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Fundador: Francisco Pinto Balsemão 8 de março de 2024

2680

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.pt

24h Marcelo
FOTO RUI DUARTE SILVA

Relatório
sobre aeroporto
tudo fará
A Comissão Técnica Indepen-
dente vai entregar o relatório
final sobre a localização do
novo aeroporto a 11 de março,
um dia depois das eleições. As
para evitar
conclusões vão ser apresen-
tadas publicamente a 22 de
março. Alcochete foi a locali-
zação mais bem pontuada no
LEGISLATIVAS
Chega no
governo
relatório preliminar.

Fevereiro quente
A média global da temperatura
em fevereiro foi de 13,54°C, o
que equivale a 0,12°C acima
do anterior recorde, registado
em fevereiro de 2016, e 1,77°C
mais do que a média da época
pré-industrial (1850-1900).
Presidente aceitará apoio de
André Ventura a um eventual governo,
Processos a ativistas mas afasta a sua entrada no Executivo
Até ao final de fevereiro, o Mi- Na reta final da campanha, garante estar a “lutar por
nistério Público tinha instaura-
FOTO JOSÉ FERNANDES

Pedro Nuno Santos disse ao cada voto” e diz: “Não estou

do 32 processos relacionados Expresso que está convencido preocupado com a minha vida
com ações de protestos de ati- de que vai governar e acredita política.” Notas finais de uma
vistas do clima. Em causa estão
que os seus Orçamentos não campanha em que Ventura
crimes como desobediência,
serão rejeitados porque vão imitou Trump e Bolsonaro e
atentado à segurança de trans-
porte rodoviário, resistência ser “bons para as pessoas”. os outros partidos lutaram
e coação ou dano qualificado. Montenegro, por seu lado, contra o “voto útil”. P8a16
FOTO TIAGO MIRANDA

Fecundidade sobe O QUE É UMA VITÓRIA E UMA

O índice de fecundidade na
União Europeia desceu em DERROTA PARA CADA PARTIDO P6

2022 para 1,46 nascimentos,

mas Portugal fez o caminho na
direção oposta, com o indica- OS DESAFIOS VENCEDOR
dor nacional a subir para 1,43,
recuperando da quebra do ano ECONÓMICOS DE TEM SEGURANÇA
anterior (1,35).
QUEM GOVERNAR E6 REFORÇADA P4

Suécia na NATO O MELHOR CALENDÁRIO

Estocolmo entregou esta quin- E O PIOR DE CADA PARA PERCEBER
ta-feira o instrumento de ade-
são à NATO ao Governo dos CAMPANHA P10a16 O PÓS-ELEIÇÕES P15

EUA, encarregado de receber

esse documento. A Suécia é,
pois, o 32º Estado-membro da GERAÇÃO Z OS NOVOS ELEITORES
Organização do Tratado do
Atlântico Norte. CONTAM COMO SÃO E COMO PENSAM P20

Integram esta edição semanal, além deste

corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E

Quem
vai ganhar Mais de 31 mil vítimas de
na noite
dos Óscares
violência doméstica em três anos
Em apenas três anos foram res, mas também há crianças foram encaminhadas pelas au- estes números são apenas uma
“Oppenheimer” mais de 31 mil as vítimas de e jovens que ou foram agredi- toridades à APAV. O número parte da realidade: “Temos
e “Barbie” bateram violência doméstica que rece- dos ou presenciaram violência de queixas e de ocorrências re- noção de que há uma grande
recordes de bilheteira, beram ajuda da Associação (mais de 5 mil). Nestes três gistadas pelas polícias também cifra negra.” Este ano já foram
mas só um deles Portuguesa de Apoio à Vítima anos subiu em 22% o número teve um ligeiro aumento. Da- assassinadas pelos companhei-
pode triunfar R32 (APAV). São sobretudo mulhe- de pessoas que recorreram ou niel Cotrim, da APAV, diz que ros seis mulheres. P22

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2 PRIMEIRO CADERNO
Uma eleição que ambos
merecem perder
L
uís Montenegro lutou con-
tra todos. Contra um país
embriagado por anos de
políticas que foram ali-
mentando as tradicionais
forças onde o PS se fixou.
Contra grande parte do
seu próprio partido, que continua a
não acreditar nas suas competências
políticas. Contra a maioria da opinião
pública e publicada, onde até os que
se reveem no seu espectro político
não se cansam de o atacar. E contra
ele próprio, titubeante, pouco asser-
tivo e ineficiente a mostrar a alterna-
tiva que afirma ser.
Os vários meses que separaram o
anúncio da dissolução da Assembleia
da República e as eleições permiti-
ram desbastar algumas das pedras no
seu caminho. O PSD continua igual
a si mesmo, um partido partido, mas
os críticos calaram-se. Montenegro
conseguiu reunir os antigos líderes
na sua campanha, mostrou unidade,
liderança e eficiência ao desviar-se das
armadilhas que Passos Coelho, Nún-
cio e afins lhe meteram no caminho
e, talvez o seu maior trunfo, manteve
uma cerca sanitária em torno de An-
dré Ventura, mesmo contra opiniões
mais agregadoras que circularam em
algumas hostes. O líder do Chega teve
uma entrada de leão mas arrisca uma
saída de sendeiro face às expectativas
iniciais, e parte dessa responsabilida-
de recai sobre a estratégia de segrega-
ção de Montenegro. A AD é claramen-
te quem mais pode beneficiar com o
voto útil, pelo simples facto de todas as
sondagens apontarem para a elevada
probabilidade de haver uma maioria à
direita. Havendo onde ir buscar mais
votos, a sua tarefa torna-se mais fácil,
principalmente se continuar a afirmar
que “não é não”.
Mas Luís Montenegro falhou num
aspeto crucial nestas eleições: não con-
seguiu afirmar-se como elemento dina-
mizador da mudança que os eleitores
esperavam. Não o conseguiu porque
este PSD não acredita nessa mudança.
O seu programa, apesar de algumas
diferenças de base ideológica, nomea-
damente na relação entre privados e
públicos em sectores específicos, não é
distintivo face ao que foi a governação
socialista dos últimos oito anos. Aliás,
nada no discurso de Montenegro mos-
tra uma mudança real relativamente
ao PS de António Costa. Acredito que
o elevado número de indecisos partilha
deste sentimento de alguma indiferen-
ça para com Montenegro, questionan-
SETE DIAS, SETE RAZÕES PARA GUARDAR O EXPRESSO
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ores em formato digital. GRÁTIS, DURANTE SETE DIAS, COM ESTE JORNAL
A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
GOVERNO DOS AÇORES
Com o país em campanha
eleitoral para as legislativas, o
novo Governo Regional dos
Açores, liderado por José Manuel
Bolieiro, e que integra
representantes do CDS e do PPM,
foi empossado esta semana. Para
depois de 10 de março fica a
discussão do programa, e saber
quem vai viabilizar o executivo.
SUPER TERÇA-FEIRA
Esta semana, muito ficou
praticamente definido na
corrida às presidenciais norte-
americanas de novembro. De um
lado já se sabia que Joe Biden
seria o candidato democrata. E
João Vieira
Pereira
do-se se vale mesmo a pena mudar o
voto quando é elevada a probabilidade
de tudo ficar na mesma.
Pedro Nuno Santos tinha a tarefa
mais difícil: calçar os sapatos de An-
tónio Costa, um dos poucos políticos
cuja popularidade parece resistir a
tudo, mesmo aos sucessivos escân-
dalos governamentais e às suspeitas
de corrupção dentro do seu próprio
gabinete, e, ao mesmo tempo, mos-
trar-se capaz de ser diferente. Falhou
nos dois campos. Ao tentar marcar
a diferença, recusou-se a usar como
bandeira política alguns dos grandes
trunfos do PS. Um crescimento que,
apesar de moderado, efetivamente
existiu; o desemprego em valores
historicamente baixos ao longo dos
vários anos; a redução do défice e da
dívida para valores considerados ina-
tingíveis até pelos mais ortodoxos; o
aumento do salário mínimo de forma
Pedro Nuno Santos ou Luís
Montenegro, um deles será
o próximo primeiro-ministro,
mas nenhum deles fez
verdadeiramente algo
para merecer lá chegar
continuada sem a disrupção que mui-
tos antecipavam. E permitiu que fosse
António Costa a marcar o ritmo sobre
o papão do regresso da direita. Há
quem tenha ficado espantado, quem
tenha ficado contente, mas ninguém
ficou indiferente perante um discurso
que se repete há oito anos. A estraté-
gia antitroika é a única que António
Costa sabe proferir de forma eficiente.
E também é aquela onde Pedro Nuno
Santos se sente como peixe na água,
pois foi a sua ação parlamentar na
gestão da ‘geringonça’ que o distin-
guiu como político e não a sua pas-
sagem como ministro. Assim, em vez
de cavalgar o positivismo, foi exímio
no apelo ao medo, e a força do medo
ofuscou o resto da sua campanha.
Pedro ou Luís, um deles será o pró-
ximo primeiro-ministro, mas nenhum
deles fez verdadeiramente algo para
merecer lá chegar.
P.S.: A partir das 20h do dia 10 de
março acabou o tempo dos partidos
e começará o tempo do Presidente.
Marcelo, que se tem contido publica-
mente, dentro do que lhe é possível,
será crucial nas negociações que se
avizinham.
jvpereira@expresso.impresa.pt
esta semana as poucas dúvidas
que havia em relação ao
republicano também se
dissiparam. O duelo entre
Trump e Biden vai repetir-se
quatro anos depois.
PGR
A procuradora-geral da
República, Lucília Gago, veio esta
semana dissipar quaisquer
dúvidas sobre a vontade de
cumprir um novo mandato à
frente da cúpula do Ministério
Público, deixando claro que
conta jubilar-se.
CAMPANHA
Depois de três meses
de uma longa,
longuíssima pré-
campanha, e de mais
duas semanas de
campanha eleitoral oficial,
os partidos e candidatos
Expresso, 8 de março de 2024
Lucília Gago disse que “está fora de questão” a possibilidade de novo mandato
Duelo como PGR. A sua atuação na cúpula do Ministério Público divide opiniões
Adão Magalhães
Carvalho e Silva
Presidente do Sindicato dos
Magistrados do MP Advogado
A PGR Lucília Gago teve
um mandato positivo?
SIM NÃO
No propósito de efetuar uma avalia- O Ministério Público é um pilar es-
ção justa do mandato da atual procu- sencial do Estado de direito. E, por
rador-geral da República não poderei isso, a integridade do seu funciona-
deixar de a efetuar com base num juízo comparativo mento exige autonomia dos poderes do Estado, o que a
com os seus antecessores, pelo menos, aqueles que co- Constituição reconhece e garante. Mas essa autonomia
nheci nessas funções desde que ingressei na magistra- não é de cada magistrado, mas do Ministério Público
tura e, portanto, desde o tempo de Cunha Rodrigues. enquanto corpo, rectius, enquanto órgão do Estado;
Começava por referir que a nomeação do procu- e que, nesse estatuto, é, no imperativo constitucional,
rador-geral é uma escolha política, efetuada pelo um corpo hierarquicamente organizado, traduzindo-
Presidente da República sob proposta do Governo, -se a hierarquia na vinculação de cada magistrado ao
pelo que a responsabilidade pela escolha para o car- cumprimento das ordens, diretivas e instruções dos
go de alguém com as características de Lucília Gago superiores. É essa organização hierárquica que garante
constituiu uma opção do Governo de então, presidido a uniformidade e coordenação do funcionamento do MP,
por António Costa, e só ao mesmo pode ser imputada. tornando-o transparente e previsível, aí onde a previsibi-
Fiel a um conjunto de características de personalidade lidade é garantia essencial do cidadão. Acontece que os
que já lhe eram conhecidas, o início do mandato foi ca- últimos anos têm visto crescer, amiúde por via sindical,
racterizado por um grande distanciamento em relação a pretensão dos magistrados do MP, que já usavam beca
aos magistrados, fechada no Palá- como os juízes e se sentavam, no
cio de Palmela, o que igualmente tribunal, no mesmo plano dos juízes
determinou um natural alheamen- É a primeira e à direita deles, de serem também
to daquilo que eram as principais PGR a assumir quase-juízes, logo, quase-irrespon-
entropias ao desenvolvimento da sáveis e quase-independentes; e, por
atividade do Ministério Público.
a necessidade isso, no processo penal, que é onde o
Esse mesmo perfil determinou da autonomia funcionamento hierárquico mais se
a sua dificuldade em se relacionar financeira do MP exige, só teriam de obedecer aos su-
com a comunicação social e a tantas periores quando de decisões finais,
vezes propalada insuficiência de co- Aqui é o demérito na prática, quanto da acusação ou
municação para o público nos casos do arquivamento de inquérito. No
de grande repercussão social. que exige que se mais, cada cabeça, cada sentença —
Alguns laivos de autoritarismo escolha quem independentes e irresponsáveis! O
levaram-na a insistir numa direti- seja capaz de último passo foi dado pelo novo Es-
va sobre a conformação dos pode- desempenhar tatuto do MP (Lei nº 68/2019), que
res hierárquicos, tema complexo foi interpretado, pelo Sindicato dos
e controverso desde as origens bem o cargo Magistrados do Ministério Público,
do Ministério Público enquanto como consagrando a autonomia
magistratura autónoma, que nenhum dos anteriores de cada cabeça. Contrariando esta posição, o Conselho
procuradores-gerais ousara emitir, e que após uma Consultivo da Procuradoria-Geral da República emitiu
primeira versão logo suspensa, por evidentes e insu- um parecer, dando nota que tudo continuava na mesma
peráveis deficiências, a segunda ainda hoje está em — autonomia do MP e vinculação dos magistrados a aca-
vigor, sem ser conhecida qualquer aplicação prática. tarem ordens superiores no processo penal. Parecer que
As principais críticas que lhe aponto são as da falta foi homologado pela procuradora-geral da República e,
de uma visão estratégica para o Ministério Público; da por isso, se tornou obrigatório para todos magistrados. E
falta de assertividade na denúncia da insuficiência de pur... o “cada cabeça, cada sentença”, por mais desmenti-
recursos e meios e na sua exigência; e o facto, de por dos oficiais que venham, mantém-se — basta perguntar
aparente insegurança, ter escolhido para os cargos ao presidente do SMMP se os magistrados do MP estão
hierárquicos que dependem da sua indicação, pessoas obrigados a obedecer, no processo penal, às ordens dos
que se quedam na sua sombra, em vez da aposta em seus superiores hierárquicos...
magistrados, que embora com maior personalidade, Responsável por este funcionamento descoordena-
seriam capazes de a ajudar a imprimir ao Ministério do que faz do MP não uma hierarquia, mas uma plura-
Público um maior rasgo e estratégia. lidade de órgãos singulares, como se cada magistrado
Mas existem aspetos positivos do seu mandato que fosse um juiz, é a procuradora-geral da República, que
cumpre salientar. O investimento na intervenção do não conseguiu encontrar as vias, seja junto dos outros
Ministério Público na área das crianças e jovens e a poderes do Estado dotados de iniciativa legislativa
criação das SEIVD (serviços especializados na investi- (Governo e AR), seja por via de medidas de controlo
gação dos crimes de violência doméstica e de género). da vinculação hierárquica, com adoção, quando ne-
E, sobretudo, a coragem evidenciada nos tempos mais cessário, de procedimentos disciplinares.
recentes, de vir a público defender o Ministério Pú- Cereja em cima do bolo, quando da Operação Zarco,
blico e os seus magistrados, alvos de uma campanha com o país em sobressalto pelo espetáculo montado, o
orquestrada para descredibilizar as investigações e único esclarecimento foi “tudo bem, por parte do MP,
condicionar a sua atuação. Além disso é a primeira tudo mal por parte juiz de instrução”...
procuradora-geral da República a assumir e defen- A PGR cessa o mandato em outubro, sem qualquer
der publicamente a necessidade de consagração da polémica. É que nada obstando, na Constituição da
autonomia financeira do Ministério Público enquanto República, à renovação, embora razões de isenção
garante da sua efetiva autonomia. a desaconselhem, aqui é o demérito, que exige que
Em jeito de conclusão, embora com algumas re- se escolha quem seja capaz de desempenhar bem o
ticências, atribuímos nota positiva ao seu mandato. cargo.
cumprem este sábado o habitual
e anacrónico dia de reflexão,
antes de os portugueses irem às
na prova de abertura,
realizada no Bahrein.
SLOW J
Esgotar a Meo Arena
não é para todos. E
urnas no domingo. O final de RUI PINTO esgotar a Meo
campanha ficou muito marcado O Tribunal Central de Arena dois dias
por apelos ao voto útil pelos Instrução Criminal seguidos é mesmo
maiores partidos. decidiu enviar para para muito poucos.
julgamento o pirata O rapper de Setúbal
ABORTO informático, por 242 Slow J conseguiu-o esta
Muito estimulada pelo que crimes. Rui Pinto vai ser semana.
aconteceu nos EUA, em que o julgado por ter invadido os
Supremo reverteu a decisão que e-mails do Benfica, juízes e SATÉLITE
dava proteção federal ao aborto, procuradores. Mas parte dos O segundo satélite construído
a França decidiu tornar-se no crimes de que era acusado e registado com bandeira
primeiro país a integrar na sua acabou amnistiada por causa da portuguesa foi lançado esta
Lei Fundamental o direito visita do Papa Francisco. semana a partir de uma base
a interromper espacial nos Estados Unidos.
voluntariamente uma WORLDCOIN Chama-se MH-1.
gravidez. Uma empresa anda a fazer furor
nas áreas comerciais nacionais, ao BCE
FÓRMULA 1 apelar às pessoas que permitam a O Banco Central Europeu,
Chegou a nova época recolha de imagens da íris em liderado pela senhora Lagarde,
na Fórmula 1, mas as troca de dinheiro. O tema levanta ainda não fala de corte nos
notícias não foram dúvidas sobre a proteção e juros, mas a reversão do
surpreendentes, com a vitória segurança de dados. Em Espanha a aperto pode estar para breve.
de Max Verstappen e da Red Bull prática já foi entretanto proibida. Junho será o mês decisivo.
NotíciasFlix
Expresso, 8 de março de 2024
Miguel Sousa Tavares
Onde o 25 de Abril ainda não chegou
N
o final da semana
passada reuniu-se nos
Açores o Congresso
dos Magistrados do
Ministério Público.
Estava lá cerca de
um terço dos 1500
procuradores da
República, que, es-
palhados pelas várias comarcas do
país e longe dos olhares mediáticos,
fazem um trabalho essencial para a
administração da justiça e creio que
quase sempre esforçado e meritório.
Mas o que deu nas vistas e o que
o Sindicato do Ministério Público,
organizador do Congresso, queria
que desse nas vistas foram as
vozes dos que se acham a elite
do MP, mandatados pelos seus
pares para um braço de ferro
com o poder político eleito. Por
isso, e como de costume, lá
estavam, como convidados,
alguns dos seus jornalistas
de estimação, delatores habituais de
segredos de justiça, do “Correio da Ma-
nhã” e não só. Este é o primeiro ponto
a salientar: a promiscuidade assumida e
exibida entre uma magistratura judicial
e um pseudojornalismo ao seu serviço.
Mais importante, porém, foram as in-
tervenções da tal elite do MP, das quais
saliento as da própria procuradora-ge-
ral, Lucília Gago, e as do presidente do
Sindicato, Adão Carvalho. O que eles
disseram ultrapassou em muito a legíti-
ma reacção às críticas que vêm escutan-
do à actuação do MP e mesmo de uma
defesa corporativa do organismo, para
entrar no domínio do intolerável, num
país que se rege por valores democráti-
cos, constitucionalmente garantidos. E
que chega a soar como uma ameaça a
quem ousa questioná-los, vinda de um
organismo que, detendo os imensos
poderes que a lei lhe confere, já fez pro-
va de não se coibir de os utilizar para,
por exemplo, instalar uma escuta num
telefone pessoal de alguém que não
era suspeito de terrorismo, de tráfico
ou exploração sexual de menores, ou
de chefiar uma rede internacional de
droga, mas apenas secretário de Estado
do Governo e, aos olhos do MP, suspeito
de tráfico de influências — com isso jus-
tificando ter tido o seu telefone pessoal
sob escuta quatro anos, dia após dia,
numa inimaginável devassa de toda a
sua privacidade, a qual devia constituir,
por si mesma, um crime público.
Mas justamente porque alguns dos se-
nhores procuradores, que se imaginam
uma elite, começando pela PGR, não
querem ser incomodados nem questio-
nados, é isso que devemos fazer. Porque
se acham acima de todos os demais,
numa democracia em que todos, desde
o mais humilde cidadão até ao Presiden-
te da República, têm o direito à crítica
e o ónus de serem criticados, sobretu-
do exercendo funções públicas, é isso
mesmo que devemos fazer. E porque os
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políticos têm medo de o fazer para não
serem acusados de estarem a interferir
nos domínios sagrados do bezerro de
ouro ou a protegerem-se a si próprios,
como diz o André Ventura e os jorna-
listas ao serviço da corporação, é isso
que não podemos ter medo de fazer.
Foi para isso também que se fez o 25 de
Abril, coisa que eles ou ainda não perce-
beram ou não querem aceitar. Vejamos
então o que eles disseram nos Açores,
mas, antes disso, o seu enquadramento.
Depois de amanhã os portugueses
vão a votos para escolher um novo Go-
verno e um novo primeiro-ministro.
Não porque os portugueses o tenham
querido, porque concordassem em mu-
dar de Governo antes ainda de metade
da legislatura: mesmo não achando
que António Costa tenha sido um PM
excepcional, creio não andar muito
longe da verdade se disser que, olhando
para os candidatos a PM, a maioria dos
portugueses sente que irá para pior
do que tinha antes. Mas também não
vamos a votos porque a Assembleia da
República tenha derrubado o Governo,
porque o Presidente tenha demitido
o PM ou dissolvido a Assembleia por
iniciativa própria ou porque o próprio
António Costa tenha desistido, como
outros antes. Vamos a votos porque a
senhora procuradora-geral o assassi-
nou politicamente, acusando-o de ser
suspeito de corrupção ou tráfico de in-
fluências, e o Presidente da República
resolveu então dissolver a Assembleia
— precipitada e erradamente, em mi-
nha opinião. Mas se não fosse o célebre
parágrafo que Lucília Gago fez pes-
soalmente questão de introduzir e de
redigir no comunicado da PGR de 7 de
Novembro, António Costa não se teria
demitido: sem ele, não havia razão para
isso; com ele, não podia fazer outra
coisa. E não venham dizer que foi por
causa dos 75 mil euros escondidos por
Vítor Escária, porque a sua descoberta
Queixa-se a elite
do Ministério Público
e o André Ventura
de que o poder
político quer interferir
“ilegitimamente”
nos seus sagrados
poderes. Mas vamos
votar depois de
amanhã exactamente
pela razão contrária:
porque a vontade
democrática está
submetida à tutela
do Ministério Público
foi posterior à demissão e porque o
episódio é de tal forma extremo na sua
deslealdade e canalhice que seria difícil
responsabilizar solidariamente Costa
por isso. Para quem já não se lembra,
recordo o que escreveu Lucília Gago:
“No decurso das investigações, sur-
giu, além do mais, o conhecimento da
invocação por suspeitos do nome e da
autoridade do primeiro-ministro e da
sua intervenção para desbloquear pro-
cedimentos no contexto supracitado.”
Convém esclarecer que o “contexto
supracitado” são os crimes de corrup-
ção e tráfico de influências; que a PGR
refere, não apenas uma vaga partici-
pação de Costa, mas a “sua interferên-
cia para desbloquear procedimentos”,
embora não diga de que natureza e se
ilegais ou não; e que quando escreve
“no decurso das investigações” deve-
ria ter escrito “durante a audição de
uma escuta”, visto que investigações
não houve nenhumas, pois que na es-
magadora maioria destes casos o MP
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
confunde investigações com escutas,
que banalizou ao extremo.
Uma hora depois do comunicado da
PGR de 7 de Novembro, as agências de
notícias internacionais espalhavam pelo
mundo a notícia de que o PM português
se tinha demitido sob suspeitas de cor-
rupção que estavam a ser investigadas
judicialmente. Mas quatro meses depois
vamos para eleições sem que, ao que
o próprio saiba, o MP, agora junto do
STJ, tenha avançado um passo na sua
“investigação”: António Costa não foi
constituído arguido nem sequer foi ouvi-
do; o processo não foi arquivado nem ele
presente a um juiz, indiciado por crime
algum; e aposto que as “suspeitas” da sua
“interferência” se mantêm tal e qual esta-
vam: devem estar a escutar-lhe o telefone
para ver se as “investigações” avançam.
Não há pressa alguma: é apenas a honra
de um homem, de um primeiro-ministro
e de um país que está em jogo.
Eis o contexto. Agora, o discurso da
senhora. Mas, antes, atente-se no local
escolhido por ela: o Congresso do Sindi-
cato dos Magistrados do MP. O mesmo
Sindicato que tem a correr contra ela
uma acção no Tribunal Administrativo
em que pretende anular uma directiva
em que a senhora se atreveu, vejam lá, a
estabelecer a regra de quem manda na
PGR é ela e que, portanto, tem o direito
de superintender na condução dos pro-
cessos que entender — coisa que para o
Sindicato é também uma insuportável
ingerência na sagrada lei do regabofe,
segundo a qual cada procurador faz
o que quer sem dar satisfações a nin-
guém. Só alguém como Lucília Gago,
que tem horror a ser entrevistada ou a
enfrentar o contraditório e que preci-
sava de uma plateia acolhedora, é que
se sujeitaria a esta autodesautorização
para ir fazer com quem contesta a sua
autoridade, dizendo-lhes o que eles
queriam ouvir e assim procurando o
aplauso fácil. No capítulo das lamúrias,
PRIMEIRO CADERNO 3
queixou-se de “investidas e ataques,
pressões e ingerências, directas e in-
directas, e inflamadas paixões que vi-
sam descredibilizar as investigações
e quem as dirige” — a forma como
ela vê as críticas ao trabalho do MP.
Pois que, acrescenta como exemplo,
“somos confrontados e fustigados
pelo novel questionamento sobre a
adequação dos meios empregues ou
o timing das diligências” — uma re-
ferência à espectacular operação
da Madeira, cujo “novel questio-
namento não admite” —, sobretudo
quando revela uma “preocupante
convergência opinativa de desta-
cadas figuras, dentro e fora desta
magistratura”. Ou seja: quanto
mais pessoas nos criticam, mais
inadmissíveis são os “ataques”.
Razão para que ela faça seu o
infeliz aviso do Presidente do
STJ aos legisladores eleitos:
que não se atrevam a “aven-
turas legislativas que podem
comprometer a independência dos tri-
bunais e o regular funcionamento do
sistema de justiça, com tentativas de
ilegítima intrusão ou condicionamento
por parte do poder político, perante os
insofismáveis sinais da deterioração
das democracias, a degradação da éti-
ca, a normalização da mentira, a falta
de integridade”. Traduzindo: não se
atrevam a ter uma política de justiça,
que seria “ilegítima”; não se atrevam a
mexer na reserva moral da nação, que
somos nós; não se atrevam a criticar os
nossos métodos ou os nossos resulta-
dos. O discurso de André Ventura.
Menos sofisticado e mais primário,
como é de seu modo, o presidente do
Sindicato, Adão Carvalho, resumiu tudo
à vontade de “conformar a actuação do
MP a uma espécie de tutela política” —
mesmo quando, à vista de todos, vamos
votar depois de amanhã exactamente
pela razão contrária: por vivermos num
sistema que permite submeter a von-
tade democrática à tutela do MP. Para
depois vir um juiz de instrução olhar
para os “indícios” arrolados em quatro
anos de investigação pelos procurado-
res da Operação Influencer e concluir o
mesmo que conclui qualquer pessoa de
bom senso: que aquilo seria uma coisa
de amadores se não tivesse sido uma
irresponsabilidade partilhada ao mais
alto nível pela senhora que não gosta
de ser contraditada, 50 anos depois de
escrito o artigo 1º da nova vida: “O povo
é quem mais ordena.”
P.S.: Foi-se um dos bons, um dos que
faziam diferença. Um homem inteligen-
te, culto, sensível e livre: António-Pedro
Vasconcelos. Vai fazer-me muita falta o
seu olhar e a sua voz, nestes tempos de
exaltante mediocridade.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
SEDES —
Associação para o
Desenvolvimento
Económico e Social
Em tempos de campanha e de com-
promissos eleitorais, é importante to-
mar nota do aviso deixado pela asso-
ciação que faz a análise das políticas
públicas. A SEDES fez as contas às
propostas económicas dos programas
eleitorais dos partidos e alerta para o
‘surto’ de ideias que implicam aumen-
tos da despesa pública e podem ori-
ginar desequilíbrios orçamentais. O
trabalho da associação cita exemplos
concretos e procura, com dados fac-
tuais, colocar realismo numa evidente
escalada de promessas.
E BAIXOS
Rui Pinto
Fundador do Football
Leaks
Mesmo beneficiado por uma amnistia
papal, Rui Pinto vai a julgamento por
242 crimes. A decisão instrutória foi
conhecida esta semana. O criador do
Football Leaks, já condenado em tri-
bunal, é agora alvo de um novo pro-
cesso em que responde pelos crimes
de acesso ilegítimo qualificado, crimes
de violação de correspondência agra-
vados e crimes de dano informático.
Lucília Gago
Procuradora-geral
da República
O MP está debaixo de fogo há largos
meses com críticas sobre a atuação dos
procuradores. A contestação surgiu da
classe política, mas também dos advo-
gados e da própria magistratura. Esta
semana, a PGR afastou qualquer hipó-
tese de desempenhar um novo man-
dato. Lucília Gago falava à margem
do Congresso dos Magistrados, para
o qual o PR enviou um recado: suge-
re que o MP concilie “o máximo rigor,
com a máxima prontidão de resulta-
dos”. Palavras que têm leitura e mais
peso nestes dias de campanha eleitoral
motivada por um caso judicial.
Inês
Sousa Real
Porta-voz
do PAN
Podemos questionar a oportunidade
e criticar a decisão de quem volta as
costas a um projeto político no preciso
momento em que o país faz a avaliação
desse trabalho. Mas não podemos ig-
norar os sinais e o recado que transmi-
te para a autoridade de uma liderança.
Aos dois dirigentes do PAN que se des-
filiaram em Faro, juntou-se uma autar-
ca do partido no Funchal que anunci-
ou também discordar da estratégia do
partido. Sinais de uma desunião que
deviam ter sido antecipados e não aju-
dam na reta final da campanha.
André
Ventura
Presidente
do Chega
Escolheu os últimos dias de campanha
para radicalizar o discurso, lançar sus-
peitas sobre teorias de governação que
não conseguiu concretizar e tentar de-
sacreditar o processo eleitoral. Ventu-
ra adaptou a estratégia à leitura que
foi fazendo da campanha e regressou
às ideias populistas recuperando, por
exemplo, o tema da prisão perpétua e
as ameaças de boicote a líderes políti-
cos internacionais com os quais discor-
da. Foi a campanha da desinformação.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Influencer MP tem
dúvidas sobre se há
crime em “alguns factos”
Procurador admite que
“está por comprovar” a
existência de indícios criminais
em alguns factos nos casos
do lítio e do hidrogénio
Apesar de se mostrar convicto da
existência de indícios criminais no
caso da construção do Centro de Da-
dos de Sines, o procurador João Pau-
lo Centeno admite que nos casos do
lítio e do hidrogénio há ainda dúvidas
que persistem e que têm de ser bem
investigadas. No despacho que decre-
ta a divisão da Operação Influencer
em três inquéritos diferentes, o ma-
gistrado escreve que, “quanto a al-
guns dos restantes factos, mostra-se
ainda por comprovar a existência de
indícios da própria ocorrência do cri-
me, o que carecerá necessariamente
de análise mais profunda”.
No despacho divulgado pela “Visão”
e a que o Expresso teve acesso, João
Paulo Centeno, que lidera a equipa
de três procuradores encarregada do
caso, argumenta que “a investigação
conjunta de todas as condutas” seria
“prejudicial para a realização da justi-
ça” em tempo útil, justificando assim
a separação dos processos.
Mas, na verdade, mesmo no pro-
cesso em que entendia ter mais in-
dícios, o Ministério Público acabou
O Cartoon de António Os pássaros
Dia de eleições Polícia
prepara operação
PSP vai ter 500 polícias em
prevenção após o anúncio
dos primeiros resultados.
Vencedor terá logo direito
a segurança pessoal
Às 20 horas, quando forem reveladas
nas televisões as primeiras projeções
dos resultados das eleições legisla-
tivas deste domingo, a PSP terá de
imediato em prevenção entre 400
e 500 operacionais, espalhados um
pouco por todo o país, com a função
de reforçar a segurança nas ruas,
sobretudo nos locais em que serão es-
peradas manifestações de alegria por
parte dos apoiantes do partido vence-
por ver o juiz de instrução Nuno Dias
Costa a negar as medidas de coação
pretendidas pelos procuradores —
prisão preventiva para Vítor Escária
e Lacerda Machado, por exemplo — e
a classificar como “vagas” e até “con-
traditórias” as suspeitas contra o pri-
meiro-ministro, que foram remetidas
para o Supremo Tribunal de Justiça.
No caso do lítio e do hidrogénio, o
Ministério Público entende que são
suspeitos ex-governantes, como João
Galamba, que se demitiu do Governo
depois de ter sido constituído argui-
do, Matos Fernandes, ex-ministro do
Ambiente, e Duarte Cordeiro, o atual
detentor da pasta do Ambiente. Antó-
nio Costa é suspeito de prevaricação
também neste caso. O despacho é de
novembro de 2023 e pelo menos até
agora não houve ainda qualquer de-
senvolvimento na investigação.
No mesmo despacho, o procurador
explica que a investigação foi desen-
Em comum às três
investigações há
suspeitas de corrupção,
prevaricação, peculato
e abuso de poder
dor, mas também possíveis protestos
marcados por quem sair derrotado
neste ato eleitoral. O objetivo é o de
evitar excessos e desacatos, ou seja,
“salvaguardar a ordem pública” num
dia de emoções fortes.
Mas a operação de segurança
montada pela PSP para o dia 10 co-
meçará bem mais cedo, logo que
sejam abertos os locais de votos, às
8 horas. “O nosso dispositivo policial
entrará em contacto com os dife-
rentes presidentes das assembleias
de voto várias vezes nesse dia, para
tentar perceber eventuais focos de
desordem junto às urnas”, conta ao
Expresso o comissário Bruno Cle-
cadeada pelo programa “Sexta às
9”, da RTP, sobre o caso concreto da
extração do lítio, mas que no decor-
rer da investigação surgiram factos
novos que levaram à Operação Influ-
encer, a buscas na sede do Governo
e à queda do Executivo liderado por
António Costa.
João Galamba e Matos Fernandes
na mira do Ministério Público
João Paulo Centeno enfatiza no mes-
mo despacho que existem velocidades
diferentes entre os três inquéritos,
considerando haver “fortes indícios”
e que foi “recolhido um vasto con-
junto de elementos probatórios” no
caso que investiga a Start Campus.
Já nos do lítio e do hidrogénio, em-
bora estejam ainda numa fase menos
solidificada, o Ministério Público não
se coibiu de apontar o dedo com sus-
peitas concretas.
O procurador realça que João Ga-
lamba terá utilizado veículos do Es-
tado e respetivos motoristas “para
fins pessoais”. Quanto a Matos Fer-
nandes, o Ministério Público refere
que não convocou atempadamente
a Comissão Permanente da Seca,
com vista à interdição da produ-
ção de hidroeletricidade em várias
barragens, aprovou e preparou le-
gislação do sector dos resíduos e,
quando saiu do ministério, assesso-
rou, numa firma de advogados, em-
presas dessa área e impôs o nome de
membros do júri do concurso para a
construção da nova ponte do Metro
do Porto sobre o rio Douro como se
tivessem sido escolhas da Ordem
dos Arquitetos.
Em comum às três investigações
estão as suspeitas dos crimes de pre-
varicação, corrupção ativa e passiva
mente, do Departamento de Opera-
ções daquela polícia.
E logo que houver um vencedor
claro durante a noite eleitoral, a PSP
atribui elementos do Corpo de Segu-
rança Pessoal ao possível futuro pri-
meiro-ministro, tal como aconteceu
em anteriores legislativas.
Campanha com focos de tensão
Mas o trabalho da PSP durante o pro-
cesso eleitoral não se resumirá ao dia
de domingo. Há alguns dias que cerca
de 100 agentes transportaram os bole-
tins de voto das pessoas que antecipa-
ram o seu dever cívico. Um processo
que decorreu sem incidentes.
Mais tensos foram alguns momen-
tos da campanha e da pré-campanha,
que obrigaram a ações mais muscula-
das por parte de elementos das forças
de segurança. O líder do PSD, Luís
Montenegro, foi atingido com tin-
ta verde por ativistas climáticos em
Lisboa, na semana passada, tendo a
Expresso, 8 de março de 2024
de titular de cargo político, peculato
e abuso de poder.
No início deste ano, João Galamba
decidiu romper o silêncio sobre o
caso em que é arguido, mas em que
nunca foi ouvido pela justiça, e refu-
tou ao Expresso as suspeitas levanta-
das contra si pelo Ministério Público.
Quanto a Matos Fernandes, deu uma
entrevista à revista “Sábado” sobre
o assunto, ainda antes da demissão
de António Costa do Governo, refe-
rindo que acreditava ainda estar sob
escuta, apesar de garantir que nunca
ninguém lhe “bateu à porta”.
Recursos ficam nas
mãos de uma só juíza
Há uma semana, o Expresso reve-
lou que a juíza Cristina Almeida e
Sousa vai decidir o futuro próximo
dos arguidos da Operação Influen-
cer. Nomeadamente, se o Ministério
Público tem razão ao exigir medidas
de coação mais duras contra, en-
tre outros suspeitos, Vítor Escária e
Diogo Lacerda Machado. O recurso
do Ministério Público e destes dois
arguidos chegou a estar entregue
a dois coletivos diferentes, mas os
juízes desembargadores concluíram
que seria melhor que fosse só um
coletivo a apreciar todos os recursos,
como acontece normalmente.
De acordo com uma fonte judicial,
a ideia é evitar que possa “haver de-
cisões contraditórias” sobre o mesmo
assunto. Segundo a revista “Visão”, o
Ministério Público já tinha pedido que
os três recursos fossem apreciados por
um só juiz, mas isso só aconteceu no
dia 23 de fevereiro, segundo informa-
ção oficial da Relação de Lisboa.
Hugo Franco e Rui Gustavo
hfranco@expresso.impresa.pt
polícia detido e identificado os agres-
sores. Mais a norte, em Guimarães,
um homem atirou um vaso de um 1º
andar contra a comitiva onde seguia
o secretário-geral do PS, Pedro Nuno
Santos. Dois dias depois, uma mulher
subiu ao palco na Aula Magna, em
Lisboa, para entregar uma “Bíblia”
ao líder socialista e acabou barrada
pela segurança.
Durante a passagem das várias co-
mitivas, sobretudo as do PS, PSD e
Chega, várias pessoas vaiaram os can-
didatos um pouco por todo o país. Os
ativistas climáticos não atiraram tinta
a Pedro Nuno Santos, mas interrom-
peram um dos seus discursos e quei-
xaram-se de terem sido “interrompi-
dos e retirados do comício de forma
violenta por militantes do partido”.
Houve também registo de cartazes
queimados da CDU e do Chega.
Para o comissário Bruno Clemen-
te, “são situações a lamentar” e que
“extravasaram” o normal debate po-
lítico. H.F.
Expresso, 8 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 5

NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO EU VOTO

Guia “Façam um esforço para

ir votar, não apenas
Como para celebrar
50 anos em democracia.
seguir as É construir o futuro”
Marcelo Rebelo de Sousa
eleições no Presidente da República

domingo PRÉMIO O ENREDO

“Se houver maioria
parlamentar de direita,
tenho a garantia total
SIC, TVI, RTP e CMTV — não posso revelar
vão mobilizar meios
para operações especiais. de quem — de que
Domingo é também dia haverá governo de
de futebol e de Óscares direita. Com ou sem
No domingo, as atenções esta-
Montenegro”
rão viradas para os resultados André Ventura
Presidente do Chega
das eleições e para as dezenas
de caras que vão anunciar, con-
firmar e analisar os vencedores PRÉMIO NÃO IR A JOGO
e derrotados destas eleições. “Passam a vida a falar
No site do Expresso poderá de coisas que ninguém
acompanhar as eleições legis-
lativas minuto a minuto. Vamos
sabe de onde vêm. Não
contar como corre a noite nas participo no recreio”
sedes partidárias e mostrar ma- Luís Montenegro

FOTO MATILDE FIESCHI

pas eleitorais para escrutinar a
eleição à lupa e um simulador
de maiorias. A equipa de dados
do Expresso também estará
pronta para analisar os votos e
explicar quais são os próximos
passos para o país. Há ainda
algumas surpresas previstas.
Após um longo dia de cober-
tura eleitoral, a emissão especi-
al e simultânea entre SIC e SIC
Notícias arranca a partir das
19h30, com os dados da absten-
ção e as primeiras projeções com
Presidente do PSD para André Ventura
PRÉMIO VEM AÍ O DIABO
“Dizem [a AD] para
o Chega sair pela porta,
mas depois o Chega
A Worldcoin recolhe, em média, dados biométricos de quatro mil pessoas por dia em Portugal entra pela janela
e contamina-os sobre
Polémica Comissão de Proteção de Dados está a analisar reclamações os estrangeiros
de pais sobre cedência de imagens da íris por parte de menores. e outras ideias”
Espanha proibiu esta semana a atividade da Worldcoin no país António Costa
Primeiro-ministro

Leitura da íris já
sondagens à boca das urnas às
20h. Com Clara de Sousa esta- PRÉMIO INSOLÊNCIA
rão Luís Marques Mendes, José “Em matéria
Miguel Júdice e Ana Gomes,
enquanto Rodrigo Guedes de
de descaramento
ninguém ganha ao PS”

originou queixas
Carvalho vai moderar um espaço
de comentário rápido com as Pedro Santana Lopes
duplas Bernardo Ferrão e Se- Ex-presidente do PSD
bastião Bugalho, Ângela Silva e
José Gomes Ferreira e Ricardo PRÉMIO PSICANALISTA
Costa e Maria João Avillez.Na “Para se governar
televisão pública, o programa
arranca mais cedo, às 18h, num um país também é
simultâneo da RTP1 e RTP3. A preciso ter estabilidade
primeira análise da noite será
Joana Pereira Bastos
possibilidade de ganhar rapidamente capaz de garantir a distribuição por emocional”

feita por Pedro Norton, Susana
Peralta, João Soares e Miguel
Poiares Maduro, com reações
de um representante por partido
com assento parlamentar. Ao
final da noite, os resultados vão
ser explicados por um segundo
painel com Manuel Carvalho,
Maria Flor Pedroso, José Manuel
Fernandes, António Costa Pinto,
Carmo Afonso e António José
Teixeira.
A TVI vai partilhar uma emis-
são simultânea com a CNN Por-
tugal. No espaço de comentário
estarão Miguel Sousa Tavares,
Pedro Santos Guerreiro, Pau-
lo Rangel, Sérgio Sousa Pinto,
Anabela Neves, Anselmo Cres-
po, Helena Matos, Mafalda An-
jos, Miguel Pinheiro e Rui Cala-
fate. Na CNN há uma emissão
especial, durante a madrugada,
do programa “O Princípio da
Incerteza”.
No cabo, a CMTV vai usar o
seu novo estúdio e promete “a
sua maior operação de sempre
para um ato eleitoral”. A co-
mentar estarão Luís Campos
Ferreira, Marcos Perestrello,
Francisco José Viegas e Maria
Henrique Espada.
Mas não é só de política que
se falará no domingo. Às 18h há
jogo entre Arouca e Sporting e
às 20h30 arranca o confronto
entre Benfica e Estoril.
Quando muitos dos votos já
tiverem sido contados, será al-
tura de assistir aos Óscares. A
RTP2 transmite a gala a partir
das 23h e também no site do
Expresso poderá acompanhar
os principais momentos e co-
nhecer os vencedores.
Hélio Carvalho
hcarvalho@expresso.impresa.pt
A
Comissão Nacio-
nal de Proteção de
Dados (CNPD) re-
cebeu nos últimos
dias “algumas quei-
xas relacionadas
com a recolha de
dados biométricos
de menores” por
parte da Worldcoin, empresa cofun-
dada pelo ‘pai’ do ChatGPT e que, em
Portugal, já deu dinheiro a mais de
300 mil pessoas para captar imagens
de alta resolução das íris, que são mais
distintivas de um ser humano do que a
impressão digital. Apesar de ainda não
ter tomado uma decisão quanto à lega-
lidade do projeto e à sua continuidade
no país, o regulador assegura que estas
reclamações “serão relevantes” para a
averiguação que está em curso.
Em Espanha, a entidade congénere
da CNPD impôs esta semana à World-
coin a suspensão imediata da recolha
de dados biométricos no país, ame-
açando a empresa com a aplicação
de uma multa que pode ser superior
a €20 milhões caso não respeite a
decisão. A medida surgiu na sequên-
cia de várias queixas recebidas pela
autoridade espanhola e relacionadas
com a insuficiência de informações
para um consentimento esclarecido
por parte dos utilizadores e também
com a recolha de dados biométricos
de menores.
Tanto em Espanha como em Por-
tugal a recolha de dados de menores
carece da autorização dos pais. Oficial-
mente, a Worldcoin definiu os 18 anos
como idade mínima para aderir ao
projeto, informação que está expressa
tanto no formulário de consentimento
como nos stands onde se faz a leitura
da íris; ainda assim, não exige aos uti-
lizadores a apresentação de um docu-
algumas dezenas de euros.
De acordo com a Agência Espanhola
de Proteção de Dados (AEPD), o pro-
jeto está a ser investigado pelo Comité
Europeu para a Proteção de Dados,
órgão que reúne os reguladores de
cada um dos Estados-membros, espe-
rando-se “uma resposta coordenada”
em toda a Europa.
Ao Expresso, Jannick Preiwisch, res-
ponsável da Worldcoin pela proteção
de dados, sublinha que a decisão da
AEPD “se limita a Espanha”, não sen-
do extensível a outros países, e acusa
a agência espanhola de “divulgar in-
formações imprecisas e equivocadas”
sobre a sua tecnologia, que garante
ser “a solução mais segura e que mais
preserva a privacidade para afirmar
a humanidade na era da inteligência
artificial (IA)”.
Relativamente a Portugal, a tecnoló-
gica diz estar em contacto com a CNPD
desde que iniciou a sua operação no
país, há mais de um ano, e sublinha es-
tar disponível para prestar todos os es-
clarecimentos que forem necessários.
Risco não compensa
Mas, afinal, o que pretende a World-
coin ao lançar uma nova criptomoeda
e ao distribuí-la a quem aceite fazer o
scan da íris? É essa a grande pergunta
para a qual ainda faltam respostas ca-
bais. Segundo a empresa, o objetivo é
montar uma “rede financeira mundial”
RECOLHA DE DADOS
DE MENORES SEM
CONSENTIMENTO ESTÁ
A SER ANALISADA E VAI
cada pessoa de um futuro rendimen-
Luís Montenegro
to básico universal e criar, por outro Presidente do PSD
lado, um sistema de identificação mun- para Pedro Nuno Santos
dial robusto, que permita certificar no
mundo digital a identidade única de PRÉMIO DAR O TROCO
cada pessoa, comprovando que não é
um robô. Com a crescente sofisticação
“Não deixa de ser
dos programas de IA, esta distinção caricato que, na mesma
é cada vez mais difícil de fazer, o que intervenção em que
pode contribuir, por exemplo, para a diz [Montenegro]
manipulação de eleições e ameaçar a
própria democracia, problema que a que não ataca os seus
Worldcoin assegura querer resolver. adversários, dizer
A partir das imagens da íris é gerado o que disse. Lamento”
um código numérico que fica associa-
Pedro Nuno Santos
do a um World ID, uma espécie de pas- Secretário-geral do PS
saporte digital que atesta a identidade
da pessoa. A Worldcoin assegura que, PRÉMIO AGORA ESCOLHA
por defeito, os dados são destruídos as-
sim que é criado o código, a menos que “A escolha é entre
a pessoa consinta que fiquem armaze- fugir para trás ou
nados, apenas para fins de melhoria e puxar para a frente”
atualização do software. O problema
Mariana Mortágua
é que não existe nenhuma entidade Coordenadora do BE
independente a supervisionar o pro-
cesso e que garanta a destruição dos PRÉMIO VOTO ÚTIL
dados ou a sua segurança.
Além de terem dúvidas sobre as “É fundamental não
reais intenções desta tecnológica, deixarmos o país refém,
muitos especialistas alertam para os nem de maiorias
riscos de uma empresa privada ter
em mãos uma base de dados biomé-
absolutas nem de
tricos dos cidadãos, que podem ser alianças muito pouco
usados para usurpação de identidade democráticas”
e outros fins criminais. No caso da íris, Inês Sousa Real
a informação é tão sensível “que nun- Porta-voz do PAN
ca sequer foi permitido aos Estados
recolhê-la”, frisa Ricardo Lafuente, PRÉMIO PONTA DE LANÇA
presidente da Associação para a De-
fesa dos Direitos Digitais. “O voto na CDU é
À cotação atual das worldcoins, que o voto hat trick: vale
podem ser convertidas em euros e
transferidas para a conta dos utiliza-
pelas soluções, por
aquilo que condiciona
dores, fazer o download da aplicação e
o scan da íris pode valer mais de €100 outros e pelo combate
— um retorno “que não compensa o
risco”, frisa a Deco Proteste. Porém,
à direita. Este sim,
é o voto útil”
sobretudo para os mais carenciados —
Paulo Raimundo

SER “RELEVANTE” PARA

Leia mais na Revista E R32e71
mento de identificação. E a verdade é
que nos dois países há vários relatos de
adolescentes que permitiram a recolha
dos dados biométricos atraídos pela
que são quem mais tem aderido —, o Secretário-geral da CDU
valor pode ser muito tentador.
A DECISÃO DA CNPD Com Isabel Leiria
jbastos@expresso.impresa.pt
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO
LEGISLATIVAS
RESULTADOS DA AD
Resultados do PSD e do CDS em eleições legislativas (em %)
75
60
45
30
15
0 de mais 650 mil votos para
75 76 79 80 83 85 87 91 95 99 02 05 09 11 15 19 22
FONTE: SECRETARIA-GERAL — MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
AD procura,
pelo menos,
os 2,1 milhões
de votos
da PàF
PSD teve 1,7 milhões
de votos em 2022.
Precisa de subir e ganhar
força. O desafio nunca
foi tão grande
Tal como para o PS, um bom
resultado para a AD é ganhar
por um voto ou (mais impor-
tante) por um deputado. Mas
com o apagamento do CDS
e o aparecimento dos novos
partidos à direita — sobretu-
do do Chega, com quem não
há diálogo —, o desafio de
Montenegro parece o maior
da história. PSD e CDS estão
hoje longe dos seus melhores
resultados, os que deram maio-
ria a Cavaco em 1987 e 1991
(mais de 3,1 milhões de votos),
mas também do de 2011, após o
resgate, onde somaram 2,8 mi-
lhões (50% do total). Subir até
aí implicava conquistar mais 1,1
milhões de votos face a 2022 –
algo impossível.
A vez em que a direita chegou
ao poder com menor votação
foi, curiosamente, em 1985,
quando o PRD se impôs no sis-
tema político: nesse ano, o PSD
sozinho contou 1,7 milhões de
votos, 29,8% do total. Mas com
VOTOS NOS COMUNISTAS
Em milhares de votos na APU e no PCP-PEV em eleições legislativas
1250
1000
750
500
250
0
75 76 79 80 83 85 87 91 95 99 02 05 09 11 15 19 22
FONTE: SECRETARIA-GERAL — MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
CDU:
inverter a
queda, voltando
aos 300
mil votos
O PCP vem de duas quedas
abruptas. Recuperar os
resultados de 2019 seria
um bom resultado, mas
parece difícil
As legislativas de 2022 repre-
sentaram o pior resultado de
sempre dos comunistas — mui-
to abaixo até dos 379.934 do
longínquo ano de 2002 (6,9%),
quando PSD e PS disputaram
mais os votos e bipolarizaram
totalmente a campanha.
Eis, assim, o ponto de partida
do novo líder comunista, Paulo
PARTID OS
2022
30,7%
o CDS (que tinha a posição na
AR que hoje corresponderia
à IL), a direita atingiu os 2,3
milhões de votos, correspon-
dentes a 39%. Recorde-se que
o PSD formou um Governo
minoritário que caiu ao fim
de dois anos, levando depois à
primeira maioria absoluta de
Cavaco Silva.
Registe ainda isto: a direita
nunca fez uma maioria de de-
putados com menos de 48,9%,
2,6 milhões de votos — foi em
2002, com Barroso e Portas,
que concorreram separados.
Os 2,1 milhões de votos de
2015 (38,6% da PàF de Pas-
sos e Portas) não chegaram
para governar. Ironicamente,
superar esse resultado seria
suficiente agora, face ao cres-
cimento do Chega e à disponi-
bilidade do PS para viabilizar o
Em 1985, com o PRD a fazer
de Chega, as direitas
somavam 39% dos votos.
Dois anos depois houve
maioria absoluta
programa de Governo. Quan-
to tempo duraria um governo
assim? Isso é uma incógnita,
mas a aposta de Montenegro
é repetir o tal ano da primeira
maioria de Cavaco Silva.
Um último dado a registar:
nos anos de Costa, PSD e CDS
somaram 30,7% (2022) e 32,7%
(2019). Nunca passaram os 1,7
milhões de votos. Manter seria
uma derrota.
2022
239
Raimundo, na sua estreia depois
de substituir o carismático Je-
rónimo de Sousa: 238.962 votos,
4,3% do total, seis deputados
eleitos. O resultado das últimas
legislativas foi a segunda queda
consecutiva, ambas depois de
iniciada a ‘geringonça’, uma des-
cida se seguiu a quatro legislati-
vas consecutivas em que a CDU
rondou os 440 mil votos, atin-
gindo o pico de 17 deputados em
2015. O mínimo dos mínimos
dos objetivos comunistas será,
assim, inverter estas quedas.
O que seria realmente uma
recuperação? Regressar aos
6,3% da (já negativa) perfor-
mance de 2019, com 332 mil
votos conseguidos nessa altura,
que lhe deram 12 deputados.
Difícil? A avaliar pelas sonda-
gens, quase impossível. Aten-
ção: há dois anos o PCP só con-
seguiu eleger em Lisboa, Porto,
Beja e Setúbal. E agora, que
acabou a maioria socialista?
Expresso, 8 de março de 2024
O partido de André Ventura relevante do Chega, em média dré Ventura para reclamar um
Chega: passou de 67.826 votos em para os 17,4% (de acordo com sucesso total — quaisquer que
conseguirá 2019 para 385.543 votos, mais
115 mil sensivelmente do que os
a “Sondagem das Sondagens”
organizada pela Renascença).
sejam os cenários de governa-
ção depois disso.
um milhão liberais. Tornou-se a terceira Seria melhor do que o recorde Mas atenção: o registo do
de votos, como força política no Parlamento,
com 7,15% dos votos e 12 elei-
do CDS (15,9% na eleição de
1976) e a par do histórico PRD
terceiro partido com mais vo-
tos na história da democracia
o PRD? tos — em Lisboa, Porto, Aveiro, de 1985: 17,9%. Nesse ano, o não é o do PRD, está ainda
Braga, Faro, Leiria, Santarém
e Setúbal. Ainda assim, Ventu-
da primeira eleição de Cavaco
Silva, os renovadores de Her-
lá mais atrás na história, em
1979: a APU liderada por Ál-
ra perdeu há dois anos face ao mínio Martinho conseguiram varo Cunhal fez 18,8%, com
Ventura pode superar o que tinha conseguido nas pre- 1.038.893 votos e 45 depu- 1.129.322 votos, elegendo 47
melhor CDS, mas precisa sidenciais de janeiro de 2021: tados (quando o Parlamento deputados (em 250, mais 20 do
menos 97 mil votos (11,9%). tinha 250). Conquistar mais que a composição atual do Par-
igualar PRD. O melhor Agora, todas as sondagens 650 mil votos do que em 2022 lamento). Conseguirá Ventura
terceiro ainda foi Cunhal apontam para um crescimento é, portanto, a fasquia de An- bater o histórico comunista?
Análise Em número de votos,
percentagem ou deputados eleitos, a
história das legislativas dá-nos pistas
sobre as fasquias mínimas de cada
partido nestas eleições. Eis o que seria,
afinal, uma vitória ou uma derrota
Textos David Dinis Infografias Sofia Miguel Rosa
Partido
a partido,
o que
é uma
vitória?
FOTO NUNO FOX
Feitas as contas ao número de A MAIS AMPLA MAIORIA PARLAMENTAR DA HISTÓRIA
10-6: esquerda deputados eleitos pelas ban- DA DEMOCRACIA PORTUGUESA (EM DEPUTADOS)
vence em cadas à esquerda e à direita,
contamos vantagem para os
maiorias, primeiros: dez maiorias de es-
direita teve querda e seis de direita desde
as eleições constituintes de
ESQUERDA
62,6%
duas vitórias 1975. DIREITA
37,4%
Curiosamente, foi em 2019,
sem elas com António Costa e a ‘gerin-
gonça’ ainda de pé, que as ban-
< 144 > 86
cadas da esquerda do hemiciclo
conseguiram maior percenta-
Sempre que o PS venceu gem de eleitos, 62,6%. Já as XIV LEGISLATURA
2019
eleições, a esquerda teve eleições de 2022 deram uma
maioria. Não foi o caso maioria ao PS, mas retiraram
com a direita: em oito
vitórias, duas ficaram
peso à esquerda — em número
de deputados ficaram com 132, FONTE: SECRETARIA-GERAL — MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
curtas contra os 142 de 2019.
Prejudicado pela bipolariza- a par dos 22.628 de André Silva
PAN: ção, em 2022 o PAN recuou nesse ano). Livre:
mais um um degrau. Nas três eleições
legislativas anteriores em
Agora, já sem André Silva
no partido (desvinculou-se
subir pelo
deputado, que concorreu, o partido ti- há poucos meses, em rutura menos um
acima nha passado dos 57.849 votos
de 2011 (sem eleitos) para os
com a sucessora), Sousa Real
precisa de cumprir os desíg-
degrau
dos 2% 75.140 votos em 2015 (elegen- nios das sondagens e subir,
do em Lisboa) até chegar aos superando pelo menos os 2%
174.511 votos de 2019 (elegen- de votos — para tentar eleger
do 4 deputados). A sequência mais um deputado, aprovei-
em percentagem de votos foi tando a queda previsível do
de 1%, 1,4% e 3,3%. PS. Manter a votação seria,
O novo ponto de partida é nesta conjuntura, um pobre
Foi com André Silva que este: 82.250 votos, 1,53% do resultado, condenando o par- Depois de um crescimento
o PAN conseguiu eleger total, tendo eleito apenas Inês tido a uma micro representa- ténue, Rui Tavares tem a
quatro deputados. Inês Sousa Real — tal como tinha ção parlamentar (e arriscan- oportunidade de eleger
Sousa Real está agora acontecido em 2015 (os 23.577 do reabrir a pressão sobre a pela primeira vez dois
obrigada a aproximar-se que obteve em Lisboa ficaram sua liderança). deputados
Expresso, 8 de março de 2024
Iniciativa
Liberal:
aproximar-se
dos 8% para
ganhar força
No papel de parceiro
potencial da AD, a IL ganha
força negocial se igualar o
resultado do CDS de Paulo
Portas em 2002
À direita, claro, só os tem-
pos das maiorias de Cavaco a
aproximaram de tanta hege-
monia parlamentar: 60,8% e
61,3% dos representantes no
hemiciclo.
Mas atenção: houve duas
eleições em que o partido mais
votado não representava uma
maioria política na AR. A que
está mais presente é a que le-
vou António Costa ao poder
em 2015. Mas também acon-
teceu em 1985: o Parlamento
eleito era maioritariamente de
esquerda e o partido mais vo-
tado foi o PSD. Cavaco, recor-
de-se, conseguiu passar o seu
programa — e o seu Governo
No campeonato dos peque-
nos, em 2022, o Livre de Rui
Tavares foi, entre os partidos
à esquerda, quem melhor re-
sistiu ao voto útil no PS. Con-
seguiu 68.971 deputados em
termos nacionais, mais do que
os 55.660 de 2019.
Em Lisboa, idem: Rui Tava-
res foi eleito com 28.834 votos,
mais do que os 22.807 que ti-
nham feito eleger a deputada
que estreou o partido no Parla-
mento, Joacine Katar Moreira
(que se desvinculou pouco de-
pois, em tensão com a lideran-
ça do partido). Mesmo assim, a
subida nacional registada em
2022 foi ténue, visto que os
A Iniciativa Liberal só con-
correu ainda a duas eleições,
mas é já o quarto partido mais
representado no Parlamen-
to. Eis o curto histórico: em
2019 estreou-se em eleições
com 1,29% dos votos, precisa-
mente 67.681. Em 2022, subiu
bastante: conseguiu 268.414
(5%), mais do que o CDS dois
anos antes, mais 45 mil do que
a CDU atualmente. E elegeu
oito deputados, por quatro dis-
tritos. Ficou até acima do nú-
mero de votos de Tiago Mayan
nas presidenciais de 2021.
minoritário só caiu dois anos
depois, para conquistar uma
maioria absoluta. Em síntese,
dois casos em oito vezes em que
o PSD ganhou eleições.
O que é verdade, também, é
que o inverso nunca aconteceu.
Ou seja, o PS nunca foi o par-
tido mais votado havendo, ao
mesmo tempo, uma maioria de
direita no Parlamento.
Já agora, anote isto também:
os anos em que esquerda e
direita mais se aproximaram
foram 1979 (seis deputados de
diferença) e 2002 (oito de di-
ferença). Em ambos os casos,
com maiorias parlamentares
da direita.
11.433 votos conseguidos no
Porto ficaram ainda longe de
conseguir eleger um deputado
— atrás, por exemplo, do PAN,
que também ficou de fora.
Esse será, agora, o bom re-
sultado de Rui Tavares: conti-
nuar a escalada de votos, como
admitem os inquéritos de opi-
nião, elegendo pelo menos um
segundo deputado e passando
a fasquia dos 2%. Como há son-
dagens a dar-lhe 4%, talvez não
seja impossível.
Manter? Não seria péssimo
para Tavares, já que não há
no Livre críticos conhecidos.
Mas seria, isso é claro, uma
desilusão.
EXPRESSO.PT Mudam-se os
tempos e os votos: Setúbal
pode preferir o Chega ao PCP
Agora, com um novo líder e
uma aparente tendência de vi-
ragem à direita, terá de ganhar
votos e mais deputados — para
não comparar muito mal com o
Chega — e ganhar força nego-
cial face à AD. Recorde-se que
Com 268 mil votos, a IL de
Cotrim Figueiredo passou
a quarto maior partido
da AR. Para chegar ao CDS
de Portas precisa de mais
131
foi a diferença mais curta
entre PSD e PS até hoje em
eleições legislativas — melhor
dizendo: 131.449 votos. Foi
em 2002, depois da saída
de Guterres, opondo Durão
Barroso e Ferro Rodrigues,
com vitória para o primeiro. Já
a vitória mais suada do PS foi
a de José Sócrates em 2009:
perdeu a maioria absoluta,
mas bateu Manuela Ferreira
Leite por 422 mil votos
Participação
eleitoral:
conseguiremos
subir dos 5,5
milhões de
votantes?
A abstenção baixou
dois degraus em 2022,
depois de quatro
eleições seguidas a subir.
Voltaremos a votar mais?
esse foi o ponto de partida para
esta eleição: uma recusa em ir
na coligação de Montenegro.
Vale a pena, já agora, recupe-
rar este dado: nas décadas pas-
sadas, o CDS nunca fez acordo
com o PSD para governar com
menos de 8,7%. Mas isso, que
aconteceu em 2002, implicou
477 mil votos e 14 deputados.
Esta seria uma ótima fasquia
para a IL, agora que o CDS está
fora da Assembleia da Repú-
blica e dentro da AD. E a ava-
liar pelas sondagens, parece
desafiante.
85%
é a atual proporção dos
deputados do PS e PSD na AR,
representando mais de 3,8
milhões de votos — a maior
fatia do bloco central desde
2005 (e uma exceção em toda
a UE). Uma das dúvidas que
as sondagens deixam é quanto
pode cair, agora, o peso das
duas maiores bancadas,
sabendo-se que precisam
de mais de 66% dos deputados
para leis estruturantes
Nas últimas legislativas, a par-
ticipação eleitoral interrom-
peu uma queda ininterrupta
que vinha de 2002: em plena
pandemia e com cerca de 800
mil eleitores ainda em isola-
mento, foram 5.563.497 os
eleitores que votaram (51,4%).
Bastante acima dos 5.251.064
de 2019 e ainda da votação de
2015.
Mas vale a pena voltar atrás:
a abstenção de 48,6% no últi-
mo ato eleitoral compara com
o recorde de 51,4% de absten-
cionistas em 2019 — a única vez
até agora que passou a linha
dos 50%. O desafio, agora, é
manter a escalada.
EXPRESSO.PT “Sr. candidato, dá-me
um minutinho?” Leitores do Expresso
fazem perguntas aos partidos
VOTOS NO PS
Em milhares de votos no Partido Socialista
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
75 76 79 80 83 85 87 91 95 99 02 05 09 11 15 19 22
FONTE: SECRETARIA-GERAL — MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Os mínimos
de Pedro Nuno:
os 1,7 milhões
de votos
de 2015
O PS nunca chegou ao
poder com um resultado
abaixo do de 2015. E nunca
ganhou com menos
de 1,9 milhões de votos
A avaliar pelas sondagens, Pe-
dro Nuno Santos não terá como
chegar perto dos melhores re-
sultados do PS: os 2,5 milhões
de votos de José Sócrates em
2005 (45%), iguais aos 2,5 de
António Guterres em 1995
(43,7%) ou os 2,3 milhões de
António Costa há dois anos
(41,4%). Assim, Pedro Nuno
terá de encontrar outras me-
tas quando olhar para os seus
resultados no domingo.
Começando pelos mínimos:
os piores resultados do PS
aconteceram em 1985 e 1987:
20,8% e 22%, respetivamente,
com pouco mais de 1,2 milhões
de votos. Avaliando pelas son-
dagens, parece excluída uma
queda desta dimensão — seria
preciso os socialistas perde-
rem mais de um milhão de
eleitores, um terramoto políti-
co. Lá atrás, em 1991, Sampaio
ficou-se pelos 29,1% (72 depu-
tados) na segunda maioria de
RESULTADOS DO BE
Resultados do Bloco de Esquerda em eleições legislativas (em %)
12
9
6
3
0
1999 2002 2005
FONTE: SECRETARIA-GERAL — MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Bloco:
recuperar do
trauma implica
chegar aos oito
deputados
A história do Bloco de
Esquerda é de quedas
quando rompe com o PS.
Conseguirá recuperar
como em 2015?
Em 2022 o BE repetiu o trau-
ma de 2011, com a sua segunda
queda abrupta da história. A
primeira tinha sido depois de
ter votado contra o PEC4 de
Sócrates na Assembleia da Re-
pública, ajudando a derrubar
um Governo do PS — passou
nesse ano de 558.062 votos
para apenas 288.973 votos
(6,3%) e ficou com 8 deputados.
PRIMEIRO CADERNO 7
2022
2300
Cavaco; e em 2011 Sócrates
teve pouco mais de 1,5 milhões
de votos (28,1% e 74 deputa-
dos), logo após o pedido de
resgate. Voltar a estes níveis
seria uma derrota — é certo
que são oito anos de gover-
nação, mas Costa entregou as
contas certas.
E o que seria um bom resul-
tado? O pior resultado com que
o PS chegou ao poder foram os
1,7 milhões de votos que Antó-
nio Costa teve nas célebres elei-
ções de 2015 que não venceu,
mas depois das quais chegou
a primeiro-ministro (32,3% e
86 deputados). Perder ‘apenas’
meio milhão de votos seria ago-
ra aceitável, ainda que ficas-
se dependente da resistência
da esquerda para fazer uma
maioria. Mas atenção: nunca
A última vez que um novo
líder do PS substituiu um
primeiro-ministro da
mesma cor, conseguiu
37,8%: foi Ferro Rodrigues
o PS ganhou com menos de 1,9
milhões de votos (Soares em
1993 e Costa em 2019).
Melhor seria aproximar-se
dos números de Ferro Rodri-
gues que, quando substituiu
um António Guterres de saída,
chegou aos 2 milhões (37,8%
e 92 deputados). Será difícil a
Pedro Nuno chegar tão alto,
mas seria suficiente para can-
tar uma vitória.
2022
4,3%
2009 2011 2015 2019 2022
Nas últimas legislativas, de-
pois de se ter desvinculado
dos orçamentos de Costa e ter
acabado com a ‘geringonça’,
foi um novo desastre eleitoral:
desceu de 492.507 votos para
240.257 votos, caindo de 19
para 5 deputados.
O BE vai agora para as suas
nonas eleições legislativas e
precisa de recuperar ânimo.
Será, por isso, curto crescer
apenas para os 288 mil votos
(5,2%) de 2011. Mas já seria um
muito bom resultado atingir os
365 mil votos de 2005, quando
chegou aos 6,3% elegendo 8
deputados. Porém, para isso
acontecer é preciso recuperar
120 mil votos.
Na sequência do primeiro
trauma, em 2015, após o fim
da troika e do Governo Passos-
-Portas, o BE conseguiu 550
mil votos, a única vez que atin-
giu os dois dígitos: 10,2%. Na
conjuntura de hoje, será uma
missão impossível.
8 PRIMEIRO CADERNO
LEGISLATIVAS
Marcelo rejeitará ‘solução Centeno’ da AD
Será como foi com Costa. PR não aceitará PM de substituição de Montenegro para Governo com o Chega
Presidente votou por antecipação, por já estar “esclarecido”. Acha que a AD recuperou vantagem, mas num país “amarrado pelo Estado” segue temerário até ao fim
Texto Ângela Silva
Foto Matilde Fieschi
A forma como o líder do Chega
e alguma esquerda (Pedro Nuno
Santos não, mas há no PS quem
fale por ele) insistem em agitar
o papão de um suposto acordo
entre figuras do PSD e André
Ventura, para montarem uma
solução de Governo que ultra-
passe Luís Montenegro se este
perder as eleições havendo uma
maioria de direita, está a ser vista
em Belém como um delírio. “Isso
não existe”, confirmam fontes
da Presidência da República,
garantindo que nunca Marcelo
aceitaria um primeiro-ministro
de substituição do líder do PSD,
da mesma forma que não aceitou
Mário Centeno quando António
Costa lho propôs para o substi-
tuir em S. Bento.
Como o Expresso escreveu há
um mês, Marcelo já cenarizou o
que pode sair do 10 de março e
não antevê que quem fique em
segundo nas eleições possa go-
vernar. Não se trata de uma po-
sição de princípio, mas resulta da
leitura que o Presidente faz dos
cenários possíveis. Comecemos
pelo primeiro: o PS ganhar e a
esquerda ter maioria. Neste caso
é fácil, o líder do partido vence-
dor forma Governo e terá vida
estável. Só tem um problema — é
um cenário improvável, segundo
todas as sondagens.
Segunda hipótese: o PS ganha
e há uma maioria de direita.
Neste caso, perante a garantia
já comunicada por Luís Monte-
negro ao país e ao Presidente da
República de que se perder não
governa e não fará o que Costa
fez em 2015, ou seja, derrubar o
Governo do partido que ganhou
e apresentar uma alternativa
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
com a AD, a IL e o Chega, ou só
a AD e a IL se fossem suficientes,
aqui o jogo para o Presidente
complica-se. O “não” de Monte-
negro a aproveitar esta chance
preanuncia que Marcelo dará
posse a um Governo socialista
que pode ser rapidamente der-
rubado no Parlamento caso a
AD alinhe com uma das já anun-
ciadas moções de rejeição — do
Chega e dos liberais — ao Execu-
tivo PS. Isto implicaria que Pedro
Nuno Santos teria que ficar em
gestão até poder haver novas
eleições e, como o Presidente
só pode voltar a dissolver em se-
tembro (ver pág. 15), o Governo
poderia durar quase um ano.
É aqui que Marcelo deita fora
a tese-papão de Ventura. Se
alguém do PSD tentasse nes-
te quadro forçar Montenegro
a afastar-se para outro avançar
em nome do partido, com vista
a montar uma ‘geringonça’ de
direita, esbarraria num ‘não’ do
Presidente. Esta posição, sabe
Se o PS ganhar
com maioria de
esquerda, está feito.
Sem ela, Pedro Nuno
poderá ser PM,
mas durará pouco
REVISTA
Leia na Revista E
“Bem-vindo ao país
tripolar” R18
o Expresso, foi, aliás, sinalizada
por Marcelo Rebelo de Sousa
na conversa que há dois meses
teve em Belém com a nova di-
reção do PS, liderada por Pedro
Nuno Santos. E tem uma conse-
quência para a AD: Montenegro
ganha tempo.
Montenegro, se perder,
tem tempo
Perdendo as eleições, Luís Mon-
tenegro não sairá de cena no dia
seguinte e só nas diretas e no
Congresso do partido marcados
para julho se verá quem conti-
nuará aos comandos do PSD.
Com eleições europeias em ju-
nho (as listas começarão a ser
preparadas logo a seguir às le-
gislativas), o atual líder, mesmo
que fragilizado por uma derrota
que o deixaria condenado a sair,
teria tempo para decidir se se
recandidatava ou não nas diretas
do verão, onde Carlos Moedas
já disse a Marcelo que não irá
a jogo. Quanto a Pedro Passos
Coelho, como o Expresso escre-
veu, nunca assumiria qualquer
compromisso governamental
sem ir a eleições.
Pedro Nuno Santos, o líder do
partido vencedor, seria, assim,
primeiro-ministro. E aqui ainda
falta perceber o que quis Monte-
negro dizer no debate com André
Ventura quando, questionado
sobre se viabilizaria um Governo
minoritário do PS, respondeu:
“Isso eu não falo consigo, isso eu
falo com o Partido Socialista.”
Há quem admita que, se Pedro
Nuno garantisse não formalizar
nenhum acordo com o PCP e
o BE, Montenegro ponderas-
se abster-se e viabilizar-lhe um
Governo minoritário, podendo
mais à frente escolher o melhor
momento para o tentar derrubar.
Ganhando a AD, também há
duas hipóteses. Se as ganhar
com maioria somada à IL (di-
fícil, segundo as sondagens),
levará a Marcelo uma solução
de Governo estável. Se ganhar
sem maioria (mais provável) e
não estando disposto a fazer
acordos com o Chega, ficará,
caso Ventura o tente derrubar,
dependente da viabilização do
PS, coisa que Pedro Nuno já lhe
garantiu quando, no frente a
frente televisivo, lhe disse que
não irá apresentar nem votar
a favor de qualquer moção de
rejeição do programa de Gover-
no. Coisa diferente será a apro-
vação do Orçamento do Estado
seguinte ou de um Orçamento
Retificativo, mas essa pergunta
é válida para qualquer Governo
minoritário, seja de direita, seja
de esquerda.
Terão que negociar, dialogar,
descobrir caminhos, e aqui pode
haver surpresas. Rui Tavares, do
Livre, admitiu falar com a “direi-
ta democrática”, o PAN nunca se
sabe e o próprio PS terá que de-
cidir se escolhe derrubar rapida-
mente um Governo da AD ou se
preferirá deixá-lo durar um ano
ou mais. Sendo que um Governo
que dure até ao verão de 2025
continuará, já que a partir daí o
Presidente já não pode dissolver
o Parlamento por estar a seis me-
ses de terminar o mandato.
Evitar o Chega no Governo
O Chega será sempre um fator
de particular atenção para Mar-
celo Rebelo de Sousa. Como o
Expresso noticiou, o Presidente
não inviabilizará por mera ques-
tão de princípio um Governo
viabilizado pelo partido de An-
dré Ventura, pelo simples facto
de que os seus deputados serão
tão livres quanto os outros de
votar a favor ou contra o que
bem entenderem. Foi o próprio
Marcelo quem lembrou, aliás,
num discurso que fez esta se-
mana numa comemoração dos
50 anos do 25 de Abril, que nas
democracias também cabem os
partidos iliberais, e os Gover-
nos de Itália ou da Suécia que
o digam. As extremas-direitas
que por lá chegaram ao poder
foram escolhidas em eleições
democráticas e não impostas em
golpes de Estado.
Outra coisa seria aceitar Ven-
tura dentro de um Governo, coi-
sa que o Presidente da República
há muito sinalizou que tudo fará
para evitar até ao fim do manda-
to e os calendários parecem cor-
rer a seu favor. Porquê? Porque
nestas eleições isso está fora de
causa — o “não” de Montenegro
a um acordo com o Chega, con-
jugado com o “não” de Marcelo
a uma ‘solução Centeno’ para
impor um Governo AD de um
Se a AD ganhar,
com ou sem maioria,
governa. Se perder,
Montenegro
ganha tempo. Pelo
menos até julho
“ESPELHO MEU”:
O JOGO DOS
PARTIDOS E DOS
POLÍTICOS
EM EXPRESSO.PT
Expresso, 8 de março de 2024
‘senhor X’, empurra qualquer
hipótese desse tipo para 2025.
E aí, se Montenegro já tiver sido
substituído na liderança do par-
tido, hipoteticamente (mas sem
garantias) por Passos Coelho,
e se o partido decidir chumbar
o Orçamento para 2025, tam-
bém não é líquido que Marcelo
convoque de imediato eleições
antecipadas.
Fê-lo em 2019, após ter perce-
bido que o PCP já não admitia
em circunstância alguma mu-
dar de posição relativamente ao
Orçamento de António Costa e
sabendo que este também não
podia satisfazer-lhe as exigên-
cias em matérias laborais. Não
é líquido que, a ser confronta-
do com um bloqueio similar,
Marcelo não tentasse desta vez
forçar negociações, que, caso se
frustrassem, conduziriam então
a nova ida a votos. A avaliação
do potencial eleitoral de Passos
em Belém não é, no entanto, bri-
lhante. Pelo contrário, o analista
Marcelo não acha impossível
o PS, já com Pedro Nuno mais
preparado, ainda poder ir a jogo
para disputar a vitória.
Contas feitas, o sonho mais
tranquilo para Belém é a AD
ganhar no domingo, ainda que
sem maioria. Temerário até ao
fim, por não saber até onde vai o
Chega, o que farão os indecisos,
o que preferirá um país que An-
tónio Costa deixou “amarrado
ao Estado” e qual o valor real
do líder da AD, Marcelo evoluiu
na sondagem que lhe borbulha
na cabeça. Há um mês, achava
que o PS ganhava. Agora, admite
uma ligeira vantagem da AD.
Estranha que Montenegro tenha
batido pouco Lisboa. E prepara-
-se para tudo. Mas só espera um
Governo do partido mais votado.
avsilva@expresso.impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 9
10 PRIMEIRO CADERNO
LEGISLATIVAS
Pedro Nuno carrega na busca por
indecisos sem assustar a esquerda
Líder do PS evitou ataque à esquerda na campanha. Ao Expresso, diz que não terá orçamentos derrubados
Texto Diogo Cavaleiro
e Liliana Valente
Foto Tiago Miranda
“Como é que estamos ao nível
de populações de abelhas em
Portugal?” A pergunta foi feita
por Pedro Nuno Santos, quando
visitava o Centro de Investiga-
ção da Montanha, em Bragança,
e até gracejou sobre o mel que
precisava para a sua fragilizada
garganta, cansada de comícios e
arruadas. Mas ao longo das duas
semanas de campanha a preocu-
pação foi outra: como está o país
ao nível de indecisos?
A última esperança para um
PS que tem estado abaixo da AD
nas sondagens é ir atrás de quem
não está a contar ir votar ou de
quem vai mas ainda está disponí-
vel para mudar o voto. Indecisos
e quem não é apanhado pelas
sondagens. Aliás, nesses grupos,
Pedro Nuno Santos começou a
dar bastante atenção ao arre-
pendidos da maioria absoluta
de António Costa. A ideia é que
o perfil dos que estão em dúvida
é idêntico aos que acabaram por
votar PS nas últimas eleições.
Daí que fale sempre na inflação
que chegou aos 10% para jus-
tificar a desilusão, prometen-
do-lhes uma “mudança boa de
avanços nos salários e pensões,
e não uma mudança má, como a
da AD, de regresso ao passado”,
resume o candidato socialista.
É a crença numa “maioria
invisível”, como lhe chamou o
líder socialista em Gondomar,
que “não está nas televisões,
nem nas redes sociais, que é sub-
-representada nas sondagens e
que já estava em 2022 sub-re-
presentada”. São eles que o PS
quer nas urnas. A teoria de que
as sondagens não refletem o que
os socialistas sentem na rua tem
CAMPANHA
sido insistente, e não é inédita
apenas nestas eleições.
“Vizinhos”, “familiares”, “ami-
gos”, “todos” têm de ajudar, dis-
se Pedro Nuno na campanha:
“Que cada um de nós, cada um
de vós, leve um indeciso, con-
vença o indeciso, a votar. Peço
aos autarcas” que “não tenham
um mínimo de descanso” para
“explicar, contra-argumentar,
apresentar” as propostas, pediu
Francisco Assis, cabeça de lista
pelo Porto.
A derrota eleitoral não é dado
certo no PS, mas para evitá-la é
preciso convencer os tais inde-
cisos, tarefa difícil, já que é uma
vontade transversal aos partidos.
Nesse campo, foi claro o olhar
para as mulheres, que as son-
dagens apontam serem o maior
grupo de indecisos (e votarem,
tendencialmente, à esquerda).
“As mulheres não são uma nota
de rodapé nos discursos do PS:
não são acessório para as cam-
panhas.” Um partido que nunca
teve uma liderança no feminino,
“Felicidades”, mas também protestos
Pedro Nuno Santos costuma
sair do carro, cumprimentar
quem o recebe (os cabeças de
lista e o PS local) e seguir
depois por um caminho já
desenhado, num percurso que
as suas equipas tentam ser o
mais controlado possível. Os
membros da Juventude
Socialista são os barulhentos,
que vão cantando e gritando
para abafar momentos mais
tensos ou deixando de cantar
quando o momento previsto é
para respostas de Pedro Nuno
à comunicação social. Dentro
de uma bolha, formada pelas
ainda que o socialista tenha pari-
dade nos cabeças de lista.
Esquerda poupada, mas...
Nesta busca pelos indecisos,
Pedro Nuno mudou o discurso
para o apelo ao voto útil, que ig-
norou nos primeiros dias. Veio
na segunda semana, já após o
voto antecipado (em que vota-
ram 200 mil pessoas). E fê-lo
sem atacar a esquerda, porque
não só tem boas relações com os
partidos, como quer mantê-las e
tem como objetivo alcançar uma
maioria de esquerda.
Afinal, eles serão essenciais
para o caso de ser necessário for-
mar um governo, para a ‘gerin-
gonça 2.0’, até com papel escrito.
Questionado sobre como vai ga-
rantir a estabilidade governativa,
se só tiver maioria relativa, Pedro
Nuno responde: “Vou governar.
Ninguém vai derrubar um orça-
mento nosso porque vou lutar
para apresentar orçamentos
bons para as pessoas.”
câmaras de televisão à frente
e os socialistas locais atrás, o
socialista ia tentando falar e
acenar. Assim foram as
arruadas do PS. “Está tudo
bem consigo? Obrigado,
prazer, felicidades, tudo de
bom para si.” É uma das
interações que o socialista
mais teve nesta campanha.
“Felicidades” foi, aliás, uma
das palavras que mais disse
quando se despedia de alguém
com quem se cruzava num
café ou numa qualquer loja.
Sem apelar diretamente ao
voto. “Boa, boa”, era como
“O nosso adversário é a AD”,
disse insistentemente o candi-
dato socialista sempre que falava
com jornalistas, a que se seguia
a ideia de que só o PS consegue
derrotar a AD. Radicalizar a sua
proposta (“aventura fiscal”) e
semear dúvida sobre cortes nas
pensões fazem parte da estraté-
gia de procura pelos indecisos.
Só que, neste caminho de der-
rotar a AD, Pedro Nuno também
tem de ir buscar votos aos par-
tidos à esquerda até porque há
a crença de que só há maioria
desse campo político com uma
vitória do PS: “A única forma
de avançar e até de conseguir
aprovar algumas das coisas que
os partidos querem é com uma
vitória do PS”, diz ao Expresso.
Além disso, nesta tensão entre
querer votantes e não querer se-
car o resto da esquerda, houve
sobreposição de temas: muitas
das coisas que o socialista foi
defendendo são causas que vão
ao encontro do caderno de en-
cargos que os potenciais parcei-
Pedro Nuno comentava
sempre que lhe explicavam
algo nas visitas que foi
fazendo na campanha, fosse
numa fábrica na Marinha
Grande ou na Startup Leiria.
Foi nas ruas que Pedro Nuno
apostou (a “empatia” foi algo
de que muito falou), mas não
escapou a momentos mais
desagradáveis, como o
incidente com a caravana
socialista em Guimarães, com
um vaso atirado de uma
varanda. Foi limitado face às
selfies e beijos que lhe foram
solicitando. D.C.
Expresso, 8 de março de 2024
Pedro Nuno
Santos no comício
no Theatro Circo,
em Braga
ros queiram, mas não tão longe
quanto estes desejam. Se na de-
fesa dos direitos das mulheres há
alinhamento total, na defesa do O MELHOR E O PIOR
SNS público ou nas alterações
às leis laborais, o PS defende al-
gumas mudanças, mas pontuais
(como a redução do tempo de
trabalho para pais com crianças
+ Comícios cheios
O PS foi
conseguindo ter
até aos três anos ou o estudo de sempre casa cheia
alargamento da semana de qua- nos comícios que
tro dias) e não entra em todos os organizou. Em
temas queridos pela esquerda. alguns, como em
Toda a argumentação sobre a Matosinhos, o
forma de captar tais eleitores espaço para andar
nunca foi a de atacar diretamen- entre as mesas
te nem BE, nem PCP, nem Livre. era limitado, mas,
Uma forma de preservar as rela- mesmo na Guarda,
ções para o futuro, mesmo que onde dava para ter
numa cura de oposição. mais cadeiras, a
A entrada de Passos nesta cam- casa estava bem
panha criou a união da esquerda composta. Nas
e foi imediata a associação entre arruadas, a receção
a AD e o radicalismo da troika. das pessoas foi
Uma forma de se assumir como sendo positiva.
garante da estabilidade: “Nós
passámos por uma campanha
interna e falamos a uma só voz.
Consigo mais facilmente dar es-
tabilidade do que o PSD, que tem
- Agressividade
Os incidentes
que envolveram a
como único parceiro potencial a caravana socialista
IL, que tem um programa radi- tiveram resposta
cal”, comenta ao Expresso. agressiva.
Nesta campanha, Pedro Nuno Em Guimarães,
tentou evitar falar do Chega, e a tensão levou
mesmo a IL foi mencionada pou- ao arremesso de
cas vezes, depois de ter sido um um guarda-chuva
inimigo “radical” na pré-cam- para a varanda
panha. No caso do partido de onde estava um
Ventura, as referências ficaram desafiador, que
a cargo sobretudo de outros ora- depois mandou
dores, que tentaram semear a um vaso.
dúvida. Carlos César, presidente Seguiram-se
do PS, foi, nisso, o mais claro: ameaças.
“Votar na AD é votar numa direi- No comício em
ta que não sabemos onde acaba e Lisboa, os dois
até onde vai.” Criar a dúvida nos ambientalistas
eleitores indecisos, que o partido em protestos
acredita que a própria AD criou, foram expulsos
para ver se a população de votan- da Aula Magna
tes do PS em Portugal aumenta. com empurrões.
dcavaleiro@expresso.impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024
Jogo de silêncios no ‘agora ou nunca’
da AD: se não for agora, quando será?
Montenegro recusa cenarizar. “Não estou preocupado com a minha vida política”, diz ao Expresso
Textos João Diogo Correia
Foto Rui Duarte Silva
A arruada ainda agora come-
çou, Luís Montenegro está a
beber a bica, como faz todas as
manhãs na estrada, enquanto
troca palavras de circunstância
com os comerciantes. Cá fora,
um ex-dirigente do PSD que
decidiu juntar-se à caravana
comenta com o Expresso. “Se
não ganharmos agora, ganha-
mos quando?”
A pergunta marca toda uma
campanha em que as circuns-
tâncias, apesar de inesperadas,
são vistas como vantagens. Pri-
meiro, o PS escolheu o líder
que o PSD preferia. “Com o
[José Luís] Carneiro, isto seria
mais difícil”, acredita a mesma
fonte, que atribui ao ainda mi-
nistro um posicionamento ao
centro e de “responsabilidade”,
que secaria parte dos discur-
sos da AD contra o PS. Depois,
o desgaste de quem leva oito
anos de poder às costas permi-
te usar a palavra “mudança”
como lema de campanha, para
chamar o centro e dividir o es-
paço entre os “responsáveis”
e os “radicais”, colando Pedro
Nuno Santos aos últimos. “Mu-
dança segura”, acrescenta-se.
Foi com este quadro, a que
se juntaram sondagens a dar
sinais de força, que Montene-
gro se transformou na última
semana num gestor de silên-
cios. Silêncio às insinuações de
um adversário, André Ventura,
silêncio aos reptos de um muito
possível parceiro, Rui Rocha,
silêncio sobre a presença de
ex-líderes, anunciados sempre
em cima das respetivas apari-
ções, silêncio sobre cenários
pós-eleitorais, sobretudo os
de derrota ou de aritméticas
difíceis. E silêncio de quem pu-
desse vir a fugir do guião e nem
sequer foi visto.
Se as pessoas “já têm os da-
dos todos”, como dizia Rui Rio
em Viana do Castelo, com Mon-
tenegro ao lado, a AD interio-
rizou a máxima de que, numa
campanha, “o que importa é
não cometer erros”. Até por-
que a primeira semana já tinha
mostrado que, por vezes, falar
pode ser o mesmo que estragar.
A corrigir um dos estragos,
Montenegro teve mesmo de se
demorar um pouco mais com
os jornalistas, em ambiente
controlado, num centro de ar-
tes da cidade natal do adversá-
rio, Pedro Nuno Santos, para
explicar as declarações da noite
anterior do cabeça de lista por
Santarém. No resto do tempo,
fora entrevistas pontuais, teve
sempre o barulho da rua e dos
tambores da caravana, que au-
mentavam o volume sempre
que cheirasse a tensão (foi as-
sim em Águeda, quando um po-
O inimigo invisível esteve em todo o lado
A subida de tom de Ventura
animou as hostes da AD
(“está desesperado”, ouvia-
se), e Montenegro manteve a
ideia de não o nomear uma
única vez. O Chega, que “não
é uma palavra proibida”, só
foi referido num discurso nas
Caldas da Rainha, o mais
concorrido dos jantares de
campanha, em que o silêncio
perpassou o pavilhão quando
Montenegro fez o que ainda
não tinha feito: falar ao
coração desse eleitorado,
quase a dar-lhe a mão
dizendo “eu sei que não são
pular confrontou Montenegro),
a evitar que o candidato tivesse
de se explicar em demasia.
A entrevista ao Expresso não
teve lugar, com o PSD a invocar
motivos de agenda.
“Não estou preocupado
com a minha vida política”
Numa das poucas brechas de
uma campanha de cadência al-
tíssima (a caravana passou por
todos os distritos do continente,
vários mais do que uma vez e
em dias diferentes), o Expresso
perguntou a Montenegro se es-
tas eleições, além de um “agora
ou nunca” para o PSD, são o
“tudo ou nada” da sua carreira.
“Não estou preocupado com a
minha vida política”, atalhou
Montenegro.
Empossado há pouco mais de
ano e meio, o líder do PSD já dis-
se que deixa nas mãos do parti-
do o que fazer a uma eventual
derrota. E também já prometeu
recandidatar-se à liderança in-
extremistas nem racistas”,
estão é “frustrados” com o PS
e o PSD. “Quero que essas
pessoas, mesmo querendo,
como terão querido, enviar
uma mensagem ao meu
partido, possam concluir que
é mesmo preciso uma
mudança de Governo.” E os
ex-líderes do PSD e do CDS
vieram em auxílio com o
mesmo apelo. “O voto de
protesto não conduz a lado
nenhum”, disse Marques
Mendes, a não ser a um
possível “engano”, em que se
vota num partido para
terna numas eleições diretas
regulares que deviam acontecer
em maio ou junho, mas que as
eleições europeias devem em-
purrar para o fim do verão. Por
agora, a regra é mais silêncio.
Dizendo-se preocupado com
“a vida económica e social do
país” e com a “vida concreta de
cada pessoa”, o líder da AD re-
cusa pedir maiorias, mas repete
que é preciso “estabilidade” e
espaço de manobra para gover-
nar. Quando a Iniciativa Liberal
o acusou de “chantagem” por
apelar ao voto útil como úni-
ca hipótese de apear o PS do
poder, Montenegro respondeu
que é preciso dar aos eleitores
“todos os fatores para decidi-
rem por si”. Um dos “fatores” é
que a dispersão de votos à direi-
ta pode deixar o PS em primei-
ro lugar, ideia na qual ninguém
na AD se cansa de insistir.
“Estou na campanha a lutar
por cada voto”, diz Montene-
gro ao Expresso, e “o objetivo
é ter o maior número possível
protestar “e aparece outro a
governar”. “Cuidado”, alertou
Paulo Portas, para não
“adormecerem sábado a
pensar que este ciclo triste
do PS vai acabar” e
“acordarem segunda-feira
com Pedro Nuno Santos
como primeiro-ministro”. Até
Rui Rio apareceu para dizer
que há uma “única
alternativa” para o PS não
continuar no poder. Vêm aí
Cavaco Silva e Manuela
Ferreira Leite, no último dia
de campanha. E o guião está
escrito.
PRIMEIRO CADERNO 11
>>
Mendes foi o último
dos antigos líderes a
juntar-se à campanha de
Montenegro. Cavaco Silva
é o senhor que se segue
de votos” para ter “as melhores
condições para governar”. Nos
discursos, o líder da AD faz re-
petidos avisos de que é preciso O MELHOR E O PIOR
não dispersar. “Estou seguro
que os portugueses vão decidir
mudar e vão assegurar estabi-
lidade nessa decisão”, remata. + Todos, todos
A presença de
antigos líderes de
Montenegro fala com elas PSD e CDS mostra
uma unidade
Se os indecisos são um dos interna
fatores de maior incerteza, o raramente vista
que dizer das indecisas? As mu- entre sociais-
lheres estão em maioria nesse -democratas. Até
grupo, dizem as sondagens, e Rui Rio, que
tendem a estar ao centro e à Montenegro
esquerda. Montenegro usa as tentou derrubar,
últimas horas para falar com foi mostrar-se
elas, tentando afastar as tais fu- “disponível” para
gas ao guião (como a que trou- ajudar. O único
xe à tona o tema do aborto). líder com impacto
“Quero dizer-lhes que o nosso na sociedade que
programa olha mesmo para ficou de fora é
elas”, prometeu Montenegro Presidente da
em Barcelos, com uma plateia República, o que
com várias mulheres e numa explica a
das maiores concelhias do PSD. ausência. É isto o
Mais do que concretizar “agora ou nunca”?
com medidas direcionadas, o
social-democrata garante que
o desenho das propostas teve
em conta que “ainda temos um
país onde há discriminação ne-
- Adversários
A quantidade de
vezes que
gativa sobre a retribuição do Montenegro disse
trabalho e do esforço das mu- que não ia falar
lheres”, caso da proposta de su- do adversário é
bida do Complemento Solidá- correspondente à
rio para Idosos, uma vez que as quantidade de
mulheres são maioritárias nas vezes em que
pensões mínimas, porque “até falou do
há umas décadas não tinham adversário. O líder
carreira contributiva”, por da AD, tirando a
trabalharem em áreas como a acusação de falta
fabril, agrícola ou doméstica. de “estabilidade
“A igualdade de género é um emocional” a
pilar fundamental da igualdade Pedro Nuno
de oportunidades”, promete. Santos,
Esta sexta, Dia da Mulher, vol- manteve-as
tará à carga: “Estou a lutar por dentro do
cada voto.” razoável.
jdcorreia@expresso.impresa.pt
12 PRIMEIRO CADERNO
LEGISLATIVAS
Ventura fora do arco
da governação,
a torcer pelo PS
e com poder de veto
Uma vitória socialista é um cenário mais favorável
para o Chega do que ficar como fiel da balança da AD
Texto Vítor Matos
Foto José Fernandes
Numa arruada em Évora, Jor-
ge Pereira, um retornado de
Moçambique com 70 anos —
casado com uma mulher “não
branca”, fez questão de dizer —,
garantiu ser a primeira vez que
ia votar desde o 25 de Abril, por-
que estava “à espera de alguém
como o André Ventura” para
mudar o sistema. O resultado
previsível destas eleições dará
para o líder do Chega fazer um
discurso triunfalista no domin-
go, anunciando o fim do velho
“bipartidarismo corrupto” e a
inauguração do novo “triparti-
darismo”, mas fora do arco da
governação e sem “limpar Por-
tugal”. Se chegar aos 17%, que
contabiliza na média da “Son-
dagens das Sondagens”, da Re-
nascença (embora na reta final
esteja em queda), mais do que
duplica o score atual. Ironica-
mente, porém, o resultado mais
difícil de gerir será uma vitória
da Aliança Democrática (AD).
A política não é uma atividade
linear, e por vezes as vitórias têm
um sabor amargo, como a direi-
ta aprendeu em 2015, quando
Passos Coelho e Paulo Portas
ganharam, mas uniram a ‘ge-
ringonça’ durante quatro anos.
A prever um resultado parecido
ao contrário, esta semana Ven-
tura tentou lançar a confusão
no PSD ao recuperar a ideia de
que “forças vivas” sociais-de-
mocratas lhe deram “99% de
garantia e certeza de que haverá
um Governo à direita”, embora
sem revelar quem lhe deu essa
alegada segurança.
O cenário em que parecia
apostar, era numa vitória do PS
com maioria parlamentar de
direita, para poder pressionar
Luís Montenegro, que sempre o
ignorou, a quebrar a promessa
do “não é não” ao Chega: “Se
alguém tiver de sair, é Luís Mon-
tenegro quem sairá, porque não
ficaremos reféns dele para ter
uma alternativa ao socialismo.”
E acrescentava: “Não sou eu que
o vou tirar, certamente serão
aqueles que acreditam que tem
CNE recebeu
poucas queixas
Foram apresentadas
83 queixas, 10 das
quais apresentadas
pelo Chega
Envolvida pelo Chega numa
polémica — o seu líder pediu
até a demissão do porta-voz —,
a Comissão Nacional de Elei-
ções (CNE) recebeu apenas 83
queixas desde o início do ano
e até ao dia 3 de março. Des-
sas, 10 saíram precisamente
do Chega, o segundo partido
em número de participações,
atrás da CDU. Entre todas, 13
CAMPANHA
de haver um Governo à direita sondagens, e o deixa afastado
que o farão.” A tese, que tam- do poder. Neste caso, o líder do
bém corre há meses no PSD, Chega já teve posições para to-
é a seguinte: se Montenegro dos os gostos: rejeita acordos
ficar em segundo, não forma parlamentares com a AD por-
Governo, é defenestrado por que só aceita entendimentos de
um defensor do entendimento Governo, tanto ameaçou apre-
com Ventura e é eleito um líder, sentar uma moção de rejeição
como Passos Coelho, que abre como viabilizar o programa do
caminho para a governabilidade Executivo, mas também disse
com o Chega. que podia ir deixando passar a
Igualmente difícil para Ven- governação medida a medida.
tura, será gerir um cenário de Ainda assim, fica com a força
vitória de Montenegro, que de ser o fiel da balança, e duran-
aparece com 31% na média das te a campanha deixou mais um
sinal: “Não se aprovam Orça-
mentos do Estado sem negocia-
ção.” Ventura coloca assim mais
pressão em Montenegro, para
O MELHOR E O PIOR este recuar na palavra dada de
que não negoceia com partidos
“racistas e xenófobos”.
+ Reações
na rua
Nas arruadas que o
Mesmo fora do arco do poder,
o Chega guardará um poder
significativo de veto das medi-
Chega realizou no das de um eventual Governo da
Porto, Braga, Évora AD, que dificilmente passarão
e Beja percebeu-se à esquerda. Mas para derrubar
que mais do que um Executivo das duas uma: ou
aceitação, André rejeita um Orçamento e apre-
Ventura deixou de senta uma moção de censura
ser rejeitado. com o apoio da esquerda, que
Olhado como uma tem como inimiga, ou vota ele
celebridade, próprio ao lado dos maiores
nota-se uma adversários contra o seu bloco
grande adesão político. “Estou disponível para
junto dos jovens. correr esse risco”, já chegou a di-
zer. Montenegro ficará à espera
desse momento para ir à procura
- Os insultos
Ao longo da
campanha, o nível
de uma maioria mais robusta.
As táticas da direita radical
da linguagem foi
baixando. Os O caminho de Ventura nesta
insultos foram campanha começou relativa-
disparados em mente moderado nos debates,
todos os sentidos, mas foi escalando para um tom
mas o mais de agressividade e radicalismo
fustigado foi que mesmo nele é novo, a cum-
mesmo Luís prir toda a cartilha da direita
Montenegro, que radical. O pico dessa colagem,
recebeu uma nunca explorado na democracia
coleção de portuguesa, foram as tentativas
adjetivos mais de lançar a semente da suspei-
variada do que os ta sobre o processo eleitoral —
“socialistas à imagem do que sucedeu no
corruptos”. Os Brasil e nos EUA —, com base
votantes do PS num caso pontual de ameaça
foram convidados de anulação de votos do Chega
a “tomar numa mesa por parte de um mi-
medicação”. litante do Bloco (o outro caso foi
só desinformação) e em e-mails
O partido pediu intervenção
da CNE e disse estar em causa
a validade das eleições, tendo
a Comissão — que inclui um
membro do partido de direi-
ta radical — respondido que
isso não estava em causa. O BE
rapidamente deu ordem para
excluir aquele militante das
queixas e pedidos de parecer mesas de voto, mas Ventura in-
estavam relacionados com o sistiu com outro caso parecido,
tema levantado por André Ven- mas de um alegado militante
tura: os membros das mesas do Livre. Foi um passo em fal-
de voto. Uma ínfima minoria so, dado que não estava inscrito
dos milhares que vão estar na em qualquer mesa de voto.
organização e contagem dos Na terça-feira, num comuni-
votos no próximo domingo. cado em cinco pontos, a CNE
A polémica começou com pôs fim ao caso: garantiu “que o
Ventura a mostrar um peque- voto de cada cidadão vai contar
no texto publicado nas redes exatamente como ele escolheu”,
sociais, de um militante do lembrou que “as mesas de voto
Bloco de Esquerda que se di- são compostas por cidadãos in-
zia disposto a não validar votos dicados por todos os partidos ou
no Chega (ou ironizava com coligações que concorrem à elei-
isso, na interpretação do BE). ção” e vincou que todos os par-
André Ventura diz ser o representante dos “portugueses comuns” contra a “elite corrupta”
de denúncias de emigrantes por-
tugueses (ver texto em baixo).
Émulo dos gestos e danças de
Donald Trump — apesar de dizer
que entre ele e Joe Biden não “es-
colhia nenhum” como o melhor
para a Europa —, foi enxamean-
do a campanha com insultos.
“Se alguém tiver
de sair, é Luís
Montenegro”,
diz Ventura
tidos podem nomear delegados
para fiscalizar as mesas de votos,
acrescenta o órgão independen-
te em comunicado. Reiterando
que não entra em debates po-
líticos, o comunicado da CNE
terminava com a garantia de
que irá intervir “sempre que te-
nha conhecimento de situações
em que não esteja garantida a
pluralidade na composição das
mesas de voto”. André Ventura
não voltou entretanto ao tema
— nem sequer à outra suspeita
que levantou, sobre o voto no
A CNE garantiu
“que o voto de
cada cidadão vai
contar exatamente
como ele escolheu”
EXPRESSO.PT O que dizem os candidatos
do Chega? “A insanidade mental da
esquerda” e o problema da “desracialização”
Aos “socialistas corruptos”,
uma expressão que já norma-
lizou, juntou uma adjetivação
contra Montenegro, o homem
que desejaria ter como aliado,
a quem chama “idiota útil”, em
conluio com a “corrupção”, que
é “igual” ou “pior do que o PS”,
com “voz de violoncelo”, um
“frouxo” que lidera um “pros-
tíbulo espanhol”. A isto acres-
centou um insulto aos eleitores
do PS, tratados como “doentes
mentais” que “não tomam a me-
dicação”, a par do que disse o
deputado Gabriel Mithá Ribeiro,
que tentou evidenciar a “insani-
dade mental da esquerda”, que
considera destituída para distin-
guir o bem do mal.
Tal como Trump ou Bolsona-
ro, cavalgou o discurso securi-
tário da “lei, rei e ordem” para
os polícias “não terem medo de
usar a arma”, partilhou vídeos de
agressões a bombeiros e forças
estrangeiro, que não foi alvo de
qualquer queixa registada até
dia 2 de março.
Só cinco casos para o MP
Os dados da CNE, a que o Ex-
presso teve acesso, mostram
que praticamente não houve
registo de problemas nestes
dois meses. Entre os 111 proces-
sos abertos neste período (83
queixas e 28 pedidos de pare-
cer), percebe-se que a maioria
(21) foram por “propaganda” e
18 por alegada violação da neu-
tralidade de entidades várias.
Mas entre estas constam sobre-
tudo câmaras municipais, alvo
de 34 processos — um deles
será o da autarquia de Lisboa,
obrigada esta semana a retirar
cartazes publicitando os seus
feitos. Há ainda 10 processos
por potencial violação de re-
Expresso, 8 de março de 2024
>>
de segurança nas redes sociais
para dizer que é preciso “acabar
com a bandalheira” e relacionou
a imigração com a insegurança,
mesmo que não haja dados que
o confirmem: “Não queremos
mais bandidos em Portugal do
que aqueles que já temos, não
é lançar o anátema sobre nin-
guém, é dizer o óbvio.” Propôs
um pacto para a imigração que
proíbe os estrangeiros de terem
subsídios sociais antes de cinco
anos de descontos (os imigrantes
dão lucro à Segurança Social) e
pelo menos uma vez teve uma
tirada homofóbica — contra o
grupo Fado Bicha —, classifican-
do um dos jornais mundiais de
referência que escreveu sobre
ele, o “Financial Times”, como
“jornalixo”. A perceber pela rea-
ção dos jovens nas ruas, que o
tratam como uma celebridade,
a direita radical veio para ficar.
vmatos@expresso.impresa.pt
gras de publicidade institucio-
nal, seis por desigualdade no
tratamento de candidaturas e
três relacionadas com assem-
bleias de voto.
A seguir às autarquias, 15
dos processos visaram diversas
entidades públicas (não espe-
cificadas neste relatório) e 13
foram sobre órgãos de comuni-
cação. O Chega, curiosamente,
foi alvo de dois, tantos quanto o
PS. A par do Juntos pelo Povo
foram os únicos partidos desti-
natários de queixas.
Até aqui, e entre os 111 pro-
cessos abertos, a CNE já deci-
diu 81. Cinco dos casos foram
enviados para o Ministério
Público, um caso acabou em
advertência, seis em recomen-
dações e 17 em injunção. Oito
foram, entretanto, arquivados.
David Dinis
ddinis@expresso.impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 13

Liderar
o presente
para construir
o futuro.

Banco com o melhor resultado Banco com melhor

entre os supervisionados reputação corporativa do setor
pelo BCE no Teste de Esforço Fonte: Merco - Ranking Setores 2023
Fonte: “Menor destruição de capital em 2025 merco.info
num cenário de grande adversidade”,
no Stress Test da European Banking Authority (EBA) 2023
eba.europa.eu

Banco com melhor Melhor banco em responsabilidade

reputação emocional ao nível ético e de governance
Fonte: RepScore - Onstrategy 2024 Fonte: Merco - Ranking ESG (Governance) 2023
onstrategy.com.pt merco.info

Banco com a melhor Único banco português no ranking

notação de ESG da sustentabilidade The Banker
Fonte: Morningstar - Company ESG Risk Ratings 2023 Fonte: The Banker – Sustainable Banking
sustainalytics.com Revenues Ranking 2023
thebanker.com

Estes prémios são da exclusiva responsabilidade das entidades que os atribuíram.

Caixa. Para todos e para cada um.

Caixa Geral de Depósitos, S.A., registada junto do Banco de Portugal sob o n.º 35.
14 PRIMEIRO CADERNO
LEGISLATIVAS
Rui Rocha e Cotrim de Figueiredo no jantar-comício de Lisboa
IL quer casamento com AD,
mas aperta exigências
Contra o voto útil, Rui Rocha mudou de estratégia e passou ao ataque à
AD e a Montenegro, acenando com caderno de encargos após 10 de março
Texto Liliana Coelho
Foto Nuno Fox
Na vida ou na política, por ve-
zes, é preciso recuar para avan-
çar. Foi o que aconteceu com
a Iniciativa Liberal (IL) nesta
segunda semana na estrada.
A campanha ganhou novo im-
pulso, com a intensificação do
apelo da AD ao voto útil e as
sondagens a darem resultados
mais escassos para o partido.
Se Rui Rocha foi sempre cris-
talino ao afastar uma coligação
pré-eleitoral, preferindo correr
em pista própria nas legislati-
vas e abrindo a porta a enten-
dimentos só após 10 de março,
pediu agora mais garantias de
olho no day-after.
No noivado com a Aliança
Democrática (AD), Rocha não
gostou de ser ignorado e ficar a
falar sozinho. Resultado? Tra-
vou a fundo e mudou de estra-
tégia, aumentando a pressão a
Luís Montenegro. Quer o casa-
mento com a AD, mas aperta
as exigências — fê-lo quando
desafiou Montenegro no início
da semana para se comprome-
ter a aliviar em €100 por mês
em IRS quem ganha o salário
médio em Portugal. Ou quando
voltou a defender a revisão da
lei eleitoral e a criação de um
círculo de compensação para
evitar milhares de votos des-
perdiçados, assim como a cria-
ção de um cheque-creche, me-
dida da qual não “prescinde”.
AD “arrasta os pés”
A narrativa passou a tentar so-
bretudo sacudir a pressão do
voto útil: “Os portugueses têm
de estar livres, a um mês do
cinquentenário do 25 de Abril,
sem chantagem, sem pressões.
Têm de se sentir livres neste
momento para escolher entre
o passado e o futuro”, disse Ro-
cha, à margem de uma visita
a uma fábrica de cartonagem
em São João da Madeira, terra
natal de Pedro Nuno Santos,
colando o PSD ao PS.
CAMPANHA
Foi notório o esforço para di-
ferenciar a IL da AD. O ensaio
já tinha acontecido durante o
debate televisivo com Monte-
negro, quando Rocha entregou
um caderno de encargos com
dez pontos para um entendi-
mento pós-eleitoral. Esta se-
mana continuava, contudo, sem
respostas e foi reforçando os
reptos, que continuaram sem
resposta, levando o presiden-
te da IL a criticar o silêncio de
Montenegro. E quando chega-
ram foram meias respostas e
não ouviu o que queria — Ro-
cha viu-se assim obrigado a en-
grossar a voz, à semelhança de
Cotrim de Figueiredo e Carlos
Guimarães Pinto, dois pesos pe-
sados unidos no contra-ataque
à AD e no esvaziar do voto útil.
Subia assim de tom a campanha
liberal — com as sondagens a
apontarem para uma descida
nas intenções de voto para o
partido e com 31% dos que ele-
gem a IL a admitirem mudar
o voto. Já a tática também foi
distinta: se Montenegro rejei-
tou apelar à maioria absoluta,
Rocha pediu uma “maioria cla-
ra” para a AD e a IL se pode-
rem sentar no dia 11 de março
à mesa das negociações com
vista a uma solução governativa
estável. Acreditando no ‘não’
definitivo de Montenegro em
relação ao Chega, que é uma
linha vermelha para os liberais.
Foi um empenho contínuo
para apontar semelhanças e
diferenças entre os dois la-
dos. Com o PSD a remeter,
por exemplo, para a revisão
constitucional a alteração do
sistema eleitoral, o presidente
dos liberais vaticinou que nada
se irá alterar neste âmbito nos
próximos anos: “É arrastar os
pés”, acusou o líder da IL, num
tom crispado.
Unidos contra o voto útil, o
atual líder liberal e o seu ante-
cessor apontaram baterias à co-
ligação liderada por Montene-
gro num jantar-comício na Casa
do Alentejo, quartel-general dos
comunistas em Lisboa, com lo-
tação esgotada. Completamen-
te alinhados, Cotrim falou para
os jovens e os indecisos e defen-
deu que “a AD sozinha não vai
MELHOR E PIOR mudar Portugal e só a IL pode
dar à AD o que lhe falta”, en-
quanto Rocha acusou a aliança
+ Mais rua e
contacto com
trabalhadores
de direita de não ter a “ambição
e a coragem suficientes” para
transformar o país.
Depois de se ter
reunido Apelo aos mais velhos
essencialmente à
porta fechada Em contagem decrescente
com empresários para as legislativas, os parti-
e administrações, dos fazem contas, e a IL não é
Rocha foi ouvir os
trabalhadores na
segunda semana
exceção. Rocha garantia estar
sereno, mas sentia-se o ner-
voso miudinho no ar. Afinal,
de campanha. E este sufrágio será uma prova
num encontro de vida para o líder escolhido
com empresários pelos liberais há pouco mais
de PME em Leiria, de um ano, que arrisca não ser
centrou o discurso eleito por Braga e ver assim a
nos trabalhadores, sua liderança em xeque.
pedindo até A comitiva liberal adicionou
maiores salários. novas ações na rua para mais
Na reta final, contacto com populações e jo-
apostou mais na vens, no Porto e em Braga. E,
rua, pela primeira vez, o presidente
principalmente dos liberais reconheceu que
em contactos com o voto dos mais jovens — que
os jovens. constituem a base eleitoral da
IL —, pode não ser suficiente
para o partido alcançar a meta
- Ambiente e clima
fora da agenda
Num partido que
de crescer 50% nas legislati-
vas, de oito para 12 deputados,
aumentando assim a sua re-
tem os jovens presentação parlamentar em
como público-alvo dois círculos (Aveiro e Leiria).
— que serão mais Por isso, apostou na dramatiza-
preocupados com ção: voto útil é aquele que “diz
a emergência aos jovens portugueses ‘quero
climática —, a IL que fiquem’” no país, pedindo
ignorou por aos pais e avós que votem na
completo esta IL para que os filhos e netos
área. Só falou da fiquem em Portugal se assim o
gestão da água. desejarem. As cartas estão lan-
Deu espaço a que çadas, resta saber quais serão
outros partidos os resultados.
alertassem que a Uma coisa é certa: a oposi-
agenda climática ção interna está atenta. Ao Ex-
não avança com a presso, Tiago Mayan e alguns
direita e a conselheiros nacionais — que
“tradição ainda não se conformaram com
negacionista” a saída de Carla Castro — de-
dos liberais. fenderam que haverá “muitos
assuntos” a discutir interna-
mente, após 10 de março. O
recado está dado.
lpcoelho@expresso.impresa.pt
EXPRESSO.PT Discursos cruzados à direita:
Rui tenta ocupar terreno e André quer tirar
o tapete a Luís, que quer os votos de todos
PAN deixa cair
causas para
conquistar gente
Inês Sousa Real tem
apontado para temas
pouco falados, mas menos
para as causas pelas quais
o PAN é conhecido
Quando a porta-voz do Pessoas-
-Animais-Natureza passa na
rua, a reação é quase sempre a
mesma. As pessoas facilmente
a reconhecem e têm-lhe simpa-
tia. Algumas dizem-lhe mesmo
que as causas que defende são
“importantes” ou até “impres-
cindíveis” na Assembleia da
República. Mas quase sempre,
quando vem à baila a escolha
do boletim de voto, muito pou-
cas são aquelas que admitem
votar no partido encabeçado
por Inês Sousa Real.
Talvez por isso a porta-voz do
PAN pareça ter mudado de es-
tratégia nesta campanha elei-
toral, diversificando as causas
e abordando sempre que pode
os grandes temas habituais,
como a saúde, a habitação e a
educação.
Somando as ações de cam-
panha até agora, Inês Sousa
Real foi a tantas associações de
acolhimento de pessoas com
deficiência como a abrigos de
animais. Pelo caminho, encon-
trou-se com pessoas que viaja-
vam em transportes públicos —
onde promoveu a promessa de
que, com o PAN a fazer parte de
um governo, haverá transportes
públicos gratuitos até 2028 — e
visitou dois hospitais, um em
Lisboa e outro em Braga. São
ferramentas para mostrar que
o partido das causas não tem só
causas — também tem ideias de
como se governa um país.
Colagem à esquerda
O que também tem marcado a
campanha é um aparente apa-
gão do acordo que o PAN fez
com o PSD para governar na
Madeira, bem como a máxima
que marca o partido desde a
sua génese, de que não se po-
siciona nem à direita nem à
esquerda do espectro político.
Parece que Inês Sousa Real já
se definiu: é de esquerda (em-
bora não o verbalize). Sempre
que pode, a líder do PAN tem
criticado Luís Montenegro por
aquilo a que chama o “extre-
mar a agenda da AD”.
Depois de ter mostrado in-
disponibilidade para alinhar
em qualquer acordo pós-elei-
toral com aquilo a que chama
de “alianças pouco democráti-
cas”, devido ao CDS e ao PPM,
que, a seu ver, “põem em causa
os direitos sociais”, a líder do
PAN tem-se encostado cada vez
mais aos ideais dos partidos da
esquerda. Fê-lo, por exemplo,
no Hospital de Braga, onde re-
cusou um regresso às parcerias
público-privadas na saúde e deu
Nesta campanha eleitoral, Inês Sousa Real já visitou quatro
abrigos de animais FOTO MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
Expresso, 8 de março de 2024
um recado a Rui Rocha, presi-
dente da Iniciativa Liberal e ca-
beça de lista por aquela cidade,
que é um defensor da PPP. “O
liberalismo não faz falta a Por-
tugal”, assinalava esta quarta-
-feira Sousa Real, em resposta
a um dos maiores slogans da
campanha de Rui Rocha.
O PS, no entanto, não tem
sido poupado nas críticas por
parte da porta-voz do PAN. Em
resposta aos apelos ao voto útil,
lembra que o voto de confiança
dos portugueses nas últimas
legislativas, que deram uma
maioria absoluta ao PS, foi, afi-
nal, “inútil”. E, paulatinamen-
te, Inês Sousa Real vai juntando
a sua voz às dos restantes par-
tidos à esquerda, assumindo
que uma “solução progressista”
para o país dependerá também
do PAN, numa altura em que
já dá como garantida a eleição
de Anabela Castro pelo Porto,
para deixar de estar sozinha na
Assembleia da República.
Joana Ascensão
jascensao@expresso.impresa.pt
MELHOR E PIOR
+ Simpatia nas ruas
Sendo uma das mais
antigas líderes
partidárias que vai a
eleições, Sousa Real
é reconhecida e bem
recebida nas ruas.
As pessoas
facilmente lhe
dizem que as causas
defendidas pelo PAN
são “importantes” e
“imprescindíveis”.
Contudo, poucas
são aquelas que
acabam por revelar
votar no PAN.
- Desfiliações
O partido foi
invadido por três
desfiliações numa
semana — dois
membros eleitos
para a Assembleia
Municipal de Faro,
Paulo Batista e Elza
Cunha, e o anúncio
da ex-autarca da
Junta de Freguesia
de Santa Maria
Maior, no Funchal
(que afinal já tinha
comunicado a
desfiliação em
setembro). Inês
Sousa Real acusou
os opositores
internos de
“oportunismo
político”.
Expresso, 8 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 15

>>

DATAS Um homem e uma bandeira

ser votada favoravelmente pela
maioria absoluta dos deputa-

ESSENCIAIS
dos em funções. A rejeição do
MELHOR E PIOR

NOS PRÓXIMOS
MESES
10 de março
Dia de votar
Dia das eleições legislativas, com
votação no território nacional
(os emigrantes votam a 9 e 10
de março). Os resultados serão
conhecidos provavelmente pelas
23h00 dessa noite (a menos que
fiquem dependentes de reconta-
programa implica automatica-
mente, segundo a Constituição,
a sua demissão. Até aqui, só foi
derrubado um Executivo depois
de se ter firmado um acordo
para a formação de uma maio-
ria alternativa estável: foi em
2015, com António Costa e os
acordos da ‘geringonça’. Mas a
Constituição não impõe que seja
assim — o Governo pode cair
sem haver alternativa. Nesse
caso, o processo de formação
de Governo volta à estaca zero,
sem prazos definidos.
querem “maioria de esquerda”
Rui Tavares acredita
que nada está perdido
e que a “esquerda
pode virar as eleições”
As conversas fazem-se às cla-
ras. Rui Tavares acredita que
o Livre pode sair vitorioso da
faz arruadas nem comícios, faz
visitas e conversas. Fala muito
para a imprensa e usa como
mensagem o que conseguiu
aprovar com o Governo de An-
tónio Costa, seja o subsídio de
desemprego para as vítimas
de violência doméstica, seja o
+ Crescer
na sombra
Fez o caminho
E tem apostado em convencer quase sozinho e,
o eleitorado de que, votando apesar de não ter
à esquerda, não quer votar no influenciado a
PS, mas que se junta ao par- campanha, pode
tido de Pedro Nuno. Logo no ser quem beneficia
início da semana, Pedro Nuno das circunstâncias.
apelou à concentração de voto
à esquerda, bipolarizando com

gens, que a hipótese de um em-
pate em mandatos entre os dois
maiores partidos possa tornar
decisivas).
15 de março
Marcelo ouve partidos
O Presidente pode ouvir os
partidos eleitos ainda antes
da publicação das atas oficiais
dos resultados e pode também
dizer quem indigita como pri-
meiro-ministro. O Expresso já
escreveu que, numa primeira
instância (pelo menos), indicará
quem tiver vencido, indepen-
dentemente das maiorias que se
puderem formar.
25 de março
Resultados oficiais lançados
A lei eleitoral dá duas semanas
para eventuais reclamações, re-
contagens e repetições de atos
eleitorais (como houve na emi-
gração em 2022), mas a 25 de
março deverão ser entregues à
Assembleia da República (AR)
as atas de apuramento geral de
resultados. No prazo de oito dias
a contar da entrega deve ser pu-
blicado em “Diário da Repúbli-
ca” o mapa oficial de resultados.
Início de abril
Posse dos deputados
Tendo em conta o calendário
oficial, é expectável que os novos
deputados da AR sejam empos-
sados no último dia de março
ou, mais provavelmente, no iní-
cio de abril — a seguir à Páscoa,
portanto.
Eleição do novo presidente
da AR
Uma vez empossada, a primeira
sessão do novo Parlamento é
aberta pelo deputado mais velho
entre os eleitos. E segue-se de
imediato a votação do novo Pre-
sidente da AR — que, na prática,
será o primeiro teste à forma-
ção de novas maiorias, dado que
para ser eleito precisa de obter
116 votos (uma maioria) numa
votação secreta em urna. Outro
dado em aberto é se o Chega,
com mais deputados agora,
consegue votos para eleger um
vice-presidente.
Junho/julho
noite de domingo e alcançar
um grupo parlamentar, mas
poderá ser uma vitória amarga
fundo de habitação para ajudar
pessoas em condição de sem-
-abrigo ou o Passe Ferroviário
Luís Montenegro, e Rui Tavares
foi quem respondeu com mais
veemência, dizendo que isso de-
- Confusão
à esquerda
Teve de explicar a
Um Orçamento Retificativo? se o primeiro objetivo, para Nacional, uma medida que diz monstrava alguma “desorien- sua disponibilidade
Dependendo de quem estiver que possa contar, não seja al- ter sido proposta sua aceite por tação”, mas assumindo que de dialogar à
à frente do novo Governo (no cançado: se não houver uma Pedro Nuno Santos. era “verdade”, que “é preciso direita e acabou a
caso de existir um em plenas maioria de esquerda. O por- É nessa negociação que apos- deter uma maioria de direita” criticar a ‘gerin-
funções), é possível que queira ta-voz do partido acredita que ta as fichas, e por isso foi di- e que para isso é preciso uma gonça’, apesar de
apresentar um Orçamento Re- não, diz que é preciso contra- zendo nesta última semana de “maioria de esquerda”. É neste querer fazer parte
tificativo no Parlamento. É um riar algum “desânimo” e ter campanha que “apenas com um cenário que o Livre vai apos- de uma futura.
cenário que se coloca sobretudo energia, porque “a esquerda grupo parlamentar o Livre terá tando, apesar de as sondagens Mencionou os
se for a direita a governar — e pode virar as eleições”. mais esforço de persuasão, mas mostrarem essa dificuldade. “erros” de 2019
será sempre um primeiro teste à Na rua, Rui Tavares anda desta vez com o apoio dos cida- Liliana Valente e 2021.
estabilidade da nova legislatura. acompanhado de poucos. Não dãos, com o apoio dos votos”. lvalente@expresso.impresa.pt
Isto pode acontecer antes ou
depois das eleições europeias.
9 de junho
Eleições europeias
Dia marcado para as eleições
europeias em todos os Estados-
-membros da UE, que podem
ser importantes (dependendo
do contexto político) para as
várias lideranças partidárias.
Dado importante: o ato eleito-
ral acontece antes do feriado
nacional, levantando a proba-
bilidade de aumentar a absten-
ção, já tradicionalmente alta
neste tipo de eleição. Haverá,
pela primeira vez, voto em mo-
bilidade, ou seja, poderá votar
onde quer que esteja no territó-
rio nacional.
10 de setembro
Marcelo recupera poder
de dissolução
De acordo com a Constituição,
o Presidente não pode convocar
eleições nos seis meses seguin-
tes ao último ato eleitoral. Caso
não exista uma alternativa de
formação de Governo, o Exe-
cutivo recém-empossado pode
ficar em gestão até novas elei-
ções. A 10 de setembro o Presi-
dente retoma os seus poderes e,
caso não exista ainda Governo
em plenas funções, pode final-
mente iniciar os procedimen-
tos para a convocação de novas
eleições legislativas. Isto inclui
ouvir os partidos e consultar o
Conselho de Estado.
10 de outubro
Entrega do Orçamento
de 2025
Se houver Governo em funções,
este é o dia em que terá de en-
tregar no Parlamento o Orça-
mento do Estado para 2025.

Abril? Final de outubro

Posse do novo Governo
O novo Governo só toma pos-
se depois de estar em funções
a nova AR. Mas não há prazo
para que o primeiro-minis-
tro indigitado constitua a sua
equipa. Em 1987, Cavaco Silva
foi um mês para a Pousada de
Manteigas sem dar sinais das
suas escolhas, por exemplo.
Abril/maio
O programa de Governo
O Governo toma posse peran-
te o Presidente da República,
mas só entra em plenitude de
funções depois de ser debatido
o programa de Governo. O pro-
grama tem de ser submetido à
AR no prazo máximo de 10 dias
depois da nomeação do primei-
ro-ministro. Não tem de ser vo-
tado. Só o é caso algum partido
apresente uma moção de apoio
ou de rejeição.
Abril/maio
Moção de rejeição?
Para ser aprovada, a rejeição ao
programa de Governo tem de
Votação na generalidade
do Orçamento
Pode ser outro momento decisi-
vo para a governabilidade: uma
rejeição (caso não exista maio-
ria parlamentar) pode ditar
novas eleições — a cumprir-se
o mesmo critério que Marcelo
estabeleceu na crise orçamen-
tal de 2021. Uma crise política
levaria a eleições antecipadas (a
atender pelo calendário político
desse ano) no final de janeiro,
com o Orçamento a ser gerido
em duodécimos.
Meados de novembro
Primeira data possível
para novas legislativas
A atender aos 55 dias obri-
gatórios do anúncio de novas
eleições até à data da sua rea-
lização, só a partir de meio de
novembro será possível haver
novas eleições, caso assim o dite
uma instabilidade política. Os
prazos, claro, voltam a contar
do zero a partir daqui.
David Dinis
e Eunice Lourenço
16 PRIMEIRO CADERNO
LEGISLATIVAS
Secretário-geral do PCP esteve mais solto nas arruadas
Raimundo quebra
“protocolos” para
afastar nuvens
PCP acenou com o perigo de desaparecimento para
apelar ao voto e admite falar com o PS sobre políticas
Texto Margarida
Coutinho
Foto Ana Baião
“Já rebentámos com o protoco-
lo, assim é que eu gosto”, disse
Paulo Raimundo em jeito de
confidência, numa arruada na
Baixa da Banheira (Moita), na
passada quarta-feira. Nessa al-
tura, o líder comunista tinha
deixado a posição habitual (no
centro a agarrar a faixa carre-
gada pelos membros do parti-
do) para cumprimentar quem
rodeava o desfile. Ao contrário
do que seria normal, o líder co-
munista já não voltou para o
seu lugar e trocou o passo me-
cânico pela corrida às pessoas.
Esta vontade de proximidade
surgiu numa altura em que o
à-vontade de Paulo Raimundo
foi em crescendo. Nas arruadas
abordou mesmo os que franzi-
ram o sobrolho, nos comícios
foi falar às mesas, em vez de
manter os contactos fugazes
da primeira semana de campa-
nha. Restará saber se será sufi-
ciente para afastar as “nuvens
sombrias” que pairam sobre o
partido.
Quem tentou aliviar o peso
nos ombros de Paulo Raimun-
do foi Jerónimo de Sousa. Na
sua única intervenção da cam-
panha, o ex-líder comunista
lembrou que não há “vence-
dores antecipados” e que o
partido está em condições de
“trocar as voltas” a quem já lhe
declarou a morte. Outro dos
objetivos de Jerónimo de Sou-
sa foi destacar a importância
de manter o partido que lide-
rou durante quase duas déca-
das dentro do Parlamento. “O
PCP é uma força indispensável
e insubstituível para a socie-
dade portuguesa”, disse no co-
mício em Évora que assinalou
o 103º aniversário do partido.
Acenar com o perigo do de-
saparecimento para apelar ao
voto foi uma estratégia utili-
zada de forma mais óbvia por
Manuel Carvalho da Silva. O
ex-militante comunista que
liderou a CGTP durante 25
anos teve uma curta aparição
na campanha para lembrar a
importância de “votar com me-
mória”. “É preciso ter presente
CAMPANHA
que o enfraquecimento deste dino Soares), e com ainda mais
partido pode ser um prejuízo peso na mesa de negociações
muito grande para desafios que do que em 2015. Assim, os co-
aí vêm”, alertou. munistas poderiam “obrigar” o
PS a “vir às soluções”, ou seja,
Um pós-eleições a viabilizar mais propostas da
ao lado do PS? CDU – um dos argumentos re-
petidos por Paulo Raimundo
As duas semanas de campanha para convencer os eleitores a
deixaram claro o cenário com não voltarem a despejar votos
que a CDU gostaria de acor- nos socialistas.
dar no dia 11 de março: uma O BE foi o primeiro a apre-
bancada parlamentar reforça- sentar um caderno de encargos
da, recuperando os deputados ao PS para um novo entendi-
pelos círculos de Évora e San-
tarém (Alma Rivera e Bernar-
mento à esquerda. A escassos
dias da ida às urnas, também a
CDU indicou as condições para
voltar a alinhar num acordo,
caso exista uma maioria de es-
querda. “Daqui fica o desafio:
O MELHOR E O PIOR o PS está ou não está disponí-
vel para acompanhar o PCP no
choque salarial de alta volta-
+ Prova de vida
no Rossio
Depois de uma
gem?”, atirou Paulo Raimundo
na passada quarta-feira. Assim,
o aumento geral dos salários
primeira semana em 7,5% e a subida do salário
com dificuldades mínimo nacional para mil eu-
nas ruas, a CDU ros este ano parecem ter sido
quis provar que fixadas como condições obriga-
ainda está longe tórias para um entendimento
do suspiro final. A que inclua os comunistas.
resposta foi dada Apesar da resistência inicial,
num desfile até ao a CDU mostra-se assim dispo-
Rossio que reuniu nível para voltar a conversar
mais de mil com o PS. Contudo, Paulo
pessoas. “Só faz Raimundo manteve a linha de
coisas destas Jerónimo de Sousa quanto a
quem está com a acordos escritos e continuou a
vida e as ganas afastar essa exigência colocada
todas”, disse Paulo pelos outros partidos à esquer-
Raimundo. da. “O que determinou o que
foi aprovado não foi a vontade
do PS nem o que estava escrito
- Os ausentes
presentes
Se a maioria dos
neste ou naquele papel, mas
sim o número de deputados da
CDU”, defendeu lembrando
partidos apostou as medidas aprovadas que não
em caras estavam previstas nos docu-
conhecidas para mentos assinados em 2015.
apelar ao voto, a Com um resultado eleitoral
CDU decidiu incerto, a CDU fará de tudo
guardar duas das para manter a influência den-
cartas mais fortes. tro do parlamento. Por isso,
João Oliveira, que Paulo Raimundo garantiu que
substituiu o partido “não falhará à con-
Jerónimo em 2022, vergência para tudo o que for
esteve totalmente positivo”. Ainda assim, a espe-
ausente. João rança no volte-face pedido por
Ferreira teve Jerónimo de Sousa mantêm-se
apenas duas viva. “Vamos ser a grande sur-
aparições discretas presa da noite eleitoral”, decla-
sem nunca subir rou o líder que vai a testes pela
ao palco. primeira vez.
mcoutinho@expresso.impresa.pt
BE luta por “voto
por convicção” nos
distritos perdidos
Contra a direita do “retrocesso” e PS dos “remendos”,
BE apela ao voto na “esquerda que impõe soluções”
Texto Cláudia Monarca
Almeida
Foto António Pedro
Ferreira
Aveiro, Braga, Coimbra, Faro,
Leiria e Santarém. São estes os
alvos marcados da campanha
bloquista, que quer voltar a ele-
ger onde perdeu em 2022. “Em
muitos desses casos, a diferença
foi relativamente pequena e su-
bindo o Bloco como tem vindo a
crescer, estes distritos são aque-
les onde a disputa com a direita
desequilibra o mapa político”,
diz Francisco Louçã.
“É a composição das forças
que vai escolher o próximo go-
verno e as suas políticas”, subli-
nhou o fundador do partido. E
é por isso que horas depois de
falar com o Expresso esteve no
comício de Braga para deixar
claro que é o voto no BE que
vai decidir para onde “pende a
balança”.
Na narrativa repetida pelo BE
há uma “escolha importante”
a fazer este domingo, entre a
esquerda que “luta pela dignida-
de” e a “direita que alimenta de-
sigualdades”. “O país está muito
magoado com o que se passou
nos últimos anos e recompor
essa esperança, motivação e
mobilização é o trabalho decisi-
vo para a esquerda”, diz.
Mariana Mortágua vai mais
longe. “Quem acha que castiga
um mau Governo da maioria ab-
soluta votando PSD iria acabar
a castigar-se a si próprio porque
tudo o que a direita tem para
oferecer ao país é uma vida pior,
é retrocesso”, dramatizou em
Aveiro.
Mas para os bloquistas não
basta assegurar a “maioria da
esquerda” que têm defendido
desde o primeiro minuto da
corrida eleitoral. É fulcral dar
força ao BE como a “esquerda
que elege” e que pode “impor
soluções” ao PS, porque, foi di-
zendo a líder bloquista, só assim
os socialistas podem fazer o que
recusaram “no passado”.
Os bloquistas não têm de res-
to perdido oportunidades para
sublinhar as falhas de um PS
que, “deixado sozinho” durante
a maioria absoluta, foi o culpado
que agravou muitas crises (da
Mortágua teve a companhia de Francisco Louçã e de Catarina Martins
Expresso, 8 de março de 2024
EXPRESSO.PT Há uma luta à
esquerda que se faz de mansinho:
amigos, amigos, voto útil à parte
habitação à saúde e professo- terando. “Essas medidas têm
res). O sacudir a pressão do voto piorado os serviços e são mais
útil foi sendo caminho traçado caras”, defendeu em Lisboa. E
na campanha, mas sem agres- por isso, para “virar a página da
sividade excessiva para a nova maioria absoluta” e “fazer o que
liderança do PS, mais focada nunca foi feito” (dois motes mui-
na maioria absoluta. “A políti- to repetidos) com soluções para
ca dos remendos, dos truques salários, habitação e saúde (as
e do diz que faz é a causa do três palavras de ordem da cam-
desespero de quem está farto
de esperar”, atirou. E o PS está
“viciado” nesta política.
Só que “a ideia de que se
panha), apela ao voto no BE.
Confiança numa campanha
“em crescendo”
governa um país de medida
de emergência em medida de A poucos dias das eleições, as
emergência é errada”, foi rei- sondagens não apontam para
uma subida percentual signifi-
O MELHOR E O PIOR
cativa do BE e o estudo publi-
cado pelo Expresso na semana
passada dá mesmo conta da
volatilidade do eleitorado blo-
quista (com 40% dos que esco-
lheram o BE a admitir mudar
+ A “energia”
das ruas
Tal como
o voto). Numa corrida eleitoral
onde abundam os indecisos
(cerca de 20%), estes números
prometido, o Bloco não desanimam uma caravana
tem-se focado que todos os dias se tem fei-
num tema to à rua para contactos com a
diferente todos os população.
dias. Não poucas “Há uma espécie de nevoei-
vezes, Mariana ro de sondagens que não tem
Mortágua foi que ver com a realidade, como
abordada para não teve há dois anos. A lição
falar do que está dada”, considera Francisco
também quer Louçã. E de Catarina Martins a
ouvir: das críticas à Mariana Mortágua, são várias as
direita aos pedidos vozes bloquistas que atestam que
para um acordo na a campanha vai em “crescendo”.
esquerda. Energizada pelos abraços, cum-
primentos e palavras trocadas
com as pessoas com quem se
- A “piada de mau
gosto” que serviu
“aprendizes
cruza, sempre num ambiente
de uma festa colorida e animada
que marca as arruadas do BE, a
de Bolsonaro” coordenadora tem uma “profun-
Ventura tentou da convicção”. “Depois do que
levantar suspeitas aconteceu nas últimas eleições e
sobre o processo da experiência com a maioria ab-
eleitoral e serviu- soluta, eu tenho a certeza que as
-se de uma pessoas vão votar por convicção”
publicação nas
redes sociais de
um delegado das
e “em quem acreditam”.
A campanha afasta mesmo o
fantasma do voto útil, que tanto
mesas de voto do pesou em 2022. “O voto útil é
BE. Mortágua aquele que resolve os proble-
esclareceu ser uma mas da nossa vida”, disse Moi-
“óbvia piada de sés Ferreira, o ex-deputado que
mau gosto” e tenta regressar ao Parlamento
garantiu que este por Aveiro. E Portugal “não
tinha pedido precisa de um jeitinho para não
dispensa ainda abanar o barco. Precisa de força
antes do líder do de esquerda para abanar o bar-
Chega falar. co”, defendeu Catarina Martins.
calmeida@expresso.impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024
ENTREVISTA
Manuel António Correia Candidato a presidente do PSD-Madeira
“Albuquerque não tem
condições para formar
governo estável”
Miguel Albuquerque está
demissionário, mas volta a
candidatar-se à liderança
do PSD Madeira FOTO HOMEM
DE GOUVEIA/LUSA
Marta Caires
Em 2014, perdeu as eleições inter-
nas para Miguel Albuquerque, mas
10 anos depois Manuel António Cor-
reia candidata-se contra o mesmo
Albuquerque nas eleições internas
do PSD-Madeira, marcadas para
dia 21. As circunstâncias são bem
diferentes, mas não quer comentar
a investigação judicial que levou à
queda do governo regional. Herdei-
ro de Alberto João Jardim acha que
consegue uma maioria absoluta.
P Como é que alguém que passa dez
anos sem comentar a vida do parti-
do é agora candidato à liderança?
R O silêncio foi também o meu ser-
viço ao partido. Não participar era
respeitar o adversário e a decisão
dos militantes e do povo. Se partici-
passe em fóruns onde se discutissem
ideias teria de dizer o que penso e a
consequência seria divisão no par-
tido. O que sei é que ao cabo de 10
anos sem ter dito uma palavra em
público de repente as pessoas olham
para mim e dizem que, afinal, a solu-
ção serei eu.
P O partido foi ter consigo?
R Não andei atrás a dizer que estava
disponível. Foram as pessoas que me
disseram para avançar. As pessoas
abordaram-me na rua, disseram-me
“nós precisamos de si, nós precisa-
mos da sua ajuda”. Em todo o lado,
todo o tipo de pessoas.
P Desde o dia 24 de janeiro?
R Não, até antes. Nos últimos meses
as questões agudizaram-se. O tema
central neste momento é o divórcio
entre o PSD e a população.
P Não são os casos de corrupção?
R Há uma perda de votos e man-
datos para a assembleia legislati-
va regional que não teve a ver com
o 24 de janeiro. Antes houve o 24
de setembro de 2023. A declara-
ção do candidato do PSD que não
governaria sem maioria absoluta
transformou-se em poucos dias no
seu contrário e não foi um reforço
da imagem do PSD e da Madeira,
nem do seu presidente. Já se dizia
que, mesmo antes desses eventos, o
governo não chegaria ao fim. Na Ma-
deira vive-se numa situação em que
o diretório nacional de um partido,
se calhar composto por pessoas que
nunca vieram à Madeira, estava a
decidir o futuro da Madeira.
P Estamos a falar do PAN?
R A solução política do PAN, dada
a sua inconsistência regional, per-
cebeu-se que vinha muito ditada de
Lisboa. O diretório nacional podia
dizer o que aprovava e o que não
aprovava. A autonomia já estava na
mão de uma entidade que era tudo
menos autonomista.
P A verdade é que aconteceu o 24
de janeiro e decapitou o PSD (o pre-
sidente e o sucessor) e o rótulo de
corrupção está colado ao partido.
R A parte judicial está entregue aos
tribunais. Espero que haja celerida-
de e justiça. Agora é um facto que os
méritos políticos, nomeadamente a
credibilidade e a questão da empatia
com a população, sofrem em função
dessas circunstâncias. E não há dú-
vida de que face ao sentimento que
existe na população neste momento
Miguel Albuquerque não tem condi-
ções para criar uma solução gover-
nativa estável.
P Qual é a sua posição perante os
grupos económicos numa altura em
que há tanta suspeita de corrupção?
R A minha política económica ga-
rantirá sempre igualdade de opor-
tunidades. E dará também garantia
de que teremos uma classe média
empresarial. Não haverá só grandes
ou só pequenos: é todos a viverem
em concorrência, todos ga-
nhando com todos. O resto,
decide o mercado.
P Qual será a sua política
para as obras públicas, o in-
vestimento público?
R A despesa pública
será definida em
função do que as
pessoas precisam
PERFIL
Manuel António Correia (na
foto em baixo) tem 59 anos, é
advogado, licenciado pela
Universidade de Lisboa.
Começou a carreira política
em 1994 como vogal do
Instituto da Habitação da
Madeira. Foi secretário
regional do Ambiente de 2000
a 2015 e enfrentou e perdeu
para Miguel Albuquerque nas
eleições internas do PSD em
2014, mas apenas à segunda
volta. Nos últimos 10 anos
voltou à atividade como
advogado e ao lugar de
função pública na Inspeção
Regional de Finanças,
mantendo-se afastado da
política. Casado, pai de dois
filhos e um de oito irmãos
repete muitas vezes que se
não fosse a social-democracia
não teria feito a carreira que
fez. Está próximo de Alberto
João Jardim, que é um dos
subscritores da candidatura
que entregou a 29 de
fevereiro no PSD-Madeira. Em
30 anos de vida pública esteve
detrás das políticas de
habitação, reformulou o
sector da banana numa altura
em que havia atrasos no
pagamento aos produtores e
reorganizou o modelo de
resíduos que valeu a saída dos
grandes empresários da
gestão da Estação da Meia
Serra. No fim do mandato
como secretário regional
enfrentou um processo
por causa das licenças
de pesca que deu a
uma cooperativa e que
acabaram nas mãos dos
chineses. Em 2021
foi ilibado de
todas as
acusações. M.C.
de facto. As despesas serão feitas de
preferência com base no equilíbrio
económico-financeiro.
P O que está a dizer é que se não for
necessário não haverá obra pública?
R O orçamento regional gastará o
que a região precisa e terá isso como
único critério, senão não podemos
reduzir os impostos. Se o cidadão se
limita a pagar a água, o carro, a casa,
o lar do pai ou a creche ou a univer-
sidade dos filhos, depois fica-lhe uns
míseros euros para viver a sua vida,
então não é bem um cidadão. De-
fendo um modelo económico que dê
liberdade económica aos cidadãos.
P A habitação é dos problemas
mais complicados da Madeira. O
que é que é preciso neste momento?
R A minha escola política está na
habitação, foi lá que comecei em
1994 e eu lamento que o PSD te-
nha deixado cair a bandeira da ha-
bitação. E nós já tínhamos vários
apoios conforme a situação social
dos que quase podiam ir ao merca-
do comprar uma casa. A Madeira
foi o primeiro sítio do país, no fim
dos anos 90, em que o Estado ia ao
mercado arrendar casas para depois
as subarrendar com renda social.
Tomaram-se medidas nos últimos
meses, mas as soluções habitacio-
nais são de gestação lenta e esperar
pelo problema para agir como acon-
teceu. A política de habitação exige
antecipação e não isso foi feito.
P Qual será a sua relação com o
Chega se for eleito presidente do
PSD e nas eleições regionais pre-
cisar desse apoio para formar go-
verno?
R Farei tudo e penso que tenho
condições para não ter o problema
de negociar com o Chega, mas pri-
meiro há a questão interna, e essa
não é nada fácil, nada fácil mesmo.
Sinto que as pessoas querem a mu-
dança, mas não tenho a certeza de
conseguir no partido. Se conseguir
no partido, conseguirei na região. Se
o partido voltar à sua matriz, poderá
voltar a ter uma maioria absoluta.
politica@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 17
Gente
Nuninho das gafes Numa noite
de campanha da AD, Nuno Melo
surpreendeu ao apelar ao voto no
PS. Perante a inquietação da pla-
teia, perguntou: “Eu disse Pedro
Nuno Santos? Deus me livre.” No
dia seguinte, deu a volta e disse
que só “mesmo por engano” é que
Pedro Nuno pode lá chegar. Mas,
segundos depois, acusou o PS de
deixar os utentes nos hospitais a
“bater com a porta no nariz”. E
Gente ficou mais inquieta do que
nunca com a situação no SNS.
Próxima estação: Penteado A
viagem de comboio feita pela CDU
em Setúbal passou pela estação
Penteado. “Ora, aqui está um pro-
blema com o qual não me deparo”,
lançou o líder comunista. Com uma
agenda que tem obrigado a muitas
horas na estrada, Paulo Raimundo
lembrou que a careca tem as suas
vantagens. “Nesta vida tão aperta-
da, não ter penteado são mais dois
minutos a dormir.”
Boneca única Inês Sousa Real
visitou o Centro Novais e Sousa,
uma instituição de acolhimento de
pessoas com deficiência cognitiva,
em Braga, onde visitou uma hor-
ta e foi recebida com um coro de
bombos. Ali também recebeu um
presente, uma boneca feita pelos
utentes. Só uma. Será um sinal de
que não precisa de mais na próxima
legislatura? “Tenho todo o gosto em
partilhar com o grupo parlamen-
tar”, respondeu aos jornalistas.
(In)segurança Satisfeito com a
sua nova imagem, Rui Rocha ofe-
receu conselhos de moda ao encar-
regado de uma quinta vinícola, em
Alpiarça. “Vamos tirar uma selfie?
Posso dar-lhe umas dicas para fi-
car melhor”, atirou. Já no termi-
nal ferroviário de Cacilhas recusou
mostrar a foto do passe com a sua
antiga imagem: “É melhor não, isto
não é uma foto, é cadastro. Ainda
perco votos”, gracejou.
Não está tudo bem No comício
do PS na Aula Magna, em Lisboa,
houve interrupções por pessoas ex-
ternas ao PS, também houve culpas
internas: quando Mariana Vieira da
Silva começou a sua intervenção, o
som falhou. Demorou tanto que a
ministra saiu do palco, sentou-se,
e ainda ouviu o speaker do PS a pa-
rafrasear uma das frases repetidas
por Pedro Nuno Santos para mos-
trar vontade de fazer mais do que
o Governo de Costa fez: “Está tudo
bem? Não, não está.” Gente riu.
Será que Pedro Nuno vai dizê-la no
domingo?
Excesso de carne
Dieta para Ventura O Chega é o
anti-PAN. De tal maneira que, ao
fim de uma dezena de dias e pelo
menos 20 refeições carnívoras —
carne assada com batata e arroz
—, o discurso de André Ventura
ficou também ele bastante
carnívoro, a duvidar da sanidade
mental dos eleitores do PS e a
querer prender Lula da Silva no
aeroporto. Gente recomenda
uma dieta vegetariana, a partir
do dia 10, saladinhas e tofu, ou
nunca normalizará as relações
com a direita, mesmo que
consiga o almejado desejo de
correr com Luís Montenegro.
FOTO JOSÉ FERNANDES
18 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE SEGURANÇA
Escola Segura Relatório anual da PSP revela uma subida da violência entre alunos. Mas foram apanhadas menos armas
Aumentam agressões,
ameaças e droga nas escolas
Texto Hugo Franco
e Isabel Leiria
O
Foto António Pedro Ferreira
s carros da polícia
param à porta da
Secundária Vergílio
Ferreira, em Lisboa,
poucos minutos an-
tes do intervalo. À
saída, alguns alu-
nos fazem questão
de estender a mão e
perguntar como estão o “agente Silva”
e o “agente Marques”. Os dois fazem
dupla entre as equipas do Programa
Escola Segura (PES) que patrulham
as imediações das escolas e intervêm
dentro dos estabelecimentos de ensi-
no sempre que são chamados pelas
direções para resolver uma situação
de violência grave, roubo ou posse de
droga, por exemplo.
Em geral, as ocorrências mais co-
muns são as agressões entre alunos,
dentro da escola, descreve o agente
Vítor Jesus, que desde 2008 trabalha
com o programa, que já conta com 30
anos de existência. É essa experiência
que o leva a dizer que sem o PES as
“escolas estariam muito piores” em
termos de segurança.
Os números confirmam uma dimi-
nuição significativa das ocorrências
face ao que acontecia há 10 anos. Mas
os dados mais recentes, relativos a
2022/2023 e a que o Expresso teve
acesso, mostram um aumento dos cri-
mes de ofensas corporais e de ameaças
face ao ano anterior e mesmo compa-
rando com o período imediatamente
anterior à pandemia. O relatório anual
do PES mostra ainda que o total das
ocorrências criminais — que incluem
também furtos, ofensas sexuais, vanda-
lismo ou tráfico de droga — subiu 10%
entre o ano letivo de 2021/2022 e o de
2022/2023.
Outro indicador que preocupa as
autoridades, embora não seja consi-
derado um crime, é o do crescimento
das perturbações escolares, em que
os professores se veem obrigados a
chamar os agentes da PSP por não
conseguirem resolver um determina-
do conflito dentro da sala de aula. Re-
gistaram-se 417 casos no último ano
letivo, um número superior a qualquer
um dos últimos cinco anos (antes e
durante a pandemia).
Violência preocupa PSP
A subida do total das ocorrências cri-
minais em relação ao ano letivo ante-
rior (de 2444 para 2708 casos) é, para
Hugo Guinote, coordenador nacional
do Policiamento de Proximidade da
PSP, uma “evolução esperada”, já que
no início do ano escolar de 2021/2022
as atividades letivas tiveram restrições
por causa da covid-19. No ano letivo
seguinte, com tudo a funcionar nor-
malmente nas escolas, as ameaças e
ofensas aumentaram.
O dado que mais preocupa a PSP é o
do aumento do número de ofensas cor-
porais (onde se incluem as agressões
físicas), que supera o do ano letivo de
2018/2019, o último a não ser afetado
pela pandemia. “Já esperávamos uma
subida das injúrias e ameaças, porque
estava em linha com o que acontecera
nos 10 anos anteriores. Mas não deste
aumento de denúncias por ofensas
corporais, que não estavam a crescer
nesse período.” Isto significava que,
por norma, as queixas eram feitas às
autoridades numa fase precoce, antes
A 3ª divisão do Programa Escola
Segura tem a seu cargo 128 escolas
em Lisboa e mais de 60 mil alunos,
que já tratam os agentes Marques
e Silva pelo nome
OCORRÊNCIAS EM MEIO ESCOLAR
5361
Criminais 4093
72,5
(%)
65,2
Não criminais
(%) 27,5 34,8
2013/13 2018/19
*anos da pandemia em que houve fecho de escolas
EVOLUÇÃO POR TIPO DE CRIME MAIS FREQUENTE
Ofensas corporais
Injúrias e ameaças
Furto e roubo
Vandalismo e dano
Ofensas sexuais
Posse e uso de arma
EVOLUÇÃO DE OCORRÊNCIAS NÃO CRIMINAIS
Perturbação escolar*
Posse/consumo de estupefacientes
*situação de conflitualidade envolvendo alunos e/ou professores/funcionários que não conseguem ser
resolvidas pelas escolas
FONTE: PSP — PROGRAMA ESCOLA SEGURA 2022/2023
de haver prática efetiva de violência.
Agora este caso já não acontece. “O
que se passou nesse ano letivo con-
traria a nossa experiência no passado
recente, mas iremos estar atentos.”
Em reação, a PSP aumentou as ações
de sensibilização junto das escolas.
A maioria dos casos de violência re-
gistados pelo PES deu-se nas regiões
de Lisboa e do Porto e os problemas
maiores não se confinam aos arre-
dores das duas grandes cidades. “A
Expresso, 8 de março de 2024
criminalidade mais grave nas escolas lying e o ciberbullying são as infrações
não acontece apenas nos subúrbios.” que mais ocorrem nas nossas escolas,
Hugo Guinote sublinha também o e este último está em grande cresci-
facto de haver mais estudantes apa- mento”, destaca Miguel Rodrigues,
nhados com droga pelas autoridades. investigador do ICPOL-ISCPSI e autor
“A subida dos casos é resultado de do livro “Violência nas Escolas — Ca-
3824
3525 um aumento da fiscalização da nossa racterização, Análise e Intervenção”.
3324 parte. Apercebemo-nos de que entre Não é por isso de estranhar que este
3067 70,8 os alunos havia uma interpretação de tipo de violência seja um dos temas
69,3
63 58,1 que o consumo e a posse de droga não mais presentes nas ações de sensibili-
eram ilegais. Só que o facto de não ser zação feitas nas escolas pelos agentes
37 41,9 30,7 29,2 crime não quer dizer que seja legal.” do PES. Ou a violência no namoro,
Mas há uma boa notícia neste rela- porque muitos jovens “desvalorizam e
2019/20* 2020/21* 2021/22 2022/23 tório do PES: a posse e uso de armas não veem como impróprios comporta-
nas escolas desceu abruptamente e é mentos que não são admissíveis”, conta
o mais baixo dos últimos anos. “Feliz- ainda Jesus Vítor.
mente, as armas não são um problema Ao seu lado, os agentes Miguel Mar-
nas nossas escolas.” ques e Ricardo Silva reforçam a im-
2018/19 2021/22 2022/23 portância das conversas que vão tendo
1151 1172 1237 Telemóveis fora das estatísticas com os alunos e que, muitas vezes,
721 753 825 funcionam como dissuasoras de com-
605 367 450 Os casos de perturbação causada nas portamentos incorretos. “Eles confiam
181 101 137 escolas pelo uso de telemóveis estão em nós, veem-nos como alguém que os
86 88 87 a subir, de acordo com várias fontes pode ajudar. E isso é muito gratifican-
42 77 34 policiais contactadas, mas ainda não se te”, contam.
encontram tipificados nas estatísticas, Já o investigador Miguel Rodrigues
pelo que não é possível a sua contabi- chama a atenção para o desinvesti-
lização. O Expresso sabe, no entan- mento de que tem sido alvo o PES nos
to, que poderão vir a ser registados últimos anos. O número de efetivos da
2018/19 2021/22 2022/23 nestes relatórios policiais da Escola PSP e da GNR desceu dos 714 para os
389 372 417 Segura já no próximo ano letivo, caso 650 nos últimos seis anos e os carros-
172 68 88 haja acordo entre os Ministérios da -patrulha passaram de 452 para 284
Administração Interna e da Educação. de 2010 até 2022. “Eram os Governos
Mas nos estabelecimentos de ensino a Civis que cediam as viaturas às polícias.
realidade não passa despercebida: “Os Com a sua extinção, as autoridades
telemóveis estão muito na origem dos passaram a ter direito e menos carros.”
conflitos. O que publicam nas redes Confrontado com este cenário, Hugo
sociais, o que veem; às vezes usam-nos Guinote responde com outra compa-
para marcar encontros e conflitos”, ração: houve um aumento de 4% nos
descreve o agente Jesus Vítor, que pre- recursos humanos face ao ano letivo
OS PROBLEMAS feria que, pelo menos até “certa idade”,
não fosse permitido o uso destes equi-
anterior. Quanto às viaturas, o número
tem sido “estável” nos últimos cinco
MAIORES NÃO SE pamentos nos recreios.
Também os casos de bullying e ci-
anos. “Os recursos são finitos. O que
a PSP faz no PES, como qualquer or-
CONFINAM ÀS ESCOLAS berbullying, que não são considerados ganização, é adaptar os seus objetivos
DOS SUBÚRBIOS DE
um crime pelo Código Penal, estão aos meios de que dispõe, equilibrando
diluídos nos números das ameaças e os princípios da prioridade, adequabi-
LISBOA E DO PORTO
das ofensas corporais, consoante a sua lidade e exequibilidade.”
gravidade. “Acreditamos que o bul- hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 19

ENTREVISTA

Daniel Traça Novo diretor da ESADE Business School

“Os jovens saem por

falta de esperança”
Texto Isabel Leiria
Foto Tiago Miranda
Depois de um processo de se-
leção que durou vários meses,
Daniel Traça vai assumir, a par-
tir de 1 de setembro, a direção
da Escola Superior de Admi-
nistração e Direção de Empre-
sas (ESADE), uma instituição
académica com campus em
Barcelona e Madrid, perto de
14 mil estudantes e habituada
a figurar nos lugares cimeiros
dos rankings das melhores bu-
siness schools.
P Esteve oito anos à frente da
Nova School of Business and
Economics e vai agora dirigir a
ESADE Business School. Fazia
P Todas essas escolas de ges-
tão cobram propinas de deze-
nas de milhares de euros nos
seus mestrados e MBA. Isto
não perpetua um círculo vicio-
so em que quem pode é quem
consegue aceder às melhores
oportunidades?
R Garantir um ensino de quali-
dade tem custos elevados, com
a contratação de professores
no mercado internacional e a
experiência oferecida aos alu-
nos. A solução passa por cobrar
propinas que paguem a quali-
dade ao mesmo tempo que se
apoia, com fundos da escola e
de doadores privados, quem
tem mérito para aceder mas
sem capacidade para pagar.
Se baixarmos as propinas, a
oferta de qualidade deixa de es-
pouco sofisticados e com pouca
inovação. E isto empurra os mais
qualificados a irem à procura de
oportunidades lá fora.
P Qual é a solução?
R O que foi feito em Portugal na
indústria do calçado é um bom
exemplo, que deve ser multipli-
cado noutros sectores econó-
micos. As empresas passaram a
colaborar, investiram em tecno-
logia, definiram estratégias de
internacionalização e os resul-
tados apareceram. Lembro-me
de que quando desenvolvemos
o projeto do campus de Carca-
velos da Nova SBE as perguntas
que nos faziam sempre era: “E
se não funcionar? Não é arrisca-
do?” Temos de ter ambição para
crescer, profissionalizar a ges-
tão, inovar e internacionalizar,
um contexto fiscal e de políticas
públicas que o facilite e um senti-
do de responsabilidade nacional
partilhada sobre a necessidade
urgente de transformação. Há
que recuperar o atraso histórico
e o tempo que perdemos nestas
duas décadas.
ileiria@expresso.impresa.pt

Prémio
parte dos planos voltar a dirigir tar acessível a quem não pode
uma instituição de ensino? pagar. E quem tem dinheiro

Nacional
R Os meus 14 anos na Nova continuará a poder procurar as
SBE, oito dos quais como dean, melhores ofertas lá fora.

foram uma aventura extraordi-
nária. Portanto, não era óbvio
que encontrasse uma escola que
voltasse a dar-me uma possibi-
lidade de criar impacto, como
Turismo
P Tirou a licenciatura em Por-
tugal, foi estudar e trabalhar
para o estrangeiro, regressou
e volta agora a sair do país. A UMA INICIATIVA:

a que eu e toda a equipa com partir da sua experiência, vê

que trabalhei tivemos no cam-
pus de Carcavelos. Mas quando
surgiu esta oportunidade com
a ESADE não hesitei, porque o
objetivo volta a ser o de pensar
como uma escola de gestão pode
ajudar a transformar a socieda-
de, preparar talento e dar um
sentido de propósito às novas
gerações, num mundo que vive
uma crise séria de lideranças. O
lema da ESADE é precisamente
“Do good. Do better” [fazer bem
e melhor].
P Que objetivos quer atingir
na ESADE? Subir nos rankings?
R A visão que temos de ter dos
rankings é muito instrumen-
tal. Eles são fundamentais para
atrair bons alunos no mercado
internacional, porque a forma
como eles escolhem passa mui-
to por, numa primeira análise,
ver a posição da escola nas lis-
tas do “FT” ou do “The Eco-
nomist”. Mas, depois, eles vão
ver o que a escola tem para ofe-
recer: que valores, que impac-
to causa, em que cidade está,
como vai ser a experiência de
vida, são tudo perguntas que fa-
zem. Quem está num local atra-
tivo, como é o caso do campus
da Nova em Carcavelos ou do
campus da ESADE em Barce-
lona, tem a vida um pouco mais
facilitada. Mas o objetivo maior
é outro. Uma business school já
não pode ser um sítio onde se
está sozinho a aprender técni-
cas de gestão. Tem de incorpo-
rar na sua formação as grandes
questões sociais e políticas, da
tecnologia à sustentabilidade,
e preparar os gestores para per-
ceberem que as empresas onde
estão devem ter um impacto na
sociedade.
P À frente da ESADE vai estar
a competir com a Nova SBE ou
com a Católica. Isto causa-lhe
algum desconforto?
R As escolas sabem que há mui-
to mais ganho em cooperarem,
fazer projetos em conjunto com
impacto e aprender umas com
as outras do que em competir.
É o que já acontece com a Nova
com naturalidade ou preocupa-
ção a emigração de milhares de
jovens qualificados?
R Eu saí, mas naquela altura,
finais dos anos 80, muitos dos
meus colegas ficaram, porque
tinham oportunidades de em-
prego em Portugal e de progre-
dir. Hoje, as pessoas saem não
apenas à procura de oportuni-
dades, mas por falta de espe-
rança no que será o seu futuro
se ficarem. Por isso vejo com
preocupação a saída em gran-
de número de jovens depois de
terem recebido uma formação
de grande qualidade — por
isso é que as empresas lá fora
vêm cá buscar os diplomados
— e incrivelmente subsidiada,
já que as propinas são muito
baixas. Alguns voltam, porque
têm saudades ou querem ficar
no país. Mas uma grande parte
casa no estrangeiro, tem filhos
e, quanto mais tempo passa,
mais difícil é o regresso. Parte
do investimento que o país fez
na sua formação acaba, assim,
por não ter retorno.
P As qualificações da popula-
ção portuguesa aumentaram
muito nas últimas décadas.
Mas isso não se traduziu em
ganhos de produtividade e au-
mento de salários.
R Essa é a grande interrogação.
Tivemos um aumento do inves-
timento, sobretudo entre 2000
e 2010, e de talento, que são os
dois grandes pilares de desen-
volvimento de um país. Mas a O BPI e o Expresso promovem uma Portugal é uma referência mundial
riqueza cresceu pouco, tal como nova edição do Prémio Nacional do turismo. Inscreva-se e mostre que
os salários. Os jovens partem de Turismo. o seu proj
o eto é uma boa razão para
por causa dos baixos salários e
também porque muitas vezes o celebrarmos.
ambiente nas empresas é muito Pelo 6º ano consecutivo, vamos
mais austero do que lá fora e com Candidaturas abertas até 31 de maio.
pouca margem para crescimen-
reconhecer e premiar os melhores
to. Existe esta dificuldade em proj
o etos nas categorias de Turismo
transformar talento e capital em Autêntico, Turismo Gastronómico,
produtividade e salários altos, e
Turismo Inclusivo, Turismo Inovador Saiba mais e inscreva-se em
este é um problema português. PREMIONACIONALTURISMO.PT
Vamos ver o que aconteceu na Ir- e Turismo Sustentável.
landa, na Eslovénia, na Estónia,
na Polónia, na própria Hungria,
países que, em termos de indi-
cadores económicos, nos foram
ultrapassando. Todos eles perde- COM O APOIO INSTITUCIONAL DE: COM O ALTO PATROCÍNIO: KNOWLEDGE PARTNER:

e a ESADE, que estão juntas na ram muito da sua indústria tra-

rede CEMS [uma aliança que
envolve as mais prestigiadas es-
colas de gestão, multinacionais
e ONG — organizações não go-
vernamentais].
dicional e desenvolveram uma
indústria muito mais sofisticada.
Cá, o crescimento sustenta-se
em grande parte num modelo
de serviços pouco qualificados,
20 PRIMEIRO CADERNO
“Agimos por impulso.
Definimos o que é bom
e mau sem mergulhar
no tema. Tem de ser
tudo imediato e tem de
ser bom. O confronto
com a adversidade tem
sido desnormalizado”
Alexandre Pinto
19 anos, São João da Madeira
Francisco
Botelho
18 anos,
Lisboa
Beatriz
Tavares
18 anos,
Amadora
Geração Z:
os novos
eleitores
contam
como são
Nasceram entre 1996 e 2010. São
menos autónomos, mais ansiosos
e mais tolerantes. Cresceram
entre crises e uma pandemia,
não pensam a longo prazo e não
querem a vida de trabalho que os
pais têm. 18 jovens falam sobre si
Texto Raquel Albuquerque Infografia Carlos Esteves
“Não dá para me Vasco
imaginar daqui a dez Apolinário
19 anos,
anos se nem sei o que Faro
vai acontecer ao país
daqui a dois”
Beatriz Carvalho
18 anos, Ponta Delgada
A
s gerações mais velhas
veem os jovens de hoje
como demasiado digitais,
superficiais, acelerados,
impacientes e pouco autó-
nomos. São os que já não
brincaram na rua, que
nasceram com internet,
que não largam o telemó-
vel, que não tiram os fones, os que já
não leem livros nem jornais. Aos olhos
deles próprios — a Geração Z, entre os
14 e os 28 anos, com acesso ao mundo
inteiro no telemóvel, a viverem entre
duas crises e uma pandemia, meio sécu-
lo depois do 25 de Abril —, as lentes dos
mais velhos não dão o retrato completo.
Reconhecem ter menos autonomia
do que os pais e os avós com as mesmas
idades, admitem não ler livros nem jor-
nais e confessam só ‘mergulhar’ em
assuntos que lhes dizem respeito. Bom-
bardeados desde sempre com toneladas
de informação, tornaram-se práticos e
só se focam no que lhes chega de forma
curta, direta, rápida e apelativa, se pos-
sível num vídeo de 30 segundos. Sabem
que são dependentes do telemóvel, li-
dam mal com a frustração, não gostam
de obstáculos. Uma mensagem escrita
ou um áudio são melhores do que uma
chamada: dá-lhes tempo para analisar
a pergunta e preparar a resposta. Re-
cibos de leitura de mensagens? Nunca.
Querem responder quando entenderem
fazê-lo, e sem pressões.
A geração a que pertencem os jovens
de 18 anos que vão votar pela primeira
vez a 10 de março — e todos os outros
futuros eleitores — assume-se ansiosa,
acelerada, impaciente, mas mais focada
“Acho que a nossa
geração é a mais
ansiosa de todas.
Não sei se existia
esta ansiedade
e insegurança
na geração dos
nossos pais”
Luís Gonçalves
19 anos, Melgaço
JOVENS
R E P O R T A G E M
no presente, mais aberta e tolerante.
“Somos menos autónomos, mas não so-
mos incapazes. Temos menos paciência,
mas em assuntos maiores somos muito
mais tolerantes. Crescemos a aceitar a
diferença”, diz Matilde Marado, 18 anos,
de Águeda.
Entre os 18 jovens que falaram ao Ex-
presso sobre a sua geração, quase todos
os novos eleitores contam ir votar, mas
nem todos sabem bem em que partido.
À sua volta, muitos ainda tentam per-
ceber se são de esquerda ou de direita.
“Não acho que seja uma geração desin-
teressada da política. Mas a maioria não
tem uma opinião fundamentada, é mais
uma posição revoltada”, afirma Maria
Botelho, 19 anos, de Lisboa. “Para nós,
a vida política faz-se nas redes e já não
nos jornais ou em conversas de café. Um
vídeo de 30 segundos convence muito
facilmente. Mas não nos aparecem ví-
deos de todos os partidos”, resume Inês
Santos, 18 anos, de Faro.
Informam-se através das redes, so-
bretudo TikTok e Instagram. “Quando
queremos saber uma coisa, vamos pes-
quisar, não vamos ler. Só na faculdade
Expresso, 8 de
“Somos a geração com
acesso mais fácil à
informação. Mas não
lemos jornais ou livros.
Quando queremos saber
uma coisa, vamos
pesquisar, não vamos ler”
Inês Santos
18 anos, Faro
Eva
Xavier
16 anos,
Funchal
Mafalda
Correia
17 anos,
Oliveira
do Hospital
se ganha maior profundidade”, diz Inês.
Muitos também veem o telejornal ao
jantar — só por ainda ser um hábito dos
pais, com quem vivem 85% dos jovens
entre os 16 e os 29. “Ler um livro é algo
perdido. Lia quando era mais novo”,
conta Alexandre Pinto, 19 anos, de São
João da Madeira.
MAIS FILHOS ÚNICOS
Nascidos entre 1996 e 2010, estes jovens
são os mais qualificados de sempre:
84% têm pelo menos o ensino secundá-
rio (quase o dobro da população). São
1,6 milhões, menos do que as gerações
anteriores nestas idades. Alguns são já
fruto da imigração dos pais ou dos avós
— como os que vieram do leste europeu
no início de 2000 ou de países como
Angola ou Cabo Verde em anos anterio-
res. Todos têm pela frente muito mais
tempo de vida: os de 14 anos podem
esperar viver pelo menos mais 67. “Esta
geração tem muito mais probabilidade
de conhecer os bisavós e de virem eles a
ser bisavós”, afirma a demógrafa Maria
João Valente Rosa.
Têm mais dificuldade em tornarem-se
autónomos do que gerações anteriores
e veem nos pais alguma responsabilida-
de por isso. “Somos uma geração com
mais filhos únicos e isso influencia. Te-
nho dois irmãos mais velhos e os meus
pais deixaram-me fazer muito mais coi-
sas do que os pais das minhas amigas
que são filhas únicas”, explica Maria
Botelho. Ser uma geração com menos
irmãos também poderá ajudar a expli-
car por que razão, segundo o Inquérito
à Fecundidade, seja menos frequente
março de 2024
Bárbara
Pinto
18 anos,
Ourém
“Vimos as dificuldades
dos nossos pais e por isso
agora olhamos para o
trabalho de outra forma,
apesar de estarmos
sempre numa situação
de grande incerteza”
Henrique Cunha
17 anos, Murtosa
David
Matos
14 anos,
Setúbal
estes jovens quererem ter um só filho.
Já do ponto de vista financeiro, são um
grupo “particularmente vulnerável”,
frisa Valente Rosa. “São mais afetados
por situações de pobreza, têm taxas de
desemprego significativamente mais
altas e mais contratos precários.”
A incerteza e a pressão em relação
ao futuro fazem parte das suas vidas
desde sempre. “São uma geração muito
interessante, que pensa e tem espírito
crítico, mas lida com exigências, pres-
sões e expectativas em relação ao seu
desempenho académico, ao mercado
de trabalho ou às relações entre eles e
com outras gerações”, resume Olga Oli-
veira Cunha, psicóloga que há dez anos
acompanha jovens na Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da
Universidade Nova de Lisboa. “Lidam
mal com a frustração e têm dificuldade
em processar o insucesso porque o en-
tendem como erro ou fracasso. Muitos
vivem com ansiedade e necessidade de
controlo.”
Se lhes perguntarmos se fazem planos
a longo prazo, a resposta é consensual:
para quê? “Se nem sei o que vai acon-
tecer ao país daqui a dois anos, não dá
para me imaginar daqui a dez”, resu-
me Beatriz Carvalho, 18 anos, de Ponta
Delgada. Não é por acaso: viram os pais
atravessar duas crises económicas, vive-
ram uma pandemia que os fechou dois
anos em casa durante a adolescência
e, desde que nasceram, ouvem falar
em guerras, conflitos, ataques e de-
sastres pelo mundo inteiro. “Claro que
tudo isto os marca”, frisa Olga Oliveira
Cunha. “Eles não pensam a longo prazo.
No inquérito de orientação vocacional,
PRIMEIRO CADERNO 21
Guilherme “Não sinto que esta
“Temos menos Carvalho geração esteja
18 anos,
paciência e menos Lousada
desinteressada da
autonomia, mas não política. Mas a maioria
somos incapazes. Em não tem bem uma
assuntos maiores, opinião fundamentada, Rodrigo
somos muito mais é mais uma posição Figueiredo
tolerantes do que revoltada” 17 anos,
Bragança
outras gerações” Maria Silveira Botelho
Matilde Marado 19 anos, Lisboa
18 anos, Águeda
“Pomos pressão
em tudo, seja a escola,
o futuro ou nas coisas
que acharíamos que
já iríamos ter e não
temos. É frustrante”
Luana Pinho
18 anos, Évora
Tomás
Ramalho
19 anos,
Reguengos
de Monsaraz
tive de tirar a pergunta sobre como porquê: viram o trabalho sugar a vida a trabalhar, entre crises, em esforço, gerações mais novas, como alerta Ro-
é que se perspetivam dali a dez anos aos pais e não querem seguir o exemplo. sem conseguirem amealhar o suficien- drigo Figueiredo, 17 anos, de Bragança.
porque não respondiam. Não quer dizer “Vi que os meus avós, emigrantes, até te. Isso faz com que pensem que não “Quando era mais pequeno, juntava-me
que não tenham objetivos, mas tudo os conseguiram vencer. Mas olho para a vale a pena trabalhar tanto. Querem com amigos para jogar à bola. Agora, os
levou a perceber que o que é verdade vida de trabalho dos meus pais e não tempo para outras coisas, respeito por mais novos têm telemóveis mais cedo
hoje já não é amanhã. Deixaram de vejo isso neles. Não me contentarei com horários, flexibilidade, valores e empre- e parece que já nem brincam.” Ivone
gastar energias a pensar para a frente.” um trabalho esgotante e que não seja sas que não os deixem estagnar.” Patrão vê nessa preocupação com os
Não é novidade que estes jovens estão compensador”, desabafa Luís Gonçal- mais novos um sinal positivo. “É curioso
a chegar ao mercado de trabalho com ves, 19 anos, de Melgaço. A psicóloga da “NETOS DO 25 DE ABRIL” e importante, porque significa que a
uma atitude diferente. E eles explicam FCSH faz o resumo. “Eles viram os pais sociedade já lhes passou a ideia do que
Esta é também a primeira geração a ter é um uso saudável da tecnologia. E eles
uma “socialização mista”, explica Ivone serão os futuros pais.”
A GERAÇÃO Z E AS OUTRAS QUANTAS HORAS POR DIA Patrão, psicóloga clínica e da saúde Toda esta geração cresceu num am-
Estimativas de população residente PASSAM NA INTERNET? que tem estudado a ligação dos jovens biente muito mais diverso, não só em
em milhões, 2022 De 2ª a 6ª, em % do total
à internet. “Têm uma socialização pre- termos culturais, mas sociais e familia-
São 16% da sencial e uma socialização online, que é res. Divórcios e separações, nascimen-
população
2,5 2,4 30 muito mais fácil, rápida e compensado- tos fora do casamento, pais do mesmo
atual 1,9 23 ra. Têm competências no mundo digital sexo, famílias compostas e meios-ir-
1,6 que não foram desenvolvidas por gera- mãos são-lhes realidades naturais
18
1,2 ções anteriores e a nossa preocupação, — assim como tende a ser o direito à
13
814 11
como educadores, é ajudá-los a manter identidade e expressão do género. “A
GERAÇÃO 5 as competências sociais de um modo regra nesta geração é a diversidade.
Z
presencial.” Vivem numa multiplicidade de trajetó-
<14 14 - 28 29 - 43 44 - 59 60 - 78 >79 <1H 1-2 H 2-4 H 4-6 H 6-8 H >8H
Segundo um estudo da Geração Cor- rias, numa vida multiformas”, resume
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS
dão e da APAV, um em cada quatro Maria João Valente Rosa.
FONTE: INE FONTE: INQUÉRITO GERAÇÃO CORDÃO jovens passa mais de seis horas por Num olhar pelo retrovisor para esta
dia na internet durante a semana. E e para as anteriores gerações, a demó-
POPULAÇÃO COM PELO MENOS NÚMERO DE ANOS DE VIDA QUE a forma como comunicam é também grafa lembra que as mães destes jovens
O ENSINO SECUNDÁRIO OS JOVENS TÊM PELA FRENTE diferente de gerações anteriores. Falar nasceram sobretudo entre 1970 e 1980,
Em % do total Em anos, no início da década de 1980 e de 2020
ao telefone? Só com os pais ou amigos num período de “transição e mudança”
20 - 24 ANOS TOTAL Agora (2020) Antes (1980)
próximos. “Por mensagem é tudo mais no país. “São filhas do 25 de Abril, o
fácil, porque dá para pensar no que vou que faz destes jovens os netos do 25 de
84 67 escrever”, diz Beatriz Tavares, 18 anos, Abril. Pode ser uma boa forma de olhar
63
60
56 54 da Amadora. “Há uma dificuldade neles para esta geração e pensar como é que
61 47
em lidar com a espontaneidade e com o a estamos a preparar”, considera. “Es-
46
inesperado, mas têm uma consciência tamos a capacitá-los para lidar com os
32
com a linguagem que nunca tivemos tempos incertos ou a padronizá-los em
antes. São muito mais sensíveis”, diz a função do que achamos que é o normal?
psicóloga Olga Oliveira Cunha. Quanto Se estivermos a tentar pré-formatá-los,
2011 2021 AOS 14 ANOS AOS 18 ANOS AOS 28 ANOS à utilização do telemóvel desde cedo, estamos a fazer mal.”
FONTE: INE eles acham que o problema está nas ralbuquerque@expresso.impresa.pt
22 PRIMEIRO CADERNO
JUSTIÇA
Mais de
31 mil
vítimas de
violência
doméstica
em três anos
Aumento de 22% desde 2021. APAV diz
que pedidos de ajuda chegam mais cedo e
que “a violência é cada vez mais violenta”
Marta Gonçalves
Ameaças, insultos, agressões físicas e
difamação: são estas as situações que
mais se repetem nos casos de violên-
cia doméstica e em que, maioritari-
amente, as vítimas são mulheres. O
número de pessoas apoiadas cresceu
22,1% no pós-pandemia e, entre 2021
e o ano passado, a APAV — Associa-
ção de Apoio à Vítima prestou apoio
a 31.117 pessoas de todas as idades,
revelam as estatísticas da instituição
divulgadas ao Expresso e que são di-
vulgadas esta sexta-feira para assi-
nalar o Dia Internacional da Mulher.
“São muitos mais casos. O que é
reportado, seja às autoridades ou à
APAV, não representa toda a reali-
dade. Temos noção de que há uma
grande cifra negra”, diz Daniel Cotrim,
responsável pela área da violência
doméstica da associação. “Este é um
fenómeno criminal que não tende a
descer, tende a aumentar”, acrescenta.
Há três anos foram apoiadas 9275 pes-
soas, em 2022 esse número alcançou
as 10.442 e, no ano passado, fixou-se
nos 11.400. Durante este mesmo pe-
ríodo estão em causa perto de 65 mil
crimes, que em 2023 chegaram a um
máximo de 22.375 (ver gráfico).
“Olhamos para os números e perce-
bemos que há uma década as pessoas
demoravam 10 ou 15 anos para fazer a
primeira denúncia. Agora, demoram
menos tempo. Passa-se mais rapida-
mente para a violência física e sexual.
A violência está mais violenta”, aponta
o psicólogo. Embora grande parte das
vítimas permaneça a viver num con-
texto de violência de forma continua-
da, um número cada vez mais signifi-
cativo já pede apoio entre os primeiros
dois e seis anos da relação abusiva.
“Os casos são muito mais complexos.
É frequente que o primeiro pedido
de ajuda seja em relação ao agressor,
numa lógica de reabilitação da pessoa
e não de penalização. Só quando é mui-
to violento é que a vítima pede para ser
salva”, continua Daniel Cotrim.
“Estamos neste ponto porque ainda
temos uma sociedade estruturalmen-
te patriarcal e machista, em que as
vítimas são olhadas como o elo mais
fraco. É uma forma de violência que
está naturalizada por questões de gé-
nero, poder e controlo”, explica. De-
pois, ainda há a vergonha. “As pessoas
acham que só acontece aos outros.
É dos fenómenos mais transversais:
apresentaram queixa junto de enti-
dades judiciais e judiciárias (50,1%).
Ainda assim, a tendência é de um
afeta todas as classes sociais, tipos de
famílias, etnias e religiões.”
pequeno aumento das denúncias,
sobretudo à Polícia de Segurança
Pública (PSP) e à Guarda Nacional
Pequeno aumento de queixas Republicana (GNR).
Os dados disponibilizados por estas
Pouco mais de metade das vítimas duas forças de segurança, apresenta-
que foram acompanhadas pela APAV dos pela Comissão para a Cidadania
e a Igualdade de Género (CIG), mos-
tram que as ocorrências registadas
CRIMES DE VIOLÊNCIA
ultrapassam as 30 mil desde 2021. No
DOMÉSTICA ENTRE 2021 E 2023
entanto, isso não significa formaliza-
ção de queixa. “O aumento também
Ameaça/coação se explica pela maior sensibilização
7024 para o assunto, que dá ferramentas
Maus-tratos físicos às pessoas para o denunciarem”, nota
5935 Cotrim, defendendo a necessidade
Injúria/difamação de reforço da prevenção e a especia-
5847 lização de profissionais como magis-
Perseguição
trados, técnicos da Segurança Social
1526 e Saúde para a vulnerabilidade e es-
Natureza sexual pecificidades da violência doméstica.
295 A APAV recusa a correlação entre o
Maus-tratos psíquicos aumento do tempo das penas para os
278 agressores e a diminuição da prática
do crime. “Ainda antes disso temos
de criar um sistema que acredite
NÚMERO DE VÍTIMAS
nas vítimas.” Quando há uma quei-
APOIADAS
xa apresentada, a reação “demora”.
Ainda “mais lento” é o processo ju-
dicial. “Enquanto tivermos taxas de
12.000 condenação muito baixas e taxas
11.400 de arquivamento muito altas, pas-
11.000 samos a mensagem de impunidade
ao agressor”, defende o psicólogo,
10.000 recordando que “o número de conde-
9275 nações é tão baixo” que não permite
9000 tirar conclusões sobre os efeitos da
pena de prisão. “É mais importante
8000 que a Justiça seja eficaz, mostre cla-
2021 2022 2023 ramente que não tolera a violência
doméstica e que não compactue com
estas situações.”
APÓS O APOIO DA APAV AS A violência doméstica é um crime
VÍTIMAS DENUNCIARAM? público que pode ser denunciado por
qualquer pessoa, punível com uma
Sim pena que pode variar entre um e dez
8000 anos de prisão, consoante a gravi-
Não
Não se sabe dade do contexto em que o crime
6000 acontece. Segundo a Direção-Geral
de Reinserção e Serviços Prisionais,
4000 no ano passado estavam nas prisões
portuguesas 5233 pessoas condena-
2000 das por este crime. Tinham também
sido aplicadas medidas de coação
0 a 4670 arguidos em processos que
2021 2022 2023 ainda se encontravam em curso.
FONTE: APAV mpgoncalves@expresso.impresa.pt
Crianças e jovens
são 16% dos casos
A CPCJ regista um
aumento das crianças
retiradas aos pais
devido a situações de
violência doméstica
É dentro de quatro paredes,
na privacidade do lar e “onde
ninguém pode meter a colher”,
que os episódios de violência
mais se repetem (62,6%) — em
família e em casa. O cenário
mais comum entre os casos
acompanhados pela Associ-
ação Portuguesa de Apoio à
Vítima (APAV) é aquele em
que o agressor é casado com a
vítima (6461). Se contarmos as
situações de união de facto, ex-
-maridos, ex-companheiros e
ex-namorados, o número che-
ga aos 16.908 (mais de meta-
de). A maior parte das vítimas
e dos agressores tem entre 36
e 45 anos.
“A violência doméstica tem
uma característica especial:
acontece em dinâmica de ca-
sal e quem está dentro não se
apercebe”, sublinha o respon-
sável da APAV por esta área,
acrescentando que os primei-
ros sinais de que há uma re-
lação abusiva são detetados
por terceiros. “Muitas vezes
o controlar do telemóvel nem
é considerado como forma de
violência.”
A presença de filhos nestes
contextos faz com que sejam
também considerados vítimas.
Os menores representam 15,9%
das pessoas apoiadas pela asso-
ciação (quase cinco mil crian-
ças e jovens), e isto não significa
que tenham sido agredidas ou
insultadas diretamente, mas
podem ter presenciado a vio-
lência. “Muitas mulheres che-
gam até nós e garantem que
os filhos não viram nada, mas
quando no dia seguinte veem as
Expresso, 8 de março de 2024
mães percebem o que aconte-
ceu, ouvem as coisas… também
são vítimas. Portugal deixou
cair — e bem — o conceito de
vítima indireta”, diz Daniel Co-
trim. E continua: “Destes, esti-
mamos que cerca de 20% foram
agredidos, seja de que forma
for. Não são necessariamente
situações de perigo, mas podem
ser casos de risco.”
Mais crianças retiradas
De acordo com o último “Re-
latório CASA (Caracterização
Anual da Situação de Acolhi-
mento das Crianças e Jovens)”,
em 2022 foram retirados aos
pais e deram entrada no siste-
ma de acolhimento 229 meno-
res por maus-tratos psicológi-
cos provocados por exposição
a violência doméstica. Repre-
sentam 10% de todas as novas
entradas. Nesse ano, havia 720
crianças institucionalizadas
pelo mesmo motivo, mais 30%
quando comparado com 2016
— o primeiro ano em que esta
causa é contabilizada.
Também o mais recente re-
latório anual de avaliação da
atividade das Comissões de
Proteção de Crianças e Jovens
(CPCJ) mede o impacto da
violência doméstica sobre os
menores: é a situação de pe-
rigo mais comunicada e está a
crescer há pelo menos quatro
anos. Em 2022 houve 16.478
casos reportados, mais do que
as denúncias de negligência ou
maus-tratos físicos e psicológi-
cos. Entre os casos mais graves
reportados de todas as catego-
rias e que levaram à aplicação
de uma medida de promoção
e proteção pelas CPCJ 13.444
(27,4%) envolviam exposição
da criança a violência domés-
tica. M.G. e R.M.
Expresso, 8 de março de 2024
Um homicídio a cada dez dias
Em 2024 já morreram
pelo menos seis mulheres
em contexto de relações
de intimidade. Duas vítimas
tinham apresentado queixa
Desde o início do ano, pelo menos seis
mulheres foram mortas em contexto
de violência doméstica, cinco pelos
atuais maridos, na casa de família,
e uma pelo ex-companheiro. É um
homicídio a cada dez dias. Kátia, a pri-
meira vítima de 2023, era a mais nova,
com 40 anos. Isabel Afonso, de 79, a
mais velha. Duas acumulavam quei-
xas na Justiça contra os agressores.
Pistolas, espingardas e armas brancas
foram as armas utilizadas.
Dois dos crimes ocorreram no distrito
de Viseu e os restantes em Bragança,
Coimbra, Santarém e Lisboa. Três ho-
micidas suicidaram-se, um tentou mas
sobreviveu — está internado — e os ou-
tros dois estão em prisão preventiva.
Em 2023 foram contabilizadas 22
mortes em que a vítima tinha uma li-
gação de intimidade com o agressor.
De acordo com a Procuradoria-Geral
da República, as vítimas foram 17 mu-
lheres, duas crianças e três homens.
Tinham uma média de idades de 54
anos e viviam, na sua maioria, com o
agressor (maioritariamente homens,
portugueses, com uma média de idades
de 50 anos). 14 crianças e jovens esta-
vam presentes no local do crime. Oito
dos homicidas suicidaram-se.
Os casos de 2024
Kátia Azevedo, 40 anos. Morta a 17 de
janeiro em casa pelo companheiro, Bru-
no Dias, de 33 anos, com quatro golpes
de arma branca no pescoço e costas,
enquanto dormia, em Paião, Figueira
da Foz. Viviam juntos há alguns anos. O
Fotógrafo: Estúdio Horácio Novais.
homicida fugiu após o crime mas entre-
gou-se horas depois às autoridades. Na
casa estava também a filha da vítima, de
12 anos, que foi apoiada pelos psicólogos
do INEM. Kátia trabalhava num lar de
idosos, o agressor estava desemprega-
do. Ficou em prisão preventiva.
Isabel Afonso, 79 anos. Não faltavam
queixas por violência doméstica contra
José Pereira, em França, onde esteve
emigrado vários anos, e também em
Portugal, a última com quatro meses,
todas apresentadas pelas filhas e a mais
recente pela mulher. Foi no âmbito des-
te inquérito que a GNR lhe apreendeu
três armas de fogo, uma outra de ar
comprimido e 49 munições, mas não
conseguiu impedir que o agressor, após
mais uma discussão familiar, matasse a
mulher no dia 3 de fevereiro, com um
tiro de pistola, e ferisse gravemente uma
das filhas que estava de visita, em Agro-
chão, Vinhais (Trás-os-Montes). Silvy,
de 49 anos, está internada no hospital, o
homicida suicidou-se a seguir ao crime.
Hermínia Costa, 72 anos. Baleada na
nuca pelo marido, Manuel Dias, de 64,
em Mazes, Lamego, no dia 10 de feve-
reiro. A vítima foi encontrada pela filha
do casal, na cama, já sem vida. Ao lado
estava o homicida, gravemente ferido,
NÚMERO
22
homicídios em contexto de violência
doméstica ocorreram em 2023:
17 mulheres, 2 crianças e 3 homens
PRIMEIRO CADERNO 23
depois de se ter tentado suicidar com a
mesma arma, com um tiro na cabeça.
Está internado em estado grave no Hos-
pital de Santo António, no Porto.
Fernanda, 55 anos. O crime ocorreu
a 11 de fevereiro dentro de um carro
estacionado numa área descampada,
junto à Avenida de Ceuta, em Lisboa. A
vítima foi esfaqueada por Paulo Lopes,
o ex-companheiro, da mesma idade,
de quem estava separada há cerca de
12 anos. Foi ele quem ligou para o 112
a pedir ajuda, mas já não foi a tempo.
Detido após o crime pela PSP, está em
prisão preventiva.
Carmina Silva, 63 anos. Morta com
um tiro de caçadeira por Joaquim Go-
mes, de 60, com quem estava casada
há quase 40 anos, em Pedrógão, Torres
Novas, no dia 13 de fevereiro. O homici-
da suicidou-se a seguir ao crime. O casal
geria o café da Sociedade Filarmónica
União Pedroguense e foi o facto de o
estabelecimento comercial permanecer
de portas fechadas, para lá da hora da
abertura, que lançou a suspeita de que
algo anormal se passava. Os corpos fo-
ram encontrados pelo genro: Carmina
dentro do polibã e Joaquim à porta da
casa de banho.
Alzira Madureira, 77 anos. A vítima já
tinha apresentado queixas por violência
doméstica contra o marido, Crispim
Mota, de 80, com quem vivia na aldeia
de Espinho, Mortágua. Uma discussão,
alegadamente por o agressor ter uma
amante, acabou no homicídio de Alzira
a 5 de março, com um tiro de caçadeira,
e no suicídio de Crispim. Foram encon-
trados ambos sem vida na casa onde
moravam.
Raquel Moleiro
rmoleiro@expresso.impresa.pt
24 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 8 de março de 2024

AMBIENTE
O FUTURO
DO FUTURO
Basta a palavra dada para Uma casa
hotéis terem selo Save Water no regolito
Só no final do ano será atestado o cumprimento das regras de poupança de água Um investigador
da Universidade do Porto
foi estudar a radiação
Carla Tomás em Marte e concluiu que
no planeta vizinho a
Com o Algarve a viver a pior seca Humanidade também poderá
de sempre, o Governo avançou ter de regressar às cavernas
com uma série de medidas para
tentar enfrentar o problema e À falta de humanos em Marte, Mi-
chegar a 2025 com água nas tor- guel Ralha teve de enveredar por
neiras algarvias. E para incenti- um fantoma de voxel na Faculda-
var o sector do turismo (hotéis e de de Ciências da Universidade
alojamento local) a reduzir consu- do Porto (FCUP). E, no final, a
mos, contribuindo para o corte de simulação computacional de te-
15% definido para o sector urba- cidos e órgãos do corpo humano
no, definiu a criação de um “selo não só ajudou a concluir a tese
de eficiência hídrica aplicável aos de mestrado como pode servir
empreendimentos turísticos, que de aviso a candidatos a colonos
ateste a efetiva redução do consu- do planeta vizinho. “Uma pessoa
mo de água e o compromisso das que ande na superfície de Marte é
empresas com a implementação exposta a uma radiação anual de
de medidas que contribuam para 125 mili-sieverts (mSv)”, refere.
a poupança e gestão sustentável Na Terra, a média de radiação
FOTO PATRÍCIA DE MELO MOREIRA/GETTY IMAGES

da água”, numa resolução de con- anual por pessoa ronda 6 mSv

selho de ministros aprovada a 8 de — exceto para profissionais de
fevereiro. radiologia, que têm de suspen-
Porém, o selo — que terá o nome der deveres profissionais quando
Save Water e será semelhante ao superam os 20 mSv anuais. Os
Safe&Clean do tempo da pande- números também ajudam a con-
mia de covid — não vai atestar re- firmar que, na ficção científica, é
sultados, já que é apenas “um selo tudo mais fácil: “Vemos alguém
de compromisso”. A sua atribuição a explorar um planeta com fato
pelo Turismo de Portugal baseia- de astronauta, mas se calhar as
-se no “compromisso voluntário” coisas não são assim. Se esses
assumido pelos estabelecimentos astronautas passarem períodos
turísticos de que vão pôr em prá- alargados numa casa como as
tica, até ao final do ano, 30 das nossas, possivelmente, morrem
60 medidas de eficiência hídrica de cancro”, prevê Pedro Teles,
definidas, indicam ao Expresso Compatibilizar o crescimento do turismo com a redução do consumo de água vai ser um desafio professor da FCUP.
fontes oficiais do Ministério da Seria plausível que as maiores
Economia, da Região de Turismo sa do Ambiente, acrescentando que para os autoclismos ou para rega. redução de água consumida pelo agências espaciais já se tivessem
do Algarve e da Agência para a “não foi com esse objetivo que o O presidente da Associação dos sector em janeiro e fevereiro, uma debruçado sobre o tema, mas Pe-
Energia (Adene). selo foi criado” e defendendo que Hotéis e Empreendimentos Turís- vez que “não é possível desagregar dro Teles reivindica o pioneiris-
Isto significa que só no final do os resultados do desempenho “têm ticos do Algarve não sabe quantos o consumo de água desta atividade mo: “É um estudo inédito porque
ano, quando for concluída a au- de ser públicos”. Já o Ministério da hotéis vão aderir ao Save Water, dos consumos do sector urbano os trabalhos feitos até agora foca-
ditoria a cargo da Adene — com Economia apenas responde que “se mas tem a “expectativa de que se- (que incluem o consumo domésti- ram-se só nos efeitos da radiação
base nos dados que os estabeleci- pretende que esta iniciativa contri- jam muitos” e diz ter “confiança co e não doméstico)”, indica o pre- sobre objetos.”
mentos aderentes vierem a intro- bua diretamente para a redução de nas palavras de compromisso”. sidente da Região de Turismo do Na Terra, as partículas veicula-
duzir na plataforma que ainda está 15% do consumo de água do sector Segundo Hélder Martins, “na base Algarve, André Gomes. Dados da das pela radiação são afastadas
a ser criada — é que se saberá se urbano, conforme indica a resolu- do compromisso têm de cumprir Agência Portuguesa do Ambiente pelo campo magnético ou barra-
cumprem ou não aquilo a que se ção de conselho de ministros”. com 10 das 60 medidas, à partida, indicam que o consumo urbano de das pela atmosfera. Em Marte, o
comprometeram. Se não cumpri- O Expresso apurou que chegou como a substituição de torneiras água baixou 0,5% em fevereiro (ti- cenário é mais ameaçador: não há
rem, “perdem o selo”, garantem ao a estar em cima da mesa uma pro- e a redução de caudais”. Depois, nha subido 4,6% em janeiro), por campo magnético, e a atmosfera
Expresso fontes oficiais do gabine- posta da Adene que previa que o acrescenta, “há um interregno de comparação ao mesmo período de corresponde apenas a 1% da da
te do Ministro da Economia e da selo fosse atribuído gradualmen- novas medidas durante a época 2023 e que caiu 69% na agricultu- Terra. “A radiação pode afetar
Região de Turismo do Algarve. Já te em forma de uma gota que ia alta, porque não se consegue an- ra e no golfe porque não se rega estruturas de base e matar cé-
a Adene indica que retira “da lista enchendo ao longo do ano, con- tes do verão fazer obras que im- nestes meses, exceto em estufas, lulas. Ou então gera mutações
de aderentes os estabelecimentos soante os compromissos fossem pliquem mudança de relvados ou onde houve a quebra. que podem originar cancros”,
incumpridores, até que regulari- sendo atestados, mas a ideia aca- utilização de águas cinzentas”. Quanto a como pensam compa- responde Miguel Ralha. “E não
zem a situação”. bou chumbada pelo Turismo de Para já ainda não há dados sobre tibilizar o crescimento previsto afeta apenas humanos, também
Portugal. quantas unidades hoteleiras se vão para o turismo algarvio em 2024, afeta outros animais, vegetais e
Risco de greenwashing Entre as medidas imediatas candidatar ao selo, nem sobre a com uma redução dos consumos micro-organismos.”
equacionadas na lista das 60 (e de água de 15% (na Bolsa de Tu- O estudo incidiu no período de
Se receberem o selo em abril ou já aplicadas por alguns hotéis) es- rismo de Lisboa foi anunciado um novembro de 2015 a janeiro de
maio, os estabelecimentos hotelei- tão a substituição de torneiras ou crescimento de cerca de 2% só em 2016, que registou uma ativida-
ros podem ostentá-lo até ao final do chuveiros por outros mais eficien- Se não cumprirem, janeiro), André Gomes diz que o de solar que se considera ser das
ano, mesmo que nada façam para tes e com redutor de caudal, ou a “perdem o selo”, farão “através de um contributo mais propícias para ir a Marte.
reduzir os consumos de água, o que reutilização de águas pluviais para garantem ao Expresso responsável por parte do sector, Com a ajuda dos dados do périplo
pode fazer com que o Save Water rega. Nas medidas estruturais en- incluindo a aplicação do selo, até marciano do veículo “Curiosity”
sirva para “lavar” comportamentos tram alterações de infraestruturas
fontes oficiais do à realização de campanhas de sen- e simulações desenvolvidas pela
(greenwashing). “Esse risco existe”, que permitam reutilizar as “águas sector do Turismo sibilização dirigidas a residentes, indústria espacial, os investiga-
admite fonte da Agência Portugue- cinzentas” de duches ou lavatórios empresas e turistas”. dores não só apuraram os efeitos
da radiação nos humanos como
ficaram em condições de propor
proteções. “Para ter uma base per-

Queixa-crime ria de pagar uma “sanção pecuniá-

ria compulsória de €20 mil por
cada mês de infração” a partir de
cumprimento das determinações
legais e judiciais que lhes são apli-
cáveis”. E diz ter instalado três
manente com radiação similar à
da Terra são necessárias paredes
de regolito marciano com sete

contra o Estado por janeiro de 2024.

“Temos uma situação em que
o Estado português (Parpública)
câmaras de ruído em janeiro, mas
que por ser um “sistema dinâmico
será desenvolvido e aperfeiçoado
metros de espessura, ou então pa-
redes de água com 11 metros de
espessura”, informa Miguel Ralha.

“desobediência” à justiça desrespeita uma decisão do tri-

Moradores afetados pelo o advogado Ricardo Sá Fernandes.
ruído das provas privadas Em causa está o alegado in-
no Autódromo do Estoril cumprimento de uma decisão do
querem ver cumpridas Tribunal Cível de Cascais, emiti-
a lei e as ordens do tribunal da a 8 de setembro de 2023, que
determinou que os gestores do
A Associação Baixo Ruído avançou Autódromo tinham que cumprir
com uma queixa-crime contra o “o critério de incomodidade” de-
Circuito do Estoril, a Parpública finido no Regulamento Geral do
(empresa do Estado que gere o Au- Ruído nos eventos privados ali
tódromo do Estoril) e os respetivos realizados, instalar três câmaras
administradores “por desobediên- de ruído em pontos especialmente
cia” à justiça. A ação deu entrada sensíveis dos circuitos e divulgar
na terça-feira no Departamento de essa avaliação online até ao final
Investigação e Ação Penal (DIAP) de 2023. Se não cumprissem, a
de Cascais, informou ao Expresso Parpública/Circuito do Estoril te-
bunal”, lamenta a dirigente da
Associação Baixo Ruído, Leonor
Machado, argumentando que “não
tiveram outro remédio senão avan-
çar primeiro com a providência
cautelar e agora com a queixa-
-crime, porque continuámos a ser
ignorados e o tribunal tinha dado
quatro meses para se adaptarem
e continuam a usar o espaço para
provas comerciais sem regras”. A
também moradora na área afetada
pelo ruído do autódromo diz que
“a associação não pretende que o
circuito feche. Apenas que cumpra
a lei e a decisão de um tribunal”.
A Parpública/Circuito do Estoril
diz ao Expresso “não ter conheci-
mento de qualquer queixa” e que
“pautam a sua atuação pelo estrito
ao longo do tempo”.
“Obviamente que esse equipa-
mento tinha de estar em condi-
ções de funcionar a partir de 1 de
janeiro de 2024”, argumentam os
queixosos. Lembram que a moni-
torização do ruído determinada
pela decisão judicial continua a
não estar disponível online, in-
dicam ter medições certificadas
que mostram a ultrapassagem dos
limites de decibéis e acusam os
gestores do autódromo de terem
realizado nove eventos privados,
não organizados por federações
desportivas entre 10 de janeiro
e 4 de fevereiro, contrariando o
excecionado pelo tribunal.
“É um inferno para quem aqui
vive e não consegue descansar”,
lamenta Leonor Machado. C.T.
Tendo em conta o custo do
transporte espacial, cavernas,
crateras, tubos de lava ou subter-
râneos nos gelos polares afigu-
ram-se como únicos refúgios com
radiação reduzida que o planeta
vizinho disponibiliza às primeiras
visitas. Não serão férias na praia,
mas Pedro Teles acredita que o
tema vai gerar curiosidade no
sector. Nos próximos tempos, se-
gue-se um artigo científico, e uma
candidatura ao financiamento da
Fundação para a Ciência e Tec-
nologia. Há um futuro radiante à
espera da construção civil.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
 Expresso, 8 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 25

PROJETOS EXPRESSO CIBERSEGURANÇA

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Desafio Poder da IA acelera deteção e mitigação de ciberataques e equilibra forças num jogo de ‘gato e rato’
cada vez mais sofisticado. Risco de ransomware as-a-service acentua-se numa sociedade com pouca literacia digital

Inteligência artificial deve

estar “do lado bom da força”
Uma opinião partilhada por José da Saúde (SPMS), reitera o alerta: “É
Fátima Ferrão FRASES DA CONFERÊNCIA

C
Miguel Pereira, que acrescenta a di- urgente capacitar as pessoas e mudar
ficuldade na capacitação das equipas comportamentos.” Na entidade que
om o crescimento técnicas para acompanhar a mudança coordena, a gestão dos dados de saúde
da transformação di- acelerada na tecnologia. O diretor de é crítica, uma vez que se trata de um
gital nas empresas e operações de TI, cloud & segurança da sector altamente interconectado e
na sociedade, a preo- Noesis lembra o poder de aceleração cuja segurança pode afetar a vida do
cupação com a ci- OS DESAFIOS DA da inteligência artificial na deteção e doente.
bersegurança é ine- CIBERSEGURANÇA mitigação das ameaças, mas também Adicionalmente, desafios como o
vitável e necessária. Acompanhar a evolução a velocidade que impõe ao desenvolvi- sistema geopolítico, os recentes ata- “Políticas zero trust
Veja-se a frequência da cibersegurança e mento de soluções maliciosas. “Temos ques a cadeias de abastecimento, a são fundamentais.
com que surgem no- compreender os desafios que que garantir que colocamos a IA do engenharia social (que aprimora a
vos esquemas fraudulentos, perpe- empresas e organizações, lado bom da força”, graceja. sofisticação do cibercrime) ou a entra-
Garantem segurança”
trados por via digital, cujos objetivos públicas e privadas, enfrentam da no mercado de tecnologias emer- Kevin Schwarz
passam pela extorsão de dinheiro ou a curto, médio e longo gentes, como a inteligência artificial, Head of Field da Zscaler
Pessoas são
pelo roubo de dados e de credenciais. prazo para manter seguros principal desafio exigem pessoas informadas e a adoção
Uma das mais conhecidas frau- os sistemas e os dados foi de medidas de segurança proativas.
des atuais, através da aplicação o objetivo da conferência Se a segurança é a chave da trans- Atualmente, acredita Carlos Moura,
WhatsApp, consiste no envio de men- “Desafios da Cibersegurança”, formação digital, o conhecimento e “nem todas as soluções no merca-
sagens que chegam, aparentemente, uma iniciativa da Noesis a que a mudança de comportamentos das do satisfazem todas as necessidades
de um filho em apuros. ‘Olá, pai’ ou o Expresso se associou como pessoas representam o ponto de par- de segurança”. Isto significa, explica
‘olá, mãe’ é o início de uma aborda- media partner. tida para reduzir as fraudes digitais. o chief information officer (CIO) do
gem que, para as 4286 vítimas em Questionados sobre os desafios da Banco de Portugal, que o tempo entre “Cibersegurança é uma
Portugal, começou por despertar a na- cibersegurança a curto e médio pra- corrigir estas falhas e a mitigação das espécie de cruzada”
tural preocupação parental e acabou zo, os participantes são unânimes na ameaças “é muito”. João Dias
com centenas ou milhares de euros a ideia de que sem a partilha de conhe- Até lá, políticas zero trust, que re- Presidente do Conselho Diretivo na Agência para
menos na conta bancária. cimento e a pedagogia da sociedade forçam a verificação da segurança dos a Modernização Administrativa (AMA)
Apesar de não ser um esquema es- será complicado ultrapassar outras acessos, ou a definição de estratégias
pecialmente sofisticado, em 2023, se- dificuldades inerentes à preservação baseadas em ‘security by design’, que
gundo dados da PSP, esta burla atingiu de sistemas e de dados. reforçam a cultura de segurança nas
13 pessoas por dia e, não obstante os “O desafio é maior quando a sofisti- organizações e que limitam os pontos
avisos das autoridades, muitos conti- cação do cibercrime aumenta”, alerta de entrada, são essenciais.
nuam a cair nas garras dos criminosos. João Dias. O presidente do Conselho Com estas ferramentas — trazi-
Agora imagine que, em vez de uma Diretivo da Agência para a Moderni- das à conferência pelos dois keynote
mensagem escrita, recebia um áudio, zação Administrativa (AMA) defende speakers Kevin Schwarz, da Zscaler, e “Exfiltração de dados
também via WhatsApp, com a voz de que é necessário reforçar a aposta em Yves Wattel da Delinea —, a automa-
alguém que lhe é familiar? Impossível? campanhas de aumento de consciên- ção na prevenção, deteção, mitigação é agora a prioridade
Nem por isso. “A inteligência ar- cia nas populações. e recuperação em caso de ameaça dos ataques
tificial (IA) fará evoluir as fraudes Jéssica Domingues, coordenadora contribuirão para a confiança que se de ransomware”
digitais”, aponta Gonçalo Lopes. O da Unidade de Cibersegurança dos exige ao mundo digital.
Yves Wattel
country manager da VISA Portugal, Sistemas Partilhados do Ministério sociedade@expresso.impresa.pt
Vice-presidente da Delinea para o Sul da Europa
que marcou esta semana presença na
conferência “Desafios da Cibersegu-
rança”, revela uma tendência preocu-
pante: “O ransomware e o deep fake
as-a-service materializam a utilização CUSTOS E REDUÇÕES DAS FRAUDES DIGITAIS
da IA para o mal.”

200 500 3º
Exemplos como este invertem per-
manentemente a tradicional corrida “Gerir infraestruturas
de ‘gato e rato’, entre especialistas em
cibersegurança e cibercriminosos. “A críticas comporta
evolução da tecnologia e a sofistica- desafios legislativos
ção são tão rápidas que é difícil saber e regulatórios na
quem ataca e quem persegue”, reforça é o número de dias que parâmetros analisados lugar ocupado por Portugal
1 0 0 1 1 1 1 0 cibersegurança” 0 1 1 1 1 1 1
1 1 Rosas, chief technology officer
1 0 0 0Teresa muitas organizações levam em cada transação
1 0 digital no ranking de países com 0 0 1 1 0 0 1
1 1 1 0(CTO)
1 1 da seguradora Fidelidade. a identificar incidentes. na rede VISA, através
1 1 de IA. maior número de ciberataques Carlos Moura 1 0 1 1 0 0 1
1 1 1 1 1 1 Em 2025, custos globais com 1 1
Tecnologia permitiu na Europa, atrás do Reino CIO do Banco de Portugal 1 1 1 1 1 1 1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1 0
0 1 1 1 1 0 cibercrime serão de €7,3 mil milhões reduzir as fraudes
0 1 em 50% Unido e da Alemanha 1 1 1 0 0 1 1
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1 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 1 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0 1 0 1 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 1 0 0 1 1 1 0 1 1 1 1 0 1 1 1 1 0 1 1 1 1 0 0 1 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 1 1 1 1 0 1 0 1 0
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26 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL UGANDA
Refugiados Fogem da guerra e encontram abrigo num centro sobrelotado e de difícil acesso
“Ah, há futuro!” Reconstruir
a vida no caos e sem recursos
Hélder Gomes
B
no Uganda
ahati Rehema tinha
12 anos quando chegou
ao Uganda com a mãe.
Fugiram da violência
na província do Kivu
Norte, na República
Democrática do Congo
(RDC). Bahati passou a
viver no assentamento
de refugiados de Nakivale, o mais an-
tigo de África, frequentemente citado
como exemplo da chamada política
progressista de acolhimento do Ugan-
da, mas que enfrenta sérios problemas
pela redução de fundos dos doadores.
Os refugiados podem circular dentro
e fora do campo, é-lhes dado um peda-
ço de terra para cultivar e assistência
na construção de uma casa — algumas
não passam de barracas — e são incen-
tivados a criar uma fonte de rendimen-
to, como pequenos negócios que vão
de vendas de rua ou minimercados a
ateliês de costura ou salões de beleza.
Após mais um dia de aulas na Se-
cundária de Nakivale, em 2021, Bahati
foi até Campala, a capital ugandesa,
fazer trabalhos domésticos em troca
de dinheiro para se alimentar e pagar
as despesas escolares. Uma assistente
escolar perdeu-lhe o rasto e só meses
depois percebeu o que se passara.
Bahati foi violada numa das casas
onde trabalhava, aos 19 anos, e engravi-
dou. “Esconderam-me e não me deixa-
ram sair à rua até dar à luz”, conta, so-
bre os violadores, em inglês escorreito,
com 21 anos e um filho de ano e meio.
Entre lágrimas, prossegue: “Depois da
cesariana, pensei que me ajudassem,
mas não tive ninguém. Largaram-me
no hospital.” Foi através do hospital
que contactou a escola e acabou por
voltar a Nakivale.
E a mãe? “Estou sozinha com o bebé.
Ela disse que já não podia cuidar de
nós, porque somos sete irmãos. Estive
a recuperar da operação e, por fim, vol-
tei à escola”, diz. Reconhece-se numa
situação “muito difícil”, mas “não há
outra opção”, porque quer continuar
a estudar. Tem o “sonho” de ser “al-
guém na vida”: advogada. “Acontecem
muitas coisas no campo. Sinto que há
pessoas a precisar de atenção e cuidado
especiais, sobretudo as mulheres. Se ti-
ver essa oportunidade, posso ajudá-las.
Não quero que passem pelo que passei.
Algumas são muito novas.”
Enquanto está na escola, confia o
bebé a uma vizinha. “Em casa, fico
ansiosa, a pensar no que devo fazer
amanhã, mas, na sala de aula, penso
‘Ah, há futuro!’”, distingue. “Se não me
tornar advogada, talvez o meu filho ve-
nha a sê-lo.” Faz por ignorar os colegas
que troçam dela por ser mãe tão nova e
tem uma certeza: não quer voltar para
a RDC. “Não conseguia dormir nem ia
à escola por causa da guerra. Talvez
continue no Uganda ou vá para um país
pacífico, para o Congo é que não. Ainda
era nova, mas lembro-me de coisas. As
pessoas estavam sempre a fugir e às
vezes não comiam. Era terrível!”
Via imprópria para emergências
A situação na RDC voltou a compli-
car-se. Após oito anos de atividade
adormecida, o grupo M23, maiorita-
riamente da etnia tutsi e com alegado
apoio do Exército ruandês, voltou a
pegar em armas no final de 2021 e
tem tomado vastas áreas do país. No
início de fevereiro, os rebeldes corta-
ram todas as vias de acesso terrestre
a Goma, capital da província do Kivu
Norte, à exceção da fronteira com o
Ruanda. As Nações Unidas estimam
em cerca de 7 milhões o número de
DEBORA KARAHO, DE 71
ANOS, PERDEU DOIS DOS
SEIS FILHOS E NÃO SABE
DOS RESTANTES. “JÁ
NÃO TENHO FORÇAS.
ESTOU VELHA”, ADMITE
SUDÃO DO SUL
QUÉNIA
UGANDA
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA
DO CONGO
Campala
Kivu
Norte
Mbarara
Nakivale
RUANDA TANZÂNIA
deslocados na RDC (2,5 milhões dos
quais só naquela província).
Terça-feira chegaram ao centro de
trânsito de Nakivale 175 famílias (403
pessoas) vindas da RDC em autocar-
ros do Alto-Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Neste centro, protegido com arame
farpado — à semelhança da sede do
ACNUR —, ficam um mínimo de cinco
dias e um máximo de duas semanas,
com direito a três refeições diárias.
Depois, são inseridos na comunidade,
onde terão de “reconstruir as suas
vidas”, nas palavras dos responsáveis
da agência da ONU.
Debora Karaho, de 71 anos, integra
este grupo de novos residentes de
Nakivale. Um dos seis filhos foi morto
a tiro, outro esfaqueado até à morte,
dos restantes quatro não sabe o pa-
radeiro, conta na sua língua nativa,
traduzida por um intérprete. “Já não
tenho forças. Estou velha.” Apesar
de “preocupada” por se ter separado
dos filhos na fuga da RDC, sente-se
“segura agora” e longe da “guerra de
todos os dias”.
A primeira a sair de um dos auto-
carros foi uma grávida. De semblan-
te carregado e exausta, precisou de
ajuda para descer as escadas. Dará
à luz em Nakivale ou no hospital de
Mbarara, caso a unidade hospitalar
do centro não dê resposta. Uma des-
locação de emergência será um pro-
blema, pois a estrada que atravessa o
centro é estreita, de terra e pedras,
altamente desnivelada e repleta de
Bahati Rehema foi
violada e engravidou
aos 19 anos. Quer ser
advogada para que
outras mulheres não
passem pelo mesmo
FOTO PETER BIRO/EU/ECHO
lombas e depressões. A circulação
faz-se com desvios constantes e gui-
nadas repentinas para não chocar
com crianças, cabras, vacas, cães ou
carros, motos, bicicletas e outros veí-
culos, não raro sobrelotados. Mesmo
numa emergência, circular a mais de
40 quilómetros/hora pode ser impra-
ticável sem que ocorra um acidente.
Ainda assim, nascem, em média, 400
bebés por semana em Nakivale.
Menos fundos, mais riscos
Ao longo dos últimos dias, o Expresso
ouviu relatos de situações irregula-
res, como a de refugiados que tentam
vender a recém-chegados porções
da terra que lhes foram concedidas,
e queixas de insegurança e falta de
assistência alimentar e medicamen-
tosa. “Quando os refugiados deparam
com obstáculos a um registo rápido,
haverá quem tente aproveitar-se da
situação”, confirma Bruno Rotival,
chefe de gabinete das Operações Eu-
ropeias de Proteção Civil e Ajuda Hu-
manitária. Assegura que o ACNUR e
o gabinete da primeira-ministra do
Uganda estão “plenamente cientes”
destas irregularidades — que “não
são exclusivas de determinada área,
antes sistémicas” — e têm aplicado
“sanções”. É necessário “trabalho
permanente” para sinalizar “pessoas
que tentam abusar da sua posição”.
Isso tem sido feito, garante, embora
alerte que “quanto menos financia-
mento, mais riscos” destas situações.
Confrontado com as queixas de or-
ganizações de ajuda humanitária de
que estão a fazer o trabalho do Go-
verno na assistência aos refugiados,
o comandante do assentamento de
Nakivale, Mark Mutaawe, contempo-
riza: há que “capacitar os refugiados
para que não dependam de esmolas
e mudar-lhes a forma de pensar”. E
atalha: “Têm muitos talentos. Trata-
-se de melhorar as suas capacidades
para fazerem face aos recursos limita-
dos de que disponham.”
hgomes@expresso.impresa.pt
O Expresso viajou a convite
da Comissão Europeia
Expresso, 8 de março de 2024
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
Portugal
no mundo
T
emos um problema de perce-
ção da política internacional
em Portugal. O papel da cam-
panha eleitoral em curso não
tem sido esclarecer como se resolvem
os mais importantes problemas do
país, mas conquistar votos para deter
poder. Quanto ao mundo, pensamos
que não mudou de forma significativa
ou que, como somos mais ou menos
irrelevantes a nível internacional, não
vale a pena preocuparmo-nos muito
com o tema.
Aquilo a que chamamos “política ex-
terna” resume-se, na prática, à guerra
da Rússia contra a Ucrânia e à Faixa
de Gaza. Todavia, Portugal e os outros
países europeus têm de tomar rapida-
mente decisões sobre, pelo menos, três
problemas complexos.
O primeiro é Vladimir Putin. Os
seus objetivos políticos na Ucrânia
são bem conhecidos. A dúvida é saber
se ficarão limitados à tentativa de con-
trolar de Minsk a Kyiv ou se incluirão
também território de países da União
Europeia e da NATO. A eleição de
Donald Trump nos Estados Unidos e
bons resultados eleitorais dos partidos
da extrema-direita na Europa pode-
rão alterar a avaliação do risco e da
oportunidade de Putin. Se não formos
capazes de lhe fazer frente agora na
Ucrânia e reforçar a dissuasão conven-
cional nos próximos anos, é duvidoso
que a União Europeia sobreviva como
projeto de integração política e social.
Esta dissuasão assentará no poder
terrestre e aéreo.
O segundo problema é a China. Xi
Jinping entende que a guerra na Ucrâ-
nia contribuirá para o enfraquecimen-
to do Velho Continente e dificultará a
tomada de medidas sobre a segurança
económica da União Europeia. A Co-
missão Europeia e os países membros
querem diminuir os riscos da sua vul-
nerabilidade à coerção económica chi-
nesa. Uma forma de o conseguir seria
aceitar transferir mais soberania para
Bruxelas nesta área. As resistências
nacionais, todavia, são significativas.
Acresce que muitos países europeus
— Portugal é um deles — não têm capa-
cidade para fazer uma boa avaliação de
risco das suas vulnerabilidades e das
medidas que devem tomar.
O terceiro problema são os Estados
Unidos. Não sei quem ganhará as elei-
ções presidenciais em novembro. Uma
coisa é certa: a política internacional
será tema central na campanha eleito-
ral americana. O ponto essencial é que
os Estados Unidos estão determinados
a manter a sua posição de liderança
internacional, olham agora para a glo-
balização como o principal adversário
da sua classe média e têm uma visão
mais pessimista do mundo. Como te-
mos visto com a Administração Biden,
a ciência, a tecnologia e a economia
mundial são consideradas essenciais
para a segurança nacional e a compe-
titividade dos Estados Unidos. A União
Europeia vai ter de se preparar para a
coerção económica de Washington.
Portugal tem à sua frente uma época
muito difícil a nível internacional. O
tempo é uma variável política irrever-
sível. Apesar do que tem sido afirmado
na campanha eleitoral, teremos mui-
to pouco tempo para tomar decisões
de forma informada a nível externo.
Como é evidente, os acontecimentos e
as decisões que tomarmos terão conse-
quências a nível doméstico. O próximo
primeiro-ministro, seja ele quem for,
está impreparado para o cargo que vai
assumir. Esperemos que tenha cons-
ciência deste facto.
A pedido de Miguel Monjardino,
o Expresso respeitou a grafia Kyiv
usada pelo autor neste texto e não
a forma Kiev que o jornal adotou
Expresso, 8 de março de 2024
ESTAD OS UNID OS
“Seita” imparável coroou Donald Trump
Resultados da Super Terça-feira consolidaram ex-Presidente como candidato único dos republicanos
Ricardo Lourenço
Correspondente nos EUA
Donald Trump começou a ce-
lebrar os resultados da Super
Terça-feira um dia antes, após
o Supremo Tribunal americano
o ter mantido no boletim de
voto das primárias do Colora-
do. Resultado da decisão, o es-
tado interior foi um dos 15 que
deixaram o favorito à nomea-
ção republicana mais perto de
uma maioria de 1215 delegados,
entre 2429 possíveis. Estes re-
presentantes locais do partido
nomearão, oficialmente, o seu
candidato presidencial numa
convenção, em julho. Prevê-se
novo duelo com o democrata
Joe Biden, chefe de Estado com
nomeação quase automática
(terça-feira repetiu uma taxa
de votação em redor dos 85%).
A decisão da máxima instân-
cia judicial, que conta com seis
magistrados conservadores e
três liberais, foi unânime. Em
causa esteve a recusa do argu-
mento de que a 14ª adenda à
Constituição permite que as
autoridades estaduais afastem
das urnas políticos que tenham
participado em alegados atos
de sedição. “Só o Congresso
americano, e não os estados,
pode desqualificar candidatos
presidenciais”, lê-se no parecer.
Campanha em tribunal
Trump mostrava-se extasiado.
Nas horas seguintes, enviou
mais de meia dúzia de e-mails
aos apoiantes, sobretudo para
pedir donativos. Num deles,
escreveu: “O vosso apoio tem
mantido este movimento pa-
triótico vivo. Nunca me rende-
rei! Juntos, regressaremos à
Casa Branca.”
Há dois meses, em entrevista
ao Expresso, Lawrence Dou-
glas, ex-conselheiro jurídico
de administrações republica-
nas e democratas, antecipara
este cenário, com um acres-
cento: “Após mantê-lo nos
boletins de voto, o Supremo
negará o seu pedido de imuni-
dade no processo sobre a inva-
são do Capitólio e confirmará
a validade da investigação da
procuradoria de Washing-
ton D.C. sobre o seu papel na
GUERRA ISRAEL-HAMAS
“Tem a certeza
de que deseja ver
este conteúdo?”
Relatório da ONU que
confirma violações pelo
Hamas e imagens de
crianças mortas de fome
em Gaza causam horror
Os dirigentes do Hamas fazem
conferências de imprensa a
partir das capitais do mundo
árabe onde se refugiaram, di-
zendo que um acordo de ces-
sar-fogo está nas mãos de Is-
rael. O Presidente dos Estados
Unidos, maior aliado de Israel
na guerra, diz que a bola está
do lado do Hamas. O impasse
não é politicamente insusten-
tável para nenhum dos campos
O ex-Presidente celebrou os resultados na sua residência de Mar-a-Lago, na Florida
tentativa de obstrução de um
procedimento oficial, isto é,
a certificação, a 6 de janeiro
de 2021, dos resultados das
presidenciais de 2020.”
Confirmando-se, mais uma
vez, os prognósticos de Dou-
glas, professor de Direito na
Universidade Amherst, Massa-
chusetts, Trump será obrigado
pelo Supremo a sentar-se no
banco dos réus no caso rela-
cionado com a invasão do Ca-
pitólio. A decisão é esperada
no início de julho e todos os
peritos legais ouvidos indicam
que as audiências começarão,
no máximo, dois meses depois.
Ou seja, a campanha eleitoral
“O vosso apoio
tem mantido
este movimento
patriótico vivo.
Nunca me renderei!”,
disse Trump
e quem realmente sofre são os
habitantes da Faixa de Gaza,
onde a fome já não é só ameaça
e corpos de crianças começam
a aparecer nas redes sociais
com um aviso por cima: “Tem
a certeza de que deseja ver este
conteúdo?”
O Hamas afirmou, terça-fei-
ra, que não poderá haver “troca
de prisioneiros” sem as armas
se calarem. “A segurança e a
proteção do nosso povo só se-
rão alcançadas com um ces-
sar-fogo permanente, o fim da
agressão, a retirada de Israel
de cada centímetro de Gaza. A
entrada de ajuda para o nosso
de Trump decorrerá a partir
do tribunal.
“Eu amo-o!”
O Massachusetts integrou a lis-
ta de estados que foram a votos.
Em plena Nova Inglaterra, a
região dos Estados Unidos mais
simpática às pretensões demo-
cratas, a população local orgu-
lha-se do espírito liberal enrai-
zado no nascimento da nação.
Distante das altas esferas da in-
telectualidade, representadas
por algumas universidades da
Ivy League, as noites eleitorais
no restaurante Chubs Barbe-
cue, na cidade de Attleboro,
tornaram-se célebres devido à
paixão do debate, cuja civilida-
de depende sempre da quanti-
dade de álcool consumido. A
forte tradição irlandesa surge
como obstáculo acrescido.
A cor é tal que alguns locais
se plantam à entrada do res-
taurante com horas de ante-
cedência para garantir lugar.
No interior, as televisões em
povo em Gaza é a nossa maior
prioridade”, disse o líder ter-
rorista Osama Hamdan numa
conferência de imprensa, em
Beirute, citado pela CNN. O
mês do Ramadão, o mais sagra-
do no calendário muçulmano,
começa a 10 de março, pelo que
há pressão para algum tipo de
paz antes dessa data. A possibi-
lidade de a revolta se espalhar à
Cisjordânia é real.
Israel trava ajuda
Quase 40% das missões de aju-
da coordenadas pelas Nações
Unidas foram recusadas ou im-
pedidas por Israel no mês pas-
sado, informou o Gabinete de
Coordenação dos Assuntos Hu-
manitários da ONU (OCHA):
86 das 222 missões (39%) em
zonas que precisavam de coor-
denação foram recusadas ou
impedidas por Israel.
Em Israel também há famí-
lias desesperadas pelos seus
reféns, perdidos nos túneis do
formato XXL, normalmente
sintonizadas nos jogos da NFL
ou da NBA, alternam a alta
competição desportiva com os
diretos dos canais de informa-
ção, que transformam em noite
de entretenimento as conta-
gens e análises aos avanços e
recuos dos candidatos.
Tom Lanier, autointitulado
“republicano de Reagan”, con-
centra-se no que ouve e mos-
tra-se desagradado repetidas
vezes. “Há um assunto que gos-
taria de ver mais discutido”,
afirma, enquanto esfrega os
olhos, expondo longas olheiras.
Mesmo a cerca de 4500 qui-
lómetros de distância da fron-
teira com o México, este ca-
mionista sexagenário não tem
dúvidas. “A imigração ilegal é
o problema chave deste país.
Segue-se o problema da infla-
ção. Há muitas famílias a sofrer
com o preço das coisas.” Trump
parece ouvi-lo. Mal Lanier ter-
mina a frase, o candidato ecoa
esse sentimento em entrevista
à Fox News, lembrando que
Hamas. Estarão mortos? Os
jiadistas dizem-se incapazes de
fornecer a lista de sequestrados
vivos que Israel exige, porque
a intensidade dos bombardea-
mentos não permite recolher
dados. Cinco meses após o ata-
que de 7 de outubro, uma equi-
pa de investigadores da ONU
anunciou, por fim, o que as víti-
mas desse dia já tinham denun-
ciado. Há “indícios suficientes
para concluir” que “violência
sexual, violação e violação em
grupo” foram armas de guerra
dos homens do Hamas.
Numa troca de mensagens
com o Expresso, um dos mais
conhecidos negociadores da
“O Hamas só será
derrotado quando
a ocupação acabar”,
diz o ativista israelita
Gershon Baskin
PRIMEIRO CADERNO 27
tos como a invasão do Capitólio
e o raide do FBI a Mar-a-Lago
para resgatar milhares de do-
cumentos ultrassecretos indevi-
damente retidos após a saída da
Casa Branca pouco lhe dizem.
Nem a gravação áudio do
próprio Trump a pedir aos go-
vernantes da Geórgia que lhe
arranjassem milhares de votos
de maneira a contrariar a der-
rota nas urnas a demove. “Eu
amo-o! Não quero saber do que
as pessoas dizem sobre ele. F...!
Eu amo-o!”
FOTO JABIN BOTSFORD/THE WASHINGTON POST/GETTY IMAGES
Lanier não aprecia o tom e
muda-se para um canto afas-
tado. “Sou republicano, mas
não gosto desta corrente de
pensamento”, diz. “Podemos
concordar sobre os problemas
do país e sobre o mau trabalho
de Biden, mas olhar para a po-
lítica desta maneira, como se o
Partido Republicano fosse uma
seita, não me agrada.”
Por isso mesmo, votou em
Nikki Haley, a única rival do
multimilionário nas primárias,
que, no Massachusetts, con-
quistou um dos seus melhores
resultados (35% contra 63% do
opositor).
Com apenas duas vitórias, no
pequeno Vermont e no distri-
to da capital, Washington, a
a fronteira permanece uma equipa da antiga embaixadora
“ferida aberta” e que Biden dos Estados Unidos nas Na-
continua incapaz de resolver a ções Unidas reagiu às 23h30
questão. “A conduta de Biden locais (4h30 em Portugal Con-
é, por definição, uma conspi- tinental), via comunicado de
ração para destruir os Estados imprensa. A mensagem focava
Unidos da América.” no seguinte: “Estado após es-
Sentada na mesa ao lado, tado há uma parte significati-
Tonda Brown aplaude. A an- va do eleitorado republicano a
tiga professora primária dis- expressar preocupações pro-
tinguia-se como a adepta mais fundas sobre a candidatura de
impetuosa. Elaborando sobre Donald Trump. Tal não espelha
o apoio incondicional, justifi- a unidade que o nosso partido
ca-o dada a “coragem de um precisa para ter êxito.”
homem que tem sido alvo de Na semana passada, Joel
todo o tipo de perseguições”. Aberbach, professor de Ciência
Questionamo-la sobre as vá- Política na Universidade da Ca-
rias investigações criminais de lifórnia, destacava ao Expresso
que o seu ídolo é alvo. Momen- “a questão principal” resultan-
te de uma eventual desistência
de Haley. “Irá respeitar a disci-
As televisões plina partidária ou continuará
a consolidar algo que poderá
alternam a alta converter-se num movimento
competição capaz de roubar votos a Trump
desportiva com os em novembro? Será bastante
significativo se Haley exortar
diretos da campanha os seus apoiantes a não vota-
das primárias rem em Trump.”
internacional@expresso.impresa.pt
libertação de reféns em Israel,
Gershon Baskin, enumerou
aspetos a assegurar antes de
derrotado quando a ocupação
terminar também na Cisjor-
dânia e existir um Estado pa-
a guerra poder acabar: os re-
féns têm de ser libertados, a
fronteira entre Gaza e o Egito
lestiniano reconhecido ao lado
de Israel”.
Ao mesmo tempo que estas
tem de ser impermeabilizada
ao contrabando e o Hamas não
pode continuar a controlar
considerações chegam ao Wha-
tsApp, uma notícia no site da
Administração Civil de Israel
Gaza. “Mesmo que todas essas — organismo responsável pe-
condições sejam asseguradas los colonatos israelitas na Área
e Israel permaneça em Gaza, C da Cisjordânia (60% desse
a guerra não acaba, porque a território e, por isso, parte de
presença militar israelita ga- um futuro Estado palestiniano)
rantirá a continuação da insur- — dá conta de que o plano para
reição armada e a continuação construção de mais 3400 novas
do apoio da população de Gaza habitações em três colonatos
ao Hamas”, ressalva. está na fase final de aprovação.
Parece difícil entender como
Camadas de raiva é que esse sonho adiado de
Baskin pode tornar-se tangível
Para Baskin, também diretor quando o sofrimento cria, to-
para o Médio Oriente da In- dos os dias, mais uma camada
ternational Communities Or- de raiva e descrença nos diri-
ganization (ICO) uma ONG do gentes que, até aqui, conduzi-
Reino Unido que trabalha em ram as tentativas de chegar a
zonas de conflito com proces- um acordo.
sos de paz falhados, é claro que Ana França
“o Hamas só será totalmente afranca@expressso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO
ESPANHA
Nos atentados terroristas de 11 de março de 2004 morreram 192 pessoas e quase duas mil ficaram feridas FOTO CHRISTOPHE SIMON/AFP VIA GETTY IMAGES
Sombras que resistem ao fim de 20 anos
Atentados islamitas de 11 de março de 2004 ainda motivam trocas de acusações e polarização política
Gorka Castillo
em Madrid
Há dias que um requiem sinfó-
nico percorre o céu de Madrid
com um novo som: o dos sinos
que todas as manhãs se afinam
nos campanários. Às 7h37 da
manhã de 11 de março tentarão
afugentar o mal que ficou na
memória de todos há 20 anos.
Foi o instante em que explo-
diu a primeira bomba num
comboio na estação de Atocha.
Passado um minuto, rebentou
outra. Segundos mais tarde,
um terceiro artefacto deflagrou
num vagão estacionado no bair-
ro de Santa Eugenia. Quase ao
mesmo tempo, foi detonado o
quarto engenho numa carrua-
gem cheia de passageiros nou-
tra zona da periferia madrilena,
El Pozo. Madrid ficou derreada,
como se lhe tivessem arrancado
o coração e continuasse viva,
por estranha inércia, para con-
tar até 192 mortos entre ferros
retorcidos e socorrer quase dois
mil feridos.
Estupefação. Horror. Eis o que
permanece estático na memória
da grande cidade. Talvez certo
remorso por não se ter feito o
suficiente ou indignação pela
incapacidade de prevenir os atos
terroristas mais graves da histó-
ria de Espanha. Há, sobretudo,
ultraje pelas mentiras propa-
ladas sobre a autoria do crime,
sacudindo a paisagem política
de um extremo ao outro.
Obra da ETA
O clamor cívico contra a guerra
do Iraque e a ameaça da Al-Qae-
da de atacar Espanha, declarada
em outubro de 2003, encurra-
laram o Governo de José María
Aznar — do Partido Popular (PP,
centro-direita) — a três dias de
legislativas cruciais. O jornalis-
ta Jesús Ceberio, então diretor
do diário “El País”, recorda em
conversa com o Expresso o di-
álogo que teve com o primei-
ro-ministro naquele dia: “Às 13
horas recebi uma chamada de
Aznar. A conversa foi extraor-
dinariamente breve, menos de
dois minutos. Transmitiu-me a
sua convicção de que a matança
era obra da ETA. Com muitas
dúvidas, acreditei no seu relato
e mudei o título de uma edição
especial, que íamos lançar nessa
tarde, de ‘Matança em Madrid’
para ‘Matança da ETA em Ma-
drid’. Foi um erro grave, que
assumo pessoalmente, porque
com o passar das horas come-
çámos a ver que a história que
Aznar contou aos diretores das
principais publicações do país
era falsa desde o início. Prepara-
ram aquilo para negar qualquer
vínculo ao terrorismo islamita,
pelo efeito que poderia ter nas
eleições de dia 14.”
Acabou por ser assim. As pro-
vas recolhidas por agentes do
Tédax — corpo de desativação
de explosivos da Polícia Nacio-
nal — e uma série de descober-
tas, como um artefacto que não
rebentou e a furgoneta utilizada
pelos terroristas, fizeram das
eleições uma contundente con-
denação da atuação do Executi-
vo encabeçado por Aznar.
“Queremos saber a verdade.
Quem foi?” A exigência gritada
por milhares nas ruas mante-
ve-se sem resposta até dia 13.
O esplendor catastrófico dos
comboios destruídos e o pranto
desgarrado dos familiares das
vítimas no recinto de exposi-
ções IFEMA ajudaram a polir
uma única réplica. “Perdemos a
inocência”, afirma Eulogio Paz.
O seu filho Daniel morreu no
comboio da estação de El Pozo
às 7h38. Com esperança de o
encontrar vivo, Paz percorreu
todos os hospitais de Madrid.
Interrogou amigos, a sua mãe,
Pilar, pessoas que tinham saído
ilesas do atentado. Às 17 horas só
lhe faltava ir à IFEMA.
Passou lá muitas horas, en-
volto em mantas e tremendo
de medo. Por volta da meia-
-noite, levaram-nos para uma
sala a salvo do foco indiscreto
da imprensa. “O mais horrível
eram os lamentos lancinantes
dos familiares a cortar o silêncio
da noite. Não consigo esquecer
aquilo, ficou-me gravado na me-
mória”, afirma, sem ocultar a
amargura, as lágrimas e o pavor
que a recordação lhe causa.
As demais lembranças daque-
la horrenda jornada são tele-
gráficas, como sinais no meio
da névoa. “Somos, os lesados do
11 de março, os grandes esqueci-
dos deste país. Fora de Espanha,
porém, reconhecem-nos vítimas
do pior atentado cometido em
solo europeu. Por isso 11 de mar-
ço é o Dia Europeu das Vítimas
de Terrorismo”, afirma.
Destapar a mentira
Há, porém, mentiras que subsis-
tem. Sal nas feridas das vítimas
e de quem acabou por pagar
um preço alto por destapar a
mentira. Gente como o próprio
Eulogio Paz, hoje presidente da
Associação 11-M Afetados pelo
Terrorismo, como o comissário
Rodolfo Ruiz, que ficou com a
custódia da bomba que não re-
bentou e foi injustamente acu-
sado de a ter manipulado para
destruir as provas de uma cons-
piração fantástica para pôr o Go-
verno de Aznar fora de jogo, ou
como o jornalista Gumersindo
Lafuente, despedido do diário
“El Mundo” por se ter recusado
a difundir uma notícia falsa, ou o
chefe dos Tédax, Juan Jesús Sán-
chez Manzano, cuja equipa des-
cobriu que o explosivo utilizado
no 11 de março não era o titadyn
vermelho usado pela ETA, mas
goma-2 eco branco, o material
encontrado na furgoneta dos
islamitas suspeitos.
Os valiosos testemunhos des-
tas figuras aparecem no livro
“Voces del 11-M. Víctimas de
la Mentira”, recém-publicado
por Victor Sampedro, catedrá-
tico de Comunicação Política
da Universidade Rei Juan Car-
los, após anos de investigação
exaustiva. “A responsabilidade
NÚMEROS
192
pessoas morreram
nos atentados de 11
de março de 2004
em Madrid
2000
é o número aproximado
de pessoas que ficaram
feridas nas explosões
43
mil é o número de anos
de cadeia da sentença
mais pesada entre
os autores da carnificina
de Aznar no 11 de março ainda
não foi clarificada”, sentencia.
Três dos 29 detidos pelo aten-
tado, entre eles o mineiro espa-
nhol que forneceu os explosivos
aos terroristas, foram condena-
dos a milhares de anos de prisão
por ter ficado provada a sua par-
ticipação direta. A sentença cul-
pou como autores do massacre
os cinco membros da célula isla-
mita que se imolaram, semanas
depois, num andar de Leganés,
nos arredores de Madrid, quan-
do iam ser detidos pela polícia.
Sombra da conspiração
O processo judicial deixou pa-
tente a descoordenação entre
os vários corpos de segurança e
os serviços de espionagem, in-
capazes de cruzar dados até à
data fatídica. O tribunal não só
destruiu o reiterado argumen-
to esgrimido pelos teóricos da
conspiração sobre a autoria
da ETA como mostrou que o
Executivo de Aznar não con-
siderou as ameaças da Al-Qae-
da nem soube responder-lhes.
Passado um ano, o Tribunal
Supremo ratificou o veredicto
e encerrou o caso.
Depois da sentença claríssima,
era impensável que a sombra da
conspiração — baseada em se-
mear dúvidas sobre a capacida-
de “de uns islamitas ignorantes”
atuarem sozinhos e na suposta
existência de um complô invero-
símil em que participava a ETA
— continuasse a fazer títulos de
meios de comunicação de ampla
difusão em Espanha. A tergiver-
sação do 11 de março é, segundo
Ceberio, “uma operação de into-
xicação informativa sustentada
pelo PP e por Aznar ao longo
destes anos, e bastante excecio-
nal, tratando-se, por outro lado,
do maior atentado cometido na
história deste país”.
Expresso, 8 de março de 2024
Víctor Sampedro considera
que a campanha de desinfor-
mação alimentada pelos devotos
da conspiração provocou danos
irreparáveis em muitas vítimas.
“Negaram a algumas pessoas
o direito ao luto, um terço das
quais imigrantes sem papéis,
que demonstraram a maior
coerência e a maior lealdade ao
Estado de direito, assumindo
sentenças que consideravam
benévolas. Defenderam juízes,
procuradores, peritos e polí-
cias que sustentaram as provas
fundamentais, sem as quais não
teria havido castigo para os cul-
pados”, afirma o catedrático.
A presidente da região de
Madrid em 2004, Esperanza
Aguirre, acaba de assegurar,
20 anos depois do massacre
de Atocha: “Continuamos sem
saber quem foram os autores
intelectuais do 11 de março.”
“Autor intelectual” é termo que
incomoda Sampedro, porque “é
uma invenção para se descul-
par, para atribuir a uma ficção
os seus próprios erros, para se
eximir de responsabilidades e
da obrigação de prestar contas”.
O homem é um animal de
efemérides, sobretudo porque
sabe que vai morrer. Desde o
terrível 11 de março de 2004 a
desconfiança cresceu, a liberda-
de é mais frágil e o futuro mais
incerto. Eulogio Paz olha para o
céu como quem reclama a um
tribunal imaginário justiça para
o seu filho ausente. “Nunca es-
quecerei os gritos das pessoas,
aquela cena, aquele horror.” Ob-
serva instintivamente o telemó-
vel, o mesmo que ficou atirado
entre os carris e nunca lhe devol-
veu a voz de Daniel, apesar das
insistentes chamadas daquele
dia. “Impossível esquecer”, con-
clui. Março é chuvoso em Ma-
drid, mas não é um mês cruel.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024
ENTREVISTA
Texto Pedro Cordeiro
Foto Tiago Miranda
O novo embaixador espanhol vem do
Governo para Lisboa. Nos dois anos
anteriores foi secretário de Estado
para a Ibero-América, as Caraíbas e
o Espanhol no Mundo. Com 65 anos,
38 deles na carreira diplomática, este
jurista de formação foi embaixador no
Haiti, Paraguai e Cuba — na Venezue-
la era “só” encarregado de negócios,
por motivos políticos que explica nes-
ta entrevista —, tendo passado pelas
delegações do seu país na UE, ONU,
Marrocos e Vietname. Foi também
embaixador da UE no Uruguai. Em
paralelo, é autor de vários romances.
P Tendo representado Espanha em
várias ex-colónias, pensa que a relação
está normalizada?
R Nunca está tudo superado entre
uma antiga metrópole e uma antiga
colónia. Não temos inconveniente em
reconhecer o que os livros de História
já refletem. Não fizemos tudo bem,
mas muito do que se passou está ul-
trapassado. Reconhecemos as doenças
novas que a população sofreu... imagi-
ne a pandemia por que acabámos de
passar mas 500 anos antes. O próprio
imperador Carlos V travou o avanço
da colonização da América, tendo re-
fletido sobre se havia ou não direito à
chamada conquista ou evangelização.
Por outro lado, houve uma segunda e
uma terceira ondas de chegadas de es-
panhóis à América, entre 1890 e 1930,
consequência da pobreza em Espanha.
E isso propiciou uma aproximação
extraordinária entre populações. Em
todos os postos encontrei esse sen-
timento. Depois, nos anos 1990, foi
Espanha a acolher muita gente desses
países: equatorianos, colombianos,
peruanos. Fomos capazes de manter
uma relação familiar ou afetiva, sem
ressentimentos. Até dizem que as ruas
de Espanha fazem lembrar as dos seus
países, e passam a perceber melhor
alguns dos seus costumes. Isso sucede
até nos Estados que são, por razões
ideológicas, mais avessos a esse pas-
sado colonial. Cuba é muito pró-es-
panhola. A República Dominicana,
primeiro país onde chegou Colombo,
tem uma atitude muito positiva, sem
prejuízo de haver críticas ao tempo
colonial.
P Um local onde teve problemas foi
Caracas, onde era encarregado de
negócios e não embaixador, porque
Espanha não reconhece o regime de
Nicolás Maduro. Vê hipótese de a Ve-
nezuela recuperar a democracia e a
liberdade?
R Embora encarregado de negócios,
era mais embaixador do que um em-
baixador comum. Ia com a missão de
mostrar que a comunidade internacio-
nal e a UE tinham mal-estar em rela-
ção à Venezuela. Foi uma decisão de
todos os Estados-membros. E na altura
vimos coisas que podiam ter levado
a algo novo: libertações de presos, a
oposição a renunciar à figura do Presi-
dente interino Juan Guaidó, os Estados
Unidos a levantar sanções. Aliás, as
sanções, que visavam penalizar o Go-
verno, acabaram por ter consequências
negativas para toda a região. A saída
de sete milhões de pessoas desestabili-
zou os sistemas económicos de países
como a Colômbia, o Equador, o Chile.
Não se chegou ao nível satisfatório de
democratização, mas houve momentos
de esperança, daí que as sanções euro-
peias tenham sido reduzidas para me-
tade. Agora teremos de ir examinando
a situação. Não estamos contentes, por
exemplo, com decisões como a desqua-
lificação de candidatos da oposição às
presidenciais.
P Em Cuba, onde também esteve, as
mudanças dos últimos anos ficaram
aquém do desejável?
R Cuba devia tomar decisões impor-
tantes. A partida de mais de 350 mil
pessoas por ano merece reflexão. Até
agora, as mudanças foram muito tí-
midas e não produziram os efeitos
desejados.
P Esteve em organizações multilate-
rais, foi até embaixador da UE — não
de Espanha — no Uruguai. O trabalho
destas entidades é hoje mais difícil?
R Sempre houve críticas ao sistema
multilateral. E estas, nomeadamente
Juan Fernández Trigo Embaixador de Espanha em Portugal
“Tudo parece suspeito
quando são precisos
governos de minoria
ou pactos”
as das Nações Unidas, precisam de
maior capacidade de resolver proble-
mas. Há quem questione o direito de
veto dos cinco membros permanentes
do Conselho de Segurança. Creio, po-
rém, que o multilateralismo tem sido
reforçado, sobretudo desde a chegada
NÃO SE RESOLVE
O PROBLEMA
CATALÃO PROIBINDO
PARTE DA CLASSE
POLÍTICA CATALÃ
DE IR ÀS ELEIÇÕES
da Administração Biden, após a que-
bra no período anterior. Vemos outra
abordagem de questões ambientais,
da ajuda ao desenvolvimento, a impor-
tância do G7 ou do G20, e percebemos
que há questões que não podem ser
solucionadas por uma ou duas potên-
cias. Acabámos de aprovar um pacto
migratório na UE. E a pandemia fez-
-nos entender que coisas como a peste,
que aconteciam há 500 anos, podem
repetir-se. A cooperação nas vacinas
foi importantíssima. Em contraparti-
da, se falarmos de segurança global,
aumentaram os conflitos e estamos
muito limitados para resolvê-los, como
se vê na Ucrânia ou em Gaza.
P E se a próxima Administração em
Washington for outra?
R Vamos encontrar algo parecido ao
que vivemos até há quatro anos. E pre-
firo não dizer mais, porque espero que
a experiência nos ensine a convivên-
PRIMEIRO CADERNO 29
EXPRESSO.PT Leia no site a outra parte da entrevista,
em que o embaixador fala sobre a sua obra literária
e a passagem pelo Governo de Pedro Sánchez
R Calhou-me um tempo em que as
dificuldades em obter consensos vi-
nham de um sócio que não estava feliz
nem convencido de pertencer à UE.
Era sempre preciso agradar ou con-
vencer a delegação do Reino Unido,
que resistia e causava lentidão no sis-
tema. Agora sinto que as coisas são
menos complicadas. Continua a haver
discrepâncias sobre a Ucrânia ou as
migrações, mas pontuais. Já não há
problemas como o cheque britânico de
Margaret Thatcher ou as Malvinas. Te-
remos de tratar da integração de novos
membros, sobretudo países balcânicos
e a Ucrânia, que não vai ser fácil, mas
não deteto a resistência quase de prin-
cípio que havia há uns anos.
P Assume funções em Lisboa num
momento de mudança de ciclo político
e pouco depois de Espanha também
ter tido eleições. Como vê o estado das
nossas democracias?
R Em países acostumados a maiorias,
tudo parece suspeito quando surge
a necessidade de haver governos de
minoria ou pactos. Um holandês ou
um belga estão habituados há 50 anos
a ter governos de cinco partidos que
demoram meses a formar. Ninguém
vê nisso algo de sujo ou indecente. Em
Portugal e Espanha, as urnas davam
soluções claras, daí a sensação de que
qualquer pacto é uma rendição. Mas
num sistema proporcional é forço-
so negociar para obter maiorias. Em
Portugal, as forças políticas são mo-
deradas, exceto o Chega, mas mesmo
esse é igual ao que já vimos em Itália,
Espanha, França, América, Alemanha,
até nos outrora imaculados países nór-
dicos... ninguém se livra! Não creio que
haja motivos de alarme.
P As futuras soluções de governo têm
sido muito debatidas.
R A vantagem de Portugal sobre Es-
panha é que aqui o Governo não tem
de ser votado.
P Basta que o seu programa não seja
rejeitado.
R Logo, há esperança de um Governo
funcionar se não houver uma maioria
contrária. Em Espanha é o oposto:
exige-se maioria para assumir plenos
poderes e, se alguém quiser censurar
um Governo, tem de ter uma maioria
absoluta alternativa para governar.
Logo, no meu país foram precisos os
votos de muitos para o atual Governo
ser nomeado.
P Aí entra o tema da Catalunha, a que
não podemos fugir. O Estado de Di-
reito e a separação de poderes não
foram postos em causa pelos acordos
de Pedro Sánchez para obter o voto
dos independentistas?
R Todas as atitudes maximalistas
põem em perigo a tranquilidade e a
estabilidade. Dito isto, Espanha sem-
pre teve um problema com o encaixe
da Catalunha. Aconteceu em 1640,
em 1714, em 1934, em 2017. Não é pro-
blema novo e repetir-se-á se não sou-
bermos encaminhá-lo. Esqueçamos a
conjuntura concreta e os votos de que
Sánchez precisou e tentemos resolver
isto de forma serena, quer da parte do
O diplomata Governo quer das forças catalãs. Não
recebeu o se resolve o problema catalão proi-
Expresso na bindo a classe política catalã, ou parte
embaixada dela, de concorrer às eleições. Para tal,
espanhola a única solução é a amnistia.
em Lisboa
P Como foi, para um catalão, partici-
par no encerramento de delegações
cia e a conciliação. Dito isto, estamos da Catalunha em vários países, em
todos muito preocupados com essa 2017?
possibilidade. R O Governo de então entendeu que
tinha de mandar um conhecedor da
P Como é ser embaixador da UE e realidade catalã. Penso que na altura
falar em nome de 27 países tão dife- era preciso encerrá-las. Tinha havido
rentes? uma declaração de independência da
Catalunha, claramente inconstitucio-
nal. Agora, o que é preciso é inteligên-
cia suficiente para saber que em polí-
tica temos de ser flexíveis se queremos
NUNCA ESTÁ TUDO resolver problemas complicados.
SUPERADO ENTRE P Está posta de parte uma crise tão
UMA EX-METRÓPOLE
grave como a de 2017 na Catalunha?
R Sim. Entre outras coisas foram to-
E UMA EX-COLÓNIA.
madas medidas que permitem pensar
que o apoio ao independentismo caiu
ADMITIMOS QUE NÃO de modo considerável na Catalunha. Va-
mos no bom caminho. Não importa cen-
FIZEMOS TUDO BEM trarmo-nos no que diz Puigdemont ou
este ou aquele. É um processo histórico
que requer habilidade e inteligência.
pcordeiro@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 8 de março de 2024

UNIÃO EUROPEIA

Itália empurra migrantes para a Albânia

Acordo terá oposição dos advogados, mas serve de bandeira política em ano de eleições europeias
Ana França

Os caminhos legais de quem

se opunha ao acordo migra-
tório entre Itália e a Albânia
já se esgotaram: foi ratificado
pelos respetivos Parlamentos
e o último obstáculo, o Tribu-
nal Constitucional da Albânia,
acabou por decidir que nada no
documento colide com a lei na-
cional. O pacto que Roma e Ti-
rana assinaram em novembro
de 2023 permite que Itália pos-
sa fazer desembarcar em portos
albaneses os migrantes que a
Guarda Costeira italiana resga-
te no Mediterrâneo, em águas
internacionais. Já em solo alba-
nês serão encaminhados para
“centros de processamento de
pedidos de asilo”, infraestrutu-
ras que, dizem os críticos deste
acordo, podem tornar-se pri-
sões por tempo indefinido para
milhares de pessoas.
Estão previstas duas instala-
ções na Albânia com objetivos
diferentes: uma na cidade por-
tuária de Shengjin, que deve
acolher um centro de receção
e triagem; outra, um centro
de detenção e remoção, será
construída numa base militar
abandonada em Gjader, a nor-
te. Os migrantes resgatados
em águas italianas ou recolhi-
dos por navios de organizações
não governamentais mantêm o
direito de pedir asilo em Itália.
Nestes centros, geridos por
Itália, sob lei italiana e com Resgate de migrantes no Mediterrâneo pela ONG espanhola Open Arms FOTO VALERIA FERRARO/ANADOLU/GETTY IMAGES
dinheiro dos contribuintes
italianos, os migrantes serão muitos de onde chegam mi- albanês Fatos Lubonja. “É só A descrença no cumprimento migrantes que, sendo do sexo os Estados-membros podem
entrevistados sobre as razões grantes: Eritreia, Iraque, Síria, mais uma manobra do nosso do acordo advém, sobretudo, masculino, podem ser incluídos cooperar com países terceiros
por que pedem proteção inter- Somália... primeiro-ministro [Edi Rama] de não haver resposta conheci- no grupo dos “vulneráveis”? na gestão da migração, sendo
nacional em Itália. É lá ficarão Pedro Góis, investigador da para tentar legitimar-se lá fora, da para uma série de questões Fonte da Comissão Europeia importante que tal seja feito no
à espera de uma decisão. Universidade de Coimbra e au- preocupação que lhe tira es- legais. Como pode o desvio dos diz ao Expresso que “a busca e pleno respeito do direito comu-
tor de estudos sobre migrações, paço mental para olhar para o navios de salvamento italianos salvamento é regulada pelo di- nitário e internacional”.
Cartaz para as europeias recebeu sem surpresa a notícia. estado deplorável em que está para a Albânia condicionar a reito internacional e a sua apli- O chanceler alemão, Olaf
“É apenas uma fase avançada o seu próprio país”, prossegue eficácia das operações de busca cação compete essencialmen- Scholz, defende que se deve
Caso vejam os seus pedidos va- do que a União Europeia já vi- o escritor e famoso dissidente, e salvamento, o seu custo e a te às autoridades nacionais”. “olhar com atenção para este
lidados, poderão viajar para nha fazendo nos acordos com que esteve preso 17 anos duran- saúde dos que estão a bordo e Lembra que Bruxelas “não é tipo de acordos, que são pos-
Itália. O objetivo é processar a Turquia, a Líbia e outros paí- te o regime comunista de Enver precisam de desembarque num responsável pela condução ou síveis”. A presidente da Co-
36 mil pessoas por ano através ses. A lógica é a mesma: manter Hoxha. Os Governos de Roma porto próximo, por exemplo, coordenação das operações missão, Ursula von der Leyen,
destes locais, que terão capa- fora do sistema todos os que o e Tirana não responderam a por estarem feridos? de busca e salvamento ou pela classificou a deslocalização de
cidade para acolher três mil sistema considera inaceitáveis”, pedidos de esclarecimento do indicação dos locais de desem- processamento de casos de asi-
requerentes de asilo de cada diz ao Expresso. Expresso. Quem é vulnerável? barque”. Sobre a possibilidade lo como “ideia fora da caixa”.
vez. No máximo, cada pedido “O acordo foi desenhado para de vigiar estes centros de forma Mesmo que não seja para já,
deve demorar até 28 dias a ser servir de arma política, pouco Itália diz que mulheres, crian- independente, diz apenas que a “discutir-se este tipo de méto-
processado. Quem o vir negado mais. É muito difícil de pôr em “Só se pode destruir ças e pessoas vulneráveis estão Comissão está “a acompanhar dos de gestão migratória ajuda
terá de regressar ao seu país. A prática, a oposição legal que o negócio do tráfico isentas das novas medidas. Isso de perto a situação” e perma- a normalizar o tema”, diz Lu-
torre de dúvidas jurídicas co- será montada pelos advogados atribuindo vistos”, quer dizer que as famílias serão nece em contacto “com Itália e bonja. Góis lamenta que não se
meça logo aqui, uma vez que de asilo provavelmente impedi- separadas? O pai segue para a com a Albânia, também através atribuam vistos humanitários,
a lei internacional proíbe o rá boa parte dos desembarques afirma o investigador Albânia e a mulher e os filhos da delegação da UE no país”. já que “só assim se pode des-
envio de pessoas para países na Albânia”, começa por dizer Pedro Góis ficam em Itália? Onde, como e De modo geral, relembra a truir o negócio dos traficantes”.
considerados inseguros, como ao Expresso o analista político por quem serão identificados os Comissão por e-mail, “a UE e afranca@expresso.impresa.pt

FRANÇA

Acesso ao aborto 72, tal foi a ovação perante o

número dos votos a favor. Na
reitos das Mulheres. “Ficará
na grande história dos direi-
mesmo a vida. Estas mulheres,
mortas por terem querido ser
que perderam”, atalhou a depu-
tada comunista Elsa Faucillon.

na Constituição
Praça do Trocadéro, perto da tos humanos e dos direitos das livres, assombram-nos”, afir- “Vamos festejar uma vitória
Torre Eiffel, centenas de pes- mulheres como virar de página mou o chefe do Governo. histórica. Amanhã, retomamos
soas acompanhavam a sessão histórico”, reforça a senadora A mensagem política envia- o combate”, afirmou aos jor-

é passo pioneiro
Ao cabo de um percurso
legislativo de ano e meio,
foi consensual inscrever
o direito das mulheres à
IVG na Lei Fundamental
Reunidos em Versalhes, se-
gunda-feira, deputados e se-
nadores franceses aprovaram
a inscrição na Constituição do
direito à interrupção voluntária
da gravidez (IVG), passo que
nenhum país antes dera. Após
horas de debate, 780 dos 925
parlamentares presentes vo-
taram a favor, bem acima do
limiar de três quintos exigido
por lei. A assistir aos trabalhos
estavam, com forte carga sim-
bólica, as famílias de Simone
Veil e Gisèle Halimi, mulhe-
res que se destacaram na luta
bem-sucedida pela legalização
do aborto.
Quando os resultados foram
anunciados pela presidente da
sessão, Yaël Braun-Pivet — pri-
meira mulher a assumir tais
funções num Congresso que
reúne as duas câmaras do Par-
lamento francês —, mal se ou-
viu o número de votos contra,
num ecrã gigante, ao som da
canção ‘Run the World (Girls)’,
de Beyoncé.
Reação à decisão dos EUA
Chega ao fim um percurso le-
gislativo de ano e meio. Desde
o verão de 2022, quando o Su-
premo Tribunal dos EUA revo-
gou o acórdão “Roe vs Wade”,
que dava proteção federal ao
direito ao aborto, deram entra-
da no Parlamento francês seis
propostas de constitucionaliza-
ção do acesso à IVG. “Foi uma
vitória num longo combate que
as mulheres travam pela sua
liberdade e contra o obscuran-
tismo”, afirma ao Expresso a
senadora socialista Laurence
Rossignol, ex-ministra dos Di-
ecologista Mélanie Vogel.
Metade dos deputados do
Reagrupamento Nacional (ex-
trema-direita) votou contra,
bem como 50 dos 194 parla-
mentares dos Republicanos
(centro-direita).
O primeiro-ministro Gabriel
Attal, que abriu o debate, enu-
merou as principais conquis-
tas feministas da história de
França, desde a Revolução de
1789, com Olympe de Gouges,
à gesta de Veil pelo aborto e
a de Gisèle Halimi no famoso
processo de Bobigny, em 1972,
quando uma menor foi julgada
por ter abortado após violação.
“Temos uma dívida moral para
com todas estas mulheres, que
sofreram na carne como no
espírito, por vezes perdendo
da ao mundo é plena de rele-
vância num momento em que
forças reacionárias avançam
em várias latitudes. “Mesmo
os países que se julgam pro-
tegidos são alvo de ofensivas.
As correntes contra o direito a
escolher nunca desistem e mos-
tram imaginação rica para limi-
tar direitos. A extrema-direita
europeia está ativa e a batalha
está acesa. Não tenhamos a in-
genuidade de acreditar que os
ventos maus pararão de soprar
nas nossas fronteiras”, alertou
François Patriat, da bancada
macronista no Senado. “Aos
que nos enviaram fetos de plás-
tico ou comparam o aborto a
assassínio: fiquem a saber que
multiplicaram por dez a força
das feministas; fiquem a saber
nalistas Mathilde Panot, chefe
da bancada da França Insub-
missa (esquerda radical) na
Assembleia Nacional. Exorta o
Executivo francês a defender a
inscrição do direito ao aborto
na Carta de Direitos Funda-
mentais da União Europeia.
“É a vitória de nós todas, face
aos que ainda duvidam de que
o aborto mereça defesa. Como
fechar os olhos à decisão dos
sete estados americanos que,
após o acórdão do Supremo,
proibiram a IVG mesmo em
casos de violação ou incesto?”,
lança a deputada socialista Ma-
rie-Noëlle Battistel. A seu ver,
o combate não terminou, está
apenas a começar.
Lucas Sarafian em Paris
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024
TRIBUNA ENTREVISTA
John John Florence foi campeão do
mundo em 2016 e 2017. Este ano, chegou
ao Meo Rip Curl Pro, em Peniche, como
líder do circuito mundial de surf
FOTO BRENT BIELMANN/WORLD SURF LEAGUE
Diogo Pombo
Há sete anos, acabado de ser bicam-
peão mundial, John John Florence ha-
bitava nas nuvens. Era a consumação
de um talento há muito anunciado do
Havai para o mundo finalmente a ex-
plodir e a ser dominador nas ondas,
incluindo um título celebrado em Peni-
che. Depois, porém, vieram os proble-
mas: lesões graves, uma delas no joe-
lho, desmotivação e incertezas. Um dos
melhores surfistas de todos os tempos
tem hoje 31 anos e chegou a Portugal
para competir na etapa da Praia de
Supertubos do circuito mundial como
líder do ranking. Ainda tem fome de
conquistas, mas, prestes a ser pai, sabe
que essa vontade não deve durar muito
mais tempo.
P Quando chegaste como campeão
do mundo a Peniche, em 2017, disseste
que um dia querias navegar de veleiro
entre etapas. Já o conseguiste fazer?
R Não, a agenda vai mudando muito
para que consiga realizar esse sonho
[risos], continuo a achar que seria mui-
to fixe, mas o calendário está tão com-
primido que seria impossível fazê-lo.
P A vida no Championship Tour está
a ficar mais exigente?
R Sim, diria que é um pouco de loucos,
quando terminas o ano estás exausto.
P Estás prestes a ser pai, o que talvez
torne esse desgaste ainda maior...
R Tenho a certeza de que a minha
vida vai mudar muito e estou ansioso
por que cheguem essas mudanças e
experiências.
P Desde que celebraste um título
mundial aqui em Peniche a tua car-
reira também teve várias alterações:
sofreste lesões, desmotivaste-te, até
duvidaste se deverias continuar...
R Os últimos anos têm sido duros, tive
muitas lesões e aprendi bastante com
imensas coisas a mudarem na minha
vida. Este ano sinto-me muito bem,
sinto que encontrei um bom equilí-
brio entre o treino e o estado a que
tenho de chegar para o meu corpo es-
tar bom. Até agora, e nos últimos seis
meses, não tive quaisquer problemas,
e isso deixa-me feliz.
P Fizeste algo de diferente?
R Passar a ser mais equilibrado teve
um efeito enorme. De certa forma,
John John Florence Líder do circuito mundial de surf
“Não me vejo como
o Kelly Slater. É um
ano de cada vez”
abrandei um pouco o ritmo, estava a
treinar demasiado e quando chegava
a altura de competir já me sentia can-
sado. Creio que isso teve uma grande
influência nas minhas lesões, sentir-
-me tão fatigado física e mentalmente.
P Então, o que te alimenta neste mo-
mento, especificamente?
R Não sei bem, mas acho que este ano
é o facto de estar comprometido com
algo. Sabe bem entregar a minha vida
ao surf e competir até esta altura. Es-
tou a apreciar bastante o facto de me
dar por completo à competição, sinto
que está a surtir efeito em mim. Nas úl-
timas épocas estive sempre um pouco
com um pé dentro e outro fora, sabes?
Tinha vontade de tirar um período sa-
bático e descansar, mas, ao mesmo
ESTAVA A TREINAR
DEMASIADO
E QUANDO IA
COMPETIR JÁ ME
SENTIA CANSADO
tempo, sentia que deveria continuar
no circuito mundial. E foi cansativo
andar entre dois mindsets. Agora es-
tou comprometido, e isso torna tudo
muito mais divertido, quero surfar o
maior número de heats que consiga e
aprender o mais possível. Para mim,
isto é uma grande mudança.
P Isso é um contraste em ti, porque
lembro-me de dizeres várias vezes ao
longo da tua carreira que não tinhas a
personalidade perfeita para competir.
R Sem dúvida, especialmente se a mi-
nha cabeça não estiver propriamente
na prova em questão é muito difícil
para mim ‘aparecer’ na competição.
Mas agora que tenho um objetivo, vejo
para onde vou e o que pretendo fazer
é fácil para mim ficar hiperfocado no
que estou a fazer. O que torna tudo
mais desfrutável, faz o processo de
estar no tour mais prazeroso, toda a
experiência que envolve.
P O que estás a dizer é que queres
vencer um terceiro título mundial. E,
se o conseguires, vais querer mais?
R [risos] Não sei, definitivamente que
não me vejo como o Kelly Slater [tem 11
títulos mundiais e, aos 52 anos, ainda
compete]. Estou a levar isto um ano de
cada vez. A primeira metade da tempo-
rada passada foi um dos períodos mais
complicados que tive mentalmente,
quase que bati no fundo, e isso fez com
que tivesse uma espécie de reset antes
de chegar ao Brasil. Depois, já me di-
verti bastante na segunda metade do
ano, desfrutei novamente de estar a
competir e de confiar em mim e no que
estava a fazer. Isso fez com que sentisse
entusiasmo antes desta época e qui-
sesse mesmo estar aqui. Se, no final de
2024, sentir que me diverti, consigo
ver-me a querer fazer isto outra vez e
a continuar.
P Este ano há Jogos Olímpicos. Na
estreia do surf, em Tóquio, ainda esta-
vas a recuperar de uma lesão no joe-
lho quando foste ao Japão. Estás com
mais vontade para ir a esta edição?
R Sem dúvida. Apesar de não estar a
100% há três anos, ter lá ido e vivido
essa experiência foi uma incrível van-
QUERO GANHAR
UMA MEDALHA
DE OURO NOS
JOGOS OLÍMPICOS E
O CIRCUITO MUNDIAL
PRIMEIRO CADERNO 31
tagem para mim, conseguir entender
o evento que é. Estar agora saudável
e, com isso, mais entusiasmado faz-me
ter um estado mental melhor do que
tinha na altura. Ainda por cima vai
ser em Teahupo’o, onde está uma das
melhores ondas do mundo.
P Mas, no Japão, ainda estávamos em
plena pandemia...
R Foi interessante, toda a gente estava
a dizer que eram uns Jogos Olímpicos
diferentes. A priori, o que mais me to-
cou foi o facto de tanta gente, antes
de lá chegarmos, me falar de como a
experiência de competir nuns Jogos era
totalmente distinta, com tantos atle-
tas de tantas modalidades misturados.
Contudo, o que importa é que vais vestir
na mesma uma licra para ires surfar
num heat contra alguns tipos. O que
mais aprendi é que não é completa-
mente diferente do que estamos a fazer
no tour. Possivelmente, por surfarmos
num outro palco, quem nos vê é um pú-
blico diferente, mas, na sua maioria, o
que estamos a fazer na água é o mesmo.
Essa foi a minha aprendizagem, porque
ficava mesmo nervoso quando me fala-
vam dos Jogos e diziam o quão grande
era. A minha antecipação foi crescendo
por causa disso. Mas, analisando bem
as coisas, acaba por ser o mesmo.
P Imagino que viver na Aldeia Olím-
pica e conviver com tanta gente de
outras modalidades seja o mais dis-
tintivo, embora desta vez estejam iso-
lados, a 15 mil quilómetros de Paris.
R Nem sequer fui lá porque ficámos
separados, dormíamos a três horas da
Aldeia Olímpica, mais perto da praia.
Este ano, pronto, nem vamos ver Paris,
basicamente será só mais um evento
de surf.
P O que te entusiasma mais para este
ano, então?
R Ser pai, claramente, apesar de não
saber o que isso trará para a minha
vida. Quanto a competir, quando co-
mecei esta temporada, o maior ob-
jetivo era os Jogos Olímpicos. Quero
ganhar uma medalha de ouro, quero
preparar-me ao máximo para isso, e
achei que competir no circuito mundial
seria bom: surfas em tantas baterias
e torna-se normal. Mas agora que já
estou no ritmo quero ganhar as duas
coisas [risos]. Estou a divertir-me tanto
outra vez na competição que gostava
de vencer tudo.
dpombo@expresso.impresa.pt
32 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO TURISMO
Prioridades Pacto de regime, fim das cativações, mais verbas para promoção
e maior peso político para o sector estão no topo da lista de pretensões
Turismo exige ministério
ao novo Governo
Textos Rita Seabra Gomes
E
m 2023 bateram-se to-
dos os recordes: o país
recebeu 30 milhões de
hóspedes e ultrapas-
sou os 77 milhões de
dormidas, num cres-
cimento de 10% face
a 2019. Também as
receitas dispararam,
situando-se na ordem dos €25 mil
milhões, crescendo 18,5% face a 2022
e 37,5% quando comparadas com
2019, o ano de referência pré-pan-
demia. O secretário de Estado do
Turismo, Nuno Fazenda, classificou
2023 como “o melhor ano da história
de sempre do turismo em Portugal”,
mas os responsáveis pelas regiões
de turismo acreditam que é preciso
mais para o sector continuar a cres-
cer de forma sustentada e apontam
prioridades.
A primeira e “maior” é a “urgência
de, uma vez por todas, ser reconheci-
do ao turismo a relevância suficiente
para ter direito a um ministério e
estar igual aos seus pares, e hoje com
toda a legitimidade”, reivindica Luís
Pedro Martins, presidente da Turis-
mo do Porto e Norte, no âmbito da
apresentação da 6ª edição do PNT
— Prémio Nacional de Turismo, que
decorreu na Bolsa de Turismo de Lis-
boa. “Estamos num momento bom
para dar esse sinal. Seria uma notícia
fantástica e de grande reconhecimen-
to de todo o esforço que foi feito pelo
sector”, acrescenta o responsável,
lembrando que “o turismo foi, duran-
te a pandemia, o motor de arranque
para a economia nacional” e que é
PRÉMIO NACIONAL
DE TURISMO
O Expresso e o BPI,
em parceria com
o Turismo de Portugal
e a Deloitte, promovem
pelo sexto ano
consecutivo o Prémio
Nacional de Turismo
(PNT), uma iniciativa
para promover,
incentivar e distinguir
as melhores empresas,
práticas e projetos
do sector.
o “grande embaixador” da marca
Portugal, atraindo investimento para
outras áreas.
Alinhado com esta pretensão, Jorge
Sampaio, vogal da Comissão Execu-
tiva da Turismo Centro de Portugal,
defende a criação de um Ministério
do Turismo. “Sendo uma atividade
que representa 14% do PIB e que
pode atingir 20% nos próximos anos,
como pode não ter um ministério?”,
questiona, afirmando que “é urgente,
qualquer que seja o próximo Gover-
no”, que se faça essa aposta. “É o
sinal que damos ao país de que este é
um sector muito importante, ou, em
último caso, termos uma secretaria
de Estado única do turismo. O co-
mércio e serviços também merecem,
mas o turismo precisa de ter esta
estruturação.”
O presidente da Confederação do
Turismo de Portugal (CTP), Francis-
co Calheiros, interpelou diretamente
os candidatos a primeiro-ministro so-
bre a pretensão do sector: “Achamos
que o turismo deve estar sentado no
Conselho de Ministros.” Recorde-se
que no atual Governo o turismo parti-
lha uma secretária de Estado com as
áreas do comércio e serviços.
Mais verbas
e alteração legislativa
O fim das cativações, mais autonomia
financeira e administrativa das enti-
dades regionais e um pacto de regime
que traga estabilidade à estratégia
para o turismo são outros enfoques
defendidos para o futuro crescimento
desta área. Os responsáveis alertam
para a necessidade “urgente” de revi-
são da Lei nº 33/2013, que estabelece
o regime jurídico das áreas regionais
de turismo de Portugal continental
e da organização e funcionamento
das entidades regionais de turismo,
pois “obriga a muita burocracia e
perda de tempo”, elucida Luís Pedro
Martins.
Já André Gomes, presidente da
Região de Turismo do Algarve, ga-
rante que a lei “está desatualizada”
e que representa um “conjunto vasto
de constrangimentos” na atividade.
“Urge olhar para esta lei, rever e dar
mais autonomia administrativa e fi-
nanceira às entidades regionais de
turismo”, diz o responsável, acres-
centando que, associado a esta me-
Depois de mais um ano recorde em
dormidas e receitas, os responsáveis
pelas regiões de turismo confiam na
dida, é ainda preciso “um reforço
das verbas” atribuídas às entidades
regionais de turismo. “Parece incom-
preensível como o orçamento para
estas entidades se mantém inalterado
desde 2016, sem ter em conta a infla-
ção ou o índice de preços. O próximo
Governo tem de ter um olhar claro
para isto, dotando estas organizações
de condições financeiras”, exige.
Pacto de regime
Uma outra prioridade apontada como
fundamental para o crescimento do
sector é a estabilidade das políticas
implementadas. “Com a importância
para a economia nacional que esta
área tem, deveria existir um pacto de
regime que garantisse uma estratégia
contínua para o turismo durante um
longo período de tempo”, refere Jor-
ge Sampaio, que é crítico em relação
às mudanças que acontecem a cada
ciclo governativo. Olhar para o país
como um produto turístico é outra das
metas defendidas. Os responsáveis
pelas regiões acreditam que se pode
ambicionar crescer mais, sobretudo
nos territórios de baixa densidade e
com ofertas diferenciadoras, seja nos
vinhos, no património ou nos parques
naturais. “O turista está mais sensível
às questões ambientais e de sustenta-
bilidade e, por isso, todos estamos a fa-
zer um esforço para tornar os destinos
cada vez mais próximos da natureza e
de hábitos de vida saudável”, explica
Luís Pedro Martins, para concluir:
“O turismo hoje é diversidade e novas
experiências. Do turismo industrial ao
religioso, todos se podem complemen-
tar enquanto oferta.”
bcbm@impresa.pt
Expresso, 8 de março de 2024
manutenção do crescimento
FOTO LUÍS BARRA
TUDO O QUE TEM
DE SABER SOBRE O PNT
O QUE É
^ O Prémio Nacional de Turismo
(PNT) destaca os melhores
e dá visibilidade a projetos
com valor no sector do turismo
em Portugal. A iniciativa do
Expresso e do BPI conta com
o alto patrocínio do Ministério
da Economia e do Mar, o apoio
institucional do Turismo de
Portugal, I.P., e o apoio técnico
da Deloitte.
CATEGORIAS
^ Turismo Autêntico
Projetos que apresentam
oferta abrangente e
equilibrada do ponto de vista
territorial, bem como da
utilização de recursos locais.
^ Turismo Gastronómico
Projetos que se destaquem
por oferta gastronómica
diferenciada e autêntica,
alicerçada na valorização e
promoção da gastronomia
regional e nacional.
^ Turismo Inclusivo Projetos
que promovam um reforço
da relação com o consumidor
através da comunicação
ou de iniciativas que visem
a sua inclusão e fidelização.
^ Turismo Inovador Projetos
que apresentem uma oferta
inovadora e a utilização de
ferramentas e meios digitais
para a comunicação,
distribuição e análise do
desempenho.
^ Turismo Sustentável
Projetos que se distingam
pela sustentabilidade
ambiental, económica
e responsabilidade social
subjacentes à estratégia
de médio/longo prazo.
DATAS MAIS IMPORTANTES
^ Candidaturas 1 março-31 maio.
^ Avaliação 1 junho-30 setembro.
^ Reunião de comités
e júri outubro e novembro.
^ Entrega de prémios novembro.
CANDIDATURAS
^ Para se habilitar a vencer o PNT
apresente a sua candidatura até
31 de maio de 2024.
Acompanhe tudo em
https://expresso.pt/premio-
nacional-turismo/
 Expresso, 8 de março de 2024
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1939-2024 Realizador que não acreditava em filmes que precisavam de “manual
de instruções”, contou histórias no cinema para o grande público e foi controverso
António-Pedro Vasconcelos
P
orque é que ninguém em
“ Portugal usa chapéu?”,
pergunta Pedro Bouche-
rie Mendes. A pergunta
tem sentido porque temos um
país com sol quase todo o ano e
as cabeças andam ao léu como
se não houvesse risco de insola-
ção. O frio também se faz sen-
tir neste país, mas agasalhar a
cabeça e tapar as orelhas não
é um costume lusitano no in-
verno. “Temos medo do ridículo
e achamos que usar chapéu é
ridículo”, responde com razão,
embora sem espírito prático. E
o vento? O chapéu voa e depois
quem o agarra?
António-Pedro Vasconcelos
não só usava chapéu como o
usava bem. Muito alto, de ca-
saco comprido ou gabardina,
caminhava dando passos largos
enquanto o chapéu permanecia
intacto na cabeça. Pertencia a
Lisboa, aos passeios de Cam-
po de Ourique, ao Casanostra,
que assinalou nas redes sociais
a perda de um cliente amigo, ao
Bairro Alto de há décadas, aos
cafés que já não existem na Ave-
nida de Roma. António Pedro
Saraiva de Barros e Vasconcelos
nasceu em Leiria, a 10 de março
de 1939. Faz o liceu em Coimbra
e frequenta o colégio de jesuítas
em Santo Tirso. Em 1957 vem
para Lisboa, onde estuda Direito
na faculdade durante três anos,
um curso que não chega a termi-
nar. Por causa de um concurso
de críticas aberto pelo Cineclube
Universitário de Lisboa começa
a escrever nos seus boletins.
Em 1961 vai para a Sorbonne
estudar cinema como bolseiro da
Fundação Calouste Gulbenkian
e passa dois anos na cinemateca
francesa a ver filmes. Quando
regressa a Portugal começa a
colaborar na “Colóquio” e em “O
Tempo e o Modo” e trabalha em
publicidade. “A Indústria Cerve-
jeira em Portugal” (1967), “Ex-
posição de Tapeçaria” (1968) e
“Fernando Lopes-Graça” (1971)
são três dos primeiros documen-
tários que realiza. É no início
da década de 70 que se torna
um dos fundadores do Centro
Português de Cinema (CPC), fi-
nanciado pela Gulbenkian, que
apoiava cineastas como José
Fonseca e Costa, Alfredo Tropa,
António de Macedo, Artur Ra-
mos. É no âmbito do CPC que,
Obituário
Iris Apfel
1921-2024 Empresária e
modelo americana, contrariou
o estereótipo idadista
atingindo o estrelato e a
fama já depois dos 80 anos.
Prova disso é o facto de ser a
pessoa mais velha de sempre
a inspirar uma boneca Barbie,
quando já era centenária. E
há mais: protagonizou um
documentário autobiográfico
depois dos 93 anos, tornou-
se professora universitária
no Texas aos 90 e aos 97
assinou um contrato com
uma das maiores agências de
modelos do mundo, a IMG
Models. Foi capa da “Dazed
and Confused”, colaborou na
Foi realizador,
argumentista,
produtor,
comentador
desportivo a dada
altura, como
benfiquista
ferrenho que era
em 1973, realiza a sua primeira
longa-metragem, “Perdido por
Cem...”. Outras obras se seguem,
até que estreia, em 1984, “O Lu-
gar do Morto”, que é um êxito
comercial inédito. O policial com
Ana Zanatti e o jornalista Pedro
Oliveira como atores principais
consegue levar 280 mil pessoas
às salas de cinema.
Alguns anos mais tarde, em
1991, estreia “Aqui d’El Rei!”,
com coprodução francesa e es-
panhola, que não obtém nem
de perto nem de longe o sucesso
renovação da decoração da
Casa Branca e decorou casas
de várias celebridades. Filha
de empresários prósperos,
formou-se em História de Arte
e foi redatora de uma revista
de moda. Casou-se aos 27 anos
e fundou com o marido a Old
World Weavers, uma firma
especializada em reproduções
de tapeçarias e antiguidades e
restauração de tecidos. Entrou
assim na casa de celebridades
e começou a cultivar um
estilo único que combinava
roupa e joias de luxo com
peças de escasso valor. Usava
pulseiras até ao cotovelo,
óculos de grande formato e
roupa que, aparentemente,
não combinava. Em 2005, o
Metropolitan Museum of Art
pediu-lhe peças de decoração
e joias para uma exposição,
lançando-a para o mundo da
fama. Considerava-se uma
“estrela geriátrica” e nunca se
levou demasiado a sério até ao
fim da vida. Dia 1, de causas
decorrentes da idade. R.G.
FOTO ANA BAIÃO
que esperava, sobretudo depois
das expectativas criadas com o
clássico “O Lugar do Morto”.
Nesse ano torna-se coordenador
do Secretariado Nacional para o
Audiovisual, função que exerce
até 1993, e depois presidente do
grupo de trabalho para o Livro
Verde da Comissão Europeia
sobre a indústria audiovisual.
Deixa de filmar e dedica-se ao
lado mais burocrático e político
do financiamento do sector, uma
preocupação que demonstraria
ao longo da vida, mais tarde ex-
pondo dúvidas acerca do modo
de financiamento do cinema.
Numa entrevista ao “Público”
em 2010, ano em que estreia “A
Bela e o Paparazzo”, manifesta
a sua opinião claríssima acerca
do financiamento do cinema em
Portugal: “O cinema português
precisa de um Clint Eastwood.
Hoje, ele é feito por indivíduos
que o Estado decide que são ci-
neastas e que fazem, na maior
parte dos casos, um cinema au-
tista, que não é escrutinado por
Por Manuela Goucha Soares e Rui Gustavo
Fernando Correia
1942-2024 Preso político, viveu o
25 de Abril na cadeia de Caxias,
de onde saiu diretamente
para a redação do vespertino
“Diário de Lisboa”, quando foi
libertado a 27, escrevendo um
testemunho singular sobre o
último dia na prisão. Militante
do PCP, foi chefe de redação
da “Seara Nova” e jornalista
do “Diário de Lisboa”, “Diário
Popular” e “Avante!”. Deixa
obra de investigação académica.
Carla Baptista que com ele
escreveu “Jornalistas do Ofício
à Profissão”, lembra que “partiu
um homem, sim, mas também
uma biblioteca”. Dia 1, de causas
não reveladas. M.G.S.
ninguém. Apenas por uma críti-
ca que, por sua vez, ninguém es-
crutina; não se sabe que impacto
é que ela tem sobre o público. E
que, financeiramente, não tem
de dar conta dos resultados. Há
filmes que custam a cada espec-
tador cinco mil euros. É preciso
perguntar à sociedade se ela está
disposta a pagar isto.” ‘A.P.V.’, o
petit nom por que era conhecido
pelos mais próximos, seria hoje
considerado um liberal, mas o
que é certo é que esta opinião
nunca foi bem recebida.
Em 1999, “Jaime”, sobre
a realidade insuportável do
trabalho infantil, ganha vá-
rios prémios, entre os quais a
Concha de Prata do Festival In-
ternacional de Cinema de San
Sebastian. “Os Imortais”, em
2003, é um filme que tem uma
audiência razoável e que é re-
cebido com críticas favoráveis,
sobretudo ao elenco, que inclui
Paula Mora e Nicolau Breyner.
Seguem-se “Call Girl” (2007),
“A Bela e o Paparazzo” (2010),
“Os Gatos Não Têm Vertigens”
(2013), até chegar à estreia de
“Parque Mayer” (2018). Nesse
ano, com 51 anos de carreira, a
Cinemateca Portuguesa organi-
za um ciclo dedicado à sua obra.
Foi realizador, argumentista,
produtor, comentador despor-
tivo a dada altura, como benfi-
quista ferrenho que era, defen-
sor acérrimo de causas quase
perdidas, como ser contra a pri-
vatização da TAP, apoiante leal
de Mário Soares. “Tudo para
ele era decisivo, determinante,
fatal como o destino e escrito na
pedra para a eternidade. Des-
pertou amizades e inimizades,
acendeu paixões e ódios, culti-
vou causas, grandes e pequenas,
importantes e fúteis, pessoais e
universais, efémeras ou eternas,
constantes ou passageiras, com
uma intensidade a cada mo-
mento que o tornava único num
país cinzento e acomodado”, es-
creve José Júdice no “Diário de
Notícias”. Quem vive por inteiro
nunca passa pelo mundo sem
ser notado, quer seja amado ou
posto em causa. Quem vive por
inteiro, com uma entrega total
ao que acredita, vive da única
forma que sabe e pode e acre-
dita valer a pena. E assim está
certo, pois não podia ter sido de
outra forma.
> Carlos Pereira Santos (1961-
-2024), jornalista, especializou-
-se em desporto e era, atual-
mente, chefe de redação de
“O Jogo”. Trabalhou noutros
jornais como o “Comércio do
Porto” e “A Bola” e é autor de
livros como “Ao Pé Coxinho”
e a biografia do antigo capitão
do FC Porto, Jorge Costa. Os
amigos e colegas chamavam-
-lhe P e elogiavam o sentido de
humor único. Dia 4, de causas
não reveladas. > Ramon Masats
(1931-2024), fotógrafo espanhol,
documentou de forma original
o período franquista e é autor
de uma imagem icónica de um
seminarista vestido de batina a
defender um remate num jogo
de futebol. Dia 4, de causas rela-
cionadas com a idade. > Alexan-
dre Baptista (1941-2024), futebo-
lista, jogou os melhores anos da
carreira no Sporting e esteve
no Mundial de 66, participando
na conquista do terceiro lugar.
Completou uma licenciatura em
Economia enquanto jogava. Dia
3, de causas não reveladas. R.G.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
“A escola
das 35 nações”
Com este título, o Expresso pu-
blicou um artigo de Joana Pe-
reira Bastos e Tiago Miranda,
onde se expunha as dificuldades
de uma dada escola no que se
refere ao ensino de crianças e
jovens filhos de imigrantes, que
nada conhecem da língua por-
tuguesa. É uma tristeza, e ao
mesmo tempo uma revolta, sa-
ber quando uma aluna, citada no
artigo, diz “fico aborrecida, não
entendo nada do que foi dito”, e
que passava o tempo das aulas
“a fazer desenhos no caderno”,
que há alunos que simplesmen-
te “estão nas aulas” sem fazer
nada, apenas a passar o tempo.
Não fazer nada para contrariar
essa situação não é admissível
de todo. A função da escola não é
“guardar os meninos”. É de lhes
proporcionar aprendizagens.
Fui professor (estou aposenta-
do já há alguns anos) e sou sen-
sível ao assunto desde há muito.
Em 1996 terminei um DESE
sobre o Ensino de Populações
Especiais, na ESSE de Santa-
rém, e o meu trabalho de fim de
curso foi precisamente sobre a
forma de poder chegar a alunos
que não dominam o português.
Esse meu trabalho baseava-se
na experiência de escolas na Ín-
dia e nos Estados Unidos e na
metodologia do “Trabalho In-
dependente”, que habitualmen-
te utilizava nas minhas aulas.
Essa metodologia e os materiais
construídos para o efeito (fichas
bilingues e textos traduzidos) fo-
ram aplicados mais tarde numa
turma de Ciências da Natureza
onde havia um aluno ucraniano
que tinha alguns conhecimen-
tos de inglês. O aluno passou
a desenvolver o seu trabalho
normalmente, o que até aí não
acontecia, e sentia-se reconhe-
cido porque alguém lhe dava
importância, se importava com
as suas aprendizagens, como foi
referido depois pela mãe. Mas
porque é que se insiste em aulas
expositivas que, mesmo para o
caso de alunos cuja língua ma-
terna é o português, não atin-
gem todos por igual e levam a
que muitas dúvidas dos alunos
não sejam resolvidas, quando
há outros métodos que melhor
se aplicam?
José Mila Felipe, Santarém
A ladainha
Para o aspeto exterior dos hu-
manos, o esqueleto é uma com-
ponente essencial e, nesse aspe-
to, ou Deus ou a Natureza foram
exímios escultores. Dotaram o
esqueleto humano de ossos mi-
cro como os do ouvido, peque-
nos como as falangetas, médios
como o rádio e grandes como o
fémur, todos eles importantes e
indispensáveis para uma boa ar-
ticulação que faz de nós aquilo
que somos. Vem esta introdução
a propósito de alguns políticos
que, quando falam de Econo-
mia e se referem à obrigação
que o Estado tem de apoiar e
ajudar “as micro, pequenas e
médias empresas”, o que até
se compreende e se aceita. O
que não se compreende é que,
quando se referem às grandes
empresas, grosso modo acima
dos 250 trabalhadores, o fazem
de forma hostil e agressiva.
A Economia funciona um pou-
co como o esqueleto. Será que
PRIMEIRO CADERNO 33
estes políticos acreditam que
as economias podem dispensar
as grandes empresas? Será que
conseguem imaginar pequenas
e médias empresas a prestar
serviços de telecomunicações,
de energia ou de transportes? É
claro que não. Não são assim tão
ignorantes. Na verdade, o que os
incomoda é que essas empresas
sejam privadas e bem-sucedidas,
porque na sociedade que idea-
lizam essas empresas devem
ser públicas. Com um exemplo
vou procurar demonstrar que
estão errados. A Autoeuropa de
Palmela, do grupo Volkswagen,
com mais de mil trabalhadores
com um salário médio superior
à média nacional e onde reina a
paz social, as situações de con-
flito com a gestão praticamente
não existem. Um bom exemplo
do que levou ao maior desen-
volvimento socioeconómico no
Norte da Europa. Acreditará
alguém que sendo pública a Au-
toeuropa seria aquilo que é? Por-
que lhe têm então tanta raiva?
Helder Pancadas, Sobreda
Retificação
Fazemos referência ao artigo
publicado no Expresso a 16 de
fevereiro de 2024 (pág. 4), sob o
título “Justiça: Relação manda
julgar de novo caso de crianças
retiradas à mãe”, no qual somos
mencionadas com referência a
factos que não correspondem
à realidade, solicitando, desde
já, a retificação do artigo. Na
referida notícia afirma-se: “Há
oito anos duas técnicas da Segu-
rança Social foram condenadas
por terem dado informação falsa
ao Tribunal de Menores.” Esta
informação é errada na medida
em que a condenação de pri-
meira instância aconteceu em
maio de 2023 e não há oito anos,
como erradamente é referido.
No V/ relato, que tem início
no subtítulo “O que aconteceu”,
impõe-se sublinhar que não es-
távamos presentes no local e que
os factos relatados neste bloco
não correspondem ao que nos
foi transmitido, não tendo nós
tido conhecimento da existên-
cia da pessoa mencionada como
“uma conhecida que estava no
café” e do seu eventual papel no
decurso dos eventos daquele dia.
No parágrafo “Anabela Vieira e
Sandra Baptista assumiram que
passaram informação incorreta,
mas alegaram que essa infor-
mação lhes foi transmitida pelo
assistente social e que agiram
de boa-fé”, é imperativo deixar
claro e sem reservas que em mo-
mento algum assumimos que
passámos informação incorreta;
isso não aconteceu e não consta
do processo-crime. Aliás, o as-
sistente social veio confirmar
que o teor da informação que
prestámos à data ao Tribunal de
Família e Menores foi o mesmo
que o próprio transmitiu (quer
em sede de relatório escrito à
data e elaborado pelo próprio
quer em sede de declarações no
julgamento), sendo sempre esta
nossa posição que foi transmiti-
da em sede de julgamento.
No final do texto, quando é
dito que “a indemnização nun-
ca foi paga”, importa clarificar
que tal não poderia acontecer
porquanto corria recurso no
Tribunal da Relação, pelo que
não existe qualquer incum-
primento da nossa parte. Não
podemos deixar de lamentar
as reiteradas imprecisões e
omissões verificadas no acom-
panhamento mediático deste
processo que tanto penalizam
a nossa idoneidade profissional
e pessoal, pelo que solicitamos
que, respeitando o nosso bom
nome e em nome do rigor jor-
nalístico, possa proceder à cor-
reção da notícia em referência.
Com os melhores cumprimen-
tos,
Anabela Vieira e Sandra Baptista
34 PRIMEIRO CADERNO
Se não aconteceu,
podia ter acontecido
Nº 114 SÉRIE II
DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
PSD recuperou Durão,
Santana, Passos, Menezes
e Rio e chamou um médium
para contactar Sá Carneiro
A AD deu amplo destaque aos presi-
dentes eméritos do PSD numa campa-
nha a que só faltaram os três contabi-
listas da troika e Madonna. Tivemos
direito ao Durão que fugiu, o Menezes
que foi corrido, o Santana que durou
meses, o Passos de aquém e além FMI,
o Rio dos popós e hoje entra em cena
um indivíduo que tem um grupo de
WhatsApp com Alexandra Solnado e
o outro mundo. O senhor promete en-
trar em contacto com Sá Carneiro,
cura impotência e maus-olhados, re-
solve falências, trata micoses e só co-
bra depois do resultado. M.B.
Dia de reflexão
de Marcelo começa
às 20H01 de domingo
O Presidente quer que a situação po-
lítica fique clarificada, antes da
meia-noite de domingo, para poder
ver os Óscares descansado e deitar-
-se cedo, às cinco da manhã de se-
gunda-feira. Para os comuns mor-
tais, o dia de reflexão é amanhã, mas
o mais alto pensador da Nação só co-
meça a refletir quando José Rodri-
gues dos Santos, às 20H01 de domin-
go, anunciar que “VOTARAM…
TODOS!”. A partir daí, Marcelo sen-
ta-se na posição de lótus e entra em
sintonia institucional com a Consti-
tuição, os rodapés dos canais e a fon-
te de Belém do Expresso. M.B.
UE proíbe produtos
fabricados com trabalho
forçado, como leis e
diplomas aprovados por
deputados portugueses
na quinta-feira
depois de almoço
Os membros da União Europeia che-
garam a um acordo para proibirem a
importação ou exportação de produ-
tos fabricados com trabalho forçado,
como projetos-leis apresentados no
Parlamento no final da semana, a
substituição de João Mário pelo trei-
nador Roger Schmidt e o grito “golo”
pelos jornalistas da SportTV quando
o mesmo é marcado por outros clubes
que não o Benfica. Pela mesma razão,
a UE também proibiu Cavaco Silva e
Passos Coelho de aparecerem ao mes-
mo tempo num comício da AD. V.E.
Militante do BE que
prometeu anular votos da
AD e Chega é um primo de
Mariana Mortágua que sofre
de problemas mentais
porque foi despejado e
tornou-se sem-abrigo
O militante do Bloco de Esquerda in-
dicado pelo partido para estar numa
das mesas de voto, que prometeu
nas redes sociais anular os votos da
AD e Chega é, segundo o que Maria-
na Mortágua contou ontem no pro-
grama do Goucha, um primo que so-
freu o mesmo destino da sua tia-avó
e ficou de tal maneira sobressaltado
com a “lei Cristas” que acabou a dor-
mir na rua, convencido que é o Napo-
leão Bonaparte, prometendo vingar-
-se de Luís Montenegro e André
Ventura que, na sua mente perturba-
da pela troika, o venceram em Wa-
terloo, com dois golos do Galeno e
um fora de jogo mal assinalado. Ain-
NOVO BOLETIM DE VOTO
ELEITORES VÃO DAR NOTAS
E SOBE E DESCE AOS PARTIDOS
Aí está a tão ambicionada reforma eleitoral: no domingo, na solidão inóspita da cabine de voto, os
portugueses irão deparar-se com um novo boletim de voto, sem sítio para pôr a cruzinha, o pirete ou
as mensagens de forte conteúdo sexual. A partir destas Legislativas, os eleitores vestem a pele
do comentador de bancada e vão classificar os candidatos com notas de 1 a 10, setas de
sobe e desce e sinais de fixe ou o emoji da língua de fora. Quem tiver melhor média,
vai a Belém, é convidado para formar governo e pode começar a telefonar aos
boys e girls para enviarem CV e IBANs. A CNE lança hoje a campanha
“Não vote com os pés. Escolha o seu partido nota 10”. M.B.
ANTÓNIO COSTA GABA-SE
DE DEIXAR MUITA OBRA
PARA PEDRO NUNO SANTOS
INAUGURAR E OS FILHOS E
NETOS DE PEDRO NUNO
SANTOS PAGAREM
António Costa surgiu num
comício do PS para garantir
a Pedro Nuno Santos que
lhe deixa “muita obra” para
inaugurar, que serão pagas com
os impostos dos seus filhos,
netos e pela avó da amiga
Mariana Mortágua, tendo
Pedro Nuno Santos agradecido
a António Costa as obras que
vai inaugurar e prometido
construir mais algumas, desde
aeroportos ao TGV, que vai
deixar ao próximo secretário-
-geral do PS e que serão pagas
pelos netos e bisnetos deste,
bem como pela bisavó de
Mariana Mortágua. António
Costa também se gabou de
deixar a Pedro Nuno Santos
muita obra para Lucília Gago
investigar. V.E.
da segundo a porta-voz do BE, o pri-
mo, durante o Estado Novo, foi con-
denado a um auto de fé pelo
intendente Pina Manique. V.E.
Ventura alerta: 3700 presos
que fugiram do Haiti foram
colocados pelo Bloco em
mesas eleitorais para
eliminar votos do Chega
O líder da extrema-direita estava
descansado a comer um bitoque e
tudo o que passava no rodapé da
CMTV e ficou a saber que fugiram
3700 presos das cadeias do Haiti.
Ainda a passar as batatas fritas pela
gema do ovo, Ventura chamou os
jornalistas e alertou que tinham fu-
gido 37 mil assassinos e violadores
caribenhos da prisão de Alcoentre,
que se meteram em táxis e foram di-
reitos à sede do Bloco de Esquerda.
“Mariana Mortágua vai colocar es-
tes 74 mil cadastrados africanos e
asiáticos nas mesas, com instruções
para passar os votos do Chega ao
PCTP-MRPP e ao Tino e assim. A avó
da Mariana tem de falar ao país so-
bre esta matéria”, exigiu o populis-
ta-batata-fritista-bitoquista. M.B.
Francisco Assis espera que
António Costa seja o
próximo presidente do
Conselho Europeu, mas
recusa-se a apostar na
escolha
Francisco Assis manifestou o desejo
e a esperança de ver o correligioná-
rio António Costa ser o próximo pre-
sidente do Conselho Europeu, mas o
presidente do CES, que odeia e com-
bate tanto o vício do jogo como Elliot
Ness e os seus Intocáveis combatiam
o álcool vendido por Al Capone, re-
cusa-se a apostar na escolha, no-
meadamente a raspar moedas em
papéis para descobrir se, por baixo
da tinta prateada, está o nome de
António Costa seguido de uma amo-
ra e uma cereja ou, seguido de um
morango e uma framboesa, ou de al-
gum alemão, como Martin Schulz ou
o “Rei dos Aspiradores”, Matthias
Schmelz. Francisco Assis também se
recusa a apostar qual o próximo po-
lítico português a acabar nos cala-
bouços da PJ. V.E.
Nuno Melo apelou ao
voto em Pedro Nuno
Santos, percebeu o
engano, pediu desculpa e
votou antecipadamente
em Paulo Raimundo
Depois de dizer, em Santa Maria
da Feira, que “nós merecemos uma
vitória robusta que permita a Pe-
dro Nuno Santos ser primeiro-mi-
nistro”, Nuno Melo foi avisado que
estava a parafrasear a jornalista
Anabela Neves e emendou a “gaf-
fe”, dizendo cruz-credo e apelan-
do, como nos seus tempos fez o
major Valentim Loureiro, no atual
secretário-geral da ONU, berran-
do, “Guterres! Guterres! Guter-
res!”. Nuno Melo retirou-se então
do comício, não sem antes come-
ter a maior gaffe da noite, quando
apelou ao voto no PPM de Gonça-
lo da Câmara Pereira. V.E.
CHEGA ACUSA:
GANSOS-DO-EGITO
QUE INVADIRAM
LISBOA FORAM
RADICALIZADOS PELOS
FRANGOS DO CAMPO
DO MARTIM MONIZ
A deputada cheguense
Rita Matias teve acesso
a um estudo da ONU, da
autoria de Charles Darwin,
Nikola Tesla e Jane Goodall,
e por isso não pode ser
cientificamente contestado.
Nesta investigação,
afirma Matias, prova-se
que a invasão dos jardins
lisboetas, pelos gansos-
-do-egito, foi orquestrada
pela máfia do take-away de
churrasco e que os gansos
foram radicalizados pelos
frangos do campo do Martim
Moniz. Passos Coelho,
mais uma vez, reforçou o
discurso da extrema-direita
e garantiu que os gansos-
-do-egito aumentaram o
sentimento de insegurança
das gaivotas. M.B.
Expresso, 8 de março de 2024
Rui Tavares acusado de ter
os filhos nas escolas de
formação do Benfica e
Sporting quando defende
aulas de Educação Física
na escola pública
Rui Tavares, ardente defensor da
escola pública, tem os filhos num
colégio privado, incoerência de-
nunciada por André Ventura que,
hoje mesmo, mostrando mais uma
vez papéis na televisão, denunciou
que Rui Tavares defende a Educa-
ção Física nas escolas públicas dos
subúrbios, mas depois paga a men-
salidade, equipamento e chutei-
ras, compradas no El Corte Inglés,
para um filho jogar nas camadas
jovens do Benfica, outro no Spor-
ting e, se depender do pai, os dois
no PSG dos xeques sauditas. André
Ventura denunciou ainda que a es-
cola privada frequentada pelos fi-
lhos de Rui Tavares é o elitista Co-
légio da Barra dos “Morangos Com
Açúcar”. V.E.
Comissão Nacional
de Eleições distribui
espelhos pelos eleitores
para dia de reflexão
É uma das maiores operações logís-
ticas de sempre em Portugal, só
comparável ao processo de vacina-
ção. A Comissão Nacional de Elei-
ções (CNE) decidiu distribuir milhões
de pequenos espelhos pelos eleitores
para facilitar a reflexão no dia ante-
rior às eleições. A CNE ainda tentou
recrutar o Gouveia e Melo para lide-
rar a operação, mas não foi possível
porque o almirante estava ocupado
a gerir o mal-estar na Marinha. Op-
tou-se então por um sistema mais
moderno: centenas de drones sobre-
voarão as principais cidades a distri-
buir espelhos. Todos devem ser de-
volvidos na urna de voto no domingo.
Caso estejam danificados, o eleitor
pagará uma coima de 10 euros ou
não poderá votar. A.P.
Expresso, 8 de março de 2024
Toxicodependentes
exigem que novas drogas
a circular no mercado
tenham comparticipação
A Associação Portuguesa de Agar-
rados à Droga está seriamente
preocupada com a forma desigual
com que os toxicodependentes es-
tão a ser tratados em Portugal. Exi-
ge que as novas drogas a circular no
mercado, muitas das quais de ori-
gem farmacêutica, sejam comparti-
cipadas tal como os medicamentos.
A associação tem já um parecer de
três juristas de peso – dois dos quais
com mais de 100 quilos – a garantir
que este tratamento é inconstitu-
cional. Sem exceção, os partidos
prometeram avaliar a questão caso
vençam as eleições. A.P.
A seguir ao satélite,
Portugal vai colocar uma
rotunda no espaço
Lá dizia o poeta que o homem so-
nha, a bola colorida pula, a criança
agarra a bola com as mãos, o árbi-
tro assinala grande penalidade por-
que foi dentro da grande área, a de-
cisão vai ao VAR, é anulada e a obra
nasce. Foi mais ou menos assim que
se lançou o segundo satélite portu-
guês, o Aeros, que vai observar o
DIA DE REFLEXÃO
MESMO À PATRÃO
“Foi no Dia de Reflexão que te conheci
Foste o 30 de fevereiro de um ano por inventar
Falamos, falamos de coisas tão loucas e acabamos, em silêncio,
Por unir as nossas bocas e eu aprendi a amar”
Vítor Espadinha
Sábado, falar de política
dá direito a pena de prisão
efetiva entre 20 e 25 anos e
à frequência obrigatória de
800 horas de um atelier de
life-coaching com Gustavo
Santos. Para evitar problemas
às pessoas, o IP antecipa já
as grandes reflexões dos
portugueses.
Inês Sousa Real
pode vir dirigir as
reuniões do meu
condomínio?
Paulo Raimundo parece
boa pessoa, coitado.
Rui Tavares,
faz-me um filho?
aguente meia arruada. Saliento
OPINIÃO também a importância de
políticos polivalentes que saibam
Por fazer várias posições, tanto na
Roger Esquerda como na Direita ou
Schmidt no Centrão, aconselhando Luís
Montenegro a candidatar-se pela
AD, pelo Bloco de Esquerda e pelo
ACHO QUE O PS DEVIA TIRAR O PAN, bem como a ser inventivo
PEDRO NUNO SANTOS E SUBSTITUÍ- no ataque político, trocando o
-LO PELO JOÃO GALAMBA populista de raiz André Ventura
por algum político adaptado à
Olá, herr portugiesische und pressa à posição de ataque, como
frau portugiesische, neste Rui Tavares. Por fim, quanto à
fim de semana o meu país aposta na formação, aconselho
adotivo vai a votos e eu não à AD e o PS, caso tenham uma
podia deixar a minha tática hecatombe eleitoral e o Chega
eleitoral, considerando que o seja eleito como maioria absoluta,
novo secretário-geral que o PS a subirem aos palanques, para
foi buscar ao mercado e que é explicar a derrota eleitoral, jovens
considerado uma grande estrela promessas como o Alexandre
socialista devia ficar a aquecer o Poço e a Maria Begonha. E agora,
banco do partido e ser substituído como se diz in meinem Land,
por João Galamba, não apenas addio, adieu, aufwiedersehen,
nestas eleições, como em todas goodbye, amore, amour, João
as eleições futuras, mesmo que Mário, meine Liebe, love of my
esteja fora de forma física e não life. V.E.
mar e os cardumes de carapau com Ministério da Saúde prevê
molho à espanhola. Depois deste que a partir de 2026 existam
feito, a ciência portuguesa avança tantos médicos de família que
para a primeira rotunda no espaço. têm de sentar-se na sala de
O objetivo é facilitar o trânsito de espera dos centros de saúde
alienígenas rumo a Roswell e ao sis-
tema nervoso central de José Go- Dados do Ministério da Saúde admi-
mes Ferreira. M.B. tem que existem poucos médicos de
O choque fiscal
da AD significa
que o Nuno Melo
passa a validar-me Pedro Nuno
as faturas? vai governar
por WhatsApp?
A avó de Mo
rtágua
mais disse na nunca
da?
Se a IL priva
tiz
a Caixa, o bo ar
neco
do Multiban
co tem
de emigrar?
Marcelo estará
afónico? Só fala uma
vez por dia.
de
ue hei
Para q Ventura
no
votar ra voltou
se ago ssos?
o Pa
gora
sus a a.
rge Je tic
O Jo de polí niverso
fala num u
dei ivo?
Acor alternat
Gonçalo da Câmara
Pereira vai ser ministro
da Cultura?
M.B. @oinimigo_pronto
V E N C E D O R A D O S Ó S C A R E S ® K A T E W I N S L E T
U M A H U M I L D E S E R VA D O P O V O
família, mas as projeções do minis-
tério apontam 2025 como sendo o
ano em que já haverá tantos médi-
cos de família quantos pacientes e
2026 como o ano em que os médi-
cos terão de chegar às seis da ma-
nhã para inscreverem-se no Centro
de Saúde se quiserem nele dar con-
sultas. As projeções do Ministério
da Saúde baseiam-se numa velha
profecia do sapateiro e vidente
Gonçalo Anes Bandarra, que dizia,
“No ano da graça de dois mil e vinte
e seis/ Vencidas por Manuel de Pi-
zarro todas as lutas/ Pacientes des-
te reino, nada temeis/ Ides ter mais
curandeiros do que p...”. V.E.
Influencers assinalam
falecimento da
celebridade da moda Iris
Apfel com 1 segundo de
silêncio no Instagram
O PS fez correr que Pedro Nuno
Santos é o herdeiro espiritual de
Iris Apfel, ícone do estilo, celebri-
dade da moda, única nova-iorqui-
na que não conhecia José Caste-
l o B ra n co , f a l e c i d a e s t a
semana, mas não consta que
seja assim. Por cá, as influen-
cers portuguesas homenagea-
ram Apfel com o unboxing de
emoções, um segundo de silêncio
no Instagram e a recomendação de
um creme ótimo para a parte de
trás das pálpebras. M.B.
O Costa voltou
à escola. É um
sinal de que eu
devia acabar a
catequese?
CONHEÇA A SUA
NOVA LÍDER
NOVA MINISSÉRIE
VEJA AGORA
PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO
Herman José cantou
50 anos de carreira
em 6 minutos e
Pedro Nuno resumiu
3 anos de ministro
em 6 WhatsApps
Herman José cantou um medley, na
meia-final do Festival da Canção, que
arrebanhou 50 anos de génio em
apenas 6 minutos e inspirou outros
verdadeiros artistas a tentar algo pa-
recido. Foi o caso de Rui Rocha, que
prometeu privatizar 50% do Estado
em menos de 6 horas, de Pedro
Nuno, que só precisou de 6 WhatsA-
pps para contar os seus 3 anos de mi-
nistro dos três aeroportos e Roger
Schmidt, que exigiu a Rui Costa mais
50 jogadores para apenas 6 posições
da equipa do Benfica. M.B.
NOTA DA REDAÇÃO
O INIMIGO SAÚDA
O FIM DO BIDÉ
Na passada segunda-feira,
Portugal chegou finalmente
ao Século XXI: entrou em
vigor o Simplex do urbanismo.
Entre outras disposições
menores, a nova legislação
põe fim à imposição medieval,
retrógrada e prepotente
do bidé nas casas de banho
portuguesas. Como muitos
jornais de referência que
tomam posições editoriais de
apoio a políticos ou causas, O
INIMIGO PÚBLICO aplaude a
libertação nacional do flagelo
do bidé. Cumpriu-se — 49 anos
e 11 meses depois! — o quarto
D de Abril (desbidézar). M.B.
Equipa oInimigoPúblico
“Se não aconteceu… podia
ter acontecido!” O Inimigo Público
é um suplemento satírico,
sendo todo o seu conteúdo ficcional.
Diretor Luís Pedro Nunes
Redação Alexandre Parreira,
Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
Projeto gráfico @oinimigo_pronto
Editor online João Martins
Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
conjunto Expresso/Produções Fictícias/
Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 8 de março de 2024

Editorial&Opinião
Editorial Depois de uma longa
e intensa campanha eleitoral, é a vez Eles, na oposição
de os portugueses fazerem a sua escolha
uma retumbante vitória de com- vocado — vamos todos rir agora Socialista que o segundo não pos-
pensação pelo incómodo sofrido — por Miguel Albuquerque e a sui espaço para não se abster na

Guia para
no último semestre.
Se Pedro Nuno ainda for capaz
de dormir, o seu sonho será algo
assim: desgastar a direita, expor
decisão de marcar diretas e con- votação do próximo Orçamento.
gresso para antes ou depois das É a hipótese, no fundo, de uma
europeias ao critério de um par- queda tão abrupta do PS que a
tido que não toca em poder há governabilidade de Montenegro,

domingo Sebastião Bugalho

politica@expresso.impresa.pt
as suas incompatibilidades, cali-
brar forças no Parlamento, recu-
perar legitimidade nas europeias
e disputar o poder em menos de
nove anos e que, quase por certo,
teria uma maioria de direita na
Assembleia da República.
No verão de 2022, quando foi
com um punhado de votos da IL
e uma ou outra cedência a Rui
Tavares, ganha margem para se
estender no tempo — pelo me-

D
as poucas certezas que
o sistema político portu-
guês ainda nos dá, a 48
As eleições legislativas do próximo domingo culminam horas de eleições, é que
uma longa, cerrada e intensa campanha eleitoral, que um homem será eleito primeiro-
se prolonga já há meses, desde a queda do Governo de -ministro e outro encaminhado
António Costa em novembro. A partir da escolha dos para a oposição. A dimensão do
portugueses nas urnas, vamos conhecer os 230 deputados resultado — isto é: a distância a
eleitos para a próxima legislatura e vamos ficar a saber que ficarem um do outro — dita-
quem nos vai governar. Mas além de se perceber se o rá quanto tempo cada um dura
vencedor será o PS de Pedro Nuno Santos ou a AD de Luís no respetivo destino.
Montenegro, há outros pontos aos quais convém estar No cenário idealizado pelo
atento. Desde logo, perceber se, tal como têm indicado as círculo mais próximo de Pedro
sondagens, o Parlamento terá uma maioria de deputados Nuno Santos, o PS perde por
à direita (com ou sem o Chega). Depois, perceber até onde décimas, o PSD vê a sua vitória
irá o crescimento do partido de Ventura, e se este pode responsavelmente viabilizada
atingir a meta do milhão de votos nas urnas. Finalmente, pelos socialistas e, volvido meio
perceber qual o resultado das diferentes forças à ano, tira-lhe o tapete na discus-
esquerda, e quem fica à frente de quem. Isto tudo, sem são do Orçamento do Estado,
esquecer a abstenção: é que, depois de quatro eleições obrigando-o a depender do Che-
seguidas a subir, baixou em 2022. Como será agora? ga — e quebrar a palavra — ou a ir
a votos novamente como incapaz
de gerar estabilidade. Pelo cami-
nho, com sorte, António Costa
um ano.
Em caso de vitória imediata
do PS, confrontar-se-á pronta-
mente Luís Montenegro com
as suas promessas (não governa
se perder nem com o apoio de
Ventura), cobrando-se a viabili-
zação que Pedro Nuno garantiu
quando os dois debateram. O
Presidente da República teria
aí um papel central, segurando
Montenegro após uma derro-
ta arrasadora para o próprio e
dando nota pública, talvez na
tomada de posse do que seria o
quarto Governo seguido do PS,
que os deputados do PSD foram
eleitos com a premissa de não
se aliarem ao Chega, logo, que
não dará posse a nenhum nome
não sufragado nas urnas, como
aliás não dera seis meses antes
a nenhum dos indicados por
António Costa para cuidador
informal da maioria absoluta,
consagrado líder do PSD, Luís nos até aos idos do ano que vem,
Montenegro disse: “Acreditem, quando Marcelo já não pode dis-
se algum dia for confrontado com solver por proximidade ao seu
a violação dos nossos princípios e final de mandato. Nesse cenário,
valores para formar ou suportar com a IL e o Livre como inusita-
das charneiras do ciclo político,
Luís Montenegro instalar-se-ia
Um homem será eleito suficientemente no cargo para
primeiro-ministro e outro fazer campanha através dele,
encaminhado para a emulando Cavaco entre 85 e 87.
oposição. A distância a que Para o evitar, Pedro Nuno San-
ficarem um do outro ditará tos depende como nunca — ou
quanto tempo cada um como sempre — de António Cos-
dura no respetivo destino ta. Derrubado e demissionário,
o ainda primeiro-ministro é o
único fator que pode salvar Pe-
um Governo, o partido pode deci- dro Nuno de 1) perder as eleições
dir o que quiser, mas não serei eu deste domingo para a indecisão,
o líder desse Governo”. E é neste 2) perder as europeias de junho
cenário que essa frase encontra a por falta de candidato, 3) perder
parede do seu eco. a liderança do partido pela acu-
Há, no entanto, outra possibili- mulação dessas derrotas. Quase
dade que não uma vitória do PS como, dois anos depois de não se
ou uma dependência acentuada demitir por decidir onde seria o
do Chega por parte de um Go- aeroporto sem ele, Pedro Nuno

MAGA Entrevistas já foi ouvido e o seu processo ar-

quivado, deixando-o livre para
já ligada à máquina. A reação
nos corredores laranja seria um
verno do PSD. É a hipótese de
um resultado tão expressivo — de
Santos continuasse, imóvel, nas
mãos de António Costa.

outra vez? Há mais de 50 anos que

encabeçar a lista ao Parlamento
Europeu em junho, onde arranca
tanto imprevisível, com um Con-
selho Nacional a ter de ser con-
uma distância tão larga — entre a
Aliança Democrática e o Partido
E nós?
Continuaremos?

o Expresso procura levar

A chamada Super a melhor informação aos
Terça-Feira, em que leitores. Nesta campanha, LEIA TAMBÉM ( ( (
dezena e meia de estados como noutras, realizou
escolheram os candidatos entrevistas aos líderes EM EXPRESSO.PT A defesa Aos museus, JOMO
que se vão apresentar por
democratas e republicanos
dos principais partidos
e candidatos. Com duas
da nação cidadãos! ANDRÉ FONTES

JOSÉ CONDE RODRIGUES LUÍS RAPOSO

nas eleições presidenciais exceções: Pedro Nuno
do final do ano nos EUA, Santos e Luís Montenegro
confirmou o que já se recusaram até ao fim dar
previa: Joe Biden, como entrevistas aos nossos
incumbente, foi o escolhido jornalistas, apesar dos
pelos democratas, e reiterados e insistentes Secretário-geral da Organização das Nações Unidas Investir na igualdade é o que
Donald Trump, depois pedidos. Lamentamos que deve ser feito, mas também faz
da desistência de Nikki
Haley, ficou com o caminho
aberto para voltar a ser
os referidos líderes não
tenham tido a coragem
de enfrentar as nossas
Investir nas mulheres, apostar sentido financeiramente. Apoiar
as mulheres na entrada nos mer-
cados de trabalho formais faz
o candidato republicano.
Repete-se assim o duelo
de 2020, agora com os
perguntas. O nosso
propósito de um jornalismo
independente dos poderes,
na igualdade de género crescer as economias, aumenta
as receitas fiscais e expande as
oportunidades para todos.
candidatos em pontos de quaisquer que sejam, Há três pontos necessários
partida opostos. mantém-se inabalável. para garantir o investimento de
que necessitamos em mulheres
e raparigas. Em primeiro lugar,
deve-se aumentar a disponibili-
dade de financiamento acessível
e de longo prazo para o desen-
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A.
volvimento sustentável e comba-
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
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ter a crise da dívida que asfixia
muitas economias em desen-
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de Saldanha,
Paulo Miguel Reis, Nuno Conde e Bruno Mateus Padinha António Guterres volvimento. Caso contrário, os
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros,
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A
países simplesmente não terão
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luta pelos direitos das fundos para investir nas mulhe-
mulheres nos últimos res e nas raparigas. Precisamos
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demoliram barreiras, desman- dívidas insuportáveis e para en-
de marca) e Carla Martins telaram estereótipos e impulsi- corajar os bancos multilaterais
(coord. de comunicação
para relações externas) onaram o progresso rumo a um de desenvolvimento a alavancar
Produção mundo mais justo e igualitário. muito mais financiamento pri-
Ana Sengo da Costa (diretora)
João Paulo Batlle y Font
No entanto, o progresso está vado com um custo acessível. A
(coordenador) ameaçado e a igualdade plena longo prazo, devemos reformar
Carlos Morais e Joaquim
Rodrigues (produtores) continua a anos-luz de distância. países desenvolvidos como nos ção política e do investimento, a arquitetura financeira interna-
Circulação e Assinaturas Milhares de milhões de mu- países em desenvolvimento, o tema do Dia Internacional da cional e torná-la muito mais re-
Miguel Pacheco (diretor)
Pedro M. Fernandes
lheres e raparigas enfrentam tem havido uma reação contra Mulher deste ano. cetiva às necessidades dos países
(diretor de circulação marginalização, injustiça e os direitos das mulheres, in- Necessitamos de investimento em desenvolvimento.
e produtos Expresso)
João Braz (responsável discriminação, à medida que cluindo os seus direitos sexuais público e privado em progra- Em segundo lugar, os países
pela circulação) e Rita Silva
(responsável pelo serviço as sociedades continuam a ser e reprodutivos, que impede e mas para acabar com a violência devem dar prioridade à igual-
de apoio ao cliente)
Serviço de Apoio ao Assinante:
moldadas por milénios de domi- até reverte o progresso. contra as mulheres, garantir o dade para as mulheres e as ra-
Tel. 214 698 801 (dias úteis, nação masculina. A persistente As novas tecnologias, que trabalho digno e impulsionar a parigas, reconhecendo que a
das 9h às 19h); e-mail:
apoio.cliente.ip@impresa.pt epidemia de violência baseada têm um enorme potencial para inclusão e a liderança das mu- igualdade não é apenas uma
Atendimento Ponto de Venda no género é uma ignomínia para desmantelar as desigualdades, lheres nas tecnologias digitais, questão de direitos, mas tam-
pontodevenda.ip@impresa.pt a Humanidade. Estima-se que, agravam muitas vezes esta si- na construção da paz, na ação bém a base de sociedades pací-
Impressão
Lisgráfica Impressão
todos os anos, mais de quatro tuação, seja pela desigualdade climática e em todos os sectores ficas e prósperas.
e Artes Gráficas, S.A. milhões de raparigas correm no acesso, por algoritmos com da economia. Devemos também Por último, precisamos de au-
Estrada de São Marcos, 27
2735-521 Agualva-Cacém o risco de serem submetidas à preconceitos enraizados ou apoiar urgentemente as organi- mentar o número de mulheres
Distribuição mutilação genital feminina. A pela violência misógina — que zações de direitos das mulheres em posições de liderança. Es-
VASP-MLP,
Media Logistics Park
discriminação contra as mulhe- vai desde os deep fakes até ao para oferecer educação digital tou particularmente orgulhoso
Quinta do Grajal, Venda Seca res e raparigas continua perfei- assédio direcionado a mulheres e desenvolver competências. É de, desde o início do meu man-
2735-511 Agualva Cacém
Tel. 214 337 000 tamente legal em grande parte específicas. necessário investimento para dato, e pela primeira vez na his-
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt do mundo. Ao ritmo atual, a plena igual- fornecer cuidados infantis que tória, termos um igual número
Tel. 808 206 545 Entretanto, as crises mun- dade jurídica para as mulheres permitam aos cuidadores, que de mulheres e de homens na
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo dos
diais afetam de forma mais ainda estará a cerca de 300 anos quase sempre são as mães, rea- gestão de topo em todo o siste-
anúncios nem pela exatidão
das características e
severa as mulheres e as rapa- de distância; o mesmo acontece lizar trabalho remunerado fora ma das Nações Unidas.
propriedades dos produtos e/
ou bens anunciados. A respetiva
rigas. Onde quer que haja con- com o fim do casamento infantil de casa para construir comuni- Estamos longe da igualda-
veracidade e conformidade flitos, catástrofes climáticas, Tem de haver igualdade agora. dades e sociedades inclusivas de. Acabar com o patriarcado
com a realidade são da integral
e exclusiva responsabilidade pobreza ou fome, são elas as Para tal, é necessário acelerar com a plena participação de mu- exige investimento. É hora de
dos anunciantes e agências ou
empresas publicitárias. que mais sofrem. Tanto nos o passo, que depende da ambi- lheres e raparigas. “abrir os cordões a bolsa”.
Expresso, 8 de março de 2024
Miguel Poiares Maduro
politica@expresso.impresa.pt
As indecisas
N I
o dia em que este artigo é pu-
blicado estamos a dois dias
das eleições. Falar do que vai
acontecer é arriscar ser des-
mentido quase imediatamente... Isto é
particularmente o caso quando, como
nestas eleições, temos um número
tão elevados de indecisos (ou, ainda
maior, de indecisas) tão próximo da
data eleitoral. As sondagens indicam
que quase 20% dos eleitores ainda
não decidiram em quem vão votar.
Isso não quer dizer que não saibamos
nada desses eleitores. Sabemos que
são sobretudo mulheres e que estão
insatisfeitas com a atual situação do
país (80% do país avaliam negativa-
mente onde estamos e mais de 75%
acham que vamos na direção errada).
Têm vontade de mudança, mas ainda
não sabem como a concretizar ou
têm receio das suas consequências. É
provável que uma parte significativa
sejam eleitores que deram a maioria
absoluta ao PS nas últimas eleições.
São estes eleitores que AD e PS vão
disputar nestas últimas horas e po-
dem bem decidir as eleições. A minha
convicção é que irão decidir pela AD.
Alguns (sendo conhecida a minha
militância partidária) dirão que estou
a confundir desejo com análise, mas
eis as minhas razões. Estes eleitores
querem mudança. A AD oferece essa
mudança e fez disso a sua campanha.
O PS sabe que não pode defender a
continuidade perante uma tal vontade
de mudança, mas também não está
De tanto alimentar
a mesma tese, PS e Chega
acabam por confirmar
que a vitória da AD é a única
hipótese real de mudança
em posição (nem foi capaz) de defen-
der uma mudança. Pedro Nuno San-
tos tentou resolver esse dilema pro-
movendo, por um lado, uma imagem
de homem de ação (implicitamente
oferecendo um placebo da mudança)
e, por outro lado, uma defesa do le-
gado socialista. Mas a ação sem con-
teúdo é apenas uma ficção. Induziu
mais confusão do que clareza sobre a
mensagem política do PS.
A certa altura parece que o PS deci-
diu que não lhe restava outra alterna-
tiva que apostar nos receios associa-
dos a qualquer mudança: ressuscitar
o fantasma da troika (que o próprio
PS criou) e alimentar a conspiração
do Chega. Perante a incapacidade de
trazer algo de novo a esta campanha,
o PS procurou fazer a mesma campa-
nha de 2022: assustar este eleitorado
moderado e indeciso com o trauma
da troika e risco de um acordo de go-
verno entre o PSD (ou AD) e o Chega.
A dificuldade desta estratégia é a
clareza com que Montenegro lidou
com o assunto. Restou inventar uma
conspiração digna de um filme de
série B. Mas a única realidade digna
de uma verdadeira conspiração foi
ver Chega e PS unidos a alimentar
essa conspiração. Afinal a coligação
foi entre PS e Chega. Esta é a supre-
ma ironia: as estratégias de poder
destes partidos coincidem por ambas
dependerem da vitória socialista. De
tanto alimentar a mesma tese, PS e
Chega acabam por confirmar que a
vitória da AD é a única hipótese real
de mudança.
Se a AD foi eficaz, como parece, a
promover a ideia de que a mudança
que traz é uma mudança segura e
a combater os receios da mudança
que foram sendo alimentados, arrisco
que terá uma vitória clara. É que as
eleitoras indecisas querem mudança
e a campanha serviu para pelo menos
tornar claro que só há uma alternati-
va de mudança.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Um recomeço
niciativa Liberal e Livre — Es-
tes são os dois partidos mais so-
fisticados e europeístas nas solu-
ções que apresentam e, não por
acaso, têm muitos pontos de contacto.
Não apresentam ideias, apresentam
políticas que já estão em prática nos
países europeus que sempre estive-
ram à nossa frente ou nos países que
ultrapassaram Portugal nestes 30
anos de decadência socialista — des-
de 1995, o PS só não governou seis
anos. A IL e o Livre merecem toda a
sorte do mundo, porque são os únicos
A foto da PEQUIM Um chá antecede a sessão de abertura da Assembleia Popular
Nacional, encontro anual do Parlamento do gigante comunista, no Grande
que estão a pensar o país dos nossos
filhos. O futuro da esquerda e da direi-
semana Salão do Povo da capital chinesa. Os seus 3000 membros iniciaram os tra-
balhos terça-feira, este ano com a notícia de que não haverá conferência de
imprensa do primeiro-ministro no final da sessão. Em paralelo reúne-se a
ta passa por estes dois partidos que já
nasceram na normalidade democráti-
ca e europeísta. Não se respira aqui a
Por Pedro Cordeiro Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, formada por 2200 repre- nostalgia do orgulhosamente sós das
pcordeiro@expresso.impresa.pt sentantes de vários sectores sociais. FOTO FLORENCE LO/REUTERS outras esquerdas. Também não se res-
pira o medo de estar na direita liberal
que sempre marcou o PSD e o CDS. Se
votar com a cabeça, que já só pensa no
futuro das minhas filhas, votarei IL.
A IL talvez seja quem está numa situação mais difícil, entalada AD — Se votar com o coração, vo-
tarei AD. A Aliança Democrática é a
entre o populismo desbragado do Chega e a liderança do PSD maior marca política do país e capta
de forma orgânica o espírito empreen-
O caso difícil dos pequenos dedor da costa atlântica entre Lisboa
e Viana. É imbatível. Fez uma campa-
nha notável que desorientou o Chega
partidos e a oportunidade na extrema-direita e as redações, que
respiram inevitavelmente uma atmos-
fera mais próxima da esquerda da
desperdiçada da IL esquerda. Foi do centro para a direita,
tocando em temas polémicos que têm
de ser abordados pelo centro, e depois
IL e Livre. O futuro da
esquerda e da direita passa
por estes dois partidos que já
C
omecemos por um elogio. alternativa à AD, mas sim como nasceram na normalidade
Ao contrário de campa- uma AD aditivada. Insistem que o democrática e europeísta
nhas anteriores, as casas voto na mudança é na IL ou na AD,
de sondagens, bem como limitando-se a dizer que com eles é
os órgãos de comunicação social, mais rápido. É como se fossem uma voltou ao centro, mostrando que a
passaram a dar muito mais desta- ala radical do PSD. Para ser pior, o AD é um grande espaço político com
que aos indecisos nas sondagens. apelo parece contraproducente. A diversidade e força, o oposto do Excel
E assim, apesar de haver sonda- Luís Aguiar-Conraria AD propõe uma descida bastante norte-coreano do PS.
gens que dão grandes vantagens à Professor de Economia da Univ. do Minho substancial de impostos, a IL pro- Chega — Do alto da sua enorme
AD face ao PS (por exemplo, a da lfaguiar@eeg.uminho.pt põe uma descida colossal. Ninguém arrogância moral, a esquerda quis
IPESPE/Duplimétrica para a TVI/ sabe muito bem, muito menos os pensar que o Chega era só um pro-
CNN dá-lhe uma vantagem de oito próprios, quais as consequências blema da direita, isto é, quis pensar
pontos percentuais), a verdade é que a ideia que passa é de uma terapia de choque como a que propõem. Numa que o Chega só iria consumir o eleito-
que tudo pode acontecer. Se, no fim, o PS ficar à frente altura em que o trauma coletivo provocado pelo descon- rado clássico da AD. Não e não. Sim,
ninguém dirá que é uma absoluta surpresa. Esta altera- trolo das contas públicas ainda está presente e em que a AD perdeu para o Chega o voto da
ção da comunicação faz com que tenhamos uma relação há a perceção de que é necessário investir nos serviços direita marialva e de alguns cristãos
mais saudável com as sondagens e que sejamos menos públicos, receio com aventureirismos é natural. Quase radicais, mas, como se tem visto pelas
dados a teorias da conspiração. parece uma questão de bom senso votar na AD normal, sondagens, o eleitorado clássico do
Objetivamente, traz uma dificuldade acrescida aos em vez de votar na AD com esteroides em que a IL se centro-direita (AD + IL) está a resis-
pequenos partidos. Ao passar a ideia de incerteza, esti- parece ter tornado. tir bastante e fica também claro que
mula o voto útil. Se houvesse uma maior certeza, mesmo Mas então surgiu uma oportunidade de ouro. Paulo parte do eleitorado do Chega vem da
que falsa, relativamente a uma vitória da AD, seria mais Núncio pôs-se a explicar como os partidos da AD esquerda — um facto que a presunção
fácil a alguém que quer tirar o PS do governo votar na tinham andado a boicotar o acesso das mulheres ao de superioridade moral da esquer-
IL. Assim, terá mais medo que o seu voto aborto e como poderiam voltar a fazê- da recusa ver. O Chega foi buscar os
seja inútil — conceito que contesto, mas -lo no futuro. Passos Coelho aparece netos e filhos de comunistas que es-
que é tão comum, que o vou adotar — e Quase parece com um discurso que, não sendo xenó- tavam na abstenção apolítica e agora
sentir-se-á tentado a votar AD. Talvez uma questão de fobo, anda muito lá perto, lembrando- vai buscar muitos comunistas. E há
em Lisboa e no Porto esta tentação não -nos de que já conviveu pacificamente uma parte do eleitorado do PS, o baixo
surja, mas, nos restantes distritos, sim.
bom senso votar com Ventura no PSD. Durão Barroso funcionalismo público, que é bastante
O mesmo se passa com o eleitorado na AD normal, em aparece com um discurso velho, dizen- permeável do ressentimento social
dos pequenos partidos à esquerda. Para vez de votar na do que jovens sem experiência de vida do Chega. Ou seja, o Chega é uma
um potencial eleitor do BE, a certeza da AD com esteroides não têm lições para dar e a falar em aliança entre o aristocrata marialva e
vitória de Montenegro retiraria peso ao brasões de armas — do que o homem se o explorado comunista, as duas fren-
seu voto. Com tamanha incerteza, no em que a IL se foi lembrar! Apesar do discurso ponde- tes radicais que se uniram contra o
momento de pôr a cruz, perguntar-se-á parece ter tornado rado e centrado de Montenegro, torna- meu livro “Alentejo Prometido”; os
sempre se não será melhor votar no PS e -se claro que a AD é ainda um viveiro velhos inimigos do tempo da reforma
contribuir para uma vitória da esquerda. de pessoas cheias de pó. agrária juntam-se agora e ameaçam
Este tipo de ponderações, mostraram-nos as últimas Era este o terreno perfeito para a IL se diferenciar. transformar o Alentejo e o Algarve
eleições, podem ter um grande peso final no momento Podiam agora ter aproveitado para nos lembrar que num manto preto.
de colocar o voto na urna. são um partido com um discurso jovem e moderno. Na PS — Passou décadas a governar
Entre os pequenos partidos, a IL talvez seja quem está purga interna que houve, muitos militantes foram parar para os “direitos adquiridos” de uma
numa situação mais difícil. Está entalada entre o popu- ao Chega, ganhando a fação dos liberais em toda a linha. geração, sacrificando todas as outras.
lismo desbragado do Chega e a liderança do PSD (em Em vez de aproveitarem as declarações de Paulo Núncio O problema do PS não está nestas
formato AD). Num contexto que seria sempre difícil, a para gritarem que são também liberais sociais e serem eleições, está na incapacidade para
IL decidiu acrescentar mais alguns obstáculos. afirmativos sobre a questão do aborto, falando direta- chegar às novas gerações, algo que
Preanunciou uma coligação de governo com o PSD. mente às jovens mulheres de direita que não concebem se torna ainda mais perigoso no novo
A insistência em concorrer sozinha fazia sentido para reversões nos seus direitos ou lembrando aos liberais de quadro político. O regime do 25 de
se diferenciar e mostrar que tinha um projeto político esquerda que têm muito em comum com a IL, limitam- Novembro, que garantia ao PS o lugar
próprio. O anúncio de coligação torna o voto num e -se a declarações de circunstância, reafirmando o seu charneira, desapareceu. Agora temos
noutro partido em substitutos quase perfeitos, tor- programa. E, claro, podiam aproveitar o ensejo para o Chega na extrema-direita, AD e IL
nando muito fácil a um potencial eleitor da IL votar falar de temas relacionados, como a eutanásia ou a no centro e uma coligação indistinta
na AD. Ainda por cima, reduzidos a um canto, deviam legalização das drogas leves. de partidos à esquerda. Nesta coli-
diferenciar-se, procurar um nicho no mercado eleitoral. Em vez de se distinguirem da AD e de nos lembrarem gação à esquerda, o PS é só o primus
Em vez disso, decidiram apresentar-se não como uma que são liberais, parecem envergonhados. inter pares, já não é o rex.
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 8 de março de 2024

Opinião

Presidente da CIP Ir ao pote da herança

Derrotar
a abstenção, A
s eleições mais tensas Não fosse o natural cansaço cos e a desqualificação dos trabalhadores do Es-
em muitos anos são por oito anos de poder, estas tado. E, já agora, a impossibilidade de travar um
as que mais têm mo- eleições nem seriam difíceis processo migratório de jovens qualificados que

ganhar bilizado o poderoso e

cada vez mais descarado apa-
para o PS. Mas a contradição
entre ciclo político e econó-
teve o seu pico no tempo de Passos e que agora re-
sulta de uma economia que não evoluiu à rapidez

o futuro
relho mediático da direita. O mico é uma das razões para a do esforço público de qualificação de jovens e da
Presidente diz que entraremos atual indefinição. Mudança de aposta em sectores que acrescentam pouco valor.
numa fase de miniciclos, e as- Daniel Oliveira liderança depois de um ciclo Ainda assim, os próximos tempos deverão ser de
sim parece. Mas a política não longo — Nogueira depois de queda das taxas de juro que têm massacrado a
danieloliveira.lx@gmail.com
é só política. Apesar do absur- Cavaco e Ferro depois de Gu- classe média, de regresso da inflação ao habitual
do discurso do colapso, todos terres — levou sempre à derro- (que os salários só acompanharam na fase final da
querem receber a herança que os espera. Por isso, ta do sucessor. Só que o cavaquismo e o guterrismo crise inflacionista) e dos efeitos de uma situação
Armindo Monteiro esta mudança de ciclo pode ser bem mais do que confrontavam-se, nesses momentos, com o ocaso económica e financeira mais estável. Isto não

A
eventual falta de pontaria das
sondagens ou o seu acerto após
vários anos de tiros ao lado não
é a minha maior preocupação
nestas eleições. Inquieta-me mais que
as percentagens sobre a abstenção elei-
toral não sejam rigorosas e empolem
este fenómeno. Segundo um estudo da
Fundação José Manuel dos Santos, publi-
cado no ano passado, a taxa de abstenção
nas eleições legislativas de 2022 teria
sido de 35%, e não de 42%, se tivesse
sido levado em conta o número real de
residentes no país e não apenas os elei-
tores recenseados. Ou seja, há um so-
brerrecenseamento que se explica pela
emigração: os eleitores deixam de viver
em Portugal, mas continuam inscritos
nos cadernos eleitorais nacionais, em
vez de se inscreverem num consulado do
país onde vivem — quando chega o dia de
votarem, como não estão cá, não votam,
e esta ausência inflaciona os números da
abstenção.
Este fenómeno preocupa-me por três
razões. A primeira: o desinteresse destes
nossos concidadãos, muitos deles jovens,
pela participação política. A segunda:
o não haver qualquer esforço público
para contrariar esta tendência através
de elementares campanhas de sensibi-
lização. A terceira: o efeito de repetição
que provoca nas eleições seguintes — isto
é, a ideia de que, ganhe quem ganhar, não
muda nada e que, por isso, residente ou
não em Portugal, não vale a pena votar,
porque “eles são todos iguais”.
A política tem um lado
lúdico e imediatista,
mas é um assunto sério
que define o presente
e o futuro de uma nação
FOTO D.R.
o início de um miniciclo. económico das suas governações. Aqui passa-se o muda o longo prazo de uma periferia do euro, mas
Não é provável que um país fortemente condi- contrário, com um dado especialmente relevante conta para o cenário político quem aí vem.
cionado por um euro adverso e que está a usar em eleições, que é a baixa taxa de desemprego. Quem vier herda um enorme desafio na qualifi-
os últimos recursos europeus antes de novos O que vai contar mais? A política ou a economia? cação do Estado e dos seus funcionários (e na crise
alargamentos tenha um futuro brilhante pela Os problemas que enfrentamos, além das limita- da habitação, como governos de todas as cores em
frente. Mas, a curto prazo, se não tivermos mais ções do euro, são os custos da escolha orçamental toda a Europa), mas um conforto económico e
pandemias e a guerra não se agravar, o cenário feita por Costa: a degradação dos serviços públi- financeiro que nenhum outro novo primeiro-mi-
até é animador. O PS deixa a economia a crescer nistro conheceu. Mesmo não sendo maioritário,
acima da média europeia — o maior crescimen- não será fácil fazê-lo cair sem que se vitimize e
to médio deste século foi, de longe, com Costa. Com uma economia a crescer se reforce em novas eleições. É por isso que estas
Deixa níveis de desemprego historicamente bai- eleições parecem ser as do tudo ou nada. Se fossem
xos. Deixa muitas obras do PRR em andamento acima da média europeia, para um miniciclo, não teriam este dramatismo. A
ou prontas para serem inauguradas — o novo desemprego baixo, obras do PRR direita não está apenas com pressa para regressar
primeiro-ministro fará os brilhantes que Carlos em andamento e contas e dívida ao governo. Está com pressa para deitar a mão à
Moedas faz com obra alheia — e ainda há muito com folga, a direita poderia “pesada herança” de que se queixa. Ela não é boa
dinheiro para usar. Os efeitos económicos dos in- nos serviços públicos, e essa também é a questão.
vestimentos feitos e por fazer ainda se vão sentir distribuir a herança destes oito Já na semana passada aqui mostrei como a AD
fortemente. Deixa a dívida e os seus custos muito anos pelos interesses que pretende usar a folga orçamental para um cho-
mais baixos, com ratings simpáticos. Deixa um representa em vez de travar a que fiscal que, por ser cego, terá como principais
Fundo de Estabilização Financeira da Segurança beneficiários a banca e grandes distribuidoras.
Social tão bem que até permitiria à IL cumprir
degradação dos serviços públicos Pedro Nuno Santos fala na industrialização do
os seus dispendiosos e ruinosos sonhos para o que essa herança também custou país e de um capitalismo produtivo nacional, Luís
sistema de reformas. Montenegro pensa nos atores económicos que do-
minam a política portuguesa. Mesmo em sectores
produtivos em crise, como a agricultora, lá está o
antigo líder da CAP a representar a resistência à
mudança. Se juntarmos o antigo bastonário dos
médicos, verificamos que a “mudança” representa
as corporações de sempre.
O que estará em debate é o que fazer ao dinhei-
ro. Vai servir para engrossar os lucros das maiores
empresas com uma descida cega do IRC ou para
qualificar o Estado, a grande falha de António
Costa? Para segurar médicos no SNS ou para um
programa de “emergência” que o entrega (de-
finitivamente) aos privados? Privatizar serviços
públicos sem resistência custa dinheiro, e este
casamento entre folga orçamental e crise dos
serviços públicos dá à direita uma oportunidade
histórica. O pote está cheio. A direita sabe que
esta é a oportunidade para distribuir a herança
pelos interesses que sempre representou em vez
de resolver a degradação dos serviços públicos
que esta herança também custou. Com um “por-
maior”: a influência da IL, mais determinante nas
políticas públicas do que o Chega, faria do seu

governo o mais neoliberal da nossa história. Está

Não são todos iguais. As diferenças
são conhecidas em vários assuntos, da
economia aos costumes, das políticas am-
bientais à justiça e à educação. Podemos
queixar-nos de muitas coisas, mas não da
falta de escolha. Da esquerda à direita, os
líderes partidários apresentaram ideias
diferentes e até bastante contrastantes. A
economia, felizmente, passou a ser uma
preocupação transversal a quase todos
os candidatos — finalmente, falou-se de
produtividade! —, embora a fundamen-
tação das ideias anunciadas (as eternas
promessas) já não me mereça o mesmo
elogio. Dito de outra forma: nem tudo o
que brilha é ouro, votar implica sempre
uma ponderada reflexão e uma escolha.
Domingo é dia de escolhermos o novo
Dificultar o acesso ao aborto não surge no vácuo
Teresa Violante
politica@expresso.impresa.pt
tadas pelas mais de uma dúzia de proi-
bições estatais que foram decretadas
desde então. Embora a decisão seja
aclamada por muitos comentadores
como uma devolução da matéria à
disponibilidade política dos Estados
e, nessa medida, respeitadora da von-
tade do povo, disfunções no processo
democrático norte-americano tornam
essa perspetiva problemática.
em jogo muito mais do que o primeiro governo de
miniciclos. Está em jogo um novo ciclo.
estrutura polarizada e radicalizada direita cristã dos Estados Unidos têm fi-
(“Dollars for Life: The Anti-Abortion nanciado, de modo muito significativo,
Movement and the Fall of the Republi- o movimento antiescolha a nível global.
can Establishment”, 2022). O retrocesso no direito de acesso
Académicos que trabalham nas áreas a um aborto seguro e legal é visível
do extremismo e da ascensão do popu- noutras jurisdições. Na Polónia, tem
lismo radical têm chamado a atenção havido uma restrição progressiva do
para a crescente cooperação inter- quadro jurídico devido a decisões do
nacional entre democratas iliberais Tribunal Constitucional, capturado
e autocratas nas chamadas “guerras pelo PiS, que reduziram os funda-

N
Governo. Talvez até seja mais do que
isso: a política tem um lado lúdico e ime-
diatista, sim, mas é um assunto sério que
define o presente e o futuro de uma na-
ção. As campanhas de rua, as arruadas,
têm um lado pitoresco e festivo, mas
no domingo o que vamos eleger não é
o melhor entertainer, vamos escolher o
líder e o programa eleitoral que permi-
tam aos portugueses viver melhor, com
mais riqueza, mais oportunidades, me-
nos desigualdade, mais competitividade
internacional e mais coesão social.
O nosso primeiro dever é, portanto,
combatermos a abstenção. O nosso se-
gundo dever é aceitarmos os resultados
com sentido democrático, sejam eles
quais forem. O terceiro é compreender-
mos que vivemos um momento de enor-
me complexidade nacional e internacio-
nal. Os riscos estão aqui, bem à nossa
frente: 2024 será um ano muito difícil.
Nós, empresários, temos a noção muito
clara do que está a acontecer. O que fazer,
então? É óbvio que nenhum partido con-
seguirá fazer tudo sozinho. Somos nós,
os eleitores, que, com a soma do nosso
esforço, podemos mudar Portugal. Para
já, comecemos por votar e derrotar a
abstenção.
o dia a seguir a Paulo Nún-
cio ter introduzido o tema do
aborto na campanha eleitoral,
a câmara alta do Parlamento
francês, o Senado, votou por esmaga-
dora maioria, por 267 votos contra 50,
a favor da consagração do direito ao
aborto na Constituição francesa. Pode
parecer mera coincidência temporal,
mas quem acompanha estes temas
sabe que há alianças internacionais
em torno dos movimentos pró-vida e
pró-escolha. A decisão francesa, con-
firmada esta semana pelas duas câ-
maras do Parlamento, representa pre-
cisamente uma escolha política que
reage expressamente aos retrocessos
em matéria de direitos reprodutivos
visíveis nos Estados Unidos, tornando
o direito ao aborto mais resiliente a
eventuais ataques do poder judicial ou
de líderes populistas.
Em julho de 2022, o Supremo Tribu-
nal norte-americano revogou o direito
constitucional de acesso ao aborto
(Dobbs vs. Jackson Women’s Health
Organization). A controversa deci-
são teve um impacto direto na vida de
milhões de mulheres americanas, afe-
Este acórdão simboliza uma coliga-
ção global antiaborto que estava em
formação há várias décadas. Encon-
tram-se ecos dessa coligação em vários
pareceres juntos aos autos, assinados
por académicos de diversas nacionali-
dades, alguns deles com ligações pú-
blicas à extrema-direita, como o então
Presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Nos Estados Unidos, o movimento
antiaborto organizou-se na sequência
da primeira decisão que reconheceu a
liberdade das mulheres grávidas de fa-
zer um aborto sem interferência gover-
namental (Roe vs. Wade, 1973). Numa
primeira fase, a estratégia passava por
advogar uma alteração à Constituição
federal (a chamada ‘emenda da vida
humana’). Face às dificuldades desse
plano, o movimento passou a orien-
tar-se, desde o início da década de 80,
pelo objetivo de alterar a composição
do Supremo Tribunal. Mary Ziegler
descreve pormenorizadamente como
essa estratégia passou pela alteração
profunda das leis de financiamento
partidário. Tal processo culminou na
transformação da matriz tradicio-
nalmente conservadora do Partido
Republicano naquilo que é hoje: uma
culturais transnacionais”. Desde 2022
que a Coligação Americana de Ação Po-
lítica Conservadora, a organização po-
lítica conservadora mais influente dos
A decisão francesa
torna o direito ao
aborto mais resiliente
a eventuais ataques
do poder judicial ou
de líderes populistas
Estados Unidos, realiza uma conferên-
cia anual em Budapeste, na Hungria.
Os direitos reprodutivos e os direitos
LGBTQIA+ são os principais alvos des-
tas redes, que operam sob a linguagem
dos direitos humanos e da proteção da
família e dos valores tradicionais.
Após o anúncio de Dobbs, o Parla-
mento Europeu aprovou uma reso-
lução apelando à inclusão do direito
ao aborto na Carta dos Direitos Fun-
damentais da União Europeia. Nessa
resolução salientou-se que grupos de
reflexão conservadores pertencentes à
mentos do aborto legal. Na Hungria,
a reforma constitucional de 2012, de
Orbán, consagrou a proteção da vida
do feto desde a conceção e a legislação
impõe várias barreiras processuais,
como o aconselhamento sobre a ado-
ção e os benefícios maternos, antes de
solicitar um encaminhamento para
o aborto. Em 2022 foi adotada uma
cláusula de “batimento cardíaco”, que
acrescenta mais um obstáculo clinica-
mente objetável ao aborto seguro. Em
2013, o Governo espanhol de Mariano
Rajoy apresentou um projeto que visa-
va modificar a reforma introduzida em
2010 pelo socialista José Luis Zapate-
ro. Esse projeto só permitia o aborto
em caso de violação ou risco grave
para a saúde física ou mental da mãe,
eliminando mesmo a opção nos casos
de malformação do feto. Acabou por
ser abandonado em 2014, levando à
demissão do então ministro da Justiça.
Foi neste contexto, factual e tem-
poral, que o Governo do PSD e CDS,
em 2015, “tomou medidas no senti-
do de dificultar o acesso ao aborto”,
como relembrou, na semana passa-
da, Paulo Núncio. Há políticas que
não surgem no vácuo.
Expresso, 8 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 39

Henrique Monteiro

ANTES QUE
ME ESQUEÇA
A PALAVRA
O dr. André Ventura,
homem de palavra
imaculada, disse que
havia umas forças
vivas no PSD que lhe
asseguraram que o
Chega se coligava com
os sociais-democratas
caso fizessem maioria.
O líder do PSD disse cerca de
um milhão de vezes que não
quer nada com Ventura. Dos
nomes referidos por Ventura,
dois recusam terem dito tal
coisa (Ângelo Correia e Miguel
Relvas) e um diz que talvez
não fosse má ideia (Rui Gomes
da Silva). Posto isto, quem
tem de esclarecer a verdade,
segundo certas luminárias,
de que destaco Inês de Sousa
Real (o ‘de’ apareceu nesta
campanha), mas também
gente do BE e do próprio PS, é…

FOTO MATILDE FIESCHI

Luís Montenegro. Está certo!
A palavra de Ventura é, pelos
vistos, mais credível do que a
de Montenegro, de Ângelo e de
Relvas. Quem tem de esclarecer
o que passa na cabeça de
Ventura não é o próprio,

Eleições livres; eleitores livres são outros. E chamam a isto

campanha? E isto é um tema
eleitoral? Mas será que ainda
não perceberam que Ventura,

F
a cada dia que passa, se sente
altava o do costume vir com parlamentares; em 2005 foi a vez votos se compram: ou em troca de mais inútil? De que valerá o
a conversa do costume: co- de o PS ter maioria absoluta, com promessas ou como prevenção de Chega se a AD ganhar e não lhe
locar em causa a liberdade Sócrates; em 2015, a coligação que ameaças. Por esse motivo, detesto ligar nenhuma? Do ponto de
e honestidade das eleições. ganhou, PSD/CDS, não conseguiu políticas parcelares (aumentos des- vista do Chega, antes ganhar
É típico de certas áreas, avessas formar Governo e foi o segundo tes e daqueles ou benefícios para o PS, porque sempre tem
à democracia, fazê-lo, sobretudo classificado (PS), com o apoio do estes e aqueles) e não gerais, a pen- assegurados uns momentos
quando os resultados não são os BE e do PCP, a governar. Em 2022, sar na totalidade do país (e não de indignação profunda no
esperados. E o certo é que Ventura, nova maioria absoluta de um parti- vale colocar a palavra ‘inteiro’ no Parlamento, como se tornou
depois da declaração firme e con- do, desta vez o PS, com Costa. cartaz para depois andar a vender hábito com Ferro Rodrigues e
tinuada de Montenegro do “não é Esta diversidade e imprevisibili- promessas a cada grupo); também Augusto Santos Silva.
não”, deixou de ter préstimo — sal- dade de resultados — e o facto de por isso não gosto da dicotomia en-
vo para os que o querem usar como nunca terem sido colocados em tre o bem e o mal numas eleições; HUMOR… E MAIS?
papão, mas já lá vamos. causa — mostra como o sistema é detesto as tiradas sobre os adversá- Os programas diários
As eleições em Portugal têm transparente e puro. Só um Ven- rios só quererem o bem dos ricos e de Ricardo Araújo
inúmeros defeitos, a começar por tura poderia levantar uma questão o mal dos pobres, ou só quererem Pereira são quase
círculos eleitorais com dois deputa- assim em Portugal. Nunca se mente tanto dar subsídios a quem não trabalha imperdíveis. Têm
dos eleitos pelo método de Hondt, Antes do 25 de Abril, algo de como após uma porque só ganham com a pobreza. graça e não ofendem
quando esta fórmula nunca deveria que infelizmente me lembro, as A troca de argumentos neste tipo (ou, se ofendem,
ser aplicada a círculos com me- eleições, além de não conferirem caçada, durante uma de campanha torna-se num fator tais ofensas não me
nos de uns oito deputados (veja-se a capacidade de voto a todos os guerra ou antes de empobrecedor da democracia. Não chocam). Claro que
o bom trabalho de Pedro Miguel cidadãos, eram totalmente falsi- umas eleições se discutem caminhos para o país, ele caricatura, mas é
Coelho no site do Expresso). Mas ficadas. Começava por se saber mas a maldade dos caminhos dos disso que também vive o humor
a demografia é o que é, o interior quem votava em quem, através do outros, que são sempre apresen- e lhe dá a graça. Porém, se um
desertificou-se e os legisladores esquema de dar os boletins de cada Otto von Bismark (1815-1898), tados como caricaturas. Não gosto canal pode e deve ter momentos
adormeceram, ou não se enten- partido fora do local de voto; o elei- primeiro chanceler alemão, de quem quer silenciar opiniões de humor (e destaco RAP, mas
dem. No entanto, desde 1975 que tor colocava o boletim do partido unificador da Alemanha diferentes, mesmo que essas opi- os outros também almejam
as eleições, e refiro-me especifi- em que queria votar na urna — e niões nos pareçam extremadas, ter piada, e recordo o incrível
camente ao processo eleitoral, quantos queriam votar contra um ridículas, fora do tempo; não gosto mau gosto de uma caricatura
têm uma constante: são limpas e regime repressivo, com polícia po- de ouvir que uns representam o de Passos na RTP), seria bom
fiáveis. Começou pela vitória do lítica e prisões arbitrárias? Quem futuro e outros o passado, como se terem, igualmente, pedagogia
PS, em pleno PREC, seguido do se atrevia? Poucos, entre os poucos de amarras, que queiram o que soubessem como vai ser o futuro democrática. Por exemplo,
PSD e deixando o PCP, que muitos que podiam votar! E mesmo que entendem melhor para todos, e (quando raramente compreendem nem todos os cabeças de lista
julgavam o mais forte dos parti- fossem muitos (como ocorreu com não para eles em concreto. Que o passado). são os trolls que nos mostram,
dos, com ‘apenas’ (quem lhos dera Humberto Delgado), as eleições dizíamos de quem votava na União A comunicação social, que devia nem todos os discursos têm
hoje) 12,5%. Passou pela primeira eram manifestamente adulteradas. Nacional porque um serventuário ser mediadora e moderadora con- gafes, nem todos os políticos
maioria de direita, com a AD, em Esses tempos passaram, feliz- do partido único lhe arranjara um tra estes debates estéreis, entra são desastrados. Em tempo de
1979, e em 1987 por algo que se mente. O que sair dos resultados de emprego ou uma casita? Que era neles com alegria. Infelizmente, campanha, o equilíbrio não é
julgava impossível — a maioria de domingo há de ser correspondente um vendido! Não quero comparar seja o sangue, seja a peixeirada, a só entre os partidos, tem de
um só partido, com Cavaco. Em à escolha dos eleitores. Aconte- as situações, mas se a política por- tabloidização marca pontos. Mas é ser, igualmente, entre o que
1999 deu-se o que parecia imprová- ce, porém, que para umas eleições tuguesa se foca em grupos espe- o que temos. O pior regime, exce- é risível e as ideias boas que
vel: Guterres conseguiu para o PS serem livres é necessário que os cíficos e nas suas reivindicações, tuando todos os outros. Votemos! surgem. Há de haver bons
exatamente metade dos assentos eleitores sejam livres; se libertem acabamos por concordar que os hmonteiroexpresso@gmail.com candidatos, bons discursos,
boas ideias. Fica para a próxima:
não é tirar Ricardo de antena,
que ele faz otimamente o seu
OS DIAS QUE ME OCORREM trabalho. É mostrar o outro
lado da realidade: o modo sério
O DIA MAIS ESTÚPIDO CESOP (sondagens da eleger. Mas os grandes líder de um país da UE estar num tempo que parece e ponderado com que se pode
Celebra-se sábado o dia Universidade Católica), círculos são Lisboa e presente era certamente o do “orgulhosamente estar numa contenda eleitoral.
mais estúpido da nossa João António e Ricardo Porto. Em Braga, Setúbal do conhecimento do sós” não altera este facto:
democracia. Fez sentido Reis, ontem no “Público”, e Aveiro ainda há hipótese Kremlin e o ataque tem a nossa vida depende RAIMUNDO
noutros tempos, mas, explicava bem a sua de haver quatro ou cinco significado. mais da evolução da Por falar em
como quase tudo (veja-se importância e como as partidos representados. guerra na Ucrânia, até seriedade, tenho de
a divisão por círculos sondagens não podem Em Coimbra, Faro, TRUMP… E BIDEN dos bombardeamentos reconhecer que Paulo
eleitorais), nunca foi ser responsabilizadas Santarém e Viseu não Depois da Super Terça- de Gaza e das eleições Raimundo é o mais
atualizado. Assim, temos por falhanços. Como se mais de três ou quatro, -Feira, já não restam americanas, do que, comedido e moderado
dia de reflexão, coisa que dizia nos velhos tempos porque ainda há uma dúvidas de que os provavelmente, do partido (no tom de voz e na
para o voto antecipado, (acho que ainda se diz), as certa proporcionalidade. candidatos em novembro, que nos vai governar. forma de expor). O
por exemplo, não há. sondagens “valem o que Nos outros, esqueçam: nos EUA, serão os mesmos líder do PCP rivaliza
Ocorre-me que quem valem”. uma boa parte dos votos é das últimas eleições. Biden, CONSTITUCIONAL? na tranquilidade
votou antecipadamente, desperdiçada. Aí, sim, têm embora tenha estado bem, A ideia de colocar o com o do Livre, Rui
à falta de tal dia, teve um INDECISOS (2) de escolher entre PS e AD. no geral, tem mais quatro direito à IVG (ou aborto) Tavares. Depois da berraria, da
voto irrefletido… Não Apesar do seu número, anos; Trump, estando cada na Constituição, como demagogia, da metralha verbal,
valerá menos? estas eleições são do mais ATAQUE vez pior, não tem idade. em França, pode parecer há um certo alívio quando
fácil que existe: quem quer O exército russo atacou É uma desgraça para o boa pela irreversibilidade. fala. Não é que as suas ideias
INDECISOS (1) continuar e quem quer Odessa quando Zelensky mundo, para a Europa em Mas pode ser errada. Uma sejam novas, estimulantes ou
São tantos, que todos mudar… Mas não foram e o primeiro-ministro particular e — desse ponto Constituição deve ser esperançosas. Apenas não tenta
ficam indecisos sobre o que todas assim? Nos grandes grego, Kyriakos de vista — também para aberta, não programática, ser quem não é. Não se vende,
dizer sobre este fenómeno. círculos cada qual vota no Mitsotakis, visitavam os portugueses. O facto de e os direitos nela espera que o comprem; vai ter
Um excelente artigo de que mais gosta, porque aquele importante porto estarmos nesta campanha postulados consensuais na um resultado difícil, mas é a
dois investigadores do todos têm hipóteses de ucraniano. O facto de um (como já aqui escrevi) sociedade. vida.

Ricardo
Costa
Estado
do
tempo
S
e Deus inventou os
economistas para
tornar credíveis os
meteorologistas,
então os media cria-
ram os analistas
políticos para que, em cima
das previsões económicas e
do estado do tempo, haja uma
arte maior da falibilidade: os
cenários eleitorais.
Estes cenários têm, aliás,
uma trajetória curiosa, como
uma tartaruga a marchar no
sentido inverso de Aquiles. Ao
contrário dos meteorologistas
e dos economistas, que ganham
confiança à medida que o seu
objeto de estudo se aproxima,
a análise eleitoral troca o peito
cheio pela cautela enquanto
vira folhas do calendário.
Vou tentar, então, contrariar
essa tendência e caminhar para
o meu patíbulo, com um sim-
ples exercício probabilístico.
1. Maioria parlamentar de
direita, cenário com 95%
de probabilidade. O simples
facto de o hemisfério direito
do Parlamento ter duas forças
motrizes (AD e Chega) que be-
neficiam do método de Hondt
e uma terceira com dimensão
razoável (IL) tornam esta maio-
ria altamente provável.
Em 2022 houve um facto que
passou quase despercebido: a
subida do Chega e da IL alarga-
ram a base eleitoral da direita.
A tendência de vitória da AD e
de forte crescimento do Chega
devem cimentar a alteração so-
ciológica iniciada há dois anos.
Pequeno texto em
que o autor faz um
simples exercício
enquanto caminha
para o seu patíbulo
2. Vitória da AD, cenário
com 70% de probabilidade.
A tendência da campanha e
das sondagens é relativamen-
te clara, sustentada numa das
ideias mais simples da políti-
ca: a mudança. As duas maio-
res reservas a esta tendência
são igualmente simples. Em
primeiro lugar, o Chega poder
ficar perto ou acima de 15%;
em segundo, a possibilidade
de a esmagadora maioria dos
indecisos serem eleitores que
votaram no PS em 2022 e que
não querem nenhuma influên-
cia do Chega na governação.
3. Vitória do PS, cenário com
30% de probabilidade. O PS
depende de dois movimentos
contraditórios. Precisa que o
Chega fique pelo menos nos
15% e que os indecisos caiam de
forma esmagadora para o seu
lado. Nenhum dos movimentos
é impossível, nem sequer a con-
jugação dos dois, pelo que, aos
meus olhos, a hipótese persiste.
4. Maioria absoluta da AD
ou AD+IL, cenário com 10%
de probabilidade. É uma hi-
pótese muito improvável por-
que precisaria que o Chega
ficasse nos 10% e que a dife-
rença entre AD e PS fosse de
10 pontos ou mais.
5. Vitória do PS com maioria
de esquerda, cenário com 5%
de probabilidade. Altamente
improvável porque dependeria
de uma vitória muito clara do
PS sobre a AD e que tudo cor-
resse muito bem a pelo menos
dois partidos à sua esquerda
num cenário de fragmentação.
Ficam as minhas previsões. O
patíbulo espera-me.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Surf
Entrevista ao
bicampeão John
John Florence P31
BCE abre a porta para
cortar juros em junho
Christine Lagarde
manteve o tabu, mas
anunciou que já se
começou a discutir “uma
reversão” da política
A reunião do Banco Central
Europeu (BCE) de quinta-feira
decidiu não mexer nas taxas
de juro, que está em 4,5%, mas
a sua presidente, Christine La-
garde, admitiu em conferência
de imprensa que “já começa-
ram a discutir uma reversão da
política restritiva” que come-
çou com a suspensão de com-
pra de dívida nos mercados e
se acelerou com um ciclo de
subida dos juros em julho de
há dois anos.
A banqueira central francesa
não entrou em detalhes sobre
o que entende por essa “rever-
são” e voltou até a frisar que
ainda não foi esta semana que
o Conselho do BCE iniciou a
discussão de um corte de juros.
Deixou no ar, no entanto, que
na reunião de 6 de junho os
membros do Conselho já terão
“muito mais informação” so-
bre a evolução da inflação e do
crescimento económico para
poderem decidir. Ironizou,
também, que as previsões dos
mercados apontando, agora,
Comida vinda do céu
FOME As crianças com as costelas visíveis sob a roupa, os bebés que morrem ainda na ma-
ternidade porque as mães, elas mesmas desnutridas, não conseguem produzir leite, são
realidades cada vez mais comuns em Gaza. Israel diz que a culpa é dos “problemas logísti-
cos” criados pela ONU e da “usurpação” de comida por parte do Hamas, mas ONG locais
dizem que o garrote é imposto por Israel. Numa tentativa de aliviar a situação, os Estados
Unidos lançaram do ar, com paraquedas acoplados, mais de 70 mil pacotes de comida so-
bre Gaza na última semana. FOTO AMIR COHEN/REUTERS
Impresa com prejuízo,
SIC aumentou lucro
Grupo foi prejudicado
pelo aumento das taxas de
juro. Receitas do Expresso
sobem 1,3%, para o melhor
valor desde 2017
O grupo Impresa, de que fa-
zem parte o Expresso e a SIC,
viu os seus resultados de 2023
serem prejudicados pela subi-
da das taxas de juro, devido
ao aumento dos custos finan-
ceiros com a dívida, e por isso
registou um prejuízo de €2
milhões. Em 2022 tinha tido
lucros de €1,1 milhões. “O re-
sultado líquido ajustado dos
custos de reestruturação foi
positivo, no montante de €1,4
milhões”, refere a Impresa,
dando conta de que a dívida
Terrorismo
Atentados
de Atocha foram
há 20 anos P28
para uma primeira descida dos
juros em junho já “parecem
estar a convergir melhor com
a nossa visão”.
Os mercados financeiros
atribuem uma probabilidade
elevada a que haja uma des-
cida de juros em 0,25 pontos
percentuais na reunião de ju-
nho. O que colocaria a taxa
diretora em 4,25%. Esta pers-
petiva está já a pressionar a
BCE espera
inflação perto
da meta este ano,
mas está mais
pessimista sobre
crescimento
descida das taxas Euribor que
servem de referência aos cré-
ditos bancários. Os contratos
de futuros sobre a Euribor a
três meses, que são transacio-
nados no mercado, apontam
para uma descida da taxa atual
de 3,94% para 3,67% em junho
e 3% no final do ano.
A presidente do BCE des-
tacou ainda que a inflação
tem estado a portar-se bem,
descendo no conjunto da
remunerada líquida se situou
em €115,5 milhões no fecho
de 2023: “Face a 2022, este
indicador aumentou €8,2 mi-
lhões, mas, ainda assim, trata-
-se do segundo ano de menor
nível de endividamento desde
2005.” A SIC teve em 2023
um aumento de 12,2% dos lu-
cros, para €8,3 milhões. As
receitas consolidadas caíram
1,8% face a 2022, para €182
milhões, que a Impresa atribui
à quebra no mercado publici-
tário dos canais de televisão
abertos. As receitas da SIC
caíram 2,4% face a 2022, para
€156 milhões, e no Expresso
atingiram o valor mais elevado
desde 2017, crescendo 1,3%,
para €24,7 milhões.
(
Escolas
Agressões,
ameaças e droga
estão a subir P18
zona euro para 2,6% em fe-
vereiro, o que levou os eco-
nomistas do banco a reverem
em baixa as previsões para
2024 e 2025 que tinham
feito em dezembro passado.
No quadro macroeconómi-
co apresentado esta semana
para discussão na reunião, a
inflação anual deverá descer
para 2,3% este ano e atingir a
meta de 2% no ano seguinte.
O corte em relação a 2024
foi de quatro décimas em
relação à previsão avançada
na última reunião do BCE no
ano passado. Apesar dessa
descida dar mais “confiança”
aos decisores, Lagarde disse
que ainda não dá “a confian-
ça suficiente” para estarem
convencidos que o surto in-
flacionista terminou.
O corte de juros poderá ser
incontornável, tanto mais que
o BCE reforçou o seu pessi-
mismo sobre o andamento da
economia da zona euro. Em
dezembro, previa que a eco-
nomia acelerasse de 0,5% em
2023 para 0,8% em 2024, mas,
esta semana, cortou na previ-
são para este ano, apontando,
agora, para 0,6%, um cresci-
mento medíocre quase igual
ao do ano passado.
Lobo Xavier
deverá manter
BPI com EDP
Para acumular a
presidência não executiva
da EDP, o advogado terá
de ter a luz verde do BCE
António Lobo Xavier deverá
ser o próximo presidente do
Conselho Geral de Supervisão
da EDP, sucedendo a João Ta-
lone, mas para isso o BPI e o
conselheiro de Estado terão de
fazer ajustes às funções que até
agora tem no banco. Lobo Xa-
vier poderá ter de deixar a vi-
ce-presidência do BPI e passar
apenas a vogal. Empenhados
em manter a relação, a última
palavra cabe ao BCE e resu-
me-se à disponibilidade para
o cargo. Nem o BPI nem Lobo
Xavier comentam o assunto.
Últimas
Santa Casa ‘angaria’ 150
novas famílias de acolhi-
mento A campanha da Santa
Casa da Misericórdia de Lis-
boa, lançada em janeiro, para
captar novas famílias de aco-
lhimento para crianças em ris-
co, já conseguiu cerca de 150
novas inscrições.
PJ encontra coca A PJ
apreendeu cocaína escondida
no interior de 27 cilindros me-
tálicos que tinham sido impor-
tados da Colômbia e costumam
ser usados em sistemas de pu-
rificação de águas residuais.
Domingos Sequeira ainda
em Maastricht A maior fei-
ra de arte e antiguidades do
mundo, a TEFAF, abre esta
sexta-feira em Maastricht e a
obra-prima “Descida da Cruz”
está exposta no stand da gale-
ria espanhola Colnaghi para
eventual venda. Em Portugal,
a Museus e Monumentos de
Portugal, mandatada pelo Mi-
nistério da Cultura para tentar
adquirir a pintura para o pa-
trimónio nacional, garante que
mantém as conversações com
o proprietário.
Durão de honra No ano em
que passa o 20° aniversário
da sua primeira eleição como
presidente Comissão Europeia
(e 10 anos sobre o fim do seu
segundo mandato) Durão Bar-
roso foi o convidado de honra
do Congresso do PPE, em Bu-
careste, a 6 e 7 março.
Mural virtual da Liberda-
de A campanha “A minha li-
berdade é de todos” desafia
alunos de mais de 200 escolas
do 2º ciclo do ensino secun-
dário para, em modo virtual,
transformarem “o lápis azul
da censura num símbolo da
liberdade de expressão”. Os
desenhos farão parte de um
mural digital que será tornado
público em abril.
Está mais caro construir
uma casa Os custos de cons-
trução de habitação aumenta-
ram 1,9% em janeiro deste ano,
face ao mesmo mês de 2023,
segundo o INE.
Orbán visita Trump, mas
não Biden O primeiro-minis-
tro da Hungria, Viktor Orbán,
vai visitar o ex-Presidente e
mais que provável candidato
republicado à Casa Branca,
Donald Trump, na sua casa na
Florida, mas não deve reunir-
-se com nenhum membro da
Administração Biden.
Prémio Pritzker para Riken
Yamamoto Aos 78 anos, o ar-
quiteto japonês vence o galar-
dão mundial mais importante
da arquitetura. Defensor da
vida comunitária, desenvolveu
uma linguagem arquitetónica
que procura criar comunida-
des para as famílias viverem
juntas.
Rui Moreira em Harvard O
presidente da Câmara do Por-
to foi convidado como visiting
lecturer na Kennedy School da
Universidade de Harvard, nos
EUA, para falar do “exemplo
Sexta-feira de transformação do Porto”
8 de março num seminário dedicado à
08
de 2024 Economia das Cidades. A apos-
ta na cultura e na redução da
dívida e a expansão dos espa-
ços verdes foram alguns dos
temas abordados.
03
Águas residuais ganham
cátedra A Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro
(UTAD) e a empresa Águas
do Norte criaram uma cáte-
dra dedicada à reutilização de
águas residuais para a rega e
#2680 à sua preservação. “Uma cá-
expresso.pt tedra dedicada à água é cru-
cial para impulsionar soluções
inovadoras e sustentáveis que
garantam o acesso equitativo
e a preservação desse recurso”,
justifica o reitor da UTAD.