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Introdução aos

EVANGELHOS E ATOS
Pano de fundo histórico. Quando Jesus nasceu, Hero- dos acontecimentos da vida de Jesus estão registrados em mais
des, o Grande, era o monarca da Judéia e Samaria. Herodes mor- de um Evangelho, podemos discernir a importância destes através
reu no ano 4 d.C., e seu reino passou para o seu filho Arquelau (Mt da leitura dos mesmos em vários livros, cada um deles contendo os
2.19-22). Arquelau foi acusado de mau governo e, por isso, foi ba- seus próprios pontos teológicos de ênfase.
nido no ano 6 d.C. Como resultado, Judéia e Samaria ficaram dire-
tamente sob a administração romana através de uma série de O Problema Sinótico. Mesmo uma lida rápida nos qua-
governadores e prefeitos, que mais tarde foram conhecidos como tro Evangelhos nos revelam que três deles (Mateus, Marcos e Lu-
procuradores. Pôncio Pilatos foi o procurador da Judéia durante o cas) são parecidos, especialmente quando contrastados com o
ministério de Jesus. Evangelho de João. Com poucas exceções importantes, os aconte-
A província da Galiléia, onde Jesus vivia, havia sido dada por cimentos e ensinos incluídos no Evangelho de João (p. ex.: caps. 3;
Herodes, o Grande, para outro de seus filhos, Herodes Antipas (Mt 9; 11; 14) não são encontrados nos primeiros três Evangelhos, en-
14.1-12; Lc 23.6-15). No ano 39 d.C., a Galiléia passou para as quanto que estes três possuem muito material em comum e com-
mãos de Herodes Agripa, um neto de Herodes, o Grande. Um ami- partilham de uma perspectiva semelhante. Por essas razões, os
go de infância de Agripa era agora o imperador romano Cláudio. primeiros três Evangelhos são chamados de "Sinóticos."
Este declarou Agripa rei tanto da Judéia como de Samaria. A popu- Uma comparação mais detalhada, entretanto, revela uma
laridade de Agripa era grande entre os judeus; mas o seu reinado grande variedade de diferenças tanto quanto de semelhanças.
foi curto. Perseguiu os apóstolos e, quando não recusou ser adora- Algumas vezes, o material registrado é exatamente igual, enquan-
do como se fosse um deus, foi castigado com uma doença e mor- to que, outras vezes, há pequenas diferenças verbais. Em alguns
reu (44 d.C.; At 12.1-4,19-23). casos a ordem dos eventos é a mesma, mas freqüentemente isto
O território de Agripa voltou às mãos dos governantes roma- não ocorre. Do ponto de vista literário, estes fatos levàntam per-
nos, embora uma pequena porção de terra tenha sido dada a Agri- guntas difíceis. Como é que os Evangelhos se originaram? Teriam
pa li (At 25.13-26.32). A tensão entre judeus e romanos seus autores se utilizado dos escritos uns dos outros? Poderiam ter
aumentou durante este período, o que levou a uma revolta no ano eles outros materiais disponíveis?
66 d.C. Oresultado da guerra foi desastroso para a nação judaica. No A resposta mais aceita é de que Marcos foi o primeiro Evange-
ano 70 d.C., Jerusalém foi destruída depois de terrível sofrimento. lho e que Mateus e Lucas seguiram o seu esboço (Me 2.1-22; cf.
Mt 9.2-17; Lc 5.18-38). Mas Mateus e Lucas têm alguns materiais
O Caráter da Narrativa do Novo Testamento. importantes em comum que não são encontrados em Marcos (p.
Assim como os escritos históricos do Antigo Testamento, os Evan- ex.: Mt 7.24-27; Lc 6.47-49). Isto é explicado através da suposição
gelhos e o Livro de Atos não nos fornecem todos os detalhes histó- de que um segundo documento, não mais existente hoje, teria sido
ricos que poderiam nos interessar. Os acontecimentos incluídos usado pelos dois escritores. Esta solução é conhecida como "a Teo-
foram cuidadosamente selecionados para apresentar, clara e po- ria da Dupla Fonte". Além disso, fica claro que Mateus e Lucas tive-
derosamente, a mensagem do Evangelho. ram acesso a muitas informações singulares encontradas somente
Há muito tempo já se tem notado que os Evangelhos não são em seus Evangelhos.
apenas biografias comuns. Dois deles não mencionam nenhuma vez Esta proposição não explica todos os fatos. Teorias alternativas
o nascimento de Jesus, e foi registrado somente um acontecimento têm sido sugeridas. Alguns argumentam pela prioridade de Mateus
da sua vida quando jovem (Lc 2.41-52). Diferentemente do que al- ao invés de Marcos; uns poucos sugerem que Lucas foi escrito pri-
guém poderia esperar de uma biografia, uma grande porção de cada meiro. Alguns até têm argumentado que João foi o primeiro. Vários
Evangelho é dedicada à última semana do ministério de Jesus. No Li- eruditos enfatizam uma tradição oral que deve ter precedido à escri-
vro de Atos, somente dois apóstolos, Pedro e Paulo, ocupam um lu- ta desses documentos, sugerindo sua interdependência literária. A
gar de proeminência. Além disso, o autor dedica quase o mesmo maioria dos especialistas do Novo Testamento continua a aceitar a
espaço, tanto para os dois anos "improdutivos" de prisão na vida de teoria da Dupla Fonte como uma hipótese possível, mas reconhece
Paulo quanto às três viagens missionárias do apóstolo, que duraram, que muitas perguntas ainda permanecem sem resposta.
pelo menos, sete anos. Claramente, estes livros não foram escritos Em última análise, a direção de Deus através da inspiração era
para satisfazer nossa curiosidade, mas para proclamar a mensagem. o fator controlador. Deus usou acontecimentos históricos e a pes-
Quando lemos as narrativas do Novo Testamento, portanto, quisa pessoal dos escritores dos Evangelhos para cumprir seus
devemos fazer um esforço especial para determinar por que certos propósitos (cf. Lc 1.1-4). Otrabalho dos eruditos na História e na Li-
acontecimentos foram incluídos. Um detalhe que pode parecer in- teratura não deve então ser, de maneira alguma, rejeitado, já que
significante à primeira vista (p. ex.: o juramento de Paulo registrado muitas vezes tem trazido luz sobre o texto. Por outro lado, a nossa
em At 18.18), subseqüentemente pode provar ser extremamente confiança na veracidade das Escrituras não depende da habilidade
importante (At 21.20-24). Além disso, é de grande valor saber que de especialistas para resolver problemas literários, mas no poder
Deus nos deu quatro Evangelhos e não apenas um. Já que muitos de Deus em cumprir suas promessas (Is 55.10-11; 2Tm 3.16-17).
Apesar deste Evangelho não indicar o seu Algumas dessas razões, tal como a de que Jesus não poderia
autor, alguns manuscritos primitivos incluem a inscri- ter predito o futuro ou de que uma cristologia muito desenvolvida é
ção: "Segundo Mateus". Eusébio (c. 260-340 d.C.) helenística e, portanto, posterior, são altamente duvidosas e refle-
nos conta que Pap1as (c. 60-130 d.C.), um dos pais da tem uma rejeição da revelação sobrenatural. Além disso, há algu-
Igreja Primitiva, falava de Mateus como tendo organizado os "orá- ma evidência no contexto do livro de que Mateus foi escrito antes
culos" acerca de Jesus. A tradição posterior é unânime em afirmar da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C. O Evangelho adverte
que o discípulo Mateus, também chamado Levi (9.9-13; Me contra os saduceus, um grupo que rapidamente perdeu importân-
2.13-17). foi o autor deste Evangelho, e até o século XVIII não havia cia depois de 70 d.C. e que, finalmente, deixou de existir. A lingua-
dúvidas acerca dessa tradição. gem usada para descrever a destruição de Jerusalém no cap. 24
Há alguns problemas com a tradição. Em primeiro lugar, Papias reflete as profecias do Antigo Testamento acerca do julgamento di-
aparentemente disse que Mateus "dispôs os oráculos no dialeto vino que Jesus profetizou como parte integrante da vinda de seu
hebraico." Essa afirmação parece indicar que Mateus escreveu em reino. Não há nenhuma necessidade de explicar o conteúdo do
hebraico ou em aramaico, e eruditos ressaltam que o Evangelho de cap. 24 como sendo a lembrança de um acontecimento histórico
Mateus não dá indicação de ser uma tradução dessas línguas. Esse do autor.
livro é também muito parecido com o Evangelho de Marcos (ver Éprovável que o escritor deste Evangelho tenha utilizado o
"Introdução aos Evangelhos e Atos"), que certamente foi escrito Evangelho de Marcos. Supondo-se que Marcos tenha sido escrito
em grego. Épossível que Mateus tenha escrito tanto em hebraico com a ajuda do apóstolo Pedro em Roma, uma data apropriada
quanto em grego, assim como Calvino escreveu suas obras tanto para Mateus poderia ser estimada entre 64-70 d.C.
em latim quanto em francês. O local mais provável para a escrita do Evangelho é Antioquia
Em segundo lugar, visto que Papias não falou em "evangelho," da Síria, que também é o provável destinatário dela. Inácio, o mais
mas sim "oráculos," alguns têm identificado esses "oráculos" antigo escritor a citar Mateus, era bispo de Antioquia. A congrega-
como sendo uma das fontes que estão por detrás da escrita dos ção em Antioquia era de origem mista judaica e gentia (At 15), e
Evangelhos. Mas Eusébio parece ter entendido que "oráculos" sig- isto explicaria os problemas de legalismo e antinomismo dos quais
nificava "evangelho" e lrineu (c. 180 d.C.) menciona um "evange- Mateus trata de maneira especial.
lho" de Mateus escrito "para os hebreus em seu próprio dialeto".
Outras objeções a respeito da autoria de Mateus são mais Como todos
especulativas. Alguns sugerem que o Evangelho pode ter sido o os Evangelhos, o propósito de Mateus é o de trans-
produto de um grupo de escritores ("escola"). Sua suposta de- mitir os ensinos autorizados de Jesus e de sua pes-
pendência de Marcos e a suposta composição em data posterior soa, cuja vinda marca o cumprimento das promessas
(ver "Data e Ocasião") são tidas como razões para se duvidar da de Deus e a presença do reino de Deus. Mateus não faz nenhuma
autoria de Mateus. Mas essas objeções não refutam a tradição de divisão entre história e teologia. Sua história é a base de sua teolo-
Mateus ter sido o seu autor exclusivo. gia, e a teologia dá o seu próprio significado à história.
Ofato do autor não ter se identificado demonstra que ele, pro- Mateus faz uso intenso das referências de "cumprimento" do
vavelmente, achasse que conhecer o seu nome não era essencial Antigo Testamento. Suas citações não são apresentadas como
para os seus leitores. Trabalhando através do autor humano, estava predições e cumprimentos isolados, mas como prova do cumpri-
o autor primário, o Espírito Santo. mento de todas as promessas do Antigo Testamento. Essa preocu-
pação afeta a maneira pela qual Mateus enfatiza certos elementos
A referência mais antiga ao na sua história. Ele mostra a ilegalidade das ações do Sinédrio du-
Evangelho de Mateus é, provavelmente, encontrada rante o julgamento de Jesus (26.57-68), a distorção da mensagem
na Epístola aos Esmirneanos, de Inácio de Antioquia (c. do Antigo Testamento pelos escribas e fariseus (15.1-9), e a natu-
11 Od.C.). Dificilmente se poderia datar esse livro reza pactuai do procedimento de Deus para com seu povo.
como sendo posterior a 1DO d.C. Alguns estudiosos o têm datado até Algo distintivo que também encontramos em Mateus é a sua
50 d.C. Mas muitos críticos o datam depois da destruição de Jerusa- apresentação dos ensinos de Jesus, divididos em cinco discursos
lém, geralmente entre os anos 80-100. Suas razões incluem argu- principais: ética, discipulado e missão, o reino dos céus, a Igreja, e
mentos como a suposição de que Jesus não poderia ter predito tais o fim dos tempos. Essas cinco divisões podem ter sido baseadas
acontecimentos futuros, como a destruição de Jerusalém; a teoria nos cinco livros de Moisés, com o intuito de apresentar Jesus
de que a teologia trinitariana do Evangelho (28.19) e a cristologia como sendo o Profeta, assim como Moisés em Dt 18.18. A maioria
exaltada (11.27) são idéias posteriores que se desenvolveram num dos estudiosos hoje reconhece as cinco divisões de ensino como
ambiente helenístico; e a afirmação de que a palavra "Rabino" (men- sendo a chave para a estrutura básica de Mateus, especialmente
cionado em 23.5-1 O) não era usada como título antes do ano 70 d.C. devido ao fato de cada discurso terminar com uma expressão
1101 MATEUS
como: "Quando Jesus acabou de proferir estas palavras" (7 .28). notar que o próprio relato de Marcos não é um diário completo.
Além disso, parece existir uma relação entre cada discurso e a nar- João registra que Jesus visitou Jerusalém várias vezes durante um
rativa que a precede. Também se nota que as porções narrativas li- período de cerca de três anos, enquanto que em Marcos os acon-
dam principalmente com a questão da identidade do Rei, enquanto tecimentos são apresentados de maneira tal que parecem ter
que o material apresentado nos discursos tende a focalizar o povo ocorrido no período de um ano, culminando com uma única visita
do Rei. de Jesus a Jerusalém. Em outras palavras, o Espírito Santo já havia
guiado Marcos na seleção e na apresentação dos acontecimentos
Dificuldades de Interpretação Os do ministério de Jesus de uma maneira particular. Mateus e Lucas,
estudiosos em geral concordam que tanto Mateus de forma semelhante, foram guiados pelo Espírito na seleção e
quanto Lucas se apoiaram no Evangelho de Marcos apresentação dos acontecimentos.
para escrever seus próprios Evangelhos (ver "Intro- Os Evangelhos não apresentam apenas um quadro das ativi-
dução aos Evangelhos e Atos"). Entretanto, Mateus e Lucas não dades de Jesus, nem tampouco são apenas biografias técnicas e
seguem Marcos em todos os detalhes relativos à ordem dos acon- modernas. que seguem métodos desconhecidos em seus dias. Os
tecimentos da vida de Jesus, ou à ordem de seus ensinamentos. três Evangelhos Sinóticos são escritos pessoais e complementa-
Mateus e Lucas têm algum material em comum não encontrado res; não são três tentativas incompletas de realização da mesma
em Marcos, mas aí eles também diferem um do outro na coloca- tarefa. São livros espirituais que, juntamente com o Evangelho de
ção disso dentro do ministério de Jesus. João, oferecem a todas as gerações Jesus Cristo, o Verbo encar-
Para entendermos a cronologia dos Evangelhos, é importante nado.

Esboço de ~eus
t Prólogo (caps. 1-~· ·.
A. A genealogia dll Rei (1.1-17)
3. Revelando o Filho de Deus e sua mi~
(16.13-17.27) ...
B. Onasci~do Rei (UB-2.23) 8. Oquarto discL1rso: .o caráter e. a autc>ridaae da Igreja
1. Anúncio a.lo$é e nascimento de Jesus (1.18-25) (cap.18) · ·
2. Adoração doSmagos (Z. l• 12) VI. As bênçãos e os julgamentos d9 .l'.(fl1'0it:aPS· 1~25)
3. NDo Egito chamei o meu Filho" (2.13-23) A. Da Galiléia a Jerusalém (caps, tJJ.....;..20)
li. A vinda do reino fc;aps. 3-7) 1. A vida fiimilíar no reino (19.1-15)
A. Oinício doremo em Jesus (3.1-4.11) 2. A entrada no reino (19.16-20.16)
1. Jesus é batizado por João ~cap. 3) 3. Abrindo os olhos dos cegos espirituais e físicos
2. A tentaçãof1!.l'.~O (4,M 1) (20:17-34) . .
B. o anúncio dore;ncf{4.12-25J B. ORei entra em Jerusalém (caps. 2,..,.......23)
e. Oprimeiro dlScUrso: o sermão do monte (caps. 5-7) 1. Entrada triunfal e purificação détemplo (21.1-22)
1. As bem-aventuranças (5.1-12) 2. Parábolas a respeito da resistência aQ f'ei
2. Interpretando a l&i para o reino (5.13-48) (21.23-22.14) .. i.
3. A piedadeooreíno: caridade, oração, íejum 3. Conflito com os fariseus e saduceos
(6.1-18) (22.15-23.39)
4. Um coração para o reino (6.19-34) C. 0 quinto discursp; .O julgamento dO rWO,·
5. Os padrões:dé.julgament4 .no reino .(cap. 7) (caps. 24---25) ·
Ili. As obras do reioo (caps. 8-10) 1. Sinais do fim dos tempos (24.1-31)
A. Cura de enfemws e o chamado dos discípulos 2. Parábolas aconselhando vigilância (24.32-25.46)
(caps. 8-9) VII. Paixão e ressurreição (caps. 26-28)
8. O segundo discurso: a missão do rei.no {cap. 1O) A. Traição e aprisionamento (26.1-56)
1\1. A natureza do reino (caps. 11-13) ' 1. Preparação para a morte de Jesus (26.1.~
A. A identidade de João e de Jesus ( 2. A última ceia e Getsêmani (26.17-56)
1_ReSPosta às obras de Jesus e de B:. Oju!g~mÉll'ftO e execução do Rei (26-;§l
2. Jesus, o senhor do sábado (12.1-1 1, ~ento religioso diante do s·
3. O começo da oposição a Jesus (12.14-SOf· (26.57-751
B. O terceiro discurso: as parábolas do reino (cap; 13) 2. Julgamento civil perante ..
V. A autoridade do reino {caps. 14---18) 3. A crucificação (27.27-56). .. . 1 ••• / . ; ~ •
A. O caráter e a autoridade de Jesus (caps. 14---17} C. Sepultamento.e ressutreiçãb~.z~jj·::.~'.20.t·.·
1.. A morte de João Batista ( 14.1-12) 1. Guardando o tOínulo (27 .57-66)
2. Alimentando as multidões e o fermento dos fariseus 2. A ressurreição (28.1-15)
(14.13-16.12) 3. A grande comissão (28.16-20)

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