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F . A. G A R C E Z TEJXE1RA.

CONTRIBUigÓES PARA A HISTORIA DAS ARTES


EM PORTUGAL

IV

A ANTIGA SINAGOGA
DE

TOMAR
2. a EDICÁO

LISBOA
T I P O G R A F I A DO COMERCIO
Rúa da Olíveira, aoCarmo,8
1925
F. A. GARCEZ TE1XEIRA

CONTRIBUICÓES PARA A HISTORIA DAS ARTES


EM PORTUGAL

IV

A A N T I G A SINAGOGA
DE

TOMAR
2.» EDICÁO
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A A N T I C A S I N A G O G A DE T O M A R
Tiragem de 200 exemplares, dosauais éste, que tem on.

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7‫׳‬ *
F . A. G A R C E Z TEJXE1RA.

CONTRIBUigÓES PARA A HISTORIA DAS ARTES


EM PORTUGAL

IV

A ANTIGA SINAGOGA
DE

TOMAR
2. a EDICÁO

LISBOA
T I P O G R A F I A DO COMERCIO
Rúa da Olíveira, aoCarmo,8
1925
tìer JudeEÍirigj)
Frukftiít a. M.
A ANTIGA SINAGOGA DE TOMAR

Ainda até ha poucos anos, o nosso servico oficial dos m o n u m e n t o s


seguiu o critèrio, b e m pouco justificável, de só classificar corno mo-
n u m e n t o s nacionais os ímóveis que c o n s e g u i a m , pela m a g e s t a d e ar-
quitetónica, i m p r e s s i o n a r os vogais do C o n s e l h o de M o n u m e n t o s .
A s s i m , até à g r a n d e classificafáo de 1910, todo P o r t u g a l possuia
a p e n a s 16 m o n u m e n t o s classificados : — o t e m p l o r o m a n o de E v o r a ;
as sés da G u a r d a , de L i s b o a e de E v o r a ; os m o s t e i r o s de S. C r u z ,
da B a t a l h a , de A l c o b a c a , de C r i s t o e de B e l é m ; as basílicas de M a f r a
e da E s t r é l a ; a igreja da Sé Velha de C o i m b r a ; as v e n e r a n d a s r u i n a s
da igreja do C a r m o ; os castelos de G u i m a r á e s e de E l v a s ; e a
T ó r r e de Belém. N a d a m a i s se encontrou no país digno de ser con-
servado p a r a gloria do p a s s a d o ou p a r a alimento espiritual dos sábios
ou dos estudiosos.
F e l i z m e n t e , a g r a n d e classificafáo de 16 de J u n h o de 1910 veio
m o s t r a r já urna nova e m a i s justa o r i e n t a f á o , e as C o m i s s ó e s de Mo-
n u m e n t o s — pelo m e n o s a da 1.» C i r c u n s c r i b o à qual m e h o n r o ter
pertencido c o m o r e p r e s e n t a n t e da A s s o c i a r l o dos A r q u e ó l o g o s P o r -
t u g u e s e s — n a o só continuaram a seguir a m e s m a o r i e n t a d o , c o m o
a a l a r g a r a m f a z e n d o classificar muitos imóveis que forgoso era p e r -
servar de u m a infalível d e s t r u i f á o .
E ' de u m déstes m o d e s t o s m o n u m e n t o s que me venlio aqui o c u p a r .

N i n g u é m ignora hoje as p e r s e g u i f ó e s religiosas táo t r i s t e m e n t e


célebres na historia da h u m a n i d a d e , e até da d e s u m a n i d a d e , que
o b s c u r e c e r a m a H i s t o r i a P o r t u g u e s a no c o m e t o da idade m o d e r n a ,
aliás táo gloriosa sob outros pontos de vista. A p e n a s aqui as reme-
m o r a r e i p a r a justificar a importancia do m o n u m e n t o de que m e vou
ocupar.
6

Iniciada a p e r s e g u i d l o dos j u d e u s , t o r n a d a o b r i g a t ó r i a a s u a con-


v e r s á o ao catolicismo oficial, tratou-se de fazer d e s a p a r e c e r t u d o
q u a n t o , de p e r t o ou de l o n g e , aludisse ao p o v o h e b r e u e à sua religiáo.
E ' assim q u e as c h a m a s c o n s u m i r a m a s u a vasta literatura scientifica,
tSo i n t e r e s s a n t e e valiosa. E ' assim q u e , s e m aquele respeito pela
m o r t e q u e é a p a n á g i o até do m u i t o s irracionais, se a r r a n c a r a m as
lapides sepulcrais dos cemitérios dos judeus p a r a s e r v i r e m n a s alve-
n a r i a s de diversas e d i f i c a r e s , revoltante e x e m p l o poucos anos depois
seguido pelo rei p i e d o s o q u e , p a r a se f a z e r e m as p a r e d e s das inesté-
ticas c a p e l a s de S . t a M a r i a do O l i v a l , em T o m a r , m a n d o u partir a
c a m a r t e l o os m o i m e n t o s dos M e s t r e s do T e m p l o , d é s s e s patrióticos
f r e i r e s q u e c o m o seu valor e o seu s a n g u e a j u d a r a m a consolidar
a nossa n a c i o n a l i d a d e .
Dos t e m p l o s h e b r a i c o s , os que n a o f o r a m destinados a p r e m i a r a
delaccáo e a a d u l a d o , f o r a m t r a n s f o r m a d o s e m t e m p l o s católicos, ou
destruidos.
D a q u i se pode inferir o valor q u e a p r e s e n t a m p a r a o investigador
os poucos m o n u m e n t o s h e b r a i c o s que c o n s e g u i r a m chegar aos nossos
dias.
Das n o s s a s antigas i n s c r i b e s h e b r a i c a s a p e n a s hoje existem sete,
e s a o : a da S i n a g o g a de B e l m o n t e , no m u s e u de C a s t e l o B r a n c o
a de u m a das S i n a g o g a s de L i s b o a , e um f r a g m e n t o de urna l à p i d e
sepulcral, no m u s e u de E v o r a ; no cemitério de F a r o , urna làpide
s e p u l c r a l ; e finalmente, a inscriqáo da S i n a g o g a do P o r t o e d u a s
lapides sepulcrais de E s p i c h e , q u e o m u s e u da A.ssoc¡a9áo dos A r -
queólogos P o r t u g u e s e s se h o n r a de possuir. De todas elas publicou
o m e u sábio colega sr. S a m u e l S c h w a r z u m e s t u d o exaustivo no i. 0
volume da * A r q u e o l o g í a e H i s t o r i a » .
O s antigos t e m p l o s h e b r a i c o s ainda mais r a r o s sao, pois que a l g u m
que escapou d a q u e l a calamitosa é p o c a , o t e m p o se e n c a r r e g o u de
d e s t r u i r , ou o h o m e m de t r a n s f o r m a r , d e s n a t u r a n d o ‫ ־‬o de tal f o r m a
q u e o t o r n o u a b s o l u t a m e n t e incaracterístico e irreconhecível. D e s t a
m a n e i r a , talvez que a Sinagoga de T o m a r de que aqui v e n h o dizer
a l g u m a s p a l a v r a s , seja o único t e m p l o h e b r a i c o anterior ao século
p a s s a d o , que nos r e s t a s e m a d u l t e r a d l o ou ruina sensível.
C o m p r e h e n d e - s e , p o r t a n t o , que seja g r a n d e o valor histórico do
m o d e s t o edificio, e q u e a c e r t a d a m e n t e andou a C o m i s s á o de Monu-
mentos do Conselho de A r t e e A r q u e o l o g í a da 1. a Circunscri^áo pro-
‫ד‬

p o n d o a sua classificafáo c o m o m o n u m e n t o n a c i o n a l , efectivada p o r


d e c r e t o de 29 de Julho de 1921, assim c o m o p a t r i ó t i c a m e n t e p r o c e d e u
o m e u ilustre colega sr. S c h w a r z , a d q u i r i n d o - o , afim de o r e p a r a r e
conservar.

K1G. I — PLANTA GERAL — ESCALA " , 1 !

Justificada assim a razáo da p u b l i c a d o desta m o d e s t a m o n o g r a f i a ,


c o m e f a r e i por fazer urna d e s c r i v o g e r a l e s u m á r i a do edificio. A
sua planta c o m o se vé na fig. 1, ¿ r e c t a n g u l a r , m e d i n d o i n t e r i o r m e n t e
9™,50 de f u n d o por 8 m ,2b de largo. A : h a - s e situado no locai sul d a R u a
de J o a q u i m Jacinto na cidade de T o m a r , e p o r t a n t o c o m sua f a c h a d a
principal voltada ao norte. Urna única porta l a d e a d a por d u a s jane-
las g r a d e a d a s dà serventía s o b r e a r ú a . A m i g a m e n t e teve comunica.
qSo interior com o p r è d i o contiguo do lado n a s c e n t e .
N a p a r e d e do f u n d o , e m f r e n t e da p o r t a , ha d u a s janelas, urna
sobre a o u t r a . A l g u m a s f r e s t a s no alto das p a r e d e s , urna das quais
agora d e s e n t a i p a d a , serviam m a i s p a r a a r e j a m e n t o , do que p a r a ilu-
mina^áo.
T e m a p e n a s u m único p a v i m e n t o cujo solo devia estar ao nivel
da rúa, m a s que hoje se acha uns 0 m ,50 abaixo do nivel déla, em
virtude da elevacáo do p a v i m e n t o d e s t a .
8

A c o b e r t u r a é constituida por nove a b ó b a d a s de a r e s t a , a meia


vez de tijolo, g e r a d a s por seis b e r j o s , très longitudinais e t r é s t r a n s -
versáis, apoiando‫־‬se ñas p a r e d e s e em q u a t r o c o l u n a s de cantaría.
A fig. 1 dà urna i m p e r f e i t a idea do c o n j u n t o p o r q u e , pelas p e -
quenas dimensoes horizontais
r e l a t i v a m e n t e ás verticais, só com
urna objectiva especial se p o d e -
ria o b t e r u m cliché m a i s iluci-
dativo. E m todo o caso, m o s t r a
p a r t e de d u a s d a s colunas e o
langamento das abóbadas.
U m telhado de telha m o u r i s -
ca r e s g u a r d a e x t e r i o r m e n t e as
abóbadas.
E i s a d e s c t i c á o g e r a l do mo-
desto monumento.

Antes de e n t r a r no seu estu-


do d e t a l b a d o , p r o c u r a r e ¡ justifi-
car p o r q u e a p r e s e n t o éste edifí-
ció c o m o a velha sinagoga de
Tomar.
N e n h u m d o c u m e n t o encontrei
nos a r q u i v o s da cidade q u e in-
discutivelmente servissedeprova
de 1er sido sinagoga o edificio de que m e ocupo. N a o é isso, p o r é m ,
de a d m i r a r , a t e n d e n d o às faltas que nèles se n o t a m e ao p r o p o s i t a d o
silencio q u e sobre èstes a s s u n t o s se fez no século x v i . Na falta de
documentos, recorrerei á dedugáo.
P a r a isso, notare¡ que eu n a o descobri o m o n u m e n t o por acaso p u
por q u a l q u e r o r d e m de raciocinio, m a s fui lá levado por habitantes
da cidade que ali m e c o n d u z i r a m p a r a eu vèr a Sinagoga. Temos
pois a tradigáo local, c o n s e r v a d a d u r a n t e sáculos, tradigáo que de-
v e m o s aceitar, salvo prova da sua falsidade. O r a p r e c i s a m e n t e os
factos confirman! a tradigáo. V e j a m o s .
A construgao é, c o m o m o s t r a r e ¡ , anterior ao século xvi, e por-
tanto da época em que ainda se c o n s t r u i a m tais edificios.
A sua situacáo na actual R ú a de J o a q u i m Jacinto, t a m b é m c o n f i r m a
a tradito porque esta rúa ainda nao ha muito conservava o nome
d e R ú a N o v a , e, s a b i d o é q u e e s t e n o m e foi d a d o á s a n t i g a s j u d i a r í a s .
N o L . ° 7 3 . ° d o C a r t à r i o d a M i s e r i c ò r d i a d e T o m a r — Repositorio dos
Bens desta S.ta Casa — do cometo do século xvi, v e m em vários
l o c á i s , e e n t r e è l e s a p a g . 12, — « R ú a N o v a q foi j u d a r i a » .
Nesta rúa, onde ainda se véem bastantes construyes antigas,
n e n h u m a existe que a p r e s e n t e disposicóes p a r a S i n a g o g a , edificio q u e
T o m a r n a o podía dsixar de ter, c o m o vou p r o c u r a r demonstrar.
E' demais conhecida a importancia desta e n t á o vila, c a b e j a da
importante Ordem de Cristo. G r a n d e devia ser o n ú m e r o de judeus
q u e f a z i a m , n o s é c u l o xv, p a r t e d a sua p o p u l a f á o , a a v a l i a r p e l o ele-
v a d o n ú m e r o d e c r i s t á o s - n o v o s q u e ali h a v i a n o s é c u l o s e g u i n t e , o q u e
decerto foi u m dos motivos da h o n r a de ter urna inquisifáo priva-
1
tiva .

1
Conhecem-se pela Colecfáo de Sentenfas, de J o a q u i m Moreira, que existe
na Biblioteca Nacional, as r e l a c e s dos autos-de-fé ali realizados em 1543 e 1544•
Néles figuraram vários cristáos-novos.
Parece que este tribunal nao funcíonou muito além de 1544•
No Arquivo da Ordem de Cristo, na T o r r e do T o m b o , apenas existe um dos
livros dos processos, referente a 1543, já conhecido, e ainda os restos de um ou-
tro, no ma$o n.° 70 do ‫״‬Convento de T h o m a r » , com parte do processo de Jorge
Manoel, cristáo-novo. Neste curioso processo, urna das testemunhas depóe que viu
e suposto réu regalar-se com saborosa carne de porco, na aldeia de Cabagos.
P o b r e Jorge Manuel 1 Nao o livrou esta pública manifestacáo da perfeicáo funcio-
nal do seu aparelho gástrico e da ortodoxia do seu pensar em assuntos de religiáo,
de ir abrilhantar de sambenito e carocha, relaxado em carne, o auto-de-fé de
20 de Junho de 1544 n a companhia de mais tres outros míseros cristáos-novos. E
táo luzído foi o espectáculo, que o sinistro monarca D. Joáo 3." julgou nao dever
eximir-se a enviar a Fr. António de Lisboa, seu digno filho natural (é Fr. Jacinto
de S. Miguel quem o diz), uma carta laudatória, digamos à moderna — urna porta-
ria de louvor — pelo bom resultado do seu trabalho !
Déste processo também se averigua que os cristáos-novos se nao enterravam
de mistura com os cristáos-velhos, mas sim no extremo do local reservado aos
enterramentos, que era o Adro de S. Maria.
Provenientes déste antigo cemitério, consegui reünir no Museu da Uniáo dos
Amigos dos Monumentos da Ordem de Christo algumas dezenas de estelas sepul-
erais que julgo remontarem aos sáculos xv e xvi. Talvez que o estudo da sua
variada e interessante o r n a m e n t a l o possa revelar o ter pertencido alguma délas
a algum cristáo-novo, o que nao é possivel fazer pelas i n s c r i b e s , visto as mais
antigas serem todas anepígrafas.
A propósito do auto-de-fé de 1543, quero apresentar um p r o m e n o r desconhe-
IO

C o m o c o n c l u s á o d e s t a s s c e n a s da vida h e b r a i c a de T o m a r e dos
factos c i t a d o s julgo p o d e r inferir-se que nao deixaria de h a v e r ,
naquela e n t á o vila, urna S i n a g o g a .
F a r e i n o t a r ainda q u e a làpide do cemitério de F a r o a l u d e a u m
J o á o de T o m a r , e m 1315, c o m o se verifica n o belo e s t u d o já citado
do m e u colega s r . S c h w a r z .

cido. No ma$o 6 9 o do corpo • C o n v e n t o de T h o m a r » , da T ó r r e do T o m b o , n u m a


f o l h a r a s g a d a de um livro de despesas, vem l a n c a d a a seguirne verba, relativa
àquele ano ‫ — ־‬x b j bijlxx rrs q u e pagou d e cento e dez dias de officiaes carpint
«a L x rrs q fizeram o cadafalso para o prim. 0 a u t o da S a n t a I n q u i s i t o , e de cento
«e o n z e duzias de t a v o a d o d e pinho p a r a elle a L x x rs a dz." e de o y t o mil pregos a
0 c
« t r e z . t o s r r s o rnilh — 1 6 7 7 0 » . Mais a d e a n t e vem estoutra verba « — i j bj iiij rrs
r
«que pagou p o r m.do do p a d r e d o m p o r de alimpar e asentar do p e l o u r i n h o da villa
«que se m u d o u p o r a m o r do cadafalso da santa Inquisicao — 2 6 0 4 . »
E s t e p e l o u r i n h o a c h a v a - s e c o l o c a d o no c r u z a m e n t o da Rua da G r a c a c o m a
R ú a dos Moinhos, e mais t a r d e foi substituido p o r o u t r o colocado na Pra<;a, j u n t o
ao edificio da C á m a r a , t e n d o sido d e s m a n c h a d o no seculo xix, e achando-se a co-
luna a r r e c a d a d a para ir para o Museu.

À p r o v e i t a r e i t a m b e m o e n s e j o , ao falar da I n q u i s i t o de T o m a r , p a r a rectificar
urna a s s e r t o que c o r r e , l a n c a d a pela p e n a autorizada do ilustre escritor sr. Dr.
Vieira Guimaráes, e q u e já vem r e p r o d u z i d a num Guia há p o u c o publicado. E ' a
de que a Inquis¡9áo de T o m a r f u n c i o n o u ñas casas do oNoviciado Velho», t a m b e m
c o n h e c i d a s pelas «Casas das Cortes». E s t a s casas, q u e f o r a m construidas p a r a No-
viciado, m a s que já nao t i n h a m essa a p l i c a d o no c o m e t o do seculo passado, c o m o
se vé dum d e s e n h o d e s t a época, na posse do m e u distinto condiscípulo sr. Joaquim
Rasteiro, onde já veem designadas com o n o m e de Noviciado Velho, p o d e r á o ter
tido q u a l q u e r o u t r a aplica$áo ocasional, talvez até m e s m o para reüniáo de algum
dos b r a 5 0 s das C o r t e s de 1581, mas n u n c a là podia ter f u n c i o n a d o a I n q u i s i t o
p o r q u e , ainda em 1548, c o m o se ve no d o c u m e n t o citado no i. 0 volume do «Di-
cionário dos Arquitectos» a propósito da Joáo de Castilho, este se a c h a v a a b r a -
gos c o m a q u e s t á o dos espelhos, c u j a s dificuldades de c o n s t r u c á o ainda h o j e sáo
bem p a t e n t e s para os t é c n i c o s ; e p o r o u t r o d o c u m e n t o , copiado no m e s m o volume,
se sabe que em 1557 ainda náo estavam levantadas as colunas das casas dos novi-
90S, t e m e n d o que os carpinteiros danificassem os capitéis, bem lindos, p o r sinal.
E s t a v a m p o r t a n t o estas casas muito longe da c o n c l u s á o à d a t a em que termi-
nou a Inquisicáo, que p a r e c e náo ter ido além de 1545, c o m o já ficou dito.
Q e r o t a m b e m deixar aqui consignado u m d o c u m e n t o , q u e julgo inédito, e
q u e diz respeito á J u n t a dos P r e l a d o s que, em 620, reüniu em T o m a r , p a r a t r a t a r
de assuntos referentes à Inquisicáo. E ' uma sátira, em redondilha maior, intitulada
«Colloqnio q passou entre Joáo Braz e G o n z a l o Pz. m . ° r " nos Paens, t e r m o de
T h o m a r falando a m b o s na J u n t a q se fazia dos Bispos» (').
(') Tórre do Tombo. Convento de Thomar, ma;o 13.
11

P a r a t e r m i n a r , referirei que n u m a s p e s q u i s a s feitas sob o r e b o c o


da p a r e d e do lado n a s c e n t e do edificio de que t r a t o , se e n c o n t r o u
urna fiada de ladrilhos, p o s t o s de cútelo, v e r t i c a l m e n t e , p a r e c e n d o
constituirem u m r e v e s t i m e n t o que poderia ser do a r m à r i o d e s t i n a d o aos
livros s a g r a d o s , e q u e , s e g u n d o o ritual hebraico, deve ficar ao O r i e n t e .

F a r e i a g o r a a d e s c r i f á o d e t a l h a d a do edificio, e t r a t a r e ¡ da d a t a
da s u a f u n d a f á o p o r q u e , à falta de d o c u m e n t o s categóricos, s e r á dos
detalhes arquitectónicos q u e m e soccorrerei p a r a èsse e s t u d o .
A p o r t a principal p e r t e n c e ao p e r í o d o d e c a d e n t e da r e n a s c e n f a e
por isso n a o p o d e deixar de ser u m a d i c i o n a m e n t o p o s t e r i o r á fun-
d a f á o , cuja o r i g e m creio ser fácil de s a b e r . D e s n e c e s s á r i o é a p r e s e n -
tar déla um d e s e n h o , p o r q u e é do tipo de v e r g a c o r o a d a de u m a
cornija, assaz c o m u m no final do século xvi.
A s d u a s janelas da f a c h a d a sao ainda m a i s incaracterísticas, de lancil
sem q u a l q u e r o r n a m e n t a c á o , sendo, s e m a m e n o r d ú v i d a , m o d e r n a s .
A janela f r o n t e i r a á p o r t a , e q u e se acha m a i s p e r t o da c o b e r .
tura, t e m a f o r m a r e c t a n g u l a r ; i n t e r i o r m e n t e tem singelas m o l d u r a s
da r e n a s c e n $ a ; exteriormente está c o m p l e t a m e n t e e n t a i p a d a ^
A s f r e s t a s n a o sao g u a r n e c i d a s com lancil e t è m a p a r t e s u p e r i o r
ligeiramente ogivalada. As cantarías dos o u t r o s vaos nao o f e r e c e m
interèsse a l g u m .
G o m o já tive ocasiáo de dizer e se vé na fig. 2, as a b o b a d a s s a o
ogivais, de a r e s t a , e r e p o u s a m , do lado d a s p a r e d e s , s o b r e mísulas
de cantaría, e no centro, sobre 4 c o l u n a s , t a m b e m de c a n t a r í a , com
suas bases e capitéis, apoiando-se s o b r e estas últimas por i n t e r m è d i o
de q u a t r o dados de alvenaria, p a r a g a n h a r a altura d a s m í s u l a s , o
que lhes dá g r a n d e elegancia e leveza.

Nesta sátira por vezes violenta, depois de se fazerem alusóes pessoais aos pre-
lados que a eia assistiram, procura-se insinuar que a Junta
«Pretende de Portugal
«Lanzar fora a I n q u i s i t o » .
Chega ao ponto de acusar o pròprio monarca de simonia, dizendo Goncalo que
os judeus
‫״‬teem posta a esperanza
‫״‬somente no seu dinheiro»
para comprar as consciencias, o que nao espanta muito o Braz, a nao ser
ode El-Rey sim, que é cristáo».
12

N a figura vè‫־‬se t a m b e m urna das m í s u l a s d o n d e n a s c e m as abó-


b a d a s , m í s u l a s q u e nos a j u d a r á o a fixar a d a t a provável da c o n s t r u g a o .
P a r a este efeito, q u e nao podía deixar de ser t o c a d o n e s t a p e q u e ñ a
m o n o g r a f i a , tenho de por de p a r t e
t ‫ ! י‬I I !/‫ ן‬I I j toda a f a c h a d a p r i n c i p a l , que n a o vai
U ! !‫ן ! ¡ !ן ן‬ ^ a l é m da s e g u n d a m e t a d e do século xvi,
l] ‫ י‬I I I / e ainda a janela do f u n d o , p o r q u e n a o
¡ ‫ן‬ !' / devemos recorrer para a determinacáo
1
‫'׳‬ , ‫ ן י! י‬I J da é p o c a da primitiva f u n d a g á o , s e n á o
1 a
lili m ®rgáGS essenciais da e s t r u t u r a do
I Hill edificio e nao àqueles que e m q u a l q u e r
¡11'I'I w ocasíáo p o d e m s e r adicionados s e m
¿*rfftf/^nill ¡l¡§ r e s p e i t o pelo estilo geral.
‫ל ^ ^ ^ ^ י‬ Restarci as c o l u n a s , as a b ó b a d a s e

A s q u a t r o c o l u n a s sao arquitectoni-
‫^^יי^יז‬j^i^ÜÍ^^^Ml c a m e n t e os o r g á o s m a i s i n t e r e s s a n t e s
do m o n u m e n t o . O s fustes sao cilín-
‫י‬ (if^ dricos e constituidos por tres ou q u a t r o
|;| pegas cada um.
,,I ¡ | Dos q u a t r o capitéis, dois sao iguais
j] ao q u e r e p r e s e n t a a fig. 3 1 .
, ‫|| ו‬ O s dois capitéis s a o de urna r a r a
j f| elegancia e de u m característico s a b o r
|H oriental ou á r a b e , n a o t e n d o eu, p o r é m ,
íf e n c o n t r a d o e m e s t a m p a s de edificios
‫'׳‬ desta o r i g e m , n a d a que se possa com-
Fig. 3 — C A P I T E L DE COLUNA p a r a r r i g o r o s a m e n t e à sua f o r m a ori-
ginal quasi reduzida a u m à b a c o
o r n a m e n t a d o , ligado ao f u s t e por urna g r a n d e m o l d u r a caTada, A sua
o r n a m e n t a l o é toda g e o m é t r i c a .

1
Esta estampa, assim como as das pags. 13 e 14, sao gravadas segundo um
croquis e x p r e s a m e n t e fsito pelo sr. José Santa Maria, distinto director da Escola
de Desenho J a c o m e Ratton, a quem aqui reitero os meus agradecimentos.
2
No livro ¿Marrocos e Tres Meslres de Ordem de Cristo, do sr. Dr. Vieira
Guimaraes, vera, a pag. 191, urna gravura da cripta da igreja de N.* S.« das Miseri-
córdias, em O u r é m , na qual se ve um capitel que parece ter analogías com os da
Sinagoga. O pouco detalhe da gravura, nao me deixa, porém, fazer um juizo seguro.
13

O s o u t r o s dois capitéis s a o d i f e r e n t e s d o s p r i m e i r o s , e desiguais


entre si. A p r e s e n t o o d e s e n h o só de u m , fig. 4 , p o r q u e o o u t r o , em-
b o r a d i f e r e n t e , filia-se no m e s m o tipo de f o r m a e o r n a m e n t a d o .
M a n t e n d o as di•
mensóes geraisdos
primeiros, m a n i -
festam contudo
urna g r a n d e in-
fluencia do estilo
gótico.
O fuste é,como
já disse, p e r f e i t a -
m e n t e cilindrico, e
n e n h u m a especial
característica ofe-
r e c e , a n a o ser a
sua g r a n d e a l t u r a ,
r e l a t i v a m e n t e ao
seu d i á m e t r o .
mecando i n f e r i o r -
Resta, fiinal- m e n t e p o r u m sóco
m e n t e , analisar as de s e c f á o q u a d r á d a ,
b a s e s . S a o todas e s t r e i t a m , por u m
q u a t r o s e n si v e l - ampio cavado inver-
mente iguais e tido, vindo a trans-
délas se ve b e m o F i o . 4 — C A P I T E L DE COLUNA E MÍSÜLA f o r m a r - s e , por eie-
tipo na fig. 5. Co- gantes cortes nos àn-
gulos sólidos, na f o r m a oitavada, o f e r e c e n d o o todo u m elegante
perfil, de sólida e b e m calculada resistencia. C o m o se vé, trata-se de
u m tipo muito pouco c o m u m ñ a s nossas c o n s t r u f ó e s .
Q u e r e n d o agora investigar, pelos elementos arquitectónicos q u e
a p r e s e n t e i , a data provável da funda$áo, p a r a os dois p r i m e i r o s capi-
téis a p r e s e n t a d o s , n a o encontrei outros a q u e os c o m p a r a s s e , isto é,
n a o os posso utilizar p a r a éste fim. O s fustes t a m b e m pouco nos
indicam. A p e n a s os dois r e s t a n t e s capitéis e a ogiva das a b o b a d •s
nos indicam u m periodo gótico ou, pelo menos, urna época em que
ainda f o s s e m sensiveis as influencias do gótico.
C o m as bases, fui mais feliz e posso a p r e s e n t a r urna b a s e seme-
•4

Ihante, fig. 6, r e p r o d u z i d a do Dictionnaire Raisonné de VArchitecture


Francasse du Xle ou XVIe siécle, de Violet-le-Duc
A p a r t e inferior é igual à da S i n a g o g a , e x c e p f S o feita de m a i o r
a l t u r a . O s c o r t e s dos á n g u l o s sólidos do s e g u n d o corpo existem t a m -
b é m , m a s s a o o c u p a d o s por e l e g a n t e o r n a m e n t a f á o . O c o r p o supe-
rior é igualmente oitavado, m a s m u i t o m a i s s ò b r i o e m m o l d u r a s do
q u e ñ a s b a s e s da S i n a g o g a .
E s t a b a s e é de urna coluna da igreja de M o n t r e a l , p e r t o de Ava-
Ion, na B o r g o n h a , e data do século x n . N e s t e século, f u n d a v a Guai-
dim P a e s o C a s t e l o de
T o m a r e o adjunto bur-
go, o que faz por ime-
d i a t a m e n t e de p a r t e u m a
d a t a tao r e c u a d a p a r a a
f u n d a 9 á o da S i n a g o g a .
A h i p ó t e s e de u m
a p r o v e i t a m e n t o de f r a -
g m e n t o s de u m edificio
romànico parece-me
arriscada, embora nao
impossível.
S o m o s assim leva-
d o s a colocar a f u n d a -
9áo da S i n a g o g a logo
na e n t r a d a da R e n a s -
cenca em P o r t u g a l ,
q u a n d o as f o r m a s góti-
cas a p a r e c i a m de mis-
tura com os e l e m e n t o s Fio. 5 — BASE DE C O L U N A

r o m á n i c o s e clássicos.
A s m í s u l a s das n a s c e n f a s das a b o b a d a s , com as suas volutas e
c a n e l u r a s , v é e m c o n f i r m a r esta hipótese, que a f o r m a das a b o b a d a s
t a m b e m nao c o n t r a r i a . As dos cantos sao simples p i r á m i d e s c o m o de
uso no período ogival.
Desta f o r m a , nao durou m u i t o a sua p r i m e i r a a p l i c a d o , p r o f a -
n a d a c o m o teria sido, q u a n d o da p e r s e g u i f á o dos judeus.

1
T o m o II, pag. 143.
15

T r a t e m o s a g o r a do seu p o s t e r i o r destino.
S a o m u d a s as chancelarias a seu respeito, a p e s a r de nelas figu-
rarem muitas doacóes das profanadas Sinagogas.
Isto p a r e c e indicar que eia náo foi objecto de d o a f á o , o q u e leva
a admitir a possibilidade da hipótese da sua t r a n s f o r m a f á o e m tem-
pío católico.
E s t a hipótese é m u i t o plausível em vista de u m a s s e n t o q u e e n -
contrei no mais antigo livro de registo de n a s c i m e n t o s , c a s a m e n -
tos e c r i s m a s , da igreja de S . Joáo Baptista 1 . N a ú l t i m a f o l h a , e m
p a r t e já d e s a p a r e c i d a , v e m o s o assento de u m c a s a m e n t o feito na Ca-
pela de S. B a r t o l o m e u , na R ú a N o v a , do dia i g de N o v e m b r o de 1613.
O r a n a q u e l a r ú a n á o se encon-
tra edificio a l g u m , a l é m d a q u e l e de
que venho t r a t a n d o , a que se possa
atribuir tal u s o . A c r e s c e m a i s q u e ,
p e s s o a s ainda hoje vivas, se l e m -
b r a m de ver na S i n a g o g a , f r o n t e i -
ro à p o r t a , um altar q u e m a i s t a r d e
foi demolido q u a n d o se p r o c e d e u
ao a l t e a m e n t o do solo, tendo-se
a g o r a e n c o n t r a d o ao fazer-se o des-
a t e r r o do p a v i m e n t o , g r a n d e s pe-
d a f o s de a l v e n a r i a , q u e daquele
d e v e m provir. T a m b é m a l g u m a s .
p e s s o a s ali v i r a m u m s u b t e r r à n e o ,
F i g . 6 — BASE DE PILASTRA ROMANICA
c e r t a m e n t e a l g u m carneiro, datan-
do desta época.
E s t a aplica9áo c o m o capela explica t a m b e m a existéncia da actual
porta que, p a r a q u a l q u e r u s o vulgar, náo teria a o r n a m e n t a d o q u e ,
como já disse, eia possui.
Q u a n d o deixaria de ser capela, n á o o sei. N o s últimos t e m p o s ,
a p a r e c e c o m o adega e celeiro, foreiro á casa S a b u g o s a .
Desta última aplicagáo r e s t a v a m a p a r e n t e s vestigios. A p o r t a foi
a l a r g a d a e alteada, c o m o ainda se o b s e r v a . O p a v i m e n t o foi levan-

1
Arquivo dos Registos Paroquiais — Livro que contém os fragmentos dos
livros antigos desta Parochial e Real Igr.' de Sao Joáo Bap.la de Thomar.
16

t a d o ao nivel da r ú a ficando em calcada à p o r t u g u e s a com r e b o c o


hidráulico.
O a t e r r o e n t á o feito c o b r i a c o m p l e t a m e n t e a b a s e d a s colunas, e
já foi todo r e m o v i d o , tendo-se e n c o n t r a d o p a r t e de u m g r a n d e pote
d e b a r r o p a r a vinho ou azeite. A l g u m a s m o e d a s p o r t u g u e s a s , encon-
t r a d a s n e s t a o c a s i á o , n e n h u m a ligaqáo t e e m com a S i n a g o g a .
M o d e r n a m e n t e , foi a d q u i r i d a pelo m e u sábio colega S r . S c h w a r z
e r e m i d o o seu foro, c o m e f a n d o - s e a s u a r e s t a u r a 9 á o .
P o s s i v e l m e n t e , e s t a s o b r a s p a t e n t e a r á o ainda a!guns e l e m e n t o s
p a r a o e s t u d o do m o n u m e n t o . M a s , com c e r t e z a , elas n o s restituiráo
u m i m p o r t a n t e e i n t e r e s s a n t e m o n u m e n t o do século xv, q u e os inves-
t i g a d o r e s e os h e b r e u s p o r t u g u e s e s n á o p o d e m deixar de ter no m a i o r
a p r é f o . P o r isso é de e s p e r a r q u e todos aqueles q u e o p o d e r e m f a z e r ,
n á o d e i x a r á o de c o n c o r r e r p a r a a sua r e i n t e g r a f á o .
Do mesmo autor:

CONTRIBUÍCÓES PARA A HISTÓRIA DAS ARTES EM P O R T U G A L !


t

I — A LENDA D O PINTOR DRALIA (esgotado)

II — A CRUZ MANOELINA DO CONVENTO D E CRISTO

(esgotado)

III - A FAMILIA CAMÒES EM TOMAR.


a
IV — A ANTIGA SINAGOGA D E TOMAR (I edi?ào, esgotada)
a
IDEM (2. edi?ào).

V — UMA ILUMINURA DO SÉCULO XVI.

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