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Situação da língua portuguesa no mundo contemporâneo

Dante Lucchesi
1. As línguas mais faladas no mundo
O português encontra-se, atualmente, entre as seis línguas mais faladas no mundo, como
se pode ver na tabela abaixo.
AS LÍNGUAS MAIS FALADAS NO MUNDO
(fonte: Wikipedia)
Lugar Idioma Família Estatuto oficial Número de
falantes
1° Mandarim Sino-tibetana Língua oficial em: República Popular 1,3 bilhões de
da China, Taiwan e Singapura. nativos
[1]
2° Inglês Indo- Língua oficial em : África do Sul, 375 milhões de
europeia, Antígua e Barbuda, Austrália, nativos + mais de
Germânica Bahamas, Barbados, Belize, 1 bilhão como
Ocidental Botswana, Brunei, Camarões, Canadá segunda língua
(com exceção de Quebec), Dominica,
Filipinas, Gâmbia, Gana, Granada,
Guiana, Ilhas Fiji, Ilhas Marshall,
Ilhas Salomão, Índia, República da
Irlanda, Jamaica, Kiribati, Lesoto,
Libéria, Malawi, Maldivas, Malta,
Maurícia, Micronésia, Namíbia,
Nauru, Nigéria, Nova Zelândia,
Palau, Papua-Nova Guiné, Paquistão,
Reino Unido (e em todos os
territórios britânicos e dependências
da Coroa Britânica), Samoa, Santa
Lúcia, São Cristóvão e Nevis, São
Vicente e Granadinas, Serra Leoa,
Estados Unidos da América ,
Seychelles, Singapura, Suazilândia,
Tanzânia, Tonga, Trinidad e Tobago,
Tuvalu, Uganda, Vanuatu, Zâmbia,
Zimbabué, embora na maioria desses
lugares seja meramente segunda
língua.
3° Espanhol Indo- Língua oficial em: Argentina, 320 milhões de
europeia, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, nativos + 30
Itálica, Cuba, Dominica, El Salvador, milhões como
Românica Equador, Espanha, Estados Unidos língua estrangeira
da América (no Novo México), = 350 milhões no
Guatemala, Guiné Equatorial, total
Honduras, México, Nicarágua,
Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico,
Uruguai e Venezuela.

1
4º Hindi Indo- Língua oficial na Índia, além de ser 422 milhões de
europeia, usada como língua franca pelos nativos + 300
Indo-ariana hindus em todo o mundo. milhões como
segunda língua
5° Árabe Afro-asiática, Língua oficial em: Arábia Saudita, 280 milhões de
Semíticas Argélia, Bahrain, Comoros, Chade, nativos + 200
Djibuti, Egito, Emirados Árabes milhões como
Unidos, Eritreia, Iémen, Iraque, segunda língua =
Israel, Jordânia, Kuwait Líbano, 480 milhões no
Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, total.
Qatar, Síria, Somália, Sudão, Tunísia.
6° Português Indo- Língua oficial em: Angola, Brasil, 249 milhões de
europeia, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné nativos + 20
Itálica, Equatorial, Moçambique, Portugal, milhões como
Românica São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e segunda língua =
na R.A.E. de Macau. 269 milhões no
total.
7° Bengali Indo- Língua oficial em: Bangladesh, Índia 171 milhões de
europeia, (Bengala Ocidental, Tripura). nativos +
Indo-ariana contando 14
milhões de
Chittagonian +
10,3 milhões de
Sylheti = 195,3
milhões no total
8° Russo Indo- Língua oficial na: Abecásia, 170 milhões de
europeia, Bielorrússia, Cazaquistão, nativos + 110
Eslava Quirguistão, Rússia, Transnístria milhões como
Oriental segunda língua =
280 milhões no
total
9° Japonês Altaica Língua oficial no: Japão e Palau 125 milhões de
(controverso), (Angaur). nativos
Japônica
10° Francês Indo- Língua nacional ou oficial na: 110 milhões de
europeia, Bélgica (Bruxelas e Valônia), Benim, nativos + 190
Itálica, Burkina Faso, Burundi, Camarões, milhões como
Românica Canadá (nacionalmente e em New segunda língua +
Brunswick, Quebec, e territórios 200 milhões como
externos), Chade, Comoros, Congo, lingua estranheira
Costa do Marfim, Djibuti, Estados = 500 milhões no
Unidos da América (Luisiana), total
Vanuatu, França (incluindo territórios
externos), Gabão, Guiné, Guiné
Equatorial, Haiti, Índia (distritos de
Karaikal e Pondicherry), Itália (Vale
de Aosta), Líbano, Luxemburgo,
Madagáscar, Mali, Martinica,
Maurícia, Mônaco, Níger, Reino
Unido (Guernsey, Jersey), República

2
Centro-Africana, Ruanda, Senegal,
Seychelles, Suíça (Berna, Cantão de
Friburgo, Cantão de Genebra, Jura,
Neuchâtel, Valais, Vaud), Togo.

11° Alemão Indo- Língua oficial na: Alemanha, Áustria, 110 milhões de
europeia, Bélgica (Cantão Ocidental), Itália nativos (105
Germânica (Tirol Meridional), Liechtenstein, milhões de alemão
Ocidental Luxemburgo, Suíça (Aargau, padrão, 5 milhões
Appenzell Exterior, Appenzell de alemão suíço,
Interior, Basiléia-Campo, Basiléia- 60 milhões como
Cidade, Berna, Friburgo, Glarus, segunda língua =
Lucerna, São Galo, Schaffhausen, 170 milhões no
Schwyz, Soleura, Zug, Zurique, total
Grisões, Nidwald, Obwalden,
Thurgau, Uri, Valais).

12° Bhojpuri Indo- Língua oficial na: Índia, Nepal. 126 milhões de
européia, nativos
Indo-ariana
(incluido no
Hindi)

Na tabela acima, predominam as línguas da família indo-europeia, são nove entre as doze
mais faladas no mundo. Isso se deve, em boa parte, a expansão colonial dos povos europeus a
partir do século XVI. Os fatores sócio-econômico e político devem ser considerados também na
análise da distribuição das línguas no mundo. Nesse sentido, o inglês se destaca atualmente como
língua da globalização, com um bilhão de indivíduos que o falam como segunda língua. O fato de
ser falado como segunda língua, ou como língua estrangeira, amplia também o espectro de
influência de idiomas como o alemão e o francês, em um espaço mais amplo do planeta, e do
árabe, do russo e do híndi, em um espaço mais restrito. Já o mandarim e o bengali não têm
influência para além do universo de seus falantes nativos. E a influência atual dos idiomas da
península ibérica (português e espanhol) é pequena, fora dos limites do universo de seus falantes
nativos. Isso reflete o pequeno peso econômico e político, na atualidade, dos países que têm essas
línguas como língua oficial. Portanto, como se pode ver, a distribuição de uma língua no mundo
nada mais é do que o reflexo da história dos povos que falam essas línguas, estando diretamente
ligada às relações econômicas e políticas que se estabelecem entre os povos. Esses são os
parâmetros que devem ser levados em conta para compreender a distribuição atual da língua
portuguesa no mundo.

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2. Distribuição atual da língua portuguesa no mundo
Atualmente, o português é a língua oficial dos seguintes países: Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-
Leste e na Região Administrativa Especial de Macau, que integra atualmente a República Popular
da China. Porém, a língua portuguesa só é majoritária em Portugal e no Brasil, tendo se formado
uma variedade distinta da língua em cada um desses dois países: o português europeu e o
português brasileiro. Em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe, a maioria da população tem
como língua materna uma língua crioula de base lexical portuguesa. Em Angola e em
Moçambique, a maioria da população fala dezenas de línguas nativas africanas, em sua maioria
da família linguística banto. Na Guiné-Bissau, além das línguas africanas, um crioulo de base
lexical portuguesa (muito semelhante ao caboverdiano) é falado como língua veicular, sobretudo
nas cidades. Em Timor Leste, apenas dez por cento da população domina o português, que
convive com o inglês e o tétum, língua nativa majoritária entre as dezesseis línguas locais. Em
Macau, somente cerca de três por cento da população fala o português, o restante tem como
língua materna o cantonês (variedade local do chinês),e o inglês é muito usado como segundo
língua, pela proximidade com Hong Kong. Na Índia e no sudeste asiático, ainda existem
pequenas comunidades de falantes de português ou de crioulos portugueses, que já
desapareceram ou tendem a desaparecer. E no Caribe, algumas das línguas crioulas atuais, como
o papiamento, falado na Ilha de Curaçao, têm em seu léxico um número razoável de palavras de
origem portuguesa.
No mapa abaixo, estão assinalados os países de língua oficial portuguesa e a Região
Administrativa de Macau, que formam o mundo lusófono.

Figura 1: países de língua oficial portuguesa (fonte: Wikipedia)

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3. Resumo histórico da expansão da língua portuguesa no mundo
A língua portuguesa se formou na região que corresponde hoje ao território da Galícia, na
Espanha, e no norte do atual território de Portugal. Esse idioma galego-português foi levado para
o sul, no processo de reconquista empreendido pelos cristãos contra os árabes que ocupavam na
época a península ibérica, distribuindo-se, ao longo do século XIII, por todo o espaço que hoje
corresponde ao território de Portugal. Entre os séculos XIII e XIV, uma diferenciação interna deu
origem a duas unidades linguísticas distintas: o galego e o português, com o galego restrito à
região da Galícia, que não se integrou ao Reino de Portugal, ficando subordinada ao Reino da
Espanha.
A partir do século XV, com o ciclo das navegações e a expansão colonial de Portugal, o
português é levado inicialmente para a Ilha da Madeira e para o Arquipélago dos Açores, e depois
para a costa ocidental da África. No século XVI, inicia-se a colonização do Brasil, e Portugal
estabelece uma série de entrepostos comerciais na costa da Índia, no sudeste asiático, no extremo
oriente e na Oceania. Em grande medida, a situação atual da língua portuguesa em cada um dos
países lusófonos reflete o tipo de colonização empreendida por Portugal em cada uma dessas
regiões.
Para além de Portugal, a língua portuguesa só é majoritária no Brasil, cujo processo de
colonização, iniciado efetivamente em 1532, se caracterizou pelo deslocamento maciço de
colonos portugueses, sobretudo a partir do século XVIII, com a descoberta do ouro e pedras
preciosas na região de Minas Gerais. A transplantação da língua portuguesa para o Brasil contou
com a importante participação dos escravos trazidos do continente africano e dos seus
descendentes, porque tanto uns quanto os outros eram obrigados a abandonar suas línguas
ancestrais e forçados a adquirir e usar a língua portuguesa. E, desde meados do século XVII,
representaram mais da metade da população do Brasil. O extermínio das populações indígenas
autóctones também contribuiu para a difusão da língua portuguesa, restringindo fortemente o
multilinguismo no Brasil. O fato de quase dois terços da população brasileira (formados por índio
e afro-descendentes) não serem descendentes diretos de falantes nativos do português pode
explicar grande parte das mudanças que determinaram o desenvolvimento particular da língua
portuguesa no Brasil, não obstante o fato de a variedade da língua portuguesa falada pelas elites
brasileiras ter sido sempre muito influenciada pelos padrões linguísticos da metrópole portuguesa.
Esses fatores sócio-históricos foram determinantes para a formação no Brasil de uma variedade
da língua portuguesa distinta da falada em Portugal. Porém, como ainda se mantém no Brasil uma
normatização linguística calcada nos modelos linguísticos do português europeu, que integra um
projeto político-ideológico elitista e excludente das classes dominantes no país, generalizou-se
5
entre os brasileiros um forte sentimento de insegurança linguística que se traduz nos mitos de que
“o brasileiro não sabe falar português” ou que “a língua portuguesa é muito difícil”.
Por outro lado, deve-se buscar na complexidade da sociedade brasileira e no alto grau de
mestiçagem que a caracteriza, as razões para o português não se ter crioulizado de forma
representativa e duradoura no Brasil, apesar de o processo de colonização do país guardar muitas
semelhanças com a colonização dos países do Caribe, onde vicejaram muitas das línguas crioulas
hoje conhecidas no mundo e que resultam do contato massivo e radical de uma língua europeia
dos colonizadores com línguas africanas dos povos escravizados.
O arquipélago de Cabo Verde e as Ilhas de São Tomé e Príncipe eram desabitadas,
quando os portugueses lá chegaram, na primeira metade do século XVI. O seu povoamento foi
feito majoritariamente com escravos trazidos do continente e uma minoria de colonos
portugueses. Isso criou as condições para que variedades crioulizadas da língua portuguesa se
tornassem as línguas da maioria das populações dessas ilhas. No continente, em Angola e
Moçambique, a colonização portuguesa nunca foi massiva, nem houve o extermínio das
populações locais, em que pese a grande sangria produzida pelo tráfico negreiro, que subtraiu
dessas regiões boa parte da população, sobretudo de homens adultos. Dessa forma, o português só
foi adquirido por uma pequena parte da população, mais diretamente ligada à administração
colonial portuguesa, enquanto a maioria da população permaneceu falando as dezenas de línguas
autóctones, que em sua maioria pertencem à família banto. Já na Guiné-Bissau desenvolveu-se
também uma língua crioula de base lexical portuguesa, isso pode ser explicado pela estreita
relação que historicamente esse país sempre guardou com Cabo Verde, tanto que se postula que o
crioulo da Guiné-Bissau e o caboverdiano têm uma origem comum. Todos os países lusófonos da
África foram colônias de Portugal até o ano de 1975. Com isso, a variedade da língua portuguesa
falada nesses países aproxima-se bastante da variedade falada em Portugal, inclusive na prosódia,
não obstante possam exibir características derivadas do contato entre línguas, algumas delas
inclusive análogas às que se observam na língua popular do Brasil, como a variação no uso das
regras de concordância nominal e verbal.
Na sequência da Revolução dos Cravos, ocorrida em 1974, Portugal abandonou o
território de Timor Leste. Disso, se aproveitou a Indonésia, que invadiu e ocupou o país em 1975,
dando início a um violento processo de repressão enfrentado por um movimento tenaz de
resistência popular que conquistou a independência política, em 2002. A língua portuguesa
assumiu um papel importante no movimento pela independência, que contou sempre com o apoio
de Portugal. Por conta disso, Timor Leste aderiu ao mundo lusófono, com a independência
política, tornando a língua portuguesa língua oficial, mesmo sendo ela falada por uma pequena
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parcela de sua população, que fala aproximadamente trinta línguas nativas. Macau foi território
português até 1999, quando foi devolvido à China. Apesar de ser a língua da administração, o
português nunca foi adquirido pela população, que fala majoritariamente o cantonês. Até como
segunda língua, o português é suplantado pelo inglês em função da proximidade com Hong
Kong.
Portanto, a situação atual da língua portuguesa em cada continente reflete as
especificidades do processo histórico de expansão da língua portuguesa em cada região. No
continente americano, ocorreu a transplantação plena da língua portuguesa para o Brasil, em
função de uma colonização massiva e do extermínio das populações autóctones. Na África,
observam-se duas situações distintas. As ilhas desabitadas foram povoadas majoritariamente com
escravos trazidos do continente e poucos colonizadores portugueses, criando as condições para a
ampla crioulização do português. No continente, também não houve colonização massiva, nem o
extermínio das populações locais, conservando-se assim as línguas nativas da população. Porém,
como Portugal manteve uma relação colonial com esses países até 1975, o português se impôs
como língua oficial, mesmo após a independência, numa relação de diglossia com as línguas
locais 1. Na Ásia e na Oceania, o projeto colonial português teve como objetivo estratégico
estabelecer entrepostos comerciais que viabilizassem relações mercantilistas, e a presença de
Portugal, na região, decaiu rapidamente a partir do século XVII, sendo suplantada por outras
potenciais coloniais, como a Holanda, a Inglaterra e a França 2. Por isso, a presença da língua
portuguesa hoje na região é apenas residual.

4. Situação linguística atual de cada país de língua oficial portuguesa


Com pouco mais de dez milhões de habitantes, Portugal é um dos países da Europa com
maior homogeneidade linguística, pois praticamente a totalidade de sua população nativa tem o
português, em sua variante europeia, como língua materna. A única exceção é uma reduzida
comunidade de falantes do mirandês (língua românica), situada no Concelho de Miranda do

1
O termo diglossia refere-se a uma situação de bilinguismo assimétrico, em que uma língua é usada no espaço
institucional, dos documentos oficiais, meios de comunicação de massa e ensino, enquanto outra(s) língua(s) é(são)
usada(s) no espaço doméstico do universo familiar e das relações intra-comunitárias. Em Angola e Moçambique, o
português matém uma relação de diglossia com as línguas africanas locais. Em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe,
essa relação se estabelece com as línguas crioulas. Dessa forma, a situação de diglossia se distingue da situação de
bilinguismo pleno, que existe, por exemplo, na Galícia, onde o galego é usado, tanto no espaço doméstico, quanto no
plano institucional, em pé de igualdade, pelo menos formal, com o castelhano, língua oficial de toda a Espanha.
2
Cf. Noll (2008, p. 37): “A perda da soberania nacional de Portugal na união com a Espanha (1580-1640) significou
a derrocada do reino colonial português na Ásia. (...) Isso significou o fim da difusão do português na Ásia, embora
ali a importância da língua tivesse permanencido initerrupta até o século XVIII”.

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Douro e em três aldeias do Concelho de Vimioso. As variedades do português europeu faladas na
Ilha da Madeira e no Arquipélago dos Açores exibem variações dialetais significativas em função
de seu isolamento geográfico. Além disso, têm um peso demográfico importante as comunidades
de emigrantes portugueses na França, em Luxemburgo e nos Estados Unidos. E, nas últimas
décadas, o panorama linguístico de Portugal tem-se enriquecido com a formação de comunidades
de imigrantes, com destaque para os brasileiros, os caboverdianos e alguns povos do leste
europeu, particularmente os ucranianos. Por outro lado, deve-se registrar que, com a
independência das colônias em 1975, cerca de um milhão de portugueses e seus descendentes
retornaram para Portugal, muitas vezes em situações precárias, criando a figura do “retornado”.
Esse contingente acabou por se reintegrar à sociedade portuguesa, mas não foram feitos estudos
que visassem a mensurar o impacto desse processo no cenário sociolinguístico de Portugal. Por
fim, o sistema de ensino do país tem atuado no sentido de dotar os cidadãos de proficiência em
pelo menos uma língua estrangeira. Esse processo tem sido bastante impulsionado pela
integração de Portugal na Comunidade Econômica Europeia.
A variante europeia da língua portuguesa passou por significativas mudanças entre os
séculos XVIII e XIX, com destaque para um violento processo de redução das vogais átonas,
conferindo ao português europeu feições peculiares no universo da línguas românicas. Contudo,
em face da tradição, a variante europeia tem sido a base para a normatização linguística, tanto no
Brasil, quanto nos demais países de língua oficial portuguesa. Porém, não apenas por razões
demográficas, mas também pela crescente importância do Brasil no mundo no plano político e
econômico, a variante brasileira do português tem sido mais difundida que a portuguesa.
Contribui para isso a posição destacada do Brasil em alguns esportes, particularmente o futebol, e
principalmente a grande repercussão que a música popular brasileira tem no mundo.
O Brasil também se destaca por sua homogeneidade linguística, pois cerca de 98% da sua
população tem apenas o português, em sua variante brasileira, como língua materna. Dessa
forma, o Brasil é o país que concentra a grande maioria dos falantes nativos de português no
mundo: um pouco mais de 190 milhões, em um universo de, no máximo, 210 milhões de falantes
nativos. Porém, linguistas, como Rosa Virgínia Mattos e Silva, têm chamado a atenção para o
multilinguismo localizado que existe no Brasil, já que cerca de 180 línguas indígenas autóctones
das famílias tupi-guarani e macro-gê ainda são faladas por uma população aproximada de 400 mil
indivíduos, em sua maioria bilíngues, dominando a sua língua nativa e o português popular
brasileiro. A grande maioria das línguas indígenas brasileiras corre sério risco de extinção,
contando muitas delas atualmente com apenas algumas poucas dezenas de falantes idosos. Além
disso, na maior parte das comunidades indígenas, as crianças adquirem apenas o português como
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língua materna, deixando de adquirir a língua nativa dos seus pais. Essa situação, tem sido
revertida nos últimos anos por ações governamentais e comunitárias de educação indígena e de
valorização da cultura desses povos.
Se as línguas indígenas brasileiras se concentram na região norte e centro-oeste, as demais
comunidades de aloglotas do Brasil se concentram nas regiões sul e sudeste. Trata-se das
comunidades dos mais de três milhões de imigrantes que vieram para o Brasil, entre a segunda
metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, com destaque para os italianos,
japoneses, alemães, ucranianos, poloneses, pomeranos e galegos, além dos portugueses, que
continuaram migrando massivamente para o Brasil, depois da independência, particularmente
para o Rio de Janeiro. Mais recentemente, o Brasil passou a receber também chineses, coreanos e
falantes de variedades sulamericanas do espanhol, tais como bolivianos e paraguaios (nesse
último caso, podendo ser bilíngues em guarani e espanhol). A conservação dessas línguas entre os
descendentes dos imigrantes é bastante variável e pouco conhecida.
Por fim, deve-se destacar que a grande homogeneidade linguística do Brasil é o resultado
de séculos de violenta repressão linguística e cultural. Estima-se que em 1500 eram faladas no
território brasileiro mais de mil línguas indígenas, cuja maioria desapareceu já nos primeiros
séculos de colonização, devido ao violento extermínio de povos indígenas nesse período. Daí por
diante, a sujeição, a violência e os trabalhos forçados continuaram o genocídio, que teve como
contraparte o glotocídio de quase 90% por cento das línguas indígenas faladas no Brasil. Entre
meados do século XVI e meados do século XIX, foram trazidos para o Brasil como escravos
aproximadamente quatro milhões de africanos que falavam cerca de duzentas línguas diferentes,
com a predominância do quimbundo, quicongo e umbundo, da família banto, e do iorubá, ewê e
fon, da família linguística kwa. A violência a que esses indivíduos e seus descendentes foram
submetidos, no abominável contexto da escravidão, levou a que nenhuma dessas línguas se
conservasse no Brasil. Já no século XX, a ideologia de segurança nacional justificou ações
repressivas sobre as comunidades de imigrantes italianos, alemães e japoneses, particularmente
durante o período da Segunda Grande Guerra, que incluíam a obrigatoriedade do ensino apenas
em língua portuguesa e até mesmo a proibição do uso das línguas nativas dessas comunidades. Só
nos últimos anos, essa ideologia que vê a diversidade linguística como uma ameaça à unidade
nacional vem perdendo terreno, com crescimento na sociedade de uma consciência de respeito à
diferença, em todos os planos da cultura. No bojo desse movimento, algumas ações de política
linguística vêm sendo implementadas, com destaque para o que aconteceu no município de São
Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas, onde duas línguas indígenas, o nhengatu e o
tucano, foram alçadas à condição de língua oficial do município, ao lado do português. E um
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movimento semelhante, em dois municípios do Estado do Espírito Santo, busca fazer o mesmo
com o pomerano ocidental, língua falada por imigrantes que vieram de uma região entre a
Alemenha e a Polônia.
Por outro lado, só uma pequena parcela da população brasileira domina alguma língua
estrangeira como segunda língua (na maioria dos casos, o inglês), em função das deficiências do
sistema de educação no país. Entretanto, desde a década de 1980, o vetor da migração tem-se
invertido, com um número crescente de brasileiros que vão buscar melhores oportunidades de
trabalho no exterior, dando ensejo à formação de comunidades linguísticas de falantes do
português brasileiro, em outros países, particularmente, nos Estados Unidos e em Portugal.
Os dados e estatísticas relativos ao continente africano atualmente disponíveis são sempre
aproximativos e variam muito, consoante a fonte consultada, em função dos graves problemas
sociais que assolam esse continente, em decorrência de séculos de colonialismo predatório. No
que concerne à presença do português nos países de língua oficial portuguesa (designados pela
sigla PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), deve-se ter em conta um espectro
muito amplo de grau de proficiência, que vai desde falantes monolíngues em português até
falantes de outras línguas que têm um domínio restrito do português como segunda língua.
Falantes monolíngues em português nos PALOP são uma minoria, que não deve alcançar três por
cento da população local. Na maioria dos casos, trata-se de portugueses ou descendentes diretos
de portugueses que permaneceram nas ex-colônias após a independência, ou de membros da alta
elite local, mais cosmopolita. A situação mais comum é a do bilinguismo, entre o português e
uma língua africana ou crioula, a depender do país que se considere. No plano espacial, a
presença do português, como era de se esperar, é bem maior nas cidades do que nas áreas rurais.
No plano da variação estilística e das modalidades de uso da língua, a norma de referência
linguística é o português europeu. Não se pode falar assim em uma variante nacional distinta do
português na África, como existe no Brasil. Porém, não deixam de ocorrer interferências
derivadas do contato linguístico, mesmo nas versões nativizadas do português (quando se observa
o universo de falantes dos segmentos populares), e obviamente nas versões de português
adquirido como segunda língua. Muitas dessas interferências encontram um paralelo notável com
o que se observa nas variedades populares do português brasileiro hoje.
Angola é o maior e mais rico dos PALOP, sendo o segundo maior produtor de petróleo e
exportador de diamantes da África Subsaariana. A interferência das potencias imperialistas,
interessadas nas riquezas do país, desencadeou, após a independência, uma violenta guerra civil
que só chegou ao fim em 2002, com graves consequências no plano econômico e social e uma
grande desarticulação do estado, cuja influência é pouco sentida em boa parte do território
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nacional. As estimativas sobre a sua população variam de dez a dezesseis milhões de habitantes.
A grande maioria da população é falante nativa de uma das quarenta línguas africanas, que se
estima serem faladas em território angolano. A grande maioria pertence à família banto, com
destaque para o umbundo (ou ovimbundo), com quatro milhões de falantes; o quimbundo, com
três milhões; e o quicongo, com um milhão 3. As estimativas da parcela da população que domina
o português como segundo língua varia entre 30 e 60%, sendo certamente muito maior em
Luanda (capital do país, que concentra pelo menos um sexto da população do país) e nas demais
cidades do que na zona rural. O analfabetismo atinge cerca de um terço da população.
Moçambique é o mais populoso dos PALOP, com uma população total na ordem 20
milhões de habitantes, dos quais um milhão e duzentos mil vivem na capital, Maputo; com o total
da população urbana correspondendo a quarenta por cento da população do país. Moçambique
também sofreu com uma violenta guerra civil que se estendeu de 1976 a 1992, sendo hoje um dos
países mais pobres do mundo. O português é língua materna de apenas seis por cento da
população, número que se eleva a um quarto da população em Maputo. Já o total de
moçambicanos que dominariam o português como segunda língua é estimado em quarenta por
cento, número que pode dobrar em Maputo. Por outro lado, são faladas no pais 43 línguas
nativas, todas da família banto, com destaque para: makhuwa (três milhões de falantes), tsonga
(um milhão e setecentos mil falantes), lomwe (um milhão e meio de falantes), ndau (um milhão e
meio de falantes), chopi (setecentos e sessenta mil falantes), tsena (um milhão e trezentos e
quarenta mil falantes), tswa (um milhão e duzentos mil falantes), chuwabu (novecentos e
cinquenta mil falantes), nyanja (seiscentos mil falantes) 4. E o analfabetismo atinge mais da
metade da população.
A Guiné-Bissau talvez seja o país dos PALOP que se encontra atualmente em uma
situação mais crítica. A sua economia é baseada na pesca e na agricultura, cujo principal produto
para a exportação é a castanha de caju. A situação sócio-econômica do país se deteriorou muito a
partir de 1998, com o início de uma guerra entre facções apoiadas pelo Senegal e a junta militar
que controlava o país. A sua população é estimada entre um milhão e um milhão e meio de
habitantes, sendo que aproximadamente quarenta por cento do total vive na capital, Bissau. O
analfabetismo atinge quase sessenta por cento da população, sendo o país em que a presença da
língua portuguesa é a mais fraca, com pouco mais de dez por cento dominado o português. Com
isso, o papel de língua veicular é desempenhado, sobretudo nas cidades, pelo crioulo, que é
falado por algo entre quarenta e sessenta por cento da população. São ainda faladas no país, vinte

3
Fonte: LEWIS, Paul. Ethnologue. 16 ed. Texas: SIL International.
4
Fonte: LEWIS, Paul. Ethnologue. 16 ed. Texas: SIL International.

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e duas línguas africanas, com destaque para: balanta (quatrocentos mil falantes), fula (duzentos e
sessenta e cinco mil falantes), manjaco (cento e oitenta e quatro mil falantes), mandiga (cento e
sessenta e sete mil falantes) e papel (cento e quarenta mil falantes) 5.
O arquipélago de Cabo Verde é formado por dez ilhas. Sua população gira em torno de
quatrocentas mil pessoas. Os recursos naturais são muito escassos e o país sofre muito com as
secas. Com isso, a emigração é massiva, podendo-se mesmo falar em uma diáspora caboverdiana,
pois estima-se que existam mais caboverdianos vivendo fora do país do que os que moram no
arquipélago; particularmente nos Estados Unidos (duzentos e cinquenta mil) e em Portugal (cem
mil). Com isso, a economia local depende muito das divisas que são remetidos por esses
emigrantes e da ajuda econômica que Portugal tem dado ao país nos últimos anos. Entretanto, o
investimento no setor de serviços e uma razoável estabilidade política faz com que os índices de
desenvolvimento humano possam ser considerados razoáveis, em face do PIB per capita do país.
A taxa de analfabetismo é de apenas trinta por cento, e oitenta por cento da população domina o
português. O crioulo caboverdiano, em suas duas grandes variedades dialetais, o sotavento e o
barlavento, é a língua nativa de quase a totalidade da população.
O cenário sociolinguístico de São Tomé e Príncipe é bem parecido com o de Cabo
Verde. A taxa de analfabetismo é ainda menor (20%), e o proficiência em português está no
mesmo patamar (80%). A grande maioria da população fala uma das três línguas crioulas que se
formaram no país: o santomense, ou forro, e o angolar, na Ilha de São Tomé; e o principense, ou
lunguié (lit. ‘língua da ilha’), na Ilha do Príncipe. A população de aproximadamente 190 mil
habitantes se concentra na Ilha de São Tomé, onde são largamente majoritários os falantes do
forro. A ilha do príncipe é muito menor e sua população é de apenas dez mil habitantes. O
principense tem apenas dois mil falantes e corre sério risco de desaparecimento. No plano
econômico, os recursos naturais, em São Tomé e Príncipe, ao contrário do que acontece em Cabo
verde, são muito mais abundantes. Com isso, o país tem recebido imigrantes de outros países da
África, com destaque para o caboverdianos e para os chamados tongas, descendentes de
trabalhadores recrutados no continente para trabalhar nas grandes plantações de café e cacau de
São Tomé, entre o final do século XIX e início do século XX. Os tongas falam uma variedade de
português alterado pelo contato linguístico que guarda significativas semelhanças com o que se
observa com o português popular do interior do Brasil.
A república de Timor Leste ocupa a menor e a mais oriental das ilhas do arquipélago
malaio, situada a cerca de 550 km ao Norte da Austrália. Sua capital, Díli, situa-se na costa norte,

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Fonte: LEWIS, Paul. Ethnologue. 16 ed. Texas: SIL International.

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e a população do país é estimada em torno de um milhão de habitantes, quarenta por cento dos
quais em situação de analfabetismo. No país são faladas dezesseis línguas nativas, com
predominância do tétum. Esta última e o português gozam da condição de línguas oficiais, mas
convivem com o inglês e o bahasa indonésio, como “línguas de trabalho”, conforme as provisões
transicionais da Constituição do país. Estima-se que apenas quinze por cento da população
domine o português, mas ações cooperativas dos governos português e brasileiro, sobretudo na
área da educação, têm contribuído para a difusão da língua portuguesa no país.

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