HOJE GRÁTIS TERCEIRO A EXPOSIÇÃO

50 ANOS
MAPA EXPRESSINHO SUL DO EXPRESSO
E ILHAS DESCUBRA ESTÁ EM
PORTUGAL EM FAMÍLIA VILA REAL
ENTRADA LIVRE

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 21 de abril de 2023

2634

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

24h Sócrates já não Hospitais Pensionistas

públicos chegam
deixaram a 2024 com
Moedas com Papa
Carlos Moedas vai ser recebi-
vai ser julgado de ser
avaliados
aumentos
reais de 2%

por crimes
do pelo Papa Francisco este
sábado, no Vaticano. O pre-
texto é marcar os 100 dias
que faltam para a Jornada
Sistema SINAS foi Instabilidade política dá
Mundial da Juventude, que
descontinuado por decisão brinde aos pensionistas.

de falsificação
acontece este verão em Lis-
da Entidade Reguladora Entre 2021 e 2024 não
boa e Loures. “É um grande
da Saúde. A última perdem poder de compra e
orgulho”, diz o presidente da
avaliação foi feita em 2021 ganham acima da inflação
Câmara Municipal de Lisboa,
garantindo que a cidade está
Os utentes das unidades hospi- O Governo dá meia volta, con-
preparada.
talares do SNS estão há mais de traria Centeno e tenta recuperar
um ano sem acesso a dados so- eleitorado aumentando os pen-
Igreja pede perdão bre a qualidade dos cuidados. O sionistas acima do que é preciso
Sistema Nacional de Avaliação para cumprir regra de atualiza-
O presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa, José > Crimes prescrevem em 2024 e em 2025, e o em Saúde (SINAS), de 2009, foi ção. A maioria dos reformados
cessado pelo regulador, com a terá ganhos reais nas pensões,
Ornelas, apresentou em Fá-
tima “um profundo, sincero
novo prazo para recorrer torna impossível uma justificação de renovar o mé- mas o assunto pode ir a Tribu-
e humilde pedido de perdão” decisão em tempo útil > Ex-PM ainda pode ser todo. O criador do SINAS diz
tratar-se de “um crime político”
nal Constitucional. O PS ainda
acredita que a economia e Costa
às vítimas de abusos sexuais
em ambiente eclesial. A eu- julgado por corrupção e branqueamento P13 para esconder resultados. P4 podem salvar a legislatura. E8eP6
caristia foi feita em “sentido

25
de penitência humilde, de
FOTO ANDRESSA ANHOLETE/GETTY IMAGES

LULA NÃO DE
solidariedade e proximidade
cristã com aquelas e aque-
les que sofreram e sofrem,
vítimas de comportamen-
tos completamente iníquos,
cruéis e manipuladores”. FICA PARA ABRIL
Starship de Elon A FESTA QUIZ
Musk explode
A mais poderosa nave espa- TESTE O QUE
cial de sempre explodiu qua-
tro minutos após a descola- Presidente do Brasil SABE EM 49
gem, sobre as instalações da
SpaceX, no Texas. A empresa
está em Portugal
entre hoje e terça-feira, PERGUNTAS P23
de Elon Musk considerou a mas não vai assistir
ENSAIO
experiência “entusiasmante”. à cerimónia do 25 de
A missão da Starship é levar o
Homem à Lua e a Marte. Abril no Parlamento P10
COMO LIBERTAR
O 25 DE ABRIL
Integram esta edição semanal, além deste
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda MAPA 3
DO ESTADO NOVO R18

PROGRAMAS EXPRESSINHO (SUL E ILHAS)

PONTINHA
POSTO DE COMANDO
ESPERA OBRAS HÁ
QUATRO ANOS ÚLTIMA

ENTREVISTA A JEAN Hackers

Catedrática PAUL GAULTIER “SOMOS AUTOLESÕES russos já Vieira quer
TODOS FREAKS” R36
do Porto “Os cortes fizeram que Benfica
acusada aliviam-me 2 mil dê €800 mil
ataques
de assédio a dor” P27
a Boaventura
Esta foi a
3ª semana
Vinte investigadores Cada vez mais jovens Ex-presidente do Benfica
denunciam assédio moral se magoam para lidar com mais garante que o clube deve
e sexual na Faculdade de a tristeza e a frustração quente em 10% da transferência
www.mantovani.pt Farmácia. Universidades
investigam 17 casos P14
e partilham nas redes,
sobretudo os do 8º ano P20 40 anos P17
de Nuno Tavares
a César Boaventura P31

Saiba mais em cgd.pt

Programa InvestEU – Linhas de apoio
Prepare hoje um futuro melhor
para a sua empresa. Caixa Geral de Depósitos, S.A.,
registada junto do Banco de Portugal sob o nº 35.
2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 21 de abril de 2023

As quatro derrotas seguidas dos encarnados, duas para a I Liga, voltaram

João Vieira Duelo a animar as contas sobre quem será o novo campeão nacional de futebol
Pereira
Paulo Bruno Vieira
Para o infinito e mais além Baldaia Amaral

O
dia 17 de abril de 2023
pode muito bem passar a
ser conhecido como o dia
dos milhões. Foi divertido
ver António Costa, Fer-
nando Medina e Ana Men-
des Godinho a abrirem o
aparente saco sem fundo do erário públi-
pensões. Em março deste ano, Gabriel
Jornalista Escritor e colunista
Bastos, secretário de Estado da Segu-
rança Social, afirmou que esperava uma
proposta destes peritos a tempo de ser
incluída no Orçamento do Estado para
2024. Nem um mês passou e António
Costa, com a sua capacidade notória
O Benfica ainda vai perder o campeonato?
de desmentir tudo o que disse antes,

co e começarem a distribuir dinheiro ou
a prometerem distribuí-lo nos próximos
anos. O Governo parece ter levado à letra
o período pascal e assumiu o seu próprio
renascimento. Enterrando a austerida-
de, e antecipando em muitos meses o
Natal com presentes inesperados para
pensionistas. Novos aumentos, o levanta-
mento da suspensão da lei de atualização
das pensões e a garantia de que estes não
vão perder poder de compra. A bravata
foi tal que até houve espaço para pro-
messas de baixar o IRS no próximo ano.
Desde a passada segunda-feira, há,
contudo, uma pergunta no ar. O que
mudou para este evidente afrouxar da
necessidade de ser prudente? A respos-
ta é simples. De estrutural, no longo
prazo, nada.
Durante anos, e pela mão e ofício de
Mário Centeno, o Partido Socialista
ganhou o estatuto de partido das con-
tas certas, da redução do défice e da
dívida pública. Fernando Medina pare-
cia ter assumido esse papel com igual
Em poucos dias, a fórmula
para as pensões que não servia
afinal é ótima. A sustentabilidade
da Segurança Social, que tinha
de ser acautelada, afinal
nunca esteve em causa
veemência. Num ápice tudo mudou.
O agora governador do Banco de Por-
tugal só pode desesperar perante esta
inversão da política por si batizada.
O Governo sempre esteve bastante oti-
SIM
afirma agora: “Nova fórmula de cálculo?
Não! Não há fórmula nenhuma. Grande
confusão.”
Em poucos dias, a fórmula que não ser-
via afinal é ótima. A sustentabilidade da
Segurança Social, que tinha de ser acau-
telada, afinal nunca esteve em causa. E
o custo desta grande confusão são mais
mil milhões em pensões só em 2024. Um
valor sobre o qual cai agora a promessa
que continuará a crescer ano após ano,
para o infinito e mais além.
Tudo isto acontece não porque existe
margem orçamental ou porque se des-
cobriu petróleo no Beato, mas devido
à incompetência do Governo. A queda
nas sondagens e na popularidade obriga
agora António Costa a mudar de estraté-
gia, para recuperar parte do eleitorado
perdido. O Costa do “habituem-se” deu
lugar ao Costa amigo de todos, e extre-
mamente generoso.
Há, contudo, uma questão temporal
que não faz sentido. Ainda faltam três
anos e meio para o fim da legislatura.
Medidas eleitorais com impacto orça-
mental são feitas normalmente no últi-
mo ano. A explicação benéfica para este
hiato está na necessidade do primeiro-
-ministro atuar já para tentar estancar a
sangria. A maléfica está na probabilida-
de de este Governo não chegar ao fim e
de o próprio Costa estar já a preparar um
período eleitoral que adivinha mais pró-
ximo que o habitual. Qualquer que seja
a resposta, quem paga é o contribuinte
e a consequência é o fim da política de
trajetória de redução da dívida pública.
O mostro que nos puxa para baixo há
décadas.
NÃO
Sim, o meu desejo é que sim. É um O Benfica vai ganhar o campeonato.
tema a exigir justiça divina, a mostrar Porquê? Porque não há alternativa.
que os encómios eram manifestamente Não lhe resta outra saída. Quando
exagerados. Para ser campeão é preciso estofo, não não se tem alternativa, quando só há uma saída, a
chega que a maioria (adeptos nas bancadas dos está- escolha é simples porque nem sequer é escolha. E,
dios ou treinadores de bancada na rádio, televisão e sejamos honestos, é muito mais difícil, exige muito
jornais) deseje muito o sucesso do Benfica. Um clube mais arte e destreza, perder um campeonato quando
com estofo de campeão não treme quando tem de jogar se tem dez pontos de avanço a oito jornadas do fim
com o principal adversário no seu estádio. E, perdendo do que ganhá-lo. É tão difícil que nunca aconteceu.
esse jogo, não fica com “depressão pós-Porto” (título E não vai acontecer. O Benfica teria de se superar,
feliz de um jornal desportivo), perdendo o jogo seguinte de alcançar patamares inéditos de aselhice, medo
para a Liga dos Campeões e mais outro para o campeo- cénico e criopodismo (inventei este neologismo para
nato. E também não fica feliz por não perder um jogo dar alguma dignidade ao que os brasileiros chamam
que tinha obrigatoriamente de ganhar, para cumprir “pé-frio”) para fazer o que nenhum clube fez. E nem
uma das muitas profecias do início da época: todas as este Benfica, que por pouco escapou a quatro derrotas
competições eram para ganhar, incluindo um regres- consecutivas, parece capaz de tamanha superação.
so a uma final europeia, onde tudo podia acontecer. O Benfica já terminou um campeonato sem derro-
Chegamos à reta final da época e o Benfica não ganhou tas (um feito). Até já cometeu a proeza de acabar um
um único título. Faltam seis jornadas para terminar o campeonato sem derrotas e não ser campeão (um
campeonato, único troféu ao alcan- feito às avessas), mas perder um
ce, e o calendário não ajuda. O Benfi- campeonato em que chegou aos
ca não é tão fraco como mostrou nos Um clube com estofo últimos oito jogos com dez pontos
últimos jogos, nem tão forte como o de campeão não de vantagem seria o Godzilla e o
pintavam. Roger Schmidt não é o treme quando joga King Kong, as pirâmides de Gizé
Rui Vitória, nem o Pep Guardiola. e a muralha da China das heca-
A bipolaridade não é do treinador, com o adversário tombes. Seria visível do espaço.
é de uma imprensa desportiva que no seu estádio Já sei que a muralha da China não
exagera as qualidades da equipa e se vê do espaço, mas uma even-
esconde até ao limite os seus defei- O Benfica teria tual implosão da equipa de Ro-
tos, mas que entra em depressão a ger Schmidt seria visível a olho nu
cada resultado desfavorável. Con- de se superar, de desde Neptuno. Não pode e não
vencidos, pelo que leem e pelo que alcançar patamares vai acontecer porque esta equipa,
ouvem, da sua invencibilidade, os inéditos de aselhice, que brindou os adeptos com uma
jogadores perdem confiança em para fazer o que qualidade de jogo raramente vista
si próprios quando são derrotados nas últimas décadas, não é assim
por equipas que jogam melhor. É nenhum clube fez tão especial. Não merece entrar
isso que pode tramar o Benfica, im- na história. Nem sequer pela porta
pedindo-o de chegar a um título que estava “garantido”. dos fundos. Merece ganhar o campeonato, respirar de
Não restam dúvidas de que tanto o Futebol Clube do alívio e ser tranquilamente esquecida, como qualquer
Porto como o Sporting Clube de Braga chegam a esta equipa que conquista o 38º título nacional de um clube.

mista em relação ao desempenho da eco-
nomia. Há muito que sabia existir folga
orçamental face ao projetado e sempre
foram prudentes no uso dessa folga. E
quando a usavam escolhiam medidas
com impacto orçamental limitado no
tempo. Ou seja, que não criavam lastro.
Em setembro do ano passado, Antó-
nio Costa foi acusado de usar um sim-
ples truque para proceder a um corte
no crescimento esperado das pensões.
Anunciou a atribuição de um suplemen-
to extraordinário de meia pensão, ao
qual se juntaria um aumento em janeiro
de 4,43%. Se, em alternativa, fossem
aplicadas as regras de atualização em
vigor, os reformados deveriam ver as
suas reformas crescer quase 8%. Mas,
na prática, se juntássemos o pagamento
da meia pensão ao aumento de janeiro,
o pensionista não ficava a perder este
ano. Já em 2024, e sem promessas de
descongelar a atualização, qualquer au-
mento seria sobre uma base menor, ou
seja, haveria uma perda dos pensionistas
face ao que estava previsto.
O Governo chegou a pedir a um grupo
de peritos que estudasse e propusesse
uma nova fórmula de atualização das
2
“The Portugal News” é um jornal
editado em Portugal. Dirigido à
comunidade imigrante, titulava na
manchete da última edição “€2bn
tax ‘savings’ for foreigners”. A publica-
ção realçava ainda que o regime fiscal
especial para residentes não habituais
permitiu apenas em 2021 uma poupança
de 1,2 mil milhões em IRS a estrangeiros.
Não só os imigrantes são cidadãos de pri-
meira quando pagam menos impostos
que os cidadãos portugueses (taxa única
de 20% se forem trabalhadores e 10%
pensionistas) como usam esse acréscimo
no poder de compra para encarecer a
vida da população em geral, como ainda
colocam uma medalha ao peito pelo fei-
to. Querem saber porque crescem tanto
os preços da habitação, olhem para a
injustiça de um regime de benefícios fis-
cais para ricos que persiste desde 2009
(sim, foi criado pelo partido Socialista,
esse baluarte da luta pela igualdade). Ah,
e já agora, a cobrança de impostos bateu
novo recorde, cresceu 14,9% no ano pas-
sado, lançando a carga fiscal para um
valor mais alto de sempre, 36,4% do PIB.
jvpereira@expresso.impresa.pt
fase acreditando mais no seu futebol, acreditando que
podem vencer os seis jogos que faltam. Incluindo o
jogo que o Braga terá de fazer dentro de duas sema-
nas no estádio da Luz. Para que o Benfica acabe por
perder o campeonato não é preciso sequer que os seus
mais diretos ganhem os dois os jogos todos. Se isso
acontecer, significará que o Futebol Clube do Porto
será campeão, mas se a equipa de Sérgio Conceição
falhar nalgum momento, para os de Artur Jorge, ga-
nhando novamente ao Benfica, ficará mais perto a
possibilidade de chegarem pela primeira vez ao título.
Para o Benfica, Santa Clara, condenado à descida,
na última jornada, e Estoril, já neste domingo, são
os dois jogos (em casa) com um índice de dificuldade
menor. Sobram dois jogos fora com o Gil Vicente e
o Portimonense, mais o Braga em casa e o Sporting
em Alvalade. Com a falta de confiança com que está
a equipa, com comentadores e adeptos a fazerem de
Schmidt o bode expiatório pelo que já correu mal e
pela tragédia que pressentem, o Benfica tem ainda
muitos pontos para perder até ao final do campeonato.
Não se trata de confundir a realidade com o desejo,
mas não escondo que os misturo em doses iguais para
estar, antes da 29ª jornada, convencido que o Benfica
vai perder um campeonato para o qual já tinha as faixas
encomendadas. E o campeão será o Porto ou o Braga?
Não sei responder. Desejo que seja o FCP, mas o SCB é
um sério candidato.
E há outra coisa: mesmo que os jogadores quises-
sem perder não conseguiriam. Ainda que tivessem
sido comprados pelos rivais, o nível de competência
necessário para perderem propositadamente tantos
pontos em tão poucas jornadas está fora do alcance
deste conjunto esforçado, ocasionalmente brilhante,
de futebolistas. Se, por ato divino ou puro acaso, o
fizessem, o caso seria objeto de estudo daqui a 300
anos, o equivalente futebolístico ao terramoto de
1755. Voltaire levantar-se-ia do túmulo para escrever
um tratado. E eu defenderei até à morte o direito de
Voltaire a dar a opinião sobre Gilberto, mas não estou
interessado em conhecê-la.
Há uma derradeira razão para que seja impossível
ao Benfica perder este campeonato. É a inércia. Em
Física, a inércia é o primeiro princípio da dinâmica e
postula que os corpos tendem a ficar como estão. Se
estão parados, tendem a permanecer parados; se estão
em movimento, tendem a permanecer em movimento.
Sirva de ilustração a este princípio, a postura de Roger
Schmidt no banco: mãos nos bolsos, à espera do mi-
nuto 90 para fazer uma substituição. É inércia alemã
no banco. Isto significa que se nada for feito, o Benfica
tenderá a ficar onde está, no primeiro lugar. Para aí se
manter só é preciso que os jogadores não façam nada.
E o que é que os jogadores do Benfica têm feito nos
últimos jogos? Nada. Só faltam mais seis sem fazer
nada. O resto virá por inércia.

A Semana medida custa 580 milhões de

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
PRÉMIO PESSOA
João Luís Barreto Guimarães, médico
e escritor de poesia — tal como
Miguel Torga — recebeu esta
segunda-feira o Prémio Pessoa 2022,
atribuído pelo Expresso e apoiado
pela Caixa Geral de Depósitos, em
cerimónia que decorreu na
Culturgest, em Lisboa, na presença
do Presidente da República, Marcelo
Rebelo de Sousa. “É para a poesia que
os governantes se voltam quando o
mundo falha”, afirmou o galardoado
na ocasião.
AUMENTO DAS PENSÕES
António Costa anunciou um
aumento intercalar das pensões, em
julho, no valor de 3,57 por cento. A
euros este ano e mais mil
milhões de euros por ano, de
2024 em diante. A oposição fala
em truque e maquilhagem, para
reverter o corte que no ano passado
tinha ficado em cima da mesa.
SUDÃO
O que tem a Rússia a ver com o
Sudão? Mais do que parece. Dois
generais que há poucos meses se
aliaram para travar a transição
democrática no Sudão estão agora
em guerra aberta: apoiados pelos
mercenários do grupo Wagner, o
grupo paramilitar RSF tenta
derrubar um regime militar que já
disse que não vai ceder. Na capital,
Cartum, falta água, comida e
eletricidade.
MONTENEGRO E A DIREITA
Depois de muitas hesitações e
dúvidas, o PSD de Luís Montenegro
parece ter optado finalmente por
uma rutura mais clara com o
Chega, dizendo que racistas e
xenófobos não farão parte de um
governo seu. André Ventura já
respondeu, acusando o PSD de ser
uma direita “maricas” e o seu líder
de se “prostituir” perante o PS.
PLANO DE
ESTABILIDADE
O crescimento
económico entre 2023 e
2027 não chega a 2% ao
ano, segundo o cenário
apresentado no Plano de
Estabilidade para aquele período
apresentado esta segunda-feira
pelo ministro das Finanças. Medina
promete ainda descer a dívida
pública para valores abaixo dos 100
por cento do PIB.
SPACEX
Não correu bem o primeiro voo de
teste da Starship, a maior nave
espacial da SpaceX, que quer levar
os seres humanos à Lua e a Marte.
O lançamento estava previsto
para segunda-feira, mas teve de
ser adiado devido a uma
falha numa válvula. Passou
para quinta-feira. Mas a
nave explodiu depois do
lançamento.
PADDLE À DERIVA
Uma jovem de 17 anos
foi empurrada pelo vento
numa prancha de paddle,
na praia do Coelho, em Vila Real
de Santo António. Desapareceu no
final da tarde de sábado. Foi
encontrada mais de 20 horas
depois a cerca de 40 quilómetros
da costa sul do Algarve.
IGREJA
Esteve reunida a Conferência
Episcopal Portuguesa, numa altura
em que a Igreja está sob polémica
por causa da reação ao escândalo
dos abusos sexuais.
“ANGRY BIRDS”
A empresa japonesa fabricante
de videojogos Sega comprou a
dona do “Angry Birds” por 706
milhões de euros.
LULA E A GUERRA
Para a semana o Presidente do
Brasil estará em Portugal. E a
polémica é garantida, para mais
depois das declarações do brasileiro,
desvalorizando a agressão russa e
acusando UE e EUA de estarem a
prolongar o conflito militar.
BENFICA
A época parecia de sonho,
mas em poucos dias as
nuvens negras cresceram
sobre o horizonte
benfiquista, que passou de
uma vantagem de dez para
apenas quatro pontos no
campeonato. E na reta final,
com o FC Porto à perna, ainda joga
com Braga e Sporting.
Expresso, 21 de abril de 2023
Miguel Sousa Tavares
Eu, se fosse a si, Lula, não vinha a Portugal
J
á aqui critiquei por
duas vezes discursos
de Lula da Silva, após
a sua posse, que me
pareceram em nada
contribuir para unir
uma nação brasileira
partida ao meio. E,
no passado, também
critiquei a política externa para a
América Latina do seu anterior man-
dato, demasiado condescendente com
democracias-fantoches de esquerda.
Mas Lula é o homem que pôs fim ao
pesadelo Bolsonaro e restituiu a de-
mocracia plena e a dignidade a esse
grande país americano. Só por isso,
nós, que temos a mania de nos con-
siderarmos “irmãos” do Brasil, de-
veríamos estar a preparar-nos todos
para receber em festa o Presidente
deste renascido Brasil. Mas o Presi-
dente brasileiro representa mais do
que isso, representa uma comunidade
de milhões de portugueses no Brasil
e centenas de milhares de brasilei-
ros em Portugal, hoje perfeitamente
integrados e indispensáveis na vida
económica e social do país. Esta é uma
ocasião de há muito esperada para
retomar uma relação de proximidade
e confiança, interrompida com os anos
negros de Bolsonaro em que Marcelo
se sujeitou a ser por ele humilhado
duas vezes em Brasília.
Porém, parece ser também a ocasião
propícia para os nossos saloios bolso-
naristas de imitação, os protofascistas
do Chega, prepararem uma peixeira-
da pública contra Lula na Assembleia
da República, com a qual querem fa-
zer uma demonstração pública de um
patriotismo salazarento, na data do
25 de Abril. Ouvindo-os, conclui-se
que pretendem substituir-se à justi-
ça brasileira, julgando e condenando
aqui o Presidente brasileiro, não já
respeitando a presunção de inocên-
cia, mas nem sequer o caso julgado e,
muito menos, a soberania do Supremo
Tribunal Federal do Estado Brasileiro.
Esta saloiice seria apenas ridícula se
não se desse o caso de poder dege-
nerar também num incidente diplo-
mático sério e num enxovalho para
o país, que tão mal tratou esta visita
desde o início.
E estavam as coisas neste ponto, já
suficientemente embaraçoso, quando
Lula foi à China — o que desde logo in-
comodou os nossos atlantistas — e de-
clarou o seguinte e apenas o seguinte.
“Os Estados Unidos devem parar de
encorajar a guerra e a União Euro-
peia deve começar a falar de paz.”
Caiu aqui, mais do que em qualquer
outro lado, que eu me tenha dado
conta, o Carmo e a Trindade. O pre-
sidente da IL, Rui Rocha, sintetizou
tudo numa frase: “Lula é um aliado de
Putin.” O pessoal da NATO de serviço
à imprensa sacou imediatamente das
pistolas e foi atrás de faca nos dentes,
acusando Lula de ter posto agressor
de Portugal, tem uma longa tradição
Defender que o de política externa própria e inde-
pendente, que, no anterior mandato
Presidente do Brasil de Lula, esteve à beira de o levar a
deve ser publicamente um lugar de membro permanente do
admoestado na AR Conselho de Segurança da ONU, e
pelas suas posições com o nosso apoio, aliás; dessa tradi-
ção faz parte uma postura em relação
acerca da guerra na aos EUA de “aliado, mas não vassalo”,
Ucrânia, como se o para utilizar a expressão de Macron
Brasil precisasse da na China, e que é o oposto da nossa,
como se viu sempre, culminando na
nossa aprovação para vergonhosa cimeira das Lages, e que
a sua política externa, só foi excepção, e pelas más razões,
é de uma presunção e durante o governo de Salazar; e, en-
saloiice inimagináveis fim, o que se diz de Lula e do Brasil
pode dizer-se de qualquer outro es-
tadista estrangeiro ou país: no dia
em que uma invocada superioridade
e agredido no mesmo patamar, em- moral, vinda não se sabe de onde,
bora ele não tenha dito nada disso só nos consentisse ser visitados por
e até tenha votado pela condenação quem comungasse das nossas ideias
da invasão da Rússia, quer na ONU sobre o mundo, ainda teríamos de ter
quer no G20. Mas a verdade conve- menos ideias sobre o mundo das que
niente estava deturpada e instalada temos hoje ou menos visitas daquelas
e no principal jornal de um dos três que ainda vamos tendo. Mais uma vez:
canais televisivos portugueses os dois tudo isto seria ridículo se não corresse
pivôs resumiram assim a declaração o risco de se tornar sério. Que aos
de Lula: ele — “O Presidente brasi- pantomineiros da pátria do Chega
leiro acusou a União Europeia de ser se tenham vindo, com este pretexto,
responsável pela guerra na Ucrânia”; juntar vozes da IL, do PSD, e até do
e ela — “E colocou Portugal como um PS, defendendo, entre outras más-
dos culpados pela guerra.” -criações, que ele deve ser confron-
Ora, e apenas para que conste. O tado publicamente na AR com aquilo
Itamaraty, é uma escola de diplo- que “nós” pensamos sobre a Ucrânia
macia e uma das instituições mais — tipo lição correctiva à criança mal
prestigiadas do Brasil, talvez a única comportada —, como se o Brasil não
que tentou resistir mesmo durante a tivesse direito a definir uma política
ditadura militar; o Brasil, ao contrário externa sem a nossa concordância, é
SOLUÇÕES AUTOMÁTICAS
PARA ARMAZÉNS INTELIGENTES
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
de uma presunção e de uma arrogân-
cia inimagináveis. Devem ter perdido
todos o juízo!
O mais extraordinário de toda esta
histeria nacional é que o que Lula
disse na China é rigorosamente ver-
dade. Que os Estados Unidos estão a
encorajar a guerra é absolutamente
incontestável desde o célebre discurso
do secretário da Defesa, Lloyd Austin,
depois de visitar a Ucrânia, há mais de
um ano, quando afirmou que a guerra
só podia terminar quando a Rússia
fosse completamente derrotada. E
que a UE nada fez até hoje para pro-
mover a paz também é uma evidência.
(Sabiam que a UE tem uma Comissão
para a Promoção da Paz? Eu não sabia
até há dias e desconhecia qualquer ac-
ção da dita Comissão para tentar pro-
mover a paz na Ucrânia. Mas eis que,
finalmente, fez alguma coisa. Sabem
o quê? Angariou, entre os membros,
mil milhões de euros para comprar
munições de guerra para a Ucrânia...).
Nada disto, como o demonstram as
posições do Brasil, exclui a condena-
ção da invasão russa. Mas não é por-
que uma das partes seja culpada pelo
desencadear de uma guerra e a parte
invadida esteja a sofrer com ela que se
deve deixar de procurar uma solução
de paz — antes pelo contrário. Mas o
partido da guerra, que tomou conta
da imprensa ocidental e decretou um
pensamento único, não quer ouvir fa-
lar de paz — por múltiplas razões que
um dia se tornarão claras para todos.
Até lá, quem se atreve a falar de paz
PRIMEIRO CADERNO 3
é “amigo de Putin” e fica o assunto
resolvido: hoje Lula, amanhã o Papa,
cuja visita em Junho, depois de tantos
apelos que ele tem feito à paz na Ucrâ-
nia, também é de esperar que ofenda
as boas consciências da “ordem liberal
ocidental”.
E assim, numa semana em que ficá-
mos a saber que os Estados Unidos,
um dos membros permanentes do
Conselho de Segurança da ONU, es-
cutavam as conversas telefónicas do
secretário-geral da ONU, que presi-
de ao respectivo Conselho, em vez
de ser esse o escândalo da semana,
os guardiões da ordem liberal prefe-
riram escolher como escândalos as
declarações de Macron e de Lula na
China porque elas destoam do único
discurso consentido. E mesmo quando
se ficou a perceber pelo “Pentágono
Leaks” que os Estados Unidos acham
que também Guterres é amigo de Pu-
tin porque intermediou com a Rússia
o acordo de exportação de cereais, de
que a Ucrânia e o mundo precisavam
desesperadamente, e pela simples
razão de que não admitem que se ne-
goceie coisa alguma com a Rússia,
nem assim uma imprensa seguidista
e cega como eu nunca vi percebe que
estes arautos da ordem liberal oci-
dental, como no poema de Eugénio
de Andrade, só têm para nos dar “um
horizonte de cidades bombardeadas”.
2
Não gosto nada de bater em
mortos e moribundos, mas a
pesporrência intelectual do guru
Boaventura justifica a excepção.
E, mais do que o incidente com o “je-
nou de Claire” ou o convite a uma
ingénua investigadora indígena para
uma visita antropológica a avançadas
horas da noite ao seu apartamento na
eunuca cidade de Coimbra, confesso
que foi a acusação de “extractivismo
intelectual” que me deu um gozo só
comparável ao golo do Chaves contra
o Benfica ao minuto 94. Isso e o seu
lancinante apelo às tropas antiliberais
e anticapitalistas para que o socorres-
sem deixam-nos a certeza de que o
mestre não cairá só pelas saias, mas
também pelas calças.
3
Uma professora inglesa de um
colégio privado exclusivamente
feminino saudou as suas alunas
com um “boa tarde, meninas!”.
Porém, algumas das meninas, que
não se consideravam meninas, senti-
ram-se ofendidas na sua identidade
de género e queixaram-se à direcção
da escola. Na presença da professora,
a directora da escola pediu desculpa,
humilhou a professora e a escola dis-
pensou-a. E anda um pai a criar filhos
e a mandá-los à escola para isto! Eu
disse filhos? Perdão, filhes.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
214 151 890
mecalux.pt
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Luís
Montenegro
Presidente do PSD
Na semana em que assumiu — final-
mente — o distanciamento em rela-
ção ao Chega, o líder do PSD colocou
a pressão política do lado de Costa ao
levantar a dúvida sobre o que fará o PS
caso nenhum partido obtenha maio-
ria absoluta nas legislativas. Ao mes-
mo tempo, procurou demarcar-se das
dúvidas do PR sobre a alternativa po-
lítica e deu a cara ao combate político
em várias matérias. É o que se espera
do líder do maior partido da oposição.
Ana Jorge
Presidente da Cruz
Vermelha Portuguesa
Está confirmado o nome da sucessora
de Edmundo Martinho na Provedoria
da Santa Casa da Misericórdia de Lis-
boa. A ex-ministra da Saúde e atual
presidente da Cruz Vermelha Portu-
guesa transita para a Santa Casa, on-
de deverá assumir funções já a partir
de maio. Ana Jorge vai gerir a institui-
ção numa altura em que, depois de
dois anos de prejuízos, as contas (se-
gundo o Governo) terão regressado a
terreno positivo.
E BAIXOS
Sofia Nogueira
da Silva
Ex-presidente da Entidade
Reguladora da Saúde
Os hospitais públicos deixaram de ser
avaliados pela Entidade Reguladora
da Saúde. O sistema de avaliação, com
resultados públicos, era prática desde
2009 e abrangia 99% dos hospitais do
SNS. Foi descontinuado pela ex-presi-
dente da ERS, que discordava da me-
todologia e defendia um método al-
ternativo de avaliação. A nova fórmu-
la continua por implementar e assim,
para prejuízo de todos, se abdicou de
um importante instrumento de traba-
lho para utentes e profissionais.
Ana Catarina
Mendes
Ministra Adjunta e dos
Assuntos Parlamentares
Continua por explicar a razão pela
qual três ministros decidiram que não
vão partilhar com os deputados da co-
missão de inquérito sobre a gestão da
TAP a fundamentação jurídica onde
se sustenta a decisão de afastar a ex-
-CEO. Justificar, como faz a ministra,
com o interesse nacional ou dizer que
a questão extravasa o âmbito dos tra-
balhos da comissão são argumentos
frágeis, que passam a ideia de que o
Governo não contou tudo sobre uma
decisão supostamente “blindada”.
Boaventura
Sousa Santos
Sociólogo
As denúncias de assédio sexual e mo-
ral contra o conhecido professor do
Centro de Estudos Sociais da Univer-
sidade de Coimbra levaram à abertura
de um inquérito interno, com Boaven-
tura Sousa Santos e um outro investi-
gador do CES a serem suspensos dos
cargos. O catedrático foi ainda sus-
penso do Conselho Latino-Americano
de Ciências Sociais e viu colaborações
na imprensa internacional serem can-
celadas. As suspeitas de assédio foram
tornadas públicas por três ex-investi-
gadoras do CES. Esta semana surgi-
ram novas denúncias.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Saúde Hospitais
públicos deixaram
de ser avaliados
Entidade reguladora decidiu
acabar com a avaliação das
unidades de saúde. Últimos
resultados são de 2021
Os utentes do Serviço Nacional de
Saúde (SNS) estão há mais de um
ano impedidos de saber quais são os
melhores hospitais públicos, porque
a avaliação deixou de ser feita por
decisão da Entidade Reguladora da
Saúde (ERS). O criador do Sistema
Nacional de Avaliação em Saúde
(SINAS) e antigo presidente do or-
ganismo regulador, Eurico Castro
Alves, acredita que se tratou de “um
crime político, para esconder que os
hospitais em parceria público-priva-
da (PPP) eram melhores. Ou então
por desconhecimento sobre a forma
como o SINAS funcionava”.
O antigo presidente da ERS está
convencido de que a extinção do sis-
tema de avaliação “teve uma razão
política, porque mostrava que os hos-
pitais públicos com gestão privada
ficavam sempre no topo, com quali-
dade máxima, e começaram a piorar
com o fim da PPP e a confusão que se
instalou”. E acrescenta: “Decidiram
matar o mensageiro ou fizeram-no
por desconhecimento.”
O escrutínio às unidades hospitala-
res teve início em 2009 e funcionou
O Cartoon de António O último tango em Lisboa
Valentim de Carvalho
Dívida leva estúdios
Câmara de Oeiras já aprovou
projeto imobiliário em Paço de
Arcos. Dívidas ascendem a mais
de 17 milhões de euros
“Está em marcha uma operação
imobiliária de otimização do espaço
que temos em Paço de Arcos para,
precisamente, potenciar o nosso fu-
turo”, admite Manuel Duque, admi-
nistrador financeiro da Valentim de
Carvalho. O projeto já teve luz ver-
de da Câmara de Oeiras, confirmou
Luís Baptista Fernandes, diretor do
Departamento de Gestão Urbanís-
tica: “É uma proposta equivalente a
um estudo urbanístico, que tem uma
até 2021, com a publicação de um re-
latório bianual. De adesão voluntária,
o SINAS contava já com 99% dos hos-
pitais do SNS, 164 dos 168 existentes.
“Em 10 anos, os resultados serviram
para mais de 28 mil publicações nos
meios de comunicação social. O SI-
NAS era o principal serviço que a
ERS prestava, porque melhorava a
qualidade dos hospitais.”
Sofia Nogueira da Silva, que dei-
xou a presidência da ERS em feve-
reiro, recusou comentar a decisão
que tomou. Ainda assim, recordou
que desde o primeiro dia fez saber
que queria descontinuar o SINAS:
a economista não concordava com
o método de avaliação, desde logo
por não ser obrigatória e não incluir
todos os prestadores de cuidados e
todas as tipologias, mas apenas a di-
mensão clínica hospitalar no SNS.
Autor do SINAS fala
“em crime político”,
ERS diz que modelo não
permitia “extrapolações
sobre qualidade
global dos serviços”
componente residencial, uma com-
ponente hoteleira e uma componente
de recuperação dos antigos estúdios
num determinado formato. Pareceu-
-nos um desenho equilibrado e bom.
Daí termos aprovado.” Vão ser cons-
truídos novos edifícios, desaparecen-
do os estúdios de televisão e ficando
preservados os estúdios de áudio, que
há menos de três anos foram alvo de
uma profunda remodelação.
Tendo sido fundados em 1963, ali
gravaram Amália, Carlos Paredes,
Rui Veloso, GNR ou António Varia-
ções, mas também os Rolling Sto-
nes, Julio Iglesias, Durutti Column
e Wilson Simonal. Equipados com
Antes de ser substituída, Sofia No-
gueira da Silva pôs em marcha uma
nova fórmula para todos os presta-
dores e para uma análise global da
sua atividade, objetivos que conside-
rava essenciais para a ERS cumprir
as suas obrigações. A ideia-base é que
a ERS deve “prevenir a ocorrência de
riscos individuais (para os utentes)
e coletivos (para a população em ge-
ral e para a saúde pública), reforçar a
confiança pública no sistema de saúde
e fazer uma adequada, eficiente e, es-
pera-se, eficaz utilização dos recursos
disponíveis”. Dito de outra forma, a
responsável pretendia adotar “uma
metodologia de supervisão assente na
análise e avaliação do risco, que permi-
ta prevenir a ocorrência de incidentes
e a violação dos direitos dos utentes”.
“Os cidadãos não sabem nada”
O autor do SINAS tem outra perspe-
tiva sobre o plano. “Alegou-se que
iam mudar para um novo modelo,
mas é apenas para supervisão do
risco, e não para avaliar a qualidade
das instituições.” O médico sublinha:
“O que os cidadãos querem saber é se
o hospital da sua área funciona bem.
Mas agora não sabem nada. O SI-
NAS era um grande serviço público,
uma fonte onde os utentes podiam
ir buscar informação importante
e fiável.” E garante ainda que, “se
estivesse a funcionar, dificilmente
haveria suspeitas de violação da leges
artis [erros médicos], porque seria
logo detetada”, pois “o sistema fun-
cionava como uma autocensura dos
hospitais, para melhorarem os seus
processos e terem outros cuidados”.
A atual direção da ERS contrapõe
a estes argumentos: “O SINAS fun-
cionou, essencialmente, para a clas-
material oriundo dos estúdios Abbey
Road, onde gravavam os Beatles, os
estúdios de Paço de Arcos torna-
ram-se uma casa mítica da música
portuguesa. Nas últimas décadas, a
Valentim de Carvalho acrescentou
ao registo de áudio a produção de
televisão. Porém, os programas ali
gravados são cada vez mais raros, o
que acentuou a sua crise financeira.
Uma pesquisa por várias fontes
mostra que a Estúdios Valentim de
Carvalho — Gravações e Audiovi-
suais, presidida por Francisco Vas-
concelos e com Manuel Duque como
administrador, procurou recorrer a
um novo programa de negociação
no ano passado, que não foi homo-
logado pelo Tribunal de Sintra. A
lista de créditos que constava desta
empresa colocava o Fisco como re-
clamando mais de dois milhões de
euros, a Segurança Social quase ou-
tros dois milhões e a CGD 1,1 milhões.
Ao todo, e no ano passado, a lista de
credores revelava uma dívida total de
Expresso, 21 de abril de 2023
sificação de alguns estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde,
numa lógica voluntária. E as classifica-
ções atribuídas traduziam o desempe-
nho circunscrito às dimensões e áreas
avaliadas, não se podendo fazer extra-
polações sobre a sua qualidade global
ou de qualquer um dos seus serviços”.
Assim, “foi necessário adequar esse
sistema aos objetivos fixados na lei,
para que o mesmo avalie e classifique,
obrigatoriamente, a qualidade global
de todos os estabelecimentos presta-
dores de cuidados de saúde”.
O novo modelo é cofinanciado pelo
Fundo Social Europeu e “a ERS está
a desenvolver as plataformas digitais
necessárias para alcançar os objeti-
vos referidos”. Para tal, garante, “está
a ser criada uma plataforma tecnoló-
gica de recolha e análise de informa-
ção necessária, que servirá para asse-
gurar a monitorização constante do
desempenho dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde”.
Além disso, “para apresentação do
modelo de supervisão pelo risco e
das regras do sistema de classifica-
ção nacional de estabelecimentos, a
ERS tem vindo a realizar reuniões
de trabalho com os estabelecimentos
que vão integrar o projeto-piloto de
implementação”.
Até ao arranque do novo projeto,
o SINAS mantém-se descontinuado
e os utentes do SNS sem acesso à
avaliação de qualidade da quase to-
talidade dos hospitais públicos e das
principais áreas de cuidados. São dis-
so exemplo a excelência clínica — em
AVC, cirurgia de ambulatório, enfar-
te, ginecologia, obstetrícia, ortopedia
e pediatria —, a segurança do doente
ou as instalações e conforto.
Vera Lúcia Arreigoso
varreigoso@expresso.impresa.pt
17,5 milhões de euros, não só ao Es-
tado e a fornecedores, mas incluindo
também ordenados e indemnizações
por trabalho prestado. O portal Citius
mostra que as questões em tribunal
têm crescido nos últimos meses, in-
clusive com ações de execução. Um
exemplo é a Valentim de Carvalho
— Filmes, Audiovisuais, que conta
com 22 ações em aberto nos últimos
cinco anos, de acordo com os dados
da D&B Informa.
“O ordenado de junho de 2022 foi
pago a meio de julho, o de julho ain-
da foi pago e a partir daí acabou”,
assumiu um ex-trabalhador. Os pro-
blemas financeiros que afetam há
vários anos a empresa chegaram aos
salários dos funcionários, com vários
a rescindir contrato por falta de paga-
mento, uma situação que se arrasta
há meses.
Mário Rui Vieira
Com Diogo Cavaleiro
e Miguel Cadete
mrvieira@blitz.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
TAP O parecer?
Qual parecer?
Defesa diz que argumentos do
Estado para “justa causa” vão
pouco além do relatório da IGF.
“Parecer jurídico” configura
opiniões entre serviços
A grande base do parecer jurídico
que sustenta a demissão por “justa
causa” dos antigos presidentes da
TAP, Christine Ourmières-Widener
e Manuel Beja, é o relatório da Ins-
peção-Geral de Finanças sobre o
acordo de saída de Alexandra Reis,
considerado irregular e instando a
gestora à devolução da indemnização
de meio milhão de euros. Não havia
um parecer jurídico formal a sus-
tentar a “justa causa” quando a 6 de
março os ministros Fernando Medina
e João Galamba anunciaram, em con-
ferência de imprensa, a exoneração
de Christine Ourmières-Widener e
Manuel Beja da presidência da Co-
missão Executiva e da presidência do
Conselho de Administração da TAP,
apanhando os gestores de surpresa.
Paulo Cunha e Sá, o advogado de
Ourmières-Widener, é bastante cla-
ro: desconhece a existência de um
parecer sobre o despedimento por
“justa causa” e diz ao Expresso que na
documentação que lhe foi entregue
cerca de 70% dos argumentos são
retirados do relatório da IGF, que diz
não ter força legal.
Ao parecer da IGF — organismo
que integra o Ministério das Finanças
—, que foi homologado por Medina
apenas quatro dias antes da confe-
rência de imprensa sobre o despe-
dimento, já estavam acrescidos — e
foram sendo acrescentados — outros
argumentos jurídicos com base em
discussão com órgãos das Finanças
e o centro de competências jurídicas
do Estado, conhecido como JurisApp,
sob a ministra da Presidência, Maria-
na Vieira da Silva.
Segundo informações recolhidas
pelo Expresso, não haverá um pare-
cer jurídico formal, como os habitual-
mente pedidos a sociedade de advo-
gados; o entendimento do Governo é
que aquilo que configura esse parecer
é o conjunto da argumentação ju-
rídica que foi sendo utilizada, com
a troca de opiniões (por exemplo,
por e-mails) que foi sendo feita, com
montagem e desmontagem de pontos
de ataque e de defesa.
Os partidos da oposição têm vindo a
defender que há fragilidades na posi-
ção do Estado e que os contribuintes
arriscam-se a ter de pagar uma even-
tual indemnização que venha a ser
pedida por Ourmières-Widener (que
já confirmou a intenção de ir para
tribunal) e por Manuel Beja (ainda a
avaliar a situação).
Independentemente da forma, é
essa fundamentação jurídica que o
Governo não quer divulgar à Comis-
são Parlamentar de Inquérito à TAP
— mesmo que tenha avançado com
vários argumentos para a recusa.
Primeiro respondeu à CPI que não
se enquadrava no período temporal
(a “tutela política da gestão da TAP”
entre 2020 e 2022”); depois com o
risco para a defesa jurídica do Estado
caso os argumentos e contra-argu-
mentos acabem nas mãos da defesa
da ex-CEO e do chairman. Uma ar-
gumentação incompreensível não só
PSD abre guerra ao Governo com base num parecer
que ministros não querem mostrar FOTO NUNO FOX
para a oposição como para os visados
pelo despedimento, que chegou por
“deliberação unânime por escrito” na
assembleia-geral de 14 de abril, onde
foram destituídos.
O Expresso sabe que dentro do Go-
verno um outro argumento para a
não entrega do parecer é a incapaci-
dade de impedir conversas de depu-
tados e assessores que tenham acesso
aos documentos (mesmo que sob con-
fidencialidade) e os advogados.
Contrariado ou não, dificilmente
o Executivo escapará à obrigatorie-
dade de entregar os documentos. O
líder do PSD veio já falar em “deso-
bediência civil”, e as águas agitam-se.
Ministros não assinam demissão
Nem Christine Ourmières-Widener
nem Manuel Beja receberam qual-
quer documento ou carta de despe-
dimento por justa causa assinado pe-
los ministros da tutela. Receberam
apenas uma “deliberação unânime
por escrito” com a qual foram des-
tituídos, que chegou por duas vias,
uma da TAP SGPS, assinada pela
Parpública e pela Direção-Geral do
PRIMEIRO CADERNO 5
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO REPOSTA A LEGALIDADE
“Aquilo que fica claro
é que não houve truque,
ilusão, nem corte
de pensões”
António Costa
Primeiro-ministro, sobre aumento nas pensões
PRÉMIO O CONTEXTO
“É o Governo a fazer
aquilo que podia ter
feito quando, a certa
altura, decidiu esperar
para ver se podia fazer”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República, sobre
as medidas do Governo
PRÉMIO ENTRAR EM CAMPO
Tesouro e Finanças, e outra da TAP
SA, assinada apenas pela DGTF. “O PM merece uma
Paulo Sá e Cunha, que confessa condenação por
curiosidade em conhecer o parecer ju- desonestidade política”
rídico, salienta que há pelo menos 10
Luís Montenegro
entidades — os juristas externos e in- Presidente do PSD
ternos e gabinetes do Executivo — que
tiveram acesso ao acordo de renúncia PRÉMIO SAIR DE CAMPO
de Alexandra Reis, e nenhum deles
detetou ou levantou dúvidas sobre a “A sua divulgação [do
sua legalidade ou chamou a atenção parecer sobre a TAP]
para a necessidade de enquadramen- envolve riscos na defesa
to do mesmo à luz do Estatuto do
Gestor Público. E, se assim foi, como jurídica da posição
poderia a CEO, francesa e engenhei- do Estado”
ra, levantar dúvidas sobre a legalidade Ana Catarina Mendes
do acordo? Este será certamente um Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
dos argumentos da defesa, que aponta
o dedo ao facto de Gonçalo Pires, o PRÉMIO AGORA ESCOLHA
administrador financeiro, que assinou “Ou esse parecer não
o comunicado que foi para a Comissão
do Mercado de Valores Mobiliários so- existe [...] ou, se o
bre a saída de Alexandra Reis — hoje parecer de facto existe,
alvo de um processo contraordena- tem de ser enviado
cional do supervisor por prestação à CPI”
de informação errada —, não ter sido
visado no relatório da IGF. Mariana Mortágua
Anabela Campos, Deputada do BE
Diogo Cavaleiro e Liliana Valente Paula Santos
acampos@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA GOVERNO
Dúvidas A não atualização das pensões pela lei desde
janeiro ainda pode ir parar ao Tribunal Constitucional
Aumento
de pensões
“cheira a
eleições”
A
Liliana Valente e Rita Dinis
decisão foi mantida
em circuito muito
fechado até ao últi-
mo minuto, e guar-
dada a sete chaves
para ser anunciada
logo na segunda-
-feira com estron-
do. Não esperar
pelo Conselho de Ministros de quin-
ta-feira e anunciar logo tudo de uma
vez fazia parte do plano: não deixar
Fernando Medina a anunciar os “bons
resultados” da economia em termos
de redução do défice e da dívida, sem
que isso fosse acompanhado da men-
sagem política de que toda a folga
conseguida seria distribuída por quem
precisa. Neste caso, os reformados.
“Fomos apanhados de surpresa, não
só não foi um aumento gradual como
não foi sequer no final do ano, foi um
aumento já”, diz um deputado socialis-
ta, que vê a antecipação dos aumentos
das pensões como um trunfo eleitoral
com triplo efeito: 1) esvaziar um foco de
discurso que estava a ser muito aprovei-
tado pela oposição, à esquerda e à direi-
ta, de que tinha havido um “truque” e
um “corte” de mil milhões nas pensões;
2) os pensionistas são uma fatia da po-
pulação particularmente frágil porque
não tem, por norma, outros rendimen-
tos; e 3) os pensionistas são muitos,
estavam zangados com o PSD de Passos
Coelho, agora estavam a ficar chatea-
dos com o PS e são importantes na hora
de votar. “Devemos procurar continuar
a ser um porto de abrigo da esperança
dos portugueses, dos mais jovens aos
mais idosos”, diria o presidente do PS,
Carlos César, no discurso a propósito
dos 50 anos do PS, dando o exemplo
dos aumentos das pensões como prova
de renovada confiança eleitoral.
Quando, em setembro, António
Costa anunciou o primeiro pacote de
apoios sociais para fazer face à crise
inflacionista cometeu um erro de raiz
reconhecido por vários socialistas e até
conselheiros: ao anunciar um bónus de
meia pensão para os reformados logo
em 2022 (para não ter excedente no
fecho das contas do ano) deixou que se
criasse a ideia de que estava a hipotecar
as expectativas de um maior aumento
das pensões no futuro. “Os eleitores
não gostam de ser aldrabados”, dizia
um socialista ao Expresso em janeiro,
depois da grande crise da TAP que fez
o Governo mergulhar nos seus piores
dias, mas identificando aquele como
o maior tiro no pé dado até à data. A
solução, na altura, foi tentar negar em
absoluto a palavra “corte” (“cortes fez
Passos Coelho”) e empurrar o proble-
ma para a frente: em 2023, na soma
do apoio extraordinário com a menor
atualização de janeiro, os pensionistas
não perderiam poder de compra, e em
2024 logo se via. Tanto no Governo
como no grupo parlamentar do PS ha-
via a convicção de que era preciso fazer
algo quanto a isso — e rápido. O álibi
para não se ter feito o aumento antes já
estava pensado: a prudência das contas
e a incerteza do contexto.
“A porta estava aberta e sempre
soubemos que se a receita aumentas-
se haveria reposição do aumento das
pensões para que a base de cálculo
para 2024, e daí em diante, não fos-
se prejudicada”, ouve o Expresso de
um socialista, não ignorando que o
argumento usado naquela altura para
não cumprir integralmente a fórmula
de cálculo de atualização das pensões
(baseada na inflação) tinha a ver com
a suposta fragilidade da sustentabili-
dade da Segurança Social. O sistema
não aguentaria. A ministra do Traba-
lho e Segurança Social, Ana Mendes
Godinho, chegou a empurrar para o
grupo de trabalho criado para pensar
o futuro da Segurança Social a criação
de uma nova fórmula menos suscetí-
vel a “picos” de inflação. “Disse aquilo
para se desenvencilhar”, arrisca um
ex-governante, que tinha como certo
que o Governo ia aproveitar o momen-
to da apresentação do Programa de
Estabilidade 2024-2027 para “mexer
na base de cálculo das pensões ou fa-
zer aumentos faseados”. O que não se
esperava era que a reposição fosse feita
já este ano, através de aumentos inter-
calares que, na prática, fazem com que
os pensionistas tenham um aumento
de rendimentos em 2023 superior a 11
ou 12% em alguns casos — bem acima
da inflação. Afinal, era Medina, e não
Ana Mendes Godinho, quem tinha a
chave na mão. “São as Finanças que
mandam em tudo”, vai-se desabafando
no Largo do Rato.
Aumento inevitável
No rescaldo do anúncio, Marcelo Re-
belo de Sousa apressou-se a dizer que
a atualização da base de cálculo para
os pensionistas não serem prejudica-
dos no futuro era uma inevitabilidade.
“O Governo decidiu esperar para ver
se podia fazer, mas sempre achei que
iria fazer [o aumento] porque senão
havia problemas jurídicos que se le-
vantavam”, disse. Apesar de a decisão
ser política, havia mesmo obstáculos
no caminho que poderiam obrigar o
Governo a ter de repor, na íntegra, a
base de cálculo das pensões. Ou seja,
o Governo pode ter aqui um quarto
efeito: aumenta já para não ter de ser
GOVERNO PODERIA SER
OBRIGADO A AUMENTAR
AS PENSÕES E SERIAM
OUTROS A FICAR
COM O MÉRITO
obrigado a aumentar e serem outros a
ficar com o trunfo.
Traduzindo: apesar de o Governo
se preparar para repor os valores em
julho, não está livre de uma avaliação
pelo Tribunal Constitucional por não
ter respeitado a fórmula de cálculo
em janeiro deste ano. O caso, sabe
o Expresso, está a ser avaliado pela
provedora de Justiça, que tem o po-
der de pedir a fiscalização sucessi-
va da constitucionalidade, depois de
queixa apresentada pela Associação
de Aposentados, Pensionistas e Re-
formados, e poderá mesmo ter sinal
verde para chegar ao Constitucional
em breve. A argumentação é de que
a suspensão da lei e o pagamento do
complemento de outubro não teve
base legal, quebrando as expectativas
dos pensionistas.
Navegação à vista?
O mantra que se vai repetindo no
Governo, contudo, é algo como: “em
vez de austeridade respondemos com
solidariedade”. E foi isso que voltou
a tentar fazer no arranque de uma
semana apostado em recuperar a nar-
rativa enquanto é queimado em lume
brando na dura Comissão de Inqué-
rito à TAP, que esta semana voltou a
pôr ministros em maus lençóis por se
recusarem a enviar o parecer jurídico
que sustenta o despedimento da ante-
rior administração (ver pág. 5). Esta
foi também a semana em que António
Costa saiu à rua para visitar supermer-
cados e mostrar que fez a sua parte
na tentativa de reduzir os preços dos
bens alimentares — assunto que, diz,
“importa realmente” aos portugueses.
Por essa altura também Luís Monte-
negro andava por mercados e ruas de
Lisboa a tentar desmascarar o suposto
engodo do IVA zero (ver pág. 8).
“Cheira a eleições. Estamos a dis-
tribuir com pouco critério”, alerta ao
Expresso um destacado socialista,
deixando claro que onde o discurso
oficial do Governo aponta para a “pru-
dência” outros veem navegação. “Em
setembro, mais mil milhões de euros
punham em causa a sustentabilida-
de da Segurança Social, agora já não
põem? Estão a hipotecar o futuro”,
insiste a mesma fonte. Medina susten-
ta-se no “triângulo virtuoso” dos bons
indicadores do emprego, que levam a
maiores contribuições para a Seguran-
ça Social, a par de uma perspetiva de
inflação mais controlada no futuro, a
dívida a baixar e a economia a crescer,
mas todos se lembram do estudo que o
PS encomendou a Luís Paixão Martins
e à GFK para tentar estancar a fuga de
eleitorado, sobretudo pensionistas e
funcionários públicos, para a absten-
ção. “Governam para a comunicação
e para o momento”, começa-se a ouvir
em fações mais céticas quanto à estabi-
lidade da legislatura. Cheira a eleições
quando não há sequer eleições no ar.
lvalente@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
Carlos
César,
Duarte
Cordeiro,
José
Manuel
dos Santos,
António
Costa e
Fernando
Medina,
entre
outros
socialistas,
na sede do
partido,
onde foi
inaugurada
uma
exposição
de cartazes
do PS
FOTO TIAGO
MIRANDA
Governo muda
e contraria
Mário Centeno
Costa e Medina chocam de A medida ainda era fresca,
frente com o que defende mas Centeno sabia bem o que
o ex-ministro, atual significava o IVA zero nos pro-
governador do Banco de dutos alimentares. Contudo,
Portugal questionado sobre o assunto,
disse apenas que tudo o que
O “Ronaldo das Finanças” forem “medidas temporárias,
de António Costa agora é ou- focadas no desafio” e que “não
tro e a política também. Com gerem contravapor com a po-
Fernando Medina à frente do lítica monetária, são bem-vin-
ministério mudou a tática e a das”. O recado tinha o Gover-
estratégia de gestão orçamen- no, e em especial o Terreiro do
tal. O ministro surpreendeu Paço, como destinatário. O IVA
esta semana ao anunciar que zero não era uma medida fo-
para 2024 haverá mais mil mi- cada em franjas da população,
lhões de despesa permanente pode ser menos temporária
para pagamento integral de do que os seis meses previs-
pensões. A manta esticou mais tos — Costa já admitiu voltar
um bocado e, à tarde, entrou a sentar-se à mesa com as em-
o primeiro-ministro em cena presas de distribuição — e gera
com o anúncio de que tal seria o tal “contravapor”. Mas nada
já pago a partir de julho. Me-
didas de grande abrangência e
comparado com o que farão as
pensões.
que produzem despesa perma-
nente, que vão contra o que era
O antigo ministro das Fi-
nanças vem defendendo que a
defendido por Mário Centeno política orçamental não pode
quando era ministro das Finan- descolar da monetária tendo
ças, mas também contra o que o mesmo objetivo, no caso,
tem defendido que devem ser as controlar a inflação. E estas
medidas para gerir a inflação. medidas, ao injetarem na eco-
Expresso, 21 de abril de 2023
nomia um grande montante de
liquidez, podem provocar o tal
efeito “contravapor”. O atual
ministro das Finanças nega que
o IVA o faça, mas quanto ao au-
mento de pensões nada disse.
Foi António Costa quem,
mais tarde nessa segunda-feira,
recusou prosseguir uma políti-
ca diferente, defendendo que
está a ser “prudente” para não
alimentar a “espiral inflacio-
nista”, mas que faz uma leitu-
ra diferente do Banco Central
Europeu (BCE), considerando
que “esta inflação não resulta
de um excesso de liquidez das
famílias, de aumento de pro-
cura”, e que, por isso, “não é
asfixiando [ou estrangulando]
o rendimento das famílias que
combateremos a inflação”.
As duas visões chocam, ape-
sar de, na praça pública, o em-
bate ainda ser contido. Centeno
tem mantido um discurso dis-
creto, mas aproxima-se mais
uma reunião do BCE para nova
subida das taxas de juro, a 4
de maio. Já na reunião de 22
de março houve uma minoria
de membros do Conselho de
Governadores a defender uma
pausa na subida dos juros. Aca-
bou por prevalecer a vontade
de “uma larga maioria”, que
foi deixando alertas sobre o
risco de políticas expansionis-
tas poderem obrigar o banco
central a subir ainda mais os
juros. Lê-se nas atas que con-
sideram que “as medidas de
apoio dos Governos para pro-
teger a economia do impacto
dos elevados preços da energia
devem ser temporárias, dirigi-
das e desenhadas de forma a
manter incentivos à redução do
consumo”, e que “medidas que
falhem estes princípios” podem
pedir “uma resposta mais forte
da política monetária”.
Apesar de o PS falar em “con-
tas certas”, legado deixado por
Centeno, estas resultam mais
da conjuntura económica do
que do esforço de consolidação
orçamental, Medina, aliás, ad-
mitiu que não vai “intensificar
o processo de consolidação”. A
hora é de distribuir e de forma
permanente. Esse é outro dos
mantras de Centeno, que cai
por terra, apesar de o Gover-
no ter defendido, em setembro
do ano passado, que não podia
fazer o aumento das pensões
como estava na lei, porque o
aumento de despesa poderia
pôr em causa a sustentabilida-
de da Segurança Social. Sete
meses depois, Costa garante
que “a sustentabilidade não
está em causa” e Medina que
“trabalhará do ponto de vista
da execução orçamental não
só para ter essa disponibilidade
para 2024, mas também para
os anos seguintes”. Como? Para
já com a ajuda da inflação, de-
pois se verá.
L.V. com João Silvestre
Economia e ‘fator
Costa’ podem salvar
legislatura?
Primeiro-ministro
ainda é o maior ativo
e Olaf Scholz
comprova-o. “Não
o subestimem”
“É o chefe de Governo da nossa
família política há mais tem-
po no cargo em toda a União
Europeia, um exemplo de lide-
rança democrática” e o homem
que esteve à frente da gover-
nação quando, no ano passa-
do, Portugal foi a “economia
com mais rápido crescimento
de toda a UE”. O carimbo é
de Olaf Scholz, chanceler ale-
mão socialista que esteve esta
quarta-feira no pavilhão Carlos
Lopes, em Lisboa, a atestar a
competência do primeiro-mi-
nistro português durante um
dos momentos mais solenes do
programa de festas dos 50 anos
do Partido Socialista.
“Termos o chanceler alemão
a elogiar daquela forma o pri-
meiro-ministro português tem
muito significado”, diz ao Ex-
presso um dirigente socialista,
desvalorizando o significado
óbvio das aspirações europeias
de António Costa — assumidas
novamente esta semana à CNN
—, mas puxando antes pelo ates-
tado de competência que o líder
dos socialistas alemães deixou
em Lisboa. Uma imagem que
difere em quase tudo do clima
de fim de ciclo e de “degradação
total” das instituições que se vai
instalando na sociedade, verba-
lizado inclusive por históricos
militantes socialistas, de Ascen-
so Simões a António Campos,
que escreveram cartas abertas
a António Costa a queixar-se do
rumo da governação.
O vírus do populismo
Os elogios além-fronteiras a par
de um reavivar da história e das
lutas socialistas cumpriu o pro-
pósito de galvanizar os cerca
de 1800 militantes, entre his-
tóricos dirigentes, autarcas e
membros do Executivo, que es-
tiveram presentes no primeiro
momento de convívio alargado
das comemorações a ouvir An-
tónio Costa dizer que o PS está
pronto para a guerra dos dias
de hoje, que é a guerra “contra
o populismo”.
Na semana seguinte a Luís
Montenegro ter dado um passo
em frente na maior demarcação
do Chega, Carlos César e Antó-
nio Costa alinharam contra a
direita “amiga da extrema-di-
reita”, referindo-se ao PSD sem
o citar, com César a apelidá-la
“benevolente e cúmplice” e a
dizer que só o PS tem a capaci-
dade de impedir a extrema-di-
reita de chegar ao poder. Quer
isto dizer que viabilizaria um
Governo minoritário do PSD
(se os laranjas vencessem sem
maioria) para afastar o Chega
da governação? “O PSD é que
tem de definir a sua política de
alianças, o PS não tem nada a
ver com isso”, responde Carlos
César. O tema não é consensual
entre socialistas, com Pedro
Delgado Alves a apelar, na SIC,
a um “dever democrático” do
partido fundador da democra-
cia, mesmo estando ciente dos
“riscos eleitorais”.
Sem Pedro Nuno Santos — o
maior ausente da noite de ani-
versário —, Costa esteve rodea-
do de rostos do passado e de
rostos do futuro do partido, sen-
do certo que, apesar das críticas
de que se tem fechado cada vez
mais no seu círculo restrito, ain-
da é nele que os socialistas põem
PRIMEIRO CADERNO 7
as fichas para aguentar o barco
da legislatura até ao fim. “Não
subestimem o Costa, já não é a
primeira vez que se enganam”,
aconselha um socialista, prefe-
rindo olhar para os dados posi-
tivos da economia do que para
casos de falta de transparência
ou má gestão, como os que têm
sido revelados pela comissão de
inquérito à TAP.
“A economia está a crescer a
níveis históricos e a inflação vai
normalizar no próximo ano”,
acredita outro socialista, o que,
a par dos apoios sociais que o
Governo vai continuar a dispa-
rar para acudir as classes mais
baixas e os funcionários públi-
cos, pode ser o combustível de
que Costa precisa para aguentar
até ao fim. Fernando Medina,
de resto, já disse que se os dados
de crescimento fossem ainda
superiores a prioridade seria
o alívio fiscal do IRS, eviden-
ciando que essa será a próxima
cartada.
No final do dia, acredita-se
num PS em festa, se o Gover-
no durar até 2026 “é porque
melhorou”. Mesmo que para
isso, arrisca um dirigente, seja
preciso fazer uma remodela-
ção maior pelo meio — even-
tualmente depois do previsível
cartão amarelo das europeias.
“Temos de nos reformar para
o povo não nos mandar para a
reforma”, antecipa este socia-
lista. R.D.
 8 PRIMEIRO CADERNO
DIREITA
FOTO MIGUEL A. LOPES/LUSA
Porta fechada ao Chega
deixa PSD mais solto
Desfeito o tabu de eventuais alianças com Ventura, Luís Montenegro
entra em modo de pré-campanha e carrega nas críticas ao Governo
Hélder Gomes
Em menos de 12 horas, Luís
Montenegro acusou o Gover-
no de “crime de desobediência
qualificada”, apontou a “pres-
sa ofegante” dos defensores da
despenalização da eutanásia e
lamentou que o dia dos 50 anos
do PS tivesse ficado “manchado”
pela “machadada” dos socialis-
tas no sistema constitucional.
Tudo isto na quarta-feira, repar-
tido entre a Azambuja, Loures e
a Amadora e com um desvio até
à sede nacional do PSD, ao início
da tarde, para chamar à pedra o
Governo e o presidente da As-
sembleia da República. O líder
social-democrata não está ofi-
cialmente em campanha (“não
vim aqui pedir votos”, disse ao
Expresso no final de uma visita
ao MARL — Mercado Abastece-
dor da Região de Lisboa), mas
parece. E diz que é no terreno
que pretende mostrar, olhos nos
olhos com os eleitores, a alterna-
tiva que o PSD representa.
Com a retirada do Chega de
uma equação governativa e até
de um eventual acordo políti-
co, como fez há uma semana
em entrevista à CNN Portugal,
Montenegro sacudiu a pressão
da pergunta que lhe era conti-
nuamente feita sobre a relação
com o Chega, recentrou o dis-
curso e carregou nas críticas
ao Executivo de António Costa.
Na segunda-feira, dia em que
começava a sua volta ao distri-
to de Lisboa, o Governo usou
poder de fogo: ao apresentar
o Programa de Estabilidade e
o aumento intercalar de pen-
sões, conseguiu dominar o dia.
E na terça, dia do encontro de
Montenegro com Marcelo, com
o primeiro-ministro nos hiper-
mercados a ‘vender’ IVA zero,
a semana parecia que ia ser do-
minada pelos socialistas. Ainda
para mais com o PS em festa de
50 anos na quarta.
Na quarta, contudo, o vento
virou. Novamente por causa da
TAP, desta vez devido à recu-
sa do Governo em fornecer à
Comissão Parlamentar de In-
quérito (CPI) à gestão da TAP
a documentação jurídica que
Ventura visita uma residência universitária em Évora. No
topo, Montenegro no MARL, em Lisboa FOTO NUNO VEIGA/LUSA
fundamentou o despedimento
com justa causa da CEO e do
chairman da companhia aérea.
“Compete ao presidente da CPI
dar nota deste incumprimento
legal ao presidente da Assem-
bleia da República e a este fa-
zer a participação ao Ministério
Público pela prática do crime
de desobediência qualificada
dos ministros das Finanças, das
Infraestruturas e da Presidên-
cia do Conselho de Ministros”,
declarou. Em relação a Augus-
to Santos Silva, sentenciou ser
esta “a hora de dizer se é repre-
sentante dos deputados e do
povo português ou do PS e do
Governo”.
Para Montenegro, “esta foi
mais uma semana que não
correu bem ao Governo”. À se-
melhança do que parece estar
também a acontecer com o PSD,
“o Governo entrou em modo
de campanha eleitoral intensa”,
acrescenta ao Expresso. “O pri-
meiro-ministro demonstrou que
vive no mundo dos powerpoints,
longe do mundo real”, pelo que
“o Governo não estragou a se-
mana do PSD, estragou a sema-
“Governo não
estragou a semana
do PSD, estragou a
semana a si próprio
e à democracia”,
acusa Montenegro
EXPRESSO.PT Ouça a “Comissão Política”:
Montenegro a fugir do ‘diabo’ com empurrão
de Marcelo.
na a si próprio, à democracia e
aos portugueses”.
Descontraído, em calças de
ganga e mangas de camisa,
Montenegro ouviu muitas quei-
xas de produtores, mesmo dos
que pensavam estar perante
Paulo Rangel, primeiro vice-
-presidente do PSD. “Que haja
um político que venha ao MARL
ver a gente!”, ouviu de uma pro-
dutora da Lourinhã. “Eu venho
e não há eleições”, respondeu,
acrescentando que, com aque-
les preços, começaria a ir ali
fazer compras. “Um molho de
grelos a um euro é um achado,
pá!”, soltou, uma vez que os tem
comprado “a quatro euros”. “E
porque é que vocês foram pôr o
IVA zero na hortaliça? Puseram
numa coisa e não puseram nou-
tra”, queixou-se outra produ-
tora. “Nós não! Você é do meu
clube: a minha proposta foi bai-
xar o IVA da eletricidade e do
gás”, apressou-se Montenegro
a corrigir.
Após Marcelo ter decidido de-
volver ao Parlamento o diplo-
ma sobre a eutanásia, o líder do
PSD disse que ainda há tempo
para levar “um texto legisla-
tivo consolidado a referendo”
e condenou a sofreguidão dos
defensores da despenalização.
E no final de mais um dia do seu
périplo “Sentir Portugal”, esta
semana dedicado ao distrito de
Lisboa, voltou à recusa do Go-
verno para falar no caso do pa-
recer da TAP na tal “machada-
da” que, segundo Montenegro,
manchou as comemorações do
meio século do PS.
Contra-ataque de Ventura
Quanto aos que dizem que o
PSD não está preparado para
governar ou não apresenta al-
ternativas, só poderá ser “por
mera distração”. Não só o par-
tido tem apresentado propostas
concretas em muitas áreas da
governação como algumas delas
até são posteriormente aprovei-
tadas pelo Executivo, salientou.
“O que digo aos portugueses é:
se já fazemos isto tudo na opo-
sição, imaginem o que podemos
fazer quando estivermos no Go-
verno”, afirmou no arranque da
Assembleia Distrital de Lisboa.
O evento, inicialmente “fecha-
do aos jornalistas”, acabou por
decorrer à porta aberta.
Foi uma semana de Monte-
negro a tentar afirmar-se como
“líder da oposição” (e não ape-
nas do PSD) — como o site da
Presidência da República se lhe
referiu na nota sobre a audiên-
cia em Belém —, mas não faltou
quem interpretasse a clarificação
de Montenegro como uma res-
posta à pressão do Presidente da
República, a começar por André
Ventura, que não tardou a de-
nunciar uma “clara combinação”
entre Marcelo Rebelo de Sousa
e o PSD para subtrair o Chega
de uma maioria de direita. Ora,
este não era ainda o momento no
guião de Montenegro para sepa-
rar as águas: há apenas dois me-
ses garantiu que clarificaria uma
eventual política de coligações
quando houvesse eleições. Por
essa razão não terá proferido a
palavra “Chega” na entrevista em
que desfez o tabu e, já agora, para
não ser acusado, como efetiva-
mente viria a ser por Ventura, de
andar a “reboque” de Marcelo.
Ventura acusou o toque e, nas
suas jornadas parlamentares em
Évora, atirou, no início da sema-
na, que o PSD decidiu “prosti-
tuir-se ao PS em vez de aceitar
um entendimento à direita”. Só
as próximas sondagens poderão
dar um sinal sobre se o momen-
to do corte com o Chega foi tar-
dio ou precipitado.
hgomes@expresso.impresa.pt
CHEGA
Dados contra Ventura:
há mais imigração,
mas menos crime
Ao contrário do que
diz o líder do Chega,
os imigrantes não fazem
aumentar o crime e dão
lucro à Segurança Social
“Não há uma relação entre imi-
gração e criminalidade”, afirma
Catarina Reis Oliveira, profes-
sora no Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas e
coordenadora do Observatório
das Migrações, no 7º e último
episódio do podcast do Expresso
“Entre Deus e o Diabo”, sobre
o percurso de André Ventura.
As estatísticas, segundo decla-
rações de especialistas ao Ex-
presso, desmentem as posições
do Chega: os imigrantes não
roubam os empregos aos por-
tugueses, não vivem à custa da
Segurança Social e não estão a
substituir a população, ideias
difundidas pelo líder da direita
radical. O seu discurso terá algu-
ma tração no eleitorado, porque
os preconceitos dos portugueses
e dos militantes do Chega não
são assim tão diferentes, como
apontam estudos recentes.
Segundo Catarina Reis Oli-
veira, o aumento da imigração
não fez crescer a criminalida-
de, ao contrário do que sugeriu
André Ventura quando criticou
a política de “portas abertas”
depois do duplo homicídio no
Centro Ismaili de Lisboa per-
petrado por um refugiado: “Em
2021 atingimos o valor inédito
de quase 700 mil estrangeiros
residentes, e estaríamos, com
esse aumento, a ter um aumento
dos reclusos estrangeiros nas
nossas prisões.” Mas não é o
que se verifica: “É exatamen-
te o inverso. Nos últimos anos,
apesar de terem aumentado os
estrangeiros em Portugal, temos
uma diminuição substancial dos
reclusos”, diz a coordenadora
do Observatório das Migrações
neste episódio, focado no dis-
curso racista e xenófobo do líder
do Chega. “Em 2013 tínhamos
2647 reclusos estrangeiros”,
explica a investigadora, um va-
lor “que tem vindo a descer nos
últimos anos, atingindo em 2021
o mais baixo número de reclusos
estrangeiros: 1661”.
Outro ponto em que Ventura
insiste é nos imigrantes que “vi-
vem à conta dos nossos subsídios
e dos nossos salários”, como já
declarou no Parlamento. Mais
uma vez o líder do Chega ex-
plora perceções que não cor-
respondem à realidade: “O sal-
do entre o que os estrangeiros
contribuem para a Segurança
Social versus o que beneficiam
é favorável. Em 2021, atingimos
o saldo mais elevado de sem-
pre, de €968 milhões”, explica a
coordenadora.
No que diz respeita aos “nos-
sos salários”, ou seja, a ideia de
que os estrangeiros roubam o
trabalho aos portugueses, tam-
bém não corresponde à verdade:
“Os estrangeiros e os nacionais
não ocupam as mesmas ativida-
des ou os mesmos grupos profis-
sionais”, diz. “Enquanto temos
51% dos estrangeiros a traba-
lhar em atividades ou empregos
pouco qualificados, isso apenas
acontece com 38% no caso dos
nacionais. Temos mais prevalên-
cia dos estrangeiros a ocupar os
empregos que os nacionais não
querem”, explica.
Racismo estrutural
Uma sondagem do ICS/ISCTE
para o Expresso e a SIC, publi-
cada em outubro de 2020, dizia
o seguinte: 41% dos inquiridos
concordavam totalmente ou em
Expresso, 21 de abril de 2023
parte com esta frase: “A con-
vivência entre diferentes raças
ou etnias quase sempre causa
problemas.” Mas havia outra
questão que permitia avaliar o
grau de racismo biológico: 23%
dos inquiridos concordavam to-
talmente ou em parte que “al-
gumas raças ou etnias são por
natureza mais inteligentes do
que outras” e 18% nem tinham
posição. Mais recentemente,
um estudo dos investigadores
Sofia Serra Silva, do Instituto
de Ciências Sociais, e Riccardo
Marchi, do ISCTE, revelado pelo
“Público” em janeiro de 2023,
dava conta do seguinte: 73%
dos militantes do Chega estão
convencidos de que “existem
raças mais trabalhadoras” e 31%
consideram que “existem raças
menos inteligentes” (22% não
concordam nem discordam).
Além disso, 63% consideram
que “os imigrantes aumentam a
taxa de criminalidade em Portu-
gal”, o que não é verdade.
A socióloga Alice Ramos, in-
vestigadora do Instituto de Ciên-
cias Sociais da Universidade de
Lisboa, que se tem dedicado
ao estudo do racismo, diz no
podcast que “os militantes do
Chega não são diferentes, nas
perceções que têm, do resto da
população. São é muito mais
permeáveis a um discurso de
ódio” do que o resto dos portu-
gueses. Para a investigadora, “há
“As perceções dos
militantes do Chega
não são diferentes das
da população”, diz a
socióloga Alice Ramos
racismo estrutural em Portu-
gal” — uma das ideias que André
Ventura tenta combater —, “mas
as pessoas não estão cientes dis-
so”, diz ao Expresso. “André
Ventura e a direita radical não
são completamente estúpidos.
Sabem que não se deve dizer
que uma pessoa, por pertencer
a uma etnia, é diferente ou me-
nos inteligente. Então o que é
que dizem? Que a cultura deles
é incompatível com a nossa. Pas-
samos então de um racismo bio-
lógico para um racismo cultural
ou simbólico.”
A presidente da Obra Católica
das Migrações, Eugénia Qua-
resma, também recorda que os
últimos apelaram aos políticos
para não serem violentos em
atos e palavras com os migran-
tes – ao contrário do que pratica
o católico Ventura. Enquanto
normalizou o discurso racis-
ta na praça pública, o líder do
Chega também mudou a relação
da política com a mentira: “O
que interessa é ir ao encontro
do que as pessoas querem ou-
vir, independentemente de ser
ou não verdade”, diz Fernando
Esteves, diretor do jornal “Polí-
grafo”. Mas até a revelação das
mentiras é “capitalizada” pelo
líder populista.
Com tudo isto, para o politólo-
go João Pereira Coutinho, autor
do livro “Conservadorismo”,
Ventura é, “sobretudo, uma
grande ameaça para a direita
moderada e para a direita libe-
ral”. Uma ameaça que Luís Mon-
tenegro já tentou minimizar.
Vítor Matos
vmatos@expresso.impresa.pt
OUÇA O 7º EPISÓDIO
DO PODCAST
“ENTRE DEUS
E O DIABO”
EM EXPRESSO.PT
Expresso, 21 de abril de 2023 PRIMEIRO CADERNO 9

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10 PRIMEIRO CADERNO
BRASIL
Visita oficial Marcelo, Costa e Santos Ângela Silva
H
Silva disfarçam “incidente político”
á uma frase de Mar-
com “país irmão”. Lula não fica celo Rebelo de Sou-
Amigos,
para sessão do 25 de Abril sa que podia ser de
António Costa ou
de Augusto Santos
Silva e que define na
perfeição o enten-
dimento partilhado
pelos três órgãos
amigos
de soberania portugueses perante os
percalços que já complicaram a visita
de Lula da Silva a Portugal e a sua
presença na Assembleia da República,
nas comemorações do 25 de Abril.
“Não, não me arrependi de coisa
nenhuma” (em causa o convite que ele
próprio dirigiu a Lula para vir a Portu-
(BRIC
gal nesta altura), disse o Presidente da
República quando confrontado com as
bombásticas declarações do Presiden-
te do Brasil, que de visita à China e aos
Emirados Árabes Unidos atribuiu “a
decisão da guerra” aos “dois países”,
Ucrânia e Rússia, e considerou que a
à parte)
União Europeia e os EUA estão a dar
“uma contribuição para a continuida-
de dessa guerra”.
A cábula de Marcelo: “Brasil
votou contra a Rússia”
Estas declarações incendiaram os
ânimos políticos em Lisboa e o maior
partido da oposição desafiou o primei-
ro-ministro a demarcar-se de Lula no
que à Ucrânia diz respeito, conside-
rando as suas palavras inaceitáveis.
Mas rapidamente se percebeu que,
apesar dos desencontros que não es-
condem interesses geoestratégicos e
económicos diferentes entre Portugal
e o Brasil, nem o primeiro-ministro,
nem o presidente do Parlamento, nem
o maior partido da oposição divergem
da leitura do chefe de Estado: a visita
recomenda-se.
Para António Costa, a realização
da cimeira Portugal-Brasil em Lisboa
— que será um dos pontos altos do
programa oficial, que começa este sá-
bado e se prolonga até terça-feira — é
da maior importância, sobretudo após
anos de interrupção nestas cimeiras
durante o consulado de Jair Bolso-
naro como Presidente do Brasil. E o
primeiro-ministro não retirou uma
vírgula ao que sempre tem dito — que
“as relações entre Portugal e o Brasil
são, desde há 200 anos, uma priori-
dade constante da política externa
portuguesa” e esta visita é “uma opor-
tunidade extraordinária que o país
tem” de “relançar tão rapidamente
quanto possível essas relações”. Quan-
to a Marcelo Rebelo de Sousa, tratou
de recordar que o Brasil foi contra a
Rússia na ONU e disse esperar para
ver se Lula mudou de posição.
Primeiro, avisou que esta visita “não
tem nada a ver com a posição sobre
a Ucrânia”; depois, recorreu a uma
‘cábula’ que tirou do bolso com as vota-
ções na ONU para lembrar que o Brasil
— que faz parte do chamado grupo
BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) —
“votou a favor do não reconhecimento
das regiões ocupadas da Ucrânia” e
“voltou a votar, ainda no mandato do
Presidente Bolsonaro, que a Rússia
deve ser responsabilizada pelas vio-
lações”, tendo, “já com o Presidente
Lula, pedido a retirada imediata das
tropas russas da Ucrânia”. Ou seja, a
posição brasileira nas Nações Unidas
tem sido sempre a mesma: “ao lado
de Portugal, da União Europeia, dos
EUA e da NATO, contra a Federação
Russa”. Marcelo terminou com um
aviso de separação de águas: “Se o
Brasil mudar de posição em relação
ao que foi a orientação de Bolsonaro e
de Lula, é uma escolha dele, e Portugal
não tem nada a ver com isso, man-
tém a sua posição, que é muito clara,
e não estamos de acordo, ponto final,
parágrafo.”
Sem antecipar discursos — seja o
que fará no jantar que oferece a Lula
no domingo, no Palácio da Ajuda, e
Expresso, 21 de abril de 2023
onde o Presidente brasileiro também
discursará, seja o que tem pensado
para o 25 de Abril na Assembleia da
República —, o Presidente da Repú-
blica prometeu reiterar a posição de
Portugal, alinhada com a UE, os EUA
e a NATO, perante Lula e “todos os
chefes de Estado que receber”.
“Cada país tem a sua política exter-
na. Se estivermos de acordo, melhor.
Eu tenho a esperança de que esteja-
mos de acordo. Veremos, e para isso é
que servem as visitas, é para saber qual
é a posição”, afirmou esta semana aos
jornalistas. “Se não estamos de acor-
do, não estamos de acordo”, rematou.
Diplomaticamente, em Belém (como
em S. Bento ou no MNE) a convicção
é de que a necessidade de uma estra-
tégia de reafirmação externa do Brasil
pós-Bolsonaro está a empurrar Lula
da Silva para posições cada vez mais
desalinhadas com a Europa e os EUA
e cada vez mais próximas das novas
potências emergentes do ponto de
vista económico, seja a China, a Rússia,
a Índia ou a África do Sul (os chamados
BRIC), num mundo que se sabe estar a
rodar estrategicamente para oriente.
“Portem-se bem!”
Com a duplicação do foco de protesto
anti-Lula — primeiro pela sua presen-
ça no 25 de Abril, depois pelas declara-
ções que fez sobre a guerra na Ucrânia
e que entretanto emendou, voltando
a reconhecer um invasor (Moscovo)
e um invadido —, o presidente da As-
sembleia da República tratou de en-
saiar um guião de boas maneiras.
Augusto Santos Silva aproveitou
uma entrevista ao podcast de Daniel
Oliveira, “Perguntar não Ofende”,
para pedir aos vários deputados, so-
bretudo do Chega, que ameaçam fazer
protestos à passagem de Lula pelo
Parlamento, para que mantenham a
“urbanidade” e “cordialidade” devidas
à receção a um chefe de Estado que foi
convidado a visitar o nosso país.
Expresso, 21 de abril de 2023
Santos Silva reconheceu, no entan-
to, que esta visita se transformou em
“motivo de incidente político”, coisa
de que disse “ter pena”. E é indisfar-
çável a expectativa com que se espera
para ver se a fórmula encontrada para
minorar danos conseguirá evitar que a
visita se transforme num fiasco.
Tudo começou, recorde-se, com o
convite de Marcelo Rebelo de Sousa
para que Lula da Silva, vindo a Portu-
gal nesta altura para a cimeira bilateral
e para a entrega do Prémio Camões a
Chico Buarque, participasse na sessão
solene comemorativa do 25 de Abril
no Parlamento. Hipótese que foi assu-
mida em público como um facto con-
sumado pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Gomes Cravinho, antes
de ter sido consultada a Assembleia da
República, à qual compete organizar
os festejos. E logo aí o PSD torceu o
nariz, os partidos à sua direita prome-
teram guerra e a busca de uma solução
do tipo ‘do mal o menos’ acabou num
figurino que prevê duas sessões contí-
nuas no dia 25 na Assembleia.
Às 10h haverá uma primeira, de re-
ceção e boas-vindas ao Presidente do
Brasil, onde estará Marcelo Rebelo de
Sousa, mas onde só discursam o pró-
prio Lula e o presidente do Parlamento,
Augusto Santos Silva. E logo a seguir,
pelas 11h30, haverá uma segunda ses-
são, já sem Lula, onde discursam o pre-
sidente do Parlamento, o Presidente da
República e todos os líderes parlamen-
tares, como é costume nos aniversários
da queda do antigo regime.
Questionadas sobre a razão por que
o Presidente brasileiro não fica a as-
sistir à segunda sessão, como Marcelo
tinha sonhado e para a qual foi convi-
dado por Santos Silva, fontes oficiais
limitam-se a sublinhar que “é melhor
assim” para ambos os lados. Porque
ninguém sabe até onde poderia ir a
imaginação dos que, dentro e fora do
Parlamento, estão dispostos a estra-
gar a festa (ver texto ao lado).
avsilva@expresso.impresa.pt
Portugal tenta fazer a ponte
entre Brasil e a Europa
(mas não está fácil)
Eleição de Lula foi vista
como bom sinal para
fechar acordo UE-
-Mercosul, mas hipóteses
de sucesso parecem escassas
Nas últimas semanas, “não
há reunião europeia” onde o
Governo português tenha ido
“em que não esteja em cima da
mesa” o Brasil e a negociação
do acordo do Mercosul. O caso
é bicudo e ocupa a Comissão
Europeia há anos: as negocia-
ções ficaram completamente
paradas durante a presidência
de Bolsonaro, com os temas
ambientais e a Amazónia a
bloquear qualquer conversa. E
houve a “expectativa de que a
eleição” de Lula da Silva conse-
guisse desbloquear um impasse.
A expectativa, contudo, tem
dado lugar ao pessimismo. As
negociações “estão num mo-
mento difícil”, ouve o Expresso
nos meios diplomáticos portu-
gueses, confirmando que na
última semana vários governos
europeus mostraram redobra-
do ceticismo face à visita de
Lula da Silva à China — não
apenas pelas polémicas decla-
rações sobre a guerra na Ucrâ-
nia, mas também pela perceção
de uma aposta do Governo bra-
sileiro numa relação económi-
A visita de ca preferencial com Xi Jinping
Lula a Portugal — que Ursula von der Leyen
começou tem classificado como rival.
mal e as suas Com Lula da Silva a chegar a
declarações, Portugal para uma deslocação
durante a oficial de quatro dias (e vários
visita à China, ministros na bagagem), o Go-
causaram mais verno de António Costa tem
um incómodo — garante fonte governamental
FOTO KEN ISHII/ ao Expresso — “vincado sempre
/POOL/LUSA a ideia de que há uma janela de
oportunidade para estreitar re-
lações comerciais, não só com o
Brasil, mas com o Mercosul. As
Manifestações na
rua e no plenário
Apesar da mudança do discurso de
Lula da Silva sobre a Ucrânia, ao
Problemas em
condenar a violação da integridade
territorial do país, o Chega e a
Iniciativa Liberal (IL) continuam a
casa e polémica
criticar a posição do Presidente
brasileiro e vão assinalar o seu
descontentamento. O partido de
no mundo
Ventura promete a “maior
manifestação de sempre” contra
um chefe de Estado em Portugal, na Gonçalves Dias foi
manhã de terça-feira, em frente da demitido de ministro
Assembleia da República (AR), já os do Gabinete de Segurança
liberais só estarão representados no Institucional por ter
plenário pelo seu líder parlamentar, participado no assalto
que usará um símbolo da Ucrânia na de 8 de janeiro
sessão com o Presidente brasileiro.
“Estamos a ser contactados por O Presidente do Brasil aterra
milhares de pessoas. São em Lisboa com uma baixa no
portugueses, brasileiros e seu Governo, depois de ter de-
ucranianos”, afirma André Ventura mitido, quarta-feira, o general
ao Expresso. E diz que o chefe de Gonçalves Dias, ministro do
Estado brasileiro tentou retratar-se Gabinete de Segurança Insti-
das suas declarações, “mas sem tucional, por participação nos
sucesso”, mostrando a sua ataques de 8 de janeiro contra
conivência com o regime de Putin. as instituições democráticas,
Também Rodrigo Saraiva, líder da em Brasília, comprovada pela
bancada liberal, insiste que Lula análise das imagens das câma-
continua no “lado errado da ras de segurança.
história” em relação à guerra na Com esta demissão, Lula
Ucrânia. “O Presidente brasileiro da Silva confronta-se com um
não se coloca do lado da liberdade, problema de grave quebra de
não sendo aceitável recebê-lo no confiança na cadeia de coman-
Dia da Liberdade na casa da do, que internamente remete
democracia”, reforça. Já o líder do para segundo plano a onda de
PSD diz que não se pode confundir o choque que as suas declarações
posicionamento do Brasil sobre a sobre a guerra da Ucrânia gera-
Ucrânia e a relação com Portugal, ram no mundo ocidental. Até
mas aplaude a “aproximação” porque a aproximação entre
recente de Lula aos que condenam a Brasil e Rússia não começou
agressão à Ucrânia. “Acho que com Lula nos seus primeiros
tivemos a posição mais sensata do mandatos presidenciais.
ponto de vista político-partidário”, A parceria entre Moscovo
diz Montenegro ao Expresso. e Brasília ganhou corpo na
Liliana Coelho e Hélder Gomes última década do século XX,
relações entre Brasília e Lisboa
são classificadas como “muito
boas”, a preparação da visita é
vista como muito produtiva. E
nem as palavras de Lula sobre a
guerra (“que já corrigiu”, ano-
ta-se) fazem qualquer mossa na
relação. “É precisamente pelo
posicionamento da China que
é importante estreitar a relação
comercial com aquele bloco e
não deixar espaço” para outros
desenvolvimentos, argumenta
o Governo português.
As hipóteses de sucesso, no
entanto, parecem mais escas-
sas nesta altura. Na UE há vá-
rios governos muito reticentes
a este tipo de acordos de asso-
ciação (comercial e político). E
há também interesses sempre
muito divergentes sobre onde
Aproximação de Lula
a Xi Jinping e as suas
críticas ao apoio
europeu à Ucrânia
estão na agenda da UE
liberalizar e que sectores eco-
nómicos europeus devem estar
protegidos.
Na segunda-feira, a aproxima-
ção de Lula a Xi Jinping e as crí-
ticas do Presidente brasileiro ao
apoio europeu à Ucrânia deve-
rão ser abordados na reunião de
ministros dos Negócios Estran-
geiros que decorre no Luxem-
burgo. O ministro português,
João Gomes Cravinho, não irá
— fica em Lisboa para acompa-
nhar o Presidente brasileiro —,
mas os restantes colegas pode-
rão abordar o tema. O Brasil
não está formalmente na agen-
da, mas a China está, tal como a
agressão russa à Ucrânia.
quando os Presidentes dos dois
países perceberam que pode-
riam desenvolver uma relação
comercial e estratégica. Celso
Amorim, à data ministro das
Relações Exteriores do Presi-
dente Itamar Franco, visitou
Moscovo em 1994, lançando
as pontes da parceria que,
volvidas três décadas, desen-
cadearia críticas ocidentais às
declarações de Lula.
Gonçalves Dias,
o “escorpião” dentro
do Governo Lula
PRIMEIRO CADERNO 11
Esta semana, a edição euro-
peia do jornal “Politico” dava
conta de um documento de tra-
balho preparativo da reunião,
no qual eram mencionadas “as
preocupações quanto à posição
do Brasil face à guerra russa
na Ucrânia e falta de esforços
do país em matéria climática e
ambiental”.
O socialista Pedro Silva Perei-
ra afasta um impacto negativo
das recentes e polémicas decla-
rações de Lula nas discussões
comerciais. “Não penso que as
declarações do Presidente Lula
sobre a Ucrânia tenham reflexo
nas negociações do Mercosul”,
diz ao Expresso. “O que há é
alguns países que são muito
criativos a arranjar desculpas
para a sua oposição ao acor-
do”, acrescenta. O eurodepu-
tado socialista, que é também
vice-presidente do Parlamento
Europeu e acompanha a comis-
são parlamentar do Comércio
Internacional, considera que
há “vontade política” do lado
brasileiro e que a presidência
de Lula é “uma excelente opor-
tunidade para finalizar este
acordo”.
Num cenário otimista, há
quem ainda acredite que o
acordo de associação — que
envolve a Argentina, o Uruguai
e o Paraguai — poderia ser fe-
chado já durante a presidência
espanhola da UE que decorre
entre julho e o final do ano. A
questão que fica por responder
é se será possível para o Par-
lamento Europeu ratificá-lo
antes das próximas eleições
europeias, na primavera de
2024. O calendário é apertado
e exige vontade política de to-
dos os lados.
David Dinis e Susana Frexes
ddinis@expresso.impresa.pt
Diplomata e militante do
Partido dos Trabalhadores,
Amorim lidera a assessoria es-
pecial do Presidente, depois de
ter sido ministro das Relações
Exteriores de Itamar Franco
(1993-95) e de Lula (2003-10).
Na análise de Renato Lessa,
professor de Filosofia Políti-
ca, a política externa do atual
Executivo tem “a marca de
pensamento de Amorim”. Mas
a estratégia política de se dar
bem com todos os países tem
momentos em que é tudo me-
nos linear. O ex-ministro que
moldou a política externa bra-
sileira nas três últimas décadas
percebeu que o mundo muda-
ra, ainda antes de Lula tomar
posse. “Em 2003, tinha muito
claro o que deveria ser feito
na área internacional. Hoje o
mundo está muito mais com-
plexo. É necessário reconstruir
a multipolaridade, ante duas
potências. Existe uma ameaça
e maior consciência sobre ela:
a das mudanças climáticas”,
disse Amorim em outubro, ao
“Radar Económico”.
Com ou sem influência de
Amorim, Lula fez uma infle-
xão no final do encontro com o
Presidente da Roménia, Klaus
Iohannis, terça-feira, em Bra-
sília: “Ao mesmo tempo que o
meu Governo condena a viola-
ção da integridade territorial
da Ucrânia, defendemos uma
solução política negociada para
o conflito”, disse, lendo o tex-
to preparado pela assessoria
diplomática.
Manuela Goucha Soares
mgoucha@expresso.impresa.pt
12 PRIMEIRO CADERNO
EUTANÁSIA
À quinta será de vez e eutanásia
passa para as mãos do Governo
Apesar do veto, o caminho está aberto para a legalização da eutanásia
Liliana Coelho
Ao fim de três legislaturas, sete
anos, sucessivos avanços e recuos
— com duas declarações de incons-
titucionalidade e dois vetos políti-
cos —, a lei da morte medicamente
assistida tem agora o caminho li-
vre. Sem dúvidas do ponto de vista
constitucional, o Presidente da Re-
pública invocou um problema de
“precisão” para justificar, desta vez,
o veto e não enviar o diploma para
o Tribunal Constitucional (TC). Mas
sabe que não terá alternativa a não
ser a sua promulgação, “obrigado”,
uma vez que o Parlamento decidiu
reconfirmar a votação da lei sem
alterações. “Sem drama”, garan-
tiu, quando questionado pelos jor-
nalistas. Certo é que Marcelo, que
sempre vincou que não decidiria
sobre este assunto em função da
sua condição de católico, pode sem-
pre dizer que só promulgou porque
a Constituição a isso o obriga.
Se até agora os partidos propo-
nentes — PS, IL, BE e PAN — não
quiseram abrir uma guerra com o
chefe de Estado ou o TC, este veto
promete pôr fim ao braço de ferro
entre Belém e o Parlamento quanto
à eutanásia. Há consenso entre os
partidos e a palavra de ordem é
“confirmar” a votação do texto na
Assembleia da República (AR) sem
responder às dúvidas de Marcelo.
Segundo a Constituição, após um
veto, se o diploma for confirmado
com os votos da maioria absoluta
dos deputados, o chefe de Esta-
do tem oito dias para promulgar
o diploma. Não faltará, por isso,
muito para a lei da eutanásia ver a
luz do dia. Mas, aí, começará uma
nova fase: a regulamentação da lei,
de forma a torná-la aplicável. Por
regra, o Governo tem 90 dias para
tratar da regulamentação, e a lei
entrará em vigor um mês depois
de a regulamentação ser publicada,
pelo que há expectativa entre os
partidos de que entre em vigor no
outono. Contudo, há muitas situa-
ções em que o Governo foi além
dos 90 dias para regulamentar. E o
ELEIÇÕES
Duas datas para votar nas europeias
Eleições terão de ser a 9
de junho, um fim de semana
prolongado. Solução para
combater abstenção será
aposta no voto em mobilidade
Votar para o Parlamento Europeu
(PE) a 9 de junho do próximo ano,
permitindo o voto antecipado no do-
mingo anterior, dia 2, surge como a
solução para Portugal de forma a mi-
tigar o efeito que os feriados têm na
subida da abstenção. O impasse nas
negociações da data das europeias
não deixa margem para alternativas.
Segunda-feira, um dia antes do
25 de Abril, devem chegar as más
notícias para Portugal: está mar-
cada uma reunião técnica em Bru-
xelas onde, tudo indica, se confir-
mará que não há datas alternativas
ao 9 de junho. “Todas as opções
que testámos junto de outros Go-
vernos tiveram mais do que um
país a opor-se”, diz ao Expresso o
secretário de Estado dos Assun-
tos Europeus, Tiago Antunes. E a
decisão exige unanimidade. Nas
reuniões que teve com os partidos
“É o Estado de Direito a funcionar”, diz a socialista Isabel Moreira FOTO ANTÓNIO COTRIM/LUSA
decreto regulamentar terá também
de passar por Belém.
PS recusa conflito com Belém
O líder parlamentar do PS foi ta-
xativo: “Este é o momento do Par-
lamento”, disse Eurico Brilhante
Dias, reconhecendo que, ao optar
por um veto político, o chefe de
Estado remeteu ao Parlamento a
decisão sobre o diploma. Isabel
Moreira reafirmou que a lei está
bem redigida e é compreensível,
cabendo ao “médico orientador”
atestar a incapacidade física do
doente para não autoadministrar
o fármaco letal e recorrer à morte
medicamente assistida. “O legis-
lador não tem de se transformar
num hiper-regulamentador, em
que se não disser tudo até à vírgula
a lei não se torna compreensível”,
atirou a deputada socialista, numa
crítica às observações de Marcelo,
num veto que considerou “atípico”.
Mas rejeitou que se possa estar a
abrir um conflito institucional com
no Parlamento, todos levantaram
o problema de as eleições serem
marcadas para 9 de junho, e Tiago
Antunes comprometeu-se a tentar
uma solução com Bruxelas.
Na falta de acordo entre os 27, as
regras ditam que se repita a data
das primeiras eleições para o PE,
que aconteceram entre 7 e 10 de ju-
nho de 1979. Neste caso, e porque a
lei eleitoral europeia determina que
decorram entre uma quinta-feira e
um domingo, o período atualmente
em cima da mesa é 6 a 9 de junho de
2024. É uma má notícia porque em
Portugal há feriado na segunda-fei-
ra seguinte, dia 10 de junho, abrindo
a hipótese de um fim de semana
prolongado para muitos portugue-
ses e a uma possibilidade de elevar
ainda mais a abstenção, numas elei-
ções cada vez menos participadas.
O Governo procura um plano B.
“Ainda não desistimos de procurar
uma data alternativa no calendário
europeu”, garante Tiago Antunes.
Mas, com essa esperança a desva-
necer-se, ganha força um plano B
português para o dia 9 de junho:
Belém: “A Constituição prevê este
equilíbrio. É o Estado de Direito a
funcionar”, observou.
Os restantes partidos proponen-
tes também se atiraram ao chefe
de Estado, com a coordenadora do
Bloco, Catarina Martins, a defen-
der que Marcelo só optou pelo veto
“por perceber que outros caminhos
já não existem” para travar a lei e
com a deputada do PAN a criticar
“manobras dilatórias”. “É altura de
as outras instituições mostrarem
respeito pela AR”, defendeu, por
sua vez, o liberal João Cotrim de
Figueiredo.
Em sentido inverso, PSD e Chega
convergem nas críticas ao Parla-
mento. Uma “pressa quase ofe-
gante”, acusou Luís Montenegro,
PSD insiste no referendo
e Chega lamenta que
Marcelo não tenha voltado
a recorrer ao TC
reforçar os meios para o voto ante-
cipado em mobilidade, de modo a
que todos os que forem para fora a
9 possam, em alternativa, votar no
dia 2 de junho — seja onde for que
estejam. Com o PSD particular-
mente insistente na necessidade de
encontrar soluções, Luís Montene-
gro falou disso à saída da audiência
que teve na terça-feira com Marce-
lo, para já o Governo garante estar
a trabalhar num plano B nacional:
o regulamento europeu permite,
mesmo sendo o calendário oficial
o pior possível, a hipótese de voto
antecipado, de acordo com o pre-
visto na legislação nacional.
Soluções e problemas
É também isso que confirma fonte
oficial do Parlamento Europeu: “É
concebível que os Estados-mem-
bros ofereçam aos seus cidadãos
condições específicas para as elei-
ções europeias, em conformidade
com as leis eleitorais nacionais.”
O que não é de todo possível é ter
uma data oficial diferente da dos
defendendo que ainda há tempo de
levar o diploma a referendo. Com
liberdade de voto nesta matéria, o
deputado André Coelho Lima, um
dos sociais-democratas que votou
sempre a favor da eutanásia, garan-
tiu ao Expresso que mantém a sua
“absoluta convicção” de que a lei
tem condições para avançar. Já An-
dré Ventura lamentou que o PR não
tenha enviado de novo a lei para o
TC, de forma a evitar que entre em
vigor uma “norma com impacto
enorme sem estar juridicamente
validada e protegida”.
Também a vice-presidente da
Associação dos Juristas Católicos
(AJC), Inês Quadros, insiste que
subsistem dúvidas sobre a consti-
tucionalidade da lei, que “agrava
a indeterminação do conceito de
sofrimento”. E lembra que per-
manece aberta a via do pedido de
fiscalização sucessiva da constitu-
cionalidade, podendo tal pedido ser
feito por um décimo dos deputados
da AR, ou seja, 23 deputados.
lpcoelho@expresso.impresa.pt
restantes países europeus. Por
exemplo, só a 2 de junho.
Em São Bento promete-se “olhar
com flexibilidade” para o regime
eleitoral, mas a ideia de pôr o país
a votar na quinta-feira anterior, dia
6, ou mesmo depois de dia 9 como
pediu Montenegro, não é viável (a
segunda por impossibilidade da lei
eleitoral europeia, a primeira por-
que as eleições em Portugal têm de
ser marcadas para um domingo ou
dia feriado).
Outra via possível é estudar uma
massificação dos meios disponíveis
para o voto em mobilidade no dia 9
de junho, o que permitiria votar no
local das suas (curtas) férias. Como
as europeias têm círculo nacional
e não local ou distrital, é indife-
rente o local onde cada um vive. O
problema nesse caso é como des-
carregar os eleitores nos cadernos
eleitorais: um problema que não
existiria caso os cadernos estives-
sem inteiramente digitalizados e
em rede. Há um ano para resolver.
David Dinis e Susana Frexes
ddinis@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
Gente
Protocolo em stresse Foi uma
azáfama na Ajuda na noite de dia
12. Era noite de jantar em honra
do Presidente da Letónia e eis que
aparece o líder do PSD. Montene-
gro não tinha respondido ao con-
vite e só é posto lugar à mesa para
quem confirma que vai, pelo que
assim que se deram conta da sua
presença, os serviços de protoco-
lo entraram em modo ‘resolução
de crise’ e, enquanto ainda decor-
riam os cumprimentos, trataram
de acrescentar pratos e talheres e
alterar lugares à mesa. É que, ainda
por cima, o presidente do PSD não
podia ficar num lugar qualquer:
o protocolo de Estado garante ao
líder do maior partido da oposição
o oitavo lugar nas precedências, an-
tes, por exemplo, da procuradora-
-geral da República ou do chefe de
Estado-Maior das Forças Armadas.
Os presidentes dos outros partidos
só aparecem no 16º lugar na lista de
protocolo. Até na oposição, há que
respeitar hierarquias.
O líder da oposição e depu-
tado Ventura Passados uns dias,
foram os serviços da Presidência
a acentuar a diferença entre o lí-
der do PSD e presidentes de ou-
tros partidos. A nota de agenda da
reunião entre Marcelo e Montene-
gro anunciava “Audiência ao líder
da oposição, Luís Montenegro”.
Já a audiência ao líder do Chega
anunciava “Audiência ao deputado
André Ventura”. Não há só hierar-
quia na oposição. Pelos vistos, tam-
bém há filhos e enjeitados.
Semiótica da gravata Na polí-
tica tudo conta e a cor da gravata
pode ser uma mensagem política.
Ou pode não dizer nada: era só a
que estava em melhores condições
e mais à mão. Gente ainda tentou,
mas não conseguiu decifrar bem a
mensagem de André Ventura que,
numa das intervenções logo a se-
guir à clarificação feita por Luís
Montenegro (ver pág. 8), fez ques-
tão de usar gravata laranja.
Fumo branco O Pavilhão Car-
los Lopes, em Lisboa, enchia-se de
figuras e figurões socialistas esta
quarta-feira para celebrar os 50
anos do PS quando, no topo do pa-
vilhão, uma máquina de luzes re-
bentou em fumo branco. Habemus
sucessor? Era, uma vez mais, falso
alarme. Fernando Medina entra-
ria no pavilhão pouco depois, mas
terá sido pura coincidência. Pedro
Nuno Santos faltou à festa, que ti-
nha como lema “um futuro com
história”. História há muita, apesar
de só dois dos cinco ex-líderes vivos
terem marcado presença, mas o
rosto do futuro para já continua a
ser o mesmo dos últimos oito anos.
Ombro amigo
DÚVIDAS Não é tanto a letra:
“somos como somos” e “a vida
é como é” não deixa margem
para grandes teorizações.
Gente ficou com dúvidas foi
sobre o que levou Ana Rita
Cavaco a protagonizar, como
par romântico, o videoclipe do
camarada e deputado-cantor
Luís Gomez. Amizade? Simpatia
partidária? Gosto musical? Como
se escrevia nas redes, é como se
tivesse acontecido algo que nos
escapou a todos. E agora é tarde
para perguntar. FOTO D.R.
Expresso, 21 de abril de 2023
SO CIEDADE JUSTIÇA
Operação Marquês Defesa ganhou tempo para reclamar e recorrer. Prescrição começa em 2024
Sócrates já não será julgado
por crimes de falsificação
Textos Rui Gustavo
J
Foto Ana Baião
osé Sócrates não será
julgado pelos crimes
de falsificação de do-
cumentos de que foi
pronunciado pelo juiz
Ivo Rosa. É esta a con-
sequência inevitável
de um acórdão do
Tribunal da Relação
de Lisboa que deu uma (rara) vitória
judicial ao ex-primeiro-ministro e lhe
concedeu três meses para arguir nuli-
dades e irregularidades da decisão ins-
trutória de Ivo Rosa — e mais 120 dias
para um eventual recurso. “Os crimes
de falsificação já eram”, desabafa um
magistrado, sob anonimato.
O principal arguido da Operação
Marquês foi pronunciado por três cri-
mes de falsificação de documentos.
Um está relacionado com a casa de
Paris, onde viveu depois de ter deixado
Portugal e a liderança do PS. O Minis-
tério Público (MP) diz que foi feito um
contrato de arrendamento falso com
Carlos Santos Silva para esconder o
verdadeiro proprietário do imóvel:
Sócrates.
Os outros dois crimes de falsifica-
ção estão relacionados com contratos
que o MP diz terem sido forjados com
o professor de Direito Domingos Fa-
rinho, suspeito de ser o verdadeiro
autor da tese de doutoramento do
ex-chefe do Governo, e com Antó-
nio Costa Peixoto, autor do blogue
“Câmara Corporativa”, usado para
atacar os adversários e críticos do ex-
-PM. Além destes, Sócrates foi ainda
acusado de três crimes de branquea-
mento, que não estão em risco de
prescrição.
Segundo as contas de Pedro Correia,
o atual juiz de instrução do que resta
da Operação Marquês, os crimes de
falsificação relacionados com o apar-
tamento de Paris prescrevem em 2024
e os outros logo no início de 2025. “É
impossível ter uma decisão de primei-
ra instância até lá”, desabafa outra
fonte judicial.
Para já, tanto José Sócrates como
Carlos Santos Silva têm três meses
para arguir nulidades da decisão ins-
trutória de Ivo Rosa. Depois, o juiz
Pedro Correia terá de as apreciar e
decidir. “Só a decisão instrutória tem
quase sete mil páginas e serão preci-
sos uns três meses para a ler”, diz o
mesmo magistrado que não quer ser
identificado. O juiz de instrução, que
também vai decidir o futuro próximo
dos arguidos do caso BES, terá de ler
os documentos apresentados pela de-
fesa dos dois arguidos antes de tomar
qualquer decisão. Ou seja, na melhor
das hipóteses, haverá um veredicto no
final deste ano de 2023.
Só que, depois disso, os arguidos
ainda terão mais quatro meses para
recorrer caso não concordem com
a decisão de Pedro Correia. Para os
crimes não prescreverem, segundo
uma fonte judicial, teria de haver uma
condenação do tribunal de primeira
instância até meio de 2025, o que,
segundo várias fontes ouvidas pelo
Expresso, será impossível.
E, por outro lado, o processo em
que José Sócrates foi pronunciado
por Ivo Rosa corre o risco de nunca
vir a ser julgado. Em abril de 2021,
este juiz de instrução reduziu a acusa-
ção do MP a pó, mas deixou algumas
pedras no sapato de José Sócrates e
Carlos Santos Silva. Segundo o des-
pacho instrutório, o empresário da
Covilhã já não era o testa de ferro de
Sócrates — como defendia a acusação
—, mas sim o corruptor para um ato
“não determinado”. Tanto os arguidos
como o MP entenderam que esta era
uma alteração substancial dos factos
com a qual não foram confrontados
nem puderam defender-se. Mas não
foi esse o entendimento do juiz, para
quem não houve alteração de factos
que possa ser considerada substancial.
Se o juiz Pedro Correia der razão aos
arguidos e ao MP, “o processo morre
imediatamente”, considera Pedro De-
lille, advogado de Sócrates. “No limite,
poderá também reabrir a fase de ins-
trução para nos pronunciarmos, e volta
tudo à estaca zero.” Por outro lado, se
Pedro Correia concordar com Ivo Rosa,
os arguidos ainda têm mais quatro
meses para recorrer e será a Relação a
decidir se Sócrates será ou não julgado
pelos crimes de que foi pronunciado.
Mas será esse o fim dos problemas do
ex-PM com a justiça? Não.
O recurso
No mesmo dia em que decidiu pro-
nunciar o ex-PM pelos crimes de
PELAS CONTAS
DO JUIZ PEDRO
CORREIA, OS CRIMES
DE FALSIFICAÇÃO
IMPUTADOS AO EX-PM
ESTÃO PRESTES A CAIR
POR PRESCRIÇÃO
falsificação e branqueamento, Ivo
Rosa absolveu-o de vários crimes de
corrupção e fraude fiscal. O MP recor-
reu desta decisão de não pronúncia
e o Tribunal da Relação de Lisboa
ainda não tomou a sua decisão. Se o
MP ganhar o recurso, Sócrates ainda
poderá ser julgado por estes crimes.
Esse recurso está parado porque o
ex-PM tem apresentado pedidos de
recusa dos juízes sucessivos, porque a
lei que obriga a que todos os membros
do coletivo sejam sorteados não está
a ser posta em prática por falta de
regulamentação.
A decisão de Ivo Rosa já tem mais
de dois anos e o que se previa ser um
processo rápido acabou por se arras-
tar durante este tempo até à inevitável
prescrição de parte dos crimes pelos
quais Sócrates foi pronunciado.
Nos processos de Armando Vara e
Ricardo Salgado a justiça andou de-
pressa e condenou o antigo ministro
e o ex-presidente do grupo BES a pe-
nas de prisão efetiva. Mas, no caso do
ex-PM, um conflito entre Ivo Rosa e a
juíza Margarida Alves sobre a titulari-
dade do processo arrastou-se durante
oito meses.
Com base nesta decisão da Relação, a
defesa de Sócrates está a ponderar pe-
dir a extinção das medidas de coação
a que o arguido está sujeito no âmbito
do processo que resultou da pronúncia
de Ivo Rosa. Todas as sextas-feiras Só-
crates tem de se apresentar num posto
da GNR, porque a juíza entende que
há perigo de fuga. O ex-PM desloca-se
com frequência ao Brasil e entende
que não tem de o comunicar ao tribu-
nal, apesar de estar sujeito ao termo de
identidade e residência. “Recorremos
dessa decisão há 10 meses e ainda não
há uma decisão”, critica Pedro Delille.
rgustavo@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 13
Na instrução, caíram 25
dos 31 crimes de que
Sócrates foi acusado. Três
estão prestes a prescrever
NOVE ANOS DE MARQUÊS
PRISÃO ANUNCIADA
José Sócrates é preso a 21 de
novembro de 2014 na manga do
avião que o transportou de Paris até
Lisboa. O ex-PM já tinha sido
informado pelo seu então
advogado, João Araújo (já falecido),
que seria detido quando aterrasse.
O PRESO 44
Depois de três dias de
interrogatório, Sócrates vai para
prisão preventiva por decisão de
Carlos Alexandre. É a primeira vez
que um ex-primeiro-ministro fica
preso. Vai para Évora, onde estão
polícias caídos em desgraça, como o
cabo Costa, condenado pelo
homicídio de três adolescentes.
LIBERDADE RECUSADA
A 8 de junho de 2015, Sócrates
recusa ir para casa com pulseira
eletrónica. Há de ir para prisão
domiciliária, mas vigiado por um
agente da PSP que passa a ficar à
porta de um apartamento em
Lisboa. A privação de liberdade
durou dez meses e este período terá
de ser descontado numa eventual
pena de prisão efetiva.
ACUSAÇÃO TARDOU
Depois de queimar vários prazos
dados pela então PGR, levando a
que Joana Marques Vidal ameaçasse
tirar-lhe o processo, o procurador
Rosário Teixeira concluiu a
acusação em outubro de 2017, quase
três anos depois da detenção.
A LONGA INSTRUÇÃO
O juiz Ivo Rosa, sorteado para fazer
a instrução, demora mais de três
anos a analisar a acusação do MP e
desbarata-a quase por completo. Os
crimes relacionados com a OPA à PT
desaparecem. A acusação é partida
em vários processos e o número de
crimes cai drasticamente.
PRIMEIRAS CONDENAÇÕES
Armando Vara é condenado a dois
anos de prisão em julho de 2021,
escassos três meses depois da
decisão instrutória de Ivo Rosa.
Ricardo Salgado é condenado a seis
anos em março de 2022.
14 PRIMEIRO CADERNO
ASSÉDIO
Faculdades investigam pelo menos 17 casos
Lisboa concentra mais queixas. No Porto, 20 investigadores acusam catedrática de assédio moral e sexual
Isabel Leiria
e Joana Pereira Bastos
Além do caso de Boaventura
Sousa Santos e Bruno Sena
Martins, investigadores do Cen-
tro de Estudos Sociais (CES)
da Universidade de Coimbra
suspensos na semana passada
por suspeitas de assédio, há
pelo menos 17 outros proces-
sos de inquérito atualmente a
decorrerem nas universidades
públicas por denúncias de assé-
dio moral e/ou sexual, apurou
o Expresso junto das institui-
ções. Do total de processos nes-
te momento em instrução, três
correm nas Universidades do
Algarve, Coimbra e Madeira,
seis na Universidade do Porto e
oito na Universidade de Lisboa.
A queixa mais grave foi apre-
sentada há um ano por 20 in-
vestigadores e estudantes de
doutoramento do Laboratório
de Farmacognosia da Faculda-
de de Farmácia da Universida-
de do Porto contra uma profes-
sora catedrática “por assédio
moral, sexual e discriminação”.
A “inação” da instituição “pe-
rante sucessivas denúncias de
assédio e perseguição” apre-
sentadas ao longo de anos le-
vou os queixosos a formalizar,
em março de 2022, uma de-
núncia à Autoridade para as
Condições do Trabalho (ACT).
“Clima de terror”
Na denúncia, a que o Expresso
teve acesso, acusam a respon-
sável, entre outras coisas, de
“utilização constante de insul-
tos e linguagem escatológica”,
assédio a doutorandas pelas
roupas que usavam, caracte-
rizando-as como “osgas” ou
“prostitutas colombianas”, “co-
mentários de natureza sexual”
a investigadores e estudantes
do sexo masculino, referindo-
-se, por exemplo, como “cin-
derela” ou “florzinha” aos que
julgava serem homossexuais,
e perseguição, com ameaça de
represálias académicas e até
ameaças físicas, “com compor-
tamentos violentos de projeção
de objetos” ou “levantar a mão”
com intenção de agredir.
Miguel Lemos Professor da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa
“As pessoas
não se sentem
confortáveis
para denunciar”
Há um ano, Miguel Lemos pro-
pôs a criação de um canal de
denúncias de assédio na Fa-
culdade de Direito de Lisboa
(FDUL). Foram recebidas 50,
relativas a 31 professores —
sete concentravam metade das
queixas. Mas nada aconteceu,
além de um processo discipli-
nar que o próprio teve de en-
frentar, entretanto arquivado.
P Na sequência das queixas
recebidas há um ano, o Con-
selho Pedagógico enviou um
relatório para ao Ministério
Investigadores da Faculdade de Farmácia do Porto denunciaram coordenadora do laboratório por assédio sexual e moral
Dias antes desta denúncia,
a catedrática em causa tinha
já sido suspensa preventiva-
mente por ter deitado ácido
nítrico sobre dois colegas. Na
altura, alegou que se tratara
de um acidente e acabou por
ser condenada pela universi-
dade a uma suspensão de 180
Investigadores
descrevem “clima de
terror” e assédio sexual
por catedrática da
Universidade do Porto
dias por negligência e desres-
peito pelas regras de seguran-
ça. A pena termina este mês e
a professora, que entretanto
enfrenta um segundo proces-
so motivado pelas queixas de
assédio apresentadas pelo
grupo de 20 investigadores,
prepara-se para regressar ao
Público, mas tudo foi arquivado
por serem denúncias anóni-
mas. Que estímulo dá isto às
pessoas para denunciar casos?
R Quando começaram a sur-
gir relatos internos sobre tais
comportamentos, foi necessá-
rio compreender a dimensão
do problema. O objetivo desse
canal era apenas identificar a
existência de práticas de assé-
dio moral e sexual na FDUL.
Atendendo à forma como foi
construído, com base no ano-
nimato e para fins estatísticos,
não seria de esperar outro re-
laboratório e voltar a dar aulas
já em maio.
Ao Expresso, três investiga-
dores que pediram o anonima-
to descrevem o “clima de ter-
ror” vivido durante anos neste
centro de investigação. “As hu-
milhações eram permanentes.
Passava horas aos gritos, a cha-
mar-nos burras, vacas, avantes-
mas e muitos outros nomes. Só
parava quando chorávamos”,
relata uma das investigadoras.
Os comentários de natureza
sexual eram igualmente mui-
to frequentes, incluindo pedir
a bolseiras que descrevessem
como estavam vestidos os cole-
gas do sexo masculino e o “chu-
maço” que se notava nas calças
e até pedir a investigadores que
enviassem fotografias da sua
roupa interior.
O Expresso contactou a pro-
fessora em causa, que recusou
comentar o processo pelo facto
de o mesmo ainda se encontrar
em curso e ser confidencial. Pe-
sultado. Nunca pretendeu ser
um mecanismo de ‘denúncias’
com consequências para os ale-
gados autores. Para isso, foi na
altura proposta a elaboração de
um manual de boas práticas e
de um procedimento específico
para denunciar atos de assédio.
P A direção acabou por criar
um e-mail para denúncias, mas
a história repetiu-se. As três
que originaram processos de
inquérito foram arquivados
por prescrição dos casos. Os
professores denunciados con-
tinuaram a dar aulas?
R Não conheço, com detalhe,
as decisões da FDUL nessa ma-
téria. Ao contrário do que en-
tão propus, nunca se optou por
divulgar o número de queixas,
em que fase de tramitação se
encontravam, nem tão pouco
as consequências das mesmas.
E esta informação é muitíssi-
mo relevante, mais que não
seja para transmitir às vítimas
que algo está a ser feito pela
instituição e que existem mais
casos semelhantes e escrutínio
público.
P Se as denúncias são geral-
mente anónimas, porque as
vítimas têm medo e os agres-
sores irão sempre negar as acu-
rante a denúncia, a ACT reme-
teu o caso para a Inspeção-Geral
de Educação e Ciência (IGEC)
já em janeiro deste ano, não
sem antes multar a Faculdade
de Farmácia da Universidade
do Porto por não dispor de um
código de conduta para a pre-
venção e combate ao assédio,
obrigatório por lei desde 2017.
Ainda que a queixa apresen-
tada à ACT refira explicitamen-
te “assédio sexual”, na comu-
nicação feita à IGEC o caso é
classificado apenas como “as-
sédio laboral”. E a IGEC não
atuou, por considerar que a
faculdade tem competência
e autonomia para conduzir o
processo de inquérito, que ain-
da está em curso.
Apesar dos vários processos
que estão atualmente a correr
nas universidades, o Ministério
da Ciência e Ensino Superior
e a IGEC referem não ter re-
cebido nos últimos três anos
qualquer denúncia de assédio
sações, como se garante a efi-
cácia de canais de denúncias?
R Num Estado de direito a de-
núncia nunca pode ser anónima
e o acusado tem todo o direito
de saber quem o acusa. Portan-
to, uma forma de isto funcionar
é o aglomerar de queixas, que
permita identificar um padrão
de comportamento e em que
as vítimas percebem que não
estão sozinhas. Foi o que acon-
teceu no Centro de Estudos
Sociais (CES) de Coimbra e,
no caso da FDUL, foi a chave
para a existência de um pro-
cesso disciplinar contra o prof.
Guilherme Oliveira Martins,
de cujo comportamento [envio
de mensagens pelo Facebook,
durante a noite] um grupo de
O ASSÉDIO
NA ACADEMIA
É UM PROBLEMA
SISTÉMICO
E COMPLEXO
Expresso, 21 de abril de 2023
sobre os factos subjacentes à
prática de assédio, necessárias
para sustentar ação em tribunal
e/ou queixa fundamentada ao
Ministério Público. E inúmeras
vezes as pessoas queixosas es-
tão reticentes em tornar o caso
público dentro da instituição,
pois a apresentação de queixa
formal implica a notificação de
todos os visados e são muitos os
docentes e investigadores que
têm receio de que a exposição
pública dos casos se traduza em
novas retaliações”, explicam ao
Expresso o presidente do sin-
dicato, José Moreira, e Romeu
Videira, da direção.
Por outro lado, quando é pe-
dida a intervenção do sindicato,
do lado das instituições há ge-
ralmente uma “resistência no
reconhecimento de práticas de
assédio e também muita passi-
vidade na implementação de
medidas para evitar o assédio e
para tratar convenientemente
FOTO RUI DUARTE SILVA
as situações denunciadas”, cri-
ticam os dirigentes do Snesup.
Há um ano foi notícia o caso
da Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Lisboa (FDUL),
que recebeu no canal de de-
núncias criado para o efeito 50
queixas de assédio e discrimi-
nação visando 31 professores
sexual, estando neste momento — sete dos quais concentravam
a ser feito um levantamento mais de metade dos relatos.
sobre casos de assédio moral. Em entrevista ao Expresso,
Já o Sindicato Nacional do En- Miguel Lemos, professor da
sino Superior (Snesup) recebeu FDUL que deu a cara pelo com-
nos últimos três anos cerca de bate ao assédio na instituição,
uma centena e meia de denún- considera que o problema “é
cias oriundas de universidades sistémico” no meio académico
públicas e privadas, a maioria e que nada mudará se não hou-
ver “uma resposta robusta das
instituições”. Neste momento
Várias instituições as vítimas continuam a não se
ainda não têm um sentir confortáveis para denun-
código de conduta para ciar, garante.
Segundo as respostas envia-
prevenção do assédio, das ao Expresso pelas próprias
obrigatório por lei universidades, várias ainda
não dispõem de um código de
conduta específico para a pre-
relativa a assédio moral. Mas só venção e combate ao assédio e
uma percentagem “muito redu- só agora estão a trabalhar na
zida destes casos chega a tribu- criação de canais para receção
nal ou ao Ministério Público”, de denúncias. A direção do ISC-
informa o sindicato, apresen- TE, por exemplo, decidiu esta
tando dois motivos para justifi- semana realizar uma formação
car esta “lamentável realidade”. dirigida a todos os professores
“Existe uma grande dificulda- e funcionários.
de em reunir provas concretas ileiria@expresso.impresa.pt
alunas se queixou. Ainda assim, R Não. Como não mudou o da
a consequência, segundo o que FDUL no ano passado. Ajuda
se soube pela comunicação so- à perceção que existe um pro-
cial, foi apenas uma chamada
de atenção ao professor e um
pedido de desculpa às alunas.
blema sistémico e complexo,
para o qual concorrem vários
fatores, como as dinâmicas as-
simétricas de poder dentro da
P Na sequência das suas inter- Academia. É evidente que as
venções, acabou por ser alvo pessoas que tenham a pulsão
de um processo disciplinar. O de praticar tais atos terão ago-
que também não ajuda outras ra maior cuidado. Sem uma
pessoas a denunciar. resposta robusta das institui-
R O meu processo mostrou à ções de ensino, isso só dificul-
faculdade que quando alguém tará ainda mais a investigação
levanta um problema face a ou- e punição dos autores.
trem que tem poder, a resposta
da escola é prejudicar essa pes- P O que mais deve ser feito
soa. Essa mensagem passou de para que o assédio seja cada
forma muito clara aos alunos. vez menos comum?
Por isso, não aceito que se diga R A resposta não pode ficar
“não há casos porque não há apenas ao nível da autorregu-
queixas”. Não há casos porque lação de cada instituição. Já
as pessoas não se sentem con- ficou demonstrado que não
fortáveis para denunciar. chega. É preciso que o Regime
Jurídicos das Instituições de
P Relatou pressões sobre a
direção da Associação Acadé-
Ensino Superior, ou legisla-
ção especificamente aprovada
mica para não se “discutirem
certos assuntos em público”,
para o efeito, contemple estas
questões e que trate estas rela-
mas isso foi contestado. Man-
tém o que disse?
ções de poder muito típicas da
Academia. Além disso, tem de
R Reitero tudo o que consta da
minha defesa, das pressões à
haver uma fiscalização exter-
na, porque há instituições que
adulteração de atas. nem sequer cumprem a lei e
os regulamentos internos no
P O caso do CES de Coimbra que diz respeito à investigação
pode vir a mudar alguma coisa? destes casos. I.L.
Expresso, 21 de abril de 2023 PRIMEIRO CADERNO 15

Em matéria de química, a liderança faz-se de sustentabilidade.

Somos a empresa #1 da Indústria química em Portugal,
e renovámos o posicionamento Platina no ranking Mundial da Ecovadis.
Uma conquista de hoje a pensar nas matérias do amanhã,
incluindo o tratamento de águas e produção de energias verdes.
16 PRIMEIRO CADERNO
ABUSOS. IGREJA CRIA
LINHA PARA VÍTIMAS
APOIO O novo grupo de acom-
panhamento às vítimas de abu-
sos sexuais na Igreja, liderado
pela psicóloga Rute Agulhas,
vai dispor de uma linha de aten-
dimento, de condições para o
contacto e acompanhamento
pessoal e terá “a autonomia
necessária” para “assegurar o
necessário apoio e a possível re-
cuperação dos danos por estas
sofridos”, revelou esta semana
o bispo José Ornelas, presiden-
te da Conferência Episcopal
Portuguesa. Esta linha telefóni-
ca era também um dos pilares
da entretanto extinta Comissão
Independente.
CRIME
Os abusos do guru que o budismo não viu
Vítimas portuguesas de abusos cometidos por líder de comunidade budista estão “destruídas”
Textos Hugo Franco
Ilustração João Carlos
Santos
Vítimas e ex-discípulos portu-
gueses do guru belga Robert
Spatz apontam o dedo aos di-
rigentes e à própria comunida-
de budista por terem fechado
os olhos às suspeitas de abuso
físico e sexual sobre menores
cometidos pelo ‘mestre’ num
mosteiro em Portugal.
“Desde 1997 que toda a gen-
te do mundo budista tinha co-
nhecimento das suspeitas que
recaíam sobre Spatz, depois
da sua prisão na Bélgica e das
buscas da PJ no Algarve. E,
nos anos seguintes, as vítimas
foram revelando pormenores
sobre alguns dos seus crimes
hediondos. É impossível que
a União Budista Portuguesa
(UBP) nada soubesse. Mas nun-
ca fizeram nada para apurar a
verdade, nem sequer falaram
com as vítimas ou abriram qual-
quer investigação interna. De-
les só tivemos o silêncio”, acusa
Ricardo Mendes, líder da OKC
Info — associação de vítimas
do belga que liderou o grupo
de inspiração tibetana Ogyen
Kunzang Chöling (OKC) naque-
le país, em França, Espanha e
Portugal, e que foi condenado
em 2020 por um tribunal de
Bruxelas a cinco anos de prisão
com pena suspensa.
As críticas são corroboradas
por Madalena (nome fictício),
de 70 anos, uma das suas ex-
-discípulas mais antigas. “Para
todos nós, Spatz era quase divi-
no. Trabalhávamos horas a fio
sem receber nada, apenas pela
fé. Mas fui percebendo como
nos manipulava, aos adultos e
às crianças. Da rigidez exces-
siva passou aos abusos físicos,
psicológicos e sexuais. Como
uma seita.”
Dois dos filhos de Madalena
foram alvo de punições “horro-
rosas” do “venerável lama Kun-
zang Dorje”, como gostava de
ser chamado. “Foram obriga-
dos a caminhar no gelo, ficaram
fechados em quartos escuros
com ratos, levavam com paus
nas pernas.” A portuguesa con-
seguiu fugir com as crianças,
mas hoje vive com o remorso
de as ter submetido àquelas
“sessões de tortura”. O mais
velho conseguiu recuperar dos
traumas, o mais novo “ficou des-
construído e dificilmente será
recuperável”. Hoje continua a
ser budista, mas não perdoa os
seus principais responsáveis em
Portugal por terem “ocultado”
estes crimes. “Estas vítimas
deviam ter apoio psicológico,
serem indemnizadas pelo Esta-
do português e receberem pelo
AVISO O presidente do Instituto de Medicina Tropical aler-
tou esta semana para a possibilidade de ocorrerem surtos
epidémicos de dengue e zika em Portugal, e apelou aos pro-
fissionais de saúde para que não confundam eventuais casos
com gripe. Este aviso de Filomeno Fortes surge depois de, no
início do mês, a OMS ter pedido mais vigilância no continente
europeu. FOTO GETTY IMAGES
Robert Spatz foi condenado pela Justiça belga a cinco anos de prisão com pena suspensa
menos uma palavra de afeto da
União Budista Portuguesa.”
Budistas defendem-se
Um dos fundadores da OKC
em Portugal, que pediu para
não ser identificado, era um
dos homens mais próximos de
Robert Spatz e seguiu-o por
toda a parte durante o seu pe-
ríodo áureo e também já de-
pois das primeiras investiga-
ções policiais.
Ao Expresso confessou que
nunca quis acreditar na versão
“Fui percebendo como
nos manipulava. Da
rigidez excessiva passou
aos abusos físicos e
sexuais”, acusa vítima
das vítimas. Até que, em 2009,
o seu mundo “desabou” quan-
do a própria filha lhe revelou
que tinha sido abusada sexual-
mente pelo belga quando era
ainda menor de idade. No final
dos anos 90, Robert Spatz ti-
nha-a levado para o seu reti-
ro situado a dois quilómetros
do mosteiro na serra algarvia,
onde era obrigada a mastur-
bá-lo. “O ascendente de Spatz
sobre nós era tão grande que a
minha filha temeu que eu não
acreditasse nela.”
Hoje, diz-se arrependido de ter
ajudado a construir um grupo
religioso liderado por um pedó-
filo. Mas tenta explicar por que
razão os líderes budistas portu-
gueses nada fizeram na altura:
“Para nós era absolutamente
inimaginável que houvesse algu-
ma verdade nisso. Todo o nosso
mundo girava à volta de Spatz.”
‘CAMPANHA’ CONTRA
MÉDICA DO ALGARVE
SANIDADE Diana Pereira, a mé-
dica que denunciou 11 casos
de negligência no hospital de
Faro, queixa-se de uma cam-
panha para a descredibilizar
por insanidade, por ter sofri-
do um esgotamento a meio da
licenciatura. “Sim, é público,
tive um burnout, mas a minha
capacidade não ficou afetada”,
garante a médica. “Quando se
soube que tinha feito a queixa
na Judiciária ligaram a um co-
lega meu a dizer que iam pedir
o meu internamento compulsi-
vo”, denuncia. Esta semana foi
ouvida no âmbito do inquérito
interno aberto.
O belga viajava com frequên-
cia para o templo algarvio onde
no final dos anos 90 tinha trans-
ferido 25 crianças de outro local
deste culto budista situado nos
Alpes franceses. E onde ficaram
isoladas do resto do mundo. En-
tre elas encontrava-se Isabel
(nome fictício) que viajou para
o Algarve aos 12 anos. “Éra-
mos pendurados pelos pulsos e
amarravam a corda a um cabo
para nos mantermos acordados
nas orações.” As festas regadas
a álcool “até cair” eram constan-
tes. “Eles chegavam a passear as
crianças em coma alcoólico em
tratores.” E durante um ano, tal
como outras raparigas do mos-
teiro, foi obrigada a masturbar o
‘mestre’ que lhe dizia que aquela
era a cura para as suas constan-
tes enxaquecas.
Isabel garante que conseguiu
superar o trauma. “Agora sou
827
mil são os cuidadores
informais existentes em
Portugal, mas mais de
metade (51,1%) não recebem
apoio, 85% não beneficiam
do estatuto e 93,5% não
usufruem do serviço de
descanso previsto no
estatuto, conclui um
inquérito da Escola Nacional
de Saúde Pública. “São
pessoas que, enquanto
cuidam de quem está doente,
estão elas próprias em
sofrimento físico e
psicológico”, sublinha a
investigadora Ana Escoval
mãe, adotei uma criança e estou
muito bem resolvida, ao contrá-
rio da maioria das vítimas.”
Nas buscas da PJ ao templo
algarvio, em 1997, foram en-
contrados filmes pornográficos.
Um ex-inspetor que participou
naquela operação ainda hoje
suspeita que os membros da
OKC foram alertados antes da
chegada da polícia. “Não havia
quase provas nenhumas. E só lá
restavam umas poucas crianças.
Tinha sido tudo limpo.” O MP
acabou por arquivar tudo e não
houve arguidos.
UBP garante que
“não tem conhecimento
de abusos físicos
e sexuais na
comunidade budista”
Expresso, 21 de abril de 2023
GREVE DA PJ LIMITA
COMBATE AO TRÁFICO
OPERAÇÕES A greve ao trabalho
suplementar dos inspetores da
Polícia Judiciária iniciada a 1 de
abril está afetar o trabalho do
dia a dia naquela instituição,
principalmente a realização de
grandes operações, como as
de combate ao tráfico interna-
cional de estupefacientes, que
têm sido adiadas ou estão limi-
tadas por falta de inspetores
disponíveis. Também as escutas
telefónicas não têm sido atuali-
zadas com a frequência normal,
garantem fontes daquela polí-
cia. A adesão está a ser “bastan-
te elevada”, chegando aos 95%
em alguns casos, diz o sindicato.
CRONOLOGIA
INÍCIO DA OKC
O belga Robert Spatz fundou
a OKC, grupo de inspiração
tibetana, em 1972. Construiu
templos naquele país,
nos Alpes franceses, em
Espanha e na serra algarvia.
VISITAS AO ALGARVE
No final dos anos 90, os
jovens que viviam no mosteiro
Humkara Dzong eram
visitados por Spatz.
INVESTIGAÇÃO
Spatz foi investigado a partir
de 1997 em Bruxelas, Paris,
Madrid e em Lisboa. Foi detido
duas vezes em França por
factos ocorridos nos anos
70 e 80. Saiu em liberdade.
ACUSAÇÕES DE ABUSOS
Em 2015, Ricardo Mendes
reuniu ex-discípulos de Spatz
de várias nacionalidades,
que denunciaram os abusos.
CONDENAÇÃO NA BÉLGICA
Em 2016, Spatz foi condenado
em Bruxelas a uma pena
suspensa de quatro anos
de prisão por abuso sexual,
sequestro de menores e
branqueamento. Em 2020,
o tribunal de apelação de Liège
condenou-o a cinco anos
de prisão, com pena suspensa,
por alguns destes crimes.
INQUÉRITO EM FRANÇA
Em 2021, o MP francês abriu
uma investigação a um educador
da OKC, depois de receber
oito queixas de vítimas.
Paulo Borges, presidente da
União Budista Portuguesa entre
2002 e 2014, garante que nunca
recebeu qualquer denúncia de
abusos: “Só tomei contacto com
essa questão por via de notícias
na internet, entre 2012 e 2013,
acerca do processo e julgamen-
to em curso na Bélgica. Isso
coincidiu com a cessação das
minhas funções na UBP.” Já esta
associação refere que “não tem
conhecimento de abusos físicos
e sexuais que tenham ocorri-
do na comunidade budista em
Portugal até à data”. E quanto à
OKC em Portugal “foi excluída
da UBP em 2015, da qual não
temos mais informação”.
O Expresso enviou pergun-
tas aos três últimos advogados
de Robert Spatz. Até ao fecho
da edição não obteve qualquer
resposta.
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
AMBIENTE
70% dos solos estão degradados
Em junho sairá uma diretiva europeia para proteger esta fonte de vida, tão importante como o ar e a água
A degradação dos solos é uma das
“fronteiras planetárias” ultrapassadas
com consequências para o bem-estar
humano FOTO GETTY IMAGES
Carla Tomás
Numa mão-cheia de terra es-
cura podem estar milhares de
bactérias e fungos. A sua pre-
sença significa um ecossistema
vivo, solos saudáveis por onde
a chuva se pode infiltrar para
alimentar aquíferos, produzir
alimentos, armazenar carbo-
no, criar resiliência climática e
gerar biodiversidade. Porém, a
má gestão de solos, a poluição,
a agricultura superintensiva, a
urbanização excessiva e a ero-
são acentuada pelas alterações
climáticas tornaram 60 a 70%
dos solos europeus “não saudá-
veis”, segundo dados da Missão
Solo, financiada pelo progra-
ma Horizonte Europa da União
Europeia. E Portugal não foge
a esta realidade, segundo vá-
rios especialistas contactados
pelo Expresso.
Por cá, ainda não há dados
sobre quantos solos vão deixar
de ser produtivos ou de regular
os ciclos da água e de carbono
devido a esta degradação, mas
sabe-se que “cerca de 60% têm
pouca matéria orgânica e que
se perdem 20 toneladas de solo
por hectare por ano”, esclarece
Teresa Pinto Correia, investiga-
dora da Universidade de Évora.
INCÊNDIOS
Nos últimos 40
anos, só em dois
houve tanto calor
Com temperaturas
anómalas para a época
aumenta o risco de fogos
rurais, mas ainda não
há dados sobre o verão
A geógrafa ligada à Missão
Solo — movimento que lançou
esta terça-feira um manifes-
to de apelo a ações urgentes
para garantir a saúde deste
recurso — sublinha que o solo
suporta serviços do ecossiste-
ma fundamentais para toda a
sociedade, como a captação e
fixação de CO2, e é o principal
ativo da exploração agrícola
e por isso devia ser tido em
conta na hierarquia de valo-
res desta atividade, o que nem
sempre acontece. Sobretudo,
diz, “quando temos agricultu-
ra superintensiva gerida por
fundos de investimento, como
acontece no Alentejo, assente
num modelo de negócio que
tem acesso a terra e água bara-
ta, extrai o produto do negócio,
degrada os solos e vai embora”.
Lei na gaveta há oito anos
Segundo os especialistas, es-
tamos a reduzir, e muito, a
capacidade de autossubsistên-
cia. E “não existe informação
sistematizada sobre o total de
monoculturas intensivas e os
seus impactes ambientais acu-
mulados”, alerta Carlos Alexan-
dre, presidente da Sociedade
Portuguesa da Ciência do Solo.
Nem existe legislação que im-
Não há dados suficientes para
dizer que “o verão de 2023
vai ser mais complicado” do
que o do ano anterior — como
anunciou o ministro da Ad-
ministração Interna esta se-
mana — mas parece certo que
os avisos de risco elevado de
peça isto. Em 2015, o Ministério
do Ambiente apresentou uma
lei (ProSolos — elaborada pela
Agência Portuguesa do Am-
biente), que ficou na gaveta. A
situação deverá mudar quando
a Comissão Europeia aprovar
uma nova diretiva — Lei dos So-
los Saudáveis em 2023 — cuja
proposta será apresentada em
junho. Ambientalistas, especia-
listas e movimentos como o
Save Soil esperam uma lei “am-
biciosa e progressista”, dando a
este recurso natural o mesmo
estatuto de proteção que têm a
água e o ar, a nível comunitário.
“Nas políticas do Plano Estra-
tégico [português] da Política
Agrícola Comum 2023-2027, o
solo é completamente despre-
zado”, critica Mário de Carva-
lho, especialista em agricultura
de conservação, da Universi-
dade de Évora. O investigador
lamenta que os agricultores
nacionais não tenham acesso a
conhecimento para aplicarem
na proteção do solo, e expli-
ca que em Portugal o risco de
erosão do solo e de perda de
nutrientes é potenciado pela
menor produção de biomas-
sa e de retenção de carbono
associada à forma como mobi-
lizamos o solo, à desmineraliza-
ção e às elevadas temperaturas.
incêndio rural podem voltar a
soar até final de abril, sobre-
tudo no sul, centro e interior
do país. Assim é, segundo o
climatologista Carlos Câma-
ra, porque “há um anticiclone
estacionado sobre o Atlânti-
co que faz com que tenhamos
estas temperaturas elevadas
mais uns 10 dias, com uma ou
outra interrupção com chuva”.
Porém, o efeito da precipi-
tação que se prevê para este
sábado, por exemplo, “será
praticamente nulo devido às
elevadas temperaturas” que
fazem evaporar rapidamente
a água do solo, esclarece ao
Expresso o investigador do Ins-
E com as alterações climáticas
já em marcha “para as mitigar”
há que “aumentar a matéria
orgânica do solo para poder
sequestrar e armazenar o CO2
e permitir que a água se infiltre
no solo” e evitar enxurradas.
Um instrumento importan-
te para salvaguardar o solo é
manter as áreas de Reserva
Agrícola Nacional (RAN — que
proíbe construção em solos
potencialmente produtivos).
O solo deve ter
o mesmo estatuto
de proteção que
têm a água e o ar,
a nível comunitário
Porém, “os autarcas não que-
rem estes impedimentos à
expansão urbana e aos lucros
que geram para os municí-
pios”, frisa Mário Carvalho.
E os melhores solos já estão
debaixo de cidades, sobretudo
na área de Lisboa.
“O país não tem grandes bol-
sas de bons solos com apetên-
cia agrícola”, já que os melho-
res já estão urbanizados, daí a
importância de salvaguardar
as áreas de RAN, reforça a
tituto Dom Luiz, da Faculdade
de Ciências de Lisboa.
As temperaturas têm sido
“anómalas” para a época:
“Podemos dizer que nos últi-
mos 40 anos só se registaram
duas vezes valores tão eleva-
dos como os desta semana”,
com os termómetros a chegar
aos 30 graus Celsius. Já mar-
ço se tinha classificado como
“quente em relação à tempe-
ratura do ar e seco em rela-
ção à precipitação”, segundo
o Instituto Português do Mar
e da Atmosfera (IPMA). Aliás,
no final do mês passado, me-
tade do continente português
estava em situação de seca,
geógrafa Maria José Roxo. A
investigadora da Universidade
Nova reitera que “as políticas
de proteção do solo têm sido
quase inexistentes” e que não
há a noção de quantos hectares
de RAN já foram desanexados
ao longo dos anos, tal como
não se conhecem os impactos
ambientais cumulativos da ocu-
pação de solos com agricultura
intensiva ou com centrais foto-
voltaicas, por exemplo.
O problema, frisa, é que
“nunca houve uma abordagem
sistémica da relação entre estas
atividades, o clima, o solo e a
biodiversidade”. E esclarece:
“Solos incultos ou com matos
continuam a captar carbono e
a favorecer a biodiversidade e a
prestar outros serviços de ecos-
sistemas e isto tem de entrar na
cabeça das pessoas.” Ignorar é
esquecer que “a última fase do
processo de degradação dos
solos chama-se desertificação”
e que “recuperar é muito mais
moroso e oneroso do que pre-
servar”. Em média, “um cen-
tímetro de solo leva 100 anos
a ser formado”, explica Carlos
Alexandre, “o que significa que
a sua degradação resulta numa
perda irremediável para as ge-
rações atuais”.
ctomas@expresso.impresa.pt
com 24,4% em seca moderada
ou severa.
A chuva que caiu no inverno,
ou a que vai cair em breve, rapi-
damente se evaporará. “O índi-
ce de secura do solo é elevado,
estando no percentil 90-95%”,
indica o investigador. A sobrepo-
sição destas variáveis — elevadas
temperaturas, situação de seca e
existência de combustíveis finos
— obrigam a “cautela nos com-
portamentos e a um estado de
sobreaviso” das forças no terre-
no, adverte o climatologista que
tem colaborado nos relatórios
relacionados com os incêndios.
E acrescenta: “A única forma de
enfrentar esta situação é gerir
PRIMEIRO CADERNO 17
NÚMEROS
100
anos é quanto leva um
centímetro de solo a formar-
-se com todos os nutrientes,
de forma a ser saudável e
exercer as suas capacidades
ecossistémicas
1/4
dos solos agrícolas estão
erodidos, compactados,
sofrem de salinização e
perdem carbono; e 2/3 estão
em risco de eutrofização,
o que afeta a água,
a produção de alimentos
e a biodiversidade
25%
da terra no Sul da Europa
estão em risco elevado de
desertificação. Um solo seco,
erodido e impermeabilizado
não absorve água e causa
cheias e enxurradas em caso
de chuvas intensas
2,8
milhões de locais na UE
estão potencialmente
contaminados, com riscos
para a saúde pública
€50
mil milhões são os custos
anuais associados à
degradação dos solos na UE
84%
das pastagens portuguesas
são pobres
a biomassa, limpando os terre-
nos e usando fogo controlado,
e tornando a paisagem menos
contínua; e alterar os hábitos
de uso do fogo da população”.
Recorde-se que o “uso negligen-
te do fogo”, fazendo queimas e
queimadas ou usando maquina-
ria que pode provocar faísca no
meio rural, é responsável por
grande parte das ignições.
Não há dados meteorológicos
fiáveis para mais de dez dias,
mas os modelos físico-matemá-
ticos em cenários de alterações
climáticas apontam para que os
dias com risco mais elevado de
incêndio possam duplicar em
meados do século. C.T.
18 PRIMEIRO CADERNO
ACIDENTES
Há cinco regras para andar de
paddle. Pouca gente as conhece
Qualquer pessoa pode comprar uma prancha de paddle e ir para o mar.
Associação critica pouca divulgação das normas de segurança
Marta Gonçalves
Era fim de tarde de sábado,
uma brisa forte fazia sen-
tir-se na praia do Coelho,
em Monte Gordo. Érica, 17
anos, entrou no mar sem
colete, telemóvel e com
pouca experiência em cima
da prancha de paddle; o
vento soprava a perto de 20
nós e isso afastá-la-ia dra-
maticamente do local sem
que conseguisse regressar
a terra. Esteve desapareci-
da e foi encontrada e res-
gatada 20 horas depois, a
40 quilómetros da costa.
Para Érica, não terá sido
óbvio que entrou no mar
em condições totalmente
desaconselhadas pelas au-
toridades: o vento estava
demasiado forte, não tinha
o equipamento de proteção
necessário ou sequer forma
de comunicar com alguém
(ver regras em baixo).
“Se as regras forem cum-
pridas, algumas coisas não
acontecem. As pessoas que
vão praticar o desporto
deviam informar-se, mas
as pessoas não conhecem.
Defendemos há muito tem-
po que, quando alguém vai
comprar o equipamento,
deveria receber uma bro-
chura com as regras de se-
gurança”, diz ao Expresso
Jorge Branco, presidente
da Associação de Stand Up
Paddleboarding Portugal
(ASUPP). Recusa comentar
o caso em particular, mas
deixa críticas à falta de di-
vulgação das regras para
uma prática segura.
A regulamentação é pu-
blicada em edital e define
as normas para a prática de
desportos náuticos ao longo
de toda a costa portuguesa
— há exceções para os pra-
ticantes reconhecidos como
profissionais ou atletas de
alto rendimento. Em res-
posta ao Expresso, a Auto-
ridade Marítima Nacional
(AMN) explica que cabe ao
capitão de cada porto pu-
blicar esse documento com
“um conjunto de orienta-
ções, informações e deter-
minações”, incluindo “ins-
truções e condicionantes”
das atividades desportivas
e recreativas. “É um impor-
tante instrumento regula-
O QUE DIZEM OS EDITAIS?
VENTO
A prática de paddle está
interdita quando a força do
vento é superior a 16 nós
(quando ultrapassa a F4 da
escala de Beaufort, que
classifica a intensidade até
F10), ou seja, deve limitar-se
até à “brisa moderada”,
quando a ondulação não é
superior a um metro e, em
terra, há apenas poeiras e
pequenos papéis
levantados ou os galhos de
árvores caídos se movem.
As capitanias definem a obrigatoriedade do uso de colete salva-vidas na prática de paddle FOTO GETTY IMAGES
dor do espaço de jurisdição
da capitania, sendo publi-
cado em ‘Diário da Repú-
blica’ e disponibilizado para
consulta, em versão digital,
no portal da Capitania e, fi-
sicamente, nas respetivas
capitanias”, refere fonte ofi-
cial da AMN.
No entanto, aponta Jorge
Branco, quando os aciden-
tes acontecem, são várias
“O paddle é mais
apelativo. Ninguém
sai para o mar numa
prancha de surf sem
ter tido uma aula”,
diz Jorge Branco
as vezes em que os envol-
vidos alegam desconhecer
as regras. “Na parte sobre
a segurança, a lei está mui-
to bem feita, porque evita
as coisas que podem ser de
maior risco. O uso do cole-
te salva-vidas é obrigatório
e a primeira coisa que as
pessoas acidentadas dizem
é que não sabiam. Aliás, o
LUZ
No passado sábado, quando
a jovem de 17 anos entrou
no mar algarvio para fazer
paddle, o sol pôs-se pelas
20h14. Segundo os editais, a
prática de paddle deve
apenas acontecer durante o
dia e ser concluída, no
máximo, uma hora antes do
final do dia. Naquele final
de tarde, seria até às 19h14,
e o alerta foi dado pelos
pais da menor por volta das
20h.
marketing das empresas
que vendem os equipamen-
tos para a prática mostram
as pessoas a fazerem paddle
só de biquíni ou calções de
banho e não é assim”, insis-
te o presidente da ASUPP,
fundada há 13 anos e uma
das participantes na elabo-
ração do primeiro edital e
na definição de regras para
a prática. Sobre o stand up
paddle, os editais publica-
dos pelas capitanias defi-
nem cinco regras e “tudo o
que vá para lá do que está
previsto nestes documen-
tos necessita de um pedido
de autorização” às mesmas,
sublinha Jorge Branco.
O corpo é uma vela
No stand up paddle o uso
de colete salva-vidas, assim
como do leash (a corda que
deixa a prancha atrelada à
pessoa pelo tornozelo) são
de uso obrigatório. “O cole-
te é até uma questão de bom
senso, com todo o respeito
que se tem de ter pelas alte-
rações do estado do tempo
podem, que ocorrer a qual-
MAR
A prática de paddle “não
pode ser exercida mais de
300 metros da borda de
água”. Para lá deste limite já
é considerada zona de
navegação. Desportos
como o windsurf ou
kitesurf, por exemplo, só
podem ser praticados para
lá desses 300 metros.
quer momento”, vinca Jor-
ge Branco. “Se se vai andar
de canoa, as pessoas vestem
um colete e, no entanto, es-
tão dentro da canoa e senta-
das. Estar de pé em cima de
uma prancha é mais perigo-
so, porque é que não usam
colete”, questiona.
Mas esta regra não é apli-
cável a outros desportos
náuticos com prancha, no-
meadamente o surf. A expli-
cação está no facto de o pad-
dle se fazer para lá da zona
de rebentação e de o surf
precisar da força das ondas
para ser praticado. “Se fa-
lamos de um desporto de
deslize impulsionado pela
onda só se pode vir parar à
terra”, refere Jorge Branco.
“Numa prancha de padd-
le, um corpo em pé tem o
efeito de vela [de barco] e a
pessoa é levada pelo vento.”
Outro problema apontado
pela ASUPP é a facilidade
com que se compram ou
alugam pranchas de padd-
le. A Autoridade Marítima
Nacional obriga os opera-
dores turísticos e recomen-
darem aos praticantes que
EQUIPAMENTO
A prática de paddle “implica
o uso obrigatório de colete
salva-vidas e leash”, pode
ler-se no edital. Além do
colete que faz com o corpo
flutue quando cai à água,
todos os praticantes devem
usar uma corda ligada à
prancha presa ao tornozelo.
Esta é uma regra que
apenas é obrigatória para
quem faz paddle e que não
se aplica a outros desportos
como surf ou windsurf.
tenham sempre “seguros
que cubram danos próprios
e de terceiros”.
“O paddle é mais apelati-
vo porque é aparentemente
mais fácil. É uma experiên-
cia em que ao fim de uma
ou duas horas a pessoa já
rema. Claro que o que está a
fazer não é perfeito, mas já
está a tirar proveito e a di-
vertir-se. Os equipamentos
são relativamente baratos,
é tudo apelativo. Ninguém
sai para o mar em cima de
uma prancha de surf sem
ter tido uma aula”, diz Jorge
Branco. “Bom senso temos
pouco, regras temos, mas
não são conhecidas e este
é um cocktail perfeito para
acidentes”, critica.
Érica esteve quase um dia
desaparecida. Foi encon-
trada e recebeu cuidados
médicos. A capacidade de
resistência surpreendeu
os médicos. “Foi uma he-
roína”, disseram. Quando
acontecem incidentes como
o desta jovem, o final da his-
tória muitas vezes não é o
mesmo, nem sempre é feliz.
mpgoncalves@expresso.impresa.pt
COMUNICAÇÃO
Outra das recomendações
publicadas em edital é a de
levar para o mar um
sistema de “comunicações
móveis em condições de
comunicar com o 112” ou
com a capitania da área em
que se pratica o desporto. O
objetivo desta medida é
que, em caso de acidente, o
praticante consiga pedir
ajuda. M.G.
Expresso, 21 de abril de 2023
O FUTURO
DO FUTURO
Não há bots
maus.
Para já
Podem não ter a pretensão
de ir para o céu, mas mais
tarde ou mais cedo vão ter
de ser dotados de módulos
de ética que evitem a maldade
Um segundo basta para uma in-
teligência artificial (IA) descobrir
a solução para o fim do mundo.
“Uma IA de alto nível rapidamen-
te descobre que os humanos são
a causa da atual crise ecológica e
pode chegar à conclusão que é me-
lhor eliminá-los”, admite Alípio
Jorge, professor da Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto
(FCUP).
Nas tecnologias, o “baixo nível”
pode limitar-se a ligar ou desligar
componentes, enquanto o “alto
nível” remete para ações mais abs-
tratas e mais próximas das lógicas
humanas. Os grandes modelos
linguísticos (GPT), que suportam
o ChatGPT, figuram no segundo
grupo. Apesar da polémica, não
se lhes conhecia mau fundo — até
o ChaosGPT irromper pela web,
criado por um anónimo, com a
missão de aprender a fazer bom-
bas atómicas. Da experiência não
saíram mais que tweets ameaça-
dores e um pedido de ajuda ao
ChatGPT, que deu uma nega.
O mundo não acabou, mas o
gérmen da maldade é já incontor-
nável. “Os militares têm interes-
se nestes sistemas para explorar
vulnerabilidades dos inimigos.
Imaginemos esta tecnologia a
desenvolver estratégia... a certa
altura pode tornar-se perigosa”,
avisa Rui Lopes, líder da empresa
Agentifai.
Os bots criados pela Agentifai
operam de forma “determinís-
tica”, com respostas definidas à
partida, mas os GPT não são de-
terminísticos — e dão respostas
diferentes à mesma questão, con-
soante o treino. Rui Lopes admite
que esta aprendizagem justifica
“módulos éticos” que supervisio-
nam decisões, mas recorda que
também faz falta “regulação”.
Alípio Jorge dá dois exemplos
reais: um desastre aéreo da Ger-
man Wings por ação suicida do pi-
loto; e a queda de aviões da Boeing
devido a ações automatizadas que
impediram a intervenção dos pi-
lotos. O primeiro caso teria sido
evitado com IA; o segundo confir-
ma que “é necessário o escrutínio
da IA”.
Um bot treinado com dietas para
diabéticos, possivelmente, propõe
receitas de bolos com adoçante.
Mas se for treinado por pessoas
de uma só cor pode não identificar
outras raças — e tornar-se racista.
“Se aprender com interações com
humanos, há o risco de o sistema
alterar a rota ética inicial”, pre-
vê Paulo Castro, investigador do
Centro de Filosofia das Ciências
da Universidade de Lisboa.
A lógica da criatura que reflete o
criador pode embalar o bot para a
margem contrária da bondade — é
uma hipótese a ter em conta, uma
vez que há resultados da IA que
são insondáveis, admitem Alípio
Jorge e Rui Lopes. Nesse ponto,
não há diferença para os huma-
nos. “Ninguém sabe como é que
a consciência deriva do cérebro”,
recorda Paulo Castro. “Discernir
bem e mal subentende uma cons-
ciência que permite autoavalia-
ção, enquanto agente ético.” É a
consciência que leva Alípio Jorge
a definir uma fronteira: “Estes
sistemas têm de ser antropocên-
tricos.” Acreditemos que os bots
estão de acordo.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023 PRIMEIRO CADERNO 19
20 PRIMEIRO CADERNO
“O corte alivia a
dor, depois vem o
arrependimento”
Há cada vez mais jovens com comportamentos
autolesivos, para acalmar crises de ansiedade, tristeza
e frustração. Um estudo indica que os adolescentes
do 8º ano são os que mais se lesionam. As redes sociais,
em particular o TikTok, poderão criar mimetização
Texto Bernardo Mendonça e Joana Ascensão Infografia Sofia Miguel Rosa
D
iana (nome fictício) tinha
tido um dia cheio, com ami-
gos, pouco depois do seu 16º
aniversário. Não consegue
explicar porque aconteceu.
Sabe que a dezena de mi-
nutos que passou sozinha
em casa foi suficiente para
ter uma crise de ansiedade.
Quando o pai a encontrou na casa de
banho, havia sangue no chão. Diana só
chorava, soluçava, tinha vomitado. Os
braços e as coxas estavam em ferida,
dos cortes que havia infligido a si mes-
ma. Desesperado, o pai pegou na filha,
embrulhou-a numa toalha e esperou que
ela se acalmasse. Ele e a mãe pergunta-
ram-lhe porque se tinha magoado assim.
“Eu não conseguia explicar.”
É na primeira pessoa que Diana, hoje
com 17 anos, relata o episódio vivido em
março do ano passado. Foi a primeira
vez que os pais foram confrontados com
a situação, que sabiam acontecer com a
filha há pelo menos três anos. Decidiram
que apenas no dia seguinte iriam à ur-
gência do Hospital de Vila Nova de Gaia
e Espinho. E, lá, Diana esperou “quatro
a cinco horas” com uma pulseira verde,
afirma a jovem. O caso foi resolvido
com umas ligaduras e uma transferên-
cia para a Psiquiatria do Hospital de
São João, no Porto, onde já era seguida
pela diretora do Serviço de Psiquiatria
da Infância e Adolescência, Maria do
Carmo Santos. Quando meses antes a
adolescente lhe entrara no consultório
já trazia no corpo alguns anos de auto-
lesões. Diana “tinha ideação suicida”,
descreve a pedopsiquiatra. “Desde os
8 anos que a jovem se arranhava para
lidar com a frustração. Aos 13 começou
a fazer cortes nas pernas e nos braços
como estratégia de autorregulação dos
momentos em que se sentia ansiosa ou
triste.” A primeira vez que o fez foi nos
pulsos. Mas, para os pais não se aper-
ceberem, passou a cortar-se nas coxas,
sempre com uma tesoura ou uma gilete.
“Toda a dor que temos cá dentro vai
para aquela parte específica do corpo.
Então, deixamos completamente de
sentir dor. É um alívio de dois segundos.
Depois vem o arrependimento. São mar-
cas no meu corpo para sempre.”
Casos como este são cada vez mais
frequentes. O estudo “Health Behaviour
in School-aged Children”, publicado no
final do ano passado, constatou que um
em cada quatro adolescentes portugue-
ses (24,8%) se tinha ferido de propósito
pelo menos uma vez no ano anterior.
A percentagem aumentou face a 2018,
quatro anos antes, altura em que a pro-
Expresso, 21 de
SAÚDE MENTAL
INVESTIGAÇÃO
JOVENS QUE REFEREM TER realidade a crianças cada vez mais no-
TIDO COMPORTAMENTOS vas, que não teriam esta ideia sozinhas.
AUTOLESIVOS Assim, aquelas que estão em sofrimento
Pelo menos uma vez no último ano, em %; psicológico olham para estes exemplos
apenas 8º e 10º anos (4055 alunos) e acabam por replicá-los, em vez de
8º ANO arranjarem estratégias saudáveis para
27,3% gerir o sofrimento”, argumenta a in-
10º ANO vestigadora. “Porquê este aumento no
22,2% 8º ano? Porque os jovens passam a ter
TOTAL mais autonomia e liberdade na utiliza-
24,6% Os adolescentes do 8º ção das redes sociais. Por outro lado,
ano foram os que mais estes foram os jovens que entraram na
se autolesionaram adolescência em pandemia. Isso pode
ter afetado o seu bem-estar e justificar
AUMENTO a utilização massiva das redes sociais.”
DE COMPORTAMENTOS A mesma opinião tem a pedopsiquiatra
AUTOLESIVOS Ana Prata, que observa um aumento de
Pelo menos uma vez no último ano, em %; casos de jovens que se ferem de propó-
apenas 8º e 10º anos (4055 alunos)
sito e que lhe chegam às consultas no
Hospital de Setúbal e nas urgências da
25 24,6% Estefânia, em Lisboa. “Uma das razões é
19,6% o contágio pelas redes sociais e mimetis-
20 mo entre pares. Mas, atenção: não é por
haver amigos que se cortam que alguém
15 passa a imitar. Tem de haver fragilidade
e sofrimento emocional associado.” E
10 aponta outras pistas para explicar estes
comportamentos, que indiciam o risco
5 de suicídio: a privação de atividades des-
portivas e coletivas durante a pandemia
0 e o regresso às aulas presenciais têm
2018 2022 contribuído para estados de ansiedade
graves. “Temos miúdos muito aflitos com
ZONAS DO CORPO ONDE OS o rendimento escolar, porque a exigência
JOVENS MAIS SE AUTOLESIONAM aumentou com o fim da pandemia.” A
Respostas dos 894 alunos que referiram ter-se
magoado de propósito; apenas 8º e 10º anos
médica alerta para a falta de literacia
emocional da sociedade, que não capa-
cita os jovens para lidar com as emoções
BRAÇOS
negativas e positivas de forma mais sau-
69,5%
dável. “Dou como exemplo a expressão
PERNAS
artística, o movimento corporal e, claro,
32%
o diálogo, a disponibilidade de escuta e
BARRIGA
a relação construtiva, em oposição ao
12,4%
isolamento que muitos jovens vivem.”
OUTRO SÍTIO
O pedopsiquiatra Pedro Pires acres-
3,9%
centa que a crise económica das famílias
pode estar a contribuir para o problema:
FONTE: “HBSC” — ‘A SAÚDE DOS ADOLESCENTES “As famílias estão mais desapoiadas, há
PORTUGUESES EM CONTEXTO DE PANDEMIA’ (2022) instabilidade emocional nos pais, e os
jovens sentem dificuldade em ter mode-
porção não chegava a um em cada cinco los de referência. São jovens que passam
jovens (19,6%). Segundo dados mais muito tempo sozinhos, entregues a eles
detalhados partilhados em exclusivo próprios e às redes sociais.”
com o Expresso, é no 8º ano de escola-
ridade, aos 13 e 14 anos, que mais ado- SEIS MESES SEM CORTES
lescentes admitem ter-se autolesionado
(27,3%) — e fazem-no sobretudo nos Foi a meio de uma discussão com a mãe
braços (69,5%). Aquele que começou que Laura (nome fictício), de 14 anos,
por ser um comportamento associado arregaçou as mangas da camisa e reve- Na foto principal, Laura, de 14 anos, mostra as dezenas de cicatrizes finas no
a doenças mentais específicas, como a lou pela primeira vez o ‘código de bar- de ‘código de barras’, a revelarem os cortes autoinfligidos com facas, às escon
anorexia, “tem ganho uma dimensão ras’ que escondia no braço esquerdo. acalmar a tristeza, frustração e dor interior. Numa fase mais crítica tentou o
mais social”, testemunha Tânia Gaspar, Eram dezenas de marcas finas, entre de comprimidos. No TikTok encontrou jovens que passaram pelo mesmo e qu
psicóloga e responsável pelo estudo em cicatrizes antigas e cortes recentes. Há Acompanhada por uma pedopsiquiatra, há seis meses que não se corta. Na im
Portugal. “As redes sociais expõem esta muito que Laura vivia deprimida no de 17 anos, começou a cortar-se aos 13, nas pernas, braços e coxas, com tesou
e abril de 2023
quarto, distante dos colegas e da família.
Na origem desta tristeza estaria uma
dor incapacitante no ouvido, que surgia
sem aviso, e o facto de ninguém à volta
acreditar nela. Os colegas e professores
chamavam-lhe “mentirosa”, punham-na
de lado. A própria mãe chegou a julgar
serem desculpas para faltar à escola,
até se descobrir que a dor vinha de uma
compressão no nervo junto ao ouvido.
Laura passou a cortar-se durante
meses em segredo para acalmar o de-
sespero de se sentir incompreendida.
“É desgastante chegarmos ao ponto de
preferimos a dor física à psicológica. A
dor focava-se noutro sítio, não era cá
dentro, era cá fora”, explica a jovem.
Ana, a mãe, escondeu as facas da cozi-
nha e pediu ajuda a um psiquiatra. “Fi-
quei vigilante.” Até que, meses depois,
uma tentativa de suicídio com uma dose
excessiva da medicação SOS prescrita
pelo médico levou Laura de urgência
para a Pediatria do Hospital de San-
tiago do Cacém. Desesperada, a mãe
pediu aos médicos que internassem a
filha, mas eles recusaram. “Não esta-
FOTO RUI OLIVEIRA
ria suficientemente descompensada
para reunir condições de internamento.
Senti-me desapoiada pelo SNS, sem di-
nheiro para pagar o internamento num
privado. Ganho o ordenado mínimo e só
com esta minha filha tenho gasto entre
braço esquerdo, como uma espécie 200 a 250 euros em medicação.” Laura
ndidas dos pais, como estratégia para ficou aos cuidados da mãe em casa. E,
suicídio tomando uma dose excessiva meses depois, voltou a reincidir duas ve-
ue a ajudaram a superar o problema. zes, usando facas e lâminas de barbear.
magem mais pequena, Diana, As consultas regulares com a pedopsi-
uras e lâminas quiatra Ana Prata, o diálogo com a mãe
e um novo relacionamento amoroso
terão sido determinantes para Laura es-
tabilizar. Há seis meses que não se corta.
As redes sociais ajudaram-na também
nessa superação. “Já vi jovens a gabar-
-se de cortes no TikTok, mas também
vi raparigas a revelarem as cicatrizes e
a dizerem como ultrapassaram o pro-
blema. Pensei: ‘Se elas conseguiram,
também consigo.’ E agora sinto orgulho
por superar algo tão difícil que se tornou
um vício.” Ana Prata, que acompanha
este caso há dois anos, alerta para o uso
que os jovens estão a fazer da app “I Am
Sober” [Eu estou sóbrio], desenhada
para pessoas alcoólicas, para superar
comportamentos autolesivos, contando
o número de dias sem se cortar.
Maria do Carmo Santos, a pedopsi-
quiatra do Hospital de São João, diz
que este fenómeno crescente acontece
sobretudo em raparigas, “embora haja
cada vez mais rapazes a fazê-lo, algo
que não era habitual”. É o caso de João,
chamemos-lhe assim, de 16 anos, bom
aluno, no 10º ano, praticante de ténis
e taekwondo. Os sinais de que algo não
estaria bem começaram quando pas-
sou a estar sorumbático e com notas
desastrosas. Um dia, o pai entrou na
casa de banho e ficou aterrorizado com
os braços do filho em chagas. A barriga
idem. Só depois de uma consulta com o
pediatra Mário Cordeiro se soube que
uns colegas o tentavam deitar abaixo
por “ser bom aluno e atrair as miúdas”,
relata o médico. Aproveitaram a festa
de Carnaval e, com umas bebidas pelo
meio, incitaram-no a jogar strippocker e
NÚMEROS
1
em cada 5 adolescentes (21%) confessa
sentir-se nervoso quase todos os dias
e mais de metade dos inquiridos
(55,7%) diz senti-lo mais do que uma
vez por semana, segundo o estudo
“Health Behaviour in School-aged
Children”, realizado em vários países
da Europa de quatro em quatro anos
87,9%
dos jovens dizem que a matéria da
escola é demasiada. Também quase
9 em cada 10 denunciam que é
aborrecida (87,4%). Aproximadamente
1 em cada 8 considera que a matéria é
muito difícil (82,1%) e que o momento
de avaliação lhe causa stresse (83,1%)
PRIMEIRO CADERNO 21
FOTO NUNO BOTELHO
partilharam fotos dele despido nas redes
sociais. “João não suportou a dor psico-
lógica. O corte com lâmina, passados
os milissegundos de dor fina, trazia-lhe
bem-estar. Eram as endorfinas cerebrais
[as hormonas do prazer] a apaziguá-
-lo.” Mário Cordeiro passou o caso a
um psicólogo da sua confiança e João
superou o problema. “Estas situações
numa idade tão jovem são extremamen-
te destrutivas, é a fase das inseguranças,
das dúvidas, da descoberta da sexualida-
de e do corpo.” É também a conhecida
“fase do armário”, há um afastamento
da família, das referências de sempre, e
uma aproximação ao grupo de amigos à
procura de novas referências.
“Estão mais desprotegidos e curiosos”,
refere Maria Ribeiro, psicóloga no Agru-
pamento de Escolas de Vallis Longus,
em Valongo, que tem notado ali um au-
mento dos casos de automutilação mas
sente-se sem condições para atuar junto
dos adolescentes. “Nós deveríamos tra-
balhar em grupo a gestão das emoções,
mas não há tempo. Falta psicologia clíni-
ca nos centros de saúde e consultas mais
baratas fora do SNS.” Frequentemente,
“depois de chegar à urgência, um jovem
só é atendido passados seis meses pela
Pedopsiquiatria, quando a lei manda ser
no máximo em dois”, denuncia Tânia
Gaspar, que recorda os tempos em que
“o professor Daniel Sampaio estava à
frente da consulta de suicídio no Hos-
pital de Santa Maria e atendia jovens
em risco no próprio dia. Nestes casos, a
resposta tem de ser imediata.”
bmendonca@expresso.impresa.pt
22 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO TURISMO
Êxito A solidariedade é o principal ingrediente destes restaurantes, que nasceram para apoiar
pessoas com dificuldades de integração no mercado de trabalho. E boa parte são autossustentáveis
Restaurantes com causas.
A inclusão servida à mesa
Textos Ana Maria Fonseca
P
Foto Nuno Fox
or serem refugiados,
sem-abrigo ou apre-
sentarem dificuldades
intelectuais encontra-
ram barreiras à inte-
gração no mercado
de trabalho. Para con-
trariar esta situação,
vários restaurantes
assumiram a inclusão como bandeira
e deram a possibilidade a centenas de
pessoas para encontrarem uma opor-
tunidade de brilhar na cozinha ou na
sala. Os formandos tornaram-se es-
senciais à operação e exemplo de que
a solidariedade pode trazer benefícios
para todos. “90% dos clientes não fa-
zem ideia de que isto é um restauran-
te solidário. Vêm pela comida e pelo
ambiente”, assegura José Agostinho,
gerente do É Um Restaurante. Aberto
desde 2019, em Lisboa, e vencedor do
Prémio Nacional do Turismo, na cate-
goria de Turismo Inclusivo, já formou
cerca de 150 pessoas em situação de
vulnerabilidade, que neste espaço en-
contram formação, trabalho e, sobre-
tudo, uma oportunidade de voltarem
a integrar-se na sociedade, com apoio
da associação Crescer.
Antes de abraçarem funções trans-
versais, da cozinha à sala, os cola-
boradores frequentam um mês de
formação na Escola de Hotelaria e
Turismo de Lisboa, a que se seguem
seis meses de aprendizagem no res-
taurante. O foco “é também formar
socialmente: organizar a vida, res-
peitar horários, a equipa, trabalhar
sob pressão”, explica José Agostinho,
acrescentando que ajudam as pessoas
a candidatar-se a empregos em dife-
PRÉMIO NACIONAL
DE TURISMO
O Expresso e o BPI, em
parceria com o Turismo
de Portugal e a Deloitte,
promovem pelo quarto
ano consecutivo o Prémio
Nacional de Turismo
(PNT), uma iniciativa para
promover, incentivar
e distinguir as melhores
empresas, práticas
e projetos do sector.
rentes sectores, embora a “maioria
siga esta área, em especial a cozinha”.
No Porto, desde 2006 que a insti-
tuição de solidariedade SAOM já
apoiou cerca de 300 pessoas no pro-
cesso de capacitação pessoal, social
e profissio nal através do Torreão,
um elegante restaurante com um
amplo terraço sobre o Douro. “Ensi-
nar tarefas mecânicas, como tirar as
espinhas a um peixe, é fácil. Difícil é
trabalhar a parte emocional e social,
de comunicação e contacto humano”,
assegura Luísa Neves, coordenadora
do projeto, cujo objetivo é apoiar pes-
soas com dificuldade de integração
devido a uma trajetória de toxico-
dependência, violência doméstica,
pobreza crónica ou deficiência inte-
lectual. A formação contempla um
estágio curricular, “que muitas vezes
é um passaporte para entrar no mer-
cado de trabalho”, detalha. A respon-
sável tem notado um aumento nos
pedidos de colaboradores, embora
isso não seja sinónimo de emprega-
bilidade: “Nem sempre as entidades
patronais são sensíveis ao continuum
que é um percurso de integração e
esperam pessoas totalmente aptas e
autónomas”, assinala.
Colher o que se semeou
Das várias áreas ligadas ao turismo,
é na restauração que se encontram
mais exemplos de integração, com
a maioria dos projetos a nascer já
comprometida com uma causa. É o
caso do Mezze, criado por iniciativa
da Pão a Pão para acolher refugiados
e migrantes de países como a Síria, o
Iraque ou o Afeganistão.
Entre a cozinha, onde se confe-
cionam receitas caseiras do Médio
Oriente, e o serviço de sala traba-
lham 16 pessoas atualmente neste
espaço no Mercado de Arroios, em
Lisboa. Mas por aqui já passaram
perto de 50 colaboradores. Outros
tantos frequentaram a Escola Mezze,
um projeto de formação em parceria
com a Escola de Turismo e Hotelaria
de Lisboa e que a 15 de maio começa
também a ser ministrado no Porto.
“Tem sido uma enorme aprendiza-
gem para todos”, consubstanciada
na qualidade da “comida caseira, ba-
seada em pratos que fazem para as
suas famílias”, que agrada e fideliza
clientes, explica Francisca Gorjão
Henriques, presidente da Pão a Pão.
Autossustentável desde o início,
Francisca garante que “os apoios
públicos recebidos no arranque já
foram devolvidos ao Estado várias
vezes, em forma de impostos e con-
tribuições dos funcionários para a
Segurança Social”.
Uma “solução inteligente”
“Esta pode ser uma solução inteligen-
te, e não solidária”, para combater a
falta de recursos humanos no turis-
mo, defende Filipa Pinto Coelho, pre-
sidente da Associação VilacomVida e
CEO dos Cafés Joyeux em Portugal,
que empregam maioritariamente jo-
vens adultos com dificuldades intelec-
tuais e de desenvolvimento. “Estavam
em casa e agora são indispensáveis à
operação”, assegura, acrescentando
que as empresas “podem ter grandes
benefícios ao empregar uma pessoa
com este perfil, especificamente no
sector da restauração e hotelaria”. O
negócio, garante, é autossustentável,
à exceção do período de formação
dos colaboradores. Neste caso, além
das contribuições de parceiros, en-
contraram outras fontes de receita:
fazem catering, alugam o espaço para
eventos empresariais, vendem mer-
chandising e comercializam café, em
grão ou cápsulas, a empresas, e em
breve também a particulares, através
do site do Café Joyeux.
Os 12 jovens colaboradores corres-
pondem a 60% a 70% da força de
trabalho. Outros tantos estão já em
formação para o novo espaço, que
inaugura em junho em Cascais, o
terceiro em Portugal, depois de São
Bento e de uma cafetaria de uma em-
presa privada no Parque das Nações.
O sucesso é medido também através
do acordo celebrado com a Associa-
ção da Hotelaria de Portugal para a
formação de colaboradores para in-
tegrarem diversas áreas deste sector
económico.
amfonseca@impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
Pela Mezze Escola,
em Lisboa, já
passaram mais de 50
pessoas. A formação,
especialmente
dirigida a refugiados e
migrantes, vai também
chegar ao Porto
5ª EDIÇÃO DO PRÉMIO
NACIONAL DE TURISMO
O QUE É
^ O Prémio Nacional de Turismo
(PNT) distingue empresas,
projetos públicos e
personalidades. Para 2023 uma
novidade: o Prémio
Personalidade, que substitui o
Prémio Carreira. As
candidaturas decorrem até 31
de maio.
CATEGORIAS
^ Turismo Autêntico
Destacar projetos que
valorizam os recursos
endógenos, descentralizam e
mitigam a sazonalidade.
^ Turismo Gastronómico
Premiar projetos que apostam
na valorização de produtos
endógenos, promovendo a
gastronomia local e regional.
^ Turismo Inclusivo
Eleger projetos que fomentam
a confiança e empatia do
consumidor, fidelização,
inclusão e obtenção de
feedback por parte do
utilizador.
^ Turismo Inovador
Premiar projetos que
desenvolvam inovação a nível
da oferta turística e do modelo
de negócio, utilizem o digital
para comunicar, distribuir e
vender; promovam parcerias de
cross-selling e utilizem business
intelligence para a promoção
do alcance e eficiência do
negócio.
^ Turismo Sustentável
Distinguir projetos que
promovam o uso eficiente dos
recursos, incentivam um
turismo responsável e
implementam medidas e
práticas que visem a redução e
compensação da pegada
ecológica.
DATAS MAIS IMPORTANTES
^ Candidaturas: até 31 maio
^ Avaliação: 1 junho a 31 de julho
^ Reunião de comités
e júri: setembro e outubro
^ Entrega de prémios: novembro
CANDIDATURAS
^ Para se habilitar a vencer o PNT
apresente a sua candidatura até
31 de maio. Saiba mais em
premionacionalturismo.pt
Expresso, 21 de abril de 2023 PRIMEIRO CADERNO 23

QUIZ >>

Questionário Assinalam-se na terça-feira os 49 anos do 25 de Abril.

Teste os seus conhecimentos e responda às 49 questões. No final, veja as soluções

O que sabe sobre

o 25 de Abril?
Por Lourenço Pereira Coutinho

1 6 9 13

Até 1973, os deputados da Ala Liberal O decreto-lei 353/73
apresentaram um conjunto de projetos foi publicado a 13 de
de carácter reformista. Acabaram todos julho de 1973. Este
chumbados pela maioria. Em traços gerais, diploma gerou
o que propunha o projeto de revisão grande indignação
constitucional que a Ala Liberal apresentou no Exército,
em 1972? sobretudo entre os
capitães. Em traços
A) Eleição do Presidente da República por sufrágio indireto; gerais, o que dizia?
abolição da prisão preventiva; reconhecimento do direito
de autodeterminação das províncias ultramarinas. A) Estipulava o aumento
da duração das comissões
B) Eleição do Presidente da República por sufrágio direto; militares no Ultramar.
liberdade de informação e expressão; limitação do âmbito de
aplicação da prisão preventiva. B) Beneficiava os oficiais do
quadro permanente oriundos
C) Alteração do prazo do mandato do Presidente da República de milicianos na sua
de sete para cinco anos; extinção da PIDE/DGS; reconhecimento progressão por antiguidade,
do direito à autodeterminação das províncias ultramarinas. com prejuízo dos oficiais
vindos da Academia Militar.
C) Congelava a progressão
2 4
na hierarquia dos oficiais
do quadro permanente, tanto
‘Tourada’ foi a O que ocorreu oriundos de milicianos
canção vencedora no Porto entre 1 e 3 como da Academia Militar.
O que aconteceu Na direção do
a 24 de setembro Movimento dos
de 1973 na Capitães, quem ficou
Guiné-Bissau? responsável pela
A) Uma operação militar
comissão política?
que pretendia neutralizar a E pela comissão
capacidade militar do PAIGC. militar?
B) A proclamação unilateral A) Major Otelo Saraiva
pelo PAIGC da independência de Carvalho pela comissão
da Guiné-Bissau. política e capitão Vítor Alves
pela comissão militar.
12
C) A exoneração do general
Spínola do cargo de B) Capitão Vasco Lourenço
A 5 de dezembro,
governador militar da pela comissão política e major
Guiné-Bissau. poucos dias depois Otelo Saraiva de Carvalho pela
comissão militar.
da reunião de
Óbidos, foi eleita C) Capitão Vítor Alves pela
10 uma direção do comissão política e major
Otelo Saraiva de Carvalho
movimento, que pela comissão militar.
Em finais de 1973, se manteve em
uma discreta funções até ao dia
remodelação 25 de abril. Quem
governamental criou compunha esta 14

do Festival RTP de junho de 1973? expectativa no direção?

da Canção de 1973. Movimento dos
A música desta A) O congresso da Ação
7 Capitães. Quem foi
canção foi composta Nacional Popular. então nomeado para A) Capitão Vítor Alves, major
Otelo Saraiva de Carvalho
por Fernando Tordo. B) O congresso dos subsecretário de e capitão Vasco Lourenço.
Quem compôs combatentes. Estado do Exército? B) Major Otelo Saraiva de
a letra? C) A visita do Presidente da Carvalho, capitão Salgueiro
República Américo Thomaz. A) Major Melo Antunes. Maia e major Melo Antunes.
A) Paulo de Carvalho.
B) Coronel Galvão de Melo. C) Capitão Jaime Neves, major
B) Fernando Tordo. Otelo Saraiva de Carvalho
C) Coronel Viana de Lemos. e capitão Vítor Alves.
5
C) Ary dos Santos.
O Partido
Socialista, sucessor Entre outubro e
11
3 da Ação Socialista dezembro de 1973,
Portuguesa, foi o general Kaúlza
fundado a 19 de de Arriaga foi o
abril de 1973 em A Ação líder informal de
Bad Münstereifel, Revolucionária uma conjura que
na Alemanha. Qual Armada (ARA), tinha por objetivo:
destes pontos foi formada em 1970, A) Afastar Marcello Caetano
objetivo essencial foi o braço armado da presidência do Conselho.

do novo partido? de qual destas B) Desmantelar o Movimento

A) Lutar pela instauração
em Portugal de um regime
parlamentar de tipo ocidental.
B) Lutar pela instauração
em Portugal de um regime
inspirado na II República
espanhola.
C) Lutar pela instauração
em Portugal de um regime
organizações? dos Capitães.
A) Brigadas Revolucionárias. C) Criar condições para
a independência de um
B) PCTP/MRPP. “Moçambique branco”,
apoiado pela África
C) PCP. do Sul.
A 1 de dezembro de 1973, o Movimento
dos Capitães reuniu-se em Óbidos.
8 Na altura procedeu-se à eleição da sua 15

O que decorreu inspirado na Jugoslávia

A 25 de agosto de comissão coordenadora executiva.
do marechal Tito. Que outra importante decisão foi A “vigília pela paz”
em Aveiro entre 1973 ocorreu uma então tomada? que decorreu entre
4 e 8 de abril importante reunião 30 de dezembro de
de 1973? em Bissau, ponto A) Prosseguir o movimento sem necessidade de procurar 1973 e 1 de janeiro de
A) O congresso
de partida para: um oficial general para o liderar. 1974 realizou-se:
dos combatentes. B) Iniciar uma aproximação aos partidos políticos
A) O Movimento dos Capitães. na clandestinidade e auscultar a sua sensibilidade sobre A) Na igreja do Campo Grande.
B) O congresso dos a oportunidade de um golpe militar.
progressistas católicos. B) O Movimento das Forças B) Na Capela do Rato.
Armadas. C) Iniciar uma aproximação aos generais Costa Gomes e Spínola
C) O congresso da oposição e auscultar a sua disponibilidade para assumir a liderança C) Em frente à embaixada
democrática. C) A fundação do PAIGC. de um golpe militar. de Espanha.
24 PRIMEIRO CADERNO
QUIZ
16
Em fevereiro de 1974,
Marcello Caetano,
presidente do
Conselho, entregou
a sua demissão. Qual
a causa apresentada?
A) A pressão internacional
sobre o regime, em crescendo
desde a visita de Marcello
Caetano a Londres, em julho
de 1973.
B) A publicação do livro
“Portugal e o Futuro”, de
António de Spínola, e a sua
repercussão.
C) A rotura definitiva do
presidente do Conselho com os
ultras do regime, concentrados
em torno das figuras de Américo
Thomaz e Kaúlza de Arriaga.
17
No livro “Portugal
e o Futuro”,
publicado a 22
de fevereiro de 1974,
o general Spínola
defendeu que:
A) A guerra não tem solução
militar, mas sim política.
B) A guerra não tem solução
militar nem política.
A 16 de março
C) A guerra não tem solução de 1974, uma coluna
política, mas sim militar.
do regimento
de Infantaria 5 das
Caldas da Rainha
18 saiu em direção
A 23 de fevereiro de a Lisboa com
1974, um dia após a a expectativa
publicação do livro de se juntar a outras
“Portugal e o Futuro”, unidades para,
em conjunto,
o Expresso fez a
propósito a seguinte derrubarem
o regime ditatorial.
‘chamada’ na sua
primeira página: Quem comandava
a unidade que partiu
das Caldas
A) “Novo livro de António
de Spínola, que propõe uma da Rainha?
reestruturação política do país
que visa solucionar o problema
do Ultramar.”
B) “Novo livro de António
de Spínola, que propõe uma
reestruturação política do país
que conduza à demissão
de Marcello Caetano.”
C) “Novo livro de António
de Spínola, que propõe uma
reestruturação política do país
em que o plebiscito livre
funciona como elemento
legitimador da autoridade.”
19
Antes do 25 de Abril,
Francisco Sá
Carneiro assinou
uma coluna no
Expresso (a partir de
finais de 1973, escrita
alternadamente com
Magalhães Mota,
Pinto Balsemão
e Miller Guerra)
intitulada:
A) Ordem do Dia.
B) Visto.
C) Perspetiva Liberal.
20
A 5 de março de 1974 decorreu em Cascais
uma importante reunião do Movimento dos
Capitães, onde foi aprovado um documento
de índole política intitulado “As Forças
Armadas e a Nação”. Em que concordaram
e em que discordaram os oficiais?
A) Concordaram em afastar Marcello Caetano, mas discordaram
sobre a necessidade de derrubar o regime.
B) Concordaram no cessar-fogo imediato nas diferentes frentes
da Guerra Colonial, mas discordaram sobre a necessidade de
concessão de independência às “províncias ultramarinas”.
C) Concordaram em derrubar o regime, mas discordaram
sobre o reconhecimento do direito das “províncias ultramarinas”
à autodeterminação.
21 24
Quem foi o redator A canção ‘E Depois
principal do referido do Adeus’ foi
documento escolhida para
“As Forças Armadas primeira senha
e a Nação”? do 25 de Abril
e transmitida
A) Major Melo Antunes. às 22h55 pelos
Emissores
B) Capitão Salgueiro Maia.
Associados
C) Coronel Vasco Gonçalves. de Lisboa. Porque
foi escolhida
para senha
22 do golpe militar?
A) Porque era a canção que
passava na telefonia quando
Otelo Saraiva de Carvalho
começou a estruturar o plano
operacional.
B) Porque era uma canção
sem conotações políticas e,
como estava em voga, a sua
reprodução não levantava
suspeitas.
C) Porque a palavra “adeus”
era uma senha adequada
a uma operação que visava
o fim do regime.
25
O último
“Conversa em
A) Tenente Vítor
Família” foi
da Silva Carvalho. emitido a 28 de
março de 1974.
B) Major Luís
Casanova Ferreira. Quais os tópicos
principais
C) Capitão Armando
Marques Ramos.
abordados por
Marcello Caetano
na ocasião?
23
A) O livro “Portugal
Qual o título do e o Futuro” e a tentativa de
golpe nas Caldas da Rainha
artigo de Francisco ocorrida a 16 de março.
Pinto Balsemão, B) Os rumores sobre
cortado na íntegra a manifestação programada
pela censura, para o 1º de Maio e a
cuja publicação declaração unilateral
de independência
acabou por ser pela Guiné-Bissau.
autorizada C) Os efeitos económicos
por Pedro do choque petrolífero, o
Feytor Pinto, caso Watergate e a guerra
diretor dos do Vietname.
serviços de
informação?
A) “A Reforma do Sistema
Eleitoral”.
B) “Um Problema Chamado
Ultramar”.
C) “A Necessidade de Uma
Revisão Constitucional”.
Expresso, 21 de abril de 2023
26 31
O comunicado do
posto de comando
do Movimento das
Forças Armadas
foi transmitido
pelo Rádio Clube
Português às 4h da
madrugada do dia
25 de abril. Quem leu
este comunicado?
A) Joaquim Furtado.
B) Fernando Balsinha.
C) Fialho Gouveia.
Segundo Otelo Saraiva de Carvalho, foi
ele quem propôs a elaboração imediata
de uma operação militar para derrubar o 32
regime. Apontou-se então para uma data
entre 22 de abril (uma segunda-feira) e 25 No Terreiro do Paço,
de abril (uma quinta-feira) porque... Salgueiro Maia
intimou um dos
A) A operação teria de efetuar-se antes de 1 de maio para oficiais leais ao
aproveitar o facto de, até esta data, os serviços de informação regime a render-se
estarem focados na monitorização das organizações civis.
ou a juntar-se ao
B) A operação teria de efetuar-se antes de 28 de abril porque movimento. Este
corria a notícia de que Otelo Saraiva de Carvalho seria então
respondeu que não
transferido para a Madeira.
faria uma coisa
C) A operação teria de efetuar-se depois de 20 de abril, data
em que o almirante Américo Thomaz regressava de uma visita
nem outra, que
de quatro dias ao Porto. o prendessem se
quisessem. Qual
o nome deste oficial?
27 29
A) Brigadeiro
Segundo Salgueiro Junqueiro dos Reis.
Maia, o movimento B) Tenente-coronel
decidiu espalhar um Ferrand de Almeida.
boato nas semanas C) Major Pato Anselmo.
anteriores à data
prevista para a
operação militar, ‘Grândola, Vila 33
com o objetivo de
Morena’, de Zeca Segundo Marcello
desviar as atenções Afonso, foi
dos serviços de Caetano, qual a
escolhida para razão para querer
informação. De que segunda senha do
boato se tratou? avistar-se com
25 de Abril, dando Spínola no quartel
ordem aos do Carmo (onde se
A) Uma greve geral marcada
para 1 de maio.
militares para refugiou a conselho
avançarem. Porém, do major Silva Pais)
B) A declaração de cessar-fogo
na Guiné-Bissau pelo
não foi a primeira na tarde do 25
governador, o general escolha. Qual foi a de Abril?
Bettencourt Rodrigues, canção
marcada para 15 de maio.
originalmente A) Para que o poder “não
C) Uma manifestação militar escolhida? caísse na rua” nem ficasse
em uniforme, marcada para exclusivamente nas mãos
o dia 2 de maio. A) ‘Vampiros’, de Zeca Afonso. do MFA.
B) ‘Venham Mais Cinco’,
de Zeca Afonso.
B) Para negociar o fim
do golpe militar.
28
C) ‘Canta, Amigo Canta’, C) Para exigir que o general se
O major Otelo de António Macedo. submetesse ao poder político
que assumia representar.
Saraiva de Carvalho
ficou responsável
pela elaboração 30
do “Plano de A “hora H”
34
Operações” para do “Plano de Que oficial
derrubar o regime. Operações para do Exército foi
Este completou-se Derrubar o Regime” responsável por
com um documento elaborado por Otelo cercar o quartel
fundamental, o Saraiva de Carvalho do Carmo, com o
“Anexo de ficou marcada para objetivo de conseguir
Transmissões”. as 3h da madrugada a rendição de
Quem foi o de 25 de abril. Qual Marcello Caetano?
responsável por foi a contrassenha
elaborar este anexo? escolhida? A) Major Otelo Saraiva
de Carvalho.
A) Capitão Vasco Lourenço. A) “Democracia e paz.” B) Capitão Salgueiro Maia.
B) Capitão Garcia dos Santos. B) “Coragem e pela vitória.” C) Capitão Jaime Neves.
C) Capitão Vítor Alves. C) “Viva a liberdade.”
Expresso, 21 de abril de 2023
35
Segundo o general
Spínola, o que disse
o próprio a Marcello
Caetano quando se
encontraram no
quartel do Carmo
na tarde do dia 25
de abril?
A) “Vossa Excelência devia ser
preso e julgado pelo estado
em que deixou o país.”
B) “O estado em que Vossa
Excelência entrega o país...
tudo isto podia ter sido
evitado.”
C) “Gostava de contar com a
experiência política de Vossa
Excelência para a construção
do Portugal democrático.”
36
No próprio dia 25
de abril, o general
Spínola dirigiu-se
ao quartel da
Pontinha, posto
de comando do
Movimento das
Forças Armadas.
Depois de longas
negociações, o que
foi necessário
retirar para
que Spínola
concordasse com o
programa do MFA?
A) O direito das então
províncias ultramarinas
à autodeterminação
e independência.
B) A criação do Conselho
do MFA.
C) A eleição no prazo de um
ano de uma Assembleia
Constituinte.
37
Quais os pontos
principais da
“Proclamação
ao País” feita pelo
Movimento das
Forças Armadas
na manhã do dia
25 de abril?
A) Eleição da Junta de Salvação
Nacional, início de
conversações com os
movimentos de libertação
e marcação de eleições
presidenciais.
B) Entrega do poder à Junta de
Salvação Nacional, restituição
das liberdades cívicas e eleição
da Assembleia Constituinte.
C) Marcação de eleições para
as presidenciais e para a
Assembleia Constituinte,
integração das “províncias
ultramarinas” num modelo
federativo.
38
Quais os nomes
dos oficiais da Força
Área que fizeram
parte da Junta de
Salvação Nacional?
A) Sacramento Gomes
e Costa Neves.
B) Costa Neves
e Humberto Delgado.
C) Galvão de Melo
e Diogo Neto.
39
“Garantir a livre
eleição por
sufrágio direto da
Assembleia
Constituinte e do
Presidente da
República.” Que
entidade assumiu
publicamente este
compromisso na
noite de 26 de abril
de 1974?
A) O Movimento das Forças
Armadas (MFA).
B) A Junta de Salvação
Nacional (JSN).
C) A Comissão Democrática
Eleitoral (CDE).
40
Segundo o major
Silva Pais, diretor
da PIDE/DGS, o que
disse o general
Spínola ao próprio
no dia 26 de abril?
A) Que o major Silva Pais
dispunha de duas horas
para render-se.
B) Que o major Silva Pais
dispunha de 24 horas para
deixar Portugal.
C) Que o major Silva Pais
dispunha de duas horas para
assinar uma declaração de
adesão ao golpe militar.
41
A 26 de abril de 1974, a Junta de Salvação
Nacional dirigiu a sua primeira proclamação
ao país. Comprometeu-se com a execução de
pontos que considerou cruciais para o futuro
político do país, tais como:
A) Garantir a soberania de Portugal no seu todo pluricontinental.
B) Garantir a soberania de Portugal e a entrega dos “territórios
ultramarinos” aos movimentos de libertação.
C) Garantir a soberania de Portugal e a autodeterminação dos
“territórios ultramarinos”.
42
Os presos políticos que estavam em
Caxias foram libertados na madrugada
de 27 de abril. Um dos presos políticos
libertados proferiu então a seguinte
declaração: “Acabou uma era de
violência e repressão no nosso país (...).
Tenho esperança que o povo possa
afirmar-se e tomar conta dos seus
destinos.” Quem foi?
A) Nuno Teotónio Pereira.
B) José Manuel Tengarrinha.
C.) Saldanha Sanches.
43
A primeira edição
não censurada do
Expresso saiu a 27
de abril de 1974.
Qual o título do
editorial desse dia?
A) “O fim da censura”.
B) “A hora das grandes decisões”.
C) “Os desafios necessários”.
44
Depois de longo
exílio iniciado em
1960, Álvaro Cunhal,
secretário-geral do
PCP, regressou a
Portugal no dia 30
de abril de 1974. O
que disse então aos
jornalistas?
A) “Confiança que o povo, em
aliança com os militares que
fizeram o 25 de Abril, conduzirá
o país para o caminho da
democracia, liberdade e paz”.
B) “Confiança que o povo, em
aliança com os militares que
fizeram o 25 de Abril,
conduzirá o país para o
caminho do comunismo”.
C) “Confiança que o povo, em
aliança com os militares que
fizeram o 25 de Abril, conduzirá
ao imediato reconhecimento da
independência dos territórios
africanos”.
45
“Camaradas, a 25
de Abril, as Forças
Armadas
destituíram o
Governo fascista
e colonialista de
Marcello Caetano,
mas foi hoje, foi aqui,
que nós destruímos
o fascismo”; “esta
vitória não é de
ninguém, esta
vitória é do povo
português!” Quem
proferiu estas frases
a 1 de maio de 1974?
A) Otelo Saraiva de Carvalho.
B) Álvaro Cunhal.
C) Mário Soares.
46
Adelino da Palma
Carlos, reputado
advogado e
conhecido opositor
do regime deposto,
foi nomeado
primeiro-ministro
do I Governo
Provisório a 15 de
maio de 1974. O que
disse na sua tomada
de posse?
A) “Este Governo não tem outro
programa que o de conduzir o
país ao caminho da
democracia”.
B) “Este Governo não tem
outro programa que o da
defesa de Portugal no seu todo
pluricontinental”.
C) “Este Governo não
tem outro programa
que o de atuar
dentro das linhas
defendidas pelo
programa do
MFA”.
47
Qual a pasta
ministerial de
Francisco Sá
Carneiro no I
Governo Provisório?
A) Ministro da Administração
Interna.
B) Ministro dos Negócios
Estrangeiros.
C) Ministro sem pasta.
48
Qual destas duplas
integrou
o I Governo
Provisório?
A) Sá Carneiro e Mário Soares.
B) Sá Carneiro e Freitas do
Amaral.
C) Sá Carneiro e Vasco
Gonçalves.
49
Adelino da Palma
Carlos apresentou
a sua demissão de
primeiro-ministro
do I Governo
Provisório a 11 de
julho de 1974. Qual
a causa próxima
da sua demissão e
consequente queda
do Governo?
A) A rejeição pelo Presidente
da República da sua proposta
para realização imediata de
eleições nas “províncias
ultramarinas”.
B) A rejeição pelo Conselho
de Estado da sua proposta de
referendo a uma Constituição
provisória de pendor
presidencialista.
C) A rejeição pelo Conselho de
Estado da sua proposta para a
realização imediata de eleições
para a Assembleia Constituinte.
PRIMEIRO CADERNO 25
O AUTOR
Lourenço Pereira
Coutinho é historiador
e pode ser ouvido no
podcast do Expresso
“A História Repete-se”.
Foi ele que selecionou
as 49 perguntas,
elaborou as respostas
de escolha múltipla e
criou o sistema de
pontuação, que pode ser
consultado em baixo.
PODE FAZER O QUESTIONÁRIO
NO SITE DO EXPRESSO, NUMA
VERSÃO QUE INCLUI VÍDEOS
E FOTOS, E PARTILHÁ-LO
COM AMIGOS E FAMILIARES
PONTUAÇÃO
Acima de 45 respostas
certas — Parabéns! Com
tanto conhecimento, já
é doutor honoris causa
no tema! Mantenha-se
atualizado, acompanhe
os conteúdos exclusivos
do Expresso sobre
o 25 de Abril.
Entre 35 e 45 respostas
certas — Está no bom
caminho para se tornar
um especialista na
matéria! Leia o Expresso
e aprofunde os seus
conhecimentos sobre
o 25 de Abril. Para o ano
estará a fazer palestras
sobre a época.
Entre 25 e 35 respostas
certas — Não desanime!
Até abril de 2024,
o Expresso oferece-lhe
conteúdos exclusivos
sobre o 25 de Abril.
Acompanhe e prepare-se
para os 50 anos!
Abaixo de 25 respostas
certas — Onde estava
no 25 de Abril? Ainda
há muito que ler sobre
a Revolução. Não perca
as próximas edições
do Expresso e os seus
conteúdos exclusivos
sobre o 25 de Abril.
- 1B - 2C - 3C - 4B - 5A - 6B - 7C - 8A
- 9B - 10C - 11C - 12A - 13C - 14A - 15B
- 16B - 17A - 18C - 19B - 20C - 21A
- 22C - 23B - 24B - 25A - 26A - 27C
- 28B - 29B - 30B - 31A - 32C - 33A
- 34B - 35B - 36A - 37B - 38C - 39B
- 40B - 41A - 42A - 43C - 44A - 45C
- 46C - 47C - 48A - 49B
PRINCIPAIS FONTES
E BIBLIOGRAFIA
CONSULTADAS
Aniceto Afonso:
‘O Movimento dos
Capitães’, in “Portugal
Democrático”, “História
de Portugal”, direção de
João Medina; Fernando
Rosas: ‘O Estado Novo’, in
“História de Portugal”,
direção de José Mattoso;
Rui Ramos: ‘Idade
Contemporânea’, in
“História de Portugal”,
coordenação de Rui
Ramos; Associação
25 de Abril — Arquivos
Históricos (a25abril.pt/
arquivos-históricos);
RTP Arquivos (arquivos.
rtp.pt)
26 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL ENTREVISTA
Texto Ana França e David Dinis
Foto Nuno Fox
As páginas de “The Divider” são como
janelas para todos os momentos insó-
litos que se passaram dentro da Casa
Branca de Donald Trump. Mas este
livro é também a história de um Par-
tido Republicano aprisionado pelo
‘trumpismo’, ao ponto de só conseguir
produzir alternativas que em pouco
ou nada se afastam da toxicidade do
ex-Presidente. O Expresso conversou
com os seus autores, que não ocultam
o receio de o ver de volta.
P Trump deixou a Casa Branca em
guerra com aquilo a que chama “o
sistema”. Se chegarmos a ter um novo
Trump, como é que ele vai agir de for-
ma a conseguir arrasar de vez o tal
‘sistema’? Como será o segundo rei-
nado de Trump, se acontecer?
R Peter Baker (P.B.): Trump apren-
deu a usar o seu poder de maneira
diferente do que fazia no início exata-
mente por causa desses republicanos
mais convencionais, que o foram con-
tornando, controlando, argumentan-
do contra algumas das coisas que ele
queria fazer. Progressivamente mais
frustrado, foi demitindo-os e contra-
tando pessoas que concordavam com
ele. A ala radical do partido estava
disposta a acompanhá-lo em tudo o
que ele queria fazer.
R Susan Glasser (S.G.): Entrevistá-
mos Trump para o livro duas vezes. E
ele disse-nos especificamente que sim,
que num segundo mandato queria fa-
zer as coisas que não conseguiu fazer,
como, por exemplo, retirar as tropas
da Coreia do Sul ou da Alemanha.
P Logo na introdução do livro escre-
vem que nunca houve um Presidente
assim, com tanto desprezo pelas nor-
mas, que tenha tentado tão claramen-
te usar a presidência para benefício
próprio. Porque é que nunca houve
outro? E como é que Trump conseguiu
isso?
R S.G.: A falta de vergonha é um dos
superpoderes de Donald Trump. Ele
não sente constrangimento quanto a
coisas que seriam embaraçosas para
muitos de nós, o que o capacita, claro,
para ultrapassar barreiras com que
outros antes dele se preocuparam.
Imaginem Richard Nixon sem os li-
mites do fator medo, sem a vergonha
de saber que estava a ir mais longe
nas ilegalidades do que qualquer Pre-
sidente antes dele.
R P.B.: É importante lembrar que
Trump foi o único Presidente até ago-
ra que não passou um único dia no
serviço público nem no exército. A sua
experiência de vida é o negócio da sua
família, que, por definição, não tem
Conselho de Administração nem acio-
nistas independentes, a quem teria de
prestar contas. Chega à presidência e é
surpreendido pelo facto de não ser pos-
sível estalar os dedos e obter as coisas.
Uma vez, eu estava com ele a regressar
de Buenos Aires, no Air Force One, e
ele vinha a contar o jantar que tivera
com Xi Jinping, à margem de uma ci-
meira do G20. Sentia inveja do Xi! Só
falava de como o Presidente chinês não
tinha de lidar com o Congresso, nem
com os tribunais, nem com as regras e
regulamentos, com nada.
P Por que razão há ainda tanta gente
que o apoia?
R S.G.: Essa é ‘a’ questão. Até porque
Donald Trump, sem os seus apoian-
tes, é apenas um velho zangado, aos
gritos com o que vê na televisão, entre
partidas de golfe. Eu diria que o que
ele fez foi uma espécie de OPA [Ofer-
ta Pública de Aquisição] agressiva e
bem-sucedida ao Partido Republica-
no e, ao mesmo tempo, ele próprio
é uma criação desse mesmo partido.
No início não o apoiavam, depois fi-
caram viciados no poder que Trump
foi capaz de forjar e de lhes oferecer.
Basicamente, as pessoas que gostam
dele, gostam mesmo dele — e são 40%
do eleitorado.
P São 40%?
R S.G.: Sim, muito próximo de 40%,
e essa percentagem é muito estável.
R P.B.: Alguns dos seus apoiantes, e
acredito mesmo nisto, não se importa-
riam de ver as instituições tradicionais
a implodir, porque sentem que elas
nunca os serviram. É um momento
Susan Glasser e Peter Baker
Novo mandato
Jornalistas e autores do livro “The Divider”
de Trump “será
uma forma de
vingança pessoal”
Os autores de “The Divider” esta semana nas instalações da FLAD, em Lisboa
na história americana em que mui-
tos estão desiludidos, deprimidos ou
zangados com muita coisa: com os
meios de comunicação social, com os
direitos laborais e a falta de sindicatos,
com a falta de oportunidades.
P Olhando para os democratas que
se poderiam perfilar para as eleições
de 2024, há alguém melhor do que Joe
Biden se o combate for com Trump?
R P.B.: O argumento de Biden é agora
de que ninguém faria melhor do que
ele. Mesmo que tenha 80 anos e possa
haver preocupações sobre ser Presi-
dente até aos 86, é melhor apostarem
nele, porque já o venceu uma vez. É
este o raciocínio. No fundo, isto é um
pouco um problema circular, porque,
se não há mais ninguém, então, em
parte, é porque o próprio Biden não
fez nada para permitir que a próxima
geração avançasse.
R S.G.: Trump domina tanto o Partido
Republicano quanto o Partido Demo-
crata, porque é visto como ameaça
existencial para a democracia e os
Expresso, 21 de abril de 2023
democratas não estão dispostos a ar-
riscar umas primárias abertas. Por
outro lado, as sondagens mostram
que democratas e republicanos con-
cordam numa coisa: nem uns nem ou-
tros desejam ver novo combate entre
Trump e Biden. Só que é precisamente
isso que pode acontecer. É um parado-
xo da realidade.
P Trump parece perpetuar o seu
poder através dos juízes que esco-
lheu [mais de 200], das decisões das
legislaturas estaduais, das decisões
dos governadores que são da sua cor
política. É como se houvesse um Es-
tado paralelo onde os acólitos de um
Presidente que perdeu ainda impõem
as suas regras.
R S.G.: Nem sequer é um universo
paralelo, são duas Américas diferen-
tes que estão a surgir. Isso, de facto,
mete-me medo. Há muito que existe
uma espécie de divisão política en-
tre, digamos, a América vermelha e a
América azul [cores, respetivamente,
dos republicanos e dos democratas].
Mas agora esses dois blocos têm al-
guma legislação totalmente diferen-
te, instituições diferentes e culturas
diferentes.
P A jornalista Maggie Haberman,
no “The Daily”, do “The New York Ti-
mes”, disse que o caso criminal em
que Trump está envolvido podia ser
bom para a sua recandidatura. Pen-
sam assim?
R P.B.: Talvez ele continue a usar isso
como forma de galvanizar os seus
apoiantes, mas há o risco de os repu-
blicanos se afastarem, mesmo os que
gostam de Trump, por acharem que
para tudo há um limite. Ele poderá
passar muito tempo em tribunal nos
próximos anos. Os eleitores poderão
questionar-se: “Será que os republi-
canos não conseguem arranjar uma
pessoa parecida?” E é esta a estraté-
gia de Ron DeSantis [governador da
Florida]. É como se dissesse: “Eu sou
o Trump sem um calendário de au-
diências, sem as impressões digitais e
a foto na esquadra.”
P A certo ponto do livro alguém está
a explicar a Trump o que é o artigo 5º
da Carta da NATO e ele diz: “Isso quer
dizer que se a Rússia invadir a Lituânia
entramos em guerra com a Rússia? É
uma loucura!” A julgar pela surpresa,
Trump parecia não ter intenção algu-
ma de cumprir esse artigo caso essa
situação tivesse surgido durante a sua
presidência. A invasão da Ucrânia dis-
sipou o sentimento anti-NATO entre
os republicanos?
R S.G.: Não, essa postura anti-inter-
vencionista, essa defesa dos interesses
da América primeiro, continua forte
no partido. Trump chegou muito mais
perto de sair da NATO do que muitos
de nós sequer imaginávamos. Fiquei
chocada. Não foram apenas alguns
tweets malucos, ele quis mesmo levar
estas políticas avante. Os que o rodea-
vam fizeram a diferença, não quero
transformá-los em heróis, mas houve
pessoas instrumentais no controlo que
conseguiram exercer, impedindo-o de
sair da NATO ou causar danos sérios à
Aliança. Se ele voltasse à presidência,
seria improvável que tivesse deixado
esta postura.
P Num segundo mandato, então, te-
ria teoricamente ainda mais poder,
seria visto como invencível?
R S.G.: Correto. Nesta próxima elei-
ção não se trata de decidir que tipo
de sistema de saúde temos ou quão
altos são os nossos impostos. Essas
são questões reais, claro, mas trata-se
de defender valores básicos da demo-
cracia. Vejam o que Trump disse desde
que se tornou de novo candidato: “Ter-
minar a Constituição.” Terminar. E
porquê? Exclusivamente porque quer
ser reintegrado imediatamente como
Presidente. Trump já disse que um
segundo mandato seria de ‘retaliação’.
E iria usar a presidência como forma
de vingança pessoal.
R P.B.: Perguntaram porque é que os
Presidentes anteriores não fizeram as
coisas que Trump fez. Certamente foi
porque pensaram: “Bem, não posso fa-
zer isso, se fizesse isso ficaria em apu-
ros, teria problemas com a lei, ou com
os eleitores, ou com o Congresso.”
Trump disse: “Vou cruzar essa linha, o
que vão fazer em relação a isso?”
afranca@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
CIBERGUERRA
Hackers pró-Rússia criam “caos” a oeste
Grupos lançam milhares de ataques contra entidades ocidentais. Serviços públicos estão entre os alvos
Textos Tiago Soares
Harv Xavier considera-se um
“hacktivista”, um neologismo
que junta hacker e ativista. Fala
com o Expresso a partir de Kiev,
onde está a participar numa ci-
berguerra que é tão antiga quan-
to a invasão da Ucrânia pela Rús-
sia. “Voluntariei-me para o IT
Army há um ano para ajudar a
proteger infraestruturas críticas
dos ataques russos, e para con-
duzir missões de espionagem
contra a ciberguerra russa”, ex-
plica Xavier, também conhecido
online como Von Harvix.
O “IT Army da Ucrânia” não faz
parte das Forças Armadas ucra-
nianas, mas tem sido essencial
para contrariar a avalanche de
ataques informáticos de grupos
pró-russos contra Kiev, e que têm
sido capazes de roubar informa-
ção e “atrasar a entrega de comi-
da, medicamentos e assistência
humanitária”, diz Harv. Pelas
suas contas, os grupos de ha-
ckers pró-Kremlin aumentaram
os seus ataques contra a Ucrânia
em 250% desde 2020 — e triplica-
ram contra países da NATO.
Enquanto este texto estava a
ser escrito, durante esta semana,
foi atacado o site da Federação
de Futebol dos Países Baixos; a
rede do multibanco Eurocontrol;
e os sistemas do Raiffeisen Bank
na Polónia. Em todos os casos, os
hackers congratularam-se pelos
ataques nas suas redes sociais.
O grupo pró-russo mais ati-
vo chama-se NoName057 e foi
anunciado pelos seus membros
no Telegram poucos dias antes
do início da guerra. Só nos pri-
meiros três meses do ano, foi
responsável por mais de 900 ata-
ques informáticos contra entida-
des públicas e privadas ociden-
tais, segundo dados partilhados
com o Expresso pela empresa
portuguesa de cibersegurança
VisionWare, que tem uma equi-
pa de informações estratégicas
dedicada a monitorizar grupos
de hackers na dark web.
Além dos NoName057, duas
outras ‘equipas’ têm-se destaca-
do pela sua atividade crimino-
sa a favor do Kremlin: o grupo
Killnet, responsável por atacar
bancos dinamarqueses, portais
oficiais de Governos europeus
ou o site do Festival Eurovisão da
Canção; e os Anonymous Sudan,
que têm bloqueado vários servi-
ços do Estado sueco, aproveitan-
do o processo de adesão à NATO.
No total, estes três grupos já
lançaram mais de 2 mil ataques
Desde o início do ano,
três grupos de hackers
pró-Putin lançaram
mais de 2000 ataques
contra o Ocidente
desde o início do ano — e esta é
uma estimativa “muito conser-
vadora”, diz ao Expresso Diogo
Carapinha, subcoordenador do
VisionWare Threat Intelligence
Center, apontando para um nú-
mero real bastante superior. To-
dos se consideram “hacktivistas”
— não cometem ataques por ra-
zões financeiras — e especula-se
que trabalhem regularmente em
coordenação com as autoridades
russas.
“Antes da guerra havia uma
grande prevalência de ataques
de ciberespionagem com o ob-
jetivo de roubar informação,
agora sente-se uma manifesta
intenção de criar o caos nas enti-
dades ocidentais”, diz Luís Lobo
e Silva, diretor da Focus2Com-
ply, uma empresa portuguesa
que trabalha com outras em-
presas para estabelecer práticas
capazes de prevenir e contrariar
ataques. “Estão a travar uma
guerra para fazer parar a nossa
economia”, acrescenta, fazendo
o paralelo com as sanções oci-
dentais contra Moscovo.
O Kremlin está a investir ainda
mais na ciberguerra, diz Harv, e
estes grupos profissionalizaram-
-se. A 13 de março, o líder dos
Killnet anunciou no Telegram a
criação de um exército virtual:
“Vou criar uma nova estrutura
de ‘hacktivistas’ para a comuni-
dade russa. Não vai ser apenas
um movimento com ideias pró-
prias. Será uma máquina orga-
nizacional com as suas próprias
leis e objetivos, com disciplina
e ordem. 24 divisões 100% sin-
cronizadas. Uma única unidade
com uma linha 24/7 para receber
Traga as suas peças à Bonhams Portugal
E venda-as ao Mundo
Avaliações de Jóias e de
Relógios em Maio e Junho de 2023
Para informações ou agendamento de
avaliações, contacte:
bonhams.com/lisbon
pedidos e ordens. Vai chamar-se
Organização Militar Privada de
Hackers Black Skills, ou Black
Skills”, escreveu o líder do grupo,
conhecido por Blackside e que
terá assumido o lugar em junho
do ano passado.
Outro grupo, os Lockbit, têm
semelhanças com os Black Skills:
responsáveis por pelo menos
796 ataques informáticos só em
2022, também têm uma estru-
tura desenhada ao pormenor.
“É como se fossem uma empre-
sa. Têm um departamento de
comunicação e um processo de
recrutamento rigoroso”, aponta
Diogo Carapinha. Conseguiram
bloquear sistemas de hospitais
no Canadá na altura do Natal, e
no início do ano entraram den-
tro do sistema da Royal Mail, a
empresa de correios britânica,
exigindo um resgate na ordem
dos €80 milhões.
A NATO tem reforçado as suas
defesas — ainda esta semana
levou a cabo exercícios de se-
Bonhams Portugal
lisbon@bonhams.com
218293291
919214778
gurança a partir de Tallinn, na
Estónia — mas isso não impediu
um ataque ao site da sua sede
operacional (SHAPE) no final
de março, noticiado pelo Expres-
so, nem o ataque desta sema-
na levado a cabo pelos Killnet:
informações sensíveis sobre as
operações da Aliança Ocidental
foram roubadas e postas à venda
na dark web por um euro.
“O ataque desta semana foi
muito mais grave. Houve intru-
são nos servidores e roubo de
informação sensível que pode vir
a ser usada para fins militares e
políticos. É uma forma de criar
pânico e mostrar a fragilidade
do lado ocidental”, considera
Bruno Castro, fundador da Vi-
sion Ware.
Ameaças contra Portugal
são “muitas e diárias”
Portugal não tem escapado a
esta ameaça. As tentativas de
ataques informáticos a enti-
dades públicas e privadas na-
cionais são “muitas e diárias”,
revela ao Expresso o secretário
de Estado da Digitalização e da
Modernização Administrativa,
Mário Campolargo. Sectores
críticos como a saúde e a educa-
ção são alvos preferenciais. Só
em fevereiro, o Killnet atacou o
sistema do Hospital Amadora-
-Sintra e mandou abaixo os sites
da Direção-Geral de Saúde e da
Faculdade de Farmácia da Uni-
versidade de Lisboa. A Câmara
Municipal de Odemira viu os
seus servidores “atingidos” no
final de março, o que “afetou os
serviços municipais” durante
vários dias. E há duas semanas,
foi a vez do site do Ministério da
Economia.
Segundo dados do Centro Naci-
onal de Cibersegurança (CNCS),
foram registados 2023 ataques
informáticos no ano passado,
uma subida de 14% em relação a
2021. “Há um forte crescimento
no ransomware e nos ataques de
negação de serviço (DDoS)”, diz
fonte oficial do Governo.
“O efeito da guerra na Ucrâ-
nia não representa, instanta-
neamente, um maior número
de incidentes, mas antes uma
alteração no quadro de ameaças,
motivações e modus operandi
dos seus agentes. Destaca-se o
surgimento de dezenas de gru-
pos, de ambas das partes do con-
flito, a realizar estes ataques”,
acrescenta a Secretaria de Esta-
do da Digitalização, que tem a tu-
tela da cibersegurança nacional.
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PRIMEIRO CADERNO 27
ALGUNS ALVOS DOS
HACKERS PRÓ-RUSSOS
ESTE ANO
9, 10 e 11 de janeiro
Grupo Killnet ataca os
sistemas de três bancos
da Dinamarca e o site
do Ministério das Finanças.
12 de janeiro
Os NoName057 lançam
um ataque em massa contra
vários portais do Governo
da Chéquia, incluindo o do
Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
23 de janeiro
Os NoName057 bloqueiam
os serviços da Avast, uma
empresa de antivírus
sediada na Chéquia.
28 de janeiro a 2 de fevereiro
O grupo Killnet publica uma
lista de instituições médicas
na Europa e nos EUA que
planeia atacar e mobiliza os
seus apoiantes para o efeito.
Vários dos ataques são
bem-sucedidos, incluindo
contra a Direção-Geral
da Saúde.
8 de fevereiro
As plataformas de vários
aeroportos da Suécia são
atacadas pelo grupo
AnonymousSudan. Dois dias
depois são bloqueados vários
hospitais e clínicas.
12 de fevereiro
Coordenado entre vários
grupos, é lançado um ataque
DDoS (bloqueio do serviço) ao
site da Sede de Operações
Especiais da NATO. Poucas
semanas depois, o feito é
repetido contra o quartel-
-general da Aliança Atlântica.
21 a 26 de fevereiro
Em poucos dias, os
NoName057 imobilizam várias
plataformas oficiais dos
governos de Itália e Espanha.
15 a 22 de março
Os AnonymousSudan
bloqueiam aeroportos e
hospitais franceses, ao mesmo
tempo que os NoName057
travam a ADIF, a entidade
governamental responsável
por operar a rede
de comboios em Espanha.
28 PRIMEIRO CADERNO
TURQUIA
O ‘sultão’ ameaçado num país dividido
Erdogan, no poder há 22 anos, parece estar em perda. Crise económica e terramoto poderão ser fatais
José Pedro Tavares
Correspondente em Ancara
Perante as sondagens desfavo-
ráveis, o atual Presidente Recep
Tayyip Erdogan tenta puxar dos
galões. Esta semana inaugurou
a ligação das jazidas de gás na-
tural, descobertas há três anos
na costa turca do Mar Negro,
à rede de distribuição, prome-
tendo descontos avultados. Dias
antes, tinha lançado à água o
primeiro porta-aviões de fabri-
co turco, com capacidade para
transportar os famosos drones
Bayraktar — ambos imagens de
marca de um poderio militar
crescente tão querido a Erdo-
gan, que ambiciona tornar a
Turquia uma potência global e
independente do Ocidente. Na
próxima semana inaugurará a
chegada de combustível nuclear
à primeira central nuclear tur-
ca, construída pelos russos, na
costa mediterrânica.
Em suma, Erdogan quer de-
monstrar que ele é o garante de
obra feita — e de facto a Turquia
mudou a sua face nas últimas
duas décadas, tornando-se um
país moderno, com boas infraes-
truturas, nível tecnológico e com
um poder militar e uma ambição
geopolítica crescentes numa re-
gião cada vez mais instável. Nos
últimos anos a Turquia inter-
veio, direta ou indiretamente,
em conflitos na Síria, na Líbia,
no Cáucaso, e tem bases milita-
res em vários países.
“Mas de que serve um porta-
-aviões quando estamos a pas-
sar fome”, comentava há dias
ao Expresso Ahmet, um taxista
anónimo na capital, Ancara.
Esta é a outra face da Turquia
de Erdogan. Uma economia
fragilizada, uma hiperinflação
que no ano passado atingiu qua-
ITÁLIA
Itália, invasão
migratória?
Governo de Meloni
decretou o estado
de emergência em todo
o país, para vigorar
durante seis meses
No passado dia 11 de abril, o
Governo de direita de Giorgia
Meloni declarou o “estado de
emergência” em todo o país
durante seis meses, prorrogá-
veis, por causa do “forte incre-
mento dos fluxos migratórios
para Itália”. O último estado de
exceção tinha sido decretado
em 2020, para a pandemia de
covid-19.
Desde janeiro deste ano ti-
nham desembarcado ilegal-
mente na Sicília e na ilha de
Lampedusa (situada a 180 km
de África), 34.327 pessoas, ao
ritmo de mil por dia em algu-
mas semanas, contra as 8600
de 2022 e as 8500 de 2021.
Um dos primeiros atos do
Governo presidido pela ultra-
direitista Meloni já tinha sido
o de restringir a atividade das
ONG no canal da Sicília, para
reduzir as chegadas, impondo
um salvamento de cada vez e
obrigando a transportar os imi-
grados para portos distantes da
Recep Tayyip Erdogan busca a reeleição, mas é ameaçado desta vez pela unidade da oposição
se 100% — reduziu agora para
os 55% —, uma moeda desva-
lorizada e uma população que
viu o seu poder de compra des-
cer abruptamente, em parte
devido à insistência em políticas
económicas pouco ortodoxas,
baseadas em baixas taxas de
juro num ambiente inflacionis-
ta. Segundo as estimativas da
ONU, 15 milhões de turcos (ou
15% da população) têm proble-
mas em assegurar a nutrição
adequada. “As pessoas falam de
crise económica — não há nada
disso”, disse esta semana Erdo-
gan, com o seu habitual brava-
do. “Fomos nós que enfrentá-
mos as instituições financeiras
internacionais, que acabámos
Sicília. No entanto, em 2021,
2022 e 2023 os navios das ONG
apenas resgataram no mar 10%
dos imigrados que chegaram
ao país, segundo o Ministério
do Interior. A maioria chega
desde Tunes, e geralmente com
barcos autónomos que entram
diretamente e sem autorização
nos portos de Itália.
Aparentemente, trata-se de
uma situação excecional, pelo
que o Governo também decre-
tou sucessivamente a diminui-
ção dos imigrados que serão
acolhidos em Itália com base
na chamada “proteção espe-
cial”. Trata-se de um estatuto
jurídico posterior e alternativo
ao asilo político (refugiado) e à
proteção secundária (a pessoa
não pode voltar ao seu país sem
que dependa dela).
Diminuindo a proteção es-
pecial, que antes se chamava
humanitária, mas à qual o en-
tão titular da pasta do Interior,
Matteo Salvini, mudou o nome,
aumentarão os imigrados que
serão ou deveriam ser repatria-
dos, que serão supostamente
encerrados nos centros de aco-
lhimento-expulsão, dos quais
o Governo quer abrir um em
com empréstimos do FMI em
2013, os mesmos que a oposição
quer agora trazer de volta.”
Um país polarizado
Esta retórica cáustica, agressi-
va, tão típica de Erdogan, par-
tiu há muito o país ao meio. O
recurso a políticas identitárias,
baseadas no nacionalismo e em
sectarismos étnicos e religiosos,
fraturou uma sociedade hetero-
génea. No neo-otomanismo de
Erdogan, quem não é muçulma-
no sunita e nacionalista antioci-
dental não tem lugar. Curdos,
alevitas (uma minoria xiita)
e liberais são todos traidores
que “conspiram com potências
“Não há na Europa nada parecido”, justificou Giorgia Meloni
cada região do país. Para isso
orçamentou €5 milhões, um
montante mais elevado do que
aquele que é dedicado atual-
mente ao acolhimento propria-
mente dito. Contrariamente
a outros Estados da UE (Es-
panha, Alemanha, etc.), Itália
só tem acordos de repatria-
mento com três países, pelo
que os candidatos a ser expul-
sos costumam permanecer na
península.
“Não há na Europa nada pa-
recido”, explicou, em jeito de
justificação, Meloni ao anun-
ciar a restrição da proteção
especial. Os sucessivos fact che-
cking realizados por centros de
análises têm permitido saber
que em 18 dos 27 países da UE
existe a dita proteção, que se
chama de outras formas de-
pendendo de cada país, embora
Expresso, 21 de abril de 2023
Carnegie Europe. A oposição,
geralmente dividida, conseguiu
algo inédito: união à volta de um
FOTO TUR PRESIDENCY/MURAT CETINMUHURDAR/ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES
candidato, Kemal Kiliçdaroglu,
um discreto mas genuíno funcio-
nário público de 74 anos, líder do
maior partido da oposição (CHP,
esquerda republicana laica), um
social-democrata que conseguiu
reunir o apoio de seis partidos,
incluindo nacionalistas, islami-
tas, novos partidos liderados
por ex-ministros de Erdogan e
também do partido curdo, que
poderá ser chave nestas eleições,
já que controla 10% do voto.
As sondagens dão uma peque-
na vantagem a Kiliçdaroglu, in-
suficiente para uma vitória logo
à primeira volta (14 de maio),
porque um terceiro candidato,
Muharrem Ince, dissidente do
CHP, teimou em entrar na corri-
da. Há um quarto candidato de
um novo partido xenófobo e an-
ti-imigração, que também con-
tribuirá para dispersar o voto.
Com o sistema eleitoral a favo-
recer o partido de Erdogan no
voto parlamentar, que decorrerá
no mesmo dia, o atual Presidente
espera poder convencer o eleito-
estrangeiras” para derrubar a — está a levar muitos turcos a rado numa hipotética segunda
Turquia. questionar o futuro. volta (28 de maio) que a Turquia
E depois, houve o terramoto. O sismo deixou cicatrizes pro- será ingovernável com Presiden-
A lenta, atabalhoada e desor- fundas na paisagem e na socie- te e Parlamento de cores opos-
ganizada resposta do Estado dade turcas. “A resposta do Go- tas, sobretudo se Kiliçdaroglu in-
ao terrível desastre natural que verno tornou evidente que por sistir na sua promessa principal,
matou mais de 50 mil pessoas trás da fachada omnipotente do que é reverter o sistema político
numa vasta área da Turquia — Estado, as instituições estavam do país para um parlamentar.
sobretudo devido ao excesso sem dinheiro, sem técnicos e à A Turquia, outrora uma es-
de centralização das agências mercê da corrupção”, escreveu trela em ascensão na periferia
estatais na esfera da presi- numa análise Asli Aydinta ba , da Europa, é uma nação fra-
dência, depois de Erdogan ter uma analista independente no turada. Fraturada pelo terra-
transformado a arquitetura think tank americano Brookings moto, pela crise económica, e
constitucional da Turquia num Institution. pela polarização da sociedade.
regime presidencialista, mas “Pela primeira vez nos últi- Kiliçdaroglu, na sua voz pauta-
também devido ao enfraque- mos 20 anos, uma mudança de da, repete amiúde um verso de
cimento técnico dos diversos liderança na Turquia é possível”, uma conhecida canção popular:
departamentos, repletos de ho- escreveu há dias Marc Pierini, “Prometo-vos que a primavera
mens de confiança partidária ex-embaixador da UE em An- regressará.” Será?
sem qualificações relevantes cara, atualmente no think tank internacional@expresso.impresa.pt
Paralelamente, o Executivo
abriu durante um dia um portal
para todos os imigrados não
de pensões “não será sustentá-
vel”. Mas nem todos partilham
o diagnóstico e a solução.
comunitários, supostamente
residentes noutro país, que
quisessem optar por um posto
Esta semana, o ministro da
Agricultura e do Made in Italy,
Francesco Lollobrigida, disse
FOTO JOHN THYS/AFP/GETTY IMAGES
de trabalho em Itália. Trata-se perante a Confederação de Sin-
de fluxos legais de imigrantes, dicatos Autónomos (CISAL):
temporários ou não, que tam- “Não se incentivam os nasci-
bém existem noutros países. mentos convencendo as pes-
Chamava-se click day e tinha soas a passar mais tempo em
82.705 lugares em disputa. casa, porque assim aumenta-
Foram apresentados 240 mil riam as relações, o melhor é
pedidos somente numa hora, construir um Estado de bem-
na maioria de pessoas que já se -estar que permita trabalhar e
encontram em Itália em situa- ter uma família: não podemos
ção irregular: de outro modo, render-nos à ideia da substitui-
um empresário deveria conhe- ção étnica, segundo a qual, se
cer de antemão o paquistanês, os italianos fazem menos filhos,
esteja prevista pela UE. Com a indiano ou subsariano que substituímo-los por outras pes-
dita proteção Itália regularizou deseje contratar. “É uma gota soas.” “São palavras com sabor
em 2022 10.865 pessoas, mais no oceano”, explica Michele a supremacia branca”, replicou
do que os pedidos de asilo e Melilli, da União Sindical de Elly Schlein, secretária do pro-
proteção secundária admitidos. Base (USB), perante os 82.705 gressista Partido Democrata,
Por outro lado, em 2022 os postos de trabalho disponíveis, unindo-se ao coro nacional de
pedidos de asilo político em embora as distintas organiza- protestos contra o ministro.
Itália foram 77.195, contra os ções agrícolas, industriais e de Pelo seu lado, Matteo Piante-
116.140 apresentados em Espa- serviços solicitem “pelo menos dosi, ministro do Interior, con-
nha, os 137.505 em França e os 500 mil trabalhadores” (só na tradizendo a primeira-ministra
217.735 na Alemanha. agricultura os temporários já e criando alguma confusão le-
são 900 mil). gal, disse que não existe nenhu-
240 mil pedidos numa hora Hoje trabalham em Itália ma emergência de imigrantes,
50% de mulheres e o índice de que “se trata apenas de uma
Em Itália existem cinco mi- natalidade é de 1,24 filhos por fórmula técnica”. A declaração
lhões de imigrados regulares e mulher (1,40 em Portugal). Por do estado de emergência por
estima-se que os ilegais sejam cada aposentado há dois tra- causa das migrações não seria
500 mil. “Um número constan- balhadores a descontar para real, mas um ato político. Uma
te”, segundo o instituto ISPI, a a Segurança Social (46,4% de “arma de distração de massas”,
partir da base de dados do Mi- trabalhadores ativos e 22,2% de como escreveram alguns ana-
nistério do Interior e do Institu- pensionistas), pelo que os ana- listas críticos?
to de Estatística (ISTAT), o que listas económicos consideram Rossend Domènech
significa que atualmente não que “a imigração é saudável”, Correspondente em Roma
existe uma maior imigração. já que de outro modo o sistema internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
NAÇÕES UNIDAS
Durante o mês de abril, a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas é assegurada pela Federação Russa FOTO MICHAEL M. SANTIAGO/GETTY IMAGES
O veto não é democrático, mas sem
ele os cinco grandes sairiam da ONU
A guerra na Ucrânia tornou a reforma do Conselho de Segurança praticamente impossível
Margarida Mota
Há 20 anos, o mundo estava
tomado por uma guerra. Com
o argumento de que havia que
neutralizar as armas de destrui-
ção maciça do ditador Saddam
Hussein, os Estados Unidos in-
vadiram o Iraque, à frente de
uma coligação de países, mas
sem o respaldo de uma resolu-
ção da Organização das Nações
Unidas (ONU). A maioria dos
15 membros do Conselho de
Segurança (CS) — o órgão de
decisão, por excelência, da orga-
nização — pedia tempo para que
os inspetores encontrassem as
armas. Mas o interesse dos Es-
tados Unidos foi noutro sentido.
Na atualidade, o mundo
contorce-se com outro con-
flito com impacto global — a
invasão russa da Ucrânia, de-
sencadeada com base numa
narrativa propagandeada pelo
Kremlin, segundo a qual russos
e ucranianos são “uma nação”.
Também aqui o agressor é um
membro permanente do CS.
Conjunturas políticas como
estas colocam as Nações Uni-
das sob fogo, incapazes de
tomar decisões consentâneas
com os valores que defendem,
desde logo punindo um Esta-
do-membro, por mais poderoso
que seja, pela agressão a outro.
Três vetos a Portugal
Politicamente, esta organização
intergovernamental assenta na
Assembleia-Geral — onde todos
os membros têm igual peso nas
votações — e no Conselho de
Segurança, o verdadeiro órgão
decisor, com 15 membros, cinco
dos quais permanentes (Estados
Unidos, Rússia, China, Reino
Unido e França) e com poder de
bloqueio de decisões. Na década
de 1940, por três vezes a União
Soviética (precursora da Fede-
ração Russa) vetou a adesão de
Portugal às Nações Unidas.
Este privilégio do veto é con-
testado há décadas, mas con-
textos como o atual — com a
Rússia (que este mês preside ao
CS) a vetar resoluções conde-
natórias da sua própria atuação
na Ucrânia — tornam a reforma
do órgão mais urgente. “O veto
foi dado às potências vencedo-
ras da II Guerra Mundial na es-
perança que fossem a garantia
da paz internacional. Não são
nem nunca foram. A questão
do veto tem de ser ultrapassa-
da”, afirma ao Expresso Antó-
nio Monteiro, embaixador de
Portugal nas Nações Unidas
entre 1997 e 2001.
Juiz em causa própria
Um senão: “Só quem pode re-
formar o CS é o próprio CS.
E já percebemos que não há
muito interesse nisso. Mais
ainda na conjuntura atual, que
se está a complicar e bastante.
Estamos numa situação cada
vez mais imprevisível”, diz ao
Expresso Victor Ângelo, que
foi secretário-geral adjunto de
Kofi Annan (1997-2006) e de
Ban Ki-moon (2007-16). “Neste
momento, tendo em conta a
grande divisão que existe no
CS, em particular a oposição
entre Estados Unidos e Rússia,
entre Estados Unidos e China,
a aliança entre Rússia e China e
a ideia de que o mundo vai para
uma situação de bipolaridade, a
reforma do CS é praticamente
impossível.”
O funcionamento da ONU e a
atribuição do veto a cinco paí-
ses são regidos pela sua Carta
fundadora, assinada a 26 de
junho de 1945 em São Francis-
“O veto foi dado às
potências vencedoras
da II Guerra Mundial na
esperança que fossem
a garantia da paz. Não
são, nem nunca foram”,
defende o ex-MNE
António Monteiro
co. O documento não sustenta
a possibilidade de um membro
permanente ficar sem veto,
mas prevê a suspensão da par-
ticipação de outros membros
na Assembleia-Geral.
“A guerra na Ucrânia veio
mostrar a inadequação deste
modelo, que vem do final da
II Guerra Mundial, ao que é
hoje o equilíbrio de poderes
do mundo”, diz Monteiro, que
foi ministro dos Negócios Es-
trangeiros (2004-05). Se, em
1945, a Carta foi assinada por
50 países, hoje a ONU tem 193
membros. “O modelo de CS
não só não contribui para re-
solver os conflitos como pode
até agravá-los ou dar azo a que
se perpetuem.”
Longe vão os anos em que,
terminada a Guerra Fria, pare-
cia haver harmonia suficiente
na comunidade internacional
para se reformar a ONU. Para
se perceber quão distantes es-
tão esses tempos, recorde-se
que, a 27 de maio de 1997, foi
assinado o Ato Fundador sobre
Relações Mútuas, Cooperação
e Segurança, entre a Rússia e…
a NATO. “Nos anos 90, tinha
terminado a rivalidade com a
União Soviética e acreditou-se
que seria possível fazer a refor-
ma do CS”, diz Victor Ângelo.
“Já não correspondia ao mundo
que existia, e hoje ainda menos.”
Da vontade de refazer o CS,
com base sobretudo em crité-
rios geográficos e económicos,
começaram a brotar dificulda-
des. África queria representa-
tividade, mas três candidatos
acotovelavam-se: África do Sul,
Nigéria e Egito. Na América
Latina, o Brasil surgia como
hipótese óbvia, mas tinha a con-
corrência da outra grande eco-
nomia da região, o México, com
influência sobre Washington.
Na Ásia, a Índia — hoje pres-
tes a substituir a China como
país mais populoso do mun-
do — era consensual, mas
também seriam opções o Pa-
quistão (potência nuclear), a
Indonésia (poder islâmico) e
QUEM VETOU O QUÊ
^ URSS/RÚSSIA: 122 vetos
É quem mais recorre ao veto.
Desde 1946, já o fez 90 vezes
enquanto União Soviética e 32
como Federação Russa
(pós-1991). Nos últimos anos,
os russos têm sido amigos dos
regimes da Síria, Coreia do
Norte, Venezuela e Mianmar. A
União Soviética vetou em três
ocasiões a adesão de Portugal:
1946, 1947 e 1949.
^ ESTADOS UNIDOS: 82 vetos
Mais de um terço dos seus
vetos foram relativos à
“questão palestiniana” ou aos
“territórios árabes ocupados”,
sempre em defesa de Israel. Há
ainda 12 relativos à “situação
no Médio Oriente”. Foi na
década de 80 que Washington
mais vetou (42). Adiou a
adesão à ONU do Vietname e
de Angola.
^ REINO UNIDO: 29 vetos
Só cinco vezes aplicou o veto
individualmente: foi nos anos
60 e 70 e sempre por causa da
Rodésia do Sul (colónia
britânica, futuro Zimbabué).
Em 13 vezes fê-lo em conjunto
com Estados Unidos e França,
nove só com os americanos e
em duas ocasiões com os
franceses.
^ CHINA: 17 vetos
Vetou 14 resoluções com a
Rússia. Bloqueou decisões a
solo três vezes: sobre a Antiga
República Jugoslava da
Macedónia, a paz na América
Central, e chumbou a adesão
do Bangladesh.
^ FRANÇA: 16 vetos
Vetou 13 vezes com Londres e
Washington, duas só com os
britânicos. Em 1976 bloqueou
sozinha uma resolução relativa
às ilhas Comores. M.M.
o Japão (poder económico),
este com garantida oposição
da China. Mesmo entre os eu-
ropeus, havia que partir pedra.
A Alemanha, motor económico
do continente, seria presença
evidente num CS reformado.
Mas em vez de alemães, france-
ses e britânicos individualmen-
te, não deveria estar a União
Europeia?
Um órgão antidemocrático
À parte o alargamento, Mon-
teiro insiste que o foco deve ser
colocado “no funcionamento
do CS e, sobretudo, no poder de
veto de cinco países, que trans-
forma o CS num órgão antide-
mocrático. Basta um membro
permanente estar em causa
para não só vetar as decisões
como usar a ameaça do veto
como meio de pressão para que
as negociações sigam em deter-
minado sentido”.
Que caminho seguir, então?
Conferir o veto a mais países ou
acabar com ele? Victor Ângelo
vaticina: “Um CS sem direito
de veto significaria que os cinco
países sairiam da ONU. O veto
é fundamental para os man-
ter dentro do sistema. Dá-lhes
uma espécie de escudo prote-
tor. Esses países têm grandes
interesses geoestratégicos, o
veto é maneira de terem um
mínimo de garantias de que
esses interesses serão defendi-
dos. Sejamos realistas: têm esse
direito e não vão abdicar dele.”
Tendo trabalhado 32 anos
na ONU, considera que uma
organização universalista não
dispensa um órgão mais res-
trito. “Quando foi concebido,
o CS tinha dois grandes obje-
tivos: evitar novo conflito en-
tre as grandes potências, por
isso os cinco mais importantes
ficaram com poder de veto; e
funcionar como órgão de deci-
são que permitisse resolver os
conflitos no resto do mundo.”
A guerra na Ucrânia prova que
estão por cumprir.
mmota@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 29
SUDÃO
Guerra
civil à
vista?
Conflito é entre
dois generais que
em dezembro eram
aliados. Cessar-fogos
têm sido violados
O que está a acontecer?
O Sudão está neste momento
a ser disputado por dois ge-
nerais que costumavam ser
aliados. Em outubro de 2021,
Abdel Fattah al-Burhan (chefe
das Forças Armadas e líder
de facto do país) juntou-se a
Mohammed Hamdan Dagalo
(líder do grupo paramilitar
RSF, ou forças de apoio rápi-
do) para levar a cabo um golpe
militar que bloqueou a tran-
sição do país africano para a
democracia, após mais de três
décadas de ditadura militar.
Agora, quatro meses depois da
assinatura de um acordo vago,
o RSF parece estar a tentar
afastar al-Burhan do poder.
Os confrontos começaram
no fim de semana na capital,
Cartum, com cinco milhões de
habitantes, e alastraram-se a
zonas residenciais. O principal
aeroporto do país está fechado
há seis dias.
Há vítimas?
Já morreram mais de 300 civis
e há mais de dois mil feridos,
segundo dados da ONU. Mi-
lhares de pessoas estão a fugir
de Cartum a pé ou de carro,
incluindo 320 soldados afe-
tos a Al-Burhan, que fugiram
para o Chade. Os cessar-fogos
acordados têm sido violados
e os combates estão a atingir
infraestruturas elétricas e hi-
dráulicas, deixando a popula-
ção sem água potável, comida
e eletricidade. A maioria dos
hospitais em Cartum está en-
cerrada e, segundo a OMS, há
relatos de “ataques armados
contra instituições de saúde e
sequestros de ambulâncias du-
rante o transporte de doentes,
com os médicos no interior”.
Há décadas que o país vive en-
tre conflitos vários, mas nunca
os confrontos tinham chegado
à capital. Segundo o cônsul ho-
norário de Portugal no Sudão,
há pelo menos 20 portugueses
no país e para já não é possível
evacuá-los.
O que está por
trás do conflito?
Desde que se tornou indepen-
dente, em 1956, o Sudão já pas-
sou por seis golpes de Estado e
outras 10 tentativas. Em 2019,
uma revolução popular fez cair
a ditadura militar do general
Omar al-Bashir, que à época já
estava acusado pelo Tribunal
Criminal Internacional pelo
seu papel no genocídio do
Darfur, onde mais de 300 mil
pessoas foram mortas. O país
ficou num limbo até à chega-
da ao poder do general al-Bu-
rhan, em 2021, através de ou-
tro golpe militar. Desde então
que o líder tem manifestado
a intenção de marcar eleições
legislativas e tornar o Sudão
numa democracia. Contudo, o
acordo que assinou com o RSF
em dezembro não resolvia vá-
rias das diferenças entre eles,
incluindo a integração do RSF
nas Forças Armadas do país.
Os dois lados também lutam
por recursos: as Forças Arma-
das controlam grande parte da
economia, mas o RSF tem vá-
rias minas de ouro, sobretudo
na região do Darfur, e financia
as suas atividades paramilita-
res dessa forma.
Tiago Soares
tsoares@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 21 de abril de 2023

Guerra Esta visão do mundo pare-

ce-me errada e simplista, pois
e Paz ignora o papel que as médias
potências sempre tiveram.
Também têm interesses e va-
Miguel Monjardino lores a defender. São agentes
guerraepaz.expresso@gmail.com
da política internacional. Al-
gumas, como a Polónia, são
cruciais do ponto de vista
Eclipse mental geopolítico. Varsóvia volta a
ser uma capital indispensável
da Europa na Europa.
Os polacos são dos grandes
importância dos investimentos
europeus na modernização das
suas forças armadas.
À primeira vista, a única coisa
que parece interessar aos de-
cisores polacos é a sua defesa
contra uma Rússia imperial. Do
ponto de vista histórico — e os
polacos têm uma longa memó-
ria —, as coisas são mais com-
plicadas. Hoje, o que muitos
temem na Polónia é a conver-
gência dos interesses da Rússia,
Tal explica a veemência das crí-
ticas polacas às declarações de
Emmanuel Macron após o seu
encontro com Xi Jinping, na
China, há uma semana.
Varsóvia decidiu que é do seu
interesse aprofundar relações
com Washington. Na sua re-
cente viagem a Washington,
o primeiro-ministro Mateusz
Morawiecki tornou claro que o
seu país quer estar integrado no
sistema industrial norte-ameri-
Com a NATO e o Velho Con-
tinente em processo de profun-
da transformação estratégica,
este deveria ser o ano da em-
patia política no Velho Conti-
nente, o ano em que começa-
ríamos a perceber melhor as
implicações da geografia, as
ansiedades e os interesses dos
diferentes membros da aliança
euro-atlântica. Empatia não é
aceitar tudo o que os outros
fazem. É, sobretudo, compre-

A
guerra da Rússia con-
tra a Ucrânia devia ter
melhorado os nossos
conhecimentos sobre
a geografia, história, a política
e defesa europeias. Duvido que
tal esteja a acontecer. Em Por-
tugal, tudo o que está a leste de
Berlim continua a ser terra de
dragões. Sabemos muito pouco
sobre o assunto.
Somos como os físicos teó-
ricos e cientistas políticos.
Queremos uma teoria final
que explique de forma simples
o que acontece na política in-
ternacional. A mais popular é
hoje a rivalidade entre a China
e os Estados Unidos. É, mais
uma vez, a época das grandes
potências que competem pela
supremacia.
sobreviventes da História eu-
ropeia. Com a Rússia a leste e a
Alemanha a oeste, o seu destino
foi muitas vezes trágico e a per-
da da independência frequente.
Esta experiência secular foi-lhes
útil para avaliar as intenções da
Rússia de Putin e as consequên-
cias da dependência energética
de muitos países europeus em
relação a Moscovo. Varsóvia
chamou ainda a atenção para a
Alemanha e França na Europa. cano e ambiciona ser uma das
principais potências militares
europeias. Considera que este
objetivo é fundamental para
Empatia é perceber conseguir o empenhamento
melhor a posição de Washington na defesa da
dos aliados que têm Polónia, a interoperabilida-
uma geografia e de das suas Forças Armadas
com as dos Estados Unidos e a
uma história muito credibilidade da dissuasão da
diferentes da nossa NATO entre o Mar Báltico e o
Mar Negro.
ender melhor a posição dos
nossos aliados que têm uma
geografia e uma história mui-
to diferentes da nossa. Tal é
essencial agora. Se quisermos
mesmo concretizar objetivos
comuns, não é do nosso inte-
resse manter o atual eclipse
mental na Europa. O objetivo
permanente de Portugal não
pode ser apenas sacar dinheiro
à União Europeia.

POLÓNIA 80 ANOS Leia no site a reportagem

do Expresso sobre as celebrações
da revolta no gueto de Varsóvia

Holocausto Nos 80 anos da revolta do gueto de Varsóvia, paralelos com a guerra da Ucrânia marcaram as celebrações

“O passado não é só passado”

Pedro
Cordeiro
em Varsóvia

N
as comemorações dos
80 anos da revolta do
gueto de Varsóvia,
esta quarta-feira, as
homenagens às víti-
mas e aos que fize-
ram frente aos nazis
foram acompanha-
das de referências à
guerra da Ucrânia. “Posso ficar em si-
lêncio quando assisto ao destino de Bu-
cha?”, perguntou o historiador Marian
Turski, nonagenário sobrevivente de
Auschwitz. O Presidente da Alemanha,
Frank-Walter Steinmeier, acusou o ho-
mólogo russo Vladimir Putin de “violar
os valores e destruir os fundamentos
da arquitetura da segurança europeia”.
Já o chefe de Estado polaco, Andrzej
Duda, recordou que muitos dos heróis
de 1943 eram filhos dos que tinham lu-
tado contra a União Soviética em 1920,
e voltaram a enfrentar a ditadura comu-
nista após a II Guerra Mundial.
“O futuro não é só futuro e o passado
não é só passado”, conclui Magdalena
Gawin, presidente do Instituto Pilecki,
em Varsóvia, dedicado a preservar a
memória do Holocausto para evitar
que se repita. Os seus arquivos incluem A 19 de abril de 1943, centenas de judeus resistiram à investida nazi que visava deportar
mais de 13 mil testemunhos recolhidos para campos de extermínio os 50 mil habitantes que ali restavam FOTO IMAGNO/GETTY IMAGES
entre 1944 e os nossos dias, num total
de 26 mil documentos que extravasam 2022 o Centro Lemkin para documen- política. É a primeira vez na História que militares russos, mas teve medo que a
três milhões de páginas. tar crimes de guerra na Ucrânia. Já o chefe de Estado da Federação Russa é filha que ia dar à luz ficasse estigmati-
O Expresso conversou com Gawin recolheu 774 relatos escritos e 529 em diretamente acusado” pelo Tribunal zada”, conta Leontyeva. Narcisos honram
na véspera da cerimónia na capital po-
laca. A 19 de abril de 1943, centenas
vídeo, sobretudo nos territórios ocupa-
dos, para onde enviou investigadores.
Penal Internacional. “O constante nas
guerras de agressão russas é a impuni-
Como começou para eles a guerra?
Onde estavam? Saíram do país? Que
rebeldes do gueto
de judeus resistiram à investida nazi Lemkin, de seu nome Raphael, foi o dade. É muito importante para proteger viram? Como reagiram? Nalguns casos
que visava deportar para campos de jurista que introduziu na Assembleia- a paz na Europa que os dirigentes polí- a narração vem com fotos ou vídeos Esta semana em Varsóvia muita
extermínio os 50 mil habitantes que -Geral das Nações Unidas o conceito ticos russos sejam responsabilizados”, captados pelos telemóveis dos próprios. gente usava uma flor de papel na
ali restavam. Igual sorte tinham tido de genocídio. insiste. E sublinha que a Rússia não é “Falam de tudo. De crimes de guerra, lapela. A tradição remonta a
centenas de milhares no ano anterior. “Putin quis roubar a identidade dos invencível, tendo perdido guerras para da destruição, da força exigida a quem Marek Edelman, último chefe da
No início da década o gueto chegara a ucranianos”, garante a coordenadora o Japão em 1905, a Polónia em 1920 ou passa duas semanas num bunker sem resistência judaica em Varsóvia em
ter 460 mil moradores. do Centro, Kateryna Leontyeva, que o Afeganistão na sequência da invasão água ou eletricidade. Contam episódios 1943, que sobreviveu, participou
O instituto tem o nome de um herói de 1979. Além da Guerra Fria. de resistência que dão esperança aos no levantamento antinazi do ano
da II Guerra Mundial: Witold Pilecki, demais”, conta a responsável do centro. seguinte e morreu na Polónia aos
polaco que aceitou infiltrar-se em Aus- “Ninguém quer ocupar a Rússia” Evoca, num raro instante divertido, 90 anos, em 2009. Durante muitos
chwitz para incentivar a resistência e
“Em 1941 ou 1942 muitos o caso da ucraniana que, quando os anos, Edelman recebeu um ramo
documentar as atrocidades do campo não acreditavam que fosse “Em 1941 ou 1942 muitos não acredita- russos lhe exigiram o leite da vaca que de narcisos amarelos a 19 de abril,
de extermínio. Cumprida a missão, fu- possível derrotar Hitler”, diz vam que fosse possível derrotar Hitler”, ordenhava todos os dias, conseguiu en- data do início da revolta do gueto.
giu e participou no levantamento de a investigadora Magdalena prossegue, embora reconheça que as si- chê-lo de laxante antes de lho entregar. Sem nunca saber quem lho
Varsóvia do outono de 1944, após o Gawin, que espera ver tuações não são iguais, até porque “nin- “Quando comecei a trabalhar a his- enviava, depositava o ramo no
qual foi preso. A derrota do Terceiro guém quer ocupar a Rússia a seguir.” tória da ocupação nazi, muita gente monumento aos heróis do gueto.
Reich não lhe trouxe liberdade, já que
Putin no banco dos réus Defende a importância da punição não dizia-me que era melhor esquecer. Já Há dez anos, o Museu Polin de
viria a ser executado pela nova ditadura como vingança, mas como dissuasão. não era importante, tinha acontecido há História dos Judeus Polacos,
de inspiração soviética, sob acusações Embora possam vir a ser usadas em muito tempo e era preferível olhar para passou a fabricar narcisos de
espúrias, em 1948. deteta ecos da ocupação soviética da tribunal, as histórias de terror que o o futuro”, atalha Gawin. Com familia- papel, que se abrem formando
Polónia. “Quando afirmou que a na- Centro Lemkin colige não são depoi- res vítimas do Holocausto, só em 2014 uma estrela de David, a mesma
“Traços de genocídio estão lá” ção ucraniana não existia, percebi logo mentos sob juramento, pois isso im- conseguiu autorização para ler arquivos que os judeus eram forçados a
que a guerra ia ser feia. Destruição da pediria a sua divulgação ao público. sobre a sua sorte. Quer, pois, assegurar usar pelos nazis. “De um símbolo
Se o triste fado de Pilecki, reabilitado cultura, dos monumentos, da religião, A proteção de dados obriga a estejam que todos possam ler tudo sobre o pior de exclusão fez-se uma forma de
postumamente nos anos 90 após a deportação de civis... os traços do ge- disponíveis nas instalações do institu- de que a Humanidade foi capaz, pelo homenagem”, frisa o historiador
democratização, parece dar razão ao nocídio estão lá.” to, não na internet, e omitindo o que menos no seu país. “É triste, mas mostra Dariusz Stola, ex-diretor do Polin,
aviso de Gawin, a invasão da Ucrânia Gawin, que foi secretária de Estado da o declarante não quiser ver divulgado. quão difícil foi a história da Polónia.” que o Expresso encontrou a
pela Rússia é, a seu ver, prova de que Cultura entre 2015 e 2021, acha possível “São pessoas que estão em perigo, e em pcordeiro@expresso.impresa.pt distribuir narcisos na cidade. P.C.
o mal pode sempre regressar. Por isso que Vladimir Putin e os seus venham conflito interno. Uma mulher queria
o instituto, que já estudava os anos a responder por crimes de guerra na declarar-se vítima de violação, tornan- O Expresso viajou a convite da embaixada
do comunismo, criou em fevereiro de Ucrânia. “É só uma questão de vontade do-se símbolo dos crimes sexuais dos da Polónia em Portugal
Expresso, 21 de abril de 2023
TRIBUNA BENFICA
Acordo Ex-presidente do Benfica assinou
declaração a garantir que o clube deve 10%
da transferência de Nuno Tavares a César
Boaventura. Clube não paga por não haver provas
Vieira quer
que Benfica
pague
€800 mil a
Boaventura
Hugo Franco
L
e Rui Gustavo
uís Filipe Vieira assinou
um documento em que
assume que o Benfica
deverá pagar 800 mil
euros ao empresário
César Boaventura. O
valor corresponde a
10 por cento da quan-
tia pela qual o jogador
Nuno Tavares foi vendido ao Arsenal,
em 2021. Na altura em que escreveu a
declaração, Vieira já tinha sido detido
por suspeitas de fraude e branquea-
mento no âmbito da Operação Cartão
Vermelho e até já se tinha demitido
da presidência da SAD benfiquista.
Boaventura não era empresário do
futebolista e, inicialmente, Vieira con-
siderou que o Benfica não lhe devia
qualquer valor. Mas depois de uma
conversa com Edu Gaspar, diretor
técnico do Arsenal, terá mudado de
ideias.
Este ano, Boaventura foi acusado
duas vezes pelo Ministério Público
(MP). Primeiro, por dez crimes de
burla, falsificação de documentos e
fraude fiscal por negócios considera-
dos suspeitos na Operação Malapata.
Dois meses depois voltou a ser acusado
de corrupção pelos procuradores do
Porto por tentar aliciar jogadores para
perderem contra o Benfica. Em ambos
os casos, o MP nunca provou a ligação
do clube encarnado com os alegados
Participação de todas as Entidades Reguladoras e de especialistas
e entidades nacionais e internacionais
Abertura: Presidente da Assembleia da República e Ministro das Finanças
Encerramento: Ministro da Economia e do Mar
9 e 10 de maio 2023 - Fundação Oriente, Lisboa
esquemas do agente, mas demonstra-
ram indícios de cumplicidade entre
Boaventura e Luís Filipe Vieira.
O início da era Rui Costa parece
ter alterado os termos da aliança,
mesmo que informal, que existia
entre o empresário nortenho, que
se encontra atualmente em prisão
domiciliária, e os principais respon-
sáveis da Luz. No final do ano passa-
do, quando as suspeitas da Justiça
já se adensavam contra Boaventura,
o agente fez saber que ia colocar o
Benfica em tribunal por não ter re-
cebido uma comissão de 10% a que
teria direito, que corresponde a 800
mil euros dos 8 milhões desse negó-
cio. Este dado foi confirmado pelo
seu requerimento de abertura de
instrução da Operação Malapata,
onde o empresário formaliza esse
descontentamento. E pelas escutas
telefónicas no processo, divulgadas
há um mês pelo “Público”.
EM NOVEMBRO DO ANO
PASSADO, LUÍS FILIPE
VIEIRA FOI A CASA DE
BOAVENTURA E ASSINOU
UM DOCUMENTO
DE UMA PÁGINA
Em conversas pelo WhatsApp com
Rui Pedro Braz, o diretor-desportivo
do Benfica, César Boaventura mostrou
preocupação por ter sido excluído no
negócio, não como representante do
lateral esquerdo mas como elemento
de ligação entre o Arsenal e o Benfica.
O empresário queixou-se que estava a
ser castigado pela relação de amizade
que tinha com o anterior presidente.
“Já sabes que comigo só há transpa-
rência, César. Não há brincadeiras. A
partir de agora, o Benfica entra numa
nova era. Que isto fique bem claro para
ti e para toda a gente”, respondeu-lhe
Rui Pedro Braz.
Benfica não paga
Em novembro do ano passado, Luís
Filipe Vieira foi a casa de César Boa-
ventura e assinou um documento de
uma página em que, como ex-pre-
sidente, assumia que o Benfica tem
obrigação de pagar uma comissão
de 10% ao empresário pelo negócio
da venda de Nuno Tavares ao Ar-
senal. O Expresso sabe que Vieira
explicou que aquele montante não
foi liquidado pelo clube encarnado
em 2021, porque na altura ainda não
tinha falado com Edu Gaspar, um
ex-jogador do Arsenal que é agora
diretor técnico do clube londrino e
desconhecia a intervenção de Boa-
ventura no negócio.
Trata-se de um documento confi-
dencial que é conhecido por um nú-
cleo reduzido de pessoas, mas que
Programa e inscrição: www.amt-autoridade.pt
cuja existência foi confirmada por
três fontes diferentes. Pelo menos
nesta fase, ainda não estará sequer
na posse do Ministério Público ou da
Polícia Judiciária.
Fontes ligadas ao processo garan-
tem que esse documento por si só
pode não ter qualquer valor legal, em-
bora tenha uma carga simbólica. “É
válido, mas não obriga diretamente o
Benfica a nada. Foi elaborado numa
altura em que quem o subscreve não
tem poder para nada. Mas deixa ao
Benfica um peso que torna o assunto
delicado de resolver.”
Uma dessas fontes refere que César
Boaventura quer por esta razão que o
ex-presidente do Benfica testemunhe
a seu favor em tribunal se vier a avan-
çar com uma ação judicial contra
o Benfica por causa deste negócio,
como prometeu há cinco meses.
O Expresso sabe que alguns ele-
mentos da estrutura encarnada
PARA O BENFICA, CÉSAR
BOAVENTURA NÃO TEVE
QUALQUER PAPEL NA
TRANSFERÊNCIA DE
NUNO TAVARES PARA
O ARSENAL EM 2021
PRIMEIRO CADERNO 31
Luís Filipe Vieira
assinou um
documento a dar
razão ao empresário
César Boaventura
no negócio de
Nuno Tavares
para o Arsenal
FOTO MARCOS BORGA
chegaram a perguntar a Luís Filipe
Vieira se o Benfica tinha, de facto,
de pagar ao agente a comissão de
10%. A sua convicção de que o clube
tinha mesmo de abrir os cordões à
bolsa foi reforçada numa alegada
conversa com Edu Gaspar, na qual
o dirigente do clube londrino lhe
terá referido que César Boaventura
intermediou, realmente, o negócio:
estabeleceu os contactos com o Ar-
senal e tornou possível a venda dos
direitos desportivos e económicos do
atleta. Também negociou o valor da
transferência.
Luís Filipe Vieira considera, por
isso, que o Benfica tem mesmo de pa-
gar aquele valor ao agente. A acrescer
a esta quantia, o Benfica ainda terá de
pagar 5 por cento a um empresário
do jogador que garantiu essa percen-
tagem de uma futura venda quando o
defesa assinou pelo clube da Luz.
Uma posição contrária à da atual es-
trutura encarnada, para quem César
Boaventura não teve qualquer papel
naquela transferência, não havendo
nenhuma prova de que o clube lhe
deve dinheiro com o negócio em ques-
tão ou que o agente tenha direito a
uma comissão.
Contactado pelo Expresso, o gabi-
nete de comunicação do Benfica não
quis, no entanto, fazer qualquer co-
mentário ao caso. As defesas de Luís
Filipe Vieira e de César Boaventura
também não quiseram prestar decla-
rações sobre o processo.
hfranco@expresso.impresa.pt
Organização
32 PRIMEIRO CADERNO
DIA MUNDIAL DA CRIATIVIDADE
A arte de “arranjar soluções novas”
pode ser estimulada ou limitada
Tese de doutoramento usou Bernardo Silva para estudar desenvolvimento do jogador criativo
Pedro Barata
Quando Bernardo Silva era
criança, a mãe deixava-o jo-
gar à bola dentro de casa. A
companhia constante fez com
que o objeto se tornasse “parte
do corpo” do menino, “outro
pé”, recorda a mãe. Mas não
só daquela paixão se fez a in-
fância do rapaz que Guardiola
classificaria como “extrema-
mente inteligente”, “adaptável
a tudo”. As brincadeiras com a
irmã mais velha puxavam pelo
cérebro e o empenho na esco-
la era “inegociável”, lembra o
jogador, a quem os pais aguça-
ram a curiosidade para outros
interesses além do futebol.
Os testemunhos de pais, an-
tigos professores e treinadores
e do próprio Bernardo foram
recolhidos por Francisco Far-
dilha na tese de doutoramen-
to que fez na Universidade de
Ciências da Saúde e do Despor-
to de Stirling, Escócia. Atual
diretor técnico do futebol fe-
minino do Bayern Munique,
procurou pistas para entender
a criatividade no desporto —
conceito com mais de 80 de-
finições académicas diferen-
tes — através da ligação entre
a ciência e a prática que está
associada à sua vida como diri-
gente e treinador.
Hoje, 21 de abril, é o Dia
Mundial da Criatividade, ca-
racterística que um estudo
norte-americano revelou ser
comum a muitos atletas de
elite. Partindo de exemplos
concretos, nomeadamente o
de Bernardo, Fardilha pro-
curou saber de onde vinha a
criatividade no futebol, como
se poderia problematizá-la na
formação e se está, como tanto
se ouve, em declínio.
Perguntando a jogadores que
se consideram eles próprios
criativos, constatamos que Fá-
bio Martins, driblador de pés
de seda do Al-Khaleej, da Ará-
bia Saudita, dá uma definição
que não se afasta do dicionário:
“É inventar, fazer coisas ines-
peradas, usar a imaginação”,
diz o ex-SC Braga. Pensamento
partilhado por Silas, ex-treina-
dor do Sporting e internacio-
nal português de perfume nas
botas, que destaca a “invenção
de soluções de jogo originais”.
Do recreio para o clube
A criatividade nasce ou é trei-
nada? Fardilha alerta que a res-
posta “mais científica” é, não
raras vezes, um “depende”,
aberto às nuances da realidade.
Mas lembra que há um “hábito”
de “endeusar a criatividade”,
associando-a a “uma magia que
nasce com o indivíduo”. No en-
tanto, “mesmo que possa ha-
ver algo inato — o que não está
comprovado —, sem o ambiente
certo para a desenvolver, uma
Fechar jovens
jogadores em bolhas,
não contactando
com realidades
e ideias extrafutebol,
pode limitar-lhes
a imaginação
pessoa tida como criativa pode
deixar de o ser”.
Silas abre o baú da infância,
quando jogava diariamente
na rua, sem “ninguém para
limitar a possibilidade de in-
ventar”. Se perdesse a bola,
ninguém o iria substituir. As
irregularidades do solo puxa-
vam pela mente e aprimora-
vam a técnica, conjugando os
dois fatores para ser criativo
elencados por Fábio Martins:
“Primeiro vem a cabeça e de-
pois tens de ter a técnica para
colocar os pés a responder à
imaginação.”
O estudo de Fardilha anali-
sou como uma multiplicidade
de fatores potenciou o cozi-
nhar de ideias em Bernardo.
Uma mãe que é professora de
moda, importando o lado es-
tético da vida, a valorização
de áreas extrafutebol, fazendo
com que a “obsessão positiva”
pelo jogo fosse “temperada
com outros interesses”, adi-
cionando “flexibilidade de pen-
samento”. O estímulo é dado
pelos estudos ou por outras
modalidades, como o ténis ou
o skimming.
Mesmo o físico baixo e magro
do médio total do City, tantas
vezes apontado como possível
fraqueza, adicionou virtudes
na feitura do jogador. Atuan-
do desde cedo contra quem
era mais alto ou musculado,
Bernardo teve de desenvolver
estratégias mentais e motoras
para contrariar essa inferio-
ridade, dando sentido à ideia
de que “ser criativo é arranjar
soluções novas para os proble-
mas”, como diz Francisco.
Mas o que pode ser aguçado
também pode ser limitado. Um
treinador de formação que es-
teja numa condição profissio-
nal precária poderá ter como
principal motivação melhorar
a sua situação, pensando que,
para isso, o método mais eficaz
será a obtenção de resultados
desportivos imediatos. Para o
conseguir, castrará a possibili-
dade de os jovens arriscarem,
tentarem, cometerem erros.
Muitos jovens de academias
que Fardilha ouviu disseram
que era o recreio da escola o
laboratório de experimentação
que usavam, o pátio para novas
fintas. Lá não eram observados
por treinadores nem condicio-
nados por requisitos do trei-
no. “É essencial haver espaços
de liberdade fora do clube”,
aponta, desaconselhando que
os emblemas proíbam os jo-
vens de jogar na escola, com
medo de lesões ou de cansaço.
A pressão para a “profissio-
nalização precoce” é algo que
preocupa o autor do estudo.
A existência de turmas so-
mente compostas por joga-
dores da mesma academia,
resultado de protocolos entre
instituições de ensino e despor-
tivas, pode ser negativa. Estan-
do a “criatividade relacionada
com a associação de ideias dife-
rentes”, diz Fardilha, fechar os
meninos e meninas em bolhas
retira estímulos que advêm da
interação com pessoas diferen-
tes, de áreas — o Benfica inte-
gra aulas de dança na sua for-
mação — e géneros diferentes,
que levam o cérebro a abrir-se.
Um conceito fluido
Fábio Martins, conhecido pelos
passes de letra ou a construção
de túneis entre pernas, aponta
Fernando Valente como o trei-
nador que mais lhe puxou pela
criatividade, pela “liberdade”,
que dava para “ir para cima e
arriscar”. Silas, com 236 jogos
na I Liga como jogador e 77
Francisco Fardilha
considera que
a criatividade
é um conceito
fluido, que tem
vindo a evoluir
ao longo do tempo
como técnico, destaca Bruno
Fernandes, no Sporting, e Fre-
dy, no Belenenses, como imagi-
nativos que orientou.
Um dos pontos de partida
para o trabalho de Francis-
co Fardilha foi a repetição da
ideia de perda de criatividade.
O dirigente do Bayern enten-
de o conceito como fluido, em
evolução ao longo do tempo, e
até considera haver mais mar-
gem para criativos: “Já não é
só a criatividade do número
10. Vemos laterais que não
são só defesas, como o João
Cancelo, ou guarda-redes
que fazem a diferença pelas
soluções com os pés, como o
Ederson. Dentro de um papel,
podem-se desempenhar várias
funções.”
Bernardo Silva é o
exemplo de um jogador
criativo: o médio
cresceu num ambiente
que valoriza áreas
extrafutebol FOTO DAVID S.
BUSTAMANTE/SOCCRATES/
/GETTY IMAGES
Fardilha pede que se acabe
com o “mito” de que os defesas
não podem ser criativos, sendo
somente figuras passivas. Si-
las concorda, até porque, diz
o treinador, há a criatividade
ofensiva com bola, a ofensiva
sem bola, e também a defensi-
va, onde se podem igualmente
gizar planos inovadores.
Sendo o futebol uma expres-
são cultural, a criatividade no
jogo está, também, relaciona-
da com esses aspetos. Socie-
dades que sobrevalorizem a
hierarquia e a disciplina e des-
prezem o arrojo serão terreno
menos fértil para quem ouse
ser diferente. “Olhando para a
motricidade humana, é muito
importante não analisarmos só
a motricidade mas também a
parte humana”, avisa Francis-
co. Nesta dimensão, alerta-se
para as diferenças nos jovens,
que não jogam sempre na rua.
No entanto, o autor da tese
recusa cair no “saudosismo”
e aponta a falta do futebol de
rua como acontecimento que
levará à inevitável perda do jo-
gador criativo. Serão precisos
os clubes ou aulas de Educação
Física para dar as experiências
motoras de outrora, mas “hoje
podem ir ao YouTube e ver to-
das as fintas do Ronaldinho
para se inspirarem e criarem
as próprias adaptações”, diz.
Entendendo a criatividade
como um processo de aprendi-
zagem não linear, com estímu-
los de diversa ordem, Francisco
Fardilha termina recorrendo
a Vítor Frade: “Se calhar há
menos criatividade, mas nunca
como agora foi tão necessária.
Há cada vez menos incenti-
vos para o risco, mas nunca a
capacidade de arriscar foi tão
valorizada, porque há mais
jogadores com competências
básicas iguais e menos diferen-
ciação.” A pressão do dinheiro,
que pode desincentivar o risco,
é também aquilo que faz dos
que criam e decidem encontros
os mais bem pagos.
pmbarata@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
BENFICA
As duas
semanas
terríveis
do Benfica
De campeão nacional
já anunciado e candidato
à final da Champions, 15
dias bastaram para mudar
a realidade encarnada
Quanto o mundo pode mudar
em duas semanas é a questão
que pairará em loop na cabeça
de muitos benfiquistas, que a 7
deste mês acordaram com a le-
veza de quem poderia nesse dia
passar a ter 13 pontos de vanta-
gem para o FC Porto no campeo-
nato e com a perspetiva de um
embate nos quartos de final da
Champions com o Inter que, face
ao momento das duas equipas,
abria portas a glórias europeias
há muito não vistas pela Luz.
No final desse dia já o Benfica
tinha apenas 7 pontos à maior,
depois da inequívoca vitória
dos dragões em casa do rival,
uma vitória em toda a linha em
termos de estratégia e por isso
com muito mais consequências
que uma simples perda de pon-
tos. E, a partir daí, a tempora-
da quase perfeita do Benfica de
Roger Schmidt entrou no seu
lado lunar, mudou de face. Duas
semanas depois dessa sexta-feira
pouco santa para os encarna-
dos, a equipa que podia sonhar
com tudo tem apenas 4 pontos
de vantagem para o FC Porto,
após uma derrota nos derradei-
ros momentos do jogo da última
jornada da I Liga com o Chaves,
e na quarta-feira caiu na Cham-
pions. À derrota em casa por 2-0
há uma semana seguiu-se um
empate 3-3 no estádio do Inter
que colocou assinatura por baixo
em duas semanas terríveis para
o Benfica. Quanto pode o mundo
mudar em 15 dias? Tudo isto.
Cansaço “tático e emocional”
Não haverá uma explicação defi-
nitiva para o quão pode implodir
uma equipa que parecia seguir
já em velocidade de cruzeiro
para conquistar o campeonato e
fazer um brilharete qualquer na
Europa. Algo parece certo: a úl-
tima paragem para as seleções,
em finais de março, não ajudou,
e no primeiro jogo após o regres-
so aos trabalhos, frente ao Rio
Ave — vitória magra por 1-0 —, já
se viu “um Benfica mais cansado
no plano tático e emocional”, diz
o analista Tomás da Cunha. A
pressão alta, fundamental para
o sucesso da estratégia de Ro-
ger Schmidt, perdeu “eficácia”,
explica Francisco Sousa, comen-
tador na Eleven.
A falta de arrojo na “leitura
tática e antecipação estratégica”
por parte do treinador alemão
em jogos de maior exigência
também é apontada por Tomás
da Cunha como uma das razões
para a quebra, numa equipa
onde há pouca rotação e parcas
opções de confiança no banco
para Schmidt, o que está a ter
“impacto do ponto de vista físico
e emocional”. A falta de resposta
dos jogadores em termos men-
tais estará ligada “à prudência e
conservadorismo de Schmidt na
hora de mexer na equipa”, frisa
Francisco Sousa.
O momento virou, e as próxi-
mas semanas serão fulcrais para
escrever a história do Benfica
esta temporada. Deixar fugir o
campeonato seria um desastre
histórico, um colapso nunca an-
tes visto. Os 4 pontos de vanta-
gem serão, mais do que confor-
to, a boia de salvação da época.
Lídia Paralta Gomes e P.B.
lpgomes@expresso.impresa.pt
Expresso, 21 de abril de 2023
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1930-2023 Mary Quant fica para a História como uma mulher que percebeu
que as mulheres queriam ser livres para fazer o que muito bem lhes apetecesse
Mary Quant
A
s probabilidades de o
reconhecimento do
talento chegar cedo
na vida são reduzidas.
A tendência humana consiste
em demorar a digerir os feitos
precoces e a tardar em aplaudir
quem fez uma descoberta cedo,
percebeu algo novo cedo, es-
creveu uma obra-prima cedo. O
mundo precisa de tempo para
perceber se aquilo que parece
excecional o é realmente, ou se
se trata de uma repetição sem
nada a acrescentar. Por vezes,
nem sempre o reconhecimento
chega em tempo útil, duran-
te a vida imperfeita como é a
de todos nós, os ainda vivos. O
caso do poeta John Keats, de-
saparecido aos 25 anos, tendo
produzido e publicado 44 poe-
mas sem fazer ideia de que até
hoje seriam lidos e estudados é
exemplo disso. Ninguém jovem
anseia por uma vida perfeita,
com o ciclo a ser prematura-
mente fechado, deixado na ig-
norância se o seu melhor mo-
mento poderia ter sido outro. A
longevidade adia a perfeição ao
oferecer possibilidades diárias
de acertar e errar.
Foi precisamente aos 25 anos
que o reconhecimento chegou
para Mary Quant que, em 1955,
abria uma loja em King’s Road,
no bairro londrino de Chelsea,
antecipando o que seria uma
década de 60 em Inglaterra
plena de mudanças liberta-
doras sobretudo para as mu-
lheres. “A moda tem a função
de antecipar o que aí vem”,
observava Mary Quant numa
entrevista em 1985, enquanto
o entrevistador se debatia com
uma questão que claramente
não interessava à estilista: seria
a moda uma reação aos acon-
tecimentos sociais? Num mo-
mento de quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha, Quant não
se impressiona e responde, de
certa forma e sem hesitar, que
é o ovo, porque apesar de todo
o passado do pós-guerra, das
saias compridas, dos corpetes,
dos chapéus, da roupa que her-
dava de familiares e detestava,
o que lhe interessava era o que
aí vinha. E o futuro daí a uns
meros cinco anos seria uma
revolução de pernas à mostra,
cores vivas nos collants e nas
gabardinas de PVC, botas até
Obituário
Joaquim Pessoa
1948-2023 Não lembrar
‘Amélia dos Olhos Doces’ é
quase impossível, mas é pouco
sabido que o poeta escreveu
esta letra após passar por uma
prostituta na rua, como contou
Carlos Mendes ao “Diário de
Notícias”. Ao longo da vida
Pessoa colaboraria com Carlos
do Carmo, para quem escreveu
o hino ‘Lisboa Menina e Moça’;
Jorge Palma, José Mário
Branco, Fernando Tordo e
Paulo de Carvalho. Formou-se
em Marketing e Publicidade,
área na qual se destacou.
É autor de programas de
televisão como “Rua Sésamo”,
“1000 Imagens” e “45 Anos
ao joelho e sapatos confortá-
veis. Os penteados também
se libertavam, embora de um
modo aparentemente contrain-
tuitivo, em cortes curtos e re-
tos, com franjas compactas e
cortadas a direito. É certo que
os cabelos se libertavam dos
caracóis ripados em mises com
laca, mas apesar de o seu pro-
pósito ser o de lavar e secar,
porque não há tempo a perder,
pareciam bem-comportados.
No fim do primeiro quinto
da sua história de vida, Mary
Quant chega ao seu ponto
alto. É aquele momento por
que é mais conhecida, como
inventora da minissaia, um epí-
teto que nunca aceitou. Mas
como chegou a abrir uma loja
de roupa em Chelsea, aos 25
anos de idade? Barbara Mary
Quant nasceu em Blackheath,
em Londres, em 1930. Os pais,
John e Mildred, eram irlande-
ses, professores, gente traba-
lhadora, e queriam para Mary
e Tony, o seu irmão, o sossego
de uma vida profissional tra-
dicional. Acontece que Mary,
herdeira de roupas com que
“não se identificava”, como ob-
servou, experimentava e cos-
turava sobre essas peças que
recebia. Queria estudar moda.
Ganhou uma bolsa para estu-
dar na Goldsmiths. Acabou por
estudar ilustração, mas o acon-
tecimento que mudaria a sua
de Publicidade em Portugal”.
Foi artista plástico, estudioso
da arte pré-histórica, diretor
da Sociedade Portuguesa de
Autores, do jornal “Poetas
& Trovadores” e da Litexa
Editora. E cofundador da
cooperativa Toma Lá Disco.
Como poeta, o primeiro livro
data de 1975 (“O Pássaro no
Espelho”) e, ao todo, a sua
obra poética soma 34 volumes,
como “O Livro da Noite”, de
1981, “O Amor Infinito”, de
1982, e “Por Outras Palavras”,
de 1990, além de “Vou-me
Embora de Mim”, de 2000,
sobre o qual José Jorge Letria
disse ser “um livro (...) que
pensa o próprio pensar”. Fez
parte de uma trintena de
antologias, tendo-se em 2001
iniciado a publicação integral
da sua “Obra Poética”. Foi
acusado e condenado por uma
burla ao BPN devido a uma
coleção de arte egípcia que
não era verdadeira. Dia 17, de
cancro.
Luciana Leiderfarb
seria mais um local frequen-
tado por tout le monde, como
Bardot ou os Beatles.
Mary Quant nunca reclamou
para si o título de “criadora da
minissaia”, embora seja consi-
derada a grande inventora des-
sa revolucionária peça de roupa.
Numa entrevista, lembrou que
viu a primeira minissaia quando
era ainda criança, numa rapa-
riga que fazia sapateado com
uma saia curtíssima e collants
pretos. Gostou daquele look,
tanto que nunca o esqueceu. O
FOTO KEYSTONE/GETTY IMAGES
estilista francês André Courrè-
ges afirmou ter sido o primeiro
a exibir minissaias num desfile
em 1964, mas qualquer histo-
riador de moda lembrará que,
em 1955, as saias à venda na
Bazaar tinham a bainha subida.
A própria Mary Quant usava
a minissaia como imagem de
marca, mas insistia que tinham
sido as raparigas nas ruas de
vida seria conhecer Alexander Londres que a tinham inven-
Plunket Greene, primo do filó- tado e que lhe pediam para
sofo Bertrand Russell e amigo subir a bainha mais e mais. É
de Evelyn Waugh. Tinham em possível que o nome miniskirt
comum uma excentricidade tenha sido inventado por Mary
que ia além da normal numa Quant que, apesar do pouco
juventude artística. Nunca jeito inicial para o negócio, foi
mais se largaram e quando co- das primeiras estilistas a criar
nheceram Archie MacNair, um uma marca com um logótipo,
advogado que tinha um estúdio uma margarida branca e preta.
de fotografia, os dois herdeiros Em 1963, lançava uma linha de
investiram 5 mil libras cada um roupa mais barata e também
na compra de um edifício em uma marca de cosméticos que
King’s Road. Mary Quant, que sobreviveria ao ready to wear.
na altura trabalhava numa mo- E para que servia a minissaia?
dista de chapéus, despediu-se e Segundo Quant, “uma rapari-
os três abriram a Bazaar. ga tinha de poder correr para
A loja tornou-se o ponto de apanhar o autocarro”. Podia
encontro do youthquake, o que usar-se com botas ou sapatos
dá uma ideia precisa do que se baixos ou de salto. Mary Quant
estava a passar: um autêntico escreveria na sua autobiografia
terramoto de cor e liberdade que “a minissaia simbolizava a
de movimentos nos jovens. A década de 60, a emancipação
moda era para os mais de 35 das mulheres, a pílula, o início
anos. Porém, nenhum dos fun- do movimento da libertação
dadores da Bazaar sabia gerir feminina”. Uma simples peça
um negócio em que as vendas de roupa pode revolucionar o
de hoje serviam para comprar mundo, mas era preciso que a
o tecido para fazer os vestidos estilista a usasse com alegria e
de amanhã. Não existia uma descontração, como fez Mary
produção em massa, mas os Quant, quando usou o seu ves-
preços a que os produtos eram tido preferido, Banana Split,
vendidos eram demasiado bai- uma imagem imortalizada num
xos. Depois da abertura da Ba- selo de correio. Quant não fica
zaar, o casal Mary e Alexander, só na história da moda. Fica
casados toda a vida, pais de um para a História como alguém
filho, Orlando, que se tornaria que percebeu que as mulheres
o gestor do legado da mãe, e queriam viver a vida com a li-
avós de três netos, abriram um berdade que durante séculos
restaurante, o Alexander’s, que lhes fora negada.
Por Rui Gustavo
> João Bonifácio Serra (1929-
2023), historiador e professor,
foi a cara do projeto Guimarães
2012 Capital Europeia da Cultu-
ra. Especializou-se e escreveu
várias obras sobre a Repúbli-
ca e foi chefe da Casa Civil do
Presidente Jorge Sampaio. Dia
19, de causas não reveladas.
Djunga de Biluca > Billy Waugh (1929-2023), mili-
tar americano, tentou alistar-se
1929-2023 Nome artístico no Exército para combater na II
de João Silva, cabo-verdiano Guerra Mundial mas o facto de
do Mindelo que emigrou ter 16 anos foi um impedimento
ainda jovem para os Países inultrapassável. Era o padrinho
Baixos onde trabalhou como dos boinas verdes, foi dado como
eletricista na Philips. Vivia em morto numa troca de tiros no Vi-
Roterdão e foi nesta cidade etname, treinou tropas no Laos
que fundou a Morabeza e no Vietname do Sul e depois
Records, primeira editora de de ter saído do Exército tentou
morna que divulgou nomes uma carreira como carteiro. Foi
como Cesária Évora, Bana recrutado pela CIA e participou
e Bonga. Numa entrevista na operação de captura do ter-
ao “Contacto”, contou que rorista Carlos “Chacal”. Inven-
foi Amílcar Cabral, o pai tou a técnica Halo, que consiste
da independência de Cabo em saltar de um avião de grande
Verde, quem o encarregou de altitude e abrir o paraquedas
“afirmar” a cultura de Cabo no limite máximo para evitar a
Verde no mundo. Dia 17, de deteção. Dia 4, de causas não
causas não reveladas. reveladas.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
Novo aeroporto
Desde 2015 que ando a “lutar”
para que Tancos seja incluído
na lista dos lugares em estu-
do para a construção do novo
aeroporto. Não tenho dúvidas,
que do interesse verdadeira-
mente nacional é o lugar certo.
O agora deputado João Moura
fez estudos em 2017/18 e pro-
moveu em Tomar uma reunião
pública, com vários oradores
especialistas na matéria. O go-
verno, autarquias e cidadãos
em geral fizeram orelhas mou-
cas e continuam. Já fiz publicar
vários artigos em jornais diários
de âmbito nacional e regional,
sem grande efeito. Espero
que com a força do Expresso
resulte fumo branco. Tancos
tem tudo no que respeita a in-
fraestruturas, os terrenos estão
disponíveis, é muito barato e
rápido construir ali um aero-
porto. Está muito perto do cen-
tro geográfico do país, em zona
pouco povoada e desfavorecida;
também por isso, não tem po-
der reivindicativo. Resta-nos a
proximidade de Fátima. Talvez
um milagre?
Guilherme Duarte, Vale Cabeiro
Fukushima
mal retratado
Na edição de 14 de abril escreve
Salomé Fernandes, a propósi-
to da devolução ao Pacífico, de
forma responsável e faseada,
de água tratada pelos japoneses
após o acidente de Fukushima:
“Ao sismo seguiu-se um tsu-
nami e a tragédia continuou a
agravar-se num dos piores de-
sastres nucleares de que há a
memória. Morreram mais de
18 mil pessoas e mais de 150 mil
viram-se forçadas a abandonar
a zona.” Desta forma, parece
que o acidente nuclear matou
18 mil pessoas, mas os registos
efetivos de mortos no acidente
variam entre 0 e 1, dependen-
do se um idoso com cancro e
que morreu depois do desastre
morreu do cancro ou do desas-
tre. São dados das autoridades
japonesas e das Nações Unidas,
e em absoluto contraste com a
ideia repetidamente propala-
da de 18.000 mortos, que fo-
ram reais mas não por causa
do acidente nuclear. Quanto às
150 mil pessoas que se viram
forçadas a abandonar a zona,
elas foram forçadas porque o
governo japonês assim o decre-
tou, mas por regras baseadas
em estimativas antiquadas dos
riscos da radiação de baixa
dose. A generalidade dos da-
dos científicos recentes mostra
que os riscos são muitíssimo
menores do que os que foram
estimados a seguir ao reben-
tamento da bomba atómica e
que ainda norteiam as decisões
de comissões de proteção que
existem pelo mundo fora. Onde
efetivamente ocorreu mortali-
dade foi nas pessoas que foram
deslocadas, porque ao serem
desenraizadas à força muitas se
tornaram drogadas, alcoólicas,
depressivas e suicidas, estando
a contabilização do número de
mortes em excesso resultantes
da deslocação forçada acima
de 3000. A questão séria das
radiações de baixa dose é cienti-
ficamente difícil, mas os alertas
catastrofistas que repetidamen-
te têm sido lançados nunca se
confirmam. Por exemplo, bem
PRIMEIRO CADERNO 33
à vista, a vida de grandes ma-
míferos em redor da central de
Fukushima, que supostamente
iria ser eliminada pela radioa-
tividade libertada, encontra-se
pujante e não houve perturba-
ção genética da descendência
nem da descendência de for-
ma significativa. Parece que os
sistemas naturais que os seres
vivos têm de recuperação do
dano da radioatividade deram
essencialmente conta do reca-
do, permitindo que as popu-
lações de grandes mamíferos
vivam felizes e saudáveis nas
zonas contaminadas. O pânico
irracional à volta de Fukushi-
ma, que artigos como este man-
têm vivo, teve consequências
trágicas, ao levar os alemães a
dependerem do gás russo que
facilitou a decisão de Putin in-
vadir a Ucrânia. Está mais do
que na altura de revermos de
forma racional e sensata esta
questão.
J. P. Cansado Carvalho, Lisboa
It’s the economy...
Que dizer das recentes tomadas
de posição de Polónia, Eslová-
quia e Hungria relativamente à
quebra do acordo que aboliu as
tarifas de importação de certos
bens alimentares da Ucrânia,
com Bulgária e Roménia a anun-
ciarem-se como os “senhores a
seguir” na mesma linha? Fica
bem patente a falta de coorde-
nação e de liderança da Comis-
são Europeia, que, aquando do
estabelecimento destas regras,
deveria ter acautelado mecanis-
mos de coação, e previsto que a
unidade europeia sempre tem
os seus limites. Infelizmente,
mais uma vez se verifica que,
enquanto se tratar “apenas” da
morte de cidadãos, somos todos
solidários e tudo irá bem... se
se não mexer muito nos bolsos
dos contribuintes que, ao fim e
ao cabo, serão os protagonistas
nas próximas eleições. Regis-
te-se ainda que não fica nada
bem aos governantes de Kiev
virem dizer à UE “o que deve
ser feito incondicionalmente”,
como fez o ministro da Agricul-
tura ucraniano, Mykola Solsky.
É que podem passar por pobres
e mal-agradecidos.
José A. Rodrigues, Vila Nova de Gaia
Servir a todos
As câmaras continuam a admi-
tir pessoal, seja em programas
ocupacionais de curto e médio
prazo, sobretudo quando se ins-
talam no poder camarário no-
vos presidentes de diferente cor
política, não há nem redução
do número de funcionários. Na
maioria das vezes são admitidos
mais funcionários, sem se saber
mesmo o que vão fazer; o im-
portante é, sobretudo, agradar,
assegurar uma base estável e
alargada de apoio para ganha-
rem as próximas eleições: o que
se pretende é assegurar a ree-
leição. Isto é mais notório em
todas as câmaras pequenas, são
imensas as câmaras pequenas,
onde é muito difícil, impossível
mesmo, dispor de serviços ter-
ciários, não se consegue encon-
trar um carpinteiro, um canali-
zador, um eletricista, um pintor,
um pedreiro capaz — a maioria
da população tem emprego na
câmara, tem emprego mas não
tem trabalho. Há serviço públi-
co mas não há serviços para a
população; haverá sim forma
de se alterar esta situação e vi-
vermos todos melhor, com mais
qualidade e com mais e melho-
res serviços disponíveis no dia
em que as câmaras municipais
abrirem serviços para o povo,
para servirem toda a população
que deles necessite.
Fernando Costa Pereira, Lisboa
34 PRIMEIRO CADERNO
Boaventura Sousa
Santos quer fazer
estudo sociológico
das nádegas
do protesto na
cerimónia do PS
“O estudo académico da interven-
ção política interessa-me muito,
em especial a que utiliza novas pla-
taformas de protesto como as re-
des sociais ou as nádegas”, expli-
cou-nos Boaventura Sousa Santos
depois de perscrutar exaustiva-
mente todas as fotos disponíveis
dos rabos exibidos, na quarta-fei-
ra, num evento do PS. Boaventura
pretende conduzir “uma investiga-
ção multidisciplinar e holística de
glúteos, iniciando o processo cien-
tífico, como manda a boa prática,
pela seleção aturada de nádegas
para estudo”, explicou-nos o soció-
logo, que ainda confessou que “já
não há cu para a sociologia tradi-
cional”. M.B.
Portugueses
exigem IVA zero
nos Certificados de
Aforro que são bens
de primeira
necessidade
A Associação de Certificadóma-
nos Anónimos, que junta pessoas
viciadas em investir em produtos
de poupança de taxa fixa, quer que
o Governo inclua os Certificados
de Aforro na lista de IVA a 0%.
“Ouça, tinha 100 mil euros em de-
pósitos a prazo que davam uma
miséria em juros, quase nem dava
para jantar fora uma vez por se-
mana”, explica uma aforradora de
75 anos que, desde que descobriu
os Certificados de Aforro, não
quer outra coisa. Há dias em que
chega a fazer duas e três aplica-
ções. O Governo está a estudar
essa possibilidade e promete uma
resposta em breve depois da pró-
xima sondagem. Tem ainda outras
reivindicações para analisar: pro-
gramas de televisão que não se-
jam patéticos, partidos de oposi-
ção e golos do Benfica. A.P.
Membros das
tunas académicas
de Coimbra
indignados com
Boaventura de Sousa
Santos a quem
aparentemente
todas as mulheres
convinham
Os membros das tunas académicas
de Coimbra ficaram chocados ao
descobrir que, a crer pelas denún-
cias vindas a público, o conterrâneo
Boaventura de Sousa Santos, autên-
tico deão da universidade, não terá
qualquer pejo em andar na rua com
a ativista marxista gorda, com a in-
vestigadora em neocolonialismo
magra ou com a militante do Bloco
de Esquerda bulímica, querendo, ai,
ai, ai, tê-las ao pé de si. O antigo e fa-
moso dux veteranorum da Universi-
dade de Coimbra já reagiu ao caso e
manifestou pesar que semelhante
escândalo tenha envolvido um jo-
vem da sua geração, como Boaven-
tura de Sousa Santos. V.E.
Reformados
estrangeiros
em Portugal
também querem
aumento intercalar
de pensões
O aumento intercalar de pensões
anunciado esta semana pelo pri-
meiro-ministro apanhou de sur-
presa milhares de reformados ri-
cos estrangeiros que vivem em
Portugal. Nenhum fala português
suficientemente para acompanhar
a conferência de imprensa e só
souberam porque um deles, resi-
dente no Algarve, conseguiu perce-
ber através da linguagem gestual.
José
Sócrates
Lula deve discursar no
Parlamento a 25 de Abril?
Talvez sim
O Ministério Público, fato notório,
é uma entidade perversa, prima
pela via genética dos orcs de “O
Senhor dos Anéis” e herdeira
moral da Inquisição e dos fiscais
de estacionamento. Mas não é
essa narrativa que me traz aqui.
Defendo há muito, no devido
fórum (YouTube), que os oradores
do 25 de Abril deste ano deviam
ser os implicados na Lava Jato,
seguindo-se, para haver igualdade
democrática, os arguidos da
Operação Marquês e as nádegas
do protesto de anteontem no PS.
Se não for possível, que avance
uma personalidade idónea como
Armando Vara ou Manuel Pinho.
Tudo de bom.
Se não aconteceu, podia ter acontecido
Nº 68 SÉRIE II O DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
Estes reformados estrangeiros
querem iguais direitos aos portu-
gueses e exigem também, por isso,
um aumento a partir de julho. En-
viaram um e-mail a reivindicá-lo
para o gabinete de António Costa
MARCELO TEVE ASSESSORIA DE PESSOA DE ESQUERDA donde receberam uma resposta
automática: “Obrigado pela sua
PARA ESCREVER “PÁ” NO DISCURSO DO 25 DE ABRIL mensagem. O primeiro-ministro
não pode responder de imediato
O Presidente da República foi obrigado a fazer uma contratação externa de por estar deveras ocupado a execu-
emergência, quando redigia o discurso de 25 de Abril, ao perceber que não tar o PRR, a anunciar medidas para
tinha uma única pessoa na sua equipa de apoio capaz de colocar apoiar os portugueses e a aprender
corretamente um “pá” numa frase. É uma lacuna de recursos humanos há uma receita de moqueca para rece-
muito identificada, mas, felizmente, um assessor do Palácio de Belém tem ber Lula da Silva.” A.P.
uma prima de esquerda que diz “pá”, anda de cacilheiro, come bifanas e
nunca foi a uma reunião do grupo de Bilderberg. M.B.
GOVERNO UTILIZA
AUMENTO DA
RECEITA DO IVA
PARA BAIXAR O IVA
António Costa decidiu adotar o conceito económico de pescadinha
de rabo na boca, que cruza três lamirés da Escola de Chicago com
cinco teorias do Preço Certo e meia-dúzia de coisas que ocorreram a
Fernando Medina numa noite de gastroenterite ligeira, e aplicou a
fortuna que arrecadou em IVA, graças à inflação, na taxa zero do IVA
para o grão-de-bico. E as benesses não ficam por aqui: os
pensionistas terão direito a um aumento intercalar das pensões, para
comprarem bonés quando forem ver o Papa e/ou os Coldplay, e os
funcionários públicos levam 1% de aumento extra e mais meia batata
no subsídio de refeição. E - viva o luxo! - cada português receberá
uma dúzia de sardinhas com o reembolso do IRS. M.B.
Expresso, 21 de abril de 2023
Américo
Tomás
Talvez nunca
Certa vez, fui a Manteigas. Terra
heteroclítica, que, estando numa
cova, se encontra a 700 metros
de altitude. Vem isto a propósito
do buraco em que Portugal se
acharia se o Presidente do Brasil
fosse arengar aos parlamentares
no 25 de Abril, dia que leva esse
número, lá está, por vir na
sequência de outros 24 que o
antecederam. O cavalheiro Lula
que vá antes discursar, numa cela
do Tarrafal ou do Aljube, na
companhia de 218 dos 230
deputados da Assembleia
Nacional. A Bem da Nação, etc.,
etc. Podem, agora, tocar o hino
na grafonola. Américo deixou o
edifício. M.B.
António Costa foi a
dois supermercados
e encontrou Pedro
Nuno Santos que
agora trabalha como
caixa num deles
António Costa decidiu fiscalizar a
descida do IVA em dois supermerca-
dos em Lisboa e num deles encontrou
a trabalhar na caixa número 3, como
sempre acabada de abrir, Pedro Nuno
Santos, o ex-delfim socialista caído
em desgraça e que nesse mesmo dia
foi despedido porque, quando o ge-
rente estava ausente a controlar a re-
posição dos frescos, anunciou que o
supermercado de Lisboa seria subs-
tituído pelo mercado municipal do
Montijo até 2026 e por uma loja de
frutas do paquistanês, numa rua es-
consa de Alcochete, em 2035. Tendo
ficado mais uma vez sem emprego,
Pedro Nuno Santos foi apoiado pela
amiga Ana Abrunhosa, que lhe levou
as sobras do jantar comemorativo
dos 50 anos do Partido Socialista. V.E.
Festa de anos do PS
teve after-party muito
exclusiva para apenas
8 mil boys e girls
O IP assistiu à festa de aniversário
do PS, da varanda de um prédio em
frente, e viu Carlos César a certifi-
car-se que José Sócrates não iria sair
de dentro do bolo. António Costa,
no discurso, admitiu que a carga fis-
cal aumentou 15% em 2022, mas
lembrou que Portugal tem uma saú-
de, uma justiça e uma educação que
tomara os ABBA. A after-party, com
o tema “Operação Marquês”, foi
muitíssimo restrita e só 8 mil boys e
girls puderam entrar e beber espu-
mante com taxa zero de IVA. M.B.
Alexandra Reis usou
automóveis da TAP
para levar os filhos aos
treinos na academia
do Sporting e queria
aeroporto em Alcochete
para irem de avião
Os sapatos Louboutin de Alexandra
Reis voltaram a enfiar-se na poça
quando se descobriu, esta semana,
que usava a frota da TAP para levar
os filhos aos treinos do Sporting em
Alcochete, tendo convencido o no-
toriamente crédulo e simples Pedro
Nuno Santos a construir um aero-
porto na localidade para os filhos
chegarem mais cedo aos treinos nos
aviões da companhia, tal como Bru-
no de Carvalho em tempos pensou
em levar um avião a Alcochete para
bombardear a Academia com
napalm. A mesma notícia dava con-
ta que o Sporting terá de pagar 500
mil euros de compensação a cada fi-
lho de Alexandra Reis que não che-
gue à equipa principal. V.E.
 Expresso, 21 de abril de 2023 PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO

Eça de Queiroz boas, terem deliberado

OPINIÃO agendar, em tempo útil,
vai ser trasladado uma intentona. Dito isto,
para o Panteão Nacional, Por assim, sem papas na língua, é
Marcelo Rebelo preciso convir que, no dia 25
Aquilino Ribeiro recebeu de Sousa de Abril de 1974, os capitães
aviso de despejo com merecem o reconhecimento
30 dias para abandonar de terem acabado mesmo
o túmulo A 25 DE ABRIL por fazer aquilo que podiam
DE 1974, OS CAPITÃES ter feito quando ponderaram
e decidiram esperar para

Marcelo Rebelo de Sousa anunciou

FIZERAM AQUILO ver se deviam abrir o melão
da revolução, que, sejamos
que Eça de Queiroz vai ser traslada- QUE PODIAM TER claros, só depois de abrir
do “em breve” para o Panteão Nacio- podiam saber se era doce
nal e o “em breve” refere-se aos 30 FEITO QUANDO A CERTA como uma meloa ou amargo
dias previstos na nova lei do arrenda-
mento urbano para o Aquilino Ribei-
ALTURA DECIDIRAM como um pepino, ainda que
seria sempre mais doce que
ro enfiar o dicionário de Português ESPERAR PARA VER uma meloa da Gália porque,
arcaico na mala e bazar para a casa sendo a França um grande
de Romarigães, que é grande e está SE PODIAM FAZER país, porque é um grande
a servir de Alojamento Local, poden- país, verdadeiramente país
do assim ser coercivamente arrenda- Portugueses e principalmente com grandes meloas só há queamento de capitais e fraude fiscal. Aveiro concorda com o filho, porque
da a Soeiro Pereira Gomes, que vive portuguesas, porque sou um: é Portugal. Os melhores “Pode ser que recupere as máquinas mostras de ostentação no clã podem
numa humilde barraca de pescado- um Presidente quase melões são os nossos. A meloa de flippers e de panquecas que a Judi- levar a MultiOpticas a concluir que
res junto ao Tejo. Carlos Moedas feminista, a efeméride da Gália é excecional, mas ciária levou nas buscas”, explicou Pi- afinal não precisa de descontos em
aconselhou Eça de Queiroz a chegar que nos preparamos, mais os melões de Almeirim são nho, que também espera “que o tribu- lentes e armações. O copo de água
à Igreja de Santa Engrácia apanhan- uma vez, para comemorar muito melhores, mas muito nal me devolva o diploma ‘Funcionário foi o último episódio de “Soy Georgi-
do o americano que passa na nova 5ª marca - é preciso dizê-lo melhores. Dito isto, louvo os BES da Década’ que o Dr. Ricardo em na”, no qual a estrela contou às ami-
circular imaginária de Lisboa. V.E. claramente - o inesquecível dia capitães que, de uma vez por boa hora me autografou”. M.B. gas que foi convidada por Klaus Sch-
quando os capitães fizeram todas, decidiram fazer o dia wab para participar no Fórum
finalmente aquilo que podiam inteiro e limpo de que falava Económico Mundial, em Davos. V.E.
Manuel Pinho perfeitamente ter feito Sophia, quando, a certa altura, Cristiano Ronaldo
satisfeito por ir meses antes quando, a certa decidiram esperar para ver irritado com Georgina
altura, nas Caldas da Rainha, se podiam fazer a manhã
a julgamento, a decidiram esperar para ver se com tempo frio e períodos
por ostentar vida de luxo MULHER QUE SE ISOLOU
ver se recupera a no mês de entregar o IRS
podiam fazer uma revolução e,
tendo procrastinado, quando
ocasionais de precipitação,
de que falava o Anthímio. E
500 DIAS NUMA GRUTA
máquina de flippers enfim decidiram enfiar as por isso, sem mais delongas, Os jornais cor-de-rosa garantem que NÃO BATEU RECORDE
apreendida pela PJ mãos na massa que já deviam vamos decidir fazer um desfile o namoro de Cristiano Ronaldo está
COM MILHARES DE ANOS
atempadamente ter levedado na terça-feira, sem esperar por um fio devido à vida de luxo e os-
O arguido Pinho, antigo ministro da deram por si a ponderar adiar por fazê-lo no dia seguinte, tentação de Georgina Rodríguez, DE LUSO-NEANDERTAL
Economia de José Sócrates, função a decisão de pronunciarem todos nós que, como dizem que pode chamar a atenção do Fisco
que acumulava com a de beneficiário um levantamento, quando agora os jovens, damos um cu no preciso mês em que o jogador tem O que a espanhola Beatriz
de uma raspadinha interna mensal do poderia perfeitamente, nas pela democracia. V.E. de entregar a declaração de rendi- Flamini, que esteve 500 dias
BES, ou lá o que era aquilo, manifes- mentos, arriscando-se a não receber isolada numa gruta a 70 metros
tou ao INIMIGO a enorme alegria por o reembolso que estava à espera de profundidade, ficou a saber
ir ser julgado por corrupção, bran- para “equilibrar o barco”. Dolores esta semana:
Mariana Vieira da Silva é
primeira-ministra de Portugal.
O altar do Papa, para ficar
COMO TERIA SIDO A REVOLUÇÃO FEITA PELO CENTRÃO POLÍTICO A 25 DE ABRIL DE 2023? mais barato, já não tem cristais
Swarovski incrustados.
Paulo Portas arranjou um
part-time como trolha.
Se o Benfica voltar a perder
um jogo da Liga, a coroação de
Carlos III será adiada.
A Academia lembrou
que Boaventura Sousa
la Santos tem a presunção de
A Esco
00H05 Cavalaria de inocência até se confirmarem
a de que
Prátic m informa m todos os relatos nos jornais.
ré
Santa ados recusa r O CDS recolheu ao Panteão
os sold no golpe pode
alinhar condições ites. os Nacional.
00H26 Augusto Sant 11H45 Contratempo: Pedro
falta de das chaim Silva toma o Chega. Nuno Santos avisa o posto
19H00 Nicole Kidman assiste Flamini quer agora aumentar
nça
segura comando na Pontinha de que
de a tudo, da varanda da casa
em o seu recorde pessoal, enfiando-
Lisboa, pensando que está
00H10 Forças Armadas precisa de 3,2 mil milhões de ver as filmagens da sequela
a -se num reality show ou no
no limite: os militares da 08H40 Sérgio “MacGyver” euros para tomar a TAP. de
infantaria estão coxos, os Conceição, fazendo jus à fama 15H00 PCP diz que é “Maverick”. buraco em que o PS está metido.
atiradores são estrábicos e a ser o Mister dos poucos recurs de contra a revolução M.B.
Marinha tem de pedir reforço toma o Porto com apenas um
os, porque é a favor da paz.
13H00 Almoço (Fatura com 20H00 É reaberto
aos nadadores-salvadores. TVDE, Pepe e três clips. NIF para Medina pagar).
16H40 M o tráfego civil
ar
00H21
Senhas Paulo Po ques Mendes e de estafetas das
rt
de na rá 13H55 Uma coluna para ocupas aproveitam comidas.
prepar Conan Osí dio: ‘Telem de boys e girls da espaços ar todos os
at ris, óv eiro Equipa oInimigoPúblico
Pelos D ivos para a anuncia os eis’, cabo fuzil e JS, num movimento de
disponívecomentário
esta é ois’, dos ir revolução e 08H59 Um Instagram qu em pinça tal como is na TV. 16H30 (de
27 de
“Se não aconteceu… podia
ir m no
partir reversível. ãos Sobral ‘Amar anuncia ção é a resposta s foi estipulado por Montenegro setembro) ter acontecido!” O Inimigo Público
o No , qu
gritad telemóvel” futuro, “Eu e a revolu s supermercado Francisco Penim, um refere propõe é um suplemento satírico,
a nas m se vo da ao zero 17H00 Happy portuguese ndo para os
anifs dorá a frase m u muscula refletiram a taxa rtes. ocupa todos os sendo todo o seu conteúdo ficcional.
25 de ais que não preço dos iogu lugares de assessoria
Hour dos finos. querem ou s decidirem se Diretor Luís Pedro Nunes
Abril. não a revolu
de IVA no nos ministérios. ção. Redação Alexandre Parreira,
Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
00H25 Vieira da Silva 17H33 Nuno Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
é um Ro Projeto gráfico @oinimigo_pronto
chamada para dirig
ir as tropas 09H00 Marcelo, à saída de 14H08 Estado Novo riposta com que a revolu geiro considera
ção deve
porque Costa, às 5
da tarde de congresso de estomatologistas o envio do navio Mondego para o porque os
revolucioná falhar
Editor online João Martins
dia 24, largou o serv
iço e foi ou da entrega de mais 14 Tejo, mas o barco avaria e espeta- chaimites
V-600 e nã rios usam
Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
para casa ver a bola prémios a António Guter res, se contra os silos da EPAC. com canhão o Pa O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
. de 30 mm ndur II
comenta o movimento das e Waze. M.B. conjunto Expresso/Produções Fictícias/
tropas a cada 15 minutos. @oinimigo_pronto Farol de Ideias através de O Estado do Sítio

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João Vieira David Dinis Paula Santos Martim Silva

Pereira
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36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 21 de abril de 2023

Editorial&Opinião
Editorial Portugal deve aproveitar Não é “campanha eleitoral”. É aumento de pensões
para sublinhar a sua posição nesta guerra

solução da Assembleia da Re- piração. Os resultados econó- tas, para 2023, beneficiam do

O que dizer pública. Podia a oposição estar

excelente, com indicadores de
maioria absoluta do PSD, que
continuaria a ser absurdo, do
micos, confirmados pelo Pro-
grama de Estabilidade, dão a
margem necessária para a de-
cisão ser tomada com seguran-
pagamento extraordinário de
meia pensão em outubro de
2022, da atualização das pen-
sões em janeiro de 2023 e do

a Lula? Isabel Moreira

ponto de vista constitucional,
quebrar a legitimidade popular
de há um ano.
Quando o Governo marca a
sociedade@expresso.impresa.pt
agenda política com a habita-
ça. Sim, segurança. O Gover-
no delineou como prioridades
uma efetiva justiça social para
os pensionistas, aumentando
aumento intercalar de 3,57%
de todas as pensões a partir de
julho de 2023 (que atualiza a
base de cálculo para a atuali-
as pensões e salvaguardando zação das pensões a partir de

Q
ção ou com o cumprimento do 2024).
uando ouvimos muita que dissera quanto às pensões, Onde está o truque? O que
Depois de anos de interrupção das cimeiras bilaterais da comunicação social, está “em campanha eleitoral”: Não é preciso uma vejo é irritação.
entre Portugal e Brasil, correspondendo ao período em estamos num baloiço. prime time das eleições. teoria da conspiração. Porque isto foi possível a par
que Jair Bolsonaro esteve no Palácio do Planalto, a visita Os erros do Governo — Vamos então às pensões. Os resultados económicos de responsabilidade orçamen-
de um chefe de Estado brasileiro a Portugal e a realização que são reais, como os ocorri- O Governo aprovou um au- dão a margem necessária tal que nos defende socialmen-
do encontro é de enorme importância e de saudar. Mas dos na TAP —, ainda que te- mento intercalar de 3,57% de para a decisão ser tomada te do futuro sempre incerto e
a passagem de Lula da Silva por Portugal, entre este nham consequências políticas, todas as pensões. A medida com segurança. nos mantém credíveis interna-
sábado e terça-feira, está inequivocamente marcada pela são ampliados ao ponto de se entra em vigor em julho. Esta Onde está o truque? cionalmente.
presença do chefe do Estado brasileiro no Parlamento, esquecer tudo o que sabemos atualização incorpora a base Já aqui defendi que a esquer-
numa iniciativa colada às comemorações oficiais dos 49 de direito constitucional. de cálculo para a aplicação fu- da, quando há dinheiro dispo-
anos do 25 de Abril, para mais depois de Lula ter dito A Constituição vai fazer 50 tura da fórmula da atualização as justas expectativas face à nível, tem um dever especial de
o que disse sobre os culpados da guerra no Leste da anos e, ainda assim, há uma das pensões. Como o Governo atualização das suas pensões fundamentação quando não o
Europa, colocando tudo no mesmo saco, entre agressores multidão de inconformados sempre disse, a decisão relati- e a sustentabilidade futura da disponibiliza naquilo que são
e agredidos. As relações de Estado e a visita de um com o que disseram durante vamente às pensões a partir de Segurança Social. Estamos pe- os seus desígnios.
Presidente de um país tão importante para Portugal como a última campanha eleitoral, 2024 seria tomada no momen- rante um aumento de facto, É por isso que, quando o faz,
o Brasil devem manter-se. Mas também é de aproveitar o que “debate”, horas a fio, a to devido. Porquê agora? Não não uma mera atualização da está a ser o que deve ser.
momento para dizer o que deve ser dito. Como afirmamos possibilidade absurda de dis- é preciso uma teoria da cons- base de cálculo. Os pensionis- É apenas isso.
nesta edição, o Presidente da República promete reiterar
a posição de Portugal, alinhada com a UE, os EUA e a
NATO, perante Lula e “todos os chefes de Estado que
receber”. Assim seja.
Lula e os autocratas
relatório para 2023 do V-Dem tivos das mulheres, a privacida- de enviar armas à Ucrânia, en-
Montenegro Clima Institute, dado o seu registo
histórico de respeito pelas
de e a liberdade de deslocação,
impondo trabalhos forçados e
quanto alimenta a indústria de
guerra russa, mantendo estrei-
e o Chega de eleições instituições democráticas. O
Índice de Democracia Liberal
cometendo crimes de guerra e
contra a humanidade.
tas relações comerciais entre
o Brasil e a Rússia, tal como o

“Quero garantir uma

sem eleições daquela instituição, que havia
diminuído substancialmente a
Lula articulou a sua campa-
nha eleitoral com base num
seu antecessor. Sem o apoio do
Ocidente, a Ucrânia há muito
coisa aos portugueses: não Teresa Violante partir de 2015, tendo atingido programa estruturado e coeso teria deixado de existir como
vamos ter no Governo nem O líder do PSD a descolar politica@expresso.impresa.pt
um mínimo histórico em 2019, de justiça social e de direitos nação independente. Ao tornar
políticas nem políticos do Chega e a ir para o apresentou algumas melhorias humanos. A Constituição bra- a Ucrânia corresponsável pelo

L
racistas, nem xenófobos, terreno como se estivessem na sequência da vitória de Lula, processo de paz, sem exigir,
nem oportunistas, nem eleições ao virar da esquina. ula terminou o seu dis- podendo a mesma revelar uma com veemência, a cessação pré-
populistas — ou apoio O Governo, desgastado e curso de posse fazendo tendência de inversão do perío- Durante a sua passagem via da agressão, Lula coloca no
político, se quiser.” A fustigado por polémicas, um apelo convicto: “De- do de autocratização do Brasil. pelo Parlamento, não pode mesmo plano agressor e agre-
afirmação do presidente do com as do inquérito à TAP à mocracia para sempre.” Contudo, Lula não transpor- deixar de ser confrontado dido, que assim se misturam
PSD, em entrevista, marcou cabeça, a aproveitar a folga O Brasil é a quinta maior de- ta para a política externa o seu com o legado de Abril e o em equivalências implícitas.
politicamente os últimos orçamental para anunciar mocracia do mundo e também compromisso com os valores que o mesmo implica para Durante a sua passagem pelo
dias. E com razão, dado aumentos intercalares aos umas das mais frágeis. Desde democráticos. O Presidente do um povo que está a ser Parlamento, não pode deixar
tratar-se da primeira vez em pensionistas, decisivos 2015, entrou numa espiral de Brasil defende uma nova or- vilmente massacrado de ser confrontado com o le-
que o líder social-democrata quando toca de ir a erosão, com ataques à liber- dem mundial e quer ter ao seu gado de Abril e o que o mesmo
se demarca de forma clara, votos. Vai assim a política dade de imprensa, à indepen- lado regimes como a China e a implica para um povo que está
aberta e inequívoca do portuguesa, com uma dência do poder judicial, às Rússia, que comprovadamente sileira, tal como a portuguesa, a ser vilmente massacrado.
Chega e do seu líder, André maioria absoluta na liberdades de associação e de abusam os direitos humanos dos obriga o Governo a alinhar a Quem elege autocratas como
Ventura. A demarcação AR, eleições previstas manifestação, violência contra seus cidadãos, desrespeitando política externa pelos princí- parceiros privilegiados e esco-
do Chega não é por si um para 2026, mas já com minorias, mulheres, comuni- minorias étnicas, religiosas e se- pios da prevalência dos direitos lhe aliar-se ao opressor toma
projeto alternativo, mas é os principais partidos a dades indígenas, jornalistas e xuais, reprimindo e censuran- humanos e da autodetermina- um caminho muito distinto
um bom passo dado por acelerarem os motores de defensores dos direitos huma- do a sociedade civil, violando a ção dos povos. No entanto, Lula das promessas encerradas no
Montenegro. campanha. nos. A eleição de Lula é assi- liberdade religiosa, cultural e apelou aos Estados Unidos e à cravo que, decerto, envergará
nalada de modo positivo no linguística, os direitos reprodu- União Europeia para pararem na lapela.

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Os papagaios
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Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970 realmente o seu esmagamento o Presidente Macron. Tendo los números das exportações
pela Rússia; condenando o Oci- examinado o argumento frente brasileiras para a China, que já
Diretor-Geral Arquivo Marketing, Comunicação dente, mostram a sua indife- e verso, fui mais uma vez vítima excedem as exportações com-
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Q
Carlos Morais e Joaquim a gente, não. O PS, implacável sobretudo comunistas, ibero- que nos separa dos nossos ami-
Rodrigues (produtores) ualquer pessoa com um com o exotismo pró-russo do -americanas. Com a exceção gos brasileiros sobre a Ucrâ-
Circulação e Assinaturas módico de boa-fé reco- PCP no debate doméstico, ten- da Ucrânia (um caso em que nia. Estamos em lados opostos,
Miguel Pacheco (diretor)
Pedro M. Fernandes (diretor nhece que a linha polí- ta, no plano externo, disfarçar como Borrell bem explicou no
de circulação e produtos
Expresso) João Braz
tica adotada pelo Pre- e relativizar o notório alinha- Parlamento Europeu, desmon-
(responsável pela circulação) sidente do Brasil a respeito da mento do Brasil com a Rússia, O Brasil já não pode, tando a cínica equidistância e
e Rita Silva (responsável pelo
serviço de apoio ao cliente) guerra na Ucrânia é completa- explicitado pelo seu Presidente nem quer, intermediar neutralidade do Brasil. O Brasil
Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel. 214 698 801 (dias úteis, mente incompatível com a po- em termos já bem conhecidos qualquer processo já não pode, nem quer, inter-
das 9h às 19h); e-mail: sição adotada pela generalida- nossos e que não se prestam de paz credível; só quer mediar qualquer processo de
apoio.cliente.ip@impresa.pt
de das democracias ocidentais, a equívocos. Nem a China foi piscar o olho à Rússia paz credível; só quer piscar o
Atendimento Ponto de Venda
pontodevenda.ip@impresa.pt entre as quais Portugal. Tão tão longe, bem pelo contrário, e à China. Está feito olho à Rússia e à China. Está
Impressão
diferente é que se situa pratica- cultivando com muito talento feito.
Lisgráfica Impressão mente nos seus antípodas. Em uma ambiguidade que se re- Dispensamos as habilidosas,
e Artes Gráficas, S.A.
Estrada de São Marcos, 27 bom rigor, as palavras que Lula solverá em favor do interesse as grilhetas favorecem os indí- infantis e desonestas tentati-
2735-521 Agualva-Cacém
da Silva tem dedicado ao assun- chinês. A diplomacia chinesa e genas), são a favor das eman- vas de transformar as legítimas
Distribuição
VASP-MLP,
to são essencialmente iguais às o socialismo à chinesa não são cipações e movimentos eman- escolhas de política externa do
Media Logistics Park que o nosso PCP tem vertido ideológicos. cipatórios em geral, galáxias Brasil noutra coisa diferente
Quinta do Grajal, Venda Seca
2735-511 Agualva Cacém em comunicados, declarações Segundo o PS, vista a sua tra- de ideologias avançadas, onde daquilo que são. Esses esforços
Tel. 214 337 000 e votos na Assembleia da Re- palhona, excêntrica e arrevesa- as estrelas de Chávez, Fidel, e manigâncias são não só ofen-
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt pública — senão piores. da tomada de posição, Lula é o Ortega e sucessores se posicio- sivos da inteligência dos nossos
Tel. 808 206 545
Gemendo pela paz, como Ghandi que a situação reclama- nam firmemente do lado certo parceiros, como comprome-
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo um crocodilo a trautear a “Ave va, acrisolado apóstolo da paz e da História, como agora se diz. tedores da credibilidade da
dos anúncios nem pela
exatidão das características e Maria” de Schubert, os co- equidistante appeaser tropical, Possuídos de antiamerica- nossa política externa. Apenas
propriedades dos produtos e/ou
bens anunciados. A respetiva
munistas, locais ou de outras cujos esforços mereceriam o nismo primário e saudades servem para expor ao mundo
veracidade e conformidade
com a realidade são da integral
latitudes, iludem a existência aplauso de Lisboa, Moscovo e do sol na terra soviético, o um papel que, definitivamen-
e exclusiva responsabilidade de um agressor e de um agre- Pequim. Foram apresentadas comunismo ibero-americano te, não nos serve: o de sermos
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. dido; propugnando o fim do rebuscadas comparações entre conduz uma política externa papagaios do Brasil.
Expresso, 21 de abril de 2023
Miguel Poiares Maduro
política@expresso.impresa.pt
Poder e
endogamia
na academia
A
s recentes denúncias de abuso
de poder no mundo académi-
co, que vão do assédio sexual e
moral à exploração intelectual
(usar para fins próprios trabalho de
outros), não devem surpreender-nos.
Organizações em que predominam
relações de poder e de dependência
favorecem estes problemas. Acresce
que esse contexto não apenas potencia
o abuso, como tende a desincentivar
as denúncias e mesmo, como temos
visto, a promover a sua ocultação. É
revelador que as denúncias tenham
partido de quem já não pertence a essas
organizações e que tantos só aceitem
falar debaixo do anonimato.
Os casos recentes têm promovido
uma reflexão importante sobre os ins-
trumentos de denúncia e processos de
investigação necessários (protegendo a
presunção de inocência dos envolvidos
e também os direitos das vítimas). Mas
pouco se tem falado sobre como refor-
mar outros aspetos da cultura universi-
tária que promovem os riscos de abuso
de poder. Um desses problemas é a
endogamia. A endogamia corresponde
a carreiras académicas que se desenro-
lam sempre dentro da mesma institui-
ção. Em que alguém é contratado pela
mesma instituição em que conclui o
seu grau académico. Ou, visto do outro
lado, em que uma instituição tende a
contratar apenas “os seus”.
A endogamia não é exclusiva da aca-
demia portuguesa, mas é particular-
mente elevada em Portugal. Um estudo
recente da Direção-Geral do Ensino
Superior diz que 68% dos professores
universitários se doutoram na mesma
escola em que dão aulas em Portugal.
Um número muito elevado, que nal-
gumas faculdades chega mesmo a ser
de 100%. Isto ajuda a explicar a posi-
ção medíocre das nossas universidades
nos rankings internacionais onde as
melhores universidades têm culturas
antiendogâmicas.
Num sistema endogâmico os inves-
tigadores e assistentes sabem que o
seu progresso na carreira depende da
simpatia que por eles nutram os que
dominam a sua área científica na sua
instituição. Se quiserem progredir na
carreira têm de satisfazer o seu ‘mes-
tre’. Não têm alternativa. Isto abre
a porta a abusos por parte daqueles
que detêm esse poder numa relação
de verdadeira dependência. Claro que
nem todos abusam desse poder, mas o
sistema propicia que tal aconteça. Em
muitos casos assistentes e doutorados
têm de ser profetas forçados do ‘mestre’
transformado em messias. Noutros,
o abuso vai mais longe, da usurpação
do seu trabalho pelo ‘mestre’ ao abuso
moral e sexual. Há muito que sabíamos
que a endogamia cerceava o pluralismo
e a inovação na nossa academia. Hoje é
claro que também fomenta e protege os
abusos de poder.
A maioria dos reitores e muitos aca-
démicos portugueses têm consciência
deste problema, mas é muito difícil
mudar a partir do interior da acade-
mia. Primeiro, porque a endogamia
se traduz numa forma de cartelização.
Segundo, porque se uma instituição
o faz sem as outras o fazerem estará
a penalizar os seus graduados pois
estes não terão hipóteses fora dessa
instituição. Tem de ser o Estado a que-
brar este círculo vicioso. Vários países
proíbem a endogamia universitária.
Não é uma solução mágica. Mas é um
princípio. Outra hipótese, talvez tão ou
mais efetiva, é penalizar ou premiar as
universidades consoante o seu grau de
endogamia. Nos fundos europeus do
PT2020 estava previsto isso mesmo,
mas aparentemente a regra (mais uma)
não foi cumprida. Eis algo com que im-
porta confrontar a ministra do Ensino
Superior.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Os carochos
do TikTok
A
lguns rapazes da rua monta-
ram uma banda gótica; en-
saiavam numa garagem, o que
agora me parece absurdamen-
te perigoso. No epicentro da maior
epidemia de sida e ‘cavalo’ da Europa,
as nossas ruas estavam cheias de ca-
rochos que assaltavam até as mães e
avós — uma garagem com guitarras e
amplificadores era um maná. Mas nós
ainda tínhamos um sentido de risco
e aventura física. Ou se tocava ali ou
não se tocava. Eu não fazia parte da
banda, era o pneu suplente que ficava
A foto da PROTESTO Três ativistas da Greve Climática Estudantil interromperam
a sessão do PS em que se assinalavam esta semana os 50 anos do parti-
ao lado a beber garrafinhas de vodka
que misturava com Sumol — não tive
semana do, com vários socialistas presentes, incluindo António Costa, e decidiram
mostrar o rabo, onde escreveram “Ocupa!”, alegando que o PS “não de-
sucesso como músico, também não
teria prosperado como barman. Fui o
via estar a celebrar”. Os ativistas criticam a inação do Governo perante a manager da banda no único concerto
Por Martim Silva emergência climática. Este movimento já fez várias ocupações de escolas e que demos; nesse dia, saquei um che-
mgsilva@expresso.impresa.pt promete voltar a fazê-las já a partir da próxima semana. FOTO TIAGO MIRANDA que — 50 contos?, 100 contos? — a um
partido político em campanha eleito-
ral. Sacar dinheiro aos políticos pare-
ceu-me mais útil do que mostrar rabos
a esses mesmos políticos. Já sabia que
Caímos na armadilha de Édipo quando cometemos erros ia ser da geração à rasca, não da ge-
ração rasca. O sucesso financeiro não
com os quais não conseguimos viver foi, porém, acompanhado de sucesso
A armadilha de Édipo
musical: tivemos de fugir do palco es-
coltados por alguém — a bófia?, alguns
locais mais caridosos? — porque os in-
dígenas da região centro não gostaram
da nossa ópera gótica e começaram a
atirar garrafas e maçãs, muitas maçãs,
N
talvez porque estávamos a tocar ali na
a ignorância, Édipo matou invariavelmente que exageráva- zona saloia da maçã.
o pai, casou-se com mãe e mos, que havia estudos para todos Mas a malta persistiu. Não sei como
com ela teve filhos. Quando os gostos, que não conhecíamos a é que eles juntaram dinheiro para gra-
soube, Jocasta, a mãe, en- realidade das escolas. Sindicatos, varem um álbum num estúdio pro-
forcou-se. Édipo, não conseguindo escolas, governantes, com o apoio fissional. No final, o técnico deu-nos
viver com a culpa, vaza os olhos e da opinião pública, adiaram tanto uma maquete e cassetes normais com
abandona Tebas. Freud, com a sua quanto puderam a reabertura das o nosso álbum. Vocês não imaginam
obsessão em sexualizar tudo o que escolas. Não contesto que tivessem o júbilo: cinco putos calejados pelos
mexia, e mesmo o que não mexia, Luís Aguiar-Conraria a melhor das intenções: proteger os subúrbios do VIH e da heroína chora-
Professor de Economia da Univ. do Minho
inspirou-se na mitologia grega para mais velhos. ram como meninos, abraçados uns aos
lfaguiar@eeg.uminho.pt
dissertar sobre o complexo de Édi- Na semana passada, os direto-
po, dizendo haver uma idade em res das escolas foram recebidos
que uma criança deseja sexualmente o progenitor do na Assembleia da República; os relatos são eloquentes. O TikTok devia ter imagens
sexo oposto. Manuel Pereira, diretor do Agrupamento de Escolas de cruéis dos seus efeitos, à
Todos conhecemos o complexo de Édipo, mas, até há Cinfães: “A pandemia alterou substancialmente a forma semelhança dos maços de tabaco
umas semanas, nunca tinha ouvido falar na armadilha de estar dos alunos das escolas. Estão desmotivados,
de Édipo, até ouvir um podcast com a jornalista Me- desinteressados.” David Sousa, diretor do Agrupamen-
gan McArdle. Caímos na armadilha de Édipo quando to de Escolas Frei Gonçalo de Azevedo: “É agora que outros. A música deles estava dentro
cometemos erros com os quais não conseguimos viver, se estão a começar a sentir, de facto, os impactos dos de uma cassete como o génio da lâm-
mesmo que esses erros tenham sido cometidos inocen- confinamentos” e a “revelar as implicações das transi- pada. Imaginem, por favor, a felicidade
temente ou com a melhor das intenções. Para McArdle, ções facilitadas”; houve “consequências absolutamente desta sequência: ao pé das namoradas
a consequência não é a de destruirmos a nossa vida, arrasadoras para as aprendizagens estruturantes” e a e de outros amigos, tirávamos do rádio
mas sim a de nunca aceitar que nos enganámos. Dá o “falta de aprendizagens estruturantes que, por não te- a cassete dos Nirvana ou Moonspell;
exemplo de Walter Freeman, o médico que celebrizou a rem ocorrido, bloqueiam” todo o processo, “impedindo colocávamos a nossa cassete, carre-
lobotomia de Egas Moniz. Fez milhares de lobotomias, a progressão”. Tudo isto leva Manuel Pereira a dizer: gávamos no play e todos eram invadi-
incluindo a crianças. Mesmo quando já era consensual “Temos receio de perder esta luta.” dos por uma emoção indizível, a nossa
entre médicos de que se tratava de uma A indiferença com que assistimos a música estava a sair das colunas como
barbaridade, Freeman continuava a lo- este desastre só pode ser o resultado de qualquer outra banda. Olhávamos uns
botomizar pessoas. Depois de proibido, Pergunto-me se, duas coisas: o nosso egoísmo e a nossa para os outros, boquiabertos, com es-
dedicou os últimos anos da sua vida a coletivamente, consciência pesada. Egoísmo porque pelhos de água nos olhos, abanando as
documentar os benefícios colhidos pelas quem viu o seu futuro destruído foram incrédulas cabeças.
pessoas a quem tinha aplicado o pro- não estamos numa os filhos dos outros, aqueles que não A construção desta felicidade de-
cedimento. Morreu convencido da sua armadilha com têm voz. Consciência pesada porque as morou meses e meses. Eles gravaram
razão e certamente bem mais feliz do o que fizemos às escolas estiveram tanto tempo fechadas uma performance e tinham agora pra-
que se alguma vez tivesse compreendido crianças durante com o nosso apoio. zer em mostrar essa performance aos
quantas vidas destruíra. Está na altura de sairmos da armadi- amigos, porque cada amigo a gostar
Quer a tragédia de Édipo quer as lobo- a pandemia lha de Édipo que montámos e assumir daquilo era uma injeção de felicida-
tomias de Egas Moniz e Walter Freeman a nossa responsabilidade geracional. de — era um vício. Ora, lembrei-me
são casos extremos desta armadilha. Esqueçam os sentimentos de culpa e o disto, porque há dias li ensaios que me
Mas não consigo deixar de pensar que, em situações apontar de dedos e invistamos nesta geração de alu- explicaram o sucesso do tal TikTok, a
bem mais corriqueiras, é frequente cairmos na armadi- nos. Passa por coisas tão simples como garantir que as rede social mais viciante. Tal como os
lha: um treinador que insiste em excluir um jogador que escolas funcionam. Depois de anos de pandemia, não cigarros das tabaqueiras, o TikTok é
é melhor do que o titular, um cientista que não aceita podemos andar anos com greves. Ou exigimos aos pro- desenhado pela ciência neurológica
que os factos o desmentem, um governante que não fessores que as parem, por exemplo, com alguma forma para ser uma droga, porque é uma
admite que estoirou milhares de milhões de euros numa de requisição civil, ou compreendemos as suas razões e injeção de dopamina; na verdade, são
política errada. É tão mais fácil enganarmo-nos a nós cedemos às suas reivindicações, muitas das quais justas. injeções constantes. O TikTok devia
mesmos do que assumir as responsabilidades. Dizer que não há dinheiro para as pagar, como tantos ter imagens cruéis dos seus efeitos, à
Pergunto-me se nós, coletivamente, não estamos alegam, é mentira. Se é verdade que custaria anualmen- semelhança dos maços de tabaco. A
numa armadilha de Édipo com o que fizemos às crianças te centenas de milhões de euros, também é verdade que nossa injeção demorou meses e meses
durante a pandemia. É, neste momento, perfeitamente ainda esta semana foi anunciado um aumento da despe- a fazer, e esfumou-se com o tempo;
claro que os encerramentos tão prolongados das esco- sa anual de mais de mil milhões em pensões. tivemos de passar a outra aventura.
las, especialmente para os mais novos, foram um de- Depois de, durante dois anos, se fecharem as escolas Os miúdos hoje gravam as suas perfor-
sastre em termos educativos, sem ganhos para a saúde meses a fio com o argumento de que era necessário para mances num instante, várias por dia, e
pública que o justifiquem. proteger os mais velhos, optámos por pegar em mil mi- recebem constantes likes numa cadên-
Houve quem alertasse para os tremendos danos cau- lhões de euros e, em vez de compensar as crianças pelo cia que se torna aditiva e destrutiva.
sados pelas escolas fechadas. Fomos poucos, mas fo- sacrifício que lhes impusemos, distribuímo-los pelos Como diz Fareed Zakaria, o TikTok é
mos vocais e insistentes e tínhamos acesso a diversos mais velhos. Não é falta de dinheiro, é uma escolha. um dispositivo legal que tem de passar
jornais e até rádios e televisões. Eu e o Daniel Oliveira Ter as escolas a funcionar com normalidade seria o a ser ilegal — pelo menos em parte —
aqui no Expresso, a Susana Peralta e João Miguel Ta- mínimo para compensar as crianças. Devíamos ir bem porque é uma fábrica de drogados.
vares no “Público”, o Alexandre Homem Cristo no mais longe e, em vez de usarmos o PRR para satisfazer Não se injetam e não roubam como os
“Observador”, entre alguns outros. Por mais dados clientelas, usá-lo para financiar um Plano Marshall para carochos do início desta história, mas
e estudos que apresentássemos, as respostas eram a educação. Ao invés, vazamos os olhos para não ver. são carochos.
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 21 de abril de 2023

Opinião

Líder parlamentar do PSD Cada vez menos inteligentes

Portugal
resistirá a
A
meteorologia foi das se falar de arte, o fundamen- não andará a ser pouco exigente com os jovens
primeiras a usar in- tal continua a ser o mesmo de cérebros? Se a escola treina para repetir, qualquer
teligência artificial sempre, dependente da inteli- computador a substituirá. Se a inteligência huma-

uma crise (IA) para modelos de

previsão. E, no entanto, como
gência humana e muito para
lá da técnica: ter alguma coisa
na pode ser vencida pela inteligência artificial,
quando esta dá os primeiros passos, é porque lhe

internacional?
explica João Gabriel Ribeiro, improvável para dizer. Os pro- andamos a dar pobre uso.
diretor da “Shifter”, mesmo fessores não receiam que a IA Não quero parecer otimista. Não podia estar
sendo uma ferramenta indica- Daniel Oliveira simule a capacidade de pensar mais longe do deslumbramento tecnológico que
da para o fazer, a IA “não se- danieloliveira.lx@gmail.com diferente, de pôr em causa, de mais não é do que o deslumbramento pela desu-
ria capaz de perceber se está inovar. Receiam que chegue manização da vida. Não tenho qualquer ilusão
a chover ou o significado da para replicar a formatação sobre a nossa capacidade de dominar o monstro
chuva de um modo geral” além do que pode ser que a escola impõe a adolescentes desmotivados de Frankenstein porque não tenho qualquer ilu-
Joaquim Miranda Sarmento traduzido em dados, através de um modelo pré- da sua criatividade para se alinharem com a me- são quanto à capacidade deste capitalismo nos

O
contexto internacional está
cada vez mais difícil. Temos a
guerra da Ucrânia e os sinais
de turbulência financeira e
de desaceleração económica. A isto
soma-se a pressão inflacionista e a
subida dos juros. Na China, há sinais
preocupantes no sistema financeiro e
imobiliário. Os riscos não diminuíram
desde 2008, apenas mudaram para
outras áreas do sector financeiro.
Hoje, o nível de dívida é, em qua-
se todos os países, superior a 2006.
Grande parte dessa dívida foi contraí-
da num contexto de taxas de juro zero.
Sucede que assistimos à subida mais
rápida das taxas de juro, estando o re-
ferencial já num intervalo de 3%-5%.
Isso significa que na dívida que foi
contraída a taxa de juro fixa (dívida
pública e crédito imobiliário em países
como os EUA, Alemanha ou França)
os devedores estão protegidos (embo-
ra com cada vez mais dificuldades de
emitir nova dívida), mas os credores
(Bancos Centrais e sistema financeiro)
têm perdas significativas. Já na dívida
a taxa de juro variável (empresas e
crédito à habitação em diversos paí-
ses, como Portugal), os credores estão
num primeiro momento protegidos.
Mas os devedores estão a ver as suas
prestações a aumentar. E novos em-
préstimos têm custos maiores. Isso
significa que muitos devedores podem
entrar em incumprimento, levando
a um efeito de segunda ordem nos
devedores, que terão de reconhecer
essas perdas.
Se a economia mundial entrar em
crise, devemos perguntar se Portugal
está hoje melhor preparado. Infeliz-
mente, Portugal continua com fortes
fragilidades. É fundamental que o país
se prepare para tempos mais difíceis
que podem vir. Só isso protegerá as
FOTO GETTY IMAGES
vio. Como a IA “nunca se molhou” nunca saberá diania. Claro que temos de treinar capacidades libertar da condição de produtos e produtores.
mais do que a “descrição do que é estar molhado”. básicas. As que nem as calculadoras deveriam Seremos dominados porque já o somos. Não
Por isso, conclui: “Aquilo que conhecemos por IA substituir. Mas se a máquina pode tomar o lugar deixámos que os algoritmos das redes sociais
é cada vez menos similar à nossa inteligência.” do aluno, a escola obstinada com a memorização controlados por ditadores da estupidificação geral
Há, no temor de a nossa inteligência ser substi- determinassem o rumo das democracias? Não
tuída por máquinas, algum desrespeito por ela. Se permitimos a complexificação desregulada de um
perguntarmos ao ChatGPT como resolver os pro- sistema financeiro que nos atira para crises suces-
blemas da habitação ou da inflação ele vai dar as A tecnologia oprime em vez de sivas? Não estamos a entregar o monopólio estatal
respostas que mais encontra no espaço público, libertar porque a sociedade assim da criação de dinheiro ao submundo das cripto-
por serem as mais prováveis. Só parecem neutras moedas? Não foi por desistência dos Estados que
porque são plausíveis. Não as vai pôr em causa ou está organizada. Para vencer os o desenvolvimento da IA tenha acontecido, ao
verificar se as soluções resultaram. Num processo perigos da máquina não se destrói contrário do que era habitual, sem financiado e
opaco, até para quem o concebeu, pode oferecer- a máquina, mas as relações enquadramento público?
-nos o erro sem se socorrer do mecanismo mais de poder que a põem ao serviço Recordo-me da clonagem da ovelha “Dolly” ter
humano da inteligência: a dúvida. O que a IA faz levado a um debate transversal e à imposição de
é replicar a nossa mediania com a arrogância do da opressão. Seremos dominados limites. Nada a ver com um abaixo-assinado a
acesso quase ilimitado a bases de dados. pela IA porque, neste capitalismo, pedir seis meses de espera para avaliar os riscos
Quem acha que o jornalismo pode ser substituí- estamos reduzidos a ser produto da IA, que conta com o nome de Elon Musk,
do por isto é porque assumiu que ele dispensa a envolvido no financiamento inicial da OpenIA e
incerteza para oferecer a resposta provável, mes-
e produtores. O problema não que está a preparar uma startup rival. Quem tem
mo que seja falsa. Pode ser assustador fotografias é tecnológico, é político recusado a transparência e a regulação do Twitter
geradas por IA vencerem concursos, mas, para está preocupado com a distopia de uma tecnologia
sem freio ou com o seu lugar nessa distopia?
Não sou nem tecnoentusiasta, nem ludita. Sei
que a tecnologia tende a reforçar as relações de
poder que existem. Para vencer os perigos da
máquina não se destrói a máquina, destroem-se
as relações de poder que a põem ao serviço da
opressão. Não foram as plataformas de distribui-
ção e serviços que transformaram a proposta de
uma economia colaborativa em instrumento de
promoção do empreendedorismo escravo. Foi a
castração do papel regulatório dos Estados e a
perda de poder de sindicatos e trabalhadores. A
tecnologia serve para oprimir em vez de libertar
porque a sociedade assim está organizada.
Li, num texto de Francisco Mendes da Silva,
que, segundo um estudo da Universidade de
Oxford e do Future of Life Institute, os inves-
tigadores da IA acham que o seu trabalho tem,
em média, 10% de probabilidades de conduzir a
Humanidade à extinção. O que quer dizer que há
muita gente convencida que está a trabalhar para
o fim do mundo. E, na realidade, são otimistas. As
alterações climáticas estão a correr mais depres-
sa para a nossa extinção e chamamos histéricos
aos jovens que as tratam como uma questão de

pessoas e o Estado Social que defende
todos, mas sobretudo os mais vulnerá-
veis. É necessário reforçar a resiliên-
cia da economia e do sistema social.
No contexto europeu, existem me-
canismos de intervenção e apoio di-
ferentes dos da última crise financei-
ra. Contudo, os avanços na estrutura
governativa da UE não nos devem
relaxar na preparação das condições
necessárias para Portugal aguentar
choques económicos externos.
Isso implica não adiar mais um con-
junto de mudanças estruturais e de
medidas de políticas públicas.
Primeiro, as alterações estruturais
que permitam gerar crescimento eco-
nómico e aumentar a produtividade e
a competitividade da economia Portu-
guesa, como os custos de contexto e a
burocracia, o sistema fiscal, a Justiça,
as competências e educação, entre
outros.
Meu querido dia 25 de abril
Maria Manuel Mota
mmota@medicina.ulisboa.pt
cinco anos. Celebrar o Dia Mundial
da Malária é deveras importante
porque obriga-nos a tomar cons-
ciência de que a malária continua
a ser uma ameaça global à saúde
pública e que, como cidadãos do
mundo, é também nossa a decisão
de continuarmos ou não a achar ad-
missível ter uma doença que mata
uma criança a cada minuto.
vida ou de morte. E nada fazemos para controlar
a ganância de banqueiros ou regular o faroeste
das redes sociais com as regas que tínhamos
como óbvias em sociedades democráticas. Se
caminhamos para a extinção, o problema não é
tecnológico, é político.
a colaboração de cientistas de todo o o desenvolvimento de tecnologias
mundo — a descoberta da estrutura e soluções com impacto na saúde
do ADN em 1953 foi sem dúvida um humana, agricultura, biodiversida-
dos maiores avanços científicos do de, nutrição e tantas outras áreas
século XX. O ADN é a base da here- da vida no nosso planeta. O DNA
ditariedade e do funcionamento de Day é assim uma oportunidade para
todos os organismos vivos. Antes da celebrar esses avanços científicos
descoberta do ADN, os cientistas só mas também para nos recordar a
podiam estudar e descobrir a árvore importância da ciência como a me-
evolutiva da vida comparando os lhor ferramenta que temos ao nosso

É
Segundo, uma consolidação orça-
mental estrutural, ao contrário do que
foi feito entre 2015 e 2019, que foi me-
ramente conjuntural (está a repetir-se
em 2022 e 2023).
Uma consolidação orçamental estru-
tural tem de passar por: uma reforma
da gestão financeira do Estado; uma
melhoria da eficiência dos serviços
públicos e da despesa pública; uma re-
dução da despesa corrente primária, o
que permitirá uma redução sustenta-
da da carga fiscal. Uma consolidação
orçamental com melhores serviços
públicos e menos impostos.
Terceiro, uma gestão prudente da dí-
vida pública. Desde 2016, com a redu-
ção das taxas de juro, tenho defendido
que Portugal deveria ter estendido a
maturidade média da dívida pública.
Infelizmente, não aproveitámos esta
oportunidade única.
Sem estes três pilares, e um governo
reformista, Portugal não estará numa
posição confortável para enfrentar
tempos mais turbulentos.
interessante ver como o mes-
mo dia pode ter distintos sig-
nificados e celebrações bem
distintas em diferentes partes
do mundo. E o 25 de Abril é um des-
ses dias.
O Dia Mundial da Malária é come-
morado todos os anos a 25 de abril.
Foi criado em 2007 pela Organi-
zação Mundial da Saúde para au-
mentar a consciencialização sobre
a malária, uma doença infecciosa
causada por um parasita chamado
Plasmodium que afeta milhões de
pessoas em todo o mundo. O Plas-
modium é transmitido aos seres hu-
manos por mosquitos infetados e,
na maioria dos casos apenas causa
febre, dor de cabeça, fadiga e vómi-
tos. No entanto, em casos graves,
leva ao coma e à morte. Apenas em
2021, mais de 200 milhões de pes-
soas foram infetadas com o parasita
da malária, e a doença matou mais
de 600 mil crianças com menos de
É também a 25 de abril que se ce-
lebra o DNA Day. O DNA (ou em
português ADN, ácido desoxirribo-
nucleico) é uma molécula em forma
de dupla hélice que contém as infor-
mações genéticas que são passadas
de geração em geração. O dia do
ADN comemora o dia 25 de abril de
1953, quando James Watson, Francis
Crick, Maurice Wilkins, Rosalind
Franklin e colegas publicaram pela
primeira vez a estrutura do ADN,
na revista “Nature”. Além disso, 50
anos mais tarde, em abril de 2003,
foi anunciado que o Projeto Genoma
Humano estava praticamente con-
cluído. O DNA Day foi assim come-
morado pela primeira vez nos EUA
a 25 de abril de 2003, sendo mais
tarde declarado Dia Internacional
do ADN por diversos grupos pelo
mundo fora.
Tendo sido a sequenciação do ge-
noma humano em 2003 um grande
marco para a ciência — levou mais
de dez anos a completar, envolvendo
corpos e células das diferentes espé-
cies. Agora os cientistas comparam
os códigos genéticos dos mais di-
versos organismos, descendo até os
Não podemos esquecer
o 25 de Abril porque
a história é uma parte
importante da nossa
identidade como povo
ramos mais profundos da vida que
datam de biliões de anos atrás. Mas
o que não posso deixar de enfatizar é
que quando Watson, Crick, Wilkins,
Franklin e tantos outros cientistas
antes e depois deles, se deixavam
levar pela sua curiosidade, ninguém
poderia imaginar o impacto que os
seus resultados iriam ter nos mais
diversos domínios científicos, geran-
do o conhecimento necessário para
alcance para conhecer e entender o
mundo em que vivemos.
E claro, o dia 25 de abril é um dia
muito importante para Portugal,
pois marca a data da Revolução dos
Cravos, que ocorreu em 1974 — re-
presenta a conquista da liberdade,
da democracia e dos direitos hu-
manos em Portugal. É importante
celebrá-lo para relembrar o que foi
conquistado, homenagear aqueles
que lutaram pela liberdade e inspi-
rar as gerações futuras a continu-
arem a lutar por um mundo mais
justo e livre. Não podemos esque-
cer o 25 de Abril porque a história
é uma parte importante da nossa
identidade como povo, e porque
precisamos continuar a defender e
a promover os valores da liberdade
e da democracia, que são críticos
para que a ciência avance e encon-
tre as soluções para os problemas
no mundo global em que vivemos.
Meu querido 25 de Abril, um dia de
todos nós!
Expresso, 21 de abril de 2023 PRIMEIRO CADERNO 39

Henrique Monteiro

ANTES QUE
ME ESQUEÇA
LULA
O Presidente da
República do Brasil
“deve ser recebido
com a dignidade do
chefe de Estado que
é, de um país com
quem Portugal tem
relações históricas
e, hoje, importantes.
Mas com sobriedade
e frontalidade, deve ser-lhe
explicado que agressor e
agredido não têm as mesmas
responsabilidades políticas
e morais e que, se a Rússia
parar, a guerra acaba; se a
Ucrânia parar, a Ucrânia acaba.
O momento para o dizer é a
sua visita a Portugal. O lugar,
a Assembleia da República”.
Estas linhas são copiadas do
final de um artigo de Nuno
Severiano Teixeira, no “Público”

FOTO ARQUIVO EXPRESSO

de quarta-feira. Como dizem os
espanhóis, eu poderia dizê-lo
mais alto, mas não mais claro
e melhor. E, se o meu colega de
Faculdade, amigo, professor,
ex-ministro de governos PS,
além de muito mais qualidades,
o expressou tão bem e
concisamente, para quê estar
O 25 de Abril da liberdade, de todos a puxar pela cabeça para dizer
o mesmo? Como dantes se
escrevia nos jornais, aqui fica

U
com a devida vénia e grande
m dos problemas recorren- Foi menos, porque a madrugada tudo como ela hoje se entende), e apreço por aqueles que, como
tes de grandes momentos, do dia 25 de abril de 1974 foi do- que Spínola, que tinha escrito um Nuno, mantêm a dignidade e
seja de uma família, de um minada por algumas dúvidas, para livro sobre o problema colonial, a independência de espírito,
país ou de todo o mundo, é os 99% de portugueses que nada com uma solução impossível e po- mesmo passando pelos
a apropriação que, posteriormen- sabiam do golpe. Seria o fim do liticamente errada (o federalismo), corredores dos ministérios.
te, se faz do seu significado. Cresci Estado Novo, e a reposição da de- era tudo menos de esquerda. O que
a pensar que os senhores barbudos mocracia? Ou seria um endureci- significa isto? Muito, sobretudo se 229 DIAS
da I República eram, por definição, mento do regime, de um golpe que conjugado com o 1º de Maio, seis Três jornalistas —
apoiantes desse grande estadista se atribuía a Kaúlza de Arriaga, um dias depois: o 25 de Abril, na sua Avelino Rodrigues,
que foi Afonso Costa, até perceber dos mais conservadores generais pureza de madrugada que cada Cesário Borga e
que não eram, e que Afonso Costa portugueses? A dúvida ficou des- um esperava, “O dia inicial inteiro Mário Cardoso —
tinha cometido várias asneiras, al- feita, à medida que se detetavam e limpo/ Onde emergimos da noite escreveram um livro,
gumas dolorosamente erradas. Po- sinais — músicas de Zeca Afonso; e do silêncio”, como escreveu So- logo após o 25 de Abril
rém, na minha juventude, a Repú- cravos vermelhos nas espingar- phia de Mello Breyner, mulher de de 1974 (editado pela
blica era idílica, por ser o regime a das (algo que hoje se sabe ter sido Francisco Sousa Tavares, não era desaparecida, mas
contrapor à ditadura de Salazar, ao coincidência e não premeditado), Todas as revoluções de direita nem de esquerda; ape- na altura prestigiada,
seu cinzentismo bolorento, à sua comunicados onde se apela, essen- se evaporam e deixam nas liberdade, a luz contra a noite Moraes). Não sendo obra
violência e, sobretudo, à guerra. cialmente, a que as pessoas fiquem representada pelo regime anterior. nem de historiadores nem
Não posso, assim, achar estra- em casa. Pelo meio, às 7 da manhã, atrás de si apenas Depois... bem, depois houve de investigadores, mas de
nho que muitos entendam hoje o o capitão Salgueiro Maia diz ao o lodo de uma nova muitas histórias de apropriação, jornalistas que eram (e são,
25 de Abril como um património jornalista Adelino Gomes que es- burocracia sobretudo até ao movimento dos 9 a condição não se perde), é
absoluto e exclusivo da esquerda; tão ali para derrubar o Governo (militares do 25 de Abril que se far- fácil de ler e tem um atrativo
durante anos foi de tal modo as- e, às 7h30, o quinto comunicado taram das acometidas esquerdistas enorme: a minúcia não
sim, que nem o PS participava nas do MFA afirma que “as Forças Ar- Franz Kafka (1883-1924), escritor, e comunistas), que repôs, a 25 de maçadora. Os autores de “O
comemorações de rua. A Repúbli- madas desencadearam, na madru- autor de “O Processo”, origem do novembro de 1975, o espírito do 25 Movimento dos Capitães e o 25
ca, apesar dos seus conservadores, gada de hoje, uma série de ações termo kafkiano. Natural de Praga de Abril de 74, tendo como opera- de Abril: 229 Dias para Derrubar
candidatos a ditador, e militares com vista à libertação do país do cionais o conservador Jaime Neves o Fascismo” conseguem
como Machado dos Santos, herói regime que há longo tempo o do- e, sobretudo, o moderado Rama- pormenorizar com bastante
da revolução, Pimenta de Castro, mina”. Para bom entendedor, mas lho Eanes. Entretanto, houve per- rigor todos os preparativos
primeiro-ministro, e Sidónio, cha- na altura haveria poucos, estava seguições, tentativas de golpe à de um golpe que começou
mado Presidente-Rei, parecia, de ali a resposta: era para derrubar Tavares faz o primeiro discurso direita e à esquerda, movimentos por ser contra as condições
longe e a quem não tinha estudado o regime, como genericamente claramente antifascista; quando contra eleições livres, saneamen- remuneratórias dos oficiais
com minúcia o período, um bloco se designava o Estado Novo ou o Spínola chega ao largo para re- tos sem critério, nacionalizações de mais baixa patente, para
unido apenas porque todos se re- fascismo. ceber a rendição (ou entrega do que destruíram a economia. Mas se densificar e terminar como
clamavam do republicanismo. Do Foi mais, porque nas ruas por poder) por parte de Marcello, é nada altera o 25 de Abril inicial, uma revolução contra o regime
mesmo modo, o 25 de Abril pare- onde andei, sem que muita gente vigorosamente aplaudido. Ora, a o dia de todos os que defendem a que vinha do golpe de 1926,
ce, agora que passaram 49 anos, andasse, o ambiente era de euforia. oposição, os poucos comunistas e liberdade. Nem a esquerda pode do Estado Novo, e os seus (já
um pronunciamento da esquerda e No Largo do Carmo, sobre uma socialistas que por ali andariam, dizer que é seu, e confundi-lo com poucos) apoiantes. O livro, que
feito para a esquerda. Na realidade, guarita do quartel da GNR, onde se com certeza sabiam duas coisas: o que posteriormente sucedeu; se encontra à venda na internet,
e visto por quem o viveu e com ele refugiara Marcello Caetano (com que Sousa Tavares, sendo um ho- nem a direita desprezá-lo, devido vale a pena.
vibrou, o 25 de Abril foi simultanea- os seus ministros Rui Patrício e mem de liberdade, era monárquico ao que, depois, sucedeu.
mente menos e mais do que isso. Moreira Baptista), Francisco Sousa e não alguém de esquerda (sobre- hmonteiroexpresso@gmail.com TRÊS D
O programa do MFA
(Movimento das Forças
Armadas) era três
OS DIAS QUE ME OCORREM D — Democratizar,
Descolonizar
RECUSA para combater o populismo têm de subir. Doa a quem estiver cheio de casos e exagerar e a impedir as e Desenvolver.
O Governo do PS e a demagogia. Doa a quem doer. casinhos que envolvem decisões livres da AR com Decorridos 49
recusa entregar à doer... bastante dinheiro. Além expedientes; há também anos, democratizámos e
Comissão Parlamentar INGENUIDADE de que os eleitores não quem opine que Marcelo descolonizámos — bem ou
de Inquérito sobre a IVA ZERO Há muita gente convencida têm por hábito fazer tem toda a razão, que mal, consoante as opiniões.
TAP a fundamentação e Começou esta semana. O de que o PSD ganha votos as rebuscadas contas nesta matéria, da AR só E o desenvolvimento, se
parecer jurídicos para o líder do Governo foi ver acaso recuse alianças e cálculos dos nossos saem imperfeições e falta compararmos com o que era,
despedimento da CEO se a norma estava a ser ou compromissos com o políticos e comentadores. de rigor. É difícil legislar foi enorme. Sabendo que
Christine Ourmières- cumprida. Doa a quem Chega. E até quem diga que sobre a morte, isso é nunca estará concluído, é,
Widener. O chefe do doer, os preços têm de o Presidente não dissolve ELEIÇÕES certo. Haverá sempre uma no entanto, o único aspeto
Governo, António Costa, baixar... ou não. o Parlamento enquanto o Fala-se de eleições como objeção, é sabido. Mas há dos desígnios iniciais de Abril
afirmou querer a verdade PSD depender do Chega. se houvesse motivo para quem veja na legislação que não se pode considerar
toda sobre o assunto, doa AUMENTOS Montenegro já deixou dissolver o Parlamento desta matéria um avanço realizado. Ao país continua a
a quem doer. Tudo faz Os pensionistas que há claro que não quer nada em nome do irregular civilizacional. Pior: há quem faltar o ímpeto reformador e
sentido. sete meses iam dar cabo com o partido de Ventura, funcionamento das queira um referendo. Doa a a vontade de progredir. Afinal,
da sustentabilidade da mas a má notícia é que, instituições (argumento quem doer. quanto mais progressistas,
50 ANOS Segurança Social, acaso embora o PSD ganhe que serve para qualquer mais conservadores parecem
O PS fez 50 anos e se cumprisse a lei, têm em credibilidade e em altura). Mas não me parece ESPIÃO os defensores de certas causas,
estiveram ausentes alguns agora um aumento que moralidade, não ganha um haver qualquer motivo Com Jack Teixeira, suspeito das célebres “portas que
importantes ex-líderes repõe a tal lei. E mais: único voto com o gesto. razoável, doa a quem doer. de divulgar segredos Abril abriu”, que cantava Ary
nacionais e distritais. Não ganha-se um ror de anos de O Chega vai continuar a militares, Portugal ganha dos Santos; como a defesa
perderam muito, foi um sustentabilidade. Quando ganhar votos, doa a quem EUTANÁSIA outra dimensão na guerra. anacrónica de direitos, por
pouco mais do mesmo. o PS vê as sondagens a doer, enquanto o país não Há quem entenda que Há toda uma rota turística exemplo; basta olhar para
Demagogia e populismo descer, alguns rendimentos se desenvolver e, ao invés, o Presidente está a a inaugurar. França...

Ricardo
Costa
E se o
Paraguai
invadisse
o Brasil?
L
ula não tem a obri-
gação de conhecer
em detalhe a histó-
ria da Europa. Mas
tem que saber que a
invasão da Ucrânia é
diferente de todas as guerras
e conflitos existentes no con-
tinente no pós-II Guerra. É a
primeira guerra de anexação e
conquista territorial entre dois
Estados independentes, pondo
em causa fronteiras definidas
e internacionalmente aceites.
Num continente desenhado
em cima dos destroços de vários
impérios, com nacionalidades,
línguas e religiões que cruzam
imensas fronteiras geográficas, a
invasão de Putin representa um
perigo existencial para o conti-
nente e para a democracia. E
para a paz, um conceito que só
foi normalizado na Europa nas
últimas sete décadas.
A posição de Lula sobre a in-
vasão russa não é nova. Antes
de ser reeleito, o Presidente
brasileiro já repartia as culpas
entre invasor e invadido. Não
mudou uma linha no discurso,
mas perdeu a noção do tem-
po e do espaço. Dizer isso em
Pequim é de uma gravidade
extrema. Dizer que a guerra é
fomentada pela Europa e pelos
EUA, sem perceber a ambição
imperial e territorial de Mosco-
vo, é transformar o Brasil numa
anedota diplomática.
Antes de ser eleito,
Lula já repartia a
culpa entre invasor e
invadido. Não mudou,
mas perdeu a noção
do espaço
A América do Sul não foi
devastada por duas guerras
mundiais, mas teve conflitos
pesados. O mais devastador (de
1865 a 1870) reduziu o Para-
guai a pó, liquidou quase toda
a sua população masculina e
infligiu-lhe perdas territoriais
imensas, condenando-o a uma
insignificância económica que
se arrasta até aos dias de hoje.
A Tríplice Aliança que se
uniu contra o expansionismo
paraguaio teve grandes perdas,
mas impôs a lei dos vencedores:
Argentina, Uruguai e Brasil
ocuparam o país, impuseram
reparações e anexaram quase
140 mil quilómetros quadrados
do Paraguai, fixando as frontei-
ras atuais.
Ao contrário do que seria
mais lógico, Francisco Solano
López, o ditador paraguaio res-
ponsável pela decadência do
seu país, não é recordado como
um irresponsável. Condenados
a uma pobreza eterna, muitos
paraguaios veneram o ditador
e suspiram pela época em que o
seu país tinha o maior exército
do continente e muitos mais
quilómetros quadrados.
Lula conhece seguramente
esta guerra. Talvez assim per-
ceba que se um dia algum di-
tador saudosista chegasse ao
poder em Assunção e decidisse
invadir o Mato Grosso para cor-
rigir a humilhação não andaria
longe da mitomania de Putin.
Nesse cenário absurdo, só há
uma coisa realista: haverá sem-
pre um líder relativista que dirá
que o Brasil não devia ter humi-
lhado o Paraguai e que a defesa
do invadido fomenta a guerra.
Até no absurdo devemos sem-
pre contar com a escola de Lula.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Paddle
As cinco regras de
segurança que não
são cumpridas P18
“Coração” do 25 de
Abril espera por obras
Posto de comando onde
o MFA conduziu as
operações da Revolução,
há 49 anos, precisa de
obras para ser visitado
Desde 2019 que o local a partir
do qual foi comandado o 25
de Abril de 1974 está à espera
de obras para ser aberto ao
público. O Posto de Coman-
do do Movimento das Forças
Armadas (MFA) está inseri-
do no Quartel da Pontinha,
cedido à GNR, e não tem en-
trada autónoma. O projeto de
construção foi elaborado, mas
há quatro anos que o proces-
so está num impasse, sabe o
Expresso. A decisão está nas
mãos dos Ministérios da Ad-
ministração Interna, da Cultu-
ra e da Defesa Nacional.
As visitas ao “coração” da
Revolução estão sujeitas a
agendamento prévio e têm de
ser autorizadas pelo Exército.
Foi este o posto onde estive-
ram reunidos, entre 24 e 26
de abril, os cinco militares,
comandados pelo major Ote-
lo Saraiva de Carvalho, que
devolveram a liberdade e a
democracia a Portugal. “É o
local que dirigiu as operações
— dava instruções e recebia
O Expresso em Vila Real
Enchidos
A alheira perfeita,
de Montalegre
a Mirandela R30
informações — e recebeu a
rendição do próprio chefe do
Governo, Marcelo Caetano”,
diz o historiador Jorge Mar-
tins, primeiro subscritor da
petição que tornou este local
um Monumento Nacional.
Ao Expresso, os Ministérios
da Administração Interna, da
Cultura e da Defesa Nacional
dizem, numa resposta conjun-
ta, que estão “a trabalhar para
encontrar a solução que per-
Ministérios da
Administração
Interna, da Cultura
e da Defesa rejeitam
“obstaculizar”
execução das obras
mita chegar ao objetivo pre-
tendido sem conflituar com
a natureza do espaço em que
o posto está inserido, que é a
de uma unidade militar em
atividade”. Garantem ainda
que “nenhuma das entidades
referidas está a obstaculizar a
execução de quaisquer obras”,
apesar de não darem uma es-
timativa de quando serão con-
cretizadas.
(
EDP
CEO garante
que empresa vai
baixar os preços E6
Este espaço de memória cor-
re o risco de não ficar pronto
a tempo das comemorações
dos 50 anos do 25 de Abril,
em 2024. Na altura, foi esco-
lhido por ser um sítio discre-
to, relativamente isolado e
fora de Lisboa, mas perto da
cidade. Na sala de operações
é reproduzido exatamente o
cenário de há 49 anos, com
as seis figuras dos militares
fardados à época, alguns deles
com os blusões então usados,
os rádios, telefones e trans-
missores, bem como as armas,
munições e mapas, e os mes-
mos cobertores escuros que
taparam as janelas.
Foi também aqui que, na
manhã de 26 de abril, foi dada
a primeira conferência de im-
prensa da Junta de Salvação
Nacional e revelado ao país
o Programa do Movimento
das Forças Armadas. Graças
ao “testemunho simbólico”,
“notável de vivências ou factos
históricos, à sua extensão e ao
que nela se reflete do ponto
de vista da memória coletiva”,
em 2015 foi classificado como
Monumento Nacional. “Para
mim, é o edifício mais simbó-
lico do 25 de Abril”, afirma
Jorge Martins.
INAUGURAÇÃO A exposição
50 anos e o Banco Expresso fo-
ram inaugurados quinta-feira
em Vila Real pelo autarca da
cidade, Rui Santos. “O Expres-
so faz parte da nossa vida co-
letiva, é muito relevante ter
aqui esta exposição. Todos os
que tiverem oportunidade de
a visitar poderão recordar o
que se passou na nossa vida
desde 73 até aos dias de hoje,
observando as capas do Ex-
presso porque a ligação sen-
timental e histórica com os
portugueses é muito íntima”,
disse o presidente da Câma-
ra. O Banco Expresso ficará
junto à Biblioteca Municipal
como marca do meio século
do jornal. Já a exposição es-
tará nos próximos dias junto
ao Teatro Municipal. Foi aqui
que decorreu uma sessão do
Café Expresso, dedicada aos
desafios do jornalismo na era
das redes sociais, em que se
enfatizou a importância de
uma imprensa forte. Partici-
param o diretor, João Vieira
Pereira, o presidente da Câ-
mara, e Luís Mendonça, dire-
tor do jornal de Vila Real e da
Rádio Universidade FM.
FOTOS NUNO BOTELHO
Últimas
Ataques a escolas A PJ
identificou vários autores das
mensagens de ataques a esco-
las. Nenhum dos suspeitos tem
antecedentes criminais ou de
extremismo. São todos meno-
res de idade. Situações terão
ocorrido na sequência de pu-
blicações na rede social TikTok.
Combate a abusos A psicó-
loga Rute Agulhas vai coorde-
nar o Grupo VITA, de acom-
panhamento das situações de
abuso sexual de crianças e adul-
tos vulneráveis no contexto da
Igreja Católica em Portugal.
Costa no Mosteiro O Mos-
teiro de Ancede Centro Cultu-
ral de Baião é inaugurado esta
sexta-feira pelo primeiro-mi-
nistro António Costa, depois
de um investimento de €3,7
milhões.
Desemprego recua Em
março, o desemprego regista-
do diminuiu 3% face a feverei-
ro deste ano e 6,2% na compa-
ração homóloga com março de
2022. No final do mês, o Insti-
tuto do Emprego e Formação
Profissional (IEFP) contabili-
zava 306.157 desempregados.
Fnac compra MediaMarkt
O grupo francês Fnac Darty
comprou as 10 lojas da Media-
Markt em Portugal, uma ope-
ração sujeita à aprovação da
Autoridade da Concorrência.
Muros anti-imigração O
Parlamento Europeu rejeitou a
proposta que prevê a utilização
de fundos comunitários para
financiar muros anti-imigra-
ção, uma medida pedida pela
direita europeia. PSD e CDS
votaram a favor.
Fox paga milhões A Fox
News concordou em pagar
cerca de 719 milhões de euros
à empresa de máquinas de voto
eletrónico Dominion Voting
Systems, num processo de di-
famação que durava desde as
presidenciais norte-america-
nas de 2020.
Macron anuncia aumento
O Presidente francês, Emma-
nuel Macron, anunciou um
aumento salarial para os pro-
fessores “entre os 100 e os 230
euros líquidos” por mês.
Debandada no Iémen O
acidente ocorreu na capital ie-
menita, Sana, quando centenas
se dirigiram a uma escola a fim
de receberem uma doação de
cerca de oito euros por pessoa,
uma tradição que faz parte das
celebrações do Ramadão em
alguns países. De forma a con-
trolar a concentração, os re-
beldes houthi, que controlam
Sana, terão disparado para ar,
causando o pânico que levou à
debandada.
TEMPO E MARÉS
SEXTA SÁBADO
Bragança 24˚ 6˚ 19˚ 5˚
Porto 20˚ 9˚ 18˚ 10˚
Guarda 19˚ 7˚ 13˚ 5˚
Sexta-feira
21 de abril
19˚ 21˚
21
Lisboa 12˚ 12˚
de 2023
Évora 24˚ 9˚ 21˚ 8˚
Faro 20˚ 13˚ 23˚ 12˚
04
Ponta
18˚ 13˚ 19˚ 15˚
Delgada
Funchal 24˚ 17˚ 22˚ 16˚
SEXTA SÁBADO
MARÉS Baixa Alta Baixa Alta
Porto 10:30 16:42 11:05 17:19
Lisboa 10:35 17:02 11:10 17:38
#2634 Faro 09:59 16:24 10:33 17:02
expresso.pt FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
Encoberto “Para a cenoura,
o coelho é a perfeita encarna-
ção do mal”, escreveu Robert
Sheckley. Nuvens no horizonte.