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N AT I O N A L G E O G R A P H I C JANEIRO 2023

S U M Á R I O

2 34
Na capa
A ciência estuda maneiras
de atrasar ou até reverter o
ritmo do envelhecimento,
como parece ser o caso
A ciência da longevidade Manatins, os grandes desta septuagenária.
Os humanos sempre persegui- herbívoros do planeta GETTY IMAGES
ram o sonho da eterna juventu- Durante décadas, os manatins
de, mas até quando se pode da Florida estiveram prestes
lutar contra o tempo? Em a desaparecer, mas foram
30 anos, a esperança de vida salvos graças a movimentos
duplicou, mas com um preço de cidadania fundados para
elevado em doenças crónicas proteger e regenerar o seu
e degenerativas. A ciência habitat. Mesmo assim, as
procura um compromisso. ameaças do século XXI
não desapareceram.
T E XTO D E F RA N SM I T H
F O T O G R A F I A S D E J A S P E R D O E S T, T E XTO D E G E N A ST E F F E N S
D AV I D G U T T E N F E L D E R , N I C H O L E F OTO G RA F I A S D E JA S O N G U L L E Y
SOBECKI E MELANIE WENGER E ERIKA LARSEN

JASPER DOEST
R E P O R TA G E N S S E C Ç Õ E S

60
SUMÁRIO

C A R TA D A
PRESIDENTE

O reino secreto dos Himalaia A S UA F OTO


abre-se ao mundo
O reino de Mustang, antigo VISÕES
entreposto comercial da Rota
da Seda, permaneceu isolado EXPLORE
durante boa parte do século XX. Os melhores destinos
A recente abertura ao turismo do mundo
estrangeiro ameaça o seu
valioso património de E D I TO R I A L
antiguidades tibetanas.
T E XTO D E M A R K SY N N OT T I N ST I N TO BÁ S I C O
F OTO G R A F I A S D E C O RY R I C H A R D S
N A T E L E V I SÃO

88
P RÓX I M O N ÚM E RO

Uma fábula com final incerto


Na Região Oeste de Portugal, um
projecto privado aposta em
reescrever o final de uma tragédia
anunciada. A lebre-ibérica tem
sido dizimada por um vírus que
pode ameaçar a sua própria
sobrevivência, mas os esforços
de conservação recorrem agora
a tecnologia de ponta.
T E XTO E F OTO G RA F I A S
DE RICARDO LOURENÇO

100
Uma adolescência marcada
pelo Alcorão
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J A N E I R O | C A RTA DA P R E S I D E N T E

JILL
TIEFENTHALER
Abraçar o engenho
em constante evolução
com uma bússola
E M 1 9 2 9, U M A E Q U I PA
solar e uma bandeira da National Geo-
graphic Society sobrevoou o deserto
antárctico numa extraordinária façanha
científica. O explorador Richard E. Byrd
liderou o perigoso primeiro sobrevoo do
Pólo Sul e fotografou cerca de 380.000
quilómetros quadrados da Antárctida ao
longo do caminho.
Quase um século mais tarde, a especia-
lista em glaciação e exploradora da Natio-
nal Geographic, Alison Criscitiello, iniciou
a sua árdua jornada, explorando o poder
da tecnologia em condições desumanas
para desvendar os segredos do passado da
Terra e obter dados sobre os desafios cli-
máticos de hoje.
Ao abrigo da expedição da National
Geographic e da Rolex Perpetual Planet
ao monte Logan, ela e a equipa escalaram
o pico mais alto do Canadá e extraíram fotografia e a reportagem para ajudar a A C H AV E PA R A
um núcleo de gelo que continha cerca de proteger os manatins ameaçados (página O PODER DE
30.000 anos de dados. A façanha quebrou 34). PERMANÊNCIA
barreiras para as mulheres e para a ciên- • Tornamos a exploração mais inclusiva.
DA NATIONAL
cia: “Nunca se tinha perfurado (…) gelo Recrutamos cientistas, educadores e con-
profundo a semelhante altitude”, afirma GEOGRAPHIC
tadores de histórias em mais de 140 países,
Criscitiello. amplificando a voz dos exploradores É O NOSSO
Aproveitando a celebração do 135.º ani- negros, indígenas e de outras etnias e tra- COMPROMISSO
versário da National Geographic, faço uma balhando com as comunidades locais. PARA
reflexão sobre o tema de capa da edição Metade das nossas bolsas de 2022 foram ENFRENTAR
deste mês: a longevidade. Década após concedidas a mulheres e mais de 60% a GRANDES
década, como continua a National Geo- bolseiros não-americanos.
DESAFIOS,
graphic a alargar os limites do conheci- • Tornamos a exploração mais participa-
mento? Creio que a chave do poder de APROVEITAR A
tiva, fomentando o envolvimento de públi-
permanência da National Geographic é o cos globais na ciência e jornalismo DETERMINAÇÃO
nosso compromisso para enfrentar gran- cidadãos, eventos em directo, iniciativas E A VISÃO
des desafios, aproveitar a determinação e educacionais, programas pra a juventude DOS NOSSOS
a visão dos nossos exploradores e abraçar e muito mais. EXPLORADORES
o engenho humano. À medida que a National Geographic E ABRAÇAR
Guiados pelo plano estratégico da Socie- dá as boas-vindas a 2023, faz avançar a
O ENGENHO
dade, o NG Next, contemplamos três ciência e incute curiosidade em centenas
caminhos para avançar para o futuro: HUMANO.
de milhões de pessoas em todo o mundo.
• Investimos em exploradores que Junte-se a nós e ajude-nos a moldar os
trabalham para abordar e resolver as crises próximos 135 anos.
globais do nosso tempo, como as alte-
rações climáticas e perda de biodiversi-
dade. Vários figuram nesta edição: James
“Buddy” Powell, Erika Larsen, Jason Jill Tiefenthaler, Directora-geral da
Gulley e Gena Steffens usam a ciência, a National Geographic Society

MARK THIESSEN, NGM


V I S Õ E S | A SUA FOTO

R I C A R D O T O M Á S Apaixonado por macrofotografia, o autor raramente sai de casa sem o equipamento. Num passeio com
as suas cadelas na região de Rio Maior, encontrou esta mosca polinizadora. A ampliação revela uma beleza surpreendente.

S Ó N I A B A P T I S TA A autora visitava pela primeira vez o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT). Apesar de não
transportar um tripé, confiou na mão firme e registou o edifício desenhado pela arquitecta britânica Amanda Levete.
A N T Ó N I O P E R E I R A Ame-se ou odeie-se – ninguém fica indiferente ao génio e excentricidade de Antoni Gaudí. Em Barce-
lona, a Casa Milà, também conhecida como La Pedrera, desafia os visitantes e os fotógrafos com as suas formas irregulares.

A N T Ó N I O M E S Q U I TA Numa viagem consagrada à fotografia de vida selvagem na região de Castela e Leão, em


Espanha, o autor deparou com a inesperada oportunidade de retratar à primeira luz da manhã este mocho-galego.
V I S Õ E S
Rússia
A descida das
temperaturas durante
o Inverno congela a
superfície do lago
Baical, aprisionando
borbulhas de metano.
O ecossistema
lacustre concentra
uma importante
reserva deste gás
com efeito de estufa.
ANTON PETRUS / GETTY IMAGES
Austrália
Um nudibrânquio
alimenta-se de uma
caravela-portuguesa
nas águas do Pacífico.
Estas criaturas são
imunes ao veneno
das medusas e
usam-no para
se protegerem
dos predadores.
DAVID MAITLAND / GETTY IMAGES
Portugal
Os painéis de azulejos
com motivos clássicos
do claustro superior
da Sé do Porto foram
criados entre 1729 e
1731 e foram enco-
mendados em Lisboa,
no bairro lisboeta da
Madragoa. Serão da
autoria de Valentim
de Almeida.
PAUL BIRIS / GETTY IMAGES

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
E X P L O R E

A nossa lista anual de destinos sustentáveis destaca lugares


que educam, iluminam e despertam ligações e admiração.

T E X T O D E G E O RG E ő. S TO N E

do turismo no
A P Ó S A R E C U P E RAÇ ÃO F R E N É T I C A ambientalmente responsáveis. É mais provável isso
Verão passado, muitos gestores turísticos debatem suceder quando os viajantes escolhem com critério
como poderão aproveitar o ímpeto da exploração sem quando, onde e como ir. Para os ajudar, os editores
ceder à pressão das grandes multidões. Até finais da National Geographic escolheram 25 destinos
de 2023 espera-se o regresso do turismo aos níveis inspiradores para o próximo ano. Enquadrados em
pré-pandémicos, o que se pode traduzir em maior cinco categorias (aventura, cultura, natureza, família
prosperidade e estabilidade para locais que depen- e comunidade), são lugares maravilhosos que pro-
dem do número de visitantes. Porém, a recuperação curam alavancar o potencial turístico, beneficiar os
duradoura dependerá do aproveitamento das receitas habitantes locais, preservar ambientes naturais e
do turismo em modelos de conservação que supor- manter espaços culturais. Apresentamos-lhe quatro
tem comunidades, ecossistemas e infra-estruturas pontos de partida para criar o seu próprio itinerário.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
COMUNIDADE

Ilhas do
Dodecaneso,
Grécia

Estas ilhas gregas sim de fotografias nas ambientais. As igrejas


enfrentaram sucessivos ilhas mais conhecidas caiadas de branco de
conquistadores que, do Dodecaneso, como Cárpatos (na foto, uma
ao longo dos séculos, Cos ou Patmos. Áreas capela do monte Profi-
deixaram as suas mar- menos visitadas do tis Ilias) e as tradições GRÉCIA
cas em tudo — desde a arquipélago, como Cár- antigas são atracções
arquitectura à comida. patos, esperam atingir turísticas, mas a ilha
Os invasores da actua- um ponto de equilíbrio tem pouca água potá-
lidade não vêm à pro- entre a necessidade vel e limitada capaci-
cura de fortuna, mas económica e as tensões dade de reciclagem.

INVESTIGAÇÃO POR ANDREW NELSON


FOTOGRAFIA: CIRIL JAZBEC. MAPAS: KATIE ARMSTRONG
E X P L O R E | VIAGENS

NATUREZA CULTURA

TULI ÁFRICA
Louang-
phabang,
BLOCK, Laos

BOTSWANA
Tuli
Blo
Block
BOTSWANA
ÁS IA

Lo
Louangphabang
LAOS
Os extensos parques nacionais e reservas de caça do Botswana continuam
a enfrentar ameaças como a caça furtiva. Novos esforços de prevenção,
voluntariado e acções de sensibilização com base nas comunidades
podem ajudar a aliviar parte dessa pressão. Em Tuli Block, um deserto
na fronteira leste do país onde vivem leopardos, hienas-pardas e malha-
das e uma grande população de elefantes (em baixo), os vigilantes da
natureza estão a instalar tecnologia de ponta nos 700 quilómetros
quadrados da Reserva de Caça de Central Tuli. A organização holandesa A pandemia
Smart Parks desenvolveu sensores de baixa potência que transmitem encerrou as
dados de rádio para uma estação central, alertando para a presença fronteiras de
de caçadores furtivos e dos seus veículos. O sistema permite também muitos países
monitorizar o movimento dos próprios animais. dependentes do
O Botswana tenta responder a uma nova geração de visitantes. turismo, como o
“Desde a COVID, os nossos viajantes estão mais interessados em Laos. Agora, os
ligações humanas de maior significado”, explica Koketso “Koki” países do Sudeste
Mookodi, exploradora da National Geographic. Mookodi, directora
Asiático espe-
do Wild Bird Trust no Botswana, está a implementar um programa
ram que o com-
educativo em dez aldeias remotas do delta do Okavango, no Norte
do país. O seu programa Educators Expeditions leva os professores boio-bala chinês,
da aldeia em safaris no delta e mostra-lhes a forma de articular o inaugurado em
ambiente com a cultura local nas suas aulas. “É uma oportunidade Dezembro de 2021,
de utilizar a natureza como quadro de aula”, diz. impulsione as via-
gens domésticas.
O seu percurso de
420 quilómetros
no Laos começa
na cidade fron-
teiriça de Boten,
passa por mais de
70 túneis e 160
pontes, atravessa
Louangphabang (à
direita, as celebra-
ções do Ano Novo
na antiga cidade de
Wat Xiengthong) e
termina na capital,
Vientiane. Embora
se espere que o
comboio expanda
o turismo
doméstico, o
preço dos bilhetes
e o crescente
endividamento
do país são fontes
de controvérsia.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
AVENTURA

CHOQUEQUIRAO, PERU PERU


Choquequirao
AMÉRICA
Um dos locais arqueológicos mais remo- as visitas à cidade-irmã de Machu Pic- DO SUL
tos dos Andes peruanos, as ruínas de chu. O governo prometeu gastar 260
Choquequirao, está reservado aos pou- milhões de euros na construção de um
cos que conseguem vencer os seus três teleférico de cinco quilómetros entre a
mil metros de altitude. “Existem mitos cidade de Kiuñalla e o sítio arqueológico.
relacionados com Choquequirao”, diz O projecto poderá criar mais oportunida-
o arqueólogo Gori-Tumi Echevarría. des económicas, mas perturbará a sere-
Os seus templos, socalcos e praças não nidade de Choquequirao. Por enquanto,
estão ainda completamente escavados, as ruínas continuam a ser um lugar de
mas existem planos para a construção de recolhimento que desperta a imaginação
uma nova infra-estrutura para encorajar de qualquer viajante.

FOTOGRAFIAS: AARON HUEY (ELEFANTES); MANAN VATSYAYANA, AFP VIA GETTY IMAGES (TEMPL0) JANEIRO 2023
«Acreditamos que, quando as pessoas compreendem melhor
o mundo, preocupam-se mais profundamente com ele.»

A National Geographic Society «XPDRUJDQL]D©¥RJOREDOVHPƃQVOXFUDWLYRVTXHSURFXUDQRYDVIURQWHLUDVGD


exploração, a expansão do conhecimento do planeta e soluções para um futuro mais saudável e sustentável.

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J A N E I R O | EDITORIAL

A CIÊNCIA DA
LONGEVIDADE
Como seria se
vivêssemos mais
no momento
E S C R E VO E S T E E D I T O R I A L
preciso em que se cumpre um ano sobre
a morte do meu pai, que nos deixou aos
79 anos. O meu pai era o meu modelo, o
meu melhor amigo, o meu professor, o
meu confidente. Partiu rapidamente,
como consequência de uma pneumonia
que provocou em poucos dias uma falên-
cia sistémica dos órgãos.
A sua morte abalou-me. Imaginara que
a minha família tinha sido abençoada
com o dom da longevidade: conheci os
avós do meu pai, que viveram quase cem
anos, e os meus avós maternos também
foram nonagenários activos. Por isso,
assumira ingenuamente que o meu pai
também teria mais tempo.
A ciência deu passos de gigante para
nos ajudar a viver mais. Desde o início do
século XX, a esperança média de vida do
ser humano duplicou, mas, durante
grande parte destes cem anos, a investi-
gação e os avanços médicos focaram-se
principalmente na mitigação e no trata-
mento de doenças.
Só mais recentemente essa atenção se
concentrou no próprio envelhecimento
e na possibilidade de existirem factores
que poderão desacelerar, reverter ou alte-
rar o processo. Na reportagem nobre desta
edição, damos-lhe a conhecer vários pro-
jectos científicos inovadores, que incluem
tratamentos com hormona de cresci-
mento recombinante e reprogramação
celular. São investigações fascinantes E sobretudo quando penso no último O meu pai, Edward Lump,
que prometem, no futuro próximo, pro- ano sem o meu pai, penso que significado visitava frequentemente
Washington, D.C. em trabalho
porcionar várias décadas adicionais de teriam para ele e para os que o amávamos e, sempre que podia, eu não
vida à nossa espécie. mais alguns anos de vida. Imagino tudo perdia a oportunidade de o
Costumava desdenhar daqueles que o que ele poderia ter feito e o que pode- acompanhar. Aprendi muito
nessas viagens, que são das
procuravam “curar” o envelhecimento, ríamos ter partilhado. Mais dez anos de memórias mais felizes da
mas agora já não estou tão certo. À medida conversas com o meu pai? Sem dúvida minha infância. Nesta
que envelheço, gostaria de pensar que – mesmo que fosse só mais um. fotografia da década de 1980,
estamos no exterior do
tenho mais tempo, mas também que terei Espero que goste desta edição.
Supremo Tribunal.
pela frente anos com qualidade de vida.
Talvez não seja certo que a juventude se
desperdice enquanto somos jovens e
estou certo de que apreciaria melhor
vários aspectos da minha vida se os Nathan Lump,
tivesse experimentado com mais idade. director

CORTESIA DA FAMÍLIA LUMP


OS CIENTISTAS RECORREM A TECNOLOGIA DE PONTA PARA ENTENDEREM OS MEANDROS DO

VIVER MAIS E
Texto de FRAN SMITH
ENVELHECIMENTO HUMANO E PROCURAREM OPÇÕES PARA RETARDÁ-LO OU INVERTÊ-LO.

Fotografias de JASPER DOEST, DAVID GUTTENFELDER, NICHOLE SOBECKI e MELANIE WENGER


ATÉ ONDE PODE
A CIÊNCIA
PROLONGAR O
NOSSO TEMPO
DE VIDA?
E ATÉ ONDE
DEVE FAZÊ-LO?

Para compreender o
envelhecimento, os
investigadores procuram
pistas em animais, como
os que estuda o Projecto
de Investigação de
Babuínos Amboseli,
iniciado há 51 anos no
Quénia. No âmbito desse
trabalho, Benard Oyath e
Jackson Warutere
colhem sangue e outras
amostras de Olduvai,
que foi anestesiado e
depois de novo
libertado. Os cientistas
do projecto descobriram
que os babuínos com
laços sociais fortes na
idade adulta podem
recuperar dos efeitos
nocivos causados por
uma infância stressante.
NICHOLE SOBECKI

PÁ G I N A S A N T E R I O R E S

Segundos após o
nascimento, os médicos
verificam os sinais vitais
de Tommaso Citti no
Hospital Beauregard, na
cidade italiana de Aosta.
É altamente provável
que as crianças nascidas
hoje em países próspe-
ros passem a barreira
dos 90 anos. À medida
que o mundo vai ficando
mais velho, a investiga-
ção sobre retardamento
ou inversão do envelhe-
cimento torna-se cada
vez mais importante.
MELANIE WENGER

4 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
LONGEVIDADE 5
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@7IF;H:E;IJ
A BIOLOGIA
HUMANA TALVEZ
POSSA SER
OPTIMIZADA
PARA MAIOR
LONGEVIDADE.
UMA FORTUNA
AGUARDA
QUEM DESCOBRIR
A RECEITA.

Matt Kaeberlein, de
51 anos, professor de
patologia na Universi-
dade de Washington,
levanta 138 quilogramas
de peso na sua garagem.
Segundo ele, o exercício
é a forma mais impor-
tante de prevenir
doenças e incapacidade
na velhice, mas, ao
contrário de outros
cientistas, espera
encontrar medicamen-
tos que ajudem.
O cientista investiga se a
rapamicina, um fármaco
utilizado para prevenir a
rejeição de órgãos, pode
prolongar a vida dos
cães e diminuir a
incidência de doenças
relacionadas com a
idade. Uma das razões
pelas quais escolheu o
estudo de animais de
estimação é por viverem
com pessoas, parti-
lhando o mesmo
ambiente.
DAVID GUTTENFELDER

8 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
LONGEVIDADE 9
O veterinário Ryan
Baumwart faz um
ecocardiograma a um
A rapamicina, amplamente prescrita para pre- cão chamado Joe Pup
venir a rejeição de órgãos após um transplante, na Universidade
Estadual de Washing-
permite aumentar até 60% a esperança de vida ton, no âmbito do
de ratos de meia-idade. Fármacos da família dos estudo de Matt
senolíticos ajudam ratos geriátricos a manterem- Kaeberlein para
descobrir se a rapami-
-se vigorosos muito depois de os seus semelhan- cina tem potencial
tes terem morrido. Os fármacos metformina e antienvelhecimento.
DAVID GUTTENFELDER
acarbose, utilizados no tratamento da diabetes, a
restrição extrema de calorias e, segundo as con- “SEM LIMITES”, COM
tas de uma investigadora em biotecnologia, cerca CHRIS HEMSWORTH
Veja esta série da
de noventa outras intervenções permitem que os National Geographic
ratos se mantenham activos nas suas gaiolas de sobre o potencial
laboratório muito para lá do seu prazo de valida- humano e a luta contra
o envelhecimento,
de habitual. O mais recente esquema consiste em já em exibição.
enganar o processo de envelhecimento propria-
mente dito, reprogramando células velhas para
assumirem um estado mais novo.

10 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“Se for um rato, é uma criatura cheia de sorte No entanto, se essas experiências com ratos
porque há imensas maneiras de prolongar o seu permitissem desenvolver fármacos capazes de
tempo de vida”, brinca Cynthia Kenyon, bióloga limpar os detritos moleculares e bioquímicos que
molecular cujo inovador trabalho realizado há estão na raiz de tantos problemas na velhice ou
décadas catalisou aquilo que é hoje um sector se as terapêuticas conseguissem abrandar ou pre-
fervilhante de investigação. “E os ratos com vidas venir essa acumulação desordenada, muito mais
longas parecem muito felizes.” pessoas poderiam ser octogenárias ou nonagená-
E nós? Até onde pode a ciência prolongar o nos- rias, sem experimentarem as dores e maleitas que
so tempo de vida? E até onde deve fazê-lo? Entre tornam esses anos agridoces. E um número ainda
1900 e 2020, a esperança de vida humana mais maior conseguiria alcançar aquilo que se crê ser o
do que duplicou: até 73,4 anos. No entanto, esse tempo de vida natural máximo dos seres huma-
ganho espectacular teve custos: um aumento ver- nos: 120 a 125 anos.
tiginoso das doenças crónicas e degenerativas. O Nos países industrializados, cerca de uma em
envelhecimento continua a ser o maior factor de cada seis mil pessoas atinge a marca de um século
risco para o cancro, a doença cardíaca, a doença e uma em cada cinco milhões vive para lá dos 110.
de Alzheimer, a diabetes tipo 2, a artrite, a doença A detentora desse recorde, Jeanne Calment, em
pulmonar e muitas outras doenças graves. França, morreu em 1997, com 122 anos e 164 dias.

LONGEVIDADE 11
À D I R E I TA

A investigadora
Rochelle Buffenstein
examina um rato-tou-
peira-nu. Passou
décadas a estudar este
mamífero longevo em
busca de formas de
adaptar as suas
características singula-
res à prevenção dos
efeitos adversos do
envelhecimento nos
seres humanos.
DAVID GUTTENFELDER

EM BAIXO

Um morcego descansa
na mão de um biólogo
no Uganda. Dezoito dos
19 mamíferos que vivem
proporcionalmente mais
tempo do que os seres
humanos são morcegos.
O rato-toupeira-nu é o
outro. Os morcegos fasci-
nam a ciência porque,
embora hospedando
vírus mortíferos, não são
afectados por eles.
NICHOLE SOBECKI

12 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
lhando na altura na Universidade da Califórnia,
Cynthia alterou um gene de nemátodes minúscu-
los conhecidos como C. elegans, duplicando o seu
tempo de vida. Os mutantes também se compor-
tavam de forma mais jovem, deslizando alegre-
mente sob o microscópio enquanto os seus homó-
logos inalterados ficavam quietos como grumos.
Esta espantosa descoberta permitiu demons-
trar que o envelhecimento era maleável – con-
trolável por genes, vias celulares e sinais bioquí-
micos. “Tudo aquilo deixou de fazer parte de um
mundo nebuloso para passar a ser ciência fami-
liar”, comenta. “E como qualquer pessoa poderia
investigar, muitos começaram a fazê-lo.”
No entanto, o facto de ser possível retardar a
morte em vermes e ratos não significa que tal
também funcione nos seres humanos. Investi-
gadores e empresas de biotecnologia promovem
actualmente ensaios destinados a testar senolí-
ticos no tratamento da fase inicial da doença de
Alzheimer, pós-COVID, doença renal crónica, fra-
gilidade em sobreviventes de cancro e uma com-
plicação da diabetes que pode provocar cegueira.
Ensaios clínicos de outros compostos antienve-
lhecimento estão igualmente a caminho. Até à
data, porém, nenhum dos fármacos experimen-
tais conseguiu chegar ao mercado.
“Há muitas abordagens diferentes”, diz Cyn-
thia Kenyon. “Não sabemos se alguma resultará.
Talvez todas funcionem! Talvez as combinações
Tanto quanto parece, a biologia humana pode sejam fabulosas. As boas notícias é que o público
ser optimizada para alcançar maior longevida- agora valida este tipo de ciência. Há entusiasmo
de. Fortunas inimagináveis aguardam o investi- face às possibilidades. Só temos de experimentar
gador que descubra essa receita. Não admira que mais. E é isso que está a ser feito.”
se injectem milhões em tentativas orientadas
para esse fim. A Google liderou a vaga de investi-
mentos com o lançamento da Calico Life Scien-
ces, em 2013, empresa onde Cynthia Kenyon é
vice-presidente para a investigação sobre o en-
velhecimento.
Este trabalho é impulsionado por inteligência Crompton, de 69 anos, engenheiro biomédico re-
artificial, gestão de “Big Data”, reprogramação formado, de Silicon Valley, tem uma farta e alva
celular e um conhecimento cada vez mais ela- cabeleira, uma barbicha branca e uma visão som-
borado dos biliões de moléculas que mantêm os bria do envelhecimento. “Cheguei àquela idade
nossos corpos a funcionar. Alguns investigadores em que me sinto a rodopiar no ralo cada vez mais
até falam em “curar” o envelhecimento. depressa”, diz. “Olhamos em redor e vemos mais
Há séculos que os seres humanos perseguem pessoas da nossa idade a morrerem e a ficarem
sonhos de juventude eterna. Todavia, o estudo do com doenças horríveis. Temos poucas dores e
envelhecimento e da longevidade era um recan- desconfortos e, de repente, o joelho dói-nos quan-
to científico tão isolado que, há escassos 30 anos, do corremos. Se não é uma dor, é outra.”
Cynthia Kenyon teve dificuldade em recrutar Com este estado de espírito, não admira que
jovens investigadores para a ajudarem nas expe- Walt tenha ficado obcecado com a investigação
riências que abririam caminho na área. Traba- do envelhecimento e do prolongamento da vida.

LONGEVIDADE 13
Walt leu os estudos sobre ratos. Trabalhou como
auxiliar num laboratório de longevidade. Assistiu
a conferências onde os cientistas descreveram
“marcos” do envelhecimento e a forma como a
biologia reage mal ao passar do tempo.
As protecções existentes nas extremidades dos
cromossomas, conhecidas por telómeros, encur-
tam. O genoma torna-se instável e as mutações de
DNA que provocam cancro aumentam. Ocorrem
mudanças no epigenoma – compostos que se fi-
xam ao DNA e regulam a actividade dos genes.
Algumas células tornam-se senescentes, o que
significa que deixam de funcionar normalmente,
mas, tal como zombies, não morrem, segregando
químicos que causam inflamação. Há distúrbios
nas vias que reagem aos nutrientes, lípidos e co-
lesterol, desregulando o metabolismo. E a lista
continua. Não existe um consenso sobre a forma
como estas alterações se influenciam entre si ou
qual delas exige resolução mais premente.
Numa conferência, Walt Crompton ouviu um
cientista chamado Gregory Fahy explicar a sua
teoria, segundo a qual o envelhecimento imuno-
lógico poderia ser invertido tratando o timo, uma
pequena glândula no peito que estimula o desen-
volvimento das células T responsáveis pelo com-
bate às doenças. Fahy procurava voluntários para
testar a sua ideia, segundo a qual as injecções de
hormona de crescimento humano recombinan-
te, um fármaco utilizado há décadas para tratar
crianças de baixa estatura, poderiam rejuvenes- A hormona de crescimento humano recom-
cer o timo e as defesas enfraquecidas do organis- binante não é patenteável e, por isso, o seu rea-
mo contra a doença. Walt inscreveu-se. proveitamento para combater o envelhecimento
Fahy, o cientista-chefe da Intervene Immune, não proporcionará os proveitos financeiros de
uma empresa sediada na Califórnia, é bastante um fármaco novo. Além disso, a sua utilização
conhecido pelo seu trabalho como criobiólogo, também está associada a um risco elevado de
tendo desenvolvido uma técnica para conservar desenvolvimento de alguns tipos de cancro.
rins, infundindo-os com etanodiol e armazenan- Fahy tentou motivar outros cientistas a promo-
do-os a -135°C até poderem ser transplantados. verem um ensaio clínico, mas fracassou. “Co-
Criou controvérsia quando reaqueceu o cérebro mecei a trabalhar sozinho e a regenerar o meu
de um coelho em condições quase perfeitas, au- próprio timo com base naquilo que aprendi com
mentando as esperanças de se descobrir uma o estudo dos ratos”, diz.
forma de os cérebros dos mamíferos, incluindo o Uma vez que o fármaco pode aumentar o risco
nosso, sobreviverem à criopreservação. No entan- de diabetes de tipo 2, ele acrescentou dois com-
to, há várias décadas que Fahy se sente fascinado primidos: metformina e desidroepiandrosterona,
pelo timo, sobretudo desde que leu um estudo de ou DHEA, uma hormona que melhora a regulação
investigadores que revigoraram o sistema imu- do açúcar no sangue. Também se crê que ambos
nitário de ratos através do implante de células mitiguem os efeitos do envelhecimento e são ha-
produtoras da hormona de crescimento. Na sua bitualmente utilizados para esse efeito. A metfor-
opinião, a maioria dos fármacos que prolongam mina, utilizada no tratamento da diabetes por 150
a vida dos ratos desiludir-nos-á porque “não faz milhões de pessoas em todo o mundo, pode dimi-
nada para impedir que o nosso sistema imunitá- nuir a incidência de doenças neurodegenerativas
rio perca capacidades”. e de cancro. (Continua na pg. 22)

14 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O jejum talvez ajude a
explicar a razão pela qual
existem tantos centená-
rios na Calábria. Segundo
Valter Longo, em
tempos de escassez,
comia-se pouco —talvez
apenas massa (em baixo)
com azeite e legumes.
Para provar se um jejum
temporário permite
restaurar o metabolismo,
Valter recrutou 500
pessoas da região com
problemas de saúde
associados à obesidade.
Durante cinco dias, de
três em três meses,
algumas comeram
apenas o suficiente para
não passarem fome: uma
combinação de barras de
cereais ou chocolate, chá
de menta ou hibisco,
uma cápsula de óleo de
algas, sopa de legumes,
um suplemento,
bolachas de amêndoa e
couve kale, azeitonas e
uma bebida de glicerol.
“Esperamos demonstrar
que este regime altera a
saúde da maioria das
pessoas”, diz.
FOTOGRAFIAS DE JASPER DOEST

LONGEVIDADE 15
16 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
OS CIENTISTAS
ESTUDAM
IDOSOS
SAUDÁVEIS
PARA DESCOBRIR
COMO ELES
CONSEGUEM
DESAFIAR AS
ESTATÍSTICAS.

Joan Valentine, de
90 anos, testa a sua
passada no Hospital
Harbor, no âmbito do
Estudo Longitudinal
do Envelhecimento de
Baltimore. Desde a sua
primeira visita, em 2012,
já aqui voltou oito vezes.
Iniciado em 1958, é um
dos mais duradouros
estudos do género
em todo o mundo.
Os investigadores
acompanharam mais de
3.200 pessoas, algumas
das quais durante mais
de 50 anos. Colheram
amostras de sangue
e urina, mediram a sua
força e agilidade,
avaliaram as funções
cognitivas e realizaram
exames físicos. Os dados
deram origem a milhares
de artigos científicos.
DAVID GUTTENFELDER

LONGEVIDADE 17
CAUSA DE LESÕES REACÇÃO ÀS LESÕES
;ij[igkWjhecWhYeii€eYedi_Z[hWZeiWi ;ij[ifheY[iieii€eX[dƒ\_YeigkWdZe
fh_dY_fW_i\ehcWiZ[ZWdeidWiYƒbkbWi$ eYehh[cYeceh[WY‚€eWkcWb[i€e
;dgkWdjeeiekjheiY_dYec[YWd_icei [ifeh|Z_YWek[iYWii[pZ[dkjh_[dj[i"cWi
feZ[c"fehl[p[i"i[hX[dƒ\_Yei"[ij[i gkWdZed€eƒ[ii[eYWie"i€eWY[b[hWZei
gkWjhej…c[\[_jei_d[gk_leYWc[dj[ f[beigkWjhefh_c[_heicWhYei$GkWdZe
d[]Wj_leideeh]Wd_ice$9WZWkc [ij[ijh…ic[YWd_iceiie\h[cWjWgk[i
feZ[Z[i[dYWZ[WhkcWYWiYWjWZ[ YedijWdj[iek_dj[diei"jehdWc#i[deY_lei"
Yedi[gk…dY_WiYkckbWj_lWi$ c_dWdZeeii[kifhefŒi_jeieh_]_dW_i$

ínas Respo
Prote etidas st
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ó- com os n egu
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laç eito

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cél
f
De

rm
u
açã bie
ado

o de
m
epar
DNA não r

Nas três últimas décadas, os investigadores biomédicos


identificaram mecanismos, ou “marcos”, do envelhecimento
para explicar os processos celulares e moleculares que
danificam as células. Aqui agrupados em três categorias,
nove estão no centro dos esforços de vanguarda para
abrandar o envelhecimento – o principal factor de risco
para muitas doenças graves, incluindo o cancro.
nç de
ão
fu rda
Pe

o
açã
c
uni ular
A NATOM I A D E U MA CÉLUL A m l
á co erce
M int

Cromossomas en-
contrados no núcleo
contêm o código DECLÍNIO PROGRESSIVO
genético da célula Ei‘bj_ceiZe_icWhYeih[\b[Yj[cW
NÚ CL E O WYkckbW‚€eZ[b[i[iYWkiWZWif[beii[j[
Wdj[h_eh[i$Ïh]€ei[j[Y_ZeifeZ[cie\h[h
Mitocôndria
no citoplasma [\[_jeiYecX_dWZeid[]Wj_leigkWdZeWi
converte nutrientes YƒbkbWi[ijWc_dW_ifWhWcZ[i[h[fheZkp_h[
em energia celular. eYehh[c[hheiZ[Yeckd_YW‚€e[djh[Wi
YƒbkbWi$EiY_[dj_ijWi[ij€eWjhWXWb^WhfWhW
C I TO P L A S M A
M Yecfh[[dZ[h[cYece[ij[iZe_ic[YWd_i#
EM AR
BRA UL cei"Z[i[dhebWdZe#i[[ci_ckbj~d[e"
NA CEL
feZ[c[ijWh_dj[hb_]WZei$
DENTRO
DO NÚCLEO
O núcleo é o coração da célula. Como contém DNA,
o modelo que governa toda a actividade celular,
quaisquer lesões ocorridas no interior do núcleo são
graves e podem ser transmitidas a toda a célula, CAUSA
causando uma torrente de efeitos negativos. De LESÕES

Protecção danificada
O DNA tem protecções especiais nas extremi-
dades. Denominadas telómeros, estas protec-
ções encolhem com a idade e degradam-se. Os
cromossomas podem começar a decompor-se,
causando a morte de células em órgãos vitais.

Telómero
degradado

DNA partido CAUSA


De LESÕES

DNA não reparado


Uma miríade de perigos,
como a poluição, são uma
ameaça constante ao DNA.
Os nossos genomas contêm
processos codificados que
lidam com os ataques, mas a
reparação nem sempre é
bem-sucedida e as falhas
podem acumular-se, causando Cromossoma
cancro e outras doenças.

Histona

Grupo
metil
DNA intacto

CAUSA
DE LESÕES
Telómero

Defeitos na regulação do DNA intacto

As cadeias de DNA enrolam-se em torno


de bobinas de proteínas chamadas histonas.
Os genes são activados ou desactivados
dependendo de onde os grupos metilo se fixam
ao DNA e às histonas. Quando essas ligações
sofrem erros, a coordenação rigorosa da actividade
genética pode ficar comprometida.
INTERACÇÕES
CELULARES
7iYƒbkbWifh[Y_iWcZ[Yeckd_YWh[djh[i_fWhWei
Œh]€eiZedeiieeh]Wd_ice\kdY_edWh[cZ[kcW
\ehcW_Z[Wb$GkWdZee:D7ekWiYƒbkbWii[ZWd_\_#
YWc"Yecei[l…Wgk_"dWfWh[Z[_dj[ij_dWb"WiYƒbkbWi
d€eh[Y[X[ceiZ[l_Zeii_dW_i$
REACÇÃO
ÀS LESÕES

Formação de
células zombie
9ƒbkbWiZ[\[_jkeiWifeZ[c[djhWhdkc
[ijWZe[cgk[fWhWcZ[i[Z_l_Z_h
f[hcWd[dj[c[dj[µWi[d[iY…dY_W$
JWcXƒcWf[b_ZWZWiZ[YƒbkbWizombie"
feZ[cZ[i[cf[d^WhfWfƒ_i_cfehjWdj[i"
YecedWYkhWZ[\[h_ZWi$De[djWdje"
WYkckbWc#i[YecW_ZWZ[[dkdYWcehh[c$
;ijWih[X[bZ[ijWcXƒci[]h[]Wc
cebƒYkbWigk[ZWd_\_YWcWiYƒbkbWil_p_d^Wi$

Células Células
saudáveis senescentes

DECLÍNIO
PROGRESSIVO

Perda de função
das células estaminais
7YWfWY_ZWZ[Zeeh]Wd_icefWhW Hormonas
h[fWhWhj[Y_Zei[Œh]€eiZ[f[dZ[
Z[YƒbkbWi[ijWc_dW_iiWkZ|l[_iµW
fh_dY_fWb\edj[Z[YƒbkbWidelWi$ Receptores
7iYƒbkbWi[ijWc_dW_iiŒi[h[fheZk# de hormonas
p[cWf[Z_Ze"kcWYWfWY_ZWZ[gk[
Z_c_dk_YecW_ZWZ[$

As células estaminais são multipotentes,


o que significa que são capazes de formar
vários tipos de células específicas.
DECLÍNIO
Célula estaminal PROGRESSIVO
Célula
estaminal
Célula específica Erros de
comunicação intercelular
À medida que envelhecemos, as nossas KcWYeckd_YW‚€eh_]eheiW[djh[WiYƒbkbWi"
células estaminais param de se reproduzir, dWikWcW_ehfWhj[c[Z_WZWfeh^ehcedWi"
diminuindo a nossa capacidade de cWdjƒceeh]Wd_iceW\kdY_edWh$
substituir tecidos e células danificados. 7_dj[h\[h…dY_Wdeii_dW_ifeii_l[bc[dj[
Células estaminais Z[l_ZeWYƒbkbWizombie ekekjhei\WYjeh[i
Célula específica Z[iYed^[Y_ZeifeZ["feh[n[cfbe"
jhWdi\ehcWhkcWh[WY‚€eWZ[gkWZWWkcW
Célula
estaminal b[i€ej[cfeh|h_WdkcW_d\bWcW‚€eZ[XW_nW
Célula específica _dj[di_ZWZ[YedijWdj[$
INTERIOR
DA CÉLULA
7iYƒbkbWii€eYece\|Xh_YWiYecck_jWif[‚Wi[ii[dY_W_igk[
_dj[hW][ckcWiYecWiekjhWi$7[n_ij…dY_WZ[b[i[i[cgkWbgk[h
Z[bWi"_dYbk_dZeWic_jeYŽdZh_Wigk[jhWdi\ehcWceiWb_c[djei[c
[d[h]_W"Yecfhec[j[h|e\kdY_edWc[djeZWYƒbkbW$;ijWZ[]hWZW#
‚€efeZ[h|W\[YjWhed‘Yb[eZWYƒbkbW[fheleYWhZe[d‚Wi$

REACÇÃO C I T O P L A S M A
ÀS LESÕES

Reacção desregulada
a nutrientes
GkWdZeYec[cei"\ehd[Y[cei}i
deiiWiYƒbkbWieidkjh_[dj[iZ[gk[ Nutrientes
fh[Y_iWcfWhWdeicWdj[h[ciWkZ|l[_i$
9edjkZe"e[nY[iieZ[dkjh_[dj[ifeZ[
[nY[Z[hWYWfWY_ZWZ[ZWiYƒbkbWifWhW
eiWhcWp[dWh[c[jWXeb_pWh" Via
fheleYWdZeh[WY‚[ijŒn_YWi$ metabólica

REACÇÃO
ÀS LESÕES

Disfunção
mitocondrial Espécies
de oxigénio
7ic_jeYŽdZh_WifheZkp[ccW_i
Z[/&ZW[d[h]_WZ[kcWYƒbkbW reactivo
[gkWi[jeZeieii[kihWZ_YW_ib_lh[i
µWi[ifƒY_[ih[WYj_lWiZ[en_]ƒd_e$ Mitocôndria
;cXW_nWigkWdj_ZWZ[i"[ijWi
cebƒYkbWi_dij|l[_ifeZ[ci[h
‘j[_ifWhW_Z[dj_\_YWhestress e
Z[i[dYWZ[WhfheY[iieiZ[
cWdkj[d‚€e[h[fWhW‚€e"cWi
[c[nY[iiefeZ[ci[hjŒn_YWi$

CAUSA
DE LESÕES
Proteína desdobrada

Proteínas
comprometidas
FWhWh[]kbWhWih[WY‚[igk‡c_YWi
[Yedijhk_hW[ijhkjkhWY[bkbWh"Wi
fhej[‡dWij…cZ[i[hZeXhWZWi
[c\ehcWi[nWYjWi"Yecei[\eii[c
origami$GkWdZeie\h[cb[i[i" Proteína dobrada
Z[iZeXhWc#i[[jehdWc#i[
f[]W`eiWi"W]bec[hWdZe#i[[
@7IEDJH;7J;;L;9ED7DJ1A;BI;O
eXijhk_dZeWcWgk_dWh_WY[bkbWh DEM7AEMIA?
[YedZkp_dZeWZe[d‚WiYece 7HJ;0C7HAEIA7O
7bp^[_c[h[FWha_died$ <EDJ;I0IJ;L;D7KIJ7:"
KD?L;HI?:7:;:;7B787C71
C7DK;BI;HH7DE"?DIJ?JKJE:;
?DL;IJ?=7w±E;C8?EC;:?9?D7"
87H9;BED7
ENFRENTANDO
OS FACTOS
A idade está escrita nos nossos
rostos. À medida que envelhe-
cemos, a nossa boca alonga-se,
o nariz alarga, as pálpebras
descaem. E, claro, também há
rugas e papos. Jing-Dong Jackie
Han, investigadora da Academia
Chinesa das Ciências, interro-
gou-se se os nossos rostos
revelam a nossa idade fisioló-
gica, que pode diferir até seis I D A D E : 1 7-2 9 30 -39 40 -49
anos da cronológica. Ela e os Média feminina
seus colegas fundiram imagens
de rostos chineses para criar
médias. Os cientistas descobri-
ram que a utilização de um
sistema com câmara 3D e
inteligência artificial para
comparar os rostos com as
médias permite maior rigor
na detecção do envelhecimento
do que um exame físico ou uma
análise ao sangue. Este método
é também uma forma não
invasiva de ajudar os médicos a
decidir se devem procurar
colesterol alto, hipertensão ou
outras doenças relacionadas
com a idade.

@?D=#:ED=@79A?;>7D"?DIJ?JKJEC7NFB7D9A
F7H778?EBE=?79ECFKJ79?ED7B"797:;C?7 I D A D E : 1 7-2 9 30 -39 40 -49
9>?D;I7:7I9?ÇD9?7I1H;KJ?B?P7:E9EC
F;HC?II±E:7IFH?D=;HD7JKH; Média masculina

Investigadores norte-americanos estão a pla- dois anos e meio de idade biológica, tal como é
near um estudo para descobrir se previne medida com aquilo a que se chama o relógio epi-
ou atrasa as principais doenças relacionadas genético, que usa o sangue para medir alterações
com a idade. Contudo, alguns cientistas da lon- químicas do DNA que alteram a expressão dos ge-
gevidade não querem esperar: tomam metfor- nes e marcam a passagem do tempo.
mina diariamente. O estudo de Fahy, publicado em 2019 na revista
Crompton diz ter sentido imediatamente os científica Aging Cell, era demasiado pequeno para
efeitos do regime de Fahy. “Sentia-me como o Su- provar fosse o que fosse e não fora controlado com
per-Homem, capaz de saltar sobre edifícios altos placebo. Mesmo assim, a experiência sugeriu que
com um só pulo.” Perdeu peso indesejado sem fa- uma intervenção médica poderá reduzir a ida-
zer dieta. Outro participante, Hank Pellissier, de de biológica de um ser humano. Steve Horvath,
70 anos, disse-me que o seu cabelo, anteriormen- criador do relógio epigenético, ferramenta de uti-
te branco, começou a crescer castanho. lização actualmente generalizada na investiga-
Testes demonstraram que a produção de célu- ção da longevidade, mostrou-se impressionado.
las T aumentou, a gordura do timo desapareceu O geneticista e especialista em bioestatística de
e a saúde dos rins e da próstata melhorou. Mais 55 anos participa agora no ensaio de maior escala
surpreendente, os homens perderam, em média, conduzido por Fahy.

22 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
visita o centro para idosos do bairro, onde tem
aulas de ginástica, dança e almoça com amigos.
Nunca se esquece de um aniversário, nem de
pagar as contas.
Não havia muito no seu estilo de vida que pre-
visse uma longevidade tão saudável. Fugiu da
Alemanha nazi na adolescência, suportando uma
dose de trauma superior ao que seria normal, em-
bora eu ache que nunca a ouvi proferir essa pala-
vra. Fumou cigarros durante décadas. O meu pai
era talhante e vivíamos à base de carne vermelha.
50-59 60-77 Em contrapartida, ela sempre foi activa fisica-
mente. Competiu em corridas de atletismo quan-
do era criança, caminhava cinco quilómetros de
casa até ao trabalho e voltava, e nadou várias vezes
por semana durante anos, depois de se reformar.
Os cientistas estudam idosos saudáveis como
a minha mãe e monitorizam pessoas centenárias
para descobrirem como desafiam as estatísticas.
Kristen Fortney, uma executiva da área da biotec-
nologia com 40 anos, doutorada em biofísica mé-
dica, está a utilizar ciência de Big Data e modelos
informáticos no seu trabalho. A maior parte dos
fármacos desenvolvidos para o envelhecimento
pretende corrigir algo que corre mal. Kristen está
a tentar perceber o que corre bem.
“Sempre abordei o tema sob o ponto de vista
50-59 60-77 daquilo que terá maior impacte e qual o fruto
mais fácil de alcançar”, diz ela. “Sempre acredi-
tei em copiar algo que já funciona. Temos todos
estes exemplos humanos de um envelhecimento
de sucesso… indivíduos que vivem até aos cem
anos, ou mais, cujos músculos ainda funcionam,
os cérebros ainda funcionam, e por isso sabemos
que é possível.”
A sua empresa, a BioAge Labs, em Richmond,
Fahy, que tem 72 anos, inscreveu-se como sua realiza análises de sangue e tecidos armazenados
cobaia e retomou as injecções de hormonas. “Es- em biobancos do Hawai à Estónia. Os espécimes
tou a chegar lá, infelizmente”, diz. “O relógio não são associados a registos médicos electrónicos,
pára. Tenho de fazer o meu trabalho depressa para que Kristen Fortney e os colegas conheçam
para salvar não só os outros, mas a mim próprio.” os dados de saúde da pessoa correspondente a
cada amostra de sangue e procuram os biomarca-
dores que distinguem aquelas que envelheceram
bem. As máquinas medem cada amostra, ava-
liando dezenas de milhares de variáveis, incluin-
do sete mil proteínas. Há uma década, a melhor
98 anos, a minha mãe, Dorothy, sobreviveu ao tecnologia conseguia identificar apenas cerca
meu pai, duas irmãs mais novas e a um namora- de cem. Recorrendo a inteligência artificial, os
do que teve em idade tardia. O seu cabelo grisa- cientistas identificam possíveis alvos a medicar e
lho pelo queixo está sempre impecável, como se procuram fármacos que tenham sido desenvolvi-
tivesse acabado de sair do cabeleireiro. É magra dos para outros fins e considerados seguros, mas
e anda devagar, com uma bengala, mas tem as nunca comercializados, entre os rejeitados pelas
costas direitas. Na maioria dos dias de semana, empresas farmacêuticas.

LONGEVIDADE 23
Para retardar a demên-
cia de Don Lueck, os
seus médicos sugeriram
que ele aprendesse uma
nova competência.
Começou a dedicar-se à
arte em 2019 e já pintou
mais de 17 mil quadros.
O passatempo ajudou
este homem sociável
de 77 anos a suportar
o isolamento imposto
pela pandemia na sua
casa em Madison (EUA).
“A pintura diária ao
longo deste tempo
salvou as nossas vidas
porque o cérebro
dele estava activamente
envolvido num processo
criativo que ele
adora”, diz a sua mulher,
Jenny Villwock.
DAVID GUTTENFELDER (À ESQUERDA)
Corte de uma secção cerebral de um paciente
que morreu com doença de Alzheimer

ÁREA EM DESTAQUE
Hipocampo

A equipa de Kristen Fortney testou dezenas de cessos essenciais. Mas a esperança, explica a
candidatos a fármacos em ratos e tem dois pre- equipa, é atingir “múltiplas doenças causadas
sentemente sujeitos a ensaios clínicos. Um visa o pelo envelhecimento com necessidades por satis-
sistema imunitário e o outro actua sobre a mas- fazer, alta prevalência e vastos mercados.”
sa muscular e a força. Como a Agência Food and
Drug Administration norte-americana só aprova
fármacos se estes prevenirem ou tratarem uma
doença – e este organismo não considera o enve-
lhecimento uma doença –, ensaios como este in-
vestigam o efeito de um fármaco numa condição hora da refeição quando visitei os “superanciãos”
relacionada com a idade. Contudo, os investiga- de Vera Gorbunova: 300 ratos-toupeira-nus. Uma
dores têm quase sempre ambições maiores. ninhada nascera quatro dias antes e havia uma
Kristen está a avaliar um composto, com o fêmea prestes a “rebentar”. O frigorífico continha
nome de código BGE-117, para disfunções mus- dois quilogramas de maçãs, duas espigas de mi-
culares relacionadas com a idade porque actua lho, um quilograma de aipo, três sacos de alface
numa via envolvida na regeneração dos tecidos, romana, uvas pretas, bananas, batata branca, ba-
remodelando os vasos sanguíneos e outros pro- tata-doce e cenouras – tudo biológico.

26 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
tarem e libertarem tubarões da Gronelândia,
MATANDO ZOMBIES que vivem, no mínimo, 250 anos e talvez até al-
C_hWdZWEhh[WikW[gk_fW"Z[iYeXh_hWcYƒbkbWi guns séculos. Cientistas que dragavam amêijoas
i[d[iY[dj[i"ekYƒbkbWizombie"[ch[]_[i
[ii[dY_W_ifWhWWc[cŒh_W"Yecee^_feYWcfe$ do leito marinho a norte da Islândia capturaram
;ijWiYƒbkbWid€ecehh[cdWjkhWbc[dj[[ um com 507 anos. Em busca de pistas no DNA,
b_X[hjWcikXij~dY_WijŒn_YWi$C_hWdZW[ei o biólogo português João Pedro de Magalhães,
Yeb[]Wi[ij€eW[ijkZWhi[ei\|hcWYeiYedi[#
]k[c[b_c_dWh[ijWiYƒbkbWicehj‡\[hWi[h[ijWkhWh da Universidade de Birmingham, sequenciou o
Wc[cŒh_W$E]hWdZ[fbWde[cXW_neceijhWei genoma da baleia da Gronelândia, uma gigante
[\[_jeiZWZe[d‚WZ[7bp^[_c[h$A amarelo estão com 54,5 toneladas que se pensa ser a campeã
os novelos de tau"[cWhWd^WZeiZ[fhej[‡dWijWk
gk[i€ekccWhYeZWiZe[d‚WiZ[][d[hWj_lWiZe da longevidade do mundo mamífero. João Pe-
Yƒh[Xhe$O azul assinala moléculas que indicam o dro também trabalhou com Vera Gorbunova e
stress; o magenta é um sinal de danos já Andrei Seluanov para investigar o genoma do
irreparáveis e o verde mostra inflamação,kc
h[ikbjWZeZ[i[d[iY…dY_W$GkWdZeeWpkb"e rato-toupeira-nu.
cW][djW[el[hZ[WfWh[Y[cdkcWYƒbkbW" O habitat do roedor em Rochester, no estado
ieXh[jkZedkcWYƒbkbW]hWdZ["ƒkcW[l_Z…dY_W de Nova Iorque, tem 32ºC e é escuro e húmido
Z[gk[i[jhWjWZ[kcWYƒbkbWzombie$
como uma toca. Cada colónia habita na sua pró-
pria residência de plexiglass. Tem tubos largos
ligando três grandes contentores, que servem
ostensivamente para dormir, comer e excretar.
Quando um rato-toupeira não gosta de uma
refeição, põe-na na casa de banho”, diz Nancy
Corson, responsável pela gestão das colónias.
Parecem adoravelmente sociais enquanto
dão cambalhotas uns por cima dos outros e se
amontoam em pilhas, como roupa para lavar,
Células zombie
mas são territoriais. A investigadora Rochelle
Células Buffenstein, que teve, em tempos, mais de 7.500
e tem agora 2.000 no seu laboratório na Univer-
sidade de Illinois, descobriu que os velhos não
morrem mais frequentemente do que os novos.
“Muitos morrem por lutarem”, acrescenta Vera
Gorbunova. “Isso não depende da idade.”
Vera mostrou-me os outros residentes do
seu laboratório: ratos-toupeira da Damaralân-
dia; roedores chilenos chamados degu, usados
como modelo no estudo da doença de Alzhei-
Os ratos-toupeira-nus chegam a viver mais de mer; e ratos africanos das espécies Acomys
quarenta anos em cativeiro, dez vezes mais do kempi e Acomys percivali, que têm poderes
que o normal para um roedor do seu tamanho. quase míticos de regeneração de pele e cartila-
Não consegui deixar de pensar se todos vivería- gem. Há um grande frigorífico cheio de tecidos
mos mais se só comêssemos o que estas criatu- de esquilos, coelhos, porcos-espinhos, castores,
ras enrugadas, com grandes dentuças, comem. ratos silvestres, morcegos e duas dezenas de ou-
Vera Gorbunova e Andrei Seluanov, casados e tras espécies.
ambos biólogos na Universidade de Rochester, As baleias da Gronelândia têm um número de
estudam ratos-toupeira-nus na esperança de células mais de mil vezes superior ao nosso, o
lhes roubarem as suas adaptações de longevida- que deveria aumentar dramaticamente o risco
de e aproveitá-las em benefício humano. “Des- de sofrerem uma mutação que causasse cancro,
cobrimos algo novo em cada animal de vida lon- mas não desenvolvem cancro. Estudos mostra-
ga”, diz Vera. ram que são incrivelmente eficientes e rigorosas
O mistério da longevidade excepcional de a reparar o DNA e a manter as células saudáveis.
alguns animais incentivou estudos em todo o Vera Gorbunova descobriu que outros mamífe-
mundo. Investigadores enfrentam tempestades ros longevos, incluindo os ratos-roupeira-nus,
no Árctico para capturarem, estudarem, etique- também possuem este superpoder.

LONGEVIDADE 27
Os morcegos controlam tão bem a inflamação A descoberta revolucionou a biologia celular e a
que podem hospedar vírus sem adoecerem, uma busca de formas de tratar doenças humanas, va-
proeza que atraiu a atenção do mundo quando se lendo um Prémio Nobel ao investigador. Agora,
suspeitou que eram a origem do coronavírus da os investigadores estão determinados a utilizar
pandemia. “Já estávamos interessados nos mor- a técnica, denominada reprogramação celular
cegos antes da COVID”, diz Vera. Os cientistas ou reprogramação epigenética, para inverter o
estimam que a inflamação crónica, que frequen- envelhecimento e erradicar as doenças que o
temente progride à medida que envelhecemos, acompanham.
é um dos factores principais em mais de metade “As consequências da reprogramação celular
das mortes a nível global. poderão ser maiores do que as do CRISPR”, diz o
E os ratos-roupeira-nus? Uma das suas mara- biólogo David Sinclair, referindo-se à transforma-
vilhas antienvelhecimento é o hialuronano, um dora tecnologia de edição de genes. “Vou ser des-
açúcar pegajoso segregado pelo tecido conjun- truído por dizer isto: é seguramente a maior ino-
tivo. Nós também produzimos a substância e é vação que aconteceu desde o CRISPR em termos
um dos ingredientes essenciais dos cremes “an- de volume de capital e de pessoas envolvidas.”
tienvelhecimento”. Contudo, Vera Gorbunova Um grupo de importantes empresários, in-
e Andrei Seluanov descobriram que a versão do cluindo Jeff Bezos, abalou o pequeno mundo da
rato-roupeira-nu possui uma estrutura molecu- investigação sobre o envelhecimento no início
lar diferente, mais pesada do que a nossa, muito de 2022 com a criação de uma empresa de repro-
mais abundante e que não se deteriora tanto. Nos gramação, a Altos Labs, que valerá cerca de três
ratos-roupeira-nus, o hialuronano não só torna a mil milhões de euros. Yamanaka foi contratado
pele suficientemente flexível para conseguirem como consultor e outros cientistas famosos fo-
enfiar-se em túneis apertados, mas também su- ram convidados a deixar os seus cargos de pres-
prime tumores – descobriram os biólogos. tígio em instituições académicas. “As pessoas
Ao estudarem a longevidade, os cientistas não investirão dinheiro se a ciência não for cre-
reflectem inevitavelmente sobre a sua própria dível”, explica Steve Horvath, que se reformou
longevidade. Passada uma certa idade, muitos recentemente da Universidade da Califórnia e
fazem algo para evitar danos moleculares. Vera juntou-se a Altos. “Por isso, a pergunta a fazer é:
Gorbunova, de 51 anos, diz-me que come algas eu e o leitor vamos beneficiar disso?”
porque estas activam uma proteína, a sirtuína 6, Shinya Yamanaka usou quatro proteínas co-
que contribui para a reparação do DNA e a esta- nhecidas como factores de transcrição, que ini-
bilidade do genoma. ciam e regulam a expressão dos genes, para apa-
Vera não estuda seres humanos, embora tam- gar a identidade das células maduras, fazendo-as
bém sejamos considerados mamíferos longe- essencialmente regressar ao seu estado original.
vos. Vivemos mais do que todos os outros pri- O salto para aplicar isto ao envelhecimento par-
matas e isso não se deve apenas ao facto de eles tiu do biólogo Juan Carlos Izpisua Belmonte, es-
terem mais probabilidades de serem comidos tudioso da regeneração dos órgãos. Juan Carlos
por leões. Vera Gorbunova crê que, na próxima quis utilizar os factores de Shinya Yamanaka para
geração, teremos tratamentos que prolongarão inverter o tempo, mas apenas parcialmente – res-
o tempo de vida humano numa ou duas déca- taurando a resiliência juvenil das células, mas
das. Para ir mais além, seria necessário alterar conservando a sua identidade e função.
o sistema operativo humano na sua essência e Ele e a sua equipa do Instituto Salk de Estudos
isso pode não ser tão tresloucado como parece. Biológicos na Califórnia conduziram experiên-
“Acho que é possível”, afirma. cias frustrantes com ratos durante vários anos
até descobrirem um protocolo que rejuvenescia
os animais em vez de os matar. Recorreram à re-
programação parcial para prolongar as vidas de
ratos prematuramente envelhecidos e acelerar
os processos curativos em ratos de idades nor-
2006, Shinya Yamanaka, investigador de célu- mais com lesões musculares. Nessa época, Juan
las estaminais no Japão, descobriu a forma de Carlos disse que as experiências demonstravam
reprogramar células adultas e fazê-las regres- que o envelhecimento “pode não ter de avançar
sar a um estado semelhante ao embrionário. numa única direcção”.

28 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Agora, na qualidade de director científico da reprogramação parcial em ratos para reconstruir
Altos, ele já não se pronuncia em público sobre nervos ópticos já esmagados. “Foi espectacular”,
a transformação do envelhecimento numa rua diz. “Mas se isto fosse mesmo inversão do enve-
de dois sentidos. A empresa insiste que não lhecimento, deveríamos conseguir inverter doen-
desenvolve esforços no sentido de inverter o ças relacionadas com o envelhecimento.” Por isso,
envelhecimento, mas sim de inverter a doença. experimentou-o em ratos com uma doença seme-
Talvez os seus apoiantes queiram distanciar-se lhante a glaucoma e eles recuperaram a visão.
das duvidosas pretensões do antienvelheci- Porém, as cobaias não eram muito velhas. Por
mento ou estejam concentrados naquilo que a isso, Sinclair decidiu reprogramar células de ratos
FDA aprovará: tratamentos para doenças e não geriátricos que sofriam de perda de visão relacio-
para o envelhecimento. Mas eu não fui a única a nada com a idade. Um colega que é investigador de
questionar essa diferença. oftalmologia apostou com ele que não resultaria.

HÁ CINCO HÁBITOS CAPAZES DE AUMENTAR A ESPERANÇA


DE VIDA 14 ANOS NAS MULHERES E 12 NOS HOMENS: UMA BOA
ALIMENTAÇÃO, A PRÁTICA REGULAR DE EXERCÍCIO FÍSICO,
UM PESO SAUDÁVEL, NÃO FUMAR E NÃO BEBER EM EXCESSO.

“Qual diferença?”, perguntou David Sinclair, re- “E veja bem”, perguntou David. “Resultou.”
virando os olhos. Desde que publicou os resultados na revista
Professor de genética e co-director do Centro Nature, em Dezembro de 2020, David Sinclair
Paul F. Glenn para a Biologia da Investigação do prosseguiu os estudos e assegura que os benefí-
Envelhecimento na Faculdade de Medicina de cios parecem duradouros. Dirigiu esforços para o
Harvard, David não guarda segredo quanto à sua nervo óptico por ser um dos primeiros afectados
missão de combater o envelhecimento, incluindo pelo envelhecimento. Pouco depois do nascimen-
o seu. Fundou e investiu em mais de uma deze- to, perdemos a capacidade de regenerar estas cé-
na de empresas para comercializar tecnologias lulas. Ele crê que os seus estudos são um modelo
e moléculas de longevidade. Aos 53 anos, toma para tratar lesões da medula espinal e distúrbios
metformina e polvilha o pequeno-almoço com do sistema nervoso central. Se a inversão da idade
resveratrol. “Experimento, pelo menos uma vez, celular permitir a recuperação da visão perdida
tudo de que se anda a falar”, diz. “Sou curioso. porque não permitirá também recuperar a capa-
Gosto de fazer experiências.” Ele levanta pesos cidade de caminhar, ou de recordar? – pergunta.
para manter os níveis hormonais altos – publicou
no Instagram que a sua testosterona é elevada.
Adoptou recentemente uma dieta vegana. Moni-
toriza atentamente a sua idade biológica através
da InsideTracker, uma empresa para a qual traba-
lha como consultor e analisa 43 biomarcadores. se sabe se uma tecnologia tão ambiciosa como a
Quando o visitei no seu gabinete, ofereceu-se reprogramação celular proporcionará aos huma-
para me mostrar os resultados. Observámos gráfi- nos aquilo que proporcionou aos ratos. Entretan-
cos num ecrã de computador. Em primeiro lugar: to, poderemos fazer muito para combater o enve-
proteína C reactiva, um indicador de inflamação. lhecimento. Investigadores de Harvard examina-
“Estou muito abaixo de um jovem de 20 anos”, ram décadas de dados provenientes de 123.219
diz. Foi percorrendo mais dados, concluindo: “Es- adultos nos EUA e concluíram que há cinco hábi-
tou muito à frente em termos de juventude.” tos capazes de aumentar a esperança de vida 14
David modificou a fórmula de Shinya Yama- anos nas mulheres e 12 nos homens: boa alimen-
naka, eliminando um factor de transcrição asso- tação, prática regular de exercício, peso saudável,
ciado ao desenvolvimento de cancro e depois usou não fumar e não beber em excesso.

LONGEVIDADE 29
“Acho que a mais rentável, se investir ape-
nas numa, é o exercício”, disse Matt Kaeberlein,
professor de medicina e patologia laboratorial e
director do Instituto de Investigação do Envelhe-
cimento Saudável e da Longevidade da Universi-
dade de Washington.
Matt é um cientista empedernido e não um
guru da boa forma. O seu laboratório desenvol-
veu uma plataforma de robótica denominada
WormBot, responsável pela recolha de dados de
centenas de experiências paralelas em simultâ-
neo para discernir os factores que influenciam o
tempo de vida do nemátodo C. elegans. Também
está a testar a rapamicina em cães. No entanto,
por mais ocupado que esteja, Matt, de 51 anos,
vai ao seu ginásio improvisado na garagem três
dias por semana e faz um circuito de supinos,
agachamentos, levantamento de peso morto
e exercícios para os ombros com halteres para Arnold Camfferman
manter a massa muscular. “Para a maioria das dá um salto em
queda livre, cerca de
pessoas com mais de 50 anos, a perda de massa 2.000 metros acima
muscular devido a um estilo de vida sedentário de Ameland, uma ilha
costuma ser um dos mais importantes indicado- ao largo da costa dos
Países Baixos. Instrutor
res de problemas de saúde mais tarde”, diz. de pára-quedismo que
Os especialistas concordam incansavelmente ainda dá aulas aos
que um regime de exercício maximiza a saúde e 69 anos, Arnold já fez
mais de 20.800 saltos.
a força numa idade tardia. Já os especialistas em “Não quero parar
nutrição discordam quanto ao regime alimentar tão cedo”, diz. “O seu
ideal – alimentação em horários restritos, jejum conselho para uma
vida longa e saudável?
intermitente, keto, vegan, dieta mediterrânea ou “Nunca, mas nunca,
outra qualquer. parar de brincar.”
JASPER DOEST (COM AARON MOLLOY)
Estudos com animais fornecem provas convin-
centes de que uma restrição austera das calorias
ingeridas aumenta o tempo de vida. No entanto,
tem sido difícil verificar se isso se aplica aos seres
humanos. Há duas décadas, o Instituto Nacional por exemplo, em vez de decrepitude – tinham
do Envelhecimento dos EUA iniciou um estudo mais probabilidades de serem saudáveis décadas
em grande escala para medir os efeitos de um mais tarde. Noutro estudo, mostrou que as pes-
regime alimentar que reduzisse as calorias em soas mais velhas que encaram o envelhecimento
25%. Contudo, embora os participantes tivessem de forma positiva têm mais probabilidade de re-
acompanhamento, software para monitorizar o cuperar plenamente de uma lesão incapacitante.
que comiam e recebessem refeições durante al- E noutro concluiu que uma perspectiva positiva
gum tempo, só ingeriam menos 12% de calorias. da velhice está associada a um risco inferior de
Lembrei-me do médico que me disse que a dieta contrair doença de Alzheimer. Becca Levy desco-
mais saudável é aquela que conseguimos fazer. briu que os indivíduos com as opiniões mais opti-
Becca Levy, professora de epidemiologia e psi- mistas sobre o envelhecimento viviam, em média,
cologia na Universidade de Yale, refere outra in- mais sete anos e meio do que os mais pessimistas.
fluência importante e controlável para uma lon- A leitura de artigos de investigação sobre os
gevidade saudável: a maneira como encaramos o mistérios do envelhecimento pode dificultar essa
envelhecimento. Num estudo, que foi reproduzi- necessidade de nos sentirmos bem com a passa-
do em todo o mundo, Becca descobriu que sujei- gem dos anos. A ideia de “curar” o envelhecimen-
tos com 30 a 40 anos e expectativas positivas em to categoriza-o como uma patologia. Os estudos
relação à velhice – equiparavam-na a sabedoria, publicados começam, inexoravelmente, com más

30 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
notícias. “O envelhecimento é um processo de- Depois, pensei na minha mãe nonagenária e
generativo que conduz à disfunção dos tecidos e da forma como ela ainda goza a vida contra to-
à morte”, dizem as primeiras palavras de um ar- das as probabilidades. A investigação de Becca
tigo típico. À medida que aprendia mais sobre a Levy convenceu-me de que a atitude da minha
ciência, fui ficando entusiasmada com as possibi- mãe explica – pelo menos em parte – a sua vi-
lidades de avanços inovadores, mas preocupada talidade actual. Nunca a ouvi queixar-se da sua
com as minhas próprias perspectivas, estando eu idade ou a dizer que não pode fazer algo porque
a aproximar-me dos 68 anos. está demasiado velha.
Steve Horvath ofereceu-se para me submeter “Não”, diz, quando lho lembro. “Não estou
a um relógio epigenético, um teste com o nome muito velha. Posso fazê-lo mais devagar ou fa-
inquietante de GrimAge. Enviei-lhe dois tubos de zer menos. Mas não estou demasiado velha para
ensaio com o meu sangue. Um pouco mais tarde, dançar, caminhar ou para qualquer outra tarefa
abri o relatório: a minha idade biológica era 3,3 de que goste.”
anos inferior à minha idade cronológica. O relató- Faz uma pausa. “Quer dizer… Já não costumo
rio dava-me uns animados “parabéns” e dizia “já ir nadar.”
está a vencer o relógio!” Mas senti-me desiludida. “Por que já não o faz há muito tempo?”
Eu não estava, certamente, ao nível de David Sin- “Na verdade, porque não gosto de me ver
clair na luta contra o tempo. de fato de banho.” j

LONGEVIDADE 31
A LONGEVIDADE
SEGUNDO A
ARQUEOLOGIA
na natureza. Cada espécie parece ter
H Á U M A L E I R Í G I DA
a sua própria “data de validade”: uma formiga vive cerca
de um ano, um cão 10 a 13 anos e um ser humano 80 a 90. Trepanação por perfuração
Para o paleontólogo espanhol Juan Luis Arsuaga, há pou- cicatrizada no Neolítico. Exem-
cos discursos que o irritem mais do que o dos profetas da plar descoberto em 1927.

imortalidade. “Estamos longe da capacidade de atrasar


esse relógio natural”, diz. “Todos os dias alguém nos pro-
mete a imortalidade. É o mesmo que as religiões prome-
teram sempre, mas trata-se de uma velha mentira.”
Desde que existe vida na Terra, nenhuma espécie foi
capaz de interferir nesse relógio biológico. “Podemos Prova evidente
melhorar a esperança de vida, mas não a longevidade”, de cicatri-
zação, sinal
diz o autor de "A vida contada por um sapiens a um Nean- de que a
dertal". “O ser humano não viverá mais de 120 anos, mas intervenção foi
creio que, na próxima geração, não será raro cumprir 100 bem-sucedida.
anos. O grande desafio é melhorar a qualidade de vida.”
A velhice é um produto da cultura. “Se um romano caísse
da cadeira, partindo a anca, é provável que não voltasse a
andar, mas não morreria disso”, lembra Arsuaga. “Agora,
far-lhe-iam uma prótese e melhorariam a sua qualidade de
vida. Se tivesse cataratas na Antiguidade, ficaria cego, mas
não morreria. Na verdade, o que melhorou foi a qualidade
de vida. Há uma única geração, muitos dos meus amigos
estariam inválidos ou cegos porque já foram operados às
cataratas e às ancas, mas nada disso os mataria.”
Segundo o estudo do historiador Kenneth Pomeranz, um
homem nascido em Inglaterra em 1700 poderia viver
34 anos, mas se ultrapassasse os cinco primeiros anos (isto “As sociedades de
caçadores-recolectores
é, se não fosse travado pela terrível mortalidade infantil), entendiam melhor a morte
poderia viver 75 anos. Os números têm melhorado nos últi- do que nós e um indivíduo
mos séculos, em grande parte graças aos avanços da medi- debilitado ficaria para trás
para não atrasar o grupo”,
cina e da alimentação e à diminuição dos conflitos bélicos. diz o paleontólogo Juan
Esse é o ponto que Arsuaga insiste em incluir no debate Luis Arsuaga. Foi o
sobre a longevidade: “A redução da mortalidade infantil e a sedentarismo que
aumentou a coesão social
redução gradual da natalidade foram as grandes conquistas e modificou a relação
da nossa espécie”, diz. Quando as introduzimos nos mode- entre membros do grupo.
los de longevidade de uma população desde a pré-história, As trepanações cranianas
(como nestes exemplos
a média geral é distorcida. Mas se não considerarmos essas fotografados nas
variáveis, a longevidade humana não mudou assim tanto. colecções do Museu
Na percepção da pré-história, costuma repetir-se que o dos Serviços Geológicos
de Lisboa) são um bom
homem de Altamira viveria apenas 30 anos. “É um mito”, exemplo desse cuidado.
diz Arsuaga. “Os chimpanzés e os gorilas vivem na natureza

32 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Como muitos outros
exemplos, este crânio
do Mesolítico não é conclu-
sivo. A trepanação pode,
ou não, ter sido interrompida.

Trepanação inacabada
do Neolítico, possivel-
mente por morte
do “paciente» durante
a intervenção.

até aos 45 anos e os nossos antepassados também tecidos. Squier mostrou-o ao cirurgião francês
viveriam.” Esqueletos de anciãos foram encontra- Paul Broca, que o interpretou como evidência de
dos em sítios pré-históricos. “Para mim, é divertido uma trepanação craniana. A comunidade cientí-
que um indivíduo sempre sentado, que não faz fica não aceitou logo essa hipótese porque, no
exercício, que come demais todos os dias, pense século XIX, a trepanação ainda era uma interven-
que um indivíduo da pré-história que se alimen- ção pouco frequente e de alto risco. Era inconce-
tava bem, que comia carnes magras e que estava bível que pudesse ocorrer num momento tão
constantemente em movimento, estaria pior do prematuro da história.
ponto de vista da saúde. Nós é que estamos mal. Uma década depois, a hipótese da trepanação
Eles iam todos os dias ao ginásio!”, brinca. já era aceite pela comunidade arqueológica e as
A longevidade é um conceito biológico e a colecções osteológicas dos museus foram revistas.
expectativa de vida um indicador estatístico. Na Descobertas subsequentes dissiparam todas as
pré-história, a longevidade de um Homo sapiens dúvidas e revelaram que a prática era bastante
ou de um Neandertal dependeria de factores como comum. Marcas de trepanação foram descobertas
a disponibilidade de alimentos, a abundância de em crânios muito mais antigos, datando do início
predadores ou o desenvolvimento do cérebro. Mas da pré-história. Outras provas de fracturas conso-
há um factor que talvez explique melhor a variável lidadas também foram encontradas. Constituem
que mais influencia a longevidade: a coesão do um marco na evolução da nossa espécie, pois
grupo em que cada indivíduo está inserido. expressam a existência de cuidados de saúde entre
Em 1865, o arqueólogo amador Ephraim George indivíduos do mesmo grupo e uma certa solida-
Squier identificou um estranho crânio humano riedade social. São marcas de nossa evolução como
no Peru, encontrado numa necrópole inca. Detec- espécie. Ajudam a explicar o nosso sucesso e,
tou marcas de lesões intencionais e cicatrizes nos acima de tudo, a nossa longevidade. j

TEXTO DE GONÇALO PEREIRA ROSA. FOTOGRAFIAS DE ALEXANDRE VAZ LONGEVIDADE 33


TEXTO DE GENA STEFFENS

FOTOGRAFIAS DE JASON GULLEY E ERIKA LARSEN


POR
AMOR
AOS
MANATINS
H Á P O U C A S D É C A D A S , E S T E S DEL ICAD OS

M A M Í F E RO S M A R I N H O S E STAVA M Q UA S E

E X T IN TO S N A F L O R I D A . A S C O M U N I D A D E S

M O B I L I Z A R A M - S E E O N Ú M E R O D E M A NATI NS

AU M E N TO U, M A S O E L E VA D O N Ú M E RO D E M O RT E S

R E C E N T E S É P R EOC UPAN T E.

35
Manatins juntam-se
em Homosassa Springs,
na Florida, cuja água
quente (a cerca de
230C) transforma o
local num refúgio
de Inverno importante
para os plácidos
mamíferos marinhos,
bem como para peixes.
Os manatins não
conseguem sobreviver
em águas com
temperaturas
abaixo de 200C.

PÁ G I N A S A N T E R I O R E S

Folhas de Vallisneria
ondulam, penduradas
na boca de um
manatim no Parque
Estadual de Ichetuck-
nee Springs. Substân-
cias poluentes geradas
por empreendimentos
urbanos e explorações
agrícolas, escoadas
para muitas vias
fluviais, mataram
as ervas aquáticas
essenciais à sobrevi-
vência dos animais.
O rio Ichetucknee,
porém, permanece
relativamente intacto.
FOTOGRAFIAS DE JASON GULLEY
Água limpa e quente no
canal de descarga da
Central Eléctrica de
Tampa e outras centrais
estaduais oferecem um
inesperado refúgio de
Inverno para os
manatins, quando
o oceano se
torna demasiado
frio para eles.
JASON GULLEY

38 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
P O R A M O R AO S M A N AT I N S 39
NÃO ESTAVA
À ESPERA de convidar um estranho para
casa da minha bisavó naquela tarde. Esperava
entrevistar o explorador da National Geographic
Buddy Powell na água, em Crystal River, uma vila
a norte de Tampa (EUA), onde teve início a saga
dos manatins nos tempos contemporâneos. Con-
tudo, a nossa embarcação avariou e estava dema-
siado calor para passear pelo pontão enquanto
conversávamos. Por isso, aqui estamos, sentados
frente a frente em sofás cor de laranja a condizer
com o estilo da sala de Hazel Gaines, decorada à
maneira da década de 1970.
A minha bisavó mudou-se para Crystal River
há mais de 60 anos. Morreu em 1993. Mantive- No Centro de
mos estes sofás porque nos faziam lembrar dela Cuidados Críticos de
e da infância passada a explorar o rio lá fora. Manatins do ZooTampa,
Bellisima é radiogra-
Buddy Powell é ligeiramente mais velho do que fada, depois de ter sido
os sofás, mas está em muito melhor forma, com detectada em terra por
uma postura jovem e olhos atentos, sempre a um caminhante.
O supervisor do Centro,
espreitar a água. “É algo subconsciente”, disse. Jaime Vaccaro, crê
“Passei a maior parte da minha vida à procura que Bellissima pode
de manatins e agora é como se o meu cérebro ter encalhado enquanto
se alimentava devido
estivesse permanentemente ligado à busca.” a uma maré
Na infância de Powell, na década de 1960, os anormalmente alta.
ERIKA LARSEN
manatins tinham quase desaparecido da Flori-
da. “Era emocionante encontrar um”, contou.
Buddy é um dos maiores especialistas nestes
mamíferos marinhos herbívoros e assina as suas
mensagens de correio electrónico como “James
Powell, Ph.D., Presidente e Director Executivo
do Aquário Marinho de Clearwater”. No entan-
to, pede sempre que o tratem por Buddy.

40 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O
também designados por
S M A N AT I N S ,
vacas-marinhas, são uma anomalia do
reino animal. Nem predadores nem pre-
sas, estas criaturas pacíficas podem
medir quatro metros e pesar mais de
900 quilogramas e são evolutivamente desprovi-
das de agressividade. Também se enquadram na
categoria de animais selvagens “carismáticos” que
cativam os seres humanos. A sua presença na Flo-
rida é um lembrete do que os seres humanos
podem fazer. Graças a nós, eles recuperaram de
menos de mil na década de 1960 para um número A National Geographic Society,
empenhada em divulgar e proteger
superior a 7.500 há seis anos. Esse êxito foi obtido as maravilhas do nosso planeta, financia as
através da protecção e recuperação do habitat dos reportagens dos exploradores Gena Steffens,
manatins, da implementação de regras para impe- Jason Gulley e Erika Larsen sobre a nossa
relação com o ambiente.
dir embates com embarcações e da sensibilização. ILUSTRAÇÃO DE JOE MCKENDRY
Crystal River é o epicentro desta história.

P O R A M O R AO S M A N AT I N S 41
Visitantes observam
manatins abrigando-se
nas descargas da
central Riviera Beach
Next Generation Clean
Energy. Cientistas
e gestores de vida
selvagem visitam
estes refúgios de
água quente para
avaliar as
populações
de manatins.
ERIKA LARSEN
ALABAMA
F L O R I DA

Apesar dos êxitos, os manatins ainda enfren-


tam ameaças graves. Três quartos dos 22 milhões
de habitantes da Florida vivem junto da costa,
em áreas que são habitats privilegiados dos ma-
natins, onde a pressão exercida pela presença Pensacola
Fort Walton
Beach
humana degradou as nascentes, as vias fluviais
e as zonas húmidas. Na lagoa Indian River, por
Panama City
exemplo, um importante habitat de manatins
na costa leste da Florida, décadas de resíduos

EM MOVIMENTO
humanos, sedimentos gerados pela construção
imobiliária e adubos de relvados e explorações
agrícolas turvaram as águas. Isso matou as er-
vas marinhas, a principal fonte de alimento
dos manatins. Mais de mil morreram na lagoa Os manatins da Florida enfrentam um
nos últimos dois anos. À medida que a taxa de futuro incerto à medida que o aqueci-
mortalidade aumentava, os centros de recupe- mento dos mares, os escoamentos
ração, como o ZooTampa, em Lowry Park, e o agrícolas e as fugas de fossas sépticas
SeaWorld, em Orlando, foram invadidos por um põem em risco a sua principal fonte de
fluxo anormal de novos pacientes. alimento – as ervas marinhas. A activi-
A comunicação social apresentou a morte em dade humana ajuda em alguns casos.
grande escala dos manatins como um alerta am- As descargas de água provenientes das
biental, mas Buddy coloca o problema de outra centrais térmicas, por exemplo,
forma: “Muitos dizem que os manatins são como proporcionam aos animais um imprová-
o canário na mina de carvão. Mas quando este vel refúgio de Inverno.
canário morrer, todos os mineiros já estarão, há
muito, mortos.” Por outras palavras, a morte dos
manatins não é o sinal de uma catástrofe iminen-
te: a sua perda é a própria catástrofe, pois os avi-
sos foram ignorados durante demasiado tempo. Causas da morte de manatins adultos na Florida

Não determinada

A
de animais carismáticos como
A D O P Ç ÃO Doença, inanição, acidentes naturais
e catástrofes como a proliferação de algas
elefantes (os parentes vivos mais próxi-
mos dos manatins em terra), pandas e Frio
golfinhos como símbolos de conservação
Colisão com embarcações, lesões
podem criar um activismo forte. Em 1978, em represas e outras causas antrópicas
uma lei designou santuários de manatins na Florida
e classificou o Estado como “refúgio e santuário”
para os manatins, limitando a velocidade dos barcos 1.000
em refúgios de Inverno de águas quentes, incluindo mortes A pandemia de COVID-19
interrompeu a recolha
Crystal River. A medida reforçou outras leis já pro- e análise de dados, que
800 se traduziu numa
mulgadas nessa década. reviravolta em 2021.
“Há uma obsessão com eles”, explica Lisa
Smith, do Centro de Cuidados Críticos de Mana- 600
tins David A. Straz, Jr., do ZooTampa. Nas lojas
de recordações, são o tema de todas as compras:
400
há manatins em coçadores de costas, trelas para
cães ou caixas de correio com 1,5 metros de altura.
Membros de grupos de Facebook trocam memes 200

e mostram peças de arte e artesanato com mana-


tins. Uma publicação mostra uma versão da “Úl- 0
tima Ceia” de Leonardo da Vinci, mas com mana- 2010 2012 2014 2016 2018 2020 2022*
* Dados de 2022 até 14 de Outubro.
tins sentados à mesa em vez dos apóstolos.
CHRISTINE FELLENZ. FONTES: JAMES POWELL, INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO DO AQUÁRIO
44 N AT I O N A L G E O G R A P H I C MARINHO DE CLEARWATER; DEPARTAMENTO DA FLORIDA PARA A PROTECÇÃO AMBIENTAL;
COMISSÃO DE CONSERVAÇÃO DAS PESCAS E VIDA SELVAGEM DA FLORIDA
Movimentos quentes
Os manatins costumam
GEÓRGIA ser avistados em locais
F L O R I DA tão distantes como o
Mississípi e a Carolina do
Tallahassee Norte nos meses amenos,
Jacksonville antes de regressarem à
Florida para o Inverno.

St. Augustine

Palatka
Gainesville

Daytona
Ocala Beach

Crystal
River Deltona

Orlando
Cabo Cañaveral
Oeste abundante
A costa do golfo da Florida
oferece pradarias de erva
marinha mais vastas do que
a vertente atlântica e os rios Melbourne
que alimentam as baías Tampa
transportam recursos
alimentares de água doce.
St.
Petersburg

Lugares de congregação

Águas quentes de descarga Sarasota Port


de centrais eléctricas St. Lucie

Mananciais naturais con


temperaturas de 23°C

Bacias termais que conservam


o calor à medida que as águas Cape
circundantes esfriam Coral West
Palm Beach
Fort
Myers
Área urbanizada
Boca
Raton
Naples Fort
Área de distribuição do manantim da Florida Lauderdale
Trichechus manatus latirostris
(subespécie do manatim das Caraíbas) Miami
Ilha
Marco
Área estadual
protegida do manatim

Habitat essencial
Os manatins deslocam-se em
águas salgadas ou salobras,
mas só se reúnem durante
períodos prolongados em Key
locais onde encontram alimento Largo
em abundância, água doce e s
quente e condições amenas. y
e
K
a
Dry d 25 km
Tortugas Key West r i
l o
F
No entanto, os animais carismáticos também
podem funcionar como focos de conflito e os
manatins têm sido polarizadores: de um lado, de-
fensores dos animais e, do outro, empresários do
desenvolvimento costeiro, interesses comerciais e
donos de barcos recreativos que querem usar sem
restrições as águas da Florida. A clivagem tornou-
-se conhecida como “a guerra dos manatins”.
O que cativa tanto num animal que parece
um dirigível deformado e passa a vida a comer,
a dormir e a libertar gases? Podemos encontrar
uma resposta no Túnel dos Manatins, no Centro
de Cuidados Críticos de Manatins do ZooTampa,
um hospital com capacidade para reabilitar vinte
destas criaturas emblemáticas em simultâneo.
O interior do túnel é escuro, semelhante a um
útero. Música esotérica soa em plano de fundo.
Atrás de vidraças grossas, os manatins parecem
fazer acrobacias no espaço, como astronautas. As
barbatanas dos manatins mexem-se como o ante-
braço de um ser humano e estão debruadas com
unhas – um resquício do período de há 50 mi-
lhões de anos no qual os seus antepassados cami-
nhavam sobre terra. Os pêlos eriçados da sua pele
cinzenta são antenas tácteis, conferindo-lhes um
requintado sentido do tacto que os assiste na na-
vegação e detecta movimentos na água.
Hipnotizados pela graciosidade incompreen-
sível e meditativa dos manatins, alguns especta-
dores observam-nos em silêncio. Outros murmu-
ram como eles são engraçados.
Os seres humanos riem-se quando um ma-
natim nada junto de nós e faz um movimento
em forma de espiral, largando uma corrente de
bolhas no seu encalço, antes de deslizar para
longe, abanando a sua grande cauda semelhan-
te a um remo. As vacas-marinhas, tal como as guramente, “menos Hollywood” do que o ele-
terrestres, são vegetarianas vorazes e muito gante e brincalhão golfinho, escreveu o autor
flatulentas. O manatim não é tão bonito e é, se- cubano Manuel Pereira. Mas “todo o instinto
materno do universo está concentrado neste
animal”, prosseguiu.

“ OS MELHORES
Será a obsessão pelos manatins suficiente
para assegurar a sua sobrevivência na Florida?

CONSERVACIONISTAS
É essencial que este mamífero continue a existir
fora da loja de recordações. “As pessoas não com-

SÃO OS QUE TÊM AS


preendem a necessidade de contribuir para o seu
sustento nas vias fluviais”, comenta Lisa. Acima

MEMÓRIAS DE INFÂNCIA de tudo, isso significa restaurar os leitos de ervas


marinhas e a vegetação aquática de água doce,

MAIS PRECIOSAS.” a base da sua existência e da saúde das águas da


Florida em termos globais. As ervas marinhas se-
BUDDY POWELL questram carbono 35 vezes mais depressa do que
Aquário Marinho de Clearwater as florestas húmidas tropicais.

46 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Funcionários da
Comissão de Conserva-
ção das Pescas e Vida
Selvagem da Florida
desfazem-se de um
manatim morto no
Complexo de Eliminação
de Resíduos Sólidos do
condado de Pinellas.
O manatim foi recolhido
numa zona afectada por
marés vermelhas – algas
tóxicas para mamíferos
marinhos, peixes, aves e
seres humanos. Embora
nem todos os manatins
sejam submetidos a uma
autópsia completa, os
relatos de carcaças são
investigados e as causas
de morte prováveis são
registadas numa base de
dados de mortalidade.
JASON GULLEY


subterrâ-
L I M E N TA D O P O R N A S C E N T E S “Os melhores conservacionistas são os que têm
neas, o rio Crystal está à altura do seu as memórias de infância mais preciosas”, diz Bu-
nome. As suas águas azuis eléctricas ddy Powell, que também cresceu a explorar o rio
entrelaçam-se com pântanos e ilhas Crystal, frequentemente a bordo de um barco a
cobertas de árvores e vegetação rasteira. remos com o pai. Só ocasionalmente tinha um
O ar vibra ao som das cigarras e está impregnado vislumbre de uma grande sombra deslizando sob
do aroma dos pântanos, adoçado por sal e lama. a superfície. Poucas pessoas se importavam com
Numa das minhas mais vívidas memórias de o facto de estes nadadores-fantasma serem dos
infância, por volta de 1997, estou dentro de água últimos manatins sobreviventes da Florida.
até à cintura, com máscara e um respirador. A fixação da vida de Buddy Powell parece con-
O meu pai incentiva-me a pôr a cara dentro de denada. Em 1967, com 13 anos, ele teve a oportu-
água. Uma criatura do tamanho de um carro pe- nidade de ser assistente de um aluno de pós-gra-
queno pasta pacificamente a alguns metros de duação chamado Daniel Hartman, que realizava
distância na água turva. Estou apavorada, mas então o primeiro estudo aprofundado da história
mergulho a cara de qualquer maneira. Ouço os natural dos manatins. O seu trabalho, descrito na
dentes dela a ranger e sinto a sua enorme pre- edição de Setembro de 1969 da National Geogra-
sença mesmo ao meu lado. phic, apresentou os manatins ao mundo.

P O R A M O R AO S M A N AT I N S 47
À E S Q U E R D A , A PA RT I R D E C I M A

Torie Arrison mostra a sua pintura facial no Festival


dos Manatins da Florida. Esta caixa de correio é uma
das curiosidades com manatins presentes na região
de Crystal River. A família Cotton faz uma paragem
no Parque Estadual de Blue Spring, em Orange City,
para ver manatins.

A reportagem alertou para os perigos enfren-


tados pelos manatins à medida que a população
da Florida crescia. “A poluição já destruiu os re-
cursos alimentares dos manatins em vários rios”,
escreveu. “O seu futuro está nas nossas mãos.”
Aos 20 anos, Buddy sabia mais sobre os enig-
máticos manatins do que quase todas as auto-
ridades e o Serviço de Pescas e Vida Selvagem
dos EUA (FWS) ofereceu-lhe emprego num novo
programa de investigação de manatins. Passou
os nove anos seguintes a compor uma imagem
da existência cada vez mais ameaçada dos ma-
natins, não só na Florida, mas em todo o seu
domínio no Sudeste dos Estados Unidos. “Via-
jámos do Alabama à Carolina do Sul entrevis-
tando pescadores ao longo da orla costeira”, diz.
A equipa de investigação comprou uma avio-
neta, contratou um piloto e sobrevoou todas as
vias fluviais em busca de manatins.
A informação recolhida pela equipa serviu
de fundamento ao movimento de conservação
dos manatins da Florida. O Save the Manatins
Club abriu caminho, usando a fisionomia be-
nigna dos manatins para criar uma comunidade
de fãs participativos. Vários grupos interpuse-
ram acções judiciais a favor de regulamentação
para proteger os animais e o seu habitat e con-
tra aqueles que se opunham a medidas como
a limitação da velocidade das embarcações, o
desenvolvimento na orla costeira ou a classifi-
cação de áreas para os manatins.
Em 2011, o FWS desvendou um plano para de-
signar Kings Bay (a área com cerca de 250 hecta-
res da cabeceira do rio Crystal) como refúgio de
manatins, impondo uma velocidade reduzida
às embarcações ao longo do ano. Isto levou Ste-
ve Lamb, um proeminente empresário e filan-
tropo, e outros a formarem a organização Save
Crystal River. “Quando há uma espécie em pe-
rigo envolvida, o governo pode inventar regras
e não há nada que possamos fazer em relação
a isso”, argumenta Steve Lamb. “Eles iam
arrancando, progressivamente, bocados dos
nossos direitos.” (Continua na pg. 56)
48 N AT I O N A L G E O G R A P H I C FOTOGRAFIAS DE ERIKA LARSEN
E E
ESPÉCIES EM RISCO
Manatim das Vaca-
Além dos cetáceos, os mana- Caraíbas -marinha
tins e os seus primos dugongos de Steller
A
são os únicos mamíferos
C
completamente aquáticos.
ManatIm
Todos constam da lista de da África
animais vulneráveis da UICN. B Ocidental D
Manatim Dugongo
do Amazonas

HERBÍVOROS
SIMPÁTICOS
Os manatins desenvolveram adaptações
para pastar e digerir plantas aquáticas depois
Alimentação

de os seus antepassados terrestres entrarem Os manatins são solitários,


mas, nos primeiros dois
na água há 50 milhões de anos. No entanto, anos de vida, as crias
a degradação dos seus habitats aquáticos acompanham a progenitora.
põe estas “vacas-marinhas” em risco.

Pêlos sensíveis complemen-


tam a visão deficiente,
detectando correntes,
água doce e água quente.

UM MENU EM MUDANÇA FANEROGÂMICA


MARINHA ALGA
A proliferação de algas de 2011 Feixe de
matou metade das ervas folhas
marinhas da lagoa Indian River, Flor
na Florida. Isto forçou os
Outro Outro
manatins a comer mais algas,
Rizoma
com efeitos que ainda Alga
desconhecemos. 1977-1989 flutuante 2013-15
Raízes

FERNANDO G. BAPTISTA, LUCAS PETRIN, EVE CONANT,


CHRISTINE FELLENZ; LAWSON PARKER
As unhas
residuais são
uma herança dos
antepassados
terrestres.
Á́GUAS TURVAS
Sensíveis à temperatura e aos níveis
de salinidade, as ervas marinhas
permanecem resistentes se houver
luz suficiente. No entanto, os Escorrência de nutrientes alimenta a proliferação
escoamentos causados pela activi-
dade humana promovem a prolifera-
ção de algas que bloqueiam a luz.
Azoto, fósforo

FONTES: MARTINE DE WIT, COMISSÃO DE CONSERVAÇÃO DAS PESCAS E VIDA SELVAGEM DA FLORIDA; GESTÃO DE ÁGUA NO
DISTRITO DE ST. JOHNS RIVER; AARIN-CONRAD ALLEN ET AL., ESTUARINE, COASTAL AND SHELF SCIENCE, 2022
DUGONGUÍDEOS
(pescoço bilobulado)

D Dugongo 2,7m E Vaca-marinha de Steller 7,9m Extinta


Dugong dugon 300kg Hydrodamalis gigas 6.260kg desde 1768

DIGESTÃO: intestinos com 37 metros FLUTUAÇÃO: Pulmões com mais de 50cm


As bactérias intestinais ajudam a digerir a celulose O ar inspirado para os pulmões longos e estreitos mantém
da matéria vegetal. O grande sistema digestivo os manatins flutuantes e nivelados. A pele e os ossos
(que representa cerca de um quinto da massa pesados servem de contrapeso ao gás. O diafragma
corporal) produz calor interno e muitos gases. musculado ajusta-se para rolarem e avançarem.

Osso sólido Osso poroso


de manatim de baleia

Costela

Pulmão

Diafragma

Intestinos

Músculo

Gordura

Pele

PROSPERANDO EM Á́GUAS QUENTES


Um metabolismo lento diminui as necessidades
de energia, mas produz menos calor corporal.
Com pouca gordura, os manatins não sobrevi-
vem em águas de temperatura inferior a 20°C.
SOLUÇÕES PARA
AS ERVAS MARINHAS
A plantação de ervas marinhas
é uma maneira trabalhosa de
restaurar o que se perdeu.
de algas bloqueia a luz danifica as pradarias marinhas Em termos globais, a melhor
esperança para a saúde das
ervas marinhas reside na
limpeza da água.
Manatins reúnem-se
no leito arenoso junto
de Homosassa Springs,
onde a água é quente
no Inverno. Estima-se
que possam existir
7.500 manatins na
Florida. Há 50 anos,
eram apenas mil.
JASON GULLEY
A hélice de um barco
desfigurou a cauda
deste manatim.
“Enquanto os humanos
têm impressões
digitais, os manatins
têm padrões de
cicatrizes”, diz Wayne
Hartley, do clube Save
the Manatins. Os
investigadores estimam
que 96% dos manatins
adultos da Florida terão
sido atingidos por
barcos pelo menos uma
vez ao longo das suas
vidas de cerca de
quatro décadas em
ambiente selvagem.
Os biólogos recorrem às
cicatrizes para identifi-
carem cada indivíduo.
ERIKA LARSEN
As guerras dos manatins culminaram em 2012,
quando a Fundação Legal do Pacífico apresentou
uma petição ao FWS em nome da Save Crystal
River para alterar o estatuto dos animais (de em
perigo para ameaçados), argumentando que o seu
número já recuperara. Em 2011, a Comissão de
Conservação das Pescas e Vida Selvagem da Flori-
da contabilizara 4.834 manatins no estado. Após
uma revisão mais aprofundada, em 2017, o FWS
tomou a polémica decisão de alterar o estatuto
dos manatins. Embora essa decisão não alterasse
as medidas de protecção em vigor, os defensores
dos manatins temem que transmita menor ur-
gência na gestão de uma espécie que ainda neces-
sita de esforços de conservação conjuntos.
“A decisão de alterar o estatuto dos manatins
baseou-se em critérios que sugeriam que as pro-
tecções do habitat e as regras impostas à veloci-
dade das embarcações tinham parecido eficazes,
permitindo a recuperação das populações de ma-
natins”, diz Buddy Powell. No entanto, “sabíamos
que estavam em curso alterações ambientais,
como marés vermelhas, o aumento do desenvol-
vimento urbanístico na Florida e o seu impacte
nas vias fluviais, bem como as alterações climá-
ticas. Há questões ambientais e paisagísticas
importantes que são mais difíceis de controlar”,
afirma. “Eles foram avisados.”


UMA MANHÃ de Janeiro, Will Wolfson
lança o nosso barco na lagoa Mosquito,
parte do sistema mais amplo da lagoa de
Indian River. Will, guia de pesca veterano
nestas águas, conhece-as como se fossem
um prolongamento do seu corpo. “Este sítio está
devastado”, diz, enquanto passamos junto de um tuma ter uma enorme densidade de ervas mari-
labirinto de mangues. “É bonito visto de cima, mas nhas, diz o meu interlocutor.
lá em baixo está destruído.” Há muito que as águas Quando as ervas marinhas desapareceram, Will
abrigadas e as ervas marinhas abundantes fazem Wolfson e outros pescadores começaram a educar
da lagoa Indian River um habitat importante para o público e a pressionar os representantes políti-
manatins e peixes. Entre 2011 e 2019, porém, mais cos para tomarem medidas. Mas as ervas mari-
de metade das ervas marinhas desapareceram – em nhas não são carismáticas. “Ninguém parecia im-
alguns sítios, mais de 90% deixaram de existir. “As portar-se até ao ano passado, quando a situação se
ervas marinhas já não conseguem crescer aqui”, diz tornou grave e os corpos de manatins começaram
Will. “A água está demasiado turva.” a flutuar à superfície”, diz. “Ninguém faz nada até
Em 2010, um Inverno invulgarmente frio ma- ouvir a palavra começada por M”, acrescenta. “As
tou centenas de manatins. Nos anos seguintes, pessoas ouvem ‘manatins’ e começam a ficar fre-
à medida que as temperaturas aumentavam e os néticas com os dilemas ambientais.”
sedimentos, as águas residuais e o escoamento de A calamidade das ervas marinhas na lagoa de
adubos continuavam a fluir até à lagoa, as algas Indian River não é um caso isolado: no início da
floresceram descontroladamente, impedindo a década de 2000, quando eu era ainda uma ado-
luz solar de alcançar os fundos. Este local cos- lescente, estava a passar as férias de Verão em

56 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Jornalistas disputam o
melhor lugar para filmar
a vigilante de natureza
Jackie Gordon a despejar
baldes de Vallisneria,
recolhidos em Crystal
River, para alimentar
manatins esfomeados
em reabilitação no
Parque Estadual de Vida
Selvagem Ellie Schiller
Homosassa Springs, em
Dezembro de 2021.
Um manatim ingere
cerca de 45 quilogramas
de vegetação
aquática por dia.
ERIKA LARSEN)

casa da minha avó, quando a proliferação de algas preocuparam-se com o seu sustento. Os avós preo-
transformara este oásis de manatins numa sopa cuparam-se com os netos, que não cresceriam como
pútrida. As algas cresceram, formando tapetes eles, explorando a beleza primordial do local.
grossos e fibrosos que se emaranhavam nas hé- Começaram então a ser tomadas medidas para
lices dos motores dos barcos, entupiam as nas- inverter os danos. Vizinhos juntaram-se, muni-
centes de fontes subaquáticas e bloqueavam a luz dos de ancinhos, recolhendo as algas à mão. Iro-
solar, matando a vegetação aquática remanescen- nicamente, foi o Save Crystal River, o grupo que
te. “Tememos que os manatins não tivessem ali- os ambientalistas tinham combatido na alteração
mento suficiente”, recorda Buddy Powell. do estatuto do manatim, que liderou a recupera-
ção da vegetação aquática. Confrontado com o


colapso do sítio que adorava, Steve Lamb concen-
STE HORROR não beneficiava ninguém. trou a sua atenção em encontrar uma forma de
Praticantes de caiaque e donos de barcos resolver o problema. Em 2015, com fundos da as-
a motor sentiam a falta da água limpa. Os sembleia estadual, o Save Crystal River contratou
pescadores à linha tinham saudades de a empresa Sea & Shoreline para remover o lodo e
apanhar peixe. Os guias turísticos espe- replantar o leito do rio com Vallisneria, uma erva
cializados em manatins e os proprietários de hotéis com folhas semelhantes a fitas compridas.

P O R A M O R AO S M A N AT I N S 57
Em Fanning Springs,
um manatim paira
com uma graciosidade
encantadora numa
camada de água
subterrânea e quente
acima da água mais fria
proveniente do rio
Suwannee. Os manatins
parecem gordos
porque têm enormes
tractos digestivos para
processar a matéria
vegetal que precisam
de ingerir para
sobreviver.
JASON GULLEY

A ideia de replantar o rio inteiro era intimidan- em 2022 revelaram o mais elevado número de
te. “Pensaram que estávamos doidos”, diz Lisa manatins alguma vez registado nestas águas –
Moore, presidente do Save Crystal River. Mas de- mais de mil só em Kings Bay. A vegetação recen-
pois de aspirarem mais de 135 milhões de quilos temente restaurada também permitiu que outros
de detritos e plantarem cerca de 350 mil pés de animais (peixes, caranguejos-azuis e moluscos,
Vallisneria, os grupos conseguiram que o rio dei- entre outros) regressassem a Crystal River.
xasse de ser dominado pelas algas. “Durante mui- A Agência de Protecção Ambiental calcula que
tos anos, não houve comida para os manatins”, serão necessários quase cinco milhões de euros
diz Steve Lamb. “Agora temos esta maravilhosa e 20 a 30 anos para inverter o colapso ecológico
Vallisneria em abundância e água limpa. Eles es- da lagoa de Indian River. A maior parte da lagoa
tão bem e Deus os abençoe. Isto é espectacular.” localiza-se no condado Brevard, cujos residentes
Em vez de passarem os poucos meses do curto votaram a favor de um imposto voluntário sobre
Inverno em Crystal River antes de regressarem as vendas em 2016 que renderá quase 500 mi-
ao golfo do México para se alimentarem, alguns lhões de euros ao longo de dez anos para investir
manatins permanecem agora aqui o ano inteiro, em projectos de infra-estruturas de águas resi-
aproveitando a bonança e impulsionando a eco- duais e regeneração aquática. Entretanto, legisla-
nomia turística da vila. Censos aéreos realizados ção bipartidária está a acelerar fundos estaduais

58 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
NEM PREDADORES NEM PRESAS,
ESTAS CRIATURAS PACÍFICAS SÃO
EVOLUTIVAMENTE DESPROVIDAS
DE AGRESSIVIDADE.
a adoptar “programas de gestão de nutrientes”
cientificamente fundamentados para reduzir o
impacte da sua indústria na qualidade da água.
“Não somos os maus da fita”, explica Eric
Hopkins, agricultor de terceira geração no conda-
do de Palm Beach, a cerca de 40 quilómetros da
lagoa Indian River. “Todos são responsáveis por
parte dos estragos e todos podem desempenhar
um papel na solução.” Em 2021, segundo ele, os
agricultores locais reduziram a quantidade de
fósforo, um dos principais poluentes, em 59%,
ou seja, mais do dobro do que era exigido por lei.
A adopção de técnicas de gestão de nutrientes
poupa dinheiro aos agricultores. Mas o mais im-
portante, é que se trata “da acção certa. Se não
mantivermos a viabilidade do nosso solo, estare-
mos simplesmente a acabar com o nosso negócio”.


D U C A D O R A E C O N S E RVAC I O N I S TA , Betty
Osceola pertence à comunidade micco-
sukee. Lembra-se de que a mãe e a avó
contavam histórias de manatins avistados
no coração do “rio de erva”. Agora, estradas
e represas impedem-nos de nadar tão longe. “A ati-
tude tem de mudar”, diz. “Se pensarmos em curar a
massa de água, em curar a terra, haverá mais melho-
para o salvamento e reabilitação de manatins e rias do que se pensarmos em gerir ou em erradicar.”
para projectos de resolução dos problemas que Parte da mudança consiste em persuadir a co-
mataram as ervas marinhas. munidade de que todos estão inseridos num sis-
Os proprietários residenciais de alguns conda- tema vivo no qual os manatins, a vida vegetal e os
dos estão a suplementar os subsídios com o seu seres humanos se encontram interligados. “Não
próprio dinheiro para transformar as fossas sép- posso falar pelos outros povos indígenas, mas
ticas com fugas em sistemas de esgoto. Noutros sempre me ensinaram a ver tudo o que existe à
condados, as comunidades estão a desenvolver nossa volta como nossos parentes”, afirma. “Fa-
esforços para restaurar as ervas marinhas e a dra- zemos parte disso. Temos o nosso sítio e o nosso
gar os rios para remover as enormes quantidades propósito e todos temos de promover a vida.”
de azoto e fósforo retidas nos seus leitos. Quando era pequena, fomos até Crystal River
Os proprietários de casas e de empresas estão para passarmos tempo com os nossos avós. Depois
agora a cumprir as directrizes da Florida-Friendly do jantar, sentávamo-nos lá fora, a ver os clarões de
Landscaping, parte de um programa de expansão raios distantes e a ouvir a música das rãs e dos in-
para reduzir o consumo de água e a utilização de sectos vagueando sobre a água. Por vezes, outro som
adubos. E, cada vez mais, agricultores com cul- chamava a atenção. Era o assomo de um manatim à
turas de cana-de-açúcar, legumes e arroz estão superfície, respirando. j

P O R A M O R AO S M A N AT I N S 59
Nas remotas e áridas
terras altas do Norte
do Nepal, um santuário
budista recorda aos
viajantes que o
esclarecimento
é possível. Com uma
nova estrada aproxi-
mando o mundo
exterior do antigo
reino de Mustang,
o seu líder oficioso
teme a perda de um
modo de vida.

60 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
OUTRORA FORA
DO ALCANCE
DE FORASTEIROS,
O REINO
HIMALAIO
DE MUSTANG
ABRE-SE AGORA
AO MUNDO…

TEXTO DE MARK SYNNOTT

F OTO G R A F I A S D E CORY RICHARDS

61
SOBREVIVERÃO
A SUA CULTURA
E O SEU VALIOSO
TESOURO DE
ANTIGUIDADES
TIBETANAS
AO QUE SE
AVIZINHA?

62 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Monges entoam
orações matinais em
Thubchen Lhakhang,
um templo em
Lo Manthang, a capital
histórica de Mustang.
Durante séculos,
o sistema monástico
foi um alicerce do
budismo tibetano
e do ensino, mas cada
vez menos homens
jovens entram
para o mosteiro.

63
O
REI
DE
MUSTANG
IRÁ
RECEBÊ-LO
AGORA
e um
V E S T I N D O C A LÇ A S D E GA N GA M U I TO GA S TA S
casaco de tecido polar verde, o rei encontrava-se
numa sala de pé-direito baixo, no seu palácio mul-
tissecular. Recitava um cântico budista e dedi-
lhava com minúcia o seu fio de contas de oração.
À sua volta, as paredes e pilares de madeira que
sustentavam o telhado abatido estavam decoradas
com pinturas requintadas de divindades budistas.
Algumas envergavam trajes dourados e estavam
alegremente reclinadas. Outras, empunhando
espadas e rodeadas de chamas, uivavam de raiva.
Estávamos em meados de Outubro e, aninha-
das nestes sopés áridos da extremidade seten-
trional dos Himalaia, as frias paredes de adobe
do palácio, atravessado por correntes de ar, in-
diciavam a chegada do Inverno.
Da janela abria-se uma perspectiva desafoga-
da sobre a cidade amuralhada de Lo Manthang,
a capital com seiscentos anos de história na
lendária região nepalesa de Mustang, situada a Envergando um chuba,
um casaco tradicional
apenas 15 quilómetros da fronteira com a China. tibetano, Jigme Singhi
Fileiras apertadas de edifícios de taipa caiados Palbar Bista segura as
de branco estendiam-se lá em baixo. Espirais de contas de oração do
pai, o último rei oficial
fumo libertavam-se dos telhados. Os choupais de Mustang. O governo
agitavam-se com a brisa vespertina. A sudeste, nepalês dissolveu a
um troço do rio Kali Gandaki abria-se como um monarquia em 2008,
mas Jigme ainda é
leque no vale, correndo em direcção a uma mu- procurado em busca de
ralha imponente de picos cobertos de neve. orientação e liderança.

64 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
A National
Geographic Society,
empenhada em divulgar
e proteger as maravilhas
do nosso planeta,
financia as expedições
do explorador Mark
Synnott desde 1999 e
as missões fotográficas
do explorador Cory
Richards desde 2014.
ILUSTRAÇÃO DE JOE MCKENDRY

65
No passado, este panorama esteve vedado a es-
trangeiros como eu. Durante a maior parte do sé-
culo XX, o acesso a Mustang foi estritamente con-
trolado pelo governo nepalês. Agora, porém, o rei
convidara-me para o seu palácio em decadência
para me mostrar um dos muitos desafios enfren-
tados pelo seu reino na época contemporânea.
O nome completo do rei é Jigme Singhi Palbar
Bista, mas ele apresentara-se simplesmente como
Jigme. Magro, com o cabelo grisalho ralo e uma
energia que contradizia as suas seis décadas de
vida, conduzira-me agilmente através de um cor-
redor parcamente iluminado do palácio que a sua
família se vira obrigada a abandonar depois de
este sofrer danos graves causados pelo sismo de
2015. Subimos escadas de madeira que rangiam,
navegámos entre buracos no chão e contornámos
paredes decadentes decoradas com murais sujos
de lama.
Apesar da decrepitude do palácio, a sala onde
nos encontrávamos parecia bem conservada. Jig-
me reparou que eu observava o retrato de um ho-
mem e uma mulher vestindo trajes tradicionais
tibetanos. “São os meus pais”, disse. “Esta era a
sala de oração do meu pai. Ele foi o último rei de Protegidos apenas
Mustang, o 25.º da sua linhagem. Eu sou o 26.º.” por uma corda e pela
localização isolada de
À minha esquerda, um armário de madeira de Mustang, artefactos
sândalo revestido a folha de ouro estendia-se do centenários
chão ao tecto. Lá dentro, figurinhas de bronze re- pertencentes à família
real ganham pó
tratando divindades budistas espreitavam pelas num armazém.
portas envidraçadas. Um conjunto de lamparinas Relíquias religiosas
votivas queimando manteiga de iaque enchiam a inestimáveis, há muito
consideradas seguras
sala com o odor azedo típico dos templos budistas na comunidade, estão
dos Himalaia. cada vez mais sujeitas
Jigme explicou que as figurinhas eram mais do a roubo por
estrangeiros.
que meras obras de arte – eram espíritos vivos que
vigiavam a sua família desde a Antiguidade. An-
tes de depositar cada estátua no altar, um alto sa-
cerdote executava um ritual para lhe dar vida com
um corpo, mente e discurso iluminados. discernir o som baixo de equipamentos de ter-
Agora, é Jigme quem vela por estas divinda- raplenagem que trabalhavam nas obras de me-
des, pelo menos na sua forma física. No mundo lhoria da estrada que aproxima a cidade do Sul.
secular, um negociante de antiguidades no mer- A viagem de aproximadamente 450 quilómetros
cado negro poderia vender esta pequena colecção desde a capital do Nepal, Katmandu, demorava
por uma fortuna considerável. Durante séculos, em tempos semanas a pé ou sobre o lombo de ca-
a ideia de alguém as levar não causava grande valo ou um iaque. Agora, pode ser concluída em
preocupação nesta cidade isolada e devotamen- escassos três dias de carro. Veículos com tracção
te budista. No entanto, o mundo exterior subiu às quatro rodas atravessam uma sucessão vertigi-
finalmente até à porta de entrada de Mustang e o nosa de ziguezagues numa estrada estreita e aci-
roubo de peças de arte é apenas uma das novida- dentada esculpida nos penhascos que revestem
des com que o rei tem de se preocupar. o desfiladeiro de Kali Gandaki. A estrada é uma
Enquanto eu e Jigme partilhávamos este mo- melhoria que modifica o paradigma para o povo
mento sossegado na sua sala de oração, consegui do Mustang, permitindo o fluxo de mercadorias

66 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
baratas e facilitando o acesso a instalações clíni- viesse a tornar-se
S E R I A A D E Q U A D O S E M U S TA N G
cas modernas, entre outras comodidades. de novo um entreposto comercial. O palácio que
Este fluxo de mercadorias e pessoas poderá em Jigme me mostrara era uma relíquia da Idade de
breve tornar-se uma torrente vigorosa de comér- Ouro da cidade, remontando ao século XV. Naquela
cio. A norte, os chineses anteciparam uma nova altura, a zona superior da região era conhecida
rota comercial lucrativa e aguardam-na com uma como Reino de Lo. O seu povo, os Lo-pa, primos
estrada recém-asfaltada que liga o seu lado da étnicos dos tibetanos, tinham acumulado grande
fronteira a auto-estradas rumo a Pequim. Falta riqueza graças ao controlo do comércio no vale de
apenas juntar as estradas para dar início a uma Kali Gandaki. Flanqueada a oeste pelo sétimo pico
nova era de comércio neste canto lendário do tec- mais alto do mundo, o Dhaulagiri I (8.167 metros),
to do mundo. A questão para Jigme e para o povo e a leste pelo décimo mais alto, o Annapurna I
de Mustang é se se conseguirá preservar a essên- (8.091 metros), o desfiladeiro oferecia uma das rotas
cia deste reino minúsculo que o tornou especial comerciais mais directas entre os ricos depósitos de
ao longo de séculos. sal do planalto do Tibete e os mercados da Índia.

M U S TA N G 67
P L A

Nestas rotas comerciais, os Lo-pa cobravam impos- China. Quando os ensinamentos budistas se fun-
tos às caravanas de iaques, as quais, além do sal, diram com as práticas animistas da região, deram
transportavam cevada, turquesas e glândulas de origem ao budismo tibetano. Ao longo do tempo,
cervos almiscarados (utilizadas em medicamentos o reino acolheu a nova fé e construiu templos e
e perfumes). O nome Mustang deriva de uma pala- mosteiros. Segundo a lenda local, o primeiro tem-
vra tibetana que significa “planície de desejo”, uma plo budista tibetano do reino foi construído a sul
referência às riquezas que podiam aqui ser colhidas. de Lo Manthang por um místico indiano que ali
Porém, antes de se transformar num entrepos- destruiu um demónio feminino. Actualmente,
to comercial vibrante, Mustang fora uma encru- este templo, conhecido como Lo Gekar, encon-
zilhada importante para estudiosos budistas e tra-se num bosque de salgueiros contorcidos, no
peregrinos que se deslocavam entre a Índia e a fim de um desfiladeiro isolado, num local onde os
RILEY D. CHAMPINE, PATRICIA HEALY, EVE CONANT. MODELAÇÃO DO TERRENO: STEPHEN TYSON
FONTES: GALEN MURTON, UNIVERSIDADE JAMES MADISON; TIM WILLIAMS, INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA DO
UNIVERSITY COLLEGE DE LONDRES; GOVERNO DO NEPAL; PLANET LABS PBC; MERIT DEM; OPENSTREETMAP.ORG
autóctones acreditam que o coração dessa divin- Dois séculos mais tarde, esta aliança salvaria
dade demoníaca ainda se mantém aprisionado. Mustang da devastação causada pelo controlo chi-
No século XVIII, com Estados poderosos a nês do Tibete, que começou pouco após a invasão
emergirem nas fronteiras de Mustang, o rei de Lo liderada por Mao Tsé-Tung em 1950. Ao longo da
viajou para conhecer o rei do Nepal recém-unifi- década seguinte, enquanto milhares de templos
cado. Jigme descreveu como o seu predecessor budistas eram encerrados no Tibete, os tesouros
levou oferendas de leite, sementes de mostarda e de Mustang permaneceram incólumes. No entan-
terra para demonstrar que Mustang tinha solos e to, o isolamento não evitou que o reino se visse
riqueza para partilhar. Impressionado pelo gesto, arrastado para a Guerra Fria. No início da década
o rei nepalês ofereceu protecção a Mustang em de 1960, um exército secreto de guerrilheiros tibe-
troca de impostos nominais e um tributo anual. tanos treinados pela CIA entrou a pé em Mustang.

ALGUNS TOPÓNIMOS DESTE MAPA USAM TRANSLITERAÇÕES TIBETANAS, QUE DIFEREM DOS NOMES OFICIAIS NEPALESES.
Com o apoio de armas e provisões descarrega-
das por meios aéreos norte-americanos e opera-
dores de rádio, planearam ataques transfrontei-
riços contra o exército chinês e instalaram bases
no Tibete. Apesar de terem interceptado alguns
documentos secretos importantes, pouco conse-
guiram fazer e foram desarmados pelo governo
nepalês em 1974. As repercussões políticas leva-
ram o governo nepalês a selar a região com mais
força do que nunca.
Foi neste mundo que Jigme foi criado, num
reino proibido e isolado numa das paisagens
mais inóspitas do planeta. Enquanto rei, o seu
pai manteve-se atento à fronteira, mas a sua
missão era manter a paz. Viajava constantemen-
te entre aldeias, resolvendo conflitos locais e
disputas de propriedade. “Raramente passava
dois dias em casa”, contou-me. “Ouvia falar de
um problema ou de uma discussão, saltava para
cima do cavalo e lá ia ele. No reino, a sua palavra
era a lei.”
Quando tinha 21 anos, Jigme saiu de Mustang
para frequentar a faculdade em Katmandu. O pai
visitava-o todos os invernos, fazendo a viagem
de três semanas pelas montanhas como os seus
antepassados tinham feito para honrar o trata-
do com o rei nepalês. “Ele levava produtos locais
ao rei – tapetes de lã, cobertores e cavalos”, disse
Jigme. “E enquanto lá se encontrava, apresentava
contas de como os fundos governamentais eram
gastos e pedia dinheiro para novos projectos.”
A situação começou a alterar-se em 2008. Após
uma década de guerra civil, o Nepal adoptou uma
nova Constituição, reinventando-se como repú-
blica federal. Todas as monarquias foram aboli- quem passávamos tiravam o chapéu e curvavam
das e o pai de Jigme foi destituído. De repente, o a cabeça, com reverência. Jigme, sorridente e jo-
papel para o qual Jigme se preparara foi elimina- vial, cumprimentava cada pessoa pelo nome.
do, pelo menos oficialmente.
“Não me senti perturbado”, disse Jigme. “Per- sem qualquer poder ou
C OMO C O N S E G U E E S T E R E I ,
cebi que os tempos estavam a mudar e que preci- autoridade de facto, preservar o legado cultural do
sava de concentrar-me na nova vida que se abria seu reino? O palácio decadente de Jigme é apenas
agora. Nunca sentimos orgulho da nossa posição, um exemplo dos desafios a enfrentar. Suposta-
nem recebemos qualquer pagamento por isso. mente construído em 1441 pelo filho de Ama-Pal, o
Por isso, aceitámos a situação.” lendário primeiro rei de Mustang, o palácio figura
Quando o pai morreu, em 2016, Jigme foi na lista da UNESCO de candidaturas a Património
empurrado para uma posição desconfortável. Mundial, mas, devido aos danos causados pelo ter-
A maior parte dos Lo-pa considerava-o o rei legíti- ramoto e ao clima cada vez mais húmido, requer
mo, mas sem poder oficial. No entanto, continua- um investimento financeiro substancial para travar
va a depender dele conduzir rituais religiosos e a sua decadência. Entretanto, para lá das paredes
ocasionalmente para arbitrar conflitos locais. de Lo Manthang, os numerosos vales e desfiladeiros
O modelo dessa veneração popular é simples. do reino acolhem muitos outros palácios e templos
Naquele mesmo dia, enquanto caminhávamos ancestrais, cada um habitado pelas suas próprias
pelas vielas estreitas de Lo Manthang, todos por divindades e repleto dos seus próprios tesouros.

70 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
À ESQUERDA
Uma carrinha chinesa
expele fumo enquanto
se desloca rapidamente
para norte, rumo
à fronteira, deixando
atrás de si o maciço
nepalês do Annapurna,
coroado de neve.
Quando esta estrada
for unida à sua
homóloga já concluída
na China proporcionará
uma das mais
directas ligações
terrestres entre
Pequim e Nova Deli.

EM BAIXO

No Outono de 2019,
comerciantes nepaleses
protegiam-se do vento
enquanto aguardavam
autorização para
atravessar a fronteira
altamente vigiada com
a China, mais tarde
fechada devido à
pandemia de COVID-19.
Novas construções do
lado chinês obscurecem
a vista de uma estrada
de acesso à China,
recém-asfaltada.

M U S TA N G 71
Falaram-me num sítio em particular – o con-
vento budista abandonado de Gompa Gang, em-
poleirado num penhasco sobranceiro ao rio Kali
Gandaki, a meia encosta sobre o vale. Na manhã
seguinte, antes da alvorada, eu e Tsewang Jonden
Bista, primo de Jigme, partimos na sua direcção.
Conduzimos ao longo do Kali Gandaki, en-
quanto ele fluía preguiçosamente ao longo de
uma planície ampla. Rebanhos de cabras desgre-
nhadas trotavam junto da estrada, pastoreadas
por rapazes e raparigas adolescentes cobertos de
poeira. Socalcos cultivados revestiam o solo fér-
til ao lado do rio. Vivia-se a época de colheitas e
famílias inteiras – incluindo crianças – eram con-
duzidas a searas verdes de trigo e pomares carre-
gados de maçãs.
Estacionámos na base de uma falésia argilosa.
Lá em cima, via-se a vertente esburacada com
dezenas de aberturas semelhantes a janelas.
Tsewang, que gere uma empresa de caminhadas,
assumiu a sua faceta de guia turístico e explicou
que Mustang é famoso por estas misteriosas “ca-
vernas do céu”. Milhares foram escavadas em
falésias por toda a região. A datação por carbono
sugere que algumas foram abertas há mais de um
milénio. Em 2008, uma equipa da National Geo- Uma menina Lo-pa
espera à porta
graphic conseguiu aceder a uma gruta a duzentos enquanto a família
metros de altura na falésia. No interior, encontrou descarrega mercadorias
uma câmara ampla onde se guardavam milhares chinesas na sua loja, nos
arredores de Lo
de manuscritos com textos e imagens budistas e Manthang. As motos
pré-budistas. Outras grutas continham esquele- substituíram os cavalos
tos, mas ninguém sabe ao certo quem as escavou, em Mustang, outrora
conhecido como Reino
nem a razão pela qual houve quem se esforçasse de Lo, onde a equitação
tanto para criar estes esconderijos. e a cultura equestre há
Subimos um trilho até uma cumeeira com vista muito que são
reverenciadas.
sobre o rio. Aqui, um bosque denso de salgueiros
rodeava uma estrutura de barro caiada de bran-
co. Empurrámos um portão de ferro, abrindo-o,
e entrámos no pátio. Havia uma velha bandeira
de oração fixa a um poste de madeira instalado sol iluminavam o seu rosto. Tsewang explicou
numa pilha de rochas e chifres de iaque deslava- que esta encarnação do Buda representa um fu-
dos. O galhardete esvoaçava ao vento enquanto turo professor que espalhará a sabedoria pelo
Tsewang explicava como, durante a época áurea mundo, após um longo período de fome e guerra.
do convento no século XVIII, os peregrinos viaja- Depois, apontou a lanterna para a parede e
vam até este local vindos de toda a Índia, Nepal e vi que a divisão estava coberta de murais. Um
Tibete para rezarem e receberem bênçãos. À me- retratava um Buda sentado de pernas cruzadas
dida que a prosperidade de Mustang diminuía, o em cima de uma nuvem com uma mulher em
convento caiu lentamente no abandono. tronco nu, segurando um búzio numa das mãos
Entrámos por uma porta baixa no salão princi- e oferecendo uma taça de prata com a outra. Ha-
pal, onde uma estátua colossal do Maitreya Buda, via inúmeras figuras em cenas complexas e co-
com dois pisos de altura, dominava a divisão. loridas, embora esbatidas. Enquanto avançáva-
A cabeça entrava por uma abertura no tecto numa mos na escuridão, Tsewang apontou a luz para
segunda câmara, no segundo piso, onde raios de imagens que representavam o cosmo, a roda

72 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
da vida e centenas de divindades. “Aqui está o “No passado, a chuva e a neve derretida só se in-
Guru Rinpoche”, disse, iluminando uma figura filtravam numa camada de tijolo”, disse Tsewang.
com trajes azuis e vermelhos, o principal funda- “Agora, há menos tempestades, mas mais fortes.
dor do budismo tibetano, que se crê ter viajado Por vezes, temos uma quantidade de neve equi-
por Mustang no século VIII. valente a um Inverno inteiro numa grande tem-
Observando-as mais de perto, reparei que mui- pestade de Primavera. Quando tudo derrete ao
tas das pinturas se desintegravam. Uma delas mesmo tempo, é isto que acontece.”
apresentava-se crivada de buraquinhos. Outra A humidade infiltra-se nas paredes e penetra
coberta de rachas e com algumas bolhas sob o es- no interior seco. Quando a água se evapora, cris-
tuque. Durante séculos, esta região junto do pla- tais de sal formam-se atrás da tinta, provocando
nalto do Tibete recebeu pouca chuva, mas o clima a descamação dos murais. Este processo está a
está a mudar rapidamente e a estrutura de taipa ocorrer em todos os Himalaia e é virtualmente
enfrenta agora níveis de humidade com os quais impossível travá-lo, uma vez iniciado. “Até o cli-
nunca se previu que tivesse de lidar. ma conspira contra nós”, suspirou Tsewang.

M U S TA N G 73
Numa passagem atrás do Buda colossal, era inevitável. Com efeito, estamos sentados no
Tsewang apontou para uma parte da anca da es- exemplo mais tangível dessa conclusão: o Royal
tátua toscamente remendada com lama. “Há cer- Mustang Resort. Jigme mandou construir este
ca de 20 anos, fomos invadidos por ladrões que hotel de 22 quartos num terreno exterior às mura-
nos roubaram os gsung”, disse. São os tesouros lhas da cidade de Lo Manthang que lhe fora dei-
que consagram e dão vida à estátua. xado em herança pelo pai. Assemelha-se a uma
Tradicionalmente, as esculturas rituais tinham cidadela caiada de branco, com torres de vigia em
o centro oco, independentemente do seu tama- cada canto. O seu amplo terraço no telhado ofere-
nho. Durante o processo de consagração, eram ce uma perspectiva fantástica sobre o vale de Kali
preenchidas com orações escritas e artefactos de Gandaki. Sentámo-nos em elegantes cadeirões
valor como contas de ágata, figurinhas de bron- de cabedal, beberricando o nosso chá em frente
ze, ouro e pedras preciosas. O tesouro ajuda a dar de um forno a lenha com a lareira crepitante, ali-
vida à estátua, mas os objectos também podem mentada por ramos de salgueiro secos.
ser utilizados para reconstruir o mosteiro caso Em 1992, os turistas foram finalmente autoriza-
este seja danificado ou destruído. dos a visitar Mustang, embora o número de licen-
Segundo Charles Ramble, um académico que ças emitidas por ano seja reduzido. O ritmo tem-se
investigou o roubo, e alguns líderes locais, um mantido lento, mas Jigme está confiante de que
lama tibetano chegou a Gompa Gang por volta isso mudará. E enquanto o Nepal é famoso pelas
do ano 2000 e ofereceu-se para reinstaurar uma expedições ao Evereste, grande parte da receita de
comunidade de freiras. Entusiasmados com a 480 milhões de euros do sector turístico do país
oferta, os representantes locais deixaram-no ver o é gerada por caminhantes e peregrinos religiosos
karchak, um livro que inclui factos essenciais so- para os quais Mustang tem um encanto especial.
bre o edifício, incluindo a localização dos gsung. Mustang possui paisagens espectaculares, mas é
Depois, o lama visitante partiu, prometendo re- também uma janela para a cultura tibetana que
gressar em breve. Pouco depois, descobriu-se o praticamente se evaporou dos outros locais.
buraco na anca do Buda. Não há registos do que Apesar da visão optimista de Jigme, o retorno
estaria escondido dentro da estátua, mas os te- deste investimento ainda parecia distante. Na-
souros que há séculos davam vida a esta divinda- quele momento, eu e Tsewang éramos os únicos
de tinham desaparecido. Nunca mais houve notí- hóspedes do hotel. Jigme, porém, não era o único
cias do lama. Desde então, pensa-se que Gompa a apostar no turismo. Aquando da minha visita,
Gang já não tem poder. Tsewang disse-me que havia dezenas de hotéis em Lo Manthang, uma
quase ninguém vai lá rezar. cidade com apenas 1.300 residentes oficiais. E o
clima rigoroso do Mustang só permite visitas seis
perguntou-me Jigme certa
“ V I U O AU T O C A R R O ? ”, meses por ano. As temperaturas de Inverno des-
tarde, enquanto estávamos sentados a beber chá. cem muito abaixo de zero, congelando os canos
Horas mais cedo, tínhamos de facto visto um auto- e impossibilitando o uso das casas de banho dos
carro fabricado na Índia subir a custo a poeirenta hotéis. Durante o Verão, os deslizamentos de ter-
estrada ziguezagueante que acede a Lo Manthang. ra desencadeados pelas monções bloqueiam com
O autocarro saíra da vila de Jomsom, 95 quilóme- frequência as estradas durante semanas.
tros de carro a sul de Lo Manthang, antes da alvo- Embora Jigme tenha esperança de que a estra-
rada, e todos os lugares estavam ocupados por da traga pessoas a Lo Manthang, ela também fa-
autóctones e um punhado de turistas nepaleses. cilita a saída da população da cidade. Nos últimos
Uma grande bandeira decorada com um texto nepa- anos, muitos jovens têm partido em busca de sor-
lês fora colocada na frente achatada do veículo, te em Katmandu, no Japão, na Coreia e nos EUA.
anunciando que era o primeiro autocarro público Há muito que a economia do vale depende dos
a empreender a viagem. “Quando era pequeno, grandes rebanhos de cabras e iaques, mas os tra-
nunca imaginei que um dia fosse possível conduzir balhos duros estão a perder o interesse. Segundo
até aqui a partir de Katmandu”, disse Jigme. um censo recente, mais de dois mil Lo-pa vivem
Essa percepção começara a mudar. À medida na cidade de Nova Iorque, um número superior à
que a economia da China crescia exponencial- totalidade da população de Lo Manthang. Jigme
mente e outras regiões do Nepal se desenvolviam, prevê que, se esta tendência se mantiver, a região
Jigme e todas as outras pessoas de Mustang aper- perderá 80% da sua população nos próximos
ceberam-se de que a existência de uma estrada 20 anos. (Continua na pg. 81)

74 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
OBRA-PRIMA
DO SÉCULO XV
No seu apogeu, Lo Manthang, a capital do Reino de Lo, foi um centro
Katmandu

de arte e arquitectura budista tibetanas, incluindo Thubchen


Lhakhang, um templo aqui reconstruído em toda a sua glória original.
Hoje, após séculos de isolamento, a região está a abrir-se, ameaçando
o legado cultural do povo Lo-pa.

Segunda Rua Templo Thubchen Templo Jampa


muralha (representado na pg. seguinte)
CIDADE AMURALHADA
As cidades fortificadas
eram típicas deste período.
As espessas muralhas de
terra de Lo Manthang
Chortens protegiam habitantes e
gado, bem como o seu
palácio e os edifícios sagrados,
carregados de tesouros.
Palácio
real

Porta de
entrada
Torre 160m

Pilha de
lenha

CASA MUSTANG
Acessíveis por escada, os
aposentos encontram-se
sobre a divisão para o Chorten
gado. Os fogões para protector
cozinhar são alimentados
a dejectos de animais.

Divisão
principal

Camada
Estábulo de gesso

Tijolo de adobe

Base de pedra
Pátio

FERNANDO G. BAPTISTA, PATRICIA HEALY,


EVE CONANT, RILEY D. CHAMPINE, NGM
TEMPLO
INTERIORES SAGRADOS
Equipas de artesãos itinerantes
criaram murais intrincados com
mais de mil figuras espirituais.

INTEMPORAL
Muitos foram restaurados por
peritos estrangeiros e habitantes
locais com formação.

Um dos melhores exemplos remanescentes


da arquitectura tradicional budista
tibetana, Thubchen Lhakhang sobreviveu
a séculos de utilização, a terramotos
e ao clima. Os especialistas crêem que dois
pisos superiores poderiam ser
utilizados como salas de oração
ou celas de monges.
Estrutura
actual

Estrutura
original

Chorten
Chorten

Entrada
Entrada

ENTRADA NO TEMPLO
As grandes estátuas guardiãs do
vestíbulo representam os quatro
pontos cardeais. As salas da frente
são possivelmente uma remodela-
ção do templo original.

FONTES: BEN AYERS; SIENNA R. CRAIG, DARTMOUTH COLLEGE; LUIGI FIENI; JOHN HARRISON, FACULDADE DE ARQUITECTURA DE LIVERPOOL; CHRISTIAN LUCZANITS,
SOAS UNIVERSIDADE DE LONDRES; TIM WILLIAMS, INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA DA UCL
PROTECÇÃO
Três dezenas de
cabeças de leão Monumentos denominados
guardam uma abertura chortens contêm oferendas
no tecto que fornece e homenageiam figuras
luz à sala de orações. e eventos religiosos.

Muralha
da cidade

Capela

Buda

Paredes
e chão de
taipa

Conduta
de água

40
pilares
de madeira

Estátua
de metal

Preces
escritas
Lamparinas

Paus de
incenso

Tigelas
de água
SALA PRINCIPAL ANIMADAS POR BÊNÇÃOS
Monges reúnem-se para orações Exibidas com grande destaque, cada
diárias e comemorações na estátua de metal é preenchida com
presença de figuras evocativas das objectos sagrados e selada por monges
divindades, rodeados pelos pilares que convidam o espírito de uma
que sustentam o grande salão. divindade a habitar a figura.

RECONSTITUIÇÃO CONJECTURAL,
FEITA POR ESPECIALISTAS
78 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Os textos sagrados
estão guardados
em pilhas sob repre-
sentações de diversas
formas do Buda num
mosteiro, fortificado, e
ainda são utilizados em
cerimónias religiosas.
Cada livro de folhas
soltas contém páginas
escritas à mão (muitas
das quais ilustradas
com pinturas) e capas
de madeira gravadas
à mão envoltas
em tecido.

M U S TA N G 79
Descoberta numa pilha
de artefactos descarta-
dos, num dos comple-
xos palacianos não
utilizados pela família
real, esta efígie de barro
do Buda pode remontar
ao século XIV, período
em que este tipo
de figuras existia
frequentemente
em casas e templos.

80 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O cenário é agravado pelo facto de a promes-
sa do turismo ter provocado uma especulação
imobiliária desenfreada. “No passado, havia
uma regra tácita segundo a qual os Lo-pa não po-
diam vender propriedades a estrangeiros”, expli-
cou Jigme. No entanto, este tabu começou a ser
ignorado com os novos valores imobiliários. Jig- “PARA SALVARMOS
A NOSSA CULTURA,
me disse-me que um lote de 0,4 hectares de terra
de pasto coberta de rochas, a pouca distância do

PRECISAMOS
sítio onde nos encontramos sentados, foi recente-
mente vendido por 675 mil euros. “Podemos cul-

DO TURISMO”,
par um agricultor que só ganha 675 euros por ano
por vender e se mudar para Katmandu ou Nova
Iorque?”, perguntou.

EU REFERIRA A JIGME que queria visitar a fronteira DISSE JIGME. “E PARA


TERMOS TURISMO,
chinesa. Por isso, certo dia, ele arranjou-me um
lugar com Tsewang num veículo 4x4 pela manhã.

PRECISAMOS
Viajámos por uma estrada de gravilha que nos levou
para norte, rumo a uma cordilheira de colinas cas-

DA ESTRADA.”
tanhas, com as cristas cobertas de neve. Ao fim de
uma hora, deslizámos até um posto de controlo do
exército nepalês. Um jovem soldado viu-me no
banco de trás, franziu o sobrolho e disse algo em
nepalês. “Ele diz que os estrangeiros não podem
visitar a fronteira”, disse Tsewang.
Voltámos para trás e páramos alguns quilóme-
tros mais abaixo para comer massa num pequeno Mais tarde, encontrei imagens de satélite que
restaurante. Quando ouviu a história, o proprie- revelavam o que existia para lá dos gigantescos
tário disse-nos que havia um caminho alternativo edifícios de mármore – estruturas que os autóc-
até à fronteira. “Posso mostrar-vos”, disse. Pouco tones diziam ser casernas militares e uma longa
depois, eu e ele estávamos a acelerar por um tri- faixa negra de asfalto dirigindo-se para norte,
lho poeirento na moto do homem, comigo atrás. atravessando o planalto tibetano.
Rumando a norte, subimos uma estrada esbura- Não é mera coincidência que o surto constru-
cada aos ziguezagues que nos levou montanha tivo de estradas no Nepal ocorra em simultâneo
cima, para lá de Kora La, a 4.660 metros de alti- com a Iniciativa de Circunvalações e Estradas,
tude. Alguns quilómetros depois da portela, a es- uma colossal campanha de infra-estruturas do
trada terminava abruptamente numa vedação de presidente chinês Xi Jinping, concebida para
arame farpado que se estendia sobre a terra árida expandir a influência económica e política da
até onde a nossa vista conseguia alcançar. China da Ásia Oriental à Europa. Quando estiver
O vento uivava. Um sinal dizia, em inglês: “No concluída, incluirá múltiplas estradas nos Hima-
Parking in the No Man’s Land” [Proibido estacio- laia, mas talvez nenhuma ofereça uma rota mais
nar na Terra-de-Ninguém] e “No Photography” directa para a Índia do que aquela que percorri
[Proibido fotografar]. Alguns turistas nepaleses, desde Katmandu até este local na fronteira.
que também tinham chegado de moto, ignora- A isso acresce, em segundo plano, a descoberta
ram o sinal e tiraram fotografias em redor de um de uma grande jazida de urânio em Mustang, em
pilar de betão que assinalava a fronteira entre o 2014. A China está a construir centrais nucleares
Nepal e a China. Cerca de cem metros atrás da ve- para satisfazer as suas crescentes necessidades
dação, do lado chinês, três edifícios monolíticos e energéticas e cumprir as suas promessas de re-
revestidos com algo que aparentava ser mármore duzir as emissões de carbono. Embora as minas
branco bloqueavam a nossa vista para norte. Di- ainda não tenham aberto, parece lógico que, a de-
versas câmaras de vídeo montadas em postes de terminada altura, o urânio se torne mais um dos
metal estavam apontadas na nossa direcção. tesouros cobiçados de Mustang.

M U S TA N G 81
Na aldeia de Tsarang,
um palácio arruinado
empoleira-se sobre
uma colina com vista
para o desfiladeiro de
Kali Gandaki. Ao fun-
do, erguem-se os picos
do maciço do
Annapurna. Em 2015,
um terramoto grave
danificou esta e outras
estruturas de Mustang.

82 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
M U S TA N G 83
À D I R E I TA

O noviço Ngwang
Phinjo segura um
tesouro do passado de
Mustang. A pintura em
tela, chamada thangka,
retrata uma divindade
segurando a Lua, que
contém a imagem de
um coelho. Possivel-
mente utilizadas para
meditação pessoal ou
instrução monástica,
estas pinturas correm
risco de degradação,
devida à passagem do
tempo e à exposição
aos elementos.

EM BAIXO

Estes bastões e espadas


foram pendurados
numa capela, junta-
mente com uma mão
mumificada e máscaras
de divindades protec-
toras que se opõem à
ignorância, aos intrusos
e ao Mal. Segundo uma
história local, a mão
pertencia a um inimigo
que atacou o reino.

84 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
em Mustang, encon-
N A M I N H A Ú LT I M A M A N H Ã
trei-me com Jigme no seu hotel para tomar o peque-
no-almoço. Enquanto bebíamos café e comíamos
ovos, ele disse-me que tinha algo especial para me
mostrar. À semelhança de muitas pessoas no Mus-
tang, Jigme sentia relutância em partilhar informa-
ção sobre os seus próprios artefactos. Até à data,
disse-me, não deixara ninguém ver os tesouros que
herdara da sua dinastia real.
Levou-me a um local que prometi não revelar.
Abrimos um alçapão de madeira que rangia no
soalho e descemos uma escada tosca. Acendemos
a lanterna dos nossos frontais e segui-o cuidado-
samente até uma divisão sem janelas. Tivemos
de nos agachar para não bater com a cabeça nas
vigas de madeira. O ar estava estagnado e carre-
gado de poeira. Jigme acendeu uma lamparina de
manteiga de iaque e, na escuridão, apareceu uma
fileira de estátuas de bronze, quase em tamanho
real – um panteão de divindades, decoradas com
ouro, prata, turquesas e coral. Brilhavam sob a luz
amarela. Mais adiante, nas sombras, consegui ver
que o resto da sala estava cheio de caixotes de ma-
deira cobertos de pó, como se fossem caixotes de
carga empilhados no porão de um navio.
“Herdei isto tudo”, disse Jigme, acompanhan-
do as palavras com um gesto amplo. “E tenho de
fazer algo grandioso. Estou a mostrar-lho porque
o meu sonho é criar um museu vivo onde possa
exibir estas peças e mantê-las vivas. Depois, um
dia, poderei dá-las aos meus filhos. Mas para isso
é preciso muito dinheiro e eu não o tenho.” Rin-
do-se, acrescentou: “Aquilo de que preciso mes-
mo é de uma máquina de dólares.”
Nessa noite, Jigme convidou-me para jantar Por ora, Jigme pouco podia fazer, excepto rezar
no Royal Mustang Resort. Ao lado da nossa mesa, e ter esperança de, um dia, encontrar uma forma
um aquecedor a propano protegia-nos do frio na de proteger a sua identidade. Talvez a estrada ve-
sala decorada com pinturas tibetanas e fotogra- nha a trazer turistas suficientes para encher o seu
fias da família real, em tonalidades de sépia. hotel e possa tornar-se a máquina de dólares de
Enquanto comíamos, Jigme previu que, den- que ele precisa para preservar os tesouros da fa-
tro de poucos anos, os chineses construiriam um mília. Nada disto parecia incomodá-lo enquanto
pólo empresarial em Kora La, com hotéis de estilo se aproximava das estátuas e inclinava a cabeça
ocidental, casinos e talvez um aeroporto. “O tu- para acender uma segunda lamparina. Enquanto
rismo vai crescer”, disse. E uma expansão do tu- rezava baixinho em tibetano, interroguei-me se
rismo e da indústria pode ser exactamente aquilo ele sentiria o corpo, o discurso e a mente destas
de que Mustang precisa. Contudo, como reconhe- divindades ancestrais fluindo até si.
ceu, essa expansão desencadearia também um Enquanto o pavio crepitava e a chama projecta-
maremoto de influências externas que poderiam va formas escuras nas paredes esfareladas à nos-
absorver aquilo que significa ser Lo-pa: esse era sa volta, pensei neste reino – não apenas nos seus
um risco que todos os Lo-pa com quem falei acha- tesouros históricos, mas também na fascinante
vam ter de aceitar. “Para salvarmos a nossa cultu- grandiosidade da sua paisagem selvagem e na
ra, precisamos do turismo”, disse Jigme. “E para sua quietude apaziguadora da alma. Há aqui tan-
termos turismo, precisamos da estrada.” to para preservar. E ainda mais a perder. j

M U S TA N G 85
Um grupo de oração
de mulheres Lo-pa
idosas reúne-se numa
sala exterior de Jampa
Lhakhang, um templo
de Lo Manthang,
para comer papas
e recitar mantras. Tendo
vivido numa época de
grandes mudanças,
a sua geração poderá
incluir alguns dos
últimos moradores
permanentes de
Mustang.

86 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
M U S TA N G 87
UMA FÁBULA
COM FINAL INCERTO
Na Região Oeste de Portugal,
um projecto privado aposta
em reescrever o final de uma
tragédia anunciada.
A população de lebre-
-ibérica tem sofrido um
acentuado declínio nas
últimas décadas . Em
meados de 2018, foi
detectada uma nova
ameaça: surgiram na
Península Ibérica os
primeiros sinais de que a
mixomatose estava pela
primeira vez a atacar
a espécie e a provocar
elevada mortalidade.

89
As doenças que dizimam
as populações de
leporídeos (coelhos e
lebres) na Península Ibérica
influenciam a cadeia
trófica, principalmente os
carnívoros especialistas e
as rapinas que dependem
destas espécies para
se alimentarem.
O caso mais mediático
é o do lince-ibérico.
TEXTO E FOTOGRAFIAS DE

RICARDO LOURENÇO

Esta história começa, de certa forma, na


Austrália em meados do século XIX, quando
o colono inglês Thomas Austin libertou na
ilha de Wardang 26 coelhos europeus.
A iniciativa tinha, de acordo com Austin, o As autoridades australianas não imaginavam
objectivo de fornecer à população autóctone o problema gigantesco então criado. Dois anos
mais uma presa para caçarem. De forma inevi- mais tarde, em 1952, Paul-Félix Armand-Delille,
tável, esses 26 coelhos reproduziram-se e, poucas físico, professor e bacteriologista francês, liber-
décadas mais tarde, já tinham gerado milhões de tou, de forma ilegal, dois coelhos infectados com
descendentes, tornando-se uma praga incontro- o myxoma virus na sua propriedade perto de Paris.
lável que dizimava plantações e culturas. Foi a segunda irresponsabilidade desta saga. Em
Preocupadas com as perdas, em 1950, as auto- poucos meses, a doença ultrapassou os muros da
ridades tomaram a decisão drástica de libertar sua propriedade, exterminando aproximadamente
o myxoma virus (o agente etiológico da mixo- 90% da população de coelho-bravo em França.
matose) entre as populações de coelhos para A partir daí, sem qualquer fronteira física, a
controlar as suas populações. O vírus tinha sido doença espalhou-se pela Europa, dizimando
detectado pela primeira vez num coelho-euro- as populações deste lagomorfo e influenciando
peu no ano de 1896, num laboratório uruguaio. indirectamente a cadeia trófica que depende dele
Contudo, foi na Austrália que o mesmo foi liber- para se alimentar. Na Península Ibérica, predado-
tado na natureza e o efeito excedeu largamente o res como o lince e a águia-imperial entraram em
que se pretendia. Estima-se que nos três meses declínio e aproximaram-se daquilo que parecia ser
seguintes à libertação do vírus, 99,8% dos ani- uma inevitável extinção. Outros carnívoros, mais
mais (ou seja, centenas de milhões de coelhos) versáteis, passaram a depender de outras presas
morreram, vítimas da doença. Do ponto de vista em que se incluíam as lebres. Nas sete décadas que
económico, foi um verdadeiro sucesso mas, do se seguiram, a taxa de mortalidade provocada pela
ponto de vista da conservação, abrira-se a caixa mixomatose tem vindo a regredir, resultante de
de Pandora. uma coadpatação ou coevolução entre o vírus e o

92 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
hospedeiro que permitiu salvar algumas populações Na cidade romana de Conímbriga, um dos
na Península Ibérica. Mas a natureza encontra sem- mosaicos celebra a ligação ancestral do caçador e
da lebre (à esquerda). No CRLI, está a ser optimi-
pre forma de surpreender. E o vírus adaptou-se… zada uma técnica de electroejaculação que permite
recolher sémen para análise e verificar a viabilidade
EM JULHO DE 2018, um incidente no Sul e Centro futura da inseminação artificial.
de Espanha despertou a preocupação dos investi-
gadores. A descoberta de exemplares de lebre-ibé-
rica mortos ou moribundos lançou o alerta: após um novo desafio, agravado pela circunstância de
exames laboratoriais, confirmou-se a mixomatose. não existirem dados científicos actualizados sobre
Até então, a doença permanecia inócua nas lebres- a população da espécie. “A percepção daqueles
-ibéricas, mas antevia-se a possibilidade de uma que lidam com o animal é unânime”, explica
mutação atingir esta espécie. Sintomas como a o médico veterinário Fábio Abade dos Santos.
fraqueza extrema, a cegueira e a desorientação “Nas últimas décadas, o efectivo populacional
afectavam agora a lebre, provocando a morte de tem decrescido substancialmente.”
aproximadamente 60% dos espécimes infectados. Além das doenças e da pressão causada pela
Com notável rapidez, a investigação veterinária caça, as principais razões para esse decréscimo
comprovou que a emergência da mixomatose na estão relacionadas com a fragmentação e altera-
lebre-ibérica resulta de um myxoma virus natural- ção do habitat, em grande parte promovida pela
mente recombinante (ha-MYXV). Em Outubro de mudança das práticas agrícolas com ênfase no Sul
2018, foram identificados em Évora os primeiros do país. “O habitat preferido da lebre-ibérica foi
dois casos em território português e percebeu-se transformado no espaço de uma geração”, acres-
rapidamente que a lebre-ibérica, uma das seis centa o especialista. Seria ingénuo imaginar que
espécies de lebre presentes na Europa, enfrentava tal não produziria efeitos na sua conservação.

HUGO MARQUES (À ESQUERDA);


CENTRO DE REPRODUÇÃO DA LEBRE-IBÉRICA (EM CIMA) LEBRE-IBÉRICA 93
OS DESTINOS de Fábio Abade dos Santos e Sebas-
tião Miguel, experiente gestor cinegético, só se
cruzaram no momento em que Fábio, na prepara-
ção da sua dissertação de mestrado sobre a doença
hemorrágica no coelho-bravo, desenvolveu con-
tactos com agentes no terreno que tinham uma
percepção da situação da espécie no seu habitat.
Encontrou em Sebastião um conhecedor pro-
fundo da crise que varria como um tornado o
efectivo das populações de coelhos e lebres na
Península Ibérica. As autoridades demoraram a
reagir, mas os gestores cinegéticos perceberam
que o sector estaria em risco se não se agisse.
Em finais de 2018, nasceu a ideia de desenvol-
verem esforços para tentar salvar a lebre, a prota-
gonista desta história. Fizeram-no de certo modo
substituindo o papel das autoridades públicas e,
quatro anos depois, mantêm o empreendimento
que lhes consumiu milhares de horas de trabalho
e de euros – o Centro de Reprodução de Lebre-
-Ibérica (CRLI), único em Portugal e talvez ímpar
no mundo com estas características. Injectaram os
seus próprios recursos na ideia e não escondem a
natureza privada do projecto, que visa também ven-
der animais viáveis a gestores de reservas de caça.
Para Fábio Abade dos Santos, o aparecimento da
mixomatose na espécie acelerou uma tendência
decrescente das populações. Foi a última gota num
copo que já estava a encher. “Caminha-se a passos
largos para uma extinção funcional da espécie, ou
seja, para a perda de função na cadeia trófica, o que
relega a espécie para um papel quase irrelevante
nos ecossistemas que ocupa”, explica o especialista.
Discreto, sem tabuletas nem outras orientações
de trânsito pois não se trata de um centro de visita,
o CRLI foi implantado na Região Oeste e tem, além
da criação de lebres para proceder a repovoamento
na natureza, o objectivo de criar condições para
que se possa estudar de forma rigorosa a ecologia
da espécie e a eficácia da vacinação. Do ponto de
vista de conhecimento, o projecto partiu quase do
zero. Nunca se tentara tamanho empreendimento
nem se conheciam os dados básicos da ecologia
do animal. Não se sabia como reagiriam as lebres
a um espaço fechado por redes, nem como coabi-
tariam em grupos. Como pioneiros da coloniza-
ção, conduziu-se uma experiência em tempo real.
Ninguém sabia o que aconteceria.

As crias nascem com pêlo e prontas a caminhar.


Poucas horas depois do parto, afastam-se
da progenitora e irmãos, aumentando a
probabilidade de sobrevivência da prole.
Tudo começou no campo. Com apoio de
voluntários e amigos, a equipa fundadora rea-
lizou campanhas de captura de animais. “Foi
doloroso verificar que as nossas expectativas
estavam certas”, conta Fábio Abade dos Santos.
“Em algumas saídas nocturnas, quase não apa-
nhávamos exemplares, o que diz bem da degra-
dação da população selvagem.” Cada indivíduo
foi rigorosamente testado. O pior que poderia
acontecer era introduzir no núcleo fundador do
CRLI um animal doente que pudesse contami-
nar todo o lote. Agora, o nervosismo dos primei-
ros meses já se dissipou.

com um avultado investimento


O C R L I C O N TA
em sistemas de monitorização. Ao longo do cer-
cado de cerca de um hectare, sistemas de vídeo
monitorizam todos os movimentos, não só dos
animais, mas também da fauna que ronda a
região rural e também dos seres humanos que
cultivam as vinhas contíguas. A temperatura e
a humidade são cuidadosamente ajustadas por
computadores. Os alimentadores e os bebedou-
ros estão automatizados para dispensar quan-
tidades predefinidas a cada animal e a própria
composição das rações foi estudada com pre-
cisão, sem se pouparem despesas.
Além deste aparato tecnológico, existe ainda
um conjunto de equipamentos que permite a
desparasitação regular e a intervenção médico-
-veterinária para apurar o estado de saúde de cada
indivíduo. Com frequência, Fábio ou Sebastião uma das suas defesas. Estes sprinters correm ao
realizam capturas e manuseiam as lebres que, ape- longo dos cercados tal como em liberdade, atin-
sar do seu proverbial nervosismo, se habituaram a gindo 70 km/h. São o mamífero mais rápido da
estes cuidados de saúde personalizados. Europa e um dos mais velozes do mundo. A esta
Cada morte exige uma necrópsia para apurar velocidade, qualquer embate numa vedação
as causas e despistar a presença do temível vírus, pode provocar lesões graves ou fatais, resultando
mas a mortalidade no CRLI é baixa e este tipo na fractura das vértebras lombares e laceração
de intervenções é raro. O cercado é amplo, bem da medula espinal.
vedado e tranquilo, longe de olhares indiscretos Na verdade, o simples manuseamento do
que poderiam assustar os sessenta animais que animal pode ser fatal. Para preparar os leporí-
constituem o núcleo reprodutor, bem como as deos nas condições mais semelhantes às que as
crias de número variável ao longo do ano. O alí- esperam em liberdade, o cercado foi desenhado
vio do stress nos animais é, segundo Fábio Abade de forma a que o contacto com presas e preda-
dos Santos, uma das principais preocupações, dores as familiarize com o que encontrarão na
tendo em conta que as lebres são animais enérgi- natureza. Além disso, a alimentação dos animais
cos e assustadiços e qualquer perturbação pode é preparada, não só para fornecer os nutrien-
provocar uma fuga desenfreada, levando-as a tes que cada animal precisa tendo em conta os
investir contra as vedações. ciclos reprodutivos, mas também para simular
Proporcional e comparativamente aos coe- a sazonalidade das culturas que encontrarão em
lhos-bravos, as lebres-ibéricas têm um esqueleto liberdade. Como tal, dependendo da época do
muito mais leve e um coração maior, caracte- ano, as lebres comem milho, aveia, trigo, centeio
rísticas dos mamíferos que fazem da corrida ou girassol.

96 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
À ESQUERDA

O CRLI é constituído
por vários cercados
distribuídos por um
hectare. O espaço foi
construído para ter o
mínimo de perturbação
possível e ser amplo
para que os animais
possam circular à
vontade.

EM BAIXO

Fábio Abade dos


Santos (à esquerda) e
Sebastião Miguel são
os protagonistas desta
história. A paixão pela
lebre-ibérica juntou-os
e ambos criaram o
Centro de Reprodução
de Lebre-ibérica, na
Região Oeste.

LEBRE-IBÉRICA 97
98 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
A lebre-ibérica tem no mimetismo e na corrida as centro uma das últimas esperanças de repovoa-
suas principais defesas. Embora subestimado por mento de uma espécie que nos habituámos a ver
raramente ser avistado “em acção”, este mamífero
pode atingir 70km/h. É o mais rápido da Europa presente nas fábulas infantis, mas que colapsa
e um dos mais velozes do mundo. discreta e silenciosamente na natureza.
Por outro lado, os animais que se continuam
a reproduzir-se no CRLI têm servido para os
A reprodução tem sido um sucesso, embora investigadores perceberem o comportamento da
inicialmente existissem reservas, tendo em espécie em cativeiro, preenchendo uma lacuna
conta que no mesmo cercado coabitam várias científica. Alguns estudos estão a ser desenvolvi-
fêmeas e vários machos. Conhecendo a ecologia dos, como o caso da optimização de uma técnica
da espécie e sabendo que a lebre-ibérica é um de electroejaculação, recém-ensaiada para reco-
animal solitário e territorial, os machos pode- lher e caracterizar o sémen de Lepus granatensis
riam ser pouco tolerantes à presença de rivais. e perceber a sua viabilidade para utilização em
Os testemunhos da luta entre dois machos inseminação artificial.
de lebre-ibérica na natureza assemelham-se a No CRLI, também se cria coelho-bravo que
uma luta entre dois pugilistas, distinguindo-se na sua essência enfrenta desafios semelhantes
pelo facto de, no caso dos leporídeos, as lutas ao da lebre-ibérica. Está em curso na Península
poderem ser mais selvagens e violentas. Há até Ibérica até 2024 o Projecto LIFE Iberconejo, que
relatos de machos que arrancam os testículos do procura averiguar o estado de saúde das popu-
adversário à dentada. No CRLI, até ao momento, lações de coelhos na Península Ibérica e os
o ambiente é bem mais tranquilo e as câmaras de danos que eventualmente causam à agricultura.
vigilância certificam que nunca se verificaram A ideia é reunir as melhores práticas regionais de
lutas tão dramáticas como essas. gestão para a promoção das populações e para a
A opção de juntar um número maior de machos redução dos danos por elas causados. Todos os
no mesmo cercado teve o propósito claro de esforços – públicos e privados – ajudarão.
estudar o rácio adequado de fêmeas/macho com O futuro é incerto e as perspectivas pouco
vista a maximizar o sucesso reprodutor. Fábio animadoras. A ciência, que actua consciente
e Sebastião acreditam que a existência de um da importância do seu papel e da celeridade e
maior número de machos promove uma escolha eficácia que lhe são exigidas, tem dificuldade em
mais criteriosa por parte das fêmeas em relação fazer sentir este carácter emergente na actua-
aos machos mais aptos, tendo em conta as suas ção junto da opinião pública, tendo em conta
características fenotípicas e comportamentais. que a lebre não é o lince, o lobo ou a águia, que
Uma das características das lebres é precisa- mobilizam grupos cívicos e cuja história é mais
mente o facto de não fazerem tocas, vivendo a fácil de contar.
céu aberto. Essa estratégia torna-as aptas para a Entramos, porém, numa nova era – a da tec-
sobrevivência nos primeiros instantes de vida, nologia ao serviço da conservação. Actualmente,
mas também as deixa mais expostas a predado- estão a ser desenvolvidos esforços para a criação
res. As crias nascem com aproximadamente 70 de equipamentos para a vacinação no terreno
gramas e já com pêlo. Como são animais nidí- com recurso à inteligência artificial. Existe tam-
fugos, nascem com plenas faculdades de loco- bém um modelo já testado de comedouros equi-
moção e afastam-se rapidamente do sítio onde pados com um sistema de inteligência artificial
nasceram e dos seus irmãos. capaz de distinguir lebres e coelhos e de os vaci-
nar por aerosol quando estes se acerquem para
até Novembro de 2022,
D E S D E A C R I AÇ ÃO D O C R L I comer. Outras ideias estão em curso.
nasceram no centro 94 lebres. No Verão passado, Mas será que vamos a tempo? Para Fábio
foram libertados os primeiros vinte exemplares Abade dos Santos e Sebastião Miguel, o desafio
em Évora com o objectivo de reforçar a população é o combustível para um objectivo comum: sal-
rarefeita. Os responsáveis do projecto esperam var a lebre-ibérica. Fazendo fé nas palavras do
que o interesse dos privados, dos gestores de naturalista e escritor britânico, John Coulson
parques naturais ou outras áreas protegidas cresça Tregarthen no início da sua obra “The Story of
à medida que as populações em estado selvagem a Hare” (1912), “embora poucos animais tenham
diminuem. É uma expectativa dramática de que mais inimigos do que a lebre, talvez nenhum seja
a lei da oferta e da procura venha a tornar este mais dotado de instintos para os enganar”. j

LEBRE-IBÉRICA 99
N OTAS | DIÁRIO DE UMA FOTÓGRAFA

ESTUDO
E RECREIO
AO D O C UM E N TA R A S E X P E R I Ê N C I A S
DE RAPARIGAS QUE DECORAM
O ALCORÃO, UMA FOTÓGRAFA
C E L E B R A A V I DA E R E V I S I TA A S UA
PRÓPRIA JUVENTUDE.

TEXTO E FOTOGRAFIAS DE
SABIHA ÇIMEN

Numa escola corânica


em Istambul, na Turquia,
uma aluna chamada Zeynep
e uma colega de turma
aproveitam um intervalo
no estudo para se
fotografarem reciproca-
mente debaixo de
uma laranjeira.
Na sua juventude,
a fotógrafa frequentou
uma escola parecida.

100 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
101
102 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Uma aluna faz um
auto-retrato durante uma
visita ao Parque Ada, no
bairro de Bayrampasa. Mais
tarde, agrupou as várias
fotografias captadas ao
longo do dia e partilhou-as
numa história do Instagram.

ESTUDO E RECREIO 103


104 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
N O T O P O,
À ESQUERDA
No âmbito das suas
tarefas, uma aluna
escolhe limões na sala
de jantar da sua escola,
em Kars, uma cidade do
Nordeste da Turquia.

E M B A I X O,
À ESQUERDA
Nessa mesma escola,
uma rapariga chamada
Reyyan colhe tomate
para as cozinheiras.
As alunas participam
nestas tarefas durante
o período menstrual,
altura em que, na
opinião de alguns
muçulmanos, não devem
tocar no Alcorão.

À ESQUERDA
No pátio de uma
escola de Istambul,
Aslihan e uma amiga
divertem-se com
uma máscara de gorila.
Mais tarde, as duas
atravessaram os salões
a correr para assustar
as colegas.

105
N OTAS | DIÁRIO DE UMA FOTÓGRAFA

I N S P I R A N D O - S E N A S U A P R Ó P R I A J U V E N T U D E , U M A F O T Ó G R A F A R E V E L A A S M Ú LT I P L A S
FAC E TA S DA A D O L E S C Ê N C I A D E U M A R A PA R I G A M O L DA DA P E LO A LC O R ÃO.

eu e a minha irmã gémea iniciá-


AO S 1 2 A N O S , mas também a maneira como as raparigas preser-
mos um tipo especial de formação. Durante três vam a natureza essencial da adolescência. Tinha
anos, frequentámos uma escola corânica para esperanças de criar uma perspectiva matizada de
raparigas na nossa cidade natal: Istambul. Essa um segmento da sociedade raramente observado
experiência marcou-me para sempre. Mais tar- e frequentemente mal compreendido.
de, quando me tornei fotógrafa, percebi que A partir de vislumbres do quotidiano, começou
tinha de regressar a essa memória , munida da a emergir uma narrativa emocional. É uma repor-
minha câmara Hasselblad. tagem sobre estas jovens mulheres, bem como
No âmbito deste projecto, visitei a minha escola sobre as recordações que trago comigo. Todas nós
e outras na Turquia, onde raparigas dos 8 aos aos descobrimos uma força oculta que nos permite
19 anos passam quatro anos tentando memorizar agir através de pequenas formas de resistência
a totalidade das 604 páginas do texto sagrado mu- até encontrarmos a nossa individualidade.
çulmano. Alguns destes colégios internos dispo- O resultado final, um livro intitulado “Hafiz”,
nibilizam aulas laicas, mas centram-se principal- é a minha homenagem nostálgica a essas rapari-
mente na aprendizagem do Alcorão, uma prática gas e à minha própria juventude. Este projecto foi
tradicional que remonta aos tempos de Maomé. também uma jornada. Graças a ela, sinto que os
Quis documentar não só a disciplina exigida até sujeitos da minha fotografia se tornaram também
uma aluna se tornar hafiz (aquela que recorda), minhas irmãs. j

Durante um piquenique da escola corânica, um avião sobrevoa um grupo de


alunas que, com os lenços soprados pelo vento, parecem prontas a levantar voo.

106 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
INSTINTO BÁSICO | E X P L O R E

H A B I TAT/ R E G I Ã O

QUANDO ELA ATRAI UM,


Os caranguejos-ferradura-
-americanos encontram-se
da costa de Nova Inglaterra
até ao México. Apesar

E OUTRO, E OUTRO E...


do nome, a espécie
está mais próxima dos
escorpiões e aranhas do
que dos caranguejos e ali-
menta-se principalmente
de vermes e moluscos.
na baía de Delaware e os caranguejos-ferradu-
E S TÁ M A R É A LTA
OUTROS FACTOS
ra-americanos (Limulus polyphemus) sobem a terra para acasalar.
Empresas farmacêuticas cap-
Para este artrópode, os encontros para acasalamento são um assunto turam anualmente cerca de
de grupo: uma fêmea, um macho e muitos machos seguidores. 500 mil caranguejos-ferra-
Um macho que procura acasalar utiliza as patas dianteiras em dura e retiram uma parte do
seu sangue azul sensível a
forma de luva de boxe para agarrar o abdómen de uma fêmea e toxinas para utilizar em tes-
apanhar boleia através da rebentação. Deste modo, está pronto para tes de segurança em labora-
contribuir com esperma assim que a fêmea começar a colocar os ovos tório, nomeadamente para
vacinas contra a COVID-19.
na areia. No entanto, “há muita competição na praia”, diz Jordan A maioria é devolvida à
Zimmerman, biólogo especialista da Agência de Recursos Naturais água, mas estima-se que
do Delaware. Por razões ainda desconhecidas, algumas fêmeas são 15 a 30% não sobrevivam.
tão atractivas que, mesmo que já estejam “comprometidas”, são Apesar da aparência, estes
procuradas por outros machos. animais não picam. A sua
Com os machos numa pilha poliamorosa, a fêmea liberta os seus cauda ajuda-os a navegar e
a endireitar-se quando ficam
ovos. O macho preso deposita o esperma e os restantes “saltam” para virados de costas. O biólogo
depositar também o seu, diz o biólogo. Esta técnica de “esperar nos Jordan Zimmerman pede
bastidores” pode ser surpreendentemente eficaz: testes de paterni- que quem encontre um
em posição invertida o
dade mostraram que os machos-satélites por vezes são responsáveis coloque na posição correcta.
por tantos “filhos” como o macho preso à fêmea. O acasalamento é
uma batalha e, depois da desova, as aves marinhas famintas compe- Caranguejos-ferradura
acasalam na costa da
tem pelos ovos fertilizados. No entanto, após 450 milhões de anos, baía do rio Delaware que
o L. polyphemus ainda está por cá. — D I N A F I N E M A RO N faz parte de Nova Jersey.

FOTOGRAFIAS DE HELMUT CORNELI, ALAMY STOCK PHOTO


N AT I O N A L G E O G R A P H I C | NA TELEVISÃO

Alasca: A Nova Geração 5


E S T R E I A : 2 7 D E J A N E I RO, À S 2 2 H 1 0

“Alasca: A Nova Geração” regressa ao canal Natio-


nal Geographic numa nova temporada. Os prota-
gonistas tentam sobreviver a temperaturas
extremas e preparam-se para um novo Inverno.
Com a descida das temperaturas, resistem às adver-
sidades da estação para armazenar os últimos
recursos disponíveis, mas a inclemência dos ele-
História: As partes giras mentos ameaça a sua força física e mental, enquanto
E S T R E I A : 2 D E J A N E I R O, À S 2 2 H 1 0 tentam proteger o futuro do seu estilo de vida. Sem
carne para se alimentar, Johnny Rolfe procura renas
Esta série recorre à animação e à informação na região e Kaleb Rowland ensina técnicas de
disponível em arquivos para explorar numa sobrevivência ao filho apesar do nevão que se faz
perspectiva original eventos históricos
sentir. Uma caçada aos alces no Inverno sofre uma
frequentemente omissos. Os acontecimentos
engraçados, perturbadores e estranhos, muitas reviravolta inesperada para os Roach, enquanto
vezes ausentes da historiografia, revelam-se Chris e Jessi Morse trabalham arduamente para
por vezes os mais interessantes da história. retirar água do rio Cosna, que está congelado.

Como Mesmo durante uma pandemia, o tráfico nunca


Apanhar um pára. Agora, com as viagens internacionais de
Traficante 4 novo retomadas nos aeroportos do país, o
Departamento de Segurança Interna dos EUA
ESTREIA: 24 DE redobra esforços e fará de tudo para capturar
J A N E I R O, À S 2 2 H 1 0 os traficantes mais ousados.

NATIONAL GEOGRAPHIC (NO TOPO E EM BAIXO)


CURIOSITY STREAM (AO CENTRO)
Wild & Wired
E M I S S ÃO : D O M I N G O S , À S 1 7 H

O especial “Wild and Weird” é constituído por epi-


sódios e documentários que mostram as espécies
mais incríveis e peculiares do reino animal. Neste
especial, apresentamos os melhores exemplos de
comportamentos extravagantes e insólitos. Fazem
parte desta programação “Madagascar’s Weirdest

Magic of Disney’s Compilation”, que mostra criaturas animais bizar-


ras que não se encontram em nenhum outro lugar
Animal Kingdom do mundo; “South America’s Weirdest Animals
Compilation”, uma compilação dos animais únicos
7 D E J A N E I RO, À S 1 7 H
da América do Sul e “World’s Weirdest: Freaky
Este documentário oferece acesso directo Families Compilation” que revela as criaturas mais
aos bastidores do Parque Temático Disney’s
peculiares do mundo e as suas dinâmicas familia-
Animal Kingdom e ao The Seas, com Nemo
e Amigos. Em EPCOT, revelam-se os especialistas res. A programação especial apresenta ainda os
em cuidado animal e o modo como criam comportamentos dos animais mais estranhos e
laços extraordinários com todas as criaturas. com reacções “de outro mundo”.

Cesar Millan: Cesar Millan está de volta para reabilitar cães e


Better Human, treinar as suas famílias adoptivas humanas. O seu
Better Dog optimismo, a sua atitude dinâmica e as transforma-
ções reconfortantes fazem-nos sentir capazes de
ESTREIA: 6 DE superar todos os obstáculos... a começar pelos que
J A N E I R O, À S 1 7 H envolvem os nossos amigos de quatro patas!

NATURAL HISTORY NEW ZEALAND LTD. (NO TOPO)


NATIONAL GEOGRAPHIC (AO CENTRO E EM BAIXO)
P R Ó X I M O N Ú M E R O | FEVEREIRO 2023

Viagem
ao Cretácico
Uma jazida espanhola,
próxima de Cuenca,
transporta-nos para
uma das maiores
explosões de vida
terrestre de sempre.

Quando a
magia se funde
As grutas de gelo
perene dos Alpes são
uma das maravilhas
do planeta, um mundo
oculto ameaçado
pelas subida das
temperaturas.

O regresso
das lontras
As lontras recuperam
em algumas regiões
costeiras do Oeste dos
Estados Unidos,embora
sejam motivo de forte
controvérsia com as
comunidades piscatórias.

O passado inspira
novas soluções
No Norte de África e no
Próximo Oriente, os
arquitectos recuperam
velhos materiais
de construção do
passado para superar
o calor do futuro.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C JAVIER LOBÓN ROVIRA


DOSSIERS COSMO V I AG E N S

H I S TÓ R I A FI LO S O FI A

GRANDES GRANDES
P E R S O N AG E N S C U LT U R A MU LH E R E S
Plaza de España | Sevilla Mais propostas culturais cheias de alegria em andalucia.org

NESTE OUTONO VENHA À ANDALUZIA

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