A EXPOSIÇÃO

50 ANOS DO
EXPRESSO ESTÁ
BOA CAMA
NA GUARDA BOA MESA
ATÉ DOMINGO
2 DE ABRIL
ENTRADA
LIVRE
HOJE €18,90
CONT.
GRÁTIS MAPAS EXPRESSINHO
A PARTIR DA PRÓXIMA EDIÇÃO
PRIMEIRA SEMANA: NORTE

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 31 de março de 2023

2631

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

24h
SONDAGEM ICS-ISCTE PARA EXPRESSO/SIC Elvira pediu
a Bruxelas
PS em queda livre já para transferir
bolsa que
Expresso nas
bancas mais cedo
Na próxima semana, devi-
do ao feriado de Sexta-Feira
Santa, o Expresso sai um dia
está empatado com PSD perdeu por
ser ministra
mais cedo, na quinta-feira, 6
de abril. A cientista perdeu a bolsa
europeia quando foi para
AVALIAÇÃO DOS POLÍTICOS AVALIAÇÃO DO GOVERNO INTENÇÃO DE VOTO o Governo, em 2022, mas
Marcação ilegal de ainda tentou reverter a
faltas nos tribunais
6,5 4,6 4,2 NS/NR

29%
PS PSD CHEGA situação... sem sucesso

30% 30% 13%

O Tribunal Administrativo 6%
de Lisboa considerou ilegal a -0,5 -0,8 -0,3 Ao assumir o cargo de ministra
“MUITO
marcação de faltas e descon- MARCELO ANTÓNIO LUÍS
BOM” do Ensino Superior, a investi-
REBELO SOUSA COSTA MONTENEGRO “MUITO
to no vencimento aos funcio- MAU” (0%) gadora Elvira Fortunato, que
E “BOM”
nários judiciais que entraram (21%) GOVERNO (29%) (TOTAL: 22%) (TOTAL: 21%) (TOTAL: 9%) dirigia o Centro de Investigação
E “MAU”
em greve a 15 de fevereiro, (43%) de Materiais do Laboratório As-

após os trabalhadores terem
sido punidos desta forma
pela Direção-Geral da Admi-
nistração da Justiça.
Nova justificação
sem atestado
A partir de segunda-feira, as
pessoas com doença ligeira
que faltem ao trabalho até
três dias já não precisam de
ir aos serviços de saúde pedir
um atestado médico. A de-
claração médica eletrónica,
uma autodeclaração, entra
em vigor e passa a estar dis-
ponível através da platafor-
ma do SNS 24.
Integram esta edição semanal, além deste
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda MOBILIDADE
ELÉTRICA E GESTÃO DE FROTAS
64%
sociado i3N, perdeu automatica-
-7 PONTOS +1 PONTO +4 PONTOS mente a bolsa de €3,5 milhões
do Conselho Europeu de Inves-
tigação que ganhara em 2018.
Socialistas perdem 7 pontos. Costa chumba pela primeira vez. Governo Mas ainda tentou a intervenção
da Comissão para garantir a
tem a pior avaliação de sempre. Chega é o partido que mais ganha P6a9 continuidade do projeto. P5
Defesa usa SERRA DA ESTRELA
imóveis para À ESPERA DA REFLORESTAÇÃO
comprar DEPOIS DOS INCÊNDIOS
armas
Reportagem na Guarda, onde
pastores como Ana Teresa
António Costa passa Matos lutam pela preservação
a centralizar as decisões das ovelhas bordaleiras P22
sobre quais os prédios
militares a rentabilizar,
vender, arrendar ou ceder

A Lei de Programação Militar

prevê o uso de receitas de pré-
dios militares para aquisição de
equipamentos. O Exército vai
ter helicópteros ou aviões para
proteção de forças. P12
FOTO ANA BAIÃO

www.mantovani.pt Abdul já
saiu de casa
Peça na sua com intenção
farmácia de matar
Obras IVA das faturas 250 mil alunos
O duplo homicídio suspensas nas deixam de
no Centro Ismaelita foi
premeditado. O afegão
tinha uma fixação pela
dunas de Troia pode servir para fazer testes em
vítima mais nova vão avançar P17
aumentar pensões papel este ano
Homicida culpava as duas mu-
lheres que lhe davam apoio em
Portugal por continuar sem con- Americanos Peritos nomeados pelo Governo Provas de aferição serão
seguir arranjar emprego. Na ter-
ça-feira resolveu matá-las com
rendidos estudam incluir parte do feitas em computador.
Em 2025 será a vez dos
múltiplas facadas. P14 a Portugal R20 imposto nas contas individuais E5 exames do secundário P15

CAIXA PRR/PT2030
Investir hoje para crescer amanhã.
Saiba mais em cgd.pt
Caixa Geral de Depósitos, S.A., registada junto do Banco de Portugal sob o n.o 35.
2 PRIMEIRO CADERNO
Lembram-se da Roménia?
N
o final do ano passado,
o Expresso escreveu
que, a confirmarem-se
as projeções de outono
da Comissão Europeia, a
Roménia iria ultrapassar
Portugal em riqueza ge-
rada por habitante em 2024. Aquele
que foi um dos países europeus mais
pobres e que continua a apresentar
imensos problemas sociais estava des-
tinado a ter um PIB per capita superior
ao dos portugueses. Provavelmente,
não será preciso esperar tanto tempo.
Afinal, a Roménia já nos apanhou.
Em 2022, o PIB per capita de Portugal,
Roménia e Hungria é de 77% da média
da União Europeia, segundo dados de
Bruxelas. Estamos em 6º lugar a contar
do fim. Pior do que nós e por ordem do
pior para o menos mau estão Bulgária,
Eslováquia, Grécia, Croácia e Letónia.
Com estes dois últimos já bem perto.
Um ranking simples é o espelho da
vergonha nacional e mostra o que,
como país, não conseguimos fazer nas
últimas décadas. Muito já se escreveu
sobre estarmos pregados ao fundo da
tabela da riqueza europeia, mas se so-
prarmos a espuma dos comentários
avulsos nada é alterado no que fazemos
para tentar fugir a este triste destino.
Há anos e anos que fazemos diag-
nósticos, falamos de competitividade,
de apostar em projetos e indústrias
inovadoras, da necessidade de aumen-
tar o investimento, de baixar impostos
sobre a produção e o trabalho, mas não
conseguimos sair do papel. É crónica
a incapacidade de tomada de decisões
estratégicas, aliada ao pânico dos po-
líticos de arriscar além daquilo que
lhes garante apoios mais mediáticos e
imediatos. Enquanto nós estudamos o
que nunca fazemos, outros fazem. Bru-
xelas publica também um Índice de
Competitividade Regional, que mede
a competitividade em todas as regiões
da União Europeia. Entre as 234 re-
giões analisadas com 68 indicadores,
Lisboa, a melhor região portuguesa,
surge apenas em 67º. Logo a seguir, o
Norte fica em 133º, ou seja, nem chega
a meio da tabela.
PIB PER CAPITA NA UE EM 2022
Em paridade do poder de compra
Luxemburgo
Irlanda
UE 100
Itália 96
Eslovéna 92
Chipre 92
Chéquia 91
Lituânia 90
Estónia 87
Espanha 85
Polónia 79
Hungria 77
Portugal 77
Roménia 77
Letónia 74
Croácia 73
Grécia 68
Eslováquia 67
Bulgária 59 FONTE: EUROSTAT
A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
O IVA A DESCER
O Governo anunciou a redução
para zero do IVA de mais de 40
produtos do cabaz básico de
alimentos. Com a medida
espera ver reduzidos os preços
nos consumidores, e conseguiu
para isso um acordo com o
retalho e produtores.
ATAQUE A CENTRO
ISMAELITA
Um ataque à faca no
centro ismaelita de
Lisboa provocou a
morte de duas
mulheres. O duplo
homicídio foi premeditado. Um
dos temas que marcaram a
João Vieira
Pereira
Nada disto interessa. Os políticos só
estão interessados em gerir a populari-
dade junto de quem lhes pode dar a vi-
tória nas próximas eleições. Privilegiam
os maiores grupos de lóbi, os que vivem
de mão estendida perante o Estado. E
quanto maior for o Estado, pesado e
burocrata, mais eles conseguem con-
trolar as suas probabilidades de eleição.
O fim só pode ser o desastre. Sem a
capacidade de criar riqueza não cresce
a capacidade de cobrar impostos, sem
impostos não há como continuar a su-
portar as despesas do Estado a não ser
através do endividamento público.
Dizem que desde 2015 assistimos a
uma exímia gestão das finanças públi-
cas. Não há como fugir a factos. Esta-
mos melhor hoje. Mas à custa do quê e
de quem? As contas públicas parecem
mais controladas, mas foi preciso, todos
os anos, travar a fundo o investimento.
No ano passado, Medina previa investir
€7,3 mil milhões — €1,4 mil milhões
ficaram por executar. E nem vou entrar
pela qualidade do investimento, porque
parece óbvio que estamos a investir nas
atividades erradas. Talvez devessem
perguntar à Roménia como fazer.
Passaram mais de 10 anos sobre o
resgate português. Acabaram as des-
culpas. Somos um país ótimo para vi-
ver, mas todos os anos empobrecemos
porque fizemos, e continuamos a fazer,
as escolhas erradas. De que serve ter
contas certas se elas são conseguidas à
custa de sermos um eterno país pobre?
Chamem-me ingénuo, mas pode
ser que desta vez António Costa final-
mente perceba que tem de fazer algo
diferente. Nem que seja para não ficar
colado a um dos maiores falhanços
de sempre da nossa recente História.
Aquele que tinha tudo — juros baixos,
estabilidade política e fundos europeus
como nunca — e que com isso conse-
guiu apenas empobrecer Portugal.
2
A sondagem que publicamos na
edição de hoje mostra como Cos-
ta passou do céu ao inferno. Há
um ano, 65% avaliavam a atua-
ção do Governo como “muito boa” ou
“boa” e 29% diziam quer era “má” ou
“muito má”. Hoje apenas 28% dão-
-lhe nota positiva e 64% chumbam-no.
Apesar de alguns casos e polémicas
internas, o que realmente mudou foi
261 a capacidade de os portugueses che-
234 garem ao fim do mês com dinheiro
suficiente. Mas o mais relevante desta
sondagem é a distribuição dos votos
perdidos pelo PS. Ao contrário do que
seria de esperar, a esquerda radical,
que justificou os maus resultados do
ano passado com o voto útil no PS, não
recuperou nada (ou até perde) com
a queda dos socialistas. Montenegro
continua a ser um peixe fora de água,
sem capacidade de unir o centro, e
deixa fugir votos para o Chega e a Ini-
ciativa Liberal. Um ano depois e a mais
de três anos das próximas legislativas,
a conclusão mais óbvia é que ainda
não há alternativa a todas as asneiras e
mau trabalho feito por António Costa.
jvpereira@expresso.impresa.pt
atualidade noticiosa esta
semana (ver pág. 14).
PATENTES RECORDE
O nosso país teve no último ano
um novo recorde de patentes
registadas, com 312.
ISRAEL
Duram há 12 semanas os protestos
populares contra a reforma
judicial, entretanto suspensa, que
o Governo de Netanyahu
pretendia levar a cabo, e que os
opositores consideram pôr
em causa o regime
democrático.
FRANÇA
Também em França
os protestos contra
uma medida do
Governo, neste caso a
subida da idade da reforma,
não dão sinais de abrandar. Pelo
contrário, esta semana a
Expresso, 31 de março de 2023
Vários países bloquearam o uso da aplicação chinesa em telefones do Estado.
Duelo Governo português não pensa introduzir quaisquer restrições por agora
Pedro Veiga Leonel
Ex-presidente da Fundação
para a Computação Científica
Moura
Nacional e ex-coordenador
do Centro Nacional de
Cibersegurança Artista plástico
O Governo devia
proibir a utilização do TikTok
em Portugal?
SIM NÃO
Eu não uso o TikTok. A introdução O TikTok viola a privacidade dos
de tecnologias digitais no nosso quo- utilizadores? Certamente. O TikTok
tidiano tem vindo a colocar em risco é vigiado pelo Governo chinês? Cer-
a nossa privacidade. Podemos dizer que a privacidade tamente. E depois? Todas as redes sociais violam a
já não existe no mundo digital. Mas cada um de nós privacidade dos seus utilizadores e todas, sem exceção,
pode, através de um uso criterioso destas tecnologias, fornecem informações aos respetivos governos. A
gerir o modo como se expõe aos riscos do cibercrime, diferença está em que o TikTok é vigiado pelo “mau”
da ciberespionagem ou da simples ciberbisbilhotice. Governo chinês e as outras redes são vigiadas pelo
A recente polémica em torno da proibição de instalar “bom” Governo dos Estados Unidos. É, isto, e só isto,
o TikTok em smartphones de serviço é legítima. Sou de que resume o ataque ao TikTok.
opinião que num smartphone de serviço não devem A proibição de utilização desta rede, para já pelos
ser guardadas informações do foro privado do indiví- representantes políticos europeus, não tem qual-
duo. Também como um carro de serviço não deve ser quer racionalidade fora do conflito entre Estados
usado para fins pessoais, o uso do smartphone, tablet Unidos e China. Não há nada que o Governo chinês
ou computador de serviço devem ser feitos com a sal- possa saber através do TikTok que não consiga, e
vaguarda dos bens digitais do uti- melhor, por outros meios. A ser
lizador e não devem ser instaladas uma medida punitiva da violação
aplicações que saiam do âmbito A introdução de da privacidade, devia aplicar-se a
profissional. tecnologias digitais todas as redes sociais. A ser uma
Bem, na realidade já usei o Tik- no nosso quotidiano proteção dos cidadãos, todas de-
Tok, mas fiz isso num smartphone viam ser banidas. O TikTok é pior
que uso para fazer testes e ver tem posto em risco do que as outras redes, por ser
como certas aplicações funcionam. a nossa privacidade mais imbecilizante, por estar em
Para este equipamento criei uma acelerado crescimento? Querem
identidade digital minha, diferente Os governos melhores redes sociais, éticas,
da que uso normalmente, e que me inteligentes, civilizadas? Façam-
permitiu ver o que era o TikTok. e instituições -nas, se forem capazes.
Instalei a aplicação, em que não te- europeias criam Os argumentos dos defensores
nho confiança, no que designo por bloqueios, censuras, da proibição variam entre o patéti-
um ambiente digital sanitizado. É culpam os outros co, proteção dos adolescentes por
um ambiente onde não tenho: a exemplo, superioridade do Ociden-
minha lista de contactos, a minha pelos seus fracassos te, duvidoso, pura desinformação.
informação privada, as minhas fo- Valem tanto como o tempo perdido.
tografias. Um ambiente que tem medidas de segurança Aos europeus, meros peões de um jogo pouco
digital reforçadas. Tenho especial cuidado com aplicações esperto, devia sobretudo interessar perceber
provenientes de países com regimes autoritários e não de- se estas atitudes censórias resolvem de alguma
mocráticos ou onde os mecanismos de proteção dos meus maneira a nossa insignificância. A Europa tem
dados não obedecem a critérios transparentes, rigorosos e perdido todas as “batalhas” das tecnologias di-
supervisionados por entidades independentes. gitais, e, na verdade, hoje não conta para a evo-
Em todas as áreas da vida, a segurança depende de uma lução das mesmas. A Europa não tem nenhuma
avaliação que cada um de nós faz dos problemas a que empresa tecnológica relevante. Não esteve no
está exposto. Quando andamos de automóvel, quando mais decisivo do desenvolvimento da Internet nas
acendemos um churrasco no verão, ou quando vamos fazer últimas décadas, não está na corrida da Inteligên-
esqui na neve, sabemos que há um certo número de aci- cia Artificial. E, já que falamos em redes sociais,
dentes que podem ocorrer. Mentalmente fazemos aquilo não existe nenhuma europeia nas 20 maiores do
que se designa por análise de risco, um exercício em que mundo. Enfim, a Europa não tem efetiva capaci-
pesamos o que vamos fazer e como o vamos fazer, contra dade de inovação global.
os acidentes que podem ocorrer. Sabemos que se formos Incapazes de criar um ambiente favorável ao
de automóvel em excesso de velocidade, depois de termos desenvolvimento das novas tecnologias e suas
ingerido álcool ou se o piso estiver molhado aumenta a aplicações, os governos e instituições europeias,
probabilidade, o risco, de termos um acidente. enveredam pelo pior. Criam bloqueios, censuras,
Do mesmo modo, a nossa segurança digital depende de culpam os outros pelos seus fracassos.
como usamos as tecnologias digitais. Devemos ponderar A proibição na Europa do TikTok não tem qual-
como as usamos, em que condições e, em especial, o que quer efeito na implantação desta rede, que tem
partilhamos da nossa privacidade. Com a agravante de maior expressão nos Estados Unidos, nem sequer
que o que fazemos no mundo digital pode ser capturado, na proteção dos dados. Qualquer adolescente
duplicado ou enviado através da internet para algures habilidoso, chinês, russo, italiano, mexicano ou
no mundo, sem disso nos apercebermos. E a informa- esquimó, consegue facilmente obter muita infor-
ção digital não se deteriora com o tempo e pode ficar mação sobre cada deputado europeu, onde mora,
armazenada imenso tempo e vir a ser usada contra nós. do que gosta, onde gasta o seu dinheiro, que inte-
É por tudo isto que decidi não usar o TikTok, assim como resses defende. Sem precisar do TikTok para nada.
não uso muitas das aplicações disponíveis de modo “gra- A Europa continua a consumir tempo e recursos
tuito”. Gratuito entre aspas, pois pagamos o uso com a com proibições e regressões. Entretanto, outros,
cedência de muita informação pessoal, os nossos dados. vão inventando o futuro.
violência dos confrontos nas ruas
subiu de tom. E para a semana já
há mais manifestações previstas.
BOLSONARO
O antigo Presidente do Brasil,
afastado por Lula, voltou ao país
comando de uma Aprilia, na
temporada de MotoGP. A prova
era em Portimão, onde já
pela primeira vez desde que vencera. Na primeira volta, o
ESCÓCIA abandonou o Palácio do Planalto, português chegou a estar na
Humza Yousaf é o novo chefe dos no final de 2022. Que irão agora frente da corrida. Depois, foi
independentistas escoceses, fazer os seus apoiantes? abalroado pelo espanhol
substituindo Nicola Sturgeon, Marquez, desistiu, lesionou-se e
depois de ganhar a eleição “MONDEGO” falha a prova seguinte.
interna no Partido Há duas semanas, mais
Nacional Escocês. de uma dezena de HABITAÇÃO
militares recusaram- O pacote legislativo do Governo
OPERAÇÃO -se a embarcar no mereceu muitas críticas desde
MARQUÊS navio da Marinha que foi anunciado. Agora,
A Relação deu razão a para cumprir uma chegou a hora de passar para o
Sócrates sobre missão, invocando falta Parlamento. Mas, até ver,
prorrogação de prazos: de condições de mantêm-se as medidas mais
Após ter sido pronunciado segurança. Agora, o polémicas, como o
para julgamento por três crimes “Mondego” abortou uma missão arrendamento coercivo para
de branqueamento de capitais e na Madeira, depois de sofrer casas devolutas e o forte travão
três crimes de falsificação, a uma avaria enquanto rumava às ao alojamento local.
defesa de Sócrates requereu, em ilhas Selvagens.
2021, o alargamento dos prazos PAPA
para o recurso sobre a decisão de MOTO GP Uma infeção respiratória levou
pronúncia e para a arguição de Miguel Oliveira estreava-se, com Francisco ao hospital. Estima-se
irregularidades. as expectativas em alta ao que domingo já possa ter alta.
Expresso, 31 de março de 2023
Miguel Sousa Tavares
“Para não dizerem que não falei de flores”
A
ntes de entrar no
habitual cardá-
pio de desgraças e
indignações, dei-
xem-me começar
por um elogio: um
elogio à ilha da Ma-
deira. Desde antes
da pandemia que
não ia lá e, antes disso, passei quase
uma vida inteira sem lá ir, cumprindo
a promessa feita de não pôr lá os pés
enquanto a Madeira fosse governada
por um aprendiz de ditador que se
divertia a insultar os “cubanos” do
continente, a ameaçar com o sepa-
ratismo e a desdenhar o esforço dos
contribuintes para resgatar da miséria
aquele pedaço de jardim atlântico.
Posso achar muita graça a muitas gra-
ças dos políticos, mas não acho graça
nenhuma aos que brincam com os
meus impostos.
Mas, depois disso, desde que o dr.
Jardim bolinou da Quinta da Vigia,
em cada nova visita à Madeira cons-
tato que, afinal, ele — que certamente
será uma excelente e engraçadíssima
pessoa — não era nem indispensável
nem insubstituível para o progresso
da região. Porque a Madeira está cada
vez melhor: mais arrumada, mais or-
ganizada, mais limpa, mais bonita,
mais sedutora. E o Funchal está quase
uma cidade modelo, agora que a parte
velha foi recuperada e tem dezenas
ou centenas de bares e restaurantes,
nenhum com cadeiras ou guarda-sóis
de plástico patrocinados por refrige-
rantes, mas todos decorados com brio
e imaginação e onde a simpatia para
com os turistas, portugueses incluí-
dos, não se confunde com servilismo
— ambas as coisas uma lição para
o turismo do continente. Tudo está
incrivelmente cuidado — ruas, praças,
casas, jardins, canteiros, iluminação
pública, indicações de trânsito — na-
quilo que só pode ser uma vontade
colectiva e assumida de tornar a vida
de locais e forasteiros mais agradável,
sem cair num exibicionismo ostensivo
e saloio. Num mundo que nos parece
em acelerada decomposição e onde o
turismo é quase sempre sinónimo de
depravação, a Madeira surge como
um oásis no meio do mar, dir-se-ia
surreal de tão perfeito e tão frágil.
Mas frágil, como todos os oásis. E
esse é o seu desafio para o futuro: não
quebrar essa fragilidade por excesso
de ambição.
2 4
E vamos, então, às desgraças.
Eu sou a favor de sociedades e
países multiétnicos e multicul-
turais. Por todas as razões — e
também, mas não principalmente, as
económicas (que, todavia, desafiam a
hipocrisia dos nossos supremacistas
xenófobos) — entendo que Portugal
só tem a ganhar com a imigração de
diferentes grupos étnicos para cá.
SOLUÇÕES
AUTOMÁTICAS
PARA ARMAZÉNS
INTELIGENTES
214 151 890
mecalux.pt
Desde que os tratemos
como cidadãos de pleno
direito e não como mão-
-de-obra escrava, como
fazemos com tanta levian-
dade. Aliás, agora que o
mais racista dos povos,
o inglês, tem um primei-
ro-ministro da Inglater-
ra indiano e vai ter um
paquistanês na Escócia,
só mesmo uma franja de
lusitano-trogloditas é que
se pode lembrar de carpir
pela pureza da cidadania.
Acho curioso que estes
cristãos de missa e mão no
peito, como André Ventura,
vejam o diabo à solta nas ruas
porque um imigrante afegão,
num gesto de loucura
que qualquer português
aqui nascido poderia
ter cometido e comete,
matou duas pessoas à
facada, mas não vê peca-
do algum naqueles que
os alojam em contentores
e os fazem trabalhar 12 ho-
ras por dia, sem contratos
nem qualquer protecção
social. De cristãos destes
está o Inferno cheio. Mas,
a partir das miseráveis e
obscenas declarações
de André Ventura sobre
o crime na comunidade
ismaelita, pelo menos uma
coisa ficou esclarecida: ele
resolveu um dilema que Luís
Montenegro não conseguia
ultrapassar por si só. A partir
de agora, caída a última
máscara de Ventura e
dos seus seguidores do
lúmpen social que al-
bergamos, o presidente do
PSD, um dos partidos fundadores do
regime democrático em que vivemos,
sabe que não pode continuar mais no
seu jogo dúbio em relação ao Chega.
Por mais que isso lhe custe, por mais
que isso facilite a vida ao PS, Monte-
negro e o PSD sabem agora, de uma
vez por todas, que este Chega não é
frequentável. Há limites para a falta
de decência: não queremos viver num
país onde André Ventura e as suas
ideias possam fazer parte de qualquer
solução de governo. Porque eles não
são solução, são problema.
3
As opiniões dividem-se sobre
o real alcance que terá a taxa
zero de IVA sobre 44 produ-
tos alimentares. A maior parte
dos consumidores não acredita que
ela venha servir para fazer baixar o
preço dos bens incluídos: ou porque
daqui até à sua entrada em vigor eles
irão subir o suficiente para absorver
a baixa ou porque, no final, a cadeia
que fixa os preços encarregar-se-á de
Montenegro e o PSD
sabem agora,
de uma vez por todas,
que este Chega
não é frequentável
fazer repercutir a seu favor o IVA zero
e até ganhar com isso. Sinal dos tem-
pos, essa maioria de consumidores
atribui à distribuição (supermerca-
dos) a responsabilidade principal pelo
aumento de 23% no preço dos produ-
tos alimentares no último ano — um
dos maiores da zona euro. E para isso
contribuíram não apenas os lucros in-
críveis das principais cadeias de distri-
buição no último ano como também
um raciocínio simples: se a produção
não entrou em ruptura e o consumo
não aumentou, uma inflação destas só
pode dever-se a especulação na distri-
buição. E também concorreram coi-
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
sas como a conferência de imprensa
de Pedro Soares dos Santos, o patrão
da Jerónimo Martins, ao anunciar
lucros recordes de 590 milhões de
euros. É extraordinário que uma em-
presa com a dimensão daquela não
tenha ninguém que aconselhe o seu
CEO a abster-se publicamente de se
dirigir aos seus clientes e ao país no
tom de arrogância e más maneiras
como o que foi utilizado. Pela parte
que me toca, o recado ficou entregue
e digerido: não me verá mais nos seus
supermercados. Com o que, aliás, só
tenho a ganhar.
Neste país facilmente se passa
de bestial a besta. Bastou à CEO
da TAP, Christine Ourmières-
-Widener, já oficialmente des-
pedida com justa causa, apresentar
postumamente lucros de 65 milhões
no exercício de 2022 para que de es-
banjadora passasse a heroína e até
a candidata a um prémio milionário
de gestão. Mas, salvo melhor opinião,
PRIMEIRO CADERNO 3
parece-me difícil que ela ou o Rato
Mickey não conseguissem apresentar
lucros de gestão quando: a) Portugal
registou uma brutal recuperação do
turismo e todas as companhias aé-
reas tiveram idêntica recuperação
de actividade; b) a TAP beneficiou
de centenas de milhões de euros de
isenções fiscais concedidas pelo Esta-
do; c) poupou 100 milhões em cortes
salariais que não poderão durar para
sempre; d) praticou preços de usura
nas linhas em que ainda mantém um
monopólio de facto, como o Brasil e
certos destinos nos EUA, que também
não durarão para sempre;
e) e poupou dinheiro de-
gradando até um nível ex-
tremo o serviço de bordo
aos passageiros. Ou seja,
sem estas circunstâncias
ou ajudas anormais, a
TAP teria dado prejuízo,
como sempre. E, mesmo
com elas, à razão de 65
milhões de lucro por ano,
demoraria 35 anos, sem
contar com a inflação, a
devolver aos contribuin-
tes os 3,2 mil milhões que
lá pusemos. Felizmente
que, ao contrário do an-
terior, o novo ministro da
tutela já esclareceu que esse di-
nheiro, afinal, não é para devolver.
5
O défice das contas públicas
em 2022 ficou em 0,4% do
PIB, o que constitui uma proe-
za muito além das previsões
mais optimistas de toda a gente. Mas,
atenção, tudo isto é enganador. O Es-
tado não gastou menos nem gastou
apenas 0,5% a mais. Em termos no-
minais gastou muito mais do que isso;
o que aconteceu foi que as receitas
subiram ainda mais, muito mais do
que se esperava: 9000 milhões a mais
de cobrança fiscal, à conta da infla-
ção, sobretudo. Ou seja, enquanto os
portugueses empobreciam, o Estado
enriquecia. E as poupanças que fez na
despesa não foram com as despesas
correntes — com o funcionamento dos
seus serviços e os seus funcionários —
mas com as despesas de investimento,
a despesa produtiva, como de costu-
me. Temos assim um Estado rico num
país pobre, que tributa alegremente
a riqueza produzida, amealhando o
dinheiro dos impostos para o gastar
consigo próprio. Ver o défice público
diminuir em percentagem do PIB não
é má notícia. Mas melhor seria se essa
descida resultasse da poupança do
Estado, quer na sua despesa corrente,
quer na carga fiscal cobrada, deixan-
do margem para a economia fazer
crescer o PIB de forma saudável.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Eduardo
Oliveira e Sousa
Presidente da CAP
O apoio de 140 milhões de euros que
ficou inscrito no acordo entre Gover-
no, produtores e distribuição de pro-
dutos alimentares permite aos agri-
cultores ver compensados os custos
de produção que contribuem para
o encarecimento das matérias-pri-
mas. A CAP diz que o investimento
do Governo vai ainda somar mais al-
guns milhões, distribuídos por ou-
tros apoios extraordinários. Os agri-
cultores aplaudem a negociação, que
deixou de fora a titular da Agricultu-
ra, em rota de colisão com o sector.
Nazaré
Costa Cabral
Presidente do Conselho
das Finanças Públicas
Os problemas de gestão das empre-
sas da esfera do Estado levam a pre-
sidente do Conselho das Finanças
Públicas a traçar um diagnóstico ne-
gativo de uma realidade lesiva para
os dinheiros públicos. Nazaré Cos-
ta Cabral aponta erros que se tradu-
zem em sucessivos resultados nega-
tivos, apesar de as empresas terem
sido sujeitas a diversas injeções de
capital. O caso da TAP, sem expecta-
tiva de retorno do investimento, é o
exemplo mais grave.
Roberto
Martínez
Selecionador
nacional de futebol
Os primeiros testes da seleção por-
tuguesa na era pós-Fernando San-
tos tiveram — sem surpresa — bons
resultados perante equipas menos
cotadas do que a nacional. Martínez
ensaiou poucas alterações, mas teve
uma boa reação por parte da equipa,
que foi eficaz e se mostrou confortá-
vel com o novo esquema tático. Nota
positiva na estreia da fase de qualifi-
cação para o Europeu de 2024.
E BAIXOS
António
Costa
Primeiro-ministro
Um ano após a posse do Governo elei-
to com maioria absoluta, o PM apre-
senta, na avaliação dos portugueses,
os níveis de popularidade mais bai-
xos desde abril de 2021. De acordo
com os resultados da sondagem do
Expresso e da SIC, o PSD iguala o PS
nas intenções de voto para as legisla-
tivas, e o empate deve-se sobretudo
à descida socialista. A nota negativa
em relação ao trabalho do Governo é
generalizada e representa um claro
cartão amarelo a António Costa.
André
Ventura
Presidente do Chega
O padrão de acusações do líder do
Chega contra os imigrantes e as comu-
nidades de refugiados converteu-se
esta semana em mais um sinal grave
de intolerância e xenofobia. As decla-
rações de Ventura sobre os aconteci-
mentos que levaram à morte de duas
mulheres da comunidade ismaelita
configuram o género de mensagem
que potencia atos de violência. Falar
de terrorismo sem provas e tirar con-
clusões sem sustentação sobre as mo-
tivações de um crime é, uma vez mais,
seguir um caminho perigoso.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
O Cartoon de António Primeira tentativa falhada
Habitação Governo mantém medidas
mais polémicas mas suaviza AL
Arrendamento coercivo e
contribuição extraordinária
sobre o alojamento local
avançam para o Parlamento
Apesar de nunca ter explicado como
irá calcular e aplicar a Contribuição
Extraordinária sobre o Alojamento
Local (CEAL) e não ter deixado sufi-
cientemente claro desde a primeira
versão do programa Mais Habitação
o conceito de habitações devolutas —
nem como irá identificá-las e trazê-
-las, coercivamente, para o mercado
do arrendamento acessível —, o Go-
verno não deixou cair estas medidas.
O que agora o Governo fez, no Con-
selho de Ministros da passada quin-
ta-feira foi suavizar, de certa forma, a
CEAL de 35% para 20%. No entanto
esta contribuição não irá abranger a
totalidade dos alojamentos locais, fi-
cando fora da equação todos os que se
situarem em zonas de baixa densidade.
No Conselho de Ministros da pas-
sada quinta-feira o Governo aprovou
todas as medidas que constavam da
segunda parte do pacote Mais Ha-
bitação, sendo que numa primei-
ra fase já tinham sido aprovados os
apoios ao pagamento das rendas e a
bonificação dos juros para créditos à
habitação até €250 mil.
Para imóveis transferidos de outros
usos para arrendamento acessível
haverá isenção total de IRS, IMI,
AIMI, Imposto de Selo, assim como
o IVA das empreitadas.
António Costa frisou, na conferên-
cia de imprensa no final do Conselho
de Ministros, que a tarefa de renova-
ção de licenças de alojamento local
(AL) continuará a cargo dos municí-
pios, sendo também destes a respon-
sabilidade de identificação de casas
devolutas há mais de dois anos. Em
seguida notificarão os proprietários
e, depois, seguir-se-ão uma de três
situações: ou os proprietários acei-
tam a proposta da autarquia, para
colocar a casa no arrendamento; ou
fazem uma contraproposta; ou, na
pior das hipóteses, seguem para lití-
gio judicial.
Os municípios podem propor uma
renda 30% acima da mediana da
zona e da tipologia da casa em causa.
Todas estas medidas têm gerado
contestação, desde que foram apre-
sentadas pela primeira vez em mea-
dos de fevereiro, mas o tom das cri-
ticas tem vindo a subir.
Recorde-se que o Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa,
há pouco mais de uma semana, não
O Governo aprovou na quinta-feira o pacote Mais Habitação
se poupou em adjetivos para des-
qualificar o pacote Mais Habitação,
e chegou mesmo a rotulá-lo como
uma ‘lei cartaz’ e, pior que isso, “ine-
xequível” e “inoperacional”, mas isso
não bastou para demover o primei-
ro-ministro António Costa, que não
abandonou nenhuma das medidas.
Fontes do mercado imobiliário
contactadas pelo Expresso, por seu
lado, dizem que, independentemente
do que for a forma final do pacote
António Costa diz que
não comenta as palavras
críticas do Presidente da
República sobre o pacote
Mais Habitação
das medidas governamentais, a con-
fiança dos agentes “está irremedia-
velmente minada e, provavelmente,
daqui a um ano, em vez de estar-
mos a assinalar um incremento do
mercado habitacional, estaremos a
constatar que não só nada aconteceu
como muito do investimento, nomea-
damente estrangeiro, terá ‘fugido’
para outros países”.
Os agentes do mercado e alguns
políticos da oposição dizem que é
“inaceitável” que o Governo, que
“praticamente nada fez na área da
habitação em sete anos, venha ago-
ra exigir e impor aos privados que
façam o que o Estado não foi capaz:
colocar casas no mercado”.
FOTO ANA BAIÃO
O que também fica por saber é
quais são as metas do Governo para
o sector, com a aplicação do pacote
de medidas Mais Habitação. Não
há uma quantificação, não sabemos
quantas casas nem quando o Gover-
no as prevê construir, para que daqui
a algum tempo se possa fazer uma
avaliação.
Em entrevista ao Expresso, há
pouco mais de uma semana, Marina
Gonçalves, ministra da Habitação,
disse mesmo que o Governo não tem
nenhum objetivo com o arrendamen-
to coercivo, assim como não tem em
relação à expropriação e ao arrenda-
mento forçado.
Sobre os vistos gold, o primeiro-mi-
nistro garante que nada justifica que
continuem a existir e que, em relação
aos que já estão concedidos, serão
convertidos numa autorização de
residência normal. Quanto aos pro-
cessos pendentes “serão apreciados
de acordo com a lei geral”.
Questionado, no final da confe-
rência de imprensa de quinta-feira,
sobre as críticas de Marcelo Rebelo
de Sousa ao pacote Mais Habitação,
António Costa limitou-se a dizer:
“Não comento as palavras do senhor
Presidente da República.”
O primeiro-ministro admitiu, no
entanto, que, agora, as propostas do
Governo seguirão para a Assembleia
da República “e respeitarão o que
ali se decidir” e, em seguida, Costa
disse ainda que respeitará também a
decisão do Presidente da República.
Vítor Andrade
vandrade@expresso.impresa.pt
Expresso, 31 de março de 2023
PRINCIPAIS MEDIDAS
ARRENDAMENTO FORÇADO
A proposta do Governo só se aplica
a apartamentos que estejam
considerados devolutos há pelo
menos dois anos. A atual legislação
considerava devolutas as
habitações que não tivessem
faturação de água ou de
eletricidade há mais de um ano.
Após dois anos de agravamento de
IMI, cabe ao município notificar o
proprietário que vai arrendar a
casa. A medida não se aplica aos
165 municípios de baixa densidade
nem às regiões autónomas.
CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA
SOBRE ALOJAMENTO LOCAL
A contribuição extraordinária do
alojamento local desce de 35% para
20% e só se aplica em zonas
consideradas de pressão
urbanística e a apartamentos
individuais. Todas as outras
tipologias ficam excluídas bem
como as regiões autónomas e os
municípios de baixa densidade.
FIM DOS VISTOS GOLD
Os processos pendentes continuam
a ser apreciados à luz da legislação
em vigor. Quanto à renovação dos
vistos já concedidos, a autorização
de residência será convertida numa
autorização de residência normal
de qualquer estrangeiro que resida
no país.
TRAVÃO À SUBIDA DAS RENDAS
Os novos contratos de
arrendamento estão sujeitos a um
teto de 2% de aumento.
RENDA ANTIGAS
ISENTAS DE IMI E IRS
As rendas anteriores a 1990 vão
ficar isentas de IMI e de IRS.
Compensações complementares
aos senhorios só serão conhecidas
depois do estudo do IHRU, cuja
entrega o Governo adiou para
maio.
IVA, IMT, IMPOSTO
DE SELO A ZERO
A construção para arrendamento
nos contratos de desenvolvimento
de habitação fica isenta de IMT,
Imposto de Selo e IVA
Expresso, 31 de março de 2023
Protesto
“Milhares”
nas ruas
em seis
cidades
Regulação das rendas
e a suspensão
dos despejos fazem
parte das exigências
O pacote de medidas para a ha-
bitação aprovado pelo Governo
esta quinta-feira, não abranda
a contestação social. Este sába-
do, pelas 15 horas, arranca uma
manifestação pelo direito à ha-
bitação em Lisboa, Porto, Viseu,
Aveiro, Coimbra e Braga. “Des-
de 2015 até agora, houve um
aumento de 116% no preço das
casas. Já os salários estagnaram
e muitos diminuíram”, disse ao
Expresso Rita Silva, membro
da Habita! e uma das porta-voz
da manifestação Casa Para Vi-
ver. As condições precárias de
habitação e os altos preços dos
imóveis levaram a que “quase
100 organizações” se unissem
e subscrevessem um manifesto
com 12 propostas como a “re-
gulação efetiva das rendas”, a
“penalização das casas vazias”,
a “suspensão dos despejos” e o
fim dos “incentivos fiscais para
os residentes não habituais”.
Sem querer avançar com pro-
jeções, a porta-voz espera uns
“tantos milhares” de pessoas
nas ruas da capital.
Também no Porto, a expecta-
tiva é reunir “muitas pessoas”
no protesto que arranca na Ba-
talha. “A manifestação tem três
grandes temas: direito à habita-
ção, direito à cidade e contra o
aumento do custo de vida. Uns
sem os outros não são nada”,
partilhou Helena Souto, mem-
bro da Habitação Hoje!, uma
das organizações responsáveis.
Apesar do problema ser mais
destacado nas grandes cidades,
a precariedade da habitação já
chega a outros pontos do país.
“Há cidades em que problema
é maior do que noutras, mas o
peso do aumento do custo de
vida é geral ao país todo. Braga
está muito próxima de Lisboa
e Porto [na crise habitacional].
Em Guimarães não é muito
diferente”, diz Luís Barbosa,
membro da Civitas Braga, uma
das associações envolvidas no
movimento Casa Para Viver.
Por essa razão, também aqui
se juntaram “27 coletivos” de
“todos os tipos” para exigir por
melhores condições.
Durante os dois meses de pre-
paração do protesto, os mem-
bros das organizações recebe-
ram testemunhos de famílias
vulneráveis, “acompanhadas
pela Segurança Social”, a viver
em habitações com “ratos e bo-
lor”, estudantes a “desistirem
dos cursos” por não consegui-
rem pagar renda, famílias mo-
noparentais onde a mãe ou o
pai “têm vários trabalhos” e até
“deixam de comer para conse-
guir pagar a casa”.
Quanto ao pacote Mais Ha-
bitação aprovado pela maio-
ria socialista, multiplicam-se
as críticas. “Este pacote inclui
medidas que mantêm as rendas
altas, não vão funcionar ou são
de muito difícil execução. Não
acreditamos nele”, resumiu
Rita Silva. A representante do
Porto acrescentou: “O Governo
está a insistir nas rendas acessí-
veis, que são só 20% abaixo do
valor de mercado, em vez da
renda pública que é de acordo
com os rendimentos das pesso-
as. É chocante.”
Margarida Coutinho
mcoutinho@expresso.impresa.pt
Apoio Ao assumir o cargo de ministra do Ensino Superior, a investigadora
perdeu a bolsa europeia que tinha recebido. Tentou a intervenção da
Comissão para garantir a continuidade do projeto, mas sem sucesso
Elvira pediu a Bruxelas
para manter bolsa
João Vieira Pereira
A
e Susana Frexes
o aceitar o convite
para o Governo de
António Costa, em
2022, Elvira Fortu-
nado perdeu o di-
reito à bolsa de €3,5
milhões do Conse-
lho Europeu de In-
vestigação (ERC)
que ganhara em 2018. No entanto, a
ministra da Ciência e Ensino Superior
tentou que o financiamento europeu
e o projeto científico na Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade
Nova de Lisboa (FCT-UNL) que que-
ria desenvolver com essas verbas não
fossem interrompidos, procurando
mesmo a intervenção da Comissão
Europeia.
As regras do ERC são, porém, cla-
ras: a bolsa atribuída a um cientista
é nominal e não pode ser transferida
para outro. Os investigadores podem
mudar de universidade sem perder o
direito às verbas europeias, o que não
podem é mantê-las se forem para um
Governo.
Só que o pedido esbarrou na comis-
sária com a pasta da Inovação, Investi-
gação, Cultura, Educação e Juventude.
Ao que o Expresso apurou, Mariya Ga-
briel nem sequer respondeu ao e-mail
enviado por Elvira Fortunato, recusan-
do envolver-se na atribuição de bolsas
por parte do ERC, dossiê sobre o qual
não tem competências. Este pedido foi
feito também com o conhecimento de
Maria Leptin, que lidera o ERC.
A representação de Portugal junto
das instituições europeias (REPER)
confirma que “teve conhecimento
de que a prof.ª Elvira Fortunato
abordou a Comissão Europeia so-
bre a possibilidade de alteração do
investigador responsável do projeto
financiado pela referida bolsa ERC”,
acrescentando que “o pedido não
teve acolhimento” por parte do exe-
cutivo comunitário. O pedido sensível
ficava assim nas mãos do Conselho
Europeu de Investigação.
O Expresso questionou o gabinete
da ministra sobre este processo e que
tentativas tinham sido feitas para que
o apoio fosse mantido até ao final. Sem
detalhar, o gabinete de Elvira Fortu-
nato responde que foi contactada a
“entidade responsável”: “O grupo de
investigação que dirigia [Cenimat —
Centro de Investigação de Materiais
do Laboratório Associado i3N] não
era unipessoal, é uma grande equipa,
que tem excelentes investigadores,
que continuaram de forma exemplar
as várias áreas de investigação do la-
boratório.”
Na mesma resposta enviada ao Ex-
presso é ainda assegurado que “Elvira
Fortunato seguiu escrupulosamente
os procedimentos legais a que estava
obrigada”. “Mesmo antes de ter to-
mado a decisão de aceitar fazer parte
do Governo, a investigadora solicitou
orientações à ERC Executive Agency
(ERCEA) no sentido de saber como
proceder, assegurando que os regu-
lamentos relativos a este tipo de fi-
nanciamento fossem cumpridos. De
igual forma estava em causa a contra-
tação de investigadores, assim como
a amortização relativa à compra de
um grande equipamento no valor
de €2 milhões (um microscópio de
transmissão de elevada resolução). Os
contactos com a ERCEA começaram
a 10 de março”, relata o gabinete da
ministra. O anúncio de que a investi-
gadora tinha sido nomeada ministra
aconteceu a 23 de março.
Antes de ir para o Governo, Elvira Fortunato dirigia o Centro
de Investigação de Materiais do Laboratório Associado i3N
O Conselho Europeu de Investigação
confirma que “quando [Elvira For-
tunato] foi nomeada ministra, a Uni-
versidade Nova de Lisboa informou o
ERC sobre a nova situação e o facto de
não poder continuar a dedicar-se ao
projeto” científico. Sem Fortunato na
investigação, a direção do ERC “deci-
diu pôr termo à subvenção”.
No entanto, o organismo europeu
não suspendeu logo o financiamento
do projeto científico, optando pela des-
continuação (phasing out) até final de
2022, reduzindo-o em um ano. “Foram
tidos em consideração os membros
da equipa que estavam envolvidos no
projeto e o laboratório que dependia
do financiamento do ERC”, diz fon-
te do ERC, sublinhado, porém, que
“nenhum pagamento” foi feito direta-
mente a Elvira Fortunato durante esse
período e até à conclusão do projeto,
no final do ano passado.
“O ERC comunica o início do pha-
sing out a 1 de abril de 2022, tendo
conhecimento pleno de que a tomada
de posse ocorreu a 30 de março do
mesmo ano”, relata o ministério, lem-
brando que esta solução de desconti-
nuidade “aconteceu em situações da
mesma natureza com outros investiga-
dores que não tiveram possibilidade de
terminar um projeto”.
A BOLSA ATRIBUÍDA
A UM CIENTISTA É
NOMINAL E NÃO PODE
SER TRANSFERIDA.
NEM MANTIDA SE
FOR PARA O GOVERNO
PRIMEIRO CADERNO 5
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO NIVELAR POR BAIXO
“Foi esta política de
bandalheira, de portas
abertas, de nenhum
controlo que se traduziu
neste resultado”
André Ventura
Presidente do Chega, sobre o assassínio de
duas mulheres no Centro Ismaelita de Lisboa
PRÉMIO ELEMENTAR
“Fazer do ódio
uma forma de estar
na política e na vida
é deplorável”
Ana Catarina Mendes
Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
PRÉMIO POR QUÉ NO TE CALLAS?
“Um dos mais famosos
sermões de Buda foi
um em que esteve
calado contemplando
uma flor. O senhor
deputado também
se podia inspirar”
Augusto Santos Silva
Presidente da Assembleia da República,
para André Ventura
PRÉMIO OTIMISTA IRRITANTE
“Confio naqueles com
quem assinei o acordo.
Estou certo de que
o Estado honrará
também as suas
obrigações, quer
de redução do IVA, quer
de acompanhamento
e monitorização”
António Costa
Primeiro-ministro, sobre o acordo
com produtores e distribuidores
de produtos alimentares
PRÉMIO FORA DE PRAZO
“O Governo não fez
mais porque não quis.
FOTO TIAGO MIRANDA
Chega muito tarde,
já quando as pessoas
estão muito
desesperadas”
Catarina Martins
Coordenadora do Bloco de Esquerda, sobre
as decisões relativas a bens alimentares
PRÉMIO EU AVISEI
Questionado sobre este processo, o
ERC admite que “recebeu um pedido “Só passado um ano
da prof.ª Fortunato” para que fossem é que o Governo
“exploradas diferentes opções sobre a percebeu a importância
gestão da bolsa”, mas rejeita que a mi-
nistra tenha pedido a transferência da social e económica
bolsa para outro investigador, “uma desta medida. Melhor
vez que isso não é possível”. A pre- tarde do que nunca”
sidente do ERC considerou mesmo
Nuno Melo
o pedido “normal”, argumentando Presidente do CDS, sobre a aplicação do IVA
que qualquer “investigador respon- zero a alguns bens alimentares
sável faria tudo o que estivesse ao seu
alcance para cuidar do projeto e dos PRÉMIO LOST IN TRANSLATION
investigadores que o executam”.
Nas respostas ao Expresso, a RE-
“Essa é uma das
PER refere, no entanto, que a pos- razões fundamentais
sibilidade de alterar o investigador [não falar português]
responsável pelo projeto financiado por que Christine
pela bolsa foi “abordada” junto da
Comissão Europeia. Ourmières-Widener
O financiamento deveria ir de janei- não foi ouvida”
ro de 2019 até ao final de 2023, poden- António Ferreira dos Santos
do chegar aos €3,5 milhões. Com o fim Inspetor-geral de Finanças, sobre as queixas
antecipado, as transferências para a da CEO da TAP de não ter sido ouvida
UNL ficaram nos €2,87 milhões. presencialmente na elaboração do relatório
Esta bolsa foi a maior de sempre atri- da IGF sobre a saída de Alexandra Reis
buída até então a um investigador por-
tuguês e a maior atribuída pelo Conse- PRÉMIO VISTAS CURTAS
lho Europeu de Investigação naquele “Confundir arte
concurso, ao qual concorreram mais com pornografia é
de 2160 investigadores a nível mundial,
segundo o comunicado de imprensa
simplesmente ridículo”
divulgado na altura pela FCT/UNL. Dario Nardella
Para Elvira Fortunato, então dire- Presidente da Câmara de Florença, sobre
o afastamento de uma professora americana
tora do Cenimat, foi a segunda ad- por ter mostrado aos alunos fotografias
vanced grant (subvenção avançada) de obras de arte renascentistas
conquistada, desta vez com o proje-
to Multifunctional Digital Materials
Platform for Smart Integrated Ap-
PRÉMIO SOBRESSALTO
“Os exames detetaram
plications. O Cenimat é atualmente
coordenado por Rodrigo Martins, uma infeção pulmonar
professor da FCT e um dos invento-
res da chamada eletrónica de papel,
que obrigará a um
investigação que desenvolveu con-
tratamento no hospital”
Comunicado do Vaticano a justificar
juntamente com Elvira Fortunato,
o internamento do Papa Francisco
sua mulher.
Com Isabel Leiria
jvpereira@expresso.impresa.pt
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA SONDAGEM
Queda Governo confia no duo solidariedade e rigor das contas: “Portugueses não querem
aventuras”. PS preocupado com risco de insensibilidade e tombo eleitoral no futuro
PS receia danos
eleitorais futuros
O
Rita Dinis
Governo de maioria
absoluta socialista
fez esta semana um
ano, mas os quase
oito anos de gover-
nação que António
Costa leva na ba-
gagem — em cima
de uma crise infla-
cionista — notam-se nas ruas e nas
intenções de voto. De acordo com a
sondagem feita pelo ICS-ISCTE para
o Expresso e a SIC, com recolha de
dados em meados de março, a maio-
ria absoluta socialista nunca esteve
tão mal aos olhos dos portugueses,
registando uma queda de 7 pontos
percentuais face ao barómetro de de-
zembro. “Nada que não esteja em linha
com o que já sabíamos”, comenta um
destacado dirigente socialista, que re-
corda que a anterior sondagem tinha
sido realizada antes da grande crise
do final do ano, o que leva a crer que
os números ainda fazem eco desses
meses horribilis.
A tendência de fuga do eleitorado
socialista para o buraco negro dos “in-
decisos” está identificada no Largo do
Rato e levou já, como o Expresso es-
creveu, à contratação do especialista da
comunicação política Luís Paixão Mar-
tins para estudar o que está a afastar os
votantes socialistas, e para identificar
o que os trará de volta. A quatro anos
de nova ida às urnas, os socialistas não
desvalorizam os números, mas também
sabem que a maioria que sustenta o
Governo lhes dá o conforto do tempo
para recuperar. Nada deitará o overno
abaixo, nem a pior das sondagens, uma
vez que só o Presidente da República o
pode fazer nos termos da Constituição.
Marcelo tem dito que estará atento às
eleições europeias, mas sobretudo ao
teste da execução do PRR (ver caixa),
mas também vai dizendo que o cenário
de dissolução lhe parece improvável — a
não ser que aconteça algo “patológico”.
Ainda Passos versus Costa
Com a contestação social a aumentar
(muito audível ontem durante a confe-
rência de imprensa sobre as medidas
para a Habitação), mas ainda longe de
estar “generalizada”, segundo Marcelo,
o Governo tem tentado recorrer a um
antídoto para se manter à tona: recupe-
rar a iniciativa, manter os apoios e sair
mais à rua, com os ministros com or-
dens expressas para andar no terreno,
ora no roadshow do Plano de Recupera-
ção e Resiliência (PRR), ora nos Conse-
lhos de Ministros descentralizados, que
já foram de Castelo Branco ao Algarve
e a Setúbal. Tudo isto combinado com
um mantra que Costa chamou a si em
2015, por uma questão de limpeza da
imagem socialista, e que não mais lar-
gou: o rigor das contas públicas.
Fernando Medina tem sido o arauto
dessa política, o que lhe tem valido al-
gumas críticas em surdina, sobretudo
quando aparece publicamente a de-
fender os bons resultados da economia
portuguesa ao mesmo tempo que os
portugueses continuam com a corda
ao pescoço pela subida das taxas de
juro nos créditos à habitação ou pelo
Coabitação visita
Aveiro e Viseu
Depois das declarações de amizade
e boa relação institucional do
primeiro-ministro e do Presidente
da República nas Caraíbas no fim
de semana, a coabitação volta a
estar em teste esta sexta-feira,
com a visita de Marcelo Rebelo de
Sousa a obras no âmbito do Plano
de Recuperação e Resiliência (PRR).
O dia começa na Universidade de
Aveiro pelas 10h, mas depois
concentra-se no distrito de Viseu,
com o Presidente, acompanhado
pelo Governo, a visitar obras na
cidade e também a ir a uma
empresa em Mangualde e a uma
associação recreativa no concelho
de Tondela. O objetivo é mostrar
eixos diferentes da aplicação do
PRR, da inovação à economia, da
habitação ao apoio social. A
aplicação do PRR, e dos restantes
programas de fundos, foi esta
semana o tema central da reunião
do Conselho de Estado, que teve a
presença da comissária Elisa
Ferreira. Na reunião, como se lê no
comunicado, foi “reconhecida a
importância dos fundos europeus
no desenvolvimento da economia
europeia e portuguesa, que ocorre
num contexto único e irrepetível,
pelo que é imprescindível que
todos os intervenientes -—Estado,
sector social, empresas, sociedade
civil, cidadãos — se empenhem
para que a mais completa
execução dos montantes
atribuídos se concretize, a pensar
em todos os portugueses”.
Eunice Lourenço
disparar dos preços, bem acima das
atualizações salariais. “Há uma certa
dissociação” entre o discurso do Go-
verno e o sentimento dos portugueses,
nota um deputado socialista, que alerta
para o perigo de esse fosso se alastrar.
Quem o disse publicamente foi mesmo
um membro do Governo, o ministro
da Economia, que fez uso do seu es-
tatuto de “pessoa independente” que
“diz sempre o que pensa” para admitir,
em entrevista ao “DN”/TSF: “Temos
uma melhoria significativa da economia
mas que ainda não chegou ao bolso dos
portugueses pelo impacto da inflação.”
A frase “o país está melhor, a vida
das pessoas é que não” ficou célebre
por ter sido dita por Luís Montenegro
em 2014, na altura líder parlamen-
“HÁ UMA CERTA
DISSOCIAÇÃO” ENTRE O
DISCURSO DO GOVERNO
E O SENTIMENTO DOS
PORTUGUESES, NOTA-SE
ENTRE SOCIALISTAS
Expresso, 31 de março de 2023
tar de Passos Coelho, e tem voltado
a pairar como o “diabo” em cima dos
socialistas. A comparação é eviden-
te e António Costa tem carregado
nas tintas para vincar as diferenças.
“À incerteza da guerra, o Governo
responde com a certeza de que irá
cumprir a Constituição”, disse esta se-
mana no encerramento das jornadas
parlamentares do PS, lembrando os
tempos da troika em que as medi-
das do Governo PSD/CDS batiam
sistematicamente na trave. “Virá-
mos a página da austeridade e o
diabo não veio”, insistiu o primei-
ro-ministro. A “insensibilidade
social” é uma linha vermelha
que os socialistas temem que o
Governo pise — sob pena de os
estragos serem irreversíveis.
Para português ver
A notícia do défice muito
mais baixo do que o espe-
rado podia ser, por isso, um
problema. Daí que o primei-
ro-ministro se tenha apres-
sado a dizer que a notícia
não seria essa mas sim “os
apoios” sociais que o Go-
verno se preparava para
aprovar — tanto ao nível
do aumento salarial na
função pública e no sub-
sídio de refeição, como
ao nível dos €30 mensais
para famílias vulnerá-
veis, como do IVA zero
para certos alimentos
essenciais, que a oposi-
ção duvida se concretize
de facto numa baixa dos
preços. No PS ninguém
esconde que esta medida
que o Governo sempre
rejeitou surge mais para
inglês ver do que propria-
mente para português
sentir; em todo o caso,
a perceção que fica é a
de que o Executivo está a
fazer qualquer coisa para
baixar os preços, e, se não
correr bem, a pressão as-
sentará toda nos ombros
da grande distribuição. O
mesmo na habitação, com
Costa a cantar “vitória” por
ter sido o Governo a trazer
o tema para a agenda mediá-
tica. O objetivo é combinar
apoios para quem mais precisa
com apoios transversais a outros
segmentos da população — aqueles
que o PS está a ver fugir. “A solidarie-
dade também é uma escolha, é dinhei-
ro que não usamos noutro lado”, nota
ao Expresso fonte socialista.
Alguns setores do partido continuam
a achar insuficiente e a temer o impacto
eleitoral da crise no longo prazo. “A
redistribuição tem de assentar menos
numa lógica assistencialista e mais num
aumento real dos salários”, escreve esta
semana no Expresso a deputada e ex-
-ministra Alexandra Leitão. Certo é que
a ideia de fim de ciclo é comentada na
bancada socialista, mas com um parên-
teses. A “arte e o engenho” de António
Costa não são de subestimar. Até 2026
para que lado vão as sondagens?
rdinis@expresso.impresa.pt
Expresso, 31 de março de 2023 PRIMEIRO CADERNO 7

>>

COMO AVALIA O TRABALHO DO GOVERNO?

Percentagem em relação ao total da amostra Quase dois terços dão nota
“MAU” (43%)
E “MUITO MAU”
NS/NR
6%
“MUITO BOM” (0%)
negativa ao Governo
(21%) E “BOM” (29%)

Socialistas estão
preocupados, mas
ainda confiam no
64% GOVERNO
29% Pior avaliação em quatro
anos. Descontentamento
cresce até entre socialistas.
de 2020 e novembro de 2021,
depois da crise política que levou
o país às urnas, a avaliação foi
direita (73%), mas mesmo à es-
querda a maioria (51%) avalia o
desempenho do Governo como
‘engenho’ de Costa Esmagadora maioria acha sempre maioritariamente posi- “mau” ou “muito mau”.
FOTO ANA BRÍGIDA que economia está pior tiva. O que significa, claro, que
NOS INQUIRIDOS QUE as avaliações negativas nunca se Economia assusta
DIZEM TER DIFICULDADE Mau em toda a linha: com a maio- aproximaram dos 50%. No se-
EM VIVER COM O RENDIMENTO ria absoluta, o Governo tinha há gundo semestre de 2022, porém, Depois dos recados presidenciais
ESTE VALOR SOBE PARA 71% um ano o pico da avaliação po- as linhas cruzaram-se. E de lá e do aumento da contestação nas
sitiva, mas agora, que ainda só para cá foi sempre a piorar (ver ruas, o Governo tenta agora dara
cumpriu um dos quatro anos de gráfico ao lado). volta, abrindo os cordões à bolsa
2020 2021 2022 2023 mandato, atinge o pico da avalia- A apreciação negativa atra- com o pacote de combate à infla-
80 “MAU/MUITO MAU” ção negativa. Depois de Marcelo vessa diferentes géneros, idades ção (€2,5 mil milhões em apoios,

64%
Rebelo de Sousa ter carregado
70 nos adjetivos — “uma maioria re-
quentada, cansada, que demorou
60 a formar-se” —, o cartão amarelo
ao Governo é confirmado pela
50 sondagem ICS-ISCTE para o
Expresso e a SIC em diversas va-
40 riáveis. Na avaliação do desempe-
nho do Governo, na contestação
30 social, nas intenções de voto (ver
pág. 8) e até na popularidade do
e níveis de ensino, mas é maior
em determinados segmentos da
população. As pessoas que con-
sideram que é “difícil” ou “muito
difícil” viver com o rendimento
que auferem têm mais tendência
a avaliar negativamente o tra-
balho do Governo — 71%, face
aos 57% de avaliações negativas
entre quem se sente mais con-
fortável financeiramente. Mas a
incluindo atualizações salariais
na Função Pública) e tentando
estancar a crise da habitação. A
recolha dos dados da sondagem
foi feita entre 11 e 20 de março, ou
seja, antes das últimas medidas
anunciadas pelo Executivo.
A avaliação dos portugueses
sobre a situação económica é ou-
tra das linhas que não pararam
de subir no último ano. Mais de

29%
20 principal rosto da maioria: Antó- grande diferença é mesmo parti- três em cada quatro inquiridos
nio Costa recebe a pior avaliação dária e ideológica. respondem que a economia “pio-
10 média dos últimos quatro anos, rou” (49%) ou “piorou muito”
“BOM/MUITO BOM”
quando ainda liderava a ‘gerin- (29%). E apenas 5% consideram
0 gonça’ (ler texto abaixo). que “melhorou” (0% na catego-
Opinião sobre situação
FEV. 19 SET. 19 FEV. 20 SET. 20 ABR. 21 NOV. 21 SET. 22 MAR. 23 A queda tem sido consistente, ria “melhorou muito”). Para 15%
sobretudo depois do verão, mar-
económica está quase não se registaram alterações.
cado por dificuldades nas urgên- ao nível do primeiro A perceção sobre a economia
COMO AVALIA A ECONOMIA PORTUGUESA ano de pandemia
cias dos hospitais. Na última son- disparou desde março do ano
NO ÚLTIMO ANO?
Percentagem em relação ao total da amostra
dagem publicada pelo Expresso, passado e só tem paralelo com o
em dezembro de 2022, a maior primeiro confinamento imposto
2020 2021 2022 2023 parte dos inquiridos já avaliava Entre os simpatizantes do PS, pela covid-19. Por essa altura, en-
80 o trabalho do Governo como 39% consideram o trabalho do tre setembro de 2020 e abril de
“mau” ou “muito mau”. Mas era, Governo “mau” ou “muito mau”. 2021, os valores eram da ordem
70 ainda assim, uma curta maio- É uma percentagem muito in- dos 80% (entre 79% e 82%). Ago-
ria (53%). Três meses volvidos, ferior à da média do total de in- ra voltam a estar perto. A grande
60 a percentagem sobe 11 pontos e quiridos, muito inferior aos que diferença para Costa é que nessa

79%
fixa-se nos 64%. Ou seja, quase não têm preferência partidária altura os portugueses avaliavam
50 dois terços dos portugueses en- (72%) ou face aos simpatizantes negativamente a economia mas
tendem como “mau” ou “muito do PSD (70%). Mas mostra que davam nota positiva ao Gover-
40 “PIOROU/PIOROU MUITO”
mau” o desempenho do Gover- nem os eleitores socialistas estão no, talvez por entenderem que
no. É também a percentagem satisfeitos. Aliás, comparando na pandemia a responsabilidade
30 mais alta alguma vez identificada novamente com o último estudo, não era do Executivo. Desta vez,
“MELHOROU”
pelas sondagens ICS-ISCTE, ini- há um aumento de 12 pontos dos embora a atual crise económica
20

10
5% ciadas em fevereiro de 2019.
Nos últimos quatro anos houve
vários momentos de sinal verde
socialistas insatisfeitos com o tra-
balho do Executivo.
No binómio esquerda-direita
também possa ter razões exter-
nas, a avaliação do Governo está
nos mesmos níveis negativos da
para o Governo, incluindo os pe- a leitura é semelhante. Há mais avaliação da economia.
0 ríodos mais duros da pandemia. insatisfeitos entre os eleitores João Diogo Correia
FEV. 19 SET. 19 FEV. 20 SET. 20 ABR. 21 NOV. 21 SET. 22 MAR. 23 Mas, com exceção de setembro do centro (66%) e, sobretudo, de jdcorreia@expresso.impresa.pt

Costa com Da esquerda à direita, quase to-

das as figuras políticas recebem
polémicas relacionadas com as
declarações sobre os abusos na
sam a parte final da ‘geringonça’
e o Governo sem maioria que
Luís Montenegro, que ainda
não chega aos valores da últi-

primeira avaliação negativa dos portugue-

ses na sondagem ICS-ISCTE. A
Igreja ou a ida da seleção portu-
guesa de futebol ao Catar, Mar-
ficou marcado pelo combate à
covid-19. Agora, e pela primei-
ma avaliação de Rui Rio, em
dezembro de 2021, antes de dei-

negativa
exceção é Marcelo Rebelo de
Sousa, que continua a ser o po-
lítico mais bem avaliado do país.
Ainda assim, a trajetória do
Presidente da República man-
tém-se no sentido descendente
desde dezembro de 2021. O PR,
Presidente tem queda que andou muitas vezes perto
inédita, mas continua dos 8 pontos, está agora nos 6,5,
a ser o político mais o que representa uma perda de
bem avaliado. Ventura 0,5 pontos em relação ao último
é o único líder que sobe estudo. Nessa altura, envolto em
celo mantinha, apesar da tal cur-
va descendente, a popularidade
em relação a meses anteriores.
Agora já não: desce, pela primei-
ra vez, abaixo dos 7 pontos.
O caso do primeiro-ministro é
diferente. Há um ano, acabado
de conquistar a maioria absolu-
ta, António Costa recebia nota
positiva, como, aliás, recebeu
ao longo dos quatro anos de son-
dagens ICS-ISCTE, que atraves-
ra vez, Costa vai ao vermelho.
Como todos os políticos à es-
querda. Ainda assim, é o líder
partidário mais bem cotado.
À direita, o cenário é pare-
cido, mas tem uma exceção.
André Ventura aparece como o
único líder partidário a crescer
em termos de popularidade no
atual contexto de contestação
e aumento do custo de vida. É
o contrário do líder do PSD,
xar o partido (foi de 4,9 pontos).
Nota ainda para Rui Rocha.
Avaliado pela primeira vez nes-
tes estudos, tem uma cotação
0,8 pontos, abaixo da de João
Cotrim de Figueiredo, o ante-
cessor na liderança da Iniciati-
va Liberal. No entanto, apenas
29% dos inquiridos avaliaram
Rui Rocha. Os outros, mais de
dois terços, disseram não o co-
nhecer. J.D.C.

Avaliação da atuação recente dos políticos

Numa escala de 0 (“muito negativa”) a 10 (“muito positiva”). A variação é relativa à última sondagem (dezembro, à exceção de Rui Rocha que ainda não tem dados comparativos)

6,5 -0,5
4,6
-0,8
4,2-0,3
4,1-0,3
3,5-0,2
3,4
+0,4
3,3
-0,5
3,2
-0,4
3,1 –

MARCELO ANTÓNIO LUÍS CATARINA RUI ANDRÉ INÊS SOUSA PAULO RUI
REBELO COSTA MONTENEGRO MARTINS TAVARES VENTURA REAL RAIMUNDO ROCHA
DE SOUSA

FICHA TÉCNICA
Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 11 e 20 de março de 2023. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTEIUL), tendo o trabalho
de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal continental. Os respondentes foram selecionados através
do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis sexo, idade (4 grupos), Instrução (3 grupos), região (5 regiões NUTII) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados
aleatoriamente 84 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em
eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 2787 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 807 entrevistas válidas (taxa de resposta de 29%, taxa de cooperação de 40%). O trabalho
de campo foi realizado por 35 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou
associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 807 inquiridos
é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. Todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100%
8 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 31 de março de 2023

SONDAGEM

Empate Dois maiores partidos colados. Com o Chega, direita tem maioria negro insiste em manter o tabu. Afi-
nal, o PSD aceita ou não coligar-se

PS tomba, PSD
com o Chega?
O resultado da sondagem ICS-ISC-
TE dá força ao debate. Por um lado,
porque, como o próprio André Ventu-
ra tem dito, não há maioria de direita
sem o Chega. Por outro, porque o

empata, mas
PSD alcança, pela primeira vez, o PS.
O que significa que o ónus de afastar
o Chega do arco da governação pode
ser também colocado nos socialistas.
Não só o PS, mas a esquerda, como
um todo, perde força. Uma leitura

Chega é quem crua dos números mostra que não é

nem para o BE nem para o PCP que
vão os 7 pontos que voam das mãos
do PS. Tão pouco para os pequenos
partidos à esquerda, o PAN e o Livre.

mais cresce
A percentagem encaixa exatamente
no crescimento da direita, sobretudo
no Chega (4 pp), mas também na Ini-
ciativa Liberal (2 pp) e no PSD (1 pp).
O que significa que, ao contrário do
que tem sugerido, a esquerda não pa-
rece capaz de recuperar os potenciais
“arrependidos” da maioria absoluta.
Ciente do desgaste que vai acumu-
lando, o PS polariza com o Chega e
tenta colocar-se como a única garantia
se retirarmos o Chega da equação, é a intenções de voto (então com 37%), de que não há extrema-direita num
João Diogo Correia

É
um trambolhão de sete
pontos: em apenas três
meses, o PS cai e perde
a maioria das intenções
de voto. O partido do
Governo, que há pouco
mais de um ano chegou
à maioria absoluta, é al-
cançado pelo PSD, com
os mesmos 30%. Embora o crescimen-
to dos social-democratas, liderados
por Luís Montenegro, seja ínfimo: 1
ponto, enquanto o Chega ganha 4.
Na sondagem feita pelo ICS-ISCTE
para o Expresso e para a SIC, à per-
gunta sobre em que partido votari-
am se as eleições legislativas fossem
hoje, os inquiridos dão empate entre
PS e PSD. Com a imputação de votos
dos cerca de 18% de “indecisos”, o
resultado atribui maioria ao bloco
de partidos da direita, que chega aos
49% — juntando os 2% do CDS-PP, que
no gráfico abaixo estão incluídos na
categoria “outros partidos”. Porém,
esquerda que é maioritária, com 43%
das intenções de voto (aos valores do
gráfico, junta-se o 1% do Livre).
Como repetem os responsáveis, a
sondagem foi feita fora do contexto
de eleições, não expressa intenções de
voto “plenamente cristalizadas” e não
é, por isso, uma previsão eleitoral. No
entanto, os dados foram recolhidos
através de entrevistas pessoais, e não
por telefone, recorrendo, no caso das
intenções de voto em legislativas, a
simulação de voto em urna.
O estudo permite assim medir a
temperatura do eleitorado, que pe-
naliza — e muito — os últimos meses
de governação. É no PS que se vê a
maior e mais significativa mudança
nas intenções de voto face à última
análise, em dezembro do ano passado.
PS não aguenta embate
Se no fim de 2022, a maioria absoluta
já recebia avaliação negativa, a dife-
rença era que o PS conseguia aguen-
tar o choque e mantinha-se estável nas
bem como a popularidade de António
Costa. Naquela altura, porém, a suces-
são de casos e demissões no Governo
ainda mal tinha começado.
Já havia o desgaste do verão, cau-
sado pelas dificuldades nas urgênci-
as, que acabaram com a demissão da
ministra da Saúde, Marta Temido, tal
como já havia o caso Miguel Alves.
Mas o país ainda não conhecia o caso
TAP, a indemnização paga a Alexan-
dra Reis, nem adivinhava a quanti-
dade de demissões que se seguiriam.
Pedro Nuno Santos ainda era um dos
pesos pesados do Governo e Fernan-
do Medina não tinha sido beliscado
pelos ‘casos e casinhos’. A avaliação
da situação económica também era
ligeiramente menos grave.
As circunstâncias entretanto altera-
ram-se e começaram a ter reflexo na
rua. E agora nas sondagens.
Quem fica com o ónus do Chega?
Pouco menos de um ano depois de ter
sido eleito líder do PSD, Luís Monte-
futuro Governo. Enquanto do lado
do PSD, Montenegro vai repetindo:
“Nunca nos associaremos a qualquer
política xenófoba ou racista.” O que
não é exatamente o mesmo que dizer
que “nunca” se associará “a qualquer
partido xenófobo ou racista”.
Com o vento a soprar à direita, as
dúvidas não acabam na questão Ven-
tura. Se é certo que o partido parece
cristalizar a posição de terceira força
política em Portugal, falta perceber
até onde vai a margem de crescimento
da Iniciativa Liberal (IL).
A sondagem mostra os liberais
ainda ligeiramente abaixo de PCP
e Bloco, mas acontece no meio de
uma troca de liderança da IL e de
alguma convulsão interna no parti-
do. Rui Rocha, o novo líder, é ainda
um desconhecido de boa parte dos
portugueses (ver pág. 7) e tem uma
avaliação abaixo da de João Cotrim
Figueiredo. Com mais tempo de an-
tena, será Rocha capaz de manter o
élan do antecessor?
jdcorreia@expresso.impresa.pt

INTENÇÃO DE VOTO

Como votaria se as eleições legislativas fossem hoje?

Projeção dos resultados excluindo abstencionistas (13%) e após imputação de indecisos (18%). Entre parêntesis, resultados do total da amostra
(com recusas, indecisos e abstenção). A variação, em pontos percentuais, é relativa à última sondagem (dezembro de 2022)

OUTROS BRANCOS
PS PSD CHEGA CDU BE I. LIBERAL PAN PARTIDOS E NULOS

30% 30% 13% 5% 5% 4% 2% 6% 5%

(22%) (21%) (9%) (3%) (3%) (3%) (1%) (4%) (3%)

VAR.: -7 PONTOS VAR.: +1 PONTO VAR.: +4 PONTOS SEM VARIAÇÃO VAR.: -2 PONTOS VAR.: +2 PONTOS VAR.: -1 PONTO VAR.: +3 PONTOS SEM VARIAÇÃO

Montenegro resiste a afastar-se de vez de Ventura

PSD desvaloriza subida
mais acelerada do Chega.
Se europeias correrem
mal, líder sairá
pelo próprio pé
Sob o pretexto de que não é
“um partido de fogachos e re-
pentismos” — por oposição (im-
plícita) ao Chega —, o PSD vai
protelando uma demarcação
definitiva em relação ao partido
de André Ventura. A sondagem
que o Expresso publica esta se-
mana mostra que enquanto o
PS perde terreno, o Chega cres-
ce de forma mais significativa
do que os sociais-democratas.
Hugo Soares, secretário-geral
do PSD, desvaloriza: “Não se
pode fazer essa extrapolação
de forma evidente”, diz ao Ex-
presso, sublinhando que “os
partidos da extrema-esquerda
estão a perder eleitorado”. Ou
seja, a direção social-democrata
reconhece haver “uma perda
direta de eleitorado de alguns
partidos para o Chega”, mas tal
“não significa que esse eleito-
rado seja o moderado”. O PSD
vai insistindo no facto de que,
desde que a atual direção de
Luís Montenegro iniciou fun-
ções, o partido “subiu sempre
e consistentemente”. Mas essa
subida é lenta, sobretudo quan-
do comparada com a do Chega.
“Chamo-lhe uma subida sus-
tentada”, contemporiza Hugo
Soares.
A manter-se o calendário elei-
toral, as legislativas serão só da-
qui a três anos e meio, pelo que
os próximos embates eleitorais
são as regionais da Madeira, já
este outono, e as europeias, em
maio do próximo ano. Sobre
as primeiras, a direção do PSD
não esconde que o objetivo é
ganhar com maioria absoluta.
Sobre as europeias, não reve-
la o jogo quanto a potenciais
cabeças de lista, ainda que re-
conheça a importância da re-
frega. Aliás, o partido deu esta
semana dois sinais da relevân-
cia que lhe atribui. Questionado
sobre a meta eleitoral para as
europeias, Montenegro disse o
óbvio, mas depois foi um pouco
mais além. “Queremos ter mais
votos do que qualquer outro
partido”, afirmou num primei-
ro momento, acrescentando em
seguida: “Se forem resultados
que abram a esperança de o
PSD ganhar eleições legislati-
vas — que é para isso que aqui
estou e para ser primeiro-mi-
nistro —, eu prossigo. Se isso
não acontecer, nessa altura os
portugueses não precisarão — e
muito menos os militantes do
PSD — de me dizer o que devo
fazer, porque sei muitíssimo
bem o que devo fazer.” Eleito
para dois anos, Montenegro
terá de se submeter novamen-
te a eleições internas em ano
de europeias. Com estas decla-
rações na Suíça, no final de um
périplo junto de comunidades
portuguesas em vários países
europeus, deixou implícito que
não será recandidato à lideran-
Subida lenta do PSD
quando comparado
com o Chega? “Uma
subida sustentada”,
diz Hugo Soares
ça do partido se os resultados
ficarem aquém.
O chefe de gabinete
que veio de Bruxelas
O outro sinal de que as europeias
são decisivas para a atual dire-
ção foi o convite feito a Pedro
Esteves, há mais de uma década
assessor do eurodeputado Paulo
Rangel em Bruxelas, para chefe
de gabinete de Montenegro. Ao
que o Expresso apurou, a trans-
ferência para Lisboa acontecerá
“no início de maio”, a um ano
das europeias. Na São Caetano à
Lapa, Pedro Esteves é visto como
“uma mais-valia”, que “conhece
bem os corredores e a máquina
de Bruxelas, o funcionamento do
Parlamento Europeu e também
o partido e a sua estrutura”. Por
outras palavras, parece relativa-
mente consensual ser o homem
certo para ajudar a olear a má-
quina para as europeias e outras
eleições futuras.
Quanto ao resto, reina o silên-
cio sobre os nomes equaciona-
dos para cabeça de lista. “Tudo o
que tem vindo nos jornais sobre
europeias é manifesta e pura es-
peculação”, diz Hugo Soares. Já
se escreveu sobre o presidente da
Câmara do Porto, Rui Moreira, o
presidente do governo regional
da Madeira, Miguel Albuquer-
que, e o antigo primeiro-ministro
Passos Coelho. “Rui Moreira não
preenche tudo porque é mui-
to regionalista. Miguel Albu-
querque tem muita experiência
porque lida diretamente com
a Europa, sendo presidente de
uma região ultraperiférica. Mas
Passos seria um péssimo nome
porque significaria queimar uma
Expresso, 31 de março de 2023
figura de perfil executivo e que
tanto se pode candidatar a São
Bento como a Belém”, atalham
fontes sociais-democratas.
Desfazer o tabu só
“quando for o tempo”
A pedra na engrenagem conti-
nua a ser o Chega que, ao que
tudo indica, passará a estar re-
presentado no Parlamento Eu-
ropeu (a incógnita é, na verdade,
quantos eurodeputados conse-
guirá eleger). No plano nacional,
o PSD voltou esta semana a en-
saiar uma descolagem do parti-
do de Ventura sem, no entanto,
afastar de vez a possibilidade de
entendimentos futuros.
Após o ataque que na terça-
-feira matou duas mulheres no
Centro Ismaili de Lisboa, o líder
do Chega apressou-se a dizer que
“o sangue destas vítimas está nas
mãos do Governo de António
Costa”. Margarida Balseiro Lo-
pes, vice-presidente do PSD, acu-
sou Ventura de “acicatar ódios
e de forma oportunista fazer
Montenegro
continua
sem cortar
com o Chega
FOTO ALBERTO FRIAS
política com a desgraça alheia”,
rematando, no Twitter, com
um “miserável”. Ao final do dia,
Hugo Soares esteve num frente
a frente com Ventura, na CNN,
e traçou uma linha de demarca-
ção: “O que nos distingue é que
eu sou incapaz de usar a tragédia
humana para ganhar um voto.”
“A linha vermelha que sepa-
ra o PSD do Chega é o opor-
tunismo e a decência”, insiste
ao Expresso o secretário-geral
do PSD. Hugo Soares rejeita
haver qualquer “ambiguidade”
na direção atual relativamente
ao Chega, partido que continua
a ser necessário a uma maioria
de direita, como mostra a inten-
ção de voto nestas páginas. Mas
concede: “Se dúvidas houver, o
presidente do PSD já disse que
vai deixar muito claro, quando
for o tempo de o fazer, como
pretende governar.” Mesmo
com demarcações pontuais,
Montenegro continua a recu-
sar-se a desfazer o tabu.
Hélder Gomes
hgomes@expresso.impresa.pt
Greves não atrapalham e
maioria acha que fazem falta
Portugueses dizem-
-se “pouco” ou “nada”
afetados pelas greves. E
consideram reivindicações
dos trabalhadores “justas”
É um dos fatores que mais tem
marcado o início do ano e que,
a julgar pelos números, vai con-
tinuar a marcar. A contestação
saiu à rua, com manifestações
em massa e paralisações em
vários sectores. Mas para os
inquiridos na sondagem as gre-
ves não têm afetado particular-
mente o dia a dia (74% dizem-se
“pouco” ou “nada” afetados). E
um imenso consenso conside-
ra-as hoje tão ou ainda mais ne-
cessárias do que no passado — é
o que responde a esmagadora
maioria (87%).
É quase um consenso. À es-
querda, à direita, mais ou me-
nos instruídos, mais jovens ou
mais velhos, os portugueses
convergem na importância
das greves como forma de os
trabalhadores defenderem os
seus interesses. Agora como
antigamente.
A leitura é, na verdade, mais
um sinal vermelho para o Go-
verno. Se as greves aumentam
e os portugueses não se dizem
afetados e se, pelo contrário,
afirmam que elas são tão ou
mais necessárias do que antes,
a tendência é que não parem.
Também nessa categoria de
análise a resposta é clara: mais
de dois terços dos inquiridos
acham que as greves vão au-
mentar. E apenas 3% veem ca-
minho para que diminuam.
O cenário é ligeiramente di-
ferente quando analisadas as
perturbações no dia a dia dos
diferentes subgrupos. Os jo-
CONTESTAÇÃO SOCIAL:
EM GERAL, ATÉ QUE PONTO O SEU DIA A DIA
TEM SIDO AFETADO PELAS GREVES?
Percentagem em relação ao total da amostra
“POUCO AFETADO”
(21%) E “NADA
AFETADO” (53%)
74%
Nelson Silva quer
“reconstruir” o PAN
Ex-deputado defende
o reforço da democracia
interna e uma nova
estratégia para
recuperar eleitores
O PAN pode ser o último parti-
do a mudar de liderança depois
do vendaval da maioria absoluta
que varreu a maioria das lideran-
ças partidárias. O ex-deputado
Nelson Silva é candidato a por-
ta-voz do PAN e vai defrontar
Inês Sousa Real no congresso do
partido, que deve ser agendado
para junho, quando chega ao fim
o mandato da atual Comissão
Política Nacional (CPN).
Ao Expresso, o candidato diz
que sempre mostrou “disponi-
bilidade”, mas só após a auscul-
tação dos membros da corrente
vens entre os 18 e os 24 anos,
os que têm o ensino superior
e os que vivem em localidades
com mais de 100 mil habitan-
tes têm maior propensão para
responder que o quotidiano foi
“muito” ou “algo” afetado: 42%,
37% e 39%, respetivamente.
Governo responde
de forma “errada”
Greves na educação, na justiça,
no sector da ferrovia, na saúde.
O estudo do ICS-ISCTE identi-
ficou cinco grupos profissionais
que têm recorrido à greve e/
ou manifestação para perceber
a atitude dos portugueses em
relação à contestação social. E,
com destaque para o caso dos
enfermeiros, as respostas per-
mitem intuir que o país valida
as formas de luta.
Bem mais de dois terços dos
inquiridos consideram “justas”
as reivindicações de enfermei-
ros, professores e médicos (75%,
73% e 72%, respetivamente).
Abaixo fica a justeza das preten-
sões de maquinistas da CP (60%)
“MUITO AFETADO” (8%)
E “ALGO
AFETADO” (29%)
GREVES
26%
NOS INQUIRIDOS QUE
HABITAM EM LOCALIDADES
DE MAIOR DIMENSÃO (> 100 MIL
HABITANTES) ESTE VALOR SOBE PARA 39%
Nelson Silva vai medir forças
com Inês Sousa Real
interna “Mais PAN, Agir para
Renovar” é que decidiu avan-
çar na corrida. “Consideramos
que para a fase que se avizi-
nha, a nossa lista à direção é a
mais capacitada e eu o candi-
dato natural a porta-voz, tendo
em conta minha experiência
política”, afirma Nelson Silva.
Há um ano a preparar a oposi-
ção, foi um dos dez elementos da
e funcionários judiciais (55%),
embora não tanto por ser mais
comum a resposta “injustas”,
mas porque é nesses grupos pro-
fissionais que mais inquiridos
dizem não ter elementos sufi-
cientes para responder.
Outra análise que serve de si-
nal de alerta para António Costa:
“Considera que o Governo tem
estado a responder às reivindica-
ções destes grupos profissionais
da maneira certa ou errada?”,
pergunta o estudo. A maioria
dos inquiridos responde que a
reação tem sido “errada” na res-
posta à situação de enfermeiros,
professores e médicos. O cenário
é diferente nos outros dois gru-
pos profissionais, mas também
sobre estes, embora não seja
acima dos 50%, há mais portu-
gueses a afirmar que o Executivo
está a dar uma resposta “errada”
do que os que dizem que tem
sido a “maneira certa”.
As ruas estão a falar. E o país
parece concordar com o que
ouve, pelo menos enquanto não
for mais afetado pelos protes-
tos. J.D.C.
COMO VAI EVOLUIR
A CONTESTAÇÃO SOCIAL
NOS PRÓXIMOS MESES?
Em relação ao total da amostra
AUMENTAR
67%
CONTINUAR COMO ESTÁ
21%
DIMINUIR
3%
NA DEFESA DOS INTERESSES
NS/NR: 9%
DOS TRABALHADORES,
AS GREVES SÃO HOJE “TÃO
IMPORTANTES” (63%)
OU “MAIS” (24%) DO QUE
NO PASSADO
87%
CPN que apresentaram a demis-
são em fevereiro de 2022, ale-
gando “total asfixia democrática
interna”, sendo o principal rosto
dos críticos internos. Agora, pro-
põe-se tentar “salvar" e “recons-
truir” o partido, após os escassos
resultados eleitorais. “Houve vá-
rios tiros no pé por parte da atual
liderança e estamos a caminhar
para a irrelevância política”, aler-
ta o ex-deputado, que promete
devolver o partido às bases.
A nível interno propõe altera-
ções aos estatutos do PAN, para
que o congresso seja aberto a
todos os membros, e as eleições
passem a ser diretas. “Cada filia-
do um voto”, vinca Nelson Sil-
va, considerando que é preciso
promover a “democracia” e a
“transparência” interna. Já a ní-
vel programático, a sua moção
estratégica defende o repensar
da escola pública, uma maior
aposta na saúde preventiva e nos
mecanismos de transparência e
anticorrupção.
Liliana Coelho
lpcoelho@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 9
Opinião
Por José Santana Pereira
Grevista,
amigo,
o povo está
contigo!
E
m Portugal, os últimos
tempos têm sido de forte
contestação social. Secto-
res como o ensino, a saú-
de, os transportes e a justiça têm
sido frequentemente impactados
por greves de trabalhadores. Nos
últimos meses, quem assiste a
um canal de notícias por mais
de meia hora tem uma grande
probabilidade de se deparar com
diretos ou reportagens em que
dirigentes sindicais, trabalhado-
res em protesto ou utentes dos
serviços impactados pelas greves
partilham com os jornalistas — e
connosco — os seus pontos de
vista. Quem tem filhos ou netos
em idade escolar, recorre ao SNS
para tratamentos médicos ou de
enfermagem e/ou utiliza trans-
portes públicos para chegar ao
local de trabalho ou de estudo
nem sequer precisa de ligar a te-
levisão ou ler o jornal para saber
que as greves passaram a fazer
parte do nosso dia a dia numa
medida superior à dos anos ante-
riores. Os dados oficiais validam
esta conclusão. Por exemplo, no
início de 2023, o Expresso noti-
ciava que o número de pré-avisos
de greve em 2022 crescera 25%
face ao registado no ano anteri-
or. Dois meses depois, um diário
lisboeta informava que, em janei-
ro de 2023, os pré-avisos de greve
tinham triplicado face ao período
homólogo de 2022. As manifes-
tações e os protestos laborais
também se têm multiplicado.
Este cenário de intensa e fre-
quente disrupção de serviços
essenciais por motivos de greve
poderia levar-nos a supor que
os portugueses sentem já al-
gum cansaço, uma espécie de
fadiga grevista, potencialmente
traduzível em opiniões como ce-
ticismo face à greve enquanto
instrumento de luta laboral, des-
confiança em relação à justeza
das reivindicações dos trabalha-
dores e, acima de tudo, vonta-
de de exprimir o quanto estas
greves têm impactado negativa-
mente as suas vidas, dificultando
as suas rotinas. Os resultados da
sondagem ICS-ISCTE deste mês
de março levam a crer que esta
suposição não está correta. De
facto, dois em cada três inqui-
ridos acreditam que as greves
continuam a ser, tal como no
passado, uma forma importante
de os trabalhadores defenderem
os seus interesses. Mais: três em
cada quatro inquiridos conside-
ram justas as atuais reivindica-
ções dos médicos, enfermeiros
e professores. Estes dados são
particularmente interessantes
se lidos em conjunto com o facto
de a saúde e a educação partilha-
rem com a economia e a inflação
os lugares cimeiros na lista de
preocupações dos portugueses,
de acordo com o “Eurobaróme-
tro 98”, de janeiro de 2023. Por
fim, quase 75% dos participantes
na sondagem ICS-ISCTE dizem
que a sua vida tem sido pouco ou
nada afetada pelas greves. Este
ambiente social, associado à ava-
liação tendencialmente negati-
va da maneira como o Governo
tem respondido às reivindicações
dos trabalhadores em greve, faz
com que não nos surpreenda o
facto de a grande maioria dos
participantes na sondagem ICS-
-ISCTE deste mês considere que
a contestação social em Portugal
vai continuar como está ou até
mesmo aumentar nos próximos
tempos. Se a sua intuição estiver
certa, 2023 não vai ser um ano
fácil para o Governo.
Professor de Ciência Política no ISCTE
10 PRIMEIRO CADERNO
INFLAÇÃO
Nuno Fazenda Secretário de Estado do Comércio
Governo não vai limitar
margens de lucro
Textos Joana Pereira Bastos
e Raquel Albuquerque
Foto José Fernandes
“Confiança” é a palavra mais repetida
pelo secretário de Estado do Comércio
sobre o acordo assinado esta semana
para travar a subida do preço dos ali-
mentos. Tendo sido descartadas medi-
das mais musculadas, como a limitação
de margens de lucro ou o congelamento
de preços, é impossível garantir que os
produtos abrangidos pela isenção do
IVA não vão aumentar nos próximos
meses. Resta ao Governo confiar na
“boa-fé” de produtores e distribuidores.
P Com a eliminação do IVA e o pac-
to com a produção e a distribuição, o
Governo pode garantir que os preços
destes produtos não vão subir?
R Este é um pacto para a estabilização
e redução dos preços. É um acordo
histórico, de boa-fé e compromisso, que
junta, pela primeira vez, a maioria [dos
representantes] da cadeia alimentar.
Por isso, confiamos que a eliminação
do IVA será acompanhada de uma re-
dução e estabilização dos preços. É isso
que está contratualizado.
P No pacto há alguma coisa que obri-
gue a produção e distribuição a não
subir os preços ou é só uma declaração
de intenções assente na boa-fé?
R O pacto remete para uma redução
proporcional à eliminação do IVA. E
há um reforço da transparência, assu-
mido pelas empresas de distribuição,
que se comprometem a prestar infor-
mação clara quanto à redução efetiva
do preço dos bens isentos de IVA e a
divulgar as campanhas sobre esses pro-
dutos, para que o consumidor perceba
os descontos e os preços praticados.
Além disso, foi criada uma comissão de
acompanhamento com todos os atores
com responsabilidade nesta matéria,
como a Autoridade da Concorrência, a
ASAE e a Autoridade Tributária, para
ver se os objetivos são cumpridos. E há
ainda a PARCA, que é uma plataforma
importante de acompanhamento da
cadeia alimentar.
P Ainda assim, a guerra continuará
a pressionar a inflação e é impossível
prever a evolução dos custos da ener-
gia, por exemplo. É expectável que os
preços continuem a oscilar.
R É evidente que há um quadro de in-
certeza global, a que Portugal não é
alheio. Mas o Estado conseguiu, com
a produção e a distribuição, encontrar
respostas muito robustas que não se
circunscrevem à eliminação do IVA.
Ao contrário do que aconteceu noutros
países, essa medida é acompanhada
por um compromisso com a APED e
com a CAP, que faz toda a diferença. E
há também um apoio de €140 milhões
aos agricultores, a que se junta o apoio
ao gasóleo agrícola e aos custos com
fertilizantes e adubos. Além dos apoios
às famílias carenciadas.
P Uma vez que o Estado abdica do IVA,
não fazia sentido pedir também à dis-
tribuição algum sacrifício, reduzindo as
suas margens, sobretudo quando tem
lucros extraordinários?
R Este pacto traduz uma redução de
preços das três partes. Não é só o Esta-
OPTÁMOS PELO
DIÁLOGO. NESTE
MOMENTO NÃO HÁ
OUTRAS MEDIDAS
EM CIMA DA MESA
TEMOS UM
COMPROMISSO DE
SOLIDARIEDADE
NACIONAL. E TEMOS
DE ESTAR DE BOA-FÉ
do que prevê a redução por via do IVA,
são também as empresas de distribui-
ção que vão contribuir para a redução
de preços.
P Mas a própria APED já ressalvou que
não é possível garantir que os preços
não sobem nos próximos meses.
R Temos um compromisso de soli-
dariedade nacional. O Estado faz a
sua parte, eliminando o IVA, e não há
razão para que os parceiros não façam
aquilo com que se comprometeram.
A APED subscreveu o acordo e acre-
ditamos que vai traduzi-lo em ações
concretas.
P Acredita que a redução dos preços
irá além dos 6% que decorrem da isen-
ção do IVA ou vai limitar-se a isso?
R O próprio título do pacto diz “estabi-
lização e redução dos preços” e é com
essa confiança que partimos, contando
com um esforço de todos.
P A verdade é que, no início do ano, o
Governo reduziu o IVA das conservas e
o preço final não só não baixou, como
até subiu. O que aconteceu?
R Também nos questionámos e isso
está a ser avaliado. A inflação pode ter
determinado esse aumento de preço.
P E isso pode voltar a acontecer?
R Neste momento há um compromis-
so, que antes não existia. Por isso, con-
fiamos que haverá uma redução efetiva
dos preços. Temos de estar todos de
boa-fé.
P Com o apoio aos produtores, o setor
deixa de ter argumentos para subir os
preços nos próximos meses?
R Os dados demonstram que houve
um aumento dos custos de produção
e os apoios servem para mitigar ou até
para reduzir esses custos, de forma a
estabilizar e baixar os preços.
P O Governo descartou em definitivo a
possibilidade de fixar margens de lucro
ou congelar os preços?
R Optámos pelo diálogo, compromisso
e concertação. Neste momento não há
outras medidas em cima da mesa.
Nuno Fazenda diz que
medidas como a fixação de
margens de lucro ou
congelamento de preços já
não estão em cima da mesa
P Por que razão o Governo optou pela
isenção do IVA, que antes rejeitava?
R Aquilo que mudou é que passámos
a ter um acordo com a distribuição e
até com a produção. Isso faz toda a
diferença em relação ao caso espanhol.
P E caiu por terra a investigação da
ASAE sobre as margens de lucro?
R Não. Agora até temos melhores con-
dições para reunir informação.
P Como vai ser feita a fiscalização da
isenção do IVA em todos os supermer-
cados e mercearias do país?
R Será feita pelas instituições que têm
competência nessa área e pela comis-
são de acompanhamento.
P Admitem prorrogar a isenção do IVA
para lá de outubro?
R Isso será avaliado em função da evo-
lução da conjuntura. Veremos que me-
didas podem ter de ser afinadas.
P Se isso não for feito, haverá em ou-
tubro uma subida generalizada de, pelo
menos, 6% com a retoma do IVA.
R Vivemos num clima de incerteza e é
difícil fazer uma previsão a seis meses.
Por exemplo, assistimos a uma redução
dos custos energéticos, que não se pen-
sava que pudesse acontecer.
P Está em cima da mesa a redução do
IVA noutros setores?
R Neste momento, só posso adiantar
estas medidas.
P Nem na restauração?
R Portugal está a registar um cresci-
mento assinalável no turismo, com im-
pacto na hotelaria e restauração. Em
2022, aumentámos em mais de 15% as
receitas turísticas face a 2019, que tinha
sido um ano histórico. E agora tivemos
o melhor janeiro de sempre.
P Pelo meio, os portugueses estão a
empobrecer.
R Há, de facto, uma descida do poder
de compra. Daí estarmos a apoiar as
famílias mais carenciadas, além dos
apoios na habitação.
jbastos@expresso.impresa.pt
Expresso, 31 de março de 2023
ASAE e
Deco de
olho nos
aumentos
de preços
Para evitar subidas
antes da entrada em vigor
do IVA zero, o controlo
de preços vai ser reforçado
nos próximos 15 dias
O Governo anunciou esta se-
mana a eliminação do IVA em
44 categorias de bens essen-
ciais, mas os supermercados
pediram duas semanas para
a implementar, de forma a
conseguirem ajustar os pre-
ços nas prateleiras. Até lá, os
inspetores da Autoridade de
Segurança Alimentar e Econó-
mica (ASAE) vão monitorizar
os produtos abrangidos “para
perceber se ocorrerão subidas
antes da vigência da medida”.
A ideia é evitar que durante
este período sejam feitos au-
mentos que acabem por “en-
golir” a poupança de 6% que
o corte do imposto pretende
trazer.
Depois da entrada em vigor
do IVA zero, a ASAE irá ins-
pecionar as lojas de retalho
alimentar, analisando talões
de caixa e faturas de venda ao
cliente, para verificar se os ali-
mentos abrangidos pela medi-
da constam efetivamente com
0% de imposto. Além disso, os
inspetores irão simular, de for-
ma aleatória, a compra de al-
guns destes produtos, passan-
do-os em caixa. “As situações
em que o corte não aconteça
serão objeto de instauração de
processo-crime por especula-
ção”, esclarece ao Expresso
esta autoridade.
Também a Deco vai apertar o
controlo dos preços nas próxi-
mas duas semanas, para saber
como evoluem até à entrada
em vigor do IVA zero. Depois
disso, continuará a monito-
rizar diariamente a evolução
do custo do cabaz, de forma
a perceber o efeito da medi-
da, estando atenta a eventuais
aumentos.
Para Rita Rodrigues, diretora
de Relações Institucionais da
Deco/Proteste, a isenção do
IVA terá um “impacto dimi-
nuto”, sobretudo porque não
foram, pelo menos até agora,
tomadas outras medidas para
garantir que os preços não au-
mentem nos próximos meses.
“Deveria haver uma garantia
de que os produtos essenciais
não poderiam ultrapassar um
determinado preço. Não per-
cebo o que falhou para não se
ter conseguido um compro-
misso no sentido de estabele-
cer um valor de referência ou
um pacto de não aumento”,
lamenta. “Se todas as outras
componentes do preço, além
do IVA, continuarem a poder
sofrer oscilações, então o pre-
ço pode aumentar, e, se assim
for, a isenção não tem impacto
para o consumidor”, explica.
No último ano, a escalada do
preço dos bens alimentares foi
tal que, mesmo com a elimina-
ção do IVA, alguns produtos
básicos, como a cebola, a ce-
noura ou o arroz, continuarão
a custar mais 60% do que antes
do início da guerra, em feve-
reiro de 2022. E é “completa-
mente utópico” achar que vol-
tarão aos valores que tinham
na altura. “O abrandamento
da inflação não significa que o
preço baixe. Significa apenas
que deixa de aumentar tanto”,
frisa Rita Rodrigues.
Expresso, 31 de março de 2023 PRIMEIRO CADERNO 11

altice.pt

Inovação
para liderar
o futuro

Altice has no limits

12 PRIMEIRO CADERNO
DEFESA
Helena Carreiras anunciou subida
de 17% em investimento, mas a área
da defesa é das mais afetadas pela
inflação FOTO NUNO ANDRÉ FERREIRA/LUSA
Exército vai ter helicópteros
ou aviões para proteger forças
Ainda não se conhecem verbas e detalhes do projeto da Lei de Programação Militar
Vítor Matos
O Governo entregou no Parlamento
uma proposta de revisão da Lei de
Programação Militar (LPM) com
um aumento de 17,5% no investi-
mento em equipamento para as
Forças Armadas nos próximos 12
anos, mas uma parte desses €830
milhões adicionais será consumida
pela inflação: a subida de preços
dos materiais e componentes de
armamento, decorrentes da procu-
ra gerada pela guerra e pela infla-
ção, faz com que o efeito real deste
aumento seja menos acentuado.
Aliás, a nova LPM só contempla um
programa novo: o das “aeronaves
de apoio próximo”, que vão servir
para “proteger as Forças Nacionais
Destacadas através de ações de re-
conhecimento e de vigilância, com
rapidez e em profundidade”, como
a ministra da Defesa, Helena Car-
reiras, escreveu num artigo publi-
cado na última edição do Expresso.
A intenção de comprar helicópte-
ros para apoiar tropas do Exército
— como as forças ao serviço das Na-
ções Unidas na República Centro-
-Africana — já tinha sido noticiada
pelo Expresso, mas ainda não está
decidido se as aeronaves vão ser de
asa rotativa ou de asa fixa. Ou seja,
a Defesa ainda não concluiu se vão
ser helicópteros ou aviões, apesar
de os primeiros serem uma velha
aspiração do ramo terrestre (que
durante anos tentou formar um
Grupo de Aviação Ligeira), não só
por assegurar proteção e capacida-
de de fogo, mas também a evacua-
ção de feridos em zonas difíceis.
As verbas específicas para este pro-
jeto, no entanto, não se conseguem
identificar nas linhas de financia-
mento da proposta de lei da LPM
e estão diluídas pelas várias capaci-
dades militares descritas no quadro
que acompanha a lei. Em princípio,
apurou o Expresso, este processo
não será para avançar no imediato.
De resto, as principais novidades têm
a ver com os montantes atribuídos à
manutenção, modernização e sus-
tentação dos meios, que, segundo a
ministra, duplicam para os €2,4 mil
milhões, numa tentativa de reduzir
os problemas de operacionalidade
dos meios por falta de verbas.
A guerra na Ucrânia e o clima de
incerteza acabaram por acelerar a
intenção de repor os stocks de reser-
vas de guerra — munições, mísseis,
torpedos, etc. —, que em Portugal e
noutros países ocidentais estavam
muito depauperados. A próxima
LPM — uma lei de valor reforçado
que tem de ser aprovada pela maio-
ria dos deputados em efetividade de
funções — duplica o valor gasto em
reservas de guerra, de €100 milhões
para €230 milhões. O PSD, sabe o
O PM passa a decidir
o destino dos imóveis
militares, que têm de
respeitar as “orientações
estratégicas” para o
património público
Expresso, “congratula-se” com o
aumento de verbas, mas chamará a
atenção para os níveis de execução da
lei, que em 2021 foi de 54% e que em
2022 subiu para 70%, já anunciou a
ministra. Ainda assim, quase um ter-
ço dos programas ficou por executar.
Costa passa a mandar no
destino dos imóveis militares
Apesar de já estar atrasada mais
de três meses — porque esta revi-
são da LPM devia ter entrado em
vigor a 1 de janeiro —, o articulado
proposto pelo Governo apresenta
uma diferença significativa em re-
lação ao passado: admite-se como
fonte de financiamento para a com-
pra de armamento a receita gerada
com a “rentabilização” de imóveis
militares cuja aplicação não esteja
prevista na Lei de Infraestruturas
Militares (LIM). A proposta da LIM,
que também deu agora entrada no
Parlamento, prevê que “podem ser
afetas à execução da LPM” as recei-
tas de rentabilização de imóveis que
ultrapassem o montante anual “da
despesa prevista para cada ano”.
Portanto, verbas que não sejam gas-
tas nas obras em quartéis e afins
podem ir para os equipamentos.
Mais, se a proposta de lei for
aprovada, os imóveis “a valorizar e
a rentabilizar” na LIM passam a ter
de respeitar as “orientações estra-
tégicas relativas à gestão integrada
do património imobiliário público”
e “são objeto de despacho do pri-
meiro-ministro”, depois de ouvidos
os governantes com a tutela da De-
fesa e do edificado do Estado, o que
não acontecia até agora.
Foi neste contexto, esta terça-fei-
ra, no lançamento do livro “Políticas
de Defesa em Portugal”, coordenado
por Helena Carreiras e pelo ex-mi-
nistro Nuno Severiano Teixeira, que
o Presidente da República apelou a
mais investimento em defesa. Tam-
bém o fez tendo como pano de fundo
a visibilidade que nas últimas sema-
nas tiveram as Forças Armadas por
causa do motim no navio-patrulha
“Mondego”, que acumulou proble-
mas de manutenção e avarias que se
agravaram depois com uma missão
abortada por uma quebra de energia
em alto-mar. Apesar de os advoga-
dos dos marinheiros e as associações
socioprofissionais alegarem que o
incidente dá razão aos militares sob
investigação, a Marinha mantém-se
em silêncio sobre os problemas téc-
nicos e estará a preparar um relató-
rio técnico sobre o sucedido.
Marcelo Rebelo de Sousa, que já
definiu o momento presente como
de “guerra mundial”, disse na sua
apresentação que este é o momen-
to para investir em defesa “num
ambiente estratégico com ameaças
concretas, com a opinião pública
alinhada, com um apoio político
alargado”. Para o Presidente, “per-
der este tempo e este modo poderia,
a prazo, ser irrecuperável para o
país e para a instituição militar”.
Quer que Portugal acompanhe “os
investimentos feitos pelos aliados da
NATO” e acelere “o reajustamento
dos meios ao dispor das missões na-
cionais, criando as condições indis-
pensáveis à atratividade das carrei-
ras e à sua dignidade laboral, dando
maior ênfase ainda à substância da
LPM e decorrente programação
das infraestruturas militares”. Se o
Governo tem bolsos para tudo, só os
próximos anos o dirão.
vmatos@expresso.impresa.pt
INVESTIMENTO ADICIONAL
498
milhões de euros. A Marinha
é o ramo com a maior fatia e vê
crescer o investimento 38%, de
€1283 milhões para €1781. Os seis
novos navios-patrulha oceânicos,
a modernização das fragatas
“Vasco da Gama” e um navio
reabastecedor são os principais
programas a concretizar
474
milhões de euros. O Exército vê
a sua dotação para equipamento
crescer 62%, de €762 milhões para
€1236 milhões. O maior aumento
é no item de apoio militar de
emergência, que passa de €32
milhões para €113 milhões
398
milhões de euros. A Força Aérea
tem um incremento de 47%
e passa de um total de €838
milhões para €1236 milhões, com
destaque para um aumento das
verbas para busca e salvamento,
que passam de €126 milhões para
€303 milhões, abrangendo os
helicópteros EH-101, que têm
problemas de manutenção
Expresso, 31 de março de 2023
Gente
Grande melão O Presidente tinha
avisado: só se sabe se o melão é bom
depois de o abrir. Referia-se ao pacote
de políticas para a habitação, que o
Governo começou por anunciar sem
concretizar, mas também serve para o
anúncio do IVA zero para 44 alimen-
tos essenciais, cuja lista foi conhecida
esta semana. Gente ficou espantada
quando o encontrou lá, bem ao lado
das maçãs, das bananas, laranjas e
peras. Nem meloa nem melancia,
mas sim melão com IVA zero, e nem
sequer fruta da época é… Ao menos o
Presidente vai pagar menos quando
tiver de o abrir para ver se é bom. Ou
será que não? Gente estará atenta.
Grande bolo Na última reunião
pública da Câmara de Lisboa, o Blo-
co de Esquerda levou um bolo para
“celebrar” o primeiro aniversário de
uma medida proposta pelos bloquis-
tas que foi “posta na gaveta”. Quem
devia soprar a vela era, claro, Carlos
Moedas. Num ótimo número, Moe-
das levantou-se, aceitou o presente,
tirou uma fotografia com o vereador
do Bloco e ainda elogiou o unicórnio
que estava no topo do bolo. Embora
aplauda o jogo de cintura, Gente lem-
bra que há cinco partidos da oposição
e todos se queixam de propostas na
gaveta. Se os cinco levarem um bolo
por medida, e Moedas os aceitar, o
que será da saúde do presidente?
Detalhes Era o início do segundo
Conselho de Cidadãos em Lisboa,
uma iniciativa de Moedas para dar
voz aos lisboetas na construção de
políticas públicas. Cada sessão, um
tema. Nos Paços do Concelho, o pre-
sidente fez um discurso de mais de 15
minutos sobre “governar com as pes-
soas”. No fim, olhou para as notas:
parecia que faltava dizer qualquer
coisa. “Ah, esqueci-me do tema da
sessão.” A audiência reagiu com gar-
galhadas. E Gente aplaude a carta
branca — o tema não importa, o que
é preciso é “ouvir as pessoas”.
Choque térmico
ENTRE A GUAYABERA E O CA-
CHECOL Depois de vários dias a
trocarem recados públicos, pri-
meiro-ministro e Presidente mos-
traram a sua “relação intensa”
nas Caraíbas. Contudo, Gente,
contudo, fixou-se nas suas cami-
sas brancas. São guayaberas, ca-
misas típicas das Caraíbas, que os
líderes, por protocolo, vestem nas
cimeiras ibero-americanas que
decorrem naquela região. Marce-
lo, que parece só saber vestir fato
ou gravata ou calção de banho, pa-
rece sempre desconfortável quan-
do lhe impõem outro código de
vestuário. Das Caraíbas, seguiram
para o Luxemburgo e Costa mos-
trou como se adapta melhor às
mudanças de temperatura. E de
ocasião. Depois da visita à tropical
República Dominicana, imponha-
-se um abafo de pescoço. Além do
seu cachecol azul, tinha um para
outro, da seleção, no bolso. Na tri-
buna, quiçá para não ferir susceti-
bilidades, manteve o azul, mas por
fim aderiu à onda e usou os dois!
Expresso, 31 de março de 2023 PRIMEIRO CADERNO 13
14 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE CRIME
Plano O duplo homicídio foi premeditado. O afegão tinha uma fixação pela vítima mais nova
Abdul saiu de casa
com intenção de matar
Texto Ana França, Hugo
Franco e Raquel Moleiro
Q
Foto Ana Brígida
uando saiu do apar-
tamento em Odive-
las, na terça-feira
de manhã, Abdul
Bashir deixou os
três filhos na escola,
cada um num local
diferente, como era
hábito. Às costas le-
vava a mochila que usava para ir às au-
las de português no Centro Ismaelita,
em Lisboa, que frequentava há vários
meses, depois de chegar a Portugal
proveniente de um campo de refugia-
dos na Grécia. Na mala tinha os livros
e os cadernos, mas também lá escon-
dera uma faca de grandes dimensões.
Abdul tinha uma ideia na cabeça.
O Expresso sabe que o afegão de 28
anos acordou naquele dia querendo
infligir graves danos físicos às duas
pessoas que considerava responsáveis
por continuar desempregado: Farana
Sadrudin, de 49 anos, e Mariana Ja-
daugy, de 24 anos, duas funcionárias
da Fundação Focus (afiliada da Rede
Aga Khan) que geriam a integração
dos refugiados.
De acordo com testemunhas do
processo, Abdul Bashir fazia-lhes
“exigências disparatadas” e nutria
há alguns meses uma “fixação”, não
necessariamente sexual, pela funcio-
nária mais nova. “Era uma pessoa
difícil. Queria ter prioridade para tudo
e como não lhe acediam aos caprichos
considerou que podia estar a ser posto
de lado.” O que se segue é a reconsti-
tuição do ataque.
Nessa manhã, o professor de portu-
guês que dava aulas à sua turma foi o
alvo das primeiras facadas: conseguiu
fugir e alertou o segurança do centro.
Abdul Bashir saiu então da sala e en-
trou no gabinete onde se encontravam
Farana e Mariana. Ambas morreram.
“Elas foram esfaqueadas muitas ve-
zes, com raiva. Houve ali muita vio-
lência. Abdul estava descontrolado”,
conta ao Expresso outra testemunha.
Uma mulher que se encontrava no
gabinete ao lado do das vítimas assis-
tiu a tudo, separada da cena apenas
por um vidro. Quando o afegão se
apercebeu de que estava a ser obser-
vado, tentou forçar a porta que dividia
as salas para a atacar também. Foi
a rápida intervenção da PSP que a
salvou: Abdul, que não obedeceu à
ordem das autoridades para largar
a faca, foi baleado numa perna e a
seguir imobilizado. Encontra-se atual-
mente internado no Hospital Curry
Cabral, em Lisboa, e só deverá ter alta
na segunda semana de abril. Só então
haverá condições para ser interrogado
pelo juiz de instrução. Já terá exprimi-
do arrependimento pelos crimes.
Subsiste uma dúvida: minutos antes
do duplo homicídio, Abdul Bashir re-
cebeu um telefonema durante a aula,
contou uma testemunha ao Expresso.
Neste momento não há certeza de que
esteja relacionada com o ataque.
AINDA NÃO ERAM 2H DA
MANHÃ QUANDO SOOU
O ALARME NO CAMPO
DE REFUGIADOS: UMA
CASA ESTAVA A ARDER.
A CASA DE ABDUL.
A SUA MULHER MORREU
Abdul Bashir chegou a Portugal com estatuto de refugiado em 2021
Sobre as motivações, Luís Neves,
diretor nacional da Polícia Judiciária,
garantiu em conferência de imprensa
que não há “o mínimo indício” de ter-
rorismo neste caso e aponta para um
“surto psicótico”. Uma informação
confirmada por outras fontes das for-
ças e serviços de segurança: “Ao longo
dos últimos anos não foi detetado nas
suas contas das redes sociais qualquer
sinal de radicalização ou ódio.”
Refúgio e morte na Grécia
Abdul Bashir, de 28 anos, engenheiro
de telecomunicações, chegou à Gré-
cia no verão de 2019, vindo do Afe-
ganistão, com a mulher Nazanin e os
três filhos, o mais novo deles recém-
-nascido. Foram acolhidos na ilha de
Lesbos, em Kara Tepe, um campo de
refugiados composto por casas mode-
lares, desenhado para os casos sociais
e humanitários mais complicados:
agregados em situação de emergên-
cia, mulheres sozinhas, pessoas com
algum tipo de deficiência... A famí-
lia de Abdul era numerosa, com três
Ataque no Centro
Ismaelita fez duas
vítimas mortais e um
professor ficou
gravemente ferido
crianças abaixo dos 5 anos. Cumpria
os requisitos.
Não havia migrante que não quises-
se viver em Kara Tepe — por oposição
a Mória, situado na mesma ilha, então
o maior e pior campo de refugiados
da Europa, que chegou a ter 20 mil
pessoas em condições infra-humanas.
Cada família tinha a sua casa mo-
delar, uma espécie de contentor com
porta hermética, aquecimento, água,
luz e privacidade. Havia espaço, oli-
veiras, escolas, aulas de música e artes
plásticas, psicólogos, médicos e até
uma equipa de futebol.
Abdul tinha ali chegado há cerca de
seis meses quando, a 5 de dezembro
de 2019, um incêndio mudou o rumo
da família, em busca de melhor vida
na Europa. Ainda não eram 2h da
manhã de uma quinta-feira quando
soou o primeiro alarme no campo de
refugiados: uma casa estava a arder.
A casa de Abdul. Contam as notícias
então veiculadas que o afegão ainda
conseguiu tirar os três filhos do inte-
rior, antes de a inalação de fumo o
deixar sem sentidos.
Expresso, 31 de março de 2023
Só quando os oito bombeiros que
responderam à ocorrência deram por
extintas as chamas é que foi encontra-
do o corpo carbonizado de Nazanin.
Suspeitou-se de uma fuga de gás, mas
a causa nunca chegou a ser cabalmen-
te apurada.
Anisgul Alizai, refugiada afegã que
mora agora com a sua família — nove
irmãos e os pais — em Hamburgo, na
Alemanha, e que o Expresso conhe-
ceu em Kara Tepe em 2020, relem-
brou esta terça-feira, numa videocha-
mada, o campo “seguro e familiar”
onde viveu e onde conheceu Abdul
e a sua mulher, Nazanin. “Era uma
senhora muito simpática, com um
excelente nível de inglês, sempre a
ajudar toda a gente com traduções e
documentos”, diz.
Abdul e os filhos de 5 e 3 anos e o
bebé de alguns meses mantiveram-se
em Kara Tepe durante mais um ano e
meio. Em setembro de 2020, o afegão
gravaria um vídeo, que ainda perma-
nece nas redes sociais, a pedir ajuda,
em inglês. “As minhas condições de
vida são muito difíceis. Já comuniquei
os meus problemas muitas vezes, por
e-mail, fax e telefone, ao gabinete de
asilo, ao gabinete do ACNUR daqui.
Eu sei escrever um e-mail, falo inglês,
sou licenciado em telecomunicações.
Mas aqui todos me dizem para espe-
rar, esperar...”
De 2016 a 2021 viveram em Kara
Tepe 4760 pessoas, 83% das quais
eram mulheres ou famílias, segundo
números do Alto Comissariado para
os Refugiados (ACNUR). A 29 de abril
de 2021, a autarquia fechou o campo.
Cerca de 50 contentores foram des-
locados para um novo recinto onde
estavam as famílias que até então não
tinham conseguido transferência nem
para outro país europeu nem para a
Grécia continental.
Abdul e os filhos obtiveram o es-
tatuto de refugiados e já não foram
para o novo campo. Foi-lhes atribuída
uma casa em Mitilene, a capital de
Lesbos. A 10 de outubro de 2021, as
crianças começavam pela primeira
vez a escola na Grécia. “O início do
ano letivo 2021-2022 é um bom pres-
ságio para os meus queridos filhos
e desejo um futuro próspero para
cada um de vocês”, escreveu o pai no
Facebook, onde colocou fotografi-
as dos três a caminho da escola com
mochilas do Faísca McQueen e do
Homem-Aranha.
Proteger as crianças
Só frequentaram as aulas uma sema-
na. No dia 19 aterravam em Lisboa,
juntamente com mais 39 refugiados,
transferidos ao abrigo de um acordo
administrativo entre o Ministério da
Administração Interna de Portugal e
o Ministério da Migração grego, es-
tabelecido em 2019, depois de uma
visita do ministro Eduardo Cabrita ao
estado helénico.
A família de quatro integrou a cente-
na de requerentes (16) e beneficiários
de proteção internacional (84) reco-
locados em território nacional com
o apoio do Imamat Ismaili/Rede Aga
Khan para o Desenvolvimento.
Agora, com Abdul Bashir hospitali-
zado e sob custódia das autoridades,
os três filhos — três rapazes, com 9, 7
e 4 anos —, que viviam apenas com o
pai, estão atualmente numa institui-
ção ligada aos ismaelitas, uma solução
que preserva o contacto com a comu-
nidade e as rotinas escolares. No dia
do ataque foi também o centro que
lhes prestou apoio psicológico.
Mas é uma medida temporária. A
intervenção da Comissão de Proteção
de Crianças e Jovens de Odivelas —
onde residia a família — foi imediata.
Não sendo possível iniciar um proces-
so regular de promoção e proteção
dos menores, que exige a autorização
do tutor legal, a CPCJ aplicou um
procedimento de urgência e os três
processos foram remetidos para o
Ministério Público.
Enquanto se procede à avaliação da
situação, cabe ao Tribunal de Família
e Menores decidir uma primeira me-
dida cautelar, que pode passar pelo
apoio junto de outro familiar, confi-
ança a pessoa idónea, acolhimento
familiar ou acolhimento residencial. A
CPCJ de Odivelas garante que nunca
existiu sinalização prévia ou acompa-
nhamento dos rapazes.
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 31 de março de 2023
EDUCAÇÃO
O grande teste
ao fim dos exames
nacionais
em papel
Mais de 500
mil provas de
aferição no
2º, 5º e 8º anos
serão feitas
este ano em
suporte digital.
Em 2025 serão
todos os exames
nacionais
Texto Isabel Leiria
Ilustração Helder Oliveira
O primeiro grande teste aconte-
ce às 10h de 24 de maio, quando
metade dos alunos do 8º ano
(cerca de 45 mil) se sentarem
em frente ao computador, in-
serirem as suas credenciais e
começarem a realizar as pri-
meiras provas nacionais em for-
mato digital. Uma hora depois,
os restantes 45 mil estudantes
deste nível serão chamados a
fazer o mesmo.
Se fosse como nos anos ante-
riores, todos deveriam começar
a realizar a prova de aferição,
neste caso de Ciência Naturais e
Físico-Química, à mesma hora
e com os enunciados em papel
pousados na secretária, de cos-
tas para cima, até à indicação
para serem virados. Mas a es-
treia do processo de “desma-
terialização” das provas obriga
a precauções redobradas. E se
tudo correr como planeado,
em 2025 já não haverá provas
nacionais a realizarem-se em
papel, o que colocará Portu-
gal numa situação singular na
Europa.
Neste primeiro teste, é preciso
garantir que cada aluno tem um
computador à sua disposição e
que o acesso à prova não falha.
A meio deste mês, depois de ou-
vidos os receios dos diretores, o
Ministério da Educação decidiu
que as provas de aferição des-
te ano se iam realizar em dois
turnos, evitando uma grande
concentração de alunos ligados
à mesma hora e diminuindo o
stresse para as escolas.
“O grande desafio deste ano
é escalar o teste-piloto que fi-
zemos em 2022, com cerca de
6 mil alunos, para 90 mil ao
mesmo tempo. Estávamos pre-
parados para isso. Mas como
há escolas que podem ter difi-
culdade de disponibilidade de
equipamentos e é a primeira
vez, não quisemos correr riscos.
Os turnos serão consecutivos e
os alunos não se vão cruzar”,
explica Luís Santos, presidente
do Instituto de Avaliação Edu-
cativa (IAVE), organismo res-
ponsável pela realização das
provas nacionais.
E para evitar que problemas
na ligação à internet ponham
em causa a realização
dos testes, as escolas pode-
rão optar por fazê-las em modo
online — o que implica ter uma
boa banda larga — ou offline,
usando a rede da escola e a li-
gação a um servidor local ou
ainda descarregando para cada
PC a prova. O programa está
desenhado de forma a bloquear
o acesso a outras páginas ou
aplicações enquanto os alunos
fazem a prova.
Outra interrogação associada
a este processo tem a ver com o
desempenho dos alunos do 2º
ano, com 7 e 8 anos, e que vão
ter de responder digitando as
palavras no computador. Du-
rante a experiência-piloto não
foram reportadas dificuldades
pelas escolas, mas a amostra
era reduzida e não permite an-
tecipar conclusões, reconhece
Luís Santos.
Além dos alunos do ensino
básico que realizarão um total
de cerca de 500 mil provas de
aferição no computador (com
exceção de Educação Física e
Educação Artística), este ano
será também a vez de uma amos-
tra de alunos do 9º testarem a
transição dos exames nacionais
de Matemática e Português. A
ideia é generalizar o processo
neste nível de ensino em 2024,
ano em que se inicia o piloto
para os exames do secundário.
Mas aqui, a experiência terá de
ser feita noutros moldes, dado
o peso decisivo que têm para a
entrada no Ensino Superior. Ao
contrário das provas de aferição,
que não contam para nota.
“No caso do Secundário, não
podemos pôr parte dos alunos
a fazer os exames em suporte
eletrónico e outros em papel,
porque isso podia levantar
questões de equidade. O que
vamos fazer é escolher duas
ou três disciplinas, nem com
muitos estudantes inscritos,
nem com poucos. Será um tes-
te-piloto abrangendo algumas
provas, mas em que todos os
alunos farão no computador”,
antecipa Luís Santos.
Testar e experimentar
Ter todos os exames nacionais
feitos em suporte digital pode
parecer estranho num país
onde são conhecidas as fragi-
lidades das escolas em equipa-
mento informático e acesso à
Internet, mas os €559 milhões
do PRR alocados ao programa
“Escola Digital” garantem uma
nova vaga de investimentos.
Logo à partida, permitiram a
distribuição de um milhão de
computadores pelos alunos de
todas as escolas públicas do
continente.
O problema é que um número
considerável de famílias rejei-
tou a entrega de portáteis, al-
gumas por já os terem, outras
por não quererem assumir a
responsabilidade de pagar por
eventuais estragos no equipa-
mento. Segundo a Comissão
Nacional de Acompanhamento
do PRR, no final de 2022 esta-
vam por entregar 30% dos com-
putadores. No dia das provas,
os alunos poderão levar o seu
próprio PC e a escola terá de
garantir que há equipamentos
para quem não os tem, explica
o presidente do IAVE.
O sucesso da operação de-
pende de planeamento e testa-
gem. “É importante que as es-
colas testem procedimentos e
que ponham os miúdos a fazer
os exercícios no computador,
para que não seja tudo novo
no dia da prova”, recomenda
Luís Santos. No site do IAVE
é possível ter acesso e realizar
exercícios de disciplinas que
serão este ano testadas em
provas de aferição (Português,
Matemática e Estudo do Meio
no 2º ano; Português e História
e Geografia no 5º; Matemática
e Ciências Naturais e Físico-
-Química no 8º).
Poupar toneladas de papel
Há várias vantagens em trocar
a avaliação em papel por provas
em suporte digital, identifica o
presidente do IAVE. Por exem-
plo, em termos de sustentabili-
dade: “A pegada de carbono as-
sociada não é despicienda. São
toneladas de papel, milhares de
sacos de plástico, deslocações
dos carros das forças de segu-
rança que fazem o transporte
dos exames até às escolas”, na-
quela que é a maior operação
policial realizada no país.
Se se somar todos os testes
nacionais feitos num ano leti-
vo, o número aproxima-se de
um milhão, entre provas de
aferição e exames do 9º e do
Secundário. E cada enunciado
tem várias folhas de papel. “Só
com a impressão e distribuição
gastamos mais de €1,5 milhões
por ano”, conta Luís Santos.
O responsável identifica ainda
vantagens relativa à correção
das provas: além de ser automá-
tica no caso das perguntas de
seleção (de escola múltipla, por
exemplo), os professores classi-
ficadores vão deixar de corrigir
provas inteiras, para passarem
a olhar para grupos específicos
de itens, o que fará diminuir a
subjetividade na aplicação dos
critérios entre corretores. E há
ainda potencialidades associa-
das ao recurso ao digital, já que
podem ser usados gráficos in-
terativos, vídeos e simulações.
Outra questão que se coloca
com a digitalização das provas
PRIMEIRO CADERNO 15
é a de saber se acentuará a ten-
dência para reforçar os chama-
dos itens de seleção, ou seja,
perguntas dicotómicas em que
o aluno ou acerta ou não (per-
guntas de escolha múltipla ou
preenchimento de espaços em
brancos com respostas suge-
ridas, por exemplo). O diretor
do IAVE garante que tal não
irá acontecer e que o modelo
de prova se vai manter. Mas a
tendência já vem de trás.
No caso de História, por
exemplo, foi a partir de 2014
que surgiram as primeiras per-
guntas de escolha múltipla nos
exames do Secundário. E de
então para cá, cresceram em
número e em peso relativo, com
perguntas de seleção a valerem
quase tanto como as que exigem
uma construção mais complexa,
lamenta Elisabete Jesus, profes-
sora de História, que vê nesta
opção um caminho no sentido
de um “facilitismo” que não de-
via existir neste nível de ensino.
“Até porque a capacidade de
raciocinar e elaborar um texto
escrito é algo que lhes vai ser
pedido no Superior”, justifica.
Para o presidente do IAVE,
o importante é garantir a di-
versidade de itens, ter provas
equilibradas para “todo o tipo
de alunos” e desfazer o “mito de
que não é possível avaliar com-
petências complexas através de
perguntas de seleção”.
ileiria@expresso.impresa.pt
16 PRIMEIRO CADERNO
SAÚDE
Ordem quer oncologistas
seniores a ver menos doentes
Colégio de Oncologia vai entregar ao Governo um plano que define as tarefas
dos médicos de acordo com a experiência. Topo da carreira deve ser dedicado à liderança
Textos Vera Lúcia
Arreigoso
Os doentes com cancro não pa-
ram de aumentar e os oncolo-
gistas correm contra o tempo
para chegarem a todos. E como
tratar depressa nem sempre se
traduz por tratar bem, os espe-
cialistas reclamam uma nova
organização da assistência: a
Ordem dos Médicos quer que os
clínicos tenham margem para
estudar e que os mais experien-
tes tratem menos doentes.
O plano irá ser entregue ao
Ministério da Saúde e à Dire-
ção Executiva do Serviço Naci-
onal de Saúde (DE-SNS) e defi-
ne funções para cada categoria
da carreira médica hospitalar e
as percentagens do horário de
trabalho para acompanhar do-
entes e para as atividades não
assistenciais, da investigação,
formação até à chefia e lideran-
ça de serviços. Da responsabili-
dade do Colégio de Oncologia
Médica, o documento já teve a
aprovação unânime do Conse-
lho Nacional da Ordem.
“As funções e as percenta-
gens foram definidas pelos on-
cologistas do colégio com base
na experiência de quem está no
terreno. Vai melhorar o traba-
lho do médico e o tratamento,
porque dá tempo para discutir
casos, estudar opções, analisar
as imagens com outros especia-
listas, questões essenciais para
tratar bem”, garante Luís Cos-
ta, presidente do colégio. “Ten-
támos tornar o óbvio claro.”
No “arquétipo do oncolo-
gista”, como lhe chama Luís
Costa, destaca-se a escala de
trabalho dos oncologistas mais
experientes e no topo da carrei-
ra. A proposta consagra meta-
de da atividade a funções não
assistenciais, isto é, a não tratar
doentes.
“Os médicos com funções de
direção devem ver doentes para
não perderem essa capacidade
e o entendimento das necessi-
dades, mas não deve ser o tem-
po todo. O seu conhecimento
é necessário para funções or-
ganizacionais e estratégicas.
Eu ainda vejo muitos doentes
e devia estar a organizar mais
outras áreas”, explica o diretor
do Departamento de Oncologia
do Hospital de Santa Maria, em
Lisboa. O diretor do Progra-
ma Nacional para as Doenças
Oncológicas, José Dinis, dá-lhe
“Percentagens
previstas para
atividades não clínicas
não correspondem
ao que acontece nos
nossos hospitais”,
afirmam os gestores
razão: “O diretor de serviço
não deve estar na frente, nas
consultas. Deve aproveitar-se a
sua capacidade de gestão. Aos
médicos mais experientes de-
vem ser dadas as tarefas mais
exigentes.”
Segundo a Ordem, o acom-
panhamento dos doentes
deve ficar sobretudo a cargo
dos especialistas mais jovens,
que também têm de ter tempo
para outras funções além da
prestação de cuidados. Aliás,
mesmo no acompanhamento
dos doentes deve ser assegu-
rada, no mínimo, 20% de assis-
tência não presencial. Já nas
consultas ‘convencionais’, os
hospitais têm de contabilizar o
tempo para a sua preparação
e realização para as primeiras
consultas, subsequentes ou
multidisciplinares.
Se o Ministério da Saúde acei-
tar o plano, as regras devem
ser para todos os oncologistas
que exercem no país. “O sector
privado também não protege o
tempo do médico. Não pagam
aos radiologistas para discu-
tirem os casos, o que é muito
importante para a qualidade
do tratamento. Não é um tra-
balho assistencial direto, mas
é assistencial porque é para um
doente”, critica Luís Costa.
“A proposta é inovadora por-
que define percentagens para a
atividade. É um contributo que
tem de ser visto no âmbito da
definição das redes nacionais
de oncologia, que não temos.
Está tudo assente em informa-
lismos”, reconhece José Dinis.
“Para cada cancro, vamos defi-
nir o que se faz e onde. A pessoa
quer o melhor tratamento e
para isso é preciso certificar os
centros” e o plano da Ordem
pode ajudar. Mas, primeiro, “é
preciso simular e ver o impac-
to”. Além disso, acrescenta ter
“ainda dúvidas sobre os priva-
dos, porque não reconhecem
este modelo de carreira do
SNS”.
A simulação permitirá ainda
obter um dado há muito ne-
cessário. A ideia é “fazer um
ensaio e avaliar o impacto no
tratamento dos doentes e na
atratividade para os médicos,
porque a proposta claramen-
te dignifica o seu trabalho”.
Mas não só. “Estamos sempre
a dizer que são precisos mais
médicos, mas quantos, afinal?
Com a definição de funções, os
médicos que exercem, o núme-
ro de doentes e os tempos de
consulta será possível calcular
quantos especialistas devem
existir em cada área da onco-
logia. Precisamos, de uma vez
por todas, de estudos que nos
permitam chegar à tutela com
uma ideia concreta. Parece ób-
vio, mas é esse óbvio que falta
fazer”, afirma Luís Costa.
As críticas
Mas também é óbvio que faltam
oncologistas, diz Xavier Barre-
PROPOSTA
15%
do horário de trabalho
dos oncologistas assistentes,
base da carreira,
deve ser para atividades
não assistenciais
30%
da atividade dos especialistas
assistentes graduados será
para investigação científica
e coordenação de projetos
50%
do desempenho dos médicos
mais experientes, assistentes
graduados seniores, passa
a ser obrigatório para chefia
ou formação de especialistas
O IPO-Lisboa é uma
das unidades do SNS
dedicadas ao cancro que
se debate com a falta
de profissionais FOTO D.R.
to, presidente da Associação
Portuguesa de Administradores
Hospitalares. “As percentagens
(do plano) para atividades não
clínicas não correspondem ao
que acontece na generalidade
dos hospitais portugueses. Dado
que parece não existir margem
orçamental para um aumen-
to significativo do número de
médicos e tendo em conta que
a procura na área oncológica
continua a crescer, a alocação
de uma percentagem tão eleva-
da do tempo dos profissionais a
atividades não clínicas poderá
criar dificuldades”, prevê.
Para o administrador, “a de-
finição de escalas e das tarefas
devem ser competências do di-
retor de serviço, por ser o pro-
fissional mais bem posicionado
ou mais bem informado”. Xavi-
er Barreto alerta ainda para a
heterogeneidade da oncologia.
“Os serviços têm profissionais
e áreas de atuação muito di-
versos e será difícil definir um
modelo que possa enquadrar
as especificidades de todos e
de cada um.” Assim, “temos de
organizar a resposta com base
nos recursos que temos, procu-
rando oferecer o melhor”.
Nos hospitais privados, a
aceitação é igualmente reticen-
te, desde logo, porque “não está
clara a articulação das carrei-
ras”. Para os gestores privados,
o arquétipo “aumenta a rigi-
dez na gestão das agendas e no
planeamento do trabalho”, um
risco quando “existem poucos
oncologistas e agravando a di-
ficuldade no acesso, e em espe-
cial o acesso aos médicos mais
experientes”. Aliás, “a avançar
para outras especialidades, por
exemplo, ginecologia-obstetrí-
cia, a redução de tempo médico
ia ser brutal”.
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 31 de março de 2023
Obstetras
viajam
para
Lisboa
Especialistas de cinco
hospitais do norte
e centro oferecem-se
para assegurar escalas
de urgências obstétricas
Dezenas de médicos e internos
de ginecologia-obstetrícia dos
hospitais de São João, Santo
António, Famalicão, Guima-
rães e Coimbra vão completar
as escalas das urgências e blo-
cos de partos deficitários na
região de Lisboa. Os profissio-
nais são voluntários, começam
a chegar já neste fim de semana
e vão ficar, também à vez, du-
rante os próximos dois meses.
O reforço de obstetras faz
parte da solução temporária
criada pela Direção Executiva
do Serviço Nacional de Saúde
(DE-SNS) para minimizar os
constrangimentos nas urgênci-
as e blocos de partos na região
de Lisboa. “A crescente exigên-
cia na constituição das equipas
e na elaboração dos mapas de
urgência, motivou um esforço
único e de elevado significado
para a rede do SNS” e “o espí-
rito de serviço destas equipas,
potenciado também graças ao
esforço de reorganização dos
seus serviços e instituições de
origem, não será em vão e não
será esquecido”, afirmam os
gestores do SNS.
O modelo de maternidades
rotativas durante a noite e aos
fins de semana, iniciado no Na-
tal e Ano Novo, deveria cessar
esta semana, mas a DE-SNS vai
prolongá-lo por falta de me-
lhor solução. “Em função da
avaliação do desempenho, é
preferível, de forma prudente
e cautelosa, a continuação da
presente metodologia durante
os meses de abril e maio e re-
alizar nova avaliação no final
deste período”, justificaram os
administradores do SNS numa
nota publicada na quarta-feira.
Entretanto, até junho deverá
ser preparado um novo esque-
ma, também temporário, para
os meses de verão, por norma
uma fase ainda mais crítica de-
vido ao período prolongado de
férias. A DE-SNS admitiu já
que “a exigência das respostas
e a dificuldade na sua concre-
tização aumentaram de forma
reconhecida”.
Por agora, e até novas orien-
tações, só as urgências dos
hospitais de Santa Maria, Ma-
ternidade Alfredo da Costa
(MAC) e Cascais vão continuar
a funcionar 24 horas, todos
os dias do ano. As restantes
unidades fecham à noite e aos
fins de semana à vez e por gru-
pos, mantendo o esquema e a
rotação feita até aqui. Assim
sendo, São Francisco Xavier
alterna com Amadora-Sintra;
fora de Lisboa, entreajudam-se
os hospitais de Loures e de Vila
Franca de Xira e fazem parce-
ria Barreiro, Garcia de Orta e o
hospital de Setúbal. O mesmo
aplica-se aos centros hospita-
lares do Oeste e do Médio Tejo
com o Hospital de Santarém.
Urgências sem doentes
‘azuis e verdes’
O diretor-executivo do SNS,
Fernando Araújo, revelou há
dias que vai avançar com me-
didas para retirar das urgên-
cias os doentes triados com as
cores azul ou verde. As medi-
das concretas não são ainda
conhecidas, mas o Expresso
apurou que vão passar por
um projeto-piloto em alguns
hospitais.
Expresso, 31 de março de 2023
AMBIENTE
Obras nas
dunas de
Troia vão
recomeçar
Câmara considera “de interesse
público” urbanização privada
que afeta espécies protegidas
Texto Carla Tomás
Foto Ana Baião
As obras de urbanização do
projeto turístico-imobiliário Na
Praia, localizado nas dunas de
Troia, vão recomeçar na próxi-
ma semana, indica ao Expresso
fonte do promotor — Ferrado
Nacomporta — que informa es-
tarem já “a mobilizar o emprei-
teiro”, apesar da contestação.
Para retomarem os trabalhos,
contam com a emissão de uma
“resolução fundamentada”, as-
sinada pelo presidente do mu-
nicípio de Grândola, António
Figueira Mendes, que invoca o
“interesse público” do projeto
para levantar a suspensão da
obra decretada a 23 de feverei-
ro passado pelo Tribunal Admi-
nistrativo de Beja.
A decisão do autarca data
de 20 de março, mas só foi
ratificada em reunião de Câ-
mara esta quinta-feira, 30 de
março, com o voto de quatro
vereadores da CDU e a abs-
tenção de três do PS. Se não
fosse aprovado pelo Executivo,
CONSUMO
Código de barras: por dia, ouvem-se 6 mil milhões de ‘bips’
Criado nos EUA há 50
anos, o código de barras
chegou a Portugal em 1985
e foi estreado em alguns
supermercados nacionais
Considerado uma das maiores
invenções do século passado, o
código de barras está agora a
completar 50 anos. Foi criado a
3 de abril de 1973, nos Estados
Unidos, e usado pela primei-
ra vez no ano seguinte, num
pacote de pastilhas elásticas
vendidas num supermercado
da cidade de Troy, no Ohio. A
introdução do código de barras
como uma espécie de bilhete
de identidade dos produtos foi
tão importante na altura que
a sua utilização se expandiu
rapidamente. Estima-se que
hoje, todos os dias, pelo mundo
inteiro, se ouçam 6 mil milhões
de ‘bips’, o famoso sinal sonoro
emitido sempre que um produ-
to passa no leitor.
Os primeiros códigos de bar-
ras chegaram a Portugal em
1985, mais de uma década de-
pois da estreia no supermerca-
o “interesse público” invoca-
do cairia logo por terra; o que
ainda poderá acontecer, se o
Tribunal Administrativo de
Beja não aceitar os argumen-
tos apresentados pelo municí-
pio, tratando-se de uma obra
privada. O autarca recorda “a
qualificação do projeto como
de Potencial Interesse Naci-
onal (PIN)” e diz que é “uma
peça-chave para o desenvolvi-
mento da atividade turística
no litoral alentejano e para o
desenvolvimento económico”.
A decisão de suspensão da
obra resultou de uma provi-
dência cautelar avançada pela
Associação Dunas Livres —
apoiada por uma plataforma
de dez organizações ambien-
talistas — que procurou travar
a destruição de habitats que
contêm espécies da flora pro-
tegidos pela Diretiva Habitats,
como é o caso da sabina-da-
-praia” (juniperus turbinata) e
do endemismo zimbro-galego
(Juniperus navicularis).
A obra está ao lado de áreas
classificadas e contém espécies
protegidas que têm de se acau-
do americano. Até então, por
cá, as encomendas e as vendas
de produtos faziam-se, essen-
cialmente, à base do registo
em papel. “Quando se inaugu-
raram os primeiros grandes
supermercados, houve um
conjunto de empresas do sec-
tor que quis implementar os
códigos de barras. Era impos-
sível gerirem manualmente as
enormes listas de encomendas
e iriam formar-se filas inter-
mináveis nas caixas se não ar-
ranjassem uma solução mais
eficaz. Já não era realista fazer
como os antigos merceeiros
que assentavam num livro as
encomendas e quanto vendiam
de bacalhau a granel”, descreve
João de Castro Guimarães, di-
retor-executivo da GS1 Portu-
gal, entidade responsável pela
introdução do código de barras
no país há 38 anos e que ainda
hoje gere a sua atribuição às
empresas a nível nacional.
Os produtos alimentares e os
detergentes foram os primeiros
a emitirem ‘bips’ nas caixas dos
supermercados portugueses
Entrada do estaleiro da urbanização Na Praia, em Troia. Obras foram suspensas no início de março
telar. Porém, a taxa de sucesso
do transplante destas plantas
(como medida compensatória)
é baixa e muitos dos arbustos
intervencionados estão a mor-
rer. Em resposta ao Expresso,
o Instituto de Conservação da
Natureza e das Florestas diz
que “o transplante envolve
inevitavelmente perdas” e que
“poderão ser definidas outras
medidas de mitigação”.
Na sequência de uma denún-
cia da associação Dunas Livres,
em 2022, o ICNF inspecionou
o local, concluindo haver “atos
praticados pelo promotor [de-
senraizamento ou destruição
de plantas] que constituem vio-
lação da lei”. Porém, o processo
de contraordenação acabou ar-
quivado pela Comissão de Co-
ordenação e Desenvolvimento
Regional do Alentejo.
O arquivamento é referido
pelo presidente da Câmara na
“resolução” agora aprovada
como argumento para continu-
ar a obra. Alega que “à data do
requerimento cautelar encon-
travam-se já realizadas todas as
desmatações e movimentações
em 1985. Essa desmaterializa-
ção permitiu encher de uma
forma mais eficaz as grandes
superfícies comerciais, mar-
cando o início da era moderna
do sector da distribuição. Mas
não foi só por facilitarem as en-
comendas e o pagamento nas
O QUE DIZEM OS CÓDIGOS DE BARRAS
5 602841 001024
A B
de terra” e que “a associação
devia ter sido mais expedita no
recurso às vias judiciais”; ou
seja, chegou tarde demais. Este
é um argumento “caricato”,
nas palavras de Maria Santos
da Dunas Livres, que contra-
põe: “Pedimos documentação
sobre o processo à Câmara em
2020, mas só a conseguimos
consultar em 2022 mediante o
pagamento de €1180.”
As três empresas que
compraram os terrenos
rústicos por €50
milhões têm o capital
social de €1 cada
Na “resolução fundamen-
tada” a autarquia de maioria
comunista invoca “o interesse
público” da obra, argumentan-
do que a suspensão tem “gravo-
sos impactos negativos”, parte
destes relacionados com nós
de ligação da estrada munici-
pal e redes de águas, esgotos e
comunicações a cargo do pro-
caixas que os códigos de barras
tiveram um crescimento explo-
sivo. “Permitiram criar novos
modelos de negócio, melhorar
a gestão de stocks, reduzir er-
ros e custos operacionais, além
de aumentar a rastreabilidade
e a rapidez em retirar produtos
C D
motor privado. A Câmara alega
preocupação com os “impactes
na saúde pública com materi-
al contaminado por retirar”:
o fibrocimento existente nas
condutas de águas e esgotos.
“Uma estranha urgência tendo
em conta que o amianto está ali
há 50 anos”, frisa Maria Santos
e questiona se a mesma preocu-
pação existe para a retirada de
tubagens similares noutras zo-
nas do concelho de Grândola.
Três empresas,
três euros
Este é um negócio de milhões
com algumas particularidades:
as empresas compradoras dos
três prédios rústicos (Ferrado
Nacomporta I, II e III) têm um
capital social de apenas €1 cada
e foram criadas dois meses e
meio antes da assinatura do
contrato de compra e venda,
em 2016. Segundo o contrato
(a escritura não consta do pro-
cesso), estas empresas unipes-
soais terão comprado por €50
milhões os três prédios rústicos
(descritos como UNOP 7, 8 e 9,
ou medicamentos do mercado
quando é necessário”, diz João
Castro Guimarães. Mais recen-
temente, tornaram-se óbvias
outras vantagens, como seguir
uma encomenda da origem ao
destino ou combater a contra-
fação, já que em 2018 uma dire-
Os códigos de barras mais comuns
têm 13 dígitos. A esse número é
dado do nome de GTIN (Global
Trade Identification Number)
País onde o produto é
A fabricado (no caso de
Portugal, o prefixo é 560)
Identificação
B da empresa
Identificação
C
do produto
Dígito de controlo para
D garantir a fidelidade do
código de barras
PRIMEIRO CADERNO 17
que somam cerca de 2 milhões
de m2) à Soltroia — Sociedade
Imobiliária de Urbanização e
Turismo de Troia. Seis anos de-
pois, o capital social mantém-se
no valor de um euro e conta
com três sócios gerentes: José
António Sousa Uva, José Fre-
neso e Sandra Ortega (a dona
da Inditex/ Zara).
A criação de empresas com
um capital social tão baixo é
possível desde a publicação de
um decreto-lei em março de
2011 (Governo de José Sócra-
tes). “Não sendo uma ilegali-
dade, não deixa de ser muito
estranho”, frisa o administrati-
vista Dantas Rodrigues. Porém,
considera “uma vergonha exis-
tir uma lei que permite criar
empresas com capital social
destes valores”.
Quanto às contas das Ferrado
I e II apresentadas no Racius,
mostram praticamente inexis-
tência de atividade e um eleva-
do valor de financiamento não
bancário. Questionada sobre
esta engenharia financeira, a
empresa nada respondeu.
ctomas@expresso.impresa.pt
tiva europeia obrigou a incluir
no código de barras dos medi-
camentos um número de série
como garantia de que não se
trata de um produto falsificado.
QRcode, o irmão mais novo
A evolução tecnológica das úl-
timas décadas modernizou os
códigos de barras e trouxe ver-
sões bidimensionais — como os
QRCodes — que têm uma maior
capacidade de armazenar da-
dos. Este tipo de códigos são
já utilizados na saúde e estão
a ser testados no retalho. Por
exemplo, no sector agroalimen-
tar, podem dar ao consumidor
informação sobre cada produto
(se tem alérgenos, se é orgânico
e qual o seu impacto ambien-
tal). Ao fim de quase 40 anos
em Portugal, “pôr os códigos
ao serviço da sociedade, contri-
buindo para a sustentabilida-
de ambiental” é agora o maior
desafio para o futuro, resume
João Castro Guimarães.
Raquel Albuquerque
ralbuquerque@expresso.impresa.pt
18 PRIMEIRO CADERNO
LARES
Mais de metade dos idosos não
é seguida pelos centros de saúde
Estudo diz que lares são “terra de ninguém” na saúde. Investimento abaixo da média da OCDE
Textos Elisabete
Miranda
Os lares são tratados como re-
sidências e centros de dia, não
sendo adequados para oferecer
cuidados de saúde continuados
a uma população debilitada.
Mais de metade dos seus uten-
tes não é acompanhada pelos
centros de saúde locais, vivendo
à margem do Serviço Nacional
de Saúde (SNS), e há uma rota-
ção de trabalhadores excessiva
face à importância dos cuidados
que prestam. Estas são, em pin-
celadas gerais, as conclusões
que saltam à vista de um estu-
do efetuado pelo Laboratório
Colaborativo para o Trabalho,
Emprego e Proteção Social (Co-
LABOR) para a Confederação
Nacional das Instituições de
Solidariedade (CNIS) e Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa.
Embora tenha sido realiza-
do no contexto da última pan-
demia, para perceber a inci-
dência e a resposta dos lares
à covid-19, as conclusões do
inquérito levado a cabo pela
equipa coordenada por Paulo
Pedroso e Pedro Adão e Silva
(entretanto no Governo) dão
pistas intemporais.
Uma delas é que, “apesar de
legalmente ser um dever dos
centros de saúde acompanha-
rem as pessoas idosas”, 52,8%
dos utentes dos lares não são
acompanhados pelos profissio-
nais dos centros de saúde locais.
Dada a grande debilidade dos
idosos, esta conclusão “foi uma
surpresa e é uma fonte de preo-
cupação”, comenta ao Expresso
Pedro Estêvão, um dos três au-
tores do estudo. “O modelo dos
lares foi concebido para pessoas
que não tinham conforto resi-
dencial e estavam sozinhas, mas
ainda com alguma autonomia.
Mas a população é muito idosa,
tem várias doenças, mobilida-
de reduzida e é muito depen-
dente”, situa Paulo Pedroso.
As características dos utentes
obrigariam a um reforço dos
cuidados de saúde, mas, na prá-
tica, mantém-se “um problema
de [deficiente] ligação entre os
serviços públicos de saúde e os
lares. Há uma ideia de que o lar
já não é prioridade dos serviços
públicos de saúde”, forçando
as instituições a arranjarem re-
cursos próprios, conclui Pedro
Estêvão. Os ERPI — estrutu-
ras residenciais para pessoas
idosas, como são tecnicamen-
te designados — acabam por
ser “uma espécie de terra de
ninguém”.
Outra conclusão, “não sendo
surpreendente, é igualmente
preocupante”. Segundo o in-
quérito, no final de 2020 cer-
ca de 18% dos trabalhadores
tinham sido contratados nos
últimos 12 meses. Os investi-
gadores admitem que alguns
possam ter competências ade-
quadas, mas não deixam de
sublinhar que “estes níveis não
poderão deixar de ter conse-
quências para a qualidade dos
cuidados aos residentes”. “É
um trabalho muito duro, físi-
ca e psicologicamente, e não é
bem pago”, diz Pedro Estêvão.
Corolário: os lares não estão
pensados para prestar os cuida-
dos de saúde de que a sua popu-
lação necessita e a sua relação
com o SNS tem de ser revista.
Várias soluções,
pouco dinheiro
Pedro Estêvão alerta que, “se
não se começar a atalhar este
problema desde já, com a evo-
lução demográfica este vai
agravar-se”. Começar a atalhar
é, desde logo, aprofundar os
estudos. O inquérito do CoLA-
BOR tem uma amostra signifi-
cativa — incidiu sobre um terço
dos lares (IPSS e privados) em
Portugal —, mas o investigador
considera “importante haver
um levantamento mais siste-
mático” da informação. Mas,
FRASES
“Há um problema de
[deficiente] ligação
entre os serviços
públicos de saúde
e os lares. O lar não
é prioridade dos
serviços públicos”
Pedro Estêvão
Investigador do CoLABOR
“Os lares têm de
evoluir para espaços
de cuidados de
saúde. No novo
modelo de
longevidade com
dependência, o
Ministério da Saúde
tem de ser parceiro”
Paulo Pedroso
Professor universitário e ex-ministro
da Segurança Social
à partida, há necessidades que
são notórias.
Desde logo, é preciso qualifi-
car o pessoal e valorizar as car-
reiras. Paulo Pedroso afirma
que “o primeiro passo está a
ser dado no âmbito do sistema
nacional de qualificações”, no
sentido de tipificar e certificar
estas competências. Mas, além
do reconhecimento profissio-
nal, é também necessário pa-
gar-lhes melhor.
Depois, será desejável “re-
pensar a separação rígida en-
tre lares e a rede de cuidados
continuados, porque a popula-
ção servida entre uns e outros
não é assim tão diferente”. “Os
lares têm de evoluir para es-
paços de cuidados de saúde”,
com Segurança Social e Saúde
Idosos nos lares têm várias
doenças, mobilidade reduzida
acompanha as necessidades
a passarem a ter dupla tutela
sobre estas estruturas ou, pelo
menos, com a Saúde mais ativa.
“A Saúde tem andado muito
centrada na hospitalização, na
doença. É preciso acordar o
Ministério da Saúde, porque
este também é um problema
de saúde. Num novo modelo de
longevidade com dependência,
o Ministério da Saúde tem de
ser parceiro nos cuidados.”
Mais especialização, melho-
res equipamentos e cuidados
diferenciados implicam mais
dinheiro. E, num país com pen-
sões baixas e famílias com salá-
rios magros, a fatura acabará
por bater à porta do Estado. As
ERPI recebem cerca de €493
por cada utente, um valor que
Paulo Pedroso considera baixo,
até quando comparado com o
das unidades de cuidados con-
tinuados. Os custos técnicos
dos serviços devem ser revistos
e, se necessário, aumenta-se a
despesa pública.
O professor universitário e
antigo ministro da Segurança
Social remete para os dados
da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento
Económico), que mostram que
Portugal “se encontra entre o
grupo de países onde é mais
reduzida a cobertura de idosos
por cuidados de longo prazo” e
também o que menos recursos
financeiros aplica. Em 2019, a
despesa representava 0,9% do
PIB, o que compara com uma
média de 1,5% do PIB no con-
junto da OCDE e está muito
longe dos 3% do PIB dos países
nórdicos. Com uma agravante:
“Este défice não é compensado
pelos cuidados em contexto fa-
miliar”, onde também não nos
destacamos dos outros países.
Em suma: os equipamentos
para idosos têm sido os paren-
tes pobres das políticas sociais,
mas, com o envelhecimento da
população, têm de passar a ser
uma prioridade.
emiranda@expresso.impresa.pt
e são muito dependentes.
Sistema de saúde não
FOTO GETTY IMAGES
UM SURTO, QUANDO
CHEGA, É PARA
(QUASE) TODOS
^ A incidência de covid-19 nos
lares acompanhou a
transmissão comunitária,
embora tenha sido mais
acentuada: os valores da
incidência da covid-19 entre os
residentes das Estruturas
Residenciais para Idosos (ERPI)
foram 2,5 vezes superiores ao
do conjunto da população com
70 ou mais anos. Ou seja, o
surto, quando chegou, foi para
todos, embora com
intensidades diferentes
^ 43% das ERPI tinham
registado pelo menos um surto
de covid-19 até fevereiro de
2021. Em 67% dos casos os
surtos atingiram mais de 60%
dos residentes. Em suma, “na
grande maioria das situações,
as medidas internas de
prevenção e resposta
implementadas revelaram-se
insuficientes para conter o
contágio”, diz o relatório
^ Os trabalhadores foram
causa de 59% dos contágios.
Em 20% dos casos, este
ocorreu durante a deslocação
dos utentes a uma unidade de
saúde
^ A percentagem de casos que
culminaram em mortes entre
os residentes foi quatro vezes
superior à que se registou no
escalão etário 70-79 anos da
população portuguesa e o
dobro da registada para o
escalão 80-89 anos. Estes
dados “colocam em causa a
adequação de um modelo ERPI
que não foi concebido para
oferecer cuidados de saúde
diferenciados”, dizem os
investigadores
Expresso, 31 de março de 2023
BREVES
CRISE NA HABITAÇÃO
É UMA AMEAÇA
DIREITOS HUMANOS No rela-
tório de 2022, a Amnistia In-
ternacional aponta o dedo a
Portugal, criticando “despejos
forçados” que afetam “despro-
porcionalmente” a população
de etnia cigana e de origem
africana. “As medidas tomadas
pelo Governo foram insuficien-
tes.” A organização deixa ainda
alertas sobre a continuidade
da brutalidade policial, violên-
cia e discriminação de género,
exploração de migrantes e de-
gradação ambiental.
“ACABOU DE
REVALIDAR A
MINHA PRISÃO
COM BASE EM
DUAS FALSIDADES.
EM QUALQUER PAÍS
CIVILIZADO SERIA
UM ESCÂNDALO”
Manuel Pinho
Ex-ministro sobre a juíza responsável
pelo processo em que é arguido
INCÊNDIO AGRAVADO
POR HELICÓPTERO
SERRA DA ESTRELA A equipa de
peritos da comissão indepen-
dente constituída pelo Gover-
no concluiu que o incêndio que
deflagrou na serra da Estrela,
em agosto do ano passado, o
sexto de maior dimensão em
Portugal desde que há registos,
descontrolou-se em parte de-
vido à “turbulência” provoca-
da por um helicóptero quando
recolhia uma equipa de ope-
racionais. O incêndio durou 11
dias e consumiu um total de 22
hectares do parque natural.
50%
foi o aumento registado de
criminalidade juvenil no
último ano. O dado foi
revelado no “Relatório Anual
de Segurança Interna”
(RASI), que dá conta de 1687
participações ou queixas às
forças policiais em 2022. As
autoridades associam este
crescimento ao hip-hop e ao
drill, considerando ainda que
a violência adolescente na
Área Metropolitana de
Lisboa é inspirada no que
se passa nos subúrbios de
Londres e de Chicago
VEGETARIANOS
CRITICAM CABAZ
IVA ZERO O cabaz de alimentos
deveria incluir “todas as legu-
minosas e derivados, bem como
um maior leque de vegetais”,
defende a Associação Vegetari-
ana Portuguesa. Já Ana Isabel
Monteiro, nutricionista, consi-
dera que a “principal falha” é
não haver “alternativas vegetais
aos lacticínios”, como a bebida
e o iogurte de soja. Leite em pó
e outros produtos consumidos
pelos mais novos também “po-
deriam estar incluídos”.
Expresso, 31 de março de 2023
PROJETOS EXPRESSO VIH
Inovação Avanços na terapêutica criaram a primeira geração de idosos que encara o vírus como
uma doença crónica em vez de mortal. Desafio central: garantir apoio médico, social e psicológico
Envelhecer com a infeção
já é uma realidade
Portugal tem dezenas de organizações comunitárias na área do VIH, que asseguraram mais de 25 mil testes gratuitos em 2021
Texto Francisco
de Almeida Fernandes
Q
Foto José Fernandes
uanto tempo te-
“ nho?” Esta foi a
primeira pergunta
que ‘Clara’ fez ao
médico quando
descobriu, aos 22
anos, que estava
infetada com VIH e
percebeu que teria
o futuro hipotecado. O diagnóstico
aconteceu na década de 80, numa
altura em que o conhecimento sobre
o vírus era limitado e o estigma do-
minava. Nas últimas quatro décadas,
muito mudou na ciência e hoje um
teste positivo não carrega o medo da
morte. “Pela primeira vez na história
estamos a viver uma primeira geração
de pessoas que está a envelhecer com
a infeção”, assinala Catarina Esteves,
enfermeira na Unidade Funcional de
VIH do Hospital de Cascais que, no
seu serviço, segue doentes com mais
de 80 anos.
‘Clara’, como prefere ser chamada
para evitar o reconhecimento que
temeu a vida toda, testemunhou o
progresso da terapêutica que trans-
formou o vírus em doença crónica.
Os cocktails de 20 comprimidos diá-
rios foram reduzidos para uma dúzia,
mais tarde para sete. “Agora tomo
dois medicamentos por dia numa
toma única. É uma grande evolução”,
reconhece. Mas os avanços não se
circunscrevem ao número de fárma-
cos. A diferença marcante está na
eficácia, na toxicidade e nos efeitos
secundários que provoca ao organis-
mo. Dores musculares, desregulação
NOVOS DESAFIOS
O Expresso — com o apoio
das principais associações
de doentes na área do VIH
e da ViiV Healthcare — criou
um projeto para pensar
as principais prioridades
políticas, médicas e sociais
nesta área. Na base está
um conselho de especialistas,
que tem produzido
recomendações e
caminhos para melhorar
as condições de trabalho
dos profissionais
de saúde e a qualidade
de vida dos doentes.
intestinal, náuseas ou até mesmo
lipodistrofia, responsável pela redu-
ção abrupta da gordura facial, eram
consequências frequentes que não
só afetavam a adesão ao tratamen-
to, como podiam deixar sequelas
psicológicas.
Embora os peritos ouvidos pelo Ex-
presso não existem dúvidas de que
o envelhecimento com VIH é uma
realidade, alertam que há desafios
associados à infeção. Um deles é a
possibilidade da antecipação de doen-
ças cardiovasculares, da hipertensão
e da insuficiência renal, que refor-
ça a importância de “uma vigilân-
cia muito regular da saúde” para ser
possível “prevenir” ou, pelo menos,
agir precocemente, avança Catarina
Esteves. Isto exige, sublinha, maior
proximidade aos cuidados de saúde e
generalização de equipas multidisci-
plinares para um acompanhamento
personalizado e permanente. No en-
tanto, a qualidade de vida depende
em igual medida do que o psicólogo
Rui Reis, da Liga Portuguesa Con-
tra a Sida, considera ser o “suporte
familiar e social”. “As organizações
de base comunitária têm um papel
fundamental nessa missão. Isso faz-se
também através do apoio psicológi-
co”, esclarece.
Aos 53 anos, o sofrimento na voz
de ‘Clara’ é exemplo do peso da sa-
úde mental junto de quem lida com
uma condição eterna e que depende
de consultas semanais — quinzenais
quando se sente melhor — há duas
décadas. “Esta doença, na idade em
que me foi anunciada, roubou-me
grande parte da minha vida, por-
que a ideia de constituir família e ter
filhos morreu ali”, conta. Infetada
durante uma intervenção cirúrgica
na adolescência, escolheu enfrentar
o vírus e a depressão crónica que a
assola de forma solitária, com a dor
partilhada apenas com um famili-
ar e dois amigos. O medo da discri-
minação e da rejeição está sempre
presente.
O ENVELHECIMENTO
SAUDÁVEL DE PESSOAS
COM VIH DEPENDE,
TAMBÉM, DA
AUSCULTAÇÃO
PERMANENTE DOS
PORTADORES DO VÍRUS
Rui Reis confirma que ‘Clara’ não é
caso único e realça que “muitas destas
pessoas colocaram a vida em stand by
sempre a pensar se iriam viver tempo
suficiente”, com consequente impac-
to no isolamento e afastamento social.
“É preciso dar uma resposta e é aqui
que falhamos. O nosso Serviço Naci-
onal de Saúde falha ao nível da saúde
mental”, lamenta. E quando o Estado
falha, são organizações como a Liga
que garantem o apoio psicológico e
social gratuito, o aconselhamento
nutricional ou a testagem, serviços
que procuram descentralizar para
alcançar quem vive fora das grandes
metrópoles.
Viver mais com qualidade
Para Catarina Esteves, garantir o en-
velhecimento saudável de pessoas
com VIH depende, também, da aus-
cultação permanente dos portadores
do vírus. “Defendo a 100% a utilização
dos Patient-Reported Outcomes [re-
sultados de saúde reportados pelos
doentes, em tradução livre], porque
não há maior especialista do que o
paciente VIH”, afiança. Em Portugal,
algumas organizações comunitárias
promovem estes questionários so-
bre qualidade de vida, assim como o
Hospital de Cascais, que utiliza esta
ferramenta para conhecer o “impacto
dos cuidados de saúde, do tratamen-
to e das limitações, sociais e outras,
que sentem”. A prática ainda não é
generalizada nem padronizada, mas
é apontada pelos peritos como es-
sencial para colocar o cidadão no
centro do sistema de saúde e ofere-
cer uma medicina verdadeiramente
personalizada.
sociedade@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 19
Cada vez
mais perto
do objetivo
Até ao final da década,
a ONUSIDA quer
acabar com a epidemia
no mundo. Resultados
positivos na Europa
95%
é o número central para
quebrar a transmissão do vírus.
O programa VIH/sida da
Organização das Nações Unidas
pede aos países que 95%
das pessoas infetadas sejam
diagnosticadas, que, destas,
95% adiram ao tratamento
e que 95% com terapêutica
antirretroviral tenham o vírus
suprimido. A instituição estima
que tenham sido contaminadas,
em 2021, cerca de 1,5 milhões
no mundo.
UNIÃO EUROPEIA
NO CAMINHO CERTO
ESTUDO Entre os 27 Estados-mem-
bros, Portugal lidera com 95% a
taxa de diagnóstico. A Finlândia
e os Países Baixos são também
exemplos de como os objetivos de-
finidos pela ONUSIDA até 2030
podem ser alcançados. Segundo
o “Health-related quality of life in
people living with HIV”, publica-
do pelo Parlamento Europeu em
novembro, estes dois territórios
apresentam taxas de diagnóstico
de 94% e 93%.
93%
é a percentagem de pessoas
diagnosticas com VIH em
tratamento que, em território
nacional, apresentam carga viral
indetetável. Isto significa
que não é possível transmitir
a infeção a outros e que o vírus
não está a multiplicar-se no
organismo, o que permite manter
níveis de saúde equilibrados.
Este estado pode ser alcançado
cerca de seis meses após
o início do tratamento.
PROFISSIONAIS
DE SAÚDE QUE
DISCRIMINAM
ESTIGMA A pesquisa feita pelo Stig-
ma Index 2021-2022 aponta que
22% dos inquiridos dizem ter sido
vítimas de comportamentos discri-
minatórios em serviços de saúde
nos 12 meses que antecederam o es-
tudo. Catarina Esteves, enfermeira
no Hospital de Cascais, defende ser
preciso “mais formação” e lamenta
estas situações.
298
óbitos registados entre
a população que vivia
com o vírus em Portugal,
entre 2020 e 2021. A avaliação
é do Programa Nacional
para as Infeções Sexualmente
Transmissíveis e Infeção
pelo VIH, que sublinha
que 24,5% destas mortes
ocorreram mais de duas
décadas após o diagnóstico.
É uma “evolução positiva”.
20 PRIMEIRO CADERNO
ANOREXIA
INVESTIGAÇÃO
Internamentos A
chave roda na fechadura,
o trinco recua e a porta
abre-se. A sala tem pou-
ca mobília: um sofá à
entrada, uma televisão e
uma mesa comprida ao
centro. Ao canto, há um
triplicam,
corredor que dá acesso
a uma pequena cozinha,
onde chamam a atenção vários papéis
fixados na parede com planos alimenta-
res escritos à mão, e a três quartos, cada
um com três camas. Na residência não há
espelhos para ver o corpo, apenas o rosto.
hospitais sem
Num dos quartos, sentada na cama
de costas muito direitas e vestida com
uma camisola polar, está Joana (nome
fictício). É a sétima vez que é interna-
da devido a uma anorexia. O primeiro
internamento aconteceu aos 16 anos e
o mais recente agora, aos 31, depois de
camas para
uma “recaída abismal”. “Comia cada vez
menos. Cada dia era pior do que o ante-
rior. Estava a morrer.” Joana falou com a
psiquiatra que a acompanhava e pediu-
-lhe para ser internada. Em setembro do
ano passado foi acolhida na Residência
Elysio de Moura, no Polo de Valongo do
os doentes
Hospital de S. João (Porto), destinada a
doentes com distúrbios alimentares. A
anorexia é o mais frequente: mais de 90%
dos residentes têm a doença.
Estes internamentos são uma das prin-
cipais preocupações dos profissionais da
área. Dados enviados pelo Ministério
da Saúde ao Expresso mostram que os
internamentos por anorexia triplicaram
nos últimos cinco anos, passando de 66,
em 2018, para 191 em 2022. O aumento
dos casos tem criado pressão em alguns
hospitais, devido à falta de camas para
acomodar os doentes. No Hospital de
Hospitalizações por anorexia dispararam nos últimos Santa Maria, em Lisboa, tornou-se habi-
cinco anos. Faltam camas para o tratamento e as agendas
tual estarem mais de 10 pessoas à espera
de serem internadas, adianta a psiquiatra
das consultas estão cheias. Especialistas apontam uma
Jennifer Santos. Em situações extremas,
os doentes podem ser internados tem-
maior “predisposição social” para a doença
porariamente no hospital da área de re-
sidência, mas muitos esperam em casa.
Quando são finalmente hospitalizados,
Textos Helena Bento Fotos Tiago Miranda estão ainda mais magros e desnutridos,
Expresso, 31 de
permanecendo internados por longos
períodos, o que atrasa a libertação de ca-
mas. A espera também afeta a evolução
da doença, dificultando a recuperação.
Na pedopsiquiatria do D. Estefânia
ainda há camas livres, mas são cada vez
mais as utilizadas por pessoas com dis-
túrbios alimentares, sobretudo anorexia:
ocupam quase metade das 16 camas do
serviço, quando antes eram quatro, no
máximo. “É uma experiência nova para
nós. Tem sido complicado”, diz Margari-
da Marques, pedopsiquiatra e coordena-
dora da unidade. No Centro Hospitalar
e Universitário de Coimbra os interna-
mentos passaram de uma média de três
a quatro por ano para cerca de 12, aponta
a psiquiatra Tânia Silva.
CONTROLAR TUDO
Mesmo antes de ser internada pela pri-
meira vez, Joana tinha feito dietas, apesar
do “peso normal”. “A imagem física era
importante. Achava que poderia emagre-
cer e ficar mais bonita. Também queria
ser melhor pessoa, melhor aluna, melhor
filha, e controlar o que me acontecia.”
Aos 16 anos iniciou uma dieta mais res-
tritiva e deixou de fazer quase todas as
refeições do dia, à exceção do jantar, a
que não podia esquivar-se devido à pre-
sença dos pais. Ao almoço comia ape-
nas cenoura raspada, alface e uma peça
“DESEJAVA
SER MELHOR
PESSOA, MELHOR
ALUNA, MELHOR
FILHA, E CONTROLAR
O QUE ME
ACONTECIA”,
DIZ JOANA
março de 2023
de fruta. “Definir um plano alimentar e
conseguir cumpri-lo era uma vitória.” À
medida que adoecia, essa necessidade
de controlo foi-se tornando insuportável.
“Ao início, parecia que tinha encontrado
um paraíso.” Mas a situação agravou-se,
ao ponto de lhe ser difícil levantar-se da
cama sem uma quebra de tensão. Estava
sempre com frio.
Os casos de anorexia com que os profis-
sionais de saúde lidam são diferentes en-
tre si mas têm características em comum,
como a presença de comportamentos
“rígidos e obsessivos”, diz Margarida
Marques, pedopsiquiatra do D. Estefâ-
nia. A necessidade de “ter tudo sob con-
trolo” — como se o mundo fosse a fonte
de todos os perigos —, a introversão e o
perfeccionismo também são frequentes.
Os pais de Joana, percebendo que algo
se passava, levaram-na a um psiquiatra,
que fez um diagnóstico de anorexia. A
jovem foi sendo observada por outros
médicos, mas recusava ajuda. Viria a
ser internada várias vezes, cada vez com
mais frequência, ao ponto de o ser to-
dos os anos. E é assim que tem sido: seis
meses na residência de Valongo e seis
meses em casa, um ciclo que ainda não
conseguiu interromper.
Não se sabe quantas pessoas em Por-
tugal têm anorexia. A maioria dos tra-
balhos sobre a prevalência da doença foi
realizada no final dos anos 90, incidindo
sobre grupos específicos, com amostras
pequenas e não representativas da po-
pulação. Tudo indica, no entanto, que
a doença é mais frequente hoje em dia,
tendo vários especialistas garantido ao
Expresso que atendem agora mais casos.
Em 2022, quase 10 mil pessoas com dis-
túrbios alimentares estavam registadas
nos centros de saúde, mais cerca de 1500
face a 2018. O Ministério da Saúde afirma
que o aumento dos registos “pode não
significar um aumento da prevalência”,
estando a ser “promovida, junto das insti-
tuições e dos profissionais, a necessidade
de consolidação dos registos clínicos”. A
doença tem várias causas, umas ligadas
à genética e à personalidade, outras ao
ambiente familiar. O contexto social e as
influências culturais ligadas à imagem
também têm um papel relevante, poden-
do ser responsáveis em parte por este
aumento dos casos (ver texto ao lado).
Há cinco anos, numa ida à praia, Marta
Carvalho viu uma rapariga que “não se
conseguia mexer por ter peso a mais”.
Desconfortável com a situação, acredi-
tou que a única forma de evitar que o
seu corpo tomasse aquelas formas era
deixar de comer. Tinha então 14 anos.
Começou a fazer restrições alimentares e
a praticar exercício fora e dentro de casa.
Para evitar que os pais se apercebessem
desse esforço, esperava que eles se fos-
sem deitar, à noite, e ia para a sala correr,
percorrendo o espaço de uma ponta à
outra várias vezes. Também dava saltos
num trampolim montado noutra divisão
e fazia abdominais. Dava início a esta
rotina entre as 1h30 e as 2h00 e parava
às 6h30, hora a que os pais se levantavam
para ir trabalhar e a que Marta finalmen-
te se deitava, fingindo estar a dormir.
Também controlava a alimentação do ir-
mão, que nascera em 2017 — ano em que
começou a cortar na comida — e fizera
dois anos entretanto. “Eu não o deixava
comer doces nem repetir a refeição. Ao
lanche, dava-lhe apenas leite. Achava que
podia ficar gordo.” Os pais continuaram
a alimentar normalmente o irmão, mas
a certa altura a criança começou a ter
“medo” de comer à frente de Marta, por
temer ser repreendido, e era o primeiro a
recusar a comida. “Foi quem mais sofreu
no meio disto tudo.”
Foi só perto de fazer 18 anos que Marta
reconheceu que estava doente e come-
çou a ser acompanhada no Hospital de
S. João. “Fui eu que pedi um irmão aos
meus pais. Não seria justo ele ver-me
morrer.” A jovem está prestes a ter alta
clínica. “Os pensamentos sobre comida
vão estar sempre comigo, mas sei que vou
ter força para não voltar àquele buraco
sem fundo.”
Embora seja rara e esteja associada a
uma taxa de mortalidade baixa, a ano-
rexia é a doença psiquiátrica que mais
“Joana” (foto à esq.) alimenta-se
melhor desde que está na
residência e está mais estável.
Marta Carvalho (foto à direita,
em cima) já recuperou o peso
que tinha perdido e João Cunha
(foto à direita, em baixo)
acredita que vai ficar curado
mata. “O impacto a nível orgânico é de-
vastador”, diz a pedopsiquiatra Margari-
da Marques. “O coração bate a 30 ou a 40
e, a certa altura, já nem o cérebro funci-
ona, porque está tão desnutrido quanto
o resto do corpo.” Nas raparigas há uma
diminuição da produção de estrogénio e
nos rapazes são os níveis de testosterona
que baixam.
O LADO MASCULINO
João Cunha, farmacêutico, de 33 anos,
teve de tirar um terço do pulmão: um
fungo alojou-se no órgão e o organismo
debilitado não conseguiu reagir. Come-
çou a fazer as primeiras restrições ali-
mentares aos 16 anos, era então jogador
federado de hóquei. Quando a situação
se agravou, a mãe insistiu para que fosse
a um médico e foi-lhe diagnosticada a
doença, mas em pouco tempo a alimen-
tação tornou-se “relativamente normal”.
O problema parecia ter ficado resolvido,
mas quando terminou o curso superior
“O CORAÇÃO BATE
A 30 OU A 40 E O
CÉREBRO NÃO
FUNCIONA, PORQUE
TAMBÉM ESTÁ
DESNUTRIDO”,
EXPLICA A MÉDICA
MARGARIDA MARQUES
os sintomas voltaram. Comia quase todos
os dias o mesmo: sopa, atum enlatado,
salada embalada e fruta.
O exercício físico ganhou uma função
utilitária, servindo como uma purga,
primeiro contra deslizes mínimos e de-
pois contra quase qualquer alimento.
Treinava diariamente três horas. Lem-
bra-se de sair do trabalho, conduzir até
ao ginásio para uma aula de cycling e
não ter força para se levantar do banco
do carro. Mas ia na mesma. Em casa, pe-
dalava na bicicleta estática que instalou
no terraço, debaixo de uma zona cober-
ta, protegida da chuva e do vento, mas
não do frio. Ainda hoje a usa, tal como a
bicicleta de exterior que também guarda
em casa e que usa para treinar e deslo-
car-se na cidade.
A proporção de rapazes com anorexia
é de um por cada 10 raparigas. A doença
neles é em alguns aspetos diferente. “Os
estudos apontam para uma menor pres-
são na alimentação e na magreza, mas
parece existir maior preocupação com
a massa muscular e capacidades des-
portivas”, explica Sertório Timóteo, psi-
quiatra no Hospital de S. João. Também
há mais dificuldades em reconhecer a
doença e pedir ajuda, porque a anorexia
ainda é vista como uma “doença das
meninas que querem ser manequins”,
acrescenta Patrícia Nunes, coordena-
dora da Residência Elysio de Moura.
Significa isto que pode haver mais casos
de anorexia em rapazes do que revelam
as estatísticas.
A doença também afetou a relação
de João Cunha com a namorada. Sepa-
raram-se no ano passado, ao fim de 14
anos juntos. Os planos a dois eram raros,
porque João estava demasiado cansado
para sair ou preferia ir treinar. “Tudo
isto acaba por cansar. Ela ajudou-me
imenso ao longo deste tempo, mas pre-
cisava de ser feliz. E a doença estava a
comprometer essa felicidade.” Com o
fim da relação, João passou a encarar o
tratamento como uma urgência. Já tinha
perdido demasiado.
hrbento@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 21
Redes
sociais
potenciam
doença
A atual “obsessão com
a alimentação saudável”
pode ser fatal para pessoas
vulneráveis. Especialistas
alertam para desafios
perigosos no TikTok
A anorexia “não é uma doença
da moda”, mas existe uma “ob-
sessão com a alimentação saudá-
vel” que, em pessoas vulneráveis,
pode resultar em doença, consi-
dera Isabel do Carmo, endocrino-
logista e professora na Faculdade
de Medicina da Universidade de
Lisboa. O fenómeno é visível
sobretudo em raparigas, “mas
também os rapazes começam a
ser atingidos”, e traduz-se numa
maior adesão a “modas alimen-
tares”, como “o vegetarianismo,
o jejum intermitente e a classifi-
cação dos alimentos como sau-
dáveis e não saudáveis com base
em desinformação que circula
em revistas e nas redes sociais”.
No TikTok é frequente a partilha
de desafios, como perder peso,
beber muita água ou não comer
proteína animal ou doces, alerta
Patrícia Almeida Nunes, que é
coordenadora do Serviço de Die-
tética e Nutrição do Hospital de
Santa Maria e trata jovens cuja
anorexia foi estimulada por estas
práticas. “Estamos a construir
um modo de vida que é muito
favorável ao aparecimento des-
ta doença”, resume Margarida
“São jovens com
dificuldades em exprimir
e integrar emoções
como a tristeza e a
zanga”, diz Rita Palma
Marques, coordenadora da uni-
dade de pedopsiquiatria do Hos-
pital D. Estefânia. A imagem é
dominante hoje em dia e a ano-
rexia é, além de tudo o resto,
uma “sensibilidade à imagem
corporal”. Se não há outras pes-
soas a servir de espelho, estando
as relações sociais confinadas a
ecrãs, “acabamos por construir
uma imagem frágil e distorcida
de nós próprios”, diz.
Sertório Timóteo, psiquiatra
no Hospital de S. João, no Por-
to, acrescenta a existência de
“preconceitos relacionados com
o estigma da obesidade” à lis-
ta de fatores que podem levar
à doença.
As situações de anorexia são
mais frequentes em famílias com
rendimentos elevados ou em que
algum dos elementos tem doença
mental, obesidade ou se preocu-
pa excessivamente com a forma
física e as dietas. São aconteci-
mentos específicos que muitas
vezes desencadeiam a doença,
como grandes mudanças na vida
e rotinas ou a doença ou morte
de um familiar. “São jovens com
dificuldades em exprimir e in-
tegrar emoções como a tristeza
e a zanga”, explica Rita Palma,
psicomotricista na Estefânia.
Para Margarida Marques, a
anorexia é “um refúgio para uma
série de circunstâncias mal resol-
vidas”, como a saída do mundo
familiar e a entrada na adolescên-
cia — trajeto que, nestes doentes,
está “profundamente alterado”.
“Embatem na adolescência, nas
mudanças rápidas que ocorrem
no corpo e que os deixam expos-
tos ao olhar, à crítica e à interação
com os outros, e não conseguem
avançar”, diz, acrescentando
que as raparigas entram cada
vez mais cedo na puberdade, o
que também poderá influenciar
o aparecimento da doença.
22 PRIMEIRO CADERNO
GUARDA Das ovelhas bordaleiras ao burel, com escala
no lavadouro de lãs, a história da luta por preservar
uma raça autóctone, um modo de vida e uma indústria
Da ovelha ao
burel, um tecer de
histórias de amor
Textos Marina Almeida
A
Fotos Ana Baião
s ovelhas bordalei-
ras têm uns olhos
enormes castanho-
-claro-amarelados,
uma expressão
doce e curiosa. Do
alto da cabeça de
machos e fêmeas
saem os cornos,
como se fossem grandes tiles retorci-
dos. As patas são finas, especialmente
se vistas por esta altura, em que trans-
portam enormes almofadas — uns três
quilos de lã. A bordaleira, raça autóc-
tone de ovelhas da serra da Estrela,
sustento de famílias inteiras, tilinta
nos pastos há milhares de anos. Com
elas, os inseparáveis pastores. Ter um
rebanho é profissão a tempo inteiro,
sem folga, muito menos férias.
“O meu pai nem à escola me dei-
xou ir. Comecei a guardar ovelhas aos
sete anos. E digo para o meu neto,
de 14 anos, ‘eu, com a tua idade, já
trabalhava tanto!’. Ele nunca fez nada
na vida, tem 14 anos e é só comer e
beber e passear e jogar à bola. E estu-
dar, pronto.” Manuel Neves, 75 anos,
conta a história. A casa onde mora na
aldeia da Corujeira é a mesma onde
viveu com os pais, mas a cozinha já
não tem vestígios da vida de pobreza.
É dominada por uma grande mesa
de pedra, que gosta de ver cheia, de
comida e de gente, e onde serve um
café antes de irmos até à corte onde
estão as 130 bordaleiras. “Esta é a
história d’‘A Lã e a Neve’ [romance de
Ferreira de Castro]”, diz Miguel Rai-
nha. É ele quem organiza as tosquias
e recolhe a lã para a Burel, em Man-
teigas, apalavradas para maio. O burel
está na moda e a lã que há meia dúzia
de anos valia 35 cêntimos o quilo, está
agora a €1,20 ou mais, dependendo da
qualidade. “Isso foi um trabalho que
a Burel fez, valorizou a lã, o trabalho
dos agricultores, e preserva as raças
autóctones.” Tal como Miguel, que
é programador artístico e deu por si
neste mundo depois de um projeto
para salvar o tradicional cobertor de
papa na aldeia de Maçainhas.
No alto da Estrela, em Casais de Fol-
gosinho, Ana Teresa Matos e André
Marques cuidam do rebanho de 20
bordaleiras e querem transformar
o seu terreno de 100 hectares numa
paisagem biodiversa. O fogo do verão
poupou-lhes a casa e as ovelhas, mas
reduziu a cinzas a terra. Voltaram a
arregaçar as mangas. Têm 31 anos e
estão há quatro naquele fim de mun-
do, entre montanhas e céu. Conhece-
ram-se na faculdade, em Lisboa, atra-
vés de amigos comuns, ela estudava
Biologia, ele Arqueologia. “Comecei
a interessar-me sobre como podia ha-
ver uma existência harmoniosa entre
pessoas e natureza através de técnicas
inovadoras com base na ciência, mas
também em processos ancestrais”, diz
a novel pastora. Desde miúda que ia
com os pais, também biólogos, para
a serra da Estrela estudar a lagar-
tixa-da-montanha. “Começámos a
imaginar como podia ser o interior do
país de uma maneira diferente, mais
sustentável.” Isso levou-a a nova licen-
ciatura, em Engenharia Florestal, na
Universidade de Trás-os-Montes, e a
fazer a Escola de Pastores e a Escola
de Queijeiros, em Viseu.
As almofadas de lã destes novos pas-
tores também vão para a fábrica. Com
escala “na Tavares”.
Metade da lã vai para o lixo
Começou no início do século na fre-
guesia de Trinta, junto ao Mondego,
pelas mãos do bisavô de Pedro Tava-
res. A têxtil Manuel Rodrigues Tava-
res, conhecida como Lavadouro, tem
hoje 70 funcionários, longe dos 450
que empregava nos tempos áureos da
lã na serra da Estrela. Os tempos em
que nos Trinta, uma pequena aldeia,
havia sete fábricas, todas da mesma
família, propriedade de vários pri-
mos. Uma rivalidade familiar que fez
desenvolver a indústria têxtil junto ao
Mondego, que lhe corre no vale — foi a
primeira aldeia do distrito da Guarda
a ter luz elétrica.
A Lavadouro resistiu e tem novas
instalações na zona industrial da
Guarda, de onde saem seis milhões
de quilos de lã lavada (da qual só 20% é
portuguesa), mais de 90% destinados
a exportação. Um gigantesco arma-
zém está repleto de fardos de lã para
tratar. Uma pequena parte é nacional,
e, dessa, uma ainda menor será burel,
que é um nicho de mercado.
Com o primo Manuel, Pedro Tava-
res gere a empresa familiar. Lutam
para revitalizar a lã, especialmente a
portuguesa, numa luta desigual. “É
um problema mundial, a lã entrou
em desuso. O preço começou a contar
mais do que a qualidade, e foram-na
substituindo por poliéster. E a lã nem
sequer é cara. Pode ir de €3 a €20 o
quilo, depende da qualidade. A nossa
lã [portuguesa] pode ir até aos €6.”
Pedro Tavares diz que metade da lã
portuguesa vai para o lixo. Isto por-
que de cada velo [a lã de um animal
depois de tosquiada] metade não se
aproveita, por ser de pior qualidade ou
devido à sujidade, e também porque
a lã churra de Trás-os-Montes, que é
mais grosseira, entrou em desuso com
a falência da indústria dos tapetes.
A escolha dos velos é feita manual-
mente por mulheres, as apartadeiras.
Só depois dessa seleção são colocados
num enorme lavadouro. Saem de lá
“SÓ VAMOS CONSEGUIR
FAZER TRÊS POR DIA,
É ARTE. DEPOIS, NÃO
SE PODE VENDER
A UM PREÇO NORMAL,
COMO É OBVIO”
Expresso, 31 de março de 2023
irreconhecíveis. No caso da lã clara, é
como se fosse uma lustrosa cabeleira
de cãs.
Uma orquestra de teares
Aninhada em Manteigas está a Burel
Factory. Ocupa as instalações da Sota-
ve, o grande empregador da vila serra-
na que faliu em 2005. Em 2011 seria
a vez de a Lanifícios Império fechar
as portas. Mas dessa vez só parou um
mês. Isabel Costa e o marido, João To-
más, contrataram os 10 funcionários
para pôr em marcha uma encomen-
da de burel para decoração da nova
sede da Microsoft em Portugal. Foi o
princípio da nova vida do tecido de lã
grosseiro usado por pastores.
Empresários de topo — ela engenhei-
ra, administradora da Sonae, gigante
alimentar onde estava há duas déca-
das, ele jurista, direttor-central do Mil-
lenium BCP —, dedicam-se a dar vida
ao património. João é apaixonado por
montanhas e vinha manifestando von-
tade de mudar de vida. Começaram
pelos hotéis, antes de se dedicarem à
industrial têxtil. Em 11 anos, primeiro
João, depois Isabel, deixaram as suas
grandes empresas e tornaram-se em-
presários na serra da Estrela. A Burel
Factory foi crescendo. A fábrica-mu-
seu, como muitos lhe chamam, labora
com impressionantes máquinas de
quatro gerações, que vão do século
XIX ao XXI, que vieram de empresas
da região que se foram apagando. O in-
vestimento total ronda os €3 milhões.
“É a vida que nos leva a estarmos
abertos a ver as coisas de forma di-
ferente. É a paixão pelo património.
Isto não tem sido nada planeado, vai
ocorrendo”, diz Isabel, de 56 anos. A
mais recente aquisição é o material de
cardação e fiação do enorme Tear Por-
to, que José Luís, o diretor da fábrica,
está a recuperar. O tear vai tecer um
padrão dos anos 50 numa manta: “Só
vamos conseguir fazer três por dia,
é arte. Depois, não se pode vender a
um preço normal, como é obvio”, diz
a gestora. A Burel posicionou o tecido
dos pastores num segmento médio-
-alto do mercado.
À arquitetura, importante segmento
de negócio, juntou-se no início des-
te ano a roupa, e na fábrica-museu
de Manteigas já se trabalha na nova
coleção. O ritmo é dado por uma or-
questra de teares. Ali trabalham 40
pessoas, antigos funcionários têxteis
(e alguns novos, que estão a receber
formação, travando ou revertendo a
saída para o litoral ou do país). Há vá-
rios elementos das mesmas famílias,
a maior parte é de Manteigas, outros
de Valhelhas. Mulheres e homens,
profundos conhecedores de todo o
processo, trabalham com um sorriso
nos lábios.
Já nos despedíamos da azáfama da
lã quando alguém chama a atenção
para os painéis de píxeis em burel.
“Aponte a câmara que se vê melhor.” A escolha das lãs no Lavadouro da Guarda, que recebe
Apontamos. É uma bordaleira da ser- lã das ovelhas bordaleiras de vários pastores, como Ana Teresa,
ra da Estrela feita de pedaços de burel antes de seguir para a fábrica que a transforma em burel.
colorido. Alcina faz queijo da serra há décadas segundo o método
malmeida@expresso.impresa.pt tradicional artesanal. Em baixo, imagem do incêndio na Serra
Expresso, 31 de março de 2023
ROADSHOW No âmbito dos 50 anos do
Expresso, andamos pelos distritos do
continente. Esta semana é dedicada à Guarda.
Daqui a 15 dias escreveremos sobre Bragança
As mãos
que fazem
o queijo
da serra
De outubro a maio
decorre a campanha
de 2023. O queijo
da serra exige
cuidados dedicados
Alcina Correia tem 51 anos e
não sabe o que são férias. Fala
com as mãos dentro de uma
enorme panela, mexendo a
coalhada — leite, sal e cardo —
em gestos suaves. A conversa
demora-se perto de uma hora,
o tempo de fazer três queijos
da serra, e mais um tanto para
ferver o soro, fazer seis requei-
jões, e depois deixar tudo limpo
e arrumado. É assim todos os
dias, de manhã e à noite.
Em Videmonte, uma aldeia
do distrito da Guarda, Alcina e
o marido, António, de 57 anos,
são os mais jovens pastores,
preservando um modo de vida
em extinção. Os jovens não
querem esta vida. Alcina e An-
tónio eram filhos de pastores e
pastores se tornaram. Têm um
rebanho de 200 ovelhas que
são ordenhadas, de forma ma-
nual, de manhã e à noite. E a
seguir, Alcina faz o queijo. To-
dos os dias, de outubro a maio,
que é quanto dura cada cam-
panha. Não gosta de guardar
o leite, e acredita que isso faz
a diferença no queijo. Como
também fará o facto de os lavar
e de os virar todos os dias, até
serem vendidos. Estes estarão
prontos, amanteigados, daqui
a mês e meio, estima. Vende-
-os todos à porta (€16 a €20
o quilo).
COM O APOIO:
Alcina optou por não certifi-
car o seu queijo da serra como
DOP (Denominação de Origem
Protegida) por causa dos custos
e da burocracia. Considera que
o DOP não dignifica os produ-
tores, serve é os revendedores.
“Mas o meu queijo é mais DOP
que os outros DOP!” assegura.
O pastor e queijeiro Filipe Sa-
raiva teve outra ideia. Natural de
Manteigas, é engenheiro agró-
nomo e com a mulher, Helena,
mestranda em educação, gere
um negócio de queijo da serra
com dupla certificação (DOP e
bio), de turismo e de educação
ambiental no Vale do Bejames.
Começaram o rebanho em 2018,
a queijaria foi licenciada um ano
depois. O DOP foi atribuído em
2021 e a conversão para o bioló-
gico terminou em finais de 2022.
Quiseram certificar como
DOP por causa da preservação
da raça de ovelha bordaleira.
Atualmente com 70 ovelhas (57
adultas e as restantes borregas
nascidas em 2022 que estão a
criar), Filipe é o único produ-
tor no concelho de Manteigas.
“Lembro-me em miúdo de ver
enormes rebanhos a atravessar
a serra. O conceito de negócio
era completamente diferente
do que é hoje, eram empresas
familiares não havia a obriga-
ção que há de contabilidade,
segurança social, etc. Antiga-
mente os casais tinham muitos
filhos e era quase mão de obra
gratuita que tinham em casa.”
Filipe e Helena diversificaram
o negócio. “Não se pode viver só
das ovelhas, nem dos subsídi-
os, nem do leite, nem do queijo.
Face às despesas que temos é
impossível. Temos uma sala de
visitas que permite que os turis-
tas vejam a ordenha e o fabrico
do queijo e tosquias.” Trabalham
com os hotéis da região nesta
dinâmica, e também na educa-
ção ambiental, campos de férias
para jovens. Em maio, querem
trazer visitantes às tosquias.
A aldeia
não
esquece
Eduardo
Lourenço
Figura maior do
pensamento português,
nasceu há cem anos em
São Pedro do Rio Seco,
no concelho de Almeida
Eduardo Lourenço, figura
maior do pensamento por-
tuguês e ibérico, nasceu há
cem anos em São Pedro do
Rio Seco. A aldeia que já foi
espanhola quer aproveitar a
voz do filósofo para quebrar
a desertificação e o envelhe-
cimento com a criação de um
centro de interpretação.
Labirinto de casas implan-
tadas num planalto que a
primavera pintou de verde e
amarelo, com o nome de Edu-
ardo Lourenço em inúmeras
placas, assim é a aldeia onde o
ensaísta “acabou de escrever
‘O Labirinto da Saudade’”,
conta Alcino Fernandes. Este
amigo do pensador relembra
que ele ia pela aldeia na “com-
panhia de Vergílio Ferreira”.
Era de Alcino a casa onde
Lourenço se instalava e era
com ele que “passeava, indo
ao Calvário, ao Ribeiro e ao
Bairro Vermelho, onde tinha
barbeiro”. O barbeiro era
“um espanhol chamado Ber-
nardo que fugiu da Guerra Ci-
vil de Espanha com a ajuda de
Eduardo Lourenço e de quem
ficou amigo”. O bairro “era
vermelho porque lá residiam
oposicionistas ao regime”.
Foi nestes horizontes que
nasceu o iberismo de Eduar-
do Lourenço, a terra foi espa-
nhola até 1297 e só com o Tra-
tado de Alcanizes integrou o
reino de Portugal. Aldeia feita
“navio encalhado na meseta
hispânica”, como Eduardo
Lourenço se referiu a São
Pedro de Rio Seco. O pensa-
mento ibérico de Eduardo
Lourenço deriva “dessa re-
lação próxima com Espanha,
uma conjugação de políticas
sem esbater os domínios de
fronteira”, prossegue Alcino.
Foi também ali que Eduar-
do Lourenço pensou na
“criação de um instituto da
civilização ibérica”, adianta
Alcino. A ideia seria apro-
veitada pela Guarda, para
onde Eduardo Lourenço foi
estudar com dez anos. “Foi
a primeira vez que levaram
a sério uma ideia minha”,
contou a Rui Isidro, então
jornalista na Rádio Altitude
que fez duas longas entre-
vistas a Eduardo Lourenço.
Em 1999 nasceu o Centro
de Estudos Ibéricos, “o que
não invalida que São Pedro
do Rio Seco ambicione um
centro de interpretação,
que reúna correspondência,
manuscritos e ensaios, docu-
mentação que conservamos”,
sustenta Alcino Fernandes.
Tiago Lima, professor
na Universidade de Évora
e investigador da obra de
Eduardo Lourenço, susten-
ta que “Portugal ainda não
compreendeu o essencial do
seu pensamento”.
Eduardo Lourenço nasceu
a 23 de maio de 1923, em
São Pedro de Rio Seco, Al-
meida, e morreu no dia 1 de
dezembro de 2020, em Lis-
boa. Será na aldeia raiana,
onde viveu “horas datadas
de há muitos séculos”, que
começarão as celebrações,
com uma homenagem e um
congresso do centenário
Amadeu Araújo
sociedade@expresso.impresa.pt.
PRIMEIRO CADERNO 23
Serra
da Estrela
ainda
por
reflorestar
Seis meses depois
do grande incêndio
que consumiu 26 mil
hectares está quase
tudo por fazer
Voluntários de todos os
pontos do país, associações
e escolas são os únicos em-
penhados em reflorestar a
serra da Estrela, depois do
grande incêndio do verão
que queimou 26 mil hectares
de florestas e matos. O Insti-
tuto da Conservação da Na-
tureza e Florestas, que tem
a tutela do Parque Natural
da Serra da Estrela, aguarda
pela regeneração natural e
seis meses depois estabiliza-
ção de solos e reparação de
caminhos pouco avançaram.
A serra continua árida, sem
árvores e pastos.
As ações têm sido dificul-
tadas pela falta do “material
lenhoso, que era necessário
para evitar a erosão dos so-
los e foi retirado das encos-
tas”, denúncia José Maria,
presidente da Associação de
Amigos da Serra da Estrela.
A reflorestação tem estado a
ser feita com técnicas “dife-
rentes”, adianta José Maria.
Com o uso de “substrato
para compensar a ausência
de solos, a abertura de co-
vas fundas para plantar em
torrão, com rega periódica”,
explica aquele responsável.
Foram 15 dias de incên-
dio que queimaram toda a
serra da Estrela, património
mundial da UNESCO, que
classificou a Estrela como
geoparque. Voluntários, me-
cenas e juntas de freguesia já
plantaram 8360 árvores. No
Curral do Negro foi seme-
ado centeio e os sobrantes
do fogo foram usados para
construir barreiras naturais
que travam o arrastamen-
to de solos. O Instituto de
Conservação da Natureza e
Florestas (ICNF) revela que
está a “avaliar a resposta da
regeneração natural, a for-
ma preferencial para recu-
peração da vegetação”.
José Maria crítica esta
opção que classifica como
“diminuta” e acusa o ICNF
de “ter bloqueado as ações
de reflorestação, nem dis-
tribuiu árvores e apenas se
preocupou com a área do
Parque Natural”. O ICNF
adianta que mobilizou
“€8,86 milhões para execu-
tar um conjunto de impor-
tantes ações de recuperação
e estabilização”.
Joana Viveiro, do Movi-
mento Estrela Viva, assu-
me que serão precisos “dez
anos” para que a serra “recu-
pere do incêndio”. A dirigen-
te reconhece que tem havido
algum trabalho feito pelos
municípios, “sementeiras
para criar pastos”. Mas Joa-
na Viveiro reclama “suporte
financeiro para concretizar
um plano de recuperação
para a serra da Estrela”.
O Governo, que anunciou
um Programa de Revitali-
zação do Parque Natural da
Serra da Estrela, promete
intervir após junho de 2023.
Deste plano nada é conhe-
cido e à serra da Estrela
apenas chegaram parte dos
€200 milhões mobilizados
para minimizar os danos
causados pelos incêndios
rurais do último verão em
todo o país. A.A.
24 PRIMEIRO CADERNO
B OA CAMA B OA MESA 2023
Emoção e surpresa na cerimónia
de entrega de prémios
Guia “Boa Cama Boa Mesa” distingue os melhores hotéis e restaurantes
Textos Paulo Brilhante
Fotos José Fernandes
Em dia de celebração de 20
anos de publicação ininter-
rupta, o guia “Boa Cama Boa
Mesa” anunciou os grandes
vencedores dos prémios re-
lativos a 2023. Realizada,
terça-feira, dia 28, no Edi-
fício Impresa, em Paço de
Arcos, a habitual cerimónia
atribuiu 30 distinções (Chave
de Platina, Ouro e Prata) a
alojamentos e 32 distinções
(Garfo de Platina, Ouro e
Prata) a restaurantes.
Foi com emoção que a che-
fe e empresária Justa Nobre
subiu ao palco para receber
o Prémio Carreira entregue
por Francisco Pinto Balse-
mão, chairman do Grupo
Impresa, e de Nuno Fazen-
da, secretário de Estado do
Turismo, Comércio e Servi-
ços. Com algumas lágrimas
nos olhos e a voz embargada,
a distinguida, que fez ques-
tão de estar acompanhada
pelo marido, José Nobre,
recordou alguns momentos
— bons e maus — de uma
carreira de 45 anos — a cele-
brar em agosto — dedicados
à cozinha e à gastronomia
portuguesa. “É a distinção
mais importante da minha
vida e um prémio que devo
à minha família e aos meus
clientes que me acarinham
desde o primeiro dia”, con-
fessou Justa Nobre.
Com apenas 35 anos, Vas-
co Coelho Santos, também
distinguido com um Garfo
de Ouro, relativo ao restau-
rante Euskalduna Studio,
foi premiado como Chefe
do Ano 2023, uma distin-
ção que conta com o apoio
do Recheio. Entre os fina-
listas estavam ainda Hen-
rique Sá Pessoa (vencedor
no último ano e Garfo de
Ouro, com o restaurante
Alma), José Avillez (Garfo
de Platina, com o restau-
rante Belcanto) e Marlene
Vieira (vencedora na cate-
goria Revelação Boa Mesa
2023). Perante este lote de
candidatos, o jovem chefe
portuense não escondeu a
surpresa pela vitória, que
considerou “um reconhe-
cimento depois de um ano
de 2022 muito bom e, ao
mesmo tempo, uma grande
responsabilidade para mim
e para as minhas equipas”.
Apesar da idade, Vasco
Coelho Santos lidera um
projeto com quatro restau-
rantes e dois negócios de
rua, uma peixaria e uma
padaria. “Manter o foco”
e “ter muita precaução”
são os conselhos que deixa
aos jovens cozinheiros que,
como ele, queiram aventu-
rar-se em nome próprio.
‘‘Mérito 20 Anos’’
Para assinalar duas décadas
de publicação ininterrupta,
o guia “Boa Cama Boa Mesa”
atribuiu uma distinção espe-
cial “Mérito 20 Anos”, aos
19 alojamentos e 18 restau-
rantes presentes em todas
as edições desde 2003. Os
representantes destes pro-
jetos participaram, antes da
cerimónia, num debate que
discutiu o presente e futu-
ro do turismo em Portugal.
“Ao longo de 20 anos, temos
BOA CAMA
Chave de Platina
^ Herdade da Malhadinha
Nova
^ Ritz Four Seasons Hotel
Lisboa
^ Six Senses Douro Valley
^ The Yeatman
^ Vila Vita Parc
Chave de Ouro
^ Areias do Seixo
^ Casas do Côro
^ Quinta da Comporta
^ Rio do Prado
^ São Lourenço do Barrocal
^ Savoy Palace
^ Sublime Comporta
^ Torre de Palma Wine
Hotel
^ Vidago Palace
Chave de Prata
^ Bairro Alto Hotel
^ Carmo’s Boutique Hotel
^ Casa de São Lourenço
^ Conrad Algarve
^ EPIC SANA Algarve
^ Herdade do Sobroso
^ Les Suites at The Cliff Bay
^ Luz Houses
^ Monverde Wine
Experience Hotel
^ Octant Hotels Douro
^ Penha Longa Resort
^ Quinta Nova de Nossa
Senhora do Carmo –
Winery House
^ Santa Bárbara Eco Beach
Resort
^ Terra Nostra Garden
Hotel
^ Ventozelo Hotel & Quinta
^ Vinha Boutique Hotel
Revelação
^ W Algarve
reconhecido a excelência e
qualidade do alojamento e
da restauração acompanhan-
do a evolução da oferta, que
muito mudou desde 2003.
Mas, tal como na primeira
edição, o objetivo mantém-
-se: tentar dar a conhecer o
que de melhor há em Portu-
gal”, referiu Francisco Pinto
Balsemão.
CERIMÓNIA A chefe e empresária Justa Nobre,
acompanhada pelo marido, José Nobre, subiu ao
palco para receber o Prémio Carreira entregue
por Francisco Pinto Balsemão, chairman do
Grupo Impresa, e por Nuno Fazenda, secretário
de Estado do Turismo, Comércio e Serviços
(foto de cima). Antes de ser consagrado como
Chefe do Ano 2023, Vasco Coelho Santos, com
apenas 35 anos, recebeu de Ricardo Costa,
diretor-geral de informação do Grupo Impresa,
um Garfo de Ouro (foto ao centro). José Avillez,
vencedor de um Garfo de Platina, à conversa
antes da cerimónia (foto de baixo).
Durante a cerimónia foram
ainda premiados o hotel e o
restaurante Revelação 2023,
respetivamente W Algarve,
em Albufeira, e Marlene, em
Lisboa, e apresentada a quinta
edição do Prémio Nacional de
Turismo, uma iniciativa do Ex-
presso e do BPI. As candidatu-
ras decorrem até 31 de maio.
pbrilhante@impresa.pt
Expresso, 31 de março de 2023
O FUTURO
DO FUTURO
Um oceano
em África
Enquanto na Etiópia há
sinais de um novo oceano,
cá detetou-se uma
sobreposição que poderá
contribuir para o
encerramento do Atlântico
Qualquer habitante de Gaia dirá
que o monte da Virgem nunca saiu
do lugar, mas entre 1999 e 2020
um dos dispositivos de localização
por satélite da Direção-Geral do
Território registou uma desloca-
ção de meio metro para nordeste.
Os mapas não refletem a desloca-
ção, e não é forçoso que alguma
vez o façam. “Num levantamento
topográfico, usamos coordenadas
que dizem respeito apenas à placa
tectónica em que nos encontra-
mos”, explica José Gonçalves, pro-
fessor da Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto (FCUP).
O monte da Virgem não se
mexe face à placa euro-asiática,
mas a placa euro-asiática mexe-
-se face ao mundo. E por isso Cor-
vo e Flores, que se encontram na
placa americana, ou a Madeira,
que está numa das placas africa-
nas, apresentam dados diferentes
dos localizadores do continente.
Tendo em conta que nem todas
as placas seguem na mesma di-
reção, os movimentos são esti-
mados com o sistema ITRF, por
comparação com astros e corpos
celestes, explica José Gonçalves.
Na região de Afar, na Etiópia, a
deslocação das placas já abriu
fraturas no solo. Os geólogos di-
BOA MESA zem ser o início de um oceano
resultante do afastamento da
placa Núbia face à placa Somali.
Garfo de Platina Resultado: Moçambique pode
^ Belcanto ser retalhada e Quénia e Tanzâ-
^ Fifty Seconds nia afastam-se do continente,
by Martín Berasategui enquanto Uganda e Zâmbia pas-
^ Ocean sam a ter costa — mas não vale
^ The Yeatman a pena procurar já lugares com
vista para o mar. “Admito que
Garfo de Ouro Atlântico e Pacífico possam vir a
^ A Cozinha por fechar, com a abertura do novo
António Loureiro oceano entre placas africanas,
^ Alma que pode fraturar também a pla-
^ Casa de Chá ca euro-asiática”, descreve João
da Boa Nova Duarte, professor da Faculdade
^ Euskalduna Studio de Ciências da Universidade de
^ Fortaleza Lisboa (FCUL). “Dentro de 10
do Guincho ou 20 milhões de anos já haverá
^ G Pousada novo oceano.”
^ Il Gallo d’Oro A crosta terrestre mais não é do
^ LOCO que material outrora fundido que
^ Mesa de Lemos arrefeceu com a exposição aos
^ Rei dos Leitões elementos. Com o arrefecimento,
^ Vila Joya as placas que constituem a crosta
^ Vistas Rui Silvestre ganham densidade e afundam no
manto terrestre, que está por bai-
Garfo de Prata xo. O afundamento gera vulcões
^ AL SUD e produz movimentos noutras
^ Antiqvvm placas, como num jogo de mica-
^ Ferrugem do, compara João Duarte.
^ JNcQUOI Avenida Consoante as direções, os mo-
^ Kanazawa vimentos tanto podem ser con-
^ LAB By Sergi Arola vergentes e levar à sobreposi-
^ Le Monument ção de placas e gradual “fecho”
^ Marisco na Praça de oceanos, como gerar atrito
^ Ò Balcão sem colisão ou levar a um afas-
^ Pedro Lemos tamento, como o que vai abrir
^ Pequeno Mundo um oceano em África. Qualquer
^ Prado dos movimentos assusta — em
^ Restaurante especial a sobreposição de pla-
Herdade do Esporão cas, que gera sismos mais po-
^ Restaurante derosos. O terramoto de 1755
Noélia & Jerónimo serviu de premonição, mas na
^ Solar dos Presuntos FCUL há evidências que revelam
^ Vista Restaurante uma tendência de sobreposição
que resulta do afundamento da
Revelação placa oceânica face à Penínsu-
^ Marlene, la Ibérica. João Duarte recorda
que o movimento das placas é
essencial ao ciclo da água potável
NAS BANCAS e já serve de critério na seleção
O guia “Boa Cama Boa de planetas habitáveis. “Não são
Mesa” 2023 já está à os sismos que matam pessoas,
venda, por €18,90. mas sim as casas que desabam”,
Esta edição especial garante. Nem todos os mantos
apresenta cerca de mil são protetores.
sugestões de restaurantes Hugo Séneca
e alojamentos, incluindo sociedade@expresso.impresa.pt
muitas novidades, e pode
também ser adquirida
em expresso.pt/bcbm
Expresso, 31 de março de 2023 PRIMEIRO CADERNO 25
 26 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL ISRAEL
Protestos “Encurralado” pela coligação com extremistas, Netanyahu trava reforma judicial
Um Estado em luta
pela sua identidade
M
Tiago Soares
udei de ideias so-
“ bre os protestos:
achava que não
iam resultar, ago-
ra acho”, começa
por dizer ao Ex-
presso o portu-
guês e israelita
David Rash Pina,
que se mudou há seis anos para Tela-
vive, considerada a cidade mais liberal
de Israel. Ali, a reforma judicial pro-
posta pelo Governo no início do ano
já motivou 122 protestos só em 2023,
o maior número de qualquer cidade
israelita (em Jerusalém, foram 38). É
difícil não ir às manifestações, diz Da-
vid. “Tenho amigos que estão sempre
lá. Se quero estar com eles, tenho de
ir. Há funcionários das tecnológicas,
reformados, professores, artistas... a
cidade toda”, relata este homem de
39 anos, copywriter numa empresa
de tecnologia.
A proposta do Executivo — coliga-
ção entre o Likud (direita) de Benja-
min Netanyahu e partidos xenófobos e
ultraortodoxos — prevê que o Knesset
(Parlamento) possa nomear os juízes
do Supremo Tribunal, único contrape-
so ao poder executivo num país sem
Constituição. “É uma reforma selva-
gem que ameaça a democracia, e o
Governo subvalorizou a reação das
pessoas. Há nas ruas sectores da popu-
lação que nunca foram ativos politica-
mente”, diz ao Expresso o politólogo
Guy Ben-Porat, da Universidade de
Ben-Gurion do Neguev. Esta semana,
Netanyahu adiou a votação da refor-
ma judicial no Knesset, em busca de
consenso. Os trabalhos parlamentares
estão em pausa pascal, e regressam
em maio.
Antes de recuar, o primeiro-minis-
tro demitiu Yoav Galant, ministro da
Defesa e dirigente do Likud, que cri-
ticara a reforma judicial e pedira um
compromisso. Galant diz não ter sido
informado oficialmente da demissão:
continua a trabalhar e haverá movi-
mentações na coligação para conven-
cer Netanyahu a mantê-lo no cargo.
O primeiro-ministro culpou uma
“minoria de extremistas dispostos
a despedaçar o país”. Em fevereiro,
mais de 18% da população partici-
param em “um ou mais protestos”
contra a reforma judicial, indica uma
sondagem do Israel Democracy Insti-
tute (IDI). É uma subida de 5% desde
janeiro, sobretudo devido à participa-
ção crescente dos israelitas árabes,
mostra o estudo. Cerca de 60% do
eleitorado estão contra a medida.
O primeiro-ministro “quis ganhar
tempo”, resume ao Expresso o soció-
logo Uri Ram, que estuda a memória
coletiva israelita. As razões para re-
cuar eram muitas: a força das ruas,
os protestos das Forças Armadas, e
a pressão internacional que está a
chegar de Washington. O preço foi
alto: Itamar Ben-Gvir, líder do Otzma
Yehudit (partido do Poder Judeu, ex-
trema-direita xenófoba) e ministro da
Segurança Interna, exigiu a criação
de uma guarda nacional sob o seu co-
mando com cerca de 2000 membros,
numa altura em que a violência contra
palestinianos está a atingir números
recorde. Ben-Gvir não cumpriu o ser-
viço militar obrigatório.
Impacto na economia
O Otzma Yehudit junta-se ao Partido
Religioso Sionista (nacionalista e an-
tiárabe) e aos ultraortodoxos (Shas e
Judaísmo Unido da Torá) nas críticas
ao Supremo Tribunal, que acusam de
perseguir as comunidades judaicas
em decisões como a ocupação ilegal
do território palestiniano ou o serviço
militar obrigatório, que os ultraor-
todoxos, cerca de 13% da população
nacional, não querem cumprir. Nos úl-
timos anos, os parceiros de Netanyahu
têm na vitimização uma das suas ar-
mas políticas prediletas: esta semana,
o ministro das Finanças anulou um
imposto sobre bebidas açucaradas,
argumentando que visava as comuni-
dades ultraortodoxas. A Associação
de Médicos de Israel considerou a
decisão “irresponsável”.
Os efeitos da crise já se começaram
a sentir no sector tecnológico, motor
da economia israelita, que represen-
ta cerca de metade das exportações.
“Na minha empresa ainda ninguém se
despediu, mas sente-se esse clima. Já
há empresas que no momento da con-
tratação dizem ao funcionário para ir
à embaixada dos Estados Unidos pedir
o visto de residência”, conta David.
O risco de fuga de cérebros é real e
já está no debate público, corrobora
Ben-Porat. O investimento em star-
tups israelitas caiu mais de 45% no
ano passado e 72% nos primeiros me-
ses deste ano. Dezenas de tecnológicas
terão retirado o equivalente a €6500
milhões do país desde o início das
manifestações, estimou Eynat Guez,
israelita que é CEO da empresa de
pagamentos digitais Papaya Global, ao
jornal digital “Crunchbase”.
“‘Bibi’ está encurralado”
As opções são sinuosas. “Netanyahu
é imprevisível. Há dez anos, provavel-
mente chegaria a um compromisso.
Mas está enfraquecido e numa coliga-
ção problemática. Se não ceder, arris-
ca-se a que os protestos continuem.
Se ceder, o seu Governo pode ruir”,
explica Ben-Porat.
Tamir Pardo, ex-chefe da Mossad,
disse quarta-feira que Netanyahu de-
veria demitir-se, acrescentando que
seria assim em qualquer democracia
ocidental. O primeiro-ministro está a
ser julgado por corrupção e sabe que
ficará desprotegido se a reforma não
avançar e o Executivo cair. “‘Bibi’ está
encurralado. E nessa situação, nor-
malmente, provoca crises políticas”,
atira João Rebelo, fundador da Asso-
ciação Lusa Israel Portugal (ALBI) e
ex-deputado do CDS, que liderou o
grupo parlamenta rede amizade Por-
Bloqueio de estrada em
Telavive contra a reforma
judicial de Benjamin
Netanyahu FOTO AHMAD
GHARABLI/AFP/GETTY IMAGES
tugal-Israel. “É possível que avance
para a dissolução do Knesset.”
Se isso acontecer, serão as sétimas
legislativas desde 2019. O Governo
anterior unia centro-liberal, trabalhis-
tas e extrema-direita contra o Likud,
mas durou pouco mais de um ano.
“Odiar Netanyahu não é uma platafor-
ma política”, comenta Rash Pina, para
quem o primeiro-ministro foi o único
candidato que abordou temas como a
desigualdade social ou a recuperação
pandémica na campanha.
Há problemas para lá da justiça
“A classe média não tem representa-
ção política. E esse era um passo im-
portante para a democracia de Israel.
A atual liderança falhou. Precisamos
de uma nova”, garante Ben-Porat. Re-
belo aponta que “a abstenção é sem-
pre maior no eleitorado laico”, caso
contrário o Likud não teria ganho
as eleições. No mês passado, 72% do
eleitorado garantiam que as “tensões
entre os grupos da sociedade israelita”
tinham piorado com o atual Executi-
vo, mostra a sondagem do IDI. Quase
metade do país considera a situação
atual “muito má”.
“A reforma judicial não é o proble-
ma mais grave, isto já estava a fer-
mentar há muito tempo. A realidade
do país tornou-se binária”, sublinha
David, que vê nas ruas de Telavive
cada vez menos judeus ortodoxos (dai-
ti, religiosos que têm uma abordagem
menos restritiva à religião judaica,
mais integrados na sociedade).
O sociólogo Uri Ram considera que
o projeto original do país — Estado
secular e liberal — “está a aproximar-
-se de uma democracia falhada”. “Há
dois blocos políticos antagónicos que
lutam pelo controlo do Estado e da
sua identidade, e essa luta parece di-
rigir-se para um beco sem saída. Mas
decerto ainda não acabou”, vaticina.
Este ano, o Dia da Independência de
Israel celebra-se a 25 de abril.
tsoares@expresso.impresa.pt
Expresso, 31 de março de 2023
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
Tempestade
perfeita
I
srael vive uma das crises políti-
cas mais graves na sua história.
Domingo, Yoav Gallant, então
ministro da Defesa do Governo
de Benjamin Netanyahu, declarou que
a nova legislação sobre os tribunais
era “uma ameaça clara, imediata e
tangível” à segurança nacional. Neta-
nyahu demitiu-o horas depois.
No dia seguinte, em plena greve ge-
ral, o primeiro-ministro israelita adiou
a aprovação final dessa controversa
legislação, mas deixou um aviso: “Não
estou disposto a aceitar uma minoria
de extremistas disposta a rasgar o
nosso país em pedaços, empurrando-
-nos para a guerra civil e apelando à
objeção ao serviço no Exército, o que
constitui um crime terrível”.
As eleições legislativas de novem-
bro passado permitiram a Netanya-
hu regressar à liderança do Governo
de Israel. Todavia, tal só foi possível
graças a uma aliança com a direita
nacionalista e religiosa. Um dos pon-
tos de convergência dos partidos que
garantem uma pequena maioria par-
lamentar ao Executivo é o desejo de
aumentar o controlo sobre o poder
judicial e, em consequência, sobre o
Supremo Tribunal. Para Netanyahu
e os seus aliados, os tribunais estão
aliados com a esquerda secular e são
hostis em relação aos israelitas mais
religiosos, conservadores e a todos
os que vivem fora de Telavive e Haifa.
Ou seja, os tribunais fazem parte de
uma elite institucional que ignora os
interesses e os valores de uma parte
significativa do país.
O desejado controlo seria obtido
através da prerrogativa de o Governo
passar a indicar nomes para o Supre-
mo, bem como corrigir no parlamento
alguns dos seus acórdãos. Tal teria
vantagens adicionais: permitiria a Ne-
tanyahu continuar no poder e poderia
dificultar a sua condenação no pro-
cesso de corrupção em que é arguido,
garantiria aos judeus ortodoxos os
seus privilégios e daria oportunidade à
extrema-direita de concretizar os seus
sonhos sobre a Margem Ocidental do
Jordão (Cisjordânia).
A chamada “reforma” dos tribunais
está a ser rejeitada pela maioria da
sociedade israelita, que a vê como um
ato revolucionário do Governo e dos
seus aliados. É isto que explica os seus
fortes protestos públicos e a greve
geral. Afirmam estes — e bem — que
um dos fundamentos de um Estado
de direito é a separação entre o poder
executivo e o judicial. A erosão des-
ta fronteira dificultaria a defesa da
liberdade, o combate à corrupção, a
proteção das minorias e manutenção
da concorrência na economia.
O anúncio do adiamento por al-
gumas semanas da aprovação par-
lamentar final da legislação sobre
os tribunais significa que Israel vive
num cessar-fogo político precário.
A profunda divisão política interna
gera medo e alimenta o receio que
ambos os lados em confronto sentem
de serem excluídos de qualquer futura
negociação política. O está mesmo em
causa é alma de Israel e saber o que
define o país daqui para a frente.
Nada sugere que Netanyahu e os
seus parceiros mudem de forma signi-
ficativa a sua agenda política. Acresce
que o sistema político israelita parece
incapaz de criar as condições para o
país encontrar soluções para alguns
dos seus problemas estruturais. O ris-
co interno e externo para Israel desta
situação é elevado.
Expresso, 31 de março de 2023 PRIMEIRO CADERNO 27

Guerra na Ucrânia Norte pressiona,

mas Sul não isola a Rússia
Margarida Mota
Sem sinais de trégua, a guerra da Ucrânia e a nova ordem
mundial que está a originar têm levado a realinhamentos
geopolíticos, qual movimento de placas tectónicas em contex-
to sísmico. A 10 de março, o anúncio de um acordo de norma-
lização diplomática entre o Irão e a Arábia Saudita, mediado
pela China, revelou quão dispensáveis são hoje os Estados
Unidos no Médio Oriente. Na semana passada, a cimeira de
Moscovo entre Xi Jinping e Vladimir Putin confirmou que, à
parte os rótulos aplicados a essa relação, a China é cada vez
menos neutra no conflito e a Rússia está longe do isolamento.
Um fórum onde é visível a resistência de grande parte do
mundo à pressão ocidental é o grupo das 20 economias mais
desenvolvidas do mundo. Há um mês, uma reunião do G20
em Bangalore (Índia) terminou sem acordo quanto a con-
denar a Rússia: os países ocidentais defendiam uma posição
clara e grande parte dos restantes defendeu que o G20
não é um fórum político, mas de discussão de problemas
económicos.
Sem serem antiocidentais, muitos países de África, Ásia
e América Latina — o chamado Sul Global — têm posição
híbrida relativamente ao conflito: criticam a invasão, mas
mantêm o diálogo com Moscovo, nem que seja por razões
práticas, como descontos na energia que importam.
A 23 de fevereiro, 52 Estados-membros da ONU não ali-
nharam com a maioria de 141 que aprovou uma resolução
na Assembleia-Geral a exigir a “retirada” russa da Ucrânia
e o “fim das hostilidades”. A Namíbia absteve-se. “O nosso
foco está na resolução do problema, não em atribuir culpas”,
justificaria a primeira-ministra Saara Kuugongelwa-Ama-
dhila, para quem os gastos com armamento “poderiam ser
mais bem usados a promover o desenvolvimento na Ucrânia,
em África, na Ásia, na própria Europa, onde muitas pessoas
passam por dificuldades”.
Está marcada para 26 a 29 de julho, em São Petersburgo,
a segunda cimeira Rússia-África. A primeira realizou-se em
2019, em Sochi, com a participação dos 54 Estados africanos,
43 ao nível de chefes de Estado. Então, em declarações ao
jornal “The Moscow Times”, Albert Kofi Owusu, diretor da
agência noticiosa do Gana, partilhou a sua experiência de
colaboração com a Rússia e o Ocidente. “Com a ajuda oci-
dental, há todo um conjunto de condições. Dizem: se querem
este dinheiro, têm de fazer determinada coisa em relação aos
LGBTQ, por exemplo, mesmo que vá contra os valores do
país. China e Rússia dizem: ‘Aqui está o dinheiro’.”
mmota@expresso.impresa.pt

TRÊS PERGUNTAS A EDUCAÇÃO ALERTAS AS RAZÕES DE ÁFRICA

27 mil 1
Pedro Ponte “Temos de reequilibrar outro país. Mas quando Memória e sentimento
e Sousa a nossa ordem global, um não quer, dois não de gratidão relativamente
ao apoio dado pela União
torná-la mais brigam. Precisamos Soviética, ao longo
inclusiva. Estou encontrar a paz” de décadas, aos movimentos
muito impressionado Lula da Silva de libertação nacional. São
estudantes africanos exemplos o ANC (África
frequentam universidades
com o quanto estamos Presidente do Brasil
do Sul) e o MPLA (Angola).
a perder a confiança

2
e instituições científicas na
Rússia, segundo estatísticas do Sul Global” “A situação no mundo Dependência africana
de Moscovo de 2021. Em 2008 relativamente
eram 9 mil. A formação
Emmanuel Macron
Presidente de França
muda de forma dinâmica. à Rússia no que
Professor na Universidade Portucalense de elites africanas foi um dos Estão a formar-se respeita à importação
pilares da cooperação entre os contornos de um de cereais e, cada vez mais,
África e a União Soviética:
“Acho que a Rússia mundo multipolar” a recursos energéticos.

P Qual a estratégia da Rússia?
R A Rússia tem procurado
expandir as suas relações
económicas, políticas e militares
com o conjunto do mundo não
Ocidental ou do Sul Global. Já
vinha a fazê-lo antes da invasão,
mas intensificou essa estratégia
para contrariar os custos da
guerra, bem como as sanções
estima-se que cerca de 60 mil
africanos tenham estudado
na URSS entre 1949 e 1991
3
cometeu um erro crasso Vladimir Putin A Rússia é o maior
ao invadir o território de Presidente da Federação Russa fornecedor de armas
a África. Há também
presença crescente
de organizações privadas
de segurança, como o Grupo
Wagner (de origem russa),
em apoio de “guardas
pretorianas” presidenciais.

económicas do Ocidente.
P Como reagiu o Sul Global?
R Não adotou nem deverá
adotar sanções económicas à
Rússia. Nem é certo que aqueles
do Sul Global que são membros
do Tribunal Penal Internacional
se comprometam a deter
Vladimir Putin. O fundamento
assenta numa separação
entre a condenação política,
que é evidente, e o uso de
ferramentas económicas para
transformar o comportamento
político do outro ou, como
parece pretender o Ocidente,
para ‘punir’ a Rússia. O Sul
Global salienta que as sanções
económicas — mesmo as
das últimas décadas (smart
sanctions), dirigidas aos atores
responsáveis pela guerra
— continuam a ter impacto
desproporcional sobre os mais
pobres e dão um free pass aos
líderes políticos.
P As sanções funcionam?
R Sim e não. Os impactos
macroeconómicos são
inegáveis. Contudo, o objetivo
das sanções económicas não
deveria ser ‘punir’ o outro,
mas ajudar a transformar o
seu comportamento político.
E não só as sanções não estão
a funcionar com a Rússia
como a investigação científica
demonstra que raramente
funcionam. São uma ótima
forma de quem as impõe
mostrar que faz alguma coisa,
e dar uma imagem de força,
mas não há especiais indícios
de eficácia. A solução tem sido
aumentar a escala e âmbito das
sanções e apontar para o longo
prazo. Mas tem servido para
cortar mais as relações com a
Rússia, atirá-la para os braços
da China e diversificar as suas
relações, bem como aprofundar
a mentalidade de Guerra Fria II
(Ocidente versus Rússia e China)
entre os decisores políticos.
4
Ausência de África nos
lugares permanentes do
Conselho de Segurança
Rússia da ONU. A Rússia
Canadá defende a reforma do órgão
para acomodar países de
África, Ásia e América Latina.
EUA NORTE GLOBAL China Japão
Índia ORIENTE CONTA
COM A RÚSSIA
Brasil
Organização do Tratado
África do Sul Austrália de Segurança Coletiva
Aliança militar criada em 2002,
é composta por seis ex-
SUL GLOBAL repúblicas soviéticas: Arménia,
Bielorrússia, Cazaquistão,
Quirguistão e Tajiquistão, além
da Rússia. Procura replicar o
modelo da NATO.
Organização
HÁ MAIS DE UMA DÚZIA DE PAÍSES QUE QUEREM ADERIR AO GRUPO DOS BRICS de Cooperação de Xangai
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (conhecidos pelo acrónimo BRICS) representam um quarto da Fundada em 2001, tem carácter
superfície terrestre e 40% da população mundial. Estas economias emergentes começaram a realizar político, económico e militar.
cimeiras anuais em 2009 (a África do Sul só a partir de 2010), vivia o mundo uma crise financeira. Os BRICS Engloba oito países da Eurásia:
são considerados o principal bloco rival do G7, que agrupa as economias mais avançadas. “O interesse China, Índia, Rússia, Paquistão,
nesta associação global é bastante alto e continua a crescer. Não só Argélia, Argentina e Irão, na verdade, Cazaquistão, Quirguistão,
são mais de uma dúzia de países”, disse recentemente o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Tajiquistão e Usbequistão. Irão
Lavrov. A cimeira deste ano, de 22 a 24 de agosto, em Durban, terá interesse acrescido: a África do Sul é já iniciou o processo de adesão.
membro do Tribunal Penal Internacional, que emitiu um mandado de detenção para Vladimir Putin.
União Económica Eurasiática
Organização de integração
económica regional, prevê livre
América Latina não quer ser ‘o quintal’ dos Estados Unidos circulação de “bens, serviços,
capitais e trabalho”. Os
membros são: Arménia,
IDEOLOGIA como ameaça. No Brasil, o comércio russa Sputnik V foi a primeira a ser Bielorrússia, Cazaquistão,
^ Bolivarianos Cuba, Nicarágua e bilateral é significativo — a Rússia é usada na Argentina, Bolívia, Quirguistão e Rússia. Entrou
Venezuela estão ao lado do Kremlin o maior fornecedor de fertilizantes. Venezuela, Paraguai e Nicarágua. em vigor em 2015.
desde a primeira hora. Identificam- No Palácio do Planalto, a política
se com o modelo autoritário de relativa à Rússia não mudou após VIZINHANÇA Comunidade de Estados
Putin e reproduzem a narrativa de Lula suceder a Bolsonaro. ^ Anti-imperialismo Independentes
que a Rússia foi provocada pelo Coloquialmente conhecida como Organização de cooperação,
Ocidente/NATO. GEOPOLÍTICA “pátio traseiro dos Estados Unidos”, resultou do desmembramento
^ Aliados Muitos países têm a América Latina olha para norte da União Soviética. Das 15
ECONOMIA relações diplomáticas históricas com histórico receio em relação ao antigas repúblicas soviéticas,
^ Negociantes Brasil, México e com a Rússia, ao ponto de a verem que dali possa vir. Neste contexto, só quatro não são membros: os
Argentina, as maiores economias como parceiro geopolítico crucial. Moscovo é vista como velha bálticos (Estónia, Letónia,
regionais, não percecionam a Rússia Exemplo: na pandemia, a vacina antagonista de Washington. Lituânia) e a Geórgia.
28 PRIMEIRO CADERNO
EUROPA
França
Protestos já
questionam
legitimidade
do Governo
Macron e manifestantes prometem
não ceder. Próxima jornada
de contestação é na quinta-feira
Mariana Abreu
em Paris
Desde que o Presidente francês
anunciou a sua polémica refor-
ma das pensões, em janeiro,
economistas desfilaram na te-
levisão para debater a medida,
sindicatos encadearam apelos
à greve, milhões desceram à
rua e muitos protestos ficaram
manchados por episódios vio-
lentos. Terça-feira, décimo dia
de protestos, a intersindical
CGT foi convidada a reunir-se
com a primeira-ministra, Élisa-
beth Borne, antes da próxima
jornada de mobilização, a 6 de
abril. Os sindicatos recusam
a subida da idade da reforma
de 62 para 64 anos, mas nada
indica que Emmanuel Macron
faça marcha-atrás.
No mesmo dia, aliás, afirmou
que “a multidão” que se opõe à
reforma das pensões não tem
“legitimidade” face ao “povo
que se exprime através do
voto”. Tal comentário valeu-
-lhe uma chuva de críticas da
oposição.
“Está a ir
demasiado longe”
“Qualquer Governo sério já
teria cedido”, afirma Hendrik
Davi, deputado da Nova União
Espanha Yolanda Díaz quer Somar à esquerda… Pablo
Não é certo que a iniciativa
da vice-primeira-ministra
atraia a Unidas Podemos,
que exige prevalência
na elaboração das listas
Está em marcha uma grande
operação política em Espa-
nha, a mais importante dos
últimos anos. A iniciativa é
da segunda vice-primeira-mi-
nistra, Yolanda Díaz, também
titular da pasta do Trabalho.
Ao fim de um ano de traba-
lhos, reuniões com mais de
mil peritos, viagens e relató-
rios, a plataforma Somar será
apresentada este Domingo de
Ramos num histórico recinto
desportivo de Madrid.
O objetivo é aglutinar a mul-
tiplicidade de grupos, grupús-
culos e confluências de ideolo-
gia progressista do país, cuja
eficácia eleitoral é nula en-
quanto projetos isolados. Na
ideia de Díaz cabe tudo quanto
estiver à esquerda do Partido
Progressista, Ecologista e So-
cial (NUPES), maior bloco opo-
sitor na Assembleia Nacional.
“O que é muito preocupante é
que Macron ainda não o tenha
feito. Está a ir demasiado longe
e as pessoas estão fartas.”
Os protestos subiram de tom
quando o Executivo recorreu
ao artigo 49.3 da Constituição,
que prevê a possibilidade de
adotar uma lei sem votação
parlamentar. ”De uma pers-
petiva puramente constitucio-
nal, a posição do Presidente é
legítima, mas uma democracia
não se limita apenas ao voto, é
preciso depois fazê-la viver”,
explicou ao Expresso Luc Rou-
ban, diretor do centro de in-
vestigação de ciência política
CEVIPOF.
Muitos manifestantes contes-
tam a legitimidade do próprio
chefe de Estado. Jean-Baptiste,
funcionário do banco Société
Générale, explica ao Expres-
so que o objetivo já não é ape-
nas fazer cair a reforma, mas
também o Governo. “O des-
prezo e a arrogância do poder
provam que estamos perante
uma equipa governamental
desesperada.”
“Optou-se por afastar o de-
bate a favor de uma vontade
reformadora unilateral e de
uma forma de autoritarismo,
que é constitucional, mas con-
Socialista Operário Espanhol
(PSOE, centro-esquerda). A
governante encabeçar esta
nova força nas legislativas pre-
vistas para dezembro. E tem
recebido mostras de apoio
explícito do Executivo. Até o
primeiro-ministro socialista
Pedro Sánchez, putativo ad-
versário de Díaz, considera
muito positivo que se fale de
um ticket protagonizado por
ambos.
O encontro político no pa-
vilhão Antonio Magariños,
sede tradicional da equipa
de basquetebol Estudiantes,
terá na assistência cerca de
40 organizações espanholas,
que assim sinalizam o seu
apoio. Na capital espanhola
estarão os Comuns, chefiados
pela presidente da Câmara de
Barcelona, Ada Colau e pelo
ministro do Ensino Superi-
or, Joan Subirats al frente; o
Mais País, fundado por Íñigo
Errejón, dissidente da frente
Os sindicatos recusam
a subida da idade
da reforma de 62 para
64 anos, mas nada
indica que Macron
faça marcha-atrás
torna cidadãos e eleitores”,
prossegue o politólogo Rou-
ban. Reeleito em maio de 2022
contra Marine Le Pen, Macron
reconheceu que devia a vitória
a eleitores que não apoiavam
o seu programa. “Muitos vota-
ram em mim não para apoiar
as minhas ideias, mas para blo-
Unidas Podemos (UP, esquer-
da populista, aliada do PSOE
no Governo); os nacionalistas
valencianos do Compromisso,
dirigidos pelo autarca de Va-
lência, Joan Ribó; a direção da
aliança Esquerda Unida (IU),
que alberga o Partido Comu-
nista de Espanha, com o mi-
nistro Alberto Garzón (Defesa
do Consumidor) como cabeça
de lista; partidos ecologistas e
verdes; agrupamentos locais
ou provinciais das Canárias,
Galiza ou Aragão.
Direita à espreita
O objetivo básico é confluir
para reforçar a coligação pro-
gressista no poder. As sonda-
gens mostram-na ameaçada
por uma putativa aliança pós-
-eleitoral entre o Partido Po-
pular (PP, centro-direita) e o
Vox (extrema-direita).
A grande incógnita do comí-
cio fundacional é se lá estarão
quear as da extrema-direita.
Gostaria de agradecer-lhes”,
disse no discurso de vitória.
Para esses eleitores, a ado-
ção à força da reforma das
pensões é prova de que os
agradecimentos do Presiden-
te não foram sinceros, explica
Anne-Charlène Bezzina, pro-
fessora de Direito na Univer-
sidade de Rennes. “Para os
franceses, Macron é um Pre-
sidente eleito como ‘mal me-
nor’. Este sentimento foi-nos
confirmado nas legislativas,
que revelaram um panorama
político fraturado.”
Em junho de 2022, a frente
liberal de Macron, Renasci-
mento, perdeu a maioria, ten-
representantes da UP. Esta
ainda é dirigida na sombra
pelo fundador Pablo Iglesias,
que se demitiu de todos os car-
gos no Governo e no partido
em 2021, deixando Díaz como
sucessora indigitada.
O Podemos, que se uniu à
IU para fundar a UP, dispõe
de uma poderosa organização
de âmbito nacional, dinheiro
e quadros notórios. Aderirá à
plataforma Somar se puder as-
segurar posição relevante nela.
Se Díaz concebe a platafor-
ma como um todo heterogé-
neo, os discípulos de Iglesias
querem que a elaboração das
A figura emergente
da política espanhola é
uma comunista galega
de 52 anos, ministra
do Trabalho desde 2020
do visto crescer a aliança de
partidos de esquerda (NUPES)
e a abstenção (46,23%). O Rea-
grupamento Nacional de Le
Pen ficou em terceiro, obten-
do um recorde de 89 lugares.
Neste hemiciclo fragmentado
surgiram, na semana passa-
da, duas moções de censura,
única forma de os deputados
travarem uma iniciativa adota-
da ao abrigo do artigo 49.3. O
Governo venceu uma delas por
apenas nove votos.
€3200 milhões a mais
“O Presidente despreza a nos-
sa opinião, faz como se não en-
tendêssemos, mas a verdade é
listas eleitorais se faça por
acordo bilateral entre a UP
e a ministra, incluindo cele-
bração de eleições primári-
as. Díaz discorda: admitiria
primárias no quadro de um
pacto multilateral com todos
os integrantes da Somar, que
implicaria um recenseamento,
entre outros detalhes. Ou seja,
o que põe em causa o projeto
são egocentrismos, ciúmes,
ambições pessoais e lutas por
cargos e salários futuros.
As vozes que alertam para
um dos perigos clássicos das
forças de esquerda — a divisão
— voltam a fazer-se ouvir. A
jornalista Soledad Galego-Dí-
az, ex-diretora do jornal pro-
gressista “El País”, uma das
analistas mais respeitadas em
Espanha, escreveu na quarta-
-feira um artigo admonitório:
“Segundo as sondagens, uma
rutura entre Díaz e Iglesias e a
impossibilidade de ir às urnas
com listas comuns reduziria
Expresso, 31 de março de 2023
que não há consenso sobre a
necessidade desta reforma”,
diz o deputado Hendrik Davi.
A observação é partilhada por
especialistas, que apontam
para o estado do sistema de
pensões. Em 2022 apresen-
tou um excedente de €3200
milhões.
“Não é suposto um sistema
de pensões ser excedentário,
isto quer dizer que alguém não
está a receber dinheiro que lhe
seria devido”, explica o econo-
mista Pierre Khalifa. “Além de
não haver défice, as projeções
que apontam para um défice
futuro são feitas sobre uma
série de hipóteses discutíveis
que em nada garantem que da-
fortemente o seu número total
de deputados, a hipótese de o
PSOE reeditar a coligação e
de Sánchez ter ao seu alcance
uma maioria suficiente para a
investidura.”
Há dias, na revista “Contex-
to”, Iglesias explicava porque
exige primárias: “São a única
garantia de unidade caso os
partidos não cheguem a acor-
do sobre o peso de cada um.”
O líder parlamentar da UP,
Jaume Assens, pede ao par-
tido que “supere o narcisis-
mo das siglas” e se una a Díaz
nas legislativas. “As pessoas
não querem que pensemos o
mesmo, mas que caminhemos
juntos”, assegura a vice-pri-
meira-ministra. “Coincidimos
em 90% do programa, pelo
que temos de estar à altura.”
O ministro Garzón vê na si-
tuação presente “um debate
ensimesmado e egocêntrico”.
As bases do projeto deixam
adivinhar o entusiasmo cau-
 Expresso, 31 de março de 2023
qui a 10 anos o défice seja um
problema.”
São hipóteses como o au-
mento da esperança média de
vida que os peritos e políticos
contestam. “O relatório do
Conselho de Orientação das
Reformas, que prevê um au-
mento do défice, também pre-
vê um aumento da esperança
de vida, o que é questionável,
pois esta tem vindo a estag-
nar”, acrescenta Davi.
Mulheres mais
prejudicadas
Para acudir a um défice fu-
turo, a oposição defende
soluções como aumentar as
Iglesias nem tanto
sado por este. Felipe Vallaure,
veterano dirigente comunista
da comarca mineira leonesa
de Sabero, assegura ao Ex-
presso, em conversa telefóni-
ca: “Somar é uma ideia, um
propósito, uma esperança,
nada mais.” Apela aos mais
jovens para “realçarem os va-
lores da unidade e do esforço
por superar individualismos”.
Eleições locais
são indicador
Fontes próximas de Díaz ad-
mitem, pedindo o anonimato,
que a governante está decidi-
da a tomar uma decisão sobre
listas e cargos após estudar os
resultados das eleições mu-
nicipais e regionais de 28 de
maio, em que a representação
da UP pode ficar reduzida.
Nesta esfera crê-se que Iglesi-
as está apostado em garantir
a permanência do seu partido
no poder.
“Destituição! Maldito
poeta!”, lê-se no cartaz
deste manifestante,
em Paris, contra Macron
e o Governo de Borne
FOTO KIRAN RIDLEY/GETTY IMAGES
A oposição prefere
soluções como
aumentar as
contribuições
salariais e patronais
ou taxar dividendos
contribuições salariais e pa-
tronais ou taxar dividendos
de acionistas, hipóteses que
Macron descarta. “Entre as
sondagens, o curto prazo e o
interesse geral do país, esco-
lho o interesse geral”, afirmou
o Presidente ao microfone do
canal televisivo TF1.
Segundo um estudo de opi-
nião da 40dB para “El País” e
para a rádio SER, a UP obte-
ria 31 deputados, menos três
do que tem hoje, e 11,5 % dos
votos. A frente ampla Sumar
poderia chegar aos 57 a 59.
Yolanda Díaz está à frente das
classificações de popularidade.
A figura emergente da políti-
ca espanhola é uma galega de
52 anos, casada com um dese-
nhador industrial, com quem
tem uma filha de 11 anos. O pai
de Yolanda era Suso Díaz, fun-
dador do sindicato Comissões
Operárias na Galiza. A minis-
tra recorda como, aos quatro
O que põe o projeto
em risco são ciúmes,
ambições pessoais,
egocentrismos e lutas
por cargos e salários
O interesse geral da refor-
ma suscita dúvidas à oposição.
Para Khalifa, todos perdem,
uns mais do que outros. Gra-
videzes, carreiras mais curtas,
trabalho a tempo parcial e salá-
rios mais baixos tornam as mu-
lheres vulneráveis à reforma,
que favorece carreiras “com-
pletas” e “contínuas”. “As in-
terrupções encurtam o período
de quotização, o que dificulta o
acesso à pensão completa. Isto
afeta sobretudo as mulheres,
pois são quem tende a inter-
romper a carreira para cuidar
dos filhos”, explicou o econo-
mista. “Ocupam, regra geral,
posições menos qualificadas.”
As mulheres representam
cerca de metade da popula-
ção ativa em França, mas em
2020 recebiam pensões 40%
mais baixas do que os homens,
segundo o diário “Le Monde”.
O ministro dos Assuntos Parla-
mentares, Frank Riester, admi-
tiu que seriam “penalizadas”,
mas pediu que “fizessem um
esforço, como toda a gente”.
É este desgaste que leva o
sindicato dos bombeiros a ma-
nifestar-se contra a reforma:
“Estamos mais expostos a cer-
tos perigos, respiramos gases
tóxicos regularmente, fazemos
intervenções à noite e a nossa
profissão exige enorme esforço
físico”, contou ao Expresso um
representante. A esperança de
vida dos bombeiros chega a ser
sete anos inferior à esperança
média de vida. A reforma das
pensões, que obriga os bombei-
ros a trabalhar até aos 59 anos,
só permite que desfrutem de
seis anos de reforma.
“Os que estão sujeitos a am-
bientes contaminados, agricul-
tores ou pessoas que trabalham
na indústria e na construção,
envelhecem mais depressa”,
diz o sindicalista. Num estudo
recente, o Conselho de Orien-
tação das Reformas revelou que
aumentar a idade da reforma
representa um custo adicional
de €3600 milhões em despesas
de saúde pública.
Com o projeto de lei a ca-
minho do Conselho Constitu-
cional — última fase antes da
promulgação —, manifestan-
tes e sindicatos não cedem e o
Executivo de Élisabeth Borne
corre o risco de perder o apoio
que lhe resta. “Mesmo que o
povo se canse, é possível que
a crise deixe danos suficien-
tes para uma remodelação da
Constituição”, explica ao Ex-
presso a politóloga Anne Char-
lène Bezzina. “Não me parece
que este clima seja suportável
até ao final do mandato.”
internacional@expresso.impresa.pt
anos, recebeu em casa o beija-
-mão do mítico secretário-ge-
ral do PCE, Santiago Carrilo.
A mulher que se diz afiliada
ao partido “desde que uso a
razão” é jurista de formação
e trabalhou num escritório de
advogados de direito laboral.
Iniciou-se na política local em
Ferrol, de onde deu o salto
para o nível regional. Chamou
Iglesias para assessor em 2012
e desde então são amigos, em-
bora hoje distanciados. Com
imagem pessoal muito cui-
dada, não lhe importa fugir
aos estereótipos aplicados aos
dirigentes comunistas, que su-
gerem que cuidar do aspeto
pessoal é um desvio burguês.
Decotes, bâton vermelho e
moda de última geração fa-
zem parte substancial da per-
sonalidade da candidata, que
cavalga a crista da sua onda.
Ángel Luis de la Calle
correspondente em Madrid
internacional@expresso.impresa.pt
PERFIL
ESCÓCIA
Humza Yousaf
O delfim que não pode
ficar-se pela continuidade
Sucessor de Nicola Sturgeon
terá dificuldade em unir partido.
Causa da independência deverá
abrandar após 16 anos no poder
Eleito para chefiar um Partido Nacio-
nal Escocês (SNP) dividido e com a
causa independentista algo estagna-
da, Humza Yousaf não perdeu tempo
a tentar sarar feridas, na sequência
de uma campanha interna pejada de
ataques pessoais. O primeiro tiro foi
na água: Kate Forbes, a quem venceu
por escassa margem na disputa pela
sucessão de Nicola Sturgeon, não quis
permanecer no governo autónomo,
doravante liderado por este escocês
filho de imigrantes (mãe queiniana e
pai paquistanês).
Primeiro chefe do SNP e do execu-
tivo escocês oriundo de uma minoria
étnica, Yousaf é, aos 37 anos, o mais
novo a ocupar o cargo. “Algo que os
nossos avós nunca teriam imaginado
ao chegarem a este país”, reconheceu
durante o debate de investidura, ter-
ça-feira passada, aquele que vai ser o
seu principal adversário: Anas Sarwar,
chefe dos trabalhistas escoceses e filho
de paquistaneses.
Iniciado na política aos 16 anos, devi-
do ao impacto que nele tiveram os aten-
tados de 11 de Setembro de 2001, Yousaf
nasceu e cresceu em Glasgow, onde se
formou em Ciência Política. Aderiu ao
SNP em 2005, ainda na faculdade,
movido pela causa independentista,
pela crítica que o partido fizera à guer-
ra do Iraque e por se rever nos seus
postulados progressistas.
Nos anos seguintes trocou o trabalho
num centro de atendimento telefónico
pelas funções de assistente parlamen-
tar de políticos como Sturgeon — que
anunciou em fevereiro a sua saída
após nove anos a governar — e o seu
antecessor, Alex Salmond (que, após
zanga com a sucessora, milita agora
no partido Alba, também indepen-
dentista). O principal mentor de Yusaf
foi Bashir Ahmad, primeiro deputado
escocês a professar a fé islâmica.
Quatro anos depois de ter partici-
pado na campanha de que resultaria
o primeiro governo regional chefiado
pelo SNP, em 2007, Yousaf chegou
ao Parlamento escocês aos 26 anos
(o mais novo até então). Prestou ju-
ramento em inglês e em urdu. Inte-
grou governos de Salmond e Sturgeon
desde 2012, nas pastas dos Assuntos
Externos, Assuntos Europeus, Trans-
portes, Justiça. Nesta etapa destacou-
-se a lei contra os crimes de ódio. O
último desafio foi o pelouro da Saúde,
em plena pandemia.
Partido acusa desgaste
“Só 34% dos militantes votaram nele”,
nota ao Expresso o constitucionalista
britânico Bob Morris, fazendo contas
ao resultado de Yousaf e à participa-
ção. No sistema que o SNP usa, o elei-
tor exprime primeira e segunda prefe-
rência. O novo líder teve 48% de votos
de primeira preferência, contra 40%
de Forbes. Foi a distribuição de votos
da terceira classificada (Ash Regan,
11%) que produziu o resultado final de
52%-48%. “Talvez não seja o melhor
para pacificar o partido.” É mais fácil
o SNP entender-se com os Verdes, com
quem governa em coligação, sugere
Morris, do que consigo próprio.
O apoio do novo líder à controversa
lei da autoidentificação de transexuais,
que Sturgeon patrocinou e que o Go-
PRIMEIRO CADERNO 29
FOTO JEFF J MITCHELL/GETTY IMAGES
verno do Reino Unido vetou, choca de
frente com as posições socialmente
conservadoras da cristã Forbes, que
representa uma ala não negligenciável
do nacionalismo escocês. Favorável ao
casamento homossexual e a uma Re-
pública escocesa independente — ao
passo que muitos no SNP manteriam a
coroa britânica mesmo numa Escócia
independente —, Yousaf é casado pela
segunda vez, tendo uma filha e uma
enteada.
Às divisões no SNP acresce o desgaste
de 16 anos no poder, a que Yousaf não
pode ser imune, já que foi o candidato
da continuidade na corrida a três. Para
trás ficam um referendo de autodeter-
minação perdido em 2014 (55%-45%),
a guerra entre Salmond e Sturgeon e
as tentativas desta para promover nova
consulta popular, bloqueadas por Lon-
dres, cuja autorização é exigida para
chamar os escoceses às urnas. “Quan-
to mais tempo estão no poder, mais
o seu currículo fica exposto”, adianta
Morris, que dá nota negativa ao SNP
nos transportes, educação e.. saúde,
precisamente a pasta de Yousaf.
Urge concentração na vida real
Durante o seu consulado de dois anos,
o número de pacientes atendidos pon-
tualmente no sistema público caiu de
87% para 63%. “Eleitores apanhados
pela crise do custo de vida quererão
saber menos de independência e po-
dem culpar o executivo pelos seus
males”, explica o constitucionalista ao
Expresso.
Os trabalhistas, que já governaram
a Escócia (1999-2007), são candidatos
óbvios a mostrar-se como força social-
mente generosa, sem a distração na-
cionalista. E mesmo os conservadores
escoceses têm conseguido crescer e
demarcar-se dos executivos britânicos
de Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Su-
nak. Ficaram em segundo nas últimas
eleições regionais, em 2021. As próxi-
mas estão previstas para 2026.
“O melhor argumento a favor da in-
dependência é usar o melhor possível
os poderes existentes do Parlamento
[escocês]”, defendeu Yousaf, no que
parece a admissão de que não haverá
referendo tão cedo. Prefere construir
uma maioria social nesse sentido, sem
marcar prazos. Para Morris, faz senti-
do. A receita que prescreve ao SNP é
“pausa nos planos independentistas
para usar com imaginação os poderes
que a autonomia lhes dá”.
Pedro Cordeiro
pcordeiro@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA FUTEB OL
Penáltis Novas regras proíbem que guardiões façam danças ou
provocações. Donos das redes queixam-se de “roubo das emoções do jogo”
Vamos
algemar os
guarda-redes
à baliza?
A
Pedro Barata
14 de setembro
de 1989, Nápoles
e Sporting discu-
tiam, por penáltis,
a passagem à se-
gunda eliminató-
ria da Taça UEFA.
Tomislav Ivkovic,
guarda-redes dos
portugueses, tinha pela frente Diego
Armando Maradona, já homem eleva-
do a deus no Sul de Itália, plenamente
instalado no trono do futebol. Para
“entrar na cabeça” de “El Pibe”, o cro-
ata lançou-lhe uma pergunta. “Queres
apostar 100 dólares como defendo?”
O desafio foi aceite, Ivkovic defen-
deu e, no final do jogo — vencido pelo
Nápoles —, o diez deu a prometida
quantia ao adversário. O antigo guar-
dião explica ao Expresso que Marado-
na, que “tinha milhões na conta”, não
ficou perturbado pela centena de dó-
lares em si, mas pelo “descaramento”
mostrado, a “estranheza” e “surpresa”
pela situação, que ajudou quem estava
no lado com menos probabilidades de
êxito a ter alguma vantagem.
A partir de 1 de julho de 2023, diálo-
gos como os de Ivkovic e Diego serão
proibidos. Tal como distrações seme-
lhantes às popularizadas por Emilia-
no Martínez, o argentino das danças
e jogos mentais com os rivais. A In-
ternational Board (IFAB) determi-
nou que os guarda-redes não podem
“comportar-se de maneira a distrair,
injustamente, o executante”, estando
impedidos de “atrasar o remate ou
tocar nos postes ou na rede”, tendo de
“mostrar respeito pelo jogo e pelo ad-
versário”. A decisão do órgão máximo
quanto às leis do futebol, composto
por representantes das quatro fede-
rações britânicas e da FIFA — Ingla-
terra, Escócia, País de Gales e Irlanda
do Norte têm direito a um voto cada,
enquanto a representante das outras
207 associações nacionais tem quatro
votos —, foi espoletada pelas atuações
de Martínez ou de Andrew Redmayne,
bailarino guarda-redes australiano
que desconcentrou os peruanos no de-
cisivo play-off rumo ao Mundial 2022.
Beto pede “equilíbrio”
Um penálti é um momento único num
jogo de futebol. Um duelo individual
num jogo coletivo, um mano a mano a
11 metros de distância. Como pena má-
xima para o infrator, a balança pende
para quem tem um alvo de 7,32 metros
onde pretende colocar a bola. Nas
principais ligas europeias a percen-
tagem de acerto anda quase sempre
acima dos 75%, ainda que seja de assi-
nalar que, neste aspeto, os 31 remates
falhados em 86 tentativas na presente
edição da I Liga colocam Portugal
com uma invulgarmente baixa taxa de
aproveitamento de 63,95%.
Expresso, 31 de março de 2023
NOVAS REGRAS PARA OS
GUARDA-REDES EM PENÁLTIS
A PARTIR DE 2023/2024
^ Não podem tocar nos postes,
na trave ou nas redes da baliza
^ Não podem atrasar a execução
do penálti
^ Não podem “distrair de forma
antirregulamentar” quem vai bater
^ Devem “mostrar respeito pelo jogo
e pelo adversário”
Com 265 jogos na I Liga, Cássio é
um dos homens que, nos últimos 15
anos, mais vezes tentou contrariar a
lógica. O brasileiro, atualmente no
Felgueiras, da Liga 3, constata que
“todas as mudanças são a favor de
haver mais golos”, mas acha que estas
normas vão “dificultar ainda mais a
vida” dos donos das redes.
A investigação académica corrobora
a opinião do veterano, de 42 anos.
Geir Jordet, professor na Escola Os bailes, diálogo
Norueguesa de Ciências do Desporto, com os batedores
é um dos principais estudiosos dos ou festejos
penáltis, tendo analisado todos os de- efusivos foram
sempates em cada edição do Mundial, uma constante de
Europeu e Liga dos Campeões desde Martínez no Catar.
1976. O primeiro comentário que faz As atitudes do
às alterações é um lamento pela “pou- argentino nos
ca concretização” das proibições, com penáltis espoletaram
“zonas cinzentas” e indefinidas. as mudanças FOTO TOM
Segundo a estatística recolhida, téc- WELLER/GETTY IMAGES
nicas de distração dos guarda-redes
levam a uma diminuição de 10% na
taxa de acerto, ao passo que conseguir
que os rematadores tenham períodos
de espera longos antes da execução
reduz a eficácia em 20%. No referido
Austrália-Peru, Redmayne defendeu o
penálti decisivo depois de Alex Valera
ter estado, entre a colocação da bola
na marca e o disparo, 18 segundos à
espera. Ao Expresso, o investigador
explica que a emoção mais associada
com a pena máxima é a ansiedade.
“Todos os jogadores estão ansiosos,
mas a questão para acertar mais não
é estar menos ansioso, mas sim como
lidar com essa ansiedade”, diz.
As estratégias dos guardiões passa-
rão a ser limitadas. Ivkovic questiona
retoricamente “quantos dos homens
que fizeram estas normas jogaram “IMAGINEM QUE
futebol?”, ironizando ao dizer que “se
calhar era melhor tirar os guarda-re- PASSAVA A SER
des da baliza”. “Roubam as emoções
ao jogo, não sabem o que elas são.
PROIBIDO GRITAR ‘OLÉ’
Tiram a brincadeira do futebol, como
as provocações sãs entre o guarda-
QUANDO SE FAZ UM
-redes e o executante, coisas de que o TÚNEL”, COMPARA
IVKOVIC, CRÍTICO DAS
pessoal gosta. Imaginem que passava
a ser proibido gritar ‘olé’ quando se
NOVAS PROIBIÇÕES
faz um túnel ou o público fazer ‘ohhh’
quando há uma finta, só para não trau-
Expresso, 31 de março de 2023
CONCRETIZAÇÃO DE PENÁLTIS NAS PRINCIPAIS LIGAS
Em percentagem
2022/23
I LIGA
2021/22
(Portugal)
2020/21
LA LIGA
(Espanha)
LIGUE 1
(França)
SERIE A
(Itália)
BUNDESLIGA
(Alemanha)
PREMIER LEAGUE
(Inglaterra)
FONTE: DRIBLAB
matizar ninguém. Os jogadores têm
de mostrar o prazer de jogar à bola.”
Segundo o “ZeroZero”, Rui Jordão,
com 41 golos, é o máximo marcador
de penáltis da história da I Liga. Numa
lista em que André André (21 festejos)
é o primeiro entre os atuais partici-
pantes no campeonato, José Barroso
é 21º, com 16 tiros certeiros. A lenda
do SC Braga entende que os guardiões
“não têm nada de ir falar” com quem
vai bater, mas concorda que quem
está do lado oposto “tenha as suas
maluquices” e “não vê por que têm
de se proibir”, até porque “tanto se
marca com danças como sem elas”.
Beto, outro clássico das balizas, pre-
sente em três Mundiais e com mais de
500 jogos entre Portugal, Espanha,
Roménia, Turquia ou Finlândia, não
é “apologista” do que Martínez faz,
porque “não é uma boa imagem”.
Mas o ex-FC Porto e Sporting
entende que “não se pode al-
gemar o guarda-redes à bali-
za e esperar que se batam os
penáltis contra um guardião
indefenso”.
Num dos desempates mais
recordados do futebol nacional,
em Turim, Beto travou as tenta-
tivas de Rodrigo e Cardozo para
dar a Liga Europa ao Sevilha contra o
Benfica. Em ambos os casos, o portu-
guês estava à frente da linha de golo,
mas garante concordar com a regra
que, com o VAR, teve vigilância reforça-
da. Mas, sendo já a vantagem de quem
quer marcar golo, Beto pede que “haja
um equilíbrio”, para que “os guarda-
-redes tenham alguma probabilidade
de êxito”.
Um duelo mental
Uma pena máxima reúne circunstân-
cias singulares: os jogadores têm bas-
tante tempo para pensar no que farão,
ao contrário da sucessão de ações em
jogo corrido; há um enfrentamento
direto entre dois futebolistas; está em
causa o objetivo máximo da partida;
há uma desproporção na pressão exis-
tente, porque um lado aspira a herói
enquanto o outro evita ser vilão.
Ivkovic “perdeu a conta” a quantos
penáltis travou. Recorda os dois a Ma-
radona — pelo Sporting e no Mundial
ESTUDOS MOSTRAM QUE
TÉCNICAS DE DISTRAÇÃO
FAZEM BAIXAR EM 10%
A TAXA DE ACERTO
E LONGAS ESPERAS
ANTES DO REMATE
A REDUZEM EM 20%
63,95
79,44
71,82
68,97
75
74,70
77,14
88,52
82,61
77,63
78,01
84,67
75,61
83,33
77,48
76,92
81,55
81,60
1990 —, os “quatro seguidos” num
“amigável em Setúbal” ou “muitos em
partidas da Taça da Croácia”. O ex-S-
porting, Estoril, Vitória FC, Belenen-
ses e Estrela da Amadora descreve os
momentos antes da execução como “o
jogo do engano”. O objetivo é “entrar
na cabeça do outro e fazê-lo pensar e
duvidar”. “Digo que sei para onde é
que vai rematar, então ele pensa para
onde atirou os últimos e se eu vou para
lá ou vou achar que vai mudar. E eu
estou a pensar no mesmo.”
“Dibu” Martínez confessou que “usa
o cenário” a seu favor: os assobios do
público, a pressão, a “baliza que se tor-
na mais pequena”. Beto gosta também
“dos jogos mentais”, mas “no silêncio,
não no insulto ou provocação”. O por-
tuguês descreve a “troca de olhares”
ou a transmissão de “tranquilidade
ou nervosismo” como “interações”
que sucedem naqueles segundos em
que, por muito estudo que exista, “há
sempre o instinto do guarda-redes,
que no último milésimo de segundo
decide para onde se vai lançar”.
Além dos efeitos das distrações, Geir
Jordet identificou outros fatores que
fazem variar a taxa de acerto. Se quem
tem de esperar muito para rematar
tende a falhar mais, quem apressa
excessivamente o momento, corren-
do disparado mal ouve o apito, qual
homem castigado que quer despachar
a condenação, também falha mais do
que quem toma o seu tempo, respira
fundo e está no controlo da situação.
Há igualmente um efeito de contá-
gio nos desempates por castigos má-
ximos. Festejar golos ou defesas tende
a fazer aumentar a percentagem de
acerto do próximo colega e diminuir
a do adversário seguinte, espalhando
confiança para uns e intimidação para
outros. É um momento “para exu-
berância, não humildade”, descreve
Jordet. Estamos numa área de ganhos
marginais e pequenas vantagens po-
dem fazer a diferença no longo prazo.
O pé canhão de Barroso leva-o a des-
valorizar as tentativas de perturbação
dos guarda-redes. Dono de um dos
mais potentes disparos da I Liga nos
últimos 30 anos, o antigo médio cons-
tata, com simplicidade desarmante,
que, por muita distração que possa
haver, “um remate forte para uma
certa zona é sempre indefensável”.
Geir Jordet não acredita, ainda as-
sim, no fim dos jogos mentais por de-
creto. Espera “comportamento menos
óbvios” dos homens das luvas, porque
“o engenho humano ajuda sempre a
contornar” certas proibições. Acre-
dita, até, que jogadores de campo
possam ter mais peso nas tentativas
de destabilização, já que estas regras
apontam só a quem veste luvas. Cás-
sio finaliza com uma ideia que pare-
ce vinda de Darwin sobre a posição:
“Nós somos duros. O que vem para
dificultar os guarda-redes acaba por
fazer-nos evoluir.”
pmbarata@expresso.impresa.pt
TÉNIS
Os miúdos e o
nórdico que já
nos fez chorar
Casper Ruud (4 ATP) é
a figura maior do Estoril
Open, que arranca na
segunda-feira. Jovem Ben
Shelton recebeu convite
Na sua história de mais de
30 anos e vários organizado-
res, o Estoril Open habituou-
-nos a duas coisas: a ser um
dos pontapés de saída para a
temporada de terra batida, tor-
nando-se, portanto, palco pri-
vilegiado da glória de europeus
do Sul e sul-americanos, natu-
ralmente jeitosos nessa super-
fície, e ao olho para desvendar
futuras figuras do circuito que
nem programa televisivo de
talentos, apesar de ser um mo-
desto torneio da categoria 250.
Por cá passou um adolescente
Rafael Nadal em 2004, um ano
antes de vencer pela primeira
vez Roland Garros. Em 2007,
com apenas 19 anos, Novak
Djokovic recebeu das mãos de
Eusébio o troféu de campeão.
Já na sua nova versão, em 2015
foi no Estoril Open que Nick
Kyrgios atingiu a sua primeira
final ATP. Stefanos Tsitsipas
jogou por cá em 2018, quando
ainda estava fora do top 40, e
Carlos Alcaraz brilhou no qua-
dro de qualificação em 2021,
para cair frente ao veterano
Marin Cilic na 1ª ronda.
Português Nuno Borges
chega ao torneio como
68º do Mundo e após
algumas das melhores
semanas da carreira
Ben Shelton, jovem de 20
anos, número 39 mundial e
ontem confirmado como um
dos wild cards do torneio, cujo
quadro principal arranca na
segunda-feira, poderá muito
bem ser um nome a juntar a
esta lista daqui a alguns anos.
O norte-americano, que se dis-
tinguiu no circuito universitá-
rio do seu país, fará no Estoril
Open a estreia absoluta a jogar
na Europa como profissional,
depois de chegar com surpresa
aos quartos de final do Open da
Austrália. Mas a grande figura
da edição deste ano do único
torneio ATP em território na-
cional é alguém que foge às
duas premissas iniciais sobre a
prova. Bem, talvez não. Casper
Ruud nasceu há 24 anos, em
Oslo, na Noruega, mas quem
o vê jogar não se admiraria
se tivesse vindo ao mundo al-
gures na Argentina ou numa
localidade espanhola junto ao
mar. Em 2018 mudou-se para
a academia de Rafael Nadal,
em Manacor, nas ilhas Balea-
Ruud já venceu oito títulos,
sete dos quais em terra
batida FOTO JULIAN FINNEY/
/GETTY IMAGES FOR LAVER CUP
res, e dois anos depois venceria
em Buenos Aires o seu primei-
ro título ATP. Curiosamente
frente a um português, Pedro
Sousa, e em terra batida. Em
2022 chegou a duas finais de
torneios do Grand Slam (Ro-
land Garros e US Open) e é já
como tenista consagrado que
se estreia no Estoril, com o
posto nº 4 no ranking mundial
como impressionante cartão
de apresentação.
É no pó de tijolo que o no-
rueguês vai cimentando o seu
palmarés: tem oito títulos ATP
no bolso, sete deles nesta su-
perfície. Há um ano, em Gene-
bra, bateu João Sousa na final
— a tendência para nos causar
desilusões será mitigada com
a presença no Estoril Open,
em que é amplamente favorito,
apesar do cartaz pejado de jo-
gadores experientes como Ro-
berto Bautista Agut (28 ATP),
Diego Schwartzman (38 ATP)
ou Albert Ramos-Vinolas (51
ATP, campeão no Estoril em
2021). Da nova geração, estão
de regresso Sebastian Baez,
vencedor da última edição e
nº 33 do Mundo, e Alejandro
Davidovich Fokina (25 ATP) e
Sebastian Korda (26 ATP), que
tão boas impressões deixaram
em 2022. E neste grupo por-
que não colocar Nuno Borges,
o português de 26 anos, 68º
do ranking, que vem do seu
melhor título da carreira, no
Challenger 175 de Phoenix, e
de chegar pela primeira vez
ao quadro principal de um
Masters, em Miami? O maiato
atingiu a 2ª ronda há um ano,
quando venceu a edição de
pares ao lado de Francisco
Cabral.
Thiem à espera de renascer
Inicialmente, o Estoril Open
contava com dois vencedores
de torneios do Grand Slam no
quadro principal, mas a de-
sistência de Stan Wawrinka,
o suí ço, de 37 anos, que ga-
nhou o Estoril Open em 2013,
deixa esse estatuto de forma
isolada para Dominic Thiem.
O austríaco, de 29 anos, cam-
peão no US Open em 2020 e
finalista no Open da Austrá-
lia e Roland Garros, terá nova
oportunidade em Portugal
para voltar aos bons resulta-
dos, depois de dois anos peja-
dos de lesões que o atiraram
para fora dos 100 primeiros do
ranking. João Sousa, vencedor
em 2018 e atualmente fora do
top 150, tentará também uma
ressurreição no Estoril Open,
cuja final está marcada para
dia 9 de abril, dia de Páscoa.
Lídia Paralta Gomes
lpgomes@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 31
BREVES
PORTIMÃO PODE
FICAR SEM O MOTOGP
SEGURANÇA O Autódromo In-
ternacional do Algarve está em
risco de não voltar a ser inclu-
ído no calendário do MotoGP.
O aviso veio da Dorna, empre-
sa promotora da competição,
caso a pista não resolva “o es-
tado das camadas de cascalho”.
Em causa está o tamanho das
pedras usadas na gravilha es-
palhada nas escapatórias da
pista para reduzir a velocidade
dos veículos.
6,04
é a média de cartões
amarelos ou vermelhos
mostrados, por jogo, entre a I
e II Ligas, segundo um estudo
do Observatório do Futebol
(CIES) que colocou os
principais campeonatos de
Portugal como os piores da
Europa neste capítulo. Entre
as 76 ligas nacionais
analisadas, só quatro países
na América do Sul superam
esse registo: Bolívia, Uruguai,
Venezuela e Equador
FÓRMULA 1 A Mercedes “po-
de demorar quase um ano”
até ser capaz de competir
com o nível da Red Bull, que
ganhou os últimos dois títu-
los mundiais com Max Vers-
tappen. A confissão veio de
Lewis Hamilton, o sete vezes
campeão, já na Austrália,
onde este domingo (6h, Sport
TV) se realiza a quarta corri-
da da época.
MUNDIAL DE
SUB-20 NÃO SERÁ
NA INDONÉSIA
FUTEBOL O país asiático ia orga-
nizar, entre maio e junho, a pró-
xima edição do torneio, mas a
FIFA retirou-lhe a prova. Além
das repercussões da tragédia
que, em outubro de 2022, cau-
sou a morte a pelo menos 125
pessoas num estádio, o pedido
da Indonésia para que a seleção
de Israel fosse vetada a partici-
par também terá influenciado.
“ESTOU EXAUSTO
DE RECEBER
MENSAGENS DE
APOSTADORES COM
AMEAÇAS,
INSULTOS E
PROVOCAÇÕES”
João Sousa
O tenista profissional escreveu no seu
Instagram sobre “uma realidade que
poucos conhecem”, exigindo “respeito”
32 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 31 de março de 2023

PROJETOS EXPRESSO LONGEVIDADE

Governo Plano para lidar com a transição demográfica: €400 milhões para os cuidados de saúde e melhoria e aumento
da capacidade instalada. Para reverter os dados do envelhecimento: “Se nada for feito, em 2060 Portugal será insustentável”

Procura-se gestor de idosos

com soluções inovadoras
Textos André Rito

A
Foto Nuno fox

na Mendes Godinho,
ministra do Traba-
lho, Solidariedade
e Segurança Social,
afirma que o Go-
verno está “há um
ano a debater e a
tratar a longevida-
de”. Perante a crise
demográfica que Portugal atravessa, o
Executivo avançou finalmente com me-
didas para promover o envelhecimento
ativo e, simultaneamente, olhar para
esta questão como uma oportunidade
para a economia. Após dois anos de in-
tensa luta contra a pandemia, surgiram
então duas linhas estratégicas para
a transição demográfica: um centro
de capacitação para profissionais que
trabalham na área do envelhecimento
e um plano de ação nacional.
“A pandemia pôs a nu muitas fragili-
dades do sistema face às necessidades
existentes, revelando também uma
incapacidade para responder àquilo
que se perspetiva virem a ser os nossos
futuros desafios nesta área”, começou
por dizer Ana Mendes Godinho, na
última reunião do conselho consulti-
vo do projeto Expresso Longevidade.
“Este foi o retrato que nos obrigou a
agir e que nos confere legitimidade
social de olhar para o envelhecimento
de forma transversal, mobilizando a
sociedade para aquilo que designo de
investimento transformacional.” Mas,
afinal, que medidas concretas vão con-
tribuir para esta transformação? Ministra fala com CEO da Impresa sob o olhar atento de um dos curadores do projeto, Manuel Caldas de Almeida, da União das Misericórdias

Financiado pelo Plano de Recupera-
ção e Resiliência (PRR) e pela Agenda
Portugal 2030, neste momento, afir-
ma a ministra, há 400 projetos em
estudo, ligados à área do envelheci-
mento, cujo investimento representa
mais de €400 milhões. Esta é uma
das principais linhas de intervenção
do Governo, que aposta também em
soluções inovadoras como a habitação
colaborativa. A ideia é juntar novos e
velhos numa lógica de intergeraciona-
lidade, sem institucionalização, mas
criando novos modelos de habitação.
Neste capítulo estão já aprovados 22
projetos-piloto, com um financiamen-
to total de €22 milhões.
As medidas a serem implementadas
fazem parte do plano de ação nacional
para o envelhecimento e do centro de
capacitação, que trabalhará em arti-
culação com o Instituto de Emprego
e Formação Profissional (IEFP). Em
vez de respostas tradicionais, como
o apoio domiciliário, estruturas resi-
denciais para idosos ou centros de dia,
a ministra optou por lançar um alerta
de financiamento “em carta branca”.
“Apresentem-nos os projetos capa-
zes de dar resposta aos desafios que
nos são colocados e que cumpram os
objetivos que nos propomos: autono-
mia, segurança, serviços partilhados,
independência, e acompanhamento”,
explicou Ana Mendes Godinho, acres-
centando que o Governo “não impõe
soluções”. “Temos atuado como gran-
de facilitador e também no investimen-
to destes projetos.”
Trabalho e corte
abrupto de utilidade
Há várias ideias sobre a mesa. Focan-
do nas respostas sociais ao envelheci-
mento, a ministra anunciou que está
para ser lançado também aquilo que
designa de apoio domiciliário 4.0. Isto
para combater o isolamento, mas man-
tendo as pessoas em casa e de forma
autónoma, com recurso à inovação e
tecnologia. “Basta um botão para que
as pessoas possam ser monitorizadas
24 horas por dia.” Outra das ideias
passa pela criação de uma linha “60+”
e pelo desenvolvimento de um mo-
LONGEVIDADE delo de “gestor do idoso” o qual fará
É o ano dois do projeto que o acompanhamento permanente das
o Expresso lançou em 2022, franjas etárias mais fragilizadas. O
com o apoio da Fidelidade objetivo, defende a ministra, é a pro-
e da Novartis. Durante moção da autonomia.
este ano vamos olhar para Manuel Caldas de Almeida, médico e
os desafios da longevidade presidente da União das Misericórdias,
que se colocam às pessoas, concorda e diz que nunca viu um “ido-
às comunidades, às empresas so entrar num lar com ar feliz”. “Um
e ao Estado. Agora que vamos doente até me escreveu um poema. Di-
viver mais anos, a meta zia algo do género: ‘gosto muito do lar
é chegarmos novos a velhos. e as pessoas são muito simpáticas. Mas
o que eu gosto mesmo é da minha casi-
nha’”. O importante, refere o médico,
usando a mesma expressão da minis-
tra, é que haja uma “transformação”
no olhar que a sociedade tem sobre os
mais velhos. “Nos anos 90, quem tinha
65 anos era velho. Hoje não é nada as-
sim.” E isto terá as suas implicações no
trabalho. Não significa que o Governo
pretenda mexer na idade da reforma,
mas antes que exista uma “saída fa-
seada”, para evitar aquilo que Nuno
BEST OF DOS TEXTOS DE LONGEVIDADE NO SITE
Dormir bem até no frio da ^ Finlândia, o frio da felicidade
Finlândia, o país mais feliz do Ranking mundial coloca
mundo. Por cá, precisamos novamente o país nórdico no
de mudar as nossas cidades topo dos mais felizes do mundo.
e adaptá-las à transição Portugal mantém o 56º lugar. O
demográfica que nos podem ensinar os
finlandeses?
^ Acabar com as noites Teresa ^ Cidades: o que adaptar? Ideias e
Paiva, a maior especialista programas em curso, no
portuguesa em medicina estrangeiro e em Portugal. Da
do sono, avança com habitação à organização, tudo o
uma pré-publicação do que precisamos para tornar as
seu livro “O Meu Sono e Eu”. nossas cidades age friendly.
Saiba o que nos provoca
noites em branco e conheça Veja tudo em
os mitos do descanso. www.expresso.pt
Marques, presidente do Observatório
Nacional do Envelhecimento e futuro
diretor da estratégia governamental,
quer do plano de ação e do centro de
competências: “Uma pessoa chega
à reforma e no dia seguinte passa a
sentir-se inútil.”
Na mesma semana em que o Go-
verno anunciou ao Expresso a estra-
tégia para o envelhecimento — com
um convite endereçado ao médico
praticamente na véspera da reunião
no Conselho Consultivo — foram reve-
lados em primeira mão os primeiros
dados do observatório dirigido por
Nuno Marques. Portugal tem atual-
mente 2,4 milhões de pessoas com 65
ou mais anos, um número que aumen-
tou 43% nas duas últimas décadas. Por
outro lado, a população ativa — perto
de 6 milhões de pessoas — tem regis-
tado aumentos pouco significativos,
e as projeções para os próximos 40
anos estão longe de ser as melhores: se
nada for feito, afirma Nuno Marques,
teremos uma redução de um terço da
população ativa em 2060.
Apostar na inovação, importar ideias
e promover o bem-estar são, portan-
to ações fundamentais para manter a
sustentabilidade do sistema de pensões
e do próprio país. No conjunto de solu-
ções propostas por Nuno Marques está
a adaptação dos postos de trabalho para
os mais velhos, ao beneficiar da sua
experiência, e apostar no empreende-
dorismo sénior, aumentando a produti-
vidade. Adicionalmente, continua o mé-
dico, será preciso aumentar a população
ativa, apostando também na imigração.
Ana Sepúlveda, presidente executiva da
empresa 40+Lab, lembra aquilo que
muitos especialistas consideram es-
sencial para o equilíbrio das contas: a
criação da economia da longevidade.
“É preciso trazer o mundo da economia
para a longevidade, unindo esforços de
diferentes países e analisando dados
que ajudem a definir estratégias.”
sociedade@expresso.impresa.pt
P&R
Quais são os reais planos
deste Governo para
a longevidade?
A ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social,
Ana Mendes Godinho, está a
preparar duas linhas estratégicas.
Um centro de capacitação para
profissionais ligados à área dos
cuidados de saúde, em
articulação com o IEFP. Ao invés
de delegar tarefas, a ministra
espera propostas em “folha
branca”. Nuno Marques, do
Observatório Nacional do
Envelhecimento, será diretor de
ambos os projetos.
Quantos projetos estão neste
momento a ser trabalhados?
Existem 400 projetos em estudo
para aumentar a capacidade
instalada na resposta social aos
idosos, em serviços domiciliários,
centros de dia e estruturas
residenciais. No capítulo das
“soluções inovadoras” estão
aprovados 22 projetos de
habitação colaborativa.
Quais os valores envolvidos
e qual o investimento
do Estado?
O financiamento destes projetos
está inscrito no Plano de
Recuperação e Resiliência —
cerca de €400 milhões. Há
também um financiamento
adicional proveniente da agenda
Portugal 2030, cujos projetos
deverão estar concluídos até ao
final de 2026. É o caso das já
referidas soluções de habitação
colaborativa.
Expresso, 31 de março de 2023
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1942-2023 Não sabemos o que seria Maria Kodama sem Jorge Luis Borges,
mas sabemos que o legado de Borges sem a defesa feroz de Kodama teria sido bem diferente
Maria Kodama
A
contece a toda a hora
perdermos amigos para
as namoradas e amigas
para os namorados. Es-
tamos habituados a ver aquela
pessoa, a falar com ela todos
os dias, a jantar com ela, a sair,
a frequentar a sua casa e essa
pessoa a nossa, até que apare-
ce uma paixão que arrebata o
nosso amigo ou a nossa amiga
de tal forma que nos desapa-
rece da vista. “Terá morrido?”,
perguntamos, despeitados, mas
com a esperança estúpida de
não termos sido abandona-
dos, logo nós que éramos tão
amigos. “Não, conheceu uma
pessoa”, respondem os que não
fazem ideia do que é a amizade
mais intensa, com frequência,
gargalhadas e cumplicidades.
“Mas eu não chegava?”, pergun-
tamos sem abrir a boca porque
sabemos quão ridícula é a per-
gunta. Mas alguma vez os ami-
gos chegam seja para o que for?
Jorge Luis Borges não desa-
pareceu da companhia e dos
jantares em casa do seu grande
amigo Adolfo Bioy Casares e da
mulher, Silvina Ocampo, escri-
tora e irmã de Victoria Ocam-
po, uma das mulheres mais
ricas da Argentina, quando
conheceu Maria Kodama. Mas
a entrada mais frequente de
Borges, de Bioy Casares — um
diário de memórias único, uma
obra apenas comparável com
o Johnson de Boswell — “Bor-
ges janta em casa”, começa a
ser cada vez mais rara a partir
do momento em que Borges
conhece Kodama. Seria coinci-
dência? Seria, sobretudo, natu-
ral. A cerimónia nas conversas
entre ambos por um lado aden-
sa o mistério, mas por outro há
a preocupação de registar que
Maria acompanha Borges uma
ou duas vezes e depois deixa
de estar presente, além de ser
muito pouco mencionada no
livro. É, porém, referida numa
conversa importante a 9 de De-
zembro de 1976. Borges está
emocionado e envergonhado
por quebrar aquela cerimónia
ou formalidade ou politesse
que ambos cultivavam. Conta
que está apaixonado por Maria
Kodama. Aos poucos, Borges
não aparece tantas vezes para
jantar. Muitas viagens aos Es-
tados Unidos da América e à
Obituário
José Duarte
1938-2023 Nascido no
Bairro Alto, bem perto do
Conservatório Nacional,
a 23 de junho de 1938, foi
no jazz que José Duarte
encontrou a sua vocação.
Comunicador nato, tanto na
imprensa como na rádio e
na televisão, contribuiu para
doutrinar diversas gerações
para o evangelho de Parker,
Coltrane e Ornette. E se
cinco minutos radiofónicos
diários lhe bastavam para
levar o jazz a casa de todos
os portugueses, como se
orgulhava de fazer desde
1966, a sua carreira como
divulgador do chamado “som
Maria Kodama
conviveu com Borges
durante cerca de 70
anos. Conheceram-se
quando Kodama
tinha apenas 16 anos
Europa serão uma explicação
plausível para a sua ausência,
mas até nesses casos há uma
mudança relevante: é Koda-
ma quem passa a acompanhar
Borges e não a mãe do escritor
que até ao momento era a sua
acompanhante habitual.
Maria Kodama era filha de
uma argentina de um japonês.
Podia ter nascido em solo ar-
gentino, mas a educação que
recebera era do pai, com valo-
res éticos rigorosos, e por isso
considerava-se japonesa. Nas-
ceu em 1937, mas era coquete
ao ponto de inventar outras da-
tas de nascimento, como 1941,
1945 ou 1942, como é referida
no índice do Borges de Bioy
Casares. No dia da sua morte,
o jornal argentino La Nación
tratou-a redundantemente
por “samurai implacável”, por
zelar sem hesitações nem ce-
dências pelo património literá-
rio de Jorge Luis Borges, por
da surpresa” prolongou-se por
uns expressivos 65 anos. A
essa longa jornada não faltou
sequer a veia de produtor de
concertos, alguns dos quais
afrontaram o regime político
liderado por Marcello Caetano.
Tudo começou em 1958. Com
apenas 20 anos, José Duarte
já apresentava na Rádio
Universidade o programa “O
Jazz, Esse Desconhecido”.
Ajudava também Raul Calado
a fundar o Clube Universitário
de Jazz (CUJ), fechado
compulsivamente em 1961. Em
1960, por intermédio do CUJ,
iniciava no “Diário de Lisboa” a
publicação de uma longa série
de artigos que dedicaria ao jazz
durante décadas. A imprensa
teria, contudo, de esperar mais
uns anos para poder publicá-lo
com regularidade. A rádio,
pelo contrário, franqueava-lhe
as portas. A começar pela
Renascença, para a qual
concebeu diversos programas
nas décadas de 1950 e 1960,
incluindo “Encontro com
livraria, quase o ter feito cair.
Tropeçou em Borges, dir-se-ia,
tal como o encontrara por aca-
so nos poemas, “Two English
Poems” que lia aos 5 anos nas
explicações de inglês. Tinham
interesses similares, como o es-
tudo do saxão e do islandês que
aprenderam juntos. Kodama
colaborou na edição de várias
das obras do escritor argenti-
no, e publicou também obras
da sua autoria, tais como “Ho-
menaje a Borges”, em 2016, e
Relatos, um livro de contos, no
ano seguinte.
FOTO RICARDO CEPPI/GETTY IMAGES
A dada altura da vida, Bor-
ges casou-se com outra mulher,
Elsa Astete, de quem Kodama
nunca disse uma palavra me-
nos simpática. Compreendia
que Elsa quisesse ter os seus
serões tranquilos com Borges
a ver televisão, mas que Bor-
ges não era o homem indicado
para viver daquela forma que
ambicionava. Kodama dizia que
Borges a amava por ser uma
exemplo, impedindo o editor mulher livre e por lhe dizer que
da Gallimard, Jean Pierre Ber- não pertencia a ninguém quan-
ners, de publicar 120 gravações do lhe propunha o cenário de se
de conversas com Borges pou- chamar “Maria Kodama de Bor-
co antes de morrer. Kodama ges”. Conta que tinha ciúmes de
adquiriu os direitos e proibiu a Peter O’Toole, o “Lawrence da
sua difusão. Acusou a escritora Arábia”, filme de que Kodama
mexicana Elena Poniatowska gostava e que imaginava razões
de ter publicado uma entre- que tornariam impensável qual-
vista falsa a Borges; confron- quer relação entre a mulher
tando-se em tribunal com um que amava e o ator.
escritor espanhol que publicou Borges e Kodama casaram a
uma versão “desenvolvida” do 26 de abril de 1986, dois meses
El Aleph que Kodama afirmava antes de o escritor argentino
violar direitos de autor. Perdeu morrer. Em 1988, inaugurava a
o processo, nenhum intelec- Fundação Internacional Jorge
tual apareceu para a defender, Luis Borges em Buenos Aires.
mas sabemos que tinha toda Tinha a perfeita consciência
a razão. Há apenas dois anos, de que Borges sabia que era
Jay Parini, um escritor ameri- a pessoa mais indicada para
cano, escreveu um livro inti- defender a sua obra após a
tulado “Borges and Me” que sua morte. Sabia que Kodama
Kodama condenou como sendo o defenderia de todas as atro-
uma obra horrível e cheia de cidades que se avizinhavam e
mentiras sobre uma viagem que salvaguardaria o seu lega-
que Borges e Parini teriam feito do dentro e fora da Argentina.
à Escócia. Kodama ameaçou E foi precisamente isso que
com processos judiciais, além fez, sendo temida e ao mes-
de o ter insultado publicamen- mo tempo sem nunca querer
te, mas o livro seria publicado protagonismo para si própria,
à mesma. mantendo o estilo elegante e
Maria Kodama conviveu com bem-humorado.
Borges durante cerca de 70 “Queria ir a Marte, mas é
anos. Conheceram-se quando caríssimo”, disse poucos dias
Kodama tinha apenas 16 anos antes de morrer. Mas seria pos-
e o encontro é descrito pela sível não gostar desta mulher,
própria com uma espécie de mesmo que nos tivesse rouba-
embaraço por, ao sair de uma do o melhor amigo?
o Jazz”, “Isto É o Jazz” e o > Paul O’Grady (1955-2023), co-
mais importante de todos mediante, apresentador, ator e
“Cinco Minutos de Jazz”. escritor britânico, ficaria céle-
Emitido a partir de 1966, não bre na década de 1990 ao inter-
sem a oposição de inúmeros pretar a drag queen Lily Sava-
ouvintes, levá-lo-ia à fama. ge e ao apresentar o programa
“Cinco Minutos de Jazz” estava “Blankety Blank” na BBC One.
fadado a tornar-se o programa Dia 28, subitamente, mas “de
de rádio mais antigo do forma pacífica”. > Juca Chaves
mundo, tendo sido retomado
pela Rádio Comercial e,
(1938-2023), compositor, músi-
co e humorista brasileiro, autor
posteriormente, pela Antena de canções como ‘A Cúmplice’
1. Fora de portas, José Duarte e ‘Presidente Bossa Nova’. Ape-
foi correspondente da revista lidado de “O Menestrel Mal-
de jazz polaca “Jazz Forum” dito” por Vinicius de Moraes,
e da prestigiada revista desafiou a ditadura brasileira,
norte-americana “Down Beat” tendo vivido exilado durante
— cujo Annual International seis anos entre Portugal e Itália.
Jazz Critics Poll integrou a Dia 25, de problemas respira-
partir de 1975 — e membro da tórios. > Luís Silva (1931-2023),
direção da International Jazz coronel e empresário açoriano,
Federation, contribuindo assim foi proprietário da Lusomun-
para a internacionalização do do — que deteve o “Diário de
jazz português. Distinguido Notícias”, o “Jornal de Notícias”
com várias condecorações e a TSF — antes de a vender
oficiais, José Duarte morreu à PT Multimédia. Juntamente
às 3h45 da madrugada de com a mulher, Maria Perpétua
quinta-feira, aos 84 anos, em Bordallo, estava há vários anos
casa, pacificamente. entre as 20 pessoas mais ricas
João Moreira dos Santos de Portugal. Dia 25.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
Não à política
no desporto!
A diretiva do COI de permitir a
participação de atletas russos
e bielorrussos em provas inter-
nacionais é de louvar por um
lado, mas lamentável por ou-
tro, ao determinar que os atle-
tas participem como neutros.
A política não tem, ou não
devia ter, lugar no desporto.
O desporto é uma das ativida-
des humanas mais nobres que
existem e está num patamar
ético muito acima da política.
O desporto está intimamente
associado ao que é puro e ver-
dadeiro e a política jamais de-
via interferir, seja a que título
for, nessa magnífica atividade
que só eleva o ser humano. O
desporto faz-nos esquecer que
o homem é um animal político
e lembra-nos que ele é, antes
a acima de tudo, um animal
social.
Ronald Silley, Canadá
Protestos em França
A dificuldade notória das de-
mocracias de tomarem deci-
sões importantes a longo prazo
que impliquem sacrifícios no
curto prazo é bem conhecida.
A sobrevalorização do curto
prazo leva ao governo baseado
na sondagem da última sema-
na e liquida a ação de verda-
deiros estadistas, uma espécie
em extinção. O que se passa
em França é paradigmático.
Evidentemente que o aumen-
to da esperança de vida após a
idade da reforma que ocorreu
nas últimas décadas, em que
passou de meia dúzia de anos
para 25 ou 30 anos, tem de ter
consequências. Não é possível
um Estado moderno pagar 30
anos de lazer após uma vida
de trabalho a terminar aos 60
anos. Praticamente todos os
países já o compreenderam.
De Gaulle criou uma espécie de
escape para facilitar a tomada
de medidas de fundo impopu-
lares no curto prazo. Esta lei,
que permite a aprovação de leis
fora do debate parlamentar, so-
breviveu a muitos presidentes e
a muitos governos de diferen-
tes fações partidárias, e o seu
uso por Macron é perfeitamen-
te legítimo e apropriado. Aliás,
esta lei prevê a possibilidade
de rejeição de medidas apro-
vadas ao seu abrigo se 50% dos
deputados votarem contra ela,
o que não aconteceu. Por isso,
muito me espanta que a consti-
tucionalista Teresa Violante, li-
gada ao PSD, num inexplicável
arroubo de extrema-esquerda
venha escrever na edição do
Expresso de 24 de março que
se o Parlamento deixa de ser
a sede de resolução de interes-
ses antagónicos e o Executivo
impõe de modo unilateral e
incontestável a sua vontade,
nada mais resta ao povo senão
a força das ruas. Nada mais
resta? Então e a votação para
derrubar o Governo, que Ma-
cron ganhou, não conta, não é
democrática? Que miúdos de 16
anos aproveitem o seu momen-
to de fama e não compreendam
a absoluta necessidade de li-
quidar um conjunto de regras
de reforma absurdo e caduco
é uma coisa. Agora Teresa Vi-
olante vir defender, de facto, a
desordem que grassa nas ruas
francesas por um motivo destes
PRIMEIRO CADERNO 33
é verdadeiramente espantoso,
e triste, devo acrescentar.
J.P. Cansado Carvalho, Lisboa
E sobre os frangos
Presentemente Bruxelas tem
em apreciação pública uma
proposta para disponibilizar
três vezes mais o espaço desti-
nado ao alojamento dos frangos
e propõe a criação de apenas
frangos de crescimento lento. O
preço ao consumidor da carne
de frango (a mais consumida
em Portugal) iria aumentar cer-
ca de duas vezes, o que contras-
ta com a redução de 6% de des-
conto que o Governo português
acaba de conceder temporaria-
mente para ajudar os consumi-
dores. Perante esta situação,
qual será a opinião do nosso
Governo perante a mencionada
proposta de Bruxelas ora em
apreciação pública? Quanto aos
partidos de oposição também
nada se sabe até ao momento.
Magda Miranda, Bombarral
Obrigado,
senhora ministra
A 25 de abril de 2022, o Presi-
dente da República, a propósito
da guerra na Ucrânia, apelou
ao Governo para cuidar da si-
tuação das Forças Armadas.
À noite, num telejornal, o pri-
meiro-ministro afirmou que as
Forças Armadas estavam bem
e que a Lei de Programação
Militar supria as suas necessi-
dades. Como se fossemos todos
tolinhos!
No Expresso de 24/3/2023, a
ministra da Defesa, em artigo
de sua autoria, esclareceu-nos
sobre tal lei. Foi cumprida a
54% em 2021. Agora, com a
casa roubada, trancas à porta.
O investimento global vai subir
17,5%, a verba de manutenção
de meios 96%, a reposição de
reservas de guerra 108% e a
ciberdefesa 40%. Confirmou
aquilo a que assistimos duran-
te anos, a redução progressiva
das Forças Armadas à insigni-
ficância. Se somarmos a isto a
destruição do sistema de justiça
militar, só podíamos chegar à
Madeira. Desconhecíamos ape-
nas em que dia.
Luís Barbosa, Lisboa
O Papa dos pobres
Com dez anos de chefia da Igre-
ja Católica, Francisco, o Papa
maior da nossa idade, tornou-
-se o cavaleiro da esperança
dos humilhados e ofendidos da
Terra. Verdadeiro arauto dos
Evangelhos, criou anticorpos
em todos os recantos do Vati-
cano, onde clérigos ultramon-
tanos e cardeais florentinos
anseiam pela sua morte. Entre
os bispos portugueses, são mui-
tos os campeões da hipocrisia.
Embora detestem o seguidor
do santo de Assis, disfarçam
o seu apoio postiço ao aggior-
namento de Francisco, cujo
programa, afinal, não é senão
a retoma da palavra de Cristo.
Neste contexto, devemos real-
çar a admirável clarividência de
António Sérgio, de que é prova
bastante o que disse acerca do
cristianismo: “Os corolários
sociais da doutrina cristã são
da extrema-esquerda; e se há
católicos da direita, são-no pela
mais rotunda infidelidade ao
Evangelho, por um acervo infi-
nito de sofismas, por um imen-
so ato de ‘jesuitismo’.” Eis um
juízo que ilumina seguramente
o papado de Francisco, não ten-
do perdido, pois, pingo algum
de atualidade.
Eurico de Carvalho, Vila do Conde
34 PRIMEIRO CADERNO
Alarmes que
protegiam as latas
de atum passam a
proteger as latas
de sardinha e
cavala que ficaram
fora do IVA zero
As conservas de atum fazem par-
te da lista de produtos básicos que
ficam isentos de IVA, deixando as-
sim de ser tão valiosas que preci-
sam de ser protegidas por redo-
mas de acrílico à prova de bala,
como a Mona Lisa. As latas de sar-
dinha e de cavala continuam, po-
rém, a pagar IVA, pelo que deverão
ser guardadas em cofres-fortes
com sensores de infravermelhos,
não vá o Tom Cruise aparecer pen-
durado do teto para roubar sardi-
nhas em tomate picante. De refe-
rir que as sardinhas frescas vão
pagar IVA zero quando começa-
rem a aparecer, mas passam a pa-
gar 23% de IVA quando já estive-
rem gordinhas. V.E.
PAN quer ração para
animais com IVA zero
e aumento salarial de
1% para funcionários
públicos como
cães-patrulha
O PAN ficou chocado com a exclu-
são da ração para animais na lista
dos 44 produtos básicos com IVA
zero, protestando também porque
o anunciado aumento de 1% no sa-
lário dos funcionários públicos
pode não abranger cães-pisteiros
da PSP, cavalos da GNR, cabras-sa-
padoras da Proteção Civil e os rott-
weilers que João Galamba atiça
aos jornalistas que lhe fazem per-
guntas inconvenientes. Inês Sousa
Real promete não descansar até
que os cereais que fazem parte da
lista de produtos básicos incluam
a alpista para canários. V.E.
Marques Mendes já
sabia que os ovos vão
ter IVA zero quando
eles ainda estavam
no rabo da galinha
O Governo anunciou a lista de 44
produtos que vão ficar isentos de
IVA, mas a decisão já tinha sido an-
tecipada pelo sagaz e bem infor-
mado Marques Mendes que, já na
Se não aconteceu, podia ter acontecido
Nº 65 SÉRIE II O DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
MINISTRO DA SAÚDE REVELA QUE RESERVA
DE SANGUE DE PORTUGAL ESTÁ DEPOSITADA
NOS MOSQUITOS DA COMPORTA
Manuel Pizarro assegurou aos portugueses que o SNS tem reservas
suficientes de sangue, revelando que uma reserva de emergência está
armazenada na barriga dos mosquitos da Comporta, que acumulam
duas toneladas de sangue azul do Ricardo Salgado e da Madonna, bem
como uma melga que chupou e guardou 100 gramas de sangue plebeu
de um vereador que estava na praia a delinear o novo PDM. Manuel
Pizarro culpou as greves dos transportes públicos pela redução das
dádivas de sangue e Mário Nogueira por usar sangue doado para
cozinhar cabidelas, nos refeitórios das escolas, para os professores em
serviços mínimos. V.E.
ABUTRE
VENTURA
ADOTA ABUTRE
A extrema-direita endureceu a mensagem ao nível dos
animais de estimação. Depois da malograda coelha
Acácia, que recolheu ao cemitério de Santa Comba Dão,
André Ventura foi à mesma loja/canil/gatil/abutril de
petcare que abastece Giorgia Meloni e adotou um
animal que se alimenta dos mortos. Foi uma inspiração
divina, depois da reação abutre à tragédia do Centro
Ismaelita de Lisboa, que
levou Ventura à decisão
abutre de ter um abutre
à janela do grupo
parlamentar do Chega
para vigiar os alertas da
TV, as tendências alarves
do Twitter do momento
e as desgraças humanas.
O abutre chama-se
Donald. M.B.
semana passada, previu o fim do
IVA dos ovos quando ainda estavam
na cloaca da galinha, dos feijões
quando ainda estavam nas vagens,
da carne de vaca quando ainda es-
tava no Presépio e das batatas
quando ainda não tinham sido des-
cobertas pelo Cristóvão Colombo
no Novo Mundo. Marques Mendes
previu ontem que, seguindo os
conselhos e boas práticas de ali-
mentação e sustentabilidade da
ONU, o Governo vai baixar o IVA de
insetos como larvas, mas manter o
IVA de produtos transformados
como borboletas. V.E.
Tanques enviados por
Portugal chegaram à
Ucrânia, mas voltaram
atrás para atestar
em Espanha porque
fica mais barato
É um ponto de viragem na guerra:
os três Leopard com inspeção pe-
riódica em dia, que Portugal ofere-
ceu à Ucrânia, chegaram esta se-
mana à fronteira, mas deram
meia-volta e vieram por aí abaixo
abastecer a Espanha. “Ficou mais
barato e permitiu o toque de sim-
patia de encher o porta-luvas com
caramelos e nougats”, explicou o
Estado-Maior. Por cá, a Marinha
continua a tentar apurar se o novo
torpedo russo Poseidon tem capa-
cidade tática para gripar o motor
do navio Mondego. M.B.
AR TV transmite
programa de
culinária com
receitas de IVA zero
Os restaurantes já estão prepara-
dos para anunciar que “hoje há co-
zido com IVA zero”, isto numa altu-
ra em que os portugueses
manifestam surpresa por o pires de
caracóis não fazer parte da roda de
alimentos e continuar com a taxa-
ção de 23%. Pelo lado positivo, a te-
levisão de Santos Silva começa hoje
a emitir “O Augusto cozinha”, um
programa com receitas que apenas
utilizam produtos sem IVA, sem
glúten e sem neoliberalismo. M.B.
Governo está a
monitorizar efeitos do
IVA em Espanha
através de famílias que
fazem compras nas
zonas de fronteira
O Ministério da Economia está mo-
nitorizar o impacto da descida do
IVA em Espanha através de cente-
nas de famílias que fazem compras
em supermercados espanhóis. Dia-
riamente, as equipas da ASAE des-
locam-se aos 50 pontos de frontei-
ra identificados e reúnem com as
dez famílias que em cada local fo-
ram incumbidas de recolher infor-
mação sobre 500 preços em Espa-
nha. Assim, cada equipa da ASAE
regressa a Lisboa para, no final do
dia, juntar as 5000 observações de
preço – o que dá um total de 250
preços diários em todo o país – e
analisar os efeitos do IVA. A reu-
nião de compilação de dados co-
meça normalmente às 18:00 horas
e termina as 8:00 do dia seguinte
q u a n d o a s equipas partem no-
Expresso, 31 de março de 2023
MÁRIO NOGUEIRA PEDE A
ISRAELITAS E FRANCESES
QUE CONTINUEM NA RUA
A PROTESTAR CONTRA O
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
JOÃO COSTA
O secretário-geral da Fenprof
tem assistido às manifestações
das últimas semanas, em
França e Israel, está a rebentar
de orgulho e pede que também
os eslovenos, os austríacos
e os transmontanos saiam à
rua a cantar “Está na hora,
está na hora / De o ministro ir
embora”. “Condeno as bulhas
e que se atirem ecopontos às
montras, mas a solidariedade
de franceses e israelitas com a
luta dos professores é de ir às
lágrimas”, confessou Nogueira
a ir às lágrimas. M.B.
vamente para as zonas fronteiri-
ças. A expectativa é que possa ha-
ver um relatório em 2034. A.P.
Canibais querem
carne humana
com IVA 0%
A Associação Portuguesa de Con-
sumidores de Carne Humana en-
viou uma carta a António Costa a
alertar para o facto de terem sido
esquecidos no cabaz da taxa 0% de
IVA. Muitos destes portugueses são
canibais por recomendação médi-
ca e temem que, com a subida dos
preços, tenham de cortar no consu-
mo e a sua saúde possa piorar. É o
caso do pensionista Amílcar C. Bo-
tija, nome fictício: “Tenho anemia e
o fígado humano tem-me feito
muito bem, só que com a minha re-
forma não é fácil”. Ao que o INIMI-
GO PÚBLICO apurou, o Governo
vai rever o cabaz do IVA zero duran-
te a discussão no Parlamento para
incluir não apenas algumas carnes
de origem humana como orelha,
cérebro ou coxa, mas também ou-
tro tipo de bens alimentares como
pedras da calçada, ervas daninhas
e tijolos. A.P.
Culpa de Gouveia
e Melo: NRP
Mondego naufragou
e toda a tripulação
foi devorada por
canibais numa
ilha deserta
Depois de avariar em pleno mar
duas vezes consecutivas, o NRP
Mondego naufragou hoje mesmo
ao largo da costa das Ilhas Selva-
gens, tendo metade dos 13 mari-
nheiros sido devorado por orcas, li-
teralmente metade, porque seis
foram comidos inteiros e um ape-
nas pela metade. Os sobreviventes
conseguiram nadar até às Selva-
gens, onde foram chacinados e co-
midos pelos indígenas antropofá-
gicos e - segundo o ISCTE - por um
historiador antropocêntrico. Um
marinheiro recebeu entretanto a
missão secreta de “neutralizar” o
megalómano almirante Gouveia e
Melo, tendo este comentado, se-
gundo Tânia Laranjo, “o horror, o
horror, o horror...”. V.E.
Gato resgatado
na Vasco da Gama
marcou território
na ponte e passou
a ser acionista
da Lusoponte
Acabou bem, esta semana, o salva-
mento de um gato empoleirado na
Ponte Vasco da Gama, em Lisboa. O
bichano, informou a Lusoponte,
não pagou portagem e aproveitou
para urinar aqui e ali numa vasta
zona do tabuleiro, pelo que passou
a ter uma posição acionista na em-
presa, isenção de portagens e des-
conto no empadão de atum da can-
tina da concessionária. M.B.
Expresso, 31 de março de 2023
Revistas cor-de-rosa
da Impala noticiaram
detenção do dono com
título “Jacques
Rodrigues desmente
caso com PJ: ‘Somos
apenas bons amigos’”
O Grupo Impala comunicou a de-
tenção do seu proprietário com tí-
tulos dignos das suas revistas de
quadrilhice, como “Jacques Rodri-
gues a entrar para o veículo da
PSP: ’Da próxima, preferia uma es-
capadela de fim de semana na zona
prisional da PJ’”, “Jacques Rodri-
gues desmente caso com PJ: ‘so-
mos apenas bons amigos’” ou “Ja-
cques Rodrigues garante que ‘não
pintou um clima’ com o Ministério
Público”. A notícia das buscas foi
dada por um clássico: “Jacques Ro-
drigues apresenta a nova decora-
ção da sua casa à Judiciária”. M.B.
Estudo publicado
na revista ‘Science’
revela que os
peixes-zebra sentem
emoções e ficam
tristes quando
são servidos
com batata frita
Um estudo publicado na conceituada
revista “Science” revelou que os pei-
xes-zebra experimentam sentimen-
tos e emoções, nomeadamente indig-
nação quando servem para fazer “fish
and chips” que, segundo Gordon
Ramsay, os portugueses comem nos
pequenos-almoços e nos piqueniques
no Dia da Espiga. Ainda segundo o es-
tudo, peixes como o atum e o baca-
lhau também sentem emoções como
a raiva e o desejo de vingança para
com os palocos e os bonitos que se fa-
zem passar por eles nos supermerca-
dos, enquanto as sereias choram de
tristeza por não poderem calçar sapa-
tos Christian Louboutin como a Cris-
tina Ferreira e a Alexandra Reis. V.E.
Jorge Jesus acha
que o Bard e o
ChatGPT são boas
equipas, mas lembra
que tem contrato
com o Fenerbahçe
A disputa entre dois bots de inteli-
gência artificial, o derby que já é
um clássico Bard vs ChatGPT,
está no Totobola desta sema-
na e talvez tenha sido isso que
levou Jorge Jesus a dizer ao IP
que “conheço perfeitamente as
duas equipas, que têm grandes
jogadores e dinheiro à brava
para ir à Champions”. O Mister
também avisou que “não recebi
convites para treinar nenhu-
ma das duas ambas e estou
feliz no Fenerbahçe, apesar
de ser um clube com nome
de chatbot da Google ou
da Microsoft”. M.B.
PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO
Caros portugueses, não sejam
OPINIÃO inocentes, baixaram o IVA das
maçãs e das peras, mas sem
especificar se são fruta de bem,
Por como maçãs de Alcobaça e
André Ventura pera-rocha do Cadaval ou fruta
geneticamente modificada,
trazida para Portugal em
IVA ZERO, SIM, MAS SÓ cargueiros chineses e vendidas em
PARA A COUVE PORTUGUESA minimercados de paquistaneses.
Portugueses, hoje são as “maçãs”
Caros portugueses de bem, e as “peras” supostamente nossas,
o Governo liderado por um amanhã são as mangas de avião
primeiro-ministro de etnia goesa que chegam no porão do jato
decidiu esta semana descer o IVA privado do George Soros e do
de uma lista de ditos produtos Klaus Schwab e as mangas de
básicos, mas considero que tal barco, que chegam nos botes dos
lista não passa de um cavalo de refugiados que invadem o nosso
Troia - provavelmente roubado continente e têm muitos filhos,
por ciganos aos gregos - para a porque comem frutas afrodisíacas
invasão de Portugal por produtos como a banana, “por acaso”
de outras terras, como os também agora isenta de IVA. Por
tomates, que toda a gente sabe último, aproveito para culpar o IPMA está a apurar se “homicida”, devendo ser substituí-
ser um fruto da América do Sul, Governo por ter baixado o IVA das por termos mais aceitáveis hoje
mas que o Governo colocou do fruto da tentação, espalhando há ou não lufada de em dia, como a passagem final de
subrepticiamente na secção de assim uma armadilha ao meu ar fresco na seleção “Crime no Expresso Oriente”, quan-
“hortícolas” bem nossas, como amigo e mentor padre Mário Rui do Hercule Poirot revela que todos
os grelos e a couve portuguesa. Pedras. V.E. os suspeitos participaram no homi-
Depois da tirada anti-Engenheiro de cídio e por isso, “todos vocês são ví-
Ronaldo, a DGS saiu para o terreno timas da sociedade e levados a co-
para garantir que a tal “lufada de ar meter atos isolados pelas
fresco” na seleção não é portadora desigualdades sociais como a po-
Cabazada de cabazes de novas estirpes do coronavírus. O breza”, antes de mandar o inspetor
Outros produtos de primeira
IPMA também mandatou uma equi- Japp pedir-lhes o autógrafo. A Leya
pa para passar as imagens de saté- já garantiu que as traduções portu-
necessidade, para diferentes lite a pente fino e apurar se a lufada guesas de Agatha Christie não serão
sensibilidades políticas, que
também podiam ter IVA zero.
de ar fresco, a existir, soprou do reescritas, à exceção da inocência
quadrante su-sudeste e provocou, do suspeito José Sócrates no famo-
ou não, geada matinal a norte do so romance “Uma Cabala na Opera-
Outdoors da campanha
“Mariana e Joana
Tiro ao Zelensky
no Avante!
Taxa de Cabo Carvoeiro. M.B. ção Marquês”. V.E.
estacionamento
Mortágua não são a Farturas de iates de
mesma pessoa” do Avante! oligarcas russos
Bilhetes para as Cerimónia
no Avante! Anedota “um Análises genéticas ao
Finos do
comissões de
inquérito com
da bênção de Avante! português, um francês cabelo de Beethoven
Francisco Louçã
Mariana Mortágua a Mariana e um inglês entram revelam que morreu
Mortágua
Mariana Bifanas do num bar e…” eletrocutado
Mortágua Avante! PCP
cancelada porque quando tocava
Bloco
ofende os abstémios num sintetizador
Como se não bastasse ficarmos sem Análises genéticas realizadas a
Melão de Montenegro Portagens das a linguagem de tasca, os insultos amostras de cabelo de Ludwig van
Óculos à John Lennon por Marcelo confiar pontes para o Chega
gratuitos aos celíacos estrábicos e Beethoven podem ajudar a esclare-
menos nele do que
em Bruno de Carvalho Postas de as descrições pornográficas de sexo cer factos sobre a sua morte, indi-
para PM pescada com hortofrutícolas em bidés, nos cando de forma preliminar que o
mandadas por livros de Enid Blyton e Agatha Ch- famoso compositor pode ter sido
Carlos Moedas
Cavaco ristie, as autoridades competentes eletrocutado quando experimenta-
Aventais, (Internet) acabam de proibir a ane- va pela primeira vez um sintetiza-
Livre batas e dota com o mítico início “um portu- dor, numa tentativa desesperada
panos de guês, um francês e um inglês en- de se manter moderno e competir
PSD cozinha
maçónicos tram num bar e…”. Parece que com o ligeiramente mais novo José
houve queixas dos abstémios e de Cid. As amostras abrem ainda a
pessoas que se sentiram ofendidas possibilidade de Beethoven tam-
Iogurte
de curgete
Proposta em
contracorrente: queijadas
Árvore ambientadora
para automóvel com
Coroas de flores
para a campa porque não reúnem capital sufi- bém ter sido assassinado pelo ga-
de Sintra nas touradas
com IVA de 500%
fragrância de 24 de Abril de Salazar ciente para ir a bares e têm de ficar nancioso Antonio Salieri, que já ti-
em casa a beber água da torneira nha despachado o Mozar t e
Blazers
Bife do enquanto vêem repetições de “Que- também tentou raptar o António
para os
labradores lombo do
Bambi
Xenofobia rido, mudei a casa” ainda com o Vitorino d’Almeida para reclamar
retrievers saudoso Gustavo Santos. M.B. a reforma dos três compositores
Chega na Segurança Social. V.E.
PAN
Livros policiais
de Agatha
Pólos com bonecos Rendimentos de Toalhas de Christie vão Equipa oInimigoPúblico
“Se não aconteceu… podia
Selfie-sticks praia da
de jogadores de pólo profissões com apenas
três letras, como CEO, “Patrulha Pata” ser reescritos ter acontecido!” O Inimigo Público
é um suplemento satírico,
Ordens de
compra na
CFO ou UFO
Altar
porque ofendem sendo todo o seu conteúdo ficcional.
Diretor Luís Pedro Nunes
bolsa e/ou
restaurantes
Casamentos de do Papa os criminosos Redação Alexandre Parreira,
Iniciativa Liberal duas pessoas que Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
com estrelas somem mais de e homicidas Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
Michelin 14 apelidos Marcelo Projeto gráfico @oinimigo_pronto
O “The Guardian” anunciou que os Editor online João Martins
M.B. @oinimigo_pronto livros policiais de Agatha Christie Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
vão ser reescritos e extirpados de O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
conjunto Expresso/Produções Fictícias/
referências e palavras ofensivas, Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
como “ladrão”, “assassino” e
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36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 31 de março de 2023

Editorial&Opinião
Editorial Sondagem revela uma queda
forte do PS nas intenções de voto
“Rap on Trial”

Empatados.
Atlanta, quem usar um beat
para contar um crime acaba no
banco dos réus.
Segundo Erick Nielson e An-
ler como um meio de prova, mente como se ajuda uma ami-
é preciso mais do que debitar ga a esconder o corpo de um
em tribunal frases retiradas, marido violento em “Goodbye
mais ou menos ao calhas, de Earl”. Toda a gente percebe que

E agora?
drea Dennis, autores do livro
“Rap on Trial”, a utilização das
letras de rap como meio de pro-
va remonta ao século passado.
Eugénia Galvão Teles Em 1983, quatro linhas rabis-
egteles@gmail.com
cadas num papel foram usadas
uma canção como “I never kil-
led anybody but got something
to do with that body”. Isso, ou
o Freddie Mercury a cantar
“Mama, just killed a man”, de-
via ter sido investigado.
se trata de uma metáfora para
denunciar a violência domésti-
ca. Já se o Young Thug garantir
que está disposto a matar pelos
seus, faz parte de um gangue
e provavelmente já matou por

E
para mostrar que o acusado, Mais do que provar o crime causa disso. Basta aparecer a
m 1988, os Niggaz Wit rapper nas horas vagas, era concreto em causa, o ritual de imagem de um negro que cres-
Attitudes, mais conheci- fluente no calão usado pelos declamar em tribunal as histórias ceu nos subúrbios e tudo rima
A sondagem do ICS e ISCTE para o Expresso e para a SIC, dos como N.W.A., saíram traficantes e, por isso, traficava com medo e perigo. O clima
de que a primeira parte é publicada nesta edição do jornal, diretos de Compton, um droga. O caso de Young Thug certo para convencer um tri-
traz alguns dados muito relevantes para se perceber o subúrbio de Los Angeles, a gri- chegou a todos os jornais por Basta aparecer a imagem bunal de que o lugar daquele
atual panorama político nacional e, sobretudo, o que tar “Fuck tha Police”. Tinha ser uma das celebridades do de um negro que cresceu homem escuro com brincos e
podemos esperar para os próximos tempos. acabado de nascer o gangsta momento. Mas, com exceções nos subúrbios e tudo tatuagens é numa prisão.
A primeira nota a salientar é, inevitavelmente, a queda rap, que respondia à letra à como Snoop Dog, nos anos 90, rima com medo e perigo. Vindo de um rapper, não há
pesada que o Partido Socialista sofre nas intenções de brutalidade policial, entre gan- os pesos-pesados do rap não O clima certo para espaço para a arte e tudo tem
voto dos portugueses, descendo sete pontos percentuais gues, tiros, sexo e palavrões. são judicialmente confrontados convencer um tribunal de ser literal. Quando recu-
desde o último inquérito realizado para o Expresso. Meses As forças da ordem não apre- com as suas letras; é o que anda de que o lugar daquele pera nas suas letras uma vida
de “casos e casinhos” envolvendo membros do Governo, ciaram e o FBI chegou a man- a escrever a arraia-miúda que homem escuro com brincos passada no meio de gente que
a somar à crise económica e social, levaram à inevitável dar-lhes uma carta de protesto. aparece nos tribunais. e tatuagens é numa prisão rouba, mata e foge da polícia,
erosão da imagem dos socialistas junto dos portugueses. Com o sucesso do estilo musi- O caso de Young Thug tam- não se reconhece que pode
Sinal disso mesmo, além da queda do PS nas intenções de cal, as autoridades mudaram bém surge quando a denúncia estar a usar o que tem mais
voto, é a avaliação muito negativa que é feita da atuação de estratégia. Em vez de tentar deste meio de prova como uma de violência que os rappers es- à mão para ultrapassar as cir-
do Governo (que, recorde-se, tem apenas um ano de vida): que se calassem, deixaram os restrição à liberdade de ex- crevem tenta aproveitar os pre- cunstâncias do seu mundo.
mais de 60% dos inquiridos avaliam de forma “negativa” rappers falar à vontade e re- pressão está a ganhar terreno, conceitos de quem os vai julgar. Como resumiu Jay-Z, os ra-
ou “muito negativa” a atividade do Executivo rosa, contra cuperaram as suas palavras nomeadamente na legislação. É possível encontrar estudos ppers nunca deixam de ser vis-
0% que diz que está a atuar “muito bem”. Esta é mesmo a para os condenar em tribunal. Quando se manda os rappers onde as mesmas palavras são tos como “um bando de pretos
pior avaliação feita aos governos de António Costa desde Young Thug é o último a ouvir terem cuidado com o que di- consideradas mais perigosas a escrever nos seus diários”.
que em 2019 estas sondagens do ICS e ISCTE começaram um juiz recitar os seus êxitos zem, limita-se a sua liberda- quando ditas por um rapper do Mesmo depois de o Kendrick
a ser realizadas para o Expresso e a SIC. musicais a seguir a cada delito de de fazer arte sobre o que que se forem associadas a ou- Lamar ganhar um Pulitzer,
E o outro lado? Como é que os portugueses olham para que lhe é imputado. A acusação bem lhes apetece, incluindo tros estilos musicais. As Dixie quando falam só podem estar
a oposição? aproveitou para dar um conse- dar tiros em cabeças alheias. Chicks, três mulheres vindas do a confessar, porque não têm
Aqui, os sorrisos que podem vir dos sociais-democratas lho jurídico à população: em Para a letra de uma música va- country, podem cantar alegre- capacidade para mais.
ao conseguirem ver-se empatados com os socialistas
nas intenções de voto, com 30%, devem ser bastante
cautelosos. Repare-se: não só a avaliação que é feita
de Luís Montenegro continua a ser pior do que a de
António Costa como o empate nas intenções de voto não
O casino vai abaixo
é conseguido à custa de qualquer subida laranja neste
índice. O empate é às custas da queda do PS.
Além disso, e ainda mais preocupante, a continuada cido. A verdade é que ninguém a de que ao menos colapsem crise bancária na Europa, sendo
subida do Chega nas intenções de voto e do seu líder consegue estimar com seguran- devagar, como uma espécie de o sector por cá mais firmemen-
André Ventura na popularidade dos políticos torna uma ça os efeitos da subida abrupta dominó em câmara lenta, dando te regulado. A configuração da
futura solução política à direita cada vez mais complexa das taxas de juro, ao cabo de às autoridades o tempo de rea- crise será, provavelmente, dife-
e dependente de uma força populista e com um discurso mais de uma década de cria- gir, ou seja, de consolidarem o rente e com impactos assimétri-
muitas vezes radical e xenófobo (basta ver-se, por ção desenfreada de dinheiro, sector à cacetada, como fizeram cos. Se os remédios empregues
exemplo, a forma como André Ventura reagiu à morte taxas negativas e crescimento com o Crédit Suisse e o UBS. forem resgates semelhantes aos
de duas mulheres no Centro Ismaelita de Lisboa, num Sérgio Sousa Pinto medíocre. Quando o Silicon Valley Bank ocorridos nos Estados Unidos
discurso inaceitável de incentivo ao ódio e à intolerância). Nos Estados Unidos, apareceu anunciou a sua insolvência, mui- e na Suíça, a inflação vai dis-
política@expresso.impresa.pt
Ou seja, o cenário político para os próximos tempos o “Wall Street Journal” a dar tos bramaram contra a Reserva parar. A alternativa pode ser
apresenta interrogações de monta. Conseguirá António conta de que nada menos do que Federal, exigindo que esque- um colapso sistémico, que nos

N
Costa, qual gato, reinventar-se e conquistar mais uma 186 bancos regionais estarão em cesse a inflação e travasse — e arraste para uma nova reces-
vida e uma recuperação aos olhos dos portugueses? a última semana o valor dificuldades, cheios de títulos de revertesse — a subida das taxas são. Mesmo os países com um
Os socialistas devem estar preocupados. Terá Luís do Deutsche Bank deu longo prazo emitidos pelo Te- de juro. Muitos bons bancos, sistema bancário menos expos-
Montenegro a capacidade de construir uma alternativa um tombo de 14%, de- souro, que agora valem pouco solventes e bem geridos, estari- to — admitindo que existem —
que se torne credível para os cidadãos, sem precisar pois recuperando par- ou nada. Ou seja, com os seus am a ser imolados, numa orgia vão sofrer uma crise de finan-
da muleta de uma extrema-direita radical para chegar cialmente. A razão não podia ativos muito desvalorizados a de destruição de capital. Hoje, ças públicas. Nesse cenário, a
ao poder? Os sociais-democratas também devem estar ser mais angustiante: o custo desequilibrar os seus balanços ouvem-se menos tais vozes, tal ortodoxia orçamental seguida
preocupados. dos seguros de crédito contra e incapazes de se financiarem é o terror de que a inversão da pelo governo português será re-
a falência do gigante da banca para responder aos levantamen- política monetária alerte o mun- conhecida como um seguro de
alemã subiu de forma súbita e, tos dos depositantes mais alar- do e os mercados que nele man- vida para a economia nacional.
na aparência, descontrolada. mados e expeditos, os bancos dam, para o próximo cataclismo As chamadas “contas certas”
O chanceler Scholz, de Bru- estão a ser passados a pente fino sistémico. Cada dia é um dia, não são matéria de escolha para
xelas, veio a público jurar pela pelos mercados e, sobretudo, vai-se vivendo e avançando por uma pequena economia aberta
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Bank, produzindo uns dizeres sabe qual se vai desmoronar a Ninguém pode antecipar a monetária. São o escudo possí-
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Juiz conselheiro escreve sobre falhas no sistema de Justiça

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Impressão
certo que tal degradação é vi- uma decisão “telúrica”, incidin- blicada uma lei visando intro- um sentido do interesse público
Lisgráfica Impressão sível em áreas nucleares, como do sobre a utilização dos meta duzir mecanismos de controlo que os leve a ultrapassar dissídios
e Artes Gráficas, S.A.
Estrada de São Marcos, 27 a Saúde ou a Educação, não é dados. Independentemente do da distribuição eletrónica dos passados e caminhar em frente.
2735-521 Agualva-Cacém
menos exato que também no mérito, ou demérito, de uma processos judiciais. A mesma lei Porém, numa área o Execu-
Distribuição
VASP-MLP,
sistema de Justiça se avolumam decisão, relativamente à qual, necessitava de ser regulamen- tivo foi expedito e diligente e,
Media Logistics Park sinais de um alheamento des- em nosso entender, apenas é tada no prazo de 30 dias a con- retirando o Gabinete Europol
Quinta do Grajal, Venda Seca
2735-511 Agualva Cacém cuidado, quando não de uma correto o lúcido e esclarecedor tar da data da sua publicação. e Interpol da alçada da Policia
Tel. 214 337 000 confrangedora inação. voto de vencido, o certo é que Independentemente do méri- Judiciária e sujeitando-o à tutela
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt No que toca ao universo judi- a mesma decisão provocou um to do diploma em causa, o certo do secretário-geral de Seguran-
Tel. 808 206 545
ciário não falamos já da insu- efeito de “bola de neve” em múl- é que o diploma existe e está no ça Interna, atingiu um sonho de
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo portável demora de alguns pro- tiplas investigações criminais e “reino dos vivos”. A inexistência há muito acalentado pelo pri-
dos anúncios nem pela
exatidão das características e cessos criminais conducentes a decisões judiciais. Desde os cri- daquela regulamentação é ago- meiro-ministro.
propriedades dos produtos e/ou
bens anunciados. A respetiva
uma inadmissível prescrição ou mes praticados no ciberespaço ra o combustível que alimenta Pequenos exemplos que per-
veracidade e conformidade
com a realidade são da integral
da intolerável falta de transpa- até ao homicídio considerou-se sucessivos incidentes e recursos mitem convocar o verso do
e exclusiva responsabilidade rência de alguns tribunais ar- deixar de ser possível a utiliza- em processos penais, nomeada- poeta: “O fraco rei faz fraca a
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. bitrais, passando pela confran- ção de simples dados relativos mente naqueles em que importa forte gente.”
Expresso, 31 de março de 2023
Alexandra Leitão
alexandrarfleitao@yahoo.com
A paz, o
pão, saúde,
educação,
habitação... e
redistribuição
U
m Estado social assente no prin-
cípio da igualdade e na cons-
trução de uma sociedade justa
e solidária tem de garantir aos
cidadãos a paz, o pão, a saúde e a edu-
cação, como diz Sérgio Godinho. Mas
tem também de redistribuir a riqueza
gerada pelo país. E isto pressupõe ser-
viços públicos universais, gratuitos e de
qualidade, salários justos, trabalho dig-
no, impostos progressivos e tributação
de lucros excessivos.
Escrevi aqui há duas semanas que as
crises (sobretudo as inflacionistas) são
momentos de concentração e não de
redistribuição de riqueza e que cabe ao
Estado contrariar isso. Foi isto que o Go-
verno começou a fazer com o “pacote”
de medidas que apresentou, sobretudo
o aumento dos salários e do subsídio de
refeição dos trabalhadores da Adminis-
tração Pública e o apoio de €30 mensais
mais a majoração de €15 por criança às
pessoas mais carenciadas. A isto acresce
a redução do IVA num cabaz de alimen-
tos de primeira necessidade, desde que,
na sequência do acordo celebrado com
os agentes económicos, essa redução se
reflita efetivamente nos preços.
Tudo isto ocorre ao mesmo tempo que
é tornado público que o valor do défice
de 2022 ficou em 0,4% — menos 1,5% do
que os previstos 1,9% —, o que num con-
texto de enormes dificuldades para um
número muito significativo de pessoas
seria um sério embaraço político para
o Governo se não fosse acompanhado
de medidas de resposta ao aumento do
custo de vida.
A intenção redistributiva do “pacote”
apresentado é assumida pelo primei-
ro-ministro, que afirmou na AR que
“o compromisso que mantemos é que
toda a receita decorrente da inflação é
redistribuída aos portugueses”. E bem.
Desta forma, o Governo é fiel à matriz de
socialismo democrático do partido que o
suporta, responde às necessidades mais
imediatas dos portugueses, contribui
para a redistribuição da riqueza e pro-
move a justiça social.
Mas, no futuro, a redistribuição tem de
assentar menos numa lógica assistencia-
lista e mais no aumento real dos salários,
incluindo dos trabalhadores do sector
privado, até porque os empregadores
privados estão também obrigados a essa
redistribuição. Só assim as medidas as-
sumem uma dimensão estrutural para
aumentar o peso dos salários no PIB
(que até caiu ligeiramente em 2022) e
para criar um mercado de trabalho que
acompanhe o aumento da qualificação
dos portugueses. Desde o 25 de Abril,
Portugal venceu a “batalha” das qua-
lificações, mas o mercado laboral não
oferece condições de trabalho e remu-
nerações compatíveis com esse aumento
das qualificações, gerando uma justa
frustração sobretudo nos mais jovens.
E nem se diga que o foco não deve ser
a redistribuição, mas sim a criação de
riqueza. Ambos os objetivos são prioritá-
rios e não são mutuamente excludentes.
Promover o desenvolvimento económi-
co não é — não pode ser! — incompatível
com a valorização do trabalho. Pelo con-
trário, uma economia assente em baixos
salários é um modelo ultrapassado e
injusto. O desenvolvimento económico
passa por um Estado a funcionar de
forma mais simples e moderna, uma
Justiça célere e eficaz que não afugen-
te os investidores e desproteja os mais
fracos, a criação de um contexto que
promova e apoie empresas conscientes
do seu papel social no desenvolvimento
do país, que tratem os trabalhadores
como parceiros, que invistam no sector
produtivo e gerem valor acrescentado.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Tocqueville
é no Delgado
C
hamemos-lhe Delgado. “Vou
ali ao Delgado”, “encontra-
mo-nos no Delgado?” ou só
“Delgado?” são mensagens
frequentes da minha família e de to-
das as outras famílias aqui do bairro.
“Delgado” é uma senha que só os lo-
cais compreendem. O nosso Delgado
tem um daqueles cafés de esquina que
funciona como ponto de encontro.
Não é só um café com uma função
económica, é uma casa onde sentimos
a tal amizade cívica que transforma
A foto da BRASÍLIA Pondo fim a três meses de autoexílio nos Estados Unidos, o an-
tigo Presidente Jair Bolsonaro regressou ontem ao Brasil. Derrotado por
estranhos em vizinhos. Não por aca-
so, esqueço-me facilmente de coisas
semana Lula da Silva nas eleições de 2022, como sucedera dois anos antes a Donald
Trump, exibiu a mesma dificuldade que este em aceitar o veredicto popular,
(chaves, telemóvel, óculos, carteira)
no Delgado, porque ali baixo a guarda,
tendo apoiantes de ambos protagonizado ataques às instituições democrá- sinto-me de facto em casa. Ora, se não
Por Pedro Cordeiro ticas. Sem imunidade, Bolsonaro enfrenta vários processos na justiça bra- valorizarem esta vivência de bairro, a
pcordeiro@expresso.impresa.pt sileira. Anuncia que volta “para fazer política”. FOTO MYKE SENNA/GETTY IMAGES cultura e a política de um dado tempo
estão a cometer um de dois erros: o
erro libertário que só vê o indivíduo
enquanto célula económica, ou o erro
socialista que só vê o Estado. Sucede
Está na altura de nos perguntarmos sobre que, no meio, está a sociedade, o ten-
dão que liga o indivíduo ao estado e
o que acontecerá se a inflação teimar em não descer vice-versa. Sem sociedade, sem bairro,
E se for teimosa?
sem estes corpos intermédios como o
café ou clube, a relação entre o indi-
víduo e o estado torna-se desumana
e potencialmente autoritária para um
lado ou para o outro: ou para o lado
da obediência cega ou para o lado da
revolução.
A desmaterialização
N
o dia 22 de março, Mário mente, ficará para a história como do comércio também
Centeno infletiu um pouco o um dos maiores disparates de polí- é a desmaterialização
seu discurso e disse-nos que tica macroeconómica desta década. da democracia
a inflação “ainda é demasia- Adicionalmente, a capacidade
do alta” e “já pouco temporária”. de o BCE subir muito mais as suas
Na semana anterior, a primeira fra- taxas de juro está severamente li- Os tempos não têm sido fáceis para
se do discurso de Christine Lagar- mitada pela instabilidade no sector o Delgado. Durante a pandemia, eu
de, quando anunciou nova subida bancário. Não há como desligar os fazia questão de ir lá todos os dias be-
das taxas de juro, foi: “Inflation is Luís Aguiar-Conraria problemas que a banca comercial ber um café e pedir take away mesmo
projected to remain too high for Professor de Economia da Univ. do Minho tem tido da subida das taxas de juro quando não precisava. Desabafava
lfaguiar@eeg.uminho.pt
too long.” É verdade que Lagar- do último ano. Depois das corri- com o Delgado, e ele desabafava co-
de continuou o discurso prevendo das aos bancos a que já assistimos, migo. Pensou em fechar. Sobreviveu,
uma taxa de inflação de 2,9% para 2024. Mas, até pelo bem como a algumas falências, o BCE pode mesmo ter mas ainda hoje diz que muitos clientes
lamentável registo de previsões do Banco Central Eu- ficado sem o seu principal instrumento para combater nunca mais apareceram, ou seja, mui-
ropeu, está na altura de nos perguntarmos sobre o que a inflação. tas pessoas de certa idade fecharam-se
acontecerá se a inflação teimar em não descer. Não lhe sei dizer se a inflação vai cair devagar ou em casa e deixaram de andar pelo
Vários economistas acreditam que, em poucos meses, depressa. Mas os apelos de contenção salarial que os bairro. Concordo, eu também deixei
a inflação cederá significativamente. Há motivos para banqueiros centrais têm feito de há um ano para cá — e de ver muitas pessoas, que agora es-
este otimismo. Desde outubro que vem descendo, ainda ainda há dias ouvimos Mário Centeno criticar a subida tão a morrer da cura (#ficaremcasa)
que ligeiramente. Há um efeito de base, dado que foi há de 1% dos salários da Função Pública — só fazem sentido imposta de forma draconiana. Apesar
cerca de um ano que se deu um grande salto em alguns se a inflação começar a descer rapidamente. Com uma de tudo, o Delgado estava a prospe-
preços, que favorece as comparações anuais. Os pro- inflação temporariamente alta, apelar à moderação rar de novo, foi buscar outro tipo de
gramas de compras de ativos, que eram das principais salarial para que a inflação não se torne permanente cliente, inovou, adaptou-se. Só que
formas de o BCE injetar moeda na eco- é razoável: perde-se poder de compra, não há adaptação possível ao Putin
nomia desde meados da década passada, mas recupera-se nos anos seguintes; e à inflação. O meu amigo Delgado
e que se reavivaram durante a crise pan- enquanto isso, apoia-se quem está em está de novo assustado, até porque vê
démica, estão praticamente suspensos. Não sejamos maiores dificuldades. muitos cafés e lojas a fechar.
A subida das taxas de juro, que ajuda a pessimistas. Esta semana apresentou-se mais um O declínio do comércio local não
refrear os gastos dentro da zona euro, Tivemos boas plano temporário de apoio às famílias é apenas um problema do Excel da
deverá começar a fazer efeito. O custo por causa da inflação. Há medidas óti- economia e do Estado, é um problema
internacional de alguns cereais, como o
notícias de mas (apoios diretos às famílias mais social no sentido mais profundo da
trigo, já desceu para o patamar em que Espanha. Em pobres) e péssimas (IVA zero). Mas, se palavra “social”: o que está em causa é
estava antes da invasão russa. O mesmo Portugal, o preço a inflação alta permanecer, em algum a própria ideia de sociedade que é feita
para o gás e o petróleo. É provável que do cabaz de bens momento teremos de largar as medidas no dia a dia na rua. Se compram tudo
em breve essa descida de custos seja temporárias e a única solução estrutural online, as pessoas estão a matar-se
incorporada nos preços finais. alimentares caiu para evitar a perda de poder de compra enquanto “vizinhos” da rua, estão a
Mas vários economistas encontram dos trabalhadores é deixar os salários definir-se apenas como “consumido-
motivos para serem pessimistas. Se é subir, tanto os do sector privado como os res” do mercado e como “contribuin-
verdade que a taxa de inflação tem descido, também dos funcionários públicos. Ou a ideia é que os salários tes” do Estado. Eu não vivo nem no
é verdade que, descontando o efeito da energia e da reais diminuam por anos a fio? mercado nem no Estado, dois meros
comida não processada, a taxa de inflação nunca parou Em 2022, o PIB real cresceu bastante. De acordo com instrumentos; eu vivo na minha rua.
de aumentar. E, realmente, os programas de compras de as previsões, em 2023 voltará a crescer. Portanto, o bolo Quando valorizam apenas o comér-
ativos estão suspensos, mas isso apenas quer dizer que aumentou, continua a aumentar, ao mesmo tempo que cio online ou as grandes superfícies
não há novas injeções de moeda, não que se estejam a as fatias do bolo que cabem aos trabalhadores minguam. comerciais, essas naves espaciais que
reverter as passadas. A moeda que existe em circulação Por um ano, é razoável; por dois, está no limite do sugam a energia das cidades, a cultura
é mais do que suficiente para sustentar uma elevada aceitável. Mais do que isso é impensável. Traduzir-se-ia e a política do nosso tempo estão mes-
taxa de inflação por muito tempo. Finalmente, se as numa redistribuição intolerável de rendimento a favor mo a matar o velho conceito de bairro.
taxas de juro subiram, as taxas de juro reais (que são as do capital e contra os trabalhadores. E sem o bairro tocquevilliano não há
nominais descontadas da taxa de inflação) baixaram. Mas os aumentos salariais não podem fomentar a democracia nem na América nem na
São mesmo bastante negativas. Combater a inflação inflação? Podem, claro. Se for o caso, a inflação descerá Europa. Ou seja, a desmaterialização
com taxas de juro reais negativas é um desafio. Para bastante mais devagar, pelo que nos devemos preparar do comércio também é a desmateria-
se ter uma ideia, quando, no virar dos anos 70 para os para vários anos de inflações altas (e mais vários anos de lização da democracia. Ruas sem lojas
80 do século passado, a Federal Reserve dos EUA quis previsões erradas do BCE, sempre a prever que no ano e cafés de pequenos proprietários são
combater a inflação causada pelos choques petrolíferos seguinte a inflação ficará abaixo dos 3%). ruas inseguras, para começar, e tristes,
dos anos 70 (e também pelos controlos de preços feitos Mas não sejamos pessimistas. Tivemos boas notícias para acabar. Ou não se pode falar com
durante a Administração de Richard Nixon), as taxas de Espanha. Em Portugal, o preço do cabaz de bens ali- os vizinhos porque há medo ou porque
de juro subiram quase aos 18%. A tudo isto junte-se o mentares da Proteste caiu. Acreditemos que, por alturas há uma enorme aridez e solidão. Ho-
PRR, um enorme programa de despesa pública à escala do verão, a evolução da taxa de inflação mostrará que os mens humildes como o Delgado são o
europeia que também põe pressão na inflação. Possivel- otimistas têm razão. chão da nossa liberdade.
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 31 de março de 2023

Opinião

Consultor e especialista Sejamos irrealistas, exijamos o possível

em inovação e

Q
transformação digital uando se concorda com Os sucessivos aumentos da persistente que se baseia na aposta em setores
a revolta do povo, ela é idade da reforma são, eles sim, intensivos em trabalho mal remunerado, como o
A urgência democrática. Quando
se discorda, o povo pola-
insustentáveis. Em França, a
esperança de vida aumentou,
turismo. Salários baixos levam à emigração dos mais
qualificados, desperdiçando-se o investimento em

de estar na rizou-se. A conveniente tese da

polarização deixa a esquerda,
que nunca foi tão moderada,
nas décadas de 90 e 2000, três
meses por ano e na seguinte ape-
nas um mês por ano. O aumen-
formação e agravando-se a crise demográfica, com
perda de recursos que paguem as nossas reformas.
Só que os salários baixos não resultam de um mo-
vanguarda num dilema: se se revolta e tem Daniel Oliveira
a companhia da extrema-di- danieloliveira.lx@gmail.com
to não será eterno e a idade de
vida saudável não acompanha o
delo económico falido. Esse modelo é que resulta
dos salários baixos. Exigir, sem pudor, que se trave

da inteligência reita oportunista, é sua aliada;

se desiste dos seus combates
aumento da esperança de vida.
Um sueco pode passar 75% de
de sempre e os entrega à extrema-direita, ajuda-a. sua reforma sem invalidez, um francês apenas 50% —
a persistente desvalorização dos salários não é só
imperativo de justiça, é um imperativo patriótico.
Os ingleses construíram o Estado social do pós-
artificial Quase 70% dos franceses estão contra a reforma da 25% os operários. Mas, acima de tudo, com a crescen-
Segurança Social imposta por Macron ao Parlamen- te precariedade, os funcionários públicos e os mais
-guerra com uma dívida superior a 200% do PIB.
Quando, em 1936, Leon Blum defendeu as férias
to, no meio de uma crise. Boa parte votou nele, na qualificados conseguem trabalhar até mais tarde, os pagas, os patrões disseram que causariam “mais
segunda volta, para evitar a polarização. Até fingiu restantes ficam, à primeira crise, demasiado novos prejuízo à indústria do que as destruições da Grande
acreditar que ele passaria a governar em diálogo. para se reformarem e demasiado velhos para se em-
Para falarmos da reforma que pôs a França a ferro pregarem. Não se reformam mais tarde, substituem
Gonçalo Caseiro em fogo é preciso desmentir um equívoco: a reforma pelo desemprego, subemprego Os ingleses construíram
os franceses podem reformar-se aos ou apoios sociais. Por isso, em vez de o Estado social do pós-guerra

A
inteligência artificial está na or-
dem do dia. Não sendo propria-
mente uma novidade, o tema
tem sido alvo de um volume de
notícias sem precedentes. E com razão:
estamos a perceber, com cada vez mais
nitidez, a influência que a tecnologia
tem e terá nas nossas vidas, em todos
os quadrantes da política, da economia
e da vida civil. É notório que existe en-
tusiasmo pelo mediatismo de algumas
ferramentas, mas a realidade demons-
tra-nos já o potencial que conseguire-
mos alcançar num futuro próximo.
É importante que a nossa economia (e
a nossa Administração Pública) esteja
na vanguarda da aplicação da tecnolo-
gia artificial enquanto ferramenta para
integrar serviços, antecipar e prever
necessidades, dispensar burocracias
ou utilizar melhor os recursos finitos. É
certo que até houve essa vontade — exis-
te uma estratégia desde junho de 2019,
a AI Portugal 2030 —, mas também é
certo que a mesma ficou cristalizada,
não foi revista anualmente nem sofreu
nenhum estudo de impacto, como acon-
teceu noutros países.
Porém, atenção constante à inovação
não é apenas algo necessário — é urgen-
te, porque corremos o risco de ficar irre-
mediavelmente para trás nesta corrida
Em 2021, o investimento
mundial em inteligência
artificial superou os
176 mil milhões de euros
sem volta. Provavelmente partimos já
sem pole position: basta reconhecer que
62 anos, mas só têm a reforma se centrar na idade da reforma,
completa, sem penalizações de a Finlândia concentrou-se na com uma dívida de 200% do PIB.
5% por ano em falta, aos 67. taxa de emprego dos mais Quando Leon Blum defendeu as
A França tem uma idade velhos, investindo em for- férias pagas, os patrões disseram
média de reforma efetiva mação ao longo da vida. que seria a ruína da França.
alinhada com a média Certo é que o sistema
europeia. A tese é que se está condenado se os Também hoje, o modelo que
tem de trabalhar mais salários continuarem despreza os salários ou aumenta
porque se vive mais. A a perder peso no con- a idade da reforma, em vez
última reforma do siste- junto da economia. Aí,
ma francês foi em 2014 ou se procuram novas
de procurar financiamento
e, desde então, a esperan- fontes de financiamen- na redistribuição, não é uma
ça de vida até caiu ligei- to — que de qualquer das inevitabilidade, é uma escolha
ramente. Mesmo assim, lá formas são indispensáveis
vem outra. No pior cenário, o — ou teremos de trabalhar
saldo negativo do sistema fran- até morrer. E este é o proble- Guerra”, prevendo “a ruína da França”. Foi as-
cês chegará a 1,9% do PIB em ma português. Vale a pena ler “A sim com todos os avanços para os trabalhadores.
2070, no melhor, a um saldo positivo Persistência da Desvalorização do Também hoje, o modelo de desenvolvimento que
de 1,5%. Sem qualquer revolução, basta Trabalho e a Urgência da sua Revalori- despreza os salários ou o insiste no constante au-
diversificar as fontes de financiamento. De facto, zação”, coordenado José Castro Caldas e Maria mento da idade da reforma, em vez de procurar
em 2005, dois trabalhadores financiavam a pensão da Paz Campos Lima. Entre 2010 e 2015, o peso dos formas de financiamento do sistema que reforcem
de um reformado. Hoje, são 1,7. Se esta relação fosse salários no PIB caiu de 47% para 44%. Entre 2015 a redistribuição da riqueza, não resultam de inevita-
automática, há muito que seria impossível financiar e 2019, recuperou-se um ponto. Com a pandemia bilidades contabilísticas, mas de escolhas políticas.
as pensões. É possível graças ao crescimento da pro- as atividades pararam, o PIB caiu a pique e muitos Em 1968 gritava-se “sejamos realistas, exijamos o
dutividade. E seria ainda melhor se o crescimento dos continuaram a receber salário, também graças ao impossível”. Hoje, para vencer a barragem ideoló-
salários lhe fosse proporcional. Os dois problemas eu- Estado, o que correspondeu a um desvio estatístico. gica que decretou que, quando nunca produzimos
ropeus são, além do demográfico, a desaceleração da Com a inflação, os salários não estão a acompanhar tanto, a partilha da prosperidade é uma utopia
produtividade e a perda relativa do peso do salário na os preços e regressamos ao ciclo de desvalorização irresponsável, temos de ser irrealistas apenas para
economia. É isto que temos de debater para discutir suspenso durante a ‘geringonça’, no sentido inverso pedir o possível. É o que os franceses estão a fazer.
a sustentabilidade do sistema. ao prometido por António Costa. Uma redução Inspiremo-nos no seu despudor.
Professor na Universidade de Évora Assoc. Protetora dos Diabéticos de Portugal
O que deve mudar no SNS Saber falar de obesidade
de cuidados e preparando-o para as uma atenção urgente em duas fren-
Manuel Lopes evoluções que se antecipam?
José Manuel Boavida tes: na prevenção e no tratamento. A
e Carolina Neves

U
No contexto dos Estados Gerais obesidade aumenta o risco de múl-

em 2021 o investimento privado mun-
dial em inteligência artificial superou
os 176 mil milhões de euros, de acordo
com dados do Our World in Data.
O que se pode fazer, então, diferente?
Em primeiro lugar, analisar o impacto
da estratégia de inteligência artificial
do país, revisitar o documento, criar
métricas para medir o sucesso e iden-
tificar os recursos que estão ao dispor
para a sua execução. No que respeita à
Administração Pública, a Agência para
a Modernização Administrativa, que
criou um guia com orientações para o
uso responsável da inteligência artifi-
cial, deve incentivar uma abordagem
de baixo para cima, isto é, uma abertura
de fundos exclusivamente aplicados a
projetos públicos que queiram fazer
parcerias com a academia ou lançar
desafios públicos utilizando inteligên-
cia artificial, e depois prestar contas
publicamente.
Curiosamente, o caso mais notável é
bastante recente e talvez de um ministé-
rio que esperaríamos mais conservador.
O Ministério da Justiça, que pensou
um programa de govtech com o qual
pretende capacitar pessoas, envolvendo
universidades e startups, e já com resul-
tados, é um exemplo a ser seguido pelas
restantes áreas governativas.
As revoluções exigem a preparação
dos recursos, a definição de estraté-
gias e a implementação de ações num
campo de combate. O inimigo é quem
nos disser que não é possível, que é de-
masiado arriscado, que determinada
iniciativa é apenas para inglês ver. É
preciso continuar a imprimir um ADN
de inovação na máquina do Estado,
porque é essa inovação que tornará
o nosso futuro mais sustentável. Não
é um caminho fácil, é certo. Mas não
podemos continuar à espera.
ltimamente têm surgido no-
tícias que nos devem ques-
tionar enquanto sociedade.
Destaco: múltiplas notícias
sobre deficiente prestação de cui-
dados e até maus-tratos a idosos
em “lares”; notícias, recorrentes,
de falta de médicos de família e
dos elevados tempos de espera nos
serviços de urgência, e notícias de
iniciativas de oferta de “seguros
de saúde” a alguns grupos popu-
lacionais. Em simultâneo, diver-
sos comentadores vaticinam que o
Serviço Nacional de Saúde estará
“por um fio”. Apesar disso, todos os
partidos do “arco do poder” dizem
defender o SNS.
Perante isto, convém clarificar
alguns pontos. Primeiro, os indi-
cadores da população portuguesa
tiveram uma evolução notável nos
últimos 50 anos, muito pela ação do
SNS: a taxa de mortalidade infantil
era em 1973 de cerca de 45 crianças
por cada mil nados vivos, sendo em
2021 de 2,4; a esperança de vida à
nascença era em 1973 de 67,7 anos
e é em 2021 de 80,7. Segundo, na
qualidade e eficiência do SNS, de
acordo com o Euro Health Consu-
mer Index, Portugal ocupa o 13º lu-
gar nos países europeus. Terceiro, a
crise dos serviços públicos de saúde
não é um problema de Portugal,
afetando a maioria dos países euro-
peus, independentemente do tipo de
sistema de saúde.
Assim, devemos interrogar-nos:
pretendemos abandonar o SNS, que,
apesar das circunstâncias, tem per-
mitido bons resultados? Ou preten-
demos transformá-lo, adequando-o
às presentes condições, para respon-
der melhor às atuais necessidades
O
da Saúde, optamos pela segunda hi-
pótese, ou seja, pela transformação
do SNS enquanto serviço público de
saúde solidário e de cobertura uni-
versal, tal como preconizado pelas
Metas para o Desenvolvimento Sus-
tentável. Foi esse o mote da primeira
conferência no Porto e terá continui-
dade no próximo dia 1 de abril, na
Universidade de Évora.
Tal transformação é uma missão e
um dever de cada um de nós. Como
se afirma na Constituição da Repú-
blica Portuguesa, todos têm o direi-
to à proteção da saúde e o dever de
a defender e promover. Por isso as
organizações de saúde, a todos os
níveis, têm o dever de dar centrali-
dade ao cidadão, para que este possa
participar nesta missão.
A transformação exige ainda que
repensemos os modelos organiza-
cionais e de cuidados, de modo que
cumpram os princípios da integra-
ção e da continuidade, ou seja, que
os serviços de saúde sejam transpa-
rentes, eficazes, suaves e fáceis de
navegar.
Neste contexto, os denominados
“cuidados sociais” têm de estar in-
tegrados e em continuidade num
único processo de cuidados que as-
suma o cidadão como centro. Não
se compreende que se continue a pôr
o acento tónico na falta de médicos
e não de equipas de saúde familiar.
Muito menos que se possa sequer
imaginar que um “seguro de saúde”
que garante apenas algumas con-
sultas médicas por ano seja solução
para pessoas com múltiplas doenças
crónicas e dependência.
Exigem-se, por isso, respostas inte-
grais, ao longo do percurso de vida,
de proximidade e em rede.
mote da campanha do Dia
Mundial da Obesidade 2023
foi “Mudar Perspetivas: Va-
mos falar sobre obesidade”,
mas parece que a mensagem não
passou e a obesidade continua a ser
abordada de forma estigmatizada.
Falar de obesidade é falar de uma
doença crónica, complexa e multi-
fatorial. O seu impacto é enorme e
não está apenas ligado a fatores de
comportamento individual. Um es-
tudo recente de investigadores de
Santiago Compostela demonstrou a
associação de mais de 600 genes à
obesidade e que só a genética explica
20% a 30% dos casos. Os restantes
casos são devido aos estilos de vida
(40%), ao ambiente sociocultural
(15%), aos cuidados de saúde (10%) e
ao ambiente físico (5%).
Os números alarmantes de obesi-
dade e de excesso de peso já sobeja-
mente conhecidos têm também uma
raiz histórica. A geração conhecida
como baby boomers, foi aquela que
viveu na juventude uma transfor-
mação social em vários domínios,
incluindo uma maior abundância
alimentar e calórica, realidade que
se acentuou até hoje.
Uma reflexão sobre o estilo de vida
contemporâneo implica pensarmos
não só em mudanças de comporta-
mento alimentar, mas também da ex-
posição a um ambiente que é marca-
damente obesogénico. Ao ambiente,
juntemos a componente já referida
da genética. A mesma herança ge-
nética favorável à sobrevivência, há
100 anos, é aquela que no século XXI
predispõe à obesidade.
As implicações da obesidade nas
populações são graves e merecem
tiplas outras doenças, como diabe-
tes tipo 2, hipertensão, doença co-
ronária, 13 tipos de cancro, doença
renal crónica, doença respiratória,
numa lista que chega a mais de 200.
Podemos incluir ainda a depressão
e a ansiedade, que agravam e são
agravadas pela obesidade. Qualquer
superficialidade na sua abordagem
é um erro.
Há muito que se fala em prevenção,
em medidas que alterem o ambiente
obesogénico da sociedade. Mas qua-
se nada foi feito. O acesso a alimentos
saudáveis, o consumo maior de ve-
getais, o incentivo à atividade física,
a melhoria das condições laborais,
socioeconómicas e a educação para
a saúde são ainda uma miragem.
E se há que prevenir, para 2/3 dos
portugueses estas medidas (quando
vierem) já vêm tarde. É necessário
tratar o quanto antes. A obesidade
é uma doença progressiva e quanto
mais cedo interviermos, menos com-
plicações surgirão no futuro.
Por tudo isto, a abordagem à obe-
sidade não pode ser feita à custa da
humilhação, do estigma e do facili-
tismo, mas antes da compreensão
da complexidade desta doença e da
necessidade de suporte às pessoas
que dela sofrem.
Os medicamentos podem ser mui-
to importantes e o seu acesso tem de
ser enquadrado, pois sem um acom-
panhamento organizado e multidis-
ciplinar, sem educação, motivação
e suporte, o insucesso e o retrocesso
continuarão.
Ninguém garante hoje que “ser
magro vai estar à distância de uma
injeção por semana”, como titulava a
Revista do Expresso, porque as con-
dições de base não estão resolvidas.
Expresso, 31 de março de 2023
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
O ATAQUE
Houve quem quisesse ver no que
se passou um ataque terrorista,
propiciado por uma imigração
sem regras, mas não foi nada
disso. Com muito por esclarecer
— um telefonema, o transporte
de uma grande faca para um
local pacífico, até pressões
afegãs sobre o assassino —, não
se sabe exatamente o que se
passou, mas sabe-se o suficiente
para dizer o que não foi. As
duas mulheres assassinadas no
centro ismaelita, e ainda um
homem ferido, foram vítimas da
sua própria conduta solidária.
Os ismaelitas, em todo o
mundo, e particularmente em
Portugal, são uma comunidade
integrada e integradora, que
pratica o bem, a solidariedade
e a fraternidade. São a prova
de que o islão não tem de
ser intolerante ou radical; o
facto de escolherem Portugal,
onde apenas têm cerca
de 10 mil seguidores, para
sede internacional da sua
organização e nacionalidade
do seu líder, Aga Khan, mostra
como lhes somos devedores.
O assassino, que após ferido
pela polícia (intervenção rápida
e de elogiar) está no Hospital
Curry Cabral, é a chave para
compreender o sucedido.
E todas as explicações são
devidas aos portugueses e à
comunidade ismaelita. Ainda
que eu queira acreditar que
aconteceu ali como poderia ter
acontecido noutro local, ou seja,
que o ataque não foi dirigido
contra pessoa, religião ou ideia
em particular.
IVA ZERO
Aos poucos percebe-se que a
ideia não é tão boa como parece
e que os seus efeitos não vão
ser tão importantes quanto se
supunha. De qualquer modo,
como se costuma dizer, antes
isto do que nada.
HABITAÇÃO ZERO
À hora em que escrevo não
sei o que saiu do Conselho
de Ministros de ontem, mas
presumo que nada de especial.
O escopo das ideias será o
mesmo, ainda que em alguns
casos matizados; porém, o
efeito pernicioso do primeiro
anúncio e o ar despreocupado
e até um pouco arrogante da
ministra já provocou o mal
que poderia ter provocado:
a desconfiança de qualquer
investidor de senso. Acresce
que a mentira de Costa, e
do Governo, no Parlamento
sobre a coercividade dos
arrendamentos serem ideia
de Passos e de Cavaco foi má
demais. Continuo a pensar que
o primeiro-ministro é melhor do
que os caminhos onde a emoção
política o levam.
ISRAEL
O aviso de Biden a Netanyahu foi
um pouco tardio, mas certeiro.
O líder israelita não pode, em
nome da sua salvação política,
para não marchar para a cadeia,
destruir o principal legado do
Estado moderno e democrático:
a total separação de poderes. É
preciso que, a exemplo de Biden,
o mundo o condene e propicie a
sua retirada do cargo. Se não for
o Ocidente, quem será?
ZELENSKY E XI
O Presidente da Ucrânia tem
um raro talento político —
quem diria? —, o que confirma
que as necessidades aguçam o
engenho. O convite que dirigiu
ao Presidente da China, Xi
Jinping, para visitar Kiev é uma
jogada que deixa aos chineses a
escolha entre serem mediadores
credíveis ou meros apoiantes de
Putin. Entre dois males (trair a
Rússia ou trair-se), Xi vai ter de
escolher o menor.
Três milhões de pobres
T
odos, salvo talvez um
pequeno bando de
anarcoliberais sem co-
ração, somos a favor da
solidariedade social e de uma
distribuição mais equitativa
dos rendimentos. Mas muitos
esquecem-se que para distri-
buir é necessário produzir;
como os fidalgos mais ou me-
nos arruinados, até recente-
mente, davam esmola uma vez
por semana aos “seus pobres”,
também periodicamente se fa-
zem programas para ajudar os
‘vulneráveis’, palavra que subs-
tituiu pobres (sem qualquer
vantagem para os próprios).
O IVA a zero para uma série
de produtos (sem discutir se
devem ser estes e não aque-
les) ou as medidas para a ajuda
à habitação (sem entrar nas
anormalidades da proposta)
são bem-vindas, sobretudo
para quem necessita. E, segu-
ramente, existem momentos
na vida de uma sociedade em
que são necessárias; perante
uma guerra, ou perante uma
pandemia, não se pode agir de
forma muito diferente. O pro-
blema vem depois. Depois dos
seis meses em que se assegura
o IVA zero (e dando de bara-
to que tudo funcionará linda-
mente) o que se passará? Che-
garemos à terra do leite e do
mel, na qual o cordeiro e o leão
convivem pacificamente? Ou
disponibilizamos mais dinheiro
para os ‘vulneráveis’, à espera
de um amanhã que cante?
A pobreza sempre foi um
problema das sociedades. Não
só por motivos misericordio-
sos (que vêm do coração, da
empatia, da compaixão), como
por motivos sociais e políticos,
pois é um fator de instabili-
dade e causa de revoluções.
Na própria Bíblia, onde os
evangelistas asseguram que
Jesus veio pregar aos pobres e
dizem que aconselhou os ricos
a dar tudo o que têm, além da
famosa frase sobre o camelo
passar no buraco da agulha ser
mais fácil do que o rico entrar
no reino dos céus, em Mateus,
Jesus diz esta frase: “Pobres
hão de ter sempre convosco,
mas a mim não me poderão
ter sempre.”
Muitas teorias tentam, há
séculos, contrariar esta ideia
de que pobres sempre haverá.
E por diversos métodos, des-
de a igualdade imposta dita-
torialmente (que criou ainda
mais pobres e desigualdades)
até às teorias de certas igrejas
cristãs que faziam equivaler a
riqueza a uma dádiva de Deus
e, por antinomia, a pobreza a
um castigo. Deixando de lado
estes extremos, vejamos que
os perío dos em que mais se
diminuiu a pobreza e as suas
consequências e chagas cor-
respondem àqueles em que a
Há apenas duas
linhagens no mundo,
como dizia uma avó
minha, que são
o ter e o não ter
Miguel de Cervantes
(1547-1616), o maior autor
espanhol de sempre, ícone
mundial da literatura, no seu
mais famoso livro, “D. Quixote
de La Mancha”, numa resposta
que D. Quixote dá ao seu
escudeiro, Sancho Pança,
a propósito de ricos e pobres
economia mais cresceu. Não
existe qualquer dúvida nesta
matéria, e basta ver que a vida
de quem se considerava pobre
há 100 anos é hoje inimaginá-
vel mesmo para o mais pobre.
Crescemos economicamente
(todo o mundo) e o número de
pessoas a sair da pobreza au-
mentou, e muito (isto indepen-
dentemente de a desigualdade
aumentar; mas confundir os
conceitos não ajuda a pensar).
PRIMEIRO CADERNO 39
ANTES QUE
ME ESQUEÇA
UM POBRE
Um trabalho
da Fundação
Francisco
Manuel dos
Santos vem
revelar-nos os
mais recentes
dados sobre
a pobreza
em Portugal.
Os dados são já de 2022,
ou seja, de há três meses, e
neles se pode constatar que,
apesar de a taxa de pobreza
ter diminuído (2 pontos
percentuais) em relação a 2021
(auge da pandemia), aumentou
a privação material, como a
capacidade financeira para
manter a casa adequadamente
aquecida ou ter uma refeição
de carne ou peixe pelo menos
a cada dois dias. Embora estas
carências façam confusão a
qualquer um, se pudéssemos
fazer um inquérito há 100 anos
veríamos que estes não eram
os problemas principais. Casa
aquecida? Já eu tinha bem mais
de 20 anos e, do campo do Casa
FOTO GETTY IMAGES
Pia até Algés, onde agora é a
CRIL, era um mar de barracas;
como o Alto do Lumiar, que
se chamava Musgueira, um
bairro miserável, ou aqui,
em frente da minha casa,
agora Miraflores Lux (ou
qualquer coisa do género), era
a Pedreira dos Húngaros, um
bairro de casas clandestinas,
aliás com uma notável vista
Por isso gostaria de ver o Go- para o rio (que eu não tenho).
verno preocupado com este As dificuldades foram-se
assunto sério com vista ao com- superando com a ajuda do
bate à pobreza: como se desen- Estado e dos municípios,
volve a economia, como se faz o mas também com o esforço
PIB crescer? Duplicá-lo em 20 dos que então eram pobres
anos, como propõe a SEDES? e trabalharam a dobrar.
É possível? Os peritos afirmam Falem com habitantes destes
que sim, mas, infelizmente, os realojamentos que tenham
sinais que o Governo vai dan- agora mais de 40 anos e eles
do apontam um caminho dife- vos dirão a diferença de há 20
rente. Desde logo nas questões anos para cá. Os subsídios são
relacionadas com a habitação, um socorro, um resgate, não
o Alojamento Local e o arren- um modo de vida.
damento coercivo (sobre o qual
Costa mentiu quando afirmou MAIS POBRES
que já existia no tempo de Pas- “Os pobres são
sos e Cavaco, confundindo pro- como os rios.
positadamente ruínas e casas Estancam a
abandonadas com o que vinha sede da terra,
propor); mas também na com- fazem inchar as
plexa questão das stock options, raízes e crescer
nas empresas tecnológicas, a as árvores,
que chamam unicórnios. De fac- acarretam,
to, o Governo convida a que se moem o pão nos
mantenham pequenas e, caso moinhos. Ei-la a
se tornem grandes, o melhor a vida da terra. Todas as catedrais
fazer é sair do país. O mesmo se construíram da sua dor; sem
sinal se dá no que diz respeito ao eles a vida pararia. [...] É um ser
Alojamento Local e ao arrenda- complexo, que abrange, em si,
mento coercivo: o Governo, ma- o mundo e o céu.” Tomara eu
nifestamente (e ao contrário do ter escrito estas linhas, mas o
que por vezes diz o seu ministro autor é Teixeira de Pascoaes,
da Economia), não gosta de em- a propósito do livro “Os
presas grandes, embora sejam Pobres”, de Raul Brandão. Tudo
essas que mais emprego criam, advém dos pobres e os pobres
no geral que melhor pagam e tudo construíram, desde as
mais oportunidades concedem. pirâmides do Egito à atualidade
Os três milhões de pessoas — como Brecht, no poema de
que o próprio Governo consi- 1935 “Perguntas de um operário
dera ‘vulneráveis’, a necessitar letrado”, insinuava.
de apoio do Estado para ter
uma vida com um mínimo de POBRES…
decência, são a confissão de E MAUS
um enorme falhanço. Se seria Ninguém terá
errado atribuí-lo apenas a estes descrito a
últimos anos, também seria ba- pobreza de
tota não os incluir. modo tão cruel
O primeiro-ministro disse como Ettore
preferir os cargos executivos, Scola no seu
porque são esses que fazem as filme de 1976
coisas. Porém, sendo primei- “Feios, Porcos
ro-ministro há sete anos, não e Maus”. Uma
se enxerga com facilidade que família enorme, numa barraca
rumo quer para o país. E ao co- esconsa, numa promiscuidade
mandante sem rumo nenhum impensável. Apropriam-se da
vento lhe é favorável, como di- pensão da matriarca, senil e
zia Séneca. É preciso apoiar inválida, e o seu filho, Giacinto,
quem necessita, sem dúvida, dorme com uma arma para
mas isso não é um projeto nem proteger o milhão de liras que
um rumo para a nossa econo- recebeu de indemnização por
mia. Quem quer combater a perder um olho. Tudo muda
pobreza a sério (não com medi- quando ele leva para viver com
das para aumentar a clientela) todos (mulher, mãe e filhos)
precisa de saber o que quer e uma prostituta gorda... É
dar os sinais certos. melhor ver, qualquer descrição
hmonteiroexpresso@gmail.com seria hoje cancelada.

Ricardo
Costa
Como
se mede a
confiança?
U
m dos conceitos
políticos mais di-
fíceis de avaliar
é a estabilidade.
Hoje não deve ha-
ver uma alma que
ache França um país estável.
Ao mesmo tempo, os países do
Norte da Europa são sempre
considerados estáveis, mes-
mo quando as coligações se
desfazem ou partidos de ex-
trema-direita integram o Exe-
cutivo. Claro que democracias
musculadas como Singapura
ou autocracias como a China
transpiram estabilidade, por-
que sacrificam ou esmagam
direitos fundamentais para
qualquer sociedade liberal.
E Portugal? Visto de dentro
podemos achar que somos um
país a caminho da instabilidade
social, económica e política.
Mas de fora somos vistos como
um país anormalmente estável
na Europa do Sul. Não temos
os riscos de secessão ou de mu-
dança de regime de Espanha,
a violência social de França, os
riscos financeiros, orçamentais
ou políticos de Itália ou Grécia.
E ainda temos, mesmo num
cenário extremo, os dois maio-
res partidos com perto de 60%
dos votos.
França, Espanha ou Itália
compensam a instabilidade
com a dimensão das suas eco-
nomias. Ser a segunda, terceira
ou quarta maior economia da
zona euro compensa boa parte
das disfuncionalidades políti-
cas ou orçamentais. Portugal
não pode usar o argumento da
dimensão nem do crescimento
potencial. Tem, assim, de valo-
rizar ao máximo a estabilidade
e a confiança.
O sucesso do pacote
de habitação mede-se
pelo dinamismo
do mercado de
arrendamento. E isso
exige confiança
Não foi por acaso que uma
das palavras mais repetidas na
apresentação do pacote Mais
Habitação foi confiança. O Exe-
cutivo percebeu que o mês e
meio de incerteza entre os pri-
meiros anúncios e a sua clarifi-
cação provocou desconfiança.
Tudo o que o Governo ganhou
ao recuperar a iniciativa políti-
ca e ao pôr em primeiro plano
um tema de inegável urgência
social perdeu-se numa desne-
cessária incerteza.
Os três temas que o Gover-
no reconheceu como mais
polémicos são radicalmente
diferentes e deviam ter sido
calibrados antes da primeira
apresentação. O fim dos vistos
gold é politicamente mais fácil,
até porque Bruxelas quer o fim
destes programas; as restri-
ções ao alojamento local são
claramente populares, mas têm
efeitos económicos que devem
ser pensados; o arrendamento
coercivo corre riscos de ser iní-
quo e assimétrico (só 35 conce-
lhos é que têm o levantamento
de imóveis devolutos feito!).
Mas a medida do sucesso des-
te pacote está na dinamização
do mercado de arrendamento
e na alocação de meios públicos
à construção e disponibiliza-
ção de edificado. Para isso, o
Governo precisa de envolver
milhares de agentes privados.
E isso exige sempre confiança
e estabilidade. As últimas se-
manas não ajudaram.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Código de Barras
Sabia que foi
criado nos EUA
há 50 anos? P17
Eutanásia: meia hora
para aprovar nova versão
Partidos admitem que o
diploma fica aquém dos
objetivos iniciais, mas
confiam na promulgação
Subalternizar a eutanásia face
ao suicídio assistido não era o
objetivo de nenhum dos par-
tidos com propostas sobre a
morte medicamente assisti-
da. Mas a solução encontrada
pelo PS, IL, BE e PAN vai além
do teor do último acórdão do
Tribunal Constitucional (TC),
antecipando eventuais moti-
vos para um novo chumbo do
diploma — que está agendado
para ser discutido e votado
esta sexta-feira no Parlamen-
to. Apesar desta alteração, a
quarta versão da legalização
da eutanásia só foi distribuída
no Parlamento na quarta-fei-
ra e a agenda desta sexta tem
30 minutos para o debate. O
Chega pediu, entretanto, o adi-
amento da votação, alegando
que 48 horas são “insuficien-
tes” para analisar o novo texto.
Atentos às declarações de voto
dos juízes do Palácio Ratton,
no novo texto os partidos le-
gislam que o doente só pode
recorrer à morte medicamente
assistida se tiver “incapacidade
física” para cometer o suicídio
assistido. Uma alternativa que
Papa quer estar no Vaticano para o Domingo de Ramos
ROMA Internado desde quarta-feira no hospital Gemelli — onde foi fazer exames, tendo fi-
cado em tratamento por infeção respiratória —, o Papa não deixou de trabalhar, indicou o
seu gabinete. Francisco agradeceu nas redes sociais a quem lhe desejou as melhoras e con-
ta regressar ao Vaticano a tempo do Domingo de Ramos, dia 2. O chefe da Igreja Católica,
a quem uma pneumonia fez perder parte de um pulmão na juventude, tem tido problemas
de mobilidade, além de sofrer de diverticulite. Promete só renunciar se ficar incapacitado:
“Governa-se com a cabeça.” FOTO VINCENZO PINTO/AFP/GETTY IMAGES
Ventura líder contra
André estudante
Defender uma coisa na
universidade e outra em
público compromete a
“credibilidade” política e
a “integridade académica”
O líder do Chega tem posições
políticas que violam a ciência ju-
rídica produzida por André Ven-
tura enquanto académico na
sua tese de doutoramento sobre
terrorismo e segurança. Com o
duplo homicídio no Centro Is-
maelita de Lisboa, esta semana,
Ventura voltou a contrariar o
texto com que adquiriu o título
de professor doutor na Irlanda.
No 4º episódio do podcast “En-
tre Deus e o Diabo” (que pode
ouvir através do QR Code em
baixo), a constitucionalista Te-
Futebol
Vêm aí novas
regras para os
penáltis P30
o PS admite causar algum “des-
conforto” entre os socialistas,
uma vez que reduz o âmbito do
procedimento. “Preferíamos a
solução que tínhamos no diplo-
ma original, mas também per-
cebemos que para termos uma
lei que chegue e acuda às pes-
soas temos que ler o conjunto
do acórdão, incluindo as decla-
rações de voto”, justificou Eu-
rico Brilhante Dias. Mas assim
o líder parlamentar do PS diz
acreditar “profundamente” que
Opositores à
legalização
acreditam que a lei
voltará a bater na
trave no TC
o novo texto é mais “robusto” e
não será alvo de novo chumbo
por parte do TC. Pelo Bloco,
Pedro Filipe Soares afinou pelo
mesmo diapasão. Segundo
o líder da bancada do Bloco,
apesar de não ser “pretensão
inicial” dos partidos proponen-
tes, avança-se agora com esta
solução “sem reticências” com
vista à promulgação da lei. “As
questões levantadas no último
acórdão estão respondidas, ha-
resa Violante explica que quem
diz uma coisa na investigação e
o contrário no espaço público
compromete a sua “credibili-
dade política” e a “integridade
académica”. Os amigos do es-
tudante dizem-no “moderado”
e progressista, que defendia
posições liberais e laicas, e até
confessou ter consumido dro-
gas. Saiba o que lhe aconteceu
no Erasmus em Salamanca e
como os colegas do escritório
de advogados do Porto o encon-
traram quase morto na cama.
OIÇA O QUARTO
EPISÓDIO DO
PODCAST “ENTRE
DEUS E O DIABO”
EM EXPRESSO.PT
(
Eletricidade
Preço para as
famílias é o mais
baixo em 9 anos E11
vendo maior probabilidade de
passar agora no crivo do TC”,
diz ao Expresso.
Além de privilegiar o suicídio
assistido, o novo texto recupera
o conceito de “sofrimento de
grande intensidade”, não es-
pecificando se está em causa
sofrimento físico, psicológico e/
ou espiritual, o que procura ir
ao encontro das questões levan-
tadas no acórdão. Para Teresa
Melo Ribeiro, mandatária da
Iniciativa Popular de Referendo
#simavida sobre a (des)penali-
zação da morte a pedido euta-
násia, os juízes podem, contudo,
voltar a pronunciar-se sobre a
avaliação do conceito de sofri-
mento se o Presidente da Re-
pública enviar o diploma para o
TC. “Foi eliminada a exigência
de doença fatal e os juízes po-
dem, desta vez, também apon-
tar para essa questão”, observa.
António Pinheiro Torres, vice-
-presidente da Federação Portu-
guesa pela Vida, sublinha que as
decisões do Palácio Ratton “não
são cumulativas”, sendo que os
juízes se pronunciam sobre cada
diploma em determinado “mo-
mento” e “contexto”. Defende,
portanto, que será “razoável”
que Marcelo volte a enviar o di-
ploma para o TC por uma ques-
tão de “segurança jurídica”.
“Coldplay
em Portugal”,
a exposição
Inaugura-se amanhã,
no Alma Shopping, em
Coimbra, e vai até 31 de
maio. Ao todo, são 22
fotos da banda britânica
Os Coldplay não atuam em Por-
tugal há mais de 10 anos, mas
regressam já amanhã numa ex-
posição produzida pela “Blitz”.
A mostra tem lugar no Alma
Shopping, de Coimbra, e apre-
senta 22 imagens que ilustram
todos os concertos da banda
no nosso país. A exposição es-
tará patente até 31 de maio e
tem curadoria da fotógrafa Rita
Carmo. Os Coldplay atuam a 17,
18, 20 e 21 desse mês no Estádio
de Coimbra, estando esgotada
a lotação dos quatro concertos.
Últimas
Guia da Habitação Na
edição da próxima semana
o Expresso vai explicar-lhe
ao pormenor tudo o que
precisa saber sobre as me-
didas do pacote Mais Habi-
tação. Entrevistas, análises
e textos em forma de ‘des-
codificador’ irão deixá-lo in-
formado sobre as intenções
do Governo e como o sector
encara as mudanças.
MP perde recurso de Tan-
cos Tribunal da Relação de
Évora deu nega ao Ministério
Público, que tinha pedido a
nulidade do acórdão que in-
validava a utilização dos me-
tadados no caso de Tancos.
O processo regressa assim à
primeira instância e os juízes
vão ter que proferir um novo
acórdão.
Poluição a jato As emissões
de gases com efeito de estufa
oriundas de aviões a jato pri-
vados aumentaram 63% na
Europa, em 2022, indica um
relatório da Greenpeace.
Amadora-Sintra abre uni-
dade para AVC É inaugurada
esta sexta-feira a Unidade de
Acidente Vascular Cerebral
(AVC) do Hospital Amadora-
-Sintra. Terá capacidade para
32 camas de internamento e
como objetivo aumentar a ca-
pacidade de resposta diferen-
ciada aos doentes, incluindo
a realização de terapêutica de
fase aguda.
Julgamento de suspeitos
de terrorismo O julgamento
dos irmãos iraquianos Ammar
e Yasser Ameen inicia-se a 18
de abril, no Campus da Justi-
ça, em Lisboa. Os dois estão
acusado no total de 10 crimes
de terrorismo.
Jornalista norte-ameri-
cano preso na Rússia Um
jornalista norte-americano ao
serviço do diário “The Wall
Street Journal” na Rússia foi
preso pelos serviços secretos
do país, sob suspeita de estar a
“desenvolver atividades de es-
pionagem no interesse do Go-
verno norte-americano”. Evan
Gershkovich, de 31 anos, já
escrevera sobre a Rússia para
jornais como o “The New York
Times” e o “Moscow Times”.
Carlos III fala de liberda-
de no Parlamento alemão
Carlos III tornou-se ontem o
primeiro rei britânico a falar
no Bundestag, o Parlamento
alemão. Escolheu como tema
principal a guerra na Ucrânia.
No seu discurso, frisou que Rei-
no Unido e Alemanha estão
mais unidos na defesa da “paz
e da liberdade” na Ucrânia e
na Europa.
TEMPO E MARÉS
SEXTA SÁBADO
Bragança 17˚ 10˚ 17˚ 5˚
Porto 18˚ 13˚ 17˚ 11˚
Guarda 15˚ 8˚ 14˚ 6˚
Sexta-feira
Lisboa 21˚ 14˚ 21˚ 12˚
31 de março
31
de 2023
Évora 24˚ 12˚ 24˚ 10˚
Faro 26˚ 13˚ 26˚ 14˚
Ponta
18˚ 16˚ 19˚ 15˚
03
Delgada
Funchal 26˚ 19˚ 24˚ 17˚
SEXTA SÁBADO
MARÉS Baixa Alta Baixa Alta
Porto 06:31 12:46 07:25 13:37
Lisboa 06:24 12:55 07:22 13:46
Faro 06:04 12:17 06:55 13:07
#2631 FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
expresso.pt
Cinzento “A imaginação e a
ficção preenchem mais do que
três quartos da nossa vida”, es-
creveu Simone Weil. A realida-
de é feita de nuvens.