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FUGAS | Público N.º 12.

086 | Sábado 3 Junho 2023

São Tomé
e Príncipe
Os comboios
já não circulam
pelas ilhas, restam
as suas memórias
Viana do Castelo
O funicular de Santa Luzia
celebra 100 anos a reluzir
Vinhos
Casa Ferreirinha 2014: mais
barato do que o Barca Velha e
não lhe é inferior
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São Tomé e Príncipe

a Pouca gente sabe que, nos anos 20 uma melhor inserção do traçado no
do século passado, uma ilha que não terreno e mandaram-se vir da Alema-
excede os 50 quilómetros de compri- nha locomotivas e carruagens. Cada
mento por 30 de largo chegou a pos- roça formava a sua própria rede com
suir mais de 600 quilómetros de linhas entre as plantações e o cais de
linhas de caminho-de-ferro (uma embarque mais próximo, por vezes
quarta parte da actual rede ferroviá- vencendo rampas muito íngremes. E
ria portuguesa). Falamos de São construíram-se oÆcinas, algumas das
Tomé. No Príncipe, onde agora esta- quais persistem, abandonadas.
mos, ilha com um comprimento É o caso destes velhos armazéns
máximo de 18 quilómetros e largura abandonados da Roça Sundy, onde
média de 12, houve mais de 150 qui- se vêem alguns vestígios de arqueo-
lómetros de linhas férreas nas roças. logia industrial e na qual se podem
Eram usadas para o transporte do ainda ver algumas centenas de metros
cacau, mas também de trabalhadores de carris e as respectivas agulhas. O
para as plantações e para os passeios melhor está guardado junto a uma
dos administradores, fazendeiros e secção museológica: uma locomotiva
funcionários coloniais. alemã Arn Junt, de 1950, devidamen-
Um artigo sobre viagens pode ter te preservada, bem como uma caldei-
vários ângulos. Este é inicialmente ra geradora de vapor e restos de uma
dedicado aos siderodromóÆlos vagoneta.
(expressão que signiÆca amigos dos A isto se resume o passado ferro-
caminho-de-ferro), mas também fala- viário glorioso da Roça Sundy, mas
remos de praias paradisíacas, paisa- que é hoje glorioso por outros moti-
gens deslumbrantes, alojamentos e vos, pois é um dos sítios mais requin-
restaurantes. Lá iremos. tados da ilha do Príncipe. O edifício
Em 1905, São Tomé e Príncipe, que principal, em vez de uma ruína
é hoje o segundo país mais pequeno coberta de vegetação, é uma unidade
de África, era o maior produtor mun- hoteleira de primeira categoria e
dial de cacau, com uma exportação grande parte das casas de apoio
de 24.259 toneladas, valor que chega- estão recuperadas.
ria a ascender às 50.000 toneladas, Deve-se este milagre a um milioná-
embora na altura já fosse suplantado rio sul-africano – Mark Schutleworth,
por outros países. Os dados são de o criador da Ubuntu, que é o proprie-
Salomão Vieira, um investigador fer- tário da roça.
roviário que no seu livro Caminhos- Reza a lenda (nem todas as lendas
de-Ferro em S. Tomé e Príncipe (edição são medievais e esta só tem décadas)
UNEAS, 2005) conta que por essa que Schutleworth descobriu o Prín-
época haveria 139 roças em São Tomé cipe em 2002 quando foi o primeiro
e 19 no Príncipe. sul-africano a fazer uma viagem turís-
“O transporte do cacau às costas tica espacial. E foi quando estava lá
dos serviçais era moroso, implicava em cima que lhe chamou a atenção
muitos braços e pouca segurança aquela pequena ilha incógnita, ainda
garantia”, escreve Salomão Vieira, por cima em África, que ele próprio,

No
citando documentos da época. Para africano, desconhecia.
mais numa orograÆa difícil, extrema- Como qualquer multimilionário,
mente acidentada. Tornava-se neces- Mark tinha o sonho de comprar uma
sário usar o modo de transporte mais ilha. Não comprou o Príncipe, mas

Príncipe,
importante na época – o comboio – e “adoptou-o”. Entre os vários projec-
bem os roceiros bem tentaram que tos, comprou a Roça Sundy que tem
fosse o Estado a pagar, enquanto o vindo a recuperar, diga-se que com
Estado empurrava para a iniciativa muito bom gosto e assinalável êxito.
privada (para usar uma expressão É seguramente o sítio mais luxuoso
actual) a responsabilidade desse da ilha, não só pelo eco-resort que
investimento. construiu lá em baixo, na praia
Assim teve de ser. Construíram-se Sundy, para onde se desce por uma
quilómetros de linhas com bitola de sinuosa picada. As casas, o restau-
apenas 60 centímetros para permitir rante, o bar, as piscinas, os espaços

entre praias paradisíacas


e em busca de
carris enferrujados
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DANIEL ROCHA

de apoio, estão literalmente escon- gremente por entre as galinhas e os


didos entre os mangais. A praia, cla- porcos que cirandam por ali. A recu-
ro, é paradisíaca. E desde já se avisa peração do edifício principal trouxe-
o leitor, agora que já saímos, pon- o de volta ao seu passado colonial,
tualmente, do registo ferroviário, juntando a decoração, o conforto e o
que é difícil comparar as praias do requinte de há cem anos com as
Príncipe, pois cada uma é tão ou comodidades actuais: ar condiciona-
mais paradisíaca que as anteriores. do, wi-Æ, televisão.
São todas dignas de Ægurar em pos- Um dos edifícios mais fantásticos
tais ilustrados ou em capas de revis- – parece um castelo – são as antigas
tas de viagens. São o perfeito cliché cavalariças, que aguardam ainda por
das três cores: a língua de areia dou- um bom investimento em requaliÆ#
rada sombreada pela vegetação ver- cação. O mesmo acontece com a anti-
de contrastando com o azul do ga carpintaria e, claro, as oÆcinas
mar. ferroviárias.
Mas voltemos à Roça Sundy (sem Pela roça avistam-se ainda os carris
esquecer de meter a tracção às quatro incrustados no empedrado, alguns
rodas porque o caminho é uma pica- desvios, agulhas e pouco mais. Dizem-
da pedregosa e lamacenta entre ravi- nos que nalguns cantos mais remotos
nas que só não dão vertigens porque das antigas plantações, de difícil aces-
a vegetação limita a sensação de alti- so, ainda se mantêm restos dos carris,
tude). Ao contrário da Roça Belo tudo o mais desapareceu. O ferro é
Monte (de que falaremos a seguir), um produto muito valorizado numa
que é mais exclusiva, pacata, de esti- ilha de tão poucos recursos.
lo mais british (embora o proprietário
seja holandês), a Sundy, tendo iguais Cada roça, cada praia
padrões de qualidade e de conforto,
é, porém, uma roça com vida – tem Nunca é de mais repeti-lo: no Príncipe
pessoas, produz cacau, tem uma a vegetação é incrivelmente luxurio-
escola, uma creche. É uma explora- sa. É um prazer — apesar dos buracos
ção em plena actividade, que conjuga e da exigente atenção à condução —
o turismo com a produção de choco- circular naquelas “estradas” rodeadas
A roça Sundy e, late destinado a um nicho de mercado de verde, por vezes entre autênticos
em cima, a praia muito especíÆco. túneis de árvores que escurecem o
Boi, uma das mais As antigas sanzalas dos trabalhado- caminho.
bonitas da ilha res continuam ocupadas por dezenas É após quilómetros de estrada
de famílias, as crianças brincam ale- enlameada que de repente nos c

Nos Ɗnais do século XIX, os roceiros de São Tomé e


Príncipe construíram linhas de caminho-de-ferro para
escoar o cacau. Pouco resta desse passado industrial,
mas procurá-lo é um desaƊo aliciante, sobretudo
porque, no caso do Príncipe, essa busca é feita por
entre uma ilha paradisíaca com praias magníƊcas, um
povo maravilhoso e alguns locais de surpreendente
requinte e luxo. Carlos Cipriano (texto e fotograƊa)
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São Tomé e Príncipe

Santo
Ilha do António
Príncipe

iné
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SÃO TOMÉ
E PRÍNCIPE

São Tomé

Ilha de
São Tomé

OCEANO
ATLÂNTICO

10 km

DR

aparece pela frente a Roça Belo Mon-


te, outro dos locais mais distintivos
da ilha. Uma roça-hotel, requintada,
uma ilha dentro de uma ilha, tal é o
contraste entre a riqueza e a realida-
de dos habitantes locais. Parece
outro país, o que não é totalmente
errado porque os proprietários são
holandeses.
A Roça Belo Monte deslumbra pelo
luxo e pelo requinte. Um edifício de
cor amarela, muito bem recuperado,
onde se destaca um elegante salão
que parece saído de um clube inglês,
aberto para uma varanda com uma
vista de cortar a respiração: um abis-
mo de vegetação luxuriante que cul-
mina num mar e num céu muito
azuis, recortados pelo ilhéu do Bom
Bom ao longe. O restaurante, noutro
terraço, também com vista, tem uma
qualidade e um serviço que impres- Monte chama-se praia Banana, para Pôr do Sol, diga-se, que teria de se água sem se dar conta. Um passeio de pedras, buracos, troncos, charcos
siona para quem acaba de percorrer onde se desce, aos solavancos, pela avistar não da praia Banana, mas da pela extensa praia Caju leva-nos a de água, por vezes à beira de ravinas
quilómetros de picada pedregosa. inevitável picada. É a típica praia tro- praia mesmo ao lado, virada para uma aldeia de pescadores. Sem nos íngremes, com curvas apertadas e
Como é que neste Æm do mundo se pical, magníÆca, entre coqueiros e Poente, a praia Caju, que se atraves- darmos conta, já mudamos de praia: inclinações que duvidamos se o todo-
consegue um milagre destes? mangais e até tem um bar e serviços sa em dez minutos por entre uma esta chama-se praia Burra e só difere o-terreno consegue vencer. Recomen-
E como tudo isto está virado para de apoio. Mas desilude a parca oferta: pequena Çoresta de cajueiros. É mais das anteriores porque é habitada. da-se atenção porque é realmente
Oeste, os entardeceres aqui são fan- só há cerveja e uns sumos enlatados. outra praia deserta (são-no quase Uma das praias mais surpreenden- perigoso. Não é uma viagem com
tásticos. Lá se foi o plano de beber um gin ao todas) com um mar pouco batido e tes do Príncipe é a praia Macaco. O sabor a aventura. É mesmo uma aven-
Cada roça, cada praia. A do Belo pôr do Sol. onde é fácil passar horas dentro de caminho faz-se por uma picada cheia tura. Mas compensa. Uns metros
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antes da praia, deparamo-nos com


uma cancela fechada e dois guardas
que controlam o acesso. “É só para
tomarmos nota da matrícula. Se o
carro passar, tem de voltar para trás.
Se não voltar é porque houve um pro-
blema”, explicam. Óptimo. É bom
saber que não estamos totalmente
por nossa conta.
A praia deserta é paradisíaca (aten-
ção: este adjectivo nunca é exagera-
do) e vale pela areia, pelo mar azul,
pelo mangueiral, no qual, curiosa-
mente, se avistam umas cabanas em
ruínas de um resort que nunca chegou
a ser inaugurado. Há ainda os restos
de um pontão por onde, há cem anos,
se escoava a produção de cacau de
alguma roça próxima.
Ao lado de cada praia, por muito
fantástica que pareça, há sempre
outra que parece ainda mais bela. E
neste caso vale a pena forçar a sus-
pensão e o motor do já estafado todo-
o-terreno para dar um salto à vizinha
praia Boi.
Já aqui se disse que são todas...
paradisíacas. A ter que eleger uma,
e numa escolha sempre difícil, talvez
a praia Boi ganhe o galardão da mais
bonita. Deserta, com águas cristali-
nas, tem a sul um ilhéu com um farol,
ali colocado estrategicamente por-
que há rochas e correntes à volta. É
fácil deambular por ali a fazer snorke-
ling, avistando peixes coloridos, mas
recomenda-se cuidado porque, a
dada altura, “o mar puxa para den-
tro”. Foi útil o aviso de um barco
artesanal de pescadores que por ali
passou. Quando menos se espera,
está-se já bastante longe do bendito
areal dourado e das palmeiras que
lhe fazem sombra.
Uma curiosidade: o nome da praia,
A praia Banana dispensa segundo uma história não comprova-
legendas; em baixo, a roça Belo da, terá origem num boi que, aquan-
Monte, um dos locais mais do de um naufrágio, terá conseguido
distintivos da ilha; uma imagem chegar a terra e foi encontrado naque-
histórica que mostra uma vista la praia.
panorâmica da ilha
Uma experiência de viagem
Voltemos à arqueologia siderodromó-
Æla. A roça do Porto Real tinha em
1910 mais de 30 quilómetros de cami-
nhos-de-ferro, segundo o livro de
Salomão Vieira. Mas já não tem vestí-
gios dessa viação acelerada, embora
Ao lado de cada um “mais velho” assegure que lá à
frente, – e aponta o horizonte — no
praia, por mato, ainda restam alguns carris. A
verdade é que em 1915 a linha férrea
muito da roça Porto Real chegava à do Ter-
reiro Velho e à Marinha Correia, pro-
fantástica que vando que, mais do que servir as
próprias propriedades, os pequenos

pareça, há comboios do Príncipe já constituíam


uma rede para as deslocações entre

sempre outra as povoações.


Na Roça do Porto Real, que não

que parece consta no circuito turístico habitual


da ilha, o edifício principal foi demo-
lido e sobra um aglomerado de anti-
ainda mais bela gos armazéns onde vivem deze- c
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São Tomé e Príncipe

nas de famílias amontoadas. E sobra abaixo, rebocando vagonetas e car- horizonte brincando com as tonali- qualquer destruição. A cidade é mui- conta que no jornal lisboeta O Colo-
também o antigo hospital por onde ruagens com os valiosos grãos que dades da água até desaparecer no to espaçosa, quase não tem trânsito nial, em 26/06/1911, se noticiava uma
se sobe através de uma extensa esca- seriam matéria-prima para o choco- Atlântico. e também não tem muitas pessoas (a petição da Câmara ao governo para
daria para chegar a uma entrada de late, mas também materiais de cons- Convém lembrar que o pôr do Sol sua população não ultrapassa os 1200 que fossem mandados retirar os car-
um edifício que parece saído de um trução e, claro os próprios trabalha- ocorre em Maio por volta das 17h30 e habitantes), as quais vivem sobretudo ris das ruas da cidade. Mas a mesma
Ælme de Indiana Jones: uma carcaça dores. que a iluminação pública é escassa. nos arredores porque o centro é ocu- notícia informava igualmente que a
de cimento completamente tomada Regressemos ao século XXI e à ilha Aliás, entre a meia-noite e as 7h a pado com os serviços habituais: a Companhia apresentara também
pela selva, com as árvores a invadi- do turismo, cujo potencial está longe energia eléctrica na ilha do Príncipe câmara municipal, um posto de cor- uma solicitação para que a petição da
rem todos os espaços. O imponente de se esgotar e onde há ainda muito é desligada (embora alguns hotéis e reios, as Ænanças, algumas lojas (vale Câmara não fosse satisfeita. Pelos vis-
hospital terá incorporado alguma da para ver. É o caso desta praia do Bom roças usem geradores próprios). É a pena entrar porque também parece tos venceu a Companhia, pois em
melhor tecnologia da época, a julgar Bom, da qual o mínimo que se pode preciso, pois, algum cuidado na ges- que pararam no tempo, com os seus fotos de 1919 e 1920 ainda se vê o com-
por uns equipamentos abandonados dizer é esta palavra original – é para- tão das águas das casas de banho, na extensos balcões de madeira e as pra- boio a circular nas ruas de Santo
numa das salas. Há ainda restos de disíaca! Voltemos ao cliché: um mar hora de ir para a cama e no próprio teleiras, armários e gavetas por António. O poder do cacau venceu o
azulejos e adivinham-se as enferma- azul, cristalino, com ondas suaves carregamento dos telemóveis. detrás), um inesperado prédio de dois poder político.
rias, os quartos, os refeitórios, mas que se espraiam sob a sombra dos andares que é o núcleo, no Príncipe, Diz uma das funcionárias da Roça
o que predomina é a invasão da natu- coqueiros. Ao fundo o famoso ilhéu Santo António, do Sporting Clube de Portugal, e a Sundy que Marck Schutleworth tem
reza que ali se impõe com vegetação, do Bom Bom, ligado a terra por uma escola secundária que é, claramente, a ideia de recuperar uma parte do
a pacata capital
raízes, húmus. Uma visita estranha. ponte pedonal, a qual apetece mes- o edifício com mais movimento da caminho-de-ferro da propriedade,
Uma experiência de viagem. mo, mesmo, atravessar, mas um A cidade de Santo António, capital da localidade. eventualmente para levar as pessoas
Já a roça do Terreiro Velho tem guarda diz que é proibido. “Está ilha do Príncipe, Æca numa enseada Há duas igrejas, mas uma está em à praia (sempre era mais seguro, cal-
mais história, a começar pelo per- rota”, explica. Atrás da língua de na qual desagua um rio, e visitá-la é obras (o culto faz-se numa escola mis- mo, divertido e agradável do que ir
curso lindíssimo com uma vista areia, sob os coqueiros e manguei- como uma viagem no tempo. Parece sionária) e a outra foi adaptada para aos saltos no Jeep). Dinheiro não lhe
espectacular sobre a zona sul da ras, há um resort fechado para obras, uma vila que parou nos anos de 1960. acolher a Assembleia Regional do falta, mas as cabeças dos milionários
ilha. Também aqui as velhas sanza- cuja reabertura tem sofrido vários Não só pelas casas, cuja arquitectura Príncipe (a ilha tem um governo autó- são imperscrutáveis e imprevisíveis.
las continuam a servir de habitação adiamentos. não oferece dúvidas que é portugue- nomo). Fica, para já, o sonho.
para a população, mas, lá no alto, Bom Bom está voltado para Poente sa, como pelas várias referências ao O restaurante de referência é o Já em São Tomé, João Carlos Silva,
ergue-se a velha casa do dono da e eis mais uma sugestão cliché: é ópti- passado colonial, cujos singelos Armazém. Fica num antigo armazém da Roça de S. João dos Angolares, que
roça, Claudio Corallo, o famoso pro- ma para ver a bola de fogo descer no monumentos não foram aqui alvo de de cacau e tem uma boa esplanada. se tornou conhecido pelo programa
dutor de chocolate que, quando Mas pode-se almoçar ou jantar tam- da RTP Na Roça com os Tachos tem
visita o Príncipe, ainda aqui pernoi- DR bém no Mira Rio, Romar e Beira Mar também a “utopia” (a expressão é
ta. Do caminho-de-ferro nada resta Juditinha. Invariavelmente, a emen- sua) de recuperar algum caminho-de-
a não ser o esqueleto enferrujado de ta assenta no peixe grelhado com ferro da ilha para Æns turísticos. Nes-
uma velha vagoneta e uns restos de arroz e banana frita. Com um pouco se caso, as roças Agostinho Neto
carris que mal se vislumbram sob o de sorte, consegue-se um bitoque, (antes chamada Rio do Ouro) e Água
capim. A linha férrea atravessava a polvo guisado, carne de porco, atum. Izé são as que ainda conservam algum
roça de ponta a ponta, passando Há uma certa tendência para grelhar património ferroviário relevante. Em
mesmo em frente à casa senhorial. demasiado o peixe, o que o deixa Água Izé ainda está guardado num
Mas se sobreviveram alguns troços, seco para os padrões mais exigentes armazém aquele que será o único
estão sob a vegetação que cercou o dos portugueses apreciadores de comboio de São Tomé e Príncipe. É
Terreiro Velho apesar de – garante pescado grelhado. composto por uma locomotiva a die-
quem ali vive –, antigamente toda E terminemos como começámos: sel e três carruagens de madeira, tudo
aquela extensão a perder de vista ter aqui, em Santo António, nestas ruas, de origem alemã.
estado devidamente capinada, isto já houve um caminho-de-ferro que Se o segundo país mais pequeno de
é, limpa, utilizável, com uma inten- atravessava a cidade, do qual, aliás, África continuar a sua aposta no turis-
sa actividade na plantação, recolha há fotos antigas. Esta via férrea era mo, quem sabe, um dia os visitantes
e transporte de cacau, ao ritmo do propriedade da Companhia da Ilha sejam contemplados com uma
silvar das pequenas locomotivas que do Príncipe, que a utilizava para seu memória viva ligada ao apogeu das
arfavam encosta acima, encosta serviço particular. Salomão Vieira roças e do cacau.
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Na página ao O Príncipe é um dos restaurantes, sendo que não é


lado, a roça do destinos onde é difícil ir aconselhável jantar por causa
Terreiro Velho; “por conta própria”, dos maus acessos (a menos que
a estação de sem recorrer a uma agência de lá se pernoite).
correios de viagens. A TAP é a única Na passagem por São Tomé, o
Santo António companhia europeia a voar para Papa Figo e o BBC são
e uma imagem São Tomé (e há preços dos 800 restaurantes de referência e é
histórica do aos 1000 euros desde Lisboa), “obrigatório” beber um copo no
comboio a mas o problema está na ligação bar Pico Mocambo. Havendo
circular na ao Príncipe, que não é fácil de tempo, vale a pena conhecer a
capital da ilha comprar. É preciso esperar por cozinha de autor de João Carlos
uma confirmação que não é Silva na Roça de São João dos
Nesta página, imediata e o preço pode mudar Angolares (a uma hora de São
a roça Água em dois ou três dias. Pernoitar Tomé). O menu de degustação,
Izé (em cima, em São Tomé à ida ou à volta, ou com uma reinvenção dos
à esquerda) e em ambos os casos, é quase produtos locais e num terraço
a roça Sundy inevitável. O melhor mesmo é com uma vista fabulosa, pode
comprar um pacote completo, custar entre 70 a 80 euros para
bem negociado, que inclua o voo duas pessoas.
e o alojamento para o Príncipe
que, numa versão barata, em Alugar viaturas
alojamentos modestos, poderá (necessariamente um
custar 1700 a 1800 euros. todo-o-terreno) custa
entre 50 a 60 euros por noite e
Ficar na Roça Sundy ou pode ser feito no mercado
na Belo Monte pode informal. São veículos muito
custar mais de 350 desgastados pelo esforço a que
euros por noite. Em Santo são sujeitos nas “estradas” da
António há uma pouco ilha. Mas é o que há.
diversificada oferta de
residenciais que rondam os 50 Uma recomendação de
ou 60 euros por noite. Uma leitura: para além do
opção interessante é a Quinta óbvio Equador (Miguel
Santa Rita, junto ao aeroporto, Sousa Tavares), tente encontrar
com preços entre 70 a 110 euros. nalgum alfarrabista o romance
Roça, de Fernando Reis. Apesar
Nos restaurantes de moralista e de representar a
Armazém, Mira Rio, ideologia do Estado Novo, traça
Romar, Beira Mar uma excelente descrição da
Juditinha, pode-se tomar uma realidade das roças em São
refeição por 30 a 40 euros para Tomé.
duas pessoas (com cerveja local
ou portuguesa; o vinho,
invariavelmente português, faz
disparar o preço). Para uma
experiência mais sofisticada, há
sempre os incontornáveis Belo
Monte e Sundy, com bons
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Viana do Castelo
NELSON GARRIDO

O Elevador de
Santa Luzia
celebra 100 anos dourado e a luzir
O funicular mais extenso do país passou por altos e baixos,
mas prepara-se para uma nova vida. A autarquia aproveitou
o centenário para um facelift às duas carruagens e às duas
estações. Luís Octávio Costa
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ARQUIVO MUNICIPAL DE VIANA DO CASTELO. ARQUIVO FOTOGRÁFICO DE IGLÉSIAS LLANO, N.º 89. (1922)
a Dourada a reluzir, lentamente Na página ao lado, a carruagem
erguida pelo ar como o andor de renovada do funicular; nesta
uma procissão, cujo passo bem página, duas imagens históricas
medido anuncia um momento sole- do Elevador de Santa Luzia e
ne. A branco, as inscrições “Desde uma das carruagens, suspensa
1923; Elevador de Santa Luzia; Viana de uma grua, no dia em que
do Castelo” estão pintadas na pri- regressaram a Viana do Castelo
meira das duas carruagens a ser ele- depois dos trabalhos de restauro
vada no ar para delicadamente ser
pousada no carril depois do restauro
meticuloso quer das cabinas quer
das duas estações, cada uma na sua i
ponta do percurso agora engalana-
das para as comemorações dos cem Inauguração: 2 de Junho de 1923
anos de existência — em linha recta, Cidade: Viana do Castelo
cheia de altos e baixos. Entidade proprietária: Câmara
Há quase um século, o material Municipal de Viana do Castelo
para a construção do Elevador de Distância: 650 metros
Santa Luzia chegou à estação de Via- Desnível: 160 metros
na do Castelo transportado por com- Inclinação média: 25%
boio. “Queimaram-se muitos foguetes Velocidade nominal: 2 m/s
quando foram colocadas as armas da Tipo de via: única, com
cidade no frontispício do edifício da cruzamento
estação do elevador”, lê-se numa edi- Fonte de energia: eléctrica
ção de O Comércio do Porto de então. Número de passageiros por
Foi inaugurado a 2 de Junho de 1923. cabina: 20 (com a possibilidade
Pelas 19h50 de sexta-feira, dia 26 de transporte de duas bicicletas,
de Maio de 2023, as modernas car- mediante a lotação)
ruagens douradas foram transporta- Tempo de viagem: entre 6’30’’ e
das em dois camiões, A28 fora desde 7 minutos
o Porto, e recolocadas no seu sítio Preço: bilhete de ida e volta: 3€;
com a ajuda de um terceiro e de um bilhete de uma viagem 2€
potente guindaste sem pompa nem ARQUIVO MUNICIPAL DE VIANA DO CASTELO. COLECÇÃO DE POSTAIS, N.º 845 (1936) LUIS OCTÁVIO COSTA
circunstância, na presença de um
jornalista — da Fugas —, de um ele-
mento da Câmara Municipal, pro-
prietária do equipamento desde
2005, alguns funcionários da Liftech,
concessionário, e um casal de turis-
tas que se apercebeu do simbolismo
do acto.
“Lembro-me de vir a Santa Luzia
com os meus avós e de ainda andar
nas carruagens antigas”, recorda
Soares da Costa, técnico superior da
Câmara Municipal, smartphone em
riste para mais tarde recordar. “É um
monumento da cidade, uma das por-
tas de entrada na cidade e um dos
nossos ex-líbris. Aproveitámos as
comemorações do centenário para
fazer um face-lift às instalações e às
carruagens, conferindo-lhes mais
comodidade.” Por aqui, tal qual a
Ponte Eièel e as Festas de Nossa
Senhora D’ Agonia, também o Eleva- importância mas de inegável simpa- da e de Coimbra, com a recuperação
dor de Santa Luzia “faz parte do quo- tia, o Ascensor da Ribeira, no Porto”, e actualização do dos Guindais, no
tidiano”. “Todos os vianenses têm responde Jaime Fragoso de Almeida, Porto, e do de Viana, “que esteva qua-
histórias para contar [relacionadas autor do livro Elevadores: Ascensores se a desaparecer”.
com o elevador].” Isto para além da e Funiculares em Portugal (edição do Nos anos vinte do século passado,
história do próprio elevador, disper- Clube do Coleccionador dos Cor- um capitalista do Porto, Bernardo
sa pelas manchetes dos jornais locais reios), que dedica algumas linhas aos Pinto Abrunhosa, que, tendo Æxado
e pelos tomos dos Cadernos Vianen- cinco exemplares que surgiram residência em Viana por volta de
ses, espalhada por algumas fotogra- depois do desaparecimento de Raul 1917, “achou que era tempo de aju-
Æas e postais antigos e pelas memó- Mesnier de Ponsard, engenheiro de dar as pessoas a tirar partido das
rias. origem francesa conhecido por ter belezas magníÆcas do monte de San-
Quantos elevadores terão sido construído muitos elevadores e funi- ta Luzia”. Por isso, investiu no des-
construídos em Portugal depois do culares em Portugal. envolvimento turístico, restaurando
de Santa Justa, em Lisboa? “Durante “É certo que a fantástica evolução e modernizando o Grande Hotel e
quase um século, mais concretamen- dos meios de transporte e das vias de construindo depois um elevador
te em 98 anos, apenas foi construído acesso Æzeram diminuir a importân- que transportasse até ao cimo os
um elevador verdadeiramente cia dos elevadores. Mas de forma peregrinos e turistas que sempre
importante, o de Santa Luzia, em alguma os eliminaram!” A prová-lo, apareciam em grande número. Era,
Viana do Castelo, e outro de menor diz o autor, está o ressurgimento com na sua perspectiva, um “negócio
importância, e um outro de menor a construção dos elevadores de Alma- vantajoso para toda a gente”. c
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Viana do Castelo
DIOGO BAPTISTA

“Cumprindo uma regra habitual, das cabinas, construídas nas OÆcinas as pessoas”, brinca), dava “uma cor-
muitos falaram, pondo em dúvida o de Campanhã, e mudou de nome ridinha” desde a casa dos pais, ali,
elevador. Calaram-se na data da inau- para Funicular de Santa Luzia. No na Areosa, e por aqui brincava,
guração, sábado, 2 de Junho de 1923, restante tempo de vida, o elevador ribanceira acima, encosta abaixo, no
ao verem as carruagens alegremente passou pelas mãos da Câmara Muni- fosso do funicular, desprotegido
ornamentadas com Çores e bandei- cipal e da Companhia dos Caminhos durante décadas, permeável a aci-
ras, subindo e descendo sem qual- de Ferro Portugueses até 1988, ano dentes e a tropelias dos catraios.
quer problema. Devem ter aberto a em que Æca com a concessão a “Usávamos isto para nos divertir-
boca, mas de espanto, assistindo aos Somartis, Ærma recentemente desa- mos. Diziam que metia medo porque
magníÆcos festejos que culminaram parecida da paisagem vianense. era aberto. Nós íamos por aqui a cor-
com um grande baile” ao som de “Obediente”, continuou o seu tra- rer na altura das mimosas com o
dois quintetos de jazz, festa que pros- balho até ao Æm dessa concessão, a cheiro dos eucaliptos. Éramos rapa-
seguiu no domingo com música nos 19 de Abril de 2001, altura em que o zes pequenos. A carruagem ia num
jardins, iluminações e arraial. elevador foi considerado inactivo e passo de tartaruga. Entrávamos por
Foi um “começo de vida promis- “entrou em depressão, chegando a um lado do elevador e saíamos pelo
sor” para um elevador que teve, no atingir um estado de total degrada- outro. Sempre na brincadeira.”
entanto, “uma vida extremamente ção”. Valeu-lhe a câmara municipal, Na memória de muitos, e da car-
agitada, tantas vezes andou de mão que entrou em negociações bem-su- ruagem-museu estacionada nos ter-
em mão”, escreve Jaime Fragoso de cedidas com a CP, tendo sido trans- renos junto à estação superior, inte-
Almeida. Entre subidas e descidas, ferido o título de propriedade a 28 rior de madeira, estará a Ægura do
obedeceu primeiro às ordens da de Janeiro de 2005. guarda-freios, que acompanhava
Empreza do Elevador de Santa Luzia, todas as viagens, também a da pessoa
para num período de 1944 — em ple- O mais extenso anónima que Æcava a espreitar no
na II Grande Guerra, com falhas de casinhoto por onde passavam os
funicular do país
energia — ser explorado pelos Servi- cabos. E principalmente do ambiente
ços Municipalizados da cidade. Em José Fernandes, 62 anos, funcionário da própria estação, então pejada de
1945 foi alvo de grandes recupera- do Elevador desde 2007 (”Conduzi- artigos regionais, de tapetes, de bebi-
ções, nomeadamente a renovação mos, vendemos bilhetes e aturamos das e de postaizinhos, artigos comer-
ARQUIVO MUNICIPAL DE VIANA DO CASTELO. COLECÇÃO DE POSTAIS, N.º 1430 (SEM DATA)
cializados pela Somartis . “Cá dentro,
sobrava um corredorzinho até ao ele-
vador”, lembra José Fernandes.
As estações são agora mais mini-
malistas, outros tempos. E as com-
posições modernas e competentes,
quase inexpressivas, sem janelas de
abrir, degraus para trepar ou guarda-
freios para distrair. “Deviam ter man-
tido o antigo como os eléctricos do
Porto e o elevador de Braga”, atira
alguém que passa.
O “mais extenso” elevador do país
“tem tido uma vida complicada”,
explicou à Fugas António Vasconce-
los, membro da Associação Portu-
guesa para o Património Industrial
(APPI), que já este ano fez no Centro
Sábado, 3 de Junho de 2023 | FUGAS | 11

NELSON GARRIDO NELSON GARRIDO

O funicular deixou de
funcionar algumas
vezes ao longo da
sua história - a
imagem da página ao
lado, com
passageiros no
interior, é de arquivo
- mas é uma marca
incontornável na
cidade

de Estudos Regionais (CER) o retrato no momento em que, em meados


robot de um funicular com uma
extensão de 650 metros que há cem i de 2005, foi lançado o concurso
público para a sua recuperação, do
anos vence um desnível de 160 qual saiu vencedor o consórcio
metros e que cruza três vezes com a O programa nacional constituído pela Efacec,
estrada que de Viana se dirige para das comemorações Sistemas de Eletrónica/ Liftech. O
o Santuário. “Era e continua a ser o elevador foi então inaugurado no
mais extenso e com maior desnível A Câmara Municipal de Viana dia 5 de Abril de 2007, após a con-
do nosso país”, repetiu à Fugas Antó- do Castelo preparou um clusão das obras, que venceram o
nio Vasconcelos. “O accionamento programa de Comemoração desaÆo de aproveitar muitas das
era realizado por máquina eléctrica do Centenário do Elevador de infra-estruturas do antigo funicular,
de origem suíça, equipada com redu- Santa Luzia que começou no “introduzindo novas soluções tec-
tor, do tipo sem Æm. A subida é bas- dia 2 de Junho com a sessão nológicas e cumprindo as actuais e
tante agradável e os passageiros comemorativa do aniversário, exigentes normas e regulamentos”.
podem apreciar a bela paisagem na Estação Superior do Entre outros detalhes técnicos, o
minhota que envolve a cidade e o rio Elevador, com a inauguração âmbito dos trabalhos incluiu a subs-
Lima, que se vai ampliando à medida da exposição O Elevador de tituição integral de todos os equipa-
que o funicular vai trepando ao lon- Santa Luzia: um património mentos mecânicos e electromecâ-
go da encosta. A estação inferior centenário. nicos (colocação de cabinas com
situava-se nas traseiras da estação do Para o dia 3 está marcada portas automáticas, por exemplo),
caminho-de-ferro e a superior no para as 9h a caminhada Trilho a instalação de um sistema de
alto do monte, muito próxima do Interpretativo de Santa Luzia, comando automático, de um siste-
Santuário.” com visitas à Citânia e ao ma de accionamento de emergência
O funicular tinha duas particula- Zimbório (o ponto de partida (capaz de movimentar o funicular
res que “penalizavam fortemente” e de chegada é o Escadório em caso de falha de energia eléctri-
a sua exploração. “Não só é o mais de Santa Luzia (Estrada de ca), de sistema de videovigilância
extenso de Portugal, como também Santa Luzia 73-107), para uma nas cabinas e nas estações, de siste-
o que transportava menos passagei- distância de três quilómetros ma de áudio entre o posto de
ros, apenas 40 mil por ano — o pas- e uma duração estimada de comando, as cabinas e as estações,
sageiro um milhão foi elevado em três horas, num percurso a remodelação total da via (substi-
Santa Luzia em Abril de 2018. A considerado fácil. tuição integral dos carris e outros
receita gerada quase não chegava No dia 4 acontece o II equipamentos de via e também a
para pagar aos funcionários e Ænan- Vertical Elevador de Santa construção de novo caminho de
ciar as despesas mínimas de manu- Luzia, uma competição de evacuação, devidamente ilumina-
tenção e conservação.” Também SkyRunning, organizada pela do) e a remodelação dos edifícios,
outros constrangimentos o torna- Associação Trilhos de Viana, mantendo a traça original.
vam pouco atractivo, nomeadamen- disputada em percurso “As pessoas não têm por hábito vir
te o facto de ser muito difícil o aces- ascendente que acompanha a Santa Luzia regularmente”, admite
so ao terminal inferior (”desde que os carris do elevador. Soares da Costa. “É uma zona de visi-
a câmara construiu nas suas proxi- Apresenta um desnível ta esporádica e de oração.” Cai a
midades um túnel rodoviário que o positivo de 160 metros e uma noite no monte de Santa Luzia, vista
terminal inferior Æcou sem acesso a distância aproximada de 650 panorâmica. A segunda carruagem
parque de estacionamento”), expli- metros entre a partida e a ainda não chegou. O atraso não acon-
ca o especialista, que frequente- chegada. Terá início na tece nos carris, mas o camião que a
mente se refere a este projecto cen- estação inferior do Elevador transporta teve uma avaria em plena
tenário como “obra de arte” — por de Santa Luzia, na Avenida 25 A28. Vale a pena a espera. Santa
tudo e também pela curiosidade de Abril, e termina na estação Luzia é em primeiro lugar “um lugar
as suas carruagens funcionarem em superior do elevador, junto ao de fé”. Mas um ponto indispensável
contrapeso, ou seja, a que desce Santuário Diocesano do para os caminhantes e para os hós-
ajuda a puxar a que sobe, cruzando- Sagrado Coração de Jesus. pedes da Pousada de Viana do Cas-
se exactamente a meio do percurso; telo, para quem visita a Citânia de
o motor eléctrico ajuda a vencer a Briteiros, para quem sobe ou desce
diferença de carga nas cabinas e o o escadório e para quem usa o des-
desnível do percurso. nível do monte para praticar
Pode dizer-se que a nova vida do downhill. Que venham mais cem
Elevador de Santa Luzia aconteceu anos!
12 | FUGAS | Sábado, 3 de Junho de 2023

Região Centro

As batalhas
travadas pelas
tropas de
Massena e
Wellington
deram uma
rota turística
a 24 de Julho de 1810. “É neste dia
De Almeida a Torres Vedras, que acontece o primeiro confronto
“Wellington sabia que não ia
ganhar aqui em Almeida aos france-
a participar 3000 pessoas”, evidencia
António Soares. Anualmente, na for-

com passagem pela serra do da 3.ª Invasão Francesa”, nota Antó-


nio Albano Soares, a propósito daque-
ses. O objectivo era atrasar a chegada
às Linhas de Torres”, prossegue Antó-
taleza em forma de estrela, recriam-
se as manobras militares da época até

Buçaco, é possível mergulhar na le que Æcou conhecido como o Com-


bate do Côa e que antecedeu o Cerco
nio Soares, técnico de turismo do
município de Almeida, enquanto nos
à capitulação de Almeida: o paiol do
castelo foi atingido, causando uma

História e seguir os passos dados de Almeida. Foi na raia da Beira Inte-


rior que o exército de Napoleão Bona-
guia pela sala dedicada às Guerras
Peninsulares. É um dos sete espaços
explosão que deixou grande parte da
vila destruída.

pelas tropas anglo-lusas e parte deu início à incursão que tinha


como objectivo principal alcançar a
musealizados do Baluarte de São João
de Deus, parte integrante da praça-
A partir do Picadeiro D’El Rey,
localizado no Baluarte de Nossa

francesas. O convite passa por cidade de Lisboa — e que só viria a


terminar quase um ano depois, em
forte da vila, e que alberga, desde
2009, o Museu-Histórico Militar de
Senhora das Brotas, surge o convite
para partir à descoberta das ruínas

recuar a 1810 e partir à Abril de 1811. E é também por ali que


tem início o roteiro pelos itinerários
Almeida. No interior daquele reduto
conta-se a história de homens, armas
do castelo, e do centro histórico de
Almeida, numa charrete. O espaço

descoberta dos campos de napoleónicos no Centro de Portugal,


cuja proposta passa por partir à des-
e factos que desenharam e Æzeram a
fronteira, assinalando a singularidade
onde outrora funcionou o Trem de
Artilharia e Arsenal (servia para o

batalha da 3.ª Invasão Francesa. coberta dos campos de batalha das


tropas anglo-lusas e francesas. Da
de Almeida, desde o Neolítico à I
Guerra Mundial.
armazenamento de artilharia, fabrico
de pólvora, armazenamento de

Maria José Santana fronteira às Linhas de Torres Vedras


— de onde os invasores se retiraram,
A sala das Guerras Peninsulares,
repara o nosso guia, acaba por assu-
munições e apetrechos militares)
acolhe agora um picadeiro cujo nome
derrotados — , passando pela serra mir uma relevância especial, uma vez pretende invocar os vários monarcas
do Buçaco, palco da batalha que opôs que é o ponto de partida para a recria- portugueses que passaram pelo cas-
cerca de 65 mil franceses a 50 mil ção histórica do Cerco de Almeida, telo de Almeida. Acomoda 21 cavalos
ingleses e portugueses, há várias que ocorre em Agosto. “São três dias e, além do calendário habitual de
lições de história para reter. de viagem histórica, em que chegam aulas de equitação, proporciona pas-
Sábado, 3 de Junho de 2023 | FUGAS | 13

FOTOGRAFIA: PEDRO CERQUEIRA


A Associação
Cultura e Recreio
13 de Setembro
de 1913 a fazer
uma recriação no
Forte de
Alqueidao; em
baixo, o local
onde se deu o
Combate do Côa
e zona
envolvente ao
Convento do
Buçaco

seios de charrete (a partir de 20 gue — foi ali que os frades Carmelitas


euros, para um circuito de 30 minu- Descalços assistiram os feridos de
tos) e a cavalo (15 euros por pessoa). ambos os exércitos. É neste local de
culto que tem início a visita ao museu
A batalha que “beliscou” que preserva inúmeras peças de
armamento, fardamento e equipa-
o exército francês
mento relacionado com a Guerra
O itinerário napoleónico prossegue Peninsular, em geral, e a Batalha do
pelo interior, descendo em direcção Buçaco em particular.
à serra do Buçaco, onde ocorreu uma Uma maqueta instalada numa das
das mais importantes batalhas da 3.ª salas do museu ajuda-nos a perceber
Invasão Francesa. “O exército francês a estratégia delineada por Wellington
percebeu, nesta batalha, que não era para o combate que viria a ocorrer a
invencível. Aqui, terá sido o princípio 27 de Setembro de 1810: ocupou as
do Æm de Napoleão”, destaca o major alturas da serra, que tem 18 quilóme-
Lino Graça, oÆcial responsável pelo tros de extensão, para aguardar as
Museu Militar do Buçaco, localizado tropas francesas — estas últimas foram
no Luso, Mealhada. Fundado em 27 derrotadas, sendo obrigadas a retirar
de Setembro de 1910, por ocasião do para se reorganizarem, depois de
primeiro centenário daquela batalha, terem deixado no terreno 4500 mor-
este núcleo museológico do Museu tos e mais de 400 feridos. Melhor do
Militar de Lisboa está localizado junto que olhar para a reprodução da serra
à Capela de Nossa Senhora da Vitória e do posicionamento das tropas, é
e Almas, que foi utilizada, na altura seguir até aos moinhos de Sula, que
dos combates, como hospital de san- serviram de posto de comando c
14 | FUGAS | Sábado, 3 de Junho de 2023

Região Centro

para o general inglês Craufurd, e de


Moura, posto de comando do general
Massena (comandante das tropas
francesas). São, também eles, monu-
mentos militares, juntamente com o
Obelisco comemorativo da batalha,
inaugurado em 1873 e reconstruído
em 1979 (a construção inicial foi atin-
gida por um raio).
Outro ponto igualmente importan-
te da batalha foi o Convento de Santa
Cruz do Bussaco, construído pela
Ordem dos Carmelitas Descalços, que
estiveram na Mata do Buçaco de 1628
até 1834. Foi ali que Wellington per-
noitou por algumas vezes, numa cela
dupla que está ao alcance do público
—vale a pena visitar o convento e des-
cobrir um pouco mais sobre a forma
como viviam os monges, reservando,
igualmente, um tempo extra para
explorar a mata e as suas ermidas.

Uma guerra travada


também pelo povo
Quase tão importantes quanto os
generais e soldados que andaram de
armas em punho a combater os inva-
sores parecem ter sido as populações
dos territórios atravessados (e por
vezes arrasados) pelas tropas. “É a
política da terra queimada que acaba
por enfraquecer a jornada dos fran-
ceses. Eles não encontravam comida
para se alimentar”, alerta Mónica
Pereira, técnica de turismo da Câma-
ra Municipal da Mortágua, enquanto
nos guia numa visita ao Centro de aldeias Æcaram, na altura, totalmente representa os vários regimentos e precisamente, durante a invasão. ceses, liderada pelo general Reynier,
Interpretação Mortágua na Batalha destruídas: Agildo, Freirigo, Póvoa da batalhões que compunham a orga- “Como a ordem era para matar os que deu início ao primeiro ataque”,
do Bussaco. Também deste lado da Catraia e Cadima. nização dos exércitos em confronto animais [deixando os franceses sem enquadra Diogo Carvalheira, da divi-
serra a terceira invasão francesa dei- À história que conta dentro das como infantaria, artilharia, cavalaria alimento], as pessoas mantinham a são de turismo e cultura da câmara
xou marcas — cerca de 65 mil homens quatro paredes do seu Centro de e caçadores. “Dá para fazer um per- carne em vinho para conservar”, municipal de Penacova, que nos
sob o comando do marechal Massena Interpretação, Mortágua junta a evo- curso a pé, numa caminhada de cer- explica. recebe trajado de Wellington. Cami-
passaram e acamparam na aldeia do cação da batalha através das artes. ca de 40 minutos, e apreciar os qua- Ainda pela serra do Buçaco, vale a nhamos uns minutos serra adentro
Barril. “As tropas francesas estiveram São quatro murais, colocados em tro murais”, acrescenta Mónica pena fazer o desvio até à aldeia de e encontramos o posto de comando
aqui uma semana, tanto antes como diferentes pontos da vila e que retra- Pereira, antes de desvendar que uma Santo António do Cântaro, no muni- do general inglês. “Foi a partir daqui
após a batalha do Buçaco. A retirada tam várias facetas das invasões. das principais iguarias da terra, a cípio de Penacova, ponto estratégico que ele observou a movimentação
também é feita por aqui”, relata Móni- Somos guiados até ao terceiro mural, lampantana (uma espécie de chan- da Batalha do Buçaco. “Foi aqui que das tropas de ambos os lados”, acres-
ca Pereira, lembrando que quatro assinado pelo colectivo Rua e que fana feita com ovelha) terá nascido, se concentrou uma coluna de fran- centa o nosso guia.
Sábado, 3 de Junho de 2023 | FUGAS | 15

FOTOS DE: PEDRO CERQUEIRA


comando mais próximo do quartel-
general de Wellington. No interior do
seu centro interpretativo é possível
apreciar uma réplica, em miniatura, Wellington Restaurant
do semáforo de balões que ali esteve Largo de Santa Bárbara,
instalado e que tinha um alcance “de 6355-060 Freineda
14 a 15 quilómetros”, observa Paulo Tel.: 961 881 562
Ferreira. E-mail: geral
O roteiro irá conduzir-nos, depois, @wellingtonrestaurant.pt
ao Forte de Alqueidão, em Sobral de Facebook:
Monte Agraço, o maior forte das https://www.facebook.com/
Linhas de Torres e também o mais wellingtonrestaurantfreineda
alto. Antes de nos aventurarmos a Instagram: https://www.
subir a estrada militar que lhe dá aces- instagram.com/
so — representativa das centenas de wellingtonrestaurant/
quilómetros de estradas que foram
construídas, entre 1809 e 1811, nas Pedro dos Leitões
cristas das serras e contra-encostas Rua Álvaro Pedro, 1, Mealhada
dos montes para não serem vistas Tel.: 231 209 950
pelo inimigo —, dedicamos algum www.pedrodosleitoes.com/
tempo a visitar o Centro de Interpre- Facebook: https://www.
tação das Linhas de Torres, localizado facebook.com/Pedrodosleitoes
no centro da vila, para aprender um Instagram: https://www.
pouco mais sobre aquele sistema de instagram.com/
defesa. “Um dos grandes sucessos das restaurante_pedrodosleitoes/
Linhas de Torres deve-se ao facto de
os fortes terem sido construídos em Adega dos Sabores
segredo. A população estava a traba- Rua Dr. Aníbal Dias, 22, Mortágua
lhar, mas não sabia o que estava a Tel.: 912 906 451
construir”, destaca Sandra Oliveira, Facebook: https://www.
coordenadora do centro. Só no terri- facebook.com/profile.
tório de Sobral de Monte Agraço exis- php?id=100054480099045
tiam oito fortes — um deles, o da
Caneira, não resistiu ao passar dos Roots Restaurante
anos —, quatro dos quais visitáveis. Parque Verde da Várzea, Torres
Chegados ao Forte de Alqueidão, Vedras
somos recebidos por uma recriação Tel.: 261 315 010
histórica, a cargo da Associação Cul- rootsrestaurante.pt
tura e Recreio 13 de Setembro de 1913 Facebook: https://www.
(data da primeira festa civil realizada facebook.com/rootsfoodwinelife
no Sobral). Representam um grupo Instagram:
As linhas de defesa episódios não se repitam” — são des- de guerrilha e uma companhia de https://www.instagram.com/
vendadas várias curiosidades sobre a artilharia da época com tamanho rootsfoodwinelife/
intransponíveis
batalha que provocou mais de 1800 rigor que, se não fossem os aerogera-
Nesta viagem histórica dedicada à baixas no exército francês. dores instalados junto ao forte, até O Chafariz
terceira invasão, nada como aprovei- Retomamos o roteiro em torno da poderíamos pensar que estávamos Rua Cândido dos Reis, 6
tar a coincidência de rotas e recuar terceira invasão no município vizinho em 1810. Correm por gosto, determi- Sobral de Monte Agraço
mais dois anos no tempo. Tendo Tor- de Torres Vedras, mais precisamente nados a não deixar morrer a história. Tel.: 261 941 237
res Vedras como destino, fazemos no Forte de São Vicente. “Na realida- “É preciso gostar mesmo muito. Facebook: https://www.
um pequeno desvio até à Lourinhã de são três fortes rodeados por um Venho do Algarve para vir viver um facebook.com/people/O-
para visitar o Vimeiro, onde, a 21 de fosso comum”, indica Paulo Ferreira, pouco da nossa história”, testemu- Chafariz/100055667481820/
Agosto de 1808, ocorreu a batalha acrescentando que “o Forte de São nhava Arlindo Silva, antigo militar do
decisiva que pôs Æm à primeira Inva- Vicente e o de Alqueidão são os úni- Exército e da GNR.
são Francesa. De visita ao Centro de cos que formam esta espécie de com- Do périplo faz ainda parte Arruda
Interpretação da Batalha do Vimeiro, plexo militar”. Antecipando uma dos Vinhos, com destaque para a sua
conseguimos avistar, literalmente, o terceira invasão napoleónica, foram Igreja Matriz, cuja história também Hotel Alegre
campo dos combates travados entre construídas três linhas de defesa, com acabou por Æcar marcada pelas inva- Rua Emídio Navarro, 2, Luso
o exército francês comandado por 152 fortiÆcações, entre o rio Tejo e o sões francesas. Quando os oÆciais Tel.: 231 930 256
Jean Andoche Junot e o exército Atlântico — o Forte de São Vicente ingleses encontraram uma idosa sem www.alegrehotels.com
ango-luso sob o comando de Arthur integrava a primeira linha e foi ediÆ# vida diante do altar, deduziram que Facebook: https://www.
Wellesley (futuro duque de Welling- cado num dos montes mais altos da não deveria ter conseguido fugir a facebook.com/pages/Hotel-
ton) — foi rasgada, no edifício, uma cidade. “A construção dos fortes ini- tempo e decidiram dar-lhe “mais gló- Alegre/355169935292571
grande janela com vista para o cam- cia-se em 1809 e foi considerado um ria na sepultura do que parecia haver Stay Hotel Torres Vedras
À direita, um dos murais de po de batalha. sistema de defesa muito barato. Cus- ter tido fora dela”, depositando o seu Praça 25 de Abril, 27, Torres
Mortágua, o Centro “O objectivo do exército anglo-luso tou cerca de 100 mil libras”, refere o corpo naquele local de culto. “Diz-se Vedras
Interpretativo do Forte de São não era combater, era proteger Lis- nosso guia, técnico de turismo do também que os soldados de Massena, Tel.: 261 314 232
Vicente e a Igreja de Arruda dos boa, mas a verdade é que acabou por município de Torres Vedras. quando por aqui passaram, rouba- Website: https://www.stayhotels.
Vinhos; em cima, uma recriação haver aqui uma grande batalha”, Este forte era munido por 26 bocas ram a cadeira de espaldar de prata da pt/torres-vedras-centro/
no Centro de Interpretação da enquadra Ana Bento, responsável de fogos e por um contingente militar Nossa Senhora da Salvação”, conta Facebook: https://www.
Batalha do Vimeiro e uma pelo Centro de Interpretação que de 2000 a 2200 homens, podendo Ana Raquel Machado, técnica de facebook.com/stayhotels
maquete no Centro de reúne armamento, fardamento, docu- acolher cerca de 4000 soldados. Pos- turismo do município. Verdade ou
Interpretação das Linhas de mentação da época e peças arqueo- suía um telégrafo visual, que permitia não, da fama não se livram. “Houve
Torres de Sobral de Monte lógicas únicas. Neste espaço museo- uma rápida comunicação com o For- um local que até enviou uma carta
Agraço lógico — que pretende, acima de tudo, te do Grilo e com o posto de sinais para o Museu do Louvre a perguntar A Fugas viajou a convite do
“educar para a paz, para que estes erigido na serra do Socorro, posto de pela cadeira”, repara. Turismo do Centro de Portugal
16 | FUGAS | Sábado, 3 de Junho de 2023

Motores

Dacia
a Apelar ao público mais jovem e e bastante competente na saída dos
apreciador de actividades ao ar livre. semáforos e nas mudanças de faixa
A estratégia da Dacia para a colecção de rodagem, ainda que os mais de
Extreme inclui nova roupagem para dois mil euros de diferença em rela-
os modelos Sandero Stepway, Duster, ção ao modelo com 45cv sejam de
Jogger e para o eléctrico Spring, cita- ponderar; ou seja, não Æcámos certos
dino cuja potência sobe dos 45 para se se justiÆca a diferença de desem-

Extreme
os 65cv. penho. Por 22 mil euros, o Spring
Mas não são apenas os modelos Extreme passa então a ser o segundo
que já conhecemos que se apresen- eléctrico mais barato à venda em Por-
tam de cara lavada, numa operação tugal — o primeiro é a versão de 45cv,
de cosmética que reforça o posicio- por cerca de 20 mil euros. O equilí-
namento da marca líder de mercado brio entre o preço e a qualidade geral
nos ligeiros de passageiros em Portu- dos carros é, sem dúvida, o grande
gal junto do público mais jovem. atributo da Dacia.

Novos
Além de novas cores e de materiais
interiores concebidos para serem Piscar o olho aos mais jovens
práticos de usar e manter (tapetes de
borracha, tecidos resistentes a Fomos experimentar a nova linha

acabamentos
nódoas), há um conjunto alargado de Extreme a Viena, na semana passa-
acessórios virados para o campismo da, uma cidade onde é raro ver um
que tem como principal novidade Dacia. Não será por acaso: a Áustria
uma cama para instalar dentro do condução, eliminando luxos e alguns tem um número de habitantes ligei-
modelo Jogger. Trata-se de uma caixa detalhes de conforto — nota-se, por ramente inferior ao de Portugal

para os amantes
feita de compósito de madeira que se exemplo, a ausência de coisas como (menos um milhão, aproximada-
monta como um lego e que, aberta pegas para as mãos ou de regulação mente), mas o dobro do Produto
dentro do carro, serve de cama para na altura do volante. Interno Bruto, ou seja, é um país
dois. Este Sleep Pack custa cerca de com bolsos mais fundos.

do ar livre
1550 euros e pode ser comprado à Poucos quilómetros Em Portugal, a Dacia já é líder de
parte para todos os Jogger já no mer- mercado nos ligeiros de passageiros
a andar devagar
cado (neste caso, por 1850 euros). e vê as encomendas de carros tam-
A cama é relativamente fácil de Todos os motores estão disponíveis bém a crescer no segmento empresa-
montar e parte da caixa pode ser usa- com as novas versões, excepto no rial, como nos explicou o director-ge-

A marca low cost do Grupo da como mesa de refeições, um siste-


ma engenhoso que, ainda assim,
Spring Extreme, a única nova moto-
rização apresentada neste lançamen-
ral da marca Portugal. José Pedro
Neves entende que o contexto econó-

Renault estreou um novo nível de exige duas pessoas para carregar e


manobrar os 50 quilos de peso. E,
to. O citadino eléctrico segue a batuta
da versão de 45cv, mas tem agora
mico e a maior “racionalidade” do
consumidor português têm contribuí-

equipamento para toda a gama. sim, a cama inclui um colchão; além


disso, o Sleep Pack pode ser comple-
65cv, graças a melhoramentos na tec-
nologia do motor eléctrico.
do para isso: “Tal como já acontecia
em França e noutros países, com

Mas também um eléctrico mais mentado por uma tenda avançada


que se acopla à traseira, estendendo
O Spring Extreme continua espar-
tano, mas confortável, com o interior
outra cultura, que quase têm orgulho
de dizer, ‘eu tenho um Dacia’ porque

potente e uma espécie de caixote o conjunto até quase 10 metros de


comprimento.
a apresentar boa habitabilidade, sem
poupar nas ajudas de condução e
faço uma escolha racional. E depois
a Dacia tem aquilo que nós conside-

que se transforma em cama de A gama Extreme não é apenas para


mostrar. Ela inclui de série um siste-
tecnologia: câmara traseira e um sis-
tema multimédia bastante completo
ramos, no mundo automóvel, que
responde a dois dos principais crité-

campismo. Pedro Esteves ma de controlo de tracção para pisos


em terra, neve ou lama no Sandero
são apenas dois exemplos. Transpor-
ta quatro passageiros sem espaço de
rios na aquisição de um automóvel:
preço e design.”
Stepway (a partir de 19.299 euros) e sobra, nomeadamente atrás, onde Em relação às empresas — que têm
no Jogger (a partir de 20.750 euros). não é preciso ser-se muito alto para hoje para gastar com a frota automó-
Estas melhorias tecnológicas de ade- sentir o tejadilho demasiado perto vel o mesmo valor de há uns anos —,
rência têm continuidade no Duster (a da cabeça. as opções Bi-Fuel (GPL e gasolina) da
partir de 21.650 euros), com a dispo- Este pequeno SUV vem equipado gama e a política de preço Æxo (a
nibilidade da opção 4x4. com a mesma bateria da versão de Dacia não pratica descontos) são, no
Tivemos a oportunidade de condu- 45cv (de 26,8 kWh) e anuncia uma entender de José Pedro Neves, duas
zir o Sandero Stepway (110cv) e o autonomia de 220 km em ciclo misto mais-valias que justiÆcam a procura
CLEMEMT CHOULOT Jogger Híbrido (140cv) — com caixa e 305 km no ciclo urbano (WLTP), o pelos carros da marca romena do
automática CVT — nas estradas suÆciente para vários dias de utiliza- Grupo Renault.
rurais nos arredores de Viena, na Áus- ção, diz a marca. Os 110 mil Spring já O nível de interesse por parte dos
tria, durante a apresentação interna- vendidos permitem à Dacia saber que consumidores mais jovens é outra das
cional. O fora de estrada foi bastante os clientes percorrem uma média de vertentes sublinhadas, com os grupos
curto, pelo que teremos de guardar a 31 km por dia, a uma velocidade de etários compreendidos entre os 18 e
experiência do sistema de tracção 26 km/h. E que, em 75% dos casos, os 45 anos a representarem mais de
Extended Grip para outra oportuni- recarregam o automóvel em casa (em metade do volume de vendas em Por-
dade. No alcatrão, estes Extreme são 66% dos casos a partir de uma toma- tugal. Foi para eles que a Dacia fez a
os Dacia que já conhecemos, mas da doméstica). série Extreme, a piscar o olho à “ideia
com as tais novas cores e materiais. Estes dados justiÆcam a manuten- de outdoor”, diz ao PÚBLICO o
Fáceis de conduzir, têm motoriza- ção da bateria no Dacia Spring Extre- director-geral da Dacia Portugal. José
ções adequadas às necessidades da me (65cv), com resultados adequados Pedro Neves é realista e não espera
esmagadora maioria dos consumido- e realistas para a utilização diária em vendas massivas da tal caixa/cama
res que fazem por cumprir com as cidade. No nosso teste de cerca de que equipa o Jogger, mas sublinha a
regras de trânsito. As comodidades, 100 quilómetros em trajecto misto importância deste opcional no posi-
como é habitual, são as justas para o Æzemos um (óptimo) consumo médio cionamento da marca e acredita que
preço; os Dacia são conhecidos por de 10,6 kWh, o que bate certo com as “vai haver um nicho de mercado para
se concentrarem no essencial, com contas da Dacia. isso”. O Sleep Pack vai ser apresenta-
motores despachados e tecnologia de Em cidade é um carro confortável do em breve em Portugal.
Sábado, 3 de Junho de 2023 | FUGAS | 17

Gastronomia

Gharb: do Médio Oriente ao Porto em


50 metros quadrados e duas esplanadas

a Está sol, o vento deu tréguas e a


Entre kebabs, pequena esplanada, amorosamente
da açorda, por exemplo, para se con-
cluir que essa inÇuência se estende à
para um restaurante.
André não é novo nestas andanças.
pode logo beber um copo na esplana-
da da frente com vista para a Torre

açordas e encaixada entre o Campo Mártires da


Pátria e a Rua de Trás, vai enchendo
gastronomia.
A carta, interpretada pelo chef Tia-
Fundou dois hostels em Lisboa (o
Home e o Yes!) e é um dos nomes por
dos Clérigos ou “picar” qualquer coi-
sa cá atrás, ao balcão ou recolhido no

gaspachos, o ao ritmo do lusco-fusco. Escutam-se


várias línguas, ou não estivéssemos
go Curi, brasileiro de origem libanesa,
traça essa viagem: há gaspacho anda-
detrás do Nicolau e, consequente-
mente, do Amélia (que também vai
exterior, numa onda “mais backs-
treet”. Está assim numa “minibolha”

restaurante do no Porto de 2023, mas também uns


quantos impropérios locais, a com-
luz (4 euros), açorda de bacalhau (13
euros), kebab de borrego (7 euros),
abrir em breve na Foz). A ideia para
este projecto passa por um “conceito
em que tudo é a continuação de uma
outra coisa.

Campo dos provar que ainda há Porto em 2023.


Na mesa ao lado estuda-se o menu em
várias sobremesas com pistácio. Há
panquecas marroquinas (beghrir)
integrado”, uma “espécie de hotel de
charme” para “viver a experiência
A princípio, aliás, a ideia até era
abrir apenas a esplanada mais escon-

Mártires da português, esmiuçando, antes dos


húmus e dos kebabs propriamente
para começar o dia, ovos turcos (çil-
bir) para qualquer hora e bastantes
Gharb Porto”. Ou seja, o hóspede che-
ga à recepção/bar e, antes de subir,
dida (“somos menos de maximiza-
ção de turismo”), quiçá mais român-

Pátria quer ditos, as ilustrações que o acompa-


nham: “Este é o Nelson, olha aqui a
opções para comer à mão (seja
húmus, baba ganoush ou menemen),
tica, local ou very typical. Curioso
pensar em tudo isto num espaço que

mostrar “o que Cristina, o Miguel...”


É nesta esquina, entre o local e o
sempre com muito pão sírio.
E que pão: é feito por cá, à mão, i
até estava para ser um diner ameri-
cano. A dupla chegou inclusive a ir

nós somos” — global, Porto e Damasco, Portugal e o


Médio Oriente, que o Gharb se encon-
com um pequeno segredo (“não é
vegano, é vegetariano”, espicaça Gus-
aos EUA, a Chicago, para trazer ins-
piração, mas os planos mudaram — e
Gharb
com amigos tra. Daí o design da ementa, da auto-
ria de Alejandra Jaña, incluir simpáti-
tavo). Uma ementa curta, feita para
partilhar, completada com refrescos Campo dos Mártires
Gustavo passou de arquitecto a sócio,
com umas digressões gastronómicas

pelo meio. cos bonequinhos que representam


algumas “Æguras” da cidade (quem
(como ayran), cerveja ou vinhos natu-
rais (“uma opção”, para contrariar a
da Pátria, 130
4050-367 Porto
na Turquia pelo meio.
“Começou a haver este sentimen-

Amanda encontra o Becas?) que, por sua vez,


Æguram também na vida de Gustavo
tendência para a industrialização) e,
em breve, cocktails também “ligados
Horário: Das 12h às 00h, de
domingo a quinta-feira; das 12h
to de que seríamos um bocadinho
mais árabes do que anglo-saxóni-

Ribeiro (texto) e Guimarães, um dos proprietários.


“Uma homenagem aos amigos”, às
à grelha e ao fogo”. à 1h, à sexta e sábado.
www.instagram.com/
cos”, diz. Por outro lado, o Gharb
não podia ser puramente um restau-

Nelson Garrido raízes, ao que nos faz ser nós— uma


ÆlosoÆa que está um pouco por todo
Tudo começou num diner
americano
gharbporto/ rante do Médio Oriente, algo “tão
deslocado” numa zona tão turística,

(fotograƊa) o lado aqui. Ora vejamos.


De portas (oÆcialmente) abertas há Gustavo e André conheceram-se em
daí a viagem pelas raízes árabes da
gastronomia ibérica que também se
pouco mais de um mês, o Gharb (sim, 2018, quando o segundo contratou desvia pela arquitectura, com a esco-
como Algarve) quer honrar o legado o primeiro para recuperar o prédio lha da terracota e do mosaico hidráu-
árabe presente no ADN português que encabeça o pequeno estabele- lico para o interior. Mas, a pontuar
— o nome, em árabe, signiÆca Oci- cimento de 50 metros quadrados. tudo isto, há também uma mensa-
dente, “que é o que nós somos” vistos Tal como o vizinho Miss’Opo, que gem política “levezinha”: “É um
de lá, o “ponto Ænal, não a origem”, Gustavo co-criou e desenhou, tam- bocado para falar da miscigenação
explica o arquitecto portuense, che- bém aqui há unidades de alojamen- cultural, do quão rica é, do que é que
gado a este projecto pela mão do to local (oito estúdios, sendo que o traz aos povos e mostrar que existe
cliente, agora sócio e amigo, André “melhor” se transformou numa e pode existir, à parte dos discursos
Mesquita. E basta olhar para a génese cozinha de produção) a desaguar de propaganda e das agendas.”
18 | FUGAS | Sábado, 3 de Junho de 2023

Gastronomia
FOTOS: DR

O restaurante
a Trata-se do “museu do restauran-
te que mudou tudo”, como diz a pró-
pria página do elBulli 1846, sem dis-
farçar o tom grandiloquente com
que se tem anunciado a reabertura

que virou museu:


— agora em novo registo — daquele
que certamente foi o mais inÇuente
epicentro da gastronomia moderna
nas últimas décadas. O El Bulli, res-
taurante comandado pelo catalão

o El Bulli reabre, mas


Ferran Adrià desde 1984, reabre suas
portas na próxima semana após um
hiato de 12 anos sem receber visitan-
tes. Mas, desta vez, não servirá

sem servir comida


nenhuma refeição. No seu mítico
espaço de quase quatro mil metros
quadrados em Roses, no interior da ceptuais e audiovisuais, contam a
Catalunha, um centro cultural com história do restaurante entre memo-
mais de 68 instalações agora ganha rabilia e objectos históricos, desde
forma para visitas que acontecerão cadernos usados por cozinheiros que
anualmente, por temporadas de três passaram por ali (muitos deles que

elBulli 1846 abre no dia 15 de Junho, durante meses (a de 2023 que começa no dia
15 de Junho).
comandam hoje alguns dos melhores
restaurantes do mundo, de Massimo

três meses, para mostrar aos visitantes o legado Por isso talvez “museu” não seja
uma palavra exagerada para explicar
Bottura a Andoni Luis Aduriz), até
114 desenhos que Adrià pintou a par-

do mais inƍuente epicentro da gastronomia o que o Adrià, considerado uma das


mentes mais criativas do século, pre-
tir de 2012 na sua casa em Barcelona
usando apenas tintas e cotonetes.

moderna nas últimas décadas. Não há comida, tende com a sua nova empreitada:
tudo ali foi pensado para servir aos
Somam-se a eles os utensílios ino-
vadores que foram criados ou adap-

só memorabilia. Rafael Tonon convidados o próprio legado do El


Bulli. As instalações artísticas, con-
tados pelo El Bulli para serem usados
numa cozinha proÆssional — como
Sábado, 3 de Junho de 2023 | FUGAS | 19

As instalações artísticas,
conceptuais e
audiovisuais, contam a
história do restaurante
entre memorabilia e
objectos históricos, desde
cadernos usados por
cozinheiros que passaram
por ali até 114 desenhos
que Adrià pintou

conferiu um status único no mundo.


“Hoje, pelo menos na alta gastrono-
mia, já circula um entendimento que
a gastronomia é uma expressão artís-
tica. Não é considerada uma arte, mas
é uma expressão artística. E poucos
chefs conseguiram provar isso melhor
do que o Ferran”, diz Avillez. “As his-
tórias que os pratos contavam, as
ideias que transmitiam, os conceitos
que apresentavam. É até lógico que o
El Bulli se transforme num espaço
com apelo artístico”, acrescenta.
O chef lembra que no ano que tra-
balhou no restaurante, Adrià se uniu
à Documenta 12, renomada feira de
arte que acontece em Kassel (Alema-
nha), como o primeiro cozinheiro do
mundo a participar num evento dedi-
cado às artes conceptuais. Naquela
edição, o curador Roger M. Buergel
sifões, desidratadores, lioÆlizadores homem à frente do tempo”, diz à onde é possível comprar objectos e quis transformar o El Bulli num pavi-
— e os manuais técnicos desenvolvi- Fugas Albert Adrià, o irmão mais livros publicados pela fundação. lhão da feira na tentativa de mostrar
dos para como utilizá-los; para além novo que passou anos a trabalhar no como Adrià criou uma linguagem tão
das receitas criadas com cada um El Bulli até este ter fechado. Avillez: “Uma revolução própria na sua área de actuação. “A
deles, é claro. Por falar nelas, há uma Nos meses em que o museu não mim interessa-me o facto de ele
sem precedentes”
compilação com todas as 1846 (!) estiver aberto (ou seja, a partir do [Adrià] se ter tornado uma Ægura
criações do restaurante durante Ænal de Setembro), os esforços serão Os primeiros sortudos a terem a pos- inÇuente na cena internacional. Eu
todos os anos em que esteve aberto para pesquisas, experimentações e sibilidade de conhecer o El Bulli 1846, não me preocupo se as pessoas con-
e que foram obsessivamente catalo- testes, assim como para Ænalizar os porém, serão os amigos mais próxi- sideram isso arte ou não”, disse o
gadas por Adrià desde 1998 (o nome 30 fascículos que ainda faltam para mos e os “bullinianos”, como são curador à época sobre a sua decisão.
do novo espaço, aliás, vem deste chegar aos 53 previstos por Adrià chamados os cozinheiros que traba- “Não há dúvidas de que o El Bulli
impressionante número). para completar a sua Bullipedia, a lharam no El Bulli. Uma semana antes foi um marco da gastronomia mun-
Mas o que mais deve emocionar os mais ambiciosa enciclopédia sobre da abertura oÆcial, eles serão recebi- dial. Eu tive a sorte de viver isso no
que tiveram a possibilidade de visitar gastronomia já editada e publicada dos pelo próprio Adrià para lhes mos- seu último ano e enquanto estagiá-
o restaurante nos seus anos de esplen- no mundo — como se vê, é um trar e contar tudo sobre todas as rio”, aÆrma o chef Vasco Coelho San-
dor criativo, e que agora voltam a homem que gosta de superlativos. E atracções sem precisar utilizar os tos, do Grupo Euskalduna (Porto),
entrar na casa em arquitectura caiada no elBulli 1846 eles estão por todos audioguias em francês, inglês, espa- que passou pelo restaurante em 2011,
com vista para o mar, é o antigo salão os lados. A começar, é claro, pelas nhol e catalão disponíveis para o ano em que Adrià decidiu fechar as
pintado de branco com vigas de cifras: foram 11 milhões de euros público geral. portas no auge. A ideia de um museu,
madeira pelo tecto. Reformado de investidos entre a obra e toda a parte O chef José Avillez, que trabalhou segundo Coelho Santos, é uma opor-
forma a preservar todos os detalhes, de musealização do espaço (que teve no El Bulli durante alguns meses ain- tunidade não apenas para cozinhei-
até as cadeiras de madeira originais aporte de empresas mecenas da da em 2007, não vê a hora de pôr de ros, mas também para toda a gente
foram mantidas, assim como guarda- elBulli Foundation, fundação criada novo os pés naquele espaço que de revisitar o projecto mais de uma
napos e copos usados na época — dei- por Adrià e sócios para manter vivos transformou a sua visão sobre a gas- década depois e perceber com certo
tados sobre as mesas. Onde Æcava a os seus projectos). tronomia. “Hoje, podemos dizer que distanciamento as razões por que o
famosa cozinha, um grande ecrã vai Com bilhetes de entrada a custa- tem havido muita evolução [nas cozi- El Bulli continua a ser tão inÇuente.
i exibir vídeos dos cozinheiros traba-
lhando no El Bulli, a partir de registos
rem 27,50€, o museu tem até trans-
porte próprio, baptizado de El Bulli
nhas], mas o que o Ferran fez foi de
facto uma revolução sem preceden-
“Há muito trabalho lá feito que ainda
ressoa em cozinhas pelo mundo todo
feitos no passado. Bus, que leva os visitantes do centro tes. Por isso acho que o El Bulli mere- e assim será muito tempo”, diz.
elBulli 1846 Apesar do saudosismo, Adrià, um de Roses até a Cala Montjoi, onde o ce sem dúvida nenhuma a abertura Para o chef do Porto, trata-se de um
Funcionamento: 15 de Junho a homem de 61 anos dotado de uma edifício está localizado. Curioso que de um museu próprio, e que as pes- ícone que marcou gerações, criou
16 de Setembro de 2023 mente tão expansiva como a de um não haverá nenhum tipo de comida soas devem irem lá — cozinheiros, tendências e formou cozinheiros por
De segunda a sábado, das 9h30 jovem, não quer que o novo espaço servida dentro do espaço. Os visitan- gastrónomos, interessados por comi- todo o mundo, como ele. “As gera-
às 20h. saiba apenas a nostalgia — o objectivo tes que tiverem fome terão que se da em geral — para tentar perceber ções mais novas só conhecem isto
Reservas e informações: do museu é mostrar como o El Bulli contentar com uma máquina de ven- minimamente o que aconteceu tudo através de livros e testemunhos.
elbullifoundation.com/ pode ainda ser uma fonte de inspira- da automática no parque com petis- naquele lugar e por que, aÆnal, foi Muitos ouviram falar, mas poucos
elbulli1846. ção para novas gerações de cozinhei- cos e bebidas para comer antes ou algo tão transformador”, aÆrma. tiveram a oportunidade de conhecer
Bilhetes a 27,50€ ros e cozinheiras. “É um espaço que depois da visita, que deve ter dura- Para ele, o El Bulli conseguiu elevar de perto este incrível projecto. Esta
olha para o passado, mas também ção média de duas horas e meia — e a gastronomia a um novo nível de abertura vai permitir reparar tudo
para o futuro. Ferran sempre foi um que acaba, claro, numa pequena loja criatividade e experiência que lhe isto”, conclui.
20 | FUGAS | Sábado, 3 de Junho de 2023

Vinhos

Seca, granizo e o silêncio ultrajante da CAP


DIOGO VENTURA
mais abastados, é ajudar ainda mais
Elogio do vinho o minifúndio, ajudar quem insiste
em permanecer no interior
desertiÆcado e continua a fazer
agricultura de subsistência, por
mero amor à terra e para honrar os
antepassados, muitas vezes com
custos de granjeio deÆcitários e
correndo sempre o risco de
perderem tudo de um momento
Pedro Garcias para o outro, por causa de uma
geada ou de uma tempestade de
a Foi triste, para não dizer granizo, como aconteceu esta
ultrajante, ouvir esta semana os semana em alguns concelhos de
dirigentes da Confederação da Trás-os-Montes e Alto Douro. Em
Agricultura de Portugal (CAP) poucos minutos, centenas de
reclamar uma vez mais do viticultores e produtores de fruta
Governo o pagamento de concelhos como Alijó, Murça ou
antecipado, à revelia de Bruxelas, Carrazeda de Ansiães perderam
de ajudas aos agricultores quase toda a sua produção deste
atingidos pela seca deste ano, ano e viram comprometida a do
maioritariamente do Alentejo e próximo ano. A seca de Abril deu
do Algarve, e, ao mesmo tempo, lugar ao dilúvio de Æm de Maio.
assistir ao seu silêncio perante a Quem vive do campo estará
desgraça que se abateu sobre sempre dependente dos humores
milhares de agricultores de do clima. É o risco de trabalhar a
minifúndio com a queda de céu aberto, sem rede. Seguros e
chuvas violentas e de granizo nos ajudas públicas poderão atenuar as
distritos do interior Norte. Fui perdas. É nestas alturas que faz
espreitar o site da CAP na passada sentido o Estado estar presente.
quarta-feira (quando este texto foi Mas é muito triste os agricultores
escrito e já eram conhecidos os permanecer no Governo apenas o seu olival do que um olivicultor andarem de mão estendida sempre
estragos em milhares de hectares pela necessidade de António Costa que não tem rega. Este produz que as coisas correm mal. É uma
de pomares e vinhas nos distritos manter uma certa quota feminina. menos e, ainda assim, recebe indignidade que não merecem.
de Vila Real e Bragança, por Não tem grande força política e menos ajudas. O ideal era que fossem
exemplo) e não havia uma única actua quase sempre de forma Os agricultores de regadio podem justamente remunerados pelo que
referência ou notícia sobre o reactiva, inspirada nas medidas argumentar com os custos da rega. produzem, que ganhassem
ocorrido. Numa altura de tomadas pela vizinha Espanha (no É verdade, tem custos. Mas a dinheiro, para poderem investir
temporal devastador numa parte
do país, ver a CAP insistir em
entanto, se irrita tanto a poderosa
CAP, algum mérito deve ter). Mas
instalação da rega é Ænanciada e os
ganhos que permite obter
O país deve ser mais e suportar intempéries como
as desta semana. Para isso, todos
apoios por causa da seca mostra
bem o carácter elitista desta
ter começado essas reivindicações
logo em Abril, ignorando que o
justiÆcam os custos. Além do mais,
não há qualquer lógica ambiental
tratado todo nós deveríamos aceitar pagar mais
pela fruta boa, pelo vinho bom,
confederação, sempre mais
preocupada com os interesses
clima está tão extremo que tudo
pode mudar de um momento para
nesta matéria. Com as zonas mais
áridas a debaterem-se com um
por igual e, se pelo melhor azeite, pela melhor
carne, pelos melhores legumes. O
dos seus associados do latifúndio
alentejano.
o outro, foi um pouco excessivo e
revelador do clima de
problema de falta de água para
consumo humano, premeiam-se as
tiver que haver problema é que somos um país de
baixos salários e demasiado viciado
Se apenas representasse
formalmente os grandes detentores
subsidiodependência que ajudou a
instalar no país.
culturas permanentes de regadio e
castigam-se as de sequeiro.
discriminação, em promoções.
Infelizmente, só se consegue
de terra, principais beneficiários
das ajudas comunitárias à
A confederação que se mostra
tão preocupada com os efeitos da
Quando reclama da seca, é pena
que a CAP não fale disto e
manda o mais produzir bens baratos com recurso
à agricultura industrial, que é um
agricultura portuguesa, tudo bem,
fazia o seu papel. O problema é
falta de água é a mesma que fecha
os olhos ou incentiva a aposta em
reconheça o carácter absurdo de
alguns apoios, cujos principais
elementar bom desastre para o meio ambiente e
inviabiliza a pequena agricultura, a
dizer-se representante de todos os
agricultores e recorrer quase
culturas intensivas de regadio em
zonas áridas. Que defende o olival e
beneÆciários têm sido, ao longo dos
tempos, os grandes proprietários senso que se única que defende a paisagem e a
biodiversidade e nos fornece os
sempre aos mais pequenos quando
quer fazer desfiles de tractores e
o amendoal superintensivo no
Alentejo e a cultura do abacate no
do Alentejo. O país deve ser tratado
todo por igual e, se tiver que haver beneficie quem produtos de maior qualidade.
Teremos que viver com ela. O que é
manifestações contra o Governo e a
ministra da Agricultura. Usa-os
Algarve, por exemplo, e aplaude a
agricultura de plástico na costa
discriminação, manda o mais
elementar bom senso que se mais necessita inaceitável é privilegiarmos uma
em detrimento da outra e
quando quer elevar a voz, para que alentejana, um avatar em beneÆcie quem mais necessita. apostarmos em regadio intensivo
o protesto não fique confinado a crescimento do mar de estufas da Mesmo que em algumas medidas onde a água mais escasseia,
agricultores de boina, camisas aos medonha Almería, em Espanha. da Política Agrícola Comum se imitando o pior de Espanha. No
quadrados, calça bege e botins A CAP que apoia tudo isto é a pague mais a quem tem menos imediato, os ganhos podem ser
Blundstone ou de marcas similares. mesma que não se indigna que as área, no Ænal, os proprietários das interessantes. A prazo, é de esperar
O povo ao serviço interessado da culturas permanentes de regadio, grandes herdades acabam sempre uma tragédia. Até lá, vamos
elite. como a vinha, o olival e o por ser os mais subsidiados. continuar a ouvir a selectiva CAP a
A CAP tem razão nas amendoal, recebam mais subsídios Claro que não advogo nenhuma reclamar mais e mais apoios por
revindicações sobre a seca, e por hectare do que as culturas política Robin dos Bosques: tirar causa da seca.
também em algumas críticas à permanentes de sequeiro. Custa a aos ricos para dar aos pobres.
actual ministra da Agricultura, que acreditar, mas é verdade. Recebe Trata-se de algo mais simples: é não Jornalista e produtor
a cada dia que passa dá a ideia de mais apoio um olivicultor que irriga sufocar os pobres em favor dos de vinho no Douro
Sábado, 3 de Junho de 2023 | FUGAS | 21

Vinhos
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente
ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo
com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada:
Fugas — Vinhos em Prova, Rua Júlio Dinis, n.º 270, bloco A, 3.º 4050-318 Porto

55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100

90
96
Palato do Côa Touriga
Casa Ferreirinha
Reserva Especial 2019
O novo Casa Ferreirinha 2014 Nacional 2020
5 Bagos, Soc. Agrícola, Foz Côa
Sogrape
Região: Douro
custa quase três vezes menos Região: Douro
Castas: Touriga Nacional
Castas: Touriga Franca,
Touriga Nacional,
do que o último Barca Velha Graduação: 14% vol.
Preço: 14,90€
Tinta Roriz, Tinto Cão
Graduação: 14% vol.
e não lhe é inferior (recomendado pelo produtor)

Preço: 280€ Há neste tinto uma frescura


(preço recomendado) cítrica (notas de toranja) que lhe
a O novo Casa Ferreirinha Reserva mos perante um grandíssimo tinto marca o carácter e confere uma
Especial é da colheita de 2014 e foi do Douro. Mas é sempre arriscado personalidade muito particular.
apresentado na passada terça-feira, antecipar com tamanha precisão o Está lá toda a natureza da casta,
na Quinta do Seixo, uma das várias futuro de um vinho, pelo que é com intensidade aromática e
propriedades que a Sogrape possui melhor não sermos tão deÆnitivos. fruta madura, mas tudo
na região duriense. Produzido pela O que se pode dizer do novo Reser- envolvido por esse ambiente
primeira vez em 1960, só foi lançado va Especial é que está ao nível da fresco, que equilibra e amacia,
em catorze ocasiões. sua reputação. Podia até ter sido resultando o conjunto elegante,
O Barca Velha e o Reserva Espe- lançado como Barca Velha. Só não polido e com notas da madeira já
cial são “irmãos”. Os dois vinhos o foi porque haverá um novo Barca muito bem integradas. Um tinto
nascem separados mas destinados Velha já na calha, provavelmente de equilibrado, que é gordo e
ao mesmo, a ser Barca Velha. Acon- 2015, que foi um grande ano no guloso mas também fresco e
tece que só um pode levar o nome. Douro. O ano de 2014 foi um pouco elegante. J.A.M.
A decisão é tomada ao Æm de alguns mais frio e com mais chuva na vin-
Proposta anos pela equipa de enologia lide- dima, o que, no caso do Douro
da semana rada por Luís Sottomayor, com base Superior, de onde provêm os dois
na qualidade e potencial de enve- vinhos, é sempre mais uma bênção
lhecimento que cada vinho vai reve- do que um problema. Terá sido o
lando. O que promete durar mais caso. O que torna especial este
tempo em melhor forma vai para
Barca Velha, o outro é engarrafado
Reserva Especial é, como sublinha
o seu criador, Luís Sottomayor, “ter
97
como Reserva Especial. uma boa estrutura e volume e ser ao
Mesmo os melhores enólogos mesmo tempo extremamente ele- Veuve Clicquot La Grande
também se enganam e alguns Barca gante, com bons taninos e um aro- Dâme 2015
Velha deviam ter sido engarrafados ma muito Æno”. Um tinto, resume, Veuve Clicquot, Reims (França)
como Reserva Especial e um ou “cheio de charme”, que reÇecte Região: Champanhe ( França)
outro Reserva Especial merecia ter bem a natureza do ano. Castas: Pinot Noir (90%)
sido Barca Velha. O mais evidente É quase uma heresia preferir um e Chardonnay
foi o 1997. A Sogrape esperou dez Casa Ferreirinha Especial a um Bar- Graduação: 12,5% vol.
anos para tomar a decisão e optou ca Velha. Mas acontece. Comparan- Preço: 219€ (millésima.pt)
por engarrafar o vinho como Reser- do este 2014 com o último Barca
va Especial, para ajudar ao relança- Velha, o 2011, por exemplo, não É notável a frescura deste
mento desta marca, que havia esta- tenho muitas dúvidas: o primeiro é champanhe, que o torna quase
do proibida durante alguns anos, mais do meu gosto, por ser menos infindável no palato. Edição
por causa do nome. Outro Barca concentrado e mais fresco; o segun- especial (a 24.ª) de uma das mais
Velha “desperdiçado” foi o Reserva do está excessivo e diÆcilmente reconhecidas casas, que parece
Especial 1989, que voltou a ser pro- melhorará com o tempo (na altura assumir em definitivo a
vado na passada terça-feira e conÆr- do seu lançamento, atribuí-lhe 97 prevalência das uvas tintas (Pinot
mou a razão da sua fama. A ideia foi pontos, nota que hoje reconheço ter Noir) sobre as brancas
mostrar o que pode vir a ser o Reser- sido exagerada). O Reserva Especial (Chardonnay), precisamente à
va Especial 2014 (ambos os vinhos 2014 está mais próximo do Barca procura de maior frescor e até
foram provados com pratos elabo- Velha 2008, embora sejam bem dife- um certo amargor, a conferir
rados por dois chefs com uma estre- rentes. O Barca Velha possui maior estrutura. À cremosidade, intensa
la Michelin, o português Vasco Coe- profundidade e é mais anguloso e e elegante, associa logo de início
lho Santos e o espanhol Ignacio vivaz. O Reserva Especial é mais notas cítricas e maduras que
Echapresto, da Rioja; geniais o lírio Æno. No entanto, com as suas dife- depressa evoluem para os
com brócolos do primeiro e as renças, são ambos belos vinhos. A tostados e fumados, notas de
bochechas de pescada com ervilhas grande vantagem do Reserva Espe- fermento, pão e forno. Mas é o
bebé do segundo). cial é custar muito menos dinheiro. frescor final que o torna
Se o novo Reserva Especial alcan- Pelo preço actual do último Barca inesquecível. Um rasto de água
çar a mesma longevidade e qualida- Velha, que já se aproxima dos 900 fresca intenso e saboroso, que
de do 1989 (é admirável a sua rique- euros em algumas garrafeiras, é pos- junta fruta e amargor numa
za e frescura mentolada), estará sível comprar quase três garrafas de soberba sensação de frescura e
certo quem aÆrmar agora que esta- Reserva Especial. Pedro Garcias satisfação. J.A.M.
22 | FUGAS | Sábado, 3 de Junho de 2023

Fugas dos leitores


Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto,
devem ser enviados para fugas@publico.pt.
Os relatos devem ter cerca de 3000 caracteres.
Mais informações em www.publico.pt/fugas

PEDRO MOTA CURTO

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Timor, tão longe e tão perto


a Timor Æca mesmo muito longe. Do impressionante. Mal se consegue muito calor. Apenas subsiste um A beleza inigualável da praia da Adraga, pelos
outro lado do mundo, a norte da Aus- caminhar no seu interior. pequeno pormenor ao qual há que olhos de @jorgemchagas
trália e a sul da Indonésia oriental. O Museu da Resistência Timoren- estar atento, os crocodilos. Neste
No entanto, no restaurante do Hotel se (Rezisténsia Timorense – Arkivu & mar vivem crocodilos de água salga-
Timor, no centro de Díli, o prato do Muzeu) é outro local de visita obri- da. Tal como na Austrália. Grandes
dia era um maravilhoso arroz de pol- gatória. Construído e organizado crocodilos, com enormes e possan-
vo, seguindo-se uma sobremesa de com o patrocínio de diversas institui- tes caudas. Raramente, mas por
torta de laranja. ções e com a colaboração de diversas vezes repousam no areal, à beira-
Em Timor, a língua portuguesa é personalidades portuguesas, foi mar. Tal como os australianos con-
amplamente utilizada e existe uma inaugurado em 2012, tendo em 2014 seguiram minimizar este problema,
razoável presença de cooperantes publicado um belíssimo catálogo. também os timorenses terão que o
portugueses, em diversas áreas. O As praias timorenses que visitá- fazer, apesar de em muitas praias
país é pequeno mas as distâncias não mos situam-se nas cidades de Díli, não haver registo da sua presença.
se medem por quilómetros mas sim Baucau e Liquiçá. Extensos areais, a Baucau é a segunda cidade de
por horas de caminho, pois as infra- maioria quase virgens, desertos e Timor, situando-se a duas horas de
estruturas ainda necessitam de mui- tranquilos paraísos, areias brancas, distância de Díli, utilizando uma
tos melhoramentos, apesar de, segun- mar sereno, palmeiras tropicais e moderna estrada alcatroada. A anti-
do dizem, o país ter feito grandes ga pousada portuguesa é um aloja-
progressos nos últimos 20 anos. mento e restaurante de referência.
Nota-se a presença portuguesa, As praias são maravilhosas. As pes-
chinesa, australiana e indonésia mas, soas também.
em Díli, são vários os restaurantes Liquiçá Æca a trinta minutos de
que oferecem comida tradicional Díli, de automóvel, tendo alguns qui-
portuguesa, existindo até um rele- lómetros de auto-estrada. Aqui é
vante supermercado recheado de possível passear numa das melhores
produtos oriundos de Portugal.
Em Timor, existem duas línguas Extensos areais, praias do país, que se estende por
uma baía esplendorosa. Praia quase
oÆciais, o português e o tétum, língua
crioula que resulta da mistura da lín- a maioria deserta, tranquila, mas onde existe
o resort Lauhata, que proporciona
gua malaia com a língua portuguesa,
sendo que muitas palavras de tétum quase virgens, alojamento e refeições de extraordi-
nária qualidade.
são bastante semelhantes aos vocá- Continuando para oeste, a 65km
bulos portugueses. desertos e da fronteira com a Indonésia, encon-
O Cemitério de Santa Cruz é um tra-se o Forte de Maubara, construí-
local emblemático de Díli, devido aos
trágicos acontecimentos ali ocorridos
tranquilos do pelos holandeses em 1756 mas
que passou para a posse dos portu-
em Novembro de 1991, cujas imagens
percorreram o mundo graças às Æl-
paraísos, areias gueses em 1859, que nesta data tro-
caram a ilha das Flores pela região
magens dos australianos Max Stahl e
Steve Cox. A concentração e a diver-
brancas, mar de Maubara e outras províncias,
então na posse dos holandeses. Os moliceiros de Aveiro, captados por
sidade de sepulturas e jazigos é sereno Pedro Mota Curto @filipeinportugal
Sábado, 3 de Junho de 2023 | FUGAS | 23

O gato das botas

Às vezes, só uma Coca-Cola gelada dá conta do recado


NURPHOTO VIA GETTY IMAGES

Miguel Esteves Cardoso

a É uma grande bebida, a


Coca-Cola. Já não bebia uma
Coca-Cola há 50 anos. Isto é, uma
Coca-Cola sem mais nada — sem
rum, mais concretamente.
Só dizer isto — que a Coca-Cola é
uma bebida deliciosa — é como
dizer que o imperador vai nu. É
tão obviamente deliciosa que as
pessoas acham que não vale a
pena dizê-lo, pela melhor e mais
rara das razões: porque toda a
gente sabe que é.
Falar da Coca-Cola não é falar
da Coca-Cola: é falar da snobice. A
snobice é contra as coisas óbvias,
contra as coisas acessíveis, contra
as coisas que não requerem
conhecimentos, depuração,
exclusividade.
Andy Warhol era um perpétuo
menino a apontar para a nudez do
imperador. A diferença é que ele
reparava na anatomia do
imperador. Era isso que estava ali.
Era isso que estava a desfilar.
A pergunta de Warhol, que
tanto se vê nos escritos como nas
pinturas, é: “Porque não se há-de
reparar naquilo que está à nossa
frente e à nossa volta? Porque Também nós estamos rodeados nem sequer eram imitações: eram não faz tanto mal como dizem. Se noz-de-cola, entre o Campari e o
não se há-de encontrar a beleza de coisas boas e bonitas em que tentativas de melhorá-la. O que é eu beber uma Coca-Cola por dia, quinino. Mas que não é nenhuma
onde ela está e não onde deveria não reparamos, porque parecem que isso interessa? o mal será equivalente a meio dessas coisas, excepto por
estar ou talvez esteja se formos enterradas nas nossas paisagens Em Portugal, esse pinguinho de chupa-chupa. evocação delas, em desespero, à
para lá?” quotidianas, apesar de estarem terra, também era muito boa uma De resto, os produtores da procura de situar aquele sabor
Vale a pena citar Warhol, do bem à vista. imitação nada parecida com a Coca-Cola são espertos: a versão misterioso.
livro The Philosophy of Andy Para além de deliciosa, a Coca-Cola que produzia a sem cafeína e sem açúcar (mas A segunda melhor maneira de
Warhol: From A to B and Back Coca-Cola é interessante. Por ser Schweppes, e outra, feita pela cheia de adoçantes) também é beber Coca-Cola é nos copos da
Again, que recomendo a quem simbólica (do imperialismo Canada Dry, chamada Spur Cola. uma delícia. Riedel feitas para beber
pensa conhecê-lo: “Podes estar a yankee, do poder da publicidade, Sou da geração que só provou Também se diz, com razão, que Coca-Cola. A melhor de todas é
ver televisão e ver a Coca-Cola, e dos malefícios do açúcar, etc.) tem Coca-Cola no estrangeiro. Por a Coca-Cola morna numa caneca quase impossível, graças à
sabes que o Presidente bebe muitos inimigos. Há quem goste não haver em Portugal, o de barro, sem ajudas nenhumas inÆdelidade da Coca-Cola à
Coca-Cola, a Elizabeth Taylor bebe de beber Coca-Cola mas odeie o apetecimento era lunático e isso do vidro, de gelo ou de limão, é própria Coca-Cola: é nas garrafas
Coca-Cola, e pensas, eh pá, eu que representa. Isso é muito pode ter contribuído para exaltar uma tristeza. É verdade. Depende onduladas da Coca-Cola,
também posso beber Coca-Cola. interessante. as nossas papilas gustativas. Mas quase inteiramente, pequenas e geladas, onde se pode
Uma Coca-Cola é uma Coca-Cola e A Coca-Cola é água com açúcar só um bocadinho. Porque a escandalosamente, do que nós enÆar um oitavo de lima ou, como
não há fortuna capaz de comprar mais os tais aromatizantes que novidade já passou há muito acrescentamos. eu preÆro, de limão.
uma Coca-Cola melhor do que ninguém consegue copiar, a não tempo e porque Portugal não é o Mas, mesmo morna, está lá Têm de ser pequenas e geladas
aquela que está a beber o ser a Pepsi, cuja cola também é único país do mundo onde há qualquer coisa, um sabor porque o melhor golo de
vagabundo da esquina. Todas as muito boa. muita gente a gostar de diferente de todos os outros Coca-Cola, como o da cerveja, é o
Coca-Colas são iguais e todas as Aqui tenho de parar para Coca-Cola. refrigerantes, entre a primeiro. Depois, vai perdendo
Coca-Colas são boas. A Elizabeth desfazer mais uma snobice. Não é A Coca-Cola, sendo água noz-moscada e o cardamomo, rapidamente a graça: a
Taylor sabe isso, o Presidente sabe por não conseguirem igualar o açucarada que pouco mais custa a entre o caramelo e o capilé, entre concentração, o gás e a novidade.
isso, o vagabundo sabe isso, e tu sabor da Coca-Cola que as produzir do que água da torneira, o chá e o café, entre o sal e a O ideal é beber uma Coca-Cola
também sabes isso.” “imitações” são más. Se calhar, não pode fazer bem, mas também pimenta, entre o cacau e a todos os anos.

FUGAS N.º 1189 FICHA TÉCNICA Foto da capa: Daniel Rocha Direcção Manuel Carvalho Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Joana Lima e José Soares
Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Rua de Júlio Dinis, n.º270, Bloco A, 3.º, 2, 4050-318 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@publico.pt. www.publico.pt/fugas

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