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UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL

COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I

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UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIA, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE
UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL COM A ÁFRICA E TIMOR-
LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E CEARÁ – VOLUME 1
© 2021 Copyright by Artemisa Odila Candé Monteiro; Ivan Costa Lima (Orgs)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva – CRB 1051

Unilab 10 anos: Experiência, desafios e perspectivas de uma Universi-


dade Internacional com a África e Timor-Leste no interior da Bahia e Cea- rá
– v.1 [recurso eletrônico] / Artemisa Odila Candé Monteiro; Ivan Costa Lima
(orgs). – Fortaleza: Imprece, 2021.
351p.: il. 14 cm x 21 cm.
E-book
Incluem: gráficos, tabelas, imagens, fotos.
ISBN: 978-65-87212-49-4
1. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasi-
leira - História. 2. Ensino Superior- Ceará. 3. Ensino Superior - Bahia. 4.
Ensino Superior – África. 5. Ensino Superior Timor-Leste. I. Título.

CDD. 378.8131
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COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I

A OCORRÊNCIA DO -R RETROFLEXO NA FALA


DE ESTUDANTES SANTOMENSES DA UNILAB

Cláudia Ramos Carioca¹²⁴


Marlene Arminda Quaresma José¹²⁵

Resumo
Este artigo objetiva analisar a ocorrência do -R retroflexo na fala de estudantes santomenses
da UNILAB com vistas a compreender como esse fenômeno interfere no processo de
intercompreen-são desses estudantes no Brasil, tanto no universo acadêmico como fora dele.
Para tanto, utiliza-mos o corpus linguístico disponibilizado pelo grupo de pesquisa PROFALA,
constituído mediante questionário metalinguístico aplicado em entrevistas feitas com vinte
santomenses com tempo de permanência no Brasil de até seis meses e mais de seis meses.
O trabalho é fruto do projeto de pesquisa “Análise descritiva dos aspectos semântico-
pragmáticos que prejudicam a intercompre-ensão dos alunos santomenses da UNILAB”
(Pibic/CNPq), contribuindo aos estudos de políticas linguísticas para a promoção da língua
portuguesa e, em particular, no âmbito da intercompre-ensão.

Palavras-chave: Intercompreensão; Língua Portuguesa; -R retroflexo; São Tomé e


Príncipe. Abstract
This article aims to analyze the occurrence of the -R retroflex in the speech of students from
Sao Tome and Principe at UNILAB in order to understand how this phenomenon interferes in
the pro-cess of intercomprehension of these students in Brazil, both in the academic universe
and outsi-de it. For this purpose, we used the linguistic corpus provided by the PROFALA
research group, constituted through a metalinguistic questionnaire applied in interviews with
twenty Santome-ans with time in Brazil of up to six months and more than six months. The
work is the result of the research project “Descriptive analysis of the semantic-pragmatic
aspects that hinder the inter-comprehension of São Toméans students at UNILAB” (Pibic /
CNPq), contributing to the study of linguistic policies for the promotion of the Portuguese
language and, in particular, in the scope of intercomprehension.

Keywords: Intercomprehension; Portuguese; -R retroflex; Sao Tome and Principe;

_____________________________
¹²⁴Professora Adjunta do Instituto de Linguagens e Literaturas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da
Univer-sidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. E-mail: claudiacarioca@unilab.edu.br.
¹²⁵Licenciada em Letras-Língua Portuguesa pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. E-mail:
mar-leneaqjose@gmail.com.

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INTRODUÇÃO

Ao completar 10 anos de existência, a Universidade da Integração Internacional da Lusofo-


nia Afro-Brasileira (UNILAB) continua cumprindo o objetivo de sua criação ao receber estudantes
oriundos dos países que fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP),
especialmente dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP’s) – Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e do Timor-Leste.
Assim, a UNILAB abriga um contexto linguístico plural e único dentro do território
brasilei-ro, pois a universidade apresenta em seu quadro discente 23% de estudantes
internacionais na graduação presencial (379 angolanos, 46 caboverdianos, 680 guineenses,
45 moçambicanos, 53 santomenses e 8 timorenses)¹²⁶ , o que nos possibilitou desenvolver
pesquisas no âmbito do fenô-meno da intercompreensão. Este artigo objetiva analisar a
ocorrência do -R retroflexo na fala de estudantes santomenses da UNILAB, com vistas a
compreender como esse fenômeno interfere no processo de intercompreensão desses
estudantes no Brasil, tanto no universo acadêmico como fora dele.
Para tanto, utilizamos o corpus linguístico disponibilizado pelo grupo de pesquisa
PROFA-LA, constituído mediante questionário metalinguístico aplicado em entrevistas
feitas com vinte santomenses com tempo de permanência no Brasil de até seis meses e
mais de seis meses. O tra-balho é fruto do projeto de pesquisa “Análise descritiva dos
aspectos semântico-pragmáticos que prejudicam a intercompreensão dos alunos
santomenses da UNILAB” (Pibic/CNPq), contribuindo aos estudos de políticas linguísticas
para a promoção da língua portuguesa e, em particular, no âmbito da intercompreensão.
São Tomé e Príncipe constitui um arquipélago formado pela Ilha de São Tomé e a Ilha
do Príncipe, equidistantes uma da outra por 250km e localizadas no Golfo da Guiné. O
território pos-sui uma área total de 1001km² e é decorrente de uma atividade vulcânica antiga
com relevo irre-gular e com cimeiras montanhosas que atingem 1.500¹²⁷ . Conforme pesquisa
do Banco Mundial, publicada em 2017, a população do país é de 204.33.000 habitantes.
São Tomé e Príncipe vivenciaram duas colonizações: a primeira se refere ao ciclo econô-mico
da cana-de-açúcar, de 1486 até 1505, período marcado pela exportação de escravizados e brancos a
serviço da coroa portuguesa (BRÁSIO, 1953 apud BANDEIRA, 2017, p. 115); a segunda colonização
se deu no final do século XVIII e primórdios do XIX, com o ciclo do café e do cacau, período que se
encaminhava para a abolição da escravatura, realizada em 1869, e pela formaliza-ção da condição
jurídica dos libertos (AGOSTINHO, 2018). De acordo com Nascimento (2000 apud GONÇALVES,
2016), esse fato culminou em um novo marco sociolinguístico, pois adentraram no país trabalhadores
de Cabo Verde, Angola, Moçambique, Benin e Gabão sob o regime de contrato.
Depois de ter permanecido colonizado durante cinco séculos, finalmente e com muitas lutas
engendradas pelos autóctones contra os brancos portugueses, resultando em mortes de cente-
nas de pessoas, o país tornou-se livre do domínio português em 12 de julho de 1975. A interação

_____________________________
¹²⁶Dados referentes a 16 de maio de 2020, conforme relatório da Diretoria de Registro e Controle Acadêmico da UNILAB.
¹²⁷Conferir no site do instituto nacional de estatística de São Tomé e Príncipe (www.ine.st).

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com outros povos e línguas permitiram a riqueza cultural e linguística presente nas ilhas
do levele-ve¹²⁸ . Estamos diante de um “país multilíngue em que as línguas autóctones,
bem como as outras línguas faladas no arquipélago constituem, ao lado do português, a
complexa ecologia linguística do país” (AGOSTINHO, 2015, p. 8).
O fluxo migratório resultante do processo de colonização portuguesa causou
diversidade de falares, o que nos faz comparar as ilhas a uma pequena Babel¹²⁹ . De
acordo com Nascimento e Rocha (2018)¹³⁰ , apesar de seu ambiente multilíngue, as ilhas
de São Tomé e Príncipe têm como língua oficial o português, que coabita com outras
línguas nacionais como o forro ou santomé, o lung'Ie ou principiense, o caboverdianu, o
angolar, o português variante de São Tomé, e o Fá d’Ambô.
Partindo desse pressuposto, pretendemos refletir sobre a ocorrência do -R retroflexo na
fala dos estudantes santomenses e de que forma tal fenômeno interfere no processo de
intercompre-ensão desses estudantes no Brasil, tanto no universo acadêmico como fora dele.

1 OBSERVAÇÃO DO FENÔMENO DA INTERCOMPREENSÃO

Metodologicamente, essa pesquisa se baseia na concepção sociointeracional da linguagem. Por


meio do método indutivo foram consideradas as seguintes etapas: 1) observação do fenô-meno
(intercompreensão); 2) descoberta dos fatores que prejudicam a eficiência do fenômeno; e 3) análise
dos fatores. Utilizamos em nossa análise o corpus linguístico disponibilizado no site do grupo de
pesquisa PROFALA, da Universidade Federal do Ceará, constituído de questionário metalinguístico
adaptado, pertencente ao Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALIB), aplicado em entrevistas feitas com
vinte informantes santomenses que vieram estudar na UNILAB, sendo dez do sexo feminino e dez do
sexo masculino, com tempo de permanência no Brasil de até seis meses e mais de seis meses,
respectivamente, com o devido termo de consentimento para a pesquisa.

2 PERFIL LINGUÍSTICO DOS ESTUDANTES SANTOMENSES DA UNILAB

Para auxiliar a nossa análise, esquematizamos nos gráficos abaixo o perfil linguístico
dos estudantes santomenses da UNILAB:

_____________________________
¹²⁸Leveleve é o termo utilizado em São Tomé e Príncipe que nos remete à cadência das ilhas, ao devagar, mas com cautela, à questão
de esperar por um futuro melhor e trabalhar para que aconteçam melhorias. ¹²⁹Referente à Torre de Babel, à confusão de línguas.

¹³⁰Conferir também em Ferraz (1979); Hagemeijer (2001, 2009) e Gonçalves (2016).

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Gráfico 1: O número de línguas faladas pelos informantes

Fonte: Elaboração própria.

Além da existência das línguas nacionais, os entrevistados têm contatos com o


Inglês e o Francês, quer em casa quer em ambiente escolar. O interessante é que os
jovens tendem a aderir a tais línguas em detrimento das línguas nacionais, como se
observa no trecho de uma entrevista a seguir:

(N.A.A.C)¹³¹
Doc. Certo e porque você não se interessou de aprender esse dialeto” não é importante”
Inf. Não se interessei tipo a gente já á repreendido a aprender o português
Doc. Ah sim vocês são repreendidos
Inf. Agora tamos tendo aula pra aprender a falar o dialeto mas só agora, trinta
anos depois da independência.

Nesse sentido, identificamos a questão do não incentivo à prática da língua nacional,


vista no período colonial como uma “língua de bicho”, cujo aprendizado atrapalharia a
fluência em por-tuguês. Nesse momento, a língua portuguesa era vista como um
mergulho necessário na civiliza-ção europeia. Também chama nossa atenção o não
entendimento dos entrevistados em relação aos conceitos técnicos de linguagem, visto
que se referem ao crioulo como um dialeto e não como uma língua. Ademais, fazem uma
confusão entre os conceitos de língua materna e língua oficial. Vejamos:

(J.B.F.C)
Doc. Você fala algum dia/ diale/ Você sabe algum dialeto”
Inf. sim sei o dialeto do meu país que é foro sei o de cabo verde que é o cabo-
verdiano sei falar tipo falar não no mínima sei escrever e traduzir mas falar não
inglês Frances russo, alemão e espanhol.
Doc. MAS a sua língua materna é o português né”
Inf. a minha língua oficia oficial.

_____________________________
¹³¹Código de identificação dos entrevistados

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Doc. e a materna”
Inf. a materna poderíamos dizer que é o foro mas é a (linha de pensamento) o foro só
é falado por pessoas tipo mais idosa idosas e por também pessoas que ficam
fora da cidade (...).

Nesse registro observamos alguns equívocos: para o entrevistado, o dialeto é o crioulo


forro ou santomé, quando, na realidade, o dialeto é o que denominaríamos “português dos
Tongas”, cujo legado contribuiu para o que hoje chamamos a variedade do português de São
Tomé e Prín-cipe (GONÇALVES; HAGEMEIJER, 2015). Além disso, o estudante entrevistado
considera que sua língua materna é o crioulo forro, porém, língua materna é a primeira língua
a qual temos contato na infância, isto é, a língua da comunidade em que estruturamos laços
afetivos que são determi-nantes para o envolvimento e o desenvolvimento cognitivo e social
do indivíduo (SPINASSÉ, 2006 apud CARIOCA; PEIXOTO, 2012).
Por outro lado, é considerada Língua Oficial a língua adotada pela administração pública
e cuja função é estabelecer relações de poder. Existem casos específicos no território
santomense em que a língua oficial não corresponde à língua materna do falante, por
exemplo, nas comunida-des em que os crioulos forro e angolar têm predominância.

Gráfico 2: Momentos de interação em língua portuguesa

Fonte: Elaboração própria.

No gráfico acima, observamos que a língua portuguesa é falada em situações mais formais:
nas escolas, nas administrações do estado, no dia a dia dos santomenses. Todavia, também fica
explícito que o crioulo tenta ocupar o seu espaço, sendo a língua aderida em momentos de des-
contração em ambientes mais informais, além de ser utilizada pela comunidade não alfabetizada.
Ademais tanto o forro quanto o lung'Ie, línguas nacionais de São Tomé e Príncipe, constituem a
linguagem da dor, da alegria, do afeto e do conselho. Portanto, apesar de o português ser a língua
oficial, é difícil não se ouvir palavras, frases e provérbios em crioulo durante uma conversação.

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Gráfico 3: Tem dificuldades em se comunicar em língua portuguesa?

Fonte: Elaboração própria.

Constatamos que muitos entrevistados têm dificuldades em se comunicar em língua


portu-guesa. A reclamação da maioria é de se fazer entender nos primeiros seis meses
como estudantes no Brasil por conta da variação linguística e por fatores de ordem
pragmática, como o sotaque e a rapidez na fala. Vejamos os trechos abaixo:

(C.R)
Doc. Certo e quando você chegou aqui você sentiu dificuldade um pouco em se
comu-nicar em língua portuguesa”
Inf. Cara quando cheguei aqui senti dificuldade em termo de entender a gíria mas o
português é o mesmo o que o professor falava na sala de aula eu entendia sendo
que o que eu falava com os professores eles não entendiam direito eles diziam
que o meu “R” eles falavam que meu r era muito carregado (...)

(V.S.R)
Inf.: quando eu cheguei sim agora nem tanto
Doc.: qual era situação em tu sentia dificuldade”
Inf.: é:: eles não entendiam o que falava mas também eu não entendia o que
eles fala-vam também era diferente e aqui tem muitas palavras que Doc.2: são
diferentes
Inf.: bem diferentes lá a gente usa rapariga normalmente aqui não
Doc.2: aqui’ fosse chamar uma mulher de rapariga
Inf.: é é briga
Doc.2: dá cadeia ((risos))
(M.M.D.A)
Doc. e você tem dificuldade de se comunicar em língua portuguesa”
Inf. de comunicar não mas algumas dificuldades da língua principalmente lá em são
tome a gente tem usa muito o Português de Portugal né então tem algumas dificul/
nao de entender mas eu me comunicar com as pessoas aí eu tenho por exemplo eu
to há (dois) anos e meus colegas ( ) dia desses aí o professor fez uma pergunta ( )
vocês escutaram a pergunta aí não pois fale aí aí eu falei expliquei assim aí um
colega meu ei professor traduz aí (risos do documentador) eu tenho dificuldades
talvez de quando eu vou falar ne pelo fato de ( ) uso muito o português de
Portugal que é o que eu é minha língua né aí acabo me enrolando.

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(J.B.F.C)
Doc.: certo (+) E você tem dificuldades em se comunicar em língua portuguesa?
Inf.: não
Doc. Você entende tudo que as pesso/ os brasileiros falam e é sempre entendido”
Inf.: uhum não eu não sou sempre entendido não dizem que eu falo rápido
Doc.: ah porque fala rápido né” certo.

Desse modo, as particularidades do português brasileiro interferem no processo de inter-


compreensão dos estudantes de São Tomé e Príncipe. Acreditamos, tal como nos afirma as
pesqui-sadoras Santos e Andrade (2007, p. 7), que a intercompreensão se refere a um:

Processo de interação (em presença ou à distância, síncrona ou em diferido) entre


sujei-tos, ou entre um sujeito e um dado verbal concreto, no qual os participantes,
conscien-tes (e confiantes) das suas capacidades para lidar com dados verbais
desconhecidos, co-constroem sentidos, chegam a um entendimento, através do
recurso ao seu reper-tório linguístico-comunicativo, discursivo e aquisicional,
concretizado pela atualização, em situação, de uma Competência Plurilíngue que,
por sua vez, se alimenta do ocorrido nessa mesma interação.

Caso não ocorra a interação entre os pares, torna-se comprometida a (re)construção


de identidades. É o que se constata no relato dos entrevistados quando afirmam que a
repetição, necessária como estratégia de intercompreensão na interação, causa certo
constrangimento e sensação de inferioridade.

Gráfico 4: O processo de aprendizagem da língua portuguesa

Fonte: Elaboração própria

Conforme ilustrado acima, a maioria dos estudantes relatou que o processo de aprendiza-
gem da língua portuguesa iniciou em casa. Reporta-se o contato com a língua já ao nascer e no
ambiente familiar, sendo o contato com a escola, com a gramática tradicional e com a norma pa-
drão da língua portuguesa decisivos no aperfeiçoamento da competência linguística.
Outros entrevistados afirmaram que o contato com a língua portuguesa ocorre apenas na escola,
pois em casa os familiares usavam o forro ou santomé. Além disso, há estudantes filhos de

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pais migrantes vindos da Rússia e do Gabão. Deriva disso um grau de dificuldade maior para
esses discentes que no processo de alfabetização intercambiavam L1 e L2. Apesar disso,
esses alunos relataram terem frequentado aulas intensivas de português, além de disporem
do auxílio dos pais, fato que resultou na melhoria da sua proficiência linguística em português.

3 A OCORRÊNCIA DO “R” RETROFLEXO NA FALA DOS ESTUDANTES SANTOMENSES DA UNILAB

A partir da análise do corpus da entrevista é possível entender o perfil linguístico dos dis-
centes de São Tomé e Príncipe, bem como refletir sobre como se constrói o seu processo de
inter-compreensão para, assim, conduzir as nossas análises para um fator em específico que
interfere na interação dos entrevistados santomenses da UNILAB. De fato, os sons de -R são
diversos no que concerne à sonoridade, ao modo e ao ponto de articulação. Nesse sentido, tal
como uma “família” (LINDAU, 1985, p.167) fazem parte de sua composição:

As vibrantes alveolar e uvular, tepes ou flepes alveolar e retroflexo, aproximantes alve-


olar e retroflexa e as fricativas velar, uvular e glotal, que, não obstante, em diferentes
línguas, são representados graficamente por –r ou –rr e se comporta de forma simi-lar
quanto à sua distribuição contextual: num sistema fonológico, em que há grupos
consonantais, os róticos costumam ocorrer próximos ao núcleo silábico; em posição de
coda, tendem à vocalização e ao cancelamento; e frequentemente alternam com outros
róticos a depender do contexto (BRANDÃO; PAULA, 2018, p. 96).

A pronúncia do “-R” no português de São Tomé e Príncipe é distinta da pronúncia desse


seg-mento no português do Brasil, pois ocorre uma neutralização entre o róticos [+ant] e o [-
ant] em que pode acontecer tanto um tepe quanto uma fricativa uvular, fato que anula por
exemplo, as distinções entre caro e carro. Esse fato pode provocar confusão para o ouvinte
inexperiente, como se pode observar em uma das respostas ao questionário metalinguístico:

(C.R)
Doc. Certo e quando você chegou aqui você sentiu dificuldade um pouco em se
comu-nicar em língua portuguesa”
Inf. Cara quando cheguei aqui senti dificuldade em termo de entender a gíria mas o
português é o mesmo o que o professor falava na sala de aula eu entendia sendo
que o que eu falava com os professores eles não entendiam direito eles diziam
que o meu “R” eles falavam que meu “R” era muito carregado (...)

O uso do “-R” forte é uma marca registrada na fala dos estudantes santomenses, portanto
considerada uma marca identitária desses discentes. A variável uso do forro é descartada, visto
que não existe a presença do “-R”, melhor dizendo, em lugar do “-R” se encontra o “-L”, como nas
palavras roça (português) x lossa (forro), fenômeno denominado de rotacismo que, segundo Cos-
ta (2006, p. 4), “é uma regra variável que depende do contexto silábico em que ocorre e que está
condicionada por fatores sociais, como a escolaridade e a faixa etária”, no caso em específico,
rela-ciona-se às questões de formação linguística do crioulo.

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Desse modo, acreditamos que a inexistência dos róticos no forro seria uma das
razões para a sua pronúncia marcante em língua portuguesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos em nossas análises que os estudantes entrevistados sentem


dificuldade em se comunicar em língua portuguesa, porém essa dificuldade é mais
presente até os seis meses de permanência no Brasil. Após isso, os discentes tentam se
adaptar ao idioma imitando o sotaque brasileiro.
O que causa estranhamento na maioria é o fato de não serem entendidos pelos
brasileiros, apesar de o português ser a língua oficial do país, como ocorre em São Tomé
e Príncipe. Acontece que cada país se encontra inserido em um contexto de formação
linguística diferente e, portanto, pode possuir termos que são próprios de cada região,
bem como gírias, sotaques e predominân-cia de róticos distintos. É essa variedade de
usos que revela a beleza e a diversidade da língua portuguesa.
Essas diferenças linguísticas, como o caso específico o uso do -R “forte” pelos estudantes
san-tomenses, interferem no processo de intercompreensão; todavia, os discentes recorrem a
certas estratégias para serem melhor entendidos, como o uso da repetição e de uma fala menos
rápida. Muito provavelmente, pelo fato de “falarem enrolados”, como se diz popularmente, alguns
estu-dantes já obtiveram fraco rendimento na apresentação de seminários, embora não
apresentem dificuldades na realização dos trabalhos acadêmicos escritos.
Quanto à análise da ocorrência do -R “forte” na fala dos estudantes santomenses,
reconhece-mos a relevância do assunto para campo de estudos da linguagem e
pretendemos aprofundar a temática em trabalhos futuros.

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