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UNIVERSIDADE UNYLEYA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MISSIOLOGIA


IVANETE PAULINO XAVIER

A DESCONSTRUÇÃO DA INVISIBILIDADE DO NEGRO NA BÍBLIA:


A 25ª DINASTIA EGÍPCIA DE FARAÓS NEGROS SOB O OLHAR DA
BÍBLIA, NA PERSPECTIVA DA NEGRITUDE

CURITIBA
2018
2

UNIVERSIDADE UNYLEYA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MISSIOLOGIA
IVANETE PAULINO XAVIER

A DESCONSTRUÇÃO DA INVISIBILIDADE DO NEGRO NA BÍBLIA:


A 25ª DINASTIA EGÍPCIA DE FARAÓS NEGROS SOB O OLHAR DA
BÍBLIA, NA PERSPECTIVA DA NEGRITUDE

Monografia apresentada à Faculdade


Unyleya como requisito parcial para a
obtenção do título de Especialista em
Missiologia.

Orientador: Prof.: Paulo Renato Lima

CURITIBA
2018
3

IVANETE PAULINO XAVIER

A DESCONSTRUÇÃO DA INVISIBILIDADE DO NEGRO NA BÍBLIA:


A 25ª DINASTIA EGÍPCIA DE FARAÓS NEGROS SOB O OLHAR DA
BÍBLIA, NA PERSPECTIVA DA NEGRITUDE

Artigo apresentado à Faculdade Unyleya


como requisito parcial para a obtenção do
título de Especialista em Missiologia,sob a
orientação do Prof. Me. Paulo Renato
Lima.

Aprovado pelos membros da banca examinadora em ___/___/___ com menção ___


(____________________).

Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

CURITIBA
2018
4

Dedico este artigo a Família Xavier, família preta e cristã, especialmente a meu pai,
José Inácio Xavier (​in memorian​), que apesar de ter sido pai de 14 filhos, educou a todos
com príncipios bíblicos, e em especial a minha irmã Miraci Paulina Xavier, que não
mediu esforços para cuidar de minha filha, na minha ausência. Também ao meu amigo
Juvenildo Gildo Nhassengo, que apesar de ser africano e evangélico, desconhecia a
importância da África para a humanidade.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade de concretização de mais uma etapa.

Ao Orientador, Prof. Me. Paulo Renato Lima, pelo comprometimento acadêmico


demonstrado ao longo da pesquisa. Gratidão por me ensinar além de orientar.

A todos que de forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste trabalho.
6

“Empenhei-me em ler a Escritura como se ninguém a tivesse lido antes de mim” .


​ Alexandrer Campbell.
7

RESUMO

O objetivo desta pesquisa objetiva-se pelo fato de ter nascido num espaço
evangélico, cantando na Escola Bíblica que meu coração era ​preto​, que ​alvo mais
que a neve serei e que a cor do pecado era ​preto​. Propõe-se uma aprofundamento
na história da África e nas Escrituras para resgatar antropologicamente e
culturalmente esta temática, tanto da antiguidade quanto atualmente. No capítulo 1
pretende-se abordar as questões relacionadas ao pensamento de Lopes (2006), e
Rodrigues (2017), que embasa os fundamentos bíblicos através da África Negra,
onde os personagens bíblicos se originaram, através da descendência dos filhos de
Noé, para desmistificar a idéia de maldição racial. No capítulo 2, procurarei abordar
em Valter Roberto Silvério (2013) e Rodrigues (2017), apresentar a África da
antiguidade, com suas hierarquia patriarcal e outras hierarquias de poder, que
preservaram suas tradições sem abandonar ou negar o passado. Pesquisar os
períodos das dinastias de faraós negros que onde ficaram no poder por 60 anos. Por
fim, no capítulo 3, pretende-se contar a história de alguns personagens Bíblicos,
tanto do Velho Testamento quanto do Novo Testamento para conhecê-los no seu
contexto histórico. Procurarei usar imagens para desmistificar a ausência de negros
na Escritura Sagrada. Objetiva-se com essa pesquisa, dar essa visibilidade na
parte da leitura bíblica, para excluir ou minimizar a sensação que o nosso Deus e o
Jesus Histórico, habita e reina somente para alguns, por falta de representatividade
bíblica.

Palavras Chaves: África; Descendência; Faraós Negros; Personagens Bíblicos


Negros.
8

ABSTRACT

The purpose of this research is objectified by the fact that I was born in an
evangelical space, singing in Bible School that my heart was black, that I target
more than the snow I will be and that the color of sin was black. It is proposed to
deepen the history of Africa and the Scriptures to anthropologically and culturally
rescue this theme, both from antiquity and today. In chapter 1 we intend to
address the questions related to the thought of Lopes (2006), and Rodrigues
(2017), which bases the biblical foundations through Black Africa, where the
biblical characters originated, through the descendants of the sons of Noah, to
demystify the idea of ​racial curse. In chapter 2, I will try to present in Valter
Roberto Silvério (2013) and Rodrigues (2017), to present the Africa of antiquity,
with its patriarchal hierarchy and other hierarchies of power, that preserved its
traditions without abandoning or denying the past. Search for periods of dynasties
of black pharaohs that where they stayed in power for 60 years. Finally, in chapter
3, we intend to tell the story of some Biblical characters, both Old Testament and
New Testament to know them in their historical context. I will try to use images to
demystify the absence of blacks in the Holy Scripture. The purpose of this
research is to give this visibility in the part of biblical reading, to exclude or
minimize the sensation that our God and the Historical Jesus inhabits and reigns
only for some because of a lack of biblical representativeness.

Key Words: Africa; Offspring; Black Pharaohs; Black Bible Characters.


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Montagem de fotos do esqueleto de Lucy e um modelo tridimensional


Autolopithccus Afarensis…………………………………………………………………..19
Figura 2 - Aparência de Adão e Eva em Bíblias Antigas…..………….…………….....22
Figura 3 - Sans do Sudoeste africano……………………………………….…………...29
Figura 4 - A Diáspora dos Sans……...…………………………………………………...30
Figura 5 - O antepassado europeu e a Luzia brasileira……..….……………………...31
Figura 6 - Vilarejo africano na cidade de Matongo……………………..……………....35
Figura 7- Prof. Adebayo Najarro na 52ª Festa da Independência da Nigéria em
Curitiba…………………………………………………………………………………..…..39
Figura 8 - Chefe com suas esposas em viagem de caça (Uganda)...........................37
Figura 9 - Palestra missionária do Pr. Pinheiro Manoel sobre a Cultura Africana.….39
Figura 10 - Nomos do Antigo Egito……………………..………………………………..41
Figura 11- Arqueiros núbios - estatueta do Novo Império…………………………......43
Figura 12 - Faraó Taharca…………………………………………………...…..………..45
Figura 13 - Múmia de Maiherperi, nobre de origem núbia, séc XIV a.C……..……....45
Figura 14 - Estátuas antigas encontradas no Nilo……………………………….....…..49
Figura 15 - Agar………………………………………………………………………........52
Figura 16 - Rainha de Sabah, representação artística…………………………….......55
Figura 17- A Rainha de Sabah e o Rei Salomão………………...……………………..57
Figura 18- Rainha líder Candace…………………………………………………...…….58
Figura 19 - Sulamita, a noiva- rainha dos Cânticos dos Cânticos..………………....60
Figura 20 - Profeta Sofonias…………………..……………………………………...…..61
Figura 21 - Sansão, o juiz……………………..……….……………………………….....62
Figura 22 - Simão Cirineu…………………………………………...…………...………..64
Figura 23 - Lúcio de Cirene…………………………………...……………………...…...66
Figura 24 - Eunuco de Candace e Filipe………...………………………………...…….68
Figura 25 - O batismo do eunuco………………..……………………………………….68
Figura 26 - O tribuno……………………………..………………………..……………....70
Figura 27 - Apóstolo Paulo…..…………………………………………………………....71
10

Figura 28 - Afresco: A cura do paralítico…..…………………………..………………...73


Figura 29 - Jesus entre os apóstolos……….………………….…………..…………….74
Figura 30 - Jesus, de pele negra……………………………..…………………………..74
Figura 31- Afresco da imagem de Jesus de 1960…………………...………………....75
Figura 32 - Bíblia de 1611 d.C………………………………………..……………....…..76
Figura 33 - Adam (Adão) e Chavvah (Eva)................................................................76
Figura 34 - Mosheh (Moisés)......................................................................................77
Figura 35 - Yahushua (Josué)....................................................................................77
Figura 36 - Gid’don ( Gideão).....................................................................................78
Figura 37 - David (Davi).............................................................................................78
Figura 38 - Daniyel (Daniel)........................................................................................79
Figura 39 - Zekariyah (Maria).....................................................................................80
Figura 40 - Miryan ( Maria).........................................................................................80
Figura 41 - Keph (Pedro)............................................................................................80
Figura 42 - Shaul (Paulo)...........................................................................................81
Figura 43 - Os Mártires……………………………..……………………………...……...81
Figura 44 - Os Profetas……………………………………...……………………...……..82
Figura 45 - Os Santos……………………………………………………………………...82
11

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. antes de Cristo


Cr. Crônicas
d.C. depois de Cristo
GN Gênesis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
Jr Jeremias
PR Pastor
UNESCO ​United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, traduzido:
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
12

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……..………….……………………………………….……..……....14

CAPÍTULO 1……………………………………………………………………………..19

2. A ÁFRICA NEGRA COMO BERÇO DA HUMANIDADE…………………….....19


2.1 AS TESES DA CRIAÇÃO…………..………………………………………….…..19
2.2 A DESCENDÊNCIA DA CRIAÇÃO……………………..……………………..….22
2.3 COMO NASCEU O RACISMO…………………………………………………….25
2.4 A CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA À DESCENDÊNCIA AFRICANA……..…….29

CAPÍTULO 2……………………………………………………………………………..33

3. HISTÓRIA DA ÁFRICA NA CONSTRUÇÃO DAS SOCIEDADES


AFRICANAS…………………………………………………………………………......33
3.1 A ÁFRICA NA ANTIGUIDADE…………………………………………………....34
3.1.1 Sociedades Tradicionais……………………………………………………….…34
3.2. ESCRAVOS QUE VIRARAM SENHORES………………………………..…….40
3.2.1 A civilização da Núbia…………………………………………………………….41
3.2.2 A 25ª Dinastia dos Etíopes………………………………………………………44
3.2.3 O preconceito arqueológico……………………………………………………...49

CAPÍTULO 3…………………………………………………………………………….52

4 DESCONSTRUINDO A INVISIBILIDADE DOS PERSONAGENS NEGROS


NEGROS ………………………..……...………………………………………………..52
4.1 PERSONAGENS DO VELHO TESTAMENTO………………………………...…52
4.1.1 Agar - a mulher preta que falou com Deus……………………………………..52
4.1.2 Rainha de Sabah - Makeda……………………………..……………………….55
4.1.3 As Princesas Candaces…………………………………………………………..58
13

4.1.5 Sofonias - o profeta negro………………………………………………………..61


4.1.6 Sansão, o juiz……………………………………………………………………...61
4.1.7 Êbed-Melekh, o ministro do rei………………………………………………....64
4.2 PERSONAGENS DO NOVO TESTAMENTO…………………………………....64
4.2.1 Simão Cirineu, o carregador da cruz de Jesus………………………………...65
4.2.2 Lúcio de Cirene, um dos fundadores da Igreja Cristã………………………...66
4.2.3 O eunuco de Candace…………………………………………………………....68
4.2.4 Paulo de Tarso - egípcio, hebreu ou israelita…………………………………..70
4.3 O QUE A HISTÓRIA NOS CONTA?...................................................................74
4.4 UMA ANÁLISE DOS PERSONAGENS BÍBLICOS NA PERSPECTIVA DA
NEGRITUDE……………………………………………………………………………..84

CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………………….87

REFERÊNCIAS……………………………………………………………………….....92
14

INTRODUÇÃO

Este projeto de pesquisa nasceu no meu coração, a partir da minha vivência cristã,
dentro das igrejas evangélicas há 50 anos, sem nunca ter sido privilegiada em
participar de um estudo, uma palestra ou um seminário sobre os personagens
1
bíblicos negros. Cresci cantando na Escola Bíblica que “meu coração era ​preto”​ ,
2 3
que “​alvo​ mais que a neve serei” e que a cor do pecado era ​preto .

O racismo, a pobreza a marginalização, a desigualdade social e econômica tem


prejudicado a vida de homens e mulheres negros, seja rebaixando a sua
auto-estima coletiva ou a própria sobrevivência. O fortalecimento da identidade
negra tem sido prejudicado ao longo dos séculos pela construção negativa da
imagem da pessoa negra, especialmente da mulher negra, desde a estética (cabelo,
corpo, pele, etc) até ao papel social desenvolvido pelas mulheres negras.

A construção do papel social da população negra é sempre pensada na perspectiva


da dependência, da inferioridade e subalternização, dificultando que assumem
espaços de poder , de gerência e de decisão, quer seja no mercado de trabalho,
quer seja no campo de representação política e social, quer seja no campo
eclesiástico. Ainda hoje no século XXI, não temos os direitos humanos (direitos civis,
políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais) da população negra
plenamente respeitado.

O Brasil tem a maior população negra fora da África (aproximadamente 100 milhões
de pessoas), só fica atrás de Nigéria, país do continente africano. No entanto, a
baixa representatividade do negro em todas as esferas sociais, dificulta a visibilidade

1
Meu Coração Era Preto, mas Cristo aqui já entrou; Com seu precioso sangue, tão alvo assim o
tornou. E diz em sua Palavra que em ruas de ouro andarei; Oh! Dia feliz quando eu cri, e a vida
eterna eu ganhei.

2
Hino do Cantor Cristão nº 123 - Bendito o Cordeiro, usualmente usado na ministração no Culto da
Ceia do Senhor.
3
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17/08/2018.
15

e a equidade racial, a fim de possam exercer plenamente os direitos. Mas, e quando


essa invisibilidade parte da leitura bíblica?

A Bíblia tem a cor de todas as culturas. É contemporânea de todas as eras. É nela


onde encontramos o berço da humanidade. É nela que inspiramos as leis da nossa
Constituição Brasileira haveria de perdurar até 1859, quando o engenheiro francês
Ferdinand de Lesseps pôs-se a construir o Canal de Suez. A partir daí, foi a África
separada não somente geográfica, mas sobretudo histórica, cultural e
antropologicamente do que hoje chamamos ​Oriente Médio​. De repente, aquela
milenária extensão da África passa a figurar nos mapas como se fora Ásia.

Conseqüentemente, muitos cristãos deixaram de atentar para um fato


importantíssimo: Israel é uma nação tão africana quanto semita, e a mensagem que
legou ao mundo teve, como prelúdio, o continente negro. Se tais nuanças não são
percebidas pelos leitores da Bíblia, como atentarmos à explícita participação do
negro na História Sagrada? Como evidenciar a participação do negro na Bíblia
tornando-se mais clara? É mister que comecemos por derrubar alguns mitos tidos
como dogmas?

Segundo a concepção hebraico-cristã, não há nenhuma maldição em ser negro nem


bênção alguma em ser branco. ​O cristianismo, mesmo firmando-se como de origem
divina, é historicamente de matriz africana. No mundo do Velho Testamento as
raízes bíblicas da fé judaica têm uma relação em separável dos etíopes. Que no
contexto da época não significava um morador da Etiópia. O termo “etíope” não
somente se referia aos habitantes daquela antiga terra antiga, mas também aos
povos de pele escura ao redor de todo o globo. Essa relação continuou por muito
tempo resultando os judeus falasha etíope. “Cusi” se refere a uma pessoa de
descendência africana.

Pretende-se evidenciar na pesquisa os personagens bíblicos negros, dentro do seu


contexto histórico e descolonizar o pensamento de que, tanto no Velho Testamento
quanto no Novo Testamento as referências de filósofos, inclusive nos dias de
16

Jesus. Ele viveu num contexto africano ou já era eurocentralizada? Sua ida ao
Egito após o nascimento, a sua vida na Palestina fazia parte da África? Por que a
invisibilidade dos personagens das histórias bíblicas sagradas? O fato da Etiópia ser
um país cristão mais velho do mundo é discutível para pensar em um cristianismo de
matriz africana? Pelo menos nove dos dezoitos líderes no cristianismo pós-Novo
Testamento eram Africanos. Dentre eles: Clemente, Orígenes, Tertuliano, Cipriano,
Dionísio, Atanásio, Dídimo, Agostinho e Cirilo. Agostinho é reconhecido como o pai
da teologia?

O povo do Norte da África e Egito eram de pele escura, antes da conquista dos
árabes. Qual o legado para os afrodescendentes nos dias de hoje? Marilene Chauí
(2003) afirma que “​a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as
idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa
existência cotidiana; Jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado,
compreendido”.

Encontramos na História da África Negra que os núbios foram reis do Egito por 60
anos, entre 1916 e 1919, George Reisner da Universidade de Harvard embarcou no
racismo. A dinastia dos faraós negros foram vítimas de preconceito arqueológico. As
pirâmides de Meroé e o faraó Taharca. A história foi ignorada por muito tempo.
Recusava-se acreditar que pudessem ter sido negros. Somente a partir da década
de 1960 que começou a ser desmontada e arquivada em 2003, quando o
arqueólogo suíço Charles Bommet encontrou em território sudanês sete grandes
estátuas dos faraós negros, entre eles, estava Taharga, filho de Piye e 3º faraó
negro de 25ª dinastia egípcia e personagem da Bíblia, como Tiraca no contexto
bíblico, que ainda não era faraó (II REIS 19.9).

É importante analisar a questão “cor da pele” em meio a todos esses fatos. Na


antiguidade, a cor não era fruto de preconceito. Os faraós negros tinham peles
escuras e isso não era um fator relevante. Pergunta-se, o que ocorreu para essa
omissão histórica?
17

Portanto, nesta temática propõe-se desconstruir o racismo bíblico que nos foi
imposto através da classificação das três raças, sendo uma apresentada a
sociedade como amaldiçoada.

No capítulo 1 abordaremos as questões relacionadas ao pensamento de Maciel


Mana Lopes, bem como Rodrigues (2017), que embasa os fundamentos bíblicos
através da África Negra, onde os personagens bíblicos se originaram. Lopes (2006)
afirma que o cristianismo não nasceu na Europa, mas sim na África e faz-se
importante nesta pesquisa ao utilizar-se da fonte J para afirmar que:

O texto de Gênesis 2. 8-14 relata a expansão do Jardim do Éden. No


extremo oriente há um rio que se divida em quatros braços que descem até
Hévila e Cuch. Este texto é atribuído à fonte J cujo jardim incluía as terras
africanas. O que os israelitas chamam de Cuch, equivale ao que o mundo
helênico chama de Etiópia. Para os israelitas, trata-se de uma região perto
do rio Nilo; antigamente este território adentrava-se mais para regiões
centrais africanos, a região dos grandes lagos. Nesse território, no final da
quarta catarata, poderia estar a origem do mundo”.4

Segundo o autor, existe duas interpretações das escrituras: a javista e a sacerdotal.


A primeira ressalta e exalta a presença africana na origem da humanidade enquanto
a segunda rechaça qualquer influência de africanos, sobretudo, egípcios na origem
da existência. humana. Segundo Lopes (2006):

Enquanto que na tradição javista as genealogias das terras africanas são


apresentadas como principais, na sacerdotal são descritas como um
elemento filial à humanidade de Cam. Enquanto que as passagens de Gn.
10 evidenciam influências parecem ser minimizadas a simples relações
genealógicas. Enquanto a fonte javista apresenta o quadro de influências
africanas como primárias dentro do mundo, a fonte sacerdotal descreve um
mundo no qual a influência é diminuída.

No capítulo 2, em Valter Roberto Silvério e Rodrigues, será apresentado a África da


antiguidade, onde houve várias hierarquias de poder que preservaram suas
tradições sem abandonar ou negar o passado. A evolução partiu da organização em
famílias, clãs, aldeias, confederações, cidades e reinos. De clãs para reinos, as

4
LOPEZ. Maciel Mana. ​Raízes afro-asiáticas do mundo bíblico​​ - Desafios para a exegese e a
hermenêutica latino-americana. In: Raízes afro-asiáticas no Mundo ´bíblico. Revista Ribla n. 54.
Petrópolis. Editora Vozes, 2006. pág. 26 Abud. 26.
18

Sociedades Africanas chegaram à antiguidade como grande civilizações. Dentre elas


os períodos das dinastias de faraós negros que onde ficaram no poder por 60 anos.
Segundo Silvério (2013)5, em 1530 a.C., os faraós impuseram uma severa derrota
aos núbios, que só conseguiram se reerguer no ano de 751 a.C., quando um líder
guerreiro de Kush, chamado Piankhy, conquistou o palácio real em Tebas e
implantou a 25ª dinastia de faraós, que governou o Egito até a guerra contra os
assírios no ano de 664 a.C. Esta dinastia tem registro bíblico no livro de II Reis 19.8
-116 e registrado também em Isaías 37. 8-20:

O oficial assírio soube que o rei da Assíria havia saído de Laquis e que
estava lutando contra a cidade de Libna. Então foi até lá para falar com ele.
Os assírios souberam que o exército dos egípcios, comandado pelo rei
Tiraca, da Etiópia, vinha vindo para atacá-los. Quando o rei da Assíria
soube disso, mandou uma carta para o rei Ezequias, de Judá. A carta dizia
assim: “O seu deus, em quem você confia, lhe disse que Jerusalém não vai
cair nas minhas mãos; mas não deixe que ele o engane. Você já ouviu falar
daquilo que um rei assírio faz com qualquer país que ele resolve destruir?
Por acaso, você pensa que poderá escapar? ​(BÍBLIA NTLH, 2000).

Por fim, no capítulo 3, os autores da Bíblia, tanto do Velho Testamento quanto do


Novo Testamento e Marco Davi de Oliveira autor e pastor de referência, para
desmistificar a ausência de personagens negros na Bíblia e uma reparação histórica.

Aos poucos, a população negra entende-se que deve reivindicar o reconhecimento


da sua história e da sua cultura, passando a buscar o conhecimento como um direito
e continuidade da academia como possibilidade de conseguir a certificação exigida
socialmente para entrar para o campo da pesquisa científica.

5
SILVÉRIO, Valter R. ​Síntese da coleção História Geral da África:​​ século XVI ao século XX/
coordenação de Valter Roberto Silvério e autoria de Maria Rocha e Muryatan Santana Barbosa.
Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2013. 784p.

6
BÍBLIA SAGRADA. ​Nova tradução na linguagem de hoje​​. Sociedade Bíblica do Brasil. São
Paulo,2000.
19

CAPÍTULO I

2 A ÁFRICA NEGRA COMO BERÇO DA HUMANIDADE

Começamos este capítulo com uma frase bem conhecida: “No Princípio criou Deus o
céu e a terra” (GÊNESIS 1.1). Pretende-se analisar que esta terra era o continente
africano onde tudo começou.

2.1 AS TESES DA CRIAÇÃO

É na Era Terciária que surgiram as primeiras famílias hominídeas, mamíferos da


ordem dos Primatas, a qual também pertence o gênero humano. Segundo pesquisas
recentes, os hominídeos são divididos em dois gêneros: o mais antigo é o
Australopithecus e o mais recente o Homo. Esse último está subdividido em
espécies: Homo habilis, Homo erectus, Homo neanderthalensis e Homo sapiens
(COPPENS, 2010).
Na Etiópia, no ano de 1974, a mais significativa personagem histórica foi encontrada
por um grupo de pesquisadores internacionais. Os 52 fragmentos de uma fêmea de
Australopithecus afarensis de 3,2 milhões de anos é considerado o ancestral comum
do Australopithecus e Homo sapiens. Foi batizada com o nome de Lucy por causa
da canção “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos The Beatles, que tocava no
momento da descoberta, em Lower Awash Valley, a 300 km a nordeste da capital
Addis Abeba.

O mais antigo esqueleto recuperado data de 4,4 milhões de anos. Foi encontrado na
mesma região que a Lucy e recebeu o nome de Ardi, uma fêmea de
Australopithecus que media, aproximadamente, 1,20 m e pesava cerca de 50 kg. O
Australopithecus se ramificou para outras espécies de hominídeo, alguns ficaram
mais altos, desenvolveram o andar sob duas pernas, deixando os membros
superiores livres para agarrar objetos, passaram a controlar o fogo, a fabricar
instrumentos de pedra e madeira e a criar linguagens. Nesse trajeto da evolução
20

humana, o último grande acontecimento ocorreu há 1 milhão de anos, durante a Era


Quaternária. Entre 200 a 100 mil anos, aparece o Homo sapiens, cujos vestígios
foram encontrados nas savanas da África (KI-ZERBO, 2010; MURRAY, 2007).

Figura 1: ​Montagem de fotos mostra o esqueleto de Lucy e um modelo tridimensional do Australopithecus


afarensis

Fonte: ​ (Foto: University of Texas at Austin via AP/AP Photo/Pat Sullivan)

A tese evolucionista defende que o desenvolvimento das espécies aconteceu em um


procedimento de longos milhões de anos, sendo a seleção natural o fator chave. Os
animais que melhor se adaptaram às mudanças do ambiente, por meio de mutações
em sua biologia, foram aqueles que conseguiram sobreviver.

O debate sobre a origem, evolução e expansão humana surge no século XIX e


perpassa por duas correntes: a primeira é a vertente criacionista, que procura
explicar a formação do mundo e do homem por meio das narrativas bíblicas, mais
21

precisamente no livro do Gênesis, onde se encontram os detalhes da maneira como


Deus criou o planeta:

No princípio Deus criou os céus e a terra. Era a terra sem forma e vazia;
trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a
face das águas.Disse Deus: "Haja luz", e houve luz. Deus viu que a luz era
boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou
noite. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o primeiro dia. Depois disse
Deus: "Haja entre as águas um firmamento que separe águas de águas".
Então Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam embaixo do
firmamento das que estavam por cima. E assim foi. Ao firmamento Deus
chamou céu. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o segundo dia. E
disse Deus: "Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu,
e apareça a parte seca". E assim foi. À parte seca Deus chamou terra, e
chamou mares ao conjunto das águas…[...]. Esta é a história das origens
dos céus e da terra, no tempo em que foram criados: Quando o Senhor
Deus fez a terra e os céus, ainda não tinha brotado nenhum arbusto no
campo, e nenhuma planta havia germinado, porque o Senhor Deus ainda
não tinha feito chover sobre a terra, e também não havia homem para
cultivar o solo. Todavia brotava água da terra e irrigava toda a superfície do
solo. Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em
suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente
(GÊNESIS 1.31-2.7).

A segunda foi desenvolvida por intermédio da crítica à primeira e é chamada de


evolucionista. Trata-se da explicação elaborada pelo pensamento científico do
período, sendo a obra mais influente “A origem das espécies”, de 1859, escrito pelo
cientista inglês Charles Darwin (1809-1882). Segundo o pesquisador Leakey,

o estudo da origem do homem baseia-se em grande parte numa abordagem


pluridisciplinar, que não se limita ao estudo de ossadas fósseis e vestígios
arqueológicos; a geologia, a paleontologia, a paleoecologia, a geofísica e a
geoquímica desempenham papel preponderante, e, para os estágios mais
recentes, quando os hominídeos começaram a usar instrumentos, a
arqueologia é fundamental (LEAKEY, 2010. p. 495).

A África encontra-se praticamente isolada dos demais continentes. Na fronteira


norte, o mar Mediterrâneo distancia a África da Europa e, na fronteira nordeste, o
Mar Vermelho afasta o continente da Península Arábica. Existia uma pequena
ligação natural por terra entre o Egito e a Península do Sinai, mas foi interrompido,
em 17 de novembro 1869, com a inauguração do Canal de Suez, projeto
22

desenvolvido, entre 1859 e 1869, pela companhia francesa Suez, de Ferdinand de


Lesseps, em parceria com o governo egípcio. À partir deste momento, a história da
África foi separada no imaginário histórico, transferindo todo o conhecimento e
reconhecimento para a Europa e Ásia. A África é o terceiro maior continente, com
54 países, atrás, apenas, da Ásia e das Américas. São 30.221.532 km², cerca de
25% da superfície do planeta, distribuídos entre as principais coordenadas
geográficas: o Meridiano de Greenwich na vertical e, na horizontal, a linha do
Equador, o Trópico de Câncer ao norte e o Trópico de Capricórnio ao sul (
MURRAY, 2007) e (SERRANO, 2010).

A “ausência de civilização” representada na imagem de uma África tomada


por uma grande floresta equatorial, impenetrável, recheada de feras, insetos
nocivos e povos primitivos, é uma construção do colonialismo do século XIX
que foi repetido a exaustão no século XX, por meio dos relatos de viajantes,
literatura de ficção, bibliografia acadêmica e pelo cinema (Serrano, 2010).

Sabe-se hoje que a humanidade teve seu início neste continente, portanto, foi aí
onde as grandes transformações que geraram o ser humano atual, se fizeram pela
primeira vez.

Do mesmo modo, as principais descobertas tecnológicas realizadas nos princípios


da humanidade são originárias da África como o fogo, instrumentos de matérias
variados tais como pedras, ossos, madeiras, etc., descobertas e invenções que
possibilitaram a expansão dessa espécie pelo planeta e garantiram sua
sobrevivência, apesar das dificuldades do meio físico e das ameaças de outras
espécies. Portanto, foi na África que o ser humano se transformou em um ser que
fabrica ferramentas, que hoje chamamos de tecnologia e se diferenciou
consideravelmente das demais espécies.

2.2 A DESCENDÊNCIA DA CRIAÇÃO

Existe um certo mal-estar no campo da ciência e da teologia eclesiástica em admitir


o fato de que o ser humano e seus antepassados se originaram na África. Seguindo
23

a linha da criacionismo, a descendência dos povos nasce no Jardim do Éden com a


declaração divina “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre tua descendência e o
seu descendente. Este te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. E onde fica o
Édén? Exatamente nas terras de Kush, Hávila e Assíria. Essas terras ficavam ao
norte da África em sua maior parte e a Ásia.

Figura 2: Aparência de Adão e Eva em bíblias antigas.

Fonte: anaburke

Portanto, podemos afirmar que o cristianismo também têm matizes africanas e não
nasceu na Europa mas sim na África como afirma Maricel Lopes:

O texto de Gênesis 2.8-14 relata a expansão do Jardim do Éden. No


extremo oriente há um rio que se dividia em quatro braços que descem até
Hávila e Cuch. Este texto é atribuído à fonte J cujo jardim incluía as terras
africanas. O que os israelitas chamam de Cuch equivale ao que o mundo
chama de Etiópia. Para os israelitas, trata-se de uma região perto do rio
Nilo; antigamente este território adentrava-se mais para regiões centrais
africanos, a região dos grandes lagos. Nesse território no final da quarta
catarata, poderia estar a origem do mundo (LOPES, 2006).
24

Segundo Oliveira (2016) percebe-se que há “interesses ideológicos e econômicos


nas duas fontes de interpretações das escrituras: a javista e a sacerdotal”. A primeira
ressalta e exalta a presença africana na origem da humanidade enquanto a segunda
rechaça qualquer influência de africanos, sobretudo, egípcios na origem da
existência humana:

Enquanto que na tradição javista as genealogias das terras africanas são


apresentadas como principais, na sacerdotal são descritas como um
elemento filial à humanidade de Cam. Enquanto que passagens javistas de
Gn. 10 evidenciam influências parecem ser minimizadas a simples relações
genealógicas. Enquanto a fonte javista apresenta o quadro de influências
africanas como primárias dentro do mundo, a fonte sacerdotal descreve um
mundo no qual a influência africana é diminuída (LOPES, 2006).

Nota-se a presença maciça da população negra, mesmo entre o povo de Israel como
como mostra Lopes7:

Segundo a memória dos próprios israelitas, quatro das doze tribos de Israel
tem origem africanas. A primeira é a tribo de Levi; segundo Números 12,
uma parte desta tribo tem raízes cuchitas com Zípora, a mulher de Moisés.
A segunda pode-se encontrar no Sl 7.1: aqui vemos relação entre Benjamin
e pelo menos uma pessoa ligada a Cuch (Davi canta com referência a
Cuch); a terceira e quarta tribos estão referenciadas em Gn 41.39-56 onde
Efraim e Manassés tem raízes camitas. Encontramos mais uma tribo em
Gn. 38, na história de Tamar e Judá. No início deste relato, Judá parece
revoltado com o tratamento que os irmãos infligiram ao irmão José. Este
agora está na escravidão no Egito, e Judá se afastou dos outros 10 irmãos
e foi para território cananeu. O que fez lá? Nesta terra juntou-se com uma
cananéia, gerou três filhos dos quais dois morreram e o terceiro não foi
entregue à mãe conforme a lei israelita. Então Tamar volta à casa materna e
anos depois seduziu Judá, quando ficou óbvio que ele não tinha nenhuma
intenção de dar a ela um último filho. Então Tamar gerou de seu sogro Judá
filhos gêmeos que estenderam a linha judaíta. Então Tamar, a Cananéia,
passou a ser parte da linha davídica a partir dessa união. Aqui temos uma
tribo afrodescendente judaíta.

Entretanto, foram enraizadas dentro da igreja cristã algumas interpretações e


solidificadas nos púlpitos e edificadas através do sistema educacional que atinge

7
LOPEZ. M. M. ​Raízes afro-asiáticas do mundo bíblico - ​Desafios para a exegese e a hermenêutica latino-americana. In: Raízes
afro-asiáticas no Mundo bíblico. Revista RIBLA n. 54. Petrópolis: Editora Vozes, 2006.
25

desde crianças até idosos indistintamente. Ensinamentos reproduzidos de


intérpretes biblitas dos Estados Unidos da América e da Europa.

2.3 COMO NASCEU O RACISMO

Por muitos anos essas interpretações davam aos líderes eclesiásticos subsídios
para perpetuarem práticas racistas, mesmo que veladas, sem serem incomodados
ou confrontados pela bíblia que é “espada de dois gumes” como afirma em Hebreus
4.12. Quero pontuar as chamadas maldições contra negros e negras do Brasil.

Em função da limitação do tema, não quero entrar nas definições e conceitos de


raça, racialização e meritocracia racial, pois é uma temática debatida em vários
espaços, principalmente os acadêmicos, porém a classificação da humanidade em
raças hierarquizadas desembocou numa teoria pseudo-científica, a raciologia, que
ganhou espaço no início do século XX, serviu para justificar e legitimar os sistemas
de dominação racial, do que como explicação da variabilidade humana.

Segundo Munanga (1988),

O racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela


intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. O
racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista
não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos. A raça na cabeça
dele é um grupo social com traços culturais, linguísticos, religiosos, etc., que
considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence. De outro modo, o
racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características
intelectuais e morais de um dado grupo, são consequências diretas de suas
características físicas ou biológicas.

A primeira origem do racismo vem da Bíblia, do personagem bíblico Noé, do qual


resulta a primeira classificação religiosa da diversidade humana entre seus três
filhos, ancestrais das três raças: Jafé (ancestral da raça branca), Sem (ancestral da
raça amarela) e Cam (ancestral da raça negra). Segundo o livro de Gênesis, capítulo
nove, o patriarca Noé, após sair de um dilúvio onde somente ele e sua família
sobreviveram, povoaram a região e prosperaram. Sendo agricultor, e após tomar
26

vinho, se embriagou e ficou nú. Cam, ao encontrar o pai naquela postura, fez, junto
aos seus irmãos Jafé e Sem, comentários desrespeitosos sobre o pai. Os outros
dois filhos tomaram uma capa e cobriu a nudez do pai, andando de costas e rostos
desviados, sem que o visse a sua nudez. Assim, ao ser informado pelo seus outros
filhos da depreciação de Cam, amaldiçoou-o dizendo: “Maldito seja Canaã; seja
servo dos servos a seus irmãos. E ajuntou: Bendito seja o Senhor, Deus de Sem; e
Canaã lhe seja servo. Engrandeça Deus a Jafé, e habite ele nas tendas de Sem; e
Canaã lhe seja servo”. BÍBLIA SAGRADA, (2012).

Os descendentes de ​Jafé ​e os povos, segundo o mesmo livro são: Gomer


(Alemanha)​, Magogue, Tubal e Meseque (Rússia),​ Madai ​(Pérsia)​, Javã ​(Grécia),​
Tiras ​(Itália)​, Togarma ​(Armênia)​, Társis ​(Espanha),​ ​Quitim (Chipre),​ que seria a
atual Europa, GN. 10.2-5. Já os descendentes de Sem ​seriam por intermédio de
Abraão, Isaque e Jacó: a ​nação israelita -​ por intermédio de Abraão, Ismael e Esaú,
os países árabes ​do Oriente Médio. GN. 10.21-31; 11.10-32. E os descendentes de
Cam ​seriam os povos: Cuxe ​(Etiópia).​ Mizraim ​(Egito),​ ​Pute ​(África)​, Canaã (os
cananeus da Palestina), Ninrode ​(Babilônia e Assíria), Sidom (Fenícia)​, Hete ​(os
hititas)​, Jebus ​(os jebuseus),​ ocupantes de Jerusalém antes do reinado de Davi),
Casluim ​(os filisteus)​, Sin (possível fundador dos povos asiáticos da ​China, Japão,
Índia) etc. CAVALCANTI, (2016). Nota-se que estes países, hoje são separados em
continentes: Europa, África, Ásia, América e Oceania, mas os povos considerados
malditos, são os africanos e afrodescendentes.

Já o cristianismo ocidental, posteriormente, associou certas cores com uma


variedade adicional de significados. O resultado foi a personificação de um
simbolismo cromático que refletia o mundo clássico. Ao contraste branco/negro,
foram adicionados significados similarmente dicotômicos tais como bom/mau,
puro/diabólico, espiritual/carnal, Cristo/Satanás, (Bastide, 1968, pp 36). Assim por
um lado cor passou a expressar uma avaliação hierárquica religiosa que se ampliou
no conteúdo secular da cultura cristã européia e, por outro lado, monstruosidade,
pecado e negrura constituíram uma forma diferente de trindade no interior dessa
mesma cultura naquele período ( Miles, 1989, p. 17). Dessa maneira, na estrutura do
27

pensamento binário em que o eixo central era religioso, e reforçava a dualidade


eu/outro.

A segunda origem do racismo está ligada ao modernismo ocidental. Segundo


Munanga (1988):

Ela se origina na classificação dita científica derivada da observação dos


caracteres físicos (cor da pele, traços morfológicos). Os caracteres físicos foram
considerados irreversíveis na sua influência sobre os comportamentos dos povos.
Essa mudança de perspectiva foi considerada como um salto ideológico
importante na construção da ideologia racista, pois passou-se de um tipo de
explicação na qual o Deus e o livre arbítrio constitui o eixo central da divisão da
história humana, para um novo tipo, no qual a Biologia (sob sua forma simbólica)
se erige em determinismo racial e se torna a chave da história humana.

Carl Von Linné, o Lineu, naturalista sueco, que fez a primeira classificação racial das
raças na diversidade humana, dividindo o ​Homo Sapiens ​em quatro raças:

Americano​​, descreve como moreno, colérico, cabeçudo, amante da liberdade,


governado pelo hábito, tem corpo pintado.

Asiático: ​amarelo, melancólico, governado pela opinião e pelos preconceitos, usa


roupas largas.

Africano: ​negro, flegmático, astucioso, preguiçoso, negligente, governado pela


vontade de seus chefes (despotismo), unta o corpo com óleo ou gordura, sua mulher
tem vulva pendente e quando amamenta seus seios se tornam moles e alongados.

Europeu: branco, sanguíneo, musculoso, engenhoso, inventivo, governado pelas


leis, usa roupas apertadas.

Nota-se nessa descrição de raças que somente as características do corpo da


mulher africana, obteve destaque e negativo, e ainda se mantém no imaginário
coletivo das novas gerações.
28

A descrição dos viajantes que navegavam para as Américas, África e Índia era de
forma consistente em direção à cor da pele e de outras características físicas tais
como o tipo do cabelo, a semi ou completa nudez das populações nativas (Cole,
1972, p 64-65). Eram representadas como selvagens e/ou canibais, negros
selvagens, muitos rudes, também descreviam como bestas na pele de homens e
intermediários entre o homem e o macaco (Silvério, 1999).

Entretanto, o interrelacionamento, até então inexistentes, aflorou na colonização


entre populações nativas. Tais relacionamentos foram sendo crescentemente
estruturados pela competição por terras, pela introdução dos direitos de
propriedades privada, pela demanda de força de trabalho e pela necessidade de
conversão para o cristianismo, dentro do discurso da civilização.

No final do século XVIII, segundo Silvério (1999, p.53), a chave para o entendimento
das diferenças era dada pelo velho testamento. As diferenças visíveis da aparência
externa podiam ser interpretadas como: parte de um desígnio divino; causada pela
diferença de ambiente; ou originadas por um ancestral diferente. Em qualquer dos
casos, o significado dominante da palavra raça é o descendente.

Munanga (1994), lembra que entre os anos 70 e 80, ocorre um deslocamento nos
debates sobre racismo e anti-racismo. Ocorre uma racialização da cultura, da
religião, das tradições e das mentalidades, produzindo o surgimento do pluralismo
cultural. Para esse autor, a substituição da noção biológica de raça pela noção de
cultura implica um deslocamento da problemática e a aceitação por todos, porque
nele se esconde o racismo.
29

2.4 A CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA À DESCENDÊNCIA AFRICANA

Como este tema é bastante polêmico pois mexe com nosso imaginário,
apresentaremos uma pesquisa que foi recentemente, na maior investigação
científica jamais realizada sobre a diversidade genética da África, berço da
humanidade há cerca de 200.000 anos, pela Universidade da Pensilvânia, sob a
coordenação da antropóloga e geneticista Sarah Tishkoff. Esta pesquisa durou mais
de dez anos, incluindo a coleta de material genético de 3.194 integrantes de 113
populações da África. A conclusão da pesquisa foi que o homem moderno surgiu
numa região situada no sudoeste africano, precisamente, na fronteira entre Angola e
a Namíbia. Lúcio Flávio da Silveira Matos8, citou em seu artigo “O nosso berço”
que:

É ali que vivem hoje aproximadamente 100.000 pessoas do povo San, que
se sustentam essencialmente da caça e da coleta. É o povo africano de
maior variedade genética, a tal ponto que os pesquisadores da Universidade
da Pensilvânia foram levados a concluir que os antepassados dos Sans é
que deram origem à humanidade (MATOS, 2009).

Outras pesquisas já mostraram que uma distância crescente da África, leva a uma
sucessivamente menor diferenciação de genes das populações do nosso planeta.
Portanto, conclui-se ser a África o berço da humanidade, pois a população original
teve mais tempo para acumular variações no seu genoma, o que é denominado de
"efeito fundador".​ Assim, as populações mais distantes da África são descendentes
de grupos migratórios pequenos e relativamente recentes, o que é traduzido em
maior homogeneidade genética.

8
Disponível em:​ < ​http://kabiaka.blogspot.com/2009/​>​. Visualizado em 14/09/2018.
30

Figura 3: Sans do Sudoeste Africano

Fonte: (Veja, 12/05/2009).

A pesquisa americana concluiu ainda que os antepassados dos Sans viveram a


primeira diáspora pela África. Também,

que um bando tribal de até 150 integrantes teria deixado a África, há 50.000
anos, cruzando o Mar Vermelho em direção à Ásia e daí conquistou o
mundo. Conclui-se que os africanos colonizaram primeiro o hemisfério
norte, bem antes de serem colonizados pelos povos brancos, os seus
descendentes (MATOS, 2009).

Por fim, os pesquisadores descobriram que todos os africanos são descendentes de


catorze populações. Para obterem esse resultado, eles compararam os padrões
genéticos com a etnia, a cultura e a língua dos povos pesquisados. Descobriram
fortes relações entre os traços genéticos e a cultura de cada povo, com poucas
exceções. S​egundo Sarah Tishkoff, "os africanos têm sido negligenciados nas
pesquisas de mapeamento genético porque o acesso aos grupos com maior
diversidade genética é difícil”.
31

​Figura 4: A Diáspora dos Sans

Fonte: (Veja, 12/05/2009).

Segundo as pesquisas, o médico e artista plástico Richard Neave, da Universidade


de Manchester, especializado em reconstituição facial, mostrou há dez anos como
era o rosto de Luzia, o fóssil mais antigo de um brasileiro, com 11.500 anos, também
reconstruiu a face do primeiro europeu, baseado em partes do crânio e da
mandíbula de um Homo Sapiens de 35.000 anos encontrada em 2002, na Romênia.
Nestas reconstruções faciais, a semelhança entre as duas reconstituições ajuda a
entender que as diversas etnias humanas provieram de uma população reduzida de
seres humanos e que as feições caracteristicamente negróides dessas
reconstituições, confirmam a tese do berço comum da humanidade. Walter Neves,
arqueólogo da Universidade de São Paulo, afirma que ​"​o processo de diferenciação
que produziu brancos, negros ou japoneses começou só há 10.000 anos [… ] antes
desse período, todo mundo possuía rosto semelhante ao dos atuais africanos”.

A semelhança entre Luzia e o primeiro europeu se deve também às técnicas de


Neave, que sabe como poucos especialistas em reconstituição como os tecidos da
face se amoldam a determinados tipos de osso.
32

​ Figura 5: O antepassado europeu e a Luzia brasileira

Fonte: (Veja, 12/05/2009).

As conclusões das pesquisas genéticas e a construção do conhecimento, têm dado


sustentação a temática desenvolvida.
33

CAPÍTULO II

3. HISTÓRIA DA ÁFRICA NA CONSTRUÇÃO DAS SOCIEDADES AFRICANAS

Neste capítulo pretende-se apresentar a contribuição das sociedades africanas para


a cultura afrodescendente e a tradição, enquanto família e a dinastia de faraós
negros no Egito. Antes de entrarmos no assunto, preciso conceituar algumas
palavras.

A definição da palavra hegemonia9 significa “preponderância de alguma coisa sobre


outra”. É a supremacia de um povo sobre outros povos, ou seja, a superioridade
que um país tem sobre os demais, tornando-se assim um Estado soberano. O
Estado que detém a hegemonia possui influência em diversas áreas, especialmente
em termos econômicos, culturais, poder militar, como armas, aviões, munição, e etc.
A hegemonia também pode ser em termos políticos. ​Para Gramsci, hegemonia é o
domínio de uma classe social sobre as outras, em termos ideológicos, em especial
da burguesia com as classes de trabalhadores.

Estes sistemas influem sobre as massas populares como força política


externa, como elemento de força coesiva das classes dirigentes, e, portanto,
como elemento de subordinação a uma hegemonia exterior, que limita o
pensamento original das massas populares de uma maneira negativa, sem
influir positivamente sobre elas, como fermento vital de transformação
interna do que as massas pensam, embrionária e caoticamente, sobre o
mundo e a vida. (GRAMSCI, 1999, p.115).

A hegemonia está atrelada a uma forma particular de dominação, ela acontece


quando uma classe consegue a aceitação ou o apoio irrestrito da outra,
normalmente inferiorizada economicamente. “Hegemonia, então, refere-se tanto aos
mecanismos e bases sociais da dominação quanto ao fato da própria dominação”
(JOHNSON, 1997, p. 123).

9
Disponível em: <​https://www.significados.com.br/hegemonia​>. Visualizado em: 22/09/2018.
34

3.1 A ÁFRICA NA ANTIGUIDADE

Quando pensamos nas sociedades africanas, logo vem a imagem de miséria e de


tribos com vestes típicas. Essa visão sobre o continente africano nos foi imputada, já
que a História da África nos foi negada e a desinformação atuou como meio de
manter o estereótipos raciais desenvolvido por vários pensadores, como o filósofo
iluminista Hegel (1770-1831), que em sua famosa obra “Filosofia da história”, com o
título original Lições sobre a Filosofia - póstumo: 1937, escreveu:

África não é um continente histórico; ela não demonstra nem mudanças nem
desenvolvimento, e o negro representa o homem natural em todo a sua barbárie e
violência; para compreendê-lo devemos esquecer todas as representações
europeias. (HEGEL, 1937 apud HERNANDEZ, 2008, p.21).

Esta era a ideia do africano por séculos e foi neste contexto, como um ser não
pensante, por ser diferente que foi considerado inferior racialmente. A força do
discurso hegemônico está presente nos debates referentes ao negro e sua história,
por meios de descrições que enfatizam situações de subserviência exploração, sem
a preocupação em demonstrar uma história da população negra muito além da
escravidão. Além disso, esse discurso atribui aos povos europeus a superioridade
cultural, política e econômica.

Devido a esse discurso, é importante resgatarmos as contribuições sociais, culturais,


políticas, religiosas e econômicas da população negra, e a sua importância para a
formação histórica do Brasil e do mundo. Nessa perspectiva, a proposta é as
sociedades tradicionais africanas para contrapor o pensamento hegemônico.

3.1.1 Sociedades Tradicionais

A definição da palavra tradição é “ato ou efeito de transmitir ou entregar,


relacionar-se com a transmissão via oral ou escrita, de fatos, lendas, usos e
costumes, de geração para geração” (HOUAISS, 2002). Assim, sociedades
tradicionais segundo Rodrigues (2017), são aquelas que, de alguma forma
35

conservam tradições, mais não significa o abandono da modernidade. Tradição não


é sinônimo de atraso social e sim de identidade cultural. É importante salientar o
conceito, para compreensão da África no século XXI, já que a população preserva
suas tradições fazendo delas a principal referência cultural e social.

O termo tradição contrasta-se com a modernidade. As ciências sociais interpretam o


termo moderno como uma “sociedade geradora de um enquadramento
simultaneamente técnico e unificador, grafada via de regra como ocidental”
(SERRANO, 2010, p. 127). Assim, o que julgamos como mundo moderno, seria um
estilo de vida e/ou de convívio social separado de qualquer tipo de tradição. Logo,
atribuímos às sociedades diferentes da nossa o caráter tradicional, e a ocidental, a
característica de moderna, como que ser moderno é ser ocidental.

Vivemos em um mundo em que conhecemos muito bem a história da Europa e bem


pouco sobre outros lugares do mundo, moldando nossa mente em um exemplo de
civilização como sendo o mais desenvolvido. Esse olhar interfere diretamente na
maneira de interpretar as sociedades, pois, utiliza-se a sociedade européia como
modelo de desenvolvimento e todas aquelas diferentes, são classificadas como
atrasadas.

Quase todas as sociedades africanas se organizaram em aldeias em algum


momento na história. As famílias residentes nesses povoados eram dirigidas por um
chefe da aldeia, responsável por gerenciar toda a comunidade aldeã, aplicando
castigos físicos àqueles que fugiam às normas sociais, distribuindo as terras entre
famílias e liderando os guerreiros em caso de conflito.
36

Figura 6: Vilarejo africano na cidade de Matongo

Fonte: File: African

Segundo Souza (2007, p. 31), as sociedades africanas estavam organizadas a partir


da “fidelidade ao chefe e das relações de parentesco”, as famílias compreendiam o
núcleo principal de organização social e eram formadas pelo chefe de família e seus
agregados. Para o africano, a família é o centro da vida social e individual, pois a
sua identidade está concentrada no núcleo familiar.

Assim, o modelo da família africana não é o mesmo que o nosso. Estamos


organizados naquilo que os antropólogos chamam de ​família nuclear, ​composta por
pai, mãe e filhos, ou seja, apenas parentes próximos. Já o modelo de família para os
africanos, é caracterizado como família extensa, c​ onstituída pelos avós, tios, primos,
cunhados e os demais parentes distantes, considerando que os seus laços são
religiosos e que dela participa a totalidade dos ancestrais, dos vivos e das futuras
crianças, segundo uma corrente contínua de gerações, em ligação sagrada com o
solo, o mato, a floresta e as águas que fornecem a alimentação, aos quais se devem
oferecer os cultos. Segundo Abidemi Adebayo Najarro10, o africano já nasce também

10
NAJARRO, Abidemi A. Anotação de aula ministrada pelo prof. nigeriano, no curso de extensão de​ História DA África e Línguas Africanas I​​. UFPR,

2007, nos dias 23 e 30/03/2007.


37

com sua religião, mesmo que seja evangélico, católico ou outra denominação. A
religião não é individual, mas coletiva e se o indivíduo não fizer parte da religião do
núcleo familiar, será excluído da comunidade.

Figura 7: Prof. Abidemi Adebayo Najarro e eu, na 52ª Festa da Independência da Nigéria em Curitiba
(2012).

Fonte: Acervo pessoal - Ivanete Xavier

As aldeias se aproximavam uma das outras pela necessidade de estabelecerem


trocas de produtos e aumento da linhagem via casamentos. As estradas serviam
como centro de trocas socioculturais e econômicas, formando-se feiras, que
atuavam como núcleo da vida comunitária, em que as notícias eram transmitidas por
oralidade. Já a união por casamentos agia como meio para ampliar os laços políticos
e os braços disponíveis para o trabalho. Neste contexto social evidencia o papel da
mulher na sociedade, pois a poligamia se tornou uma prática comum. Possuir várias
mulheres significava poder e prestígio. Portanto, quanto maior o número de
mulheres, melhor era a posição hierárquica do chefe na aldeia, pois o poder político
era medido pela quantidade de pessoas que lhes eram subordinadas.
38

Porém, para casar, o homem era obrigado a dar à família da noiva um dote, um valor
expresso em algum bem material destinado a compensar aquela família pela perda
de um membro, o que significava uma pessoa a menos para ajudar nos trabalhos
diários e menos uma mulher para reproduzir e dar continuidade à família.

Figura 8 : Chefe com suas esposas em viagem de caça (Uganda)

​ Fonte: File: African

Para o europeu, a poligamia era tida como modo de vida atrasada e que deveria ser
combatida pela religião, enquanto, para os africanos, a prática garantia-lhes a
ampliação do número de descendentes, além de laços de fidelidade e solidariedade
com outras linhagens ou clãs. Encontramos vários exemplos de famílias nas
Escrituras Sagradas constituídas nesse regime de poligamia.

Para nós, acostumados com o rítmo ocidental, causa-nos estranheza a poligamia,


porém. Mary Kingsley, que viajou pela África no século XIX, relatou que há razões
para a poligamia além da cozinha. A primeira é que é totalmente impossível para
uma só mulher fazer todo o trabalho de uma casa, como, cuidar das crianças,
cozinhar a comida, preparar a borracha e levá-la ao mercado, buscar num regato a
água para o uso diário, cultivar a roça, etc. Quanto mais esposas, menos trabalho,
39

diz a mulher africana. Segundo Kingsley, conheceu homens que prefeririam ter uma
só esposa, mais foram levados a poligamia por suas mulheres. Esse costume, ainda
prevalece em todos os povos africanos (SILVA, 2012, p.483).

A evolução partiu da organização em famílias, clãs, aldeias, confederações, cidades


e reinos. As tradições, os costumes e crenças dos antepassados foram a chave
para a definição da linhagem familiar do soberano a reinar, das relações de
parentesco e dos sistemas de casamento. De clãs para reinos, as Sociedades
Africanas chegaram à antiguidade como grande civilizações. Egito, Meoré e Axum
se desenvolveram ao longo do Rio Nilo e mantiveram estreito contato com os povos
vindos do Oriente Médio.

Rodrigues (2017), destaca que é importante destacar na antiguidade africana o


surgimento do cristianismo na Etiópia e no Reino do Congo, o Islã na Idade Média,
em Gana, Mali e Songai, interferindo diretamente na organização política e social
dos Estados, reinos e cidades. Apesar da força do Islã, as religiões e culturas
tradicionais não desapareceram, mantiveram-se presente em meio aos soberanos
das cidades, preservadas pelos sacerdotes e cultuadas pela sociedade em geral.

Segundo o pastor Pinheiro Manuel, missionário angolano, conhecido no Brasil e na


África como palestrante, os momentos mais importantes de vida de um africano é o
nascimento, o casamento e a morte. No casamento o homem só é respeitado se
gerar filhos do gênero masculino e a mulher só será valorizada se gerar filho
homem. A mulher infértil é devolvida à família e o dote devolvido ao marido.
No momento da morte, diferente do cristianismo em que acredita-se no céu/inferno,
o africano que morre transforma-se em divindade e os seus ancestrais vivem entre
eles. Verifica-se que as sociedades africanas são ativas e preservam suas tradições
sem abandonar ou negar o passado.
40

Figura 9: Palestra Missionária do Pr. Pinheiro Manuel sobre a Cultura Africana.

Fonte: pibcuritiba.org.br

3.2 ESCRAVOS QUE VIRARAM SENHORES

Quando falamos de Egito, logo vem à memória as Sete Maravilhas do Mundo, a qual
a Grande Pirâmide de Gizé, construída pelos egípcio há cerca de 4 500 anos é a
única maravilha antiga ainda existente11. A história dos egípcios é cercada de lutas,
batalhas e vitórias. E um egito negro incomoda muita gente. Há quem diga que
pensar num Egito Negro é “tudo confusão com os núbios”, “Não, não eram negros,
mas brancos de pele morena”. Os núbios era uma civilização negra também próxima
ao Nilo. Um erro desta natureza e magnitude pensa-se que não acontece por má fé
ou ignorância, só a irresponsabilidade intelectual e talvez o racismo explica.

11
Disponível em <​https://m.brasilescola.uol.br/historia/sete-maravilhas-mundo.htm​>. Visualizado em
20/09/2018.
41

Sabe-se que a África é um continente de conquistas e feitos, onde se produziu e se


produz arte, ciência, tecnologia, filosofia. Ela é fonte de orgulho, de deleite.
Segundo Charô Nunes12 “a solução para esse incômodo foi espalhar por aí que a
Antiga Grécia é o berço da nossa civilização, esquecendo que tudo aquilo que os
gregos produziram não foi um milagre que aconteceu por geração espontânea”.

Impossível deixar pra lá que a África e em especial o Antigo Egito tem um papel
mais que central nessa estória. Foi o antigo egípcios que inventaram o papiro, mas o
reconhecimento vem para o grego Calímaco, que durante uma viagem à cidade
egípcia, “inventou” o primeiro sistema de catalogação de livros. Então, vamos
conhecer os núbios, os egípcios afrodescendentes.

3.2.1 A civilização da Núbia

Chama-se Núbia à região desértica atravessada pelo rio Nilo, ao norte do atual
Sudão, a centenas de quilômetros ao sul do Vale dos Reis, no Egito. Na Núbia vivia
uma população negra, de língua e origem étnica diferente dos egípcios. Os egípcios
chamavam a Núbia de Kush, nome usado durante toda Antiguidade até o século IV
d.C. A partir daí, com a ocupação do território por nômades chamados noba, a reo
passou a ser chamada de Núbia, terra dos noba, nome que chegou aos nossos dias.

12
​Blogueira. Disponível em: <​http://blogueirasnegras.org​>. Visualizado em 18/09/2018.
42

Em torno de 3300 a.C., a Núbia formou o primeiro nomo13 do Alto Egito e, segundo
os especialistas contribuiu para a unificação do vale do Nilo.

Figura 10: Nomos do Antigo Egito

​ Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nomo

Assim, Rodrigues (2017) cita que em 2300 a.C. o nome Kush surge, pela primeira
vez, em missões comerciais dos egípcios. A região servia como um corredor de

13 ​A palavra nomo deriva do grego nomos (plural: nomoi). Para se referirem a estas regiões administrativas os egípcios usaram primeiro a
palavra sepate mais tarde, durante o período de Amarna, qâb. Cada nomo tinha a sua capital, um emblema próprio, um número e uma
divindade tutelar, à qual era dedicado um templo. Cada nomo dispunha igualmente das suas próprias regras e de festas locais. A existência
de nomos no Antigo Egito remonta ao período pré-dinástico, quando várias cidades se uniram para formar um território unificado sob
determinado poder. À frente de cada nomo encontrava-se o nomarca (em egípcio, heri-tep a'a). Este cargo foi em geral hereditário, embora
em teoria o faraó podia nomear quem entendesse para desempenhar o cargo. Em geral, quando o poder real era sólido, era o faraó que
nomeava o nomarca. Em outros casos, como na altura das guerras civis ou de invasões estrangeiras, os nomos organizavam-se por si
próprios, colocando à frente do governo o filho do último administrador. Os nomarcas eram responsáveis pela organização do exército ao
nível local. Disponível em: <​https://pt.wikipedia.org/wiki/Nomo​>. Visualizado em 22/09/2018.
43

comércio entre o Egito e a África tropical desde pelo menos 3100 a.C. e através da
Núbia chegavam ao Egito marfim, madeira de ébano, ouro, cobre, animais exóticos,
peles de leopardo, ovos e plumas de avestruz provenientes da África tropical. As
relações entre os dois povos eram pacíficas indicando intercâmbio cultural e
cooperação, incluindo casamentos mistos. Durante o Médio Império (a.C. 2040-1640
a.C.), o Egito começou a se expandir em direção à Núbia visando controlar as rotas
comerciais e o acesso direto às suas riquezas. Guarnições militares foram erguidas
ao longo do rio Nilo, ao sul da Segunda Catarata. Por essa época, florescia na Núbia
o reino de Kerma (a.C. 1700-1500 a.C.) que se tornou um império populoso
rivalizando com o Egito. Por volta de 1550 a.C., ele foi absorvido pelo Império
Egípcio.

Mas a conquista não significou a submissão do reino núbio, ao contrário, ele foi
tratado como vice-reino e administrado pela própria elite núbia. Jovens núbios foram
levados para Tebas onde receberam educação egípcia, como atesta a múmia de
Maiherperi. O reino núbio de Kerma manteve-se sob influência direta do Egito por
cerca de quinhentos anos, absorvendo sua cultura, suas práticas religiosas e
funerárias e adotando a língua e a escrita egípcias. A produção de ouro da Núbia
cresceu significativamente nessa época sendo inteiramente revertida para o Egito.

Nas pesquisas de Silvério (2013), relata que a cidade Napata tornou-se um


importante centro religioso onde eram cultuadas as divindades Ísis, Osíris e Amon.
Guerreiros núbios serviram no exército do faraó, reconhecidos como exímios
arqueiros. Lutaram na campanha contra os hicsos contribuindo para tornar o Estado
egípcio uma potência militar. Pela 18ª dinastia do Novo Império, os núbios
constituíam uma tropa de elite do exército faraônico. Com a desintegração do Novo
Império por volta de 1070 a.C., os núbios se libertaram do domínio egípcio.
Formou-se o reino de Kush14, independente, e centrado em Napata. Arqueiros
núbios, estatueta do Novo Império.

14 Os egípcios e os núbios deram a essa organização política o nome de “Kush”, tradicionalmente usado para a região do Médio Nilo desde
o Médio Império. Como o nome é encontrado na Bíblia, os autores de língua inglesa usam o adjetivo “cuxita”, enquanto na tradição
historiográfica francesa a dinastia correspondente – a XXV do Egito – é chamada de dinastia “etíope” . Não refere-se a Etiópia atual.
44

​ Figura 11: Arqueiros núbios, estatueta do Novo Império.

Fonte: <​https://ensinarhistoriajoelza.com.br/africa-1-reino-de-kush/​>.

3.2.2 A 25ª Dinastia dos Etíopes

A Dinastia de Etíopes é encontrada na coleção de livros da UNESCO, encontramos


a 21ª-25ª (1101-663 a.C.) dinastia de reis Etíopes, de Núbia, que como reis
(750-663 a.C) dominaram os egípcios durante quase 9 décadas, em torno de 60
anos. Lutaram contra os assírios que era a nação mais poderosa do mundo em 670
a.C. Esaradom, da Assíria, conquistou o Egito e transformou-o numa província
assíria, por vários anos. No século VIII a.C., o rei kushita Piye, atendendo ao pedido
de sacerdotes egípcios que temiam cair sob domínio assírio, mobilizou suas tropas e
seguiu para o Egito onde combateu os exércitos inimigos. Piye restabeleceu a ordem
no Egito e foi aclamado “Senhor das Duas Terras”. Começava a 25ª Dinastia Egípcia
(750-660 a.C.) conhecida como o reinado dos Faraós Negros. (RODRIGUES, 2017).

Os faraós negros devolveram a grandiosidade aos antigos templos ao longo do rio


Nilo. Napata, a capital kushita, ganhou templos magníficos como o dedicado à deusa
Mut originalmente recoberto com folhas de ouro. Os assírios, porém, não deram
trégua aos faraós negros e novos combates ocorreram com vitórias e derrotas
alternando para cada lado. Os assírios usavam armas de ferro, muito superiores às
lanças e espadas de bronze dos soldados egípcios e kushitas.
45

Na narrativa de Silvério (2013) encontramos que os assírios tinham uma nova


técnica de guerra: em vez de usarem os cavalos para puxar os carros de combate,
eles cavalgavam os animais o que dava enorme mobilidade a seus arqueiros. O
equilíbrio sobre o cavalo devia ser difícil, pois não se conhecia a sela, o estribo e a
ferradura que ainda levariam um milênio para serem usados. Mesmo superiores
militarmente, os assírios sofreram derrotas humilhantes frente aos exércitos dos
faraós núbios.

No meio desta batalha sangrenta encontramos um rei que foi coadjuvante como
personagem bíblico negro. Trata-se de Taharga, filho de Piye e 3º faraó negro da 25ª
dinastia egípcia e como personagem da Bíblia, encontramos com o nome de Tiraca
no contexto bíblico de Isaías 37.9, onde diz: “​Ora, Senaqueribe foi informado de que
Tiraca, o rei da Etiópia, saíra para lutar contra ele. Quando soube disso, enviou
mensageiros a Ezequias com esta mensagem:”, ​onde ele ainda não era faraó.
Notabilizou-se como guerreiro e chefe militar antes mesmo de virar faraó. O contexto
diz:

Ao ouvir o relato, o rei Ezequias rasgou as suas vestes, pôs roupas de luto e
entrou no templo do Senhor. Ele enviou o administrador do palácio,
Eliaquim, o secretário Sebna e os sacerdotes principais, todos vestidos com
pano de saco, ao profeta Isaías, filho de Amoz. Eles lhe disseram: "Assim
diz Ezequias: Hoje é dia de angústia, de repreensão e de humilhação;
estamos como a mulher que está para dar à luz filhos, mas não tem forças
para fazê-los nascer. Talvez o Senhor seu Deus ouça todas as palavras do
comandante de campo, a quem o senhor dele, o rei da Assíria, enviou para
zombar do Deus vivo. E que o Senhor seu Deus o repreenda pelas palavras
que ouviu. Portanto, suplique a Deus pelo remanescente que ainda
sobrevive". Quando os oficiais do rei Ezequias chegaram a Isaías, este lhes
disse: "Digam a seu senhor: ‘Assim diz o Senhor: Não tenha medo das
palavras que você ouviu, das blasfêmias que os servos do rei da Assíria
lançaram contra mim. Ouça! Eu o farei tomar a decisão de retornar ao seu
próprio país, quando ele ouvir certa notícia. E lá o farei morrer à espada’ ".
Quando o comandante de campo soube que o rei da Assíria havia partido
de Láquis, retirou-se e encontrou o rei lutando contra Libna. Ora,
Senaqueribe fora informado de que Tiraca, rei etíope do Egito​​,(grifo meu)
estava vindo lutar contra ele, de modo que mandou novamente mensageiros
a Ezequias com este recado:(II REIS 19:1-9).

E o texto continua com a resposta de Ezequias, rei de Judá:

"Digam a Ezequias, rei de Judá: Não deixe que o Deus no qual você confia
o engane, quando diz: ‘Jerusalém não cairá nas mãos do rei da Assíria’.
Com certeza você ouviu o que os reis da Assíria têm feito a todas as
46

nações, como as destruíram por completo. E você haveria de livrar-se?


Acaso os deuses das nações que foram destruídas por meus antepassados
as livraram: os deuses de Gozã, Harã, Rezefe e do povo de Éden, que
estava em Telassar? Onde estão o rei de Hamate, o rei de Arpade, o rei da
cidade de Sevarfaim, de Hena ou de Iva? "Ezequias recebeu a carta das
mãos dos mensageiros e a leu. Então subiu ao templo do Senhor e
estendeu-a perante o Senhor (​II​ REIS 19:10-14​).

Figura 12: Faraó Taharca

Fonte:< ​https://ensinarhistoriajoelza.com.br/africa-1-reino-de-kush/​>.

Por isso, quando Esarhaddon (681-669 a.C.), rei assírio, tomou a cidade de Mênfis,
comemorou a vitória registrando o fato em uma grande estela de pedra. Nela gravou
a sentença:

Sua rainha, seu harém, seu herdeiro e o resto de seus filhos e filhas, seus
bens, seus cavalos, seu gado e suas ovelhas em números incontáveis eu
levei para a Assíria. Arranquei do Egito a raiz de Kush.” (Estela de
Esarhaddon, c.670-660 a.C.)

Vencido, o faraó Taharqa refugiou-se em Napata e nunca mais retornou ao Egito.


Era o ano 660 a.C. e terminava a Dinastia dos Faraós Negros. A partir daí, as
histórias de Kush e do Egito seguiram caminhos diferentes. O legado cultural egípcio
47

fundiu-se aos costumes núbios e foi preservado por muito tempo depois do
desaparecimento do Egito Antigo uma vez que o reino de Kush sobreviveu por mais
mil anos.

A ciência tem sido um instrumento usado para identificar e testificar algumas história
e personagens bíblicos. Na ​Biblical Archaeology Review15, o acadêmico Lawrence
Mykytiuk, professor associado da Universidade Purdue, elaborou uma lista dos
personagens históricos do Antigo Testamento que ficaram registrados em
documentos arqueológicos. Trata-se de colunas de pedra, selos de argila, recibos,
tabletes ou inscrições funerárias que ainda existem após 2.000 ou 3.000 anos,
apesar de guerras, terremotos, depredações e saques. Mykytiuk constatou que, com
os conhecimentos atuais, a partir de provas arqueológicas materiais, se pode
demonstrar a existência de 50 personagens bíblicos. ​Tiracá ​(=Tirhakah = Taharqa)
é encontrado nesta lista.

O nome de Taharqa é encontrado em numerosos monumentos em todo o vale. Ele


construiu santuários ao pé da montanha sagrada de Djebel Barkal, uma espécie de
mesa de arenito que domina a grande bacia fértil de Napata. Seu nome é lido
igualmente em muitos outros locais da Núbia, como Kawa, por exemplo. Na região
tebana ele erigiu colunatas nos quatro pontos cardeais do templo de Carnac e
construiu grande número de pequenas capelas, onde se associavam os cultos de
Âmon e de Osíris. Há evidências de sua presença também em Mênfis e no Delta.
Abandonando a tradicional necrópole de el​‑Kurru, Taharqa construiu em Nuri o que
parece ser um cenotáfio comparável ao Osireion de Abidos; em Sedinga
descobriu​‑se um túmulo inscrito com alguns de seus títulos e distinções16:

Várias estátuas de excepcional qualidade, em granito esplendidamente


esculpido e realçado por ornamentos de ouro, representam o monarca a
caminhar em passos firmes, revelando​‑nos seus traços: a face é pesada; o
nariz carnudo dilata​‑se sobre a boca larga, de lábios grossos; o queixo curto
e forte sublinha o extraordinário vigor do rosto.

15 Disponível em: < ​https://cienciaconfirmaigreja.blogspot.com/2014/05/arqueologia-identifica-existencia-de-50.html​>. Visualizado em


22/09/2018.

16 Túmulo WT 1, Sedinga: GIORGINI, M. S. 1965. pp. 116​‑23.


48

Encontra-se também pessoas de todas as categorias, incluindo reis e funcionários


cujos nomes ficaram registrados em documentos oficiais17. O professor Mykytiuk só
considera confirmados e identificados os personagens de quem se encontraram
inscrições da época em que viveram. Não inclui figuras aludidas em inscrições de
séculos posteriores àqueles em que viveram, pois ele discute cada caso com longas
notas ao pé de página.

O Vale dos Reis, no sul do Egito, é uma necrópole real que abriga as tumbas da
nobreza egípcia: faraós, rainhas, príncipes, grandes sacerdotes e altos funcionários
da corte. A tumba KV36 pertence a um nobre egípcio chamado Maiherperi18. As
inscrições na tumba e o Livro dos Mortos junto à múmia informam que Maiherperi
cresceu na corte, levado para lá quando criança ou nascido de uma concubina do
faraó. Foi educado como um príncipe e, adulto, tornou-se conselheiro ou
guarda-costas do faraó Tutmés IV (18º dinastia, c.1401/1397 – c.1391/1388 a.C.).
Seu apelido era “Leão no campo de batalha”, talvez uma alusão às suas qualidades
guerreiras.

Os documentos descrevem Maiherperi com pele escura o que foi confirmado no


exame de sua múmia realizado em 1901 por Georges Daressy. Ele era um negro,
proveniente da Núbia ou descendente de núbios, região no sul do Egito. O cabelo
negro e crespo que a múmia possuía revelou-se ser uma peruca colada ao seu
couro cabeludo. A múmia de Maiherperi confirma que, na corte faraônica, havia
núbios em posição social de destaque. Mas, da Núbia vieram, também, centenas de
escravos para trabalharem nos palácios e templos do Egito Antigo.

17 ______.
18 ​ Forbes, Dennis C. Tombs, Treasures, Mummies: Seven Great Discoveries of Egyptian Archaeology. p.104 KMT Communications, Inc.
1998. ​ISBN 1-879388-00-7
49

Figura 13: Múmia de Maiherperi, nobre de origem núbia, séc. XIV a.C.

Fonte: Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues

3.2.3 O preconceito arqueológico

Foi sobre o Rio Nilo que, nos anos 1960, os arqueólogos encontraram vestígios de
antigas comunidades sedentárias. Os registros datam de 15 mil anos e são a prova
mais antiga da civilização egípcia. ​Além  de  serem  personagens  historicamente 
importantes,  os  faraós  negros  do  Egito  deixaram  para  a  posteridade  monumentos 
fantásticos  –  como  as  pirâmides  de  Nuri  ou  Meroë,  bem  menos  conhecidas  e 
visitadas que as egípcias. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
50

Figura 14: Estátuas antigas encontradas no Nilo.  

​Fonte: F
​ ile: Aumagic.

  Mesmo  assim, foram solenemente ignorados ou subestimados por muito tempo. Só 
nas  últimas  5  décadas  os  arqueólogos  passaram a creditar-lhes a devida relevância. 
O  motivo?  Preconceito  de  boa  parte  dos  arqueólogos  que  monopolizaram  as 
pesquisas sobre o Egito do final do século 19 até a década de 1950. 
 
A dinastia dos faraós negros foram vítimas de preconceito arqueológico. As
pirâmides de Meroé e o faraó Taharca. A história foi ignorada por muito tempo. É
importante analisar a questão “cor da pele” em meio a todos esses fatos. Na
antiguidade, a cor não era fruto de preconceito. Os faraós negros tinham peles
escuras e isso não era um fator relevante. Pergunta-se, o que ocorreu para essa
omissão histórica?

Segundo Gonçalves (S.d., N.p), “A ascensão de faraós negros no Egito trouxe à tona
a supremacia de uma civilização africana dos pensadores e historiadores do século
XIX, que colocavam os povos africanos enquanto sinônimo de atraso”.
51

Kendall (G1, 2017), N.p) diz que o real motivo dessa história tão importante ser
latente, foi o racismo existente entre os estudiosos do século XIX e afirma que os
faraós negros foram “vítimas de preconceito arqueológico”.

Porém, o testemunho ocasionado pelo processo de vida de tais faraós, seu


significado e importância social, teológica e eclesiástica para os dias atuais,
evidenciam que, embora essa ainda seja uma história velada, de maneira alguma
ela será apagada do passado e do presente.
52

CAPÍTULO III

4 DESCONSTRUINDO A INVISIBILIDADE DOS PERSONAGENS NEGROS

Neste terceiro e último capítulo objetiva-se fazer uma leitura bíblica com um olhar
teológico, porém na perspectiva da africanidade. Uma Bíblia onde abriga o africano e
o afrodescente e a partir dela, aprender a analisar os contextos dos locais onde
estes personagens viveram e contribuíram com a história bíblica. Se coletivamente
os africanos foram marcantes, individualmente fizeram-se inesquecíveis no texto
bíblico.

4.1 PERSONAGENS DO VELHO TESTAMENTO

Há diversas passagens no Velho Testamento que traça um relacionamento único


entre Deus e o povo negro. Se fizermos a leitura bíblica à partir desta visão africana,
veremos que as maiores partes dos etíopes traçam suas raízes à rainha de Sabá e
ao rei Salomão. Sulamita, a mulher preferida de Salomão, apesar da versão em
português deixar dúvidas, o texto em inglês é contundente: ​“I am black but comely​”.
José se casou com uma mulher etíope e seus dois filhos, Manassés e Efraim se
tornaram líderes de tribos judaicas. Jetro, um etíope, foi o principal conselheiro de
Moisés, que se casou com uma mulher etíope, pois os israelitas não foram proibidos
de se casarem com mulheres cusitas/etíopes (Êxodo 34. 11,16). Jeudi foi um
secretário na corte do rei durante o tempo de Jeremias. Era um descendente de
Cusi/Etiópia. O nome do avô (Cusi), literalmente significava “preto”. Sofonias, o
profeta, era também um descendente de Cusi.

4.1.1 Agar - A mulher preta que falou com Deus

​Agar, foi uma das mulheres negras africanas da Bíblia. Agar era escrava de Sara,
esposa de Abraão, primeiro patriarca de Israel. Em meio a tantas fatos da vida de
Abraão relatadas em Gênesis, a história de Agar é quase ignorada em nossos
53

púlpitos e quando ouvimos falar sobre ela, é colocada na posição de inimiga e


destruidora de lares.

Figura 15: Agar

​ Fonte: projetoredomas

Ao continuar o exercício de olhar para o texto bíblico outra vez e resgatar a figura de
Agar, uma mulher negra que passou por uma história dolorosa de abuso e solidão.
Aprende-se com o choro dessa ​mulher preta que deu nome a Deus e reconheceu
como o Deus que ouve e que vê.

Abraão foi o pai dos crentes, para judeus e cristãos, seu primeiro antepassado na fé
(Gênesis 12.1- 4a), que teve a honra de ser considerado um dos dois amigos de
Deus, no Antigo Testamento (Isaías 41.8). Para os maometanos, ele foi um dos
quatro grandes profetas: Ibraim, Musa, Issa e Maomé. Seu primeiro filho, Ismael,
nasceu de sua relação com Agar, escrava egípcia, camita, portanto, negra, visto
como Gn. 10.6 e l Cr. 1.8 colocam Etiópia, Egito, Líbia e Canaã como filhos de Cam:

Sarai, a mulher de Abrão, não lhe tinha dado filhos. Ela possuía uma
escrava egípcia, que se chamava Agar. Um dia Sarai disse a Abrão: Já que
o Senhor Deus não me deixa ter filhos, tenha relações com a minha
escrava; talvez assim, por meio dela, eu possa ter filhos. Abrão concordou
com o plano de Sarai, e assim ela lhe deu Agar para ser sua concubina.
54

Isso aconteceu quando já fazia dez anos que Abrão estava morando em
Canaã. Abrão teve relações com Agar, e ela ficou grávida. Quando
descobriu que estava grávida, Agar começou a olhar com desprezo para
Sarai, a sua dona. Aí Sarai disse a Abrão: Por sua culpa Agar está me
desprezando. Eu mesma a entreguei nos seus braços; e, agora que sabe
que está grávida, ela fica me tratando com desprezo. Que o Senhor Deus
julgue quem é culpado, se é você ou se sou eu! (​GÊNESIS 16. 1-5, NTLH)

Paloma Nascimento dos Santos (2017)19 chama a atenção para a condição de Agar,
“como escrava, não escolheu ter relações com Abrão, ela foi obrigada”. Numa
releitura do texto, os discursos que circulam nas comunidades de fé ou igrejas, Agar
é contada como a escrava perversa. Há uma inversão de justiça social,
considerando que ela era uma escrava.

Além disso, Deus sustentou, no deserto, essa mulher negra e seu filho e, mais
ainda, concedeu-lhe o privilégio de uma teofania, isto é, apareceu diante dela e lhe
falou (Gn 16..1-16; 17.23-27; 21.8-21):

Mas o Anjo do Senhor a encontrou no deserto, perto de uma fonte que fica
no caminho de Sur, e perguntou: Agar, escrava de Sarai, de onde você vem
e para onde está indo? Estou fugindo da minha dona – respondeu ela.
Então o Anjo do Senhor deu a seguinte ordem: Volte para a sua dona e
seja obediente a ela em tudo. E o Anjo do Senhor disse também: “Eu farei
com que o número dos seus descendentes seja grande; eles serão tantos,
que ninguém poderá contá-los. Você está grávida, e terá um filho, e porá
nele o nome de Ismael,pois o Senhor Deus ouviu o seu grito de aflição.
Esse filho será como um jumento selvagem; ele lutará contra todos, e todos
lutarão contra ele. E ele viverá longe de todos os seus parentes” Então Agar
deu ao Senhor este nome: “O Deus que Vê”. Isso porque ele havia falado
com ela, e ela havia perguntado a si mesma: “Será verdade que eu vi
Aquele que Me Vê?” GÊNESIS 16.7-13).

Através de Ismael, Agar se tornou a matriarca de numerosos povos beduínos que


habitavam o sul da Palestina. E, segundo outras traduções, tornou-se uma ancestral
de Maomé, o fundador do islamismo, tido como descendente de Ismael. A história de
Agar nos é familiar.

19
Disponível em: <​http://projetoredomas.com/era-uma-vez-uma-preta-que-falou-com-deus/​>.
Visualizado em 24/09/2018.
55

Embora esteja em um contexto histórico diferente, Agar se comunica com muitas


mulheres usadas por homens e abusadas por outras mulheres em status superiores.
Agar é a empregada fiel, explorada, mas “quase da família”. É a mulher abandonada
com um recém-nascido, sem direito à saúde e moradia. É a mulher que enfrenta a
solidão da mulher negra na falta de vínculos afetivos e familiares. Agar é a mulher
negra hiperssexualizada, objetificada e reduzida a corpo, a escrava sexual. Ela é a
mãe substituta que não vê o próprio filho crescer, a ama de leite.

Para além de tudo isso, a história de Agar tem muito a nos dizer sobre Deus. Ela
conhece de perto o Deus que vê e ouve, que se relaciona com nossas dores, nos
protege e promete coisas maravilhosas, mesmo quando não conseguimos nos
mover. Como nós, cristãos, temos respondido às Agares de nossa época?

4.1.2 Rainha de Sabah - Makeda

Os historiadores caucasianos20 não puderam mascarar e esconder a história da bela


rainha preta relatada nos escritos hebreus, cristãos e muçulmanos. Os escritos
etíopes a chamam de Makeda e no Corão o seu nome é Balkis. Os primeiros pais da
Igreja, Orígenes e Jerônimo escreveram que ela foi uma rainha preta africana,
também assim o fez Flavius Josephus, escritor judeu do 1º século. A Bíblia conta a
sua visita a cidade de Jerusalém, ao rei Salomão, em 1 Reis 10: 1

A rainha de Sabah ouviu falar da fama de Salomão e foi submeter o rei à


prova por meio de enigmas. Chegou a Jerusalém com uma imponente
comitiva de camelos carregados de perfumes; muito ouro e pedras
preciosas.

20
​O termo raça ​caucasiano (também chamado de caucasóide) tem sido usado para denotar o tipo
físico geral de algumas ou todas as populações da Europa, Norte da África, Chifre da África, Ásia
Ocidental (Oriente Médio), Ásia Central e Sul da Ásia. Disponível em:
<​https://pt.wikipedia.org/wiki/Ra%C3%A7a_caucasiana​>. Visualizado em 28/09/2018.
56

​ Figura 16: Rainha de Sabah, representação artística.

​ Fonte: ​Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues

Segundo o teólogo Walter Passos21, a Rainha Makeda ou Balkis conheceu


Salomão através do potente comércio realizado entre o Reino de Israel e as nações
da época. A tradição diz que o rei Salomão encantado com a fama desta bela mulher
preta,considerada uma das mais sábias, poderosas, belas e ricas Rainhas a
convidou para visitar o reino de Israel.

Aceitando o convite ela seguiu em viagem do reino de Sabah na cidade de Marib, no


extremo sul da Península Arábica, a leste do mar Vermelho no Yemen para

21 ​
Walter Passos é teólogo, historiador, pan-africanista, afrocentrista e presidente CNNC – Conselho
Nacional de Negras e Negros Cristãos. Disponível em:
<​http://cnncba.blogspot.com/2008/01/makeda-rainha-de-sabah.html​>. Visualizado em 28/09/2018.
57

Jerusalém. A cidade de Marib estava situada a 2000 metros de altitude rodeada de


roseiras per​fumadas e nesse reino preto, não havia miséria. A população fora sadia
e feliz. Contam-se às tradições que a Rainha de Sabah percorreu 4.800 m2 de
deserto, se​guindo as rotas das caravanas e realizou a viagem em três anos e meio,
levando consigo quase 800 camelos, burros e mulas, que foram carregados de
pedras preciosas; diversos metais, inclusive ouro, especiarias, perfumes e animais.
Estes presentes são especiarias, perfumes e animais. Estes presentes são
confirmados em Reis 10:10: “Então a Rainha de Sabah deu ao rei quatro toneladas
de ouro, grande quantidade de perfumes e de pedras preciosas. Nunca houve tantos
perfumes como os que a Rainha de Sabah trouxe para o rei Salomão".

Após a visita por seis meses, ela preparou-se para partir e ele entregou um sinete
de ouro e os mais belos presentes que tinha no Reino de Israel. Quando ela partiu,
Salomão sonhou que o sol não mais brilharia em Jerusalém e chorou, com o
co​ração saudoso, refletiu sobre a existência e escreveu o livro de Eclesiastes.

A Rainha de Sabah é considerada nos escritos bíblicos, a mulher mais sábia do


Primeiro e do Segundo Testamento, só sendo superada em importância por Maria
que gerou Jesus. Makeda foi considerada uma mulher de extrema sabedoria e de fé.
Em 1 Reis 10:9 ela diz: "Seja bendito Javé, o seu Deus, que foi benevolente e o
colocou sobre o trono de Israel." E no evangelho "A rainha do meio-dia se levantará
no dia do juízo com essa geração, e a condenará; porque veio dos confins da terra
para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis que está aqui quem é mais do que
Salomão" (MATEUS 12:42).
58

​ Figura 17: A Rainha de Sabá e o Rei Salomão.

Fonte: brasilescola

A Universidade de Hamburgo anunciou oficialmente que arqueólogos alemães, sob


a direção do professor Helmut Ziegert, descobriram em 8 de maio de 2008, os restos
do palácio da Rainha de Sabá, datados do século X a.C., em Axum (ou Aksum), uma
cidade sagrada da Etiópia, a sob um antigo palácio real22.
 

4.1.3 As Princesas Candaces

As candaces são as rainhas mães da realeza africana na antiguidade23. Corajosas


guerreiras, as rainhas candaces exerceram funções políticas, sociais e culturais
assumindo a totalidade do poder no Império de Cuxe. Uma das características dos
cuxitas é o fato de não fazerem distinção de poderes entre homens e mulheres.

22 Disponível em:
<​
https://ensinarhistoriajoelza.com.br/mulheres-africanas-rainhas-guerreiras-e-lideres-espirituais/ -
Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues>. Visualizado em 28/09/2018.

23
Disponível
em:<​https://princesadesaba.wordpress.com/2015/10/21/candaces-a-historia-das-rainhas-negras-de-c
uxe/​>. Visualizado em 28/09/2018.
59

Podemos dizer então que coexistiam os sistemas patriarcais e matriarcas. Quando


eram líderes, as mulheres recebiam o título de Candace (que significa Rainha-Mãe).
Elas eram responsáveis também pelas estratégias militares do exército24.

​ Figura 18: Rainha líder Candace

Fonte: princesadesaba.wordpress

A civilização cuxita já havia desenvolvido o parlamentarismo milhares de anos antes


dos europeus. A diferença essencial do governo das candaces comparado a outros
do mundo antigo é que não era um poder vitalício e nem hereditário. A rainha
Candace mais antiga de que se tem notícia é Shanakdakete, cujo reinado ocorreu no
século II a.C.

Segundo Passos (2008), os descendentes das rainhas Candaces africanas foram


espalhados pelo mundo e alguns foram trazidos como escravos para o Brasil. Assim,

24
​ ​Reino Cuxe​​ – Candaces (Rainhas-Mãe) Mulheres na História.
<​http://ensinarhistoria.blogspot.com.br/2014/09/reino-cuxe-candaces-rainhas-mae.html&gt​>.
Visualizado em 24/09/2018.
60

a herança guerreira das Candaces negras africanas pode estar presente em muitas
das mulheres negras que formam a população brasileira na contemporaneidade.

4.1.4 Sulamita ou Salomé

O nome de Sulamita significa a pacífica. Originado a partir do hebraico Sulamite, é o


mesmo que Salomé, derivado do aramaico Shalam-zion a paz de Sion, que foi
abreviado para Shalamzu posteriormente helenizado como Salomé. Está
relacionado com o hebraico shalon “paz”, portanto significa “a pacífica”.

No Cântico dos Cânticos 1.5, fazem da noiva-rainha uma mulher morena, uma
mulher trigueira, uma mulher escura. Mas bons dicionários da língua hebraica nos
garantem afirmá-la uma mulher negra. Ela não diz: Sou morena, mas, Sou negra
(heb. Sh.hora ‘ani). E não diz: “Sou negra, mas sou formosa”; Diz: “Sou negra e
formosa” (heb. W.na’wah). A conjunção waw pode ter sentido adversativo, mas é,
normalmente uma simples conjunção aditiva. Pode-se, portanto, com fez a LXX,
traduzir: “Sou negra e formosa” – Mélaina elmi kai kalê.

Fica quase a certeza de que o senso estético preconceituoso e etnocêntrico25 dos


tradutores ocidentais não lhes permite dizer, simplesmente, “negra e formosa”;
preferem dizer “negra, porém formosa” ou “formosa, embora negra”. No Brasil,
inconscientemente e preconceituosos, preferem chamá-la morena. E nada passa,
nem mesmo essa noiva negra e formosa, esse amor entre a noiva e o noivo,
descrito de maneira tão poética, tão livre e eloqüentemente, que faz do Cântico dos
Cânticos um dos mais belos poemas de amor da literatura universal.

25 ​Etnocentrismo é um conceito ​antropológico que ocorre quando um determinado indivíduo ou grupo de pessoas, que não têm os mesmos
hábitos e caráter social, discrimina outro, julgando-se melhor ou pior, seja por causa de sua condição social, pelos diferentes hábitos ou
manias, por sua forma de se vestir, ou seja pela sua cultura. Disponível em: <​https://pt.wikipedia.org/wiki/​>. Visualizado em 28/09/2018.
61

Figura 19: Sulamita, a noiva-rainha do Cânticos dos Cânticos.

Fonte: Foto de Joana Choumali

Passa-se os anos, os séculos e as palavras e preconceito continua. No mês de maio


deste ano, estava caminhando e quando atravessei uma rua, indo em direção a
uma praça com o nome de Tiradentes em Curitiba, ouço as palavras dirigidas a mim:
“Você é uma mulher negra, mais você é bonita!”.

4.1.5 Sofonias ​- o profeta negro

Sofonias é o único entre os profetas que têm seus antepassados citados até a
quarta geração. Charles Taylor Jr. afirma: “A razão é, sem dúvida, porque o
Ezequias mencionado é o rei daquele nome, que governara Judá de 715 a 687 a. C.
O nome Sofonias significa “​o Senhor o escondeu”​ – isso representa algo de valor:
escondido pelo Senhor​, o que sugere uma origem de família crente e fiel a Deus.
Logo no início de seu livro, Sofonias menciona parte de sua genealogia onde consta
62

que ele é neto do rei Ezequias. Isso garantia-lhe mais respeito e acesso à elite
dominante de Judá; Porém, sua descendência real não o impedia de pregar a
verdade contra as injustiças e os pecados da monarquia.

Figura 20: Profeta Sofonias

Fonte: institutoparacleto

Sofonias foi filho de um homem chamado Cusi; esse nome – ​Cush, em hebraico –

significa Etiópia, e Etiópia significa “​a terra do povo de rostos queimados​”, ou seja:

pessoas negras; baseando-se nisso, imagina-se que Sofonias fosse um homem

negro​. Há teólogos que chamam Sofonias de “o profeta africano”26.

4.1.6 Sansão, o juiz

Não ouso afirmar que Sansão era negro. Apenas faço uma reflexão sobre o
contexto bíblico onde nos relata as suas enormes tranças. No livro de Juízes 16:13
encontramos: “então, ela o fez dormir, sobre os seus joelhos, e chamou a um
homem, e rapou-lhe ​as sete tranças do cabelo de sua cabeça​​; e começou a

26
Disponível em: <​https://institutoparacleto.org/2013/05/04/o-profeta-sofonias-a-africa-e-a-arca-da-alianca/​>.
Visualizado em 24/09/2018.
63

afligi-lo, e retirou-se dele a sua força”. Na maioria das vezes, o cabelo manipulado
para formar dreadlock, vai conseguir sete ou o​i​to tranças grossas, como Sansão.

​ Figura 21: Sansão, o juiz.

Fonte:​ wikipédia

Alguns estudiosos atestam que, as escrituras sagradas falam de sete tranças


formadas ​naturalmente​​. Caso Sansão fosse uma pessoa de pele branca, de traços
europeus, seus cabelos teriam crescido em linha reta e longa, e não formariam
tranças natural. Números 6:5 diz:

Durante todo o tempo de seu voto de nazireato, a navalha não passará pela
sua cabeça, até que se completem os dias, em que vive separado em honra
do Senhor. Será santo, e deixará crescer livremente os cabelos de sua
cabeça.

Várias vezes, as escrituras mencionam que os israelitas usavam os cabelos


trançados em mechas, que são chamadas de tranças arrepiadas ou Dreadlocks. É
quando os cabelos enrolam-se naturalmente, com óleo natural do couro cabeludo, e
assim, são torcidas as mechas, para que tomem uma forma cilíndrica, parecendo
64

uma corda. É um penteado muito comum entre os jamaicanos rastafáris, que


conservam longas as suas madeixas.

4.1.7 ​ Êbed-Mélekh, o servo, ministro do rei

Por sua mensagem, que aconselhava abertamente a rendição de Judá a


Nabucodonosor, rei de Babilônia, Jeremias foi perseguido como traidor da pátria e
entregue pelo rei Zedequias ao arbítrio dos príncipes. Estes o jogaram num poço em
que não havia água, só havia lama (Jr. 38.1-6). E o profeta se atolou na lama,
correndo o perigo de se afogar e morrer. Aparece, então, um negro, um cuxita, cujo
nome é dado como Êbed-Mélekh (literalmente, servo, isto é, ministro do rei). Ele vai
ao rei, intercede por Jeremias e consegue permissão para salvar a vida do profeta.

Esse negro é, portanto, alguém em alta posição na corte, tendo acesso direto ao rei,
que o devia ter em alta consideração, e, por isso, atendeu seu pedido, embora fosse
em desafio à decisão dos príncipes, diante dos quais o rei se confessara sem
nenhum poder (Jr. 38.3, 7-13). Essa foi uma ação tão notável que o etíope recebeu,
em recompensa, um oráculo, por intermédio do próprio Jeremias, em que lhe era
prometido livramento, quando acontecesse a destruição de Jerusalém pelo exército
de Nabucodonosor. Sua vida seria poupada, porque ele confiara no Deus Eterno (Jr.
39.15-19). Quantas vezes você se lembra de ter estudado este texto, dando atenção
a este detalhe?

4.2 PERSONAGENS DO NOVO TESTAMENTO

No Novo Testamento, há informação que nos ajuda a pensar na matriz africana do


cristianismo. Desde os magos que vieram adorar o menino que são apresentados
como etíopes, Simão de Cirene, o negro e o Lúcio de Cirene foram líderes na igreja
de Antioquia (Atos 13.1), onde os crentes foram pela primeira vez, chamados cristão
e ordenaram e comissionaram o apóstolo Paulo para o ministério do evangelho.
65

4.2.1 Simão Cirineu, o carregador da cruz de Jesus

Os últimos cinco dias que Jesus Cristo foram emocionantes. Aconteceu a “Paixão de
Cristo”, celebrada todos os anos pelos cristãos, um episódio trágico até hoje
representado no mundo inteiro pelas comunidades cristãs. Neste texto, levanta-se
algumas questões na Paixão de Cristo. Uma questão relevante foi a participação de
Simão Cireneu. Lendo os textos bíblicos dos três evangelhos (Mateus, Marcos e
Lucas) que narram o episódio, refletimos que considera-se importante para nós
negros Cristãos.
​ Figura 22: Simão Cirineu

Fonte: ​http://av1611.net/4829

Simão vinha do campo, o soldado romano, ao ver, logo o obrigam a carregar a cruz,
ele resiste, como parte da nossa história e cultura, mais é forçado. Depois que ele
aceita levar a cruz se torna um aliado de Cristo, no percurso Simão começa a sofrer
também ao ver o sofrimento de Jesus, um Simão já envolvido com Cristo.
66

Analisando os textos bíblicos procuramos entender o significado de Deus ter


escolhido um Negro para ajudar o seu Filho na hora mais difícil da sua vida. O texto
bíblico afirma que Simão Cireneu foi forçado a carregar a cruz. Pensa-se que dentro
as multidões que seguia a Jesus e até mesmo entre os seus discípulos não havia
nenhum voluntário pronto a ajudá-lo? Jesus não tinha condições nenhuma de subir o
monte calvário que tinha 900 metros e precisava de alguém para ajudá-lo.

Simão Cireneu na sua experiência e encontro involuntário com Cristo veio a se


tornar juntamente com sua família de grande importância na Igreja Primitiva, a Bíblia
menciona em vários textos. Em Atos 13:1 ele reaparece como, Simeão Níger, Simão
o negro, ele é um dos pastores da igreja, é o homem que impõe as mãos sobre
Paulo para enviá-lo ao campo missionário.

O homem que um dia carregou a cruz à força agora é um dos pastores da igreja, ele
assumiu a cruz. Quando os escravos negros foram trazidos forçados para a América
também foram obrigados a seguir a Cristo, eles também resistiram, mais logo
perceberam que seguir a Jesus Cristo não eram aquilo que os seus opressores
faziam, eles assumiram também a cruz, e descobriram um Cristo Salvador e
Libertador e já não mais o seguia obrigado, mais como participante da sua morte e
ressurreição. O Cristo que outrora era usado para escravizá-lo agora era o Cristo da
sua libertação da escravidão e racismo. Cansado de ver a história sendo contada
sem a participação da população negra e procurando olhar com olhos negros?

4.2.2 Lúcio de Cirene, um dos fundadores da Igreja Cristã

Lúcio de Cirene foi um dos fundadores da Igreja Cristã em Antioquia (na atual Síria),
de acordo com o livro bíblico dos Atos dos Apóstolos, mencionado por nome como
um membro da igreja na cidade após a morte do rei Herodes Agripa: “E na igreja que
estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e Simeão
chamado Níger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes o
tetrarca, e Saulo" (ATOS 13:1). Lúcio é indicado como fundador por uma inferência
numa passagem anterior:
67

E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de


Estêvão caminharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a
ninguém a palavra, senão somente aos judeus. E havia entre eles alguns
homens cíprios e cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos
gregos, anunciando o Senhor Jesus (Atos 11:19-20).

Acredita-se que tenha sido o primeiro bispo de Cirene, colônia grega situada no
Norte da África (na atual Líbia).

​ Figura 23: Lúcio de Cirene

Fonte: rafresco

Apesar de Cirene ter sido ofuscada por outras cidades e ter declinado a partir do
século V DC, deixou uma marca distinta na história da região. Judeus de Cirene
deixaram uma marca espiritual distinta através da sua proclamação do evangelho.
Não é uma coincidência que o Novo Testamento retrata os Judeus da Diáspora de
Cirene e outras cidades Helenísticas como de mente aberta e determinados em seus
esforços para proclamar Jesus aos Gentios. Os Judeus de Cirene foram
fundamentais para Antioquia. Além disso, eles, sem dúvida, contribuíram para a
proclamação do evangelho no norte da África. Homens como Tertuliano, Cipriano e
Agostinho saíram da igreja Africana, mas poucos hoje associam a fé desses homens
aos Judeus zelosos Cirene.
68

4.2.3 O eunuco de Candace

Não sabemos o nome, mas sabe-se que no ano 36 d.C, apenas cinco anos após o
Pentecostes, o cristianismo já havia penetrado no coração da África, na pessoa do
eunuco de Candace, rainha de Meroé27. A notícia que lemos no Atos dos Apóstolos
(8.26-39) é muito sóbria, mas apresenta elementos que nos permitem reconstruir
com razoabilidade o cenário histórico da conversão do primeiro negro ao
cristianismo.

Candace era o título da rainha de Meroé. No século VIII antes de Cristo, surgira, ao
longo do rio Nilo a sul do Egito, portanto na África negra, um império cujos
imperadores, entre 750 e 650, ocuparam o trono dos faraós. Empurrados ou
retirando-se para o Egito, transferiram a sua capital de Napata, na grande enseada
do Nilo, para 250 km mais a sul, onde surgiu a cidade que os historiadores gregos
chamaram Meroé. Daí, os reis de Meroé dominaram, servindo-se de um sistema
feudal, quase todo o território do atual Sudão, passando por períodos alternados de
expansão e de recessão.

A rainha de Meroé tinha um ministro eunuco, conforme o uso da época, que


superintendia os seus tesouros, em especial o ouro que se extraia nas montanhas
do deserto oriental e, por isso, fazia viagens ao Egito, onde fazia negócio com os
numerosos comerciantes hebreus aí estabelecidos. Por eles, conheceu a religião
monoteísta e a ela aderiu, de tal forma que foi a Jerusalém adorar o Deus de Israel.

Como em todos os locais de peregrinação, também em Jerusalém havia bancas de


venda de livros, onde o eunuco comprou um rolo de papiro ou pergaminho com os
66 capítulos de Isaías, em língua grega.

Figura 24: Eunuco de Candace e Filipe

27
​ éroe é o nome de antiga cidade na margem leste do rio Nilo, na Núbia, a região do vale
M
do rio Nilo que atualmente é partilhada pelo Egito e pelo Sudão, a cerca de 300 km a
nordeste de Cartum, que foi a capital do Reino de Cuche entre o século VII a.C. e o século
IV da nossa era. ​UNESCO. ​África negra.​​ História e civilizações. Tomo I (até o séc. XVIII).
69

​ Fonte: annebbahia.blogspot

No regresso, o ministro negro pôs-se a ler em voz alta; o diácono Filipe, ao


escutá-lo, ficou maravilhado e perguntou-lhe: “Compreendes, verdadeiramente, o
que estás a ler?” Ao ouvir uma resposta negativa, Filipe ofereceu-se para o ajudar e
explicou-lhe que o profeta falava de Jesus de Nazaré. A narração dos Atos dos
Apóstolos termina com o eunuco recebendo o batismo.

​ Figura 25: O Batismo do Eunuco

​ Fonte:annebbahia.blogspot
70

4.2.4 Paulo de Tarso - egípcio, hebreu ou israelita?

Há evidências bíblicas e históricas que esses personagens da história sagrada


sejam negros ou de descendência negra. O apóstolo Paulo, em um erro de
identidade, foi classificado de egípcio. O que significava ser um egípcio naquele
contexto histórico? Seria um preconceito racial? No livro Atos dos Apóstolos é
descrito o evento que culminou na prisão do apóstolo Paulo, em Jerusalém. O texto
bíblico diz:

Alguns da multidão gritavam uma coisa, outros gritavam outra; não


conseguindo saber ao certo o que havia acontecido, por causa do tumulto, o
comandante ordenou que Paulo fosse levado para a fortaleza. Quando
chegou às escadas, a violência do povo era tão grande que ele precisou ser
carregado pelos soldados. A multidão que o seguia continuava gritando:
"Acaba com ele! "Quando os soldados estavam para introduzir Paulo na
fortaleza, ele perguntou ao comandante: "Posso dizer-te algo? " "Você fala
grego? ", perguntou ele. "Não é você o egípcio que iniciou uma revolta e há
algum tempo levou quatro mil assassinos para o deserto? "Paulo
respondeu: "Sou judeu, cidadão de Tarso, cidade importante da Cilícia.
Permite-me falar ao povo" (ATOS 21.34-39).

Neste contexto pode-se observar Paulo estava retornando de uma de suas viagens,
ao qual havia ministrado aos gentios, pessoas não israelitas, seus companheiros
rogavam que ele não fosse à Jerusalém, pois estava sob risco de ser assassinado.
E, vendo alguns israelitas, que Paulo estava no templo, o arrastaram para fora, e
queriam matá-lo. Foi quando chegou o tribuno da corte, com soldados e centuriões,
para conter a multidão. ​T​ribuno, na Roma antiga, era um magistrado, eleito como
chefe de cada uma das tribos, que possuía atribuições de diversos caracteres, entre
elas, funções: administrativas, econômicas (cobrança dos tributos), militares
(recrutar as levas de contingente, que cada tribo deveria aportar) e civis.
71

​ Figura 26: Tribuno

Fonte: hebreunegro

Então, Paulo foi recolhido, a uma fortaleza, pelo tribuno. Em seguida, Paulo
falou-lhe, em grego (pedindo permissão para falar). O tribuno ficou surpreso, quando
ouviu Paulo falar com ele, em grego, e perguntou: "Não és tu porventura EGÍPCIO?
Paulo respondeu: EU SOU HEBREU ISRAELITA. O que isso quer dizer? Isso quer
dizer que Paulo foi confundido com egípcio, e nós já vimos que os egípcios antigos
eram um povo negro vermelho, então, Paulo era negro.
72

Figura 27: Apóstolo Paulo

​ Fonte: fotógrafo James C. Lewis, do EUA

Quando ouviram que lhes falava em língua hebraica, escutaram-no com a maior
atenção. Continuou ele: Eu sou HEBREU, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me
nesta cidade, instruí-me aos pés de Gamaliel, em toda a observância da lei de
nossos pais, partidário entusiasta da causa de YAH como todos vós também o sois
no dia de hoje. Atos 22:2-3

Paulo sendo negro é confundido com um "Egípcio" e declara-se um "Hebreu". Os


Hebreus ou Israelitas (YAHUDIM) tem a influência na língua, fé e cultura dos
cananeus e sumérios através de Babilônia, está bem documentada pelos
historiadores. O original do alfabeto hebraico antigo era idêntico ao dos fenícios.
línguas semíticas são variantes realmente dialética de línguas Africanas.
73

A palavra semita é de semi, o que significa metade. Metade do quê? Metade


NEGRO! Semita se refere aos descendentes de Shem, um dos filhos de Noé. A
palavra origina-se da semi prefixo latino que significa metade. "Metade negro e
metade branca. Portanto, negro (desde negro é geneticamente dominante)", destaca
Dr. Welsing Cress. Historiador Cheikh Anta Diop também aponta que o "semita"
surge no 4 º milênio a.C. A partir de cruzamentos entre os habitantes negros da
terra santa e branco invasores do norte28.

4.3 O QUE A HISTÓRIA NOS CONTA?

Em 2004, Jesus foi eleito o maior ícone negro de todos os tempos, pelo jornal New
Nation, o que levou a um debate sobre a cor de sua pele. Disse o jornal29:

Apesar de as representações comuns, nas culturas ocidentais, do jesus


loiro, de olhos azuis e visual hippie, todas as evidências apontam para o fato
de que jesus não poderia ter sido de extração escandinava e certamente era
um irmão de cor​.

A história confirma que os hebreus eram negros, por isso, algumas das mais antigas
imagens de Jesus/ Yeshua30/ Yahushua31 mostram-no como um negro de pele bem

28
Disponível em:
<​http://hebreu-suburbano.blogspot.com/2011/12/com-toda-certeza-apostolo-shaul-paulo.html#3y6hyk
wKclQAj6sC.99​>. Visualizado em 25/09/2018.
29
Disponível em:
<​https://docs.google.com/document/d/1bpZvfNw_QEOWVSyf06TLSTEcUYAC5TmFofif4ccwoLs/edit#
>. ​ Visualizado em 25/09/2018.

30
​Yeshua é um nome de origem judaica. O som da letra Y em hebraico Bíblico soa como um J,
Yeshua (Jesus) é uma variação nominal de Yeshoa ( = Joshua (Inglês) ou Josué (em Português) ,
outro variação é Yeseph ( Joseph = Inglês ou José = Português), Esta regra também inclue : Jonas,
Joel, João, etc )I Quando o nome se se refere a Jesus ( O Senhor ) geralmente vem acompanhado de
um adjetivo também em hebraico para distinção , por exemplo Yeahua, Yamashee ( Senhor Jesus )
ou Yeshua Elohin (Jesus, o Deus). Disponível em: < ​https://hebreuisraelita.wordpress.com​>.
Visualizado em 24/09/2018.

31
Nome do filho do Elohim dos hebreus. Vertente do tetragrama sagrado yhwh ou do hebraico iod hev
vaw rev transliterado para Yaho primeiro nome do Deus dos hebreus dito a Moisés ( Moshes) Raiz do
nome do filho de Num que teve o nome mudado de Oshua (Oséias) para Yahushua que quer dizer;
Yaho salva ou é salvação. O mesmo nome que o anjo deu a Maryah e Yahosef pais do Mashyah dos
Yahudim ( judeus). ​Fonte: Disponível em: ​<​https://www.dicionarioinformal.com.br/mashiach/​>.
Visualizado em 26/09/2018.
74

escura. Este afresco, retratando a cura do paralítico, é a mais antiga representação


conhecida do Mashiyach32, que data de cerca de 235 a.C. A pintura foi encontrada,
em 1921, na parede do lado esquerdo da Câmara Batismal da sinagoga
Dura-europos, no rio Eufrates, na Síria moderna.

​ Figura 28: Afresco - A Cura do Paralítico

​ Fonte: hebreuisraelita

Este afresco de Jesus entre os apóstolos está em um arcossólio da Cripta de


Ampliato, nas catacumbas de St. Domitilla, em Roma. As catacumbas de Domitilla
datam do 2° ao 4° século.

32
​A palavra ​Mashiach significa "ungido". Antigamente, quando um rei subia ao trono, ele era ungido
com óleo. Assim também, haverá um tempo no futuro em que um judeu que seja instruído e
descendente do Rei David será ungido como rei e construirá um Templo em Jerusalém, e reunirá
todos os judeus em Israel. Fonte: Disponível em:
<​https://www.dicionarioinformal.com.br/mashiach/​>. Visualizado em 26/09/2018.
75

Figura 29: Jesus entre os Apóstolos

Fonte: hebreuisraelita

Este painel de madeira pintada encontra-se no museu Copta, na Cidade do Cairo –


Egito. Ele retrata Jesus e seus discípulos, todos negros, de tez bem escura.

Esta imagem etíope é do séc. XVII ou XVIII e retrata um Jesus de pele negra e
cabelo crespo.

​ Figura 30: Jesus de pele negra

Fonte: hebreuisraelita
76

Entretanto, esta imagem é bem mais recente, do ano de 1960. Pode-se observar
pelos traços negróides do nariz, do cabelo e da cor da pele que, segundo Censo do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010)33 - IBGE, identifica-se o fenótipo
étnico raciais da população negra neste afresco.

​ Figura 31: Afresco da imagem de Jesus

​ Fonte: hebreuisraelita

As figuras seguintes, apresenta uma Bíblia do ano de 1611, ilustrativa. Ela mostra
alguns personagens do Novo e Velho Testamento de uma maneira diferenciada, das
quais estamos acostumados a visualizar ou imaginar.

33
Disponível em: <​https://censo2010.ibge.gov.br​>. Visualizado em 26/09/2018.
77

Figura 32: Bíblia de 1611 d.C.

Fonte: hebreuisraelita

​ Figura 33: Adam (Adão) e Chavvah (Eva)

​ Fonte: ​https://hebreuisraelita
78

Figura 34: Mosheh (Moisés)

​Fonte: ​https://hebreuisraelita

​ Figura 35: Yahushua (Josué)

Fonte: ​https://hebreuisraelita
79

Figura 36 : Gid’don (Gideão)

​ Fonte: ​https://hebreuisraelita

​ Figura 37: David (Davi)

Fonte: ​hebreuisraelita
80

​ Figura 38: Daniyel Daniel)

​ Fonte: ​https://hebreuisraelita

Figura 39: Zekariyah (Zacarias)

​ Fo​ttps: //hebreuisraelita
81

Figura 40: Miryam (Maria)

​ Fonte:hebreusisraelita

Figura 41: Keph (Pedro)

​Fonte: hebreusisraelita
82

​ Figura 42: Shaul (Paulo)

​Fonte: hebreusisraelita

​ Figura 43: Os Mártires

​ Fonte: hebreusisraelita
83

​Figura 44: Os Profetas

​Fonte: hebreusisraelita

​ Figura 45: Os Santos

​ Fonte: judeusisraelita
84

Observa-se nesta bíblia de 1611, antigamente, até mesmo as bíblias corrompidas


retratavam os hebreus como um povo de pele negra.

4.4 UMA ANÁLISE DOS PERSONAGENS BÍBLICOS NA PERSPECTIVA DA


NEGRITUDE

Lança-se um olhar, ainda que rápido, sobre a Bíblia, num sentido mais amplo, para
uma verificação mais segura do testemunho das Escrituras Sagradas sobre o negro.
Temos na Bíblia o testemunho da presença do negro no quotidiano da sociedade
israelita. Temos, na Bíblia, o testemunho sobre a imagem dos negros como
pareciam aos olhos dos israelitas.

O etíope, o negro, temível guerreiro, é comparado, por uma livre associação de


idéias, a um verdadeiro leopardo feroz. À imagem do etíope associava-se a imagem
do leopardo, o que, nem de longe, se compara aos estereótipos que se ligam à
imagem do negro, em nossa sociedade.

Os etíopes, os negros, eram vistos pelos olhos dos israelitas antigos, como homens
belos. As palavras lisonjeiras da diplomacia com que Isaías se refere a eles
transpiram admiração:

Como vai sofrer a nação que fica às margens dos rios da Etiópia, a terra
onde se ouve o zumbido de insetos! Esse país nos manda os seus
mensageiros que descem o rio Nilo em barcos feitos de junco. Mensageiros
velozes, voltem para casa! Voltem para o seu povo forte e poderoso, aquela
gente alta e de pele lustrosa; um povo de quem o mundo inteiro tem medo e
que vive numa região dividida por rios (ISAÍAS. 18.1-2).

Falam de sua alta estatura, de sua pele lisa, lustrosa, suave. Também nisso
concorre e concorda o mundo da cultura grega. Heródoto, diz a respeito dos etíopes:
“Dizem que os etíopes são, de todos os homens, os de maior estatura e de mais
bela compleição física. Entre eles, o mais digno de usar a coroa é o que apresenta
maior altura e força proporcional ao seu porte” (História, Livro III, cp. XX).
85

Mais do que isso, temos na Bíblia o testemunho bastante explícito sobre o lugar dos
etíopes, dos negros, no propósito universal e escatológico de Deus.
Mais significativo ainda é Amós 9.7. 0 SENHOR Deus é o Senhor de toda a história
humana e todos os povos são iguais diante dele. Israel não deve presumir ter mais
importância para o Senhor do que os etíopes, os negros: “Povo de Israel, eu amo o
povo da Etiópia tanto quanto amo vocês”. Os filisteus e arameus foram também
objetos do cuidado divino, e suas migrações foram igualmente dirigidas pela vontade
soberana do mesmo Deus que tirou Israel da terra do Egito e lhe fez a dádiva da
terra “que mana leite e mel”.

Esse universalismo expresso no oráculo do profeta nega a qualquer povo uma


relação exclusiva com Deus e afirma a igualdade de todos eles aos olhos dele. E a
relação que é primeiro apresentada nessas vigorosas palavras é a do SENHOR com
os etíopes. Essas palavras combatem qualquer veleidade de orgulho nacional e,
para o nosso tempo e para a nossa sociedade, qualquer sentimento de orgulho
racial.

É nessa mesma linha que se coloca a narrativa da conversão do oficial superior,


tesoureiro real, da corte da rainha Candace da Etiópia. A conversão se deu por
intermédio do ministério do evangelista Filipe (Atos 8.26-32a):

Um anjo do Senhor disse a Filipe: “Vá para o sul, para a estrada deserta
que desce de Jerusalém a Gaza”. Ele se levantou e partiu. No caminho
encontrou um eunuco etíope, um oficial importante, encarregado de todos
os tesouros de Candace, rainha dos etíopes. Esse homem viera a
Jerusalém para adorar a Deus e, de volta para casa, sentado em sua
carruagem, lia o livro do profeta Isaías. E o Espírito disse a Filipe:
“Aproxime-se dessa carruagem e acompanhe-a”. Então Filipe correu para a
carruagem, ouviu o homem lendo o profeta Isaías e lhe perguntou: “O
senhor entende o que está lendo?” Ele respondeu: “Como posso entender
se alguém não me explicar?” Assim, convidou Filipe para subir e sentar-se
ao seu lado. O eunuco estava lendo esta passagem da Escritura:

E o eunuco estava lendo um texto da Escritura que dizia:

“Ele foi levado como ovelha para o matadouro, e como cordeiro mudo diante
do tosquiador, ele não abriu a sua boca. Em sua humilhação foi privado de
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justiça. Quem pode falar dos seus descendentes? Pois a sua vida foi tirada
da terra”. O eunuco perguntou a Filipe: “Diga-me, por favor: de quem o
profeta está falando? De si próprio ou de outro?” Então Filipe, começando
com aquela passagem da Escritura, anunciou-lhe as boas novas de Jesus.
Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água. O
eunuco disse: “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?” Disse
Filipe: “Você pode, se crê de todo o coração”. O eunuco respondeu: “Creio
que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Assim, deu ordem para parar a
carruagem. Então Filipe e o eunuco desceram à água, e Filipe o batizou.
Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Filipe
repentinamente. O eunuco não o viu mais e, cheio de alegria, seguiu o seu
caminho. Filipe, porém, apareceu em Azoto e, indo para Cesaréia, pregava
o evangelho em todas as cidades pelas quais passava (ATOS 8. 32b-40).

O texto é de grande importância, pois mostra principalmente para os


afro-descendentes, o primeiro não-judeu introduzido, pelo poder e pela orientação do
Espírito Santo, no novo povo de Deus, era um etíope, um negro.

Cumprem-se, portanto, no Evangelho de Cristo, a promessa e a esperança do AT. A


partir de Isaías 53.7-8, que o eunuco está lendo, Filipe lhe anuncia a Boa Nova a
respeito de Jesus. E ele aceita, imediatamente essa Boa Nova. Para José Combím:
“O africano representa aqui um papel messiânico. Foi escolhido para representar a
multidão de nações que viriam até das extremidades da terra para formar o único
povo de Deus”.

Era um homem rico e proeminente. Viera do norte da África, da região hoje


correspondente ao Sudão, para adorar. Era um homem que estava diligente, sincera
e insistentemente buscando alguma coisa. Inquieto, procurava alguma coisa que
jamais tinha conhecido antes – e a encontrou. Era um homem negro, que se tornou
as primícias das missões cristãs em todo o mundo não-judaico.

Ele tornou-se o antepassado de todos os homens negros, afro-descendentes,


ganhos para a fé em Jesus, nesses vinte e um séculos de história da Igreja e da
missão cristã. Um símbolo de inclusão no projeto do Deus que não faz acepção de
pessoas e que, se jamais manifestou alguma preferência, foi pelos oprimidos, os
humilhados, os excluídos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao final desta pesquisa deste projeto que nasceu a partir da minha
vivência cristã, dentro das igrejas evangélicas há 50 anos, sem nunca ter sido
privilegiada em participar de um estudo, uma palestra ou um seminário sobre os
personagens bíblicos negros. Como cresci num espaço cantando na Escola Bíblica
que “meu coração era ​preto​”, que “​alvo mais que a neve serei” e que a cor do
pecado era ​preto,​ justifiquei uma aprofundamento na história da África e nas
Escrituras para resgatar antropologicamente e culturalmente esta temática, tanto da
antiguidade quanto atualmente, incluindo as tradições, na evolução civilizatória
africana e nas dinastias de faraós negros e concluindo, com os personagens negros
na releitura bíblica, sob o olhar na perspectiva da negritude.

Sempre lembrando que a construção do papel social da população negra é sempre


pensada na perspectiva da dependência, da inferioridade e subalternização,
dificultando que assumem-se espaços de poder, de gerência e de decisão, quer seja
no mercado de trabalho, quer seja no campo de representação política e social,
quer seja no campo eclesiástico. A partir desse recorte, ainda hoje no século XXI,
não temos os direitos humanos quer sejam, civis, políticos, econômicos, sociais,
culturais ou ambientais da população negra plenamente respeitado.

O Brasil sendo o segundo continente e país com a maior população negra fora da
África, tem uma baixa representatividade do negro em todas as esferas sociais,
dificultando a visibilidade e a equidade racial, a fim de possam exercer plenamente
os direitos. No caminhar desta pesquisa apreendeu-se que Bíblia tem a cor de todas
as culturas. Ela é contemporânea de todas as eras. É nela onde encontramos o
berço da humanidade. É nela que inspiramos as leis da nossa Constituição
Brasileira, portanto é nela também que buscamos e encontramos respostas para
nossos questionamentos.
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Objetivamos reforçar, talvez até a exaustão do imaginário bíblico, a África antes da


separação do Canal de Suez, pois antes dele não se fazia distinção entre terras
bíblicas no cenário da atuação divino que ia do Nilo ao Eufrates. Deste continente,
também fazia parte Israel. Esta visão perdeu-se à partir de 1859, quando o
engenheiro francês ​Ferdinand de Lesseps pôs-se a construir o Canal de Suez.
Conseqüentemente, essas nuanças não são percebidas pelos leitores da Bíblia.
Atentarmos à explícita participação do negro, tanto do preto quanto do pardo, na
História Sagrada tornando-se mais visível através de figuras e alguns afrescos, para
auxiliar na compreensão do contexto imaginário. Faz-se mister começamos por
derrubar alguns mitos tidos como dogmas e reconstruir nossa identidade histórica,
tanto de fato quanto de direito.

Procuramos debater a temática da concepção hebraico-cristã, e conclui-se que não


nenhuma maldição em ser negro nem bênção alguma em ser branco. ​O cristianismo,
mesmo firmando-se como de origem divina, é historicamente de matriz africana.
Compreendemos que no mundo do Velho Testamento as raízes bíblicas da fé
judaica têm uma relação em separável dos etíopes, também no contexto da época
não significava que era um morador da Etiópia. Acreditou-se que ficou evidente na
pesquisa que o termo “etíope” não somente se referia aos habitantes daquela antiga
terra, mas também aos povos de pele escura ao redor de todo o globo, ou seja,
“Cusi” se refere a uma pessoa de descendência africana.

Neste contexto histórico, procuramos apresentar um pouco das história dos núbios,
enfatizando a dinastia de faraós negros, em especial a 25ª dinastia com sua
brilhante atuação no mundo egípcio. Abordamos as recentes descobertas
arqueológicas que denunciam o racismo arqueológico nesta dinastia. Partindo
destes princípios esclarecedores, eu posso me autodeclarar uma pessoas cuxita, por
ser descendente africana.

E finalmente, na pesquisa contamos e relembramos as histórias de alguns


personagens bíblicos negros, dentro do seu contexto histórico, com o objetivo de
descolonizar o pensamento teológico, preconceituoso e opressor, de que tanto no
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Velho Testamento quanto no Novo Testamento e as referências de filósofos,


inclusive nos dias de Jesus, da incapacidade do africano e de seus descendentes.

Em meio a tantas questões, constatou-se que perguntas e questionamentos sobre a


vida de Jesus e sua fuga ao Egito, não foram abordadas e respondidas. Ainda é
uma temática a ser pesquisada e discutida para além do nosso imaginário, assim
como não foi abordado as histórias dos pais da igreja negros como Clemente e
Agostinho.

No capítulo 1 abordei as questões relacionadas ao pensamento de Maciel Mana


Lopes (2006), bem como Rodrigues (2017), que embasa os fundamentos bíblicos
através da África Negra, onde os personagens bíblicos se originaram e Marco Davi
de Oliveira escritor e pastor de referência no Movimento Negro Evangélico no Brasil,
para desmistificar a ausência de personagens negros na Bíblia e defende uma
reparação histórica.

No capítulo 2, procurei abordar em Valter Roberto Silvério (2013) e continuei com


Rodrigues (2017), onde foi apresentado a África da antiguidade, com suas
hierarquias patriarcal e onde houve várias hierarquias de poder que preservaram
suas tradições sem abandonar ou negar o passado. A evolução partiu da
organização em famílias, clãs, aldeias, confederações, cidades e reinos. De clãs
para reinos, as Sociedades Africanas chegaram à antiguidade como grande
civilizações dentre elas, os períodos das dinastias de faraós negros que onde
ficaram no poder por 60 anos.

Por fim, no capítulo 3, contou-se a história de alguns personagens históricos da


Bíblia, tanto do Velho Testamento quanto do Novo Testamento para conhecê-los no
seu contexto histórico. Procurei usar o recurso das imagens para desmistificar a
ausência de negros na Escritura Sagrada. Objetivou-se com essa pesquisa, dar
essa visibilidade na parte da leitura bíblica, para excluir ou minimizar a sensação
que o nosso Deus e o Jesus Histórico, habita e reina somente para alguns, por falta
de representatividade bíblica.
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Acredita-se ter alcançado o objetivos desta pesquisa bibliográfica e documental, que


objetivou-se desconstruir o racismo bíblico que nos foi imposto através da
classificação das três raças, sendo uma apresentada a sociedade como
amaldiçoada, tanto quanto aos objetivos específicos, com o propósito de
conceituar fundamentos bíblicos através da África Negra, analisando a dinastia de
faraós negros e desmistificando a ausência de personagens negros da Bíblia.

Aos poucos, a população negra entende-se que deve reivindicar o reconhecimento


da sua história e da sua cultura, passando a buscar o conhecimento como um direito
e continuidade da academia como possibilidade de conseguir a certificação exigida
socialmente para entrar para o campo da pesquisa científica.

Ressalto que em nenhum momento desta elaboração desta pesquisa documental,


perdi a minha fé em Cristo. Pelo contrário, somente me fez fortalecer a minha
gratidão em Deus, através do seu filho Jesus, chamado o Cristo. Em primeiro lugar,
porque seguimos acreditando que o Deus da Bíblia faz opção pelas pessoas e pelos
grupos mais marginalizados. Em nossa sociedade, as mulheres, as pessoas negras
e indígenas continuam sendo as maiores vítimas da gritante exclusão social. Com
elas aprendemos a resistir.

Em segundo lugar, porque queremos e podemos descobrir as raízes negras do povo


hebreu e de toda a Bíblia. De fato, antes de ser europeia, a Bíblia é afro-asiática.
Não negamos a contribuição europeia ao nosso continente, queremos seguir
trocando saberes com o chamado "Velho Continente". Mas denunciamos o
cristianismo branco e opressor, com teologias que chegaram ao absurdo de justificar
a escravidão negra feita pelos brancos e que continuam, muitas vezes, negando
nossas raízes.

Não queremos fazer isso apenas pinçando textos bíblicos nos quais apareçam
personagens africanas. Este até pode ser o primeiro passo, um exercício necessário
e interessante. Mas é preciso mais do que isso, é preciso olhar toda a Bíblia na
perspectiva da negritude. Porque essa é nossa experiência, ainda que negada:
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vivemos num país onde metade da população é negra ou na falácia politicamente


correto, afro-descendente. Coincidentemente, é a metade mais pobre.

Que aceitemos o desafio de mergulharmos na Bíblia e na vida com nosso olhar


afro-descendente. Afinal, por muitos séculos, fizemos isso apenas com o olhar
europeu. Erramos e acertamos, agora vemos que é preciso mais. Ou manteremos a
opção, muito mais cômoda e bem menos questionadora para nossa sociedade
preconceituosa e racista, de continuar enxergando apenas um Jesus loiro, de olhos
azuis e cabelos cacheados?

Não predenteu-se encerrar esse diálogo, pelo contrário, esta temática está apenas
no início dos debates entre os Movimentos Negros Evangélicos -MNE em todo o
Brasil. Movimento esse ​que tem como meta imediata, atrair voluntários e
simpatizantes em diversas localidades e a formação de núcleos regionais,
respeitando as especificidades e demandas de cada unidade. As pautas do MNE
são similares às de outros movimentos negros em diversos aspectos, com ênfase à
resistência ao racismo e criação de consciência negra, social, política, histórica e
cultural. A atuação, segue o modelo do pastor batista e ativista político Martin Luther
King Junior, e conta com a participação de várias igrejas evangélicas.
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