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OPRAT,DR
OBRAS SELECIONADAS FOR

MUITO PRAZER
m{ncm DENsER D TODOMDU
O PRAZER É ToDo MEU
COATTOS EROTICOS TT,III IAUATOS
o
Selecionados por Márcia Denser
o

crcÍln pRnon. cRISTINA DE QUEtRoz o EDLA vAN srEEN . JUDITH GRoSSMANN.


IULIETA LADEIRA. LYA LUFT. LYGIA FAGUNDES TELLES
DE C,ODOY
uÁncn orNsnR. MyRIAM cAMpELLo o nÉLtoe pntott o or.cA SAVARy
MCHEL JARDTM o Rrcwe cú-re coúNn o nENATA pALLornNI
sôNn couuNHo . soNtA NoLASCo FERREnI o rÂun;euenDo FAILLACE

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CDITORA.RECO RD
Copyright @ 1984 by Márcia Denser
Direitos autorais reservados de Cecília Prada, Cristina de Queiroz,
Edla Van Steen, Judith Grossmann, Julieta de Godoy Ladeira, Lya
Luft, Lygia Fagundes Telles, Márcia Denser, Myriam Campello, Há poucas décadas, o tema erotismo como tantos outros nos eram
Nélida Piflon, Olga Savary, Rachel Jardim, Regina Célia Colônia, vedados, embora subsistisse, desde milênios, como um insuspeito, subter-
Renata Pallottini, Sônia Coutinho, Sônia Nolasco Ferreira e Tânia râneo manancial, a fluir, silencioso e simétrico, paralelo às vozes masculi-
Jamardo Faillace. nas que ruglam (e ainda rugem) na superfície: "Quem entende as mulheres?"
- queixavam-se. Müto engraçado. Apesar de intimamente (e como) Liga-
dos, estávamos ircomunicáveis. Como peixes num mesmo aquário separa-
dos pela parede de üdro das imposições de um sistema patriarcal que ne-
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte cessitou sacrificar o indivíduo para garantir a manutenção e estabilidade
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
do sistema. Por isso perdemos por müto tempo. Todaüa, com o vertigino-
so avanço da tecnologia, da ciência da engenharia genética, num curtíssimo
O Prazer é todo meu / organização de Márcia Denser. Rio período pudemos observar a sistemática demoüção dessa parede. Há muito
P93l de Jaaeüo : Record, 1984. - a tal parede foi retiraôa, mas é como se ainda estivesse lá, temerosos que
somos de ultrapassar esses limites assombrados pela impaipável muralha
do hábito, do preconceito, dos valores que já não mais acreütamos. De
l. Contor cróücos brasileüos
- Coletânea I. f,)cnscr,
qualquer forma, é um bocado perigoso. O mesmo que gritar a três metros
Márcia
dtm iceberg fantasma: em sei'undos, a imensa montanha de gelo se pulve-
riza, porquanto toneladas de inassa líquida se precipitem sobre nós, tumul-
cDD 869.9301 tuando e confundindo os mares. EnÍim, há lugar para todos na História.
84-0336 cDU -
_ 869.0(81)-34 Principalmente os audaciosos e desastrados. De forma que, feito os de- .

miurgos, a gente solta as águias e sabe-se lá onde vão pousar. Através de


MUITO PRAZER estabelecemos contato. O PRAZER É fOnO MEU de-
monstra que fomos plenamente correspondidas. E já não faz sentido rlizer
1
"estamos resistindo" quando somos (sempre fomos) irresistíveis. Em todos
os sentidos. Porque o pÍazeÍ também é nosso.

MÁncIe DENSER

I
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-
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TORA
RIO DE JANEIBO. R.J.
1.108,
Nem outras mulheres. Arrasado, enfúrecia-se conl a falta de cará-
ter, com a perda de forças, com a tesão inútil. Mas ao primeiro
chamado saía com eles, inocentes'que Herodes poupara. O desejo
trepidando em seu corpo como a bomba d'água do edifício. Com
tal jogo de esconde atingia confins inesperados, virava gato, fantas-
ma, terceira dimensão" Não era esse o sentido da vida, conhecer
nossos limites? Talvez se transformasse num guru famoso pelo con-
trole mineral. Frio frio. O cume do Himalaia corr um nrembro de
fogo nas calças.
CEI{AS DE SEXO EXPLÍCITO Quarta-feira acordou deprimido, o pensamento voando para
Sônia como um falcão. Tentaria não pensar nela hoje. Que raio de
verÍne era ele querendo engolir a mulher do melhor amigo? Não
Myriarn Campello tenho culpa, disse para o espelho pensando em Tristão. Tem sim,
seu safado, o espelho respondeu. Argumento discutível. Qual a di-
ferença entre a sede que crestava seu corpo e o amor? Escovou os
Alô, alô, disse a voz. Loucura. Desligou sem falar. Mulher dentes absorto. O sexo não tinha status em nossa sociedade mora-
casada e para horror corn seu melhor amigo, amigão daqueles do lista porque era um ato animal. Cru demais para a luz clo dia. Ofen-
peito, de ouvir cada dor de corno gue a vida equânime deipeja em dendo a aparência composta das coisas, o verniz criado pelo homem
cima de todos, pontual como um relógio japonês. porra. Àrmadi- para suas ativiclades quando em pé. Exibia*se úmiclo, escorre,gavâ
lha do destino estava ali. parou aturdido. Não, não diria nada. em esperma, secreções, suor abundante. Nenhum bom-tom. A carne
Não nessa terça-feira de maio, o céu puro dando o exemplo, só era sociável qr.lando árida e seca como o Vale da Morte. Em-
Estou amando loucamente / a namoradinha de um amigo meu. bora todos trepassem, do juiz à enfermeira. Com seus gostos, ten-
Roberto carlos veio-lhe à memória. Amando? Não sabia se era dências, fantasias inconfessáveis que ajudavam a construir a difícil
amor a carga elétrica que a vaz de sônia desfechava em seu pau catedral do gozo. Gótica, filigranada, estourando em estrelas como
indefeso, inquieto por ela. sempre tangido pela vontade proibida. um fogo de artifício no céu noturno.
§eu corpo agora tinha um objetivo que era o corpo de Sônia. Bus- Merda. O corte da navalha doeu um pouco debaixo do chu-
cava-o enquanto dormia, quando acordava, ao saírem juntos, ele, o veiro. Depois do café sentiu-se melhor. Tinha uma hora para escre-
marido, a mulher. usava técnica especial para Nelson não captar ver antes de entrar na agência e sapecar liquidificadores na úulti-
sua embriaguez. um distanciamento brechtiano lhe permitia devo- dão. Toclo publicitário era urn fodido, disso não havia clúvida. Sen-
rá-la com os olhos mantendo-se impassível. O rosto de pedra escul- tou-se à máquina e releu metade da página. Entrar na pele, no cor-
pido na rocha. Frio frio. Controle remoto dirigindo o corpo. Ra- po da mulher. Tornar-se rnulher, Madame Bovary sou eu, lembrou.
chava-se em dois como um esquizofrênico, você vai por aqui,
eu vou Mas Flaubert era um gênio. Como seria uma mulher? Não procure
por ali. Fodia enfrentar os orhares de Nerson, respãnder a questões
sobre a economia do país eom a serenidade de um Buda. Iiuda só
a palavra, procure a sensação, orclena Virginia. Sábio conselho,
na aparência. Se bem que pela imagem conhecida o velho Sidarta Então houve um grande tumulto como água sendo furiosamente agi-
tinha o ar satisfeito de quem recém-traçara uma clonzera hindu. tada três metros abaixo da superfíeie. Quando as partículas se aquie-
Mas voltando a si próprio, publicitário, rrinta anos. um filho taram numa certa disposição, a idéia surgiu.
da puta nojento, sonso como a necessidade, A ereção reprimida o Esfregou os seios no peito dele num movirnento horizontal.
deixava louco, doía como um peso. A masturbação não o aliviava. A floresta de pêlos escuros transmitia a seus mamilos pequenas chis-

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pas que lhe atravessavam a carne até o ventre.
Logo sentiu em cada
seio a massagem das palmas retesaclas e um pouco Mas a tênue comichãc. do bem clurou só um instante- ,{ssltn
duras do ho- como veio bateu asas, tangida para tiias rnelhores. I)isse sim rápido.
mem, mãos que a,arnassavam como fêmea
no pasto. eue queria ele?
Leite não tinha. com fúria, ere se inclinou e chupou-lhe chafurdando na lama quente, alegre e promissora da fraqueza hu-
os peitos manâ. Ninguém é de ferro. Muito menos ele, que perdera o pai aindir
como se quisesse engolir toda a substância que
podia. A necessidade
dele a comoveu. Comia dela farninto, em grandes menino. Quem para lhe dizer isso é born, aquiio é errado? A mà*
nacos e chupões tentarâ, coitacla, mas não tinha a autúridade nâÍurai que emana Cus
que marcavam seu corpo como presa
de guerra. Gostava «le alimen-
tá-lo, toda virada em comida homens. DaÍ que ele ficara assirn. ObiÍquo, sonso, astutc), dei:ocha-
,"u, clentes. Um imenso pastel
de carne que ele lambia, mordia"rtr.
e mastigava depois d. noit", ,..
do. Mas no Íunclo bom como um brasileiro.
fim perdido no cleserto. Seu grande membro duio palpito, Quando chrgou ao I-ucas, os dois já enfrentavam chopes po-
;;;;
ela. Abriu as coxas. Sentiu_o roçar ali para
a fr.nte '" puru ,ra, rejantes. Sol, topázio, ouro líquido nâ mesa branca -* Varr Cogh
como um pequeno serrote de veludo. Até que ia gostar. Beijou Sônia e bateu no ombro de Nelson como nranda.m
duas mãos a derru_
baram na cama e o corpo do homem cobriu_a os costumes. Urna alegria agitou os dois que gostayam dele que por
quente pÀuOo, uto-
jado entre suas pernas. sentiu parte
a mais viva crere "na boca únri- sua vez gostava de ambos. Nelson riu sobre casos da clínica, Sônia
da da vagina. O membro rijo foi entrando nela indignou-se com as mães das crianças que anaiisava, Rui estavâ
lentamrn,r, torçur_
do o tecido de seu colpo a um grau insuportável. para farto da publicidade. Sônia. disse que era melhor ter enl{lrego, }{el-
abranclar a
dor,-relaxou os quadris. sentiu então todo son que havia limite para tuclo, Rui qure qualquer dia matava o ea-
o vorume dele dentro cle
si. Gemeu invadida. EIe ia e voltava, ia, voltava num nalha do chefe. Todos desancaram o Brasil. Chopcs translúcrdcs
mergulho
fundo, ritmado, cacla vez mais fundo, quando substituíram turvos chopcs para acompanharem o canrarão E:r:tn
as paredes clela o ba-
úaram e se abriram aceitando. Todoi os ruídos cessaram chuchu.
e uma
onda vinda de ronge foi rolando nela, subincro em Rui rncrgulhou na ccmicla para ciistrair-se dos onrbri:s rl* Stl-
seu interior es-
curo como o éter, deixando_lhe o corpo surpreso nia. morenos rro vÊstido claro. A aparcnte normalidade era tni'!tíl
como uma ca-
verna iluminada' Até que um último .oi.. que às vezes o convencia. Fisgou urn camarão. Nos llomeiltôs cn]
.ràouru-lhe o útero fa-
zendo-a explodir em convulsões contínuas que uÍna forue o clistraía da outra a amizacle pr:r Nelson emitir. urn
tínuas em lorno c]o eixo firme de contínuas carne.
con_
grito sufocado. Sorriu para eles. Âlérn disso Sônia ne;n se tlava
Libertou papel da máquina, impaciente. Era conta. Inocêucia. total. Se lhe tizesse urna proposiil, d*sfair:ceria de
-Leu, corrigiu,oriscou isso ou não era?
palavras, acrescentou. O olho no relógio. horror no tapete da sala?
A
campainha do telefone soou corno um tror,ão.
Deu um pinote. culpa O rcstaurente se abria e Íechava Çorno um fole, no aiLrgr, cio
é isso, resmungou. Foi ruminando a caminho do movirnento. Uma voz de mulher falando inglês dancou nc ar do
trabalho os chil_
reios de Sônia. Oh, meu Deus, iam almoçar la,do esquerdc de Rui. Os olhos cobalto rcçaram os dçie pür uin
no Lucas sábado, que
tal vir também? Gulp. Silêncio. momcnto. Os dela distantes e sem troea, çom í{ percepqil.a urilall:ral
Por um milésimo de segundo sua lealclade brilhou com que se olha um giito, o mar, uma planta. Os dele iniencionais
triunfante e avanadores. Após dois segundos de observaçãc cla o ignoror"l. El*
cpmo a espada do Rei Arthur. Sentiu_se
forte, rezinguento e infle_ também a ela, Mas no instante seguintr: i$rnou a fixar a nltr-{,fll
xível como um profeta da Bíblia. A tentação
do
a língua. Que sedutor ser um homent cle princípios,não beliscou-lhe loura à sua esquerda e o sol'riso rirdiante que fazia rJela um: nruih*i
nadar a favor bonita.
da corrente. Não matar, não roubar, honrar
pai e mãe e calar o Talvez seu êx1ase dernorass* mals do que devia. í)ois quantlo
Santo Nome. Da mulher do próximo
então nem se fala" Mudava voltou a encarar Sônia, leu nela urna irritação muda, fcroz, rJcsrrs*
até de calça<Ia se preciso fossÀ. Irreprochávcl.
perada. Se olhar matasse, era líquiCo e rerto un: çiefunio. iJng;rj!;i
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o resto do chope perturbado. Meu Deus. Seria então possível? Seu sinal. Deu a volta e agarrou-a de frente, comendo-lhe o rosto, o
corpo trepidou. pescoço, os ombros que emergiam do vestido branco' Ergueu a saia
Depois do almoço caminharam pela Avenida Atlântica com a qu. o atrapalhava, rasgou com um repelão as calcinhas de renda e
seda azul do céu sobre as cabeças. Tarde de luxo, tecida no fio fino mergulhou a boca no centro molhado, suculento da mulher. Preci-
de maio. Por sugestão de Nelson foram até a Miguel Lemos, casa sou agarrar firmq quando o corpo dela explodiu em tremores. um,
deles, para o conhaque e os cigarros. Mais tarde podiam pegar um dois, muitos, cada um tornando o corpo dele mais duro, mais se-
cinemiúa. dento. Até que não suportou mais esperar. o corpo dela era um
Confortáveis nas poltronas, acendiam o segundo cigarro quan- muro que tinha de ser derrubado. À força, com um punhal aguçl-
do o bip de Nelson emitiu seus sons marcianos. Agruras de um obs- do, com os dentes, as mãos. Qualquer coisa que anulasse o desa-
tetra, disse ele de saco cheio mas deixando a poltrona mole. Os fiante horizonte de carne. A fúria precisava transbordar de seu corpo
olhos de Sônia e Rui se encontraram velozmente por cima do co- e jorrar contra a mulher. A paz do homem dependia -disso. virou-a
nhaque. Armadilha do destino estava ali. Ao voltar lá de dentro de costas e ajoelhou-a no sofá, abrindo com as duas mãos sua bela
pronto para sair, Nelson beijou Sônia. Não esperem por mim para fenda vermelha. O sorvedouro. A caverna de Ali Babá' Pegou a
o cinema, falou com um muxoxo. Que chato, disse Rui, a alma can- bUnd,a branca e redonda como uma fruta e enterrop-se na abertura
tando. Por que não arrolha essa mulher até segunda-feira? Com um molhada em agonia. Animal de chifre, movimentou o corPo dentro
sorriso cansado Nelson acenou para os dois. da mulher dando marradas para o ar. sátiro na ninfa. seu membro
Um oco de silêncio invadiu a sala quando a porta bateu. Imó- recuava a mergulhava no poço morno com o vigor de uma máquina
veis, concentrados, continuaram nas poltronas enquanto uma ener- de demolição. Demolir, triturar, empuÍrar, destruir' Perfuratriz a
gia tensa enchia o ar. Então, vamos ao cinema? disse Sônia. Se você caminho da terra. Primeiro areia. Depois pedra. Depois lava arden-
quiser, disse Rui, vendo desmoronar suas chances. Ao entrarem no te. chegando ao centÍo em fogo do mundo seu membro chocou-se
carro pensou com desespero, nem passa pela cabeça dela. Mas onde contra ã perfeição absoluta da matéria. Um estrondo então o derre-
se encaixava o dardo raivoso do restaurante? Olhou sorrateiro o teu, translormando-o no que o cercaYa. Não mais paredes ou limi-
perfil de Sônia chapado contra o mar. trr. Luuu em meio de lava. E estertorou derrubando a mulher, visi-
tado, coroado, glorificado pelo poder.
Afinal resolveu-se. Queria saber tua opinião sobre o que ando Rui leu o [u. havia eicrito, transpirando. Encostou-se cansado
escrevenclo, é coisa rápida. Podíamos dar um pulo lá em casa antes
ao espaldar da õadeira. Depois cobriu a máquina com a capa azul
do cinema. Disse isso e parou de respirar, o coração aos trancos, e correu para a agência.
Impassível, ela concordou.
Leu a primeira folha e pousou-a no sofá de Rui, sem olhá-lo.
Pe§ou outra. A tarde escureceu lentamente através da janela aberta.
Espiando para baixo, Rui viu as copas das árvores se agitarern de
leve com o vento. Um sentimento de urgência ardia nele em fo-
gueira desordenada. O motor do corpo a ponto de explosão. Pen-
sava, pensava. Seria hoje ou nunca. Olhou ansioso o relógio, deci-
dido. Mas era tarde.
O vento deslocou uma folha do sofá para o chão. Imóvel, ela
continuava a ler como se esperasse. Por trás do sofá o homem se
inclinou sobre a mulher e beijou-a no pescoço. EIa parou de ler,
fechou os olhos. O corpo encolhido de leve num arepio. Era o
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