Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIA, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE
UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL COM A ÁFRICA E TIMOR-
LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E CEARÁ – VOLUME 1
© 2021 Copyright by Artemisa Odila Candé Monteiro; Ivan Costa Lima (Orgs)
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Conselho Editorial
DRA. AIALA VIEIRA AMORIM | UNILAB DR. JOSÉ GERARDO VASCONCELOS | UFC
DR. ALUÍSIO MARQUES DA FONSECA |UNILAB
DRA. JOSEFA JACKLINE RABELO | UFC
DRA. ANA MARIA IORIO DIAS | UFC
DR. JUAN CARLOS ALVARADO ALCÓCER | UNILAB
DRA. ANA PAULA STHEL CAIADO | UNILAB
DRA. ANTONIA IEDA DE SOUZA PRADO | UNINASSAU DRA. LIA MACHADO FIUZA FIALHO | UECE
DR. ANTÔNIO ROBERTO XAVIER | UNILAB DRA. LÍDIA AZEVEDO DE MENEZES | UVA
DR. CARLOS MENDES TAVARES | UNILAB DRA. LÍVIA PAULIA DIAS RIBEIRO | UNILAB
DR. CHARLITON JOSÉ DOS SANTOS MACHADO | UFPB DR. DR. LUÍS MIGUEL DIAS CAETANO | UNILAB
DR. LUIS TÁVORA FURTADO RIBEIRO | UFC
EDUARDO FERREIRA CHAGAS | UFC
DR. ELCIMAR SIMÃO MARTINS | UNILAB DRA. MÁRCIA BARBOSA DE SOUSA | UNILAB
DRA. ELISÂNGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA | UNILAB DRA. MARIA DO ROSÁRIO DE FÁTIMA PORTELA CYSNE | UNILAB
DR. ENÉAS DE ARAÚJO ARRAIS NETO |UFC DR. MICHEL LOPES GRANJEIRO | UNILAB DR. OSVALDO DOS SANTOS
BARROS | UFPA
DR. FRANCISCO ARI DE ANDRADE | UFC
DRA. REGILANY PAULO COLARES | UNILAB
DR. GERARDO JOSÉ PADILLA VÍQUEZ | UCR DRA. ROSALINA SEMEDO DE ANDRADE TAVARES | UNILAB
DRA. HELENA DE LIMA MARINHO RODRIGUES ARAÚJO | DRA. SAMIA NAGIB MALUF | UNILAB
UFC DRA. SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA | UNILAB
DR. JAVIER BONATTI | UCR
DR. JOSÉ BERTO NETO | UNILAB DRA. VANESSA LÚCIA RODRIGUES NOGUEIRA | UNILAB
CDD. 378.8131
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
Resumo
Este artigo objetiva analisar a ocorrência do -R retroflexo na fala de estudantes santomenses
da UNILAB com vistas a compreender como esse fenômeno interfere no processo de
intercompreen-são desses estudantes no Brasil, tanto no universo acadêmico como fora dele.
Para tanto, utiliza-mos o corpus linguístico disponibilizado pelo grupo de pesquisa PROFALA,
constituído mediante questionário metalinguístico aplicado em entrevistas feitas com vinte
santomenses com tempo de permanência no Brasil de até seis meses e mais de seis meses.
O trabalho é fruto do projeto de pesquisa “Análise descritiva dos aspectos semântico-
pragmáticos que prejudicam a intercompre-ensão dos alunos santomenses da UNILAB”
(Pibic/CNPq), contribuindo aos estudos de políticas linguísticas para a promoção da língua
portuguesa e, em particular, no âmbito da intercompre-ensão.
_____________________________
¹²⁴Professora Adjunta do Instituto de Linguagens e Literaturas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da
Univer-sidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. E-mail: claudiacarioca@unilab.edu.br.
¹²⁵Licenciada em Letras-Língua Portuguesa pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. E-mail:
mar-leneaqjose@gmail.com.
201
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
INTRODUÇÃO
_____________________________
¹²⁶Dados referentes a 16 de maio de 2020, conforme relatório da Diretoria de Registro e Controle Acadêmico da UNILAB.
¹²⁷Conferir no site do instituto nacional de estatística de São Tomé e Príncipe (www.ine.st).
202
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
com outros povos e línguas permitiram a riqueza cultural e linguística presente nas ilhas
do levele-ve¹²⁸ . Estamos diante de um “país multilíngue em que as línguas autóctones,
bem como as outras línguas faladas no arquipélago constituem, ao lado do português, a
complexa ecologia linguística do país” (AGOSTINHO, 2015, p. 8).
O fluxo migratório resultante do processo de colonização portuguesa causou
diversidade de falares, o que nos faz comparar as ilhas a uma pequena Babel¹²⁹ . De
acordo com Nascimento e Rocha (2018)¹³⁰ , apesar de seu ambiente multilíngue, as ilhas
de São Tomé e Príncipe têm como língua oficial o português, que coabita com outras
línguas nacionais como o forro ou santomé, o lung'Ie ou principiense, o caboverdianu, o
angolar, o português variante de São Tomé, e o Fá d’Ambô.
Partindo desse pressuposto, pretendemos refletir sobre a ocorrência do -R retroflexo na
fala dos estudantes santomenses e de que forma tal fenômeno interfere no processo de
intercompre-ensão desses estudantes no Brasil, tanto no universo acadêmico como fora dele.
Para auxiliar a nossa análise, esquematizamos nos gráficos abaixo o perfil linguístico
dos estudantes santomenses da UNILAB:
_____________________________
¹²⁸Leveleve é o termo utilizado em São Tomé e Príncipe que nos remete à cadência das ilhas, ao devagar, mas com cautela, à questão
de esperar por um futuro melhor e trabalhar para que aconteçam melhorias. ¹²⁹Referente à Torre de Babel, à confusão de línguas.
203
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
(N.A.A.C)¹³¹
Doc. Certo e porque você não se interessou de aprender esse dialeto” não é importante”
Inf. Não se interessei tipo a gente já á repreendido a aprender o português
Doc. Ah sim vocês são repreendidos
Inf. Agora tamos tendo aula pra aprender a falar o dialeto mas só agora, trinta
anos depois da independência.
(J.B.F.C)
Doc. Você fala algum dia/ diale/ Você sabe algum dialeto”
Inf. sim sei o dialeto do meu país que é foro sei o de cabo verde que é o cabo-
verdiano sei falar tipo falar não no mínima sei escrever e traduzir mas falar não
inglês Frances russo, alemão e espanhol.
Doc. MAS a sua língua materna é o português né”
Inf. a minha língua oficia oficial.
_____________________________
¹³¹Código de identificação dos entrevistados
204
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
Doc. e a materna”
Inf. a materna poderíamos dizer que é o foro mas é a (linha de pensamento) o foro só
é falado por pessoas tipo mais idosa idosas e por também pessoas que ficam
fora da cidade (...).
No gráfico acima, observamos que a língua portuguesa é falada em situações mais formais:
nas escolas, nas administrações do estado, no dia a dia dos santomenses. Todavia, também fica
explícito que o crioulo tenta ocupar o seu espaço, sendo a língua aderida em momentos de des-
contração em ambientes mais informais, além de ser utilizada pela comunidade não alfabetizada.
Ademais tanto o forro quanto o lung'Ie, línguas nacionais de São Tomé e Príncipe, constituem a
linguagem da dor, da alegria, do afeto e do conselho. Portanto, apesar de o português ser a língua
oficial, é difícil não se ouvir palavras, frases e provérbios em crioulo durante uma conversação.
205
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
(C.R)
Doc. Certo e quando você chegou aqui você sentiu dificuldade um pouco em se
comu-nicar em língua portuguesa”
Inf. Cara quando cheguei aqui senti dificuldade em termo de entender a gíria mas o
português é o mesmo o que o professor falava na sala de aula eu entendia sendo
que o que eu falava com os professores eles não entendiam direito eles diziam
que o meu “R” eles falavam que meu r era muito carregado (...)
(V.S.R)
Inf.: quando eu cheguei sim agora nem tanto
Doc.: qual era situação em tu sentia dificuldade”
Inf.: é:: eles não entendiam o que falava mas também eu não entendia o que
eles fala-vam também era diferente e aqui tem muitas palavras que Doc.2: são
diferentes
Inf.: bem diferentes lá a gente usa rapariga normalmente aqui não
Doc.2: aqui’ fosse chamar uma mulher de rapariga
Inf.: é é briga
Doc.2: dá cadeia ((risos))
(M.M.D.A)
Doc. e você tem dificuldade de se comunicar em língua portuguesa”
Inf. de comunicar não mas algumas dificuldades da língua principalmente lá em são
tome a gente tem usa muito o Português de Portugal né então tem algumas dificul/
nao de entender mas eu me comunicar com as pessoas aí eu tenho por exemplo eu
to há (dois) anos e meus colegas ( ) dia desses aí o professor fez uma pergunta ( )
vocês escutaram a pergunta aí não pois fale aí aí eu falei expliquei assim aí um
colega meu ei professor traduz aí (risos do documentador) eu tenho dificuldades
talvez de quando eu vou falar ne pelo fato de ( ) uso muito o português de
Portugal que é o que eu é minha língua né aí acabo me enrolando.
206
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
(J.B.F.C)
Doc.: certo (+) E você tem dificuldades em se comunicar em língua portuguesa?
Inf.: não
Doc. Você entende tudo que as pesso/ os brasileiros falam e é sempre entendido”
Inf.: uhum não eu não sou sempre entendido não dizem que eu falo rápido
Doc.: ah porque fala rápido né” certo.
Conforme ilustrado acima, a maioria dos estudantes relatou que o processo de aprendiza-
gem da língua portuguesa iniciou em casa. Reporta-se o contato com a língua já ao nascer e no
ambiente familiar, sendo o contato com a escola, com a gramática tradicional e com a norma pa-
drão da língua portuguesa decisivos no aperfeiçoamento da competência linguística.
Outros entrevistados afirmaram que o contato com a língua portuguesa ocorre apenas na escola,
pois em casa os familiares usavam o forro ou santomé. Além disso, há estudantes filhos de
207
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
pais migrantes vindos da Rússia e do Gabão. Deriva disso um grau de dificuldade maior para
esses discentes que no processo de alfabetização intercambiavam L1 e L2. Apesar disso,
esses alunos relataram terem frequentado aulas intensivas de português, além de disporem
do auxílio dos pais, fato que resultou na melhoria da sua proficiência linguística em português.
A partir da análise do corpus da entrevista é possível entender o perfil linguístico dos dis-
centes de São Tomé e Príncipe, bem como refletir sobre como se constrói o seu processo de
inter-compreensão para, assim, conduzir as nossas análises para um fator em específico que
interfere na interação dos entrevistados santomenses da UNILAB. De fato, os sons de -R são
diversos no que concerne à sonoridade, ao modo e ao ponto de articulação. Nesse sentido, tal
como uma “família” (LINDAU, 1985, p.167) fazem parte de sua composição:
(C.R)
Doc. Certo e quando você chegou aqui você sentiu dificuldade um pouco em se
comu-nicar em língua portuguesa”
Inf. Cara quando cheguei aqui senti dificuldade em termo de entender a gíria mas o
português é o mesmo o que o professor falava na sala de aula eu entendia sendo
que o que eu falava com os professores eles não entendiam direito eles diziam
que o meu “R” eles falavam que meu “R” era muito carregado (...)
O uso do “-R” forte é uma marca registrada na fala dos estudantes santomenses, portanto
considerada uma marca identitária desses discentes. A variável uso do forro é descartada, visto
que não existe a presença do “-R”, melhor dizendo, em lugar do “-R” se encontra o “-L”, como nas
palavras roça (português) x lossa (forro), fenômeno denominado de rotacismo que, segundo Cos-
ta (2006, p. 4), “é uma regra variável que depende do contexto silábico em que ocorre e que está
condicionada por fatores sociais, como a escolaridade e a faixa etária”, no caso em específico,
rela-ciona-se às questões de formação linguística do crioulo.
208
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
Desse modo, acreditamos que a inexistência dos róticos no forro seria uma das
razões para a sua pronúncia marcante em língua portuguesa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
209
UNILAB 10 ANOS: EXPERIÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE UMA UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
COM A ÁFRICA E O TIMOR LESTE NO INTERIOR DA BAHIA E DO CEARÁ - VOLUME I
BRANDÃO, S. F.; PAULA, A. de. Róticos nas variedades urbanas santomense e moçambicana do
português. In. BRANDÃO, S. F. (Org.) Duas variedades africanas do português: variáveis fonéti-
co-fonológicas e morfossintáticas. São Paulo: Blucher, 2018. Disponível em: <https://openaccess.
blucher.com.br/article-details/04-21145>. Acesso em: 21 maio 2020.
LINDAU, M. The story of /r/. In: FROMKIM, Victoria A. (Org.). Phonetic Linguistics: essays in honor
of Peter Ladefoged. Orlando: Academic Press. p. 157-168, 1985.
NASCIMENTO, T. R. do; ROCHA, F. de M. V. da. São Tomé e Príncipe: aspectos históricos, econômi-
co-sociais e linguísticos. In. BRANDÃO, S. F. Duas variedades africanas do português: variáveis
fonético-fonológicas e morfossintáticas. São Paulo: Blucher, 2018.
210