GRÁTIS HOJE GUIAS EXPRESSO
O MELHOR DE
Expresso
Fundador: Francisco Pinto Balsemão
24h
Marcelo exige
investimento
no interior
O Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, es-
teve esta sexta-feira nas áreas
afetadas pelos incêndios da
última semana e ao Expresso
diz que “o investimento no in-
terior tem de ser muito maior
e muito mais rápido. O tempo
corre contra nós, é como subir
uma montanha e sentir que
por cada passo em frente há
um ou dois que se dão atrás”.
“Jogos Sortidos”
no Expresso
Durante as
cinco semanas
de agosto,
o Expresso
oferece a todos
os leitores um caderno de
“Jogos Sortidos” com vários
passatempos, como palavras
cruzadas e sudokus.
Para toda a família.
Filho de Costa será
presidente da Junta
O presidente da Junta de Fre-
guesia de Campo de Ourique,
em Lisboa, Pedro Cegonho,
está nas listas de deputados
do PS e prepara a passagem
da pasta para Pedro Costa,
filho do primeiro-ministro.
Residência fiscal de
Berardo arrestada
Depois da residência na Infan-
te Santo, em Lisboa, também
a morada fiscal de Berardo foi
arrestada. Trata-se do imóvel
Jardim Tropical Monte Pala-
ce, com 70 mil metros qua-
drados, no Funchal. Ambas
as decisões foram tomadas
pela Justiça na sequência de
providências cautelares inter-
postas pela CGD.
Integram esta edição semanal, além deste
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda
EXPRESSO BPI GOLF CUP 2019, GUIA
DO ESTUDANTE e ESPECIAL VERÃO
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27 de julho de 2019
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Diretor: João Vieira Pereira
Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco
www.expresso.pt
GREVE DOS CAMIONISTAS “Vejo uma
Governo em alerta maior
confusão
na Proteção
total mobiliza Civil”
militares e polícia
Presidente do
Observatório que estuda
os incêndios diz que nova
lei orgânica vai afetar
o combate aos fogos
Forças de segurança em prontidão para garantir combustíveis Francisco Castro Rego consi-
dera que houve melhorias na
e evitar bloqueios. Se a greve avançar a 12 de agosto, dois dias bastam prevenção e no combate, mas
há lições que não foram apren-
para começar a faltar comida nos supermercados, sobretudo frescos didas, sobretudo quanto ao
planeamento florestal e à for-
O Governo não tem esperança de que a que garantam as escalas de serviço que vas de bloqueio das rotas de abastecimen- mação dos bombeiros.
greve dos camionistas de materiais peri- assegurem uma resposta ao pior cenário: to. António Costa sabe que este é um dos O Expresso analisa
gosos possa ainda ser desconvocada e já incumprimento dos serviços mínimos, seis dossiês críticos que podem decidir o o que mudou desde
deu ordens às forças de segurança para desrespeito pela requisição civil e tentati- resultado das legislativas. P5,8e25 Pedrógão. P7
SALAZAR E ESTADO NOVO VÃO TER MUSEU
Obras arrancam daqui a duas semanas. Historiadores estão divididos P16
Airbnb dá
€25 milhões
a grandes
proprietários
Em dez anos, o número
de alojamentos disponíveis
na Área Metropolitana
de Lisboa disparou
de três para 49 mil E22
Entrevista
TRISSOMIA 21 A CAMINHO à mulher que
DA EXTINÇÃO. EUGENIA
acusa Trump de
OU PROGRESSO? a ter violado
FOTO TIAGO MIRANDA
P33
Mais de 80% dos casais interrompem
a gravidez. O número de bebés portadores da
Rui Rio sem
síndrome caiu para metade em três anos P18
data para
apresentar
Canis lotados deixam “CP vai levar 10 anos a programa
matilhas à solta voltar à normalidade” Líder leva propostas
ao Conselho Nacional,
Municípios sem meios para controlar Carlos Nogueira, ex-presidente da CP, mas não tem data para as
apresentar ao país. Listas
cães vadios após proibição de abate P26 diz que foi vítima das cativações E12 ainda dão polémica P14
1 26/07/2019 16:21
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02 PRIMEIRO CADERNO
O efeito Centeno
N
ão vou investir muito mais
tempo a escrever que Má-
rio Centeno teve todas as
condições para fazer a di-
ferença e não o fez. É um
facto. Há oportunidades
que não se repetem. Não
vai ser possível aumentar mais a carga
fiscal, os juros da dívida pública não
vão descer mais, a economia mundial já
está a arrefecer. Tínhamos uma janela
temporal para fazer as coisas. Centeno
optou por aumentar despesa estrutural
e cortar nas despesas normais de funci-
onamento. Veja-se o caso da CP. Anos
a fio sem poderem contratar, anos sem
poderem investir e agora está, desde
o início do ano, à espera que as Finan-
ças lhe paguem os milhões que lhe são
devidos pelo serviço público (ver texto
Economia pág. 12). O resultado está
à vista, vão ser precisos dez anos para
recuperar o normal funcionamento da
empresa, porque alguém decidiu que
a empresa não precisava de dinheiro.
Foi uma opção. Uma escolha política.
Mesmo assim a perceção em relação a
Centeno é contrária.
Nem interessa que em quatro anos
este Governo não tenha feito uma re-
forma. Uma que possa exibir com orgu-
lho, uma que deixe uma marca positiva
para as próximas gerações. Nada. A
existência da ‘geringonça’ potenciou
este desfecho. Se é verdade que em
Portugal só a esquerda tem a oportuni-
dade de ser reformista (por controlar a
rua), sabe-se agora que a esquerda toda
unida só funciona em marcha-atrás. As
diferenças entre eles são tão grandes
que juntos se tornam inamovíveis. É
por isso que a noção do voto útil no PS
ganha cada vez mais adeptos. A maioria
absoluta é vista com uma necessidade.
E essa necessidade está a aumentar,
principalmente à direita, à medida que
se percebe que Mário Centeno pode
estar a caminho do FMI.
O ministro das Finanças tem a ima-
gem de Ronaldo e, na prática, não in-
teressa se nem sabe chutar a bola. Bas-
tava existir para ser a desculpa perfeita
para António Costa dizer não. Acredito
muito pouco no génio político de Cen-
teno. Acredito muito no génio político
de Costa.
“Não, porque o ministro das Finanças,
que até é presidente do Eurogrupo, não
deixa” — deve ter sido um argumento
usado até à exaustão. O polícia bom e o
polícia mau na sua versão política. Com
a saída de Centeno (que hoje não pensa
em mais nada a não ser em liderar o
FMI), abre-se todo um novo capítulo.
A perda daquele capital político levanta
A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
REGRESSO DOS INCÊNDIOS
A semana começou com o calor
e o regresso em força dos
incêndios. Um regresso tantas
vezes dramático a locais já
afetados noutros anos, como
Sertã, Vila de Rei ou Mação.
Continua a arder mais em
Portugal do que noutros países.
Alguma coisa se fez de positivo
nos últimos dois anos; muito
ainda há por fazer. Pelo meio,
Governo e autarcas pegaram-se
em críticas e acusações,
manifestamente desnecessárias.
A HORA DE BORIS
Boris Johnson foi escolhido pelo
Partido Conservador e tornou-se
primeiro-ministro do Reino Unido,
sucedendo à fracassada Theresa
May. Irreverente, brilhante, louco,
excêntrico são alguns dos epítetos
usados para definir o Paulo Portas
britânico. Resolver o ‘Brexit’ e dar
um rumo ao Reino Unido são
tarefas gigantes.
RONALDO ILIBADO
A justiça norte-americana decidiu
arquivar, por falta
João Vieira
Pereira
fragilidades num futuro governo. Uma
possível repetição da ‘geringonça’ seria
muito mais frágil. António Costa sabe
que ao reunir o poder só em si vai ter
de ir mais para o centro perdendo a
extrema-esquerda e tornando um novo
acordo difícil de gerir.
Percebe-se então por que razão está o
Governo obcecado com a maioria abso-
luta. Ou pelo menos com um resultado
à tangente que lhe permita fazer um
acordo com o PAN ou ter força política
para aguentar um governo minoritário
por algum tempo. Para o conseguir a
estratégia passa por minorar os riscos
que a podem pôr em causa, nomea-
damente os fogos, os combustíveis e o
início do ano escolar. A estratégia está
escolhida desde o caso dos professores
que mostrou que ser austero, duro e
implacável teve resultados imediatos.
Até aquele momento, António Costa
seduzia todos. Governava ao centro
com a esquerda, piscava o olha à di-
reita com promessas de reformas que
O PS está obcecado com a maioria
absoluta. Ou pelo menos com um
resultado à tangente que lhe
permita fazer um acordo com o
PAN ou ter força política para
aguentar um governo minoritário
por algum tempo
nunca quis fazer e geria o muito curto
prazo. Agora basta arranjar um alvo,
carregar sobre ele e fazer-se de vítima
política. A estratégia, que já tinha sido
testada com o enfermeiros, passa por
isolar um sector profissional e diabo-
lizá-lo. Agora, logo que há um fogo há
alguém culpado por o iniciar. E lá vêm
as insinuações de como é muito estra-
nho aparecem tantos fogos ao mesmo
tempo. Até conseguem arranjar um
autarca para acusarem de ser respon-
sável por não ter feito o que devia. Já
nem interessa o facto de que há incên-
dios (e continuaram a existir) porque
o interior está despovoado e entregue
ao mato ou porque a reorganização
do território prometida não tenha sido
feita. E se em agosto faltar gasolina ou
bens nos supermercados, se tivermos
turista a tomar banho com água fria, a
culpa será sempre do motorista opor-
tunista. Ou se as aulas recomeçarem
entre protestos e greves, a culpa é dos
professores. Não interessa sequer se é
verdade, basta levantar a dúvida. Tudo
para salvar a face e perder menos votos.
Afinal, estamos em eleições.
jvpereira@expresso.impresa.pt
de provas, a acusação de violação
de que Cristiano Ronaldo estava
acusado.
NOVA GREVE DE MOTORISTAS
Aproxima-se o dia 12 de agosto
e a nova greve dos motoristas
de materiais pesados, que
aproveitam a proximidade das
eleições para forçar a barra. O
Governo promete uma resposta
musculada, e os portugueses
assustam-se perante a perspetiva
O verão escaldante na Europa
PARIS A onda de calor regressa esta semana à Europa (poupando Por-
tugal) e levaram a novos recordes de temperatura. Paris registou uns
inéditos 42,4 graus. Mas também em Itália, na Alemanha, Holanda e Bél-
gica os termómetros passaram os 40 graus FOTO PASCAL ROSSIGNOL/REUTERS
Expresso, 27 de julho de 2019
Duelo Tabela da Direção-Geral da Saúde com os perfis dos produtos açucarados
desadequados a menores de 16 anos permite cumprir a lei aprovada na AR
Ana Manuela
Tapadinhas Tavares
de Sousa
Diretora-geral da Deco CEO da fabricante de chocolates Imperial
Faz sentido restringir a publicidade
a chocolates e produtos açucarados?
SIM NÃO
É, sem dúvida, um passo em frente A lei visa introduzir restrições à publi-
na direção certa, e um imperativo de cidade dirigida a menores de 16 anos
saúde pública que vem ao encontro do de géneros alimentícios e bebidas que
que a Deco tem sempre defendido: a restrição à publici- contenham elevado valor energético, teor de sal, açú-
dade dirigida a menores de 16 anos relativa a produtos car, ácidos gordos saturados e transformados. Uma lei
alimentares e bebidas com elevados teores de açúcar, e, importante, mas que peca por não distinguir produtos
também, gordura e sal, não se cingindo por isso, apenas cujos benefícios são evidentes para a saúde. É o caso do
aos chocolates e produtos açucarados. chocolate, naturalmente ingerido com moderação.
Já em 2008, a Deco havia dado voz a esta reivindica- Como é sabido e amplamente estudado, o cacau con-
ção com a campanha “Queremos marketing alimentar tém um elevado teor em antioxidantes naturais, que
+ responsável!”, na qual alertávamos que a publicidade atuam como nutrientes funcionais, com efeitos benéficos
a alimentos e bebidas junto dos mais novos é um dos para a saúde. Os bioflavonóides do cacau, com as suas
fatores críticos que contribui para a obesidade infantil. características antioxidantes, têm uma ação anti-infla-
Estes consumidores, especialmente vulneráveis e per- matória que previne a oxidação das células, atrasando
meáveis às mensagens publicitárias, não têm ainda a o envelhecimento. O cacau integra, ainda, estimulantes
perceção crítica para uma escolha naturais, em pequena concentração,
alimentar consciente, sendo condi- como a teobromina e cafeína, que
cionados nos seus hábitos alimen- “As novas regras aumentam a atenção e reduzem a
tares na infância e ao longo de toda são positivas porque perceção de fadiga. É rico em hi-
a vida. A exposição dos mais novos definem perfis dratos de carbono simples, que são
à publicidade a este tipo de alimen- fácil e rapidamente digeridos, o que
tos, alguns deles sem um real inte-
nutricionais para dá um estímulo de energia rápido
resse nutricional, pode prejudicar a alimentos menos quando consumido.
saúde caso sejam consumidos com adequados” O chocolate contém, também,
regularidade. Muitas vezes ‘vende- vitaminas e minerais, das quais se
-se’ a magia e a fantasia, mas retira- “No caso do destacam a vitamina A, B1, B2, B3,
-se um elemento essencial: a saúde. C, ferro, potássio, fósforo e magnésio
Estas novas regras são positivas chocolate há com benefícios funcionais diversos.
porque definem os perfis nutrici- contributos Em particular o chocolate negro,
onais para alimentos menos ade- nutricionais positivos quando ingerido em doses diárias de
quados, ou seja, com elevado valor e não faz sentido pequenas porções, é hoje consensual-
energético, teor de sal, açúcar, ácidos mente recomendado por muitos nu-
gordos saturados e trans e que devem discriminar” tricionistas em casos de dietas para
ter um consumo muito moderado. combater a obesidade, dado que o
Deste modo, também ficam estabelecidos os pa- alto conteúdo em cacau provoca uma sensação de saciedade.
râmetros pelos quais todas as empresas devem Se a estes benefícios funcionais aliarmos o baixo consumo
reger a sua comunicação comercial. per capita em Portugal, um dos mais baixos da Europa, então a
Também a Deco defendia que estas medidas conclusão só poderá ser a de que o chocolate tem um contributo
dever-se-iam aplicar a novos tipos de meios muito baixo para o consumo calórico total. Em Portugal, ronda 1,7
como a internet, redes sociais e aplicações mó- quilos por habitante, o que é claramente inferior à média europeia
veis, cada vez mais populares nestas gerações de cerca de 5 quilos e muito inferior ao de países como Alemanha,
e tal veio a ser consagrado na lei. Inglaterra e Suíça, em que este valor é da ordem dos 8 a 12 quilos
Sem prejuízo dos esforços da autorregula- por ano, por pessoa.
ção, uma alteração ao código da publicidade Ou seja, no caso concreto do chocolate há um conjunto de
no sentido de limitar e estabelecer restrições à argumentos associados aos contributos nutricionais positivos
publicidade a tais produtos impunha-se, tanto aportados pelo produto em si, e à realidade portuguesa, que nos
mais que semelhantes regras já existem em permite concluir que não faz sentido discriminar negativamente
outros países. esta categoria de produtos.
Mas não podemos ficar por aqui. A Deco vai Desta forma, só se justifica restringir a publicidade a categorias
continuar a exigir que a publicidade e o mar- de produtos em que haja conhecimento científico disponível
keting sejam um meio para escolhas saudáveis que comprove que a sua composição nutricional global tem um
e mais adequadas, garantindo que a saúde e a contributo negativo para uma alimentação inserida num estilo de
segurança dos consumidores estão sempre no vida saudável, tendo em conta a população alvo. Não é, de todo, o
centro das decisões políticas. caso do chocolate.
de ver um país parado e sem
abastecimentos, com metade
da população a banhos.
publicidade permitida a produtos
como iogurtes e chocolates.
AS PENSÕES DOS POLÍTICOS
MENOS PUBLICIDADE Discute-se se deve ou não ser
A CHOCOLATES divulgada a lista dos políticos que
A luta contra os excessos beneficiam de pensões vitalícias.
alimentares e o Mas não se discute se há forma
consumo excessivo de acabar com essa regalia
de açúcar
continua, e agora
(para quem a tem, dado que
se acabou com a “ERA AVISADO
é notícia o
aperto na
possibilidade de novos
beneficiários). O Estado PODERMOS
deve suprir a quem
necessita, e quem o serviu não é
ABASTECER-NOS
melhor ou pior do que a
generalidade dos cidadãos.
PARA ENFRENTAR
COM MAIOR
MAIORIA OU NÃO MAIORIA
A menos de três meses das SEGURANÇA O QUE
eleições, o PS parece aproximar-se
da maioria e multiplica-se em VIER A ACONTECER”
promessas eleitorais. Rio continua PEDRO NUNO SANTOS, MINISTRO
a agitar o partido e decidiu deixar DOS TRANSPORTES, A PROPÓSITO
DA GREVE DOS MOTORISTAS
Maria Luís Albuquerque, ministra DE MATERIAIS PERIGOSOS,
das Finanças de Passos, e o antigo PREVISTA PARA 12 DE AGOSTO
líder parlamentar Hugo Soares de
298
fora das listas de deputados.
A política vai a banhos, mas
a temperatura não baixa.
FMI OU NÃO FMI
O patinho feio do Governo
de António Costa tornou-se um
cisne e até chegou à presidência mil era o número de
do Eurogrupo. Agora, o FMI desempregados inscritos no
parece estar ao seu alcance. IEFP em junho, o valor mais
Mário Centeno não para. baixo desde o final de 1991
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Expresso, 27 de julho de 2019
O Cartoon de António CircoBrexit
N
as reações iniciais
à chegada de Boris
Johnson ao nº 10 de
Downing Street, há
dois argumentos que
se destacam. O pri-
meiro é de natureza
ideológica e situa Boris na extrema
direita, muito próximo de Trump.
Não é verdade. Boris Johnson é
muito mais um liberal clássico do
que um nacionalista. Enquanto
Trump é um chauvinista, Boris é um
cosmopolita. Trump é radicalmente
contra a emigração, mas Boris é a
favor do aumento dos emigrantes.
Aliás, foi mayor da cidade, Londres,
mais cosmopolita e com mais emi-
grantes em toda a Europa. Trump
nega as alterações climáticas e a
importância de políticas ambien-
tais. E Boris é a favor. Trump é um
self made man, com défices graves
de educação, Boris foi educado nas
melhores escolas britânicas e em
Oxford. Mais importante do que
tudo, Boris Johnson nunca foi acu-
sado de violações graves da justiça,
de ameaçar o Estado de direito ou
de corrupção.
Há duas razões que explicam a
colocação de Boris Johnson na di-
reita radical. A primeira é porque
ele tem sucesso, ou seja, ganha elei-
ções. Boris ousou ganhar as elei-
ções numa cidade, Londres, que
a esquerda trabalhista considera
como pertencendo ao seu direito
natural de poder. No Reino Unido,
tal como em Portugal, um político
de direita de sucesso passa automa-
ticamente para a extrema direita.
A segunda razão foi o apoio ao
‘Brexit’. É verdade que, colocando-
-se do lado do ‘Brexit’, o novo PM
britânico juntou-se a nacionalistas
radicais, quer no seu partido como
entre a direita populista e naciona-
lista fora dos conservadores. Mas
isso não chega para fazer de Boris
um nacionalista extremista. Num
país como o Reino Unido, com uma
grande tradição eurocética, há mo-
derados a favor do ‘Brexit’.
O apoio ao ‘Brexit’ leva-nos ao
segundo argumento, usado contra
Boris Johnson: um carácter pouco
fiável. A questão do carácter é com-
plicada. Boris Johnson é muito in-
teligente (ninguém se torna King’s
Scholar em Eton se não possuir ap-
tidões intelectuais fora do comum),
com um instinto político brilhante,
ótimo em campanhas eleitorais,
simpático, até agradável quando
quer, e com um apurado sentido de
humor (uma qualidade valorizada
na política britânica). Mas também
é muito oportunista, com poucos
escrúpulos, não hesita em mentir
quando é conveniente, e coloca as
Alma Grande
A crónica do convidado
E Boris
chega finalmente
ao número 10
João
Marques de
Almeida
João Marques de Almeida é consultor no grupo Holdingham, em Londres, e cronista do
‘‘Observador’’. Entre 2006 e 2012 trabalhou com Durão Barroso na Comissão Europeia.
Para o Expresso escreve sobre a chegada de Boris Johnson ao poder no Reino Unido
suas ambições de poder à frente de
qualquer consideração ideológica,
doutrinal ou de interesse nacional.
Foram estes traços oportunistas e
de uma ambição desmedida que o
levaram a apoiar o ‘Brexit’. Boris
não é mais eurocético do que Ca-
meron ou Osborne, e seguramente
bem menos do que Corbyn. Decidiu
apoiar a saída do Reino Unido da
União Europeia porque percebeu
que seria o melhor caminho para
chegar a PM. E o tempo confirmou
que tinha razão.
Em suma, Boris Johnson tem
grandes qualidades políticas e gran-
des defeitos morais. Mas, serão as
lacunas morais de Boris os fatores
BORIS JOHNSON É UM
POLÍTICO QUE GOSTA
DE CORRER RISCOS E
QUE TEM UMA ENORME
CONFIANÇA NAS SUAS
CAPACIDADES
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mais importante no contexto políti-
co de 2019? Talvez não. Os tempos
em que vivemos parecem favorecer
líderes com as qualidades e os de-
feitos de Boris. Theresa May é cer-
tamente mais séria e honesta. Mas
não serve para os tempos populistas
e imprevisíveis em que vivemos.
Boris Johnson tem duas tarefas
essenciais: concluir o ‘Brexit’ e re-
forçar a maioria conservadora nos
Comuns. Os dois objetivos estão
ligados. Resta saber qual será a or-
dem de execução. Boris prometeu
retirar o Reino Unido da UE, com
ou sem acordo, no dia 31 de Outu-
bro. Prefere sair com um acordo,
mas não com o existente. Boris tem
razão quando afirma que o acordo
assinado por May está morto. Num
regime democrático, nenhum PM
pode defender um acordo chumba-
do três vezes pelo seu Parlamento.
Merkel e Macron nunca defende-
riam um acordo chumbado três
vezes pelos seus parlamentos. Para
quem respeita as regras da demo-
cracia, é um ponto óbvio.
No entanto, a UE não irá discu-
tir um novo acordo até ao dia 31
de outubro. Pelos menos é que os
seus líderes têm dito nos últimos
dias. A mudança da Comissão Eu-
ropeia, do presidente do Conselho
Europeu e as férias parlamenta-
res britânicas não são obstáculos
intransponíveis, se houver muita
vontade política, mas não ajudam.
De qualquer modo, a vontade polí-
tica de premiar Boris Johnson com
uma mudança de acordo não pare-
ce existir em Bruxelas, em Berlim
ou em Paris.
Julgo que o plano A para Boris
Johnson será o seguinte. Irá fazer
propostas para negociar com a UE.
Não conseguindo, tentará sair sem
acordo, esperando que os Comuns
o impeçam. Teria assim o cenário
THERESA MAY É
CERTAMENTE MAIS
SÉRIA E HONESTA. MAS
NÃO SERVE PARA OS
TEMPOS POPULISTAS
EM QUE VIVEMOS
PRIMEIRO CADERNO 03
ideal para provocar eleições ante-
cipadas e para pedir uma extensão
para a data de saída, culpando os
europeus por se recusarem nego-
ciar e o Parlamento por se opor ao
hard ‘Brexit’. Macron faria barulho,
mas a UE acabaria por aceitar um
novo adiamento. Convém aliás lem-
brar que os líderes europeus têm
afirmado que eleições antecipadas
ou um segundo referendo são ra-
zões para adiar a data do ‘Brexit’.
Muitos em Bruxelas, sobretudo os
que trabalham próximo de Michel
Barnier e o próprio, acreditam que
Boris Johnson forçará eleições an-
tecipadas antes de 31 de outubro,
tendo assim uma boa justificação
para adiar a saída do Reino Unido.
Idealmente, perdendo um voto de
moção de confiança nos Comuns.
Mas Boris Johnson é um político
que gosta de correr riscos e que tem
uma enorme confiança nas suas
capacidades. Se o plano A não fun-
cionar, avançará mesmo para um
hard ‘Brexit’, provocando eleições
antecipadas logo a seguir. Boris e os
seus assessores estão convencidos
de que os piores efeitos de uma saí-
da sem acordo não se sentirão ime-
diatamente e de que num contexto
de confronto com a UE, haverá um
momento político patriótico à volta
do Governo.
Boris Johnson fará campanha à
volta de três temas: contra os euro-
peus que recusaram renegociar um
acordo chumbado três vezes pelos
Comuns, contra os trabalhistas que
pretendem atraiçoar o resultado
do referendo, e como o líder que
quer executar a vontade do povo
britânico.
A política britânica entrou num
daqueles períodos em que tudo
pode acontecer. Podemos assistir
a uma vitória eleitoral dos conser-
vadores, e a uma nova extensão da
data do ‘Brexit’. Nesse caso, Boris
poderá ser o líder britânico a nego-
ciar um bom acordo com a União
Europeia. Mas Boris também pode
forçar um hard ‘Brexit’, perder as
eleições e permitir que o novo par-
tido de Farage se torne um rival
dos tories. Boris também se arrisca
a exercer um dos consulados mais
curtos como PM na história britâ-
nica e a destruir o Partido Conser-
vador.
Neste momento, é impossível pre-
ver o que irá acontecer. Mas uma
coisa sabemos. Boris Johnson está
absolutamente convencido de que
será capaz de retirar o Reino Unido
da UE, sem convulsões de maior, e
de derrotar Corbyn reforçando a
maioria conservadora nos Comuns.
Resta saber se tem razão. Será uma
questão de meses.
04 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
José Tolentino
de Mendonça
Arcebispo
Foi escolhido para presidir às co-
memorações do Dia de Portugal
em 2020. O Presidente conside-
ra “uma honra” que o arcebispo
titular de Suava tenha aceitado o
convite para discursar no 10 de
junho de 2020, apesar das fun-
ções que exerce na Santa Sé. “É
um homem da cultura e um poe-
ta, mas também filósofo e ensaís-
ta.” Palavras do chefe de Estado.
Tiago
Guedes
Realizador
O filme “A Herdade” foi selecio-
nado para a competição princi-
pal do Festival de Cinema de Ve-
neza. Compete, ao lado de outros
20 candidatos, pelo Leão de Ou-
ro. Tiago Guedes, além de reali-
zador, é um dos autores do argu-
mento, em conjunto com Rui Car-
doso Martins. Depois de Veneza,
“A Herdade” tem presença asse-
gurada no Festival de Cinema de
Toronto.
E BAIXOS
Eduardo
Cabrita
Ministro da
Administração Interna
Acusou o presidente da Câmara de
Mação de preferir aparecer na te-
levisão com comentários (críticos)
em vez de colaborar com o esfor-
ço das autoridades. Apontou bate-
rias a quem viu arder a esmagado-
ra maioria do terreno municipal e
evitou assim colocar a discussão ao
nível das falhas do Estado. Termina
a semana a desvalorizar a distribu-
ição de material inflamável em kits
de emergência.
Mourato
Nunes
Presidente da
Autoridade Nacional da
Proteção Civil
A Proteção Civil distribuiu 70 mil
golas antifumo compostas por ma-
teriais inflamáveis. Fazem parte
dos kits de emergência entregues
ao abrigo do programa Aldeias Se-
guras. O “JN” revela que foram en-
tregues aos 1500 delegados de se-
gurança, responsáveis por acom-
panhar as populações em caso de
emergência. A Proteção Civil diz
agora que as golas tinham o objeti-
vo de sensibilizar as pessoas e não
servem para proteção individual.
Há autarquias a anunciar que o kit
vai ser substituído.
Rui Rio
Presidente do PSD
As sondagens apontam todas no
mesmo sentido, mas a mais recen-
te (TSF/”JN”) deixa o PS muito
perto da maioria absoluta e com
o dobro das intenções de voto do
PSD. Numa semana em que, mais
uma vez, não faltam notícias so-
bre conflitos internos motivados
por escolhas da direção social-de-
mocrata para as listas de deputa-
dos, que entram em rota de coli-
são com as propostas das distri-
tais. Rio reúne o Conselho Nacio-
nal para aprovar as listas na próxi-
ma terça-feira.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
YouTube MP investiga suspeitas
de importunação sexual
Caso mais grave pode
constituir crime de
importunação sexual mas
depende de queixa da vítima,
caso tenha mais de 16 anos
O Ministério Público vai investigar as
denúncias da Comissão de Proteção
de Menores contra Hugo Strada, um
youtuber de 36 que é uma espécie de
agente e mentor de uma equipa de
adolescentes que publicam vídeos no
YouTube, a Team Strada.
Depois de ver os vídeos compilados
por outro youtuber, João Sousa, a co-
missão considerou que se estava “pe-
rante eventuais situações que podem
consubstanciar perigo” e comunicou
as suspeitas à Procuradoria-Geral da
República.
A PGR confirmou ao Expresso a
abertura de um inquérito que, neste
tipo de casos, “é automático”, como
explica uma fonte judicial. Em causa
poderá estar um crime de impor-
tunação sexual, nomeadamente no
episódio em que Hugo Strada filma
uma rapariga na casa de banho, apa-
rentemente contra a vontade desta
e insiste na brincadeira perante o
desconforto da jovem.
Se se tratar de uma menor de 16
anos, uma eventual acusação do Mi-
nistério Público não depende de quei-
xa da vítima. Se tiver mais de 16, terá
sempre de apresentar queixa. A idade
da jovem não é clara nas imagens,
mas num dos vídeos a rapariga diz
ter 18 anos.
O mesmo vídeo acaba com Hugo
Strada a tocar em fãs menores de ida-
de de uma forma que repugnou mui-
tos internautas. Além da denúncia do
youtuber João Sousa, surgiram nos
últimos dias mais imagens e vídeos na
rede social Twitter com o propósito
de corroborar a denúncia.
Hugo Strada usou as redes sociais
para se defender, dizendo estar a ser
vítima de “difamação” e considerando
que as acusações “põem em causa” o
seu “bom nome”, prometendo “agir
judicialmente” contra os que estão a
expor o caso nas redes sociais. A decla-
ração junta-se às de vários jovens que,
nas últimas horas, saíram em defesa
Partex
Funcionários
admitem
processar
ministra
Trabalhadores questionam
aprovação do negócio
da Gulbenkian pelo Estado
em tempo recorde e temem
pelo futuro dos seus empregos
Os funcionários da Partex, petrolí-
fera que a Fundação Calouste Gul-
benkian (FCG) está a vender à tai-
landesa PTTEP, estão preocupados
com o seu futuro e já começaram a
alertar vários grupos parlamenta-
res. Mas podem ir mais longe. “Está
em cima da mesa a possibilidade de
ser intentada uma ação judicial”,
admitiu ao Expresso o advogado
António Garcia Pereira, que repre-
senta os trabalhadores.
Os funcionários da Partex garan-
tem não querer travar o negócio
de €555 milhões, mas consideram
insuficiente a promessa de que du-
rante dois anos o novo dono não sai-
rá de Portugal. Ao Expresso, a FCG
diz que “os colaboradores da Partex
foram em devido tempo informados
de que, com a venda, mantêm todos
os seus direitos e regalias atuais”. O
advogado da Gulbenkian, António
Lobo Xavier, destaca que os dois
do criador da Team Strada, negando
as alegações de eventuais abusos ou
comportamentos menos corretos.
O caso já havia sido denunciado
à Comissão Nacional de Promoção
dos Direitos e Proteção das Crianças
e Jovens (CNPDPCJ) pelo grupo de
ativistas VOST Portugal. No e-mail
de resposta, a instituição afirmou que
iria reencaminhar a denúncia para o
Ministério Público.
O que é a Team Strada?
O conceito não é novo nem no You-
Tube nem em Portugal: juntar vários
jovens numa casa e pô-los a produzir
conteúdos de sol a sol ajuda a fazer
crescer audiências. Foi através de um
projeto semelhante que os maiores
youtubers em Portugal ultrapassa-
ram pela primeira vez a barreira do
milhão de subscritores.
O projeto Team Strada é exatamen-
te isso: vários jovens numa casa a
produzir conteúdos. Fazem dinheiro
anos durante os quais o compra-
dor não pode despedir são “uma
exigência muito pouco frequente
nos contratos relativos a compra e
venda de empresas”.
A ação em análise visa um ato do
Governo, que a 13 de junho comuni-
cou à FCG não ser necessária auto-
rização do Estado para a transação
avançar. A lei-quadro das fundações
prevê a necessidade de uma auto-
rização estatal quando esteja em
causa a venda de “bens da Fundação
que lhe tenham sido atribuídos pelo
fundador” e “que se revistam de
especial significado para os fins da
Fundação”.
A ministra da Presidência, Maria-
na Vieira da Silva, deu luz verde ao
negócio no espaço de uma semana
(apesar de ter legalmente 45 dias
para o fazer). A notificação foi fei-
ta pela presidente da FCG, Isabel
Mota, a 7 de junho. O Governo pediu
um parecer urgente ao Centro de
Competências Jurídicas do Estado,
que concluiu que a venda da Partex
não ameaça a viabilidade da FCG.
Garcia Pereira critica o facto de a
análise ter sido feita ainda sem as
contas de 2018. O advogado diz que
“a ministra produziu uma decisão
com base num parecer condiciona-
do pela pressa e pelo fornecimento
de informação incompleta”. O ga-
binete da ministra da Presidência
reiterou ao Expresso que “os bens
a alienar não revestem especial im-
portância para os fins da Fundação”
e que o relatório de 2018 “em nada
interfere com as conclusões alcan-
çadas”, pelo que “a alienação não
carecia de autorização”.
Miguel Prado
mprado@expresso.impresa.pt
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1871394 - RuiCabral69@gmail.com - 172.17.21.101 (27-07-19 00:22)
com as receitas do próprio YouTube,
mas principalmente com as parcerias
com marcas. Quanto mais seguidores
têm, mais o mercado paga. E quem
os agencia é Hugo Strada, o manager
de 36 anos.
“Eu vou buscar pessoal com verda-
deiro talento, não sou como os ou-
tros managers”, diz Hugo num dos
seus vídeos. Tem uma namorada e,
antes de montar a Team Strada, já
era agente de músicos e organiza-
va festas para os beliebers, os fãs de
Justin Bieber. Essa é, aliás, uma das
fontes de receita da Team Strada:
a bilheteira das festas a que agora
chamam “meets”, “encontros”, em
português. Festas onde dão aos fãs
da Team Strada a oportunidade de
conhecer os seus ídolos. É também
nestas festas que são gravados muitos
dos vídeos que agora são usados para
denunciar Hugo Strada.
Helena Bento,
Rúben Tiago Pereira e Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
Transportes Executivo abre
porta a empresas metropolitanas
Conselho de Ministros vai
aprovar legislação que permite
que empresas metropolitanas
façam a gestão e planeamento
de toda a rede de transportes
O Governo vai aprovar em agosto
o decreto-lei que permitirá que as
áreas metropolitanas de Lisboa e do
Porto criem empresas metropolita-
nas de transportes. Uma legislação
que dará às áreas metropolitanas a
função exclusiva de autoridade de
transporte no respetivo território,
com capacidade de planeamento,
gestão e fiscalização da totalidade
da rede de transportes públicos co-
letivos. As empresas metropolitanas
serão ainda responsáveis por toda
a bilhética — ou seja, tanto a gestão
como a fixação dos preços.
Mas a possibilidade que o Governo
irá agora abrir permite ainda outra
novidade: as empresas metropolita-
nas de transportes serão classificadas
dentro do sector empresarial local,
mas com a faculdade de participar
no capital de empresas públicas de
transporte coletivo. Ou seja, trata-
-se do primeiro passo, não só para
a criação de uma autoridade metro-
politana única sobre toda a rede de
transportes coletivos como também
para a transferência da propriedade
das empresas de transportes do Es-
tado para a entidade metropolitana.
Expresso, 27 de julho de 2019
Banca
Instituto
britânico pôs
marca BPI
em tribunal
O BFI, instituto britânico de
cinema, foi para tribunal contra
o BPI devido ao registo da
marca. Após perguntas do
Expresso, chegaram a acordo
A marca BPI esteve em tribunal. Um
diferendo opôs o banco português
ao instituto de cinema britânico, que
desafiava o registo nacional da in-
sígnia que pertence agora ao grupo
CaixaBank. Neste momento, ao que
o Expresso apurou, já existe um en-
tendimento entre as partes.
Em junho, o BFI — British Filme
Institute entrou com uma ação con-
tra o Banco BPI no Tribunal da Pro-
priedade Intelectual. Tudo porque,
segundo explicou o instituto ao Ex-
presso, tinha tentado registar a sua
marca a nível europeu, no gabinete
da União Europeia de propriedade
intelectual, mas o banco português
apresentou objeções. Ao que o Ex-
presso apurou, a entidade comanda-
da por Pablo Forero terá ido contra
o registo comunitário com base na
ideia de que o BFI estava a entrar no
ramo financeiro. Temia a concorrên-
cia com uma marca semelhante.
Até junho, os britânicos tentaram
entrar em contacto com o banco, até
porque nunca tinha havido confusão
entre as insígnias, mas sem sucesso.
“Tendo em conta a recusa do banco
em resolver o tema, o BFI foi forçado
a iniciar a litigância, como um ato de
defesa, contra o registo português
do banco, que é a base da objeção,
porque acreditamos que não está re-
gistado de acordo com as exigências
da lei internacional e portuguesa”,
justificou.
Só que o caso deverá ficar por aqui.
Depois das perguntas do Expresso, a
situação mudou. Neste momento, já
houve um entendimento para que a
ação judicial fique pelo caminho.
Diogo Cavaleiro
dcavaleiro@expresso.impresa.pt
No caso de Lisboa, isso significará, a
prazo, a transferência de proprieda-
de tanto do Metropolitano como da
Transtejo e Soflusa.
Na apresentação do programa elei-
toral do PS, António Costa prome-
teu “confiar às áreas metropolitanas
todo o transporte suburbano, seja
fluvial, seja metropolitano, sejam os
comboios suburbanos”. E avisou os
presidentes das duas áreas metropo-
litanas que “vão ter mais trabalho”.
Neste caso, é trabalho que estes re-
clamam e agradecem.
Na próxima legislatura o PS promete
a “reforma institucional do sector dos
transportes públicos, atribuindo às
áreas metropolitanas e às comunida-
des intermunicipais a função exclu-
siva de Autoridades de Transportes
sobre todos os meios de transporte
coletivo. Esta opção abrangerá o trans-
porte fluvial, o metropolitano pesado
ou ligeiro, o ferroviário suburbano
ou outras, esteja a operar atualmente
sob gestão direta ou concessionada.
Exclui-se unicamente deste âmbito a
operação ferroviária de âmbito nacio-
nal”. Mais: “Transferir a propriedade
total ou parcial das empresas opera-
doras de transporte coletivo para as
áreas metropolitanas/comunidades
intermunicipais (...), nos termos que
com estas venham a ser acordados.”
Filipe Santos Costa
fscosta@expresso.impresa.pt
Expresso, 27 de julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 05

NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO EM CHAMAS
Polémica Governo prepara-se para
o pior cenário. A ordem é
“O presidente
da Câmara de Mação
Contratos para não deixar o país parar
optou por não
das golas promover a ativação
do plano municipal
ultrapassaram de emergência (...),
valores não dar qualquer
cooperação ao esforço
máximos da Proteção Civil e ser
verdadeiramente um
comentador televisivo”
No espaço de uma Eduardo Cabrita
semana, a Foxtrot Ministro da Administração Interna
Aventura vendeu em declarações à RTP
267,2 mil euros em golas
e kits para a ANPC PRÉMIO DISSE O QUÊ?
“Acusa-me de não
Os contratos assinados com a ativar o plano que
Foxtrot Aventura, a empresa
responsável pelo fabrico das go-
o Governo aprovou hoje
las antifumo com material infla- de manhã (...). É quase
mável que foram entregues no indigno o ataque
âmbito do programa “Aldeias do senhor ministro
Seguras”, ultrapassaram o valor
ao presidente da

FOTO RUI DUARTE SILVA

máximo previsto em consulta
prévia. O primeiro contrato, que
data de 13 de junho de 2018, pre-
via a aquisição de golas no valor
de 102,2 mil euros e foi autoriza-
do por despacho pelo tenente-
-general Carlos Mourato Nunes,
presidente da Autoridade Naci-
onal de Proteção Civil (ANPC).
Sete dias depois foi assinado um
segundo contrato que previa o
fornecimento de kits no valor
de 165 mil euros. No total, a em-
Câmara de Mação”
Vasco Estrela
Presidente da Câmara Municipal
de Mação à TSF
PRÉMIO EM CHAMAS II
O Governo não acredita que a greve possa ser desconvocada. “É absolutamente
alarmista estar
Forças de segurança têm escalas reforçadas para garantir combustíveis a desvalorizar um
e evitar bloqueios. Sindicato da CGTP ainda se pode juntar programa fundamental
(...). O senhor jornalista

Governo mobiliza
presa vendeu no espaço de uma
semana 267,2 mil euros em golas tem aqui material
e kits para a ANPC. que é inflamável
Na consulta prévia, o limite [microfone], vamos
máximo dos contratos é de 75 ser responsáveis”

polícia e militares
mil euros, sendo que são convi-
dadas pelo menos três entidades Eduardo Cabrita
a apresentar propostas. Só em Ministro da Administração Interna
a reagir à notícia de que golas distribuídas
situações excecionais e perante em kits de emergência são inflamáveis
um “critério material” — nome-
adamente urgência e propostas PRÉMIO MAIS VALE PREVENIR
excluídas — é que os contratos
dos procedimentos por consulta
“Podíamos começar
prévia podem ultrapassar esse a precaver-nos, em vez
valor, explicou ao Expresso
Filipe Santos Costa
Ao que o Expresso sabe, PSP, GNR senta as empresas de camionagem, de esperarmos pelo dia

Margarida Olazabal Cabral, ad-
vogada especialista em Direito
Administrativo.
No entanto, nos contratos as-
sinados com a Foxtrot Aven-
tura, que estão disponíveis no
portal Base, não é apresentada
qualquer justificação explícita
para o efeito. Fundada a 18 de
dezembro de 2017, a Foxtrot
Aventura define-se como uma
“empresa com fins de turismo
de natureza” e “exploração de
parque de campismo e carava-
nismo”, aparentemente uma
área que em nada está relacio-
nada com o fornecimento de
golas e kits para a sensibilização
para o combate aos incêndios.
A empresa — que é detida por
Ricardo Peixoto Fernandes,
marido da socialista presidente
da junta de freguesia de Lon-
gos, em Guimarães — admitiu
que o material era “demons-
trativo” e destinava-se apenas
a ser distribuído à população
para sensibilizar para as medi-
das preventivas, não servindo
para o combate aos incêndios.
Garantiu ainda que esse pon-
to não constava do caderno de
encargos do concurso público.
O diretor do Centro de Estudos
sobre Incêndios Florestais da
Universidade de Coimbra, Xavi-
er Viegas, afirmou que as golas
são inflamáveis e não devem ser
nunca usadas em terreno nos
combates aos fogos, sublinhando
que não filtram partículas e que
só são mais benéficas contra a ra-
diação. “O kit inclui uma másca-
ra que é mais eficaz porque filtra
partículas. A gola nunca deve ser
usada no teatro de operações”,
insistiu Xavier Viegas.
Já o ministro da Administração
Interna, Eduardo Cabrita, des-
valorizou o assunto. Entretanto,
as Câmaras de Sintra e de Soure
mandaram retirar as golas anti-
fumo distribuídas a dezenas de
aldeias dos concelhos.
Liliana Coelho
lcoelho@expresso.impresa.pt
A
duas semanas da
data fixada pelo
sindicato para o
início da greve
dos motoristas
de materiais pe-
rigosos, o Go -
verno tem pouca
esperança de que
ainda seja possível evitar a parali-
sação. “A probabilidade de acon-
tecer a greve é séria”, reconhece
um responsável do Executivo, que
não esconde que, nesse caso, “esta
greve causará seguramente trans-
torno”. Embora continue a mediar
o conflito e a apelar às partes para
que cheguem a um entendimento,
o Governo acha que as empresas
não têm margem para ceder mais
do que já cederam em abril e que a
atitude do Sindicato Nacional dos
Motoristas de Matérias Perigosas
(SNMMP), entre reivindicações
para 2021 e aproveitamento do ciclo
eleitoral, não indicia qualquer recuo
até 12 de agosto. “Estamos a traba-
lhar para perceber se há alguma
margem para ainda evitar a greve.
É um caminho muito estreito e que
leva o seu tempo”, descreve fonte
envolvida nas negociações entre
patrões e motoristas.
Neste cenário, o Governo está con-
centrado no plano para minorar tan-
to quanto possível o impacto de uma
greve que não tem duração prevista
e que mexe com toda a economia.
O Executivo parte do princípio de
que, tal como em abril, os motoristas
poderão não respeitar os serviços
mínimos nem a requisição civil — e,
assim, a primeira preocupação é ga-
rantir que os camiões com combus-
tível chegam mesmo aos 326 postos
integrados na Rede Estratégica de
Postos de Abastecimento. Para isso,
será essencial o papel das forças de
segurança — tanto para conduzir ca-
miões-cisterna como para evitar ou
desmobilizar bloqueios que os grevis-
tas possam organizar, à saída dos de-
pósitos de combustível, nas bombas
de gasolina ou nos trajetos entre um
ponto e outro.
e Exército estarão em prontidão para
entrar em ação em qualquer destes
cenários logo a partir dos primeiros
minutos do dia 12. As escalas do mês
de agosto, apurou o Expresso, estão a
ser feitas tendo em conta a necessida-
de de haver forças de segurança tan-
to para a manutenção da paz social
como para garantir abastecimentos.
Fonte oficial da PSP confirma que
está já delineado um plano para, “em
caso de necessidade”, prevenir “sabo-
tagens, pilhagens ou desordens públi-
cas”. A polícia quer evitar bloqueios
e diz que vai “garantir” a segurança
junto de piquetes de greve, “procu-
rando garantir o livre exercício do
direito à greve e o direito a exercer
a atividade profissional para quem
desejar trabalhar”. Numa resposta
por escrito enviada ao Expresso, a
polícia diz que não vai permitir cortes
de estrada e que irá fazer “escoltas
de segurança a colunas de veículos
automóveis pesados de mercadorias”
com elementos do Corpo de Interven-
ção da Unidade Especial de Polícia. A
Direção Nacional da PSP disponibi-
lizou também ao Governo “polícias
habilitados para conduzir veículos
pesados de mercadorias” e uma “via-
tura cisterna como apoio e reserva
ao abastecimento”. Há planos seme-
lhantes com a GNR e militares.
“As forças de segurança vão ter
de atuar, porque não é possível im-
pedir que o país funcione e que se-
jam garantidos os bens essenciais às
pessoas”, dizia na quinta-feira Ana
Catarina Mendes, secretária-geral-
-adjunta do PS, na SIC Notícias.
Até lá, e na ausência de acordo en-
tre sindicato e ANTRAM, que repre-
A FECTRANS, LIGADA
À CGTP, NÃO ADERIU
AO PRÉ-AVISO DE GREVE.
ARMÉNIO CARLOS DIZ QUE
HÁ DISPONIBILIDADE PARA
UMA SOLUÇÃO NEGOCIADA
o Governo irá decretar os serviços 12, em que não sabemos
mínimos, que, conforme o Expresso
já tinha adiantado, serão mais “ro- se vai acontecer (...).
bustos” do que os que foram defini- Era avisado podermos
dos na greve de abril. A proposta do abastecer para
sindicato para serviços mínimos da enfrentar com maior
ordem de 25% foi descrita por um go-
vernante ouvido pelo Expresso como segurança o que vier
“uma anedota”, reveladora de quem a acontecer”
está “de má-fé”. Além dos serviços Pedro Nuno Santos
mínimos, que podem ser decretados Ministro das Infraestruturas
até 48 horas antes da data marcada
para o início da greve (12 de agosto), PRÉMIO NINGUÉM
o Governo já está a preparar a requi- ME ENTENDE
sição civil, que poderá avançar no
primeiro minuto em que seja claro o
“Às vezes acham
desrespeito pelas regras. que eu sou tolo,
A Entidade Nacional para o Sector que caí aqui de
Energético (ENSE) divulgou já a lista paraquedas e não
dos postos disponíveis em caso de
greve: são agora 326 postos, mais 16 percebo nada disto”
do que na listagem da greve de abril. Rui Rio
Entretanto, o Executivo segue com Presidente do PSD em entrevista
expectativa o comportamento da ao “Observador”
Fectrans, a federação de sindicatos
PRÉMIO ‘NO HAY JIRINGONZA’
da CGTP que representa os motoris-
tas de transporte de mercadorias. O “Perdeu-se a
Sindicato Independente dos Moto- oportunidade histórica
ristas de Mercadorias (SIMM), me- de juntar uma força
nos representativo, já se associou ao
SNMMP, mas da parte da Fectrans das esquerdas à
continua a haver disponibilidade esquerda do PSOE”
para uma saída negociada. Ainda esta Pedro Sánchez
semana esteve agendada uma reu- Primeiro-ministro de Espanha em gestão,
nião com a associação dos patrões, depois de ter falhado a investidura
que só foi desconvocada por moti- por causa da abstenção do Podemos
vos imprevistos de última hora. Ao
Expresso, Arménio Carlos assume PRÉMIO JANTAR INDIGESTO
que, “enquanto a ANTRAM mostrar “Podes fazer as malas”
disponibilidade para a negociação, os Sérgio Conceição
sindicatos não vão desistir de tentar Treinador do FC Porto para Danilo em
encontrar uma solução”. No entanto, declarações citadas pelo “Correio da Manhã”
os sindicatos alertam para a necessi-
dade de se chegar a um entendimen- Paula Santos
to “em tempo útil”. Caso contrário, paulasantos@expresso.impresa.pt
“em vez de encontrar uma solução,
acrescenta-se problemas” a uma si-
tuação já de si complexa. A Fectrans
não entregou qualquer pré-aviso de
greve e deverá reunir-se com os pa-
trões na próxima semana. O líder da
CGTP recusa antecipar qual será a
posição a tomar caso falhem as ne-
gociações. “É prematuro.”
Com Rui Gustavo, Miguel Prado
e Rosa Pedroso Lima
fscosta@expresso.impresa.pt

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06 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 27 de julho de 2019

INCÊNDIOS

Texto Anabela Campos,

Carla Tomás,
Christiana Martins, Análise Esta semana, fogos de grandes dimensões voltaram a alarmar o país, que continua
Vera Lúcia Arreigoso
Foto Tiago Miranda
vulnerável a incêndios. Dois anos após as tragédias que mataram mais de 100 pessoas em 2017,

D
há melhorias na prevenção e no combate às chamas, mas também falhas que persistem
esta vez não morreu

O que mudou
ninguém. Há dois anos,
os portugueses ficavam
estarrecidos com as
seis dezenas de mor-
tes na sequência do
incêndio de Pedrógão
Grande. Depois, veio 15

(ou não) desde

de outubro e mais 50
mortos. No ano passado, em Monchi-
que, houve uma vítima mortal e a sur-
presa foi para a dureza das evacuações,
acompanhadas em direto pela televisão.
Esta semana, o país voltou a temer as
consequências de um fogo de grande

Pedrógão
intensidade, que ardeu com força em
Mação, Sertã e Vila de Rei. Não houve
mortos mas, em apenas três dias, ardeu
mais do que tinha ardido nos primeiros
seis meses do ano em todo o país. Numa
semana foram mais de 11 mil hectares
queimados, de acordo com o sistema
europeu de observação de incêndios.
Apesar das melhorias na prevenção e
no combate, muito ainda há por fazer,
concordam especialistas e agentes no
terreno. As maiores fragilidades conti-
nuam a ser o planeamento e gestão flo-
restal e a falta de profissionalização dos
bombeiros. Assim como a capacidade de
reação das populações rurais. Os políticos
desapareceram do palco de operações e
os operacionais suspiraram de alívio.

LIMPEZA DOS TERRENOS

Em Pedrógão, em 2017, um pinheiro
de grandes dimensões interrompeu a
circulação da EN 236-1 e num troço
de 400 metros morreram 47 pessoas.
Desta vez, em Mação, os operacionais
encontraram terrenos mais limpos,
mas, ouvidos pelo Expresso, dizem que
“ainda há muito por fazer”. “Em alguns
casos, nota-se a tentativa de cumprir a
regra da limpeza dos 50 metros à volta
das habitações e das aldeias, mas as
proximidades das estradas nacionais
e municipais continuam por limpar.
Tem de ser um trabalho constante e de
continuidade, que se não for feito con-
tinuará a prejudicar o combate aos in-
cêndios”, explica um membro da ANPC.
Domingos Xavier Viegas, investigador
da Universidade de Coimbra que estu-
dou o caso de Pedrógão, sublinha que
“sobretudo nos terrenos junto às casas,
devido ao aumento da fiscalização”,
houve um esforço para reduzir a vege-
tação, mas “falta a limpeza dos grandes
espaços ao longo das vias e que compete
principalmente às autarquias”. Contu-
do, também há alertas dos especialistas
para os excessos de limpeza da faixa de
proteção à volta de casas ou fábricas.
Joaquim Sande Silva, especialista em
ecologia do fogo e um dos membros do
Observatório Técnico Independente,
lembra que “as árvores não devem ser
cortadas indiscriminadamente nesse
perímetro e que a proximidade de co-
pas de árvores de folha caduca [como
carvalhos e castanheiros] podem ajudar
a proteger as casas”.
CORTE DE ESTRADAS
A falta de uma estratégia no corte de
estradas foi apontada como uma das
razões para as mortes de 2017 e está
agora a merecer maior atenção. Ainda
numa fase inicial do combate, quando
se percebe que o incêndio poderá fugir
ao controlo, é requisitado um oficial
da GNR para integrar o posto de co-
mando operacional e os cortes das vias
afetadas passam a ser feitos de forma
precoce e integrada, o que já aconteceu
nos incêndios de Mação e Vila de Rei.
EVACUAÇÃO DAS POPULAÇÕES
A estratégia do afastamento generaliza-
do das populações em risco foi substitu-
ída por uma deslocação seletiva, privi-
legiando a retirada de idosos, crianças
e pessoas com mobilidade reduzida.
Fica quem pode ajudar a defender ha-
bitações e bens.
AUTODEFESA
Xavier Viegas considera que as popu-
lações estão mais atentas e preparadas
para reagir, mas diz que muito ainda
tem de ser feito: “É necessário dar trei-
no a grupos de pessoas, não basta dis-
tribuir kits e ter um oficial de segurança
por aldeia.” No âmbito do programa
Aldeias e Pessoas Seguras foram abran-
gidas 1919 localidades.
ESTRATÉGIA DE COMBATE
Passou a ser pensada a dois tempos:
durante a noite prevê-se o que poderá
ser feito no dia seguinte e durante o
dia pensa-se como avançar durante a
noite. Uma fonte da ANPC explica que
“já se percebeu que quando as chamas
têm 20 ou 30 metros não é altura de
se apagar o fogo, mas de proteger as
pessoas e as casas”. O comandante das
operações no terreno passou a contar
com um conjunto de pessoas que for-
necem informação e dão assessoria às
operações de controlo, nomeadamente
membros da Força Especial da Prote-
ção Civil, do Instituto da Conservação
da Natureza e das Florestas (ICNF) e
da Agência para a Gestão Integrada
de Fogos Rurais (AGIF). Foi ainda in-
troduzida uma aplicação informática
que permite fazer a georreferenciação
de todos os meios utilizados no terreno
para combater o fogo. “Olha-se para
um ecrã e vê-se todos os recursos em-
pregues”, explica a mesma fonte. Esta
aplicação permite introduzir fotos em
tempo real e foi um episódio desse tipo
que esteve na origem da voz de prisão
dada esta semana por um GNR a um
elemento da Força Especial de Bom-
beiros (FEB) , a quem foi pedido que
registasse os trabalhos. “Representa
um salto imenso no processo de decisão
que está em Lisboa; é uma ferramenta
extremamente útil”, conclui. Já a se-
paração das competências entre quem
combate incêndios florestais e quem
protege pessoas e bens ainda não foi
muito clara nestes últimos fogos.
APROXIMAR A PREVENÇÃO
DO COMBATE
Foi criada a diretiva única de prevenção
e combate e houve um aumento de in-
vestimento em prevenção, que pesava
20% do orçamento total e agora repre-
senta 46%. A AGIF está a funcionar
em articulação com a Proteção Civil no
combate e com o ICNF na prevenção.
Desde 2017 foram executadas ações de
gestão de vegetação que abrangem a
limpeza de 2634 quilómetros de cami-
nhos nas áreas mais críticas do país e
3260 quilómetros de faixas de gestão de
combustível primária. Cerca de 90% dos
concelhos têm Plano Municipal de De-
fesa da Floresta contra Incêndios. Foi
feito o uso de fogo controlado preventi-
vo em cerca de 5 mil hectares e geridos
com pastoreio cerca de 2 mil hectares.
Marcelo exige investimento
VISITA O Presidente falou ao Expresso após o périplo pelas zonas afeta-
das dos concelhos de Mação, Vila de Rei e Sertã. “O investimento no inte-
rior tem de ser muito maior e muito mais rápido. O tempo corre contra
nós, é como subir uma montanha e sentir que por cada passo em frente,
há um ou dois que se dão atrás.” TEXTO CAROLINA REIS E FOTOS NUNO BOTELHO
METEOROLOGIA
A Proteção Civil passou a trabalhar
diariamente com o IPMA e conta ago-
ra com uma pirometeorologista que
aconselha o comandante de operações
no terreno. Por telefone ou por video-
conferência, esta especialista analisa
as condições meteorológicas do local
do incêndio, permitindo adaptar a es-
tratégia de combate às situações es-
pecíficas. Esta semana, por exemplo,
serviu para travar a decisão de avançar
com um contrafogo: as altas camadas
da atmosfera da região estavam a ser
afetadas por ventos de 40 km/h e pode-
riam facilmente dispersar as projeções
de chamas altas geradas, espalhando o
fogo a zonas limítrofes.
MEIOS AÉREOS
Saltou à vista a utilização de mais meios
aéreos no início do incêndio de Mação.
“Houve uma redefinição da estratégia
e o ataque inicial ao fogo passou a ser
supermusculado”, explica um coman-
dante da ANPC. “Se os indicadores me-
teorológicos apontarem para um fogo
difícil de controlar, são logo reunidos
todos os recursos possíveis.” Em causa
está o objetivo de “reduzir ao mínimo o
número de ignições para libertar o má-
ximo de meios disponíveis”. “Até agora
tivemos sorte de não surgirem incêndios
de grandes dimensões em simultâneo
em diferentes regiões do país. Vai haver
situações em que os meios não vão che-
gar”, alerta. Esta semana, a ANPC temeu
que tal ocorresse quando, para lá do fogo
em Mação e Vila de Rei, surgiram duas
situações de risco em Viseu. A decisão foi
pedir ajuda a Espanha, que tem aviões
estacionados em Talavera, Badajoz e Sa-
lamanca. Com a vinda destes aparelhos,
dois nacionais foram desviados para o
combate em Viseu. Mas Xavier Viegas
teme que a concentração de esforços no
combate inicial desvie os esforços da pre-
venção: “Pode gerar uma falsa sensação
de segurança”, avisa.
SIRESP
Está a ser mais e melhor utilizado,
acompanhado do envio de redundâncias
para o terreno. Em Mação, operacionais
no terreno relataram alguns problemas
nas comunicações, mas várias entidades
como a AGIF, o ICNF e a ANPC assegu-
ram que não houve falhas da rede. “O
posto de comando define um plano de
comunicações e estabelece os canais a
serem utilizados. Muitas vezes continua
a não ser cumprido, gerando sobre-
carga em alguns canais, que emitem,
então, sinal de impedido. Mas agora em
Lisboa, na célula de comunicações da

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 Expresso, 27 de julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 07

Proteção Civil, cada vez que uma ante-

na chega a 80% da utilização é enviado
Francisco Castro Rego Presidente do Observatório Técnico Independente

“Melhorámos, mas houve

um alerta ao posto de comando, que
avisa os operacionais da necessidade
de cumprirem o plano pré-estabelecido,
reduzindo o corte de comunicações.”

lições não aprendidas”

PROFISSIONALISMO
DO SISTEMA
27-07-19 00:22

Continua a marcar passo num sistema

que envolve mais de 10 mil pessoas.
Fonte da AGIF diz que existe uma “cul-
tura de colaboração”, que as equipas de
intervenção permanente foram refor-
çadas e tiveram formação, e que foram
criadas bolsas de peritos para auxilia-
rem a decisão. Contudo, mantêm-se os
mesmos protagonistas no terreno e a
profissionalização dos bombeiros con-
tinua por fazer. A ideia de integrar a
Escola Nacional de Bombeiros no ensi-
no superior nunca saiu do papel. Para a
ANPC, este é um grande problema. “O
sistema está numa situação limite e tem
de haver profissionalização dos bombei-
ros.” Para alguns elementos da Proteção
Civil, o investimento feito desde 2017
na GNR foi excessivo e os militares de-
veriam ser utilizados como “uma força
de reserva”. Já as Forças Armadas são
consideradas essenciais para ajudar na
logística — em Vila de Rei prepararam
cerca de três mil refeições — e na dispo-
nibilização de máquinas de rasto.
REDUÇÃO DE IGNIÇÕES
A campanha nacional de sensibilização
“Portugal Chama” e a linha de apoio a
queimas e queimadas tiveram um efeito
positivo, reduzindo o seu número em
31%. Recorde-se que estas práticas são a
causa de 58% dos incêndios. Também o
número de ignições em geral caiu perto
de um terço. O Ministério dos Negócios
Estrangeiros escreveu aos embaixado-
res para estes fazerem também chegar
a mensagem aos emigrantes que no
verão regressam a Portugal.
SMS DE ALERTA
ÀS POPULAÇÕES
Vão demorar 30 minutos entre a entra-
da do pedido, agora automatizado, e o
início do envio das mensagens, quan-
do anteriormente eram duas horas.
Foi desenvolvida a integração de uma
plataforma da Ericsson que permite
automatizar e melhorar a performan-
ce do processo de envio. Os mais de
900 mil euros pagos pelo Ministério
da Administração Interna aos três ope-
radores cobrem a aquisição da plata-
forma e respetivos licenciamentos de
utilização. Os operadores efetuaram os
necessários desenvolvimentos internos
de integração da dita plataforma. Os
SMS de aviso, independentemente da
quantidade e periodicidade, são supor-
tados pelos operadores, desde que as
mensagens se enquadrem nas situações
de emergência acordadas.
SOCORRO ÀS VÍTIMAS
A rede de emergência pré-hospitalar foi
reforçada, mas os incêndios recentes
ração para grandes incêndios sas ardem por causa da paisa- consultados para absoluta- R A questão da formação e da
Carla Tomás face às alterações climáticas. O gem envolvente, devido à fuga mente nada e isso é mau sinal. qualificação dos agentes, por
Estado contratou a elaboração de fagulhas que as atingem. Podemos ser úteis. exemplo. O Governo aprovou
Francisco Castro Rego, que dos planos sem instruções, sem Espécies de árvores de folha a criação de um consórcio
preside desde setembro do ano uma visão política de futuro e caduca, como os carvalhos ou PP OPGovernoPlevantouPresis- associado à escola Nacional
passado ao organismo que su- com base em inventários flo- castanheiros, têm copas que tênciaPàPcriaçãoPdoPObserva- de Bombeiros e integrado no
cedeu à Comissão que avaliou restais antigos. podem até proteger as casas. A tório? sistema de ensino, mas não
os incêndios de 2017, afirma componente de conhecimento R O Governo pensou que iria houve nenhum passo a partir
que a maioria das recomenda- PP ÉPpossívelPmudarPaPfloresta? tem de ser parte da solução e duplicar a ação da AGIF, o que daí. Voltámos a falar na im-
ções surgidas desde aí foi ado- R Sou otimista. Mas têm falta- não está a ser. É preciso manter não tem sentido. Sem querer- portância da formação dos
tada, mas muitas continuam do apoios e contrapartidas para o esforço de limpeza, mas de mos ser autoelogiosos, tendo agentes no relatório sobre
a marcar passo, sobretudo ao que as pessoas se juntem em forma correta. gente tão diferenciada e com Monchique, mas esses aspe-
nível da formação dos bombei- Zonas de Intervenção Florestal diferentes competências, não tos não estão a ser trabalha-
ros e da alteração da paisagem.
(ZIF), e faltam as orientações PP OPquePtrouxePdePpositivoPaP estamos a ser potenciados. Mas dos. O calcanhar de Aquiles
para definir que tipo de floresta AgênciaPparaPaPGestãoPIntegra- o funcionamento junto da AR tem sido o planeamento da
PP APáreaPquePagoraPardeuPnoP se quer. daPdePFogosP(AGIF)? tem sido exemplar. floresta no seu conjunto e a
PinhalPInteriorPestavaPsinaliza- R A Comissão Técnica Inde- parte da formação.
daPnaPcartaPdePriscosPdeP2019.P PP OPquePéPprecisoPmudar? pendente propôs uma AGIF PP MasPnãoPjuntoPdoPGoverno?
EstavaPtudoPaPpostos? R O problema está na paisa- que funcionasse mais como co- R Não. O mandato que nos foi PP Porquê?
R Qualquer declaração que gem, que é muito modelada ordenadora de entidades, dese- dado pela AR foi prorrogado R A cultura de avaliação é
faça agora é prematura. Uma pela intervenção humana e nhada para reforçar os vários até final do ano. Não fazia sen- sempre complicada em Por-
análise rigorosa não pode ser pelos incentivos financeiros pilares do sistema, mas essa tido que terminasse em setem- tugal. Exige um exercício de
feita a quente. Ouvimos de- que existem. Temos de defi- interação não tem acontecido bro, com a época de fogos a de- humildade por parte de todos
clarações de membros do Go- nir que paisagem queremos como esperávamos. Em vez correr. O próximo Parlamento os agentes.
verno e de autarcas a quente para o futuro. Precisamos de de a AGIF reforçar as peças do tem mãos livres para dizer se é
e todos eles têm meias razões. uma floresta mais diversifica- sistema pode estar a criar mais um instrumento que interessa PP HáPatrasosPnaPaprovaçãoPdeP
da, sustentável e resiliente às um pilar. E já temos um emara- ou não. planosPmunicipaisPdePemergên-
PP OPrelatórioPdoPObservatórioP alterações climáticas. nhado suficiente de entidades. ciaPePdePdefesaPdaPfloresta?
sóPsaiPdepoisPdasPeleições? PP OsPpolíticosPacataramPaPre- R Houve lições não aprendi-
R Queremos apresentar rela- PP QuemPestáPaPtravarPessePca- PP APAgênciaPdevePfuncionarP comendaçãoPePdeixaramPdePirP das. Há bons exemplos a nível
tórios sólidos e fundamentados minho? maisPcomoPmaestro? paraPoPpalcoPdePoperaçõesPcomP municipal, mas não é suficien-
que sejam úteis para o próximo R As florestas têm interesses R Sim. Um maestro que dá osPincêndiosPaPdecorrer. te, mesmo em autarquias que
ciclo legislativo. Vamos apre- variados e a lógica deverá ser
instruções, conhecimento e R Sim. Há um conjunto de cumpriram os planos munici-
sentá-los quando o período pro- conciliá-los. suporte. Mas está a agir como recomendações que foram pais com grande rigor, como
blemático de incêndios acabar. mais um instrumento da or- bem entendidas. A criação do Mação, porque falta alterar a
PP OPObservatórioPcriticouPaP questra e sem responsabilida- núcleo de apoio à decisão tam- paisagem.
PP EPnãoPseriaPútilPcolocarPoP formaPcegaPcomoPforamPim- de, já que a responsabilidade bém veio dar uma injeção de
temaPemPdebatePeleitoral? postasPasPlimpezasPemPredorP do combate continua a estar conhecimento muito útil para PP QuePavaliaçãoPfazPdaPnovaP
R Há falhas que já estavam dasPcasas.POPquePcorreuPmal? na Proteção Civil (ANEPC), a o combate. Houve melhoria na orgânicaPdaPProteçãoPCivil?
identificadas e que podem ser R É uma falácia pensar que se da prevenção no Instituto da organização. R Vejo uma maior confu-
objeto de campanha. retirarmos as árvores e arbus- Conservação da Natureza e a são em termos de coerência
tos num raio de 50 metros se da vigilância na GNR. PP QuePrecomendaçõesPnãoPfo- territorial que vai afetar a
PP ApesarPdaPmaiorPfiscaliza- resolve o problema. Muitas ca- ramPseguidas? parte operacional: os bom-
çãoPePdasPcampanhasPparaPre- PP TemPhavidoPaproximaçãoP beiros e PSP e GNR têm
duzirPqueimadas,PcontinuamosP entrePaPprevençãoPePoPcomba- uma organização distrital
comPumPnúmeroPmuitoPeleva- te? e a Autoridade Nacional de
R Sim. É um dos aspetos po-
A REVISÃO DOS NÃO SOMOS
doPdePignições. Emergência e Proteção Civil
R O número tem vindo a di- sitivos. A ligação entre os vá- passa a ter uma organização
minuir. Perante os mesmos
indicadores meteorológicos de PLANOS DE rios agentes tem melhorado.
A diretiva única de prevenção CONSULTADOS intermunicipal. Só não está
já a criar entropias porque a
2003-2005, temos hoje cerca
de metade das ocorrências. A ORDENAMENTO e combate começou a organi-
zar o sistema, aproximando PARA NADA, lei orgânica ainda não está a
ser aplicada e, por isso, não
sensibilização demora, mas
tem havido evolução. FLORESTAL NÃO os dois. Mas continuamos à
espera do sistema de gestão E ISSO É podem ser nomeados novos
comandantes.
PP ContinuamosPaPnãoPconse-
FOI AMBICIOSA integrada de fogos rurais. O
Observatório gostaria de ser
MAU SINAL. PP OPquePesperaPdestePverão?P
guirPmudarPaPfloresta?
R A revisão dos Planos Regio-
NEM TEVE EM consultado antes deste plano
ser colocado em discussão.
PODEMOS OsPincêndiosPvãoPcontinuarPaP
dependerPdaPmeteorologia?
nais de Ordenamento Flores-
tal (PROF) não foi ambiciosa e
CONTA O RISCO PP FaltaPdiálogoPentrePoPObser-
SER ÚTEIS R Continuamos muito vulne-
ráveis e é bom que tenhamos
não teve em conta os fatores de vatórioPePaPAGIF? consciência disso.
risco e a necessidade de prepa- R Falamos, mas não somos ctomas@expresso.impresa.pt

Recomeçar... até que chegue o fim

mostram que há falhas que persistem.
O queimado grave registado no incên-
dio de Vila de Rei foi assistido em seis
minutos, contudo, esperou quatro horas
pelo helitransporte. A escolha de um
local de aterragem à noite e com fumo
só à terceira foi bem-sucedida. Parece
faltar coordenação: quem está no ter-
reno indica localizações próximas das
vítimas que nem sempre cumprem os
requisitos da operação aérea, levando
à mudança de planos e a atrasos. A ar-
ticulação é, por isso, parte das medidas
estratégicas avançadas pelo INEM. No
terreno passa a estar disponível um ve-
ículo de gestão de operações, equipado
com computadores, internet, comu-
nicações de dados e voz, dual banda,
satélite e videoconferência, que permite
aceder em simultâneo às ocorrências
de emergência médica de rotina e aos
pedidos dos locais de crise. Além da
viatura central, em todos os distritos
os elementos do INEM a destacar para
as ocorrências contam com uma mala
de posto de comando — com todas as
comunicações, dois rádios SIRESP e
30 novos telefones satélite. No planea-
mento, foi revista a resposta no âmbito
do Dispositivo Especial de Combate
a Incêndios Rurais, instituindo para a
emergência médica os mesmos graus
de alerta decretados pela Proteção Civil.
ctomas@expresso.impresa.pt
Depois do fogo,
os habitantes de Mação
e Vila de Rei tentam
voltar à vida normal.
Mas cada vez há menos
para recuperar
Caminham devagar, com
uma ponta de medo, como se
estivessem a entrar naquele
terreno pela primeira vez. Na
realidade, quase que é assim.
É a primeira vez que o veem
todo negro, coberto de cin-
za. Lurdes e António Tavares
Simões, ambos com 71 anos,
estiveram fechados em casa
desde domingo até terça-fei-
ra, à espera que o fogo pas-
sasse.
“Temos tudo limpo à volta
de casa, sabíamos que aí não
corríamos riscos. Não viemos
durante o fogo porque era um
perigo. Quem é que se vinha
aqui meter?”, conta Lurdes,
moradora na aldeia de Cha-
veira, na freguesia de Cardi-
gos, concelho de Mação. Na
estrada principal de Cardigos
tem, com o marido, um ter-
reno onde plantou oliveiras e
cria uma colmeia.
Foram 40 anos a viver no
Seixal, a trabalhar e a juntar
dinheiro para concretizar o
sonho de voltar “à terra”. Para
viver uma vida mais tranqui-
la e aproveitar o terreno que
os pais lhe deixaram, na es-
perança de, um dia, a filha,
o genro e a neta também se
mudarem para lá.
É terça-feira de manhã,
choveu durante a noite, mas
a terra ainda arde. O verde
que restava do fogo de há dois
anos tornou-se negro. Em
breve, Mação sairá da zona de
perigo, deixará de ser notícia.
Resta a terra. A que dá sus-
tento e a que é sinónimo de
pertença. Só que a terra está
a encolher. Primeiro foram
as pessoas embora, porque
não havia emprego. Agora,
é a terra que está a desapa-
recer, levada pelo fogo. “As
pessoas daqui ainda têm um
bocado de coragem. Não há
outro remédio a não ser enca-
rar a vida. É triste ver isto, a
nossa terra, tudo queimado”,
diz Lurdes.
Quem pode, salvou o que
conseguiu e vai tentar reco-
meçar por aí. Na aldeia de
Roda, uma das mais fustiga-
das, atacada pelas chamas
por duas vezes em dois dias,
Américo arriscou a vida para
não perder as cabras, Maria
da Natividade agarra-se às
cebolas que conseguiu “es-
conder do fogo”, Céu Novais
anda de cantil no carro para
deitar água nos focos de fumo
que encontra pelo caminho.
Lurdes e António tentam per-
ceber que azeite e mel ainda
podem fazer com o que lhes
sobrou.
“Já temos tido mais fogos,
mas este ano foi pior. Foi mais
inesperado. As pessoas aqui
são resistentes. Só que isto é
horrível porque vai ardendo
sempre o que ficou por ar-
der”, conta António Martins,
professor e habitante de Car-
digos.
É uma luta que nunca aca-
ba. E desigual para quem
vive “no Portugal que as pes-
soas não sabem que existe”,
como diz um bombeiro na
madrugada de domingo. No
momento em que as chamas
progrediam ora numa dire-
ção ora noutra, os moradores
saíram à rua com a água que
tinham para tentar proteger
o que lhes restava. “Aqui não
passa”, dizia um habitante de
Vila de Rei, no concelho de
Castelo Branco, a um bombei-
ro sapador que se preparava
para passar com a máquina
de rasto, consolidar o terreno
que já ardeu e impedir que as
chamas voltem a reacender,
num dos seus terrenos. “Lim-
pei a mata, fiz tudo como o
Governo mandou. Se pas-
sarem aqui com a máquina
perco a colheita”, dizia, sem
querer ser identificado.
Ninguém quer partir, mas
precisam de alguma coisa
para ali ficar. Ali, no interior
onde quase já não nascem
crianças, onde não há traba-
lho, e, em algumas aldeias,
não há internet ou rede de
telemóvel.
“Para nós, já não há muito
a recomeçar. Começamos a
ficar muito cansados. Há dois
anos também tivemos um in-
cêndio grande, estávamos a
começar a ter as nossas coisas
de novo. A vida voltava a en-
trar nos eixos. Vamos cá ficar
até poder, até isto acabar”,
continua Lurdes. O marido
apercebe-se que a colmeia
está perdida, mas as oliveiras
resistiram.
Carolina Reis
cbreis@expresso.impresa.pt

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08 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA PARTID O SO CIALISTA
Legislativas Mais perto de uma maioria
que era, até há poucos meses, inimaginável,
António Costa tem um caminho ainda
acidentado até às legislativas. O Governo
preparou-se, mas há fatores que não controla
Seis riscos
que podem
esfumar
a maioria
Textos Filipe Santos Costa
Foto Ana Baião
N
a semana em que,
pela primeira vez,
uma sondagem colo-
cou o PS em terreno
de maioria absoluta
(43%, segundo es-
tudo da Pitagórica
publicado por TSF
e “JN”), o Governo
viu-se confrontado com o que serão
as duas batalhas decisivas de agosto:
os fogos florestais e a prometida greve
dos camionistas, que ameaçam deixar
o país sem combustíveis, os supermer-
cados sem comida, as farmácias sem
medicamentos... Faltam só dois meses
para as legislativas, mas o caminho para
a maioria absoluta será, no mínimo,
acidentado.
1. CAMIONISTAS
Depois do sobressalto de abril, quando
a greve dos camionistas de transporte
de materiais perigosos deixou postos
de combustíveis secos e aeroportos
em risco de encerramento — e fez tre-
mer as férias de Páscoa — o Governo
garante que não será apanhado des-
prevenido por uma nova paralisação.
O Executivo tem-se desmultiplicado
em declarações, criticando a forma
como o sindicato que representa estes
camionistas interrompeu as negoci-
ações com os patrões (que deveriam
concretizar o pré-acordo celebrado em
abril), e tem frisado os ganhos que os
motoristas já asseguraram para 2020,
podendo pô-los em causa ao recorrer à
greve por causa de reivindicações para
2021 e 2022.
Porém, ao mesmo tempo que espera
que a “racionalidade” se imponha e
a greve seja desmarcada, o Governo
considera que há uma “probabilidade
séria” de a paralisação ir mesmo em
frente. Por duas razões simples: por
um lado, a atitude “radical” do sindica-
to representado pelo advogado Pardal
Henriques; por outro, a consciência
de que a situação das empresas de
transportes não permite mais cedên-
cias além das que já foram feitas em
abril. Ou seja, a perceção do Governo
é que os camionistas não conseguirão
mais ganhos do que já tiveram, e nem
uma greve mudará isso. Daí que esteja
tudo a ser preparado para um protes-
to que “causará seguramente muito
transtorno”.
Conforme o Expresso adiantou na
semana passada, o plano de contin-
gência que o Governo está a preparar
prevê serviços mínimos “robustos”, e
requisição civil caso estes não sejam
cumpridos, além de estar tudo pre-
parado para que os militares e forças
de segurança entrem em ação para
conduzir os camiões-cisterna, tanto
para reabastecer serviços críticos —
desde aeroportos e meios coletivos
de transportes a hospitais e outros
serviços públicos críticos — como a
rede de postos de combustível priori-
tários. A definição desse mapa está a
ser ultimada, com uma rede ampla,
que dá atenção especial ao Algarve e às
rotas de abastecimentos e dispositivo
de segurança. O plano de contingência
prevê, por exemplo, a possibilidade de
bloqueios e a ação das forças de segu-
rança nesse caso.
Pedro Nuno Santos já tinha avisa-
do que se a greve avançar o Governo
“tudo fará” para defender o país, os
portugueses e a economia, e alertou
esta semana para a necessidade dos
cidadãos também se acautelarem,
enchendo depósitos. “Aprendemos
a lição” há três meses, garantiu ao
Expresso fonte governamental. O ou-
tro risco associado a este protesto é a
ameaça de adesão dos camionistas de
DA SAÚDE À EDUCAÇÃO
E AOS TRANSPORTES,
HÁ A NOÇÃO DE QUE,
DEPOIS DAS FÉRIAS,
A PRESSÃO VOLTARÁ
A SER GRANDE SOBRE
OS SERVIÇOS PÚBLICOS
transportes de mercadorias — o que
significaria, entre outras consequên-
cias, supermercados vazios.
2. FOGOS
No ano passado, Eduardo Cabrita, o
titular da Administração Interna, não
teve direito a férias de verão; este ano
deve repetir-se a história — não só esta-
mos nos meses de maior risco de incên-
dios, como em contagem decrescente
para as eleições. Os primeiros fogos
graves, nos últimos dez dias, mostraram
um ministro no terreno, em cima do
acontecimento, e de resposta pronta ao
autarca de Mação, o que mais se quei-
xou da falta de resposta dos meios de
combate. António Costa, embora mais
distanciado, também deu um “chega
para lá” aos autarcas, responsabilizan-
do-os por eventuais falhas na prevenção.
Se houve acontecimento que abalou
o Governo nesta legislatura foram os
fogos de 2017. Os índices de popularida-
de do Executivo e as intenções de voto
no PS só agora começam a aproximar-
-se dos níveis anteriores a Pedrógão
Grande. A repetição de uma catástrofe
seria fatal para as ambições socialistas.
Para mais, todo o discurso do Governo
garantiu que foi feito o necessário para
prevenir que o pior volte a acontecer:
reorganização da Proteção Civil, in-
vestimento em equipamento e opera-
cionais, renegociação das condições
de funcionamento do SIRESP, criação
de novas regras de prevenção florestal.
“O que temos hoje é um sistema mais
robusto do que o que tínhamos, e o
que foi determinado pelos relatórios
técnicos foi integralmente realizado”,
assegurou António Costa. O teste será
o embate com a realidade.
3. SAÚDE
Com as falhas do SNS sob os holofotes
— e notícias sucessivas de ruturas de
serviço um pouco por todo o país —,
o verão é sempre um período crítico.
Os profissionais de saúde vão de férias
e os portugueses concentram-se no
Algarve. São dois problemas em simul-
tâneo: garantir, com menos médicos,
enfermeiros e técnicos, o bom funci-
onamento de serviços que já estão no
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limite da falta de pessoal, e assegurar o
reforço da oferta no Algarve.
O primeiro problema provocou um
dos últimos casos a assombrar o pe-
louro de Marta Temido — a notícia de
que as maternidades de Lisboa iriam
encerrar rotativamente durante o verão
foi mais um sintoma dos problemas do
SNS. A decisão acabou por ser reverti-
da, mas ninguém duvida da fragilidade
da oferta. No Algarve, o Governo tratou
do habitual reforço de profissionais de
saúde, e faz figas para que o disposi-
tivo seja suficiente e as notícias sobre
esperas intermináveis não encham os
noticiários da silly season.
Costa e Marta Temido têm insistido
que há mais recursos na Saúde e mais
resultados, e fazem por mostrar o inves-
timento no sector — só na semana que
passou, inauguraram cinco centros de
saúde nos concelhos de Sintra e Ama-
dora. Mas no Executivo há a consciên-
cia de que estes não são problemas com
respostas fáceis, e que em setembro,
com o regresso de férias, regressa a
normalidade, que ao longo deste ano
tem sido composta de greves e reivin-
dicações de médicos e enfermeiros, em
simultâneo com serviços em rutura.
4. TRANSPORTES
PÚBLICOS
Depois de meses de sessões de propa-
ganda celebrando a medida revoluci-
onária de redução drástica do preço
dos passes sociais, aconteceu o que era
previsível: mais gente com passes, mais
procura de transportes públicos... e ofer-
A INVESTIGAÇÃO
CONTINUA A APONTAR
PARA AS SUSPEITAS
DE QUE O “ACHAMENTO”
DE TANCOS TERÁ
TIDO A CUMPLICIDADE
DE AZEREDO LOPES
Expresso, 27 de julho de 2019
ta sem capacidade de resposta. Há pro-
blemas estruturais de desinvestimento
que demoram anos a resolver, e não
será tão cedo que haverá novos barcos
no Tejo ou novos comboios suburbanos
nas grandes áreas metropolitanas. Neste
cenário, o investimento em autocarros
até é a parte boa da história: com a ne-
cessidade de renovação de frotas e de
transição para combustíveis não poluen-
tes, as encomendas de novas viaturas fo-
ram feitas há tempo suficiente para que
centenas delas já estejam em circulação,
sobretudo em Lisboa e Porto, mas um
pouco por todo o país. Nos outros meios
de transporte, a história é mais lenta.
Se as férias de verão permitem algum
desafogo nas grandes cidades, é sabido
que o regresso dos problema há de co-
incidir com o regresso de férias. Com
uma agravante no caso de Lisboa: a
introdução, em agosto, do passe família
vai aumentar ainda mais a procura. O
Governo faz figas para que os transpor-
tes públicos não entrem em rutura. Pelo
menos até às eleições...
5. PROFESSORES
O regresso às aulas será um dos mo-
mentos de pressão acrescida sobre
os transportes públicos, mas marca
também o retorno ao ativo de milha-
res de professores. Em muitos casos,
os mesmo que reclamam a contagem
integral do tempo de serviço e respeti-
vos reflexos salariais e de carreira. Em
campanha eleitoral não faltará quem
prometa corresponder a essa reivindi-
cação (pelo menos, PCP e BE, PSD e
CDS têm ziguezagueado neste caso...),
e a pressão sobre o Governo e o PS atin-
girá previsivelmente novos picos.
“Não temos qualquer dúvida de que a
Fenprof marcará novas formas de luta
nas semanas entre o fim das férias e
as eleições”, diz, prevenido, um gover-
nante ouvido pelo Expresso. “É cerrar
os dentes e aguentar”, acrescenta, ga-
rantindo que não passa pela cabeça do
Governo ceder às exigências de Mário
Nogueira & Cia.
6. TANCOS
E se, nas semanas antes das elei-
ções, houver acusação contra o ex-
Expresso, 27 de julho de 2019
-ministro da Defesa Azeredo Lopes?
É nesse cenário que o Ministério
Público está a trabalhar, e é para
isso que o Governo está preparado.
Embora o Executivo cerre fileiras
em defesa do antigo ministro — An-
tónio Costa já várias vezes reite-
rou a sua convicção de que Azeredo
nada fez de ilegal ou censurável —,
a investigação continua a apontar
para as suspeitas de que o miste-
rioso “achamento” das armas terá
tido a cumplicidade do governante
demitido em outubro. A hipótese
de este imbróglio ser uma bomba
ao retardador que pode explodir em
cima das eleições é levada bastante
a sério num Governo que encara
como hostis algumas opções do Mi-
nistério Público e da procuradora-
-geral da República. Com o fantas-
ma de Sócrates em pano de fundo,
um conflito com a Justiça é o que
Costa não precisa.
fscosta@expresso.impresa.pt
Em equipa que ganha
Costa (quase) não mexe
O primeiro-ministro quer
poucas mexidas no próximo
Governo ao nível de ministros
e secretarias de Estado.
O problema é se Centeno sai
A máxima do futebol que diz que
em equipa que ganha não se mexe
é a mesma com que António Costa
se está a preparar para formar go-
verno para a próxima legislatura.
O primeiro-ministro sabe que terá
de fazer acertos pontuais ao nível
do elenco de ministros, desde logo
porque Vieira da Silva não está dis-
ponível para continuar à frente do
Trabalho e Segurança Social, e a
hipótese de Mário Centeno passar
para a direção do FMI pode abrir
uma vaga numa pasta crítica em
qualquer governo, e ainda mais nes-
te, em que o ministro das Finanças
conseguiu a façanha de ser dos mais
populares. Costa já admitiu que, se
perder Centeno, “evidentemente
teríamos de fazer um governo dife-
rente daquele que temos”. Para esse
cenário, o nome mais falado no PS
(referido até por Marques Mendes
na SIC) é o de Elisa Ferreira, atual-
mente no Banco de Portugal, mas
que também é hipótese para a Co-
missão Europeia (ver texto pág. 10).
Lista de Lisboa abre
caminho ao filho do PM
Atual presidente da junta
de Campo de Ourique vai para
a Assembleia da República.
O seu sucessor na junta
de freguesia é Pedro Costa
Passo a passo Pedro Costa, o filho de
António Costa, vai fazendo caminho
tanto dentro da estrutura do PS como
em cargos públicos. E as listas de can-
didatos às legislativas aprovadas pelos
socialistas na semana que passou vão
ajudar o filho do primeiro-ministro e
líder do PS a subir mais um degrau na
sua carreira política.
Pedro Costa não é candidato às
legislativas de outubro, mas Pedro
Cegonho, o presidente da Junta de
Freguesia de Campo de Ourique, é,
em lugar elegível. E isso é uma boa
notícia para o filho de António Costa.
Pedro Costa é desde as últimas elei-
ções autárquicas o nº 2 da freguesia de
Campo de Ourique — com a previsível
eleição do presidente desta autarquia
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Apesar de algumas mexidas cirúr-
gicas, que são sempre inevitáveis,
António Costa tem a equipa estabi-
lizada desde a última remodelação,
quando lançou novos protagonistas
para a Saúde (Marta Temido), Eco-
nomia (Pedro Siza Vieira, que já era
ministro-adjunto), Infraestruturas
(Pedro Nuno Santos), Planeamento
(Nelson de Souza), Cultura (Graça
Fonseca) e Assuntos Parlamentares
(Duarte Cordeiro). Todos foram co-
locados nestas pastas a pensar num
segundo mandato, e mesmo Graça
Fonseca, que tem acumulado gafes e
polémicas, é vista como a candidata
mais forte à sua própria sucessão.
As listas de candidatos a deputados
apresentadas pelo PS esta semana,
com um fortíssimo peso de membros
do Governo, sinalizam a importância
que o primeiro-ministro dá à manu-
tenção de boa parte das peças do seu
Executivo. Tal como o Expresso ha-
via adiantado na sua edição anterior,
quase metade dos 62 atuais membros
do Governo são candidatos à Assem-
bleia da República. Contas certas, são
27 os governantes nas listas, entre o
primeiro-ministro, 12 ministros e 14
secretários de Estado.
O que não significa que sejam ape-
nas estes os governantes que Costa
para a Assembleia da República, será
apenas uma questão de tempo até ser
substituído pelo filho mais velho do
líder socialista.
Contactado pelo Expresso, Pedro
Cegonho diz que “é natural que haja
um momento em que fecho o ciclo
autárquico, e que esse momento
aconteça antes do fim do mandato”
na freguesia lisboeta. O autarca de
Campo de Ourique já tinha anun-
ciado que este seria o seu último
mandato, pelo que a decisão de po-
sicionar Pedro Costa como primeiro
vogal da junta já tinha uma lógica
de preparar a sucessão. No anterior
mandato autárquico, Pedro Costa
era vogal da junta de São Domingos
de Benfica, mas acabou por transfe-
rir-se para Campo de Ourique nas
eleições de 2017, quando ocupou o
terceiro lugar na lista do PS, atrás
de Cegonho e de Susana Ramos, mu-
lher de Duarte Cordeiro, que acabou
por não ficar como vogal.
conta repescar para o seu futuro
Governo. Por exemplo, Duarte Cor-
deiro, apesar de ser o líder da Fe-
deração da Área Urbana de Lisboa,
não quis integrar a lista da capital
— está disponível para continuar
no Governo, mas não tenciona ser
deputado, por isso optou por não
“queimar” um lugar na lista. Caso
parecido é o de António Mendonça
Mendes, secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais e presidente da
federação socialista de Setúbal.
Pedro Siza Vieira, que só integrou
o Executivo a meio do mandato,
também não é candidato ao Palácio
de São Bento mas está no Governo
para ficar, até por ser um dos ele-
mentos mais próximos e de maior
confiança de António Costa. O mes-
mo se passa com Nelson Souza.
As secretárias de Estado
Alexandra Leitão
(Educação) e Ana
Mendes Godinho
(Turismo) poderão
ganhar peso na próxima
equipa de António Costa
Pedro Costa tem frequentemente
substituído Pedro Cegonho na Assem-
bleia Municipal de Lisboa e no mês
passado declarou à revista “Sábado”
que “estaria disposto” a ser o próxi-
mo candidato do PS à presidência da
junta de Campo de Ourique.
Listas cuidadosas com famílias
Depois da polémica do familygate,
por causa do elevado número de fami-
liares de responsáveis socialistas em
cargos públicos, a direção do PS pediu
cuidado acrescido às estruturas locais
nas propostas de candidatos das listas
às legislativas. Apesar deste cuidado,
há casos em que as relações familiares
saltam à vista.
Na Madeira, o segundo nome da
lista, Olavo Câmara, é o filho do pre-
sidente do PS-Madeira, Emanuel Câ-
mara. Um facto que já provocou críti-
cas entre os socialistas. Luís Vilhena,
até agora deputado pela Madeira, que
PRIMEIRO CADERNO 09
Mas a regra é os ministros estarem
nas listas. Até Centeno, apesar das
dúvidas sobre o seu futuro, marca
presença, como 5º em Lisboa, a mes-
ma lista onde surgem Mariana Vieira
da Silva, Graça Fonseca e João Go-
mes Cravinho, para além de António
Costa como nº 1. Pelo Porto concor-
rem João Matos Fernandes e Ana
Paula Vitorino, enquanto Eduardo
Cabrita surge na lista de Setúbal, Pe-
dro Nuno Santos na de Aveiro, Tiago
Brandão Rodrigues na de Vila Real e
Capoulas Santos por Évora. Augusto
Santos Silva concorre pelo círculo de
fora da Europa, por onde o PS não
elege há bastantes anos, e Marta
Temido estreia-se como candidata
encabeçando Coimbra, uma escolha
que sublinha a aposta que Costa faz
na ministra da Saúde.
Há outras duas escolhas que signi-
ficam apostas pessoais do primeiro-
-ministro em protagonistas a quem
augura bastante futuro político: as
secretárias de Estado Alexandra Lei-
tão (Educação) e Ana Mendes Godi-
nho (Turismo), que encabeçam, res-
petivamente, as listas de Santarém
e da Guarda, e que, a julgar por este
destaque, poderão estar na calha
para lugares de maior visibilidade na
próxima equipa de António Costa.
não é recandidato, considerou que a
inclusão do filho do líder regional re-
presenta uma “fragilidade” desneces-
sária. Em declarações ao “Jornal da
Madeira”, o deputado cessante do PS
assegurou que, no lugar de Emanuel
Câmara, não candidataria o filho na
lista, ainda que este tivesse as “maio-
res qualidades”.
Na lista do Algarve, a nº 1 é Jamila
Madeira, atual deputada, e o nº 5 é o
seu marido, Luís Graça, líder da fe-
deração distrital do PS. Os socialistas
elegeram quatro deputados por Faro
em 2015 e, numa perspetiva de cresci-
mento eleitoral em outubro, o quinto
lugar da lista é considerado elegível.
Outro casal que continua a marcar
presença nas listas do PS são os minis-
tros Eduardo Cabrita (por Setúbal) e
Ana Paula Vitorino (pelo Porto). E o
clã Vieira da Silva também continua
bem representado, apesar de José
António, o atual ministro do Trabalho
e Segurança Social, já ter anunciado
que se vai retirar da política ativa — o
governante não é candidato a depu-
tado, mas a filha, Mariana, estreia-se
nas listas do PS em quarto lugar por
Lisboa, e a mulher, Sónia Fertuzinhos,
será pela primeira vez cabeça de lista
por Braga, o círculo pelo qual é eleita
para o Parlamento há duas décadas
(quando ainda não tinha qualquer
relação pessoal com Vieira da Silva).
10 PRIMEIRO CADERNO
FMI
Centeno no limbo até setembro
Europa dividida adiou decisão. Costa está em campanha pelo seu ministro. Ainda ninguém abdicou
David Dinis
e Filipe Santos Costa
Com a Europa partida entre quatro
candidatos que não desistem, o board
do FMI fixou já um prazo mais longo
para a escolha do sucessor de Lagarde:
até 6 de setembro terá de haver um ou
mais candidatos. Mas o processo pode
demorar ainda mais. Se os líderes da
UE não chegarem a acordo e apare-
cerem mais de três nomes, a lista terá
de encolher para três numa semana. E
se a decisão se quer por “consenso”, é
possível que tudo acabe numa votação
O que o FMI disse
das políticas de Centeno
Sacrifício do investimento
público e regresso das
35 horas no rol das críticas
da instituição ao ministro
das Finanças português
A relação entre Mário Centeno
e o Fundo Monetário Internaci-
onal (FMI) não tem sido um mar
de rosas. Entre altos e baixos, a
instituição até agora liderado pela
francesa Christine Lagarde tem
elogiado os esforços do português,
sem o poupar a críticas.
2016: não reverta, s.f.f.
Ao relaxar a meta do défice de 2016
para 2,6% do PIB, Mário Centeno
estreou-se em Bruxelas com um
chumbo ao seu primeiro esboço
orçamental. E as críticas do FMI
às reversões das medidas da troika
não se fizeram esperar. Na admi-
nistração pública, o FMI alertou
que “a reposição da semana de 35
horas pode gerar um acréscimo
dos gastos com o pagamento de
horas extraordinárias”. Na política
fiscal, também não lhe perdoou a
“mudança do foco para o apoio aos
sectores não-transacionáveis em
detrimento da maior competitivi-
dade”, ao suspender a descida do
IRC e descer o IVA da restauração.
Quanto às reformas laborais, o
FMI advertiu o país que “mais re-
versões de políticas minariam a
confiança dos investidores”. Mas
a maior polémica foi no sector dos
transportes. “Revisitar acordos de
privatização e de concessão arrisca
prejudicar a confiança dos inves-
tidores e agravar os custos orça-
mentais para tornar as empresas
públicas viáveis”, disse o FMI sobre
a recompra da TAP e a reversão de
concessões da Carris e STCP.
2017: onde está o investimento?
Centeno chegou a 2017 já famoso
por cativar os gastos do Estado e
sacrificar o investimento público
a mínimos históricos. Ainda as-
sim, precisou de lançar um extra-
ordinário perdão fiscal (PERES)
para controlar o défice de 2016 e
preparava-se para recorrer a mais
receitas extraordinárias para se-
gurar o défice de 2017. “Seria mais
sustentável e amiga do crescimen-
to uma trajetória de consolidação
que assentasse mais na reforma
duradoura da despesa e numa mai-
or eficiência dos gastos públicos e
menos em medidas pontuais e na
compressão das despesas de inves-
timento”, disse então o FMI.
A saída de Portugal do procedi-
mento por défice excessivo foi um
dos marcos elogiados pelo Fundo.
Mas os receios não abrandaram
já que as dívidas dos hospitais vol-
taram a disparar e o aumento do
investimento público era preterido
cuja escolha só é feita a... 4 de outubro,
dois dias antes das legislativas.
A perceção de que o ministro das
Finanças português tem hipóteses
reais fez com que António Costa e a
diplomacia portuguesa entrassem em
cena, em campanha por Mário Cen-
teno. Segundo o Expresso confirmou
junto de fontes governamentais, na
última semana o primeiro-ministro
desdobrou-se em contactos junto de
homólogos europeus, bem como re-
presentantes de outros países que po-
dem ajudar a fazer de Centeno o pró-
ximo diretor-geral do FMI. Também a
diplomacia portuguesa foi mobilizada
a favor dos funcionários públicos.
Os alertas sucederam-se enquanto
Centeno anunciava o descongela-
mento das progressões nas carrei-
ras para 2018: “Conter os gastos
com a função pública, que ainda
beneficia de um prémio salarial
face ao sector privado, vai exigir
medidas estruturais.”
2018: falta ambição
O tom do FMI suavizava à medi-
da que Centeno remava ao défice
zero. A conjuntura externa tam-
bém ajudou. Mas para o FMI, o
português não soube aproveitar
a bonança para acelerar o desen-
dividamento do Estado, prote-
gendo definitivamente o país
de futuras subidas das taxas de
juro: “Uma aceleração do rit-
mo de consolidação reduziria o
tempo necessário para reduzir
a dívida pública a níveis mais
seguros e próximos da média
europeia.” A falta de conver-
gência também desiludiu o
FMI: “O PIB per capita man-
tém-se 40% abaixo da média
do euro, sem significativa
convergência prevista para
os próximos cinco anos.”
2019: e os serviços
públicos?
Numa vinda a Portugal, a
diretora-geral do FMI des-
tacou os “grandes progres-
sos” feitos por Portugal, mas
exigiu um intensificar dos
esforços quanto ao desen-
dividamento, à estabilização
do sistema financeiro e às re-
formas estruturais que incentivam
a poupança, o investimento e a
produtividade da economia portu-
guesa. O mais recente choque é a
reforma da supervisão financeira,
com o FMI a alertar Mário Centeno
para a necessidade de garantir a
necessária independência dos su-
pervisores.
O que o ministro das Finanças
não fez foi a reforma estrutural da
despesa pública. Isto apesar de o
FMI não se cansar de insistir junto
de Mário Centeno para que en-
frente os grandes gastos com fun-
cionários públicos e pensionistas
de modo a ganhar margem orça-
mental para investir na qualidade
dos serviços públicos. “As últimas
previsões do Governo” represen-
tam “uma pressão adicional para
as finanças públicas. Este ciclo
de pára-arranca nas progressões
das carreiras desde 2005 tem sido
disruptiva tanto para o Governo
como para os funcionários públi-
cos e levanta dúvidas quanto à sua
sustentabilidade”, alertou recente-
mente o FMI.
Joana Nunes Mateus
economia@expresso.impresa.pt
para este propósito, em particular
junto de paí­ses da América Central e
do Sul e da Ásia.
“Estamos bastante ativos”, assegu-
ra um responsável governamental,
confiante no sucesso da operação.
Depois de a notícia vir a público, Cos-
ta declarou que era “uma hipótese”,
mas nunca tinha sido “um objetivo”
do Governo; passada uma semana, o
Executivo afina o discurso: “Não era
uma prioridade, mas passou a ser a
partir do momento em que temos o
nome de Centeno na shortlist”, diz
outra fonte governamental que tem
acompanhado o processo.
Herança de Lagarde:
divisões e resgates
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Na frente europeia, e na lógica de
equilíbrios que poderia dar primazia
a um nome da família socialista, o
principal adversário de Centeno é o
holandês Jeroen Dijsselbloem. Como
Centeno, foi ministro das Finanças de
um governo socialista e presidente
do Eurogrupo; ao contrário de Cen-
teno, personalizou a ideologia auste-
ritária que, nos piores anos da crise
financeira, ajudou a afundar alguns
países em dificuldades — desse pon-
to de vista, Portugal argumenta que
Centeno representa uma alternativa
à austeridade, embora cumprindo as
regras de rigor financeiro. Uma teoria
O FMI tem um orçamento
do tamanho de Espanha,
quatro resgates críticos
em curso e um sistema
de votos confuso
Uma coisa parece estar certa
na corrida ao lugar de 12º di-
retor-geral do Fundo Mone-
tário Internacional (FMI): só
um possível candidato se pôs
fora de jogo: Mario Draghi, o
ainda presidente do BCE, disse
claramente esta semana que
não está nessa corrida. De
resto, a corrida está ao rubro.
Da Europa mantêm-se quatro
protocandidatos: a ministra
espanhola, Nadia Calvino, o
português Mário Centeno, o
holandês Jeroen Dijsselbloem
e o finlandês Olli Rehn, antigo
vice-presidente da Comissão
Europeia. E mais uma: a búl-
gara Kristalina Georgieva,
atual diretora-executiva do
Banco Mundial, que tem o
apoio francês mas um óbi-
ce que França ainda não
conseguiu desbloquear
no board do Fundo: tem
mais de 65 anos e as re-
gras do FMI não permi-
tem candidaturas acima
dessa idade.
Sem desistências, os
pré-candidatos passaram
a semana à procura de
apoios. O holandês tem o
centro da UE (Alemanha
incluída) e alguns países do
norte; Rehn os escandinavos;
Centeno e Calvino dividem o
apoio do sul, tentando cativar
os neutrais. Sem um acordo a
27, o tema pode ser central na
cimeira do G7, em Biarritz, no
fim de agosto. O risco? É que
a desunião do bloco europeu
abra espaço a que seja posto
em causa o ‘duopólio’ que tem
reinado desde que norte-ame-
ricanos e britânicos acordaram
em Bretton Woods: a direção
do FMI para um europeu, a do
Banco Mundial para um norte-
-americano.
Ainda em abril, os europeus
apoiaram a indicação por Do-
nald Trump de David Malpass
para a chefia do Banco Mun-
dial. Nas contas dos europeus
agora será a vez do inquilino
de a Casa Branca retribuir. Mas
os EUA têm um privilégio, o
de disporem de um direito de
veto. Contam com 16,52% dos
votos, sendo indispensáveis
para a aprovação por maioria
de 85% de qualquer decisão no
conselho executivo.
Os europeus dispõem apenas
de três lugares permanentes
nesse conselho, representados
pela Alemanha, França e Reino
Unido, que, no conjunto, detêm
Expresso, 27 de julho de 2019
que parece estar a fazer caminho na
imprensa internacional.
Wolfgang Münchau, um dos ana-
listas mais influentes do “Financial
Times”, escrevia há dias que Dijssel-
bloem “tem muitas explicações a dar”
pela forma como geriu a zona euro
durante a crise — e sugeria mesmo
que, se fosse o holandês ou alguém
dessa linha o escolhido da Europa,
os outros Estados-membros do FMI
deveriam encontrar uma alternativa.
Não foi um “voto” por Centeno, mas
foi um voto de censura ao seu maior
concorrente na área socialista...
ddinis@expresso.impresa.pt
apenas 9,43% dos votos. O res-
to dos membros da UE estão
dispersos por quatro grupos
formados por diversos países.
Portugal está num grupo com
a Grécia e Itália. Espanha, por
exemplo, partilha um grupo
com latino-americanos, como
o México (que desde há muito
tem na calha Agustín Carstens,
ex-governador do Banco do
México, para a chefia do FMI).
Desde 2011, quando o Fundo
teve de escolher à pressa Lagar-
de para substituir Dominique
Strauss-Kahn preso em Nova
Iorque, que a organização diz
querer um processo de seleção
“aberto, baseado no mérito, e
transparente”. Nessa altura e
em 2016, quando a francesa foi
reconduzida, o conselho exe-
cutivo chegou a um consenso.
O FMI diz que o objetivo agora
será o mesmo: obter um enten-
dimento prévio e evitar um con-
fronto de nomes que tenham de
ir à contagem de espingardas.
Lagarde sai a 12 de setembro.
Com a ausência de acordo dos
líderes europeus, o FMI fixou
um calendário mais longo: até
4 de outubro terá de haver novo
presidente. Fora da Europa já
há três nomes fortes que podem
tentar preencher o vazio: o já
referido Carstens, o académi-
co indiano Raghuram Rajan,
que foi governador do Banco da
Reserva da Índia, e o ministro
sénior de Singapura Tharman
Shanmugaratnam.
Quem substituir Lagarde,
herda uma organização com
recursos de €1,2 biliões (o equi-
valente ao PIB de Espanha) e
uma capacidade de apagar fo-
gos de quase €900 mil milhões.
Tem em mãos quatro resgates
críticos, da Argentina (o maior
de sempre na história do Fun-
do), Egito, Ucrânia e Paquis-
tão, e uma economia mundial
em situação “precária” (nas
palavras do último relatório de
previsões publicado esta sema-
na). No próximo ano vai ter de
renegociar os acordos bilaterais
de financiamento conseguidos
em 2016, sublinha-nos Barry
Eichengreen, professor na Uni-
versidade de Berkeley, e colu-
nista do Expresso. O académico
acrescenta ainda outra desafio:
“O Fundo vai ter de perceber
como vai cooperar com estrutu-
ras regionais de financiamento,
como o Mecanismo Europeu de
Estabilidade, e a Iniciativa Chi-
ang Mai [que agrupa a China,
Japão, Coreia do Sul e a Asso-
ciação das Nações do Sudeste
Asiático]”.
Jorge Nascimento
Rodrigues, com D.D.
economia@expresso.impresa.pt
 AF_ Expresso_margem.pdf 1 22/07/19 16:54
Expresso, 27 de julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 11

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12 PRIMEIRO CADERNO
ESQUERDA
Rosa Pedroso Lima
O Bloco de Esquerda não co-
menta as propostas eleitorais,
apresentadas no passado fim de
semana pelo primeiro-ministro
e líder socialista. E os comunis-
tas não vão além de uma lacóni-
ca declaração para dizerem que
“o programa contém e insiste,
em termos gerais, nas mesmas
e conhecidas opções que este
partido tem assumido”. Assim
vai o estado da ‘geringonça’, no
final da legislatura e à beira de
eleições legislativas.
As cautelas políticas dos par-
ceiros de esquerda, que permi-
tiram a chegada ao Governo
de António Costa contrastam,
porém, com a crítica direta feita
pelos representantes sindicais.
Se ao Expresso, tanto o Bloco
de Esquerda quanto o PCP se
escusaram a fazer uma análise
detalhada das propostas socia-
listas, o mesmo não se verificou
por parte dos representantes
sindicais.
Arménio Carlos, líder da
CGTP, assume o seu “desa-
grado” perante o conjunto do
programa eleitoral socialista,
desde logo porque “continua
a tratar o trabalho como um
parente pobre”, desvalorizando
esta matéria e “omitindo por
completo” aquilo que a central
sindical considera fundamen-
tal: “a reversão das normas
gravosas da legislação laboral”.
A total omissão programáti-
ca sobre uma nova revisão do
código de trabalho é sinal de
que os socialistas estão longe
de querer voltar ao assunto na
próxima legislatura.
Uma opção política, que me-
rece o veto de Arménio Carlos.
“O programa sofre de uma dis-
torção”, garante o líder sindical,
para quem “omitir a revisão da
lei laboral é um sinal de que não
será feita qualquer reversão do
atual modelo de baixos salários
e de desregulação de horários,
que acentua as desigualdades
e impede a redistribuição da
riqueza”.
BE e PCP
ignoram
programa
do PS
Parceiros parlamentares nem
comentam “opções” do programa
eleitoral socialista. Já os sindicatos
assumem oposição frontal. Líder dos
enfermeiros diz-se “chocada” com o
que leu. CGTP acha que manifesto
do PS “sofre de uma distorção”
O “desagrado” da principal
central sindical do país prosse-
gue nos capítulos sobre a Admi-
nistração Pública, a Segurança
Social ou a política fiscal. Os
socialistas, por exemplo, reme-
tem para 2021 a possibilidade
— ainda que pequena — de au-
mentos salariais da Função Pú-
blica e consideram “inevitável”
a revisão das atuais carreiras
dos trabalhadores do Estado.
Arménio considera a propos-
ta “inadmissível”, até porque
“se deduz que a intenção é de
piorar os atuais estatutos das
carreiras desses profissionais”.
“Não é aceitável manter mais
de 500 mil trabalhadores sem
aumentos e sem alteração das
suas carreiras durante mais de
uma década.”
O choque na Saúde
Mas é na Saúde — eleita pelo
primeiro-ministro como a
“joia da coroa” do programa
socialista — que se colocam as
maiores expectativas. Depois
de uma governação em que os
problemas do Serviço Nacional
de Saúde e a carência de pro-
fissionais do sector passaram
para a ordem do dia, o Expresso
recolheu opiniões junto dos re-
presentantes sindicais de médi-
cos e enfermeiros sobre o teor
do manifesto eleitoral do PS.
“Com este programa, se o PS
tiver maioria absoluta fica tudo
na mesma”, garante o presiden-
te da Federação Nacional dos
Médicos, João Proença. E dá
uma vasta lista de exemplos:
“Não promete novas parcerias
com privados, mas deixa vaga
a ideia de contratação de ter-
ceiros; na contratação de mé-
dicos fala em dedicação plena
mas sem especificar que tipo
de grelha salarial irá ter; fala
em contrato de permanência
após formação sem especificar
o tipo de contrato, as condições
de trabalho e a remuneração;
fala na revisão e alargamento
das Unidades de Saúde Famili-
ar e em consultas de pediatria
e ginecologia nos centros de
saúde quando nem sequer há
estes especialistas nos hospi-
tais ou refere óculos e cheque-
-dentista para os desfavorecidos
mas não fala na obrigatorieda-
de de saúde oral e de consultas
de oftalmologia nos cuidados
primários.”
O quadro traçado pelo repre-
sentante dos médicos é negro e,
como se não bastasse, ainda há
críticas a fazer sobre a ausên-
cia, no programa socialista de
qualquer referência à “eleição
democrática dos médicos para
órgãos de gestão”. Portanto,
“vai continuar o ‘amiguismo’
das direções técnicas”, conclui
João Proença.
“Chocada” ficou a presidente
da Associação Sindical Portu-
guesa dos Enfermeiros depois
de ler o programa para a Saúde.
Lúcia Leite critica “as medidas
avulsas, algumas contraditóri-
as, apresentadas por quem só
pode conhecer muito mal o ter-
reno”. Na sua opinião, trata-se
apenas de “promessas”. “Não
há nenhuma medida estrutural
para os problemas reais, apenas
um conjunto de ideias que dão
jeito e sem qualquer compro-
misso”, afirmou ao Expresso
Lúcia Leite.
A ameaça para professores
Na área da Educação, as críticas
prosseguem. O facto de o pro-
grama eleitoral do PS afirmar
como “inevitável” a revisão das
Combate à maioria absoluta
As direções políticas, tanto
do PCP como do Bloco de
Esquerda, estão a afinar um
discurso de combate direto a
uma eventual maioria
absoluta do PS. Com as
sondagens a apontarem para
um crescimento eleitoral dos
socialistas, em simultâneo
com um alargamento da
distância face aos
sociais-democratas, a
hipótese de uma vitória
absoluta torna-se mais real. E
obrigou a esquerda a
carregar no discurso, à
procura do voto útil.
Catarina Martins ainda esta
semana admitiu que o
cenário de maioria absoluta
só convém a uma “elite
económica irresponsável,
que vive da desigualdade e do
abuso”. Num discurso feito
num comício de verão, no
Algarve, a líder bloquista não
poupou nas palavras e
disparou contra “essa elite
económica irresponsável que
tem ganho tudo com a
impunidade” e que “sabe o
que é o PS com uma maioria
absoluta”. “São os que fazem
da saúde um negócio, os que
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carreiras do Estado, lançou o
alarme nas hostes da Fenprof.
Depois da guerra travada duran-
te toda a legislatura sobre a re-
cuperação do tempo de serviço,
Mário Nogueira teme o pior. “É
evidente que a intenção do PS,
como nunca disfarçou, é destru-
ir a carreira dos professores. E
neste aspeto, o programa eleito-
ral é uma ameaça, como o é em
relação aos concursos”, comenta
o secretário-geral da Fenprof.
“É significativo que um parti-
do que disse pretender valorizar
carreiras de técnicos superiores
da Administração Pública es-
creva ser necessário revisitar as
carreiras especiais onde inclui,
claro, os docentes.” Para Mário
Nogueira não restam dúvidas:
“Se o PS tiver maioria absoluta
os professores serão dos prin-
cipais visados pela política do
Governo.”
A verdade é que, depois da
crise provocada em torno da
devolução do tempo de serviço
congelado relativamente a cer-
ca de cem mil professores — que
levou a uma ameaça de demis-
querem os seus negócios
pagos com o dinheiro de
todos, são os patrões dos
patrões que nunca quiseram
o aumento do salário mínimo
nacional e não querem uma
esquerda que tenha força”,
discrimina Catarina Martins.
Mais contido, sem dúvida, o
PCP não deixa de passar a
mesma mensagem. Jerónimo
de Sousa já por diversas
vezes chamou a atenção para
os riscos de “deixar o PS de
mãos livres” e apesar de
considerar “legítimo” que os
socialistas apelem à maioria
absoluta, recorda que
sempre que isso sucedeu
“houve uma desvalorização
do Parlamento” e diversos
“retrocessos”. Esta semana,
no balanço do trabalho
parlamentar feito pelos
comunistas nesta legislatura,
o líder da bancada voltou ao
assunto. João Oliveira
assumiu que “maiorias
absolutas ou de conveniência
nunca serviram os interesses
dos trabalhadores e do povo”.
Além disso, não servem “os
objetivos do progresso e da
justiça social”. R.P.L.
são do primeiro-ministro, crises
de gestão partidária e perda de
potenciais eleitores —, António
Costa disse não querer enfren-
tar mais uma guerra neste sec-
tor. Em maio chegou a afirmar
ao Expresso que este era um
dossiê “bem encerrado”. Ou
seja, apesar de vários ministros
e dirigentes socialistas terem
defendido na altura a necessi-
dade de rever a estrutura e a
progressão na carreira docente,
estes não seriam temas para a
próxima legislatura.
Mas olhando para o progra-
ma eleitoral fica a dúvida. É
certo que em parte alguma é
assumida a intenção de rever,
especificamente, o estatuto
da carreira docente. A única
vez que se fala da carreira dos
professores é para defender a
necessidade de criação de “in-
centivos à aposta na carreira
docente e ao desenvolvimento
destas funções em áreas do país
onde a oferta de profissionais é
escassa”.
Por outro lado, num primeiro
capítulo do programa, dedicado
à “boa governação” e às “contas
certas para a convergência” há
um parágrafo sobre “salários e
sustentabilidade das carreiras”
que parece escrito à exata medi-
da da carreira dos professores.
Nele se explica que as progres-
sões na Administração Pública
custam todos os anos “200 mi-
lhões de euros”ao Orçamento
do Estado. Dois terços dizem
respeito às “carreiras especiais
em que o tempo conta no pro-
cesso de progressão” — entre
elas, a dos docentes. E, apesar
de a maior parte do esforço ir
para estes grupos profissionais,
elas representam “um terço dos
trabalhadores do Estado”.
Depois desta apresentação
de contas, o programa eleitoral
socialista conclui que “este de-
sequilíbrio deve ser revisitado.
O aumento desta despesa não
pode continuar a limitar a políti-
ca salarial na próxima década e
a impedir uma política de incen-
tivos na Administração Pública
que premeie a excelência e o
cumprimento de objetivos pré-
-definidos”. Uma posição que,
aliás, coincide com a argumen-
tação seguida pelo ministro das
Finanças aquando da discussão
do dossiê dos professores. E, por
isso mesmo, justifica o alarme
dos sindicatos.
com Isabel Leiria
e Vera Lúcia Arreigoso
rlima@expresso.impresa.pt
Expresso, 27 de julho de 2019
PS
Assis
puxa pela
esquerda
moderada
Ex-eurodeputado prepara
revista e conferência
em 2020. Objetivo: lutar
contra um país polarizado
entre o BE e uma direita
radical
Francisco Assis está preocu-
pado com a perda de influên-
cia das correntes moderadas,
tanto à esquerda como à direi-
ta. “Neste momento há uma
hegemonia de pensamento da
esquerda mais à esquerda do
PS, e à direita está a crescer o
pensamento mais conservador
e reacionário. Estamos perante
o risco de ter um país polari-
zado entre o Bloco de Esquer-
da e os sectores mais radicais
da direita, que ganharão mais
força depois do previsível mau
resultado do PSD de Rui Rio”
nas próximas legislativas, avisa
o ex-eurodeputado do PS.
Perante este cenário, Assis
propõe-se contribuir para res-
gatar o pensamento moderado,
tanto no centro-esquerda como
no centro-direita. E tem um pla-
no. Ainda este ano, depois das
eleições legislativas, o antigo
líder parlamentar socialista
pretende lançar uma revista,
“em princípio” de periodicida-
de trimestral, que junte pessoas
da “esquerda liberal e demo-
crática, com abertura à direita
mais liberal e democrática”.
A par com essa publicação,
o socialista quer organizar um
conjunto de eventos que in-
cluirá, daqui a um ano, “uma
espécie de universidade de ve-
rão” que junte gente da área
do socialismo democrático e
sociais-democratas que se sin-
tam órfãos. Assis assegura que
já tem convites feitos, e aceites,
para a revista, contando sobre-
tudo com “pessoas das áreas
da filosofia e da economia, com
pouca ligação à vida partidária
mas que se reconhecem nesta
preocupação”.
Combate cultural com
consequências partidárias
“Os moderados de esquerda e
de direita estão a perder o com-
bate cultural, porque permiti-
mos que a esquerda e a direita
mais radicais assumissem o
papel predominante” na fixa-
ção dos temas e do pensamento
que dominam o debate público,
considera o socialista, que des-
de o início se opôs à formação
da ‘geringonça’. “À esquerda
isso já acontece, e à direita há
esse risco”, diz Assis, que vê
como sintoma dessa tendência
o pedido de oito dezenas de de-
putados do PSD e do CDS para
que o Tribunal Constitucional
fiscalize duas normas da lei que
estabelece o direito à autode-
terminação da identidade de
género e expressão de género.
Assis dá de barato que o PS
terá “uma vitória clara” nas
próximas legislativas, mas avi-
sa que, com a derrota do PSD,
“a seguir a Rui Rio vem aí uma
direita terrível”. Daí a impor-
tância deste “combate cultural
e intelectual” para “criar este
espaço” de centrismo e mode-
ração. Um combate que, acredi-
ta, “terá no futuro consequênci-
as políticas” — que, no seu caso,
serão dentro do PS, onde Assis
adivinha que acontecerá “uma
disputa política entre a corren-
te mais à esquerda e outra mais
moderada”. Está aberta a dis-
puta pós-Costa no PS.
Filipe Santos Costa
fscosta@expresso.impresa.pt
Expresso, 27 de julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 13

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14 PRIMEIRO CADERNO
PSD
Programa
escondido
até ao
Conselho
Nacional
Rui Rio já não vai autonomizar
ideias para a justiça, guardou
o programa e nem falou com
as distritais. O PSD tem os nervos
em franja, assim como alguns leais
David Dinis
Rui Rio não tem data marca-
da para apresentar o programa
eleitoral do PSD. Na direção,
nem se sabe se haverá apresen-
tação pública. Mais: nas apre-
sentações temáticas que o líder
escolheu fazer nas últimas se-
manas “não sobrou tempo” para
as ideias sobre a reforma da jus-
tiça — a que Rio atribui impor-
tância central no seu programa
e que será “a parte maior” dele.
A matéria, sensível porque o
líder tem ideias ousadas nesse
campo, estará guardada a sete
chaves até ao dia do Conselho
Nacional (CN), aliás como todo
Destaque a fazer
corrorestet as reius
alit eriaepe llique pe
volor sollorae nam,
nimet alita natqu
o programa escrito. Nessa reu-
nião do CN, que promete ferver,
Rio não quer pôr a votos apenas
as listas polémicas de candida-
tos mas também o programa
que leva às eleições. O que não
é certo é se o documento vai ser
distribuído antes da reunião aos
conselheiros. É um pau de dois
bicos: se for, pode haver fugas
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de informação (o CN está cheio
de críticos, mais ainda depois da
polémica das listas); se não for,
Rio será acusado de levar a votos
um programa que ninguém leu
com atenção.
A reunião, cirurgicamente
marcada para terça-feira, últi-
mo dia do mês, em Guimarães,
pretende pôr um ponto final
numa sequência de semanas
difíceis para o líder. Tudo come-
çou com a demissão de Castro
Almeida da vice-presidência,
prosseguiu com a exclusão dos
críticos e continuou com a di-
vulgação das piores sondagens
da história do partido. Na últi-
ma delas, esta segunda-feira, o
PS ganhava com maioria abso-
luta e o PSD ficava com metade
das intenções de voto.
Nesse mesmo dia, o presidente
do partido tinha convocado os
líderes distritais e os seus cabe-
ças de lista para uma reunião
de preparação da campanha,
em Coimbra. Mesmo entre os
que ainda apoiam Rio, houve
quem saísse de lá “perplexo”.
“A reunião começou às 10h. Ele
chegou às 12h30, mas não en-
trou. Depois fomos almoçar, e
ele sentou-se no lugar marcado.
Quando acabou, cada um foi
à sua vida”, conta um dos pre-
sentes ao Expresso. Rui Rio não
falou, muito menos discursou.
E ninguém da direção explicou
a estratégia a seguir ou a men-
sagem a passar. Muito menos
se tocou no elefante na sala, as
sondagens.
O ambiente já era mau — cinco
líderes distritais faltaram, em
protesto. E piorou quando todos
perceberam ao que iam: uma re-
união logística, com ordem para
uniformizar imagem, partilhar
calendários e controlar contas.
Daí os desabafos no fim (“Nossa
senhora!”, ouviu-se de um dos
convocados).
O critério para excluir
A semana só piorou: na terça-
-feira, Rui Rio fixou o critério das
exclusões — nas listas não entra
ninguém que tenha defendido
a sua saída em janeiro, quando
Luís Montego fez o desafio inter-
no. Ou que se tenha posicionado
contra ele no futuro. Com o aval
dos vices, foram eles que ficaram
encarregados de comunicar a
decisão às estruturas: nem Maria
Luís Albuquerque, nem Hugo
Soares, nem Miguel Pinto Luz.
Seguiram-se as explosões: uma
zanga que quase chegou a vias
de facto em Santarém, braços
Expresso, 27 de julho de 2019
Rui Rio está sob fogo das
distritais e das sondagens.
de ferro em Viseu, Viana, Leiria,
ameaça de demissão em Setúbal.
Mas a direção tem mandato para
limitar a guerra e ordem para in-
cluir alguns não apoiantes, como
Duarte Marques. A isto chamam
“minimizar danos”. Na quinta-
-feira, numa entrevista à rádio
Observador, Rio desabafaria:
“Não tenho o poder todo. Por
mim, a renovação ia mais longe.”
De nomes não falou.
Com isto, e tendo em conta o
limite do prazo, todos admitem
que as listas acabarão por pas-
sar. Haverá tensão — Hugo So-
ares, Pinto Luz e alguns líderes
distritais vão marcar território
para o futuro. Mas as demissões
não estarão em causa, porque
quem trabalha por uma nova
liderança no dia 6 de outubro
quer manter as pessoas nos lu-
gares-chave.
Na reunião com
as distritais, Rio
nem entrou na sala.
Ninguém falou
de política ou
de sondagens,
só de logística
A dúvida, para estes, é o que
sobra do partido nas legislativas.
Há quem tema um “efeito Bruno
de Carvalho”. Há quem, entre os
mais neutrais, garanta que “se
correr bem vai ser muito mau”
— com poucos deputados eleitos
e um grupo parlamentar “sem
massa crítica”. E, na São Caeta-
no, há até quem reconheça que
o cenário está preto: pela difi-
culdade em marcar um discurso
(entre um mais duro contra o
Governo, penalizado nas euro-
peias, e outro menos duro, que
não vinca diferenças); pela au-
sência de trunfos programáticos;
pela dificuldade em mobilizar
as bases. Há quem espere ainda
um wild card: “Não sabemos o
impacto das greves, dos fogos.”
“Há sondagens boas, sonda-
gens más” e sondagens feitas
“por encomenda”, para “des-
moralizar”, disse Rui Rio esta
semana. E concluiu: “A mim
compete-me não deixar perder
o ânimo” a quem acredita no
PSD. Para já, o líder irá de férias.
Volta dia 14, para pontuar as fes-
tas de verão. E mais a sério, na
rentrée algarvia do fim do mês,
desta vez marcada para a serra
de Monchique. Os debates na
TV vêm a seguir.
ddinis@expresso.impresa.pt
Na terça-feira há mais
uma reunião quente
FOTO RUI DUARTE SILVA
Adolfo,
o convidado
do PSD
Adolfo Mesquita Nunes,
ex-vice-presidente do CDS e
antiga esperança da direita
portuguesa, é um dos
convidados da Universidade de
Verão da JSD, que se realiza de
26 de agosto a 1 de setembro,
como sempre na vila alentejana
de Castelo de Vide. A escolha de
um dos nomes mais sonantes do
CDS não deixa de ser
surpreendente, tendo em conta
a distância que se cavou entre os
dois partidos desde que Rui Rio
chegou à presidência do PSD.
Mesquita Nunes participará
num debate com o social-
democrata Miguel Poiares
Maduro, sobre os desafios que
as democracias enfrentam
atualmente. Nos convites fora
da área social-democrata
destaca-se ainda a presença de
António Vitorino. O diretor-geral
da Organização Internacional
para as Migrações será o
protagonista de um jantar-
conferência a 30 de agosto. Um
outro jantar terá como
conferencista o bastonário da
Ordem dos Médicos, Miguel
Guimarães — um dos rostos que
mais tem protagonizado o
combate ao Governo na área da
Saúde. Na Justiça, outro tema
em que o PSD tem apostado,
haverá um debate entre António
Cluny e Castanheira Neves sobre
a composição dos Conselhos
Superiores da Magistratura.
Carlos Moedas, de saída da
Comissão Europeia, também
marcará presença, para falar de
ciência. Rui Rio encerrará a
Universidade de Verão a 1 de
setembro, um dia depois da
tradicional Festa do Pontal, que
este ano acontecerá no fim de
agosto e não a meio do mês,
como era tradição, e terá por
cenário a serra e não a praia:
será em Monchique, a 31 de
agosto.
Expresso, 27 de julho de 2019
CONSTITUIÇÃO
Marcelo e esquerda
contra nova revisão
PR tem ideias, mas só aceita mexidas com PSD. Esquerda jura não querer
Ângela Silva
e Rosa Pedroso Lima
A perspetiva de a esquerda
conseguir nas legislativas de
outubro uma maioria de tal
forma superior à direita que se
bastasse a si própria para me-
xer na Constituição alimenta
cenários sobre até onde esta-
rão PS, BE e PCP dispostos a
ir — mas não parece ter pernas
para andar. Por um lado, por-
que nem comunistas nem blo-
quistas arriscam abrir a porta a
um debate ideológico em torno
de um texto constitucional que
lhes continua a ser favorável;
por outro, porque o Presidente
da República também não é
entusiasta da ideia.
Marcelo Rebelo de Sousa,
sabe o Expresso, não vê condi-
ções para se avançar para uma
revisão constitucional sem o
PSD, porque, mesmo que o
PS não consiga ter maioria
absoluta nas legislativas, tudo
indica que tem possibilidades
de ficar lá perto e, reforçado
eleitoralmente, vai tornar tudo
mais caro nas negociações com
a esquerda e nunca cederá em
questões importantes. Quanto
muito, admite-se em Belém,
pode haver consenso para mu-
dar a data das eleições legisla-
tivas de outubro para maio ou
junho (uma ideia partilhada
por vários sectores, que nela
veem a vantagem de quem ga-
nha eleições ter tempo para
preparar o Orçamento do Esta-
do seguinte), mas pouco mais.
O próprio Marcelo chegou a
sugerir outro tema para even-
tuais mexidas constitucionais
quando, em abril, esteve no
programa da RTP3 “O Outro
Lado”. Na altura, com a guerra
Governo/professores ao rubro,
o Presidente admitiu que, no
que se refere à lei-travão, que
não permite ao Governo fa-
zer despesa não autorizada, a
lei fundamental passasse a ter
uma norma que alargasse o
‘travão’ a mais do que um ano,
uma vez que há cada vez mais
despesa plurianual. “O pro-
blema é o seguinte”, enunciou
o PR: “Deve ou não a norma
constitucional da lei-travão ser
circunscrita a um ano ou deve
Costa propõe
o que o PS
chumbou
Deputados socialistas
criticaram e chumbaram
proposta do BE de criar
tribunais especiais para
a violência doméstica.
Agora vão defendê-los?
A porta aberta por António
Costa para uma revisão cons-
titucional — de modo a permi-
tir a criação de tribunais com
várias valências jurídicas para
um combate à violência de gé-
nero de forma judicial integra-
da — foi um dos temas que mais
tensão causou entre o Governo
Marcelo vê-se guardião da Constituição, mas já deu ideias para a mudar FOTO MARCOS BORGA
ser pensada em ‘n’ anos, tantos
quantos se pode diferir aquilo
que era só num ano?” A ideia,
no entanto, não avançou. E,
para já, nem o próprio Marcelo
acredita que haja uma revisão
constitucional no horizonte.
Mesmo que haja mudança na
liderança do PSD depois de
outubro, parece improvável
que a prioridade de um even-
tual sucessor de Rui Rio fosse
sentar-se à mesa a negociar
com o PS.
Esquerda dispensa
O PCP deixa claro que não ali-
nhará em qualquer alteração
da atual Constituição. No pro-
grama eleitoral, os comunistas
fizeram questão de declarar
a sua frontal oposição “aos
propósitos de revisão consti-
tucional”, e isto antes mesmo
de António Costa ter aberto
a porta a essa possibilidade.
Em declarações ao Expresso, o
Gabinete de Imprensa do PCP
repetiu que “o PCP opor-se-á à
abertura de processo de revi-
são constitucional” e justificou
o motivo com as (más) expe-
riências anteriores. “Como o
passado tem revelado”, diz fon-
te oficial comunista, as mexidas
constitucionais traduzem-se
e o grupo parlamentar socialis-
ta. A bancada do PS chumbou
mesmo a proposta do Bloco
de Esquerda para um projeto-
-piloto de tribunais mistos em
Braga e Setúbal dedicados aos
casos de violência doméstica.
“É um facto que o PS mudou
de posição”, destaca o dirigente
bloquista Luís Fazenda.
“Pela voz do primeiro-minis-
tro, o PS vem agora assumir
que os tribunais mistos fazem
falta. E fazem”, diz o fundador
e dirigente do BE. Esta “evolu-
ção positiva”, segundo Fazen-
“sempre no empobrecimento
político, económico e social da
democracia portuguesa”.
Do lado do Bloco de Esquer-
da, a resistência é idêntica,
embora os motivos apontados
sejam diferentes dos apresen-
tados pelo PCP. Luís Fazenda,
dirigente e fundador do BE,
assume ao Expresso que o par-
tido “não tem em agenda abrir
qualquer processo de revisão
constitucional na próxima le-
gislatura”. E, perante a “ques-
tão em concreto” de ela ser ne-
cessária para levar por diante a
ideia de criação de tribunais es-
peciais para os casos de violên-
cia doméstica, “a nossa opinião
é idêntica à do primeiro-mi-
nistro”. Ou seja: “Não vemos
necessidade de uma revisão
da Constituição para avançar
com essa medida”, diz Luís Fa-
zenda, que prefere destacar o
facto de António Costa não ter
considerado imperativo mudar
a lei fundamental para que os
tribunais especializados em si-
tuações de violência doméstica
pudessem ser criados na arqui-
tetura jurídica portuguesa.
O caminho passa, segundo o
Bloco, pelo Parlamento. Mas
uma maioria simples de depu-
tados basta para fazer aprovar
o modelo de tribunais dedi-
da, não faz esquecer o passado
recente, em que o mesmo PS
“teve a responsabilidade par-
lamentar de fazer chumbar,
sem qualquer possibilidade de
debate”, a iniciativa bloquista
de lançar a experiência de cri-
ar tribunais de competências
mistas — criminais e familia-
res — dedicados aos casos de
violência de género. Tinha evi-
tado, segundo Fazenda, “mi-
lhares de situações absurdas”
que levam, por exemplo, a que
um condenado criminalmente
por abusos familiares tenha
autorização de um tribunal
de família para “visitar os fi-
lhos e a mulher que são suas
vítimas”.
A verdade é que, nesta legisla-
tura, os deputados do PS recu-
saram quaisquer alterações à lei
— não só quanto aos tribunais
especializados mas também
quanto a aumentar as penas de
prisão ou a alargar o estatuto
de vítimas a crianças que teste-
munhem situações de violência.
“Os problemas, como a falta de
comunicação entre os tribunais
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PRIMEIRO CADERNO 15
Gente
O arquiteto Saramago Ao fim de uma longa
novela, a Justiça arrumou o último processo que
opunha José António Saraiva e a editora Gradiva
à jornalista Fernanda Câncio. Em causa estava o
último livro escrito por Saraiva, que fazia revelações
sobre Câncio que foram consideradas como devassa
da vida privada. Mas o que aqui nos traz é outra
questão: na decisão mais recente, o juiz refere-se a
Saraiva como José Saramago. Tendo em conta que o
arquiteto nunca escondeu a ambição de receber um
Nobel da literatura, Gente questiona-se se a confusão
com Saramago terá sido vista como elogio ou insulto.
Rui Bojo Rio Nos agitados bastidores do PSD cor-
re uma dúvida legítima: se Rui Rio ficaria melhor
com um ‘corte de cabelo’ como o do novo primei-
ro-ministro do Reino Unido; se com uma barba à
moda de Bruno de Carvalho (e uma legenda com
o nome do seu “novo advogado” japonês: Sujiro
Kifuja). A piada circulou até nos meios políticos
não maçónicos de que tanto desconfia o líder do
PSD. Mas lá que eram cirúrgicos...
Freud ao Sol Duarte Pacheco, o já muito me-
diático deputado-cheio-de-músculos do PSD, foi
entrevistado na mais popular coluna de verão do
“Correio da Manhã”. Aí, disse que numa praia
que tivesse Costa como nadador-salvador, “nem
de braçadeiras” ia à água. Sorte, sorte, foi não lhe
terem perguntado o que faria se fosse com Rui Rio.
Júdice feroz Em entrevista à revista do Expresso,
José Miguel Júdice despejou sabedoria e, logo ao
fim das primeiras respostas já tinha citado oito
livros de referência. A última vez que Gente tinha
cados aos casos de violência visto uma coisa assim foi na entrevista em que
de género, com competências José Sócrates anunciou ao mundo ser “um animal
mistas (tanto criminais como feroz”. Coincidências...
familiares). A ideia do Bloco
(ver texto em baixo) passava
pelo lançamento de duas expe- Olhem quem arranjou disfarce
riências-piloto em áreas jurisdi-
cionais não muito sobrecarre-
gadas de processos para avaliar
a eficácia do modelo, sobretudo
na proteção das vítimas.
Luís Fazenda admite haver
margem negocial com os socia-
listas, depois das declarações
de António Costa sobre a maté-
ria. “Estamos abertos a alterar
a nossa proposta, desde que o
objetivo que temos em comum
possa vir a ser alcançado”, disse EU? Fontes bem informadas já tinham avisado
ao Expresso. a Gente que Passos Coelho já recusou voltar à
“No caso em apreço, não jul- liderança do PSD depois de outubro. O que não
gamos ser necessária qualquer tinham dito à Gente é que, face à persistência
revisão constitucional”, afirma de uma ala do partido, o ex-PM já arranjou um
Fazenda. Mas, se tal se mostrar plano B, para passar despercebido na noite das
indispensável, o Bloco não lhe legislativas: rapou o cabelo e deixou crescer a
virará as costas. Deixa, porém, barba. Só falta mesmo o bilhete de avião para
claro que será apenas uma re- umas férias longas, longe de Portugal.
visão “cirúrgica”, para permitir
integrar os ‘novos’ tribunais
no ordenamento jurídico na- DIREITO DE RESPOSTA
cional. “Revisões globais da
Constituição não são feitas há
muitos anos, e o que ouvimos Porque fui visado no artigo “Dr. Leite, o polícia da
da parte do primeiro-ministro moda” com referências vexatórias que pretendem
é que não seria certamente o lesar a minha reputação, impõe-se uma correção.
caso”, conclui Luís Fazenda. O Expresso, sob anonimato, sugere a ligação entre
rlima@expresso.impresa.pt a carreira no jornalismo (1995-2012) e as funções
públicas que desempenhei (2012-2016). Com o pro-
pósito de achincalhar, escreve: “É natural que o
nome Francisco Leite não lhe diga nada. É uma
de família e os tribunais penais personagem que se distinguiu quando Passos Coelho
ou o elevado número de penas o nomeou para administrador da SOFID.” A opção
suspensas, não estão na lei, es- de amputar o meu apelido é estranha porque no Ex-
tão na sua aplicação. E isso não presso há vários jornalistas que sabem o meu nome
é culpa do legislador”, diz um
deputado socialista.
Em março, porém, quando o
profissional — mas o objetivo é apoucar. “A CRESAP
mandou-o ir estudar, para saber os mínimos ao de-
sempenho da função”: falta à verdade. A CRESAP
Governo anunciou um grupo emite pareceres não vinculativos e só sugeriu que
de trabalho para estudar a cria- teria a ganhar se juntasse ao meu CV — aliás elogi-
ção de tribunais especializados ado na nota — uma formação bancária. Ninguém
mistos, soaram as críticas na me “mandou ir estudar”, o que seria surreal. “Antes
bancada do PS. Apanhados de disso, Passos tinha-o nomeado secretário de Estado,
surpresa, muitos socialistas con- cargo que exerceu brevemente, depois de anos a
sideraram a medida uma fuga escrever sobre Passos no ‘DN’.” O que insinua o Ex-
em frente perante o aumento presso? No “DN”, e noutros jornais, escrevi sobre o
de mortes de mulheres. A depu- ex-líder do PSD, como escrevi sobre todos os outros,
tada Isabel Moreira destacou-se da esquerda à direita. Falta também à verdade: “que
no combate à ideia e confrontou é feito de Leite? Gente não sabe, mas (...)”. O Expres-
António Costa no plenário, ale- so sabe porque um jornalista seu fez essa pesquisa. O
gando que “a Constituição proí- que publico no Twitter é opinião, mas não é ao acaso
be a existência de tribunais com que citam questões laterais — e que nada têm a ver
competência exclusiva para o com moda, mas com a relação discurso/imagem de
julgamento de certas catego- um político no ativo; e com o protocolo. “Depois de
rias de crimes”. Ao Expresso de- jornalista, governante e administrador da SOFID,
fendeu mesmo ser “altamente está descoberto o verdadeiro talento de Leite: polícia
abusivo e, de resto, falso” dizer de moda”. Não sei o que é isto, nem percebo a lógica
que Costa, na Convenção do PS, informativa deste artigo que não seja a de denegrir e
“formulou uma proposta de re- provocar dano. Francisco Almeida Leite
visão constitucional”.
Carolina Reis e R.P.L
cbreis@expresso.impresa.pt
16 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 27 de julho de 2019

SO CIEDADE ESTAD O NOVO

Textos Hugo Franco

Fotos Nuno Botelho

O
estadista que go-
vernou o país com
mão de ferro, e que
morreu há precisa-
mente 49 anos, vai
ganhar uma vida
extra no Vimieiro,
em Santa Comba
Dão. Depois de mui-
ta polémica em torno do espólio do
ditador, que chegou até aos tribunais
e à Assembleia da República, o mu-
seu do Estado Novo irá abrir portas
a seguir ao verão na freguesia onde
nasceu António Oliveira Salazar. “As
obras começam dentro de duas a três
semanas e a abertura de portas está
prevista para daqui a três meses”, re-
velou ao Expresso Leonel Gouveia,
presidente da autarquia.
O espaço museológico, designado
Centro Interpretativo do Estado Novo,
ficará localizado na antiga Escola-
-Cantina Salazar, ao lado da casa onde
viveu o ditador. E a quatro quilóme-
tros do cemitério onde foi sepultado.
As obras vão manter a traça original
desta escola, a primeira do país a ter
direito a uma cantina, em 1942: “Foi
precursora da política de ação social
escolar do Estado Novo”, explica o
responsável da autarquia.
Haverá duas salas de exposições
temporárias com mais conteúdos mul-
timédia e interativos do que objetos
pessoais de Salazar. Pelo menos nesta
fase inicial. Mas Leonel Gouveia ga-
rante que num futuro próximo, ainda
sem data definida, uma parte do me-
morabilia do ditador ficará também
disponível ao público.
A Câmara tinha já obtido um ter-
ço do espólio a Rui Salazar de Melo,
sobrinho-neto do estadista. E recen-
temente adquiriu os restantes dois
terços ao seu irmão mais velho, Antó-

Salazar
nio Salazar de Melo. Entre os imóveis
comprados está “a casa onde nasceu
Salazar, a quinta, a adega, ou a pri-
meira escola do Vimieiro”, muitos
deles a necessitar de “uma requa-
lificação de vulto”. Será em alguns
destes espaços, já depois de serem
intervencionados, que deverão ficar
expostos muitos dos seus objetos
pessoais. Terão “naturalmente” uma
ligação às exposições do museu.
De início, as entradas não serão co-
bradas aos visitantes e estudiosos do

regressa
Estado Novo. “Haverá visitas guiadas
sem qualquer pagamento”, adianta
Leonel Gouveia, que diz estar ciente
das críticas que o projeto tem sido Polémica Museu do
alvo nos últimos anos. “O meu ante- Estado Novo vai abrir
cessor trabalhou muito mal este pro-
depois do verão.

a Santa
jeto, tendo causado muita celeuma,
a favor e contra o Centro Interpre-
tativo. Mas este será um local para o
Obras começam já em
estudo da História do Estado Novo. agosto. Historiadores
Não um santuário destinado a naci-
onalistas nem um museu onde se vai temem que se transforme
diabolizar o estadista de Santa Comba num local de romaria

Comba
Dão”, garante. O autarca lembra ain-
da que o projeto está ligado à Rota para os saudosos do
das Figuras Históricas, que também
integra, por exemplo, as futuras Casa
fascismo. Sobrinho-
da República de Penacova ou a Casa -neto do ditador pôs a
do Passal, em Carregal do Sal, que
pertenceu ao antigo cônsul Aristides autarquia em tribunal
de Sousa Mendes.

Saudosos do fascismo
Os argumentos não convencem o
historiador Fernando Rosas, que re-
vela ao Expresso ter sido abordado
há algum tempo por Leonel Gouveia
sobre este dossiê. “Não concordo nem
irei colaborar com este pseudocentro
interpretativo e já tive oportunidade
de explicar o meu ponto de vista ao
presidente da Câmara.” Para Rosas,
trata-se de um projeto que servirá
apenas para chamar gente à região.
“Será uma forma de tentar atrair tu-
rismo político e não de aprofundar a
História do regime. Mesmo que seja
feito com a melhor das intenções.”
Dá como “bons exemplos” o museu
do Aljube Resistência e Liberdade,
inaugurado a 25 de abril de 2015 e que
é “dedicado à história e à memória do
combate à ditadura”, ou o futuro Mu-
seu da Liberdade no Forte de Peniche,
que deverá abrir portas em 2020.
O especialista em História do Estado
Novo receia que Santa Comba Dão se
transforme em algo parecido com Pre-
D.R.

dappio, a pequena localidade do norte

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Expresso, 27 de julho de 2019
O sobrinho-neto
de Itália onde nasceu e está sepultado
Benito Mussolini e onde, apesar das
constantes proibições do Governo,
de Salazar junto
se vendem bonecos e todo o tipo de
à casa onde nasceu
o ditador, descrito parafernália ligada ao ditador italia-
na placa como no. “É um centro de romagem dos
“um Senhor que saudosos do fascismo.” Rosas lembra
governou Portugal também “a grande confusão” em que
e nada roubou”.
As traseiras da casa
estão em ruínas.
se transformou a exumação do corpo
de Franco, que se encontra sepultado
no Vale dos Caídos, perto de Madrid,
outro local de culto de neofascistas
Em baixo, a campa
onde está sepultado de toda a Europa. “Acaba tudo numa
e a escola onde vai capitalização da nostalgia do regime.”
funcionar o museu. Menos taxativa, a historiadora Irene
Dois membros Pimentel prefere esperar para ver o
da União Antifascista que será o centro interpretativo de
estão atentos Santa Comba Dão. “Qualquer museu
às romarias sobre o Estado Novo, sobre Salazar
ao cemitério e sobre o salazarismo é fundamental
para perceber a nossa História. O pro-
blema é quem o faz e como é feito”,
adverte (ver entrevista ao lado).
Salazar na Justiça
Rui Salazar de Melo, 71 anos, sobri-
nho-neto do ditador que vive a poucos
metros do futuro museu, na avenida
Dr. António Oliveira Salazar, não tem
dúvidas de que a memória do Estado
Novo pode ser um incentivo ao turis-
mo na região. “Se houvesse uma loja
de recordações com objetos do meu
tio-avô viria muita gente de todo o país
comprá-los. Há ainda muitos admira-
dores dele, em Portugal e no estran-
geiro. No verão há muitas excursões
e vejo cada vez gente nova a chegar
à terra com curiosidade sobre Sala-
zar”, afirma. A adega e as traseiras da
casa onde viveu o estadista estão em
ruínas. A vegetação floresce entre as
paredes descascadas, com os tijolos à
vista, e os telhados em madeira parti-
dos. As janelas têm os vidros quebra-
dos ou as persianas sem cor enrugadas
pelo sol e pela chuva. Dezenas de cães,
de que toma conta, ladram atrás das
vedações.
Rui Salazar de Melo disputa um bra-
ço de ferro com a autarquia local por
causa da doação “de bens móveis e
imóveis” do homem que governou o
país durante mais de três décadas. Em
2006 fez um contrato-promessa com
o município, na condição de ser cons-
truído o museu no espaço de um ano e
de lhe ser atribuída uma remuneração
mensal de dois mil euros, de forma
vitalícia. Mas nada disto se concreti-
zou. O projeto acabou por falhar por
falta de dinheiro do município e por
faltarem parceiros que investissem
nele. E por alguma resistência da po-
pulação. “Fui enganado e nem sequer
recebi um pedido de desculpas”, diz
ao Expresso. E aponta o dedo tanto ao
anterior executivo social-democrata
como ao atual, eleito pelo PS.
Recentemente, a Câmara foi obri-
gada pelo tribunal a devolver o es-
pólio por não ter sido reconhecido
“qualquer valor patrimonial de inte-
resse histórico e cultural” aos bens
do antigo presidente do Conselho.
Entre eles estão moedas, livros, me-
dalhas e condecorações. “Muitos
desses objetos nem sequer eram de
Salazar”, acusa o presidente da au-
tarquia, que diz que havia até uma
revista do “Correio da Manhã” entre
os objetos recebidos pelo município.
Já Rui Salazar de Melo garante que
tudo o que doou há 13 anos tem “um
elevado valor histórico” e que só lhe
foram restituídas pela Câmara 160
das 500 caixas que tinha entregue
com os objetos da família. “O res-
to está desaparecido sob custódia
da autarquia ou danificado, ou seja,
inapto para exposição”, acrescenta o
seu advogado André Cunha.
Em outubro, está já marcada uma
audiência preliminar no tribunal ju-
dicial de Viseu por causa do diferendo
relativo aos objetos da família. “Esta-
mos em litígio na Justiça”, anuncia o
advogado. Rui Salazar de Melo quer
ser ressarcido pela autarquia em pelo
menos 300 mil euros, valor que esti-
ma ter perdido desde 2006 por não ter
recebido a mensalidade acordada com
o município.
André Cunha, que garante ser “de
esquerda e contra qualquer tipo de
ditadura”, alega que o sobrinho-neto
do estadista está a ser alvo de um jul-
gamento da História que define como
“injusto”. “Nem os filhos ou os sobri-
nhos-netos de Hitler têm de ser perse-
guidos ou pagar pelos crimes do pai.”
hfranco@expresso.impresa.pt
TRÊS PERGUNTAS A
Irene Flunser Pimentel
Historiadora especialista no período do Estado Novo
P Quais são os pontos positivos e nega-
tivos da criação de um museu do Esta-
do Novo na terra onde nasceu Salazar?
R Qualquer museu sobre o Estado Novo,
sobre Salazar e sobre o salazarismo é
fundamental na nossa História. O gran-
de problema é quem o faz e como é que
é feito. Um museu não tem de ser criado
para elogiar ou denegrir a figura em
causa. Tem de ser objeto de investiga-
ção histórica. Não faço a mínima ideia
sobre como vai ser feito. Se vai ou não
a concurso público, se são convidados
historiadores para fazê-lo... Penso que
há uma estratégia de elogio da persona-
lidade e isso não faz parte de um museu.
P Nunca foi contactada para ajudar
neste projeto?
R Não. Nem percebo muito bem o que é
isso do centro interpretativo. A interpreta-
ção é feita através de historiadores. Não é
uma questão política. Mas não quero fazer
um processo de intenções. Tenho curiosi-
dade porque o tema me interessa muito.
P E o que acha do facto de uma parte
do espólio de Salazar ser exposta ao
público?
R Não tenho nada contra desde que seja
tudo contextualizado historicamente.
Romarias à
terra do ditador
Em Santa Comba Dão, um
restaurante tem o busto de
Salazar. Há três datas que
atraem os saudosos do Estado
Novo, e dois antifascistas atentos
O restaurante Cova Funda, em Santa
Comba Dão, é conhecido pelos nacos
de alcatra e pelas bolas de bacalhau,
mas também pela devoção do dono ao
ditador que governou o país durante
48 anos. Numa das salas, entre as
garrafas de vinhos do Dão, ergue-se
um busto de Salazar, acompanhado
pela frase: “O melhor governante nos
900 anos de História de Portugal.” Na
parede ao lado, está uma fotografia
da antiga estátua do estadista, que se
encontrava no centro da cidade até
ser removida em 1977.
Numa das salas
do restaurante Cova
Funda, entre garrafas do
Dão, ergue-se um busto de
Salazar com a frase “O
melhor governante nos
900 anos de Portugal”
Quem nunca entrou naquele res-
taurante nem faz tenções de lá comer
é António Vilarigues, de 65 anos, e
Alberto Andrade, de 62, membros
da União de Resistentes Antifascistas
Portugueses (URAP) do núcleo de
Viseu e de Santa Comba Dão. Sabem
há muito que o Cova Funda é um
dos pontos de encontro dos saudo-
sistas de Salazar sempre que rumam
à cidade para celebrar o nascimento
(28 de abril de 1889), a morte (27
de julho de 1970) ou a nomeação
como chefe de Governo (5 de julho
de 1932). “Há romarias ao túmulo
do ditador por skinheads e outros
disfarçados. Essas informações sur-
gem por vezes no Cova Funda”, diz
Alberto Andrade.
A campa onde se encontra Salazar
parece menos desgastada do que as
que a rodeiam e que pertencem à fa-
mília do ditador. António Vilarigues
especula: “Devem lavá-la com maior
frequência do que as restantes.” O
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P Faria mais sentido um museu do
género em Lisboa?
R Há sempre críticas de centralismo,
mas é óbvio que tudo o que se passa
em Lisboa tem mais visibilidade. Mas
também entendo que tendo sido Santa
Comba Dão o local de nascimento de
Oliveira Salazar, que ia lá regularmente,
que se construa lá.
P Em Espanha o Vale dos Caídos,
onde está sepultado Franco, e em
Itália a vila onde nasceu Mussolini,
são locais de peregrinação de sau-
dosistas do fascismo. É possível que
aconteça algo semelhante em Santa
Comba Dão?
R Não posso dizer que não possa acon-
tecer. Depende muito como o centro
interpretativo será feito. Com um con-
junto alargado de historiadores não há
hipótese de manifestações saudosistas.
Mais facilmente acontecem num túmu-
lo. De vez em quando há este tipo de
manifestações em Portugal, mas são
completamente minoritárias. É uma
das grandes diferenças da forma como
passámos da ditadura para a democracia
em relação a Espanha e Itália. De um
modo geral, ninguém em Portugal pensa
repetir a censura ou a PIDE.
sobrinho-neto, Rui Salazar de Melo,
tem outra teoria: “É por ficar mais
vezes coberta de flores.” O próprio
encarrega-se disso todos os sábados
de manhã. “Paga a uma florista do hi-
permercado”, assegura o taxista que o
leva para junto da campa número 40.
Além do cemitério, os outros locais
de culto dos neossalazaristas são as
casas onde nasceu e viveu o ditador,
junto à Escola-Cantina Salazar. Um
dado confirmado pelo Expresso. Al-
guns condutores estacionaram na
berma junto aos dois locais, ficando a
observá-los durante alguns minutos.
Mas nunca saíram das viaturas.
“Isto tem andado calmo. Eles vêm
quase sempre em grupos pequenos”,
afiançam os dois membros da URAP,
que estão atentos ao fenómeno.
“Apercebemo-nos através de amigos
que conhecem o meio ou pelas redes
sociais da extrema-direita quando se
dão os maiores ajuntamentos. Mas
vem quem quer. Não fazemos qual-
quer tipo de contra-ação nem sequer
existe uma rede informal de alerta
dentro da organização”, assegura Vi-
larigues, filho de comunistas perse-
guidos pelo Estado Novo que nasceu
na clandestinidade.
O grande momento de tensão entre
a URAP e a extrema-direita deu-se
em 2007, quando António Vilarigues
e os companheiros tiveram de ser
protegidos pela GNR de dezenas de
neonazis que defendiam a criação
do museu do Estado Novo na cidade.
“Tentaram cancelar uma sessão de
esclarecimento que organizámos,
mas conseguimos levá-la até ao fim
apesar das tentativas de contrama-
nifestações e de confrontos”, conta.
Nesse ano, uma petição “contra a
concretização do museu Salazar” e
“a propaganda do regime corpora-
tivo fascista do Estado Novo”, com
16 mil subscritores, chegou mesmo
à Assembleia da República. “Não
faz sentido um museu deste género
em Santa Comba Dão. E nem sequer
iria criar postos de trabalho. Aqui na
terra não há documentos do ditador.
Eles estão nos arquivos da Torre do
Tombo, onde devem ser estudados. A
Câmara só tem como espólio a cama,
umas botas e o restaurador Olex”,
diz Vilarigues.
PRIMEIRO CADERNO 17
SEGURANÇA
Neonazis
europeus
reúnem-se
em Lisboa
Mário Machado organiza
uma conferência nacionalista
em Lisboa. Entre os convidados
estão neonazis europeus
e líderes da extrema-direita
O movimento político de extrema-di-
reita fundado por Mário Machado, ex-
-líder dos skinheads portugueses, vai
organizar a 10 de agosto, em Lisboa,
uma conferência de nacionalistas onde
vão participar dirigentes de partidos de
extrema-direita e neonazis europeus.
Paul Anthony Golding, um dos con-
vidados do encontro organizado pelo
movimento Nova Ordem Social (NOS),
lidera o partido Britain First e entrou
para a história como o primeiro con-
denado num tribunal britânico pelo
crime de ódio racial. Cumpriu três
meses de pena efetiva por ter insultado
quatro muçulmanos que estavam a ser
julgados pela violação de uma mulher
branca. O juiz que o condenou escre-
veu na sentença que Golding tinha
usado o caso de violação como “um
pretexto” para disseminar o ódio à cul-
tura e religião muçulmanas. De acordo
com o tribunal, juntou um grupo de
“nacionalistas” e foi bater à porta de
um dos suspeitos para gritar palavras
de ordem contra os muçulmanos. Lá
dentro estava a mulher do arguido
com três filhos pequenos.
Outro dos convidados, Matthias Dey-
da, do partido alemão Die Rechte (O
Direito), filmou um vídeo de promoção
para o evento português em que fala
em frente a uma casa decorada com
a palavra nazi em tamanho gigante.
“Hitler é o mais famoso e importante
estadista alemão”, disse um dia numa
entrevista.
Evento legal
“O evento é legal e está a ser controla-
do”, diz uma fonte policial ouvida pelo
Expresso. “Há linhas vermelhas que
não foram ultrapassadas na divulga-
ção do evento, por isso não há razão
nenhuma para impedir que se realize”,
defende o presidente do Observatório
de Segurança, Criminalidade Organi-
zada e Terrorismo. “Agora, os serviços
de segurança e de informações têm de
estar muito atentos porque, se durante
a promoção do evento, ou mesmo du-
rante a conferência, houver palavras
ou ações contra os direitos humanos
ou contra a Constituição portuguesa,
o Estado democrático português tem o
direito e o dever de agir”, diz António
Nunes, que considera a ascensão da
extrema-direita na Europa “preocu-
pante”, apesar de “não ter expressão”
em Portugal.
O evento está a ser publicitado no
blogue e no site do NOS, onde Mário
Machado assina um “pedido de ajuda
aos nacionalistas portugueses”, em
que solicita aos que “tenham capaci-
dade financeira” um donativo para
pagar o aluguer da sala, “deslocações”
e “despesas de cortesia”. O local da
conferência não foi divulgado.
Depois de ter sido condenado em
1997 a quatro anos de prisão pelo
envolvimento no homicídio racista
de Alcino Monteiro, Mário Machado
cumpriu mais nove anos pelos crimes
de discriminação racial, extorsão, pos-
se de arma ilegal e sequestro.
Em 2007, era militante do PNR e foi
preso nas vésperas de um encontro
europeu de extrema-direita que se rea-
lizou num hotel em Lisboa, depois de a
Casa de Tomar, também na capital, ter
cancelado o aluguer porque não terá
percebido a natureza do encontro que
se dispôs a acolher.
No total, Machado cumpriu 13 anos
de prisão. O NOS salienta que nem
assim se rendeu ao “Zionist Occupa-
tion Government”, como chama ao
Governo de Portugal.
Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
18 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 27 de julho de 2019

SAÚDE

tema. Um parecer positivo do

Riane e Rafael nunca CNCEV às pretensões da asso-
colocaram a hipótese de não ciação, que quer que o aborto
ter a filha, Ana. Mas tiveram deixe de ser sugerido nestes
de deixar de lado muitos casos, não mudaria a lei, mas
preconceitos enviaria uma mensagem ao
Parlamento e aos médicos.
“Respeito muito o casal, ou
a mulher, que sabe que o bebé
tem trissomia 21 e decide ter o
filho, mas não podemos limitar
o direito e a liberdade de esco-
lha. A tendência é que Portu-
gal siga o caminho da Islândia,
onde já não nascem crianças
com síndrome de Down. Claro
que é eugenia, mas nem toda a
eugenia é má. Estamos a falar
de doenças e anomalias genéti-
cas”, explica Miguel Oliveira e
Silva, professor de Ética na Fa-
culdade de Medicina de Lisboa.
Para Alberto Barros, espe-
cialista em reprodução, a ques-
tão da eugenia coloca-se, mas
numa perspetiva mais huma-
nista. “Não é para melhorar
a espécie humana, mas fazer
com que a doença genética seja
menor na geração seguinte.” À
medida que a idade da mulher
aumenta — e as portuguesas
têm filhos cada vez mais tarde
— sobe o risco de o bebé ter
a anomalia. Daí que o clínico
saliente a importância de o
diagnóstico ser feito mais cedo,
porque é menos doloroso para
o casal. “É diferente interrom-
per às 12 ou às 18 semanas.”

Luto pelo bebé perfeito

Trissomia 21 a caminho da Rui Nunes, professor de Bioé-

tica da Faculdade de Medicina
do Porto, destaca que as re-
centes descobertas do genoma

extinção. Eugenia ou progresso?

Mais de 80% dos casais interrompem a gravidez. Em Portugal, o número de bebés portadores
da síndrome caiu para metade em três anos. Há países onde já não nascem estas crianças
Textos Carolina Reis
Foto Tiago Miranda
O primeiro teste foi uma feli-
cidade: souberam que iam ser
pais. O segundo um choque: a
tão desejada filha tinha trisso-
mia 21, uma anomalia genética
que a vai acompanhar para o
resto da vida. Mas Riane e Ra-
fael Sá tiveram sempre a certe-
za de que iam ter a bebé.
“Depois de muito ler, despi-
mo-nos dos nossos próprios
preconceitos e percebemos
que a trissomia era um por-
menor. Íamos ter uma criança
funcional, que faria tudo como
qualquer outra. No tempo dela,
mas faria”, conta Riane.
O casal pertence a uma mino-
ria, entre os pais que se depa-
ram com este diagnóstico pré-
-natal. Dados da Pais 21 — uma
associação que está a fazer um
censos para saber quantos são
e como vivem os portadores de
síndrome de Down — indicam
que apenas 18% dos casais de-
cidem prosseguir com a gravi-
dez. Em três anos, o número de
nascimentos caiu para pouco
mais de metade, de 44 para 24.
E há países, como a Islândia
ou a Dinamarca, que no ano
passado garantiram ter erra-
dicado a anomalia.
Apesar de não existirem
registos oficiais feitos pelas
autoridades de Saúde, não é
novidade para quem trabalha
na área que se caminha para a
extinção. Miguel Palha, pedia-
tra do desenvolvimento e um
dos maiores especialistas nesta
área, relembra que na década
de 90 nasciam, por ano, 180
bebés com síndrome de Down.
“Todas as alterações ou doen-
ças genéticas vão desaparecen-
do, não é só a trissomia 21.”
A Pais 21 vai enviar uma car-
ta ao Conselho Nacional de
Ética para as Ciências da Vida
(CNECV) a pedir uma reflexão
sobre se estes casos devem ser
elegíveis para a interrupção
voluntária da gravidez (IVG),
permitida até às 24 semanas
em caso de doença ou malfor-
mação congénita. Como esta
anomalia só pode ser diagnos-
ticada a partir dos três meses,
a IVG não pode ser feita no
âmbito do aborto a pedido da
mulher, que não exige qual-
quer justificação e só é possível
até às 10 semanas.
“Nascem cada vez menos
crianças com trissomia 21.
Estão a praticar-se abortos
seletivos, a escolher o tipo de
pessoas que podem ter vida.
O que pedimos é uma refle-
xão sobre o aborto eugénico”,
defende Marcelina Sousheck,
presidente da Pais 21. Mãe de
MANTEVE A GRAVIDEZ
DEPOIS DE SABER QUE O
BEBÉ TINHA TRISSOMIA 21
Sim
18%
Não
82%
NASCIMENTOS COM
TRISSOMIA 21 EM QUEDA
44
40
30
20
2015 2016 2017
FONTE: ASSOCIAÇÃO PAIS 21
uma jovem de 16 anos porta-
dora da anomalia, defende que
as pessoas com síndrome de
Down podem ter uma vida nor-
mal e independente.
Medo do futuro
Susana Nogueira, pediatra do
neurodesenvolvimento, traba-
lha com estas crianças há mais
de 20 anos e conta que, apesar
de não existirem diferentes
graus de trissomia 21, nem to-
dos são iguais ou crescem com
as mesmas limitações. “As car-
diopatias [doenças do coração]
têm um impacto no primeiro
ano de vida. É o que mais in-
fluencia o desenvolvimento.”
Se a cardiopatia for congénita
grave, o percurso será mais di-
fícil. Mas há em todos os casos
Síndrome
de Down
Nos últimos anos, as
pessoas com trissomia 21
têm ganho mais esperança
de vida e mais autonomia.
Daí que hoje existam
adultos com vidas
independentes, alguns até
a trabalhar. A médica
Susana Nogueira destaca a
importância da
intervenção precoce na
infância. A maioria dos
pais gasta entre €200 e
€300 por mês em terapias.
Além da limitação
cognitiva, é natural que
tenham défice auditivo e
que desenvolvam doenças
como a celíaca, infeções
respiratórias, diabetes ou
24 neoplasias. “Como são
mais vigiados, ao fim de
2018
uns anos tornam-se os
mais saudáveis lá de casa”,
diz a médica.
um atraso na linguagem ao se-
gundo ano de vida.
“Nunca acompanhei nenhu-
ma criança com trissomia 21
que não tivesse perturbação
mental. Mas chegam a adultas,
leem, fazem interpretações,
ainda que vivam supervisiona-
dos”, frisa a médica.
Marcelina Sousheck acredita
que, quando recebem o diag-
nóstico, os pais têm a cabeça
cheia de preconceitos que não
correspondem à realidade. “A
imagem que as pessoas têm é a
das crianças nas carrinhas das
associações de ensino especial.”
A imagem que passou pela
cabeça de Raquel e António
foi outra. Projetaram o futuro,
pensaram como seria a vida
da criança que esperavam aos
40 anos, quando eles já cá
FRASES
“É claro que é
eugenia, mas nem
toda a eugenia
é má”
Miguel Oliveira e Silva
Professor de Ética na Faculdade de
Medicina de Lisboa
“Estão a praticar-se
abortos seletivos,
a escolher o tipo
de pessoas que
podem ter vida.
O que pedimos
é uma reflexão”
Marcelina Sousheck
Presidente da Associação Pais 21
não estivessem. Optaram por
abortar às 18 semanas, depois
de o diagnóstico se confirmar.
“Custou-nos muito, mas não
tivemos coragem de trazer ao
mundo uma criança que ia so-
frer. Quem cuidaria dela quan-
do nós fechássemos os olhos?”
pergunta Raquel.
Agora, têm Santiago nos bra-
ços há 15 dias. Quase dois anos
depois da primeira gestação,
decidiram tentar de novo. “É
o primeiro filho, mas no nos-
so coração sabemos que não
foi com ele que começámos
a construir a nossa família.”
Ainda hoje Raquel sente um
aperto no peito quando pensa
no momento em que deixou
“de estar à espera de um fi-
lho”. Pensa muitas vezes como
a criança seria hoje, mas não
se arrepende. “Foi uma esco-
lha. Respeito as escolhas dos
outros, também quero que res-
peitem a minha.”
Tal como aconteceu com
Riane e Rafael, também a este
casal o aborto foi apresenta-
do como uma opção. Diz a lei
que os casais têm o direito à
informação. “O que fazemos é
dar uma informação neutra. A
maioria opta por interromper a
gravidez. Há casais que pedem
mais informação, querem falar
com pediatras ou com os cirur-
giões cardíacos, para saberem
como será a vida da criança”,
explica Álvaro Cohen, diretor
do departamento de diagnós-
tico pré-natal da Maternidade
Alfredo da Costa.
Apesar de discordar da hi-
pótese de se retirar a opção de
escolha, o clínico sente que os
casais abortam “condicionados
pelo que não existe”, isto é, por
não saberem com que apoios
do Estado podem contar.
Partindo de pontos opostos,
tanto a presidente da Pais 21
como o especialista defendem
que é preciso refletir sobre o
humano e o avanço da tecno-
logia vão permitindo detetar
mais doenças. “É quase como
procurar ter o filho perfeito,
isto não se limita só à trissomia
21.” Reconhece que se cami-
nha no sentido “complexo” da
neoeugenia — em que os pais
procuram ter filhos com o me-
lhor capital genético, porque
só pessoas muito saudáveis e
com muitas capacidades é que
vão encaixar na sociedade —,
mas considera que a proibição
do aborto seria um retrocesso.
“Esta é uma decisão familiar,
cabe ao Estado respeitar essa
escolha”, frisa.
Já Ana Sofia Carvalho, pro-
fessora de Bioética na Univer-
sidade Católica do Porto, aco-
lhe o pedido da Pais 21. “A lei
é muito abrangente. O que é
doença grave ou malformação
congénita? Não sabemos quais
são as razões que levam estes
pais a abortar. Era importan-
te termos dados sobre isso.”
A especialista, que também é
membro do CNCEV, diz que
há cada vez mais interesse pela
genética, que começa a ter um
peso excessivo. “O facto de
uma criança nascer saudável
não significa que, um dia, não
vá ter outra doença que lhe li-
mite a vida. Ter um filho deixa
de ser uma lotaria.”
Marco e Clara Silva aceita-
ram essa lotaria. Quando tive-
ram o diagnóstico pré-natal,
que confirmou a síndrome de
Down, pensaram muito sobre
a decisão que tinham de tomar.
“A primeira coisa que fizemos
foi o luto pelo filho perfeito”,
conta Marco.
Falaram com médicos e com
pais de outras crianças e à me-
dida que iam discutindo a op-
ção, o coração balançava ora
para um lado ora para outro.
“Houve dias em que decidíamos
abortar, outros não. A única coi-
sa que tínhamos certeza é que a
decisão seria sempre tomada a
dois”, continua Clara.
Os exames começaram a
mostrar que os órgãos esta-
vam “bem formados” e que o
bebé não tinha nenhuma car-
diopatia grave. Também eles
projetaram a vida que o bebé
poderia ter. E decidiram: Luís
nasce no próximo mês.
cbreis@expresso.impresa.pt

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Expresso, 27 de julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 19

ENSINO SUPERIOR

Até agora só cinco

As universidades do Algar- Também o presidente da Asso- não abrem em setembro (Insti-
ve, Madeira ou Lusíada foram ciação do Ensino Superior Par- tuto Superior de Comunicação
acreditadas por três anos com ticular e Cooperativo (Apesp), Empresarial e Escola Superior
correções a cumprir. Já a uni- João Redondo, aponta alguns de Tecnologias e Artes de Lis-

escolas passaram
versidade de Aveiro e a Uni-
versidade Católica Portuguesa
(UCP) receberam acreditação
por um ano. Em ambas, o facto
de terem ensino universitário
aspetos a melhorar. “Há critéri-
os de avaliação assumidos pelos
avaliadores que não estão pre-
vistos na lei. Esse grau de sub-
jetividade tem ainda mais riscos
boa). Os seus alunos — pouco
mais de 200 — vão ser trans-
feridos para os politécnicos de
Lisboa e de Setúbal e para a Uni-
versidade de Lisboa. As outras

sem falhas
60 das 113 instituições já foram avaliadas. Maioria não
cumpre todos os requisitos. Têm um ano para corrigir
Isabel Leiria
Acreditar, acreditar com con-
dições, não acreditar. São estes
os três veredictos possíveis no
exame às instituições realiza-
do pela Agência de Avaliação
e Acreditação do Ensino Supe-
rior (A3ES), que já concluiu o
processo em relação a 60 das
113 universidades e escolas poli-
técnicas. Só cinco passaram com
distinção, recebendo acredita-
ção pelo período máximo de seis
anos. Sete chumbaram e vão ter
de fechar portas. A grande mai-
oria (48) foi acreditada apenas
por um a três anos, tendo esse
tempo para corrigir as falhas
apontadas pelas comissões de
avaliação externa.
Significa isso que há mais ins-
tituições em risco? Nem por isso,
explica o presidente da A3ES,
Alberto Amaral: “A razão de
muitas acreditações por um ano
tem a ver com a não publicação
no site da instituição dos relatóri-
os de autoavaliação dos cursos e
dos resultados das acreditações.
E este problema é facilmente
superável.” Noutros casos, a ta-
refa de correção e melhoria que
têm pela frente é mais comple-
xa e passa por mudar estatutos,
corrigir a composição dos vários
órgãos, melhorar a qualificação
do corpo docente, ter mais in-
vestigação ou montar sistemas
de garantia de qualidade.
Entre as cinco instituições
que já receberam a acreditação
sem reservas (além de melho-
rias pontuais sempre sugeridas
pelas comissões de avaliação ex-
terna) encontram-se públicas e
privadas. É o caso do ISCTE, da
Universidade de Évora, da Esco-
la Superior de Educação Paula
Frasinetti (Porto), do Instituto
Superior de Psicologia Aplicada
(Lisboa) e da Escola Superior
de Enfermagem de Coimbra. As
decisões sobre as duas maiores
universidades (Lisboa e Porto)
ainda não foram publicadas.
e politécnico implica modifica-
ções nos estatutos. A UCP tem
ainda de construir um sistema
de garantia de qualidade, uma
das obrigações recentemente
introduzidas no ensino superior
e que está por concretizar em
muitas escolas. Ao fim de um
ano, têm de apresentar um rela-
tório, demonstrando o cumpri-
mento das condições. A A3ES
profere então nova decisão, que
pode ser de acreditação plena,
parcial ou, em casos graves, de
não acreditação.
A Católica chegou a contes-
tar o relatório, mas o recurso,
como aconteceu com quase
todas as outras instituições, foi
recusado. Tratando-se da pri-
meira avaliação às instituições,
“é evidente que [o processo] tem
de ser melhorado, tornando-se
menos burocrático e formalista,
e garantindo a autonomia e a
especificidade de cada institui-
ção”, comenta a reitora da UCP,
lembrando que a universidade
foi criada por uma concorda-
ta assinada entre Portugal e a
Santa Sé.
num país pequeno, em que os
avaliadores vêm, por vezes, de
instituições concorrentes. O
sistema de revisão também não
funciona bem. Daí não haver tan-
Além das sete escolas
que chumbaram na
avaliação da Agência,
desde 2009 fecharam
outras 17. Por decisão
própria ou imposição
da tutela
tas acreditações sem condições,
como era natural que houvesse.”
Ainda assim, o balanço é
positivo, consideram tanto o
presidente da Apesp como o
presidente dos Reitores das
Universidades Portuguesas. A
avaliação externa obriga sempre
a melhorias, sublinham.
Em relação às sete escolas,
todas do ensino privado politéc-
nico, que não foram acreditadas
e que vão fechar, há duas que já
funcionarão até 2021 para que
os inscritos possam concluir aí
os seus cursos.
Mas se estes fechos decorrem
da avaliação institucional em
curso, outras escolas já tinham
encerrado antes. Na última dé-
cada aconteceu com pelo menos
17, por determinação do Gover-
no ou por avaliação das próprias
instituições, que entenderam
não ter viabilidade.
A evolução não surpreende se
se pensar no decréscimo demo-
gráfico e diminuição de candi-
datos e no aumento “exponenci-
al” de vagas no ensino superior
público, explica João Redondo.
“Trata-se de escolas que já eram
de pequena dimensão, mas que,
neste contexto, acabaram por
perder massa crítica e espaço de
atuação. Apesar das consequên-
cias para os seus professores e
alunos, o seu encerramento não
tem impacto neste sector.” Nos
anos 90, as privadas chegaram
a ter 40% dos inscritos no ensi-
no superior, mas representam
agora 18%.
ileiria@expresso.impresa.pt

INSTITUIÇÕES QUE FECHARAM DESDE 2009

Encerradas ^^ Escola^Superior^ ^^ Instituto^

^^ Instituto^ de^Educação^ Superior^
Superior^^ Jean^Piaget^^ Politécnico^
D.^Afonso^III^ do^Nordeste^ Internacional
(Loulé) (M.^Cavaleiros) ^^ Universidade^
^^ Escola^Superior^ ^^ Instituto^ Internacional^
de^Educação^de^ Superior^ (Lisboa)
Torres^Novas Bissaya^^ ^^ Universidade^
^^ Instituto^ Barreto^ Internacional^
Superior^^ (Coimbra) Figueira^da^Foz
de^Espinho ^^ Escola^
^^ Escola^Superior^^ Universitária^ Vão encerrar
de^Artes^ das^Artes^^ ^^ Escola^Superior^
Decorativas^ de^Coimbra Artística^de^
(Lisboa) ^^ Instituto^ Guimarães
^^ Instituto^ Superior^ ^^ Escola^Superior^
Superior^ Politécnico^^ de^Educação^
Educação^e^ do^Oeste^ Almeida^Garrett
Trabalho^(Porto)^ (Torres^Vedras) ^^ Instituto^Novas^
^^ Instituto^ ^^ Instituto^ Profissões^Lisboa
Superior^ Superior^^ ^^ Escola^Superior^
Autónomo^^ de^Gestão^ de^Tecnologias^e^
de^Estudos^ Bancária^ Artes^de^Lisboa
Politécnicos^ (Lisboa) ^^ Escola^Superior^
(Lisboa) ^^ ISLA^^ Educação^Jean^
^^ Escola^Superior^ de^Bragança Piaget^Arcozelo
FOTO^RUI^DUARTE^SILVA

de^Saúde^^ ^^ Instituto^ ^^ Conservatório^

Jean^Piaget^^ Superior^^ Música^de^Gaia
do^Nordeste^ de^Informática^^ ^^ Inst.^Superior^de^
(Macedo^de^ e^Gestão^ Comunicação^
Cavaleiros) (Lisboa) Empresarial

Saída de Direito de Lisboa apoiada pela “maioria”

Diretora da Faculdade
Nova defende readaptação
do ensino à economia
digital, numa localização
mais atrativa
Depois da saída da escola de Eco-
nomia da Universidade Nova de
Lisboa (UNL) para Carcavelos, a
Faculdade de Direito — e também
a de Ciências Médicas — prepara
a sua mudança para o concelho
de Cascais, num processo que,
acredita a diretora, marcará o
início de uma nova etapa.
Um espaço construído de raiz
à beira mar, mais atrativo para
alunos internacionais e não só,
com uma infraestrutura tecno-
lógica inexistente nas atuais ins-
talações em Campolide e garan-
tindo uma experiência de ensino
mais adequada à economia digi-
tal é o que a diretora, Mariana
Gouveia, espera garantir com a
mudança, dentro de dois anos.
Segundo a universidade, a
construção do novo edifício da
FD no Campus de Carcavelos,
num terreno cedido pela Câ-
mara de Cascais a 200 metros
da Faculdade de Economia,
deverá estar concluída até ao
verão de 2021. O financiamen-
to será feito através de uma
campanha de fundraising jun-
to de privados (€1,5 milhões é a
meta traçada) a que acrescem
€7 milhões que serão garan-
tidos pela Fundação UNL. A
venda do terreno na Avenida
de Berna onde funciona a Fa-
culdade de Ciências Sociais e
Humanas — que se mudará
para Campolide, em Lisboa —
ajudará à operação.
O presidente do conselho
científico (CC) da faculdade,
Jorge Bacelar Gouveia, criticou
recentemente o projeto numa
carta aberta em que pedia que
o processo fosse travado. Mas
Mariana Gouveia garante que a
mudança tem o apoio da “esma-
gadora maioria dos professo-
res”. No conselho da faculdade,
onde estão representantes de
professores, alunos e elementos
externos, “nenhum disse ser
contra”, afirma.
Os dados e o Direito
A saída da capital, onde está há
22 anos, e o afastamento das
outras duas principais escolas
de Direito de Lisboa (Clássica
e Católica) e também dos gran-
des escritórios de advogados foi
uma das críticas expressas pelo
presidente do CC, que fala em
“perda de atratividade”. Mas
a diretora da faculdade vê na
mudança o efeito inverso.
“Ter instalações novas, numa
zona que alia qualidade de vida
a uma experiência universitária
de qualidade é uma mais-valia
enorme. No atual edifício não
temos uma sala para os alu-
nos nem uma sala de estudos
apropriada. Lá podemos ter
um edifício aberto, sem muros,
com todas as condições tecno-
lógicas. E do ponto de vista da
internacionalização é uma van-
tagem. Quem vem de fora va-
loriza muito estas condições”,
reforça a diretora.
Além disso, acrescenta, a
maioria dos estudantes nem
sequer é de Lisboa. “Um quar-
to já vivia na capital, 40% são
da Grande Lisboa e os restantes
vêm de outras zonas do país.” E
os exemplos de grandes escolas
que estão fora dos principais
centros urbanos repetem-se.
“Entre as melhores universida-
des do mundo são raras as que
estão no centro de um grande
cidade. Oxford, Cambridge,
Yale, Princeton ou Harvard es-
tão fora”, exemplifica.
Quanto ao projeto de ensi- aplicações como a FaceApp.
no, Mariana Gouveia recusa a “Imaginar uma economia digi-
ideia de que a proximidade com tal sem regulação — em que to-
Economia tenha a ver com um dos os nossos dados são detidos
enfoque da escola na área do por empresas privadas e inter-
direito dos negócios. O obje- mediários substituem prestado-
tivo é garantir que, além das res de serviços — é assustador.
áreas tradicionais do Direito, Conversando com um respon-
sejam introduzidas competên- sável de uma aceleradora de
cias que ajudam a preparar os startups, ele dizia-me: todos os
futuros profissionais a resolver nossos problemas são jurídicos.
os desafios de uma economia E é a estes desafios que temos
digital. Por isso o currículo que de responder”, acredita. I.L.
entrou em vigor prevê cadeiras
de Programação para Juristas e
Direito e Tecnologia.
“A mera acumulação do co-
nhecimento deixa de ter valor
com a compilação de dados em
gigantescas bases de dados e a
pesquisa automatizada.” Mas
ao mesmo tempo, nunca o Di-
reito foi tão importante, defen-
de, lembrando as polémicas re-
centes com a recolha de dados
pela Cambridge Analytica ou

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20 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 27 de

CM

MY

CY

CMY

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e julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 21

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22 PRIMEIRO CADERNO
VERÃO DOIS
GELADOS DE
CONVERSA
NA TV NÃO DOU
RECADOS NEM
FAÇO TEMPO
DE ANTENA
A
É há seis anos o política é tanto dele que
até na hora de escolher
comentador de os gelados aponta o sabor
laranja. Sugerimos que
domingo à noite escolha mais um, mas a
cor não difere: manga. “A
na SIC. Garante laranja está muito dentro
de mim. Por razões políti-
que não faz cas e porque estou cons-
tipado e preciso de vitamina C.” Agora
fretes mas que é um “avô babado” de uma neta de 3
anos, o comentador segue este ritual de
confessa que lhe verão uma vez por semana. E também
come gelados com o Presidente, mas
custa falar mal já lá vamos. Comecemos pelo fogo que
arde sem se ver no PSD.
do PSD, embora PP Uma sondagem dá ao PS 43,2%, con-
não possa deixar tra 21,6% para o PSD. A maioria absolu-
ta está no papo para António Costa ou
de o fazer, “sob as sondagens “não servem para nada”,
como disse Rui Rio?
pena de não ser RR As sondagens são um instrumento
útil, mas não acho que a maioria abso-
sério”. Marques luta esteja no papo. Nestas eleições, o
único ponto em dúvida é se o PS ganha-
Mendes já foi rá com ou sem maioria absoluta. Costa
tem a seu favor a ideia de que a maioria
líder partidário, absoluta pode ser um caminho para
reformas mais profundas e um seguro
mas desistiu de risco perante a instabilidade. Mas as
maiorias absolutas em Portugal não são
da ideia de vir fáceis e só se obtêm em momentos de
grande tensão política, porque é aí que
a ser primeiro- surge uma forte mobilização dos elei-
tores. Foi assim com Cavaco Silva em
-ministro. 1987, após o derrube do seu Governo,
e em 1991, com a ideia de que poderia
E assegura que voltar a instabilidade.
Belém também PP Mas esse medo persiste...
RR Não tanto. O grande obstáculo é a fal-
não está nos ta de tensão. Agora depende se o PS tem
seus horizontes ou não engenho, talento e arte para, em
setembro, a criar. Ou seja, a maioria
absoluta está em grande medida na mão
Texto Bernardo Mendonça
do PS. Na gíria futebolística, o PS joga
Foto Nuno Botelho
só dependendo de si próprio.
PP Será melhor para o país que o PS te-
nha maioria absoluta?
RR Esse é um julgamento que cada pes-
soa fará. A estabilidade é um fator im-
portante, mas não se alcança apenas
com maioria absoluta. Tivemos quatro
anos de estabilidade com um Governo
minoritário. E, antes, tivemos estabi-
lidade com um Governo de coligação.
PP Prefere que o PS tenha maioria abso-
luta ou que haja uma nova ‘geringonça’?
RR Não vou tomar partido por nenhuma
dessas opções, porque, para ser sincero,
gostaria era de ter uma maioria absolu-
ta do PSD, o meu partido.
PP É um advogado de negócios desde
que saiu da política. Ganha com certe-
za muito mais nessa atividade do que
como político ou comentador...
RR Sim. A política não é para ganhar
dinheiro. Se não se perder, já não é mau.
PP Outros políticos que também se de-
dicaram à advocacia de negócios, como
António Vitorino, deixaram as suas am-
bições políticas. Essa atividade pode
limitá-lo politicamente?
RR Eu sou advogado. Ponto. Mas o que
me quer perguntar é se tenciono re-
gressar à vida política. Não está mini-
mamente nas minhas ambições. Não
posso dizer categoricamente “nunca
mais”, mas não é nada provável.
PP Foi por ter perdido as eleições para
a liderança do PSD [em 2007, para Luís
Filipe Menezes] que desistiu de ser pri-
meiro-ministro?
RR À vida partidária não voltarei. Te-
nho a ideia de que nunca se deve voltar
aos lugares onde se foi feliz. Em 2005,
quando José Sócrates estava em alta,
tive a segunda maior vitória autárqui-
ca de sempre do PSD. Tive também a
possibilidade de participar numa coisa
histórica, que foi o PSD apoiar o primei-
ro candidato presidencial vencedor da
sua área política, que foi Cavaco Silva.
Tive ainda a oportunidade de substituir
NA GÍRIA
FUTEBOLÍSTICA,
O PS JOGA SÓ
DEPENDENDO DE SI
PRÓPRIO PARA
CHEGAR À MAIORIA
ABSOLUTA
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Expresso, 27 de julho de 2019
alguns autarcas que tinham problemas
com a justiça e descredibilizavam a polí-
“Contra-Informação”, da RTP, havia um
boneco delicioso inspirado em si cha-
tica. Hoje está na ordem do dia, mas eu
fi-lo em 2005 [enquanto líder do PSD].
mado Luís Marques Pentes, que repetia
a expressão “ganda nóia”. A corrupção
Porém, o futuro não se constrói com as
soluções do passado.
em Portugal é uma “ganda nóia”?
RR A corrupção é um vício brutal. É uma
PP E uma candidatura a Belém faz parte
degradação da vida cívica e democráti-
ca. O que me deixa com os cabelos em
das suas ambições?
RR Não. Não está nos meus horizontes,
pé é que um político seja investigado
por corrupção e se mantenha em fun-
nas minhas prioridades e propósitos. ções. Tem de haver mais preocupação
com a ética.
PP Não pensa repetir o caminho de Mar-
celo, de comentador a Presidente? PP Isaltino Morais não deveria ser presi-
RR Comparar qualquer projeto meu ao
professor Marcelo é bastante injusto
dente da Câmara de Oeiras?
RR Em 2005, houve dois presidentes
para ele. Marcelo não é Presidente da
República apenas por ter sido comen-
de Câmara que eu afastei de funções:
Isaltino Morais e Valentim Loureiro.
tador. Ele tinha (e tem) um estatuto de
qualidade política, intelectual e acadé-
Mesmo arriscando perder essas câma-
ras, sabia e sei que às vezes é preferível
mica indiscutível. perder uma eleição a perder a honra,
a dignidade, os princípios e os valores.
PP É das pessoas mais bem informadas
em Portugal. Com quem fala mais du-
Dentro do meu partido, quase toda a
gente me criticou.
rante a semana, Marcelo ou Costa?
RR [gargalhada] Não lhe digo isso de ma- PP Vê essa falha em todos os partidos?
neira nenhuma. Há semanas que não
falo nem com um nem com outro. Mas,
RR Sim. Uma pessoa que está a ser in-
vestigada por corrupção tem direito
sim, falo periodicamente com ambos e
com muito mais gente.
à presunção de inocência, mas deve
suspender as suas funções políticas até
PP Metem-lhe muitas cunhas para os
à decisão final. Com a sua presença na
política contamina a democracia, perde
seus comentários de domingo?
RR No plano político não. As cunhas,
autoridade e dá origem a populismos.
entre aspas, que me metem têm muito
mais a ver com questões de carácter
PP Então, isto sim é uma “ganda nóia”?
RR Sim, desde que a “ganda nóia” corres-
social e cultural. No comentário, tento
manter um mínimo de isenção, e isso
ponda a um defeito grave. Se eu fosse
líder partidário, exigia a todos os can-
vê-se pela forma como critico o meu didatos a deputados que subscrevessem
partido, uma coisa que me custa muito
mas que não posso deixar de fazer, sob
uma declaração na qual se comprome-
tiam a suspender ou a renunciar ao
pena de não ser sério.
PP O seu espaço de opinião é tentador
para muitos procurarem passar-lhe
HOUVE DOIS
recados... Como se protege disso?
RR Se fizer um frete, as pessoas não
apreciarão, e as audiências quebram.
Não estou ali para dar recados e não PRESIDENTES
faço tempos de antena.
DE CÂMARA QUE
PP Há comentário a mais?
RR Acho que não. Não assistirei a todos, EU AFASTEI DE
mas aprecio alguns, como os de Fran-
cisco Louçã e António Lobo Xavier. Sou
FUNÇÕES: ISALTINO
grande adepto do contraditório. E VALENTIM
PP Há uns anos, no programa satírico LOUREIRO
 Expresso, 27 de julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 23

APPS DE VERÃO
Na esplanada,
embalados pelo Douro

SPLITWISE SHAZAM SLEEP CYCLE

Android e iOS Android e iOS Android e iOS
Entre dormidas, O bar de praia Os benefícios de
jantares e passa a melhor uma noite bem
experiências, a música nova todos dormida são
divisão de os anos? Então conhecidos. Só
despesas pode ser esta app, que que nem sempre é
uma dor de comunica com o fácil garantir um
cabeça durante as Apple Music, é sono descansado.
férias, mas para obrigatória para As férias são a
tudo existe uma saber quais os melhor altura The Yeatman
solução. Com esta sons do verão com para o conseguir e Rua do Choupelo, Vila Nova
app, que se apenas um clique. esta aplicação de Gaia. Tel. 220 133 100
sincroniza com a Também é possível regista tudo para Neste que é um dos mais
lista de contactos, conhecer novos que durma cada apetecíveis hotéis do país, tudo
é possível saber temas no vez melhor. se harmoniza na perfeição: o
exatamente qual separador João Miguel generoso terraço é a melhor
o balanço. descobrir. Salvador Esplanada Sandeman varanda para apreciar a fabulosa
Largo Miguel Bombarda, 3, Vila e abrangente vista que daqui se
Nova de Gaia. Tel. 223 740 533 abarca. Um espaço que
Esta enorme esplanada é um dos homenageia o Douro e os seus
LEITURAS DE VERÃO melhores pontos de paragem
vinhos só podia envolver-se com
durante um percurso pelas caves do
ele desta forma apaixonada. Está
Vinho do Porto. Cá fora há dezenas
sempre acessível esta varanda
de mesas com a marca arrojada da
PRATAS Sandeman, música, a criar bom sobre o rio e a cidade, mas é no
CONQUISTADOR ambiente, e um quiosque, de onde verão que, naturalmente, ganha
Paulo M. Morais saem Vinhos do Porto, cocktails e protagonismo. Com o pôr do sol
Casa das Letras petiscos que apetece experimentar. sobre o Douro como cenário, as
€12,90 Preço médio: €15 Sunset Wine Parties reúnem
Ao esvaziar uma uma combinação de pequenos
casa, o narrador Bar da Ponte Pênsil prazeres: os melhores vinhos
descobre o espólio de Rua de Cima do Muro, 14, Porto. nacionais, petiscos tradicionais e
Luís Marques um tio-bisavô,
Emídio Pratas,
Tel. 912 314 589
Os pilares e as ruínas de uma antiga
boa música ao vivo, num
ambiente que se revela
Mendes Advogado protagonista em 1917 casa foram recuperados para dar descontraído e relaxante.
e comentador A INVENÇÃO
OCASIONAL
de um filme de
comédia em que
A GUERRA DAS
SALAMANDRAS
lugar a esta agradável estrutura,
assente mesmo em cima do rio. Em
Preço médio: €30

Elena Ferrante interpretava uma Karel Capek socalcos, servem-se vinhos

Relógio D’Água €17 espécie de Charlot Antígona €18 nacionais, que acompanham uma Rib Beef & Wine
Com ilustrações a lisboeta. É o ponto de Publicada em 1936, variedade de snacks, entre pregos, Pestana Vintage Porto, Praça da
cores de Andrea partida para uma esta extraordinária cachorros, sandes e saladas. Ribeira, 1, Porto. Tel. 966 273 822
Ucini, este novo pesquisa, entre distopia tornou-se Preço médio: €10 Cada refeição é perfeita para
livro de Ferrante ficção e não ficção, um livro de culto. amantes de carne, que aqui
reúne 51 textos sobre vidas Recentemente desfrutam de bons cortes, servidos
publicados no esquecidas e as descobertas, as com coloridos acompanhamentos.
mandato se um dia fossem investigados jornal “The origens do cinema inteligentíssimas O bar, uma viagem à volta do
por crimes graves. Não chega ver os Guardian”. Seja em Portugal. salamandras mundo em cocktails de assinatura,
políticos com lágrimas de crocodilo a qual for o tema da começam por ser ajuda à festa, em especial a partir
dizerem que estão preocupados com crónica, depressa escravizadas, para da esplanada junto ao rio.
a qualidade da democracia, a falta de damos por nós no depois se Preço médio: €20
ética e o crescimento do populismo. território habitual rebelarem contra a
Pois são estes comportamentos que de- da escritora Humanidade, em Quinta do Popa
sacreditam os políticos e a democracia. italiana: essa luta pelo domínio EN 222, Adorigo, Tabuaço.
espécie de limbo do mundo. “Visão Tel. 915 678 498
P Falei do seu boneco no “Contra-In- onde as coisas satírica de uma Guindalense Futebol Clube É considerado um dos melhores
formação”, onde a sua estatura era re- humanas se loucura abissal”, Escadas dos Guindais, 43, Porto. miradouros do Douro. Uma quinta
ferida. Ser baixo é um problema para si? concentram e disse do romance Tel. 222 034 246 familiar que não aceita grupos,
R Não é problema nenhum. Até brinco definem (ou Thomas Mann. Encavalitado na escarpa que desce nem organiza casamentos,
enormemente com a minha estatura. explodem). José Mário Silva até ao rio, este é um lugar mítico mas permite pedidos de enlace.
para conhecer a cidade que vai Na esplanada faça um
P A imagem de um político também muito além do postal ilustrado. Este pequeno-almoço tardio
conta para os votos? clube de bairro é casa de bem acompanhado dos vinhos Pôpa.
R Claro. Na política contam sobretu- PRAIAS DE ANTIGAMENTE receber, bem beber e ver as vistas. E Preço médio: €20
do três coisas: o conteúdo, a forma e a se isso não chegasse, ainda há mais
oportunidade. O conteúdo, para mim, argumentos de peso, como as
é o mais importante, a forma tem a ver bifanas, os cachorros e os pães com
ICIPAL DA FIGUEIRA DA FOZ

com a imagem. chouriço. Preço médio: €10

P Que livros pensa ler neste verão? Torreão

R Tenho dois ou três. Um é “A Gerin- Rua das Virtudes, 37, Porto.
gonça”, da Inês Serra Lopes, que vou Tel. 919 471 037
certamente ler. Outro é a última obra, Uma cozinha competente, baseada
que saiu agora, do Mário Cláudio, “Tríp- em receitas da tradição portuguesa
tico da Salvação”. E, como sou fã de com roupagem atualizada, com uma
ARQUIVO FOTOGRÁFICO MUN

biografias, já comecei a ler a do padre sala elegante. No topo esconde um

João Seabra.
P Ainda pratica bodyboard?
R As minhas costas já não o permitem.
Treino no ginásio, três vezes por sema-
na. Com a idade, a pessoa vai mudando
os exercícios. Já joguei ténis, fui jogador
federado de futebol, e aí era guarda-
-redes... Ora veja bem como eu tenho
sentido de humor. Uns anos mais tarde
tive um rasgo de lucidez e mudei para
guarda-redes de andebol. Sempre era
mais equivalente à minha estatura.
P Que figura política convidaria para
comer um gelado?
R Talvez a Marisa Matias. Sou fã dela.
Acho que tem um bom papel no Par-
lamento Europeu e aprecio a forma
tranquila e séria como trata os assuntos.
Se pudesse conhecer Obama, seria um
must. Mas há outra personalidade com
quem como gelados: o Presidente Mar-
celo. Todos os anos, em agosto, temos
um jantar marcado, que inclui gelados
que ele leva sempre.
bmendonca@expresso.impresa.pt
Agradecimento à gelataria Fragoleto
terraço com uma vista que abarca DOC
cidade e rio. Enquanto durar o calor, Cais da Folgosa, EN 222,
conte com petiscos e vinhos a partir Folgosa do Douro. Tel. 254 858 123
das 19h. Preço médio: €10 Numa sala de sonho, construída
sob o lema “Degustar, Ousar,
Comunicar”, sugere-se um dos
menus de degustação, o Douro ou
o Signature, ou o serviço à carta. A
esplanada confunde-se com o
espelho de água do Douro, que
FIGUEIRA DA FOZ “Nos meses de verão, de junho a setembro, e mes- passa ao lado.
mo em outubro ainda, a animação que apresenta é deveras empol- Preço médio: €30
gante. As suas ruas, as avenidas da beira-mar e os terraços dos seus
cafés e casinos” fazem lembrar os “boulevards franceses ao cair da Hotel Rural Quinta do Pego
tarde”. O guia que a Sociedade Propaganda de Portugal publicou em EN 222, Valença do Douro,
1918, pouco depois de ter acabado a I Guerra Mundial, informa ainda Tabuaço. Tel. 925 016 655
que a praia ocupa uma extensa linha de costa, “é uma das maiores 360 Terrace Lounge A localização, em cima de uma das
e principais da península”, sendo por isso frequentada por famílias Espaço Porto Cruz, Largo Miguel curvas do rio, permite uma vista
espanholas, especialmente pelas de Madrid; a Figueira era a última Bombarda, 23, Vila Nova de Gaia. deslumbrante. O restaurante, o
estação da linha da Beira Alta que garantia a ligação a Espanha, e era Tel. 220 925 340 bar, a piscina exterior com
também o termo da linha do Oeste. Além dos espanhóis que a guerra Pode saborear um copo de um dos panorâmica sobre o vale, os
nunca afastou, era a preferida dos lentes e estudantes de Coimbra, diversos Portos da casa ou criativos pequenos terraços desnivelados e
e acolhia ilustres famílias portuguesas que a procuravam por ques- cocktails, a maioria com base em uma wine shop são razões
tões de saúde; esta foto de 1914 mostra que as ‘criadas’ [empregadas Vinho do Porto. Do restaurante suficientes para uma visita.
domésticas de então] acompanhavam os patrões em férias, frequen- saem petiscos e pratos mais densos, Preço médio: €15.
tando a praia para tomar conta das crianças e transportar gostosos para que continue a desfrutar da
farnéis. Pelo meio havia direito a uns momentos de lazer e troca de deslumbrante paisagem. Mais sugestões em
olhares com os rapazes da terra. Manuela Goucha Soares Preço médio: €10 boacamaboamesa.expresso.pt

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24 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 27 de julho de 2019

Livros
esquecidos
Bruno
Vieira
Crepúsculo de um ditador
Amaral
mantinha relações com Israel e recebia o Presi- uma central nuclear (que o novo regime herdará
Rui Cardoso dente francês De Gaulle. Em 1969 acolheria o semiconstruída) e, em Bucareste, a construção
Presidente americano Nixon e a primeira-minis- do Boulevard da Vitória do Socialismo arrasa
A queda de Nicolae Ceausescu mostra que é mais tra israelita Golda Meir. Em 1979 condenará a bairros medievais, igrejas e memória histórica. A
fácil liquidar um ditador do que desmantelar uma invasão soviética do Afeganistão. repressão da minoria húngara leva à construção
Sela Turca ditadura. Um tribunal de circunstância mandou Internamente era o oposto. Na década de 70 de uma cortina de ferro dentro da outra, junto à
Maria Luísa Ramos fuzilar sumariamente o casal Ceausescu no Natal lança um programa de industrialização financia- fronteira noroeste.
de 1989, mas as raízes deste sistema de poder do por créditos externos. Quando, na década se- O culto do líder tinha delírios dignos da Coreia
1963 pessoal com laivos orwellianos, instaurado entre guinte, a dívida dispara, manda cortar as importa- do Norte e a sobrevivência desta ditadura, comu-
1965 e 1989, eram fundas e ainda marcam, nem ções, mesmo as de produtos essenciais e exportar nista na retórica mas medieval na sua essência,
que seja no inconsciente coletivo, a vida romena. tudo, desde petróleo a produtos agrícolas. A falta assentava em três pilares: o partido, a polícia

A
té os esquecidos têm Avaliado pela política externa Ceausescu pare- dos contracetivos, antes importados, faz dispa- política e o exército. Silenciadas as vozes discor-
hierarquias. Mário Dio- cia um liberal. Estabeleceu relações diplomáticas rar a natalidade e, após o derrube do regime, o dantes no PCR e blindada a Securitate, restava a
nísio, Francisco Costa com a República Federal da Alemanha em 1967, drama das crianças abandonadas revelar-se-á à tropa. E seria por aqui que o regime fraquejaria
e Castro Soromenho para grande irritação do Kremlin. Um ano depois luz do dia. O que falta na rua sobra para projetos em finais de 1989, fará daqui a pouco 30 anos...
— de que falámos nas crónicas condenava a invasão soviética da Checoslováquia, faraónicos: um canal do Danúbio ao Mar Negro, internacional@expresso.impresa.pt
anteriores — podem ter caído
numa relativa obscuridade, mas
os seus nomes não nos são com- No próximo Natal ASCENSÃO E QUEDA DE UM AUTOCRATA
pletamente estranhos e o rótulo
de “esquecidos” só é adequado
passam 30 anos
se os compararmos aos raros sobre a queda do
escritores entre os seus con-
temporâneos cuja obra perma-
regime de Ceausescu
nece acima da linha de água da na Roménia, uma
memória. Depois há uma mi-
ríade de autores que beneficia-
ditadura que parecia
ram de uma fama efémera no eterna mas acabou
seu tempo, mas que hoje nem
sequer merecem uma nota de
por se esboroar ao
rodapé nas enciclopédias. fim de um mês
É o caso de Maria Luísa Ra-
mos. Na década de 60, dois dos de manifestações
seus livros foram publicados que começaram na
numa coleção de best-sellers, ao
lado de nomes como Fernando cidade de Timisoara

30 ANOS
Namora e David Mourão-Fer-
reira. Os críticos tinham repa-
rado na sua estreia, o livro de
contos “Uma Tenda em Cada
Estrela”: “Toma assento privi-
legiado entre as escritoras que 1989/2019
se revelaram nos últimos cinco
anos”, escrevia Natércia Frei- DAQUEDADO
MURO
re; “há de alcançar um posto
de destaque entre as moder-
nas prosadoras portuguesas”,
prognosticava Alfredo Guisado;
“vemo-la caminhar para a con-
sagração entre os modernos
autores nacionais”, bradava ENCENAÇÃO À medida que as condições de vida se degradavam e o regime endurecia, o culto da persona-
Manuel Pestana no “Brados do SINAIS DE FOGO lidade de Ceausescu, “o génio dos Cárpatos” e o “Danúbio do pensamento”, atingia o paroxismo. Estendia-
Alentejo”. -se à sua mulher Elena, aos filhos e irmãos, ao ponto de se dizer que, enquanto os Bourbons se foram suce-
Os elogios enfeitavam a ba- dendo, os Ceausescus reinavam todos ao mesmo tempo… O casal tinha fama de cleptómano, pelo menos a
dana de “Sela Turca”, volume REVOLTA DE BRASOV avaliar por uma mensagem do Presidente francês Giscard d’Estaing à Rainha de Inglaterra na iminência de
extra da referida coleção. Uma Em novembro de 1987, operários uma visita oficial em 1978, sugerindo a retirada dos objetos de valor expostos. FOTO GETTY IMAGES
jovem de 22 anos, atormentada da fábrica de camiões Estrela
por dores de cabeça, consulta Vermelha revoltam-se contra
um médico que lhe diz que po- as más condições de vida FRASES NÚMEROS
derá ter um tumor. Os exames e incendeiam a sede do Partido As noites longas

não são conclusivos e a novela,
narrada na primeira pessoa,
relata as semanas de angústia
vividas pela protagonista. Mais
do que uma reflexão sobre a
morte — Ivan Ilitch à portugue-
sa — é um tratado breve sobre
a hipocondria. Luísa convence-
-se logo de que vai morrer. Ao
contrário do que acontece na
obra-prima de Tolstoi, a morte
não se vai insinuando sorratei-
Comunista, gritando morras
a Ceausescu. Seis dezenas foram
condenados por hooliganismo,
pena que só seria comutada
em 1991.
CAÇA AOS DISSIDENTES
A 12 de março de 1989 seis antigos
dirigentes do Partido Comunista
dirigem uma carta aberta
a Ceausescu onde põem em causa
diversos aspetos da sua política,
90
“A Roménia opor-se-á do VHS
por todos os meios
a que seja posto É surpreendente a facilidade
em causa o socialismo com que um dos regimes mais
científico ” mortos na revolta de Timisoara. sanguinários da Europa do Leste
Nicolae Ceausescu
Opositores de Ceausescu caiu. Estaria podre por dentro ou
No XIV Congresso do PCR, 20-11-89 encenaram uma vala comum tentou sacrificar o acessório
que parecia ter 50 vezes para manter o essencial? A favor
mais vítimas da primeira hipótese milita o
mistério do contrabando das

ramente. Entra de rompante,
a cavalgar os temores irracio-
nais da póstuma Luísa, com a
sua imaginação onde cintilam
círios e ondulam ciprestes fúne-
bres. Vê o quarto transformado
em câmara ardente, fantasia
o próprio enterro, passa horas
sem fim à janela e tem de lidar
com as tentativas de consolo da
vizinha, D. Gertrudes que, com
sapiência intemporal, lhe diz:
“Mais tarde ou mais cedo, todos
temos de morrer.” Felizmente
para Luísa, é a velha agoiren-
ta quem vai primeiro para a
quinta das tabuletas, não sem
antes lhe revelar a localização
de uma lata cheia de notas e de
lhe deixar como herança um
jarro comprado em Santiago de
Compostela.
“Sela Turca” tem alguns pon-
tos de contacto com “Domingo
à Tarde”, de Fernando Namora,
publicado em 1961, mas Maria
Luísa Ramos sublinhava a di-
mensão testemunhal da obra:
“Ninguém podia sentir o que
senti e observei com os meus
próprios olhos, e com a amar-
gura, o medo pânico, o horror
que por mim e outros sofri.”
E o testemunho oscila entre a
tragédia imaginada e a comici-
dade involuntária da explicação
prosaica para os sintomas que
afligem Luísa: afinal, talvez seja
apenas falta de óculos.
nomeadamente no campo
da economia e democracia
interna. Nos dias que se seguem
três dos subscritores são presos
pela Securitate, a polícia política.
A FUGA DA GINASTA
Nos Jogos Olímpicos de 1976,
em Montreal, uma jovem
de 14 anos vinda da Roménia
tinha maravilhado o mundo:
depois de uma exibição
portentosa Nadia Comaneci
tornava-se a primeira atleta
da história a receber a nota 10
(desempenho perfeito) na prova
de ginástica artística. Trunfo
interno e externo do regime,
fugiu para o Ocidente
em novembro de 1989, emigrando
para os EUA.
A VIRAGEM DA RUA
A 21 de dezembro de 1989
a população, chamada às ruas
de Bucareste para aclamar
Ceausescu, começa a apupá-lo.
Há tiros contra a multidão
mas no dia seguinte começa
a confraternização com
os soldados. Ao meio-dia
é noticiada na rádio a queda
de Ceausescu.
12
“Há que debater cassetes de vídeo. A meio da
o futuro do socialismo década de 80 a situação era tão
perante os desvios má que as duas estações
romenas de TV que emitiam 20
em curso nos países horas por dia se fundem numa
da Europa do Leste” quilómetros de comprimento
só, que passa a debitar duas
Nicolae Ceausescu horas diárias de propaganda.
tinham os arquivos da Securitate
Numa mensagem a Pequim Depois, o silêncio, sem
e Havana, 21-11-89 transportes, com pouca ou
nenhuma iluminação pública.
Para preencher estas noites
MÁQUINA DE MATAR solitárias Teodore Zamfir
contrabandeia cassetes com
filmes americanos e europeus e
gravadores VHS tão caros como
um automóvel. Uma empregada
da televisão, Irina Nistor,
dobrava a banda sonora inteira
só com a sua voz, de Jack
Nicholson a Chuck Norris, em
3000 filmes. Não sendo plausível
a omnipresente Securitate
ignorar isto, veria aqui o regime
uma válvula de escape? Durante
meio século a polícia política
abriu 1,8 milhões de dossiês,
tanto de suspeitos como das
famílias e amigos. Dizia-se que
tinha 150 mil agentes mas talvez
O míssil supersónico de baixa altitude só fossem 15 mil. Quase todos
(SLAM, no acrónimo inglês) chegou a ser estudado no campo desapareceram na paisagem. É
de Nevada da Comissão de Energia Atómica dos EUA. Além de mais difícil encontrá-los do que
transportar uma bomba atómica de três toneladas, os seus gases de aos túmulos de Ceausescu e
escape eram propositadamente radioativos para causar destruição Elena num canto escondido do
adicional a caminho do alvo. O projeto foi abandonado em 1964. cemitério militar de Ghencea,
em Bucareste.

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Expresso, 27 de julho de 2019
GREVE
Dois dias bastarão para começar
a faltar comida nos supermercados
Greve dos motoristas ameaça reposição, sobretudo de frescos. Toneladas de alimentos podem apodrecer
João Diogo Correia
Se até 12 de agosto nada mudar
no diferendo que opõe moto-
ristas e patrões, um par de dias
bastará para que os efeitos se
sintam nos supermercados.
O anúncio de greve dos mo-
toristas de mercadorias e de
matérias perigosas está a ser
recebido “com cautela” pelos
responsáveis da distribuição,
que admitem a possibilidade de
prateleiras vazias. “Se houver
uma perturbação na distribui-
ção e se o stock é finito, é óbvio
que vamos ter consequências
em loja”, explica Gonçalo Lobo
Xavier, diretor-geral da Associ-
ação Portuguesa das Empresas
de Distribuição (APED).
“A área mais crítica é a dos
frescos”, avança Lobo Xavier.
Frutas e legumes são distribuí-
dos numa base diária, o que sig-
nifica que uns dias sem entrega
chegam para despir as pratelei-
ras. “Latas de sardinha pode-
mos armazenar, mas produtos
frescos é impossível.” Segue-se
o leite, altamente perecível e
para o qual existe uma cadeia
que depende do escoamento:
começa na ordenha, da explo-
ração passa para as indústrias
que o tratam e transformam,
até chegar aos supermercados.
“Não posso dizer a uma vaca
ou a uma cabra para parar de
produzir. É impossível conter
o circuito”, conta Maria Cândi-
da, engenheira da Associação
Nacional dos Industriais de
Laticínios. É preciso, por isso,
fazer contas também aos deri-
vados, como manteiga, iogurte,
queijo. “São dois, três dias, não
mais”, para que deixe de ser
possível assegurar a refrigera-
ção de todos eles. Só em leite de
vaca foram produzidas 171 mil
toneladas em julho, uma média
de mais de cinco mil por dia.
Atentos ao pré-aviso, os pro-
dutores “até têm alguma capa-
cidade de resposta numa pri-
meira fase”, mas alertam para
o impacto social, económico e
ambiental que pode estar pela
frente. “Numa altura em que se
fala tanto de desperdício alimen-
tar, é preciso ver que se o leite
ficar parado nas explorações ou
na indústria apodrece e tem que
ser deitado fora”, explica a en-
Se há uma crise
eles entram
em cena
São voluntários digitais
e usam a internet
para ajudar a população.
Nos fogos, num furacão
ou numa crise
de combustíveis
Quando, há três meses, o país
foi surpreendido por uma gre-
ve que esvaziou os postos de
combustível, quase um milhão
de pessoas procuraram num
site que acabava de surgir a
informação mais preciosa por
aqueles dias. A página de in-
ternet janaodaparaabastecer.
vost.pt, alimentada por um
grupo de voluntários, indicava
Em 2008, três dias de greve levaram os supermercados a ponderar o racionamento FOTO LUÍS FORRA/LUSA
genheira. Mesmo nos casos em
que não se estragar, pode perder
“capacidade de ser transforma-
do”, tornando-se inutilizável.
Em 2008 faltou fruta
e legumes
Há outros produtos frescos
com prazos de validade aper-
tados, como a carne e o peixe
e também eles provocaram so-
bressalto há 11 anos. A subida
do preço dos combustíveis pa-
ralisou parte do país em 2008.
Bastaram três dias, entre 9 e
11 de junho, para que faltasse
fruta, batata, cebola e outros
legumes, entre estradas corta-
das por motoristas em greve e
bloqueios aos que a furavam.
Em algumas localidades, a falta
de frutas e legumes estendia-
-se a vários pontos de venda.
Os grandes grupos, como o
Mosqueteiros (Intermarché e
o Ecomarché), Auchan (Jum-
bo e Pão de Açúcar) e Jeró-
nimo Martins (Pingo Doce),
reuniram-se de emergência e
onde é que ainda era possível
abastecer o carro, com mais de
19 mil registos inseridos e 250
gigabytes de informação.
Na semana passada, assim
que começaram a perceber a
gravidade dos incêndios de Vila
de Rei e Sertã, a rede foi nova-
mente ativada, com a conta do
Twitter Vost Portugal a passar
informação útil para as popula-
ções afetadas. Tweets constan-
tes iam dando conta dos meios
envolvidos, da evolução das
chamas e da área ardida e até
das previsões meteorológicas
produzidas especificamente
para a zona.
chegaram a ponderar o raci-
onamento, enquanto a Sonae
(Continente, Modelo) admi-
tia que a “missão de servir os
portugueses está em risco por
falta de entrega de produtos”.
Foi preciso um acordo entre
os grevistas para pôr fim ao
impasse, não sem antes José
Sócrates, na altura primeiro-
-ministro, dizer que estava a
sentir o “Estado vulnerável”. A
vida só retomou a normalidade
dois dias depois, quando os pro-
dutos foram enfim repostos.
O Expresso contactou os
grupos Auchan, Sonae e a re-
cém-chegada Mercadona, para
perceber como se preparam
perante uma nova ameaça à
distribuição, mas não obteve
resposta. Já o Pingo Doce re-
meteu uma posição para a asso-
ciação do sector, a APED.
Questionado sobre a crise de
2008, Gonçalo Lobo Xavier,
diretor-geral da associação,
diz que a situação é diferen-
te e confia que desta vez não
vai chegar tão longe. Pede que
“Todas as mensagens de pre-
venção e de emergência foram
amplificadas para chegarem a
um maior número de pessoas.
A luta contra a desinformação
também foi uma prioridade,
até a que era lançada pelos me-
dia”, explicam os responsáveis
da organização Voluntários Di-
gitais em Situações de Emer-
gências (Vost) para Portugal.
Mas afinal quem são estas
pessoas que trabalham pro
bono, juntando-se nas redes so-
ciais de cada vez que há uma si-
tuação de emergência — desde
fogos a uma crise dos combus-
tíveis, passando por fenómenos
meteorológicos extremos —
com o objetivo único de dar às
populações e às autoridades
informação credível?
João Pina, sénior developer
e ‘hacker do bem’ como gosta
de se identificar, Jorge Miguel
Gomes, gestor, e Isabel Sil-
va, psicóloga, são apenas três
membros da equipa fixa de 30
elementos e que falaram com
o Expresso. A estes juntam-se
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se evite o alarmismo e tem es-
perança. “Não é só retórica.
Acredito mesmo na capacidade
negocial.” O responsável pelas
maiores cadeias de distribuição
quer que se “insista na solu-
ção dos serviços mínimos” e
no trabalho de sensibilização
do Governo e dos sindicatos.
Com o Executivo estão a ser
trabalhadas algumas ações,
Sem escoamento, o
leite apodrece e tem
que ser deitado fora,
alertam produtores
que não especifica, e para os
motoristas tem planos a médio
prazo: “Não podemos subir sa-
lários, mas podemos melhorar
a eficiência da logística nalguns
entrepostos. É diferente um
motorista chegar e esperar
duas horas numa sala com pou-
cas condições, ou esperar 20
minutos numa sala com ar con-
110 voluntários que podem con-
tribuir quando a rede é ativada.
Com exceção dos fundadores,
a maioria não se conhece pes-
soalmente, raramente fala ao
telefone e a comunicação é feita
através de um servidor online,
que funciona como um “quar-
tel-general virtual”. Entre os
voluntários há pessoas, entre os
15 e os 60 anos, que dominam
áreas tão distintas como pro-
gramação, sismologia, edição
gráfica ou meteorologia e que
colocam o seu conhecimento
“de forma altruísta ao serviço
da comunidade”. No fundo, é
um “novo tipo de cidadania di-
gital, de que o João Pina é um
Entre os voluntários
há pessoas entre
os 15 e os 60 anos
de várias áreas.
É um novo tipo
de “cidadania digital”
dicionado, beber uma água, um
café, e ter a entrega resolvida.”
O cenário não é apocalíptico
e os responsáveis contactados
pelo Expresso pedem calma,
para que se evite uma corrida
aos supermercados que os es-
vaziem antes de qualquer ru-
tura. Certo é que Portugal tem
duas características que não o
favorecem para enfrentar este
tipo de ameaças. Por um lado,
os grandes grupos têm aposta-
do “nas lojas de proximidade”,
mais do que nos hipermercados.
Essas lojas são, por definição,
menores, o que significa ainda
menos espaço de armazena-
mento. Uma crise de distribu-
ição teria impactos diferentes
nas várias regiões do país e não
é certo que o que faltasse numa,
faltasse também noutra. Nesse
sentido, o Algarve está mais pro-
tegido: apesar da habitual corri-
da às praias em agosto, é lá que
se encontram os espaços com a
maior dimensão média. Em todo
o caso, o armazenamento tem
sempre um limite.
exemplo maior”, comentam os
colegas, em referência aos sites
que criou, como o suprimidos.
pt (relativo a comboios), fogos.
pt e o janaodaparaabastecer.pt.
Mas é preciso recuar até aos
incêndios de Monchique de 2018
para conhecer a origem do gru-
po que tem mais seguidores no
Twitter do que a própria Pro-
teção Civil. “Começou como
uma partilha de informação não
estruturada através de contas
pessoais e que deu depois origem
a uma conta própria que atingiu
os 400 seguidores. A informação
oficial era nula”, recordam. A
passagem do furacão “Leslie”
desencadeou a primeira ativação
oficial enquanto grupo, que na
altura contava com oito pessoas.
Em poucas horas, passaram de
400 seguidores para 4 mil.
“Durante as ativações dor-
mem-se poucas horas, bebe-se
muito café, mas no final sinto
que vale a pena”, conta Jorge
Miguel Gomes. O trabalho foi
ganhando visibilidade e credi-
bilidade, e a Vost Portugal está
PRIMEIRO CADERNO 25
KIT DE SOBREVIVÊNCIA
COMIDA
Pode seguir as recomendações
dos kits básicos feitos
a pensar no “no deal ‘Brexit’”.
Embalagens de massa e arroz,
feijão e frutos secos, ricos
em proteínas, e bebidas
como água (filtrada, em caso
de necessidade) ou chá
HIGIENE
Em 2008, faltaram fraldas
em alguns supermercados.
Com o ligeiro aumento
dos nascimentos face
ao mesmo período do ano
passado, é avisado precaver-se
de produtos de higiene,
tanto para bebés
como para adultos
MEDICAMENTOS
Qualquer casa deve ter um kit
de primeiros socorros.
Se ainda não o tem, aqui está
um pretexto. Compressas,
pensos, adesivos, anti-
-inflamatórios, água oxigenada,
um antisséptico
e um termómetro
A segunda razão repete
2008: Portugal continua a de-
pender das estradas para fazer
a maior parte da distribuição.
Há 11 anos, era por lá que se
entregava 93% da mercadoria.
Agora, diz o Eurostat, esse nú-
mero está nos 86% (o restan-
te é da ferrovia), ainda acima
da média da União Europeia
(78%). E essa é uma situação
sem planos para mudar.
Não será por isso absurdo
que olhe para quem já temeu
o pior, mesmo que o pior não
tenha vindo. No Reino Unido,
foi criado o ‘Brexit’ survival
kit para ajudar os britânicos
a lidar com a possibilidade de
uma saída desordenada da UE.
Um kit básico para uma família
de quatro pessoas inclui frutos
secos, uma barra de cereais por
pessoa, duas embalagens de
arroz, sete de massa, quatro
latas de atum, outras quatro de
sardinhas, feijão, sal e pimenta,
mistura de ervas, chá, café ins-
tantâneo e leite em pó.
jdcorreia@expresso.impresa.pt
agora a formalizar a sua exis-
tência, com o objetivo de vir
a ser reconhecida como uma
“organização de voluntariado
da proteção civil”, à semelhan-
ça do que acontece com outras
Vost europeias.
A próxima crise anunciada,
com um pré-aviso de greve
por tempo indeterminado de
motoristas de mercadorias,
também já está a ser anteci-
pada. “A estrutura e o design
do site (janaodaparaabastecer)
estão melhorados, é mais user
friendly e mais resiliente a
possíveis ataques estruturais”,
descrevem, prevendo, ainda
assim, “bastante trabalho de
verificação” caso a crise se ins-
tale. “Relativamente à eventual
escassez de bens [nos super-
mercados], pensamos que não
vai ser possível adicionar essa
parte à plataforma. Mas vamos
estar atentos e dar em tempo
real a informação que por certo
nos irá chegar”, garantem.
Isabel Leiria
ileiria@expresso.impresa.pt
 26 PRIMEIRO CADERNO
ANIMAIS
FOTO^D.R.
Canis estão sobrelotados. E há
mais matilhas à solta nas ruas
Cerca de metade dos municípios não tem um centro de recolha oficial de animais.
Faltam campanhas para fomentar a adoção e a esterilização de cães e gatos
Carla Tomás
De norte a sul do país, a maio­
ria dos canis ou dos centros de
recolha oficial de animais está
com a lotação esgotada e não
tem capacidade para recolher
mais cães e gatos errantes. Mui­
tos alegam que a lei que impôs
o fim do abate como método de
controlo da população levou a
que mais cães fiquem nas ruas,
formando matilhas e desenvol­
vendo comportamentos assil­
vestrados que os levam a atacar
rebanhos ou galinheiros em
busca de comida. Mas, além de
relatos e de notícias pontuais
sobre este tipo de ataques, não
há dados estatísticos sobre o
que se está a passar, nem so­
bre quantos animais errantes
existem. Nem sobre a punição
daqueles que agem pelas pró­
prias mãos, fazendo montarias
a cães assilvestrados ou que os
enforcam em árvores.
A presidente da Associação
Nacional de Médicos Veterinári­
os dos Municípios (ANVETEM),
Vera Ramalho, diz que “há listas
de espera” nos canis municipais
e que “há cada vez mais matilhas
nas ruas porque os canis não
têm capacidade para recolher
esses animais desde que se aca­
bou com o abate”.
No Alto Minho, por exemplo,
há mais de 150 cães abando­
nados que não puderam ser
recolhidos por falta de capaci­
dade no CRO intermunicipal.
O mesmo se passa no canil de
Ílhavo (que serve também Avei­
ro), no do Porto ou na Casa dos
Animais de Lisboa.
Cristina Rodrigues, do parti­
do Pessoas­Animais­Natureza
(PAN), frisa que “à data da en­
trada em vigor do fim do abate
[em setembro do ano passa­
do], já muitos canis estavam
sobrelotados”. Segundo infor­
mação recolhida junto de 180
municípios, “um quarto já não
praticava o abate muito antes
da lei”, diz.
De acordo com dados da Di­
reção­Geral de Alimentação e
Veterinária (DGAV), em 2018
entraram nos centros de reco­
lha oficial (CRO) 36.558 cães e
gatos, menos 11% face a 2017.
Apesar de a lei obrigar a que
todos os municípios tenham
centro de recolha de animais,
só 165 dos 308 concelhos os
têm. Ou seja, perto de metade
das autarquias continuam sem
ter as infraestruturas adequa­
das ou uma parceria com ou­
tras entidades que as tenham.
Entre estes estão capitais de
distrito como Porto, Faro, Vi­
seu, Leiria ou Castelo Branco.
Faltam punições
para quem não cumpre
As Câmaras do Porto e de Faro
dizem estar a investir cada uma
mais de um milhão de euros
para pôr de pé os respetivos
CRO até 2020. A execução tem
tardado devido a “imponderá­
veis” ou a “constrangimentos
financeiros”. O canil do Porto
continua a funcionar apesar de
não cumprir os requisitos para
ser licenciado como CRO. Já
Faro tem um protocolo com um
canil particular gerido há 30
anos por uma cidadã holandesa.
CASOS
^^ A^associação^Animais^de^Rua^
já^esterilizou^30^mil^animais^
(98%^são^gatos^que^
continuam^a^viver^em^
colónias^de^rua)^através^do^
programa^“CED^—^captura,^
esterilização,^devolução”,^em^
articulação^com^15^
municípios^(entre^^
os^quais^Lisboa,^Sintra,^Faro^
ou^Monchique).
^^ A^Casa^dos^Animais^^
de^Lisboa^(CAL)^albergava^^
no^início^de^julho^300^cães,^
130^gatos^e^uma^colónia^^
de^80^gatos.^Recolheu^2414^
animais^em^2018.^Na^cidade^
existem^mil^colónias^^
do^programa^CED^e^só^^
em^2018^foram^esterilizados^
1528^gatos.^Todos^os^animais^
em^permanência^e^adotados^
são^esterilizados.^^
A^ampliação^da^CAL^^
vai^custar^€1,2^milhões.
^^ As^autoridades^policiais^^
(PSP^e^GNR)^registaram^^
um^aumento^de^12,5%^^
de^queixas^relativas^a^ataque^
ou^mordedura^de^cães,^^
entre^2017^e^2018,^mas^não^
diferenciam^se^o^cão^tinha^
ou^não^dono.
^^ À^GNR^foram^participados^
316^crimes^de^abandono^^
de^animais^de^companhia^^
em^2018^e^160^no^primeiro^
semestre^de^2019.^Segundo^
as^autoridades,^em^2018^
tinham^sido^reportados^1977^
crimes^contra^animais^^
de^companhia,^mais^1,4%^^
do^que^no^ano^anterior.
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1871394 - RuiCabral69@gmail.com - 172.17.21.101 (27-07-19 00:22)
Também Aveiro, Leiria e
Castelo Branco dizem ter já
prontos os respetivos projetos
NÚMEROS e, enquanto não constroem os
CRO, mantêm a funcionar ve­
36.558
lhos canis ou protocolos com
associações locais ou municí­
pios vizinhos. Viseu vai criar
um centro de quarentena, obri­
gatório por lei, mas a Câmara
prefere continuar a “aproveitar
animais errantes (cães as sinergias” que têm com uma
e gatos) foram recolhidos associação zoófila local, que
nos centros oficiais municipais recolhe cães e gatos errantes e
ou intermunicipais “consegue dá­los para adoção
portugueses, em 2018, com sucesso”, diz o presidente,
segundo dados da DGAV Almeida Henriques.
Nada acontece às autarquias
42,7%
que não cumprem a lei. “Não
existe nenhum tipo de contra­
ordenação para os que não pos­
suem um canil oficial”, lembra
Cristina Rodrigues, acusando a
DGAV de se ter “demitido das
ou seja, menos de metade suas responsabilidades de fis­
dos animais recolhidos foram calização”.
adotados no ano passado O Ministério da Agricultura
(que tutela a DGAV) remete
6425
a resposta sobre fiscalizações
para o Ministério da Adminis­
tração Interna (que tutela as
autarquias locais) que, por sua
vez, devolve a batata quente à
autoridade veterinária.
animais acabaram Os dois ministérios apenas
eutanasiados (por estarem lembram que o Governo criou
doentes ou em sofrimento) um programa de incentivos fi­
ou abatidos (por excesso nanceiros em 2018 e 2019 que
de população) em 2018 totalizou 2,1 milhões de euros
para os municípios “construí­
626
rem ou modernizarem os seus
canis e exercerem as respetivas
competências”. Contudo, só 37
pequenas autarquias, sozinhas
ou agrupadas, conseguiram
aceder a uma fatia deste bolo
criadores de cães estão para o fazer.
registados em Portugal, Aquando da aprovação da
quase quatro vezes mais lei, em 2016, que definiu a
do que os centros de recolha criação da rede de centros de
oficial de animais (165) recolha e a proibição do aba­
te de animais errantes como
forma de controlo da popula­
ção — cujo período transitó­
Expresso, 27 de julho de 2019
rio terminou em setembro de
2018 —, a Associação Nacio­
nal de Municípios Portugue­
ses (ANMP) considerou que
as verbas eram insuficientes e
pediu mais tempo para que os
municípios pudessem ampli­
ar as instalações já existentes.
“A lei foi posta em marcha
sem acautelar a criação de in­
fraestruturas com capacidade
para acolher todos os animais
e os canis em sobre­esforço
acabaram por colapsar”, en­
tende Filipe Araújo, vereador
que tutela esta área na Câma­
ra do Porto. Contudo, admite
que “não se pode dizer que se
tivessem o dobro da capaci­
dade o problema não conti­
nuaria a acontecer”. Também
Vera Ramalho, veterinária
em Penafiel e dirigente dos
veterinários municipais, de­
fende que “a lei deveria ser
prorrogada por 10 anos e não
por dois” e que, “apesar da
necessidade de pressão para o
não abate nos canis, esta deve
ser ponderada em situações
de matilha”.
Entretanto “as pessoas deci­
dem agir pelas próprias mãos”,
lamenta Ana Vaz, que gere o
Cantinho dos Animais de Viseu:
“Não havendo recolha há quem
envenene os cães errantes, os
mate à sacholada, enforque em
pinheiros, ou lhes faça batidas
a tiro como a dos javalis.”
Olhando para os dados ofici­
ais da DGAV, a região Norte é a
que registava mais abates e/ou
eutanásias em 2018 e a região
Sul a que menos o fazia. A nível
nacional, as eutanásias/abates
baixaram 46% (de 11.819 para
6425) entre 2017 e 2018.
Esterilizar é preciso
A maioria dos veterinários
contactados pelo Expresso
defende que “não se pode
retroceder” e voltar a apli­
car o abate como forma de
controlo das populações de
cães e gatos, mas sim fazer
campanhas maciças de este­
rilização e de adoção. Entre
os defensores desta ideia está
o bastonário da Ordem dos
Veterinários, Jorge Cid, que
lamenta o facto de “só cerca
de 20 câmaras terem aderido
à campanha do cheque vete­
rinário para esterilizações”,
promovida pela Ordem junto
das autarquias.
Mas também as candidatu­
ras aos apoios públicos conce­
didos aos CRO para esteriliza­
ção de animais ficaram muito
aquém do esperado. Dos 500
mil euros disponibilizados,
pouco mais de metade (286
mil euros) foram atribuídos.
“Era expectável esterilizarem­
­se cerca de 20 mil animais,
mas os números estão muito
aquém”, lamenta Cristina Ro­
drigues, do PAN. Na opinião
da jurista, “há uma aposta cur­
ta na prevenção”, o que reflete
a falta de interesse político na
matéria.
A DGAV realizou campanhas
de sensibilização para o não
abandono de animais e para a
adoção em 2017 e 2018, mas
nada fez em 2019. Os dados
oficiais revelam que no ano
passado foram esterilizados
14.174 animais nos canis naci­
onais, mais 60% face a 2017. E
aqui a região de Lisboa e Vale
do Tejo destaca­se, com 5885
animais esterilizados, enquan­
to a região Norte fica­se por
2304. Aliás, vários veteriná­
rios do Norte referem que as
pessoas não gostam de esteri­
lizar os animais ou de adotar
animais esterilizados e outros
dizem que não esterilizam os
não adotáveis “para não gastar
recursos”.
“A forma como tratamos os
animais é um espelho da socie­
dade que temos”, resume Ana
Silva, veterinária municipal de
Monchique.
ctomas@expresso.impresa.pt
Expresso, 27 de julho de 2019
PROJETOS EXPRESSO
Estudo Dados do INE revelam
tendência de solidariedade no país.
71.885 entidades representaram 3%
do valor acrescentado bruto em 2016
Portugal tem
meio milhão
de voluntários
na Economia
Social
Textos André Rito
Foto Ana Baião
N
o Centro Ju-
venil de São
José já chega-
ram a viver,
em simultâ-
neo, mais de
120 jovens
sinalizados
pela Seguran-
ça Social. A instituição sediada
em Guimarães, conhecida por
Oficinas de São José, hoje aco-
lhe apenas 12 crianças. Todos
com o mesmo perfil: menores
sem apoio familiar e em risco de
exclusão social. “O acompanha-
mento, por norma, é até aos 18
anos, mas já houve quem fosse
estudar para a universidade e
vivesse aqui até terminar o cur-
so”, conta ao Expresso Fernan-
do Sousa, diretor da instituição
de solidariedade social, uma
das mais de 70 mil existentes
em Portugal.
Este é um dos números divul-
gado pela Instituto Nacional de
Estatística, no âmbito da Conta
Satélite da Economia Social,
que contabiliza associações
mutualistas, cooperativas, mi-
sericórdias, fundações, entre
outras. A instituição de Gui-
marães que tem uma filial em
Braga e celebrou recentemen-
te 104 anos, teve várias ofici-
nas: de metalurgia, alfaiataria,
padaria, onde trabalhavam os
utentes do centro. Hoje funcio-
na apenas uma tipografia onde
alguns dos utentes do centro
trabalham.
“São miúdos de famílias deses-
truturadas a vários níveis, alguns
vítimas de violência em casa, ou
cuja família não tem possibili-
dades financeiras para os sus-
tentar”, diz Fernando Sousa. O
centro foi um dos 24 vencedores
do Prémio BPI “La Caixa” Infân-
cia, dedicado a apoiar projetos
que facilitem o desenvolvimento
integral e a saúde de crianças e
adolescentes em situação de vul-
nerabilidade social, bem como o
reforço de competências paren-
tais (ver caixa).
“Foram 24 associações pre-
miadas, com projetos inovado-
res que nem conhecia. Se so-
mos um país solidário? A nível
da sociedade, sim. Quanto ao
poder político, era necessário
um maior apoio. São conheci-
das as carências e dificuldades
que muitas destas instituições
estão a atravessar. Era neces-
sário um maior esforço da tute-
la em muitas destas respostas
sociais”, diz o diretor do centro
de acolhimento.
Em 2016, o ano a que se refere
a Conta Satélite da Economia
Social, as 71.885 entidades da
economia social representaram
3% do valor acrescentado bruto
(VAB) nacional, 5,3% do em-
prego total e 6,1% do emprego
remunerado. A remuneração
média correspondeu a 86,3% da
média nacional. Em três anos, o
número de entidades aumentou
17,3%. Será isto sinónimo de que
Portugal é um país solidário?
Apoiar quem apoia
“A economia social tem muita
importância, até no emprego.
Mas não tenho a convicção de
que a solidariedade seja muito
profunda e generalizada no nos-
so país. Existe um mito de que
somos um país solidário. Não
o sendo, julgo que estamos a
começar a ser, estamos no cami-
nho. Há 20 ou 30 anos os núme-
ros que eu tinha eram menores.
Grande parte das instituições
foram fundadas nos últimos 15
anos, tirando as tradicionais,
como as Misericórdias. Este sec-
tor está a crescer”, diz o sociólo-
go António Barreto.
Segundo dados do Inquérito
ao Trabalho Voluntário de 2018,
revelados em simultâneo pelo
INE, nesse ano cerca de 516
mil pessoas fizeram voluntari-
ado em entidades de economia
social. Mas o reconhecimento
público deste trabalho é qua-
se inexistente. “Em Portugal
os nossos voluntários, jovens e
mais velhos, não são compen-
sados no final. O Estado nem
um papel lhes dá a dizer que
prestou um serviço à comu-
nidade, esse reconhecimento
não existe. São as próprias
instituições a pagar o seguro
desse trabalho. Noutros países
existem benefícios, a isenção do
serviço militar, créditos na uni-
versidade”, afirma ao Expresso
António Tavares, provedor da
Santa Casa da Misericórdia do
Porto. “O Estado assegurou
PROJETO SOLIDARIEDADE
O Expresso associa-se ao BPI/Fundação “La Caixa” para
debater nos próximos meses os desafios da solidariedade,
do terceiro sector e das instituições que cuidam dos mais
carenciados. Olharemos para instituições que apoiam a
infância, os jovens e adultos, os seniores, as populações
em zonas rurais e as pessoas com deficiência
Prémio BPI
“La Caixa” 2019
distinguiu pela
primeira vez projetos
de apoio a crianças
em situação de
vulnerabilidade
nos últimos 50 anos uma coisa
muito importante: os direitos
sociais. Criou orçamento, sub-
sídios, organismos e institutos.
A maior parte disto não tem
sentimentos, afeto ou proxi-
midade. É nos voluntários que
o encontramos, e percebemos
que gostavam de ser reconheci-
dos”, acredita o sociólogo.
Para o ex-ministro da Segu-
rança Social e do Trabalho,
Bagão Félix, estamos num país
“emocionalmente solidário”.
“Temos uma grande capacida-
de de aglutinar forças nos mo-
mentos de maior dificuldade ou
crise, mas temos também um
fator que às vezes, erradamente,
nos dá a ideia de que podemos
dispensar a solidariedade: o
recurso ao Estado. A solidari-
edade exige subsidiariedade,
© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1871394 - RuiCabral69@gmail.com - 172.17.21.101 (27-07-19 00:22)
ou seja, se podemos resolver as
coisas no nosso patamar, não
vamos ao patamar acima”, diz o
ex-ministro. “Este problema é
histórico num povo como o nos-
so, em que a primeira entidade
a que recorre é ao Estado.” So-
bre o assunto, António Barreto
recorda o tempo em que teve
funções no Estado e conhecia
dados dos apoios estatais à soli-
dariedade. “Toda a gente pedia
a mais, porque pensavam que
era uma forma de levar mais
algum dinheiro. “Neste caso
[dos Prémios BPI “La Caixa”]
isso não acontece, os pedidos de
verba são muito próximos das
necessidades específicas”, disse
o sociólogo, após a cerimónia de
entrega dos prémios.
A família foi um dos sectores
em destaque na Conta Satélite da
Economia Social. As instituições
sem fins lucrativos ao serviço das
famílias representam 91,2% do
universo da CSES, sendo tam-
bém o mais relevante em ter-
mos de contribuição para o valor
anual bruto: 71,6% do valor total.
Fernando Sousa, do Centro Ju-
venil de São José, viu a sua insti-
tuição ser premiada com 40 mil
euros para aplicar numa nova
valência de apoio às famílias.
“Além da casa de acolhimento,
temos uma creche e, em finais de
2018, criámos o Centro de Apoio
Familiar e Aconselhamento Pa-
ramental (CAFAP), que é um
ponto de encontro da família,
da sua preservação e reunifica-
ção. Estamos a fazer obras para
melhorar os equipamentos, que
serão em parte pagas com o va-
lor do prémio.”
economia@expresso.impresa.pt
24 projetos
distinguidos
O Prémio BPI “La Caixa” 2019
Infância foi atribuído pela
primeira vez este ano. Com o
objetivo de apoiar projetos que
facilitem o desenvolvimento
integral e a saúde de crianças e
adolescentes em situação de
vulnerabilidade social, bem como
o reforço de competências
parentais, distinguiram-se 24
projetos, num total de €750 mil
euros. Foram recebidas 196
candidaturas de diferentes
respostas sociais: educação
inclusiva e promoção do sucesso
escolar, animação sociocultural,
hipoterapia e música,
capacitação parental, saúde
infantil, desporto inclusivo,
voluntariado jovem, integração
de refugiados, entre outros.
“Dada a importância do apoio a
estas crianças e famílias,
desestruturadas, nas condições
menos desejáveis, foi decidido
criar este prémio”, disse Artur
Santos Silva, presidente
honorário do BPI e curador da
Fundação “La Caixa”. Uma equipa
de 18 pessoas visita as
instituições candidatas para falar
com os beneficiários e ver as
instalações. Depois é elaborado
um relatório para avaliação do
júri. “São muito bem analisados
os orçamentos”, assegura
António Barreto, membro do
júri. No total, os Prémios BPI “La
Caixa” 2019 distribuirão €3,75
milhões, para apoiar instituições
privadas sem fins lucrativos.
PRIMEIRO CADERNO 27
VALORES SOCIAIS
5622
é o número de instituições
particulares de solidariedade
social em Portugal, segundo
dados do INE. Representam
43% do valor anual bruto
da Economia Social
3,8
milhões de euros é o valor
das remunerações pagas na
economia social. Um dado
que representa 5,2%
da economia nacional
389
é o número de misericórdias
em Portugal. As associações
com fins altruísticos são
as entidades em maior
número na economia social
(57.196), seguidas das
cooperativas (2117)
A infância
em Portugal
As grandes vítimas da
crise financeira foram os
mais novos: sofreram com
o desemprego dos pais e
privações materiais
Crise
Durante o período do resgate
financeiro, uma em cada
quatro crianças vivia numa
família com privação material.
Nessa altura, mais de meio
milhão de crianças perderam o
direito ao abono de família. Os
menores foram as grandes
vítimas da crise em Portugal.
Em 2016, o Estado gastou
perto de 650 mil euros em
abonos de família. Em 2009, o
valor era da despesa era bem
mais expressivo: um milhão de
euros por ano.
Educação
Em 2018, quase metade dos
educadores de infância no
ativo tinham 50 anos de idade
ou mais. São o segundo grupo
mais envelhecido da classe
docente. Em Portugal o ensino
pré-escolar é facultativo, mas
no mundo inteiro há 175
milhões de crianças em idade
escolar que não estão
matriculadas.
Liberdade
Um estudo coordenado pelo
think tank Policy Studies
Institute concluiu que as
crianças portuguesas são das
que têm menos liberdade no
dia a dia. Em 16 países
analisados, Portugal surge em
14.º lugar a par da Itália e só
atrás da África do Sul. A raiz do
problema está, segundo
especialistas, na crise de
natalidade em Portugal. Os
pais agarram-se ao filho único.
28 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL LIBERDADE RELIGIOSA
Limites As restrições à liberdade religiosa estão em crescendo por todo o mundo. Nuns casos
para os Estados blindarem a sua identidade, noutros para se defenderem de medos exteriores
Condicionar
a fé para fazer
face ao medo
Restrições religiosas aumentam
Margarida Mota
A
César o que é de César, a Deus o que é de
Deus. A máxima atribuída a Jesus Cristo
— em resposta a um grupo de fariseus
que o tentou apanhar em falso, pergun-
tando se era lícito um judeu pagar impos-
tos a César (Mateus 22:21) — tornou-se,
com o tempo, um chavão utilizado para
enfatizar a separação entre os poderes
político e religioso. Passados 2000 anos,
contudo, a realidade política global aponta para uma evolu-
ção no sentido inverso à sentença bíblica. Hoje, mais de 80
países têm uma religião oficial ou conferem um tratamento
preferencial a uma determinada confissão sobre todas as
outras. A maioria deles privilegia o Islão, mas a realidade
não é estranha à velha Europa cristã.
A Grécia, por exemplo, é um Estado confessional. Os sa-
lários dos padres da Igreja Ortodoxa Grega — que a Cons-
tituição reconhece como a “religião prevalecente” — são
pagos pelo erário público. Nas escolas, só em setembro de
2016 (sob o Governo do Syriza) deixaram de ser obrigató-
rias as orações de alunos e professores no início de cada dia
de aulas. No palco da política, a religião não fica arredada
do protocolo: há três semanas o novo primeiro-ministro,
Kyriakos Mitsotakis, tomou posse diante do arcebispo
Jerónimo, a máxima autoridade religiosa.
No Reino Unido, o monarca é membro da Igreja de Ingla-
terra (anglicana) e seu governador supremo. Na Finlândia,
a Igreja Ortodoxa Finlandesa e a Igreja Evangélica Lutera-
na da Finlândia são reconhecidas como “igrejas nacionais”.
PORQUE DEVE SER ASSINANTE DO
ARTIGOS A ANÁLISE
EXCLUSIVOS DO DIA
expresso.pt
A TODA A HORA
EXPRESSO DIÁRIO
ÀS 18H, DE DOMINGO
A SEXTA
Expresso, 27 de julho de 2019
Já na Islândia, a Constituição reconhece a Igreja da Islândia
como a “igreja do Estado”.
“Desde a mais distante pré-história, encontramos pontos
de contacto muito fortes entre as estruturas religiosas e as
políticas”, explica ao Expresso Paulo Mendes Pinto, coor-
denador da Área de Ciência das Religiões da Universidade
Lusófona. “Esses contactos foram muitas vezes de ajuda,
mas também de afronta. Sempre houve contacto porque
ambas são estruturas de organização da sociedade.”
Na Rússia, Jeovás têm rótulo “extremista”
Um relatório recente publicado pelo Pew Research Center,
um think tank com sede em Washington D.C., conclui que
“ao longo da década 2007-2017, as restrições governamen-
tais à religião — leis, políticas e ações de funcionários do
Estado restritivas de crenças e práticas religiosas — au-
mentaram acentuadamente em todo o mundo”.
Em 2007 estavam identificados 40 países com níveis
“altos” ou “muito altos” de restrições à liberdade reli-
giosa. Dez anos depois, eram já 52. Um deles é a Rússia,
onde, recorda o académico, “toda uma narrativa de
fausto e glória, marcada por uma visão etnocentrada,
encontra na Igreja Ortodoxa a ligação a uma legitima-
ção história e, assim, fortemente identitária”. O relató-
rio refere o assédio das autoridades russas a minorias
religiosas através de ‘visitas’ da polícia a propriedades,
em especial das Testemunhas de Jeová, rotuladas como
grupo “extremista” desde 2017.
“Por parte do que hoje designamos por Estados, a reli-
gião surge como forma de criar uniformidades, discursos
e narrativas de identidade”, comenta o professor. “Hoje,
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Expresso, 27 de julho de 2019
UMA TENDÊNCIA GLOBAL
ANGOLA
A 23 de janeiro deste ano,
a Assembleia Nacional aprovou
a nova Lei sobre a Liberdade de
Religião, Crença e Culto para
organizar a proliferação de
grupos. Há mais de 2000 ilegais
TAILÂNDIA
A Constituição de 2017 elevou
o estatuto do budismo
Theravada, quase que dotando
o reino de uma religião oficial
SAMOA
Este país da Polinésia passou
a ser uma “nação cristã” após a
revisão constitucional de 2017
ERITREIA
O Governo reconhece apenas
a Igreja Ortodoxa Eritreia,
o Islão sunita, a Igreja Católica
e a Igreja Evangélica Luterana
da Eritreia. Desde 2002 não são
autorizadas cerimónias
de nenhum outro culto
CHINA
Apenas são autorizados
a realizar cultos grupos
que pertençam às religiões
reconhecidas por Pequim:
Budismo, Taoismo, Islão,
Catolicismo e Protestantismo.
Mas há milhares
de muçulmanos (uigures)
em “campos de reeducação”
CABO VERDE
a relação que vemos cada vez mais forte entre muitos Es- A concordata de 2013 garante
tados e algumas religiões vem no seguimento da criação ao Vaticano privilégios
de narrativas de instabilidade, onde o fator religioso é inacessíveis a outro credo
instrumental na solução.”
COMORES
Fobias várias num quadro de medo Aprovado em referendo,
em 2009, o Islão passou a ser
Na Hungria, em 2012, uma nova lei introduziu alterações ao a religião do Estado
processo de registo de grupos religiosos, as quais afetaram
o estatuto de mais de 350, com consequências ao nível do MALDIVAS
seu financiamento e da prestação de serviços de caridade. Promover uma religião
Na chefia do Governo desde 2010, Viktor Orbán tem-se des- que não o Islão é crime punido
tacado, na Europa e no mundo, com um discurso populista, com até cinco anos de prisão
xenófobo e anti-imigração.
“Parte do movimento geral de limitação da liberda- ALEMANHA
de religiosa advém de um quadro de medo, relacionado Em 2012, um tribunal
diretamente com o pós-11 de Setembro de 2001 e, mais de Colónia criminalizou
recentemente, com o fenómeno do radicalismo islâmico a circuncisão por razões
do Daesh”, explica Mendes Pinto. “Esta onda de perceção não-médicas. Pressionado por
e representação de insegurança, de medo, condicionou os judeus e muçulmanos, Berlim
cidadãos a aceitarem limitação às suas mais variadas liber- legalizou essa prática religiosa
dades como um sacrifício necessário para a sua segurança.”
Em dez anos, o número de países europeus que levantam BIRMÂNIA
obstáculos à liberdade religiosa aumentou de cinco para A minoria muçulmana
20. Este processo vem sendo fortalecido “através de fobias (rohingya) não tem direito à
várias”, conclui Paulo Mendes Pinto. “Fobias que levam, cidadania. Tem sido perseguida
por exemplo, a que França seja hoje tida como um Estado e alvo de grande violência
que ergue grandes restrições à liberdade religiosa, fruto
de um extremar das suas posições laicistas que advogam a
proibição, muitas vezes, do uso de vestes religiosas.”
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Há uma ilha
de tolerância
no Médio Oriente
Arábia Saudita, Irão e Israel
são dos países com leis mais
restritivas em matéria de
liberdade religiosa. Na região,
só um país não favorece uma fé
Em todo o mundo, a maioria dos Es-
tados que submetem a vida dos seus
cidadãos à vontade de Deus (de for-
ma mais ou menos formal) é muçul-
mana. No Médio Oriente e Norte de
África, há apenas um país que não
tem uma única religião oficial ou fa-
vorece declaradamente um só cre-
do — o Líbano. Independente desde
1943, o “País do Cedro” é um xadrez
étnico-religioso complexo, organizado
politicamente com base num Pacto
Nacional celebrado entre as principais
confissões religiosas. Este acordo não
escrito determina que o Presidente
da República é sempre um cristão
maronita, o Parlamento é presidido
por um muçulmano xiita e o primei-
ro-ministro é um muçulmano sunita.
Este entendimento sobreviveu a
uma sangrenta guerra civil (1975-
1990). Depois do conflito a proporção
entre cristãos e muçulmanos no Par-
lamento passou de 6/5 para a paridade
(5/5). E resistiu também à evolução
demográfica do Líbano: se em 1943
havia uma curta maioria de cristãos
no país, hoje estima-se que a larga
maioria dos quase sete milhões de
libaneses seja muçulmana.
Na classificação do Pew Research
Center, o Líbano não consta do grupo
mais preocupante de países com leis
mais restritivas à liberdade religiosa,
que é liderado pela Eritreia. Não é o
caso, porém, da Arábia Saudita (8º
lugar), do Irão (12º) e de Israel (13º).
Israel não tem uma Constituição es-
crita mas sempre se definiu — e assim
foi concebido — como um Estado judai-
co onde a religião está omnipresente na
vida quotidiana. Casamentos, divórcios
e funerais, por exemplo, competem à
jurisdição do Rabinato Chefe de Israel,
uma instituição ortodoxa. E, na maioria
das cidades, o respeito pelo Shabat (sá-
bado) implica que não haja transportes
públicos a circular.
A relação entre o Estado e o juda-
ísmo definiu-se mais claramente a 19
de julho de 2018, com a aprovação de
uma nova Lei da Nacionalidade: Israel
passou a ser “a nação do povo judeu”
e o hebraico a única língua oficial. A
aprovação do diploma fez disparar
acusações de discriminação e lançou o
ceticismo sobre o futuro das minorias,
nomeadamente os israelitas árabes
(muçulmanos e cristãos), que são 20%
da população. Representados no Par-
lamento, são muitas vezes impedidos
de aceder a lugares sagrados como
PRIMEIRO CADERNO 29
o Monte do Templo, em Jerusalém.
Pátria de uma das comunidades de
judeus mais antigas do Médio Oriente
— os judeus da Pérsia, anteriores ao
advento do Islão —, o Irão tem um his-
tórico de perseguição da comunidade
bahai (não-muçulmana). Outrora a
maior minoria no Irão, as autorida-
des consideram-na hoje “herética” e
“imunda”.
Teocracia muçulmana xiita desde
1979, o Irão tem no topo da sua hie-
rarquia política um ayatollah. Oficial-
mente, a República Islâmica reconhe-
ce três minorias — zoroastras, judeus e
cristãos — e reserva-lhes assentos par-
lamentares. Uma diferença substan-
cial em relação à rival sunita Arábia
Saudita, onde não existem igrejas nem
sinagogas. Guardião das mesquitas
sagradas de Meca e Medina, o reino
considera ilegal a prática de outras
religiões, bem como o uso de símbolos
religiosos. Os sauditas estão proibidos
de se converterem a outras fés e os que
professam o ramo xiita são olhados
com grande desconfiança.
Na Jordânia, o Governo
vigiou as prédicas nas
mesquitas e exigiu aos
pregadores que não
falassem de política
Em novembro de 2017, Riade fez
aprovar uma nova lei de combate ao
terrorismo que criminaliza “qualquer
pessoa que desafie, direta ou indireta-
mente, a religião ou a justiça do rei ou
do príncipe herdeiro” e proíbe “qual-
quer tentativa de lançar dúvidas sobre
os fundamentos do Islão”. No mesmo
ano, alegando preocupações com o
terrorismo, as autoridades ordenaram
a demolição de um bairro antigo de
maioria xiita.
No Médio Oriente, com maior ou
menor formalidade, todos os países
árabes são condescendentes em re-
lação ao Islão. No Egito, em caso de
disputa familiar, por exemplo, se um
dos cônjuges for muçulmano e o outro
cristão copta, a lei que se aplica é a
islâmica (Sharia).
Mas casos há também em que o alvo
das restrições governamentais é o pró-
prio Islão. Na Jordânia, o Governo
vigiou as prédicas nas mesquitas e
exigiu aos pregadores que se absti-
vessem de falar de política, para não
contribuírem para agitação social e
visões extremistas. Sugeriu temas e
recomendou textos para orientar os
imãs. Quem não acatar é multado ou
proibido de voltar ao púlpito. M.M.
30 PRIMEIRO CADERNO
REINO UNID O
Johnson estreou-se a responder aos deputados na quinta-feira FOTO EPA
Boris preparado para ir à guerra
Novo primeiro-ministro prepara ‘Brexit’ sem acordo ou eleições antecipadas com uma equipa coesa e anti-UE
Pedro Cordeiro
Sair da União Europeia (UE)
sem acordo, a 31 de outubro, ou
ir para eleições antecipadas são
destinos prováveis para o Reino
Unido a curto prazo. Empos-
sado há três dias, o primeiro-
-ministro Boris Johnson coloca
a parada para novo acordo com
Bruxelas demasiado alta e pro-
mete não mais adiar a saída. Se
o Parlamento quiser travar um
‘Brexit’ abrupto, resta-lhe der-
rubar o Governo.
A cumprir um sonho de há
muito, o conservador arran-
cou em tom otimista. Minutos
depois de a rainha o nomear,
proclamou: “Quem apostar
contra o Reino Unido vai per-
der a camisa, porque vamos
restaurar a confiança na nossa
democracia.” Leia-se, cumprir
o mandato dado pelo eleitora-
do em 2016 e retirar o país da
UE no prazo vigente, “sem ‘ses’
nem ‘mas’”.
Johnson desvaloriza os riscos
da saída sem acordo e até vê
nela uma virtude: um “lubri-
ficante” de 39 mil milhões de
libras (43 mil milhões de eu-
ros) para a economia britânica.
A ameaça de não pagar esse
montante — correspondente a
compromissos já assumidos e
reconhecido pelo anterior Go-
verno — choca com um parecer
do procurador-geral Geoffrey
Cox, que transitou da equipa de
Theresa May para a de Johnson.
O novo líder reafirma a vonta-
de de sair da UE com um acordo,
mas coloca uma condição que
impossibilita o consenso com
os 27: eliminar do documento
herdado de May as disposições
sobre a fronteira entre as Irlan-
das. Sem surpresa, o negociador
da UE para o ‘Brexit’, Michel
Barnier, escreveu quinta-feira
aos Estados-membros para con-
siderar isso “inaceitável”.
A Irlanda, sempre
Para o vice-primeiro-ministro
irlandês, o novo líder britâni-
co optou por “colocar o Reino
Unido em rota de colisão com
a UE e com a Irlanda”. Essa
abordagem “não ajuda nada”,
considera Simon Coveney, que
também tutela os Negócios Es-
trangeiros. Ontem recebeu o
novo ministro britânico para a
Irlanda do Norte, Julian Smith.
Para conselheiro
especial Johnson
nomeou Dominic
Cummings, estratego
da campanha
vencedora do
referendo de 2016
Esse território sofreu durante
décadas o sangrento conflito
entre católicos e protestantes.
O acordo de Sexta-feira Santa
de 1998, que lhe pôs fim, elimi-
nou na prática a fronteira en-
tre a Irlanda do Norte (parte
do Reino Unido) e a República
da Irlanda (membro da UE).
Os 27 não abdicam de manter
essa abertura e de proteger o
mercado único (livre circulação
de pessoas, bens, serviços e ca-
pitais). Aquela linha de 500 qui-
lómetros será a única fronteira
terrestre entre a UE e o Reino
Unido. Só um acordo comercial
global dispensará a reposição de
infraestrutura física e controlos,
mas Bruxelas não quer falar da
relação futura antes do ‘Brexit’.
Até lá, prevê o acordo, o Reino
Unido terá de manter alinha-
mento regulatório com a UE
e a Irlanda do Norte de seguir
regras do mercado único. Este
mecanismo, conhecido como
backstop, foi indicado por mui-
tos deputados conservadores
eurocéticos como motivo para
chumbarem três vezes o acor-
do de May, ao lado dos partidos
da oposição (estes por terem
visões mais europeístas). Viam
no backstop, de que só se sai por
mútuo acordo, uma forma de
o país ficar para sempre preso
à UE.
Johnson, que considera esse
dispositivo “antidemocrático”,
prefere atirar o ónus da saída
dura para o outro lado do ca-
nal da Mancha. Explica que o
Reino Unido só será “forçado”
a tal “se Bruxelas rejeitar mais
negociações”.
Parlamento soberano
Ainda que a atitude combativa e
a disponibilidade para sair sem
acordo (que May nunca articu-
lou de forma convincente) lhe
possam valer novo acordo com
os 27, Johnson herda o mesmo
Parlamento que chumbou três
vezes o documento firmado pela
antecessora.
Trabalhistas, liberais, verdes,
nacionalistas galeses e esco-
ceses e independentes são, na
maioria, europeístas, muitos
defensores de novo referendo.
O Partido Unionista Democrá-
tico norte-irlandês (DUP), que
sustenta o Executivo minori-
tário — ao abrigo de um pacto
pendente de renegociação —, é
favorável ao ‘Brexit’ mas rejeita
qualquer cenário que diferencie
a Irlanda do Norte do resto do
Reino Unido. O primeiro-mi-
nistro falou ontem com a líder
do DUP, Arlene Foster, e com os
chefes dos governos do País de
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REVISTA E Fique a conhecer melhor o novo primeiro-ministro
do Reino Unido. Inteligente, divertido e talentoso, Boris Johnson
é também desbocado e tem o hábito de mentir até aos próximos
Gales e da Escócia, a quem ju-
rou que governará no interesse
de todo o reino. De Edimburgo,
a reação de Nicola Sturgeon foi
reclamar novo referendo à inde-
pendência.
Johnson não pode contar
com toda a bancada conser-
vadora. Esta vai de deputados
que ainda creem possível ficar
na UE a arquieurocéticos como
Steve Baker, que ontem aler-
tava contra qualquer “acordo
de saída de ‘compromisso’”,
ou seja, que não propicie um
‘Brexit’ limpo. As frequentes
mudanças de opinião do pri-
meiro-ministro inquietam essa
ala, que não hesitará em voltar-
-lhe costas se não passar das
palavras aos atos.
A maioria de Governo é de
dois deputados (contando com
os dez do DUP) e poderá redu-
zir-se, quinta-feira, com uma
eleição intercalar que os liberais
devem vencer (um deputado
conservador foi destituído por
petição pública). Dado que a
Câmara dos Comuns se pro-
nunciou múltiplas vezes contra
a saída sem acordo, a pergunta
impõe-se: quão longe irá para
impedir esse desfecho?
Os deputados têm duas for-
mas de garantir que não haja
saída desordenada: revogar o
artigo 50 (o pedido para deixar
a UE), hipótese drástica e que
não pode ser usada para ganhar
tempo; ou derrubar o Governo e
forçar eleições, embora o tempo
já seja escasso para que estas
ocorram antes de 31 de outubro.
Esta possibilidade, veiculada
na imprensa britânica, exigiria
o voto de deputados do partido
no poder. Alguns dizem que o
fariam, como último recurso.
Na bancada conservadora esta-
rão, libertos de responsabilida-
des governativas e da lealdade
Expresso, 27 de julho de 2019
que estas implicam, os muitos
membros da equipa de May (18
de 30) que Johnson dispensou
por insuficiente euroceticismo BORIS DIXIT
ou por terem apoiado outros na
corrida a líder do Partido Con-
servador. “Tenho total
O próprio líder pode sentir confiança em que
necessidade de obter nas urnas dentro de 99 dias
um mandato popular caso se
sinta obstruído pelos Comuns. teremos resolvido
Com o Parlamento de férias des- [um novo acordo
de ontem, a questão ressurgirá com a UE]”
se, em setembro, o país estiver à
beira do no deal.
Em modo de campanha “[Os cidadãos
europeus] podem
O novo Governo é coeso e
eurocético. Para conselheiro ter certeza absoluta
do seu direito
especial (na prática, chefe de
gabinete) o primeiro-ministro a viver e permanecer
escolheu Dominic Cummings, [no Reino Unido]”
estratego da campanha Vote
Leave no referendo de 2016. Às
posições fortes sobre a saída da
UE, para esvaziar a ameaça do “Muitos funcionários
Brexit Party, de Nigel Farage,
somam-se promessas para dis-
britânicos brilhantes
suadir o voto nos trabalhistas estão presos em
de Corbyn ou nos liberais, ani- reunião após
mados pela eleição da nova líder reunião, em Bruxelas
Jo Swinson, um dia antes da en-
tronização de Johnson. e no Luxemburgo,
O anúncio de mais 20 mil quando o seu
polícias, obras em escolas e talento poderia
hospitais, estradas e ferrovias, servir para preparar
internet de banda larga disse-
minada, subidas de salários e novos acordos
rendimento mínimo, criação de de comércio livre
“empregos verdes para a próxi- ou promover
ma geração” e incentivos fiscais
ao investimento, sem esquecer
um Reino Unido
o muito em voga bem-estar verdadeiramente
animal, denotam aguda cons- global”
ciência de que pode haver elei-
ções mais cedo do que tarde. A
capacidade de vencê-las é uma
das qualidades mais apreciadas
pelos militantes conservadores
no seu novo chefe.
pcordeiro@expresso.impresa.pt
Expresso, 27 de julho de 2019
ESPANHA
Sánchez
ressuscita
o sonho
de governar
sozinho
Partidos têm dois meses para
negociar e evitar eleições. PSOE
e Podemos trocam acusações
Angel Luis de la Calle
correspondente em Madrid
E agora? É a pergunta que se fa-
zem os cidadãos espanhóis, no
rescaldo do espetáculo prota-
gonizado nas últimas semanas
pela classe política nacional,
incapaz de forjar os acordos
necessários para formar um
Governo estável que refletisse
a divisão de poder fixada pe-
los resultados eleitorais de 28
de abril. Fruto dessa incapa-
cidade, o homem que aspirava
a ser primeiro-ministro nos
próximos quatro anos, Pedro
Sánchez, falhou a investidura
parlamentar.
Foi a segunda tentativa fra-
cassada, em três anos, do líder
do Partido Socialista Operário
Espanhol (PSOE, centro-es-
querda). O seu putativo sócio
de Governo seria a aliança
esquerdista Unidas Podemos
(UP). Um Executivo de coliga-
ção teria sido algo inédito na
história recente de Espanha.
Frustrou-o o desacordo na dis-
tribuição de pastas.
Procurando superar a amar-
gura do momento, com conse-
quências para a estabilidade do
país, as forças políticas trans-
mitem a ideia de que nem tudo
está perdido. A lei dá-lhes dois
meses para novas tentativas de
acordo, antes de impor a repe-
tição das eleições. No dia do
chumbo parlamentar, quinta-
-feira, o próprio Sánchez asse-
gurou, numa entrevista televi-
siva, estar disposto a “voltar ao
ponto de partida” e a “explorar
outros caminhos” para alcan-
çar o pacto necessário. Isto sem
deixar de atribuir o sucedido à
desmedida ambição de poder
de Pablo Iglesias, líder da UP.
Num editorial publicado on-
tem, o diário “El País” assina-
lava que “o fracasso da investi-
dura de Sánchez não condena
a repetir as eleições; pelo con-
trário, obriga a recomeçar o
processo de modo a que desta
vez as principais forças políti-
cas conduzam adequadamente
as negociações e ponham fim
à paralisia política em que o
país continua instalado pelo
menos desde 2015”. “O espe-
táculo oferecido pelo PSOE e a
UP nos últimos dias é o ingre-
diente essencial do caldo em
que fermenta o desprestígio da
representação política.”
O mecanismo previsto no
artigo 99 da Constituição —
que Sánchez pretende rever,
para evitar bloqueios como o
presente — estabelece que, fra-
cassada a primeira tentativa,
o chefe de Estado pode iniciar
nova ronda de consultas com as
forças políticas e convidar para
formar Governo quem consi-
derar que está em melhores
condições para ser bem-sucedi-
do. Felipe VI fez saber que não
chamará os partidos imediata-
mente, prevendo-se que o faça
entre fim de agosto e início de
setembro, a fim de dar tempo
às negociações e para que qual-
quer candidato chegue ao novo
debate de investidura com um
acordo muito mais elaborado.
Essa nova sessão terá de reali-
zar-se até 23 de setembro, data
CONTEXTO
Chumbado
Quinta-feira Pedro
Sánchez falhou a
investidura, com 124
votos “sim”, 155 “não”
e 67 abstenções.
Precisava de ter tido mais
deputados a favor do
que contra. Terça-feira
conseguira os mesmos
124, 170 contra e 52
abstenções
Insuficiente
Além da sua bancada,
o líder do PSOE só
obteve o voto do
Partido Regionalista da
Cantábria, depois de
gorado o acordo com
a aliança esquerdista
Unidas Podemos
Rei
A bola passa para as
mãos de Felipe VI, que
pode indicar o mesmo
ou outro candidato
a primeiro-ministro
após consultas com os
partidos
Prazo
Dois meses depois da
primeira votação (isto
é, a 23 de setembro),
ou há novo Governo ou
repetem-se as eleições
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em que, caso haja novo fiasco,
o rei será obrigado a dissolver
as câmaras legislativas e a con-
vocar novas eleições, que se
celebrariam a 10 de novembro.
Setembro
prevê-se duro
A alusão de Sánchez à explo-
ração de “outros caminhos”
põe de novo em cima da mesa
a ideia inicial do candidato a
chefe do Governo: manter o
cargo que ocupa há um ano
sem recorrer a coligações, con-
tando com a abstenção “patrió-
tica” dos principais partidos da
oposição, sobretudo o Partido
Popular (PP, centro-direita) e
o Cidadãos (C’s, centro-direita
liberal) e assumindo que, com
os resultados eleitorais de abril,
não há alternativa possível a
um Executivo socialista.
A moderação do líder do PP,
Pablo Casado, nos últimos dis-
cursos parlamentares e consi-
derações tecidas por dirigentes
regionais deste partido (como
o presidente do governo ga-
lego, Alberto Núnez Feijóo)
alimentam essa possibilidade.
Com o C’s a via parece muito
mais fechada, como provou a
dureza das intervenções do seu
líder na tribuna do Congresso
dos Deputados. Albert Rivera
acusou Sánchez de dirigir “um
bando” que pretendia “repartir
o saque de Espanha”.
Os partidos têm presente
que abrir uma crise política
em setembro é complicado.
Nessas datas se conhecerá a
sentença emitida pelo Tribu-
nal Supremo em relação aos
políticos catalães acusados de
participação na intentona in-
dependentista de outubro de
2017. Tudo indica que o alto
tribunal venha a impor penas
de prisão muito severas, o que
gerará (está anunciado) uma
ampla mobilização de pro-
testos e desobediência civil
dos sectores soberanistas da
sociedade catalã, muito apoi-
ados pelo governo regional.
Enfrentar tal situação sem um
Executivo central estável, que
se sinta seguro e apoiado para
aplicar a lei na Catalunha, seria
desavisado.
A dificuldade está em renta-
bilizar o relato de quem teve a
culpa pelo fracasso da investi-
dura de Sánchez. O candidato
atribui essa responsabilidade
a Iglesias, por ter exigido car-
gos governamentais acima das
possibilidades de um pacto pro-
porcional e da experiência em
gestão (nenhuma) dos dirigen-
tes da UP. “Não ganhou as elei-
ções”, disse Sánchez a Iglesias,
cuja entrada no elenco gover-
nativo o PSOE vetara antecipa-
damente. “O que faz falta é um
Governo coerente e coeso, não
dois governos”, acrescentou. A
Sánchez reprova-se que tenha
atrasado desnecessariamente
as negociações. Só apresentou
o seu programa de legislatura
para discussão cinco dias antes
da sessão de investidura.
Iglesias recebe recriminações
por ter levado para a discussão
a divisão de pastas e a assun-
ção de competências governa-
mentais, acima dos objetivos
PRIMEIRO CADERNO 31
Primeiro-ministro em
gestão, o socialista tem
até 23 de setembro para
viabilizar novo mandato
FOTO SERGIO PÉREZ/REUTERS
políticos. Não obstante, em
nenhum destes dois partidos
se observam movimentos de
contestação interna aos seus
respetivos líderes.
A sociedade espanhola está a
pagar com juros as mudanças
políticas que se produziram no
país nos últimos anos, durante
os quais se passou de um sis-
tema bipartidário com alter-
nância quase perfeita para uma
fragmentação que dificulta a
obtenção de maiorias. Tenha-se
em conta que em 2008 o PSOE
e o PP somavam 83% dos votos,
ao passo que hoje estas duas
forças alcançam apenas 46%.
Há que juntar a estes dados a
inexistência de uma cultura
política de pactos a nível nacio-
nal (que sempre os houve nas
regiões e municípios) e ainda
menos de governos de coliga-
ção. Na UE os governos de 19
dos 28 países têm ministros de
vários partidos. Em Espanha
ainda não foi este mês que tal
aconteceu. A democracia tem
até ao fim do verão para encon-
trar uma saída.
internacional@expresso.impresa.pt
32 PRIMEIRO CADERNO
REPÚBLICA DEMO CRÁTICA D O CONGO
Epidemia de ébola
deve ser tratada
como global
OMS decretou que os 196 países signatários da
convenção devem unir esforços no combate à doença
Cristina Peres
Faz esta semana um ano que
foi declarado um surto de ébola
nas províncias orientais da Re-
pública Democrática do Congo
(RDC), Kivu Norte e Ituri, as
quais, combinadas, fazem fron-
teira com o Ruanda, o Uganda
e o Sudão do Sul. A recente
morte, em Goma (capital do
Kivu Norte), de um padre que
viajou contaminado até àque-
la cidade de dois milhões de
habitantes — entalada entre o
vulcão do monte Nyiragongo e
o lago Kivu e situada em frente
à cidade ruandesa de Gisenyi
— fez soar mais alto o alarme.
A dias de passar um ano so-
bre aquela data de 2018, 1 de
agosto, o Expresso entrevistou
o representante dos Médicos
Sem Fronteiras (MSF) para
a resposta ao ébola na RDC-
-Goma: “O caso positivo de
ébola em Goma mostra que a
situação continua preocupan-
te e não está sob controlo”,
Aceda ao menu
na APP
esclarece Antoine Gauge. Na
segunda-feira passada, o mi-
nistro congolês da Saúde, Oly
Ilunga Kalenga, apresentou a
demissão quando o gabinete
do Presidente Felix Tshisekedi
reclamou para si a responsabi-
lidade pelo combate à epidemia
mortal, entregando essa tarefa
a uma equipa multidisciplinar
que responderá diretamente ao
chefe de Estado.
Até agora morreram 1705 das
2438 pessoas a quem foi diag-
nosticada a infeção. À parte o
caso do padre morto em Goma
e de três casos fatais registados
no mês passado, no Uganda, o
surto parece confinado àquelas
duas províncias orientais da
RDC. Porém, não é coisa pouca.
Apesar de mais de 170 mil
pessoas terem sido já vacinadas
com uma fórmula com 97,5% de
eficácia e validade de 12 meses
comprovada pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), a si-
tuação é volátil e Goma precisa
de investimento sério em pre-
venção, garante Antoine Gau-
Escolha
“Gerir Alertas”
2 3 que lhe interessam
ge. Há sete meses que os MSF
trabalham na capital do Kivu
Norte, reforçando o sistema de
vigilância e tentando assegurar
a capacidade de gerir os casos
de suspeita de contágio, bem
como os confirmados.
Goma é, todavia, um potenci-
al polo de contágio de tal impor-
tância que a OMS declarou este
surto de ébola como Emergên-
cia de Saúde Pública de Preo-
cupação Internacional (PHEIC,
na sigla internacional em in-
glês). Esta designação rara ape-
nas fora utilizada quatro vezes
antes (ver caixa ao lado).
Tempestade perfeita
dificulta controlo
No seu último relatório, de 19
de julho, os MSF retiraram-se
dos Centros de Tratamento de
Ébola (CTE) no Kivu Norte, na
sequência de ataques às insta-
lações e aos trabalhadores. O
conflito que grassa na região
há 25 anos provoca a instabi-
lidade que origina estas agres-
Personalize os seus Alertas EXPRESSO
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sões contra o pessoal da saúde,
ao mesmo tempo que boico-
ta os esforços de controlo da
epidemia. Os tumultos põem
em perigo os profissionais e
as pessoas mais vulneráveis na
equação, os pacientes.
“A violência dirigida compro-
mete atividades cruciais como
a vacinação, a identificação
dos contactos com infetados, a
promoção da saúde e os fune-
rais seguros”, enumera Gauge,
acrescentando: “Também de-
sencoraja as pessoas de virem
aos CTE quando adoecem. A
insegurança é uma das maiores
dificuldades que enfrentamos”,
conclui.
A relação com a comunida-
de é outra das dificuldades no
terreno. Para conseguirem ou-
vir e responder às prioridades
das pessoas, os profissionais
de saúde têm de ser capazes
de lhes dar “verdadeiras alter-
nativas” enquanto os tratam e
tentam envolver em todos os
as aspetos da resposta ao ébola.
“Todas as pessoas envolvidas
têm de se concentrar no traba-
lho com a comunidade, em vez
de trabalharem na comunida-
de”, precisa Gauge.
A doença hemorrágica tem
muitas especificidades e é al-
tamente contagiosa. Por isso
exige tornar rotineiras ativida-
des como a triagem, gestão das
unidades de trânsito, fortaleci-
mento da prevenção e controlo
da infeção.
Atividades de compromisso
como sessões de grupo e de
esclarecimento envolvendo
aqueles que mais influenciam a
comunidade (líderes religiosos,
rádios e associações locais) são
outros elementos para os quais
o operacional da MSF chama a
atenção do Expresso.
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Expresso, 27 de julho de 2019
CINCO VEZES
Quanto à declaração que
a OMS fez em 19 de julho,
Antoine Gauge dá uma res-
posta breve. A equipa MSF
espera que a PHEIC melhore
a resposta ao surto de ébola,
PHEIC mas adverte que não basta
Uma Emergência de Saúde aumentar os recursos dispo-
Pública de Preocupação níveis. Importante mesmo é
Internacional (Public Health o modo como os mecanismos
Emergency of International do PHEIC serão aplicados e
Concern) é uma declaração adotados tanto na RDC como
formal feita pela Organização nos países circundantes. “O
Mundial de Saúde (OMS) de “um importante é aumentar a ca-
acontecimento extraordinário pacidade de resposta e a pre-
que se determina constituir um venção nas áreas e países ain-
risco de saúde pública para da não afetados.”
outros Estados através da
difusão da doença e que requer Aprende-se ou não?
uma ação internacional
coordenada”. A OMS declarou Seremos capazes de aprender
que o surto de ébola na RDC é as lições certas quando o de-
uma PHEIC. Ao abrigo das sastre se abate?, pergunta um
Regulações Internacionais de editorial de “The Guardian”. O
Saúde (IHR) de 2005, os Estados jornal britânico lembra o surto
têm o dever legal de responder de ébola na África Ocidental
com prontidão a uma PHEIC. que ceifou mais de 11 mil vidas
Foi declarada cinco vezes na Libéria e na Serra Leoa há
entre 2009 e 2019: cinco anos e gerou pânico in-
ternacional quando alguns ca-
2009 sos chegaram à Europa e aos
Pandemia de gripe Estados Unidos.
suína H1N1 Desenvolveram-se então as
vacinas que estão agora a ser
2014 usadas na RDC, por exemplo,
Ressurgimento mas o facto de a atual crise
da poliomielite estar a acontecer num zona
de guerra transforma-a numa
2014 “crise humanitária”, defende.
Surto de ébola Este surto de ébola já é o se-
na África Ocidental gundo maior de sempre, a se-
guir ao de 2014-16, e abate-se
2015-2016 sobre uma população que sofre
Epidemia de vírus de má nutrição, que pratica-
zika nas Américas mente não tem assistência mé-
dica e desconfia dos métodos de
2018-2019 tratamento de uma doença que
Epidemia de ébola é em si assustadora e os impe-
no Kivu (RDC) de de enterrar os seus mortos
como desejariam.
cperes@expresso.impresa.pt
Liberdade para pensar.
A partir de agora,
vai receber os
4 conteúdos selecionados
em primeira mão
Expresso, 27 de julho de 2019
ESTAD OS UNID OS
E. Jean Carroll Jornalista que acusa Donald Trump de a ter violado
“Foi uma luta colossal,
até que lhe dei uma joelhada”
Ricardo Lourenço
Correspondente nos EUA
Numa casa com pouco mais de 50
metros quadrados em plena floresta
no norte do estado de Nova Iorque,
E. Jean Carroll dança jazz com o seu
cão, “Lewis Carroll”. O gato, “Vagina
T. Fireball”, andará por perto. À se-
gunda tentativa, atende o telefonema
do Expresso, desculpando-se à garga-
lhada. “Estava a divertir-me tanto que
perdi a noção do tempo”. Autora de
uma coluna de aconselhamento para
mulheres na revista “Elle” desde 1993,
a mais antiga da especialidade nos Es-
tados Unidos, a jornalista americana
de 75 anos integrou várias redações
(“The New York Magazine”, “Rolling
Stone”, etc.) e foi nomeada para um
Emmy como guionista no programa
humorístico “Saturday Night Live”.
No início deste mês publicou o quinto
livro, “What do We Need Men For? A
Modest Proposal”, no qual alega que
o Presidente Donald Trump a violou
há cerca de 25 anos. O magnata nova-
-iorquino nega a acusação.
Das 22 mulheres que publicamente in-
criminam Trump de violência sexual,
Carroll é a única que fala em violação,
um crime que não prescreve em Nova
Iorque, estado onde tudo terá aconte-
cido. “Estou a ponderar as minhas op-
ções”, afirma Carroll numa entrevista
exclusiva, referindo-se à possibilidade
de mandar analisar o vestido que usa-
va na altura do alegado ataque e que
optou por nunca lavar. Especialistas
confirmaram ao Expresso que, caso o
incidente tenha ocorrido, é bastante
provável que ainda exista ADN do
agressor no tecido e que será fácil
verificar se coincide com o de Trump,
quer sejam “restos de pele, cabelo ou
unhas”, explica Lawrence Kobilinsky,
professor no John Jay College of Cri-
minal Justice. O Expresso confron-
tou a secretária de imprensa da Casa
Branca, Stephanie Grisham, com as
declarações de Carroll, mas até à hora
de fecho desta edição não obteve qual-
quer reação.
PP EmP“WhatPDoPWePNeedPMenPFor?PAP
ModestPProposal”PviajouPpelosPEUAP
ePperguntouPaPdezenasPdePmulheresP
paraPquePprecisamPdosPhomens.PAPqueP
conclusãoPchegou?
R Não precisamos deles, sobretudo
para mandar. São ótimos companhei-
ros, bons pais, limpam a neve no in-
verno... Olhem para o resultado: o
planeta está um forno e há uma guerra
de dois em dois minutos. Por favor,
deixem as mulheres governar.
PP OPlivroPincluiPaPlistaPdosP21PhomensP
maisPhediondosPdaPsuaPvida,PautoresP
dePcrimesPsexuais,PalgunsPlevadosPaP
caboPquandoPaindaPeraPmenor.PEmP
algumPmomentoPfezPterapia?
R Não. Sou muito feliz e positiva. A
razão para tanta felicidade é que co-
loco o passado no passado, e sigo em
frente. O livro acabou por servir de
catarse, o que foi bom, apesar das lem-
branças dolorosas.
PP DonaldPTrumpPéPoPvigésimoPdaPlista.P
Acusa-oPdePviolação.PPodePcontarPoP
quePsePpassou?
R Encontrei-o à entrada da Bergdorf
Goodman [armazém de luxo], na ci-
dade de Nova Iorque, algures entre
o outono de 1995 e a primavera de
1996. Ele vestia um sobretudo e eu o
meu vestido preto de lã Donna Karan.
Reconheceu-me porque eu tinha um
RESISTI, MAS ELE
SEGUROU OS MEUS
BRAÇOS COM UMA
MÃO E COM A OUTRA
APALPOU-ME OS
GENITAIS, ACABANDO
POR ME PENETRAR
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programa de televisão. Depois de nos
cumprimentarmos, pediu-me ajuda
para comprar um presente para uma
rapariga. Achei fabuloso! Sugeri um
chapéu, depois uma mala, mas ele re-
cusou, preferindo lingerie. A loja esta-
va a fechar e não havia ninguém no an-
dar em que estávamos. Ele pegou num
baby-doll transparente e pediu-me
que o experimentasse. Disse-lhe que o
vestisse ele, se quisesse. Comecei logo
a imaginar Trump de baby-doll sobre
as calças, qual sketch humorístico para
o “Saturday Night Live”. Desatámos
a rir, até que agi como uma idiota e
entrei num provador para vestir o
baby-doll. Ele empurrou-me contra
a parede e tentou beijar-me. Resisti,
mas ele segurou os meus braços com
uma mão e com a outra apalpou-me os
genitais, acabando por me penetrar.
Foi uma luta colossal. Tive demasiado
medo para entrar em pânico. Até que
lhe dei uma joelhada e escapei. Corri
para o elevador. Desci pelas escadas
rolantes e saí para a 5ª Avenida. Não
durou mais de dois, três minutos.
PP EmPnenhumPmomentoPfalaPdePviola-
ção,PemboraPdetalhePumaPpenetraçãoP
forçada,PlogoPcrime.PPorquê?
R Porque não sou uma vítima. Não su-
porto essa palavra. Ele não conseguiu
atirar-me para o chão e recuou. Eu lu-
tei. Bem sei que a descrição encaixa na
definição do crime, mas nunca olharei
para o que se passou dessa forma.
PP ConfirmaPquePsePconsideraPalgoPcul-
padaPpeloPsucedido?
R Nunca devia ter entrado no prova-
dor. Isso fragilizou-me. Bem sei que
isto não soa a movimento #Me Too,
mas também sei que nada teria ocorri-
do se não tivesse acedido. Tenho ouvi-
do muitas críticas por isso, de que não
cano teria uma galinha na panela, no
devo justificar o ato de Trump, mas
não quero saber, embora nutra imen-
sentido de que todos teriam uma vida
melhor. Na campanha presidencial de
so respeito pelo movimento #Me Too. 1928 Herbert Hoover acenou com esta
frase, uma galinha em cada panela
PP EsperouP25PanosPparaPsePqueixar.P e um carro em cada garagem. Com
NãoPéPtempoPdemais? Trump será uma galinha em cada pa-
R Cada mulher deve ser dona do seu nela, mas apenas nas dos ricos.
timing. Adoro quando ouço pessoas a
PRIMEIRO CADERNO 33
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
miguelmonjardino@gmail.com
China
e Rússia:
aliados
conjunturais?
A
crescente cooperação
militar entre a Rússia
e a China reforça a im-
pressão de que está em
curso um grande salto em fren-
te na política internacional.
Na terça-feira, dois bombar-
deiros russos TU-95MS e dois
bombardeiros chineses H-6K
com capacidade nuclear leva-
ram a cabo a primeira patrulha
aérea conjunta sobre o Mar do
FOTO REUTERS
Japão, tendo sido apoiados por
um A-50 russo e um KJ-2000
chinês de alerta avançado. Se-
gundo o Governo sul-coreano,
o A-50 russo penetrou duas
vezes na sua Zona de Identi-
ficação Aérea sobre a ilha de
Dodko. Os seus caças dispara-
ram tiros de aviso para afastá-
-lo da zona.
Até onde poderá ir a coope-
ração militar entre a Rússia e a
China? Para começar a respon-
der a esta pergunta é necessá-
rio ignorarmos dois consensos
prevalecentes hoje em dia nos
países europeus e nos EUA.
O primeiro é que a compe-
tição entre Washington e Pe-
quim define atualmente a po-
lítica internacional. Como esta
coluna tem chamado a atenção
determinarem quando é que uma mu- nos últimos anos, é isto que
lher deve ou não queixar-se. Que raio explica o crescente interesse
de autoridade têm sobre mim para dos decisores políticos e jor-
definirem quando devo falar? nalistas por Tucídides e a sua
visão da Guerra do Peloponeso.
PP PorquePnuncaPlavouPoPtalPvestido? O problema é que o seu livro
R Porque não estava sujo. Nunca me é cada vez mais citado mas,
apeteceu voltar a vesti-lo e não o guar- infelizmente, menos lido. Na
dei por razão nenhuma, a não ser a realidade, o general ateniense
de que gosto dele. Todos guardamos não escreve apenas sobre Ate-
roupa velha no roupeiro. nas e Esparta. Escreve também
sobre a influência que cidades-
PP AlgumaPvezPpensouPquePelePpossaP -estado como Corinto, Argos,
conterPADNPdoPhomemPquePacusa? Tebas, Siracusa e o império
R Só recentemente. persa tiveram no decurso e no
resultado final da guerra. Tal
PP PeritosPforensesPgarantiramPaoPEx- como aconteceu há 2500 anos,
pressoPque,PcasoPtenhaPhavidoPataque,P a política internacional é bem
aindaPéPpossívelPrecolherPADNPePve- mais complexa do que alguns
rificarPsePcoincidePcomPoPdoPalegadoP imaginam.
agressor.PVaiPmandarPanalisá-lo? O segundo consenso a igno-
R Estou a ponderar todas as opções. rar é que a Rússia e a China
estão em ascensão e serão um
PP IncluindoPaPanálisePdoPvestido? novo eixo num mundo crescen-
R É uma das opções que pondero. temente multipolar. Este pon-
to de vista parece ter bastante
PP SabePquePoPcrimePdePviolaçãoPnãoP acolhimento em Portugal. O
prescrevePemPNovaPIorque? problema é que está errado. To-
R Pois é. Insisto que pondero todas as dos os indicadores disponíveis
opções, até porque nenhum homem (demografia, saúde pública,
deve fazer aquilo a uma mulher. emigração dos quadros mais
qualificados e nível de vida) in-
PP GuardaPumaParmaPcarregadaPjuntoP dicam que a Rússia, como gran-
àPmesaPdePcabeceira.PQuePreceia? de potência, está em declínio.
R Sempre tive armas, a diferença é Por seu lado, a China continua
que desta vez tenho uma carregada. a sua modernização.
Assim sendo, o eixo Rússia-
PP IssoPtemPquePverPcomPasPameaçasPdeP -China é o eixo da instabilidade.
mortePdePquePaindaPéPalvo?
R Quem sabe.
Moscovo necessita mais de Pe-
quim do que Pequim de Mosco-
PP EscreveuPquePTrumpPfazPaosPEUAPoP
vo. Mais tarde ou mais cedo, tal
terá consequências. O que une
quePfezPconsigo,Pusando-oPaPseuPbeloP
prazer.PEmPquePestadoPdeixaráPoPpaís?
as duas capitais é, sobretudo, a
sua oposição face aos EUA e ao
R Dizia-se que quem votasse republi-
entendimento do que deverá ser
a ordem internacional. Mas que
ordem lhes interessa mais? De
momento, a resposta não é clara.
A mudança na política in-
ternacional oculta a grande
divergência de trajetórias, de
interesses e cultura da Rússia
e da China. Tal não deve ser
internacional@expresso.impresa.pt ignorado entre nós.
34 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 27 de julho de 2019

Editorial&Opinião

Editorial Incêndios da última semana

voltam a mostrar como o país Porque o PS não vai ter maioria absoluta
está (mal) preparado
como o partido com as melho- uma maioria absoluta e laborar tido mais votado vai coexistir
res respostas para os problemas nesse cenário, aliás, fragiliza as com um Parlamento mais frag-

Incêndios,
identificados como prioritários. condições de governabilidade mentado (com, pelo menos, o
Acrescentando a conjuntura no pós-6 de outubro. reforço do PAN) e resistência
política, com o PSD envolvido Se assumirmos que a avalia- do voto à esquerda do PS. Igual-

vira o disco
numa turbulência sistemática
(agora em torno das listas de
Pedro Adão e Silva deputados) e com os socialistas
com uma imagem de união, per-
ção da economia é um bom in- mente importante, a distribui-
dicador do voto, a verdade é que ção do voto do PS no território
as perceções subjetivas sobre continua marcada por regiões
o estado da economia não são em que os socialistas tendem a

e...
padaoesilva@gmail.com
cebe-se melhor a tendência de tão positivas como é o próprio ter resultados abaixo da média
reforço do PS. Mantendo-se tudo comportamento. Há, de novo (área metropolitana do Porto,

N
as últimas semanas, o o resto estável e acrescentan- na sondagem ICS/ISCTE, cer- litoral oeste e ainda o interior
cenário de maioria ab- do uma dinâmica de campanha ca de 35% dos portugueses que centro). Se a isto acrescentar-
soluta do PS regressou. que tende a favorecer quem vai à afirmam que a economia está na mos os resultados fracos entre
Após as europeias, as frente, faz sentido que se fale de mesma e 26% que julgam ter pi- os eleitores até aos 35 anos, a
sondagens foram revelando maioria absoluta, até porque há orado. Longe, portanto, de uma margem para uma maioria ab-
uma subida dos socialistas e uma diferença muito significati- dinâmica de maioria absoluta. soluta é curta.
Na última semana, o calor e o vento levaram o país a um uma estabilização ou mesmo va entre primeiro e segundo par- Seria muito surpreendente Tanto mais que, como sem-
duro confronto com a realidade. Depois das tragédias recuo do voto no PSD e no CDS. tido mais votado. Um cenário de que o eleitorado em Portugal se pre, sobra a política. O sucesso
de 2017 e das medidas e promessas subsequentes, eis o Na média das sondagens, a di- 20 pontos de diferença entre PS comportasse em contratendên- da ‘geringonça’ dificulta a dra-
choque com o regresso a uma triste novela de incêndios ferença entre PS e PSD está em e PSD, com o CDS também com cia, reforçando massivamente matização em torno da maioria
florestais sem controlo, de um interior que continua votado redor dos 15 p.p. uma votação baixa, aproxima- o voto num partido de centro, absoluta. Bem pelo contrário,
ao abandono, da falta de eficácia no combate e da escassa Se recuperarmos a última ria 2019 das maiorias de Cavaco quando o padrão europeu tem a estabilidade desta legislatura
prevenção. Claro que nem tudo está na mesma, mas o sondagem do ICS/ISCTE, há Silva, enquanto distanciaria do sido de recuo do centro e de permitirá ao BE e ao PCP alimen-
caminho é sinuoso e os passos trilhados pequenos demais. mais elementos a favorecer o empate de Guterres e da maioria crescente fragmentação par- tar com eficácia uma campanha
Atente-se à entrevista publicada hoje com Francisco Castro PS: a avaliação da governação de Sócrates. tidária. Aliás, ao contrário de valorizando os entendimentos e
Rego, presidente do Observatório Técnico Independente dos e da situação da economia são Mas é um equívoco. Dificil- 1987 e 1991 (e até 1999 e 2005), acenando com os perigos de uma
Incêndios. O número de incidências tem vindo a diminuir, o positivas e o PS é percecionado mente o PS poderá alcançar mesmo o crescimento do par- maioria absoluta.
que mostra que as campanhas de alerta têm surtido efeito.
O esforço de limpeza foi real, mas não está terminado. Os
planos de ordenamento florestal têm falhas, não se pensa o
suficiente que floresta queremos para o país. Na formação
de quem combate os incêndios pouco ou nada se avançou. E
A República contra as quotas
a estrutura de combate ainda revela insuficiências.
Concluindo, nas palavras de Francisco Rego:
“Continuamos muito vulneráveis e é bom que tenhamos violência resultantes da defini- espírito republicano, que não eleitoral implacável que sorve
consciência disso.” Isto é o que verdadeiramente importa. ção de quotas poderão ser, por- tem afinidades com a profusão cotão e votos dos mais inacessí-
Isto e a busca de soluções e caminhos. Não o permanente tanto, uma exigência de justiça, de identidades tribais, culturais, veis recantos. Mas esta sofregui-
passa culpas, a desresponsabilização e a utilização dos mas a sua imposição só será legí- sexuais, de género, raciais, histó- dão tem custos.
fogos florestais como arma de arremesso político a que tima se for proporcional, harmo- ricas (ou outras, que a procissão Que a esquerda seja colonizada
temos assistido. nizando equilibradamente todos vai no adro) que reclamam para pelo pensamento débil da moda
Sérgio Sousa Pinto os valores em presença e indu- si um tratamento especial, in- revela tristemente a decadência
zindo uma evolução da cultura demnizatório e sectário. de uma das mais elevadas tra-
política@expresso.impresa.pt
das instituições mais conforme A cidadania está a ser despe- dições intelectuais do Ocidente,

Sánchez Boris ao espírito e à letra da Constitui- daçada por ortodoxias identitá- filha e mãe da Revolução Fran-

A
ideia de introduzir ção e aos princípios republicanos rias; no debate público homens cesa. O silêncio envergonhado da
quotas em benefício que ela acolhe e protege. e mulheres livres são convidados esquerda diante da sua impotên-
de certos grupos de ci- Infelizmente, as quotas hoje a inscreverem-se — podendo — cia face aos órfãos da modernida-
Continua num impasse O irreverente e provocador dadãos em instituições em debate e esgrimidas nos pro- numa qualquer seita de agra- de, mais ou menos varridos para
a situação política em político, e antigo jornalista, socialmente valorizadas é ad- gramas eleitorais — como enfei- vados, humilhados e ofendidos, debaixo do tapete, e a sua ânsia
Espanha e Pedro Sánchez um dos mentores da missível, desde que encarada tes da moda, ornamento e pose para se posicionarem melhor de recrutar novas vítimas, mais
não há forma de conseguir campanha do ‘Brexit’ em como uma medida de último — são instrumento de valores face aos demais, uma maioria fáceis de confortar, trará consigo
o apoio do Podemos para 2016, alcançou finalmente recurso, destinada a contrariar absolutos, emanações ideológi- imaginária, que lhes deve repa- uma fatura pesadíssima. Num
governar à esquerda o poder no Reino Unido, a sub-representação grosseira cas de narrativas pós-modernas rações e quotas. A tribalização país exasperado da sua pobreza
com uma ‘geringonça’ destronando Theresa May. e crónica desses grupos. Neste antimeritocráticas, antirrepubli- da sociedade em nome de identi- ancestral, que atravessa séculos
semelhante à de Costa. Promete conseguir um sentido as quotas, uma distor- canas e antimodernas. dades reprimidas, míticas ou em e regimes, as taras do momento
Agora tem dois meses para ‘Brexit’ até final de outubro. ção potencialmente injusta em A República ergue-se na His- construção, é um rude golpe na são uma nova alienação. Mas en-
tirar finalmente Espanha A União Europeia já deixou muitos casos particulares, são tória contra as prerrogativas de modernidade. A repartição das frentar as causas do acanhamen-
de uma situação que se claro que não haverá novas um mal necessário, uma medida berço, em nome da igualdade oportunidades oferecidas pela to das nossas aspirações é difícil,
arrasta e evitar novas concessões. O nó continua indesejável e intrusiva, tornada fundamental perante a Lei. Nas- República por coletivos auto- e transmutar o atónito povo sofri-
eleições. bem apertado. transitoriamente aceitável pela cidos com a mesma dignidade, proclamados, através de quotas do em colonizador, racista, privi-
identificação de patologias no todos somos filhos da Repúbli- ou outras vantagens, aparenta legiado, preconceituoso, hetero-
sistema de representação e aces- ca. Cidadãos livres da intrusão ser uma aparatosa e remune- patriarcal e xenófobo, é barata e
so a posições de privilégio e pelo arbitrária do Estado, formados radora exibição de virtude, por prodigiosa cura: basta distribuir
reconhecimento da existência de pela escolaridade universal e hie- parte dos que se imaginam “no quotas a rodos e manter uma ilu-
obstáculos ao funcionamento do rarquizados pelo mérito, esse é o lado certo da História”. Virtude são coletiva de movimento, em
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. próprio princípio meritocrático. ideal moderno, a representação barata e cínica, orientada para a direção a um astucioso horizonte
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046.
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A compressão da liberdade e a mesma da República. Este é o caça ao voto, como um aspirador de progresso.
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Paulo de Saldanha, Paulo Miguel Reis, Nuno Miguel Conde e Cristina Vaz Tomé.
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros,
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464

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Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970

UE quer liderar na luta pelo clima

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renováveis e eficiência energética. Primeiro, temos de definir o que significa

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Hugo Rodrigues (coordenador),
(diretor publicidade agências), Carlos Morais e Joaquim
Dinorá Casanova e Nuno Rodrigues (produtores) ste ano, milhões de jovens em todo o Tudo isto requer investimentos consi- ‘verde’. Se definirmos, à escala da UE, um
Martins (gestores de conta);
Carlos Lopes (diretor Circulação e Assinaturas mundo uniram-se num movimento de deráveis, mas será necessário muito mais vocabulário para o financiamento susten-
publicidade diretos),
Miguel Teixeira Diniz e Sérgio
Pedro M. Fernandes (diretor),
Milton Silva (responsável
luta contra as alterações climáticas. A para que a Europa concretize os seus ob- tável, consumidores e investidores identifi-
Alves (gestores de conta); pela circulação) e Rita Silva geração mais jovem tem razão quando jetivos no âmbito do Acordo de Paris sobre carão melhor as atividades ecologicamente
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Expresso, 27 de julho de 2019 PRIMEIRO CADERNO 35

A esquerda ocupou a maior parte do espaço político

porque a direita entreteceu a sua desocupação

Daniel Oliveira
Marcelo será o endireita Henrique Raposo
danieloliveira.lx@gmail.com henrique.raposo79@gmail.com

A
súplica de Pedro Santana Não é de hoje, dizíamos, nem é só
Um género Lopes tem voz de pânico e responsabilidade de quem foi tão de- Ser pobre é
de direita mais difícil do
cores de comédia. A “crise sejado no PSD e criou tanta esperan-
da direita” já vai em “estado ça no CDS. Mas é um drama muito
de urgência e emergência política”,
levando o líder da Aliança a convocar
além das suas íntimas vaidades. Por-
que uma democracia sem alternativas que ser gay
N
ão é o direito à autodeterminação uma corrida às armas por “imperati- não gera alternâncias, um governo
da identidade de género (quando vo nacional”: sentemo-nos, apela ele Pedro Santos Guerreiro sem oposição forte torna-se abusador
não há uma correspondência en- a Rui Rio e Assunção Cristas, para e um país com tanta abstenção é um

tre género biológico e aquilo com
que a pessoa se identifica) que está em
causa no recente pedido de fiscalização
de constitucionalidade por 85 deputados
de direita. O que está em causa são as
medidas para que se combata a discri-
minação na escola e se proteja quem
exerce esse direito. Segundo este grupo
de deputados, encabeçado por Miguel
Morgado, o Estado pode garantir um
direito mas não deve proteger quem o
exerça. Sabendo que não há como pedir
a inconstitucionalidade da promoção da
tolerância e do combate à discriminação,
Morgado socorreu-se de um discurso
novo na direita democrática portuguesa:
que isto é ideologia de género. E impô-
-la nas escolas é violar o dever de neu-
tralidade política do sistema de ensino.
É a versão portuguesa da “Escola Sem
Família”, que permitiu que Bolsonaro
transformasse a transmissão de qualquer
valor de tolerância em propaganda parti-
dária. Ao mesmo tempo que promovia o
nacionalismo e a fé, claro.
Comecemos pelo básico: a ideologia de
género não existe. Pelo menos no sentido
que lhe dá Miguel Morgado, único que
lhe permite recorrer à Constituição. An-
tes de chegar aos discursos de Bolsonaro,
aos tuítes de Trump ou aos cartazes do
PNR, a expressão surgiu em trabalhos
dos estudos de género como forma de
caracterizar as crenças sociais vigentes
sobre o lugar da mulher e do homem
na sociedade. E foi depois apropriada,
ganhando o sentido inverso, por Ratzin-
ger, para definir aqueles que contestam
essas crenças. Hoje é usada por grupos
de extrema-direita e por religiosos radi-
cais. Em qualquer dos casos, não é uma
autodefinição ideológica, é uma definição
crítica das convicções de outros. A ideolo-
gia de género não tem ideólogos, não tem
seguidores, não existe enquanto doutrina
que possa caber na definição constitu-
cional. No sentido que lhe dá Morgado,
faz parte da novilíngua extremista a que
R
cidadepsg@gmail.com
resistir à pérfida dominação da es- terreno em pousio que silenciosa- egresso a Reims” é um livro fun-
querda. Estão de cabeça perdida. mente se fertiliza para uma colheita damental para a compreensão
Se estas três cabeças não servirem, futura — mas de quê? do ar do tempo. O intelectual
as eleições legislativas serão a sua guilhotina política. Não Quando Marcelo Rebelo de Sousa fala em “forças inor- francês Didier Eribon, homos-
se vislumbra ainda para que possíveis melhorias. Porque gânicas” fala também deste vazio que a direita não cativa sexual e de esquerda, deixa aqui uma
hoje é a própria direita que não acredita em si mesma, nem cultiva. Se grupos populacionais não se sentirem re- tese que seria queimada em autos-de-
o que multiplica descolagens lamentosas e dissidências presentados em partidos políticos existentes, como o PSD -fé se fosse apresentada por alguém
lamentáveis nos partidos. Com estas sondagens, Cristas e o CDS, nem nos novos que os desafiam, como a Aliança, de direita e heterossexual, a saber: ser
prateou-se como uma ilusão simpática e Rio desdourou- as tensões sociais e instintos políticos distribuem-se nas pobre é mais difícil do que ser gay. O
-se como uma desilusão antipática. Mas o desespero que mãos de quem as apanhar, o que dá para tudo, incluindo armário do gay é um armário, o armá-
a voz de Santana Lopes representa não é só pela derrota os piores populismos e os clamores sem diálogo. O repto rio do pobre é um sarcófago.
da direita que se antecipa para outubro. É pelo medo de alarmista, e inútil, de Santana Lopes é apenas a anedota O livro, uma memória pessoal que
que depois disso não haja pêndulo mas abismo. exagerada que reveste uma realidade sentida e consenti- se cruza com ensaio, parte de um mea
A esquerda ocupou a maior parte do espaço político da. Quando a alternativa democrática se transforma em culpa notável. “Regresso a Reims” é
porque a direita entreteceu a sua desocupação. Não é de resistência, está a socorrer-se a si própria. uma corajosa confissão. Eribon nasceu
hoje. Mas ainda hoje se ouve Rui Rio falar, como na entre- Marcelo será pois um Presidente ainda mais interven- miserável, num meio operário mar-
vista desta semana à Rádio Observador, entre hesitações, tivo. Irá influenciar na sombra o futuro do PSD, para o cado pela violência verbal e física da
contradições e complexadas perseguições, e fica-se a qual mal esconde predileções, como Carlos Moedas. E pobreza, a violência do trabalho bra-
perguntar se uma pereira pode dar maçãs. O homem do irá assumir-se como foco de oposição em Belém, equili- çal, a violência das relações pessoais,
Norte é afinal o homem do desnorte. Crocita como um brando forças sem contrapeso no Parlamento. Ainda lhe a violência contra o rapaz diferente
corvo mas é um melro. Um exemplo: Rio não quer, per- chamarão “força de bloqueio”. Porque ele será o endireita que gostava de ler. Quando iniciou
dão, não propõe alterar as 35 horas semanais na Função da direita, curandeiro a que ocorrem os desesperados. a sua trajetória de ascensão social e
Pública porque, diz, não se pode estar sempre a mudar. intelectual em Paris, Eribon escondeu
Ora, as 35 horas semanais foram um erro deste Governo, P.S. Fim de julho, parece que não se passa nada, mas sempre as suas origens. Sair do armá-
que aumentou custos ao contrário do prometido, mas enquanto não se passa nada a pena de morte é reintro- rio como gay foi fácil e até conveniente
sobretudo enfraqueceu a capacidade dos serviços públi- duzida a nível federal nos Estados Unidos de Donald no contexto da intelectualidade e da
cos e reeditou a separação entre funcionários públicos Trump, o impensável primeiro-ministro Boris Johnson burguesia parisiense. Sair do armá-
e privados, com todo o potencial de ressentimento que ultrapassa o pensado no Reino Unido, o BCE prolonga rio como pobre já era impossível. Ele
isso representa. Mas Rio não quer, perdão, não propõe a os juros anormalmente baixos porque vê nuvens negras sentia que o racismo social contra o
correção de erro, o que é contrário às suas ideias para o na economia alemã e registam-se mais de 42 graus centí- pobre era fortíssimo. No início, quan-
Estado e revela medo eleitoralista, o que é contrário ao grados em Paris. Na próxima semana há mais, supomos. do a esquerda ainda tinha um lastro
seu discurso de coragem. Ou tememos. marxista, Eribon lia e ouvia Sartre e
companhia falar da “classe operária”,
uma entidade abstrata que não tinha
qualquer relação com os operários
reais que ele conhecia, a começar no
pai. Para se entrosar com os Sartres,
Eribon fez aquilo que os Sartres fazem
desde o princípio da modernidade:
falou e escreveu sobre o “Pobre” abs-
trato enquanto desprezava cada pobre
em particular. Se para os Sartres este
mecanismo era uma forma de colocar
a máscara postiça dos salões, para Eri-
Chiu! bon esta pose era uma traição. Quando
a esquerda deixou o lastro marxista e
entrou no politicamente correto (isto
é, no culto identitário de minorias),

parte da nossa direita parece agora que-
rer aderir. Ainda os vamos ouvir falar de
“marxismo cultural”.
A agenda económica de Miguel Mor-
gado é bastante radical. Só que não tem
eleitorado num país pobre. Vale os votos
que teve a Iniciativa Liberal, com a qual
o deputado do PSD tem relações muito
próximas. Como explicou José Miguel
Júdice na SIC, esta “guerra cultural” é
mais mobilizadora para a direita. Foi por
perceberem isto que muitos neoliberais
abandonaram qualquer tipo de libera-
lismo político ou cultural e se têm aliado
às correntes autoritárias de direita. No
Brasil, enquanto Bolsonaro trata do circo,
o seu ministro Paulo Guedes prepara a
privatização de recursos naturais e de
serviços públicos, começando pela Segu-
rança Social, filet mignon dos Estados. A
vantagem desta aliança é que mobiliza
o povo com uma agenda política menos
impopular, ao mesmo tempo que respon-
sabiliza as minorias pela ansiedade criada
pela destabilização social. De caminho,
ganha músculo para pôr quem resista na
ordem. Alguns velhos militantes do PSD
têm avisado que Miguel Morgado é de
uma direita radical sem qualquer tradi-
ção no partido e que o usa como mero ve-
ículo para um projeto político que nunca
se conseguiu afirmar autonomamente.
A adoção da conversa da “ideologia de
género” é um sinal claro de que está a
fazer o seu caminho. Os 85 deputados
que o seguiram apenas confirmam que
a ausência de liderança na direita tradi-
cional é o melhor que estes extremistas
podem desejar.
DANIEL OLIVEIRA
ESCREVE NO EXPRESSO
DIÁRIO DE SEGUNDA
A SEXTA-FEIRA
O
ponto de partida foi o ruído
dos aviões durante a noite.
A intensidade do tráfego
aéreo na cidade de Lisboa
tornou-se uma agressão constante
e insuportável. Lisboa é atravessada
de lés a lés por um tráfego aéreo
que se multiplicou nos últimos anos.
Entre aterragens e descolagens, o
aeroporto de Lisboa regista 650 mo-
vimentos por dia, por vezes espaça-
dos só três minutos uns dos outros
e as estimativas apontam que, com
o alargamento do aeroporto, este
número subirá porque o aeroporto
passará de 30 para 42 milhões de
passageiros.
Apesar de a legislação suspender o
tráfego aéreo entre a meia noite e as
6h da manhã por questões de saúde
pública, o facto é que a associação
Zero verificou que durante essas ho-
ras de suposta suspensão de voos re-
gistaram-se dezenas de movimentos.
A lei prevê a possibilidade de voos
noturnos em ‘regime de exceção’ até
um limite de 26 operações diárias,
número que já de si torna ridícula a
sua ‘excecionalidade’... Mas a Zero
contou mais do que 30 voos em al-
gumas das noites que monitorizou
e sempre com ultrapassagem dos
níveis de ruído legalmente permiti-
do. Pelos vistos, o ‘regime de exce-
ção’ tornou-se habitual para a Vinci
à custa do repouso de milhares de
cidadãos. Toda a questão aeroportu-
ária da região de Lisboa tem de ser
seriamente equacionada e debatida.
Claro que o caso do aeroporto é
o mais flagrante, mais revoltante e
mais permanente de todos. Mas há
muito mais ruído a registar. O uso
dos espaços públicos para o frenesi
recreativo e turístico está a tornar
Qualidade Devida
Luísa Schmidt
sociedade@expresso.impresa.pt
insuportáveis até os lugares mais
emblemáticos das cidades, e não
só de Lisboa. Não há chafarica que
não tenha um altifalante cá fora, por
vezes há jardins públicos que con-
seguem ter três ou quatro músicas
cruzadas em decibéis que ultrapas-
sam o razoável.
E que dizer dos escapes particu-
larmente os de algumas motas que
atroam por toda a parte na total im-
punidade?!
Não, não é passageiro e não é
imaterial. O ruído é muito físico e
Não, não é passageiro
e não é imaterial.
O ruído é muito físico
e demasiado frequente,
apesar da lei
demasiado frequente, apesar da lei.
Os seus efeitos estão bem relatados
pela OMS: perda de audição, hiper-
tensão, doenças cardiovasculares,
stress, além das perturbações do
sono com toda a cadeia de conse-
quências.
Mesmo níveis de ruído suposta-
mente mais fracos corroem a qua-
lidade de vida. É o caso do rumor
constante e desgastante de ares con-
dicionados ou o do tráfego rodoviá-
rio que por toda a parte mantém um
ruído permanente.
Agora que chegámos à estação das
praias, quem protagoniza o som dos
nossos dias ao sol não é o mar, são
os altifalantes e as colunas portá-
teis sem fios nas esplanadas ou até
debaixo dos toldos e chapéus de sol,
tornando por vezes numa tortura o
que poderia ser um paraíso.
A fiscalização do ruído é, além do
mais, um caos administrativo onde
se esconde uma revoltante negli-
gência das autoridades nacionais e
locais. Para todos os efeitos, neste
caso, nunca a lei e a polícia serão
suficientes. Ou todos impedimos o
ruído ou o ruído vai acabar por nos
impedir a todos.
O sossego e o silêncio parecem
hoje um absurdo cultural que coloca
todos aqueles que não suportam o
ruído no estatuto de ‘minoria’ qua-
se envergonhada e com medo de
parecer desmancha-prazeres. Os
protestos a que a Zero deu voz a par-
tir do ruído dos aviões bem como as
inúmeras queixas que chegam às
ONGA, acaba de mostrar que a mi-
noria está longe de ser minoritária.
Pelo menos o começo está dado: as
pessoas queixam-se, o assunto fala-
-se, e o movimento mexe e cresce.
Eribon sentiu que estava ainda mais
à vontade: a sua identidade social era
agora desprezada, a sua identidade
sexual era o zénite da liturgia pós-mo-
derna. Com a idade e no contexto da
revolta dos pobres que trocaram o PCF
pela Frente Nacional, Didier Eribon
não suportou mais a culpa e resolveu
fazer o seu coming out fundamental: o
coming out como pobre.
Não se trata de pôr em causa a nar-
rativa da emancipação da homosse-
xualidade. É uma questão de escala
e de profundidade da dor. A saga do
pobre é mais áspera do que a saga do
gay porque está no nível básico da so-
brevivência animal. Quando é pobre
e gay ao mesmo tempo, uma pessoa é
pobre muito antes de ser gay, porque
a fome, o cansaço e o stresse constante
formam um hardware que está an-
tes de qualquer software identitário.
Quando se tem fome, quando se não se
sabe se amanhã haverá um teto sobre a
nossa cabeça, a orientação sexual é um
pouco irrelevante. O grande desafio
de Eribon na sua juventude não era a
homofobia dos meios pobres (o cliché
mantido pela esquerda). O grande pro-
blema era a miséria, o frio, a falta de
privacidade e intimidade numa casa
minúscula, o trabalho escravo da mãe.
Trabalho escravo, esse, que permitiu
a Eribon estudar em Paris. Esta hu-
milhação diária da pobreza, na figura
da mãe, operária e criada, era muitís-
simo mais forte do que a homofobia.
Lamento, mas ser pobre é mais difícil
do que ser gay.
HENRIQUE RAPOSO
ESCREVE NO EXPRESSO
DIÁRIO DE SEGUNDA
A SEXTA-FEIRA

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36 PRIMEIRO CADERNO
In Memoriam
1920-2019 A prevalência de competência profissional sobre ideologia
foi característica constante do seu desempenho no Supremo
John Paul Stevens
José Cutileiro
J
ohn Paul Stevens que
morreu no passado dia 16
num hospital de Fort Lau-
derdale, Florida, EUA,
das complicações de acidente
vascular cerebral de que sofrera
na véspera, poucos meses de-
pois de completar 99 anos e que,
quando em 2010 se reformara
do Supremo Tribunal de Justiça
norte-americano, fora o segundo
mais velho e o terceiro com mais
anos de serviço dos juízes a te-
rem tido assento naquela augus-
ta instituição desde que ela exis-
tia — palmarés que se mantém
— foi jurista de grande reputação
(fizera a guerra na Marinha, em
Pearl Harbour, decifrando códi-
gos militares japoneses secretos
o que lhe valera condecoração
importante e, com dois irmãos
mais velhos causídicos, vinda a
paz estudara Direito e praticara
advocacia em Chicago, cidade
da sua família rica, proprietária
do maior hotel do mundo, que
lá passara dissabores sérios a
seguir ao crash de 1929) ao pon-
to de senador republicano o ter
convencido a aceitar nomeação
pelo Presidente Richard Nixon
para um dos tribunais de Rela-
ção dos Estados Unidos, possível
rampa de lançamento para um
lugar no supremo o que viria
a acontecer, anos mais tarde,
com o Presidente Gerald Ford
durante o seu curto mandato, o
qual quisera nomear para vaga
que lhe coubera “the finest legal
mind I could find” (não sei se “a
melhor cabeça jurídica” seria a
boa tradução) e, embora mais à
direita do que Stevens quando
o nomeou e muito mais ainda
à medida que Stevens deslizava
para a esquerda, ao ponto de se
transformar, por assim dizer, no
chefe dos liberais do Tribunal
nunca se arrependeu, dizendo,
pouco tempo antes de morrer:
“Estou preparado para permi-
tir que o julgamento da história
sobre o meu mandato [presiden-
cial] assente (exclusivamente, se
necessário) na minha nomeação,
há 30 anos, de John Paul Stevens
para o Supremo Tribunal.”
Essa prevalência de compe-
tência profissional sobre qual-
quer ideologia foi característica
constante do seu desempenho
OBITUÁRIO
Rutger Hauer
1944-2019 Ator holandês, era
filho de um casal de atores
e começou a ter aulas de
representação depois de as
notas começarem a derrapar
nos anos da adolescência.
Depois de uma passagem
pela Marinha, iniciou-se na
representação ainda nos anos
60 e em 1973 protagonizou
o sucesso “Delícias Turcas”,
do realizador holandês Paul
Verhoeven, com quem faria
dezenas de filmes e que o
levaria para Hollywood. Em
1982, fez o papel de uma
vida em “Blade Runner”, de
no Supremo e as mudanças que
ao longo dos anos revelou quan-
to a algumas questões impor-
tantes (por exemplo, a pena de
morte que de entrada apoiara e
por fim consideraria inconstitu-
cional) foram acompanhadas de
evoluções dessa competência.
Mas também a sua longevidade
rara lhe deu mais oportunida-
des que as tidas por outros (ou
Excelente jogador
de pingue-pongue
e de ténis, primava
no golfe, tendo,
com mais de 60 anos,
feito um hole in one
outras: as primeiras mulheres
no Supremo chegaram depois
dele). E as mudanças no tempo
foram várias: quando, em 2010,
se reformou, deixou o Tribunal
com duas judias, uma cató-
lica e seis católicos.” I was the
only WASP (white anglo-saxon
protestant)”, gostava de dizer,
brincando. Era, de qualquer
maneira, um homem excepcio-
nal em muitos domínios, até em
desportos: excelente jogador de
pingue-pongue e de ténis, prima-
va no golfe, tendo, com mais de
sessenta anos, feito um hole in
one. E excepcional também por,
depois de se ter reformado, ter
continuado a publicar em jornais
Ridley Scott, interpretando
o replicant Roy Batty, que se
revolta contra os humanos e
volta à Terra para conhecer
o criador. O diálogo final,
debaixo de chuva e com
Harrison Ford pendurado pelo
pescoço, ficaria para a história:
“Todos estes momentos vão
perder-se no tempo. Como
lágrimas na chuva. É tempo
de morrer”. O filme não foi
propriamente um sucesso na
altura em que foi lançado, mas
tornar-se-ia um clássico da
ficção científica. Depois disso,
Hauer foi um herói romântico
na fantasia “A Mulher Falcão”,
com Michelle Pfeiffer; e um
vilão psicopata no sucesso série
B “Terror na Autoestrada”,
de Robert Harmon. Em 1988,
venceu um Globo de Ouro pelo
telefilme “Fuga de Sobibor”.
Em 2013, entrou em “RPG”,
um filme de ficção científica
realizado pelo português Tino
Navarro, que seria um fracasso
estrondoso. Dia 19, de uma
doença “súbita” não revelada.
e revistas artigos tão sólidos e
tão interessantes quanto o que
escrevera para o Tribunal e um
livro sobre os seus primeiros 94
anos. Todos no sentido, tão raro
quando se envelhece, da direita
para a esquerda.
Para o Tribunal, ficará certa-
mente na história o que escre-
veu pelas minorias vencidas, em
duas causes célebres. Bush v.
Gore que, em 2000, deu a presi-
dência a George W. Bush: “Em-
bora talvez nunca conheçamos
com certeza absoluta a identida-
de do vencedor da eleição presi-
dencial deste ano, a identidade
do perdedor é perfeitamente
clara. É a confiança da nação no
juiz como guardião imparcial
do Estado de direito.” E Citizens
United, 2010, que deixou com-
panhias e sindicatos gastarem o
que quisessem em candidatos a
eleições. “Essencialmente, cinco
juízes não gostaram da natureza
limitada do caso que tínhamos
pela frente, por isso mudaram o
caso para se darem a oportuni-
dade de mudar a lei.”
Em 1975, depois de Richard
Nixon e antes de Jimmy Carter
e de Ronald Reagan, o Senado
aprovara a sua nomeação por
unanimidade (98 — 0). Tinham
sido outros tempos.
José Cutileiro
escreve de acordo
com a antiga ortografia
> Helena Matos (1919-2019), pianis-
ta e professora, dedicou a vida ao
ensino e ensinou pianistas como
Jorge Moyano e Adriano Jordão.
Distinguiu-se na interpretação do
reportório romântico de compo-
sitores como Sergei Profokiev e
Anton Webern. Em 1948, ganhou
o prémio nacional de interpreta-
ção; e em 2017 recebeu a medalha
de mérito cultural do Ministério
da Cultura. Dia 24, de causas na-
turais. > Jaime Cardona Ferreira
(1937-2019), juiz, foi presidente do
Tribunal da Relação de Lisboa e
do Supremo Tribunal de Justiça.
Era um dos grandes defensores
dos julgados de paz, um sistema
de justiça privado e alternativo
aos tribunais comuns. Dia 24, de
causas não reveladas. > Maksim
Dadashev (1990-2019), pugilista
russo, estava invicto há 13 lutas
antes da derrota contra Subriel
Matias num combate pelo título
de meios-médios. Dadashev sofreu
319 golpes na luta mas recusou-se
a desistir, apesar dos apelos do
treinador. Dia 22, de lesões cere-
brais sofridas no combate.
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Cartas
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Entrevista a
José Miguel Júdice
Na revista do Expresso de 20-
7-2019, José Miguel Júdice,
quando entrevistado, arvora-se
em advogado de Sá Carneiro,
remetendo meu irmão, António
Maria Pereira, advogado já fa-
lecido e fundador do escritório
com o seu nome, mais tarde de-
signado pela sigla PLMJ, para
a tarefa de cuidar dos assuntos
de Snu Abecassis. Referindo-se
a Sá Carneiro, diz: “... fui ad-
vogado dele naquela coisa das
dívidas à banca, a acusação do
‘Diário’, na campanha de 1980.
O António Maria Pereira era
o advogado da Snu.” Acontece
que o advogado de Sá Carneiro
era o meu irmão e não José Mi-
guel Júdice!
E digo-o não só como invoca-
ção de fraternal memória afeti-
va, pois o meu irmão tinha um
grande fascínio por Sá Carneiro
e desabafava amiúde comigo
sobre o líder que tanto admira-
va, sobre a grande amizade que
os unia, sobre o orgulho de ser o
seu advogado — ele era, efetiva-
mente, a pessoa escolhida para
o tratamento jurídico dos mais
variados aspetos da sua vida. Eu
própria, ao fazer pesquisa para
a biografia do meu irmão, que
publiquei em 2013, tive ocasião
de entrevistar grandes nomes
de militantes ou próximos do
PSD (António Capucho, Mota
Amaral, Pedro Santana Lopes,
Proença de Carvalho...), partido
de que o meu irão foi militante
até ao fim da vida. Colhi muitos
depoimentos em que se invoca
o nome do meu irmão como o
grande advogado e amigo de Sá
Carneiro. A título de exemplo
relembro as palavras de Antó-
nio Capucho que considerava
recíproca a admiração que
António Maria Pereira tinha
por Sá Carneiro (“o António
Maria Pereira tornou-se im-
prescindível para Sá Carneiro.
Ele ouvia-o e gostava de trocar
impressões sobre todos os seus
assuntos”) ou o de Conceição
Monteiro, secretária da SIC:
“o António Maria Pereira teve
uma ação brilhante: conseguiu
limpar para a história o nome
de Francisco Sá Carneiro”. As-
sim, solicito seja reposta a ver-
dade dos factos.
Antónia Maria Pereira, Lisboa
Incêndios
e soluções
Ouvi na Antena 1 o relato de
uma das vítimas dos incêndios,
o qual sugeriu várias pequenas
ideias que poderão resolver
grandes problemas. Fora das
grandes medidas e dos grandes
planos estratégicos que conti-
nuam a não resolver a progres-
são dos inevitáveis incêndios,
são as ideias simples e de fácil
concretização que poderão tra-
zer resultados imediatos, justa-
mente pela sua simplicidade e
eficácia. Repito-as, para contri-
buir para a sua divulgação.
Primeiro, haver nas Juntas de
Freguesia chaves para a abertu-
ra das bocas de incêndio, chaves
essas exclusivas dos bombeiros.
Assim poderia haver acesso à
água muito antes da chegada
dos bombeiros. Segundo, lim-
peza dos telhados das casas,
sobretudo daquelas com es-
truturas em madeira. Durante
o inverno cresce vegetação no
musgo das telhas, facilmente
inflamável com qualquer pro-
jeção de fogo. Terceiro, siste-
matizar a existência de Guias
locais (um contacto por fregue-
sia) para orientar os bombei-
ros que, vindos de longe, não
conhecem a toponímia nem os
acessos. Por fim, tornar menos
rígida a cadeia de comando da
Proteção Civil. Há demasiados
casos de bombeiros a aguardar
ordens e sem atuar, com o fogo
à sua vista. O comando centra-
lizado e distante tem uma visão
de conjunto, é bom para distri-
buir os meios, mas é no local
que é necessário decidir e agir.
Parecem-me medidas simples,
eficazes e sem custos!
A. Lopes Bastos, Sesimbra
O problema
dos militares
Porque a problemática que en-
volve os militares (vencimentos,
estatutos, meios que utilizam e
condições em que trabalham)
é um assunto demasiado sério
para ser ignorado pelo país e
pelos decisores políticos, porque
o fim do Serviço Militar Obriga-
tório terá sido uma opção errada
e que visou apenas satisfazer as
juventudes partidárias, nome-
adamente as do PDS e do PS,
seria muito oportuno ter lugar
um debate público, calmo e ho-
nesto, sobre a questão da Defesa
Militar do país.
Muito embora o chefe máximo
das FA tenho posto o dedo na
ferida, verdade que o Governo
parece não ter aceitado, chegou
a altura de o país se pronunciar
que Forças Armadas deseja e
como pagar-lhes dignamente.
Pegar em armas para defender
a comunidade é tarefa de todos
e o egoísmo de muitos não se co-
aduna com essa tarefa coletiva e
constitucionalmente consagra-
da. Ser cidadão implica usufruir
A CARTA DA SEMANA
Orwell
na China
O
sector mais conser-
vador do Partido
Comunista Chinês
está sempre presen-
te para controlar tudo o que
considera “contaminação
ocidental”. Desde 1997, o
chamado projeto “Escudo
Dourado” conta com cerca
de 30 mil brigadas de inter-
net para filtrar todos os con-
teúdos que entram e saem
do país.
Na TV censuram desde
brincos nas orelhas de cele-
bridades masculinas ao uso
de tatuagens, letras de mu-
sicas rap são censuradas, nu-
merosos filmes americanos
e sul-coreanos desaparecem
do sistema streaming. Re-
centemente, o Estado intro-
duziu o sistema de crédito
social, o qual permite co-
nhecer a fundo os compor-
tamentos de cada cidadão,
premiando ou penalizando
o mesmo. A China com este
sistema tão orwelliano crê
numa sociedade uniforme.
Prefiro a democracia e a li-
berdade individual — elegen-
do o que consumo, leio e vejo
— a ter um Estado paterna-
lista que procura impor uma
entidade corretiva e coletiva.
A omnipresença do Estado
chinês nos vitais alicerces da
economia eterniza o poder.
A china é o exemplo perfei-
to de que o livro “1984”, de
George Orwell, não é ficção,
mas uma profecia.
F. Ribeiro, São João da Madeira
Expresso, 27 de julho de 2019
direitos e estar disponível para
assumir deveres.
Manuel Alves, Lisboa
Uma perspetiva
de futuro
A chegada à Lua foi um aconte-
cimento inimaginável de atingir
que levou o então Presidente dos
EUA, Richard Nixon, a afirmar
que pudesse inspirar os homens
a trabalhar em prol da paz e da
tranquilidade na Terra. Porém,
de imediato, a questão caiu em
esquecimento devido à sua es-
tratégia prepotente e belicista.
Uma circunstância que não gera
perplexidade e, infelizmente,
é a referência da Casa Branca
onde Donald Trump continua
a vangloriar-se do rumo adota-
do, menosprezando os valores
da dignidade humana. Mas, da
mesma maneira como foi pos-
sível pisar a Lua, acredito ser
possível a construção de um
mundo de paz, de tranquilidade
e de maior igualdade. Um con-
texto que para muitos baseia-se
numa mera utopia e os demais
veem como uma perspetiva de
futuro. É que, acima de tudo,
basta aprendermos com os erros
que destroem o nosso planeta
para sermos felizes.
Manuel Vargas, Aljustrel
Fogos, incompetência
ou fatalidade?
Mais um ano em que somos
confrontados com incêndios flo-
restais com resultados desastro-
sos. Este tema foi analisado pelo
atual Governo até à exaustão e
garantiram-nos que, aprendida a
lição, tal não voltaria a acontecer,
mas aconteceu.
Nos incêndios de 2017, dos
quais resultou a morte de 120
portugueses vítimas de homi-
cídio por negligência (ninguém
se atreveu a contestar tal tipifi-
cação), até ao momento, passa-
dos dois anos, não há nenhum
condenado e o principal respon-
sável, o nosso PM, alija as suas
responsabilidades óbvias para
o autarca de Mação, tal como o
seu ministro de Administração
Interna, seu amigo de infância.
Mas, tentando ter um pouco de
lucidez neste pântano de incom-
petências e chorudos negócios,
será que estes incêndios serão
uma fatalidade? Estou certo que
sim, enquanto dois problemas
óbvios não forem resolvidos: a
desertificação e abandono da la-
voura neste território e o ordena-
mento da floresta, sendo que tal
ordenamento não é possível sem
meios humanos, política fiscal
incentivadora do investimento e
meios financeiros...
Tudo o resto é demagogia e in-
competência gritante dos nossos
socialistas governantes, pese a
sua maciça propaganda e dinhei-
ro atirado para o fogo. Poderão
contrapor com as “alterações cli-
máticas” que nos atingem, mas
neste momento Portugal é um
dos países poupados às tempera-
turas extremas que se verificam
na Europa: na França, Espanha,
Grécia, e nos países atingidos
não se verificam incêndios da
dimensão do de Mação. Reflexão
calma e ação são necessários, a
propaganda do nosso PM é dis-
pensável...
Ezequiel Neves, Lisboa
Retificação
No texto sobre Boris Johnson
publicado na edição desta sema-
na na revista E, onde se escreve
€20,5 milhões deve ler-se €2,5
milhões. De igual modo, no mes-
mo artigo, onde se escreve “fra-
queza” deve ler-se “franqueza”.
O Expresso lamenta os lapsos.
Expresso, 27 de julho de 2019
TRIBUNA ENTREVISTA
COMEÇÁMOS A GANHAR
ESTE MUNDIAL NO DIA
EM QUE PERDEMOS A FINAL
DO EUROPEU COM A ESPANHA,
HÁ UM ANO
Texto Lídia Paralta Gomes
Foto João Girão
Foi o herói do 16º título mundial de
hóquei em patins de Portugal. Nascido
no Porto há 29 anos, Ângelo Girão é
o indiscutível da baliza do Sporting e
da Seleção Nacional e até tem colegas
que pedem para lhe construírem uma
estátua. Pudera: depois de vencer, pelo
Sporting, a Liga Europeia, a maior
prova de clubes, defendeu há duas
semanas, ao serviço da Seleção Nacio-
nal, cinco bolas paradas e três grandes
penalidades na final do Mundial frente
à Argentina.
PP HáPquemPtePtratePporPÂngeloPePquemP
tePchamePAndré.PComoPpreferes?
R Sou Ângelo André Ferreira Girão. O
meu pai é Ângelo, o meu avô também,
não havia criatividade lá em casa [risos].
Normalmente chamavam-me André
em casa e na escola, mas rapidamente
passei a Ângelo. No hóquei, como o
meu irmão também jogava, eu era o Gi-
rãozinho e ele era o Girão. Entretanto,
ele deixou de jogar e eu assumi o Girão.
Fui subindo patamares [risos].
PP EPcomoPaparecePoPhóqueiPnaPtuaPvida?
R Muito cedo, porque o meu irmão já
era guarda-redes de hóquei e eu queria
ser igual a ele. A minha mãe, muitas
vezes, não tinha com quem me deixar, e
por isso eu ia ver os treinos dele a seguir
à escola. Depois comecei a treinar em
casa: as nossas brincadeiras iam parar
sempre ao hóquei. O meu irmão fazia
de jogador e eu ia para debaixo de uma
secretária com as luvas dele para tentar
defender os remates.
PP ÉsPcampeãoPnoPValongoPemP2014PeP
naPépocaPseguintePvaisPparaPoPSporting,P
quePestavaPaPregressarPàPmodalidade.P
FoiPumaPdecisãoPdePrisco?
R Acho que tive três ou quatro decisões
de risco na minha carreira. Saio do FC
Porto quando era júnior e vou para o
Gulpilhares, um clube novo e onde não
sabia o que esperar. A seguir salto o
último ano de júnior e vou para a Ac.
Espinho, da 2ª divisão. E depois decido
ir para o Sporting, no ano em que o hó-
quei volta a ser oficial, com uma equipa
formada à pressão e que sabíamos não
ter ainda capacidade para competir
com o FC Porto, o Benfica, a Oliveiren-
se e o próprio Valongo. Na altura tive
propostas da Oliveirense e do FC Porto,
mas tomo essa decisão porque me foi
prometido que o Sporting ia continuar
a investir, que queria ganhar.
Ângelo Girão Guarda-redes do Sporting e da Seleção Nacional
“DIZ-SE QUE É PRECISO
SER-SE LOUCO PARA IR
À BALIZA, MAS EU NÃO
ME ACHO MALUQUINHO”
PP E,PaPnívelPpessoal,PcomoPfoiPdeixarPoP
Porto?
R O primeiro ano foi complicado. Eu e
a minha namorada, agora minha mu-
lher, a Mariana, tivemos um ano tremi-
do. Ela veio logo comigo e conseguiu
arranjar emprego, o que foi importante
para se sentir realizada a nível pessoal,
mas ao mesmo tempo era um contra,
porque passei a ser profissional e a ter
treinos bidiários à noite, que nem eram
em Lisboa. Mas soubemos lidar com
isso e agora está tudo perfeito, sinto-me
em casa, ela também se sente muito
bem em Lisboa, embora estejamos lon-
ge dos amigos e da família.
PP APpressãoPnoPSportingPtambémPéP
diferentePdePjogarPnoPValongo...
R Chego a um clube em que a pressão
era para ganhar, e os adeptos não ti-
nham noção do nosso nível na altura.
Lembro-me de que, na apresentação,
o presidente Bruno de Carvalho disse:
“Malta, estamos aqui para sermos cam-
peões nacionais.” E nós ficámos todos a
olhar uns para os outros, porque sabía-
mos que não era possível. Mas mesmo
assim fizemos uma época histórica,
ganhámos a Taça CERS e ainda fomos à
final da Taça de Portugal, dando muita
luta ao Benfica. Não me arrependo.
PP AtéPporquePnoPespaçoPdePcincoPanosP
ganhasPquasePtudo.
R Quando mudo do Valongo para o
Sporting, sou muito criticado. Mas de
lá para cá foi uma Taça CERS, uma Su-
pertaça, uma Liga dos Campeões, um
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Campeonato Nacional, um Campeo-
nato da Europa e um Campeonato do
Mundo. Tinha a noção de que nos dois
primeiros anos no Sporting ia ser muitocima dos adversários e não era preciso
difícil ser campeão, porque os outros defender, porque éramos melhores. E
clubes tinham estruturas com anos e
anos e o Sporting caiu de paraquedas
no meio dos tubarões. Se há cinco anos E esta autocrítica que soubemos fazer
me dissessem que ia conquistar todos
estes títulos, diria: “Desculpem, mas o futuro. Chegámos a este Mundial a
acho que vocês são maluquinhos e não
percebem nada disto” [risos].
PP OPquePmudouPdaPderrotaPnaPfinalPdoP problema nenhum, vamos defender.”
EuropeuPháPumPanoPparaPaPvitóriaPnaP
finalPdoPMundialPháPduasPsemanas?
R Começámos a ganhar este Mundial
no dia em que perdemos a final do Eu-
ropeu com a Espanha, há um ano. Falá-
mos no final do jogo e houve uma crítica
geral de todos os atletas: perdemos o
Europeu porque não jogámos a final,
fomos cilindrados pela Espanha, não
tivemos a mínima hipótese de ganhar.
O LIVRE DIRETO
É O JOGO DO GATO
E DO RATO. GOSTO DO
MOMENTO, DO ‘QUE
É QUE ELE VAI FAZER?’
81ª VOLTA A PORTUGALPEmPvésperasPdePverPasPbicicletasP
partirPparaPaPestrada,PfomosPviverPumPdiaPnasPcorridas,PP
paraPconhecerPporPdentroPcomoPsePconstróiPoPpelotãoPR48
TIVEMOS A HUMILDADE
DE DESPEJAR BOLAS. É COMO
PEDIR AO CRISTIANO RONALDO
PARA SE METER À FRENTE
DO GUARDA-REDES
Principalmente porque não soubemos
respeitar os outros, faltou-nos humil-
dade. Achávamos que era para ir para
levámos uma lição de hóquei em patins.
A Espanha ridicularizou-nos nesse dia.
logo a seguir à final preparou-nos para
pensar: “Estamos no lote dos favori-
tos, mas vamos respeitar os outros; se
tivermos de entregar a bola, não há
PP EPdurantePoPMundialPqualPfoiPoPmo-
mento-chave?
R O primeiro jogo com a Argentina, na
fase de grupos, é um hino ao hóquei.
Não estamos a ganhar por quatro ou
cinco ao intervalo por milagre. Disse
depois à mesa: “Malta, empatámos 1-1,
mas com o jogo que fizemos temos to-
das as condições para sermos campeões
do Mundo.” A seguir, e porque os golos
interessavam, tivemos um jogo de alto
stresse com o Chile, com muito des-
gaste físico. Com a Itália, começámos
muito mal, e por isso fizemos mais um
jogo de desgaste. Depois a Espanha,
que tem uma maneira de jogar sufocan-
te para os adversários. Ou seja, a final
com a Argentina foi deturpada por tudo
isto. As pessoas têm de perceber que o
jogo foi de sofrimento constante para
nós. Eles sabiam que nós estávamos
cansados e carregaram o jogo todo. Já
ouvi gente a dizer que Portugal tinha
de ter feito mais na final. Fizemos o que
PRIMEIRO CADERNO 37
pudemos! Estamos a falar de muitos
dos melhores jogadores do Mundo,
que tiveram a humildade de perceber
que não iam ter capacidade física para
marcar cinco golos: “Vamos defender,
não vamos sofrer e vamos ter a humil-
dade de despejar bolas.” Isto é a mesma
coisa que pedir ao Cristiano Ronaldo
ou ao Messi para se porem à frente do
guarda-redes a levar boladas.
PP HáPumPgozoPespecialPemPdefenderP
bolasPparadas?
R Mais os livres diretos. É uma coisa
que gosto muito de treinar — e tenho
a sorte de treinar com os melhores. Os
penáltis... Estamos a falar de um rema-
te a quatro, cinco metros, que às vezes
atinge 150 quilómetros por hora. Há
muito estudo, porque os jogadores têm
pontos de confiança para onde atiram
mais vezes, mas há muita sorte. Nos
livres diretos é o jogo do gato e do rato.
Gosto muito desse momento, do “que
é que ele vai fazer?”, “o que posso fazer
para ele atirar para o sítio que quero?”.
PP CampeãoPdaPEuropaPpeloPSporting,P
campeãoPdoPMundoPporPPortugal.PÉPaP
temporadaPquasePperfeita?
R Exatamente. Falando do Sporting,
acho que perdemos o campeonato mui-
to por nossa causa. O FC Porto ganhou
porque foi mais regular e não falhou
em momentos em que nós falhámos.
A Oliveirense também estava muito
forte. O nível está tão alto que qualquer
uma das equipas pode ganhar. Na Liga
Europeia, além de já não ganharmos
há muitos anos, tínhamos a pressão de
jogar em casa. A nível pessoal, foi uma
época excelente. Podia ter sido melhor?
Podia. Podíamos ter ganhado tudo, mas
sabemos que é muito difícil. E queria
deixar aqui uma mensagem de apreço a
esta direção do Sporting. Falava-se que
poderia haver um menor investimento,
porque a antiga direção tinha aposta-
do muito nas modalidades, mas esta
direção também nos tem dado todas
as condições para lutarmos por títulos.
PP ÉPprecisoPser-sePumPbocadinhoPloucoP
paraPserPguarda-redesPdePhóquei?
R Diz-se que sim, que têm de ser ma-
luquinhos, mas eu não quero acreditar
nisso, porque sou guarda-redes de hó-
quei e não acho que seja maluquinho
[risos]. Temos de ter uma dose de cora-
gem extra, porque realmente há bolas
rematadas com muita força e temos de
nos atirar para a frente delas... Mas são
ossos do ofício.
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38 PRIMEIRO CADERNO
ENTREVISTA
Vladimir Yakunin Professor de Ciência Política e ex-embaixador da URSS
“Putin é líder, responde
pelas suas decisões”
Cristina Peres
Tudo indica que ainda faz parte do
círculo íntimo de Vladimir Putin,
com quem serviu na então polícia
secreta da URSS, o KGB. Hoje é
convidado regular tanto dos pro-
gramas de debate da BBC como
dos fóruns económicos e das confe-
rências internacionais, como a Ho-
rasis Global Meeting, que o trouxe
a Portugal. Yakunin é empresário,
foi presidente da companhia esta-
tal russa de caminhos de ferro até
2015, cargo que lhe valeu uma in-
vestigação por corrupção por parte
do líder da oposição, Alexei Naval-
ny. Foi embaixador da URSS nas
Nações Unidas, em Nova Iorque.
PP Tem tudo o que é preciso para
entender e explicar a Rússia?
RR Sou russo. E com a minha expe-
riência... Publiquei no ano passado,
em Londres, o livro “The Treache-
rous Past: An Insider’s Account of
Modern Russia”, para explicar a
Rússia ao mundo ocidental, não é
óbvio comunicá-la...
PP É uma questão de comunicação?
RR Sim. No livro descrevo como
era difícil compreender a socie-
dade soviética e como ela evoluiu.
O mundo lembra-se da sociedade
russa a lutar pela liberdade, mas
não se lembra que em 1991, quando
voltei dos EUA, se discutia a pos-
sibilidade de a fome chegar a São
Petersburgo.
PP O regime cultivava o secretismo
na altura. E hoje em dia?
RR Acho que não.
PP E como era nos anos 90?
RR A liderança russa de então que-
ria que a Rússia fizesse parte da
chamada sociedade civilizada. Ha-
via muitas trocas entre os líderes
ocidentais e o Governo russo, era
uma política de abertura, até exces-
siva. Quando aprendia inglês, pre-
veniram-me para nunca mencionar
o salário quando falasse com um
inglês. Na Rússia é absolutamente
aceitável falar de tudo, o esforço é
determinar o que é essencial comu-
nicar ao outro. Fukuyama deveria
ter titulado o seu livro não “O Fim
da História” mas “O Fim da Diplo-
macia” [risos]. Algumas opiniões
de diplomatas são tudo menos di-
plomacia. Mesmo nos períodos da
VLADIMIR YAKUNIN
Nasce em 1948 em Melenki.
Estuda na Universidade
Técnica do Estado Báltico.
Trabalha no KGB, os serviços
secretos da URSS, país que
serviu como diplomata
na capital dos EUA. Regressa
em 1991 e torna-se um
empresário de sucesso. Funda
em Berlim e dirige, desde 2016,
o Instituto de Investigação
Diálogo das Civilizações
História mais tensos e perigosos, a
diplomacia tem sempre de falar e
não de guerrear. Os diplomatas não
devem ser guerreiros de rua.
PP Defende que o ambiente está a
ficar perigoso e que não há vontade
de construir pontes?
RR É mais complexo do que isso,
não se trata de apontar o dedo a
uma pessoa ou a um país. Só que
toda a gente acusa a Rússia de ser
revisionista, dizendo que é a ori-
gem de tudo o que está mal. Isso
não está certo! O mundo passa por
transformações enormes, e hoje
fala-se de mudanças em todos os
sectores. Já nem nos ajuda a en-
tender o que se passa. Se falamos
em termos políticos, a terminolo-
gia deveria ser consistente com os
assuntos que tentamos descrever.
PP Quer dar um exemplo?
RR Dantes falávamos do sistema
socialista e do sistema capitalis-
ta. Hoje falamos de um modelo
mainstream ao qual ainda chama-
mos capitalismo, mas deveríamos
admitir que o que definia o capita-
lismo já não existe. Agora é a po-
lítica que decide o que é ou não é
bom. O sistema diz que as pessoas
deveriam ser iguais, irmãos e ir-
mãs, quando na realidade não se
encontra verdadeira igualdade. Ao
“É NO INTERESSE DA
RÚSSIA E DO MUNDO
QUE OS NOSSOS
SISTEMAS POLÍTICOS
COMECEM
A COMUNICAR”
O FUTURO DO FUTURO
Já somos todos ciborgues
e em breve teremos
implantes no cérebro
Musk quer testar
chips neurais em humanos
em 2020. Zuckerberg
prefere ler o pensamento
dos utilizadores
“Nós construímos as ferramen-
tas e as ferramentas constroem-
-nos”, considera o futurista vene-
zuelano Jason Silva desde que se
dedicou a pensar o amanhã. Foi
assim com o fogo, com a roda e
será assim quando cada humano
tiver dentro de si — como se dele
fizesse parte — um chip neural
que lhe permita desenvolver ca-
pacidades superiores às que tem
no presente. “Temos de perce-
ber que não somos apenas aquilo
que está por baixo da nossa pele,
uma vez que as nossas ferramen-
tas são a nossa segunda pele”,
considerou em entrevista ao Ex-
presso quando apresentava o seu
projeto “Origens: A Jornada da
Humanidade”. E as suas pala-
vras voltam a ecoar agora, numa
semana em que surgiram novos
desenvolvimentos sobre a inte-
gração de formas de inteligência
artificial em completa sintonia
com a inteligência humana que
nos caracteriza.
Estamos num processo de
evolução constante, ao qual não
é estranho o meio em que nos
inserimos, e os desenvolvimen-
decidirmos que temos de ser todos tos tecnológicos mais recentes
iguais, só podemos falar de civili- estão a fazer acelerar o processo
zações e não de pessoas. Vivemos evolutivo destes ciborgues que
num tempo com falta de liderança têm em cada smartphone uma
política e económica. Porquê? Por- extensão do seu ser. E há seres
que o líder que se quer é aquele que não podem ser ignorados
que tem uma ideia e que é capaz quando o que está em causa é
de obter informações e criar algo a exploração da mente para lá
que leve as pessoas a segui-lo... Isso do que alguma vez foi estudada.
não é liderança. Liderar é ser capaz À semelhança com o que está a
de ser responsável por aqueles que fazer com o espaço e possível co-
nos seguem. lonização de Marte, Elon Musk
tem um fascínio especial pela
PP Como comenta as ligações do mente humana e os 100 milhões
Presidente Putin à extrema-direita de dólares (cerca de 90 milhões
ocidental? Ele é um líder no sentido de euros) que já investiu na sua
que descreve? empresa Neurolink fazem desta
RR Estão a usar rótulos para evitar uma aposta séria.
a discussão aberta entre os que de- O objetivo a curto prazo, cer-
fendem coisas diferentes. Se eu ou- ca de um ano, é inserir o pri-
sar dizer que sou a favor da família, meiro implante num cérebro
já sou considerado de extrema-di- humano e os preparativos estão
reita. Se defender interesses na- já a avançar. O pedido para a
cionais, já sou visto como fascista. intervenção já foi submetido na
É absurdo. Se existir apenas uma Food and Drug Administration
maneira de pensar, é pior do que o (a reguladora norte-americana
bolchevismo. para a alimentação e saúde) e
segue-se a um teste já efetua-
PP E a que é que chama uma só ma- do num primata. “Um macaco
neira de pensar? conseguiu controlar um compu-
RR O nosso sistema político deve tador com o seu cérebro, para
ser capaz de adquirir, entender e
refletir. Sim, considero que Putin
é um líder, porque sente responsa-
bilidade pelas decisões que toma e
pelos que virão depois dele.
PP Com quem quer a Rússia contar
no futuro?
RR Objetivamente, não sei. Subjeti-
vamente, não acredito nas alianças
de Putin com a extrema-direita.
Devemos valorizar e respeitar que
os outros tenham valores e formas
de vida diferentes da nossa. Temos
um sistema presidencial que con-
centra muito poder no Presidente.
Desde 1990, a Rússia percorreu um
caminho muito, muito longo... Hoje
é muito diferente, mas o problema
é quando o ambiente exterior é
opressivo. Haverá adaptações para
responder à pressão.
PP Putin está a ficar defensivo?
RR Sim, e isso não é bom. Não gosto
do cheiro disto. É no interesse da
Rússia e do mundo que os nossos
sistemas políticos comecem a co-
municar. Temos muito que resolver
na sociedade russa e não estamos
a fazê-lo, porque estamos concen-
trados em responder a alegações
absolutamente falsas.
cperes@expresso.impresa.pt
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Expresso, 27 de julho de 2019
vossa informação”, informou
Elon Musk na semana passada.
E esse é o primeiro passo para
atingir um dos objetivos do mul-
timilionário.
É público que o visionário quer
entrar o quanto antes no mun-
do da medicina regenerativa e
ajudar doentes com patologias
do foro neurológico, mas a aspi-
ração é ainda maior. Para isso é
necessária calma, uma vez que
elevar a capacidade de proces-
samento humana, criando uma
espécie de super-humanos, de-
morará o seu tempo e traz novos
desafios bioéticos. Numa altura
em que a computação quântica
continuará a afinar-se e a ganhar
força, será a única possibilidade
de colocar os humanos ao nível
das máquinas, sem que se per-
ceba ainda quais serão as altera-
ções que algo desta magnitude
pode ter na própria composição
da sociedade.
O maior alerta é do próprio
Musk, que frisa os perigos da
“simbiose” entre o ser humano
e a inteligência artificial, ao mes-
mo tempo que continua a apos-
tar na investigação deste tipo de
inovações. Para ele, um desen-
volvimento descontrolado pode
até levar ao fim da Humanidade,
pelo que deixa uma garantia do
produto que já apresentou. Os
chips da Neurolink “não contro-
larão os cérebros das pessoas”.
Enquanto esse tempo da sim-
biose não chega, há outras em-
presas poderosas a apostar na
interação entre o cérebro e os
computadores. É o caso da rede
social Facebook, controlada por
Mark Zuckerberg, que está a
trabalhar num projeto de BCI
(brain-computer interface, no
original) que pretende dar aos
utilizadores a possibilidade de
navegarem por mundos alter-
nativos — através de realidade
virtual e realidade aumentada
— apenas com a sua mente. Mas
aqui a abordagem é diferente.
Para Zuckerberg, e ao contrário
de Musk, o futuro não está nos
implantes. “Se estás mesmo a
tentar construir coisas que toda
a gente vai utilizar, terás de te
focar em coisas não invasivas”,
considerou o empreendedor em
Harvard. O problema é que a
sua empresa está a tentar desen-
volver uma máquina para ler os
pensamentos dos utilizadores.
João Miguel Salvador
jmsalvador@expresso.impresa.pt

Expresso, 27 de julho de 2019
OS DIAS QUE
ME OCORREM
FOGO!
Voltaram os fogos e voltaram as
horas televisivas intermináveis
sobre os incêndios, repletas
de informações iguais, de
exclamações e indignações
que não podem ser outras e
se repetem à exaustão. Com
o fogo voltou o passaculpas.
Aprendemos alguma coisa
com 2017? Talvez! Não sei
exatamente o quê...
AÇAMBARCAI
Talvez não seja má ideia encher
o depósito antes da greve. Eis
um conselho do Governo, o
mesmo que diz que não vale a
pena ir para as filas do Cartão de
Cidadão demasiado cedo. Se há
povo prevenido, tal qual um gato
escaldado, é o nosso. Havemos
de encher de combustíveis e de
matérias perigosas tudo o que
pudermos antes de dia 12 de
agosto.
ARREPIO
O PS propôs tribunais especiais
para a violência doméstica. E o
PAN para a corrupção. Mas eu
(devo ser traumatizado) sempre
que ouço falar de tribunais
especiais sinto um desejo louco
de passar à clandestinidade.
Ainda não voltaram os
tribunais plenários, pois não?
A lei continua geral e abstrata,
ou não? Ok! Confesso não
perceber nada disto, mas o bom
senso deveria prevalecer sobre o
excesso de conhecimento.
CALOR LÁ, CHUVA CÁ
Em toda a Europa uma vaga
de calor vinda do norte de
África provocou as mais altas
temperaturas de sempre. 41
graus em Paris, 39 graus em
Bruxelas e nem a Escandinávia
escapou. Toda a Europa? Não!
Por cá andamos com tempo de
quem não devia estar de férias e
preveem-se aguaceiros.
BORIS SEM RÉDEAS
Estão inquietos? Perguntou
Boris aos conservadores após ser
eleito. De acordo com a revista
“The Economist” de ontem, se
não estavam, deveriam estar
nervosos. A capa é um desenho
do ‘excêntrico’ PM inglês no topo
de uma montanha-russa à beira
de a descer a pique. “Aí vamos
nós” é o título de um artigo
que regressa à pergunta feita
há meses: que Boris teremos?
O social-liberal, pró-imigração,
ou o renascido eurocético?
Chamar-lhe camaleão, como faz
num dos editoriais, não basta.
Com a moeda a cair, com as
escaramuças com o Irão, com a
Europa a não ceder no acordo, o
melhor é o Parlamento destituí-
lo e convocar eleições.
A velha “The Economist”
nunca desilude!
SÁNCHEZ SEM GOVERNO
Aqui ao lado ‘una jiringonza’
não é simples. Há o chamado
orgulho espanhol. Eleições? É o
mais provável... E é possível que
tudo fique na mesma.
EUA SEM DÓ
Volta a pena de morte como
sentença federal, disse
o ministro da Justiça de
Trump. Na mesma semana o
procurador especial Mueller
explicou calmamente que
Trump não tinha sido ilibado e
que poderia ser julgado findo o
mandato.
KIM VOLTA AO ATAQUE
A Coreia do Norte voltou aos
testes com mísseis e ameaçou
diretamente a Coreia do Sul.
O mundo está assim. É melhor
habituarmo-nos.
FB PAGA 4,48 MILHÕES
Maior multa de sempre por
enganar os utilizadores sobre o
recato dos dados pessoais.
Diz o nu ao roto, ou o pequenino ao
poucochinho — Insignificâncias...
V
iram o programa do PS
para as legislativas de
outubro? E o do PSD?
Não vale a pena ler os
dois. De acordo com Rui Rio, as
propostas socialistas são rouba-
das ao PSD. A ele, líder social-
-democrata, basta-lhe pergun-
tar: se queriam aplicar essas
ideias, porque não o fizeram já?
Ocorrem, sobre isto, várias in-
terrogações. A primeira será: A
que ideias se refere Rio? Quais
são as suas ideias? Mais: quais
são as ideias de Costa? Penso que
em comum, ambos querem ser
primeiro-ministro, mas nesse
campeonato específico Costa vai
bastante à frente. Pode roubar
ideias a quem quiser, porque é
especialista em não ter culpa.
Outra interrogação pertinente
é: que raio de ideias tem o líder
da direita que são passíveis de
roubo pelo líder da esquerda?
Afinal estão de acordo? Rio não
terá uma ideia para o país que
não seja admissível por um so-
cialista? Mas, nesse caso, o líder
do PSD distingue-se em quê do
líder do PS? É só estilo?
Acresce que Rio tem sido
mais do que poucochinho (pa-
pel que Costa desempenhou
em 2015). Tem sido pequeni-
no. Não só nas sondagens, mas
na forma de lidar com o PSD.
Os afastamentos de críticos,
as excessivas preocupações in-
ternas e a constante queixa da
forma como é tratado por jor-
nais, parceiros, companheiros
e, até amigos, dão a imagem
dessa, pelo menos aparente,
pequenez. O despojamento
ideológico do PSD, talvez su-
perior ao do PS, dá a ideia da
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1871394
PRIMEIRO CADERNO 39
Henrique Monteiro
CONFORTOS
DA ALMA
DOR DE ALMA
Alain Besançon,
nascido em 1932,
foi um bom
comunista, mas
deixou de o ser.
Em 1998 escreveu
um ensaio a
que chamou
“Le malheur
du siècle”,
traduzido como “A Dor do
Século”. Estabelecendo uma
equivalência moral entre
nazismo e comunismo (o que
ainda hoje é corajoso, basta
ver tantos anti-tanta-coisa
que se calam perante crimes
comunistas...), o historiador
e investigador de Ciências
Sociais, interroga-se como
foi possível o mal ser tão
apoiado, em ambos os casos.
Há males condenáveis que
são explicáveis, argumenta.
“Não é preciso procurar muito
fundo dentro de nós mesmos
para nos sentirmos, num certo
grau, ávidos, luxuriosos ou
FOTO JOSÉ CARIA
violentos.” Porém, do nazismo
e do comunismo não nasce um
bem imediato.
O bem é sempre longínquo,
improvável. O homem novo,
que nazis e comunistas
defenderam, por exemplo.
São bens de outro mundo,
próprios de uma religião
sem deus. Hoje, mais de 20
anos depois do que Besançon
escreveu, cada vez mais os
moderados, no fundo os únicos
nudez. Daí que Rio, ao criticar lavras de Rio pouco ou nada se que trouxeram progresso,
Costa por gatunagem pareça, ouvem... bem-estar e tolerância às
ao contrário do ditado, um nu Aliás, quem mais tem feito sociedades, são cercados
a criticar um roto. Porque, em para contrariar uma possível por estas ideias antigas que
abono da verdade, as últimas maioria absoluta do PS têm parecem sempre atraentes... e
grandes ideias do PS eram es- sido pessoas não ligadas ao modernas.
sencialmente do BE ou do PCP. PSD (muitas do BE e do PCP e
Ou, como nas Leis do Trabalho, outras da direita), por motivos ALFARABI
daqueles que se opõem ao BE diferentes, consoante vêm de A Fundação
e ao PCP; ou, como na Lei de um sector ou de outro. As crí- Gulbenkian
Bases da Saúde, vagos compro- ticas a uma eventual (e quanto editou, já no
a mim ainda difícil) maioria PS ano passado, “A
dividem-se em dois argumentos Cidade Virtuosa”,
Quem mais tem opostos: por um lado, aqueles do filósofo
feito para que dizem que o PS nada fez árabe Alfarabi
pressionado pelos seus parcei- (que viveu no
contrariar uma ros mais à esquerda; pelo con- final do séc. IX e
possível maioria trário, o PS tem, entre os seus princípio do seguinte). É uma
do PS não tem dirigentes destacados, algu- tradução com notas preciosas
sido o PSD mas mas personalidades que não se de Catarina Belo (Filosofia
distinguem dessa esquerda (e pela Universidade de Lisboa
aqueles que concordo com muito do que há e Estudos Árabes e Islâmicos
dizem que o PS já nesta análise); por outro lado, pela Universidade de Londres).
não se distingue os críticos da esquerda afir- Convém dizer, desde já, que
mam que a natureza do PS não o nome não é coincidência:
da sua esquerda mudou, que se mantém. Nessa alfarrábio e alfarrabista vem
e os que afirmam perspetiva, o PS é o de sempre, de Alfarabi, considerado ‘o
que o PS prefere disposto a fazer maiorias com segundo sábio’, mas cujas
acordos à direita. a direita, adepto da ortodoxia citações, a determinada altura
de Bruxelas, tendo só governa- se tornaram tão vulgares que
Ambos têm do mais à esquerda porque, ao teriam perdido o interesse.
razão, porque perder as eleições, foi obrigado Porém, visitar mil anos depois o
há dois PS à ‘geringonça’. que disse é muito interessante.
Há razão nos dois lados, por- A ideia da ordem política é
que persistem dois PS. O de a realização da excelência
missos com o BE e o PCP de Pedro Nuno Santos, João Ga- humana ou virtude que conduz
acabar com as PPP. As ideias lamba e muitos outros, que em à felicidade do homem.
não abundam, salvo as que vi- pouco se distinguem do BE e Este não é perfeito, nem pode
sam dar espetáculo por cria- querem mudar as premissas do ser, pelo que tem de conquistar
rem polémica, mas cujo efei- mundo; e o de Francisco Assis, essa condição através de
to é nulo na vida real de 99% Sérgio Sousa Pinto ou mesmo escolhas sucessivas. Bom... é
dos portugueses que votam, Augusto Santos Silva que só mais complexo, mas para isso
embora possam ser perversas pretendem melhorar este mun- têm de ler.
pelo caminho que traçam para do. Costa, roubando ou não o
as gerações futuras. Exemplo programa de Rio, será ponte MOYANO
disso é teoria da ideologia de e cimento destes dois mundos. Referência
género. Mas, sobre isso, as pa- hmonteiroexpresso@gmail.com como
professor e
como pianista,
uma das raras
oportunidades
A escolha de escutar
em política não é ao vivo a
sensibilidade
entre o bem e o mal das interpretações de Jorge
mas entre Moyano é... em Carnaxide, no
o preferível Auditório Ruy de Carvalho,
domingo às 18h. Franz
e o detestável Schubert, Franz Liszt e Cesar
Raymond Aron (1905-1983), Franck são os compositores
sociólogo e filósofo francês, escolhidos nesta justa
professor e ensaísta no livro homenagem levado a cabo
“As Etapas do Pensamento no encerramento do Festival
Sociológico” (1967) Internacional de Piano
de Oeiras, de que é diretora
a jovem pianista Teresa
da Palma Pereira.

Ricardo
Costa
O meu reino
por um
governo
S
ou republicano sem
qualquer margem
para dúvidas.
Não vejo nenhum
argumento válido na
defesa da existência
de monarquias. Nas muitas
conversas e discussões que tive
ao longo da vida com monár-
quicos, houve apenas um ponto
em que concedi uma eventual
vantagem às monarquias: os
casos em que um Estado agre-
ga várias nações, tendo a coroa
como símbolo unificador.
Mesmo um republicano
inabalável percebe que países
como a Bélgica, a Espanha ou
o Reino Unido dificilmente
existirão com a atual unidade
territorial no dia em que
deixarem de ser monarquias.
O caso belga tem pouca
relevância histórica — uma
casa real iniciada por um
rei estrangeiro, convidado
para o efeito quando o país
conquistou a independência
em 1830 —, mas a Espanha
e o Reino Unido partilham
histórias de muitos séculos
e atravessam dificuldades
políticas que podem pôr em
causa os seus territórios.
O caso do Reino Unido é
exemplar. Num momento em
que já ninguém duvida que
o ‘Brexit’ vai acontecer, os
efeitos na unidade territorial
O Reino Unido e a
Espanha enfrentam
situações políticas
inéditas que podem
pôr em causa a sua
unidade territorial
já existem. A primeira
reação da líder escocesa,
Nicola Sturgeon, à chegada
de Boris Johnson foi a de
defender um novo referendo
de independência. Neste novo
quadro político e fora da UE
— e apesar do petróleo do
Mar do Norte já não prometer
uma riqueza infinita —, a
independência da Escócia
é mais provável do que no
último referendo.
Sobre a Irlanda do Norte,
cuja fronteira de 500 km
separará o Reino Unido da
UE, ninguém arrisca nada. Há
uma incógnita absoluta. Mas é
uma incógnita num território
que só conheceu a paz há
escassos 21 anos.
O que aconteceu em
Espanha esta semana aponta
para riscos semelhantes.
A fragmentação partidária
impediu uma solução de
governo, mantendo em aberto
a pressão da independência
catalã, que não será travada
de forma sólida sem um bloco
constitucional unido. Não se
vê nada que se aparente a isso.
A política de estilo belga
— fragmentada, confusa e
motivo de muitas anedotas
— chegou oficialmente a
Espanha e atravessará o Canal
da Mancha nas próximas
legislativas. A dificuldade em
formar maiorias vai ganhar
terreno e a capacidade de
assumir compromissos recuar.
As monarquias destes países
arriscam ser o efeito colateral
de processos políticos
extremados, que não tendo
nada de revolucionário ou de
antirregime, os podem mudar
para sempre. O outono será
de emoções fortes em várias
frentes.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Ensino Superior
Só cinco
instituições não
tiveram falhas P19
Montijo entra
em consulta pública
Na 2ª feira, a avaliação
do impacto ambiental
do projeto entra numa
nova fase. Decisão final
só após as eleições
O cronómetro para a avalia-
ção ambiental do aeroporto
complementar do Montijo
voltou a correr, mas dificil-
mente haverá uma decisão da
Agência Portuguesa do Am-
biente (APA) antes das elei-
ções de 6 de outubro. A ANA
— Aeroportos recebeu, esta
sexta-feira, a “declaração de
conformidade” do Estudo de
Impacte Ambiental do Aero-
porto do Montijo e respetivas
acessibilidades. Isto significa
que todos os documentos e
esclarecimentos previstos nes-
ta fase estão entregues e que
podem agora ser avaliados
publicamente.
A consulta pública vai decor-
rer entre 29 de julho e 19 de
setembro, e os documentos po-
dem ser consultados no sítio de
internet da APA a partir da pró-
xima semana. Finda esta fase,
Incêndio em Silves obriga a cortar A2 em ambos os sentidos
FOGO Um incêndio em São Bartolomeu de Messines obrigou ontem ao corte da autoes-
trada A2 na zona de Silves. De acordo com o Comando de Operações de Socorro de Faro, a
falta de visibilidade provocada pelo fumo foi a principal razão para a interrupção da circu-
lação automóvel. O incêndio deflagrou numa zona de mato e, segundo a Proteção Civil, o
alerta foi dado às 12h09 e às 17h00 tinham sido mobilizados 184 operacionais, apoiados por
oito aeronaves e 58 veículos. A autoestrada do Sul é a segunda maior do país e liga Lisboa a
Albufeira, sendo muito utilizada por turistas no verão. FOTO VÍTOR MATOS/LUSA
Costa apresenta
quatro nomes à UE
Governo tem dois homens
e duas mulheres em
carteira para a Comissão.
Pedro Marques é aposta
para os Fundos
António Costa apresentou a
Ursula von der Leyen quatro
nomes que poderão represen-
tar Portugal na próxima Co-
missão Europeia. A presidente
indigitada quer uma equipa
paritária e tem insistido na
necessidade de os países pro-
porem pelo menos um candi-
dato de cada género. Portugal,
sabe o Expresso, apresentou
dois homens e duas mulheres.
Um dos homens propostos — e
principal aposta de António
Costa — é Pedro Marques, o
cabeça de lista do PS nas últi-
mas europeias. O plano A de
Portugal continua a ser uma
pasta na área das Políticas Re-
gionais (que controla os Fun-
dos Estruturais e de Coesão),
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(
Últimas
Boris Johnson Espanha
Perfil do homem Pedro Sánchez
que queria ser sonha governar
Assis lança revista O ex-eu-
“rei do mundo” R26 sozinho P31 rodeputado do PS Francisco
Assis, crítico da ‘geringonça’,
prepara-se para lançar uma
revista, trimestral, que junte fi-
guras moderadas da esquerda
e da direita liberal. P12
€25 mil por pagar à PSP
Os agentes que fizeram o poli-
ciamento de um torneio de fu-
tebol coorganizado há um ano
pela Câmara de Lisboa ainda
a autoridade ambiental tem pulações das localidades nas não receberam o valor do gra-
mais de um mês para emitir a rotas de descolagem e ater- tificado. A PSP já entrou com
decisão de aprovar ou chumbar ragem. Também falta saber uma ação cível em tribunal. O
o projeto, daí que seja pouco o que o promotor propõe em caso envolve a Associação Por-
provável haver luz verde ou termos da futura rede de aces- tuguesa MiniFootball e a In-
vermelha antes das legislativas. sibilidades terrestres que vão ternational Socca Federation.
Entre as principais preocu- permitir fazer chegar ou sair
pações ambientais estão os do Montijo milhares de pas- Bruxelas apoia agricul-
impactos que o novo aeropor- sageiros. tores A Comissão Europeia
to terá na avifauna, tendo em O processo de avaliação do vai apoiar os agricultores eu-
projeto de expansão deste ae- ropeus que sofreram perdas
roporto começou em maio de resultantes da onda de calor
Avifauna, o risco das 2018, quando a ANA entregou na Europa. Bruxelas garante
aves para os aviões, o primeiro estudo de impacte adiantamentos de pagamentos
ambiental à APA, que acabou mais elevados e facilitará as
e a poluição sonora por retirar por falta de apro- regras em vigor sobre alimen-
para as populações fundamento. O acordo para a tação de animais.
das localidades expansão da capacidade aero-
afetadas pelas rotas portuária de Lisboa até 2028
foi assinado entre o Governo
são os principais e a ANA em janeiro de 2019.
problemas Na altura, o primeiro-ministro
afirmou que “não há plano B”
se o projeto do Montijo vier a Torne-se assinante
conta que passam mais de 200 ser chumbado pela autoridade EXCLUSIVO
mil aves em rota migratória ambiental. A ANA vai lançar por apenas €6 por mês
por ano pela Reserva Natural um website para a consulta Para assinar vá a
do Estuário do Tejo; o risco de do projeto e disponibilizará expresso.pt/exclusivo
segurança que estas levantam quiosques informáticos com ou ligue 214 698 801
para os próprios aviões; ou a informação de suporte à par-
poluição sonora sobre as po- ticipação pública.
11 horas de paralisação
no aeroporto de Hong
Kong Tripulações de bordo e
pessoal de terra deram início
a um protesto planeado de 11
horas no aeroporto internacio­
nal de Hong Kong. O objetivo
é obrigar o Governo a tomar
medidas depois do ataque a re-
sidentes que foi levado a cabo
por membros de gangues na
semana passada.
Fogo ameaça basílica cris-
tã em Israel Um incêndio no
Norte do país obrigou à retira-
da dos monges da Basílica da
Transfiguração, um lugar sa-
grado para os cristãos. A igreja
fez um comunicado dizendo
que a propagação do fogo “é
consequência da negligência
do Estado em relação à infra-
estrutura básica do monte Ta-
bor”. Há anos que as igrejas
cristãs alertam as autoridades e
pedem um abastecimento nor-
mal de água no cimo do monte.
Chuva faz 16 mortes em
Marrocos Um deslizamento
de terras no Sul do país soter-
rou um veículo, em cujo inte­
rior foram encontrados 16 cor-
pos. A região está a ser afetada
por chuvas torrenciais que pro-
vocaram a subida da água em
Impresa com várias ribeiras da zona.
semestre
“histórico”
TEMPO FIM DE SEMANA
SÁBADO DOMINGO
e nesse cenário Marques é o Impresa lucra Bragança 25° 13° 28° 12°
candidato ideal para Costa. Po- €3,5 milhões, o valor
rém, a possibilidade de Mário semestral mais alto Porto 23° 17° 22° 15°
Centeno deixar a presidência dos últimos cinco anos
do Eurogrupo para dirigir o Guarda 20° 10° 26° 12°
FMI faz com que o interesse A Impresa, proprietária do Sábado
de Lisboa possa desviar-se Expresso e da SIC, registou, 27 de julho Lisboa 25° 18° 27° 17°
para uma pasta da área do pelo quinto ano consecutivo, de 2019
27
Orçamento e Finanças. Com lucros no primeiro semestre. Évora 27° 14° 32° 15°
Centeno em cena, isso seria Atingiu em 2019 o valor mais
redundante; sem Centeno, o alto deste período: €3,5 mi- Faro 25° 18° 29° 18°
caso muda de figura. Nesse lhões, um crescimento de 38%
cenário, o Expresso sabe que face ao período homólogo de P. Delgada 26° 21° 26° 21°
07
o primeiro-ministro gostaria 2018. Francisco Pedro Balse-
de ver Portugal representado mão, presidente da Comissão Funchal
por uma mulher. A hipótese Executiva, sublinha tratar- MARÉS SÁBADO DOMINGO
mais forte seria Elisa Ferrei- -se de um primeiro semestre Alta Baixa Alta Baixa
ra. A atual vice-governadora “histórico”, com o regresso da Porto 11:43 17:58 12:44 19:01
do Banco de Portugal tem um SIC à liderança após 12 anos e Lisboa 11:56 17:57 13:00 19:02
profundo conhecimento da meio. Os primeiros seis me- Faro 11:26 17:28 12:25 18:30
máquina de Bruxelas, onde foi ses do ano ficaram marcados #2439 FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
durante 12 anos eurodeputada. também pela mudança para expresso.sapo.pt
Mas o nome de Elisa também Paço de Arcos e por uma bem- Estranho “Não nos lembra-
está sobre a mesa para a even- -sucedida emissão obrigacio­ mos de dias, mas de momen-
tualidade de ser preciso substi- nista. As receitas do grupo tos”, escreveu Cesare Pavese.
tuir Centeno no Ministério das cresceram 3,2%, para €88,797 Não se esqueça: chuva hoje,
Finanças (ver pág. 9). milhões. sol amanhã.
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