Fundador: Francisco Pinto Balsemão 14 de outubro de 2022

2607 O €4,50

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

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24h
POLÉMICA SOBRE ABUSOS NA IGREJA Pobreza
Fingem-se
Marcelo: “Não doentes para
comer nos
Mais €20 milhões
para vinda do Papa
pensem que me vou hospitais

0E2023 fechar no Palácio”

O Governo aumentou até €20
milhões o valor que vai pagar “Há até quem peça para
para a realização do evento ficar internado”, revela
católico que traz o Papa Fran- uma enfermeira-chefe
cisco a Portugal. Depois de um de uma Urgência
impasse inicial, ainda antes do do Amadora-Sintra
verão, sobre quem pagava as
estruturas e materiais neces-
sários para os vários eventos Medina assume A presença não passa desperce-
bida: são pessoas sem qualquer
da Jornada Mundial da Juven-
tude, o Conselho de Ministros
reversão > Presidente reage a críticas sobre declarações doença que vão às urgências à
desbloqueou a situação. de medidas controversas > Ornelas e Clemente alvos procura de refeições gratuitas
e de companhia nos hospitais
da ‘geringonça’ de guerra entre bispos > Ministério Público do SNS. 4,7% das camas são
ocupadas por internamentos
Superjuiz voa já começou a ouvir testemunhas de abusos P10 inapropriados. P16
para a Relação
Carlos Alexandre já se can- Em entrevista, ministro
didatou à promoção para de- das Finanças diz que
sembargador e vai deixar o este não é um Orçamento
Entrevistas exclusivas à Nobel da Literatura e Nobel da Paz
Tribunal Central de Instrução de austeridade P6
Criminal, onde esteve duran-
te 18 anos. Ivo Rosa também
já deixou o ‘Ticão’, pondo fim
a uma era em que os dois juí-
zes apreciaram os grandes
PORTUGAL TEM
casos da Justiça portuguesa. A QUARTA MAIOR
Portugal manda
REDUÇÃO DE DÍVIDA
Kamov para DO MUNDO E6

a Ucrânia
A pedido da Ucrânia, Portu-
gal vai enviar para Kiev os Como
seis helicópteros Kamov rus-
sos para combate a incêndios o Governo “NOS MEUS LIVROS
FOTO ULF ANDERSEN/GETTY IMAGES

que estão inoperacionais há

anos, anunciou esta quinta-
pressionou NÃO HÁ AUTOFICÇÃO.
-feira a ministra da Defesa,
Helena Carreiras. “Em vir-
patrões a ELES SÃO MESMO
tude do cenário atual, das assinar acordo BIOGRÁFICOS” Sasha Romantsova
sanções impostas à Rússia, “Documentámos
deixámos de os poder operar, No discurso de entrega do Prémio Nobel,
aliás não têm os seus certifi- Assinatura esteve por Annie Ernaux irá defender a ideia de que
25 mil crimes
cados de aeronavegabilidade
e nem sequer poderemos re-
um fio devido à pressão
do Governo, que ameaçou
a literatura deve trabalhar para a justiça R42 de guerra” P25
pará-los”, afirmou a ministra. não descer carga fiscal P8

SAIBA QUANTO Iranianas Embaixada da China Aluno conta

VAI PAGAR já resistem vigiada por polícias plano para
DE IRS NO há mais massacre na
Integram esta edição semanal,
além deste corpo principal,
os seguintes cadernos:
Dossiê das esquadras informais
PRÓXIMO ANO
ECONOMIA, REVISTA E
e ainda Guia “SER” nº 5
e Expresso Bpi Golf Cup E10 de um mês P24 chinesas considerado “sensível” P5 faculdade P14

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2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de outubro de 2022

Em abril, aquando do OE para 2022, fizemos a mesma pergunta

João Vieira Duelo a estes protagonistas. Agora, com o novo OE, voltamos a ouvi-los
Pereira
Pedro João Borges
Contudo, ele move-se Brinca de Assunção

A
s cambalhotas de Antó-
nio Costa já fazem par-
te da mobília da política
nacional. Admiro a sua
elasticidade. A sua ca-
pacidade de dizer uma
coisa e o seu contrário
com tal convicção que consegue sem-
pre agradar em alguma ocasião. Há
Professor da Católica Lisbon
Professor da Nova SBE School of Business & Economics
Qual é, então, o verdadeiro Costa?
Há sequer um verdadeiro? Ou ele ape-
nas se move?
Pode-se sempre argumentar que o
António Costa de 2015 é o mesmo de
2022, que este sempre foi o seu espectro
A proposta de Orçamento do Estado
político. Ou seja, que o Costa do passa-
do foi apenas uma necessidade e que,
para 2023 é realista?
agora que lidera uma maioria, vemos

quem considere que esta característica
resulta de um enorme faro político,
sempre direcionado para a sua sobre-
vivência. Talvez. Mas também se pode
dar o caso de António Costa apenas
representar na perfeição o vácuo em
que mergulhou o pensamento político
em Portugal.
Tente responder às seguintes ques-
tões: qual acha que é a visão que o
primeiro-ministro tem para Portugal?
Que objetivos acha que ele quer que
sejam atingidos após uma década a
liderar Governos? Mas não fique por
questões instrumentais, como fazer
crescer a economia ou diminuir a dívi-
da pública, o desemprego ou a pobre-
za. Estas coisas todos querem. Estou
a falar da visão que supostamente os
políticos deviam ter para um país. O
erro pode ser meu, mas não a consigo
ver. Talvez se tenha perdido entre os
ziguezagues dos últimos sete anos.
Já é história, mas António Costa
subiu ao poder graças a um acordo
único com a extrema-esquerda. E
durante muito tempo governou de
acordo com um papel assinado pela
necessidade de sobrevivência. Sete
anos depois, lidera um Governo de
maioria que acaba de apresentar um
Orçamento do Estado que a direita
tem dificuldade em arranjar argu-
mentos válidos para chumbar.
Se Mário Centeno teve a sorte de
receber a pasta das Finanças já com
a economia a crescer e teve a habi-
lidade de enganar todos com o tru-
que de orçamentar despesa que não
tinha a intenção de gastar, se João
Leão (que já poucos se lembram de
que foi ministro) teve de enfrentar
uma pandemia e com ela uma crise de
proporções épicas, Fernando Medina
entra com a economia a crescer quase
7%, as receitas fiscais a dispararem,
os custos da pandemia a caírem, a in-
flação a ajudar o nível da dívida e um
envelope sem precedentes de fundos
europeus. O ambiente de alguma eu-
foria vivida pela recuperação após o
percalço pandémico permitiu manter
uma política orçamental tão restritiva
que, se expurgamos da despesa gastos
que não se voltam a repetir, como a
injeção de capital na TAP, o progra-
ma Famílias Primeiro ou ainda o que
resta do pacote de ajuda à pandemia,
este teria sido o segundo ano de supe-
rávite. O que permite agora ao Gover-
no gastar um pouco mais nos apoios
sociais, aliviar alguma carga fiscal e
adotar medidas de apoio às empresas
(medidas essas que chegam a destruir
o que o mesmo PS aprovou durante a
‘geringonça’, como o regime de dedu-
ção de prejuízos fiscais).
finalmente a sua verdadeira essência. A
validade desta ideia esbarra na pergun-
ta que fiz há pouco. Porque, se assim
é, então que visão tem agora António
Costa para o país? O deserto continua o
mesmo e essa visão é míope no tempo.
Infelizmente, vivemos há muito as
consequências deste vazio, que não
é apenas responsabilidade do atual
primeiro-ministro, mas de uma série
de políticos que se contentam com
pouco. Neste ponto, o PSD não tem
sido diferente do PS.
Também eles acham que crescer
pouco é suficiente, desde que cresça-
mos mais do que a Alemanha. Mesmo
que os outros grandes beneficiários
dos fundos europeus invistam e cres-
çam bem mais do que nós.
Sete anos depois, António
Costa lidera um Governo de
maioria que acaba de apresentar
um Orçamento do Estado
que a direita tem dificuldade
em arranjar argumentos
válidos para chumbar
Não estão preocupados em criar ri-
queza e deixar que a economia e o mé-
rito a distribuam, pois esse é o papel
que reservam para si, enquanto líderes
do Estado, e que lhes dá o poder que
tanto ambicionam e que sonham que
um dia lhes caia no colo.
Ou que acham que não há mal al-
gum por Portugal ser apenas um
gigante resort para estrangeiros. A
ponto de os convidarmos a viverem
num paraíso e de os atrairmos com a
certeza de que quem paga impostos
são os pobres que cá vivem.
Tal como todas as más estratégias,
esta também terá um fim trágico.
Estamos a quatro anos do fim deste
Governo, mas o seu prazo de valida-
de pode ser mais curto. Quem o viu
primeiro foi Marcelo Rebelo de Sou-
sa, que, entre os disparates que vai
fazendo (e não são poucos), percebeu
que há uma parte importante do PS
que não se moveu com o Governo. A
esquerda do PS, que ganhou força na
primeira metade do ‘costismo’, não se
identifica com esta viragem à direita.
Não só ganha força, agora que a econo-
mia apresenta sinais de abrandamento
ou mesmo recessão, como cresce na
incapacidade de o PSD se apresentar
como alternativa.
Se a base de algo fica imóvel e o ob-
jeto que ela segura muda de posição,
é fácil perceber que há um dia em que
ou parte ou tomba.
jvpereira@expresso.impresa.pt
SIM
No que diz respeito à plausibilidade do
cenário macroeconómico, o Governo
prevê um crescimento do PIB de 1,3%,
uma décima acima apenas da previsão mais recente,
que havia sido feita pelo Conselho das Finanças Pú-
blicas (CFP) três semanas antes. O FMI, esta semana,
produziu a estimativa mais pessimista para o cresci-
mento da economia portuguesa em 2023 até à data,
de apenas 0,7%, mas uma diferença que, em termos
relativos, pode ser descrita como cerca de metade do
que prevê o Governo — difere apenas em seis décimas.
Já no que diz respeito à inflação, as diferenças são
mais substanciais. O Governo prevê um crescimento
dos preços de 4% para 2023, claramente abaixo dos
5,1% da última previsão do CFP ou da mais recente
previsão do FMI, de 4,7%, mas, ainda assim, acima da
última previsão, de 3,6%, feita pela CE para Portugal em
julho. Relativamente a previsões
para a inflação na zona euro em
2023, estas vão desde os 3,7% da Um défice
Survey of Professional Forecasters de 0,9% permite
até aos 5,5% do BCE. Esta dispari- continuar
dade de estimativas não espanta:
a incerteza é tão elevada que, em trajetória de
boa-fé, dificilmente alguém pode redução
argumentar que uma previsão de
4% com a informação disponível à O crescimento
data da elaboração da proposta é,
do ponto de vista estatístico, dife-
rente de uma previsão de 3,5% ou de 1,3%, o que,
5%. Aliás, creio ser esse o entendi- sendo possível,
mento do próprio CFP quando, a 7
de outubro, emitiu o seu parecer e,
passo a citar, endossa as previsões
macroeconómicas apresentadas.
No que diz respeito às opções de política, há dois
pontos importantes. O primeiro tem a ver com o saldo
orçamental. Um défice de 0,9% para 2023 permite a
Portugal continuar numa trajetória de redução da
dívida que me parece prudente face à realidade que
se adivinha. Uma inflação mais persistente motiva-
rá mais aumentos de taxas de juro e por períodos
maiores. Por agora, a sustentabilidade da dívida está
assegurada. Estamos a beneficiar do facto de termos
aproveitado a segunda metade da década passada
para que boa parte da dívida seja hoje a maturidades
mais longas e a taxas de juro muito mais baixas. Mas
quanto mais tempo as taxas de juro estiverem em ní-
veis elevados, mais depressa se esgota essa almofada.
Ninguém quer voltar a 2011 e a ter de fazer escolhas
impossíveis. É importante ter alguma margem de
manobra em 2023 se o cenário macroeconómico
que se concretizar for pior do que o previsto. Nesse
sentido, também é difícil acusar a atual proposta de
OE de falta de realismo.
Dito isto, há áreas em que será preciso ir mais longe.
Para este ano prevê-se que os salários possam perder
mais de 5% do seu poder de compra. O agravamento
fiscal com a não-atualização dos escalões de IRS em
2022 penaliza fortemente quem vive do seu trabalho
e a falta de soluções, para já, para as famílias com
crédito à habitação e com taxas de esforço que não
param de aumentar deixa muito a desejar. Se o sal-
do orçamental previsto para 2023 demonstra um
realismo saudável perante a atual situação do país,
a composição do mesmo será talvez realista demais.
NÃO
Tenho dificuldade em dar uma opi-
nião fundamentada sobre o OE para
2023, porque ainda não compreendi
a estratégia orçamental subjacente. Tendo em conta
os níveis elevados de dívida pública, a margem de ma-
nobra do Governo é bastante limitada. Desde que Por-
tugal aderiu ao euro que os sucessivos Governos têm
grande dificuldade em cumprir as regras orçamentais.
O ponto de partida para analisar os Orçamentos come-
ça sempre por olhar para a meta do défice. Tudo indica
que será de 1,9 pontos percentuais do PIB em 2022 e
o OE propõe um défice de 0,9% em 2023. Tendo em
conta que o Governo prevê um crescimento de apenas
1,3% no próximo ano, seria compreensível que a redu-
ção do défice fosse um pouco menor, por exemplo de
apenas 0,5 pontos percentuais do PIB. O cenário ma-
cro do OE é outro elemento para aferir a razoabilidade
do Orçamento. No próximo ano
as atenções principais estão cen-
tradas na previsão de crescimento
do PIB, da inflação e da dinâmica
numa do investimento. A economia por-
tuguesa já ultrapassou os níveis
pré-pandemia, o que significa que
da dívida o crescimento é mais difícil a partir
de agora. E no cenário macro do
OE o crescimento previsto é de
1,3%, o que, sendo possível, pare-
previsto é ce otimista. O crescimento será
frágil no próximo ano, refletindo
os custos da inflação, dos preços
parece da energia, da subida das taxas de
juro e do abrandamento da econo-
otimista mia mundial e europeia. No caso
do investimento, o Governo prevê
um crescimento de 3,6% no próximo ano, após um ano
em que o investimento desapontou. É caso para dizer
que não se notam os efeitos do PRR nas contas nacio-
nais. A inflação continua a ser um tema difícil neste
Orçamento. O Governo antecipa uma inflação (IHPC
em vez do IPC) de 4% no próximo ano. O BCE ante-
cipa um valor maior para a zona euro (5,5%), o FMI
prevê para Portugal uma inflação de 4,7% e, no caso
do NECEP, 6% parece o valor central mais provável.
Para manter neutra a estrutura progressiva do IRS, o
Governo sobe os limites dos escalões em 5,1%. Mas de-
veria ser bastante mais se a inflação for maior do que
o previsto no OE. Com níveis de inflação tão elevados,
o Governo tem de tomar decisões difíceis em termos
de subidas de salários e pensões. Parece óbvio que
subidas das pensões alinhadas com a inflação seriam
incomportáveis. Em paralelo, o Governo apadrinhou
um acordo na concertação em que o sector privado
terá aumentos salariais de 5,1%. O diferencial para os
funcionários públicos não está muito bem explicado.
O Governo antecipa uma melhoria do saldo primário
estrutural de 1,9 pontos percentuais do PIB, um valor
significativo. Mas as medidas de política orçamental
apresentadas são no sentido de agravar o défice.
Sendo as mais significativas a atualização regular das
pensões, a valorização salarial e as várias alterações no
IRS. O Governo deveria explicar a origem de uma pou-
pança tão grande. Espero que não seja tudo inflação e
ilusão monetária. O OE pode ter elementos irrealistas
e mal explicados. Mas o ambiente de incerteza é tão
grande que talvez seja difícil fazer melhor.

A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
RUI PINTO
Julgado por 90 crimes no
processo Football Leaks, Rui Pinto
foi ouvido esta semana em
tribunal e disse que, “sabendo o
que sei hoje, não voltaria a fazer o
que fiz, o crime, mesmo com boas
intenções, não compensa”.
NOBEL
O Prémio Nobel da Economia foi
para a investigação de Ben
Bernanke, Douglas Diamond e
Philip Dybvig, que ajudou a
compreender as corridas aos
bancos — e como evitá-las. Como
resultado, a resposta às crises
financeiras é muito diferente da
que ocorreu na década de 1930.
GUERRA
A Rússia respondeu ao ataque à
ponte na Crimeia com o regresso
dos mísseis a Kiev. O Reino Unido
anunciou que vai fornecer à
Ucrânia munições com
capacidade para derrubar
mísseis de cruzeiro.
A ameaça nuclear
continua a pairar.
BRAGA
Os donos do Paris
Saint-Germain, um dos
mais poderosos clubes
europeus, decidiram
comprar cerca de um quinto do
Braga. Quem são eles? Qatar
Sports Investments (QSI),
subsidiária do fundo soberano
do Estado do Catar.
ORÇAMENTO
Fernando Medina apresentou na
segunda-feira a proposta de lei do
Orçamento do Estado para 2023.
As críticas da oposição fizeram-se
ouvir, mas a maioria absoluta
socialista no Parlamento garante
a aprovação final do documento.
MARCELO
Esta pode bem ter sido a
semana em que Marcelo
descolou do país. A
polémica já existia,
mas subiu de tom
quando o Presidente
veio dizer que quatro
centenas de denúncias
de abusos sexuais por
parte da Igreja portuguesa
não era nada de mais.
OBSTETRÍCIA
Lembram-se do caos nas
urgências de obstetrícia no verão?
Pois a comissão criada para
analisar o tema propôs agora o
fecho de quatro urgências
obstétricas nas regiões de Lisboa
e Centro. Mas o ministro já veio
garantir que a decisão
final só será tomada
para o ano.
EUROPOL
Depois dos alertas, o
Governo decidiu
corrigir a sua proposta
de lei, assegurando que,
afinal, os gabinetes da Europol
e da Interpol continuam sob a
alçada da PJ, não sendo
transferidos para a tutela
do secretário-geral da
Administração Interna.
VENEZUELA
O país declarou o estado de
emergência devido a inundações
numa zona com uma
comunidade portuguesa
relevante. Dois comerciantes
portugueses foram arrastados
pelas torrentes de água e de lama
e vários estabelecimentos lusos
foram danificados (um talho, uma
padaria, uma loja de
ferragens ou de pneus).
O secretário de Estado
das Comunidades
Portuguesas foi visitar
a região.
ÉBOLA
Há um surto de ébola no
Uganda, e um conjunto de nove
países estão a tomar medidas
para evitar que se alastre. O vírus
é de uma variante sem vacina e o
risco de se espalhar para os países
vizinhos é “alto”, diz a
Organização Mundial da Saúde.
INCOMPATIBILIDADES
A lei das incompatibilidades foi
alterada há apenas dois anos,
mas o conjunto de problemas que
o tema continua a gerar, com os
casos de Ana Abrunhosa e Pedro
Nuno Santos, volta a colocar na
mesa a possibilidade de nova
alteração do diploma.
Expresso, 14 de outubro de 2022
Miguel Sousa Tavares
Não lhes perdoeis, Senhor,
pois eles sabem o que fizeram
E
sperámos tranquila-
mente um ano pelos
resultados do trabalho
da Comissão Indepen-
dente para o Estudo de
Abusos de Menores na
Igreja e um ano depois,
cumprindo o prazo fixa-
do, a Comissão registou
424 testemunhos ao longo de muitos
anos, dos quais apenas 17 foram enca-
minhados para o Ministério Público,
por constituírem crimes não prescri-
tos, cujos autores e vítimas estão vivos.
Mas a Comissão não se deixou iludir
e nós também não: os crimes foram
incomparavelmente mais, reflectindo
uma atitude “endémica” de abusos de
menores dentro da Igreja Católica por-
tuguesa e a sua ocultação a partir de
cima ao longo de décadas. Ao contrário
de Marcelo Rebelo de Sousa, que se
precipitou a saudar os números pouco
“elevados” apurados pela Comissão —
e, com isso, aliviar a responsabilidade
da Igreja —, nós percebemos que isto
é apenas a ponta do icebergue de uma
estrutura sinistra e submersa, que du-
rante décadas guardou dentro de si um
segredo vergonhoso, ocultando-o dos
fiéis, da sociedade e das autoridades.
Protegendo os seus criminosos, como
as máfias fazem.
Hoje sabemos que, dentro da hie-
rarquia da Igreja, a nível intermédio
e a nível superior, houve homens com
responsabilidades que, sabendo de
casos concretos, não se limitaram a
olhar para o lado: ignoraram as queixas
das vítimas, esconderam-nas dos olha-
res públicos ou, no melhor dos casos,
encerraram o assunto com discretos
“inquéritos verbais”, que se desvane-
ceram sem rastro nem consequências.
Não têm perdão nem aos olhos dos
homens, nem aos olhos de Deus. Mas,
sobretudo, não têm perdão aos olhos
das vítimas, dos que sofreram às mãos
dos criminosos que eles protegeram e
de que foram cúmplices no mais ignó-
bil dos crimes.
Pessoalmente, não consigo conceber
nenhum crime que me cause mais re-
púdio — pela cobardia dos seus autores
e pelas consequências para as vítimas
— do que o abuso sexual de menores.
Que ele, ainda por cima, seja cometido
por sacerdotes, a quem a fé de muitos
confere uma confiança acrescida para
se ocuparem da educação e do acompa-
nhamento espiritual de crianças, torna
as coisas particularmente repugnantes.
E não é indiferente, antes agravante,
que as taras sexuais dos padres se exer-
çam sobretudo sobre os rapazes à sua
guarda e que, no contexto socioeconó-
mico histórico português, tenham sido
obviamente as crianças mais pobres
a sofrerem as sevícias destes tarados
e os seus pais a serem os mais impo-
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INTELIGENTES
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tentes para enfrentar a cumplicidade
da hierarquia católica. Não, não há
perdão algum para isto: foram décadas
em que milhares de crianças indefesas
pagaram na pele e na alma, e para a
vida inteira, o preço da absurda regra
da castidade do sacerdócio.
Não foram todos os padres ou nem
sequer a maioria? Claro que não. Mas
duvido muito que, naquele mundo sub-
merso e mais temente às aparências do
que a Deus, houvesse quem ignorasse
o que se passava ou não desconfiasse o
suficiente para abrir a boca. Quando
ouvimos o que diz o diletante bispo
do Porto, Manuel Linda, percebemos
bem o que se passou, como se passou
e porque se passou. Quer estivesse a
mentir sem pudor, quer revelasse uma
indecente ignorância sobre o assunto,
quando ele diz que o crime de abuso
sexual de menores não é um crime
público, o que ele no fundo quer dizer
é que acha que não é uma coisa assim
tão grave. Como as carícias a crianças
do violador e assassino de menores pa-
dre Frederico, protegido pelo ex-bispo
do Funchal, que “não foram assim tão
íntimas”. Fosse ele um governante ou
titular de um cargo público, Manuel
Linda já teria sido corrido de funções
por não dar garantias mínimas de po-
der desempenhar o cargo com respeito
Fosse ele um
governante ou titular
de um cargo público,
Manuel Linda já teria
sido corrido
de funções
pelas regras de comportamento moral
de uma sociedade civilizada. Mas, em
vez disso, vai continuar aí, a benzer
pontes e a celebrar missas, como se o
Deus que invoca lhe tivesse perdoado e
o quisesse como exemplo.
Pobre Papa, que tal gente tem!
2
Terminadas as férias e desapa-
recido o grosso dos turistas, o
Sotavento Algarvio começou a
enfrentar episódicos, mas suces-
sivos, cortes de água nas torneiras.
Não se trata de avarias nem de obras
em curso, mas de “cortes programa-
dos” e anunciados no Facebook, para
quem é freguês da coisa. Trata-se de
uma situação normal — o novo e futuro
normal — quando a seca se prolonga e
a barragem de Odeleite, responsável
por metade do abastecimento de água
ao Algarve, está a 20% da sua capaci-
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
dade e a de Odelouca, a segunda mais
importante, a 17%. O que não é normal
é que o Conselho Nacional da Água,
reunido pela primeira vez ao fim de
três anos de seca, em lugar de se ocu-
par com projectos de dessalinização
ou medidas para poupar água — como
reparar as fugas nas canalizações agrí-
colas, impor a obrigatoriedade de uti-
lização de águas residuais para regar
golfes, jardins públicos, etc., ou sus-
pender de imediato a contínua expan-
são de culturas agrícolas exóticas de
alto consumo de água —, tenha optado
exactamente pelo caminho oposto:
como gastar mais água. Os chamados
“produtivistas”, de braço dado com o
Ministério da Agricultura, ao contrário
de todas as previsões, confiam em que
vêm aí grandes anos de chuva, para os
quais é preciso estarmos preparados,
construindo mais barragens e aumen-
tando a capacidade das existentes.
Até lá, querem avançar para a solução
espanhola dos transvases de água do
Norte para o Sul — com o pequeno
contratempo de os espanhóis terem
justamente acabado de suspender as
descargas de água para o rio Douro.
Há um ponto até ao qual se podem
discutir as políticas e, mesmo quando
temos a certeza de estar certos ou erra-
dos, pode-se continuar a discutir. Mas
PRIMEIRO CADERNO 3
se estamos a discutir a falta de água e se
abrem as torneiras uma e outra e outra
vez, e durante 24 ou 36 horas nada
jorra, o que há para discutir?
3
Na última Revista do Expresso
vinha uma surpreendente histó-
ria de um casal lisboeta “muito
bem”, muito família, muito ca-
tólico, muito ansioso por “partilhar”,
muito empenhado na “excelência
do ensino, conjugando a grandeza
de Portugal com a tradição cristã”,
através dos alunos dos Colégios Pla-
nalto, Mira Rio e S. Tomás. Enfim, a
fina flor da Opus Dei — uma opção
legítima e um modelo para quem se
revê nos valores da santíssima agre-
miação. Mas o que tinha a história de
surpreendente? Isto: o casal tem um
Van Dyck em casa, que lhe custou “uns
milhões não revelados”, a par de uma
“importante colecção de centenas de
quadros de mestres antigos”. Os qua-
dros estão em casa, mas, obviamente,
não lhes pertencem, pertencem a uma
fundação, que, essa sim, é deles: um
clássico. Surpreendente é que o ca-
sal exponha assim as paredes da sua
casa: normalmente, estas coisas não
se revelam — há os ladrões e o Fisco,
apesar da fundação. Então, qual é a
ideia? Pois, aqui chegado, o leitor já
deve ter percebido, tal como eu logo
percebi: o casal não tem onde guardar
as suas centenas de quadros dos mes-
tres e espera que o Estado lhe resolva
o problema — outro clássico. Lá fora,
os verdadeiros mecenas, os verdadei-
ros coleccionadores, quando se vêem
nesta situação, fazem uma de duas
coisas: ou oferecem o que querem e
lhes sobra a museus já existentes ou
fazem um museu a expensas suas e
metem lá os quadros. Mas aqui os nos-
sos “mecenas” têm outra solução: eles
acumulam e o Estado resolve-lhes o
problema, arranjando-lhes instalações
e pagando as respectivas despesas de
funcionamento — Casa das Histórias
Paula Rego, Colecção Berardo, Fun-
dação Saramago, etc. É claro que, no
caso concreto, a solução para o pro-
blema do casal está mesmo à vista: o
Museu Nacional de Arte Antiga, se
a colecção valer mesmo a pena. Mas
essa, dizem eles, “não é a solução ideal,
o grande desafio é mostrar a colecção
ao público” (parece que o MNAA não
mostra os quadros ao público).
Mais surpreendente ainda, a história
terminava com o ministro da Cultura,
Pedro Adão e Silva, a declarar o “inte-
resse por parte do Estado” em juntar-
-se a tão comovente história de “parti-
lha”. Com o seu dinheiro, sr. Ministro?
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
António
Costa
Primeiro-ministro
Na véspera da entrega do Orçamen-
to, Costa apresentou um importan-
te e inesperado trunfo político ao fe-
char o acordo com patrões e sindi-
catos na concertação social. O com-
promisso com objetivos traçados a
quatro anos serviu como ponto de
referência para o OE. Ao juntar par-
ceiros e Governo (só a CGTP ficou
de fora), António Costa dá sinais de
que consegue negociar além da sua
maioria absoluta e condiciona as
críticas da oposição.
Francisco
Neto
Selecionador nacional
futebol feminino
A Seleção apurou-se para o play-off
intercontinental de acesso ao Mun-
dial, o que acontece pela primeira
vez na sua história. Ao vencer a Is-
lândia por 4-1, as jogadoras portu-
guesas atingem um patamar iné-
dito e ficam mais perto de garan-
tir o passaporte para a fase final de
um campeonato do mundo, onde a
equipa feminina de Portugal nunca
conseguiu marcar presença.
E BAIXOS
Carlos
Moedas
Presidente
da CM de Lisboa
O braço de ferro por causa dos car-
tazes que Moedas mandou retirar
da rotunda do Marquês de Pombal,
está para durar. O autarca insiste na
legalidade da decisão, o que contra-
ria a avaliação da CNE. Com a colo-
cação de um novo cartaz, a câmara
volta a ignorar o parecer. Moedas te-
ria ganho em alcançar um consenso
político prévio. Não se pode dizer
que a semana tenha corrido bem
para a autarquia que teve de cance-
lar uma ação no dia da erradicação
da pobreza que as juntas de fregue-
sia interpretaram como sendo uma
marcha para os mais pobres.
Carlos
César
Presidente do PS
Três ministros e dois secretários de
Estado têm estado no centro de de-
bate por se levantarem dúvidas so-
bre uma eventual violação do regi-
me das incompatibilidades aplicado
a titulares de cargos públicos. O PR
sugere que a lei seja revista e o PS
até está disponível, mas um dos diri-
gentes do partido reduz o caso, que
levanta uma importante questão
ética, a “historietas histriónicas”.
Marcelo
Rebelo de Sousa
Presidente da República
Nunca uma declaração do Presi-
dente desencadeou uma onda de
contestação tão unânime. E a críti-
ca foi subindo de tom à medida que
tentou corrigir o que tinha dito,
num esforço evidente de controlo
de danos. Com o caso mal resolvi-
do, o pedido de desculpas tornou-
-se inevitável. Ao desvalorizar o nú-
mero de denúncias de abusos, de-
pois do apoio já manifestado à hie-
rarquia da Igreja, Marcelo meno-
rizou a importância dos testemu-
nhos num momento tão delicado.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Contrato Fernando
Santos e FPF no radar
da Segurança Social
Contrato celebrado entre
a Federação e Fernando Santos
terá permitido a todos pagar
menos contribuições sociais
O polémico contrato da Federação
Portuguesa de Futebol (FPF) com
a Femacosa, a empresa de Fernan-
do Santos, está a ser analisado pela
Segurança Social. Se os serviços che-
garem à conclusão de que os cofres
da Segurança Social também saíram
lesados nos últimos anos, haverá mais
notas de cobrança a caminho, a so-
mar às do Fisco.
Na disputa judicial que venceu a
Fernando Santos, referente aos exer-
cícios de 2016 e 2017, a Autoridade
Tributária (AT) centrou-se sobretudo
nas questões fiscais. Contudo, já avi-
sava que, além de menos IRS, o esque-
ma de pagamento proposto em 2014
por Fernando Gomes ao selecionador
nacional também permitira a ambas
as partes diminuir os custos com con-
tribuições sociais. O Fisco aproveitou
o balanço do acórdão do tribunal ar-
bitral para acelerar as inspeções tanto
a Fernando Santos como aos seus ad-
juntos, e agora a Segurança Social faz
o mesmo. “A Segurança Social está a
analisar o processo”, garantiu fonte
oficial ao Expresso, acrescentando
que a instituição “não deixará de ado-
O Cartoon de António O striptease do aiatola
Prémio Gulbenkian
destaca ciência
O papel central da ciência
no combate à crise ecológica
e climática recebeu
o reconhecimento do júri
Perante duas das principais crises
que o planeta atravessa — a da bio-
diversidade e a climática —, o júri
do Prémio Gulbenkian para a Hu-
manidade 2022 distinguiu ex aequo,
com um milhão de euros, duas das
mais importantes instituições cien-
tíficas internacionais: a Plataforma
Intergovernamental Ciência-Política
sobre Biodiversidade e Serviços de
Ecossistemas (IPBES) e o Painel In-
tergovernamental sobre Alterações
tar as diligências necessárias para
garantir o cumprimento de qualquer
obrigação que seja apurada”.
As transferências que a FPF faz
mensalmente para a Femacosa es-
tão livres de retenções na fonte de
IRS e de Segurança Social. Contu-
do, se, em vez de um contrato com a
empresa, a FPF tivesse assinado um
contrato diretamente com o treina-
dor e adjuntos, a situação alterava-se
substancialmente. Se fosse um con-
trato de trabalho, a Federação teria
de descontar mensalmente 23,75%
sobre os salários pagos (entre 2016
e 2017 foram €10 milhões ao todo)
e de reter e transferir para o Estado
os 11% de quotizações que cabem aos
profissionais. Se tivesse assinado um
contrato de prestação de serviços a
título individual com cada um, o en-
cargo era igualmente expressivo, em-
bora distribuído de forma diferente.
Os profissionais teriam de descontar
Contrato de trabalho
arrisca-se a sair caro.
Segurança Social
garante que está
“a analisar o processo”
Climáticas (IPCC). Sublinhando que
“as evidências científicas não podem
ser tiradas da mesa” e que os siste-
mas climático e ecológico interagem,
a presidente do júri e ex-chanceler
alemã, Angela Merkel, frisou que
“precisamos de decisões políticas
para assegurar a sobrevivência da
humanidade” na apresentação dos
premiados, esta quinta-feira.
As duas instituições científicas têm
produzido relatórios que apontam
para a aceleração cada vez mais rá-
pida das alterações climáticas e da
perda acelerada de biodiversidade.
E lembram que ambas estão interli-
gadas, são provocadas pela atividade
29,6% sobre 70% da remuneração (as
regras em vigor à data) e a Federação
enfrentaria, pelo menos, uma penali-
zação de 5% pelo facto de ser a única
fonte de rendimentos do trabalho de
Fernando Santos e da sua equipa.
Qualquer que seja o modelo con-
tratual que se entenda ter sido mais
adequado, Fernando Santos, equipa
técnica e Federação arriscam-se a
enfrentar uma nova frente de litígios,
a somar aos da AT.
Até ao trânsito
em julgado é vindima
Para já, os advogados estão às voltas
com a sentença, a tentar encontrar
motivos de recurso ou impugnação.
Uma vez que a decisão foi proferida
pelo tribunal arbitral, um recurso
da decisão, não sendo impossível,
só pode ocorrer em casos muito li-
mitados. Esta é uma das vantagens
apontada ao Centro de Arbitragem
Administrativa, por oposição aos tri-
bunais comuns. Já impugnações in-
vocando erros formais, contradições
e omissão ou excesso de pronúncia
são mais comuns, mas não ditam
uma mudança do sentido da decisão
— adiam a sua entrada em vigor (o
chamado trânsito em julgado).
O dispendioso negócio remonta a
setembro de 2014, altura em que, em
vez de assinar um contrato de traba-
lho como treinador, Fernando Santos
assinou uma prestação de serviços
entre a FPF e a Femacosa, empresa
que tinha constituído em janeiro. No
acordo, o técnico comprometia-se a
gerir a equipa técnica e a pagar-lhes
o salário. Apesar de funcionarem em
regime de prestação de serviços, sele-
cionador e adjuntos ficaram comple-
tamente subordinados às decisões da
humana e têm consequências para a
humanidade.
O júri do Prémio Gulbenkian salien-
tou que os cientistas destes dois or-
ganismos produzem e comunicam
conhecimento que “tem sido funda-
mental para o avanço de muitas ações
políticas e públicas e para a necessida-
de de colocar um ‘caráter de urgência’
na forma como é abordada, na agenda
política, a questão do combate à crise
ecológica e à crise climática”. Em vés-
peras de duas das mais importantes
cimeiras do ano — a COP27, dedicada
à crise climática, e a COP15, dedicada à
biodiversidade —, o foco é claro. Sobre-
tudo quando a janela de oportunidades
se está a fechar.
“Qualquer atraso adicional na ação
global concertada levará a que se per-
ca uma janela breve de oportunidade
para garantir um futuro habitável. É
agora ou nunca”, frisa o presidente do
IPCC Hoesung Lee (ver entrevistas em
www.expresso.pt). E recorda que “a
ciência mostra que os próximos anos
Expresso, 14 de outubro de 2022
FPF e proibidos de prestar serviços
a qualquer clube, em qualquer ou-
tra modalidade. Na prática, a FPF
transferia dinheiro para a Femacosa,
que, por seu turno, o distribuía pe-
los restantes. Em 2016 e 2017, a Fe-
macosa faturou à FPF €10 milhões,
€2,5 milhões dos quais transferidos
para sociedades entretanto criadas
pelos adjuntos. O resto ficou para
Santos, que recebia, na qualidade de
sócio-gerente, um salário de €5 mil
por mês. A empresa pagou sempre
IRC, mas os seus lucros nunca foram
distribuídos. Como o imposto sobre
as empresas é bem menos pesado do
que o IRS, e como não teve de pagar
IRS sobre dividendos, o Fisco exigiu
correções.
No acórdão conhecido a 3 de outu-
bro, o coletivo de árbitros validou a
maioria dos argumentos da AT. Con-
siderou que os cidadãos têm direito a
organizar a sua atividade económica
através de empresas e que a Femaco-
sa “desenvolveu um outro conjunto
de atividades com efetiva substância
económica”. Contudo, no contrato
com a FPF, a sua única função era re-
duzir a carga fiscal. Fernando Santos
foi condenado a pagar €4,5 milhões
(€2 milhões de IRS acrescidos de ju-
ros compensatórios), um valor que já
está do lado da AT, assumidos pela
própria Federação. Este valor deverá
ser alvo de acertos, para descontar o
imposto que Fernando Santos já pa-
gou, nomeadamente a título de IRC.
Mas, transitando a sentença em jul-
gado, os custos não se ficam por aqui.
Há liquidações adicionais a caminho
sobre os quatro anos seguintes, para
o treinador e os seus adjuntos, e há
ainda a Segurança Social no encalço.
Elisabete Miranda
emiranda@expresso.impresa.pt
são críticos, o que exige uma ação glo-
bal imediata e coletiva agora”. Reduzir
emissões de gases de efeito de estufa,
apostar em energias renováveis e cum-
prir os compromissos internacionais
de financiar os países mais pobres para
se adaptarem às consequências de um
flagelo sobretudo provocado pelos paí-
ses mais ricos estão na agenda.
Tal como a crise climática, a crise da
biodiversidade “já está aqui”, lembra
Anne Larigauderie, secretária execu-
tiva da IPBES. E sublinha: “Temos de
proteger a diversidade biológica que
existe no mundo. Não queremos ficar
sozinhos neste planeta.” Pelo menos
um milhão de espécies da fauna e da
flora estão ameaçadas e 680 espécies
de vertebrados foram já levadas à ex-
tinção pelo homem, de acordo com um
relatório do IPBES. E, sem a natureza
em equilíbrio, serviços essenciais para
a produção de água, ar e alimentos são
postos em causa.
Carla Tomás
ctomas@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022
Imigrantes Alertas das polícias europeias sobre a pasta das esquadras ilegais
chinesas chegaram a Portugal “há poucos meses”. Embaixada e MNE em silêncio
Autoridades “especialmente
atentas” a embaixada da China
Texto Hugo Franco
Foto Nuno Botelho
A
s autoridades por-
tuguesas estão a
dar “especial aten-
ção” à embaixada
chinesa em Lisboa,
de um modo parti-
cular nos “últimos
meses”. Em causa
está a pasta das
chamadas “esquadras informais” chi-
nesas espalhadas um pouco por todo
o mundo e das suspeitas de imigrantes
daquele país, a trabalhar sobretudo da
Europa, que são obrigados a regressar
a Pequim por supostos crimes.
De acordo com fontes policiais,
não há, pelo menos para já, casos de
imigrantes a viver em Portugal que
tenham sido forçados a viajar para a
China, mas a embaixada daquele país
em Lisboa foi “referenciada” este ano
por outras polícias estrangeiras. No
entender destas, a instituição poderia
estar a dar apoio a estas atividades
ilegais. A informação foi partilhada
entre as forças e serviços de segu-
rança portugueses e é considerada
“altamente sensível”.
“Deter e levar uma pessoa pela
fronteira contra a sua vontade seria
um grave problema diplomático. Mas
não temos para já conhecimento de
ações ilegais”, diz uma fonte policial
envolvida no processo.
Contactados pelo Expresso sobre
esta matéria, nem o Ministério dos
Negócios Estrangeiros nem a em-
baixada chinesa prestaram qualquer
comentário.
O caso das “esquadras ilegais” chi-
nesas foi tornado público há duas
semanas pelo deputado da Iniciativa
Liberal João Cotrim Figueiredo. “Há
indícios de que se articulam com o de-
partamento Frente Unida do Partido
Comunista Chinês. Temos alegações
gravíssimas do ponto de vista dos di-
reitos humanos, da soberania nacio-
nal e da segurança nacional”, alertou
no Parlamento. A informação fazia
parte de um relatório da Safeguard
Defenders — Organização Não-Go-
vernamental (ONG) que luta pelos
direitos humanos na China.
Ao Expresso, um dos dirigentes da-
quela ONG revela a existência de 54
destas esquadras um pouco por todo o
mundo, sobretudo na Europa e Amé-
rica, mandatadas por duas jurisdições
de polícias na China.
Em Portugal, e segundo a Safeguard
Defenders, a polícia chinesa afirma
NATO
Costa falha
compromisso
Orçamento deixa Portugal
longe da meta de 1,66% do PIB.
Ministra diz-se “empenhada”
em honrar compromissos
Marcelo Rebelo de Sousa, comandante
supremo das Forças Armadas, disse,
esta quinta-feira, que para ser “prioritá-
ria” a Defesa precisa de um “amplo con-
senso” político no domínio orçamental.
Mas, segundo as contas do Expresso
com base na proposta de Orçamento
do Estado para 2023, o Governo difi-
cilmente alcançará a meta de 1,66% do
Produto Interno Bruto (PIB) com que
António Costa se comprometeu em
junho, na Cimeira da NATO de Madrid.
terá três desses postos em Portugal
(Lisboa, Porto e Madeira), que serão
geridos por associações locais regista-
das no nosso país. Estas pessoas “não
são polícias formais”, mas chineses
locais agindo por conta própria. “Mas
não existem provas (ainda) sobre as
suas operações em Portugal.”
Sem rasto em Portugal
Aquela ONG revela que além da sus-
peita com potenciais operações ile-
gais, existe uma preocupação geral
de que as associações encarregadas
de gerir estes centros não estejam
registadas para esse fim junto do Go-
verno português, “o que significa que
o Governo não teria conhecimento da
sua existência”. Assim, a “verificação
do registo destas associações junto
da entidade reguladora competente
seria um primeiro passo importante
para se perceber a sua finalidade”.
A Safeguard Defenders garante que
o Governo chinês afirma ter “persua-
dido” 230 mil pessoas a regressar a
julgamento na China em pouco mais
de um ano. “Por isso, estatisticamen-
te, seria muito estranho se isto não
tivesse acontecido também em Portu-
gal. Mas, como foi dito, por enquanto
não há provas disponíveis.”
No site da ONG são revelados casos
concretos: um passado em Madrid, em
Nessa ocasião, o primeiro-ministro
baixou as expectativas: sem ter fundos
europeus para os gastos militares, Por-
tugal não poderia atingir o compromis-
so de 2% do PIB com Defesa, estabele-
cido em 2014 na Cimeira de Gales (que
no caso português seria de 1,98% do
PIB em 2024). Para mostrar empenho,
Costa anunciou que ia antecipar para
2023 a meta de chegar a 1,66% do PIB.
Só que os dados disponíveis no OE 2023
tornam difícil o compromisso: segundo
as contas do Expresso, a despesa difi-
cilmente chegará a 1,4% do PIB para
o ano, o que seria um retrocesso nos
indicadores reportados à NATO.
Os gastos que contam para a Aliança
incluem o orçamento da Defesa e mais
duas parcelas: “Uma pequena parte
das despesas do orçamento da GNR”
e as pensões do pessoal que esteve ao
serviço da Defesa Nacional, “e cujo
pagamento compete à Caixa Geral de
Aposentações”, como respondeu fonte
oficial do gabinete da ministra Helena
Carreiras. “Serão mais de €800 mi-
2020; outro em Belgrado, em 2018.
Em ambas as situações, os cidadãos
chineses foram alegadamente conven-
cidos a regressar à China através de
videoconferências feitas com polícias
daquele país. No primeiro caso, de Liu,
o imigrante foi acusado pelas autorida-
des de Pequim por crimes de poluição
ambiental: “Foi ‘educado’ através do
pessoal da estação de serviço ultra-
marina de Madrid. Numa reunião em
vídeo com Liu, representantes de três
polícias de Qingtian (condado no leste
da China) persuadiram Liu a regressar
ao território”, pode ler-se no relatório
da ONG.
O dirigente da Safeguards Defen-
ders alertou ainda para os numerosos
avisos e documentos governamentais
que “especificaram que quem se re-
ONG REVELA A
EXISTÊNCIA DE
54 ESQUADRAS
ILEGAIS CHINESAS,
SOBRETUDO NA
EUROPA E NA AMÉRICA
lhões” em pensões, mas o ministério
não revela qual a “pequena parte” das
despesas da GNR a considerar.
Em 2021, segundo os dados mais re-
centes da NATO, Portugal gastou 1,55%
do PIB em Defesa, com um valor total
de €3,28 mil milhões (incluindo cerca
de €860 milhões em pensões e GNR).
Para 2023, se o OE for todo executado,
a verba reportada à NATO deve rondar
os €3,5 mil milhões, um crescimento
superior a 5%. No entanto, esse valor
será insuficiente perante a progressão
registada pelo PIB nominal no pós-pan-
demia e tendo em conta as previsões do
Governo para o PIB em 2022 e 2023.
O próprio gabinete da ministra Hele-
na Carreiras não garante as metas e
recomenda “precaução que todos os
agentes devem ter quando os cenários
económicos se revestem de maiores
graus de incerteza”, mas afirma que “o
Governo permanece empenhado em
honrar os compromissos que assumiu
perante a NATO”. A mesma fonte ofi-
cial do MDN lembra que pode haver
PRIMEIRO CADERNO 5
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO INSENSIBILIDADE
E FALTA DE SENSO
“Haver 400 casos não
me parece que seja
particularmente
elevado, porque
noutros países e com
horizontes mais
pequenos houve
milhares de casos”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República sobre as denúncias
de abusos sexuais na Igreja Católica
PRÉMIO SEM RODEIOS
“O número mínimo de
Informação partilhada entre as
vítimas será muitíssimo
maior do que as quatro
forças e serviços de segurança
portugueses é considerada centenas e os abusos
“altamente sensível” compreendem todas
as formas descritas
na lei portuguesa”
Pedro Strecht
Coordenador da Comissão Independente
para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as
Crianças na Igreja Católica Portuguesa
PRÉMIO CONTRACORRENTE
“Quero expressar a
minha total
solidariedade com o PR
pela interpretação
inaceitável que tem sido
feita das suas palavras”
António Costa
Primeiro-ministro
PRÉMIO DESCER À TERRA
“A minha intenção não
foi ofender quando
disse o que disse,
mas se porventura
cuse a ajudar a polícia em operações entenderam, uma que
de persuasão pode ser punido, jun- seja das vítimas que
tamente com a família pela polícia
interna do partido”.
está ofendida, eu peço
Em reação às declarações do de- desculpa por isso”
putado da Iniciativa Liberal, Y Ping Marcelo Rebelo de Sousa
Chow, o presidente da Liga dos Chine- Presidente da República
ses em Portugal, garantiu ser “impos-
sível” a existência de esquadras ilegais PRÉMIO QUANTOS SÃO?
chinesas a operar em Portugal. “A “Estamos preparados
denúncia é falsa e sem fundamento.
É impossível, porque Portugal é um para cenários que
país democrático e é difícil estarem possam ser mais
organizações ilegais a despistar ór- adversos”
gãos policiais portugueses”, afirmou
Fernando Medina
o dirigente à Renascença. Ministro das Finanças sobre o OE
Há duas semanas, o Expresso foi
às três moradas em Portugal indica- PRÉMIO ESCÁRNIO E MALDIZER
das pela Safeguard Defenders. Em
nenhuma encontrou qualquer pista “Todas essas historietas
sobre possíveis atividades ilegais. Mas histriónicas (...) fazem
no endereço da Madeira encontra-se parte de um conjunto
uma associação de apoio a imigrantes
chineses; tem número de contribuin-
de afirmações que mais
te e, no registo de pessoas coletivas,
apresenta-se como uma organização
não visam do que se
fazerem notadas por
com fins culturais e recreativos. E,
embora tenha sido criada em 2019, na
contraponto ao sucesso
Ribeira Brava, onde tem a sede, nin-
guém lhe conhece atividade ou sabe
que representa este
acordo com os
quem são os dirigentes ou associados. parceiros sociais”
Nem sequer os serviços municipais.
Carlos César
Com Joana Ascensão, Presidente do PS sobre as críticas
Marta Caires e V.M. aos governantes suspeitos de eventual
hfranco@expresso.impresa.pt incompatibilidade de detentores
de cargos públicos
PRÉMIO ÚLTIMA CHAMADA
reforços orçamentais, por exemplo
para a “projeção de Forças Nacionais
Destacadas no flanco Leste europeu”
“É, na realidade, a
última oportunidade.
se for necessário mais “pessoal e meios
empenhados ou uma maior duração
Depois da injeção de
capital do Estado,
das missões”, como aconteceu em 2022
com a força na Roménia. “Esse eventual
montante não é, naturalmente, possível
a TAP não poderá
receber mais apoios
de calcular neste momento.” durante 10 anos.
O Governo diz que os gastos da Defesa Não podemos falhar”
crescem 8,3% em relação à estimativa Christine Ourmières-Widener
de execução este ano, mas a dotação Presidente executiva da TAP
prevista aumenta apenas 5,4% em rela-
ção à despesa orçamentada para 2022. PRÉMIO DAR O CORPO ÀS BALAS
O orçamento corta 7% na “aquisição
de bens e serviços”, o que reduz ainda “Enquanto o Esgaio
mais os orçamentos de “operação e aqui estiver e eu aqui
manutenção” dos ramos, já reduzidos estiver, terá sempre a
pela inflação elevada e pelo aumento proteção do treinador”
do preço dos combustíveis. O PR disse
que, para terem um lugar “prioritário”, Ruben Amorim
Treinador do Sporting sobre o jogador que
a “Política Externa e a Defesa Nacional”
provocou um penálti no jogo com o Marselha
implicam “amplo consenso, para além que o Sporting perdeu por dois a zero
de ciclos eleitorais.” Não será neste OE.
Vítor Matos com João Silvestre Paula Santos
vmatos@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de outubro de 2022

POLÍTICA ORÇAMENTO D O ESTAD O 2023

Fernando Medina Ministro das Finanças

“Resistimos ao
canto da sereia de
aumentar o défice”
Textos João Silvestre, João
Vieira Pereira e Rita Dinis
Foto Nuno Botelho
O ministro das Finanças falou com o
Expresso dois dias depois da apresen-
tação do Orçamento do Estado para
2023. E a tónica mantinha-se: reduzir
a dívida pública é uma prioridade e
é o que permite que Portugal possa
enfrentar o próximo ano com mar-
gem para atuar se os cenários mais
pessimistas se confirmarem. Recusa a
palavra “austeridade” e prefere falar
num “Orçamento neutral”. Garante
que o investimento vai mesmo acele-
rar e admite que é necessário rever as
regras da contratação pública.
P Porque é que diz que este não é um
Orçamento austero quando há uma
redução significativa do défice?
R Este Orçamento prevê um cresci-
mento mais moderado do que em 2022
e tem um conjunto de medidas muito
importante de apoio ao rendimento
das famílias e à competitividade das
empresas. Por isso em nenhuma cir-
cunstância pode ter essa classificação
de austeridade. Não é um Orçamento
que esteja a procurar conter o anda-
mento da economia.
R A projeção mais recente do FMI
não se afasta muito da nossa. Há uma
diferença técnica importante: o Fundo
Monetário faz projeções sem incorpo-
ração de política e é muito anterior ao
Orçamento, e isso explica uma parte
significativa da divergência.
P O pacote de medidas que se usou
para ajudar famílias e empresas pode
vir a repetir-se em caso de necessi-
dade?
R Não é esse o nosso cenário. Não é
isso que antevemos. Mas a política
orçamental tem margem para poder
tomar as opções que as conjunturas
exigirem.
P O Orçamento para 2022, que veio de
uma proposta negociada com o então
Governo da ‘geringonça’, foi vendido
como sendo o Orçamento mais à es-
querda de sempre. Este Orçamento,
que é o primeiro do Governo de maio-
ria absoluta, é o mais à direita?
R Deixo a adjetivação para os analis-
tas. Já o adjetivei nos nossos termos:
é um Orçamento de estabilidade, de
confiança e de compromisso.
P Não sendo de austeridade, é um Or-
çamento de prudência ou contenção.
Não se esperava do PS um Orçamento
sobre isso. Agimos sempre com a me-
lhor informação que temos.
P Acha que o PR tem má informação?
R Não, não tem. Há sensibilidades e
há uma incerteza grande sobre o que
vai acontecer. O que estimamos é que
não haja um crescimento tão rápido da
inflação, mas, ainda assim, prevemos
uma inflação de 4%, que é elevada. Sig-
nifica que os preços continuam a subir.
P As sucessivas intervenções do PR
nesta matéria podem criar nas pes-
soas mais dúvidas sobre o que pode
acontecer em 2023?
R Não me peçam para comentar as
intervenções do Presidente da Repú-
blica. Respeito sempre as posições e as
opiniões do Presidente da República,
por quem tenho estima.
P Nos anos anteriores, os seus an-
tecessores nunca cumpriram a meta
inscrita no Orçamento para o investi-
mento. Como espera que agora acre-
ditemos que é desta vez que vai ser
cumprida?
R A razão de fundo é a evolução na-
tural dos ciclos de investimento com
cofinanciamento comunitário, que
não seguem nenhum padrão linear. O
Estado não carrega num botão para o

P Porque se reduz tanto o défice?

R O défice pode reduzir-se porque
há crescimento. A redução é menor
do que a que tínhamos no Programa
de Estabilidade: o défice era de 0,7%
e temos 0,9%. É importante também
lembrar que em 2022 ocorreram um
conjunto de despesas não-repetíveis
— como despesas com a covid — com
um impacto orçamental significativo.
Assim, o esforço efetivo de redução do
défice em 2023 é menor.
P Se olharmos para os últimos núme-
ros do FMI, Portugal é um dos países
do mundo onde a dívida mais diminui
entre 2020 e 2023. Era mesmo neces-
sário descer tão rápido?
R É, e ainda bem que o fizemos. Se há
algo que é hoje um fator de confiança
para enfrentarmos o ano de 2023 é
precisamente a redução da dívida. Tí-
nhamos, e ainda temos, um calcanhar
de Aquiles, que é o facto de sermos o
terceiro país com a dívida mais eleva-
mais expansionista?
R Este não é um Orçamento de con-
tenção, é um Orçamento neutral. Esta-
mos numa situação de pleno emprego.
É evidente que estamos com dificul-
dade em manter os rendimentos das
famílias pelo processo inflacionário.
Mas a verdade é que as economias têm
hoje uma capacidade e uma robustez
que é muito diferente de um contexto
de crise como aquele que vivemos há
poucos anos.
P Têm sido feitas muitas críticas, no-
meadamente do próprio Presidente da
República, ao cenário macroeconómi-
co, por ser demasiado otimista, par-
ticularmente em relação à inflação.
Considera essas críticas justas?
R Oiço sempre com muita atenção o
Presidente da República. Não creio
que a apreciação que fez fosse crítica
investimento aparecer. É preciso fazer
os estudos, os projetos e os concursos.
P Sempre foi assim.
R Mas há uma questão de métrica: a
métrica do PRR é sobre o cumprimen-
to de reformas, e não sobre a execução
do investimento. Depois houve a crise
política. Teve um impacto muito gran-
de no funcionamento da máquina do
Estado. É como um grande petroleiro:
quando trava, até conseguir retomar
uma velocidade de cruzeiro elevada
demora.
P Quando olhamos para a economia e
falamos com os empresários, as obras
tardam em avançar. E não é só pelos
atrasos do Estado. Matérias-primas
mais caras, imensos problemas legais
ou jurídicos, com concursos impug-
nados. Como é que se resolve o pro-
blema?
R Esse é um problema muito sério e
vamos ter que encontrar as ferramen-
tas para ir resolvendo. Já procurámos
“‘Geringonça’
é muito
diferente
do PS em
maioria”
O acordo de rendimentos e compe-
titividade, que esteve em risco mas
foi assinado no domingo (ver texto
na pág. 8), é “uma expressão de
vontade” e repõe o foco perdido na
concertação social, diz o ministro.
Fernando Medina admite que Go-
verno anterior só reduziu limite do
reporte de prejuízos para ceder ao
Bloco de Esquerda — porque não é
nisso que este Executivo de maioria
pessoas num contexto que é incerto.
Não escondemos que o contexto é
difícil e exigente por causa da inflação,
por isso procurámos estes elementos
de segurança. O acordo transmite isso
e vai num sentido de melhoria dos ren-
dimentos e também da competitivida-
de. A segunda razão é a valorização
da concertação social. Tenho a escola
do ministro Vieira da Silva: vivi um
período no qual a concertação social
foi palco de importantes acordos. O
facto de haver uma maioria que su-
porta o Governo não resolve só por si
as expectativas das pessoas.
P Mas há perda do poder de compra
dos funcionários públicos este ano. E a
solução encontrada privilegia os ven-
cimentos mais baixos. Não vai contra
o objetivo de valorização de carreiras?
R Na avaliação do poder de compra
temos de olhar para mais do que a
tabela dos salários. Sempre insisti que,
no ano de 2022, tínhamos de ter como
referência o valor de 2,5% mais o con-

da dentro da zona euro. A conquista
destes dois últimos anos, em especial
2022, é que deixamos uma posição
isolada de sermos o terceiro país com a
dívida mais elevada da zona euro e pas-
samos a integrar um grupo de países
que já tem um nível significativamente
abaixo — Espanha, França e Bélgica.
Não fomos nos cantos de sereia daque-
les que diziam que a dívida não conta e
que devíamos expandir o défice.
P Que número têm em mente para a
redução da dívida nesta legislatura?
R Ter uma dívida inferior a 100%.
ESTE NÃO É UM
resolver com um decreto próprio rela-
tivo às questões das revisões de preços.
ORÇAMENTO DE Temos que manter a capacidade de ir
definindo os novos instrumentos que
CONTENÇÃO. sejam necessários ao longo do ano. A
forma como a contratação pública fun-
ESTAMOS NUMA ciona e a rapidez com que as alterações
acontecem não são fáceis de serem
SITUAÇÃO DE PLENO vertidas para os processos.
EMPREGO P Quando falamos com quem traba-
lha no Estado e que tem de gerir, por
exemplo hospitais, sabemos o tempo
que demora a conseguirem comprar
DEVEMOS TER UMA uma simples máquina, porque a con-
absoluta acredita. junto de medidas que incidem sobre
os impostos e a contenção de preços.
P Porque é que era tão importante
assinar este acordo de rendimen-
Tudo conta para a composição do ren-
dimento disponível. Mas nenhum Go-
tos em concertação social antes
do Orçamento do Estado? Porquê
verno de nenhum país tem condições
para dizer que esta crise não existe.
a pressa?
R Porque era essencial como ele- P E têm de ser os funcionários públi-
mento de valorização da concerta-
ção social.
cos a pagar a inflação?
R Procurámos proteger logo os mais
P Mas porquê a chancela dos pa-
vulneráveis. E procurámos, com o
acordo, criar as bases para que no
trões? O Governo não estava su- sector privado pudesse haver uma
ficientemente confortável para evolução consistente. Mas não pode-
assumir o OE sozinho?
R Perante os acontecimentos ex-
mos, por via salarial, fazer de conta

DÍVIDA INFERIOR
tratação pública não funciona. que esta crise não existe sem pôr em
P Para isso, precisa que a economia R O nosso país tem tido uma grande ternos que nos afetam, há uma an- causa equilíbrios fundamentais nas

continue a crescer. A verdade é que,
desde a apresentação do Orçamento,
já saíram novas previsões do FMI que
apontam, por exemplo, para uma re-
cessão na Alemanha. Se as coisas cor-
rerem mal, como é que prevê ajudar
mais as famílias e a economia?
A 100% DO PIB
dificuldade em conseguir fazer uma
análise fria e racional sobre os méto-
ATÉ 2026 dos da contratação pública. O que pos-
so dizer é que há um grande empenho
em ir acompanhando esses obstáculos
que aparecem.
jsilvestre@expresso.impresa.pt
siedade social de procurar elemen-
tos de estabilidade e de referência...
P Temia o aumento da contesta-
ção social?
R A nossa preocupação foi criar
elementos de previsibilidade às
contas públicas. Até porque, a partir
de determinado patamar, estaríamos
a alimentar o processo interno e isso
só levaria à perda do poder de compra.
P O acordo para o aumento dos fun-
cionários públicos e pensionistas tem
Expresso, 14 de outubro de 2022
por base uma inflação estimada. Se
for superior ou inferior, admite rever?
R Se se concretizar o cenário macroe-
conómico de médio prazo que preve-
mos, esse mecanismo de recuperação
face a 2022 existe. Porque os aumen-
tos estão definidos numa média de
aumento salarial de 3,4%.
P Isso é se a inflação voltar aos 2%.
E se não voltar? Admite rever essa
posição?
R Teremos de avaliar. Estamos a na-
vegar em águas pouco conhecidas,
com um fenómeno que se impôs com
muita rapidez e que está a ter agora
uma resposta intensa do BCE. Não
lhe posso dar uma resposta sobre o
OE 2024, sobre o OE 2025, porque a
incerteza é grande.
Crédito para
breve, TAP
fora do OE
Medina refere que o Governo está
a trabalhar com o Banco de
Portugal para apresentar, “nas
próximas semanas”, o diploma que
revê as regras de renegociação dos
créditos à habitação. Que tenha
uma “efetiva redução dos custos” e
que “não resulte em nenhum
prejuízo para as famílias e para os
bancos devido a uma aplicação das
regras do sistema financeiro”.
Passará por permitir mexer em
algumas condições dos contratos
— como prazos, por exemplo.
Dedução de juros no IRS não está a
ser “equacionada”. Já sobre a
ausência da privatização da TAP do
Orçamento, é apenas para não
prejudicar “um processo que tem
de ocorrer de forma a preservar o
interesse da companhia”.
VÍDEO SOLUÇÃO PARA BAIXAR CUSTOS DO
CRÉDITO À HABITAÇÃO VAI SER CONHECIDA
“NAS PRÓXIMAS SEMANAS”
P Como é que o Governo vai monito-
rizar que as empresas aumentam de
facto os salários em 5,1%?
R O acordo é uma expressão de von-
tade. A importância funda-se não em
nenhuma generosidade nem em ne-
nhum erro estratégico. As empresas
sabem porque é que o assinaram: lem-
bram-se dos tempos de pandemia em
que não preservaram os seus recursos
humanos e hoje não conseguem en-
contrar recursos para uma época de
maior crescimento da economia.
P Uma das medidas conseguidas pe-
los patrões foi o fim do prazo dos re-
portes fiscais de prejuízos. O Governo
da ‘geringonça’ fez o contrário quan-
do reduziu o prazo. Em que acredita
afinal?
R Considero essa medida muito im-
portante e defendi-a.
P O Governo estava errado na altura,
então?
R É óbvio que uma governação apoia-
da numa plataforma política é uma
governação diferente de uma governa-
ção do PS em maioria absoluta.
P Foi uma exigência do BE e agora
é uma medida tomada para agradar
aos patrões?
R Foi uma medida que teve a nos-
sa proposta e a nossa iniciativa [no
acordo de rendimentos]. Primeiro,
por uma questão de não discrimina-
ção. Portugal tinha uma situação de
exceção em relação aos outros países
europeus. A segunda razão é apoiar
o reforço dos capitais próprios das
empresas. É uma mudança de fundo
na forma de financiamento das em-
presas. Não será fácil, o nosso sistema
está muito enraizado no domínio do
financiamento do capital alheio, mas
era uma oportunidade de ouro que
não podíamos desperdiçar: o capital
próprio é essencial como alavanca
para o investimento.
“Liberal
não, sou um
governante
realista”
O regime de residentes não habi-
tuais é uma forma de “não desper-
diçar nenhum elemento de com-
petitividade” numa Europa onde a
concorrência fiscal é feroz. Fernan-
do Medina, que diz ser apenas “rea-
lista”, está disponível para acabar
com estes mecanismos se houver
harmonização fiscal na Europa.
P A Constituição da República diz-
-nos que “os estrangeiros (…) que se
encontrem ou residam em Portugal
gozam dos direitos e estão sujeitos
aos deveres do cidadão português”.
Porque é que mantêm um regime
para não residentes que lhes per-
mite pagar menos impostos que a
generalidade da população?
R Porque Portugal não pode des-
perdiçar nenhum elemento de com-
petitividade na capacidade de atrair
capital, capacidade produtiva, qua-
dros qualificados, rendimento. Sou
defensor de que houvesse, a nível
europeu, uma harmonização fiscal
muito mais avançada. Defendo, ali-
ás, a rápida aprovação da proposta
que estabelece a tributação mínima
de 15%. Mas esta realidade ainda
não existe. E Portugal não deve ficar
numa situação de desvantagem.
P Mas Portugal tem outras van-
tagens: a localização, o clima, o
SIMULAÇÕES, ANÁLISES E NOTÍCIAS
SOBRE O ORÇAMENTO DO ESTADO
LEIA TUDO EM EXPRESSO.PT
“O Estado não carrega
num botão para o
investimento aparecer.
É preciso fazer os
estudos, os projetos e
os concursos”
território e a segurança. Não serão
suficientes? É preciso ter um regime
fiscal que no próximo ano tem uma
despesa fiscal de €900 milhões?
R Essa é uma despesa teórica. Se não
houvesse o benefício, essa receita se-
ria tributada em Portugal?
P É socialmente justo que pessoas
com rendimento muito superior ou
igual possam não pagar imposto ou
pagar muito pouco?
R A solução que há é temporária, por
algum período de tempo. O que eu
acho verdadeiramente injusto é ha-
ver concorrência fiscal entre países.
No dia em que houver uma proposta
para que esses mecanismos desapa-
reçam, então Portugal estará na linha
da frente.
P Esse é o argumento de “eu faço por-
que os outros também fazem”.
R Não podemos ter a ingenuidade que
nos leva a ignorar aquilo que se passa
à nossa volta.
P O que é que diz a uma pessoa que
quer encontrar casa no centro da
cidade e não consegue porque os
preços e as rendas estão estratos-
féricas?
R Digo aquilo que tenho dito sempre:
o grande fator que inflacionou o preço
das casas foi termos taxas de juro pra-
ticamente a zero durante muitos anos.
P Acha que essa despesa fiscal de
€900 milhões justifica o facto de ter-
mos cidadãos a pagar um imposto e
cidadãos a pagar outro?
R Não temos condições de desperdi-
çar nenhum elemento de competitivi-
dade. Somos um país pequeno.
P Não esperava de um socialista uma
linguagem tão liberal.
R Não é uma linguagem tão liberal,
é uma linguagem de um governante
realista.
PRIMEIRO CADERNO 7
>>
IRC “Não
me peçam
para
escrever a
história”
Desentendimento público
com ministro da Economia
está “ultrapassado”,
mas Medina recusa
“contar a história”
Com o acordo de rendimentos
assinado com patrões e UGT,
e com o Orçamento do Estado
apresentado, Fernando Medi-
na não quer ouvir mais falar
da divergência de opiniões que
travou em público com o minis-
tro da Economia, António Cos-
ta Silva, mas deixa antever que
muito ficou por contar. “Neste
momento só quero sublinhar o
facto de termos um acordo de
rendimentos e competitivida-
de, que foi construído com um
grande sentido coletivo dentro
do Governo, com grande empe-
nho do Ministério das Finanças
e com grandes méritos de to-
das as áreas que trabalharam
para termos um acordo. Não
me peçam agora para escrever
a história deste acordo, não é
o meu papel”, disse em entre-
vista ao Expresso. E insistiu
na tónica: “Isso ficará para a
história.” Que história é essa,
não disse. Depois de, na apre-
sentação do Orçamento do Es-
tado, ter notado que os dois até
foram com gravata a condizer
para a assinatura do acordo,
rematou: “É um tema que está
ultrapassado.”
Em causa está o facto de
Costa Silva ter manifestado,
quando ainda decorriam as
negociações com sindicatos e
confederações patronais, que
tinha expectativa de que o acor-
do de rendimentos trouxesse
uma redução transversal em
sede de IRC para as empresas.
António Saraiva, presidente da
CIP, chegou a confirmar que
isso mesmo esteve em cima
da mesa das negociações mas
que ficou prejudicado por o
ministro ter falado antes do
tempo. Medina pôs um travão
público, e volta a fazê-lo agora:
“O que está no programa do
Governo são descidas seletivas
para a concretização de obje-
tivos.” Ainda assim, o ministro
não descarta totalmente uma
redução do imposto nos anos
seguintes. “Estou a falar do OE
2023, não iniciei a reflexão so-
bre o OE 2024”, diz, mantendo
que “a prioridade é o reforço do
investimento”.
Sem avançar com detalhes da
“história” por contar, Medina
explica apenas que era do inte-
resse das confederações patro-
nais assinar o acordo — ainda
que “à pressa”, como criticaram
— por uma questão de “valoriza-
ção da concertação social”. Ou
seja, os aumentos salariais avan-
çavam na mesma, a diferença
era os patrões receberem con-
trapartidas ou não (ver pág. 8).
Questionado quanto à taxa so-
bre os lucros inesperados, que o
ministro da Economia também
chegou a defender mas que o
Governo travou até haver orien-
tações de Bruxelas, Medina ad-
mite que ainda não analisou em
detalhe o regulamento europeu.
Promete fazê-lo “com muita ra-
pidez” porque a legislação tem
de ser aprovada antes do final
do ano para apanhar lucros de
2022. As cautelas, contudo, são
muitas, e a expectativa de recei-
ta não é grande. “É preciso não
criar uma falsa ilusão de que
podem provir receitas que de-
pois podem não acontecer”, diz.
8 PRIMEIRO CADERNO
ORÇAMENTO D O ESTAD O 2023
Com “almofada brutal”, Marcelo admite
que o Governo só possa cair por dentro
Esquerda ainda joga na crise económico-social, mas PR e Montenegro aguardam desgaste político da maioria
Ângela Silva
“Uma fórmula curiosa a talen-
tosa”, foi a expressão usada
pelo Presidente da República
para classificar o lance de An-
tónio Costa e de Fernando Me-
dina de colarem o ‘Orçamento
de guerra’ a um inesperado
acordo na concertação social.
Os dois adjetivos usados por
Marcelo Rebelo de Sousa resu-
mem bem o seu estado de espí-
rito: no imediato, o Presidente
acha que o Governo se safou
muito bem e que a “almofada”
(a expressão é sua) que Costa
conseguiu garantir junto dos
parceiros sociais somada à boa
gestão orçamental feita até aqui
não facilitarão tão depressa a
vida à oposição.
“A esquerda ainda não per-
cebeu que o Governo está com
uma almofada brutal para se
aguentar e provavelmente só se
destrói por dentro”, comenta-
-se no Palácio de Belém, onde
o próprio Presidente anteci-
pa que, mais do que a política
económica e social, o que mais
pode penalizar a maioria socia-
lista é o desgaste político, o tem-
po, os casos e a divisão interna.
É isto que explica o apoio que
Marcelo tem dado à estratégia
do novo líder do PSD de não
ter pressa nem querer entrar
numa rota desenfreada de com-
bate ao Executivo, apostando,
pelo contrário, numa afirma-
ção discreta mas estruturada
no terreno. Com os holofotes
na apresentação do Orçamen-
to do Estado (OE), em Lisboa,
Luís Montenegro passou a se-
mana em Évora — parte do seu
roteiro “Sentir Portugal” em
que passa uma semana por mês
em cada distrito —, como quem
aproveita o tempo que ainda é
de grande palco para António
Costa para avançar num traba-
lho de casa que espera vir-lhe
a render mais à frente. Talvez
com uma primeira vitória elei-
toral nas europeias de 2024,
que antecipem as legislativas.
Sem desistir de espreitar uma
nesga para ainda poder mar-
car eleições antecipadas antes
de deixar o Palácio de Belém,
o Presidente vai lembrando
o seu poder de dissolução do
Parlamento (voltou a fazê-lo no
discurso do 5 de Outubro). Mas
ele próprio sabe que o caminho
é estreito e que o impacto “bru-
tal” do pacote OE/acordo de
concertação aconselha, para já,
prudência. Marcelo reconheceu
Mais vale acordo na
mão do que carga
fiscal a aumentar
Acordo esteve por um
fio. Patrões assinaram
a troco de contrapartidas,
mas salários subiriam
na mesma
Nem bom nem mau, mas me-
lhor do que acordo nenhum.
Até porque, se há mensagem
que passou durante as negocia-
ções foi a de que, com ou sem
acordo, o Governo mantinha
que o acordo foi “um sucesso
político”. E embora tenha es-
friado o otimismo do ministro
das Finanças que ‘vendeu’ o OE
como uma garantia de “esta-
bilidade e compromisso” até
2026, respondendo-lhe em pú-
blico que este é um Orçamento
“cheio de imprevisibilidades”,
a verdade é que Marcelo va-
loriza os créditos acumulados
pela maioria pelo menos até
ao final de 2023. E depois dis-
so, esfumado o efeito ‘pacote’
e consoante o que o mundo nos
reservar, ver-se-á o estado da
arte: execução do OE, cumpri-
mento de metas, evolução da
economia, estado de espírito da
classe média.
Montenegro:
uma questão de tempo
Alinhado com este registo,
Montenegro vai evidenciando
divergências com o Governo e
evita falar das dificuldades que
Costa e Medina criaram à narra-
tiva do seu partido. Ao fazer da
dívida e do défice o alfa e o óme-
ga da sua agenda, sem descurar
apoios imediatos a famílias e
as metas para a valorização sa-
larial até 2026, a generosidade
para com os patrões é que po-
deria mudar. É esta a perspeti-
va com que as confederações
patronais veem o acordo de
rendimentos, que subscreve-
ram em conjunto com a UGT,
no último sábado, a menos de
48 horas da entrega da pro-
posta de Orçamento do Estado
para 2023 (OE 2023).
empresas, o Governo forçou o
maior partido da oposição a dar
tempo para, mais à frente, com
eventual desgaste da maioria
e maior desencontro entre o
prometido e o cumprido, pas-
sar verdadeiramente ao ataque.
“Este OE tem alguns remendos
mas não tem remendo. Tem
uma visão de muito curto prazo.
Não resolve nada de estrutural”,
O acordo de
concertação é “um
sucesso político”,
e o OE um mar de
“imprevisibilidades”.
Para quê ter pressa?
afirma Montenegro em conver-
sa com o Expresso.
Focado em marcar a diferen-
ça (antes de mais, com a defesa
de uma descida transversal do
IRC e de uma descida do IRS
para todos os escalões à exce-
ção do último), mas sobretudo
apostado em desacreditar o que
o Governo promete: “Este Go-
O caminho até ao consenso —
que chegou a estar ameaçado
— foi atribulado e com muita
pressão. Várias confederações
empresariais manifestaram ao
Expresso “desconforto” pela
metodologia usada pelo Gover-
no nas reuniões de concertação
social em que o acordo foi nego-
ciado. As queixas dos patrões
referem uma longa maratona
de “reuniões sem conteúdo, an-
tes de as propostas concretas
chegarem nos dois últimos dias,
sem tempo para discussão” e
uma “forte pressão do Gover-
no” para assinar o documento.
Em alguns casos, como no co-
mércio e na indústria, houve di-
visão entre os associados sobre
a decisão a tomar. Uma das críti-
cas mais ouvidas é que o acordo
“é desproporcionado e o Estado,
pela via dos impostos e contri-
verno não é de confiança. Não
tem uma correlação direta en-
tre o que promete e o que faz.”
Ou seja, a prova dos nove não é
para já, há que ganhar tempo.
Talvez o PS tenha uma derro-
ta monumental nas europeias,
talvez cheire a pântano, talvez
haja uma degradação brutal no
funcionamento do Governo, tal-
vez o país se chateie, antecipa-
-se entre Belém e a Lapa.
Nas audições que esta semana
teve com os partidos, o Presi-
dente ouviu dos mais peque-
nos o óbvio. BE, PCP, Livre e
PAN acusam os socialistas de
estarem obcecados com o défi-
ce e de não darem resposta às
necessidades dos portugueses
causticados pelo custo de vida.
O Chega e a IL partilham este
mantra a que somam a incapa-
cidade de fazer alterações fis-
cais de fundo e outras reformas
estruturais. E Marcelo libertou
na rua a frase que aconselha
todos a manterem no topo da
agenda: “Toda a gente está a
navegar à vista da costa.” Inclu-
indo o próprio.
Com Hélder Gomes
avsilva@expresso.impresa.pt
buições, acaba por lucrar com
os aumentos salariais, sem dar
o devido retorno às empresas”.
Para marcar posição, os pa-
trões chegaram a equacionar
assinar o documento e não
comparecer na cerimónia de
domingo, mas acabaria por
faltar apenas o presidente da
Confederação do Comércio e
Serviços de Portugal (CCP),
João Vieira Lopes. O Expresso
sabe que foi muita a pressão de
vários membros do Executivo
junto dos parceiros sociais para
que estivessem na cerimónia. E,
embora o Governo justificasse a
ausência da CCP com questões
de agenda, o líder dos patrões
do comércio não escondeu que
era por discordar do processo.
A Confederação dos Agricul-
tores de Portugal (CAP) con-
firma a pressão: “Fomos muito
Expresso, 14 de outubro de 2022
Costa e Montenegro no 5 de Outubro.
O primeiro-ministro e o líder da
oposição estão a dar tempo um
ao outro FOTO TIAGO MIRANDA
PS aliviado com “segunda vida”
“Foi uma fase dura. Parecia que
o que estávamos a fazer não
era suficiente.” Deputados e
dirigentes do PS estavam
preocupados com os primeiros
seis meses de Governo e não o
escondiam. Mas a ideia de
permanente reação (e
descoordenação), aliada à
perceção de que os cofres do
Estado se estavam a encher à
custa da inflação e que o
Governo não estava a dar tudo
o que podia em nome das
metas do défice, ficou “sanada”
com a dupla apresentação do
OE 2023/Acordo de
Rendimentos. Foi uma espécie
de “segunda vida” para a
maioria, admite ao Expresso
um deputado satisfeito com o
resultado: “Nunca dissemos
que não haveria perda de
poder de compra, mas fomos
ao limite das possibilidades.”
Outro deputado alinha: “Foi
dos orçamentos mais bem
recebidos” dentro do PS. Isso
ficou visível na reunião desta
pressionados para assinar o
acordo antes da proposta de
OE 2023 chegar ao Parlamen-
to. Até ao último momento,
consideramos a possibilidade
de não subscrever o texto na
totalidade, mas acabamos por
ceder após garantir o descon-
to de 10 cêntimos por litro no
gasóleo agrícola”, admite o
presidente, Eduardo Oliveira
e Sousa. O facto de o acordo
incluir uma cláusula de reava-
liação anual “também ajudou”.
No caso da CCP, pesou o alar-
gamento a outros sectores do
apoio de €3 mil milhões para
a energia, previsto só para a
indústria. As mexidas na tribu-
tação autónoma e a garantia
de um projeto específico para
a modernização e competiti-
vidade do comércio também
ditaram o aval ao documento.
semana do grupo parlamentar,
que contou com a presença de
António Costa e de Fernando
Medina, e cujo ambiente foi
descrito ao Expresso como de
total sintonia. As poucas
perguntas foram sobre
autarquias, Banco de Fomento
e fundos comunitários. Costa
teve até necessidade de, sem
ser questionado, acalmar os
socialistas sobre a subida dos
juros dos créditos à habitação:
está a preparar medidas para
breve. Mas os socialistas
estavam calmos e até elogiosos
para com o ministro das
Finanças: “seguro, sólido, à
vontade”. Ficam apenas
dúvidas e reparos que
quebram a unanimidade: “A
grande dúvida é saber se o
investimento é cumprido ou
não”, diz uma fonte. Outra
mostra-se de pé ainda mais
atrás: “Se há folga para reduzir
tanto o défice e a dívida
também havia para repor o
poder de compra.” Rita Dinis
No Turismo, as contrapartidas
mais evidentes não constam do
acordo. É na proposta de OE
2023 que o Governo inscreve
um reforço de €2 milhões no
Fundo de Apoio ao Turismo, que
passa para €14 milhões. Já na
indústria, ficou o sentimento de
que “o Governo nunca foi claro
nas propostas”, “não apresen-
tou um único número sobre o
impacto das medidas” e “acaba
por ganhar parte significativa
dos encargos adicionais das em-
presas”. E não houve contrapar-
tidas? “Quando muito, a estima-
tiva de um aumento de 2% na
produtividade”, diz um dirigen-
te associativo, recordando que
António Saraiva se referiu ao
acordo como “ponto de partida”.
Cátia Mateus
e Margarida Cardoso
cmateus@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022 PRIMEIRO CADERNO 9

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O R E G R E SS O D E UM Í C O N E C L Á SS I C O

Com os exclusivos ponteiros Broad Arrow e escala taquimétrica

na luneta, o Speedmaster 57 é o modelo emblemático do
revolucionário Speedmaster, lançado em 1957. Nesta última
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Co-Axial Master Chronometer que eleva a precisão a um nível
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George Clooney e representa na perfeição a intemporal linha
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10 PRIMEIRO CADERNO
ABUSOS
“Não
pensem
que me
vou fechar
no Palácio”
Belém reconhece “frase
obviamente infeliz” e Marcelo
acaba a pedir desculpa, mas tenta
virar a página: “O país conhece-me”,
“não me deixarei condicionar”
Ângela Silva
Apanhado debaixo do fogo
mais cerrado da sua carrei-
ra presidencial e consciente
de ter pronunciado a frase
mais infeliz destes seis anos
(que ecoou no Palácio de Be-
lém como um rombo de con-
sequências imprevisíveis), o
Presidente da República refu-
giou-se na sua predileta zona
de conforto.
Quarta-feira à noite, após
oito horas a ouvir os partidos,
com os quais só queria falar do
Orçamento do Estado (OE),
mas com quem foi obrigado
a abordar o abalo provocado
pelo que dissera na véspera
sobre abusos de menores na
Igreja Católica — “400 casos
não é um número muito ele-
vado” —, Marcelo Rebelo de
Sousa foi jantar à Portugália,
junto ao Tejo, e depois comer
um gelado ao Santini, em
Cascais. Ansioso por testar o
povo, enquanto aguarda pelas
primeiras sondagens que lhe
permitirão aferir dos estragos
na sua popularidade, consta
que Marcelo dormiu mais
tranquilo. Embora a amostra
tenha sido pequena, o povo
sondado ter-se-á mantido afe-
tuoso. E o Presidente tenta vi-
rar a página com duas priori-
dades na cabeça: não perder a
proximidade às pessoas e não
perder a iniciativa política.
MP já está a ouvir testemunhas que denunciaram abusos
Há mais de 200 padres
suspeitos de pedofilia:
17 estão no MP, mais
30 podem seguir
o mesmo caminho
Os procuradores do Ministério
Público (MP) que investigam as
17 denúncias de pedofilia por
parte de padres enviadas pela
Comissão Independente para
o Estudo dos Abusos Sexuais
contra as Crianças na Igreja
Católica Portuguesa estão já
em ação. O Expresso sabe que
algumas testemunhas que re-
velaram os alegados abusos à
equipa liderada pelo pedopsi-
quiatra Pedro Strecht estão a
ser ouvidas no MP.
Também as equipas de inves-
tigação de crimes sexuais da
Polícia Judiciária se encontram
no terreno, embora ainda sem
“Não pensem que me vou
fechar no palácio”, afirmou
Marcelo Rebelo de Sousa
ao Expresso, numa indireta
velada aos que, à direita e à
esquerda, gostariam de o ver
terminar o mandato pior do
que Cavaco Silva terminou,
quando, após declarações
tóxicas (no caso sobre a sua
pensão de reforma) como as
que Marcelo agora proferiu
sobre a Igreja, se viu em queda
imparável na rampa da popu-
laridade e saiu com os piores
índices de sempre de um chefe
de Estado.
Há em Belém quem fale de
sectores apostados em fragili-
zar o Presidente, retirando-lhe
peso político, e não terá sido
por acaso que na quarta-feira
de manhã, com o seu nome
debaixo de fogo intenso, Mar-
celo mandou uma mensagem
para o Parlamento a sugerir
que os partidos revejam a lei
das incompatibilidades dos
políticos. Objetivo: mostrar
que não está disposto a perder
a iniciativa política e que, se
pensam que o condicionam,
ele está determinado a reagir.
“Não me deixarei condicio-
nar”, disse ao Expresso.
O susto foi grande e, em-
bora o Presidente não tenha
convocado nenhuma reunião
com assessores ou consulto-
res para abordar o assunto (a
sua solidão funcional é histó-
rica), fontes da Presidência da
resultados concretos. “Esta-
mos numa fase de averiguação.
Há casos de padres que já não
estão no ativo, outros que mor-
reram. E alegados abusos de
párocos revelados mais recen-
temente e em que ainda foram
feitas poucas diligências”, diz
uma fonte judicial.
Tal como o Expresso avançou
esta quarta-feira, são cerca de
200 os padres denunciados nos
últimos 10 meses à Comissão
Independente por terem abu-
sado de menores, sobretudo
Comissão
Independente está
a analisar o envio
de mais 30 casos para
o Ministério Público
A frase “400 abusos
não é um número
elevado” manchou-lhe
o currículo. Mas
o teste Portugália/
/Santini animou-o
República reconhecem que a
frase que rebentou como uma
bomba sobre abusos na Igreja
foi “obviamente infeliz” e que
o PR “é o primeiro a reconhe-
cê-lo”. O que não invalida que
tenha levado tempo a pedir
desculpas.
Começou por reagir com
estranheza: “Já percebi que
foi mal interpretado o que eu
acólitos e escuteiros, nas últi-
mas décadas. Um número que
deverá crescer à medida que
as queixas se vão avolumando.
De acordo com uma fonte judi-
cial, a maioria dos casos já terá
prescrito na justiça e não será
alvo de pena.
Esta terça-feira, a comissão
anunciou que já recebeu 424
testemunhos sobre alegados
crimes de natureza sexual pra-
ticados por sacerdotes, tendo
a maior parte dos crimes re-
portados já prescrito. “Há 424
testemunhos recolhidos pelas
diversas formas englobadas no
trabalho da comissão. O número
mínimo de vítimas será muitíssi-
mo maior do que as quatro cen-
tenas e os abusos compreendem
todas as formas descritas na lei
portuguesa”, afirmou Pedro
Strecht durante um balanço da
disse, não percebo bem por-
quê.” Depois, em sucessivas
declarações públicas, ten-
tou explicar as razões que o
levaram a cometer a ‘gafe’:
“Quando acho que os casos
são poucos, é porque acho que
os casos deviam ser mais, de
acordo com a realidade portu-
guesa.” E só quinta de manhã
— já confortado com o hábil
apoio do primeiro-ministro,
que na véspera saíra em de-
fesa da sua dignidade pessoal
e institucional, mas também
espicaçado pelas declarações
do presidente da Conferên-
cia Episcopal, José Ornelas,
que veio demarcar-se das suas
palavras dizendo que “cada
caso é uma derrota e qualquer
número é sempre demasiado”,
atividade da comissão que coor-
denará até ao final do ano.
Apenas 17 das queixas, relati-
vas a padres ainda em funções,
seguiram para o MP. Há ainda
mais 30 em estudo para igual
procedimento. Até 31 de de-
zembro deverá ser apresentado
um relatório com as conclusões
da investigação.
Caso de Massamá
O caso mais recente de alega-
do abuso sexual de um clérigo
foi revelado no final da semana
passada pelo Patriarcado de
Lisboa. Trata-se do padre Luís
Cláudio Ferreira dos Santos,
de 64 anos, que é alvo de uma
investigação do MP e de um
processo canónico.
A Comissão Diocesana de Pro-
teção de Menores do Patriar-
Expresso, 14 de outubro de 2022
— é que Marcelo assumiu um
pedido de desculpas.
“A minha intenção não foi
ofender quando disse o que
disse, mas se, porventura,
uma que seja das vítimas está
ofendida, eu peço desculpa”,
afirmou. E explicou que o seu
objetivo “era exatamente o
contrário: temer que muitas
vítimas, por medo e por limi-
tação, não tivessem falado, e o
número, que deveria ser ainda
mais alto, tivesse ficado por
onde ficou”.
Grato às “centenas de por-
tugueses” de quem diz ter re-
cebido mensagens mostrando
que o conhecem como um hu-
manista, o Presidente ainda
se dirigiu aos “protagonistas
políticos e à comunicação
cado de Lisboa recebeu uma
queixa sobre um possível caso de
abuso sexual sobre um menor
cometido pelo padre que se en-
contrava há 30 anos na paróquia
de São Bento de Massamá (Sin-
tra), “tendo procedido de ime-
diato a uma investigação prévia,
nos termos do direito canónico”.
O queixoso é um acólito daquela
paróquia, que revelou um com-
portamento inadequado do pa-
dre, apurou o Expresso.
O Patriarcado de Lisboa
garante que a denúncia foi
Acólito de
Massamá queixou-se
de comportamento
“inadequado”
do pároco
social”, cujo papel reafirmou
considerar “fundamental
numa democracia”, mas a
quem quis deixar um recado
após dois dias a ser ferozmen-
te criticado: “O Presidente
vai continuar o seu caminho.
Exatamente como sempre foi,
sem mudar uma vírgula nos
valores, nos princípios, na de-
terminação...”
O católico militante
e o Presidente fraturante
E na forma? Na Presidência,
muitos gostariam de o ver
travar a marcha, cansar-se
menos, ser mais comedido
na palavra, ter mais critério
e menos improviso, mas nin-
guém sabe se o rombo do tema
enviada para o Dicastério da
Doutrina da Fé (um dos ór-
gãos do Vaticano) e, em segui-
da, para o MP. “O sacerdote
em causa suspendeu o exercí-
cio do ministério pastoral na
comunidade que lhe estava
confiada, aguardando o apu-
ramento da verdade”, referiu
o Patriarcado.
Além de pároco de Massamá,
é juiz do Tribunal Patriarcal e as-
sistente diocesano do Curso de
Preparação para o Matrimónio
do Patriarcado de Lisboa.
O comunicado do Patriar-
cado de Lisboa foi emitido na
mesma semana que o Expresso
inquiriu o gabinete de comu-
nicação de Manuel Clemente
sobre o caso. E um dia depois
da resposta da Igreja.
Hugo Franco e Rui Gustavo
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022
Igreja o levará a uma tomada
de consciência consequente.
O que fontes de Belém contes-
tam é que todo este caso tenha
como causa o facto de Marcelo
ser um católico militante e de
se ter deixado limitar por isso.
É um facto que o Presidente
promulgou nestes seis anos inú-
meros diplomas ‘fraturantes’ —
a última revisão da lei da IGV, a
adoção gay, a PMA, as barrigas
de aluguer, tudo leis que a Igre-
ja Católica dispensaria. E se o
Parlamento lhe fizer chegar às
mãos uma lei da eutanásia que
seja “juridicamente intocável e
bem feita”, antecipam na Pre-
sidência, Marcelo acabará por
promulgá-la.
Resta um dos pontos politi-
camente mais relevantes deste
Em 2017, o católico
Marcelo esteve com
o ateu António Costa em
Fátima. Seis anos depois,
foi Costa a salvar Marcelo
da colagem à Igreja
FOTO LUÍS BARRA
caso: a relação com António
Costa, autor da quase rara e
seguramente mais robusta
declaração de apoio ao Presi-
dente da República. O primei-
ro-ministro disse “não ter a
menor dúvida de que a decla-
ração não corresponde ao sen-
tir do PR” e que houve “uma
interpretação inaceitável das
suas palavras”. Marcelo re-
gistou o “apoio brutal” e nos
meios políticos comentou-se
que “Costa voltou a pôr Mar-
celo no bolso”, mas em Belém
há um contra-argumento: “O
primeiro-ministro recuperou
uma relação que tinha esfri-
ado.” Citando Marcelo: “Não
me deixarei condicionar.” Cer-
to é que a dupla continua.
avsilva@expresso.impresa.pt
Bispos que defenderam investigação
são agora o alvo de denúncias
José Ornelas propôs a
comissão independente e
Manuel Clemente sugeriu
o nome de Pedro Strecht.
Houve resistência
Primeiro foi o cardeal-patriar-
ca de Lisboa e, depois, o bispo
de Leiria-Fátima e presiden-
te da Conferência Episcopal
Portuguesa (CEP). Os dois
altos membros da hierarquia
católica portuguesa foram —
até agora — os únicos bispos
acusados publicamente de
encobrirem casos de abusos
sexuais de menores na Igreja.
É “fogo amigo”, resume um
membro da Conferência Epis-
copal Portuguesa, para quem
é cada vez mais claro que as
denúncias contra Manuel Cle-
mente e José Ornelas surgem
do interior da própria Igreja e
visam precisamente os bispos
que propuseram e defenderam
uma investigação global aos
abusos cometidos, por mem-
bros da Igreja Católica.
O certo é que nem todos os
bispos portugueses aceitaram
de bom grado a indicação, feita
pelo Papa Francisco em feve-
reiro de 2019, para que fossem
criadas, em cada diocese, co-
missões de apoio e investiga-
ção de abusos cometidos no
interior da Igreja Católica. Os
bispos do Porto, Lamego, San-
tarém, Guarda e Funchal re-
sistiram à ideia e expressaram,
dentro da própria CEP, muitas
reservas quanto à necessidade
de criar esse tipo de estrutura.
D. Nuno Brás, bispo do Fun-
chal, assumiu publicamente
que “em princípio” não cria-
ria tal comissão “porque não
existem casos que justifiquem
isso”, e o bispo do Porto Ma-
nuel Linda chegou a comparar
essa hipótese à da criação de
uma comissão “para estudar os
efeitos do impacto da queda de
um meteorito na cidade”.
A divisão entre os reformistas
e os conservadores fez-se sentir
no interior da CEP, logo no iní-
cio de todo este processo. “Não
houve propriamente resistên-
cia, mas senti que alguns bis-
pos não demonstravam grande
vontade de avançar”, disse ao
Expresso um dos membros da
Conferência Episcopal. “Nunca
houve obstáculos a 100%, mas
muitas dúvidas e muitos ‘pé
atrás’”, acrescentou outro bis-
po presente nos encontros. “Os
problemas não se colocavam
tanto na criação de uma comis-
são nacional, mas sim na ins-
talação de estruturas em cada
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“Cada caso é uma derrota”, disse esta semana
o presidente da CEP, D. José Ornelas FOTO ANA BAIÃO
diocese. Aí, sim, houve muitas
reservas”, acrescentou.
“Não temos medo”
Manuel Clemente foi o primeiro
a criar, em Lisboa, uma comis-
são diocesana dando o pontapé
de saída para o arranque das
investigações sem esperar pela
data-limite, fixada pelo Papa
em junho de 2020. O Patriar-
cado arrancou com o processo
em abril de 2019 — muitas das
dioceses mais renitentes espe-
raram pelo fim do prazo — e
fez questão de criar uma equi-
pa multidisciplinar, que incluía
nomes como o do ex-procura-
dor-geral da República Souto
Moura ou o pedopsiquiatra
Pedro Strecht. Segundo o Ex-
presso apurou, a comissão de
Divisão entre
reformistas e
conservadores fez-se
sentir na Conferência
Episcopal logo no início
deste processo
Lisboa enviou já dez queixas
para investigação ao Ministério
Público, que ninguém confirma
se constam da lista de 17 casos
encaminhados para a Justiça
pela comissão independente,
uma vez que não há cruzamen-
to de informação entre os bis-
pos e a equipa de especialistas.
Foi também o cardeal-patriar-
ca quem sugeriu que Strecht li-
derasse a comissão independen-
te criada pela CEP para analisar
décadas de abusos dentro das
estruturas da Igreja. A constitui-
ção desta comissão foi decidida
em novembro do ano passado,
numa reunião em que o modelo
de investigação autónoma vol-
tou a levantar dúvidas entre os
bispos mais conservadores, que
invocavam a polémica gerada
em França pela extrapolação
do número de casos de abusos
feita, precisamente, por uma co-
missão independente de investi-
gação a partir de uma amostra
da população. Do lado da defesa
do organismo independente es-
tiveram sobretudo o cardeal-pa-
triarca de Lisboa, o então bispo
de Leiria-Fátima, António Mar-
to, e D. José Ornelas.
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PRIMEIRO CADERNO 11
No comunicado final, os bis-
pos são contidos. Referem-se
à criação de uma “comissão
nacional” ou “de um ponto de
escuta permanente” que refor-
çaria “o atendimento dos casos
e o respetivo acompanhamento
a nível civil e canónico” e lan-
çaria “um estudo em ordem ao
apuramento histórico desta gra-
ve questão”. É D. José Ornelas
que, em conferência de impren-
sa, vai muito além dos ‘tímidos’
objetivos traçados pelos bispos
e assume pela primeira vez que
se trata de uma comissão “inde-
pendente” que irá funcionar de
forma totalmente autónoma. É
o presidente da CEP, também,
quem garante publicamente
“toda a colaboração” da hierar-
quia católica para proceder à
análise dos abusos e dá carta
branca a Pedro Strecht para in-
vestigar e participar às autorida-
des judiciais todos os casos que
viessem a ser apurados.
Ornelas aceita ainda a pro-
posta do líder da comissão de
fixar a investigação no período
entre 1950 e a atualidade e ga-
rante-lhe o acesso aos arquivos
das dioceses — tudo matérias
que não constam do comunica-
do produzido pelos bispos e que
vão muito para lá dele. “Não
temos medo”, disse na altura.
Esta semana, a comissão
deixou claro que não tem tido
obstáculos ao seu trabalho. “A
comissão mantém-se atenta a
todas as notícias respeitantes
a abuso sexual de crianças por
membros da Igreja, ficando
claro que até ao momento não
sentiu qualquer limitação ou
entrave à sua independência,
nomeadamente por parte de
qualquer membro daquela hie-
rarquia”, disse Pedro Strecht
na conferência de imprensa em
que anunciou que até agora re-
ceberam 424 testemunhos.
Perante estes números, o pre-
sidente da CEP evitou o trata-
mento estatístico. “Para nós,
Igreja, cada caso que acontece
é uma derrota porque alguém
sofre e porque contradiz radi-
calmente aquilo que nos somos
e queremos ser, a nossa identi-
dade e a nossa missão”, disse
em Fátima, onde neste 13 de
outubro apelou à mudança de
“atitudes e procedimentos” na
Igreja e na sociedade “a fim de
que as crianças e aqueles que
se encontram em situações de
fragilidade não sejam esqueci-
dos ou, pior ainda, abusados e
explorados”.
Rosa Pedroso Lima
rlima@expresso.impresa.pt
12 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de outubro de 2022

PARLAMENTO

Gente
Não há consenso sobre
lei das incompatibilidades Tudo explicado

PS reitera disponibilidade para rever lei, PSD diz que não é prioridade

BRUXO Afinal, tudo o que se tem

passado com o Governo tem uma
explicação: bruxaria. Coube à
“Nova Gente” resolver o enigma
e indicar o caminho a Costa para
repor a maioria nos eixos. Gente,
a velha, que não é dada a bruxari-
as, mas conhece alguns entendi-
dos, pode disponibilizar contactos
para tentar desfazer o feitiço.

Rio amigo Rui Rio, o ex-líder do

Os ministros Pedro Nuno Santos e Manuel Pizarro protagonizam dois dos casos polémicos FOTO NUNO FOX
Liliana Coelho
O Presidente pediu ao Parlamento
a revisão de uma lei cuja última
alteração ele próprio promulgou,
mas que agora classifica de “ema-
ranhado legislativo complexo”. O
primeiro-ministro diz que a lei é
clara e não tem dúvidas, apesar de
um deputado socialista ter sido o
primeiro a admitir a possibilidade
de “aprimorar” o regime. No Parla-
mento, que aprovou a última versão
por unanimidade, não há consenso
sobre o que fazer agora. Ninguém
se entende, portanto, sobre a lei das
incompatibilidades, nem sobre o
que diz, nem sobre o que lhe fazer.
Aprovada há três anos, a lei em
vigor já suscitou dúvidas e pedi-
dos de esclarecimento. Agora, as
questões voltaram com os casos de
Manuel Pizarro, Pedro Nuno San-
tos e Ana Abrunhosa, mas também
de alguns secretários de Estado.
Todos são diferentes e as opiniões
sobre a lei e o pedido de Marcelo
estão longe de ser unânimes.
O próprio Presidente teve dúvi-
das sobre o que fazer: primeiro,
no sábado, admitiu pedir uma fis-
calização ao Tribunal Constitucio-
nal; depois, na quarta-feira, enviou
uma carta para a Assembleia da
República a pedir a revisitação do
diploma. Com isso, tirou o assun-
to do âmbito do Governo, apesar
de um dos pareceres do Conselho
Consultivo da Procuradoria-Geral
da República (PGR) sugerir que
há uma especial responsabilidade
do Governo neste assunto. Ou seja,
segundo esse parecer, deveria ser
o Governo a fazer uma proposta
de alteração da lei, que teria de ser
sujeita a votação parlamentar.
Ao fazê-lo, o PR também se su-
jeitou a um ataque veemente por
parte do Bloco, com o líder parla-
mentar, Pedro Filipe Soares, a re-
lacionar este assunto com a defesa
que António Costa fez do chefe de
Estado na polémica sobre os abu-
sos (ver pág. 10). “Marcelo Rebelo
de Sousa tem dúvidas sobre a lei
de incompatibilidades e impedi-
mentos que se aplica a vários casos
de membros do Governo. António
Costa vem defender o Presidente
da República das suas declarações
infelizes sobre abusos sexuais na
Igreja. Uma mão lava a outra?”
A carta de Marcelo ao Parlamento
permitiu a António Costa dizer que
o assunto é um “diálogo entre o Pre-
sidente da República e a Assembleia
da República” no qual o Governo
não se deve meter. O assunto passa
então para o PS, que aceita o repto
do PR. Embora o primeiro-ministro
defenda que a lei é “absolutamente
clara”, o PS mostrou-se disponível
para a rever, de modo a responder
a “dúvidas interpretativas”. Mas
espera que exista um “consenso
razoável”, o que não será fácil.
Revisão não pode ser
a “reboque” de casos
“É com naturalidade que se deve
encarar a melhoria da lei”, diz ao
Expresso o deputado socialista Pe-
dro Delgado Alves, que já tinha
admitido a necessidade de “apri-
morar” a lei. O grupo parlamentar
do PS espera que o processo de
revisão da lei seja “abrangente” e
“equilibrado”, mas recusa “alte-
rações a quente” ou só a reboque
de casos. Para Delgado Alves, um
“contributo relevante” em proces-
sos de revisão da legislação surge
justamente do reconhecimento
de que a aplicação da lei a casos
concretos pode ser “insuficiente”,
“excessiva” ou “ineficaz”. “Isso não
implica legislar para casos concre-
tos, mas antes aprender com o que
não correu bem”, sustenta.
Já o PSD recusa uma revisão da
lei a “reboque do momento”. Con-
tactado pelo Expresso, Joaquim
Pinto Moreira, vice-presidente do
grupo parlamentar do PSD, refere
que o partido está ainda a analisar
os pareceres pedidos sobre as em-
presas do marido da ministra da
Coesão e que a “prioridade” deve
ser a aplicação da lei vigente. Na
quarta-feira, Luís Montenegro de-
fendia, à saída da audiência em Be-
lém, que prioritário era uma “inves-
tigação profunda” para se apurar se
houve violação da lei nesses casos.
O liberal João Cotrim de Figuei-
redo afinou pelo mesmo diapasão,
considerando que a revisão da lei
não deve ser feita à pressa, enquan-
to Catarina Martins (BE) susten-
tou que é preciso que a legislação
entre em vigor na sua totalidade,
lembrando que a Entidade para a
Transparência ainda não saiu do
papel. Já André Ventura saiu em
defesa da clarificação da lei. Mas, tal
como o PSD, aponta o dedo ao Tri-
bunal Constitucional (TC) para apli-
car a lei e a sanção prevista nestes
casos: a demissão dos governantes.
lpcoelho@expresso.impresa.pt
PSD tem-se mantido muito ativo
no Twitter, e, por lá, não deixou de
comentar a grande descoberta da
“Nova Gente”. “Isto é evidente há
muito tempo, mas, como critica-
vam tudo o que eu dizia, nem tive
coragem de dar o alerta”, escreveu.
Mas também deixou um recado
enigmático: “Olhem que anda mais
bruxedo por aí... não é só no Gover-
no. Quem avisa, amigo é”...
Vidente de Fafe “Nova Gente”
ultrapassou claramente esta ve-
lha Gente. Ir falar com o bruxo
de Fafe sobre o Governo foi uma
bela ideia. Por aqui, ficamos mui-
tas vezes pelo contacto com outro
fenómeno paranormal daquela
cidade minhota: Marques Mendes,
também conhecido entre os soci-
alistas como “o vidente de Fafe”,
dado o acerto dos seus comentári-
os dominicais.
Sesta A sesta é uma necessidade
de muitos trabalhadores que, in-
felizmente, não podem resolver
no seu local de trabalho. E pare-
ceu-nos ser uma necessidade da
secretária de Estado do Orçamento
na segunda-feira à tarde. Enquanto
Medina, aparentando a frescura de
um ministro que não teve de fazer
noitada para fechar o Orçamen-
to, apresenta as contas para 2023,
Sofia Batalha lutava contra o sono.
Gente acompanhou solidária.

22ª CERIMÓNIA DE ENTREGA DE DIPLOMAS

PALESTRA ANUAL 25 OUTUBRO · 18H00

ALEXIS DE
AUDITÓRIO CARDEAL MEDEIROS – UCP

TOCQUEVILLE PROFESSOR
MÁRIO PINTO
ANNUAL LECTURE PROFESSOR CATEDRÁTICO JUBIDO, UCP;
CO-FUNDADOR, IEP-UCP
[ E S T. 1 9 9 8 ]
O Princípio da Subsidiariedade
do Estado nos 25 Anos da
Revisão Constitucional de 1997

INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES: SECRETARIADO.IEP@UCP.PT

Expresso, 14 de outubro de 2022 PRIMEIRO CADERNO 13

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2018/2022. Mota-Engil 2022-2027. Os potenciais investidores devem ler o prospeto antes
de tomar uma decisão de investimento, a fim de compreenderem plenamente
os potenciais riscos e benefícios associados à decisão de investir nas Obrigações
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14 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE JUSTIÇA
Confissões de um
suspeito de terrorismo
“PARTE DE MIM QU
ERI
AM
O RR
“NÃO TINHA UM ALVO ESPEC
ÍFICO.
“SERIA FIXE
SE R O
PIO
R ASS
ASSINO
“QUERIA MATAR PELO MENOS TRÊS.
TE DE MIM NÃO
“PAR
Texto Rui Gustavo
Ilustração Mónica Damas
A
pesar de ser o mais
novo da sala, João
Real era o único
que sabia do que
estava a falar: redes
sociais semiclan-
destinas, banda de-
senhada japonesa
(manga) ultravio-
lenta e genealogia detalhada dos mais
famosos mass murderers, os homens
que matam e querem morrer. O sus-
peito de planear um ataque armado
suicida na Faculdade de Ciências de
Lisboa foi preso em fevereiro deste
ano, antes de poder executar o plano
que afixou na parede do quarto onde
vivia e foi internado na ala psiquiátrica
do Hospital-Prisão de Caxias. Quatro
meses depois, a 25 de junho, aceitou
falar às autoridades e confessou os
atos que levaram o Ministério Público
a acusá-lo de dois crimes de terroris-
mo e posse de arma proibida. “Parte
de mim queria morrer. Mas queria
matar algumas pessoas antes”, disse
o suspeito que admitiu querer matar
entre “três” e “dez” vítimas escolhidas
ao acaso para se tornar o assassino
em massa mais famoso de Portugal.
“Seria fixe.”
O interrogatório foi conduzido pela
procuradora Felismina Carvalho, es-
pecializada em crime violento, que
não escondia o espanto com os nomes
que lhe iam aparecendo à frente no
relatório assinado por um coordena-
dor da Polícia Judiciária, que também
estava presente na sala. “Pffuuf, isto
são coisas”, soprava a magistrada em
aparente desespero.
Em causa estava a Discord, uma
rede social em que João Real, ali co-
nhecido como Psychotic Nerd, pu-
blicava e consultava material sobre
assassinos em massa e school shooters:
homens que levam a cabo atentados
sem alvos específicos definidos e que
Ataque João Real admitiu que queria matar e morrer, mas a defesa
diz que não iria cometer o ataque que planeou minuciosamente
ER . M
AS
acabam por se suicidar ou ser abatidos
pela polícia. João Real, que tratava a
procuradora por “tu”, tinha acabado
de fazer 19 anos e ia explicando can-
didamente a sequência de aconteci-
mentos que o levaram àquela sala do
Campus da Justiça de Lisboa e que o
farão sentar-se no banco dos réus no
dia 18 de outubro (terça-feira), quando
começar a ser julgado.
“Pensava que era bluff do João”
O interesse de João Real por assassi-
nos em massa começou aos nove anos,
quando Adam Lanza, de 20, matou
vinte crianças e sete adultos na escola
de Sandy Hook, nos Estados Unidos,
antes de se suicidar. E tornou-se uma
“obsessão” já em 2018 com Randy
Stain, um americano de 24 anos que
matou três colegas a tiro antes de se
matar, também nos Estados Unidos.
“Começou a ficar um pouco fora de
controlo”, admitiu o arguido no inter-
rogatório.
Além da Discord, Real frequentava a
rede social Tumblr e uma comunidade
específica de fãs deste tipo de crimes e
até de pessoas com atração sexual por
pessoas com tendências violentas ou
que tenham cometido crimes. “Hibris-
tofilia”, esclareceu o suspeito. “Não
JOVEM DE 19 ANOS
ACUSADO DE
TERRORISMO É
O PRIMEIRO A DEPOR
NO JULGAMENTO
QUE COMEÇA PARA
A SEMANA. TRIBUNAL
RECUSOU LIBERTÁ-LO
sabia, estou a aprender”, admitiu a
procuradora.
Nas redes, João Real, que dizia não
ter “atração real por raparigas” mas
era “não-gay”, conheceu M., uma ra-
pariga que partilhava o seu interes-
se pelos protagonistas de matanças.
Por causa dela, João, que tinha nota
para entrar em Leiria, onde ficaria a
poucos quilómetros da casa familiar
na Batalha, decidiu entrar em Enge-
nharia Informática na Faculdade de
Ciências de Lisboa para onde se mu-
dou. A relação virtual não resistiu ao
primeiro encontro no mundo real. “Os
meus pais não gostaram dele e aconse-
lharam-me a não o voltar a ver”, disse
a rapariga à PJ. No depoimento que
prestou, garantiu que nunca pensou
namorar o rapaz e que o seu interesse
por assassinos se devia à “motivação
psicológica” — e jurou que não o in-
centivou a planear qualquer ataque,
que, aliás, “desconhecia”.
Mas mesmo sem saber, terá sido ela
a faísca para a explosão de João Real
que não conseguiu lidar com a “re-
jeição” aliada à “desilusão” por estar
a viver sozinho em Lisboa, e à “re-
volta” por ter sido acusado de plágio
na faculdade. “Isto começou quando
parte de mim queria morrer. E depois
também matar algumas pessoas antes
disso”, admitiu o estudante de Infor-
mática perante a procuradora.
O plano foi delineado na casa dos
pais, na Batalha, onde João Real teve
de se isolar depois de contrair co-
vid-19. A inspiração foi dada por uma
banda desenhada japonesa chamada
“Dead Tube” que descreve as aventu-
ras de duas adolescentes que entram
num jogo em que têm de criar vídeos
para ter o maior número de visualiza-
ções possíveis na internet. Os vídeos
de atos sexuais não consentidos e os
de matanças são os mais populares;
a personagem fictícia escolhe matar
os colegas da escola. João Real tam-
bém. “O meu plano era suicidar-me a
seguir, esfaqueando-me na barriga”.
Escolheu o anfiteatro 3 da faculdade
TAR
QUERIA MA ALGUMAS PESSOAS ANTES”
QUERIA MATAR PESSOAS NA FACULDADE”
EM MASSA DE PORTUGAL”
POSSIVELMEN
TE DEZ. SEI LÁ”
QUERIA FAZER O AT
A Q U E”
de Ciências porque “tinha uma casa
de banho grande”, como na manga,
e porque “as cadeiras do anfiteatro
estão presas ao chão” e assim “não po-
diam ser atiradas” contra ele. “Apren-
di isso num jogo”, explicou.
Já depois de ter tido alta e de ter
regressado a Lisboa, comprou uma
besta e 25 virotões (flechas) “no OLX”.
“Lembrei-me disso por causa de um
tipo no Japão que matou a família
com uma besta.” Aprendeu a disparar
a arma na marquise da casa e contou
à magistrada que chegou a pensar em
usar uma arma de fogo mas desistiu
“por ser difícil” e por ter medo de ser
enganado na dark web ou apanhado
pela polícia. Comprou cinco facas que
encontrou no OLX e numa loja de
armas. E material combustível — gás,
maçaricos e líquido para isqueiros —
numa loja chinesa dos Olivais
O plano, segundo o que contou na-
quele dia de junho, consistiria em ati-
rar os cocktails molotov para dentro
do anfiteatro “depois esfaqueava as
pessoas que tentassem fugir e usava
a besta ao mesmo tempo”. Queria
matar pelo menos três, possivelmente
dez pessoas, sei lá”.
O plano foi contado ao pormenor
a uma colega de faculdade que não
avisou a polícia porque nunca levou
ATAQUE FOI INSPIRADO
NUMA BANDA
DESENHADA JAPONESA
ULTRAVIOLENTA
E ESPOLETADO PELO
FIM DE UMA RELAÇÃO
QUE, NA VERDADE,
NUNCA ACONTECEU
Expresso, 14 de outubro de 2022
“a sério” as palavras de João Real.
“Pensava que era bluff do João”, con-
tou à polícia. É uma das testemunhas
do processo.
No Discord, João “Psychotic Nerd”
Real anunciou que estava prestes a
“go amok” — ficar maluco, em tra-
dução livre —, o que significaria estar
na iminência de atacar. Um utilizador
não identificado avisou o FBI, que
avisou a PJ, que identificou o estu-
dante; e que o vigiou e deteve um dia
antes do dia previsto para o ataque. A
polícia tinha-o visto a comprar mate-
rial inflamável. “Eu tinha pensado em
fazer no dia 3, mas depois adiei para
o dia 5, depois para segunda, depois
para quarta, depois para o dia 11. Parte
de mim não queria fazer o ataque”,
garantiu à procuradora que não se
convenceu com esta explicação.
Depois deste interrogatório, além
de o ter acusado de terrorismo, o MP
considerou que o arguido não podia
ir para casa, como pretendia, porque
“é de temer que possa sentir o mesmo
desejo de matar pessoas e de morrer”.
Esta tese é recusada pela defesa.
Na contestação à acusação, o advoga-
do argumenta que João Real é uma
“criança no corpo de um adulto” e que
“nunca teve real vontade de efetuar os
atos” planeados. Atribui a obsessão
por mass murderers ao “síndroma de
Asperger”, diagnosticado ainda em
criança, e considera que não poder ser
acusado por terrorismo porque “mass
murder não é uma ideologia”.
Os psiquiatras que o observaram
dizem que João Real é imputável, mas
que na altura dos alegados crimes
“estava afeto de episódio depressivo
que lhe toldava a mundivisão e reduzia
o leque de escolhas existenciais”. Por
isso, “existem pressupostos para uma
redução em grau ligeiro da capaci-
dade para avaliar a ilicitude”. Ainda
assim, “apresenta perigosidade em
grau moderado”. Se for condenado,
deve ir para uma instituição “para
inimputáveis”.
rgustavo@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022 PRIMEIRO CADERNO 15

IPBES
Intergovernmental Platform on
Biodiversity and Ecosystem Services

IPCC
Intergovernmental Panel on
Climate Change

Vencedores ex aequo 2022

© Getty Images/design gráfico Change is good

16 PRIMEIRO CADERNO
JUSTIÇA
Um dia, 914 fogos, 50
mortes, nenhum culpado
Cinco anos após os
incêndios de 15 de outubro,
a maioria dos inquéritos-
-crime ainda está em
aberto. Não há arguidos
Após a tragédia de Pedrógão
Grande, não era de esperar que
outra se seguisse, quase tão mor-
tal, mais extensa em território,
mais dura em perdas materiais.
Foi só preciso esperar quatro
meses. A 15 de outubro de 2017,
num único dia, as chamas mul-
tiplicaram-se em 914 ignições,
lavraram a fogo 241 mil hectares
(78% dos quais floresta) e, pelo
caminho, somaram 50 mortes
em 40 localidades de 15 con-
celhos dos distritos de Castelo
Branco, Coimbra, Guarda e Vi-
seu. Cinco anos depois, é esta
enormidade de números, abran-
gência geográfica e diversidade
de causas que serve de justifica-
ção para o atraso da conclusão
da investigação, centralizada no
Departamento de Investigação e
SAÚDE
‘Doentes’ vão às urgências para comer
População simula doenças em hospitais. À fome junta-se a solidão: “Há quem peça para ficar internado”
Vera Lúcia Arreigoso
Não são muitos, mas a sua pre-
sença não passa despercebida:
são utentes que vão às urgên-
cias para receber comida, e
não tratamento. A procura de
refeição gratuita nos hospitais
do Serviço Nacional de Saúde
(SNS) não é nova nem mesmo
expressiva, mas é regular, e os
profissionais estão atentos, pois
a crise económica que se avizi-
nha prenuncia um agravamen-
to deste fenómeno.
Relatos de equipas da urgên-
cia em diferentes pontos do país
permitem traçar um perfil da
procura social nos serviços hos-
pitalares, apenas com a região
Norte aparentemente menos
exposta. Na generalidade, os
utentes que vão ao hospital
para comer não são propria-
mente idosos, na triagem fazem
queixas gerais e sem gravidade
e tendem a permanecer em ob-
servação até à distribuição de
comida, seja almoço ou jantar.
Algumas unidades têm já pes-
soas sinalizadas, dada a regu-
laridade da comparência e do
comportamento.
“Estão identificados, pelo
menos, três casos que uma a
duas vezes por mês recorrem
a esse ‘expediente’. Normal-
mente vêm à hora de almoço
e antes de terem alta pedem
uma refeição”, descreve a equi-
pa do Hospital de Portalegre. E
o cenário é quase igual nas ur-
gências de Castelo Branco: “A
situação sempre existiu, princi-
palmente nas horas de almoço,
assim garantindo uma pequena
alimentação quente enquanto
aguardam pelo atendimento,
exame ou tratamento.” Por ago-
ra, acrescentam os responsá-
veis, “não há grande aumento
em relação ao histórico”.
Também histórica é a procu-
ra de comida no Hospital de
São José, no coração de Lisboa,
“zona da cidade onde é ainda
mais visível”. A administração
Ação Penal (DIAP) e na Diretoria
do Centro da Polícia Judiciária.
Em 2020, três anos depois das
ocorrências, o Ministério Públi-
co decidiu concentrar os vários
inquéritos aos mais mortíferos
incêndios de 15 de outubro —
os fogos da Lousã, Oliveira do
Hospital, Pampilhosa da Ser-
ra (Coimbra), Sertã (Castelo
Branco), Vouzela (Viseu), Seia e
Gouveia (Guarda) —, de forma
a possibilitar uma investigação
conjunta. De acordo com a Pro-
curadoria-Geral da República
(PGR), dos cinco inquéritos só
“dois conheceram despacho
final”, relativos a incêndios no
distrito de Coimbra. O Expresso
De fora da investigação
conjunta ficou o fogo
do Pinhal de Leiria, 86%
destruído. Também
aqui não há culpados
O Hospital de São José, em Lisboa, recebe muitos “habituais frequentadores” pela necessidade de uma refeição FOTO ANA BAIÃO
explica que “uma pequena per-
centagem de atendimentos a
que são atribuídas pulseiras
verdes pode estar relacionada
com a necessidade de uma re-
feição”. Embora “sem conta-
bilizar esses casos, dado que
não é essa a razão por que se
apresentam aos cuidados”.
A equipa do São José explica
que, “de forma geral, os uten-
tes habituais frequentadores
das urgências, nomeadamente
sem-abrigo, não se queixam di-
retamente de fome”. Ao invés,
falam em “problemas dermato-
lógicos ou dores corporais, por
exemplo, quase sempre sem
gravidade, e há igualmente re-
lação estreita com alcoolismo”.
E acrescentam: “São casos so-
ciais significativos na área da
cidade que é servida pelo Cen-
tro Hospitalar e Universitário
de Lisboa Central e aos quais se
sabe que foram ambos arquiva-
dos. De acordo com fonte oficial,
não terá sido até ao momento
constituído qualquer arguido.
“Faltam provas sobre os auto-
res materiais dos incêndios”,
avança.
À procura do autor material
O MP e a PJ seguiram uma linha
de investigação diferente da usa-
da em Pedrógão, que não passou
pela culpabilização, por omissão,
de responsáveis políticos locais e
da Proteção Civil ou por falta de
limpeza da floresta. “Na maioria
destes incêndios de outubro ten-
tou-se apurar a autoria material
dolosa. Mas nem sempre se con-
seguiu chegar a uma conclusão
sobre a sua identidade”, explica
uma fonte judicial.
Em relação aos da Guarda,
por exemplo, há três relatórios
concluídos, com resultados dís-
pares. Em Vide (Seia) compro-
vou-se que o fogo que começou
procura dar resposta, ainda que
não estejamos vocacionados
para este tipo de assistência.”
A muitos quilómetros de dis-
tância, o Hospital de Beja tenta
igualmente encaminhar quem
entra desencaminhado na ur-
gência: “As equipas percebem
o padrão de comportamento
e identificam as pessoas. De-
pois sinalizam os casos para o
serviço social do hospital, que
procura soluções nas institui-
ções da comunidade ou junto
dos serviços sociais da área de
residência.”
No presente, a unidade diz
“não ter ninguém nessa situa-
ção, mas, sim, acontece haver
utentes, poucos, cujo propósito
quando se deslocam ao hospi-
tal é procurar alimentação e
conforto”. Ou seja, “pessoas
que procuram a urgência com
o único propósito de receber
na berma de uma estrada e que
matou duas pessoas foi iniciado
com chama direta (isqueiro),
mas não se apurou a autoria.
Outro, em Sandomil (Seia) e que
causou dois feridos graves, terá
sido acidental. Já no de Folgo-
sinho (Gouveia), que fez uma
vítima mortal, “não foram deter-
minadas causas nem suspeitos”,
revela fonte da PJ.
De fora da investigação do
DIAP de Coimbra ficou o in-
cêndio do Pinhal de Leiria, que
nesse mesmo dia levou 86% da
Mata Nacional: de 11 mil hec-
tares restaram pouco mais de
1500. O inquérito correu sozi-
nho, mas também não resultou
em condenações. A PJ de Leiria
apurou que duas ignições dife-
rentes deram origem ao grande
fogo e ambas com mão humana.
Junto à praia da Légua, onde
nasceu de combustão lenta uma
das frentes, foi descoberto um
púcaro de resina “atafulhado
com pinhas e caruma”, identi-
ficado como um “presumível
artefacto incendiário”. Não foi
possível, porém, “apurar o ou os
autores dos factos”, e o inquérito
foi arquivado.
A outra frente terá começado
no silvado de uma sexagenária
de Burinhosa, concelho de Al-
cobaça, constituída arguida por
alimentação e ou passar a noi-
te”. A procura de companhia é,
além da fome, outra das carên-
cias que leva muitos utentes,
sobretudo idosos, ao hospital.
ADMISSÕES
4,7%
das camas nos hospitais
públicos são ocupadas por
internamentos inapropriados,
revela a associação
dos gestores hospitalares.
Na maioria dos casos, são
idosos à espera de vaga
nos cuidados continuados
Expresso, 14 de outubro de 2022
ter feito uma queimada num
terreno baldio junto à casa. O
fogo foi apagado prontamente
pelos bombeiros, mas reacen-
deu horas depois, alimentado
pelo furacão “Ophelia”, e as cha-
mas percorreram mais de 50
quilómetros para norte, dali à
Figueira da Foz. Mas como não
foi dela a culpa do reacendimen-
to, o dolo foi imputado à meteo-
rologia. E o tribunal absolveu-a.
A chuva chegou atrasada
O único relatório que existe so-
bre o que aconteceu a 15 de ou-
tubro de 2017 é puramente técni-
co. Encomendado pelo Governo
e elaborado pelo Centro de Es-
tudos sobre Incêndios Florestais
da Universidade de Coimbra, sob
coordenação do investigador Do-
mingos Xavier Viegas, revela que
“muitas ignições resultaram de
queimas e queimadas causadas
por pessoas que as realizaram
pela necessidade de eliminar
O Estado pagou
€31 milhões por
dano de morte
e €11 milhões para
os feridos graves
“Temos a clara noção de que
há doentes que aqui vêm para
alimentação e companhia. Fa-
zem queixas que não o são ver-
dadeiramente e vão ficando.
Ainda recentemente tivemos
um doente que comeu a sopa
sofregamente e logo depois se
foi embora”, diz um elemento
de enfermagem do Hospital
Amadora-Sintra.
“Alguns são doentes cróni-
cos e até já os conhecemos.
Vêm porque têm medo de es-
tar sozinhos e alguns, já com
pedidos para vagas em cuida-
dos continuados ou lares, até
pedem para ficar internados
até serem chamados”, afirma
a enfermeira-chefe da urgên-
cia, Maria Luísa Ximenez. O
sentimento de solidão também
já foi diagnosticado pelos pro-
fissionais do Centro Hospitalar
do Médio Tejo, com as unidades
vegetação ou resíduos de ativi-
dades agrícolas, na convicção de
que haveria de ocorrer chuva,
como fora anunciado”. Mas a
chuva atrasou-se e só começou a
cair no final do dia 16. A tragédia
era então irreversível.
O documento aponta também
o dedo a uma linha elétrica da
EDP. Juntos, “produziram uma
devastação ambiental e patri-
monial como nunca se havia
visto em Portugal”. E humana.
Porque também as mortes são
analisadas ao pormenor: ocor-
reram num período de 10 horas
e 15 minutos, entre as 17h30 do
dia 15 de outubro e as 3h35 do
dia 16. As vítimas, surpreendidas
pelo fogo, só percorreram uma
média de 680 metros entre o lo-
cal de fuga e a fatalidade. Eram
mais mulheres do que homens,
mais idosos do que novos.
Alheia à morosidade do inqué-
rito-crime, a reconstrução (de
vidas, casas, empresas) avançou
no terreno. O Estado pagou €31
milhões em indemnizações por
dano de morte e €11 milhões
para os feridos graves. Foi ainda
financiada a reconstrução par-
cial ou total de 822 habitações e
a recuperação de 372 empresas.
Hugo Franco
e Raquel Moleiro
hfranco@expresso.impresa.pt
de Abrantes, Tomar e Torres
Novas: “O que se nota mais são
as visitas, sobretudo à noite, por
motivos de solidão. Não é algo
que se tenha agravado, sempre
existiu. Tal como pela comida.”
Assistentes sociais
acompanham
Em Gaia e Espinho a procura
social tem sido menos nota-
da. “Os profissionais indicam
não haver esse tipo de casos
há algum tempo. No entanto, o
enfermeiro-chefe da urgência
salienta que há muitas orga-
nizações não-governamentais
em redor cujo objetivo é pro-
videnciar refeições a pessoas
necessitadas, assim como é
prática comum na cafetaria a
oferta de uma sopa a alguns
utentes”, explica a adminis-
tração do centro hospitalar.
Quem precisa de comer pode
encontrar uma solução igual-
mente gratuita sem ter de se
disfarçar de doente a precisar
de atendimento urgente.
“Sabemos que existem situa-
ções, mas são pontuais. Quan-
do são identificadas, o serviço
social faz o encaminhamento
para estruturas na comunida-
de ou para avaliação da saúde
mental”, garante Júlia Cardoso,
presidente da Associação dos
Profissionais de Serviço Social.
“Na comunidade há serviços,
e sempre que uma pessoa vai
à urgência por razões que não
são clínicas houve uma falha,
desde logo na articulação com
as várias respostas.”
A crise poderá agravar a pro-
cura dos hospitais por fome ou
solidão, mas, para já, os admi-
nistradores estão só atentos.
“Há referência a casos, que
sempre existiram, mas não
temos a perceção de que seja
um fenómeno em crescimen-
to”, justifica Xavier Barreto,
presidente da Associação Por-
tuguesa de Administradores
Hospitalares.
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022 PRIMEIRO CADERNO 17
18 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de outubro de 2022

PROJETOS EXPRESSO SEGURANÇA

Transformações As alterações climáticas, aliadas à guerra, à inflação e ao crescimento populacional, convergem

no momento exato para provocar uma emergência na cadeia alimentar que expõe vulnerabilidades e faz a fome crescer

Pouco ou nada voltará a ser

o mesmo na alimentação
Textos Tiago Oliveira

A
segurança alimen-
tar está em perigo.
Ou não estivésse-
mos perante uma
transformação que
coloca em causa
todo o edifício da
alimentação como
o conhecemos. “O
funcionamento do sistema alimentar
está a sofrer vários obstáculos, ou
pressões, de uma forma simultânea”,
explica o diretor-geral do Gabinete
de Planeamento, Políticas e Adminis-
tração Geral do Ministério da Agri-
cultura, Eduardo Diniz, que aponta
“quatro pressões que se desenvolvem
quer no curto quer no médio e longo
prazo”. São elas “os conflitos geos-
tratégicos, em particular a guerra
em zonas de produção alimentar, a
crise energética, os impactos das al-
terações climáticas e o abrandamento
económico”.
Segundo ele, “a face visível desta
situação é o aumento dos custos de
produção, que se repercute em toda
a cadeia de valor agroalimentar ou
mesmo no risco de quebras de abas-
tecimento”, com a certeza de que a
“insegurança alimentar é sentida a di-
ferentes escalas nas várias regiões do
mundo”. Ou seja, se “nas economias
mais desenvolvidas a pressão resulta
do impacto da inflação na energia e Secas severas e prolongadas estão entre os fenómenos climáticos extremos cada vez mais comuns que colocam em risco a alimentação FOTO GETTY IMAGES
na alimentação”, noutros pontos do
planeta “as populações sofrem” por O impacto também se sente em Por-
não serem “capazes de assegurar uma tugal, que apenas tem um grau de au-
regular dieta saudável e equilibrada”. toaprovisionamento de 6% no trigo, se- A (in)segurança em novo debate
De acordo com a FAO (Organização gundo dados da GlobalAgriMar. Realça
das Nações Unidas para a Alimentação Pedro Fevereiro, diretor-executivo e
e a Agricultura), cerca de 830 milhões investigador no InnovPlantProtect, que Após uma primeira reunião do “Temos uma
de pessoas, quase 10% da população CONSELHO DE SEGURANÇA “o aumento do preço dos alimentos” projeto Conselho de Segurança tempestade perfeita
mundial, foram afetadas pela fome O mundo vive envolto num relacionado com “a crise na Europa dedicada à apresentação dos para que a
em 2021, o que significa um aumento conjunto de ameaças que Oriental aumenta o risco de fome para temas a analisar nos próximos vulnerabilidade
de mais 45 milhões do que em 2020 exigem uma resposta pronta. a população portuguesa que está no meses, o edifício-sede da Impresa aconteça”
e mais 150 milhões relativos a 2019. O Expresso, em conjunto com limiar da pobreza: 1.600.000 pessoas foi palco de novo debate, desta Filipa Vasconcelos
Por exemplo, “na região do Corno de a Sonae, Galp, Altice, Allianz, vivem com menos de €540 por mês”. feita dedicado em específico ao Subinspetora-geral da ASAE
África, Etiópia, Sudão do Sul, Somália Morais Leitão e ACIN, lança Estratégias como a “Do Prado ao tema da segurança alimentar e
e Quénia regista-se uma seca severa um projeto para avaliar a Prato”, da União Europeia, são esfor- dos grandes desafios globais que
causada pela falha das quatro últimas nossa segurança tecnológica, ços para aumentar a sustentabilida- esta enfrenta. Maros Ivanic, “Portugal e os países
épocas de chuva”, elucida o investi- militar, jurídica, na saúde, no de e a autossuficiência, mas também economista agrícola no do Sul da Europa têm
gador na Faculdade de Ciências da Estado e nas empresas. Ao comportam riscos. Segundo o eco- Departamento de Agricultura dos que se adaptar a um
Universidade de Lisboa Filipe Duarte longo de seis meses queremos nomista agrícola do Departamento EUA, apareceu diretamente do clima mais seco e
Santos, que assinala também o impac- construir um Conselho de de Agricultura dos EUA Jayson Be- outro lado do Atlântico, via mais quente”
to do crescimento populacional e dos Segurança, lançando debates, ckman, tudo indica que no espaço eu- digital, e traçou um cenário difícil, Filipe Duarte Santos
fluxos migratórios quando se prevê promovendo temas, ropeu “as receitas vão cair, a produção em que a “quebra na produção Investigador na Faculdade
que a população mundial chegue per- reunindo especialistas. vai cair e os preços vão aumentar”. alimentar” e o “aumento dos de Ciências da Universidade de Lisboa
to dos 10 mil milhões em 2050, mais Parece incrível “como alegremen- preços” no espaço europeu são
2 mil milhões do que agora. te permitimos esta falta de cuidado realidades com as quais os
“Episódios climáticos extremos” relativamente à perda de biodiversi- diferentes agentes do sector já “Não existe uma
são cada vez mais comuns, diz Ondina dade”, critica Filipa Vasconcelos. Mas têm que lidar. Já Ana Paula Cruz, varinha mágica ou
Afonso, presidente do Clube de Pro- para a subinspetora-geral da ASAE, subdiretora-geral da um milagre que
dutores Continente. Por isso é impor- perante uma transformação sistémi- Direção-Geral de Alimentação e resolva tudo”
tante o “surpreendente caminho de ca imparável, “a melhor maneira de Veterinária, falou das metas Pedro Fevereiro
adaptação às diversidades climáticas”, evitar” crises maiores “é através da ambiciosas da estratégia europeia Diretor-executivo
que já está a ser percorrido “através integração e partilha de problemas “Do Prado ao Prato” e deixou um e investigador
do uso de espécies de plantas ou varie- para encontrar soluções”. alerta a todos: “2030 é já ali.” no InnovPlantProtect
dades de sementes mais resistentes”. toliveira@impresa.pt

O QUE PREOCUPA OS PORTUGUESES NA COMIDA QUE CONSOMEM

<20% 20-39% 40-59% 60-79% 60-70%

temem a presença mencionam a dos portugueses realçam doenças destacam
de microplásticos, presença de manifestam alerta nos animais que intoxicações
diz a Autoridade corantes, perante a possam ser alimentares
Europeia para a conservantes e existência de transmitidas à provocadas por
Segurança aromatizantes resíduos de produção animal e bactérias, vírus ou
Alimentar (EFSA) artificiais antibióticos às pessoas parasitas em
na carne alimentos
FONTE: EUROBAROMETRO 2022
Expresso, 14 de outubro de 2022
AVIAÇÃO
Aeroporto de Lisboa faz
80 anos e irá para obras
para chegar aos 90
Apesar de manter só uma pista, sofreu remodelações. Foi palco de
grandes momentos, que se cruzam com história da TAP e do país
Texto Anabela Campos
Infografias Jaime Figueiredo
Distante vai o tempo em que as famí-
lias iam despedir-se dos passageiros,
em romaria, quase até à entrada dos
aviões, que viam partir da varanda aber-
ta de frente para a pista. O aeropor-
to não tinha lojas de marcas de luxo,
nem havia longas filas de passageiros,
serpenteando pequenos corredores, à
espera de serem revistados por segu-
ranças. A aviação era elitista, não estava
democratizada. Viajavam os ricos, os
profissionais liberais, os funcionários
públicos, os políticos e os emigrantes
que cruzavam continentes — mais tar-
de, nos anos 60, após a declaração do
Presidente do Conselho, António de
Oliveira Salazar, “para a Angola em
força”, passaram a voar também os
militares que seguiam para a Guerra
Colonial em África.
Em 1942, ano de estreia do aeroporto
de Lisboa, que comemora 80 anos esta
sexta-feira, viajaram 2863 passageiros,
uma ínfima parte dos quase 32 milhões
atingidos em 2019, ano recorde para o
Aeroporto Humberto Delgado. Nas-
ceu na Portela de Sacavém, em plena
II Guerra Mundial. Havia quem de-
fendesse outra localização: o Campo
Grande, nos terrenos do Jockey Club.
“Como ministro e como cidadão, o Sr.
[Abílio] Passos e Sousa entende que é
indispensável estabelecer o aeroporto
no Campo Grande”, noticiava a 12 de
janeiro de 1928 o “Diário de Notícias”,
citando o então ministro da Guerra,
depois de este ter sobrevoado Lisboa,
conta José Guardado Moreira, num
livro sobre a história do aeroporto de
Lisboa, de 1942 a 2007, feito para a
ANA — Aeroportos de Portugal.
Errou por curtíssima distância. A 1
de março do mesmo ano, a Câmara
Municipal de Lisboa escolheu a Portela.
Ficava a menos de sete quilómetros de
EVOLUÇÃO DA CONFIGURAÇÃO
DO AEROPORTO DE LISBOA
2080 m
1200 m
1942 1949
MOVIMENTO
DE PASSAGEIROS
EM LISBOA
O aeroporto de Lisboa foi inaugurado a 15 de outubro de 1942 com a aterragem
de um avião DC-3 da KLM ao serviço da British Airways. A bordo estava o ministro
das Obras Públicas, Duarte Pacheco, que sobrevoou Lisboa e arredores.
O aeroporto da Portela de Sacavém, projetado por Keil do Amaral, registou
um movimento de 2863 passageiros no primeiro ano de atividade
1942 1945 1950
Humberto Delgado cria por
despacho os Transportes Aéreos
Portugueses (TAP) a 14 de março
Nesse ano são adquiridos dois
DC-3 Dakota com capacidade
para 21 passageiros
centro da cidade, numa colina erma.
Tinha carácter de urgência por ques-
tões geoestratégicas, justificadas pelas
necessidades do então império colonial
e a ambição de ser o último terminal
da Europa para voos intercontinentais,
sob pena de esse papel ser desempe-
nhado por Espanha.
Seriam precisos mais 14 anos para
aquele que é o primeiro aeroporto ci-
vil português visse a luz do dia. Hou-
ve atrasos, avanços, recuos e críticas.
Duarte Pacheco, ministro das Obras
Públicas e presidente da Câmara de
Lisboa, supervisiona a obra e planeia
a urbanização à volta. A inauguração
faz-se com as obras ainda por concluir.
Histórias que se cruzam
Menos de três anos depois, em março
de 1945, nasce a TAP — Transportadora
Aérea Portuguesa. O general da Força
Aérea, Humberto Delgado, mais tarde
candidato à Presidência da República,
é o seu principal obreiro. A história
e o destino da TAP e do aeroporto de
Lisboa cruzam-se ao longo de décadas.
Ainda hoje a localização do futuro ae-
roporto é condicionada pelo destino
da TAP, e da importância para a sobre-
vivência desta da manutenção do hub.
A aviação expande-se mundialmente
e em Portugal também, apesar de Sa-
lazar não ser adepto de viajar. Viajou
apenas uma vez de avião entre Porto
e Lisboa. Dezoito anos após a estreia,
em 1960, começam as obras de remo-
delação, com a separação de fluxos de
passageiros, entre o tráfego doméstico e
o internacional e a construção de novas
comodidades. Prolongaram-se pela dé-
cada fora. O tráfego disparou de 200 mil
passageiros em 1957 para 1,5 milhões
em 1968. As grandes estrelas da época
são fotografadas à chegada a Lisboa,
Brigitte Bardot, Marias Callas... Ou de
partida para digressão, como Amália.
Trabalhar na TAP e no aeroporto era
3805 m
1962 1992
1955 1960 1965 1970
A 16 de julho chega a Lisboa
o primeiro avião a jato da TAP,
o Caravelle
Fala-se pela primeira
vez na necessidade da
transferência do aeroporto
para outro local
sinónimo de status e glamour, e dava
mundo. Como os voos eram destinados
sobretudo à elite, os trabalhadores es-
colhidos para o serviço de bordo eram
recrutados nas camadas superiores da
sociedade, onde havia quem falasse
línguas. Figuras relevantes da cultura
passaram por lá: Luiz Villas-Boas, orga-
nizador do Festival de Jazz de Cascais,
trabalhou grande parte da sua vida no
aeroporto e nas operações de voo da
KLM. Foi sindicalista e era uma figura
estimada e emblemática do aeroporto.
José Duarte, outro homem do jazz, era
supervisor da placa, responsável pela
logística de passageiros e carga na pista.
António Monteiro, carismático di-
retor de Comunicação da TAP, que
Santarém
Lisboa Alcochete
Montijo
A ANA construiu durante
a pandemia a primeira fase das saídas
rápidas, mas não avançou com
a segunda. Não deverá haver mais
obras na pista enquanto não ficar
definida a nova localização
Torre de Controlo
O novo sistema de gestão
do tráfego aéreo arranca
a 18 de outubro. Vai substituir
o sistema de 2001 e dará
flexibilidade aos operadores
para aumentar o tráfego
no aeroporto de Lisboa
Terminal
de carga
2022
Terminal 2
A partir do final de outubro, a easyJet vai ficar
com 18 slots da TAP e passará para o Terminal 2,
tornando-se a segunda maior companhia
do aeroporto
1975 1980 1985
Criação da empresa pública,
Aeroportos e Navegação Aérea
O primeiro Boeing 747 da TAP
chega a Lisboa a 10 de fevereiro
entrou na companhia em 1969 e ficou
na transportadora durante 47 anos,
conta ao Expresso como era diferente.
“Era possível ir à Portela e estacionar o
carro mesmo à porta da entrada prin-
cipal.” O terraço com vista para a pista
era a esplanada de Lisboa com maior
sucesso. E o restaurante, então explo-
rado por Alexandre de Almeida, “das
principais referências gastronómicas
da época e tinha sucesso durante toda
a noite. Intelectuais de relevo não fal-
tavam ao único local aberto em Lisboa
durante a noite e madrugada”, lembra.
António Monteiro, que saiu da TAP
em 2016, prossegue: “Atualmente o
aeroporto não conhece, praticamente,
descanso, mas na época a maioria do
tráfego concentrava-se nas primeiras
horas da manhã e no final da noite,
altura em que partiam os voos de lon-
go curso, em especial para Angola e
Moçambique. Na gare, aos passageiros
juntavam-se os familiares. Compreen-
de-se, as famílias ficavam separadas
por anos ou não voltavam nunca mais
a juntar-se.” Conta mais: “A passagem
para o ‘lado ar’, hoje uma operação de
rotina com verificação dos conteúdos
transportados (herança do 11 de setem-
bro de 2001), era na época um papão.
O controlo era efetuado por agentes
da PIDE que, não raro, descobriam
pretextos para impedir os portugue-
ses de viajar para o estrangeiro, onde,
muitos, iriam encontrar a liberdade.”
No final dos anos 60 havia já neces-
A Avaliação Ambiental
Estratégica (AAE), que vai
estudar a localização para
o novo aeroporto, com cinco
hipóteses em cima da mesa
(que combinam as opções
Alcochete, Montijo e Santarém),
só estará concluída no final
do 2023. O Aeroporto Humberto
Delgado manter-se-á sozinho
pelo menos até ao final
da década
Pista 03/21:
3805 metros
Aeródromo Militar de Lisboa
(Figo Maduro)
TAP Maintenance
& Engineering
Terminal 1
A ANA está preparada para avançar
com obras de melhoria de fluidez
operacional, que permitirão reduzir
os atrasos. Está à espera de luz verde
do Governo para avançar
1990 1995 2000
Obras de modernização permitiram
aumentar a capacidade para oito
milhões de passageiros por ano
A 12 de outubro, o Concorde
aterra no aeroporto da Portela
PRIMEIRO CADERNO 19
sidade de planear um novo aeroporto,
e retirá-lo da cidade. Em março de
1969, poucos meses depois de Marcello
Caetano ter assumido a Presidência do
Conselho, é criado o Gabinete do Novo
Aeroporto de Lisboa. A previsão era
que em 1973 houvesse três milhões de
passageiros.
Mas não se avançou. Realizaram-se
novamente obras de ampliação, com in-
tervenções na pista, a partir de 1983. No
fim dessa década havia cinco milhões
de passageiros. Lisboa ainda não estava
na moda — e não se adivinhava que 20
anos depois iria tornar-se um destino
turístico de eleição. O aeroporto era
palco de festejos dos triunfos interna-
cionais — é lá que se espera a Seleção
Nacional de futebol quando se quer
cantar vitória. E se recebeu Saramago
quando ganhou o Nobel da Literatura.
Cinquenta e dois anos depois do pon-
tapé de saída de Marcello Caetano, não
há novo aeroporto, nem uma nova loca-
lização escolhida e aprovada. E a ANA,
criada em 1978, deixou de ser pública.
Foi privatizada em 2012, com uma con-
cessão que ficará nas mãos da francesa
Vinci até 2062.
Houve ao longo de cinco décadas
várias localizações em cima da mesa.
Dezassete, diz o Governo. Rio Frio,
Ota, Alverca, Alcochete, Montijo...
Nenhuma avançou. Vai ter de se espe-
rar até ao final de 2023 pelo resultado
da Avaliação Ambiental Estratégica,
para se saber qual das cinco opções
— uma variação sobre as localizações
Alcochete, Montijo e Santarém — será
a melhor. Depois haverá um debate
político — e muita polémica, prevê-se.
Três a quatro anos é o prazo que os
promotores têm admitido que demo-
rará a construção de um novo aero-
porto, na sua versão simples. Depois
ainda terão de ser feitas vistorias e
certificações pelo regulador do sector.
Ou seja, dificilmente antes do final da
década haverá um novo aeroporto. Até
lá, o congestionado Humberto Delga-
do manter-se-á sozinho.
Entretanto, serão feitas obras na
gare que permitirão maior fluidez de
passageiros e melhorias operacionais.
A ANA está preparada para começar
assim que tiver luz verde do Governo.
Começa, porém, a ser improvável que
arranquem este ano. Serão investidos
cerca de €200 a €300 milhões. Não
haverá investimento na pista enquan-
to não houver uma decisão definitiva
sobre a nova localização, e ficar es-
clarecido se a Portela é ou não para
desmantelar. Pelo caminho, a ANA es-
pera que seja negociado o contrato de
concessão. É provável que o aeroporto
ainda chegue aos 90 anos.
acampos@expresso.impresa.p
Em 2019, o Aeroporto 30
Humberto Delgado milhões
bateu o recorde ao receber
31,2 milhões de passageiros
25
20
18 milhões
(agosto)
15
10
5
2005 2010 2015 2020
Aeroporto da Portela passa
a chamar-se Humberto Delgado
Foi aberto ao público o novo Terminal 2,
para partidas de voos low-cost
No ano em que celebra
60 anos, a companhia apresenta
uma nova imagem
20 PRIMEIRO CADERNO
TRABALHO
Comportamento Muitas
empresas estão a impor o regresso
ao trabalho presencial, gerando
mal-estar entre os trabalhadores
Voltar ao
escritório?
Sim, mas não
como dantes
Textos Joana Pereira
Bastos
e Raquel Albuquerque
D
epois de ano e meio
a trabalhar à distân-
cia, Sónia Gouveia
não se conformou
com o regresso ao
trabalho presencial
imposto pela chefia.
A decisão, anunciada em setem-
bro do ano passado, foi “muito
mal recebida” pela maioria dos
funcionários da empresa onde
era responsável pela área da
formação e seleção. Ainda falou
com os Recursos Humanos, mas
a administração foi inflexível, não
permitindo que ficasse sequer um
dia por semana em casa. “Senti-
mo-nos frustrados e desiludidos”,
lembra. Três meses depois, de-
cidiu sair. “Despedi-me, mesmo
sem ter nenhuma outra oferta de
trabalho em vista.”
Não aceitou voltar ao que era
o inferno diário da sua vida an-
tes da pandemia, quando “perdia
horas no trânsito” entre Lisboa e
a Margem Sul, onde vive. Rara-
mente conseguia ir buscar o filho
a horas e não tinha tempo para
mais nada. “Andava stressada,
mas não sabia que era possível
viver e trabalhar de outra manei-
ra. Com o teletrabalho, percebi
que sim. Conseguia transformar
o tempo perdido em deslocações
em tempo ganho para outras coi-
sas, como ir ao ginásio. Conciliava
a vida familiar e profissional. E
sem nunca sacrificar o trabalho.”
Sónia, 40 anos, garante que,
em casa, “até trabalhava mais e
melhor porque estava mais moti-
vada”. E o mesmo acontecia com
a maioria dos colegas, diz. Ainda
assim, a administração fez ques-
tão de que todos voltassem. “Jul-
go que é uma questão de controlo.
Acham que presencialmente as
pessoas estão mais focadas, o que
não é verdade.”
Nos últimos meses, muitas ou-
tras empresas têm vindo também
a ordenar o regresso aos escri-
tórios. Segundo um estudo do
Laboratório Colaborativo para o
Trabalho, Emprego e Proteção
Social (Colabor), a percentagem
de portugueses em algum tipo
de teletrabalho não ultrapassa
atualmente os 20% a 25%, quando
chegou a ser 33%. Impossível de
aplicar em vários sectores, este
regime existe sobretudo em áreas
mais qualificadas.
Tal como aconteceu com Sónia,
a imposição do regresso está a
gerar mal-estar em escritórios
de norte a sul do país ao chocar
de frente com as expectativas e
preferências da grande maioria
das pessoas que experimentaram
o trabalho à distância. Um inqué-
rito realizado este ano a cerca de
5 mil trabalhadores portugueses
pela Randstad, uma das maiores
empresas de recursos humanos
a operar no país, revela que 95%
dos que ainda estão neste regime
esperam poder mantê-lo, pelo
menos em parte, no futuro. E é
também esse o desejo de quem
procura agora emprego. Segundo
a Egor, outra das maiores empre-
sas de recrutamento em Portu-
gal, mais de 75% dos candidatos
manifestam preferência pelo re-
gime híbrido ou remoto. Além
de melhorar o equilíbrio entre
a vida familiar e profissional, há
também uma grande vantagem
económica, sobretudo nesta con-
juntura em que o custo das deslo-
cações disparou.
“As pessoas não querem tra-
balho presencial. Por isso, acon-
selhamos as empresas a passar
as ofertas de trabalho para o
regime remoto ou híbrido por-
“AS PESSOAS
REAGEM MAL
A OFERTAS
DE TRABALHO
PRESENCIAL”,
AFIRMA NUNO
TRONI, DA RANDSTAD
Sónia Gouveia despediu-se quando a empresa ordenou o regresso ao escritório FOTO NUNO FOX
que conseguem logo muito mais
candidatos”, explica Inês Calha-
béu, diretora de recrutamento
e seleção da Egor. Nuno Troni,
diretor-executivo da Randstad,
confirma. “As pessoas reagem
muito mal a ofertas de trabalho
presencial. Mas nesta fase já há
muitas empresas que estão a vol-
tar a esse regime. Temos vários
casos de pessoas que nos contac-
tam para as ajudarmos a mudar
de emprego porque a empresa
onde estão mandou-os regres-
sar”, conta.
O jogo da corda
Contrariando a preferência dos
trabalhadores e candidatos a em-
prego, a grande maioria (65%)
das cerca de 25 mil ofertas de
trabalho em Portugal disponí-
veis esta semana no LinkedIn é
para regime presencial. “Há um
enorme desfasamento entre o
que as empresas pretendem e o
que desejam as pessoas”, frisa o
consultor Pedro Caramez, espe-
cialista na gestão desta platafor-
ma. É como se os trabalhadores
estivessem a puxar a corda para
um lado e os empregadores para
o outro, num jogo de forças em
que o desfecho ainda não é claro.
Para Inês Calhabéu, são as or-
ganizações que acabarão por ter
de ceder. “Estamos praticamente
em pleno emprego, o que faz com
que haja muito mais empresas
à procura de pessoas para tra-
balhar do que pessoas à procura
de trabalho. Por isso, são as em-
presas que têm de convencer o
candidato a aceitar a oferta e não
o candidato que tem de convencer
a empresa a recrutá-lo. Há muitos
anos que a balança não estava tão
desequilibrada a favor dos traba-
lhadores”, diz.
Assim, a responsável da Egor
está convencida de que, para con-
seguirem contratar, as empre-
“MANDAR VOLTAR
PARA O ESCRITÓRIO
É DESMOTIVANTE.
PARECE QUE JÁ
NÃO CONFIAM NAS
PESSOAS”, DIZ INÊS
CALHABÉU, DA EGOR
sas serão forçadas a aceitar uma
maior flexibilidade no regime e
horário de trabalho. “Vai haver
resistência, mas não terão grande
alternativa.” Nuno Troni partilha
a perspetiva: “Em muitas áreas,
a escassez de talento é tal que os
trabalhadores têm a faca e o quei-
jo na mão.”
Para conseguirem recrutar,
muitas empresas estão a apos-
tar em regalias como o aumento
dos dias de férias e a redução do
horário de trabalho (dando a tar-
de de sexta-feira, por exemplo),
ou em pacotes de benefícios que
chegam a incluir massagens e
outros serviços de bem-estar. “As
empresas estão a ver que, além
do salário, as pessoas procuram
melhores condições de trabalho e
de conciliação com a vida pessoal.
Isso obriga-as a reinventarem-se
para serem atrativas”, diz Pedro
Caramez.
Tiago Santos Pereira, investiga-
dor do Colabor, também acredita
que o modelo híbrido “vai ganhar
alguma preponderância”, mas
ressalva que não será tão domi-
nante como se chegou a acreditar
em 2020, quando se achava que
o teletrabalho ia ser largamente
adotado mesmo depois da covid.
“As empresas aperceberam-se
Expresso, 14 de o
Rita Fonseca, 43
anos, está à procura
de emprego, mas só
disponível para
ofertas em regime
híbrido ou remoto
FOTO NUNO BOTELHO
de que há custos organizacionais
como a perda de cultura de equi-
pa, de aprendizagem de práticas
coletivas ou até do impacto no
trabalho criativo. Por isso, volta-
ram a querer trazer as pessoas.”
O problema é que a imposição do
regresso a 100%, sem nenhuma
flexibilidade, pode ser vista como
uma quebra de confiança por par-
te dos trabalhadores. Nesse senti-
do, avisa, as organizações correm
“claramente” o risco de perder as
pessoas ou de ter de lidar com a
sua desmotivação.
Demissão silenciosa
“Mandar voltar para o escritório
quando as coisas corriam bem
pode ser bastante desmotivante.
É como se as empresas tivessem
deixado de confiar no trabalho
das pessoas. Arriscam-se a per-
dê-las ou a tê-las numa atitude
de quiet quitting. É um péssimo
ato de gestão”, corrobora Rita
Fonseca, 43 anos, que se despe-
diu da indústria farmacêutica e
está neste momento à procura de
trabalho. Traduzido por demissão
silenciosa, o quiet quitting passa
pela recusa dos trabalhadores em
dedicar à empresa mais do que
o mínimo exigível, não apenas
em termos de horário, mas de
entrega, empenho e prioridades,
quando não sentem nenhum re-
torno pelo esforço adicional.
Para Rita, a possibilidade de tra-
balhar a partir de casa durante a
pandemia foi “uma revelação”.
Percebeu que poupava tempo e
“É POSSÍVEL
VIVER DE FORMA
DIFERENTE. É
INACREDITÁVEL
AGORA VOLTAR PARA
TRÁS”, DESABAFA
SÓNIA GOUVEIA
outubro de 2022 PRIMEIRO CADERNO 21

Tiago Santos Pereira Investigador na área do Trabalho

NÚMEROS

“É de esperar que o regime híbrido

35%
das ofertas de trabalho
em Portugal disponíveis no
ganhe alguma preponderância”
LinkedIn esta semana são para
regime híbrido ou remoto
Para o investigador do Centro estão agora a explorar o terre- P Ao obrigarem as pessoas confiança. Mas não há uma riência de trabalho, com o tipo

75%
dos candidatos a emprego têm
preferência pelo trabalho não
presencial, segundo a Egor,
uma das maiores empresas
de recrutamento do país
de Estudos Sociais da Univer-
sidade de Coimbra e do Labo-
ratório Colaborativo para o
Trabalho, Emprego e Prote-
ção Social (Colabor), é natural
que, nesta fase, as empresas
queiram que os trabalhado-
res estejam mais presentes
no escritório, mas a imposição
de um regresso a 100%, sem
nenhuma flexibilidade, pode
ser visto pelas pessoas como
no e é de esperar que o modelo
híbrido ganhe alguma prepon-
derância. O ponto central no
teletrabalho é a confiança e es-
tar à distância requer formas
diferentes de controlo hierár-
quico, que tem de continuar a
existir. É aí que está o desafio
interessante: encontrar solu-
ções de controlo que reflitam
uma certa flexibilidade e auto-
nomia, garantindo benefícios
a regressar sem flexibilidade,
os empregadores não dão um
sinal de quebra de confiança,
correndo o risco de as perder
ou de terem de lidar com a sua
desmotivação?
R Claramente que sim. Por
isso, o que está em causa é
encontrar modos de organi-
zação do trabalho que garan-
tam flexibilidade aos traba-
lhadores. Parece-me que a
solução fixa.
P A procura crescente por
trabalho híbrido ou remoto
é passageira ou mostra uma
transformação mais profunda
no mercado de trabalho?
R Esta não é uma questão es-
pecífica do mercado de traba-
lho português, é generaliza-
da. A ‘Grande Demissão’, que
aconteceu a nível internacio-
de retorno recebido além da
compensação financeira, asso-
ciada também a uma geração
que tem um conjunto de outras
prioridades mais genéricas de
satisfação pessoal e de bem
comum, incluindo a preocupa-
ção com fatores ambientais. A
preferência pelo teletrabalho,
que tem também um impac-
to ambiental positivo porque
permite reduzir as deslocações

95%
dos trabalhadores que estão
em teletrabalho em Portugal
esperam poder manter-se
nesse regime, de acordo com
um inquérito da Randstad
uma quebra de confiança. E para os trabalhadores e redu- chave está na gestão dos in- nal, em particular nos Estados diárias, insere-se nessa tendên-
isso tem riscos, avisa. zindo custos organizacionais teresses de uns e de outros, Unidos, teve muito a ver com cia de crescente preocupação
para as empresas. baseados numa relação de o grau de satisfação da expe- com a satisfação pessoal.
P Segundo as principais em-
presas de recrutamento, a
grande maioria dos candidatos
a emprego prefere um regime
híbrido ou remoto. Porquê?
R Nos sectores em que o te-
letrabalho é possível, a expe-
riência da pandemia foi um
desbravar de caminho. As

67%
dos trabalhadores portugueses
apontam a conciliação entre
trabalho e família como o fator
mais importante na escolha de
emprego, segundo a Randstad
dinheiro, e ganhava outra quali-
dade de vida, ao mesmo tempo
que conseguia trabalhar mais
concentrada. “As pessoas respon-
sáveis e que gostam do que fazem
podem ser muito mais produtivas
quando não são obrigadas a tra-
balhar presencialmente e podem
estar focadas e sossegadas no seu
espaço”, vinca. Por isso, agora
só está disponível para aceitar
ofertas em regime híbrido ou à
distância.
Também Miguel Costa, 27 anos,
começou há pouco a procurar em-
prego, mas só em regime remoto.
Neste momento, é engenheiro
informático numa empresa do
centro do Porto, onde tem de ir
dois dias por semana. “Vivo na
Póvoa de Varzim e acabo por per-
der duas horas no para-arranca.
Fico stressado, perco tempo e di-
nheiro. Em casa, consigo fazer o
mesmo e ainda parar para fazer
desporto com o tempo que poupo
nas deslocações.” Já teve algu-
mas propostas, mas ainda não
encontrou o que quer. “Mesmo
que ofereçam um ordenado mais
alto, não aceitarei trabalhar em
regime presencial, nem sequer
híbrido com maioria dos dias no
escritório. As vantagens que o te-
letrabalho trouxe à minha vida
sobrepõem-se a tudo o resto.”
Segundo o inquérito realizado
pela Randstad, 67% dos trabalha-
dores apontam as condições de
conciliação entre trabalho e famí-
lia como o fator mais importante
na escolha de um emprego. O va-
lor fica acima da Europa (61%) e
está a crescer. Sónia Gouveia, que
se despediu em janeiro depois de
a empresa ordenar o regresso ao
trabalho presencial, já encontrou
novo emprego. Começou este
mês como responsável pela área
dos recursos humanos de uma
cadeia de spas em regime híbri-
do. “Estou muito contente com a
decisão. A pandemia mostrou-nos
que é possível viver e trabalhar
de forma diferente. Há enormes
benefícios para o ambiente, tra-
balhadores e empresas. Acho
inacreditável como agora se está
a voltar para trás.”
jbastos@expresso.impresa.pt
pessoas ganharam autonomia
na gestão do trabalho e bene-
fícios na conciliação da vida
familiar e profissional, com
contributos muito positivos na
sua satisfação pessoal. Esses
são os principais sinais que re-
colhemos nos inquéritos feitos
durante a pandemia e, na si-
tuação atual, surge também a
vantagem económica, devido
às despesas de deslocação. A
distância ao local do trabalho
é um fator com peso significa-
tivo nesta opção.
P Ainda assim, em Portugal,
só 35% das ofertas de em-
prego no Linkedin são para
trabalho remoto/híbrido. Sur-
preende-o?
R Segundo o nosso inquérito,
cerca de um terço dos traba-
lhadores tiveram alguma for-
ma de teletrabalho durante a
pandemia. Agora, a percenta-
gem terá baixado para os 20%
ou 25%. Portanto, a realidade
bate certo com esses números.
P O teletrabalho vai ser uma
tendência crescente daqui
para a frente?
R Sim, sobretudo no regime
híbrido, que tem condições
para ser implementado com
bastante mais abrangência do
que antes da pandemia. Ainda
assim, noto uma mudança em
relação à expectativa inicial,
em que se achava que o tele-
trabalho iria ser largamente
adotado. A verdade é que nem
tudo são benefícios. Há mais
flexibilidade, melhor concilia-
ção e mais satisfação pessoal,
mas há custos para as organi-
zações. Inicialmente, as em-
presas viram no teletrabalho
uma redução de custos fixos,
mas depois aperceberam-se
de custos organizacionais,
como a perda de cultura de
equipa, de aprendizagem de
práticas coletivas ou até do
impacto no trabalho criativo,
que requer uma interação
mais próxima. E, portanto,
agora, querem trazer as pes-
soas de volta.
P Muitas empresas estão a
pedir aos trabalhadores que
regressem ao escritório. Era
de esperar?
R Sim, era expectável um re-
gresso, mas não necessaria-
mente ao 100% presencial, até
porque há uma diferença entre
voltar por completo ou adotar
uma presença mais assídua
do que durante a pandemia.
Organizações e trabalhadores
22 PRIMEIRO CADERNO
O FUTURO DO FUTURO
Tomates
para eliminar
bactérias
Nos laboratórios da
Universidade Nova de Lisboa
foi anunciada uma potencial
solução que poderá criar
pensos, tecidos e ferramentas
à prova de bactérias
Onde a maioria das pessoas vê um
tomate, Rita Escórcio vislumbra
uma forma de eliminar bactérias. E
com isso a aluna de doutoramento
do Instituto de Tecnologia Química e
Biológica António Xavier (ITQB), da
Universidade Nova de Lisboa, pode
ajudar a evitar muitas mortes cau-
sadas por micro-organismos resis-
tentes a antibióticos. A inovação tem
por base a cutina, molécula que está
presente na pele de tomate e outros
HASTA
PÚBLICA
Venda
de terreno
1 prédio para construção com 20.015,00 m2,
sito na Estrada de Paço de Arcos.
União das freguesias de Oeiras
e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias
A hasta pública terá lugar no salão nobre
do Edifício dos Paços do Concelho, em
Oeiras, no dia 19/10/2022, pelas 10:30 horas
perante o júri nomeado para o efeito.
Consulte as condições no edital nº372/2022/DP
ou em www.oeiras.pt
frutos. “Há blocos de cutina que inte-
ragem com as membranas das bacté-
rias de forma similar à de um alfinete
que rebenta um balão… Mas também
vimos blocos que matam bactérias
com outros mecanismos”, refere.
Numa investigação em parceria
com o Instituto de Investigação Agro-
nómica de França, o ITQB apurou
resultados promissores com a bacté-
ria Staphylococcus aureus, que assola
clínicas e hospitais, e a Escherichia
coli (E. coli), que vitima centenas de
milhares de pessoas. Entre os cientis-
tas há expectativa de usar derivados
de cutina em pensos, tecidos e ferra-
mentas e palmilhas de sapatos antio-
dor. Os protótipos devem surgir até
2026 no projeto europeu Agriloop,
que promove o reaproveitamento de
resíduos condenados a aterro. “Estes
processos são viáveis em resíduos tal
como saem das fábricas de processa-
mento de tomate”, recorda Cristina
Silva Pereira, cientista que lidera esta
linha de investigação no ITQB.
A par de produtos antibacterianos,
o ITQB gerou inovação ao usar sais
líquidos que extraem cutina, “sem
açúcares, folhas ou pedúnculos”, com
10 vezes mais rendimento que outros
processos. Uma vez extraída, a cutina
é partida em blocos por reações quí-
micas, que, por proteção industrial,
são descritas apenas como “hidrólises
em ambientes alcalinos”. Além da eli-
minação de bactérias de membrana
menos espessa, como a Staphylococ-
cus aureus, que pertence ao grupo das
gram-positivas, os blocos de cutina
eliminam bactérias gram-negativas,
de membrana espessa, como a E. coli.
E isso faz a diferença, recorda Maria
José Saavedra, professora da Uni-
versidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro (UTAD), que tem trabalhado
em projetos similares: “Sabe-se que
a pele dos frutos tem propriedades
antimicrobianas, mas o projeto do
ITQB promete uma solução de es-
petro alargado para gram-positivas
e gram-negativas.” Hoje é a pele do
tomate; amanhã será a de outro fruto
qualquer.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
Rua calvet de Magalhães
ESPARGAL
o de Arcos
Estrada de Paç
Praça do
Parque das Cidades
Expresso, 14 de outubro de 2022
D O CUMENTÁRIO
A coragem
de Aristides
em cinco
episódios
Nova série documental “Vistos
para a Vida” estreia dia 19 na Opto
Manuela Goucha
Soares
A musicóloga americana Olivia
Mattis sabia, desde criança, que
o pai devia a vida ao cônsul que
emitiu vistos para toda a família
no início da II Guerra Mundial.
Os avós de Olivia, Lucie e Jo-
seph Matuzewitz, viviam em
Bruxelas e em 1940, quando
perceberam que “a guerra era
mesmo a sério”, decidiram fu-
gir para os Estados Unidos com
os três filhos. Nunca se adap-
taram ao país de acolhimento
e quando o conflito terminou,
em 1945, começaram a planear
o regresso à Europa: “O meu
pai, Daniel, tinha 13 anos e disse
aos pais que queria ficar nos Es-
tados Unidos. A minha tia Blan-
che e o meu tio Henri também
quiseram ficar e mudaram de
nome, adotando o apelido Ma-
ttis quando o meu tio foi para o
serviço militar. Eu nasci muitos
anos depois, mas nunca ouvi o
meu pai falar sobre a fuga da fa-
mília ao nazismo. Era a minha
avó que me contava histórias
sobre a fuga da família, quando
a via nas férias, mas eu estava
poucas vezes com ela, pois os
meus avós viviam em Genebra
e eu em Nova Iorque. Cresci, os
anos foram passando, cruzei-
-me com pessoas com percur-
sos semelhantes ao da minha
família e pensava: falta uma
peça no puzzle da nossa his-
tória, não sabemos o nome do
diplomata que passou os vistos
que nos deram uma nova vida”,
conta Olivia Mattis ao Expresso
numa entrevista via Zoom.
O ‘desobediente’
A história de Olivia e da sua fa-
mília cruza-se com as memórias
de Peter Spett, William Wum-
mer, Jorge Helft, Henri Dyner,
Jerry Brunell, Ronald Brunell,
Iva Polak Wummer, William
Wummer, Elisabeth Andriesse,
Gérard Karas, Ellis Verdi, Lucas
Rossy e Henrique do Luxembur-
go (grão-duque), entre outros.
Os vistos emitidos ou auto-
rizados pelo (então) cônsul de
Portugal em Bordéus, Aristides
de Sousa Mendes, permitiram a
entrada em Portugal de 10 a 15
mil refugiados, na sua grande
maioria judeus em fuga do ex-
termínio nazi.
Trinta e sete deles — ou os
seus descendentes, como é o
caso de Olivia Mattis — contam
o seu itinerário de sobreviventes
e a forma como construíram
uma nova vida, em que estu-
daram, trabalharam, amaram,
casaram, tiveram filhos e netos
e choraram memórias, na sé-
rie documental “Vistos para a
Vida”, que a Opto estreia dia
19 para os seus assinantes. Ao
longo de cinco episódios, a jor-
nalista Lúcia Gonçalves dá voz
a quem foi salvo pelos vistos de
Aristides: “Começámos a traba-
lhar no final de 2019 e tivemos
de parar quando deixou de ser
“Faltava uma peça
no puzzle da nossa
história, o nome do
diplomata que passou
os vistos que nos deram
uma nova vida”,
conta Olivia Mattis
possível viajar por causa da
pandemia. Foi uma enorme
angústia, porque sabia que
o tempo estava contra esta
reportagem, em que querí-
amos recolher depoimentos
de pessoas com muita idade.
Recomeçámos em outubro de
2021 e já estávamos na fase de
montagem quando começou
a guerra na Ucrânia e todos
vimos imagens de grandes filas
de refugiados que tentavam
cruzar a fronteira a pé. O docu-
mentário, que era importante
pela recuperação da coragem
e do trabalho de Aristides,
ganhou atualidade. Lembro-
-me de dizer ao Miguel Castro,
editor de imagem, que tínha-
mos de utilizar as imagens de
refugiados nas fronteiras em
1940, algumas cedidas pelas
famílias, outras pelo Museu do
Holocausto, em Washington,
e outras recolhidas noutros lo-
cais”, explica Lúcia Gonçalves.
“O trabalho todo foi feito pela
SIC (Porto), e o título ‘Vistos
para a Vida’ foi votado por toda
a equipa. Aristides não emitiu
vistos para um país, passou vis-
tos para o futuro.”
mgoucha@expresso.impresa.pt
FOTO D.R.
Expresso, 14 de outubro de 2022 PRIMEIRO CADERNO 23

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24 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL IRÃO
Tumultos O país está há um mês em polvorosa e já nem os mais duros nomes do regime escondem os erros cometidos
Luta continua. E já não é sobre lenços
Ana França
A
s pessoas continuam
a ser mortas, as pes-
soas continuam na
rua. Mais calma nu-
mas noites, muita
violência noutras,
mas as iranianas
parecem ter conse-
guido, pelo menos,
mostrar que cumprir as regras esta-
belecidas não é escolha nem condição
imutável da vida social no Irão. Muitos
homens juntaram-se a elas nesta luta.
Este domingo, dia 16, faz um mês
que Masha Amani, curda de 22 anos,
foi presa por violar as leis sobre indu-
mentária. Morreu à guarda da polícia.
Vídeos divulgados pelas autoridades
iranianas, cinco dias após a prisão, dia
22 de setembro, mostram Masha a cair,
aparentemente desmaiada, num espa-
ço identificado como “centro reedu-
cativo”. Fora levada para lá, explica a
polícia, para que pudesse ser ensinada
a “modificar as suas opiniões sobre
a indumentária feminina”. Os pais e
os amigos afirmam que foi torturada.
A polícia diz que morreu de ataque
cardíaco.
Fissuras perto do poder
As ruas fizeram de Masha mártir e os
protestos não dão sinais de abrandar.
As batalhas de pedras e tiros asseme-
lham-se a episódios de guerrilha ur-
bana, nas redes sociais continuam a
circular vídeos de vias rápidas com bar-
ricadas, e os relatos de quem vive estes
dias parece mostrar que pelo menos
parte dos iranianos ainda não esgotou
as reservas de raiva.
No fim de semana, houve fortes pro-
testos em bairros de Teerão conside-
rados redutos do regime, incluindo
Naziabad, Fallah e Valiasar, de onde,
em outros tempos, surgiram boa parte
dos basiji, paramilitares patrocinados
pelo Estado que acorriam às ruas para
esmagar qualquer incipiente ebulição.
A organização não-governamental Iran
Human Rights, sediada na Noruega,
assegura que pelo menos 185 pessoas
foram mortas, incluindo 28 crianças. O
Governo iraniano não deu números de
mortos civis, mas prometeu investigar
as mortes. “Tradicionalmente, estes
não são bairros de revoltas. As fissuras
estão a chegar muito perto da base que
sustenta o Governo”, disse a diretora
da Human Rights Watch para o Irão,
Tara Sepehri Far, à revista “Time”.
Um problema económico
Parte dos trabalhadores do fulcral sec-
tor petrolífero esteve em greve nos
últimos três dias, escrevia esta quarta-
-feira a agência Reuters. Isto apesar de
os líderes destas greves terem dito que
a sua luta é primeiramente económica.
A grande tragédia do Irão é essa.
Os iranianos pagam cerca de 75%
mais do que há um ano por um cabaz
de bens alimentares básicos. O Minis-
tério do Trabalho e Serviços Sociais
escreveu, num relatório de agosto de
2021, que um em cada três iranianos
vive na pobreza. São quase 30 milhões
de pessoas. As sanções impostas pelo
Ocidente por causa do programa nu-
clear não ajudam, mas os analistas
dizem que é do interesse do Irão aliviar
as exigências, para que possa deixar
de vender petróleo a preços de saldo
à China.
O fotógrafo Mohamad — que vive
em Isfahan, no centro do Irão, e pediu
ao Expresso para omitir o seu apelido,
o que é comum entre todos os que
responderam a contactos do jornal
— nem sequer ponderou não aderir
aos protestos. “Estou ao lado das mi-
nhas irmãs, elas só querem poder de-
cidir as suas próprias vidas, e estão
a conseguir. Pelo menos, vejo muito
mais mulheres com o lenço na mala,
a comer dentro de restaurantes sem
lenço”, diz, numa conversa pela rede
social Telegram. Os protestos começa-
ram “logo no dia em que soubemos da
morte de Masha” e “continuam todos
os dias”, diz este homem de 25 anos.
“Eu e uns amigos começámos a cha-
mar outras pessoas para a ponte 33.
Agora, até os mais velhos por vezes
vêm para a rua”, continua, numa refe-
rência à ponte de 33 arcos, famosa na
cidade de Isfahan. “Estão a matar-nos,
as famílias não veem os corpos dos
mortos, só podem enterrá-los, é um
horror, batem-nos na rua. Acho que
vou morrer, sinceramente, num dia
qualquer vou desaparecer.”
Enquanto as forças do regime conti-
nuavam a bater-se nas ruas, o principal
juiz do Irão falou em público de “erros,
fraquezas e fracassos”. Um sinal de
que mesmo internamente algo mu-
dou, já que não são palavras comuns
por parte de autoridades que nunca
reconhecem falhas. “Os cidadãos ou
grupos políticos devem saber que te-
mos ouvido os protestos e as críticas
e que estamos dispostos a dialogar”,
afirmou Gholam Hossein Mohseni
Ejei, ex-ministro dos Serviços de In-
formações, considerado um dos mais
duros do regime.
E ser ateia, posso?
Se alguns dos manifestantes têm o es-
pírito embebido em idealismo, outros
estão desiludidos não só com o Gover-
no mas com o próprio povo. “Só vamos
ter uma revolução quando todos sou-
bermos o que queremos. A Revolução
Islâmica, sim, foi uma verdadeira revo-
lução, porque mudou tudo. Não a de-
fendo, isto que vivemos é uma ditadura,
sem dúvida, mas ainda há muita gente
que lucra com este regime e apoia es-
tas leis religiosas. Isso só não se vê no
Twitter, porque lá só andam as elites”,
assegura a gerente de uma empresa
de publicidade em Teerão. “Queremos
de novo o filho do xá? Queremos um
Governo sem monarquia? Queremos
ser laicos ou queremos o Islão no cen-
tro da vida social, na mesma, embora
com outro Governo? Quem vai gerir
as pequenas coisas do país, água, gás,
escolas? E o caos económico em que vi-
vemos? Há alguém entre os revoltosos
a falar de soluções?”
Com 34 anos, esta mulher vive sozi-
nha há 15 e é ateia. “Eles querem uma
revolução liberal, mas quando digo
que não acredito em nada, ninguém
respeita. Tratam-me como se fosse
zombie.” O lenço, agora, leva-o na car-
teira, ou sobre os ombros, “apenas para
o caso de algum polícia mais severo vir
mesmo chatear”. Mohamad diz que
também em Isfahan a quantidade de
raparigas sem véu aumentou muito, e
a polícia apenas grita “ponham o véu”,
mas não tem havido reações muito
violentas ao facto de a maioria não
responder às ordens.
Como a História reflete, quer a reli-
gião em geral quer, especificamente, a
questão do hijab são há muito usadas
pelos governantes iranianos como for-
ma de controlar a sociedade. Em 1936,
o então monarca Reza Shah Pahlavi
emitiu um decreto que proibia o uso
do véu. Na época, essa prática, mais do
“ESTOU AO LADO DAS
MINHAS IRMÃS, ELAS
SÓ QUEREM PODER
DECIDIR AS SUAS
PRÓPRIAS VIDAS”, DIZ
UM JOVEM DE ISFAHAN
“DESTA VEZ TUDO
COMEÇOU NO
CURDISTÃO IRANIANO E,
DAÍ, ESPALHOU-SE PARA
MAIS DE 70 CIDADES”,
CONTA A ESCRITORA
CURDA AVA HOMA
Expresso, 14 de outubro de 2022
Manifestação em Teerão contra
a violência policial que matou
Mahsa Amini FOTO AFP/GETTY IMAGES
que enraizada em crenças religiosas
devotas, alicerçava-se na tradição e na
cultura para a maioria das mulheres.
Também então houve protestos. Quan-
do a Revolução Islâmica derrubou o
último monarca da dinastia e filho
daquele, Reza Pahlavi, instaurou-se o
exagero contrário: o hijab tornou-se
obrigatório.
Um grito curdo para unir todos
Uma mulher corre por uma ravina,
cada vez mais depressa, cada vez mais
depressa, até o seu lenço se desprender
do cabelo. É assim que começa o ro-
mance “Daughters of Smoke and Fire”
(sem edição portuguesa), ou “Filhas do
Fumo e do Fogo”, de Ava Homa, escri-
tora iraniana exilada no Canadá, curda
como a malograda Masha Amani. A tra-
ma continua à volta de uma jovem que
sonha ser escritora, do seu irmão que
tem sempre mais oportunidades do que
ela, dos pequenos impedimentos à vida
de uma mulher no Irão, da sua mãe con-
servadora e do seu pai revolucionário,
que quer um Curdistão independente
e é preso e torturado por isso.
Ava emociona-se ao ouvir os conter-
râneos gritar na rua “zan, zendegi, aza-
di”, ou “mulheres, vida, liberdade”, tra-
dução de um antigo grito de guerra do
seu povo. Em conversa com o Expresso
a partir da Califórnia, a escritora, que
saiu do Irão após ter sido perseguida
por atos como ensinar textos do britâ-
nico George Orwell nas suas aulas, diz
que o que faz diferença desta vez é a
união entre etnias e religiões iranianas.
“Há 40 anos os curdos estiveram sozi-
nhos nas suas lutas, fomos esmagados
e isso em nada prejudicou o Gover-
no, só lhes aumentou a popularidade.
Desta vez tudo começou no Curdistão
iraniano e, daí, espalhou-se para ou-
tras cidades, mais de 70. Não é só um
problema de hábitos sociais: não temos
água limpa, o ambiente está completa-
mente destruído, o nosso Governo usa
o dinheiro para apoiar terroristas, é
tudo mau, toda a gente sofre.”
afranca@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022
ENTREVISTA
Sasha Romantsova Diretora e fundadora do Centro para as Liberdades Civis, Prémio Nobel da Paz 2022
“Os soldados russos não cometem crimes
por serem doidos. Recebem ordens”
Texto e foto Tomás Guerreiro
Sasha Romantsova fundou e dirige
o Centro para as Liberdades Civis
(CLC), organização ucraniana que
conquistou o Prémio Nobel da Paz
este ano. O comité norueguês distin-
guiu uma “coligação defensora dos
direitos humanos”, que inclui ainda a
instituição russa Memorial e o ativista
bielorrusso Ales Bialiatski.
O CLC documenta crimes de guerra
em território ucraniano, ocupado ou
soberano, desde 2014. Apoia ativistas
na Bielorrússia, Rússia, Azerbaijão ou
Cazaquistão e celebrizou-se ao denun-
ciar casos de violência policial durante
a presidência de Viktor Yanukovych
(2010-2014) e ao criar uma linha de
apoio, composta por 400 advogados,
para os manifestantes dos protestos
EuroMaidan, que foram processados
pelo Estado.
Agora, a instituição dedica-se exclu-
sivamente a registar crimes de guerra
e à exposição internacional de perse-
guições políticas. “O objetivo é dispo-
nibilizar informação a autoridades
internacionais”, explica Romantsova,
sentada à frente de uma cratera aber-
ta pelos mísseis que choveram em
Kiev esta semana.
P Segundo o exército ucraniano,
mais de 100 bombas foram lançadas
esta semana contra a Ucrânia. A Rús-
sia justifica o ataque como resposta à
explosão da ponte em Kerch. A guerra
irá tornar-se mais violenta a cada
mês?
R Todos os dias a guerra é mais vio-
lenta para os ucranianos. Muitos são
mobilizados para as linhas da frente,
tanto homens como mulheres. A Rús-
sia tenta vencer pelos ataques aéreos.
A minha cidade, Mykolaiv, é bombar-
deada 12 ou 14 vezes por dia. Não é
costume ouvirem-se bombardeamen-
tos em Kiev. O último foi em junho.
Outras cidades são atacadas todos os
dias. O exército russo irá utilizar proa-
tivamente os cidadãos mobilizados no
mês passado. A Rússia não respeita a
vida, é a política deles: ucranianos ou
russos, não lhes interessa.
P Qual a sensação de receber o Nobel
pelo trabalho num país submerso pela
guerra desde o princípio do ano?
R É um sonho de paz. Permite-nos
assumir a validade do nosso trabalho.
Os direitos humanos existem para
prevenir guerras. Documentamos
todos os dias novos crimes de guerra.
Se os bombardeamentos cessarem,
o conflito não cessa. Se o teu vizinho
não respeita a democracia e tu es-
colhes a democracia, ele atacar-te-á
por meios híbridos, por via militar,
informática e económica. Devemos
ser fortes para defender uma socieda-
de ucraniana que valorize os direitos
humanos e a democracia, combaten-
do pelos territórios ocupados. Quero
muito que libertem Kherson, mas te-
nho medo do que lá iremos encontrar.
A cidade é muito grande e está ocupa-
da há muito tempo. A experiência que
acumulámos permite-nos adivinhar a
descoberta de mais cadáveres.
P O CLC estuda crimes de guerra há
oito anos. O que aprenderam? Quan-
tos crimes estudaram? Quem pode
ser responsabilizado? Haverá um jul-
gamento?
R Há uma base de dados estabeleci-
da entre organizações humanitárias
onde constam mais de 20 mil crimes
de guerra em todo o território ucra-
niano. Algumas fontes fornecem-nos
informações, inclusive dos territórios
ocupados. Documentamos crimes de
guerra e perseguição política na Cri-
meia e no Donbas. São cerca de 25 mil.
Haverá cerca de 159 presos políticos
deportados da Crimeia para território
russo e sete mil crianças deslocadas à
força. Ninguém sabe ao certo, pois as
pessoas foram capturadas em territó-
rios ocupados e transportadas para
a Rússia através da Bielorrússia. E a
Rússia não responde sobre ucranianos
desaparecidos.
P O que define um crime de guerra?
Tortura, execuções, bombardeamen-
tos? Qual a diferença entre o erro de
um soldado e um assassínio?
R Documentamos crimes de guerra.
Não são danos colaterais. São precisa-
mente 25 mil crimes de guerra, como
tortura, violência sexual, ataques a
civis, escudos humanos, ataques aos
A RÚSSIA NÃO
RESPEITA A VIDA,
É A POLÍTICA DELES:
UCRANIANOS
OU RUSSOS,
NÃO LHES INTERESSA
hospitais e às escolas. A nossa ex-
periência é separar os horrores da
guerra e os potenciais crimes quando
testemunhamos motivação ou apro-
ximação sistemática do agressor. Os
soldados russos não cometem crimes
por serem doidos. Se recebem ordens,
têm de as cumprir.
P São práticas ordenadas e delibe-
radas para fomentar o medo entre a
população?
R Sim. Já as testemunháramos nas
guerras da Chechénia, Síria, Geórgia.
Lá não havia tanta gente com smar-
tphones nem tanta população. Ales
Bialiatski documentou tortura nas
prisões bielorrussas. A Memorial do-
cumentou crimes de guerra das forças
russas na Chechénia. O Nobel foi atri-
buído aos três. Se a comunidade in-
ternacional lhes tivesse dado ouvidos,
se tivesse compreendido que Putin
leva a cabo uma política criminosa,
a Ucrânia não estaria em sarilhos. A
atribuição do Nobel a críticos do regi-
me de Lukashenko e Putin foi muito
importante, porque essas vozes não
eram escutadas.
P Como recolhem provas de crimes
de guerra?
R Vamos aos locais quando lhes con-
seguimos aceder. Se não for possível,
recorremos a fontes abertas e infiltra-
dos em territórios ocupados, como o
Donbas. Vamos às regiões de Lviv,
REVISTA E A escritora francesa Annie Ernaux, Prémio Nobel
da Literatura em 2022, explica em entrevista ao Expresso
como a realidade influencia a sua obra de ficção R42
Kharkiv, Sumy, Chernigov — liber-
tadas em abril — entrevistar toda a
gente que permaneceu sob ocupação.
E procuramos refugiados noutros
países, para recolher testemunhos
completos.
P Consegue dar exemplos concretos
de crimes de guerra?
R Sim, muitos foram documenta-
dos em Peremoha, vila na região de
Kiev cujo nome significa vitória. Os
soldados russos prenderam oito pes-
soas numa cave, desarmadas, e ati-
raram-lhes oito granadas. Doze civis
abrigavam-se numa igreja ortodoxa
quando quatro tanques russos cerca-
ram o edifício para obrigar o exército
ucraniano a combater pela vida dos
DOCUMENTAMOS
CRIMES DE GUERRA
E PERSEGUIÇÃO
POLÍTICA NA CRIMEIA
E NO DONBAS.
SÃO CERCA DE 25 MIL
PRIMEIRO CADERNO 25
civis. Quando os russos se retiraram,
o edifício foi bombardeado. Quatro
tanques cercaram um lar de idosos 15
dias, sem permitir que os voluntários
entregassem mantimentos. Estas in-
formações foram reunidas num único
dia de trabalho.
P Podemos falar em genocídio?
R Definitivamente. A Ucrânia é acu-
sada pela Rússia no Tribunal Inter-
nacional de Justiça [TIJ] por cometer
genocídio no Donbas há oito anos. No
entanto, a Ucrânia vai ao TIJ acusar a
Rússia de mentir. A Rússia não tem ra-
zão quando justifica a invasão de outro
país com alegado genocídio. O genocí-
dio acontece contra a nação ucraniana
enquanto a Rússia procura fascistas e
nacionalistas. O Parlamento ucrania-
no tem uma lista de sete mil crianças
deportadas sem cuidado parental. São
nomes concretos. A Rússia alterou a le-
gislação para que fossem adotadas mais
depressa. É típico de um genocídio. Há
que compreender se os comportamen-
tos são sistemáticos ou apenas fruto da
propaganda. Só com análise metódica
poderemos concluir se os crimes são
ordenados e quem são os alvos. Talvez
os falantes de ucraniano?
P O exército russo deporta residentes
dos territórios ocupados para o terri-
tório da Federação?
R Quando a Rússia transporta pes-
soas para o seu território, retira-lhes
os documentos ou transporta-as sem
documentos. Quando querem sair, já
não conseguem, e a Ucrânia não tem
consulado lá. É um grande proble-
ma. Muitos voluntários ajudam quem
quer fugir, estima-se que 100 mil. Os
centros de recrutamento e postos de
fronteira são intransponíveis, as pes-
soas só podem escapar pela Finlândia
ou pelo Cazaquistão.
P As instituições ucranianas têm
legitimidade para julgar os crimes
de guerra cometidos pelos soldados
russos?
R O ideal seria um tribunal constituí-
do por representantes das autoridades
internacionais de justiça. Os julga-
mentos ucranianos só têm abrangido
soldados e oficiais russos. Como po-
demos julgar os crimes de Putin? Foi
ele quem começou a guerra, em 2014.
Os seus crimes são de agressão. Ne-
nhuma instituição se responsabiliza
por eles. Deve ser criado um tribunal
responsável, porque o Tribunal Penal
Internacional que opera na Ucrânia
não se ocupa dessa prática ilegal.
P Os referendos em Kherson, Ma-
riupol, Lugansk, Donetsk foram legí-
timos?
R Claro que não. Os soldados iam ar-
mados a casa dos eleitores e levavam-
-lhes urnas para votarem. Eu estava na
Crimeia quando fizeram o referendo
[2014], nem havia caderno eleitoral.
São precisas condições para um su-
frágio ser legítimo. As pessoas devem
poder votar livremente.
P Qual é o caminho para uma paz
duradoura?
R Só se alcança através do respeito
pelos direitos humanos e pela demo-
cracia. Foi por causa disso que entrá-
mos em guerra. A Ucrânia tem de se
defender para poder construir uma
sociedade baseada na democracia e
nos direitos humanos. Seria útil que
a Rússia e a Bielorrússia seguissem
esse caminho.
P Que mensagem enviaria ao povo
russo?
R Putin fará tudo o que quiser se os
russos não assumirem responsabili-
dade por si próprios.
internacional@expresso.impresa.pt
26 PRIMEIRO CADERNO
GUERRA NA UCRÂNIA
Energia Moscovo tem redobrado os ataques a infraestruturas
essenciais e ucranianos temem o frio que podem passar este inverno
Ucrânia teme
‘Kholodomor’
Ana França
S
egunda-feira, a Ucrâ-
nia acordou sob uma
fúria de bombardea-
mentos russos, em re-
taliação pela explosão
que destruiu parte da
ponte entre a Crimeia
(ocupada desde 2014)
e a Rússia, a 8 de ou-
tubro. O centro de Kiev foi atingido,
algo que não acontecia desde junho.
E já esta quinta-feira explodiram dro-
nes kamikaze sobre Bucha, uma das
cidades mártires dos arredores de
Kiev, onde se descobriram as primei-
ras valas comuns depois de um mês de
ocupação russa.
O mundo voltou a falar de ameaça
nuclear, os principais apoiantes de
Putin exigiram vingança dura e o Pre-
sidente russo fez por não os desiludir.
O nuclear ficou de fora das opções e é
pouco provável que venha a ser usado,
segundo a análise da maioria dos espe-
cialistas, mas várias estruturas essen-
ciais para a vida civil, como depósitos
de água e linhas de abastecimento de
energia, ficaram severamente danifi-
cadas. Nas redes sociais surgiu uma
palavra nova para o leitor ocidental:
“Kholodomor”, morte pelo frio. Quem
a escreveu, no Twitter, foi a diretora
do Centro para a Vitória da Ucrânia,
Olena Halushka.
A palavra é um eco claro do muito
documentado Holodomor, a “Grande
Fome” de 1930-1932 provocada pela
lei estalinista que tomou terras e se-
mentes dos agricultores ucranianos,
impedindo-os de produzir o seu sus-
tento. Há quem acuse o Kremlin de
estar a tentar esmagar o espírito do
povo invadido privando-o de energia e
calor no inverno que se avizinha.
Estes ataques não são os primeiros.
Como escreve esta semana o especia-
lista em energia Ariel Cohen, numa
análise para a revista “Forbes”, “a des-
truição da infraestrutura energética
foi sempre uma tática, já que negar à
força o acesso a fontes de energia não
só é eficaz a minar o moral e a logística
ucranianos como provoca desunião na
Europa”. Só em setembro, nos dias 12
e 19, o exército russo atacou, respeti-
vamente, a central termoelétrica de
Kharkiv (Carcóvia) e a central nuclear
de Yuzhnoukrainsk, a sul.
Ocidente renova apoio e armas
Pelo menos 11 infraestruturas essen-
ciais foram atingidas em oito regiões
ucranianas. Seguiram-se cortes de
energia, comunicações e água de vá-
rias horas. “A Rússia quer demonstrar
que qualquer que seja a área geográfi-
ca na qual o povo ucraniano se possa
refugiar estará sempre na mira. Serve
para mostrar que não há lugares se-
guros na Ucrânia”, analisa ao Expres-
so o major-general e especialista em
assuntos militares Arnaut Moreira.
A ONU frisou que a Lei Humanitária
Internacional, que gere as guerras,
proíbe ataques a serviços essenciais
à vida civil.
“Se a ideia fosse danificar infraes-
truturas e causar o mínimo de danos
colaterais, teriam sido conduzidos à
“A RÚSSIA QUER
MOSTRAR QUE NÃO
HÁ LUGARES SEGUROS
NA UCRÂNIA”, DIZ
O MAJOR-GENERAL
ARNAUT MOREIRA
noite, não na hora de ponta, como foi
o caso”, diz Arnaut Moreira. Explica
o que considera ser o objetivo primei-
ro de Putin: “Uma punição do povo
ucraniano.”
Quarta-feira, o exército da Ucrânia
voltou a anunciar ganhos territoriais
perto da cidade de Kherson, no Sul,
uma campanha militar onde Kiev
tem investido boa parte dos esforços
depois de ter recuperado o distrito
de Kharkiv, a nordeste. Segundo a
imprensa ucraniana, cinco localida-
des terão sido tomadas aos russos em
apenas um dia.
A NATO entregou novos sistemas
de defesa antiaérea quarta-feira, mas
o Presidente ucraniano pede ainda
mais. Em breve, Volodymyr Zelensky
deverá receber os sofisticados Siste-
mas Nacionais Avançados de Mísseis
Terra-Ar (NASAMS) dos EUA. França
prometeu sistemas de radar e defesa
aérea, o Canadá disse que forneceria
munições de artilharia e roupa de in-
verno. Do Reino Unido devem chegar
mísseis antiaéreos AMRAAM, capazes
de destruir mísseis de cruzeiro.
Nas Nações Unidas, 143 de 193 paí-
ses votaram a favor de uma resolução
que reafirma a soberania, indepen-
dência, unidade e integridade territo-
rial da Ucrânia dentro das fronteiras
internacionalmente reconhecidas.
Putin viu repudiada a anexação de
Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Lu-
gansk. Nada disto vai demover Mos-
covo, mas Kiev também não deve
mudar de estratégia. “A Ucrânia não
pode deixar de fazer o que está a fazer:
não vai deixar de atacar a Crimeia,
nem Kherson, nem o Donbas”, prevê
o major-general. Reconhece, contu-
do, que o recrudescer da estratégia
de bombardeamentos sobre cidades
que estavam em relativa paz há meses
“tem influência muito grande na parte
psicológica da nação”.
afranca@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022
1962
Duas
semanas
à beira
do abismo
Há 60 anos evitou-se por
pouco a guerra nuclear.
Crise dos mísseis de Cuba
foi recordada por Biden
a propósito da Ucrânia
Após a humilhação que repre-
sentou o atentado contra a pon-
te de Kerch, que liga a Crimeia
ocupada ao território russo (8
de outubro), multiplicaram-se
nas televisões estatais russas
proclamações extremas com
referências explícitas à guerra
atómica. O tema já marcara
discursos do Presidente Vladi-
mir Putin desde a invasão, a 24
de fevereiro, nomeadamente a
21 de setembro, por ocasião dos
referendos (não reconhecidos
pela ONU) na Ucrânia.
A 6 de outubro, Joe Biden evo-
cou acontecimentos de há seis
décadas, em outubro de 1962.
Disse o Presidente dos Estados
Unidos: “O mundo não era con-
frontado com a perspetiva de
um Armagedão desde o Presi-
dente Kennedy e a crise dos mís-
seis cubanos”. Que crise foi essa?
Quando a guerrilha cubana
derrubou o ditador Fulgencio
Batista, em 1959, a Adminis-
tração de Dwight Eisenhower,
manipulada por interesses eco-
nómicos e exilados cubanos,
optou por hostilizar o novo
poder. À época, Fidel Castro
não era comunista, ao contrá-
rio do seu irmão Raul e de Che
Guevara. Ao assumir funções,
em 1961, John F. Kennedy
herdou um plano da CIA para
uma operação encoberta em
Cuba. Aceitou-a, desde que não
houvesse envolvimento mili-
tar americano direto. O fiasco
do desembarque na Baía dos
Porcos, a 17 de abril de 1961,
empurrou o regime cubano
para a órbita soviética. Depois
dos tanques, artilharia e outro
armamento convencional, co-
meçaram a chegar à ilha, em
segredo, mísseis balísticos de
alcance intermédio SS-4 e SS-5
(a Florida está a 200 km) e sis-
temas antiaéreos S-75 Dvina,
os que tinham abatido nos céus
soviéticos o avião espião U2 de
Gary Powells, em 1960.
A “quarentena” de JFK
Missões dos U2 sobre Cuba re-
velam a presença de mísseis
com capacidade nuclear e uma
engrenagem infernal parece
pronta a arrastar o mundo
para a guerra, como num 1914
em versão aditivada. Kennedy,
oficial de marinha condecora-
do durante a II Guerra Mun-
dial, não se deixa impressionar
pelos gritos dos generais que
pediam um ataque a Cuba.
Opta pelo bloqueio naval para
impedir a chegada de mais ma-
terial de guerra. Chama-lhe
“quarentena”, para diluir a
carga bélica. Ele na TV e o em-
Expresso, 14 de outubro de 2022
Soldados ucranianos na
reconquista da cidade de
Lyman, na região de Donetsk
baixador Adlai Stevenson na
ONU fazem uma guerra de co-
municação moderna (como os
vídeos de Zelensky na guerra
atual), contraposta aos solenes
discursos oficiais soviéticos e
baseada na apresentação pú-
blica de fotos legendadas das
rampas de mísseis.
Kennedy pede ao seu irmão
Robert que faça contactos pa-
ralelos com vista a uma solu-
ção negociada, mediados pelo
jornalista da ABC John Scali e
pelo agente do KGB Alexander
Feklisov. Os falcões dos dois
lados pressionam e um deles, o
Kennedy, oficial
condecorado durante
a II Guerra Mundial,
não se deixou
impressionar pelos
gritos dos generais
que pediam
um ataque a Cuba
general Curtis LeMay, respon-
sável pelos bombardeamentos
indiscriminados de cidades
alemãs e japonesas em 1945,
dirá que a crise com Cuba foi “a
maior derrota dos Estados Uni-
dos perante a URSS”. Às má-
quinas de telex da Casa Branca
chegam duas cartas: uma mais
conciliadora, aparentemente
do líder soviético Nikita Kh-
rushchov, outra belicista. Ha-
bilmente, JFK diz que só toma
conhecimento da primeira e só
a essa responderá.
O jogo de bastidores evocado
nos filmes “13 Days”, de Ro-
ger Donaldson (2000), e “To-
FOTO ANATOLII STEPANOV/AFP
pazio”, de Hitchcock (1969),
desenha uma solução: os mís-
seis saem de Cuba se os EUA
desmantelarem as rampas que
possuem na Turquia e em Itá-
lia, coisa que acatam, discreta-
mente e a posteriori.
Contudo, durante o Sábado
Negro o mundo fica a milíme-
tros da catástrofe. Um U2 é
abatido sobre Cuba e o piloto
morre. Na zona de bloqueio o
contratorpedeiro Beale hostili-
za o submarino soviético B-59
com cargas de profundidade
não letais. A bordo deste pon-
dera-se responder com um tor-
pedo atómico. Para a História
fica o gesto do capitão Vassili
Arkhipov que recusa e manda
emergir a embarcação.
No dia seguinte e para irrita-
ção de Fidel, o último a saber,
Rádio Moscovo informa que
os mísseis sairiam de Cuba,
perante garantias de não-in-
vasão. A imagem do cargueiro
soviético “Anesov” largando
da ilha com a sua carga de
mísseis e ogivas, sobrevoa-
do por um avião de patrulha
SP-2H Neptune e escoltado
pelo contratorpedeiro “Bar-
ry”, simbolizou o regresso à
normalidade.
Se o mundo estivera à beira
do desastre, o desanuviamento
que se seguiu não foi obra do
acaso: nesse ano foram insta-
ladas comunicações seguras e
diretas por telex entre a Casa
Branca e o Kremlin (o errada-
mente chamado Telefone Ver-
melho) e, em 1963, foi assinado
o primeiro tratado soviético-a-
mericano a proibir testes nu-
cleares no mar e na atmosfera.
Rui Cardoso
internacional@expresso.impresa.pt
OS DIAS MAIS LONGOS
16 outubro
São apresentadas ao
Presidente John Kennedy
fotografias que mostram
mísseis soviéticos em Cuba.
18 outubro
O ministro dos Negócios
Estrangeiros soviético
declara que as armas
fornecidas a Cuba “são
puramente defensivas”.
Kennedy responde que
“haverá consequências
sérias” se forem nucleares.
20 outubro
Depois de cinco horas
de reunião, é afastada
a hipótese de um ataque
a Cuba, defendida pelas
chefias militares, e decidido
um bloqueio naval.
22 outubro
Kennedy telefona ao
primeiro-ministro britânico
Macmillan, faz um discurso
na televisão em que o termo
“bloqueio” é substituído por
“quarentena” e escreve uma
carta ao secretário-geral
soviético Nikita Khrushchov:
“Ninguém no seu perfeito
juízo lançaria o mundo
numa guerra que ninguém
pode ganhar”.
23 outubro
Começa o bloqueio naval.
Robert Kennedy, irmão do
Presidente, faz contactos
paralelos com os soviéticos.
24 outubro
São recebidas duas cartas
na Casa Branca,
uma conciliadora,
aparentemente de
Khrushchov e outra mais
dura. Por sugestão do
irmão, Kennedy decide só
tomar conhecimento oficial
da primeira missiva.
25 outubro
Adlai Stevenson,
embaixador dos Estados
Unidos na ONU, confronta
o embaixador soviético
Valerian Zorin com as fotos
das rampas de lançamento
em Cuba.
26 outubro
Fidel Castro pede
a Khrushchov que não
recue. Este dá sinais de
concordar com a solução
preparada nos bastidores:
retirada dos mísseis desde
que os Estados Unidos
façam o mesmo em Itália e
na Turquia.
27 outubro
Sábado Negro. Abatido
um avião U2 em voo de
reconhecimento sobre
Cuba. O major Rudolf
Andersen será a única baixa
oficial desta crise.
Submarino soviético
hostilizado por cargas
de profundidade
americanas quase responde
com torpedo nuclear.
28 outubro
A Rádio Moscovo confirma
que os mísseis sairão
de Cuba na presunção
de que a ilha nunca será
atacada. A contrapartida
americana na Turquia
e em Itália será executada
em abril do ano seguinte.
R.C.
Luís Tomé Diretor do Departamento
de Relações Internacionais da Universidade Autónoma
“A China de Xi
é confrontacional”
Cristina Peres
Individualmente, nenhum Esta-
do europeu é capaz de assegu-
rar os seus interesses perante
as duas superpotências, Esta-
dos Unidos e China, diz Luís
Tomé. O professor e diretor do
departamento de Relações In-
ternacionais da Universidade
Autónoma de Lisboa é um dos
oradores do painel “Globali-
zação: desaceleração tempo-
rária ou mudança de rumo?”
na 5ª Conferência de Lisboa,
que termina esta sexta-feira na
Fundação Gulbenkian. “Os 27
estão divididos e à mercê das
manobras divisionistas dos dois
gigantes”, avisa.
P Na conjuntura atual, a glo-
balização muda de rumo ou
desacelera?
R A minha tese é que estamos
numa clara fase de desconstru-
ção da ordem global liberal.
Distingo a ordem internacional
da ordem mundial: durante a
Guerra Fria tínhamos uma or-
dem mundial bipolar com duas
ordens internacionais. A ordem
internacional liberal existia no
Ocidente alargado à margem
da outra ordem, liderada pela
União Soviética (URSS). A or-
dem liberal expandiu-se com
o fim da dupla Guerra Fria:
não acabou apenas a Guerra
Fria dos Estados Unidos (EUA)
com a URSS, mas também a da
URSS com a República Popular
da China (RPC). Com a implo-
são da URSS e daquele bloco,
a ordem liberal internacional
expandiu-se e globalizou-se. A
globalização é mais do que o
domínio económico. As inter-
dependências entre diferen-
tes povos, países e regiões do
mundo agora estão em todos
os domínios.
P Foi acontecendo como se
fosse o único caminho?
R Atingiu um auge, mas regre-
diu por responsabilidade par-
cial de países ocidentais como
os EUA, que nunca consegui-
ram atrair todos para a lógica
de ordem mundial e globaliza-
ção que lideram. Houve sem-
pre resistências, como da Rús-
sia e da China, que acusavam
Washington e os seus parceiros
ocidentais de quererem criar
uma ordem cujo único objetivo
era perpetuar a supremacia dos
EUA e a visão ocidental. Houve
erros dos EUA que alimenta-
ram esta narrativa: o ataque ao
Iraque em 2003, em violação
flagrante da ordem liberal; a
confrontação da administração
Trump ao liberalismo econó-
mico, favorecendo o protecio-
nismo; o ataque às instituições
multilaterais, que deixaram os
EUA e os aliados da Europa e
Ásia-Pacífico do mesmo lado da
Rússia e da China. Aí percebe-
mos como os EUA, sobretudo
com Trump, também tiveram
responsabilidade na descons-
trução da ordem liberal. So-
mando o progresso de muitos
nacionalismos, populismos,
extremismos e autoritarismos,
percebemos que a democracia
liberal entrou em crise, está em
retrocesso. Os antagonistas,
China e Rússia, aproveitaram,
procurando construir uma ou-
tra ordem internacional, que é
sinocêntrica. Estamos a assistir
à reconstrução da ordem mun-
dial em torno de duas ordens e
duas superpotências: China e
Estados Unidos.
P Há hoje resistência aos bene-
fícios da globalização económi-
ca? Porquê?
R Sim, os líderes ocidentais
perceberam que a interdepen-
dência económica e comercial,
nas comunicações, transportes,
etc., resulta em dependência,
como vemos com a relação
energética com a Rússia, mas
em particular da China. Esta
tornou-se o maior parceiro co-
mercial da UE em 2020 e co-
meçou a usar, cada vez mais,
não apenas o poder de atração
económica como o da sanção
económica. Durante a pande-
mia, o lockdown da China en-
cerrou a fábrica do mundo. Já
se sabia haver sectores em que
os EUA estavam muito depen-
dentes da China: 80% das ter-
ASSISTIMOS À
RECONSTRUÇÃO
DA ORDEM
MUNDIAL
EM TORNO
DE DUAS
SUPERPOTÊNCIAS:
CHINA E EUA
ras raras, essenciais para toda
a alta tecnologia, importadas
pelos EUA vêm da China. Um
relatório de 2021 da UE diz
que 52% de todos os produtos
estratégicos importados pelo
bloco vêm da China. É delicado
quando a interdependência se
torna dependência.
P Decisões tomadas no tempo
de uma legislatura sob pressão
do eleitorado não ajudam...
R Tocou no ponto: os líderes
ocidentais têm um calendário
de atuação curto, em função
dos ciclos eleitorais e da alter-
nância democrática. Têm di-
ficuldade em projetar a longo
prazo e estão sempre a justifi-
car-se perante o eleitorado. A
LEIA A OUTRA PARTE
DESTA ENTREVISTA
SOBRE ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS, ENERGIA
E TERRORISMO
EM EXPRESSO.PT
PRIMEIRO CADERNO 27
FOTO JOSÉ FERNANDES
lógica dos dirigentes autocrá-
ticos com uma história como
têm a Rússia e a China nunca é
de curto prazo. Um país com o
potencial da China, que man-
teve um ritmo de crescimento
elevado e contínuo durante dé-
cadas, foi convertendo o poder
comercial adquirido noutros
poderes, incluindo o militar,
cultural, diplomático, o que co-
meça a ser um problema.
P Continuamos interligados,
ou não?
R Continuamos muito interli-
gados, só que a ascensão da Chi-
na foi feita por um líder muito
mais assertivo, autocrata, afir-
mativo e autoconfiante, que é
Xi Jinping. Ele tem mais con-
fiança naquilo que a China tem
e pode fazer quando os EUA e o
Ocidente estão em declínio. A
China de Xi Jinping é confron-
tacional, quer resolver a questão
de Taiwan e reconquistar aquilo
que reivindica no Mar do Sul
da China. Os EUA sabem que a
China é o grande desafio à sua
supremacia e há hoje mais par-
ceiros a percecionarem a China
como, pelo menos, um desafio.
P Que vê emergir do 20º Con-
gresso do Partido Comunista
Chinês?
R Vai ser um momento de
reafirmação do imperador Xi
Jinping. Vai sair uma tónica re-
forçada, que privilegia o merca-
do interno como motor de cres-
cimento, o que é uma mudança.
Antes, o crescimento da China
amparava-se nas exportações e
hoje tira partido do gigantesco
mercado interno de 900 mi-
lhões de consumidores: EUA e
Europa somados. Pequim está
há mais tempo a antecipar ce-
nários daquilo que entende ser
o ponto onde quer estar.
P Quando o Ocidente achava
que estava fora de jogo?
R O objetivo da China é o topo
da pirâmide mundial e o centro
da reforma do sistema de go-
vernação global. Em contexto
de guerra e de forma surpreen-
dente, a China anuncia este ano
outro grande contributo para a
humanidade depois da Belt and
Road Initiative, a Global Secu-
rity Initiative. Xi Jinping quer
criar um mundo sem o Ocidente,
apoiado em quadros de coopera-
ção bilateral. A China tem duas
pernas para criar um mundo
sinocêntrico: dentro das institui-
ções e quadros como a OMC e a
ONU, onde tem hoje muito mais
peso, uma espécie de embedded
revisionism, e criando realidades
paralelas sem o Ocidente.
cperes@expresso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de outubro de 2022

Guerra CHINA
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com

Divergências
entre Riade
e Washington

A
s tensões na relação energética
entre os Estados Unidos e a Arábia
Saudita são cada vez mais eviden-
tes. Do ponto de vista económico e
financeiro, o eixo Washington-Riade tem
sido um dos mais importantes na política
internacional nas últimas décadas. Toda-
via, na semana passada, a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
anunciou um corte de dois milhões de
barris diários na sua oferta petrolífera, o
que representa cerca de 2% da produção
mundial.
Do ponto de vista da Administração Bi-
den, a decisão da OPEP, a meio dos ata-
ques russos contra a Ucrânia, pressões
inflacionistas e na véspera das eleições
para o Congresso dos Estados Unidos,
foi uma surpresa desagradável. Mosco-
vo, como era de esperar, aplaudiu esta
medida, que poderá vir a aumentar as
suas receitas. Menos notado foi o impacto
negativo desta decisão na economia chi-
nesa, que importa 10 milhões de barris de Xi Jinping no Parlamento chinês em 2018. Passados quatro anos, o seu poder foi muito reforçado FOTO NICOLAS ASFOURI/AFP/GETTY IMAGES
petróleo por dia. Esta semana, Joe Biden
avisou que “haverá consequências” para a
Arábia Saudita, mas não especificou quais. Congresso Encontro dá a conhecer a liderança do Partido Comunista da China até 2027

A máquina partidária que

Vários factos explicam a escolha saudi-
ta. As relações pessoais desempenharam
em todos os momentos um papel crucial
na negociação entre Washington e Riade.

Trump sempre apoiou

o príncipe herdeiro saudita.
Este não tem relação pessoal
com Biden e os seus valores
políticos são muito diferentes
define o futuro do império
Donald Trump sempre apoiou Mohammed
bin Salman (MBS), o príncipe herdeiro
saudita. Nem mesmo o assassínio de Jamal burgo. Quem assume as rédeas tem comunicação estatais passaram a Num cenário de incertezas, a aca-

Khashoggi na Turquia, em 2018, provavel-
mente ordenado pessoalmente por MBS,
pôs em causa este relacionamento. Para
MBS e Trump, os negócios foram sempre
mais importantes do que a moral. Com Bi-
den as coisas são muito diferentes. Os dois
líderes não têm uma relação pessoal e os
seus valores políticos são muito diferentes.
O mesmo se diga dos interesses.
MBS necessita de preços de petróleo
na casa dos 100 dólares (103 euros) para
financiar o seu ambicioso programa de
reformas internas e satisfazer as expec-
tativas económicas de uma população
muito jovem. Riade concluiu também que
o aumento dos preços é justificado para
encorajar mais investimento na indústria
petrolífera. Por fim, a liderança saudita
entende que Washington tem sido um
aliado pouco fiável no Iémen e na confron-
tação com o Irão. O corte da produção da
OPEP é sinal da insatisfação de Riade com
Washington.
Por seu lado, a Administração Biden e
o Congresso dos Estados Unidos olham
com preocupação para a aproximação da
Arábia Saudita à Rússia. Este processo co-
meçou em 2013, com uma visita do diretor
dos serviços secretos sauditas à residência
pessoal de Vladimir Putin. Quatro anos
depois, o rei Salman bin Abdulaziz foi o
primeiro monarca saudita a visitar Mos-
covo. O problema de Washington é que
a sua margem de manobra com MBS não
é grande.
Os sauditas estão perfeitamente cons-
cientes de dois factos. Primeiro, a guerra
de Putin contra a Ucrânia pôs fim a um
relacionamento energético secular entre
Moscovo e a Alemanha. A prazo, a guerra
de Putin acelerará o declínio da Rússia e,
como já estamos a ver, reforçará a posição
dos Estados Unidos como fornecedor de
gás natural e produtos refinados à Europa.
Segundo, quando o embargo europeu à
importação de petróleo russo entrar em
O
Salomé Fernandes
caminho que a
China vai percor-
rer nos próximos
anos está prestes
a tornar-se mais
claro. O Congresso
Nacional do Parti-
do Comunista da
China (PCC) reali-
za-se a cada cinco anos e o próximo
está perto: arranca domingo. É nesta
reunião — a que mais se destaca no
calendário político do país — que se
determina a liderança do partido,
se definem objetivos políticos e se
decidem alterações à Constituição
do PCC.
Na base do partido que governa a
China estão cerca de 96 milhões de
militantes, que serão representados
no Congresso por 2296 delegados.
Em teoria, é durante o Congresso
que se escolhe o Comité Central do
PCC, com cerca de 200 membros
e 170 suplentes. Este decide, por
sua vez, a composição do Politburo.
Atualmente, dos 25 membros do Po-
litburo, sete compõem o Comité Per-
manente. Um deles é o secretário-ge-
ral do PCC. Prevê-se que Xi Jinping
se mantenha no cargo, que ocupa há
dez anos, em vez de se limitar aos ha-
bituais dois mandatos, como os seus
antecessores Hu Jintao (2003-13) ou
Jiang Zemin (1993-2003).
Com a “liderança do PCC” escrita
na Constituição do país, estas de-
cisões não afetam apenas o futuro
da formação política. “É algo que
acontece dentro do partido, mas tem
implicações mais amplas no caso
chinês, porque é um ‘partido Esta-
do’. Resumindo, o partido controla
o Estado. Quem quer que seja sele-
poder de decisão sobre a segunda
maior economia mundial.
O Congresso, que deverá durar
cerca de uma semana, decorre num
contexto marcado por desafios: des-
de o fraco crescimento económico ao
agravamento das tensões em torno
de Taiwan.
Terceira ronda
Além de dirigente do PCC, Xi Jinping
é também Presidente da China e che-
fe das Forças Armadas chinesas. Nos
próximos anos poderia, por exem-
plo, manter-se dirigente do partido
e afastar-se de um dos outros cargos.
Quando Jiang Zemin abandonou o
cargo de secretário-geral do PCC,
deixou de ser Presidente da China
(sucedendo-lhe Hu nessa posição),
mas manteve-se à frente da Comis-
são Militar Central até 2004. Doyon
acredita, porém, que “é improvável,
porque não há uma figura clara para
substituir Xi em qualquer destes car-
gos”.
Recuando a 2018, o académico
identifica outro sinal disso: foi abo-
lido o limite de dois mandatos para
a presidência chinesa e os meios de
“NESTE CONGRESSO
VAMOS PERCEBER
ATÉ ONDE VAI O PODER
DE XI JINPING
E A SUA RELAÇÃO COM
O PARTIDO”, PREVÊ
mensagem de que a mudança sim-
plificava o sistema, por não existirem
prazos temporais para a liderança
do partido e do exército. “Acho que
a implicação desta mensagem é que
provavelmente a mesma pessoa fica-
ria depois nestes três cargos para lá
dos dez anos.”
Raquel Vaz Pinto observa que ante-
riormente o PCC dava “garantias de
alguma estabilidade” na transição do
seu secretário-geral, que começava
a ser preparada com cinco anos de
antecedência. “O Congresso de há
cinco anos faria entrar uma geração,
uma nova equipa, que estaria cinco
anos a perceber como tudo funciona
e depois tomava o poder”, explicou
ao Expresso a docente universitária.
Em 2017, isso foi interrompido.
Uma das questões para Vaz Pinto é
“até onde vai o quebrar de compro-
missos, regras, tradições”. E antevê:
“Neste Congresso vamos perceber
até onde vai o poder de Xi Jinping
e a sua relação com o partido.” A
investigadora do Instituto Português
de Relações Internacionais admite a
possibilidade de surgir a figura de
um sucessor, sem que este se torne
necessariamente o último mandato
de Xi. Tem “muitas dúvidas” de que
o líder chinês dê indicações de que se
afastará daqui a cinco anos.
A quem prestar atenção
Em anos anteriores, as alterações
no Politburo seguiram uma regra
informal: os dirigentes até aos 67
anos mantinham-se ou assumiam
novos cargos, enquanto os que já
tinham 68 anos se reformavam. Com
o próprio Xi acima desse limite, res-
tam dúvidas sobre se a convenção se
aplicará aos restantes membros. A
démica arrisca dizer que não haverá
mulheres no comité permanente,
como aliás já é o caso. Atualmente,
há apenas uma mulher no Politburo.
Uma das dúvidas que se levantam
é o futuro de Li Keqiang, membro
do comité permanente e primeiro-
-ministro da China. Há meses anun-
ciou que sairia do cargo quando o
atual mandato terminasse. Quem
vai assumir a posição em março do
próximo ano?
Uma das figuras apontadas por
Doyon é Liu He. Está acima da ida-
de para ser promovido, mas é “bas-
tante próximo de Xi Jinping” e tem
experiência em temas económicos.
“Dado que o primeiro-ministro está
basicamente encarregado da políti-
ca económica, faria sentido”, nota.
Outra opção é Hu Chunhua. Com
progressão dentro do PCC, o acadé-
mico entende que é a escolha “mais
provável” a nível institucional. Po-
rém, ressalva que é visto como não
sendo suficientemente próximo do
Presidente.
O nome de Hu Chunhua também
foi referido por Yu Jie, investigadora
na Chatham House. “Tem muito boa
reputação”, disse à agência Reuters.
Outra figura apontada para núme-
ro dois do poder é Wang Yang. “Os
dois são mais afetos a Hu Jintao. Hu
Chunhua mais, mas, ao longo deste
tempo, quer um quer outro foram
extremamente fiéis a Xi”, explica
Raquel Vaz Pinto. Frisando que Yu
Jie é “um bom barómetro”, nota que
Hu Chunhua é “mais consensual” e
mais novo do que os demais putati-
vos aspirantes.
As certezas só chegarão depois
do Congresso. Vaz Pinto destaca o
desconhecimento em redor deste
momento político. “Esse elemento

A INVESTIGADORA
vigor, no início de dezembro, os países cionado pelo partido para a liderança aplicar-se, ficam vagos dois lugares de opacidade perturba-nos, porque
europeus precisarão de ainda mais petró- de topo também vai ser, na prática, no comité permanente. Vaz Pinto estamos a falar de um país crucial no

RAQUEL VAZ PINTO

leo saudita e do golfo Pérsico. Tudo isto o líder do país”, descreve Jérôme sublinha outra questão relevante: a mundo”, lança.
constrange Washington. Doyon, da Universidade de Edim- distribuição de pastas. sfernandes@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022
BRASIL
Círio aceso e disputa por cada voto
Com vantagem curta, Lula tenta segurar o Nordeste e ganhar votos em Minas sem os perder em São Paulo
Manuela
Goucha Soares
Num Brasil rico em confissões
religiosas, Jair Bolsonaro e a
mulher de Luís Inácio Lula da
Silva (a socióloga Rosângela Sil-
va, mais conhecida por Janja)
estiveram em Belém do Pará,
na procissão do círio, em home-
nagem a Nossa Senhora da Na-
zaré. A devoção evangélica do
Presidente recandidato não o
afastou da romaria católica que
atrai milhares de nordestinos
e não só. Janja, que é católica,
levou consigo uma imagem da
Senhora Nazaré que lhe fora
oferecida em setembro.
A presença de Bolsonaro e
Janja na peregrinação do Círio
de Belém prova que o comba-
te entre os dois candidatos à
segunda volta das presiden-
ciais, marcada para dia 30,
se faz voto a voto. São as elei-
ções mais renhidas de “toda
a história do Brasil”, desde a
implantação da República em
1889, afirma Renato Lessa ao
Expresso. “Também são as
mais perigosas”, alerta o autor
do livro “A Invenção Republi-
cana”, que colaborou na obra
“130 Anos: Em Busca da Re-
pública”. “Há um entendimen-
to generalizado na oposição
a Bolsonaro, de que não são
‘normais’”, prossegue Lessa,
que teme o “risco de alteração
autocrática e progressiva do
regime democrático, que não
virá do cenário tradicional do
golpe de Estado, mas da trans-
figuração do próprio regime”.
“O que distingue o Brasil não
é o risco económico, mas ci-
vilizacional. Um risco que se
faz presente na opção de pária
internacional assumida pelo
atual Governo, utilizada para
desmontar o quadro constitu-
cional e institucional e impor a
regressão no plano dos valores
e da cultura política”, acrescen-
ta Lessa. A seu ver, a disputa vai
Uma sondagem
recente dá 52% a Lula
e 48% a Bolsonaro.
Segunda volta
disputa-se dia 30
resolver-se “ao centro” e o voto
dos indecisos, abstencionistas
e apoiantes de Simone Tebet e
Ciro Gomes será decisivo.
Tebet, terceira mais votada
na primeira volta, dia 2, esco-
lheu o 5 de outubro (34º ani-
versário da Constituição bra-
sileira de 1988) para declarar
apoio à candidatura de Lula.
No seu “Manifesto ao Povo
Brasileiro”, a senadora, que os
apoiantes mais radicais de Lula
viam como representante do
agronegócio, transmitiu uma
mensagem aos cinco milhões
que votaram nela como candi-
Simone Tebet trouxe o endividamento das famílias para a campanha de Lula
data do Movimento Democrá-
tico Brasileiro (MDB, centro) e,
sobretudo, às mulheres. Falou
no direito à educação escolar e
à saúde, no endividamento das
famílias, na profunda desigual-
dade salarial entre homens e
mulheres e na discriminação
racial. Ao lado de Lula, decla-
rou-se pronta a cumprir uma
“missão”, para evitar os riscos
da vitória de Bolsonaro com
uma “maioria reacionária”. Te-
bet lembrou que Lula nunca
“flirtou com o autoritarismo”.
Sem nunca dizer que faria
campanha ao lado de Lula, Ciro
Gomes disse que apoia a posi-
ção do seu Partido Democráti-
co Trabalhista (centro-esquer-
da), que apoia o ex-Presidente.
Se a aritmética não falhar, são
PRIMEIRO CADERNO 29
te da Poderdata dá 52% a Lula
e 48% a Bolsonaro, mas indica
que 60% dos evangélicos prefe-
rem Bolsonaro, enquanto 40%
dos católicos privilegiam Lula.
Isso torna ainda mais simbólica
a presença de Bolsonaro e Janja
Silva na romaria de Belém.
A importância de São Paulo
Segundo o Tribunal Superior
Eleitoral, o estado de São Paulo
teve “a maior eleição da histó-
ria, com eleitorado recorde de
FOTO ALEXANDRE SCHNEIDER/GETTY IMAGES
34.667.793 pessoas, sendo 53%
mulheres”. O estado mais po-
puloso do país também bateu
o recorde de votos facultativos
(é obrigatório para parte da
população), “com 358.167 elei-
tores com menos de 18 anos e
3.540.895 com mais de 70”.
O governador Rodrigo Gar-
cia, do Partido da Social-De-
mocracia Brasileira (PSDB,
centro-esquerda), não passou à
segunda volta e declarou apoio
a Bolsonaro para Presidente e a
Tarcísio de Freitas (do partido
de direita Republicanos) para
3,6 milhões de votos. Somados governador, cargo que este dis-
aos quase cinco milhões de Te- puta com Fernando Haddad,
bet, representam quase oito camarada de Lula no Partido
milhões de sufrágios. dos Trabalhadores (PT, esquer-
Acontece, porém, que a trans- da). Os estrategos de Lula dão
ferência de votos não se resume tudo por tudo para não aumen-
a contas de somar e subtrair. É tar a “desvantagem” no estado,
aqui que entram fatores como crucial para o PT, tal como “se-
taxa de rejeição, confissão religi- gurar o Nordeste e ganhar votos
osa ou a região onde residem os em Minas Gerais”.
eleitores. Uma sondagem recen- mgoucha@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA ENTREVISTA
Tarantini Ex-jogador de futebol
“SOU UMA ESPÉCIE
DE VOZ DA CONSCIÊNCIA”
Texto Pedro Barata
Foto João Girão
Aos 39 anos, Tarantini, o 41º jogador
com mais partidas (345) na história
da I Liga, dá os primeiros passos como
treinador após pendurar as botas em
2021. Adjunto no Famalicão entre
outubro do ano passado e setembro
de 2022, o licenciado, mestre e doutor
lança mensagens de alerta sobre um
mundo em que “nem tudo é cor-de-ro-
sa”, apesar de frequentemente idea-
lizado. Acaba de lançar “O Caçador de
Sonhos”, o seu segundo livro.
P Dizes que este era o livro que gos-
tarias de ter lido há 30 anos. Porquê?
R Para conhecer melhor o que é isto
do futebol. É um livro para um públi-
co-alvo entre os 8 e os 14 anos, sobre
a procura do sonho, mas não pode ser
o sonho a qualquer custo. Nem tudo é
cor-de-rosa, nem tudo vai dar certo.
Os miúdos também precisam de saber
isto: podemos vender o sonho, mas
temos de lhes dizer a realidade. Po-
dem não chegar ao topo. E está tudo
bem na mesma. Essa perda pode ser
muito abrupta e condicionar o futuro
de quem tem a vida inteira pela frente.
Quantos jogadores com mais talento
do que eu passaram pelo meu balneá-
rio? O talento não é o único fator. Se
fosse só pelo talento, nunca teria con-
seguido chegar lá.
P Tiveste uma preocupação maior
pela vida fora do futebol do que quem
fez a formação num grande, porque
eles se focam naquilo muito cedo?
R A maioria dos jogadores não sabe
o que é o mundo real, não sabe vi-
ver fora da bolha. Não conhecem. As
academias devem fazer com que eles
vejam como é essa vida fora da bolha.
Devem-se focar no que será, prova-
velmente, a profissão deles, mas não
esquecendo que há uma vida social
e familiar. O jogador não pode ser
posto numa redoma tal que, quando
for exposto fora disso, não consiga
viver. Uma vez, o Maxi Pereira disse
que, a certa altura, deu por ele numa
fila da Via Verde, onde nunca tinha
estado. Ou a pagar uma conta. Isto é
muito simples para nós, mas para eles
não vai ser.
P Eras um veterano no futebol, agora
és um recém-nascido na vida.
R Estar deste lado é construir uma
nova carreira. Se a retirada é difícil
para mim, que estudei durante muitos
anos e tentei preparar-me da melhor
forma, nem quero imaginar o vazio
que deve ser para quem nunca tenha
pensado nisto, que não se preparou a
nível de formação, planeamento finan-
ceiro ou vida social. Por isso é que há
relatos de depressão ou de gente que
passa os dias todos fechada em casa
de pijama.
SE A RETIRADA É
DIFÍCIL PARA MIM,
NEM QUERO IMAGINAR
O VAZIO DE QUEM
NÃO SE PREPAROU
P O livro chama-se “O Caçador de
Sonhos”, mas estamos a falar de trau-
mas e pesadelos. O reverso da meda-
lha é muito pesado?
R Para muita gente é muito mais fácil
falar do sonho, da parte cor-de-rosa,
vende mais falar disso do que sobre
o que é difícil, sobre tipos que ficam
na bancarrota. Sou aqui uma espécie
de voz da consciência. Para mim era
muito fácil vender o sonho, porque
consegui lá chegar. O meu plano A era
estudar, o plano B, o futebol, veio de-
pois. O futebol tornou-se o plano A, e
ao mesmo tempo os estudos foram-me
acompanhando.
P Muitas vezes são os pais que colo-
cam pressão excessiva nos filhos...
R O que não ajuda no crescimento
dessas pessoas. Há cada vez mais jo-
gadores novos que procuram ajuda
psicológica para ultrapassar os trau-
mas ou a pressão. Ficam com autoes-
tima baixa, também provocada por
atitudes dos pais. Devemos deixá-los
divertirem-se, brincarem, senão vai
acontecer o oposto: vão deixar de gos-
tar, vão abandonar o jogo.
P Acabaste a licenciatura em 2006 e
decidiste fazer o mestrado em 2013,
no teu auge desportivo. O que te levou
a voltar a estudar?
R Quando terminei a licenciatura, na
Covilhã, decidi dedicar-me a 100% ao
futebol, para tentar chegar à I Liga.
Consegui-o em 2008. Depois apanhei
um treinador, o Nuno Espírito Santo,
que mudou muito o clube e a minha
visão sobre o jogo. Foi isso que me fez
voltar a estudar, para acompanhar
a paixão pelo jogo e pelo treino, que
tinha crescido. Quando decidi fazer
o mestrado, fomos jogar à Madeira, e
eu tinha uma apresentação na quar-
ta-feira seguinte. Dividia o quarto de
hotel com o André Vilas Boas e não
lhe queria estar a pedir para sair do
quarto para eu ficar a estudar. No fu-
tebol, sair do quarto para estudar dá
aquela imagem de que o jogador já
não está focado no encontro e não sei
quê. Então, peguei nas minhas coisas,
fui para a casa de banho, para dentro
da banheira, e estive duas horas a es-
tudar lá dentro.
P Há essa ideia quase militar dos es-
tágios, em que se pensa que os joga-
dores têm de estar ali concentrados.
Isso não é uma falsa questão?
R É um mito, claro. Tem de haver um
equilíbrio — eu, em alturas da minha
carreira, meti algum peso excessivo
nalgumas coisas —, mas nunca per-
di o foco da minha profissão e dos
compromissos de quem me pagava.
O argumento de não ter tempo para
estudar, usado por muitos jogadores,
é uma falsa questão. É mentira. A pior
coisa que um colega de profissão me
podia dizer era que não tinha tempo.
Na licenciatura levantava-me às 7 da
O ARGUMENTO
DE NÃO TER TEMPO
PARA ESTUDAR
É UMA DESCULPA
PARA NÃO O FAZER
Expresso, 14 de outubro de 2022
manhã, ia à primeira aula às 8, ia para
os treinos, depois voltava para as aulas
de tarde. Sabia o que era não ter tem-
po e conseguia, portanto isso é o pior
que me podiam dizer. Não me atirem
areia para os olhos. O que pode acon-
tecer é, ao invés de fazer um curso em
três anos, fazê-lo em cinco ou seis, mas
não me digam que é pelo tempo. Isso é
uma desculpa para não o fazer.
P Tentaste convencer colegas a es-
tudar?
R Nunca tentei convencer ninguém.
Falava com quem achava que poderia
converter ou ajudar a encaminhar,
mas há muita gente que não quer ou-
vir, que simplesmente não quer saber
disto e pretende focar-se a 100% na
carreira, em ser jogador e ganhar o
seu dinheiro, mesmo quando eu dizia:
“Atenção, mesmo ganhando o teu di-
nheiro, as coisas não são tão simples
quanto isso.” A parte da educação e da
formação é determinante, porque nos
ajuda a tomar decisões — com a famí-
lia, na vida financeira, na vida social,
a escolher um empresário...
P Acabar a carreira descendo de divi-
são, em 2020/21, foi muito difícil?
R Foi terrível. Das piores recorda-
ções que tenho na minha carreira,
sobretudo pelo que nós construímos
naquela década. O clube era muito
inconstante, subia e descia de divisão,
mas depois passou a ter equilíbrio,
crescimento, foi a três finais em 2014,
teve quatro presenças na Europa. E
ali, de um momento para o outro, de-
saba tudo, num ano em que vamos a
penáltis contra o Milan. Felizmente,
eles subiram logo no ano a seguir, mas
claro que — até por ser capitão de
equipa e líder — foi terrível. O peso
que eu carregava naquele ano foi mui-
to duro para mim.
P Como tem sido este ano e meio des-
de o final da carreira de jogador?
R Um desafio enorme. Admito que
houve, também, coisas muito boas,
como, depois de 20 anos de carreira
profissional, ter mais tempo para a
família ou para viajar. Acabei por não
estar muito tempo parado, porque me
retirei em junho, entrei no Famalicão
como adjunto em outubro e saí em
setembro deste ano. Mas é bom ter
algum alívio da pressão do futebol
e dos resultados. Ao mesmo tempo,
sabia que tinha este desafio do pós-
-carreira. Qual a carreira que quero
seguir? Que escolha vou tomar? Tomei
a opção de ir para o campo, para o
terreno, como treinador-adjunto. Foi
uma experiência boa, conseguimos
terminar a época passada no oitavo
lugar com o Famalicão. Estava ali para
ajudar, acho que cumpri esse objetivo.
Quando eles decidiram que o Rui [Pe-
dro Silva, técnico principal] deveria
sair, senti que não fazia sentido con-
tinuar. Mas foi uma experiência boa
estar daquele lado.
P Para já, a opção é ser treinador?
R É. Tenho paixão pelo campo e pelo
terreno, mas se eu sentir que não é
por aqui, que são vivências do dia a dia
que não me fazem acordar de manhã
como acordava quando era jogador,
irei tomar outras decisões que me le-
vem a ser útil ao desporto e ao futebol.
P A instabilidade associada à carrei-
ra de treinador pode ser um desafio
para quem passou 13 anos a jogar no
mesmo clube?
R É uma coisa a que tenho de me
adaptar. Para fazer esta carreira, se
calhar é este clique que eu terei de
fazer. Quando tempo vai durar esta
carreira? Não sei, tenho-me debatido
um pouco com isso: perceber se esta é
a carreira que eu quero construir, se é
por aqui o caminho. Estou um pouco
mal habituado a essa estabilidade des-
portiva e familiar. Agora terei de saber
lidar com isso, tenho de me preparar
para essa instabilidade, porque é a
realidade dos treinadores em Portu-
gal há pouco tempo. Se eu sentir que
não sei lidar com essa instabilidade,
isso pode ser uma razão para escolher
outro caminho. Mas estou a dar-me a
oportunidade de perceber como é que
lido com isso. Nós temos de olhar e
pensar se somos bons no que fazemos
ou não. Sou bom a ser treinador ou
não? Terei de fazer o meu caminho e
depois essa avaliação.
pmbarata@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de outubro de 2022 PRIMEIRO CADERNO 31

FUTEB OL FEMININO BREVES

A 20 MIL QUILÓMETROS DA HISTÓRIA

E tão perto. A seleção nacional disputa em fevereiro uma inédita presença no Mundial
quatro. Os vencedores de cada
Lídia Paralta Gomes pool seguem para o Mundial.
Nestes dias em que as ins-
A estreia de Portugal em fases tituições tentam como nunca
finais do Campeonato do Mun- aproximar o público do fute-
do passou, em meses, de uma bol feminino, tudo o que se
utopia, depois de uma fase de deveria evitar era complicar.
qualificação difícil, disputada Mas aqui estamos, com Portu-
DONOS DO PSG
NA SAD DO SC BRAGA
COMPRA A Qatar Sports Invest-
ments, dona do Paris Saint-Ger-
main, tem agora 21,67% da SAD
do SC Braga, depois de comprar
as ações que estavam na posse
da Olivedesportos, de Joaquim
Oliveira. A SC Braga SAD ga-
rantiu que está “salvaguardada
a total autonomia de decisão
por parte da administração no-
meada com o apoio do acionista
maioritário”, que continua a ser
o SC Braga.

20,7
até ao último jogo, para ficar gal a ter de viajar até ao outro

FOTO DIOGO CARDOSO/DEFODI IMAGES VIA GETTY IMAGES

à distância de 20 mil quilóme-
tros. Paradoxalmente, nunca
esteve tão perto. Porque é na
Nova Zelândia, de 17 a 23 de
fevereiro do próximo ano, que
a seleção nacional vai tentar
agarrar uma das três vagas
que restam para a prova,
que se irá disputar no verão
de 2023, numa organização
conjunta entre aquele país nos
nossos antípodas e os vizinhos
australianos.
No caminho para chegar ao
derradeiro play-off, que po-
derá significar história, Por-
tugal, que ontem subiu do 27º
para o 23º lugar do ranking
FIFA, desafiou a lógica, ultra-
passando no play-off europeu
a Bélgica e a Islândia (19º e 14º
da lista), muito mais favoritas
a um lugar no Mundial. Prin-
cipalmente as nórdicas, derro-
tadas pelo talento português
na terça-feira, por 4-1. Portu-
gal soube sofrer no início, ven-
cendo num emotivo prolonga-
mento, onde se confirmou que
pode haver superioridade na
técnica nacional face ao físico
de seleções mais potentes, que
Vitórias frente à Bélgica e à Islândia levaram Portugal para um derradeiro play-off
nem há uma década pareciam
tão fora do nosso alcance. “Já
não tenho palavras, elas sa-
bem que sou o primeiro ad-
mirador delas. Para o bem e
para o mal, digo o que penso.
Mais uma vez, deram prova
daquilo que são”, sublinhou o
selecionador, Francisco Neto,
o jovem treinador que levou
Portugal à estreia em Euro-
peus, em 2017, e pode agora
fazê-lo também no Campeo-
nato do Mundo.
As intrincadas regras inven-
tadas pela UEFA e pela FIFA
para definirem os finalistas
atiraram, porém, a seleção na-
cional para um último play-off
intercontinental, onde Portu-
gal se juntará a uma verdadei-
ra sociedade das nações, cons-
tituída pelo Chile, Taiwan,
Tailândia, Papua-Nova Gui-
lado do globo para jogar um
derradeiro play-off, que será
disputado num formato seme-
lhante ao utilizado no acesso
ao Mundial masculino (em que
Portugal bateu a Turquia e de-
pois a Macedónia do Norte) e
também neste play-off euro-
peu: em cada grupo há meias-
-finais e uma final. Sendo um
dos cabeças de série, Portugal
segue diretamente para a final
caso seja colocado num dos
grupos de três equipas — mas
fará sempre um primeiro jogo,
um amigável contra uma sele-
ção convidada.
Uma caminhada labiríntica,
confusa, mas que, se aconte-
cer a lógica que desejamos
né, Paraguai, Haiti, Panamá, e que Portugal quebrou esta
Camarões e Senegal. E aqui a semana, levará a seleção na-
seleção nacional é muito mais cional ao mais simples dos
favorita do que alguma vez foi sentimentos: a felicidade de
na caminhada para o Mundial, chegar ao ponto mais alto de
já que é a equipa mais bem uma história que nos últimos
cotada em termos de ranking anos nos habituou a muitas
das 10 e será um dos cabeças primeiras vezes. O primeiro
de série do sorteio que se reali- Mundial está à distância de
za hoje, às 11h de Lisboa, onde um mundo inteiro e, ao mes-
ficarão definidos três grupos: mo tempo, aqui tão perto.
dois de três equipas e um de lpgomes@expresso.impresa.pt
milhões de euros foi
o resultado líquido
consolidado positivo
apresentado pela SAD do
FC Porto na época 2021/22,
o que permite aos dragões
sair da alçada do fair-play
financeiro da UEFA, onde
se encontrava desde 2017
O REGRESSO
DA FESTA DA TAÇA
FUTEBOL A 3ª eliminatória da
Taça de Portugal — a primeira
com equipas da I Liga — joga-se
já a partir de hoje, com os ‘gran-
des’ a entrarem em ação no fim
de semana. O Benfica joga sába-
do em casa do Caldas (20h45,
RTP1) e no domingo o Sporting
vai ao estádio do Varzim (19h,
SportTV1), com o detentor do
título FC Porto a viajar até à
Anadia (20h45, RTP1).

As perceções caad.org.pt

determinam CENTRO DE ARBITRAGEM

ADMINISTRATIVA

políticas públicas? 8:45h

Receção e Acreditação
11:40h
Entrevista a
Riscos e impactos na Justiça 9:15h
José F. F. Tavares (Presidente do Tribunal de Contas)
por: André Macedo
Mensagem de Boas-Vindas
Presidente do CAAD 12:00h
Debate
9:30h
19 out. ‘22 Abertura
Catarina Sarmento e Castro (Ministra da Justiça)
Factos e perceções sobre
o desempenho do Estado
na arbitragem fiscal
Estúdio 9:55h —
Momento de homenagem Carla Castelo Trindade (UCP)
Time Out Market Joaquim Miranda Sarmento (ISEG)
10:15h Serafim Rodrigues Pereira (Autoridade Tributária
08H45 – 13H05 Debate e Aduaneira)
Os media, o escrutínio Moderadora
Tânia Carvalhais Pereira (CAAD)
e o populismo na Justiça
— 12:30h
Luís Rosa (Observador) Debate
Vicente Valentim (Oxford)
Francisco Teixeira da Mota* (Advogado e colunista As tentações da arbitragem
do Jornal Público) *sujeito a confirmação ad hoc nos litígios com o Estado
Carmo Afonso (Advogada e colunista do Jornal Público) —
Ana Gomes (Embaixadora e comentadora da SIC)
Moderador
André Macedo Hugo Carneiro (Deputado do PSD)
Alexandra Leitão (Deputada do PS)
10h50 Moderadora
Corrupção, Ética Inês Serra Lopes
e Cultura da Legalidade 13h
—
Albano Pinto (Procurador-geral adjunto e anterior Diretor Encerramento
do Departamento Central de Investigação e Ação Penal - António Mendonça Mendes
DCIAP) (Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais)

11:10h
Coffee Break

Inscrição gratuita e obrigatória em

newsletter.cursos@caad.org.pt
32 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO BAIRROS
Açores Na última viagem pelo país, fomos à zona estatisticamente mais pobre, com cerca de 30% da população a viver com
apoios do Estado. Mas em Rabo de Peixe, o que falta em rendimentos e escolaridade tem de sobra em sorrisos, amizade e festas
“Gosto muito do sítio onde nasci,
mas uma freguesia alegre é esta”
Na parte de baixo de Rabo de Peixe, aquela que fica junto ao mar e onde as casas são coloridas, as mulheres dos pescadores sentam-se à porta de casa durante a tarde e os miúdos
brincam sozinhos e felizes pelas ruas do bairro açoriano. Há alguns alunos do 1º ciclo que, uma vez por semana, ocupam as aulas de Cidadania com sessões de relaxamento e de ioga
Textos Ana Baptista
Z
Fotos José Fernandes
élia Rego, 59 anos,
trabalha num dos dois
Centros de Apoio à
Criança da vila de Rabo
de Peixe, nos Açores,
naquele que fica na
Cova da Moura, uma
zona conhecida pelas
casas construídas tão
na beira da escarpa que “o quintal
era o mar”. Mas que, por isso mesmo,
teve de ser demolida, “porque estava
a cair”. Já lá vão 35 anos a trabalhar
ali, “sempre com crianças em idade
escolar”, e foi lá parar porque “mo-
rava a 10 passos”, conta. Agora está
num bairro construído para realojar
os moradores da Cova da Moura, na
Alameda 25 de Abril, e, apesar de já se
terem passado mais de 10 anos, ainda
tem saudades. “Fui tão feliz nesta rua
que não tenho palavras. Em criança,
saía da escola e brincava na rua, e em
adulta era a mesma coisa, era uma rua
cheia de alegria e de gente até às 11 da
noite”, recorda.
Mas Zélia continua a ser feliz em
Rabo de Peixe, porque se há carac-
terística que distingue esta vila é
o sentido de comunidade. “Somos
quase nove mil, mas não há pessoas
anónimas”, nota Rogério Martins, 46
anos. “E estamos sempre em festa.
A partir de abril, levo sete semanas
que não como em casa”, conta Tel-
ma Pereira, 44 anos, esboçando um
enorme sorriso.
E é na zona que se estende da igreja
até ao mar — onde moram os pesca-
BAIRROS MAIS FELIZES
O que pode tornar os nossos
bairros melhores? Que ideias
novas? Que projetos? O que
precisamos para melhorar
a nossa qualidade de vida?
Pelo segundo ano consecutivo,
o Expresso associa-se ao
projeto Bairro Feliz — um
desafio lançado pelo Pingo
Doce a todos os bairros,
a todos os vizinhos, para
descobrirem e apostarem
em novas ideias. Acompanhe
a nossa viagem ao longo
dos próximos meses, do
continente à Madeira
e aos Açores. Sempre
nas páginas do Expresso.
dores — que este sentido de comuni-
dade é mais visível. Aqui, as portas
das casas estão, literalmente, sempre
abertas, desvendando parte da mo-
bília; as crianças brincam e jogam à
bola na rua; os homens enchem os
cafés a beber uma cerveja, e as mu-
lheres juntam-se à porta das casas,
sentadas no chão, a conversar e a
lanchar, com um pacote de pipocas
cor-de-rosa ou um bolo acabado de
comprar na carrinha da padaria, que
ali passa todos os dias a vender pão,
tartes de nata ou as tradicionais quei-
jadas de feijão.
Até chegam a andar na rua descal-
ças, como se a rua fosse uma exten-
são da casa. “Este é o sítio mais feliz
para viver. Estamos aqui todas juntas,
a minha mãe, as minhas irmãs, as mi-
nhas sobrinhas e esta minha amiga.
Há lá melhor que isto”, diz Josefina.
Pois, para dona Olívia — 83 anos e a
mais extrovertida e faladora utente
do centro de dia — não há mesmo me-
lhor que isto. “Nasci em São Vicente
de Ferreira, gosto muito de viver aqui
e gosto muito do sítio onde nasci, mas
uma freguesia alegre é esta”, garante.
Contudo, não é só pela comunidade
e pelas festas que Rabo de Peixe é
um vila feliz. “Se for por aí abaixo,
tenho tudo o que preciso: peixaria,
mercearia, farmácia, cabeleireiro…”,
explica Telma, que mora “três casas
acima da junta de freguesia”, onde
trabalha. E há três escolas básicas,
uma escola profissional, centros de
apoio a crianças e a idosos, um clube
desportivo, um clube naval, um clube
equestre… a lista continua, diz Jaime
Vieira, 47 anos, presidente da junta.
Claro que há problemas. Estatis-
ticamente, Rabo de Peixe é a zona
mais pobre do país. Dados de 2019 do
Governo Regional dos Açores mos-
tram que há 30% de moradores a
receberem o Rendimento Social de
Inserção (RSI) e mais de 60% sem
qualquer grau de escolaridade ou
apenas com a 4ª classe. Mas, como
diz Rúben Faria, presidente do Clube
Naval, a maior pobreza de Rabo de
Peixe “é a de espírito”, porque muita
gente prefere continuar a viver de
subsídios. Aliás, questiona Carlos
Estrela, presidente da Casa do Povo:
“Alguém lhes perguntou algum dia se
querem mudar o seu modo de vida?”
Cármen acrescenta: “Aqui as pessoas
são felizes mesmo com pouco.” E esta
professora do 1º ciclo da Escola Dom
Paulo José Tavares, que é rabo-pei-
xense, convive com essa realidade
todos os dias. “Aqui ainda há muita
carência afetiva e problemas sociais,
como o alcoolismo ou a droga, mas
estas crianças são mais felizes do que
as da escola privada em Ponta Delga-
da, onde trabalhei oito anos. Lá as
crianças têm atividades extracurri-
culares e são acompanhadas pelos
pais nos estudos, mas alguns alunos
tinham de ir ao psicólogo porque os
pais exigiam tanto deles que não os
deixavam divertir nem brincar. Não
os deixavam viver.”
sociedade@expresso.impresa.pt
IDEIAS PARA
UM BAIRRO FELIZ
• “Ser inclusivo, onde todos
se sintam parte do mesmo;
ser dinâmico e produtivo,
para provocar interesse dos
seus habitantes; e inovador,
porque só colocando em
prática atividades novas
é possível manter a união
e a motivação do grupo”,
Sara Rodrigues, fundadora
e sócia-gerente da Live
Ethics, consultora na
área das boas práticas
empresariais.
Expresso, 14 de outubro de 2022
O QUE É O BAIRRO FELIZ
O PROJETO
^ O Bairro Feliz é uma iniciativa
do Pingo Doce, a que o Expresso
se associa, e que tem como objetivo
melhorar a qualidade de vida
nos bairros. Para isso é lançado
um desafio onde entidades locais
ou grupos de vizinhos inscrevem
projetos “que promovam um
impacto positivo” nos seus bairros.
As ideias são depois analisadas
por um painel de jurados e levadas
a votação popular nas lojas.
AS IDEIAS
^ Enquadram-se em seis áreas:
ambiente; apoio animal; apoio social
e cidadania; cultura, património,
turismo e lazer; educação, saúde,
bem-estar e desporto.
O PRÉMIO
^ Inscreveram-se associações,
IPSS, fundações, cooperativas,
entidades públicas ou privadas e
grupos de vizinhos com cinco
pessoas. Cada vencedor ganha até
€1000 para desenvolver o projeto.
OS PRAZOS
^ As candidaturas já foram
avaliadas pelos jurados.
Serão afixadas nas lojas dos bairros
para que possam ser votadas
pelos clientes até 22 de outubro.
SAIBA MAIS
^ Em pingodoce.pt/bairrofeliz.
E acompanhe no Expresso e na SIC.
Expresso, 14 de outubro de 2022
Desastres Naturais
Por António Araújo
1926-2022 Figura polémica no mundo islâmico, apoiou o “Islamismo político”,
atacou a Al-Qaeda e foi o principal apresentador de um programa de TV visto por milhões
Yusuf al-Qaradawi
F
alecido de covid aos 96
anos, Yusuf al-Qaradawi
era um dos principais e
mais influentes clérigos
islâmicos da actualidade, com
uma obra vasta de mais de
120 títulos, um programa na
Al Jazeera com uma audiên-
cia mundial estimada em 40
a 60 milhões de espectadores
e um popularíssimo website,
IslamOnline, por si fundado em
1997. Ou seja: sem nos aperce-
bermos disso, no passado dia 26
de Setembro morreu em Doha
um dos homens mais podero-
sos do planeta, pois que uma
palavra sua fazia tremer go-
vernos e era escutada e seguida
como lei sagrada (para quem
duvide, uma sondagem expres-
siva: num inquérito de 2008,
levado a cabo pelas revistas
“Prospect” e “Foreign Policy”,
Qaradwi foi apontado como
o terceiro intelectual mais in-
fluente do mundo, logo atrás do
teólogo turco Fethullah Gülen
e de Muhammad Yunus, pai do
microcrédito.).
Nasceu em Suft-al-Turab,
uma aldeia no delta do Nilo, a 9
de Setembro de 1926, e era filho
de camponeses muito pobres
e muito devotos, tendo ficado
órfão de pai com dois anos. Aos
dez já sabia de cor o Corão in-
teiro e, depois, prosseguiu de
vento em popa estudos teológi-
cos no Egipto e no Catar, onde
se doutorou em 1973. Entre-
tanto, conhecera na juventude
Hassan al-Banna, fundador da
Irmandade Islâmica, e, à conta
dessa amizade, seria preso e
torturado por Faruque em 1949
e três vezes detido por Nasser,
após o que se exilou em Doha,
só regressando ao seu país natal
com a revolução de 2011. En-
tão, na Praça Tahrir, dirigiu-se
a uma multidão de mais de dois
milhões de pessoas, dizendo
que Mubarak era um “faraó ti-
rânico” e apelando à imediata
libertação dos presos políticos.
Pouco depois, emitiu uma fa-
twa em que autorizava o as-
sassínio de Kadhafi, não sendo
este o primeiro, nem o último,
dos pronunciamentos públicos
deste controverso teólogo sufi.
Em 2014, diria que a procla-
mação do Califado por parte do
Estado Islâmico violava a sha-
ria e, noutras ocasiões, classi-
ficou os xiitas como “hereges”
e criticou-os por pretenderem
dominar os sunitas, o que lhe
valeria ser qualificado por al-
guns líderes iranianos como
OBITUÁRIO
Angela Lansbury
1925-2022 Celebrizada como
a escritora detetive Jessica
Fletcher de “Crime, Disse Ela”
(1984-96), a atriz britânica
e irlandesa considerava-a a
personagem mais parecida
consigo. Representou muitas,
em mais de 70 anos de palco
e ecrã, com versatilidade
para protagonizar policiais,
comédias, dramas ou musicais;
Shakespeare, Albee, Coward
ou Sondheim. Para memória
Dizia que o
Holocausto tinha
sido uma “punição”
pelo comportamento
corrupto do povo
hebraico, o qual fora
“posto na ordem”
por Adolf Hitler
em cumprimento
de um castigo de Alá
“um porta-voz da maçonaria
internacional e dos rabinos”, o
que era manifesta mentira, já
que Qaradawi nunca escondeu
o seu anti-semitismo visceral
e profundo: considerava que
os judeus “tinham as mãos su-
jas de sangue”, apoiava-se com
frequência nos embustes dos
Protocolos dos Sábios do Sião,
dizia que o Holocausto tinha
sido uma “punição” pelo com-
portamento corrupto do povo
hebraico, o qual fora “posto na
ordem” por Adolf Hitler em
cumprimento de um castigo de
Alá. Aplaudia, por isso, o martí-
ficam Sybil Vane em “O Retrato
de Dorian Gray”, Eglantine
Price em “Se a Minha Cama
Voasse...”, Salome Otterbourne
em “Morte no Nilo”, Nellie
Lovett em “Sweeney Todd” ou
a Srª Potts, um bule animado,
em “A Bela e o Monstro”.
Estudou arte dramática desde
jovem e, após a guerra, a
família emigrou para os EUA.
Hollywood e a Broadway
renderam-se-lhe e tornou-se
cidadã americana em 1951. Em
2009, octogenária, ganhou o
último de cinco prémios Tony
a fazer de médium na peça
“Blithe Spirit”. Três vezes
nomeada para o Óscar, só o
ganhou na versão honorária.
Aos 93 anos ainda entrou em
“O Regresso de Mary Poppins”.
Dia 11, durante o sono, a cinco
dias de completar os 97.
rem objectos na vagina, defen-
deu que os homossexuais e as
lésbicas deveriam ser conside-
rados “pervertidos sexuais” e
açoitados em público, mas não
apedrejados. Em 2008, defen-
deu que a medida do tempo de-
veria fazer-se a partir de Meca,
substituindo o meridiano de
Greenwich (dois anos depois,
e com esse propósito, seria
inaugurado o maior relógio do
mundo naquela urbe saudita).
Figura polémica no mundo
islâmico, onde as suas posições
moderadas eram tidas por
demasiado frouxas (por ex.,
condenou os ataques do 11 de
Setembro e o uso da violência
contra Salman Rushdie ou no
caso das caricaturas de Mao-
mé), foi sentenciado à morte in
absentia no seu país natal, em
2015, e estava proibido de en-
FOTO GRAEME ROBERTSON/GETTY IMAGES
trar nos EUA, no Reino Unido e
em França devido aos seus ape-
los à violência e ao seu envolvi-
mento em actividades ligadas
ao financiamento do terroris-
mo. É que, a par do seu magis-
tério como teólogo, Qaradawi
era accionista e membro dos
conselhos de supervisão reli-
giosa do Qatar Islamic Bank, a
maior e mais sólida instituição
financeira do país, e do banco
Al Taqwa, que até 2010 esteve
na lista da ONU das entidades
rio dos homens e das mulheres que apoiavam a Al-Qaeda.
que se suicidavam em ataques Galardoado com inúmeros
contra os israelitas, mesmo que prémios e honrarias, trustee do
as vítimas fossem grávidas ou Centro de Estudos Islâmicos de
bebés, argumentando que es- Oxford, Yusuf al-Qaradawi era
tes, quando crescessem, iriam presidente da União Interna-
integrar o exército opressor. cional dos Clérigos Islâmicos,
Sustentava, aliás, que a violên- sediada na Irlanda e classifi-
cia dos palestinianos jamais cada como “organização ter-
poderia ser considerada terro- rorista” pelo Egipto, a Arábia
rismo, era um ardente adepto Saudita, os Emirados Árabes
do Hamas e considerava ser um Unidos e o Bahrein. Tinha sete
“dever religioso” apoiar o He- filhos, dos quais três obtiveram
zbollah, mas, sete anos depois, doutoramentos por universi-
no decurso da guerra da Síria, dades inglesas, com destaque
mudaria de posição e confes- para Ilham al-Qaradawi, uma
sou-se arrependido. Declarou, das mais reputadas cientistas
inclusive, que, por causa das nucleares do Médio Oriente.
suas relações com Damasco, a E assim vai o nosso mundo,
Rússia era “inimiga do Islão”. prestes a rebentar: é que se este
Quanto às mulheres, nutriu era um moderado, imaginem
a esperança de que um dia pu- os radicais.
dessem vir a ocupar posições
de destaque no Islão e na jihad
e entendia que os maridos só
poderiam bater nas esposas em ESTA COLUNA
TEM UMA VERSÃO
última instância, caso em que PODCAST EM
deveriam agredi-las levemen- EXPRESSO.PT
te e apenas com as mãos, sem
lhes tocarem na cara ou nou-
tras partes sensíveis. Exortou António Araújo
as mulheres a abandonarem a escreve de acordo
masturbação e a não introduzi- com a antiga ortografia
> Bruno Latour (1947-2022),
filósofo, professor e sociólogo
francês, foi um dos primeiros
intelectuais a perceber a impor-
tância da ecologia na ciência.
Tardiamente reconhecido pelos
pares em França, teve muitos
dos seus trabalhos publicados
primeiro em inglês. Dia 9, de
causas não reveladas. > Eileen
Ryan (1927-2022), atriz ameri-
cana, entrou em séries de te-
levisão como “Bonanza”, “No
FERNANDO DEMÉE DE BRITO
Limiar da Realidade” e “Matlo-
ck”. Era mãe dos atores Chris
Ministro Plenipotenciário
e Sean Penn. Dia 11, de causas Head Representative in Ramallah
não reveladas. > Jody Miller
(1941-2022), cantora america- Missa 30.º dia
na, especializou-se no género
country e é autora de ‘Home of Será celebrada missa em memória do Fernando, no dia 22 de outubro, pelas
the Brave’, canção de protesto 18h, na Capela do Hospital de Sant’ana na Parede.
contra a guerra do Vietname
que chegou a ser proibida na A família agradece a quem se digne comparecer.
rádio. Dia 6, de Parkinson.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
TGV & Aeroportos
As primeiras iniciativas do
TGV ocorrem em 1980 e do
aeroporto de Lisboa em 1960.
Rede de TGV prevista não co-
bre os potenciais aeroportos
de Lisboa. Rede recentemente
anunciada vem reforçar o hin-
terland do aeroporto do Porto,
o que obrigaria a expandi-lo.
Tal rede não serve interesses
europeus. Para que isso seja
uma realidade, deve-se ligar à
Europa pelas bacias do Douro,
Mondego e Tejo/Guadiana. As
infraestruturas aeroportuárias
estão concessionadas e a ferro-
viária é pública, fazendo prever
divergências. Numa perspetiva
de país centralista, obviamente
que o investimento irá privile-
giar a construção do aeroporto
de Lisboa, descurando os gan-
hos de hinterland do aeropor-
to do Porto, que não tem uma
companhia aérea para garantir
a sua sobrevivência económica.
Relativamente às mercadorias,
a rede de TGV poderia alavan-
car o hub logístico do aeroporto
do Porto e assim ligá-lo à rede
de portos atlânticos.
Martinho Rafael Borges
Augusto, Porto
Política no Brasil
Há uma dimensão das eleições
no Brasil que acho que nunca
vamos compreender. Ao olhar
para a fotografia que acompa-
nhava um dos artigos sobre a
campanha, reparei em duas
toalhas de praia com a cara
dos candidatos. Esta prática
não envolve só toalhas. Exis-
tem t-shirts, canecas, capas de
telemóvel ou óculos que fazem
alusão a um dos lados. O ape-
go às figuras dos candidatos
assemelha-se ao que acontece
na música pop. Parece-me ser
um tipo de paixão que torna
o cenário político num enredo
que envolve duas personagens,
representando o bem e o mal.
O merchandising pode ser um
indicador do quão distantes
estamos da realidade política
brasileira, apesar de que, muito
por causa da língua, nos dar a
sensação de estar próxima ao
nosso cenário.
Miguel Correia Leal, Lisboa
PRIMEIRO CADERNO 33
Cartão de mobilidade?!
O artigo do Expresso do pas-
sado dia 8, sobre o “Cartão de
Mobilidade” que o Ministério
do Ambiente estuda para qual-
quer transporte sustentável, em
alternativa ao automóvel, penso
que não será a jusante com pa-
liativos que se resolve o proble-
ma de trânsito que criaram, ao
continuarem a aprovar zonas
monofuncionais. Mas a mon-
tante, com a solução há anos
sugerida, “Comunidades de 15
minutos”! Atualizem os limites
das freguesias, para uma dis-
tância interna máxima de cerca
de 650 metros, que se percorre
a pé descansadamente em 15
minutos e depois corrijam os
seus parâmetros para os preco-
nizados no PDM para as áreas
históricas de Lisboa: densidade
2/2,2, habitação 70%, comércio
e serviços 30% e trânsito au-
tomóvel, e respetiva poluição
reduzia-se drasticamente, sem
necessidade de mais estudos e
cartões. Concluindo, propõe-
-se, uma vez mais, esta solução
e mesmo colaborar pro bono, na
sua preparação e início faseado.
Porque não experimentam?
Augusto Vasco Costa, Lisboa
O véu de lá para cá
Os iranianos (mulheres e ho-
mens) vêm para a rua protestar
pela morte de uma mulher, e
muito bem. O que não é com-
preensível é porque estes mes-
mos iranianos ou outros povos,
comungando dos mesmos prin-
cípios religiosos, chegados ao
Ocidente, exigem usar o véu ou
burka contra os valores euro-
peus? E defendendo a utilização
do véu ou burka no Ocidente de
forma muitas vezes violenta e im-
positiva, face a uma tolerância de
integração ocidental. Os ociden-
tais que são tão criticados por es-
sas pessoas que recebem. Temos
aqui um conflito de posições: nos
seus países de origem não que-
rem usar o véu, mas no Ocidente,
onde procuram liberdade religio-
sa ou outras oportunidades, já o
querem usar, criando conflitos
nas sociedades que os recebem.
Manuel Petróneo, Lisboa
Retificação
Por lapso, no Caderno de Econo-
mia desta edição, página 11, no
texto sobre o IRC é referido que
a taxa reduzida de 17% é apli-
cada aos primeiros €50 mil de
faturação, quando se tratam dos
primeiros €50 mil de matéria
coletável.
34 PRIMEIRO CADERNO
Portugal sai do
clube dos países
mais endividados
da Zona Euro e
critica os parceiros
da UE que gastam
tudo em ‘bazucas’
financeiras
O Orçamento de Estado apresenta-
do esta semana prevê que Portugal
saia do clube dos países mais endi-
vidados da Zona Euro em 2023, ten-
do o ministro Fernando Medina
atribuído a proeza nacional à parci-
mónia com que recebemos e guar-
damos nos cofres do Estado fundos
comunitários, ao contrário dos paí-
ses despesistas do Norte da Europa
que gastam todo o dinheiro que têm
em “bazucas” financeiras e apoios a
fundo perdido que, perdulários
como são, nunca esperam receber
de volta. Fernando Medina compa-
rou ainda Portugal à formiguinha
obreira que vai acumulando miga-
lhas para o inverno durante o verão,
ao contrário da cigarra estroina que
canta e toca guitarra enquanto a
formiguinha vai buscar as migalhas
à arrecadação da sua toca. V.E.
Empresa do pai de
Pedro Nuno Santos
nega favorecimento
e anuncia que vai
construir o TGV
e o aeroporto
O INIMIGO PÚBLICO foi contactado
pela empresa Pai, Filho, Santos &
Santos – Orçamentos Grátis, Vamos
a Casa e ao Ministério, de que são só-
cios Pedro Nuno Santos e o pai, para
esclarecimento de certas questões
que têm vindo a lume ao nível de in-
compatibilidades e assim. A Pai, Fi-
lho, Santos & Santos nega ter sido
beneficiada pelo Estado, garante que
o nepotismo complica-lhe com os
nervos e anuncia que deverá ganhar
a adjudicação do TGV, do aeroporto,
do passadiço pedonal Matosinhos-
-Ponta Delgada e do futuro aeropor-
to de Lisboa na Covilhã. M.B.
Bloco de Esquerda
insolvente já só tem
dinheiro para pagar
uma das gémeas
Mortágua
O Bloco de Esquerda entrou em in-
solvência desde que se tornou uma
pequena e média empresa (PME)
política depois das últimas eleições
e foi obrigado a despedir funcioná-
rios que tinham sido contratados a
peso de ouro ao PCTP-MRPP, tendo
Catarina Martins decidido que o
partido não se pode mais dar ao
luxo de ter duas gémeas, algo ape-
nas ao alcance de projetos de suces-
so como os livros “Uma Aventura...”
da Isabel Alçada e da Ana Maria Ma-
galhães, abdicando por isso dos ser-
viços de Joana Mortágua e obrigan-
do a irmã a vender a mota do
Paris-Dakar e comprar uma scooter
económica. O Bloco de Esquerda vai
ainda fundir-se com o CDS-PP e dos
dois partidos falidos vai nascer um
novo, o Bloco de Esquina. V.E.
Eduardo Cabrita
candidato a um
cargo europeu
para dar um
saltinho à Suíça
e conduzir no
acelerador de
partículas do CERN
Eduardo Cabrita considerou que o Go-
verno andava muito discreto ultima-
mente em casos escabrosos e por isso
decidiu voltar, tornando-se candidato
à direção da Frontex, organismo que –
para além de matar piolhos e lêndeas,
como o nome indica — é responsável
pela execução das políticas de frontei-
ras da União Europeia, pelo que o ex-
-ministro almeja rumar ao centro da
Europa para estar mais perto do ace-
lerador de partículas do CERN, no qual
pretende dar umas voltas no seu kart
sem ser incomodado. De referir que a
sede da Frontex fica em Varsóvia, à
qual Eduardo Cabrita vai chegar com
mais velocidade do que os alemães du-
rante a Blitzkrieg. V.E.
Se não aconteceu, podia ter acontecido
Governo quer
Nº 41 SÉRIE II O DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES pagar pensões
a partir de 2024
em Obrigações do
IDADE DE REFORMA DE RONALDO Tesouro, vouchers
USADA COMO PARÂMETRO NA ANÁLISE de supermercado e
DE SUSTENTABILIDADE DA SEGURANÇA SOCIAL cromos do Mundial
A sustentabilidade da Segurança Social melhorou bastante na revisão dos O Governo vai compensar a perda de
cálculos apresentados no Orçamento do Estado para 2023 porque o poder de compra dos pensionistas a
Governo usou uma série de novos parâmetros. Além de considerar o partir de 2024 com o pagamento em
impacto da inflação nas receitas, introduziu algumas inovações como a obrigações, vouchers e cromos do
idade de reforma de Cristiano Ronaldo e de Ribeiro Cristóvão, bem como Mundial 2022. Os reformados rejubi-
duas variáveis dummy que fazem o risco de falência variar em função do lam de felicidade. E Costa deixa-lhes
Benfica ser campeão ou o PS manter-se no governo. O INIMIGO PÚBLICO palavras de ânimo: “Não há um pen-
contactou o gabinete da ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, para sionista que perca poder de compra
obter uma reação: “Vão se lixar com essa m---a de conversa, pá!”. A.P. em 2024. Já acordámos com a Confe-
deração de Comércio que, a partir de
janeiro desse ano, as mercearias
aceitam pagamentos em dívida pú-
CÉREBRO DE MARCELO HACKEADO: blica ou cromos do Mundial para pa-
gamentos acima de 50 euros. Os co-
merciantes não querem para valores
424 DENÚNCIAS? inferiores porque o Estado cobra-
-lhes uma taxa fixa de 50 euros.” A.P.
POUCACHINHO Ativistas pelo
clima colaram
#BOMDOMINGO as mãos a uma
obra de Picasso
e terminaram
O Presidente da República apresentou uma
uma escultura de
nova explicação, a décima nona, para a
baralhação de que deu mostras ao fazer a Pedro Cabrita Reis
contabilidade dos casos validados de abusos
sexuais na igreja portuguesa. Marcelo começou
por dizer que “Só 24 casos? Poucachinho. Militantes do movimento ambienta-
Diga…? Ai, afinal são 424? Como disse o Bispo lista Extinction Rebellion invadiram
do Porto, isso é como um meteorito que cai um museu australiano e colaram as
desarvorado de quando em vez. Quase nada.”. mãos ao quadro “Massacre na Coreia”
Arrependido, o PR informou que “o meu de Pablo Picasso, tendo sido detidos
cérebro foi hackeado. Desculpem qualquer pelas autoridades, mas não antes de
coisa. #bomdomingo.”, fazendo o dito hashtag fazerem o mesmo a uma instalação de
com os dedos sobrepostos, pediu a revisão da Pedro Cabrita Reis que estava em ex-
lei das incompatibilidades e agradeceu o apoio posição no mesmo museu e consistia
de Costa, que veio em seu socorro para desdizer em placas de betão-armado e vigas de
que o PR tenha dito o que disse e não o aço, que os ativistas concluíram por-
que realmente disse quando que estavam a usar cimento-cola, ten-
veio dizer o que depois do por isso, na altura da detenção, as
desdisse. M.B.
Expresso, 14 de outubro de 2022
ORÇAMENTO À LUPA
110,8%
Previsão da dívida, em 2023,
que poderia ser menos de 60%
do PIB se Sérgio Figueiredo
estivesse a monitorizar as
políticas do Estado.
30 MILHÕES
Verba para contratar
advogados, spin doctors
e personal trainers que
irão justificar que as
incompatibilidades dos
ministros, ainda por vir a lume,
são inteiramente legais.
1200 MILHÕES
O que as autarquias recebem
pela descentralização de
competências. Um terço
é atribuído à vereadora
alfacinha Laurinda Alves para
subsidiar meias-solas para os
pobres de Lisboa desfilarem na
Avenida.
EXORBITANTE
Custo político dos elogios
constantes de Marcelo ao
Governo, como “O OE é
melhor do que eu pensava,
não tem maquilhagem política
e António Costa é a Cristina
Ferreira da política.”
3
O triunvirato/dream team/
tripé que sustenta a economia
portuguesa: Mário Centeno na
regulação, Fernando Medina
na prestidigitação e Fernando
Mendes e “O Preço Certo” no
controlo da inflação. M.B.
calças de ganga desbotadas a cobrir
apenas metade do rego das nádegas,
como é tradicional nos trolhas. A pró-
xima ação planeada pelos ativistas se-
ria vandalizar os bonecos que Fernan-
do Medina desenhou para ilustrar o
Orçamento de Estado. V.E.
Artigo de Sócrates
“Breve história de
dois fracassos e do
enorme esforço para
os encobrir”, afinal,
não é sobre os seus
dois governos
José Sócrates fez a denúncia, esta se-
mana, no nosso suplemento satírico
“Expresso”, de uma narrativa que o
traz encalacrado e que até faz com
que os percebes da Ericeira lhe saibam
a delícias do mar. O texto intitula-se
“Breve história de dois fracassos e do
enorme esforço para os encobrir”, não
foi escrito por um professor da Facul-
dade de Direito de Lisboa e não trata
dos dois governos liderados pelo au-
tor. Sócrates refere-se ao arrastar do
TGV e do aeroporto de Lisboa, que po-
deriam ter sido duas obras indeléveis
da sua governação, a par da bancarro-
ta, do cofre da mãe, do volfrâmio do
avô e da benemerência do Carlos. M.B.
Expresso, 14 de outubro de 2022
OPINIÃO
Por Marcelo
Rebelo de Sousa
400 CASOS DE
ABUSO NÃO ME PARECE
PARTICULARMENTE
EXAGERADO...
OU MELHOR,
QUER DIZER...
... o que eu queria mesmo dizer,
como qualquer especialista
em hermenêutica perceberia
facilmente, é que eu nunca
pretendi desvalorizar os 400
casos reportados de abusos na
igreja, ainda que desvalorizar
casos bicudos seja a minha
especialidade desde que
cheguei a Belém e, portanto,
mais um entre os 400 que já
desvalorizei ao Governo, não
me pareça exagerado, podendo
os portugueses legitimamente
esperar que eu já tivesse,
entretanto, aparecido na praia
de Copacabana a tirar uma
“selfie” com o padre Frederico...
Bom, o que eu queria dizer é que
Portugal é uma república laica
na qual a religião é um assunto
privado entre os cidadãos e
o seu Deus, o que significa
que cada português é o seu
próprio padre e, portanto, 400
casos de abuso em 10 milhões
de padres parece-me uma
estatística bastante aceitável...
Mas isto, claro, não quero ser
mal interpretado, é se tivermos
em conta o horizonte temporal
que vem dos tempos do padre
António Vieira, quando, depois
do sermão aos peixes, foi
investigado por ter comido dois
ou três jaquinzinhos... E temos
também de perceber que os
jornalistas focam-se apenas nos
bispos, mas ninguém fala do
PJ desmantelou
gangue que
assaltava casas
de luxo na
Grande Lisboa
como T0 e T1
em Massamá
Uma operação conjunta da PJ e
GNR desmantelou um gangue que
assaltava casas de luxo na Grande
Lisboa, tendo os meliantes sido
apanhados em flagrante quando
arrombavam a porta de um T0 de
40 metros quadrados em Massamá
que custou 400 000 euros, cuja
prestação ao banco o proprietário
cobre com o dinheiro que recebe
por arrendar o único quarto e o so-
fá-cama da sala a estudantes uni-
versitários. De referir que a opera-
ção também deteve membros do
resto das peças do tabuleiro de
xadrez, como os reis, as damas e
principalmente os cavalos, que
podem saltar sobre qualquer
peça e levarem os póneis
para brincar aos veterinários
nas traseiras dos estábulos...
Ou – honra lhe seja feita, à
exceção da Tânia Laranjo –
dos religiosos budistas que,
por reencarnarem, podem ser
reincidentes nos abusos e ainda
por cima conseguem fugir das
autoridades voando sobre os
telhados do templo de Shaolin...
Bom, no fundo, o que está em
causa é apenas mais um caso
de incompatibilidades que,
como tal, podem sempre
ser remetidas ao Tribunal
Constitucional, neste caso
o TC dos padres, ou seja,
ao João César das Neves...
Ou melhor, o que eu queria
dizer é que li agora mesmo
uma notícia sobre um estudo
que relaciona a exposição à
luz azul dos telemóveis com a
puberdade precoce durante
a pandemia, pelo que, depois
de passar dois anos em casa
a ver-me dançar no TikTok,
qualquer jovem sacristão
passou a ser um divorciado de
52 anos à procura de ser feliz
e amar de forma consensual...
Não que, com isto, eu esteja
a desvalorizar os casos dos
sacristãos que usam o telefone,
mas enquanto Presidente da
República e garante dos regular
funcionamento das instituições,
acho que estes casos devem ser
tratados, não na praça pública,
mas nas devidas instâncias,
como as reuniões dos
Acólitos Anónimos... Bom,
isto tudo para dizer
que é hora de colocar
este assunto para trás
e olhar para o futuro,
nomeadamente para
as Jornadas da Juventude
de 2023, quando os padres
portugueses vão ficar a cargo de
milhares e milhares de jovens
de todo o mundo. V.E.
gangue num rés do chão no Beato
com um quintal de 25 metros qua-
drados porque sempre sonharam
invadir um latifúndio milionário
desde que viram na RTP Memória
o documentário de 1975 sobre a
nacionalização da herdade da Tor-
re Bela. V.E.
Série sobre
o canibal
Jeffrey
Dahmer
vai ter
versão
para veganos
A série “Dahmer – Monstro: a his-
tória de Jeffrey Dahmer que era um
tipo chamado Dahmer que era um
monstro, o monstro Dahmer, e
PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO
SONDAGEM
Como deve ser gasto
o Orçamento do Estado para 2023?
O INIMIGO perguntou e os contribuintes sugeriram
para onde deve ir o dinheiro em cinco áreas-chave.
1,8% 3%
Rebatizar o Dia de
Defesa Nacional como
Verba para oferecer
férias a Putin na
“Parque Gouveia e
Melo dos Pequenitos”
Região Oeste (em
meia-pensão) e
atirá-lo ao canhão
da Nazaré
4%
Levar os filmes
dos comandos
a tomar banho
em panelas na
cozinha do
91,2% quartel ao
Bombardear lojas Festival de
que já têm decorações Cannes
e artigos de Natal
agora vamos ficar por aqui porque néis com números iguais em tripli-
este título está a ficar um bocado cado, foram aumentados para
comprido, mas fica a nota de que a lá caberem preços maiores. Além
série é sobre Dahmer, mais exata- do custo do gasóleo, da gasolina
0,6% mente Jeffrey Dahmer” vai ter uma e do panado, os painéis também
Pessoal médico versão sem canibalismo, sem já informam os totais com IVA e
todo bom como
havia no “E.R.”
glúten e que pode ser consu- portes de envio de outros produtos
mida, sem receio, por ve- de valor exorbitante, como o
16% gans, vegetarianos, celía- caviar Beluga, as comissões dos
Financiamento
cos e intolerantes à agentes de futebolistas, o ouro,
da estátua de 300 79,4%
metros de altura Toalhas mais lactose. De igual modo, ex- o resgate do Novo Banco ou estacio-
de Marta Temido macias no SNS plica a Netflix, as cenas em nar o carro no centro de Lisboa
em Vila de Rei, o
centro geodésico charcutarias e talhos pas- e Porto. M.B.
do país sam para frutarias e/ou es-
tufas de mirtilos. M.B.
4%
Linha de apoio para as pessoas
Kanye West
que telefonam para a DGS só
para mandar um grande Requinte cada vez
beijinho à Dra. Graça Freitas
dos restaurantes mais polémico
do segmento solidariza-se
11%
Estudo do LNEC à
infra-estrutura política ultraluxo passou com Pedro
do ministro Pedro Nuno
0,8% a ser um borrifo Nuno Santos
Indexação do
investimento na de gasóleo no prato no Twitter
84,2% ferrovia ao acordo
Lancis de passeio em de divórcio de
Gisele Bündchen e
forma de tamboril
Tom Brady
O preço dos combustíveis dispa- O famoso rapper Kanye West está
rou e Cristiano Ronaldo passou o cada vez mais descontrolado e, de-
4%
Era bom fazerem-se último fim de semana a caminho pois de apoiar Donald Trump e esta
chafarizes para da bomba para atestar os seus su- semana surgir em público com
encher as barragens
percarros. O gasóleo está tão uma t-shirt do movimento “White
caro que os restaurantes com oito Lives Matter”, apoiou em publica-
estrelas Michelin e meia, onde ções no Twitter o ministro Pedro
13% só se entra com uma pala- Nuno Santos, dizendo que o seu co-
Programa Um Carro de
Administrador da TAP vra-passe fornecida por ração chora por ele, como disse a
Para Cada Português Elon Musk, que muda to- ministra Ana Abrunhosa, que Kan-
dos os dias à hora do lan- ye West comparou em discerni-
13%
Programa da che, passaram a borrifar mento à ex-mulher Kim Kar-
Vereadora 61%
Laurinda Um
Rissol (de Pescada)
Observatório
da Cagarra
os seus pratos mais re-
quintados, como a cata-
dashian. O autor de temas de
sucesso como “Jesus Lord”, “Jesus
Para Cada Pobre
plana à Costa ou o arroz Walks” e “Jesus is King” mostrou-
13% de atum à Cristas, com um li- -se ainda solidário com Marcelo
Programa
de Variedades geiríssimo borrifo de gasóleo ou Rebelo de Sousa, anunciando que
um petit rien de gasolina pre-
mium ou, para os oligarcas, uma
vai gravar uma versão do tema
“Aleluia” – um original dos Mara-
nuvem de espuma de Brent. M.B. nata de António Sala – com o padre
12%
Teatro de porrada, que
Borga. V.E.
chame público, com o The
Rock e o rei dos catalisadores
Painéis
0,3%
Mais concertos grátis nas autoestradas Equipa oInimigoPúblico
83% do Elvis em Barrancos
São celíacos e preferem
não responder 4,7% estão a indicar “Se não aconteceu… podia
ter acontecido!” O Inimigo Público
Façam mais filmes
com o Vasco Santana
e o António Silva
preços dos
é um suplemento satírico,
sendo todo o seu conteúdo ficcional.
Ficha Técnica Sondagem do Instituto Vale e Azevedo
combustíveis,
Diretor Luís Pedro Nunes
Redação Alexandre Parreira,
& Aldrabilhas Research, feita em 2003, num universo
de indivíduos com mais de 18 meses e bípedes do caviar Beluga
Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
residentes em como quem passa Abrantes e vira. Projeto gráfico @oinimigo_pronto
Obtiveram-se quatro inquéritos válidos, pelo método
de carjacking, e os resultados foram distribuídos a
e do ouro Editor online João Martins
Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
nível nacional com base num feeling. A margem de O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
erro é de 97,7%, com um nível de confiança aceitável conjunto Expresso/Produções Fictícias/
para os parâmetros, por exemplo, de uma Liz Truss. Os adereços que fazem rir os auto- Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
M.B. @oinimigo_pronto mobilistas nas autoestradas, os pai-
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de outubro de 2022

Editorial&Opinião
Editorial Sobre as declarações de Marcelo,
desvalorizando o número de denúncias
Nem sempre um hijab é só um hijab
de abusos sexuais na Igreja
ta Azul resolveu rapidamente seu hijab bem amarrado. Se ne- lher tem um lugar subalterno.
o assunto: como a maioria das nhuma mulher é obrigada a usar Em 2021, a Turquia abandonou

O momento
mulheres que conhecia, só usava um véu, como acontece hoje na a Convenção de Istambul para
o hijab para rezar. De resto, era Turquia, quem o coloca faz uma o combate à violência contra as
uma relíquia do passado, que só escolha e não temos nada a ver mulheres, alegando a sua incom-

horribilis
sobrevivia onde o progresso não
tinha chegado.
Dez anos mais tarde, dei por
Eugénia Galvão Teles mim sentada num banco do Pa-
egteles@gmail.com
lácio Topkapi ao lado de outra
com isso — manda o manual da
boa multiculturalista que tenho
sempre no bolso.
Só que um hijab nunca existe
no vazio. Erdogan não se limitou
patibilidade com os valores fami-
liares locais — num país onde a
violência doméstica abunda.
A mulher turca sentada ao
meu lado era capaz de ter razões

S
mulher turca. À nossa frente, a dar ordem de soltura às cabeças para rosnar. Não arreganhou os
e há lugar onde o véu is- apareceu uma família numerosa tapadas; apressou-se a afirmar dentes ao grupo de mulheres ta-
Há uns anos, em plena crise da troika, o então Presidente lâmico consegue dividir onde até as adolescentes cum- que a igualdade entre homens e padas que lhe apareceu à frente,
da República, Cavaco Silva, disse que o que ganhava de a sociedade é na Turquia. priam rigorosamente os ditames mulheres é contranatura. Des- mas a tudo o que via por detrás
pensão não dava sequer para pagar as despesas. Perante Reprovado por um re- da roupa islâmica. A minha vi- delas. Está há demasiado tempo
os dramáticos apertos que o país vivia, em pleno resgate, gime que queria secularizar o zinha, ocidentalizada da cabeça a assistir à erosão de uma série
as afirmações cavaram definitivamente o fosso entre o país a todo o custo, chegou a ser aos pés, começou a barafustar Em 2021, a Turquia de direitos que tinha como segu-
Presidente da República e o país. Distanciamento esse proibido em todos os espaços do contra o que via como um re- abandonou a Convenção ros. Foram direitos importados
que nunca mais seria revertido, com a popularidade do Estado, das universidades aos gresso ao passado. Teve a minha de Istambul para o combate mais ou menos à força? Possivel-
anterior inquilino de Belém a nunca mais recuperar. Não tribunais. A proscrição foi for- solidariedade imediata — como à violência contra as mente. Mas o mínimo que lhe
sabemos o que irá ditar o futuro. Mas que a terrivelmente temente contestada como uma boa europeia, parti do princí- mulheres, alegando a sua devemos é não desatar a falar
infeliz frase de Marcelo Rebelo de Sousa esta semana, imposição das elites ocidentali- pio de que nenhuma mulher se incompatibilidade com em relativismo cultural e dar-lhe
dando a entender que as denúncias de 400 casos de zadas sobre o resto da popula- transforma numa coisa sem for- os valores familiares locais uma lição sobre os pecados de
abusos sexuais dentro da Igreja Católica não era nada por ção. Erdogan, o atual Presidente, mas por vontade própria. imperialismo e paternalismo tão
aí além, podem transformar-se no momento horribilis associou-se desde sempre a esse Naquele momento de solida- típicos do Ocidente.
de Marcelo. Claro que a capacidade comunicacional, povo oprimido — as suas filhas riedade, esqueci-me que, em creve a mulher que trabalha Lá porque vivemos num mun-
indiscutível, do atual chefe do Estado e a sua argúcia foram estudar para o estrangeiro 2003, a minha guia, para arru- como um ser incompleto por do onde o uso do hijab é normal-
política (não por acaso corrigiu, em vários momentos, o por se recusarem a andar sem mar o véu como um trapo obso- recusar o seu verdadeiro destino mente livre, não podemos igno-
que dissera, acabando mesmo por pedir desculpas) podem véu. Em 2010, foi com ele no leto usado por gente sem instru- — ficar em casa a tomar conta rar que traz com ele, demasiadas
limitar os estragos a prazo. Mas que Marcelo cavou um poder que as cabeças cobertas ção, estava a passar por cima de do marido e dos filhos. Condena vezes, uma tentativa de diminuir
fosso para os portugueses, cavou. deixaram de ser proscritas. uma série de raparigas obrigadas a contraceção como uma traição as mulheres e torná-las invisíveis.
A primeira vez que estive em a tirar o seu para estudar. Aquela a Alá e apela à produção de três E não é preciso que seja obrigató-
Istambul, em 2003, com Erdo- família podia estar ali porque a cinco filhos. E vai mudando o rio para que isso aconteça. Basta
gan a chegar ao poder, a guia que uma das filhas tinha acabado de direito para o acomodar a uma que apanhe o clima certo, como
me levou da Agia Sofia à Mesqui- entrar na universidade com o visão da sociedade onde a mu- acontece na Turquia.
Nobel Enterrar a
vezes dois ‘geringonça’
Santo Huberto no IC19
Ter uma entrevista a um O PS chegou ao poder em
Prémio Nobel é algo que 2015 graças à aliança que acumular semelhante portfólio a peste bubónica e os contempo- panheiros de infortúnio, lerdos
em qualquer circunstância António Costa conseguiu (assadores de galinhas?), por râneos a Autoridade Tributária como nós. A virtude cívica, que
valoriza o jornal que a fazer com os partidos à maioria de razão, interpretação (padroeiro, são Mateus). Carac- no caso se exprimia na liberda-
consegue. Neste caso, sua esquerda, PCP e BE, extensiva ou analogia, deverão teriza-se por circular a passo de de escolher uma condução
o Expresso conseguiu e que durou, com alguns considerar-se os radares de ve- para despistar a ira de Huberto. responsável e conforme a re-
chegar à fala, e publicar solavancos, é certo, quatro locidade também sob a sua alça- Quase parado, no entanto move- gras sensatas, compreendidas e
nesta edição que tem em anos, até às eleições de da. Poderemos então referir-nos -se, como diria Galileu. desejadas pela comunidade, já
mãos, não uma mas duas 2019. A ‘geringonça’ Sérgio Sousa Pinto com vantagem às “armadilhas O homem novo rodoviário não existe. Foi substituída pela
entrevistas a laureados este acabou por nunca ser de santo Huberto”, preterindo sabe que as armadilhas de santo observação carneira de prescri-
política@expresso.impresa.pt
ano com o mais prestigiado reeditada e morreu no a designação pagã e tosca de “os Huberto estão cuidadosamente ções arbitrárias ditadas por um

T
galardão à escala global. segundo Governo de radares do Moedas”. implantadas em sítios absurdos poder superior, que sonha com
Na Revista do Expresso Costa, sem maioria no alvez já possamos fazer Os coelhos, raposas, lobos e e indignos de tutela celestial, a inevitável infração distraída
pode ler a conversa com a Parlamento. Agora, com um primeiro balanço da outros mamíferos silvestres es- como a Avenida Santos e Cas- para multiplicar um ganho in-
escritora francesa Annie este OE 2023 e com política de minas e ar- tão há milénios familiarizados tro, que é uma via rápida com justo, mais próximo da extorsão
Ernaux, concedida dias uma maioria absoluta madilhas em Lisboa e, com os ardis de santo Huberto, limite de velocidade fixado nos que de uma sanção merecida.
antes de a Academia Sueca no Parlamento, o que presumo, mais ou menos por assim se distinguindo do mo- 50 km/hora. Os limites invero- O trânsito está catastrófico e
lhe ter atribuído o Nobel, e Fernando Medina faz, e toda a parte, que se traduziu na derno automobilista, facto a que similmente baixos, aplicados em as colisões uma nova praga. A
no Primeiro Caderno conta assume na entrevista ao distribuição a eito de radares não será alheio o estado calami- trechos improváveis, obrigam a responsabilidade cívica sofre,
com a entrevista a Sasha Expresso, é acabar de vez de velocidade, a que os saxões toso das infraestruturas no sécu- uma condução humedecida de pois decresce com os maus tra-
Romantsova, diretora e com os vestígios que ainda chamam speed traps com muita lo VII (pasta de são Cristóvão). suores frios, como se no trono tos infligidos à liberdade, sem a
fundadora do Centro para restavam da ‘geringonça’. propriedade, pois a atividade O terror inspirado pelas ar- das virtudes estivesse sentada qual não pode existir. A inflação
as Liberdades Civis. A ler. Paz à sua alma. cinegética é a inspiração notória madilhas de santo Huberto a imobilidade rodoviária. En- de prescrições, cominações e
desta portentosa política públi- conseguiu vencer onde beatos xames de condutores aterrados proibições avança em nome de
ca. Tudo começou, na verdade, secundários, como Marx, Leni- conduzem em cima uns dos finalidades nobres mas, quantas
com santo Huberto, santo nas- ne e Mao falharam miseravel- outros, expostos ao embaraço vezes, empapadas de cinismo. E
cido no século sétimo da nos- mente: a criação de um homem de se verem ultrapassados pelo assim vamos nós, comboiados
sa era e padroeiro, esclarece a novo, no caso o homem novo gado em transumância. Mudar por pastores bons e muito esper-
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. Wikipédia, dos caçadores, mate- rodoviário. de faixa é agora um risco sem tos, em direção a um mundo su-
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
máticos, oculistas, assadores de O homem novo rodoviário precedentes, emparedados que periormente ordenado, no qual
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, galinhas e ferreiros. Se o santo teme santo Huberto como os vamos, ao longo de quilómetros, tudo o que não for obrigatório
Paulo de Saldanha, Paulo Miguel Reis e Nuno Conde
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, padroeiro dos caçadores pode burgueses do século XIV temiam pelos veículos dos demais com- será proibido.
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E a saúde mental dos médicos?
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Muitos estudos internacionais nais de saúde é frequente (44% redução da empatia com os
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Rodrigues (produtores)
Daniel Sampaio evidenciam uma elevada preva- dos médicos apresenta burnout doentes, diminuição da satisfa-
Circulação e Assinaturas e Jaime C. Branco lência de ansiedade, depressão elevado), estando associada à ção do doente, perda de adesão
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O
Milton Silva (responsável e insónia entre os médicos, com perceção de más condições de dos doentes às recomendações
pela circulação) e Rita Silva Dia Mundial da Saúde as suas inúmeras consequências trabalho e à menor duração do terapêuticas e reforço de inten-
(responsável pelo serviço
de apoio ao cliente) Mental, a 10 de outubro, pessoais, familiares e profissio- tempo de serviço”. ção do médico para abandonar
Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel: 214 698 801 visa educar e conscien- nais agravadas por negligencia- Em dois anos e meio, o serviço a prática profissional.
(dias úteis, das 9h às 19h)
Fax: 214 698 501; e-mail: cializar toda a popula- rem a procura de ajuda especia- de aconselhamento psicológico Estes são problemas que, pela
apoio.cliente.ip@impresa.pt ção para a importância do fre- lizada e se automedicarem. Este da linha SNS24 (um instrumen- sua importância para médicos,
Atendimento Ponto de Venda quente e relevante problema das muito relevante conjunto de pro- to de resposta de proximidade) doentes e sociedade, têm de ser
pontodevenda.ip@impresa.pt
doenças mentais e lutar contra o blemas e suas consequências não registou cerca de 2400 profis- discutidos de forma sã e aberta.
Impressão
Lisgráfica Impressão
enorme estigma que estas doen- tem merecido a devida atenção. sionais de saúde que precisaram Só assim poderemos avaliar a
e Artes Gráficas, S.A. ças continuam a constituir. Burnout, cuja tradução é esgo- de apoio psicológico. verdadeira extensão e importân-
Estrada de São Marcos, 27
2735-521 Agualva-Cacém Em Portugal, e apesar do es- tamento, desgaste ou exaustão, Está completamente estabe- cia do burnout entre os médicos,
Distribuição forço dos profissionais de Saúde tem um significado mais amplo lecido que os quatro fatores que para depois selecionarmos as
VASP-MLP,
Media Logistics Park
Mental, o acesso a consultas de e implica manifestações de irrita- mais contribuem para o stresse intervenções prioritárias que se
Quinta do Grajal, Venda Seca especialidade no SNS está muito bilidade, desânimo, isolamento e e o burnout são a ausência de oponham às suas causas e para
2735-511 Agualva Cacém
Tel: 214 337 000 dificultado, com atrasos muito negativismo até ao evitamento, controlo sobre as condições de que o bem-estar seja um/o in-
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt
significativos nas marcações. desconcentração, distanciamen- trabalho, pressões de tempo, lo- dicador de qualidade da nossa
Tel: 808 206 545 Os médicos têm uma preva- to e improdutividade. cais de trabalho desorganizados prática profissional diária.
A Impresa Publishing não é lência de patologia mental e or- Um estudo nacional, publicado e desalinhamento dos valores Este esforço apenas será efi-
responsável pelo conteúdo
dos anúncios nem pela gânica semelhante à da restante na revista científica da Ordem (isto é, missão, propósito e com- ciente e sério se conjugar a co-
exatidão das características
e propriedades dos produtos população. Mas têm, além disso, dos Médicos, em 2016, antes pensação) entre os profissionais laboração aberta e empenhada
e/ou bens anunciados.
A respetiva veracidade
sintomas de doenças físicas e psí- da pandemia covid-19, mostrou e os seus líderes. dos médicos, através da sua Or-
e conformidade com a
realidade são da integral e
quicas relacionados com a sua que, apesar das diferenças re- Esta condição emocional, dem profissional, e dos diversos
exclusiva responsabilidade atividade e encabeçam a lista de gionais, a “ocorrência da Sín- quando afeta os médicos, ori- organismos, públicos e privados,
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. profissões causadoras de stresse. drome de burnout em profissio- gina aumento do erro clínico, interessados.
Expresso, 14 de outubro de 2022
Alexandra Leitão
politica@expresso.impresa.pt
Crimes
sexuais na
Igreja: todo
o silêncio
é cúmplice
A
Comissão Independente para o
Estudo de Abusos Sexuais con-
tra Crianças na Igreja Católi-
ca, nomeada pela Conferência
Episcopal Portuguesa, já validou mais
de 400 queixas, algumas das quais,
não-prescritas, foram enviadas para o
Ministério Público (MP). Todos os dias
são denunciados novos crimes, que mui-
tas vezes só se tornam públicos quando
as vítimas, depois de adultas, tomam
consciência do ato hediondo perpetrado
contra si por pessoas em quem confia-
vam. E quantas dessas vítimas se culpa-
bilizaram durante anos mais do que aos
seus próprios abusadores!
Isto apesar de, em 2019, o bispo do
Porto, Manuel Linda, ter dito que não
criaria nenhuma comissão na sua dioce-
se, porque “ninguém cria uma comissão
para estudar os efeitos de um meteo-
rito”. O mesmo responsável que, em
agosto de 2022, perante novas queixas
de abusos sexuais, disse acreditar que “os
números vão aumentar por vivermos em
tempo de puritanismo” e que num dos
casos “seriam apenas carícias”. E, muito
recentemente, afirmou que não haveria
obrigação de denunciar estes casos às
autoridades, porque não se trataria de
crimes públicos. Ora, não só esta afir-
mação está incorreta no plano jurídico
(o crime de abuso sexual de crianças,
previsto no artigo 171º do Código Penal,
é um crime público) como é ignóbil no
plano ético. Precisamos mesmo de uma
norma que nos obrigue a denunciar estes
crimes hediondos? Sobretudo a Igreja,
que tantas vezes se arvora em guardiã da
moral e se pretende impor como modelo
de comportamento para os crentes.
Nos últimos meses têm vindo a público
notícias segundo as quais vários casos de
abuso sexual teriam sido abafados pelo
cardeal Manuel Clemente e pelo bispo
de Leiria-Fátima, José Ornelas, estando
em curso investigações por parte do MP.
Parece existir, assim, um encobrimento
reiterado por parte da Igreja.
É verdade que, infelizmente, esta não é
uma realidade que ocorra apenas no seio
da Igreja. Ocorre no interior de outras
instituições, públicas e privadas, na famí-
lia e na sociedade em geral. Mas as culpas
de uns não diminuem nem afastam as
culpas dos outros. A responsabilidade da
Igreja Católica é maior. Porque mais de
80% dos portugueses são católicos, por-
que as pessoas procuram apoio espiritual
na religião e porque é à Igreja e às insti-
tuições religiosas que confiamos os mais
vulneráveis e os mais frágeis de entre nós.
Não pode, por isso, a Igreja vitimizar-se,
como se tudo isto não passasse de uma
conspiração contra si. As crianças são as
únicas vítimas neste processo.
A sucessão de denúncias e de crimes
devia merecer uma profunda reflexão
dentro da própria Igreja: até que ponto
a forma culpabilizante e quase sórdi-
da como a sexualidade é encarada pela
doutrina católica se relaciona com este
fenómeno (já para não falar da feroz re-
pressão da homossexualidade)? E a visão
misógina que arreda as mulheres dos
lugares de destaque na hierarquia ecle-
siástica e tantas vezes as retrata como
símbolo de pecado? Impõe-se um debate
sério e aberto sobre o fim do celibato dos
padres, o papel da mulher na Igreja, a
sexualidade e a moral católica. A preven-
ção e o controlo destes crimes exigem,
em primeiro lugar, o seu não-encobri-
mento nem relativização, o empenho da
sociedade, das instituições e das famílias
na sua denúncia, assim como que o Esta-
do assegure educação sexual nas escolas
e meios de prevenção, de deteção e de
repressão céleres e eficazes.
Uma coisa é certa: nestas situações
todo o silêncio é cúmplice.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Os limites
da presunção
U
m sociólogo com óbvias liga-
ções à névoa académica tute-
lada pelo BE disse o seguinte
sobre a humorista Joana Mar-
ques: é “fascista”, “o mal em estado
puro”. Perante este ódio típico da hi-
dra bloquista, há que perguntar duas
coisas. Como é que alguém usa contra
uma humorista as palavras que só de-
viam ser usadas na descrição de um
nazi? Porque é que esta esquerda ra-
dical com imenso poder na academia
e na cultura não consegue lidar com o
A foto da PYONGYANG As crianças da Coreia do Norte sabem que devem sorrir
quando o Líder Supremo as visita, mas algo impediu o miúdo a quem Kim
humor? Porque é que esta esquerda,
quer a marxista e revolucionária do
semana Jong-un se agarrou de mover os músculos faciais. Foi no 75º aniversário de
duas escolas revolucionárias da capital norte-coreana, quarta-feira. Dias
passado, quer a politicamente correta
e reacionária do presente, está sempre
antes, Kim assistira ao lançamento de dois mísseis estratégicos de longo a tentar limitar ou punir o humor?
Por Pedro Cordeiro alcance, que, explicou, comprovaram a fiabilidade das armas com capaci- A pergunta é tão antiga como Robes-
pcordeiro@expresso.impresa.pt dade nuclear da ditadura comunista totalitária que encabeça. FOTO KCNA/EPA pierre, tal como a resposta: o humor
mostra os limites da presunção de su-
perioridade moral desta esquerda que
se julga a vanguarda da humanidade; o
humor mostra a inconsistência das coi-
Há uns anos, li que os modelos económicos eram fábulas. Não liguei, sas, a começar nas ideologias e ideias
gerais sem pessoas reais lá dentro;
mas cada vez mais me convenço de que é uma excelente analogia o humor exige algo que a esquerda
Fábulas económicas
radical não consegue alcançar: humil-
dade. Rir é sempre um exercício de
humildade perante a imperfeição do
mundo e de nós próprios e das nossas
ideias — o exato oposto do ativismo
progressista ou revolucionário, uma
N
a semana do anúncio do e pode levantar o dinheiro quando
Prémio Nobel da Econo- quer. Mas também tem um emprés- Não temos de discutir os alegados
mia, muita gente faz ques- timo à habitação e o banco não pode limites do humor, temos de
tão de dizer que não é um exigir-lhe que pague a sua dívida discutir, isso sim, os limites da
verdadeiro Prémio Nobel. É, na imediatamente.) O problema é que presunção de superioridade
melhor das hipóteses, “arraçado”. se houver muita gente com pressa moral das tribos ideológicas
E, claro, enunciam, sílaba a sílaba, em levantar os depósitos, o banco
o nome correto: Prémio do Banco terá de liquidar os investimentos
da Suécia para as Ciências Eco- Luís Aguiar-Conraria com prejuízo, ficando insolvente. seita que depende da ideia de que é
Professor de Economia da Univ. do Minho
nómicas em Memória de Alfred O desencontro de maturidades superior aos outros. Se pensarmos que
lfaguiar@eeg.uminho.pt
Nobel, implicitamente atribuindo à entre ativos e passivos torna o ban- somos de facto moralmente superio-
Economia o estatuto de ciência. Já co vulnerável: se houver pânico e res, vamos encarar uma piada como
por mais de uma vez me senti incrivelmente ignorante todos correrem para levantar o dinheiro, ficará in- uma ofensa ou como uma falta de ci-
por desconhecer o trabalho dos premiados. Este ano foi solvente. Recorrendo à Teoria dos Jogos, Diamond vismo. Também não é por acaso que o
o oposto, conheço-os perfeitamente. e Dybvig mostram que o jogo da sua fábula tem dois humor costuma tutelar o fim do reina-
O mais conhecido do público é Bernanke, presidente equilíbrios possíveis: um bom, em que tudo decorre com do de terror destes alegados donos da
da Federal Reserve Bank — o Banco Central dos EUA normalidade, e um mau, em que todos entram em pâni- virtude. Robespierre caiu em desgraça
— durante a crise financeira internacional. O homem co e correm ao banco, tornando-o insolvente. Este mau precisamente quando alguém gozou
certo no lugar certo e, crucialmente, no momento certo. equilíbrio é uma profecia autossustentada. Se acredito com ele na convenção. A URSS e o Pac-
Os outros dois vencedores, Diamond e Dybvig, serão haver uma corrida ao meu banco, o melhor que faço é to de Varsóvia caíram de podre porque
desconhecidos, mas o seu trabalho é notável. A sua correr também, antes que vá à falência. a população mantinha há décadas um
contribuição primordial foi a construção de um modelo Em 2010, as ações do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria circuito de piadas secretas sobre o co-
matemático muito simples que ilustra o principal servi- (BBVA), em Espanha, começaram a cair porque se acre- munismo. Dentro da mesma linha,
ço que os bancos prestam à comunidade ditava haver uma corrida ao banco. Logo hoje em dia o politicamente correto
e que demonstra que, simultaneamente, os seus responsáveis vieram a público exige o cancelamento de piadas sobre
é essa a sua principal fragilidade. esclarecer que se tratava de uma campa- transgénero, por exemplo. É que basta
Não é fácil explicar a utilidade destes “Pedro e o Lobo” nha de marketing em que era dado um uma piada simples para desmontar
modelos matemáticos. Em Introdução é invenção, mas prémio a quem fosse a uma agência do aquilo que são narrativas sem qual-
à Economia, diz-se aos alunos que são conseguimos BBVA a dada hora. Conseguiu estancar- quer adesão à realidade. Portanto, nós,
como mapas, simplificações úteis da -se o rumor e as ações recuperaram. Mas como sociedade, não temos de discutir
realidade. Há quem diga que funcio- extrair uma lição: o que teria acontecido se não se tivesse os alegados limites do humor, temos de
nam como uma lanterna num quarto se mentirmos, travado a bola de neve? Possivelmente, o discutir, isso sim, os limites da presun-
escuro, iluminando parte do quarto. perdemos a que aconteceu ao Banif, onde uma corri- ção de superioridade moral das tribos
Estas explicações parecem-me dispa- da ao banco foi acelerada por uma nota ideológicas que se julgam donas da
rates autocomplacentes. Peguemos o
credibilidade e de rodapé que passou numa televisão, única chave explicativa do mundo.
modelo de Diamond e Dybvig. Nele con- isso tem um custo acabando por falir. A falta de sentido de humor da es-
sidera-se que, num período inicial, as Tal como da do Pedro e o Lobo, tam- querda radical faz-me sempre lembrar
pessoas põem o seu dinheiro no banco, bém da fábula de Diamond e Dybvig a diferença entre Chesterton e Wells.
que o investe. No momento seguinte, algumas pessoas se retiram lições. A primeira é a importância de os Chesterton, católico inglês, adorava
levantam o seu dinheiro, recebendo um certo juro e, no bancos poderem suspender levantamentos. Se souber rir e ficava incomodado com a sisudez
período seguinte, o banco distribui todos os seus ativos que, se necessário, os bancos recusam levantamentos, progressista de Wells ou Shaw, inte-
por quem ainda não levantou o dinheiro. De seguida, preocupo-me menos com a possibilidade de ficarem lectuais que amavam a Humanidade
toda a gente morre e o mundo deixa de existir — tam- insolventes. A segunda é a importância dos seguros de mas que odiavam, ao mesmo tempo,
bém há modelos com vidas infinitas, mas neste morrem garantia de depósitos. Sabendo que depósitos até €100 os homens comuns, sobretudo boa
depressa. É heroico dizer que isto é um mapa ou uma mil estão assegurados, mesmo que acredite haver uma parte da classe mais pobre. Em nome
lanterna, parece-se mais com um disparate que resulta corrida ao banco, não preciso de me preocupar. Até do tal progresso à esquerda, Wells con-
da imaginação dos autores. esse valor, o depósito está assegurado. Esta garantia, templou o extermínio biológico de
Há uns anos, li que os modelos económicos eram que muito raramente é acionada, evita muitos pânicos camadas da população consideradas
fábulas. Não liguei — e por isso nem me lembro do livro bancários. inferiores, as massas sub-humanas.
—, mas cada vez mais me convenço de que é uma exce- Há uns anos, aquando da crise bancária em Chipre, Chesterton horrorizava-se com esta
lente analogia. A fábula “Pedro e o Lobo” é invenção, houve propostas da troika para impor perdas aos depo- arrogância e dizia que todas as vidas
mas dela conseguimos extrair uma lição: se mentirmos, sitantes, mesmo no montante legalmente assegurado. humanas merecem ser vividas, respei-
perdemos a credibilidade e isso tem um custo. Se quer Logo houve um levantamento internacional contra esta tadas e percebidas nos seus pressupos-
contos ainda mais desligados da realidade, pense em “O proposta peregrina. Quem conhece a fábula de Dia- tos. Todos os seres humanos, em todas
Flautista de Hamelin”, por exemplo. mond e Dybvig sabe que a perda de confiança no seguro as suas limitações, são sagrados; todos
No modelo de Diamond e Dybvig, o banco aplica o de depósito seria meio caminho para termos mais crises merecem um sorriso. A vida de uma
dinheiro inicialmente depositado num investimento com no futuro. Rapidamente houve marcha atrás e protege- aldeia ou de uma ‘ilha’ operária tinha
um retorno elevado a longo prazo, mas que dá prejuízo ram-se os depósitos até 100 mil euros. Os depositantes uma dignidade intrínseca idêntica à do
se liquidado à pressa. A utilidade do banco é pegar no cipriotas devem ser dos que mais beneficiaram com os mundo dos livros e das abstrações de
dinheiro de pessoas, que querem poder levantá-lo a qual- trabalhos de Diamond e Dybvig. Wells, que sonhava com um Governo
quer momento, e transformá-lo em investimentos de Deve estar a pensar que isto de criar fábulas é mais arte mundial enquanto pensava na oblite-
longo prazo. (Pense no seu caso. Tem conta num banco do que ciência. Fica para outro artigo essa discussão. ração eugenista de bairros inteiros.
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de outubro de 2022

Opinião

Coordenador do Porque ando a pensar em Passos Coelho?

mestrado em Ensino
de Geografia/IGOT,

P
aulo Pedroso assinalou, Resulta do crescimento real da e os reformados, que esta semana ficaram a saber
Universidade de Lisboa na RTP, que os patrões economia, depois da pandemia, por um estudo oficial que, afinal, o cumprimento
negociaram bem o acor- e da inflação, depois do come- da fórmula de cálculo do seu aumento não punha

Habilitação do de rendimentos para

a legislatura. De facto, em tro-
ca de uma chuva de borlas fis-
ço da guerra, o que levou a um
crescimento nominal das recei-
tas do Estado. Minto. Há mérito
em causa a sustentabilidade da Segurança Social, ao
contrário do que lhes dissera o Governo.
O que leva o Governo a propor um acordo de

científica dos cais, ao ponto de as deduções

de prejuízos deixarem de ter Daniel Oliveira
prazo-limite (o Novo Banco vai danieloliveira.lx@gmail.com
do Governo: não permitiu que
os salários dos funcionários pú-
blicos acompanhassem a infla-
rendimentos de médio prazo num cenário de total
incerteza? Não seria preferível concentrar-se na ne-
gociação de medidas imediatas para travar a perda
professores poupar muito em impostos nos
próximos anos), tiveram de fa-
ção e o crescimento da receita.
Transferiu para eles a dívida do
zer a vaga promessa de um aumento dos salários de Estado. Mais uma vez, como Passos Coelho.
de rendimento? Seria, mas não cumpriria a função:
atirar para um imprevisível e longínquo 2026 o
aumento do peso dos salários no PIB, enquanto no
5,1% para o ano que vem, incluindo promoções. Os Como Passos, o discurso de Fernando Medina foi presente a produtividade sobe e os salários reais
anos seguintes, para chegar a um peso dos salários centrado na fantasia de que as taxas de juro depen- caem a pique, numa transferência de rendimentos
Sérgio Claudino de 48% do PIB em 2026, com base em previsões dem do nível da nossa dívida, sem nos explicar como do trabalho para o capital maior do que no tempo

I
maginemos que o Conselho
de Reitores das Universidades
Portuguesas e o Conselho Coor-
denador dos Institutos Politéc-
nicos reuniam com o Ministério da
Educação para discutirem os salários
dos professores e a sua progressão
na carreira e que os sindicatos não
eram escutados nessa discussão, nem
contestavam a sua marginalização.
Dir-se-ia que tal seria pura ficção. Mas
sucedeu o equivalente na discussão
sobre habilitações científicas dos pro-
fessores.
A 25 de agosto, o ministro da Edu-
cação reuniu com os sindicatos dos
professores para discutir os “requisitos
mínimos de formação científica” para
a docência, para contratação de escola.
Dias depois, a 8 de setembro, é publi-
cado o Despacho 10914-A/2022, com
esses requisitos, realizadas algumas
alterações ao projeto de texto origi-
nal. Se tomarmos como referência os
créditos exigidos para o ingresso nos
mestrados em ensino, nalguns grupos
disciplinares aligeiram-se as exigên-
cias de formação e realizam-se outros
ajustamentos.
Sucede que a formação científica dos
educadores de infância e dos professo-
res é realizada em institutos politécni-
cos (pré-escolar e docentes dos 1º e 2º
ciclos) e em universidades (professores
do 3º ciclo e secundário). A discussão
do Ministério sobre quem está, ou não,
habilitado para lecionar nos vários
graus de ensino e disciplinas deve ser
feita, desde logo, com os institutos po-
litécnicos e com as universidades que
formam os professores.
Os sindicatos
tiveram a desfaçatez
de se assumirem
marteladas, não merecem, perante a incerteza, é que as mantivemos tão baixas enquanto tínhamos de Passos. Porque será que ele me está sempre a
grande atenção. Mesmo que estes 5,1% chegassem a terceira maior dívida da Europa. Como antes de vir à cabeça?
para o objetivo, são indicativos, usando Passos, durante Passos e depois de Pas-
a possibilidade de reduzir o IRC, sos, tudo depende de decisões do
que só metade das empresas BCE. E a receita de Medina é, O que leva o Governo a querer,
paga, como cenoura. Valem também ela, a de Passos: pe- com tanta incerteza, um acordo
nada em comparação com rante a queda do consumo,
tudo o que de concreto a esperança é no aumento de rendimentos até 2026?
foi conseguido pelas as- do investimento priva- Atirar a justiça para o futuro,
sociações patronais. A do e das exportações. O enquanto no presente a
minha discordância primeiro, com estas ta- transferência de rendimentos
com Paulo Pedroso é xas de juro, não sei de
esta: os patrões não onde virá. As segun- do trabalho para o capital é maior
negociaram bem por- das, perante a reces- do que no tempo de Passos
que não tiveram de são na Alemanha e na
negociar. A CGTP não Europa, não sei para
assina nenhum acordo onde irão. A isto junta Até junho tivemos um aumento médio dos salários
e a UGT assina-os todos. o investimento público, de 3,6% para uma inflação que, na versão otimista,
A CGTP acha que a luta de que Costa tem um pés- andará pelos 7,4%. O tal referencial de 5,1% (que
não serve para forçar a simo currículo, e os sinais inclui promoções na carreira), se alguma vez for
negociação e cada manifes- de capacidade de executar o aplicado, acompanhará, na melhor das hipóteses, a
tação é uma prova de vida. A PRR não são animadores. inflação real do ano que vem. Ignora as perdas deste
UGT acha que a negociação não Logo no início da conferência ano. No Estado, depois de aumentos na Função
exige luta e cada acordo é uma prova de imprensa, Medina disse que “2022 Pública de 0,9% em 2022, o Governo propõe para
de vida. O Governo negociou com os patrões, superou largamente as expectativas, com 2023 um aumento médio de 3,6% (5,1%, usando o
e um acordo sobre rendimentos assinado à pressa exceção da inflação”. O lamento será repetido nos mesmo truque de incluir as promoções). Ignora-
tem mais de apoio às empresas do que de reforço próximos meses. Prever inflações improváveis é -se, também aqui, as perdas deste ano. Salvam-se,
de rendimentos. a forma de vender cortes (reais) como se fossem como nas mudanças fiscais, os salários mais baixos.
É sintomático que, no meio de uma crise inflacio- aumentos (nominais). Obviamente que nem tudo é A estabilidade das contas públicas consegue-se à
nista e perante a tempestade perfeita que junta mau no Orçamento. Para além do que é dado às em- custa da instabilidade das contas das famílias. Como
inflação e subida das taxas de juro, Fernando Me- presas, os escalões próximos do salário mínimo são acontece quando numa crise se fazem orçamentos
dina tenha começado e acabado a sua comunicação protegidos, porque não aguentariam perder mais. restritivos. Não preciso de explicar qual será o resul-
ao país a falar da dívida pública. É impossível não Ainda não chegou a eles, e essa é, por agora, a gran- tado. O PS só tem de ir rever o que dizia no tempo
recordar Passos Coelho. Na realidade, a queda da de diferença em relação a Passos Coelho. Mas o resto da troika. Não é por vir com um laçarote socialista
dívida pública não teve qualquer mérito do Governo. dos trabalhadores já foi abandonado à sua sorte. Eles que esta prenda merece menor revolta.
Presidente do Comité das Regiões Europeu Professor na Nova SBE
Regiões ajudam Europa Democracia incompleta
a manter-se coesa Rodrigo Tavares mocracia, o debate público em Por-
tugal continua a ser excessivamente

O
imediatista, televisivo, partidarizado
como interlocutores cial que os dirigentes da UE a nível pensamento crítico é im- e pouco especializado. Ou então in-
Vasco Alves Cordeiro
privilegiados do Ministério nacional, regional e local cooperem “ portante para a democracia cide em anúncios copiosos de visões

da Educação numa
matéria em que não
têm (nem teriam de ter)
autoridade científica
Sem prejuízo de se reconhecer mé-
rito na atuação recente do Ministério
da Educação (prioridade à colocação
de professores, mesmo que sem ha-
bilitação profissional, evitando que os
alunos estejam sem aulas; agilização
dessa colocação pelas escolas; revisão
das habilitações docentes, etc.), o que
se passou na discussão das habilita-
ções docentes para contratação de
escola é inconcebível. O Ministério
da Educação, que tem por ministro
um antigo diretor de uma faculdade
onde se formam professores, reuniu
apenas com os sindicatos para discu-
tir a formação científica de docentes,
sabendo que estes não são especialis-
tas na formação inicial. Os sindicatos
tiveram a desfaçatez de se assumirem
como interlocutores privilegiados do
Ministério numa matéria em que não
têm (nem teriam de ter) autoridade
científica. Por último, saem também
muito mal de tudo isto (com o mea
culpa que possa significar) os institutos
politécnicos e as universidades portu-
guesas com formação de professores,
espalhados por todo o país: não se per-
cebe, até hoje, que estas instituições
sintam qualquer incómodo por terem
sido totalmente marginalizadas da
discussão de habilitações científicas
dos professores que formam.
A forma como decorreu a discussão
da formação científica de professores
foi um escândalo, mesmo que pareça
que nada de estranho sucedeu.
D
a pandemia à guerra na
Ucrânia, da crise climática à
transição energética, as úni-
cas soluções possíveis para
o projeto comum que é a UE assen-
tam na solidariedade, na coesão e
na democracia. Cientes deste facto,
os representantes locais e regionais
estão bem posicionados para ajudar
a reforçar estes valores.
Nos últimos sete meses, milhões
de pessoas fugiram da Ucrânia na se-
quência da invasão brutal provocada
pelo exército de Vladimir Putin. Os
ucranianos que chegaram aos nossos
municípios e regiões foram acolhidos
de braços abertos e com solidarieda-
de. Este acolhimento é uma tarefa
sem precedentes para muitas regiões
e cidades, que têm também de se pre-
parar para um inverno difícil.
Não obstante, a solidariedade con-
tinua a ser a força motriz dos diri-
gentes locais e regionais. O relatório
de 2022 sobre o “Estado das regiões
e dos municípios da UE”, elaborado
pelo Comité das Regiões Europeu,
revela que um em cada dois inqui-
ridos considera que a forma mais
eficaz de reconstruir a Ucrânia será
através do envolvimento das regiões
e dos municípios da UE nos planos de
reconstrução. Foi neste espírito que o
Comité lançou, em junho, a Aliança
Europeia dos Municípios e Regiões
para a Reconstrução da Ucrânia, que
reúne várias associações europeias.
Quer se trate da transição ener-
gética, do reforço dos nossos siste-
mas de saúde, do apoio às nossas
pequenas e médias empresas ou da
transformação dos nossos sistemas
de transporte e habitações, é essen-
mais para responder mais eficaz-
mente ao vasto leque de desafios.
Para tanto, podemos contar com
a experiência única da política de
coesão da UE, reunindo todos os
níveis de governação para reduzir
as disparidades em toda a Europa.
De olhos postos no futuro, mas ten-
do presente as catástrofes naturais
extremas que enfrentamos cada vez
com maior frequência, a moderniza-
ção da política de coesão, também
como forma de combater a crise cli-
mática, é uma via a seguir. Tanto mais
que um em cada dois representantes
locais e regionais considera que os
principais objetivos do financiamen-
to da UE devem apoiar a transição
ecológica. O mesmo se pode aplicar
à digitalização das nossas sociedades.
Se a solidariedade e a coesão são
as forças motrizes para enfrentar
as crises que a Europa atravessa, há
uma outra prática fundamental que
não pode ser ignorada: a democracia.
A Conferência sobre o Futuro da
Europa constituiu uma nova expe-
riência participativa na UE e apelou
a um maior envolvimento dos ci-
dadãos na elaboração das políticas
europeias, em especial os jovens e
as mulheres, mas também ao reforço
do papel do Comité das Regiões no
quadro comunitário, uma vez que
a política local é frequentemente
o nível de governo em que mais se
confia.
Manter a solidariedade, a coesão e
a democracia na Europa é um dever
moral que começa em cada aldeia,
cidade e região. É o que sempre
temos feito. Reconhecendo que isto
não vale apenas para os municípios
e regiões, mas para toda a UE.
portuguesa porque permite
às pessoas questionarem o
seu Governo e responsabilizá-lo.” O
autor desta frase não sou eu. Nem
é um ser humano. É um robô da
GPT-3, alimentado por inteligência
artificial e modelos de linguagem
autorregressiva. Eu pedi-lhe para
escrever uma frase sobre a impor-
tância do debate público para uma
coluna no Expresso e ele fê-lo em
inglês em menos de um segundo,
sem qualquer necessidade de edição
manual. Poderia ter pedido um texto
completo ou um livro.
O robô limitou-se a absorver 300
anos de teoria política sobre a impor-
tância de uma sociedade civil organi-
zada para uma democracia fecunda.
É na sociedade civil que encontra-
mos a fundação moral da vida políti-
ca, marcada pela responsabilização
do indivíduo e pelo seu envolvimento
cívico à volta de interesses comuns.
Representa a transformação demo-
crática de uma população passiva
numa comunidade indagadora.
Muito já se escreveu sobre a dor-
mência da sociedade civil portugue-
sa. Abundam as ONG, mas faltam
propósitos. Sobram as microrrecla-
mações espontâneas, mas falta parti-
cipação coletiva. Este amansamento
da sociedade já foi capturado pelo
Inquérito Social Europeu e pela base
de dados Varieties of Democracy
(V-Dem). O envolvimento cívico em
Portugal é um dos mais baixos em
toda a Europa.
Sobeja também a resignação, na
mesma medida em que escasseia o
sentido crítico e um debate públi-
co estruturado. Ainda que seja um
elemento medular de qualquer de-
estratégicas futuras que sepultam
visões estratégicas passadas. A co-
munidade política obedece a ciclos
eleitorais que não se coadunam com
o desenvolvimento de políticas públi-
cas de maior fôlego reformista, com
horizontes temporais geracionais.
Todos sabemos. Mas a incumbência
de apontar caminhos deveria tam-
bém ser atribuída à sociedade civil.
Somos um dos países mais endi-
vidados do mundo, mais pobres da
Europa, com uma das populações
mais envelhecidas a nível mundial,
que menos confia no sistema político
e que menos participa nos processos
eleitorais. Estes desafios graúdos
deveriam merecer o empenho coad-
juvado de Governos e oposições. Mas
deveriam ser endereçados também
por uma sociedade empenhada.
Faltam-nos, porém, organizações
não-governativas capazes de propor
uma trajetória racional, nas mais di-
versas áreas temáticas, com sentido
de Estado e sem tergiversações par-
tidárias. Faltam-nos organizações
cívicas de bairro que sirvam de in-
termediárias entre as ilimitadas von-
tades das comunidades locais e os
limitados orçamentos autárquicos.
Temos famílias fortes, um Estado
forte, mas uma sociedade civil fraca.
Gostaria que esta coluna quinze-
nal, que se inicia hoje, possa tornar-
-se um anfiteatro de debates públi-
cos relevantes. Falhará muitas vezes.
Mas, num misto de opinião, análise,
reportagem e entrevista, irá abrir-
-se a uma conversa pública sobre o
país e o mundo, como uma forma de
contermos o nosso ímpeto robótico
para a desresponsabilização, a auto-
matização e a aquiescência.
Expresso, 14 de outubro de 2022
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
BOMBAS DE PUTIN
O líder russo deve ser tratado
como o criminoso que é.
Qualquer tentativa de relativizar
o seu comportamento, a sua
fúria, o seu desnorte, resulta
numa desculpabilização
inadmissível e só ponderável em
países onde os direitos humanos
são letra morta. Os amigos de
Putin na cena internacional —
como se tem visto nas votações
na ONU — são a Bielorrússia, a
Coreia do Norte, a Eritreia e a
Síria, belo conjunto. Mas deve
pedir-se responsabilidade aos
que se abstêm, China, Índia,
África do Sul — dos BRIC, só
o Brasil condenou a Rússia
—, e aos amigos da CPLP, já
que Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau e Guiné Equatorial
optaram pela abstenção. Enfim,
a decência em português esteve
em Cabo Verde e Timor, além de
Brasil e Portugal, que recusaram
a barbárie e não se puseram
à parte do mais importante
conflito do pós-guerra.
O ORÇAMENTO
O OE apresentado pelo Governo
à AR não esperou muito até
receber as primeiras críticas.
Algumas, aliás, já existiam antes
de o documento ser conhecido
em pormenor. Porém, se a
prudência que perpassa todo o
OE é louvável, nomeadamente
no que respeita ao défice e à
dívida, é precisamente aí que ele
é mais atacado; muitos partidos
(e não só os habituais da
esquerda) querem mais, sempre
mais. Têm razão, é sempre
preciso algo mais, mas quase
nunca esse algo mais existe.
De resto, que se pode dizer de
previsões feitas num clima de
incerteza máxima? Muito pouco.
O próprio Governo devia ser,
também nas palavras, mais
prudente.
AUSTERIDADE
O erro não é a austeridade — o
que se pretende num ambiente
de uma guerra que contra nós
se trava? Mau, como já escrevi, é
não assumir essa condição. Em
guerra não se vive como se nada
fosse; não podemos prever uma
inflação de 4% (adequada para
aumentar pensões e salários
com perdas reais de poder de
compra) nem um défice (ótimo
para a propaganda) quando
tantas variáveis não dependem
de nós. E, se podemos
contribuir, é na presunção que
nos contam a verdade toda.
A REVOLTA
A guerra obscurece a
memorável e corajosa luta das
mulheres iranianas. Os aiatolas
respondem com a brutalidade
habitual, que no Irão é
redobrada em relação ao sexo
feminino. Porém, há 40 anos,
lembro-me de certa esquerda
exultar com a queda do xá e o
regresso do integrismo xiita,
quando Khomeini (então exilado
em Paris a receber loas dos
esquerdistas) voltou a Teerão.
Coisas de velho...
INDIGNAÇÃO
Vivemos numa sociedade de
indignações sucessivas. A
última foi contra o Presidente
da República. Na verdade,
Marcelo Rebelo de Sousa
escusava de ter dito o que
disse, mas também escusava de
dizer muita coisa que já disse.
Porém, juntar esta espécie de
incómodo com um Presidente
que fala de mais à Igreja
Católica é quase uma bênção
para indignados. Nesta matéria
estou com António Costa (e
ainda que haja quem diga que
ele só pretende dividendo), é
preciso que se diga que, ainda
que assim fosse, teve uma
atitude decente, com sentido de
Estado e verdadeira.
Nem o ‘general Inverno’
salva Putin
H
á umas semanas avisa-
va-se, com gravidade,
que o inverno seria
fatal para o Ocidente,
em geral, e para a Europa em
particular. O inverno, dizia-
-se, é uma estação boa para os
russos. Não caíram perante
as estepes geladas e as ondas
de neve os exércitos de Napo-
leão e de Hitler? Sim, tudo
isto é verdade. Porém, todos
os sinais, desde a destruição
do gasoduto Nord Stream à
acelerada recuperação de
terreno pelos ucranianos,
passando pelas afirmações e
ações da NATO, dos EUA e
da UE, levam a crer que não
será assim. Com mais ou me-
nos dificuldades, os europeus
passarão tempos árduos, mas
não se vislumbra que o crime
de Putin tenha sido esquecido
pelas opiniões públicas.
Esta é, aliás, uma guerra
de que o Ocidente (tomado
sempre pelo seu aspeto geoes-
tratégico, e não geográfico) ja-
mais poderá desistir. Poderia
ter fingido que não viu ou não
percebeu, como na Geórgia,
na Chechénia ou na Crimeia,
e já então a vergonha foi gran-
de; porém, após envolver-se,
como se envolveu, no apoio
à Ucrânia, com material, ex-
pertise e retórica, seria in-
compreensível uma traição
ao povo mártir daquele país.
É certo que todos já vimos ver-
gonhas assim, ou talvez maio-
res, só que desta vez, como se
viu no início da invasão russa,
as opiniões públicas puxaram
mais pelos Governos do que
até então se sentira.
O célebre ‘general Inverno’,
assim batizado pelos russos e
espalhado pelo mundo depois
da retirada de Napoleão de
Moscovo, tem sido aliado do
Kremlin, sabe-se bem. Mas
quem o afirma esquece, no
geral, pequenas mas signifi-
cativas diferenças. Se noutros
tempos foi possível a política
de terra queimada para dar
cabo das tropas inimigas que
tinham invadido o solo pátrio
russo, cortando as linhas de
abastecimento do agressor,
desta vez o invasor é a própria
Rússia e será o inverno a difi-
cultar as suas próprias linhas.
Ora, em circunstâncias assim,
mais vale recordar as derrotas
de Moscovo frente aos finlan-
deses, em 1939-1940, na que
ficou conhecida por ‘Guerra
de Inverno’. O atual conflito
não é, como entra pelos olhos
adentro, uma guerra de defesa
contra um inimigo externo,
mas uma invasão injustificada
e baseada em premissas falsas.
Do lado de Moscovo, a moral
das tropas está em baixo e da
mobilização geral resultaram,
até agora, homens imprepa-
rados, recrutados, como já
eram, no Extremo Oriente e
nas províncias mais pobres
(além de mais de 200 mil em
idade militar que fugiram da
Rússia).
Quando o frio se fizer sentir
a sério, teremos uma guerra
no terreno que pouco ou nada
se moverá das posições que
ocuparem e umas saraivadas
A Rússia tem dois
generais nos quais
pode confiar —
generais janeiro
e fevereiro
Nicolau I (1796-1855),
imperador russo, referindo-se
à vantagem no inverno.
Curiosamente, tendo morrido
a 18 de fevereiro de 1855, deu
origem a uma piada que foi
popular na época, segundo
a qual “o general fevereiro
revelou ser um traidor”.
FOTO D.R.
de mísseis e drones a que os
ucranianos saberão responder
melhor. Ao mesmo tempo, é
dado como certo que os russos
estão carentes de material de
guerra, o que os impedirá de
lançar mísseis indiscriminada-
mente sobre alvos civis; algo
que em termos militares de
pouco serve e — para citar Rui
Cardoso, aqui no Expresso —
“foram mais para russo ver”,
ou seja, acalmar os sectores
radicais que gravitam Putin.
O inverno não será, pois, um
general para o Kremlin; pode
bem ser, pelo contrário, um
problema.
Em março (mês da guerra,
de Marte) os ucranianos esta-
rão mais preparados e os rus-
sos menos, prevendo-se que
lhes falte material de guerra.
Naturalmente, isto não sig-
nifica que a Rússia seja der-
rotada. Mas também não se
vislumbra uma derrota da
Ucrânia. Há quem vaticine
que a região ficará como a Pa-
lestina ou Chipre — dividida,
ainda que artificialmente. No
entanto, é bom ver que nes-
ses casos os contendores re-
clamam a mesma terra como
sua. Mas a guerra que Putin
levou à Ucrânia tem mais
características de guerra co-
lonial. Não são os soldados
russos que pretendem voltar
para as suas famílias ou morar
em Lviv ou Donetsk. Essa é a
retórica do poder que já não
convence ninguém. A ideia
de uma Ucrânia nazi, que, na
verdade, não tinha povo, pois
eram todos russos, desvane-
ceu-se com quase oito meses
de guerra, em que a astúcia,
o poder, a coragem, os apoios
mostraram que a Ucrânia e os
ucranianos não são um alvo
fácil de abater.
Também não vale a pena,
como fazem certos comenta-
dores, apelar à paz sem consi-
derar quais as condições para
uma paz justa. Por exemplo,
negociá-la com base nas posi-
ções atuais seria uma atitude
vergonhosa para o Ocidente e
uma saída airosa para Mosco-
vo. Bem se percebe o que que-
rem... A hipótese mais realista
é, como acontece nas guerras
deste tipo, a retaguarda der-
rubar o poder do agressor ou
obrigá-lo a deixar as armas.
Foi assim no Vietname e na
nossa própria Guerra Colo-
nial, entre muitas outras. Pelo
contrário, tem de se partir das
fronteiras negociadas, e não
das impostas pela guerra,
como, aliás, estipula a Carta
da ONU.
hmonteiroexpresso@gmail.com
PRIMEIRO CADERNO 39
ANTES QUE
ME ESQUEÇA
ABISMO
Ponho-me
aqui a falar
de inverno e
dá-me vontade
de ler; penso
na guerra,
nas ameaças
nucleares, e
quero saber
mais sobre o assunto. E eis que
deparo com um livro muito
recentemente editado pela D.
Quixote, intitulado “O Abismo”,
da autoria de Max Hastings,
jornalista e historiador militar
britânico, autor de vários
livros sobre guerra. Este trata
exclusivamente da crise de
Cuba, ou a crise dos mísseis,
quando o mundo esteve, até
agora, mais perto da destruição
por armas nucleares. Hastings
refere o livro “August 1914”,
de Barbara Tuchman, em que
se sustenta uma tese hoje
bastante aceite: nenhuma
das potências envolvidas na
I Guerra Mundial queria o
que acabou por acontecer. A
Áustria-Hungria e a Alemanha
pretendiam, essencialmente,
desmembrar a Sérvia, mas
depois do assassínio de
Sarajevo todos perderam o
controlo dos acontecimentos,
com consequências
calamitosas para a Europa.
Na crise de Cuba estivemos
a um cabelo de repetir, nesse
ponto concreto, a História; só
que dessa vez já com armas
nucleares. Após evitado o
conflito, Kennedy, Presidente
dos EUA, confidenciou a
Kenneth Galbraith, seu amigo
e embaixador, além de filósofo
e economista: “Ken, nunca
farás ideia da quantidade de
maus conselhos que recebi.”
E que tem isto a ver com a
atualidade? É óbvio.
DIPLOMACIA
O embaixador
Bernardo
Futscher
Pereira (serve
em Marrocos
e foi assessor
do Presidente
Sampaio)
dedicou-se
à causa de
fazer a história da diplomacia
do Estado Novo. Depois de
“A Diplomacia de Salazar
(1932-1949)” e de “O Crepúsculo
do Colonialismo (1949-1961)”
chegou já este mês o terceiro
volume, “Orgulhosamente
Sós (1962-1974)”. E temos 42
anos profunda e seriamente
estudados de perto
(recorde-se que o seu pai,
Vasco Futscher Pereira, foi
igualmente diplomata e MNE
de um Governo liderado por
Balsemão). A importância
da integridade nacional e da
defesa das colónias (que o PCP,
no início, e os reviralhistas
republicanos, quase até ao fim,
comungaram) é explicada. Mas,
se para Salazar era impensável
abandonar o Ultramar, já para
Marcello Caetano o autor não
consegue explicação cabal.
De qualquer modo, leitura
indispensável.
PECHINCHA
Bem, este livro
não é novo.
Mas comprei-o
(em português
do Brasil)
por um dólar
na Amazon,
e pode ser
lido e consultado em várias
plataformas. Chama-se
“Discurso da Servidão
Voluntária”, é de Étienne de
la Boétie (grande amigo de
Montaigne) e defende que o
poder só existe porque o povo o
consente. Foi escrito há quase
500 anos.
 acelerador de
sustentabilidade
U M A PA RC E R I A
Ricardo
Costa
O jogo
do bicho
rejeitado
H
á falsas verdades
que são tomadas
por regras na polí-
tica. A mais comum
é a que garante que
ninguém ganha
eleições, apenas há quem as
perca. Não é verdade, claro; dá
jeito a perdedores e retira brio a
vencedores, mas tem muitas ex-
ceções. Outra, menos banal, é
a de que a popularidade decide
tudo. Também não é verdade,
claro; nos últimos anos — com
maior polarização e atomiza-
ção de círculos de comunica-
ção —, a taxa de rejeição de um
candidato tem ganhado imen-
sa importância nas disputas
eleitorais.
O caso de Joe Biden é, tal-
vez, o mais impressionante.
Ao contrário do que diziam os
livros, o escolhido não foi um
candidato inspirador, jovem
ou dotado de uma capacidade
de comunicação notável para
bater Donald Trump. Foi “ape-
nas” o que tinha menor taxa de
rejeição.
Com polarização e
atomização de bases,
a taxa de rejeição
começa a ser mais
importante do que
a popularidade
Quatro anos antes — partin-
do de uma posição confortável
—, Hillary Clinton viu-se inca-
paz de capitalizar perante a
imparável ascensão de Trump.
Enquanto este alargava a sua
base, Hillary via a sua estreitar-
-se, com apoiantes de outros
candidatos — Bernie Sanders à
cabeça — a preferirem abster-
-se do que votar numa candida-
ta que rejeitavam.
Num caso muito diferente, a
única incógnita que pairou so-
bre a reeleição de Emmanuel
Macron nas presidenciais fran-
cesas foi a sua taxa de rejeição.
Tal como Hillary, Macron tinha
dificuldade em expandir a sua
base de eleitores, tal era a taxa
de rejeição à esquerda.
O PT brasileiro devia ter
pensado nisto. Mas o PT pen-
sa primeiro em Lula, depois
na vingança judicial de Lula e
de seguida na certeza de que
Deus criou o Brasil para poder
criar Lula. Acontece que Lula
tem uma enorme taxa de re-
jeição. É adorado e detestado
quase por igual. Saiu da presi-
dência com alta popularidade,
mas a corrupção escandalosa
arrastou-o para o inferno da
rejeição.
Tentar eleger um político
com alta taxa de rejeição — em
que são precisos 50% dos votos
mais um — é uma tarefa arris-
cada. É sobretudo isto que está
a transformar a eleição brasi-
leira numa aparente incógnita.
Incrivelmente, o político mais
rejeitado da História do Brasil
(Bolsonaro) tem pela frente o
segundo mais rejeitado (Lula).
A vantagem de Lula reside so-
bretudo neste ponto: o outro é
ainda mais rejeitado do que ele.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Xadrez
Suspeitas de
batota abalam
a modalidade R30
Encontros de Cascais
Este ano, as conferências voltam à Cidadela, local das edições anteriores FOTO TIAGO MIRANDA
Conferência anual
organizada pelo Expresso
regressa para a semana,
na sua 4ª edição, para
debater grandes temas
Estamos perante uma nova
ordem mundial? A seguran-
ça energética está a mudar a
geopolítica mundial? Por que
razão não crescemos mais em
Portugal? A liberdade de in-
formação tem limites na era
das redes sociais? Estes são
os quatro grandes temas em
debate nos Encontros de Cas-
cais” organizados anualmente
pelo Expresso, com o apoio
da AON, Deloitte e Câmara de
Cascais, e que decorrem nos
dias 21 e 22.
Os Encontros de Cascais são
um evento anual, exclusivo e
com um número restrito de
participantes. Para que a li-
berdade de debate seja a maior
possível, o evento é fechado ao
público e à comunicação so-
cial e são adotadas as Chatham
House Rules, ou seja, tudo o
que for dito em cada sessão
pode ser citado e utilizado,
mas sem identificar o autor.
No encontro deste ano, o
primeiro painel de debate é
realizado sob o seguinte mote:
“Estamos perante uma nova
CReSAP aprova nomes para CMVM
Escolhidos por Medina
para a CMVM já
receberam ok da CReSAP
e segue-se Parlamento.
OE pode atrasar audições
A CReSAP já aprovou os qua-
tro indigitados por Fernando
Medina para a administração
da Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários (CMVM).
Os nomes seguem agora para
o Parlamento, para se realiza-
rem as obrigatórias audições
prévias à efetiva designação.
Problema: a discussão do Or-
çamento do Estado para 2023
pode adiá-las até dezembro.
Segundo o que o Expresso
apurou junto de fonte conhe-
cedora do processo, a aprecia-
ção da CReSAP — organismo
Acelerar:
Turismo mais sustentável
para ler aqui na edição da próxima semana
Fernando Santos
Selecionador
no radar da
Segurança Social P4
ordem mundial?” O regresso
da guerra à Europa reforçou
aparentemente o objeto da
União Europeia e a NATO
voltou a ganhar um papel pri-
mordial na defesa do espaço
europeu. Contudo, nenhuma
destas organizações conse-
guiu impedir o conflito arma-
do. E a ONU parece condena-
da a um papel cada vez mais
secundário. Os oradores con-
vidados são António Martins
da Cruz e Luís Amado, dois
antigos ministros dos Negó-
cios Estrangeiros.
No segundo painel, debate-
-se “Como a segurança ener-
gética, ambiental e o acesso
aos recursos estão a mudar a
geopolítica”. As consequências
da pandemia e da guerra trou-
xeram para o tabuleiro mun-
dial temas que pareciam ultra-
passados. O acesso a cadeias
de distribuição, a segurança de
abastecimento ou o retrocesso
na globalização passaram a
estar no topo das preocupa-
ções. Os oradores convidados
deste painel são Rodrigo Costa
e Paulo Portas.
Para o terceiro painel, “Por-
que não crescemos? Portu-
gal e os novos riscos” foram
convidados Célia Reis e Vasco
Reis. Nele se vai debate como a
que avalia os candidatos a al-
tos cargos na esfera pública
— para todos os candidatos foi
“muito positiva para o desem-
penho do cargo em causa”.
Atual administrador do Ban-
co de Portugal, Luís Laginha de
Sousa é o nome agora aprova-
do pela CReSAP para presidir
ao regulador do mercado de
capitais (substituindo Gabriel
Bernardino, que renunciou
em março e ficou a meio-gás
por motivos de saúde), levando
como vice-presidente Inês Dru-
mond, até aqui diretora-adjun-
ta de Estabilidade Financeira,
e como vogais Juliano Ferreira,
promovido de diretor de Su-
pervisão da própria CMVM,
e Teresa Gil, vinda do Fisco.
Juntar-se-ão a José Miguel Al-
(
Tarantini
Entrevista ao
futebolista que se
tornou doutor P30
inflação está de volta e com ela
a mudança na política monetá-
ria. Aos velhos problemas da
economia portuguesa, como a
falta de produtividade e capa-
cidade de crescimento, temos
agora que juntar outros, como
os impactos da nova ordem
mundial ou a questão da pirâ-
mide demográfica.
Finalmente, a discussão en-
tra ainda no tema “A liberdade
de informação tem limites na
era das redes sociais?”. Quan-
do um dos homens mais ricos
do mundo compra o Twitter
para garantir que será sempre
um lugar totalmente livre está
a contribuir para a liberdade
de informação ou a permitir
um sistema anárquico onde
a mentira se confunde com a
verdade? A primeira guerra
em direto nas redes sociais
veio ajudar a mostrar duas
realidades distintas ou ape-
nas duas formas diferentes de
controlar a informação? Como
se conseguem impor regras?
E que regras? E quem tem o
poder para as impor? Os ora-
dores deste painel são Paulo
Rangel e Daniel Oliveira.
O Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, esta-
rá presente no encerramento
da iniciativa.
meida, vogal já em funções. O
conselho da CMVM está incom-
pleto desde 2019.
Terão agora de ser submeti-
dos a audições parlamentares,
das quais têm de sair pareceres
(não-vinculativos). Não é certo
quando tais sessões na Comis-
são Parlamentar de Orçamento
e Finanças (COF) podem rea-
lizar-se. Há discussão do OE e
se não forem agendadas com
pressa nas próximas duas se-
manas (e conciliando já com os
trabalhos em curso) depois só
a partir de 28 de novembro. Na
próxima quarta, a COF votará
os pareceres das audições dos
cinco escolhidos para se junta-
rem a Mário Centeno no Banco
de Portugal — que não tiveram
de passar pela CReSAP.
Últimas
Hospital no Porto A CUF
inaugura esta sexta-feira um
novo hospital no centro do Por-
to. Com mais de 170 colabo-
radores, o CUF Trindade tem
mais de 4000 metros quadra-
dos, 30 especialidades médicas
e cirúrgicas, 16 camas de inter-
namento e três salas de bloco
operatório.
Infarmed suspende três ti-
pos de máscara O Infarmed
suspendeu a comercialização e
determinou a recolha do mer-
cado de três tipos de máscara
cirúrgica, do fabricante nacio-
nal PT Mills, por não existir
prova de cumprimento dos re-
quisitos legais.
Congresso da Juventude
junta estudantes Da repre-
sentação política à transição
tecnológica, do ambiente à
precariedade laboral, passan-
do pelo ensino das artes e o
desporto universitário — estes
são alguns dos temas em deba-
te esta sexta-feira no Congres-
so da Juventude Portuguesa,
que se realiza em Lisboa.
Agustina eternizada A CC-
DR-Norte vai comemorar o
centenário de Agustina Bessa-
-Luís, sábado, com a maior
pintura mural do Porto. “Para
Agustina — Extravagante Re-
trato de Família” é o nome da
obra, de 120 metros de exten-
são e 2 metros de altura, que
irá ser pintada a partir desta
semana por 13 artistas norte-
nhos no muro exterior da sede
da CCDR-N, na vizinhança da
casa da escritora.
O último Volkswagen Sha-
ran Até ao final deste mês a
Autoeuropa vai abandonar a
produção do modelo Volkswa-
gen Sharan, ao fim de 27 anos.
Foi este modelo que ajudou
a fundar a fábrica, em 1991,
numa parceria com a Ford, que
mais tarde sairia do consórcio.
Admirador de Mussolini
no Senado Ignazio La Russa,
colecionador de artefactos do
período fascista e estatuetas do
seu líder, foi eleito presidente
do Senado italiano. É do parti-
do Irmãos de Itália, de Giorgia
Meloni, que deve ser convidada
a formar Governo para a sema-
na. Numa coincidência irónica,
presidia à sessão a senadora
mais velha, Liliana Segre, so-
brevivente do Holocausto.
TEMPO FIM DE SEMANA
Bragança
SEXTA
26° 9°
SÁBADO
24° 8°
Porto 21° 14° 20° 15°
Sexta-feira Guarda 23° 12° 21° 11°
14 de outubro
14
de 2022 Lisboa 27° 15° 24° 16°
Évora 31° 14° 28° 14°
Faro 28° 17° 25° 17°
10
P. Delgada 24° 19° 22° 18°
Funchal 27° 20° 26° 20°
MARÉS SEXTA SÁBADO
Baixa Alta Baixa Alta
Porto 12:16 18:28 12:57 19:08
Lisboa 12:21 18:48 12:58 19:22
#2607
Faro 11:39 18:08 12:17 18:46
expresso.pt
FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
Limpo “O poema é um cubo de
granito,/ Mal talhado, rugoso,
devorante”, escreveu José Sara-
mago. Algumas nuvens por aí.