue ao mesmo tempo o ensino de Lévl-Strauss.
dia na presença de um auditório de 25 pessoas, reage em se- Entretanto, essas duas orientações da pesquisa antropológica
guida invocando alguma confusão devida a uma infeliz homo- pern,anecerão, em seus aspectos essenciais. estranhas uma à ou-
nímia: "Vocês estão enganados, eu não sou René Dumont, mas tra. Opõem-se no modo de refação estabelecido entre trabalho e
Louis Dumont"53 • O status do Indianismo conserva-se um pouco fal9'." André Leroi-Gourhan explico-o pela posição vertical que per-
à parte. marginal no campo da antropologia. portanto mais sujei- mitiu libertar as mãos e especializá-las nas tarefas de trabalho e
to do que os outros ramos da pesquisa à dominação dos filólog?s na preensão, ao passo que a boca era. por seu lado. libertada
sanscritistas. A brecha aberta por Louis Dumont, contemporônea para a fala. Ora. não existe trabalho sem linguagem. como mos-
da de Lévl-Strauss, e em torno de um mesmo eixo programático, tra o texto célebre de Marx. no início de O Capital. sobre a abe-
permite que os indianistas saiam de seu gueto e favorece os con- lha e o arquiteto. O que caracteriza e distingue a atividade do
tatos com os especlallstas das outras áreas cuturals.

54. CI. léV~SIRAUSS. em Lerol-Gourtion ou /&$ vo/1» d& J'horrrne, Albin Míchel 1968,
52. Olivler HERRENSCHMIDT. Sémlndre de Mlch&I lzord, Loboro1olle d'onthropologl• pp, 205-206 .
..... • r:t-., , . . _ , __, _ ,..J- " " ',.. ...,,.., ,?,...,ri lnk.rl,ntnl,A d'nnthroooloaie socklle.
arquiteto, é que ele construiu sua casa em sua cabeça, a ntes d o
realízó -lo. Mas onde situar o corte? É o trabalho ou a linguagem?
A resposta é, a esse respeito, algo diferente segundo se a dote o
18. O DESVARIO DA RAZÃO:
ponto de vista de Lévi-Strauss, que enfatizará a linguagem, ou o A OBRA DE MICHEL FOUCAULT
de Leroi-Gourhan, que volorlzaró a práxis.
Para além dessas diferenças de orientações, esses diversos p ó -
los vão dinamizar a pesquisa antropológica. Esta utUiza dispositivos
que vão prosperar durante cerca de trinta anos. A ambição estru-
turalista parece reunir essa comunidade de investigadores para N o momento em que o Outro do ocidente é questionado
_______,...-- ---- ~ - - --
dentro da a D.Í!.QQÕfÔgla-:- exumÕ ndo as -sociedades primi-
~.
além da singularidade de seus d iferentes campos e de suas dlfe. tivas da_ lg[I.Q!Q.Q9la e rJLql.l~r:!}_pe~~..T~.!:'to .,?_u,!~Ce~ t~•<;:o as
rentes personalidades. O contexto é o de um pothos terceiro-mun- --;;:;a;;tlv era por muito tempo, um filósofo equaciona o probíenfa
dista, tendo por pano de fundo o início da guerra da Argélia, o - do avessO -da razão o cídê"nfãTOõ- escrEWer um·a · r]s'fõrla da lou-
fim da guerra da Indochina e a conferência de Bandung, numa -cura*: essenltósofo- e ·tv11Chel Foucãu1f:'" "põ rfras çf~ T ãzão trriJn-
França que por largo tempo negou a questão colonia l para des- ·fontê, ele desvenda e acompanha de peito as l'T'\anifestações
cobrir, de súbito, uma realidade dramática que atinge as cons- reprimidas do desvario. Manejando o bisturi pater~ o no plano
ciências até fazer surgir uma consciência fundamentalmente das Idéias, Foucault situa-se de imediato nos limites do pensa-
perversa. Tudo isso vai constituir mais do que um convite à via- mento ocidental. nos limites de sua própria história .
gem, um chamado dos trópicos paro uma /ovem geração que A coincidência dos tempos ainda é impressionante. Michel
se sente mal em sua sociedade de origem. Um p rograma ambi- Foucault inicia a redação da Histoire de la Folie em 1956, pou-
cioso e rigoroso se lhe oferece, o programa estruturalista, que co depois da publicação de Tristes TropÍques e da Conferência
parece p romover a reconciliação de uma sensibHidade desencan- de Bandung, e a obra é editada em 1961 , pouco antes dos
tada com a razão. acordos de Évian e da independência argelina. A priori, a coin-
cidência desses eventos políticos e culturais é puramente for-
tuito, tanto mais que na época Michel Foucault nada tinha de
um militante terceiro -mundisto. E, no entanto, a Hístoíre de la
Folie vai converter-se imediatamente no sintoma de uma ruptu-
ra com a história do indivíduo ocidental, ao qual o autor opõe
a imagem do seu duplo, esquecido e recalcado, produto da
exclusão, a loucura. Ora, o povo argelino, ao sair do quadro
político francês, também apresentava uma história de excluíd?.
Essa re:ação entre a incriminação do etnocentrismo trances
na África do Norte e o e tnocentrismo da razão , que Michel Fou-
cault apresenta foi percebido de Imediato por Pierre Nora, que
acaba de publicar Les François d 'Algérie1 •
Entusiasmado, Nora escreve a Michel Foucault, de quem vira
a ser mais tarde o editor na Galllrnard. Michel Foucault fdz res-
surgir o esquecido, o recalcado da razão e abre assim para
uma nova sensibilidade histórica que já não é mais a do valo-
rização dos heróis (que estão cansados), nem a da glorificação
dos réprobos (a dialética ficou tolhida em seus nós em 1956),
\ mas a dos esquecidos da hist ória, investigados em todos os seus
traços atrás dos muros onde a razão os encerrou. Assim Michel
Foucault "abria novas terras ao Permitir que também a prisão, o
manicômio / .. ./ se integrassem num campo de reflexão c omo
outras tantas situações penosas, outras tantas vicissitudes de na-
tureza teórica e política" 2 •
11
Da mesma maneira que Lévi-Strauss permitia pensar as socie-
dades primitivas como d iferentes e, ao pensá-las, recuperava-os
para O campo da razão, Mlchel Foucault segue os. Indícios de

•o t itulo completo do obro é Hlstolre d e lo FoH& à L'Age Cfasslqu e [História do


Loucura no Idade Clássico]. O título do <>diçõo brosileko foi slmplificodo poro Hl s-
fórfo do Loucura. Ed. Perspectiva, 1978. (N. T.)
1. P . NORA. Les François d'Algérfe. Juillo rd, 1961 .
uma aventura semelhante em que a loucura se volta poro a
razão a fim de a Interpelar e pôr em evidência as suas linhas
de força e de fraqueza. Mlchel Foucault acompanha de porto
as Iniciativas de recalque. as racionalizações fictícias do que so
mostrava lnlnteligfvel. os disfarces do sentido, quebra as mósca-
ras do poder sob o sob~ e ilustra mara~~_!J'lenj~ ~p_!!lto
~ J:Il..PO: "É nos horizontes geogróflcos (exotismo) ou históricos
(o passado aventuroso ou mesmo o futuro de ficção científica),
ou então nos zênltes ou nos nadires da vida que se desenrola NASCIMENTO DE UMA ESTRELA
a vida que falta às nossas vidas"3 .
Procurar alcançar os limites. um pensamento da "fronteiro", tal
é a nova aventura prometido ao filósofo por Mlchel Foucoult,
que lró rapidamente ocupar um lugar importante na golóxio es-
truturalista nascente, onde desfruto da dupla vantagem do
M ichel Foucault evocou multo a di~ícll ~rob!ematlzação
da relação entre a escritura e a vida mdi.l,<iduaCTalava
muito pouco sobre si mesmo. sendo Isso. aliós, o que lhe censu -
prestígio da suo 'disciplina (o filosofia) e de sua capacidade pa- rará Jean-Paul Aron diante da morte. Nascido em 15 de outu-
ra hlstoriclzar o seu objeto, abrindo assim para o estruturalismo bro de 1926 numa família burguesa conservadora e praticante
uma perspectiva histórica insuspeitada quando do estabeleci- da província em Poitiers. Paul-Michel Foucault é fruto de um
mento do paradigma frio por C laude Lévi-Strauss. meio médico bem estabelecido, tanto do lado paterno quanto
Michel Foucault encontra-se. pois, bem posicionado para tor- materno. Seu pai é um cirurgião de renome na clínica des Hos-
nar-se esse aglutinador. esse filósofo do conc~ito que Georges pfta/iers. Sua mãe, Anne, Malapert de sobrenome de solteiro. é
Canguilhem via nele, se bem que. em 1961. não se situasse origlnório de Vendeuvre-du-Poltou, a cerca de 20 Km. de Pol-
ainda na filiação estruturallsta. De onde vem essa nova exigên- tiers. onde ela possui uma cosa magnífica a que chamam "o
cia que. lnclassiflcóvel na época, parece subverter as fronteiras castelo". Tal como Jacques-Ma)ie Lacon. ele abandonará a me-
disciplinares e encerrar a fase fenomenológica da história da fi· tade do seu prenome "porque as suas iniciais faziam PMF.
losofia na França? Esse eliminador de preconceitos. de pensa- como Pierre Mendes France, dizia a Sra. Foucault" 4; mais seria-
mentos prontos para consumo., que foi Michel Foucault, em sua mente, parece na verdade que foi a oposição do Nome-do-Pai
busco incessante para desentocar e trazer para a luz a verda- que o fez abandonar o Paul. que era o prenome de seu pai.
de, correndo o risco de passar por um contrabandista do saber, Esse ponto biogróflco não é insignificante no que diz respei-
oferece um pensamento que pretende ser resolutamente mo- to às orientações futuras do filho-filósofo e de sua "denegação
desto: longe de se fazer o porta-voz do que se deve pensar, constante da dimensão da paternidade, da dimensão do no-
tenta desenhar os contornos do que é pensável. Também ele me, sendo essa uma das chaves de sua posição sul:;>jetiva"5 • Daí
seró um filósofo da viagem, o do Inverso da razão, um "escava- toda urna história complexa e ,conflitiva com a psicanálise em
dor das camadas mais profundas" da nossa c ivilização, à geral e com Jacques Lacan em particular, pois Mlchel Foucault
maneira de Nietzsche. não quer admitir que exista no discurso um lugar de verdade
Filósofo singular que reivindicava altaneiramente a sua singu- do sujeito. O fascínio pela exclusão e pela figura retóricp do
laridade. rejeitando toda etiqueta com escórnlo, tinha por cons- oxímoro (figura retórica constituído por uma aliança necessária
tante preocupação manter-se afastado de toda aderência ou entre dois termos antinômicos) em sua obro pmece repetir
contaminação, de todo tipo de envenenamento. Inclusive o de- compulsivamente esse horizonte paterno que ele quer destruir,
le próprio. como o herói de André G ide. À maneira de Nata- sem verdadeiramente o conseguir. Reivindicará com constância
naet. M ichel Foucault, esse revoltodo...._em constante desloca- a ilusão de que ninguém fala por trás de sua voz, de que não
mento de si mesmo, deve ser ressituado no que fundamentou existe assinatura para seus escritos, o que o faz participar no
seu pensamento em cada uma das etÕpas de uma vida que mesmo nível na negação do autor apropriada à c rítica estrutu- :1
ele teró querido construir como uma obra de arte. A reconstitui- rallsta, mas também em toda e qualquer tentativa de renova-
ção do que singulariza Mlchel Foucault nos permitirá então mos- ção literória que passa por Georges Batoille, Mourice Blancho~.
trar no que ele participa do paradigma estruturalista e no que Pierre Klossowski. O Nome-do-Pai foi. portanto. um peso. e M1-
se distingue deste, evitando toda forma de redução do seu chel Foucault rompeu desde muito cedo com ele, "ruptura difí-
1
pensamento a um molde comum, mas sem deixar de o articu- cil de assumir nesse meio. Ele dizia-me com freqüência que. se
lar com este último. não me tornasse médico. deveriq_ ser pelo menos professor na
Sorbonne" 6 •
Se Michel Foucault não abraça · a carreira médica, nem por

4. D. l:íllBON. M/chel Foucoult. Flomrnarion, 1989, p. 21 .


5 . Bernard Sichere. entrevista com o autor.
A ~n,..1 l'lS:FFDT FrnncA-Cultu,e. 7 de iulho de 1988.
HIST RIA DO I ST/WTURAI/S

Isso foi menos marcado por um modelo, o da medicina. como daria chamar a dlmensóo militar da sociedade" 1º.
prisma através do qual é possível apreender as ciências huma- Mas voltemos ao Jovem Michel Foucoult. Ele Ingressa, portan-
nas. a partir de seus traços visíveis, de suas diversas positivida- to, em Poltiers, no ciclo preparatório poro o exame de admis-
des. mas entendidas pelo avesso, por seu lado negativo, à são à Escola Normal Superior da rua de Ulm. É reprovado uma
maneira do médico que procuro restabelecer o saúde trotando primeira vez. por uma diferenço mínima de pontos. e decide
do doença, pela patologia. Assim, Mlchel Foucault teró criado então preparar-se para o exame em Paris, onde se Instala em
um verdadeiro •paradigma médico da abordagem das ciências 1945 e encontra um outro Liceu Henri IV, no coração da capi-
humanas"7 • Após uma escolaridade sem problemas no liceu tal. Seus condiscípulos, nessa altura. sóo André Worrnser, François
Henri IV de Poitiers até o final do terceiro ano ginasial. Michel Bédarida, Robert Mausl e François Furet.
Foucault é colocado por seus pais num estabelecimento religio- É aí que se desenha suo opção definitiva pela filosofia, gra-
so, o Colégio Saint-Stanlslas, para disciplinar seu espírito cada ças ao ensino de Jean Hyppollte, que Inicia os seus- álunos em
vez mais crítico, até cóustico. Termina aí o ciclo de seus estu- Hegel. Ora, Mlchel Foucault reencontrará seu professor no ENS e
dos secundórlos: "Ele Impressionava-nos demais. muito corrosivo, suceder-lhe-ó até no College de Fronce. 'Os que eram estagiá-
duvidava de todos os dogmas·6• rios da Escola Normal Superior no final do guerra lembram-se
Esse momento constitui uma outra chave biogrófica essencial das lições de Jean Hyppolite sobre a Fenomenologia do Espíri-
para se compreender o obra de Mlchel Foucault. profundamen- to: nessa voz que não se cansava de corrigir-se como se medi-
te marcada pela experiência dromótlco da guerra. Pouco tasse no interior do seu próprio movimento, não percebíamos
dado a confidências. Mlchel Foucault não se exporá jamais em somente a voz de um professor: escutávamos algo da própria
público; comentará mais tarde essa época no âmbito bem res- voz de Hegel.' 11 o ensino de Jean Hyppollte, tradutor de O/e
trito de uma revisto de índios canadenses que pregam o silên- Phõnomenologle des Gelstes, devolve ao pensamento de Hegel
c lo e cuja difusão não terá u ltrapassado uma dezena de urna modernidade até então escondida atrás de uma reputa-
exemplares. Ele confidencia a esses índios que se lembra desse ção de filósofo romântico. Suo tese defendida em 1947, Genese
momento da adolescência marcado por um horizonte perma- et structure de lo phénomenologie de /'esprít, é saudada em
nente. o da guerra e. portanto. da morte: "O que me Impres- Les Temps modernas como um importante acontecimento e res-
siona. quando procuro reunir as minhas reminiscências, é que titui ao hegelianismo um lugar fundamental no pensamento filo-
quase todas as minhas lembranças emocionais estão vinculadas sófico do pós-guerra. na linha do ensino de Kojeve e de Jean
à situação política: / .../ Penso que os rapazes e moças da mi- Wahl. Ainda em 1975, Mlchel Foucault envio à mulher de Jean /11
nha geração tiveram sua Infância modeladas por esses grandes Hyppoli1e um exemplar de Surveiller et punir, com a dedicatória:
eventos históricos. A ameaça da guerra era o nosso horizonte, o "A Madame Hyppolite, em recordação daquele a quem devo
nosso referencial de existência. Depois a guerra chegou. / .. ./ tudo" 12. Por outro lado. um dos principais textos de Mlchel Fou-
Talvez seja essa o razão pela qual me fascino a história e a re- cault, Nietzsche, lo généalogle, f'hisfoire, foi e.;crito no âmbito
lação entre a experiência pessoal e esses acontecimentos nos de uma obro coletiva de homenagem a Jean Hyppolite, em
quais somos colhidos. Penso ser esse o ponto de partida do que se encontram as colaborações de Georges Canguilhem.
meu desejo teórico"q. \ Martial Guéroult, Jean Laplanche. Mlchel Serres e Jean-Claude
A reflexão sobre a guerra é nele essencial; ela alicerça \im Parlente 13 •
paradigma central em sua obra em torno das noções de estra-
t églo, de tática dos poderes, de rupturas. de relações de
forço... Em sua abordagem da governabilidade, da capacida-
de de cada um para avaliar a conduta do outro, em todos os
níveis da atividade social e prlvadà:' Mlchel Foucault coloca a
problemático da guerra como um momento essencial. pois é
nesse nível que se Joga o enfrentamento com a morte. É. allós.
o trabalho que ele tinha empreendido no College de Franca
A DOENÇA MENTAL
em fins do década de 70 e ao qual decidira consagrar-se
após a sua Hlstoire de lo sexuolíté. Ele menciona essa Investiga- m 1946, ele é finalmente admitido na ENS em Ulm. sendo
ção futura na entrevista que concedeu quando de seu convite
para o Faculdade de Rlosofla da Universidade Católica de Lou-
E o quar1o de sua classe. Entretanto. esse êxito não permi-
te a Michel Foucault encontrar equilíbrio psicológico e, em 1948.
vain: 'Se Deus me der vida, após o loucura. o crime e a sexua-
lidade, a última coisa que eu gostaria de estudar seria o
problema da guerra e da instituição da guerra no que se po- 10. M. FOUCAULT, Enlreflen ovec André Berlen. Unlversité cotholique de Louvoln.
1981; d ifusão. Fíl3. 13 de jonevo de 1988.
11. M . FOUCAULT, 'Jean Hyppoltte . 1907-1968'. Revue de métophyslqu& &t de mo-
7 . lb. ro/e, vol. 14, n• 2. obrlHunho de 1969, p. 131.
8 Llbératlon, pesquiso. 30 de junho de 1984. 12. M. Foucoull, citado por D . É.íllBON, Mlchel Foucouft. op. olt.. p. 35.
13. Horrrnao• à Hyppotte. PUF. 1969.
tento suicidar-se. Não é fócll, nessa é poca. vive r suo homosso de roto, dividida e ntre dois grupos, o dos 'talos" (aqueles que
xualidode de maneiro feliz, e Mlchel Foucoult tomo contato vão à missa) e aquele composto pelos comunistas e muitos cris-
com o Instituição psiquiátrico. Foro desde cedo Iniciado e m tãos de esquerda que se apoderarão da mão estendido poro
Freud por um médico de Poitiers. o Dr. Beouchomp, que se Ingressar nas fileiras do PCF.
correspondia com Freud. Não se contento em seguir os cursos Quando toda a Escola aguardava o êxito triunfal de Mlchel
em Ulm. posso o freqüentar diversos Institutos parisienses de psi- Foucault no exame de licenciatura .e m 1950, e le fracassa na
cologia e realizo estágios em Sointe-Anne. Apaixono-se então provo oral, após ter sido aprovado em todas as demais provas
pela psicologia e especializa-se em psicopatologia: "A loucura do exame final. Deve preparar-se paro o exame no ano se-
parecia exercer sobre ele um certo fascínio e voltava de suas guinte e, durante as suas provas, pela segunda vez, uma baliza
visitas ao hospital com Inúmeras anedotas a respeito do mundo essencial no seu percurso aí se encontro, como que um cha-
dos oliênados"14, recorda Jacques Proust. mamento a si mesmo e ao seu destino. _..!:P.J.Q-O prova oral,
Essa formação, que ultrapassa o currículo e o conteúdo do toca-lhe no sorteio um tema pouco bonaí e que Jean Hyppo-
filosofia especulativa clássica, e permite entrar em contato com lite. membro da banca, teve que Impor batalhando contra os
um continente específico, simultaneamente teórico e prótico. do demais membros da banca examinadora: "A Sexualidade"! Con-
saber, prepora os deslocamentos ulteriores. Estes são até bastan- venha-se que o ac~so do sorteio fez bem as coisos, propondo
te rápidos. visto que o primeiro livro de Michel Foucoult. Mo/a- esse tema onde já se lê o que vai ser o maior área de traba-
die menta/e et personnollté [Doença Mentol e Personalidade)*. lho de Michel Foucault.
dato de 1954 e é dedicado à psicopatologia, aos conceitos Obtida a licenciatura (ogrégation). não conhece o purgató-
psicanalíticos e à leitura das representações sociais do loucura. rio do liceu porque é nomeado, após um ano na Fondation
Foi uma encomendo de Louis Althusser paio o coleção dirigido Thiers. àssistente de pslcolo.gia no Faculdade de Lille. Isso não o
por seu amigo Jean Lacroix. "lnitiation philosophlque" das Presses impede de continuar parisiense e leciona ao mesmo tempo em
Universitoires de France (PUF). Mlchel Foucault também assiste Ulm. onde ascende o docente de psicologia, ainda a pedido
no época a cursos na Sorbonne. os de Daniel Lagoche, Jean de Louis Althusser. É nesse momento que ele estabelece laços
Hyppolite. cuja nomeação ocorreu em '1949, Jean Beaufret, que de amizade com todo u m grupo de normalistas comunistas:
trata de Heidegger. Jean Wohl e Jeon-Toussaint Desonti; "mas. é Gerard Genette, Jean-Claude Posseron. Paul Veyne, Mourice
cloro. o curso de Merleou-Ponty é o que impressiona mais forte- P"fnguet. Jean Molino, que lhe dá o apelido de "Fuchs" (raposa
mente os jovens estudontes" 16 • em alemão). porque Michel Foucault é mais esperto que os ou-
tros e porque as raposas cavam as tocas mais profundas. Já
em 1953. "ele ia todas as semanas ao hospital Sainte-Anne ou-
vir o seminário que aí começara um desconhecido. o Dr.
Locon, a quem admirava infinitament e . Ele aludia por vezes à
imagem especular e ao estádio do espellio: era. na época, o
máximo de sutileza e refinamento" 17 . Seu amigo Mourice Pinguet
menciona a importância que teve para Michel Foucault a des-
EM BUSCA DOS LIMITES DO PENSAMENTO coberta de Nietzsche em 1953: "Hegel. Ma rx. Heidegger e
Freud: eram eles. em 1953, os seus eixos de referência, quando
.se produziu o encontro com N ietzsche. / .. ./ Revejo Foucault len-
N a escola. a personalidade que vai marcar Mlchel Fou-
coult é o metodólogo de filosofia do Escola desde 1948,
Louis Althusser. Nesse início dos anos 50. a grande máquina de
do ao sol, na praia de Civitavecchla, as Considerações Intem-
pestivas. / .. ./ A partir de 1953, desenhava-se um projeto de
conjunto: uma decisão ética de espírito nletzscheano coroava
pensar é o marxismo, e Althusser -lQicia seus ouvintes. entre os
uma crítica genealógico do moral e do ciêncla" 18•
quais Mlchel Foucault, no pensamento de Marx. Inscreve-o. inclu -
Nesse Início dos anos 50, Mlchel Foucault é também um
sive, nos quadros do Partido Comunista Francês (PCF): "Veleidade
g rande leitor de literatura e 'está particularmente fascinado por
ou adesão, depois re1Jrada, já não me lembro muito bem", diz o
um modo de escrita, o d e Mourice Blanchot, que nunca deixa-
seu camarada de partido Mourice Agulhon, mas o seu colega
rá de Imprimir sua marca na estilística foucaultlana. sobretudo
de lille. O livier Revault d' Allonnes, lembra-se de ter visto Michel
pelo uso sistemático da figuro do oxímoro. "Nessa época, eu so-
Foucault chorar ao tomar conhecimento da morte do "paizinho
nhava ser Blonchot•, confidenciará Michet Foucoult a Paul
dos povos'', Stalin, em 1953 16• É a época em que a ENS estava.
Veyne 19• Essa sensibilidade literária conduz Michel Foucoult na
esteiro de Samuel Beckett, George Ba taille, Raymond Roussel e
14. J . PROUST. Llbératlon, pesquiso de 30 de junho de 1984.
• Esta obro serio posteriormente reescrito em g rande porte e reedttodo com o 11· 17. M. PINGUET, Le Dábot, n• 41. setembro-novembro de 1986, pp. 125-126.
lula de Mo/adie Menta/e et Psycologle (Doença Mental e Pslco/ogla). traduzido 18. lb.. pp. 129· l 30. .
no Brasil em 1968 pelos Edições Tempo Brasileiro. (N . T.) 19. Citado por D. ÉRIBON. Mlchel Foucoulf. op. c/t., p. 79. (De Mourice Bl ANCHOT
15. D. ~RIBON. Mlchel Foucaulf. Flommorion. 1989. p . 49. traduzimos em 1987 um dos liv ros mais representativos de seu pensamento. O Ei-
16. Olivier Revoult d'A llonnes, entrevisto com o autor. paço Uterórlo. publicado pelo Ed. Rocco. (N. do T.)J
NISTÓRIA DO LSTfWTUIMI ISMO 18 O DI SV/\W n , ouc,w

Ren é Cha1. Um verdadeiro fascínio do pensamento do ·espaço e le reconhece sua dívida: "Nessa tarefo um pouco solitária. to·
de fora", de um pensamento do limite extremo, enraíza-se tom dos aqueles que me ajudaram têm direito ao meu reconheci·
bém, portanto, em Mlchel Foucault, e esses nutrientes llterórlos manto. E o Sr. G. Dumézll é o primeiro, sem quem este trabalho
traduzem a sua angústia primordial. a da morte, que não logra não poderia ter sido empreendldo" 23 . No Le Monde, declara
ser acalmada por um saber psicanalítico pelo qual ele passa que Georges Oumézll desempenhou o principal papel entre as
como um forasteiro. Influências que sofreu: "Por sua idéia de estrutura. Como fez Du·
Conhecedor precoce de Freud. depois de Lacan, Mlchel mézll em rela ção aos mitos. eu tentei descobrir normas estrutu·
Foucault, cuja internação foi desaconselhada por Louis Althussor rodas da experiência cujo esquema pudesse ser reencontrado
em Ulm, logo aconselhado por Daniel Lagache a Iniciar um tra com modificações em diversos níveis"24• Foi lá. na Suécia, que
tomento psicanalíllco, tentará mais tarde essa aventura da ·cu Michel Foucault redigiu a sua tese. Vasculha a Carolina rediviva.
ra·. mas não se estenderá no divã mais de três semanas. Sua grande b iblioteca onde encontra uma cole<i,_ãq_multo rica de 11·
relação com a psicanálise ficará sempre amblvalente, misto de vros médicos dos séculos XVII-XVIII, legacxCpor um amador, em
fascínio e de rejeição . Foi graças a Mlchel Foucault que se busca de manifestações da loucura. Fará deles sua matéria-pri-
criou o departamento de psicanálise em 1968 em Parls-VIII-Vin- ma para emprestar sua voz ao mundo do silêncio.
cennes, mas escarnece daqueles que para ganhar a vida "alu
gam suas orelhas" 20 •

A TESE
O EXÍLIO
N o sá bado, 20 d e maio de 1961. um importante evento
tem lugar na sala de Louis-llard da Sorbonne. Nesse so-

O pensamento do espaço exterior. a busca dos limites. le-


va Michel Foucault em 1955 para além das fronteiras.
O p ta pelo exílio e parte para Uppsala em agosto de 1955. g ra-
lene lugar de consagração das teses maiores, canonizadas de
acordo com um ritual Imutável. nesse templo dos academismos,
um filósofo, Mlchel Foucault, deve defender sua tese sobre um
ças a Geo,ges Dumézil. a quem não conhece ainda mas que objeto que pode parecer Incongruente num tal ambiente: a
teria indicado alguém a seus amigos suecos para o cargo de loucura. Georges Cangullhem é o "patrono• dessa tese e preve-
leitor de francês que ele ocupara nos anos 30. Tendo perdido o niu seus estudantes: "É preciso comparecer•2 s. Pierre Macherey
contato com a ENS, Georges Dumézil aconselha-se com Raoul assiste ao acontecimento, como muitos outros. numa sala lota·
C urien, que lhe f ala de Michel Foucault como "a p e ~ a l s da. Tudo o que conh ece de Foucault, quando entrou na sala
Inteligente que conheço"21 . Georges Dumézil propõe então o Louis-Llard. é o nome mas saiu dela fascinado com essa ceri-
posto a Michel Foucault, que aceita. Este vai residir três anos na mônia universitária. Daí por diante comprará todos os livros de
Suécia e do encontro ulterior dos dois homens nascerá uma Mlchel Foucault no mesmo dia de sua publicação: ·ocorreu al-
cumplicidade intelectual e uma amizade "que jamais se alterou go Inaudito: os membros do banca estavam profundamente
até a sua morte"22 • ----.. impresslona dos"26; apesar de todos os membros da banca exa-
Se Mlchel Foucault pertence à aventura estruturalista, o prln· minadora serem catedráticos experimentados. O presidente é
clpal causador disso é certamente Georges Dumézll. Até então, Henri Gouhier. o conhecido historiador da filosofia. professor da
Michel Foucault não tinha verdadeiramente encontrado que Sorbonne desde 1948. É assistido pelo patrono da tese. Georges
percurso original poderia traçar nessa busca incessante de um Canguilhem, e por Daniel lagache, Jean Hyppollte e Mourice
trabalho de reparação plena da angústia existencial. Ele hesita- de Gandillac. "Para falar da loucura. seria necessário ter o ta·
va ainda na encruzilhada de caminhos entre a filosofia. a psi- lento de um poeta•. conclui Michel Foucault. "Mas o senhor o
cologia e a literatura. Ele já tivera, é certo, o choque de 1953. tem·. respondeu-lhe Canguilhem27 .
a morte de Stalin e a descoberta de um substituto: Nietzsche. Mlchel Foucault problematizo em sua t ese a pretensão de
Mos faltava-l h e a b~se da genealogia a construir. e essa vai verdade de um discurso científic o particular, o saber psiqulótri-
ser-lhe dada por esse encontro. cujo Importância nunca deixa-
rá de ressaltar. É assim que, no prefácio de Folia at déralson.
23. M FOUCAULT. Folie ef déra/son, Pk:>n. 1961 , prefácio. p . X.
24. M . FOUCAULT. Le Monde, 22 de julho de 1961.
20. M. Foucoult, citado por M. PINGUET. Le Débot. ort. clt.. p . 126. 25. Pierre Mocherey. entrevisto com o outor.
21. Citado por D. ÉRIBON. M/che/ Foucoulf. op, oH., p. 96. 26. /b,
- • ..u - . ,.,...o,...,.,., . _ ..,,....,.._, c....,,,,...,...,,lt ,.._ rH
co, e estuda as condições de validade. da posslbllldode d este
último. Be planto deliberadamente o seu periscópio no coraçôo
do história ocldental para Interrogar a razão triunfante: ·seró
que. no coso de uma ciência tão duvidosa quanto o pslqulO·
trio, não se poderia deslindar de um modo mais certo quais os
efeitos de poder e quais os de saber?" 28 Paro conseguir deslo·
cor as linhas fronteiriças tradicionais, Mlchel Foucault parte de
um obJeto tabu, o próprio recalcado do razão ocidental, da
Imagem do seu Outro, e descreve assim lugares e modos de
validação dos sentenças de um saber psiquiátrico ainda pouco
DAR UMA VOZ AO SILÊNCIO:
seguro. Tal abordagem leva-o a privilegiar a historicização de A LOUCURA
seu objeto. Essa anólise histórica é concebida como uma "posi-
ção lnstrumento1"29, Instrumento no Interior do campo político.
melo de evitar a sacralização da ciência. O discurso hlstorlclza-
do deve perguntar-se qual é a força de uma ciência, destrin- M lchel Foucault quer, pois, devolver a fala à excluída da
história. à esquecida da razão: a loucura. Ele construiu
sua história como uma ficção a partir de alguns mitos básicos:
çar o que nela existe de não científico, e •como, em nossa
sociedade, os efeitos de verdade de umo ciêri'êia sc.ío.""aomês- "Suas h istórias são romonces"33 onde competem os afirmações
- mõ tem12Q,_ftleitos de poder"30• · positivas e a ambição crítica, até niilista. dos saberes constituí-
-- o obJeto do investlgoção, a loucura. deve ser libertado da dos e das fronteiros em vias de elaboração. Ele nos reconstitui
pluralidade dos discursos que o mantêm cativo: todos os sabe- um percu rso e nos conduz até a nau dos loucos da época
res com pretensão científica - Jurídico, médico. policlal - são medieval. tema mítico inspirado no ciclo dos Argonautas. mas
chamados, um por um. a depor para que melhor se apreenda também realidade efetiva de uma cidade medieval que se de-
a maneira como fazem nascer essa figuro do Outro da razão. sembaraçava assim dos loucos que eram confiados aos bar-
~ssa busca de um objeto desembaraçado das camadas sedi- queiros. até o mundo asilar do século XVIII. A loucura não teve
• mentorlzada"sl:rê- -arscursoque sobre - ele se - deposltarãm corres- sempre o mesmo status: primeiro, objeto de exclusão, ela será
• ponde Inteiramente a temática eslrutu-ro listâ do- momento que em seguida Incluída nas práticas de reclusão.
...9ssume a formo ão lnvesflgaçáo dos diversos g r ~ da es• Michel Foucault identifica uma inversão. Na Renascença. a fl .
_frlt~a. da língua_._ dq__eÕrentésco. -do lnco-nsciente ... o proJe1õ gura do louco era indissoclóvel da da razão, Erasmo descobria
foucaultiano Inscreve-se nessapersj'.5'eêlíva ao se p;bpor 1'Õlcãn- então uma loucura imanente na razão. e Pascal escrevia: · os
çar no história esse grau zero da história da loucura em que homens são tão necessariamente loucos que seria ser louco
~I~ éxpeÍ~nclo lndffére11cia'da, experiência ainda não reparti- (outro tipo de loucura) não ser louco"34 • No século XVIII, pelo
do do própria partllha"31 . Esse trabalho sobre os iimttes obscuros conlrório, o racionalismo afirm a a sua pretensão de dellmlfar
'ela r azão" quer êiêv'õrver vida e voz. por trás dos discursos com seus objetos e d e scarta a loucura, devolvida para o lado do
pretensões de racionalização. à própria loucura: "Não quis fazer erro. do negativo, do sonho enganador. na definição de novas
a história dessa linguagem mas. antes, a arqueologlà desse si· regras do método. tal como Descartes as definiu. A loucura. ex-
lêncio"32• ~ - cluída do território racional, nasce então como figura à parte,
negativa. Ela converte-se até no lugar decisivo da divisão' entre
o mundo da razão e do desvario, sucedendo à , antiga dicoto-
mia entre o Bem e o Mal. Mundo do contra-senso, o loucura
deve recolher-se para dar lugar ao pensamento racional. Redu-
zida ao silêncio. murado no universo carcerórlo, o louco ainda
não tem um lugar à parte. ele é Internado Juntamente com os
mendigos. O século XVII. século da razão. teria reagido assim
pelo Internamento. portanto. ao seu medo da loucura que con-
tinua a obcecá -lo. A loucura converte-se em ameaça e o
desaparecimento do louco passo o ser condição do reinado
do razão. Ela vê -se então envolvida no grande movimento de
internamento que Michel Foucault situa a partir do édito régio
de 27 de abril de 1656, dato em que é criado o Hospital Geral
que recolhe os mendigos paro fazê-los trabalhar: ·os muros do
28. M. FOUCAULT, 'Vérlté ot PQuvolr". entrovlsto com M . Fontano, L'Arc. n• 70, p.
16.
Internação encerram de certo modo o lado negativo desta cl -
29. M. FOUCAULT, Polfffque-Hebdo. ontrovlsto, 4 de março de 1976.
30. lb. 33. V. DESCOM8ES. Le Mêmo et l'outre, op. clt.. p, 138.
31 . M . FOUCAULT, Foi/e ot dórolson. op. clt.. pp 1-V. 34. PASCAL. Pensamentos. nQ 414, citado por M . FOUCAULT. Hlsto/ro de lo foi/o,
Golllmord, 1972 (1961). p . 47.
dade moral"35. Asslnala aí uma descon tinuidad e nos próllcos d ls transformo num ospoço módlco":14, A passagem da lndllerencla
cursivos, que Induz a ':!_m a nova relação tanto com a lo uc ura çôo à especlfl coçõo da loucura, suo reposição na tem porali-
quan!_o com o p9rentesco. Enquanto que, até entôo, o p o bre dade, a considerações tanto do novo modo de olhar quanto
era admitido numa~llvidade espiritual como possível objeto das novas prótlcas que o nascimento da loucura como figura
de redenção, ao mesmo tempo que condição da riqueza, e le singular Implica, as refações dlaletizadas entre saber e poder,
é a gora remetido paro a negatividade como fonte de desor• com O substituiçãcY"'d U poder fodi~li5Tlo pelõ- podér médico: 1CliS
dem, estigma da punição divina. Condenado da sociedade, o sêicrds -grondes ffnhas da abordagem- foucaultiana, a quat Oltra-
pobre deve tornar-se Invisível. à semelhança do louco . . passa a simples genealogia da loucura para restabelecer mais
Mlchel Foucault atém-se aos limites do social sem se compro - globalmente a passagem de uma sociedade fundamentada no
meter numa história social que procurasse restabelecer uma poder da Lei para um sistema que se apóia na norma, conver-
coerência global da sociedade ocidental. Nesse plano, ele j6 tida em critério de separação 9.-9tlll._divíduos e que Implica
~_§!.tua-AO-tem.4?.QQ_p1.[yj!e.gia.d.o__ge_ um estcutUrdllsmo que atiibul urna economia de d iscurso totá1mente diferente.
à esfera do discursivo uma autonomia móxima ~ relaçãÕ- às A medicalização do corpo social responde a esse p rocesso
contingências soêTõiS:-Elã"se recuso a integrar- o r eversão discur- de normalização, a essa separação entre a norma e o patoló-
siva que assinala num esquema explicativo global onde teria gico. E o novo rei é então o médico, que se encontra no cen-
podido estabelecer uma relação entre o fenômeno de recal- tro dessa separação e traça os seus limites. Essa problemati-
que descrito e a mutação histórica de uma sociedade que zação das d iferentes percepções dos limites entre normal e
passa de uma dominante religioso poro uma dominante ético- patológico inscreve-se numa estreita ligação com a obra de
econômica, a qual se enraíza nas estruturas ment a is e nos pró- Georges Canguilhem, que já lançara as bases de uma história
ficas Institucionais da era moderno. estrutural das ciências. Ele descobre na tese sustentada por Mi-
Na Idade Clóssico, é o Justiço que se encarrega dos loucos chel Foucault uma notável e b rilhant e ilustração da fecundi -
e não ainda a m e dicina. A decisão de internamento não é um dade do método.
ato médico mas um ato Jurídic o. O louco est á situado "no pon-
to de encontro entre o decret o social do internamento e o
conhecimento jurídico que discerne a capacidade dos sujeitos
de dlrelto"36 • O louco não é, por certo, um prisioneiro como os
outros; ele difere do mendigo, mas su.a s manifestações originais
são entendidas como os sintomas da profunda anlmalldade
que é recalcada no homem de razão, limite inferior da huma-
nidade. Assim, os carcereiros acorrentam os loucos julgados peri-
gosos nas celas de Blcêtre. FOLIE ET DÉRAISON
No século XVIII, surge uma nova ruptura na relação com o
loucura, em virtude do estabelecimento de casas que lhe são
ara poder ser defendida nessa época, uma tese já devia
estritamente reservadas. É o nascimento do manicômio, lugar
específico da loucura, figura fina lmente destacada em sua sin- P estar impressa, mas, para tanto. era necessório encontrar
um editor d isposto a publicar um volumoso manuscrito de cer-
gularidade do magma informe onde ela se encÔ'At.!_ava colo-
ca de mil páginas. Michel Foucault propõe o seu trQbalho a
cada no âmbito do Hospital Geral. Essa ruptura insll'tt1ek>nal
Brlce Paraln, que podia publicá-lo na Gallimard. Ele está muito
precede a visão do louco como doente a tratar: "Foi necessá-
confiante, tanto mais que Brice Parain publicou os obras de
' rio Instaurar uma nova dimensão, delimitar um novo espaço e
Georges Dumézil. mas lembra-se de que Claude Lévl-Strauss te-
como que uma outra solidão para que, em meio desse segun-
ve que encontrar refúgio na editora Plon, depois do recusa de
do sllênclo, a loucura pudesse enfim falar" 37 • Atenta-se então
Brice Porain de editar Les Structures élémentaires de la parenté.
para o discurso do louco a fim de descobrir aí a expressão
Mlchel Foucault esbarra com a mesma recusa categórica. Jean
desta ou daquela patologl6 repertoriada. Todo um novo saber
Delay propõe-lhe então publicar a obra em suo coleção nos
é então assumido pela medicina:, ''É a apoteose da persona-
Presses Universltolres de Fronce, mas Michel Foucault "gosta ria
gem do médico. Como vimos, o médico não t inha lugar na
justamente que o seu livro escapasse ao gueto das teses"39. De-
vida do internamento. Agora ele se transforma na figura essen-
seja seguir nesse plano o caminho adotado por Lévi-Strauss
cial do asilo . / .. ./ Desde o fim do século XVIII, o certificado
que, com Tristes Tropíques, conseguiu ultrapassar o cenáculo
médico tinha-se tornado mais ou menos obrigatório para o in-
dos especialistas para atingir mais amplamente o grande pú-
ternamento dos loucos. Mas, no interior do próprio asilo, o
médico assume um lugar predominante, na medida em que o blico intelectual.
Michel Foucault tenta a sua chance na Plon, onde conhece

35. M. FOUCAULT, Hlstolre de lo foi!&, op. c/t., p . 87.


36. /b., p . 147. 38. lb.. p, 523. 1

37. lb.. p . 415. 39. D. l:RIBON, M/chel Foucouft, op. clt.. p. 131 .
J~cques Bellefrold, que passa sua tese ao historiador Phlllppo n oxôo com umo somlologla geral. com a construçôo de vastos
Ahés. diretor da coleção "Clvllisatlons d'hler et d'aujourd'hul". é "semante mos• c ujo objeto é o estudo das formas e , por essa ra -
o primeiro contato de uma longa série que ligo o filósofo à d1S· zóo, a loucura nunca será mais que uma forma acrônica a
clpllno histórica. Daí resultarão colaborações frutuosos. mas tom localizar com exatidão retirando dela toda a substância. todo o
bém mal-entendidos e diólogos de surdos. Nesse ano de 1961 , conteúdo transcendente.
o encontro decisivo com Philippe Ariés decorre de uma Incon - Mourice Blanchot também saúda a obra de Mlchel Foucault,
gruência absoluto. O que hó em comum entre esse demolidor na qual ele reconhece a sua experiência de escrituro sobre os
de preconceitos, esse niilist a nietzscheano que é Mlchel Fou- limites, de definição de um novo espaço llterórlo: "Preparar, pa-
cault, e o historiador ultraconservador. monarquista, antigo mlll - ra além da cultura. uma relação com o que a cultura rejeita:
tante da Action Françoise. que é Philippe A riés? Uma mesmo fala dos confins, o lado de fora da escritura. Cumpre ler e reler
sensibilidade para os fenômenos das mentalidades vai permitir esse livro em tal perspectlva"43 .
esse encontro com o autor de L'Enfont et to fomítfe sous f'An · Michel Foucault recebe, enfim, um bom acolhimento por por-
oien Régime*, uma mesma valorização subjacente dos tempos te da vanguarda literária. na qual ~· êm Integrar-se alguns
pré-modernos, uma certa sensibllidaqe nostólgica a propósito do historiador:s-44 e epistemolo?lstas45 • Mas, uanto a~ esse_ncial, o
mundo fetal de antes da partilha disciplinar, onde teriam coa- sucesso publico previsto noo se concretizo , e o livro nao teve
bitado num mesmo impulso loucos e homens de razão, crianças verdadeiramente repercussão entre os filósofos (Les Temps mo-
e velhos, em níveis de base da sociabilidade e do convívio. dernas e Esprit não trotaram do livro) nem entre os psiquiatras,
É g raças a Philippe Arles, a quem mais tarde Michel Foucault que consideram a obra de Foucault um simples exercício de
prestará homenagem, que Folie et déroison pôde sair pela Plon: estilo literório e metafísico. A modéstia da tiragem de Folie et
"Um volumoso manuscrito chegou às minhas mãos: uma tese de déroison revela que é necessário esperar Les Mots et /es choses
filosofia sobre as relações entre a loucura e a perda da razão poro que Michel Foucault conheço o eco público que não
na época clóssica. de um autor para mim desconhecido . mais será desmentido . A tiragem Inicial é de 3.000 exemplares
Quando o li, fiquei empolgado. Mas tive de batalhar muito pa- em maio de 1961, com uma reedição modesta de 1.200 exem-
ra impô-1o"40. p lares em feverei ro de 196446 • A ot;>ra de Michel Foucault não
Quando Michel Foucault preparava a sua tese na noite sue- ' atinge, portanto. o seu a lvo num primeiro tempo; o saber psi-
ca, convidou por duas vezes Roland Barthes. com quem vai quiátrico não se sente, com efeito, interpelado, em absoluto,
manter relações amistosas em cada uma de suas viagens a pelo filósofo: "Por conseguinte, é somente num registro não prá-
Paris. Roland Barthes sa(L_d çi..,. desde a publica.çõ.Q_ctg_Q.Qra , a _prl - tico que a s obras de Foucault puderam ter algum lmpacto"47 .
qie!ra apli_cgç,go_ d g_estrlJturalisr::i. suLtiJstória: "A história descrita Esse Impact o foi duplo, segundo Robert Castel: foi. por uma
por Michel Foucault é uma história estrutural. Essa história é es- parte, um incitamento ao corte epistemológico e, em segundo
trutural em dois níveis. o da análise e o do projeto' 41 • Roland lugar, a doença mental, convertida em conceito positivo, reen-
l!_arthes _co~preen~:u ~ lda~E:nte o Pª!!ln.t escq...91!e_ une o contra-se carregada de sua alteridade, como outra da razão. A
t rabalho de L"evr.Slraüss, o âelocan, o de Foucault e o dele, obra de Mlchel Foucault, consagrada como tese original mas
sem q ue-·lsso. slgnlflqüe'aexlsfên"'éiãêlãm'eno r'~êiã'bÕrâçõõ êo- acadêmica em 1-961, conhecerá um segundo destino graças a
m um. O trabalho de Foucault é percebido por Barthes como um duplo evento: Maio de 1968 e o Interesse que ela suscita
uma ilustração da conquista da etnologia modei~Foucault com bastante rapidez nos antipsiquiatras anglo-saxõel,, Ronald
realizo o mesmo deslocamento da natureza para a culfura. ao Lalng e David Cooper. Somente no final dos anos 60 o livro res-
estudar o q 'u e era considerado até então um fãtc;- puramente ponde então a uma senslbilldade coletiva. o uma exigência de
médico. Da mesma maneira que as relações de parentesco fo - transformação das próticas e passa a ser a fonte de inspiração
ram analiso.dos por Lévi-Strauss como fenômeno de alíonça, o dos movimentos de contestação das práticas asilares.
Inconsciente estruturado /como linguagem por Lacan. o escritu-
ro literária depende de uma aprendizagem. de uma produção
que nada tem a ' ver com um gênio qualquer criador na nova
crítica literária. Michel Foucault "recusou-se a considerar a loucu-
ra como realidade nosográflca" 42 . Roland Borthes faz uma leitura
do obra de Michel Foucault que retém. essencialmente, sua co-
43. M. BLANCHOT, 'l'oubll, la déroison·. Nouvelle Revue Françoise, outub10 de
1961. pp. 676-686. reimpresso em l'Entretien nfini. Gollimard. 1969, P, 292 .
*Obra editado no Brasil com o tftulo de História Soe/ai da Criança e da Fomíla. 44. R. MANOROU, 'Trois clés pour comprendre l'hístoire de la folie à l'époque cios·
Zohor Editores, 1978. (N. do T.) slque', Anndes. n• 4, julho-agosto de 1962. pp. 761-771.
40. Ph. ARl~S. Un hfsforfen du d/manche. Le Seuil, 1962, p. 145. 45. M. SERRES. "Géornétrie de la folie'. Mercure de France, n• 1188, agosto de
4 1 . R. BART HES, 'De port et d'outre', Critique. n• 17, pp. 9 15-922. 1961, reimpresso 1962, pp. 683-696, e n• 1169, setQmbro de 1962. pp. 63-81; reimpresso em Hermés
em Essals Critiques, Le Seuil, 1971, p. 1 71. [Esse ensaio intitulo-se "De um Lodo e ou la communlcaflon, Minuit, 1968.
do Outro' e est6 contido no volume Intitulado Critica e Verdade, Editora PerSPec· 46. O. ÉRIBON. M/che/ Foucault, op. clf.. p. 147.
tiva. 1970. (N. do T.)] 47. R. CASTEL. 'Les aventures de lo pratique', Le Débaf, nº 41, setembro-novem·
42. lt:>., p. 168. bro de 1986, p . 43.
Hl:S I 01<111 IJ O F :S 11<0/ UI0\115MO 'º () IJr'1YIHfl(7 , .,,., ,,r,rM \ 7- ,, "''""'' t>G #YH O "* e=- , • v w , .• •

' figura enigmática do seu Outro, ampliada, ela deve agitar o


reinado das Luzes para melhor desvendar os ernbasamentos
opressivos e disciplinares.
Trata-se, neste caso, de urna c rítica radical da modernidade
e de suas categorias. L 'Hlstoire de Ia folie apresenta-se sobretu·
do como sintoma de uma é'poca, primeiros passos de uma
nova postura estrutural adaptada à história ocidental, valoriza -
ção do recalcado. Pois a busca da verdade situa-se então no
não-dito, os brancos, os silêncios de uma sociedade que se
EXCLUSÃO OU INTEGRAÇÃO? desvenda pelo que esconde. Nessa qualidade, a loucura é um
objeto Ideal, duplamente assumido p r uma antropologia histó·
rica e pela psicanálise.
Ométodo estrutural de Mich~ I Fouc9.!:Jl!~ ó sido baseado
_[l~ ª J l~..!.99 _de~ u_b,,stâ~S!~...2.ª _eJ.é.I?ÜQ loucura, figúro
exposta a discursos cativos e flutuantes. Numa tal perspectiva, o
loucura perde todo a consistência, toda a substância, e desa
parece nas dobras e sinuosidades de uma razão opressiva. S6
mais tarde, em 1980, Marcel Gauchet e Gladys Swoln oporõo
uma tese inversa à de ~eí7õü'cãult, graças a uma argu -
~baseada num"'êstudo-· ~ cios~ closfÕtÕshistóricos48 •
Os autores reavaliam a cronol~~sentÕciÕ pÔr Michel FOU·
êoult. Não seria veraadeiramente da ldá"de Clássica (Tó"56) quo
dataria o internamento mas, de fato, do século XIX. Mos, sobre•
tudo, e les percebem a dinâmica da modernidade não corno
urna lógica de exclusão do louco, da alteridade mas, pelo
contrário. como uma lógica de integração.
Na base do erro de diagnóstico de Michel Foucault haveria
Umã- nusão ·e~e-~ ~ ~P<?.~9.. p__!é:ffiÕd.eroo-cÕmôsociedad9 do
tolerância em que todas as diferenças seriam aceitas. como so-
ciedade da indiferenciação. Pelo contrórlo, Marcel Gauchet e
Glodys Swaln mostram que se o louco é então aceito. é na
medida .em que o consideram a expressão de , urna espécie In-
fra-humana: "Nesse quadro cultural (definido por princípios de
desigualdade e de hierarquia naturais). a diferenço absoluta
não exclui o tomilloridade" 49 . Se o loucura causa problema no
âmbito da modernidade, e se e la sofre o i n t e f ~ asilar,
não é por rejeição, mas. muito pelo contrário, por considerar-se
o louco um o/ter ego, corno semelhante e não corno o outro
da Razão: "Na época moderna, pelo contrário, a identidade é
de direito. e o distância é apenas de fato" 50 •
A história d.a__ loucura na sociedade democrática moderno
parece mais, portanto, urna história de integração do que urna
história de exclusão. Marcel Gauchet percebe também um pe-
rigo na concentração asilar, mas, ao contrário de M ichel Fou-
cault. situa-o no plano da perspectiva de normalização. da
utopia Integra dora. mais do que numa prática de exclusão. MI·
chel Foucault, em 1961. não se situava, de maneira nenhuma.
nessa perspectiva que atribui à razão uma visão progressiva. Pe·
lo contrário, a desconstrução da razão deve deixar surgir a

48. M . GAUCH ET e G I. SWAIN. La Pratique de l'esprff humdn. L'lnsfffutlon asRare el


lo révoluffon démocrallque. Gollimard. 1980.
49. L. FEílRY. A. RENAUT. Lo Pensée 68. Gallimord, 1985. p. 131.(0 Pensamento 68.
Ed. Ensaio. 1988) •
...n /h n 132
19. CRISE DO MARXISMO:
DEGELO OU REGELO?

O ano de 1956 é o ano das rupturas para uma boa par-


te da inte/ligentsia france~. Constitui o germe da futura
geração de 1966. É a v;,dodelra hora do nascimento do estru-
turalismo enquanto fenômeno Intelectual que sucedeu ao mar-
xismo. Ao otimismo da Libertação. que se exprimiu na filosofia
existencialista, segue-se uma relação desencantado com a his-
tória. Abre-se um novo período desde o começo do ano com
os revelações dos crimes de Stalin pelo novo secretório-geral Ni-
klto Khrustchev durante o 209 Congresso do PCUS, e o ano ter-
mina com o esmagamento do revolução húngara pelos blin-
dados soviéticos.
O choque é de tal ordem que o olhar crítico sobre o mode-
lo soviético adquire sua Independência no selo da esquerda. A
ideologia comunista vem esbarrar na realidade histórica e o
que se oferecia como esperanço de amanhãs harmoniosos dei·
xa transparecer o horror da lógico Iníqua de um poder totalitá-
rio. A onda s/smlco a inda não atinge Bllloncourt, e o PCF ainda
continua sendo o aparelho político mais poderoso, mos os Inte-
lectuais, cujo trabalho se baseio na busca çlo verdade, na crí-
tica dos aparências enganadoras. não podem deixar de voltar
o questionar o que constituía até então sua grade de onólise.
Esse período de luto das esperanças perdidas VQI dominar todo
o período dos qoos de 1256 a _J.968. Debruçam-se entc5õ sobre
o que resi~te à mudança.. sobre o que não P ~. p Õ vo~nto-
tism.o político triunfar. A sensibilidade coletiva LosJ>revolecer os
lr:!:!9rlant~. as lm2billdades.
Entretanto, paradoxalmente, a Europa conhece os anos do
mais rápida transformação econômica desde o final do século
XVIII: "Vive-se nesse momento urna defasagem enorme da per-
cepção e só se medirá a lmportôncio das 'trinta gloriosas'
quando tiverem acabado, pois enquanto estão se desenrolando
seró dito que nado se passa"'. No medida em que o Revolu-
ção Russo era percebida até então no prolongamento do
Revolução Francesa, l 917 no esteira de 1789, como realização
do Ideal democrático moderno. uma reavaliação dos ideais e
valores do luminismo e de l 789 estó então em gestação entre
os intelectuais franceses que, de maneiro conslderóvel. vão fa-
zer o peso do bolchevismo e seu destino funesto Influenciar os
ideais do lumlnlsmo.
É nessa releltura crítica dos valores da democracia ocidental
que se enraíza o fenômeno estruturalista. A lntelllgentsia france-
sa jó não fundamento a suo reflexão numa adesão aos valores
de autonomia, de liberdade. de responsabilidade: •os substitutos
explicativos conduziram ao primeiro plano o primado das tota-
lidades nos suJellos"2 • Urna crítica da modernidade. do caróter
1ST /?IA 00 l:ST/WrLJRALISM O 19, CWSI IJO MIWXISMO . Ot.OtLO OU IIEOLLO?

formal da democracia. desenvolve-se a partir daf, nôo mais em


nome de um marxismo em refluxo. mas a partir de Heidegger.
de Nietzsche, ou traduz-se pelo refúgio na clausura do texto e
em sua arquitetônica interna.
É também o momento em que. pouco depois, em 1958, o
general De Gaulle, que põe fim à instabilidade estrutural da vi-
~~~~~~·:~~~:·.~:~~~~::~.?:·~~~~~~~:E~ ~:e:
so valha ao perpetrante sofrer uma enxurrada contínua de injú-
rias e calúnias. Mas a Intimidação por esse meio encontra nesse
momento os seus limites, tanto mais que muitos vão descobrir
iJ
,_.. ·

da política desde o pós-guerra e se rodela pela primeira vez no combate anticolonial contra a guerra da Argélia a prova
de ministros técnicos. vai assumir a responsabilidade pela histó- flagrante do mentira da acusação de se haver passado para o
ria francesa. É o que significa o deposição da Escola Normal outro lado. Portanto. 1956 varre uma boa parte das seqüelas
Superior pela Escola Nacional de Administração. A instituição da guerra para numerosos intelectuais do ocidente, muito antes
que encarnava até aí a reprodução das humanidades. cede que 1989 venha completar a limpeza no leste. Apresenta -se en-
seu lugar à que forma os tecnocratas. Ulm. que vlró a ser o tão a questão de saber como é que se pode ser marxista com
epicentro do sismo estrutural em 1966, reagiró ao erigir-se porta- tudo aquilo que se sabe?
dora do discurso mais científico, tentando assim retardar o A bistória Jó não _!e apresenta como esperqi:,Q~<;!~~ futu-
momento de suo relegação a um papel .. secundório na forma- r~ho!, .!!'OS Interroga-~ em sua~ falhas para~ ar com -
ção das elites do república. A partir de 1958, o pensamento P ~.LO.O que ela pôde conter ~m.e.SQ!Q_o_§ _g~.i;mes da
técnico estó no poder: "Paro mim, o estruturalismo teve multo barbórle. Essa fenda de 1956 "levou-nos a não ser mais obriga-
êxito porque foi o suporte do pensamento tecnocrótlco. deu-lhe dosa esperar alguma colsa"6 • Em vez de sentir-se levado pelo
, uma maquilagem lógica, uma racionalidade, uma espécie de fluxo contínuo da história, o Intelectual, segundo Mlchel Fou-
vigor. Entre esse tempo e o estruturalismo existe mais do que cault. deve sinalizar o campo dos possíveis e o das impossibili-
um encontro feliz, um casamento de conveniência"3 • dades numa dada sociedade, sem esperar a chegada do
Messias, encarnado pelo partido como guia na conquista da
salvação terrena. Mas antes mesmo de se reconstituir uma órea
de pesquisas e uma identidade, cumpre romper com um parti-
do que se atribuía as virtudes de um foco de ,sociabilidade,
família de adoção com seus ritos. seus costumes... todo um ha-
bítus.
Pierre Fougeyrollos abandona assim o PCF em 1956: "Eu lecio-
nava na época no liceu Montaigne em Bordéus, era membro
A ERA DAS RUPTURAS: 1950 do bureau federal do PCF da Gironde e rompi em conseqüên-
cia da questão húngara. Quando cheguei a Paris em 1958,
aderi ao grupo Arguments"7 • Gérard Genette desliga-se também
P ar seu lado. a rev1sao crítica do "paizinho dos povos" pe-
los sacerdotes encarregados do cultó teve por efeito o
desmoronamento do edifício da crença. O estruturalismo ofere-
do PCF nesse ano de 1956: "Depois, submeti-me a uma cura
de desintoxicação durante três anos em Socialisme ou Barbaria,
onde convivi com Claude Lefort, Cornélius Castorladis, Jean-
ce~5.e ,9.J:!Mt.2§,_g__eSSEUesp~O, Como uril_a t9büçi ~Q.ê_~OÇÓO
François Lyotard. Para tornar-me não-marxista, após ter sido sta-
no momento da agonia do marxismo institucional: "Uma éspécie
llnista durante oito anos, era Imprescindível uma boa e forte
de massacre cerimoniÕSÕ. /.~.r lssOp ermltfü' Úma boa limpeza,
centrifugadora, e Sociolisme ou Barbaria, era uma que raspava
uma vassourada, uma grande corrente de ar, um ato higiênico.
a fundo" 8 • Como disse Ollvler Revault d' Allonnes, que também aí
Nem sempre se escolhe o aroma do desodorante ou dos pro-
estava: "Poder-se-ia fazer uma associação dos veteranos da tur-
dutos de lixívia, que muitas vezes é enjoativo, mas o que
ma de 1956" 9 • Ele tinha aderido em 1953 em Lllle, onde se
Importa é que limpe" 4 . Abre-se a era das rupturas para Intelec-
encontrara na companhia de Michel Foucault para opor-se à
tuais que jó não podem continuar fazendo o Jogo dos simula-
guerra da Indochina.
cros e que renegaram seus fetiches.
É a favor do apolo ao outubro polonês que Jean-Pierre Faye
Roger Vailland afasta-se e tira do seu escritório o retrato de
descobre em 1956, fascinado, o rigor do programo de Lévi-
Stalin. Claude Roy é expulso do PCF por · ter feito o Jogo da
Strouss. Com efeito, assiste na sala Louis-Llard da Sorbonne a
reação, dos Inimigos da classe operórla e do povo" 5 • O próprio
uma grande recepção solene dos representantes poloneses or-
Jean-Paul Sartre, que percorreu desde o começo dos anos 50 a
ganizada pela UNESCO, sob a égide de Fernand Braudel. A
sua via crucis, na esteira do PCF, como lrreprochóvel compa-
reunião conclui com um rasgo teatral: a entrada do vencedor
nheiro de estrada, publica em L'Express de 9 de novembro de

6. M . FOUCAULT, Océonlques, Fn3, 13 ele janeiro de 1988 (1977, em Vézeloy, no


3. Georges Bolondier. entrevisto com o autor. coso de Mourice Clovel).
4. René Lourou, entrevisto com o autor. 7. Pierre Fougeyrollos. entrevisto com o autor.
5. Citado por P. ORY e J.-F. SIRINELLI, Les lnteHectvels en Fronce. de /'offo/re D,ey- B. Gérord Genette. entrevisto com o autor.
#,,. A,..._ _,. 1-""·- - .... _,, _ ,.._..n
HISTÓRIA 00 lSTRUrURALISMO

sível, e Alfred Adiar vê-se assistindo ao seminário de Claude Le-


da revolta polonesa, antiga vítima dos expurgos stollnlstas, Go·
fort sobre Las Structures élémentaíres de lo porenté. O grupo
mulka. Foi aí que Lévl-Strouss •nos falou do oito de uma espécie
dos quatro encontra com .encantamento a obra de Lévi-Strauss,
de cátedra, explicando-nos que a estruturo era rainha e que os
que tem o mérito de significar uma desideologlzação, de articu-
três ciências que Iam dominar eram o econometria, o lingüístico
lar um discurso apolítico: "Descobrimos Tristes Troplques. Lembro-
estrutural e a antropologia, que iria tornar-se estrutural alguns
me de Pierre Clasfres, fascinado com Tristes Tropiques, que leu
meses mais tarde com um outro livro" 1º. Jean-Pierre Faye se
questiona sobre o funcioname nto das mitologias no mundo mo- quatro ou cinco vezes" 1s.
derno, especialmente o partir do fratura de 1930 nos Estados Essa conversão leva o grupo a Interessar-se por tudo o que
Unidos, mas também a partir da depressão que afetou Viena participa do nascimento do paradigma estrutural, o nutrir-se de·
em 18 73. A via estrutural de Lévl-Strauss parece-lhe então pro- le com um entusiasmo tanto maior uma vez que se trata de
realizar com êxito um trabalho catártico sobre o passado. Em-
missora na explicação das múltiplas e complexos correlações
brenham-se, portanto, nos trabalhos de lingüística estrutural e
entre uma mitologia e uma conjuntura, na relação entre estru-
seguem, a partir de 1958, o seminário de Jacques Lacan em
tura e flutuações.
Sainte-Anne. Esse apetite de descoberta alimenta toda uma
aprendizagem teórica da etnologia, em ligação com as outras
disciplinas de 1958 a . 1963; provocando igualmente a procura
por trabalhos de campo. Ê nesse momento que o grupo se di-
vide em dois: luclen Sebag e Pierre Clastres escolhem o territó-
rio ameríndio, Alfred Adler parte para a África. assim como
Michel Cartry: "Somente na América Latina se encontram os
verdadeiros primitivos", dizia-se na brincadelra 16• A descoberta a
O ESTRUTURALISMO COMO SAÍDA que eles aspiram. com efeito, é mais profunda do que uma
busca de exotismo; t r ~_no. coso, d.e ~ncQ.ntrg1~9.,ades
PARA A CRISE DO MARXISMO ll'!).U0-8_S ao es_9.!:!e~9 _J!f)itárlo do h~ gg ligno-marxi§!ll-O, sociedades
não cotadas na avaliação dos manuais stalinlstas.
ara outros, o recurso a Lévi-Strauss fundamenta uma con- o_es_rurlto de <!escob,~r.t:QítamJ:i~~ç0._,a,qJep.9~~ep-
Pversão à antropologia. É esse o caso dos filósofos comu-
nistas atingidos pelo exílio, o chamado clube dos quatro: Alfred
,5;.90_r~ c!.9naQa~ corn_~!i.9....esQ,,.~CulaJh(a....lLa...bJ§iQ(ia, cujo
ciclo__çtl9 tl~P-.9.~ .9J,q..Jiogg_c_corr:i o ess:z2tamento do h5tg~liano-
marxismo. Ao contrário dos discursos puramente especulativos
Adler, Michel Cartry, Pierre Clastres e Lucien Sebag. Os quatro
q ue funcionam por si mesmos, a obra de Lévi-Strauss oferecia
vão abandonar o PCF a partir da fratura de 1956, e passar da
uma verdadeira aventura intelectual: "Em Tristes Troplques. Clau-
filosofia à antropologia, uma escolha que não é dissociável da
de Lévi-Strouss diz que é preciso perder muito tempo para
evolução do situação política: "1956 é para nós uma data-cha-
encontrar o nome de um clã. Ao ler Isso. a gente se dá conta
ve"11.
de que alguém estava proporcionando algo de novo"17 • A par-
Alfred Adler descreve o encaminhamento intelectual que o
tida para o trabalho de campo, o excentramento quanto à
conduziu do existencialismo ao estruturalismo12 • Adepto do PCF
sua própria história. são decisivos neste ponto. resultando no re-
em 1952, aos 18 anos, o engajamento político leva-o às mar-
tardamento do sismo de 1956.
gens do marxismo; mantém-se, porém, nos margens e não se
define verdadeiramente como marxista, mais como comunista
no sentido de um compromisso moral. Em seu curso de filosofia
descobre Hegel. como estudante, através das aulas de Hyppo-
llte: •o hegeliano-marxismo fornece -nos uma substância intelec-
tual na medida em que as opções políticas são primordiais, e
também nos fornece um conteúdo mllltante" 13 • É então que os
acontecimentos de 1956 intervêm e que o PCF torna-se objeto
de opróbrio, ainda que a exclusão só venha a ser declarado
em 1958: "l 956 é a próprio condição da escolho da
O DEGELO
etnologia" 14 • A adequação entre um compromisso ético-político
e a especulação hegeliano-marxista torno-se doravante impos- m degelo ideológico faz. portanto, rebentar a vulgata a

1O. Jean-Pierre Faye. entrevista com o autor.


U partir de 1956. <É certo que houve iniciadores, em espe-
cial esse grupo ao qual um certo númeró adere em 1956,
11. Alfred Adler. entrevista com o autor.
12. Alfred Adler, Sémina/re de Mlche/ lzard. laboratoire d'anthropologie sociale, 17
15. lb.
de novembro de 1988.
l~ Ih
16. lb.
1
~ ~ . . s J [ J e, constituído em 1949 sob o Impulso do. em parte à efetiva dlspersõo das personalidades que compuse-
entre outros, Cornélius Castoriadls e Claude Lefort. Elabora-se to ram o revist a: Pierre Fougeyrollas estó em Dakar, Jean Duvlg-
da uma crítico de esquerdo. rodicql, para analisar o mode lo naud no Tunísia, mas sobretudo se deve a um fato que se
stolinisto. o sistema burocrótlco e totolitórlo. tornou evidente, a sucessão agora cabia a outra corrente de
Para Castoriodis e seu grupo. o estruturalismo não é uma al- pensamento que triunfa nesse começo dos anos 60, o estrutura-
ternativa à vulgata mas uma simples adaptação desta último lismo: "Na Universidade, reinava um pensamento que fornecia a
ao modo de dominação do capitalismo moderno. que triunfa solução científica para todo; os problemas: o estruturalismo. Por-
em 1958. Ê o discurso que confere um primado absoluto à tanto, estava acabado. Tínhamo-nos tornado desviantes. Tivemos
ciência, "ao passo que as pessoas são cada vez mais oprimidas sabedoria suficiente para perceber lsso"23.
em nome do ciência e pretende-se persuadi-las de que elas
não são nodo e a ciência é tudo" 18 • Eles denunciam nessa no-
vo escola estruturalisto um esvaziamento do história vivo e, por-
tanto, o Infusão do pensamento tecnocrático no campo Inte-
lectual.
O ano de 1956 vê nascer uma nova corrente que se agrupa
em torno de uma revisto, Arguments. Propõe não só uma revi-
são do marxismo, o oba~ ulgota, mas também que
se coloque em evidência as contradições da modernização. A O REGELO?
revisto foi fundada por Edgar Morin, que é o seu diretor, rodea-
I'
do por Kostos Axelos, Jean Duvignaud, Colette Audry, François
Fejtõ, Dionys Moscolo, Rolond Barthes e Pierre Fougeyrollas. A re-
visto é a próprio expressão desse degelo que substitui a língua E dgar Morin considera esse êxito do estruturalismo como o
do regelo após o degelo. O estrutural-epistemista substitui
o marxismo totalizador com uma Igual certeza de cientificidade,
rígida e inflexível por um pensamento Interrogativo. multidimen-
obedecendo às leis da ciência clássica. Maneja o determinismo
sional: "Floresce o primavera de 1956. Rajadas àe esperança
e a objetivação excluindo O\ sujeito, demasiado aleatório, e a
nos chegavam da Polónio, da Hungria, da Tchecoslovóquia. A
história, demasiado contingente, em proveito de um modelo tão
história hesitava entre o fluxo e o refluxo. / .. ./ Apercebíamo-nos
rigoroso , quanto as ciências da natureza: a lingüística estrutural.
de que a rocha da nossa doutrino não passava de um peda-
Outra forma de regelo, não tarda em manifestar-se a tendência
ço de gelo à derlva" 19•
em trocar Moscou por Pequim, Hanoi e Havana. Ora, essa ne-
A revista nasce de um encontro entre Edgar Morin e Franco
cessidade de olentificlzar a abordagem das ciências humanas
Fortini, que já publicava uma revista na ttólia, Rogionoment/:
era multo compreensível ao cabo dos dissabores e amarguras
"Nestes últimos anos, eu era um semlcadáver político, estava fo-
ra de qualquer partido, e sentia-me feliz por encontrar na Itália acumulados durante a fase stalinisto, da mesma maneira que
amigos / .:.1 º.
com quem podia diologar"2 Ê um grupo aberto havia a necessidade de apegar-se a certezas. Por uma parte,
a valorização das estruturas permitia explicar-se a persistente de-
que é. de imediato, fértil em debates de Idéias e que se posi-
ciono, ao contrário dos órgãos de partido, como simples labo- fasagem na relação entre determinação e liberdade, entre a
ratório ou boletim de Idéias. Arguments aborda problemas polí- tarefa histórica de transformação e a incapacidade de cor,ven-
ticos e do civilização técnico , expõe reflexões sobre a cer as pessoas sobre a necessidade desta: "A noção de estru-
linguagem, no sentido do Investigação de uma radicalidade crí- tura inconsciente permitia -nos aprofundar, graças a Saussure e a
Jakobson, algo que não evoluía em função dos transformações
tica para além das compartimentações disciplinares e dos onto-
de classe ou do social, mas fora da vontade consciente" 24 . Por
lhos partidários. Os dois primeiros anos da revista são sobretudo
outra parte, a antropologia. tal como a lingüística estrutural. per-
consagrados ao luto, a rematar o rompimento com o PCF. de-
, mitia entrar ,em outras visões do mundo, outros sistemas de
pois os objetos de reflexão tomam-se menos políticos. com
representação: "Isso nos permitiu uma renovação da visão dia-
números sobre o amor, o universo, a linguagem ... "Durante os
lética que tinha a tendência em considerá-la como uma forma
seis anos de Arguments, houve uma uniã o feliz, o que é raro,
de superação dos contrários, quando a noção de multiplicação
do afeto e do pensamento." 21
i:~~n h11~n rlA 11m novo cominho cheao orematuramente ao de mediações cada vez mais sutis nos parecia renovar a diaié-
S~ollsme ou 8Qr_Qg[/e, constituído em 1949 sob o lrnp11l• 11 í l 111,1 parlo à ofollvu dlsp o rsôo dos porsonolldades que compuse-
e ntre outros, Corné lius Castorladls e Claudo Lofor t. 1lt1bu111 ,.., h 11110 orovlsto : Plorro Foug€lyrollas estó em Dakor. Jean Duvig-
do uma crítica de esquerda. rodlcql. para onollo<.Jr o 111wcJ no Tunísia, mos sobretudo se deve a um fato que se
stalinlsta. o sistema b urocrótico e totolltórlo. ln m o u ovldente, o sucessão agora cabia a outra corrente de
Para Castorladls e seu grupo. o estruturalismo nõo (J 1111111 , 11 11onsomento que triunfa nesse começo dos anos 60, o estrutura-
ternatlva à vulgata mos uma simples odoptoçõo d oal<1 1111111111 ll~ino: "No Universidade, reinava um pensamento que fornecia a
ao modo de dominação do capitalismo moderno, QlH> 1r11111h1 aoluçôo c ientífica para todo~ os problemas: o estruturalismo. Por-
em 1958. É o discurso que confere um primado obaol\1111 11 lunto. estava acabado. Tínhamo-nos tornado desviantes. Tivemos
ciência, "ao passo que as pessoas são cada vez mais op1h11I• lfll 1obod orlo suficiente para perceber isso" 23.
em nome da ciência e pretende-se persuadi-los do q1111 t li tt
não são nada e a ciência é tudo" 18 . Eles denunciam n m111u "'
va escola estruturalisto um esvaziamento da história vivo ,,, 111 ,r
tanto, o Infusão do pensamento tecnocrótlco no c ampo h1 la
lectual.
O ano de 1956 vê nascer uma nova corrente que so <l(JllllnJ
em torno de uma r e v i s t a . ~ Propõe não só urno 1•wl
são do marxismo. o abandono da vulgata. mas tombó r11 q1111
se coloque em evidência as contradições da modernl1oç( 111 A. O REGELO?
revista foi fundada por Edgar Morin, que é o seu diretor, mclt.111
;
do por Kostas Axelos. Jean Duvlgnaud. Colette Audry, rm,u.1111
FeJtõ, Dlonys Mascolo. Roland Barthes e Pierre Fougeyrollos. A 1111
vista é a própria expressão desse degelo que subs11tul a 1rnu11u E dgor Morin considero esse êxito do estruturalismo como o
do regelo após o degelo. O estrutural-epistemisto substitui
t) marxismo totalizador com uma igual certeza de clentificidade,
rígida e Inflexível por um pensamento interrogativo, mullldh11u11
obedecendo às leis da ciência clássica. Maneja o determinismo
sional: "Floresce a primavera de 1956. Rajadas d e esporcmi,,;u
nos chegavam da Polônia. do Hungria. da Tchecoslovóqulu A.
o o objetivação excluindo o sujeito. demasiado aleatório, e a
histó ria, demasiado contingente. em proveito de um modelo tão
história hesitava entre o fluxo e o refluxo. / .. ./ Apercebíomo t1111
1lgoroso , quanto as ciências da natureza: a lingüística estrutural.
de que a rocha da nossa doutrina não passava d e um pf11 l 11
O utro forma de regelo, não tarda em manifestar-se a tendência
ço de gelo à deriva" 19•
1 m troca r Moscou por Pequim, Hanoi e Havana. Ora. essa ne-
A revista nasce de um encontro entre Edgar Morin e í ror11 u
c..:osstdode de clentlficizar o abordagem das ciências humanas
Fortinl. que jó publicava uma revista no ltólia, Roglonomo111/
oro multo compreensfvel ao cabo dos dissabores e amarguras
"Nestes últimos anos, eu era um semicadóver político, estovu fu
ra de qualquer partido, e sentia-me feliz por encontrar no tlólln ucumulados durante a fase stalinista. da mesma maneira que
ha via a necessidade de apegar-se a certezas. Por urna parte,
amigos / .~./ com quem podia dlalogar"2º. É um grupo abu1 to
que é, de Imediato, fértil em debates de Idéias e que se poll a volorlzação das estruturas permitia explicar-se a persistente de-
fosagem na relação entre determinação e libe rdade, entre a
clona, ao contrório dos órgãos de partido, como simples fatio
rotário ou boletim de Idéias. Arguments aborda problemas poll tarefa histórica de transformação e a Incapacidade de col)ven-
oer as pessoas sobre o necessidade desta: "A noção de estru-
tlcos e da civlllzoção técnica. expõe reflexõ es sob ro u
turo Inconsciente permitia-nos aprofundar. graças a Saussure e a
linguagem. no sentido da Investigação de uma radlcolid ado c ri
tica para além das compartimentações disciplinares e dos <.mi o
lhos partidários. Os dois primeiros anos da revisto são sobrotudo
Jokobson, a lgo que não evoluía em função das transformações
d e classe ou do social, mos fora da vontade consciente"24. Por
li
o u tra porte, o antropologia, tal como o lingüística estrutural, per-
consagrados ao luto, a rematar o rompimento com o PCí. do
mitia entrar .em outras visões do mundo, outros sistemas de
pois os objetos de reflexão tomam -se menos políticos. com
ro presentação: "Isso nos permitiu uma renovação da visão dia-
números sobre o amor, o universo. a linguagem ... "Duronto 01
ló llca que tinha a tendência em considerá-la como uma forma
seis anos de Arguments, houve uma união feliz, o que é raro,
do superação dos contrários, quando a noção de multiplicação
do afeto e do pensamento."21
Essa busca de um novo caminho chego prematuramente ao cJo mediações cada vez mais sutis nos parecia renovar a dialé-
fim em 1962: · com e sem alegria e tristeza. a revista Argumont, tlc a"26.
é abalroada por seus capltães" 22. Esse abalroamento se dove O verdadeiro beneficiário da crise de 1956 é, pois. o estrutu-
ralismo. cujos referenciais do- RrÓgrama. como vimos: fora m- fixa-
18. C . CAST0íl1AD1S, ' Leu divertisseu rs', Le Nouvel Observotaurs, 20 da Junho de dos multo antes, dado que merguii=iãsuas raízes nos começos
1977, reimpresso em Lo Socléfé fronçolse. 10/18. 1979, p . 226. do século. Esse paradlgmã permitia, pelo "menos. prevalecer-se
19. e. MORIN. Le Vlf du w]af, Le Seuil, 1969.
20. E. MORIN. 'Arguments. trenta ans opres', entrevistas, La Revua des revue,, n•
4. outono de 1987, p . 12. :;>3 , E. MORIN, 'Argumenta. frente ons oprés', art. cft.. p. 19.
21. K. AXELOS, lb.. p. 18. 24, Oonle l 8ecQuemont. entrevisto com o autor.
22. K. AXELOS, 'Le Jau da l'autocritiQue', Arguments. n"' 27-28. 1962. 211, IR,
f-llST WA DO I STIW/UfMIISMO

de um certo nível de clentlflcldade e de operaclonollctrn h• ,,u


ma província particular do saber, ao preservar o hOrl1011 tu (ht 20. A VIA ESTRUTURAL DA
universalidade própria dos compromissos de outrora sorn 1, 11:11•
rir a nenhum voluntarismo na transformação do mundo, w 1 11ml
ESCOLA FRANCESA DE ECONOMIA
tar-se a procurar compreendê-lo melhor, e ao lntogror u1 11v1111t1
da alteridade e do Inconsciente.

E ntre as ciências humanas, há uma que não esperou os


anos 50 para levar em consideração o estudo das estru-
1\Jros: é o economia. É certo que, diferentemente das outras
c iê ncias humanas, o modelo não foi procurado na lingüístico.
Mas, em contrapartida, os economistas têm um avanço nas for-
malizações de seus trabalhos e, por essa razão, puderam servir
do exemplo para outras disciplinas em busco de rigor e clentl-
llc ldode . Lévl-Strauss foi, assim, buscar aos economistas a Idéia
de modelo paro fazer prevalecer o aspecto científico da antro-
pologia estrutural.
A economia não terá o papel de ciência -piloto no apogeu
do estruturalismo. Contudo, é a que terá Ido mais longe no
motematização que constitui a exigência da maioria das ciên-
c ias sociais neste momento. Se ocorreram, de fato, permutas. e
o lnspifação que Lévi-Strauss colheu na teoria dos modelos é
l o stemunho disso, os economistas manter-se-ão um pouco à
margem dos grandes debates em torno do paradigma estrutu-
101lsto nos anos 60. Essa relativa marginalidade decorre do fato
de que o miragem do época situa-se. sobretudo, no plano do
e xtensão do modelo fonológico, mos isso também depende do
c ompartimentação lnstttuclonol que divide o campo das ciên-
c ias humanas de tal maneiro que os economistas encontram-se,
juntamente com os juristas, separados dos homens de letras: "A
rua Soín.Jacques constituía, apesar de tudo, um rio muito pro-
fundo, separando economistas e homens de letras. Em compen-
sação, os contatos com os historiadores faziam-se no âmbito do
6º Seção da EPHE" 1• A rejeição do proposta de Fernand Braudel
o m 1958, de fundação de uma universidade das ciências so-
c iais e a opção que foi a de separar as faculdades de, letras
o Ciências Humanos das faculdades de Direito e de Ciências
Econômicas vai suscitar um abismo duradouro e um desloca-
mento que não permitirá aos economistas desempenharem o
papel de placa giratória do paradigma estrutural.
Entretanto, o ciência econômico produziu resultados forte-
mente axiomatizados. ainda que não tenho refletido muito
sobre os condições epistemológicas de sua formação. A mi-
c roeconomio, nos anos 50, chegou a uma axiomotização quase
completo em torno do noção de equilíbrio geral, que se apre-
senta como estrutura totalmente formalizada. Pode-se ver aí. no
campo do disciplino econômico, •uma forma de estruturalismo
que verifica os condições lógicos de uma clentificidade no pla-
no dos critérios de constituição lógica das proposições e que
culmino em resultados de alcance unlversa1"2 • O próprio êxito
dessa oxlomotlzoçõo e sua operacionalidade prático contribuí-
ram poro o atraso na problematização dos resultados do

l . Andr• Nlcolol, •n1revl110 com o autor.


HISTÓRIA DO [STIWIURALISMO

microeconomla. que permaneceu essencialmente à margom de qual se transformaró mais tarde em Direção da Previsão e d o
toda a reflexão crítica sobre os seus postulados. Plano, com seus organismos. o CREDOC e o CEPREM AP. Essa
atenção do estado pelo saber econômico "adotou dois cami-
nhos principais: o estabelecimento da contabilidade nacional e
a construção de modelos macroeconômicos de prevlsão"5.
Dessa aliança orgânica do estado com os teóricos e próticos
da macroeconomia resulta uma acentuação da defasagem
com o mundo universitário das humanidades, o dos homens de
letras. Nas equipes Integradas por homens como Claude Gru-
son, Pierre Url, Alfred Sauvy, Fmnçols Perroux. o componente uni·
O CASAMENTO versltárlo constitui uma franca minoria em relação aos enge-
DO ESTADO E DA ESTRUTURA nheiros oriundos das Grandes Escolas e aos administradores civis.
Assim, é no mais alto nível dos responsóveis da administração
que são criadas as modelizações prospectivas da economia na-

A s transformações no pós-guerra das relações entre o es-


tado e o mercado na França também vão assegurar ao
conceito de estrutura um êxito certo no campo da economia.
cional no âmbito de uma investigaç ão de coerência setorial do
aparelho de produção6 •
A valorização da postura estrutural é, portanto, muito efetiva
num plano essencialmente pragmótlco. Desta vez, num plano entre os economistas mas a partir de horizontes em geral estra-
macroeconômico. refletiu-se sobre o campo dos possíveis da In- nhos aos unlversitórios de letras, e a formalização de seus traba-
tervenção do estado: "É a idade de ouro do keyneslanismo~ lhos distancio-os deles ainda mais. Entretanto, essa situação não
Mas em relação à tradição anglo-saxónica. marginalista, . que li- impediu que se estabelecessem algumas pontes que permitiram
mitava a intervenção do estado à periferia de um equi11brlo organizar um diálogo entre economistas e o resto do campo
geral dado como estabelecido, o caso da França é original: na das ciências humanas. A esse respeito, o papel d esempenhado
Libertação, o estado resultante do programa do Conselho Na- por François Perroux é inteiramente decisivo.
cional de Resistência recorre aos modelos macroeconômicos
para transformar em profundidade os mecanismos da economia
francesa. pelo planejamento, a organização territorial, as naclo-
nolizoções.. .
Trata-se de agir sobre as próprias estruturas da economia na-
cional, a fim de modificar-lhes de maneira decisiva os fluxos
globais. a d emanda. portanto, o nível de atividade. O estado é
considerado. nesse momento, o piloto da reconstrução e da
modernização econômica. Assim, encarrega-se dos grandes O HOMEM DA CONFLUÊNCIA:
transformações de estrutura . Esses Imperativos vão favorecer
uma efervescência propícia aos reagrup amentos e permitir a
FRANÇOIS PERROUX
constituição " de uma verdadeira escola francesa de
economta•'4. É um dos raros momentos em que tal coagulação
das energias será possibilitada num campo mais propício à dis-
persão das pesquisas, a favor do lncontornóvel entrelaçamento
P rofessor no College de France a partir de 1955, François
Perroux criou em 1 955 o ISEA (Instituto de Ciência Econô-
mica Aplicada) e sua revista, Les Cahíers de /'ISEA. oferece-se à
dos problemas econômico;; e sociais nessa data. reflexão filosófica, em especial epistemológica, com artigos de
Um dos principais pólos desse reagrupamento era La Revue Claude Lévl-Strauss. Gllles Gaston-Granger e outros. Ora. a ln-
économique com François Perroux. Jean Welller, Jean lhomme fluência é dupla em François Perroux. que adota a noção de
e os Irmãos Marchai. O comitê de direção conta. oliós, com economia generalizada de Merleau-Ponty e. em contrapartida,
Fernand Braudel em seu selo. simbolizando os vínculos orgânicos contrlbulró para a difusão do modelo estrutural entre os econo-
de um diálogo entre os historiadores dos Annoles e os econo- mistas. Aos liberais que cultuam um mercado perfeito em que
mistas. É instalada toda uma série de novos organismos adminis- os preços operam sem resistência, François Perroux opõe a ope-
trativos pelo estado desde o pós-guerra. a fim de reollzarem as racionalidade do conceito de estrutura: 'A estrutura de um con-
reformas estruturais e de elucidarem os poderes públicos por um junto econômico define-se pela rede de ligações que unem,
trabalho a curto e a médio prazo. Cria-se o seNiço da conjun- entre elas, as unidades simples e complexas. e pela série de
tura no INSEE, depois, em 1952. o Serviço dos Programas do
Tesouro (Serviço de Estudos Econômicos e Financeiros. SEEF). o
5. M . OEHOVE. em L'ttat des sc/encas soe/ales a n Fronce. Lo Découverte, 1986,
p. 252.
3. lb.
6 . n. eovrn. "Lo croissonce fronçolse ~ l' opres-~~!rr• el les modeles mocro-éco-
H/STÕl?IA DO ESTRUTURALISM O 20. A VIA rsmururML OA (SCOLA Ff?/\NCCS/\ Df. kCONOMI/\

proporções e ntre o s fluxos e e ntre os estoques d e unidades e le- por ocasião do colóquio dirigido por Roger Bastid e e m 1959 13,
mentares e combinações objetivamente significativas dessas uni- uma concepção estática da noção de estrutura, a de François
dades''7. Perroux. a uma perspectiva dinâmico que deseja promover. Es-
É por volta dos anos 30 que os europeus utilizaram maciça- sa abordagem está fundamentada numa relativização das leis
mente, em economia política, o paradigma estrutural, em rea - econômicas válidas segundo o tipo de estrutura ou entre dois li-
ção à crise de 1929. Mas antes mesmo dessa difusão do mites estruturais no Interior de um sistema econômico no qual
conceito de estrutura em economia política, pode-se afirmar evolui uma combinatória de múltiplas dimensões14•
com Henri Bartoll que "0 estruturalismo sociológico e o estrutura- André Marchai Interrogou-se sobre o ressurgimento da noção
lismo econômico sõo contemporâneos do nascimento da socio- de estruturo no pensamento econômico contemporâneo 15. Vê
logia e da econ'omia política" 8• Essa idéia de estrutura nasceu aí em ação uma busca de explloltação, por parte dos econo-
no século XVIII do correlacionamento dos diversos dados econô- mistas, das grandes mutações históricas do capitalismo monopo-
micos considerados como outros tantos elementos de uma coe- lista, a crise de 1929, a descolonização. A conjunção de todas
rência global que gula a vida econômica. essas mutações tornava necessário ultrapassar as mode lizações
Auguste Comte jó situara os fisiocratas entre os Iniciadores da depuradas de todo e qualquer elemento exógeno colhido no
"física social". Depois. Marx dedicou-se a Identificar as leis de ambiente sócio-político.
func ionamento do capital mediante noções estruturais como as
de modos de produção, formações sociais, relações sociais de
p rodução. Ele tentou ultrapassar o simples descritivo do observá-
v el. para descobrir "a organização interna do modÇ> de produ-
ção capitalista, de certo modo em sua média ldeai"9 , Se hó
em Marx um uso da noção de estrutura que faz dela um mo-
delo teórico, puramente conceituai, ele nem por Isso esquec e o
outro extremo da cadela e a conexão do modelo com a rea -
lidade econômica do estado de desenvolvimento das forças A TENTATIVA DE U~A
produtivas num dado sistema social. Em contrapartida, a estru- ANTROPOLOGIA ECONOMICA
tura de que se trata após 1945 na escola franc esa de econo-
mia depende mais do empírico, do observável. do que do ,
plano teórico, numa acepção mais próxima dos historiadores do
que dos antropólogos. Isso é indubitável em François Perroux,
que define a estrutura pelas proporções de fluxo, de estoques
E n e ssa perspectiva de confronto global que se Inscreve o
trabalho de André Nicolal, que defende a sua tese em
1957 10. A reflexão sobre a estrutura remonta nele ao ano em
de unidades elementares, ou em R. Clémens, que a vê nas que terminou seu curso secundário, ou seja. em 1948. Apaixona -
"proporções e relações de valor dos custos. p reços, rendimentos se e ntão pelo debate entre Tarde e Durkheim, nos q uais assina-
e moeda num determinado meio" 1 º. la a existência de um problema que vai tornar-se central em
Jó nos anos 30, o alemão Ernest Wagemann tinha utilizado toda a sua obra ulterlor: é o dilema polêmico entre a prevalên-
de maneira sistematizada a noção de estrutura. Propusera uma c ia acordada aos comportamentos (Tarde) e conce d ida às
definição que os economistas adotarão. especialmente na Fran- estruturas (Durkheim). Considera André Nicolai, desde essa épo-
ça a partir de 1936, quando das reformas estruturais da Frente ca. que "os dois têm razão em parte. v isto que a sociedade
Popular. A estrutura é aí considerada como •o mais permanen- obstina-se em ser composta de agentes e. ao mesmo tempo,
te"11: ela é o que resiste aos movimentos rápidos. o que permite esses agentes parecem ser acionados pela sociedade" 17. Refle-
o conjuntura, Influi nela sem se lhe identificar. É marcada pela tir a partir dessa contradição induz a uma superação do estrito
lentidão dos seus ritmos. em geral cíclicos. movidos por meca- ponto de vista da economia pura, e André Nicolal descobre
nismos profundos. Essa visão da estruturo como invariante, ou extasiado Tristes Tropiques em 1955. Ele inscreve-se não só em
variante de fraca amplitude, é retomada por François Perroux. economia mas em ciências políticas e na Sorbonne, freqüenta
para quem as estruturas são "conjuntos de quantidades em mo- cursos de filosofia, de sociologia, de psicologia ministrados por
vimentos moderados, conjuntos de tipos de condutas ou de Plaget, Lagache, Merleau-Ponty, Gurvltch ... e encontra-se assim
comportamentos relativamente estóveis" 12. André Marchai opõe. colocado, desde o final dos anos 50, no centro da confluência
estrutural. No campo da economia é um estruturollsta precoce,
7. F. PERROUX. em Sens e f U$age du terme do ,tructure. obro d irigido por Roger
BASTIOE, Mounton, 1972 (1962) , p . 61.
8 . H, BARTOU, Économ/e ef créatlon col/ectlve, Économioo, 1977, p . 315. 13. A . M A RCHA L. Sens e t usoge$ d u terme d e $fruclure. Mouton, 1972 (1962). pp.
9. K. MARX. Le Capita, Édltions socioles. 1960. Livro li. vol. 3. p . 208. 65-66.
10. R. CLEMENS, "Prolégoménes d ' une théorie de lo structure', Revue d'économ/e 14 . A. MARCHAL, Méthod e $Cientifique et $C/en c e é conomlque . Éd. de M é dic is.
pol/tlque. 1952. nº 6. p . 997. 1955.
11. E. WAGEMANN, lntroductlo n à lo thé orle du mou v ement des offolte$, Povot. 15. A . MARCHA L, Sy$tàmes e t strucfures. PUF, 1959 .
lO't.'.'.> ~:,?.e..,.,... -- ,.,.., ~,,.,,,..,,..Ã._I_ _Ã_,_ .......,._, ,_, , ..., 0-,-• , õ~_Q --- A.. O ..,,._..
um pouco atípico por sua abertura para todas as ciências hu- tas o substanciar seus lnstrumenlos de conhecimen to até atri-
manas, e por sua vontade de fundar uma antropologia econô- buir-lhes a reconstituição da própria reolidade. Eles abandonam
mica estrutural. à lnslgnificôncla tudo o que não é mensurável. Aí se vislumbra
também um esvaziamento da historicidade, próprio do paradig-
ma estrutural. visto que a previsão só é possível nesse esquema
a partir do momento em que o modelo se reproduz de manei-
ra Idêntica, se não houver algumas variações de quantidade.
Também aí está, pois, a dificuldade em construir um aparelho
de análise de simples reprodução do mesmo, uma verdadeira
mecânica de auto-regulação que remete à insignificância toda
prática humana, fora do esquema Inicial. assim como toda a
A ECONOMETRIA historicidade dessa ação. O perigo não tardou em ser denun-
ciado por Gllles Gaston-Granger: resulta do Ilusão que o forma-
lismo ocasiona e · provém do fato de se querer conferir aos

M as entre a realidade concreta e a estrutura existe um ní-


vel Intermediário, o mais desenvolvido pelos economistas:
é o do modelo, mediação necessária que dá lugar à formaliza -
temas, uma vez destacados por via de abstração axiomática,
um privilégio ontológico sobre os operações que. entretanto, os
engendram" 21 .
ção mais apurada. É nesse p lano que a economia, tornando-se
econometria, passa para uma linguagem totalmente formalizado:
"A construção de modelos matemáticos tornou-se um dos ramos
mais prestigiosos do ciência econômica poro seu maior bem e,
por que não dizê-lo, para seu maior iníortúnio" 18•
A fundação da Sociedade Internacional de Econometria da-
ta de 1930. Mas os modelos econométricos desenvolveram-se
sobretudo a partir de 1945. Graças a certos evenlos históricos,
aperfeiçoaram-se como por ocasião da "grande ponte aérea
para Berlím Ocidental"19• Quando Stalin bloqueou. em 1948. to -
das as saídas, menos a aérea . para a população de Berlim
Ocidental, foi necessário construir um modelo econométrico a
fim de organizar o circuito contínuo de aviões para reabastecer
Berlim Ocidental. Mediante a generalização desse tipo de pes-
quisa operacional, ocorreu uma grande ampliação do uso das
matemáticas enquanto estatísti cas aplicadas nos modelos eco-
nômicos. O progresso realizado na coleta de dados estatísticos
contribuiu para o êxito da aplicação dos métodos economé tri -
cos. É essa eficácia operatória e essa capacidade para descre-
ver o real numa linguagem puramente formal que fascinaram
Lévi-Strauss. É, portanto, sobretudo nesse nível Intermediário, o
da modelização, que os economistas dos anos 50 participam
no paradigma estruturalista, mais do que quando Invocam
uma realidade de estrutura, que não é outra coisa, essencial-
mente, senão uma maneira de descrever permanências. É tam-
bém nesse nível, econométrico, que se pode discernir um certo
número de aporias nas quais tropeça o método, reencontrando
os limites do formalismo em geral no campo das ciências hu-
manas: "Não só a matematização impele a postura intelectual
a libertar-se do real e a ceder a uma espécie de exaltaçõo
da dedução cheia de desprezo pela observação paciente dos
fatos e de entusiasmo pela análise mas, além disso, impõe-lhe
limites sintáticos multo severos" 20 •
A adoção do método econométrico levou muitos economls-

18. H. 8AIHOLL Économle et créaflon col/ectlve, op. c/t., p. 344.


19. Henri Bortoli, entrevisto com o autor. 21. G . GASTON-GílANGEíl, Pensée formei/e et sclence ele /'homme. Aubler, 1960,
20. H. 8AílTOL I, Économle et cráotlon collecflv<> ,..,.. nlf n """' o. 53.
,
21. COMO A ESTRUTURA E BELA!

N o final dos anos 50, antes mesmo que se fale de estrutu-


ralismo, g re fe rência às estruturas tornou-se onipresente
nas ciências humanas. É o m omento escolhido por certos repre-
sentantes dessas pesquisas convergentes para avaliar o situação
e fazer um primeiro baTan_çp quanto ao uso do conceito. É a
ocasicro de um pílmelro grande cotejo plurldlsclpllnar, tradução
da progressiva eliminação das fronteiras disciplinares que já es-
tava ocorrendo com um bom número de pesquisadores. Sendo
o homem o horizonte comum de toda uma série de disciplinas.
a abordagem conceituai, que substitui os estudos sobre a inten-
cionalidade ou a consciência, deve permitir, aparente mente, a
realização de um programa comum a todo o campo do saber
das ciências humanos, e definir assim o objetivo ambicioso da
unidade paradigmática.
O ano de 1959 é a ocasião de dois encontros importantes.
Por uma parte, Roger Bastide organiza um grande colóquio em
janeiro em torno da noçôo de estruturo 1. Por outra parte, Mou-
rice de Gandillac, Luclen Goldmann e Jean Piaget presidem o
colóquio de Cerisy em torno do confronto entre gênese e
estrutura 2 • É o momento em que nos locais de inovaçôo como
o Museu do Homem, a 6° seçôo da EPHE, certos cursos do
College de Franca, a referência ao blnarlsmo estrutural, recor-
rente, passou a ser o percurso obrigatório de todo Investigador.
Todo o mundo investigava entôo para além dos sememas e
mltemas, das palavras em -emas.
O colóquio organizado por Roger Bastlde é o ocasião para
um vasto confronto sobre o uso do conceito de estrutura nas
diversas disciplinas. Étienne Woltf considera que a noção corres-
ponde, para a biologia, a um dado: ·o ser vivo compreende
Ioda uma hierarquia de estTuturas"3 • Ele define várias escolas da
estrutura blológic·a , da disposição das células em teGidos. dos
tecidos em órgãos, e da organização das "ultra-estruturas", que
passaram a ser observóveis graças ao microscópio eletrônico.
Portanto, se cumpre definir precisamente em que nível de ob-
servação o investigador se situa, em contrapartida a passagem
de uma estrutura para outra continua sendo um mistério e de-
pende da especula ção teórica. Émile Benvenlste fez uma
comunicação sobre o lingüística em que se vê claramente que
essa disciplina desempenhou um papel motor na difusão do
paradigma. que já deixou de ser o de estrutura paro essa dis-
ciplina pioneira mas passou ao adjetivo estrutural. para tornar-se
o estruturalismo. Benveniste lembra os iniciadores do programa:

1 . R. BASTIDE, Sens et usoges du terme de structure. colóquio de 10 0 12 de Ja-


neiro de 1959, Mouton. 1962.
2. Entretlens wr les not/ons de, genésc, et de sfructure, colóquio de Cerisy, Julho·
agosto de 1959, Mouton, 19~. A ossinolor também. em 1957. um colóquio oroo·
nizodo pelo Centro Internacional da Síntese. NoHon de strucfure e struclure de IO
conno/ssonce, Albin Michel. 1957.
3. i; , WOLFF, em R. BASTIDE. Sens et usoge dv t e ~ de stn.,cfure, op. c/1., p , 23
Soussure, M e lllet, o Círculo de Praga, Jokobson, Korcevsky, 1,ou-
betskoy. Este último definia jó em 1933 o fonologia nos seguin-
tes termos: "A fonologia atual é caracterizado, sobretudo, por
seu estruturalismo e seu universalismo slstemótico"4.
Por se~ lado, Lévl-Strauss considera ser graças à antropologlo
que se pode realizar o mutação decisiva que permitiu descobrir
os arranjos estruturais no próprio âmago do social e, polemizan-
do com George Peter Murdock, rechaça o possibilidade de
levar odiante, simultaneamente, um estudo estrutural e um estu-
A SAGRAÇÃO DE CERJSY:
do de processo, concepção que ele considero ser fruto, "pelo O ESTRUTURALISMO GENETICO
menos em antropologia, de uma filosofia rudimentor''5 • Daniel La-
goche recorda que o estruturalismo constitui-se em psi~ologla
em reação contra o atomismo, e em torno da psicologia da
forma, da Gestalt Psychologie: ''E nessa perspectiva que o estru-
turalismo passou a ser um dos traços dominantes da psicologia
F oi no palácio do século XVI de Cerisy-la-Salle que se deu
o segundo grande confronto de 1959. Desta vez, trata -se
menos de procurar saber que disciplina foi mais longe no uso
contemporâneo''6 • do noção de estrutura. mos de confrontar esta último com a
Robert Pogês lembra, por seu lodb, o uso polissêmico do noção de gênese. Os organizadores do Colóquio Inscrevem seus
conceito de estruturo em psicologia social e o emprego fre - trabalhos na esteira da ruptura estruturalista. mas recusam o
qüente que dele faz Jacob Levy Moreno na sociometrio. Henri perspectiva de uma estótico social e procuram, pelo contrório,
Lefebvre apresentou uma comunicação sobre o uso da estrutu- conciliar as virtualidades dinâmicos e as permanências, o histó-
ra em Marx e apresenta-o como o grande precursor da revolu- ria e o coerência estrutural. São portadores de um estruturalismo
ção em curso, citando o seu prefócio para a Contribuição genético: "O estruturalismo genético apresentou-se pela primeira
poro o Crítico do Economia Político (1859). O próprio Raymond vez como idéia fundamental no filosofia com Hegel e Marx',' 8 •
Aron Inscreve-se nesse horizonte estrutural ao desejar que a Luclen Goldmann situo o segundo momento da gênese desse
ciência político atinjo um nível superlativo de abstração concei- novo método com o desenvolvimento da fenomenologia e, so-
tuai. Lamentando que as estruturas de que se fala ainda sejam bretudo, da psicologia da Gestalt.
excessivamente tributárias da realidade política concreta, faz Luclen Goldmann aplicara esse estruturalismo genético um
votos para que, "numa etapa u lterior de abstração, possamos pouco antes num estudo notóvel sobre os Pensamentos de Pas-
talvez descobrir as funções essenciais de toda a ordem cal e o teatro de Racine, em seus vínculos com o jansenlsmo9 •
político" 7• Outros participantes do Colóquio vão mostra,, cada Relacionou esses textos com as estruturas significativas mais vas-
um deles. o fecundidade da abordagem estrutural em suas res- tas que eram as diversos correntes do jansenlsmo, e os antago-
pectivos disciplinas: Pierre Vilar em história, Luclen Goldmann em nismos sociais do sociedade da época. Luclen Goldmann, ao
história do pensamento, François Perroux e André Marchai em contrório de Lévi-Strauss, não considero, pois, como incompatível
ciências econômicas. o investigação das estruturas e a da gênese, e abre assim uma
outra via, menos fechado à história. ao destino estrutural. Outro
defensor do estruturalismo genético e organizador do colóquio,
Jean Pioget, critica tonto a Gestolt por seu estatismo, quanto o
lomarklsmo, que exclui todo e qualquer estrutura; ele defende.
pelo contrório, o caróter Indissociável das noções de gênese e
de estruturo, o partir de seus trabalhos sobre a psicologia da
criança: "Não existem estruturas inatas: toda estruturo supõe
uma construção" 1 º.
O terceiro organizador, Mourice de Gondillac, formulo algu-
mas críticas o propósito da exposição feita por Jean-Pierre Ver-
nont sobre o mito hesiódico dos roças. Filiando-se também
numa perspectiva resolutamente genética, censuro a Jean-Pier-
re Vernant conceder excessivo peso à estruturo Interno do mito
dos raças em Hesíodo, em detrimento da historicidade: "Pergun-
to-me se é lícito levar tão longe quanto você fez a elim inação

4. N . TROUBETZKOY. "lo phonologie octuelle', em Psychologle du langage. Paris


1933, p. 245. •
8. L. GOlDMANN, em Entrelfens sur la nollon da genê se el de sfructure, Colloque
5. CI. lÉV~STRAUSS. em R. BASTIDE, Sens ef usage du te,me de slructure. op. c/1..
de Cerlsy, Mouton. 1965 ( 1959), p . 10.
p. 44.
9. l. GOLDMANN, Le OiE,u cachê. Gollimord, 1956.
6. D. lAGACHE. lb., p . 81 .
10. J. PIAGET. em Entret/ens sur lo nolfon da genêse ef de structure. op. c/f., p,
7. R. ARON, lb .. p, 113.
42.
da temporalidade na Interpretação do mito das ra ços" 11, Joan sionista e da negação d este pelos funclonolistos. Lévi,Strou ss
Pierre Vernont, que também procura conciliar história e estrutu- propõe um terceiro camlo.no para a 9 ntr9polog!9 est.wt.urol.
ra. responde a essa crítica que existe. de fato , o uso da tem- Ele ~ ostra -9~e a ~d_2rafia~ e o ~ ist6J!p est.9.0 aparentadas
poralidade em Hesíodo, só que é diferente da temporalld ade por seu objeto . o olteridêiae no espaço e no tempo • por seu
linear e irreversível das nossas Idades contemporâneas. o5'1étívo - passar do slngulor ao geral - e quanto às exigências
do método - a crítica das fontes; portanto, são semelhantes. Se
a etnografia e a história devem. pois, trabalhar em boa harmo-
nia, é no nível .das [elq_çpes entr~.1Q.qJo g is u _ ~ - 9ue as
distinções SÕO OP!3Ja ç.12.nais entre du~ _qJ,s.9lP1inOS cujas perspec-
tivas são distintas. embora sendo com ~ entares. •organizando
a história seus dÔdos em relação às expressões conscientes. a
etnologia em relação às condições inconsclent~s. da vida
socio1•14_ o que permite à etnologia ter acesso ao mconscle~t~
A AMBIÇÃO HEGEMÔNICA é, como Jó vimos. o modelo lingüístico e em especial fonolog1-
DA ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL co.
Nessa diferença de perspectiva, ressqlta_ gue só a etnologia
~ _erev~c~!-se d ~ ~r:n · projeto cl~D.!!!lS94--ܺ:')~!!SQ. que s~
E sse Colóquio de ~ y. lugar de confronto das noções de
estrUfurÕ e de gênese, tem o mérito de colocar desde
muito cedo em evidência um dos temas principais dos futuros
define pela passagem do singular ao geral, o urn~o que per~r-
te a transferência do consciente para o inconsciente. O etno-
logo deve, portanto, apropriar-se dos moteri~is históric~s'. do
debates suscitados pelo paradigmá estrutural em suas relações mesmo modo que se aproveita das investlgaçoes etnogrofrcas.
com a história. O debate estruturalismo/história é fundamental e mos é O único que pode pretender ter acesso o "um inventório_
envolve um lance duplo. o do lugar contestado da disciplina de possibilidades inconscientes. as quais não existem em núme-
histórica e o da relação com a historicidade, tal como é con- ro ilimitado" 1~. A oposição que se apresenta tradicionalmente
cebida no ocidente. Por Isso _ç_ estrut.ura1Jsm2-1~presentg um entre história e etnologia. baseado na distinção do tipo de fon-
• dupl.9.._ç;le,,sçW,Q_ paro os h isto!!..~.L~S. tes. entre o estudo das sociedades sem escritura e das socie~a-
Quando Lévi-Strauss recompila toda uma séri e de artigos nu- des com cultura escrita, é apenas secundária aos olhos de Levl-
ma coletânea que se apresenta como um manifesto, Anthropo- Strauss A diferença essencial reside ng orienta~ão do e.i:,~to
clentífi~o e não ~ o?Te!o - de 8studo. Entend~e ~ de~.2!!.2,_gue
logle structurale. em 1958, começa por um artigo que data de
1949, no qual define os vínculos entre etnologia e história 12• Lé· representa o projeto lévi-strausslano para os h1st~ ~es,_Jgnto
vi-Strauss inscreve suo intervenção na filiação do desafio da mais que O etnólogÕsó""e COnSidêradO '~ ! ! . _ ~ ~ f:!ri-
sociologia durkheimiana expresso por François Simiand em 1903; meitO patamar no rum Õde um a síntes~ fina1 .,9,~ S<?..m ente
ele constata que a história não se renovou desde então, ao pode se..t realizac1ã "i:ior 'umãantropologia • social ~ºu cultural que
passo que a sociologia metamorfoseou-se ao permitir principal- tenha por meta - ttm conhecimento global do homem desde os
mente um prodigioso avanço dos estudos etnológicos. ·hominídeos aos modernos. A obra apresenta. por outro lado,
Lévi-Strauss esquece, en passant, a ruptura dos Annales de um conjunto coerente de artigos que tratam do lugar da antro-
1929:Sem dúvida cÕm - finspÕlêmicos -parõ me ll'ÍÕidesÕcreditar pologia nas ciências sociais, das relações en!re linguagem, ~
umadisc ipttna condenada a sêüs o lh;s à m ÔnogrÓfia e
óideo- parentesco. dos representações nas artes da Asla e do Amen-
grafia. Ele mostro que a Õntrop ologla estrutural se distingue do ca, da magia e da religião; ou seja. um campo de objetos
êvÕlüêionismo, graças a uma ruptura com o modelo biológico, muito diversos que parecem Iniciar o que Lévl-Strouss qualifica
quando postula uma descontinuidade radical entre natureza e de •revolução copemicana que consistirá em Interpretar. a so-
cultura. É certo que Lévi-Strauss não recusa a validade da histó- ciedade, em seu conjunto, em função de uma teorra da
ria e, a esse respeito, desfe re um ataque irônico contra a
comunlcação"1º.
escola funcionalista, sobretudo contra Moilnowskl, por ter aban-
~ ntropolo9ia, ~m .. sua~ rsã ~ :=:.!t~ra~~~OJ,JD.Çi<Ln.esse
donado com excessivo facilidade os dados históricos em pro- momento uma ambição hegemo!J.!.9.9 U2.,$.,$!!1lP<?_ d.oA.Ober
veito das funçõ es: "Pois dizer que uma sociedade funciona é Õcerca do hÔmem, e
Lévi-Strouss - dó-lhe uma definição suficien-

___ ______
um truísmo; mos dizer que tudo, numa sociedade. funciona é
um absurdo" 13 . Em face do excesso .. ---
de história do métoc:lo difu-
temente ampla para englobar todos os níveis da realidade
social: "Abre-se o cominho para uma antropologia concebida
11. M. DE GANDILLAC. lb., p . 120. • como teoria geral dos relações" 17 • Essa perspectiva permit e à
12. C I. LÉVI-STllAUSS, Anthropologle structuro/e, op. clt .. pp. 3-33, reimpresso de antropologia captar seus modelos de análise da linguagem for-
" Histoir<> et ethnologie'. f?evue de mi,tophyslque et de rnorole. noS 3-4. 1949, pp.
363-391. [No edição b rasileiro de Anlropologlo Estrutural. Ed. Tempo Brasileiro.
14, lb., p . 25.
1967. o artígo 'História e Etnologia' figura como Introdução do volume. pp. 13 ·41 .
N. do T.] 15. lb.. p . 30. 95
16. CI. LÉVI-STf'!AUSS. Antropologle strvcturole, 'Langoge el parente', p . ·
13. /b., p, 17.
17. lb .. p, 110.
mal por excelência, os motemóticas. Ao ordenar séries comple-
moiro lugar. sobro relações. ~ própri o do estruturalismo ter m os·
tas de variantes sob o formo de um grupo de permutações, o trodo que se trata de um caminho excessivamente fecundo.
programa estruturallsto aspiro o descobrir a próprio lei do grupo Trabalhar sobre relações, mais do que sobre objetos, p e rmite es-
estudado. Nesse esquema de onólise, o estruturo do grupo é capar ao que. durante multo tempo, foi o obstáculo da antro-
apreendido mediante o processo do repetição, o partir do in- pologia: a tlpologla, a classificação tlpológica" 21 .
variante que tem por função fa zer aflorar o estrutura do mito
para além do diversidade de sua enunciação. Uma vez mais, a
história e a etnologia ~õem-se por suo capacid ade para mo-
~ - : -A etnorogiàê strutural pode aspirar a uma modelização
mecânica: "O etnólogo recorre a um tempo mecânico, Isto é,
reversível e não-cumulativo" 18, ao passo que a história deveró
cingir-se a um tempo não-reversível, contingente e que requer a
estatística: "O tempo da história é estatístico"l9.
As sociedades frias aparentam-se aos mecanismos que utili- A ONTO LOGIZAÇÃO DA ESTRUTURA
zam ao infinito a energia formada no Início, o relógio, por
exemplo; as sociedades quentes assemelham-se a máquinas ter-
modinâmicas, como a máquina a vapor, a qual funciona a
partir de variações de temperatura. Elas produzem mais traba-
lho, mas consomem mais energia, destruindo-a progressiva-
e laude Roy, em 1959, considera a pesquisa de Lévl-
Strauss o repetição moderno da •velha e incansável
busca do Graal dos Argonautas do intelecto, dos alquimistas do
mente . Esta última sociedade busca faixas diferenciais cada vez espírito: a busca da Grande correspondência, da Chave
maiores, mais amplas e mais numerosas, para poder avançar e primordial" 22 , No fundo, nessa busca às avessas do pedra filoso-
encontrar recursos energéticos revivificados, A sucessão tempo- fal, há em Lévi-Strauss um azedume em face do pesadelo em
ral deve, para os sociedades frias, influir o menos possível em que a história se converteu, um desencanto que procura eva-
suas instituições. O desafio lançado aos historiadores por Lévi- dir-se do tempo presente. Por seu lodo, Jean Duvlgnaud apre-
Strouss é o mais radical e o mais desestabilizador que e les pos- senta Claude Lévl-Strauss como o "vigário dos trópicos" 23 , que
sam ter conhecido, pois a ambição do antropologia estrutural reassume por sua contei o sonho nostálgico da pureza original
apóia-se no que se apresenta como os avanços mais modernos dos primeiros homens do vigário sovoyard (Jean-Jacques Rous-
e mais eficientes das ciências humanas. Tendo colocado resolu- seau).
tamente o antropologia no terreno da cultura, Lévi-Strauss des- À crítica que Jean Ouvignaud formula em 1958 sobre a pos-
fruta da vantagem, em relação aos historiadores, de se preva- tura estruturallsta, à q uai opõe uma abordagem pluralista do
lecer de um horizonte teórico que deve permitir um dia decifrar sociedade, Lévl-Strauss responde com uma carta onde defende
as estruturas internas do cérebro. Há nele uma espécie de ma- e até radicaliza o seu ponto de vista: "Não sei o que é a so-
terialismo estruturalista: segundo suas análises, ele ora enfatiza a ciedade humana. Ocupo-me de certos modos permanentes e
estrutura como grade de análise, ora considera a estrutura algo universais das sociedades humanas, de certos níveis isoláveis de
diretamente dependente da matéria: "Claude Lévl-Strauss é um anállse"24 • Às críticas de Jean Duvignaud que reterem o proble-
materialista. Ele o repete constantemente"20• ma do status da liberdade e do lugar do dlnamisrf\O coletivo
A antropologia estruturalista pode, portanto, desenvolver-se, no projeto antropológico, Lévi-Strauss responde na mésma carta:
segundo Lévi-Strauss, sem fronte iras; ela permite transcender a "A questão não é pertinente. O problema da liberdade não
divisão tradicional natureza/cultura, da mesma maneira que po- tem mais sentido, no nível da observação em que me situo, do
de estender suas considerações ao conjunto do gênero que tem poro aquele que estuda o homem no nível da quími-
humano. A esse respeito, o manifesto estruturalisto de 1958 ca orgânica" 25 •
apresenta-se como um duplo desafio à historicidade e à filoso - O sujeito está, por conseguinte, definitivamente excluído da
fia. Esta última, cujo campo primário de reflexão situo-se na antropologia estrutural para Lévi-Strauss, que adota neste caso o
compreensão do funcionamento do espírito humano, vê subtrair- modelo epistemológico das ciências da natureza. Assim, o ho-
se-lhe o seu objeto de interrogação em proveito de uma antro- mem não pode fazer outra coisa senão constatar a sua impo-
pologla que pretende ter acesso, ao término do seu longo tência, a sua !nonidade em face dos mecanismos que ele vai,
caminho, aos recintos mentais e suas estruturas Internas, e isso em última instância, tornar int e ligíveis, mos sobre os quais não
em nome de uma postura que tem a vantagem de apresen- tem poder nenhum. A esse respeito, Lévi-Strauss está próximo da
tar-se como científica. A maior incursão permitida por Lévi-
Strauss na história da antropologia terá sido "trabalhar, em pri- 21 . Philippe Descolo. entrevista com o autor.
22. C I. ROY, 'Cloude Lévi•Strouss ou l ' homme en question'. La Nef, nº 28. 1959, p .
70.
23 . J. OUVIGNAUO, om Los Lottros nouvo //os, nº 62, 1958 .
18. /b., ' Lo n o tion d e structure en ethnologie', p . 314.
19. /b.. p. 314. 24. Corto d<a CI. l4ví-Strouss. citado por J . DUVIGNAUD, le Langage peráu. PUF,
1973. p. 234.
20. Mourice Godeli<>r. entrevista com o autor.
25. lb.• p, 251.
llusõo cientista dos positivistas, cujo exemplo de clentltlcldodo programo do vocoçõo multo mais vasto da ontropologlo ostru
era representado pela físico teórico. turol. A esso respeito, aquele que entendeu bem o lnfençõo. os i~· N.!:i-
De maneira algo similar, ao ir buscar na fonologia o seu mo- vlclssitudes e os riscos, vem de um outro horizonte: trato -se de t«z~'t:111:
delo, o antropologia estrutural rechaço toda e qualquer formo Fernond Braudel. Preocupado em preservar o primeiro lugar po- . .
de substonclallsmo e de causalismo em proveito da noção de ra os historiadores no concerto das ciências sociais, consciente
arbltrório. Seu desígnio oriento-se mais poro os meandros da da força do desafio lançado por Lévi-Strouss, que ameaça fra-
complexidade neurônlca, que parece deter a chave ontológi- gilizar a posição dominante que a escola histórica francesa dos
ca, verdadeira estruturo dos estruturas, suporte essencial do Annales ocupa no seio do 6g Seção da EPHE a que preside
estruturalidade. desde a morte de Lucien Febvre em 1956, Fernand Braudel res-
ponde a Lévi-Strauss num artigo-manifesto. publicado no final do
ano de 1958, nos Annales, "Économles, soclétés, clvillsations".
Brau~J gropõ~ aí _ç l on.g__Q_ Rr.QZQ...C.~gem_ comurri, d~
fõaas__os...ciê.ncias sociais federadas pelo historlador31 • Essg_r.eph-
4

ca- por parte ~~j~ historiadores desvlouconslderavelmente o dis-


curso hl~!orla92..!....!lo ~~nti!:lo de- s':!a,:_e s f ~~

O SUPORTE LINGÜÍSTICO DE LÉVI-STRAUSS:


UM VALOR ESTRATÉGICO

G eorges Mounin tomou o livro de Lévi-Strauss, Anthropolo-


gie structurale, como objeto de estudo poro definir o
tipo de relação mantido pelo antropólogo com a lingüística no A VIA HISTORIADORA RUMO À ESTRUTURA
período coberto pela colétânea de artigos, ou seja, entre 1944
e 1956. Ele Interrogo a validade das noções lingüísticos utilizadas
por Lévl-Strauss. Do seu ponto de visto de lingüista, Georges
Mounln considera que o que foi tomado do fonologia relacio- O s historiadores jó tlnham, _ante~~~fi9_g_str4.turalista,
°8eslocado se us centros de Interesse. Quando More
Bloch e L~i~n Febv;- criam em 1929 a revlsta Anno/es d'histoi-
no-se essenclalmente, nesse volume, com as noções de estru-
tura e de oposição, os quais "nado têm de especificamente re économfque et soclafe, jó é com o propósito de dar conti-
lingüístico"26 • O funcionalismo antropológico que Lévi-Strauss re- nuidade, por conta próprio, ao programa durkheimiano, e daí
chaço Impede-o, em contrapartida, de ligar essas noções à de resulta uma inflexão no sentido de um prazo mais longo, da
função, considerado central no fonologia. A identificação dos análise dos fenômenos em profundidade, das grandes bases
fonemas com elementos de significação não tem pertinência subjacentes. enterradas com excessiva facilidade pela escola
positiva em proveito de uma história de fôlego curto, estrita-
lingüístico: "O fonema não participo no construção do significa-
mente político-militar.
do do monema, mos somente de seu slgniflconte" 27 • Por _outro
lodo, se Lévl-Strouss multiplico os bases de um isomorfismo entre A grande voga das estruturas pcentua essa _i~lS_ã.ef do dis-
estruturas de parentesco e estruturas de linguagem, ao ponto cursÕhistõriador~ esse-
desvio da atenção que tinha tendência a
de afirmar que "o sistema de parentesco é uma llnguagem"28 , valorizar as mudanças e que se oriento agora poro as regiões
nem por isso fico menos reticente, enquanto antropólogo, o to- imóveis do tempo. Fernand Braudel, com sua tese de 1947, La
do o reduclonlsmo em proveito da llngüfstlco, e aconselho em Médite"anée et /e monde méditerranéen ó /'époque de Philip-
1945 a não ter pressa •em transpor os métodos de anólise do pe li, desloca o olhar do historiador ao refegar o herói do
llngülsta"29 e defende-se em 1956 de querer "reduzir o socieda- período, Filipe li, para um papel secundórlo e fazendo, pelo
de ou o cultura à lfngua"3 º. contrário, Incidir o periscópio cto historiador sobre as regiões imó-
,.f asa r~sao de Lévi-Stro_yss _ÇQ...m o lingüística que Georges veis. a fixidez do quadro geo-histórico do mundo mediterrâneo.
Mounin a.12resenta como confusa, inábil, cheia de arrependl- No filiação de François Simiand, portanto, da escola durkhei-
mãntÕ-;,é ,pelocontrario, de uma supremohabilidas_fe, pois a miana, Ernest Labrousse também tinha, por seu lado, em sua
lnten5rão de Lévi-~r_9_1,1ss não é tornar-se lingüista_ p _ ~iNe tese de Letras, em 1943, Lo Crise de l'économfe françaíse ó /a
fin de l'Ancien Regime, substituído a crise revoluclonória de 1789
da forç9. de P.1.9!2_ulsã9 dg'J!..9~ lingüíslíC".9 .é§.@1êvar adiante o
numa tríplice temporalidade feita de variações sazonais imbrica-
das em oscilações cíclicas, elas próprias Integrados em movi-
26. G. MOUNIN. /ntroductlon à la sémlolog/e, Minuit. 1970. p. 202.
27. lb., p, 204.
28. CI. ll:V~STRAUSS. Anfhropolog/Q $tructurale, op. clf.. p. 58.
29. lb .. p . 43. 31. F. OOSSE. L'Hlsto/re en mleftes, lo Découverte. 1987. [História em Mlgolhos. Ed.
30. lb.. p . 95. Ensaio, 1992]
mentos de longo duração. Ele permitiu. por Isso, adicionar so o o rlantes. ainda que o objeto seja, por natureza, diferente: "Hó em
conjunturolismo econômico de fJdnçols Si~d um conJunturo - Claude Lévl-Strauss uma frase que reproduzi, allós, na minha te-
lismo estrutural: •o historiodor-e'ârn--omtsttr,mpresslono-se com o se, Les Ouvriers en gràve, France (1871-1890). no início da parte
freqüência dos repetições" 32 • O evento nem por Isso é evitado que se Intitula 'Structures·, e que equivale a dizer que. quando
numa tal postura. Possa por umprõcesso deeiücTdÕção en- existem leis em alguma parte, elas devem existir por todo par-
quanto ponto· de chê"godoq U8 ãs· cwvãs- eslãffsflé<ls..devem te, frase essencial para as ciências humanas"38.
exgJl~_s "A nosso - hi'sfó-1!:9 é símultânêãmént;";~ológico e
tradiciono1" 33 • Oro, E .-srtã~ ·· reina na Sorbonne nesses
anos 50 e é o ãnlmodor de multidão de trob_gJhos hlstóri-
"cos-n"ãsentido de uma história econômica e social atenta aos
fÊmômenos de e strutura.
É n~_g~rspectlva de dioleJjzo<i~.? _defs elementos de con-
juntura e de estruturo que~ ~ Vilã'")i ~ os suas eróprLos
investigações sobre a Catalunha. Antigo aluno do ENS em 1925,
p0151icãa's"uo lése en,1962 34 e, no filiação lobroussiono, animo A ANTROPOLOG IA HISTÓRICA:
um seminário no Sorbonne sobre o noção de estruturo: "Todo o JEAN-PIERRE VERNANT
problema histórico se resume o combinar o estrutural e con- "õ
juntÜraT. Portanto, refleti multo acerco dos estruturas. C:ioude
"[evi-Strouss interessou-me quando mostrou que obseNavo coisos postura estruturalisto vai ter um prolongamento ainda
estruturalmente lógicas"35 . Se o historiador recorre à antropologia
poro obter uma dimensão lógico e abstrato, nem por isso ele
A mais direto com a comunicação apresentada por Jean-
Pierre Vema ó ulo de Cerisy em 1959. Oriundo do filo·
deixa de permanecer no interior de um conteúdo concreto, ob- sofia, an-Plerre Vema , professor de filosofia desde 1937,
servável, e privilegio em seu campo de estudo os fenômenos chega tardiamente à Grécia, em 1948, mas não abandona es-
de crise como abcesso de fixação, pólos de cristalização dos se campo de pesquisas para tornar-se helenista .. Discípulo de
dados estruturais, no sentido de uma dinamização destes. Oro, LoUi$..-Ge~Ae1 e de Ygnace Me,yerson, Jean-Pierre Vernant reco-
essa investigação simultaneamente rigoroso, apoiado numa for- nhece o tríptÍcõ~ Êmile Benvenlste/Georges Dumézil/Claude Lévi-
te base estatística e com uma ambição global, tem por nome Strouss como seus outros mestres. Insere suas pesquisas na pers-
Ernest Labrousse nos anos 50: "Acotovelavam-se poro solicitar-lhe pectiva de uma psico-história. Interessado nas formas mentais, a
temos poro o obtenção de diplomas. Mourice Agulhon, Aloin que chama "o homem Interior", ele pergunta-se sobre o que é
Besançon, François Dreyfus. Pierre Deyon, Jean Jocquorf, Annie o trabalho. o pensamento técnico, o percepção das categorias
Krlegel, Emmonuel Le Roy Lodurle, Claude Mesllond, Jacques de espaço e de tempo na ir:naginação, e os produtos da ima-
Ozouf, André Tudesq ... ", conta Michelle Perrot36 , para quem la- ginação da Grécia arcaico e clássica: "O homem pertence ao
brousse encarnava o modernidade e a quem visito na prima- simbólico. A vida social só funciona através dos sistemas simbó-
vera de 1949 paro propor-lhe um tema sobre o femin ismo, licos e . . nesse sentido, sou radicalmente estruturalista" 39.
assunto que provoco um sorriso em seu mestre . Este aconse- Nos dias seguintes à publicação da Anthropologie structura/e,
lho-a a escrever uma tese sobre o movimento operário durante Jean-Pierre Vernant apresenta, pois, uma comunicação em Ce-
o primeira metade do século XIX. risy sobre o estrutura no mito heslódico das raças. EssG estudo é
Para Michelle Perrot, Ernest Labrousse encarna a preocupa- publicado pouco depols40 • Tem uma Intenção estruturei explíci-
ção com o rigor, o cuidado em superar o Impressionismo exces- ta e encontra-se duplamente fecundado pelas discussõe~ que
sivamente habitual da disciplina histórico: "Em labrousse, havia o Jean-Pierre Vernant manteve com Georges Dumézil em torno
desejo de reencontrar uma causalidade, leis, o que estava ao da noção de trifuncionalidade e pela revolução que Lévl-Strauss
mesmo tempo na linhagem positivista e marxista"37 • Em tal pers- protagonizou em seu estudo dos mitos ameríndios.
pectiva. os historiadores labroussianos não podiam deixar de ser Procu.l0-aplicor- s1,1a....gm.d.e .d~ólisE:1 aos_roitos~gregos e rea-
muito receptivos poro o fenômeno estruturolista e ao desafio lgg um Importante de~Q.CQCT1.~ Qd.oló9ie<:r. abrindo cami-
antropológico do final dos anos 50. Estão em território conheci- nho P.9,!.9..1Q..dQ...uma_escq!Q..._!§,ç;_und.a que se agrupará em torno
do na leitura de lévl-Strauss, numa busca semelhante de inva- · dele ~ ...!YJl.d o.r.6 uma CU'lirQ.eotogia histérica da Grécia antiga.
Para elucidar a obro que analisa, Jean-Pierre Vernant não pro-
32. E. LABROUSSE, Lo Crise de l'éeonomle frança/se à lo fln de /'Anclen Regime\ cede. como os helenistas clássicos. a uma Investigação de
et ou début de lo crise révolutlonnolre. 1944. p . 1 70. dotação das. tradições localizadas. mos prefere ocupar-se em
33. E. LABROUSSE. Aetes du congrés h/storlque du centenafre de lo révolutton de
1848. PUF. 1948. p . 20.
34. P. V ILAR. Lo Cota/ogne dons f'Espagne moderne. Recherches sur las fonde -
ments éeonomlques das sfruefures noflonoles. SEVPEN. 1962. 38. lb.
35. Pierre Vilar, entrevisto com o autor. 39. Jeon-Pierre Vernont. entrevisto com o autor.
36. M. PERROT. Essols d'ego-hlsfolre. Gollimord. 1987. p. 277. 40. J.-P. VERNANT. "Le Mythe hésiodique eles roces. Essol d'onolyse strueturole'. R•
37. Miehelle Perrot. entrevisto eom o outor. vue de /'hlsfo/re des rel/glons. 1960, pp. 2 1-54.
expllcar as articulações fundamentais e o código om quo a s- mesmo nôo ocorre no tocante à roça de ferro. a qual é mais
senta o mito a estudar. Esse mito das raças abre o poema d e complexa do que a terceira função da produção. Esse é, de

~~;~~ v:~~!~ Z:eH~~~d~in~~~uS:;dp:rfa~~~n:o,h~~~:~~d:~~e~~ IJ!):~tf


Heslodo. Os Trabalhos e os Dias: apresenta-se como uma teogo- 0
nia que descreve como a ordem arcaica da Grécia expllca-se
mediante as sucessivos batalhas das gerações divinas, até que sua análise da descrição hesiódlca dos raças, ao considerar a
Zeus se apodera da realeza para Instaurar uma ordem Imutável. quinta idade na sucessão cronológica das quatro outras. Ele
A narrativo de Hesíodo apresenta-se, portanto, sob uma forma confessa, pois, ter Ido longe demais na estruturalização do olhar
cronológica. a da sucessão das raças de ouro, prata, bronze, histórico. mas nem por !soo terá deixado de permitir que. graças
ferro, e depois de heróis. à suo reorganização da narrativa heslódica. fosse dlaletizada a
Jean-Pierre Vernant opera nesse mito uma redução e um dicotomia dlké/hubrls, justiça/arrogância, essencial na anállse
deslocamento. Em primeiro lugar, considera que essas cinco das categorias de pensamento da Grécia arcaica.
Idades correspondem, de fato, à tripartição funcional "cujo pre-
domínio sobre o pensamento religioso dos Indo-europeus foi
demonstrado por Georges Dumézll" 4 1• O esquema tripartido é ,
portanto, o quadro de pensamento no qual Hesíodo reinte rpre -
tou o mito das raças. Mas, sobretudo, retoma o blnarlsmo. o
esquema opositivo lévi-straussiono. poro demonstrar que o tem -
po não se desenrola. no mito hesiódico das raças, segundo
uma sucessão cronológica mas de acordo com um "sistema de
antinomias"42 • Em cada Idade repete-se uma estrutura binária A CONSAGRAÇÃO DE LÉVI-STRAUSS
que opõe a diká (a justiça) e a hubrls (a arrogância). A narra-
tiva de Hesíodo responde, nesse plano, a uma preocupação
didática em face de seu irmão, o agricultor Perses. a quem se
dirige para lhe recomendar o trabalho como destino e respeito Q
_.
uando, em 5 de janeiro de 1960, Lévl-Strauss pronuncia
a . sua aula Inaugural no College de Fronce, encerra-se
da d iká; lição que vale para todas as categorias sociais da so- um capítulo, o do era heróica do estruturalismo, e abrem-se
ciedade grego. vastas perspectivas para o triunto intelectual do paradigma. O
Essa demonstração só é possível graças a uma reorganiza- Ingresso daquele que encarna então o rigor do programa cien-
ção por Jean-Pierre Vernant do material mítico. a fim de enfa· tífico estruturallsta no Col/ége de Fronce simboliza o êxito deste.
tlzar os mais importantes princípios em ação no discurso mítico um reconhecimento oficial da fecundidade da efervescência
de Hesíodo: "A oposição diké/hubris é colocada em melodia, em curso que recebe, po,r tanto, uma consagração decisiva à
em música. mediante uma organização tripartida funcional do beira dos anos 60.
tipo duméziliono"' 3 • Jean-Pierre Vernont vê nesse mito primordial Ê também o momento em que essa Instituição venerável
de Hesíodo uma defesa da Justiça, que se tornou necessário realiza uma pequena revolução interior, ao criar pela primeiro
porque Isso se situa num período de transição em que os gre- vez uma cadeira de antropologia social. Ê certo que Marcel
gos estão procurando Identificar o que é justo e o que não é , Mauss tinha lecionado no Col/êge, mas se ensinava antropolo-
quando as antigas formas da dlké deixaram de ser axiomáticas. gia era, de fato, numa cadeira de sociologia.
Ele não cai, portanto, numa abordagem puramente formalís· Em sua aula inaugural, Lévl-Strauss definiu o seu projeto no fl.
ta ou anacrônico. visto que refere esse mito a uma situação Ilação de Ferdinand de Saussure, quando este falava de semio-
geopolítica concreta. na qual esse mito se situa como "o pres- logla. O verdadeiro objeto dessa antropologia social abrange
ságio de um universo onde a lei da pdis, o nomos político será um campo vastíssimo, o do vida dos signos no seio da socleda-
o e lemento fundamenta1" 44 _ J.-P. Vernant. logrou. pQJt.anto, _eMQ:... d e. Ele reconhece muito claramente a sua dívida para com
belecer uma correlação entre a análise do discurso mítico e o uma lingüísttca estrutural que Lévi-Strauss mobiliza no seu proje-
.__~ ontexfo histórico-social que lhe p;oporci~ OI;! um vÔlo__r deJintO· to antropológico como sólido alicerce de cientlficldade. A
ma. e assim conciliou a história (a gêne2 e) e o estrutura. Entre- generalidade do seu programa exprime-se, sobretudo, no dupla
tanto, . a partir das críticas que lhe forarn dirlgiaãs: cõiiÍglrá mais preocupação de, em proveito da natureza simbólica do seu
tarde a ênfase sobre a trifunclonalidade j da estrutura interna da objeto. não se deixar desligar do social. das realidades: "A an-
narrativa: "Não direi mais trifuncionalidade, pois se isso funciona tropologia social / ... / não separa cultura material e cultura
para as duas primeiras Idades (ouro e prata), que representam esplritual'"16• Por outro lado, reconhece que o horizonte neurônl-
bem a soberania e a roça de bronze e dos heróis. a guerra. o co é o lugar onde se esconde a chave a descobrir para se
compreender os verdadeiras molas geradoras da atividade do
. 41 . J .-P . VERNANT. em Genése et sfrucfure. Mouton. 1965 (1959) . universo simbólico: "Sabemos que. de fato e até mesmo de di·
42. J .-P. VERNANr, 'le my!he hésiodiQue des roces' (1960), em Myfhe ef pensée
chez les Grecs. Mospero. vol. 1. 1971. p. 21. 45. li:>.
43 Jeon-Plerre Vernont. entrevisto com o outor.
46. CI. LtV~STRt.Js~. "leçon lnougurole ou College de Fronce". O de janeiro de
'º"" ,almn,o..,.. ..m Anfhroooloo/a sfrucfurole deux, op. clf., p . 20
relto, o emergência da cultura permaneceró um mistério poro o ro Gourou. geógrafo troplcolisto, represento bem a antigo vlto
homem enquanto ele não conseguir determinar, no nível bloló· lldade da escola geográfica francesa na tradlçôo vidollona. Por
glco, as modificações de estrutura e de funcionamento do essa rozõo. Lévl-Strauss volta a lançar o OPA - já tentada pelos
cérebro"47 • durkheimlonos no começo do século - numa escola geográfico
Para além desse propósito científico, essa aula Insere-se tom· e ntão em perda de velocidade há muito tempo, tendo ligado
bém num momento particular da consciência histórica francesa o seu destino ao dos h istoriadores do escola dos Annoles. Lévl -
ou da "má consciência ocidental. Claude Lévi-Strauss terá or- Strauss, considerando que o equipe tinha um ar um tanto acln-
questrado de maneira surpreendente esse grande temo do sen· toso de "clube College de France•, ampliou rapidamente a dire-
timentollsmo tercelro-mundisto, e o barca estruturalisto teró enfu· ção do revista, recorrendo para tanto a André Lerol-Gourhan.
nado suas vetas ao vento tercelro-mundista•.a. O fim do discurso Georges-Henrl Rlvlere e André-Georges Haudricourt. Essa equipe
de sua aula Inaugural Ilustra perfeitamente essa apreciação de é também significativa por suas ausências. em especial a dos
Pierre Nora. Com efeito, ele declara nesse recinto um tanto historiadores, cujo trabalho se aproximava de formo particular
abafado, onde suas palavras têm como que um odor de enxo· 1 do programa antropológico, depois do nascimento dos Annoles.
fre: "Permitireis. portanto, meus caros colegas. que. após ter A resposta que Lévl-Strauss dá das contingências Institucionais
prestado homenagem aos mestres da antropologia social no iní· que dividem essas duas dlsclplinas é significativa: "Em 1960, a
cio de nossa aula. minhas últimas palavras sejam para estes sei· história e a etnologia, que se aproximaram tanto. estavam, se
vagens. cuja tenacidade obscura nos oferece ainda o meio de me atrevo a dizer. em competição para captar as atenções
conferir aos fatos humanos suas verdadeiras dimensões: homens do públlco"50 •
e mulheres que. neste exato momento. a milhares de quilôme- No mesmo ano, as entrevistas com Georges Charbonnier dão
tros daqui, em alguma savana desgastada pelo fogo de mato uma Idéia da ambição do seu programo e do m etamorfose
ou numa floresta Inundado de chuva. retornam ao acampa· que ele espera nos ciências humanas em geral, as quais de-
mento para dividir u ma parco ração e evocar juntos os seus vem inspirar-se nas ciências da natureza até se identificarem
deuses" 49 • Lévl-Strauss termina essa belíssima recordação de sua com elas: "Pode-se dizer que a etnologia é uma ciência natu-
experl&ncla de campo afirmando que pretende ser. no seio do ral _ou que aspira a sê-lo, constituindo-se a exemplo das demais
Collàge de France, o aluno e. ao mesmo tempo, o testemunho -- -clê~clas naturals"61 •
desses índios dos trópicos. condenados pela nossa civilização à Transpor o Rubicão e encontrar-se no campo das ciências
extinção, o último dos molcanos. naturais pressupõe todo uma relação com o progresso. com a
A consagração suprema que o Col/àge de France represen· história e com o homem que visa reduzi-las para fazer prevale-
ta para Claude Lévi-Strauss. pode parecer uma falsa realidade, cer uma modelização quase mecânica no âmbito de um res-
pois as verdadeiras equipes de pesquisas estão antes na univer- friamento da temporalidade e de uma dgniflcôncia que escapa
sidade, e o College não permite, por si só. que se sala do lso· ao indivíduo e :;e constrói a partir de um tempo lógico, sem
lamento. que se faça escola. Não foi o caso de Lévi-Strauss. que ele se aperceba disso. A esse desafio estruturalista lançado
que cria Imediatamente um laboratório de antropologia social. da parte das ciências humanas não falta certa grandeza. Ao
dependente ao mesmo tempo do CNRS, do College de Franca longo dos anos 50, terá mostrado brllhantemente a sua fecundi-
e da EPHE. Portanto, ele está de Imediato cercado de todo um dade, ao monopolizar as diversas figuras da alteridade. Seguro
grupo de pesquisadores que beneficia graças ao prestígio que de suas promessas, esse programa vai conhecer em breve o
o College de Franca represento. Está consciente de que. para tempo da floração, os anos 60.
a realização de um programa tão ambicioso. é necessário do·
tar-se de sólidas bases Institucionais.
É nesse quadro que Lévl-Strauss funda em 1961 uma nova re·
vista. L 'Homme, para dar à França uma revista profissional de
antropologia equivalente à Man na Inglaterra, ou The Americon
Anthropologist nos Estados Unidos. Pela escolha que Lévi-Strauss
;
fez de dois co-dlretores, ele deixa transparecer claramente a
ambição do projeto científico que a antropologia estrutural pos·
sul. bem como do programa em que ele se apóia. Ao lado de
Lévi-Straus.s, encontram-se, para lonç6r L 'Homme. dois outros
professores no College de Franca: É,,.{ile Benveniste representa
essa lingüística estrutural em que se apóia resolutamente a obra
de Lévi-Strauss como o próprio modelo de clentificldade; e Pler·

47. /b.. p. 24. 50. CI. l~Vl·STRAUSS, De pres de loln. op. clt., p. 96.
48. Pierre Nora. entrevisto com o autor. 51. CI. l~Vl·STRAUSS. em G. CHAR80NNIER, Entretlens ovec Cloude Lévl-Sfrau».
49. CI. L~V~STRAUSS, 'leçon lnougurole ou College de Fronce·. em op. c/t.. p . 44. 10/18. 1969 (1961). p . 181 .
li - OS ANOS SESSENTA:
1963-1966:
LA BELLE ÉPOQUE
22. A SORBONNE CONTESTADA:
-
A QUESTAO DOS ANTIGOS
E DOS MODERNOS

A velha Sorbonne, no limiar dos anos 60, continua desfru-


tando de um domínio absoluto sobre a cidade do espí-
rito. Essa hegemonia presta-se pouco a uma reavaliação crítica
de sua orientação. No plano literário, ela gera a herança de
um método que se apresentou rigoroso e moderno no século
XIX, por seu anseio de precisão histórica e filológica. 1"1as a eru-
dição universitária, solidamente estribada nessa ruptura Já
antiga, permaneceu surda ao desafio epistemológico que co-
meçou a manifestar-se nos anos 50. Em face do positivismo
triunfante e do atomismo do seu método, a investida estrutura-
lista vai fazer-se ouvir, sob o registro de uma verdadeira guerra
de trlnc~eiras antimandarinal, tendo por arma de combate a
construção de modelos mais recentes de cientificidade, de ins-
piração holística.
Esses combates conhecerão seu aug,e em maio de 1968
, · - - ·com o desmoronamento do velho edifício. O peso da Sorbonne
impunha a marginalidade aos contestadores e obrigava-os a
procurar apoios, pontos de sutura, alianças novas entre discipli-
nas, a definição de um programa ambicioso e de um leitorado
/eleitorado o mais vasto possível, a fim de contornar, desviar e
desprezar os mandarins existentes. Assim, no plano Institucional,
•a lingüística estruturalista apresentava-se como a contestação e
a modernidade em relação ao modelo dominante" 1• Este último
relegava a reflexão sobre a língua para um papel totalmente
secundário, quando não primário, visto que essa dimensão esta-
va reduzida à aquisição de linguagem nas primeira;; séries da
escola elementar. Considerancfo-se adquirido o domínio da lín-
gua, podia-se então ter acesso ao coroamento com' o estudo
propriamente lterário, cortado de seus mecanismos de funciona-
mento, dependente de considerações puramente estéticas.
Uma separação radical opunha nesse caso um conhecimento
lingüístico que se podia a rigor adquirir quando da Iniciação
em línguas estrangeiras, e que servia de simples ferramental téc-
nico, oposto com condescendência à nobreza resultante do
banho literário, produto puro do gênio criador: "Na organização
tradicional dos estudos literórlos, o trabalho sobre a língua esta-
va em situação de dependência, subalterno em relação ao
trabalho sobre o texto literórlo"2,

1. Aloln 8ol11lnot, entrevisto com o outor


2 . /1).
UM INOVADOR ISOLADO:
O RETORNO DE ANDRÉ MARTINET JEAN-CLAUDE CH EVALI ER

A único exceção notável na venerável Instituição sorbonen-


se era o curso de lingüística geral de André Martlnet
J ovem professor assistente de gramático francesa, Jean-
C laude Chevalier defende suo tese em 1968, La Notion
que, tendo voltado dos Estados Unidos em 1955. revestido de
notoriedade Internacional. era visto. porém, com desconfiança, de complément chez las grommoiriens0 • No prefácio, introduz
apenas tolerado pelas humanidades clássicas. que o confina - prudentemente o termo epistemologia, entre aspas, como se es-
ram. no começo, num pequeno enclave, · onde se pensava que tivesse empregando uma palavra ainda duvidosa em seu melo.
ele acabaria sendo esquecido. É-lhe confiado um curso no an- Encontra-se nessa tese a idéia central do momento, que é a
tigo Instituto de lingüística. numa pequena sala que não podia de corte. Essa euforia contestadora de que Jean-Claude Che-
valier se lembra como de um •prazer hlglênlco" 7 era reforçada
conter mais de uns trinta estudantes. A procura excede rapida -
no plano teórico por uma busca de ruptura conceptual, ~e
mente esse quadro demasiado estreito. e André Martlnet deve
orientar de Imediato cerco de trinta teses de africanistas que abertura de um campo novo. Esse pensamento da ruptl!ra Vin-
p rocuravam os meios de descrever suas línguas. Como não se doura leva à valorização das rupturas passadas. Jean-Claude
pode empurrar as paredes. os autoridades universitários devem Chevalier assínala assim uma descontinuidade no horizonte de
· 1750 n,os gramáticos que até então só empregavam o termo
dar a André Mortlnet, ano após ano, uma saio maior, e seu
percurso no interior da Sorbonne reflete bem o interesse cres- de origem e vão daí em diante utilizar a noção de comple-
cente pela lingüística nesses anos 60. No ano seguinte posso mento: "Passa-se de um sistema morfológico para um sistema
para o anfiteatro Gulzot, que só lhe convém durante dois anos. semântico da sintaxe; o que representa uma considerável mu-
Em 1960, passa a dar suas aulas no anfiteatro Descartes, onde dança"ª.
é possível reunir até 400 estudantes: "Em 1967, o anfiteatro D es- Jean-Claude Chevalier não tinha, porém, o impressão de ser
cartes era pequeno demais, e deram-me então o Rlchelleu, um Inovador no época; achava ter realizado apenas um traba-
com seus anexos. onde é possível reunir até 600 pessoas"3 • lho honesto de gramática histórica. Não participava da opinião
Com o anfiteatro Richelieu, é o consagração! Mesmo que daqueles que afirmav,am poder ler-se em seu trabalho a mes-
Martlnet se queixe de ter uma carga desumana, o seu curso ma reflexão epistemológica que num Louis A lthusser ou um
converteu-se no percurso obrigatório do semiólogo moderno, Michel Foucault. Desde essa época, entretanto, Julla Kristeva Já
tanto mais que, a lém de suas qualidades unanimemente reco - assinala em Criffque o trabalho de Jean-Claude Chevalier como
peça essencial no d ispositivo do corte que empolgÓva todo o
nheci das de pedagogo, ele era uma exceção na França. Todo
campo intelectual vanguardista.
um público estydantil aí encontra as armas da crítica antiman-
-darlnatÕ qu~ se desenvolverá' no transcorrer dç_s anos 60: "É-se
"'Jovem, ·é-se ê ontiO os antigos e acontece que o movimento d e
vonguqrdo é o estruturalismo, portanto, avante com o estruturo-
lismol"4. O progra~éstruturalista , desempenha a esse respeito,
para a Jovem geração, um papel pulificador e erige-se em mo-
ral provisória, temporário, à maneiro de Descartes.
Nessa contestação ontimondorinal, o alvo dos ataques con-
centro-se também contra todas as formas de psicologismo vogo TO DOROV EM FAC E DO NADA
dos especlalistos da história tradicional, "verdadeira sífilis do uni-
versidade f rancesa e não somente dos homens de letras mos
1 •
dos filósofos"5 •
S e excetuarmos o enclave de Mortlnet, que se limita a
ensinar o modo de funcionamento da língua, a reflexão
sobre O literatura, a partir de. novos métodos de lingüística estru-

3. André Mortinet. entrevisto com o autor 6 . J.-CI. CHEVALIER, Lo Notfon de complemenf chez I<» grommolrlens. Oro~ 1968.
4. Jean-Claude Chevalier. entrevisto com o autor. 7 . Jean -Claude Chevolíer, entrevisto com o autor.
ti ,,.., A /b
turol, est6 totalmente ausente do Sorbonne. A confusOo oxpo,I
.mentada pelo Jovem búlgaro Tzvetan Todorov na sua c t1agodo
à França. na primavera de 1963, constitui um b elo exemplo.
Vindo da Universidade de Sofia, após ter concluído seu clclo
universitário. Todorov procurava em Paris um quadro lnstl1uc lonal
poro desenvolver uma pesquisa sobre o que ela 16 d e nominava
a teoria da literatura, ou seja, uma reflexão sobre o objeto llte
rário que não porta de elementos exógenos. pslcológlcos ou
sociológicos. É o mesmo que procurar agulho em palheiro. Mu·
nldo de uma recomendação do administrador do faculd ade
de Letras da Universidade de Sofia, e convencido de uma res-
posta positiva, Todorov contacta o reitor da Sorbonne para ser
informado sobre o que se fazia nesse domínio na Sorbonne: "E·
le me olhou como se eu estivesse chegando de um outro pla-
neta, e disse-me friamente que não se estudava teoria líterórl o
em sua faculdade e que estava tora da questão estudá-la"9 •
Perplexo, Todorov pensa então que deve estar ocorrendo um
mal-entendido· e pergunto se. na falta dessa cadeira, have ri a
um ciclo de formação em estilística, mas o reitor quer que e le
lhe diga exatamente em que língua. O diálogo de surdos pros-
segue e Todorov sente um mal-estar crescente, pois "não podia
dizer-lhe em estilística do francês, já que eu gaguejava diante
dele um francês deveras discutível. Ele me teria certamente res-
JEAN-PAUL SARTRE Colóquio de Cerlsy, 1955:
pondido para ir primeiro estudar a língua"'º· Era, evidentemente,
do estilístico geral que se trotava. e o reitor da Sorbonne reite-
(l l 1lu. Aogor-Vlollet, C Lípnilzkl-Vlollet). O que é a filosofia? Da esquerda
ra a Todorov a Inexistência de um tal domínio de pesquisa. para a direita: KOSTAS AXELOS,
Foi ao preço de um conjunto de clrcunstônclas totalmente MARTIN HEIQEGGER, SRA M.
fortuitas que Todorov vai finalmente deparar-se, em sua busco HEIDEGGER .
(C Arquivos de Pontigny Cerlsy).
de uma reflexão parisiense sobre teoria literária, com o que se
chamará a poética. Tendo estabelecido um contato simpático
com a diretora da biblioteca da Sorbonne, graças a uma reco-
mendação de seu pai, ele próprio bibliotecário em Sofia, Todo-
rov começa por consolar-se mergulhando nos livros. Essa biblio- , 1luqulo de Cerlsy, 1956: Teoria da História. Da esquerda para a direita:
tecária dá-lhe notícia dos trabalhos que estão sendo realizados X, RAYMOND ARON, R. P. DANIELOU, CLAUDE LEFORT,
por seu sobrinho, que talvez pudesse Iniciá-lo nos circuitos alea- JEAN-CLAUDE MICHAUD
(C Arquivos de Pontlgny-Certsy).
tórios do modernidade parisiense. Todorov vai então õ caso
desse sobrinho, assistente de psicologia na Sorbonne, François
Jodelet. Este diz-lhe conhecer um outro assistente da Sorbonne
que trabalha no domínio literário. um certo Gérard Genette: "Foi
assim que conheêt-Genette. Ele compreendeu imediatamente o
que ·eu procurava e Informou-me haver a lguém que trabalhava
' nesse sentido: Roland Bdrthes. e que era Indispensável, portanto,
assistir ao seu seminórlo"11 •

9. Tzvetan Todorov. entrevista com o · autor.


10, lb.
11 . lb.
,...
~~

GEORGES GURVITCH ANDRÉ MARTINET, 1957


JI ,t~, _firo"º' Unlversltoires de Fronce). (Foto: Pressas Universlloires de Fro nce),

ROMAN JAKOBSON (Foto: Écitlons de _Minuit).

CLAUDE LÉVI-STRAUSS, 1963


.._,,
(Foto: Mognurn, e Henri Cartler-Bresson).
JEAN DUVJGNAUD ALGIRDAS-JULJEN GREIMAS
(C> Universal Foto). (Foto: Éditions du Seuil)

LOUIS ALTHUSSER (Foto: o. R.).


PAUL R/COEUR, n ôl
(C> Unive rsal I i:>I
A equipe de Tal Qual. Da esquerda _para a direita: JEAN-LOUP DABADII,
JEAN-EDERN HALLIER, JEAN-RENE HUGUENIN, RENAUD MATIGNON,
JACQUES COUDOL, JEAN TRIBAUDEAU, PHILIPPE SOLLERS
(Foto: Éditlons d u Se uil). MICHEL FOUCAULT, 1963
(1, •lo: Mognum, O Henri Cartier-Bresson). (Foto: Éditions Gallimard, C André Bonln).

JACQUES LACAN EDGAR MORIN


(foto: Éditions du Seuil). (Foto: Éditions du Seuil). PIERRE NORA
(Foto: Édilions Gallimord, O Jacques Robert).
:n. A (Jl/1 s

~--

A INSATISFAÇÃO
DOS HOMENS DE LETRAS

fo,maçõo angliclsta na Sorbonne permitia 'travar conheci-


A r non1o com o estruturalismo. Foi assim que Marina Yan-
lfi111lln e t1ogou ao Instituto de Inglês em 1963, no momento em
1111n ,,ru nomeado An t o ine Culloli, até' então assistente em
11• IIH y , O trabalho de Culioll sobre o inglês arcaico e a varia-
' "" dtia vogais permitia o acesso não só a um enfoque sincrô-
lllt ,,, rn os "comptetamente estruturallsta no sentido em que,
q111 Hlllt1 uma vogal se move, arrosta todo o sistema com ela" 12•
GEORGES BALANDIER
(Foto: Presses Universitaires de France).
GEORGES DUMÉZIL
(Foto: Éditions Galllmord, 0 Jocquo1 SOMltf
M1111osso formação lingüística não se dirige à massa de estu-
d1111lt I! que se Inscrevem no curso de letras francesas na S0r-
l_111w11t! o é pelo maior dos acasos que Françoise Gadet, inscrita ,
, 111 1, tr tlS e profundamente insatisfeita com o ensino ministrado
rtlfm m literatura, assiste a um curso de Antoine Culioll. Tinha
h h 1 1, nr n o propósito de tomar notas do curso para um amigo

/ , 11111 11{10 pudera assistir à aula e aquilo foi para ela uma reve-
1, 1,. (m : "Disse paro mim mesma. aí sim, há verdadeiramente
th,I• u, x!gêncla" 13• Elo optou, no nível de licenciatura em Letras.
to 11 IIITI corllfic ado de lingüística, encontro-se com Mortlnet e bi-
11111 11 do literatura para a lingüística estrutural. Para Françoise
r , 111, 1, o estruturalismo significa a escolho do rigor: "Quando se
vlv111 1 (l atmosfera da Sorbonne nos anos 60, a pessoa dá-se
Colóquio de Cerisy, 1964: o Homem e o Diabo, MAURICE DE GANDILLAC, 1 1111lu do que não havia outros lug·a res onde ir. Quando se viu
CATHERINE BACKE$-CLÉMENT (O Arquivos de Pontigny-Cerlsy). , 1 , 1110 ponto aquilo era um cemitério, compreende-se o entu-
lh t ,r 110 pelo estruturallsmo" 14. • ·
01 p1ofessores dê literatura do época eram, entre outros, Gé-
111111 Coste x, Jacques Deloffre, Marie-Jeanne Durry:, poetisa e .
on1wclollsta em Apollinaire, Charles Dédéyan, príncipe armênio
qw loclonava literatura comparada, todos professores conscien-
, h 1•03, mas que esvaziavam um anfiteatro de um d ia para o
1111lro: ''Vivi essa experiência no curso de Dédéyan. Havia 150
111111100s no primeiro aula e três na segunda" 1~. conta Philippe
llwnon que, como muitos de sua geração, também optou pe-
11 t llngüístlca em meados dos anos 60: "Era a primeira vez que
11111u c iência chamada humana podia atingir uma espécié de
rluor: o ra um discurso claro, demonstróvel, reiterável, reproduzí-
v111"1º. Essa insatisfação diante dos estudos literórlos também ~
l11to"11omente sentida por Élisabeth ·Roudinesco, que inicio em

1 J Mnrlno Yoguello, entrevlato com o outor.


1 l f,onQolae Ga det. entrevisto com o outor.
l'I /IJ
1~ fthMlr,pe Homon. ent,evlsto com o outor.
HIS7Ôf?IA DO l:S1/W1URAL/SMO n . A c:iurs,Ao DOS ANIIOOS I DOS M O()/ 1/NC.)S

1964 os seus estudos de Letras no Sorbonne. Deporo,so l ogo n """ programa ro novodo pela lingüístico apresenta-se como a
com o foto de que os seus centros de Interesse não e n con t,om l1101t111lro do modernlzaçôo em face de uma Sorbonne que
nenhum prolongamento no ensino que elo recebe: "Quando so ,,.,11,111nocou ossenclolmente Insensível à mudança.
estava em Let ras, a linha divisória era: Jó leste o último Borthes?
Havia dois campos. Por oütro lodo, só nos ensinavam
bobogens" 17 • Havia, pois. nos departamentos de Letras do Sor·
bonne. um corte muito acentuado entre duas linguagens, dois
tipos de centro de interesse, um fosso crescente entre os do·
centes e seu público discente, fonte de muitos frustrações mos
também acumulação de pólvora que não vai tardar em explo-
dir. Esse estado de Insatisfação, ollós, não afeta somente os
1 estudantes de literatura; é também compartilhado pelos de filo-
sofia: "A Sorbonne é o vazio absoluto", conto François Ewald 18, OS FOCOS DA MODERNIDADE
i Insatisfeito com os seus professores do época, com Roymond
Aron, que opunha um soniso sardônlco e altivo à Crítíco do Ra-
zão Oio/étlco, de Jean-Paul Sartre.
O sentimento de um vazio sideral é de tal monto que Fran· N o decorre r dos anos 60 assiste-se a uma certo efer s-
cOncla como- estratégia cietrÕnsbordomento o lnstltul-
<111 1.on tral unlv~'Ririã. Ã i nÕvaçã o' p a rtedo periferia:
1 çols Ewald chega até a conceber. com seu amigo François
George, o projeto que não se concretizaró de lançar Les Co- 11111111110 Paris pelÕ prÕvín cia ou implanta-se em bolsões margi-
hiers pour J'époché, tomando por modelo os Cohlers pour /'o - 11111~ 1lt1 capital: "Essa universidade é incapaz de fazer alguma
1 ,1,., , tio novo em seu selo" 22 • O filósofo Cournot já constatava,
no/yse. Eles deveriam traduzir um sentimento de fim da história,
a expressão de um mundo crepuscular que corresponde inteira- 11111 1111n o Segundo mpérlo. que a França tinha sido dotado de
mente à novo sensibilidade estruturalista, com o qual se rela - 111 ffil ttt-1lvorsldode florescente até à Renascença, de onde este-
ciona rapidamente Jó que conhece o pessoal de Ulm dos V• •• pon to de surgir a reformo que f inalmente acarretou o
Cahlers pour /'anolyse e assiste na Sorbonne às aulas de um l111",,11volvlme nto dos universidades do norte da Europa. Depois,

/ deles, Jacques-Aloln Miller, assim como aos seminórlos de La-


can: "A esse respeito. posso me considerar um filho do estrutu-
ralismo. Fui criado lendo Bachelard. Cangullhem, a epistemo-
t II ou nocudlr a rotina do Homo ocademicus. tornou-se necessó-
' " 1 li e rlondo uma sucessão de novas instituições: o College de

/ 11 li H 11, os Escolas Normais Superiores, o Instituto de A ltos Estu-


1 h ,, n Conselho Nocional de Investigação Científica ... O que se
logia francesa· 19 •
O dingr;n.isi:n.o.~ s ciê.ncias sociais, sua verdadeira~ plosõ.o 11111«1111 nos anos 60 retomo. pois, essa herança que obrigo o
ness~nos...6Cl-.iesp0~,_.t;2'artar;iJQ., _Çl_l,!_QJa _sU<(;WCÍOibt.a. pro• tum, ti re volução para se chegar à reforma do sistema. Mesroo
funda. Deve-se por isso discernir no fenômeno de captação de t tll upogeu do paradigma estruturalista, o ruído orquestrê:'ci.Q...p e -
que as ciências sociais serão objeto, por porte de homens de h" ,u truturos editoriais, . os revlsfos ã--;;*TmpTen;;-~al nóo
letras. de historiadores e filósofos, a expressão de uma crise In- 1h1V11 (018r esquecer~que çt_.in sfüuiçgo~<:!§j~n_Q ~ U-
fantil de crescimento de ciências sôfregas de instituclonalízoçõo, PIII HIO a posição central de legitimidade: •o esfiüturallsmo
procurando assim, graças a uma indumentória mais a rigor, dor I• 11 nul• predomlnou, s ei'iá eír6neõ'ÕfiÍmóTO' e, em particular. na
s , 1u r<1 llto rórlo"23 • •
provas de uma pretensa maturidade? "Eu diria antes trotar-se
de doença senil das ciências sociais. pois não vejo no que se- l o do uma pesquiso em ruptu ra vai, entret anto. encontrar
riam elas arautos de um novo tempo", responde Roger-Pol •11trnllos Institucionais a tim de que um intenso trabalho em co-
Droit20, que viu na ambição estruturalista o ponto culminante de 111111r1 conheço uma novo orientação. Substitui-se cada vez mais
,, 11 llc ulmente o lnvestlgaçã_ o ._9a_Qêfl~e J';>~ ~~tr_\!~lidqde · do
um durl<heimlanismo explorado pela sociologia e o antropologia
mas que só tardiamente viria o encont rar, na lingüística dos h o, to, a noção do obra pela n<:>çãg g e ~ ~ . -~ ea_tg-se no
anos 30, com um quarto de século de atraso, um instrumento , 1111'1ll!lO lltcrórla a perspectiva dos formalistas russos em t9mo do
de objetivação: "Trato-se antes. pois. de uma história tardio na e 11rwol10 de imanência. Um '!'ésmo progra ma reÕgrupo diversas
qual as ciências sociais talvez tenham encontrado algo que Ju111qulsos que têm em comum O ~ iode s e ap-olar"em no mo-
1 h•I<> lingüístico paro destituir o papel co.nsldercidÕ até então o
lhes serviu como expressão de suo modernidade" 21 • Não hó dú·
vida de que se pode relacionar esse desejo de renovação com 1111111 Importante do sujeito criador, mas tÕmbém -:- ÔÕ mesmo
uma exigência durl<heimiana mais antiga; entretanto, no medi· INmpo. para conceder a primazia à totalidÔdeestruturÕI do tex-
da em que essa tradição conhecera apenas um êxito parcial, to, c: ujo roclonolldode Interna deve -escropÕró subl.;iJvidade do
1111101, uma vez que se enuncia sem que este o perceba. A
f1m ç60 c rítico. em nome do lógico ou do estética, tende a
17. ~lisobeth Roudinesco. entrevisto com o outor.
18. François Ewold. entrevisto com o outor.
19. lb.
!)n n - - -.. 0 - .1 t="l...... 1+ - - • .. -,.1,.. ...... ---- ....__....., ......... vhl.úll'I Avrou11. en tr•~l1to com o ovlo,_
M l l\ Ili l l l POQlll
IIISTÕWA DO CSTIWTUfM/ ISMO A QUI SIÃO l)QS ANIIGOS f DOS MOIJfl?NOS

fundir-se num Intento essencialmente descr111vo do obro lltorórlo. ''"'" p<11l11lcmsoa o estrangolros, toda uma poronlola lntoloctuul.
no sentido do relacionamento dos diversos níveis de semolhon- 1 e-; 111 onlro o, dosso modo, supere a dispersõo geogróflca e xls
ço e de oposição, ou seja, num trabalho propriamente linguís- t 11lu 011tro um Jean-Claude Chevalier que estava om Lllle,
tico. O decênio que come~em 1960 é. pois. um momento h 1111 D11l>ols om Rouen e depois Paris, Greimas em Poltiers...
~ e~óo .especlolmêníê Intenso no França, "onde se desco- 1 ovldc,nte que os nuanças são grandes entre os pesquisas
bre c ~ foscJ_noçqç, o modelo lingüístt.c.Q....(p.rlnc.!Q_olmente estru- lt 1111n um. Barthes, a grande referência da época, Interessa-
turollsto) ~ esf_ç>JÇO metOd.Qlóglco"24 • " " , 1,1011 polo funcionamento dos códigos em jogo numa
U m- dõs focos dessa renovação estruturallsto é Estrasburgo e llw 1 u nquanto que Greimas tinha por objetivo encontrar por
tem por articulador um professor de filologia românico, Georges 1111 ci o l<txto a slslemótlca que ordena o modo de funclona-
Stroka. Amigo de Grelmos, publico sobretudo trabalhos de se- f tH 11 111 <.Jo osplrlto humano. Mas, para além das diferenças,
miótica numa revisto com o tiragem de mil exemplares distribuí- ti o~ 111 uue 'posicionamento do crítico como explorador do
dos por Kllncksieck: Les Trovoux de /ingulstique et de littéroture 11111 0 11\IIC 10•21, noção criada por Knld Togeby, discípulo de Hjelm-
(Trollll). fundado em 1963. Strako organizo colóquios, reúne lin · t v ,, pro fessor em Copenhogue; Togeby tinha publicado, em
gülstos franceses e estrangeiros em Estrasburgo e divulga suas 1Vi•'• / u , Structures immanentes de la langue frança/se. e o ter-
pesquisas graças ao apoio editorial d e Klincksleck e ao poder 111h 1t 1111o u -so rapidamente o pólo de convergência de toda
de Irradiação de uma universidade, a de Estrasburgo, que 16 11111, 1 j11vom g e ração da nova crítica.
em 1929 assistira à grande revolução hlstoriogr6flca dos Annoles. 11 1 ldldomente, o leste do França est6 em festa e o vento
O outro foco de Inovações. de convergências. é a foculdo· 1 IJ•"' 1 o rn fo rça, pois Nancy torna-se também . a partir de
de de Besançon. As razões do vitalidade desse centro unlversl· 1 ti,.) ,un contro dlnômlco de pesquisa. com o criação por Ber-
tório são Inteiramente contingentes: resultam simplesmente do " 11d l'o tll o r de uma sociedade de tradução simultânea que
foto de que os mais jovens são chamados a pegar no bordão 111 11 d or.do 1961, num colóquio consagrado a esse tema. cien-
de peregrinos paro chegar a uma universidade excêntrico. e l~h11 1 linguistas. Esse ramo da anóllse da linguagem vai con-
Besonçon represento um lugar particularmente longínquo. Insula· v, 1ft I t r linguística muitos cientistas profissionais. Foi o caso, no
do. É 16 que vão encontrar-se jovens pesquisadores condenados }Ili• ,. o d os anos 60, de Mourice Gross, engenheiro do Labora-
a trabalhar juntos: Bernard Quémada, Georges Motoré, Henri l 111, 1 ,mirai do Armamento. servindo no Centro de C61culo: "Eu
/ Mltte rond, Louis Hoy... A orientação é aqui deliberadamente ln· 11 , llr1IH'J o menor Idéia do que era um lingüista. Nem mesmo
terdlsciplinor. são construídos pontes entre os professores dos , ri ,1, 1 q110 Isso exlstla" 2ª. A tradução simultâneo permite ao en-
faculdades de Letras e de Ciências a fim de se Iniciar o apll· ~· 11l1uhu Mourice Gross tornar-se lingüista e partir em outubro
cação dos métodos de laboratório nas ciências humanos: 'O 1, 1w, l poro Harvard, onde trava conhecimento com Noam
di61ogo Interdisciplinar fazia -se por toda parte, no trem, nos res- 111,111~ky, O período é propício a_os gtf.J.P.O~abalho, a uma
taurantes. Henri Mltterand, que sempre teve um espírito pr6tico, u, t, 1 1ll1p o rsôo dos pólosde _pes__qulsa_ os quais. tentam -preen-
dizia que se deveria publicar Las Cohiers du ropide 59, cujo ní· 111 r 11u p e riferia a ausência_ de..urn ..c,gou.o....
vel seria multo superior ao da maioria das revistas lnstituclonall· No·,·~, c omeço dos anos 60, o Partido Comunista Francês aln-
zadas" 25• Havia uma avidez em aprender, uma sofreguidóo em 111 11 uma força política Influente e são numerosos os intelec-
aderi! à modernidade, próprias de uma jovem geração entu- 111111" q11 0 militam em suas fileiras ou se contentam com o papel
siasta nesse centro de intercâmbio de Besançon: "O que des- 1, , omponhelros de estrada. Ora. um lingüista comunista lm-
pertava o nosso Interesse eram todos os novidades que Jl Q 1t1111tu, Marcel Cohen, anima todo um grupo de pesquisa
estavam chegando"2". As obras de Barthes, de Grelmas, de Lé- 111,111,1110 ondo se encontra uma boa parte dos lingüistas estrutu·
vl -Strauss. recebem nesse lugar um acolhimento especialmente H1li•l111 rase grupo reúne-se regularmente nas casas de uns e
entusiástico. nessa época de alto tensão intelectual. A por do , I• 1111110s, e em redor de Marcel Cohen vamos encontrar Jean
germanista Louis Hoy, h6 nessa jovem universidade o gramático 1111111111, Antoine Culloli, Henri Mitterond, André-Georges Haudri-
e filólogo Henri Mitterond, que se lembro como de um momen- 1 01111 Mas não tardou multo para que tanto a evolução polí-
to capital do aparecimento da tese de Jean Dubols, Le Voca· 111 u qlionto a concepção considerada restritiva demais do
bulalre po/ltique et social en Franca de 1849 a 1872 (Lorousse, lt11h11lho llngüísllco de Marcel Cohen provocassem uma dl6spo-
1962). Essa tese Incitava todo uma geração a procurar um PO· ro cto, vetaron os do grupo de pesquisa marxista: ·Cohen tinha
raleio. uma correspondência entre os estruturas do discurso, 111n<1 ldólo do marxismo que era sociológica e durkheimiano .
poro além dos estruturas de classes e dos estTuturos de vocobu· / J 01 americanos sempre foram mal vistos por Marcel
lórlo. O dinamismo de Besançon permite que essa universidade t":ohnn•1• . Quanto a André-Georges Haudrlcourt, sem deixar de
sala do situação de enclave isolado e, antes de converter-se 1111 1111hooer o lmportôncla desse grupo, sublinho o caráter sec-
num centro de emigração Intelectual, seja um pólo de reunlôo tório do Cohen: 'O bravo Cohen era muito totalit6rio. para ele

24. Ph. HAMON. Les Sc/ences du longOQ• en Fronce ou XX• ~ele, 10b o dite • 1'7 tteml Mllre,and.
ent,evleto com o autor
çõo de 8. POTTIER. SELAF, 1960.p , 289. 1 M QIIOS!I. em 'lo c,•atlOn de ,evuea dana lel onn4.. tolxonre·, Lonr;,ue lron-c . - - - - ~
25 Louis Hoy, enrrevlsto com o autor.
havia o partido e os outros"30• As curiosidades do grupo o rl o nto
i,, 111111011, A tutura o qu!pe do Vln connes també m aí estó quaso
rom -se poro os formollstos russos dos anos 20, o llnguísllc o sovló
11llu lt 11" 11 ,
fica, o de Vlnogrodov, no perspectiva de construçôo d o umo
1 11 1110 vlvolro de re novação. a 6'w Seção de EPHE, com desta-
soclotogio da linguagem que não se coadunava com o ombl
q 11,s prn o o somlnórlo de Roland Barthes, que fazia em 1964 um
ção estruturallsta. Daí seu desaparecimento bostante rópldo. 1 1111111 1ob10 a c ozinha. Fora nomeado em 1962 d iretor de estu -
apesar do seu papel Importante como lugar de frutuosos en- 111•• 1111 urno p esquisa que se intitulava "Sociologle et sémlologie
contros.
11·• 11lu11us 0 1 d e s symboles". Além da atividade particularmente
li• 111~h m cJan te dos homens de letras, a obra de Lévi-Strauss de-
1!11111p o l'ho também seu papel estimulante de propulsora de
111,vc 111 lnto rrogações.
A p u bllc açóo de Anthropologle structurale em 1958 teve
111111 1 11/r,llco Incidência sobre esse meio literário em ebullção34 : a
h, 11m lldod e do modelo fonológico numa das disciplinas das
1 11, 111 lns humanas, a leitura ocrônica do mito de Éqipo e a fór-
UMA CRESCENTE EFERVESCÊNCIA
111111c I tra nsformacional do mito. Dois anos mais tarde, em 1960,
1, vi ', II CJLJSS Intervém diretamente no campo literário com um ar-

E sso ebulição multiforme. verdadeiro explosão de curiosida -


des. nem sempre encontro a possibilidade de exprimir-se
na oficial Sociedade de Lingüístico de Paris (SLP). Ela necessita
llu1, 1w lô mlc o e de eno1me re percussão sobre "La morphologie
L1 11 1 cmlo d e Vladim ir Propp" 35. E em 1962 publica o seu famo -
111 ,,11l udo do soneto Os Gatos de Baudelaire, escrito em colo -
de outros canais de expressão e é para responder a essa ex- l ,111,1c,.t~ c om Roman Jakobson, em que eles mostram que o
pectativa que se constitui em 1960 a Sociedade de Estudos da , o,.. to ó Inteiramente comandado pelas poSslbllldades fonéticas
Língua Francesa (SELF). em Paris, c riado por três ouvintes do cur- , 111 , 1u11 dispunha Baudelaire36 • Essas Incursões de Lévi-Strauss no
,-.. 1111po lite rário revelam o capacidade de método poro dar
/ so de Robert-léon Wagner: Jean-Claude Chevalier, Jean Dubois
e Henri Mltterond. Professor nos Altos Estudqs, Robert-Léon Wag -
ner desempenhou um papel decisivo na difusão da lingüística
1 , 111 111 de um vasto domínio em nome de uma semiologia ge-
1,11 u lus são outras tantos confirmações, para os homens de
estrutural na França. Medievalista, formado na escola filológica. lu lr1111 rocém-convertidos à lingüística. da cientificidade e das
foi o primeiro a divulgar Benveniste, Jakobson e Hjelmslev em t t1 111, 11>6SOS de seu programa.
seus seminários: "Ele desempenhou um papel semlna1•J1 . rl uaso mesmo ano de 1962, uma outra obra corrobora a
A SELF pasceu do encontro de uma necessidade e em rea- 111l•m luçõo im anentista dos inovadores literários. Trato-se de For-
ção o um comentário sarcástico de Riffoterre. pesquisador nos 11111 o i slg nlfícotíon, de Jean Rousset, que coloca em epígrafe
Estados Unidos, muito decepcionado diante da biblioteca pes- , lt I o l) ra , como subtítulo, o conceito de estrutura 37 • Na esteira
soal de Jean-Claude Chevalier. Este último decide então cons- 1 h I ponsamento e da escritura de Paul Valéry, que vai tornar-se
tituir um pequeno grupo paro conhecimento comum de suas , 1 p,lnc lpal referência literária de uma nova estética, Jean Rous-
descobertos. O grupo reunia-se mensalmente para ouvir os ex- ,u l w lo ma o conceito segundo o qual a forma é fecunda em
posições feitos por semânticos como Greimas, lexicólogos como t, lnlns: "Ê a estruturo da obro que é inventora"38 . Jepn Rousset
Gullbert ou Dubols, sintáticos como Chevalier ou estilisticistas co- li 1 ., ,ovo o seu trabalho crítico à margem de todo Íulgamento
mo Meschonnlc e os artigos eram publicados pouco depois. ,11!/ju tlv o da o bro, poro dedicar-se melhor a identificar os estru-
Ora, esse "comitê de salvação público entre compadres•3 2 não llu w1 fo rmais. Seus ensinamentos, que vão figurar em lugar de
tardará em ganhar amplitude. Se desapareceu em 1968, não 1 l11111lo que no programa do estruturalismo literário, não foram to-

foi em virtude de um balanço de fracassos mas, pelo contrário, 111rnlos da lingüístico mas de uma c rítico literária e de uma
porque o papel de catalisador que tinhd desempenhado era ,,, 11,,xõo sobre a retó rica renovadas: Léo Spitzer, Gaêtan Picon ...
uma fase superado pela amplitude que o movimento adquirira. llm,01re u aos estudos sobre a estilística alemã de Léo Spitzer
Enhe os outros agrupamentos de meados dos anos 60. cum- 111 uc:i formular uma das grandes id é ias do estru turalismo em lite-

pre mencionar o papel do Ensino para o Pesquisa em Antropo - 111lw o nos anos 60: o fato de estudar uma obra isolada consl-
logia Social (EPRAS), do Instituto de Altos Estudos, onde Grelmas 1 l 11t(ldO como um organismo completo, apreendido em sua

criou em 1966 poro dois-três anos o ensino experimental do ter-


ceiro clclo, auxiliado por Oswold Ducrot e Christian Metz, e a 13 J. C I. C HEVA LIER, P. ENCREVÉ. lb., p . 97.
criação em 1964 da Associação Internacional de Lingüística IM f>h HAMON. "Littéroturre", em Les Sc/ence s du /ongoge en Fronce ou xxe s/e-
Aplicado (AFLA). cujos seminários reuniam até duzentas pessoas: r t•. <lh e. POTTIER. op. clt., p . 289.
l õ C.I LEVI-SlRAUSS. "Lo slructure et lo forme'. em Cohiers de l'ISEA. n• 99. mor-
"O seminário de Nancy em 1967 veiculava multidões de Investi- r,;o de 19õ0. série M. n• 7; reimpresso em Anthropologle sfructurole deux, op. clf.
H i C I. L~VI-STRAUSS E íl. JAKOBSON, L'Homme. 11. n• 1. Mouton. janeiro/abril de
30. André-GQorges Houdricourt, entrevisto com o autor. l \ló2
31 . HQnri Mitterond. entrevisto com o autor. i I,J , RO USSET. Forme et s/gn/ffcof/on. Esso/s sur /es slNclures //ltérolras de Coma//·
32. lb. I• 6 C loud• I. José Cortl, 1962.
coerência Interna. auto-suficiente: "Modome Bovary constitui um
organismo Independente. um absoluto. um conjunto quo so
compreende e se elucida por si mesmo"3 9 •
23. 1964: A BRECHA ,
Jean Rousset rompe com uma crítica que se coloca paro l'Af~A A AVENTURA SEMIOLOGICA
além da obra. mediante uma dissolução desta em sua contex-
tualidade e em sua gênese, a tal ponto que tudo ali estó
salvo, menos a próprio obra. Essa restituição da literalidade da
obra vai ser firmemente reivindicada contra os defensores da
história literária tradicional. As armas dessa nova crítica serã o
O 11110 ti 1961'1 10m Início com uma ruptura no domínio
, 1101mllllt'.'o do Sorbonne. A e buliçóo marginal, perlfórlco,
11111111 111t 11 "'"' p rlm olra vitória, posslbllltada graças à progrossôo
procuradas, em primeiro lugar, do lado da psicanálise Junguia-
na, dos arquétipos e do Imaginário do autor. Inspirando-se '"'"" ,11,11 111r1 rnoados da década de 60 do número do ostu-
amplamente nas Intuições de Gaston Bachelard, em seguida do
1 111h111 t1,, 1ttllflll Q Clônclas Humanos_ ete.Jio do boby boom.
lado da crítica temática com Jean-Pierre Richard e, finalmente. 111! 1111 "" ww no 1964 que se criou a Universidade de Nan-
1 111 11 11~lt10 puro ciuo um bom número desses lnovad oros
do lado de uma sistematização da reflexão sobre a temporali-
dade em Georges Poulet. Essa novo crítica vai, num segundo , 1111 tll/ln 1111111 1>e>11'çoo unlvorsltórla às portos de Paris. Os llngüls-
tempo, procurar na lingüística as armas que lhe permitirão jac- 1 •• Ih 11111111 l'11ltlu1 o Joan Dubols penetram então no coroçôo
tor-se de um programa científico e rigoroso. t 1 11111111111 h1•lllulc;.ôo.t o esboço de um deslocamento, cada
111111~ 111 ,111ll111tio, dos lugares periféricos. como a EPHE. pa-
i t 11 1, 1, 11ld11d1u tlr I o tros. Jó perceptível em Estrasburgo o
li 111 1111 11 lu11c"nrm110 ganha. evidentemente, uma amplitude
11111111-111rtlt11 1111 r11ull'm r,orlslense. É também o momento Inicial
f Ili , 1 , 111,111111 hHICll cio uma lingüística geral que já não es•
t m 111 a11I 1111, 1111111 tu II n&lo ou aquele departamento de língua
/ \1 Ili ,1 1u111 hw 11, 11111111. LU/lo Oxllo permite ampliar conslderavel-
1 1 111 ; 1 1tr1mil• 1 11111>!100 do uma lingüística que se apresenta
11 111111 11 p1m11 111Htvôo comum de todos aqueles que se
11 11n l I lh1iJ1111u, ,1,1, 11u11cotrvel de conquistar, portanto, uma
1111 111 li 11• 1, 1 t 1101 1 , ih~rn do campo estreito dos especlalls-
• 1 Ili tQIII Ih ti
I OI 11111 1119 Vul rt, º"'"l10MtlCH um papel importante, tanto
t I t 1t111ln ln 1111 kH\1111 clu funções triplas: editor na La-
t, f ,, lllllh 11 111111111 1mlvorsldode parisiense e efeito
111 N 1 111,111m 11,t,o c~o Conselho Nacional de Pes-
1 11Hlt 1 1111 ) 1111111 prn.lc,t10 que lhe permitiu multiplicar
1H 111 1 11 111 1 1111111111. ltul)o1t lóon Wagner, Algirdas-Ju-
~ 11 1 H 111111 1 (J111 , 1111du • Podo assim dirigir ,trabalhos de
111 o p11111 11 dr1p111te1monto de lingüística de Nan-
1111 ti 1 111111118 11 lodo III nu goroçõo de lingüistas fran-
1 t 111 111111 111, 111, 01!11 cnn oslrolta relação de amizade
111 1/1,111111 11,111111 a, q1111 1 011hocora seu Irmão, Claude Dubols.
11111h 11t1 1'11111 11111111 tios dlvorgônclas políticas ou de forma-
Ih 111111,t l 111lllnr 11ru do direita e hispanizante, ao passo
111 1111111 •IBº'" do l't. 1 u fronclzante - um sentimento de per-
1 11 n 11 111111 1 , 111111,nldado do lingüistas estruturais sobrepunha-se
1 h1d11 ''11111 111f1, l'ottlor vom procurar-nos dizendo: 'Venha alu-
t, 11 11111 M, 11111101 uulá om perigo na Sorbonne'. Partimos, Dubols
iit li, p11rct a<1IV(1 lo" 1 •
1(11111 llltl>olft cllrlglo equipes dlnômlcas de pesquisa em quo
111 1111truvom lingüistas como Claudlne Normand, Jean-Baplls·
19 M1111 111fu"I, 01Jnlse M oldldler... e conseguiu converter à llnguís
11, 11 1111p1 clullatos do outras dlsclpllnas. É o caso de Josoph
11111pr. q110 nlo ,ocruto como assistente em Nanterre em 196/,

39. lb., p . XX.


I•
no departamento de llngufstlco. poro toclonor soclolingufsllcu .
Ele trobolhovo em soclotoglo do educoçôo no CNRS doado
1963, e no Centro de Estudos Soclotóglcos. onde estovo sob a
dlreçôo de Llllane lsOmbert. Assistia então ao seminórlo de Pior
re Navllle, no qual se discutia a necessidade de formalizar paro
se ter acesso à noção de estruturo. Junto com os sociólogos.
esse seminário era também freqüentado por antropólogos como
Claude Melllossoux e Colette Piot: "A noção de formallzaçôo
em Novllle é trlbutórla de Saussure e Ploget. mas não se pode COMMUNICATIONS 4:
dizer que fosse essa a sua preocupação dominante"2 • UM MANIFESTO SEMIOLÓGICO
o tema de pesquisa de Joseph Sumpf era estudar a funçôo
do curso de filosofia no sistema escolar francês. Nessa perspec·
tiva, ele constitui todo um corpus constituído por uma boa dllil'ifm d o modelo de llngüístlc.o estrutural no campo llte
somo de entrevistas e de cópias, e visita Jean Dubois poro sa-
ber como analisar esse moterlol: "Jean Dubols introduziu-me na
A 11 ulo ó aprosentodo_como progroru..o ~t~ ~SStL çino do
'1 1111 110 4 da revisto Communico!!..o~ Foi nessa oportunlda
lingüística. o de Horris, e foi nessa base que me recrutou poro 111, 1,v, ton Todorov escreveu o seu primeiro artigo em fran
Nonterre"3• O estruturalismo é aí definido como tentativa particu- 1 • 111 tl oscrlptto n de la slgniflcatlon en littéroture•. O autor
lar de analisar o mosso de documentos, o conjunto de signos, 1 ,1 1, 1 1 , 1r uma estratigrafia dos níveis de onólise e identifica a
o conjunto de traços a partir dos quais deverá encontrar-se li 1,11 11 ,trt t'lo fo ne mótlca. sobre o qual o nível do conteúdo não
uma coerência Interno. ltit'"º"'· o plano gramatical que ele define como o do formo
É o que Mlchel Foucaulf qualifica em 1965. perante uma 1 1 1 1111 1n udo e que desempenha um papel decisivo para o
platéia de tunlslanos. de "deixologlo", uma análise das limitações IUt1lfh n r,.ôo em literatura; quanto ao nível do substância do
Internas de um documento como tal: "Trata-se de encontrar o ..n1, ,w lo. d e pende do semântico. A abordagem pretende ser
sistema de determinação do documento como documento"'. 1111 111 11 11r1o nte formalista e se Todorov reconhece na literatura ln-
Essa ºdelxologia" como nível essencial das práticas humanas ali- ,11, lo d o outros sist emas significativos que derivam do vida
cerço •o Importância metodológico. a importância epistemoló-
1 ,. 1, 11 ou noc ional. "o estudo desses sistemas permanece. como
gico e a Importância filosófica do estruturallsmo" 5 • Uma das 6
1 L•\lfr ht nto . fora do onólise llteré_rla propriamente dlto" •
característicos dessa revolução é o questionamento do corte l'or sou todo. C ~ ~ o n é l Interroga-se acerco dos pro·
tradicional entre o que depende do obro literária. classlflcoda e '' " •na e dos limites da ...9Jl.~ formal. a partir do caso con·
consagrado pela crítico, por uma porte, e o restante dos fatos 11 l n do obra de t'1ód~PP, Lo Morphologle descontes
de escritura, por outro. Toda impressão é levada em conta nu- . ,pulalres. Apolondo':se em Propp. ele defende os fundamentos
1
ma rela ção que foz dela um documento completo. A obra 1_l o urna semlologio autônomo do narrativa. que deve substituir
dessacralizado é tão-somente um fato lingüístico, simples caso 0 m ó to dos tradicionais de análise de conteúdo. A partir de um
de escrituro ao qual se acrescenta mais outro fato de escritura. , ,rpus de uma centena de contos russos, Vladimir Propp tinha
1
Em tal economia discursivo. as fronteiros entre disciplinas dissl· 1runscrllo cada conto no base de uma listo de 31 funções que
pom-se poro dor lugar à análise propriamente lingüística. Esta. ( H rmltem. segundo ele, elaborar um relato exaustivo das ações
ao reconhecer os princípios básicos do soussurlsmo. foz valer a d<1 totalidade dos contos do corpus estudado. Claude Brémond
análise llterórla em sua sincronia. em detrimento de uma abor-
111 ro nde O método de análise formal em seu desígnio descritivo
dagem temporal. A obro deixa de ser entendida como expres-
1 o ntra os prlncfplos defendidos pelos historiadores tradicionais da
são de seu tempo, passando a ser agora fragmento de espaço llto roturo: "Em sua obsessão de resolver as questões de filiação
no lógico Interno do seu modo de funcionamento. Essa lógica y o nátlco, eles esquecem que Darwin só é possível depois de
Jó não se revela a partir de relações de cousolldode exógenos. t lnná" 7•
contextuais, mos a partir de um campo de relações de conti- o método de Propp é particularmente sugestivo paio Claude
güidade. slntogmáticos, ou paradigmáticos. que não mais Bré mond. que se obstina em pensar quais seriam os condições
envolvem relações de causalidade mos a simples comunicação adequados poro sua generalização. Entretanto, retomo por con -
de diversos códigos em torno de um certo número de pólos. ta própria uma porte dos críticos formulados em 1962 por Lévl-
Strouss, e repudio o postulado final de Propp; esse postulado le-
va-o, é certo. o uma modelização mais acabado do material
estudado. mos ao elevado custo do sacrifício dos partes ao to-
.2. lb.
3. lb.
do, em virtude do redução dos motivos do conto à sua função
4 . M . FOUCAULT. •te strulvrolisme et ranolyse•. em MIS$1on cu/furei/e froçci$e lnfor·
matlon. embaixada do França no Tunfsio. 10 de ob<U-10 do maio de 1987 (1965).
. T. TODOROV. 'Lo descrlptlon de lo slgnlflcatton en Uttéroture·. Comrnun/catlons
regi$tros inéditos de duas conferências de M. Foucoult no Club Tohor Hoddod. o. 6
11. Centre Michel Foucoult. Biblioteca de Soulchoir. n• 4 Le Seuil. 1964. o. 36.
5. lb. 7 . c·1. BR~M IND. 'L• meuoge norrat11·, Communlcafl<>ns. nº 4 Le ~'"' ,o,.,. - "
--
Invariante. •Claude Brémond preconiza uma dlferenc laçõo das
escalas de anóllsé para Úma abordagem m e lódico do narra -
, 1h 1~1110 o o loonco soclológlco do conceito língua/fola" 12 ,
llt 011,,,,, antro1onto. nõo vê os primeiros sinais positivos de rea-

:\,·,:• /,~'.' 1\1." l~~~~I~~:~; ~a:º~~ol~~la~ni~: ~~r~l~~~l~e p~~~~s~d~ ~i,lt.:~·j\


ção: por uma parte, o trabalho classlflcotórlo, o do es1udo
comparativo das diversas formas de narratividade; e, por ou1ro
parte. o relacionamento, não das formas entre si, mos do "ca- 1 111• A1111(1/os, sob a égide de Fernand Braudel. com sua dlslin-
mada narrativa de uma mensagem com as outras camadas 10 1111,,nto/ostrutura, na antropologia de Lévl-Strauss. que reto-
de signiflcação" 8 • ln· •H II poS1ulaçõo saussurlana do caráter Inconsciente da
É nesse mesmo número de Communfcations que estó publl· 111 ,11111 ,. 11 no pslcanóllse de Lacan. "para quem o próprio dese-
codo o estudo de ~ d Bart~. "les éléments de sémlologle". 1 , 1 111 tlc ulado como um sistema de significação" 13• A semonti-
que é a tradução de um seminório por ele organizado na 6º 111 n11 11nlvorsal dos usos engendra um real que se define como
Seção da EPHE. Esse estudo destina-se a um público mais vas- 1 , 1111 6 lntollglvel. A sociologia identifica-se então com uma só-
to de pesquisadores. Portanto, muda de status e apresenta-se ' lo, lt"1ulo a, e a significação resulta do processo que uné signifl-
como ma~ifesto para uma nova ciência: a semiolo2).o . Essa ' 111lu 11 &lgnlflcado, seja em sua versão saussurlana ou em sua
apresentação teó ríca ofereêe-sê.'ãliãs".'corriõe'nqúãêtramento , 1 1u1 IIJolmslevlana.
das investigações do próprio Barthes, porquanto ele está redigin- f h11i11C1 somlologla a construir, Barthes atribui a quatro discipli-
do ao mesmo tempo Le Systàme de la ·mode. É o momento 1111 11111 papel motor: "Economia. lingüística. etnologia e história
14
em que Barthes conhece uma verdadeira "embriaguez 1oi11111 1m o tuolmente um quadrívio de ciências pilotos" . A semlo-
metodológica"9 e abandono sua própria atividade de escrituro 1, ,1,1r I dovo traçar suas linhas de fronteira, seus lim ites; organizar-
em proveito de uma pesquisa que pretende ser obra científica. ,, rnri lo rno do princípio de pertinência, a saber. o campo
Nessa tensão entre o semlólogo e o escritor, Roland Barthes es- I• lllynlflc ação dos objetos analisados em si mesmos. a partir
tó. nesse momento. no ápice da negação de sua natureza de ,1, 111no situação de Imanência. Assim. o corpus deve ser ho-
escritor, de sua subjetividade, sacrificad~ em nome da ciência: 111 11ubnoo e rejeitar, por definição. os outros sistemas, de ordem

"Hó duas fases em Roland Barthes. Na primeira, ele acreditava .! , .li. oJ,6glca, sociológica ... A outra orientação dessa ciência será
na necessidade e possiçilidade de fazer uma ciência do ho- 11 1 11 o historicismo: "O corpus deve eliminar ao máximo os ele-
mem. Da mesma maneira que os ciências da natureza tinham 111 111110& diacrônicos; deve coincidir com um estado do sistema,
1111 1 C' or le da história" • Quanto ao Instrumento utilizado nessa
15
sido constituídas no século XIX. o século XX não seria O das
ciências do homem?",º 11111, e de sentido, Barthes encontra-o essencialmente numa lin-
" Les éléments de sémlologle", publicados em Communica - \ JIIÍ11lloa conotativa que retoma a oposição de Hjelmslev entre
tions n° 4, oferecem uma exposição didática que apresenta os i1~1mtaçõo/conotação. já utilizada antes em Le Mythe aujourd'
ensinamentos saussurianos e hjelmslevianos em vista da constru- /111/
ção dessa ciência nova. Barthes retoma os pares saussurianos Nossa mesmo ano de 1964, para dar mais peso ao ambicio-
de língua/fala, significante/significado e sintagma/sistema, e ins- 11, 1 proleto de construção de um programa semiológlco. R. Bar-
crev:-se numa estrito ortodoxia estruturalista desde esse ponto li 11111 roagrupa o essencial de sua atividade de cronis1a de 1953
d_e vista. Ele acrescenta a essas dicotomias a redistribuição , , IQ63 numa coletânea intitulada Essals critiques. Pode-se ler ai
hJelmsleviana dos termos saussurianos, ou seja, a repartição em wno semlologla em construção, elaborada ao longo de suces-
três planos distintos: o esquema (a língua no sentido saussurlo- 1lvus tenta tivas e vacilações, verdadeira bricolagemr científica
no), a norma (a língua como forma material) e o uso (a lín- , l lll se concentra, mais do que em seus primeiros trabalhos so-
gua corrio conjunto de hábitos de uma dada sociedade). Essa l iro uma problemática do signo, alimentada por um certo
trilogia permite a Hjelmslev formalizar radicalmente o conceito 111'wnoro de modelos: o binorismo de Jakobson, a análise em
de língua e substituir o par saussuriano língua/fala pelo por es- ti 11rnos de posições diferenciais de Troubetzkoy. "Portanto, é en-
quema/uso. 1, u 1962 e 1963 / .. ./ que ocorre a revolução Interna de Bar-
Barthes retém dessa revolução lingüístico seu valor geral pa- lhos"1º.
ra a construção de uma ciência nova e, a esse respeito,
Inverte o sentido da proposição saussuriana de uma semiologia
como horizonte do desenvolvimento da lingüística. Pelo contrá -
rio, ele define o programa de uma semiologla como subcon-
junto da lingüística 11. e para mostrar bem a eficácia desta,
convoca todos os esforços realizados nas diversas disciplfnas. Es-
sa ciência futura. a construir, a semiologia. apresenta-se como
i, R. BARIHES. "tléments de sémiologie' . Commun/caffons, n• 4. 1964. reimpresso
a ciência por excelência da sociedade, pelo que ela significa: em L 'A venture sémlologlqu&. le Seuíl. 1985. p, 28 [Edltodo no Brosil com o título
de Elementos de Sem/o/og/o pelo Editoro Cultrlx, 1972. N. do T.)
6. lb. 13 ll, BAl'ITHES. L'Avenlure s.émlaloglqu&. op. clt .. p. 29.
9. R. BARTHES, Océanlqu&s, FR3. 27 de joneiro de 1988 (entrvislo: 1970). 14. lb.. p . õl.
10 . Algírdos-Jullen Greímos, entrevisto com o outo r. 18 lb .. p. 82
11. R. BARTH ES. Le Svstême de lo modo lo Souil Pnint_ ... s.o .. u 10'7~ noA7\ '"'--- L ..J CALVEI. Ratonei Borlhes, op. clf .. p, 83.
lf /\ li/?/ CI IA l'l\fM A I\ VI NI UIM SI MIO/ ÓGICI\

,. 111 111 110 • rnlólogo nõo consiste, portanto, em decifrar


, 1111110 111l>lncon10. ló prosante na obro estudada. mos ex-
', , •Ili 11c lns do o loboroção do sentido. as condições de
v 111 h 11111 1'l.~O dosconstruçõo da Ideologia, do sentido esta-
h lt1 • 11<1 plurollzaçõo, são outras tantas formas de um hls-
111,111 1u<Jlc 0I que se encontra sistematizado em Mlchel
11 rlt t uml>lnodo com um a -historicismo próprio do postula-
i 11 11 1ll11ir o. O os truturollsmo não é_ uma verdad~a_ escola
BARTHES DEFINE 1 ,i 1 11, 11111111, mas multo mais do que Jsso, reP.resento-um.o ver-
A ATIVIDADE ESTRUTURALISTA l t 1 11 11 r11pluro no evolução da consclê[Lcla: ·o estruturalismo
1 j , t d o llnldo historicamente como a passagem da cons-
1 ,, 111 11lmb6llca paro a consciência paradlgmótico" 19 . Essa
N essa coletânea, Barthes define o que ele entende por
estruturalismo. Não se pode encerrar o fenômeno numa
escola. o que pressuporia uma comunidade de pesquisa e uma
1 vo , , 11111c 16ncla paradigmática manifesta-se pelo abordagem
1111
1101 111, 1<1, nõo a partir de sentidos plenos por sua substância
11 1111 piemo de sua formo . Oro, a ciência por excelência da
solidariedade inexistentes em todos esses autores. Como se po 11 r 1 111 lo poradlgmótica, o modelo dos modelos para Bar-
de definir, pois, o estruturalismo? "O estruturalismo é essencial- Ih 1 , u fo nologia: "É ela que, através da obra de Claude
mente uma atividade / .. ./. O objetivo de toda_ a atividade 1 1 d e fine o limiar estruturallsta" 20 •
estruturalista t7 éreconstltuir um objeto~ de m;do a manifestar
nessa reconstituição 0.$ r 2 ~ ãe funciõnamento desse-Objeto,
A estrutura é, pois, de fato. um,mulocro do obj~to" 17• Por con-
seguinte, existe um horizonte êomumã essa atividade. poro
além da diversidade das dlsciplinas envolvidas na busca do ho-
mem estrutural e da singularidade de cada um dos pesquisado-
res. Esse homem estrutural define-se pelo fato de que produz
sentido, e 9 pgstura ç_onsiste em interessar-se essencialmente pe-
lo g_to pro~tor de sentido, roais. do que p_elo~r~o - conteúdo A VOCAÇÃO CRÍTICA
desse ato. Essa atividade estruturalista é encarada como uma
·atividade de lmltação" 1ª, mlmese estabelecida não sobre uma
analogia de substância mas de função. E Barthes cita como
precursoras desse deslocamento, todas a um só tempo, as
obras de Claude Lévi-Strauss. Nicolal Troubetzkoy, Georges Du-
E'"º mutação das consciências no decorrer dos anos 60
ntio pode ser redut ível a um deslocamento entre dlscipli-
11 " 110 campo das ciências sociais; ela também é a expressão
mézil, Vladimir Propp, Gllles-Gaston Granger, Jean-Claude Gar- h 111t1 período no qual o intelectual, o escritor, não pode ma-
. din, Jean-Pierre Richard. Essa atividade permite, por outro lado, l ,llr ~lt11 o seu olhar crítico. o suo . revolta, da mesma maneira
ultrapassar a distinção entre obra artística, literária, e obra cien- 11 11 0 foz no pós-guerra Imediato . O objeto da revolta mudou.
tífica. A esse respeito, Barthes coloca num mesmo plano essa 1 , ,,m é mais a Idéia de uma subversão global da ordem so-
atividade que se seNe da lingüística poro construir uma ciência l• 11 Doravante, a revolta "é verdadeiramente o conjunto, o
da estruturo e o nouveou roman de Butor, a música de Boulez, t , 1, lo da todas as nossas evidências, isto é, aquilo a que se
21
a pintura de Mondrlan, cujas composições participam do mes- , 1 .. 1, riu chamar a civilização ocidental" .
mo simulacro do objeto que o trabalho semlológico. 1 11c1 dosestablllzação dos valores ocidentais dominantes. na
Numa abordagem multo saussurlana, Barthes define o estrutu- ,1111 n radical da ideologia pequeno-burguesa. da opinião, da
ralismo não como uma simples reprodução do mundo tal como , ,, .. e, que se exerceró tonto o crítica barthesiana quanto a do
ele é, mos como gerador de uma nova categoria que não se , 111i111nto dos estruturalistos. Essa consciência paradigmática ou
reduz nem ao real nem ao racional. A atlvldade estruturalista , , 111· , lOncla do paradoxo. que tem por objetivo abalar a dóxa,
remete para o funcional, para o estudo das condições do pen- n• 1 ,u polo consideração e desmontagem Interna das lógico~ e
sável, daquilo que torna possível o sentido e não o seu con- t, ,. rnodolos. dos modos de ser e de parecer d as construçoes
teúdo singular. O sentido é um fa to de cultura que tende para lth•ológlcas. É. pois, o superego dos raci9.cínl~s g_a LOclo...o.alJ,Çfade
a naturalização, e é esse processo que cabe à semlologia de- 111111lnonto. o que eles conotom~ que seró_Q_ ob~ da crítica,
cifrar. Esse prÔgrg_ma determina uma função radlcolmente crí- 111,o pressupõe um conhe cimento rigoroso d o m odo de funcio·
tica da Ideologia social dominante em se~ lrrtento desestabilf
zador do chamado sentido natural, Imutável. 19 11 BARIHES, ºl'lmoginollon du slngne·. Arguments. 1962, rQlmpunso em Essols
1ll/q11e1. OP ell., 1971 . p . 207.
17. R. BARTHES. "l'oetlvilé slruelurollsleº. l.ettres nouvelles, 1963. relmp(esso em Es p 209 entre11l1to oom Georgea Chorbonnler, Fronce-Culture. dezembro
li11 '".
sois critiques. op. ell .. p . 214.
18. lb., p. 215. ---~-- II BArllHCS,
namente do linguagem.
Esse ângulo de ataque parece mais efic a z do que a slmplos
! ejelx.90 dos vg!o1es passados em nom~ de princ ípi os ll!e ró rl os
?4, A IDADE DE OURO
vanguardistas que~ stão destinados a ser rapidam e nte lntegra - 1>C) PENSAMENTO FORMAL
<!g.s..,no sistema vigente: "Tod~ anguarda é recupe rada com
extrema faclllda 'Cié e
rapidez. Em especial na literatura•22• A so-
ciedade de consumo que se difundiu no decorrer dos anos 50
tem uma tal capacidade de circulação de mercadorias que u•l ru h 110llsmo semló tl c o se apresenta simultaneamente
nem os bens culturais escapam à sua lei, e jamais o circ uito , , 111m o ramo m ais formalizado do estruturalismo, o mais
que vai da ruptura radical ao objeto cultural tinha sido !ão ró- 1, 1,o , 1u1 chamados ciências "duras" da linguagem matemá-
pido. A assimilação é o seu mecanismo de auto-regulaç ão e 1 1 , 111l<m1on te a que le cuja ambição foi maior, um.~ vez
"há surrealismo até nas vitrlnes de Hermes ou das Galerias Lofa- ti 1 111111 1111 Uotolla em ser um simp_les ram~ do tr~nco li~gurstico:
yette"23. t 1 111111 11, ti no acep ç ão de Alg1rdas-Julten Gre1mas, hder des
A sociedade tecnlcista, de consumo de massa dos b ens c ul- 1, 11 I\JII O riu dev e e nglobar todo o campo .das ciências do
turais. torna mais difícil, portanto. e quase ilusórià a possibilidade 1111 111 •noedo O com e ço, tive sempre o p~oiet,o de uma se-
de escapar ao seu domínio para exprimir um grito. uma revolta, ltl 11 ,, q 11o ultrapasse a lingüístico, a qual nao e mais do _qu~
uma recusa. É certamente essa uma das razões pelas quais a llll 1 111 ,,tu daquela"'· Nesse aspecto, Greimas permanece ftel a
semiologio, como discurso de vocação científica e crítica, apre- 11, 1, 111,tm saussurto na, e pensa em reagrupar sob esse embl:·
sentou-se como o refúgio. a zona de liberdade que, na falta 1111 1, 11 11 11 u antro p ologia quanto a sem6ntlca, tonto a pslcana-
de um Rimbaud. de um Botaille ou um Artaud. permite d es- 11 q111111lo o crítica llterórla.
montar os mecanismos do dominação e ocupar assim uma t, 1t1m<lmldode com os matemáticos e lógicos se traduz~a pa-
posição inexpugnável de extraterritorialidade, posição do que i l 1 111 11111 llngülstas no p lano Institucional pela partlclpaçao ~o
está situado do lado de fora e age em nome da positividade Ili•• 1 do Instituto Poincaré da Faculdade de Ciêncio_s de Pans.
científica . A subversão <22.. lin guo.gem passo entã.o i;>ela própria ,-,, ,- 11• 0 , 0 partir de 1963, de Antoine Culioli, que.ª' dese~vol-
linguagem-éoeve começgJ_por çlerrub ~ qivisórlas que deli- 11111 nomlnárlo de lingüística formal . Algirdas-Ju_ l ,en Gre1n:1os
mitam as -aiversas fronteiras entre gêneros: o romance, a p oesia , 1 , 1, 11111 , assim c omo Bernard Pottier, Jean Dubo1s ; Mounce
ã crítica ... TÔdas essas formas de expressão d-ependem da t ex- 1,, • o somlnório de Greimas tem por tema a sem~ntica, do-
tu~lidade e, portanto, de uma mesma grade de análise, a d a 1, 1111111 < onslderado até então exterior ao campo tradicional da
consciência paradigmática: "Creio que se trota agora d e uma 1111 ,,,1,t1co: "Foi aí que se encontraram, pouco a po_uco, Nicolas
revolta mais profundo que outrora, porque elo tem por obje to, 11 11 w, t. Oswold Ducrot, Marcel Cohen e,. em seguida, Tzvetan
talvez pela primeira vez, o próprio instrumento da revolto que é 111 ,1 11111v . Havia também um personagem importante. Lucle~ Se-
24
a linguagem" • Nesse sentido, Barthes sente-se o continuado r, 1,, ,11 lnfolizment e morto durante o verão em que se plo_neJo~a
por outros meios, da obra do escritor. A tensão que se pode 11 IIII:, ti um seminório conjunto. Devia estabele~er-se a Junçao
assinalar nele entre o escritor e o semiólogo nunca terá fe ito 11 11, 11 antropologia, a semântica e a pslconáh_se. Mos el: sul-
desaparecer, portanto, o horizonte literário, mesmo que os se us t,t1111 80 e Isso foi algo que nunca perdoe~ a Lacan 2 . A
objetos tenham sido, num dado momento, a cozinha ou o ves- r.,,irm//que structurale de Greimas. que foi pubbcodd em 1966,
tuário, e a suo linguagem, a linguagem técnico da lingüístic a . 11 11110 de todos os sucessos estruturalistas. é o resultado, com
A semiologio apresento-se como o meio moderno d e fazer a li- , tullo, do seminário que ele desenvolveu em 1963-1964 no lns-
teratura da segunda metade do século. Nesse a no d e 196 4, llllilo Poin caré . A Insistência com que Grei~as_ ~efe~de um~
esse programo suscita um entusiasmo crescente. blll nlóllco geral englobando os sistemas de s,gnif,caçao culmi -

111111 no abertura do trabalho lingüístico para todos os den1;1i_s


1 1 irnpos. o diálogo de surdos entre os dois mestres da l1ngu1st1-

1 11 no Fra nç a que são Martinet e Greimos revela claramente


111 nu divergência de orientação: "Quando leio Greima~: perc~-
l rlll, A semlologia também deriva em todos os_ s~nt1~os 3. ~o~-
lllll, por sua parte, quer circunscrever sua amb1çao ~ descnçao
do funcio n a m e nto do língua e Impõe. portant o , ~,mtt~~. bem
proclsos a o trabalho lingüístico. A isso responde Gre,mas. Martl-
lHJI ó um rud e camponês que conhece be~ o seu ~ampo de
lrobolho. Q uando algué m queria estudar mus,ca ou pmtu_r<:1, en-
viuvo-o à c a sa de Mortlnet. que lhe dizia: 'Estude a fonet,ca e
22. lb.
1
23. lb. \
2 4. R. BA RTH ES, entrevista co~ G Qorg e s C h arbonnier. Franc e -Culture. d ezQmbro 1 Alglrdos•Jullem G relmas. entre vista com o a utor.
de 1967. reopresenlaçõo em 21 ~ 22 d o no v e mbro d e 1988. ')i:,1,. Alglrdas-Jullen G relmas. Qnlre vista com o autor.
/o/lSTÓWA DO l.:SIIW/Uf?AI ISMO .';1 /\ //>11/JI /)/ LJUNO 00 l'LNS/\M/ N/0 I ONM/\1

volte dentro de um ano'. Perspectiva pouc o atroentol"A 1 1 1,, 1, ilnouo, o os Instrumentos lingüísticos que representam
O Roland Barthes dos Éléments de sémlo/ogle estó nltldamon 1111 1 1,11,tullngüístlc a . Numa perspectiva hjelmslevlana, tudo vai
te situado ~uma perspectiva grelmassiana de semiótica gorai, 1 ,, o ~,, uo ,,rvo l de duas metalinguagens: a descritiva, na ~uai
mesmo q ue tenha Institucionalmente precedido seu m estre do •• I\Jlliflc oçôos sôo formuladas na língua, e uma linguagem
Alexandria na 6 11 Seção da EPHE, onde promove em 1965 o ,n lildlt fl , Sompre de acordo com a perspectiva hjelmsleviana,
eleição de Grelmas, com a ajuda de Lévi-Strauss. · Uma vez dlro• 1,, , thordogom Implico novos Instrumentos, novas denomina-
tor de estudos, e após a publicação da Sémontique structuro/o, i • , , 11 roloçõo os distinções soussurionas. Greimas diferencia
a semiótica na França começo a dotar-se de bases lnstltuclo• 1 r, ,, 111 u1 do significante dos semas do significado, considerando
nais graças ao apoio. uma vez mais, de Lévl-Strauss, precursor t ,, , lupondom de dois planos diferentes: a unidade significan-
na elaboração do programa estruturalista e jó consolidado em 1 / ~,Jllllll m i o é assim questionada, cindida em dois níveis hete-
posições de poder. ' 111111•: "A junçõo do significado e do slgnif·i cante, uma vez
Em 1966, uma equipe de pesquiso agrupa-se em torno de 111 , 1, h, no comunicação, está destinada. portanto, a dissolver-
Greimas. adotando a designação de Seção Semiolingüístlca do • ptitllr do Instante em que se queira fazer progredir, por
Laboratório de Antropologia Social do EPHE e do College de 11111111 pouc o que seja, a análise de um ou do outro p lano da
Franca. ou seja, ligada a Lévi-Strauss e à suo equipe de antro- Ih u11, 1u1 rn"º. A partír dessa unidade m ínima d istintiva, a do se-
pólogos . Aí se encontram reunidos Oswald Ducrot, Gérord ti 1 -,111 110, possível construir lexemas. paralexemas. sintagmas ...
Genette, Tzvetan Todorov, Julio Kristeva, Christian Metz. Jean- , , 11 , ttllo de lsotopla, extraído também da lógica, deve fazer
Claude Coquet e Yves Gentilhomme5 • Paralelamente ao traba - 11 , 11, 1 01 o conexão de textos inteiros a níveis semânticos ho-
lho de pesquisa, era m inistrado um ensino semiótico de alto ll 1 , ,oon que podem ser Interpretados como realidades estru-
nível, apoiando-se na lingüística geral, matemóticas, lógico, se- 111 11 , tn manifestação lingüí~tica: •o valor dessas técnicas é
mântica e gramótlco. 111p111c1vol. para as c1ênclas humanas. à formallzaçõo algébrl-
1 111 t• < IOnclos da nat ureza'11 º. Esse modelo deve permitir, por-
111,111 q110 as ciências do homem atinjam o mesmo grau de
1 1,1111, ldude das chamadas ciências "duras•. Paro chegar a es-
111-,111, a semântica estrutural deve dissociar-se de toda a
1I''" tiva humanista e desfazer-se das intuições, substituídas
, r,1,11 11cJlmentos de verificação. Isso Induz a uma normaliza-
, 1, 1 1t1lonclonalidade do locutor, ao operar a sua dissolução
''" 1 1th11orquia de lmbricações contextuais.
A SEMÂNTICA ESTRUTURAL: A 111111<1 Implicação, jó presente em Saussure, mas reforçada
O GREIMASSISMO Ili 1 ,, Imos. é o a-htstoricismo da démarche que procura ex-
li th , 1,, 11 0 1 uma realidade estrutural Intemporal e organizadora,
111 11 , 111• r que sejam o conteúdo significado e o quadro con-

E ssa semôntlca estrutural "sempre foi o parente pobre do


lingüístlca'6 , se considerarmos as dificuldades particulares
da constituição do seu objeto, dos métodos específicos, bem
f 1t1,t1 "fomos o direito de supor que o modelo de organiza-
i 1 11, ,('m ico dos conteúdos, que encontramos assim• em domí-
1 11111110 distanciados uns dos outros, deve possuir um alcance
como o fato de seu surgimento tardio em fins do século XIX . 1111 11, ponelração gerais. A sua Indiferença pelos conteúdos ln-
Para minimizar essas desvantagens, Grelmas Implantará a se- Ili li'ui / ... / obri ga-nos a considerá-lo um modelo metalingüístl-
mântica no mais forma l de todos os terrenos, o dos lógicos e 11 I >, aso modo. Greimas pensa ultrapassar a contingência
matemáticos, que foram um grupo "que a lingüística não pode 1 ,,v1111los da história humana, em proveito de uma história
deixar de ter na devida conta" 7• O modelo lingüístico de que !111!111111, desembaraçado de todo e qualquer traço emphico.
ele se serve para edificar a sua semântica estrutural encontra-se N " prolulo semlótico, o . '!!.91.5 cientista da fase ~~~9 . a
no herdeiro mais formalista de Saussure, Hjelmslev: _'.'._DiS$!LQaude 1 1111h111lo1JIO matemática é onlQr~ ! !te_e fu~~~S.º!Jlº mo~e-
Lé~.:Str?~9_~ÇL.Jr.ê.s...R-óginas do 18 Brumó!'!.CL_~...M2uumtes 1 ,., 1lom: •a1gorltmo de procedimentos". "regras de formaçao
d~ redJgir fosse o Q.\J~-~ e. Para ryiim, sQ_o .9 § 1;299.!noue...Hjel- 1 11 ,,. 111lvolônclos•, "regras de conversão" etc.
rnfil.ey:s. 1111 h, 1111.~o procedime nto lógico e científico encontra-se. aiiós,
Recorrendo à noção de descontinuidade das matemáticas. fll 11 1111111 prolelos mais próximos desse estruturalismo cientista que
Grelmas opõe dois níveis diferentes de anólise: o objeto do es- 1n , ,,~ 1>1<>gromas de Lévl-Strauss e de Lacan. A noção de bor-
1 '"' nrrnnto no paradigma estruturalista, é central no semió-
-------\
4 . Algirdos-Ju1lem Grei~s...ntrevlsto com o outor.
11 u w,w voz que es1abelece a divisão entre duas estruturas
5 . J.·C COQUET. 'Lo Sémloli.9ue·. em les SCl/enes cJu longor.e em Fronce ov XX•
slêcle. sob o d ireção de b. POTTIER, SELAF. 1980. p. 175.
6. A .-J. GREIMAS. Sémonf/que structurcte. lorousse, 1966, p. 6, t 111 IMAS, S4montfque 4trucfurde, op. clf., P, 31.
7. Jb.• p . 8 . u__l,CI.
URA ISM O 2'1 A 1/>AfJI l) I

dependentes de realidades diferentes, mas "como passar d e ,11,1116 11co. Ponso que se te m o direito d e utlllzó -lo e m fim de
uma teoria Imanente da língua para uma teoria imanente do 101111111n mos. sobre tudo, nunca recorrer a ele no lníclo"18 . O qua-
sentido em geral? Dito de outro modo, como do binarismo dos ,1,11110 eomlótlco permite uma radicaliza ç ão do distanciamento
signos inferir o da slgniflcação?" 12 t111 1t1undo e mpírico, d o re ferente, em proveito de um núcleo
A resposta a essas questões essenciais nos é fornecida por 11 11 lnlellglbllldade que se dá c omo chave principal e invisível
Claude Brémond 13, que diferencia duas etapas de anólise em 1111 todo o realidad e significada. O sentído é, nesse caso, díre-
Grelmas, na sua leitura de Vladimir Propp. ó primeiro momento ti 1111onl o dorlvad o de uma estrutura que lhe é imanente.
é um momento indutivo a partir do modelo da Morphologie flurodoxalme nte, esse programo semíótico que se oferecia
das contes populaires, de Propp: "Grelmas refletiu sobre a se- , 111110 o m ais e nglobante, conjunção dos ensinamentos de
qüência das funções propostas por Propp para extrair dela, e d 1111,pp, do a nó llse dos mitos de Léví-Strauss e dos Prolegôr.'l~nos
Idéia é meritória, um sistema de oposições · de base que esteja • 1, 1li lmslev, não d e u os resultados esperados. Pelo contréno, o
melhor estruturado" 14• A contribuição de Greimas terá sido, nes- u1~1h,1tt11.'llsmo p a rece ter-se rapidamente fechado em si mesmo,
se nível, a de oferecer um certo número de Instrumentos de 11111110 abstração c ada v e z mais confidencial; funcionou como
anólise úteis, distinguindo. por exemplo, entre os personagens de 1,, l11tloxla num c irc ulo cada vez mais vazio, mobilizando os
Propp, os atores dos octantes* a partir de seus respectivos níveis 1nulo• rnols sofistica dos de um desdobramento lógico meticulo-
operacionais, o que lhe permite construir um modelo actancial 11 111 m I chogar a resulto dos bem decepcionantes, muitas vezes
com seis termos, mais performante do que o esquema de sete 1,111lc1lóolcos: "Lembro-me d e ter sido o relator de uma volumo -
personagens de Propp. ,, li •u do u m aluno muito conhecido de Greimas sobre o
Mas Greimas não se limita a esse primeiro estádio de elabo- , 1 "" 1111, to. E concluía que o casamento é uma estrutura blnó-
ração teórica; ele passa rapidamente para uma segunda 11, 1 1h• 1-ttrio certa maneiro, Isso é verdade, mas seró uma con-
etapa de abstração, dedutiva, em que postula o priori a exis- ll 11f, o (lUO req u e ira forçosamente uma onóllse de mil
tência de um princípio transcendente a partir do qual é possí- 11 llJl1111A?"'q· Se o greimossismo não .teve um g ran~ destino,
vel descer os diferentes degraus que conduzem às manifesta- rnh,1{1t toró sido, pe~§.Q_q,!JJ)e ot ~, uma das .Q_r~ es fo!'tes da
ções concretas, textuais, daquele. Essa abordagem dedutiva , 111u11 "'ço rofle tlda no entuslasm_o est~ut~Jralista ~ sir:.os 60: "A
define-se em torno de duas noções centrais: o quadrado semió- í'N, ,, 11/11110 struoturole foi um livro verdadeiramente genial. pletó-
tica que é a unidade elementar de significação, e a geração 11 11 1lt1 lclólas, um livro-mestre desse período" 2º, para Jean-
semiótica dos objetos significativos. Para Claude Brémond, esse 1 1111 I•, < oquot, q ue conheceu Greimas na universidade, de Pol-
quadrado é "completamente estéril", e procede, de fato, de ' 1111 h lo clonou com ele durante um ano, o mesmo ano
uma "Idéia mística, de um princípio transcendente" 16. Nada legi- 1111 p11,11uo.
tima a seus olhos a construção de uma extrapolação a partir 11, 11,, 111 Orolmas sal de Poltlers, deixa aí um discíp.ulo que
do modelo propplano que serviria de modelo dos modelos pa- ,n , 11 I'' 111 melo um diploma de estudos superiores, '?ufa oríen-
ra tod<D o texto em geral, depois para todo o texto possível 1 1 1 1 ,1,ri, 1 ,. Joan-Claude Coquet: "François Rast1er estava
escrito e não escrito: "É, em última instância. sobre uma cabe- 111 11 1 1 ln 1, r,,olmo s, que o considerava seu filho espiritual.
ça de a lfinete, sobre essa postulação tão simples, que se faz 1 li , po,1,1 ino e n sinou o que era a semântica estrutural.
repousar a riqueza do universo inteiro• 1ó. t t 1111 !11 11p11,ndl a conhecer Greimas e fiquei t;:iscinado
Esse quadrado semiótica, reapresentação do quadrado aristo- t 1 11 li ,1 Ili h1d u lnlolectual, por sua força de conviéção" 21 • A
télico - quadrado dos contrórios e dos contraditórios -, serve em Ili, 1 li I f lt ,1 111111h lu nessa época era a ligada ao sujeito e à
seguida de matriz para explicar um número indefinido de estru- 1 f 1 11 , , 1111 ti qpr 111 ela, pois, nesse plano, como o mais radi-
turas narrativas: "É o caso mais flagrante de teoria irrefutável no 1 111111, ,,, 111tcesso que deixou na sombra a diferente
sentido de Popper" 17 • O uso do quadrado, na maioria das ve- 1 , 111, 1111 11, 11 estrutural preconizada por Émile Benve-
zes, Impôs à narrativa, seja ela fílmica ou textual, uma estrutura 1 111 111• 1111i.lrtvlano, retomado por Grelmas, baseia-se,
de saída que permite retornar sempre à sua base na medida 1111 , 111il111 lte> de um texto "normalizado", "objetiva-
em que se pode colocar o que se quiser nos quatro cantos do " g, 11 , 1 1111,0 purificação, à apresentação de um
quadrado, sem procedimento de verificação: "Quanto a mim, fi- ,1•I t , 1 t 11111 1 11 lt, ,, 1 p ra tica a eliminação de todas as ma-
quei sempre um pouco escandalizado com o uso do quadrado l ti!• 11u ô 11 li• th •Uh 011 , 111 todos as formas que se referem a um
01111 lln (tJ ~ " r 111 ) fim~, período, ele obtém, portanto, enun-
12. Th. PAVEL. Le Mlroge llnç;ut,tlque. Minuil, 1988. p . 151. 1, 1d11• 1 , 11 ,i\1ilt 11 111 1 lt ,, ulttl pessoa. Normaliza também os tex-
13. CI. BREMOND. Loglque du réclt. Le Seuil. 1972. to,, r lll 11hi rtnd 11hlt ~ lltdo o que depende do tempo, em
14. C loude Br~mond. entrevisto com o autor.
p rnvult11 .,.., 11m , '""' 1i1,, 1rr1llorme. O critério para dissociar an-
• Sobre os conceitos de octante. gramático acfonclo/ e perlormonce. recomen-
damos o lelluro de A. J . GREIMAS e J. COURTÉS. 0/clonérfo de Sem/ótico. tradu- te rl11 1ld111hl " p o, t 11 11 lt1111h vem a se r o retorno vago a um
ção do Editoro Culti lx do original Sémloffque - 0/cttonnorlre rolsonné de ta théo,te
du longoge. (N. do 't.~
1n M111 Ve111e1 •1111•~111 1 11l1h"
15. lb.
19 101111 lh1y. •11 l t•vltlO tt , 111lu,
16. lb.
?ll l•cm ( lu11d• t rn111•I •11l1111•l1h1 , 0111 o outor.
1 7 , Joco ucu Mo o urnu ontrcv~tn .,..."",.,,... ..... ,....,, , . .......
mo IJO""PlN:J/\MtNICJ , OIIMAI

longínquo passado: "Daí o Interesse que Grelmas tinha p o los 11 0 tro bolho: "Ele ero fundamentalmente o contrórlo de um boê-
contos. pelas narrativas míticas. sobre os quais era mais lócll m io com um regime de vida tipicamente pequeno-burguês e o
. 24
trabalhar" 22 • Mas essa quódrupla negação do eu. do sufelto. do «11o1ROIO absoluto de não ser sacudido por even t os 1nop1na d os" .
dlólogo Intersubjetivo. do agora para o tempo, e do aqui para Nuaso Início dos anos 60, Barthes tmbolha no que ele teria de-
o espaço. paga-se coro e cal com bastante rapidez no perigo •ufodo que fosse a sua tese de Estado, Le Syste:710 de la
de um empobrecimento da realidade narrativa a explicar. em mode. No busco de um orientador para a tese vai a casa de
proveito de uma onlologlzação da estrutura. André Martinet. na companhia de Grelmas: "Estive a pon~o ~e
A semiótica seró capaz de realizar esse programa unificador orlo ntar Le Systàme de la moda. Dei-lhe a minha concordanc1a,
6
das ciências do homem? O seu Imperialismo científico é lndubl- 111os dizendo-lhe que não se trotava de lingüística-2 • Diante des-
tóvel e a coabitação com um outro empreendimento globali- 10 falto de entusiasmo. Barthes foi ver Lévl-Strauss, para lhe
zante, a antropologia estrutural, num mesmo laboratório, seró de p odlr que orientasse o seu trabalho. Grelmas volta a acompo·
curta duroçõo. nhó-lo e aguarda, como um pai ansioso, os resultados da entre-
vlsla num botequim vizinho: "Barthes sai do prédio cerca de
rnola hora depois. dizendo que Lévi-Slrauss tinha -se recusado o
u tonder seu pedido•2°. A discordância dera-se em torno do de-
aonvolvimento demasiado restrito do projeto. na medid_? em
q ue. para Lévi-Strauss, o 1rabalho de Barthes ocupa-se tao-so-
rne nte do sistema da moda escrita e não da moda em geral.
Por seu lado, Barthes considerava nada existir de signlfl<:ante
nosse domínio fora da escrita. Foi essa discordância que pos fim
os esperanças de consagração universiJária de Barlhes. Mos o
BARTHES, SEMIÓTICO livro saiu pela editoro Le Seull em 1967, fruto de um longo tra·
balno de 1957 a 1963. Tinha por essa obra um particular
a pego; atribuía-lhe valor de tese, mesmo que nõo tivesse rece-

N esse anos de 1960-1964, Grelmas tem na pessoa de Ro-


land Barthes um discípulo que fó conquistou importante
notoriedade. É a época em que Barthes se alimenta da teoria
b ido esse título: "Revimos três vezes 1untos o seu texto. e a cada
v ez foi remodelado" 27 , confia o seu pai espiritual.
É, portanto. no plano teórico e. ao mesmo te"'.:'po. no afetl·
grelmasslana para reprimir sua vocaç ão de escritor, em provei- vo. a expressão de um tempo forte de suas relaçoes com Grei·
to de um discurso rigoroso e científico. Essencialmente Intuitivo. mas. Esse livro ostenta a sua marca e apresenta-se. desde o
Barthes tem necessidade de roclonalizar seus sentimentos e. d es- c omeço. como uma obro metodológica que se aplica - daí a
se ponto de vista, encontra em Grelmas aquele que vai mais discordância com Lévl-Strouss - não ao vestuário usado mas ao
longe do que qualquer outro na racionalização. "Nada se com- vestuórlo falado. Barthes trabalha essencialmente esse sistema
preenderá de Barthes se não se entender que mesmo quando do moda como metalinguagem numa perspectiva hfelmslevla-
ele parece raciocinar na maior abstração, isso encobre. de fa- na. A passagem do vestuário real ao vestuário escrito opero-se
to. escolhas afetivas" 23 . O modelo blnório saussurlano convém - por melo de shifters (embreantes). noção que Barthes ~~ buscar
lhe, pois, como uma luva. porque o seu pensamento é sempre em Jakobson. mas num sentido particular, visto que nao reme-
dicotômico. Com efeito. ele opõe um pólo valorizado e um pó- te para uma mensagem singular. Esses shlfters "servem para
lo desvalorlzado; o bom e o mau ; o que agrada e o que transpor uma estrutura paro outra. para passar. se quiserem. de
desagrada; o gosto e o desgosto; o escritor e o escrevente ... um código a outro códlgo"28 • Barthes delimita assim três opera-
Mas se virá a dar livre curso à expressão de seus afetos. estes dores capazes de passar de um código a outro: o shlfter princi-
ainda permanecem escondidos no início dos anos 60, quando pal que é o "molde de costura•, ~ segundo é o •progro,~a de
ele enuncia os princípios de um programa semiológico próximo costura" e o terceiro translaçõo e aquela que permite ~assar
das teses de Grelmas. da estrutura !cônico à estrutura falada. do representoçao da
A fase teorlclsta, cientista, do Barthes dessa época pode vestimenta à sua descrição"29 .
também , esclarecer-se por uma preocupação de respeltobilido - os pressupostos formalistas de ~ormalizaç9_0 _d~_sos ~ncl~-
de universitária. Mesmo que tenho conseguido realizar com nais do linguagem levaram Barthes a fazer g_r~valecer o vestua-
celeridade e brio uma carreira bem-sucedida, ele famals foi ca - rlo escrito na medida _ e m -que ..2...2
ú ~ a_pode.1-d.QLJ..Y.gar_ a
nonizado pelos diplomps unlversltórios tradicionais. Essa busca de um estudo Imanente, à rnm.gem _ de .!9da e....Q.l,J...9~úUnçao
reconhecimento vai fundar nele uma verdadeiro ética do tra-
balho e atrás da Imagem de diletante que os especialistas nos
24. Claude B,emond. on:revlsta com o autor.
enviam dele, esconde-se um profundo ascetismo consagrado 25. André Ma rtinot, ontrovista com o au1or.
26. Alglrdos-Jullen G rolmos, ontrovisto com o autor.

22. lb. ~~· : · BARTHES. Lo Systé, no do /a mode. le Soull. Ponts-Seuil. 1983 (1967). P 16
23. Claudo &émond, ontrovis1a com o autor. ")0 , .... - ,.,
~4. A IDA/)/ /)l OWO DO PENSAMlNTO I OUMAI

prótlca parasltórla: "Por essas razões. foi a estrutura verbal que •luno·>•.
optamos por explorar aqu1"30 • Ele define então o seu corpus. o Jullo Krlsteva saúdo nesse livro de Barthes um questionamen-
qual é constituído pelos jornais dos anos de 1958-1959, e Inven- to radical de todo metarfíslco do profundidade e o corte est?· ~~'49,~
taria de maneira exaustiva e minuciosa as revistas f//e e Le Jor- holocldo entre slgnlllcante e significado em proveito da relaçao
dln des MOdes. Barthes Inscreve o seu estudo numa estrita orto- doe significantes entre eles, o que indica. por ou~ro ~ad.~. a lel-
d oxla saussuriano , reproduzindo a distinção língua/fala na 11110 que faz Lacan de Saussure. com suo cadeia S1~nif1cante.
oposição entre o vestuório-lmagem, colocado do lado do fala, 1 Systàme de to mode permite a toda uma geraçao pensar
portanto. Impróprio para onólise científica, e o vestuório-escrlto, que O mesmo enfoque poderia ser aplicado o um campo par-
que estó do lado da língua e é . portanto, objeto possível da tic ularmente vasto; se Barthes pôde Isolar os vestemas no modo
ciência. u11erlta/descrlta. por que não desentranhar os gostemos e . outras
A base da anóllse de Borthes situo-se na oposição estabele- ""Idades distintivas em todos os níveis das prótlcas sociais?
cida por Hjelmslev: "O problema apresentado pelo coincidência Embora Barthes tenha tido, assim, de Imediato, um eco espe-
de dois sistemas semônttcos num só enunciado foi abordado locular nesse ano de 1967, quando um verdadeiro fervor cole·
principalmente por Hjelmslev"31 • Ele retoma, portanto, a divisão llvo se apossou do seu programo semiológlco. o construt.or
entre o plano da expressão (E) e o do conteúdo (C). unidos desse programa não tardaria em distanciar-se dos seus próprios
pela relação (R); o que dó lugar a uma anóllse em vórios ní- ununciados e ambições. Deixando Greimas ocupar o t erreno ~a
veis. o da denotação e o do conotação. a linguagem-objeto e •umlótica, Barthes vai reencontrar bem depressa a suo voc~çao
o plano do metalinguagem. A modo encontro-se num processo cio escritor, que ele ofe,ece de longe para um e~truturah~o
de formalização, logo, de dessubstontificoção, movimento pelo que não teria O menor sentido se o seu empreendimento n~o
qual Borthes tem acesso à sua essência. Ela apresenta-se como e onsegulsse- subverter de dentro para fora ~ lingua_gem clent1fi-
sistema de significantes, atividade clossificatórla cortado do sig- ' a : •o prolong~m~to_ lógico_ do esf!ut~~;...mo_ na2 pode ser
nificado: "A moda procede assim a uma espécie de sacrallza- ftônão uAif-se à literatura. não mais com~ ob.@to_de.:-o nólise-mas
ç ão imediata do signo: o significado é separado de seu o omo atlvld~êescriiura. / .. ./ nesta. portanto. ao estrutur~lls-
slgnificante"32 • Ela funciona a partir d9 uma dupla postulação; to um camlnho--;-trÕnsfÕrmar-se em escritor·~- E~ horlzo~te llte-
de um lado. como sistema naturalista, ela pode apresentar-se rórlo que Barthes faz ressurgir de sua exigenc10 metódica em
como sistema lógico. De outro lado. a imprensa popular prottco 1967 pressupõe um outro renascimento que vai co~v~r-~ no
9
uma moda naturalizada, rica em repetições de fragmentos do próprio princípio da escritura borthesian~lo.ç(p1Q de-.praz r.
mundo transformados em sonhos de uso; e. do outro. uma im· Numõ entrevlstOconcedlaa nesse ano de 1967 a Georges
prensa mais "distinta· prefere praticar a modo pura, livre de Charbonnier. Barthes responde à interrogação do seu inte~ocu-
todo subshato Ideológico. Ao ser evidenciado, na conclusão lo r que pergunto se O livro do ano seró uma obro matematlca.
desse longo estudo, que o significado pleno representa o signi- tôo grande é a admiração do público pelo pe~~a~ento formal.
ficante da alienação, Barthes reencontro conclusões d e ordem ponto de nõo demorar muito para que as c1enc1as humanas
0
sociológica sem cair, porém, no perigo do sociologismo. Esse sis- se entredevorem: 0 seu advento estabelecer-se-la como, uma
tema do modo é a tradução de uma semlologia que se ordem meramente transitório: "A última etapa a transpor e que
caracteriza pela elaboração de uma taxinomia. A novidade re- elas questionem a sua própria linguagem e se convertbm._ por
side no desenvolvimento de todo esse esforço para dissolver o sua vez, em escrltura"37. Se Barthes não repele o as~ecto hber-
sujeito , na linguagem. todor da formalização generalizado. o banimento tnunfo~te de
A obra é acolhido com ironia por Jean-François Revel, que toda e qualquer referência à Insignificância. a conjunçao de
Ilustro a tese mediante o silogismo seguinte: o roto rói o queijo, trabalho e de destino no filiação mallarmeiana entre escrltur~ e
oro, rato é um dlSS11obo, logo, o dlSS11obo rói o queijo. • A um ra- formalização, ele reconhece. não obstante. que •a escritl!ra hte-
to estruturolista. nada é impossível, por certo. Mos o rato escrito rórla conserva uma espécie de Ilusão referencial que lhe per-
pode ainda comer o queijo? Cabe aos sociólogos o tarefa de mite ser saborosa•Ja. Esse sabor, o escritura como figura do
nos esclarecer o respeito"33 • Mas, de um modo geral, o acolhi· desejo do outro, a erótica da linguagem. não o partir do real
mente é muito favorável. Raymond Bellour entrevista Barthes em mas do Ilusão do referente. toda essa estética da es~rlturo bar-
Les Leffres. fronçoises 34• e Julia Krlsteva vê no livro um novo pas- thesiana já preparo, 0 partir de 1967. uma mutaçao radical
so dado no sentido da desmistificação, essa, endógeno, do que lró desabrochar no Barthes do pós-68.
ciência do signo por si mesmo: ·o trabalho de Borthes subverte
a corrente que domino a ciência moderna, o pensamento do

30. lb.• p . 18. _ J. KRISTEVA. ' L• Sens el 1a mode'. Crtttque n• 247. dezerroro de 1967. p . 1008.
35
31 . lb.• p. 28. . R. BARTHES. 'De la science à lo filláro1u,,.•, Times UHero,y Supp/ement. 1967.
36
32 lb.. p. 282. reimpresso em L• Brutssemenf de la tangue. Le Seull, 1984. P · 17.
33. J.·F. REVEL. 'Le rat et la mode', L'Express. 22 de maio de 1967. 37. R. BARTHES. enlrevislos com G. Chorbonnler. France-Cullure. dezembro de
34 R BELLOUR. 'Entretien avec R. Barthes·. L&s Leffr&s frança/ses. n• 1172. 2 de 1967
março de 1967.
24 A IDA

oncru2ilhada lnte rdlsclpllnm que questiona simultaneamente no


çõos provenientes da álgebra, da lógica. da teoria da lnforma-
çõo e da teoria dos Jogos.
Ele oferece-se, portanto, como ponte possível entre as ciên-
cias matemáticas e as ciências humanas, lugar de realização
desse Ideal comum de Inteligibilidade que se encorna no pro-
gramo semlótlco. Hó, portanto. osmose entre esse desejo de for-
A IDEOLOGIA DO RIGOR malizoçôo que encontro no linguagem matemático o própria
expressão de um corte com o referente, e o desenvolvimento
A sslm. Hjelmslev inspirq_u o programa semlótlco na F
_m~_ou!_!'as Influências vieram conju ar- -:-- i:gnça,
oriundo do leste. as pesquisas formalistas em matéria pictórico,
musical, llterório, arquitetural. Doí resultou a difusão espetacular _
ouro do pensamento formal É - : g -se nessa idade de das obras mais formalizadas: "Era uma época em que se ven -
na Fiançade uma epistemoi . o cas? do espetacular sucesso dia tão bem Locon e Chomsky quanto San Antonio. Lembro-me
tfourbaklsmo o" og,o Particular das matemáticas, 0 que. quando residia em Puteoux. lo comprar os meus livros na
,., _ · ra, a estrutura matemática e .
ra-se sob uma forma antld'd 0, ti m 8 ourbak, apresen- drugstore do ponte de Neuilly. Foi ló que comprei Les /déolités
. ' ca, como modo de dl · - mothémofiques de Desonti, os Écrits de lacan .. ."41 •
da ongem no sentido histórico ,i ssimulaçao
"A lógica da exposição e e ~mprr co do saber matemático: A postulação dessas modellzações formais consiste em apQ-
melhor, de uma forma esmo con exto da justificação levam a gor todo e qualquer fronteiro entre o formalização matemático,
coberta, ou o da sonda agadora, ~~re o contexto da des- lógico, e as ciências do homem. Jean Pioget é particularmen-
Toda dimensão empírica ~em exploratorra ou da investigação. te representaflvo dessa vontade de inscrever a psicologia numa
matlcamente elimlnada· experimental, das matemáticas é siste- fllloção. sem descontinuidade, que mergulha suas raízes na ma-
m proveito de uma -
puramente formalfsta"39 Es apresentaçao tomá tica _ Paro esse efeito, constrói um esquema circular do
· sa nova abordagem t ,
conseqüência, no plano dldótic era mesmo por IClber ~científico que culmina numa concepção unitária, Interde-
no das matemáticas no início ~~ u:°ci~~n~e r:~orma no ensl- pendente dos diversas ciências unidos por um v erdadeiro cír-
se convencionou chamar as mate , e • com o que culo que permite o ligação entre os matemáticas, física.
desastrosa que o seu pro'prlo t matfcas modernas, reforma biologia e psicologia 42 • Houve um verdadeiro fascínio entre os
ou or repudiou
Essa Ideologia bourbaklsta t ºb . 11omlotlclstas pelas formalizações lógicas que eles adaptaram à
para forjar a mentalidade e iº;ti:idulu fortement~, por certo, linguagem. Esse recurso do loglcismo, essa transferência de pa-
Pierre Raymond qualifica de 'd 1 1 ade ~struturahstas. o que radigma paro o campo da lingüística, foi uma tentação tanto
fez com que O edif' i t ' eooga
. do rrgor · O b our b a k'ismo maior porquanto os lógicos Já se haviam ocupado de proble-
1c o ma emát1co se O t
edifício esplênd'd presen asse como um mas relativos à linguagem. Tendo-se desenvolvido toda uma
Indivíduos que , -º· cuJo próprio esplendor afasta e seleciona os reflexão sobre as operações da llnguogem, os conectores e os
soo capazes de visitar a catedral· "Ond
ca d eamento. a concatena - · e o en- lógicos tinham o vantagem de haver chegado o uma formali-
ç ões é dado çap, o engavetamento das proposl- 1ação quase perfeita: "A tentação era grande. portanto. de
como uma espécie d
objetiva, cuja tessltura Interna c e necessidade sem sujeito, procurar adaptar essas formalizações lógicos à llnguagem, mos
nlflque ter q : umpre anallsar sem que Isso slg- penso que Isso é uma espécie de demlssão"43 • '
ue se considerar os p
da descoberta matemótica•40 A ;ocessos ~ropriamente históricos Sem afastar o necessidade de formalizar, de modellzor, Os-
tipicamente francesa e ade . asclnaçao por esse modelo é wold Oucrot considera que esse objetivo deve ser realizado o
temática pero lin ülsta m . re ao status atribuído à ciência ma- partir de uma conceltuollzoção próprio da lingüístico, que não
de Paris. Louis HJ~mslev. :rs~r:z:ante. para a escola semiótica deve, por exerrplo, limitar-se à extração na linguagem do ra-
nivêncla com o bourbakismo ca ve-se ~esse modo em co- ciocínio em termos de verdadeiro e de falso. Se existe no lin-
e mensagens trocados em ;o~: s~~ ~~~~~1::e sobr~ ~s códigos guagem uma tendência a construir proposições verdadeiros. o
preocupação de formalizar sem r em ssao, numa encodeá-las num raciocínio, também existem outras dimensões
menos de comunicação. P e e cada vez mais os fenô - o considerar, postos de lodo pelos lógicos: " Nesse plano. fui
Nesse plano. o outro modelo d multo influenciado por um comentário de Antoine Culioll. quan-
seu~onceitQS e métodos"é O,n~~e7 o - estru_!u'.alismo foi b.uscar do disse um dia: a verdade. não conheço" 44 •
cada vez mais simples. completo e :xcrber~ético , que se torna
munlcação de mass presstvo na hora da co-
a, e que confere suas carta d
ao programa estruturalista. Esse modelo clb étl s e nobreza
quadro para investigações particularmenteer~ast~~. a::;~~~e~:
41 . Svtvoln Auroux. entrevisto com o autor.
39 Jacques Hoourou, entrevisto com o outor 42 J PIAGET. P•ycf>o/og/e et éplstémo/ogle. op. c/t., p , 145.
AO Ih .

--- ...........,....
43 Oswold Oucrot. entrevisto com o outor .
. ····-·-
osso e m do egot e ma ao mate mo, e e nc ontla-se no ponto
~o po~ida d as múltiplos manifestações topológicas. Para alguns,
0$SO form aliza ç ão v isa menos a psicanólise em suo prótlca do
que a Su a transmissão. Trotar-se-lo, sobretudo, de uma preocu-
ôo d ldótlco de elaborações meto, d'icos e ng · orosas·. "Ê . claro
paç Locan não utiliza esses objetos como objetos motematicos.
c;i~ status é puramente metafórico"48. Para outros, ~ transforma-
ç ôo topológlca é multo mais essencial; ela permite a Lacan
A MUTAÇÃO LÓGICA DE LACAN reapossar-se da estrutura do sujeito: "P?ra _ele:,4~ estfutura do su-
jeito é topológica. segundo ele própno disse ·.

F oi em meados dos anos 60, em 1965, que em um outro


campo, o da pslcanóllse, o logicismo assumiu o lugar que
Essa estrutura que, durante séculos, se acreditou ser represe:
todo p ela figura do esfera, pela completude, depende. co_
ofe lto da a-esfericidade e do Incompletude. Dessa c?~cepçao
era ocupado pelo modelo lingüístico saussuriono: o t e xto de
Jacques Locan, "La science et la vérité", ilustra a mutação rea- d o suÍe ito resultam essas múltiplas manipulaçõe s topolog1ca,s pa-
lizada sob a influência da Escola Normal Supe rior e de Jacques- ra revolver a esfera, chanfrá-la, a fim de se obter acesso a ver-
Alaln Miller. Este último procura reencontrar, a partir de Frege, o dadeiro estrutura do sujeito como algo fundamentalmente d ivi -
conceito de causalidade estrutural proposto por Althusser em dido no Interior da topologia dos nós. . .
sua leitura de Marx, a fim de fornecer uma base de aplicação Paro além d e todo § a ~ diferenças._CIÇJ_l_:!92....L~~1-Strauss, Algir-
-
das-J ulleA--G-1'.eim~ s~ e.,,,Jqçque~ ·
La<?_.?~~~m, ---
_ ---m -eodos
e_m..,,,....,...._
ao conceito lacaniono de sutura. G ottlob Frege, com sua obra
les Fondements de f'orithmétique (1884), fundou a lógica simbó- d 0 d éeado "de• 6€1. e -trio do estruturaUsroo..mal~ fa . mais
lica moderna ao criticar o m é todo empirista. A língua simbólica 1 almente voltado para O pesquisa de uma estrutura profun-
deve dissociar-se de toda referência a um sujeito consciente: "É ~: ; scondtda, oculta, quer se trate dos âmbitos mentais ??t:~
lógico o que é pensado ou construído fora de toda Intuição; é est;utura das estruturas para Lévi-Strauss, do quadr?do se7'10 1
lóglco o que é geral ao ponto de pertencer a toda a lingua- para Greimas ou da estrutura a -esférica do sujeito de ac;a~:
gem e de tal modo que não poderia conceber-se uma lingua- Sã o os três pilares do pensamento formal em seu ~pogeu. b "
gem que estivesse privada dlsso".is. Entende-se perfeitamente em tlcipam de uma só aventura, aquela que se pro~oe. por ºmJe~
que Locon pode estar Interessado pela obra de um lógico que tlvo instalar as ·ciências humanas na c idade das ,c1enc1as co
exclul o sujeito psicológico, ainda que Frege, iniciador de uma mesma base das c iências do natureza.
filosofia do linguagem, seja mais considerado pelos anglo-sa-
xões.
Segundo Élisabeth Roudinesco, Jocques-Alain Miller, ao articu-
lar a concepção fregi~a do zero e de seus sucessores com o
l9oria do significante em, Lacon, levou a uma reformulação do
laconismo que tem duas conseqüências, uma política e uma
teórico: "No plano teórico;, ela consiste em fazer do laconismo o
modelo por excelência de um freudismo capaz de escapar em
si pos ideais da psicologia. / .. ./ No plano político, essa reformu-
lação permite designm adversórios qualificados de desvlaclonis-
tas em relação o uma doutrino que represento a normalização
c ientfflca em sua singularidade onlpotente"46 • Após ter-se apoia-
do no progresso das ciências humanas para descentrar o
sujeito, graças à lingüística saussuriana, Lacan radicaliza ainda o
sua leitura de Freud, o fim de evitar ver-se transformado em
agente de construção das ciê ncias humanas, com os riscos de
restabelecer um humanismo do sujeito pleno.
A lóg:ca de Kurt Gõdel. com seu teorema da incompletude,
permite-lhe apreender a noção de verdade como algo que es-
capa à formalização integral: "Ele infere que a experiência da
dúvida cartesiana marca o ser do sujeito com uma divisão en-
tre o saber e a verdade" 47 • Essa mutação lógica anuncio a

45. G. FREGE. Les Fondemenfs de /'orlthméflque, Le Seuil. 1969. p. 12.


46. ~- ROUDINESCO. Hlstofre de lo psychanolys&, op. clf.. vol. 2 , p. 410. 48. Joel Dor. entrevisto com o autor.
47. lb.. p . 413. •" ~ - - -- ' - 1 - -1....& o ntf'0i.v tctn t'!.õm o autor.
25. OS GRANDES DUELOS

BARTH ES/PICARD

O combate homérico mais revelador das contingências do


período. na medida em que opõe a nova críllca à an-
llga Sorbonne, é o duelo travado entre Roland Barthes e Ray -
mond Plcard a propósito do clósslco dos clóssicos, í?acinê.
convertido em objeto de litígio, de escôndalo. ----
A velha Sorbonne iria deixar-se despojm de seu palrimônio
por aqueles mesmos que não estabeleciam nenhuma distinção
de valor entre o que se imprime em papel de Jornal e os lólos
da literatura noclonol? A provocação era por demais evidente
para ficar sem reações; a trancesia fora ultrajada. A confronta-
ção situa-se num momento prlvllegiado, em meados dos anos
60, num terreno predileto, a tragédia, e opõe dois protagonistas
de stot4s oposto: Raymond Picord. do veneróvel Sorbonne, e
Roiand Barthes, falando de uma instituição moderna mas margi-
nal. Todos os ingredientes estão reunidos, portanto, para que o
duelo re1~te os fios das grandes peças racinianas. Esse comba-
te vai fazer história e os campos resp ectivos o colocarão em
evidência\ para cavar suas trincheiras; seró o lugar de implica-
ção, a fonte de identidade dividida de uma história literária
exposta, doravante, ao confronto de duas línguas estranhas
uma à outra. '
Por um lado, é em 1960 que Roland Borthes publico L'Hom-
me rocln/en no Clube Francês do Livro e, por outro. Úm artigo
acerca de Racine que sai nos Annoles1• Mas esses dois estudos
e um terceiro sobre o mesmo tema conhecem seu êxito públi-
co sobretudo a partir de 1963, quando de sua edição conjunto
sob o título de Sur Racine com o selo da Seuil. Que a novo crí-
ti co se ocupe do nouveau romon, isso podia ainda ser toleróvel
do ponto de vista do Sorbonne, mas que se aposse do poeta
maior do classicismo. da tradição, paro tentar realizar com ele
as experiências sulfurosos de suo grade de anólise. mistura de
métodos lingüísticos, de atenção psicanalítico e de ambição
antropológlca, Isso toca as ralas do escôndalo. Allós, Barthes in-
crepa frontalmente e sem melas palavras a tradição : •se se
quiser fazer a história literário, é necessórlo renunciar ao Indiví-
duo Roclne" 2 ,

l. R. BARTHES. 'Histolre et ittéroture: à propos de Rocinê", Annoles. maio-junho de


1960. oo. 024-~ 7.
11/Sf WA DO LS1RUTUIMLISM O 25. OS O IMNOlS D UHOS

A publicação do artigo de Barthes nos Annoles é reve lado ra 11, ,1 slnol e uma cominação"º.
da ,fil_iação em que ele inscreve a sua abordagem da história 11- Nosse combate mítico da sombra e da luz que anima os he-
terana. recorrendo a Lucien Febvre con tra os defensores do 1, ti• 1aclnia no s, desenvolve-se toda uma dialetização da lógica
positivismo literó rio. Reinicia por conta p rópria os combates tra - doA lugares em te rmos de contigüidade e de hierarquia. O he-
vados ~o_r Lucien Febvre contra a história historicizante, contra o 11·,1 ,aclntano deve manifestar-se por sua capacidade para o
predom1n10 da descrição de eventos, para defender a dissocia- 111p tura: ele nasce de suo Infidelidade, advém então como cria-
ção necessórla entre o que é hist ória da função literária e 0 11110 de Deus, produto da luta inexpiável entre o Pai e seu filho.
que é história dos criadores de literatura. Para tanto, Barthes re- , i,m p recisão, Barthes mostra que Racine substitui a práxis, o
toma as problematizações esboçadas por Lucien Febvre 11 v nto. que tem lugar fora de cena, pelo logos, a comunica -
quando formulava o desejo de um estudo do meio no qual se 1,r10 verb al como fonte do desorganização. o próprio lugar da
encontra o escritor, em ligação com o seu público e, de um lrt ruódla que aí se desenrola e se consuma. Barthes reenc;>ntr<:',
modo m_als geral, dos fatos da mentalidade coletiva, aquilo a 1,ola, e m Racine essa autonomização da linguagem que e . pro-
que Luc1en Febv re chamava as ferramentas mentais de uma l •rio do e struturalismo: "A realidade fundamental da tragédia é,
época: "Dito de outro modo, a história lite ró ria só é possível se p o 1lonto , essa fala -ação. Suo função é evidente: mediatizar a
ela se fizer sociológica, se ela se interessar pelas atividades e as li• loç ào de Força" 7 • .
instituições. não pelos indivíduos"3. t ssa análise da tragédia rociniana. que mobiliza tanto o bina-
Barthes retoma a idéia dos Annoles sobre a parte ativa do li rno de Jakobson quanto as categorias freudianas. ou ainda o
crític o que não pode contenta r-se em reunir, coligir docu- .,, 1toque sincrônico estrutural. provoca uma reação sobremaneira
men_tos, sondar arquivos, sem lhes formular perguntas e sub- violenta do ma~ erudito raciniano do Sorbonne, autor de Lo Cor-
m_ete-los a novas hipóteses. Da me$ma maneira que o história ,1,~, o de Jean Racine. editor do Racine da "Bibliotheque de la
nao era some~t: a do dado para Lucien Febvre, que preco- t•tt~lode" e grande especialist a da obra, Raymond Picard. Este_
nizava uma h istoria-problema, a crítica literó ria para Barthes publica em 1965 um livro de título significativo, Nouvelle Critique
d:ve-se fazer P:>radoxal, submeter a obra às suas interroga - m.1 Nouve/le Imposture. A réplica de Picord situa-se, sobretudo. no
çoes contemporaneos, e assim participar também da eficácia 11tuno do lugar excessivo atribuído por Barthes à decodificação
indefinida da obra literória. Portanto, Barthes submete Racine p ulca nalítica para exp licar o teatro raciniono. Picard apressa-se
a uma leitura simultaneamenteanalítica e estruturalista~ au- nm e nvolver de novo n um véu pudico os heróis cujas secretas
ro1, deixa então de ser objetÕdecu1ié;- pa ra t ~ -se terreno pulxões sexuais contrariadas foram desvendadas por Barthe~:
de investigação da validade d e novas metodologias de enfo- •cumpre r.eler Racine para se adquirir a c onvicção de que, afl-
que. 1\'11 de c tjntas, seus personagens são m uito diferentes dos de D.
O homem racinlano tem sua estrutura investigada por Bar- 11 . La wre ~ ce. / .. ./ Barthes decidiu descobrir uma sexualidade
thes, a qual se revela em especial por uma dialética m inuciosa dosenfrea~ a" 8 . Pica'.d estraçalh_a _o sistematismo da abordagem
do espaço, por ~ma lógica dos lugares. É assim q u e ele opõe do Barthes\ denuncia sua conflssao em que reconhece sua im-
o e~paço interior, ~. do aposento, antro mítico separado do an- potência para enunciar a Verdade sobre Racine e, por conse-
t~camara - lugar 9enlco do comunicação - por um objeto trá - ouln te , nega-lhe o direito de dizer seja o que seja a cer?a d ~ um
gico (a po_rta). ?f ieto de transgressão, ao espaço exterior, 0 uulor de que não é especialista. Para Picard, Barthes e e;, "instru-
qual contem tres espaços: o da morte, o da fuga e O do mento de uma crítica a trevlda"9 que se enfeita com um Jargão
evento: "Em suma, a topografia raciniana é convergente: tudo nscudoclentífico para formular inépcias e_ ?bsurdos, tu~o em, ~o-
concorre para o lugar trágico, mos tudo aí se aglutina a té for- tno d o saber biológico, psicanalítico, filosofrco ... Nesse Jogo cnt1co
mar um todo inextrincóvel"4 • que confunde e baralha as pistas, Picard denuncia a tendência
. A part~r dessa topo-lógica, Barthes vê a unidade trágica rea- poro o generalização. para tomar o caso concreto, singular, por
hza'.-~e nao tanto na singularidade individual dos personagens lJma c ategoria de vocação universal. Nesse ritmo de indetermi-
racrnranos quanto na função ..que define o herói como o encer- nação modernista, mist u,a para Picard de impressionismo e de
rado: "Aquele que não pode sair sem morrer: seu limite é seu dogmatismo, "pode-se d izer não importa o quê" 1º. .
p r!vilégio, o cativeiro sua distlnção"5 • Essa oposição funcional, bi- Trata-se, pois, de um contra -ataque em regra por parte de
nario. q ue delimita o espaço. Interior e exterior, também permite um Plcard que não era pessoalmente visado pelo estudo de
a distinçã<? entre dois Eros: o amor enraizado na inf ância, 0 8orthes sobre Racine. mas que se arvora em porta-voz de uma
amor sororal cujas manifestações são aprazíveis, e O Eros-even- Sorbonne indignada com essa agitação estruturalista e que gos-
- to: brutal, súbito, de efeitos funestos e devastadores, fonte de t o rla imenso de ver o ídolo em que Bart hes se converte ra
alienação, que é. segundo Barthes, o verdadeiro tema racinio-
no: "A desordem rac iniona é essencialmente um signo. ou seja,
6 . lb.. p. 21.
7 . lb.. p . 60.
8. íl . PICARO. Mouvelle Critique ou nouvelle imposture. J.-J . Pouvert. 1965. pp.
3. lb.. p . 146.
30•3 4.
~ - ~ - BAR~H_ES. Sur Racine, op. clt., p . 13. Q, /b., D , 52.
2b. OS OfMNOLS OULLOS

exf;>ost à execração pública, antes de ser llquld ado. Barthe s


?
alias. fica surpreendido com a violência da polê mic a travad~ 11111! polómlco le va d o à p_r.9.,Ç__a _púbj lcq_ por Picard vai volta t:se
contra e le: "Não esperava o ataque de Plcard. Eu Jamais ata- u111 bumerangue c ontra a velha Sorbonne.
cara a crítica u nlversitórla, simplesmente O destacara e Uma geração de- e studântes entusfãstas logo vai ter ocasião
11
mencio~ara" • Atribui esse ataque às contingências negativas a , 111 contesta r o saber a·cadêmico quando Barthes responde a
que estao expostos os exames universitórios nos departamentos 1111 wd com a publicação de Crítíque et véríté [Crítíca e Verda-
de letras .. A nova crítica é, a esse respeito, perigosa, uma vez r/u) o m 1966, ano que corresponde ao apogeu do paradigma
qu~ questiona o caróter absoluto. intangível, dos critérios de se- m hl-Jturollsto. A publicação do livro de Barthes é, aliós, ruidosa-
leçao de um saber canonizado, estabelecido na certeza inaba- 1111,nte a nunciada, seus exemplares ostentam uma cinta que
lóvel de seus valores e de seus métodos. A defesa de um 11mgunt a em tom de desafio: "Deve Barthes ser mandado para
saber controlóvel, mensuróvel pela bitola de uma verdade esta- 1 1 roguelra?" A dramatização é, portanto, levada ao extremo, e

beleclda ~ ara sempre é, para Barthes, o motivo das acusações lltulhes reaparece no papel da donzela de Orléans enfrentando
de que to, alvo. 11 uuto-de-fé. É a ocasião escolhida para inflamar toda uma
Toda a geração estruturalista se coloca, evidentemente 00 , omunldade intelectual em torno do ambicioso programa dos
lado de Barthes_e faz causa comum com ele contra O v~lha / lnments d e sémíotogie, que pode assim conquistar um vasto
Sorbonne: ~'No ~!ano humano, estamos sempre do lado de Bar- 11wbllco. Desta vez, Barthes responde, utilizando-se da polêmica.
thes. Eu nao d1110 hoje que Plcard estava inteiramente errado Denuncia o fato de que no "estado literário, a crítica deve
no plano _Intelectual, mas estava obviamente errado no plano "' , lôo 'controlada' quanto uma polícla" 17. A crítica de Picord é
da agreSS1vldade. Não fazendo Barthes nem Greimas port e do 11 coblda por Barthes como a expressão da história literária mais
corpo docente, eles não tinham o d ireito de voltar a entrar na hudlclonal, que se apega a uma vaga noção do que é ·a crí-
unlver~da~e. A tese de Barthes foi recusada; quanto aos lingüis- llro verossímil", axiomática e que não tem, portanto, necessi-
tas .. na~ tinham a possibilidade de uma carreira universitá ria e dude d e ser apoiada numa demonstração. Essa noção
muitos f1.caram deprimidos por isso. Sentia m -se vítimas de uma ,mglo b a as referências à objetividade do crítico, ao seu gosto
ver~adeira Interdição. Os especialistas em língua francesa eram 11, o m tércelro lugar. à clareza da exposição. Barthes qualifica a
entoo, s?bre.~udo, pessoas da direita, dominados por escrúpulos lllsló rla literária assim constituída de "velha crítica": "Essas regras
universltarlos 12•. A _resposta
d' de Picru"'
_:__;_;;.;..;;:.-.ao.=_.__--.. · ""'- m "•,·~•·~
,,.....,,_....,
n,0 rt ano,
t como o 1160 são de nosso tempo: as duas últimas vêm do século clás-
IS_:U~ a9emlco esíO'(_~chado em si mesm?"ero - . •lco. a p rimeira do século positivlsta"18 . Também refuta o postu-
va demo t - d .;;._;:e;..;.;...;:;:. -r-'-·· uma no
. . ns raça.? a sua obstinada recusa em abrir-se para ludo segundo o qual a crítica llt e rórla deve ria manter-se no
novas interrogaçoes. 11/vol literário; nesse domínio, Barthes sai um pouco das procla-
Por seu lado, o professor de Estética Olivier Revault d' Allonnes 1110ções Imanentistas para fazer-se defensor do conteúdo, dos
conta os P~ntos e, ~um ª':esso de ecumenismo, declara que ,,1o mentos exógenos que concorrem para esclarecer a econo-
todos os poléi:_rlstas tem razoo. Não quer tomar partido entre os mia ger6 1 do texto literário, e que tornam necessário o recurso
pontos de vist9 sociológico de Luclen Goldmann, psicanalítico 6 hlstó ria \ à psicanálise, a toda urna cultura antropológica . Bar-
de Charles Moiuron, biográfico de Raymond Plcard e estrutura- lhos o põe à postura positivista o ato crítico como a to de escri-
11sta de Rolon9 Barthes: "Todos eles têm razã~. Tudo isso existe tura la to sensu, enquanto trabalho sobre a linguagem . E. nessa
em Phêdre, t!1'.Jlvez seja por esse meio que se reconheçam as qualidade. ao conjugar as figuras do escritor e do crítrco, mina
gr.a ndes ~bras. Elas suportam estratificações, para usar a metá- os contornos. as Imitações e os interditos que funda ram a cons-
fora geologlca de Adorno sobre elas" 13. De momento, conforme tituiçã o de gêneros d istintos de escritura. ·
nos mostra Louis-Jean Caivet, Picard é favoravelmente acolhido A linha de defesa barthesiana em face de Plcard é dupla:
na Imprensa . Jacqueline Platler faz causa comum com ele em o le reivindica os d ireitos de crítica como escritor, portador de
Le Monde e c ita "as surpreendentes interpretações dadas por sentido. verdadeiro criador em sua própria leitura a tiva da o.bra;
Roland Barthes ~as tragédias de Raci ne"14. Por seu lado, Le o, por outro lado, ele faz-se o representante de um discurso
Journat de Geneve saboreia o contra -ataque de Picard : "Ro- mais c ientífico que não considera mais a escritura como um or-
land Barthes K.O . em 150 páginas" 15. Bart hes acusa Imediata- namento da sociedade, um decorum, mas como fonte de ver-
mente O golpe, pois não suporta a polêmica e confidencia ao dade. Nessa perspectiva, Barthes apóia -se em toda a corrente
seu, amigo Philippe Rebeyrol: "Você entende, o que eu escrevi ostruturalista e recorre tanto ao trabalho de locan quanto a o
é ludico, e se me atacam nisso não sobro nada•1ó. Mas O de- de Jakobson. de lévl-Strauss... Substit,uí....a-bis16úo trodic Jongl d a
...... ~
literatura, solidamente escç>rçi do no tcqbalho.~ t«:ição
:~ ~ ~~.RTHES, Océonlques. Fíl3. 8 de fevereiro fr 1988 (novembro de 1970-moio
97
dos ciênc!_?~ ~ ~n~ gor..,.uma "ciência da literat.1,1ra" 191.,..d g_gy__a l
12. Jeon Dubois, entrevista com o autor. se faz o porta-voz e que não se define como uma cJêr::icio dos
13 . Ollvier ílevaull d ' Aflonnes, entrevista com O autor conte údos mas_ das ~ ondi2 ões do conteúdo, o ~ as for-
14
· J. PIATIER, Le Monde, 23 de outubro de 1965 cita.da po L J CALVET, Rolond
Borthes, op, cff., p. 187. · r ·· ·
17. R. 8ARTHES. C rlffque et v érlté. Le Seuil. 1966, p . 13 (Critico e Verdade, p . 190
15. lb•. p . 188
do ed. b rasile iro) .
16. Citado por l.·J. CALVET, lb.. p . 188. 'IA ,..., .-.. ":I" ,.,... ?n'l ..,....., ...,.,.. ....,,..,eilftl,..... l
mas d este úl~i~o. Não surpreende v er Barthes descobrir o mo-
delo dessa ..<:1encia na lingüística: "Seu mode lo seró evidente- 111H 110 com outros te rm os, em oposição a estes. Assim. para
mente llngu1stico"2º. A linguagem é porta t
su1·e·to t · n o, o verdadeiro
:::i'~v~c:~,r~~u~~~sd~sti~~u~;~l~~o~~ :;u~ª~st~~ ':~~~~a~':s.q~:
i que orna o lugar da noção de autor A b d í,j·i·~=:·l'~.!
..:1·
'.=·:,i
, .i,~,~,.;
sentid 0 11 , . · usca e um •• 18 ostruturas sociais são o objeto de processos de desestrutura- __ --
oc_u o e ultimo da obra é estéril, porquanto se apóia
~uma noçao de sujeito que é, de foto, uma ausência· "A iitera i.t'>os o de reestruturações; estão, portanto, comprometidas num
, 11ocesso, numa dialética. Paro Gurvitch, o fenômeno social ex-
ura nunca enuncia mais do que a àusência do suJei°to"21 ·
r do a estrutura e não deve, por conseguinte, ser reduzido a
da Ao anunciar o nascimento de uma nova era histórica b~sea-
uat(l: "É multo mais rico do que era [a est rutura], e sua plenitu-
a b~ª- unidade e verdade da escritura, Barthes enuncia a
tl Implica em alto grau o lnesperado"24. Gurvltch critica p Q.1§.. o
m ~ao de to~o uma geração que vê na explosão do discur-
so critico das ciencias humanos um modo d nalruturalismo como ',JJ1! regu_cic~[liSr!)Q...Q.l,!g.:IDi\pobJ:...ec.e_ Q.Ji.q.ueza
min , _ e escrever que cul- do real e, O<_? mE:lSQ'l'"º-. t ~!!IJ?.2· c ~ u~ o..,.2@1C::..º - .ffi.l-ª e.srooga
~ra. no criaçao propriamente literária. Ele coloca em
1 om seu pes-9 o m ~vl~ r : : ) ! ~ ~ ~ ~ ~edade,
evidencia e desestabiliza um discurso universitário que quer per-
A resposta de Lévl-Strauss é particularmente veemente: "Com
;anecer surdo a uma fala cada vez mais exigente Para além
t esse ano de 19~6. os ecos longínquos desses combates/emba-
que direito, com que título, Gurvitch se coloca como nosso
c,onsor? / .. ./ Porque é puro teórico. Gurvitch só se interesso pe-
Res ?inda se farao ouvir, e a violência das declarações de
e~e Pomm!er22 rE:_vela b em o estrago que Barthes provocou no
lo porte teórica de nossos trabalhos" 25 • Deve-se fazer prevalecer
-!:! er acade mico, verdadeira andorinha anuncian- do u caróter singular do evento ou as permanências da estrutura?

----
ra-"ãe- 19õ8. _ a primave- 1e.se debate constantemente renovado da sociologia. já trova-
do entre Durkheim e Tarde, está no âmago do confronto Lévi-
Strauss/Gurvitcfi. e foi exposto num artigo largamente citado do
Inicio dos anos 60 do autoria de Gilles-Gaston Granger26 .
O e pistemologista G illes-Gaston Granger define bem o alter-
r,atlva que parece opor a apreensão sensível do mundo e o
concepção inteligível do esquema científico. A esse respeito,
compara a postura de Gurvitch com a de Lévi-Strauss: "Para
C urvitch, uma estrutura é, de certa maneira, um ser; para lévi-
LÉVI-STRAUSS/GURVITCH Strauss. é apenas um modelo" 27. Recusando a ferramenta mate-
mótica, a formalização, Gurvitch considera a estrutura como um

. h
O oytro confronto dos anos 60 opõe Lévi-Strauss a todo
urn
J setor do sociologia, renitente em dissolver-se no ca-
fenôme mo. ao passo que para Lévi-Strauss trato-se de uma fer-
ramenta\ do conhecimento. Granger qualifica a postura de Gur-
vl1ch de\~arlstotelismo. enquanto que Lévi-Strauss representa "o
d 1n o estr furai - ainda -
que a noçao de estrutura não lhe seja partido d uma matemática do homem"28 • É certo que Granger
~Sfra_nha 1, e marcada pela personalidade colorida de Georges assinalo o erigo de hipóstose do ferramenta do conhecimento,
.urvitch/ E uma outra frente dos combates do momento que pode transformar-se no próprio objeto do conhecimento
c1al ' L, · . essen-
en ~o~a evr-Strauss,. ~ue deve conseguir imperativamente o e m ciências sociais, mas o lance é tentador, apesar ,da cons-
gaJamento dos soc1ologos se quiser reunir todas as ciências ciência desse possível obstáculo: "É preciso correr esse risco" 29•
~o 7omem em torno de uma antropologia que se tornou estru- Portanto, Granger coloco -se do lado do empreendimento estru-
uro · Portanto, a polêmico é intensa entre Gurvitch e Lévi tural, se bem que conserve uma certa d istância crítica que o
Sfiraussi· ~arque. 0 que estó em Jogo, nos planos teórico e institu: leva a censurar em Lévi-Strauss o passagem de modelos de
e ona. e decisivo. análise para esquemas de vocação universal. uma posição que
Gurvitch expõe sua concepção da estrutura social em 195523 a meaça reintroduzir uma forma de ontologlzação de seus Instru-
Define-a da mesma maneira que Murdock, como um fenôme~ mentos de conceitualização.
no iq_ue designa a idéia de uma coerência das instituições Trinta anos depois desse artigo, Granger considera, com mais
soe ais. Enquanto fenômeno. a noção de estrutura pode relacio- liberdade do que na época, uma vez que não desejava ferir
demais os suscetibilidades de Gurvitch, que este último era "in-
finitamente pequeno ao lado de Lévi-Strauss e portador de uma
20. lb.. p. 57 (P, 217 do ed. b roslleirol
21. lb. , P, 71 (p. 226 do ed. brasileiro):
22. R. POMMIE-R Assez décod, ~d R
blot. 1967. on~ otoco Borthee; e.;,.~blot. 1_978;• e R. Barlhes, Ras /e boi!, ·É d. Ra-
2 4. lb., p . 31.
25. CI. LÉV~STRAUSS, Anfhropolog/e structural&, op. c/1., p, 356 [ p. 364 do ed. bra-
sos: "As tolices de um ll Bo Ih ~borth,ens . Pode-se ler oí. ent re outros col-
humona• (P 40)· ' Quond . 1 '. es soo, poro m im, um insulto à inteligência slleiro J.
· , o o @10. nunca digo infm t ·p 26. G.-G. GRANGER 'Événernenl e t structure dons 1es sciences de l'homrne', Co·
Borthes é inteligente!'· d;,.,o-me t' , omen e, uxo. como esse R.
hlers de /'ISEA, d ..semb<o d .. 1959.
d o .. 'C omo se pode •ser ·1=1 con ,nuamente, com um espanto sem
tão c re tino?·• ( . pre renovo-
23. G. GURVITCH "L . p .21). Por oqu1 se pode apreciar o nível! 27. G .-G . GRANGER. 'l:vénement et structure dons les sciences de l'homme·, ort ,
, e concept de structure social • e c itado. p . 168.
soc/o/og/e, XIX, 1955. e, nos ohlers lntematlonaw, de
28. lb., p , 174.
30
escolóstico vozlo" . Quanto a Lévi-Strauss, G rang e r ape nas ,,111ru 1u ro 11smo que ele qualifica de genético, aberto para a hls-
0
prevenira contra o perigo de apreender as estruturas como exis- tórlo. Mas e ssa Influência também é perceptível entre os socló-
tentes, ~orno seres mais reais do que a realidade, à maneira h>(IOS do grupo, como Pierre Ansart, que preparava ~ su~ tese,
d~ ~latao; mas nem por Isso deixava de esperar dele a consti- 1 ri ho ta nto, sob a direção de Gurvitch. e que foi senStvel a con-
tu,çao ~e uma grande sociologia ou antropologia estrutural que lilhulçõ o estruturalisto: "Lembro-me perfeitamente do primeiro dia
fornece~,a a chave de uma compreensão científica do homem um que ouvi falar de estruturalismo. Foi numa aula que Geor-
em sociedade. Ora, desse ponto de vista, Granger estó hoje \JDS Davy nos deu ao sair da defeso da tese de Lévi-Strauss. Foi
~enos otimista acerca do alcance do programa lévi-straussiano: ,wna aula apaixonante sobre Les Structures étémentoíres de lo
Penso que a obra de Lévi-Strauss não deu o que eu esperava porenté, que ele nos apresentou como uma possibilidade lnte-
dela"31 •
litotual excepcionoi" 34 . Ora, Pierre Ansart, que tinha feito uma
_ O julgamento de Granger acerca de Gurvltch é severo e 11 ao complementar sobre o nascimento do anarquismo · que
nao le_va em conta a importôncla que ele teve para toda uma e,lo sustento, aliós, após o morte de Gurvltch, em 1969 -. adoto
geraçao de sociólogos e antropólogos. É certo que Gurvitch ti- 1una problemático voluntariamente estruturalista . Inspirado pela
nha uma personalidade algo megalomaníaca, de uma vaidade posição de Lucien Goldmann, ele tentou construir sobre o anar-
quase natural que o falia considerar que somente a sua obra
' 1ulsmo uma apresentação da estruturação de um pensamento
era digna de ser levada a sério. Aliós, foi a isso que se dedicou , m suas relações homológicas com as estruturas econômicas,
aquele que se tornaró seu assistente, Roger Establet: "Eu devia p róllcas, e as visões do mundo de seu tempo: "Para nós, que
dar um curso sobre a sua obra"32 • Era famoso por seu dogmatis- p1ocuróvamos o nosso caminho, o estruturalismo mostrava-se de
mo: "Qu~ndo ele dizia haver quatorze patamares de profundi- uma fecundidade extraordinória do ponto de vista do t raba-
dade,. nao eram treze nem quinze, evocava com ironia um lho"35.
D~rkhe1m que apenas encontrara t rês"33 . Mas a face oculta por Se o estruturalismo teve sobre esse grupo de sociólogos de
tras dessas proclamações dogmáticos releva um personagem o&querda uma influência real, nem por isso deixou de ser o ob-
tocante, machucado pela história e animado de uma paixão loto de uma vigoroso crítico na medida em que era revelador
devoradora. Morando na rua Vaneau, no mesmo apartamento (Jo uma civilização técnico em vias de desumanização. Foi o
e_m que residira Marx durante sua passagem pela França, Gur- coso, em particular, de um colóquio em Royaumont, em 1960,
v,tch era em Paris um exilado, só acumulando livros na espe- onde um consenso em torno do crítica assestada por Gurvitch
ra_nça sempre presente de regressar à União Soviética. As condi- contra o estruturalismo reuniu Jeannine Verdés-Leroux, Sonla Da-
çoes qu~ estabelecia para o seu regresso, numa contínua yon, Plvidol, Tristani e Claude Lefort... Esse correlaclonamento do
negoclaçoo com os autoridades soviéticas, tornam-no particuiar- ostruturalismo com seu lugar de enunciação é analisado, em
ment~ slmpófic?. Desejava poder falar em russo aos operórios ospeci À.I, por alguém muito chegado a Gurvitch, Jean Duvig-
no satfJa dos fabricas e, por outro lado, consultar com total li- naud: \uitos pessoas foram arrastados para esse conflito, pois,
berdaf~ os arquivos da Rússia para escrever uma história da havia alg~ mais além da mera aparência. A questão estava
~ev~'.Yçao Ru~a no próprio lugar onde ele tinha sido Comissá- o m saber sê uma sociedade pode transformar-se de dentro pa-
no d)" Povo. E, portanto, um sociólogo que estará separado ra fora" 36• Para Jean Duvlgnaud, o famoso corte epistemológico,
pard ~empre do terreno que teria querido lavrar e quando ob- que outorga suas credenciais de nobreza ao estruturqlismo ideo-
tém, finalmente, suo autorização em 1964 (renunciando, porém, lógico para converter-se no doutrina oficial do universidade e
a conselho do esposa, a dirigir-se aos operários em russo), a do intellígentsia, reproduz o corte entre as leis dominantes da
morte Impede-o de realizar sua promessa.
tocnoestrutura e os de uma eventual mudança global: "Eu direi
Gurvitch terá sido durante todo esse período O líder um tan- o n tão que o pensamento de Lévi-Strauss tornou-se verdadeiro,
to carismático de uma rede mais ou menos reticente à voga o té evidente, pois que reencontrou, após o desvio pelo selva-
estruturallsta. Nesse pequeno cenóculo reuniam-se sociólogos co- geria, as próprias estruturas da segunda Idade lnd~strial"37 • Jean
mo Jean Duvignaud ou Pierre Ansort, filósofos como Luclen
D u vlgnaud emite a hipótese segundo a qual a nao-consldera-
Gold_mann ou Henri Lefebvre, e antropólogos como Georges Ba-
çã o da história em Lévl-Strauss não resultaria tanto do constata-
land1er. A maior parte não queria, aliás, entrar em confronto ·
çã o do predomínio de uma relação de reprodução, de um
direto com Lévl-Strauss. A alternativa punha-se, antes, entre as a rre fecimento da temporalidade nas chamados •sociedades frias
duas figuras emblemáticas da sociologia: Raymond Aron e d os trópicos mas, pelo contrário, proviria do intuição das mu-
Georg~s ~urvitch. Entretanto, mesmo nesse grupo gurvitchlano, danças em curso na civilização pós-industrial, na hora em que
a Influencia esfruturolista suscitou trabalhos e teve efeitos sobre o comunicação levo o melhor sobre o mudança.
as opções metodológicas.
Há, sem dúvida, o receptividade de Luclen Goldmann um
O

30. Gilles-Goston Granger. entrevista com o autor.


31. lb. 3 4 . Pierre Ansort. entrevisto com o autor.
32. Reger Establet. entrevisto com o autor. 30. lb.
33. lb. 36, J ean Duvignoud, e ntrevista com o autor.
TURALISMO

,
111
ostõo ngadas numa relação de redobramento. Ciência do
e nncreto, nodo tem, contudo, de espontânea e c.,?nfuso, como
11,, acreditou por multo tempo. O seu terreno predileto é o dos
1 ,uvk:t odes cotidianos das sociedades prrnitlvos: a coço, o coleta,
11 posca ... "A riqueza em palavras abstratas não é opanóglo ex-
, hl·jvo dos línguas clvll2ados"30, e Lévl-Strauss descreve a confusão
do& etnógrafos em face do soma de conhecimentos dos tnbos ín-
UM LIVRO-EVENTO: LA PENSÉE SAUVAGE dios, diante de sua capacidade poro distinguir, Identificar e repre-
'" nlor O mundo animal e vegetal que é o mundo delas. Os índios
llnpl recensearam assim 150 plantas, os Navojos, mais de 50'.)! Es-

U m outro grande duelo Intelectual opõe os dois monstros


sagrados do lntelllgentsla francesa: Jean-Paul Sartre e
Claude Lévl-Strouss. Recorde-se que este último tinha estado
_., pensamento do concreto efetua classificações com uma ~reo-
c 11paçõo metlcuoso de Identificação, o fim de tomar operac,onol
".~o saber no vida cotidiana, em torno de todo um sistema de
atento à publicação do Crítica da Razôo Dialética, mos nado prescrições e de proibições. .
objetora de momento à filosofia sartreona, não porque tivesse Pelo pubicoção no mesmo ano de suo outro obro. Le Totémis·
desertado do terreno filosófico. como se propalava, mas ao mo oujourd'hul, Lévl-StJauss Uustro o tese central de La P~sée sau-
contrórlo, porque preparava uma resposta severo e multo polê- voge. Ele mostro que os antropólogos esb'.:mororn ate aí numa
mico no seu próprio terreno, o do antropologia. É essa resposta 1
,poria ao limitarem-se a constatar no totemismo semelhanças en-
que ele Insere no que figuro como obro-mestra no história do he O mundo animal ou vegetal e o mundo humano. O valor da
antropologlo, La Pensée souvage (O Pensamento Selvagem], r losslflcoção totêmlco estó, pelo contrórlo, numa homologia de
publicado no mesmo ano que Le Totémlsme aujourd'hui [O To- oatruturo entre duas séries, uma natural e o outra social. "A Ilusão
temlsmo Hoje], em 1962, com o capítulo final "Histoire et diolec- totômlco provém em primeiro lugar de uma distorçóo do campo
tlque". Lévl-Strauss não se limita a uma resposta às teses Jl)mântlco do qual sobressaem fenômenos do mesmo ~po."~ ?
sartreanos, dando prosseguimento, sobretudo, à explicação do totemlsmo desempenho um papel integrador dos opOS1çoes b1na-
modo de pensamento das sociedades frios: aprofunda a de- tlos: tem por função tornar positivo o que pudesse figurar co~o
monstração que tinha esboçado em Roce et histolre, dedi- obstócuto à integração. As espécies naturais são escolhidas noo
cando-s~ desta vez a mostrar o universalidade dos mecanismos porque selam boas paro comer mos po~que são boas poro
do pensamento paro Õiém -dos difer;nças- de cont;;-údo. Reali- ponso~'. Dó-se. portanto, a osrnose entre metodo e re afidade, ho-
zo, o esse respeito, um deslocamento decisivo em relação às mologia éntre o pensamento humano e o oblato <_?º qual ele se
teses de Luclen Lévy-Bruhl, que opunha a mentalidade pré-lógi- nplioa. A Jnv~goção etnogrófica transfotma-se entoo em constru-
co das sociedades primitivos, marcada pelo princípio de parti- ç.õo lógica e pode atingir o estógio da ~ntropologla, ou seja, a
cipação, à mentalidade lógico dos civilizados, regido pelo prin- lrwestigoção dos leis fundamentais do espulto humon~.
cípio de contradição. Neste ponto, Lévl-Stro uss distingue-se do lnterpretoçoo funclona-
Ao contrórlo do tradição antropológico, Lévi-Strouss afirmo tiSto de Malinowskl, que opta exclusivamente pelo nível riaturoAsta,
que •o pensamento selvagem é lógico, no mesmo sentido e do utUltórlo, afetivo, quando explico que o interesse concentrado ~o
mesmo maneiro que o nosso"38 • O pensamento selvagem, apre- mundo vegetal e animal reflete o foto de qu~ a preocupaçoo
sentado por multo tempo como o expressão primário do afe- p rimordial dos sociedades primitivos reside no alimento. Para Lévl-
tivo, é agora descrito como dominado pelo amplitude dos fins Strouss. a explicação deve ser procurado msn nível mais profundo
que o si próprio se atribui, simultaneamente sintético e onolítlco; do que um simples mecanl9'llo de identidade, ou seja, a partir d~
procede tonto quanto o nosso pensamento ocidental pelos vias Interferência natureza/cultura: ·o
totemismo estabelece uma equi-
do entendimento e apóio-se em todo um sistema de distinções, valência lógico entre uma sociedade de espécies naturais e un:'
de oposições de extremo variedade. universo de grupos soclais"42. Portanto, é sempre nessa linha fronte1-
Existem, entretanto, dois modos de pensar, i!).d.ub.itavelmente, tlça entre nofureza e culfura que prospero o estruturalismo, que se
mos se~ q ~ e Jiossã:ieferi-losã"umsiste_ma ...bl.erórquico; e les edifico o seu proJeto. .
se definem o partir de dois níveis estratégicos. O pensamento o acolhimento reservado o Lo Pensée souvage e Imediata-
selvagem depende de uma lógico do sensível e realizo-se nos mente espetacular e contribui poro a propagação do programa
signos, não nos conceitos; é um sistema fechado, acabado, re- estruturafista poro além do círculo antropológico. O sucesso é ta-
gido por um número dado de lels. Lévl-Strouss, no verdade, manho que uma jornalista do France-Soir adverte se~ leitores qu~
opõe o ~stemo fe_cho5!9, ci!._culor, do pen~mento ~qgem ao tenham sido tentados pela compro da obra de LéV1-Strauss, at~a,-
sistema aberto do ~e~omerno c ~ntíUco, 0-.quol..tracwz...uma re- dos pela reprodução na copa de um buquê de amores-perfeitos
la@ diferente c.2_.m....9-.no.tyrezo. O pensamento selvagem estó
aparentado com um pensamento em que os palavras e os col- 39 CI L~VI-STílAUSS. Lo Penséa JouvOQe. op. cff.. p . 3 .
40 CI LN~STílAUSS. Le Totém/srt",e au)Ourd't..JI. Plon. 1962. p . 2 5 .
38. C t IWI-STQAII<;<: ,~ .,___,._ - - ··--
(violo tricdor), popularmente conhecidos como "pensées souva-
ges•*: esse belo buquê de flores exposto nas vltrlnes das livrarias
podia fazer pensar nuna obro de botânica, e a jornalista trota de
avisar que se t roto de um ensaio sumamente difícil. Num tom
mais sério, Claude Roy vê no livro de Lévl-Strauss uma obra tão
Importante quanto A Psícopotologlo do Vida Cotidiano, de Freud:
"Freud demonstrou com gênio que as nossas desrozões têm suas
razões que o consciência não resguarda. Bs que Claude Lévl- LÉVI-STRAUSS/SARTRE
Strauss foz a demonstração, profundo e nova, de que O aparen-
te caos dos mitos e dos rituais primitivos obedece, no realidade, 0
uma ordem e o princípios que permaneciam até agora lnvisíveis"43.
Num extenso estudo publicado em Critique, Edmond Ortigues
parte de uma analogia de método entre Lévi-Strauss e Paul va-
L a Pensée sauvage constitui um desses raros momentos no
transcorrer dos quais um livro se apresenta como evento
11 oi em sua irreversibilidade, por seu alcance e suo capocida-
léry. A mesma preocupação formal está presente no poeta e no d u de transformar o nossa visão do mundo e dos outros. É
etnólogo: "Uma mesma família dé espíritos: reticência semelhante 1msso peço central do dispositivo estruturallsto que Lévi-Strouss
em relação à história, igual Insistência em defender a sensibilidade 111~ore a sua investida contra Sartre. verdadeira réplica diferida à
do Intelecto contra a Inteligência dos emoções'' 44• Em Le Monde, ( .r/tlca da Razão Dialético, particularmente polêmico. ~ ó _é
Jean Lacroix dedica-lhe sua coluna, saudando o realização de v load o o carisma de Sartre mas também o status dà filosofia
uma obra estritamente científica: mantém-se, porém, a uma cer- 1 orno d:hclplin9-~ i,nti.9 e õ lu 9g,r- &1vilegiad_:) co~_ce~ ànlõso•
ta distância em relação ao que qualifico de "a mais rigorosa -
__. ..........__ ~ ' -- -
rio d o história. -ao histor,icismo, que se vê rechaçado do hori-

----
mente atéia filosofia deste tempo"45, e que se avizinha por vezes 1ont e estrutural. A história nodo mais é senão uma relação de
de um materialismo vulgar que vê nos próprios enunciados da uventos,_ç q~ .§.QOdo à ~grafia._Lévi-Stral.!S§..9.!<!S:~ maneira
matemática o reflexo do livre funcionamento do espírito, ou seja,
a atividade das células do córtex cerebral, obedecendo às suas
próprJas leis. O jornal Le Monde concede um espaço muito con-
--
com o Sartre o arvoro em persp ectiva unificadora, totat fzã doro:
"No sistema de Sartre, o história desempenno, de um modo
m ulto preciso, o papel de um rnito"48 • O vivenciado, os eventos,
slderavel ao acontecimento, visto que, ao artigo de Jean Lacroix o material histórico, tudo depende do m ito. A partir desse ..e.,o s-
de novembro de 1962, cumpre adicionar o artigo de Yves Aoren- tulado. Lévi-Strouss_ oã9...rnr..eJWd~ 91 gue' os filósofo~ r-
ne de maio de 1962 e a entrevista com Lévi-Strauss em 14 de lre e r:n p ~ eiro lugar'. ~~!!!l_am-s~3 m otrie ~ , ! ! !~_9~te
julho de 1962. Em Le Figoro, é Claude Mauriac quem analiso a p re pond~JçtncJa.._à..,bistó.r.io. Esse fascínio é visto como tentativo
\obra, enquanto que Robert Kanters, em Le Rgoro líttéroire, entu- de restabêl~cer uma continuidade temporal coletiva. ao contrá-
s!asma-se e observa judiciosamente que "as ciências do homem rio da abord'ogem do etnólogo que se desenvolve no descon-
1 '• '
HoJe, são as fontes da arte de amanhã''4ó. tinuidade espo'ê-101. Paro Lévl-Strauss, esse conteúdo é pura -
} ·A comunidade estruturalista manifesta-se pelo crítico elogiosa mente mítico, ilusório, quando mais não seja porque pressupõe
/ que Barthes foz das duas obras de lévi-Strouss de 1962. Ele cele- a escolho, por parte do historiador, de tal ou tal região, de tal
bra o substituição de uma sociologia dos símbolos por uma socio- o u tal época ... Portanto, ele só pode construir histórias, jamais
logia dos signos e o introdução de urna sócio-lógico que se te ndo acesso a qualquer globalidade significante: "Urna história
coaduno com o projeto semlológico global. O mérito de Lévi- total neutralizar-se-la a si mesma: o seu produto serio igual a
Strouss está, poro Borthes, no extensão do campo do liberdade zero" 49• Por conseguinte, não ~ i s t 0 1 l G O . . m Q~ uma
humana a um domínio que até então lhe escapava: "A sociolo- p luralidade de historio§ rfcfõ'"11godos o um ~ t~ Ql: _o ho-
gl~ poro o qual lévi-Strouss nos convida é uma sociologia do pro- mem. Assim, a hisfõriã noo pode deixar d e ser parcial e perma-
pnomente humano: ela reconhece nos homens o poder ilimitado n~ rá "parclol"50•
de fazer significar os colsas"47• é_ uma diatribe em regia contra o filosofia do história: sua
"pr~ tenso coo1io11id.gge hist órica só é assegurado RQJ.-CQg_lo de ---/.,
tcQç,.Q.QQ.s..1.r.oudulentos" 61 • A história serio g g ~ e -
f úgio de um humanismo transcendental. e ~évl-Strayss convido
os historiadores o se 'desvencilharem ·da p 9 slçõ~ entroi a.tribuí-
• A plolovro pensée que. como se sabe. significo "pensamento•. é também O no-
m<>_ dado o. uma espécie de fio, do gênero violeta (amor-perfeito em po,tuguês). da ao homem e ãt'é mesmo a saírem da B!.9J:2!:i9 dJ.sciplirul his-
Ass1,:n. pensee sauVOQe, olém de "pensamento selvagem'. te,-ia tombém a cono- tórico: "A hisfÕrlác onduz a tudo, mos na condição de se sair
toçao de "violeta selvagem•, temo do copo a que alude o jomolista . (N. do T.)
delo"62 •
43. Ct. ROY. "Un g rand livre civilisé: La Pens&e sauvoge•, LJbéroflon. 19 de junho
de 1962.
44. E. ORTIGUES. Critique. nº 189, fevereiro de 1963. p . 143. 48. CI. LÉV I-STRAUSS, la Pensée sauvOQ", op. clt.. p . 336.
45. J . LACROIX. Le Monde. 27 d" novembro d" 1962. 49. lb .. p . 340.
46. R. KANTERS. la FIQaro llftérolre. 3-23 de junho de 1962. 50. lb., p. 342.
47. R. BARTHES. 'Socíologie et. socío-logique', lnfoJTna/íons sur les sclences soe/ales. 5 1. lb.. p. 345.
n• 4, dezembro de 1962. p . 242. 52. lb.. p. 347.
HIST WA DO LSTfWTUIMLISMO 25 OS CRANDfS DUELOS

À_hlstórla Identificada com a humanidade. Lévl-Strauss opõe 111 .. 1•crnl Rlcoeur expõe no seu artigo "L'herméneulique et le
o pensamento selvagem como Intemporal, apreensão do mun- I IIIIQll1tuli$tne". Paul Rlcoeur não recusa o clentiílcldade do Ira·
d Õ numg tetalldade reencontrada, mas no plano slncrônlco. IJnllio o slrutural sobre os códigos em uso nas línguas, nos mitos,
Sartre não responderó diretamente a esse ataque mas, em sua 1101 t ontosta, em contrapartida. o transgressão de limites que
revista, Pierre Verstraeten analisa a obra de Lévl-Strauss sob o tí- 1 Jn J~to cm passar. sem justificação. poro o estóglo da g~nera-
tulo: "Claude Lévl-Strauss ou a tentação do nada". Considera 11 1 i t,, l'l o, da sistematização. Poro Paul Ricoeur. ca~e distinguir
que "Lévi-Strauss confunde deliberadamente os domínios da se- 1111111 0 b o m dois níveis de abordagem: o primeiro rnvel apóio-se
miologla com os da semântica (ou da lingüística) ao aplicar. , .. 1 lols llngüístlcos e forma o estrato Inconsciente. não-reflexivo.
de forma sistemótica, os princípios da semântica a todo o cam- , 1111 llnr,o rativo categórico, sem que haja o necessidade de re-
po semloiógico" 53 • Lévi-Strauss terá. provado o poder da dialé- 1, ri lo O um sujeito consciente. Esse nível é ilustrado tonto pelas
tica. mas de maneiro negativa. revelando aí a inonldode que , •1' 11 ,lc.Oos blnórlos do fonologia, quanto pelos dos sistemas ele-
para ele representa a temporalidade histórica. Verstraeten reme- l m 11 1oro s do parentesco. a cujo respeito Paul Ricoeur re co-
te. portanto. o imaginário de Lévi-Strauss para o seu próprio 11111 e.o, o ilás, o validade dos onóllses de Lévl-Strouss_: ·o
objeto de estudo. da mesma maneira que Lévi-Strouss atribuía à 1' tJ1fGOndlmento estruturalista parece-me perfeitamente leg1tlmo
. t
fliosofia sartreana o status de mito. Esse combate subjacente 110 o brigo de toda crítico. enquanto permanecer c~ns_c,e:e
entre os dois monstros sagrados do período traduz-se. em 1962. ( ln 111as condições de validade e, portanto. dos seus limites .
pelo triunfo daquele que encarna o programa estrutural, Lévl- e <>m Lo Pensée sauvoge. Lévi-Strouss generalizo o enfoque
Strauss. e pela derrota. portanto, do historicismo encarnado por 1111 rnodlda em que este funciona tonto nos trópicos quanto
Sartre. ,,, 11 1u11tudes temperados e encontro-se em relação de homolo-
uh I oom O pensamento lógico. Oro. Paul Ricoeur opõe o pen-
.1111o nto totêmlco ao pensamento bíblico. no medido em q~e
llllplic o uma relação Inversa entre diacronia e sincronia. Be noo
o p ôQ à objetividade de um sentido formalizado ~ de um subje-
11 111:un o de sentido, mos o que ele chamo de ob1eto do herme-
11 ~,llc o : •ou seja. as dimensões de sentido abertos por essas
,,e osslvos repetições; cabe então perguntar: todos os cultur~:
11 1,uoc e m O mesmo poro ser retomado. redito e rep ensado? ·
\ RICOEUR/LÉVI-STRAUSS " passagem do ciência estrutural para o filosofia estrutural é
, 111ullllcoda por Paul Ricoeur como "kantismo sem sujeito trans-
58
o undo ntal, no veipode. um formalismo obsoluto" • E oferece a

L o Pensée souvoge vai suscitar, com a revista Esprit, um


outro grande debate do período. Esta sente-se imediata-
mente atingida e contestada como representante de uma filo-
cillo rnotlva de uma hermenêutico que. embora levando em
1
o nta essa fase de decifração formal, atribui-se como objetivo
1n1o r coincidir a compreensão do outro com a compreensão
sofia do sujeito. O seu diretor. Jean-Marie Dome nach, coordena , lo o u. passando pelo fase Interpretativo do sentido, por um
um grupo filosófico que se dedica durante vórlos meses ao es- p u nsomento que se pensa e se repens~ incessanter'nent:.
tudo da obra de Lévi-Strauss a fim de preparar um número da o qualificativo de "kantismo sem sule1to transcendental é re-
revista a ele dedicado. Artigos de Jean Cuisenler. Nicolas Ruwet tomado e assumido por Lévl -Strauss em sua resposta o Paul
etc .. colocam em perspectiva Lo Pensée souvoge, e o número fllcoeur; aceita-lhe os termos e recuso o busco de um sentido
encerro-se com um debate entre Lévl-Strouss e a equipe que d o sentido: "Não podemos. ao mesmo tempo. tentar compreen-
trabalhou sobre sua obra. Certas declarações foram eliminadas 59
do, os coisos do lodo de foro e do lodo de dentro" . Lévl-
por Lévl-Strauss da transcrição final do debate. como esta: "A 'itrouss situa a etapa científico do seu trabalho no estágio de
minha fórmula particular é o de Royer-Coliard: o cérebro segre- taxinomia necessária das sociedades. o que exige abster-se de
ga o pensamento como o fígado segrego a bílis"54, assim como ovonçor em outros terrenos que ainda não estejam suficlente-
se opôs a sua republicação. Inúmeras vezes solicitada por mul- rnonte demarcados.
tas revistas estrangeiras. Entretanto. Jean-Marie Domenach é-lhe A era dos grandes debates estó. pois, em seu apogeu e.
particularmente grato por se ter prestado a esse confronto con- c om elo. as fronteiros disciplinares são amplamente _Interrogados.
tradltórl o: "Estou-lhe agradecido por te r participado nesse problematizados. Colhidos no jog.9 da~rontçi_ç,.oes JID.he dls-
debate. pois tenho grande admiração por suas capacidades ln- c lpllnas. são numerosos oqueles _que vôo Q_ossa~de uro...compo
telectuols"r.s. poro outro. diversificar seus lnst~ento~e 0!19!!..se. seus domí-
Esse debate opôs, sobretudo, duas orientações divergentes

~ó . /b.• p . 644.
53. P. VEflSTllAETEN. Lcn T&mps rnodermu. n• 206. Julho de 1963. p . 83. =>1 lb.• p 618
54. CI. lóvl-Strauss. declarações feitas. citadas par Jean-Marie Domenaeh em en-
trevista com o outor.
------ !! 7'· !~~~~~n~uss.. ,o..:. p . ~37. -'-· ·- - · •. ,... ___ .._,.,__ ........ ,....1••~,,,.. ........ ~ •tntl'Ltu..
_ nl~ s de comQ~Dcia. e a lnte rdisclpllnaridode vai converter-se
~ a nova. r.=!i_glão. Para ser um bom estruturallsta. é n ecessó-
rlo fazer-se hnguTsfã, a~tropólogo, com uma pitada d e psican6-
26. AS CADEIAS SIGNIFICANTES
!1se e de marxismo. -E--um_p.eríodo particularmente fecundo,
intenso, em que homens e conceitos se transformam em objetos
num contínuo _vaivé~, transgredindo fronteiras, escapando aos
postos aduanetros. Soo esses os sinais anunciadores de um estru-
turalismo ~ ai~i.Q_eofogk~.Q- f:f_~ que científico. Essapiãstick1Õd e
pode servir para a conquista de posições de poder. para aba-
lar a velha Sorbonne. Sua forço propulsara fez-se sentir no fra-
c~sso de Paul Ricoeur no College de Franca. derrotado pm
Mtchel FoucauJt em novembro de 1969.
A multiplicação desses cruzamentos, encontros e debates A CISÃO
obrlg~ freqüentemente as disciplinas a rever sua situação, a re-
d~flntr _seu posicionamento. Ê o que faz André Green para a
p 51canalls~, <?~ia prótica Interroga a partir da oposição em cur- a cisão de 1953 à excomunhão de 1963, Lacan pôde
so entre htstona e estrutura60• Não dá ganho de causa a Sartre
que nega t~da a base teórica à psicanálise, nem a Lévi-Strauss:
D consolidar suas posições suturando-as fortemente ao pa-
radigma estruturalista em pleno desenvolvimento. Esse ponto de
cujo panlog1smo o leva a nada considerar do homem fora de ostofo [poínt de copiton) torna-se essencial no momento em
sua estrutura físico-química. Defensor da .obra de Freud, André que fracassam as negociações com a Associação Psicanalítica
Green, mostra o ca'.óter indissociável da estrutura e da história Internacional (IP A) para filiação da Sociedade Francesa de Psi-
na _p~atlca pslcanalttlca: "A história não é pensável fora da re- c análise (SFP). constituída em 1953. A condição requerida é o
P:hçao que ela própria remete à estrutura; a estrutura, no que abandono Imediato das práticas lacanlanas e a exclusão pura
diz respeito ao homem, é impensável fora de sua relação com o simples do próprio Lacan. que se convertera no obstáculo
os ~eus genltores, constituintes do simbólico, Introduzindo uma re- principal à reconciliação geral.
laçc:10 temporal-Intemporal que implica a dimensão da história"61 . Banido, Lacan reagrupa os seus fiéis e crio a Escola France-
Nesse concerto de discordâncias, atritos, fontes de anátemas sa de Psicanqlise em 1964. que logo se torna a Escola Freu-
de mo_?el<:;>s_~ ludenfes. o pon tÕde- vista de André Green d~ diana de Paris\ ao passo que uma outra parte da Sociedade

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~ . est~
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..llOS excessos.
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lismo _bem temperado apresenta-se na posição ...do
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ec~ ç __hora onde~ será necessário pôr um freio
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Francesa de P~O<::Jnóllse, a SFP, reunida em torno de Jean La-
planche. obtém à--{!Jlação na IPA em 1963, sob o nome de
Associação Pslcanalíftca da França. Tal como no movimento
trotskista. as cisões e dissoluções tornar-se-ão o fermento do mo-
J vimento lacaniano. A cisão entre eles que, no entanto. viveram
dez anos na mesma organização. a SFP, além da benção pro-
c urada de porte do organização internacional de pslconóllse, é
também a resultante de um certo número de desacordos.
Por uma parte, a prótlca das sessões curtos multiplica os
ecos Inquietantes sobre a taxa de preenchimento das salas de
espera; por outra parte. a misturo entre a análise individual
c hamada didática e o ensino também suscita alguma inquieta-
ç ão no tocante aos riscos de mistura dos gêneros: "Mas. sobre-
tudo, o foto de que Lacan não estava disposto a renunciar em
q ue quer que fosse a essas práticas era. de súbito, revelador
de sua importância. / ... / Assim, o que a nossos olhos (a meus
olhos) Ingênuos tinha podido passar por acessório passara a ser
o que de mais importante estava em jogo" 1 • Um bom número
de discípulos das teses teóricas de lacan vai, portanto, cami-
nhar no interior de uma outra organização que não a dele.
O risco de isolamento, de marginalização, é então a princi-
pal preocupação de lacan, que considera que quem não está
com ele é forçosamente contra ele. Ê a política de quem me

6~. A. GílEEN, 'lo psychonotyse d e vont f'opposltion de f'histoire et de lo structu-


re . Critique. nº 194, julho de 1963. 1. J . LAPLANCHE. 'Une révolutlon sons cesse occullée' , Communlcal/on ow, Jour-
61. lb., p. 661. nées scHentlf/ques de l'Assoclatfon Interna/tono/& d 'hfsto/re de lo psychonotyse,
26 AS CADl IAS SIGNIFICANTES

amo que me sigo mos, poro que elo tenho êxito, cumpre ga-
nhar altura, o fim de Impor o seu carisma. Exilado, proscrito,
excluído definitivamente de suo igreja, Locon Identifico-se com
Splnozo, vítima do mesmo excomunhão em dois tempos: o do
Kherem a 27 de julho de 1656. que represento o excomunhão
maior, seguido mais tarde do Chommota. ou seja, o retorno lm-
1
possfvel ao selo do comunidade Judaico de Amsterdã2 • Para
completar a Imagem de mórtlr, Locan deixa o quadro docen-
te no hospital Salnte-Anne. O SIGNIFICANTE
Nesse momento, Lacan estó só, sem Colombey-les-Deux-~gll-
ses como lugar de refúglo; - mos- é como herói que o autor do
discurso de Roma retorno à cena poro fazer soar as três pan- ssa Influência do estruturalismo na teoria laconlana do ln·
cadas de uma nova aventuro, anunciando em 21 de Junho de
1964 a criação do Escola Francesa de Psicanálise: "Fundo, tão
E consciente é, na verdade, perceptível em ,virtude do
lugar central que nela desempenho o significante._Ja vim.os co-
só quanto sempre estive na minha relação com a causa psica- mo nos anos 50 Lacan adotou de Saussure a noçao de sgno e
nalítico, a Escola Francesa de Psicanálise·. Ele obtém a prote- de que maneiro modificou o lugar respectivo do sl~n'.fl~ado e
ção de Fernand Broudel e de Louis Althusser para instituir uma do significante poro valorizar este último. No seu semmano so~re
unidade avançada da 6º Seção da EPHE na Escola Normal Su- As Psicoses (1955-1956).- Locan sublinha que ne~ Pº! lsso ~ si~-
perior. Esse deslocamento geogróflco permite-lhe ampliar consi- nltlcado estó liberado de seus vínculos com o Significante: Insi-
deravelmente o seu público e, graças ao aval dos filósofos, nua-se sob ele até que atinge um ponto de ama!ra~ao, o
ocupar uma Importante posição estratégico no campo Intelec- chamado •ponto de estofo": •é graças a ele que o sgnifica~te
tual. Consciente do necessidade Imperiosa de voltar o atrair os detém O deslizamento da significação que, de outra maneira.
atenções gerais, aceito publicar. o Insistentes pedidos de Fran- seria lndeflnldo"s. Portanto, não existe semelha~ç<:1 do slgnlflcan-
çois Wahl, o essencial de suo obra escrita. o que ele sempre se an mesmo que o sgniflcante saussu-
te em saussure e em Lac · d0
recusara a fazer. e que seró publicado em 1966 pelos Édilions rlano "seja não só o homônimo mas também o epônlmo
du Seull. significante laconiano·~. A noção de significante. após _ter·S:
A político teórica de Locon necessita da busco de garantias. emancipado d ~ noção de significado e ganho outono~!º· Ira
Depois de ler fracassado com Paul RicoeurJ, Locon convido po- adquirir uma tmpor:tãncia ainda maior para Locan no Inicio dos
ro o sessão Inaugural dos seus seminórlos, no Sala Dussane da anos 60 quando esfa última represento o sujeito para um outro
Escola Normal Superior. Claude Lévi-Strauss, que aceita o convi- signiflca~te· "É exatamente a 6 de dezembro de 1961, portanto,
1 no decorr~r do seminário sobre A /dentlflcaçõ~. que Locon f?r·
te apesar de não ser muito do seu agrado o estilo locanlano.
Cc,msegue, pois, transformar o seu malogro junto da lPA, o en- mula pelo primeira vez, 0 sua definição do significante, dlsll~-
fraquecimento de seu movimento após a cisão, num momento guindo-o então e daí em diante com total nitidez do signo" .
. glorioso que simbolizo o seu ensino na Escola Normal Superior Será mesmo preciso aguardar o ano de 1964 (Os Qua~~ Con·
onde, durante cinco anos, o tout-Paris Intelectual se comprime ceitos Fundamentais do Psicanálise) paro que o slgnihc~nte
para ver e ouvir o palavra daquele que então se apresenta ocupe verdadeiramente o lugar do sujeito para um outro Signi-
como um xamã dos tempos modernos: "Repelido do movimen- ficante que se lhe conhece doravante. . .
to psicanalítico Internacional, o obra lacanlana vai, portanto, significante ocupa então O lugar do sujeito, cujo ex1stênc10
0
ocupar um lugar central na aventura francesa do estruturalis- se dó como couso ausente poro seus efeitos, a sob~r.. o C_?·
mo·•. dela significante pelo qual ele se torna l_ntellgív~I. O su1e1to noo
é reduzido a nada. mas ao status de nao-ser; e o fundamento
não-significante da slgniflcôncla dos significantes, ou _seja. a s~o
próprio condição de existência. o trabalho do analista baseio-
se pois na restituição da lógica interno a essa cadeia signlfl·
c~nte, ·da qual nenhum elemento ~ capaz em si mesmo ~e
o de significoçao. o significante é entoo
represen t ar u m temp • · t
um sujeito paro um outro significante e so cumpre, portan o, o
suo função ao retirar-se constantemente para dor lugar a um
novo significante. Locan representa essa cadela desdobrando_ o
sigla s em S2 que represento a cadeia significante. e Sl o s1g-

2 . J. LACAN. "L' excommun icotíon", Ornlcar?. 1977. 5. J . LACAN, [crlts. op. clf.. p. 805. , . .
3. Ver É. llOUOINESC O. Hlstolre de la p.sychanalyse, op. clt.. vol. 2. pp 399-403. . M . AlllllV~. Ungu/stlque ef psychonalyse. Khncksieck. 1987. p . 12.
6
4 . lb.. p . 383.
nlflcante adicional que a lm ele
to, não estó em nenhuma ~rt para_ diante. Quanto ao su/el- c, 60 foi fello em dois tempos: Locan e voca prlmehomente o
conte, de quem recebe P e. o noo ser no lugar do slgnlfl- "poqueno outro· como elemento de mediação entre o sujeito .,.i;\i::, 1%
6
~oª~~n~~0 0
~:':~ t~~n~u;~b~~~J~:/:~~~ ~~Íe~:~~ ftii,i!
o encargo de ·
o 1gumo; transcreve-se sob si noo estar em porte
do em relação o si mes~o g~o. do S com barra: $, desloco- :ieiçu~~·
sujeito por excelência e t. • v1dldo para sempre. [Eu) do !oito. objeto metonímico do desejo, simples significante do dese-
quarto termo da estrutur~ad:~orado par~ sempre de o eu•. O jo cortado de sua referência a um sujeito desejoso, como à de
to, também ele excentrod gnlficonte e ocupado pelo obje- uma qualquer referência simbólica a um significado inconsciente.
• o em relação a 0 é .
ele e representado como objeto . , que enunciado; O objeto (a) já não se encontra então vinculado ao imoginórlo
O
O Interesse desse . (m,nusculo). mos ao Real no sentido toconiono do termo, não à realidad e
conceito de sign'fi t
tanto, central e só ganha . lall ' can e em locon é, por- mas ao que resiste à significância. "O Real é o impossível."
elemento essencial na v ,mp so_ a partir dos anos 60, como Locan. que atribui um lugar importante o esse objeto parcial
ogo estruturollsta E
que Jean-David Noslo d 1 · sse contexto revelo 0 (chamado a minúsculo), situa-o ao nível da função de perda.
es gno como a · it· •
de um conceito ou seja sign ,caçoo "umbilical" Revitalizo a separação Inicial do feto, separado para sempre
conceito e sua ~volução·ª o; condições de nascimento de um do placenta. que vai para o lixo. Designa assim a libido como
toda uma dialético se d . partir dessa estruturo significante o cadeia desmultiplicada dos d esejos. procurando em vão subs-
esenvolveró de O d ·
lógica dos lugares e dos for os . cor o com uma duplo tituir à separação Inicial. O objeto (a) seró situado "no IU9QL do
o primado do Significante so~re. E~o d1ol~![c~que fundamenta p e rda provenie~ 9_<:l QPElli]ÇQ_q__§jgnifiSQn~_:12 . Terá uma rela-
~d<? como fantasio e d e - slgn o significado estabeleceo "r'.nun- ção com todos as partes do corpo que podem estar ligados à
- o o ordem dos · -
nodo à linguagem. Nesse sentld ~ COISOS como subordl- função de perda, de passagem ou de separação. 9 objeto (a)
cante tomo não poucos l'b d o , mesmo se a cadela signlfl- como obíeto de desejo sempre ,enascente e sempre em falta
1 er odes em relo · ,
soussurlono, nem por isso deixa de . çao o concepção ocupa lJm· lugar cada vez mais central nÕ dispositivo laconlano,
mais geral, própria d o estruturallsm participar numa concepção otéencornar o próp--;io objeto da pslcanóllse: "O objeto da psi-
à esfera do discurso e Institui o ordº..:_a qua~ c':nfere autonomia canálise / .. ./ não é outrp senão o que já desloquei no tocante
-dem dos palavras. O mundo- só em das coisos o parti~ da or- à função que o objeto (ai nela desempenho" 13• Ê o objeto do
-conte do falta ·o Coisa" l se mantém coeso pelo signifi- pulsão que faz funcionar a lei _do desejo, assim como objeto de
. que acon toma d H
designar o quadripartido da terr e eldegger poro fantasio: ·o
objeto (a) é o negativo do corpo" 14 • Não se pode,
nos: "A Coiso reúne e dó
. coesao
?· do céu, dos humanos e divl-
ao mundo"9
entretanto. evocar o objeto (o), seja qual for a suo Importância
em He1degger, a Coisa •sustento e . . mos, tal como no d ispositivo toconiano, como um ob]eto isolado: ele só existe
é essencialmente const·, tuída sse quadripartido porque elo em virtude da articulação que o liga ao simbólico e ao imagi-
. por um vozio"10 A t
do rnscreve-se, portanto o ortlr . ramo do mun- nário o partir do Real. Oro.__é a_ caslra ç õo que vai dar o modo
de sua unidade. · P de uma falta c~ntral. condição dessa articulação e permitir ao desejo manifestar~: "A castra-
ç ã o ~ ~ e i queõiãenãõãesejo humano como verdade
porcia1" 15• Elo é responsável pelo ingresso na ordem da lei, vin-
culada ao Nome-do-Pai, ou sela. o uma figura que pode ser
dissociado entre a do pof real e a do pai simbólico.
Nesse P-OnJ.2, ~oc9.n.J..nverte o ~ ãq__ fr~udjg_~vo, que
ap~n2_e a ~I ..s_o ~ 1Ktêr<:J1~ poro fazer dela o elémento_Jje
uma positividade. a db-ctesejo. Nesse Início dos anos 60 e
quando~ ncial do seu ensino é fala, Lacan privilegia a es-
O OBJETO (a) crituro, como mais tarde Jacques Derrlda, e Identifica o signifi-
cante com o letra (A Carta Roubada). numa filiação muito
soussuriona: "A Coisa feita palavra diz Lacon, no sentido de mo-
LJ: : ~ s r::~:~;:.~~:lpol; dob estruturo significante em la-
tus: ela é fala, mas também silêncio, que sidero a fala e corta
a respiroção" 16• Na prático analítica, o objeto (o) torn ou-se o
essa é uma Importante de~ceo~ o t /eto (a); Paro Serge leclolre, ferramenta essencial de certos psica,nalistas: "O objeto (a). isso
que merece o Nobel u er o cientifica: "Uma Invenção
· ma verdadeira lnvenção•n E serve. Há até anallstos que dizem ser passivei deduzir tal ou tal
· ssa 1nova pulsão segundo o objeto que for escolhido. Ele permite relançar
• Poro o troduç6o dos dois o desejo e evita assim a recaída no desespero" 17 •
Mol. ambos usados por lac:n'º;:::;,,~:,~oo is do 1•_ Pessoa em francês. Je e
propasto por Morio Chrístino lozri'k P s conotoçoes. recorremos à solução
nórlo. Ver o Noto 1. P . 409 do , . ~not em suo tradução d o livro 2 do Se J. 12. J.-A. MILLER Ornlcor?. n • 24, 1981. p . 43.
8. J. D. NASIO, Les Sept Co. ed,çoo Zohor. (N. do T.) m
9 ncep,s crucfoux d 1 13. J . LACAN. tcrlts. op. clt .. p . 863.
. M . HEIDEGGER. E$$a/s ef conférenc G e o /OSYChonaly;e, ~d. Rivoges. 1988 14 . A . JURANVILLE, Locon et lo phllo,ophle. op. clt.. p . 1 75.
10. A . JURANVILLE, Locan et lo hll es. o U,mord. 1958, p. 215. . 15. lb . • p . 195.
11 . S.rQe Lecloire, entrevisto copm osopt,le. PUF, 1988 (1984). p. 167. 16. lb.. p. 286.
o autor.
17 Gennie Lemoine, entrevisto com o autor.
20 . AS CADtlAS S/GN/f/CAN fS
RUTUfMLISMO

É época em que André Green. em·


Dizia Lacan a respeito desse objeto (a) que era necessórlo ,11tura. a partir de Frege. ;P membro da IPA, está fascinado
fazê-lo passar de seu status de pedra de entulho para o de 1>010 permanecendo n~ .s ~mor que tive por Lacan durou se-
pedra angular da psicanólise. Aí onde Lacan estabelece as re- p olo trabalho de Lacan. O t lmente responsóvel pela Socte-
gras de uma ciência, sem deixar de preservar nela um núcleo lu onos•22. André Green. a ua ortanto um percurso
fundamentalmente pessimista, é que o seu ponto de apoio, o dode Psicanalítica de Paris /SPP)~~;:,~·,iente aberto. uma vez
objeto no qual ela se estriba, é sinônimo de perda irreparável; vord adeiramente apalxonan: el do ensino de Lacan sem dei-
é o ponto de queda da cadeia significante. Locan estabelece, • 1uo rec ebeu uma forte infl~ ~c ªde distância instituclonal e teó·
pois. simultaneamente, as regras de Investigação da cadela sig- xur de manter-se numa po, çao a uma critica cada vez mais
nificante, sem alimentar Ilusão nenhuma sobre as capacidades tlGa , Essa posição evoluir~ par por razões teóricas: "QL.anto
do analista paro poder reenco'ntror o que se perdeu para sem- 11ft1 d a das posições lacan a~as. de acmdo com ele. mas Isso
pre. A cura analítica não se reduz a um trabalho positivista de ,,,ois tempo passa. ~enos es ~u. ado em mim profundas mar-
nClo significa que nao tenha e1x
anamnese. No lugar do objeto perdido elaboracse toda uma
_ ·c~nst1uç9..o Mia de significantes. mas que é comandada pelo 'us"23. - f üentar o semlnório de Lacan em
quê? Pelo ol:?.j_eto como perdldo"18 . Para Serge Leclaire, o obje- A ndré Giê"en começa ª. req . pede de estar fascinado ao
- to- parcial é o contrapeso necessário, porque evoca a lablll· 1e1nelro de f96 l , o q~e na~t o ' : ele descobre no Congresso
111osmo tempo por Winnico • q no Se André Green se in-
dade para escapar ao Significante puro, a uma Simbólica
depurada das dimensões do lmaginório. Trata-se. pois, de um ~o Edimburgo e m julho "do mesmo a ·
b' to (a) ele faz hole sérias cn-
,

dos ensinamentos essenciais de Lacan e tem em si a virtude de ' llnou conceitualmente para o ~ 1e . "N~o penso que a teoria
Impedir o fechamento dogmático: "Todos os analistas que con- Uca s a esse aspecto do lacan sm~ uma teoria do obieto par·
tribuíram verdadeiramente com alguma coisa Interessante fala- p&lcanalítlca possa contentar-,~~ co hamado obieto total, relntro·
ram do objeto. Quer se trate de Freud, por certo, mas também , lol. Ao fazer-se a economia o co t o A Grande que não
Idade do Grande u ro, .
de Melanie Klein. Winnicott ou Lacan" 19• d uz-se a ne~ess •24 dré Green vai Interrogar-se sobre as
A questão da significância é formulada, para Lacan, a par- o utro senao Deus . An ' articular sobre Agostinho li-
tir da noção de seqüência significante. Existe sempre uma rela- fon te s agostlnistas de Lacan e. em Pd lam~nte habitado pela
\I O por Pascal (Écr/ts sur 1 grâct':;:n ~~ 2s. Essa dupla polartza·
'!
~=
ção diferida entre a enunciação e a Interpretação ulterior. 6 0
Ora, essa diferença temporal também torna necessório o re- 11 tlgião e pela formallzaç~o ma , operando e m Lacan. Este
curso ao objeto (a) como substituto do desligamento da signi- r,ôo, André Green tamb_ m àª, a que ele crtttcava. mos a
ficação da relação significante/significado. Pode-se até 11 111mo teria oferecido. ~a2,_ _g l . . ·A Õpreensão es-
- - íf Idade de uma renova a · , .
perguntar se Derrlda* não teria simplesmente ido buscar em u s pais. a opo un . eve ser a primeira e a unica
Lacan esse (a) que lhe permite construir o seu conceito de lru turaT (da questtio-elo Filfo_que) ata da função das imagens. O
différonce como central em sua obra de desconstrução. Para que permite uma ap'.eciaçao ex aracterísticas de uma obra de
/)o Trinitate tem aqui todas as c , um modelo•21>, A relel·
Lacon, o objeto (a) seria, de certa maneira, o meio de recu- adotada por nos como
perar o esvaziamento do significado na cadela significante: "É loorla e po d e ser t um significante puto que
F d por Lacan reme e a .
a queda desse objeto (a). enquanto objeto-causo do desejo e l u ra de reu . I' i sa A substituição da , castraçao
objeto do desejo como tal, o que vai. ao mesmo tempo, fazer pode ser lido de maneira re ig o . t - a· o lacaníanã detentora
angústia pela cas raç - - -- - t·
falar o sujeito e aquilo de que ele vai falar. mesmo que lhe fr e udiana como - d litome':cto -Pai a oraem n-
escape de forma permanente»2°. O psicanalista se sente, pois.
ua um status ontoíógico deriva~o º- lná~O'ffá uma temó·
nltó ria do Sujeito: Real/'Slmbónco/'t'ndgLacan...qll\3ê.' alérndissc,,
feliz por poder enganchar a escuta de seu paciente num des- . d ser reencontrada em ·- · -
ses objetos (a). tlc a crista P..2.. L - - a E- Ttüiõs Quanto ao Grande 0 U·
Entretanto, todos os analistas. mesmo os fortemente marcados um gra~e ..::onhe~edor :~ét:~:m-na-çóo em relação à cadeia
pelo ensino de Lacan. não atribuem toda essa Importância ao tr o. estó em po~ç~o det i xnaterritorial, verdadeiro equivalente
objeto (a): "Eu não funciono. em absoluto, com o objeto (a)"21• pulsional, puro S1grnflcan e e desõo de Freud a Goethe em
da alma: ' Lacan, ao inverter a a • o' . confessava prefe·
Mas o mais crítico de todos sobre esse ponto essencial é, sem
dúvida, André Green. Tinha publicado em 1966 nos Cohiers rot em e Tabu . 'N~ princídplo t ' ª ~o~~~'No· ptincípio era a lln·
tlr uma fórmula denvada e ao
pour J'onolyse um artigo sobre o objeto (a) que, na época, ex-
punha o ponto de vista d e Lacan sobre a questão, assim g uagem··21 • , . é O
caso da do filósofo Ala)n
Outras leituras são poss1ve1s. e
como o de Jacques-Alain Miller sobre as relações entre (a) e o

15 de fevereio de 1989
22 A. GREEN. ·te bon ploisir', Fronce-Culture.
18. S. lEClAlllE. 'l'objet o dons lo c u re', f?om pre /e$ c h c,,rne$, Inter lditions. 1981
(1971), p, 174. 23 /o. ou1or
:1 4 André Green. enlrevisto com o . 1 • Longage$, Les llenc ontret
19. Jean Clovreul entrevista com o autor. dons lo psycho n o yse •
?õ A . G llEEN. 'le longoge Le• Belles Lettres. 1984
• Sobre o conceito de différonce, ct. G/o$$6rlo de Derrlda, supervlsõo de Solvia- 1983
p1yehonolyt1Ques d' A l x~n-Provenc•. ,
no Sonliogo, E. Fronci>eo Alves. pp. 22-24. (N. do 1.) ..__ __ ., ... 1 1 AC":A N. l orlts. Ot:>, ctt.. p . 873 · - ·
20. Joel Dor. entrevisto com o autor.
21 . Jean 1,,,,,_""'"'""' .--•...........
IA DO ESTfWTURAI ISMO
;ó.. A S C A D I IAS SIO NII /C ANTE S

. o de saber que dlscur-


e põem o quest o
1Juranvllle:'i que
também reconhece a figura de Deus na do Slg- "1,xuol durante sé cuI os, l dade contemporâneo. Oro, Locan
~anfe.;..,puro. não o Deus da religião mas o de uma Razão "º ocupo esse lugar na soe e t simbólico em que nodo
t tal desconcer o · t
absoluta. Entretanto. a situação de exterioridade ao mundo da d fro nta -se com o o diador do discurso religioso. Tan o o
Coisa enquanto Significante encarnado remete para a plenitu- v1 lo substituir o papel me \entíflco não podem ocupar
t discurso c t ·b ·
de como fruição de Deus para além do encerramento do , t111eurso político quon o O onizodoros, e Lacan o n u,-
mundo em Santo Agostinho. Há, portanto. um Idealismo radical. 11 lugar de ficções dominantes e org l sem alimentar Ilusões.
· ·conóllse esse pape· . - .. 31
mesmo que dloleflzado, da posição de Lacan. Reencontra-se a t<I p o rtanto o psi óllse não pode ser uma rehg1ao .
afirmação desse Idealismo quando ele apresenta o mundo co- 'lctoolme nte, pois o psicon
mo fantasia, quando refere a unidade do mundo a uma falta
Inicial, a uma hiãncia causal. O Significante-mestre situa-se por
toda a parte e em parte nenhuma. escapa ao mundo Intra-
mundo e, ao mesmo terripo, nele se localí.za. Tal como Deus. é
apenas um Nome. Nome essencial porque é a condição para
estar neste mundo na medida em que é necessário ter suporta-
do a castração como operação simbólica. Todo o trabalho de
descontextualização que Lacan efetua. de afastamento da par- O AFETO
te orgônlca do freudismo. de refúgio na lingüístico. depois na
topologia. como modos de abordagem Intelectualistas e forma- \
lizáveis. pode então ser analisado como um somatório de esfor- efeito deixar sucumbir uma
cadeia significante tem por t dÓ afeto: aí está um
ços seculares para alcançar a regra. a Lei de um clero regular
que ganhou sua salvação após ter barrado todas as saídos. to- A . d
dimensoo tl o po
r lnslgnlflcan e, a ,
André Green, dlrlge a Locan.
outro ponto forte da critica : ~ à comunicação de Jean La·
dos as escapatórias que não levavam ao Grande Outro.
1rn Bo nneval. em 1960, ele ab se Inconsciente, e compartilho
Essa leitura cristã de Lacan poderia muito bem explicar que
planche e Serge Leclalre so I re c~e acerco do concepção lln·
um bom número de Jesuítas. e não dos menos representativos.
,tos reticências de Jean Lop on momento Lacon declara
como Michel de Certeau ou François Roustang. e de cotóllcos, t No mesmo '
uulsttca do fnconsc1en e. , sito do afeto: "No campo
como Françoise Dolto, tenham participado da aventura lacania-
110 c olóquio de Royaurnont a pro~~nsciência é um dado tão
na: "Poro rnlm. existe em Locan o reencontro com toda uma
houdlono, apesar das palov:~1eªnte em sua negação (esse ln-
Inteligência católica, pós-trldentlna. teológica. no sentido de um
obsoleto poro fundar o lnco anto o afeto é Inepto para
despertar para o questão do Trindade"28, admite o fllósofo Jean-
Marie Benolst, que compartilha desse sentimen to com Philippe e·O nsclente dota de Santo Tomós) qu t
do sujeito pro op
6tico•32 Jean-Bertrand
· L
Sollers. Ambos consideram Lacan aquele que permitiu a abertu- tJesempenhar o pape1 , G que trate do afeto em es
t . Andre iee n d é
ra pós-trldentlna, a do pensamento barroco. Portanto, muitos Pontalis pede en ao a . o é ublicado em 1961, e An_'
/ omps modernas. O ort1g P piamente num 11v10 pubhco·
cristãos seguiram Lacan, "pensando que ele recrutava para
Creen retomará o questão mais ª:;'á uma versão antitreudlana
Deus, até o momento em que perceberam que só recrutava 33. "Poro mim, Lacan
para ele mesmo"29. <.10 e m 1970 ·
do lnconsciente•34. d"d de da teoria freudiana está
Essa dimensão religlosa foi cuidadosamente dissimulada no
Paro Andre
, G n o fecun 1
ree ,
°
d do significante. Freu no
d ·o
momento do estruturalismo em que só se tratava de ciê ncia,
tundame ntcda na heteroge:e~:a :ateria de termos lntermutá·
de teoria, de formalização. Entretanto, os especlallstas da histó-
con c ebe o significante com a linguagem. mas como
ria das religiões tinham presença certa nos seminários. Bernard
veis. homogêne?s entre eles co:oa;:rlols em questão são de
Slchêre não chega ao ponto de considerar que Lacan tentou
urna série de n1vels em que. ~s ulr se undo André Green. co-
fazer prevalecer uma leitura católica de Freud, mos que ele foi
notureza dlfe1ente. cumpre d1sting ~nta~tes psíquicos da pulsão
o único. num momento em que só se pretendia torcer o pes-
mo fez Freud. o material ~os re:r~oteriol do Inconsciente (a ~e-
coço à metafísica ocidental, a considerar que é impossível con-
tornar a questão religiosa, a menos que se mergulhe no delírio (o e xcitação endoss~ót1:a: ré-consciente (a representaçoo
e no retorno do recalcado sob as suas mais fanáticas e assus-
p resentação das coisas) ~o das palavras que lhes corres-
tadoras formas: "Isso não quer dizer que a psiconóllse deve ser d e c oisos com, a rep!esent~çadistintos e, por vezes. o cor.rente
pondern). Os n1vels soo mu º. • rovo dlssO é a existência de
religiosa . É formular-se a seguinte indagação: Por que motivo uns para outros. A P
um dos últimos grandes textos de Freud é justamente Moisés e n ôo passo de
o Monotefsmo?" 3º Nesse plano, Freud e Locan vêem o religião
na função de mediador eficaz entre o interdito e o realidade sé . dons n nconscl<>nl freu·
31 lb. N ·s bv<>rsion du sujei el diolectique dud ";960 (crlts li. Polnts-Seuif.
32. J , LAC A • u mon t l 9-23 d<> s<>lembro <> •
dlen". ColloQue d • Rovau '
28. Jeon-Morie Benolst, entrevisto com o autor. 197 1 (1966), p . .º!· . .. - .~.,,
1 ~
29. Gérord Mendef. entrevisto com o autor.
~" o--- -· . . . . '
1 distúrbios pslcossomótl
representatlva•Js. Ora c~s que sofrem Justamente de carência
Green, a uma conce~çii~7a:~z;nos voltar. segundo André
com uma espécie de
h eterogenelz(:. Lacan homo
A

essencla da lln
ene
n ca que reraciona as coisas
guagem. Ló onde Freud
tuais um Inconsciente pró!10 lza. até apresentar aos lntelec-
,rvel por Intermédio de uma transferência de trabalho. Mas o
lro nsferêncla mudo então de natureza. vetor de ciência. é Isen-
to de sentimentos e remete poro "aquele que se supõe saber".
O sujeito lacanlono é um sujeito desencarnado. Reencontro-se
o te mático do negação da Individualidade, da slnguloridode,
segundo André Green. consiste. quando o trabalho analítico, próprio do estruturalismo: "A operação locanlana tem que ser
ellmlnação do afeto e . em expor a complexidade. Essa duplo, Isto é, perfeitamente contraditório. Por uma parte, cum-
. , m proveito de um 51 1
explica por que Saussure foi, ness gn ficante purificado, pre-lhe manter a subjetividade. / .. ./ e, por outra, esvaziar essa
ra da consciência moderna P . ~ ponto, considerado a ouro- 1ubjettvidade de todo encarnação, humanização, afetividade,
a fim de estabelecer a nat~r ois e e t:ve também que eliminar. otc.. para fazer dela um objeto matemático"39.
rente, a fala, o singular a d~za cientifica da lingüística, o rafe- Paro Jean Clavreul, a crítica feita por André Green a respei-
sentido da linguagem q. f I acronla ... Essa desvltallzação do to da questão do afeto nêo está verdadeiramente fundamen-
ue o o preço P
se a lingüística moderna enc t ago para que nasces- tad a . É certo que Lacan se recusou sempre a comprazer-se nos
nlana: esta t:!ttma pode. apol~~= seu por na psicanólise laca- <Jolíc ias da Intersubjetividade, onde se odeia ou se ama ... Mas
negar o afeto. deixando na so na ruptura saussurlana, para nem por isso ele menosprezou o afeto. e não póro de falar do
possíveis que se Inspiravam is mbra outras fontes lingüísticos omor, do ódio, da "odlenamoração", tendo mesmo consagrado
Charles Bafly36 discípulo d ms a no afetivo, como é o caso de todo um seminório à angústlb: "Mos o que mostra Lacan, é es-
• e aussure
A busca de uma formaliza ã . / ao espécie de dependência do afeto em relação ao jogo dos
particular destaque nos d . ç o sempre mais apurado deu slgnlficontes· 40 . \
.
d 0 ps,conálise 01s casos O do li -·, ti
locaniano à di · nguis co estrutural e 0 Serge Leclaire tampouco se convence com a c1ftica de An-
de domínio é tonto mais ·possí ~ensão do afeto. O sentimento d ré Green a Lacan sobre a evicção do afeto, que considero
mogenelzar o campo Or • ve quanto mais se reslringlr e ho- oxcessivomente vaga. preferindo a noção de economia ou de
· o, o afeto é ai b
se t em verdadeiramente domínio . go so re o qual não ,..movimento pulsional: "Recordo-me de um debate com Green
abissal, cheio de desorde ns e d~ é fugidio, ~vanescente. difuso, em que eu propusera outros fórmulas, dizendo que se pode
essenciaf•37 A propósito d . ruído. Por isso ele me parece contrair afeto por uma posição ou um cargo, ma:i fazer disso
enfattza, a·liós, a necessl:a~eeusdestudos sobre o histeria, Freud uma pedra angular. não" 41 .
traumáticas mas també e reencontrar as lembranças Lacan poderó usar o afeto. entretanto, na relação que pro-
• m o afeto que
mando a metáfora tão co a as acompanhava. Reto- move de transferência de trabalho com os seus discípulos.
Viderman considera que e~ a~s estr~turallst<;1s do cristal, Serge Nesse plano, não hesita em misturar os gêneros. pois o saber
fumaça opaca do que .d t P con~II~. esta-se mais perto do a dquirido a partir de uma análise pessoal logo é reinjetado no
ção do afeto, esse (a) r:nl~ú~:r::ti~enc1a cristalina. Essa nega- c ircuito orgonlzaclonal de poder e de saber, em nome do im-
perfeitamente a resultante de u rrodo, _também poderio ser perativo da transmissão didótica. Em reação contra essa ten-
analítica a que Lacon t
mesmo tempo, precave~::
Por um lado Lacan
::,~emo dlmensao essencial da cura
recorrer mos da qual quis, ao
ao recalque: o transferência.
d ê ncia, •a APF é o único associação do mundo onde não há
analistas didatas, onde se considera que a análise é um assun-
to estritamente pessoal" 42 •
· , em suo preocup -
de purificação do situoçã r oçoo de formalização O interesse das instituições articuladoras criadas por Lacan
ferênclo, pois esta é a f o .°n~ itico, reduziu ao mínimo o trons'. foi. porém. o de tornar dinâmico o saber analítico, o de impe-
dos de mais difícil racion~~z~çãos ~ntimentos mais aberrantes. d ir que este se fixasse num dogma, alimentando-o com um tra-
mo contra -transferência n t
ona/Isto: "Ele proibiu
t· om efeito, ele baniu o ter-
• eu ra zodo na rubrico do desejo do
b alho contínuo entre analistas. A convenção do passe, os
que se fale ou qu c ontroles, a multiplicação dos cartéis, são outras tontos ferra-
e om o pretexto de q , e se utilize o termo•Ja mentas, observatórios: "Eu disse sob,e o passe que era um
ue o proprlo Freud t ·
ta coiso a respeito seu m d ampouco dissera mui- observatório da conjuntura transferenclol" 43 • Quanto aos cartéis.
Terá sido também p~ro o o de saneamento foi facilitado são de dois tipos: são grupos de trabalho de três pessoas, pelo
. precaver-se contra . ·
soais poro uma afelça· t b suas 1nchnoções pes- menos, e de cinco no máximo, ora com uma pessoa a mais
o rans ordante? N - ,
ele tenha elaborado /ustifl _ · ao e Impossível que ("o um a mais"), ora o "mais um", ou seja, 'os Indivíduos do gru-
caçoes teórica .
ter suas próprias pulsões afetivas S s a postenort paro con- po encarnam sucessivamente. um de cada vez, o · mais um•,
contlda na cura em e t . e a transferência deve ser sobre quem se foz a transferência sem que esta seja encarna-
• on raportlda é
na difusão e no ensino do slc , recomendado por Lacon d a por uma pessoa suplementar. Esses dispositivos servem,
Escola Freudiana preciso P an~llse. O primeiro anuário do sobretudo, para dar prosseguimento ao trabalho analítico con -
que o ensino da pslcanólise só é pos-
35, lb.
39. f . ROUSTANG. Lacan, op. clt.. p. 58.
36. Ch . BALLY Le Lang
37. Serge Vi~rmon - ogt e l et la vle , Droz. 1965 (1913). 40. Jean Ck>vreul, enlTevlsro com o autor,
3 • -n revsro com o out 41 . Serge l ecloire , e n trevisto com o a u tor.
8. Wk>dlmlr Gronoff. entrevisto com o ou~~;. 42. Jean Loplonche, entrevisto com o autor.
~-.- - · --· . ...,_ "'· , -.&. ..;1 ca,ntr'ovidn r:om o autor.
siderado Inacabado Permitem
de manivela, muita~ vezes v 1oi"ªr;9r a s Ilusões m e dia nte voltas
ação. Para Claude Dumé . en as, .do seu Inconscie nte e m 27. A TE8RA DA MITOLOGIA
fícil, o único possível queZJ~ la~an tera Indicado o caminho dl-
brlnquedos de q , o e quebrar, pouco a pouco os E REDONDA
ue se serve e segund • •
maneira de deixar abertas , . . . o e 1e, essa e a única
analítica. as poss1b1hdades de investigação
m Lacan, a c adela significante situa-se no nível do fun -
E c ionamento do Inconsciente; para Lévi-Strauss. ela estó na
llwossante reapresentação de mitos entre si, o que permite ter
,,e.osso à significação do mitologia. A matriz das significações
t r1onlfesta-se a partir de transformaç ões que se aparentam aos
111ocessos de condensação e de deslocamento do inconsclen-
111. A estrutura dos mitos, segundo lévi-Strauss, resulta de uma
\11)1d adelra sintaxe das transformações. A tetralogla que Lévl-
'llrouss consagra aos mitos com seus Mythofogiques mantém-se
11 certa distôncla da teoria dominante do começo do século, a
h orla simbolista que considerava a na)1..._a tlva mítica como obje-
_/ lo, cortado de seu contexto, procurandÔ'-~m sentido oculto em
1 tid a te rmo dessa narrativa . O enfoque lévi=stCQ,ussiano também
, onstltui uma superação do funcionalismo que. com Mallnowsky,
pretende analisar a função social dos mitos em seu contexto
particular. lévi-Strauss integra o estudo dos mitos num sistema
1lmbólico mas sublinhando a noção de sistema, de encade a-
rnonto , de estruturo, ao decompor o mito em unidades mínl-
rnos, os mltemas. que ele classifica em paradigmas. A sua
lontativa constitui, portanto, essencialmente, uma decodificação
Inferna do discurso dos m itos, referidos uns em relação a outros
1) estudados, ao contrário dos funclonallstas, numa vasta auto-

11omla quanto às condições da comunicação e à função de


cada um deles. A finalidade da tentativa é restituir uma estru-
lura comum a todos os mitos. graçcs ao estudo de sua d lversl-
c-Jode. A Inteligibilidade dos mitos deve :')rovlr do confronto de
ouas diferenças. de suas variações. Essa orientação Jó tinha sido
sugerida por Vladimir Propp em 1928 . Comparando a anólise
mítica ao trabalho de Penélope, Lévi-Strauss indica o coróter in-
finito do trabalho de decodificação, a relatividade dos ensina-
mentos que é possível extrair daí: "Tal como ocorre com o
microscópio óptico, / ... /, dispõe-se tão-somente da escolha en-
tre vórlas ampllações" 1 •
O MITO COMO MODO
A CADEIA SIGN IFICANTE DO MITO
DE DESREALIZAÇÃO

O s mitos não são concebld


feriais para desenvolve
psiquismo Inconsciente
os por Lévi-Strauss como ma-
r um cotejo entre Infra-estrutura e
E ssa aventura na mltologla ameríndia começa bastante
cedo para Lévl-Strauss, desde o seu primeiro ano de en-
11lno na seção de ciências rellglosas do EPHE dedicado em
, mas como meios d ,
dos sonhos e devaneios às . e acesso a chave 1951-1952 à "Visita das Almas": "Foi na Escola de Altos Estudos
o objeto por excelêncl~ qu:vari~~tes do espírito humano. São que as minhas idéias sobre o mitologia ganharam forma"5 • Em
exterior. aos constranglme t me or escapa ao determinismo 1oguida, em 1955, é no seu artigo sobre "A estrutura dos mitos"6
n os sociais E d / que ele expõe os prlncípios' metodológlcos segunêlo-os quais as
oferecem um terreno de investi a - . , esse pont~ de vista,
gar às próprias estruturas d g , çao mais propício para che- unidades constitutivas do mito não são rela ções isoladas mas
de parentesco: "Eles [os m1tisi9sp1rlt~ humano do que as redes pacotes de relações, e que sua combinação é o que permite
de operação do espírito hum!:m•~em destacar certos modos udq uirlr uma função significante: "Esse sistema é, com efeito,
dos séculos e de um m d . too constantes no decorrer dotado de duas dimensões: uma diacrônico e, ao mesmo tem -
• o o geral t· d.f · po, outra slncrônlca" 7 •
imensos, que podem . , ao r und1dos em espaços
flcação será, por co~ec~~~:eró-los fundamentais•2. A sua slgnl- A antropologia deve deixar de procurar o sentido último, a
nlficante e à 9 ' 0 resultante de uma cadela sig- ussêncla do mito num invariante, mas tratar de definir cada mi-
, m..anelra da concep · .
ciente, o significado sem _çao 1acan1ana do lncons- lo pelo conjunto de suas versões como constltuttvas da cadela
dessa cadela Não . 1 t ser exclurdo, deslizará para debaixo r,Jgnificante, o única em condições de substituir o caos inicial
· exs e verdadelr t
ficante que funciona no I t I omen e, nesse sistema slgnl- por um começo de ordem Interpretativa. É na repetição que
oo real. negação do melon er ~i dele mesmo numa resistência deve manifestar-se a estruturo do mito, e esta depende, portan-
comunicação da mensa e am ente _que .preside localmente à lo, de um ou de vários códigos que dependem, por sua vez,
também sofre as restriçõe~ 1~ :itológ1ca; A sintaxe mítica / .. ./ da substância mítica da mensagem.
fica e tecnológlca•J Os it P stas pela Infra-estrutura geogró- La Pensée souvoge, publicado em 1962, apresento-se como
margem da dlversid.ade ~o º:o~~nsam-se, contudo, entre eles, à um prelúdio, uma Introdução geral à tetralogia vindoura. Ê nes-
cebem -se como modo d d edade que os engendrou. Con- sa obra que Lévl-Strauss apresento o pensamento mítico como
e esreallzação Ião estruturado quanto o pensamento científico, igualmente ca-
rupto de representações t , escoamento inlnter-
"Os mitos, no final das cint~~P ar em suas variações internas: paz de formular analogias e generalizações. Rejeita o t,eoria jun-
Remetem a uma dupla unlda~e~ize~ todos a mesma coisa•4. g ula na dos arquétipos. a noção de Inconsciente coletivo. e
estão integrados e unidade da . unrdade do sistema em que oxpõe sua ambição de esboçar a construção de uma "teoria
na relação da mensagem mensagem a que se referem. É das superestruturas"ª, baseada no relacionamento entre vórios
consigo mesmo e sistemas de explicação. na reintrodução do mito na cadeia sig-
mensagem que o mito significa com uma outra
brada ênfase. a sua significação numa redo- nificante dos outros mitos de que ele é apenas um elemento
de um processo de transformação geral. Nesse sentido, o opo-
sição binária tomado da fonologia, a oposição entre termos
marcados ou não marcados e, sobretudo, o fato de que a sig-
nificação resulto do posição, constituem outros tontos lnstrumen-
t os de análise dos mitos recebidos da lingüística e que se
Impõem mais do que nunca como modelo heurístico. A substi-
tuição de um e lemento por outro no cadela mitológica signifi-
ca nte obriga a deslocam entos Internos no sistema mítico.
O trabalho do antropólogo tem por objeto, portanto, •arde-

2 · CI. ll:VI-STRA USS J.. •Hornrn,;,


e. CI. l~Vt- STllAUSS. Paroles données. Pfon, 1984. p . 14.
3. c,. L~VI-STRAuss' Le e t 7u, op. clt.. p. 251 . t,, Cf. l~VI-STRAUSS. ·La structu r& des mytt,es• (1955), reimpresso am Anthropologle
4, c,.l~VI-STRAUss· Du ,;:.,/" .. cult. Op, clt.. P. 251. ,tructurol&, op. clt., pp. 227-256. '
· aux cendr&s, Plon. 1966. o ,sn,. 7 lb., p 234
1- --···--- -- _,,, - '~"'
r.rtnr'i ,.,, • , • .,, w"., w ..

nar numa série todas as variantes conhecidas de um mito"~. A


ênfase, a repetição, ocupa um estatuto particular; é essencial
na medida em que manifesta a própria estrutura do mito em
sua dupla dimensão sincrónica e diacrônica. O pensamento mí-
tico, "forma Intelectual de bricolagem•10 , recupera num processo
contínuo os resíduos de eventos e Lévl-Strauss rechaça a lnves-
ti.g ação das origens últimas. quando o objeto da anólise con-
siste em definir cada mito pelo conjunto de todas as suas
o MITO DE REFERÊNCIA
versões. Ele convida assim a uma busca sem limites, indefinida.
pois o pensamento mítico, numa fecundidade sempre estimula- b do seu método, Lévl-
da, repercute sempre em novas disposições, inversões, substitui-
ções de conceitos integrados em combinatórias cada vez mais A pós ter estabe~e~~~;a~:lra::~te sua Investigação no
Strauss tnaugur • d' com Le Cru et /e cuit (O
v o sto c ampo mitológico amenn1~~4 Ele parte de um mito de
complexas.
C ru e o Cozido), publicado err\ Central o do "desninhador de
Nesse jogo pode-se, não obstante, medir a extensão de um
111fe rêncla, mito bororo do Bras1 stud' o de 181 mites perten-
ângulo cego do olhar antropológico que, à força d e Insinuar se póssoros". o qua serv
1 e de base ao e
t ib
-
formando em conjunto uma
sob a cadeira significante, acaba desaparecendo como hori-
(' o ntes a uma vintena d~ . r osbre a origem da cozedura dos
zonte de anólise: é o nível da realidade social. A referência ao • ó rle que responde à questoo so I t
ecossistema , à organização social, só tem sentido quando inse- ullmentos, da cozinha. A história é o segu n ~- é enviado por
rida numa cadela significante, construída por definição à mar- d d incesto com sua moe,
Um filho, culpa o e rtos Ele desincumbe-se de
gem de uma realidade referencial sempre mantida à d istância.
11ou pai a enfrentar os almas dos mo ~ e a' a·1uda de alguns
As oposições características situam-se no interior da estrutura. ma bondosa ovo
constitutivas da estruturalidade da cadela significante. aua tarefa graças a u I nos frustrados. o pai convida o
o nlmais. Furioso por ver seus P a aros que fazem ninho na
Da mesma maneira que para Saussure. o sujeito é excluído
dessa perspectiva científica: •o sujeito constitui um obstóculo filho para Ir com ele capt~:ª~oª~e~s chegam ao sopé do pa-
epistemológico" 11 para Lévl-Strauss. Não hó lugar para um "Eu v e rtente do rochedo. Os do ordena ao filho que suba
. uma longa varo e . .
penso•: •os mitos não têm autor" 12 • E Lévi-Strauss dó prossegui- ro dao: o pa1 a 1ça à altura dos ninhos, o pat d e ixa
mento à sua obra de descentração de um sujeito dominado por ela. Assim que este chega obre o filho Uma vez sa-
bus abatem-se s ·
por um universo mitológico que fala nele. sem que se aperce- c air o varo e os uru ' id as fezes as aves o salvam.
c iadas, depois de lhe terem c~m oe Tronsf~rma-se em cervo e
ba disso. O homem só é pertinente como nível de anólise para
revelar as coerções orgânicas Inerentes ao seu modo de pensa- De regresso à aldeia, o fllhod~~~g~-~o-rça de chifrados. Do festim
Investe contra o pai, maton dos no fundo da água e
mento: •o problema é , nesse caso, o de definir e inventariar
macabro só restam ossos dtsc~rndoe plantas aquóticas. O filho
essas coerções mentais" 13• Por meio de outros objetos de estudo.
pulmões que flutuam sob a orm d e seu pai entre a s quais a
Lévl-Strauss persegue, de fato, o mesmo objetivo, desde a anó- também se vingará dos esposas .
llse das relações de parentesco. Não há. portanto, ruptura signi-
sua própria mãe.
ficante numa obra muito coerente que se situa na costura da
natureza e da cultura para fundar as bases naturais da cultura
(e permitir assim que se faça da antropologia uma ciência da
natureza. liberta, emancipada da tutela de uma filosofia rene -
gada a cada etapa, objeto de irrisão e de repetida polêmica).

A DECODIFICAÇÃQ:
A M EDIAÇÃO CULINARIA
da anóllse freudiano

O método de Lévl-Strauss apro;:~;: vai ser recortada do


dos sonhos, pois cada seq t as seqüências em outros
seu contexto e comp
arado com ou r
tionamento difere fundamen-
9. CI. LÉ VI-STRAUSS. Anfhropo/og/e sfNcluro/e, op. c/f., p . 248. mitos. Entretanto. o modo ~e quiets etaça
- o vai revelar-se indl-
10. CI. LIÊVI-STAAUSS. Lo Pensée souvog ... o p. clt. , p. 32. . óf'se pots a n erpr
11 . J.-M. BENOIST, La Révolutlon structurale, op. clf.• p . 260.
talmente da pS1can t ' el f'lho ao Incesto, concentrando-se
12. Ct. LIÊVI-STRAUSS. Le Cru et /e cult, op. clt., p . 26. ferente à fal1o cometida p . o 1 1' s qualidades sensíveis a
~ _ -v-1,.._,,,,....,,.., rln• nnn~lcoes en re 0
13. CI. LIÊVI-STRAUSS. "l'ovenlr de l'elhnologie. 1959· 1960'. Paroles données. op. clf..
o . .,4
21. I\ IWl?A OA M/IOL00/1\ l~LDONDA

partir do organização blnórlo d e suas posições. os bororos pa-


recem Indiferentes, neste mito, à falto Incestuosa . o
verdadeiro
c,~lpodo não é tonto o autor do Incesto, que figura como he-
ror, quanto o pai que quis' vingar-se do seu filho e seró punido
de m<:>rte. Segundo Lévi-Strouss, o objeto do mito não estó no
conteudo do seu dizer explícito mos na explicação da origem
da cozedura dos alimentos - cujo motivo. entretanto, está apa-
re_ntemente aus:nte -. sendo o cozinha a operação de media-
çao por excelencia entre o céu e a terra, entre natureza e
~ul!ura . . Os mitos de origem do fogo traduzem,..umo dupla opo-
A INFRACULINÁRIA E A SUPRACULINÁRIA
srçao brnórla entre cru e cozido. entre fresco e podre. o eixo
que une cru e cozido depende da cultura, ao passo que
aquele que une cru e podre depende da natureza. o fogo,
mediado! essencial poro o nascimento do cozinho, exerce a
e om o segundo volume de seus Mithologiques, Du miei
oux cendres [Do Mel às Cinzas]. Lévl-Strauss passo das
oposições entre qualidades sensíveis às oposições de formos: vo-
sua funçoo de duas maneiras. Evita a disjunção pelo união do 110/cheio, continente/conteúdo, interno/externo. Assiste-se o uma
Sol e ~a Terra. preservo o homem do podre mas também afas- 1 omplexificação do análise, que adota ' e-Q!_ão por objeto mitos
to os nscos de uma conjunção de onde resultaria um mundo rnonos transparentes, os quais dizem, não óbst<:m-t-e; a mesma
queima~o. A repr~fundamental da interpretação lévi-straussia-
.!'ª consiste em ~ e_!ltror o decodificação- na ÕrganlzaçõÕlnferna
J!.<L!Jllt.9: para ch~gar assim a conjuntos paradlgmátic ÔSCÍpar-
tir de diversos mrtemos. A fim de esclarecer o serltíão desse
1 Olsa mos com maior n úmero de desvios. Esses mitos refletem
11ma dimensão nova, o d g_passogem da cultura paro a socie-
clode, daêcÕnÕmiapaleolítica porÕ Õ êc ÕnÕmlõnêôllfica, da
aocledade coletora e caçadora para o sociedade agrícola .
--
mito de referência, é imprescindível usar uma racionalidade C"om o mel e o fumo, lévi-Strauss explora o mesmo domínio, o
mais profunda extraído do investigação dos conjuntos permu- do cozinha, mas em suas circunvizinhanças, uma vez que se
tantes, das articulações de sistemas de signos manifestadas ,f 1 ,presentam como "paradoxos cullnórios" 15. O mel é considerado
numa. longa série mítica; de onde essa extensa pesquiso com- polos índios um alimento pronto, uma dádiva da natureza; é,
parativa, constitutiva da série significante. portanto, um produto natural infracullnório. Símbolo da descida
Partindo de categorias empíricas, observáveis como o cozido, poro o natureza, o mel pode ser bom. mas também pode ser
o cru, o molhado, o apodrecido, o queimado, Lévi-Strauss ofe- venenoso. Portanto, é ombivalente e, como tal, comporta riscos
rece-nos. subentendidas nessas observações etnográficas, ferra- que são ilustrados pelo mito da "moça louca de mel", o qual
mentas conceit uais, noções abstratos que elucidam O modo de 1o mete para a sedução exercida pela ordem natural sobre a
pensar das sociedades primitivas. Se lévl-Strauss considero seria- c ultura humana. e o perigo de dissolução desta. Ao ·contrário, o
mente a, observação etnográfica, nem por isso deixo de manter fumo, produto supracullnário, tem por função restabelecer a re-
o PrE~~alencla de um horizonte teórico. As. qualidades sensíveis lação que pode ser desfeito pelo mel entre a ordem da natu-
l~en~f1cóvels no discurso mítico são promovidas o uma existên- reza e a da cultura. Pela elevação das espirais de fumaça. ele
cia loglco que duplica os cinco sentidos por cinco códigos fun - re faz. de um modo ascensional, o que o mel desfez - median-
damentais. S:_pensamento mítico é esffuturado como uma lo uma nova escolada na direção da cultura. O segúndo des-
_ linguagem, à maneira como Locon estudo o inconsciente:- "Ao locamento que Lévi-Strauss realiza é a distinção de um plano
colher suo matéria na natureza, o 1pensomentÕ míticoprÕCede almbóllco de imagens imediatamente perceptíveis e de uma
como a linguagem, que escolhe os fonemas entre os sons na- ca tegoria do Imaginário, nova, que intervém quando há neces-
turals"14.
sidade de uma imagem que o simbolismo não contém: "Perce-
bemos todos os grandes temas míticos ao contrório / .. ./ um
pouco como se fosse necessário decifrar o tema de uma tape·
çoria pelos fios entremeados e confusos que se vêem no aves-
so" 16.
A vida humana deve, pois, encontrar um equilíbrio precário
entre os dois pe1lgos que representam uma natureza sem cultu-
ra e uma cultura sem natureza. os quais redundam no risco de
lnópia. Essa dialetlzação das relações natureza/cultura, admitida
primeiro como um fato, como ordem natural das coisas, em Les
Structures élémentoires de /o porenté [As Esfluturas Elementares
do Parentesco], é apreendida agora como um mito de que a
cultura te m necessidade para constituir-se com e contra a na-

14. CI. U:VI-SmAUSS. L& Cru ef /e ctJ/f; op. clt.• p . 346.


1 õ. Ct. ll:V l·STílAUSS, Ou miei OUK cendres, op. c/1., p . 259.
2 1. A IWIM D A MIT OLOGIA É REDON DA

1
tureza: "E~oluí muito, .desde então, sob a Influê nc ia dos progres-
so~ da PSICOiogia animal e da tendência paro fazer Inte rvir nas 1r,onolras de preparar e consumir as refeições. Cada etapa llus-
cienclas da natureza noções de ordem cultura1"'7. A oposição l lCl o fato de que •a cultura não se define como üm domínio
n~tureza/cultura desloco-se então e passa do estatuto de pro- ,nos c omo uma operação. aquela que faz da Natureza um
pue,~ade Imanente no real para uma antinomia própria do vurdadelro universo. / ... / Essa operação é uma mediação que
espmt? humano: "A oposição não é objetiva, são os homens para e une simultaneamente" 20 . Assim, a natureza é constan-
que tem necessidade de a formular" 18 • O contexto etnográfico tomen te culturalizada e a cultura é, inversamente, naturalizada.
é apenas uma molduro, o ponto de partida de uma reflexão a11rvl ndo o pensamento mítico, neste caso, de operador nos
q~e deve desligar-se dos costumes. crenças e ritos das popula- d ois sentidos.
ç?es de onde provém o mito, o fim de atingir um mais alto
n1vel de abstração. de tal maneira que "o contexto de cada
mito consiste fada vez mais em outros m itos" ' 9. Assim é que
':'el e fumo, diferentemente das noções estáticas de cru e co-
zido, representam desequilíbrios dinâmicos, oposições não em
termos de espaços mas em termos temporais.

------
A TETRALOGIA

A MORAL CULINÁRIA
A
,iro,ó
publicação em 1971 do quarto e último volume dessa
tetralogia, L'Homme nu. encerra toda uma aventura que
durado sete anos e deu lugar a uma obra excepcional,
i Mythologíques. A imprensa saudou o evento à altura de sua di-
e om o tercetio volume, L 'Origine des manieres de tabte
Lé~I-Strauss amplia sua área espacial até então confina'.
, mensão. Le Monde publica todo um caderno especial no qual
ao pode ler, ao lado de uma entrevista dada por Lévl-Strauss a
l~aymond Bellour, artigos de Hélene Cixous: "Le regard d' un écri-
da à Amerlca do Sul. Ele Integra em seu estudo comparativo voin", dos historiadores Marcel Detlenne e Jean-Pierre Vernont:
mitos dos lndlos da América do Norte. e atinge um nível ainda "Eurydice. la femme-abeme•, e do lingüista-musicólogo Nicolas
superior de complexlficoção ao substituir o estudo dos termos ílu wet: "Qui a hérité?", bem como um artigo de Catherine
P,:la o~osição entre as diversas maneiras segundo as quais eles Ooc kes-Clément.
sao ~tihzados, ou conjuntos ou seporados._Permanecemos no A televisão oferece aos telespectadores o que Le Figaro
dom1~fo da mediação culinária. c5>m um_opjet,2 novo e central Qualifica de "Domingo, estudioso": Lévi-Strauss é o convidado de
:-<"~e e o_: a e~ _ent? da !TI.°'ª'· É o terceiro _lli'L~.I d ~ - domingo! Ele decide deixar a estrela principal no laboratório de
ça<1:_da!..0gicas, ..:P..?~.9 do sensível, a das formas, trato -se antropologia social que criara e vemo-lo desfilar uma série de
~ora de um°76g~a ~as P! <?E:_Osições. pesquisas de campo conduzidas por François Zonabend, Pierre
? muntto oréfenaão é também um mundo ameaçado, por Clastres, Mourice Godelier e François lzard. Consagra-se por
muito pouco que se desloquem nele as linhas fronteiriças, que unanimidade L 'Homme nu e o conjunto da tetralogia de Lévi-
se trans?ridam as boas distâncias. Os bons usos desempenham Strauss, que se junta assim a Wagner no registro das ciências
nesse niv~I um papel regulador. Toda infração está sujeita 0 sociais.
perturbaçoes que se refletem então no universo, tanto natural Esse quarto volume parece o priori deslocado em relação
quanto cultural, e Lévt-Strauss opõe duas éticas: a do ocidental aos três primeiros. na medida em que já não se trata mais da
qu~ respeita as medidas de higiene para proteger-se como in- c ozinha ou de metáforas culinárias. Mas, de fato, uma profunda
dividuo, enquanto que nas chamadas sociedades primitivas elas unidade liga o .conjunto e está claro desde o começo para Lé-
são r~speitadas para que os outros não sejam vítimas de sua vi-Strauss que. se o primeiro termo de Mythologiques era "cru". o
própria Impureza. O "selvagem•. ao contrário do "civilizado", dó último seria •nu", pois ao término dessa viagem mitológica Lévi-
assim provas de mais humildade em face da ordem do mundo. Slrauss reencontra o equivalente do seu mito de referência bo-
Portanto, _çipós a origem da cozinha e de :,uas dependências ro ro do Brasil. Por outro lado, •se para os índios da América tro-
Lévl:__Str.o~...d..edi.c_e4se_o.J.d.e.otilicar os seus CQD.tOrf)Ç>S~r u_dillersa~ p ic al. a passagem da natureza à cultura é simbolizada pela
p assagem do cru para o cozido, para esses índios da América
.11. CI. l~VI-STRAUSS. entrevisto com R. 8ellour, L&Hres França/ses. n• 1165 12 de do Norte ela é simbolizada pela invenção dos enfeites, dos or-
Janeiro de 1967, reimpresso em L& Livre des outres, 10 /18, 1978, p . 38 . ' n o m en tos, das vestimentas e, também. pela das trocas
18. lb., p. , p, 38.
19. CI. l~VI-STRAUSS, Ou miei oux cendres, oi:,. clt.. o. 305
rsrsstNIA 1voJ 1900- 11\ Bllll ,,.owc
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO 27. A TERRA DA MITOLOGIA É REDONDA

comerclals"21 • Ao herói reduzido ao esfado de natureza - ou sé- Ouro do Reno. L 'Origine des Monlàres de fobia corresponde a
.Jsl. ~ estadõ""deciu - da América fropic~. conesP()nd.,.U'la A Volqufrlo em seu tratamento das relações de parentesco. de
Amé~ca do_!Jorte o herói reduzido ao estado d8.-.0.Y9ez. 111costos e modo de evitó-los. Ou miei aux cendres corresponde
Êsse livro retorna aos determinismos próprios da infra-esfrufura uo Siegfried como aculturação da selvageria. e L 'Homme nu.
econômica. A fefralogla conclui-se com L'Homme nu: "Assim se vldentemente, ao Crepúsculo dos Deuses. retorno às origens.
encerra um vasfo sisfema cujos elementos Invariantes podem 11p6s o desaparecimento do sistema construído ' para chegar ao
sempre ser represenfados sob a forma de um combate entre a •11nale". A analogia musical é constante desde a definição do
Terra e o Céu para a conquista do fogo" 22 . O evento decisivo, projeto de estudo dos mitos em "lo structure des mythes•, onde
fun~ador , é portanto essa conquista do fogo ao céu por um 1óvl -Strauss comparo o objeto mitológico a uma partitura de or-
herol terrestre que a isso se aventurou, voluntariamente ou não. questra que se deve ler vertical e horizontalmente. Le Cru et /e
O forno-de-terra aparece como operador principal da dupla c ult é dedicado à música e adoto a figura de uma fuga. A
conquista do fogo e da ógua pela arte culinórla do cozimento. rolerêncla musical é ainda mais explícito em L'Homme nu: "É
Verdadeiro eixo dessas narrativas míticas, o forno-de-terra, como rrionlfestamente certo que tentei e dificar com os sentidos uma
26
operador central. desempenha o papel de um esquema formal: obra comparóvel àquelas que a músico cria com os sons" •
"A Imagem antecipada do forno-de-terra / .. ./ determina a pas- Músico e mitologia apresentam-se aos olhos de lévi-Strouss
(
sagem do estado de natureza ao estado de sociedade"23. e orno Imagens Inversas uma da outro, desd~ à lnve~çõo da fu-
No "flnale" de L 'Homme nu, que responde à maneira de um uo, cujo composição se reencontro na narrativo mítico._ A
motivo musical à "abertura· do primeiro volume, lévl-Strauss re- música tomou o lugar do mito: "Quando morre o mito, a musi-
27
corda a ne=..=sslda<:!_~ metodológica de supressão do ~uTeito c o torna-se mítico do mesma form~ que as obras de orte" •
para ...!.:! a~~so à e~trut~,ra _g_o ~ - A_o,epellrÕSÚjelto, ele Por outro lado, a perspectiva científico, senão cientista, do pro-
reata a polêmica que nunca deixara de alimentar conmr as uromo do antropologia estrutural é incessontement~ reiterada
pretensões dcrdlscurso fllosoflco. As críticas que lhe saO feitas t.om muito mais otimismo acerco de suas capacidades de
de dissecar e empobrecerõ"üniverso humano, por suas redu- ' onólise: "O estruturalismo propõe às ciências humanos um mo-
ções formais das mensagens formuladas pelas sociedades que delo epistemológico de uma potência Incomparavelmente
estuda. ele re~ponde: "A filosofia conseguiu por tempo demais auperior à dos modelos de que elos dispunham antes-2ª. Na ver-
manter as ciências humanas aprisionadas num círculo, não lhes cfade, o que estó sendo visado é a filosofia, elo. que sempre
permitindo descortinar poro a consciência outro objeto de estu- privilegiou o sujeito. esse "lnsuportóvel enfont góté que por de-
do senão a própria consciência. / ... / O que, na esteira de masiado tempo ocupou o cena filosóflca"29•
Rousseau, Marx, Durkheim, Saussure e Freud, o estruturalismo pro-
cura realizar é desvendar para a consci ência um outro objeto:
colocá-la, portanto. vis-à-vis dos fenômenos humanos. numa po-
sição comparável àquela em que as ciências físicas e naturais
provaram que somente elas podiam permitir ao conhecimento
se exercer"24• No horizonte dessa critica v islumbra-se a esperan-
ça de adquirir o status de ciência da natureza, tendo acesso
às condições de funcionamento do espírito humano graças, en-
tre outros, ao saber antropológico. A tensão interna entre natu- UM ESTRUTURALISMO NATURALISTA
reza e cultura desdobra-se. no Interior do discurso do próprio
lévl-Strauss, na tensõo entre sua ambição de ganhar acesso às
e l évl-Strauss r,~~!:'cootra o h ~ q y _ a nto ngtur~zo
leis Intangíveis da natureza neuronal do cérebro humano. e a
vontade jamais enterrada do c riador que escolheu o terreno de
Investigação das ciências humanas para fazer uma obra artísti-
S
bre ~
humano. e apóio-se, em L 'Homme nu. nos pesquisas so -
obre o córtex cerebral. gye mostro~_ os
ca. dod~da_percepçã..o são~ m a ~&? formo de op2.~es
Essa tensão é perceptível na própria composição de Mytho- blnórlos. Portanto, o binarlsmo não seria um simples aparelho ló-
loglques, concebida segundo o modelo da tetralogia de Wag - gico -;;;terlor aplicado sobre o real mos apenas reproduziria, de
ner, com uma única exceção, como o mostra Catherine roto, a natureza do funcionamento do corpo humano, ·e se ele
Backes-Clément25: La Cru et la cuit trata da origem da cozinha (o blnarlsmo] constitui uma propriedade Imediata do nossa or-
e retoma assim o tema da gênese do mundo, da lei de o ganização nervoso e cerebral. não causaria surpreso se tam -
bém fornecesse o mais adequado denominador comum para
fazer coincidir entre si experiências humanos que superflcialmen-
21 . CI. ll:VI-STRAUSS, entrevista com R. Bellour. Le Monde, 5 de novembro de
1971.
22 . CI. ll:V I-STRAUSS. L'Hornrne nu, op. cft.• p . 535. '16 CI l~VI-SIRAUSS. L'Homme nu, op. clf.. p . 580.
23. lb., p. 5~.
24. CI. ll:VI-STRAUSS, L'Homrne nu, oo. clt. nn .<;...? .'IA"\ - -~. '7 lb. p 584
l?I DONDA
21. A TE /lRA DA MIT O LOOII\
ESTRUTURAI ISMO ~ ~?h ,,.

li i
• ti dos fonemas"3'. A analogia da
olgnlflcaçõo é um~ caract~n~t~a desse ponto de vista, em Lévi-
te poderiam parecer lrredutíveis"30.
rnllologlo e da ~úslca sus e te~rio construída, desligada do ob·
No horizonte de sua aventura. Lévl-Strauss espera. portanto.
~ Shauss. a amblçao de uma nor dúvida,_ uQ'1 .rnooumenJo_ fascl·
despertar entre as ciências da natureza no dia do Juízo final. O
~:~~hlt~~ preço a pagar por tal acessão é eliminar da cadela significan-
Joi o . D.Qí resulta, sem a me -

no nte, o propr 1O O
bra de Lévl-Strauss. m
.
os à custa de uma
·p·o de toda perspectiva her·
te os conteúdos narrativos dos mitos e, à maneira dos fonemas,
porda. pelo abandono. ~mi ~~~c1p;o~ede a uma evltação do
reduzir os mitemas a um valor opositivo. A conquista científica
me nêutica. A reduçóo og c s o modo que em Lacan:
baseia-se então em relações de compatibilidade ou Incompati- si 'f nte do mesm
a fe to na cadela gni ica , des ameríndias serve para tu·
bilidade, mas conduz Lévi-Strauss a •um formalismo iógico"31 que
Assim. a sexualidade das _socieda de a •uma dialética de
contribui para o reladonamento entre os mltemas no Interior de
do, salvo para fins sexuo•~;35e: ~~:~º;ortanto. para um mundo
um mito. Esse formalismo funda o encadeamento slntagmático
abertura e de fechamento_ • é de ~utra coisa que se trata . A
e a sobreposição de mitemas tomados dos mitos diferentes. os
dessexualizado quando nao I d Lévi-Strauss e Lacan en·
quais constituem os conjuntos paradigmáticos. O espírito repete osturo estrutura e . .
a natureza porque ele é natureza; o isomorfismo é total e ques- ,emelhança d a P 'f ta e revelada pela afumaçao
i ma vez mani es .
tiona o corte tradicional entre essas duas ordens da realidade. contra -se ma s u 1 •as relações sexuais nao exis·
similar de Lacan, segundo o qua I te ~e uma negação do
A esse respeito, pode-se falar de um materialismo radical de
te m ' . Essa evitoção resulta lgua~~~clol o1er.etcldo o um pen-
Lévi-Strouss. que declara que. se lhe perguntarem para que sig-
auJello entendido como lugar lnsu I nele· com a- promessa de
nificado último remetem os suas cadelas significantes, •a única • . que se desenro a
sarnento anonimo 'ltimo mas no condição de
resposta que este livro sugere é que os mitos significam o espí-
um melhor conhecimento deste u h 'nas malhos da tela es-
rito, que os elabora por intermédio do mundo de que ele pró- . ·to •se dissolva • qual aran a,
q ue o su1e1
prio faz parte "32•
truturo1•Jó.
Há, p or ç_on_seffi:!ln~. um ca~salismo em aç~ nessas cadelas
mitológicas, mas é de natureza neuronal e implica, por defini-
ção. uma cõlocaçàO à disfõncla máxima do conteúdos8mân-
t1codasprõpôs1ções mltológicas, do referente social POLO o
'"quÕleleremefe. Sem dúvida, esse referente social não está OU·
- sente dãteiralogia dos Mythologiques, a qual Integra todas as
informações etnográficas de que dispõe Lévi-Strouss. mos suo
pertinência é reduzida o um simples pano de fundo, um simples
material de base de que se serve sem que Influa de maneira UMA MÁQUINA DE SUPRIMIR O TEMPO
decisiva no modo de pensar. Pois é somente no nível gramati-
cal que o mito revela os limitações lógicas de sua enunciação
. morto de Mythologi~':Lª~ é a ~tqijo, e
e re presenta, portanto, o único plano pertinente de sua neces-
sidade. Somente esse nível gramatical permite o acesso aos
âmbitos mentais e revela pelo sintoma que representa o que
O outro horizonte _ _ - - -
- - ;
com o temporalidade.
1
Lévl-Strouss e . ~ ~ ~r2._a,2. - -
ão particular dos mitos
A mitologia tal corno 0
. . '
-musica-S
-
·
• 37 0 objeto escolhi·
ão,

ele evita dizer. A verdade do mito consiste em 'relações lógicas . ó I s de supnmu o tempo . •
c om efeito, m qu na d d rnonsttoção em sua pole·
desprovidas de conteúdo ou. mais exatamente. cujas proprieda- d o por Lévl-Stra~ss tem valo~es:st:bllizar o privilégio. que ele
des Invariantes esgotam o valor operotórlo" 33 • Assim. Lévi-Strouss m ico com os fllosofos para dldo à historicidade. Mas nem por
pode evitar o relação especular entre realidade social e mito. c onsidera exorbitante, conce Le' vi Strauss recrimina·
. •. • nte e Jó vimos que · .
Ele escapa, com razão. aos mecanismos próprios de um pensa- Isso a historia esta ouse • . la dependendo. porem
v a ao funcionalismo o fato de ,gnor . . 6
mento do reflexo mas para substituí-lo por uma lógica Interna
da mitologia que se esquiva de toda e qualquer restrição exte- d o registro da slmpl~s ~~ntlngê;cl~~ cabe de direito à contin·
rior, à parte a neuronal. O lugar da história e aquel q "ó el uma pesquisa Inteira·
• / / Para ser v1 v ,
A autonomização necessória do campo cultural em rela___ç_ão g ênclo lrre d u t 1ve1. ... eça por Inclinar-se diante
ao sÕciãl 4Lle:-JadÕ ao extr~m~ de sua lógica. até converter-se as estruturas com
mente voltado poro t •38 o corre pois uma reJei-
num horizonte Independente desse último. O modelo fonológico da potência e inanidade do even o .prellmln~r de, uma inicia·
serve de fundÕmento teórlso para e_ssa_ extração- d Õ c"'õrileúdo se apresenta como
çõo de ':llo, que . ue as dicotomias estabelecidos
social. da mensogem....em piovelto_do. código: "A proposição se- tiva cientifica na medido em, q f gêncla natureza/cultura. tor-
gundo a qual os elementos que compõem o mito carecem de por Lévl-Strauss . necessidade con in •
significação Independente é uma conseqüência da aplicação
de métodos fonológicos aos mitos. Com efeito, a ausência de 4 1h PAVEL. Le Mtroge 1/ngulst/que, op. ctt.. p. 4~-44
3 e t ,. culf op. ctt.. P · ·
3~. CI. L~Vi.STRAUSS. L• ru • nê ~truoturcJlsme?. CeJr. 1989. p . 56.
30. CI. L~V~STllAUSS. Le Magazine llttérolre. novembro de 1971. 36 M FllANt<. Qu'est•C8 c,u• lá O• 23-24.
31. J. OUVIGNAUO, Le Longoge perdu, op. clt.. p . 243. 37,
; L~Vi.StnAUSS, te Cru et /e oult. op. olt.. PP·
e,
32. CI. L~Vl-STRAUSS. Le Cru et le cult, op. clf.. p. 346.
33. Ih n ?A.4.
27. A TWIM DA M/IOLOGIA l REDONDA

mo/conteúdo ... - colocam o estruturo do lodo do ciência e o


n nunca tivesse exi stido•'3. desapareci-
O tempo desenrola-se no própria lógico do seu lar Ele rea-
evento do lodo da contingência. Oro, esse relegar do historici- ó . risca numa atmosfera crepuscu ·
dade não é próprio dos sociedades frios: Lévi-Strouss vê assim rnento. ele pr pno se pção inicial de uma antro-
•o mllogre grego• (passagem do pensamento mítico poro o 11, a a:r:::;':':~~~a~.~u~ris:~cdeo morte é O mais belo. mas
pensamento filosóflco) como uma simples ocorrência histórico p ologé Is temiveJ•4• A estruturo, após revelar-se a si -mes-
que não significo outra coisa a não ser que se produziu ali e, lo mb m o ma · - t de um dispositivo conceituai
reço do desenvo1v1men o
de fato. poderia muito bem ter ocorrido em qualquer outro lu- n1a , ao P - - ortonto nenhuma mensagem. sa1vo
gar. visto que nenhuma necessidade o tornava Inelutável. Ao rnulto complexo. noo tem. ~"Esse g.lgantesco esforço chegou,
término de sua aventura mitológica. Lévi-Strauss radicalizo sua u de que se deve m~rrer. NADA que é
- . til r .t . ele desemboca nesse •
posição na etapa final de suo pesquiso. A ordem do tempo portanto. ao seu fu ,m, e. _ acaso ao termo desse
desvendado pelos mitos não é somente o tempo reencontrado, o último palavra colocado, . nao pmor--0s filó~ofos e sobretudo
'fl 1e· ••s A nolê.n.uca co
proustiano. é também o tempo "suprimldo" 39; "levado olé o seu •untuoso na ·~ t - distante de Lévl-Strauss dlon- ~
Some e O tom zombe e 1ro e ~ - "
término. a análise dos mitos atinge um nível em que o história e om _.: " -, não devem entretanto. deixar supor o
se anulo a si mesrno· 40 • 10 do filosofia em gero,:.. ·
Reencontro-se aqui um traço Importante do paradigma estru- lnexistêncía d~ um~ filoso_fio ~ele. onceber o estruturalismo não
turolista: a prevalência conferida à presença, mas uma pre- Lévi-Strauss tomo~ d~~~ ~om-;,u ma nÕvosenslbilidade
sença estacionária onde se dissolvem passado e futuro numa ,6 c o ~ Q . . ~1entif1-c.ono - lano do criação liter óriq_, ~lctó-
temporalidade presa ao solo, estática, pensamento que tanto que eocontra_ alguns ec°;'- P uma filosofia do fim de uma
refuto o teleologia histórica quanto a Idéia de fuga do tempo, rico e musical. mas ta~bem CQ.ffi<L :- ui n; sse~oo.segundo
num presente reconciliado. Lévl-Strauss atribui a Marcel Proust a hlstór~ 9Y.Q.D.fe~1!_'1t?. Ele co:'":estruição quando matou,
Idéia de •um homem emancipado da ordem do tempo"41 • Essa
emancipação do tempo, essa refutação da história, conduz Lé- p elo saber, essa vivacidade, ª~te
Joan -Marie Oomenach._ para ess vi or do cultura. O que é
fl~ / / Em vez de sair pe-
alroz. é o lado mortífero dessa • oso n. a ... sai pelo que chamei
vi -Strauss até à "reinstalação de uma filosofia da presenço••2 •
Essa presença nodo mais é do que a da natureza que exclui a to oito, pela esperança ou o ~no:O~aç ~ais resto senão deixar
história. a do cérebro. do genótipo universal que funciona co- um requiem ou um de profun ,s. Ido na entropia•«>. Existe mani-
mo uma máquina binário, reinserção do pensamento humano a e scritura ser tragado _e consdum homens uma formo de abdl-
lestamente nesse crepusculo os
no matéria vivo e presente.
cação perante o história. . ias de que se alimenta.- o
Sinal da decomposição dos ideolob~ço de reconstituição de
r
estru t ura 1sm O •
é nesse plano. o es
'd os demonstração do es-
uma ideologia globalizante. sen; reS1 u d~struição desse espírito
plrlto de síntese e. 00 mesn:io empo, .-
numa espiral v ertiginoso e funebre.

O CREP ÚSCULO DOS HOM ENS

E sse fim do história serve de introdução ao temo crepuscu-


lar do "flnale" de L 'Homme nu. Ao término dessa grande
obra de elucidação do universo mitológico. Lévl-Strauss deixo
entrever ao leitor o pessimismo histórico que o anima desde o
começo do empreendimento. Tudo o que foi sabiamente estu-
dado nunca posso de eflorescência passageiro de um mundo
condenado o perder-se, condenado à morte Inevitável. Os
Mythologiques terminam. pois. com um crepúsculo dos homens
que redobro o wagneriano crepúsculo dos deuses. Esses mitos
deixam transparecer um edifício complexo que •se exponde
lentamente e volta a se fechar para submergir ao longe como

39. CI. l~VI-STAAUSS, L ' Homme nu, op. clt. . p. 542.


43 CI. LtVI-STRAUSS. L'Homm• nu. op. c/t..
44 J.-M . OOMENACH. 'Le requiem structvro
:/~º~m
•.
Le souvoge et rorcllnofel.J(.

40. fb.. p, 542.


L• Seull 1976, p . Bl .
41 . /b. , p . ~ . cltoçõo extraído de M . PROUST. L• Temps retrouvé, Gollimord,
45 lb. p 85.
1954, ll p , 15.
42. J -M. BENOIST, Lo Révoluffon strvctvro/e, op. clt.• p . 275.
28. ÁFRICA: UM CONTINENTE
LIMITE DO ESTRUTURALISMO

L évl-Strauss e na sua esteira numerosos antropólogos trilha·


ram o continente americano utilizando a grade estrutural
11uro melhor avaliar o Inconsciente das práticas sociais das po·
t H>loções Indígenas. Tudo leva a crer que aqueles que optaram
polo campo de Investigação africano distanciaram-se mais do
11orodlgma estrutural. que não lhes oferecia uma explicação sa-
llafo tó rla sobre sociedades em confronto direto com a história
, olo nlal. Os investigadores devem, por outro lado, trabalhar
, .om populações muito mais importantes do que as magras co -
>11unidades índias que lograram escapar ao genocídio. A imbri-
1 ação das crenças e costumes tocais e de Instituições coloniais
Induz fenômenos de aculturação que tornam difícil uma redut
'<t_Ô O binária da organização social africana e relativiza, por-
lonto, a área geográfica de aplicação do paradigma estrutural.
1xlstem. no entanto, antropólogos africanistas estruturalistas. mas
p o d e - ~ular g _bjpót~§.!?_ de uma bi_ l}_a~ ade no compô ..án-
Jtopológ1~2-,< w.~_QQ!g_tl9 ..os_fró_Q _ ~os terrenos d ê investfga-
tõo entre os americanistas lévl-straussianos e õ safricanlsfds discí-
-------""·-
Í'f)UIOS de ~orges~.B.a lao..di~r..Jl)gS.fl1.0 que tal configuraçãõ-S'ê)a
fo rtemente red Y19~ - - -

GEORGES BALANDIER: O AFRICANISMO


t

G eorges Balandier foi o iniciador de toda uma geração


de africanistas. Formado em etnologia por Michel Lelris,
que foi seu modelo, Georges Balandier fez parte do pequeno
círculo de sociólogos que se reunia na rua Vaneau na casa de
Georges Gurvitch. com Jean Duvignaud, Roger Bastide e outros.
Ele concebe a sociologia da África Negra numa perspectiva
militante, an1ícolonlal. O horizonte do seu trabalho leva frontal·
mente em conta, portanto, a d imensão política, vítima do estru-
turalismo. Georges Balandier terá pago caro por suas posições
críticas em relação ao paradigma dominante dos anos 60: "Tive
que ceder no College de Franca. Claude Lévi-Strauss fez de tu-
do para promover candidaturas e quivalentes àquelas que eu
podia propor" 1•
Contudo, esteve muito ligado a Lévi-Strauss. durante seis ou
sete anos. até o Ingresso deste no Co//ége de Fran c a. Parece '
1 t::an,õot; Rôlôndi.:.r ontro.vido com o o.utor.
que a desavença entre os dois homens deveu-se o um aconte-
cimento sem lmportôncla, um infeliz Jogo d e palavras levado ao
conhecimento de Lévl-Strauss, que lhe causou forte e profundo
ressentimento. O divórcio entre os dois não era, porém, lnsupe-
róvel, apesar do escolha de métodos e campos di,erentes.
1il nc ronlo: "O que eu conheço, é que as sociedades n~o _
s ã~
pro duzidas, elas se produzem: é que nenhuma escapa a histo-
rio, mesmo que a história se faça de outro modo, mesmo que
1010 plural'"'·
De regresso à França. Balandier ingressa no 6 0 Seçoo da
-
; ,;;,,:

Ambos estavam a:;sociados a um mesmo organismo vinculado 1PHE, onde fundo uma direção de estudos de soclo~ogio da
à UNESCO depois de 1954, o Conselho Internacional de Ciên- Alilca Negra; participa igualmente, em 1954, no gabinete do
cias Sociais, do qual Lévi-Strauss era secretário-geral e Georges
11 c re tárlo de estado Henri Longchambon, do governo Mendê~
Balondler responsável por um departamento de pesquiso. "Isso 1,o nce, com O incumbência das ciências humanas. E~ 1961. e
tudo se deteriorou por causa de um Incidente trivial, uma espé- i o nvldado por Jean Hyppolite para re9lizar um semlnáno na Es-
cie de mexerico" 2, e a polêmica foi desencadeado por uma t,olo Normal Superior, na rua de Ulm, que coordenará até 1966:
c~>ntundente crítica sobre a Inconseqüência de Georges Balon- •o estruturalismo era ~um fluido que Inundava tudo, após ter or-
d1er no encadeamento de suas proposições desde 19623. o mbatado muita coisa em seu fluxo" 7 . Foi nesse templo do estru-
rompimento nunca será superado mas, para além dos Inciden- lwalismo triunfante nos anos 60 que ele conseguiu Induzir alguns
tes, das suscetibilidades machucadas, ele simboliza bem duas- uoógrafos, historiadores, homens de letras e filósofos a trobal~~r
orientações divergentes. m proveito da antropologia. como Jean-Noel Jeanneney, Reg1s
Georges Balandier foi. com efeito, fortemente influenciado l)obray, Emmonuel Terray, More Augé... _
pelo exlstenclaiismo do pós-guerra. Membro da Resistência du- o fascínio que ele exerce sobre toda urna geraçao que
rante a Segunda Guerra Mundial, ligado ao Museu do Homem combateu a guerra da Argélia está ligado à sua ca!'a~ldade 1
e o Michel Leiris, é Introduzido por este na entouroge de Sartre !)oro confrontar a sua prática teórica com as turbul~nc1as da
em Temps Modernas . Está ausente, porém, dos grandes debates
do pós-guerra, uma vez que em 1946 parte como antropólogo
l\lstórla, para evitar o encerramento na torre de marfim do !ª·
b oratório científico. No Início do ano letivo de 1962, ele realiza
poro a África Negra e se Instala em Dacor, onde exerce os o seu primeiro curso na Sorbonne: "O ,africanismo que ~u ::pu-
funções de redator-chefe da revista Présence ofrlcoine. Participa nha não fazia concessão nenhum.a a moda estruturahst':1 . ~
Intensamente da descolonização na África, da qual se torna que Impressiona de Imediato Balandier, ao chegar na Áfnca, e
"um agente ativo junto a certos líderes africanos" 4 • Diretamente
0 miséria social. considera desde logo a política como o melo
envolvido na história em processo de construção, Georges Ba- de atingir O emancipação, e essa dimensão vai tornar-se P<;1ra
la,ndler convive quase diariamente com Léopold Sédar Senghor, ole um objeto de estudo privilegiado que o distingue ta~~em
Sel<ou Touré, Houphouêt-Boigny, Nl<rumah. E se descobre a figu- da postura estruturalista. Publica em 1967 Anthropolog1e pol1flque
ra do outro, da alterldade, da negrltude reivindicada como cul-
8 ultrapassa O visão clássica do poder como simples gestão _da
tura diferente, ele tem o sentimento de participar numa história torça repressiva. Inclui aí as dimensões do imaginário e do sim-
em plena ebulição, não só por sua hostilidade aos quadros co- bólico. Equipara-se ass.im. no território africano. ao estudo de
loniais, pelo seu desejo de emancipação política, mas também More Bloch sobre Les Rols thoumaturgues, colocando no cora-
pela reivindicação histórica desses povos que aspiram O um ç ão da análise o corpo transformado do detentor do poder
reatamento com sua própria história, para além do corte colo- político. Acentua, portanto. uma dimen~~ largamente ocul~~da
nial.
na tradição estruturalisto que se constro1 a margem dp poh11co,
O seu campo de investigação está em plena mutação. De- õ ngulo morto da antropologia estrutural na Franç':1. Balandler
pois de Bandung, o continente africano se sublevo, os confron- tem que se apoiar nos trabalhos de africanistas poh!icos_ anglo-
tos multiplicam -se, ao mesmo tempo que as populações saxões desde 1945: Meyer Fortes, John Mlddleton, S1eg!ned-Fre-
conhecem a escolada do pauperismo, o recrudescimento das derlcl< Nadei, Michael-Gorfleld Smith, D. Apter, J. Beatt,e ...
favelas ... Os partidos, os sindicatos fazem sua aparição num uni- Retoma as críticas formuladas por Edmund Leach, em rela-
verso até então triboi. Portanto, o que Georges Balandier des- ç ão à abordagem estruturalista aplica~a ao, ~studo dos siste-
cobre é o contrário de uma sociedade Imobilizado no tempo: mas políticos. No caso da organizaçao pohttca dos Kachln,
"Não posso, por conseguinte, aderir de maneira nenhuma à Edmund Leach i9 entifica uma oscilação entre os pólos aristocrá-
Idéia segundo o qual nessas sociedades o mito dó formo O tu- tico e democrático que requer variações e ajustal;'~ntos cons-
do, e,º história não estaria presente, em nome do fato de que tantes da estrutura sócio-política: "O rigor de vanos análises
tudo e sistema de relações e de codificações, com uma lógica estruturalistas é aparente e enganador•'9, porque fundamentadas
dos permutações possíveis que permite à sociedade manter 0 em situações Irreais de equilíbrio. Por um caminho di~ do
5
equilíbrio" • Pelo contrário, Balandier descobre o movimento a adotado por Lévl-Strauss. Balandieírlão~ ~ ~t_9!:.E9Jérn.
fecundidade do caos, o caráter indissociável do diacronia e 'da em conflnUR:tadce-:çpm-ére no ptaoo do g ueillgna.m..i:!'to do et-
2. lb.
3. CI. l~VI-STRAUSS, La Pensée sauvage, op. clt.. p. 311. 6. lb. 187
7. G. BALANDIER. Hlstolre cJ'aufre$, Stock, 1977, P, ·
4. Georges Bolondier, entrevisto com o autor.
5. Georges Balondier, entrevista com o autor. 6. lb.. p . 183. - 2
9. G. BALANDIER, Anthropo/ogle pol/tlque. PUF. 1967, p. 2 ,
u1u1mt1sMO

oocentrlsmo ocidental que, no domínio do reflexõo sobro o po-

i ~ca.:.. tendia poro uma definição llmllallva. reduzindo -o ao apo-


rel~o estado. Jó em 1940, Edward Evons-Prllchord, nos N~er
do Sudãõ:" e Meyer Fortes, nos Tollensl do Gano. tinham estabe-
lecldo uma dicotomia entre sistemas segmentórlos sem estado e
sistemas de estodo10.
Mos Bolondler vai mais longe ao questionar uma tipologia
baseada num princípio único. o do coerção. Substitui-a por
uma abordagem sintético do político que Inclui num único con- OS FILHOS DE BALANDIER
junto o exame dos estratificações sociais. das regras de paren- E D E LÉVI-STRAUSS
tesco. Recha90. portanto, o postulado estruturallsta de isola-
mento das varlóveis paro estudó-las em.suQJóglca endógena,
~ o_põe -lhe um enfoque global em que os diversos níveis do ão teria interesse nenhum avaliar o Irradiação de Lévl-
J eol....do,Jmaginórlo e do simbólico se misturam num eQY!!íbrio dl-
nômico_ ~por definição, lnstóvel. Tal concepção permite c o ~
N Strauss e de Bolandier a fim de saber qual foi o que te-
ve maior influência. É certo que a onda estruturalisto levou Lévl-
rir um lugar e uma pertinência a noções como a de estratégias Stiouss paro O fastígio da glória. deixando Balandier numa rela-
abertas que deixam a seus autores certa latitude nas opções; tivo sombra. Entretanto, cumpre reparar uma injustiça do hlstó-
pode Incluir o parentesco nas relações de poder através de to- 1ra e reavaliar o Influência. tão decisivo quanto. por vezes.
do um jogo de alianças matrimoniais, concebidas como outras desconhecida, de Bolondler, que foi o organizador de um gran-
tantas peços do dispositivo político. de número de formaturas e carreiros. Se existem os filhos de
Segundo Balondier. não se pode afirmar. pois. como o faz a Lévi-Strouss, numerosos são os de Balandíer. especialmente os
antropologia até aí. que a político começo onde o parentesco a fricanistas. entre os quais se contam os "bastardos" que reco-
termino . Semelhante enfoque permite uma abertura para as nhecem uma dupla paternidade. '
problematizações históricos: "A antropologia, o sociologia política Entre os que seguiram a dupla filiação está o atual presiden-
e a história foram conduzidas a coligar seus esforços•11. Também te do EHESS. More Augé. Em 1960. ele preparo na Escalo Nor-
permite um diálogo com os historiadores, o que efetivamente mal superior a ogrégofíon de Letras e, não so~endo multo .bem
acontece, em 1968, com uma edição dos Lundis de /'histolre que direção tomar. duplamente atraído pelo f1losofla : a htera-
[Segundas-feiras da História) dedicada à obra de Balandier, que lura. vai ouvir Lévl-Strauss e Bolondler. Conclui entoo ~~e a
debate com Jacques Le Goff e Pierre Vidal-Naquet12_ A abor- e tnologia pode ser poro ele o caminho mediano. reconc1ho~or
dag~ ~r.:?!é.!.!s.a .~ diacrônico de Balondier aproxima--se, com de seu gosto pelos letras e do seu desejo de uma reflexoo
efeito, d.f!.L!!l~tlgoções dos historiadores. eme~ialdÕs me- mais especulativa, Graças a Balondler. apresenta-se-lhe a oca,-
diev9!!._staLcuJgs fO..[l_te1 _cõniõ ~onções degesta, descrevem sláo de fazer pa rte da ORSTOM e em 1965 More ~ug~
as gu_erras de unt}.Qgens e famílias I ornõ
aüt, os tantes-tances e mba rca , assim. poro o continente africano. com destino a
políllcos. ~A definição que BÕiondier dó do pÕlíttco é.p ortanto, c osta do Marfim: ·Foi meu amigo Ple11e Bonnafé quem me
de grande amplitude: •cumpre diferençar a política como meio aconselhou procurar Balondler. me deparei com alguém mui!º
de assegurar o governo dos homens e o político como veículo atento. seduzido por seu cursus não clósslco• 14 . É _no semin6110
de estratégias de que os homens fazem uso. Hó uma tendên- de Balondler que More Augé recebe suo formaç ao de ~frlco-
cia excessivo para misturar os dois nívels" 13. n lsta mos nem por isso teró o Impressão de que uma 1mpor-
tont~ cisão opõe as perspectivas oferecidas por Bolandier das
d o estru1urolismo lévl-straussiano: "É verdade que nesses anos. se
e sboçava uma crítica a Lévl-Strouss nos semi~ó~os de Balond~er,
m as eu era inexperiente demais para lhe at11bu11 uma lmportan-
c lo fundamental" 1s.
No campo. na Costa do Marfim. More Augé vê -se sensibiliza-
do pelo fenômeno colonial e neocolonlol que ~arcou profun-
damente essas populações lagunares dos alod1ans. o que o
aproximou de Balandier na consideração d:1 p~rspectlva hlstó·
rico. Mas O seu primeiro objeto de pesquiso situa-o mais ao
lado de Lévi-Strauss, visto que a monografia em que ele traba -
lha tem por finalidade reconstituir a lógica das relações de
10. Afrlcon Po/fflçc/ Systems, coletôneo orgonlzodo e dirigido por E. PíllTCHAílO e parentesco dos alodians. Esta "terá lembrado aos mais míopes
M. FORTES. 1940. que os sistemas de transformação existem efetivamente. / .. ./ Hó
11. G . BALANDIEíl. Anthropologle polltlque, op. c/t., p. 27.
12. 'lundis de l'hlstoire'. Fronce-Culture. 11 de março de 1968.
13. lb. 14. More Aug4. entrevisto conn o autor.
,~. lb.
numerosas variantes, mas a partir de modelos d o re ferê n c ia c o
~uns na ocupação do espaço. nos modos de resistê ncia na;
ormas de transmissão do poder. Nas sociedades do oest~. te-
mos as sociedades mais puramente familiares sem autoridade
central e. no _outro extremo. um soberano à testo de um poder
pol fico autonomo; e, entre os dois. todos os sistemas
lntermediárlos" 16 s i t
. · e a nves lgação das regras de parentesco é
~ sua pri~elra Pr;ocupação ao chegar em terra africana,
are Auge evoluira rapidamente para uma reflexão concentra- AFRICANISMOS REBELDES
da no poder. nos vínculos entre o político e o rellgloso. temas AO ESTRUTURALISMO
mais próximos das pesquisas de Balandler. sem que por Isso
conteste a fecundidade do estruturalismo.
~an Sperber também foi duplamente formado por Balandier
e l vi-Strauss. num Itinerário que o levou do primeiro 00 segun-
do. É o mllltantismo tercelro -mundisto que conduz Dan Sper6er':"""
E ntretanto, muitos ofriconlsfos permane ceram rebeldes ao
estruturalismo. Ê o caso de Claude Meillassoux. cujo itlne-
rorlo pouco comum revela, uma vez mais, a que ponto a pro-
tradutor _de um dos primeiros textos de Mandela em 1963 à an: llnsô o de antropólogo foi a resultante da conjunção de acasos,
tropolog,a: como ciência de complemento a fim de apr~ender d o oportunidades, mais do que de um percurso universitário
~ dimensao cultural dos problemas políticos do Terceiro Mundo· predeterminado. No caso de Meillassoux, temos um africanista
ortanto, estive primeiro com Balondler. Era uma época e~ que não veio do círculo particular das ciências naturais, mas de
que os estruturallstas, em que Lévl-Strauss. não faziam parte do uma formação e de atividades multo deslocadas em relação
~eu horlzonte"_1'· Concluiu a sua licenciatura em 1962, matrlcu- oo ofício de etnólogo. Após ter cursado direito e ciências polí-
ondo-se depois com Balandier para uma pós-graduação. llc a s. Meillassoux parte para os Estados Unidos em 1948 para
nd
Te o partido para a Inglaterra em 1963, Dan Sperber traba- freqüentar uma Buslness School na Universidade de Michigan.
lha co.m Rodney Needham, que o Inicia. de fato. no estrutura- No regresso. ocupa-se da administração da empresa famifiar de
flsmo: Por fim , foram Needham, por uma parte. e a atmosfera 16xtels em Roubaix. Mas, pouco satisfeito com as funções de
empirista da Inglaterra, por outra. que suscitaram em mim um uostão empresarial, retorna aos Estados Unidos. contratado pe-
inte~esse multo vivo pelo estruturallsmo• 1s. Dan Sperber multiplica lo Comissariado da Produtividade. De novo na França, faz-se
entoo as exposições de defesa e Ilustração do estruturalismo Intermediário entre os especlallstas norte-americanos e as em-
e~ terras britânicas: "Lembro-me de uma · exposição num colé- p resas francesas. Engajado na Nova Esquerda, no começo dos
gio de Oxford em que defendi o estruturalismo no momento unos 50. Melllassoux milita no CAGI (Centro de Ação da Esquer-
em que O general De Gaulle recusara o ingresso dos Ingleses da Independente), ao lado de Claude Bourdet, Pierre Navllle,
no Mercado Comum. Um dos professores disse então: · Sperber Daniel Guérln. Desempregado, busco um emprego e encontra
fez~nos. no plano Intelectual o que De Gaulle nos foz no plano uma oportunidade graças a Balandler, que precisa de alguém
pohtico · Na época, eu tinha o ar de quem estava defendendo poro fazer recensões de obras de funcionollstas britânicos sobre
algo bostante exótico e duvldoso•19. o África Negra: "Foi assim que recebi minhas aulas de etnolo·
Somente quando do seu regresso à França em 1965 é que glo. Tinha um escritório na Avenida de léna. PreenchiQ os meus
Dan Sperber, readmitido no CNRS, acompanha com regularida- verbetes e tinha discussões lnterminóveis com Georges Balan-
de os seminários de Lévl-Strauss. Considera hoje que se O antro· dler"21. Uma vez formado , após ter seguido todo o curso de
pologla O ret~ve foi graças a Lévl-Strauss, "não no sentido de Bo landler, Melllassoux recebe a proposta. em 1956, de um estu-
que !erl~ havido em mim, simplesmente. uma espécie de con- do de campo na Costa do Marfim, onde deveria ocupar-se,
cord~ncia, de convicção, mas porque ele permitia formular sobretudo. dos aspectos econômicos da pesquisa.
questoes gerais de maneira dentíflca"20. Nos anos 60, após um seminário sob a égide do IAI (lnstitutio·
nol Afrlcan lnstltute) sobre o comércio e os mercados na Áfllca
ocidental, Melllassoux organiza um colóquio Internacional para o
qual convida, entre outros. Emmanuel Terroy, Michel lzard e
More Plot. Esse colóquio deveria acontecer na Costa do Marfim,
mas, estando Terray proibido de entrar nesse país, e não que-
rondo Meillassoux ceder às condições Impostos pelo governo do
país. o colóquio realiza -se em Serra Leoa. Na seqüência do
mesmo. Michel lzard sugere a Meillassoux a organização de um
16. lb.
seminário sobre a África que nunca seró reconhecido oficial·
17. Don Sperber, entrevisto com O autor.
18. lb. m e nte e ficaró conhecido como o Seminário Melllassoux. Esse
19. lb.
20. lb.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO

,nun to um lugar que não corresponde o nenhuma flnalldode


local de debates, de confrontos, revelava por sua própria exls· 1111
ro g ra uma zona vazio. de errônclo e de espera, como um
têncla que as divisões teóricas podiam passar a segundo plano, t lcuoflo ~ todo reduclonlsmo, irredutível à grade estr~turol de
em proveito de considerações mais empíricas sobre o material wno t otalidade fechado sobre si mesma . A perspectiva feno-
etnográfico trazido do campo. Entretanto, Meillassoux. na filia- 1,,.,nológlco pe,manece válida. segundo Duvlgnaud. em suo
çõo de Balandier, manteve-se sempre multo crítico em relação yon1ode de definir a consciência pela consciência de algo. EI~
ao estruturalismo triunfante em antropologia: •serviram-se das so- ,nco rda-nos a dimensão do vivência escondida por 1rós das lo-
ciedades primitivas para todos os fins e o estruturalismo utilizou- yl c os formais. Sem recusar a validade do método estruturollsto
as para fazer valer suas Idéias acerca do pensamento estrutu- um certos pontos, Jean Ouvignoud sugere qu: se abra_ essa
rante que é, em definitivo, .o,.,pensamento dos computadores. O • plstemologla paro a parte da experiência colettvo que noo se
pensamento binário é um pensamento burocrótlco"22 • d oh<o reduzir a um determinismo qualquer.
Paramentado com os brilhantes atavios · da cfentificldade, o
estruturalismo lévl-strausslano funciona. aos olhos de M elllassoux.
por analogias. Na impossibilidade de construir sua própria pro-
blemática, sua própria axiomática. Lévi-Strauss apóia-se sucessi-
vamente em tal ou tal ciência para sustentar suas teses, e seus
discípulos são sempre surpreendidos no contropé. Deve m acom-
panhar o ritmo infernal de seu mestre, que se conserva sempre
à sua frente: •ouvi as aulas de Lévl-Strauss no College de Fran-
ce. É um mago que entreabre uma porto . Crê-se na desco- A ÁFRICA RECUPERADA
berta da pedra filosofal, e ele volta logo a fechar a porta para PELO ESTRUTURALISMO
falar de outra coisa na aula seguinte. Mas é fascinante. porque
1
ele sugere aproximações e combinações Intelectuais estimulan-
tes"2J. orece ter havido, portanto, uma espécie de divisão espa-
Numa outra região da África, o Maghreb'*, Jean Duvignaud
fica decepcionado com o modelo estruturalista, que nõo con-
P cial Implícita do trabalho: quando Mlchel lzmd reingressa
no C NRS e no laborotórlo de antropologia social em 1963, pa·
segue explicar a complexidade e as mutações dos sistemas de ,oce mais uma exceção com o africanista. O africanismo é
parentesco: · o que me distanciou do estruturalismo foi quando ntão sustentado. de um lado. por Bolondler e, de_ outro. pelo
trabalhei em Chebika (Tunísia)-:?•. Esse longo trabalho de quatro studos dos sistemas de pensamento na Africo Negro
anos sobre Chebika foi publicado em 196825• e dará lugar ao ao tor de e . Germalne Die·
os1obelecldo, no este ira de Marcel Gnau1e. por .
belíssimo filme de Bertucelli, Remparts d'argl/e. Se Duvignaud é torlln e reatado por Michel cartry. Mas o êxito do estrutur~lts~o
criticado pela revista de Lévl-Strauss. L'Homme. por ter fugido sttua,...ão tinha mudado: o afncan S·
6 tamanho que e m 1968 a " · 1d
dos estruturas de parentesco. não foi. contudo, por falta de mo conseguiu penetrar no laboratório de antropologia so~1a d .;:._
tentativas de aplicação dos categorias de análise elaboradas 1
1óvl-Strouss. •o que deve ter relaç ão com a entrad~ de ':~8 •
por lévi-Strauss. mas sem o menor êxito. Jean Duvignaud, próxi- ue foi o primeiro africanista a se apr?ximar de ~év1-Strouss ~ A ~
mo do grupo de sociólogos gurvltchianos e de Balandle r, tam- ~tegração de africanistas no taboratorio de Lév1-StroU'SS revelo,
bém é multo crítico em relação às ambições do paradigma ue não existe Incompatibilidade enfie o métod~ _es-
p o rf a nfo, q - - rt geopohtico
estruturolist a: considera-o a retomada da herança positivista tru tÜrolisto e o universo afri cano, _cçmo uma,, ce O , .
comteana, a qual culmina numa •espécie de ontologia do d a esqulsa pode ria fazer pensar. o fato de o laboratono 'ser
lnstttuído"20 • O a príorl estruturallsta se une ao funclonalismo por 1101:-dírlgrdo por umo-afité"õfllstac omo Françoise Hérltler-Auge é,
seu pressuposto de uma positividade da coerência social, por nesse plano altamente simbólico. Há muitos comportlmen!os nla
sua visão holística do social: "Não há a certeza de que os con- . . J n Pouillon também ele um ofncon s-
ca sa afncana e. paio ea , • . . ,
testações, desvios, formos de subversão, de revolto , idiotismos. oti- no esteira de Lévl-S1rouss. •a Africa de Balond1e1 nao e , edm
10
plsmos. figuras do anomia, sejam Integráveis numa totalidade e a bsoluto aquela que conheço•2'1. Por outro lado, o interess~ e
servissem. em último análise, poro o sobrevivê ncia do conjunto"27 • numeros~s antropólogos africanistas marxistas P:lo estru!~~h:~
No coração de Chebika, Jean Duvignaud descobre justa- vai reforçar no transcorrer dos anos 60, o Influencio d
,ente de a~álise, com pesquisadores como Emmanuel Terroy e
22. Claude Melllo=ux. entrevisto com o autor.
23 . lb. Mourice Godelier. ?
• Moghreb é o topónimo órobe Que designo o extrêmldode setentrional do Áfri· Situa -se O África nos confins, nos fronteiras do estrutural1s":o
c o e reúne três poises: Marrocos. Tuníslo e Argélia. Literalmente. significo 'o Poen· - é tonto um dado tão seguro quanto se supoe.
te' { N. do T.) . Isso nao . po, · f
mos certamente Induz o uma análise mais voltada poro os e -
24 . Jean Duvignoud. entrevisto com o autor.
25. J . DUVIGNAUD, Cheblko, Golimord. 1968. reed. Plon, 1991.
26. J . DUVIGNAUD, 'Apres le linctionnolisme e t le structurolisme. quoi?', em Une
anthropolog/e des turt:>u/ences. Hommage à G. Bolandler. Berg lntemotlonol, 1985, 28 Mlchel lzord. entrevlsto com o autor.
p. 151. - - - "'f!.11; ,,..._..., 0 ,..,.,111""' ontrovl&to com o autor.
nómenos políticos. para o e xame
tório, outras tantas perspectt do dinamismo socia l e da hls-
c eram marginalizadas qu;ª~ que: apesar de tudo , p ermane-
estruturallsfa. · °
n nao reprimidas, na corrente
29. O APOGEU DAS REVISTAS

U ma das características deste período, sintoma de uma


efervescência Intelectual verdadeiramente excepcional, é
o vitalidade das revistas, seu número crescente e sua Influência
coda vez maior. Elas constituem o lugar de sociabilidade privl-
loglada e o quadro ideal para fazer valer a força do para -
digma estruturallsta. Contornar as instituições tradicionais passa
por esses reagrupamentos interdisciplinares que as revistos perml-
ham. locais de €onfluênclas e de trocas, sólidos núcleos a par-
tir dos quais a Influência progride em círculos concêntricos.
A flexibilidade estrutural inerente à organização de uma revis-
la, a c9pacidade para refletir nos mais breves prazos de tempo
os debates e combates teóricos, os avanços conceptuais, per-
mlHram ampliar os êxitos estruturalistas antes que estes fossem
rotransmltldos pela grande imprensa d iária e hebdomadária. En-
lre as revistas que vão transformar o leltorado de ciências
humanas em multidão de partidários do estruturalismo pode-se
úlstinguir aquelas que se dirigem ao público especializado de
\iffiO determinada disciplina. as que se apresentam como a
J>róprla expressão da lndlscipllnarldade reivindicada e. enfim. as
1 que. v inculadas a uma corrente política, sentem-se "interpela-
das· pelo fenômeno e abrem suas páginas para um d iálogo
com os seus representantes. Já mencionamos o lançamento,
m 1956, do primeiro número' da revista de Lacan. Lo Psycho-
nolyse. onde se encontra publicado o famoso relatório de
Roma, um texto de Heidegger e um Importante artigo de Émi-
1 Benvenlste sobre a função da linguagem na descoberta freu-
diana.
A publicação das teses do filósofo e do lingüista n uma revis-
to de pslcanólise revela a ambição de abertura da Sociedade
1ro ncesa de Psicanálise: ··se a · psicanálise reside no linguagem.
f
o la deve abrir-se ao diálogo. / .../ Essa abertura da psicanálise
poro os ciências humanos é um ato que põe fim à posição de
oxtra terrltorlalldode de que a psicanálise se prevaleceu por mui-
to tempo" 1 • Portanto, Lo Psychonolyse não tem a Intenção -de
eo Isolar no estrito domínio limitado pelo freudismo e nos deba-
tos internos da corporação analítica, mas pretehde apresentar-
80 como um dos órgãos da modernidade estruturei capaz de
ro formular o freudismo, a partir de um diálogo com as outras
c iê ncias humanas. Menci onou-se também a criação desde o
Início do decênio, em 1961. da revista L'Homme por Lévl-Strouss,
Que se cerca de colaboradores do nível de Pierre Gourou e
( m lle Benvenlste. Se ela se apresenta como uma revista trance-
no de antropologia, seus objetivos também ultrapassam o estrito
melo profissional. ampliando sua base para acolher um geógra-
fo e o mais respeitado lingüista do período: Benveniste.
diferentes domínios de reflexão em torno do llnguouom 11111,.j
cal com Nicolas Ruwet. lógico com Oswold Ducrot. módico
com Henry Hécaen, llterório com Rolond Barthes, lnformóllco 311
c om Mourice Gross.
A preparação do lançamento da revista ocorre, assim. num
ambiente de euforia, mas o primeiro número irá ocasionar um
LANGAGES sério conlllto. pois vários escolas Já disputam a paternidade da
reflexão moderna sobre a linguagem. Todorov é o responsóvel

O vetor da renovação estruturalista sit


do lado do lingüístico· n ua-se. não obstante,
nascer novos meios de d'f . . esse domínio, os anos 60 vêem
por esse número inaugural. dedicado às "pesquisas semônticas•.
Estas concedem um lugar Importante às teses de Chomsky e is-
so provoca o Irritação de Greimos ("Ele [Todorov] fe z um
co revista de lingüística'~:::º· ,s~ entre 1928 e 1958 uma únl- número amerlcano"6 ) , que se retira do conselho de redação da
período de 1959- 1969 é tio o uz. Le François moderne o revista. Esse rompimento nunca seró superado. Jean Dubols e
por culormente fec d - ·
nodo menos do que sete revistos. Elas - un o: soo criadas Nicolas Ruwet vão adotar posições cada vez mais chomsklonas;
da efervescência da reflexão lln .. 'sti soo o ponto culminante com o saída de Grelmas, Borthes quer evitar envolver-se na dis-
certos lugares privilegiados. gu, ca que se desenvolveu em p uto e.,_."por conseguinte, só procurava uma coisa, evodlr-se"7.
Em 1966, ano do sogroçã t . Portanto, o conselho de redação de Langages. exposto o uma
Lingu/stfque2 sob o dire - do es ru!urohsto, nasce o revista Lo verdadeiro Implosão, não se reúne, e a responsabilldade de dar
• çao e Andre Martlnet l
a _sua próprio revista de llngüístfca . e arousse !onça prosseguimento à Iniciativa cabe então a Jean Dubols, que dis-
reune os nomes de maior prestí I dcom Long.oges3. Esta ultima põe de poder editorial no Lorousse. Apesar dessa crise. ele
a equipe que nela trabalha t g o a modernidade Ungüístlca e pode lançar. o favor da moda estrutural, uma coleção Langa-
e t em sua origem no .
ncon ros, semlnórios e colóq I d • essencial, dos ges no Larousse. Nos moment os de maior repercussão. o revisto
concebeu o projeto. verdade~:s e Besonçon. O homem que o~ngirá até 5.000 exemplares! Sinal de um êxito tanto mais no-
trutural. é Alglrdos-Jullen G . porta-bandeira da reflexão es- tóvel se considerado o caráter muito técnico do discurso lingüís-
t ótl reimos. Este propõe fó
em ca cuja responsabilidade será uma rmulo . 11co.
um ou dois lingüistas especlolizad confiado de cada vez a
nlões preparatórias têm lu os no domínio trotado. As reu-
. gor no caso dele
vingar graças o Jean Dubo,·s d l
s , a arousse e o proje to pode
e o revisto de Mortinet se dl . . .
de lingüistas profissionais a omb/'~e ~stntamente o um público
ta-se, desde o começo , d e t çdo o e Langages é outra . Tra-
. es en er o método e t t
vost o campo das ciências h s ru uralfsta ao
os redes de pesquisas dos di~';~~a~I d_e .confrontar. de unificar COMMUNICA T/ONS
ro afirma os próprios princípios do I' s.: 'f hnos. O primeiro núme-
·o estudo do linguagem é fundom1ngu1s ca como ciência-piloto:
nas. paro os filósofos. os pslconall:rntol paro as ciências humo-
essa exigência pede uma vasta lnfo~s. o~ ho,:nens de letras. e
tudo estende-se ao conJ t maçao científico - esse es-
U ma outro revisto vai desempenhar um importanté papel
no difusão das teses estruturalistas: é a Communicatfons.
Essa revista nasce em 1961 e provém do CECMAS, o Centro de
concepção multo ampla ~n o dos sl.stemas slgniflcantes•4. Essa Estudos e de Comunicação de Massa do 6g Seção do EPHE,
do, Incluindo a lingüística ec um pro1eto semlológico, engloban- c onstituído em Janeiro d e 1960 por Iniciativa de Georges Fried-
lntelramente ao programa d ~~o subcontinente. corresp onde m ann. Trata-se. neste caso, de uma simbiose entre sociologia e
Ele é, aliás, o autor anónim~ ':~o por Roland Barthes e m 1964. semlologla. O título expressa b e m o principal preocupação do
da revista: "Trotava-se efetiva .abertura do primeiro número momento. que é decifrar o sentido das mensagens transmitidas
revista 'lingüística' / / Ela . m~n e de um tipo multo novo de pelos modernos meios de difusão da informação: o Imprenso
· ... rnsena a r ... t·
Po cultural uma - rngu,s ,ca no grande com- escrita. a rádio, o televisão, o publicidade. ou seja, o conjunto
. concepç 00 mu·t . .
1966· ~. O projeto é ambicioso 'lid 'o significativa na Paris de do mídia que assume en1õo uma importôncio crescente. Trota-
trabalham hó vórlos anos n;~ o, apói~-se em grupos que ló se, portanto. de interrogar o modernidade. onde •o civilização
perspectiva e estó aberto aos técnico e o cultura de massa estão organicamente ligados. / .. ./
2. La Ungulstlqua, n• 1, 1966 direi . Os conteúdos, as substâncias passam. mas a forma. o ser e,
Mounin. . or. André M a rtinat: sacretórlo-garal · Geo
3 L • rgas por conseguinte, o sentido do coisa permanecem"ª.
. ongogas. nº 1, março de 1966 la
e.'
Duboís. A .-J. G ralrnos. 8 . Pottlar. Q~:uss~Conselho de re doçóo: R. 8orthas, J A revisto. dirigido por Georges Friedmonn, é dirigida por um
4 . lb., ApraSQnloçõo. ma a N . Ruwat.
S. J . -C . CHEVALIER. P. ENCREV~ L O A · J. GREIMAS. Longog••. n• 1, março dé 1986. p 96.
• ongua frança/se, op. elt.. p. 95.
?. Jean Dubols. entrevista com o autor .
•• • _ ,,_,. .....~ -· -- - · -,.._,..,.. r\l"'\ l .?
comitê de redação dlversltlca
membros com o estrutura11smo9d~ quanto às relaç ões dos seus
cor, em especlal, dois número~ as Commun/cot/ons vai pubu. 11 m odo de escritura. alicerçando a nova estilística nas contribul-
um grupo em torno de Roland ~rogramóticos preparados por ,.õos do estruturalismo. A meta da revista é, pois, de imediato,
das ambições estruturalistas arthes - verdadeiras sínteses trunsdisclpllnar, lugar de trocas por excelência, cujo princípio
quarto número. no qual são ~i~~esslvamente em 1964 com o 1'm lco c onsiste em refletir a avant-garde. A pedra angular do
ments de sémiologie• de Bart icados, em particular, "les élé- proleto situa-se, não obstante. num continente particular do sa-
publicado em 1966 hes e, sobretudo com o º 8 l>or. posto em voga pelo estruturalismo. que é a retórica .
• consagrado à anár n • Te/ Quel designa como o adversário a combater a história 11·
va e que vai figurar com .• . ,se estrutural da narratf.
turalisto francesa io. o outen hco manifesto da escola estru- lerórla clóssica do século XIX e Início do século XX: "Libertar-se
da Idéia de literatura que reina da França no pós-guerra. ou
•ola. uma literatura de restauração psicológica" 16. Nesse sentido,
n comunhão intelectual só podia ser tranqüila entre o paradig-
ma estruturallsta que Investe contra os esquemas do consciên-
r lo, do sujeito, do domínio histórico, e o projeto do revista Te/
nue/, que recorria às ciências humanas para destruir a Idéia de
11ma história llterórla harmoniosa. positivista. A revista seró, pois,
11ma .encruzilhada. mistura surpreendente e explosiva de lacano-
TEL QUEL ullhussero-bartheslanismo. A tal ponto que Te/ Que/ passa fre -
quentemente como sendo o próprio órgão de uma lmaginória
lnternaclonal Estruturalista: nos anos 60, Marcelin Pleynet é cha -
. E m 1960 é pu bl.,cada Pelas ed· -
que depressa se converte n içoes le Seuu uma revista
sincrétlca que o estruturalismo a expressão dessa ambição
mado por uma revista de médicos, como responsável da
revista. a escrever um artigo sobre o estruturalismo. O prlvlléglo
revela tanto melhor a representa: Te/ Quetn Essa rev,· t c oncedido ao inconsciente, às estruturas forma is, serve d e bom-
preocupaç • d , · sa ; ba de tempo para fazer explodir o pslcologlsmo: "A melhor
vez que não Procede de h ao e smtese da época uma
tre os ciências do homem nÉnl uma disciplino em particular en- maneira de dizer que a psicologia em literatura estó liquidada,
alvo o público Intele ctual ~ ançoda por escritores e tem por 6 Interessar-se pela psiconálise" 17 •
desde 1958, ·François Wohl ; ~anguarda. Projeto em gestação A força de Te/ Qual é não estar enfeudada em nenhum
de Napole ão Ili, esse novo Nn a dl!o que esse seria o Parnaso p artido ou Instituição e de não defender. por outro lado. ne-
Gaulle em 1958•12. opole ao Ili que era o g eneral De nhuma pretensão disciplinar. A lógica promovida pela equipe
de Te/ Que/ consiste em manter sempre uma posição de van-
Como epígrafe da revisto r,
d: Nietzsche: "Quero o mund' e/ Que/ retoma uma expressão
ainda O
e quero-o TAL QUA
guarda. Mas como esta pode ser recuperada a todo momento,
Ingerida, digerida pelo sistema - "Corre, camarada, o veipo
, • quero-o eternamente•IJ A d _ L e quero-o
ro numero denota uma lnten. ã ecloroçao liminar do primei- m undo está atrás de ti" -. disso resulta uma concepção na
coloca o poesia "no mais a / ~ essencialmente liferória que maioria das vezes terrorista. que consiste em abater o adversá-
grupo tem um objetivo esse o ugar do espírito• 14. Todo esse rio (em geral, aquele que está mais próximo) e em crer-se o
de ciência é colocado em ~cltmente líterório, mas se o termo obleto de um eterno complô. Te/ Quel vai dar livre curso a um
apropriar-se de todas as fo P grafe na capa, o Projeto visa o v erdadeiro terrorismo aterrorizado, resumido nesta fórmula de
ciências humanas a fim ~:ª\
vanguardistas e modernistas das Morcelin Pleynet: "Trata-se, a cada vez. de evitar o cerco"18 • En-
tre tanto, nascida em 1960, a revista Tal Qual fica muda diante
nesses anos 60 é o estruturali~ amover uma nova escritura. E
de científica, de onde um s b~ que encarna essa modernlda- da Argélia, antes de se tornar um dos núcleos mais pró-chineses
tura/Filosofla/Ciêncla/ Política~ fulo multo abrangente: "Litera- da França.
llterório: "Essa atividade política. Mas º. obJeflvo continua sendo A história da revista é a de rupturas multo brutais de linha
J?re foi exercida em nome d , ~eriód1ca e de atualização sem que deixam fora de ação um número cada vez maior de va-
E a criação n ó · · lio sos colaboradores: "No verdade, a história de Te/ Quel não é
sua finalidade. portanto I fl ' er na e por escrltores•ls
' n uenclar a criação llteró . . uma história de exclusões. ~ uma história de exclusões de indi-
ria, mudar
v íduos para permitir a Inclusão de campos de Investigação
9. Commvntcatlons co ·,.
gas Friedma · m, '" da radação: Roland 8a multo maiores"19. A primeiro abertura é realizada graças às to-
lO C ní'I, Edgar Morin, Violalla Mori rthas. Claude Brémond. Gao
Br4 ºmn?unlcattons 8. parllclPQram nossan . . ,. madas de posição em face do nouvaau roman por parte de
l mond. U. Eco, J. Gr111;, V. Morin numero: R. Barthas, A. · J. Grei Sollers, o que suscita o Ingresso no grupo de Thibaudeau e de
l . Tal Qual. secratórl • C. Ma!z T. Todorov G G mos, Ci.
Boisrouvroy, J. Coudor oJ ~;ral '". d ireto,: Jaan-Ede,n Hal;ie,: co:i~lla. Rlcardou. A segunda é a Inclusão do d omínio poético com o
12. Jean-Pierre Faye . . . Horr,..r, J.-R. Huguanln R Mal'. 4 de radação: Introdução de Denis Roche e de Marcelin Pleynet. Aliás, este úl·
13. 7,.., Q , anfrevlsta com O au, ' · •gnon. Ph. Sollars
- ue.1 nº l 1960 l
14. Tet Que(, nº 1: 1960:
1 5. Marcelln Pley 1
l: .
. or.
;:uol. citação de Nle!zsche.
ull. Declaração, p, 3.
.

1 6 . lb.
na . entrev,sto com o autor. 17. lb.
18 lb.
29. O APOGE:U D

.. Louis Aragon e Pierre Oalx. Les Let-


timo assume o cargo de secretório da revista, que ficou vago lltorórlo do PCF, dmgldo por ões de avont-gorde, para
oro os express
em 1962 com a saída de Jean-Edern Halller, ruptura que ser6 lros frança/ses, o b ,~-se P de sair do molde reollsta-sociallsta:
divulgada em 1971 , no momento do triunfo maoísto, como ·o ue reflexões formais. a "':' Lettres fronçoises, em torno de uma
fracasso de uma tentativa da direita de se apoderar do revis- Portanto. é em tomo da ue se realizam os primeiros ~ncontros
ta"20. e orlo vanguarda do PCÓF. l q d vanguarda, o estruturohsmo e a
De 1962 a 1967, a revista se alimenta do onda estruturallsto ntre o movimento liter r o e
crescente, período que é qualificado o posteriori de "época for- universidade, antes de 1968;:4,da equipe de Tal Qual, esçreve
malista" da revista"21 . Barthes. que trovou relações de amizade Jean-Pierre faye, memb t . as e consegue conven-
muito sólidos com Philippe Sollers e Julia Kristeva, aproxima-se com regularidade ~m Las Lettres '~==elo formalismo. o ponto
do revisto: •o que provocou uma ruptura entre pessoas como cer o direção do 1ornol a Interessomo entrevista com Jol<obson:
Genette. Todorov e eu, de um lodo, e Te/ Que/ de outro922 • Bar- de esta lhe pedir que publlqu: ui< bson e eu. sempre que ele
thes sentiu-se, pois. fortemente seduzido por esse grupo Tel Que/, ·Tornamo-nos grandes amigos, a o
1126
que para ele encornava a modernidade. Os laços de amizade vinho o Paris, avisava-me . t debate foi La Nouvelle
. d PCF aber o ao
eram reforçados pelo fato de pertencerem à casa Le Seuil. edi- A segundo revista o d 1948 como órgão do com-
em dezembro e .
tora do obro de Barthes e também do revisto Te/ Que/. Em Critique. Fun d o d a , ·tul ão do Kominform. a revista
1966, é aliós no coleção "Tel Quel" que se publico Critique et bate teórico posterior o cons_t1 d~ PCF é então o instrumento
vérité, de Borthes, poro quem •a revisto Te/ Que/ é um em- hebdo.madórlo dos lntelectuo1~ em torno do seu redator-che-
preendimento vlto1"23 • Jacques Derrida também est6 muito pró- de uma verdadeiro normallzoçoo ist das duas ciências (bur-
É O época stalin o, a ,,
ximo de Tel Qual. onde publica artigos e cujos posições apóio. O fe. Jean Konapo. do lyssenkismo. uma to 1
• ) do jdonovlsmo e
discurso lacaniono estó multo presente na revista com os artigos g uesa/pr~let.or1a . ao desafio estruturalisto, mas uma <:u-
de Sollers e de Kristeva, ouvintes fiéis do semlnório de Lacan. revista tena S1dO e st ranha d 1966 quando da sessao
Quanto ao olthusserismo, também é Influente na releituro de Ira lógico foi admitida em mrçl~ seeguldo .em janeiro de 1967
Marx que prevalece nesse grupo, famlllormente mencionado ,'d o Comitê Central de Argen ~u Óaí resultou uma novo politlca
como TQ, em particular quando do diólogo trovado com o . pelo 18º Congresso de Le:,1011011~1· o de fortaleza sitiado sucede
PCF a partir de 1967, com Lo Nouvelle Critique. Depois, os posi- vis-à-vis dos lntelectuols. ~ po i~~uvel/e Critique desfruta então.
ções pró-chinesas, adeptas do revolução cultural. valer-se-ão de uma "lógica de abertura . L~967 de uma relativo autonomia
um olthusserlsmo duro e puro. No momento da virado maoista, numa fórmula lonça_da em F ~ tem o Incumbência de de-
Jean-Pierre Foye, que Ingressara na revisto em 1963, rompe com em relação à direçoo don;i ~xploradoro no campo dos ciên-
o grupo, ruptura que seró vivida dramaticamente, numa enxur- sempenhor o papel de so novos alianças levo sobretudo os
rada de injúrias e Impropérios. Se os grandes rupturas na histó- elas sociais. Essa busco de I de uma história fecunda-
ria de Tal Que/ se enxertam em orientações políticos. estas são, Intelectuais do PCF o v~lorlza; ~ i~~º~asonova dirige todo -timo
no entonto. secundórias paro uma revista cuja estratégia e fina- da pelos ciências sociais. e n º. rosas intervenções so-
lidade continuam sendo literórlas. reflexão coletiva no revisto. Publico nu::ma coletânea publi-
bre esse tema que serê'.ao rel~tpr_essaosnde ao lado dos historio-
· d'hu/ /'hlS Olf0, ' '
cada em 1974. A u1our -se ler André Lerol-Gourhan. Jacques Le
dores comunistas. pode Duby e Pierre Froncostel.
Goff. Jacques Berque. Georges t to a partir de 1967, um
La Nouvel/e Critique torna-se, por on ~dernidade e por con-
lugar de debates. de a~ertu~~~:ºe~r;u,alismo. É c~rto que o
seguinte , de con!rontaçoo teses estruturalistos. mos os dlscu-
O DEGELO COMUNISTA revlsto do PCF nao adoto os d uinodo de 1967, certas posl-
te e comento. Antes mesmo ~a~s ló tinham ocorrido em Jo
Ç õ es e certos debates essenc ublica em 1964 o seu fa-
• que Althusser P
Nouvelle Critique. É 01 obre O marxismo paro 0
Aambição llterórla não é a principal preocupação dos ór-
gãos de Imprensa do PCF que são dominados pela apU-
cação da linha política oficial, o que não Impede, vez p o r

moso artigo " Freud e Lacan . qu1~021 É ainda nesse quadro
saber psicanalítico e poro o 'ºt9~~-1966 .sobre as relações entre
outro, algumas aberturas poro aumentar a audiência do PCF que têm lugar os d_ebotes d~ publicação pelo editoro Mos-
nos meios Intelectuais. Nesses anos de degelo, de coexistência humanismo e marxismo. Apos a
pacífica, de começo da desestollnlzação, o semanórlo
0 d dezembro da 1966.
bo plolSlr" fronce-Culture. 1 e
24. J . KRISlEVA. "le n , · a utor
25 Jean-Pierre Foye, entre11,slo com o ·1 odes' Lo Nouvelle Crltlou• et les
20. Te/ Que/, nº 47, outono de 1971. p. 142. 26. f MAlONTI, 'Entre Argenteull et les. borre d temps présenl. n• 11 . obril de
21. /b. . . · 01-s· Cohlers d• f'lnstftvl d h/stolre u
c1
sclences so - ·
22. Cloude B<émond. en1Te11ista com o autor. 1989. p. 102. • - •. • --· .
23. R. 6ARTHES, Océon/ques, FR3 (1970-1971), difusão: ?7 ti,, ,,.,..,~,.~ - ' - ,~no
'S""':\f :'l:\F NTA: IY63 1966: t A- 8

STl?UTUfMI ISMO 29 O A POGEU DAS f?EVISTAS

pero da nova leitura de Marx por Allhusser e os althusserlanos.


esses debates de Lo Nouvel/e Critique correspondiam à neces-
sidade de "decidir. em primeiro lugar, entre a osslmlloção do
marxismo o um humanismo filosófico. como pensavam Garoudy
e Schaff, e a ofirmoção do seu coróter anti-humanista teórico.
como Althusser sustentava"28 •
Em 1967, Lo Nouvelle Critique renovada é solicitado por Tel
Que/ a participar conjuntamente no obro de modernização ln· O PÓLO MAOÍST A
telectual. A revista do PCF responde mais do que positivamente
ao pedido que lhe é feito; é com entusiasmo que ela aceito o
oferta do grupo Te/ Qual, cujo trabalho é qualificado então "de matriz da contestação situa-se na Escola Normal Superlo~
um alto nível llterório e científico", o tal ponto que os comunls·
tas se declaram dispostos o ouvir e a aprender com esses escrl·
A da ruo de Ulm, em torno do filósofo Louis Althusser. É 01
Que alguns dos seus discípulos lançam. no final d e 1965. os Ca-
tores de Te/ Que/, a cujo respeito se enfatizo "o quanto essa hlers morxistes-léninistes. Divulgados pela União dos E~tudantes
pesquisa merece a nosso simpatia e quanto podemos aprender comunistas, os CML ostentam em epígrafe esta cltaçao de. Le·
com elo"29• nln: "A teoria de Marx é toda-poderoso porque é verdadeira. O
Essa era de diólogo que se abre com os diversas formos de aucessÓ-é imediato e a primeira tiragem de um mllh?r de
estruturalismo, não significa que o revista do PCF adote todos oxemplares esgotou-se num abrir e fechar de olhos. O numero
os suas teses. Nesse ano de 1967, Lo Nouve/le Critique publico 8 do revista suscita, porém. uma grave crise, e Robert Ltnhart
quatro artigos atacando o estruturalismo. embora evitando criti- bloqueia sua distribuição, pois não se reconhece mais numa r~
car diretamente Althusser, que é membro do portido 30 • Pierre vista que deveria colocar o combate político como sua prlon-
Vilar e Jeannette Colombel censuram no obro de Michel Fou- i;tade absoluta, e que elabora um número Inteiramente consa·
coult, Les Mots et /es choses, suo supressão do história; George _< grado aos poderes da literatura. c~m ~rtlgos sobre Aragon.

Mounln critica o divulgação exagerado e pouco escrupuloso · Borges Gombrowlcz. Jacques-Alain Miller e acusado por Robert
do modelo lingüístico, e Lucien Seve defende um humanismo Unhart'. "Tudo O que você procura, é uma carreira acadêmica.
científico contra o anti-humanismo teórico dos althusserlonos31 . uma posição burguesa de autorldadel"32 O ano de 1966 é. nes-
Se não ocorre a adoção do paradigma, Lo Nouvel/e Critique se melo ulmlano. 0 de um duplo rompimento: o do grupo lide·
contribui. não obstante. poro tornó-lo conhecido. difundi-lo, ao rod o por Jocques-Alain Miller para fundar em Ulm um círculo
discuti-lo sob múltiplos aspectos. e essa estratégia vai culminar de epistemologia que vai editar Les Cahiers pour /'ono/yse; e o
no adesão de um certo número de intelectuais ao PCF, visto q ue vai atingir O União dos Estudantes Comunistas ~m novem-
como o lugar de um possível debate: Catherine Backes-Clé- bro de l 966. no momento em que o setor "pró-chlnes" ~ dlssol·
ment. Christlne Bucl-Glucksmonn. Éllsabeth Roudlnesco ... Essa revi- vldo e deve fundar a sua própria organização. a Unlao. das
ravolta nas relações do PCF com os intelectuais é o resultado Juventudes comunistas Marxistas-Leninistas (UJC~L). A partir do
de um certo degelo Internacional. ao mesmo tempo que se número 9.10 dos Cohiers morxlstes./énlnlstes. o d1~et~r d<iJ publl·
tornou necessórla para a direção do partido, pela concorrência cação passa a ser Oominlque Lecourt. e a referencia a Althus-
que re presenta o efervescência cultural e política de uma ju- ser é cada vez mais acentuada; o número 11 é:l~e dedlc~do.
ventude estudantil que vai romper com ele e lançar as bases Inclusive com O publicação de extratos de Matenollsme h1storl·
de seus próprios locais de elaboração teórica. que et matérlalisme d/a/ecNque. . .
A partir do número 14, os Cahiers marx,stes-lénmlstes, possam
o ser o órgão teórico e político das JC(ML) ~ _esse _numero é
consagrado à grande revolução cultural proletono ch1~esa . Des-
ta vez O ruptura estó consumada com um PCF qualificado de
revlsio~ista, segundo a linha chinesa. Ora, Althusser. que permo·
sua benção. entretanto, o seus alunos ao
nece no PCF. dó - 1
publicar nesse mesmo número um artigo sobre a revoluçao cu·
tural embora sem O assinar. Por mais paradoxal que Isso po~a
28. J. M llHAU, 'les d4bats philosophlques des onnées solxonte'. Lo Nouvel/e Crltl·
par~cer, levando-se em conta o distanciamento das posiçoes
que. nº 130, 1980. pp. 50-51.
29. 'Te/ Que/ répond: présenlotlon•, Lo Nouvel/e Crlt/que. novembro-dezembro, re spectivas de exaltação da Chino maofsta. por uma parte, e
1967. p , 50. as posições estruturallstas, por outra. essa simbiose vai_dupla·
3d". Levontomento reoli zodlo por F. MATONTI: 'Entre A rgenteuil et les borrlcodes· . mente fascinar política e teoricamente toda uma geraçao estu-
orl. clt.. p . 108.
31. J . COLOMBEl, ·Les mots dle Foucoult el les choses'. Lo Nouvello Crlflque. 4, dantil.
1967; P. VILAR. 'Les mots et i.s choses dons la pensée économique'. Lo Nouvel-
1• Ctftlque . 5, 1967; G . MOUNIN, 'linguisllque, structurolisme et morxísme', Lo Nou-
velle Crlffque. 7, 1967; l. SEVE. 'Mar,cbme el sclences de l"homme·, Lo Nouv•II•
Crltlque, 2. 1967.
• bolhar um conceito. é fazer va·
, 1l11lndo o ,enexôo coletiva: Tra sã generollzó-lo pela incorpo·
O diretor dos Coh/ers morxlstes-lénlnistes, Domlnlque Lecourt, tlt li o sua extensão e compreen o. tó lo para longe de sua
simbolizo bem, na época, esse duplo engajamento reconciliado. xceção expor ·
r• 11.,0o dos traços d e e . delo ou Inversamente. pro-
Tendo ingressado na ENS em 1965 como helenista. converteu-se .. m tomá -lo como mo ' te
1, ,ylOo de ouge , nferlr-lhe progresslvamen
à filosofia. Militante no Início dos anos 60 contra a guerra da modelo em suma. co 37
, 111or lhe um • f n ão de uma formo· .
Argélia no quadro da UNEF. é através dessa ação mllltante que 111 1nsformoções regulados ~e1a u ç sse lugar sagrado da ENS
ele é seduzido pelas posições de Althusser. Será em 1966 um Com Les Cohiers pour I onolyse, ne ação mais sintomático
dos cinco fundadores da UJCML: 'Havia nos temas da revolu- t s diante do emon 1
, tu ruo de Ulm. es orno sses anos 60, em suas omb.
ção cultural ecos de um certo número de teses de Althusser'33• "" e fervescência estruturollsto de rlências científicos mais
As preocupações teóricos constituem para Oomlnique Lecourt ' r>os mais desmedidas. em suas expde uma dialética vanguar-
um vetor essencial do seu combate político; o partir de 1967, . . ecto mais elltlsta e d' 1
acompanha assiduamente o seminário de Georges Canguilhem,
,udlcals, em seu osp do proletarlodo mun 'º
clu/massa que pretende 1olar em no;~lo nos prótlcos teóricos
que "desempenhou um papel absolutamente decisivo na minha u o ncontrar-se legitimado, a esse ' .
formação"34 . Estando Lacon em Ulm. não perde esse espetácu- 1no ls terroristas e aterrorizantes. o paródia ubuesco ou.
lo, mesmo se esses mllitantes mooístas ficassem, de toda Trato-se de uma caricatura, de um to sério que se alterno
maneira, •um pouco aturdidos pela atmosfera pouco concillóvel d um empreendlmen . ,
p olo contr á r1o, e uos coisas. sem duvido, e e
com os nossos ideais proletórios" 3f>. t o m o pnmelro est,uturallsmo? As d. de aumento Intelectual o
O objetivo desses jovens normalistas era a lcançar na interpre- ' ISO mistura explosivo que. vol servtr
tação de Marx o mesmo rigor científico irretocável que Lévl- um a geração inteiro de filosofas.
Strouss lograra obter com o pensamento selvagem. Mos era /
preciso ter seguras as duas pontas da corrente: o combate teó-
rico e o combate político. Foi o que um certo número de
olthussertanos. entre os quais Dominlque Lecourt e Robert Linhort,
não suportou o propósito do número 8 dos Cahiers marxistes-lé-
nlnlstes, preparado por Jocques-Aloin MIiier, François Régnault e
Jean-Claude Milner: •o número tinha-nos parecido de um esote-
rismo total e houve uma cisão no final de uma série de sessões
surpreendentes que duravam até às três horas da madrugada.
Discutimos a ruptura epistemológico e o Sig nificante. Eu me
lembro principalmente da grande sessão de ruptura, em que
Robert Unhart discutia com Jean·Claude Milner sobre o Signifi-
cante e o lnsignlflcado do Significante durante horas a fio, paro
saber em que isso era materialista. Toda essa polêmica, lembro-
me bem. desenrolava-se num ambiente de impecável elegân-
cia"3ó.
É dessa ruptura que emana a revista da jovem geração al-
thusserlona. Les Cahiers pour f'ano/yse, que pode ser qualificada
de revista althussero-lacaniano. Ela situa-se no perspectiva de
um estruturalismo de combate como filosofia abrangente, e va-
le-se ao mesmo tempo de Althusser. Lacan. Foucault e Lévl-
Strouss. Aí se encontram os filhos de Althusser e de Lacan. uma
vez que todos os membros do conselho de redação. composto
de Alaln Grosrlchard, Jacques-Alaln MIiier, Jean-Claude Milner e
François Régnautt. são membros da organização de psicanálise
lacanlana. a Escola Freudiana de Paris.
De 1966 a 1969, Les Cohiers pour /'ano/yse vão conduzir um
trabalho eplstemológlco e Interrogar, portanto. o científicidade
da psicanálise, do lingüístico e da lógica. a fim de construir a
ciência, no singular. concebida como teoria do discurso, como
filosofia do conceito. Como divisa. os números do revisto osten-
tam em epígrafe uma citação de Georges Conguilhem,

33. DominiQue Lecourt, entrevisto com o autor.


34. DominiQue Lecourt, entrevisto com o autor. lét6 du Grophe, 1-2, l• SeuM. 1969
3~. lb. 37 , L•• Cahler, paur /'onolY••· reed. Soe
36. lb.
30. ULM OU SAINT-CLOUD:
ALTHU OU TOUKI?

O- ~ ----
desafio das ciências humanas é enfrentado nos anos 60

trutu t.altst_a_a. '


CO.OSeJ.Ya1._ass1m ----
p elos filósofos g_ye y:ão rea.p19priCJ!.·S~ do programa es-
. ..,
um.o. _pos1ça0Q...12L. e d9 minante no
c amp.Q._jnte,Jectual, evitango_ 9 ~argi.!::',Ç!li~.9.çéJ.2..._~_J?.QL.o~ o l a-
do. as humanidades clósslc q,.s_ç;Qoh~em. O estruturalismo vai.
portantô. enêõntrar ligaçõ-;;;; essenciais em sua difusão com a
Escola Normal Superior, lugar privilegiado de legitimidade c ientí-
fica , o que permite contornar e ganhar relevo em re lação às
Instituições universitárias clássicos (mesmo que a ENS esteja per-
dendo terreno em relação à ENA na concorrência viva que se
trav a paro a reprodução dos quadros dirigentes da nação) .
Os no~~listas integram uma .estrut1;1[$1.. d~ focmqç_Q Q ~o.
segür'iãÕ se orientam para Ulm ou Saint-Cloud. De um lado. em
Saiõl-Cloüd. assistem i:,'; aulas de Jea~ nt De~~í-. que _ _ _
prefere converter seus alunos às no~Õs diSCípÍinc1sêlâ's-éíências
~umanas. Aconselha -os o que se form em de acordo com o
}eu saber clen~ . Q Q [ ldonem eventualmente a , filosofia. Pe-
/;lo contrário, ~Louis Althu~'r constrói uma teoria que reservo o
,' ' lugar mais im~ ro a filosofia, e incita seus alunos a tes-
tarem a validade das diversas ciências humanas em relação
aos critérios de urna fllosofia do concreto. Althusser tem. portan-
to. em comum com Desantl uma estratégia de inclusão do
paradigma estruturalista. mas sob formas diferentes. visto que,
com Allhusser. se é solicitado a falar em nome da filosofia. 09
\ p asso que, com Desanti, se é mais chamado a realizar uma re-
conversão.

SAINT-CLOUD

ean-Toussaint Desanti é filiad o à fenomenologia. Herdeiro


j de Merleau-Ponty, que o fez ler Husserl desde 1938, ins-
creve-se no PCF no pós-guerra: "Foi a experiência das lutas polí-
ticos que me aproximaram de Marx e de seus sucessores" 1 •
Antigo ulmiano. Desanti, cujo ingresso na ENS ocorreu em 1935,
conheceu também Jean Cavaillés; encontro decisivo. visto que
Desanti adotará corno objeto filosófico privilegiado as matemá-
ticas. d edicando-se. portanto. essencialmente a uma obra epis-
temológica. Daí extrai o Idéia de que a filosofia não é um
:J0 UI M OU S/\INI CI OUD: I\UI-IU OU IOUKI?

discurso autônomo que seria fundamental. mos um discurso so-


cundórlo: "Se se quer fazer filosofia seriamente, é preciso lnstolor- Sylvaln Auroux, epjstemologisla dos ciências da linguagom o
se no âmago das positividades, são palavras de Deson11·2 • 1 ll~clpulo de Desantl, conheceu um ltlnerório revelador da relo
Nesses anos 60, havia uma situação de conflituosidade laten- \,t'l o que se processa no seu mestre entre filosofia e ciência.
te. de concorrência entre os dois filósofos, dos quais um. Allhus- l o ndo Ingressado no ENS em 1967, Sylvoln Auroux assiste às ou
ser. eslavo cada vez mais engajado no marxismo-leninismo, e o h r1 de Desantt. que o inicio no estruturalismo: ·o estruturalismo
ouflo, Desantl. se .desfazia de compromissos. tendo rompido com i,10 o anticultura e nele mergulhamos, dele nos Impregnamos"ª·

o PCF desde 1958. Entretanto, este último linho ofudado os can- l lo Integro a ENS de Solnt-Cloud, é aprovado na ogrégaflon,
didatos de Ulm à ogrégation. entre eles Althusser. o passar no d o pols num doutorado em filosofia , leciona durante algum tem
concurso: "Fui eu quem o fez aderir ao partido / .. ./ Como o p o num liceu e finalmente ingressa no CNRS, na área de ciôn-
lamentol"3 • Arrepende -se de tê-lo conduzido para o que, desde o t lo s da linguagem. Realiza. assim. o conselho de Desantl de se
final dos anos 50, considera um impasse. Vê a obra de Allhusser lf\Slalor no interior de uma positividade, e torna-se diretor de
como um verdadeiro trabalho filosófico de complexificação do p o squisas do CNRS, no meio dos lingüistas: "Pessoas como eu
marxismo, mas que teria apenas ·uma função de retardamento. p o rceberom sempre Althusser como um fabricante de ideologia.
pois essa tarefa muito elaborada de manutenção do marxlsma- I .. / Ele cometeu a façanha de dar uma versão platônica do
leninlsmo estó muito pouco adaptada aos problemas do nosso rr1arxlsmo" 9 •
tempo. Quem é leninlsta nos dias de hoje, além dos albaneses?"' Ao contrório do construção de uma epistemologia em situa-
Desanti conjuga o estruturalismo e a fenomelogia na sua tn· ç ôo de exterioridade crítica em rela ção às ciências, Oesantl
vestigação das idealidades matemóticas. Estas, entretanto, não Inc itava, portanto, à condução de um trabalho de epistemolo-
são a resultante de uma evasão para fora do mundo, para fo. ula das ciências no Interior destas. o que Sylvain Auroux iró reo-
ra do campo da experiência: "Elas são o modo de exigência 11, ar: •como dizia Desonti nessa época. ser filósofo das matemó-
que leva a perceber a produtividade desse gênero de objetos, tic & é sltuor-se no campo dos matemóticos" 1º. A conversão de
os obfetos ideais"5 • Elas enraízam-se num campo orlginartamente 'iylvoin Auroux a uma positividade específico, a do lingüística, não
simbolizóvel, não dependendo, pois. diretamente nem da esfe- quer dizer que a filosofia tenha sido abandonado por parte dos
ra da inteligibilidade nem da do mundo sensível, mas de uma normalistas de Saint-Cloud, visto que Mortlal Guéroult os Inicio, por
intermédia entre ambas. Desanti apóia-se. em sua Investigação o utro lado. numa história muito estrita dos textos filosóficos.
dos obfetos matemóticos, na contribuição que, desde meados
do século XIX, constitui a emancipação dos estruturas e. depois,
Jó no início do século XX. nas contribuições do grupo Bourbaki
que permitiram construir objetos problemóticos simbolicamente
definidos: "É uma estrutura pobre mas a partir da qual é possí-
vel obter teoremas multo poderosos que permitem dominar as
cadeias de propriedades em campos de objetos Inicialmente
diferenciados"º.
Assim. Desanti foi estimulado pelo desejo de soltar a estrutura. ULM
de destacar a formo, a unidade. O seu profe to teórico de esta-
belecimento de conexões significantes com os princípios de fecha-
mento e de regras de passagem assemelha-se ao profeta estrutu-
ralista. Mas Isso não significa que renuncie aos atos propiciadores
de sentido e a essa busca eidética de uma região onde o senti-
E m Ulm, a figura tutelar da nova geração é Louis Althusser.
licenciado em filosofia em 1948, assume as responsabili-
dades de agrégé-répétiteur secretório çla Escola. chamado "ca,-
do é pré-constituído e. por conseguinte, suscetível de reativação. ma n• de filosofia do Escola Normal Superior. Mais do que
Nesse particular. Desantl permanece fundamentalmente fenomeno- Desantl, Althusser considera que o filosofia tem um papel a de·
logisto: "A exigência de ter que ligar os comportamentos à deter- se mpenhar vis-à-vis das ciências sociais modernas, enquanto
minação de uma estrutura subjacente repousa na questão do teoria das prótlcas teóricas. capaz de avaliar o validade clen·
sujeito. O sujeito não é abolido porque não significa nado, care- tífica das positividades o fim de lhes testar o verdade. Assim,
ce de estrutura. A estrutura é a estrutura disto. disto que se faz, para Allhusser, o filosofia não deve renunciar ao seu papel tra -
que é feito. que se quer fazer. e é preciso compreender essa re- dicional de disciplina-rainha. mesmo que tenha de renovar o
lação. É esse o problema que hoje se apresenta" 7• seu discurso e abrir-se poro novas problematizações.
O papel de destaque que Althusser e os althusserionos vôo
2 . Syllloln Auroux. entrevisto com o autor.
desempenhar na preponderância da Influência estruturalisto dos
3. Jeon-Toussainl Desontl. entrevista com o autor. a nos 60 está relacionado com essa capacidade poro enfrentar
4. lb.
5. J .-T. DESANTl Aufrement. nº 102, novembro de 1988, p , 116.
6 . Jeon-Toussoint Oesonti. entrevista com o autor. 8 . Sytvo,n Aurox. entrevista com o autor.
7. lb. 9 . lb.
HISTÓRIA DO ESTRUTUUAl/SMO

o desafio das ciências humanas que se fazem passar por rigo-


rosas, e que permitem assim vangloriar-se de modernidade. mas
canalizando-as para o molde tradicional de um discurso filosófi-
co abrangente. portador da verdade.
Ulm torna -se então o epicentTo da Ideologia estruturalista, sin-
toma franco-francês do peso das humanidades no currículo da
formação universltória. Ulm, desse ponto de vista, é o lugar
Ideal de superação da velha Sorbonne. Expressão de excelên-
cia. a escola vai encarnar a dupla vantagem de sua tradlclo-
MARX EM ULM!
nol legitimidade científico e do modernismo mais de ponto:
"Lembro-me muito bem de que havia uma sensação de gran- primeira Inovação do •ca·,man' de Ulm foi Integrar Marx
de cansaço diante do filosofia unlversltório, misto de humanismo
e de esplrltuallsmo"11. conta o antigo ulmlano Jacques Bouveres-
A
c.<'10
entre os autores estudados nesse santuário da reprodu-
dos elites que é o Escola Normal Superior. Após o publica-
se. O surgimento do que na época era qualificado de 'boas" vôo em 1960 dos Manifestes philosophíques de Feuerbach 14 ,
ciências humanas foi vivido, portanto. como uma lufado de oxi- /\llhusser Inicia, em 1961 -1962. um seminário sobre o "jovem
gênio, uma verdadeira libertação Intelectual. Entretanto, o remé- Marx". o pedido de seus alunos: "O livro sobre Montesquieu é
dio não consistia em encampar todas as ciências humanas: 01 1 lo 1959, seus primeiros textos acerca da sobredetermlnação,
"boas" eram três - a psicanálise, a antropologia e a lingüística • 11c,.orca do jovem Marx, são de 1960. Foi-lhe pedido que orga-
trio constitutivo do paradigma estruturalista; e alimentava-se o 111,asse um seminário sobre o Jovem Marx no Interior do Esco-
mais soberano desprezo pelas ciências humanas Jó considerad01 l• , •1&_
tradicionais, ciências empíricas de simples classificação: a psico- No seminário, vamos encontrar. entre os ouvintes de Althusser,
logia e a sociologia. l'h rre Mocherey, Roger Estoblet, Michel Pêcheux. François Rég-
Os filósofos tentaram, portanto, uma OPA baseada nessas três 11oult. Étlenne Ballbar. Christian Baudelot. Régls Oebray, Yves
ciências Inovadoras: "Isso foi aceito pelos cientistas interessados. 1
1>woux. Jacques Ranclere. Ler os textos de Marx como se lê
como acontece com freqüência. porque a filosofia dispõe. mes- A.1lstóteles ou Platão era para os normalistas um acontecimento
mo quando menosprezada. de uma vantagem que é a de ltostante surp reendente paro a época, mesmo que o método
poder conquistar um público muito mais vasto do que o que 01 Nlr rol da explicação de texto se mantivesse fiel a cânones bem
cientistas podem esperar, habituados que estão a um público , unhecldos. Se existia essa •originalidade perturbodora" 16 que
muito restrito" 12 • A filosofia tinha, portanto, ao renovar suas pro- rmtuslasmo va os discípulos de A lthusser, o desejo político de
blemáticas, a posslbilldode de socializar ciências sociais que 11, rrotar a linho Garaudy também estava no centro das preo-
tinham a vantagem de ser portadoras de um discurso le gível, ri· • upações desses jovens normalistas em processo de J-Upturo
goroso, formalizável. A operação teve tanto êxito que os fllóSO· , om a direção do PCF. Essa dimensõo política era essencial
fos abstiveram-se prudentemente de conduzir seu empreendi poro essa geração militando contra a guerra da Argélia. O sen-
menta em nome do flosofla, que então se compraziam em dar lh no nto de comunhão era . aliós, acentuado pelo ambiente de
como morta, liquidada; substituíam-na pelo termo •teoria', como .. ,e lobllidade Intensa que representava o internato na Escola: "E·
a coleção lançada com esse nome por Maspero, e cujo diretor 11, uma comunidade militante. Quando Althusser pub11cou os
era Justamente Louis Althusser. 1uus primeiros artigos sobre o jovem Marx, comentou-se: "Els um
Não se tratava, para tanto, de tornar-se antropólogo, lingúl• mmxlsta apresentável. rigoroso" 17• Acentuando a inda mais o ln-
ta ou psicanalista, mas de servir-se do rigor dessas dlsclpllna1 t, 11sldade da vida social no Interior da Escola, todo um traba-
para desmontar-lhes simultaneamente o cientismo em nome de lho teórico em comum se organizava no ômbito da prepa-
uma teoria superior a essas práticas teóricos, obra de subversõo t11çõo poro o concurso; foi assim que "se decidiu que se
Interna tanto quanto de apropriação levada a efeito em bane 11111darlam mutuamente poro obter o aprovação nos exames de
fício dos filósofos. Tal operação preciso avançar camuflado e fl(Jtógaflon" 18 •
Isso tem um custo alto, segundo Jacques Bouveresse: "É um pe o ano de l 962-1 963 foi dedicado por Althusser às origens do
ríodo em que se tem o Impressão de um Jogo sem regra ,11,nsomento estruturollsta. Nessa ocasião, fala de Lévl-Strauss,
nenhuma. Você pode dizer não importa o que. sem regro ar M ontesquieu e Foucoult. Jocques-Alain Miller trata do orqueolo-
gumentattvo a partir do momento em que se aceitou um certd glo do saber em Descartes; Pierre Macherey. das origens do lin-
número de pressupostos dogmóticos" 13• u11ogem. Também participam desse seminário Jacques ílonciêre,

1 ALTHUSSER, Monlfestea polft/ques de Feuerboch, PUF, 1960.


Pierre Mocherey, entrevista com o outor.
11 . Jocques Bouveresse, entrevisto com o autor. lb
12. /b. lloge r Estoblet. entrevista com o outo,,
~tlenne Bollbar, Jean-Claude MIiner, Mlchel Tort 1q. om 1964 t Althusser e os althusserlanos. numa filiação nletzscheano passon-
que Althusser oriento o seu semlnórlo com os seus discípulos po- 1l o por Cangullhem, eram ao mesmo tempo críticos em relação
ro o leitura coletivo de O Capital de Marx: "Tudo Isso é feito (1queles que se julgavam capazes de edificar semelhante meta-
sem pensar que haveria uma possível publicação. Era uma ati- linguagem. Reencontra-se essa ambivalência de uma captação
vidade livre e desinteressada"20 • Oro, esse trabalho, que devia quo permite surfor na onda estruturalista a partir de temas unl-
permanecer confinado o üm estrito cenáculo confidencial. vai flc·odores. ao mesmo tempo em que os destrói de dentro paro
con~ecer uma extraordlnória repercussão quando, em 1965, vier foro: "As oposições um pouco pesados do gênero sujeito/estru-
o publico pela Mospero o obra coletiva Lira le Capital [ler 0 luro, noção de processo sem sujeito. adquiriram essa lmportôn-
Capital), ao mesmo tempo que uma coletôneo de artigos de , lo porque serviram para encobrir essa amblgüidade conceituai
Althusser, Pour Marx [A Favor de Marx]: "Encontramo-nos numa um que nos movíamos"23 •
situação Incrível, célebres de um dia poro outro sem que tivés- Os olthusserionos Inclinam-se, entretanto. para o lodo do
semos procurado Isso. / .. ./ Foi o época em que os examinado- 1,lo nttsmo. nesses primeiros anos de seu trabalho de elaboração
res do agrégatlon encontravam nos provas escritas dos candi- tuórlco. A mudança de orientação política que eles desejavam
datos os nossos nomes citados como os dos grandes filósofos por porte do direção do PCF devia passar pela ciência: "Era
contemporôneos. Tivemos uma notoriedade imediata que nos preciso colocar o ciência no posto de comando, como se dizia
atingiu Justamente em 1968, e lhes asseguro que pagamos mui- 110 época" 24. O clima cientista predominante acentuava ainda
to caro por lsso"21 . • 1nots esse entusiasmo. Foi vivido como uma emancipação por
Esse trabalho e suo publicação inserem-se, evidentemente, Ioda uma geração que acreditou poder realizar o síntese entre
numa lógico extra-universitária como lance político importante 11 racionali dade moderno e a problematização filosófica. Jac-

n~ quadro das confrontações internas do PCF, onde as posl- ques ílonclére, normalista em 1960. é imediatamente seduzido
çoes althusserionas são objeto de vigorosas críticas de Goroudy polo "dinâmico intelectual que se criou em torno de Althusser"25,
desde 1963. O estruturalismo também se vê utilizado, como no quando até então o cultura filosófico se limitava a Husserl e
coso dos lingüistas frente à história literária clóssica. como modo ltoldegger. Quando ele chega à ENS. •a geração que obtinha
de contestação das autoridades dirigentes, cuJo,. lmpreclsão e eI ogrégot/on era todo a velha guardo heldeggeriono"26; foi o
falto de transparência se denuncia em nome do rigor, da cien- tlltlmo ano do curso dado por Jean Beoufret, discípulo de Hei-
tiflcidode. Também em Ulm, nesse cadinho do conceito estrutu- «lagger. Com a nova guardo olthusserlona. é o abertura aos
rolista. é praticado a simbiose entre diversos continentes do 11ovos campos do saber. a ampliação do cultura filosófica o
saber. Michel Pêcheux tinha adquirido uma sólido formação lin- 11ovos objetos e o concretização de uma ruptura radical com
güístico, muitos freqü entavam os aulas de Georges Conguilhem h1do o que depende da psicologia clássica: "Para a minha ge-
e interessavam-se, portanto, pela epistemologia. A obro de Lé- m ç ão. Isso correspondia o uma espécie de libertação em rela -
vl-Strouss era conhecido por todos: "Eu me Interessara por Lévl- 1, 0o à cultura universltória"27 . · ~
Strouss um pouco por reação contra a norma imposto paro ob- Se os lingüistas Investem contra o homem e o obra, se os
tenção do diploma de moral e sociologia. Havia nisso um lodo untropólogos e ..Q§_Qsiconalistos contornam os modelos conscien-
de controculturo·22 • Althusser acrescentava o esse paradigma es- h s. os filósofos alth~erl ~optô'!' por a!_9~h~smo, /
truturalisto um Marx revisitado. efetuand7 um
retom.Q...o......rx, à 1f lJe é sepultado com júbilo ·e deleite como um traste obsoleto
11110 datava d<2.s tempos- i ~ i do bur~a t r i u ~ o m e m
maneira dos "retornos a• Soussure e Freud. Havia o sentimento
estimulante de que se poderio realizar, enfim, ~ ntesefilosó- (\ objeto de um ato de deposição, aevé entregÕr° os armas e
flco capaz de explicar os diversos forl"QOS...d,o ros;:j~ de con- 11 olJi'Rra-yfma e -deixar tug_ar paro Õsdiversos 1ógicas de con-

temporônea. paro além dos ciências sociais. - cllctonamento degue ele t apenas~ das ~tas mÕisi rrisó-
De maneira confusa, Althusser retomÕvo as orientações estru- ,1,,s. Nesse sentido, o empreendlmento...9l1!:'~rl~ o~eri3:0Jal-
turallstos, sem deixar de adotar uma certo dlstôncio crítico, em 111o nte, em sua contestação da validade e da próprla.....,exls-
nome do marxismo. De saída, havia uma tensão Interna nos 1 nela do sujeit~·- ao conj~nto do movimentÕ esfrütwaiista.
conceitos referidos que permite compreender por que Althusser
falará mais tarde de um "flerte• exagerado com o estruturalismo.
Tratava-se então de utilizar suo forço propulsora, o lado cientis-
ta de um positivismo lingüístico bem-sucedido, que se julga
capaz de Interpretar todos os domínios do saber numa semlolo-
gla global, a partir de um mode lo fono lógico simples. Moa

19. Informações extraídos de ~- ROUDINESCO. Hlsfolre de la psychandyse en Fl'Olt-


, /1)
ce, op. clt.. vol. 2. p . 386. !Edição brasileiro: Hlslórlo da Prlcanóllse no Frar,ço, 2
vol. (1925-1985). ed. Zohor, 1986.J • /1),
20. Pierre Mocherev. entrevisto com o autor. J'I /1).
21. lb. lb,
li>.
31. A EXPLOSÃO ALTHUSSERIANA

N em Deus. nem César, nem tribuno ... , nem por Isso Louis
Althusser deixo de se apresentar, aos olhos de muitos,
O REFORÇO DE LACAN c o mo um salvador supremo do marxismo. Ele tenta levar a
bom termo um empreendimento difícil, uma verdadeira aposta
Que equivale a colocar o marxismo no centro da racionalidade

e ontra o humanismo, contra o psicologismo, um aliado


de peso acaba de dar entrada no recinto da ENS, rua
de Ulm, graças a Althusser, que o convida a se instalar aí em
c o ntemporâneo ao preço de seu desligamento da práxis, da
dialético hegeliana, a fim de suplantar a vulgata stallnista em
uso, fundada num economicismo mecânico. l
1963: é Jacques Lacan. Ele também está em plena guerra den- ~ ~9,liz.9r tal_ deslocamento, Alth~ssei:_~~s.:.~ estru!u-
tro de outra Instituição, a psicanalítica. Proscrito, ele também é rolismo e apresenta o marxlsmC?_. como o_ úQ.iCl -c_opaz de_Jeali-
o excluído do aparelho. Lacan vai constituir com Althusser uma 1a r ~ ese global do_saber e _g_e _i,o~íg!gJ_:_s~ o âmago do
parelha tão curiosa quanto fascinante para uma geração que pa_!Sldigma estrutu~ Ç> prec:;o a ser ~ago im_p,_!!ca: _QQ[iont.o.-em
se tornará, em boa parte, althussero-lacanlana. Jacques-Alain participar no ofo.s.t.aco.eJ:lto ~ p._d~~glcq,_d~ mode-
Miller, atual dirigente da Escola da causa freudiana, declara ter los conscientes, assim como da dialética da alienação. Esse
lido Lacan por Incitamento de Althusser28, no seu seminário de- o fa stamento do referente- odquhe ÕtÕrma~ rfe episte-
dicado em 1963-1964 aos fundamentos da psicanálise mas, no mológico". segundo o modelo do ruptura de Bachelord. Esse
essencial, consagrado a Lacan. Como vimos, muitos althusseria- c orte efetua a divisão entre Ideologia, de uma parte, e ciência,
nos vão passar de Marx a Freud, de Althusser a Lacan; Les de outra, encarnada pelo materialismo histórico. Todas os ciên-
Cohlers pour /'onolyse constituem essencialmente a expressão j c las devem, portanto, ser questionadas o partir do que funda-
1 • m enta o racionalidade científica, a filosofia do materialismo
desse laconismo ulmiano, oriundo do althusserlanlsmo. Os althus- 1
seria nos vão, portanto, encontrar-se divididos entre os que, dialético, a fim de se libertarem de seus resíduos Ideológicos.
numa estrita filiação em relação ao mestre. permanecerão no De acordo com o modelo do arbitrário do signo em relação
campo da filosofia, como Étienne Ballbar, Pierre Macl;\erey e oo referente, a ciência deve "satisfazer exigências puramente
Jacques Ranciere, e os que vão converter-se à psicanálise, es- lnternas" 1 , e o critério de verdade não passa, portanto, por uma
colhendo o exercício de uma prática, de uma positividade par- possível falsificabllldade das proposições.
ticular. E$§.ê desUgamento do marxismo do seu próprio des!in~stó-
A filosofia terá, portanto, uma vez mais, perdido uma boa rlc o nesse início dos anos 6Õ era um melo de salvÕ-lo de sua
parte de suas forças vivas, as quais desertarão em nome de rápida decomp<;>slção, instoland ;=~ no cerne da ciência. Res-
uma nova e triunfante ciência humana. Toda uma corrente al- ponde ã necessidade de sair de um marxismo oficial pós-stall-
thussero-lacaniana vai Identificar-se' numa posição dita a~ti-revl- nlsta. portador de üma :herança funesta, encerrado no dogma.
slonlsta: simultaneamente contrária à revisão do marxismo pelos Althusser permitia complexificar o marxismo, cruzar a sida aven-
soviéticos e ó direção do PCF, e contra a revisão do freudismo tura com a das ciências sociais em pleno desenvolvimento, e
pelos herdeiros oficiais da Associação Psicanalítica Internacional. c olher todos os frutos. dando-se como discurso dos discursos a
A simbiose entre as duas correntes é, ao mesmo tempo, teórica p ró pria teoria das práticas teóricas. Ressuscitar um marxismo
e estratégica, sendo levada a apoiar-se num dogma sólido, em c ie ntífico de~b_grgs.ado _ças escó,rlas d9s: r.eg_ ~ guEL,s~ va-
textos sacralizados. Em meados do década de 60, multidões lem ~ te. taL é....s,.desatlcl ~imulaQ,te_ gu.2.l9uis Althu,..5 :.;r __gpre-
chinesas brandem o pequeno livro vermelho na praça Tian An- ae n.!g__a..uma geração militante, temperada nos combates antl-
men, que representa para eles a esperança do fim do velho c otonlalistas.
mundo. A figura do mestre logo assumirá o fisionomia de Mao
Tsé-tung, o timoneiro da nova China, saudando o nascimento
do novo mundo .
..Q pensqm~nto.: Mao, o P_.znsamento-Lacan, o pensamento-Al-
thusser, todos unldo~ ~ ~!.Ç!_º~ ~entô-Moa (;çfõCf[Eu). o
çoquetel Molotov ~~v~ pronto pora- acõlnêfCJ'raãlcallzação
d_g juveofu.diL escQJ.9!!_zaaa ffanc_esa m:rssa-fl"t'l'fil""dos anos 60.

28. J.-A. Miller, "m É. ROUOINESCO, Hlstolre de la psychonalyse en Fronce, op.


clt.. vol. 2, p, 387.
1. V . DESCOMBES, Le Mêrne at /'outre. op. c/t., p. 147.
HIST WA DO lSTfWTUIM/ SMO

aubslltulndo-a por uma ciência total. exclusiva, rigorosa: ' No seu

~~~~::J!~~:~~:: ~:~·~~~~~~d~~~:-: ;~,;f~1Ei~~i 1


do em sua Intimidade secreto e profunda?"3 •
A ontologlzoção da estrutura em voga nesses anos 60 permi-
ti a o Althusser deslocar o sistema de causalidade em uso na
v ulgata marxista. Tratava-se até então de limllar os esquemas
DE JESUS A MARX de explicação à concepção monocausal do reflexo. Tudo de-
via derivar do econôm ico, e as superestruturas eram concebi·
das. portanto, como simples traduções do substrato Infra-estru-

L ouis Althusser nasceu em 16 de outubro de 1918 em Blr·


mandrels. na Argélia. É normalista em 1939. Prisioneiro na
Alemanha de 1940 a 1945 no stolog XA do Schleswig-Holstein.
tural. Romper com esse enfoque puramente mecânico tinha a
d upla vantagem de complexlflcar o sistema de causalidade, ao
aubstitulr uma relação causal simples do efeito por uma causa-
corresponde-se com René Mlchaud. que o inicia ao marxismo. lidade estrutural em que é a própria estrutura q1.1em designa a
retomando a preparação para a agrégotlon com a libertação. ú o minâncla. Mas o modelo de análise althusseriano também
aos 27 anos. É licenciado em 1948, data em que adere ao p e rmite. como diz Vincent Descambes. salvar o modelo econô-
PCF. e permanece no Escola Normal Superior da rua de Ulm. mico soviético, que continua sendo considerado em conformi-
onde se torno 'co'imon". ou preparador de concurso poro os d ade com o modelo socialista, dissociado de uma realidade
normalistas da Escola. Apresenta então um projeto de tese de p olítica autonomizada e contestável. Althusser podia assim ana-
estado o Jean Hyppolite e Jenkélévitch sobre "La politique et lisar uma crítica do stalinlsmo que la mais longe do que a sim-
philosophie au xv111e siêcle trançais". ples contestação oficial do culto da personalidade, mas a um
Na sua origem. contudo. Althusser é católico praticante. par- m enor custo. uma vez que suo crítica preservava, em nome da
ticipa da Ação Católico e é estimulado em suas convicções a utonomia relativa das instâncias do modo de produção. a ba-
religiosas por Jean Gultton, seu professor em Lyon entre 1937 e se socialista do sistema. Ele compreende, pois, rapidamente. a
1939, que o preparou para a admissão à Escola Normal Supe- u tilidade que pode representar o estruturalismo para um marxis-
rior. Para Gultton. Althusser. que retorna da guerra metamorfo- m o a renovar e paro continuar considerando a União Soviético
seado. ateu e comunista. manteve-se fundamentalmente fiel ao um país socialista: "A doutrina estruturalisto esteve o ponto de
seu desejo de absoluto religioso. que teria. de fato, deslocado aer elaborada no ENS sob a batuta de Althusser"" e representa-
do catolicismo para o marxismo. A cumplicidade amistosa dos do principalmente por seus discípulos dos Cohlers pour /'anolyse.
dois homens nunca foi desmentida. apesar do distanciamento Cada um dos avanços estruturolistas situava-se até aí no Interior
de suas respectivas posições e a contestação que podia sofrer de uma esfera particular do saber: a antropologia para Lévl-
um Jean Gultton na Sorbonne. onde ocupava o cadeira de Strouss. o psicanóllse para Lacan. a lingüística paro Greimos...
história da filosofia: "Você me ensinou a relacionar-me com um Althusser representa a possibilidade de ampUar g ombiçã..9 no
conceito. com dois, a combiná -los. o opô-los, a uni-los, o sepa- ,entid<)de uma- fllosoflo_ êstruturolista que se põe simultanea-
rá-los, como crêpes no frigideira, e o servi-los paro que sejam men~ como tal e C.2(!10 e!(g~ãÕ do fim
da filosofia, CO~O
comestíveis"2 • De 1945 a 1948, ele tinha sido duplamente atraído possível superação_d~~ e~~e. do teoria. A seporoçao
pelo PCF e por um pequeno grupo de católicos originários de conceituolizoda por Althusser enfre clencio e Ideologia permite,
Lyon, fundado por Mourice Montuclard e Instalado em Paris. por outro lado. redobrar a divisão em curso de generalização
Esse fascínio pela religião. pela pureza místico, perseguirá Al- ontre a tecno-estrutura e os executantes. Os olthusserlonos 'for-
thusser até o fim, pois nas vésperas do drama de 1980 pede lo leciam largamente a divisão entre a elite e a multidão subal-
ao seu amigo Jean Gultton que interceda em seu favor para to rna e realizavam-na em suas revistos. em seu movimento
um encontro com o papo João Paulo li. Obtém uma entrevista mooísto. hierarquizados em estados-maiores que têm seus canais
com o cardeal Garrone, e é dado a entender a Jean Gultton. cJ e transmissão. seus comitês de base: organização calcada so-
ao encontrar-se com o Santo Padre, que este se dispunha o re- bre o da odm lnlstraçõo francesa' 5 • O projeto Inscreve-se. por-
ceber Althusser. Mas o assassinato de sua esposa. Hélêne, tanto, numa perspectiva de unificação do campo de reflexão
pouco depois. fez abortar o projeto. Grande leitor de Pascal, Al- das ciências do homem colocadas sob o direção vlgllonte dos
thusser é, pois, transpassado pela Inquietação de uma místico fil ósofos: "Houve uma tentativa de construção de uma proble-
tradicional. pelo caráter insolúvel do contradição. Tendo, porém, rnótlca unllórlo dos cíêl'}.clas socloís"b.
abandonado o caminho cristão. ele desloca sua busca de ab-
solut o para um marxismo purificado. filosofia cristalina, capaz de
opor-se à fé religiosa, Instrumento de superação da metafísica. l J GURTON, /b.. p . 89.
li Vlncent Oescombes, entrevisto com o autor.
li /b.
2. Corto de l. ALTHUSSER o J . GUITTON. julho de 1972. em Ure, nº 148, jonelto de 6 ~tlenn• 8olibor, entrevista com o autor.
ct oatrulçõo deliberada do Jovem Marx por Althusser. é fortemen-

~:~;~:;3~·:1:J~i~:~:,~: : ~~:~~=~.u~~~:,~~ ill


riamente o equipe de Ideólogos da d ireção em torno de
Coraudy: Luclen Sàve, Guy Besse, Glibert Mury, Paul Boccara e
Jean Texler expressam nessa oportunidade suas discordâncias,
UM OBJETIVO ESTRATÉGICO 1 m registros diferentes, com as posições de Atthusser. Garaudy
aproveitou a ocasião paro atacar com firmeza o concepção
uo ciência veiculada por Althusser, qualificada de ·caduca•,

A intervenção althusseriana também se Inscreve no âmbito


de uma outra lógica, esta política, para contestar a va -
lidade das posições oficiais sustentadas pela direção do PCF.
"obsoleta•, "simplório, escolar e místico•, assim como o seu "dou-
trinarismo descarnodo"11.
SendQ Al.!huss~ ªe!e~n.!9do. pois:.. com2.,~~p.JJ,.ec.é.tlco, /
Como se viu, La Nouvelle Critique torna-se, de março de 1965 Isolado diante do aparelho do partido, compreende -se o inte-
a fevereiro de 1966, o lugar de um grande debate entre Inte- resse estro f~ que pode r epresentar para ele a ~ t ~ção de (
lectuais comunistas sobre as relações entre marxismo e huma- auas posições nas da o n da estruturolista que arrasta a ade590
nismo. É o morrn3nto do grande confronto en:tre...as....~s de ontuslóstica do-s ln!electu gls_ d4ª._mead9s da ~éS:O~- dê_._60. Al-
Rogar Garaudy, partidário de um humanismo marxista e as de lhusser apresentava a vantagem de defender um "marxismo
Althusser, gue_deJeode o anti~humanlsmo teórlc õ:=°E~ CÕntro- c artesiano, constituído de Idéias claras e dlstintas" 12 que propor-
vérsla / .. ./ parece-nos apresentar em termos concisos as ques- clon ava aos intelectuals orgulho em ser comunista. O retorno a
tões essenciais do status teórico do materialismo hlstórlco· 7• É Marx, aos textos fundado res num enfoque puramente teórico,
Jorge Semprun quem Inicia a críllca da posição althusserlana oxegético, permitia sair da culpabilização d e ser comunista,
ao dissociar o pensamento marxista, que é um pensamento . após a descoberta manifesta dos crimes stalinlstas: ·os trabalhos
dialético, do pensamento althusseriano, que funciona em termos de Althusser representaram, na verdade, uma lufada de ar
de ruptura. Apoiando-se na Crítica da Fflosofio do Direito de puro" 13. O contexto é favoróvel ao sucesso das teses althusseria-
Hegel, escrita por Marx em 1843, ele mostra que mesmo o jo- nos, visto que- o ..e,cF_ te,nta.Jnstaur.91 um_novo ~lgcionarnento
vem Marx nunca teve uma concepção abstrata do homem e com os lntelé'ç!uals desde Jins da década de 50, Q fim de sair
que, pelo contrário, d esde essa época sempre o definiu como pou_ço--9-J2.Qu.9.o do stalinlsrno....Ab,r~se...para r::iov0$ f°'ma,s ge
um ser plenamente social. Mlchel Simon Insiste no caráter Indis- expressão artística. poro as vanguardas, romP-endo assim com o
solúvel do marxismo e do humanismo, mesmo quando adere à realismo s~clÕttsto, e pa°7a novasexigêncio;.eórléãs, Õ bando-
posição althusseriana ao criticar o uso da noção de alienação nondÕÕdelí riolyssenklstÕ ~ pass°'";do. Mou;ice Thorez -anuncia,
fora do vago domínio da Ideologia. Tem o cuidado de distinguir lncluslve, a - crlaçóo ém 1 959 d~ Centro de Estudo e de Pesqui-
claramente o humanismo abstrato e universalizante do burgue- sa Marxista (o CERM), de que Roger Garaudy seró o primeiro
sia em ascensão e as posições marxistas. mas •o humanismo diretor. O PCF procuro então compensar os perdas do ano
d esigna algo que, no fundo, é essencial ao marxlsmo"8• Pierre lroumótico de 1956, reatando o diálogo inte rrompido com os in-
Macherey, por sua parte, defende posições olthusserlanas puras, telectuais. Althusser chegava, pois, a propósito, como o remate
e opõe ao discurso de síntese esboçado por c ertos Ideólogos de um processo que começa no Início do decênio e' que atrl·
da direção do partido uma clara posição de ruptura: "Entre a bul aos intelectuais um lugar de elelçõo na definição da nova
abordagem de Semprun e a de Althusser, há ruptura"9 • Recusa política pós-stalinlsta. Mas Isso não significo que os suas teses se-
toda possibilidade de diálogo entre dois discursos que não atri- Jom adotados incontÍnentl pe!Õ°êõmitê Central do- PCF,gue se
buem o mesmo significado aos conceitos utilizados. A aparência roúne em 1nar_ç~de_!_~6 ~nclui gue, d~ . ~ _.mcuxlsrno
d e utilização de uma mesma terminologia é enganadora. uma é o humanismo do nosso tempo" 14 •
vez que encobre concepções opostas. É o que ocorre com o A pÔrtir dessa vltõría- da- linhÕ• Garaudy, os trabalhos de Al -
term o "prática•, que em Semprun se refere a um objeto real, lhusser são cuidadosamente selecionados pela direção do par-
ao passo que é objeto de teoria em Althusser. Michel Verret tido, que os faz d esaparecer do bibliografia da Escola Central
tamb ém toma com entusiasmo o partido de Althusser: "Esse hu- de Quadros. Esse Insucesso d evia ser compensado, no entanto.
manismo, Althusser sublinho-o enfaticamente, não pode deixar
de acompanhar o destino t eórico da olienação" 1º. A posição 11 . R. GARAUDY. reloto Integral do reunião dos filósofos de Chcisy de janeiro de
de Roger Garaudy, que desde 1963 vinha prevenindo contra a 1966, pp. 12~128 e 148. citado por J. VERO~S-LEROUX. le Réve/1 des somnambu·
le•. Foyord. 1987. p . 296.
12, O. LINOENBERG, te Manclvne /nfrouvoble. reedição 10/18. 1979, p. 38.
7. Lo Nouvelle Crftfc,ue, nº 164, morço de 1965, 'Ouverture d'un débat: marxlsme 13 Entrev isto 64, em J . V ERO~S-LEROUX, te RéveH des somnombu/es. op. clt.. P
et humonisme•.
297 .
8 . M. SIMON, lb., n° 165, abri de 1965, p , 127. 14 Comitê Centra l do PCF, 11-13 de março de 1966. Cah/ers du comrnunlvne,
9. P . MACHEREY, lb., n° 166. maio de 1965, "Morxlsme et humanisme'. p . 132.
• - o.• • U "" f"H''lrT ,.... lo,,....-.,.,...~,,... (1431 1965, n9 168, p, 96,
mofo-junho de 1966, citado por J. VERD~S-LEROUX, L• Réve/1 d•• somnombul. .,
o,:, c/t., pp, 119-120.
31. A l Xl'LOS

pela ln~uência móxlma exercida pelo próprio lugar onde Althus•


ser podia retomar a iniciativa teórica: a ENS da rua de Ulm. Da/'
podia ele opor à direção do partido um d iscurso marxista fe.
~ un~ado P~~ e ~!..u turallsmo- e - digno de ter acesso à categoria
_ <;!,e...!9..gç>n91id.ru:l,.e_ro_oç!filna .
• Tendo tido como professor um discfpulo de Althusser, Michel
Pecheux, no curso de filosofia em 1965-1966, Roger-Pol Droit en-
tusiasma-se com Guy Lardreau, Christian Jambet e muitos outros
pelo que então lhes parece ser a encarnação da fílosofia do O RETORNO A ... MARX
c<?nceito: o althussero-laconlsmo. Hoje, essa época de forma-
çao, a de suas mamadeiras filosóficas, apresenta-se aos olhos
m 1965 vêm a público as duas obras que vão se tornar
~e Roger-Pol Droit como uma "época gradeada: grade no sen-
tido. de um quadro conceituai de elucidação. A sensação que
s~ tinha era de que, se o escantilhão fosse colocado na posl-
E Imediatamente a mais lmportante referência do período:
uma coletâneo de artigos de Althusser, Pour Marx, e um livro
çao adequada, destacar-se-ia aquilo que sem a grade não se c o letivo, Lire Le Capital, que reagrupa em torno éle Althusser
teria visto. A estrutura depende disso: elo é da natureza daqui- c o ntribuições de Jacques Ranciere, Pierre Macherey, Étienne Ba-
lo ~ue só se vê e~ relevo contra Uf(l fundo neutro, em oco e llbar e Roger Establet. Essas duas obras são pub!Jcadas pe~s
v:1z10. e da d1vers1dade colorida do real. E, ao mesmo tempo, Êdltions Maspero, e o sucesso é imediato e espetacular: P ur
soo grades no sentido celular do termo"•s. Marx, Incluído na coleção "Théorle", venderá 32.000 exempla es.
Os althusserianos tinham conseguido a · façanha de colocar a Resta saber se a escolha da editora Maspero (criada em 1959)
epist~ ~ lo~a em .~oCfa.Era a epoca em gue.,s,e fazia a epis- por Louis Althusser é deliberado, ou se é o resultado de urna
te_molog a e nao.__~põr fo_g_gy__e, o -~e _p ermltia s:Jil_e,Lque Já recuso prévia das Édltlons Socioles. Segundo Guy Besse, de um
n~ ~ ª~.!.!:U:!',.Slis fil9sofia ma~••i:2.l~cia. Essa situação era tanto lo do. Althusser não teria querido, com urna publicação nas Êdi-
mais paradoxal porquanto ·a epistemologia, por seu discurso her- ;tlons Sociales, comprometer o partido c?mo um tod~ no. apo~o
méti?~ e o e!evado grau de competência exigido em diversos / à s suas posições e, outro, a preocupaçao com a ef1cócta teno
dom1nios, esta geralmente limitada a pequenos círculos: "Ouvi , redundado na escolha de Maspero, cuja penetração permitia
até, certa vez, Derrida. a quem lhe perguntava se O que ele a tingir um público muito mais vasto do que o do PCF. Mas pa-
fazia era ciência, responder que não, mas que poderia multo rece que. na verdade, por trás dessa atitude simultaneamente
bem vir a sê-lo" 16. É nessa perspectiva cientista que se inscreve audaciosa e tímido, teria havido um bloqueio da direção do
o projeto althusseriano. Ele respondia também a esse desejo de p a rtido: "Em 1979, Althusser me afirmou que só editara na Mas-
corte de uma nova geração que não queria carregar O fardo pero após ter recebido urna recusa" 19 '

dos crimes stalinistas e tinha sede de absoluto. O que permite a Os althusserlanos efetuam, portanto, um •retorno a .. ." o pró-
conciliação paradoxal de um voluntarismo político muitas vezes p rio Marx. separado dos comentários e exegeses elaborados até
delirante, de um mllllantismo encarniçado, com a concepção e ntão sobre sua obra e que encobriam. como urna cortino, um
de um processo sem sujeito que se une ao engajamento místi- conhecimento direto de suas teses. É no ato _de ler Marx ~e
co: "Como ocorre em todas as religiões, o sujeito aparta-se de se...i.Qs_cr,eye o orimeiro deslocamento dos althusseriangli..J>~Uais
si mesmo a fim de ser o agente de um processo. Eu fui educa- p articipam plenamente nesse .Q.nto. d.9_p,ru.o.dl.g r:na-est-ruturol,
d~ pelos jesuítas. É evidente. apartávamo-nos de nós mesmos. na me ida em que privilegiam a ·esfer,g_ru,_ qi§G_l.1/S.~ gico
nao sendo mais sujeitos perante o grande Sujeito que era 0 .Interno de um sistema .Le_ç,tJ_gdo em si mesmo. E certo que o
Processo. e assim salvávamos as nossas almas. Isso era inteira- ponto de visto de Althusser não deriva da lingüística, mas par-
mente concilióvel" 17• Para uma geração inteira, . Althusser vai tor- ticipa dessa autonomização da esfera discursiva que deve ser
nar-se o pólo de convergência de todos os que querem sair a bordada a partir de uma nova teoria do Ler. inaugurada pe-
dos academismos, encontrando nele o porta-bandeira, o ponto lo próprio Marx. ignorada pela vulgata e retornada por Althus-
de ligação: "Realizei os meus estudos em 1955-1960, e Althusser ser.
forneceu-nps uma espécie de iluminação. Era extraordinariamen- Essa novo p rótlca da leitura é denominada leitura sintoma!,
te estimulante" 13• q ualificativo tornado diretamente do psicanálise, em particular,
d e Lacan. Aí se reencontra o cará t er mais essencial do que
nâo é visível e que se refere à falto, à ausência. Althusser distin-
g ue dois modos de leitura dos clósslcos do economia político
e m Marx. Em primeiro 1,ugar, lê o discurso do outro, Ricardo,
Smith etc .. no Interior de suas próprias categorias de pensamen-
15. lloger-Pol Droit, entrevista com o autor. to. para captar os Insuficiências e estabelecer a diferenclali-
16. Jacques Bouveresse. entrevista com o autor. dade, mostrando assim o que não foi percebido pelos seus
17. Dominique Lecourt. entrevista com o autor.
l B. Pierre Macherey, entrevista com o autor.
predecessores. O resultado dessa primeiro leitura posslblllto "um
levantamento de concordâncias e dlscordânclas"20 • Por detrós .
dessa primeiro abordagem perfilo-se uma feitura mais essencial
de Marx, poro a lém dos faltos, lacunas e silêncios que foram
assinalados; essa re leitura permite a Marx perceber o que o
economia política c lóssica não via, embora visse. Torna manifes-
tos positividades não-problematizadas, não questionados por
seus predecessores. Marx foz assim aparecerem respostas onde
não havia a pergunta, num Jogo puramente lntratextual em O CORTE EPISTEMO LÓGICO
que ele vê o não-visto do v isto da economia político clássico:
"O não ver é , p ois, Interior ao ver, é uma forma de ver e, por·
tanto, estó num a relação necessórla com o ver" 21 • Do mesmo
modo que o Indivíduo exprime um certo número de sintomas
do sua neurose sem poder referir o que pode observar do seu
A lthusser utiliza também a noção de ruptura epistemológi-
ca que retoma de Bachelard, radicalizando-a sob o
l ormo de corte poro acentuar-lhe o caráter decisivo, termlnan-
próprio comportamento àquilo que o provoca, também a eco- to. Vai buscar, portanto, o seu modelo de análise na epistemo-
nomia política não pode ver e combinar o que foz. logia científica poro utlll.zó-lo em suo leitura da obra de Marx.
Esse modo de leitura combina uma dupla vantagem: de Oachelard aplicava particularmente a suo noção de ruptura ao
uma porte, a de inscrever-se no interior de uma exigência de ri· domínio da físico, com destaque para o mecânica quâ,rtica. a
gor lingüístico, ao procurar a chave da problematização no fim de exprimir o diferença entre conhecimento cientíticp e co-
Interior do próprio texto, em sua economia interna; e, de outro nhecimento sensível.
porte. a de oferecer um método que, à maneira da análise Althusser estende essa noção de ruptura ao valor do concel-
freudiana. considera que a realidade mais essencial é a mais 10 geral, passível de transposição para toda a história das ciên-
escondida, não se situando nem na ausência do discurso, nem c ias, sublinhando o necessidade de discernir as descontlnul-
no explícito deste, mas no entremeio de suo latência, necessi- /dº des o partir das quais se ergue este ou aquele edifício
tando, portanto. de uma escuta ou leitura particular a fim de o / ~léntífico. Em seu afã de apresentar Marx como o portador de
revelar a si mesmo. Se o erro grosseiro [bévue] Implica o ver, a uma ciência nova. Althusser percebe um corte radical entre um
vista depende das condições estruturais, das condições de exis- Jovem Marx ainda impregnado de Idealismo hegeliano, e um
t ência do dizer. do campo de possibilidades do dizer e do não- Marx científico da maturidade. Ora, "jamais Bachelard teria fa-
dizer. Esse deslocamento apóia-se tanto em Mlchel Foucault lado de corte entre uma ciência e um edifício filosófico
quanto em Lacan: "Althusser nada mais fez do que demarcar o nterior"24 • Segundo Althusser, Marx atinge o nível científico
os conceitos de Foucault e de Lacan•22 • Essa dlaletlzação do q uando consegue operar com êxito um corte com a herança
espaço do visível e do Invisível adota por modelo o trabalho fil osófica e Ideológica de que estava Impregnado. Althusser es-
de Foucault em sua Histoire de Lo folie [História da Loucura). in- ta belece, inclusive. as fases de gestação desse processo, e
vocada como exemplar no início de Llre le Copito/, nãq_ só a dato com precisão o momento dessa cesura que o faz Ingres-
p ropósito da relação de interioridade da sombra, das trevas e sar no campo científico: 1845. Tudo o que precede essa data
da luz, mas também a propósito da atenção às condições, pertence às obras da juventude, a um Marx antes de , Marx.
aparentemente heterogêneos, que constituem as positividades O jovem Marx é marcado, então, pela temótlca feuerba-
do saber em unidades: "Termos que provêm de notáveis passa- chlana da alienação, do homem genérico. É a época de um
gens do prefócio de M. Foucault para a sua Hístoíre de la Marx humanista, racionalista, liberal, mais próximo de Kant e de
fofie" 23 • Flchte que de Hegel: "As obras do primeiro momento supõem
uma problemática do tipo kantlano-fichtlano•25 _ A sua problemá-
llc a gravita então em redor de um homem consagrado à liber-
d ade, que deve restaurar a sua essência perdida na trama de
uma história que o alienou. A contradição a superar situa-se,
p ortanto. no alienação do razão. encornada por um estado
que permanece surdo à reivindicação de Liberdade. A seu
m algrado, o homem realiza a sua essência pelos produtos alie-
na d os do seu trabalho, e deve concluir a suo realização
m e diante a recuperação dessa essência alienado para tornar-
se transparente paro si mesmo. homem total. finalmente realiza-
20. l. ALTHUSSER. Ure Le Capita/, vol. 1, Pelile Colleclion Masparo, 1971 (19~). p . do e perfeito ao termo da história. Essa inversão é diretamente
16.
21 . Jb.• p . 20.
22. Daniel Becquemonl, entrevista com o oulor. 24. Dominique Lecourt. entrevisto com o autor. /
23. L. ALTHUSSER. Ure Le Capita/, op~ cft., vol. 1, p. 26. 1!S. L. ALTHUSSER, Pour Mane, Mospero, 1969 (1965), p. 27.
I
111,torlador. mesmo quo est eja fortemente comp rom otld o na ~
proveniente da obra de Feuerbach: ·o fundo da problomótlca
filosófica é feuerbochlono" 26 •
.._Segundo Althusser. é ero 1845 que Marx rompe com essa
concepção que fundamento o história e o político numa essfm.
~:~~::;~~: ~~;;:;!~e~:~~t:s:~m3~~:e:::;:~~~ó~~:
lhan te concepção, a qual se liga . de foto, à obra de
iê!:i;
ela dÕ homem, a fim de substitui-lo por uma teoria científica
1oucoult" 30• Althusser quis certam~nt~ escapar à vulgota_. stallnls-
da hÍstóriÕ. Õrticulodo com base em conceitos inteiramente no- la. propensãã entender tudo como reflexo do econômico. ao
vos~ elucl~oção, ç_ori'\o os d E:._formoção social._ d.2_ fo!90S p,o-
outonom líor U m C a_inpo_çl~tíflco purlfl~ a <!,o . EÍe susclt;-u, -pois.
autlvos, de relo_ç_ões de produção.. . Ele esvazio então os cote-
uma v er.d.QQ.elr.a..J.eJ)Oll.QÇ.Õo.....dO pensam_entg_marxlsta .
.. gorlos filosóficos de sujeito, de essência. de alienação. e efetuo
Mas ao oferecer-lhe um sistema fechado em si mesmo, pre-
uma crítica radical do humanismo, atribuído ao estatuto mistifi-
c ipitou ÓCri~: - ~ Õnunclou o firTI de um certo marxismo por-
cador do Ideologia do classe dominante. Esse Marx, o do ama-
que. após esse fechamento sistemático. ele nada mais produziu.
durecimento, abrange o período de 1845-1857, e permite o Se o marxismo estó vivo. não é contentando-se em exumar
grande obro científica do maturidade. O Copito!. verdadeiro conceitos científicos. Esse aspecto contribuiu para um certo de-
ciência dos modos de produção. portanto, da história humano. c línio do marxismo que ele quis. entretanto. salvar. Como cons-
Essa cesura fundamental percebido no interior do obro de lrulr um marxismo que é fundamentalmente um pensamento do
Marx é possibilitado pelo deslocamento do marxismo do terreno história com um método que é profundamente o-hlstórico?"31 •
do práxis paro o do epistemologia. Marx teria definitivamente
Se. no limite, Althusser serrou o galho onde estava sentado.
rompido, graças a O Copito/ que, como contribuição científica, nem por isso deixou de alimentar um segundo alento temp.oró-
ocupo um lugar Igual ao dos Principio de Newton. com o ideo-
rlo do pensamento marxista. e de reforçar todo uma corrente
lógico: "Sabemos que só existe ciência puro na condição de a
Intelectual modernista em conformidade com a busco de uma
purificar incessantemente. / ... / Essa purificação. essa libertação. ruptura radical tanto teórica quanto institucional e política.
só são adquiridos à custo de uma incessante luta contra o pró-
pria ideologia•21 . Enquanto que até então a obro de Marx era
percebido como a retomado do dialético hegeliana de um
ponto de visto materialista. Althusser opõe termo o termo a dia·
lético em Hegel e em Marx. Este não se contentou em recons-
tituir o Idealismo hegeliano. mas teria construído uma teoria cuja
estrutura é totalmente diferente. mesmo se a terminologia da
negação, da Identidade dos contrários, do superação do con-
tradição. pode levar a pensar numa grande semelhança de UMA TOTALIDADE ESTRUTURADA
enfoque: "É decididamente impossível manter, em seu aparente
rigor. o ficção da Inversão. Pois, na verdade, Marx não conser-
vou. ao Invertê-los. os termos do modelo hegeliano do socieda- lthusser subsl~~lgatg me<;,Q_QIC~~Q!j_g_d..u..Le:
de"28.
Essa descontinuidade que Althusser perce~ entr~ Hegel e
A ~ 0 ! 9 ! i d ade es!r.!!!u19.da ao qual o seotldo e
funç ão da poslcã9 de~gçi. uro.~o~,i.as.._g_QJJlQ.Q.O de
M-9.rx permite-lhe rompE:!_ cÕm avulgota eCOIJ.Q[!11Cisto stolinista, p r o d ~ Ãsslm. Althusser reconhece uma eficócia pr?pria da
qu~ _çon~ntovo em substltuJ.r o ~ ssêncl_9 políti_so·lq__eológlca superestrutura. o qual pode encontrar-se, em certos casos. em
c;je J:!egel pelo esf ~ <;!Q_ ~nômlco ~ssêncla....l,1as essa posição de dominância e. em todos os casos. figurar numa re-
crítica do mecÕnlsmo em uso no pensamento marxista foz-se lação de autonomia relativa em relação à infra-estrutura. t-essa
em nome do construçã-; de uma teo;i; p;:;Ta, de~ xty_oliza- desvinculação da esferg_lqe.QLQ.gicQ-R9.J.í!is.o gue oermite,J1....Al-
daT c õm õ tal -que elo tem acesso ao status de ciência. Para thusser salvaguardau:i. base socJg_~a_ l)oigQ Soviético. pois a
Ãlthusser, o moterlalismo dlalétlco é a teoria que fundamenta a sua autonomia relativa •explica muito simplesmente, em teoria,
científicidade do materialismo histórico, e deve preservar-se. por- que a Infra-estrutura socialista tenha podido, quanto ao essen-
tanto. de todo a contaminação ideológico que incessante- cial. desenvolver-se sem danos, durante esse período de erros
mente a assedia: "Vê-se que não pode mais ser, em última que afetaram a superestrutura"32 • Como se dizia na época. não
análise. uma questão de Inversão. Pois não se obtém uma ciên- se Joga fora o bebê com a água do banho, e se se pode fa-
cia invertendo uma ideologia-2'1. lar legitimamente dos crimes stallnlstas. do repressão feroz exer-
Q...JnateiloUsmo..J:)lst~. pois. a ciência da cienti{lcidade cida pelo poder sobre os mossas. não se pode falar ainda de
das cl@-Cla.s.. Um cientismo evidente Impregno. portanto. a exploração e fracasso de um sistema. que permaneceu funda-
abordagem olthusserlona. o que só pode deixar perplexo um mental e milagrosamente preservado ao nível de suo infra-estru-

26. l. ALTHUSSER. Pour Mar,(, op. cH., p. 39. 30. Pierre Vilar, entrevista com o autor.
27. lb.. p . 171 . 31. Paul Valadier. en!Jevísta com o autor.
28. /b.. p . 108. 32. L. ALTHUSSER. Pour Mane, op. clf.. p. ~ ·
turo, lndene em face da degenerescência burocróllc o e afe- tJo a dmirável paro designar a ausência em pessoa da estrutu-
tando somente as altos esferas do sociedade soviétic o . Althusser ro nos e feitos considerodos" 36 •
opôs à totalidade Ideológico-político hegeliano o totalidade es- Esse conceito de eflcócla de uma ausência, essa estrutura
truturado do marxismo, estrutura complexa e hierarquizado dife- doflnldo como causa ausente para seus efeitos. no medida em
rentemente segundo os momentos históricos pelo lugar respec- (lU& ela excede cada um de seus elementos, da mesmo mo·
tivo que os diversos instâncias (Ideológica. política ...) ocupam nol ro que o significante excede o significado, se aproxima o
no modo de produção. entendendo-se que o econômico per- osso estruturo o -esférica que define o Sujeito em Lacan, esse
manece determinante , em último instância. Sujeito construído a partir da falto, do perda do primeiro Slgnl-
Com Althusser. o estruturo pluraliza-se e decompõe-se o tem- llconte. Essa dlolétlco em torno do vazio encontro-se paralela-
põrâlldad·e- unÍtórla em temporalidades múlllplos: -·Não existe hls· mente em Althusser e Lo con, e o princípio de explicação,
rõrlã em- gerÕI. mas ~struturãs específicas de historicidade""· Só obviamente Infalsificável. pode acomodar-se a todos os molhos
hó, portanto, temporalidades diferenciais, situados numa relação como o gergellm. A purificação do marxismo atinge aí o mais
de autonomia a respeito do todo: "A especificidade de cada o ito grou de uma metafísico que "também sacrifica um Deus
um desses tempos, de cada uma dessas histórias. por outros oculto e Isso em nome do luto contra a t eotogla"37 • Essa filoso-
palavras, suo autonomia e Independência relativas, baseiam-se flo es.tr.u!vrall§to... q ~ ~ no de todo.§.....OS aq_ereçosdÕ clen -
num certo tipo de articulação no todo"34• tlflcld ade _parg_renovar o marxlsmo_ ou 2 freud~o. reforça-se,
Althusser port1clpa, portantoJ de uma desconstc.uçâo da histó- porta.filo- com....uma_ontologlzação daL estruturas. graças ao
ria;""' próprio do- paradigma estrutural. não mediante o negação conc~o de causalidade estrutural. Apresenta-se então o fato
"Ctd" hlsforÍcldademos' decompondo-a em unidades heterogê- de que •os estruturas são cousas profundas e os fenômenos ob-
..neos. A t otalidade estruturado em Althusser é desistoriêizodo e tervóveis slmples efeitos de superfície; / .. ./ essas estruturas têm,
descontextualizado, visto que se deve desllgó-lo do Ideológico pois, um status ambíguo•38 • São, com efeito, entidades- ocultas.
paro que tenha acesso à ciência. O conhecimento (Generoll· nôo suficientemente sólidas paro agir, dado que, enquanto es-
dode Ili) só é possibilitado pelo mediação de um corpo de truturas, elas não passam de puras relações; mos, por outro
conceitos (Generalidades 11) que trabalha em cima da matéria· l9do. são demasiado sólidas poro ser estruturas no sentido de
primo empírica (Generalidade 1). Tal abordagem assimilo o ob- L'o vl-Strouss e permitem assim explicar fenômenos observóvels
jeto de anólise do marxismo a os objetos dos ciências físicos e em te,mos de causalidades.
químicas, o que Implica uma total descentração do sujeito: ·~ Os ;ecursos o Lacan são onipresentes em Althusser, e a exls-
confundir ciências experimentais com os chamadas ciências hu· Jê ncla \:ie uma forte corrente althussero-locanlono na rua de
monas"35 • Ulm baseia-se. portanto, numa matriz teórica que perrr.::a ope-
ra r a simbiose entre os duas abordagens: da leitura slntomal,
passando pela causalldode estrutural ausente em seus efeitos,
poro culminar num outro Instrumento conceituai fundamental do
ollhusserionlsmo, Importado da psicanálise: o sobredetermlnoção.
"Eu não forjei esse conceito. Como Jó Indiquei antes, fui buscó-
lo em duas disclpllnas existentes - especificamente. à lingüístico
o à psicanóllse•39•
Esse conceito é central porque confere à controdiçãÓ marxis-
A CAUSALIDADE ESTRUTURAL ta suo especificidade, permite explicar a totandade estruturada,
o passagem de uma estruturo a uma outra estrutura, numa for-
. mação social concreta. Com a sobredetermlnação, Althusser

O
thusser ~
estruturalismo tentou escapar globalmente dos sistemas
simplistas de causalidade e, desse ponto de vista, AI·
trlbul por~ sso orientação, r~end.Q_ com_g teoiia
Importa outros conceitos freudianos, como o de condensação,
de deslocamento, que fazem suo entrado no campo do mar·
xlsm o. Essa Intrusão permite plurallzor o controdlçôo. quando
do reflexo, opondo-lhe o combinatório .Interno à estruturo do nõo a dissolve. Ela •vem corroer / .. ./ as disposições confortáveis
modo gg_pro~çâo:...Mas ~m p Õriss~un8.2._ à busco de do logos do controdlção" 40 •
um sistema de cousalidod~ dlsp~nsóv~_ora ~t~ corá·
ter clenfí~co de "SO"a feoiíà. Ele define, portanto, uma determina·
ção no~ a. qu~ gualr~ o d ~ ~usa.!!29de estrutural ou _gecousa•
tidade metonímico: ·creio que entendidocomo o conceito do
eficácia cte "'Uma cousa ausente, esse conceito convém de mo-
36, l . ALTHUSSER. u,e Le Capita/, op. cll.. V?I. 2 . p . 171 .
37 . J .- M. VINCENT, 'le théoricisme et so rectllicotion", em Contre A/tnuuer, op. clf..
33. l . ALTHUSSER. Ure Le Copito/, op. c lf.. vol. 2 . p . 59. p 226.
34. lb.. p . 47. )8 Vincent Oescombes. entrevisto com o outor.
35. K . NAiíl, 'Mondsme ou structuroll$me?'. em Contre A/thuuer. Ed. 10/18. 1974, ,:, . 39. l . AlTHUSSER. Pour Marx. op, c/1., p . 212. noto 48.
192. 110 J,·M. BENOIST. Lo Révo/utlon structurole, op. clt.. p . 85.
J.

1t lr1aóllto"44 • Desse puro jogo combinatório de formas, de dlfe-


t••llf.,Cl8 pertinentes, Étienne Ballbar reconhece, não obstante,
11111,1c, lnstônclo particular, a econômico, o lugar determinante,
" tlu relação de relações, o do causalidade estrutural.
A partir dessa elaboração teórico, torna-se passivei uma clên-
' lt I ctos modos de produção, visto que elo pode atingir simulto-
111111mente um oito nível de abstração, de generalização. e
O ANTI-HUMANISMO TEÓRICO , Uhpor de um sistema de causalidade pertinente. Numa tal ciên-
E O ANTI-HISTORICISMO ' h1 , o Sujeito brilho por suo impertinência, é simplesmente
hr1po$Sl'vel de ser achado, cadáver delicado que se foi com o
itUIIO do banho Ideológico: "Os homens só aparecem na teoria

O fascínio pelas teses althusserianas corresponde tamb ém


a um momento do pensamento em que o Sujeito se
volatiliza do horizonte teórico. O programa estruturalista já logrou
111h o forma de suportes das relações Implícitas no estrutura. e
111 formas de suo individualidade como efeitos determinados do
,1,hutura•.is. Essa descent,oção encontra, pois, no paradigma es-
reduzir o Sujeito, destroná-lo, clivá-lo, torná -lo insignificante. e AI ltHlurallsto onde escorar-se. Também se vale de uma filiação
thusser situa Marx do lado daqueles que, a partir das ciêncla1 fll• ttt6flco, o de Spinozo, em sua definição dos atributos que fun -
sociais, operam e ampliam essa descentração do homem sob • lt ,nom à maneira das pertinências distinguidos no Interior do
todas as suas formas: "No que se refere estritamente à teoria, 1111Jclo de produção em Marx. É. por consegÚlni~._.ill!l processo
pode-se e deve-se fa lar abertamente de um anti-humanismo 1111r1 sujeitQ_que, segur;iç:t~ lfQ\.1.S$S,tiaoo~ cmima_ o c~o do
teórico de Marx" 41 • ~ o de homem perde toda a significa 111, tórlo.
çã~~la é devolvidQ....9.Q..§fotus ge-mito filosófico. de categoria Slmull~nearnente com o Sujeito. toda o concepção hlst~cls-
ideológica contemporânea da ascensão da burgueslã- como h I ó assim recfíoçodo, u~ ~ta Vh1a tçimbem p.er~erfer
ciÕssê dÔminanfe'."Arelfüfa ãe O Copito/, concebido n a pe11 11 l1orizonte teórico, clenfffico'.-9-9-ue se guer ter acesso. "A que-
pectiva do anti-humanismo teórico, vai empregar categorial •hl'. do ciência na história é - apenas, neste caso, o indício de
estruturais, essencialmente lacanlanas em Althusser, lévl-straussla '"''Cl quedo teórico·4ó. e-s?e;
anti-historicismo possa pelo decom-
nas em Étienne Balibar: "Em Lire Le Copito/, eu tinha imitado um p 1111lç'Q.o dos temporalidades e a construção de uma totalidade
pouco um certo número de modelos de construção de concel 1 otlc ulodo em torno de relações pertinentes numa teoria geral.
tos que, sem serem de Lévi-Strauss, permitiam descobrir com M11s essa totalidade encontra-se agora imobilizado no seu esta-
espanto nos textos de Marx um método comparável. Existem •lo de estruturo, à monelra das sociedades frios, sem poder ser
em Marx aspectos que decorrem de um estruturalismo ovant ta , 1proendida em suas contradições Internos, em suas super~ções
lettre"42 • 1,nssíveís. O c stodo__de e s t r 1 1 ~ ~ segundo uma ~emor-
Étienne Bolibar escreveu. com efeito. uma contribuição essen • /10 metonímico, o cadáver do sujeito desaparecido e d~ suo
cial no obro coletivo Ure Le Copito/, em que estuda os concel t 1l•torlcidode..,_cQâlQ....é~~o.~ssa ~ u ~ a d o ,
tos fundamentais do materialismo histórico. Essa explicação dai , oogu'iõdõ:' g algum ponto de sutura, Althusser dó-lhe um pon-
teses de Marx parte de um aparelho teórico no qual é fácil en l• 1 de -~ ncorogem. 2 raças ao status q ~ nfere ao conceito
contrar os pressupostos metodológicos do estruturalismo lévl t111 ldeÕlogia: '"este vâi desemp enK or U m papel de pivô seme-
straussiono. Os conceitos marxistas são reconstituídos a partir de 11 innte -ão papel que desempenho o simbólico em Lacan ou
determinações puramente formais, evoluem segundo um sistema l l)vl-Strouss. Althusser fez dele uma categoria invariante, atempo-
de diferenças pertinentes puramente espaciais que excluem a u il, à maneiro do Inconsciente freudiano. Isso permite-lhe com-
natureza material, o substância concreto dos objetos considera i tlO><lflcor o tipo de relação puramente instrumental em uso no
dos, à maneira do modelo fonológico. Tal como no estudo dai v11lgoto marxista. quando esta conside,o o ideologia dominante
estruturas elementares do parentesco. não se troto de descrever , orno o simples Instrumento da classe dominante.
empiricamente o real observável, mos de definir o modo de
produção como "o determinação diferencial de formos. e deft
nir um 'modo' como um sistema de formas que represento um
estado do vorlação"43• O abandono · do referencial confere, por
tanto, à abordagem um caráter essencialmente formal que per
mlte aspirar à maior amplitude de aplicação para todos 01
casos de figura: "Essa combinação - quase uma combinatória
/ .. ./ Incitar-nos-ó a falar aqui de um estruturalismo perfeltamen

41. l. ALTHUSSER. Pour Mane, op. clf.. p. 236.


)
42. 1:tienne Bolibor. entrevisto com o autor. H lb.. p. 205. ,/
43. 1:. BALIBAR. llre le Capita/, vol. 2, Mo~ro. 1967 (1965), p. 204. ~li C. 8AllBAR. llre Le Capital. op. clt.. vol. '2. !'· 24~:.-
32. O SEGUNDO FÔLEGO
DO MARXISMO

nova leitura althusserlana vai permitir um verdadeiro ba-


UM SUJEITO DE SUBSTITUIÇÃO:
A IDEOLOGIA
A nho de juventude paro um marxismo renovado e expur-
uado de seu destino funes1o. De todos os lados, apoderam-se
dosse Marx da maturidade para fazei dele o estandarte da

A lthusser e leva a Instância Ideológica ao estóglo de ver-


dadeira função, desfrutando de uma autonomia relativa
t lontlflcidade de sua disciplino, como testemunha o extroordlná·
110 êxito comercial de Pour Marx. obra. no entanto. eminente-
monte teórica. Por outro lado, a concepção globalizante do
que não permite mais sua Inclusão, de maneiro mecânico, no t:illhusserismo permite a cada continente do saber sentir-se par-
que o subentende. Mas esse distanciamento do Ideologia é 18 • to diretamente envolvido numa aventuro comum. Marx encon-
forçado pelo hipertrofia desta última, a qual assume a forma tro -se na interseção de todas as pesquisas, verdadeiro denomi-
de uma estrutura trans-hlstórlca, a que Althusser recorre para t'Odor comum de todas os ciências sociais.
const!ulr a teoria . A eficócia do Ideológico redunda. pois, na Do campo do filosofia, Althusser suscita a adesão, tão exem-
crioçao, pelas prótlcas Induzidas. de suJeltos em situação de en- plar q u ~ e r o d a , de um brilhante filósofo, próximo de
f eudação absoluta em face do lugar que lhes é atribuído; 08 Sartre, Ãioln ija_gjg\'.r,'\que publica um artigo entusiástico sobre o
transforma em obJetos mistificados de forças ocultas representa- (re)começo do materialismo dialético na revista CríNque 1: "Esse
das por um novo sujeito da história: a Ideologia. ortlgo era muito favorável e tod o mundo ficou deveras sur-
É Q época em que tud~é Ideologia: os sentimentos os p1,eendido com essa reviravolta02 • Sartre perde mais um dos seus
comportamentos... Nad9 escapa ao- crivo da- crítica- da lde.olo- dl~ípulos, arrebatado pela onda -estrutural. Alaln Badiou regozl-
glo, categoria abrangente em cujo Interior se movlm;nta, impo- fo-se com a harmonia que ressalta das novos teses althusseria-
tente. o Indivíduo. A única escapatória para o que poderia nas e da conjuntura política. Percebe três tipos de marxismo.
multo. bem ser um círculo vicioso num sistema fechado, a única distinguindo um marxismo fundamental que se apóia exclusiva-
~ane11a de sgJr desse labirinto, enco.ntra-se_portao.1º.....e2.rãAJ- mente no jovem Marx dos Manuscritos de 1844, um marxismo
thu~!· no corte epistemológic-9, único fio de Ariadne que per- totalitório baseado nas leis dialéticas, e situa o allhusserlsmo co-
mite o advento da ciência -
mo a realização de um marxismo analógico para o qual O
- º- marxlsm.ocomo teoria· das prótlcas teóricas. como deter- Copito/ é o objeto privilegiado que "utilizo os conceitos marxistas
gente do Ideológico em nome da ciêncig, peimiíe O u·ma de tal modo que lhes desfaz a organização. Com efeito, con-
geraç,2_0 rec~s:illor .2 .!eu erigajameo.fo polític,o com uma~ er- cebe o relação entre as estruturas de base e as superestruturas
aadei!_a_ exlg~ncla cLEt_ntíflco _que se une, RQr su;~ ezo. ao / .../ como puro lsomorfismo"3 • Após a publicação desse artigo,
desel_o de a~soluto ~otíslco. Compreende-se que tal móquina Alaln Badiou é chamado pelo grupo de trabalho de Althvsser a
de pensar tenha entusiasmado uma juventude ávida de armas participar no curso de filosofia para cientistas que se realiza na
do crítica.
ENS em 1967. É então que, perante uma audiência lncrlvelmen-
t~ numerosa, Sadlou dó uma série de lições acerca da Idéia
de modelo.
Essa simbiose entre engajamento político, reflexão epistemoló-
gica e nova abordagem do marxismo não se !Imito, ollás, ao
Quortíer Latln mas estende suas ramificações à maioria dos
campus unlversltórlos da França. Em Alx-en-P1ovence, Joêlle
Proust, que nessa época tem vinte e poucos anos e trabalha
sob a direção de Gilles-Gaston Granger em epistemologia, des-
cobre Pour Marx com palxão e discute essas novas teses num
grupo de trabalho: "Estávamos totalmente convencidos. Era pa-
ra nós a descoberta de um horizonte teórico vinculado a posi-
ções políticos. e lndlssoclável do estruturalismo que se apresen-

1 A . BADIOU. ' L• (re)convneoce~t du motériolsme diolectlque'. OfflQu., maio


de 1967.
2 . Pierre MA CHEREY. entrevisto com o autor.
- • -• -·-•• - ,,.,_ , _ __. -u - AA1
1 tava como a chave de Interpretação de nume rosos domínios
diferentes. O que era fascinante, é que Isso funcionava em lin-
güística, de modo que todos faziam um pouco de linguística·•.
Esse_ retorno ao~ xtos ~~.2.. su_9.....S..onstr~ Interna,
~~UJQO ~e~a de re~ordar ~ princ,!Qlos do_ método de Martlal
Gué~I!:_ r!p~sentava para_!,lmo 9i!!9Ção de filósÕiõs° o pÕssibl-
tudos de etnologia. Quando Ingressa nesse laboratório de psico-
logia social, situa-se, como Pêcheux. numa perspectiva critica.
Surpreende -se com a utilização das matemóticos. com a proli-
l o ração de equações sem construção conceptual. e seus pro-
jotos de p e squisa são cada vez mais orientados para a llngüís-
lldaru;t de romper com um _ensino no qual havia atendência tlca, poro as estruturas da linguagem. para as noções de
_pa ra dissolve!:,__a especificidade da ~pria J)l2blem_atlzoçóo filo- Implícito, de pressuposto ... que o colocavam no centro da pro-
~6fica, em proveito ~e uma anólise de Influências, purortrente blematização estruturalista: "Interessava-nos o estruturalismo por-
doxogrâfica. Se um marxismo estrutural althusserlano -põcre- apre- que era um meio de criticar a psicologia social, em particular o
sentar-se como a base de uma nova era da filosofia, todos os Idéia de suJelto"6 •
continentes do saber conheceram o abalo telúrico de 1965. e Esse pequeno grupo de trabalho, coordenado por Pêcheux,
o modelo althusseriano que se apoiava na onda estruturolista vai tentar a aplicação das teses olthusserlonas à lingüística. Te-
foi, por sua vez. o rampa de lançamento de Iniciativas de ró múltiplos prolongamentos, particularmente em Nonterre com
transformação das ciências sociais. os pesquisas de Régine Robin. Denise Maldldier. Françoise Ga-
det. Claudine Normond ... É Inicialmente sob um pseudônimo. o
de Thomas Herbert. que Michel Pêcheux assina dois artigos em
l es Cohíers pour /'ono/yse em 1966 e depois em 19687 • Esse tra-
balho teórico Inscreve-se na linha do duplo retorno a Marx, tal
como foi empreendido por Althusser. e do r~mo o Freud reo-
llzado por Lacan. É esse trabalho de elaboração teórico que
vai servir de quadro de referência poro o publicação do obra
que se apresenta como manifesto metodológico: L'Anolyso ou-
O ALTHUSSERIANISMO EM LINGÜÍSTICA lomotique du díscours, publicado em 19694. Esse trabalho servirá
d~ via de acesso do olthusserlanlsmo ao campo dos pesquisas
lingüísticos. Mlchel Pêcheux também defende o tese do corte

M lchel Pêcheux. um íntimo de Allhusser, entre os seus dis-


cípulos. pensava que a melhor maneira de fazer filoso-
fia nos anos 60 era fazê-la no campo das ciências sociais.
no processo de construção de uma ciência, e dó o exemplo
de próticos técnicas transformadas somente num segundo tem-
po em prótlcas científicas, como os alambiques e as balanças.
Nesse sentido, era um pouco como uma exceção entre os dis- .. Antes de serem com Galileu o objeto da teoria do física, os
cípulos da ENS. É nomeado no CNRS para um laboratório de balanças estavam há muito tempo em uso nas transações CO ·
psicologia social da Sorbonne. sob a direção de Pagés, numa merclols: "Esse processo é, precisamente, o que Pêcheux
disciplina que. na época, é tida na conta do pior dos horrores designo por 'reprodução metódica' do objeto de uma clên-
aos olhos dos althusserianos. Ele Integra-se. é claro. em seme- cla"9.
lhante ambiente como discípulo de Althusser e de Canguilhem, Michel Pêcheux, que vê nesse segundo estóglo a verdadeiro
numa perspectiva crítica, como cavalo de Tróia do psicologis- realização do ciência. estó convencido de que as ciências so-
mo. Encontra-se em 1966 com dois pesquisadores de um outro ciais são apenas Ideológicas e de que são desnecessá'rlas as
laboratório de psicologia social, o da 6º Seção da EPHE, dirigi- c ríticas que, do ponto de vista filosófico, lhes possam ser ende-
do por Sege Moscovlci: Mlchel Plon e Paul Henry. Os três vão reçadas. Espera ser capaz de transformó -los de dentro para
elaborar uma crítica do Interior das formas clássicas das ciên- to ra ao dotó-los de Instrumentos propriamente científicos, apUcó-
cias humanas: "Constituíra-se uma espécie de equipe Informal e vels em seus respectivos campos específicos. Oro. o proximi-
trabalhóvamos juntos praticamente a semana lntelra" 5• dade dessa Ideologia própria das ciências sociais com a
Mlchel Plon era um técnico de laboratório que se tornara prótlca política na suo função reprodutora de relações sociais
pesquisador; quanto a Paul Henry, tivera uma formação de ma- Implica em fazer prevalecer a anóllse do próprio Instrumento do
temótlco mas. Interessado pela etnologia, foro visitar Lévl-Strauss poder político que é o discurso. Portanto, cumpre elucidar esse
em 1962, ao concluir sua licenciatura em matemótlcas, a fim vínculo oculto entre prótlco político e ciências sociais: "Pêcheux
de manifestar-lhe o seu desejo de trabalhar na área de e tnolo- recuso Inteiramente o concepção da linguagem que a reduz a
gia . Lévi-Strauss retivera o sua atenção pelo fato de utilizar
modelos matemótlcos e pela vontade que manifestava de ~ ,,,
construir uma teoria global da comunicação. Paul Henry é 1 lh. HERBERT. 'Réflexions sur lo sltuotion théorlque des sclences socloles. spéciol-
aconselhado a fazer lingüística e a obter um certificado de es- menr de 1a psychologie sociole•, Cohlers pour /'ono/yse. nº 2. março-abril de 1966.
IMdlçóo 1-2. pp. 141-167; lh. HEílBERT. ·Remarques pour une lhéorle générole des
ldeologies". Cohlers POur /'onalyse. n° 9. verõo de /1968. pp. 74-92.
1 M P~CHEUX. L'Analyse aufomoflque du dlscours, Dunod. 1969.
4, Joele Proust. entrevisto com o outor. 9 P HENRY. ·~p1s1émolo9le de L 'Anatyse automotlque du dscours de Mlchel P6·
:í. Paul Henry. entrevisto com o autor. C"heux•. em lntroductlon lo the Tron,Jatlon of M . Pêcheux's Analyse automotlque
HISTÓRIA 00 E:STRUTUIMLISMO

um lnstr~mento de comunicação de significações que existiriam 1110s avalio Imediatamente o medida do Interesse de uma lrrup-
e pod~nom 5:.9r definid_as independentemente da linguagem"'º· t llo de suas teses no domínio da antropologia. A partir desse
A orientoçao que Pecheux dá à análise do discurso Inscreve momento, Terroy encontro-se, por conseguinte, Integrado no cír-
se no interlo.r do _concepção olthusseriano de ideologia, erigida ' 1110 dos olthusserionos.
em ver~adeiro su1etto do discurso. elemento universal do existên- No mesma época. trabalhava na Costa do Marfim um ou1ro
cia hlstorlco. É poro explicitar o vínculo entre linguagem e ldeo utnólogo que, amigo de Terroy, iria também compartilhar da
!ogla que Pêcheux constrói o seu conceito de discurso. Ele problemática althusseriana: More Augé. "Althusser· teve uma
colocou-se. ~ntre o que se pode chamar o sujeito do lingua 11norme influência porque aparecia como um libertador, um
gem e º. su1erto da ldeologia" 11 , no âmago da problemática de ,,,odeio de nuanças em relação à vulgata marxista• 1s. Em sua
um marxismo estruturalizado.
tnonografla sobre os aladianos. ele também testava, mas so-
rnen te em notas, a pertinência do modelo olthusserlano 16,
urnboro reconheço hoje n ão se ter sentido multo à vontade
11•s.sa ginástica de projeção teórico sobre uma realidade mal
11cloptada à grade de leitura que era a sua. na época: "Isso
11tio correspondia ao que empiricamente tinha sob os olhos. a
111be r, pessoas que se Interrogavam sobre a morte, sobre a
clnonça. sobre o além"17 • Esses modos de questionamento esta-
~11m, pois, multo excentrados em relação "aos Instrumentos em
O ALTHUSSERIANISMO 11 o no estrutural-marxismo althusseriono, o ~ue não deixou de
EM ANTROPOLOGIA 1mrmltir uma real abertura da antropologia a todo uma reflexão
••)bre o social e o econômico.

A conversão de Alaln Badiou ao althusserianlsmo vai ocar


refor a do antropólogo Emmanuel Terray, também d•
tendência, mais sartreano no começo, grande admirador que \
era do Oitica da Razão Dialética. Com Emmonuel Terroy, é to.
do um ramo estrutural-marxista que vai transformar a antropolo.
glo. Terroy tivera Allhusser como professor na ENS mas delxarQ
Ulm em 1961, pouco antes de Althusser dar Início ao seu ensino
de Marx. No momento do publicação das teses althusserlonae, O ALTHUSSERIANISMO EM ECONOMIA
Terray está na Costa do Marfim realizando pesquisa de campo.
~ é se~ amigo Aiain Bodiou quem o mantém a por do evento,
Li entoo Pour Marx e Lire Le Copito/ com multa atençõo
2
palxõo"' . O que lhe parece mais essencial é o artigo de Alfh
s~r ~ubllcado _em Pour Marx, "Contradição e Sobredetermln~
O olthusserianlsmo também se desenvolveu no área de es-
tudos dos economistas. Suzonne de Brunoff, sob a
111tluênclo direta de Althusser. escreve La Monnaie chez Marx. ll-
çao , na medida em que permite arrancar o marxismo dot 1110 contemporôneo de Ure La Capita/. Mos hó sobretudo a
problemas de origem. do metafísico, para fazer dele um lnat , 11vulgação espetacular na época do trabalho de Charles Bet-
mento de análise científico. Mas o que vai sobretudo lnffuenc l ulholm, que se inspira nos categorias olthusserianas dos contra -
a sua perspectiva de antropólogo é a contribuição de Éflen 1 llt~ões entre re lações de produção e forças produtivos poro

Balibar. "les concepts fondamentaux du matérlalisme hlstorlqu ,ti,monstror - e nesse ponto separo-se de Althusser - o restabe-
em llre Le Capital. lu, lmento do modo de produção copltollsto no União Soviética.
T*:rray vai testar o validade dos conceitos de modo de pr Apoiando-se numa Invariante, a do separação entre produtores
duçao. de relação de produção, de forças produtivas. sua a • detentores dos meios de produção que constitui o fundomen-
culoção com os estudos de campo do antropologia: "F 111 do organização da empresa no economia soviética, Bette-
depois de ler esse texto que escrevi a segundo parte do lholm deduz doí a dominância capltallsto da formação social.
livro, Le Marxfsme devont fes sociétés pr/mltlves 13, Isto é, uma r N11rno perspectiva estrutural-marxista. o sentido é um sentido de
feitura do trabalho de Claude Melllassoux a tra vés da grad 1malçôo definido por uma bipolaridade que opõe o proletário
conceituai proposta por Étlenne Bolibar" 14• Antes da publlcaçõ un burocrata. o qual, à semelhança do capitalista, se encontra
e nvio o seu t exto a Althusser. que o Julga não só pertlnen do o utro lodo da estrutura. ~J,rteresse da obJp de B~ttelhelm
10. lb. l•lltlla também numa atenuação do papel dominante atribuído
11. P. HENRY, 'lpist..mologie de L'Anotyse oufomatlque du dlscoura de MleMI "0 VUigata marxista ~ forças pr odutiVaS, ,.gceófuanctã:° rutl.e. CQn-
cheux", texto citado.
12. &nmanuel Terroy. entrevisto com o autor.
More Augé. entrevisto com o autor.
l:4 r: JÇDD.4.Y la A,A,,,..,Jvn,,a rlAvr,nf IA.e V\~t;h rvfrNHv-.~ Mr,~tô 1060
M AUGt. Le Rtvao• Alodlon. ORSTOM. 1969.
trórlo. o Importante papel desempenhado pelos relações sociais
deproduçõo no próprio orgo.nlzaçõo do produçõo'ª· Concorda
- nesse- ponto com Bolibar por considerar que o nível das forças
produtivos é também uma reíoção de produçõo. Questiona a
: i.~:~~~:,~,º~:~~~:~~,~~~~:~:~:~:~·~~~~:~~~"~~~~~
11 para dizer: no seu princípio, Freud fundou uma_ ciêncio"22. Ora,
lllfla ciência deve ter seu objeto próprio; ela nao pode constl-
li
neutralidade das forças produtivas. tese que seró retomada 11111 88 como simples arte de acomodar os restos. Após a desca-
mais tarde por Robert Linhart no seu estudo sobre as contradi- i> rto freudiana desse objeto específico, o. inconsciente, Lacan
ções inerentes no desenvolvimento do socialismo soviético.
11 p resenta. segundo Althusser, um passo adiante na constltuiç_'.lo
Lénlne, /es paysans, Tay/o,19 • psicanólise como ciência, ao situar a passag~m da exlsten-
110
Robert Llnhart mostra a oposição entre a construção de uma 1 lo biológica paro O existência humana no registro da Lei da
realidade socialista e a aplicação pretendida por Lenin. desde Ord em, que é O da linguagem. Segundo Althusser, a contrlbul-
1918, do modelo taylorlsta. o qual subentendia uma divisão nl- t'Jo de Lacan situa-se na prevalência que concede ao simbó-
ttda entre uma tecnocracia dirigente e os executores. Essa apH-
cação do taylorismo subverte a divisão técnica do trabalho, ao
;~t O
sobre O Imaginário: ·o ponto capital que Lacan elucidou:
nl\SeS dois momentos são dominados, governados e marcados
mesmo tempo que retiro dos operários o seu saber próprio a , 1 d · ból'1 co"23·
fim de o transferir para uma burocracia patronal. 1,c>r uma unlca Le , a o s,m _ r-
Essa descentralização do ego. sua subordinaçao a uma o
Entretanto, o caráter muito teórico das teses althusserianas d o m que lhe escapa junta-se à leitura que Althusser !ªzde
não permite realizar uma brecha decisiva e Imediata no territó- Marx segundo O qual a história é um processo sem sujerto._h.s,
rio dos economistas, que só serão verdadeiramente sacudidos •lm. ~m althuss~o~c~l~~odi~a.J)_ha! Impulso e fazer do
pelo ollhusserianlsmo após a onda de choque do movimento p a r Marx/Freug_ q_grand~ ~óqulna de pensar _doJ_ arios 60.
de maio de 1968. r..Jondo O um morxísm§ r~n_g_Y.a dQ' um segundo fol~ go de que
hlo ben...fill_cif!J.·S§1_sobr~do n Q_ ~s-28.

\ /
ALTHUSSER: INTRODUTOR DE LACAN

lthusser também teve o mérito de instalar o psicanálise


A no cerne do vida intelectual francesa, graças à publica-
çõo do seu artigo "Freud et Lacon•, em 1964, no momento em
que Lacan desloca o seu seminório para a ENS da rua de
Ulm20• Be permite, por sua tomada de posição. abrir o marxismo
para o freudismo, e derrubar assim os tabiques erguidos e im-
postos pelo stolinlsmo, fechado para o discurso psicanalítico. O
retorno a Freud assume em Althusser a formo de recurso o La-
con. O~m_!>ate que ~le!_.!!9Y.OLD, u r n ~ ~ o n t ~ u m a -
nismo, o psicologismo, em nome da ciência é, com efeito,
slfiillg.Le_gp~enfo~ ae- mane!!,g__grió,E_ga como uma renova-
ção ..2_0 .!!P~ le.,!,!.u~ ~x!ps fundod ~...d&_ ~orx e de
Freud.-
Um mesmo t rabalho de elucidaçõo epistemológico e de c rí-
tica Ideológica aproxima os duas iniciativas. althusseriano e
lacaniana: •o retorno o Freud nõo é um retorno ao nascimen-
to de Freud: mas um retomo à sua moturldade"21 • O que Althua-

18. Ch. BETIELHEIM, Colcul économlque et formes de prop,télé. Le Seuil-Mospero


1970.
19. R. LINHART, Lérlne. /es poysorn. Taylor, Le Seuil. 1976.
20. L. ALTHUSSER. 'Freud et locon'. Lo Nouve#e Crlllque. n"" 161-162. dezen-.bro-lO-
nelro de 1964-1965. n 1b . p . 15
21. L. ALTHUSSER. 'Freud et locon". lb.. reimpresso em Po./tlons. ~d. Socloles. 1976, ,, '" .... ..,...
p . 16.
33. 1966: O ANO-LUZ
1. O ANO ESTRUTURAL

li Tudo se desarticulou a partir de 1966. Um amigo empres-


tara-me Les Mots et les choses, que cometi o imprudên-
cia de abrir \ ... \. Aba·ndonel de uma só vez Stendhal,
Mendelstom e Rimbaud, tal como se deixa um belo dia de fu-
mar Gltones, paro consumir as pessoas com que Foucault nos
alimentava: Freud, Saussure e Ricardo. Eu tinha contraído a pes-
I te. A febre não me largava e gostava dessa peste. Evitava cui-
dar-me. Da minha ciência tinha tanto orgulh~ quanto do piolho
na cabeça do popa. Discutia filosofia. Dizia-me estruturalista,
mos não ficava gritando Isso sobre os telhados, porque o meu
saber ainda era frógil, frióvel, uma leve brisa tê-lo-la dispersado.
Usava as minhas noites para estudar sozinho, em segredo, os
princípios da lingüística. e estava multo contente. / .../ Empantur-
rava-me de sintagmas e morfemas. / .. ./ Se debatia com um
humanista, esmagava-o com um golpe de eplsteme. / .. ./ Pro-
nuncio, com voz comovida, quase trêmula. e de preferência
nos fins de tarde outonais, os n,9mes de Derrlda ou de Propp,
cpmo um soldado veterano acaricia as bandeiras tomadas ao
Inimigo. / .. ./ Jakobson é meu trópico ou meu equador, É. Ben-
venlste minha Guadalupe e o código proairético o meu Clube
Médlterranée. Vejo Hjelmeslev como uma estepe. / .. ./ Creio não
ser o único a me perder nesses desvios." 1
É nesses termos burlescos que Gllles Lopouge descreve, vinte
anos depois. o que foi a verdadeiro febre de sóbado à noite
nesse ano de 1966 para um estruturalismo que atinge então o
seu apogeu. Toda a efervescência das ciências humanas con-
verg e nesse momento para Irradiar o horizonte de pesquisas e
publicações em torno do paradigma eslruturolista. 1966 é a "re-
ferê ncia central. / .../ Pode-se d izer que, pelo menos qo nível
parisiense, houve nesse ano uma grande fermentação, prova-
velmente decisiva, dos mais agudos temas da pesquisa" 2 • O
ano de 1966 pode ser consagrado como o Ano Santo estruturo-
llsta. E se se pode falar dos filhos de 1848 ou dos de 1968,
cumpre adicionar-lhes os filhos. Igualmente turbulentos. d e 1966:
"Eu sou um filho de 1966"3 •

)
I
1 G lAPOUGE. ·encore un effort et j"ouroi épousé mon temps'. La Qulnzalne llt-
1,,01,e.nº 4~. 16-30 d<t março de 1986. p . 30.
2. A. BAATHES. Euo/s crlflques, Polnt-Seull, 1981. "Avont-propos: 1971", p. 7.
, . ._ --- ...............
HISTÓRIA DO 1:smururMI ISM O

nulureza : 94.000 exe mplares para o primeiro volume, 65.000 pa-


to o segundo.
Sempre na Seuil. na coleção "Tel Quel\.Jp~,9~ dá então a
,, onhecer ao público francês a obra dos formalistas russos com
11 sua Théorie de la /fttérature, prefaciado por R. Jakobson. Gé-
rwd G enette publica Figures na mesma coleção.
o acontecimento do ano que relego por seu êxito as outras
~bras para segundo plano é, sem dúvida nenhuma. a publica-
O MOVIMENTO EDITORIAL çõ o na Gollimard do obro de ~!..c !':UoucqyJJ.:. Las Mots et /es
NO PAÍS DA ESTRUTURA uhoses. Proeza sem precedente, a edição esgota-se em poucos
dlos: "Foucault vende como pãezinhos: 800 exemplares de Las
Mots et las choses vendidos em cinco dias durante a última se-
1r1ana de julho (9.0CX> exemplares ao todo)" 8 • Somente no_ ano
A atualidade editorial do ano traduz em todos os domínio,
a força da explosão estruturallsta que, em 1966, adquire
as características de um verdadeiro abalo telúrico. Julgue-se pe
tio 1966, se bem que o livro só chegue às livrarias em abnl. Les
Mots et /es choses venderão 20.000 exemplo~s_e_em 1987 a
la profusão de importantes obras editadas só no ano de 1966. yonda eleva-se a 103.000 exemplares9 , núf;lero verdadeiramen·
Roland Barthe;J;ubilcaãsuãr orno;J rêspÕsiã ao panfleto de lo excepcional se levarmos em conta a dificuldade da obra
~ ue et Véríté (Le Seuil) (Crítica e Verdade], o culo um questão.
respeito Renaud Matlgnon declara em L'Express: "É o caso Drey- o livro de Foucault permite o lançamento da "Bibliotheque
tt.fs do mundo das letras; também teve um Picard, quase com des sclences humalnes" por eier.~ que acaba de ingressar
a mesma ortografia, e acaba de divulgar o seu J'occuse"4; e no Gallimord no final de 1965: "Eu tinha o sentimento profundo
assimila o lugar da obro de Barthes na história do pensamento da existência de um movimento cuja unidade geral era o que
crítico à da declaração dos direitos do homem na história da 88 c hamava ciências humanas. Esboçavam-se pesquisas conver-
sociedade: Se os franceses não mergulharam numa verdadeira ge'·(ltes entre disciplinas separadas _;Jn- k»no de uma problemó-
guerra civil para saber quem, se Barthes ou Pica'rd, tinha razão, tlcà comum baseada no foto de que os homens falam poro
o mundo Intelectual dividiu-se. de fato, nesse ano. segundo es· dlze~olsas de que não são forçosamente resp.onsávels, que
sa linha de clivagem. c hegam a atos que não sóo forçosamente_ del~berados'. que
Por seu lado, Grej~ publica na Lorousse sua Semontfque aõo penetrados por determinações de que nao soo consc1ent~s
structurale: "A mfnTo"S"emêntica tornou-se, graças a Dubois. es- 0 q ue os comandam. / .. ./ Por outro lo~o. um se9undo ~ov1-
trutural em letras vermelhas. Disse-me ele: 'Mais mil exemplarea ~ento tomava conta dessas pesquisas: e o conteudo soc1opo-
vendidos se você acrescentar estrutural ao título"5. Esse qualiflca· Htlco desse saber. ao qual se atribula um valor. em última
tlvo de estrutural no católogo é então um bom argumento de º.
onólise. subversivo" 1 Pierre Nora publica simultaneamente na
venda em meados dos anos 60. Todos os ambientes sociais são mesma coleção, ao lado do livro de M lchel Fou~,ault. a obra
afetados pelo fenômeno, até o "técnico da equipe de futebol de ~ i. Mosse et puissance, a de p enev1eve Calgm.,e -
da França declarou ter o propósito de reorganizar a seleção se· Grlaule. Ethnologie et /angage, e uma o bra que vai se to~nar a
gundo princípios estruturalistas!" 6 grande referência do momento< saindo ~ seu autor d~ · isola-
François Wahl. grande amigo e editor de Roland Barthes em mento em que estivera confinado no College de Franca. re,flro-
le Seuil. consegue convencer Lacan a reunir seus escritos numa me a o livro de J mile...,a,e nveo~. Problàmes de llngu/st,que gené-
coletânea: •os Éscrits foram publicados porque era eu. para fa - role .
lar a verdade: eu encontrava-me de facto numa posição cen- Pierre Nora não quer. porém. limitar-se ao papel de porto-
tral, no sentido simplesmente topográfico" 7• Esse enorme volume voz. de simples eco sonoro do estruturalismo: pede ao mesmo
de 900 póginas em estilo barroco, hermético a mais não poder, lempo a Raymond Aron. cujo seminário acompanha, que lhe
consagra Lacan em 1966 como o "Freud francês". Quando os prepare um livro que viró à luz em 1967: Les Étapes da la pen-
comentários críticos começam a aparecer na imprensa. Lacan séa soclofogique [As Etapas do Pensamento Socío/ógíco]. Mas a
já vendeu 5.000 exemplares e Le Seuil tem que reimprimir com sua situação de responsável pela órea de ciências humanas na
urgência a obra, a qual não concluiu ainda uma longa correi Galllmard em 1966 faz dele, mesmo a contragosto. o chantu~
ra, visto que mais de 36.000 volumes serão vendidos até 1984. do e struturalismo. Tenta, aliás, uma démarche que fracassara
Passando para edição de bolso em 1970, e dividida em dola lunto de Lévl-Strauss: "Quando Ingressei) na casa Ga_lli,m ard, !ui
volumes, todos os recordes são batidos para uma obra de tal vê-lo c om O propósito de o atrair. P/ razões onedot1cas, nao

6, LG N ouvel Obse ntoteur. n• 9 1. 10 de agosto dG 1966, p . 29. c itado por .An~e-


4 . R. MATIGNON. L'ExprG$$, 2 de maio de 1966.
Sop h ie PERRIAUX. 'le stru c tura llsme en France•, memória de DEA sob a d 1reçao
5 . A .-J . GREIMAS, citado por J .-C. CHEVALIER e P. ENCREVt La ngu e fronç/se, ott.
d• J . J UlllA RD, se tem b ro de 1987. p . 34.
c lt .. p. 97.
6 . Je on Pouilfon, en trevista c om <:> a uto r. 9. lnforrnoções de Píerre N ora .
se mostrou interessado" 11 • É em 1966 que Payot d ecide public ar
um livro originalmente previsto para um edito r alem ã o , Lo Ro/1
gion romaine orchaique (A Religião Romana Arcaica], de Geor
ges Dumézij. Pierre Nora percebeu Imediatamente o partidÔQue
poderia tirar como editor da obra de Dumézil nesse clima estru-
turalizante; vai, p ortanto, procurar Dumézll em sua casa: "Pierre
Nora Interveio. Foi ele quem me fabricou. Sou uma crlaçô o
Gallimard" 12• AS REVISTAS NO PAÍS DA ESTRUTURA
Embora certas editoras, como Le Seuil ou Gallimard, se apre -
sentem como as pontas-de-lança do empreendimento editorial
estruturalista, outros editores participam da festa nesse ano d e sse ano de 1966 é também o de uma Intensa atividade
1966. Les Édltlons de M inuit publicam uma obra de~ lerre Bour·
dieu, L'Amour de /'art, escrita com Alain Darbel. QÜÕnto Õs ~al-
E estruturallsta do lado das revistas. Houve,_em primeiro lu-
g ar. a criação de a lgumas delas. A revistâLangages publica
....flons François Maspero, que tinham criado o choque em 1965 seu primeiro número em março de 1966. apresentando o estu-
com a dupla publicação de Ure Le Capital e Pour Marx, edl· do científico da linguagem como uma d imensão essencial da
tom uma obra do althusseriano Pie rre Macherey, Pour une th éo- c ultura . Declara o seu projeto como aberto para a interface
ríe de la productíon littéraire . As Pressas Universilaires de Franca das diversas disciplinas que utilizam uma reflexão sobre a língua .
(PUF) reeditam a tese de.., G eorges Cangullhem. Le Normal et /e ~ também no início de 1966 que aparecem os Cahiers pour ra-
pathologíque. publicada inicialmente ém 19Lr.3. Os historiadores, nolyse. publicados pelo Círculo de Epistemologla da Escola Nor-
por sua parte. não permanecem mudos em face dessa maré m a1 SÜp erior . cujo anúncio de lançamento, assinado p~r
alta da estrutura. e a escola dos Anno/es também publica nes- Ja cques-Alaln Miller pelo comitê de redação. se atribui o ambi-
se ano de 1966 um certo número de importantes obras, como c ioso objetivo de constituir um9 te~_Lq, do discurso a partir d;
a tese de J_m r.u.g.oueJ-L-e-RovJ g.gulig. Las Paysans de Langue- to d as as ciências de análise: a loglca. a lingüística e a pslcana-
doc (Os camponeses do Languedoc] . publicada pela SEVPEN ,\.l se. o primeiro número é consagrado à verdade e publica o
(Escola Prótica da Altos Estudos), e a obra de Pierre Goubert, f'Qmoso texto de Lacan. "La science et la vérité" [A Ciência e a
Louis XIV et v lngt millíons de François (Luís XIV e Vinte Milhões v ~ r.çode]. o qual será reimpresso nos Écrits, edição Le Seuil. No
de Franceses]. editada pela Fayard. Quanto ao mestre da e s- nº 3 dos Cahiers pour ranalyse. publicado em maio de 1966,
cola dos Annales. Fernand Braudel. aproveita essa sofre guidão Lacan situa-se claramente no movimento estruturalista. numa
pela longa duraçóoe as estr ~rÕs para reeditar a sua tese na resposta que dá aos estudantes de filosofia: "A psicanálise co-
Armand Colln, Lo Médíterronée et te monde médlterranéen à \ ~o ciência será estruturalista , até o ponto de ~~conhecer na
/'époque de Philippe li [O Mar Mediterrâneo e o Mundo Medi· "'ciência uma recusa do sujeito" 14• O discurso anahhco deve. por-
terrâneo na Época de Filipe li]. tanto, servir para a construção de uma teoria da ciência.
Para o aprendiz de leitor estruturalista, o ano de 1966 não é.
portanto. um ano de folga mas, pelo contrário , exlge uma ati-
vidade de leitura quase stakhanovista. Cada d ia traz seu lote
de alimento conceituai, e cumpre a crescentrar a esse milésimo
a s obras recente s, exumadas em 1966, e consideradas indispen·
sóveis no percurso balizado do bom est ruturalista. É o caso do
livro d e QJ!Le.s.:..Gastoo Grooger, Pensé e formei/e et scíence d e
l'homme (Aubie r, 1960): "Quan do cheguei à Sorbonne em
1965-1966, p erguntei às pessoas que tinham dois ou três anos COMMUNICATJONS 8:
m ais do que eu o que era aconselhável ler. Todas m ~ d isseram UM VASTO PROGRAMA
que era necessário ler aquele livro. que. aliás. era citado e m
toda a parte' 13 • O mesmo ocorre com o livro d e ~ t. \
primordial para toda uma geração, Forme et sígnt1icatíon (Cor· as O maior even.to foi a publif aç?o d<;_>~ ~ a rev ista
ti, 1962), no qual o autor se propõe a nalisar a produção d e
uma significação no interior dos textos. a partir de sua estrutura-
M Communfcofions dedica..99---~óllse...estwt.urol-dO-AOHa-
tiva- e qu~ nomes ~ ~ ~ om._ento:
ção Interna. apreendida em termos fo rmais. 11olan Barthes, Alglrdas-Jullen Greimas. Claude Bremond, Umber-
to Eco. Jules Grltti, Violette Morin. C hristian Metz, Tzvetan Todorov
e G é rard Genette. Mais do que um número de revista e ntre ou-
tros. esse p ossui v alor programático. Além da In t rodução, à aná-
11. lb. lise estrutural d a nana t iva , redigida por Barthes. que da como
12. G . D UM ÉZIL. e n t revista c om Jean-Pie rre Salgas, Lo Q uinzoln & Uftéralre. 16 de
março d e 1986.
,• , , ,..,...A..._. ,-,..n1o- '"""''" l"onalvse. nº 3. maio d e 1966 . pp. 5-13 .
modelo fundador a própria lingüística para "descronologlzar• e apropriado do que o mito paro o análise estrutural. Mos, sobre-
•reloglflcar• a narrativa numa trama estrutural, Grelmas situa o tudo, Lévl-Strouss critico vigorosamente o formalismo de Propp,
empreendimento na Interseção da semântica e da anólise lévl- ao qual opõe o método estruturollsto: ·o formalismo aniquilo o
strausslana dos mitos. A sua contribuição é escrita em homena- seu objeto. Em Propp. culmino no descoberta de que, no rea-
gem a Lévl-Strauss, e situa o seu estudo numa perspectiva com- lidade existe um único conto" 19 • Lévl-Strouss censura no forma-
plementar da do antropólogo, como a da constituição de lismo Ignorar o~~me~!!_dade.§ntre~ ~ante e ~gnlfl-
elementos para uma teoria da lnterpr~taçõo da narrativa míti- co.do_assin<llQ.2.~~~Se o essencial do argumen ação
ca: •os progressos realizados recentemente nas pesquisas mito- de Lévi-Strouss consiste numa crítica de método. nem por Isso
lógicas. graças sobretudo aos trabalhos de Claude Lévl-Strauss, ele deixou de sublinhar a Importância Indiscutível da obro de
constituem uma contribuição de materiais e de elementos de Propp. que vai converter-se numa dos matrizes de reflexão no
reflexão conslderóvel para a teoria semôntica• 1s. Grelmas Insta- âmbito do semiologlo literórla. __
la-se. portanto. no próprio terreno de Lévl-Strauss, e retoma o Propp responde a essas crítfcas por ocasião do edição Italia-
mito de referência Bororo que servira de base para o primeiro no do seu Uvro em 1966: "Lo Morphologle e Las Racines historl-
volume de Mitho/oglques. Le Cru et le cult. Desloca, entretanto, ques constituem as duas portes. ou os dois termos. de uma
o ângulo de análise da narrativa mitológica considerada como grande obro"20• Com efeito, os críticas de Lévl-Strauss não levam
unidade narrativa. e não como unidade do universo mitológico, em conta o foto de que o morfologia do conto apresenta-se
a fim de explicitar-lhe os procedimentos de descrição. como prelúdio de um estudo histórico que é o complemento
Contudo, esse enfoque hjelmslevlano do material estudado lndlssoclóvel; publicada na União Soviético em 1946, essa segun-
por Lévi-Strauss para distinguir as estruturas Imanentes não satis- do obro 21 seró cuidadosamente Ignorado na França. pois será
faz particularmente a Lévl-Strauss, que considera não ter lições necessário esperar até 1983 poro que o Gollimord a edite. sinal
de rigor a receber de ninguém, nem mesmo da parte de um do esvaziamento deliberado do__9bordogem histórica nos anos
semanticlsta do valor de Grelmas. Pouco depois, Lévi-Strauss, 60.
que dava guarida à equipe de semloticlstas dirigida por Grei- Claude Brémond, que jó baseara seu estudo sobre o mensa-
mas no seu laboratório de antropologia social do College de gem narrativa o partir do método proppiono em Communica-
Franca, despede-o sem aviso prévio. Não podia obrigar por tf{?nS n 9 4, em 1964, retomo em 1966 o obra de Propp para
mais tempo uma equipe que pretendia fazer melhor do que déllnlr a lógica dos possíveis narrativos: "Tive primeiro em mãos
ele, ao realizar o síntese entre o abordagem paradigmática a tradução de Vladimir Propp feita pelo Sra. Jakobson. e achei
que era a dele e a anóllse slntagmática de Propp: "Grelmas que o obra era. de foto. multo Interessante no medida em que
não compreendeu que as duas coisas eram completamente descentrava o mecânica do narrativo. do personagem poro os
diferentes" 16. Pagou um alto preço por isso. A1 e!fil!lur,gs de lé- \ ,-unções. Comecei então o refletir sobre essa abordagem. sem
vi:§jJ~_oão são, co!!)...íÚ.eltQ, as estruturas da narrativa. O que 'considerar Jamais que o que fazia Inseria-se num projeto estrutu-
ele estuda não é o encadeamento linear, slntagmafico, de um rollsto. Sem dúvida, exist em estruturas do narrativo, mos repre -
mito de que aproveita aqui e ali elementos constitutivos de sentam apenas simples coerções lógicos ou conveniências com
uma estrutura paradigmática: "A estrutura do mito é algo total - finalidade dramótlca. Paro mim. não hó mais nada a procu-
mente exterior à forma narrativa, é algo Inteiramente capltal" 17• ror"12. Claude Brémond define. em sua contribuição de 1966, um
O outro grande modelo de análise narrativa encontra-se no esboço de ttpologlo dos formas narrativos elementares que cor-
trabalho de '{ladimlr Propp sobre os contos maravilhosos. Seu li- respondem às categorias universais do comportamento humano
vro, Morphologie du conte. publicado em 1928 na União Sovié- e, o partir doí, constrói uma classificação possível dos tipos de
tica, vai tornar -se a grande fonte de inspiração do método narrativa em torno de uma estrutura referencial de base que,
estruturallsto, sobretudo a partir de sua tradução francesa. edi- num segundo tempo, sofre um processo de complexiflcoção,
tada em 1965 pela Seuil. Traduzido anteriormente poro o Inglês. de adaptação a tal ou qual enraizamento espacial ou tempo-
em 1958, o livro já atraíra a atenção de Lévl-Strouss em 196011• ral.
No seu artigo. Lévi-Strauss expõe o método de Propp, entusias- A contribuição de Umberto Eco reve lo uma dos ambições
mo-se com suas antecipações qualificados de proféticas. mas do programa estruturalista que consiste, em decifrar tudo. não li-
critica a distinção estabelecida entre conto e mito, tal como a mitar o corpus às habituais recensões dos grandes textos da his-
define Propp. Paro lévi-Strouss. o conto é um pouco a versão tória literório. Eco escolhe os romances policiais populares de
degradada, enfraquecida, do mito primordial. e seu aspecto Fleming, a sua série 007 com seu he;ói James Bond. Ele Já dis-
mais maleável às mais diversos permutações torna-o menos cern e no primeiro volume da série. Casino Royal, escrito em

15. A.-J. Gl'lEIMAS. 'l'analy$e structurale du récit'. Comf'f'IJricaflon$, 8, 1966. reed 19. CI. L~VI-STRAUSS. lb .. reeditado em Anthopologle structvrde deu><. op. cll.. P
Points-Seul. 1981. p. 34. 159. ('A Estruturo e o formo'. cop. VIII de Anl10po/ogla E,tn.Jturd Dol$. op. clt.. pp.
16. Claude 8<émond, entrevista com o autor. 121 e ss.
17. /b. 20. V. PROPP. no Apêndice o Morphologla de/la flabo. Turim. 1966.
18. CI . LÉVI-STRAUSS. "lo Struclure et lo forme' , Coh/ers de /'lmtltul de sc/ence 21 . V. Pl'lOPP. Les Racine• hlstorlqve$ civ conte. Gollimord. 1983.
"" r,,... ,,..a R.r6rnnnd. entrevisto com o autor.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO U 711'10' c=o

1953, a matriz Invariante de todos os livros posteriores, e Interro- góvel de que o esftuturollsmo estó na modo~ modo tem isso
ga-se sobre os mecanismos geradores do êxito popular do de- éxo~qgru_- ~e a..Q._crlticó -la jgmbém ~celtqmos-2:_o~
figura heróica de James Bond. Eco desloca então a anólise ha- fine o fenômeno como a expressão de duas grandes idéias: o
bitual das obras de Flemlng, que valoriza os aspectos ldeológl· de totoNêiode e o de lnt;rdependêncla, ou seja, o 15usco de re-
cos, ao mostrar que eles respondem sobretudo a uma lações entre termos dlf~esÕprÕximocÍos. não o despeito de,
exigência retórica. O mundo de Flemlng é um mundo manl· mas em virtude de suas diferenças. O estruturalsmo cansaste, por·
queísta por comodidade, no arte de persuadir o leitor: 'Remlng tanto, "em procurar as relações que dão aos termos que elas
não é reacionórlo pelo fato de preencher a casa 'mal' do seu unem um valor de posição num conjunto organlzodo" 27 . More
esquema com um russo ou um Judeu; ele é reaclonórlo porque Borbut interroga-se sobre o sentido da palavra estruturo em ma-
procede por meio de esquemos"23 • Eco desloca, portanto, a ca- temótlca, e evoco o utilização onológlca que Lévl-Strouss foz do
racterização do reacionórlo, atribuída o Flemlng, para qualificar sistema dos quatro classes na suo anólise de parentesco Karlera.
um gênero particular que é o da fóbulo, cujo dogmatismo que Quanto o Grelmas, analisa as relações entre "estrutura e histó-
lhe é Inerente induz um pensamento por esquemas inevitavel· ria" para sublinhar a ausência de pertinência do dicotomia saus-
mente reaclonórlos. suriana entre diacronia e sincronia. a que opõe o concepção
Por seu lado, Todorov se apóia no deslocamento efetuado de H)elmslev do estruturo como mecanismo acrónico. Responde
pelos formalistas russos para estabelecer as categorias da narra· assim à critica de antl-hlstorismo feita ao estruturalismo, e cito a
tiva llterórla no quadro do que )6 não é um estudo da Utera· decomposição da temporalidad e em Fernand Broudel em três
tura mas da literalidade; não mais o apreensão direta das temporalidades: estrutural/conjuntural/eventual, para saudar a i um
obras, mas das virtualidades do discurso literório que as torna- esboço reflexivo e uma tentação de Integração da estrutura nos
ram possíveis: "Assim é que os estudos literários poderão vir a ser historiadores. mas sem que adira por esse fato ao uso que dela
uma ciência da literotura'24 • é feito: "Tal concepção não resiste 1nfettzmente ao exame. Não
Quanto o Gérard Genette, ele se Interroga acerco dos fronte!· se vê, inicialmente, como estabelecer o e quação postulando
ras do narrativa a partir dos definições que dó à tradição clós· qut o que dura mais é mais essencial do que o que dura
slca de Aristóteles e de Platão, até o uso que lhe é dado na pouco•28 • Para um estruturallsto, segundo Greimas. tudo se situo
escrita romanesco contemporâneo em Phlllpe Sollers ou Jean Thl· no hjvel do modelo metafingüístico. e numa tal perspectiva. a di·
baudeau: estes exprimem o esgotamento do modo representa· mens'õo histórico é relegado paro o papel de "pano de fundo"29•
tlvo e anunciam, talvez, a saída definitiva da Idade do represen· No mesmo número de Les Temps modemes, Mourice Godelier
toção. A_ conJl!nçã9 de_ tod~ ess~con.tdbulçi>es oferece um afirma a pertinência da filiação entre Marx e o estruturalismo.
lme~ ~mp~e~~ J::!ara O§_homens de let_!Qs,._ que vão ~ orx •anuncia a corrente estruturollsta moderno"30 • Portanto. Ma.rx
se apoderar ~ s s ~ o v ~riei;rt.Qçõ§,S_pJJJO c,ontestoL..o..dlscurso é ~to a partir da obra de Lévi-Strauss como o verdadeiro pre·
do!!!ínan.!_e dQ. história literó,!)o clóssica com um entusiasmo tanto cursor do paradigma estruturalisto na medido, em que permitiu
maior uma vez que o projetopare"c;. ao mesmo tempo, colell· dissociar os relações sociais visíveis e sua lógica escondida. quan-
vo e promissor do edificação de uma verdadeiro ciência nova. do rechaçou o historicismo para fazer prevalecer o estudo estru-
tural e. por fim, desdobrou o contradição de que ele não se
situo no selo de uma só estruturo mos na combinação de "duas
estruturas irredutíveis uma a outro, os forças produtivos .e as rela-
ções de produção" 31 . Por seu lodo, Pierre Bourdleu anuncio _os
bases de uma sociologia do p ensamento Intelectual e do ena·
ção artístico que deve superar o oposição tradicional entre esté-
tica interno e externo, graças o um método estrutural rigoroso:
'/ .. ./ o campo Intelectual (e por Isso mesmo o campo cultural)
LES TEMPS MODERNES possui uma autonomia relativo. que a~torlzo o autonomização
metodológica efetuada pelo m étodo estrutural ao tratar o cam-
32
po Intelectual como um sistema regido por leis próprlos• •
S lnal de um êxito que permite transbordar todos os diques.
a revista de Sartre, Las Temps modernas, dedico em 1966
um número especial ao estruturolismo25 . Jean Pouil!Qn, QJ,!8 se

-
26. J. POUILLON. lb .. p. 769. IPP· 7-8 do ed. Zohór.]
en~rregg_ d~e_resentar o número, porte do constatação lne•
------ -- - -- --
27. Jb .. p. 772. [p . 10 do ed. Zohor.]
28. A .-J. GREIMA S. /b., reed. em Ou $&r>S, l e Seui. 1970. p. 106. (P, 56 do ed. Zo·
hor.J
23. U. ECO. communlcations, n• 8. 1966, ,_d. Points-Seuíl 1981, p. 98. 29. lb .. p . 107. (p. 57 do ed . Zohor.J
24. T. TODOROV. lb.• p. 131. 30. M . GOOELIER. 'Systeme, structure et controdiction dons te Capltd". Les Temps
25. Les Ternps mod&m~u. 'Probk}mes du structurolisme". n• 246. novemb<o de 1966. modarnes. n• 246, novembro de 1966. p. 832. IP, 67 do ed. Zohor.l
contrbuições de J. POUILLON. M . BARBUT. A.-J. GREIMAS., M . GOOELIER, P. BOUR· 31. M . GOOELIER. tes Temps modemes. n° 246. ort. cltodo. p . 829. IP, 68 do ed.
OIEU, P. MACHEREY e J. EHílMANN. (Com o título de Problemas do Estrvl\Jrolfvno. Zohor. J
"-a " 1' • , _0 ,,... rto lo't T,:a,rnrg rnndwne.J foi traduzido e editodo no íntegro pelo Zo· 32. P. 80Uíl0 1EU. 'Chomp lntelhactuel e t projat créotaur". /b. p . 866. (P l 06 do
É sempre a morte do homem, a sua dissolução nos estrutu-
l\~~i
ras, o que provoca as reticências e críttcas da revista Esprít. Por
um lado, Mlkel Dufrenne coloca num mesmo plano o neoposi-
tlvlsmo em voga numa França que descobre com atraso o
positivismo lógico anglo-saxão e que o interpreta à sua manei·
ra, e o anti-humanismo: • A filosofia contemporôneo manifesto
suo Indignação contra o homeml"36 Por outro lado, Paul Ricoeur
ALÉTHÉIA reconhece que a conquista do ponto de vista estrutural é uma
conquista do cientificidode, mas é especialmente oneroso, e o
ganho que elo permite paga-se bem caro com duas importan-

A revista Aléthéía também dedica ao estruturalismo um nú-


mero especial, o de fevereiro de 1966. Aí se encontra uma
artigo de Mourice Godelier sobre a contradição, um artigo de Lé·
tes exclusões que são o ato de falar - a fala expulsa por Saus-
sure do estudo da língua - e a história. Propõe ele que se ultra-
passe essa amputação sem por Isso reooit...~s antigos erros do
vi-Strauss sobre os critérios científicos nas d isciplinas sociais e nas mentallsmo ou do psicologismo; e. portanto, "pensar a lingua-
humanas. Kostas Axetos escreve acerca da tentativa de concilia- gem serio pensar a unidade daquilo que Saussure separou, a
ção entre marxismo e estruturalismo proposta por Luclen Sebag, e 37
unidade da língua e da fala" •
Georges Lapassade a respeito de Hegel. E numa entrevista, Ro -
land Barthes apresenta o estruturalismo como a possibilidade de
"desfetichizar os saberes antigos - ou ainda concorrentes''JJ.

-------

ESPRIT
\ \_
SARTRE SAI DA SUA RESERVA

sso paixão transbordante pel~ estrutural~smo deixa sem


. E voz um Jean-Paul Sartre recolhido ao mutismo da sua tra·
\, essia do deserto, enquanto cada novo sucesso editorial abala
A revista Esprlt, que dedicara um dos seus números em
1963 a uma discussão das teses de Lévl-Strauss, reuniu
um congresso em dezembro de 1966 cujo teor seró publicado
U{(l pouco mais as bases da sua filosofia .exlstencl~l~sto.' Em
1966, o extravasamento estruturalista o faz sair do seu silencio. O
um pouco mais tarde, em maio de 1967, num número especial perigo é grande, pois Foucault, no auge da glória. acaba de
consagrado ao estruturalismo 34 • É um panorama bastante com- colocó-lo no Museu Grévln dos filósofos do século XIX. Isso foi
pleto que Esprit oferece aos seus leitores. Jean-Marie Domenach demais: Sartre decide sair do mutismo e travar combate por
percebe o fenômeno estruturallsta como um empreendimento ocasião de um número especial que lhe dedica a revista L'Arc
de desestabilização dos termos em que a filosofia assentava no final de 1966:ia. Bernard Pingaud escreve a Introdução. cons-
até então e, em particular, do lugar atribuído à consciência. tatando a mudança radical dos últimos quinze anos. que assis·
Ele pergunta-se como esse questionamento por porte de ho- tiram ao eclipse da filosofia em proveito das ciências humanas'.
mens de esquerda que contestam as bases do sistema estabe- "Não se fala mais de consciência ou de sujeito. mos de regras.
lecido pode conciliar-se com o seu combate político. pois se os de códigos, de sistemas: não se diz mais que o homem faz o
homens são acionados por um sistema coercitivo sem poder re- sentido mas que o sentido advém ao homem; não se é mais
cuperar uma parte de consciência autônoma. então em nome existen~lallsta, mas estruturalista•'39 • J~<;in-Poul Sartre responde às
de que podem dor prosseguimento à sua contestação? o fe- perguntas de Bernard Pingaud, e essà intervenção revela, pelo
nômeno estruturalisto é complexo e contraditório, o que explica seu tom polêmico, a cólera reprimida) do filósofo e a situação
o fascínio de que é objeto: •o estruturalismo tem duas faces: d ifícil em que ele se encontro. Ao grande êxito de 1966, Les
uma exprime a suficiência epistemológica do nossa época. e o Mots et /es choses. de Michel Foucau!t, Sartre contrapõe que "O
outro falo da angústia de uma ausência. o retorno da noite"34 • sucesso do seu livro prova bem que ele era esperado: ora, um
pensamento verdadeiramente original nunca é esperado. Fou-
cault fornece às pessoas aquilo que elas precisavam: uma sín-
33. R. BARTHES, Aléfhéfa, fevereiro de 1966, p, 218 .
34. Es,:;,rlt, n° 360, moio de 1967, "Structurolismes. ideólogies et méthodes', contri-
buições de J.·M. DOMENACH. M. DUFRENNE, P. RICOEUR, J . LADRIÉRE. J. CUISE- 36. M. DVFRENNE. /b.. 'lo phílosophie du néo-postivisme' . pp . 781 -800.
NIER. P. BURGELIN, Y. 8ERTHERAT e J . CORNILH. 37. P. RICOEUR. /b.. 'lo structure. le me!, l'événement', PP- 801 ·821.
35. J .-M. DOMENACH. "le systéme et lo personne', Esprft, n• 360. moio de 1967. 38. L'Arc, nº 30. 4. trimestr~ de 1966. número especial J.·P. Sartre.
HIST

tese eclético em que Robbe-Grlllet. o estruturalismo. o llngulstlco, lidado do referê ncia o um grupo estruturolisto qualquer que te-
Locon, Tal Que/, são utilizados sucessivamente poro demonstrar nha alguma homogeneidade: "Quem vai acreditar que nos
o lmposslbllldode de uma reflexão histórico. Poro ló do história, comblnamos"4ó? Claro que não se trota de complô mos de de-
bem entendido, é o marxismo que estó sendo visado. Trato-se bate de Idéias, e Jean-François Revai, virulento crítico dos teses
de constituir uma Ideologia novo, o ütimo barragem que o bur- estruturallstos em suas crônicas de L'Express, poro comentar a
guesia pode ainda erguer contra Marx" 40• respeito do número de l 'Arc dedicado o Sartre, escolhe o títu-
Após esse ataque um tonto redutor. Sartre pondero acerco lo "Sartre no pelourinho". Cito, o propósito, •o rei Lear", rene-
de seus pontos de visto, precisando que não é, de formo algu- gado, despojado por suas filhos"47 , e acrescenta à onologla
ma, hostil ao método estruturalisto, quando este se mantém sortreono da correspondência entre o advento de uma tec-
consciente dos seus limites. Se, paro Sartre, o pensamento não noestruturo e o sucesso de uma doutrino anti-histórica e nega-
se reduz à linguagem. nem por Isso deixo de ser uma peço dora do sujeito. uma correspondência de ordem político com o
fundamental do suo filosofia que corresponde o um elemento goulllsmo no qual o cidadão francês é falado quando o seu
constitutivo do prático-Inerte. Se o obro de Lévl-Strouss é visto papel se limito a ouvir o general enc·m119r a falo da França no
com benevolência aos olhos de Sartre, este responde, não obs- decorrer de suas famosos conferências de Imprenso.
tante, à polêmica trovado contra ele em La Pensée sauvage
ao considerar que •o estruturalismo. tal como o concebe e o
pratica Lévl-Strauss. muito contribuiu para o descrédito atual do
hlstório" 41 . Paro Sartre, Lacan participa totalmente do estruturalis-
mo, no medido em que o seu descentromento do sujeito estó
ligado ao mesmo descrédito do história: •se Jó não existe próxls,
tampouco pode haver sujeito. O que nos dizem Locon e os psl-
conallstos que se valem dele? O homem não penso, é pen-
sado, tal como é falado paro certos llngülstos" 42 • Reconhece, O ESTRUTURALISMO CRUZA O ATLÂNTICO
não obstante, o filiação freudiano do idéia de Lacon. pois o lu-
gar atribuído ao sujeito em Freud Já era omblguo e a curo
analítica pressupõe. por princípio, que o paciente se deixo agir,
abandonando-se às associações livres. A mesmo crítico de
o-historicismo é endereçado o Althusser, que privilegio o concel·
O ano de 1966 é também o dos grandes encontros, sim-
pósios e colóqulos. O polócio de Cerlsy permanece
como um centro Importante de atividade Intelectual, e acolhe
to em suo otemporolldode à custo da noção, sem perceber o nesse ano um colóquio sobre · os Rumos Atuais do Crítica•, cu-
•contradição permanente entre a estrutura prót1co-lnerte e o hO· \ los atas serão publicados em 1968 pelo Editoro Plon.
mem que descobre estar condicionado por ela"43 • Nos margens do logo Lemon, realiza-se em Genebra, em se-
~nfim, Some.. atribui essa explosão dus_clências humanas em tembro de 1966, um congresso de filosofia de língua francesa
sobre o linguagem. cujos debates gravitam em torno dos expo-
torno do pa~dlgmo ~ruturallstg_~.!f!!portação nort~;.ome-
sições apresentadas por Émile Benveniste e Mlrcéo Eliode. Mos
rlcana; tratar-se -ia do adaptação Ideológico a uma civilização
o efervescência francesa do momento começa também o sus-
tecnocrática na qual lá não há lugar para o filosofia: "Veja o
que se passo nos Estados Unidos: a filosofia foi substituída pelas c l to r Interesse foro da Europa: em outubro de 1966, uma
ciências humonos"44 • Nesse ano de 1966, durante o qual as 8 grande cerimônia estruturalisto é organizada nos Estados Unidos
52 do presidente Johnson bombardeiam cotldlanamente o Viet- sob os auspícios do Centro de Humanidades do Universidade
nã do Norte, compreende-se o que ponto essa apreciação John Hopkins. É a primeiro vez que o estruturalismo atravessa o
pode ser Infamante para os mosqueteiros estruturolistas. Atlântico poro conquistar o Novo M undo. Os americanos perce-
O caso provoco, aliás, grande alvoroço. pois desejava-se vi- bem multo bem o fenômeno do pensamento crítico no França
vamente que Sartre desse o seu ponto de vista sobre os suces- como plurldisclpllnor e convidam os representantes das diversos
sivos questionamentos à suo filosofia desde o Início dos anos 60. c iências humonas 48 : Luclen Gol~monn e Georges Poulet sõo
Le F/garo llttéraire pratica o dramatização máximo com esta con vidados poro representar a crítico llterário de tipo sociológi-
manchete de primeiro póglna: "Locon Julga Sartre•. Locan res- co. Rolond Borthes, Tzvetan Todorov e Nicolas Ruwet para a
ponde a uma entrevisto no qual Ironiza e relativizo o tomada semlologio literário, Jacques Derrldd1 no qualidade de filósofo por
de posição de Sartre: "Não me situo absolutamente em reloçõo seu trabalho sobre Soussure e sobre Lévl-Strouss publicado no fi-
o ele' 46 • A linho de defeso de Locon consiste em recusar o va - nal de 1965 na revisto Crltlque49, Jean-Pierre Vernont por suo

40. J ,·P. Sartre, lb .. pp. 87-88. 46. /b ,, p , 4.


41. lb.• p , 89. 47. J.-F. REVEL, 'Sartre en ballottage•. L'Expr&ss, nº 802, 7- 13 de novembro de
42. lb.. p , 91 -92 . 1966. p. 97.
43. lb .. p . 93, 48. Informações extraídas de ~- ROUDINESCO. H/$folre de lo psychondn• en Fron-
44. lb.. p , 94. oe. op. clt.. vol. 2. p, 414 .
49 J, DERRIDA. 'De lo grornmatologie', Cr1ffque. nos 223-224, d etembro de 1965.
antropologia histórica da Grécia antiga, e Jacques Lacan por
sua reteltura estruturalista de Freud. Esse simpósio seró editado 34. 1966: O ANO-LUZ ,,
alguns anos mais tarde nos Estados Unidos50•
Roland Barthes é convidado, evidentemente. como uma dos
li. FOUCAULT VENDE COMO PÃEZINHOS
estrelas essenciais da gesta que se desenrola na França. Ele fo •
ia do recalque da retórica no século XIX e de sua substituição
pelo positivismo. o qual separou duradouramente o destino da
literatura e da teoria da linguagem. Demonstro, desse modo In-
direto. o enraizamento histórico da recuperação de interesse por
e orno se viu, o acontecimento editorial do ano, a melhor
venda do verão, é Incontestavelmente Les Mots et las
choses de Michel Foucault. Se Sartre pôde dizer que essa obra
uma reflexão sobre a linguagem. e essa nova conjunção entre era esperada, nem por Isso o seu suces.só~ou menor surpresa
literatura e lingüística. qualificada de semiocrítica, baseada na ao editor Pierre Nora e ao próprio autor. visto que a primeira tira-
escrituro como sistema de signos. numa relação de objetivação. gem foi modesta: 3.5CXl exemplares. rapidamente esgotados. Colo-
Aponta as novas fronteiras a conquistar na exploração da lin- cado à venda em abril de 1966. foi necessário reimprimir 5.000
guagem. a partir da moderna simbiose entre lingüística. psico- exemplares em Junho. depois 3.000 em julho. mais 3 .500 em se-
nólise e literatura, realizada pelo estruturalismo. tembro... Michel Foucault é carregado pela onda estruturallsta e
Jean-Pierre Vernant faz uma intervenção sobre "A trqg~dia sua obra apresenta-se como a síntese filosófica da nova reflexão
grega: problema de Interpretação", na qual mostra que não se levada a efeito hó uma quinzena de anos. Mesmo que o autor
pode compreender a tragédia sem recorrer ao contexto, mas se distancie mais tarde do rótulo estruturalista, que considera infa-
não no sentido clássico do termo: "Aquilo a que chamo contex- mante. situa-se. porém. de imediot0;-em 1966, no cerne do fenô-
to não é algo que estó fora do texto. mas que está sob o meno: "O estruturalismo não ~ método novo; é a consciência
texto. É na leitura do próprio texto, decifrando-o, que se perce- desperta e inquieta do saber moderno" 1•
be, em razão dos campos semânticos. ser-se obrigado a fazer Convidado por Pierre Dumayet para a grande emissão literária
Intervir elementos que são exteriores à tragédia e que vêm
de t~evisão da época. "Lectures pour tous". ele se ~xprime em
nutri-la"51 • Jean-Pierre Vernant insiste na necessidade de partir do nom de um "Nós" fundador de uma ruptura em que toma lugar
texto em sua estrutura interna. em seu fechamento sobre si ao ta o de Lévl-Strauss e de Dumézll numa posição distante da
mesmo. mos na condição de exumar o que ele recobre de Jo· obra e Sartre, "que é ainda um homem do século XIX. visto que
gos verbais, semânticos. ideológicos. que permitem obter os todo o seu empreendimento tem por finalidade tornar o homem
efeitos específicos do discurso trágico. adequado à sua própria significação"2• O depoimento prestado a
É em Baltimore que Vemant se encontra pessoalmente com Pi~re Dumayet para Ilustrar sua obra perante o va~o- público de
Lacan pela primeira vez. Encontro sem seqüência, ainda que. tel~ectadores se insere inteiramente na nova amblçao esfrutura-
um pouco mais tarde, de férias em Belle-le. Vernant veja che- llsta. l'i,1. Foucault afirma aí o desaparecimento da filosofia. a sua
gar com estupefação três lacanlanos que tentam lhe explicar
dissipação em outras atividades do pensamento: "Chegamos a
ser lndlspensóvel que assista ao seminário do mestre Lacan ("E·
. uma idade que é, talvez. a do pensamento puro. do pensamen-
les argumentavam que. na realidade, eu fazia a mesma coiso
to em ato. e uma disciplina tão abstrata e geral quanto a lingüís-
que Lacan mas sem o saber. O que provava à saciedade que
tica. tão fundamental quanto a lógico ou ainda a llteràtura
eu tinha necessidade de uma boa psicanálise. Respondi-lhes depois de Joyce. são atividades de pensamento. Substituem a fl.
que era um pouco tarde. mas repetiram que Lacan estava losofia, não porque tomem o lugar da filosofia mas porque são o
muito interessado no meu trabalho. que acompanhava atenta- próprio desdobramento do que era outrora a filosofia"3 •
mente"52). Lacan. cujo discurso já era dificilmente inteligível em o seu projeto de arqueologia das ciências humanas (original-
sua língua natal, empenhou-se em falar em Inglês em Baltimore. mente a obro deveria ter por subtítulb: "Arqueologia do estrutura-
quando não dominava a língua. o que acentuava ainda mala \ .
tismo") é definido por Foucoult nesse prof'raltuma como a e~p~~o
o hermetismo de sua inteNenção. que nem por isso deixaria de da vontade de fazer aparecer a nossa \cu ra numa posiçao e
ser a do grande guru do .estruturalismo. estranheza semelhante à maneira como percebemos os nhambl-
quaras descritos por Lévl-Strauss. Portanto, não se trata, em abso-
luto. de traçar as linhas de continuidade do desdobramento de
um pensamento numa lógica contínua e evotuttva mas, pelo con-
lrórlo. de sinalizar as descontinuidades que fazem com que a
nossa cultura passada nos pareça fundamentalmente outra. estra-
nha a nós próprios. numa distância restaurada: "Foi essa situação

50. The Sfrucfurdlst·s Confroversy. The Longoges of Crfflclsm ond the Sc/ences oi
Mon, ed. organizado por Richard MARKSEY e Eugenio DONATO. lhe John Hopkln1 1, M. FOUCAULT. Les Mots et /es chos&s. op. clt.. p . 221 .
Press, Baltimore e Londres. 1970 e 1972. a. M. FOUCAUll, 'lectures pour tous'. 1966, clocument INA. difusõo Océonlqu&s. FR3,
51. Jean-Pierre Vernont, entrevisto com o autor. 13 de Janeiro de 1968.
HISTÓRIA DO EST(WTURAL/SMO 34. 19ó6: O ANCJ I UI li. f OUCAULT V/:NDC COMO PÁCZINIIOS

etnológica que eu quis reconstltuir"4; e Foucault Investe contra to- somente a paternidade. À questão de saber quando ele deixou
da e qualquer Iniciativa de Identificação com a figura puramente de acreditar no sen11do, feita numa entrevista que concedeu a Lo
efêmera do homem, ao mesmo tempo recente e destinada a Qulnzaine líttéraire, Fouoautt responde: "Q.. QQOÍO de. r~P1Y!.a situa-se
desaparecer proxímamente. Deus está morto, e o homem segue-o no dia em_ q_u~ Lévi-Stra_uss e Lacan, o primeiro no que__~ refere
para um desaparecimento Irresistível, para o qual trabalham. em às sõc1êaodes e o segundo no que diz respeito ao in,c~iente,
especial. as ciências que se valem de sua existência: "Paradoxal- mõstraram- que- o sentido nãÕ era,fprovavelmente, mais do que
mente, o desenvolvimento das ciências humanas convida-nos mais um efeito de superfície, uma rever,beração, uma espuma, e que
ao desaparecimento do que a uma apoteose do homem"5• o que nos penetrava profundameMte, o que estava antes de nós,
É manifestamente essa morte do homem que fascina a época, o que nos sustentava no tempo e no espaço era o sistema" 11 •
e numerosos são aqueles que se comprimem atrás do cortejo fú- Raymond Bellour traz seu decidido apoio às teses foucaultianas,
nebre. As negações sucessivas do sujeito na lingüística saussuriana, ao passo que o acolhimento que lhe reservará o seu partido (o
na antropologia estrutural e na psicanálise lacaniana acabam de PCF) será nitidamente mais reservado; mas ele desfruta de certa
encontrar em Foucault aquele que reinstala no próprio âmago da autonomia em Las Lettres françaísas. onde entrevista Foucault. Vê
história cultural ocidental essa figura enquanto ausência, enquan- neste o Iniciador de uma ver9adeira revolução no domínio da his-
to falta em torno da qual se dobram as epistemes. tória das Idéias, quando elf' restabelece o totaUdade lógica dos
conceitos de uma épocajrelegand~ ~ara os porõe~ .da história o
que até então passava ror ser a b1bl1a nesse dom1n10, O famoso
"Acaso" e sua Crise da consciência européia. Com lucidez.. Ray-
mond Bellour percebe, sob a filosofia, o escritor de estilo fulgu-
rante: "Esta época terá visto nascer, sob o rosto dos decifradores
do sentido, um novo tipo de escritores'"12•
Em todas as sua.!_~!!9.9~! -ryiú!!!P.Jq~_[le~ ano de 1_966,
F ucault não ~f! ca ~
O EFEITO FOUCAULT
- -- ---.....--
si ar-se firmemente ao lado de Lévi-Strauss, Dumezil, Lacan e AI·
. -- .
th~er. ou s~a. da modernidod"ª-dq_.s.éç_vlo._LX. O que justifica
piênarnente a -;;~~Õ de Didier Êrlbon: "Parece evidente que
---
e rem_§),!'?r Sartre para_ o ~éculo Xl'S_ e de

A repercussão é a mesma do evento: fulgurante. Jean La-


croix saúda em Le Monde a obra de M. Fouéault como
FoucQutt se põe em pé de Igualdade na galáxia estruturalista" 13.
ainda que se trate de um estruturalismo muito particuar, uma vez
"uma das mais Importantes deste tempo" 6 ; é "uma obra ' que o estruturalismo de Foucault não está fundamentado na exis-
lmpressionante"7, consagra Robert Kanters em Le Fígaro. François ~ cla de estruturas. É "um estruturalismo sem estruturas" 14, o que
Châtelet, como filósofo, anuncia o acontecimento que revolucio- faz François Ewald dizer que Foucault jamais foi estruturalista, e
na o pensamento em La Quínzaina littéraira. A leitura da obra de que seu projeto era mesmo o de combater a idéia de estrutura
Foucault faz surgir "um olhar radicalmente novo sobre o passado e, por conseguinte, o estruturalismo. Segundo François Ewald, todo
da cultura ocidental e uma concepção mais lúcida da confusão o empreendimento foucaultiano visa a que seja possível uma po-
do seu presente" 8 . Em L'Express, Madeleine Chapsal abre um ex- lítica, donde a sua hostilidade à própria idéia de estrt1tura: "/l
tenso artigo de três páginas do jornal sob o título sugestivo: "A estrutura é uma das formas do grande sujeito histórico, da grande
maior revolução desde o existencialismo•-s>. E em Le Nouve/ Obser- identidade que atravessa a história, ao passo que Foucault expli-
vateur é Gilles Deleuze quem comenta o livro de M. Foucault ao ca muito bem ser Justamente Isso o que ele quer destruir"16. Essa
longo também de três páginas: "A Idéia de Foucault: as ciências
tensão interna. ainda, não serlti~ pelo Foucault de 1966_, provém
do homem não são absolutamente constituídas quando o homem da sua posição amb1gua de filósofe-que se Instala no nucleo das
é tomado por objeto de representação, nem mesmo quando ele ciências sociais para subvertê-las desde o Interior. Mas essa posi·
descobriu uma história • mas ao contrário, quando ele se desisto- ção, longe de ser q_d.e uma contestação do fenômeno estrutura-
ricizou"1º.
lista, alimenta-se dele, mesmo se Foucault não compartilha do
Evidentemente. Foucault é muito solicitado a responder por es- cientismo próprio dos outros defensores do movimento, que procu-
sa morte _do homem, da qual toda a imprensa lhe atribui genero- ram. por sua parte, a legitimação de suas respectivas disciplinas.

4. lb.
5 . lb.
6 . J. LACROIX. ' Lo fin de l'humanisme'. Le Monde, 9 de junho de 1966.
7. R. KANTERS, 'Tu couses, tu couses, c'est tout ce que tu sois loire', Le Flgcro. 23 de i l. M . FOUCAULT, entrevisto, La Qulnzcine Jtfférdf8. nº 5, 15 de maio de 1966. [Cf. Es·
junho de 1966. fNlvrollsmo, op. cff.. p. 301.
8. F. CHATEtET. 'l'horrme, ce Norcisse íncerton', Lo Qulnzdne lffércite. 1º de obril de 12. R. 6ELLOUR. L&s Leltres franço/S&s, n° 1125. 31 d& março de 1966. reimpresso em
1966. to Uvre des autres. 10/18, 1978. p. 14.
9. M . CHAPSAL L'Expres,, n• 779. 23-29 de maio de 1966, pp. 119-121. 13. D. ~RIBON. Fouoo.,ff, op. clf.. p. 189.
10. G. DELEUZE. "l'homme. une existence douteuse·. l& NouvQ/ Ohw>rvotoo, 1° do lu 14 1 PIAG; ET L• Slrvclvro/13mo. PUF. ·Que sols·le?'. p , 106.
brlr que o Terra não está no centro do universo, revoluciona o
c ampo do pensamento e desloca a soberania primitiva do ho-
mem. Darwin, descobrindo em seguida que no limiar do homem
está o símio, recoloca o homem no estágio de episódio num tem-
po biológico que o ultrapassa. Depois, Freud descobre que o
homem não pode conhecer-se sozinho, que não está plenamen-
te consciente e conduz-se sob a determinação de um Incons-
O HOMEM: ciente a que não tem acesso e qtie"-no entanto. torna inteligíveis
seus fatos e gestos.
FIGURA TRANSITÓRIA E EFÊMERA Por conseguinte, o homem viu-se despojado, por etapas, de
seus atributos. mas reapropriou-se dessas rupturas no campo do
L es Mots et les choses situa-se, sobretudo, na linho do traba·
. , l~o de ~eorges Conguilhem. Foucault anafisa aí Igualmente
saber para fazer delas ou1Tos tantos instrumentos de recuperação
do seu reino. Apresentou-se, pois, ao século XIX em toda a sua
a histona cientifica a partir das descontinuidades e do desconstru- nudez. na confluência de três formas de saber, como objeto con-
ção nietzscheana das disciplinas estabelecidos. Essa base creto, perceptível. com o surgimento da filologia de Propp, de
nl~~scheana do abordagem de Foucautt reconhece-se numa re- uma economia política com Adam Smith e Ricardo, de uma bio·
Je1çao radical do humanismo. O homem-sujeito de suo história, logla com Lamarck e Cuvier. Aparecia então o figura singular de
atuante, consciente de sua ação. desaparece. A sua figura só um sujeito vivo. falante e trabalhador. O homem seria, portanto.
aparece em data recente e sua descoberto anuncia seu fim pró- fruto dessa t ríplice resultante. ocupando o lugar central desses no-
ximo. "2 suo . P?sição central no pensamento ocidental não passa vos saberes, figuro indefectível desses dispositivos de conhecimento,
de llusao, d1SS1pado pelo estudo dos múltiplos condicionamentos seu significado comum. Pôde então reinstalar-se numa posição so-
que ele sofre. O homem é assim descentrado, engolido de novo berano em relação à natureza. A astronomia permitiu a físico, o
na p~rlf~r!a das coisas, sob influências, até perder-se na espuma biol~gla permitiu a medldna, o inconsciente permitiu a psicanálise.
dos dias. O homem / .../ nado mais é, sem dúvida. que u-na cer- Ma essa soberania é, paro Foucault, simultaneamente recente,
ta brecha na ordem das coisas. / ... / o homem não passa de co denodo o desaparecer e Ilusória. Na esteiro J:la...Er.e-YQ, qqe
uma Invenção recente. uma figura que não tem dois séculos. d~sa,obr~ o lncon~clente da~ práticos ~ dianas do hQi.víduo. e
uma _sl~ples dobra em nosso saber" 16• Foucault dedica-se, pois, a de Lévi-Strouss, que se liga ao inconsciente dos_p~ letlvas
hlstonc1zar o advento dessa Ilusão que seria O homem e que só das soei dades, Fou cãult part eem busco do iQc.oos.cJ.e.nte das
nasceria neste mundo no século XIX. o que existia na Idade gre- clên as que se crê habitados por nossas c ÕÔsciêocios.
ga eram os deuses, a natureza, o cosmo; não havia lugar para oi é a revolução c~erni"õanã q°7Je ele- quer r~alizar poro des·
um pensamen~o do sujeito responsóvel. Na problemóttca platônica. mistificar o humanismo que é, poro ele. o grande perversão do
a_ cul?a é atribuível a um erro de julgamento, à ignorância. e período contemporâneo: "A nossa Idade Médio na época moder-
nao a responsabilidade Individual. na, é o humanisrno"18• O principal papel do filósofo, segund_g .Fou·
O homem tampouco tem lugar na episteme clóssJca. Tanto a cault. consiste, p-9.!_fonto':'em_ a~rrubor o obstÕculo ~~temo~gico
Renascença quanto o racionalismo dos clósslcos não puderam fOrmado pelos privilégios concedidos ao e ífo ao sujeito como
P:nsar o homem. Foi preciso aguardar uma brecha na configura• consciência e s~ Ocio .. F'°;~cault teorizo plenamente a ~ onstltui-
çoo do saber paro que o homem viesse a ocupar o centro do ção de uma verdadeira base filosófico onde se Interligam os
campo do saber. A cultura ocidental é, então, aquela que con- diversas semióticos, tendo l odos o texto por ponto cordeai e sub-
fe!e ao homem o seu melhor papel. Ele apresento-se numa sltuo- metendo o homem o uma' ted.e.. que o dissolve o contragosto:
ça_o central, a de rei da criação, referente absoluto de todas as "Acabar com o velho filosofemo do natureza humana. com esse
co~~s. Essa fetichizoção exprime-se. em particular, numa forma fl. homem obstrato"19• Tal é a perspectiva foLicoulttono. Junto-se à de
losofica. com o introdução pelo ego cartesiano do sujeito como Lévi-Strauss. a qual evocava também a figura fugitiva do homem:
substância, receptáculo de verdades. Elo Inverte a problemática "O mundo começou sem o homem e acabará sem ele"20 • Aliás,
do erro e do culpa tal como funcionava no Antiguidade e ainda Foucoult prestará homenagem a Lévi-Strauss quando permite, gra-
no escolástica medieval: "A subordinação Inverte-se e é O esque· ças à etnologia, dissolver o homem, desfazer sucessivamente todos
ma d<;> erro que se relativiza ao da culpa: enganar-se, / .. ./ é aflr- as suas tentativas de positividade. A etnologia e o psicanálise
m ar li~remente, por melo de sua vontade livre e Infinita, ocupam um lugar privilegiado no nosso saber moderno, constata
conteudos de sentido do entendimento que permanecem Foucault: "Pode-se dizer de ambas o que Lévl-Strouss dizia do et-
confusos" 17• Entretanto, como observa Foucault. segundo Freud. es- nologia: que elas dissolvem o homem" 21 •
se homem conheceu na história do pensamento ocidental um E~ rtlcieaç ão de folecimentq_de que Foucoult eigpolou o
certo número de grandes feridas narcísicas. Copérnico, ao desco-
18. M . FOUCAULT. ffonce-Cultu ..i. rodiodifusôo em junho de 1984.
19. J .-M. BENOIST. La Ré vok.Jtlon slructurde. op. clt.. p. 27.
16. M. FOUCAULT. Les Mofs ef /es choses. op. clt.• p. 15.
20. CI. l~VI-STílAUSS. Tristes Trop/Ques, op. clt.. p . 447.
17. J .•M. BENOIST, La Révolulion slrucfurd<> " " ,-,H " """
_e_aróbolg__gQ.Çiq_ R_arecer paradoxal na hora da explosão das clên· o coroló rlo necessórlo da desce ntração do sujeito: "O ser hum a -
clgs humanas. .roas fou~ault concebe a. psicanólise e a etnoto gla no d eixou d e te r história ç u._melhor dizendo, uma vez que fala,
como •contrg_cJ~nçi9.,s'~ e o status valorizado que lhes confere Jun- trabalhg _e vive, se en contJ,.g e m seu p róerio ser. todÔemedado
ta-se ao paradigma e s!Tuturalsta que as destacou como Importan- e m histórias que não lhe são nem subordinadas nem homogê-
tes chaves da Inteligibilidade moderna. A revolução estrutural é, n~ T
L.. o homem que a·p coo~ênoin1CiõCí(;7éCuio ·x ix~estg
nesse plano, •guardiã da ausência do homem"23 • desistoricizado''2°. A consciência de si dissolve-se no discurso-obje-
to. na multiplicidade de hlstórias-l}eterogêneas.
Foucault procede a uma desco~ução da história à maneira
d o cubismo, à sua fragmentação numa constelação desumani-
zada. A unidade temporal é. nesse caso. apenas ficcional. não
o bedece a nenhuma necessidade. A história pertence apenas
a o registro do aleatório, dia contingência como em Lévl-Strouss, é
a o mesmo tempo incontornável e insignificante. Entretanto. ao
TEMPORALIDADES MÚ LTIPLAS, c ontrário do estruturaDsmo l~vi-straussiano. Foucault" Jigo s~ fld!!_,a à
- 11Tsfõiiêl~tó manêiÕ-a até comd campo privilegiado de aná-
DESCONTÍNUAS m-e: lugar p or excelência de su/ pesquisa arqueológica, mos
p ara localizar aí as descontinuidades que a trabalham, a partir
de grandes fraturas que justapõem cortes slncrônicos coerentes.
E sse descentramento do homem, guando não a sua dissolu-
2_ão, " induz uma Õutra -;;laçfu> -~om a tem~oralidade, com
a historicidade, s~ r_glizaçá,o e imoblllzaçãg~ m- cômo um
d 0slocam_~ _çto. olb.a r-para as condições~ içte1~ s que ~ 1 -
~lidm as prótlcas humanas: "A história do homem será mÕ isdo
que · uma espécie de modulação comum para as mudanças nas
condições de vida (climas, fecundidade do solo. modos de cultu-
ra, exploração de riquezas). para as transformações do economia
(e, por via de conseqüência. do sociedade e das instituições) e
para a sucessão das formos e usos da língua? Mos nesse caso o
\ EPISTEMES
homem não é histórico: o tempo vem-lhe de algum out ro lado,
não de si mesmo"24 . O homem está submetido, portanto, a tem-
,
r_/4ssjmque Foucault identifica duas grandes descontinulda-
poratidades múlJ!plas qLiei'h e escapam--:-não· poãenaõ nesse gua·
2.ro ser sujeito~ som~ o~ 'filiJ.os- ev"ênt~ exterior~s a
r: des na episteme do cultura ocidental: a da idade clás-
sica. em meados do século XVII. e a do século XIX que inau-
~ A conscienc1a é então o horizonte morto do pensamento. O
g ura a nossa era moderna. Essas a lterações na ordem do saber
impensado não deve ser procurado no fundo da consciência hu-
foram percebidas por Foucault a partir de campos tã o d iferen·
mana. ele é o Outro em relação ao homem. ao mesmo tempo
te s quanto a linguagem, a eco nomia polít ica. a biologia, e
nele e fora dele. ao lado dele, irredutível e incompreensível. "nu-
o pero. em cada etapa, a d ivisão e ntre o que é pensável e o
ma dualidade sem recurso"2s. O homem articula-se sobre o Já-
q ue não o é: " A história do saber só pode ser fe ita a partir do
começado da vida, do trabalho e da linguagem. e encontra fe-
que lhe fo i contemporâneo" 27 • As d escontinuidades apontadas
chadas. portanto. as vias de acesso ao que seria sua origem. seu
p or Foucault , na medida em que e le rechaça toda e qualquer
advento.
forma de evô k,Jclonisnío. são outras tantas figuras enigmáticas.
Para Foucault. a modernidade situa-se aí. no reconhecimento
Trata-se de verdadeiros surgimentos, dilacerações, de que se
dessa Impotência e da Ilusão inerente à teologia do homem do
cont enta em anotar as modalidades e o lugar, sem se formular
cogito cartesiano. 6J2.gs ter feito descer o herói e fetiche de pos-
a questão d e seu processo de emergência. Nessa abordagem,
~ ltuca do seu pedestal, Foucault Investe- ~Õntra o historicismo,
os eventos-adventos mantêm-se fundamentalmente enlgmóticos:
..g_hlstórla como totalidade, como referente contínuo. A históri~-
· uma tal tarefa implica o questionamento de tudo o que per-
~ultia*na_ não é mais g pe,s_çti.çgo de uma evolução. n~ção
tence ao tempo, tudo o que é formado nele, / .. ./ de maneira
tomada da biologia. !)em a localização de um progresso, noção
que apareça o rasgão sem cronologia e sem história de onde
ético-moral. mas a anô itse d as mulfiplas liansformaçoes· em curso
provém o tempo''28 • A descontinuidade apresenta-se em sua sin-
locg]izac:z?.2 ~e i dentiffcaçó o das dêocontinuidades como outros tan'.
g ula rldade, não redutível a um sistema de causalidade na
) os "flashes" instãmôneõs."'J\ suõversao ã a c on tlfiõld a ae hlsforica é
,....__,w r• - ._. medida em que ela está cortada de suas raízes. figuro etérea
saída das brumas da manhã da criação do mundo.

22. lb., p. 391.


23. J .-M. BENOLST. Lo Révoluffon sfructurde, op. cff.. p , 3B. 26. /b .. p . 380.
24. M . FOUCAULT, Las Mofs e t /es choses. op. ctt.. p . 380. 2 7. M. FOUCA ULT. Les Mo ls e f /es c hoses, o p . c lf., p . 221.
?A Ih P"\ ~L~
STIWTURALISM O 34. 1 ~: O ANO I Ul li. 1OUCAUL1 VENDl COMO P U INHOS

- ~ enf~~ de F~ucault Implica, portanto, romper radlcalmo n poder de assimilar os diversas coisas a uma identidade funda-
.!§!_ cor;n toda )?eSq!JlsO das origens ou de um sistema qualquor mental. O século XVI sobrepôs semiologia e hermenêutica na
de causalidgde !-~ e substitui por um polimorfísmo que torno form a de um saber simultaneamente pletórico, na medida em
h::npnssíveJ a _reconstUuJt;õo de lJ[Y)a dialética histórica. A sua ar que a similitude. o encaminhamento para uma semelhança é
queologla das ciências humanas, Las Mots at las choses, Ilimitado mas também pobre. pois esse saber constrói-se sob a
dedica-se a reconstituir a maneira como surge uma nova con fo rma da simples adição: ·osaber do século XVI estó conde-
flguraçõo do saber a partir de um método, o mais estruturallsto nado a conhecer sempre a mesma colsa"32 • A natureza é aí
no percurso de Foucault, que leva de uma episteme a outro, apenas uma figura redupllcaecr-âo cosmo; erudição e adivinha-
de um tecido discursivo a outro, num desenvolvimento em que ç ão participam de uma hermenêutica idêntica.
as palavras remetem para outras palavras. Essa 12.9stura. propria Essa eplsteme vai balançar no século XVI a partir de uma
mente estruturalista, de valorização da esfera disc~va em suo ruptura q·ue afetará o velho parentesco entre as palavras e as
autonomia em relação ao referenle. p"e'rmile. por sua dlmensôo coisas. lugar a partir dO' qual o homem vai poder nascer para
sincrônica, ~cont~ar coerênci.9s ~gnificantes ê rilre- díscursos que, si mesmo. tornar-se oq{eto singular do saber. Essa mutação é
na aparência. não têm relações entre si, ...apenas slmultaneida s 1rnbolizada pela busc6 de Dom Quixote, que tenta ler o mun-
de: ·o quê ele- me proporcionou, foi ~ sa ~ u ~ i ;·dé.• tazer do para demonstra.7 a veracidade dos livros. Ele esbarra na
uma aproximação inteligente entre biologia. astronomia e físico. não-concordância dos signos e do real, no perfeito desacordo
/ .. ./ Hoje, a sociologia contemporónea não é essa potência ex onde sua utopia vai se consumar. Não obstante, ele persiste
pansiva"29 • em querer decodificar o mundo através de sua grade obsoleta.
Mas é essa noção de eplsteme a que formulará o maior nú A sua aventura é duplamente significante, na medida em que
mero de Indagações, não somente aquela, não resolvida. d e nos revela o nascimento de uma nova configuração do saber,
saber como se passa de uma episteme para outra, ma~ tom assim como da historicidade da linguagem. A defasagem vivida
bém a que se apresenta ao próprio Foucault: a partir de que por Dom Quixote entre os palavras e as coisas, o caráter ina-
eplsteme ele fala? Essa noção, onipresente em 1966 em Les de'f.ado da sua forma de saber, podem engendrar a loucura
Mots et /es choses, será contestada a tal ponto que não se en na , .. edida em que ele não faz a decifração das d iferenças:
contra em toda a obra ulterior de Foucault. A sua arqueologlo "As palavras erram ao acaso. sem conteúdo. sem semelhança
busca no subsolo dos continentes do saber as linhas da fraturo, para\s,reenchê-las; não marcam mais as coisas" 33•
cs .rupturas significativas: ;_Q...g!!e se gueria eLy~,:;Jdoú_Q__ç_ampo A nova eplsteme, a da era clássic'a, do século XVI, do racio-
ep,stemológlco. a eplsteme ~ de os conheciro.en t os. cooru;iero l)alismo cartesiano, substitui a hierarquia analógica pelo trabalho
d_?S fõiããe todó o _çriiétiQ çi_ u e se refira _<;19_ ~ ~u valor racional de a!)áltse crítica. Toda semelhança é então submetida ao tes-
_ou à ~~~~rmas objetivas, enJerram SUCL..AOsiíi'li.dQruLe.._Cnanl te dÓ comparação: "A razão ocidental entra na idade do
•testam assim uma história"3º. julgamento"34• O que possibilita, nessa episteme clássica. o pro-
jeto de uma ciência geral, de uma teoria dos signos. é o
recurso a uma mothesis para as estruturas simples cujo método
universal é a álgebra, e uma taxinomia poro as naturezas com-
plexas. É no interior dessa construção de uma ordem crítica
que nasce a gramática gEtral: "A tarefa fundamental do discur-
so clósstco é atribuir um nome às coisas, e nesse nome a de
nomear-lhes 3
. o"-- seu ser" r.. Uma
. ciência da linguagem nasce, por-
tanto. dessa nova -distância entre as palavras e as coisas. e o
A REPRESENTAÇÃO DO REPRESENTADO mesmo ocorre nessa época no tocante ao nascimento de uma
história natural. não dissocióvel do linguagem. Essa história natu-
ral subdivide o seu campo em três classes: os minerais. os vege -

A primeira configurÓção do saber estudado por Foucauil •


a episteme da Renascença até o século 'XVI. O sabe r
fundamenta-se então no mesmo, na repetição, ·na represento
tais e os animais, mos o corte ainda não se situa entre o vivo
e o não-vivo. A episteme c lássico também se caracteriza pelo
nascimento da análise das riquezas. a qual obedece à mesma
ção do representado. É a semelhança que. nesse caso. desem configuração que a história natural e a gramática geral. En-
penha o papel fundador do saber na cultura ocidental. Hâ quanto que o pensamento econômico da Renascença reduzia
desdobramento da relação da idéia com o seu objeto: ·o os símbolos monetários à, sua exatidão de medida em quanti-
mundo enrolava-se sobre si mesmo"31• Os procedimentos de siml d ade de metal escolhido para estaião. o século XVII faz oscilar
litude são nume rosos nessa episteme: a vizinhança de lugares. o a análise: agora é a função de troca que serve de fundomen-
simples reflexo, a analogia e o jogo de simpatias, tudo tem o
32. lb., p. 45.
29. Pierre Ansort. entrevisto com o oútor. 33. M , FOUCAULT. Les Mofs ef /es choses. op. clf .. p. 61.
30. M. FOUCAULT, Les Mofs ef les ohoses, op. olf., p , 13. 3 d /t:,., p . 75.
to e o nascimento do mercantilismo. É porque o ouro é umo
moeda que ele é então precioso e não o Inverso. como se
acreditava no século XVI, a moeda recebe o seu valor da suo
pura função de signo.

A ERA DO RELA TIVISMO

A EPISTEME DA MODERNIDADE Essa sucessão de epistemes até o nosso período contem-


porâneo, essa hlstoriclzaçõo do saber e do homem. figura
possibilitada unicamente na última configuração epistemológica,
desemboco num relativismo histórico por parte de Foucault, um
relativismo semelhante ao de Lévi-Strauss. Da mesma forma que
E ssa episteme vai ser ainda abalada no final do século
XVIII e começos do XIX poro dor lugar à nossa episteme
moderna. Esta nasceu de uma defasagem que abalou todo o
não existe inferioridade ou anterioridade entre sociedades prlmi-
tivc:;s e socledaaes moderna-;., ta"n;bémnão h Ó vê;;;ad; a pro-
pensamento ocidental. As novas ciências que aparecem no sé· c urar aos dbu;usas etqp~ constitutivas do--;;;-be..-Openas há
culo XIX têm em comum construir seu objeto num campo cujos discursos historie~~ IQ.Q..alizóveis: "Uma vez que õ ser huma-
componentes escapam à observação. No século XIX. a vida, o no se fornou1nteiramente histórico, nenhum dos conteúdos ana-
trabalho e a linguagem convertem -se em outros tantos "trans- lisados pelas ciências humanas pode permanecer estável em si
cendentais". A anólise das riquezas vai dor lugar à e conomia mesmo e escapar ao movimento da história"38 . A base do nos-
política. A primeira flexão importante data de Adam Smith. Pa· so saber contemporâneo. representado por disciplinas estrutura-
ra o economista, o que circula sob a forma de coisas é então das e (experimentadas numa prática científica comprovada,
reportóvel ao trabalho: • A partir de Smith, o tempo da econo· resum\se a figuras temporárias. configurações transitórias. Esse
mia não seró mais aquele, cíclico, dos empobrecimentos e en,f. rel~~o absoluto que~ c i z o totalmen~ ~P.?_ç!osa-
queclmentos. / .. ./ seró o tempo do capital e do regime de b~fâ1faradoxalmente volta~ ntro a abordagem histórJca,
produção" 36• Ricardo vai completar esse advento da economia e r!L J~ro~o de uma c o n e ~ essencialmente e_sp.o.cial. a do
política ao assegurar. no âmago do pensamento econômico, o espaç~stemológlco, pura sincronia cujo Interior cumpre de-
primado do trabalho. o qual determina o valor não mais como limitar em relação ao exterior, mas cuja positividade dó as cos-
signo mos como produto. tas à duração, à história.
Uma revolução semelhante afeto o domínio do história notu É a um olhar sobre uma temporalidade tão arrefecida quan-
rol e permite o nascimento da biologia. Com Jussleu e to a t rabalhada pelo etnólogo nas sociedades primitivas à que
Lamarck. o caráter delxoró de fundamentar-se a partir do domí Foucault n os convida. O mal-entendido com os historiadores
nlo visível num princípio interno. o da organização que deter· provém de que Foucault não leva em conta qualquer real ou
mina as funções; o que pressupõe fazer um corte transversal no referente histórico mas somente a esfera discursiva em suas• mo-
Interior do organismo a fim de perceber as funções vitais subja duiações internas. Apreende- apenas o nível dos discursos. numa
centes nos órgãos superficiais. A biologia é então possível. e é démorche nominalista em que a palavra é tratada de maneira
Cuvior quem retoma essa descoberta por sua conta para affr. quase física como .uma coisa. substituindo-a de fato. O discurso.
mor o primado da função sobre o órgão. o documento, não é mais concebido como documento. mas
No domínio da linguagem, a revolução epistemológica asse como monumento: •o texto é um objeto histórico, como o tron -
melha-se ao aparecimento da filologia . É o salto da palavra co de uma órvore" 39• Esse enfoque leva Foucault a valorizar a
fora de suas funções representativas; elo pertence doravante a coerência interna das sucessivas epistemes. a abandonar os
uma totalidade gramatical que se torna determinante: "A língua processos de transformação, as mediações, a dimensão diacrô-
define-se agora pelo número de suas unidades e por todas aa nica, e as descontinuidades mantêm-se então fundamental-
combinações possíveis que podem, no discurso, estabelecer-se mente enigmáticas.
entre · elas; trata-se nesse 'caso de um complexo de ótomos• 3 7. ~s Mots et /es ch.9.ses _ç,Qll§.Çlgram a Jase_ moi~tr~llsta
de Foucault, a da ciência dos sistemas de signos onde, por trós
dÕÕescnffvo da sucessão das diversas epistemes desde a Ida-
de cióssica. ele procura o impensado de cada uma dessas
etapas da cultura ocidental, sua modalidade da ordem, seu o

36. lb . p . 238.
38. M . FOUCAULT. L•u Mots et las choses, op. clt.• p . 382.
39. M . FOUCAULT. fronce-Cullure. 10 de julho de 1969.
priori histórico. À maneira como Lévl-Strauss percebe o lmpe nso ·
do das próticas sociais nas sociedades primitivas, Foucault d eci- 35. 1966: O ANO-LUZ
fra o Impensado da base constitutiva do saber ocidental,
prolongando assim o esforço kantiano para "nos sacudir do no&-
Ili. QUANDO JULIA CHEGA A PARIS
so sono antropológlco" 40 •
É para escapar desse espaço antropológico, da onólise do
flnltude, do plano empírico-transcendental, que Foucault atribui,
no final do livro, um status particular a três disciplinas: a pslca -
nólise revista e corrigido por Lacon, a etnologia em sua versão
U mo jovem búlgara de 24 anos desembarca em Paris na
véspera de Natal em 1965. Tem apenas c inco dólares
no bolso quando o seu avião pousa na pista de Orly sob uma
lévi-strousslono e o história numa versão nietzscheana, descons- fustigante nevasca. Nesse Instante, ela11ão tem a menor suspel·
truída. O livro termina, portanto, apoiado numa eplsteme bem ta de que lró tornar -se a egério do estruturalismo, sob o nome
específico: o do estruturalismo que se apresento como a reali- d e Julio Krlstevo. Esse grande momento do pensamento na
zação do consciência moderna. França é também Isto: o erncontro de uma aventura cultural
Nesse programa, que se insere plenamente na conjuntura es- a udaciosa e de uma mulher,Áolentosa. O momento é propício,
truturallsta, nota-se uma ausência de peso. É a de Marx, rele- sua chegado à França n~ imiar do ano de 1966 mergulho-a
gado no livro para a episteme do século XIX: "No nível num verdadeiro turbllhã9/ culturol que ela coptaró com o pal-
profundo do saber ocidental, o marxismo não introduziu nenhum xõ o de uma estrangeira frustrada na sua Bulgórla natal. As cir-
corte real; olofou-se sem dificuldade / .. ./ no interior de uma dls- c unstônclas vão colocó-la no próprio centro do ciclone, tanto
poslçõo epistemológico que o acolheu com indulgência. / ... / O m ais que os franceses, atentos ao formalismo russo cujos textos
marxismo insere-se no pensamento do século XIX como peixe Todorov publico. estão na escuta do que se passa no leste,
na ógua: quer dizer, ele deixa de respirar em qualquer outro t anto no plano literário quanto político, nesse momento de de-
melo" 41 • Aí temos uma fratu ra Importante entre a posição d e gelo das relações leste/oeste. É nesse contexto privilegiado que
Foucault, que procura constituir uma bifurcação tanto do mo- J ulla pôde, ·0l~ ftneficiar-se de u~a bolsa concedida pelo
delo marxista quanto do modelo fenomenológico, e o posição g overno francês do general De Gaulle. Mulher de letras. Interro-
da corrente althusserlana que, pelo contrório, tenta proporcionar g a-se sobre o que parece ser o própria expressão da moderni-
a Marx um segundo a lento, fazer dele o iniciador da principal d ade na França, o nouveau romon. Decide escrever uma tese
ruptura na história das ciências. Foucault deveró responder p e unlversltórla em torno desse tema, sob a orientação de Luclen
la sua posição, considerado provocadora pelo grupo althusse- G oldmann; mas o contato direto com a reflexão semlológica,
riano do círculo epistemológico da ENS, e corrigirá mais tarde o e ntõo ~ n o desenvolvimento, depressa o lévou a descons-
tiro com a redação de l'Archéologie du savoír: "Quando escre- truir o seu objeto de estudo para interrogar-se sobre a constitui-
veu Les Mots et les choses, desconhecia a leitura de Althusse r ç ão do romance como gênero, sobre o narração ... A partir daí,
de Marx, ao posso que em l'Archéologle du savoir nos falo d e p articipa plenamente da efervescência intelectual em curso.
um Marx revisitado por Althusser" 42 . A perspectiva do Foucault
de 1966 participa plenamente do teoricismo ambiente do estru
turallsmo, ao qual dó uma resposta filosófico partindo do prl
modo da razão puro, da representação das estruturas da expe
rlênclo enquanto articuladas com base na constituição d e
obfetos epistemológicos.
É...J2_arg ele, o meio de a ~§entar-se como o líder ~enclal
.____ ----/
de_ fQdos O§ !asfruturallstos reuoldQ$ er:o_seu combate ç ontro a n O FASCÍNIO PELO FORMALISMO
·,~ fio do_ ~ ntldo, contra o humanismo e a fenomenologia, for
mulando ainda. a maneira de Kant, a questão da atualidade
da filosofia enquanto presente, e de apreendê-lo em sub capa
cidade crítica e desmistificadora. J ulia freqüenta o seminário de Barthes nos Altos Estudos e o
laboratório de antropologia social de Lévl-Strouss, que abriga
uma seção de semioMngüística. O momento decisivo, entretanto, é
o encontro com Philippe Sollers, que provoca um mútuo cOLJp de
foudre: "Eu o verei sempre como ela me apareceu nesse momen-
to, muito atraente. Há nela algo de maravilhoso, que satta aos
olhos - sua graciosidade, suo sensualidade, essa aliança entre a
delicadeza. a beleza física e sua capacidade de reflexão. De~e
ponto de visto, é um caso ímpar na hist6ria"1 •
40. H .-L. D ílEYFUS e P. ílABINOW. Foucault, un porcours phHosophlque. Golllmord ,
1984. p. 71 .
41 . M . FOUCAULT. Les Mofs et les choses. op. clt.. p . 274. 1. Ph . SOLLEílS. 'Le bon Ploisir de J. Kristeva' . Fronce-Culture. 10 de d e ze mbro de
42. étienne Bollbor, entrevisto com o autor. 1988.
••• ...,,,,, • •w ,.:a t t t v + ..,, ••

A união dos dois sela o enraizamento intelectual de Juno Kr1S·


teva no selo do grupo mais agitado de 1966, o grupo Tal Quo/,
que coloca Julia no centro do Tout-Paris intelectual. Reencontro
Todorov, seu compatriota, contrai amizade com Benvenlste, des-
cobre Lacan por Intermédio de Sollers e freqüenta seu seminó-
/
rio. Próxima do PCF, pelo menos de .suas margens Intelectuais
(La Nouvelle Crítíque, Les Lettres françaíses). defende posições
marxistas. Julla Kristeva, com o correr dos meses, torna-se a por•
ta -bandeira do estruturalismo em sua ambição generalizadora, A LITERATURA PARTICIPA DA FESTA
mistura explosiva de semlo-marxo-freudlsmo, a própria expressão
do vanguardismo intelectual em sua vontade de revolucionar o
mundo ... pela escritura. É uma estrangeira quem vai encarnar
melhor essa ambição. a mais parisiense da capital. Philippe SOi·
lers, seu mmido desde 1967, Interessa-se então pela semlologia
S e Julia Krlsteva mergulhou rapidamente nesse clima do
ano de 1966, a sua posição de exterioridade, de estran-
geira, confere-lhe uma lucidez que lhe vai permitir apontar
literária. Redige em 1966 uma exposição apresentada no semi- depressa as duas grandes aporias do paradigma estruturalisto: a
nário de Barthes em 25 de novembro de 1965 sobre Mallarmé. história e o sujeito, em__ par1Ícular a partir da obra de M. Bakhtln.
O escritor a{ é celebrado como o grande iniciador da aproxi - Esse ano de 1966 é decididamente um ano privilegiado de refle-
mação em curso entre a literatura e a teoria literário: "Poro xão sobre a literatura. O althusserianismo apodera-se, inclusive, do
Maliarmé. a literatura e a ciência estão doravante em estreita objeto literório, concebido como produção, no obra que Pierre
comunlcação"2. Macherey lhe consagra 5 • Ele interrogo-se sobre esse novo perso-
Todo o projeto de Te/ Que/ inscreve-se no âmbito do projeto nagem que é o crítico literário no momento do estruturalismo:
mallarmeiano enquanto experimentação do literatura, poro quase um"-escritor, ele deixou de ser um reserva: "O crítico é um
além dos gêneros e dos limites, como expressão da consciência analista" 6• A'sua_iarefa, feita de decifração, de reconstrução do
de si na morte, verdadeiro suicídio a partir do qual a lingua- sentido, Já não está limitada a um papel de reconstituição de
gem retoma os seus direitos, ultrapassando as limitações da sub- um sentido simplesmente depositado na obra e que cumpria re-
jetividade da consciência do outro. Maliarmé, atento à retórica, colher. Se Pierre Macherey não adere aos princípios do forma-
à filologia, convida à reflexão semiol6glca. uma vez que O Livro lismo ambiente e até vislumbro neles "uma reminiscência
a escrever remete poro o Impossível como perspectiva. Nado platônica" 7 que culmina numa atividade desrealizadoro, preconi-
mais resta além de fragmentos pma fazer cintilar num futuro za _paraa literatura uma leitura sintoma! semelhante à realizada
prescrito que, segundo Mollarmé, "nunca será mais do que o por Althusser e seu grupo para a obra de Marx. Não se trata de
brilho daquilo que deve ter-se produzido anteriormente ou per· procurar a pedra filosofal escondida atrás do texto, mas de dizer
to da origem" 3 • Portanto, Mollormé inaugura o vasto programo aquilo de que o tex1o fala sem o dizer: "Uma anóllse verdadeira
do pensamento formal, o da revolução em seu sentido literal. o [ ... ) deve reencontrar um jamais dito, um não-dito Inicial''ª.
do retorno da retórico, do retorno do leste, do "regresso a ...", e Decididamente, o literatura participa da festa, no centro de
da chegada do leste de uma certo Julio Kristevo. Esse gosto um importante lance teórico nesse ano da publicação da res-
pelo formalismo é um componente multo francês, segundo posta de Barthes a Picard, Critique et vérité. Entretanto: Gérard
Jean Oubois: "O fascínio pelo formalismo é a expressão de umo Genette defende uma posição mais matizada e parece ter
tendência profundo, antes mesmo do estruturalismo. Jovem preferênclal)oL.Umci coexlstência pacífica. baseada numa divi-
agrégé. eram os estruturas formais que me Interessavam. e se são complementar do trabalho entre a hermenêutica de um
eu era um bom gramático do grego e do latim, é porque se lado e a corrente estruturalisto do outro. Haveria assim uma
trota de estruturas formois" 4 • partilha do campo literário entre uma literatura suscetível de ser
vivenciada pela consciência crítica e deixado aos cuidodos da
hermenêutica, e uma literatura de sentido longínquo, mal deci-
frável, que se tornaria o objeto privilegiado da análise do estru-
turalismo: "A relação que une estruturalismo e herme.n.ê.!..u!.ca
poderia ser não de separação mecónlco e de exclusão, mas
de complementaridade" 9 • Genette situa bem a virada em ç;ur§O
quando assinala a subversao de um det~inismo tem.12..orai

5. P. MACHEREY, Pour una théoria de lo productíon litt./,ro/ra, Mosp~ ro, 1966.


6. lb.. p. 165.
2. Ph . SOLLERS, " Littérotur<> e1 totolité', 1966. <>m L'Écrffure <>t f'expérlence d&s #mi 7. lb.. p . 167.
8. P. MACHEREY, Pour une tháorle d<> la productlcn 1/ttérolr<>, op. clt., p. 1 74.
tes. Points·S<>uil, 1968. p . 73 .
3. S. Mollormé. citodo por SOLLERS, lb.. p. 87. 9 . G. GENEHE. 'Structurolism<> et cri tique líttéroire' , L'Arc, nº 26. reimpr<>sso em Fi-
gures/, le S<>ull. 1966, <> Points-Seull, 1976, p . 161.
4 . Jeon Dubois. entr<>visto com o outor.
num determinismo e~poclal. Essa recusa do historicidade e esse do novo. o do conceito. no mais além da noção de substân-
recolhimen~,:;;-presente Inerte cujos linhos não se tem mal• c ia e dos enraizamentos disciplinares. na vertigem abissal do
que desenhar constituem. com efeito, a característica essencial jogo Infinito das relações em sua combinatória. abalando as
do nova sensibllldode estrutural: "Sendo cada _!,!nldade definido fronteiras e Instalando-o o mais perto possível dos limites. nos
g!!l_lermos de-1filoçõ~s ~e oão mais de filiação" 1º. Tal como Pier- confins do possível sempre remoto, jamais acessível.
re Macherey, Gérard Genette critica sobretudo o aspecto lndl·
vlduol do psicologismo que domina no história llter6rla clóssica.
sua atenção exclusiva às obras e aos autores, às custas dos clr·
cultos· de produção liter6rla e dos da leitura. Nesse plano, ele
concorda inteiramente com Pierre Macherey: "Ao mesmo t empo
que o livro, são produzidas os condições de suo comunicação
[ ... ). o que faz o livro faz também os seus leltores" 11 •
/
A publicação dos Écrits nesse ano de 1966 provoca Inúmeros
conversões ao freudismo laconizado. Membro da equipe de Es- O PERCURSO SOLITÁRIO
prlt desde 1946, Gennle Lemolne abandona a revista para ade- DE MAURIC E GODELIER
rir em 1966 à escola de Lacan. Por seu lado, Anto inette
Fouque, que preparava uma tese com Barthes sobre a ovant-
garde, converte-se à pslcan61ise após a leitura dos Écrits: "Eu s duas grandes figuras tutelares e±jogo são então M_arx
quase poderia dizer que conheci Locan antes de Freud" 12. No
final dos Écrits, Lacan republica um artigo essencial. já publica-
Ae Freud. A leitura lacaniana e se ret orno a Freud im-
põem-se como a renovação lndispensá~ 1 da obra fundadora,
do em janeiro de 1966 no primeiro número dos Cohiers pour da mesma m ~ e para Marx a Jeltura que dele fa z Al-
/'onolyse, "l a science et lo vérité". Repele aí o noção em vogo thusser tem um significado idêntico, mas existem casos híbridos
de "ciências humanos": paro ele, essa noção devolve a um es- de tentativas de conciliação de abordagens que podiam, no
tado de servidão que Georges Canguilhem já tinha sublinhado começo, parecer antagônicas. É o caso de Mourice Godelier.
a propósito da psicologia, a qual teria feito uma descida de to- que tenta uma síntese entre Lévi-Strauss e Marx para um regres-
bogã desde o Panteão até à prefeitura de polícia . so - também Inovador - estrutural à obra de Marx.
Mas a repugnância que lhe suscitam essas "ciências huma- É em 1966 que Godelier publica, na Maspero, Rotionolité et
nas" desaparece quando elas são habitadas e metamorfosea- /rrotionolité en économie; mas o segunda parte do seu livro é,
das pelo estruturalismo, o qual Implica uma novo concepção de t9-tó.constituída de artigos publicados entre 1960 e 1965 em
do sujeito: "O sujeito est6, se assim se pode dizer, em exclusão Lo Pensée e em Économie et Politique. ou seja, antes da relei-
Interna do seu objeto" 13 . Nesse ano estrutural e apesar de uma tura althusseriana de Marx. Mourice Godelier já realiza aí, como
reviravolto lógica o partir de 1964, Locan apóia-se ainda, com franco-atirador, um retorno a Marx, ao método e à estrutura
Insistência, em lévl-Strauss: "A fidelidade que a obra de Claude patentes em O Capital. Ele distingue em Marx o método hipo-
Lévl-S\rauss manifesto a um semelhante estruturalismo só se co- tético-dedutivo do método dialético. Mourice Godelier não
locará aqui a crédito da nossa tese contentando-nos por agora esperou, portanto, pelo retorno a Marx de Althusser. e seu tra-
com a sua periferio"14• Pouco depois evoca o "grafo lévl-straus- balho, ·solltório, inscreve-se como trabalho solid6rio da ántropo-
slano" para fazer explodir o sujeito. o famoso ego de Descartes logla estrutural de Lévw-Strauss: "Reli O Capital sozinho, num
que não teria outra existência senão a de denotação. Segundo momentó'-e.rn..._gy,,e ninguém se interessava em o reler" 16. Oriundo
Élisabeth Roudinesco. Locan ainda sofre em 1966 por não ser do ogrégotion de filosofia, Mourice Godeller realizou um curso
suficientemente reconhecido, o que explicaria as suas tentativas de três anos em economia, e tenta então constituir uma antro-
para encontrar pontos de apoio, seja em Lévl-Strouss. seja em pofogla econômica que permita um estudo teórico compmado
Foucoult. de quem menciona Naissonce de lo clinique nos dos diferentes sistemas econômicos no tempo e no espaço, a
Écrits 15, sem cair no que qualificará mais tarde de "cuba estru- partir de uma aceitaçã;o ampliada da economia política que
turallsta". Incluiria todas as dimensões do campo social: "Não existe racio -
Julia l<rlsteva atravessa. pois, uma Paris sacudida pelo estrutu- nalidade econômica em si, nem forma definitiva, um modelo
ralismo, lugar eleito de trocas entre aqueles que compartilham de racionalidade econômlca" 17•
com entusiasmo da mesma impressão de pertencer a um mun- É evidente que, no contexto dos anos 60, surpreende que
não tenha havido uma elaboração conjunta entre althusserianos
e Godeiier, tão grande é a proximidade de ponto de vista. Go-
1 o. /b.• p . 15ó.
11. P. MACHEREY, Pour une fhéorle de lo productton /lltéro/re, op. clt., p. 88.
delier vai, entretanto, à rua de Ulm um domingo de manhã
12. A. FOUQUE, 'le bon Ploisir", fronce•Culture. junho de 1989.
13. J. LACAN. 'lo sclence et lo véríté', Cohlers pour /'onalyse, nº 1 reimpresso em
ltcrlfs. op. clt., vol. 2 . p . 226. 16. MAURICE GODELIER. entrevisto com o autor.
14. /b., p. 226. 17. MAURICE GODELIER. Roffondlté ef ltToclonol/té en économle. Maspero. 1966. p.
15. J. LACAN. ltcrlfs. oo. c/f., vol. P . 80, nota . OI'\
poro uma reunião constitutivo de um vasto programo da n••
quisa coletiva dirigida por Althusser: "Vi aí uma operação monto
truoso ser articulado diante dos nossos olhos. Ló estava 111- UMA FEBRE HEXAGONAL
Althusser, Intérprete sagrado da obra sagrada que dlstrlbu/a o
trabalho: a Badiou cabia fazer a teoria marxista das motemóN
cas, a Macherey a da literatura ..." 18• Segundo Emmanuel Terrav
Godelier estava ressentido com o grupo althusserlano, pois •ra
suspeito de procurar um compromisso imposslvet entre Marx •
Lévi-Strauss.
Se os conceitos circulam depressa nesse ano de 1966, se to
dos os caminhos levam à estrutura, a ocupação da poslçOo
central. potencialmente hegemônica. não é fócll de determina,
/
nesse caldo de cultura estruturalista. Os lugares aí são caros e •
grande o risco de se cair na cuba. O Jogo deve ser sutil. Nõo,
decididamente, a Paris estruturalista é uma aposta imposs/vel,

I
/

18. MAURICE GOOELIER, 9nfre11ista com<> ,.,,.,,...,


/
36. NA HORA DA PÓS-MODERNIDADE

U ma nova relação com a temporalidade Instituiu-se de for -


ma lmpercepttvel no transcorrer do século XX no ocidente.
A Europa perdeu ao mesmo tempo a sua posição dominante o
o seu papel de modelo para o resto da humanidade. Desde o
começo do sécuo, em Viena, no coração do velho e decaden-
te império dos Habsburgos, surgiu uma cultura a-histórica'.
A fratura da Primeiro Guerra Mund(al foi decisiva tanto no pia·
no da redistribuição das cartas econômicas a favor de potências
extra-européias, quanto no plano da crise de consciência de uma
Europa que teve de passar o facho da modernidade para as
mãos da Jovem potência norte-americana. e Interrogar-se sobre
essa fratura que velo quebrar o evolucionismo Unear de sua pró·
prla historicidade. Em 1920, A DecodêncJa do Oddente de Spen-
gler repôs em seu devido lugar, provincial, uma Europa que
começa a ver aluírem os alicerce~ do evolucionismo oitocentista.
Herdeiras do lu~lnlsmo, da Au!~lórung, as ciências sociais vi -
viam então a bel/e époque dos ª'\onças no rumo da idade da
perfeição, da razão triunfante. Os defensores do imobilismo ou da
mudança entendem-se então acerca de um esquema global de
evolução de um progresso contfnuo, quer se trate de Saint-Simon,
Spencer, Comte ou Marx. Vê-se perfilar no horizonte da humanida-
de inteira a sucessão, em Augusta Comte. do estado teológico,
depois metafísico, finalmente positivo; em Karl Marx, a passagem
da e ~ rldão à servidão, ao capitalismo, poro cuimlnar no socia-
lismo. s c e ~ ~e c~ns.!,rulr na_ perspec~ progresso vão
cho r-se contfa o . real tróglco de ,,!d!D_s~ulo ~ - 9ue não_delxou,
em ~O. do__rgsery_ar surp~sos ao e ~centrlsmo. ·
A Segunda Guerra Mundial e a descoberta do Holocausto vão
provocar um novo traumatismo para um ocidente que, mal refei -
to de suas chagas. vê contestada sua situação de dominação no
mundo por continentes Inteiros que sacodem o jugo colonial. Uma
Europa nua problematiza então o seu passado dramótico sobre
um fundo de pessimismo, cada vez mais radical. A cada um des-
ses...abalos, a Europa acabou carpindo a morte da próprio Idéia
de um- futU!'_O de ruptura. - --

1. e. SCHORSKE. Rn de $/ôcle Vlenna, Allred A. Knopf, Nova York. 1979; lrad. franc.-
so, Le Seul!, 1983.
HISTÓRIA DO ES Tl?UTURALISM O 36 NA lfOIM DA PÔS M ODWNIDI\D[

UM PRESENTE SEM DEV IR O DESENCANTO IYA RAZAO


I -

R esultou daí uma dilatação do presente, uma presentifica


ção do passad;, -;--um novo modo de relação com a his-
toricidade em que o presente já não é pensado como antecl
A Q!.9Vlnck:,!ização da raz~m ?.;;:!de!!tal, a descoberta da_irre-
ltY1!):>llldade da resistência de outras lóg$ _ ,de_ plu!:._a lidâde
cultural, alimentaram um profundo pessimismo. uma espécie àe
poção do tuturo mas como campo de uma possível reciclagem ~ olÕgig_ ne~ Os "decepcionados do r<;ci~~iis'r;o Õêid;n)al5"
do passado no modo genealógico. O futuro dissolve-se e o pre- adotam o contrapé do racionalismo otimista para cair numa es-
sente Imóvel permite que o pasoodo não se d istancie: "Não tendo pécie de nifflsmo, de pensamento do limite, nas fronteiras do sen-
a diferença do futuro que penetrar mais no presente, ei-la que re• tido e do não-sentido. Situação comi/xa porque combina ao
flui. a contrape10•<2_ É uma relação descontraída entre passado e mesmo tempo uma idiossincrasia pesso I feita de desilusão, de re-
presente que se Institui, quando Já não se trata de apurar o que jeição, mas marcad~or suas bases ontestatárias iniciais. A teo-
permite construir um outro devir. quando o futuro está aferrolhado, rização da lncapacldod_~ o homem para ter o domínio sobre
Imobilizado num equilíbrio presente que é chamado a se repetir sua história coletiva ou pessoal. a ênfase atrlbúda à sua incom-
indefinidamente. A voga do novo, cenografia publicitária do nos- pletude, a pavana para a razão ocidental defunta, anunciam
so cotidiano. permite d iluir ainda mais toda a eventualidade de simultaneamente um trabalho mais rigoroso, mais lúcido, dessa
uma futura alteridade3 • É com base na rejeição de toda a teleo- mesma razão ocidental. É ela que está em ação em Lévl-Strauss
logia histórica, de todo o sentido atribuído à história da humani- quando ele exuma as sociedades primitivas, é e la que permite a
dade, que se reencontram as belezas perdidas "desse mundo que Lacan cuidar de seus pacientes, é ainda e la que consente a
perdemos'', de uma Idade Média enaltecido e magnificada como Foucau~ncontror-se junto dos esquecidos, dos rejeitados, dos prl-
lugar de uma a lteridade vinculada à busca das raízes Identitárias. slonelt6s. Ardis de urna razão que trabalha para sua própria des..
Ê no contexto dessa descentralização, de desl9.f_9.!!)~t.9 do centralização. .
cuttura eürõpé~edesconstrução da mêt~ ca, qu~ uma novo As relações são, pois:, complexas entre o paradigma estruturalis-
consclêncLg ....eh;10ióg["'~imÍ2õe .e...::.2..m substituir umàconsclên- ta e a atmosfera desencantada do período. Não hó reflexo
.crã histórica. O ocidente interroga-se sobre o seu reverso, sobre os mecânico. relação de espelho entre os dois estratos de fenôme-
rnÕCÍÕsde ser da outra cena, invisível, lugar de uma presença re- nos. ma& autonomia de desenvolvimento do espírito cie,ntítico em
velada por sua própria ausência. Por trás da consciência. Ffeud relação ao contexf.o-:"'Alirmar uma relação de Igualdade entre
descobre as leis do Inconsciente, por trás da desordem sublunar e les. seria "coms,,~ se dissesse que a relatividade de Einstein é
da nossa sociedade, Durkheim decifra o inconsciente de nossas uma desilusão ó partir da Idéia de que tudo é relativo"º. Cumpre,
práticas coletivas. A pós..rn.o.d.eJn!dg de constrói-se então na busco porém, adicionar uma outra peça no contexto de desencanto
dos mecanismos su~ ntes, e propõe-se ser desconstrutora do que prevalece quando da eclosão do estruturalismo: referimo-nos
humã"'n ismo g ualiflcadõCieiCla deMédia por Mlchel Foucautt, que ao esgotamento dos paradigmas evolucionista, fenomenológico,
se""apóia nessa revolução eplstemolog1ca triunfante nos anos 60 funcionalista, e à busca de uma renovação epistemológica. Reve-
para glorificá-la : "O estruturalismo não é um método novo; é a la-se aqui a própria lei de evolução da abordagem científica,
consciência desperta e inquieta do saber moderno"4. feita de rupturas sucessivas, a partir da exaustão dos seus mode-
los e programas, verdadeira história de fracassos teóricos_,;.,:p o.
mesmo modo que o ocldent~ se d ~ ~e não-linep r, as Ç!fill_Çlas
humanas não se pensam mais CQ.mo S1;!,C e~~g,Lg ~ r:m~!9.9~ s de
c amada~ sedi!!'entares.

2 . F. TORR!:S. Oéjà 1/U, Romsoy, 1986, p . 142.


3. Ver J.-L. MARION, ·une modemité sons avenir". Le Oébaf. nº 4, setembro de 1980.
PP, 54•60.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO

nham Invadido a Tchecosiovóqula. / .../ Assiste-se à legitimidade


sendo feita à força de blindados e não pela democracia; estava
tudo acabadoº'º· Para toda uma geração, a esperanço revoluclo-
nórla, exposta às - Investidas das- forças da opressóo. é devolvida
11
ao status de mttologla, reduzida à fantaslg_ e confinado. reprrnlda
como mit<?_do século XIX. Essas grandes passagens que, em últlrno
Instância, atraíam os intelectuais com suas promessas sofrem uma
erosão Irreversível numa sociedade ocidental que Jó não se pen-
A IDEOLOGIA DA SUSPEITA so como decorrente de uma história quente mas parece recorrer
às ~ledades primitivos a fim de prtvlegior uma relação frio com
uma temporalidade pregada ao solo, np lmobllldode.
século ~ das r.upturas lnduzlu ~m pessll"[l~o profundo
. O em_ !_elaç_a o à história, e o advento dessa era pÓS-moder-
ng. Pode-se datar, com Jean-François Lyotard, a ruptura do evo-
lucionismo ocidental em 1943 7, o momento da •solução finalº,
queda radical no horror. Seró necessório, por COl"\Segulnte, pensar
em termos de depois de Dachau e Auschwitz, como disse Ador-
no. A modernidade tecnológica, ao transformar-se em rolo com-
pressor. móqulna de morte em escala planetórla. vê-se afetada
de negatividade e tomada nas malhas da Ideologia da suspeita. MORTE QO EVOLUC/1IONISMO
Soma-se a isso a descoberta do que existe otrós da Cortina de 1
Ferro, sob o que era proposto como modelo e que. na realdade, "---..
revela ser um totantarlsmo. Sob a razão. ardis implacóvels que su-
focam as esperanças de criação de um mundo melhor, e essa A escatologia revolucionória dissolve-se no mdde das resistên-
cias, bloqueios e lnérclas próprios da nossa sociedade. Ao
descrédito que afeto o engajamento e o voluntarismo político,
constatação de uma necessória descontinuidade: "Devemos reco-
meçar de zero"ª. Um certo olhar ingênuo quanto à exaltação do corresponde. no plano teórico, um mesmo descrédito que afeto,
progresso contínuo da liberdade e da lucidez humana deixou de desta vez, tudo o que procede do história. É a partir dessa nega-
ser poss(vel. O humanismo, no sentido de um homem senhor do ção da historicidade, do, busca das origens, do gênese da refle-
seu destino perfectível, marchando direto para a perfelção. não é xão ...sobr.e ~ o s temporais, que o paradi~ma estruturalisto vai
mais admissível. À visão de amanhãs que cantam sucede a abor- ser construíelo e desenvolver-se. Ele vai condensar o movimento,
dagem de tópicos de mudanças parciais, cujos imites do poss'vel arrefecer a história, antropologlzó-la quando •os Indígenas viram ln-
é necessório definir. dlgentes"11.
1956, com seu cortejo de desilusões. de Budapeste a Alexan· O fascínio de um ocidente, que rompe com a sua historicida-
dria, passando por Argel, Interrompeu no França os cânticos da de paro fçiv o r ~ .2..moc::iO"devic:ía imutavel cfos nhomblquaras
Libertação e de una certo esperança coletiva. No meado do sé- reconstituído por Lévi-Strouss, revéla -nos emmeÕdôs dos anos 50
culo soa e troa. pelo contrário, a voz do condutor que vem que _Q_ocldentê entrq na 2..r;J dÕ pó.itri_ed,]Jnldáãe.Ea própria
fechar toda a esperança na expectativa de apelar. em 1958, pa- Idéia de progresso que é submetida à desinfecção, em todo co-
ro lN'Tl novo condutor da nação, esse general que se apresentava so como fenômeno unificador. O progresso pluraliza-se, deixo de
como a encarnação do "ato de encornar". Esses anos 50 vão ser o força motriz da evolução social. Sem negar certos avanços.
funcionar como uma nova fratura na paisagem Intelectual france- estes Jó não participam de uma problematização global da socie-
sa: º1956 / .../ levou-nos a não mais sermos obrigados a esperar dade. Essa desconstrução está na base de uma verdadeiro revo-
alguma colsao<>. lução Intelectual que o estruturalismo deflagra. em particular
Os anos 60 não serão mais propícios à eclosão de rupturas po- através da antropologia. através da id~ia da equivalência do es-
sitivas. Se o movimento internacional de 1968 Inflamou a socie- pécie humana. É o passagem decisiva de lévy-Bruhl para Lévl-
dade francesa pelo breve tempo de uma primavera. 0 mesmo Strouss. 80 mostro, paro além dos latitudes, a pluroUdade dos mo-
ano deixará a lembrança cruel do esmagamento de uma outra d os de ser e de pensar, todas as sociedades humanos são
primavera, a de Praga, sob a bota soviética. Uma nova vaga de expressões plenos da humanidade sem valor hierárquico. Esse as-
lntelectuals vai sofrer em cheio o Impacto desse novo sismo: ºEm pecto da revolução estruturallsto permanece lnsuperóvel e inau-
1968, eu estava na Nova Guiné e chore ao ouvir que os russos ti- gura uma nova percepção do mundo que descreve um traço
de equivalência entre todas as formas de organização social.
7. J .·F LYOTARD, Le Magazine Nfféralre. n• 225, dezembro d9 1985, p, 43. A partir dessa nova visão. não hó mais clivagens superiores/ln-
8. M . FOUCAULT. entrevista com K. 8óser,, 'Die Fol'9r, das 1st de Vemuntr, Letera/ur-
magazln, 8, Reíbek. Rowohlt, 1977,
n t.A C.l"'"\tll""'AIIIT ..... ~ o-n..,G\IC't("I °"" rnv, no Mn11fY')A Clnvél em VéMlov. em 1977.
10, Mourice Godeller, entrev,sto com o autor.
ferlores nem estógios anteriores/posteriores. O estruturalismo to ró nOo so ponsa como reflexo, mas como fig uras sucessivo s e des·
,contrJbuído forte~nte para provocar a crise da Idéia de progro~ . c onlfnuas de estruturas dife re ntes. A psicanóllse acentua esse fenô·
_!_O: "Para que exista a Idéia de progresso, é necessórla a pre mono ao mostrar que não existe continuidade entre Inconsciente
sença, no começo, de primatas. / ... / É uma característic a do o consciente mos ruptura, a qual requer a presença de um ter-
estruturalismo, da qual Jó não nos damos conta. uma vez que so c eiro na cura analítica. Assiste-se então a um desdobramento lnfi·
enxerga mal a passagem. É característica e converteu -se numa nlto de epistemes que substituem o esquema unitório do evotuclo·
espécie de evldência"12• ~m dúvida, da relatividade ao relatlvls- nlsmo.
IDo, o passo seró rçipida~nJe transposto mas, seja qual for a A contradança que se opera entre os séculos XIX e XX acen·
tua ainda mais essa mutação. Ao século XIX europeu historlcista
P2~ão defen~l_çtq, ª ..::.<:!.',r~__n~ ~ ~ tr~ m~nlfestaçôo
parcial do universo humano provoca a saída do esquema histórl· que pensa a história humana como uma emancipação das leis
~ãv'õfüc1õnisíado- sécuíõ xíx."~ A°s ciências- humanãs- fomaram do natureza, opõe-se um século XX que 'se coloca a certa distân-
então o lugar da consciênclÕ de uma Europa modelo, na van- cia da história para reatar com uma natu~za percebida como
"ideal regulador do paraíso a reencontra(' 14. Os combates travados
guarda da marcha da humanidade, uma consciência crítica des-
pelo homem em defesa dos grandes valores de liberdade e igual-
titutiva do Sujeito e da História. o retorno da consciência sobre si
mesma ou. melhor, sobre o seu avesso, o seu recalcado. Essa dade são agora considerados duvidosos, parciais e votados. na
idéia de umaJ Qualdade dos J2.QVOS, ruie surgiu n.Q.J2ós-guerra pa- maioria das vezes, ao fracasso.
CQ...J.a)Qor-Sê ..QQ!D...Q _descolQ[.lizqção, é txna idéia inteiramente novo Uma consciência planetária, topogróflca, reprime a consciência
que modifica todos os_eont~ ~eferê~?ia para pensar o espa- histórica. A temporalidade cai na espacialidade. o d istanciamen-
ço geopolítico. A percepção da humanidade enconfrã-se excen- to da ordem natural dó lugar a uma p~Squisa das lógicas inva-
trada para o Intelectual ocidental. A identidade deixa de · ser lido riantes oriundas da junção natureza/culturó. Em face de um futuro
desde o inferi()(, mos projetada ntxn espaço exterior. Essa Inflexão fechado. o olhar volta-~ara a busca ~ a imutóvel natureza hu·
do olhar Impõe a dialetização dos espaços, e precisa dos óculos m ana percebida em sua constantes: ~ircuitos mentais, ecossis-
do antropólogo, devassando o universo do Outro. tema, longa duração. estrut rq~. extensão do conceito de geogra·
flcldade. o paradigma da natureza desforra-se: "Vê-se hoje como
a dessacralização da história acarreta. por vaso comunicante,
uma ressacralização da natureza" 15•
Se as rupturas são trógicas, recorre-se, como medida de pre·
c aução contra elas, às constantes e às forças de g ravidade tanto
culturais e étnicas quanto naturais. ~ e 'iÍSQ mais a pre-
c aver-se da história~ ~rvor-se p gJ.gJolldez de uma base 19..e n-
titOria, do g6e a construir a partir de uma lógic..a- dia.c.r,goico ~ni-
A TEMPORALIDADE CAI tfcõme. As hesitações da história, o culto do passado, as restou·
rações que ocultam as rupturas de superfície, transformam o
NA ESPACIALIDADE homem-sujeito de sua história em objeto de uma história que o
excede. A relação do homem com o homem encontra-se "sub-
metida a um estatuto zoológico" 16 •
S urge, p_ortanto, uma ruptura radical ~m relação ao luminis-
mo e a crença num progresso continuo, à maneira como ,
foi pensado por um Condorcet13. O homem ocidental estava no
As transformaç~s'Ôa SÔcledade ocidental resultantes dos "glo·
rlosos trinta" conJrlbuíram também para o deslocamento da rela·
centro do dispositivo de conhecimento e julgamento. antes de so- ção passado/presente/futuro. Ló onde o vir-a-ser se reduz pgla
frer a descentralização do seu ponto de vista antropocêntrico. programação informótic51_ ay_!!lQ repr.odl.lção_ó,e ,WQQ.el9S 12resen-
Essa revolução é preparada desde o final do século XIX por uma tes projetados DP futuro.__neotium futuro dif~t~,.Dm-PQ.~ ser pcoble-
Jn.a,tizod o. O fim das terras de lavoura e o advento de uma
nova estrutura do pensamento científico. da perspectiva pictórica, 1 .... ~- - 7---"' ----
sociedade do fora -da-terra contribuiram para criar um estado de
do escritura, que privilegia a descontinuidade, o desconstrução.
Do orbitrório do signo saussuriono aos novos modelos matemóticos imponderabilidade, uma ..!,êlQÇõO e:it1ioda - com a tem_E.Q!9.lldade:
"Aquilo a que há meio século se chamava a aceleração da his·
e ,físicos, a teoria dos quanto. ao deslocamento da perspectiva
tório / ... / converteu-se no esmagamento da história" 17 • Do mesmo
cláSslca com os impressionistas, depois os cubistas, uma nova visão
modo, essa relação atemporal fragmento-se numa miríade de ob·
do mundo impõe a descontinuidade, o distanciamento do refe-
rente. jetos sem correlação. segmentação de saberes parciais, desarticu·
lação do com o s _o heclmentos e supressão dos conteúdos
A razão ocidental é, portanto. desde o final do século XIX, tra-
balhada de dentro para fora, no sentido de sua pluralização. Ela reais. Esse o econômico-social vai ser particularmente fav.9.róvel

14. R. DEBRAY, Crfflque de lo ralson po/11/que, Goffimard, 1981. p. 290.


12. Marcel Gauchet, entrevista com o autor. 15. lb., p, 299.
13. J.-A. de CONDORCET. Esqul$$e d 'un fobleau hlstorlque de progrés e /'esprlt hu- 16. lb., p . 52.
mcin, 1793. 17. J . CHESNEAUX De la modem/tá. Mo.s pero, 1973. p . 50.
H/Sl f?IA DO ESTRUTURALISMO
----- J~ N/\ 110/M OI\ PÓS MOO/ l~NIOA DL

ao sucesso -~- ~ -~sen~imento de uma lógica estrutural. da tmanonlls1o dos c lOn c los humanos também encontro no excen-
um':'~Y[Q_~ntomat. de um logicismo ou formalismo que vai on 11oçôo dos próllcos humanas as fontes do rigor cientifico.
contrar suas coerên?ios foro do mundo das realia sem atrativos.
Alguns, comõ ·~ ri Lefebv°ffu estabeleceram a esse respeito
, . ~ ~ __,,-,
um vinculo, direto entre o exlto do estruturalismo e o estabeleci
mento da sociedade tecnocrótica. O estruturalismo desempe
nharla, a esse nível, o papel de uma Ideologia de legitimação
de uma casta social, o tecnoestruturo do novo estado industrial,
Justificação do seu lugar no mais oito nível das responsoblllda

~ REPETIÇÃO
des do poder, e teorização da liquidação do histórico. Numa
tal perspectiva, o estruturalismo seria o anúncio do fim da hlstó A COMPULSÃO
ria para uma classe média guindada a uma posição domi -
nante. ~ ~gla dCJ coe.!9~0 ....$?.._P.~~- do _e$.trutural sob!e uma
liberdade humana reduzida à aquisição de bens, que seria o
~ d ' ;...C..2.!2SUf'!ii_smo e~ ~ } o .:c icfudp o -; ede o · 1~~_9.!_ ao A
eter~
É=_histórl<:1_ f~ os reingressar nu~ re..!9_çc:so ni:>Vo com
U!!!,..P!.ese~fe dilatado que se apresento como o -histórico,
iclogem das diversas configurações âo passado. Esse
usuario. O universo social e a representação do mundo que ele
engendra encontram-se, pois, magnificamente ligados a uma si presente, horizonte fechado sobre si mesmo: 's ó p Õde aüto-re-
tuação de Infortúnios e decepções de uma esquerda européia produzir-se no presentismo dominante. A voga das comemora -
que nos anos 60 se desvia da história e das Idéias de progres- ções ilustro bem essa nova relação, com a historicidade. A
so. O eshuturollsmo viu-se assim na situação de responder a ~ª~~ ~~me ~ ~tó!ia. n~ '!1~{ a bus9a ?ªs o_Ug E;._~~P~
uma demanda social, cristalização de uma determinada con- ~ esen~~r 2; ~oten~~~9~s do fev(r, mos o_ si_~ es recorda-
juntura histórico em que o deslocamento do olhar paro o figura ç..'.;:<;> do unl"'.E:rso dos ~ grros~ ~o P?SS_ado que _J()breviv~ no pre-
do "selvagem• ló não significava a resposta a uma necessidade sen~ vel. Signos que se remetem uns aos outros 'é não
do exotismo mas a busca desesperada da verdade do homem possuem outros referentes senão os lugares da memória. outros
tantos troços deixados no espaço de um passado, percebido
nu~lv~~Q.. donde o futuro se encontrava excluído.
~ ret percebeu desde 1967 o meio intelectual da es- para além dos linhas de umo fratura intransponível. Conhece-
querda marxizonte como o mais receptivo à moda estruturalis- m_os ·o fim do que vivíamos como uma evidência: a adequa-
ta 18. Esse melo teria realizado uma relação ,de inversão em que çoo da história e da memório" 21 • Esses lugares do memória não
pôde exprimir-se a nostalgia de um marximo pouco a pouco são revisitados numa perspectiva reconstrutora mas simplesmen-
desertado ao ritmo dos revelações go,,-gutog, e encontrar, gra- te considêrÕdos como os resíduos de um passado recalcado,
ças ao estruturalismo, a compensação de uma mesma ambi- desaparecido. Conservam ainda um valor simbólico e Inaugu-
ção universalista. totalizadora, determinista, mos desembaraçada ram uma relação arquivística com o tempo pretérito.
da história. fiessa hipótese._ o _g~q!Lsm,o ~~r,kl~g ~ xpressão de Umq_9.~sco_!lt~qg,,~ rodiQ.gL._~p_pe (:~!!)órla ~ um ~passa-
UrQ.J)1QL!l~nJ.Q, bl§fórico muito ~~9!:,_sie uma c q n j u ~ mar- ~ d e f1nll@!.J:2q~J~PJe,_ln..~sí':!,el cor::n,Q...J~gL _.§g_l')_g.Q_Qg-1Jlate-
~q9.9_gelQ jmobili§.mo político e a consolidação dos ~istemas. riohdade de S~,l;Js.-:§ig ~ s múltiBJos,. com ....Ym...R(e.§~vel que
O~gicar de sinos do prugc.essor _,q.ue...resso.a....com a onda_ etr r~o.-eomeénor.a a r,ememora. A relação com o temporalida-
de estó cindida e a memória pluraliza-se, atomizo-se, na ausên-
truturglistg_ traduz-se, pelo g u e ~ , o i o do pensamento_s!!al~-
.J.!.ç.P. - os filósofos são portadores de uma nova leitura que deve cia de substrato constitutivo de uma memória coletiva plena. A
história reflui no instante, favorecido pelo unificação dos modos
comprometer os embasamentos hegelianos de suas anóllses. Es-
tas são substituídas por uma leitura sintoma! que permite locali- de vida e dos mentotidades quando não hó mais verdadeiros
zar um corte epistemológico entre o "Jovem Mmx" ainda hege- eve~tos ~as profusão de •notícias". O_Presente mer9ulha suas
llano e o "velho Marx• da maturidade científica, estruturalisto ram1ficaçoes no passado pgr uma relação puramente muse o-
avant fa fettre: "Estó em curso de formação uma cultura não gróflca,, .sert·.-SeÍÍgar
--
aos- çjeli~ecimêntõ~ ...do~
"'*" __......_,.,,..._ g ~
d~ça·-o de um
dialética"19• No mesmo momento, François Châtelet reduz o dia- ~ E....9 ~~ fun_ç .9Q..9.9-9~rso his!2,_r)g~o rrio inter-rela-
lética a uma retórica e Gilles Deleuze anuncia "um refluxo do Ç.Q...o entre_passodQ e_ :uíuro_ C1.J,Le_§.e_ e,DE2n.!.!.º - dell~~~l,dà.
pensamento dialético em favor do estruturolismo"20• Como é ho- O pós-modernismo instaura uma relação com o história que
0
je costumeiro d izer, o refluxo dos Ideologias permitiu às cem flo- pode ser assimilado à do indivíduo senil que só pode colecio-
res estruturalistas que desabrochassem. Assim como os limites do nar suas lembranças, cortado que estó paro sempre de toda
possibilidade de projetos futuros. O sucesso do estruturalismo cor-
próxis provocaram o descentralização do homem, uma leitura
responde, portanto, o um fenôm-e-rro:=2:1cs1ra1 ae civilização e X
Q.Qm.êre retêíHo tanto ao estabereciruento de- uma sociedade
18, F. FURET. ' Les intelleetuels fronço is et le strueturolisme', Preuv&$, nº 92. feverel·
ro de 1967. reproduzido em L'Afel/er de /'hlsfo/re, Flommorion. 1982.
19. M . fOUCAULT. Arfs. 15 de junho de 1966.
2~. G. DELEUZE. Le N-:>uvel Ob$ervoteur. 5 de abril de 1967. reimpresso e m L. 21. P. NORA. Les Lleux de mémo/re, Lo Républ/que. Golllmord. 1984. vol . 1. p ,
,.t.ecnocrótlca quanto a esse homem unidimensional que Herb o rt i, 1 subolto rno o antigo c lasse político trodlc lo nal. Num tal qua-
Marcuse via nÕsêêre a u ma relficação do homem reduzld o ó dro. a questõo da legltlmaçõo desvia-se paro provocar uma
_!,U a dl~nsgo de ·c~ÚmLdor. O ~fil_r.\,!!ur.9lls~o é, a esse rasp e i c: rise das grandes narrativas: "Uma erosão Interna do princípio
!º..:..-~ .....9u~ .~ ~ ~ve~ 9 i~. g ideologia das não-Ideologias, <Jo legltlmldode do saber" 24. A desconstrução do Um. dos meto-
a do_fim_dqs- ideQloglas revolucionórias. das Ideologias colonfals. cllscursos. dó lugar à proliferação de discursos múltiplos não atri-
dos ideologias cristãs... E;e ~edo é, contudo, nos Õ nos 60, o buídos a um sujeito, simples jogos de linguagem. fibra sem
iiao-dlto. o não-consciente de transformações profundas que se malhas. O horizonte humano apaga-se. substituído por uma
revelarão transparentes nos anos 80 e reivindicadas em sua PO· c o ntingência de performance. uma "legitimação pelo fato con-
sitividade. Esse processo de pacificação, esse fim das rupturas sumado"26.
significantes. encerram o presente em si mesmo e fazem domi-
nar o sentimento de repetição Incessante. sociedade onde •o
novo é acolhldo como o antigo. onde a Inovação é bo.na!lzo-
\
da"22.

UM OLHAR CREPUSCULAR
I

est,utu,ali,mo\ "s!:ondlo a e2IBe do, dl,curno, de le-


CRISE DOS DISCURSOS DE LEGITIMAÇÃO O g itimação reduzindo as ambições do homem a dimen-
sões provinciais, simples parcelo diretamente envolvida. sem
quaisquer privilégios, dos seres vivos do planeta. sofrendo uma
ssa
__.
retirada
- da ·-·--
história. ________
_........,_essa crise -- ---
dos discursos de
......._
mação. próQ!J9s da pós-mo~dl.:!, ~e-9!!.~~ram ao
- legitl- história que não mais lhe pertence. em escala geológico. Lévl-
Strauss é, a esse respeito, o representante mais eminente desse
mesmo tempo de um fundo pessimista. crítico das llusõesa'ó ra- profundo pessimismo. dessa aposentadoria do homem. Lança
~ , e de' üina v~ntad~descÕnStrütTVõ'de f ~êiO-Õ qÜe"se apre.. um olhar dos mais críticos sobre a evolução do modernidade
s entava cOmj . S:P.~tê.Õ:c la gl~ti,_91..J.r:D.e..~aJiY.Q_cat~górlCÕ, ~rdem ocidental, à qual opõe um cepticismo e um pessimismo profun-
Q9t!fil)l,_subroetldo à ~ º ':0.P.?$l2.9.9_gg.. !Jfll9 GJftlc.Q..!~I. A dos que o _ç.Qlocom no linho de uma extensa tradição do pen-
própria noção de realidade vê\ se questionada. Como tuao o samento /conservador. de Edmund Burke o Phillppe Arles: "Eu
que remete a essas categorias Jrovoca somente desilusões. ela aceitaria de bom grado a recriminação de pessimismo, se qui-
é reprimida na ordem da insignificância. O estruturalismo_ teró si· serem fazer o favor de acrescentar-lhe o qualificativo de sere-
do. nesse ponto, uma etapa no ruo.C&S§9_gg__desconstr~ôÔ por no"26.
sua foculdade- êfe eles-realizar. O espaço público tronsfo7rnâ-se o olhar desengg__Q,Q.d o ~ ainda acentuadg_pelg_wóQda posi-
Í nsensivelme~t;-;,:;; -e~ç-;i;ublicltório na era do simulacro, no ção do ant~~.2-9~ :,tê_Q~E2.Q~32P seYLI25!~0S o seu
momento em que todos os pólos de referência se dissipam. dos , terreno de estudos, com os violentos choques de uma aculturo-
quadros espaço-temporais com valores que se acreditava serem 11 ç{iõ'"ffêqüe'~n te forçado. No Austrólia. passou-se de 250.000
eternos e com vocação universal. · Indígenas no !:-iício do século XIX o 40.000 em meados do sécu-
A filosofia do busca do face oculta reflete uma estética do lo XX e, ainda por cima. trota-se essencialmente de sobreviven-
desaparecimento. tal como Paul Virmo a vê empregada. em tes atingidos pela. fome e a doença. Em cinqüenta anos. de
que o efeito de real suplanto a realidade. Um cepticismo gene- 1900 a 1950, 90 tribos desapareceram no Brasil... Esses desapa-
ralizado coloco em crise toda a metonarrotivo no sociedade recimentos do campo específico do etnólogo obrigam este
pós-industrial ou pós-moderno. Segundo Jean-François Lyotord 23, último a recuar para a sua sociedade de origem, sobre o qual
essa passagem poro uma nova economia do discurso Intervém pode. sem dúvida, aplicar os seus métodos de análise. mas o
no Europa em fins da década de 50, no momento em que ter- partir da uniformização da modernidade que impõe suas leis. É.
mina a "reconstrução". portanto. uma atmosfera crepuscular que Lévi-Strauss examina .
Com os modernas tecnologias de comunicação, com a in- Após o crepúsculo dos deuses. o dos homens: "Avizinha-se o dia
formatização da sociedade, opera-se uma quedo do saber: em que a derradeiro dos culturas que chamamos primitivos te-
este converte -se na face indivisível do poder dos que decidem, ró desaparecido do face da terro" 27 • Ao final de suo tetralogio
dos programadores. que pouco o pouco relegam paro um pa-
24. lb.. p. 65.
25. lb., p, 77.
26. CI. L~VI-STRAUSS, entrevista com J.-M . B&nolst, Le Monde. 21 de Janeiro de
22. G . llPOVETSKY. L·~re ou vf<:Je. Gallimord. 1983, p. l 1. 1979.
23. J.-F. LYOTARD. Lo Con<:Jlffon posf-modeme. Minuit. 1979, p . 11 . 27. CI. L~VI-STRAUSS. Anthropa/ogle strucfura/e deux, op. clf., p . 65.
sobre os mitos. Lévl-Strouss conclui. desanimado. por uma lnvo ln<lo do ospolho. O sontldo dosvondado soçobro no lnsignlflcôn
lução dos recursos do combinatório unlverso/notureza /homom, , la, porquo Jó nôo foz porte do campo fechado desse universo
os quais acabam por "aniquilar-se no evidência de suo c oduc l tloa signos, à margem do referente, os quais se remetem mu-
dode"28 • luomente entre si no ausência de toda causalidade material. A
Desde 1955. Lévi-Strouss advertia o ocidente sobre a ocorr6 n vordo de do sistema fechado não seró mais averiguada por
cio de desastres. do inverso de seu Impulso ascendente no1 uma hermenêutica a partir da significação revelada, mas deverá
"gloriosos anos 30". ·Propunha-se fazer reviver com Tristes Tropt upreender as relações e inter-relações entre signos no interior da
ques os sociedades primitivos tragados sob o "nosso lixo· Jogado 1tstruturo dellrnitoda. e do jogo que elo define entre os signos.
ao rosto do humanidade. o concreto que se propago por toda Desse e ntrelaçamento das relações. são esvaziados tanto o
o porte como erva daninho, a pauperlzoção dos favelas. o contingência histórica quanto o \i1vre jogo do iniciativa. Se o
desmatamento dos florestas. Triste balanço de uma clvllizaçõo modelo de abordagem privilegiado or, nesse caso, o lingüístico
conquistadora e propiciadora de lições que não a da morte ostruturol, seró possível encontrar algu os semelhanças no enfo-
dada por trás do rosto hipócrita da aventura e do encontro do que cibernético que descentro a perspectiva finalista e antropo-
Outro. A antropgjQ.gia estrutural tj~\!J.;.§trau~ JJ.tO.cQ... o llumlnla cêntrico a fim de privilegiar os processos de auto-regulação. A
mo, sua pret~~qo_ de ser__ urng ffi.§,Q§,a,g~JIL_G.P.1D._l(Qcação uni c ombinatório de uma ffsica das relações, os jogos e rejogas do
versalizonte. mesmo e do outro descentram o homem que apenas ocupa
,--TÕrn"b°ém Foucoult exprime, no plano especulativo. e nõo um lugar Ilusório: "Devemos romper. a todo custo, essa rede de
mais o partir de um terreno etnográfico. esse deseJo de derru- a parências a que damos o nome de homem"3 No momento º.
bar o universalismo: "Sonho com o intelectual destruidor do1 e m que as ciências humanos parece?. fascinadas pelo mode-
evidências e das universolidodes"29• Ao combate sartreano, oti- lo cibernético, o vari'~'vel humana, em seus componentes psico-
mista em prol do liberdade. Foucoult opõe uma microfísica da lógicos e históricos. ma-se lnC?,OS stente e ~evem c~d?r .º
_resistência tópico aos poderes, uma tarefa Intelectual específico, lugar a um método rig t:QSO quer se quer no nivel de ef1cac1a
especificada pelas delimitações precisos do seu ccimpo particu- daquele em uso nas ciências exatas. ~,filemo fechado ,gug_se
lar do saber. Ele pressente. no hora estrutural. o fim do intelec- Impõe vai pagar um oito preço por sua colocação à distância
tual universal. para opor-lhe aquele que descreve o impensado
das categorias oficiais do conhecimento, mediante uma trans-
gressão permanente dos limites.
1crnbertoro ~ ªº
do munaóréâr-Biffiffi'.lnTó~teró uma extrooralnótlaeííê~a pe-
sa Oér que vai proQnostjcar.
- o estruturõllsmo, em - suO busca do Inconsciente de próticas
sociais, vai abrir-se para o universo de signos do simbólico. das
representações coletivos, dos ritos e costumes em suo lógico in-
terna, da camada do não-explícito dos traços da atividade
humono.~ esso a esses novos objetos, sua pluralização, vão
c ontribuir para a explosão dos sistemas de causalidade: "O mé-
todo estrutural permlttu o triunfo dos cousollsmos e dos determi-
nismos slmpllstas" 31 • A coerência unificadora do história social
dissipa-se nas areias movediças da combinatória estrutural. o
A FECUNDIDADE DE UM FECHAMENTO que se revesfe,,-éfõ duplo aspecto da unidade e de suo plurali-
zação. jogo"dioletizado do mesmo e do alteridode que inau-
gura a nova era de uma pós-história.
E ssa nova problematização, seja ela o de Lévl-Strauss ou o "
de Foucoult, e a de todo o pensamento estruturollsta. pa-
ra além de sua diversidade extrema, consolido raíze,s nessa reti-
rada da história que é próprio do pós-modernidade, nesse
pessimismo que foi não só sereno mas fecundo . Na ausência
de perspectiva histórica, tendo desestabilizado o status do ho-
mem e mantido certa distância da realidade do real. o estrutu-
ralismo faz prevalecer os sistemas fechados, lugar de refúgio de
métodos com vocação científica, lugar inacessível, recalcado
para outra cena. à margem da consciência. A complexificoção
do social e a Incapacidade para apreender a lógica unificado-
ra favoreceram esse recuo para a busca de uma unidade do
face oculta do real, deslocamento do positivismo para o outro

28. LÉVI-STRAUSS. L'Homme nu, op. c/t., p. 620.


29. M. FOUCAULT, entrevisto com B. · H. Lévy, Le Nouvel ObseNofeur, 12 de mar- 30. P. DAIX, Structurollsrne et révolut/on culturelle, Costermon, 1971. p. 29.
ço de 1977. tepublicodo em 29 de junho de 1984. 31. Paul Volodler, entrevisto com o autor.
37. AS RAÍZES
NIETZSCHEO-HEIDEGGERIANAS

~ plen2-século da hlstórl~ ocjdental triunfante. o século


E ~ . um filósofo sente com Intensidade os seus 1mpasses:
Nietzsche. A razão em ação escava curiosamente o leito de
um estado despótico. Realiza-se a 'unidade alemã à custa, po-
rém, da constituição de um estadb prussiano militarizado e
agressivo. Nletzsc~esc1e:ite então U_n ze/tgemósse Betrochtungen
(Considerações Extemporâneos] (1873-1874)_ acerc9,_..d~ perl9.9s
do história em suas duas acepções de historicidade (Geschich-
te) e de c·onheclmento do devir histórico. Nietzsche teorizo o
suicídio da história ocidental e o morte do Homo historicus.
Opõe ó teÕdicéla, que leva à criação d-;--ma~ frio dos-:;;;-;;;;-s.
tros frios• (o estado). a apologia dos valores plurais, locais e pre-
sentes. Preconiza ~ ressurgimento de uma Europa abastardada
por suas sucessivas ~ ras de raças /e por sua mensagem uni-
versalizante desfigurada por uma .,sàída radical da historicidade. -
Nesse séculq_ XIX, é também o momento em que~ reve-
la a origem simlesca da espécie humana. A perspectiva antro-
pocêntrica, o pensamento metafísico, são postos à prova pelas
descobertas científicas.
O discurso niilista de Nietzsche pode então desenvolver-se e
opor-se à perspectiva do llumlnlsmo triunfante. Essa ferida narcí-
slca se soma à revelação c~érnlco-galile~ segundo a qual
a Terra não estó no centro do universo, para derrubar a meta-
física ocl~en1ãl. O desenvolvimeo.to do 1ozão culmina. portanto,
no seu inverso, na tomada @ consciência de um não-sentido.
da relatividade, e na relativlz_ação_ ~QJ.QplicJ figura dÕ homem.
Nietzsche despede a história e exonera a dialética da razão.
Mols_t o u : l e . ~ r reata a- heroí\Ç.Q...Ole~cb.eana em sua
critica :a~L<ml dCl..Jll.odetnldode_ Seu pensamento enraíza-se no
c::ntexto de A Decadência do Ocidente pintada pdr Oswald
Spengler, um quadro que foi levado ao paroxismo por Heideg-
ger, marcado pelo trauma11smo da Primeiro Guerra Mundial e a
débâcle que dela resultou na Repúblico de Weimar. nos anos
20. Ele reconstitui o percurso do Esquecimento do Ser. de um
constante l_ec.9lque pOr trás...9ayr~ .!!velo -
ção da verdade não é mais acessível ao homem ng_medida
em que cadÕmã"nlfestaçãodÕ · mesma •e
sloo_ultaneomente e
em -si dlssimuloção~ história torna-se tão-só o triste desenvol-
vimento de uma razão mistificada desde a fenda original. A
temática do eterno retorno encontra seu eco na concepção
heldeggerlana da filosofia o perennis, verdadeiro ruminação do
mesmo a partir da questão de saber por que, em vez do na-
da. existe o Ser; a resposta é que não hó resposta. Rlosofia da
Impotência. elo significo a nossa impossibilidade de responder. o
não ser que nos reapropriemos dos "Escrituras e do Santo lgro-

1 •• Hl'IOEG GER. Que$tlOns /, Gollimord, p , 188.


Ja apostólica e romana, sem que Isso que ira dizer. allós. CHIO ,num ô oproon<Jldo om oonllnuldodo com o espírito religioso. A
Heidegger fosse crente" 2 • ,moo substllul,10 Dous numa llusõo anóloga. O esforço de domí-
~ ~~__pr~fundo J?e~il'Jli~o anir:ri9 esses doJs tllósotos, quo •• nio humano é, portant o. ridículo.
.. P~_õem fl!f!QQJ 2 !ll1)...Qa J~~fia: "Parece que tudo retorno ou Nietzsche faz remontar o declínio da humanidade às origens
caos, que o antigo se perde, que o novo nada vale e so on do pensamento grego, a Sócrates, que aparece em Ecce Ho-
fraquece constantemente''3 • Essa razão que permite descentrar o mo como o próprio sintoma da decadência. O instinto e hubris
homem alimenta ainda, paro Nietzsche, a ilusão de sua onlpo ulonlslaco são ar opostos à ética socrótica, a qual será mais
têncla, conforta-se cada vez mais das feridas que provoc o , tarde continuada pela moral religiosa para reprimir e sufocar as
Também o Esquecimento do Ser se acentua com o desenvolvi pulsões vitais. TQda a história da civiliza~Q..s~_9e~~!.º!9~_portan-
mento da modernidade, com a generalização da tecnlcldado. to, segundo ;ts-ól§.ª'-!.u(lfrr')ar-2t];umq_ roi ,9Q..S~~9..95:r~ e de
uma moral ·misflfl~adoro. Qua~ filosofia. ~re-!b..~~~on-
trõrã"-'pUlsãó- ê rladõrª ' soterrcgia __ s9~,a m_gsca[.9.....Q.g_çly,UgQç~o.
Nlefzscne preconiza o esquecimento para se desprender do Ilu-
sório e da mistificação: "É possível viver quase sem lembrança e
viver feliz. como os animais demonstram. Mas é Impossível viver
sem esquecer" 7• P~n~a_2.?r fundame~~..!,_e .i?~!~~~~stil à '><
histo~~·. ~ z~cti~ te'!'- ~IJ:l -~diç,__:1~~~!91.Ji.l. r:r:i~ ~ ~vo-
luç_f!O. _
OS ANTI-ILUMINISMOS Em sua correspondência com um oficial alemoo no momen-
to do cerco d~ Paris em 1870, expõe parte de suas reflexões.
Considero a gu'er.~m útll teste de virilidade, mas o que o
E sses dois pensamentos oferecem-se como os anti-Iluminis-
mos. e Nietzsche denuncia o caróter brutal e violento
apavora. em contrapartida, lá o Comuna de P~ris, a revolta
dos "escravos" que Infringem as regras. um espetaculo assusta-
que o filosofia do Uuminismo revelou, com seu desfecho na Re-
dor. Quanto à Instrução generalizada, leva diretamente à "bar-
volução Francesa. Toda subversão. toda ruptura revolucionórlo
bárie". escreve Nietzsche em 1871 - 1873 nos seus rascunhos
não pode deixar de fazer surgir a Imagem da barbórie: "Não
preparatórios do ensaio sobre o futuro dos estabelecimentos ~e
foi a natureza moderada de Voltaire. com sua propensão para
e nsino. Os dispensadores de felicidade terrestre, a preponderan-
ordenar, purificar e reconstruir, mas os apaixonados desatinos e
c io socialista nesse final do século XIX. só podem consumar o
melas-mentiras de Rousseau que conclamaram o espírito otimis-
espírito metafísico em ,ação em toda a história ocidental e, por-
ta da revoluçãQ _coQ_tra o qual eu clamo: Écrosez l'infómal"4 ,
t anto fazê-la cair na decadência, no cotóstrofe. Entretanto, o
Nietzsche se foz aqul °'.defensor dos Iluminismos moderados,
desv~ndgp:ttmto da era metafísica deixa aparecer um indivíduo
progressivos. aqueles que"-trabalham pela realização da revolu-
ainda despreparodo, sem muletas, presa do efêmero, e q~e
ção. Mas, e ~ s~us pontos .2,..~.Qf1.Q1~o obra de Nietzsc~, tal contrasta com a falsa tellcldade das idades metafísicas. Da, a
como a de Heldeg9er, edifico-se numa crítica radical do llumi-
tentação de se voltar paro a construção de um futuro melhor,
~ o. AfTl~Osj_nyê'st0i:n'~PJime1ro.,,J ~o ç_aita mas este participa sempre de uma ilusão reconfortante: "Todo o
c~.nceexão ~ historicidade, <:orno i:?,~t~~9 r a ~ _ p J P ~ e futuro melnÕr que -se deseja para a humanidade tamt?ém é ne-
2 x1ste um sentld~ t)istórlo. e. ag~le que condYLlo.exoravel-
cessarlómente um futuro pior sob mais de um aspecto"ª.
m ente a Q..:.dãê.nmo. Para Nietzsche. a consciência está atravan- o verdadeiro inimigo é então o socialismo: "O socialismo é o
cada de história, de que é preciso desvencilhar-se para julgar 0
fantasioso irmão caçula do despotismo agonizante" 9 • "O veneno
presente: "Be demite a dialética da razão•s. Por trós das preten-
dessa doença que contamina agora a massa cada vez mais
~ es unlversalls!5.ls do Iluminismo, Nietzsc1J.~12..e rceb~9.LIQ.gicas
depressa. sob a forma de sarna socialista do coração" 1º. Uma
imanentes e a1ssi11J,._4!.g_das da YRPJ~g_,po_d..fü. o devir é um
vez que a história parece. nesse final do século XIX. assegurar o
não-sentido ou, melhor dizendo, é a aprendizagem do tróglco
sucesso Irresistível do movimento socialista. é preciso livrar-se da
das coisas que é a própria essência das coisas: "A história é,
história para melhor aniquilar o perigo que ameaça o ocidente:
entre nós. uma teologia camuflada"º. Evidentemente, o não-sen-
a hlstó.rla...é-0.ssiroilapa simulton~~ent~ g . . . mil!twcação. à
tido conduz o homem à impotência. ao niilismo. assumido por
dec~dênci9,,....9.. um cheiro de mofQ..Jt..._Ç!,-4!:!'9 ~ ª .!!'isa-de-forço.
uma elite aristocrática, a dos fortes. e ela torna caduca toda a
Nietzsch~e.!..e se-~ -~ assim, em _plen_~ ~culo _h,!._stpricista._ç__omo
Ilusão da ação humana. O espírito de racionalização do ho-
0 i:iartldóJ:J.o._ta.di.G.Ql_de_ ú_rr;i~d ~,.2!~~.52 ,!.!9_.categor!Q...QQ...novo,
como o pensador do fim da históriçi.
2. Pierre Fougeyrollas, entrevisto com o autor. t._ã ·esse títulO, precursoTCf'a p ós-modernidade que triunfaró
3. F. NIETZSCHE, Humofn, frop humaln 1, Gollímord, 1968 (1878), p. 225.
4, F. NIETZSCHE, Humaln, frop humcin, op. clt., p . 327. 7. lb., p . 207 .
5. J. HABERMAS, Le Discou/'$ phllosoph/qu& de la modernlté, Gollimord, 1988, p , 8. F. N IETZSCHE. Humaln, fro,p humoln, o,:,. Clf., p. 219.
105.
9. /b., p . 335.
6 . F, NIETZSCHE, Comldérol/ons lnoctuenes, 2. Aubi&r (1876). p. 327. 1O. lb.. vol. 2. p. 1 72.
~ls_!g!de,_2m meados do século XX. Ele J6 desenhava a dei DosdG So/n und Zo/1 [Sor e Tempo) (1927), Holdoggor siluo a
construçõo do quadro unltórto, total, do movimento da história, tomporolidade do Sor como a de um progressivo declínio. le·
para dar lugar a uma Imobilidade, a um presente estagnado vondo 00 apocalipse, do qual se sabe desde agora que ele f.t.fl:
onde os histórias conhecem um processo de atomlzaçôo. de osteve diretamente envolvido. o declínio é estrutural na história - ,,.""~""
plurallzação, quando passam a construir-se somente numa asco humana: "Pertencendo ao próprio ser do Dosein, ele é um
la Individual: "Nietzsche e Heidegger / .. ./ lançaram as base, oxlstenclal" 12 . Desde o discurso do reitorado até à entrevista ao
necessórlas à construção de uma imagem da existência que Splegel, Heidegger nunca deixou de reiterar suas advertências
responde às novos condições de não-historicidade ou. melhor de Cassondra contra o declínio (Verfo/1) em que o ocidente
ainda, de pós-hlstorlcldade" 11 • Inexoravelmente mergulha: "A forço espiritual do ocidente debi-
lita -se e seu edifício treme, a aparência morto da cultura
desmorona"1J. A essa Involução, Heidegger opõe a forço do en-
raizamento, as da tradição e da pótrlo: elas devem ser outros
tontos molhes de resistência à tecnicidade do mundo moderno
que arrebata a totalidade do ente com o qual se dissolve o
ser-aí do Ser. Se a história da _clvillzação oclder1tol ~ história
de um Esquecimento '"'jiij;gresslv.o do Ser..,..o século )SX é o pon-
to culminantê - de~ am_oésla.
O ESQUECIMENTO DO SER p;, crrficáque Heidegger desenvolve do modernidade, da
técnica. da clvilizoçã~ -de
massa, não se reves'fe paro Jürgen
Habermos de nenhum~riginalldade,_ visto que se cont~nta em

H eldegger reata a crítica nletzscheana da modernidade


em suas conferências dos anos 30, para radlcaliz6 -la aln·
da mais. Restabelece a preeminência da filosofia. Também
retomar por conta própria o repertó110 de idéias recebidas dos
mandarins conservadores de suo geração. A deriva que conduz
à adesão ao nacional-socialismo da teoria heideggeriano, Jür-
para ele a história não passa do desenrolar de um lento declí· gen Habermas o situa no Investimento novo dos cutegorias do
nlo cujas raízes mergulham, desde a Idade grega, no Esqueci- ontologia fundamental em 1933. O Dosein designava até essa
mento constante do Ser. E!!]._Q_Pr1!!21Pi.9..s!.e_l1ozão (195 7)L ele data o ser-paro-a-morte em sua singularidade. Oro, a partir de
crltlc~dugp__f ormos de pens~nto da história. De uma la_Ç:lo, o 1933, adquire uma acepção coletiva: é o do povo reunido. Ao
que qualifica de metafísica do hls.!2!!9< a partir da qual a liber- ele próprio também abandonar o percurso do razão triunfante,

-- -
depende da metafisica - ...-.:,------
qgdeesta ria Ot'üándonã evolução histórica. Essa acepção
,_ ,- na medida em que pressupõe estar o
homem no centro do processo histórico. Uma tal crença partici-
Heidegger envereda por um caminho sinuoso, o dos peregrina-
ções de um entre-dois, de um mundo obscuro que "não con-
duzlró à partéolguma". Pensamento do erradio para se apro-
pa, portanto, de uma ilusão. de uma metafísica da subjetivi- ximar dos tamlnhos que levam à região das origens, do logos.
dade paro Heidegger. De outro,_E!~ca~hegelianlsmo co~mo Essa temótica do encaminhamento que não encontroró ponto
teleologia o..uge_a razão se revela a si mesma, pg_uco a ppuco, de chegod& terrestre, essas peregrinações do "pastor do Ser"

-em seu autodesenvolvlmento no curso da lilstória, outro forma


de metafísica que submete a história ao principio de razão, va· --,-,--- que é o homem, não deixam de nos evocar todo uma varia-
ção em torno da teologia: "Daí o fato de os teól_ogos fere~
rlanteque relntrÕduz- igualmente o Sujeito num lugar central, sido os primeiros a aceitar Sein und Zeít, e de ter Sido nos teo-
não porque ele domine um processo no qual é, na grande logos / ... / que o impacto de Heidegger se fez sentir. até hoje,
maioria das vezes, vitima de seus ardis. mas porque pode ter mais inclslvamente·14. Heidegger teró separad~ adlcalmen1e o
acesso à Intelecção do sentido do processo. Oro, esse sentido Ser_da reolldgde .m:npír!_sa d~esi.!!9 mgnelra que teró consu·
tem por modelo a estrutura de sua própria razão, a do ho- m'!_9o a Um do..blfilórlg.
mem, e não a do Ser que permanece confinado no Esqueci-
mento.
~ ... ;;:;::.. -- -
l::leldegger substitui essas abordagens. que ele qualifíca de
,....,......;;..-...:..,...,...,..,...,...--'-:--, -
'-O"leta,ísiêds, pela história do Ser, história sem história, simples des-
~ n t õ ã o que se cló através de suds Imagens sucessivas,
sem sentid o , $em fillaçoo, sem peílodifoçao. A mefãtora que
ele utiliza para pensar a história é a floraçóo de uma roseira na
primavera com o surgimento de múltiplos botões, sem tronco,
sem enraizamento. o que traduz bem a histó ria fragmentada,
sem sujeito que dê sentido ao desenvolvimento histórico, nem 12. L. FEílílY E A . ílENAUT. He/deggél' et /es modemes, Gtossel, 1988, P , 82 .
sujeito subjacente, oculto, cujo percurso seria necessório apurar. 13. M. HEIDEGGER. 'le discoun du recto,at'. 27 de maio de 1933, Le Débaf. n•
27 novembro de 1933. p, 97.
14. G. STEINEíl. Morlfn Heidegger, Flamma,ion, 1981, p. 87. (As ldóias de Heideg·
~ • - ~•"'nu.,... ' - t:•- ,-1,. ,,.. ,..,,...,..,16_..Hó Ia ~uil (1 Q85). 1987. P. 11. ger. Editoio Cuttrlx. 1982. p . 58. em tradução no$$o do original Inglês N . do T.J
poclllco o homom om sou nodo p rimordial, e om sua vococ;ôo
poro o unlversolldade.
Heidegger re p,esenta uma Importante ruptura em relação à
Idéia do homem como senhor e possuidor da natureza. Sartre
ao ln!f>lraró nisso mais t~ ' '!E::...."~ homem, tal como ~ concebe_ o
fjXÍste nclalismo, se não edeflrnvel. é po1que primeiramente noo
ó nada" 15 • ~ p9rtir de~f?_..O$ U..!Q.do, o probl~.ç,_ que ~ - gp_re-
O ANTI-HUMANISMO nonto e que vol__çl..9._r J1,,1gar o du~ l.'2!_~pre_ta~ ,~ º ~?stos con-
siste e ~aber ~ ~ exlstenciaHsr:no_pgde_~ r um humanlsmo~_:o
que Sartre _sfefende,. -o-u se lo.d~ uma,_p,0§.i_ç,çi,.Q_.9nJl-.ti~r;n.9nlsta,
e e _0..-efiltU..!Yr~~~~ • a_!!m.ef")_fO deS§~ O.!!!!·t!l~rl<::!~O, ele c omogénso H~ ldegger.
Ele explicita sua tese no esclarecimento que envio a Jean
~~Q,.ÇQptJo~ero tJletJsche e ~He1S,1,3gger.. uma crític a
r.9.d.lco:..,~~~~ !:'!! mc:> _gue permJ!~ fg zer_g esoporece~ a figura Beaufret em 1946, Über den "Humonísmus" (Sobre o "Humanis-
.2.'? ~ m - c.omo um rosto de areia nos Jlmltes do mor. -Reen mo"]. Ele rejeita nessa longa carta a inte1pretação humanista do
contra -se, no origem, o fraturo que Nietzsche Inaugurou com a seu pensamento. Para Heidegger, o ek-sistência não se dá ao
morte de Deus, o qual desestabilizo o Idéia do domínio de um homem à maneira do cogito cartesiano, que não passa de
homem Identificável, definível. no âmago do história. Nietzsche uma hipérbole '~ cionallsta a Inverter na fórmula "Eu sou, logo
denuncio a divinização do homem. que tomou o lugar do reli - penso •, Mas o h , mem está numa situação de alienação Inex-
gião no época do luminismo e prosseguiu nesse século XIX. cedível: "Expulso verdade do ser, o homem g iro, por toda
Se Deus acabou. não se pode continuar fazendo referência parte, em torno de si mesmo, como animal rotionole" 19.
o uma natureza humana Imutável, como aetema verítas, como o ser-no-mundo, em vez de assumir a sua posição de pastor
medido de todas as coisos. Nietzsche deduz desse relativismo do Ser. perdeu-se no ente,, perda que se t1aduz no século XX
um niilismo radical. O julgamento moral não é mais possível. em pela tecnicizaçâo do mundo, o generalização da modernidade,
nome do que pretenderia ele erigir-se em norma? "Que a vlrtu• o Ge-Stell, o arranjo técnico. O destino do homem não depen-
de durma, elo se levantará mais vlçoso" 15. o julgamento ético de d le .•mi. conc..epçg_o_!legeliana;- não- p ossui margem de
pressupõe uma liberdade de agir, um nível de responsabilidade utonoml em suas faculdades subjetivas, não pode~ ar de
que o homem não possui. Não existe outro critério senão o que es ento à voz do-Ser . ê,'"'po1 essa~ razão. o filósofo e o poe-
o homem acredita ser bom fazer em nesta ou naquela circuns- ta s õ o ~tadÔs como aqueles quéêõrÍsêguiramesto r mais
tância específico. tudo o mais é tão-somente a escola de sub- próximôs d e 5!.~díãos·er, àlíãscfPrese_!)!!iS!!?:....n ~l__?rlo das
missão do sujeito: "A irresponsabilidade total do homem. tanto vezes comÕ um "abismo·.
no que se refere o seus atos quanto ao seu ser, é a gota mais O ser'7'~te p a~O a condição do homem como ser-para-a-
amargo que o homem deve engolir do conhecimento" 16• m orte, ra1f ·pii(Tleira que viu surgir o mundo do pensamento. Por-
"Nietzs.9.~tQ~o .l)!JO)atJ.lsr:oQ _ç_ooog_ç;t_g\J!!i!)g_q,ua._a,tciQ.\,JLo.o ho- tanto, ele desló~a o ponto de vista do cogito cortesia~~ o~ do
Ql~...J2.9,.e~central , d~.....fil.J~ito_ 99rn~~~~n9.,. se.de da evi- psicologismo. Situ~-se mais no plano em que a consc1enc1a se
dência da au12s,onsclêncla. Nietzsche troduz aqui a imposslblll- autodomlno mas no nível das condições de existência do cogi-
dade de apoiar-se, com a morte de Deus, em qualquer funda- to. Doí a ,ecrimlnaçõo que faz o Sartre de partir d~ cogito.
mento transcendental. , e nqUÕnto ·e le tenta reencontrar as condições q tlê' lhe dêrom
Essa crítica do hu~anl~~ ~ ! _oma...99...J;L.LOdi.c.aJ.iza.d.a_por ( orrgYn-:-NessããrqUedlõg!Õao Cõgífo, o homem e nconftcr=~ lne-
He~d;~~r. ? ho~':...,
mJ _fu~..9..rn~~!9lment~ E , ro~\gQ.S!_e todo · xoravê1mente descentrado, submetido a uma história do qual
não é mais o sujeito, mas o objeto ou o joguete.
d3_m1n10, p ois a sua realidad!:_~!:'~e se lhe a g resentaró ape-
nas como encobrimento: "A pergunta: O que é o homem? só
pode seíl'Ormula ClO- nolnterrogor sobre o Ser" 17•. Esse interrogar
remete-nos de volta à Indeterminação e ao inacessível, apenas
com esta exceção - a de que o homem é a pista, o recolhi -
mento, o testemunho disso. ~..Q..2..llil.9.fL.Q~ l;:leidegger
est~ s.ub.linb.QLo fg to d,a,_~róprlo do homem é não
têr próprio, daí ? sua cae~ de para apartar-s~ _~ d l g o s
que o encerram em definições contin~ es, em determinações
, E _ ~- A-;-k"'.'sistencla precede '2i' essênciã."""é Isso o que es-

15. F. NIETZSCHE, Humaln, trop huma/n /, op. clt.• p. 95.


16. to.. p . 112.
17. M. HEIDEGGER. lnfroducflon à la métaphyslque. Gahimord (1958). 1967. p . 157. 18. J.· P. SARTRE, L'exlsfenffo/lsrne est un hurnanlsme. Nagel. 1966. p. 22.
jtntroduçõo ó Metafísica. Ed. Tempo BrasilQiro. N. do T.J 19. M. HEIDEGGER. LeHre wr /'humanlsme. Aubier ( 1946). 1983. p. 107.
<.lodos a ca usalidades em torno da unidade do sujeito. Pelo
e ontrórlo. Nietzsche preconiza uma genealogia desconstrutiva do
aujeito para decifrar os condições dos sistemas 92_ crenço a
partir do que eles ocultam ou recalcam. Essa desconstrução. vi-
so ao modelo eia Inscrição originária de uma verdade primeira,
a nterior à sua formulação; elo viso a todo o absoluto de que
Gê considera ser portador o ser humano.

O PRIMADO DA LINGUAGEM

!:!º
N essa busca das_}2!l_9e~s
- ge~
pensável, Ni~tzsche e Heldeg-
eqem um_ valor prMlegiado à linguagem e ao
~ studp de SUaJ~ d.e funcioname_nto. A língÜa teriãperaidO
boa parte de sua pureza original. desencaminhada pela funcio-
nalidade do ente. A pesquiso filosófico ou poética propõe-se a O PR GRAMA GENEALÓGICO
suprir essa falta a fim de reencontrar o sentido do logos perdi-
do. O ente mascara as condições que presidem à sua reali-
dade. Heidegger preconiza, portanto, que se passe pelo Inter-
pretação do linguagem, que constitui o veículo privilegiado do
história do Ser: "Heidegger dá ao método fenomenológico o
T ambém aí, à e lhanç6 de Heidegger, Nietzsche privile-
gia a língua que deve {er liberta da submissão ao impe-
rativo de verdade: "Com se~ aforismos, Nietzsche estabelece o
sentido de uma hermenêutica ontológica•-2°. retorno com forço dos elementos censurados. recalcados, colo-
Na perspectiva heldeggerlana, o campo do linguagem será, ca dos em perspectiva" 22 • ~ . a _ o i ~ e a na deve
portanto, o objeto de estudo privilegiado. É evidente que se re- desenvolver uma outro abordagem da temeoralidade e da re-
conhece aí uma raiz essencial do que irá caracterizar o estrutu- là çoo coro a ~iem,gde.J)á .:.~ inteiromeofsl...Qomo a oposiç_ão da
ralismo, o qual conhecerá seu pleno desenvolvimento ao gene- Q.bQ1dogem, Q)AlQoiçg,-9..Q.o,D,gg_g iemjpiscêncio.LI.e.c.o,r:ibe.clmen-
ralizar o modelo lingüístico a todo o campo do saber dos to o uso de§trutoc9.....aa...1e,'1il@rui; à tradJção o uso do irre.oliza-
ciências humanos. Impulso fecundo mas que se edifica à dis- çã o e dissoclo!Lvo_ dau dentidad~;_ e a história-conhecimgJ1to é
tância do que depende do ente. Além disso, essa influência é s ~tifü'@opela destrulç.Qo_dQ \/&Ldade: "A genealogia é a his-
marcado pela ignorância da pragmática de Charles-Sanders tória como carnaval premeditodo"23 • A busco de verdades é
Peirce. assim como do filosofia lingüística de Ludwig Wlttgenstein duplomen,te<macessível. Por uma parte, as verdades nado mais
ou de John L. Austin. são do que d°'êi1-1sos nuvens de metáforas, metonímias, ontropo-
~ ra Heidegger, desconhecenct&-.os avanços da pragmática, m~.rflsmos, a tal ~nto que se os crê estáveis. simples valores dê'
não é o homem q ~~· talg .m~<:!
iirki~.9.9.em,.~o ho~ro_con- troco cujo valor de uso foi esquecido. O segundo termo da ilu-
~ em ser falado . Resulto doí uma Ôbordagem nominalista são encontro-se haficção do cogito: "Já não existe ninguém
e uma fetlchização do nível discursivo. uma vez que o homem bastante Inocente para formular ainda à maneira de Descartes
se diferencio então do mundo vegetal e animal pelo lingua- o sujeito 'Eu' como condição do 'penso"'24• O cogito apresenta-
gem que represento simultaneamente a sua distinção e seu far- se a Nietzsche como o modelo dos enunciados metafísicos, a
do. hipóstase do sujeito fictício cuja polissemia ele analiso.
Da mesmo maneiro, o crítico nletzscheona da metafísico rea- A genealogia valoriza o espaço do signo que deve ser ex-
lizo essa des~ntrOlizoç ão do cogito poro ã linguagem ogresen- p _ostD:ae õruZ'~ desv,gLqr:nentõ'"'a"'õ::-dlsêü~ i~ etofí-
tada n a suãrêtOricõ "n0Tuíã1". b sproc edlmenlôs metafóricos ou slco. O sentido encontra-se aí por trás da opacidade do texto.
metÕnímlcos- dc;-Jínguõ"gem- crlam uma crítico do verdade, Im- sempre negado. Cumpre, pois, após ter desconstruído os más-
possível de atingir, em substituição do infinito labirinto das inter- caras carnavalescas, reconstruir as cadeias significantes ininter-
pretações que só valem na rela tividade de seu lugar de enun- ruptos das sucessivas interpretações; essas cadelas não se dão
ciação: "O mundo, paro nós, tornou-se infinito, no sentido de em sua continuidade mas, pelo contrário, a partir de desconti-
que não podemos recusar-lhe a posslbilidade de prestar-se o nuidades, de sintomas, de faltas. O enfoque genealógico privi-
uma infinidade de lnterpretoções"21• Esse novo campo da inter- legio o outro lado do dizer, o face escondida dos significados,
pretação deve escapar à metafísica, o que equivale o ampliar define-se como um jogo de deslocamento paro desinvestir. de-
a busco dos origens. da gênese, para estabelecer os continul- slmplicar as camadas estratificadas dos signos de seu conteúdo

20. J . HABERMAS. L& Dlscours phllosoph/qu& de la modemlté. Gollimord. 1988, p, 22. J .• M . REY. Hlsfolre de la phllosophle, 'Lo philosophie du monde scientifiqu& et
172. Industrial', sob o direção de F. CHÂTELET, Hochelle, 1973. pp. 151 - 187.
21. F. NIETZSCHE, le Gof Savolr. edição 10/18, p, 374. 23. M. FOVCAULT. Hommoge à Hyppollfe, PUF. 1971, p. 168.
24. F. NIETZSC HE. Lo Volonfé de pu/ssonc<>, Gollimord, vol . t pp . 79 e 141.
metafísico. Essas são mais os condições do que o conteúdo do
d..i.licJH§Q qlJe _essêê"rJoque pretende reconstituir. Esse doslocu
,m~ento (>Q~º o ~çlsqursl'!f) é_cornum a Held~ger e a Nletische, r~~ºE~~~~~~~t~'::%~i~~~~:~l~ :7~:if~ ~~::u~~~E
do discurso, redunda numa novo abordagem do texto literário
o do trabalho do crítico, que deve deslocar o seu olhar do au-
1
- ·.. · -·=

to r poro o texto como sistema fechado.


Oc~em d~r~nças, -~ ~_d_úvida, entre o n~~~-~ -heideg-
gerlonlsmo e ?. estrutur9llsmo.~Assim, o anti-humo. nismo de Hei-
degger e o do estruturalismo, esmo que se encontrem numa
posição de filiação, não são, no erdade, da mesma natureza.
O ponto de visto estruturalisto remete o humanismo para uma
A RETOMADA DO PROGRAMA Óplsteme do passado, encontrando dessa formo uma forte Jus-
tificação epistemológica, ao posso que o anti-humanismo hei-
N IETZSCHEO-HEIDEGG ERIANO deggeriano permanece de natureza metafísica: "Ele hlpostasia o
Ser em todos as dimensões da história"26 • Produz uma filosofia
que, mais do q~n:i,.....pensamento do fim do história, é um
A ~c~ _h:ldeqgerla~o...!_o~gos ldentlflca-se_,_Q~§.te ponto,
com a genealogia nletzscti~ona,. e .arn.Qgs ençontrarõo
no estrüíurallsmo ·um rico destino. A crítica do etnocentrlsmo, do
pensamento da meta-história que gravita em torno do Ser, pers-
pectiva que não seró. el"fl absoluto, a do estruturalismo em seus
- eÜ rocentrlsmo, v ai acentuar-s;--nos anos 50 e 60 com a voga diversos componentes.
estruturalista que retomará por sua conta o paradigma crítico
nietzscheo-heideggeriano. Por trás do desenrolar contínuo da ra-
zão triunfante. acompanha-se de perto a Imagem do louco, do
primitivo, da criança, como outras tantas figuras recalcadas pa-
ra instituir o reinado da razão. Lévi-Strauss reabilito o pensa-
mento selvagem, a Infância, graças a Jean-Piaget, não será
mais considerada como o negativo da idade adulta mas
apreendida como uma idade específica; Foucault reconhece a FOUCAULT:
longa deriva da loucura antes de seu confinamento; quanto a 11
SOU SIMPLESMENTE NIETZSCHEANO"
Locan, realiza uma verdadeira pulverização do Sujeito, mostran-
do, ao contrário do cogito cartesiano, que: "Eu penso onde
não sou. logo eu sou onde não penso". fili~"nietzscheana é evidente e reivindicada como tal
A estrutura intelectual dos anos 60 foi corretamente sistema-
tizada por Luc Ferry e Alain Renàt.:1125 , mesmo que se equivo-
A por Foucó,ult: ·sou simplesmente nletzscheano" 27 • Foucault
escreve no lnterlbr do pensamento de Nietzsche, até à metáfo-
quem ao estabelecer uma correlaçã~ntre esse pensamento e ra da figuro do homem que se apago no final de Las Mots at
maio de 68. Reencontram-se as orlei'ltoções principais do /es chosas. Ele opera o mesma desconstrução do sujeito a fim
nietzscheo-heideggerlanismo com o terna do fim do filosofia ela- de substituí-lo pelo projeto de uma genealogia: "Já ' é tudo
borado, em particular por Jacques Derrida. que se empenho lnterpretaçõo"28 • Esquadrinhador dos bos-fonds à maneira de
em retirar o pensamento do seu cativeiro. Ele preconiza a escrl· Nietzsche, Foucault vai exumar os esquecidos do história e de-
tura de um puro traço, um pensamento "que não quer dizer cifrar, por trás do progresso do Iluminismo, os avanços de uma
nada", uma pura significância liberto do significado.. Em segun- sociedade disciplinar ocultado pelo predomínio de um discurso
do lugar, reencontra-se o paradigma da genealogia, ou seja, a Jurídico-político libertador. A loucura foi assim recalcada pelo
problematização das condições exteriores de produção dos dis- própria manifestação da razão, de uma cultura ocidental que
cursos, e não mais o estudo do conteúdo destes últimos. Em vacila em pleno século XX. O ensino nietzscheano será Integral-
terceiro lugar, ·a idéia de verdade, a única que poderia permi- . mente assumido por Foucault co~ a dissolução da figuro do
tir a verificação da adequação do discurso ao seu conteúdo, homem, entendida como simples passagem fugidio entre dois
perde todo fundamento e dissolve-se ao mesmo tempo que o modos de ser da linguagem; ".MQJs_do que a tnQr.1e....de_Deus,
referente, posto radicalmente à margem. Enfim, assiste-se à hls- / ..~.!1§LQ....l?JillS~mento deJ:!j_sltzsche_g,p_~o2Çfim.....dQ._seu
toricização das categorias e ao fim de toda e qualquer referên- m.gJador1 ~ a çleslotE;t.glOÇ.â.Q_g o rosto do homem" . Também
cia ao unive'rsal. A essa sistemática, colocada em foco por Luc
Ferry e Alain Renaut, cumpre acrescentar o desaparecimento
do nome do autor. da significância de suo existência: ele se 26. G9org9s-Elía Sorfati. entrevista com o autor.
27 . M . FOUCAULT, Les Nouvellàs 1/Htf>rafres. 28 de !unho de 1984.
28. M. fOUCAULT, AcfQS du Colloque de Roycrnont: N/etzsch9, Freud. Marx, Mlnull
25. L. FERRY E A. RENAUT, La Pensée 68, Gollimard. 1985, pp. 28·36. [Pensamento (1964), 1967, p. 189.
68, Editora En•alo, 1988.) 29. M. FOUCAULT, Les Mofs et /QS chos9s, op. clt.. pp. 396·397.
HIST RIA DO STRUTUl?A I ISMO

extraiu desse ensino o primado de uma fllologla. de um estudo


discursivo, empreendimento anunciado por Nietzsche e anta,101
mente retomado por Mallarmé.
A hermenêutica se transforma numa semlologia quando ••
converte em interpretação das interpretações ao Infinito, tendo
o signo quebrado as amarras que o prendiam ao significado
original. O humanismo se edificara sob o falsa base da falto,
da inexistência, como forma de consolo. A auestão central poa
sa então a ser por que, e em que condições. o homem penso O ARRAZOAM~O DA RAZÃO
o que para sempre lhe estaró situado numa posição de exterlo
rldade.
Nietzsche, aos olhos de Foucault, terá representado o primei
ro desarraigamento da antropologia, cujo desabamento anun
ela •a Iminência da morte do homem" 3 º.
A genealogia
A Influência de Heidegger é ainda mais t.ra~ arente e ex-
tensa em todos os componentes do estruturalismo. Fou-
ca u lt declarou: "He!degger foi sempre para ·mimo filósofo
nletzscheana inspira também um trabalho que tem raízes não essencla1"33 • Entret~ obro de Foucault traz poucas referên-
na Investigação Impossível das origens. mas numa atualidade, cia s explícitas a Heidegger. Ao contrário de Nietzsche, que é
no presente histórico. Ele não procura apreender as continulda uma referência constante, Heidegger influi de maneira implícita
des, as quais anunciam o nosso mundo ao enunciá-lo mos. nas orientações de Foucªult. Ele familiarizou-se, contudo, muito
pelo contrário. aponta as descontinuidades. as oscilações doe rapidamente com a obr do filósofo a lemão. O seu amigo
epistemes. O saber histórico considera que a eficácia está em Mourice Plnguet descrev 34 seu primeiro encontro na rua de
problematizar. em quebrar os constâncias, o Jogo consolador Ulrn com o jovem Mlchel Foucault, ouvindo-o discorrer sabia-
dos reconhecimentos. mente, com sua voz melá ica, num pequeno grupo de colegas,
O seu trabalho de arqueólogo vai levar Foucault a prestar a respeito das noções de Dosein, do ser-para-a-morte. Nada
atenção especial ao arquivo, ao documento entendido como que não fosse de certo modo banal para um Jovem normalis-
monumento para traçar de novo as linhas de clivagem, assina ta em 1950, momento em que o heideggerlanisrno representava
lar a singularidade dos eventos desembaraçados de toda fino· a koiné de todo filósofo. Mas a marca de Heidegger pode ser
!idade teleológica. O fato de Foucault ter travado um diálogo encontrada na própria obra de Michel Foucault.
com os historiadores. na maioria das vezes carregado de ln· Em Les Mots et les choses, Foucault retoma a expressão, tipi-
compreensão mútua. e de ter privilegiado a história como camente heldeggeriana, a p ropósito de Kant, de "a analítica
campo de investigação. chegando até a colaborar com hislo· da flnitude". _,,sefgunc:10- a qual o homem descobre que "já está
riadores (Michelle Perrot, Arlette Farge) e a se aconselhar, enfim. sempre" no/ mundo e é lnut1I, portanto. procurar os ongens: "Ele,
nos últimos anos de sua vida. com , Paul Veyne, não é fortuito separado de toda origem, já esta aí" 35. O fracionamento em
mas corresponde ao enfoque genealógiço de Mlchel Foucault: episternes descontínuas também p rovém da herança heldegge-
"O genealogista tem necessidade da história para conjurar a rlana, ao mesmo tempo que da genealogia nietzscheana. Tam-
quimera da orlgem" 31 • ..C.01.o.G.gr_gro....1.oco a heterogeneidade, bém se reencontra Heidegger em L 'Histoíre de lo Folie. onde
ciesconstruir a hlstória.JmbQ!tlar no sentido de uma eventualiza• "toda a temático da razão que só pela exclusão se c~nstitui
ç{:lo da miríade de eventos desaparecidos: ~ enta- corno razão é tipicamente heldeggeriano"36 • L 'Archéologie du
ç{>es de um Foucault que transporta o f l l e ~ ~ ra o sovoír é um debate Implícito com Sobre o Humanismo. de Hei-
terreno da história. degger. Da mesma maneira, o modo de ver uma sociedade
Também se pode apreender, em menor grau. a influência disciplinar que se desenvolve por trás da sociedade iluminista
de Nietzsche na obra de Lévi-Sfrauss. Foi o que vislumbrou Jean e m Survel/ler et punir [ Vigiar e Punir) corresponde ao arrazoa-
Duvignaud, em especial em Tristes Tropíques e no "flnole" de mento da razão de Heidegger. remetendo, portanto, para uma
L 'Homme nu, onde a visão global de Lévi-Strauss está impreg· visão fundamentalmente pessimista do destino ocidental, sem
nada de uma vontade profundamente estética, cuja origem nenhuma assimilação, evidentemente, quanto aos ensinamentos
estaria em Nietzsche: "A estética emerge sempre, desde que se a extrair desse diagnóstico, urna vez que há poucas relações,
elimine a história"32 • Assim, a circularidade do estruturalismo de no plano da práxis, entre o envolvimento de Foucault no senti-
Lévl-Strauss, a partir da qual os mitos se reportam uns aos outros do da resistência aos poderes, e o "engajamento" de Heideg-
numa construção lógica magnífica. remeteria para o eterno re- ger!
torno nletzscheano. No caso de Lévi-Strauss, a influência de Heidegger, diferente-

33. M. FOUCAULT. Les Nouvelles 1/fferalres, entrevista da 28 de Junho da 1984.


30. lb., p . 353. 34. M. PINGUET, Le Débaf nº 4 1, setembro de 1966.
35. M . FOUCAULT. Las Mots et /es choses, op. clt., p . 343.
31. M . FOUCAULT. Hornrnage à Hyppolite, op. c/t., p . 150.
36~ Mo.rc e l Gouchat. entro vlsto com o autor.
Roudlnesco roloto o primeiro viagem de Heidegger à França. à
mente do caso de Foucault. não é direta nem reivindi c ado ,
qual não fa ltou um lado pitoresco nesse mês de agosto de
Nem por Isso estó menos difundida e presente no forte cetlcls
1955. Ele foi participar nas entrevistas de Cerisy-la-Salle, organiZa-
mo de Lévl-Strauss a respeito da modernidade. em sua crítica à
das por Jean Beaufret e Kostas Axelos. Nessa ocasião, Lacan
tecnlclzação do mundo, na denúncia do seu caróter destrutivo,
organiza em Guitrancourt uma pequena homenagem ao ilustre
portador de etnocídlo. A rejeição da homogeneização planetó
convidado: "Heidegger hospeda-se no Prebostado e vai depois
ria, da supressão das diferenças, é fruto de uma mesma sensl·
visitar a catedral de Charlres. Locan dirige o seu automóvel
bllldode. com a velocidade de suas sessões. Instalado no banco diantei-
ro. Heidegger se mantém impassível, mas sua esposa não póra
de reclamar. Sylvia transmite a Lacan suas inquietações. De na-
da adianta: o mestre roda cada vez mais depressa. Na volta,
Heidegger permanece calado e os protestos de sua esposa au-
mentam. enquanto Lacan segue pisando fundo no acelerador.
40
A viagem chega ao fim e cada um volta para sua casa" •
Como se pode avaliar, as relações poderiam ter sido mais ca-
lorosas. mas o - q.J.J~nt~ é a adoção de uma outro fonte
LACAN E HEIDEGGER conceituai situada além de uma comunicação direta que se
fazia difícil pelo foto ele H~ldegger considerar que só existe
influência de He!degger sobre Lacan também é decisiva. uma língua verdadeira, o b~mão. que Lacan pode traduzir sem
A Como observa Elisabeth Roudinesco, ele estó, como to·
da a intelligentsla francesa do pós-guerra. fascinado pelo eslllo
a falar. \
Lacan retoma o conceito de ek-sistência. o Idéia de que o
de Heidegger. O seu primeiro contato data de 1950. Mos hó. homem estó separado de todo a forma de essência. Ele Inspi-
sobretudo, o discípulo francês do pensamento heideggeriano, ra-se nesse distanciamento do Ser em relação ao ente. Sempre
Jean Beaufret. que começa a fazer anólise com Lacan por vol· que cita Heidegger. é para utilizar o conceito de ek-slstência
ta de 1946. Portanto, este último tem acesso à própria fonte do assim como o de ser-para-morte. A Idéia lacaniana s~gund9 a
difusão do heldeggerianlsmo na França. uma vez que além de qual º'-..Yig_cu.e.ol não é uma ~~Q,j,(i.cta_simbólíca.
ter essa fonte no seu divã de analista. Jean Beoufret e Jacques · ~a idéia_gue se encontra ..e_or tod_g Q part~eidegger,
41
Lacan criam laços de mútuo amizade, facilitando o Impregna· podendo.cse- .c o"osiderar até o essencial de ~ f l a " •
ção do linguagem heideggeriano no analista. Essa influência decifra-se facilmente nos próprios paradigmas
A primeira referência a Heidegger data precisamente desse de Lacan. Nã..o- só yamos encontrar aí o pessimismo profundo
período: "Em setembro de 1946, no colóquio de Bonneval. onde de Heidegge ( a descentralização do homem. a desconstrução
ele profere sua comunicação 'Prol>'0~sur la causalité psychl· do sujeito q ~ e se acha dividido. inacessível a si mesmo para
que'. A alusão mostra que Lacan leu Pl'oton et la doctríne de sempre. o longo percurso da perda. o Esquecimento do Ser a
la vérité, publicado por Heidegger em 1941-1942"37 • Depois, LO· partir do estágio estruturador do espelho. mas também é possl·
con lró visitar Heidegger em Friburgo38• Traduz pouco depois o vel assinalar o recurso ao vocabulário heldeggeriano. Tudo o
artigo Logos, que é submetido à aprovação de Heidegger e que diz respeito à relação com a Verdade, a autenticidade, a
publicado no primeiro número de sua revista, La Psychanalysa. falo do cheio e do vazio. depende de uma abordagem hel-
em 1953. Lacan presto nessa ocasião uma vibrante homenO· deggeriana transposta para o campo da psicanóllse. Todo
gem ao filósofo: "Quanto à presença aqui do Sr. Heidegger. elo comentório sobre a filosofia grega, sobre a alethéla lhes é co-
é por si só, para todos aqueles que sobem onde subsiste o mum. No Seminário sobre A Carta Roubado, a circularidade da
mais soberba meditação sobre o mundo, a garantia de que carta que remete para o modelo estruturalista é, ao mesmo
existe, pelo menos. um modo de ler Freud que, a ser fruto de tempo, sustentada por todo uma temótica heldeggeriana de
um pensamento manifestadomente trivial, não mereceria ser re· um lugar de desvendamento da verdade que é o próprio lugar
petido por um defensor declarado da fenomenoiogla" 39• da carta, lugar onde ela se esquivo ao seu destino. Portanto,
Apesar desse entusiasmo, é significativo que ele só traduza nesse Início dos anos 50. existe um real fascínio de Lacan por
quatro quintos do texto e ampute o final em que Heidegger Heidegger. fascínio não compartilhado, aliás, pois este último se
vislumbra na escritura poética uma saída para o drama da desinteressará sempre pelos trabalhos de Lacan. Não se pode
42
existência humana. Para Lacan. não existe saída possível, salva- dizer, portanto. que "Lacon nunca foi heideggerlono" e reduzir
ção possível, não vê nenhuma solução para o Ser. Élisabeth essa Influência à mera questão de vocabulário, mesmo que

40. É. ROUOIN ESCO, Hfstofre de la Psychandyse en France. op. c/t., pp. 309-310,
37 . É. ROUOINESCO, Les En}eux ph/losoph/ques des années clnquontes, Éd. do entrevisto com Sylvio Lacon. (História da Psicanállse no França, op. clt.. pp.
Centre Georges-Pompídou. 1989. p . 93 .
3 19-20.]
38. É. ROUOINESCO. H/stolre de la psychanalyse en France, op. clf.. vol. 2. p. 309
4l. Bertrand Ogilvie. entrevisto corn o autor.
(História da Pslcanálfse. na França, Vol. 2 (1925-1965). Jorge Zahor Editor, p . 319,1
42. Élisobeth Roudinesco, entrevisto com o autor.
"º 1 1 õrAM , _ Ou,,..n-nrJ_v,c_o / Ptu:: 10M n A
3/. :AS /M'// S N/11/SCHI O lll/O[OGCRIANAS
HISTÓRIA DO ES1t 'WTURALISM O '

1
efetivamente. no tocante ao problema da ciência. suas poel
ções sejam antinômicas. Quanto ao essencial, a sabe r, o foto
de que Heidegger tenho proposto uma filosofia como língua
comum para todas as ciências humanas, existe uma llgaç õ o
que supera de longe a Lacan e ao lacanlsmo.
mos a falar. Introduzem -nos na multiplicidade dos ecos do
nletzsche o -heldeggerlanismo francês que adotaram por emble-
ma o estruturalismo para desenvolver as potencialidades de
Investigações particularmente diversas em todo o campo do sa-
ber das ciências humanas.

A IMPREGNAÇÃO HEIDEGGERIANA
DE JACQUES DERRIDA

E ssa Influência é ainda mais manifesta em Jacques Derrl·


da, seja o que for que se diga depois do "caso Farias•.
Considera ele que o epíteto de heideggeriano é uma Inépcia
\
que rejelta 43 , ao mesmo tempo que afirma que Lévl-Strauss, AI
thusser e Foucault Jamais foram influenciados por Heidegger! E
para corroborar a sua tese sobre a total ausência de Impregna-
ção do heldeggerlanismo na França, Jacques Derrido conta um
episódio que remete aos anos de 1967-1968. Enquanto passea-
va de automóvel com Foucault, perguntou-lhe por que , nunca
falava de Heidegger. Foucault respondeu-lhe que era, ao m es•
mo tempo, Importante demais e difícil demais, fora do se u
alcance.
Mas se nos reportarmos aos prÓAQOS textos de Derrlda, a Im-
pregnação heldeggerlana é não só 'nqnsparente mas relvlndl·
cada como tal: "Nada do qu,e eu tento'\teria sido possível sem
a abertura das questões heideggerianas, / ... / sem atender para
\
o que Heidegger chama a diferença entre o Ser e o ente. a
diferença ôntica-ontológica tal como permanece, de uma cer-
ta maneira. Impensada pela fllosofla" 44 • Jacques ~ g_ não
adere servilmente ao pensamento de Heidegger;por certo, o
suo aesCQmlliJ~ã ~ !S!_.mbém gv_e~fjnna_os prQQrio~ n(JcleQ.S desse
pen§Qmento e visa, como oo c..o so de Lacg_o _ .QJQdicallzoção
de syas, te~s.
Para Derrida, o Ereignls, o homem como pastor do Ser. soo
em .Heidegger uma sobrevivência de um humanismo a des-
construir. O ponto de partida de Derrido. entretanto, nem por
Isso deixa de ser o prívilégio concedido por Heidegger à lingua-
gem como veículo do Ser, e a passagem do filosofia da cons-
clênclo_pora a d g linguagem. Reenco.ntramos o mesmo fascínio
pelo comentário a partir do qual Derrida. embora participando
na orientação geral do estruturalismo, diferenciar-se-ó d e le a o
criticar, um por um, Claude Lévl-Strauss em La Grommatolog le,
·Michel Foucault em L'Écriture et lo d ifférence e Jac ques Lacon
em Le Facteur de la vérité. Essas críticas. sobre as qua is volto re -
38. A CRIS~ DE CRESCIMENTO
DAS CIENCIAS SOCIAIS

P ara compreender o êxito do estruturalismo. não basta


situar o amplo contexto histórico do fenômeno, nem aul
nalar algumas filiações de ordem filosófica; é necessórlo rolorlr
também o estado do próprio campo das ciências sociais, suu
morfologia. sua especificidade. Pois ao con11órlQ_d.a....que pon
.som to<i_Q§_psJ educi.QnisrnQ.s_e~ls.te,_d~...JQ.fQ, uma vasta outono
. mia da histórjg__çtg _cada - dlscJp JJna, de ~Õ d_~ c lêncla om
r~ lação à história Q!J.EL a s.. produziu. Pode-se falar, nesse nível, de
uma vida autônoma dos conceitos, como diz Gilles-Gaston

~\
Granger. As condições sociais de aparecimento e de transro,
mação de uma teoria como o estruturalismo podem ser parcial
mente elucidadas pelo exame dos contatos interdisciplinares no
Interior do campo da pesquisa e do ensino e, em termos mola
amplos, da própria paisagem Intelectual.

A SOCIA~IZAÇÃO INTENSA / --
DAS CIENCIAS SOCIAIS

O período que vê florescer a ~ ade estruturalista é o d e


um desenvolvimento espetacular das ciências sociais e,
em particular, de todos os novos brotos que tentam encontrar
um lugar ao sol num canteiro já bem cheio. Ora. essas novoa
ciências sociais eJ;tão em busca de uma legitimidade. Para con-
quistá-la, vão dotar-se de uma identidade baseada no ruptura e
procurar atrair para elas um público intelectual crescente, nesses
anos 50 e 60, a fim de contornar as tradicionais posições estabe-
lecidas. A ruptura eslruturalista que vai aqui apresentar-se como
uma revolução científica, arregimentando sob a sua bandeiro
numerosos campos disciplinares, busca uma socialização Intensa
para ganhar a partida. Daí o caráter indivisível dos aspectos
científicos e Ideológicos nesse período, pois essa soclolizaçõo ln-
tensamente procurada induz a ldeologlzação do discurso cie ntí-
fico. Relegar para a sombra os componentes Ideológicos para
reter apenas o método estrutural procede. portanto, de uma
postura falsa, porquanto é lícito Indagar-se se "as revoluções
científicas não constituem justamente essa intensa socialização"'.
~ro_g ciênci g_e.stó., ..Q..~e resp..!;ill.o,-lo.iune à ideologiza-

1 ,._ Jean Jomin. ~ntr~vl~tn e:nm r. n , ,tnr


ção, ~ solvç__ do soclollzoção. Assim. o observação física foi pte. 1 so 00 mesmo tempo. deJlcoda .meado a destrinçar, se_.....[lão se
namente uma oposta Ideológica no época de Copérnico ·• Identificar nele 0SJT1otnenios, os...couentes....o_we es!á_ ~ lo~o.
GaUleu com os conflitos teológicos que provocou, em virtude da
passagem de um modelo geocêntrico paro um modelo hello
cêntrlco. Paul Rivet viu o necessidade dessa socialização para
lograr o Institucionalização do Jovem etnologia francesa. Nascida
sob o condicionamento do colonlolismo. o etnologia estava pie
namente Inserido no ideológico, e Paul Rivet viu que podia Mf
vir-se dessas condições para reformulá-las e permitir uma
mutação radical na percepção da alteridade social e cultural
De condicionado. a etnologia vai tornar-se condicionante, porta OS FILÓSOFOS ,FNFRENT AM
dora de uma ético, de uma político anti-racista. Paul Rlvet fei, O DESAFIO DAS CIENCIAS SOCIAIS
portanto. do etnologia uma arma deliberadamente ideológica,
um Importante elemento no debate intelectual dos anos 30, per 1
mitindo assim a sua institucionalização. É esse, Incontestavelmente, ssa admiração exagerado pelo estruturalism~. correspo~de.
o caso dos ciências do signo nos décadas de 50 e 60, e de
maneira multo mais espetacular do que para o etnologia doa
E portanto. a uma lnte;nsa socialização dos c1encios sociais,
a um tal fenômeno de explo'são que se transformo em verdodei-
anos 30, porque elas dispõem então do apoio dos mídia que ,a política de desenvolvlmepto dos ciências humanas desde fins

.. desempenham um papel crescente no campo intelectual. perml


findo desmultiplicar as capacidades de socialização .
Com efeito, a mídia apoderou-se do debate no transcurso
d o década de 50. É em 1958 que. sob o Impulso de Raymond
Aron. 0 sociolOgio progride em suo Implantação institucional com
0 criação da licenciatura em sociologia. M~_ls glo~o!mente. os
dos anos 60 para apresentar seus lances em praça pública. Fa a to res dos ciências sociais em plena efervescendo noo buscam
lou-se até do caso Dreyfus a propósito do famoso duelo Picard 0 reconhecimento dos filósofos. dos quais desejam, pelo contr6-
/Borthes. Essa mediatização sem limites é considerada por alguna rlo. manter-se afastados de maneira ostensivo" 5• Pode-se entender
a única reaRdade tangível do estruturalismo. Se for desembaraça nesse nível O êxito do estruturalismo como uma resposta dos filó-
do do alarido medlótlco, "o estruturalismo deixa de exlstir" 2 • Da sofos 00 desafio lançado pelas ciências sociais, oriundas essen-
mesmo maneiro que entre Descartes. Spinozo. Pascal ou Hobbel, c ialmente da mesma motriz filosófica. Os filósofos. abalados pelo
são mais as divergências, os contradições que Importam, tam- concorrência de disciplinas de vocação mais científica. mais
bém para os estruturallstos, se existem pontos comuns, decorren• progmótica, realizando uma articulação entre os conceitos e o
tes do foto de pensar no mesma época, as oposições seriam campo, reo Clilrom apropriando-se do programa d~les o fim de
mais pertinentes e por trós do engodo de sua homogeneidade, corrigir e refbrmor suo própria posição no campo 1ntele.ct~al.
os conflitos e polêmicas que agitaram todos esses lnvestigadorea A filosofia\ nessa época, via dois programas cuja v1tahd~de
foram particularmente veementes. Mas esse dispositivo medlótico tendia a esgotar-se. o primeiro, o exlstencloRsmo sortreano, articu-
foi procura<!_.o com q pr~pq_ç_õQ._çle dlfusóo, ~ecõrihecl- lado em torno de um sujeito constituinte do qual tudo procede,
mento, de obtenção / de l~tiro].Qode científico. toda a espécie de sentido, sujeito transcendental, todo-poderoso,
Tentativa distinta 9e
dissociação entre o pensamenJ_0;-<rclên- plenamente abstrato. Nos anos t/J, essa filosofia e~á se de~~n-
cla, de um lado, e o ideologia , do outro. Mourlcé Godelier3 telondo ao chocar-se. como vimos, contra os recrfes da h1stono.
opera um distingua radical entre o método estrutural, por uma nos quais vem a soçobrar: •um dos últimos modelos do Idealismo
parte, que consiste na análise pertinente. rigorosa, científico. dos do universidade froncesa•6 •
vínculos de parentesco. das estruturas dos mitos... e o estruturalis- os filósofos que pretenderão distanciar-se desse ideal~o d~ su-
mo, por outra porte, que depende do ideológico, das declara- jeito vão encontrar no estruturalismo o meio de reogn radical-
ções especulativos gerais sobre a humanidade, sobre o socie- mente, pela prevalência do imobilidade das estr.uturas. pel~
dade e sobre o progresso do pensamento. A dissociação entre o descentralização, quando não pelo extinção do suj01to... Sart,e ti-
método estrutural e o estruturalismo é total, mesmo quando o nha inaugurado um novo estilo em que a filosofia é o que est6
método e o ideológico se conjugam nos mesmos investigadores: em jogo em debates púbicos, o que contribuiu em muito para o
"Pretendo que na análise estrutural dos mitos, o método de Clau- sua popularidade nos anos do pós-guerra e na década de ~·
de Lévi-Strauss não Implique, em absoluto, o seu estruturollsmo, é Mos ele vai ser a p1imeiro vitimo desse novo modo de reloçoo
ele quem detém o seu método, não porque o seu método seja com um público que lhe escapara em proveito dos estruturalistos,
limitado, mas porque ele quer detê-lo por outros rozões"4 • Ciên- os quais utilizam contra ele os pr6p1ios armas de que Sartre ~ se,-
c~. _l~ologia, ~ ~ ã o , me&iatlzg_ç_õo_o esn.utur~o_é tudo vla para impor-se. A conjuntura, o fim da guerra da A1geho, o
desmobilização. as d esilusões vão gerar um novo tipo de intelec-

2 . Bertrand Ogilvie, entrevisto com .o autor.


3 . Mourice Godalklr. entrevisto com o autor. 5 . J.·L. FABIANL t.es Enje<.Jx phllosophlques des années c/nquonte, op. c/1., p .125.
4 . /b.
ESTRUT URAL/SMO Jlfi0 Qi4 iW ... h t'4 W 4 Wi

tuol que Sartre jó nõo encorno, vítima expiatório do dlstensôQ. lo. Do um lodo, uma flllaçôo que ó a de Sartre e de Merloau
O segundo pólo de reflexão filosófico do qual os fllósotos c,e Ponty; e, do outro, o que é de Cavailles, de Bachelard. do Ko
truturolistos vão dissociar-se é o fenomenologia. Sem dúvida. o yré e de Canguilhem" 11 •
estruturalismo pode obter na fenomenologia orientações que re As ciências sociais, ao encamparem toda urna sério do
tomaró por conta própria, como o privilégio concedido às estru questões que eram, até então, privilégio de urna roflexõo do
turas, o busca do sentido, a tal ponto que Jean Víet, autor da ordem filosófica, levam o vanguarda filosófico. sob o bondolra
primeiro tese sobre o estruturalismo, percebe a fenomenologia do estruturalismo, o deflagrar com êxito a contra-o fonslva . A clla
como uma tendência espec.(fico do estruturalismo7 • Entretanto, a clpllna filosófico, aberta, renovada, respaldada por seu púhllc o
fenomenologia continua sendo uma filosofia da consciência, • c rescente, sal revigorada do dyelo e beneficia-se do um lrnlct
vincula-se essencialmente à descrição dos fenômenos. Para Joc aumento do seu pessoal docente12 : o número de codulru1 du
ques Derrlda, a fenomenologia permanece encerrada no ·•• filosofia nos liceus passo de 905 em 1960 para l .311 om 1w,•, n
chamento da representação• ao manter o princípio do sujeito. 1.673 em 1970. No ensino superior, era de 124 em 1963 o ó chl
"As desconstruções tomaram o lugar das descrições"8 • O concel 267 em 1967.
to de desconstrução, que vai orientar todo o pensamento estru Se os gurus do est;,uturalismo quiseram absorver as clônclua
turalista, foi Inicialmente Introduzido por Jacques Derrlda para sociais, nem por Isso \deixaram de contestó-las em numerosos
traduzir o Destrukfion de Heidegger, termo que não deve suge pontos, criticando sobretudo o seu modelo de positividada.
rir um sentido negativo nem ser interpretado como positividade· C om efeito, os filósofo~ estruturalistas multiplicaram seus virulentos
"A finalidade da desconstrução consiste em propor uma teoria ataques contra as prefensões cientistas dos ciências sociais: La
do discurso filosófico. Um tal programa é manifestamente crltl c an contra a psicologia, Aithusser contra a história, Foucault
co" 9 • contra os métodos de classificação das ciências humanas. Assis·
Esse estruturalismo filosófico, oriundo da contestação da feno 1e-se a um verdadeiro tiro de barragem contra o que é apre
menologla. coloca portanto no mais alto nível o paradigma cri sentado como uma Impostura, a das ciências humanas Insto
fico. e vai poder utllizó-lo como meio de abertura e de Iodas em suas certezas de cientlficldade. Contra elas. os estru
captação em relação ao campo de investigação das clênclaa turalistas opõem uma crítico eplstemológlco alimentada por
sociais em expansão. A maioria dos estruturallstas provém da Gaslon Bachelard e Georges Cangullhem.
disciplino filosófica: Claude Lévl-Strouss. Pierre Bourdleu, Jacquea Étienne Balibar descreve com detalhe essa mudança de ru-
Lacan. Louis Althusser, Jacques Derrlda e Jean-Pierre Vernonl mo bem-sucedida que vai conduzir as ciências humanas depu-
são todos de formação filosófica. Entretanto, têm em comum o radas pela ' crítica estruturallsta a buscarem suo positividade a
rompimento com a filosofia tradicional. unlversltórta. Procuram partir dos modelos e conceitos elaborados pelos filósofos: "Assim.
uma outra coisa multo diferente. É uma geração filosófica cons o texto Jue escrevi em Ure Le Capital (1965) seduz.iu os antro·
ciente do desafio das ciências sociais, e que rompe com a pólogos ~ alguns historiadores, pois eu construía um conceito de
retórica do exercício universltórlo. Para Isso. é necessórlo conto, modo de produção e eles acharam-no op~raciona1" 13• O estru-
nar. passar além dos velhos aparelhos legítimos e rotineiros da turaasmo, ao privilegiar um discurso essencialmente conceituai.
instituição para dirigir-se diretamente à intelligentsia, ao escolher teórico, e ao perturbar o perfil, às fronteiras e às delimitações
novos objetos do filosofia mediante uma eluctda.99-~specífica das diversas e jovens ciências sociais em expansão. podia assim
do atualidade, ao Qrticular o pensamento col)1" os campos so- preservar a primazia de uma filosofia renovada. Estd foi edifica-
ciais e os lnstltuiçõe's, assim adquirindo um valor praxeológlco. da no base de uma "fórmula de compromlsso" 14 entre, por uma
Atém disso, o esfiuturallsmo. para esses filósofos, serviu para parte, uma redefinição dlnamiz.onte e crítica do humanismo,
renovar um discurso que se tornou mais científico. que lhes ofe portadora de uma ruptura radical, científica; e. por outra parte,
recla uma forma de ~vitar as Incursões das ciências humanas. ~ o preservação da altura estatutária da disciplina filosófica, mes-
ao que Pierre Bourdleu chamo •a efellologla"1º, que ele consta- mo que a referência freqüente ao fim do filosofia pareça ocul·
ta com o êxito obtido pela arqueologia. a gramatologia. a tor o fenômeno. É com essa preocupação que, como assinala
sernlologla ... Essa desinência evoco a ambição científica de um Louis Plnto15, a fórmula do arqueologia em Foucault permite sa-
estruturalismo especulativo. que recorre tanto à lógica matemó, tisfazer a dupla exigência de propor um discurso histórico sobre
tice quanto à lingüística para constituir um pólo científico que as ciências humanas. mas que seja também o melo de pensó-
ocupe plenamente o seu lugar na história das ciências. Fou- los filosoficamente. de um modo diferente e melhor do que
cault descreve essa linha de clivagem. que ele acentuo e que elos podem faz.ê-lo por si mesmas.
transcende toda e qualquer outra forma de oposição: "É aque-
la que separa uma filosofia da experiência, do sentido. do
11. M . FOUCAULT {1977). Revue c:Je méfophyslque &t de morde. n• 1. janeiro-mar-
sujeito, e uma filosofia do saber. da racionalidade e do concel- ço de 1985. p. 4.
12. L. PINro. Le• PhR0$0phe• entre/& /ycée et rcvonf,garde. L'Hormotton. 1987, p
7 . J. VIET, L&s Méfhoc:J&s strucfurollsfe•. Mouton, 1965. p. 11. 68.
8 . V. DESCOM8ES, Le Mltme et l'oufre, op. c/f., p, 96. 13. i;uenne 8o~bor, entrevisto com o autor.
9 . lb.• p. 98. 14. L. PINTO. Les Phl/osoph&s entre /e /ycée •t /'ovont~ard&, op. c/f., p . 78
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISM O 38. A, Cl?ISL D/ cm SCIML NTO DAS C /~NC IAS SOCIAIS

Nesse nível. a vanguarda filosófica aceitou plename nte o d osa portanto, ressaltando o que, desde longa data, Já era porte In-
fio das ciências sociais; alias, favoreêei:.a sua expansão nesse, te grante do próprio programa deles, a saber. o estudo das
~ QQ._ao- ryiesmo~ 2._gll_f pres~ ãva pÔJº-Jl filosotla o lu estruturas econômico-sociais, dos ciclos e fenômenos repetitivos,
gar mais prestigioso do dispositivo. Ela continua sendo •a dlscl sem que pudessem proclamar-se estruturalistas, pois o antinomia
p ffnãae co, Oam-ê n.to": com7 uas posições dominadoras no e ra grande demais.~~er!fic;~e portanto, uma vontade radjcol
óplce do currículo do ensino secundário, e seus bastiões porN de emon~Q em~reJaçé!Q ..9...1).~_!érla, lev_a,g ,g-9-9 extremo do
cuiarmente representativos no papel de reprodução das- elite 1: negação absurdo de todo o fundamento histórico. Assim é que
as Escolas Normais Superiores. A esse respeito, a filosofia teró re Michelle Perrot, no pontÕ domoderni~o na disciplina histórico,
slstldo bem à ofensiva. como testemunha a segurança com e m Paris-VII, realizou no época um seminário com home ns de
que Louis Althusser rejeita "essas ciências ditas sociais", anátema letras que redundou num diálogo de surdos. Mlchelle Perro t
que "não pode explicar-se sem referência ao estado de fraque p ensava realizar um avanço plurldlsc lplinor e , no e nto nto, sob o
za Institucional (e freqüentemente intelectual) em que elas ae g olpe dos ataques desferidos contra to da e qualq uer roforê nc lo
encontravam nos anos 50" 16• Nesse plano, a batalha das humo o algum contexto histórico, fosse e le q ua l fosso. o la linho "o
nidodes em relação às ciências sociais reproduz o duelo que ae sentimento de ser multo .pre te nsiosa". Com e fe ito, paro os do
travou na reprodução das elites entre a ENS e a ENA, entre a tensores da nova críticb 'literário , "o _Qró _prl o pala vr a contoxl o
elite c).Qsslca e_ ~ 9 'Jlq.,elite-té-cnic.a_ . 1 . ~
faz1q ~ pular, era u11J._t§{rmo_ 1nfoai..onte . Cumpria m o nter-so no
texto fechado, o que torrou o diálogo sumame nte dlfíc i1" 18•

A EMANCIPAÇÃO EM FACE DA HISTÓRIA

S ~
e .2 estruty[g]lsmo se opôs a uma filosofia acadêmico ,
bém atacou uma q u tra e antiQ,9,._,discJB!ino...10§!9!.ada,
- -
_o ANTI-ACÀOEMISMO

ca!)..Qnl~ 1 1 1 . . g _ ~a e d ~ §eus métodos: a histórig.


É um outro traço dominante do estruturalismo essa desestabiliza.
E:.-9.!:!..e!~.!9
ssa vontade de ~ esli~or-se dos disci lin?s, ~ononizado~.
da f1losof10 trodlclo · bil!lQ!J..O ou da ~Sl -
cologia:.J_l'l:>,S!.~V ..;.~um çgot~~o m ais amp lo de revo_!!9.. ant1a-
ção não somente da história como disciplino universitário ma• c~J.ç;.9...il.o.L~9 meio.• egr9. o avant-garde filosófica ouJ p~ra
também do historicidade em geral. Faz-se então o guerra con, os jovens c j ên9!,gs_~c;;t.o_ filg Q.Q, . de conseguir um lug<?r no institui-
tra o historicismo, o contexto histórico, o busca das origens. a ç ão. A maioria dos defensores do estruturalismo tem, com
diacronia, o teleologia, para fazer prevalecer os permanêncloa, efe ito~ um estatuto precário. '
os Invariantes. a sincroia, o texto fechado so·um- · mesmo.. A A inovação parte essencialmente de instituições consideradas
escola dos Annales re6clu o esse desafio, em dois omen os, m arginais na época. como no coso da 6° Seção da EPHE ou
~om Fernand Bcgudel m 1958._gue preconiza o j ~:m dtlração do College de Franca, considerado, por certo, um pináculo de
e o tri orti ão tem rol como linguagem comum o todas oa le gitimação científico mos à margem do aparelho central de
ciências sociais, sob a batuta do historiador; e no final do d é- ensino e de pesquiso que é o Universidade.
cada de 6~ a desconstru.çõo Qg_ históri0, a hi~ a....frog- As trajetórias dos estruturalistas são, o esse respeito, significa-
mentgcta. a hi§ió.c.iQ....Qntto~ a terceira geraç ão dos tivas. visto que se realizaram essencialmente à margem do uni-
Annoles17• A crítica literária estruturalista, a semioiogia, começ a versidade. É o coso, por exemplo, entre outros, de Lévi-Strauss.
a definir-se ao repudiar a história. É certo que precisava desvln· que o reconhece de bom grado: "Foi. portanto, uma .carreiro
cular-se de uma história literária acadêmica, tradicional, a do universitária movimentada cujo traço mais notável é, sem dúvi-
homem e sua obra, mas levou muito longe a negação do e s- d a , o de ter-se desenrolado sempre foro do universidade pro·
clarecimento histórico numa preocupação de formalização que p riomente dita"19• É também o caso de Borfhes. de Grelmas, de
cortou por inteiro o referente psicológico ou histórico. Althusser. de Dumézll, de Todorov, de Lacan ... Se examinarmos
Os historiadores não podiam, Incluindo aqueles que eram os o o rganograma dos cursos na Sorbonne em 1967, verifico-se
mais abertos ao diálogo com as outras ciências sociais, d e ixar com surpreso que os ensinamentos de lingüística não são da
de sentir-se agredidos pelo desafio estruturalisto. Retrucaram -lhe, resp o n sobilldode, com exceção de André Martlnet, de nenhum

16. J.·L. FABIANl Leu Enfeux phWosoph/ques des onnées c ln quant e . op. clt.. p, 11 6
17 ~ nnc::c::~ , ·u,~,,..,,_ - - _,__u-~ ___ __ ... , ,. , u .._.,,_ .
dos pesquisadores que hoje conhecemos: "Em 1967, não havia fado; s(Jstentadas por seu profundo positivismo. evitaram entrar
sequer um departamento de lingüística na Sorbonne. mas um no próprio debate. É o caso da psicologia , que atravessou o
simples Instituto de lingüística. / .. ./ Quando escrevi uma tese do período desenvolvendo os seus sistemas de modelização. os
lingüística. sendo professor de liceu, era para ficar desemprega - seus aparelhos científicos sem problema metafísico. É também,
do: Isso não servia para nada"20 • essencialmente. o caso da economia. .
O peso das tradições. o conservadorismo da velha Sorbonne. ~ tore~_!!)~ afetados i:2elos.Qol,á_giq ling~ístiÇ.Q..J.2!.am as
fechado às Influências novas. cobriram com uma chapa de disciplinas que se en_gontravam numa situqção ail}_9Q... P! ecária
chumbo a universidade fr~::mcesa e encerraram-na no Imobilis- no plano insti!!!ci911a1. ou que estavam em busca de Identida-
mo. Este alimentou a revolta, a necessária ruptura. As ciências de, em virtude de suas contradições internas entre suas preten-
do signo. para conseguir um lugar. tinham que transpor os limi- sões à positividade científica e sua relação com o político.
tes da instituição. encontrar apoios maciços e eficazes. O estru- como a sociologia; e, enfim. aquelas que. como os estudos lite-
turalismo que permitia reunir as vanguardas das diversas dlscl- rá rios ou a filosofia, estavam plenamente engajadas numa dis-
p li nas podia propiciar a transformação da revolta que puto entre antigos e modernos. Essa conjunção contribuiu poro
fermentava em revolução. e nfroquec~r _as,lwntel_ras entre àiscip~!las. -Õ estruturalismo apre-
É nesse contexto que as referências a Nietzsche, Marx e sentou-se. poi~ como projeto unificador: "Pareceu necessário. no
Saussure vão ser operacionais, verdadeiras armas da crítica an- final dos ano~60. unificar os diversas tentativas de renovação
tiacadêmica contra os defensores da ortodoxia universitária e das ciências hU(Oanas numa único corrente. quando não numa
mandarinal. Os estruturaiistas retomam. de fato. um programa só disciplina, ma~, geral do que a lingüíst1co"21 . Essa tentação foi
.!!)Ois Q.Q!jgo Õfiii,dé- Ó atüãlizár é- rellôvar:-A vontade de fazer expresso com maior clareza por Rolond Barthes ou Umberto
aparecer no campo das cíencíâs-· ao homem domínios que Eco, que concordam em propor uma semlologia geral capaz
obedecem a racionalidades específicas é uma idéia que já se de reagrupar todos as ciências humanos em torno do estudo
encontra na obra de Auguste Comte. do signo.
Quanto ao outro paradigma central do estruturalismo segun- A modernização conjuga-se então com a interdisciplinarida-
do o qual o que é determinante não são os elementos toma - de, pois é necessário violar as fronteiros sacrossantos para per-
dos isoladamente mas suas relações objetivas sem que a cons- mitir a entrada do modelo lingüístico em todo o campo das
ciência interfira nessas redes. a Idéia de uma decalagem entre ciências humanas. A partir do momento em que tudo é lingua-
comportamento e consciência, essa visão das coisas já é a de gem, ~ - que- nós somos todoslínguagem, em que o mundo é
toda a corrente durkheimlono ou hegeliana. linguagem, •então tudo se torna intercambiável. permutável,
O que é inovador situa-se mais na atualização das virtualida- transformável, conversível, tudo" 22 • Essa interdisciplinaridade que
.Q~.L<ie_ um...e~grama do que no c_~ ~ ~ ~IJ'lO infringe o modelo humboldtlano do Universidade em que cada
na aceleração do implementaç;~o d,e~es prog_!'.Qril0$, o~y_ais disciplina tem s~u lugar dentro de limites estritos, provoca um

~ ----------,.,.
-Óbfem resüllã"c:fos c fe ntiflcos tangíveis. verdadeiro foscí~ por, todos os variantes do formalismo. por
um saber imanente em si mesmo. A palavra-chave do período

----~ é comunicação, a qual, para além do revisto com o mesmo


nome [Communicotíon ), evoco essa euforia pluridisciplinar.

OGRAMA COMU)

A AMBIÇÃO DE UMA CIÊNCIA UNITÁRIA


A esperança de renovação científica das ciências sociais
encontrou na lingüística estrutural o método. a linguagem
comum capaz de impor a mudança. A lingüística apresenta-se
então como o modelo para toda uma série de ciências caren-
tes de formalismo. Difundiu-se a grandes intervalos em direção à
antropologia, à crítica literária. à psicanálise. e renovou profun-
L évi-Strouss foi o primeiro a formular esse programo u~ifico-
d c.H dos ciências humanas desde o pós-guerra. E evi-
dente que a constelação por ele elaborada gravitava em torno
damente o modo de questionamento filosófico. Entretanto, um de uma antropologia social de que ele era o representante e
certo número de ciências sociais manteve-se. quanto ao essen- que era a única suscetível de levar o bom termo esse em-
cial. à margem dessa renovação ou só foi marginalmente afe-

21. Th . PAVEL. Le Mlroge 1/ngulst/que, op. clf.. p . 61.


lelt orado, ao público. para Impo r suas teses. antecipar-se o sou• truldo, sonôp conl ra a c lê n c lo. polo menos à ma rgem dest a ,
pares. Nos Estados Unidos, p e lo contrórlo, o professor d e Unlvo, nubordlnandb·O, •o q ue redund ou na proeza Inc rível d e se assls-
sidade é avaliado em dólares e "não tem ne nhum dire ito lnd l llr a Allhusser dan do a ula s d e c ie ntificldade a clentlstas" 31 • Mar-
vldual para folar em nome do humanldade"27 . No Ale m a nha, cel Gau c he t re d esc obre na expre ssão desse antimodernismo da
como nos Estados Unidos, são poucos os professores unlversltó rlo1 comunidade intelectual a velha oposição entre o espírito e a
que se envo lvem num circuito medlótlco em que se possu Indústria. a arte e os "horrores• da civilização de massa. antigo
eventualmen te realizar um abertura significativa. Foi o caso do tema re corrente da história Intelectual francesa .
canadense Moe Luhan, mas a instituição universltória fez com A outra hipótese que permite compreender por que a Fran-
que pagasse multo coro a ousadia. ça foi o país de eleição do estruturalísmo foi sugerida por lho·
Na França, verifica -se, pelo contrórlo. um enfraquecime nto mas Pav~I. _g~ ~ g.i.Q_ como tato,L.e-1ÇQ)jcativo a lógica interna
da autonomia do campo universitário, que sofre a concorrê nc ia do d~ ~o lvlmento da e etstemologLa ~a !!.?~ç.:1;.2..t~sc2 ~Pà·
de outras Instâncias de consagração. Os lances no jogo d e po ío estrufurã llsmg__ e rq vi!.!E...2.9 atr? s~ ~mu~ o na ~f!.!:!~º.. .,.
e~
der subjacente no debate teórico do estruturalismo são repre réíãçao OO!.Jeu~ yizJ.qJ;)'9,§....@.!;lr~ ~s. A França permanece u a
sentados pelo nova ambição das jovens ciências sociais e m m~'emdosÍ debates do começo do século em torno da pro-
face da situação de monopólio das humanidades tradicionais. b lemática d ,a linguagem. Assim, a Escola de Viena (Rudolf Car-
Aí encontramos de novo a especificidade francesa de uma Uni· nap, Otto Neurath. Herbert Feigi. Karl Popper) foi Ignorada pelos
versidade particularmente centralizado. rotineira. velha heranç a fra nceses i \>s anos 30. tanto que no m~mento d o exílio dess?
napoleónica. inotterada ao longo das décadas de 50 e 60. O escola com ~ ascensão do nazl.smo. a d1óspora encontrou refu-
peso das humanidades é ainda revelado pelo posição central g io nos países'Ç!nglo-saxões. sobretudo os Estados Unidos, signifi-
que ocupou, na elaboração do paradigma est rutura l, uma Ins- cando assim o afastamento eplstemológico da França e acen-
tituição como a Escola Normal Superior d a rua de Ulm, lugar tuando-o, de fato, ao Ignorá-la como possível terra de asilo: "Os
de criação e elaboração de importantes revistas do período. os trabalhos de Claude Lévi-Strauss. do primeiro Bqrthes, de Lacan
Cahiers pour /'ono/yse e os Cohiers marxlstes-lénlnlstes. É na rua e m parte. representaram na França a explosão retardada - e
de Ulm que vamos encontrar Althusser, Derrida, Lacan ... tanto mais visível . do debate ocultado sobre a linguagem e a
Outro dado do período que ultragassa o campo unlversltório e pistemologia do saber"32 • Depois de Lévi-Strauss. que assimilou a
é a relaçOg_qu~ ~os irite1êêtüã1;'°fra~nc~s~; alimentâm - co'm a hls- lingüística como modelo para a edif icação de uma antropolo-
.,;J ória do seu p ~ ís. Eles a dQÚ~em subitamente cÕnsciêric i a ~ a g ia estrutüra1,- os fi lósefes ·ae vanguarda, cortados da corrente
França descOrõriizada e pacificada , de que já não habitam analíttca, também se precipitaram, um pouco mais tarde, para
mais no que se apresentava desde 1789 como guia da huma- apossar-se do modelo língüístico, mas sem precaução e pistemo-
nidade. A França já não é mais uma grande potência. mas lógica. e aproprláQ._do-se de uma língüístlca saussuriana jó supe-
S::-nples componente modesto de uma Europa plural. Daí que. rada pelos progressOS-da filosofia da línguagem. ,
como François Furet perceb eu m ulto bem, o Intelectual francês, A intensidade da vida parisiense que p e rmitiu contornar a
"apesar da retórica gaullísta, não possui mals o sentimento de passagem pelas triagens uni versitárias tradicionais de reconheci-
fazer históritr- 1:\~ ana: essa França. expulsa da história. aceita mento fez o resto para assegurar uma pronta difusão do para-
bem mais facllme':lte expulsar a f'íistona" 2~ Esse ponto de vista é digma estruturalista no mercado cultural francês, transformando
~ orado por Je'Qn Duvlgnaud, que percebe a especificida- os seus def ensores em estrelas mediáticas, novos gurus de um
de francesa do sucesso do estruturalismo como "uma fuga público ampliado pela progressão espetacular do número d e
diante da hlstória" 29 • A aglome ração no Hexágono, o tête-à -tê- estudantes em faculdades de let ras e ciências humanos nos
te dos franceses CO'fl'\ eles próprios, suscitou nos intelectuais a anos 60. É, portanto, sob a bandeira tricolor da França. e so-
necessidade de uma à~madura ideológica capaz de criar uma mente do França, que o estruturalismo vai expandir-se até fas-
coesão tranqüílizadora. ~ma ambição nova: ·constata-se a bus- cinar os outros -países. mas como produto específico do solo
ca de uma ordem. quase no sentido cavaleiresco. iniciático. do francês que se saboreia pela necessidade de exotismo.
termo"3º.
A esse novo aspecto. que vai contribuir para a desestabiliza-
ção radical da h istória e, portanto, para o êxito do estrutura -
lismo em terra francesa, cumpre adicionar um e lemento que
depende, pelo contrário, da preeminência de uma tradição es-
piritualist a antimoderna entre os intelectuais franceses. Essa t radi-
ção viu -se reforçada pela dominação de uma filosofia cons-

27. Mourice Godelier. entrevisto com o autor.


28. F. FURET, 'Les intellectuets honço is et k> structura lisme' . Preu ves. fevereiro de
1967, p . 6: reimpresso em l 'Afeller de f'hfstofre, op. clt.. p , 42.
2 9. Jean Duvignoud, ent revisto com o auto r. 3 1 . Marcel Gauchet. entrevisto c om o autor.
30, /b. 32. Th . PAVEL. le Mfrage fln gu/sf/que, op. cll.. p. 188 .
ANEXO
1

/
!
LISTA DAS ENTREVISTAS
REALIZADAS
More ABÉLÉS. antropólogo, pesquisador no Loborot61lo de Antro-
p ologia Social. EHESS.
Alfred ADLER. antropólogo • pesquisador no Laboratório de An-
tropologia Social. EHESS.
Michel AGLIETT A. economista, professor de Economia na Univer-
sidade Paris-X. 0
Jean A~LOUCH psicanalista, diretor da revista Littorol.
Pierre A "{SART: sociólogo, professor na Universidade Paris-VII.
Michel AJ\RIVE, lingüista, professor na Universidade Paris-X.
More AUGE-, antropólogo , diretor de estudos na !HESS. presiden-
te da EHESS.
Sylvaln AUROUX, filósofo e lingüista, diretor de pesquisa no CNRS.
Kostas AXELOS, filósofo, antigo redator-chefe da revista Argu-
ments, docente na Sorbonne.
G eorges BALANDIER, antropólogo. professor na Sorbonne. diretor
de estudos na EHESS.
Étlenne BALIBAR. filósofo. mestre de conferências na Universida-
de e.aris=t ---.. ___ _
Hénrl BARTOLI. economista. professor na Universidade Paris-1.
Michel BEAUD. economista , professor na Universidade Paris-VIII.
Daniel BECQUEMONT. anglicista e antropólogo, professor na Uni-
versidade ~ -
Jean-Marie BENOIST. filósofo, subdiretor da cadeira de História da
-~ Clvllização Moderna no College de Fronce (falecido em 1990).
Alain BOISSINOT. homem de letras, professor de letras no ciclo
} preparatório do liceu Louis-le-Grand.
Raymond BOUDON, sociólogo. professor na Universidade Paris-IV,
diretor do g1upo de estudos de métodos de análise sobiológlca

) (G EMAS).
Jacques BOUVERESSE. filósofo. professor na Universidade Paris-!.
Louis-Jean CAL VET, lingüista. professor na Sorbonne.
Jean-Claude CHEVALIER. língülsta. professor na Universidade Pa-
ris-VII. secretório geral do revista Langue Françoise.
Jean c LAVREUL. psicanalista.
Claude CONTÉ, psicanalista. antigo chefe de clínica na Facul-
dade de Medicina de Paris.
Jean-Claude COQUET. lingüista, professor na Universidade Paris-
VIII.
Maria DARAKI, historiadora. professoro na Universidade Paris-VIII.
Jean-Toussaint DESANTI. filósofo. lecionou na Universidade Paris-1
e na ENS de Saint-Cloud .
. Philippe DESCOLA. antropólogo. diretor-adjunto do laboratório
de Anhopologla Social.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO

Vlncent DESCOMBES, filósofo, professor na Universidade Johna Jean-Luc JAMARD, antropólogo, pesquisador do CNRS.
Hopkins. Baltimore, EUA. Jean JAMIN, antropólogo, pesquisador do Laboratório de Etnolo-
Jean-Marie DOMENACH, filósofo, ex-diretor do revista Esprft. cria- gia do Museu do Homem. co-diretor da revista Gradhlva.
dor do CREA. Julie KRISTEVA, lingüista , professora na Universidade Porls-VII.
Joel DOR. pslconallsto, diretor da revista Esqu/sses psychanalyf/. Bernard LAKS, lingüista, pesquisador do CNRS.
ques, professo, na Universidade Paris-VII. Jérôme LALLEMENT, economista. mestre de conferência na Uni-
Daniel DORY, geógrafo, pesquisador do CNRS em Paris-1. versidade Paris-1.
Roger-Pol DROIT, filósofo, edltorialista do Le Monde. Jean LAPLANCHE. pslcanallsta, professor na Universidade Paris-VII,
Jean DUBOIS, lingüista, professor na Universidade Paris-X. revista diretor da revista Psychonolyse à l'Unlversíté.
Langages. Franclne LE BRET, filósofa, professora no Liceu Jacques-Prévert de
Georges DUBY, historiador. professor no College de Franca. Boulogne-Blllancourt.
Oswald DUCROIT. lingüista. diretor de estudos na EHESS. Serge LECLAIRE. psclconalisto.
Claude DUMÉZIL. psicanalista. Domlnique LECOURT. filósofo, professor na Universidade Paris-VII.
Jean DUVIGNAUD. sociólogo. professor na Universidade Paris-VII. Henri LEFEBVRE, filósofo, antigo professor nas universidades de Es-
Roger EST ABLET. sociólogo, membro do CERCOM (EHESS). mestre trasburg~. Nanterre, Paris-VIII e da Califórnia.
de conferência na Universidade de Aix-Marselha. Pierre LEGENDRÉ. filósofo. professor na Universidade Paris-1.
François EWALD. filósofo, presidente da associação para o Cen- Gennie LEMOINE. psicanalista.
tro Michel Foucoult. Claude LÉVI-STRAUSS, antropólogo, professor no Collàge de Fran-
Arlette FRARGE. historiadora, diretora de pesquisos na EHESS. ca.
Jean-Pierre FAYE. filósofo, lingülsto, professor no Universidade FIio- Jacques LÉVY, geógrafo, pesquisador do CNRS, um dos anima-
sófica Européia. dores da revista Espaces-Temps.
Pierre FOUGEYROLLAS, sociólogo, professor na Universidade Paris- Alain LIPIETZ. economista, encarregado de pesquiso no CNRS e
VII. no CEPREMAP.
Françoise GADET. lingüista, professora na Universidade Paris-X. René LOURAU, sociólogo, professor na Universidade Paris-VIII.
Marcel GAUCHET. historiador, responsóvel da redação na revisto Pierre MACHEREY, filósofo. mestre de conferência em Paris-1.
Le Débat. René MAJOR, psicanalista. leciona no Colégio Internacional de
Gérard GENETTE, lingüista. semlologlsta. diretor de estudos na filosofia. diretor dos Cohíers Confrontatlons ,
EHESS. Serge MARTIN. filósofo, professor no Liceu de Pontolse.
Jeon-Christophe GODDARD. filósofo, professor da classe prepara- André MAIU.WET, lingülsta. professor emérito da Universidade Re-
tória · de HEC. né Descartes e da 6° Seção da EPHE.
Maurtce\ GODELIER, antropólogo, diretor científico no CNRS, dire- Claude MEILLASSOUX, antropólogo , diretor de pesquisa no
tor de estt.1dos na EHESS. CNRS.
Gllles GASTÇ)N-GRANGER, filósofo, professor no College de Fran- Charles MELMAN, psicanalista, diretor do revista Discours psycho-
ca. nalit/que.
Wladlmlr ~RANOFF. psicanalista, médico-chefe do Centro Médl· Gérard MENDEL, psicanalista, ex-interno do Hospital P~qulótrico
co-PslcolóQICo de Nanterre. de la Selne.
André GRE,EN, psicanalista, antigo diretor do Instituto de Psicanó- Henri MITTERAND, lingüista. professor na Nova Sorbonne.
llse de P91ls. Juan-David NASIO, psicanalista, anima o seminório de psicaná-
Algirdos-Julien GREIMAS, lngüista. diretor de estudos honorórlo da lise de Paris.
EHESS. André NICOLAI, economlsta, professor na Universidade Paris-X.
More GUILLAUME, economista, professor na Universidade Paris- Pierre NORA, historiador, diretor de estudos na EHESS, diretor da
Dauphlne. mestre de conferências na Escola Politécnica. diretor revisto Le Débot, editor da Gallimard.
do IRIS. Claudine NORMAND, lingüista, professora na Universidade Paris-X.
Claude HAGEGE, lingüista, professor no College de Franca. Bertrand OGILVIE, filósofo, professor na Escola Normal de
Philippe HAMON, lingüista. professor na Universidade Paris-Ili. Cergy-Pontoise.
Andre-Georges HAUDRICOURT, antropólogo e lingüista. Mlchelle PERROT, histor1adora. professora na Universidade Paris-VII.
Louis HAY, lingüista, fundador do ITEM. Marcelin PLEYNET. escritor, antigo secretório da revista Te/ Que/.
Paul HENRY. lingüista, pesquisador no CNRS. Jean POUILLON, filósofo e antropólogo, pesquisador do Labora-
Françoise HÉRITIER-AUGÉ, antropóloga. professora do College de tório de Antropologia Social, EHESS. ·
France. diretora do Laboratório de Antropologia Social. Joêlle PROUST, filósofo, grupo de pesquisa sobre a cognição,
Jacques HOURAU, filósofo, professor no Centro de Formação de CREA, CNRS.
Professores de Monlignon. Jacques RANCIERE, filósofo. docente na Universidade Paris-VIII.
Mlchel IZARD, antropólogo, diretor de pesquisas no CNRS. co-di- Alaln RCNAUT, filósofo, professor n::i Unive rsidade de Caen, fun-
__. - - 1 - .. _. _ ro.-uA.-- ri- D.hill""\~l""\nhiA
Ollvler REVAULT D' ALLONNES. filósofo, professor na Universidade
ÍNDICE I

Parls-1.
Éllsabeth ROUDINESCO, escritora e psicanalista.
ONOMASTICO-REMISSIVO
Nicolas RUWET, lingüista, professor na Universidade Paris-VIII.
Moustofo SAFOUAN. psicanalista.
Georges-Elia SAFATI, lingüista, docente na Universidade Paris-Ili. ABÊLES, More, 104. BADIOU, Alain, 39, 346.
Bernard SICHERE. filósofo , professor na Universidade de Caen. ADLER, Alfred, 62, 190, 191. BAKHTINE, Mlchaél, 381.
antigo membro da equipe Tel Que/. ADORNO, Theodor, 258, 390. BALANDIER, Georgos, 28, 100,
Dan SPERBER, antropólogo, pesquisador do CNRS. AGLIETTA, Michel, 195. 262, 299, 300, 301, 303 307, 4')/
Joseph SUMPF, sociólogo e lingüista, professor na Unlversldode AGOSTINHO (Santo). 277. BALFET, Hé làne, 167.
Paris-VIII. AGULHON, Mourice. 174, 212. BALIBAR, Étlenne. 325. 326, ,);;>li,
Emmanuel TERRAY, antropólogo, diretor de estudos na EHESS. AIMÉE (caso), 118. 331, 335, 342, 343, 3'10, 3 /11 ,
Tzvertan TODOROV, lingüista, semlologlsta. pesquisador no CNRS. ALAIN (filósofo), 11 O. 423.
Alaln TOURAINE. sociólogo, diretor de pesquisa no EHESS. ALEMBERT, j BALLY, Charles, 65, 66. 280.
Paul VALADIER. filósofo, antigo redator-chefe da revista ttudes. Jean LE ROND D. 113. BARBUT, More, 360, 361.
professor do Centre Sevres, em Paris. ALLOUCH\. Jean, 118, 145. BARTHES. Roland, 14, 16, 17. 24.
Jean-Pierre VERNANT, helenista. professor honorórlo do Co//àge ALQUIÉ, Ferdlnand, 149. 66, 67. 85-87. 91-93, 95-101, 117,
de Franca. ALTHUSSER, Hélene, 14. 182, 192, 224. 229. 231, 233,
More VERNET, semlologista do cinema, professor da Universidade ALTHUSSER, Louis, 14, 16, 24, 236, 238, 240, 242. 246, 248,
Paris-Ili. 110. 113, 174-176, 223, 252, 272, 255, 258, 259, 266, 353, 354,
Serge VIDERMAN, psicanalista. doutor em Medicina. 315-318, 321 -328, 330-335, 339, 357 , 365, 366. 379, 380, 420 .
Pierre VILAR, historiador, professor honorário na Sorbonne. 341, 348. 350, 351, 364, 369. 425, 427, 431.
François WAHL. filósofo, editor no Seuil. 378, 416, 422-425, 430, 431. BARTOU. Henri, 198, 200, 201.
Marina YAGUELLO, lingüista, professora na Universidade Paris-VII. A NSART, Pierre. 262, 263. 374. BASTIDE. Françols-Régls, 165,
ANTOINE, Gêrald, 85. 167. 199, 203.
ANTONOV, ,s-: BASTIDE. Rogar. 48, 62. 118, 161 ,
ANZIEU, Didier, 146. 171. 175, 299.
APOLINAIRE, Guillaume, 225. BAT AILLE. Georges, 118.
APTER, D~e-1""'.' BAT A ILLE. Sylvla, 240.
ARAGON. Louis, 315, 317. BAUDELAIRE, Charles, 231.
ARQUIMEDES, 162. BAUDELOT. Christian. 325.

\ J
ARIES, Philippe, 181 , 182, 397.
ARISTÓTELES, 325, 360.
ARON, Jean-Paul, 1 71 .
BAUDRILLARD, Jean, 11.
BAYET, Albert. 39.
BEATIIE, J .. 301.

) ARON. Raymond, 15, 160, 204, BEAUD, Mlchel. 11.


226, 262, 421. BEAUCHAMP, (doutor). 174.
ARRIVÉ, Michel. 62, 84, l 32. BEAUFRET. Jean, 327, 407, 414.
ARTAUD, Antonln, 240. 415.
AUBRY. Jenny, 146. BEAUVOIR, Simone DE. 45.
AUDRY, Colette. 192. BECKETT. Samuel, 175.
AUGÉ, More, 39, 301, 303, 304, BECQUEMONT. Daniel, 336.
349. BECQUEMONT, Trudl. 11 '.
AUROUX, Sylvaln, 68, 71, 227, BÉDARIDA, François, 173.
251. BELLEFROID, Jacques, 181.
AUSTIN, John L., 408. BELLOUR, Raymond, 141, 248.
AVILA, Thérêse D'. 331. 369.
AXELOS, Kostas, 192, 362. 415. BENOIST, Jean-Marie, 32, 42, 63,
278, 286, 296, 341, 370-372.
BENVENISTE, Émlle, 39, 54, 55,
94, 203, 213, 216, 230, 244, 309,
BACHELARD. Gaston. 109, 114, 353, 355, 365, 380.
164, 226. 232, 423. BERGER, Gaston, 85, 86.
BERNOT, 15. BUTOR. Mlchel, 238. COHE N. Morcol, 84, 89, 229. 59, 61. 62. 65. 108. 113. 1n.
BERQUE, Jacques, 14, 315. 241. 329, 331. 341.
BERRYER. Jean-Claude, 162. COHEN-SOLAL, Annle, 23, 27. DETIENNE. Marcel, 56, 291.
BERTEN, André, 173. COLOMBEL, Jeannette, 316. DEYON, Pierre, 212.
BERTHERAT, Yves, 362. CAILLOIS, Roger, 48, 155, 156. COMTE. Augusta, 34, 35. 154, DIATKINE, René. 148.
BERTUCELLI. Jean-Louis, 306. CALAME-GRIAULE, Genevléve, 198, 387, 426. DIDEROT, Denis, 113.
BESANÇON. Alaln, 212, 310. 355. CONDORCET, J.A. DE, 113, 154. DIETERLIN, Germalno, 301
BESSE, Guy, 333, 335. CALVET, Louis-Jean, 70, 72, 98, 392. DOLTO, Françoise. 1?3. ? /ff
BETTELHEIM. Charles, 349, 350. 99, 237, 258, 426. CONTÊ, Claude, 123, 144, 147. DOMENACH, Jocrn Morl", ?1111,
BIARDEAU, Madelelne, 166. CAMUS, Albert. 23, 95. COOPER. David, 183. 297, 362.
BLANCHOT, Mourice, 171, 175, CANETII, Élias, 355. COPÉRNICO, Nicolau, 420. DONATO, Eugonlo. JM
183. CANGUILHEM, Georges, 24, COQUET. Jean-Claude, 68, 93, DOR. Joel, 119. 117, IJ,I. 1,11,
BLOCH, Jules, 55. 110-11 4, 164, 170, 173, 177. 181, 242, 244, 245. 144, 253, 276.
BLOCH, More, 32, 89, 211. 226, 318, 326. 327, 356, 370, CORNElj..LE. Pierre, 231. DORT, Bernad, 100.
BOAS, Franz. 36, 37, 76. 382, 423. CORNILH. Jean, 362. DORY. Daniel. 391.
BOCCARA, Paul, 333. CARNAP, Rudolf, 93, 108, 431. COTTET, Serge, 11 . 1 DOSSE, François, 21 1, 424.
BOESERS, K.. 390. CARNOT, Lazare, 111. COUDO~ Jacques, 312. DREYFUS, Alfred, 28, 354, 42(),
BOISROUVRAY, 312. CARPENTIER, Alejo, 164. COURNOT, Antoine 429.
BOISSINOT, Alain, 221 . CARTRY, Mlchel. 164, 190, 191, Augustln, 22 7. DREYFUS, François, 212.
BONAPARTE. Marte, 138. 307. CREVEL. René, 117. DREYFUS, Hubert, L., 378.
BONAPARTE, Napoleão, 28. CASTEL. Robert, 112, 183. C UISENIER, Jean, 268, 362. DROIT, Rog er-Pol. 226, 334.
BONNAFÉ. Lucien, 128. CASTEX. Gérard, 225. CULIOLI, Antoine. 84-86, 225, DROUET, Minou, 99.
BONNAFÉ, Pierre. 303. CASTORIADIS, Cornélius. 149. 229, 241. 251. DUBOIS, Claude, 233.
BOOLE, George, 147. 189, 192. CURIEN, Raoul. 176. DUBOIS. Jean. 84-86, 228-230,
BOPP, Franz, 54, 68. CAVAILLES, Jean, 108, 109, 112, CUVIER. Georges, 371, 376. 233, 234, 241, 310, 311, 354.
BORGES, Jorge Luiz, 317. 114, 423. 380.
BOUDON. Raymond. 34, 45. CAZENEUVE, Jean, 161. DUBY, Georges, 56, 315.
BOUGLÉ. Célestin, 32. CERTEAU, Mlchel DE. 278. DUCROT, Oswold, 70, 73, ?JO,
BOULEZ. Pierre, 238. CÉSAR. Julio, 329. DAlX.-e]erre, 315, 399. 241, 242, 251, 311.
BOURBAKI, 44, 107, 250. CHAPSAL, Madeleine, 160, 368. DALI. Salvador, 118. DUFRENNE, Mlkel, 164, 362, J6:I ,
BOURDET, Claude, 305. CHAR, René, 176. DANTON. Georges, 28. DUMAYET, Plene, 367.
Bf>URDIEU, Pierre, 16, 112, 356. CHARBONNIER, Georges, 217, DARAKI, Maria, 11. DUMÉZIL, Claude, 33, 125, 1?6,

)
360, 361, 422. 249. DARBEL. Alaln, 356. 238, 281, 356, 367, 369.
BOUVERESSE, Jacques, 324, 334. CHATEAUBRIAND, François, René DARWIN, Charles, 235, 371. DUMÉZIL. Georges, 2~. 53 !,/,
BOUVET. Mourice, 127. De, 160. DAVV, Georges, 39, 263. 112, 125, 126, 176, 1 77, 181.
BOYER, Robert, 197. c HÂTELET. François. 368, 394, DAYAN, Sonla, 263. 213, 214, 425.
BRAUDEL, Fernand, 166, 189, 409. DEBRA Y, Régls, 24. 301, 325, DUMONT, Louis, 166.
195, 196, 211, 237, 272, 312, CHESNEAUX. Jean, 393. 393. DUMONT, René, 166.
314. 356, 357-359. CHEVALIER, Jean-Claude, 81, DÉDÉY AN. Charles, 225. DUMUR, G uy, 100.
BRECHT, Bertold, 100, 101. 83-87, 222. 223, 229, 230, 310, DEFERT, Danlel, 1 71. DURAFFOUR, 91.
BRÉHIER, Louis, 32. 354. DEHOVE, Marlo, 197. DURKHEIM, Émlle, l 5, 26, 34, 35,
BRÉMOND, Claude, 235, 244, CHKLOVSKI. Victor, 77. DELAY, Jean, 181. 199. 292, 388.
357. CHOMSKY, Noam, 229, 251, ÔELEUZE. Gilles, 368, 394. DUROUX, Yves, 325.
BRETON, André, 23, 33, 118. 311. DELOFFRE, Jacques. 225. DURRY, Morle-Jeanne, 225.
BROCHIER. Hubert, 11. CIXOUS, Héléne, 291. DELTHEIL, Robert, 111. DUVIGNAUD, Jean, 100, 192.
BRONDAL. Viggo, 79, 93, 94, 96. CLASTRES. Pierre, 190, 191. 291. DERRIDA. Jacques. 16, 1 7, 275, 193, 209, 262. 263, 294, 299,
BRUNEAU, Charles, 91. CLAUDEL, Paul, 231. 276, 314, 334, 353, 365, 410, 306, .307, 412. 430.
BRUNOFF. Suzanne DE,349 . CLAVEL. Mourice, 189. 416, 422. 430.
BRUNSCHVICG, León, 31, 108. CLAVREUL, Jean, 123, 276, 281. DESANTI, Jean-Toussalnl, 174,
BUCI-GLUCKSMANN, CLÉMENS, René, 198. 251. ECO, Umberlo, 312, 357, 359,
Christine, 316. CLÉMENT, Catherine BACKES. DESCARTES, René, 104-106, 179, 360, 427.
BÜHLER, K.. 79. 291, 292, 316. 222, 325. 382, 409, 420. EHRMANN, J., 360.
BURGELIN, Pierre, 362. CLÉRAMBAULT, Gaêtan Gatlan DESCOLA, Philippe, 36, 209. EIKHENBAUM,
BURKE. Edmund, 397. DE, 118. ni:~rnMRI=~ Vlnr.o:.nt .40 51 Rnris Mlkhn1lovítch 77.
cOUfH Andró Ceorgoa.
EINSTEIN. Albert, 389. FOUQUE, Anlolnette, 382. GOETll(. Johann Wotfgang von. HAUDíll 217 229.
ÉLIADE. Mlrcéa, 365. FOURNIÉ. Georges. 98. 68. 277. 88, 89, 162 • '
ENCREVÉ, Pierre, 83-85, 310, GOLD MANN, Lucien, 27, HAZARD, paul, 3~4·5
9 44
FRANCASTEL, Pierre. 315.
354. 203-205. 258. 262. 365, 379. HA Y Louis, 228. .
FRANK, M a nfred, 295.
ENGELS. Frledrich, 35. GOLDMANN, Pierre. 14. HÉCAEN Henry, 311.
FREGE, Gotttob, 252, 276. Georg Wllholm írlQ,trlc 11,
ERASMO, 179. FREUD, Sigmund, 27, 35, 40, 6 1, GOLDSCHMIDT. Victor, 104. HEGEL 121 129 161, l',4
ÉRIBON, Didie r, 35, 17 1, 1 74, 65, 113, 117, 118, 121-123, 125, GOLDSTEIN, Kurt, 125. 15 111 11 3 • ' '
• 7' ,:, 1 75. 190, 20ti, ,!.\~ 1
177, 181, 183, 369. 126. 129-1 35, 137, 138, 141. 142, GOM BROWICZ, Wilold, 31 7. 155, 1 ..,,
ERNOUT. Alfred, 55. 145. 147, 174-176, 266. 276-278, GOMULKA. Wladyslaw. 190. 338. ER Mwllf' , t?Y, 1:'Ili,
ESCARRA, Jean, 39. 280, 292, 315, 326, 328, 347, GORKI, Maxime. 78. HEIDEG G 274 32/. 1101, ll!M 1\11,,
ESPINAS, Alfred, 61. 350 , 351. 353, 366, 370, 3 71, GOUBERT, Pierre, 356. 175, 188, '
ESTABLET, Roger, 262, 325, 335. 382, 383, 388, 411, 414. GOUGENHEIM, Georges, 83, 85. 422. ciémons. 16ó ,
ETIEMBLE. René, 23, 161. 162. FREUND, Julien. 11. GOUHIER. Henri. 177. HELLER.
EV A NS-PRITCHARD, 1 346
FREYRE, Gilberto, 161. GOURqu. Pierre. 217. 309, 356. HENRY. pou. m~s (Mlch, 1 l't
Edward. 302. FRIEDMANN, Georges, 311, 312.
• GRAC~. Julien. 16t HERBERT, ThO
EWALD. Fraçois. 226, 369. FROM M , Erich, 129. GRA M1v10NT, Mauri e. 83. CHEUX), 3 47 ·
,,,UGÉ Franrolso, 16b.
EY. Henri, 125, 148. FURET. François, l 73, 394, 430. GRANAI, Geo:ges, 62. HÉRITIER·r" ' "
GRANET, Marcel. 54. 291 • 307 ·
GRA NOFF. Wladimlr. 1 21, 122, HERRE N SCH MIDT ' 011 ver,
1 1611 '

FABIANI, Jean-Louis, 103, 421, GADET, Françoise, 65-67. 79, 127 . 166. 48
n t,ert, .
424. 225, 347. GREEN, André, l 00, 125, 142, 0
HERTZ. " 205 206. 214. 215.
FARAL. Edmond, 55. GALILEU. 347, 420. 148. 269. 270, 276, 279, 281. HESlooO, LUC de. 163.
FARGE, Arlette, 412. GANDILLAC, Mourice de, 164, GREIMAS. Alglrdas-Julien, 16, 47, HEUSCH, f 110 162
FARIAS, Victor, 416. 62, 63, 66, 85, 86. 91 -96, 98 , n
HITLE "· Adol , • ·
1 77, 203, 205, 206. V Louis. 16, 79. 85, 87.
FAYE, Jean-Pierre. 78, 189, 190, GARAUDY, Roger, 316, 325. 326, 228, 229, 233, 241-243, 247, 253, HJELMSLE ' 2 29, 230, 236, 237,
312, 31 4. 315. 335, 336. 258, 33.!,_, _354, 357,358,360, 92-94, 99. 50 353
48 2
FEBVRE. Lucien, 55, 101, 161, 361, 425. 242 244 2 • • ·
211, 255.
GARBO, Greta, 99.
GRIAULE. Marcel, 39, 62, 163,
·
HOARA , 0
Ú J cques. 2411. ?!JO.
GARDIN, Jean-Claude, 238.
FEIGL, Herbert. 431. GARRONE (Cardeal), 330. 167~ HOBBES, Thomas. 420.
John, 27
FEITÔ, François, 192. GASTON-GRANGER. Gilles, 104, GRITTI. Jules. 312, 357. HOSTON , ul:f-BOIGNY. íóllx, ,100.
FELIPE li. 356. 197, 201, 238, 345, 419. GROSRICHARD, Alain, 318. HOUPHO
F~RRY, Luc, 184, 405. 410. GRO SS, Mourice, 229, 241. HUGO v1ctor. 29.
GA U CHET, Marce l, 184, 187, · IN 1<ené-J. 312 .

) FEUERBACH. Ludwig, 325.


FICHTE, Johann Gottlieb. 104,
106.
FLAUBERT, Gustave, 99.
FLEMING, Jan. 359. 360.
392, 413, 431.
GAULLE, Charles DE, 125, 188,
304, 379.
GELLY, René, 11.
GENETTE, Gérard, 16, 87, 175,
GRUSON, Claude, 197.
GUA TT ARI. Pierre, 164.
GUÉRIN. Daniel. 305.
GUÉROULT, Martial. 103- 106, 109,
173.
HUGUEN • dmund, 59. / !, 16,
HUSSERL E
109 113 327 ·
• TE Jean. 24, 120, 12?,
HYPPOLI ' 73 174, 177, 190.
148, 164, l '
FLEURY, M., 72. 189, 224, 242, 355, 312 , 312, GUILBERT, Louis, 85, 230, 233. 301, 330 ·
FLORENNE, Yves, 266. 314, 357, 360, 381, 382. GUILLAUME, Gustave, 83. HYPPOUTE, sra, 173 '
FONTANA, M., 178. GENTILHOMME, Yves, 242. GUILLAUME. More, 11.
FONTENELLE. GEOFFROY SAINT-HILAIRE, Étien- GUIRAUD, Pierre, 86.
Bernard LE BOUVIER DE. 15. ne, 68. GUJTTON, Jean, 330, 331 .
R DE. 140, 141.
FORTES, Meyer, 301, 302. GEORGE, François, 197, 226. GURVITCH, Georges, 4 7, 51, IPOLA. E · • l l
FORTINI. Franco, 192. GEORGIN, R., 140. 199, 260-263, 299. IRIGARA Y • LUCe, .
u11ane. 234 .
FOUCAULT, Ann e, 371. GERN ET, Louis, 213. ISAMBERT, olse (ver Françolso
FOUCAULT. Michel, 14-17, 49, GEZE. François, 11. IZ~RD. FrºnuÇGÉ) 163-165. 305.
63, 64, 68. 69, l 05. l 06, GIDE. André, 170. HERITIER - A '
110-113, 169, 170-184, 189, 223,
234, 239, 270, 325. 337, 339,
GILSON, Étienne, l 03.
GODDARD, Jean-Christophe,
HABERMAS, Jürgen. 402, 405.
408.
~~RD. Mlchel. 1 1. 163-165. 305.
353, 355, 363, 367-370, 388-389, 105, l 06. HAGEGE. Claude, 56, 73. 307.
394, 398, 409-414, 416. 423. GÔDEL, Kurt. 252. HALLIER. Jean-Edern, 312. 314.
FOUCHÉ, Pierre, 84. GODELIER, Mourice, 208, 291, HAMON. Hervé, 317.
FOUGEYROLLAS, Pierre, 11 O, 111. 307, 360, 361 , 362 , 383, 384, HAMON, Philippe, 86, 225, 353.
147, 189, 192, 193. HARRIS, Zelllo. 234. .JAC:CIIA~T. Jean. 212.
391. 420, 430.
1
JAKOBSON, Sra, 359. LACAN, Jacques. 14- 17, 49, 62, LE RO•Y LAL)Ul~IL , L:mmo nuel, MANNONI. Octove, 146.
JAKOBSON, Roman, 15. 33, 37, 63', 66, 70. 81. 95, 100. 107, 212. 356. MAO TSÉ-TUNG, 328.
42-44, 51, 65, 75-81, 87, 89, 96, 117-151. 171, 175, 176, 182, LÉVI -STRAUSS, C laude, 14-16, MARCELLESI, Jean-Baptiste, 233.
131, 133, 136, 146,193,201, 191, 226, 237, 241, 243, 249, 25 -29, 31 -55, 60-63, 66, 75, 76, MARCHAL André, 199, 204.
230, 231, 237, 247, 257, 259, 251-253, 259, 271, 273. 276-278. 96, 107, 112, 117, 120, 129-131, MARCHAL (Irmãos), 196.
353, 355, 428. 328, 350, 351, 354, 364, 366, 136-14(?. 149, 153-1 70, 181, 182, MARCHAND. Jean-José, 77, 79,
JAMARD, Jean-Luc, 11. 369, 382. 389, 410, 414 -416, 189-191, 195, 197, 204-217, 228, 157.
JAMBET, Christian, 334. 422-425, 430, 431. 231. 235, 237-239, 242. 243, MARCUSE. Herbert, 396.
JAMIM, Jean, 38, 48, 62, 389, LACAN, More-François, 128. 247, 253, 259-264, 272, 283, MARION, Jean-Luc, 388.
419. LACAN, Sylvia. 131, 415. 285, 28 7. 290, 293, 294, 303, MARKSEY, Richard, 366.
JANKÉLÉVITCH, Vladimir, 164, LACROIX, Jean. 160, 174, 368. 325, 326, 342. 343. 358. 359, MARTIN, Serge, 94, 153.
330. LADRIERE, Jean. 362. 36 1, 362. 364. 365, 367, 368, MARTINET, André. 68, 69, 83-85,
JAULIN, Robert, 26. LAGACHE. Daniel, 125, 128, 371, 373, 377-379, 38~\ 384, 389, 87-89, 94, 106, 222, 223, 233,
JOÃO Paulo li, 330. 174, 176, 177, 199, 204. 391 , 397, 398, 410, 4-,12, 413, 241, 241. 247, 310, 425.
JOANA D' ARC, 118. LAGARDE, André. 18. MARX. Karl, 15, 31, 35, 39, 40,
JEANNENEY, JEAN-Noel. 301.
JESPERSEN. Otto. 87, 94.
LAING, Ronald, 183.
LAKS. Bernard, 11.
427-429, 431. 7.
414, 416, 420. 422, 425,

LÉV !-STRAUSS, Moniq,ue. 144.


63, 65, 110, 154, 167, 174, 175.
198, 204, 205. 242. 292, 315.
JESUS. 330. LALANDE, André, 15. LÉVINAS, Emmanué'I, 11. 316-318, 325. 326, 328, 330,
JODELET, François, 224. LALLEMENT, Jérôme, 11. LEVY, Bernard-Henri, 97, 398. 332, 333, 335-337, 339, 342,
JOHNSON, lindon, 364. LAMARCK, Jean-Baptiste DE LEVY, Jacques. 11. 347, 350, 351. 361, 364, 378,
JOYCE, James, 367. MONET, Chevaiier DE. 371, 376. LÉVY- BRUHL. Lucien. 62. 264, 381, 383, 394, 41 l, 426.
JULLIARD, Jacques. 355. LAPASSADE. Georges, 362. 391. MASCOLO, Dlonys, 192.
JURANVILLE, Alain, 274, 275, LAPLANCHE, Jean, 122 , LHOMME. Jean, 196. MASSIGNON, Louis, 55.
277. 148-150, 173. LINDENBERG, Daniel, 333. MATH ESIUS, Vllém, 78.
JUSSIEU, Antoine Laurént DE, LAPORTE, Jean, 31. LINGAT, Robert, 166 MATORÉ. Georges, 91, 228.
376. LAPOUGE. Gilles. 353. LINl{ART, Robert, 317, 318, 350. MATIG NON. Ronaud, 312, 354.
LARDREAU, Guy, 334. LINNt . Carl yon, 235. MATO NTI, Fródórlqu o, 3H>. 316.
LAWRENCE, D.H .. 257. LIPIETZ, Alain. 11. MAUl"llAC . C loudo. ?66.
'~
LEBESQUE, Morvan. 100. LIPOVETSKY, Gilles, 396. MAURO N, C h o rlos, ?&O.
~NAPA, Jean, 315. LE BRET, Franclne, 34. LOEWEN~t!., Rudolph, 149. MAUSI. ílob o tl, l / 3.
::r.\l~~manuel, 51, 106, 110, LECLAIRE, Serge, 123, 146, 148, LONGCHAMBON, Henri, 301. MAUSS, Marco!. 3ó, 4/ b 1. ótl,
149. LOURAU, René, 188. 55, 60-62, 89, 140, 2 15. 420 ,
KANTERS. Robert, 266, 368. LECOURT, Dominique, 317, 318. LOWIE, Robert, 32, 36. MAZON, André, 55.
) KARADY, Victor, 11. LEFEBVRE, Henri, 148, 204, 394. LULIN. Monlque. 12. MACCARTHY, Jose ph, 156.
KARCEVSKI, Serge, 66, 78, 204. LEFORT, Claude. 23. 26, 46. 51 , LUTERO. Martinho, 103. MAC LUHAN, 430.
KERBRAT-ORECCHIONI, 52, 149, 164. 189, 191 , 192. LYOTARD. Jean-François, 189, MEAD: Morgoret. 50.
Catherine, 11 . LEFRANC, Georges. 31. 390, 396. MEILLASSOUX, Claude, 305,
KHLEBNIKOV, Vellmir, 76. LAGACHE, Daniel, 125, 128. 306, 348.
KHRUSTCHEV. Nikita, 187. 174, 176. 177. 199, 204. MEILLET. Antoine, 54, 77, 83, 84,
KLEIN, Mélaine, 276. LÉBOVICI. Serge, 148. 89, 204.
KLINCKSIECK, 228. LEGENDRE, Pierre, 11. MACHEREY, Pierre, 113, 177, MELMAN. Charles, 131 , 144.
KLOSSOWSKI, Pierre, 171. LE GOFF, Jacques, 56, 315. 325, 326, 328, 332, 334, 345, M ENDEL, Gérord, 12 7-142, 143,
KOJEVE, Alexandre, 11 7, 173. LEIBNIZ, Goftfried Wilhelm, 114. 356, 360. 381, 382, 384. 278.
KOLM, Serge-Christophe, 11. LEIRIS, Mlchel, 45, 48, 61, 62, MAIAKOWSKI. Vladimir, 76, 78. MENDELSTAZM, 353.
KOYRÉ, Alexandre, 103, 423. 300. MAJOR, René, 130. MENDES, FRANCE. Pierre, 171,
KRIEGEL, Annie, 212. LEJEUNE, Michel, 85. MAKAROVSKY, J .. 78. 301.
KRISTÉVA, Julia, 223, 242, 248, LEJEUNE. Philippe, 11. MALDIDIER, Denise, 233, 347. MERLEAU-PONTYd Mourice, 23,
314, 315. 379-382. LEMAIRE, Anika, 120, 135, 136, MALÉVITCH, Kazimir S., 76. 24. 59-63, 66, l 15, 125, 13 7.
KROEBER, 36. 150. . MALINOWSKI, B1onislaw. 36, 148, 174, 197, 199, 312, 357.
LEMOINE, Gennie, 122, 253, 206, 265. MESCHONNIC, Henri, 85, 230.
275, 382. MALLARMÉ, Stéphane, 76, 380, MESLIAND, Claude, 212.
LENIN, 317. 412. M ÉTRAUX, Alfred, 32, 62, 161 .
LABICHE. Eugéne, 142. LEROI-GOURHAN, André, 167, MANDELA, Nelson. 304. METZ, Christian. 230, 242, 357.
LABROUSSE. Ernest. 211. 212. 168, 217, 315. MANDROU, Robert. 183 .. MEYERSON, Ygnace, 213.
HISTORIA DO ESTRUTURALISMO

'1

MEYRIAT, J., 160. NKRUMAH, Kwame, 300. PLEYNET. Marcolln, 312. 313. RICOEUR, Paul, 268-270, 362 ,
MICHARD. Laurenf, 18. NORA. Pierre. 169, 216, 355, PLON, Mlchel, 365. 363.
MICHAUD, René, 330. 356, 367, 395. POE, Edgar, 133, 134. RIFFATERRE. Michael, 230.
MICHELET, Jules, 92. NORMAND, Claudlne, 67, 68, POINCARÉ. Henri, 108. RIMBAUD, Arthur. 240, 353.
MIDDLETON. John, 301. 233, 347. POINCARÉ (Instituto). 241. RIVAUD, Albert. 31.
MIKHARILOVITCH. Boris. 77. POLIVANOV, Evgenl. 77, 78. RIVET. Paul, 37, 62, 153, 420.
MILHAU, Jacques. 316. POMMIER. Jean. 55. RIVIERE, Georges-Henri. 21 7.
MILLER. Gérard, 11. POMMIER. René, 260. ROBBE-GRILLET. Alaln, 364.
MILLER, Jacques-Alaln. 100. OGILVIE. Bertrand, 118,119, PONTALIS, Jean-Bertrand, 96. ROBIN. Régine, 347.
146. 226, 252, 274, 276, 325, 415, 420. POPPER, Karl. 244. 431. ROCHE. Anne, 118.
328, 357. ORTIGUES, Edmond. 266. POTTIER, Bernard, 84, 85, 229, ROCHE. Denis, 313.
M ILNER, Jean-Claude. 68. 100, ORY. Pascal, 188. 233, 241. 310. \ ROCKEFELLER (Fundação). 32.
318, 326. OZOUF. Jacques, 212. POUILLON, Jean, 25-28, 43, 45, RODINSON, Maxime, 162.
M ITTERAND, Henri, 85, 86, 229. 46. 291. 354, 360, 361 \ ROMILLY. Jacquellne DE, 12.
230. POUJADE. Pierre, 162 ROSSI. Tino. 91.
MITTERRAND. François, 14. POULANTZAS, Nlcoi, 14. ROTMAN. Patrick. 317.
MOISÉS, 278. PAGES. Robert. 204. POULET, Georges, 232. 365. ROUDINESCO, Élisabeth, 11 7.
MOLIERE. 65. PAPIN, Christine e Léa (irmãs PROPP, Vladimir. 93. 231. 235, 123. 126, 128, 150, 225. 252,
MOLINO, Jean. 175. Papin). 118. 238, 244, 245, 284. 353, 358, 272. 326, 328. 382, 414. 415.
MONDRIAN. Piet. 238. PAQUOT, Thierry, 12. 359. ROUSSEAU, Jean-Jacques. 158,
MONNET. Georges. 31. PARAIN, Brlce, 181. PROUST, Jacques, 174. 159, 292. 402.
MONTAIGNE, 154, 155. PARIENTE, Jean-Claude, 173. PROUST, Joêlle, 105, 346. ROUSSEL. Raymond, 175.
MONTESQUIEU, 325. PARISOT, Thàrese, 12. PROUST. Marcel, 96, 97. ROUSSET, David, 23.
MONTHERLANT, Henri DE, 155. PASCAL. Blaise. 179. 205, 277. PUCHKIN, 76. ROUSSET. Jean, 231, 232. 356.
MONTUCLARD, Mourice. 330. 330. 420. ROUSTANG. François, 143, 278,
~ MORENO, Jacob-Lévy, 204. PASSERON, Jean-Claude, 112, 281.
- rii'IURGAN, Lewis-Henry, 15, 40. 175. ROY. Claude, 160, 188, 209,
MORIN, Edgar, 170, 192. 193. PAVEL, Thomas, 93, 294, 427. QUÉMADA. Bernard, 84-86, 97, 266.
312 . 431. 228. 2 3 3 ~ ROYER-COLLARD. Pierre Paul,

_) MORIN, Violette, 312, 357.


MORVAN-LEBESQUE. 100.
MOSCOVICI. Serge, 346.
MOUNIN, Georges, 101. 135,
210. 310. 316.
PÊCHEUX, Mlchel. 325. 326.
334. 347. 348.
PEIRCE. Charles-Sanders. 408.
PERRIAUX, Anne-Sophle, 355.
PERRIER. Fraçois, 148.
RABELAIS, François, 103.
RABINOW. Paul, 378.
268.
RUSSEL. Bertrand, l 08.
RUWET, Nicolas, 241, 268, 291,
310. 311. 365.

MUKAROVSKY, J, 78. PERROT. Jean. 85. RAC INE, Jean. 205, 255.
MURDOCK. George-Pefer, 204, PERROT, Mlchelle. 212, 412, 425. RADCLIFFE-BROWN. A.R.. 36.
260. PERROUX, François, 196, RANCIÊRE, Jacques. 169, SAFOUAN, Moustafa, 120, 146.
MURY. Gilbert, 333. 197-199, 204. 325-328. 335. SAINT-HILAIRE, Jeoffroy, 68.
PIATIER, Jacqueline. 258. RASTIER. François. 244. SAINT-SERNIN. Bertrand, 111.
PICARD. Raymond, 255, RAULET, Georges, 63. SAINT-SIMON, Claude Henri.
257-259, 354, 420. RÉBEYROL. Philippe, 258. Conde DE. 387.
NACHT, Sacha, 128. PIAGET. Jean, 107, 199, 203, REDONDI, Pietro. 103. SALGAS, Jean-Pierre, 356.
NADEAU. Mourice. 96. 98. 205. 234, 251, 369, 410. RÉGNAULT. François, 318, 325. SAÔ ANTONIO, 251.
NADEL, Siegfried-Frederick, 301. PICHON, Édouard, 84, 135. RAYMOND, Pierre, 250. SÃO JOÃO. 143, 277.
NAIR, K., 340. PICON, Gaêtan, 231. RENA UD, P.A., 160. SAPIR, J. David, 76.
NAPOLEÃO Ili, 312. PIERCE, 75. RENAUT, Alain, 184. 187, 405. SARFATI. Georges-Ello, 101, 411.
NASIO, Juan-David, 273. PIGANIOL. André, 55. 410. SARTRE, Jean-Paul. 15, 23-29,
NAVILLE, Pierre, 234, 305. PINGAUD. Bernard, 363. REVAU LT-0' ALLONNES, Olivler. 60. 98, 156, 160, 188, 226, 264,
NEEDHAM, Rodney, 48. PINGUET. Mourice, 175, 413. 39, 174. 189, 258. 267, 268, 300, 345. 360, 363,
NEURATH. Otto, 431. PINTO, Louis, 423. REVEL. Jean-François. 248. 365. 364. 365. 36 7, 407, 421-423.
NEWTON, Isaac, 45, 72. PIOT, Collete, 234. REY. Jean-Michel, 409. 429.
NICOLAI, André, 195, 196, 199. PIOT, More, 305. RICARDO. David, 353. SAUSSURE, Ferdinand DE, 15.
NIETZSCHE, Friedrich. 170. l 75, PIVIDAL, 263. RICARDOU, Jean. 313. 43. 54, 60-63, 65-73. 75. 76. 79,
1

101, 104, 105, 117, 120, STOCKING, George W .. 62 . v Eíl)(AINI ' l'rnll, '" 2 33 . 291.
129-132, 135, 136, 193, 204, STRAKA, Georges, 85, 228. VEnNANI, Jíl<III Jlln rt u, I /, 56, WAHL, François, 2 72. 31 2. 354 .
215, 234, 242, 243, 249, 2 72, SULLIVAN, Harry STACK. 129. 205, 206, 2 13? I h, 29 1. 365, WAHL. Jean, 164, 173, 174. 447
273, 279, 292, 326. 353, 363, SUMPF, Joseph, 233, 234. 366. 422. WALLON, Henri, 119.
365, 426. SWAIN, Gladys, 184. VERNET, More, 245. W ANTERS, Arthur. 31.
SAUVY, Alfred, 197. SYLVA, Christine, 12. VERRET, Mlchel, 332. WEIL, André, 44, 107.
SCHAFF. Adam, 316. VERSTRAETEN, Pierre, 268. WEIL. Simone, 44, 107.
SCHLEGEL. August Wilhem von, VEYNE, Paul, 175, 412. WEILLER. Jean, 196.
54, 67. VICO. Giambattista, 154. WESTERMARCK. Edward, 40.
SCHLEGEL, Friedrich von, 54. TARDE, Gagriel, 199, 261 . VIDAL-NAQUET, Pierre, 56. WINNICOTT, Donald W., 2 /6.
SCHLEICHER, Auguste .. 108 . TARDITZ, Claude, 307. VIDERMAN, Se1ge, 280_ WITTGENSTEIN, Ludwig, 93, 10 11,
SCHLICK, Moritz. l 08. TAYLOR. Frederick Winslow, 350. VIET. Jean, 422. / 408.
SCHORSKE. C., 387. TERRAY, Emmanuel. 39, 301, VILAR, Jean, 100. WOLFF. Étienne, 203.
SEBAG. Lucien, 190, 191, 241, 305, 307, 348, 384. VILAR, Pierre, 204, 316. 339. WORMSER, André, 173.
362. TEXIER, Jean, 333. VINCENT. Jean-Marie, 341.
SÊCHEHAYE. Albert, 65, 66. TH IBAUDEAU, Jean. 313, 360. VINOGRADOV, 230.
SÊDAR-SENGHOR, léopold, 300. TH IERS (Fundação), 175. VIRILIO, Paul. 396. YAGUELLO. Marina. 78. 225.
SEGHERS, Anna, 33 . THOMAS, Louls-Vlncent, 12. VOLTAIRE. 402. YAKOUBINSKI. 77.
SEMPRUN, Jorge, 332. THOREZ, Mourice, 333.
SENGHOR, Léopold Sedar, 157. THORNER. Daniel, 166.
SERGE, Victor, 33. TODOROV, Tzvetan. 16. 67, 70, WAGEMANN, Ernst, 19,8.
SERRES, Michel. 16, 114, 115, 223, 224, 235, 241. 242. WAGNER. Richard, 84, 85. ZOLA, tmllo. 114.
173, 183. 311 -314, 355,357, 360, 379, WAGNER. Robert-Léon, 230, ZO NAB F N O. rm1 1çQ lau, ?9 1.
SEVE. Lucien, 316, 333, 394. 380, 425.
SICHÊRE, Bernard, 131, 171. TOGEBY, Knud. 85, 229.
278. TOMÁS (Santo), 279.
SIMIAND. François, 34, 206, 211. TORRES. Félix. 388.
212. TORT, Michel. 326.
SIMON, Michel. 332, 346. TOURAINE, Alain, 11.
SIMONIS, Yvan, 44. TOURÉ. Sékou, 300.
SINGEVIN, Charles, 91, 92. TRACY, Destutt DE. 47.
SIRINELLI. Jean-François, 188. TRISTANI. 263.
SMITH, Adam, 371, 376. TROTSKY, Léon. 78.
SMITH. Michael-Garfleld, 301. TROUBETZKOV, Nicolal. 15, 43,
SMITH, Mlle, 72. 51, 66, 77, 78, 80, 87, 91, 94,
SÓCRATES, 403. 204, 237, 238.
SOLLERS. Philippe, 2 78, 312-314, TUDESQ, André. 212.
360, 379, 380.
SÓFOCLES, 142.
SOUSTELLE. Jacques, 32, 62,
165. URl,P;eue~
SOUVARINE. Boris, 118.
SPERBER. Dan. 41, 304.
SPENCER, Herbert. 15, 387. VACHEK. J., 78.
SPENGLER, Oswald, 387, 401. VAILLAND, Roger, 188.
SPINOZA, Baruch, 104, 106. 109. VALADIER, Paul, 339, 389, 399,
271, 343, 420. 421.
SPITZER. Léo, 86, 231. VALÉRY, Paul, 231, 266.
STALIN. Joseph, 174, 187, 188, VATTIMO, Gianni, 404.
200. VAUGELAS. Claude Favre, 15.
STAROBINSKI, Jean, 72. VEILLE. Jacques. 97.
STEIN, Conrad. 148, 149. VENDRYES, Joseph, 83, 87.
STEINER, George, 405. VERDÊS-LEROUX, Jeannine, 263,
STENDHAL. 353. 333, 335.

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