HOJE MAPA DAS

ESTRADAS DE
GRÁTIS PORTUGAL Para
leitores
em papel

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 5 de abril de 2024

2684

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

24h Caso das Gémeas MP travou Já há sete

buscas casos de
da PJ a inseminação
Lista de secretários
Presidência acusada secretário
de Estado
post mortem
em Portugal
de Estado entregue
Luís Montenegro entregou
quinta-feira, na sua primeira
reunião com Marcelo, a lista
de condicionar
de secretários de Estado, já
depois do fecho desta edição.
Conheça os nomes em www.
expresso.pt.
investigação Megaoperação policial
que tem o empresário
Manuel Serrão como
protagonista não fez
detidos até ao momento
Dois casos foram
chumbados por
centros de Procriação
Medicamente Assistida.
Um está em tribunal
Elvira Fortunato Na Operação Maestro, uma Sete mulheres foram já
passa a conselheira escuta levou os inspetores submetidas a um total de 19
da Presidência
Um dia depois de sair do
Nuno Rebelo de Sousa pressionou a equipa de Belém da PJ a suspeitar do eventual
papel de Bernardo Ivo Cruz,
tratamentos de fertilidade
utilizando esperma de dado-
Governo, a ex-ministra da e o ex-secretário de Estado, invocando o nome do pai então secretário de Estado res mortos. Segundo o que
Ciência e Ensino Superior da Internacionalização, no o Expresso apurou, só duas
vai para a Casa Civil da Pre- A Inspeção-Geral das Ativi- lutância de Belém em enviar Documentos Administrativos. alegado esquema de fraude destas mulheres estão a ser
sidência da República, como dades em Saúde revela, no a documentação sobre o caso O relatório aponta o dedo a La- montado pelo empresário tratadas no Serviço Nacio-
conselheira de Marcelo Re- relatório final sobre o caso “condicionou a direção da cerda Sales, acusando-o de ter Manuel Serrão. O Ministério nal de Saúde, encontrando-
belo de Sousa para a área que das gémeas luso-brasileiras instrução”. Os documentos só mandado a secretária marcar Público considerou, no en- -se as restantes a fazer os
até aqui tutelava no anterior tratadas no SNS com medi- foram enviados após um pare- uma consulta no Hospital de tanto, não haver razões para seus tratamentos no sector
Governo, apurou o Expresso. camento inovador, que a re- cer da Comissão de Acesso aos Santa Maria. P5 o tratar como suspeito. P17 privado. P16

IGAI abre inquérito

em Setúbal CENTENO
A Inspeção-Geral da Ad-
ministração Interna (IGAI) NÃO É OPÇÃO
abriu um inquérito para ava- PARA O BANCO
liar se houve recurso a força
excessiva numa intervenção DE PORTUGAL P12
em Setúbal em que agentes
da PSP foram filmados a
agredir jovens durante uma TRIBUNAL DE
detenção. CONTAS, PGR, LUSA
Integram esta edição semanal, além deste E RTP NA LISTA
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda
MAPA DAS ESTRADAS DE PORTUGAL
DE NOMEAÇÕES P12

MARCELO QUER
REVER ESTATUTOS
DOS MILITARES
Plano de emergência
E AFASTA SMO P15

para o SNS e medidas

de combate à corrupção AUTOR DO ANTIGO
guardadas para a altura
da campanha eleitoral P6a9 ‘LOGO’ DO GOVERNO
ALVO DE AMEAÇAS
www.mantovani.pt
GRANDES MEDIDAS DE MORTE P9

DO GOVERNO SERÃO
FOTO TIAGO MIRANDA

ESQUERDA TEME
Peça na sua Primeira reunião oficial de trabalho entre o Presidente da República APRESENTADAS EM PELA EUTANÁSIA
farmácia e o novo primeiro-ministro. Marcelo recebeu Montenegro na mesma
mesa austera em que se reuniu pela primeira vez com António Costa CIMA DAS EUROPEIAS E PELAS BARRIGAS
DE ALUGUER P14

Pensões Números que marcam Vai nascer o 30 anos

médias o dérbi do título primeiro avião depois ainda
perderam 15% Embora eliminado da Taça,
desenhado há feridas
nos últimos o Benfica terá ascendente e construído por sarar
15 anos E6 no jogo de sábado P31 em Portugal R28 no Ruanda P28

Saiba mais em cgd.pt

2 PRIMEIRO CADERNO
Não é novo, até é básico,
mas funciona
N
ão partilho o entusias-
mo geral relativamente
à qualidade deste Go-
verno. A história dos
últimos 50 anos é farta
em exemplos de quem
começou como sapo e
acabou como príncipe ou de quem
rapidamente caiu do pedestal onde foi
colocado. Em matéria de avaliação de
um ministro é sempre prudente espe-
rar para ver, até porque a qualidade de
um Governo deve ser avaliada à saída
e nunca à entrada.
Mesmo que este seja um Governo
alegadamente competente, a sua
capacidade de execução será muito
limitada. Aplicar medidas ou fazer
reformas já é difícil em condições ditas
normais, mas fica quase impossível
quando o Parlamento passou a ser
uma permanente força de bloqueio.
A necessidade de negociar dossiê a
dossiê, artigo a artigo, vai tirar espaço
e tempo à capacidade de simplesmente
fazer. Acresce a isto que do outro lado
está uma estrutura da Administração
Pública que será à partida pouco coo-
perante, dominada por dirigentes que
foram sendo nomeados nos últimos
oito anos pelo Partido Socialista. Um
ministro, qualquer que seja, nunca
deve menosprezar o poder dos servi-
ços do Estado. De que vale ter uma
equipa de “Ronaldos e Messis” quando
a bola com que vão jogar é quadrada?
Luís Montenegro tinha na formação
do Governo uma tarefa difícil. A po-
pularidade de um político ou ministro
está em níveis baixíssimos e é inver-
samente proporcional às chatices que
traz. Acresce que a remuneração au-
ferida continua a ser demasiado baixa
para suportar a exposição pública, a
responsabilidade e as horas intermi-
náveis de trabalho. E é baixíssima face
ao que os melhores recebem no sector
privado. Se somarmos a isto as atuais
condições de governabilidade, tudo
apontava para a dificuldade de formar
um Executivo, pelo menos um digno
desse nome. Ao conseguir apresentar
um que não envergonha, com valo-
res aparentemente seguros, algumas
surpresas e muitas incógnitas, Mon-
tenegro somou uma pequena vitória.
Este, aliás, tem sido um traço presente
no seu trajeto político. Vai somando
pequenas ou inesperadas vitórias: a
liderança do PSD só foi conseguida à
segunda tentativa, após ter perdido
para Rui Rio; como rosto da oposição
foi salvo pela demissão inesperada de
António Costa, numa altura em que
SETE DIAS, SETE RAZÕES PARA GUARDAR O EXPRESSO
Se comprou o Expresso, aproveite o código que está na capa da Revista E. Co-
loque-o em código.expresso.pt e, durante a próxima semana, poderá: 1 Ler
todas as notícias e conteúdos digitais do jornal; 2 Receber newsletters exclu-
sivas com o resumo diário das principais histórias; 3 Fazer comentários em
expresso.pt, dando a sua opinião; 4 Visitar a redação do Expresso e conversar
com os jornalistas; 5 Ter acesso a eventos exclusivos do Expresso; 6 Jogar on-
line palavras cruzadas, sudokus e sopas de letras; 7 Procurar edições anteri-
ores em formato digital. GRÁTIS, DURANTE SETE DIAS, COM ESTE JORNAL
A Semana
Por Miguel Cadete
mcadete@impresa.pt
IRS
Teve início na segunda-feira a
entrega da declaração de
rendimentos à Autoridade
Tributária para cálculo do IRS. E,
logo no primeiro dia, o sistema
registou quase meio milhão de
zelosos contribuintes. A
esmagadora maioria declarou
exclusivamente rendimentos
dependentes ou pensões. O
número total de declarações, em
2023,rondou os 6 milhões. O
prazo, este ano, termina a 30 de
junho.
PINTO DA COSTA
O Presidente do FC Porto deu
uma longa entrevista à SIC em
João Vieira
Pereira
cresciam no PSD ferozes críticas à sua
liderança, avaliada como muito fraca;
as eleições legislativas foram ganhas à
tangente contra um Partido Socialista
caído em desgraça; a gestão dos lon-
gos silêncios, algo a que nos habituou
desde que lidera o PSD, tem-lhe sido
favorável, sem se perceber se é por
arte ou sorte; conseguiu uma compo-
sição aparentemente afinada do seu
Executivo, contra o que era esperado;
e, mais recentemente, o discurso na
tomada de posse.
Sim, foi um bom discurso. Montene-
gro não falou para dentro do seu par-
tido e também não elegeu a oposição
como principal destinatário (apesar de
ter feito uma jogada arriscada ao tentar
condicionar desde o primeiro momento
Pedro Nuno Santos a alinhar no seu
jogo). Falou para os portugueses, co-
locando o foco na resolução dos seus
problemas. Fez descer as expectativas
Mesmo que este seja um Governo
alegadamente competente, a sua
capacidade de execução será
muito limitada. De que vale
ter uma equipa de “Ronaldos e
Messis” quando a bola com que
vão jogar é quadrada?
face às promessas que conseguirá
cumprir, limitadas pelo esforço finan-
ceiro que implicam, mas acabou por
enumerar os principais pontos daque-
le que será o seu programa de Gover-
no. Com destaque para a redução de
impostos, o programa de emergência
para o SNS, a valorização dos profes-
sores e da sua carreira, o combate à
corrupção e medidas para os jovens.
Apresentou o seu menu e pediu, aliás,
exigiu que o deixem trabalhar. Não é
novo, até é básico, mas funciona.
O provável é que Luís Montenegro
não consiga resolver estes problemas
ou melhorar de forma convincente a
vida das pessoas. Para o conseguir é
preciso um cocktail de boas políticas,
execução, sorte e tempo. Reunir to-
das será quase impossível, e o que lhe
falta mais é tempo. A Montenegro,
o melhor que lhe pode acontecer é o
Governo cair por responsabilidade da
oposição. Desde o primeiro momento
está a preparar a desculpa perfeita,
que, ao mesmo tempo, é também o
melhor trunfo para a longevidade do
seu Governo. Mais uma vez, não é
novo, até é básico, mas funciona.
jvpereira@expresso.impresa.pt
que culpou a arbitragem pelos
maus resultados da equipa de
futebol. Foi mais longe e associou
esse alegado enviesamento dos
árbitros à simpatia pela
candidatura rival, de André Villas-
-Boas, que disputa consigo as
próximas eleições. Na terça-feira,
a CMVM suspendeu as
ações do FC Porto por
conta das declarações
prestadas sobre a
negociação da dívida
do clube, 250 milhões.
GOVERNO
Foi no Palácio da Ajuda
que Luís Montenegro,
mais a sua equipa de 17
ministros, tomou posse como
primeiro-ministro, terça-feira, na
presença mais do que obrigatória
do Presidente da República.
Quem surpreendentemente
primou pela ausência foi Pedro
Nuno Santos, líder do PS, o
Expresso, 5 de abril de 2024
Duelo Várias chefias militares têm defendido o regresso do serviço militar obrigatório
numa altura em que as Forças Armadas tem dificuldades em recrutar
José Manuel João Vieira
M. Anes Borges
Alferes miliciano passado
à disponibilidade como
Major-general, coordenador
do Observatório de Segurança
tenente miliciano em 1970 e Defesa da SEDES
É a favor da reintrodução de
um serviço militar obrigatório?
SIM NÃO
Lembro-me do incómodo inicial que Em 2004, o SMO foi interrompido,
experimentei quando fui chamado em e substituído pelo modelo de volun-
1967 para cumprir o serviço militar tariado e de contrato, tendo como
obrigatório (SMO): curso universitário interrompido, justificação “as condições políticas e estratégicas
primeiro e segundo ciclos realizados em paragens “es- provocadas pelos riscos, ameaças e incertezas na cena
tranhas” à vida urbana, como Mafra e Vendas Novas, internacional”. Na prática, o ambiente internacional,
com um regime de vida diferente da rotina habitual e passou a ser menos exigente em termos de defesa e
uma eventual mobilização para a guerra colonial em as Forças Armadas passaram a necessitar de mais
África que eu contestava, e que veio a acontecer com a quadros profissionalizados em função da evolução
minha mobilização para Angola em 1968. Levou algum tecnológica.
tempo a habituar-me, mas a pouco e pouco consegui, Passados cerca de 20 anos, o mundo mudou ao ní-
tendo contribuído para isso o enorme desencanto com vel da segurança e defesa, em especial na sequência
o universo político em que me situava até à invasão da da invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia. Mais de
Checoslováquia em maio de 1968. dois anos depois do início da guerra, e não só devido
Quero referir alguns dos aspetos positivos que re- aos compromissos assumidos com a NATO e a UE,
sultaram da minha reflexão sobre o SMO e da minha Portugal (e a maioria dos países europeus) assume a
experiência pessoal os quais ainda hoje podem ser necessidade de alterar e reforçar os seus sistemas de
úteis ao país: disciplina, sentido forças e reservas estratégicas, não
de responsabilidade, trabalho em só ao nível dos sistemas de armas
grupo e organização; sentido de Devemos afastar e equipamentos, mas também na
patriotismo e de defesa nacional; a ideia de que os dimensão dos recursos humanos.
respeito pelo Estado de direito e defensores do SMO Neste sentido, entendemos que
defesa da Constituição; normas
de higiene e cuidados de saúde;
são nacionalistas e de adução solução não passa pela reintro-
do SMO, pois a situação
experiência de sacrifício físico e direita. Ser patriota política, demográfica, económica,
psicológico; consciência das amea- é amar a pátria social, securitária, e mesmo rela-
ças e riscos que enfrentamos; fra- cionada com a estrutura de recru-
ternidade e respeito pelas diversas A solução passa tamento, é hoje bastante diferente.
etnias que integram Portugal. Passa fundamentalmente por criar
Todas estes temas são importan-
fundamentalmente maior atratividade para o serviço
tes para a formação da juventude por criar maior nas Forças Armadas, dando me-
— rapazes e raparigas, como em atratividade para lhores condições remuneratórias
Israel — sobretudo numa época o serviço nas e de carreira aos jovens militares.
em que se verificam numa parte Mas passa também por refletirmos
dela sinais de indisciplina e de al- Forças Armadas sobre a adoção de um serviço de
guma criminalidade, e ainda de cidadania que, à semelhança do
radicalismo, particularmente quando a família ou a que vários países europeus têm feito, vá ao encontro
escola não consegue cumprir a sua ação educativa e das necessidades das Forças Armadas e do país. E isso
formativa por irresponsabilidade, abandono das suas foi percetível no recente estudo de opinião da SEDES,
obrigações e facilitismo. em que 47% dos inquiridos responderam afirmativa-
Mas a minha defesa do SMO não dispensa, antes mente ao regresso do SMO (de que só 18% concordam
obriga, o enquadramento dos milicianos e das mi- totalmente), com a oposição de 37%. Entretanto, e
licianas por quadros militares do Quadro perma- relativamente à proposta da SEDES de criação de um
nente, profissionais e experientes. Não sei quantos serviço nacional de cidadania (SNC), 63% respondeu
membros do SMO seriam necessários para resolver afirmativamente, com destaque para uma percentagem
a carência de efetivos militares das nossas Forças superior da parte dos jovens (70% na faixa etária dos 18
Armadas, nem quanto tempo duraria o SMO numa aos 24 anos). Estes sãos os dois caminhos que devemos
nova versão e qual o seu custo/poupança; deixo isso percorrer em simultâneo, tentando encontrar uma
aos especialistas. O que eu sei é que a experiência da solução que colmate um conjunto de vulnerabilidades
defesa nacional que seria exigida aos seus membros críticas ao nível da sociedade e do Estado, com ênfase
seria muito importante para quebrar a ideia de que nas questões relativas à cultura de cidadania, à necessi-
a defesa é com os outros — “os profissionais que nos dade de reforço da coesão e da identidade nacionais e à
defendam” —, pois a defesa é um direito e um dever crónica falta de recursos em áreas associadas às funções
do cidadão – o “povo em armas” da República! A Suíça de soberania. Este SNC, a ser prestado pelos jovens
que foi sempre uma república mantém ainda hoje um nas diferentes instituições enquadráveis nas funções
Serviço militar ao longo da vida com treinos regulares de soberania do Estado (justiça, negócios estrangeiros,
dos seus cidadãos. saúde, educação, segurança social, segurança interna,
Devemos afastar a ideia de que os defensores do defesa…), para além de colmatar as vulnerabilidades
SMO são nacionalistas e de direita. Ser patriota não referidas, com o necessário reconhecimento da sua
é ser nacionalista, ser patriota é amar a pátria — não utilidade e eficácia, aumentaria a base de recrutamento
contra os outros, exceto quando nos atacam ou inva- para as Forças Armadas e forças e serviços de segu-
dem, mas a nosso favor —, ser patriota é ser conse- rança, como já acontece em países como a Áustria e a
quente com esse amor pela pátria e pela nossa his- Suécia. A decisão é política e estrutural. Por isso, ape-
tória, quer seja o patriota de direita ou de esquerda. lamos a uma reflexão cívica construtiva, que tenha em
Viva o serviço militar obrigatório! consideração lições já aprendidas pelos aliados, e como
Viva Portugal! pressupostos a especificidade e o interesse nacional.
segundo partido mais votado nas
eleições de 8 de março. O seu
lugar foi prontamente tomado
SMO
Um artigo de Gouveia
e Melo publicado na
Psicoativas, promovido
pelo Instituto para os
Comportamentos
por André Ventura do Chega. última edição do Aditivos e as
Expresso espoletou Substâncias, que
NATO uma bateria de notou ter subido para
A Aliança Atlântica completou reações sobre os novos 12,2% o número de
75 anos ontem. Portugal foi moldes de um serviço concidadãos entre os 15
fundador e enviou a militar obrigatório. O e os 64 anos que, pelo
Bruxelas o ministro dos espectro de duas guerras que menos uma vez na vida, já
Negócios Estrangeiros, podem alastrar serve de pano de inalaram THC. Trata-se do valor
Paulo Rangel, que fundo a uma discussão que mais alto desde 2001.
entre os seus entrincheirou as partes. Os
congéneres irá decidir partidos, com exceção do PCP e PENSÕES
a questão de destinar do ‘nim’ do Chega, estão contra. A pensão média auferida pelos
2% do PIB de cada país E, mesmo nas Forças Armadas, reformados portugueses caiu
membro à defesa. A há inúmeras nuances sobre a 15% nos últimos 15 anos. Os
guerra na Ucrânia e em melhor forma para resolver o homens reformam-se com 74%
Gaza não fazem parte dos problema dos efetivos da Defesa do ordenado, enquanto as
planos, repetem insistentemente nacional. mulheres não recebem mais do
os dirigentes da NATO. Mas o que 58%. Estas são algumas das
silêncio quanto à entrada da CANÁBIS conclusões do Livro Verde da
Ucrânia na organização e o Há cada vez mais portugueses e Segurança Social, que propõe o
cenário de uma vitória de Trump portuguesas a fumar haxixe e fim da reforma antecipada aos
geram um silêncio erva. A conclusão é do Inquérito 57 anos quando se esgota o
ensurdecedor. ao Consumo de Substâncias subsídio de desemprego.
NotíciasFlix
Expresso, 5 de abril de 2024
Miguel Sousa Tavares
Não há festa como esta
N
ão, não falo da anual-
mente infalível Festa
do “Avante!”, a par
das também infa-
líveis e cíclicas agi-
tações promovidas
pela CGTP, um dos
derradeiros sinais de
vida do moribundo
PCP — agora entregue a um novo se-
cretário-geral, novo na idade mas tão
trôpego nas ideias que parece ter cum-
prido não 30 anos de Tarrafal ou Caxias
mas 100 anos de porão no couraçado
“Potemkine”. Falo das eventuais festas
no Palácio da Ajuda a propósito das
cerimónias de posse de novos governos,
cujas datas são incertas, variando ao
sabor dos humores dos Presidentes, da
Assembleia ou, aprendemo-lo agora, da
Procuradoria-Geral da República.
São festas fadadas para serem um
infalível aborrecimento, sem comes
nem bebes, sem fanfarra nem música,
sem povo nem banquete, sem parada
militar nem fogo-de-artifício. Só des-
files de carros oficiais e de “persona-
lidades”, discursos importantíssimos,
abraços, beijos e cumprimentos e horas
de comentários televisivos dissecando
o significado profundo de cada palavra
de cada discurso, cada silêncio, cada
sorriso, cada abraço, cada espinha cur-
vada junto a um novo ministro. Uma
institucional chatice.
Como já tudo foi dito e escrito, antes
e depois da posse do Governo de Mon-
tenegro, e tudo é consensual, só resta
resumir o consenso. Antes, a galáxia
inteira concordava com o caderno de
encargos que esperava o novo Gover-
no: primeiro, governar a pensar no
Chega e com um olho no Chega, não
lhe deixando espaço de crescimento
e contestação; depois, e por via disso,
satisfazer logo todas as reivindicações
salariais das corporações do funciona-
lismo público em luta, assim sossegan-
do o ambiente; e para diante, no curto
prazo, manter-se atento às sondagens.
Assim, e ao contrário do que foi sem-
pre o cânone dos estrategos políticos,
a este Governo cabia inverter a regra
de que todo o mal deve ser feito logo a
abrir, deixando o bom para o fim, em
cima das eleições. Desta vez é como
se “o Governo de combate” tenha de
estar sempre à beira de eleições — é
a “estabilidade” a que temos direito.
Entretanto, porém, alguns economis-
tas desmancha-prazeres, começando
pelo governador do Banco de Portugal,
vieram desfazer o mito do “excedente
orçamental” deixado pelos socialistas
e cujo “excesso” tanto preocupava os
socialistas: afinal, o grosso do exce-
dente é da Segurança Social e é intocá-
vel e o deste ano vai em metade do de
2023. Eis o que resultou num problema
acrescido para o Governo da AD e num
dilema resolvido para o PS.
Foi à luz destes parâmetros e depois
de várias semanas de avisado silêncio
que Luís Montenegro avançou então
Soluções
automáticas
para armazéns
inteligentes
214 151 890
mecalux.pt
para o seu solene discurso na festa da
Ajuda. O mais marcante, para mim, foi
ter aproveitado os avisos dos economis-
tas para se demarcar do assalto geral ao
bodo do excedente, declarando que tal
seria “um erro e uma irresponsabilida-
de”. Já é uma promessa de toda uma
linha de governação — que, todavia, sa-
bemos ser praticamente insustentável,
depois de uma campanha eleitoral em
que a demagogia andou à solta como
fogo na pradaria. De resto, pouco as-
sumiu de concreto, deixando a ideia de
que governará à vista, talvez a única for-
ma de o fazer, numa legislatura em que
os governantes não sabem se hão-de
planear para seis meses, um ano, dois
ou três. E, como se adivinha que será
um jogo de marcação táctica à semana
e ao mês, tratou já de explicar ao PS o
que entende ser a regra do jogo: por um
voto se perde, por um voto se governa.
Governará então até ao dia em que um
PS demasiado habituado ao poder se
aliar a uma extrema-direita populista
numa moção de rejeição — Pedro Nuno
Santos que escolha o dia, as circuns-
tâncias e o pretexto. E mais não disse,
nem havia a dizer, tirando a inevitável
referência a Sophia, pois que não há
festa nem festança sem Sophia na lem-
brança (ah, mãe, quanta leviandade). A
seguir foi muito cumprimentado pelos
convidados, efusivamente abraçado
por amigos de sempre ou de agora e
carinhosamente beijado por uma pro-
fusão de senhoras com quem posou
para selfies. Como de costume, jorrava
ali, entre empossados e convidados,
uma alegria digna de casamento, bonita
de se ver mas difícil de compreender,
mesmo com o subtil perfume do poder
cobrindo os primeiros e contagiando
os segundos: os Mercedes à porta, o
motorista que pergunta: “Para onde,
senhor ministro?” Para onde? Para o
inferno da governação.
Já o destinatário primeiro dos reca-
dos, Pedro Nuno Santos, brilhou pela
ausência — aliás, aparentemente coor-
denada com os demais parceiros da
chamada esquerda. Só que ele é o líder
da oposição, um cargo e um encargo
institucional que não é comparável com
quem representa 2, 3 ou 4% dos votos e
0% das responsabilidades, como a cada
momento faz questão de mostrar. Com
a sua majestática ausência, Pedro Nuno
quis certamente enviar uma mensagem
carregada de significado político. Só
que, francamente, não alcanço qual
seja: que é oposição ao Governo já sa-
bemos; mas será também oposição à
sua formação, à sua posse? Ou terá sido
apenas má educação protocolar? Ou an-
tes, numa versão grandiosa, um absur-
do “desejo de nada”, como disse Hugo
As festas no Palácio da Ajuda são festas
fadadas para serem um infalível aborrecimento.
Uma institucional chatice
Pratt? Preparem-se, pois
vêm aí tempos de insondáveis
enigmas e de eloquentes emboscadas.
Já o artífice de tudo isto remeteu-se
a uma curta declaração, onde resu-
miu o seu papel de conselheiro sábio.
O Governo, prometeu Marcelo, sem
pesos na consciência, contará, como
o anterior, com o “seu apoio solidário
e cooperante”. Mas porque não pode
ignorar o panorama que ofereceu ao
país a partir de 10 de Março, desta
vez reduziu o caderno de encargos do
Governo da sua cor política ao estrito
mínimo: “Uma tarefa difícil mas não
impossível.”
Para começar o novo tempo e
como primeiríssimo acto, o Governo
resolveu substituir o recente e bonito
ícone da República Portuguesa nos
documentos oficiais pela velha e hor-
rível bandeira nacional. É típico da
direita e um mau sinal, o revivalismo
patriótico sem sentido.
2
Fez ontem 75 anos que a NATO
foi criada em Washington por 12
países, entre os quais Portugal,
como resposta à Cortina de Ferro
da União Soviética, depois agrupada
militarmente no Pacto de Varsóvia.
Essa organização, definida nos estatu-
tos como de natureza defensiva, tendo
como objectivo a preservação da paz
mundial e confinada ao espaço da Eu-
ropa e do Atlântico Norte, permitiu, de
facto, fazer frente à ameaça soviética
durante décadas, como na crise dos
mísseis SS-20 de Brejnev, em 1979. A
União Soviética e o Pacto de Varsó-
via foram extintos em 1991, mas, ao
invés, a NATO, longe de ser extinta,
foi-se expandindo sucessivamente em
seis momentos culminantes: em 1999,
2004, 2009, 2017, 2020 e 2023/24,
com o alargamento à Finlândia e à Sué-
cia. E sempre para onde? Sempre em
direcção às fronteiras russas, onde hoje
ocupa uns largos milhares de quilóme-
tros contíguos a mais. Se a invasão da
Geórgia e da Ucrânia pela Rússia de
Putin são grosseiras e inadmissíveis vio-
lações do Direito Internacional, a tenta-
tiva antecedente de estender a NATO a
estes dois países, assim fechando pelo
sul o cerco à Rússia, em termos geoes-
tratégicos e atendendo à vantagem de-
cisiva de poder colocar armas nuclea-
res a uma distância de minutos das
principais cidades russas, só pode ser
lida como uma provocação. Inúmeros
dirigentes e especialistas ocidentais,
incluindo da própria NATO, chamaram
a atenção, desde 1991, para o perigo
que representava o contínuo alastra-
mento da NATO a leste e a inevitável
reacção russa que um dia aconteceria.
Depois de ter tentado e falhado a ade-
são da própria Rússia à NATO, Putin
PRIMEIRO CADERNO 3
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
perguntava em 2007, na Conferência
de Segurança Europeia de Munique:
“O que aconteceu às garantias de se-
gurança dadas pelos nossos parceiros
ocidentais após a dissolução do Pacto
de Varsóvia? Já foram esquecidas...”
E, apenas dois meses antes de invadir
a Ucrânia, voltou a avisar: “Deixámos
claro que qualquer outro avanço da
NATO para leste é inaceitável. Estamos
a posicionar mísseis perto da fronteira
dos Estados Unidos? Ou das fronteiras
da Grã-Bretanha ou de qualquer outro
país? Não, não estamos. Foram vocês
que chegaram à nossa fronteira e agora
dizem que a Ucrânia também se torna-
rá membro da NATO. Ou que, mesmo
que não adira à NATO, bases militares
e sistemas de ataque serão colocados no
seu território. Esta é a questão.”
Hoje, a NATO tem 32 membros e,
como declarou a embaixadora dos Es-
tados Unidos junto da organização,
o seu teatro de operações “é global e
sem fronteiras geográficas” — leia- se,
a China ou onde quer que os interesses
estratégicos dos Estados Unidos neces-
sitem dos serviços do seu aliado. Como
outrora no Afeganistão, no Iraque ou
na Sérvia. Num momento em que aqui,
como em toda a Europa, se ouve o cla-
rim das armas e o apelo ao regresso
do SMO, esta questão é decisiva para
saber se, amanhã na Ucrânia ou depois
de amanhã no Pacífico, não estaremos
a enviar os nossos soldados para, sob
a bandeira da NATO, defenderem in-
teresses alheios, que nada têm a ver
com os nossos. Se fosse possível por um
momento dissipar o nevoeiro de pro-
paganda e desinformação promovido
pelos arautos da NATO e de Bruxelas,
pelos comerciantes da guerra e pelos
jornalistas de verdades feitas, talvez
pudéssemos começar uma discussão
séria sobre um assunto sério.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Rúben
Amorim
Treinador do Sporting
Terça-feira, perante o melhor
Benfica desta época, resolveu a
eliminatória da Taça de Portugal
com as três raras senão mesmo
inéditas substituições que fez du-
rante o intervalo. No sábado po-
de resolver (ou não) as contas do
campeonato frente ao mesmo ad-
versário. E depois, para onde vai
Rúben Amorim?
António
Costa
Ex-primeiro-ministro
Logo após a tomada de posse do
governo, requereu junto do Minis-
tério Público ser ouvido para escla-
recer dúvidas relativas à Operação
Influencer. Pode ser apenas o seu
futuro político que o motiva mas
saúda-se a transparência.
Eduardo
Aires
Autor do anterior
logótipo do Governo
É provável nunca ter imaginado a
polémica em que se viria a meter
quando criou o logótipo do ante-
rior governo de Portugal. O mes-
mo que agora foi apeado, com a
pompa de ser considerada a pri-
meira medida do Governo, sem
que se encontre qualquer razão
prática para tal. Desde a criação da
atual bandeira ficou provado que o
design não é a disciplina mais forte
dos portugueses.
E BAIXOS
Pedro
Nuno Santos
Secretário-geral do PS
Faltou à cerimónia da tomada de
posse do Governo, alinhando-se
assim com a esquerda menos mo-
derada e, sobretudo, com a ausên-
cia de sentido de Estado e com o
menor respeito pelas instituições e
pela democracia.
Marcelo
Rebelo de Sousa
Presidente da República
O envolvimento no caso das gé-
meas que receberam tratamentos
médicos no valor de quatro mi-
lhões de euros, a pedido do seu fi-
lho, coloca o Chefe de Estado nu-
ma posição cada vez complicada.
Se a sua pertinência no atual mo-
mento político tripartido já era dis-
cutível, agora terá certamente um
capital ainda menor, beliscado na
sua autoridade.
Manuel
Pizarro
Ex-ministro da Saúde
A lei da eutanásia foi promulgada
pelo Presidente da República em
maio do ano passado. Quase um
ano depois, o Governo que agora
cessou funções não a regulamen-
tou, o mesmo sucedendo com a lei
da gestação de substituição e a da
nacionalidade. Tanto trabalho, de-
bate e barulho para quê?
Miguel Cadete
mcadete@imprea.pt
EM DESTAQUE
Saúde Só 30%
têm tratamento
adequado após AVC
Existem 11 circuitos
no SNS para a reabilitação
dos sobreviventes e os
resultados são diferentes,
conclui investigação
Um estudo pioneiro em Portugal che-
gou à conclusão de que 70% dos sobre-
viventes de acidente vascular cerebral
(AVC) não têm acesso a reabilitação
intensiva, o tratamento recomendado
pelas diretivas nacionais e internacio-
nais. Esta reabilitação acontece depois
do período de Via Verde AVC e dos
primeiros cuidados prestados no hos-
pital, para garantir a sobrevivência do
doente, e exige três horas de tratamen-
to por dia, cinco vezes por semana, já
fora da unidade hospitalar.
Mas a investigação, que acompa-
nhou 460 sobreviventes ao longo de
um ano, revelou também a coexis-
tência de 11 percursos diferentes de
reabilitação só no Serviço Nacional
de Saúde — o que causa desigualdades
no acesso e resultados do tratamento.
O Cartoon de António Malabarismos de risco
Crime Encontro
sexual termina
em morte
Agente da PSP terá agido
em legítima defesa depois
de encontro com prostituta,
que acabou com a morte
a tiro do alegado raptor
Há fortes suspeitas de que o agente
da PSP que matou a tiro um homem
de 40 anos, na madrugada desta se-
gunda-feira, tenha ido ter com uma
prostituta na zona de Algés. “O polí-
cia terá ido à procura de alguma di-
versão”, diz uma fonte conhecedora
do processo.
De acordo com informações reco-
lhidas pelo Expresso, o polícia que se
encontrava fora de serviço combinou
um encontro com uma prostituta,
mas a noite terminaria com a morte
do proxeneta. Isto porque o homem
queria mais dinheiro do que o valor
que o polícia ofereceu pelos serviços
“É uma resposta muito hetero-
génea e fragmentada”, comentou
ao Expresso Pedro Maciel Barbosa,
investigador do Instituto de Saúde
Pública da Universidade do Porto
(ISPUP) e fisioterapeuta na Unidade
Local de Saúde de Matosinhos, que
apresentou o estudo esta semana.
“São muitas peças de puzzle dife-
rentes que, no final, resultam num
puzzle completamente diferente de
doente para doente. É como fazer
Porto-Coimbra pela autoestrada e
ter 11 caminhos diferentes, mas com
dois chega mais rápido pelo mesmo
preço”, compara.
Metade dos doentes enviados
para cuidados continuados
A investigação demonstrou que os
melhores percursos iniciam-se em
unidades de convalescença e em cen-
tros de reabilitação (as quatro uni-
dades mais diferenciadas do país).
Além destas, existem as unidades
sexuais e, a partir desse momento,
tudo terá descambado.
No relato feito à própria PSP e de-
pois à Polícia Judiciária, que tomou
conta da investigação, o agente reve-
lou que foi obrigado a dirigir-se a um
multibanco para levantar dinheiro
e entregá-lo ao homem. Terá sido
ameaçado com uma arma, que os
investigadores concluíram não ser
verdadeira. O agente terá convencido
o seu sequestrador de que teria mais
dinheiro em casa, sendo depois coa-
gido a entrar no carro do homem e da
mulher. Os três dirigiram-se à zona
de Benfica, o local da residência do
agente que se situa num condomínio
onde moram outros agentes da PSP.
Os dois homens acabaram por en-
trar em casa e a mulher ficou no
carro. No interior da residência, os
ânimos ter-se-ão exaltado e o agente
de média duração e reabilitação, as
clínicas privadas que têm convenção
com o SNS e também a Rede de Cui-
dados Continuados, para onde 48%
dos doentes são referenciados após
um AVC.
Para o autor, estas últimas, sen-
do parte do sector social e por isso
tendo uma lógica de pagamento de
acordo com os rendimentos, têm
uma barreira no acesso a cuidados
imposta pelo custo do tratamento,
que pode ir de zero a 1851 euros por
utente.
Já em relação ao sector privado,
considera que “dificilmente vai ser
concorrente com o SNS”, devido ao
facto de não estar munido da com-
plexidade de processos, que normal-
mente incluem fisioterapia, terapia
da fala, terapia ocupacional, entre
outras especialidades.
O primeiro estudo internacional
que identifica, mede, avalia e com-
para os custos e os benefícios dos
diferentes percursos de reabilitação
do sobrevivente de AVC conclui, por
O sistema é fragmentado,
complexo e redundante,
com percursos a variar
entre 11 mil e 32 mil euros
por ano para o SNS,
conclui estudo pioneiro
disparou contra a zona do tórax do
seu sequestrador com a sua arma
de serviço. E este acabou por mor-
rer. A mulher conseguiu fugir mas
acabaria por ser detida mais tarde
pela PSP.
No seu depoimento, a suspeita re-
velou à Judiciária que tinha sido de
facto contratada para ter relações
sexuais com o agente. Segundo o
“Correio da Manhã”, houve um ter-
ceiro homem que terá também par-
ticipado nos acontecimentos dessa
madrugada em Algés e em Benfica,
mas que acabaria por desaparecer
do local. Um juiz de instrução decidiu
colocar a suspeita em prisão preventi-
va, ficando indiciada pelos crimes de
roubo e sequestro.
Quanto ao agente, foi constituído
arguido e ficou em liberdade. A Dire-
ção Nacional da PSP abriu um proce-
dimento disciplinar ao polícia e este
continua a ir trabalhar.
Grande parte da
sequência dos eventos
contada pelo agente é
considerada “credível”
para a Judiciária
Expresso, 5 de abril de 2024
isso, que o sistema é fragmentado,
complexo e redundante, com per-
cursos a variar entre 11 mil e 32 mil
euros por ano para o SNS.
Prolongar a Via Verde
até aos seis meses
Por hora, três pessoas têm um AVC
em Portugal. Dessas, uma morre e
outra fica com sequelas. E 14% dos
AVC dão-se em pessoas entre os 15
e os 49 anos — uma em cada quatro
pessoas que ficam com sequelas são
desta faixa etária.
Pedro Maciel Barbosa considera
que, perante os dados recolhidos,
há uma “necessidade urgente de
melhorar os cuidados prestados aos
sobreviventes de AVC em Portugal”.
Desde logo, o investigador propõe
que seja prolongada até aos primei-
ros seis meses de tratamento a Via
Verde AVC — o processo de atendi-
mento imediato no SNS durante a
fase aguda da doença, que tem tido
bons resultados.
Num segundo plano, acredita ser
prioritário selecionar apenas três ou
quatro circuitos possíveis enquanto
vias dedicadas de tratamento.
Finalmente, diz ser urgente “orga-
nizar a rede com mais camas e mais
unidades de convalescença” para
fazer chegar a reabilitação intensiva
a pelo menos 70% dos sobreviventes.
Joana Ascensão
jascensao@expresso.impresa.pt
O caso está a ser investigado in-
ternamente pela Inspeção-Geral da
Administração Interna (IGAI). O
gabinete da inspetora-geral da Ad-
ministração Interna, Anabela Cabral
Ferreira, confirmou que foi aberto
um processo que se “destina a apurar
as circunstâncias em que foi utilizada
arma de fogo, de que resultou uma
morte”.
Agente “colaborou” com a PJ
Segundo o Expresso apurou, uma
grande parte da sequência dos even-
tos dessa madrugada contada pelo
agente é considerada “credível” para
a PJ, que investiga as circunstâncias
do homicídio. E existe a convicção
entre os investigadores de que o polí-
cia terá agido em legítima defesa. “O
agente prestou depoimento um dia
depois da morte do seu raptor. Falou
e colaborou connosco”, conta uma
fonte próxima do processo.
Alguns oficiais da PSP contactados
pelo Expresso criticam o compor-
tamento do colega, “que se deixou
enredar numa situação complicada”,
mas acreditam que a investigação
da PJ irá comprovar que agiu em
legítima defesa.
Hugo Franco
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024 PRIMEIRO CADERNO 5

NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO CONTAS CERTAS TEAM
Relatório final Inspeção-Geral das Atividades em Saúde revela que a recusa inicial da “Há uma ilusão
Presidência em enviar os documentos solicitados “condicionou a direção da instrução” do caso em Portugal de que
há dinheiro para

Gémeas: IGAS diz que Belém tudo por causa do

excedente; não há”
Luís Marques Mendes

condicionou investigação
Ex-ministro e comentador da SIC

PRÉMIO “AH, POIS É!”

“Temos a noção de que
não ficámos um país
rico só porque tivemos
um superavit
orçamental”
Luís Montenegro
Rita Ferreira e Vera Primeiro-ministro
Lúcia Arreigoso

A
PRÉMIO EU BEM AVISEI
Inspeção-Geral “Nós fomos alertando,
das Atividades em durante a campanha,
Saúde (IGAS) afir-
ma, no relatório a para o irrealismo
que o Expresso do cenário
teve acesso, que macroeconómico”
a Presidência da
Pedro Nuno Santos
República “condi- Secretário-geral do PS
cionou a direção
da instrução” do caso das gémeas PRÉMIO O FUTURO
luso-brasileiras a quem foi adminis- A DEUS PERTENCE
trado em Portugal o medicamen-
to Zolgensma. A conclusão a que a “Estou sempre
IGAS chega, e que merece todo um disponível para servir
capítulo, intitulado “Condicionantes Portugal, mas é tempo
na execução da inspeção”, prende-se
com o facto de Belém ter recusado
para que as suspeitas

FOTO TIAGO MIRANDA

enviar, num primeiro momento, a
documentação solicitada por aquela
entidade inspetora. “Em 21 de de-
zembro de 2023, e na sequência do
comunicado do Presidente da Repú-
blica de 4 de dezembro de 2023, [...]
foi solicitada informação à Casa Civil
do Presidente da República quanto
à natureza e às datas dos contac-
tos mantidos” entre a assessora de
Marcelo para os Assuntos Sociais e o
Centro Hospitalar Universitário de
Lisboa Norte (CHULN), a que per-
tence o Santa Maria, “e a identifica-
ção do(s) interlocutor(es) no CHULN
com remessa da documentação even-
tualmente trocada neste âmbito”.
Seis dias depois, Belém informa a
IGAS de que toda a documentação
havia sido enviada para o Ministério
Público e estava sob segredo de jus-
tiça. Só a 23 de janeiro de 2024, após
um pedido de jornalistas da TVI à
Comissão de Acesso aos Documentos
Administrativos, que deu um parecer
positivo ao envio dos documentos, a
IGAS recebe o que tinha solicitado.
A IGAS considera que este hiato
condicionou a direção da investiga-
ção, referindo que não foi possível
fazer o contraditório a alguns dos
intervenientes no processo, nomea-
damente uma segunda audição a
Teresa Moreno, médica que acom-
panhou as crianças em Santa Maria,
e a elementos do Centro Hospitalar
de Lisboa Central, do qual faz parte
o Hospital D. Estefânia. Refere ain-
da que, “cotejada a documentação
remetida, constatou-se que a mesma
se apresentava incongruente” com
as declarações públicas de Marcelo
e com o testemunho de Teresa Mo-
reno e do neuropediatra José Pedro
Vieira, da Estefânia. “Não obstante a
falta desta informação ter condicio-
nado a direção da instrução [...], não
se verificou ter impacto nas conclu-
sões do processo”, ressalva a IGAS.
“Assunto que o meu pai passou”
O relatório da IGAS detalha a inter-
venção de Belém no processo que
envolveu a admissão das gémeas no
SNS, mais concretamente a corres-
pondência trocada entre o filho do
Presidente e várias pessoas da equipa
de Marcelo.
A 21 de outubro de 2019, Nuno Re-
belo de Sousa envia um e-mail ao PR
a solicitar intervenção no caso das
crianças, dizendo que os pais “são
muito amigos de uns amigos nossos”.
É neste e-mail que descreve a situação
clínica das gémeas e diz que a família
já enviou dados aos médicos Teresa
Moreno e José Pedro Vieira. Marcelo
reencaminha o e-mail para o chefe
da Casa Civil, questionando-o se a
Recusa de Belém em entregar dados condicionou o contraditório a alguns dos intervenientes no processo
Portugal e como contactá-la. O filho
de Marcelo envia então os contactos.
No dia seguinte, o chefe da Casa
Civil informa Marcelo: “Ao que sabe-
mos, o processo foi recebido e estão
a ser analisados vários casos do mes-
mo tipo”, mas não se percebe a que
hospital se refere. E a IGAS fica sem
saber quem passara esta informação
ao chefe da Casa Civil.
Dois dias depois, Nuno Rebelo de
Sousa pede um ponto de situação a
Ruela, que lhe responde. No dia se-
guinte insiste: “Não há nada que se
possa fazer para acelerar a análise e
o processo? Alguém entrará em con-
tacto com os pais?” Cinco dias depois
manda e-mail para o chefe da Casa
Civil nos seguintes termos: “Segue um
assunto que o meu pai passou para a
dr.ª Maria João Ruela, mas até hoje
nada evoluiu e ninguém falou com os
pais das crianças.” Obtém resposta de
que havia uma lista de espera e que
a prioridade era dada aos residentes
em Portugal. A 31 de outubro Nuno
Rebelo de Sousa agradece a resposta
e nesse dia Maria João Ruela “solicita
por e-mail que seja dada entrada da
documentação relativa às duas crian-
ças gémeas e elaborados ofícios para
o Gabinete do Primeiro-Ministro e da
secretária de Estado das Comunida-
des”, refere o relatório. O processo
passou para São Bento, que o remeteu
para o Ministério da Saúde.
O Expresso questionou a Presidên-
cia sobre as conclusões da IGAS, mas
não obteve resposta.
Lacerda Sales implicado
“Concluiu-se que não foram cum-
pridos os requisitos de legalidade no
acesso das duas crianças à consulta
de neuropediatria no CHULN”, no
caso a referenciação por um médico
do SNS ou do sector privado, afirma a
IGAS. Assegura, porém, que, “quanto
à prestação de cuidados de saúde, não
RELATÓRIO REMETIDO
AO MP. DETETADAS
IRREGULARIDADES
NO SANTA MARIA,
foram apurados factos merecedores
de qualquer tipo de censura”.
Os inspetores apontam o dedo a
Lacerda Sales, então secretário de
Estado da Saúde, que teve conhe-
cimento do caso após uma reunião
com Nuno Rebelo de Sousa. Lacerda
Sales reafirmou à IGAS não ter tido
qualquer “envolvimento na obtenção
de informação sobre as gémeas [...]
e posterior encaminhamento para o
CHULN para marcação de consulta”,
mas os inspetores dão como provado
que a mesma foi pedida por sua indica-
ção. “O secretário de Estado da Saúde
solicitou à sua então secretária pessoal
que contactasse telefonicamente o dr.
Nuno Rebelo de Sousa, que pretendia
que fosse marcada uma consulta para
duas crianças no Hospital de Santa
Maria, tendo-lhe fornecido o número
telefónico para o efeito. Na sequência
deste contacto, a secretária pessoal
do secretário de Estado da Saúde ob-
teve informação que remeteu para o
CHULN, de acordo com as orienta-
ções do secretário de Estado da Saúde,
quanto à identidade das crianças, data
de nascimento, diagnóstico e datas em
que os pais poderiam estar presentes
no referido hospital.”
Nesse mesmo dia, a diretora de
Pediatria do Santa Maria fez “che-
gar o pedido ao diretor clínico”, Luís
Pinheiro. O médico negou qualquer
intervenção direta, mas a IGAS afirma
o contrário: “A diretora do Departa-
mento de Pediatria informou a dr.ª Te-
resa Moreno da indicação do diretor
clínico para a marcação das consultas
de patologia neuromuscular para duas
gémeas, até final de 2019.”
A IGAS é taxativa: “O acesso das
crianças à primeira consulta [a 2 de
janeiro de 2020] desrespeitou a disci-
plina constante [...], uma vez que o di-
retor clínico autorizou o agendamento
das consultas, o que merece reparo.”
Sobre as autorizações enviadas ao
Infarmed (para as gémeas e para uma
terceira criança), a IGAS detetou que
“os pedidos não seguiram o circuito de
aprovação e validação [...] que se encon-
tra transposto para o Sistema de Infor-
mação para Avaliação de Tecnologias
de Saúde (SIATS), uma vez que foram
remetidos por e-mail ao Infarmed, em
29 de fevereiro de 2020, e avaliados
pela perita em momento anterior à
sua submissão ao SIATS, que apenas
ocorreu em 2 de março de 2020”. Não
se esclareçam”
António Costa
Ex-primeiro-ministro
PRÉMIO CURVATURA
DO ESPAÇO-TEMPO
“Tempo é coisa que nós
não temos, nem o
Fernando Alexandre
Ventura anuncia nem o Pedro Barreiros”
Pedro Barreiros
comissão Secretário-geral da Federação
Nacional da Educação (FNE)
de inquérito
PRÉMIO SÓ FALTA
DIZER EM QUE PAÍS
Poucas horas depois de ser
conhecido o relatório da IGAS
“A habitação pública
sobre o tratamento das duas responde hoje a todos,
gémeas luso-brasileiras, André às famílias de menores
Ventura apressou-se a anunciar rendimentos, mas
uma comissão de inquérito. Numa
declaração na Assembleia da também à classe média
República, disse ser “importante e aos mais jovens”
que o poder político não fique Marina Gonçalves
impune, independentemente das Ex-ministra da Habitação
consequências que tal ato possa
implicar”. Nunca mencionou o PRÉMIO POSSO
Presidente da República ou a FAZER UM DESENHO?
equipa presidencial que teve “Já tomámos decisões.
intervenção no dossiê, nem o filho
de Marcelo Rebelo de Sousa. A primeira foi alterar
Ventura disse que vai procurar uma o logótipo que
solução de “consenso” com o PS e o representa a República
PSD, para que “não seja
Portuguesa, repondo
necessário” recorrer à figura da
comissão de inquérito potestativa símbolos essenciais
(imposta pelo partido): “Não é da nossa identidade,
contra ninguém, não é contra história e cultura”
nenhum dirigente ou titular de
órgão de soberania”, afirmou, António Leitão Amaro
Ministro da Presidência
omitindo sempre o nome do PR. O
líder do Chega visou apenas o
PRÉMIO ACREDITAR, SEMPRE
ex-secretário de Estado da Saúde,
Lacerda Sales, comentando que “Estamos fora da Taça,
“todos os intervenientes neste mas continuamos no
processo, favoreceram ou campeonato e na Liga
cometeram irregularidades”, e
dizendo que “o acesso à primeira Europa. Se jogarmos
consulta não cumpriu as regras sempre assim, tudo é
habituais do SNS”. “É risível o possível. Merecíamos
argumento de que uma secretária ter ido à final”
sozinha fosse, por sua iniciativa,
marcar uma consulta de gémeas Roger Schmidt
que vivem do outro lado do Treinador do Benfica
mundo.” O deputado também
acusou o então diretor clínico do PRÉMIO INSATISFAÇÃO
hospital de “influência” através de PERMANENTE
uma “irregularidade, que levou à “Cada jogo tem
consulta e depois à aplicação do a sua história, e nós
medicamento”. Atirou ainda o
Infarmed por “mentir” ao
temos um passado
Parlamento quando respondeu
disse que “o procedimento tinha
em que, nestes jogos,
conseguimos jogar
sido o normal e o habitual”. O
relatório apurou a existência de
muito bom futebol.
“irregularidades”, disse Ventura,
por a aprovação do medicamento
Hoje não conseguimos
tanto”
não ter sido “através do sistema Rúben Amorim

NO INFARMED E NO
assessora dos Assuntos Sociais “pode obstante, “as referidas autorizações informático normal, mas através de Treinador do Sporting
perceber do que se trata”. Nesse dia, apenas foram concedidas após a sub- um e-mail”, tendo sido a apreciação
Maria João Ruela pergunta a Nuno
MINISTÉRIO DA SAÚDE missão dos pedidos na plataforma”. João Silvestre
feita antes da solicitação formal.
Rebelo de Sousa se a família está em rmferreira@expresso.impresa.pt Vítor Matos jsilvestre@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 5 de abril de 2024

POLÍTICA NOVO GOVERNO

Tática O novo Governo entrou esta semana em funções, mas começou logo a falar da sua eventual queda. Que condições vai ter Mo
em duodécimos? O xadrez ficou mais claro: PSD responsabiliza o PS por uma eventual crise; Pedro Nuno diz que tem de ser Montene

Beco sem saída no arranq

PSD que para já vêm do PS sejam
interpretados como um bom
prenúncio.
PS tenta Montenegro mostrou que come-
çou o caminho da “vitimização,
lamentação e queixume”, como
dão de pôr alguns críticos de Pe-
dro Nuno a fazerem a defesa do
PS. Como Augusto Santos Silva
uma tentativa de encostar o PS
e não de verdadeira negociação.
Se o fossem, diz um dirigente,
já não Ouvem-se socialistas a pe-
dir negociações ao centro,
em nome do “equilíbrio” e da
cerrar lhe chamou Pedro Nuno Santos,
e que isso configura uma “chan-
tagem” sobre o PS.
que deu duas vias a Montenegro:
ou optar pelo Chega “assumindo
os respetivos custos e recolhendo
Montenegro teria referido os te-
mas que são caros ao PS e até a
disponibilidade de Pedro Nuno
exclui “maturidade política”, mesmo
que isso choque com os avisos
fileiras no Os próximos meses no PS vão
ser de discussão, com uma ban-
os benefícios” ou, se não o fizer e
quiser governar, “não há outra
para o Retificativo: “Foi pela di-
reita, o que é bom para o PS. Não

governar de Pedro Nuno Santos. E até

as palavras do líder do PS dei-
xam uma fresta notada pelos
chumbo cada com muitos deputados que
não alinharam com o líder nas
eleições internas. Para já, hou-
maneira se não negociar toda e
qualquer medida que dependa
do Parlamento”. “Negociar é o
falou em remunerações, mas em
baixar impostos, está a cumprir
o seu programa, não o nosso.”
sem OE sociais-democratas. Pouco de-
pois de Pedro Nuno dizer que é
“praticamente impossível” via-
do OE ve uma blindagem em torno da
ideia de que não pode ser o PS a
dar a mão ao PSD no Orçamen-
contrário de fazer chantagem”,
escreveu Facebook. E acabou
por retirar pressão do PS: “Não é
No Largo do Rato, um dia de-
pois da tomada de posse a que
não assistiu, Pedro Nuno coloca-
bilizar um Orçamento do PSD, to, mesmo para os que sempre à oposição que compete garantir va linhas vermelhas. Com a ban-
Hugo Soares perguntou, na defenderam acordos com os so- a continuidade do Governo.” ca e o setor da distribuição com
Pressão alta sobre “Grande Entrevista”, da RTP: Por ora é tempo de insistir ciais-democratas houve a leitura A ordem na direção é resistir às lucros recorde em 2023, uma
o PS é para manter, “Não disse que era impossível, que não será o PS a tábua que o que Montenegro fez foi constantes tentativas de abraço baixa do IRC num Orçamento
mas não é líquido que pois não?” Não é o único so- de salvação do Governo de forma “ostensiva e arrogan- de urso que venham do Governo. “não pode ter apoio do PS”. Se
chumbo do OE faça cial-democrata a dizer que o PS de Montenegro, mas há te” tentar encostar o PS em vez Até porque, dizem, trata-se de há dinheiro para a baixa deste
cair o Governo pode não estar em condições fissuras na mensagem de negociar. Com duas fissuras, imposto, mais há para as reivin-
de roer a corda em outubro e apresentadas por Luísa Salguei- dicações laborais de funcionários
Mesmo que o Orçamento do mandar o país às urnas. Os socialistas ouviram Luís ro, mandatária de Pedro Nuno públicos, defendeu, ao apontar
Estado para 2025 seja chumba- Se acontecer, o PSD dirá o Montenegro e ficaram com nas diretas do PS, e a autarca de Direção quer afinar que Montenegro tinha come-
do na Assembleia da Repúbli- que já ameaça: seria “uma co- uma certeza: o primeiro-minis- Almada, Inês de Medeiros, que discurso, mas há çado com “o discurso típico de
ca, Luís Montenegro pode não ligação negativa entre o PS e o tro prepara o terreno para elei- pediram “negociação” no OE. quem defenda governos de direita em Portugal
bater com a porta e tentar go- Chega”, que teriam de a expli- ções antecipadas e quer pôr as Mesmo que seja uma união de de que não há dinheiro”.
vernar em duodécimos. O pres- car “ao país”. culpas no PS por uma eventual pouca dura com prazo na vota- negociações com o Os socialistas preparam agora
suposto de que o chumbo do João Diogo Correia crise política. Ouvido a partir ção do Orçamento, as palavras PSD no Orçamento as fichas no debate do programa
documento leva à substituição jdcorreia@expresso.impresa.pt do Largo do Rato, o discurso de de Montenegro tiveram o con- do Governo, vincando diferenças
do Governo, como aconteceu
em 2021 com o de António Cos-
ta, não é dado como líquido no
PSD — e aí o jogo fica nas mãos
de Marcelo Rebelo de Sousa,
que pode ter o mesmo interesse
em aguentar a legislatura (ver
página ao lado).
Nem Montenegro nem os
seus mais próximos o dizem
taxativamente, até porque isso
seria “desobrigar” os oponen-
tes, a quem os sociais-demo-
cratas pedem “responsabilida-
de” na votação de medidas e
Orçamentos, PS e Chega. Mas
foi essa ideia que pairou quan-
do o novo primeiro-ministro
escolheu a tomada de posse
para dizer que o programa de
Governo, que deverá ver apro-
vado na próxima semana, abre
via verde para governar “até
ao fim do mandato” ou, “no
limite, até à aprovação de uma
moção de censura”.
É evidente que a frase era
uma forma de pressionar o
PS. Sabendo que Pedro Nuno
Santos não obstaculizará a en-
trada em funções, Montenegro
exige-lhe assim que esse cami-
nho se mantenha aberto quan-
do chegar o momento de votar
o documento-chave da gover-
nação. Mas a ideia de que só
uma “moção de censura” pode
deitar o Governo abaixo indi-
cia que pode haver vida para
além do Orçamento. Ou, como
disse Hugo Soares, o chumbo
“pode não provocar, como pode
provocar, a substituição do Go-
verno, tudo depende do enten-
dimento do primeiro-ministro
e do Presidente da República”.
Montenegro garantiu que
não quer “um cheque em bran-
co”, mas recorreu à sua refe-
rência política, Cavaco Silva,
para pedir aos adversários que
o “deixem trabalhar”. A drama-
tização já começou.

“Não disse impossível,

pois não?”
Na São Caetano, a ideia agora
é jogar com o tempo e avaliar
as condições quando o futuro
chegar. Ninguém sabe como es-
tarão os dois maiores partidos
em outubro, embora os sinais
 Expresso, 5 de abril de 2024
ntenegro para governar? O Presidente irá dissolver ou manter
gro a procurar estabilidade e Ventura aproveita tudo a seu favor
ue do Governo
não só programáticas mas de
atitude. “Não temos primeiro-
-ministro, mas um líder da opo-
sição à oposição”, desabafa um
dirigente. Na tomada de posse
esperavam um discurso “sobre
projeto e ambições” e saiu um
discurso de “autossuficiência”.
Se está a pensar em eleições,
“devia ter um discurso de PM,
com sentido de Estado que lhe
permitisse aproveitar o poder
que tem”.
Pedro Nuno Santos está ain-
da a afinar a equipa, ainda não
escolheu líder parlamentar,
e vai apostar na diferenciação
em relação ao PSD e ao Chega,
para não se deixar encostar por
um e entalar por outro. A ideia
é a de mostrar que o episódio
da votação para a presidência
do Parlamento foi caso raro, só
repetível em questões de regime
e de remunerações, e não o pre-
núncio de um bloco central que
salve o Governo da AD no teste
do Orçamento.
Liliana Valente
lvalente@expresso.impresa.pt
O primeiro-ministro à chegada
para a primeira reunião semanal
com o Presidente da República
Ventura
embalado
por
sondagem
falsa
O líder do Chega acredita
que vai crescer nas
europeias para ter mais
força na hora do OE. E ir
“já a eleições”
Ignorado até agora pelo pri-
meiro-ministro e pela Aliança
Democrática, André Ventura
vê nas eleições europeias mais
uma oportunidade para provar
a sua força eleitoral, reforçar a
posição do Chega, e, no fim do
ano, ter mais músculo político
FOTO TIAGO MIRANDA
para chumbar o Orçamento do
Estado (se cumprir o que tem
dito nos últimos dias). O líder
da direita radical partilhou esta
quinta-feira mais uma suposta
sondagem — sem credibilidade,
segundo especialistas ouvidos
pelo Expresso — nas suas contas
nas redes sociais, de uma em-
presa ou organização sem cre-
denciais, para tentar comprovar
a progressão do partido depois
das legislativas do mês passado.
O post que o líder do Che-
ga partilhou na rede social X
é acompanhado pelo seguin-
te texto: “O Chega continua
a crescer e aproxima-se dos
21%, quase um mês depois das
eleições legislativas. Temos de
vencer as europeias em junho
para nos tornarmos o maior
partido português. Obrigado
pela confiança!” Ao fim de
quatro horas, a conta de Ven-
tura já tinha mais de 13 mil vi-
sualizações. O estudo, de uma
suposta empresa denominada
Intrapolls, dá o PS com 25,2%,
o PSD com 22,8% e o Chega
com 20,6%, mais dois pontos
que nas legislativas.
Apesar de dirigentes do Che-
ga terem partilhado o “estudo”
como se fosse uma sondagem
normal de uma empresa cre-
dível, os responsáveis pela pu-
blicação chamam-lhe “Modelo
Survey Europeias 2024” e não
inquérito eleitoral ou estudo
de opinião. A organização, que
em algumas plataformas ainda
aparece com o nome Intracam-
pus/Interpolls — confundindo-
-se com a empresa Intercampus
— não consta das 13 entidades
que realizam sondagens acre-
ditadas junto da Entidade Re-
guladora para a Comunicação
Social (ERC). Também não tem
site (apenas contas nas redes
sociais), e o inquérito é feito a
partir do Facebook, X/Twitter,
Reddit e Instagram. O questio-
nário foi feito a 956 pessoas e
depois alvo de ponderação, in-
forma a organização nas suas
páginas, e a margem de erro
será de 4,5%.
Esta semana, Ventura mante-
ve a pressão. Quando Luís Mon-
tenegro pôs Pedro Nuno Santos
entre a espada e a parede para
viabilizar o Governo por quatro
anos, o líder do PS escolheu a
espada: “É praticamente im-
possível viabilizar o Orçamen-
to”, disse o socialista. Com esta
resposta, Ventura manteve o
jogo e não se encostou à parede.
Ameaçou com a espada: disse
que estava “absolutamente de-
sobrigado” de viabilizar o OE.
Apesar de admitir viabilizar
um orçamento retificativo –
depois de ouvir a resposta de
Pedro Nuno a Montenegro –,
Ventura vaticinou que este Go-
verno pode ser “um dos mais
curtos da história da demo-
cracia”, descrevendo o cenário
como “absolutamente precá-
rio”, e que “mais vale” ir “já a
eleições”. É um “já” pelo qual
seria preciso esperar, porque
como o Presidente só recupera
o poder de dissolução em se-
tembro, Ventura tem sempre as
europeias para tentar crescer.
E arranjar mais um problema
ao “bipartidarismo”.
Vítor Matos
vmatos@expresso.impresa.pt
Marcelo.
Como
evitar a 3ª
dissolução?
Salvar o primeiro OE é
decisivo para o Presidente.
Chumbo não obriga queda
FRASES do Governo. A menos que
Montenegro queira...
“Não rejeitar
o programa do
Ao contrário de Luís Montene-
gro, que aproveitou o discurso
Governo significa
permitir a sua
de posse do seu Governo para
colocar pressão máxima sobre
o Chega (a quem se mostrou
execução até
ao final do mandato
disposto a roubar bandeiras),
mas sobretudo sobre o PS (que
elegeu como responsável máxi-
ou, no limite, até mo pela estabilidade política),
à aprovação Marcelo Rebelo de Sousa pôs o
de uma moção ónus da empreitada no próprio
de censura” Governo. A Montenegro suge-
riu “diálogo aturado e muito
Luís Montenegro exigente” com o maior partido
Primeiro-ministro
da oposição, a começar pelo
próximo Orçamento do Esta-
“Os líderes do, altura em que o Presidente
aconselhou o primeiro-minis-
da AD não podem, tro a trabalhar para conver-
numa posição de gências de “mais largo fôlego”.
arrogância, achar Não é caso para menos. Mar-
celo sabe que o eventual chum-
que PS está obrigado bo do primeiro Orçamento de
a suportar o seu uma legislatura que ele pró-
Governo. Não está, prio definiu como “complexa”,
não vai estar, não “muito difícil” e assente numa
maioria “exígua”, o coloca, ao
é esse o nosso papel próprio, no centro do jogo. Não
nem vai ser nunca” só porque foi sua a decisão de
Pedro Nuno Santos convocar eleições após o Orça-
Secretário-geral do PS mento do segundo Governo de
António Costa ter sido repro-
vado em 2021 — isto, só por si,
“Fica evidente não faz doutrina nem obriga
para todos que não o Presidente a nada —, mas
porquê voltar a votos menos
há base parlamentar de um ano depois de a direita
de apoio para este radical ter ascendido a terceira
Governo e isto, num força, ainda que perdendo para
a direita moderada (coisa que
sistema parlamentar
Marcelo festejou na Ajuda), se-
como o português,
ria de alto risco e imprevisibili-
é absolutamente dade máxima, sobretudo para
suicida” um Presidente que dispensa-
ria despedir-se com Ventura às
André Ventura
Presidente do Chega
portas do poder.
Não por acaso, os conselhos
que deixou no curto discurso
“O chumbo com que empossou Monte-
negro resumem-se assim: a
do Orçamento empreitada é difícil mas não
pode não provocar, impossível (“Impossível? Não
como pode provocar, creio”); mas não vai lá à bruta,
a substituição pelo contrário, exige “diálogo”,
“paciência”, “partir o proble-
do Governo, ma em vários mais pequenos”
tudo depende e, sobretudo, “sem expectati-
do entendimento vas ambições ilusórias”. O líder
do primeiro-ministro da AD passou a ideia contrária
— se lhe viabilizam o progra-
e do Presidente ma do Governo devem deixá-
da República” -lo governar e se escolherem
Hugo Soares complicar-lhe o caminho ele
Líder parlamentar gritará ‘forças de bloqueio’. A
e secretário-geral do PSD convicção em Belém é que a
abertura negocial será inevi-
tável e o Presidente conta com
Pedro Duarte, o homem que
lhe dirigiu a campanha em
2016 e que agora assumirá a
pasta dos Assuntos Parlamen-
tares, para ser um pivô-chave
no que está para vir.
Pedro Duarte saiu da cerimó-
nia na Ajuda a descomprimir o
ambiente e a falar de diálogo
democrático e a expectativa
na Presidência é que, após Luís
Montenegro ter escolhido pôr
a pressão máxima sobre Pedro
Nuno Santos, aproveitando as
fragilidades da sua liderança
num PS que continua a dar si-
nais de divisão ao dia, como se
viu esta semana com a presi-
dente da Associação Nacional
dos Municípios a defender que
PRIMEIRO CADERNO 7
>>
o PS deve aceitar negociar o
próximo OE, tudo tenderá a
convergir para um registo mais
macio que tente dar alguma
durabilidade à legislatura.
O Presidente desta vez não
colocou condições a ninguém
nem se comprometeu com ba-
lizas rígidas na gestão do ciclo
e assim ficou mais livre para o
que der e vier. Mas, indireta-
mente, Marcelo pediu tempo.
E explicou porquê: primeiro,
porque o que está previsto
no programa do Governo e
foi prometido em campanha
eleitoral é tanto, que “o tempo
disponível”, sendo “de quatro
anos”, “na prática, é muito cur-
to”; segundo, porque é preciso
ir ao que António Costa dei-
xou por fazer — “onde temos
problemas ou disfunções que
possam romper estruturas fun-
damentais do Estado ou áreas
sensíveis do tecido social, não
há como não intervir”.
Inseguro sobre como e se
vai ser possível o Governo
aguentar pelo menos até 2026,
quando ele próprio termina
o mandato e quando acaba o
prazo de execução do PRR que
lhe voltou a merecer alertas
vermelhos, Marcelo Rebelo de
Sousa sabe que o essencial do
que se passará nos próximos
seis meses depende mais do
primeiro-ministro do que de si.
É Luís Montenegro quem terá
que provar iniciativa política,
Presidente conta com
o negociador Pedro
Duarte na AR. E pede
“diálogo aturado”
ao primeiro-ministro
capacidade de negociação e fô-
lego para pôr a AD a subir nas
sondagens. O Presidente pediu-
-lhe que evite complicar o que
já parece um abismo — “onde
não temos problemas não os
devemos criar” — e avisou-o de
que é vital chegar às pessoas,
alargando a base de apoio.
Disso dependerá em grande
parte o desfecho do primeiro
grande aperto desta legislatura
que, sem contar com impre-
vistos, será mesmo o primeiro
Orçamento do Estado. Como
chegará lá o PS? Que imagem
passará o Governo nestes pri-
meiros meses de vida? Como
evoluirá a marcha de Ventura?
Marcelo torce para que a direi-
ta moderada consiga passar o
primeiro Cabo das Tormentas
mas, ciente de que vai ser na-
vegação à vista, não tem cer-
tezas. Se o OE chumbar, ele
estará livre para não dissolver,
porque desta vez não assumiu
compromissos e porque o país
está cansado de eleições. Mas
no cenário mais tremendista, a
última palavra caberá a Monte-
negro e não é líquido que, sem
Orçamento, aceite governar,
apesar de o transparecer. As
sondagens dirão (ao Governo
e a Marcelo) se será cedo ou
se valerá a pena arriscar. O fe-
tiche de Cavaco nos anos 80
ainda não passou.
Ângela Silva
avsilva@expresso.impresa.pt
8 PRIMEIRO CADERNO
NOVO GOVERNO
Prioridades Governo prepara terreno para
cenário menos cor de rosa e diz que é preciso
fazer contas antes de distribuir
Governo
trava
expectativas
e pede
tempo
Texto João Diogo Correia
C
Foto José Fernandes
om uma campanha
feita a cavalgar o des-
contentamento com
os serviços públicos
e de vários sectores
profissionais, o novo
Governo tem pouca
ou nenhuma margem
para deixar essas rei-
vindicações de lado. Por agora, não
deu sinal de querer encetar as prome-
tidas reuniões com os sindicatos, nem
no discurso da tomada de posse, nem
depois disso. Pelo contrário, começou
já a avisar que “é preciso fazer contas”.
“Ninguém sabe hoje quanto custa”
atribuir um suplemento remunerató-
rio à PSP e à GNR equivalente ao da
PJ, por exemplo, frisou Hugo Soares,
secretário-geral do PSD, na “Grande
Entrevista” da RTP. O valor que corre,
e que Fernando Medina garantiu ser
“acomodável” no Orçamento deste
ano, é de €154 milhões, mas Hugo
Soares pede contenção. “É perigoso
criar a ideia de que há um excedente
que é possível gerir para cumprir ime-
diatamente todas as reivindicações de
todos os sectores.”
Foi esse o raciocínio que as tropas
sociais-democratas adotaram após o
discurso de tomada de posse do novo
primeiro-ministro. Além de pressão
política ao PS, Luís Montenegro dei-
xou avisos às corporações e combateu
a narrativa dos “cofres cheios”. Cha-
mou-lhe mesmo “teoria” que conduz
“à reivindicação desmedida e descon-
trolada de despesas insustentáveis”.
Quando, sem o citar, Montenegro
perguntou a Pedro Nuno Santos se
era assim tão “fácil” (“evidente” e
“simples”, juntaram outros dirigen-
tes) responder aos anseios dos vários
sectores, por que razão o PS não o fez,
começou a preparar terreno para um
cenário que pode ser menos cor de
rosa do que se ouviu em campanha. E
a refrear expectativas, para que não
sejam cobradas quando o PSD voltar
às urnas em junho e para o caso de ter
de voltar em outubro.
No jogo do ‘puxa e empurra’, Pedro
Nuno Santos lembrou que, quando
Montenegro propunha respostas em
campanha, não falava em excedente,
mas no cenário macroeconómico do
próprio PSD e que esse é que lhe per-
mitia “prometer tudo a todos”.
Na visão do Governo é preciso dar
prioridade à descida de impostos
para pôr os salários a crescer, mes-
mo que pelo meio se veja obrigado
a acudir às situações mais urgen-
tes na Administração Pública. Foi
Montenegro a frisá-lo no discurso
da posse, quando disse que “baixar
impostos é uma questão de justiça
social”. Para isso necessita de um
orçamento para o qual não tem ga-
rantias de aprovação.
PROCURA DE CONSENSO
NA CORRUPÇÃO E
PLANO DA SAÚDE SÃO
AS PRIMEIRAS MEDIDAS
PARA MOSTRAR
TRABALHO
O PS, o parceiro teoricamente mais
“previsível”, avisa que o Governo não
conta com os socialistas para mexer
nos impostos, sobretudo no IRC. Sobra
o Chega, sempre incerto. “Previsível”
talvez seja o último dos adjetivos que
se pode dar a esta legislatura.
Olho nas europeias, pressão no PS
Mais do que os seis meses que muitos
lhe vaticinam, Montenegro traçou a
fase 1 do plano de governação com a
meta de junho. É aí que espera ter re-
sultados do “diálogo” com os partidos
e o desenho das primeiras medidas
que prometeu em campanha eleito-
ral. Estará, nessa altura, numa outra
campanha, quase em contínuo, para
as europeias. “2 de junho”, escreveu na
pedra, a propósito do plano de emer-
gência para a Saúde; “dois meses”, deu
à ministra da Justiça para conversar
com os partidos (“todos, todos, todos”,
citando o Papa Francisco em Lisboa)
para o desenho de um pacote de me-
didas de combate à corrupção.
A estratégia tem um lado progra-
mático, ao olhar para um tema com
que foi eleito primeiro-ministro (a
resposta ao SNS) e outro que convo-
ca todos os partidos — a criminali-
zação do enriquecimento ilícito, por
exemplo, chegou a ser aprovada na
Assembleia e só esbarrou no Tribunal
Constitucional. E um lado tático, ao
tentar encostar a oposição a um com-
promisso. Se alguém recusar sentar-se
à mesa, será responsabilizado por fal-
ta de vontade de encontrar soluções.
Se houver medidas consensualizadas,
Montenegro ganha fôlego em plena
campanha para as europeias, que tem
no Chega a principal ameaça ao seu
espaço político.
O arranque de Montenegro com o
fato de primeiro-ministro deixou pis-
tas sobre como se prepara para as duas
frentes de combate que se avizinham.
De um lado há o Chega, de quem nada
se espera, porque “tudo é possível”,
como dizia esta semana Diogo Feio,
ex-dirigente do CDS. Contar com An-
dré Ventura é, por isso, um risco, e a
Montenegro exige-se há muito que seja
capaz de lhe ocupar o espaço. A esse
desafio não será indiferente o facto de
os dois temas discutidos no primeiro
Conselho de Ministros terem sido o
regresso do logótipo do Governo com o
escudo, a esfera armilar, as quinas e os
castelos (em que “a identidade, a cultu-
ra e o povo português se reveem”, disse
o ministro Leitão Amaro, à saída) e a
corrupção, que mina “a credibilidade
das instituições”. Questões de identi-
dade nacional e de descredibilização
do regime são caras a Ventura, como é
a imigração, para a qual Montenegro
já montou um discurso, que repetiu na
tomada de posse: “Nem portas abertas,
nem escancaradas.”
Do outro lado, há o PS, mais previ-
sível, parceiro natural em questões de
política externa, de metas europeias,
de cumprimento do PRR e de diálogo
com os profissionais da administração
pública. Aos socialistas, a pressão e a
dramatização é total, tanto de Mon-
tenegro como de outras figuras de
PSD e CDS. “O Governo deve gover-
nar com o seu programa”, nota Hugo
Soares. Ou, para citar o mesmo antigo
vice-presidente do CDS, Diogo Feio,
num artigo de opinião no Expresso, o
entendimento entre PSD e PS para a
eleição do presidente da Assembleia
da República “é um paradigma conde-
nado à repetição”. Será?
jdcorreia@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
Pressão no
Parlamento
começa
com
polícias
Propostas para subsídio
de risco entraram no
primeiro dia. Chega
propõe medida fechada
para ter trunfo caso
seja chumbada
Foram o sétimo, nono e dé-
cimo primeiro projetos de lei
apresentados nesta legislatura
e com muita probabilidade os
primeiros a obrigarem o PSD
a tomar uma posição no Par-
lamento. O suplemento de ris-
co das forças de segurança foi
um dos temas da campanha
e vai estar de novo na ordem
do dia, com PCP, BE e Chega
a darem entrada de iniciativas
logo no dia da tomada de posse
do Parlamento.
O assunto é quente neste iní-
cio de legislatura para o Gover-
no de Montenegro e o primeiro-
-ministro preferiu pôr água na
fervura, avisando que é preciso
fazer contas às reivindicações
de sectores da Administração
Pública e que é “perigosa” a
“teoria” dos “cofres cheios”. O
PS lançou o repto para um Or-
Expresso, 5 de abril de 2024
çamento Retificativo que inclua
estes aumentos salariais (além
dos profissionais de saúde, ofi-
ciais de justiça e professores) e
com os projetos entregues no
Parlamento, este será um dos
primeiros temas a serem deba-
tidos no Parlamento, logo de-
pois do programa de Governo,
discutido na próxima semana,
a 11 e 12 de abril.
Se o projeto do BE é de re-
solução, recomendando ao
Governo que equipare os sub-
sídios das forças de segurança,
e se o do PCP remete para a
negociação com os sindicatos,
deixando a porta aberta a um
valor, o Chega apresenta uma
proposta fechada para, caso
seja rejeitada porque o Gover-
no opta pela negociação sin-
dical, poder pressionar o Go-
verno de Montenegro com um
assunto sensível.
Na proposta que entrega no
Parlamento, o Chega estabelece
as condições de acesso ao suple-
mento, mas também a fórmula
de cálculo (definindo percenta-
gens e a remuneração-base de
altos cargos como valores de
referência). Segundo esta pro-
posta, por exemplo, um agente
da PSP receberia um suple-
mento de risco corresponden-
te a 15% da remuneração-base
do diretor nacional da PSP. O
“novo regime” para a atribuição
deste suplemento começaria a
ser pago após a “publicação do
Orçamento de Estado subse-
quente à sua aprovação”.
A “justeza [das reivindica-
ções] é quase unanimemente
reconhecida pelas forças políti-
cas”, escreve o PCP na sua pro-
posta, a primeira a dar entrada.
E tanto o texto do BE, que é um
projeto de resolução como o do
Chega reforçam este ponto.
O consenso vai ainda mais
longe, com os três partidos a
não hesitarem em apontar o
dedo ao PS. A decisão do Go-
verno cessante de atribuir um
suplemento à Polícia Judiciária
(PJ) “apesar de acertada, é pro-
fundamente discriminatória e
injusta para as restantes forças
de segurança” e criou uma “in-
tolerável situação de injustiça
relativa”, escrevem os bloquis-
tas. O “tratamento discrimina-
tório” do Governo “conseguiu
espalhar o descontentamento
pelas demais forças de segu-
rança e nas Forças Armadas”,
corrobora o Chega. O Governo
do PS criou uma “situação de
profundo descontentamento e
de injustiça que importa repa-
rar”, dizem os comunistas.
Mas se todos reconhecem a
necessidade de alterar a situa-
PCP e BE querem
negociação entre
sindicatos e Governo,
Chega apresenta
proposta fechada
ção e há pontos de convergên-
cia que dão margem ao novo
Governo para encontrar uma
solução, há também divergên-
cias, que começam logo em
quem estaria abrangido. En-
quanto a proposta do PCP fala
em “todas as forças e serviços
de segurança”, a do BE refe-
re-se apenas à PSP e GNR. Já
a proposta do Chega é alarga-
da para os militares dos três
ramos das Forças Armadas,
guardas prisionais, guardas-
-florestais e Polícia Marítima,
o que faria disparar os custos.
Por outro lado, o PCP defen-
de que o montante deve ser
negociado entre Governo, sin-
dicatos e associações repre-
sentativas dos profissionais
do sector e ficar definido no
prazo de 60 dias após entra-
da em vigor da lei. O início do
pagamento já em 2024 fica-
ria dependente da decisão do
“Governo tendo em conta as
disponibilidades financeiras
constantes do Orçamento do
Estado em vigor.”
Já o BE está igualmente preo-
cupado com “falta de efetivos e
o envelhecimento dos seus pro-
fissionais” resultante da “falta
de atratividade da carreira”.
Por isso, se tal como o PCP quer
aumentar o subsídio da PSP e
GNR “equiparando-o ao valor
pago aos profissionais da PJ”,
quer também uma revisão das
carreiras e tabelas remunerató-
rias, garantir igualdade salarial
entre PSP e GNR.
Cláudia Monarca Almeida
calmeida@expresso.impresa.pt
Eduardo Aires Designer que reconstruiu
o logótipo do Governo para António Costa
Autor do logótipo
revogado foi alvo de
“ameaças de morte”
O designer Eduardo Aires considera a
decisão do Governo de substituição do
símbolo “ideológica e conservadora”.
E admite processar o Estado, se forem
usados elementos seus.
P Enquanto responsável pela mudan-
ça do símbolo/identidade visual da
República Portuguesa [na comunica-
ção governamental], como é que re-
cebeu a notícia de a primeira medida
do novo Executivo ser substituir esse
mesmo “logo”?
R Vi a publicação de Luís Montenegro
no Twitter quando ele anunciou essa
intenção. Mas também me comen-
tavam que, a acontecer, seria uma
atitude pouco sensata. Pelos vistos
teve honras de primeira medida do
primeiro Conselho de Ministros. Vai
ficar para a história (e não apenas do
Design). Portanto, respondendo à sua
questão: incrédulo, mas já preparado.
P Foi informado pelo Governo ou sou-
be pelas notícias?
R Da concretização efetiva da medida
Primeiro soube através da comunicação social.
Conselho de Não houve qualquer contacto ou in-
Ministros formação por parte do novo Governo.
centrado em
temas caros P Qual pensa que foi a motivação des-
à direita te Governo?
de André R Considero a decisão ideológica e
Ventura: conservadora. Reiterada, aliás, pelos
identidade vários comentários vindos a público
nacional e de personalidades da direita à extre-
credibilidade ma-direita. Não sou analista político,
do regime mas a motivação parece ser reforçar a
posição junto do eleitorado de direita
e fragilizar a ação do Governo anterior
e portanto do PS. Representa clara-
mente, como tem sido afirmado pu-
blicamente, uma cedência às pressões
violentas e ameaças antidemocráticas
de que fui alvo. Um aspeto irónico nes-
te processo todo é que eu não tenho
qualquer vínculo ao Partido Socialista
ou a qualquer outro partido.
P Aquando da mudança, foi durante
semanas discutido (e utilizado como
arma de arremesso pela oposição de
então) o valor pago pelo Governo:
75 mil euros. Este recuo poderá re-
presentar um custo talvez até mais
elevado?
R Cabe ao atual Governo aferir. Na sua
base é uma decisão financeiramente
prejudicial, porque na anterior pro-
posta estavam contempladas todas as
situações funcionais e operativas para a
comunicação administrativa do Gover-
no, com animações de marca e um tipo
de letra exclusivo, declinado em 250
línguas e com direitos de utilização.
Todo esse trabalho foi deitado ao lixo,
o que constitui um prejuízo financeiro.
P Prende agir ou pondera agir judi-
cialmente contra o Estado no segui-
mento desta mudança, certamente
surpreendente para si?
PRIMEIRO CADERNO 9
FOTO ALEXANDRE DEL MAR
R Se houver uma utilização abusi-
va daquilo que é da minha autoria e
responsabilidade, terei de ponderar
uma ação.
P Que importância teve a mudança?
R Foi encomendada para se adequar
às novas circunstâncias da comunica-
ção e para consolidar a transição digi-
tal. Curiosamente, uma das bandeiras
do programa da AD.
P Considera-a progressista? Moder-
nizadora do Estado?
R Considero-a uma solução visual
contemporânea que pode conviver
bem com as dos Governos congéne-
res na Europa do século XXI. É uma
solução que se memoriza muito fa-
cilmente (para mim, os comentários
de que podia ser feito no Paint por
uma criança de 4 anos são elogiosos),
tem uma pregnância visual elevada.
Tem um funcionamento eficaz em
ecrã e através das várias plataformas
digitais e audiovisuais. Integra soun-
design e um tipo de letra exclusivo.
Repito: não é uma bandeira, é uma
ferramenta de comunicação para a
ação governativa.
P Sendo um dos designers portugue-
ses mais premiados internacional-
mente, este episódio prejudicou de
alguma maneira a sua imagem profis-
sional? Descredibiliza-o?
R Não, não prejudicou nem descredi-
biliza. Infelizmente, grande parte das
críticas mais primárias são motivadas
por questões ideológicas e são des-
providas de fundamentos criteriosos.
Quem analisa o trabalho a partir das
evidências e dos argumentos e o avalia
com sobriedade (apesar da subjetivi-
dade estética) tende a reconhecê-lo.
Este projeto está a suscitar curiosi-
dade internacional e tenho recebido
apoio de várias partes. Em fevereiro
fui convidado a apresentar este traba-
lho no Madrid Design Festival.
P Depois da implementação da nova
imagem, teve algum tipo de feedback?
Positivo ou negativo?
R Houve o feedback violento das cai-
xas de comentários das redes sociais,
de que me procurei distanciar. Feliz-
mente, tive também feedback muito
positivo, que me deu alento e sobretu-
do motivação para acreditar que será
um projeto memorável.
P Pergunto-lhe também concreta-
mente: recebeu algum tipo de amea-
ça? Se sim, de que tipo e, querendo
partilhar, de quem ou oriunda de que
parte?
R Sim. As ameaças foram identifica-
das e encaminhadas para as entidades
competentes, que permitirão defen-
der a minha honra e integridade física.
Tiago Palma
tpalma@expresso.impresa.pt
10 PRIMEIRO CADERNO
CORRUPÇÃO
Programas dos
partidos com espaço
para entendimentos
AD tem pontos de convergência à direita
e à esquerda, mas sobretudo com o Chega
Cláudia Monarca
Almeida
Não foi uma das principais ban-
deiras da campanha da AD,
mas transformou-se inespera-
damente numa das prioridades
do Governo para os próximos
dois meses, a tempo das elei-
ções europeias (ver texto pág.
8). Luís Montenegro quer dialo-
gar com todos os partidos para
“fixar uma agenda ambiciosa,
eficaz e consensual de combate
à corrupção” e olhando para
os programas dos partidos, há
margem para Rita Júdice, nova
Montenegro quer propostas no Parlamento em dois meses FOTO ANA BAIÃO
OE 24 já obrigava Governo a negociar
PAN reclama autoria
da proposta e diz
que Luís Montenegro
se “apropriou”
do trabalho da
Assembleia da República
No discurso da tomada de
posse, o primeiro-ministro
prometeu que a “prioridade”
seria um consenso entre todos
os partidos para mudar a legis-
lação de combate à corrupção.
E deixou a promessa que, “no
prazo de dois meses”, reuni-
ria “uma síntese de propostas,
medidas e iniciativas” para se-
rem aprovadas no Parlamento.
A proposta foi a surpresa do
discurso da tomada de posse,
mas não surpreendeu quem, na
Assembleia da República, tinha
negociado com o anterior Go-
verno o Orçamento para este
ministra da Justiça, encontrar
entendimentos com vários par-
tidos à esquerda e à direita, mas
sobretudo com o Chega (que
tem várias propostas que con-
vergem com as da AD).
Um dos temas em que pode
haver pontes possíveis com os
restantes partidos é, desde logo,
na regulamentação do lóbi. O
tema voltou ao Parlamento no
início do ano, no fim da sessão
legislativa, a dias de a Assem-
bleia da República ser dissolvi-
da, mas a votação na especiali-
dade foi travada pelo PSD, que
criticou a pressa do PS. Apenas
BE e PCP votaram contra na
ano e lá incluiu a obrigatorie-
dade da criação de um grupo de
trabalho para discutir o reforço
do combate à corrupção.
Ficou inscrito no artigo 215º
do Orçamento do Estado para
este ano, no artigo sobre “Re-
forço do combate à corrup-
ção”, a obrigatoriedade de o
Governo (na altura de António
Costa, mas que vincula o atual)
criar um grupo de trabalho
para elaborar a Estratégia
Nacional contra a Corrupção
para 2025-2028. Um grupo
que teria de ser criado até ao
final deste ano e que seria com-
posto “por personalidades de
reconhecido mérito”, tendo,
naturalmente, “intervenção da
Assembleia da República”. Ou
seja, uma medida inscrita em
OE semelhante à pretensão de
Montenegro.
generalidade. É uma “legaliza-
ção da criminalidade”, chegou
a dizer Paulo Raimundo num al-
moço do partido em dezembro.
Mais consensual parece ser
a convicção de que é preciso
maior transparência no exer-
cício de cargos públicos. Nesse
sentido, o programa da AD pro-
metia reforçar as regras, assim
como o controlo dos conflitos
de interesse e incompatibili-
dades dos titulares de cargos
políticos. Uma das medidas que
surge também nos programas
do Chega, IL, PAN e BE é o
aumento do “período de nojo”
para um ex-governante poder
A proposta para a constitui-
ção do grupo de trabalho que
debatesse o reforço da estraté-
gia anticorrupção para os anos
seguintes foi do PAN, e por isso
a deputada Inês de Sousa Real
diz ao Expresso que “natural-
mente” o partido vai contribuir
para o debate proposto pelo
primeiro-ministro, mas espera
que o trabalho já feito “não
seja letra-morta”. E dá como
exemplo o que aconteceu com
a regulação do lobby, que Sou-
sa Real lamenta ter sido adiada
por causa do PSD. “Perdeu-se
uma oportunidade.”
A líder do PAN concorda com
a iniciativa do primeiro-minis-
tro e diz que “o teor do discurso
de Montenegro é fundamen-
tal”. Contudo, “podia até ter
sido mais ambicioso”. Apesar
da ava liação que faz, Sousa
passar para uma empresa pri-
vada numa área que tutelou.
Na senda da transparência, a
AD quer igualmente implemen-
tar a “pegada legislativa” do Go-
verno, publicando na internet
“de modo acessível” as “várias
etapas de cada processo legisla-
tivo e regulamentar”, uma me-
dida semelhante a que aparece
no PS. O PAN, por exemplo, vai
mais longe e quer assegurar a
mesma transparência na As-
sembleia da República, enquan-
to o PCP usa termos mais vagos
para aludir à mesma intenção.
Já o Chega acompanha a AD
na proposta de que todas as
decisões judiciais, de todos os
tribunais e instâncias, passem a
ser publicados. É também com
o partido de André Ventura que
coincide a proposta de agra-
vamento da pena acessória de
inibição do exercício de cargos
públicos, um tema sensível so-
bretudo em tempos de investi-
mento com fundos europeus.
A criminalização do enrique-
cimento ilícito é outra das pro-
postas da AD que surge também
nos programas do PCP, BE, Li-
vre, PAN e Chega. O tema, já
bastante discutido, está omisso
nos programas do PS e IL.
Transversal a todos os progra-
mas é o reconhecimento de que
Real não deixa de criticar o
facto de o social-democrata ter
ignorado que o assunto já esta-
va inscrito no OE: “Parece-nos
que houve uma apropriação
do trabalho da Assembleia”,
acrescenta. “O seu a seu dono.”
E admite que Montenegro
possa ainda não ter conheci-
mento do que estava no OE,
“talvez por não ser deputa-
O Orçamento
prevê a criação
de um grupo
de trabalho para
“reforço” da
estratégia de
combate à corrupção
de 2025-2028
é importante reforçar os meios
de combate à corrupção. Com
formulações diferentes, todos
os partidos defendem a neces-
sidade de dar mais recursos
humanos, materiais, financei-
ros e até tecnológicos às várias
instituições que investigam e
fiscalizam estas matérias, da
Polícia Judiciária à Autoridade
Tributária e Aduaneira.
Fora do entendimento mais
generalizado ficam propostas
como a “tolerância zero às of-
fshores”, que é uma das três
medidas essenciais do BE nesta
matéria, como sublinhou Ma-
risa Matias na reação ao dis-
curso de tomada de posse. O
combate à perda de recursos
públicos para paraísos fiscais
está também no programa do
PCP e PAN.
Longe do entendimento fica
ainda a questão da proteção aos
denunciantes, que AD, Chega,
Livre e PAN incluem no pro-
grama. O tema não aparece no
programa do BE e IL, enquanto
PS menciona que foram toma-
das medidas nesse sentido nos
últimos anos. Já o PCP subli-
nha que o combate à corrup-
ção “não passa pela adoção de
mecanismos” como a “delação
premiada”.
calmeida@expresso.impresa.pt
do”, mas não deixa de notar
que “é insólito”, até porque
“o PSD aprovou as três pro-
postas do PAN” sobre esta
matéria. Além do PAN, tam-
bém o PS já respondeu com
“disponibilidade” ao repto de
Montenegro.
A tarefa para as conversas
com os partidos ficou a cargo
da ministra da Justiça, Rita Jú-
dice, que esta quarta-feira pro-
meteu que iria “iniciar o diálo-
go” com partidos e sociedade
civil para conseguir a “aprova-
ção célere de uma agenda am-
biciosa, eficaz e consensual”.
Uma das três resoluções do pri-
meiro Conselho de Ministros
de Montenegro, que tentou as-
sim, de algum modo, esvaziar
uma bandeira do Chega.
Tiago Palma
tpalma@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
BREVES
PR CONVOCA
EUROPEIAS
ELEIÇÕES Marcelo Rebelo de
Sousa assinou esta quinta-feira o
Decreto que marca oficialmente
as eleições europeias para 9 de
junho. O Presidente da Repúbli-
ca confirma assim a data fixada
pelo Conselho de Ministros da
União Europeia, sendo possível
o voto em mobilidade no próprio
dia sem inscrição prévia. Portu-
gal elege 21 eurodeputados para
o Parlamento Europeu.
MOBILIZAÇÃO SERÁ
CHAVE A 9 DE JUNHO
ELEIÇÕES A curta distância tem-
poral que separa legislativas e
europeias pode ter impacto na
decisão dos eleitores sobre o
futuro da União Europeia. As
especialistas entrevistadas pelo
Expresso acreditam que o Che-
ga vai ganhar representação,
mas depende da mobilização
dos eleitores. Já os partidos
mais pequenos podem sair re-
compensados na equação (com
a esquerda em risco de maior
fragmentação). A AD não de-
verá sofrer o usual voto contra o
Governo, por ter
assumido recen-
temente funções.
Leia a análise no
site do Expresso.
MONTENEGRO
COMEÇA POR MADRID
VISITA A primeira deslocação
do primeiro-ministro ao es-
trangeiro deverá ser a Madrid,
anunciou o ministro dos Negó-
cios Estrangeiros, Paulo Ran-
gel: “Começámos já a preparar
aquela que será em princípio
a primeira deslocação externa
do primeiro-ministro, que será
justamente a Madrid”, revelou
Paulo Rangel, no final de uma
reunião no quartel-general da
NATO, em Bruxelas, no âmbito
da celebração dos 75 anos da
organização multilateral.
“EU PEDI PARA
SER OUVIDO NO
PROCESSO. AINDA
NÃO ME DISSERAM
PARA SER OUVIDO.
QUANDO FOR,
VOU COM CERTEZA”
Miguel Albuquerque
Presidente do Governo da Madeira
CHEGA JÁ NEGOCEIA
NOS AÇORES
NEGOCIAÇÃO O líder do Chega-
-Açores escusou-se a adiantar o
sentido de voto do partido em
relação ao Orçamento do Go-
verno regional para 2024, mas
garantiu que quer “ser parte da
solução e nunca parte do pro-
blema. Estou disponível para
chumbar, abster-me ou viabi-
lizar. Se tiver as propostas do
Chega, estamos disponíveis para
aceitar e o senhor presidente
do Governo tem demonstrado
essa disponibilidade nos últimos
tempos”, disse José Pacheco.
Expresso, 5 de abril de 2024 PRIMEIRO CADERNO 11
12 PRIMEIRO CADERNO
NOMEAÇÕES
Porta fechada
à recondução
de Centeno
Mandato de governador chega ao fim no verão
de 2025. Montenegro limitado na sucessão.
Macedo impedido por lei
Diogo Cavaleiro
e João Diogo Correia
Se não impossível, a recondu-
ção de Mário Centeno como go-
vernador do Banco de Portugal
(BdP) tornou-se uma miragem
depois da entrada em funções
do novo Governo do PSD e do
CDS. Acabado de tomar posse,
o Executivo recusa adiantar o
que fará quando a questão se
colocar, em 2025, mas os sinais
estão todos lá. E apontam para
que, mantendo-se as atuais
circunstâncias políticas e este
Governo em funções, Cente-
no tenha poucas ou nenhuma
hipótese de ser reconduzido
com Luís Montenegro como
primeiro-ministro.
O momento-chave desses si-
nais aconteceu dias depois da
demissão de António Costa,
quando se tornou público que
o então primeiro-ministro havia
proposto o nome de Centeno
para o substituir e evitar a ida a
Montenegro escolhe novo PGR
e presidente do Tribunal de Contas
Administrações da RTP e da Lusa terminam mandatos. Banco de Portugal tem uma vaga já em setembro
Mesmo que esteja pouco tem-
po em funções, tendo em con-
ta as ameaças de ingoverna-
bilidade, o Governo de Luís
Montenegro poderá fazer
nomeações que terão impac-
to durante anos. Desde logo,
terminam este ano os manda-
tos da procuradora-geral da
República e do presidente do
Tribunal de Contas (TdC) e as
substituições dependem, em
coautoria com Marcelo Rebe-
lo de Sousa, do Conselho de
Ministros.
O Governo é que faz a pro-
posta para estes dois organis-
mos, como prevê a Constitui-
ção, ainda que a nomeação (e
a exoneração) caiba depois ao
Presidente da República. Foi
já Marcelo Rebelo de Sousa
quem nomeou, sob proposta
eleições. O antigo ministro das
Finanças deu uma entrevista ao
“Financial Times” em que dizia
ter sido convidado por Costa e
pelo Presidente da República
para avançar, ideia que estaria
ainda “a ponderar”. Na reação,
Montenegro carregou nas tin-
tas. “É importante que todos
possam fazer uso daquilo que
o PS muitas vezes invoca, que
é a ética republicana”, disse o
líder do PSD, ao mesmo tempo
que vários sociais-democratas
acusavam o governador do BdP
de falta de independência. Mon-
tenegro disse mais, apontando
o desmentido de Marcelo sobre
esse convite a Centeno como um
Independência
de Centeno foi
questionada em
Bruxelas por Nuno
Melo, hoje ministro
do Governo de António Costa,
Lucília Gago para procura-
dora-geral da República, em
2018, e José Tavares para o
TdC, em 2020.
Os dois mandatos terminam
em outubro próximo, sendo
que o arranque de ambos foi po-
lémico, por ter partido do acor-
do de princípios entre António
Costa e Marcelo Rebelo de Sou-
sa de não recondução nestes
cargos: “É entendimento do
Governo e do Chefe de Estado
que neste tipo de funções não
deve haver lugar a renovação,
além do mais para garantia da
própria independência da fun-
ção. Para que cada um a exerça
sem ter de estar a pensar se, no
final desse mandato, o Governo
vai ou não propor e se o Presi-
dente da República vai ou não
exemplo de “um nível de degra-
dação institucional elevadíssi-
mo” em Portugal. “É preciso pôr
cobro a isto.”
Sem o dizer explicitamente,
apelou à demissão de Centeno.
“Não quero agravar a situação”,
mas “sei bem o que faria no lu-
gar dele, e não é difícil de pre-
ver” o que seria. Agora, no lugar
que tem o poder de escolha, di-
ficilmente não quererá um go-
vernador que esteja ao seu lado,
ao contrário de um com quem
tem uma relação tensa. António
Leitão Amaro, vice-presidente
do PSD e hoje ministro da Pre-
sidência, chamou na altura a
Centeno “ator do PS”. Concluiu
de forma lapidar, antecipando o
que aí vem. “Perdeu legitimida-
de para ser governador do BdP.”
Joaquim Miranda Sarmento,
atual ministro das Finanças, terá
uma palavra a dizer na escolha
do governador — e isso é mais
um sinal de que o caminho de
Centeno é estreito. Não só os
dois têm uma relação distante
renomear”, foi explicado então
pelo ex-primeiro-ministro.
Naqueles anos não foram
reconduzidos Joana Marques
Vidal nem Vítor Caldeira e
houve até contestação política,
porque, no caso do TdC, havia
críticas à proposta de revisão
da contratação pública.
Foi assim que Lucília Gago,
em outubro de 2018, iniciou o
seu mandato de seis anos, que
já antecipou não querer conti-
Costa e Marcelo
optaram por não
reconduzir PGR
nem presidente do
Tribunal de Contas
Mário Centeno foi
acusado de falta de
independência pelo PSD
e pelo CDS FOTO ANA BAIÃO
como Sarmento, à época líder
parlamentar do PSD, foi outra
das vozes a acusar Centeno. “É
mais uma demonstração, esta
mais grave, de falta de indepen-
dência.” Já antes, quando Cen-
teno passou de ministro para
governador, em 2020, tinha sido
crítico: “Mostrou que pouco ou
nada lhe importa o interesse
nacional. Que, acima desse inte-
resse, está a sua vaidade pessoal
e a sua ambição”, escreveu no
“ECO”.
Do outro lado, mesmo antes
de Montenegro chegar ao po-
der, já Centeno, governador
interventivo, deixava um aviso
nuar (“está fora de questão”, já
respondeu, mostrando vontade
de se jubilar, indo ao encon-
tro da avaliação negativa que
Montenegro também fez do
seu mandato em plena campa-
nha eleitoral).
Já José Tavares chegou, em
outubro de 2020, ao topo do
TdC para um mandato de qua-
tro anos, que terminará no
mesmo mês deste ano, depois
de, previsivelmente, a entidade
publicar as duas auditorias em
curso à TAP e aos seus antigos
gestores. “O presidente do Tri-
bunal de Contas, José Tavares,
está concentrado em exercer
as funções que lhe foram con-
fiadas, nada mais tendo a acres-
centar”, responde ao Expresso.
São dois cargos que têm,
então, de ser decididos pelo
sobre o excedente orçamental:
“A margem financeira que exis-
te deve ser colocada ao serviço
do futuro e não consumida no
presente.”
Sem poder para destituir
A decisão de reconduzir o gover-
nador do BdP saiu da esfera de
António Costa, quando o Exe-
cutivo caiu, e cabe agora à equi-
pa de Montenegro, se estiver
em funções no verão de 2025,
quando termina o mandato de
Centeno. O Governo tem a pala-
vra central na escolha do gover-
nador do BdP: a proposta parte
Governo de Luís Montenegro,
que precisará sempre de gerir
com Marcelo Rebelo de Sousa,
já que um não consegue deci-
dir sem o outro, como previsto
constitucionalmente.
Estas são mudanças que Luís
Montenegro pode fazer mes-
mo que o Governo nem sequer
consiga aprovar o Orçamento
do Estado para 2025, já que
as substituições ocorrem antes
disso. O mesmo acontece com
as administrações da RTP e da
Lusa, bem como com a presi-
dência da Agência Portuguesa
do Ambiente (APA), vaga desde
a Operação Influencer.
Ficando até ao próximo ano,
o Executivo tem larga margem
para mais mudanças, incluin-
do no cargo de governador do
Banco de Portugal e também
Expresso, 5 de abril de 2024
do ministro das Finanças, sendo
que o nome tem de ser ouvido
pela Comissão Parlamentar da
área das Finanças (de onde sai
um “parecer fundamentado”,
que relata a audição, mas sem
poder de veto ou voto), e depois
a decisão final cabe ao Conselho
de Ministros.
Até aqui, a continuidade de
Centeno sempre foi vista como
uma vontade do próprio, não
parecendo crível que o Governo
de Costa lhe fechasse as portas
se fosse essa a intenção. Mes-
mo que tivesse outro futuro nos
anos seguintes (outros cargos
europeus foram sempre apon-
na presidência da Caixa Geral
de Depósitos.
BANCO DE PORTUGAL
COM VAGA EM OUTUBRO
No Banco de Portugal, o admi-
nistrador Hélder Rosalino, que
fora chamado pelo Governo
PSD/CDS e reconduzido pelo
Executivo de António Costa,
termina o seu segundo manda-
to não renovável em setembro,
oportunidade para o Governo
indicar um nome para a ins-
tituição. Aliás, substituindo
Rosalino, continuam a estar
em funções quatro administra-
dores, quando a Lei Orgânica
permite chegar aos cinco (além
dos dois vices e do governador,
Mário Centeno).
Também há quatro personali-
dades a indicar pelo Ministério
das Finanças para o Conselho
Consultivo do Banco de Portu-
gal, que não foram apontadas
desde que, em 2020, Centeno
deixou de ser ministro: nem
João Leão nem Fernando
Medina consideraram essen-
ciais tais nomeações para o
órgão, que não tem poderes
executivos.
Mas há um cargo mais atra-
tivo a vagar no próximo ano
dentro do Banco de Portugal:
Expresso, 5 de abril de 2024
tados nos corredores do sector
bancário e da política, depois da
experiência do Eurogrupo), po-
dia sempre aceitar a recondução
e depois sair a meio do mandato.
Contactado, Centeno não res-
pondeu a questões sobre o tema.
A vice-governadora Clara Ra-
poso foi sendo apontada nos
bastidores como substituta
quando o prazo do fim do man-
dato de Centeno coincidia com
o do Governo (que ia até 2026).
Se estiver no Governo no verão
de 2025, a substituição estará
totalmente nas mãos do PSD. A
indicação do governador sem-
pre foi uma nomeação impor-
o próprio governador, Mário
Centeno, termina o mandato
em junho de 2025 e as opor-
tunidades de recondução, caso
o Governo de Luís Montene-
gro esteja em funções, são li-
mitadas, dada a dimensão das
críticas sociais-democratas ao
antigo ministro socialista (ver
texto em cima).
Ou seja, na prática, queren-
do, o Governo PSD/CDS pode
indicar três nomes para a admi-
nistração, que, mesmo assim,
ficam em inferioridade numé-
rica face aos cinco em funções
pela mão do Executivo PS.
CGD E SUPERVISOR
DOS SEGUROS EM 2025
A mudança na liderança do
Banco de Portugal ocorre no
mesmo ano em que chega ao
fim a liderança da atual admi-
nistração da Caixa Geral de
Depósitos (CGD): o mandato
termina no fim do ano, mas a
substituição ocorre normal-
mente no ano seguinte. Macedo
entrou em 2017, já foi recondu-
zido uma vez e até foi noticiado
que era um nome possível para
integrar o Governo de Monte-
negro, o que não se verificou.
O governador e o presidente
do banco público sempre foram
tante para quem está no poder,
com PSD e PS a equilibrarem
com a escolha da liderança
da Caixa Geral de Depósitos
(CGD). Neste momento, o líder
do supervisor é um antigo mi-
nistro socialista; já o presidente
do banco público é um ex-mi-
nistro social-democrata. Clara
Raposo não tem esse percurso.
Não há margem para retirar
o governador antes do tempo,
a não ser que seja cometida
(e provada) uma falta grave,
sendo que é um processo mui-
to complexo e poucas vezes
tentado na União Europeia
— nem na tensa relação entre
cargos que PSD e PS iam atri-
buindo gerindo as duas sensi-
bilidades (ainda agora Paulo
Macedo, ex-ministro social-de-
mocrata, está na CGD, enquan-
to Mário Centeno, ex-ministro
socialista, lidera o supervisor).
No mundo dos supervisores
financeiros, a presidência da
Autoridade de Supervisão de
Seguros e Fundos de Pensões
(ASF) muda em junho de 2025,
quando chega ao fim o man-
dato de Margarida Corrêa de
Aguiar. Antes disso, no fim
deste ano, é o administrador,
Manuel Caldeira Cabral, que
deixa as funções. Não podem
ser reconduzidos.
Na Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários (CMVM)
também há um lugar vago em
janeiro de 2025 (o administra-
dor José Miguel Almeida acaba
o mandato), mas os restantes
só chegam ao fim mais no final
da década.
APA À ESPERA
DE PRESIDENTE,
ERSE EM 2025
No mundo das autoridades na-
cionais, Montenegro tem de
escolher o presidente da APA,
da qual saiu Nuno Lacasta, ar-
guido na Operação Influencer,
Mário Centeno, como ministro
das Finanças, e Carlos Costa,
como governador, isso chegou
a acontecer. Enquanto eurode-
putado, Nuno Melo, presidente
do CDS, e eurodeputados da
família europeia PPE (onde
está o PSD) até chegaram a
questionar a independência de
Ida de Mário Centeno
para o BdP motivou
legislação que limita
a escolha do seu
sucessor
que investiga negócios como o
hidrogénio verde e que abalou
a política em Portugal levando
ao pedido de demissão do pri-
meiro-ministro, António Costa.
Aliás, após a queda e a deci-
são de Marcelo de que haveria
eleições antecipadas, o Gover-
no pôs o pé no acelerador para
resolver impasses nas presi-
dências de dois reguladores, a
Anacom (telecomunicações)
e a ANAC (aviação civil), com
as indicações de Sandra Ma-
ximiano e Ana Vieira da Mata,
respetivamente. Na Entidade
Reguladora dos Serviços Ener-
géticos (ERSE), o mandato de
Pedro Verdelho termina no fi-
nal de janeiro de 2025.
ESCOLHAS DE PEDRO
NUNO EM XEQUE
Além da CGD, noutras empre-
sas públicas também há mu-
danças a preparem-se. O man-
Administrações
escolhidas por Pedro
Nuno para CP e IP
com fim de mandatos
em 2025
Centeno junto do Banco Cen-
tral Europeu, por conta do con-
vite para ser primeiro-ministro,
mas não receberam apoio do
lado de Christine Lagarde, pelo
contrário.
Banqueiros impedidos
Antes do fim do mandato de
Mário Centeno haverá, em se-
tembro deste ano, uma altera-
ção no BdP: nesse mês termina
o segundo mandato do admi-
nistrador Hélder Rosalino, pre-
cisamente o único que vinha
ainda do Governo PSD/CDS de
Passos Coelho (ainda que tenha
sido reconduzido pelo Governo
de António Costa). A saída de
Rosalino abre a oportunidade
de o PSD colocar um nome da
sua decisão num Conselho de
Administração praticamente
todo escolhido pelos Governos
de António Costa.
De resto, todos os outros luga-
res só vagam mais tarde, seja de
administradores, seja de vice-go-
vernadores, se forem cumpridos
até ao fim: em junho de 2026
(vice-governador Luís Máximo
dos Santos) ou finais de 2027
e início de 2028 (incluindo a vi-
ce-governadora Clara Raposo).
A escolha de um governador
do BdP tem hoje mais limites
do que no tempo da nomeação
de Mário Centeno, em 2020, e
tal deve-se precisamente a essa
escolha.
A legislação que visava impe-
dir a transferência de Centeno
para o BdP, proposta pelo PAN,
foi aprovada apenas meses
mais tarde, em 2020, e, não
impondo a limitação à passa-
gem de cargos políticos para o
supervisor, acabou a impedir
outras transferências: quem
tenha estado nos três anos an-
teriores em entidades sujeitas
à supervisão conjunta do BdP
e do Banco Central Europeu,
ou seja, os bancos nacionais,
sendo que também há limites a
quem presta serviços de audi-
toria e consultoria.
É por isso que nomes que tra-
dicionalmente são apontados
para este cargo, como Paulo
Macedo, estão impedidos de
o ser. Olhando para antigos
ministros sociais-democratas
ligados à banca, Maria Luís
Albuquerque está no Morgan
Stanley Europe, mas este,
embora integre a esfera de
supervisão do Banco Central
Europeu, não está sob a alça-
da do BdP, pelo que não tem o
mesmo travão.
dcavaleiro@expresso.impresa.pt
dato de Vítor Domingues dos
Santos no Metropolitano de
Lisboa chega ao fim este ano,
com a substituição a ter de ser
feita no próximo ano, o mesmo
acontecendo com a Infraestru-
turas de Portugal, hoje liderada
pelo ex-secretário de Estado
socialista Miguel Cruz, e com
a CP, sob o comando de Pedro
Moreira.
Estas duas últimas nomea-
ções foram da responsabilida-
de de Pedro Nuno Santos, hoje
líder do PS mas antes ministro
das Infraestruturas.
RTP E LUSA EM FIM
DE MANDATO
Na comunicação social, tanto
a RTP como a Lusa têm altera-
ções. Nicolau Santos entrou em
2021 na RTP, depois de ter es-
tado na presidência da agência
de notícias, onde foi substituído
por Joaquim Correia.
Os mandatos das adminis-
trações terminaram em 2023,
pelo que as substituições de-
vem ocorrer este ano, como
acontece normalmente. Em
2021, apesar das mudanças
de administração, não houve
alterações nos diretores de
informação que estavam em
funções. D.C.
SEDE
Governo livre para
reavaliar mudança
para a CGD
Pasta de transição
esclarecia que sede
da CGD ainda precisa
de obras para receber
os ministérios
Só mesmo o líder do novo Exe-
cutivo, Luís Montenegro, po-
derá decidir que ministérios
poderão avançar já para o edi-
fício da Caixa Geral de Depó-
sitos (CGD), que passou para
o Estado em 2023 por mais de
€361 milhões.
O Expresso sabe que, dos
espaços já cedidos pela CGD,
existem cerca de sete mil me-
tros quadrados que estão à
espera de mobília e nos mais
de 20 mil metros quadrados já
esvaziados pelo banco público
estão obras por fazer.
O banco público, presidido
por Paulo Macedo, nada tem
a ver com a mudança de mi-
nistérios, e, segundo apurou o
Expresso, todos os espaços que
teriam de estar desocupados
estão vazios. Dos cerca de 90
mil metros quadrados, só 40
mil estão ocupados pela CGD.
As prioridades terão de ser
Ministro da
Presidência, Leitão
Amaro, deixou em
aberto a mudança
para o edifício
da CGD
definidas pelo Governo da AD
na mudança de alguns dos
ministérios para o edifício da
Avenida João XXI, estando
previsto pelo anterior Gover-
no que na fase inicial iria para
lá a Presidência do Conselho
de Ministros e o Ministério da
Coesão Territorial, responsável
pela afetação dos fundos do
Plano de Recuperação e Resi-
liência (PRR).
Esta quarta-feira, na primei-
ra reunião do Conselho de Mi-
nistros do Governo liderado
por Montenegro, Leitão Ama-
ro, ministro da Presidência,
deixou em aberto a ida de mi-
nistérios para o novo espaço.
Disse que a transição não tinha
sido preparada, referindo mes-
mo que poderá não haver con-
dições para poder haver trans-
ferência de ministérios para
o edifício da João XXI. “Não
estou a criticar que o anterior
Governo tenha escolhido, sim-
bolicamente, usar esse espaço
para o seu último Conselho de
Ministros, mas de facto não es-
tão reunidas condições para
realizar lá um Conselho de Mi-
nistros”, sublinhou.
Fez tábua rasa do que ha-
via sido dito na informação
que foi passada pelo ante-
rior Executivo de Antó-
nio Costa: “Encontra-se
em curso o projeto de
adequação do Edifício
Campus APP, o Cam-
pus da Administração
Pública Portuguesa,
para ocupação futura
Paulo Macedo cedeu
o edifício-sede
ao Estado por
€361 milhões
PRIMEIRO CADERNO 13
por parte das áreas governati-
vas e de entidades respetivas,
promovendo a eficiência dos
serviços públicos.” “Encon-
tram-se já em obra os pisos 7 e
8 do edifício, sendo necessário
assim lançar os concursos de
arquitetura e construção civil
dos restantes pisos”, continua
o documento.
Para as obras, o Executivo de
Costa estimou “um investimen-
to de cerca de €40 milhões”
e que a sua conclusão esteja
terminada “em setembro de
2027”. O que faz sentido com
a saída dos mais de dois mil
trabalhadores do banco pú-
blico até ao segundo semestre
de 2026, como já disse o presi-
dente da CGD, Paulo Macedo.
Aliás, a Caixa comprou o edifí-
cio onde será a nova sede, cha-
mado WellBe, situado na Ave-
nida Dom João II, na zona do
Parque das Nações, em Lisboa.
Até lá, continuará a pagar ao
Estado cerca de €1 milhão pelo
espaço ocupado — o edifício
pertencia ao fundo de pensões
do banco público, tendo sido
alienado ao Governo por €361
milhões em 2023, sob a forma
de dividendo.
No primeiro Conselho de Mi-
nistros do recente Executivo,
Leitão Amaro afirmou ainda
que “este Governo tem aí um
dossiê para analisar em detalhe
e realizar muito do que não es-
tava feito”. Acrescentando que
“nem o edifício nem o processo
de transferência para a CGD
estavam em condições” para o
Governo ficar lá “operacional”.
A sala para a reunião do últi-
mo Conselho de Ministros do
Governo de António Costa foi
disponibilizada pela Caixa, e
não era suposto nesta altura
haver uma sala para estas reu-
niões, mas uma fonte ligada ao
processo referiu ao Expresso
que existe uma sala onde os
secretários de Estado do an-
terior Governo se reúnem há
cerca de um ano. Nesse último
encontro, para marcar de for-
ma simbólica a despedida, o
então primeiro-ministro andou
a mostrar o edifício e as salas ao
Presidente da República. Além
da mudança física para o edifí-
cio, a própria organização dos
serviços da Administração Pú-
blica (AP) ficam dependentes
do novo Executivo, com uma
reforma orgânica da AP por
fechar. Essa será, aliás, uma
das primeiras medidas que vão
ter de ser fechadas pelo novo
Governo, por ser uma das me-
tas do PRR.
Isabel Vicente
ivicente@expresso.impresa.pt
14 PRIMEIRO CADERNO
PARLAMENTO
Esquerda
teme recuos
em leis que
Costa deixou
no limbo
Eutanásia, gestação de
substituição e lei da nacionalidade
não ficaram regulamentadas
Cláudia Monarca
Almeida
e Liliana Valente
O novo Governo tomou posse
na terça-feira e entre as pastas
entregues no Palácio da Ajuda
seguiram também várias leis
que, estando já aprovadas e
publicadas, ainda precisam de
regulamentação para poderem
ser aplicadas. É o caso da lei da
morte medicamente assistida,
da gestação de substituição e
da nova lei da nacionalidade.
Tudo medidas caras à esquer-
da parlamentar que viu o Go-
verno de António Costa deixar
estas leis por fechar. Agora, a
dependência de uma decisão
do Governo do PSD/CDS está a
levantar receios de que possam
acontecer retrocessos em deba-
tes com anos, que levem a que
estas leis fiquem por aplicar,
esquecidas numa gaveta à es-
pera de regulamentação do Go-
verno, ou que venham mesmo a
ser revogadas ou desvirtuadas.
Quando abrir a pasta de
transição, sobretudo a nova
ministra da Saúde, Ana Paula
Martins, tem duas leis impor-
tantes para regulamentar, a
da eutanásia e a das chamadas
“barrigas de aluguer”. As duas
leis estão publicadas, mas sem
Esquerda teme que agenda de movimentos contra a eutanásia influencie as decisões do novo Governo FOTO JOSÉ FERNANDES
o decreto regulamentar apro-
vado. Para a socialista Isabel
Moreira se há “uma lei da Re-
pública que foi aprovada é para
cumprir” e o novo Governo,
quer concorde ou não com o
conteúdo, não a pode “deixar
no limbo”. “Qualquer Gover-
no pode não cumprir uma lei,
não acho que seja uma atitude
séria. Se não cumpre tem de
dizer o que quer fazer ou pedir
aos deputados que o suportam
que a revogue.”
“Estes assuntos não devem
ser arrastados e o novo Execu-
tivo tem obrigação de os regu-
lamentar”, corrobora o líder
da bancada do BE, Fabian Fi-
gueiredo. O bloquista levanta
outro problema: “Estaremos
vigilantes para garantir que
essa regulamentação acontece
e que não se tenta desvirtuar o
espírito da lei através da regu-
lamentação, que é uma tenta-
ção que a direita pode ter.”
O receio existe também do
lado do Livre. A “expectati-
va” é que “o Governo respeite
aquilo que já foi aprovado”. “É
claro que temos também o re-
ceio que esta nova maioria de
direita e extrema-direita tenha
a tentação de recuar em algu-
mas destas matérias”, admite o
deputado Paulo Muacho. Tan-
to nestes diplomas como nou-
tros “debates que já estariam
teoricamente encerrados na
sociedade portuguesa”, como é
o caso do aborto (que foi tema
durante a campanha eleitoral,
mas que Montenegro garantiu
não mexer) e do serviço militar
obrigatório (que esteve na or-
dem do dia na última semana).
Lei da eutanásia
Uma das leis no limbo é a da
eutanásia. Depois de quatro
textos, dois envios para o Tri-
bunal Constitucional e quatro
vetos, o Presidente da Repúbli-
ca acabou por promulgar a lei
da eutanásia em maio de 2023,
com apenas uma nota que in-
dicava que só o fazia porque
assim estava obrigado após o
Parlamento ter confirmado o
diploma que tinha vetado em
abril. Volvidos oito meses e já
depois de o Governo cair, em
resposta à Lusa, o Ministério
da Saúde adiantou que a regu-
lamentação da nova lei iria ser
adiada para o novo Executivo.
Dada a complexidade da maté-
ria, “seria um erro regulamen-
tar à pressa”, justificava em
comunicado. Contudo, Pizarro
teve vários meses para o fazer,
uma vez que a lei foi publicada
em maio de 2023.
Para Isabel Moreira, esta é
uma “falha que custa a com-
preender”, uma vez que o di-
ploma ficou aprovado muito
antes de o Governo ter caído.
Assim, para a socialista, o Go-
verno do PS acabou por “falhar
ao país, à República e aos doen-
tes que estavam à espera”, diz.
Mas que isso não retira a “obri-
gação” de o Governo atual o
fazer. “É preciso perguntar ao
Governo se estão dispostos a
unirem-se para revogar um
direito consagrado, depois de
dez anos de debate.”
Até lá, esta lei fica num impas-
se e a regulamentação nas mãos
do PSD e do CDS. Se os centris-
tas são frontalmente contra, o
caso dos sociais-democratas é
mais dúbio, mas com inclinação
para serem contra. Os deputa-
dos do PSD votaram maiorita-
riamente contra na legislatura
anterior (apenas sete votaram
a favor), e o novo ministro dos
Assuntos Parlamentares, Pe-
dro Duarte, admitiu, em entre-
vista ao Expresso, referendar
o assunto. Mais, um grupo de
56 deputados do PSD avançou
com um pedido de fiscalização
sucessiva no Tribunal Consti-
tucional. O TC recebeu um se-
gundo pedido da provedora de
Justiça. Montenegro remeteu
uma posição para depois de co-
nhecida a decisão do TC.
Gestação de substituição
A lei que altera o regime ju-
rídico aplicável à gestação de
FRASES
“É preciso perguntar
ao Governo se está
disposto a unir-se
para revogar um
direito consagrado
depois de dez anos
de debate”
Isabel Moreira
Deputada PS
“Há milhares de
pessoas com a vida
congelada e que a
regulamentação
pode desbloquear”
Fabian Figueiredo
Deputado BE
“Há uma série
de debates que
já estariam
teoricamente
encerrados na
sociedade
portuguesa em que
pode haver tentação
de retroceder”
Paulo Muacho
Deputado Livre
Expresso, 5 de abril de 2024
substituição foi aprovada pela
primeira vez na Assembleia
da República em 2017 e che-
gou mesmo a ser promulgada
pelo Presidente. Só que um
grupo de deputados do PSD
e CDS requereram ao TC a
fiscalização sucessiva desta
lei, levando a dois chumbos. A
lei foi novamente aprovada no
parlamento em 2021, apesar
dos votos contra do PSD, CDS,
PCP e Chega. Seguiram-se
dois anos de espera por uma
regulamentação que deveria
ter sido publicada em janeiro
de 2022.
O Ministério da Saúde apre-
sentou várias propostas, que
foram sendo criticadas tanto
pelo Conselho Nacional de Pro-
criação Medicamente Assistida
(CNPMA) como pelo Conselho
Nacional de Ética para as Ciên-
cias da Vida (CNECV). A ver-
são mais recente foi aprovada
no final de 2023, mas acabou
vetada por Marcelo Rebelo de
Sousa no início deste ano. Uma
nova proposta pronta a aprovar
consta da pasta de transição,
noticiou o “Público” e confir-
mou o Expresso.
Com menos tempo de espera,
mas também pendente, fica
a nova lei da nacionalidade.
Depois das respostas do TC, o
Presidente da República pro-
mulgou a lei que entrou em
vigor esta segunda-feira, 1 de
abril. A sua aplicabilidade terá
contudo de esperar pela regu-
lamentação, noticiou o “DN”.
“Há milhares de pessoas com
a vida congelada e que a regu-
lamentação pode desbloquear.
Essa é uma urgência. São pes-
soas que vivem e trabalham em
Portugal, que têm tido dificul-
dade de acesso à nacionalida-
de por força de a lei ainda não
estar regulamentada”, subli-
nha Fabian Figueiredo. Para
o bloquista, “todas estas leis
marcam avanços nos direitos
cívicos em Portugal” e “não há
nenhuma razão atendível para
a regulamentação não se fazer
nos primeiros meses de manda-
to do Governo”.
Mas há mais trabalhos ina-
cabados. Da pasta de transi-
ção, disponível no portal do
anterior Governo, constam
“alguns dos projetos mais re-
levantes que estão em desen-
volvimento nas várias áreas
governativas”. Além das
obras públicas que ficam com
a execução a meio, o dossiê
inclui ainda seis propostas de
lei. Em causa estão algumas
medidas como o mecenato
cultural, incentivos fiscais
com vista ao desenvolvimen-
to do mercado de capitais,
à carreira de investigação
científica e revisão da Lei de
Proteção em Emergência de
Saúde Pública.
calmeida@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
DEFESA
Marcelo quer revisão do estatuto
dos militares em vez de SMO
O Presidente espera que Nuno Melo inscreva a revisão do estatuto dos militares
no programa do Governo, porque não consta do programa da AD
No próximo domingo, nas cerimónias do Dia do Combatente, na Batalha, o Presidente deve voltar ao tema FOTO MARCOS BORGA
Vítor Matos
A falta de efetivos nas Forças Ar-
madas não se resolve com um re-
gresso do serviço militar obriga-
tório (SMO), mas com a melhoria
de condições nas carreiras dos mi-
litares, é a posição do Presidente
da República, apurou o Expresso,
sobre o tema debatido ao longo da
semana, depois dos alertas (pouco
habituais) de dois chefes militares
na última edição deste jornal.
Com o tema na agenda mediática
quando discursou na tomada de
posse do Governo, o comandante
supremo das Forças Armadas não
se pronunciou sobre eventuais mo-
delos de relação dos jovens com a
instituição, mas fez questão de se
referir aos militares, ao dizer que
a “valorização do estatuto militar”
é “muito urgente, mais ainda em
tempo de guerra”. Marcelo Rebe-
lo de Sousa deverá voltar ao tema
este domingo, quando discursar na
Batalha no Dia do Combatente, já
na presença do novo ministro da
Defesa, Nuno Melo (CDS), para ter
a certeza de que o tema será tratado
no programa do Governo, discutido
para a semana na Assembleia da
República.
Enquanto Marcelo Rebelo de Sou-
sa sublinhou o tema das Forças Ar-
madas no seu discurso com menos de
10 minutos no Palácio da Ajuda, foi
notada a ausência de referência aos
problemas da Defesa na intervenção
de meia hora do primeiro-ministro,
Luís Montenegro — quando poucas
semanas antes da campanha eleito-
ral as associações militares ameaça-
vam ir para a rua se não vissem as
suas condições equiparadas às das
polícias. A posição do Presidente,
que ao longo dos últimos anos tem
pedido uma aproximação dos venci-
mentos e carreiras dos militares das
Forças Armadas às magistraturas
e às forças de segurança, não anda
longe da opinião das associações
socioprofissionais, que preferem
tornar as carreiras mais atrativas,
do que regressar à conscrição para
resolver o problema agudo da falta
de efetivos.
No programa eleitoral da AD,
no entanto, não há qualquer re-
ferência à revisão do estatuto do
Estatuto dos Militares das Forças
Armadas (EMFAR) de que o Pre-
sidente fala, nem sequer há um
compromisso claro com o objetivo
de Portugal atingir os 2% de inves-
timento em Defesa, como o Execu-
tivo socialista se tinha comprome-
tido com a NATO até 2030 (quando
o prazo inicial era este ano).
No que diz respeito à relação dos
jovens com as Forças Armadas,
uma ausência de vínculo que tem
preocupado os chefes militares,
o programa da AD apenas refere
“ampliar a formação e educação
estratégica para a Segurança e De-
fesa Nacional”. Não fala em rever
o Dia da Defesa Nacional nem em
estudar novos modelos de servi-
ço militar, como começam a ser
testados noutros países europeus.
Quanto a carreiras, a coligação li-
derada por Luís Montenegro que
tem o líder do CDS como ministro
da pasta, compromete-se em “en-
cetar um processo de negociação
para a melhoria significativa das
Gouveia e Melo defende
treino militar básico
generalizado para facilitar
a mobilização, mas num
modelo consensual
diferente da conscrição
condições salariais em geral e em
particular da categoria de praças,
para garantir o recrutamento de
voluntários necessários para atingir
os efetivos autorizados”. E promete
“procurar reforçar os incentivos
para os militares contratados”.
O novo Governo, porém, não se
distingue muito do anterior quando,
no programa eleitoral, consta que a
meta de 2% para os investimentos
em despesa “não deve ser um fim em
si mesmo” e que “mais do que gastar
mais é importante gastar melhor,
ou seja, investir em investigação e
tecnologia com uma preocupação e
ambição de médio prazo”. No limite,
até se conhecer o que constará do
programa do Governo, a AD não
defende mais do que uma aproxi-
mação a esse objetivo: “Aumentar o
investimento em Defesa e desenvol-
ver a indústria nacional de Defesa,
aproximando o valor da despesa em
percentagem do PIB do compromis-
so assumido por Portugal no âmbito
da NATO”. Nunca fala em atingi-lo
na vigência do mandato, até 2028.
Não foi possível obter uma rea-
ção do ministro da Defesa à ques-
tão do serviço militar obrigatório,
que todos os partidos puseram de
lado, e as juventudes partidárias
rejeitaram num artigo publicado
no Expresso online (apenas André
Ventura admitiu estudar a hipóte-
se, mas a juventude do partido não
respondeu).
Gouveia e Melo defende
treino militar básico
O tema ressurgiu a semana pas-
sada, quando os chefes militares
do Exército e da Marinha toma-
ram uma rara posição pública no
Expresso, ao proporem ao poder
político para “reequacionar o ser-
viço militar obrigatório, ou outra
variante mais adequada”, de for-
ma a “equilibrar o rácio despesa/
resultados” e “gerar uma maior
disponibilidade da população para
a Defesa”, como defendeu o almi-
rante Gouveia e Melo, chefe do Es-
tado-Maior da Armada. O general
Eduardo Ferrão, chefe do Esta-
do-Maior do Exército, sugeriu o
estudo da “reintrodução do serviço
militar obrigatório”, devendo aque-
la matéria ser “avaliada sob várias
perspetivas” (ver ‘Duelo’, pág. 2).
O chefe do Estado-Maior-Gene-
ral das Forças Armadas, Nunes da
Fonseca, escreveu num comunica-
do enviado à Lusa que “a eventual
reintrodução do serviço militar
obrigatório em Portugal é uma
matéria que não deverá ser vista
numa lógica redutora de solucio-
namento de carência de efetivos,
mas sim através de uma abordagem
abrangente de criação de uma pres-
tação de serviço nacional e univer-
sal de natureza cívica, destinado à
totalidade dos cidadãos”. Ou seja,
também defendeu, de forma mais
subtil, um novo modelo de relação
dos jovens com as Forças Armadas.
O chefe da Força Aérea não se pro-
nunciou publicamente sobre o tema,
mas o Expresso sabe que esta tem
sido uma preocupação manifestada
pelos chefes militares, nomeada-
mente, nas reuniões do Conselho
Superior de Defesa Nacional, sob a
égide do Presidente da República.
Quanto ao almirante Gouveia e
Melo, fez um esclarecimento a dizer
que não defende um regresso ao
SMO, na cerimónia de partida do
submarino “Arpão” para o Ártico e
de 146 fuzileiros para a Letónia, que
foi entendido como um recuo. Mas
na verdade não foi. O almirante, em
conversas com o Expresso antes da
publicação do seu artigo de opinião
na revista, deixou claro que defende
a necessidade de “um treino militar
básico” generalizado aos jovens,
que permitisse uma mobilização rá-
pida em caso de necessidade, sobre-
tudo para funcionar como forma de
dissuasão de potências agressoras,
como é o caso da Rússia.
Gouveia e Melo não defendeu o
modelo antigo de conscrição, mas
a necessidade de “ser discutida”
uma solução de consenso nacional
“que o poder político aceite, que a
população aceite, porque só todos
nós em conjunto podemos dar uma
resposta que seja uma resposta do
próprio país”. Os generais agora es-
peram essa resposta do novo poder.
vmatos@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 15
Gente
Memória seletiva Gente pro-
curou, procurou e não encontrou
Gonçalo da Câmara Pereira na
tomada de posse do Governo da
coligação da qual fez parte. A au-
sência de Pedro Nuno Santos foi
notada, mas na verdade havia mais
um ausente de peso no Palácio da
Ajuda. O líder do PPM, que deu
nome à AD que ganhou as eleições,
não foi convidado. Depois de ter
saído do cativeiro em que esteve na
campanha, Câmara Pereira caiu no
buraco do esquecimento. “Devem
ter-se esquecido. Sem stresse”, dis-
se à SIC. Trata-se pois de um caso
de memória seletiva.
Mais do que pontual A toma-
da de posse do Governo estava
marcada para as 18h, mas ainda
não eram 16h30 quando o novo
ministro da Economia, Pedro Reis,
entrou no Palácio da Ajuda. Gente
saúda a pontualidade britânica da
cerimónia (nem sempre aconte-
ce em eventos do Governo), mas
ficou com uma pergunta sobre o
social-democrata de quem sempre
se disse que gostaria de chegar a
ministro: aquela entrada madruga-
dora era tudo vontade de começar
a trabalhar? Ou um aviso do tipo
“não se esqueçam de mim”?
Ataque de riso A tomada de
posse é sempre um momento para
alguma descontração apesar dos
nervos para os empossados, Gente
notou, no entanto, que houve mais
gente bem-humorada, a começar
pela procuradora-geral da Repú-
blica. Lucília Gago está de saída
no final do ano e até ouviu o pri-
meiro-ministro dizer que fazia um
balanço negativo da sua atuação
na campanha. Nada que a tenha
atrapalhado na hora de rir. É nestas
alturas que Gente gostaria de ser
uma verdadeira mosca para saber
o que foi dito — ou estaria a rir de
nervos?
Não vi ninguém Por falar em
procuradora-geral, foi notória a
forma como o primeiro-ministro
cessante, sentado à frente de Lu-
cília Gago, cumprimentou quem
estava ao lado dela e a ignorou na
hora dos cumprimentos. António
Costa tem dito que não fala com
a Justiça pelos jornais, mas pelos
vistos nem quando a tem mesmo
ao pé. Nem na hora de despedida.
Uma questão de história Gente
teme que a fúria contra logótipos
minimalistas tenha atingido de tal
modo o Governo de Montenegro
que não escape nada ao olho de
lince. Para já, escaparam a Mon-
tenegro as alterações gráficas ao
símbolo do concelho natal, Espi-
nho. A Câmara Municipal optou
por um desenho de uma onda azul
num retângulo de fundo branco em
vez do antigo brasão com castelos
e peixes. Montenegro vai mandar
mudar o logótipo do concelho?
Veja as diferenças
Dizem as más línguas que a nova
ministra da Cultura cultiva muitas
amizades (alerta ironia) pelos
sítios por onde passa. Uma das
suas passagens mais marcantes
foi pela Casa das Histórias Paula
Rego. E foi tão impactante para
a própria pintora que, num
quadro que criou por essa altura,
retratou uma personagem muito
semelhante a Dalila Rodrigues. O
nome do quadro? “As Bruxas”.
16 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 5 de abril de 2024

SO CIEDADE SAÚDE

Procriação Dois pedidos foram chumbados pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. Um está em tribunal

Sete mulheres avançaram

com inseminação pós-morte
Joana Ascensão

N
atália (nome fictício)
soube pouco tempo
depois da morte do
companheiro, vítima
de um tumor cerebral,
que queria avançar
para uma insemina-
ção pós-morte. Aos 29
anos, não morria ali
a vontade de ser mãe. Era setembro
de 2021 e o debate na Assembleia da
República sobre a legalização do proce-
dimento estava ao rubro, mas ainda não
era permitido em Portugal uma mulher
ter um filho do companheiro falecido.
Depois de uma primeira aprovação da
lei na Assembleia da República, Mar-
celo Rebelo de Sousa tinha vetado o
decreto em abril, devolvendo-o ao Par-
lamento. E foi neste hiato legislativo
que Natália telefonou para o IPO de
Coimbra, onde o esperma do compa-
nheiro estava criopreservado por moti-
vos de doença. Ela mesma informou da
morte do paciente e pediu para que não
se desfizessem do material genético.
“Responderam-me dizendo que a lei
ainda não tinha sido aprovada e para
ligar quando o fosse”, recorda. Mas o
pedido foi cumprido. E poucos meses
após a lei ser aprovada, a 22 de outu-
bro de 2021, Natália voltou a telefonar.
“Aí disseram-me que no meu caso era
impossível, porque o meu companheiro
não tinha deixado um consentimento
por escrito ou em vídeo [em que ex-
pressasse a sua vontade]”, testemunha.
Desde então, a mulher, de 32 anos,
tem-se batido para ser mais um caso so- A inseminação post mortem foi aprovada em outubro de 2021, após um veto do Presidente da República FOTO GETTY IMAGES
mado aos restantes sete, que, segundo
o Conselho Nacional de Procriação Me- A Unidade Local de Saúde de Alma- país, o de Ângela Ferreira, que chegou admissíveis todos os meios de prova lamenta. Em resposta, a Unidade Lo-
dicamente Assistida (CNPMA), foram da-Seixal, que abrange o Hospital Gar- à Assembleia da República em março que demonstrem a existência desse cal de Saúde de Coimbra recusa-se a
autorizados a avançar para uma inse- cia de Orta, informa ter sido realizado, de 2020, através de uma Iniciativa Le- consentimento”. O decreto-lei diz até comentar o caso em concreto, justi-
minação pós-morte e no âmbito dos até à data, “apenas um tratamento de gislativa de Cidadãos que reuniu mais que será aceite uma “declaração, sob ficando com o direito à proteção da
quais se totalizaram 19 tratamentos: fecundação in vitro (FIV) com sémen de 20 mil assinaturas. compromisso de honra, do médico que privacidade da utente.
uma inseminação artificial, 10 fecunda- de falecido, sem sucesso devido a bai- acompanhou o processo que confirme Também outra mulher tem o proces-
ções in vitro (FIV) e oito transferências xa reserva ovárica da senhora, que Mulher ganha na 1ª instância a existência desse consentimento”. so bloqueado. Neste caso, a vontade
de embriões criopreservados (TEC). aguarda repetição do tratamento”. É a este último ponto que se agarra seria efetuar tratamentos no privado,
Além deste caso, reportou um outro Com o caso de Ângela Ferreira passou Natália, que jura ter esta declaração mas o centro de PMA alegou falta de
Só dois casos no SNS de “um utente que fez preservação de a ser permitido avançar para uma inse- do oncologista do companheiro, mas provas quando ela apresentou uma
fertilidade com autorização para uso minação post mortem apenas na condi- que não estará a ser aceite pela Uni- declaração do médico que seguiu o
Segundo apurou o Expresso junto dos após a morte”. Também na Unidade ção de o homem ter deixado explícito, dade Local de Saúde de Coimbra. Em caso do companheiro, entretanto fale-
10 Centros de Procriação Medicamen- Local de Saúde de Gaia e Espinho há por escrito ou em vídeo, a sua vontade setembro de 2022, depois de uma con- cido. Ao avançar para tribunal, a utente
te Assistida (PMA) públicos do país, registo de três doentes que fizeram expressa. Mas na lei há uma exceção sulta de PMA, a médica responsável ganhou em 1ª instância, mas o Expres-
apenas duas mulheres estão ali a rea- criopreservação de esperma por mo- para os casos em que o falecimento se “telefonou a dizer que não reunia as so sabe que o CNPMA recorreu e o
lizar os tratamentos que em tudo são tivos de doença, “com vista à insemi- deu antes da aprovação legal, como condições todas” e indicou a mulher processo está agora a aguardar nova
iguais às fertilizações comuns — a única nação pós-morte”, mas nenhum dos no de Natália. Diz a lei que a mulher para uma consulta de psicologia. Por decisão. Questionado sobre as razões
diferença é que utilizam esperma de casos avançou para tratamentos até pode avançar se provar a “existência isso Natália contactou um advogado e que levaram ao recurso, o CNPMA não
um homem falecido. As restantes esta- agora. E na Unidade Local de Saúde de de um projeto parental claramente vai avançar para tribunal. “É a única respondeu até ao fecho desta edição.
rão a ser seguidas no privado. São João avançou o primeiro caso do consentido e estabelecido” e que “são coisa que me resta do meu marido”, jascensao@expresso.impresa.pt

Ordem dos Médicos Médicos não perdeu tempo e já

fez saber à nova ministra da Saú-
de, Ana Paula Martins, que quer
“é precisa uma redefinição das
ULS universitárias”.
“As responsabilidades das ad-
dos médicos. Não se explicou
como se ia fazer e é precisa uma
estrutura sólida e fundadora
Saúde e só pode haver um. A
preponderância deve ser do mi-
nistério e da ministra e a DE-S-

prepara plano de retomar as “negociações com

carácter de urgência”. E deixa
claro: “A FNAM será aliada de
ministrações regionais de saúde
não passaram totalmente para
as ULS, por exemplo na Saúde
onde as administrações se pos-
sam orientar. Criaram-se as si-
glas, mas no papel não há nada
NS um papel organizador e não
estruturador.”
Crítica da desvalorização da in-

cativação de clínicos todas as medidas que tenham

Documento com medidas
para captar profissionais
para o SNS inclui
alterações na formação.
Será entregue ao Governo
“Não adianta fazer planos se não
há médicos, nenhum vai resul-
tar”, avisa o bastonário da Or-
dem dos Médicos ao novo Gover-
no, que a 2 de junho apresenta
um “Plano de Emergência” para
a Saúde. Carlos Cortes está, por
isso, a preparar uma prescrição
para receitar à nova ministra da
Saúde e a primeira terapêutica é
a “cativação” de clínicos.
“Estamos a construir uma es-
pécie de plano de cativação de
médicos que passa pelas ques-
tões da formação, investigação e
carreira. São precisas respostas
para captar mais médicos para
o Serviço Nacional de Saúde
(SNS)”, explica Carlos Cortes. O
bastonário não avança medidas
concretas, “o documento ainda
está a ser trabalhado, estamos a
conjugar as necessidades do SNS
com o programa da Aliança De-
mocrática”, mas será enviado ao
Governo a tempo de contribuir
para a intervenção de emergên-
cia a preparar nos primeiros 60
dias da governação.
A valorização dos clínicos tam-
bém já foi exigida pelos sindica-
tos. A Federação Nacional dos
capacidade de reter e atrair mé-
dicos para o SNS, com salários
justos e condições de trabalho
dignas”, alertando que “não há
tempo a perder”.
Às mãos da ministra da Saúde,
Ana Paula Martins, vão chegar
também “outros pontos priori-
tários” refere Carlos Cortes: “A
Urgência, todas e em todas as
vertentes, incluindo um relatório
que vamos apresentar sobre as
maternidades; é preciso um novo
modelo para reorganização dos
hospitais.” Igualmente para mu-
dar é o modelo de unidades lo-
cais de saúde (ULS): “São preci-
sos reajustamentos porque cada
um está a fazer à sua maneira e
a Ordem elaborou um conjunto
de artigos para que haja homo-
geneização.” Num aspeto, basto-
nário e ministra estão de acordo,
Pública, na formação de inter-
nos, na contratação pública e há
áreas que ninguém está a tratar
e que vão ficar sem resposta”,
critica. E pede cautela: “Terão
de existir medidas excecionais
nos próximos dias porque vão
faltar coisas à população com
grande impacto.” Carlos Cortes
não quer, no entanto, dizer o quê.
A mesma falta de harmonia é
apontada aos recentes centros
de responsabilidade integrados
(CRI). “É uma boa ideia, mas é
uma incógnita para a maioria
Bastonário defende
que o SNS não pode
ter dois ministérios
e dois ministros
da Saúde
que diga como funciona.”
Ao invés do caos aparentemen-
te organizado dos hospitais, os
cuidados primários estão into-
cáveis. “As unidades de saúde
familiar estão muito bem estru-
turadas e os médicos sabem o
que fazer”, reconhece.
DE-SNS deve manter-se
A questão mais imediata é, no
entanto, outra: o futuro da Dire-
ção-Executiva. O Governo quer
reformular o estatuto desta enti-
dade gestora do SNS e a Ordem
dos Médicos vota a favor. “Sou
a favor da DE-SNS e não que-
ro que nenhuma das reformas
feitas retroceda, embora sejam
necessários ajustamentos, mas
é preciso redefinir o seu papel,
porque funcionava como outro
ministério e outro ministro da
tervenção das farmácias durante
a pandemia, Ana Paula Martins
tem agora um desafio: dar ou
não às farmácias a possibilidade
de prestarem mais cuidados à
população, dando resposta onde
o SNS vai falhando. O repto está
feito pela presidente da Asso-
ciação Nacional das Farmácias.
Ema Paulino disse esta semana,
na tomada de posse da sua ree-
leição, que há “disponibilidade
das farmácias para integrar o
Plano de Emergência para o SNS
do Governo, aliviando a pressão
nas urgências hospitalares e cui-
dados de saúde primários, atra-
vés de uma resposta direta da
farmácia em situações clínicas
ligeiras ou na identificação dos
casos que carecem de referen-
ciação para o médico”.
Vera Lúcia Arreigoso
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
JUSTIÇA
PJ quis fazer buscas a secretário
de Estado, MP disse que não
Uma escuta levou a PJ a suspeitar de Bernardo Ivo Cruz,
então secretário de Estado da Internacionalização
Hugo Franco, Micael
Pereira e Tiago Soares
Uma conversa telefónica, em
outubro de 2022, entre Manuel
Serrão e um membro do Go-
verno de António Costa foi su-
ficiente para levar a equipa da
Polícia Judiciária que está com
a Operação Maestro a acredi-
tar que poderia haver matéria
criminal relevante. O empresá-
rio dos têxteis telefonou nesse
dia a Bernardo Ivo Cruz, então
secretário de Estado da Inter-
nacionalização, para dar conta
de uma preocupação: aparen-
temente, a União Europeia ia
deixar de atribuir o tipo de sub-
sídios que recebia desde 2015
através do FEDER, o Fundo
Europeu de Desenvolvimento
Regional.
Os inspetores ficaram con-
vencidos de que poderia haver
alguma cumplicidade entre o
governante e Manuel Serrão
depois de, no seguimento dessa
conversa, o empresário ter pas-
sado a estar em contacto com
Nuno Mangas, presidente do
Compete 2020, um programa
operacional que concede incen-
tivos financeiros a empresas
para promover a competitivi-
dade e a internacionalização
da economia portuguesa. O
Compete, que está sob a tute-
Escrutínio
de sistema
antifraude
bloqueado
Organizada por um think
tank de peritos em fundos
europeus associado à PGR,
realiza-se no dia 10 uma
conferência que junta
académicos e quadros do
Estado para um “debate
aprofundado sobre o
equilíbrio entre acesso e
proteção de dados na era
digital”. O encontro acontece
porque as dificuldades em
aceder a informação sobre
projetos financiados por
Bruxelas está a comprometer
o escrutínio dos sistemas
antifraude usados pelas
entidades públicas, alertam
os peritos. A preocupação
com as limitações
tecnológicas dos sistemas de
controlo interno das
entidades fiscalizadoras
começou em 2021: “Para
compreender a dimensão da
fraude não declarada era
necessário perceber como é
que os sistemas existentes
apresentam a fraude
declarada”, explica um perito.
O estudo começou há mais
de dois anos, mas as
entidades públicas alegaram
incompatibilidades com o
Regulamento Geral da
Proteção de Dados (RGPD)
para não enviar a informação
necessária. Tratou-se de um
“refúgio” que deixou a análise
“incompleta”, lamenta um
perito. “A conferência serve
para resolver publicamente o
problema. Afinal, o RGPD é
um obstáculo à partilha de
dados ou apenas uma falsa
questão levantada pelas
entidades públicas?”,
pergunta uma fonte próxima
do processo. T.S.
PRIMEIRO CADERNO 17
la do Ministério da Economia, O Expresso perguntou à parte dos fundos comunitários
tem canalizado uma boa parte Procuradoria-Geral da Re- que recebeu.
do dinheiro do FEDER para pública se já fez ou vai fazer Na semana passada, um think
Portugal. alguma diligência junto do tank associado à PGR pediu ao
Quando a PJ e o Ministério tribunal para suspender os fi- Tribunal de Contas (TdC) uma
Público planearam a opera- nanciamentos a Serrão, mas auditoria independente aos sis-
ção de buscas que decorreu há não obteve respostas até ao temas de informação usados
duas semanas, Nuno Mangas fecho da edição. para fiscalizar a atribuição de
foi um dos alvos incluídos na Em causa está a atribuição fundos, apontando falhas no
FOTO RUI DUARTE SILVA
lista, mas Bernardo Ivo Cruz de €38,9 milhões em fundos cruzamento de dados. Sem con-
ficou de fora. Segundo fontes europeus a empresas de Serrão firmar que aceitou este pedido,
próximas da investigação, ape- desde 2015. O MP suspeita que o TdC garante ao Expresso que
sar da insistência dos inspeto- o empresário criou estruturas “estão em curso várias audi-
res da PJ, os procuradores que empresariais complexas, usan- torias sobre a fiscalização de
coordenam o processo-crime do contratos e faturas falsas de fundos europeus que serão con-
recusaram incluir o secretário serviços fictícios, para se apro- cluídas oportunamente”.
de Estado, justificando a deci- veitar de forma fraudulenta de hfranco@expresso.impresa.pt Manuel Serrão está no epicentro da Operação Maestro
são com o facto de não haver
qualquer suspeita de que tenha
interferido nos factos em causa
na Operação Maestro.
Contactado pelo Expresso, o
ex-secretário de Estado não se
lembra desse telefonema de ou-
tubro de 2022. “A pessoa com
a função de secretário de Esta-
do da Internacionalização tem
centenas de conversas todos os
dias com empresários de norte
a sul do país. Não me lembro,
mas não me espanta que tenha
tido essa conversa com o em-
presário Manuel Serrão.”
Bernardo Ivo Cruz recorda
que o período a que se refere
a escuta coincidiu com uma
fase em que os fundos do Com-
pete 2020 estavam a chegar
ao fim e não havia ainda os do
Compete 2030. “Essa era uma
questão recorrente por parte
dos empresários. Havia uma
preocupação das empresas de
como seria o processo de pas-
sagem do 2020 para o 2030 e
eu devo ter tido essa conversa
milhões de vezes.” O ex-gover-
nante conta ainda que falou
uma única vez pessoalmente
com Serrão, numa visita ins-
titucional ao Modtissimo, o
salão têxtil no Porto dirigido
pelo empresário.
Suspensão preventiva
de fundos sem consenso
Ao Expresso, fonte oficial
do Compete apontou que só
uma condenação judicial com
trânsito em julgado poderia
suspender os pagamentos
feitos às empresas de Serrão.
Juristas ouvidos pelo jornal
duvidam desta interpretação
“incompleta” da legislação, in-
dicando que as autoridades de
gestão — neste caso, o Compe-
te — podem decidir por uma
“suspensão administrativa” em
casos de suspeita criminal, não
tendo de esperar pela decisão
judicial.
O jornal contactou novamen-
te o Compete, cujo diretor está
implicado na Operação Maes-
tro, sem sucesso. Enquanto
entidade que fiscaliza os pro-
gramas em causa, a Agência
para o Desenvolvimento e Coe-
são (AD&C) foi questionada
sobre se as suspeitas do MP
iriam motivar a aplicação de
medidas administrativas para
salvaguardar o dinheiro públi-
co de forma preventiva.
Sublinhando que não se pro-
nuncia sobre “processos de
investigação em curso”, fonte
oficial da AD&C garante que
“em cada momento, e com
base na informação disponí-
vel, pondera possíveis medidas
preventivas a tomar” em casos
de possíveis fraudes. E lembra
que em 2019 foi celebrado um
“protocolo de colaboração”
com o DCIAP que inclui “troca
de informações”.
18 PRIMEIRO CADERNO
ENTREVISTA
Nuno Matos Presidente da direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses
“Demora na decisão
sobre Costa não é boa
para a democracia”
Texto Rui Gustavo
Foto Nuno Botelho
O homem que ganhou por dois votos as
eleições para a direção da Associação
Sindical dos Juízes Portugueses assume
a costela sindicalista, rejeita ser um
herdeiro de Noronha do Nascimento,
acredita que é preciso uma reforma na
Justiça e admite que há decisões dos
colegas que o deixam “perplexo”.
P A AD escolheu para ministra da
Justiça uma advogada especializada
em imobiliário e que não é uma figura
de primeiro plano do PSD. É uma falta
de aposta do novo Governo na Justiça?
R Não podemos dizer isso sem primeiro
ver quais as primeiras medidas que vai
adotar. Não conheço, nunca me cruzei
e nunca tinha ouvido falar de Rita Jú-
dice, mas isso não é um inconveniente.
Todos devemos dar uma oportunidade
a quem vai para uma função destas e
todas as profissões jurídicas deram
um voto de confiança à nova ministra.
Vamos falar com ela e tentar resolver
os problemas.
P E qual é o primeiro grande proble-
ma que a ministra tem de resolver?
R A greve dos funcionários judiciais.
Senti isso na pele como juiz. Durante
um ano apanhei greves dos funcio-
nários e dos guardas prisionais que
provocaram graves perturbações nos
tribunais. As reivindicações dos fun-
cionários não são nada de especial.
Entraram num braço de ferro com a
anterior ministra que levou a um blo-
queio, mas não me parece que peçam
nada de especial: um suplemento, pro-
gressão na carreira e mais funcioná-
rios, o que é absolutamente essencial.
Andei a correr os tribunais e uma das
coisas que mais me impressionou foi
não haver funcionários. Onde havia
seis ou sete, vi dois, um, três ou mes-
mo nenhum.
P Sendo essa a grande prioridade, as
reivindicações dos juízes não podem
ficar para trás?
R O Ministério trabalha só num as-
sunto ou em vários? Todos têm rei-
vindicações, desde a bastonária dos
advogados, aos guardas prisionais,
passando pelos procuradores do MP.
E a longo prazo temos de falar da re-
forma na justiça.
P É preciso mais uma?
R É preciso uma reforma na Jus-
NÃO CONHEÇO E
NUNCA TINHA OUVIDO
FALAR DE RITA
JÚDICE, MAS ISSO
NÃO É UM
INCONVENIENTE
tiça, mas tem de ser pensada. No
imediato, precisamos de mudanças
legislativas.
P Quais?
R Agilização processual. Não faz sen-
tido o uso excessivo de ferramentas
processuais que levem à eternização
dos processos. Estou a falar dos recur-
sos e sei que são fundamentais e não
quero acabar com todos. Mas tem de
haver limites.
P Se houver recurso para o Constitu-
cional, deve deixar de ter efeito sus-
pensivo?
R Essa pode e deve ser uma solução.
Quando houver uma decisão da pri-
meira instância que é confirmada na
íntegra pela instância seguinte, há
uma dupla conforme e já não há pos-
sibilidade de recurso para o Supremo.
E aí o recurso para o Constitucional
devia deixar de ter efeito suspensivo.
P Mas isso são alterações pontuais. É
mesmo preciso uma revolução?
R É preciso refletir sobre alterações
que têm de se fazer transversalmente
a todo o sistema. Nós já demos o pri-
meiro passo com a agenda da reforma
da Justiça, agora temos de debater.
P Vai bater-se pelo aumento do salá-
rio dos juízes?
R Os juízes não têm muito por onde
serem aumentados. O topo é o salá-
rio do Presidente da República. São
uns €5 mil. Mas a média na primeira
instância é de €2 mil. Se a associação
conseguir uma atualização do venci-
Nuno Matos
ganhou as
eleições mais
concorridas
de sempre
por dois votos
mento dos juízes mais novos eu já fico
muito contente. E isso implica mexer
nos escalões. Quando eu entrei, per-
manecíamos 18, 19 anos na primeira
instância e depois íamos para a Rela-
ção. Hoje em dia são 27 anos. E só há
dois escalões. E devia haver mais por
onde se pudesse progredir.
P Faz agora um ano que o CSM apro-
vou uma proposta sobre as portas
giratórias que os juízes usam para
entrar na política. O Parlamento nem
sequer a discutiu e há uma juíza no
novo Governo. Qual é a sua posição?
R Há lugares que são prestigiantes
para os magistrados. Ser ministro da
Justiça, por exemplo. Para outro tipo
de cargos, tenho as minhas dúvidas.
Por princípio, sou contra as portas
giratórias e o poder entrar e sair da
magistratura. Abro uma exceção para
o caso de ministro de Justiça.
TENHO AS MINHAS
DÚVIDAS DE QUE
TENHA SIDO O
PARÁGRAFO DA
PGR A LEVAR À
QUEDA DO GOVERNO
Expresso, 5 de abril de 2024
P No seu programa defende que os
juízes vítimas de desinformação pos-
sam defender-se. O que é que isto
quer dizer?
R Em algumas situações a pessoa
em melhores condições para explicar
uma decisão é o juiz. Mas a experiên-
cia diz-nos que isso não corre bem.
A solução é ter figuras intermédias
para explicar. Pode ser o presidente
da comarca, por exemplo. Eu, como
juiz e também como cidadão, às ve-
zes fico um bocado perplexo com
estas situações do tudo ou nada.
P Quer dar um exemplo?
R A da Operação Marquês. Quando
Ivo Rosa, que até é meu colega na 9ª
secção da Relação de Lisboa, teve
aquela decisão instrutória. A fase
instrutória [que arrasou toda a acu-
sação] não pode servir para aquilo.
P Mas devia acabar?
R Acho que só devia existir em ca-
sos muito pontuais e no resto devia
acabar. A defesa quer transformar
a instrução num pré-julgamento e
agora converteu-se numa chancela
da acusação. O juiz não faz qualquer
diligência, carimba e manda para
julgamento. Ou seja, é inútil. A ins-
trução poderia perfeitamente deixar
de existir.
P A corrupção está instalada em
Portugal?
R Pelo que chega aos tribunais, não.
Mas a perceção é muito maior. Che-
gam poucos casos aos tribunais. É
um crime que me preocupa porque
quanto maior é a corrupção, menor
é o desenvolvimento económico de
um país.
P Os casos Influencer e da Madeira
destaparam uma guerra entre juízes
e procuradores?
R Não. Vejo o que aconteceu com
normalidade. O que deixa as pessoas
perplexas é alguém dizer que isto é A
e outro diz que é B. Alguém tem de
estar errado, não é?
P Mas isso está sempre acontecer
com os juízes. Ainda agora caiu um
Governo por causa de uma inves-
tigação e um colega seu veio dizer
que as suspeitas são “vagas e con-
traditórias”.
R Tenho as minhas dúvidas de que
tenha sido o parágrafo da PGR a
levar à queda do Governo. Foi um
conjunto de circunstâncias. Alguém
dizer que a pessoa A é suspeita de
um crime, se a pessoa está à vontade
com isso e sabe que não corresponde
à realidade, não tem qualquer tipo de
preocupação.
P Cinco meses depois, é aceitável
que não haja uma decisão em relação
às suspeitas?
R Devia haver um esforço para deci-
dir — e estou a medir bem as palavras
— o mais rapidamente possível. Mas
admito que não possa ser decidido
rapidamente. Eu gostava que fosse
decidido rapidamente, não é bom
para ninguém estar com essa deci-
são pendente. A demora na decisão
sobre Costa não é boa para a demo-
cracia.
P A Operação Marquês rebentou há
dez anos e o julgamento nem come-
çou. Os juízes têm culpa?
R A responsabilidade é do sistema
judicial que temos. E um sistema que
permite isto é negativo.
P Mas está doente?
R Tem alguns sintomas de doença,
mas não está para morrer nem para
implodir Não se pode confundir a
árvore com a floresta.
P Quando as árvores são ex-primei-
ros-ministros...
R Daqui a bocado estamos a falar
de justiça para ricos e justiça para
pobres.
P E há?
R Há e não há. Há porque, como na
saúde e na educação, há pessoas com
acesso privilegiado. Mas na atitude
do juiz não há justiça para ricos e
para pobres. Onde há é nos meios.
Quem tem dinheiro pode pagar ad-
vogados melhores e custas para re-
correr mais.
rgustavo@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024 PRIMEIRO CADERNO 19

SEGURANÇA

Aumentam os assaltos relacionados

com a dependência de drogas duras
A zona central de Lisboa
atrai os assaltantes
viciados em crack. É aí que
encontram casas e lojas
mais fáceis de roubar
A dependência das drogas
mais duras como o crack ou
a heroína tem sido a causa de
Delinquência juvenil está a aumentar FOTO GETTY IMAGES centenas de pequenos assaltos
a casas e estabelecimentos co-
Estas zonas da capital têm uma
grande quantidade de pequenos
estabelecimentos de rua e de ha-
bitações térreas e envelhecidas,
o que as torna alvos mais fáceis
para este tipo de assaltantes.
E ficam próximas de locais de
consumo de estupefacientes. “É
a zona de passagem e de transi-
ção. Transição entre bancas de
droga, locais para furtar e zonas
do a alertar para um aumento
do consumo de droga, nomea-
damente do crack, mas o mais
recente inquérito nacional ao
consumo de substâncias, divul-
gado esta quarta-feira, não refle-
te esse crescimento, apontando,
antes, para uma estabilização.
Por exemplo, no caso da cocaí-
na, a substância de que é feito o
crack, o estudo revela uma pre-
Instituto para os Comportamen-
tos Aditivos e as Dependências
(ICAD), Manuel Cardoso, expli-
ca que o consumo de crack con-
centra-se sobretudo na franja
mais vulnerável da sociedade,
em particular na população
sem-abrigo, que não foi abran-
gida no inquérito, o que pode ter
interferência no resultado.
Por outro lado, a falta de capa-

Crimes cometidos merciais nas zonas mais cen-

trais de Lisboa, como Arroios,
Alameda, Areeiro ou Martim
onde também se faz a receptação
desse tipo de bens furtados. Já
para não mencionar que mui-
valência de 1,1%, praticamente
o mesmo valor que tinha sido
registado em 2017 e em 2012
cidade de resposta dos serviços
de tratamento e o aumento do
número de pessoas em situação

por crianças Moniz. Embora não haja da-

dos estatísticos, várias fontes
policiais relatam ao Expresso
tas destas pessoas são ou sem-
-abrigo ou estão hospedadas em
hotéis baratos. Se não viverem
(1,2%). O subdiretor-geral do de sem-abrigo contribuíram
para um crescimento do con-
sumo a céu aberto, o que deu

duplicam num ano o crescimento deste fenóme-

Relatório da Comissão
de Análise Integrada da
Delinquência Juvenil e da
Criminalidade Violenta
revela dados preocupantes
Os números do relatório final
Na área da PJ houve um cres-
cimento de 33% dos crimes que
envolvem especial violência
(sem especificação da idade
dos suspeitos) em 2022. No
ano passado continuou a veri-
ficar-se um aumento neste in-
no. “Muitas vezes os autores
desses crimes cometem-nos
por desespero para terem a
dose deles”, conta uma fonte
da PSP.
por ali, têm os transportes para
se movimentarem”, acrescenta
esta fonte.
As associações que trabalham
na área da toxicodependência e
as próprias autoridades têm vin-
Associações da área da
toxicodependência e a
polícia têm vindo a alertar
para uma subida
do consumo de crack
maior visibilidade ao fenómeno,
ainda que “não corresponda ne-
cessariamente a um crescimento
do consumo, no geral”, ressalva.
H.F. e Joana Pereira Bastos
jbastos@expresso.impresa.pt

Prémio
da Comissão de Análise Inte- dicador embora de forma mais
grada da Delinquência Juvenil ligeira (+5%).

Nacional
e da Criminalidade Violenta, Este documento de 190 pági-
coordenados pelo Ministério nas mostra que em 2022 houve

da Administração Interna, re-
velam não só uma subida dos
crimes cometidos por menores
de 16 anos como uma tendên-
cia dos grupos organizados
Turismo
19.444 jovens entre os 16 e os
29 anos constituídos arguidos
em algum tipo de processo-cri-
me e desse total foram 13.672
os rapazes e raparigas conde- UMA INICIATIVA:

em se aproveitarem da mão de nados em primeira instância.

obra infantil e juvenil, como é
o caso das redes de tráfico de
droga em bairros considerados
problemáticos de Lisboa e do
Porto.
No ano passado, a PSP e a
GNR detetaram que o número
de crianças com menos de 12
anos ligadas a grupos de rua e
envolvidas em atividades cri-
minosas mais do que duplicou,
passando de 29 dos casos re-
gistados em 2022 para 64 em
2023, podendo este número
ainda aumentar, já que estão
contabilizados os primeiros
dez meses do ano passado e
ainda faltam novembro e de-
zembro para a contabilidade
final. Este número é, aliás, su-
perior aos anos ainda antes da
pandemia.
Muitos destes jovens
“estão atualmente
mais duros”, a “maior
parte vai à escola,
mas não às aulas”
Existem ‘firmas’ que
se constituem como
fortes componentes
de aliciamento
dos jovens
As duas forças de seguran-
ça também registaram 1840
crimes cometidos por jovens
entre os 12 e os 16 anos, mais
8,2% do que no ano anterior.
Também a criminalidade gru-
pal aumentou: no ano passado
foram 6757 os casos deteta-
dos pelas forças de seguran-
ça (mais 14,8% que em 2022).
E cerca de um quarto desses
crimes de grupos envolveu cri-
anças e jovens entre os 12 e 21
anos. Os crimes mais comuns
cometidos por estes jovens de-
linquentes são o roubo na via
pública, a ofensa à integridade
física simples e o furto em edi-
fício comercial ou industrial.
Segundo a PSP, a maioria dos
Esta população representa
28% e 29% do total de argui-
dos e condenados em Portugal.
Os crimes mais frequentes
praticados por crianças e jo-
vens que se encontram nos
centros educativos e no siste-
ma prisional são o homicídio
voluntário consumado, ofensa
à integridade física grave, ofen-
sa à integridade física simples,
ameaça e coação, roubo, viola-
ção e extorsão.
‘Firmas’ aliciam
jovens para o crime
A análise da comissão não é
meramente quantitativa. Os
peritos percecionaram a “exis-
tência das designadas ‘firmas’
e que se constituem como
fortes componentes de alicia-
mento dos jovens (quer prévio,
quer aquando da reintegração,
após saída de um centro edu-
cativo)”. Estas ‘firmas’ são os
grupos organizados já com
uma lógica de empresas que
se aproveitam das fragilidades
pessoais e sociais dos mais jo-
vens para os aliciar para o sub-
mundo do crime. As ‘firmas’,
que muitas vezes fornecem
alojamento e alimentação aos
mais novos, dão-lhes “estatu-
to”, havendo mesmo “papéis
diferenciados” dentro destas
organizações.
Muitos destes jovens “es-
tão atualmente mais duros”,
a “maior parte vai à escola,
mas não às aulas”, “quando O BPI e o Expresso promovem uma Portugal é uma referência mundial
são ‘apanhados’ já é tarde” nova edição do Prémio Nacional do turismo. Inscreva-se e mostre que
e “muitos estão entregues a de Turismo. o seu proj
o eto é uma boa razão para
si próprios”, pode ler-se no
documento. Os especialistas celebrarmos.
não têm dúvidas de que o que Pelo 6º ano consecutivo, vamos
marca a vida dos mais novos Candidaturas abertas até 31 de maio.
em zonas carenciadas no seu
reconhecer e premiar os melhores
percurso familiar e escolar é proj
o etos nas categorias de Turismo
o “abandono”, sendo vítimas Autêntico, Turismo Gastronómico,
de “múltiplas falhas em múlti-
Turismo Inclusivo, Turismo Inovador Saiba mais e inscreva-se em
plos contextos”, não existindo PREMIONACIONALTURISMO.PT
uma “intervenção sistémica e Turismo Sustentável.
e sistematizada”. E quando
ela existe já é “tardia”. Em
suma, não existe um diagnós-
tico global e integrado sobre
esta população mais frágil e, COM O APOIO INSTITUCIONAL DE: COM O ALTO PATROCÍNIO: KNOWLEDGE PARTNER:

grupos criminosos (54%) tem nos contextos de maior vulne-

entre três e quatro elementos,
36% tem entre cinco a dez sus-
peitos e em 10% deles o núme-
ro de suspeitos envolvidos é
superior a 10 pessoas.
rabilidade, esse diagnóstico
deveria ser “especialmente
obrigatório”.
Hugo Franco
hfranco@expresso.impresa.pt
20 PRIMEIRO CADERNO
ENVELHE-
CIMENTO
R E P O R T A G E M
Centros de S
ão meia dúzia de voltas na
carrinha alimentada a ele-
tricidade que Céu Gonçalves
já percorre sem precaver as
curvas. Garfe não é grande.
A casa de Joaquim rapida-
mente aparece no horizonte.
noite: deixar a
É uma vivenda de dois anda-
res, que em tempos pareceu
acanhada para tanta gente e agora se
afigura gigantesca face ao único homem
que a habita. Aos 84 anos, Joaquim é
sensível à buzina. Sabe que religiosa-
mente, por volta das seis da tarde, lhe
solidão dormir
aparece a “funcionária mais antiga da
instituição”, numa farda azul-turquesa,
a perguntar como vai. Não poucas vezes
lhe empresta um braço para o ajudar nas
passadas, porque a partir dali o dia que se
finda recomeça, afinal, com os outros 11
da sua idade. Todos têm entre os 71 e os
sozinha
88 anos. Todos estão sozinhos. A todos
morreu alguém. A quase todos falta um
filho por perto e espreita a solidão. Todos
são vizinhos, mais rua, menos rua. Mas
numa localidade abrasada de gente e
com o peso da idade, um quarteirão pode
fazer a diferença, sobretudo na altura em
que o sol se põe.
Joaquim é um homem alto. Os 84 anos
passariam ao lado não fosse já lhe pesar
demasiado o andar. A mulher morreu
há dois anos. Não tem filho nenhum por
perto. “Vêm cá todos os sábados comer
comigo, mas de resto cada um tem a sua
vida. E eu, para não ficar aqui sozinho,
vim para o centro”, anui ao chegar à
sala de estar do Centro Social e Paro-
quial de Garfe, onde todos os 12 utentes
têm lugares prediletos. Ao fim de uma
Há apenas 13 centros de noite no país. Em Garfe, onde tarde chuvosa, vão chegando, uns a pé,
outros na carrinha. É ali que se sentam
nasceu o primeiro, a resposta agrada aos 12 utentes que à espera do jantar, invariavelmente com
a televisão sintonizada no canal 1 para
todos os fins de tarde saem do conforto da casa e ver “O Preço Certo”. Põem a conversa
em dia com aquela outra família, que
abraçam a segurança de deixar para trás a solidão faz as vezes da de sangue.
Manuel assinala aos convidados que,
Textos Joana Ascensão Fotos Rui Duarte Silva Infografia Carlos Esteves aos 88 anos, é o mais velho do grupo.
Expresso, 5 de
“Não pareço, pois não?” Fazem-se
contas na sala. Clínio, que de facto é o
mais velho por meia dúzia de semanas,
já desistiu de lhe ligar e anui apenas
afirmativamente com a cabeça. Rosa
Lopes tem o hábito de falar das plantas
com que se entretém durante o dia.
Leva por vezes alguns exemplares, para
mostrar os dotes de jardineira. Quando
o marido morreu, fez quatro anos pelo
Natal, ficou sozinha em Garfe. E entre
os seis filhos, alguns emigrados, foi o
mais novo que se dispôs a acompanhar
a mãe, com idas à casa de família sem-
pre que podia, até que um dia teve um
acidente de carro. Nada de grave, mas
que, ainda assim, pôs Rosa a pensar.
“Ele morria-me ali.”
Foi nesse mesmo dia que refletiu e
telefonou para o centro de noite para
a irem buscar, contra a vontade do fi-
lho. “Tem de ser”, respondeu-lhe ela.
“Assim já não estou só e tu também já
não andas atrás de mim.” Não foi uma
decisão fácil, assegura hoje, aos 79 anos.
Quando chegou ao centro, custou-lhe
a mudança que ela própria acabara de
infligir à sua vida. Talvez, como muitos,
nunca tivesse pensado dormir fora da
cama de sempre, fora da casa onde as
“ESTA RESPOSTA
PODERIA SER
INCENTIVADA,
PORQUE ACABA POR
ESVAZIAR OS LARES
DE PESSOAS
AUTÓNOMAS”, DIZ
LILIANA FREITAS
VIEIRA
e abril de 2024
pernas se habituaram a um número
certo de passadas nos corredores. Mas
ali encontrou uma nova família e é o
filho agora quem lho diz: “Ó mãe, foi a
melhor coisa que fizemos.”
Autónomos de dia, isolados à noite
Num centro de noite, ao contrário do
que acontece num centro de dia, os
idosos chegam ao fim da tarde e saem
de manhã. No entretanto, jantam, fa-
zem a higiene, dormem e tomam o pe-
queno-almoço. Esta resposta social,
ainda pouco replicada em Portugal, só
existe em 13 geografias, quase todas no
interior do país — e isso não é uma ca-
sualidade. A solução responde a uma si-
tuação singular: “A das pessoas que são
autónomas mas vivem em contextos de
isolamento e de solidão que lhes criam
dificuldades, sobretudo durante a noi-
te.” Assim descreve Alexandra Lopes,
socióloga especializada nas questões
do envelhecimento. “São criadas as
condições para que as pessoas possam
continuar a viver nas suas casas durante
o dia, inseridas nas suas redes de proxi-
midade, de vizinhança. Depois, na parte
do dia que é mais complicada, a noite,
estão num local onde se sentem mais
aconchegadas”, continua a também
professora na Universidade do Porto.
O padre Lino Maia, presidente da
Confederação Nacional das Institui-
ções de Solidariedade Social (IPSS),
recorda-se que foi “no final da primeira
década do milénio” que apareceu esta
resposta social. Os dados comprovam-
-no. Em 2007 saiu a primeira portaria a
estabelecer o quadro legal da resposta,
bem como o valor entregue pela Se-
gurança Social por cada utente (€315
em 2022). Mas, antes disso, o Centro
de Noite de Garfe já tinha sido criado.
Surgiu em 2002, a partir de um acordo
específico com a Segurança Social para
uma resposta também específica a um
problema encontrado pelo padre Luís
PRIMEIRO CADERNO 21
CENTROS DE NOITE EM PORTUGAL
Centro Paroquial
Social de Barbeita Associação
Castro Solidário
VIANA
DO CASTELO
Conselho Diretivo
BRAGA
do Baldio de Parada de Aguiar
Centro Social
Paroquial
BRAGANÇA
de Garfe VILA
REAL
PORTO
Santa Casa da
Misericórdia de Pinhel
AVEIRO
VISEU
Associação de
Irmandade da Santa Promoção Social
Casa da Misericórdia GUARDA
Cult. e Desp. de
de Penalva do
Santa Casa
Fornos de Algodres Ao contrário do que acontece nos centros de dia, aqui as pessoas chegam
Castelo (Queiriz)
da Misericórdia ao final da tarde e saem após o pequeno-almoço do dia seguinte
de Gouveia Associação de
COIMBRA Promoção Social
Cult. e Desp. de culdades financeiras graves, que não se cruzou sem saber com o irmão, em
CASTELO Fornos de Algodres tinham onde ficar. Mas esta instituição barcos diferentes, no canal do Suez.
BRANCO (Muxagata)
Centro Social tem também um lar em construção, que Nesse instante, já a fazer sala depois de
Paroquial LEIRIA se espera estar construído em dois anos uma sopa e de uma massa com carne,
Nossa Senhora e que certamente irá albergar alguns Almerinda fecha os olhos à mesa. Pelas
da Encarnação dos 12 utentes do centro de noite que no oito da noite, em dias normais, há quem
Centro Social
entretanto deixem de ser autónomos. se vá deitar. Poucos ficam acordados
SANTARÉM de São Bento
para a ceia. No piso dos quartos, duplos,
PORTALEGRE Pouco interesse das IPSS o casal tem um só para si, o número
LISBOA 3. Almerinda não esconde quanto lhe
A diretora técnica acredita que “esta res- custa dormir ali, a cinco minutos a pé de
Casa do Povo
posta poderia ser incentivada, porque casa, onde sempre sonhou viver quando
do Gradil
acaba por esvaziar os lares de pessoas regressasse de França.
Centro Soc. ÉVORA autónomas”. Mas só há pouco tempo, Mas a vida mudou quando Clínio so-
Paroquial quando passou a ser possível acumular freu um AVC, já de noite, e só se salvou
de S. Jorge o valor dado pela Segurança Social para porque Almerinda não estava ainda na
de Arroios o centro de noite com o do apoio domi- cama naquele dia e conseguiu chamar
SETÚBAL ciliário é que passou a ser interessante uma vizinha para lhe vir acudir. Esteve
para as instituições desenvolverem esta semanas internado. Não recuperou to-
resposta. Apesar de ressalvar que um dos os movimentos, e isso é denunciado
centro de noite “pode acudir a casos que pelo andarilho que lhe ampara os pas-
não são só de isolamento, mas também sos. Foi então que os oito filhos, todos
BEJA de pobreza, nomeadamente material, emigrados em França, fizeram os pais
de pessoas cujas condições habitacio- prometer que iriam passar a dormir no
nais possam ser particularmente de- centro de noite. Almerinda bem diz que
gradadas”, Alexandra Lopes é cética em gostaria de dormir “em paz e sossego”
relação à maior extensão do formato. na casa de sempre. “Mas, olhando à
FARO
“O facto de não se encontrarem mui- situação dele, se cair eu não o consigo
tos centros de noite deve dizer alguma levantar. E se eu cair, ele também não
coisa sobre a forma como esta solução me consegue levantar a mim. Se eu
foi pensada e regulamentada. Das duas, ainda pego num telefone e chamo aju-
Fernandes, o presidente da IPSS. “O ho- Vieira, a diretora técnica do centro. Por uma: ou é porque está a dar resposta a da, ele não sabe ler, nem o número do
mem sonha e a obra nasce”, brinca Céu isso, quando surgiu a resposta, as 12 va- uma necessidade que afinal não existe telefone sabe escrever.” A solução foi
Gonçalves. “Agora já não temos portas gas foram de imediato preenchidas e há ou é porque está mal pensada e estrutu- passarem a subir a rua todos os dias, ao
abertas para tanta gente que precisa.” lista de espera para o centro de noite na- rada.” Na opinião da socióloga, ela “abre final da tarde, para ali verem esgotar-se
Uma camisola feita à medida em Garfe, quela instituição, que tem também ATL, a porta à institucionalização” de pessoas as horas noturnas.
um município rural da Póvoa de Lanho- jardim de infância e apoio domiciliário que, quase sempre, gostariam mais “de Enquanto Natália serve a ceia a quem
so a meia hora de Braga e de Guimarães para idosos. “O caso da maior parte dos ter companhia no seu domicílio”. a queira, dá os últimos comprimidos
e com menos de mil habitantes, onde utentes é o de os filhos não estarem no Assim é com o único casal do conjunto e põe as gotas nos olhos a Albertino,
já havia muitos idosos sozinhos há 20 país ou trabalharem. Eles todos gostam dos utentes do Centro de Noite de Gar- Almerinda reflete sobre o futuro. “Um
anos. O despovoamento a que todo o in- de estar nas suas casas. Por isso a res- fe. Clínio e Almerinda, de tez morena a dia, quando ele não andar de todo, não
terior tem sido sujeito desde então só foi posta do centro de noite acaba por ser contrastar com os cabelos muito bran- sei como vai ser. Dinheiro para um lar
afundando o problema, numa região já um instrumento para eles terem algum cos, estão quase sempre calados. Só dão também não temos. Os filhos têm todos
especialmente afetada por várias vagas apoio que não seja a institucionaliza- nas vistas por se entreolharem de quan- a sua vida e eu também não lhes quero
de emigração, tanto nos anos 60 como ção total”, continua Liliana. Para uma to em vez, numa comunicação à parte estragar a vida”, diz de uma só assenta-
nos anos 80. “Em 2008, com a crise fi- minoria, é também uma forma de dar do resto do grupo. Ao jantar preferem da. Para depois atestar, num encolher
nanceira, houve uma nova vaga de emi- descanso ao cuidador que acompanha ouvir, atentos, as memórias de Joaquim de ombros: “Nos fins da vida, a vida é
gração que levou parte dos filhos destes o idoso durante o dia. Em dois casos, na tropa, quando a guerra rebentou complicada.”
idosos”, contextualiza Liliana Freitas este centro acolheu pessoas com difi- na Índia e foi lá colocado, ou quando jascensao@expresso.impresa.pt
22 PRIMEIRO CADERNO
TERAPIAS
Lara e as duas
filhas. Ao colo,
Sofia, com 5
anos, que sofre
de encefalopatia
epilética
Canábis Infarmed aprovou mais três soluções medicinais. Comunidade médica ainda debate potencialidades terapêuticas
Aos 5 anos, Sofia controla
a epilepsia com canábis
Texto Tomás Guerreiro
Foto António Pedro
A
Ferreira
os cinco anos So-
fia tem cerca de 30
ataques epiléticos
por dia. “Os olhos
reviram, as mãos
tremem, normal-
mente não entra
em crise”, explica
Lara Silva, a mãe
da criança portadora de encefalopa-
tia epilética. Com consequências no
cérebro e na capacidade motora, qual-
quer pequeno sinal de progresso é
uma “brutal vitória” na vida da Sofia.
“Com a fisioterapia começou a abrir e
a fechar as mãos, a gatinhar”, exem-
plifica a progenitora ao Expresso por
videochamada.
O estrabismo aos dois meses foi o
primeiro sinal. Seguiram-se os solu-
ços e os espasmos. A mãe recebeu o
diagnóstico quando, aos quatro me-
ses, Sofia entrou numa severa crise
epilética: “Espasmos assustadores,
vários ataques por hora, que duravam
cerca de cinco minutos.”
A solução passou por controlar a
doença com vários comprimidos an-
tiepiléticos, além de dietas alimenta-
res, fisioterapia e cuidados redobra-
dos. Mas um “um ataque violento há
dois anos”, com Sofia “a aparentar
ter entrado em morte cerebral”, le-
vou Lara a procurar outras respos-
tas. Após ter sido aconselhada por
uma neuropediatra, começou a ad-
ministrar duas doses diárias de óleo
de canábis medicinal, rico em CBD
— extrato sem fortes efeitos psicoló-
gicos — à filha. “O corpo dela relaxa,
consegue descansar uma noite inteira
sem ataques epiléticos”, descreve,
contrapondo com as noites sem dor-
mir em consequência das múltiplas
crises. “O óleo regulou-lhe o sono, o
que lhe permite ser mais proativa nas
sessões de terapia.”
Este produto é medicinal e só far-
mácias o podem comercializar. As
chamadas lojas de CBD, na rua, não o
vendem. Não foi uma opção leviana, a
de introduzir um complemento à base
de canábis na larga gama de produtos
e medicamentos que Sofia consome.
“Teve efeitos positivos”, assegura a
mãe. Compra a medicação online e
paga cerca de €120 por cada frasco
de 30 mililitros.
A doença de Sofia surge na lista dos
sete modelos patológicos apropria-
dos para terapêuticas com prepara-
ções e substâncias à base de canábis:
“Epilepsia e transtornos convulsivos
graves na infância.” Contudo, o único
medicamento, o Tilray Flor Seca, co-
mercializado nas farmácias em Portu-
gal, não é adequado a crianças.
Falta de resposta nas farmácias
Este mês o Infarmed aprovou a venda
de três novas substâncias à base de
canábis em Portugal. Uma destas está
indicada, além de outros diagnósticos,
para os doentes epiléticos. Porém,
outras nove permanecem sem aval na
lista de espera.
“O objetivo é o de alcançar mais do-
entes. Encetamos um esforço coletivo
entre as empresas e o Infarmed, para
que mais medicamentos sejam aprova-
dos e aptos a prescrição clínica”, afirma
ao Expresso Carla Dias, presidente do
Observatório para a Canábis Medicinal
em Portugal, que organizou um debate
com 300 médicos sobre as mais-valias
medicinais da planta.
Apesar da obrigação das farmácias
de venderem produtos prescritos, é
raro estes medicamentos estarem à
disposição dos utentes. A presiden-
te do observatório justifica a escas-
sez devido aos rigorosos critérios de
qualidade e seriação impostos pelo
Infarmed, mas também por Portugal
ser um mercado pequeno e pouco
atrativo para as empresas, que “des-
frutam do clima agradável de plantio,
mas exportam as produções para o
estrangeiro”.
Essa é uma das reivindicações do
conselho científico da instituição:
haver produtos disponíveis para se
usarem nos casos autorizados pela
legislação de 2019, indo de encontro
às “indicações terapêuticas do Infar-
med”, que denota um aumento na
venda de canábis medicinal em 137%
desde a colocação da primeira prepa-
ração no mercado, em 2021.
Estigma e falta de literacia
“São os estigmas e os mitos sobre os
produtos, por ser a droga ilícita mais
consumida no mundo, mesmo com o
epíteto medicinal, que fazem com que
ao falar de canábis em Portugal não
se valorize o que deve ser valorizado”,
assevera Marília Dourado, uma das
médicas convidadas para a conferên-
cia do Observatório, coordenadora do
Centro de Estudos e Desenvolvimento
dos Cuidados Continuados e Paliativos
da Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de Coimbra.
“Estes produtos são dispensados
pelas farmácias aos utentes mediante
a apresentação de uma prescrição
como qualquer medicamento sujeito
a receita médica. Compete ao clínico
avaliar o estado do doente e prescre-
ver a preparação que considere mais
adequada ao tratamento”, explica o
Infarmed por escrito ao Expresso.
“As regras para a aprovação de pro-
dutos medicinais de canábis são extre-
mamente rigorosas”, acrescenta Marí-
lia Dourado. “Não se trata de consumo
recreativo.” No entanto, a prescrição
maciça de opioides continua a ser uma
prática recorrente, “a morfina é utili-
zada há séculos”, salienta a médica,
“apesar de os efeitos colaterais serem
pouco valorizados, pois só é prescrita
para fins curativos”.
É desnecessária a viagem até aos
dependentes de morfina das duas
Guerras Mundiais, ou até aos soldados
norte-americanos viciados em heroína
após a Guerra do Vietname. Basta
abrir os olhos, hoje, para “a grande
epidemia do medicamento fentanil,
prescrito diariamente a milhares de
doentes”, enfatiza Marília Dourado,
para se perceber o paradoxo face à
prescrição de opiáceos por contrapon-
to com a falta de literacia na comuni-
dade médica sobre as potencialidades
terapêuticas da canábis.
“Falta experiência na prescrição da
canábis medicinal, só regulamentada
em 2019, é muito curta a literacia e
não se pode comparar à experiência
com morfina”, sublinha, ressalvando
porém que o perfil de segurança da
canábis não está tão testado como o
dos compostos à base de opioides.
Opioides por canabinoides
Natália Pereira, de 50 anos, consumiu
durante 10 anos as doses mais eleva-
das de Tramadol (200), um medica-
mento opioide, para acalmar a dor
crónica provocada pela fibromialgia.
“Era muito viciante”, diz a professora
do ensino público, que aguentou a
rotina sob o efeito de analgésicos du-
Expresso, 5 de abril de 2024
rante 3650 infindáveis dias. As doses
foram aumentando, a dor persistia.
“Ia dormir à hora de almoço, porque
não suportava as dores”, conta ao
Expresso. “Houve momentos em que
as doses máximas de Tramadol, além
de anti-inflamatórios, Ben-U-Ron e
antidepressivos, não chegavam”. As-
sim continuou, enquanto utente de
dor crónica durante 10 anos.
Há um ano, Natália conseguiu uma
consulta com um médico de família
no centro de saúde em Viana do Cas-
telo. “Sinto dores insuportáveis no
tronco quando visto uma camisola de
lã”, explicou. Quando se deparou com
a quantidade de medicação adminis-
trada à paciente, o médico assinou o
veredicto: “Você não vive, sobrevive.”
Sugeriu-lhe uma nova solução: a ca-
nábis medicinal.
Natália procurou em todas as far-
mácias do distrito e chegou a ir à Ga-
liza, sem sucesso. Por não haver o
hábito médico de se prescrever caná-
bis, o circuito de venda não chega às
farmácias do Alto Minho. “Primeiro
trataram-me como toxicodependen-
te”, recorda. Contactou o Observató-
rio, que esclareceu as funcionárias de
um estabelecimento para a legalidade
do produto.
O compromisso com o médico foi
simples. Natália começou a inalar uma
flor seca, num vaporizador aprovado
pelo Infarmed. As doses de Tramadol
foram reduzidas, bem como as de
antidepressivos e anti-inflamatórios.
Ao fim de um ano, Natália está pres-
tes a consumir apenas o Tilray Flor
Seca THC 18, o único produto ainda
disponível para os doentes, abdicando
dos restantes medicamentos. Usa-o
à noite devido ao “efeito forte” e só
vaporiza quando a doença o exige.
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
AMBIENTE
Nova era geológica chumbada,
mas a Terra já é outro planeta
Apesar do impacto do Homem no planeta, o Antropocénico não foi formalizado
Mara Tribuna
Alterações climáticas, poluição,
perda de biodiversidade, destrui-
ção de habitats — não há dúvidas
do impacto que o ser humano está
a ter no planeta. No entanto, no
início deste mês, a Comissão In-
ternacional de Estratigrafia, que
é responsável pela formalização
das unidades do tempo geológico,
recusou que o Antropocénico fosse
reconhecido oficialmente como a
nova época em que vivemos.
A decisão pode parecer contradi-
tória e difícil de compreender, mas
há várias razões para as autorida-
des geológicas mundiais não terem
formalizado o Antropocénico. “Em
primeiro lugar, é importante sa-
lientar que esta rejeição de modo
nenhum implica a negação da gra-
vidade do momento presente, nem
sequer minimiza a influência das
nossas ações”, esclarece Rui Dias,
professor da geologia da Universi-
dade de Évora, ao Expresso.
Há vários pontos que levaram ao
“não”. A data proposta para o início
da “época do humano” foi 1952, o
ano em que os resíduos dos ensaios
de bombas nucleares se tornaram
evidentes nos sedimentos. Mas esta
data não foi consensual, quer pelo
motivo, quer por ser recente — vá-
rios geólogos questionaram por que
razão não foi escolhido o início da
agricultura ou da revolução indus-
trial, por exemplo.
“Na realidade, o Homem tem vin-
do a influenciar o ambiente natural
há 40 mil anos”, apontou Philip
Gibbard, geólogo da Universidade
de Cambridge, à “National Geo-
graphic”. Além disso, esta nova
unidade geológica teria uma dura-
ção muito curta: 75 anos, inferior
ao tempo de vida de um humano.
As épocas anteriores (Paleocénico,
Miocénico, Oligocénico, Miocénico,
Pliocénico, Pleistoceno e Holocéni-
co, a atual) abrangem milhares ou
mesmo milhões de anos.
“Pretender que o Antropocénico
começasse em 1952 (a idade dos
depósitos com resíduos de plutónio
associados aos testes das bombas de
hidrogénio) é escamotear as pro-
fundas transformações que o Homo
Só 14 hotéis algarvios
se candidataram
ao selo Save Water
Turismo esperava que 70%
dos 650 hotéis assumissem
compromisso de redução
de consumo de água
Duas semanas após o lançamento
oficial, apenas 14 em 650 hotéis al-
garvios são candidatos ao selo Save
Water, coordenado pela Região de
Turismo do Algarve, em articula-
ção com o Turismo de Portugal e a
Agência para a Energia (ADENE).
Este era o registo, esta quinta-feira,
no site do Compromisso Água. Os
três primeiros a registarem-se fo-
ram os hotéis Quinta do Lago, Pal-
meiras Village e Wyndham Grand
Algarve e os três últimos o Vila Val-
verde Design & Country Hotel, o
Vila Galé Atlântico e o Pine Cliffs.
“Estes hotéis são os que já tinham
algum trabalho adiantado de medi-
das de eficiência hídrica”, admite ao
Expresso o presidente da Associa-
ção dos Hotéis e Empreendimentos
Turísticos do Algarve (AHETA).
O Lago Crawford, perto de Toronto, foi o local escolhido como marco do início do Antropocénico
sapiens desde sempre tem vindo
a fazer nos espaços pelos quais se
foi espalhando”, afirma Rui Dias,
também coordenador científico do
Centro Ciência Viva de Estremoz
e membro do Instituto de Ciências
da Terra.
Outro motivo de discórdia foi o
local escolhido para encarnar fisi-
camente o início do Antropocénico,
o Lago Crawford, perto de Toronto,
Canadá. Os sedimentos estratifi-
cados no fundo do lago captam a
queima de combustíveis fósseis, o
uso de fertilizantes, a poluição de
microplásticos e ainda a explosão
de bombas atómicas. No entan-
to, houve quem achasse que este
marcador não é “suficientemente
definitivo” para ilustrar a ação do
Homem.
A Terra já é um “planeta novo”
“Esta foi uma oportunidade perdi-
da para reconhecer e aprovar uma
realidade clara e simples: o nosso
planeta deixou o seu estado de fun-
cionamento natural, de forma acen-
tuada e irrevogável, em meados do
Hélder Martins tinha a “expectativa
de que seriam muitos mais a aderir”
e acredita que haverá mais até final
do mês. A fraca adesão nestas duas
semanas é, na sua opinião, justifi-
cada por terem “coincidido com as
férias da Páscoa e com o MotoGP
[grande prémio de motociclismo no
Autódromo Internacional do Algar-
ve], que encheram a região”.
O Turismo de Portugal tinha a
perspetiva de ter 70% das 650 uni-
dades hoteleiras a avançar para o
compromisso. O facto de estar por
abrir o concurso público para ace-
der a uma fatia dos €10 milhões da
linha +Eficiência Hídrica Algarve,
de apoio às medidas de poupança de
água que vão contribuir para uma
redução de 15% nos consumos, não
é, no entender de Hélder Martins,
razão para a fraca adesão, já que,
considera, “todos os associados da
AHETA estão conscientes de que,
apesar de as barragens estarem mais
cheias, ainda estão longe de estar a
século XX. Uma miríade de sinais
geológicos reflete este facto”, con-
siderou o presidente da Subcomis-
são de Estratigrafia Quaternária,
Jan Zalasiewicz, ao jornal britânico
“The Guardian”.
Apesar de ter sido rejeitado, o
conceito do Antropocénico já é co-
nhecido: “As pessoas já ouviram
falar e percebem a ideia central.
O importante aqui é que o con-
ceito está enraizado e firmado no
consciente coletivo”, diz Viriato
Soromenho-Marques, filósofo e
ambientalista, em declarações ao
Expresso. Por isso, do ponto de
vista prático a decisão “não tem
de facto assim tanto impacto, não
desautoriza de modo algum o con-
ceito”, acrescenta.
Também a União Internacional
de Ciências Geológicas reconhe-
ceu que o conceito continuará a ser
amplamente utilizado não só por
cientistas da terra e do ambiente,
mas também por cientistas sociais,
políticos e economistas, bem como
pelo público em geral. “Como tal,
continuará a ser um descritor de
valor inestimável nas interações
Utilizar água do mar nas piscinas é uma das medidas de eficiência
100% e a crise de escassez hídrica é
cíclica na região e é necessário ado-
tar medidas para ser mais eficiente”.
Além de assumirem o compromis-
so voluntário de redução de consu-
mos, os candidatos ao selo Save Wa-
ter têm de adotar um plano de ação
que inclua 30 medidas de eficiência
hídrica, aplicadas de forma faseada
até final de 2024, sendo que as pri-
meiras 10 devem avançar até 30 de
abril. Também têm que registar a
evolução da execução e dos consu-
mos na plataforma da ADENE. Os
critérios fazem parte de uma lista de
60. Entre eles constam a redução da
pressão de água na rede, a suspensão
PRIMEIRO CADERNO 23
O FUTURO
DO FUTURO
Penso,
logo mudo
de cor
Politécnico da Guarda
garantiu patente para pensos
que mudam de cor consoante
haja infeção ou cicatrização
Num dia normal, Sónia Miguel
usa sensores colorimétricos para
medir a acidez nos reatores onde
faz cultura de células. E, num dia
que foge à norma, habilita-se a
uma ideia de negócio: “E se usás-
semos estes sensores em pensos?”
Não tardou muito para a pro-
FOTO THE WASHINGTON POST/GETTY IMAGES
fessora do Instituto Politécnico
da Guarda (IPG) descobrir que,
depois de um primeiro dia, sur-
gem outros dias fora do normal:
com a colaboração da colega Car-
la Castro e dos alunos Ana Rita
Nunes, Catarina Dias e Guilherme
Alves formou equipa para a fase
regional do Poliempreende — e
garantiu a final nacional do con-
curso em 2022. Nas ocorrências
fora da norma consta ainda a su-
gestão de um júri para um registo
de patente e um terceiro lugar na
final nacional do Poliempreende.
No final de 2023 surge a paten-
homem-ambiente”, assegurou a te internacional, que pode valer
entidade em comunicado publicado mais do que um concurso de em-
na semana passada. preendedorismo. “Já há pensos
Ainda assim, não podemos esque- com propriedades cicatrizantes
cer que “estamos a viver numa épo- e antimicrobianas, mas nenhum
ca completamente nova”. “Estamos indica o que acontece na ferida”,
a alterar profundamente a Terra, responde Sónia Miguel.
de tal maneira que já é um planeta Nenhum negócio se faz sem
novo — não para melhor — e a uma uma necessidade e o lucro tende
velocidade que não tem nada a ver a crescer quando há um fator que
com o tempo da geologia, tem a ver faz a diferença. “Há projetos de
com o tempo da história, só que desenvolvimento de pensos que
as consequências também vão ser prometem conectar-se a redes
geológicas”, reflete Soromenho- sem fios e enviar dados de oxi-
-Marques, professor universitário génio, humidade ou acidez, mas
e um dos fundadores da Quercus. a nossa tecnologia já provou que
Para já, continuamos no Holo- não produz citotoxicidade e pode
cénico, época que começou há cer- ser aplicada em modelos de pen-
ca de 12 mil anos, no final da última sos que já existem. Logo, pode ser
era glacial. Só daqui a uma déca- industrializada mais rapidamen-
da é que a definição de uma nova te, com menos custos”, segundo
unidade de tempo geológico será a professora.
debatida outra vez pela Comissão No dia em que estrear, um penso
Internacional de Estratigrafia. Até com Colorwound há de custar, em
lá, “não importa se o Antropocénico média, mais 2 a 5 cêntimos a pro-
é ou não uma época geológica, cla- duzir do que os pensos convencio-
ramente ele é um evento geológico nais e terá a cor que dá nome ao
que merece que nos unamos todos”, cristal conhecido por vermelho de
remata Rui Dias. fenol. Ambos os indicadores são
mtribuna@expresso.impresa.pt auspiciosos: além do custo mar-
ginal, há a certeza de que os pen-
sos não foram usados. Ao serem
usados, tendem a mudar para a
cor rosa se a ferida estiver infla-
mada ou infetada ou para laranja
ou amarelo se estiver a cicatrizar.
A cor rosa surge quando células
como os “neutrófilos, monócitos e
macrófagos lançam citosinas que
levam a gerar um pH alcalino” en-
quanto eliminam microrganismos
FOTO DISOBEYART/GETTY IMAGES
invasores. E justifica a mudan-
ça de penso. A cor laranja surge
quando não há infeção — e não
passa do amarelo porque a aci-
dez não vai além do pH 5 da pele.
Nesse caso, a mudança de penso já
será decidida por outros critérios.
“O vermelho de fenol muda de es-
trutura química consoante esteja
em ambiente ácido ou alcalino, e
com isso acaba por mudar de cor”,
explica a investigadora.
de uso de água potável para rega de O Colorwound foi pensado para
jardins ou golfes, a substituição de ferimentos que exigem cuidados
torneiras ou chuveiros por outros profissionais, mas mantém em
com redutor de caudal, a reutiliza- aberto novas utilidades em pensos
ção de águas pluviais para rega ou higiénicos, cotonetes, compressas
a reutilização de ‘águas cinzentas’ ou gazes e lenços. Sónia Miguel
(de duches ou lavatórios) para os recorda que esses cenários ainda
autoclismos. Se não cumprirem as têm de ser testados e avaliados —
medidas a que se comprometeram, e está mais focada em encontrar
perdem o selo no final do ano. En- parcerias para levar o Colorwou-
tretanto, o Turismo de Portugal lan- nd ao mercado. A normalidade
çou a campanha “Não é Turismo. pode esperar.
É Futurismo”, para sensibilizar os Hugo Séneca
turistas para a poupança deste re- sociedade@expresso.impresa.pt
curso escasso.
Carla Tomás
ctomas@expresso.impresa.pt
24 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL ENTREVISTA
Aitor Martínez Advogado de Julian Assange
“A extradição abriria uma
via para o totalitarismo”
Gorka Castillo, em Madrid
O espanhol Aitor Martínez, advogado
da equipa jurídica de Julian Assange,
explica ao Expresso as suas preocu-
pações por uma eventual extradição
para os Estados Unidos do jornalista
e fundador da WikiLeaks. Martínez é
doutorado em Direito Internacional
pela Universidade Carlos III de Ma-
drid, responsável pela área internaci-
onal do escritório de Baltasar Garzón
e autor da queixa contra os autores
da repressão no Paraguai durante a
ditadura do general Alfredo Stroess-
ner por crimes contra a Humanidade.
P Os juízes britânicos adiaram para
20 de maio a possível extradição de
Julian Assange para os Estados Uni-
dos. Que riscos implicaria a sua en-
trega?
R O Tribunal Superior de Justiça deci-
diu admitir três dos pontos de recurso
apresentados pela defesa. O primeiro,
com base no artigo 10º da Conven-
ção Europeia dos Direitos Humanos,
que consagra o direito à liberdade de
expressão e a liberdade de impren-
sa; o segundo, pela possibilidade de,
devido à condição de estrangeiro nos
Estados Unidos, não lhe ser concedi-
da a proteção da Primeira Adenda à
Constituição [que protege a liberda-
de de expressão]; por fim, o terceiro
ponto é que caso Julian Assange seja
extraditado possa haver violação do
‘princípio da especialidade’, a garantia
de que nestes processos uma pessoa
extraditada só pode ser julgada pe-
los factos e delitos que suscitaram a
extradição. Evita-se assim que nos
Estados Unidos possam ser-lhe impu-
tados novos delitos ao abrigo da Lei de
Espionagem, que contempla mesmo
a pena de morte. O Tribunal deu até
16 de abril para os Estados Unidos
apresentarem garantias diplomáti-
cas sobre estes três pontos. Se não
cumprirem os requisitos, abrirá um
julgamento sobre o seu fundo; se os
cumprirem, celebrará nova audiência
a 20 de maio para avaliar o conteúdo
dos contributos que deem.
P Consideram ter vencido uma ba-
talha?
R Esperávamos que o Tribunal admi-
tisse todos os pontos do recurso, ou
pelo menos a maioria, sem discussão,
pois estamos a falar de uma causa
fundamental para a liberdade de im-
prensa no mundo. Pediram aos Esta-
dos Unidos um conjunto de garantias
diplomáticas que nunca foram dadas
nos últimos cinco anos. É um pedido
judicial que carece de virtualidade, já
que a essência da causa, a perseguição
de um jornalista sob leis de espiona-
gem, não se resolve com a entrega
de um conjunto vago e impreciso de
garantias diplomáticas. Na defesa
confirmámos que quando os Estados
Unidos perdem uma extradição de
países europeus, por se questionar
o seu sistema penitenciário ou por
outros aspetos que não cumprem os
padrões europeus, costumam prestar
garantias diplomáticas. Mas de forma
recorrente, quando o extraditado che-
ga a solo americano, essas garantias
diplomáticas são violadas. Acresce
que quem dá garantias diplomáticas
ESTAMOS A FALAR
DE UMA CAUSA
FUNDAMENTAL
PARA A LIBERDADE
DE IMPRENSA
NO MUNDO
SÓ OS EUA ABRIRAM
UM PROCESSO QUE
EQUIPARA ASSANGE
A UM ESPIÃO
Aitor Martínez a falar com jornalistas
à porta de um tribunal de Madrid
é o poder executivo americano, mas
elas não vinculam o ramo judicial.
Portanto, nenhuma garantia diplomá-
tica dada pelo Governo dos Estados
Unidos cobre as decisões posteriores
de um tribunal de justiça, que poderia
deixar Assange desamparado sem
lhe aplicar a Primeira Adenda, ou
reformulando acusações de forma a
agravar a potencial pena de 175 anos
de cadeia ou mesmo de morte. Além
disso, as garantias dadas pela atual
Administração Biden não obrigarão
o executivo que surja das seguintes
eleições, pelo que a situação de As-
sange ficaria no mais absoluto arbítrio
do novo Governo dos Estados Unidos
P A decisão do Tribunal criará prece-
dente para a liberdade de imprensa?
R Esta extradição não é uma causa
que afete Julian Assange ou a agência
de notícias WikiLeaks. Afeta todo o
jornalismo livre do mundo. Pode criar
um perigosíssimo precedente, pois
caso a extradição avance ao abrigo da
Lei de Espionagem, qualquer jorna-
lista que publique informação verda-
deira sobre crimes de guerra como fez
a WikiLeaks poderá ser perseguido
extraterritorialmente pelos Estados
Unidos. Se Assange for entregue, fi-
carão prejudicados a independência
do jornalismo para informar sobre
desvios e abusos dos governantes, e
o direito dos cidadãos a uma infor-
mação verídica. Isso é abrir uma via
perigosa para o totalitarismo.
P Afirma que Assange não teria jul-
gamento justo nos Estados Unidos.
Em que se baseia essa desconfiança?
R Assange enfrenta 18 acusações, das
quais 17 se enquadram na Lei de Es-
pionagem de 1917, uma norma apro-
vada nos Estados Unidos no contexto
da I Guerra Mundial. Reside aí a mo-
tivação política do processo. O ‘delito’
de Assange e da agência de notícias
WikiLeaks foi conceber um sistema de
proteções para qualquer denunciante
de uma violação dos direitos humanos
ou crime de guerra possa enviar in-
formação confirmada sem ninguém,
nem sequer a própria organização,
FOTO ÓSCAR DEL POZO/GETTY IMAGES
conhecer a sua identidade, evitando
eventuais represálias. Foi assim que se
produziram publicações sobre escân-
dalos na Islândia, corrupção bancária
na Suíça, agressões ao ambiente na
Costa do Marfim, censura à internet
na China ou execuções extrajudiciais
no Quénia. Nenhum desses países lan-
çou uma perseguição à WikiLeaks.
Só os Estados Unidos abriram um
processo desta natureza, equiparando
Assange a um espião.
P Washington diz que estas informa-
ções puseram em risco a vida de deze-
nas de agentes em zonas de conflito.
R É absolutamente falso. O Depar-
tamento de Justiça americano tenta
camuflar que o motivo da perseguição
é a publicação de verdades incómodas
para os Estados Unidos. Uma foi a
verificação de milhares de assassí-
nios de civis, torturas sistemáticas
e detenções arbitrárias com graves
danos para numerosas pessoas. Es-
ses crimes continuam impunes nos
Estados Unidos. Nenhum militar foi
condenado pelos delitos cometidos
O RELATOR DA ONU
CONCLUIU QUE
ASSANGE SOFRE
TORTURA HÁ MAIS
DE UMA DÉCADA
DESDE 2019 ESTÁ EM
BELMARSH, PRISÃO
CONHECIDA COMO
A ‘GUANTÁNAMO
BRITÂNICA’
Expresso, 5 de abril de 2024
e que a WikiLeaks revelou. Pediram
nomes e dados concretos sobre os
danos causados pelas publicações da
WikiLeaks e não puderam dá-los, por-
que simplesmente não existem. Pen-
semos no vídeo “Collateral Murder”,
que mostra militares americanos a rir
enquanto disparam contra civis desar-
mados num bairro de Bagdade, de um
helicóptero, matando, entre outros,
dois jornalistas da agência Reuters.
Quero recordar que os Estados Uni-
dos afirmaram ter sido um confronto
militar com a insurgência iraquiana.
A publicação do vídeo confirmou que
essa versão era falsa, que foi um crime
de guerra. Ninguém foi condenado,
mas o jornalista que cumpriu o seu
dever é acusado de espionagem e ha-
bilita-se a uma potencial pena de 175
anos de prisão.
P Acha que é uma vingança da CIA?
R Sim. Um recente artigo de inves-
tigação publicado nos Estados Uni-
dos chega a essa conclusão. Agentes
e ex-agentes, alguns com nomes e
apelidos, garantem que o caso contra
Assange é incentivado pelos serviços
secretos americanos. É evidente que
isto gera problemas ao Departamen-
to de Justiça, já que viola a Primeira
Adenda e mancha a imagem dos Es-
tados Unidos no mundo.
P Então porque mantêm as acusa-
ções?
R Porque a estrutura dos serviços de
informações quer vingar-se dele, não
só por ter desvendado a crueldade
das suas operações com os “Iraq War
Logs” e os “Afghan War Diaries”,
ou ao expor as técnicas de tortura
de Guantánamo e a intromissão na
privacidade de telefones, televisões e
outros dispositivos de cidadãos, com
publicações como “Vault 7”. Como
relataram alguns desses agentes e
ex-agentes, Assange não é ameaça à
segurança dos Estados Unidos.
P Assange não pôde estar presente
nas sessões do julgamento, por mo-
tivos de saúde. Mantê-lo preso num
centro de alta segurança, como Bel-
marsh, é um risco acrescido?
R Assistiu à audiência por videocon-
ferência, na prisão de Belmarsh. De
repente caiu sobre a mesa. Dias de-
pois, detetou-se que sofrera um AVC.
Deixou de participar no processo de
extradição. É claro que a sua saúde
está muito prejudicada, tanto psíquica
como fisicamente. Os médicos afir-
mam que pode morrer na prisão ou
mesmo suicidar-se. O relator da ONU
contra a Tortura visitou-o na prisão,
com dois médicos especializados, e
concluiu no relatório final que As-
sange sofre um processo de tortura
reiterada há mais de uma década. O
seu estado é tão delicado que a juíza
Vanessa Baraitser negou a entrega
aos Estados Unidos por este motivo,
embora o Tribunal de Justiça inglês
tenha revertido o acórdão, após apre-
sentação de garantias vagas e impreci-
sas pelos Estados Unidos. Entregámos
tudo o que diz respeito à sua saúde ao
Tribunal Europeu dos Direitos Hu-
manos.
P Falou com ele depois do julgamen-
to? Como se sente?
R Claro. Falo com ele ao telefone
quando está capaz e visito-o na prisão.
Fui testemunha da paulatina degra-
dação de Assange na última década, o
que é demolidor em termos pessoais.
Está privado de liberdade há quase 14
anos, primeiro em prisão preventiva,
depois domiciliária, seguida de quase
sete anos em condições duríssimas
na embaixada. Desde 2019 está em
Belmarsh, prisão conhecida como a
‘Guantánamo britânica’.
P Se perder o recurso, que opções
restam?
R Esperamos que a Justiça britânica
valorize na justa medida um caso que
pode criar um perigosíssimo prece-
dente para a liberdade de impren-
sa no mundo. Os juízes devem estar
cientes de que encaram um processo
histórico que afeta toda a comunidade
internacional. Se aceitarem a entrega,
restar-nos-á o recurso para o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos. Apre-
sentaríamos um pedido e uma provi-
dência cautelar para impedir a extra-
dição até à decisão sobre o mesmo.
internacional@expresso.impresa.pt
 Expresso, 5 de abril de 2024
ALIANÇA ATLÂNTICA
FOTO OMAR HAVANA/GETTY IMAGES
O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, durante a cimeira de ministros dos Negócios Estrangeiros em Bruxelas
NATO faz 75 anos e prepara
planos “à prova de Trump”
Secretário-geral quer fundo de apoio à Ucrânia blindado a cinco anos.
Mudança no poder em Washington pode ser ameaça existencial
Ana França
O espectro de mais quatro anos
de Donald Trump à frente dos
destinos dos Estados Unidos ra-
ramente paira de forma visível
sobre as conversas entre os di-
rigentes da NATO, mas influen-
cia tudo o que esta tem vindo a
preparar nos últimos tempos.
A última prova disso é a notícia
de que a Aliança Atlântica está
a desenhar planos para garantir
um pacote de ajuda militar à
Ucrânia de até 100 mil milhões
de dólares (€92 mil milhões),
a serem distribuídos ao longo
de cinco anos, numa tentativa
de blindar o apoio aos ucrania-
nos aos “ventos de mudança
política”, segundo a frase de
uma pessoa próxima do proje-
to, citada pelo jornal britânico
“Financial Times”.
Se a ideia vier a ser aprovada,
a Aliança Atlântica passará a
controlar o Grupo de Contacto
para a Defesa da Ucrânia (tam-
bém conhecido como Grupo
Ramstein), coletivo de 56 paí-
ses (os 32 da NATO e outros
24 que apoiam a Ucrânia), que
hoje é liderado pelos Estados
Unidos e poderá gerir o forne-
cimento de armas letais à Ucrâ-
nia pela primeira vez desde a
invasão em grande escala, em
fevereiro de 2022. “A NATO
terá um papel na coordenação
do apoio letal à Ucrânia. Vejo
que a ideia está a gerar algum
consenso e penso que estará
completamente reunido quan-
do entrarmos no avião para
Washington”, disse outra pes-
soa ao jornal britânico, fazendo
referência à próxima cimeira
da NATO, marcada para 9 a 11
de julho em Washington.
Apesar da centralidade do
tema, os ucranianos não sen-
tem que os aliados da NATO
estejam a fazer tudo o que po-
dem para demonstrar que con-
seguem auxiliar democracias
ameaçadas por autocracias.
Numa conferência de imprensa
digital com meios de comunica-
ção internacionais, entre eles o
Expresso, a embaixadora dos
Estados Unidos na NATO, Ju-
lianne Smith, foi confrontada
com uma pergunta que dava
conta dos possíveis danos re-
putacionais que a Aliança possa
ter sofrido por não entregar
armas à Ucrânia de forma a
garantir que Kiev atinja uma
posição negocial proveitosa.
A embaixadora garante que
isso não é assunto no quartel-
-general da NATO. “Bem, não
passamos muito tempo aqui
na Aliança a falar sobre a pers-
petiva de a reputação ser man-
chada. Estamos concentrados
em assegurar que os ucrania-
nos recebam o apoio de que
necessitam para poderem ser
bem-sucedidos no campo de
batalha. O que ouvimos dos
nossos parceiros na Ucrânia é
que as suas necessidades atuais
se centram sobretudo nas mu-
nições e na defesa aérea, pelo
que é aí que tendem a centrar-
-se as nossas discussões.”
Botas no terreno? Não é não
Numa conferência de imprensa
de meia hora, muitas das cer-
ca de 40 perguntas deixadas
pelos jornalistas na caixa de
comentários da aplicação de
reuniões online não puderam
ter resposta. Ficámos sem sa-
ber se a próxima cimeira, em
Washington, vai servir para fa-
zer um convite formal de ade-
são à Ucrânia; que antídotos, a
havê-los, estão a ser discutidos
para neutralizar os ímpetos de
Donald Trump; ou que pensa
Smith sobre o serviço militar
obrigatório, discussão que tem
ganhado fôlego em países eu-
ropeus, Portugal incluído, des-
de que o Presidente francês,
Emmanuel Macron, disse que
não havia opções fora da mesa
no que toca à ajuda à Ucrânia,
sem excluir o envio de tropas
da NATO.
Para essa proposta velada
de Macron, Smith tem res-
posta: o seu país opõe-se to-
talmente. “Os Estados Unidos
não apoiam o envio de tropas
para combater na Ucrânia.
Temos sido muito claros so-
bre isso desde o primeiro dia.
Não estamos interessados em
tornarmo-nos parte deste con-
flito. Mas queremos apoiar a
Ucrânia na sua defesa contra
a agressão russa.” Mas como,
se o Congresso americano não
consegue aprovar um pacote
de ajuda? A diplomata reforçou
que espera que esse dinheiro
seja libertado pelos congres-
sistas depois da interrupção da
Páscoa, sem, no entanto, dar
mais detalhes.
“Não estamos
interessados em
tornarmo-nos parte
deste conflito”,
diz a embaixadora
dos EUA na NATO
“A NATO não está
de braços cruzados”,
afirmou ainda
Julianne Smith
O projeto que será discutido,
escreve o jornal digital “Poli-
tico”, não é igual ao proposto
pela Administração de Joe Bi-
den num primeiro momento.
Segundo as suas fontes, parte
do valor passaria a ser entregue
na forma de empréstimo, não
como doação.
Quanto ao envio de material
militar que possa ser usado pe-
los ucranianos para atingir a
Rússia, Smith assegurou que
os Estados Unidos continuam a
ser contra. “No que diz respeito
à perseguição de alvos dentro
da Rússia, é algo que os Estados
Unidos não apoiam particular-
mente. A Ucrânia tem o direito
de defender o seu território e
de expulsar os russos do seu
território. Os ucranianos têm
tido êxito considerável e, mais
uma vez, o nosso objetivo é aju-
dá-los a continuar a obter essas
vitórias no campo de batalha.”
Outro tópico que faltou dis-
cutir na conferência de im-
prensa é o que fazer quanto à
viabilidade da própria NATO.
A possibilidade nada remota
de novo mandato de Trump na
Casa Branca levanta outro tipo
de questões, essas existenciais,
uma vez que os Estados Uni-
dos são o maior financiador da
Aliança e, de longe, o seu maior
e mais bem equipado exército.
Sossegar a Europa de Leste
O orçamento militar dos Esta-
dos Unidos, de 860 mil milhões
de dólares (€798 mil milhões),
é duas vezes maior do que o de
todos os restantes membros
da NATO somados. O gasto
militar de todos os aliados ul-
trapassa mais de 70% do total
de despesa militar global. Cer-
ca de mil milhões de pessoas
vivem em países pertencentes
à NATO.
No mês passado, Trump
exasperou os aliados europeus
quando incentivou a Rússia a
invadir os países da Aliança que
não tivessem ainda dedicado
2% do seu PIB ao sector da De-
fesa, que são a grande maio-
ria. Apenas 11 dos 32 membros
cumprem esta meta.
Para os países do centro
e leste da Europa, a ameaça
de invasão russa não é coisa
que os cidadãos vejam como
possibilidade remota, antes
preocupação diária. Julianne
Smith garante que tudo está
a ser feito para dissuadir Mos-
covo de qualquer intervenção
mais musculada nos Bálticos.
“Estamos a tomar medidas
ativas para melhorar a nossa
presença nessa região, até com
novos planos regionais, que nos
permitirão saber exatamente o
que temos de fazer para prote-
ger cada centímetro do territó-
rio da NATO. Portanto, a NATO
não está de braços cruzados.”
afranca@expresso.impresa.pt
Manuel Poejo Torres Doutorando em Ciência
Política e consultor da NATO desde 2013
“O grande desafio
será suster o avanço
das autocracias”
P O Presidente Joe Biden ainda
não cessou funções e a NATO já
parece estar a reagir como se a
sua derrota fosse uma certeza.
Que leitura podemos fazer?
R É preocupante a vários ní-
veis. Primeiro, porque Donald
Trump é um ator político que se
comporta de forma antiociden-
tal, contra os interesses do Oci-
dente; depois, para os democra-
tas dos Estados Unidos, porque
o mundo já está a reagir a uma
hipotética derrota de Biden. Isto
diz aos opositores de Biden que
nem sequer os aliados confiam
na sua vitória.
P Uma dessas reações é o plano
para uma ajuda à Ucrânia que
fique garantida para cinco anos.
Pode explicar o mecanismo?
R O plano ainda não reúne con-
senso, mas, se existir um docu-
mento final, isto acaba por ser
um guarda-chuva, um seguro
para o futuro, com transferênci-
as expectáveis de 20 mil milhões
de dólares (€18.400 milhões)
por ano. E a palavra-chave aqui
é “expectável”, porque a Ucrâ-
nia precisa de saber se vai ou
não vai receber apoio. A ideia
surge agora porque, sendo os
Estados Unidos um parceiro
indispensável, foi o próprio
processo democrático no Con-
gresso que impediu e continua
a impedir que o apoio financeiro
chegue a quem de direito. Isto
levanta questões problemáticas
ao nível do aparente crescimen-
to do isolamento político ame-
ricano, da falta de apoio e de
sincronização de esforços.
P A NATO faz 75 anos. Quais
são os principais desafios para
os próximos 75?
R O futuro da NATO é bem mais
opaco do que era, provavelmen-
te, há 25 anos. Nessa altura co-
nhecíamos bem os nossos ad-
versários, sabíamos quais eram
as democracias emergentes que
iam precisar de ajuda para se-
rem estabilizadas, conhecíamos
a tecnologia que estava a sur-
gir e também a arquitetura de
segurança e defesa do mundo.
Hoje, o que existe é algo profun-
damente diferente. Há muitas
DESPESA MILITAR DOS ESTADOS-MEMBROS DA NATO
Em milhões de dólares, a preços constantes (2015)
1000
800
600
400
200
0
14 15 16 17 18 19 20 21 22 23
DESPESA POR PAÍS NO TOTAL DO ORÇAMENTO
MILITAR DOS MEMBROS DA NATO
Estimativa para 2023 = $1.264.115 milhões (todos os membros)
Outros (incluindo Portugal: 0,33%)
14,4%
Itália
2,5%
França
4,5%
Reino Unido
5,2%
Alemanha
5,4%
FONTE: NATO
PRIMEIRO CADERNO 25
‘tecnologias emergentes dis-
ruptivas’, desde a computação
quântica a mísseis hipersónicos,
passando por avanços em siste-
mas de autonomia e inteligência
artificial. Infelizmente, as de-
mocracias relaxaram muito na
investigação e na implantação
destas tecnologias, enquanto os
regimes autoritários, nomeada-
mente a Rússia, a China, entre
outros, estão a tentar incluí-las
nos seus sistemas militares. No
entanto, não quero deixar de
frisar, e os dados são da Univer-
sidade de Harvard, que desde a
criação da NATO, em 1949, as
democracias no mundo cresce-
ram 43%. Hoje há mil milhões
de pessoas que vivem sob a pro-
teção da NATO.
P O que descreve em cima são
os desafios ao nível operacional.
E a nível político?
R Aí, o grande desafio será ten-
tar suster o avanço das auto-
cracias. Vivemos num período
pré-guerra e, portanto, há uma
necessidade de reinventar as
nossas democracias, fortalecen-
do as nossas instituições demo-
cráticas e aumentando a resili-
ência para conseguirmos deter
pressões, influências autocráti-
cas e, acima de tudo, criar uma
maior coesão entre os Estados-
-membros da NATO. E aqui en-
tra o desafio da emergência de
novos partidos de extrema-di-
reita, de direita alternativa e de
direita populista, que vão ten-
tam criar brechas. Um exemplo
é o do ministro dos Negócios
Estrangeiros húngaro [Péter
Szijjártó], que veio dizer que a
Hungria não votará a favor de
nenhuma proposta, incluindo
a do financiamento futuro da
Ucrânia se isso colocar a NATO
numa posição ofensiva. A.F.
ESTIMATIVA PARA 2023
TOTAL
$1100
MILHÕES
EUROPA E CANADÁ
$356
MILHÕES
Estados Unidos
68%
INFOGRAFIA SOFIA MIGUEL ROSA
26 PRIMEIRO CADERNO
GUERRA ISRAEL-HAMAS
Reem Hammad, com o filho ao colo,
fotografada na casa da família em Rafah antes
da guerra, com a mãe e as irmãs FOTO D.R.
Reem precisa de 35 mil euros
para tirar a família de Rafah
Facilitadores egípcios cobram cada vez mais por autorizações de saída da Faixa de Gaza
Ana França
Não há mancha no cadastro da famí-
lia Hammad que pudesse impedi-la
de passar a fronteira de Rafah, que
separa o Egito da Faixa de Gaza. Só
que, se antes da guerra transpor a
fronteira era ato de fé ou de sorte, ago-
ra é isso tudo e ainda mais um monte
de dólares que a maioria das famílias
não tem. Os Hammads costumavam
ir ao Egito ver a outra parte da famí-
lia ou fazer compras com regularida-
de. Israel já os deixara viajar outras
vezes. É possível que agora também
lho permitisse, mas o nome dos oito
membros da família não está sequer
numa lista para aprovação, porque
ninguém tem dinheiro para pagar o
que o “agente” exige.
Antes da guerra, o preço de uma
autorização de saída de Rafah para
o Egito oscilava pouco, entre os 200
e os 500 dólares (€185 a €470) para
um adulto; neste momento varia en-
tre 4500 e 10 mil dólares por adulto
(€4175 a €9200) e, para uma criança,
algures entre dois e cinco mil dólares
(€1850 a €4640).
Um grito num milhão
Numa videochamada com o Expresso
a partir da sua casa na Alemanha, mar-
cada para a primeira manhã em que
pôde deixar os três filhos pequenos
na creche depois da interrupção de
Páscoa, Reem Hammad emociona-se
por segundos quando tem de dizer
em voz alta a quantia impossível que
está a tentar angariar através de uma
página de donativos na internet para
poder pedir as autorizações para a sua
família: €35 mil.
As contas são feitas por baixo, com
valores próximos do mínimo que um
agente pode pedir. São seis adultos
e duas crianças: €5 mil por adulto e
€2500 por criança dá €35 mil. Nada
garante que seja este o montante
exigido na altura em que consigam
o dinheiro para pôr os nomes nas lis-
tas. O preço pode continuar a subir.
“Não vai haver um salvador que nos
dê o dinheiro todo, só vamos lá se for
um esforço coletivo”, diz Reem, sem
grande esperança. “Há mesmo muitas
famílias a tentar.”
As redes sociais Facebook e Ins-
tagram estão cheias de partilhas de
histórias em tudo semelhantes à de
Reem. A página que criou no site
GoFundMe tem fotografias da famí-
lia toda: o pai, Saed, 65 anos, a mãe,
Maha, 54, a irmã mais velha, Malak,
32, a mais nova, Nada, 23, o irmão, Ali,
34, a sua mulher, Israa, 31, e os seus
filhos: Saed, como o avó, tem sete anos
e Sobhi apenas 11 meses. E foi difícil
convencê-los a tentar. “Além de sentir
vergonha em pedir dinheiro, no islão
é considerado haraam, proibido, usar
posses financeiras para atingir uma
posição de superioridade ou priorida-
de em relação a outrem que de outra
forma não seria obtida”, explica Reem.
Os Hammads nunca tinham pensado
sair de Gaza até há poucos dias, quan-
do os vizinhos que não vieram para
Sul lhes enviaram imagens e vídeos
de montes de entulho no lugar onde
estava o prédio de sete andares onde
a família vivia, no bairro de Rimal, a
três quilómetros do centro da cidade
de Gaza, capital do território. Eram
sete andares, sete apartamentos, sete
famílias, todas ligadas entre si por
laços de parentesco mais ou menos
próximos. Já nada existe. Estão todos
em tendas, numa cidade que tinha 280
mil habitantes antes da guerra e agora
tem 1,7 milhões, concentrados em 24
km2. “Choro de cada vez que os vejo,
não há eletricidade nem gás, não há
água para higiene nem sequer para
beber, quanto mais para lavar roupa e
utensílios de cozinha!”
Integração completa
Há sete anos a viver na Alemanha,
está integrada, escorrega para a língua
alemã em conversa, os filhos nasceram
lá e o marido é um engenheiro de tele-
comunicações “altamente talentoso e
qualificado”, conta Reem. Indica o site
do instituto onde ele é um dos princi-
pais investigadores: Fraunhofer-Ge-
sellschaft, um dos maiores centros de
investigação e inovação alemães, com
76 polos por todo o país.
Desde o dia em que saíram de Gaza,
começaram a juntar dinheiro para
um projeto comum e no ano passado
concretizaram-no: compraram um
terreno e começaram a construir uma
casa. Em Gaza. A olhar para o terreno,
ninguém consegue dizer que ali hou-
ve um sonho edificado. “Já tínhamos
quase tudo montado e mobilado, a
cozinha toda, que é o mais caro, estava
praticamente pronto, mas, poucos
dias após o início da guerra, a área
onde estava a nossa casa, novinha, foi
arrasada. Já não temos nada, literal-
mente nada.”
Tanto a família de Reem como a do
marido, que também está em Gaza,
vivem com as remessas que ele envia
todos os meses. Cerca de 20 pessoas
dependem do dinheiro deste “enge-
nheiro talentoso”. E não chega: até
os enlatados, o arroz e a farinha, os
únicos produtos que ainda há, apesar
de em quantidades muito inferiores
às necessárias, têm preços proibitivos.
Meio quilo de arroz custava cerca de
um dólar (€0,90) antes da guerra; ago-
ra custa 11 dólares (€10). A farinha não
chegava aos 0,40 dólares (€0,30), ago-
ra custa quase nove dólares (€8,30).
“A área onde estava
a nossa casa, novinha,
foi arrasada. Já não temos
nada”, diz a palestiniana
Reem Hammad
Antes da guerra, a farinha
não chegava aos 0,40
dólares (cerca de €0,30),
mas agora custa quase
nove dólares (€8,30)
“Não temos nada que possamos ven-
der. Até vendíamos a nossa casa nova
se ela existisse, mas quem vai comprar
uma casa que pode ser destruída em
segundos?”
Voltar? Primeiro sair
O Egito, em paz com Israel há décadas
e peça central das tentativas de nego-
ciações de cessar-fogo e libertação de
reféns, resiste há muito a abrir a passa-
gem de Rafah, receando que uma fuga
de dezenas de milhares de pessoas
para a península do Sinai possa gerar
problemas de segurança.
O Presidente, Abdel Fattah al-Sisi,
afirmou que o afluxo em massa de re-
fugiados de Gaza abriria um preceden-
te para a deslocação de palestinianos
da Cisjordânia para a Jordânia, permi-
tindo cumprir o sonho da fação mais
extremista da política israelita: tomar
toda a Palestina histórica e chamar-lhe
apenas Israel. Essa ala radical já fala
abertamente, mesmo com meios de
comunicação internacionais, de vol-
tar a construir colonatos em Gaza. É
difícil para Reem e para a sua família
acreditar que, se saírem, vão poder
voltar. Esse é um problema futuro, há
outros mais perto: as doenças, a sede,
os ratos, a fome.
O contacto de Reem para a possí-
vel extração dos parentes é com uma
empresa de transporte de passageiros
na cidade egípcia de Nasser. O serviço
dos agentes não é considerado ilegal,
na medida em que toda a gente sabe
que existe e não há restrições das au-
toridades, mas as famílias têm poucas
garantias em relação ao destino do
seu dinheiro. “O que fazem é registar
o nome das pessoas, mas é preciso
alguém ir pessoalmente a Nasser pôr
o nome na lista. No nosso caso foi a
mãe do meu marido. Não há papel
que possamos trazer, apenas verificar
que escrevem os nomes numa folha.
Não escrevem sequer quanto dinheiro
lhes demos”, diz Reem, a abanar a
cabeça. O que tem ouvido dizer é que
o dinheiro é devolvido às famílias às
quais Israel não permite passagem.
De outra forma os agentes perderiam
a credibilidade — e o negócio.
afranca@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
Guerra, risco e
modernização
no Golfo
Pérsico
Q
ue impacto terão a guerra entre
o Hamas e Israel em Gaza e a
que se trava nas sombras entre
Jerusalém e Teerão na afirma-
ção e modernização da Arábia Saudita,
Emirados Árabes Unidos e Catar.
Riade, Abu Dhabi e Doha estão, há
alguns anos, interessadas em criar
uma nova região geopolítica que vá
do sul da Ásia a África. Génova, Ve-
neza e Singapura têm sido os seus
modelos históricos para o desenvol-
vimento deste ambicioso projeto de
integração. Para tal, os líderes destes
países têm mantido boas relações com
Washington, Moscovo e Pequim, seus
tradicionais fornecedores e clientes.
Até ao passado dia 7 de outubro, a nor-
malização do relacionamento com Is-
rael foi também vista por Riade e Abu
Dhabi como necessária para atrair in-
vestimento direto estrangeiro e criar
uma alternativa à geoestratégia do
Irão e dos seus aliados.
Na Arábia Saudita, Emirados Árabes
Unidos e Catar, a transição energética
é vista como um acontecimento histó-
rico que terá lugar até para lá de 2050.
Entretanto, o petróleo e o gás natural
continuarão a ser importantes para as
economias mundiais. Durante este pe-
ríodo de transição, a petroquímica e a
metalurgia dos metais essenciais para
a eletrificação das economias mais
avançadas serão cada vez mais impor-
tantes para Riade, Abu Dhabi e Doha.
Os fundos soberanos controlados por
estas capitais têm vindo a investir em
empresas que exploram minas de co-
bre, cobalto e lítio, portos e agricultura
em países africanos. Estes investimen-
tos têm sido encorajados por Washin-
gton, que receia as consequências da
atual posição dominante da China na
extração e metalurgia destes metais.
Esta diversificação agrada também
aos líderes dos países africanos onde
estes coutos mineiros estão localiza-
dos. Nenhum quer ficar completamen-
te dependente de Pequim.
Um dos principais obstáculos à cria-
ção de uma nova região geopolítica
entre o sul da Ásia e África, com o
Golfo Pérsico numa posição central,
é a guerra entre o Hamas e Israel em
Gaza, que indigna as opiniões públicas
árabes, e a crescente tensão entre Je-
rusalém, o Irão e seus aliados na Síria
e no Líbano. Teerão aproveitou o ata-
que terrorista do Hamas para pressio-
nar Israel em todas as suas fronteiras
e interesses. Jerusalém está determi-
nada a restaurar a sua credibilidade
da dissuasão convencional que julga
estar diminuída. O seu ataque contra
o consulado iraniano em Damasco no
início da semana faz parte desta estra-
tégia israelita de punição e diminuição
da margem de manobra de Teerão
e dos seus aliados. Como reagirá o
regime iraniano ou, por exemplo, o
Hezbollah? Por agora, não sabemos.
Riade, Abu Dhabi e Doha são um bom
exemplo da complexidade que define a
atual política internacional. Este facto
e os seus recursos financeiros têm-lhes
dado a oportunidade de criar espaço
diplomático entre os Estados Unidos,
a China, a Rússia e a Índia. Todavia, a
continuação da guerra em Gaza e a al-
teração do cálculo da avaliação do risco
em Jerusalém e Teerão poderão vir a
ter consequências bastante negativas
para as suas agendas de modernização
social e económica e ambições geopo-
líticas. O Golfo Pérsico está a chegar a
um ponto de bifurcação.
Expresso, 5 de abril de 2024
PERFIL
TURQUIA
Ekrem Imamoglu
O homem de fé que é
chama da oposição laica
Pela primeira vez em 22 anos,
o Presidente é derrotado
a nível nacional. Autarca de
Istambul é estrela da oposição
“Se perdermos Istambul, perde-
mos a Turquia”, disse um dia Recep
Tayyip Erdogan, o todo-poderoso
Presidente turco. Domingo passa-
do, viu o seu Partido da Justiça e do
Desenvolvimento (AKP, islamita e
nacionalista) perder as autárquicas
a nível nacional pela primeira vez
em 22 anos no poder, e ser vencido,
pela terceira vez, em Istambul. O
autor deste último feito chama-se
Ekrem Imamoglu e milita no Par-
tido Republicano do Povo (CHP,
esquerda republicana e laica).
O CHP conquistou 38% dos votos
a nível nacional e as câmaras de
14 das 30 maiores cidades turcas,
incluindo as das cinco maiores me-
trópoles: Istambul, Ancara (capi-
tal), Esmirna, Bursa e Adana. O
AKP obteve 36%.
A vitória de Imamoglu foi sonan-
te: 51%, contra os 40% de Murat
Kurum, ex-ministro do Ambiente
e Urbanismo de Erdogan. O autar-
ca do CHP venceu apesar da não
renovação da frente unida — com
curdos, nacionalistas e dissiden-
tes do AKP — que permitiu a sua
primeira eleição, em 2019, e que
tentou em vão desalojar Erdogan
nas presidenciais do ano passado.
A campanha eleitoral, em pleno
Ramadão, foi morna e pouco mo-
bilizadora. O analista político Suat
Kiniklioglu resume o sentimento
geral: “Quando todos já tínhamos
perdido a esperança que o eleitora-
do conseguisse reagir às miseráveis
condições sociais, económicas e
políticas do país, eis que se ergue
e dá uma enorme bofetada aos
governantes.”
Paixões e origens comuns
O terramoto político ressuscita a
oposição em quebra e catapulta
Imamoglu para uma posição pri-
vilegiada para concorrer à Presi-
dência da República em 2028. O
carismático autarca, de 54 anos,
parece destinado a seguir o cami-
nho do outro titular desse cargo,
Erdogan, com quem partilha as
origens, a paixão pelo futebol e os
problemas com a justiça.
Originário de uma família crente
e humilde de Trabzon, no mar Ne-
gro, região que viu nascer Erdogan,
Imamoglu fez-se empresário da
construção civil em Istambul antes
de entrar na política. No liceu e na
universidade, apaixonado por fu-
tebol, jogou em equipas amadoras,
também como Erdogan. No início
do século fez parte da direção do
Trabzonspor, principal clube da
zona do mar Negro, que tem dos
mais fanáticos adeptos da liga turca
PRIMEIRO CADERNO 27
Chegou a explorar um pequeno
restaurante onde Erdogan terá co-
mido nos anos 90, como presidente
da Câmara recém-eleito.
Imamoglu filiou-se no CHP em
2008 e passado um ano já presi-
dia à sua organização juvenil. Em
2014 ganhou ao AKP a Câmara de
Beylikduzu, um dos municípios no
oeste da grande Istambul metropo-
litana, com mais de 50%. Passados
quatro anos, desconhecido do gran-
de público, encabeçou a grande
coligação que conquistou Istambul
ao candidato de Erdogan, o ex-pri-
meiro-ministro Binali Yildirim.
Evitar a polarização
Numa campanha irreverente, Ima-
moglu tornou-se celebridade nacio-
nal, sobretudo devido ao inédito es-
tilo pouco confrontacional. Um dos
seus primeiros atos foi pedir uma
audiência a Erdogan, mostrando
que estava ali para mais altos voos,
mas conciliador. São célebres os
seus passeios pelas áreas mais po-
pulares de Istambul, onde gosta
de ouvir, horas a fio, as queixas e
argumentos dos munícipes.
Ao contrário dos seus colegas do
FOTO YASIN AKGUL/GETTY IMAGES
CHP, Imamoglu é um homem de fé.
Num dos seus primeiros comícios,
em 2019, convidou uma mulher
de burca preta para o palco, algo
nunca visto num ato do CHP. Pediu
ajuda a Deus, citou o Corão e andou
pelas mesquitas. “Constatámos que
não podíamos lutar nesse aspeto
contra Erdogan”, reconheceu o seu
braço-direito, Ates Ilyas Bassoy.
“O grande fosso não é entre laicos
e em cujos jogos ainda é presença e crentes, entre turcos e curdos,
regular. mas entre ricos e pobres”, defende
A sua família, como centenas Bassoy. Imamoglu deixou a abor-
de milhares de outras na Turquia, dagem elitista tradicional do CHP
mudou-se para Istambul em 1987. e passou a concentrar-se na luta
Imamoglu licenciou-se em gestão contra as desigualdades sociais.
e, depois do mestrado em recursos José Pedro Tavares
humanos, começou a trabalhar na Correspondente em Ancara
empresa familiar de construção. internacional@expresso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO
RUANDA
Homem tutsi com golpes
na cara e na cabeça, vítima
do genocídio em 1994
FOTO SCOTT PETERSON/GETTY IMAGES
Pacificação “superficial” ao fim de 30 anos
Passados 30 anos sobre o genocídio, tensões étnicas, desigualdade e repressão não desapareceram
Textos Hélder Gomes
A 15 de julho, o dia em que se
cumprem 30 anos sobre o fim
do genocídio no Ruanda, os
eleitores deverão eleger Paul
Kagame para um quarto man-
dato presidencial. Entre 1994
e 2000, ano em que se tornou
chefe de Estado, já acumulava
as funções de ministro da De-
fesa e vice-presidente. Este se-
gundo cargo foi extinto quan-
do assumiu pela primeira vez
a presidência do país da África
Central, então por eleição in-
direta. Só a partir de 2003 se
sujeitou ao voto popular.
O aniversário do início do
genocídio assinala-se este do-
mingo. Na véspera, na noite de
6 de abril de 1994, o avião em
que seguiam os Presidentes
do Ruanda, Juvénal Habyari-
mana, e do Burundi, Cyprien
Ntaryamira, foi abatido sobre
Kigali, a capital ruandesa. Os
chefes de Estado vinham de
uma cimeira na Tanzânia,
onde se negociava o fim da
guerra civil ruandesa, iniciada
em 1990, que opunha as forças
governamentais, lideradas por
Habyarimana, e os rebeldes da
Frente Patriótica, encabeça-
dos por Kagame.
Mais de 800 mil mortos
Todas as pessoas que seguiam
a bordo morreram na queda do
avião. De início pensou-se que
o atentado tivesse sido obra
de hutus extremistas, posteri-
ormente surgiram alegações
de que os autores seriam lí-
deres da Frente Patriótica. O
certo é que começou então a
matança organizada de tutsis
(grupo étnico minoritário) e
hutus (grupo maioritário) mo-
derados. Em cerca de 100 dias,
mais de 800 mil civis — tutsis
na maioria, mas também hutus
moderados — foram mortos
numa campanha de guerra
que envolveu cerca de 200 mil
hutus extremistas e levou dois
milhões a fugirem do país.
A máquina de extermínio
manteve-se a funcionar até ju-
lho, com pessoas queimadas
vivas, mortas à catanada ou
por rajadas de metralhadora.
Três décadas volvidas sobre o
horror, vítimas de violações e
outras atrocidades e familiares
dos mortos vivem lado a lado
com carrascos, que continuam
a escapar à justiça. Num país
em que quase dois terços da po-
pulação tem menos de 30 anos,
a luta é também pela preserva-
ção da memória de um geno-
cídio que muitos não viveram.
Kagame escuda-se no bom
desempenho económico e so-
cial: o produto interno bruto
cresceu, em média, mais de
8% por ano desde o fim do ge-
nocídio, a esperança média
de vida subiu dos 49 para os
66 anos desde que assumiu a
presidência do país. A revista
“The Economist” sublinha,
todavia, que os números es-
condem uma pobreza muito
subavaliada e uma desigualda-
de de rendimentos bem mai-
or do que noutros países da
região. No plano político, não
há espaço para a dissidência
e não restam dúvidas de que
Kagame será reeleito por es-
magadora maioria.
Em 100 dias, mais
de 800 mil civis foram
mortos à catanada,
por metralhadora
ou queimados vivos
Maddalena Procopio, inves-
tigadora do grupo de reflexão
European Council on Foreign
Relations (ECFR), considera
que “acontecimentos atuais,
em particular o conflito em
curso na República Democrá-
tica do Congo [RDC], tornam
a memória do genocídio mais
viva do que nunca”. Do mesmo
modo que o genocídio do Ru-
anda esteve “profundamente
ligado a dinâmicas políticas,
sociais, étnicas e de segurança
no Burundi e na RDC, a esca-
lada do conflito na RDC pode
exacerbar tensões étnicas e re-
gionais”, adverte ao Expresso.
“Napoleão africano”
Além disso, o alegado apoio
ruandês a determinados gru-
pos étnicos ou fações rebel-
des na RDC e as violações
dos direitos humanos podem
“reacender divisões étnicas
no próprio Ruanda, evocando
memórias de violência entre
os tutsis, grupo étnico do Pre-
sidente Kagame, e a maioria
hutu”, refere a investigadora.
A “perceção” de que o Ruan-
da estará a desempenhar um
papel ativo no “exacerbamento
do conflito na RDC” tem vindo
a afetar as relações com os paí-
ses vizinhos e a suscitar críticas
internacionais, nota Procopio.
Mesmo assim, este maior “es-
crutínio” não se traduziu numa
“retirada significativa do apoio
económico ou político”. E tal
acontece porque muitos países
precisam do Ruanda em “con-
textos tão diferentes” como
asilo (caso do Reino Unido),
segurança (Moçambique) ou
exportações de minerais (acor-
do com a União Europeia).
Ou seja, apesar de ser um
elemento desestabilizador ao
ajudar a abrir caminho para
uma nova guerra na região
dos Grandes Lagos, Kaga-
me — o “Napoleão africano”,
como já foi apelidado — ur-
diu uma teia de relações que
o torna aliado incontornável.
É essencialmente por duas ra-
zões que o Exército ruandês
tem intervindo na República
Centro-Africana e em países
da África Ocidental: porque
as autoridades nacionais lho
pedem e porque os países oci-
dentais já dispensam um en-
volvimento direto.
Prosperidade pacificadora
No quarto de século que leva na
presidência, que fez Kagame
pela reconciliação nacional?
“A resposta não pode deixar de
ser matizada”, defende a inves-
tigadora do ECFR. Não exclui
“progressos na reconciliação
com o passado, através do de-
senvolvimento económico, das
reformas jurídicas e de políti-
cas governamentais”. Em con-
creto, “o robusto crescimento
do Ruanda após o genocídio
fomentou a unidade por via do
desenvolvimento de infraestru-
turas e do empreendedorismo,
facilitando a interação entre os
diversos grupos étnicos”.
Mais: “Uma combinação de
mecanismos de justiça con-
vencionais e tradicionais ten-
tou resolver erros ao nível das
elites e das bases”. Por fim,
“a ênfase numa governação
inclusiva e numa identidade
O Presidente Kagame
urdiu uma teia
de relações que
faz dele um aliado
incontornável
nacional partilhada tem sido
vista como conducente aos es-
forços de reconciliação”.
O reverso da medalha é que
“persistem muitos desafios, se
não mesmo ameaças à estabi-
lidade, tais como a repressão,
as divisões sociais e a política
da memória”, alerta Procopio.
Assim, “o Governo continua a
reprimir os dissidentes, com
perseguições e mortes no
país e no estrangeiro”. Ten-
sões e desigualdades étnicas
“profundamente enraizadas”
mantêm-se, apesar das “nar-
rativas oficiais de unidade”:
os hutus não são reconhecidos
como “vítimas do genocídio”,
ainda que “muitos tenham per-
dido a vida”. Isto torna “quase
impossível” qualquer debate,
“cria medo e dificulta o diálogo
sobre a história complexa e o
presente do país”.
No reino de Kagame
Por isso, de certa forma, “a
reconciliação é apenas super-
ficial”, avalia a investigadora.
Além do mais, Kagame é “o
único líder que o Ruanda co-
nhece desde o genocídio”, o
que levanta a questão de saber
“até que ponto o país pode ser
estável, dependendo apenas
de um homem, e o que aconte-
cerá quando um dia acontecer
uma transição”.
Douglas Yates, professor da
American Graduate School
em Paris, fala ao Expresso
numa “campanha internaci-
onal” do Presidente ruandês.
Em modo lacónico, limita-
-se a dizer que “embora seja
importante nunca esquecer
o genocídio”, é preciso reco-
nhecer que, por estes dias, o
que se assinala é “o 30º ano do
reinado de Kagame”.
hgomes@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
OUTROS GENOCÍDIOS
^ Camboja De 1975 a 1979,
foram mortos entre 1,5 e 2
milhões de cambojanos pelo
Khmer Vermelho, sob a
liderança de Pol Pot, apoiado
pelo Partido Comunista
Chinês de Mao Tsé-Tung.
^ Bósnia Em julho de 1995,
forças sérvias mataram mais
de 8 mil bósnios muçulmanos
na cidade de Srebrenica e
arredores.
^ Darfur Em curso desde 2003,
ficou conhecido como o
primeiro genocídio do século
XXI. Os mortos nesta região
do Sudão podem ascender a
meio milhão, somando-se a
violações, tortura e
deslocamentos forçados.
^ Mianmar Ainda em curso, a
limpeza étnica e a repressão
militar contra a minoria
muçulmana rohingya
começaram em 2016 e, só em
dois anos, mais de 25 mil
pessoas terão sido mortas.
^ Ucrânia (em investigação)
Dois dias após a invasão em
larga escala em 2022, a
Ucrânia apresentou no
Tribunal Internacional de
Justiça (TIJ) alegações de
genocídio contra a Rússia,
que as refuta.
^ Israel (em investigação) A
África do Sul pediu em
dezembro a abertura de um
processo no TIJ contra Israel,
devido à ofensiva na Faixa de
Gaza. Em audiência, Telavive
rejeitou as acusações.
Expresso, 5 de abril de 2024
SUDÃO
“Silêncio imperdoável”: o genocídio
em curso na região do Darfur
Investigação forense do projeto Sudan Witness, partilhada com o Expresso, mostra que,
desde o início da guerra, mais de 100 povoações foram destruídas pelo fogo
Patrulha das forças de
segurança sudanesas num
bairro comercial de Gedaref,
no leste do país FOTO EBRAHIM
HAMID/AFP/GETTY IMAGES
Micael Pereira
Com o mundo ocidental foca-
do na Ucrânia e em Gaza, há
um conflito em África que não
tem tido a atenção que as suas
consequências trágicas exigem.
Desde que as forças dos gene-
rais al-Burjan e Hemedti come-
çaram uma sangrenta luta pelo
poder no Sudão, a 15 de abril de
2023, acumulam-se indícios de
uma campanha de limpeza étni-
ca, sobretudo na região do Dar-
fur, contra povos não árabes,
incluindo os masalitas. Estas
atrocidades criaram um clima
de terror, provocando um êxodo
em massa de civis. Mais de 6 mi-
lhões de deslocados amontoam-
-se em regiões vizinhas e outros
2 milhões procuraram refúgio
no Sudão do Sul e no Chade.
Num esforço para reunir pro-
vas do terreno, o Centro para
a Resiliência da Informação
(CiR), com sede em Londres
e sem fins lucrativos, criou o
projeto Sudan Witness e, nas
últimas semanas, partilhou os
resultados da sua investigação
forense com a rede EIC (Eu-
ropean Investigative Collabo-
rations), de que o Expresso
faz parte. Recorreu a técnicas
forenses digitais, conjugando
imagens de satélite com foto-
grafias e vídeos recolhidos em
redes sociais, media locais e
internacionais e outras fontes.
Ataques a minorias étnicas
O cruzamento e análise do ma-
terial permitiu ao CiR construir
um mapa interativo com a lo-
calização e a data de 180 incên-
dios em povoações do Darfur
e do vizinho Cordofão. Essas
ocorrências estão identificadas
com níveis diferentes de fiabili-
dade: 108 são reportados com
um nível de confiança elevado.
Alguns casos de povoações
destruídas analisados pelo CiR
estão associados de forma dire-
ta a relatos de ataques contra
minorias étnicas. São quase
sempre cometidos pelas For-
ças de Apoio Rápido (RSF), os
paramilitares liderados por He-
medti, nome popular do gene-
ral Mohamed Hamdan Dagalo.
As RSF foram formadas
pelo ditador Omar al-Bashir,
que governou o Sudão duran-
te 26 anos, até ter sido detido
em 2019 pelo exército, após
meses de protestos na capital,
Cartum. De início conhecidas
como Janjaweed, foram res-
ponsáveis por um genocídio em
2004 contra os mesmos povos
não árabes do Darfur.
Em El Geneina, cidade no
Darfur Ocidental atacada en-
tre abril e junho de 2023, o CiR
comprovou a geolocalização e a
cronolocalização de um incên-
dio e de um vídeo partilhado
na rede social X (antigo Twit-
ter) por um militar das RSF
em frente à casa do sultão da
comunidade local de masalitas.
Filmado muito provavelmente
a 8 de junho de 2023, segundo
o CiR, o soldado diz que já “não
há mais masalitas” e que “só há
árabes”. Imagens do mesmo dia
mostram a residência do sultão
a ser pilhada e cadáveres na rua.
Em Misterei, a cerca de 40
km de El Geneina e habitada
por dezenas de milhares de
masalitas, o CiR identificou,
a partir de imagens de satéli-
te, focos de incêndio entre 29
de maio e 2 de junho de 2023.
Num vídeo geolocalizado no
centro da cidade e cronolocali-
Na aldeia de Al Takma,
nos Montes Núbios, no
Cordofão do Sul, um
militar exibe um jerricã
na mão em frente a
uma casa incendiada
zado entre 30 de maio e 1 de ju-
nho, alguém ameaça os núbios,
povo não árabe: “Cá se fazem,
cá se pagam”.
Segundo um relatório da Hu-
man Rights Watch de julho de
2023, Misterei foi destruída pe-
las RSF. “Os agressores mata-
ram homens nas suas casas, nas
ruas ou em esconderijos, e dis-
pararam contra residentes em
fuga, matando e ferindo mu-
lheres e crianças. Saquearam e
queimaram a cidade, obrigando
milhares de habitantes a atra-
vessar a fronteira e fugir para
o Chade”, lê-se no documento.
Dados mais recentes reco-
lhidos pelo CiR revelam nova
onda de incêndios em Misterei
entre outubro de 2023 e mar-
ço de 2024, aparente tentativa
de evitar que a localidade seja
reocupada. Segundo análise
às imagens de satélite, 60% da
cidade foi queimada entre 11 e
31 de outubro.
Na aldeia de Al Takma, nos
Montes Núbios (Cordofão do
Sul), o CiR verificou três vídeos
em que se veem militares com
uniformes das RSF junto de
propriedades a arder. Num de-
les, um militar exibe um jerricã
diante de uma casa incendiada.
Estes filmes foram geolocaliza-
dos no centro da aldeia.
Uniformes das RSF
Com base num sistema de in-
formação sobre incêndios da
NASA, conhecido como FIR-
MS, e em imagens cedidas pela
Planet, empresa dos Estados
Unidos com rede própria de
pequenos satélites, confir-
mou-se que os incêndios em
Al Takma retratados nos ví-
deos aconteceram a 5 de de-
zembro de 2023. Outros casos
no Cordofão em fevereiro de
2024 foram verificados. Em
três vídeos perto da montanha
de Jabal ad Dayr, o CiR confir-
mou a presença do emblema
LÍBIA EGITO
DARFUR
CHADE
ERIT.
SUDÃO
REP.
CENTRO-
SUDÃO
DO SUL
ETIÓPIA
-AFRICANA
e de uniformes das RSF, além
da localização das cenas e de
as filmagens terem acontecido
poucos dias após uma série de
incêndios na área. Num deles,
os investigadores determina-
ram o local através das silhue-
tas da montanha ao fundo, com
recurso à aplicação PeakVisor,
desenhada para melhorar a na-
vegação ao ar livre.
Em Kubum e em Mukjar, no
sul de Darfur, o CiR reuniu e
verificou vídeos relacionados
com um período intenso de
conflito, em setembro de 2023,
envolvendo homens armados
de duas tribos. As RSF teriam
mediado um desentendimento
entre essas fações, mas, segun-
do a Ordem dos Advogados do
Darfur, os paramilitares lide-
rados por Hemedti fizeram o
contrário: incentivaram o con-
fronto, fornecendo armas e veí-
culos aos grupos rivais.
O Sudan Witness apurou que
homens de ambas as tribos,
Bani Halba e Al Salamat, usa-
ram uniformes das RSF, cor-
roborando a tese da Ordem dos
Advogados do Darfur. Dados
recolhidos junto do programa
FIRMS da NASA revelam in-
cêndios em Kubum e Mukjar.
Quatro vídeos recolhidos pelo
CiR em que se veem guerrilhei-
ros dos Bani Halba, em agosto
de 2023, em áreas habitadas
pela tribo Al Salamat coinci-
dem com a geolocalização e as
datas dos fogos determinadas
através da NASA. Outras ima-
gens, captadas em setembro,
mostram guerrilheiros dos Al
Salamat numa área dominada
pela tribo Bani Halba. Vídeos
mostram homens armados
num ataque a Kubum, a 17 e 18
de setembro, em que se identi-
ficam como Al Salamat. Num
deles, um homem com unifor-
me das RSF lança fogo a uma
vedação de madeira.
Críticas a Joe Biden
Indícios mais recentes, relacio-
nados com três incêndios a 20
de fevereiro em Ed Daein, na
zona leste do Darfur, revelam
o uso de meios aéreos. As ima-
gens exibem danos de grandes
dimensões e vestígios de muni-
ções ou estilhaços provocados
por explosões, em linha com
notícias de que o ataque foi obra
das Forças Armadas sudanesas,
comandadas por al-Burjan.
Em dezembro de 2023, Alex
de Waal, diretor da Fundação
para a Paz Mundial, e Abdul
Mohammed, antigo funcioná-
rio da missão das Nações Uni-
das no Darfur, lamentavam
num artigo no jornal “The New
York Times” que houvesse um
genocídio em curso durante o
mandato de Joe Biden na Casa
Branca. “Ele e a sua Adminis-
tração não fizeram o suficiente
para impedi-lo.”
Na semana passada, no mes-
mo jornal, a embaixadora dos
Estados Unidos nas Nações
Unidas reconhecia “o silêncio
imperdoável sobre o Sudão”,
frisando que “potências regio-
nais estão a enviar armas para
o Sudão”. Isso tem o efeito de
“prolongar o conflito e permitir
atrocidades em todo o Darfur
Ocidental, incluindo massacres
que fazem lembrar o genocídio
de 2004.”
mrpereira@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 29
BREVES
PALOP FESTEJAM 25
DE ABRIL EM LISBOA
REVOLUÇÃO A Presidência da
República anunciou, quinta-fei-
ra, que os chefes de Estado dos
cinco países africanos lusófo-
nos — Angola, Cabo Verde, Gui-
né-Bissau, Moçambique e São
Tomé e Príncipe — e de Timor-
-Leste participam, a 25 de abril,
numa cerimónia no Centro
Cultural de Belém, em Lisboa,
a assinalar os 50 anos da Re-
volução. Estes países africanos
conquistaram a independência
após a queda da ditadura, que
pôs fim à Guerra Colonial.
1052
civis foram mortos em 2023,
em Mianmar, em incidentes
com minas terrestres e
explosivos, apurou a UNICEF.
Cerca de 20% das vítimas são
crianças. O número é três
vezes superior ao registado
no ano anterior (390).
Mianmar vive em clima
de guerra civil desde 2021,
após a líder eleita, Aung San
Suu Kyi, ter sido deposta
por um golpe militar. Civis
uniram-se a grupos armados
étnicos para forçar os
generais a saírem do poder
MADURO “ANEXA”
PARTE DA GUIANA
CARACAS O presidente da Ve-
nezuela assinou, quarta-feira,
uma lei que anexa parte do
território da vizinha Guiana: a
região de Essequibo, disputada
há décadas e guianense à luz do
direito internacional. Nicolás
Maduro quer violá-lo com base
num referendo de dezembro
passado, sem reconhecimento
externo, no qual 95% dos ve-
nezuelanos terão votado pela
anexação. O ditador acusa ain-
da a Guiana de albergar bases
militares dos Estados Unidos.
“FOI A
COMUNIDADE
INTERNACIONAL
QUE DECIDIU CRIAR
DOIS ESTADOS
NA PALESTINA EM
1947. É SEU DEVER
COMPLETAR ESTE
PROCESSO”
Riyad Mansur
Embaixador palestiniano junto da ONU
SISMO RETÉM MAIS
DE 600 EM TAIWAN
BUSCAS Prosseguem os esforços
para encontrar pessoas desapa-
recidas depois do terramoto em
Taiwan na quarta-feira. Nove
pessoas morreram, cerca de
1000 ficaram feridas e há mais
de 600 retidas em zonas isola-
das. O abalo, de magnitude 7,5
na escala de Richter, foi o mais
forte em 25 anos. Um dia depois,
o Japão também foi atingido por
um sismo com epicentro na cos-
ta de Fukushima, mas não houve
alerta de tsunami.
30 PRIMEIRO CADERNO
ESPANHA
Bascos votam sem pressas identitárias
Nas regionais de 21 de abril, nacionalismo radical e nacionalismo moderado medem forças nas urnas
Textos Ángel Luis
de la Calle
Correspondente em Madrid
Menos de um ano após as últi-
mas legislativas, a 23 de julho
de 2023, mal digeridos os resul-
tados das eleições regionais ga-
legas de 18 de fevereiro, começa
esta quinta-feira a campanha
para as do País Basco, marcadas
para 21 de abril. A 12 de maio
será a vez dos catalães (ver tex-
to abaixo) e a 9 de junho todos
os espanhóis votarão para ele-
ger os seus 61 representantes
no Parlamento Europeu.
Com votações nas três prin-
cipais comunidades históricas,
onde há mais nacionalismo,
paira sobre a política nacional
a ameaça de abalo ao delicado
equilíbrio que sustenta o Exe-
cutivo de Pedro Sánchez — co-
ligação entre o Partido Socialis-
ta Operário Espanhol (PSOE,
centro-esquerda) e a frente de
esquerda radical Somar —, for-
çando nova ida às urnas.
O contraponto aos bons
indicadores económicos é o
panorama político de grande
instabilidade, sem Orçamento
do Estado para este ano devi-
do à antecipação das eleições
catalãs; hostilidade da maior
força da oposição, o Partido
Popular (PP, centro-direita),
devido às cedências aos inde-
pendentistas, e acusações cru-
zadas por episódios de corrup-
ção, que suscitam comissões
de inquérito nas duas câmaras
parlamentares.
A organização territorial
em 17 comunidades dotadas
de autogoverno e Parlamento
próprio torna as eleições regio-
nais relevantes a nível nacional.
Sánchez sonha com um consolo
basco após o desaire de feverei-
ro na Galiza, onde ganhou o PP.
Nacionalismos empatados
Todos os prognósticos favore-
cem a repetição da solução de
Governo atual, de pacto entre
o Partido Nacionalista Basco
(PNV, centro-direita) e o Par-
tido Socialista Basco (PSE),
sucursal regional do PSOE. A
novidade é o crescimento da
aliança abertzale (patriota, em
língua basca) Euskal Herría
Bildu (EHB, unir a terra basca,
em tradução livre), herdeira
histórica do Batasuna, que, sob
vários nomes, foi braço político
do grupo terrorista ETA.
Os estudos de opinião dão
conta de um empate técnico
entre o PNV e o EHB, com mí-
nima vantagem para o primei-
ro, que domina há mais de 40
Sánchez rejeita
consulta ‘à escocesa’
na Catalunha
Proposta do presidente
catalão visa as eleições
regionais. Foi criticada
pelo Governo socialista
e pela oposição de direita
“Quer que a Catalunha seja um
Estado independente?” Eis a
pergunta que Pere Aragonès,
presidente do Governo autonó-
mico daquela região espanhola,
quer fazer aos cidadãos numa
consulta popular a negociar
com o Governo de Espanha.
Imanol Pradales, candidato do PNV à chefia do governo basco, cumprimenta o atual titular, Íñigo Urkullu, do mesmo partido, numa cerimónia em Bilbau
anos o nacionalismo basco. O
jornal progressista “El País”
publicou na semana passada
uma sondagem da empresa
40dB, a qual atribuía 28 de-
putados regionais a cada um
deles e 11 aos socialistas, que
permaneceriam o fiel da ba-
lança. PNV e PSE somariam
39 assentos num total de 75,
um acima da maioria absoluta.
Se 42% da população
na Catalunha
é favorável
à secessão, no País
Basco são só 13%
A 1 de abril, o Centro de In-
vestigações Sociológicas (CIS),
ligado ao Governo central, re-
velava um estudo amplo que
prevê vitória curta do PNV. Te-
ria 36,1% dos votos e 30 a 31
lugares; o EHB ficaria com 33%
e 28 ou 29 deputados; o PSE
manteria os 10 de 2020.
Também o CIS vaticina o
avanço dos abertzales, graças
A seu ver, “votar sobre a in-
dependência é possível no atual
quadro legislativo, sendo ape-
nas questão de vontade políti-
ca, como a amnistia”. Refere-se
à lei aprovada pelo Parlamento
espanhol que apaga a respon-
sabilidade dos envolvidos na
intentona falhada de secessão
de outubro de 2017, protago-
nizada pelo então presidente
catalão, Carles Puigdemont.
Aragonès invoca o artigo 92
da Constituição espanhola, que
à aparente moderação das suas
propostas. O líder histórico
Arnaldo Otegi, antigo etarra,
afastou-se da primeira linha e
renunciou à possibilidade de
ser lehendakari (chefe do Go-
verno autonómico). Em seu lu-
gar concorre Pello Otxandiano,
engenheiro, de 41 anos, desig-
nado para responder às am-
bições dos jovens bascos, não
contaminados pela histórica
polarização causada pela ETA.
Em cerca de 50 anos de terro-
rismo, esta assassinou quase
900 pessoas, feriu milhares e
praticou extorsão e ameaças.
Abandonou a luta armada em
2011 e dissolveu-se em 2018.
Embora a prioridade do EHB
seja afastar do poder a coliga-
ção PNV-PSE, que dura com
interrupções desde 1986, o seu
ritmo abrandou. Otegi asse-
gurou em Navarra, ao festejar
o Aberri Eguna (dia da pátria
basca), que “o projeto do EHB
tem clara vocação de Estado so-
berano, de Estado independen-
te, de República basca”, mas
ressalvou: “Não alcançaremos
a independência se não chegar-
estipula que “as decisões políti-
cas de especial transcendência
poderão ser submetidas a refe-
rendo consultivo de todos os ci-
dadãos”. Confia ainda no pare-
cer do Instituto de Estudos do
Autogoverno (IEA), organismo
do Governo regional dirigido
por Joan Ridao, antigo secre-
tário-geral da Esquerda Repu-
blicana da Catalunha (partido
de Aragonès) e ex-membro do
Executivo autonómico.
Mobilizar o eleitorado
O presidente do Governo auto-
nómico não indica níveis míni-
mos de participação e resulta-
dos para validar o referendo.
Em 2022, a ERC fixava em 50%
a afluência mínima e em 55%
os votos “sim” necessários.
A proposta não pode ser dis-
sociada das eleições regionais
mos aos Governos” e “não se
deve ter pressa quando se quer
chegar longe”.
Rol de estreantes
A pressão identitária é menor
no País Basco do que na Catalu-
nha. Se ali cerca de 42% da po-
pulação é favorável à secessão,
no caso basco são só 13%. O na-
cionalismo é, ainda assim, es-
magador, professado por quase
70% do povo (2,2 milhões de
habitantes). Dos inquiridos
pela 40dB, 52,9% consideram
a situação da região “boa” ou
“muito boa”; para 45,7% é “re-
gular”, “má” ou “muito má”.
Defensor da independência
é também o candidato do PNV
à chefia do Governo basco,
Imanol Pradales. Aos 49 anos,
substitui Íñigo Urkullu, gover-
nante moderado ao longo de
12 anos e que queria continuar
(a direção do partido teve outra
visão). O seu legado é positivo
no juízo da maioria dos analis-
tas, sobretudo após os sobres-
saltos separatistas do início do
século, quando o lehendakari
de 12 de maio, onde a ERC ri-
valiza com o Juntos pela Cata-
lunha, de Puigdemont (fugido
para a Bélgica), pela liderança
do campo independentista. E
pede votos para apoiar o refe-
rendo, numa altura em que as
sondagens prognosticam vitó-
ria da filial regional do Partido
Socialista Operário Espanhol
(PSOE, centro-esquerda), que
governa Espanha em aliança
com a frente de esquerda radi-
cal Somar e, paradoxalmente,
o apoio dos independentistas.
O PSOE deve vencer
as regionais de 12
de maio. Puigdemont
volta para disputar
o cargo a Aragonès
Juan José Ibarretxe propunha
ao Parlamento espanhol fazer
da região um Estado livre asso-
ciado a Espanha (rejeitado sem
paliativos). Urkullu apadrinhou
disciplinadamente Pradales,
que fez toda a carreira no par-
tido. Este assegurou numa en-
trevista radiofónica que “o País
Basco é uma nação num Estado
plurinacional”.
Nas sondagens,
o independentismo
é a quarta ou quinta
prioridade, bem atrás
da saúde pública
Outro estreante é Eneko An-
dueza (45 anos), líder do PSE
desde 2021. É provável que
reedite o pacto de socorro mú-
tuo com o PNV: os nacionalis-
tas bascos apoiam as iniciativas
do Governo de Sánchez e, em
troca, o PSE mantém o PNV no
poder no País Basco, afastando
o EHB. O presidente do PNV,
Andoni Ortúzar, recomendava,
A porta-voz do Executivo
espanhol, Pilar Alegría, frisou
que um referendo “está fora
do roteiro do Governo” e “tam-
pouco é a opinião maioritária
da sociedade catalã”, segundo
sondagens recentes. “A Consti-
tuição não pode amparar vota-
ções cujo objetivo seja segregar
parte do território espanhol”,
afirma ao Expresso o constitu-
cionalista David Parra, da Uni-
versidade de Múrcia.
Bruxelas atrasa amnistia
O Partido Popular (centro-di-
reita, maior força da oposição)
rejeita qualquer referendo. O
seu líder, Alberto Núñez Feijóo,
afirmou que o primeiro-minis-
tro, Pedro Sánchez, não devia
“ter sequer deixado Aragonès
apresentar a sua proposta”.
Carlos Carrizosa, do partido
Expresso, 5 de abril de 2024
FOTO H. BILBAO/GETTY IMAGES
no dia da pátria, muita aten-
ção à “agenda oculta” do EHB:
“Como se pode mudar tanto
em tão pouco tempo?”
Pelo PP concorre Javier de
Andrés (57 anos), encarrega-
do de conservar os seis depu-
tados regionais do partido.
Na esquerda radical o Pode-
mos e o Somar têm escassas
hipóteses de obter um lugar
cada, à semelhança do Vox
(extrema-direita).
O jornalista e analista políti-
co Luis R. Aizpeolea ressalta
a singularidade das eleições:
“Todos, exceto o do Podemos,
são novos e pertencem a uma
geração que entrou para a
política quando acabou o ter-
rorismo.” Isso faz com que
“os debates se centrem nos
problemas dos cidadãos e se
afastem dos históricos debates
identitários”. Nas sondagens,
o independentismo ocupa o
quarto ou quinto lugar nas
prioridades, em cuja posição
cimeira está a degradação da
saúde pública, outrora orgulho
do autogoverno basco.
internacional@expresso.impresa.pt
Cidadãos (Cs, centro-direita
liberal), que está em extinção
em Espanha, mas tem relevo na
Catalunha, afirma ao Expresso
que “a nação espanhola é indi-
visível e a soberania nacional
reside no povo espanhol”.
A amnistia, cujos putativos
beneficiários desejam que seja
rápida, apanhou, esta terça-fei-
ra, com um “balde de água fria”
do comissário europeu da Jus-
tiça, Didier Reynders. Respon-
dendo a uma pergunta do euro-
deputado Adrián Vázquez (Cs),
o belga explicou que “qualquer
normativa nacional, incluindo,
é claro, a lei da amnistia, deve
ser suspenso até o Tribunal de
Justiça da União Europeia re-
solver as questões que possam
ser-lhe suscitadas pelos tribu-
nais dos Estados-membros”. A
justiça espanhola não deixará
de colocá-las.
 Expresso, 5 de abril de 2024
TRIBUNA FUTEB OL
A
Lídia Paralta Gomes
derrota do FC Porto
em casa do Estoril
Praia na última jor-
nada veio, inespe-
radamente, trazer
um cenário de qua-
se inevitabilidade
ao Sporting-Benfi-
ca do próximo sá-
bado (20h45, Sport TV1). Chamar-
-lhe jogo do título será desmesurado,
quando ainda faltam sete jornadas
para o fim do campeonato: uma der-
rota para o Benfica significará uma
montanha longa para escalar, mas
o Sporting, mesmo partindo para o
encontro de Alvalade com um ponto
de vantagem e menos um jogo, ainda
vai receber o Vitória e tem de ir ao
Dragão, onde não ganha desde 2016.
Ainda assim, estão aqui os dois can-
didatos ao título, duas equipas que se
equivalem em termos de números e
chegam à ronda 28 parcos dias depois
de se encontrarem para a Taça de
Portugal, duelo em que resultado e
sensações nem sempre andaram de
mãos dadas. O Sporting passou à final
após o empate por 2-2 na Luz, mas o
Benfica soube em muitos momentos
anular os pontos fortes dos leões.
Na terça-feira, a equipa de Roger
Schmidt, que esta temporada jogou
demasiadas vezes apenas para si, com
GOLOS ESPERADOS
2,27
(POR JOGO)
BENFICA
2,01
SPORTING
PERCENTAGEM
81,3
DE DEFESAS
EFETUADAS
FOTO PEDRO LOUREIRO/EURASIA SPORT IMAGES/GETTY IMAGES
Dérbi Sporting e Benfica jogam no sábado — pela segunda vez na mesma
semana —, num duelo que pode definir muita da história deste campeonato
Duas equipas
para um título
poucas referências ao jogo do adver-
sário na hora de montar uma estra-
tégia, não surpreendeu ao entrar de
um “modo pressionante”, diz o ana-
lista Tomás da Cunha, até porque só
a vitória lhe servia para continuar em
prova. Marcar era essencial. Terá sur-
preendido mais a forma como “houve
alguma adaptação especial” dos en-
carnados, que não havia acontecido
noutros jogos importantes. “Isso viu-
-se na pressão alta, com Di María um
pouco mais subido no lado de Gonçalo
Inácio, nas zonas de pressão bem de-
finidas nos corredores laterais” ou na
forma como “quer Bah quer Aursnes
apertaram as receções de Paulinho e
Trincão”, sublinha o analista, que viu
uma equipa mais “próxima da ver-
são 2022/23, sinónimo de um Benfica
mais competitivo e que está mais pró-
ximo de vencer”.
Ao conseguir defender para a frente
e recuperar “muitas bolas no meio-
-campo ofensivo” — foram 27 as ações
defensivas no meio-campo do rival
contra as 11 do Sporting, de acordo
com a GoalPoint —, o Benfica pres-
sionou muito uma equipa de Rúben
Amorim que entrou a tentar impor
os ritmos da partida, jogando mais
baixo, a tentar sair com calma desde
trás. As ações encarnadas ajudaram
mas não justificam totalmente a in-
tranquilidade de peças importantes
para o Sporting, como Diomande ou
Inácio, “muitas vezes até cometendo
TRUBIN
I LIGA
2023/24 4,6
ISRAEL
69,2
ASSISTÊNCIAS
11
RAFA
GYÖKERES
9 GOLOS SOFRIDOS
POTE
8
DI MARÍA
7 SPORTING
erros não forçados”, frisa Tomás da
Cunha. Algo pouco comum nos dois
jovens centrais leoninos.
Amorim deve mudar
Rúben Amorim não precisou sequer
de chegar ao final do primeiro dérbi
da semana para perceber os proble-
mas da estrutura que definiu para a
2ª mão da meia-final da Taça de Portu-
gal. Logo ao intervalo mudou o perfil
dos alas, fazendo entrar Geny Catamo,
“um lateral mais profundo”, explica
Tomás da Cunha, com St. Juste, tam-
bém aposta para o segundo tempo, a
melhorar a construção “sob pressão
do lado direito” — uma progressão do
central neerlandês pelo lado destro
seria essencial no primeiro golo, ao
lançar Gyökeres, que depois encon-
traria Hjulmand, e o segundo nasce
após um cruzamento repentista de
Catamo, entre dois adversários, que
surpreendeu Trubin, permitindo a
Paulinho emendar.
“Provavelmente, quem vai fazer mais
mudanças [para o jogo de sábado] é o
Sporting, porque a saída com bola
pelos corredores laterais e a partir dos
centrais exteriores foi pouco consegui-
da”, explica o analista, que acredita
que no sábado Rúben Amorim “não
vai querer ser tão controlador, tão pa-
ciente” no jogo. Vencendo, o Sporting
sabe que pode potencialmente aumen-
tar a vantagem para o Benfica para 7
GOLOS MARCADOS
77
SPORTING
60,3
BENFICA
61
21
BENFICA
26
pontos, caso vença depois o jogo em
atraso em Famalicão no dia 16.
Já o Benfica deverá aproveitar os
bons apontamentos estratégicos do
jogo da Taça de Portugal para pouco
mudar. Depois de muitos meses em
busca de um onze competitivo, o me-
lhor Benfica para duelos deste grau
de dificuldade parece ter surgido em
abril, “quando a margem de manobra
já não é muita e o jogo de Alvalade
tem carácter decisivo”, lembra Tomás
da Cunha. “Schmidt não deve mudar
muito, até não devia mudar nada, pe-
las sensações que o Benfica deixou
nesta partida.”
O fator emocional
A semana começou com um certo élan
emocional do Sporting, sabendo a
equipa de Rúben Amorim que poderia
jogar com dois resultados no jogo da
Taça de Portugal. Até para o encontro
do campeonato, um empate será sem-
pre melhor para os leões do que para o
Benfica. Mas a exibição encarnada na
Luz poderá ter balançado os pratos.
“Em termos emocionais, penso que
o Benfica não sai derrotado, sobre-
tudo porque fez melhor do que fez
noutras alturas desta temporada. Se
há algo que o Benfica pode tirar [do
jogo de terça-feira] é um certo otimis-
mo”, sublinha Tomás da Cunha. Do
outro lado, o Sporting luta contra o
histórico: nos últimos 10 anos, os leões
SPORTING
4,8
BENFICA
POSSE DE BOLA
BENFICA
SPORTING
58,7
PRIMEIRO CADERNO 31
bateram o Benfica apenas uma vez
em Alvalade em jogos a contar para o
campeonato. Aconteceu em 2020/21,
época do título, com um golo de Ma-
theus Nunes já para lá dos 90 minutos.
Tomás da Cunha acredita que o
Sporting “não saiu fortalecido” do
jogo da Taça de Portugal, apesar ter
carimbado a passagem à final da com-
petição, algo que não acontecia desde
2018/19 — num jogo que ganhou ao
FC Porto, que poderá ser novamente
o adversário dos leões em maio no Ja-
mor. “Se o Benfica conseguir replicar
alguns elementos de terça-feira, como
a pressão alta, pode levar vantagem.
Agora, é certo que Amorim percebeu
o que fez mal, também percebeu o que
tem de corrigir e melhorar na equipa
do Sporting”, aponta o comentador,
que vê o possível regresso do até ago-
ra lesionado Pedro Gonçalves como
“importante” para a manobra leonina.
O jogo, diz também o analista, “pode
ser muito marcado pelo lado mental”.
Afinal de contas, joga-se um campeo-
nato entre os dois rivais de Lisboa,
vizinhos da Segunda Circular. “Pode-
mos ter um jogo ainda mais equilibra-
do e discutido do que se imaginaria”,
aponta. Sporting e Benfica vão jogar
oficialmente pela 322ª ocasião, com
139 vitórias para os encarnados, 113
para o Sporting e 69 empates a dese-
nharem a história do dérbi dos dérbis
em Portugal.
lpgomes@expresso.impresa.pt
GOLOS ESPERADOS
DE BOLA PARADA (POR JOGO)
0,45
SPORTING
0,44
BENFICA
RECUPERAÇÕES NO
MEIO-CAMPO OFENSIVO
(POR JOGO)
FOTO GUALTER FATIA/GETTY IMAGES
32 PRIMEIRO CADERNO
TÉNIS
Entre o adeus e o “até
já”, um Estoril Open
cheio de nostalgia
João Sousa terminou a carreira num torneio cuja
continuidade — e em que formato — é uma incógnita
Pedro Barata
Quarta-feira, 3 de abril de
2024. Eis o fim da carreira de
João Sousa, que se despede
como o melhor tenista portu-
guês de sempre. Dono de uma
série de marcas únicas para
o ténis nacional, há uma, no
adeus, que ganha contornos
simbólicos: o vimaranense é o
único a ter participado em to-
das as edições do Estoril Open
desde 2015, quando o torneio
assumiu a versão atual.
No Clube de Ténis do Estoril,
sucessor do Jamor como palco
da única paragem portuguesa
do circuito ATP, Sousa, depois
de perder contra Arthur Fils,
foi homenageado na presença
de pais, irmão, treinadores e
colegas tenistas. Com lágrimas
escorrendo pela cara, prome-
teu que não se tratava de um
adeus à modalidade à qual de-
dicou “a vida”, mas sim um “até
já”, ainda que incerto de qual a
função que o manterá ligado à
bola amarela.
Se o fim do minhoto como
jogador é, garante ele, uma
passagem para outros papéis
que assumirá no ténis, o futuro
do Estoril Open apresenta dú-
vidas maiores. Enquanto um
emocionado Sousa sai de um
court como protagonista pela
derradeira vez, é impossível
garantir se 2024 será um “até
já” para o torneio, à espera que
o calendário vire de ano, ou se
teremos um adeus, a conclusão
de uma viagem que trouxe a
Portugal o circuito ATP, inin-
terruptamente, desde 1990.
A incerteza
O alargamento dos Masters
1000, categoria abaixo dos
Grand Slams, comeu espaço
no calendário para 2025. Na
versão inicial dessa volta ao
mundo de raquetes na mão, o
Estoril fica de fora.
O Estoril ficou de fora
da primeira versão do
calendário para 2025,
mas organização e
jogadores acreditam
que haverá solução
João Zilhão, diretor do tor-
neio, garantiu ao Expresso,
antes da competição, que não
deitava a toalha ao chão. Há
“negociações a decorrer nos
bastidores” e, sem revelar mui-
to, levantou a possibilidade de
“mudança de local” ou de “data”
para encaixar a competição cas-
calense no mundo ATP, cujo ro-
teiro para o próximo ano incluiu
60 paragens em 29 países.
Na terça-feira, 2 de abril, o
tempo vestiu-se de cinzento e
as nuvens passaram o dia cho-
rando, unindo-se ao tom nos-
tálgico do Estoril Open 2024,
ano em que o torneio louva a
despedida do seu vencedor em
2018 sem saber se irá sobrevi-
ver. Numa jornada sem ténis,
que levou a organização a de-
volver o dinheiro dos bilhetes
aos espetadores, dois jogadores
de elite refastelam-se num sofá,
tentando passar o tempo da me-
lhor forma.
Casper Ruud, 8º da hierarquia
mundial, e Hubert Hurkacz,
10º, dão voz, em conversa com
o Expresso, ao recorrentemen-
te escutado elogio dos craques
ao torneio. “Montam um belo
show aqui”, diz o primeiro,
vencedor do troféu em 2023,
que ficou “um pouco triste” ao
saber da ausência para 2025;
“Gosto muito de estar aqui, o
ambiente é excelente, sentimo-
-nos muito bem-vindos”, asse-
gura o segundo.
Os ingressos para a maior
parte dos dias esgotaram, ca-
lor humano que leva Hurkacz
a sublinhar o “trabalho fantás-
tico da organização”. O polaco
confessa que, nos bastidores, se
“ouvem rumores sobre conver-
sações para o futuro” e lança o
Expresso, 5 de abril de 2024
FOTO ESTORIL OPEN
No último jogo da carreira, João Sousa perdeu (7-5 e
6-4) contra o francês Arthur Fils, na ronda inaugural do
Estoril Open. Depois do encontro, emocionou-se numa
homenagem que contou com a mãe, o pai e o irmão
FOTO TIAGO PETINGA/EPA
FOTO ESTORIL OPEN
desejo de que “continue a haver
um torneio ATP em Portugal”.
Na verdade, o desconheci-
do não é estranho para João
seu país e naquele onde agora
está, Casper dá força à ideia de
que João Sousa “abriu caminho
para esta geração mais jovem”.
se, onde as faces já preparavam
o terreno para as lágrimas.
Confirmada a derrota contra
Fils, iniciou-se uma homena-
Zilhão. Em 2015, João Lagos
abandonou o projeto e o atual
diretor teve de tentar recons-
truí-lo, logrando, em contrar-
Faria e Rocha eram crianças
quando, na Malásia, em 2013,
chegou o primeiro título ATP
para o ténis português.
gem. A família, que em 2004
se endividou para que um ado-
lescente de 15 anos fosse para
Barcelona perseguir o sonho
relógio, reunir todos os apoios,
patrocínios e financiamento
necessários.
A homenagem
Há uma parte do Estoril Open
do ténis, uniu-se num sentido
abraço.
“De consciência tranquila”,
Sousa retira-se “realizado” e
A referência que vive indiferente à circuns- “feliz”. Nenhum português
tância de estarmos num tor- chegou mais alto no ranking
Na mesma jornada em que João neio de ténis. Nas diferentes (28º) ou venceu mais encon-
Sousa ouviu um último “game,
set and match”, duas promes-
zonas da área VIP, que se vai
dividindo em pequenas salas
tros em quadros principais de
Grand Slams (27). Só ele ga-
sas portuguesas também jo- mais ou menos exclusivas, há nhou títulos ATP, e foram logo
garam. Jaime Faria (220º do conversas de circunstância e quatro, num total de 12 finais.
ranking), de 20 anos, foi batido sorrisos de ocasião servidos em Ruud qualifica João como “o
pelo espanhol Jorda Sanchís, copos de vinho acompanhados grande embaixador do ténis
Henrique Rocha, de 19, che- dos cigarros eletrónicos. português”, um “exemplo”
gou a encostar Gaël Monfils às Aquela realidade é tão alheia pela “energia e intensidade”
cordas, mas perdeu contra o ao voar das bolas amarelas que de jogo, armas que contorna-
espetacular veterano francês. se, por artes mágicas, Nadal vam o menor requinte técnico.
Rocha, 197º da hierarquia, é e Federer aparecessem a jo- Hurcacz reconhece “uma gran-
o oitavo jogador mais cotado gar no court central ninguém de carreira” de um “excelente
entre os menores de 20 anos. notaria, não haveria espanto, tipo, dentro e fora do court”.
Ambos os adolescentes não continuando o mundo a girar Nesta saudade disfarçada
conhecem um mundo em que entre comes, bebes e socializa- de torneio de ténis que é o Es-
o circuito principal não passe ção. No entanto, pouco depois toril Open 2024, o tributo ao
por Portugal. Ruud, finalista das das 17h de 3 de abril, houve um minhoto também teve direito
duas últimas edições de Rolan- momento em que todo o Clube a invasão de campo protago-
d-Garros e antigo vice-líder do de Ténis do Estoril olhou para a nizada por colegas de Sousa.
ranking, explica que, para países terra batida, susteve a respira- Numa fotografia de família,
que não são potências históricas ção e fez silêncio. Um profundo posaram antigos integrantes
do ténis, como a sua Noruega e silêncio, antagónico ao ruído de do top 100, como Pedro Sousa e
Portugal, ter um torneio ATP é Rui Machado, gente que vive o
“muito importante”, funcionan- seu auge na modalidade, como
do como inspiração para os mais Casper Ruud, 8º Nuno Borges, e quem cresceu
jovens, que “veem os melhores do ranking, descreve com o homenageado como re-
de perto e pensam: ‘se calhar eu ferência a seguir, como Jaime
também posso fazer isto’”.
João Sousa como Faria e Henrique Rocha.
Em 2018, o norueguês, en- “um excelente tipo” e No dia seguinte ao fechar do
tão um jovem a tentar afir- “o grande embaixador ciclo para João Sousa, Frede-
mar-se, disputou em Braga um do ténis português” rico Marques, o seu técnico de
Challenger, a divisão abaixo sempre, sugeriu que o vima-
do circuito ATP. O torneio rea- ranense fosse treinar às 10 da
lizou-se uma semana depois fundo que caracteriza a parte manhã. Gozando da sua nova
da vitória de Sousa no Estoril social do evento. condição de ex-tenista, Sousa,
Open e o tenista notou que se A solenidade devia-se aos sorridentemente, rejeitou. É
“falava imenso do João nas tele- pontos finais do melhor de tempo de dedicar tempo aos
visões e jornais”, pensando que sempre das raquetes nacionais. amigos, indo jogar golfe ou
o vimaranense “estava em todo Terminava-se um capítulo do andar de karts. Para o Estoril
o lado” e “a mudar a cultura de desporto português e as emo- Open, o torneio umbilicalmen-
ténis” de Portugal. ções começaram por chegar da te ligado à vida de João, o futu-
Traçando paralelismos entre zona onde estavam as pessoas ro é bem mais incerto.
a realidade da modalidade no mais próximas do vimaranen- pmbarata@expresso.impresa.pt
Expresso, 5 de abril de 2024
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1934-2024 Psicólogo de formação, ganhou o Prémio Nobel da Economia sem se ter
especializado na disciplina, sendo uma referência na chamada ‘economia comportamental’
Daniel Kahneman
A
ideia de agirmos de
acordo com “os nossos
interesses” faz de nós
conhecedores de que
interesses afinal serão esses. É
uma ideia por um lado otimista,
se pensarmos que “os nossos
interesses” são os melhores:
não nos deixarmos invadir por
pensamentos negativos, comer
bem, dormir melhor. Há, po-
rém, um tom negativo nesta
ideia, como se “os nossos inte-
resses”, só por serem “nossos” e
ainda por cima “interesses”, fos-
sem egoístas ou autocentrados.
Poucos sabem que tudo isto é
apenas uma ilusão. Na verdade,
quem nos dera que agíssemos
segundo “os nossos interesses”.
Assim, seríamos bons para nós
mesmos e, sempre que não o
fôssemos para os outros, pelo
menos seríamos claros.
Acontece que, apesar de ser-
mos criaturas dotadas de razão,
ao contrário de cães, gatos ou
hipopótamos, nem sempre to-
mamos boas decisões. Decidir
é das atividades humanas mais
complicadas e exigentes. Se, por
um lado, decidimos rapidamen-
te por hábito e rotina, por outro
precisamos de tempo e de silên-
cio para a ponderação.
Daniel Kahneman nasceu a 5
de março de 1934, no mandato
britânico de Telavive, enquanto
a mãe visitava a família. Kah-
neman e os pais, ambos judeus
lituanos, viviam em Paris, para
onde se tinham mudado em
inícios de 1920. O pai dirigia o
departamento de investigação
numa fábrica de produtos quí-
micos. Embora estivessem inte-
grados em França, não tinham
criado raízes no país, e, claro, a
chegada dos alemães em 1940
tornara a sua vida muito menos
segura. Numa nota autobiográ-
fica, Kahneman explica que a
sua vida se resumia a “palavras
e pessoas, sendo que muitas
dessas palavras eram dedica-
das a pessoas”. A mãe gostava
de falar sobre as outras pessoas,
sobre a sua complexidade, se o
que faziam era bom ou mau, e
fazia-o com os amigos e o mari-
do. A natureza e os animais não
entravam nas conversas. As pes-
soas é que eram interessantes.
Kahneman lembra a este pro-
pósito um episódio em 1942.
Naquela altura era exigido aos
Obituário
Maryse Condé
1934-2024 O público
português conheceu-lhe o
estilo em 2023, graças ao
lançamento de “Esperando
a Subida das Águas”, pela
Quetzal. Mas ela era há
muito candidata ao Nobel
da Literatura. Em 2018
chegou a ser distinguida
com o New Academy, um
‘Nobel alternativo’. O seu
último livro, “O Evangelho
do Novo Mundo”, publicado
em fevereiro pela Livros do
Brasil, converteu-a na mais
idosa finalista da história do
International Booker Prize.
Escreveu-o aos 86 anos, já
afetada por uma doença
A mãe gostava de
falar sobre as outras
pessoas, sobre a
sua complexidade,
se o que faziam
era bom ou mau,
e fazia-o com os
amigos e o marido
judeus que usassem a estrela de
David ao peito. Daniel tinha saí-
do de casa de um amigo e, por
ser já tarde e estar sozinho, ti-
nha vestido a camisola do aves-
so. No seu percurso encontra
um soldado nazi que lhe fala em
alemão, mostra a fotografia de
um rapaz mais ou menos da ida-
de dele, chora e abraça-se a ele
sem reparar na estrela cosida
do lado de dentro. Kahneman
conclui deste momento que as
pessoas são complicadas e fas-
cinantes e que a mãe tem toda a
razão. Em 1944, o pai de Daniel
morre e a família muda-se para
o país que seria hoje Israel. A
guerra terminaria pouco de-
pois.
neurodegenerativa. Grande
senhora das letras francófonas,
que em 2020 recebeu a Grã-
-Cruz da Ordem Nacional do
Mérito, deixa uma vintena
de romances, além de peças
teatrais, ensaios e literatura
infantil. Nascida Marise
Liliane Appoline Boucolon, em
Guadalupe, estudou em Paris,
doutorando-se em Literatura
Comparada na Sorbonne.
Entre 1960 e 1972 o ativismo
marxista levou-a a lecionar na
Costa do Marfim, no Senegal,
na Guiné-Conacri e no
Gana. Em 1976, aos 40 anos,
estreou-se com o romance
“Hérémakhonon”, mas só com
o terceiro, “Ségou”, ganharia
projeção internacional.
Graças a este livro recebeu
uma bolsa Fullbright para
ensinar literatura nos Estados
Unidos, na Universidade de
Columbia, em Nova Iorque.
Passaria pelas de Virginia
e da Califórnia antes de se
reformar, em 2005. Dia 2, de
causas não reveladas. L.L.
A parceria e amizade profun-
das entre Daniel Kahneman e
Amos Tversky, psicólogo cogni-
tivo de Stanford, começou em
1969, quando ambos lecionavam
na Universidade Hebraica de
Jerusalém. Tiveram uma déca-
da de trabalho tão frutífera que
eram referidos como “Lennon
e McCartney” da psicologia.
Numa das suas muitas pesqui-
sas, Kahneman e Tversky con-
cluíram que a reação dos indiví-
duos à perda é mais intensa do
que a reação ao ganho corres-
FOTO ANDREAS RENTZ/GETTY IMAGES FOR BURDA MEDIA
pondente. “Sofremos mais se
perdermos 100 dólares do que
nos alegramos se ganharmos
100 dólares.” Esta “aversão à
perda” tem importância na to-
mada de decisão e contraria
qualquer ideia de racionalidade
subjacente à decisão. O “viés
negativo” compromete o nosso
juízo e leva a decisões erradas,
mas que parecem inevitáveis,
como uma espécie de “estupi-
dez natural” que move o mundo
e que acaba por ser necessário
para não “paralisarmos com a
análise excessiva”. Nascia assim
a “teoria da perspetiva”, que se-
ria mencionada como razão para
Cumpre o serviço militar e des- Kahneman ganhar o Prémio
cobre que quer estudar Psicolo- Nobel de Economia em 2002
gia porque “tem mais curiosida- sem nunca se ter formado em
de pelas origens das convicções Economia. Para quê?
das pessoas sobre o que é certo Entre 1986 e 1994 é professor
ou errado do que por ética”. Não na Universidade da Califórnia,
é a filosofia que o estimula, mas em Berkeley. Daí segue para
a psicologia e a economia. Estu- Princeton, onde leciona até se
dou Psicologia na Universidade retirar, em 2007. A sua segunda
Hebraica de Jerusalém e, em parceria profissional não seria
1954, após a fundação do Esta- menos proveitosa do que a pri-
do de Israel, é recrutado como meira, desta vez com Richard
segundo-tenente nas Forças de Thaler, economista norte-ame-
Defesa de Israel. Foi a trabalhar ricano que ganharia o Nobel
no departamento de psicologia em 2017. Nos anos 80 fizeram
que se apercebeu do problema experiências com o objetivo de
de excesso de confiança das tro- perceber a reação do público
pas que afetava profundamente a questões económicas. A ob-
a sua performance. Este seria servação de que as pessoas são
um dos principais aspetos da excessivamente otimistas sobre
teoria que anos mais tarde o tor- as suas ações levou Kahneman
naria célebre. Vai estudar com a concluir que o capitalismo de-
uma bolsa para a Universidade pendia desta falta de prudência.
de Berkeley, onde conclui o dou- O best-seller “Pensar, Depressa
toramento. Regressa à Univer- e Devagar”, publicado em 2011,
sidade Hebraica de Jerusalém mostra como o pensamento in-
para ensinar Psicologia até 1977. tuitivo é falhado e que não sabe-
Tivera um primeiro casamento, mos nada sem sermos postos à
que terminaria em divórcio, e prova por nós próprios, pelos ou-
casaria de novo em 1978, com tros. Mas isso é lento e o mundo
Anne Treisman, psicóloga britâ- tem de girar, com as consequên-
nica, com quem colaboraria em cias que essa rapidez implica,
vários papers. como Kahneman bem sabia.
Por Luciana Leiderfarb e Rui Gustavo
> Louis Gosset Jr. (1936-2024),
ator americano, celebrizou-se
com o papel de sargento Foley
no sucesso “Oficial e Cavalhei-
ro”, em que contracenava com
Richard Gere. O papel valeu-lhe
um Óscar e um lugar fixo na saga
“Iron Eagle”, em que desempe-
nhava um papel semelhante. Mas
Mário Pardo seria injusto reduzi-lo a estes pa-
péis militares e basta lembrar
1960-2024 Paraquedista séries como “Raízes” ou o filme
português — tirou esta “Os Inimigos”. Dia 29, de cancro.
especialidade no Exército —, > Ushio Amagatsu (1949--2024),
foi o primeiro base jumper do bailarino e coreógrafo japonês,
país e ficou famoso pelos saltos fundou a companhia Sankai
da Ponte 25 de Abril e do Juku e celebrizou o estilo butô,
Padrão dos Descobrimentos. a “dança das trevas”, que nas-
Foi campeão nacional ceu no Japão no pós-II Guerra
três vezes, representou Mundial. Dia 25, do coração. >
Portugal em competições Barbara Rush (1927-2024), atriz
internacionais, foi instrutor americana, foi uma estrela dos
e fez saltos em tandem. Dizia anos 50 e 60 e entrou em clássi-
que o “céu não é o limite, cos como “Vieram do Espaço”,
mas sim o ponto de partida”, de Jack Arnold, ou “Quando os
e tornou-se o paraquedista Mundos Chocam”, de Rudolph
mais famoso de Portugal. Dia Maté. Assumiu numa entrevis-
30, de dengue, depois de ter ta que nunca teve um “papel de
contraído o vírus numa viagem qualidade” na carreira. Dia 31, de
recente ao Brasil. R.G causas decorrentes da idade. R.G.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
De volta aos quartéis?
À semelhança de muitos países
europeus, começou a circular
entre nós a notícia de uma in-
tenção, ainda pouco consisten-
te, da possível reintrodução
do serviço militar obrigatório
(SMO), extinto em Portugal em
finais do século XX — numa de-
cisão que mais não foi do que
o reconhecimento de uma via
de pacifismo que quase toda a
Europa praticava e que, como
paladina, tentava que fosse se-
guida por todas as nações do
planeta. Infelizmente, a reali-
dade está a impossibilitar esse
objetivo. A quase certeza de
tranquilidade que julgávamos
ser vitalícia (apesar dos indícios
contrários que, dia após dia,
se iam avolumando em várias
regiões do mundo) modificou-
-se radicalmente, tornando-se
cada vez mais evidente ser ne-
cessário seguir o sábio conse-
lho oriundo de Roma há quase
1600 anos e que muitos portu-
gueses consideram uma grande
tolice: quem quiser paz terá de
estar preparado para a guer-
ra. Sem orgulho ou lamentos
sobre a “tropa” que cumpri no
contexto da Guerra Colonial,
que tanto nos afetou, e sendo
convictamente contra todas e
quaisquer formas de violência,
considero que deveria ser esta-
belecida com urgência uma dis-
cussão pública não muito lon-
ga acerca do regresso de uma
forma de SMO que, a todos os
títulos e desde que implementa-
da como patamar cívico, social
e profissional que os tempos
modernos impõem, mostre ser
uma fase da vida digna e valiosa
para todas as gerações futuras.
Celerino Dias, Viana do Castelo
Serviço militar
obrigatório
Na boleia do discurso arma-
mentista que ganha cada vez
mais adeptos na União Euro-
peia, Gouveia e Melo, chefe
do Estado-Maior da Armada,
defende o regresso do serviço
militar obrigatório. Com a fal-
ta de efetivos face aos baixos
salários, a obrigatoriedade iria
catapultar o serviço mal pago.
Convém recordar que o SMO
foi abolido durante o Governo
de António Guterres. Não foi
por acaso que o socialista se
sentou no cadeirão da ONU. O
antigo dirigente socialista é um
defensor acérrimo da paz. A
União Europeia é dirigida por
líderes políticos que pouco pro-
nunciam a palavra paz.
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
Elogio da chuva
Sob a orientação de três vetores
(económico, político e ecológi-
co) e ao abrigo da generosidade
das bátegas das últimas sema-
nas, urge elogiar a chuva. Ecolo-
gicamente, é muito bem-vinda,
tanto mais que têm sido recor-
rentes as secas. Mas torna-se es-
pecialmente benfazeja, de facto,
num plano político. Constitui,
com efeito, o melhor agente de
destruição da propaganda de
qualquer Governo. É quando
chove contínua e agrestemente,
claro está, que se vê a miséria
estrutural do ordenamento do
PRIMEIRO CADERNO 33
nosso território (urbano, em
particular). Então, com a cas-
cata de alagamentos, à tona
vêm as mesmíssimas queixas
de sempre: as construções em
leitos de cheia, a absurda im-
permeabilização dos solos, as
terríveis infiltrações de humi-
dade nas casas mal construídas,
etc. Num terceiro registo, por
fim, o da economia, não faltam
as jeremiadas — que abrem tele-
jornais — dos donos de hotéis e
restaurantes do Algarve (a regi-
ão de Portugal, aliás, com maior
penúria de água!). Queixam-se
eles da ausência do Sol, que lhes
retira clientes... Assim se põe a
nu, tragicomicamente, a tristeza
de um país — de bandeja na mão
e à míngua de turistas.
Eurico de Carvalho, Vila do Conde
Ainda a propósito
das eleições
A propósito das últimas elei-
ções legislativas, venho contes-
tar três ilações exaustivamente
lidas e ouvidas na comunicação
social e que não correspondem
à verdade. 1) Relativamente ao
resultado das eleições, não é
lícito adicionar os votos obti-
dos pela coligação AD com os
votos da coligação PSD/CDS,
que concorreu na ilha da Ma-
deira. 2) A propósito da eleição
do presidente da Assembleia
da República, não é lícito afir-
mar que esse cargo deveria ser
exercido por um deputado do
PSD, “porque foi este o partido
mais votado”. O PSD concorreu
em duas coligações e, por esse
motivo, é impossível redistri-
buir esses votos pelos partidos
que as integraram. Como, por
outro lado, tanto o PSD como o
PS elegeram o mesmo número
de deputados, faz todo o sentido
a solução a que se chegou. 3)
Como todos sabemos, as coli-
gações eleitorais extinguem-se
após a divulgação dos resulta-
dos definitivos, pelo que não é
lícito continuar a falar em depu-
tados ou Governo da AD.
Armando Medeiros, Faro
Olhe que não!...
Miguel Sousa Tavares, na sua
página deste jornal, pareceu-
-me sugerir que o milhão e tal de
cidadãos que votaram no Che-
ga seriam, no mínimo, pouco
instruídos, fanáticos e outros
“mimos”, encurralando estes
portugueses numa espécie de
gente de segunda categoria, de
idiotas ou mesmo acéfalos, que
elegeram democraticamen-
te em total liberdade. Repito:
elegeram democraticamente.
Com indisfarçável acutilância,
esqueceu-se dos milhares de mé-
dicos, engenheiros, professores,
polícias, funcionários públicos,
empresários e outros “ignoran-
tes” que votaram nesse partido.
É estranho... Nos países nórdi-
cos, segura e manifestamente
civilizados, existem partidos
da direita radical no Governo
ou com apoio parlamentar; na
Itália é a extrema-direita que
governa; na Hungria idem; na
Alemanha, as sondagens colo-
cam a AfD nas margens da linha
da frente; em França, Le Pen
será possivelmente Presidente
num futuro próximo; na Áus-
tria e nos Países Baixos é o que
sabemos. Ora, seguindo o seu
critério, teremos largas dezenas
de milhões de europeus ignoran-
tes, quiçá estúpidos e xenófobos
por este continente fora, pelos
vistos uma excentricidade ga-
lopante e vencedora. Pergunto:
achará porventura que toda essa
gente será imbecil e que só saiba
contar até dez?! Olhe que não,
caro Miguel Sousa Tavares, olhe
que não!...
José Mesquita, Lisboa
34 PRIMEIRO CADERNO
Se não aconteceu,
podia ter acontecido
Nº 118 SÉRIE II
DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
Pedro Nuno faltou
à tomada de posse
para fazer terapia da
fala e conseguir dizer
“primeiro-ministro
Luís Montenegro”
sem se engasgar
O secretário-geral do PS não apa-
receu no palácio da Ajuda, na pos-
se do Governo, e enviou Alexandra
Leitão para bater palmas a Antó-
nio Costa. Pedro Nuno Santos ti-
nha uma consulta de terapia da
fala, à mesma hora, porque conti-
nua sem conseguir dizer “Senhor
primeiro-ministro Luís Montene-
gro” sem se engasgar, tossir ou
provocar um alerta de clima do
IPMA para perdigotos no Largo do
Rato. A técnica que está a ser usa-
da pela terapeuta é a de pôr o líder
socialista a dizer “Senhor”, “pri-
meiro-ministro”, “Luís” e “Monte-
negro” como quatro conceitos abs-
tratos separados e depois ligar
cada um deles à imagem de uma
planta num herbário. M.B.
Tempestades que
encheram barragens
condecoradas por
Marcelo no 10 de Junho
As tempestades Hipólito, Irene,
Juan, Karlota, Bernard e Félix, que
encheram as barragens portugue-
sas nas últimas semanas, vão rece-
ber uma Ordem do Infante D. Hen-
rique, uma Ordem de Camões, um
Globo de Ouro de Carreira e um
passe vitalício da CP, no próximo 10
de Junho. “O Hipólito, a Irene, o
Juan, a Karlota, o Bernard e o Félix
são amigos de Portugal. Merecem o
reconhecimento das portuguesas,
dos portugueses e das pessoas que
não se identificam com nenhuma
das categorias anteriores”, disse o
Presidente da República ao IP en-
quanto pagava a conta dos canais de
bola do Palácio no Multibanco. M.B.
Símbolo da República volta
a ter escudo, esfera
armilar e pagodes chineses
O primeiro-ministro mandou re-
por o antigo símbolo da República,
na iconografia geral e nos bonés da
gift shop da Presidência do Conse-
lho de Ministros. Caiu o design de
Eduardo Aires, que já foi substituí-
do pela representação clássica
com escudo, esfera armilar e os
pagodes chineses conquistados
aos mouros. Montenegro deu ins-
truções específicas para que o es-
tandarte verde e vermelho desfral-
dado ao vento lembre o perfil de
Cavaco Silva a meditar no destino
atlântico da Pátria. M.B.
Ministro da Educação
colocado a 300 km
do ministério
Fernando Alexandre foi empossado,
na terça, apertou 600 mãos, saiu da
Ajuda já no carro oficial e quando
deu por ela, qual não foi o seu es-
panto, estava na A1 lançado sabem
Deus e Mário Nogueira para onde.
“Fui colocado a 300 km. de casa”,
confirmou o novo ministro da Edu-
cação, na Pensão Uíge, onde se alo-
jou provisoriamente em Gondomar.
Como se isto não bastasse, e apenas
MONTENEGRO RENEGA INFLUÊNCIA CAVAQUISTA
“EU É QUE SOU
O HOMEM DO LEME
E NUNCA ME ENGANO
NEM TENHO DÚVIDAS”
Luís Montenegro, na tomada de posse, citou
abundantemente Cavaco Silva, não para se colar à
herança do presidente mais bem-sucedido de sempre do
PSD, mas para se distanciar. O primeiro-ministro falou
em forças de bloqueio e pediu que o deixem trabalhar
apenas para concluir que “eu é que sou o homem do
leme, nunca me engano, não tenho dúvidas, é preciso
nascer três vezes para ser tão honesto como eu, não só
POLÍGRAFO IP
ESTE É O MELHOR GOVERNO
DE TODOS OS TEMPOS?
O que está em causa?
Marques Mendes desfez-se em
elogios ao Governo da AD, que
comparou ao Inter de Milão de
José Mourinho, à lista de artistas
que cantaram em “We Are the
World” ou ao romance distópico
de Macário Correia “Será que os
algarvios sonham com alfarro-
bas elétricas?” sobre um futuro
não muito distante em que todos
os ministros são clones perfeitos
de Cavaco Silva.
Conclusão do Polígrafo IP
Marques Mendes faz parte da
equação de Luís Montenegro de
vir a ter um governo, uma maio-
ria, um presidente e um vencedor
do Festival da Eurovisão. Dada a
pouca isenção do comentador, a
quem os jornalistas ape-
nas dão as deixas, o Polí-
grafo IP conclui que a afir-
mação, de que o atual Governo é
melhor do que uma açorda da Tia
Cátia, é falsa. M.B.
30 minutos depois de ter tomado
posse, o governante deu com uma
manif do STOP, na área de serviço
de Aveiras, a cantar-lhe que “está na
hora / está na hora / de o ministro ir
embora!”. S.B.
não leio jornais como não vou ao TikTok e Nossa
Senhora, como fez na sétima avaliação da troika, vai
ajudar o ministro Sarmento a cortar impostos e o
ministro Melo a distinguir o submarino Tridente de um
avião C-130”. Montenegro rejeita, assim, o fato
cavaquista “até porque eu tenho alfaiate e o professor
Cavaco foi à Maconde em 1983 e aviou-se de blazers
para o resto da vida”. M.B.
50 mil contribuintes acudir às reivindicações das 121234123
entidades que prometeu ajudar. A.P.
entregaram IRS na primeira
hora com medo que Miranda Miranda Sarmento garante
Sarmento cortasse os
reembolsos
ter sido primeira escolha e
não estranha convite apenas
Há pessoas com pressa: 500 mil con- dois minutos antes de
tribuintes entregaram a declaração Montenegro ir a Belém
de IRS no primeiro dia do prazo de
três meses, 50 mil logo na primeira Faltavam dois minutos para as 18:00
hora e 5 mil no primeiro segundo do quando Luis Montenegro, já no car-
dia 1 de abril, conseguindo assim mí- ro a caminho do Palácio de Belém, li-
nimos olímpicos para os Jogos de Pa- gou a Joaquim Miranda Sarmento a
ris no verão. As pessoas estão apa-
voradas com o ar de contabilista da
troika do novo ministro das Finan-
ças e têm medo que ele mande sus- IP GPT
pender os reembolsos e faça regres-
sar a política de colheita de rins nas O QUE É O
repartições do tempo de Passos
Coelho e Vítor Gaspar. M.B. SERVIÇO MILITAR
Montenegro vai ter
OBRIGATÓRIO?
política de austeridade É um cruzamento de “Call of
nas palavras: só fala, em Duty” com campismo e o stand
média, a cada 15 dias do Regimento de Lanceiros na
Futurália. Exemplo: num dia,
Luis Montenegro encarnou o espírito um jovem está a tchilar com os
de Cavaco Silva e decidiu passar a fa- seus tropas na praia e quando
lar apenas de 15 em 15 dias. Poupa nas dá por ela, no dia seguinte, já
palavras, reduz o risco de falhar e va- está a desembarcar de um bote
loriza o que diz. Nos intervalos será re- dos fuzileiros na praia do lado e
presentado pelos restantes membros a disparar a G3 para as moitas.
do Governo ou então, em temas mais O S.M.O. garante a mão de obra
sérios, por Marques Mendes e Paulo barata nas Forças Armadas,
Portas nos seus comentários televisi- que não tem ido lá parar pelo
vos. No resto do tempo, Montenegro método habitual à século XVI de
vai dedicar-se a estudar os dossiês, a identificar os jovens mais pielas
reunir com ministros e a tentar com- nos bares, numa quinta à noite,
preender o que lhe passou pela cabe- dar-lhes papéis para assinar
ça para aceitar ser Primeiro-Ministro logo ali, enfiá-los numa Unimog
nestas condições. Vai ainda gastar à entrada e ala para a recruta
parte do tempo a somar o custo das em Santa Margarida. M.B.
medidas que vai ter de aprovar para
Expresso, 5 de abril de 2024
AGENDA POLÍTICA
ACELERA
 Esta sexta: posse dos
secretários de Estado, às 18h,
que depois tomam posse dos
aventais da maçonaria, às
20h30.
 De domingo em diante:
Marques Mendes, Paulo Portas
e José Miguel Júdice resolvem
poupar tempo às pessoas e
dizem o mesmo texto de apoio/
elogio/hossanas à AD.
 Dias 11 e 12: discussão do
programa do governo (copy/
paste que Leitão Amaro fez do
programa da AD para um novo
PDF).
 Dia 13: moção de rejeição do
PCP aos 96,70% de eleitores que
não votaram CDU.
 Dia 14: Gonçalo da Câmara
Pereira só nesta altura percebe
que não foi eleito deputado
e pede satisfações públicas a
Montenegro e a Melo numa
conferência de imprensa na
Monumental Celestino Graça.
 Dia 15: Lucília Gago divulga
um comunicado com o
inevitável parágrafo sobre
o primeiro-ministro Luís
Montenegro. M.B.
convidá-lo para ministro das Finan-
ças. “Foi uma grande honra para
mim ser o preferido do Sr. Primeiro-
-Ministro para liderar esta importan-
te pasta”, confidenciou Miranda Sar-
mento ao INIMIGO PÚBLICO. Ao que
o INIMIGO apurou, Montenegro fez
mais quatro telefonemas durante a
curta viagem até Belém: dois para
convidar ministros, um para confir-
mar o questionário de um deles e ou-
tro para a Telepizza da Lapa. A.P.
Especialistas avisam que
Sebastião Bugalho estará
fisicamente igual a Marques
Mendes antes do fim do ano
Peritos em linguagem corporal, psico-
logia geriátrica e apara de patilhas
com raio laser, apoiados por oficiais
superiores de agências de espiona-
gem com décadas de experiência na
utilização da frase “tenho a informa-
ção de que…”, alertaram a SIC Notí-
cias de que Sebastião Bugalho e Mar-
ques Mendes, até dezembro, irão
parecer dois gémeos separados à nas-
cença. Físicos do CERN temem que a
presença de Mendes e Bugalho, no
mesmo noticiário, venha a provocar
um paradoxo espácio-temporal e um
buraco negro que engolirá Paço de
Arcos e Paulo Baldaia. S.B.
Jogadores do FC Porto
insurgem-se contra
regulador da CMVM que
suspendeu ações da SAD
O plantel do Futebol Clube do Por-
to insurgiu-se esta semana com
grande violência contra a CMVM
pela suspensão das ações da SAD do
clube. Os jogadores acusam o regu-
lador do mercado de capitais de ser
“cego”, de “estar a fazer o jogo dos
adversários do FC Porto” e exigem
que a decisão seja revista pelo VAR.
Garantem que Francisco Conceição
foi realmente derrubado na área e
que devia ser grande penalidade. A
CMVM já reagiu: acusa os jogadores
do FC Porto de insultos (inclusive às
suas mães), de empurrões e de lhe
terem cuspido na cara. Refere ain-
da que a SAD do Porto pretende
que, a partir de agora, quaisquer
auditorias da CMVM sejam feitas na
sede dos Super Dragões. A.P.
Grupo parlamentar de
dois deputados do CDS
cria grupo de WhatsApp
Paulo Núncio foi eleito líder parla-
mentar do CDS, numa eleição renhi-
da em que só era apoiado pelo outro
deputado do partido, Nuno Melo.
Melo, entretanto, alistou-se no mi-
nistério da Defesa e foi substituído
por Álvaro Castello-Branco (e não,
como se esperava, pelo histórico Ja-
cinto Leite Capelo Rego). A primei-
ra medida de Núncio foi criar um
grupo de WhatsApp, para centrali-
zar a comunicação entre os dois de-
putados e partilhar vídeos de Bento
XVI a abençoar Paulo Portas. M.B.
Expresso, 5 de abril de 2024
Trump quis evitar
caução de €163
milhões com entrega
da mulher Melania
como garantia
Donald Trump, mais uma vez, deu
mostras de confundir o sistema judi-
cial com as regras do póquer num sa-
loon de Deadwood por volta de 1876.
O homem cor de laranja, para evitar
a apreensão de bens, foi obrigado a
pagar 163 milhões de euros e 14 cên-
timos de caução. O tribunal recusou
aceitar, como garantia, a mulher, a
filha, o genro, a sua coleção de revis-
tas “Gina” e uma fotografia sua a co-
mer torresmos com Kim Jong-un.
Trump vai recorrer para a crónica
criminal de Suzana Garcia. M.B.
Taxa turística
para cruzeiros,
em Lisboa,
dá desconto
no estacionamento
em Bragança
Entrou em vigor, na segunda-feira, a
taxa turística lisboeta para passagei-
ros dos navios de cruzeiros que de-
sembarcam em Santa Apolónia para
comer pastéis de Belém com os car-
teiristas do elétrico 28. Os turistas
contactados pelo IP (Sven, Paola e
Kanye West) aceitaram a taxa sem
gritar muito, até porque inclui uma
selfie com Carlos Moedas, desconto
de 15 cêntimos no estacionamento
10
GRANDES
DECISÕES
DA
PRIMEIRA
SEMANA
DE
GOVERNO
Por ordem
de importância,
da mais urgente
à mais tchan.
OPINIÃO
Por
Joaquim Miranda
Sarmento
O PAÍS ESTÁ DE TANGA
Numa tradição do PSD de Durão
Barroso, que prometeu um
choque fiscal e depois aumentou
os impostos, e de Passos
Coelho, que disse conhecer
perfeitamente a situação do país
e que nunca cortaria pensões
nem salários e depois cortou
pensões e salários, cheguei ao
meu gabinete no Ministério das
Finanças, na quarta de manhã,
e constatei que Portugal está de
tanga e que tenho de aumentar
em Bragança e um bilhete grátis
para um jogo do Estrela da Amadora
(na compra de mais 500 bilhetes;
consulte condições). M.B.
Realidade
geoestratégica
complexa pode fazer
regressar serviço militar
obrigatório e promover
Sérgio Conceição a
Chefe do Estado-Maior
A guerra na Europa alastrou da
Ucrânia às eleições do FC Porto e
os impostos e cortar pensões e
salários. O famoso excedente
de 3194 milhões é quase todo
da Segurança Social e não lhe
posso mexer ou o Professor
Cavaco fica sem pensão para
adquirir os medicamentos da
esposa. Mais uma vez, o PS
deixou os cofres vazios e foi
refastelar-se para a Ericeira. Isto
é como se D. Afonso Henriques
arrancasse de Guimarães para
fazer a reconquista e tivesse
descoberto que só tinha dinheiro
para chegar a Vizela. Ou o
fontismo se ficasse por uma
ferrovia entre Santa Apolónia e
Xabregas. Já informei o Primeiro-
ministro de que o país tem de
regressar à austeridade, facto
que celebramos com espumante
nacional para estimular a
economia. Publique-se. M.B.
os estados-maiores, o personal
trainer de Jens Stoltenberg e o jar-
dineiro que apara a franja ao mi-
nistro da Defesa Nuno Melo com
uma tesoura de poda entendem
que os mancebos devem voltar ao
serviço militar obrigatório em vez
de irem aos quartéis apenas no Dia
de Defesa Nacional para tirarem
selfies com Gouveia e Melo e atira-
rem granadas às osgas. Os chefes
dos três ramos também defendem
que Sérgio Conceição deve ser EM-
GFA, TOP GUN e WMD, depois da
sua incursão bem-sucedida em
Huelva que desbaratou os espa-
nhóis. S.B.
Pinto da Costa acusa:
depois de Villas-Boas
se ter candidatado,
arbitragem mudou, Putin
invadiu a Ucrânia e o
Hamas atacou Israel
António Guterres pediu a abertura de
um corredor humanitário, na guerra
fratricida entre Pinto da Costa e a fa-
mília Pedroto, que se têm destratado
nos jornais numa escalada verbal
como o mundo não via desde Júlia Pi-
nheiro x Teresa Guilherme. O presi-
dente portista também acusou o ad-
versário, André Villas-Boas, de se
chamar Luís André e lembrou: assim
que ele anunciou a candidatura, o clu-
be passou a ser prejudicado pelas ar-
bitragens, o passivo passou para os
PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO
500 milhões, rebentaram guerras na
Europa e Médio Oriente, houve um
surto de micoses no Grande Porto,
Macaco foi detido e Mimicat ficou em
23.º lugar na Eurovisão. M.B.
Jorge Jesus é o melhor
treinador da liga saudita e
passa a ter lugar na
tribuna nas decapitações
ao fim de semana
Da Redação IP/Riade – Dizer que Mis-
ter Jorge Jesus foi eleito melhor trei-
nador do mês da Liga saudita, pela
quinta vez consecutiva, e o cabelo
mais solto de todo o continente. Di-
zer que Jesus ganhou o lugar cativo
B-17 na tribuna de honra das decapi-
tações de criminosos de delito co-
mum e presos políticos nas matinés
de sábado. Dizer que o treinador
acha que Portugal devia copiar o có-
digo penal saudita “que é uma coisa
bem esgalhada: gamaste, decapitas-
te. Vai buscar.” Dizer que de Riade é
tudo. S.B.
Beyoncé carrega no
estilo cowgirl do último
disco e lança versão
com look campino para
o mercado ribatejano
Beyoncé apostou no country e no vi-
sual cowgirl em “Cowboy Carter”, o
que faz prever que o próximo disco
da artista seja dedicado ao fado e a
uma versão muito pessoal de “Vou
dar de beber à dor”. Ainda este mês,
“Cowboy Carter” terá uma edição
especial com campinos, José Pesei-
ro e videoclipes gravados na Golegã
e na praça de touros de Moita do Ri-
batejo, direcionada para os fãs riba-
tejanos. O site Pitchfork anunciava
ontem que Beyoncé já terá gravado
“Cavalo ruço”. S.B.
Equipa oInimigoPúblico
“Se não aconteceu… podia
ter acontecido!” O Inimigo Público
é um suplemento satírico,
sendo todo o seu conteúdo ficcional.
Diretor Luís Pedro Nunes
Redação Alexandre Parreira,
Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
Projeto gráfico @oinimigo_pronto
Editor online João Martins
Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
conjunto Expresso/Produções Fictícias/
Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 5 de abril de 2024

Editorial&Opinião
Editorial Com a legitimidade de quem O dominó e a bomba
venceu, Luís Montenegro terá de escolher
uma conjugação para o verbo que
os portugueses lhe entregaram nova ida às urnas, desde que os Com o primeiro-ministro em- é desconhecer o resultado de
venha a beneficiar. possado e a liderança da oposi- o premir. Ao contrário de Ro-
Se os escutarmos ao porme- ção assumida, cada um montará bert Oppenheimer durante a

Negociar, v. tr.
nor, do PSD ao PS, passando
pelo Chega, não há líder parti-
dário que não se preocupe em
transmitir que não tem medo
Sebastião Bugalho de ir a votos novamente. Ven-
politica@expresso.impresa.pt
tura (e o impasse na eleição da
mesa da Assembleia), Pedro
o seu dominó. Montenegro, na
busca da viabilização orçamen-
tal em novembro, relevará mo-
mentos de convergência com o
PS: da investidura parlamentar
à não rejeição do programa de
Governo, de consensos contra a
II Guerra, Pedro Nuno Santos
não realizará ensaios no deser-
to do Novo México. Quando
largar a bomba, o alcance da
explosão será uma incógnita.
Pode chumbar o Orçamento e
Marcelo conceder margem para

C
Nuno Santos (e o pré-anúncio corrupção à reforma da Admi- uma segunda proposta do Go-
No dicionário da Porto Editora, o verbo “negociar” é omo que um carro de- de chumbo do Orçamento para nistração Pública a que o PRR verno. Pode ver Ventura ceder
apresentado nas suas duas possíveis conjugações. Para senfreado, o sistema 2025) e Luís Montenegro (e a obriga. Pedro Nuno, procurando e aprovar o documento. Pode
efeitos da circunstância política que as eleições legislativas político português vai garantia de que só cai se lhe legitimar o voto contra o futuro enfrentar um Presidente e um
nos deram é de reter a segunda, que corresponde à de um capotando desde o dia apresentarem uma moção de OE, enaltecerá as dissonâncias: primeiro-ministro disponíveis
verbo transitivo: “Trocar; ajustar; favorecer o andamento 10 de março, não se sabendo censura) repetem gestos de o “acordo” entre PSD e Chega para uma governação em duo-
ou a conclusão de (assunto ou projeto) para obter um exatamente se aterrará de pé assertividade para suavizarem para escolherem o presidente décimos até 2026. Pode propor-
acordo; procurar, conseguir, diligenciar; alcançar, ou de pantanas. O Governo, ao um facto: nenhum deles sabe o da Assembleia, o elenco minis- cionar um crescimento ainda
pactuar.” O mesmo dicionário distingue, porém, estes tomar posse, quase que pediu: que vai acontecer. terial “demasiado à direita” para maior da bancada do Chega.
significados dos que podemos obter da conjugação do derrubem-me se quiserem. O Independentemente das suas negociar à esquerda, o discurso Pode, caso Montenegro governe
mesmo verbo no intransitivo: “Fazer negócios, comerciar.” Partido Socialista, de regres- preferências e ambições, não é de posse “que chantageou” o eficazmente, ter um resultado
Infelizmente, a avaliar pela tensão que resultou da posse so à oposição, é que insiste: certo que o quadro político cla- Partido Socialista, entre outras que coloque a sua própria lide-
do novo Governo, foi com ela que tudo começou. aprovemos um retificativo, rifique a relação de forças entre minicrises como preliminares rança em causa. E pode vencer
Facto: no novo espectro político, os incentivos não se tenhamos iniciativa. E André estes três concorrentes. A proxi- para uma crise a sério. as eleições, menos de um ano
alinharam para uma legislatura duradoura. No limite, Ventura, instalado como ter- midade numérica entre os dois Numa situação em que é mais depois de as ter perdido.
caberá um dia — talvez em breve — aos portugueses dizer ceira força, reclama mesmo: primeiros partidos (ambos com desafiante criar aproximações A sete meses da decisão, é im-
como desbloquear um impasse. Mas aos eleitos cabe, por deixem-me governar. 78 deputados) e a iminência de do que justificar distâncias, o possível adivinhar e irresponsá-
agora, reaprender o significado desta palavra simples, A razão para os três emiti- um novo ato eleitoral (as euro- ónus estará em São Bento. Não vel antecipar.
varrida do léxico por uma polarização crescente. Como rem vontades ironicamente peias, em junho) reforçam a ver- chega falar em “humildade”, Tal como os homens e mu-
avisou o Presidente no discurso com que empossou o contrárias à que os resultados tigem. Nas próximas semanas, será preciso praticá-la. Não lheres do Projeto Manhattan
primeiro-ministro, é preciso ir passo a passo, porque há eleitorais lhes conferiram é du- provavelmente nos próximos basta pedir “diálogo”, serão em 1945, o líder da oposição só
problemas que reclamam urgência. pla: por um lado, pretendem meses, o jogo será de espelhos necessárias condições para o tem direito a uma certeza: de-
O que é importante reter dos resultados eleitorais é que condicionar-se uns aos outros e sombras, de simulação e dissi- conseguir. pois disto, mesmo que o nosso
os portugueses não escolheram só um vencedor: pediram enquanto a legislatura durar; mulação. E o ponto de equilíbrio Para o PS, que tem o dedo mundo não acabe, dificilmente
tolerância e escolheram um verbo e uma conjugação. Se por outro, não descartam uma poderá ser a queda. em cima do botão, o problema será igual.
não se lembrar, eis a diferença: os verbos transitivos “são
os que precisam de complemento para transmitir uma
informação que faça sentido”; os verbos intransitivos
“são os que não precisam de complemento, porque já LEIA TAMBÉM ( ( (
transmitem a informação necessária para fazer sentido”.
Concordemos nisto: se quiser que este seu Governo faça EM EXPRESSO.PT Eu sou um Competência António Costa:
sentido, Luís Montenegro precisa de complemento. Que o “herdeiro” de transitória, uma estranha
saiba, agora, procurar.
“genocidas”? ambição perene ironia
VÍTOR MATOS LUÍS S. DOS SANTOS PINHEIRO FRANCISCA VAN DUNEM

O SMO de Montenegro
Os chefes militares têm, evidentemente, um objetivo
Uma pitada de Chega para os pobres,
quando recuperam a discussão sobre a reposição
do serviço militar obrigatório: não há apenas um
uma pitada de IL para os ricos
desligamento emocional dos portugueses face às
nucleares funções das Forças Armadas (e os 50 anos de correto”, a que agora chamam aos seus piores resultados. E tenso do partido de Governo
Abril servem para o lembrar), como há uma escassez woke. O impacto desta agenda essa direita olha para o lado, para desvalorizar o excedente
evidente de recursos nos três ramos. Mas o desafio do é enorme nas redes sociais e no para onde têm saído muitos orçamental. Isto quer dizer que
novo primeiro-ministro — ou o seu SMO — é criar os discurso quotidiano, mas em dos seus políticos e bastante as promessas que implicam
incentivos que permitam resolver essa escassez. E de termos de grandes gastos do dos seus votos, e que vê? Vê um gastos são para cumprir apenas
caminho cumprir o que não garantiu: o investimento para Estado é diminuto. Chega que tem muito sucesso parcialmente. Não dá para au-
que se cumpra o compromisso do país com os organismos O segundo fenómeno de su- com a agenda “identitária” e mentar tanto as pensões como
de defesa internacionais. Rui Tavares cesso é o de uma direita mais uma Iniciativa Liberal que tem prometido durante a campanha
politica@expresso.impresa.pt
libertária (o correto seria cha- um sucesso apreciável com al- e, ao mesmo tempo, diminuir
mar-lhe “proprietária”, mas guns nichos da agenda “libertá- tanto o IRC. Como fazer então?

D
isso fica para outra crónica). ria” da direita. A resposta, pelo menos por
a tomada de posse e dos Mais focada numa agenda eco- O problema é que a primeira agora, foi dada pelas duas pri-
primeiros dias de Luís nómica e fiscal, esta direita agenda depende de uma contí- meiras medidas que mencio-
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A.
Montenegro como pri- tem grandes planos: cortes nos nua polarização da sociedade nei no início da crónica. Para
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
meiro-ministro ficaram impostos e nos gastos sociais, em torno de temas insuflados as massas ficam as agendas
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de Saldanha, para a história duas decisões, diminuição do aparelho do e para a segunda agenda as identitárias que vão ocupando
Paulo Miguel Reis, Nuno Conde e Bruno Mateus Padinha
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, uma já implementada e a outra Estado. Ao contrário da agen- contas continuam a não bater a opinião pública e os comen-
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970 anunciada: a mudança do logó- da identitária, o seu sucesso certo. Durante a campanha elei- tadores: o logótipo. Para as
tipo do Governo e uma descida popular não é grande, mas toral, vimos como as promessas elites económicas fica a baixa
do imposto sobre os lucros das o impacto financeiro é enor- mais ambiciosas dos partidos no IRC, que verdadeiramente
Diretor-Geral Redação, Administração Publicidade Online
de Informação Impresa e Serviços Comerciais publicidadeonline@impresa.pt empresas, o IRC. me. Viu-se com Liz Truss, a da direita dependeriam todas só vai beneficiar as grandes ou
Ricardo Costa Rua Calvet de Magalhães, 242
2770-022 Paço de Arcos Marketing e Comunicação Outros anúncios são, para já, primeira-ministra britânica de crescimentos económicos enormes empresas, que têm
Diretor Tel. 214 544 000 Mónica Serrano (diretora) apenas intenção, ou planos, ou que pela primeira vez tentou próximos dos 5%. Após a cam- tido grandes lucros.
João Vieira Pereira ipublishing@impresa.pt Ana Paula Baltazar (coord.

Diretores-Adjuntos Delegação Norte

David Dinis
Martim Silva
Miguel Cadete
Paula Santos
Diretor de Arte
Marco Grieco
Grande Repórter
Micael Pereira
Editor Executivo
Pedro Candeias
Editor da edição semanal
João Silvestre
Editores
Diogo Pombo (Desporto),
Eunice Lourenço (Política),
Joana Beleza (Multimédia),
João Carlos Santos (Fotografia),
João Pedro Barros (Online),
Miguel Prado (Economia),
Pedro Cordeiro (Internacional),
Pedro Lima (Editor-adjunto
Economia), Ricardo Marques
(Revista E) e Rita Ferreira
(Sociedade)
Coordenadores
Gerais de Arte
Jaime Figueiredo (Infografia)
Mário Henriques (Desenho)
Coordenadores
Cristina Pombo (Internacional),
Elisabete Miranda (Economia),
Isabel Leiria (Sociedade),
João Cândido da Silva (Online),
João Miguel Salvador (Online),
Lia Pereira (Revista E),
Rua Conselheiro Costa Braga,
502; 4450-102 Matosinhos
Tel. 220 437 000
Publicidade
Miguel Pacheco (diretor)
João Paulo Luz (diretor
de receitas digitais) Carlos
Lopes (diretor coordenador)
Ângela Almeida (diretora
da Delegação Norte)
Hugo Rodrigues (diretor
publicidade) Nuno Martins
(gestores de conta) Miguel
Teixeira Diniz e Sérgio Alves
(gestores de conta) Marta
Teixeira e Helena Almeida
(gestores de conta da
Delegação Norte)
Tel. 214 544 073/214 698 798
Tiragem média de março:
51.600 exemplares
Associação Portuguesa
para o Controlo de Tiragem
Associação Portuguesa
de Imprensa
Subscrições Digitais Expresso
3 semanas: €5,99
52 semanas: €84,99
de marcas de informação)
Susana Freixo (gestora
prazos para apresentar o resul- implementar uma agenda panha, vemos um esforço in- A receita de Montenegro,
de marca) e Carla Martins tado de consultas e diálogos. deste género: o seu primeiro pelo menos nestes primeiros
(coord. de comunicação
para relações externas) A escolha das primeiras me- Orçamento foi um desastre. tempos, parece ser: uma pitada
Produção didas é simbólica e qualquer As contas simplesmente não Para as massas de Chega para os pobres, uma
Ana Sengo da Costa (diretora) novo primeiro-ministro o sabe: batiam certo. ficam as agendas pitada de IL para os ricos. Um
João Paulo Batlle y Font
(coordenador) passou talvez anos a preparar- A direita tradicional, por ou- identitárias: o logótipo. caminho diferente, que é pos-
Carlos Morais e Joaquim
Rodrigues (produtores) -se para o cargo, esteve meses tro lado, tem estado mais es- Para as elites económicas sível, implicaria uma coragem
Circulação e Assinaturas em campanha, ou sente obri- tagnada. Vimo-lo em Portugal, fica a baixa no IRC que não se tem visto na direita
Miguel Pacheco (diretor)
Pedro M. Fernandes
gação de apresentar as suas com uma vitória do PSD igual tradicional.
(diretor de circulação grandes ideias no momento em
e produtos Expresso)
João Braz (responsável que toma posse ou apresenta o
pela circulação) e Rita Silva
(responsável pelo serviço que pode.
de apoio ao cliente)
Serviço de Apoio ao Assinante:
E estas duas medidas em par-
Tel. 214 698 801 (dias úteis, ticular são muito reveladoras
das 9h às 19h); e-mail:
apoio.cliente.ip@impresa.pt de uma via seguida por alguns
Atendimento Ponto de Venda Governos de direita (mais ou
pontodevenda.ip@impresa.pt menos radicalizada) em todo
Impressão
Lisgráfica Impressão
o mundo na última década. A
e Artes Gráficas, S.A. saber: dar proventos imateriais
Estrada de São Marcos, 27
2735-521 Agualva-Cacém às massas, ao mesmo tempo
Distribuição que dá benesses reais à elite
VASP-MLP,
Media Logistics Park
económica.
Quinta do Grajal, Venda Seca Para perceber porquê e
2735-511 Agualva Cacém
Tel. 214 337 000 como, pensemos no seguinte.
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt Nos últimos anos, dois tipos de
FOTO TIAGO MIRANDA

104 semanas: €139,99

Lídia Paralta Gomes (Desporto),
Mafalda Ganhão (Online),
Margarida Cardoso (Porto),
Marta Gonçalves (Online),
Pedro Miguel Coelho
(Redes Sociais), Rui Tentúgal
(Fecho), Tiago Pereira Santos
(Desenho Multimédia) e
Vítor Andrade (Economia)
Arquivo
arquivo@impresa.pt
Ligue 214 698 801 ou vá a expresso.pt
Dias úteis: 9h às 19h | Sábados: 9h às 14h
ESTATUTO EDITORIAL DISPONÍVEL EM
expresso.pt/sobre/
estatuto-editorial
Tel. 808 206 545 fenómenos têm tido sucesso
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo dos
político à direita. Em primei-
anúncios nem pela exatidão
das características e
ro lugar, e mais espetacular,
propriedades dos produtos e/
ou bens anunciados. A respetiva
vemos a direita identitária,
veracidade e conformidade forjada na recuperação do na-
com a realidade são da integral
e exclusiva responsabilidade cionalismo e na luta contra o
dos anunciantes e agências ou
empresas publicitárias. que veem como “politicamente
Expresso, 5 de abril de 2024
Miguel Poiares Maduro
politica@expresso.impresa.pt
Como lidar com
o populismo
T A
al como devem desconfiar das
soluções simples oferecidas pelos
populistas, desconfiem de quem
oferece soluções simples para li-
dar com os populistas... Isso também é
válido, naturalmente, para este artigo.
É um erro ter muitas certezas sobre este
tema. Várias abordagens diferentes têm
sido adotadas ao longo dos últimos anos
na Europa e a verdade é que os partidos
populistas continuam a crescer de forma
generalizada. Não há uma solução sim-
ples. Parte da explicação assenta, prova-
velmente, em mudanças profundas que
estão a ter no lugar, no espaço, tempo e
formas da política e na formação da opi-
nião pública em que se baseia a democra-
cia. Mas, além disso ou à luz disso, o que
está a acontecer e o que podemos fazer?
Talvez seja importante começar por re-
cordar a tese ou ideologia em que assenta
o populismo. Este contrapõe a vontade e
os interesses do povo aos da elite, apresen-
tada como controlando o poder contra es-
ses interesses. Os populistas reivindicam
serem eles que representam a vontade do
povo contra uma elite que se apropriou
do poder contra essa vontade. Para os
populistas serem populares esta tese tem
de ter alguma adesão à perceção que os
cidadãos tenham do funcionamento do
poder. É isso que acontece neste momen-
to. Muitos cidadãos deixaram de se sentir
representados pela classe política tradi-
cional. Há duas razões principais para a
perda desse nexo de representatividade:
primeiro, os casos e problemas de integri-
dade na classe política conduziram a uma
perda de confiança na mesma; segundo,
os cidadãos entendem que os temas e as-
suntos que ocupam a classe política já não
correspondem, em boa medida, às suas
reais preocupações. A primeira resposta
à pulsão populista passa por repor o nexo
de representatividade entre cidadãos e
política, seja repondo a confiança na in-
tegridade da política, seja respondendo
a essas preocupações ainda que de forma
diferente de como propõem os populistas.
É a rutura do nexo de representativi-
dade que fertiliza o terreno em que o po-
pulismo cresce. Já existia há muito em
Portugal, mas exprimia-se, em parte, na
abstenção. É isso que explica a coinci-
dência nas recentes eleições entre cres-
cimento de um partido populista como o
Chega e queda da abstenção. O sucesso do
Chega e do seu líder residiu na capacidade
de ativar politicamente esse desconten-
tamento. Para isso muito contribuiu a
sua capacidade comunicacional. É isso,
e os temas que explora, que distingue o
populismo de direita de André Ventura
de um populismo de esquerda como o do
BE, por exemplo.
André Ventura usa um discurso co-
mum, que muitos designariam de vulgar
ou de “balneário” (incluindo expressões
como gatunos), mas que coincide com a
linguagem (e os meios) que tantos usam
no dia a dia e que apela ao lado emocional.
Isto facilita a sua identificação com todos
os que usam essa linguagem e ativa as
suas emoções e preconceitos. Os parti-
dos tradicionais não podem repetir este
mesmo discurso, mas também não podem
insistir no discurso político tradicional,
redondo, cheio de lugares-comuns, que
os cidadãos entendem como artificial. Os
políticos moderados não têm de adotar
a linguagem dos populistas, mas têm de
comunicar de uma forma que os cidadãos
acreditem seja autêntica.
Por último, é um erro confundir a opo-
sição política aos populistas com uma
recusa da sua legitimidade política. Só a
Constituição e os cidadãos decidem da
legitimidade política de um partido. Recu-
sar reconhecer essa legitimidade apenas
servirá para reforçar a vitimização dos
populistas e a sua contraposição às elites
e ao “sistema”. Ao mesmo tempo, o reco-
nhecimento que lhes é democraticamente
devido não pode ser confundido com qual-
quer reconhecimento de mérito às suas
ideias que devem antes ser combatidas.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Espectro
bril é o mês da conscienciali-
zação para a neurodiversida-
de, sobretudo para o espectro
do autismo. É a minha casa: a
primogénita tem dislexia e défice de
atenção, a benjamim é autista e eu estou
quase de certeza no vórtice do espectro.
Numa linguagem antiga, eu e a benja-
mim somos dois aspie (Asperger) ou au-
tistas de suporte nível 1, como agora se
diz na linguagem higienizada. Isto quer
dizer que somos ninjas entre dois mun-
dos, somos da neurodiversidade, sim,
A foto da FRONTEIRA À procura de entrada para os Estados Unidos, a venezuelana
Stephani, de 28 anos, vagueia pelo leito seco do Rio Grande, entre Ciudad
mas, com muito esforço, conseguimos
interagir com os neurotípicos. E, como
semana Juárez, no México, e El Paso, no Texas. Carrega ao colo o filho Estefan, de
quatro anos, a quem quer assegurar um futuro melhor. No seu país a di-
tadura de Nicolás Maduro eterniza-se, com o povo a passar dificuldades
ela começa a ter plena autoconsciência
do que é e do que custa ser autista num
mundo neurotípico que é absurdamente
Por Pedro Cordeiro crescentes e a repressão a não amainar; na terra com que sonha, políticos rígido (a rigidez, lamento, é muito mais
pcordeiro@expresso.impresa.pt fazem dos migrantes arma de arremesso. FOTO ADREES LATIF/GETTY IMAGES vossa do que nossa), começa aqui uma
nova fase da minha vida adulta como pai
e cidadão e até como escritor ou intelec-
tual. Recusei sempre clubes, partidos e
causas, mas esta é a minha causa e — a
Qualquer análise de custo-benefício concluirá que o serviço militar partir deste momento — tudo farei para
lhe dar visibilidade e apoio. Porque não
obrigatório sai bem mais caro do que um exército de voluntários chega criar um dia azul na cidade ou
O serviço militar obrigatório
uma hora azul nos centros comerciais; é
preciso uma banda sonora azul sempre
a tocar na sociedade como um todo —
e o burro morto
porque nós, os neurodivergentes, somos
muito mais do que se pensa. Há muita
gente desse lado a precisar de um diag-
nóstico que explica e torna mais fácil a
vidinha.
1. Trabalhos forçados? eleitoral mais baixas, ou que partici-
pam em mais voluntariado, ou que Entrar neste mundo
Voltou a discussão do serviço mili- violam menos as regras de trânsito? tem sido como estar preso
tar obrigatório (SMO). Geralmente, Não parece muito complicado fazer a uma bigorna que
ninguém leva muito a sério estas um estudo destes, afinal os dados da de repente se transforma
propostas. Mas, dada a consciência conscrição são públicos. num par de asas
que a maioria de nós tem de que é O único trabalho relacionado que
necessário reinvestir e reorganizar Luís Aguiar-Conraria conheço é de Ana Rute Cardoso em
as Forças Armadas, é provável que Professor de Economia da Univ. do Minho coautoria com David Card, prémio A defesa desta causa faz-se através de
a discussão tenha vindo para ficar. lfaguiar@eeg.uminho.pt Nobel da Economia, publicado há duas grandes ideias. Em primeiro lugar,
Ainda não ouvi ou li argumentos mais de 10 anos. Nesse estudo, mos- o autismo e as demais neurodivergên-
novos — exceto o de que as mulheres tram que os homens nascidos em cias não são doenças, são condições
também terão de fazer tropa — pelo que vale sempre a 1967 e que têm apenas a escola primária, mais tarde, vêm a neurológicas; e um dia — no futuro — a
pena regressar a um debate clássico. Falo do confronto en- ter salários 4% a 5% mais altos do que homens com a mes- sua aceitação será tão banal como a
tre Milton Friedman e o general William Westmoreland, ma escolaridade que não foram à tropa. É como se a tropa aceitação dos canhotos (ainda sou do
que ocorreu no calor da guerra do Vietname. O segundo fornecesse formação profissional aos jovens mais iletrados. tempo em que os canhotos eram for-
recusava-se a ter sob o seu comando um exército de mer- Mas o efeito desaparecia totalmente quando se considera- çados a escrever com a direita). Em
cenários e o primeiro perguntava-lhe se então preferia um vam homens com seis ou mais anos de escolaridade. Hoje segundo lugar, é preciso dizer que, se
exército de escravos. a escolaridade mínima obrigatória é de 12 anos... não é doença para ser escondida pelos
Quem defende o serviço militar obrigatório sente re- outros, o autismo também não é uma
pulsa quando se diz que isso equivale a escravatura ou, 2. Rifar um burro morto identidade fechada para nos sentir-
para ser menos emotivo, a trabalhos forçados. Ninguém, mos especiais e diferentes dos outros.
conscientemente, defenderá o trabalho forçado. Sempre gostei da parábola da rifa do burro morto. Uma Queremos reconhecimento e apoios
Nada melhor do que ler o que diz a “Convenção sobre família necessitada de dinheiro vende rifas que têm como para chegarmos à igualdade, não que-
o Trabalho Forçado”, da Organização Internacional do prémio um burro. Mas o burro está morto. A família fez remos estar à parte num clube fechado,
Trabalho. Logo na primeira alínea do artigo 2, é dada a bastante dinheiro com a venda das rifas, mas só o vence- não queremos ser vítimas, mártires
definição: “A expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ dor se queixou, dado que não queria um cadáver de asno. ou santos. A benjamim é autista, mas
compreenderá todo o trabalho ou serviço A esse devolveram o dinheiro. Ninguém também é ateia, fantasiosa, portista,
exigido de uma pessoa sob a ameaça de ficou prejudicado e a pobre família ficou meticulosa, artística; constrói mundos
sanção e para o qual não se tenha ofereci- Quem defende com a quase totalidade das receitas. como ninguém, consegue operar vários
do espontaneamente.” o serviço militar Lembro-me muitas vezes da parábola mundos com dezenas de personagens
Lendo assim, é óbvio que o SMO se trata obrigatório sente ao ver as agressivas estratégias de ven- ao mesmo tempo e, num ambiente es-
de trabalho forçado. Mas, logo na segunda das de muitas companhias de aviação. A colar flexível, pode brilhar como todos
alínea, vêm as exceções: “serviço exigi- repulsa quando última que me surpreendeu foi a possibi- os outros. É por isso que a autonomia
do em virtude de leis do serviço militar se diz que isso lidade de pagar um valor extra para que de cada escola e de cada turma é um
obrigatório”, “serviço que faça parte das equivale a o lugar ao lado do meu estivesse vazio. fator decisivo. A empregabilidade do
obrigações cívicas comuns de cidadãos Fazia sentido: se o lugar ao lado do meu autista é baixíssima, porque a rigidez
de um país soberano” e “serviço exigido
escravatura estiver vago, a companhia de aviação per- começa no sistema escolar e continua
de uma pessoa em decorrência de con- ou a trabalhos de receita. Mas o burro estava morto, no mundo do emprego. Também é por
denação judiciária”. Ou seja, na verdade, forçados porque não me garantiam um lugar vago essa razão que o teletrabalho pode ser
o serviço militar obrigatório, o serviço ao meu lado se pagasse o extra, apenas se salvador para muitos autistas de supor-
cívico obrigatório e os trabalhos força- comprometiam a devolver-me o dinheiro te 1, pois o ambiente do local de traba-
dos nas prisões encaixam tão bem na definição que era que paguei a mais caso o lugar estivesse ocupado. lho é uma tortura sensorial. Há pessoas
impossível modificá-la para os excluir. Tiveram mesmo Outra estratégia comum é cobrar para que pessoas que que sofrem horrores no trabalho por
de, explicitamente, abrir exceções para estes trabalhos viajam juntas possam estar em assentos próximos. Propo- esta razão: estão no espectro mas não
forçados. Não encontro melhor demonstração de que se sitadamente, separam as pessoas, muitas vezes da mesma sabem e, por isso, ficam a pensar que
trata mesmo de trabalho forçado. família. Quando se vende uma rifa com um prémio falso, são apenas fracas ou preguiçosas.
Qualquer análise de custo-benefício que considere o im- vende-se uma inutilidade. Aqui é pior, exige-se ao cliente Entrar neste mundo tem sido como
posto implícito que é alguém ser forçado a trabalhar por que pague para que a empresa não torne a viagem mais estar preso a uma bigorna que de re-
um salário inferior ao mínimo que exigiria rapidamente desagradável. pente se transforma num par de asas; é
concluirá que o SMO sai bem mais caro do que um exér- As duas estratégias que descrevi permitem às empresas uma constante reeducação, força-me a
cito de voluntários. cobrar uma quantia extra sem incorrerem em nenhum pensar e a repensar o que é isso do livre-
Mas o que me encanita mesmo são as declarações de custo extra. Num mercado concorrencial, seria impos- -arbítrio, da liberdade, da superação, da
que o SMO promove o sentido cívico dos jovens. É como sível. Não apelo a qualquer intervenção do Governo, da moral, da condição humana. Tem sido
se o SMO fosse um substituto das aulas de cidadania na Autoridade da Concorrência ou da Autoridade Nacional absurdamente difícil, até porque ouvi-
escola. Quem diz isto quase nunca se dá ao trabalho de o de Aviação Civil; não é claro o que possam fazer para mos vezes sem conta aquela expressão
demonstrar. E não devia ser difícil fazê-lo. Por exemplo, combater estas práticas abusivas e a emenda pode ser pior que magoa: “Ah, mas não parece nada.”
na minha geração, grande parte dos jovens não foi à tropa. do que o soneto. Mas desafio o leitor a estar atento: rapida- Mas não, não troco isto por nada. É
Há alguns dados que demonstrem que quem fez tropa mente, perceberá que práticas similares são comuns em lente única sobre os outros e sobre mim
é melhor cidadão? Que apresentam taxas de abstenção empresas com demasiado poder de mercado. próprio.
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 5 de abril de 2024

Opinião

Um Presidente, uma maioria, um Governo, uma oposição...

N
a juventude, tinha que incluem leis criminais, conhecer as posições de Ana Paula Martins sobre
uma amiga bastante defesa, justiça e tudo o que a reforma do SNS, ler a doutrina sobre direito
discreta que, desmen- envolva o Estado de direito, laboral da nova ministra do Trabalho ou recordar
Teresa Violante tido com autoironia deverá ter uma porta aber- o papel de Pinto Luz na privatização da TAP à
politica@expresso.impresa.pt
o seu excesso de humildade, ta no Largo do Rato para 25ª hora e na concessão da ANA para concluir
dizia que as pessoas toma- excluir o Chega do que é que este Governo não foi construído a pensar em
vam o seu silêncio por inteli- sensível para a democracia. convergências programáticas com o PS.
gência e mistério quando, na Daniel Oliveira Curiosamente, é no combate Se um Governo de direita tem um programa de
Não só defender, realidade, nada tinha para di-
danieloliveira.lx@gmail.com
à corrupção que Montenegro direita e há uma maioria de direita, que sentido
mas também zer. Enganava-se ela, não se
enganaria Luís Montenegro.
mostrou disponibilidade para
negociar com todos, incluin-
faz ser sustentado pela esquerda? A não ser, claro,
que a AD decida, a bem da estabilidade e para
promover a O seu paupérrimo discurso, em que se limitou a do o Chega. Prevê-se um festival de demagogia criar um cordão sanitário em torno do Chega,
democracia repetir umas frases soltas sobre o programa da com resultados nulos ou desastrosos. Nas ques-
AD, revelou que a tática do silêncio serve para tões económicas e sociais, onde existe, de facto,
aproximar as suas posições às do PS, pedindo-lhe
o mesmo. Não foi nada disso que ouvimos na to-
lhe garantir a gravitas que as suas palavras lhe um bloco de direita, não faz sentido exigir o voto

Q
uando, há quase 50 anos, Portugal vi-
rou a página da ditadura, o caminho
para a democracia não foi instantâneo.
Democratizar foi o primeiro dos três
dês do Programa do MFA, um manifesto de
rutura com o regime repressivo e oligárquico. A
ausência de democracia tinha sido crucial para
que a ditadura lhe visse barradas as portas da
adesão à CEE. O “Relatório Birkelbach”, que re-
cebeu o nome do social-democrata alemão Willi
Birkelbach, aprovado em 1962 pelo Parlamento
Europeu, estabeleceu que a admissão na CEE
estava condicionada ao respeito pela democra-
cia, pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais. Esta condicionalidade política,
pensada especificamente para as ditaduras do
Sul da Europa, veio posteriormente a ser for-
malizada nos critérios de Copenhaga de 1993,
antes de ser incorporada no Tratado de Lisboa.
A adesão à CEE esteve largamente ausente
dos debates da Assembleia Constituinte, mas a
formulação do pedido logo em 1977 revela que
este foi um tema crucial da transição demo-
crática. Para os partidos e forças políticas do
espectro democrático-liberal a pertença à CEE
constituía um elemento essencial do pacote de
democratização e um escudo de proteção contra
o perigo de novos autoritarismos, de esquerda
ou de direita. Essa permanece, na verdade, uma
característica do processo de integração nos
regimes pós-autoritários da segunda e terceira
vagas de democratização. Ainda que o processo
de construção em comum de um espaço de in-
tegração económica e política tenha pedido aos
Estados que aceitassem mutações importantes
da respetiva identidade constitucional — o que,
no caso português, ocorreu num período muito
curto, dada a proximidade temporal entre a Re-
volução, a aprovação da Constituição, o pedido
de adesão e a adesão efetiva.
Se hoje Portugal é um Estado de direito demo-
FOTO NUNO FOX
mada de posse. Nem foram esses os sinais dados
negariam. Diz-se que o conselheiro é Cavaco do PS. Basta conhecer as posições do Chega sobre até agora. Depois de os socialistas terem salvado
Silva. O ritmo não é o do seu tempo e hoje até SNS, leis laborais ou política fiscal para perceber o PSD na eleição do presidente da Assembleia da
o silêncio se esgota depressa. Quando falou, que a AD está muito mais próxima dele do que do República, Hugo Soares veio dizer que o acordo
Montenegro tinha duas coisas para dizer: que o PS. Basta reler os escritos de Miranda Sarmento, implicava uma viabilização do Governo para toda
festival de promessas e o seu fantasioso cenário a legislatura. Depois de Pedro Nuno Santos ter
macroeconómico não eram para levar a sério e assumido que não inviabilizaria a entrada em
que pretendia governar como se tivesse maioria funções do Governo, Montenegro defendeu que
absoluta. É de um Cavaco ressuscitado que vem Com 29%, Montenegro quer isso implicava viabilizar Orçamentos. Cada sinal
o mais perigoso conselho a Montenegro: repetir cumprir o sonho de Sá Carneiro de boa vontade do PS é transformado numa ar-
1987. Só que, nesta reprise das “forças bloqueio” aditivado: um Presidente do madilha para o neutralizar e entregar a oposição
e do “deixem-me trabalhar”, não querem que ao Chega.
o PRD seja Chega, mas o PS. E é por isso que o seu campo, uma maioria que Na posse, Montenegro disse que tem um pro-
PSD está a brincar com o fogo, trabalhando para não tem, um Governo que não grama e exige os deputados que lhe faltam para o
a desestruturação do sistema partidário. negoceia e uma oposição que não aplicar. Isto não é de quem quer estabilidade, é de
Se o constituinte quisesse que uma coligação ou quem quer tudo ou nada. “Tudo” é o que qualquer
partido que conquistou 29% governasse sem ter
se opõe. Não quer estabilidade. Governo minoritário — e há muitos na Europa
de encontrar aliados ou negociar cada medida, Quer tudo ou nada. “Tudo” é — sonharia: governar como se tivesse maioria
teríamos um sistema maioritário. Não temos. governar como se tivesse maioria absoluta, com a oposição neutralizada. “Nada”
Se a AD quer governar com o programa da AD, absoluta, “nada” é ir a eleições é ir a eleições rapidamente, responsabilizando o
tem apenas os deputados da AD. Se quer mais, PS pela crise e engordando um Chega que, com
aproxima posições às dos deputados de que pre- rapidamente, responsabilizando altos níveis de rejeição, lhe é muito mais confor-
cisa. Negociar é fazer o que Marcelo aconselhou o PS e engordando o Chega tável a liderar a oposição. Montenegro quer ter,
no seu curto discurso. Em questões de regime, com a vitória mais curta da democracia, uma
maioria parlamentar que não lhe pertence, uma
oposição neutralizada e um Governo que não tem
de lidar com limites parlamentares. Com apenas
29%, quer cumprir o sonho de Sá Carneiro, mas
aditivado: um Presidente do seu campo político,
uma maioria que não tem, um Governo que não
negoceia e uma oposição que não se opõe.
Se o Presidente ainda tivesse o capital políti-
co que desbaratou à esquerda e à direita, dizia
uma coisa a Montenegro, mesmo que em priva-
do: se o Orçamento for chumbado, não voltará
a dissolver o Parlamento e ele governará com
duodécimos. Se a única consequência óbvia do
chumbo do OE forem eleições antecipadas, a AD
não tem incentivos para negociar. Não haverá
responsabilidade, mas vitimização. Não haverá
diálogo, mas chantagem. Se a consequência for
um Governo incapaz de fazer o que quer, terá de

crático, assente na dignidade da pessoa humana
e no respeito pelos direitos fundamentais, é-o
de modo duplamente blindado: trata-se de uma
escolha constitucional fundamental do regime
atual e também de uma escolha constitucio-
nal fundamental da União Europeia, espaço
político no qual nos situamos. Em ambos os
casos a opção está subtraída ao debate político
quotidiano.
O crescimento dos extremismos e a ameaça
que os mesmos representam para os regimes
democráticos tem levado a um ressurgimento
do tema clássico da defesa das democracias pe-
rante os seus inimigos. Mais do que um interes-
se teórico, este é um tema que possui inequívoca
relevância prática. O último “Relatório Anual
de Segurança Interna” disponível, referente
a 2022, aponta para a consolidação de movi-
mentos antissistema, fundados em teorias da
conspiração, algumas das quais provenientes
da extrema-direita, que podem configurar um
potencial de violência. Tais movimentos “desa-
fiam as autoridades democraticamente eleitas,
incitando à desobediência civil e à agitação
social”. Assinala-se a migração de atividades
de extrema-direita para o ambiente online, no
qual “é disseminada propaganda extremista,
Quem te avisa...
ticas (AC) não podem ser abordados
como uma coleção de episódios, mas,
pelo contrário, impõem a considera-
ção integrada de todos os aspetos da
vida, da natureza e das sociedades. E
assim a AEA identifica 36 grandes
riscos em cinco grandes domínios —
desde os ecossistemas e segurança ali-
Qualidade mentar às infraestruturas e seguran-
ça energética, ao sistema económico e
Devida estabilidade financeira e à saúde física
e mental. Ou seja, os riscos já atingi-
Luísa Schmidt ram níveis críticos e podem tornar-se
sociedade@expresso.impresa.pt catastróficos se não implementarmos
políticas de adaptação integradas, as
procurar interlocutores, como se espera. Qual é o
problema disto? Quem desempenha o magistério
de influência junto do primeiro-ministro não é
Marcelo, é Cavaco. E dali nada virá para além de
soberba e ressentimento.
importância para todos e sobretudo e, inclusivamente, solicitar sessões
para as gerações futuras, a começar de esclarecimento, mas que nunca
pelo reconhecimento, logo no seu 2º mais é posto a funcionar. É o caso
artigo, da ‘emergência climática’ em do Conselho para a Ação Climática,
que nos encontramos, uma declara- composto por personalidades de re-
ção altamente responsabilizante para conhecido mérito nos diversos domí-
qualquer governação, dado o elevado nios afetados pelas AC e criado com
nível de vulnerabilidade do nosso país competências fundamentais sobre os
aos impactos das AC. A lei explicita cenários de descarbonização, sobre o
depois os direitos e deveres climáti- desenvolvimento de infraestruturas
cos, a participação e a mobilização de energia e transportes e até sobre
públicas para a ação climática e as o Orçamento do Estado em matéria
políticas nacionais, regionais e locais de ação climática. O Conselho está
em todos os sectores face à condição criado, mas não foi operacionalizado
climática presente e futura. e portanto não entrou em funções…

A
teorias da conspiração e desinformação, num
ataque permanente à democracia, aos atores do
sistema político e às minorias étnicas, religiosas
ou sexuais”.
Promover a democracia, dimensão intrínseca
da tarefa de garantia do respeito pelo princí-
pio do Estado de direito democrático que a
Constituição impõe ao Estado, deve ser uma
prioridade, partindo de um quadro normativo
que articule adequadamente o papel daquele
com o das instituições da sociedade civil. Na Ale-
manha, país cuja Lei Fundamental celebra, em
2024, 75 anos, o Governo federal apresentou
um projeto de lei de promoção da democracia,
corporizando uma recomendação emanada,
em 2013, da primeira Comissão de Inquérito
parlamentar sobre o grupo neonazi NSU, res-
ponsável por vários crimes com motivações
racistas e xenófobas.
Tal como a Alemanha, também Portugal ne-
cessita de um forte empenho na democracia.
Como nos avisou Yascha Mounk no final do
seu livro “The People vs. Democracy”, saímos
de tempos normais e entrámos em tempos ex-
traordinários. Precisamos de novas ferramentas
para os enfrentar.
Agência Europeia do Am-
biente (AEA) acaba de pu-
blicar um extenso, sólido e
perturbador relatório sobre
a avaliação de riscos climáticos na
Europa. Extenso pela diversidade de
fatores que considera na atual situa-
ção climática e no seu futuro desen-
volvimento. Sólido porque se baseia
em dados e modelos de análise pro-
fundamente amadurecidos ao longo
dos últimos anos, com um notável
contributo da investigação pública
e também privada (particularmente
das seguradoras) e fortemente con-
sensualizada na comunidade cientí-
fica. Perturbador não só pela perspe-
tiva que traça às sociedades europeias
quanto ao agravamento rápido da
nova condição climática, como so-
bretudo por ecoar neste relatório a
natureza sistémica do problema onde
nos encontramos já.
Quer isto dizer que os riscos climáti-
cos e o impacto das alterações climá-
quais são, aliás, um objetivo maior
deste relatório. Nele é feito um alerta
aos países para a urgência absoluta
de medidas preventivas, dado o facto
de “as políticas e ações de adaptação
não estarem a acompanhar o ritmo
dos riscos em rápido crescimento”.
Particularmente na Europa do Sul,
que será a mais afetada por riscos
múltiplos, com destaque para os in-
cêndios florestais, as ondas de calor,
a escassez de água para produção
agrícola, as inundações das zonas
costeiras, incluindo várias cidades, e
a saúde humana.
É neste contexto, incluindo o do
novo Governo que acaba de tomar
posse, que cabe lembrar a Lei de Ba-
ses do Clima, aprovada em dezembro
de 2021 (Lei nº 98/2021). Trata-se
de um documento que dota o país
de um instrumento legal contem-
porâneo e atento ao futuro, mesmo
que, infelizmente, em temporário
(espera-se!) contraciclo. Nele apare-
cem consagrados princípios da maior
A Europa do Sul será
a mais afetada por
riscos múltiplos, como
os incêndios florestais,
as ondas de calor ou
a escassez de água para
produção agrícola
Contudo, ao cabo de dois anos a
aplicação da Lei do Clima anda a
passo de caracol e tardam medidas
básicas essenciais. É o caso do Plano
Nacional de Energia e Clima (PNEC
2030), que define metas climáticas
e medidas de transição energética
e que, apesar de pronto para entrar
em discussão pública, nunca mais a
começa. É o caso do Portal do Clima,
uma ferramenta que permitirá aos ci-
dadãos acederem a informação atua-
lizada e assim poderem participar
Mas também é o caso da identifi-
cação e declaração de zonas críticas
no país que possam pôr em causa a
saúde ou segurança humanas, que
deverão ficar sujeitas a medidas es-
peciais de proteção e salvaguarda,
como será o caso de muitas zonas
costeiras e ribeirinhas em domínio
público hídrico. Nada disto avançou
ainda, tal como os planos sectoriais
de adaptação às AC para os sectores
considerados prioritários e também
muitas políticas públicas de adap-
tação que acautelam e previnem o
bem-estar da sociedade e graves cus-
tos económicos futuros.
Todos estes arrastos geram um âni-
mo difuso de descrença e desalento
face a um problema cujas soluções
de adaptação quanto mais se adiarem
mais caras sairão. São os “custos da
inação”, para usar uma expressão
do economista Nicolas Stern, cujas
consequências piores irão atingir so-
bretudo as gerações mais novas. Não
hão de elas protestar agora?
Expresso, 5 de abril de 2024 PRIMEIRO CADERNO 39

Henrique Monteiro

ANTES QUE
ME ESQUEÇA
DIREITA
Quando um símbolo
de um Governo
se altera sem dar
cavaco a ninguém,
sem um acordo,
sem uma discussão,
sem pareceres
independentes, o
sinal transmitido é
péssimo. Por isso,
a primeira decisão
do Governo de
Montenegro ter
sido fazer voltar o símbolo
que é igual ao que está na
bandeira nacional e não um
aggiornamento gráfico, como
se fosse uma empresa a mudar
de logo, foi uma boa medida.
Mas foi mais um exemplo
do enviesamento da análise:
logo veio quem dissesse que
foi para agradar à direita.
Acontece que a bandeira

FOTO TIAGO MIRANDA

que usamos é da República,
foi amplamente discutida
depois do 5 de Outubro e do
meu ponto de vista pessoal
(aliás partilhado por vários
republicanos da época, como
Guerra Junqueiro), nem sequer
é bonita. Mas tem sido com
O enviesamento geral da análise política ela que vivemos há mais de 123
anos; foi com ela que os nossos
desportistas vibraram em

M
al acaba um discurso ou
um ato político, tenho
vários amigos e colegas a
explicarem-me na televi-
são, na rádio, nos jornais, nas redes
variadíssimas coisas que não me in-
teressam. Provavelmente o mesmo
se poderá dizer de mim, mas peço
indulgência e paciência para enten-
der o meu ponto. Gosto de saber o
que pensam esses colegas e amigos
do que foi feito ou dito; gosto que
me digam se gostaram ou não, e
porquê. Mas nada me interesso —
e chego a irritar-me — quando me
vêm explicar o que determinado
protagonista “quis dizer” ou o que
determinada ação “significa”.
Bem sei que são importantes lega-
dos da hermenêutica e da exegese,
ou mesmo da teoria da linguagem
e da semiótica, quando não, até, da
interpretação dos sonhos, que di-
versos santos homens, e outros nem
tanto, nos deixaram como chaves
interpretativas. Se pode ser muito
importante em gabinetes de psi-
quiatras, psicanalistas e psicólogos,
em aulas de crítica e interpretação
de obras literárias, bem como na
celebração eucarística, onde o sa-
cerdote explica o significado atual
das parábolas de Jesus ou de outras
heranças bíblicas, já na política me
parece que o dever de quem oficia
— perdão, de quem discursa — deve
ser a clareza. Ao contrário da religi-
ão, a política não é um mistério; ao
contrário da literatura, não tem de
refletir os emaranhados e contra-
dições intrínsecos a uma vida ou a
uma sociedade. O discurso de um
OS DIAS QUE ME OCORREM
líder político não é suposto ter a
densidade e complexidade que Dos-
toievski atribui a Alexei Karamazov,
ou mesmo as dúvidas e hesitações
do imperador Adriano, tal como
imaginadas por Marguerite Your-
cenar. Também não precisa de ex-
plicar os mistérios contraintuitivos
que Jesus Cristo explica na parábola
do Bom Samaritano, demonstrando
que o nosso próximo pode ser quem
nos habituámos a ver como inimigo
ou adversário.
A política, felizmente, trata da
nossa vida, e o político que fala com
clareza deve antes seguir o que São
Mateus recomenda: “Mas seja a
vossa palavra: ‘Sim, sim,’ ‘não, não’;
o que for além disto vem do Malig-
no” (Mt. 5:37).
Pessoalmente, tento seguir esta
grelha de análise. O que cada pro-
tagonista diz ou faz significa exa-
tamente o que ele disse ou fez. Por
exemplo, na cerimónia de tomada
de posse do novo Governo, antes de
ontem, Pedro Nuno Santos faltou à
cerimónia e não foram dadas expli-
cações acerca disso. Ou, se foram,
eu não as ouvi. Porém, fartei-me de
escutar significados extraordinários
para essa falta. Sobre ela só tenho
a dizer que me pareceu uma atitu-
de pueril, sem significado nenhum,
porque, como é óbvio, ir a uma to-
mada de posse não significa nada
politicamente, ou pelo menos não
significa mais do que o simples ato
de lá estar. Porém, a nossa inteligent-
sia (e aqui utilizo a palavra, como
dizem os espanhóis, medio en serio,
medio en broma) esfalfa-se a explicar
Não é nada difícil
compreender uma
pessoa; só é difícil
ouvi-la sem
preconceitos
Criss Jami (1987), poeta, músico
e filósofo, autor do livro de sucesso
“Killosophy”, 2015 (nascido
Christopher James Gilbert)
a relação entre a ida de Ventura e a
ausência de Pedro Nuno, ou como
um determina o outro. Isto além de
levarem a sério o pantomineiro Ven-
tura, que só lá apareceu para dizer
que havia um bloco central, coisa
que é tão obviamente mentira es-
tando ou não estando o líder do PS.
campeonatos internacionais;
O discurso de Montenegro, inde- foi a ela que prestaram
pendente do grau de adesão de cada juramento soldados e civis.
um às suas ideias e propostas, teve o Não! Os símbolos representam
mérito de ser claro. O novo primeiro- muito mais do que um gosto
-ministro recusa-se a ser provisório e transitório, e mesmo que
quer ficar até ao fim. Se o consegui- tocado por anacronismos,
rá, ou não, depende, segundo disse, representa mais do que a
de uma moção de censura. Além literalidade dos castelos, dos
disso, espera cumprir o essencial cinco reis mouros (que nunca
do seu programa, que acha, natu- existiram), das chagas de
ralmente, o melhor para Portugal. Cristo. Sobretudo não deve ser
Espera fazê-lo, como disse citando o um Governo, que por natureza
Papa Francisco, com “todos, todos, é transitório numa democracia,
todos”. Se terá êxito ou não, depende a alterar, de motu proprio, um
dos outros, como decorre. símbolo reconhecido por todos,
Mal seria, e digo-o com toda a cla- não pela Direita!
reza, se um primeiro-ministro come-
çasse por dizer que não ia cumprir o FALTA
seu programa ou não concordasse Haverá excelentes
com o que o próprio propôs. Claro argumentos taticistas,
que pode não conseguir, mas o seu daqueles que Pedro
dever é tentar. Também disse coisas Nuno Santos tinha
importantes, menos sublinhadas, prometido acabar.
como o facto de a baixa de impos- Eu acreditei que ele
tos não ser uma benesse, mas uma iria, de facto, acabar
necessidade económica, ou que ia com esse tipo de
comemorar os 500 anos de Luís de comportamento
Camões, coisa que andava esquecida. prejudicial a uma
É sobre o que o primeiro-ministro sã convivência política (que
disse que os restantes atores políti- engloba a divergência, a
cos e os comentadores devem posi- oposição e o desacordo). Mas
cionar-se. O resto (que, aliás, não a sua falta à tomada de posse
começou agora, também o anterior do novo Governo pareceu-se
PM sofreu) é fazer construções so- demasiado com esse tipo de
bre as construções feitas acerca do comportamento. Claro que
que disseram. Essas construções ninguém pode obrigar o PS a
dão origem a novas construções, e a concordar ou sequer apoiar
torre vai-se afastando da realidade aquilo com que discorda, a que
e da Terra, qual Torre de Babel, até se opõe. Nesse sentido, uma
chegarmos ao ponto de ninguém resposta clara é bem-vinda.
se entender. Mas ausência? Só me recordo
hmonteiroexpresso@gmail.com de um líder da Oposição que
não esteve: o incontornável José
Sócrates na tomada de posse de
Passos Coelho (e, ainda assim,
estava demissionário).

CHANTAGEM
Sinceramente não
entendo o que PS e
Pedro Nuno classificam
como chantagem do
PSD e de Montenegro.
Como escreveu Confúcio
há 2500 anos, em “Os
Analectos”, é preciso fazer
corresponder as palavras
aos seus significados,
“retificar os nomes”,
dizia. Ora, a chantagem
acontece quando se
pretende uma situação
vantajosa ameaçando o
outro com revelações,
ainda que fictícias ou
falsas. Que ameaça fez o
PSD? Talvez Pedro Nuno
se sinta pressionado pelo
discurso do PSD, mas isso
não é uma chantagem… é
óbvio que um partido não
pode votar a favor do que
não concorda; mas dizer-se
chantageado é um pouco
bizarro.
COSTA
Depois de uma transição
que aparentemente correu
muito bem, o ex-primeiro-
ministro afirmou que ia
dedicar-se ao processo,
ou às investigações que
aparentemente sobre ele
recaíram e que estarão
no Supremo. Faz ele
muitíssimo bem. E se a
pressa se justificava em
qualquer caso, melhor será
se ainda tiver hipóteses
de presidir ao Conselho
Europeu. Talvez seja difícil,
mas se o conseguir é bom
para o país, disso não
haverá dúvidas.
SMO
Não deve haver um
serviço militar obrigatório,
até porque se tem de
salvaguardar a objeção
de consciência e as
necessidades em áreas
que não são das Forças
Armadas, mas também
da segurança e interesse
públicos. Há anos (desde
quando acabou o SMO)
defendo um serviço
de cidadania; se a ideia
regressa por via da guerra
na Europa, só lamento que
tenha de ser algo tão cruel
a fazer ver que os jovens
têm a ganhar em viver
uns tempos fora da bolha
em que são educados; a
conviver com outros jovens,
de outras proveniências
geográficas e sociais; que
uma comunidade não
pode ser composta apenas
por pessoas que pagam
impostos (os que pagam) ao
mesmo Estado.
ATAQUE
O ataque israelita a um
consulado iraniano na Síria
faz obviamente escalar, no
sentido mais negativo, o
conflito no Médio Oriente;
a morte de voluntários por
um aparente engano dos
israelitas mostra também
a face mais brutal do
poder que se instalou em
Jerusalém. Neste momento,
nem as pressões dos EUA,
que já deixaram passar
sem veto resoluções contra
Israel no Conselho de
Segurança da ONU, nem as
gigantescas manifestações
dos próprios israelitas CORRUPÇÃO
fartos de um Governo O Governo decidiu
sem noção, sem rumo, ouvir todos os
sem nada que não seja a partidos e ainda os
pérfida ideia de vingança, intervenientes na
conseguem que Netanyahu Justiça para elaborar
abandone o poder e o um pacote anticorrupção o
ceda a quem tenha uma mais consensual possível.
estratégia forte, é certo, Já se sabe como foi isso
mas também flexível. encarado: “Uma piscadela de
olhos ao Chega.” Valha-me
NATO, 75 ANOS Deus, antes de fundado, em
Nos 75 anos da NATO 2019, o partido de Ventura
aprova-se a continuação não havia mais ninguém em
do apoio à Ucrânia, com Portugal que fosse contra
uma estratégia à prova de a corrupção? As propostas
Trump. Parece avisado, de João Cravinho nunca
porque as eleições nos EUA existiram? Nem as de Paula
podem encaminhar-se Teixeira da Cruz? Os processos,
para o horror. Além disso, o ainda que lentos e, por vezes,
neerlandês Mark Rutte deve inconsistentes, não têm vindo
suceder ao norueguês Jens a lume? Sempre que se fala de
Stoltenberg, o que será uma corrupção está-se a piscar o
boa notícia. olho ao André?

Ricardo
Costa
Logo,
penso
que existo
Q
uando Portugal
suspendeu quatro
feriados, durante a
troika, o Governo
abdicou do 1º de De-
zembro. Apesar de
nessa altura sermos um quase
protetorado, não houve gran-
de debate por ficarmos sem o
único feriado que representa a
nossa independência.
Entre os que se levantaram
contra essa cedência destacou-
-se José Ribeiro e Castro. Qual
era o sentido de deixarmos de
assinalar um feriado com sig-
nificado patriótico e continuar-
mos com o 10 de Junho, uma
data literalmente fabricada?
Hoje, esse debate seria muito
diferente. Ribeiro e Castro con-
tinuaria isolado na argumenta-
ção, mas estaria acompanhado
por uma multidão que passou a
sentir a sua “identidade” amea-
çada por correntes de ar.
É bizarro, mas a cultura de
cancelamento “wokista” tem
agora uma moeda de troca equi-
valente em movimentos con-
servadores que contaminam
campos políticos historicamen-
te liberais, que agarram causas
sem conteúdo nem profundida-
de, fazendo delas a sua prova de
heroísmo de sofá.
É de uma ironia extrema que a
matriz da filosofia da linguagem
que atomizou a esquerda em
causas identitárias esteja agora
a ter uma segunda vida nos na-
cionalismos forçados.
As coisas — datas, frases, li-
vros ou símbolos — deixaram de
ter abordagens factuais ou es-
téticas para serem vistas como
ameaças ou garantes de uma
“identidade sitiada”.
As elites dominantes
trocam a estética
e o liberalismo
por culturas
de cancelamento
O patriotismo — que emana
do romantismo do século XIX
— sempre teve uma base emo-
cional. Mas agora abocanhou
as ideias pós-modernas de Fou-
cault, em que a linguagem deixa
de ser um veículo neutro para
ser um alegado instrumento de
poder. Assim, um logótipo ad-
ministrativo é visto ao nível da
bandeira nacional, do hino, da
estátua do Santo Condestável
ou das dezenas de tradições que
fazem de Portugal uma nação.
Um logótipo tem uma função,
como qualquer peça de design.
Em 2024, a sua função é emi-
nentemente digital e o logótipo
mandado fazer em 2012 dificil-
mente cumpre os requisitos de
utilização digital.
As elites dominantes — para
usar as categorias do pós-mo-
dernismo “woke” — compor-
tam-se agora como as esquer-
das “marginalizadas” e trocam
o liberalismo por culturas de
cancelamento com aromas de
português suave, nem que para
isso destruam um dos maiores
designers portugueses.
O país que iniciou a incrível
expansão marítima com a con-
quista de Ceuta — esse “mui
bom sumidoiro de gente da vos-
sa terra de armas e dinheiro”,
nas palavras do infante D. Pedro
— batalhou agora heroicamente
para repor as quinas num logó-
tipo. Pelo menos não deixámos
lá a morrer Fernando, o nosso
Infante Santo; as guerras cul-
turais não matam ninguém, só
fazem de nós mais parvos.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Turquia
A nova
estrela da
oposição P27
Preço negativo inédito
na eletricidade
Esta sexta o mercado
grossista de eletricidade
terá algumas horas de
preços abaixo de zero. É a
primeira vez em Portugal
O sistema elétrico nacional
terá esta sexta-feira, 5 de abril,
um registo inédito: pela pri-
meira vez haverá, no mercado
diário, horas com preços ne-
gativos, indicando que haverá
produtores disponíveis para
pagar para continuarem a ope-
rar e não deixarem de injetar
eletricidade na rede. Serão
apenas duas horas, entre as
13h e as 15h, e o preço é apenas
ligeiramente negativo: -€0,01
por megawatt hora (MWh).
Mas marca um registo histó-
rico num sistema elétrico que,
desde que há mercado ibérico
de eletricidade (Mibel), criado
em 2007, nunca foi ao “verme-
lho” no mercado diário.
O Mibel já vem registando
preços negativos no mercado
intradiário, uma plataforma
de ajuste de preços onde pro-
dutores e comercializadores
procuram corrigir desvios de
ofertas feitas e contratadas na
véspera. Mas no mercado prin-
cipal do Mibel, a plataforma
onde é feita a contratação de
Incêndio assusta passageiros de um barco na Tailândia
“KOH TAO” O incêndio a bordo de um ferry na costa tailandesa fez passageiros aterroriza-
dos saltarem para o mar depois de terem ouvido estalidos e visto fumo, conta a emissora
Sky News. A embarcação, que servia tanto para turismo como para transporte público,
levava 108 pessoas, incluindo 11 tripulantes, e todas ficaram ilesas. Foram socorridas por
outros barcos, mas estes não podiam aproximar-se muito, por temerem explosões. A cau-
sa do fogo, que deflagrou na casa das máquinas, irá ser investigada. A imagem em cima foi
captada por um dos que viveram o acidente. FOTO D.R.
Ana Gomes absolvida
de difamação
Em causa está
uma publicação
no Twitter
a associar Mário Ferreira
a atividades ilícitas,
como tráfico de droga
A ex-eurodeputada Ana Go-
mes foi absolvida na quinta-
-feira do crime de difamação
por causa de um comentá-
rio no Twitter onde reagia a
uma notícia do Expresso so-
bre o investimento de Mário
Ferreira numa empresa de
aviação e afirmava que o em-
presário pretendia “emular”
a OMNI — Aviação e Tecno-
logia, a companhia que viu
serem apreendidas 500 tone-
ladas de droga num avião seu
vindo do Brasil.
País Basco
Qual dos
nacionalismos vai
ganhar? P30
eletricidade para o dia seguin-
te, a Península Ibérica nunca
tinha registado preços negati-
vos até esta semana.
Espanha registou um preço
de -€0,01 por MWh em algu-
mas horas da passada segunda-
-feira. Mas esta sexta-feira tam-
bém Portugal terá (tal como
Espanha) um par de horas de
preços abaixo de zero.
Os preços grossistas
abaixo de zero
podem não ser
sentidos pela
maioria dos
consumidores
Esta sexta-feira o preço mé-
dio diário no lado português
do Mibel será de somente
€0,11 por MWh, oscilando en-
tre um mínimo de -€0,01 e um
máximo de €1 por MWh. Já
Espanha terá um preço mé-
dio diário de €0,44 por MWh,
numa banda que vai de -€0,01
até €3,25 por MWh.
Com este registo, esta sexta-
-feira terá um dos preços diá-
rios mais baixos de sempre da
história do Mibel. O dia será
O juiz do Tribunal do Bolhão,
onde decorreu o julgamento,
considerou que os factos não
preenchem o crime de difama-
ção e que não ficou demons-
trado que Ana Gomes quisesse
associar o empresário ao tráfico
de droga. Reconheceu, ainda
assim, que o comentário atingiu
a honra de Mário Ferreira, em-
bora na sua interpretação Ana
Gomes apenas tenha sugerido
o envolvimento do empresário
com atividades ilícitas, mas não
necessariamente tráfico de dro-
ga. A eurodeputada esteve no
tribunal. Já Mário Ferreira não
assistiu à leitura da sentença
de um julgamento para o qual
arrolou testemunhas como José
Pedro Aguiar Branco ou Paulo
Portas.
(
Argentina
A vida no
país de Javier
Milei R20
marcado por uma forte pro-
dução solar fotovoltaica, que
a meio do dia produzirá mais
eletricidade do que a soma
da produção hídrica, eólica
e nuclear na Península Ibéri-
ca. Apesar dessa abundância,
também haverá algumas horas
de importação de eletricidade
de França, no período em que
ocorrerão os preços negativos
na Península Ibérica.
O registo de preços grossistas
negativos em algumas horas
poderá não ser sentido pela ge-
neralidade dos consumidores
de eletricidade em Portugal,
não só porque a maioria dos
clientes tem tarifas fixas (e não
indexadas ao Mibel), mas tam-
bém porque mesmo quem tem
tarifários indexados está sujeito
a tarifas de acesso à rede que
levam a que o preço final não
seja negativo (além do facto de
estarmos a falar de apenas al-
gumas horas de preço grossista
negativo no conjunto do mês).
Ainda assim, o Mibel irá acu-
mular esta sexta-feira 11 dias
consecutivos de preços grossis-
tas inferiores a €10 por MWh,
um patamar reduzido (a média
anual até 2019 rondava €50
por MWh), que ajudarão a bai-
xar o preço médio de abril.
Guias
Expresso
regressam
Os “Guias Expresso /
Pela Estrada Fora” vão
ser oferecidos a partir
da próxima edição
O Expresso vai oferecer, a
partir da próxima edição, de
12 de abril, um conjunto de
sete “Guias Expresso / Pela
Estrada Fora”, feitos em par-
ceria com o BPI e a MG Mo-
tor. Além de toda a informa-
ção sobre roteiros e estradas
do país, contam ainda com
entrevistas a personalidades
como Cláudia Vieira, Diana
Chaves ou João Baião. Cada
guia é dedicado a uma das
sete regiões de turismo: Ma-
deira, Lisboa e Ribatejo, Aço-
res, Porto e Norte, Centro,
Alentejo e Algarve.
Últimas
Livro sobre o 25 de Abril
em inglês e espanhol O li-
vro “Ensaio Histórico sobre a
Revolução do 25 de Abril” aca-
ba de ser publicado em inglês e
espanhol pela editora Shanta-
rin. Da autoria do historiador
e ex-ministro dos Negócios Es-
trangeiros José Medeiros Fer-
reira (já falecido), foi publicado
pela primeira vez em 1983.
Dezanove vítimas de abuso
querem indemnização De-
zanove vítimas de abuso se-
xual no seio da Igreja Católica
em Portugal já manifestaram
ao Grupo VITA a vontade de
serem indemnizadas financei-
ramente pelos danos sofridos.
Mais 1% a 2% nas vagas de
Medicina é “acomodável”
O bastonário da Ordem dos
Médicos considerou que a pro-
posta da comissão que estimou
as necessidades formativas em
Medicina, propondo um au-
mento de 1% a 2% nas vagas,
é “perfeitamente acomodá-
vel”, tanto pelas universidades
como pelos hospitais.
Macron acredita que
Rússia atacará Jogos de
Paris O Presidente francês,
Emmanuel Macron, afirmou-
-se quinta-feira convencido de
que a Rússia aproveitará os
Jogos Olímpicos de Paris para
realizar um ataque. Questio-
nado, na inauguração do Cen-
tro Aquático, se receava uma
ameaça russa aos Jogos, res-
pondeu: “Não tenho qualquer
dúvida, inclusive em termos de
informação.”
Sánchez em defesa da me-
mória O Governo espanhol
vai queixar-se ao Tribunal
Constitucional, ONU, Conse-
lho da Europa e Parlamento
Europeu do ataque às leis de
memória nas regiões gover-
nadas por alianças de direita e
extrema-direita, como Castela
e Leão, Aragão e Valência. Pe-
dro Sánchez promete “saldar a
dívida pendente com quem deu
a vida lutando pela liberdade e
pela democracia”.
MNE ucraniano pede defe-
sas antiaéreas “Não quero
estragar a festa, mas hoje só
tenho uma mensagem: Patrio-
ts”, disse o ministro dos Negó-
cios Estrangeiros da Ucrânia,
Dmytro Kuleba, numa reunião
dos chefes de diplomacia dos
membros da NATO, que se
realizou em Bruxelas quarta
e quinta-feira. Os mísseis de
defesa antiaérea Patriot, dis-
se Kuleba, são essenciais para
“salvar vidas ucranianas, a eco-
nomia ucraniana e as cidades
ucranianas”, acrescentou.
Modi ordenou assassínios
Os serviços secretos indianos
cometeram mais de 20 assassí-
nios no Paquistão desde 2020,
por ordem do Governo, segun-
do o britânico “The Guardian”.
As execuções extrajudiciais fi-
zeram parte da guerra do pri-
meiro-ministro Narendra Modi
contra o terrorismo, mas há
também acusações de crimes
contra adversários políticos no
estrangeiro.
Sexta-feira
5 de abril Dessalinizadora obtém ‘luz
05
de 2024 verde’ O projeto da central de
dessalinização de água do mar
para abastecimento público
no Algarve obteve uma Decla-
ração de Impacte Ambiental
favorável, mas “condicionada”
04
a mais de 100 medidas para mi-
nimizar os impactos detetados.
Israelitas abastecem-se com
receio de ataque iraniano
Depois de um dos principais
comandantes militares irania-
#2684 nos na Síria, Mohammad Reza
expresso.pt Zahedi, ter sido assassinado
por Israel, a população israe-
lita está a armazenar comida,
água e geradores, por recear
um ataque. As Forças Armadas
estão em alerta máximo.