1

GUIA COM MAIS 0%

Nas bancas a
DE DE 24 de novembro
SUBSSCCONTO PA
RITOR RA SUBSCRITORES

DE 500 TASCAS,
ES € 14,40/ Portes grátis
NÃO SUBSCRITORES
€16 / Portes grátis

PETISCOS E DOCES
RESERVE JÁ O SEU GUIA
apoio.cliente.ip@impresa.pt
21 469 88 01

10 de novembro de 2023
2663

expresso.pt
PUBLICIDADE
NotíciasFlix

Poupar não é um trinta e um, é cênt/l

Saiba mais em galp.continente.pt

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 10 de novembro de 2023

2663

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

24h
Governo sobe
salário mínimo
O Conselho de Ministros
aprovou esta quinta-feira o
DISSOLUÇÃO
Obrigado e adeus!
decreto-lei que determina o
aumento do salário mínimo
nacional para €820 mensais Marcelo convoca
eleições para
a partir de janeiro. O valor es-
tava previsto no acordo alcan-
çado na concertação social e
MP CONSIDERA
representa um acréscimo de
€60 por mês (mais 7,9%). 10 de março LACERDA MACHADO
“O GRANDE
Domingo há dérbi
O Benfica receberá, às 20h30 Presidente deixa aviso INFLUENCIADOR” P6

de domingo, o Sporting, que à Justiça: “Espero

é líder da I Liga, com mais
três pontos do que os cam- que o tempo permita
peões nacionais. Depois da esclarecer o sucedido.”
eliminação na Liga dos Cam-
peões, uma derrota agravaria Todos os pormenores,
o mau momento da equipa de
Roger Schmidt. P28
indícios e escutas
da investigação
judicial que abalou VÍTOR ESCÁRIA
62% tem dificuldade
o regime, abriu uma
NÃO DEIXOU
em pagar a casa
crise política e fez
NEGÓCIOS ENQUANTO
ERA CONSULTOR
Quase dois terços das pes-
soas (62%) que pagam em-
préstimo ou renda estão a cair o Governo P6a13,E6a8 DE COSTA P7
ter dificuldade em cumprir.
E, entre os 12% que se sen-
tem em risco de perder a casa
nos próximos cinco anos, um
terço não teria para onde ir,
segundo o primeiro baróme-
tro da Fundação Francisco
Manuel dos Santos (FFMS).

Lídia Jorge vence

prémio francês BELÉM TEME MP PROCURA
ELEIÇÕES SUCESSIVAS SUSPEITO DE ACORDO
O romance “Misericórdia”
(2022), da escritora Lídia Jor- P8
ge, venceu esta quinta-feira o SECRETO COM
AMIGO DE
Prémio Médicis Étranger. É
a primeira autora de língua PS COM ELEIÇÕES EM
portuguesa distinguida com
JANEIRO. MONTENEGRO PRIMEIRO-MINISTRO P6

TENTA UNIR PSD

este prémio.
P9e12

VÊM AÍ MAIS
COSTA SUGERIU A ARGUIDOS DOS
FOTO TIAGO MIRANDA

MARCELO QUE CHAMASSE CASOS DO LÍTIO E

Integram esta edição
semanal, além deste corpo PGR A BELÉM P10 HIDROGÉNIO P7
principal, os seguintes
cadernos: ECONOMIA,
REVISTA E e ainda
EXPRESSO BPI GOLF CUP

Perícias confirmam Marco Capitão Universidades

Ferreira queixam-se
Alzheimer de tinha testa de ‘excessos’ de
Ricardo Salgado de ferro pais de alunos
Doença poderá não impedir Amigo do ex-secretário Professores estão
de Estado contratado preocupados com
ex-banqueiro de ir a tribunal.
www.mantovani.pt Juízes terão a palavra final P22
pelo Ministério da Defesa
para fazer relatórios P14
a infantilização
dos estudantes P18

PME Líder 2023 - Avance para a liderança com a Caixa. Saiba mais em cgd.pt

Candidate a sua empresa com a Caixa.

A atribuição dos estatutos é da exclusiva responsabilidade
do IAPMEI e do Turismo de Portugal.
Caixa. Para todos e para cada um.
Caixa Geral de Depósitos, S.A., registada junto do Banco de Portugal sob o n.o 35.
4 PRIMEIRO CADERNO
25 de Abril: cravos
ou molho de brócolos?
1. AS SUSPEITAS
Parecia só mais um dia nas nossas vi-
das. Parecia. Mas aquelas cinco horas
alucinantes da manhã de terça-feira,
7 de novembro, ficam para a história
da política portuguesa. Começaram
com as notícias de mais uma operação
policial envolvendo buscas. Depois per-
cebeu-se que estas atingiam elementos
do Governo, como João Galamba (é
notável como está em tudo, ou quase
tudo, de tóxico neste último ano) ou
Duarte Cordeiro. Percebeu-se ainda
que se alargavam a ex-governantes,
como o antigo ministro do Ambiente.
Finalmente, apareciam empresários,
autarcas e, helás, o chefe de gabinete do
primeiro-ministro e ainda Diogo Lacer-
da Machado, colega de faculdade, ami-
go, padrinho de casamento de António
Costa e lobista e facilitador de negócios.
O círculo apertava-se. Como desabafava
nessa manhã Augusto Santos Silva, não
era mais um “caso e casinho” da política
nacional. Pelo meio, uma ida de Costa
ao Palácio de Belém. Uma visita da PGR
a Marcelo. E segunda passagem do pri-
meiro-ministro pela casa do Presidente.
O desenlace chegou pelas duas da tar-
de. “Obviamente, apresentei a minha
demissão”, atirava António Costa aos
portugueses, sabendo-se da abertura
de um inquérito-crime contra si, por
suspeitas relacionadas com indícios de
corrupção. Naquelas cinco horas ter-
minava um ciclo de oito anos que, com
maioria absoluta do PS, tudo indicava
que levaria Costa a tornar-se até 2026
o mais longevo primeiro-ministro da
nossa democracia, superando Cavaco
Silva. Num instante, tudo mudou.
2. A JUSTIÇA
“No decurso das investigações surgiu,
além do mais, o conhecimento da invo-
cação por suspeitos do nome e da au-
toridade do primeiro-ministro e da sua
intervenção para desbloquear proce-
dimentos no contexto suprarreferido.
Tais referências serão autonomamente
analisadas no âmbito de inquérito ins-
taurado no Supremo Tribunal de Justi-
ça, por ser esse o foro competente.” As
suspeitas que existem em torno do cír-
culo mais próximo do primeiro-minis-
tro seriam suficientes para não deixar
pedra sobre pedra. Mas este parágrafo,
sobre António Costa, acelerou a crise. É
claro que nestas alturas há sempre as
claques, entre os que só tecem loas ao
MP e os que têm sempre uma pedra na
mão para lançar contra as investigações
SETE DIAS, SETE RAZÕES PARA GUARDAR O EXPRESSO
Se comprou o Expresso, aproveite o código que está na capa da Revista E. Co-
loque-o em código.expresso.pt e, durante a próxima semana, poderá: 1 Ler
todas as notícias e conteúdos digitais do jornal; 2 Receber newsletters exclu-
sivas com o resumo diário das principais histórias; 3 Fazer comentários em
expresso.pt, dando a sua opinião; 4 Visitar a redação do Expresso e conversar
com os jornalistas; 5 Ter acesso a eventos exclusivos do Expresso; 6 Jogar on-
line palavras cruzadas, sudokus e sopas de letras; 7 Procurar edições anteri-
ores em formato digital. GRÁTIS, DURANTE SETE DIAS, COM ESTE JORNAL
A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
UM MÊS DE GUERRA
A guerra entre o Hamas e Israel
começou há um mês e o balanço é
devastador. Milhares de mortos,
feridos e deslocados internos,
infraestruturas civis danificadas,
ajuda humanitária insuficiente
— e sem sinal de o conflito
poder ver um fim.
MADONNA
“Vou dizer uma coisa
importante: Lisboa,
posso ter ido embora,
mas vou sentir sempre
a tua falta.” A diva da
pop voltou a Portugal, para
dois concertos, e até deixou
juras de amor ao país.
Martim
Silva
judiciais. Mas é essencial perceber-se,
depois deste parágrafo da PGR, o que
existe realmente contra o ainda primei-
ro-ministro. Isto é um caso judicial, mas
não é só mais um caso judicial.
3. O PS
Pedro Nuno Santos queria chegar lá,
tudo preparou para lá chegar. Ago-
ra, a hora está aí e deverá tornar-se
o próximo líder do PS, sucedendo a
António Costa. Tanto queria que con-
seguiu. Mas, por paradoxal, o trono
por que ansiava chega em má altura.
A interrupção dos calendários obriga
a acelerar o que estava planeado para
mais tarde, e outros fatores podem
jogar contra si: este é o segundo ciclo
seguido de poder dos socialistas cuja
cúpula se vê envolvida em casos judici-
ais. Como não concluir que isto vai ser
usado à exaustão na campanha eleito-
ral? Além disso, Pedro Nuno contaria
enfrentar um Luís Montenegro em
forte perda. A queda abrupta deste
poder socialista pode significar um
novo fôlego para o social-democrata.
4. O PSD
Na oposição, os sociais-democratas ti-
veram líderes como Marcelo, Marques
Mendes, Rui Rio, Ferreira Leite. Mon-
tenegro está a léguas de qualquer um
deles, mas ao contrário daqueles que o
antecederam vê de repente o caminho
para a chegada ao poder iluminar-se
de forma surpreendente. Dificilmente
terá outra oportunidade como esta.
5. AS ELEIÇÕES
Nas alturas de grande agitação, perde-
-se a lucidez. Claro que um Presidente
pode formar um Governo de iniciativa
presidencial (depois tem é que lhe ga-
rantir apoio parlamentar). Claro que
neste caso Marcelo Rebelo de Sousa
podia ter ido na cantiga da mudança
do líder socialista, para conclusão da
legislatura, evitando a incógnita das
eleições. Mas não deve recair sobre
o Presidente um ónus que não lhe
cabe. O atual poder político caiu e a
chamada dos portugueses às urnas é a
solução mais clara e óbvia. Corremos
é o risco de chegar ao 25 de Abril e a
grande preocupação ser ter de lidar
com a amarga realidade de ver um
partido populista, errático e as mais
das vezes xenófobo a atingir o poder
em Portugal. Terrível ironia.
mgsilva@expresso.impresa.pt
MARCELO
Os acontecimentos
de terça-feira foram um
verdadeiro terramoto
político e deixaram a restante
atualidade para trás.
Marcelo retomou a centralidade
na nossa política. Mas é bom
lembrar que o último fim de
semana foi penoso, com
sucessivas explicações sobre o
que disse e o que queria dizer,
à volta do conflito no Médio
Oriente.
CABRITA
O ex-ministro da
Administração
Interna Eduardo
Cabrita não vai a
julgamento no caso
do atropelamento
mortal de um
trabalhador na A6, em
2021, decidiu o Tribunal de
Évora.
Expresso, 10 de novembro de 2023
2023 é o ano da explosão global da inteligência artificial. Mas será que
Duelo este novo mundo que temos pela frente traz riscos e perigos ou não?
Luís Moniz Pedro
Pereira Domingos
Professor emérito da Universidade
Nova de Lisboa, membro Professor na Universidade
da Academia Europaea de Washington
Inteligência artificial pode ser
um risco para a democracia?
SIM NÃO
A IA (inteligência algorítmica) cons- Dos vários medos infundados sobre
titui um potencial problema para a a inteligência artificial (IA), um dos
democracia, essencialmente, por duas mais estranhos é o de que vá ser má
razões: o poder não escrutinado de quem a produz e para a democracia. Supostamente vamos afogar-nos
utiliza e a capacidade de caracterizar auditórios, per- num mar de desinformação gerada pela IA, corrompen-
mitindo a manipulação cirúrgica de crenças e valores. do as eleições, e resultando em... ditadura? Isto é obvia-
Sendo resultado do desenvolvimento da Humanida- mente uma história muito mal contada. Para começar,
de, é aproveitada com vista ao lucro monetário pela a ideia que os eleitores são altamente influenciados
infraestrutura mundial financeira, em que tudo é me- pelas redes sociais é um mito, desmentido por múltiplos
dido pela dimensão do retorno, sendo irrelevantes estudos científicos. Em segundo lugar, a capacidade que
“externalidades” e consequências. Ao invés de uma a IA tem de nos manipular é extremamente limitada:
distribuição universal de lucros e de uma diminuição muito mais facilmente nós manipulamos o ChatGPT
da necessidade do tempo de trabalho individual, por que o inverso. O grande limite à desinformação online
virtude de as máquinas serem escravas da Humanidade, não está na capacidade de a gerar, está na atenção finita
há uma aceleração do ritmo de trabalho devido a uma dos utilizadores, pelo que a IA pouca diferença fará.
disponibilidade intemporal sem contestação que torna a Pelo contrário, a IA tem um potencial enorme para
Humanidade escravizada, por causa da competição com melhorar a democracia. O processo democrático con-
máquinas que a superam. siste em votar e depois deixar que
E refiro máquinas, não apenas a os governantes tomem decisões por
robótica, e também a inteligência A sua utilização em nós. Isto compreendia-se no século
artificial (que prefiro designar por prol dos interesses XX, mas hoje, quando os utilizadores
inteligência algorítmica), que in- dos seus donos comunicam com empresas como a
vade sucessivamente capacidades Google ou a Amazon todos os dias,
cognitivas de base que antes eram será um instrumento clique a clique, e estas têm modelos
monopólio dos humanos, e que de domínio detalhados de nós baseados num
o fará em crescendo ao longo de da Humanidade vasto mar de informação, é absurdo.
sucessivos níveis cognitivos mais Os sofisticados sistemas de reco-
altos, próprios do nosso sistema A ideia de que os mendação que nos sugerem livros,
nervoso, substituindo-nos. filmes, músicas, tweets e toda a espé-
Por si, a IA não é um mal. Pelo eleitores são cie de produtos podem e devem ser
contrário, é suscetível de enormes altamente também utilizados para nos sugerir
benfeitorias para a Humanidade. influenciados pelas em quem e no que votar. O resultado
Mas a sua utilização em prol dos redes sociais é um voto muito mais informado,
interesses dos seus donos será sem que o eleitor tenha para isso de
cada vez mais um instrumento de é um mito gastar muito tempo a informar-se.
domínio da Humanidade, quanto Mas isto é apenas o princípio.
à estruturação e funcionamento democráticos, por Os políticos e funcionários públicos podem e devem
contraposição à distribuição do lucro dessa conquis- utilizar os modelos dos cidadãos aprendidos automa-
ta, através de um Rendimento Básico Incondicional ticamente para melhor os servir. Sempre que há uma
(RBI) ou da ampliação do exercício da democracia decisão a tomar, consultam-se os modelos, ou seja, faz-se
com sistemas informáticos flexíveis e promotores de ouvir a voz dos eleitores sem ter que os importunar. Para
participação inteligente. manter os políticos honestos, os media e outras organi-
A funcionalidade dos atuais modelos de fundacio- zações não-governamentais podem e devem também
nais (vulgo GPT) leva-nos ao afunilamento do sentido utilizar a IA. Rapidamente o mundo em que a democra-
crítico, por acreditarmos, por hábito, na perfeição das cia funcionava sem ela parecerá tão arcaico como nos
máquinas e pela falta de experiência do nosso sistema parece hoje um mundo sem jornais ou televisão.
educativo. Não se pode apurar o exercício da democra- Mais ainda, a grande vocação da IA é aumentar gran-
cia na ausência, cada vez maior, das bases de exercício demente a nossa inteligência coletiva. A IA recebe
de sentido crítico. A algoritmização da opinião, por via conhecimento dos colaboradores humanos, aprende e
dos instrumentos automáticos de influência social, cada raciocina, e responde às perguntas do utilizadores. Por
vez mais individualizados mas generalizados, leva-nos sua vez utiliza os resultados para aprender mais e para
a “bolhas de opinião” autorreforçantes e ao isolamento dar feedback aos colaboradores. Desta forma uma socie-
social conflituoso. As redes sociais são o palco privile- dade permeada pela IA funciona incomparavelmente
giado de poderosas empresas de Big Data (ou grandes melhor que uma sociedade sem ela.
volumes de dados), que, a soldo de quem as puder con- E é urgente começarmos este processo, porque os
tratar, reforçam comportamentos grupais acríticos. regimes totalitários, com a China à cabeça, estão bem
Há quem fale em “Algoritmos Mestre”, que apren- cientes da importância da IA e utilizam-na extensiva-
dem a combinar, da melhor maneira, outros algorit- mente já hoje para os seus fins malignos. A batalha
mos de aprendizagem. Mas quem escolheu estes e entre a democracia e a tirania não tem fim. No século
quem designou os objetivos do Mestre e os deixou à XX a democracia ganhou, em grande parte porque tirou
liberdade deste? Esta utopia é oriunda da “aprendiza- melhor partido das então novas tecnologias. Se não nos
gem multiestratégia” do início do século (eu estive lá) e acautelarmos, o resultado no século XXI poderá ser
é conducente à democracia tecnocrática que dispensa bem diferente. Chega, então, de tentar travar a IA em
os humanos. Em conclusão, a democracia está deveras nome de imaginários perigos, e está na hora de a pôr
em perigo se não houver um controlo regulado plane- ao serviço da democracia. Portugal pode dar o exemplo,
tário dos instrumentos da IA. como a Estónia o fez na digitalização. Vamos a isto!
POLÍTICOS COM MAIS TEMPO DE GOVERNO DESDE 1974
DIAS EM FUNÇÕES GOVERNATIVAS E EQUIVALÊNCIA EM ANOS (APROX.)
OUTUBRO
Este foi o mês de outubro
mais quente desde que há
1 António Costa 6050 DIAS (17 anos) registos. Uma notícia que já
2 Augusto Santos Silva 5497 (15) tinha sido dada noutros meses,
3 Eduardo Cabrita 4778 (13) mudando só o nome do mês em
4 Luís Medeiros Vieira 4737 (13) questão.
5 José Mariano Gago 4644 (13)
6 José Sócrates 4642 (13) ESPANHA
7 Luís Amado 4639 (13) O PSOE, de Pedro Sánchez,
8 José Vieira da Silva 4613 (13) chegou a acordo com o Junts, da
9 Manuel Heitor 4601 (13) Catalunha, sobre a questão da
10 António Figueiredo Lopes 4580 (13) amnistia, o que abre caminho
FONTE: ARQUIVO IMPRESA para a formação de um Governo
pelo líder socialista.
CRISE MORTALIDADE
Um primeiro-ministro aparece Ao longo dos dez primeiros HABITAÇÃO
como suspeito num caso de meses do ano, até 25 de A Fundação Francisco Manuel
corrupção, que atinge ainda o seu outubro, contabiliza-se um total dos Santos, sempre muito ativa,
chefe de gabinete, um velho de 1107 óbitos além do acaba de divulgar os dados do
amigo e outros membros do esperado, registados em quatro primeiro barómetro que realiza.
Governo. A consequência? momentos diferentes, Sobre Habitação. Resultado?
Demissão. Agora, voltamos a explicados pelo frio, calor e 62% das pessoas estão com
entrar em período eleitoral e num gripe, segundo os dados do dificuldades em pagar a casa e
novo ciclo, depois de oito anos de Instituto Nacional de Saúde 12% receiam perdê-la nos
Costa como primeiro-ministro. Doutor Ricardo Jorge (INSA). próximos cinco anos.
Expresso, 10 de novembro de 2023
Miguel Sousa Tavares
Um dia negro
N
o jornalismo apren-
de-se a redigir as
notícias começan-
do-se por resumir
o essencial numa
frase de abertura, a
que se chama lead.
No caso de notícias
pouco importantes
ou relativamente a situações ou paí-
ses pouco importantes, o lead é curto
e directo ao assunto. Na imprensa
internacional de referência, o que
aconteceu quarta-feira em Portugal
resumiu-se a um simples lead: “O Go-
verno português — um dos raros na
Europa de maioria absoluta — caiu
na sequência de o primeiro-minis-
tro e algumas pessoas do seu círculo
próximo terem sido alvo de abertura
de processos-crime por suspeitas de
corrupção nos projectos relativos à
transição energética do país.”
E assim, curto e grosso, o país viu-se
sumariamente enxovalhado e na lista
negra de lugares onde seja saudá-
vel e prudente investir. De caminho,
também e para efeitos internos, in-
terrompeu-se a meio uma legislatura
de maioria absoluta, atirou-se ao lixo
um Orçamento prestes a ser votado e
várias medidas urgentes e úteis para
as pessoas dele constantes, interrom-
peram-se as inadiáveis negociações
com os médicos e a reestruturação
do SNS, paralisou-se a execução do
PRR e lançou-se em Bruxelas a sus-
peita sobre a boa aplicação dos seus
dinheiros, aplicou-se um golpe de
consequências ainda imprevisíveis
na política de transição energética
essencial a um país sem petróleo, gás
ou centrais nucleares, mais uma vez
protelou-se a escolha sobre o novo
aeroporto de Lisboa, deixou-se a ges-
tão governamental suspensa num
momento em que paira uma recessão
no horizonte, soltou-se, ufano, o po-
pulismo e a descrença nas instituições
no ano das celebrações do 25 de Abril
e devolveu-se a praça a alternativas
forçadas que não existiam por si há
três dias. Independentemente das
culpas, da razão ou da sem razão de
tudo isto, do lugar de esquerda ou de
direita de onde se olhe para o fatídico
7 de Novembro, quem ainda conse-
gue angustiar-se com o destino des-
te infortunado país não pode deixar
de lamentar mais uma oportunidade
perdida. Uma maioria absoluta, um
Governo sem albergue para extre-
mistas, contas certas, a dívida pública
a ser paulatinamente diminuída a
benefício de agora e dos que virão e
o dinheiro europeu como nunca mais
virá: tudo desperdiçado, outra vez.
Em 7 de Novembro aconteceu uma
de duas coisas, e apenas uma de duas
coisas, pois não há terceira hipótese.
Ou um impensável cancro andou a
ser congeminado e a germinar entre
várias pessoas do círculo íntimo do
poder e do primeiro-ministro, sem
que ele desse por nada — o que eu
quero acreditar, e acredito —, ou vá-
rios magistrados do Ministério Públi-
co (MP), confundindo diligências de
governantes com indícios de crime
de corrupção e “intervenções para
desbloquear procedimentos” com
crime de tráfico de influências, deci-
diram, leviana ou conscientemente,
derrubar um Governo eleito pelos
portugueses e agora ficarem tranqui-
lamente sentados durante 10 anos a
assistir à “justiça a seguir o seu curso”
e à história a mudar abruptamente o
seu. Não sei qual das duas hipóteses
seja pior, mas nenhuma delas pode
passar sem consequências. Se toda
a política de transição energética,
essencial para o futuro do país, assen-
tou até aqui numa teia de corrupção
e tráfico de influências, que passa
pelos concursos, pelas licenças e pelos
pareceres ambientais, essa gente não
merece misericórdia alguma. Mas se,
pelo contrário, estamos perante mais
uma das irresponsáveis aventuras
políticas do MP — como nos casos
Casa Pia, Leonor Beleza ou Azeredo
Lopes —, então é preciso acabar com
as falinhas mansas e a vaca sagrada da
autonomia dos magistrados do MP. Só
SOLUÇÕES AUTOMÁTICAS
PARA ARMAZÉNS INTELIGENTES
Há mínimos que gente
como eu deve exigir
a quem tem o poder
de entrar por uma
casa adentro às sete
da manhã e virar
uma vida ou um país
do avesso
é autónomo e independente quem é
responsabilizável, não quem é impu-
ne, quem pode, sem consequências
algumas, destruir nomes e carreiras
ou derrubar Governos legitimamente
eleitos. Sob pena de ninguém mais,
em perfeito juízo ou com intenções sé-
rias, querer governar esta chafarica.
Imagino o delírio popular que por
aí irá com a razia que o MP fez na
situação política. Mas acho que nin-
guém, nem mesmo esses entusiastas
do descrédito do sistema democrático
que acabam de viver um dia de glória,
se apercebeu do impacto que tudo isto
vai ter no concreto do seu dia-a-dia.
Não que o Governo fosse brilhante
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
ou insubstituível, mas porque o vazio
e a descrença não são uma escolha
nem uma alternativa, mas um buraco
negro onde só se salva quem puder.
Não reivindico para mim o estatu-
to de cidadão exemplar, longe disso.
Faço os mínimos: pago os impostos
devidos ao Estado e voto, sem falhar,
em todas as eleições. Mas há leis a
que deliberadamente não obedeço,
porque as acho abusivas, ordens que
não cumpro, políticos ou poderosos
que não respeito, instituições que, se
pudesse, mandaria encerrar amanhã,
coisas em que deixei de acreditar há
muito, comendadores e outros heróis
que não reconheço como tal, exalta-
ções patrióticas que desprezo, ama-
nhãs prometidos que sei que jamais
chegarão. Como muitos, olho para
o meu país com um misto de cepti-
cismo, tristeza e conformismo. Se
alguma vez fomos um grande país, há
muito que deixámos de o ser: somos
descendentes dos que ficaram, não
dos que partiram. Não foi por acaso
que suportámos 50 anos de ditadura,
em que só um punhado de bravos
resistiu, todos os outros consentin-
do, calados e obedientes. Faço parte
daqueles para quem o dia 25 de Abril
PRIMEIRO CADERNO 5
de 1974 foi o dia mais feliz de sempre,
mas também dos que rapidamente
perceberam o que um povo calado e
obediente durante décadas iria fazer
com a festa. Isso aconteceu no dia
em que li num jornal “Trabalhadores
da Tinturaria Cambournac exigem a
nacionalização pelo Estado”. Mesmo
a liberdade não tinha mudado o es-
sencial das mentalidades: viver sob a
protecção do Estado, como bem tinha
pregado Salazar.
Na verdade, a liberdade não pas-
sou a ser uma atitude individual, mas
antes foi apropriada em benefício
próprio e colectivo por corporações,
como a do MP, que antes eram si-
lenciosas e dependentes e que logo
reclamaram uma independência
equivalente ao privilégio de não ter
de prestar contas a ninguém. Mas
também há mínimos que gente como
eu deve exigir a quem tem o poder de
entrar por uma casa adentro às sete
da manhã e virar uma vida ou um país
do avesso. Temos o direito de exigir
que quem tem o poder imenso de
derrubar um Governo por via extra-
parlamentar explique devidamente
por que ponderosas razões o faz. Não
nos chega que a procuradora-geral
da República, a quem, pelo estatuto
do MP, compete “dirigir, coordenar
e fiscalizar a acção do MP”, informe
o país, através de um comunicado
do seu gabinete de imprensa, que
instaurou um processo de inquérito
criminal ao primeiro-ministro por-
que, segundo os seus supostos “su-
bordinados”, haverá indícios de ele
ter tido “intervenção para desblo-
quear procedimentos” — seja isso o
que for. E que com isso se contente,
entendendo não dever mais explica-
ções a ninguém. Porque com isso se
derruba um Governo eleito legitima-
mente pelos portugueses, se destrói
uma carreira política e se mancha
o nome de um homem. E, para aju-
dar à festa, temos um presidente do
Supremo Tribunal de Justiça que,
alinhando com o discurso da direita
antidemocrática, declara displicen-
temente que Portugal está afogado
em corrupção — como se, chegado
ao topo da carreira, olhasse para o
assunto como um turista, ou se, como
alguém disse, lhe fosse apropriado
falar disso em tom de conversa de tas-
ca. Por acaso temos três magistrados
superiores condenados como corrup-
tos, mas que continuam há anos em
liberdade graças a recursos para os
“Venerandos Conselheiros”, e temos
um procurador do MP condenado
num indecente caso de corrupção
que espera inexplicavelmente uma
prisão que o acolha há meia dúzia
de anos. Querem dar-se ao respeito?
Comecem por si mesmos.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
214 151 890
mecalux.pt
6 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 10 de novembro de 2023

BAIXOS OPERAÇÃO INFLUENCER

António
Costa
Primeiro-ministro
demissionário
Escutas Conversas entre arguidos, detidos
e suspeitos investigados pelo MP levaram
os procuradores a investigar António Costa
A notícia da abertura de um inqué-
rito instaurado pelo Supremo Tri-
bunal de Justiça leva António Cos-
ta a apresentar uma demissão que
ninguém antevia. Entendeu, e bem,
que a dignidade das funções que de-
Os seis
telemóveis
sempenha não é compatível com a
suspeita e cola a saída de cena ao pa-
rágrafo final na nota da Procurado-
ria-Geral da República. Mas o caso
vai para além desta leitura. As inédi-

que fizeram
tas buscas na residência oficial, a de-
tenção do chefe de gabinete e de um
consultor próximo do primeiro-mi-
nistro, bem como o facto de o minis-
tro João Galamba ter sido constitu-

cair Costa
ído arguido, já seriam razões sufici-
entes para fragilizar politicamente o
chefe do Governo e tornar a perma-
nência no cargo difícil de sustentar.

João
Galamba
Ministro das
Infraestruturas

A sua permanência no Governo,

depois do escândalo dos desaca-
tos no ministério e em rota de co-
lisão com o Presidente da Repúbli- Ao “Observador”, o ainda primeiro-
ca, nunca foi um assunto bem re- Hugo Franco, -ministro negou saber que as con-

solvido. Galamba é agora um dos
arguidos do caso que provocou um
terramoto político em Portugal. O
ministro é suspeito de ter agido ile-
galmente no sentido de desbloque-
ar procedimentos no processo do
lítio e do hidrogénio.
Vítor
Escária
Ex-chefe de gabinete
do primeiro-ministro
A investigação do Ministério Pú-
blico atinge em cheio um dos ho-
O
Pedro Candeias e Rui Gustavo versas estavam a ser escutadas pelas
autoridades.
pesadelo de Antó- Mas não será apenas por causa des-
nio Costa começou tes telefonemas que António Costa
a 28 de dezembro está a ser investigado por um procu-
de 2020, quando rador-geral-adjunto do Supremo Tri-
decidiu telefonar bunal de Justiça. Durante a investiga-
ao então ministro ção, tal como é referido no já célebre
do Ambiente para último parágrafo do comunicado da
conversar sobre o PGR sobre o caso, há a “invocação por
projeto de extração suspeitos” do “nome e da autoridade
de lítio e de hidrogénio que animava o do primeiro-ministro” para “interven-
país em plena pandemia. Matos Fer- ção para desbloquear procedimen-
nandes estava sob escuta e a conversa tos”. Por causa disto, Costa sentiu-se
foi intercetada pelos investigadores obrigado a demitir-se, desencadeando
do DCIAP, que a consideraram im- uma crise política.
portante para um caso que estavam
a trabalhar. “O que é que precisa, de uma

mens de maior confiança do pri-
meiro-ministro e arrastou, pela
primeira vez, as autoridades para
um processo de buscas na residên-
cia oficial. Vítor Escária foi detido
no caso que envolve suspeitas dos
crimes de corrupção, prevaricação
e tráfico de influências. A exonera-
ção do cargo é a menor das conse-
quências que podem vir a afetar o
ex-assessor económico de Sócrates
e Costa e atual chefe de gabinete
do primeiro-ministro.
António Piçarra, à época presiden-
te do Supremo Tribunal de Justiça,
foi o primeiro juiz a ouvir a escuta e,
apesar de considerar que se tratava
de uma conversa “normal entre go-
vernantes”, fez a vontade ao procu-
rador João Paulo Centeno, e aceitou
que o teor do telefonema passasse
a fazer parte do processo que in-
vestiga suspeitas de corrupção e
tráfico de influências no coração do
Governo.
78 mil euros
chamada do primeiro-ministro?”
De facto, o nome de António Costa é
referido numa dúzia de conversas que
foram intercetadas pelos investigado-
res. No final de 2022, por exemplo,
Afonso Salema e Rui Oliveira Neves,
administradores da Start Campus,
de Escária têm
queixam-se de Rodrigo Costa, presi-
dente do Conselho de Administração
da REN: “O que é que o Rodrigo pre-
cisa, de uma chamada do primeiro-
“origem ilícita”,

Nuno
Mascarenhas
Presidente
da CM de Sines
Foi um dos cinco detidos esta se-
mana pelo Ministério Público, sob
suspeita de ter aceitado “vanta-
gens indevidas” para o municí-
pio a troco de favorecer e facili-
tar a instalação, em Sines, da Start
Campus, a empresa responsável
pelo centro de dados que também
foi constituída arguida no proces-
so sob investigação.
Roger
Schmidt
Treinador
do Benfica
Quatro derrotas seguidas na Liga
dos Campeões ditam o afastamen-
to da equipa de uma das provas
mais importante do futebol mun-
dial e comprometem mesmo o apu-
ramento para a Liga Europa. Não
podia ter começado pior a jornada
europeia do Benfica, que junta es-
tes a outros saldos negativos. Nesta
fase da época futebolística, a equi-
pa comandada por Roger Schmidt
Quase três anos depois, o Ministério
Público enviou cerca de 20 escutas
para o STJ que foram validadas pelo
novo presidente, Henrique Araújo,
que dias antes de o MP desencadear
a Operação Influencer dizia ao jornal
“Nascer do Sol” que a “corrupção está
instalada em Portugal”.
Segundo o “Observador”, António
Costa foi intercetado em conversas
telefónicas com os principais arguidos
do processo: Diogo Lacerda Macha-
do, o seu melhor amigo, o “grande
influenciador” e peça-chave neste
processo de corrupção e tráfico de
influências; João Galamba, minis-
tro das Infraestruturas, suspeito de
ter sido corrompido para agilizar o
projeto de construção de um data
center em Sines; Vítor Escária, chefe
de gabinete do primeiro-ministro e
que funcionaria como porta de entra-
da para o Governo, e Matos Fernan-
des, classificado pelos investigadores
como “suspeito” apesar de não ter
sido constituído arguido. Numa das
conversas intercetadas, Costa ter-se-á
exaltado com Matos Fernandes, que
insistia em falar ao telefone sobre os
negócios do lítio e do hidrogénio: “Já
te disse, falamos disso mais tarde!”
NÃO HÁ, NA
PROMOÇÃO DO MP,
QUALQUER INDÍCIO DE
-ministro a dizer que ele precisa de
fazer isso?”, questiona-se Salema. “O
Rodrigo só precisa que lhe digam, que
o Governo lhe diga que aquilo é para
avançar”, responde Neves.
Noutra conversa ocorrida em de-
zembro de 2022, os donos da Start
Campus, a empresa que o MP suspei-
ta ter sido favorecida para conseguir
a construção do data center, voltam
a invocar o nome de Costa: “Eu acho
que devíamos falar com o PM. Acho
que devíamos promover uma conver-
sa do ponto de situação com o PM. Se
calhar, se calhar é por aí, e falar com
o Diogo Lacerda. Eu vou falar, eu falo
com o Diogo para promover a con-
versa com o PM”, anuncia Salema.
Depois desta conversa, Salema te-
lefonou a Diogo Lacerda Machado e
pediu-lhe que arranjasse uma reunião
com o chefe do Governo. O objetivo
era que o melhor amigo do primeiro-
-ministro pressionasse para desblo-
quear e acelerar procedimentos rela-
tivos a pretensões da Start Campus na
área do urbanismo. Salema afirmou
mesmo que pediu “ajuda para uma
audiência diretamente com o primei-
ro-ministro, para fazer um ponto de
situação do projeto”.
Em nenhuma das conversas referi-
das na promoção do MP fica claro que
António Costa tenha mesmo inter-
ferido no processo que levou à cons-
trução do projeto da Start Campus.
Agora, um procurador-geral-adjunto
do STJ terá de decidir o futuro próxi-
mo de Costa: vai ou não constituí-lo
arguido? Vai pedir novas diligências?
suspeita o MP
Investigação vai fazer novos
arguidos em breve, já que o
processo foi separado em
várias partes. O apoio do PCP à
Star Campus também foi citado
Os €78 mil apreendidos esta terça-
-feira no Palácio de São Bento, no
gabinete de Vítor Escária, o chefe de
gabinete de António Costa que foi de-
tido no âmbito da Operação Influen-
cer, são considerados pelos procura-
dores do Departamento Central de
Investigação e Ação Penal (DCIAP)
de “proveniência ilícita”. Dinheiro
que Escária “quis e conseguiu ocul-
tar”, de modo a reintroduzi-lo “na
economia legítima”, sabendo que
esse dinheiro “decorria da prática de
crime”. O Expresso sabe que as notas
estavam escondidas “num envelope
dentro de uma caixa de vinho e em
vários envelopes numa estante” do
gabinete da residência oficial do pri-
meiro-ministro.
Uma fonte próxima do processo
conta que Vítor Escária assistiu às
buscas em silêncio, mesmo quando
os procuradores e agentes da PSP
encontraram aquela avultada quan-
tia de dinheiro. “Não reagiu.”
As buscas em São Bento tiveram
início às 14h e acabaram por volta das
tais, nos computadores usados pelo
chefe de gabinete. Já os aparelhos
eletrónicos no gabinete de António
Costa, que não fica muito distante,
não foram alvo desta intervenção.
Tiago Rodrigues Bastos, o advoga-
do que representa Vítor Escária, ga-
rantiu que o dinheiro apreendido no
seu gabinete “não está” relacionado
com os factos deste processo e que re-
sulta da “atividade profissional” que
desempenhou antes de ser chefe de
gabinete de Costa (ver perfil ao lado).
Escária é um dos cinco detidos nesta
operação do DCIAP, que contou com
o apoio da PSP. Os outros são Afonso
Salema, Nuno Mascarenhas, Diogo
Lacerda Machado e Rui Oliveira Ne-
ves e estão todos a ser ouvidos pelo
juiz de instrução Nuno Dias Costa
no Campus da Justiça. São suspeitos
dos crimes de prevaricação, tráfico
de influência e corrupção. Também
o ministro das Infraestruturas, João
Galamba, o presidente da Agência
Portuguesa do Ambiente, Nuno La-
casta, e o ex-governante socialista
João Tiago Silveira são considerados
suspeitos oficiais no processo, embo-
ra não tenham sido detidos depois
das 42 buscas.
O Expresso sabe que o processo
foi dividido por partes e que, neste

INTERFERÊNCIA DIRETA
já tem mais derrotas do que em to- Vai arquivar já as suspeitas? Ou vai 21h30. Da parte da manhã os procu- momento, as referidas detenções e
da a temporada anterior. mesmo acusar o primeiro-ministro radores e agentes tinham estado em constituição de arguidos estão apenas

DE COSTA NO PROCESSO
Paula Santos demissionário? casa de Vítor Escária. Em São Bento, relacionadas com o negócio da empre-
paulasantos@expresso.impresa.pt hfranco@expresso.impresa.pt recolheram provas, sobretudo digi- sa Start Campus, o data center de Si-
Expresso, 10 de novembro de 2023
nes que vale €500 milhões e que pode
ascender a €2 mil milhões. Numa fase
posterior, o MP irá debruçar-se mais
aprofundadamente sobre as suspeitas
relacionadas com a extração de lítio e
do hidrogénio verde que envolvem o
ex-ministro do Ambiente Matos Fer-
nandes ou o atual ministro que detém
esta pasta, Duarte Cordeiro. Ambos
poderão ser ainda constituídos argui-
dos, bem como outros governantes,
ex-governantes, autarcas e empre-
sários que surgem como pessoas de
interesse da investigação.
Influência junto do PCP
Os três procuradores do caso — João
Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo
Correia Lamas — consideram que
o consultor da Start Campus Diogo
Lacerda Machado usou a proximi-
dade que tinha com o primeiro-mi-
nistro para conseguir que Afonso
Salema e Rui Oliveira Neves — donos
da empresa dos detidos no processo
— tivessem o “à vontade” e o aces-
so “direto e indireto” não só a An-
tónio Costa, mas também a outros
membros do Governo, “no sentido
de acelerar a tomada de decisões
relevantes” para a empresa.
O nome do primeiro-ministro
demissionário surge em situações
consideradas suspeitas pelos inves-
tigadores: “Diogo Lacerda Machado
procedeu a tais contactos, designada-
mente junto do primeiro-ministro, de
Vítor Escária e de outros membros
do Governo, para influenciar a deci-
são daqueles, o que em alguns casos
efetivamente logrou, como decor-
rência da relação muito próxima que
mantém com o primeiro-ministro.”
Além disso, noutro dos pontos da
argumentação do DCIAP é descri-
to que Diogo Lacerda Machado so-
licitou regularmente a todos “que
fossem tomadas decisões favoráveis
aos interesses” da empresa que tem o
megaprojeto do data center de Sines.
O “melhor amigo de Costa” ganha-
va mais de seis mil euros por mês
por estes serviços para influenciar o
Governo a tomar decisões que o MP
suspeita serem ilícitas.
O MP refere ainda que houve uma
“pessoa, que ainda não se logrou
identificar”, que terá feito um acordo
com Lacerda Machado, “antes de ou-
tubro de 2020”, para que este, “em
troca de vantagens patrimoniais” e
“aproveitando-se da proximidade”
com António Costa (de quem é padri-
nho de casamento) e Vítor Escária,
estabelecesse “contactos e exercesse
influência e pressão sobre membros
do Governo” sempre em benefício da
Start Campus.
Ao Expresso, Magalhães e Silva,
que defende Lacerda Machado, con-
testa a tese do MP. Para o advogado,
o seu cliente foi um “elemento essen-
cial na ligação entre os investidores
do segundo maior projeto empresa-
rial, só ultrapassado pela Autoeuro-
pa, o Governo e várias autoridades
públicas” no papel de consultor da
Start Campus. A defesa entende que
Fonte próxima do
processo conta que Vítor
Escária assistiu às buscas
em silêncio. “Não reagiu”
“sem essa ligação não haveria proje-
to, com enorme prejuízo para a eco-
nomia nacional”. No entanto, garan-
te que Lacerda Machado declarou
anualmente à Autoridade Tributária
a remuneração mensal que recebia,
encontrando-se na Start Campus
os recibos dessa remuneração. “É
óbvio que Governo e autoridades
públicas foram exercendo enorme
pressão sobre as entidades deles de-
pendentes para acelerarem, sem
ofensa da lei, os vários trâmites do
processo de licenciamento. E vale
a pena não esquecer que as contra-
partidas de corrupção alegadas pelo
MP são almoços de 20/30 euros por
pessoa e um único, com interveni-
entes estrangeiros, no JNcQUOI
Ásia, de 200 e tal euros por pessoa,
e onde Diogo Lacerda Machado não
esteve.” João Galamba foi um dos
investigados que esteve presente
nesse restaurante.
António Costa e o seu chefe de
gabinete, Vítor Escária, que foi
exonerado esta quinta-feira,
nos jardins de São Bento,
residência oficial do PM
FOTO TIAGO MIRANDA
O MP garante que Afonso Salema
e Rui Oliveira Neves pagaram “almo-
ços e jantares privados ao ministro
João Galamba” e ao presidente da
Agência Portuguesa do Ambiente,
Nuno Lacasta, e que o valor “não di-
minuto” violou “o código de conduta
do Governo”. Segundo o referido
código, os governantes não podem
receber ofertas superiores a €150.
“Entende-se que existe um condi-
cionamento da imparcialidade e da
integridade do exercício de funções
quando haja aceitação de convites
ou outros benefícios similares com
valor estimado superior a €150”, lê-
-se no documento aprovado em Con-
selho de Ministros em maio de 2022.
Segundo o MP, em maio de 2023
os donos da Start Campus pressio-
naram o presidente da Câmara Mu-
nicipal de Sines, Nuno Mascarenhas
(também detido), para que fosse ce-
lebrado um “acordo” e que tomasse
“decisões ilícitas” para que o autarca
desse “andamento favorável e mais
célere a procedimentos adminis-
trativos” relacionados com a Start
Campus.
E esse acordo, diz o MP, incluía
“vantagens indevidas” para a Câmara
de Sines, a suportar pela Start Cam-
pus ou clientes do centro de dados,
nomeadamente um patrocínio de €5
mil ao Festival Músicas do Mundo e
“um valor ainda não apurado às equi-
pas de jovens do Clube de Futebol
Vasco da Gama”, bem como “um va-
lor não apurado para um projeto so-
cial da Câmara Municipal de Sines”.
O nome do Partido Comunista Por-
tuguês (PCP) também surge no dos-
siê de Sines. Refere o MP que Diogo
Lacerda Machado exerceu também
influência em benefício da Start
Campus junto de “representantes
do PCP, tendo conseguido obter o
favor e apoio deste partido ao pro-
jeto”. Numa conversa escutada ao
administrador da empresa, Afonso
Salema, ao saber que determinada
arquiteta era simpatizante daquele
partido, respondeu: “Temos o apoio
do PCP também, o PCP gosta muito
de nós.” H.F. e R.G.
hfranco@expresso.impresa.pt
ANÁLISE
Não
invocarás
o meu nome
Micael Pereira
V
ai ter de passar algum tem-
po até entendermos qual é a
substância criminal contra
António Costa no processo
que levou o primeiro-ministro a de-
mitir-se esta semana. Ou se, even-
tualmente, essa substância não exis-
te. Para isso, será preciso conhecer
melhor os indícios da prática de
crimes de corrupção, tráfico de in-
fluência e prevaricação encontrados
pelo Ministério Público na Operação
Influencer e que relação direta é que
esses indícios têm com Costa. Pode
ser que haja alguma coisa que ainda
não estejamos a ver.
Dito isto, sabemos neste momento
de dois factos sobre o envolvimento
do primeiro-ministro nos alegados
atos criminosos relacionados com
duas concessões de lítio em Trás-
-os-Montes e com o licenciamento
de um centro de dados de grandes
dimensões em Sines.
O primeiro facto é que o gabinete
da procuradora-geral da República,
através de um comunicado de im-
prensa, divulgou que foi instaurado
um inquérito no Supremo Tribunal
de Justiça em que António Costa é
suspeito. A justificação apresentada
para esse inquérito é surpreendente:
“No decurso das investigações sur-
giu, além do mais, o conhecimento
da invocação por suspeitos do nome e
da autoridade do primeiro-ministro e
da sua intervenção para desbloquear
procedimentos.” Invocar o nome de
alguém não faz com que esse alguém
seja suspeito. Por outro lado, incluir
isso num comunicado quando esse
alguém é primeiro-ministro tem im-
plicações óbvias.
O segundo facto é que os indícios
com que os atuais arguidos do caso
— incluindo o melhor amigo de Cos-
ta, Diogo Lacerda Machado, o seu
chefe de gabinete, Vítor Escária, e o
ministro João Galamba — têm sido
confrontados nestes dias incluem
escutas em que o primeiro-ministro
é realmente invocado. O nome dele
surge como uma espécie de arma de
último recurso para fazer com que
as coisas sejam desbloqueadas no
impasse à volta do licenciamento do
centro de dados em Sines. Mas nada
na exposição feita pelo Ministério
Público aos arguidos (pelo menos no
que diz respeito ao centro de dados,
porque as concessões de lítio seguem
num inquérito autónomo) indica que
Costa tenha tido alguma intervenção
imprópria.
O que vemos são alguns almoços e
jantares pagos por administradores
do centro de dados a João Galamba e
ao presidente da Agência Portuguesa
do Ambiente, um contrato de consul-
toria de Diogo Lacerda Machado e
duas vantagens entregues ao presi-
dente da Câmara de Sines: um apoio
de €5 mil para o Festival Músicas do
Mundo e uma quantia de valor não
apurado mas “superior a €100” ao
Clube de Futebol Vasco da Gama de
Sines. Parece pouco. Já os €75.800
encontrados no gabinete de Escária
podem não ter a ver com este caso.
Não há nada, para já, que mostre que
Costa tenha encontrado uma solução
ilegal para um investimento classifi-
cado em 2021 como um Projeto de
Interesse Nacional (PIN).
Seja o que for que esteja contido
nas 20 escutas telefónicas em que
António Costa é interveniente — e
que estão na posse do Supremo Tri-
bunal de Justiça — essas conversas
são agora uma caixa de Pandora.
Quando ela for aberta, ou Costa ou
o Ministério Público vão sair muito
mal desta história.
mrpereira@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 7
PERFIL
Vítor Escária
O influente que
nunca deixou
São Bento
Enquanto consultor externo,
sentou-se no Conselho Europeu
que negociou a “bazuca”.
Ao mesmo tempo estava na
Administração da Martifer
Vítor Escária esteve com António Costa
em São Bento desde o início da ‘gerin-
gonça’, na altura como assessor econó-
mico. Mas o caso Galpgate obrigou-o a
sair em 2017, depois de ter sido consti-
tuído arguido. Segundo explicou ontem
o seu advogado neste novo caso, terá
sido depois de sair de São Bento que
recebeu, em notas, os cerca de €75 mil
que foram descobertos pelo Ministério
Público e pela PSP no seu gabinete na
residência oficial do primeiro-ministro.
Escária estaria fora de São Bento... mas
não totalmente.
Isto porque, apesar de estar fora do
Executivo, Escária foi sempre estando
na órbita do Governo. Em 2018 foi no-
meado consultor para a Agência para
o Desenvolvimento e Coesão (ADC),
do Ministério do Planeamento, através
do ISEG, onde lecionava. O objetivo
do contrato era a “aquisição de servi-
ços de consultadoria tendo em vista
o processo de negociação do Quadro
Financeiro Plurianual e a consolidação
dos princípios e prioridades pós-2020”,
confirmou a ADC naquele ano.
Mais: nessa mesma altura chegou
a acompanhar António Costa na cur-
ta comitiva que teve autorização para
entrar no Conselho Europeu de qua-
tro dias que fechou o novo Fundo de
Recuperação e o quadro de fundos co-
munitários até 2029. E participou em
várias reuniões internas, em Lisboa,
com outros gabinetes ministeriais, em
que alinhava (em nome do primeiro-
-ministro) a estratégia negocial a seguir.
E esteve num encontro com Viktor Or-
bán, na Hungria, em que Costa tentou
convencer o homólogo húngaro a não
bloquear o fundo europeu. Nessa altu-
ra, como noticiou o Expresso, já estava
fora do contrato assinado com a ADC,
que era de seis meses.
Nesse tempo de interregno (que
acabou por não ser muito), Escária
mantinha-se ainda no conselho de ad-
ministração da Martifer, como membro
não-executivo, como foi noticiado pela
“Sábado”. A confirmar-se o que disse
o seu advogado ontem, pode ter sido
da Martifer o pagamento dos €75 mil
— mas o facto de ser em notas abre dú-
vidas sobre o tipo de pagamento e a sua
declaração fiscal. Certo é que Escária só
abandona a empresa no final de agosto
de 2020, quando se pôs fim ao processo
Galpgate.
O fim do caso foi quase processual: o
prazo de seis meses decretado para a
suspensão provisória do processo tinha
terminado e os arguidos pagaram uma
injunção ao Estado, levando ao seu ar-
quivamento. Escária pagou uma multa
de €1200, contou o “Observador”. Nem
um mês depois, a porta de São Bento
reabre-se e volta, como chefe de gabi-
nete do primeiro-ministro.
Economista de profissão, tornou-se
o homem-sombra de António Costa
no Governo, tão discreto quanto pode-
roso. A sua influência ia além da orga-
nização do gabinete e do trabalho do
primeiro-ministro, entrava também no
seu conteúdo e nas reuniões do núcleo
político e sobretudo nas discussões na
área orçamental e económica.
Licenciado em Economia, em 1994,
pelo Instituto Superior de Economia e
Gestão (ISEG), fez o mestrado na mes-
ma instituição, em 1997, e doutorou-se
em 2004, pelo Department of Econo-
mics and Related Studies, University of
York, do Reino Unido. Apesar do per-
curso académico autónomo, Escária
esteve com frequência ligado ao mundo
da política, tendo sido assessor econó-
mico no gabinete de José Sócrates.
Liliana Valente com David Dinis
lvalente@expresso.impresa.pt
8 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA CRISE POLÍTICA
Dissolução Presidente da República
convoca eleições antecipadas para 10 de março,
garante a aprovação do Orçamento do Estado
e pede um governo estável e inovador
Obrigado.
E adeus!
Texto Ângela Silva
N
Foto Tiago Miranda
ão foi surpreenden-
te, nem na decisão,
nem nos argumen-
tos. Marcelo Rebelo
de Sousa vai dissol-
ver a Assembleia da
República e convocar
eleições antecipadas
para 10 de março e
anunciou-o esta quinta-feira à noite,
dois dias após o terramoto judicial que
rebentou no coração do Governo e
que ofereceu ao Presidente a tal “coisa
patológica excecional” que em março
passado, em entrevista à RTP, o Presi-
dente admitiu poder levá-lo a voltar a
usar o seu poder máximo.
Sem esperar pelas atas do Conselho
de Estado que só serão tornadas públi-
cas daqui a 30 anos (coisa que levou
António Costa na última reunião da-
quele orgão a protestar por se ter sabi-
do o que lá se passou), Marcelo Rebelo
de Sousa tornou público o resultado da
discussão entre os conselheiros, que
segundo relataram ao Expresso, foi de
“divergência, sem tensão”, e explicou
que apesar da dissolução ter partido o
Conselho ao meio – “foi empate” – a sua
decisão desempatou a favor da ‘bomba
atómica’.
Com elogios a António Costa, a quem
agradeceu a “elevação” que manteve
na hora da demissão bem como a dis-
ponibilidade para se manter em fun-
ções até ser substituído, o Presidente
somou-lhe agradecimentos também
pelos longos anos “de serviço à causa
pública”, incluindo “os exigentíssimos”
tempos dos seus últimos Governos. E,
numa alusão ao processo judicial que
envolve o nome do primeiro-ministro,
pediu respeito pela presunção de ino-
cência enquanto durar o processo e
recomendou celeridade à Justiça.
“Espero que o tempo, mais depres-
sa que devagar, permita esclarecer o
sucedido, no respeito da presunção de
inocência, salvaguarda do bom nome e
afirmação da Justiça”, afirmou o Presi-
dente da República, num claro recado
ao responsáveis judiciais, Ministério
Público e tribunais superiores, onde
o nome do chefe do Governo está em
xeque.
Seguiram-se as razões para o Pre-
sidente ter decidido despedir-se do
homem com quem viveu oito anos
de uma cúmplice coabitação. E a lis-
ta não é surpreendente. A primei-
ra razão para a despedida chama-se
coerência e Marcelo recordou o que
disse quando deu posse ao Governo
em 2022 e avisou que se o primeiro-
-ministro saísse convocaria eleições.
A segunda chama-se trauma Durão/
Santana, com o Presidente a falar
do “risco já verificado no passado”
e a mostrar-se convicto da “fraque-
za” inerente à eventual nomeação
de um novo Governo apoiado pela
atual maioria absoluta “com qualquer
outro primeiro-ministro”, dada a fal-
ta de “legitimidade” de um chefe de
Governo que não saísse de eleições.
A terceira e última razão chama-se
emancipação do ‘costismo’, com o Pre-
sidente a explicar que, se mantivesse
a atual maioria, isso podia “redundar
num mero adiamento da dissolução
para pior momento, com situação mais
crítica e desfecho imprevisível, vivendo
o Executivo até lá como um Governo
presidencial, suportado pelo Presiden-
te da República” e ficando este como
“ESPERO QUE O TEMPO,
MAIS DEPRESSA QUE
DEVAGAR, PERMITA
ESCLARECER O
SUCEDIDO”, DISSE
MARCELO À JUSTIÇA
“um inspirador partidário”. Marcelo
não quer mais ser acusado de andar
com o socialismo ao colo, pelo contrá-
rio, sente que “deve ser uma referência
interna e externa” até ao final do seu
segundo mandato.
As eleições serão a 10 de março e o
Presidente explicou a importância de
dar tempo à aprovação do Orçamen-
to do Estado bem como à reorgani-
zação do Partido Socialista, que terá
de escolher um novo candidato a pri-
meiro-ministro. Para futuro, apontou
exigências: a execução do PRR “não
poder parar” e, do futuro Governo,
disse esperar “estabilidade”, “visão de
futuro”, que “acabe o que importa” e
que “inove no que ficou por alcançar”.
Não é coisa pouca.
A referência ao povo, que quando
tomou posse há sete anos Marcelo Re-
belo de Sousa disse ser “quem mais
ordena”, não podia faltar e concluiu
que o atual contexto pede que se volte
“a ouvir o povo”. Vêm aí quatro meses
de campanha eleitoral.
Contenção, jogo e perícia
Marcelo Rebelo de Sousa geriu o recur-
so ao seu poder máximo com conten-
ção e perícia. Acabado de sair de uma
semana em que voltara a atropelar-se
a si próprio em atos e palavras (desta
vez, a propósito da guerra no Médio
Oriente, em que quase criou um inci-
dente diplomático e envolveu-se numa
manifestação de rua que o expôs a um
dilúvio de críticas), o Presidente viveu
a semana da crise no palácio e em total
silêncio. E assim se manteve até comu-
nicar ao país a decisão de, pela segunda
vez nos sete anos que soma em Belém,
acionar ‘a bomba atómica’.
Na terça-feira de manhã, quando,
bem cedo, recebeu o telefonema do
primeiro-ministro a pedir-lhe para o
receber em Belém, Marcelo Rebelo de
Sousa percebeu que o terramoto que
tinha chegado aos media lhe exigia
perícia máxima perante um dos me-
lhores jogadores com que se cruzou
na sua vida política. E António Costa
não lhe defraudou as expectativas,
apresentando-se com uma alternativa
à dissolução do Parlamento e convoca-
ção de eleições antecipadas (ver pág.
10), que defendeu num contexto nada
difícil de explicar.
A lista de argumentos para evitar
partir a corda que vinha a ser cons-
truída já era extensa e mais ou menos
consensual: incerteza económica e
geoestratégica lá fora; nuvens de re-
cessão lá fora e cá dentro; um PRR
por executar e com prazos apertados;
uma TAP por vender; um SNS a es-
tourar com um princípio de reforma
em curso; uma maioria absoluta com
menos de dois anos de vida; um Orça-
mento do Estado por aprovar. Quando
o primeiro-ministro sacou da lista de
nomes sonantes que acreditava conse-
guir mobilizar para segurarem o barco
sem eleições, o Presidente mostrou
perplexidade mas conteve-se. E, em
vez de um rotundo não, parou para
ouvir, analisou hipóteses e não fechou
portas. Genuíno ou não, interiormente
já decidido a romper ou ainda con-
frontado com algumas tentações ou
dúvidas, Marcelo deu tempo.
No fundo, o Presidente sabia que es-
tava em curso um somar de circuns-
tâncias que levariam a que a rutura
não fosse responsabilidade sua. Ou,
pelo menos, integralmente e maio-
ritariamente sua. E a sequência dos
acontecimentos deu-lhe razão. Mas há
riscos, reconhecem em Belém, no que
está para vir.
O risco dos “miniciclos”
A 25 de outubro, o Presidente pare-
cia estar a adivinhar o que aí vinha.
“Marcelo falou para o pós-Costa (e
pós-Montenegro?): atenção ao risco
de miniciclos governativos”, titulava o
Expresso, numa notícia sobre o discur-
so que o PR levara à Ordem dos Econo-
mistas. A mensagem era simples: “Não
seria bom que num ciclo de potencial
estabilidade se seguisse um ciclo for-
Expresso, 10 de novembro de 2023
mado por miniciclos governativos, com
fragmentação.”
O risco, dizia o Presidente, preocu-
pa-o “desde 2018” mas “está hoje mais
evidente”. E embora não explicasse
porquê, Marcelo mostrou-se intranqui-
lo com a “imprevisibilidade no nosso
sistema político”. “É bom que o termo
do ciclo que estamos a viver não seja
marcado por fragmentação nos dois
hemisférios”, concluiu. E é com plena
consciência desse risco que Marcelo
parte para a última etapa dos seus 10
anos em Belém.
“Só por milagre das próximas elei-
ções sairá uma maioria absoluta de um
lado ou do outro”, reconhecem fontes
próximas do Presidente, que tem par-
tilhado receios sobre a fragmentação,
quer à esquerda (onde considera im-
provável que Pedro Nuno Santos, caso
perca as eleições, venha a replicar a
“geringonça” de Costa em 2015), quer
à direita (onde o Presidente duvida
que uma vitória de Luis Montenegro
chegue para unir as hostes e dispensar
o Chega).
A frase de Pedro Passos Coelho, deixa-
da esta semana numa escola secundária
— “o Chega não é um partido antidemo-
crático” — traduz uma demarcação do
ex-líder do PSD face a Luís Montene-
gro, que insiste não aceitar governar,
nem com acordos, nem com o apoio do
partido de André Ventura. A manter-se
o “não, é não” ao Chega, Montenegro
tem de alcançar um resultado que lhe
A INVESTIGAÇÃO
A COSTA DEU
A MARCELO A RAZÃO
“PATOLÓGICA” PARA
DISSOLVER DE QUE
FALOU EM MARÇO
Expresso, 10 de novembro de 2023
permita governar sozinho ou com os
liberais que se têm vindo a pôr a jeito.
A “coisa patológica”
Ao fim de sete anos no topo do Estado,
em que após ter sido sobretudo um ga-
rante de estabilidade Marcelo reagiu à
inesperada maioria absoluta socialista
com sobressaltadas provas de que isso
não o anularia, o que o levou a lembrar
‘n’ vezes o poder de dissolução, eis que
lhe cai no colo a oportunidade que
chegou a temer perdida.
Sem nunca arrumar de vez a hipótese
de interromper a caminhada a um Go-
verno que claramente o desiludiu e a
que chegou a chamar “maioria requen-
tada” com um primeiro ano “perdido”,
o Presidente foi acumulando razões
passíveis de, após as europeias, talvez
ainda poder acionar a ‘bomba’.
Atrasos na execução do PRR, falhan-
ços na Saúde, Educação, Habitação e
combate à pobreza, eventual desaire na
venda da TAP, eventuais fendas na coe-
são da maioria, Marcelo foi somando
razões. Mas faltava a “coisa patológi-
ca”, a que se referiu em março passado.
Na entrevista que deu à RTP em mar-
ço passado, embora dizendo não dese-
jar derrubar o Governo num contexto
de guerra e dúvidas económicas, o PR
admitiu ter que lá chegar. “Se aconte-
cerem coisas que são do outro mundo,
o Presidente tem até ao dia 9 de Se-
tembro de 2025 o poder de dissolução.
Deseja utilizá-lo? Não deseja, por várias
razões: temos uma guerra, temos crises
económicas emergentes, temos um
PRR que, na minha visão está atrasado.
A minha orientação é essa. Se sentir
que realmente há uma coisa patológica
excecional, então pondero isso”.
O Governo, que viu a polícia entrar
na residência oficial do primeiro-mi-
nistro, ofereceu-lhe a oportunidade
que parecia remota. E a afronta que
o primeiro-ministro lhe fez em maio,
quando lhe recusou a demissão de João
Galamba, acaba vingada.
avsilva@expresso.impresa.pt
Partidos unidos
nas eleições,
divergentes no OE
Como o próprio Presidente
anunciou, os conselheiros de
Estado dividiram-se quanto à
solução para a crise política: oito
defenderam eleições, oito não.
Mas a grande maioria dos partidos
já tinha ido a Belém pedir a
convocação dos eleitores. Só PS e
PAN preferiam não ir a votos. Nas
reações à declaração de Marcelo,
toda a oposição saudou a
convocação de eleições, mas o
PCP, que na terça-feira ainda
hesitava, disse que preferia
eleições mais cedo e sem
aprovação do Orçamento do
Estado (OE), posição também
seguida pelo BE e pelos liberais.
“Mais vale ter um mau Orçamento
do que não ter Orçamento”, disse
Luís Montenegro, o primeiro líder
partidário a falar logo a seguir a
Marcelo. Adotando um tom
comicieiro, o presidente do PSD
espera que das eleições “possa sair
um Governo novo, com nova
política e com mais capacidade
para solucionar os problemas da
sociedade portuguesa”. E
prometeu já um Orçamento
retificativo. André Ventura
também fala num retificativo e
apresentou-se já à partida como
tendo a vitória na mira. “Vamos
com o objetivo de vencer as
eleições”, garantiu. Já Rui Tavares,
do Livre, preferiu centrar a sua
reação no que considera ser uma
“crise de regime”. “Para salvar a
democracia [desta crise], é preciso
uma cidadania inteira”, disse o
deputado do Livre, e pediu que os
processos sejam “rigorosos” e
“transparentes”. E.L.
EXPRESSO.PT
Acompanhe tudo
sobre a crise política
Costa responsabiliza
Marcelo pela dissolução
Primeiro-ministro
convenceu metade dos
conselheiros a evitar
eleições. PS escolhe líder
em janeiro
O empate no Conselho de Esta-
do, com oito conselheiros a não
se pronunciarem a favor da dis-
solução da Assembleia (contra
oito a favor), deu força à narrati-
va que António Costa, o Governo
e o PS vinham ensaiando sobre
de quem seria a culpa pelo pân-
tano que aí possa vir. Com o em-
pate no órgão de aconselhamen-
to do Presidente da República,
“a responsabilidade é exclusiva
do Presidente da República”, diz
ao Expresso fonte próxima do
primeiro-ministro demissionário
Quando foi a Belém apresentar
a demissão, António Costa levou
a Marcelo uma solução de gover-
nação semelhante à que aconte-
ceu em Itália com Mario Draghi.
A ideia era o Presidente aceitar a
indigitação de uma figura saída
da maioria socialista (que foi su-
fragada nas urnas ainda nem há
dois anos) mas com um perfil es-
pecífico: que tivesse experiência
governativa reconhecida, expe-
riência internacional com provas
dadas e que fosse “fora da lógica
partidária”. Mário Centeno, que
apesar de ter sido ministro do
último Governo não é militante
do PS, era o trunfo que Costa
tinha na mão e ao qual o Presi-
dente começou por não fechar a
porta (ver pág. 10). Isto evitaria
que o país entrasse em minici-
clos governativos, com eleições
que poderão resultar em cená-
rios de ‘geringonça’, à esquerda
ou à direita. Mais: na narrativa
socialista, essa solução seria im-
portante para acalmar a forma
como Portugal é visto lá fora.
Pedro Nuno Santos
avança, José Luís
Carneiro ainda não
decidiu. Socialistas
tentam unidade
“Basta olhar para os títulos dos
jornais internacionais, a única
coisa que dizem é que o primei-
ro-ministro se demitiu por envol-
vimento num caso de corrupção,
não conhecem os contornos”, diz
uma fonte governativa.
A isto acrescem cinco meses
de um governo em gestão, uma
vez que só haverá novo governo
depois de março. “Um governo
em gestão é algo entre um zom-
bie e uma múmia”, diz outro go-
vernante. “Um horror, o país vai
sofrer com esta situação”, conti-
nua. Depois de ter posto no co-
municado “ligeiro” da Procura-
doria-Geral da República (PGR)
o ónus da sua demissão, e de ter
visto todos os partidos (menos
PS e PAN) a defender em Belém
a convocação de eleições ante-
cipadas, Costa falou com vários
conselheiros de Estado antes da
reunião de ontem e tentou sensi-
bilizá-los para a ‘solução Draghi’.
Ficou empatado e não conseguiu
evitar o fim da maioria absoluta.
Mesmo que a maioria dos conse-
lheiros fosse contra a dissolução,
o parecer não é vinculativo, e
Marcelo tinha, como invocou na
comunicação que fez, a maioria
dos partidos a clamar por votos.
Começa agora a sucessão no PS.
Sucessão com Pedro Nuno
e Carneiro
Com a decisão do Presidente,
o PS precisa de ajustar os seus
calendários internos à nova
realidade. Assim, ao que o Ex-
presso apurou, o partido terá
eleições diretas e congresso em
janeiro. Um prazo apertado,
que torna difícil a realização
de eleições primárias abertas a
simpatizantes.
Apesar do momento de crise
no partido, não deverá haver
apenas uma candidatura. Além
de Pedro Nuno Santos, que está
em campo e anuncia a candida-
tura na segunda-feira, José Luís
Carneiro tem vontade e “pon-
dera” uma candidatura alterna-
tiva, mesmo que seja para dar
um sinal para o futuro. “Temos
deveres acrescidos de ouvir o
secretário-geral e de constituir
uma voz de estabilidade e de cre-
dibilidade”, disse à entrada para
a reunião do PS, não esclarecen-
do se é candidato.
Nos últimos dias, vários socia-
listas têm pedido uma união no
partido, mas tal não deverá acon-
tecer. A voz mais sonante foi a
de Francisco Assis que sinalizou
estar com Pedro Nuno Santos.
Numa declaração à Lusa, o pre-
sidente do Conselho Económico
e Social defendeu que “o PS não
deve ter medo de enfrentar elei-
ções antecipadas e deve unir-se
em torno de uma nova liderança
agregadora e combativa”, dando
assim a entender que José Luís
Carneiro, que foi seu chefe de ga-
binete no Parlamento, não teria
o seu apoio.
Não se espera, por isso, apesar
da disputa, que seja uma luta fra-
tricida: “Mau seria se nestas cir-
cunstâncias perdêssemos dema-
siada energia em algo que não
seja a unidade do partido”, diz
um dirigente socialista. Entregar
o partido a Pedro Nuno Santos é
o mais provável, defende outro
socialista, que recorda a frase
de Costa no podcast “Deixar o
Mundo Melhor” de Francisco
Pinto Balsemão, em dezembro
do ano passado, em que dizia que
no PS deve avançar o que tiver
melhores condições.
À hora de fecho desta edição,
os socialistas estavam ainda reu-
nidos em Comissão Política, a
direção alargada do partido. E
no rescaldo da decisão do Pre-
sidente da República era espe-
rado que o secretário-geral do
PS fosse fazer a sua despedida e
a defesa da solução que levou a
Marcelo para contornar a crise
política sem desbaratar a maio-
ria absoluta.
Perante a ideia de que Antó-
nio Costa precisava deste espaço
para fazer a sua defesa, os pe-
dro-nunistas foram refreando as
armas e se alguns falaram na Co-
missão Política, a verdade é que
Pedro Nuno Santos só avançará
para uma candidatura na segun-
da-feira: “Este não é o momento
para precipitações e a situação
presente exige de todos muita
ponderação e serenidade”, diz
fonte próxima do socialista que
acredita que Pedro Nuno “reúne
largo consenso e apoio no es-
paço político de esquerda”. O
ex-ministro tem ouvido muitas
pessoas nos últimos dias e ain-
da houve alguma tentativa de
evitar que José Luís Carneiro
avançasse.
O aparelho começa a me-
xer-se. “Andam todos a fazer
contas”, diz um socialista. Ago-
ra é hora de reunir as tropas e
dominar as estruturas locais e
regionais. Pedro Nuno Santos
tem uma parte das federações
do partido e nas novas eleições
haverá movimentações para
dominar o aparelho: todos são
costistas até deixarem de o ser,
ouve-se. Nesse dia, “como o PS é
um partido de poder”, a tentação
será juntarem-se ao novo líder.
Rita Dinis
com Liliana Valente
rdinis@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 9
>>
PEDRO NUNO SANTOS
46 ANOS
Tem uma vida partidária
longa e, como já chegou a
dizer um dia, no PS só lhe
falta ser secretário-geral. O
cargo que está quase ao seu
alcance tem vindo a ser
preparado ao longo de anos,
com a colocação nas
estruturas locais do partido
de dirigentes que lhe são
próximos. Natural de São
João da Madeira, economista
de formação, tem o seu
percurso profissional quase
todo na política. Líder da JS
entre 2004 e 2008, entrou
em 2005 para a Assembleia
da República, de onde saiu
em 2015 para ser secretário
de Estado dos Assuntos
Parlamentares do primeiro
Governo de António Costa.
Foi o pivô da “geringonça”,
tanto na sua formação como
nas negociações intensas
que aconteciam no
Parlamento. Em 2019,
António Costa promoveu-o a
ministro das Infraestruturas,
com pastas pesadas como a
TAP, o novo aeroporto de
Lisboa e a Habitação. Temas
que acabariam por se tornar
um pesadelo. Teve o grande
choque com Costa e saiu do
Governo por causa da
indemnização à
administradora da TAP,
Alexandra Reis.
JOSÉ LUÍS CARNEIRO
52 ANOS
Do ponto de vista partidário
não é exatamente da ala de
António Costa — apesar de
ter sido seu secretário-geral
adjunto no PS. Quando os
socialistas se partiram, em
2014, depois das europeias
ganhas por “poucochinho”,
o agora ministro da
Administração Interna
(MAI) estava com António
José Seguro. Presidente da
Câmara de Baião e da
Federação Distrital do Porto
no momento da luta, na sua
concelhia o aparelho do
partido não deu hipóteses,
mesmo tratando-se de
primárias abertas a não
militantes: Seguro esmagou
Costa com 89% dos votos.
Mas isso não impediu o
primeiro-ministro de o
chamar para o Governo:
primeiro para secretário de
Estado das Comunidades
Portuguesas, depois para
ministro da Administração
Interna, com um interregno
de dois anos como número
dois do líder no partido, em
que esteve mais perto das
bases. Considerado um dos
melhores ministros do
Governo, é um moderado,
católico, da ala mais
conservadora, que
contrasta com o grupo de
Pedro Nuno Santos.
Vítor Matos
10 PRIMEIRO CADERNO
CRISE POLÍTICA
As buscas no gabinete
de Escária decorriam
enquanto Costa
anunciava a sua demissão
FOTO NUNO FOX
Marcelo não fechou logo
a porta a Centeno ou Vitorino
Costa iniciou contactos depois de primeira reunião em Belém. Centeno era o trunfo
Ângela Silva,
Liliana Valente e Rita Dinis
O cenário de não convocação de
eleições chegou a ser analisado pelo
Presidente da República. Marcelo
Rebelo de Sousa “trabalhou nos dois
cenários”, garantem ao Expresso em
Belém. E foi essa abertura teórica às
duas hipóteses, analisada na manhã
de terça-feira pelo Presidente e pelo
primeiro-ministro no palácio de Be-
lém, que deu espaço a António Costa
para desenvolver o plano que levava
no bolso para tentar evitar eleições
antecipadas, apresentando quatro no-
mes para assumirem o comando do
Governo e garantirem o cumprimento
da legislatura.
Costa jogou forte e quando somou
aos nomes de Carlos César e Augusto
Santos Silva os de Mário Centeno e
António Vitorino, o Presidente ainda
terá pestanejado — será que eles acei-
tavam? — tendo o primeiro-ministro
saído de Belém disposto a iniciar con-
tactos. Era preciso mostrar ao Presi-
dente que havia unidade e estabilidade
interna no PS para um nome daquele
calibre. Ao que o Expresso apurou, o
antigo ministro das Finanças e atual
governador do Banco de Portugal foi
abordado. Também Pedro Nuno San-
tos, que há muito se perfilava como
candidato à sucessão, foi contactado
com a indicação de que Marcelo acei-
taria uma solução deste género em
nome da estabilidade, face a um qua-
dro internacional tão incerto.
O plano de Costa, contudo, durou
pouco e terá tido sempre pés de barro.
Um telefonema do Presidente, posteri-
or à conversa em Belém, terá desacon-
selhado o primeiro-ministro de iniciar
contactos para encontrar o tal rosto ‘B’
que evitasse eleições, e assim Marcelo
sinalizou que a ‘bomba atómica’ con-
tinuava preponderante no seu guião
para gerir a crise. Costa já tinha, no
entanto, trabalhado na solução que
ficou a pairar.
Carlos César acabou por ser o pivô
dessas conversações rápidas e Pedro
Nuno Santos informou que não seria
o bloqueio a uma solução. Na cabeça
de Pedro Nuno, contudo, estava mais
uma cenário que passasse por Santos
Silva, e não Centeno, uma vez que, ao
contrário do presidente da Assembleia
da República, o governador do Banco
de Portugal terá “ambições” de ocupar
mais espaço político. Contudo, estas
conversas decorreram com noção de
que era um cenário improvável e como
última tentativa de Costa de não des-
baratar a maioria absoluta.
Pedro Nuno Santos tinha como pre-
ferência uma figura de “transição”,
para que Costa pudesse sair rapida-
mente e o PS tivesse tempo para se or-
ganizar, realizando eleições primárias.
A crise que se precipitou está longe
de ser o cenário ideal para o agora
comentador, que jogava num tabuleiro
mais longo.
Lucília Gago não partilhou
com o Presidente
muitos pormenores
sobre as investigações
Certo é que ninguém — nem Costa,
nem a direção do PS, nem sequer Pe-
dro Nuno — queria ficar com o ónus
de não ter feito os possíveis para sal-
var uma maioria absoluta socialista
em vez de arriscar um ato eleitoral
de resultado incerto e que pode vir
a dar razão aos receios tantas vezes
já manifestados pelo Presidente de
“miniciclos” políticos (ver pág. 8). Daí
que Carlos César tenha ido a Belém na
quarta-feira defender a Marcelo uma
“opção preferencial”: indigitar um
novo governo, apoiado pela maioria
socialista, com um perfil “respeitável,
experiência governativa reconhecida
e experiência internacional”. Centeno
encaixava que nem uma luva. Em todo
o caso, César levava um plano B, para o
caso de o Presidente se preparar mes-
mo para convocar eleições: se o fizesse,
então que fosse em março, para o PS
conseguir eleger um novo líder.
Costa pediu a Marcelo
para chamar PGR
Quando anunciou ao país, pelas 14h
de terça-feira, que tinha apresentado a
demissão ao Presidente da República,
António Costa deixou claro que “esta-
va disposto a cumprir o mandato até
ao fim. Porém, fui hoje surpreendido
com a informação, oficialmente con-
firmada pelo gabinete de imprensa
da Procuradoria-Geral da Repúbli-
ca de que já foi ou irá ser instaurado
um processo-crime contra mim pelo
Supremo Tribunal de Justiça”, disse,
acrescentando várias vezes que tinha
sido apanhado de surpresa. E só na
segunda vez que foi a Belém, depois
de divulgado o comunicado da PGR, é
que decidiu demitir-se. O ónus ficava,
por isso, no comunicado “ligeiro” (nas
palavras de Carlos César) da PGR.
O dia de terça-feira tinha começa-
do cedo. Pelas sete da manhã, a PSP
estava em vários locais para realizar
buscas, nomeadamente a casas de
ministros, do chefe de gabinete, do
seu amigo Lacerda Machado e aos
ministérios do Ambiente e das Infra-
estruturas. A gravidade da situação
foi tal que às 9h30 já Costa estava em
Belém e por essa hora, ainda a PSP não
tinha entrado na residência oficial do
primeiro-ministro para fazer buscas ao
gabinete de Vítor Escária e lá encon-
trar €75,8 mil em envelopes (ver pág.
6 e 7). Nesse primeiro encontro em Be-
lém, ficaria cerca de 40 minutos e foi
durante essa reunião, em que inteirou
o Presidente do que se estava a passar,
que Costa sugeriu a Marcelo ouvir a
procuradora-geral da República.
Lucília Gago não precisou de par-
tilhar com o Presidente muitos por-
menores sobre as investigações que
levaram uma brigada policial a fazer
buscas na residência oficial do chefe
do Governo (oficialmente, Marcelo
não ficou a saber mais do que aquilo
leu no comunicado da PGR). Mas a sua
presença em Belém falou por si. O que
acabaria por acelerar a certeza de que
a sua verdadeira primeira escolha, de
eleições antecipadas, tinha caminho
para andar.
Em nenhum momento da declaração
ao país, Costa referiu as buscas que ti-
nham entrado pela porta do seu chefe
de gabinete adentro nesse mesmo dia,
sugerindo sempre que a sua demissão
acontecia por causa de um parágrafo
no comunicado de imprensa da PGR,
sobre um processo do qual “nunca
ouviu falar” e que desconhecia em ab-
soluto. Certo é que a segunda ida a
Belém não durou mais do que 5-10
minutos, evidenciando que a conversa
sobre a hipótese dos quatro nomes
que poderiam sair da maioria absoluta
para assegurar uma solução gover-
nativa sem eleições teria acontecido
antes. O comunicado da PGR só foi a
gota de água.
Marcelo equacionou cenários para
não ficar ele com o ónus da inevitá-
vel dissolução. Mas na Casa Civil da
Presidência nunca houve dúvidas de
ser essa (a dissolução) a escolha do
chefe de Estado e não é difícil perceber
porquê: primeiro, porque depois de
ter avisado na posse do Governo que,
se o primeiro-ministro saísse a meio
haveria eleições, seria uma incoerên-
cia não o fazer; segundo, porque após
ter iniciado este ciclo a ‘sonhar’ com
o poder de dissolução do Parlamento,
desperdiçar esta hipótese seria come-
ter um suicídio político que o deixaria
eternamente colado a António Costa;
e, por último, a dimensão do terra-
moto político-judicial que acabara de
abalar o Governo deixaria a maioria
PS irremediavelmente ferida de morte,
comprometendo a pretensa vantagem
de deixar o ciclo chegar ao fim.
É aí que radica a razão que permi-
tiu ao Presidente desbloquear a sua
escolha primeira. “A grande diferen-
ça é que aqui a dissolução do Par-
lamento e a convocação de eleições
não acontece por exclusiva decisão
do Presidente, decorre da demissão
do primeiro-ministro perante os fac-
tos”, explicam em Belém. Como se,
após ter sido muito criticado por an-
dar meses a agitar a poderosa ‘bom-
ba atómica’, Marcelo precisasse de
uma razão maior. E o comunicado
da PGR, confirmado pessoalmente
pela procuradora em Belém, sobre
as suspeitas judiciais de corrupção,
tráfico de influências e prevaricação
que invadiram o coração do Governo
e alguns dos mais próximos colabo-
radores do primeiro-ministro deram
de bandeja a Marcelo a oportunidade
para dissolver por alegada responsa-
bilidade alheia.
asilva@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023
>>
SINDICATOS DIVERGEM
NO CAMINHO A SEGUIR
SAÚDE Os dirigentes sindicais dos mé-
dicos romperam o acordo que tinham
para assumir uma posição unida junto
do Governo. Inviabilizadas as negocia-
ções, o Sindicato Independente dos
Médicos assegura que cancelará os
protestos logo que haja a marcação de
eleições legislativas, mas a Federação
Nacional dos Médicos ainda não arris-
ca um prognóstico. Diz somente que,
por agora, mantém a paralisação na
próxima semana. Igualmente a abrir
fissuras está o movimento Médicos
em Luta. Os líderes garantem que a
escusa às horas extraordinárias con-
tinua a fazer efeito, no entanto, na
rede social onde se organizam já foi
proposta uma votação para nortear os
passos seguintes. Só os enfermeiros
foram incisivos, tendo o Sindicato dos
Enfermeiros Portugueses anunciado
o fim da greve agendada para esta
sexta-feira.
PROFESSORES SEM
PROTESTOS NA AGENDA
CONTESTAÇÃO Os sindicatos de pro-
fessores tinham anunciado uma con-
centração frente ao Parlamento para
a próxima segunda-feira, altura em
que o ministro deveria estar a discutir
o Orçamento na Comissão de Educa-
ção, mas a audiência de João Costa
foi antecipada para hoje, deixando os
sindicatos sem margem para manter
o protesto. E não estão previstas no-
vas manifestações, nem é provável
que tão cedo venham a ser agendadas.
A demissão de António Costa impôs
uma mudança de estratégia aos sin-
dicatos: tendo em conta a convocação
de legislativas, vão agora concentrar-
-se em pressionar os partidos para
que integrem nos programas eleito-
rais a contagem integral do tempo de
serviço que esteve congelado. “Vamos
transferir a nossa ação do Governo
para os partidos, para que se com-
prometam com soluções”, diz Mário
Nogueira.
INVESTIGAÇÃO NAS MÃOS
DA AT, PJ PRETERIDA
INQUÉRITO-CRIME Os procuradores
João Paulo Centeno, Hugo Neto e
Ricardo Correia Lamas decidiram
trabalhar na Operação Influencer
com uma equipa de inspetores da
Autoridade Tributária (AT) em vez
de ser coadjuvados pela Polícia Judi-
ciária, apesar de este órgão ter uma
unidade especializada em corrupção.
De acordo com fontes ouvidas pelo
Expresso, apesar do reforço de mei-
os da PJ nos últimos anos, o DCIAP
decidiu continuar a atribuir casos à
AT. Desde 2005 que Rosário Teixei-
ra, o procurador estrela do DCIAP,
tem optado por trabalhar com uma
equipa liderada pelo inspetor tribu-
tário Paulo Silva. Nessa altura, Paulo
Silva começou, por sua iniciativa, a
investigação da Operação Furacão,
sobre fraude fiscal, e a PJ não acei-
tou trabalhar sob a sua orientação.
Depois disso, alguns dos principais
casos do DCIAP têm ficado com a AT,
incluindo a Operação Marquês.
DE PÉ VÍTIMAS DO MP
DEFESA Manuel Magalhães e Silva, que
é advogado de Diogo Lacerda Macha-
do (mas também de António Costa no
processo que este tem contra Carlos
Costa), disse esta quarta-feira que,
“quando chegarmos ao fim”, espera
que “isto possa manter o Ministério
Público [MP] de pé. Pode não aconte-
cer”. O jurista não explicou se estava
apenas a falar da credibilidade do MP
ou de alguma ação política para me-
xer nos poderes dos procuradores.
Segundo Magalhães e Silva, o que está
nos autos é “a criminalização de um
processo político-administrativo”, sem
“provas inequívocas de qualquer situa-
ção de corrupção”. O advogado subli-
nhou a “falta de provas” e descreveu
esta investigação como “uma situação
grave relativamente à criminalização
de processos políticos”.
Expresso, 10 de novembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 11
12 PRIMEIRO CADERNO
CRISE POLÍTICA
PSD “Temos de
estar preparados”
Toque a reunir à volta do líder, apesar de divisões sobre estratégia
João Diogo Correia
Sem tempo para testes. Os es-
tilhaços do terremoto político
da semana provocaram uma
consequência óbvia no PSD,
mas nem por isso menos im-
portante: Luís Montenegro é o
candidato a primeiro-ministro.
“Passou diretamente para a fi-
nal”, resume um deputado la-
ranja. O exame das europeias,
marcado para junho, fica sem
efeito. Tal como outros que pu-
dessem aparecer por um cami-
nho que se esperava que fosse
de mais três anos.
O tempo agora é de arregi-
mentar tropas em torno do lí-
der, mesmo as que não são da
linha Montenegro. “É o último
reduto de lealdade ao partido”,
contextualiza um social-demo-
crata de longa data, habituado
a disputas internas. E acrescen-
ta que “o partido já estava uni-
do” (Montenegro tem andado
a percorrer os distritos), “mas
isto não é novo: quando cheira
a eleições, aparecem todos”.
Embora houvesse no PSD
quem assumisse que a legisla-
tura podia não chegar ao fim,
os acontecimentos de terça-fei-
ra foram recebidos na São Ca-
etano à Lapa com entusiasmo
contido. “Isto não é bom para
o PSD nem para o país, mas se
somos um partido de oposição
a querer ser Governo, claro que
temos de estar preparados”, diz
um elemento do núcleo duro.
Chega Calendário interno acelera
Com nova Convenção
em breve, partido já
começa a fazer contas
para as eleições
Já se sabia que o Chega pre-
cisava de marcar uma nova
Convenção para reconfirmar
a direção e estatutos, na se-
quência do chumbo do Tribu-
nal Constitucional há um ano.
Contudo, a demissão do pri-
meiro-ministro vai acelerar o
calendário interno do partido
de André Ventura, que será o
líder partidário com mais tem-
po de liderança a ir a votos nas
A queda do PS causa no PSD
mais dois efeitos imediatos. Por
um lado, o calendário acele-
ra e põe o partido a desenhar
um programa político, cuja
base vai sendo construída no
Conselho Estratégico Nacio-
nal (CEN), o órgão que apoia a
direção na elaboração de pro-
postas. “Não diria que já temos
um programa, diria que não
fomos apanhados descalços”,
diz o mesmo social-democrata.
Em julho, quando participou
num encontro do CEN, Mon-
tenegro falou “numa base de
programa eleitoral” que estava
a ser construída e apresentada
ao longo da legislatura. Esse
“esboço” era para estar pronto e
ser dado a conhecer no primeiro
trimestre do próximo ano.
“Vamos ter de olhar para
os calendários”, admite outro
elemento, contando que há
documentos, que ainda não
são públicos nem são versões
finais, que precisam de ser
“compilados”. Essa é a parte
que amanhã decorre à porta fe-
chada, quando os conselheiros
do CEN se reúnem em Fátima.
Montenegro vai lá estar (não
acontece sempre) e fará um
discurso que servirá de tiro de
partida da campanha eleitoral.
Congresso divide
A segunda consequência práti-
ca é que o congresso marcado
para 25 de novembro, para dis-
cutir uma revisão estatutária,
próximas legislativas. Além
dele, só Rui Tavares (Livre) e
Inês Sousa Real (PAN) não são
estreantes.
Numa altura em que as di-
visões internas continuam
a fazer parte do dia a dia do
partido, a expectativa é que a
queda de Costa faça o partido
cerrar fileiras. O crescimento
do Chega “parece-me óbvio”,
diz ao Expresso um deputado,
lembrando as sondagens mais
recentes, cujas previsões vari-
am entre os 13% e os 18% das
intenções de voto. Alcançar a
fasquia de 20% não é “impos-
ganha força de reunião para
aclamação do líder. Não que a
opinião de manter o congresso
estatutário seja consensual. “Já
alguém na rua lhe perguntou
sobre os estatutos do PSD”,
dizem. “A discussão é impor-
tante, vinha em boa altura, mas
agora não faz sentido discutir
questões internas.”
É uma opinião partilhada
por outros sociais-democratas
fora da direção, como Miguel
Relvas. Ao Expresso, o antigo
ministro dá até ideias para o dia
em que 750 delegados se vão
reunir em Almada. “Aquilo de-
via transformar-se numa gran-
de convenção nacional, como
fez Durão Barroso em 2002,
com o PSD a liderar uma frente
política e a juntar a sociedade
civil.” Há 21 anos, Durão usou
a convenção para assinar um
“compromisso com a socieda-
de civil” e dar a palavra a três
antecessores, Francisco Pinto
Balsemão, Cavaco Silva e Mar-
celo Rebelo de Sousa. Ganhou
as legislativas de 2002 a Ferro
Rodrigues por pouco.
Relvas é também da opinião de
que ter um Orçamento aprova-
do, uma decisão de Marcelo que
Montenegro disse que não iria
pôr em causa, é prejudicial para
o PSD, porque “o PS vai usá-lo
como panfleto de campanha”.
“Temos noção dos riscos”,
assume-se na direção. Riscos
como haver redução do IRS,
aumento de pensões ou de a
polémica proposta do IUC cair.
sível”, mas “é preciso algum
realismo”, diz.
“Muita coisa vai acontecer
até às eleições, ainda é prema-
turo avançar nomes”, diz outro
dirigente, recusando-se a avan-
çar novas pessoas para as listas
de candidatos à Assembleia da
República, que já começam a
ser trabalhadas.
“Da parte que me toca, obvi-
amente que estamos prepara-
dos para as eleições”, afirma
Pedro Pessanha, líder da dis-
trital de Lisboa, que em ou-
tubro venceu as eleições para
os órgãos internos da capital,
Montenegro foi a Belém
dizer a Marcelo que está
preparado para eleições
FOTO TIAGO MIRANDA
Mas a decisão, tornada pública
por Montenegro, é “não criar
nenhum obstáculo”. Faz tudo
parte da mesma narrativa, que
pode ser resumida numa pala-
vra: “responsabilidade”. Com
o Chega a subir os decibéis, a
estratégia do PSD é ser o adulto
na sala.
Como que seguindo à risca
o guião que Cavaco deixou há
meses, quando disse que Mon-
tenegro “está tão ou mais bem
preparado” do que o próprio
estava quando subiu a primei-
ro-ministro em 1985, para a
mais longa permanência no
cargo da democracia portu-
guesa. Em três pontos: “Não ir
a reboque dos partidos preocu-
pados em ser notícia”, não falar
em coligações, “resgatar o de-
bate político em Portugal”, com
“urbanidade e respeito pelos
adversários”. E a subtil referên-
cia ao Chega, quando disse que
é preciso “não compactuar com
políticas que choquem com a
social-democracia e a filosofia
humanista que a inspira com
uma defesa intransigente dos
direitos humanos”.
As perguntas sobre o Chega
não vão parar e levaram Mon-
tenegro a voltar ao “não é não”
na terça-feira. “Já não sei o que
é que o presidente ou o PSD po-
dem fazer mais: não governare-
mos com o apoio do Chega, não
vejo onde há dúvidas”, disse o
secretário-geral, Hugo Soares,
uma hora depois.
jdcorreia@expresso.impresa.pt
tendo entretanto substituído
quatro dos 13 coordenadores
concelhios.
O Chega elegeu quatro depu-
tados por Lisboa, mas Pessa-
nha quer mais e aponta para o
objetivo de duplicar o número
de parlamentares na próxima
legislatura. Durante a campa-
nha distrital, os seus opositores
acusaram-no de estar contra
Ventura e de ser próximo de
Bruno Nunes, deputado eleito
por Setúbal que seria a figura
de proa desse movimento.
Tiago Soares
tsoares@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023
BE e PCP Esquerda
a duas velocidades
Mortágua tem mais
“experiência” do que
Raimundo, que demorou
a defender eleições
Tudo fazia prever que Mariana
Mortágua e Paulo Raimundo
tivessem ainda três anos de pre-
paração antes de enfrentarem
uma ida direta às urnas. Agora,
as novas lideranças à esquerda e
as da IL e do PSD saltam o teste
das europeias e vão diretamente
a jogo — o PCP com pouco mais
de um ano de novo líder, o BE
com menos do que isso mas com
a vantagem de ser muito mais
conhecida do eleitorado.
Apesar de a situação ser uma
“surpresa”, o núcleo bloquista
diz-se “pronto”. “A Mariana já
foi candidata em eleições ante-
riores [autárquicas], tem muita
experiência política e está tran-
quilíssima”, disse ao Expresso
fonte da direção do partido.
Já Paulo Raimundo soma qua-
se o dobro do tempo como líder
do PCP, mas é recente no pal-
co político, e a falta de assento
parlamentar dificulta a saída da
sombra de Jerónimo de Sousa.
Ainda assim, o partido diz que
enfrenta a nova realidade “sem
receio nem dúvidas”. “O secre-
tário-geral tem tido uma inten-
sa atividade política e tem todas
as condições para enfrentar a
batalha, inclusive no confronto
com líderes partidários”, garan-
tiu ao Expresso João Oliveira,
membro do Comité Central do
PCP e uma das caras mais co-
nhecidas do partido.
Assim que foi conhecida a
saída do primeiro-ministro, a
IL Meta de 15%
ameaçada
Liberais não se
comprometem para
já quanto a metas.
Abertura para o PSD
mantém-se após eleições
Quando Rui Rocha e Luís Mon-
tenegro almoçaram juntos, no
início de maio, num restaurante
em Lisboa, já tinham uma even-
tual crise política na agenda. O
encontro — que já estava com-
binado — acabou por acontecer
depois de o primeiro-ministro
recusar a demissão de João Ga-
lamba, contra a vontade do Pre-
sidente da República. Os líderes
do PSD e da Iniciativa Liberal
(IL) queriam, assim, dar um si-
nal a Marcelo de que estavam
disponíveis para construir uma
alternativa à direita. Seis meses
depois, a queda do Governo veio
acelerar o calendário político e
os dois partidos mantêm o com-
promisso: há abertura para en-
tendimentos, mas só pós-eleito-
rais e sem o Chega na equação.
“A palavra mantém-se, o canal
aberto com o PSD também”,
garante ao Expresso fonte do
núcleo duro de Rui Rocha.
Aos liberais agradou a maior
clareza do PSD quanto a linhas
vermelhas nas eleições regio-
nais da Madeira, apesar da de-
silusão com o acordo alcançado
com o PAN. “O cenário nacio-
nal é outro e continuamos a
acreditar que somos o parceiro
preferencial”, frisa a mesma
fonte, que pede, contudo, mais
“ambição” e “coragem” aos
sociais-democratas para as re-
formas necessárias ao país. Do
lado da IL, Rocha foi sempre
inequívoco em manter a estra-
tégia do partido de concorrer
maioria dos partidos apressou-
-se a pedir eleições antecipadas.
O Bloco tardou a reagir (só o
PSD falou mais tarde), mas foi
claro nas palavras. Já o PCP co-
meçou por dizer que o país não
precisava de “eleições” e só de-
pois da audição em Belém sinto-
nizou o discurso. No núcleo co-
munista, a tese é de que nunca
existiram “dúvidas”. “A posição
do PCP foi essa [eleições ante-
cipadas] desde o início. Houve
uma intenção do secretário-ge-
ral de mostrar que as eleições,
por si só, não são solução para
os problemas nacionais”, expli-
ca João Oliveira.
BE à espera que PS
arrume a casa
A saída de António Costa abre
portas a uma eventual suces-
são de Pedro Nuno Santos, que
pode favorecer entendimentos
à esquerda — ele disse há sema-
nas esperar que a “geringon-
ça” não seja “um parênteses na
vida política portuguesa”.
Os dirigentes do BE acham
“prematuro” falar em cenári-
os e preferem esperar que o
PS arrume a casa. O PCP quer
focar-se no reforço isolado do
partido. “Alguma coisa impe-
dia o PS de ter uma política de
esquerda com maioria abso-
luta? É mesmo uma ilusão de
que é dentro do PS que se en-
contram políticas de esquerda.
Aquilo que pode conduzir num
sentido diferente é o reforço do
PCP”, diz João Oliveira.
Margarida Coutinho
mcoutinho@expresso.impresa.pt
sozinho às eleições, com listas
próprias e programas autóno-
mos. Disponibilidade só para
acordos pós-eleitorais: “A IL
não fará política em reação aos
outros partidos, tem as suas
próprias ideias.”
Já a meta de 15% apontada
no seu discurso de vitória nas
eleições internas, em janeiro,
fica ameaçada, uma vez que a
estimativa foi feita com base no
calendário normal das legisla-
tivas. É mais um teste para Ro-
cha, depois da Madeira. Com
eleições antecipadas, o presi-
dente dos liberais admitiu sem-
pre que o partido iria crescer
nas urnas, mas sem se compro-
meter quanto a objetivos: “A
IL quer crescer para que Por-
tugal entre num novo ciclo de
governação com crescimento
económico e resolução do caos
a que se assiste nos serviços pú-
blicos”, diz fonte oficial. A nível
interno, o novo cenário políti-
co traz também desafios à IL,
com uma Convenção Nacional
agendada para o primeiro fim
de semana de dezembro, que
serviria para aprovar a revisão
dos estatutos e discutir o novo
programa político. Entre os li-
berais há quem entenda, con-
tudo, que o partido deve adiar
a revisão estatutária e focar-se
desde já nas eleições legislati-
vas — questão que será discu-
tida na reunião do Conselho
Nacional deste domingo. Será
também decidido se Cotrim de
Figueiredo é lançado já como
cabeça de lista para as eleições
europeias ou não. Outra ques-
tão que divide o partido.
Liliana Coelho
lpcoelho@expresso.impresa.pt
 Expresso, 10 de novembro de 2023
RISE POLÍTICA
ANO E MEIO DE UMA MAIORIA ATRIBULADA
António Costa prometia, na
cerimónia de tomada de posse,
que o Governo iria “trabalhar
sem hesitações contra
tormentas e tempestades,
mantendo Portugal na trajetória
do crescimento e progresso”.
Porém, cerca de um ano e oito
meses depois, o primeiro-
ministro não conseguiu travar o
‘furacão’ que o atingiu e
derrubou na terça-feira passada.
Até ao dia 7 de novembro foram
várias as tempestades que
assolaram o Governo socialista,
num rol de casos e casinhos,
como várias vezes lhes chamou,
que levaram à demissão de
sucessivos governantes e a
inevitáveis remodelações, com a
última baixa a ser o próprio
António Costa.
30 de março de 2020
O primeiro-ministro acabado
de empossar disse que “a
maioria absoluta que nos foi
concedida não significa poder
absoluto, nunca o poderia
constituir e muito menos eu o
poderia interpretar [...], pelo
contrário, a maioria absoluta
corresponde a uma responsabi-
lidade absoluta para quem
governa, a ausência de álibis e
de desculpas”. E, sem desculpas,
o chefe de Governo “obviamen-
te” demitiu-se depois da
operação que deteve
pessoas do seu círculo
próximo e consti-
tuiu como arguido
um dos seus
ministros, João
Galamba, que
tem a pasta das
Infraestruturas.
António Costa
acreditava que,
depois do chumbo do
Orçamento do Estado para
2022 e consequente demissão
do Governo, “os portugueses
resolveram nas eleições a crise
política e garantiram a
estabilidade até outubro de
2026”. Mas não.
30 de agosto de 2022
A legislatura foi um somatório
de sucessivas demissões no
Governo e a ‘sangria’ começou
logo cerca de um mês após este
discurso, com a saída, no início
de maio, da secretária de Estado
da Igualdade e das Migrações,
Sara Abrantes Guerreiro, por
motivos de saúde. No fim de
agosto, a ministra da Saúde,
Marta Temido, apresentou
demissão ao primeiro-ministro
“por entender que deixou de ter
condições para se manter no
cargo”. Estava a ser um verão
quente, com o fecho
generalizado de urgências
hospitalares e as críticas à falta
de serviços de obstetrícia.
10 de novembro de 2022
Em novembro de 2022 a ‘vítima’
é Miguel Alves, antigo
presidente da Câmara de
Caminha, que não aguentou
dois meses no cargo depois de
ter sido convidado para
secretário de Estado Adjunto do
Primeiro-Ministro. Miguel Alves
entrou no Governo já
constituído arguido no âmbito
da Operação Teia, relativa a
suspeitas de alegados
favorecimentos de autarcas de
algumas câmaras do Norte a
uma empresa da mulher de
Joaquim Couto, antigo
presidente socialista da Câmara
de Santo Tirso. Embora arguido,
só saiu do Executivo no dia em
que foi acusado no âmbito do
mesmo processo.
29 de dezembro de 2022
Segue-se o caso de Alexandra
Reis, nomeada no início de
dezembro do ano passado e que
esteve apenas um mês como
PRIMEIRO CADERNO 13
Caso abala ambições europeias
secretária de Estado do
Tesouro. A notícia de que havia Primeiro-ministro não vai à cimeira dos socialistas europeus, em Málaga
recebido uma indemnização de
meio milhão de euros para sair a primeira-ministra dinamar- um dos líderes mais fortes, es- nos corredores: as notícias das
da TAP motivou uma nova
Susana Frexes quesa, Mette Frederiksen, ou táveis e respeitados. É um dos investigações sobre eventual
avalancha de críticas e até espanhol Pedro Sánchez (que veteranos à mesa dos líderes corrupção retiram-no da lista
gerou um aviso do Presidente António Costa deveria ser um ainda está a tentar formar europeus e tem somado elo- de “presidenciáveis” e do jogo
da República: “O que está aqui dos líderes em destaque no pro- Governo). Todos vão estar em gios à esquerda, mas também à das cadeiras de topo.
em causa para o futuro é retirar grama do congresso do Partido Málaga. direita, como os que lhe foram A Comissão Europeia come-
a lição de que os que querem Socialista Europeu (PES), que O caso é visto como uma tecidos pela presidente do Par- çou por não comentar a queda
assumir funções políticas num começa hoje em Málaga. Mas a “machadada” nas ambições lamento Europeu. Em 2019, de Costa e as notícias da investi-
determinado momento estão fotografia e o nome do secretá- europeias de Costa. Mas, se chegou a ser sondado para pre- gação, seguindo a lógica de não
crescentemente sujeitos a rio-geral do PS já não constam algumas fontes dão conta da sidente do Conselho Europeu e comentário sobre a política in-
escrutínio sobre a sua vida na lista de intervenções, nem dificuldade de o ainda primei- o nome era falado nos corredo- terna dos Estados-membros. Já
passada. Isto aplica-se ao nas publicações do PES na rede ro-ministro chegar a um cargo res de Bruxelas como possível esta quarta-feira, questionada
Presidente da República, aos social X (ex-Twitter). de topo — “mesmo que se prove candidato ao cargo em 2024. sobre o assunto, a presidente da
membros do Governo e a todos A ausência, explicada pela que tem as mãos limpas” — , A crise política desencade- Comissão Europeia empurrou a
os níveis”, afirmou Marcelo crise política em Portugal, afas- outras acreditam que ainda ada esta terça-feira e as notí- questão para a esfera da Justiça.
Rebelo de Sousa. ta também António Costa dos pode haver uma reviravolta, cias da detenção do chefe de “Cabe às autoridades nacionais
O TAPGate arrastou, no final de preparativos para as próximas caso a investigação no Supre- gabinete do primeiro-ministro investigarem”, respondeu Ursu-
dezembro, o ministro das eleições europeias e do grupo mo Tribunal de Justiça tenha caíram como uma bomba no la von der Leyen, acrescentado
Infraestruturas e da Habitação de líderes socialistas que vão um desfecho, em tempo útil, a teatro político europeu. Vá- apenas que o Executivo comu-
Pedro Nuno Santos, que negociar a distribuição dos car- favor de Costa. rias publicações, incluindo o nitário está a seguir as notícias
sucumbiu ao acumular de gos de topo no verão de 2024: o Ao longo de oito anos, Antó- “Financial Times” ou o “Poli- que chegam de Portugal.
casos. A situação de Pedro chanceler alemão, Olaf Scholz, nio Costa posicionou-se como tico”, constatam o que é dito politica@expresso.impresa.pt
Nuno Santos já era tremida
depois do puxão de orelhas de
António Costa por causa da
decisão unilateral do ministro
de publicar um despacho com a
solução Montijo-Alcochete para
o novo aeroporto de Lisboa.
Pedro Nuno acabou a pedir
desculpa.
5 de janeiro de 2023
Tomam posse os ministros das
Infraestruturas, João Galamba,
e da Habitação, Marina
Gonçalves, e também
várias secretários de
Estado. Mas Carla
Alves demite-se
do cargo de
secretária de
Estado da
Agricultura ao fim
de apenas 25 horas,
depois de ter sido
noticiado o arresto das
contas bancárias do seu marido,
o ex-presidente da Câmara
Municipal de Vinhais, acusado
de corrupção e prevaricação.
Abril de 2023
Já com a Comissão Parlamentar
de Inquérito à TAP a funcionar,
o Governo é ensombrado com
um novo episódio a envolver o
Ministério das Infraestruturas,
desta vez com contornos
rocambolescos. Frederico
Pinheiro, ex-adjunto de
Galamba, é o protagonista de
uma situação com contornos de
violência motivada pela
recuperação de um
computador, após ter sido
exonerado por causa de notas
sobre a TAP. Os desacatos
levaram à intervenção do
Serviço de Informações e
Segurança e da Polícia
Judiciária, a pedido de Galamba,
e o caso arrastou o Governo
para uma nova crise política,
com Marcelo Rebelo de Sousa a
pedir a demissão do ministro
das Infraestrutura e António
Costa a segurá-lo.
7 de julho de 2023
O secretário de Estado da
Defesa Nacional, Marco Capitão
Ferreira, que estava no Governo
desde o primeiro dia, é
exonerado depois de
constituído arguido no processo
Tempestade Perfeita. O caso,
que envolve altos quadros da
Defesa, estava desde dezembro
na luta política, com a oposição
a pedir várias vezes
esclarecimentos sobre este caso
ao ex-ministro da Defesa, João
Gomes Cravinho, atual titular
dos Negócios Estrangeiros.
7 de novembro de 2023
O primeiro-ministro anuncia a
sua própria demissão, depois de
ser divulgada a abertura de uma
investigação a si próprio no
Supremo Tribunal de Justiça.
Ana Sofia Santos
assantos@expresso.impresa.pt
14 PRIMEIRO CADERNO
DEFESA
Amigo de Marco Capitão era
testa de ferro para contratos
Colega do ex-secretário de Estado fez um
estudo para o Ministério da Defesa que meses
depois foi copiado por Capitão Ferreira.
Documentos e contratos desapareceram
Textos Vítor Matos
Um contrato inexistente, relatórios
desaparecidos, o mesmo parecer
vendido duas vezes, um estudo de au-
toria duvidosa e um plágio. O profes-
sor e jurista João Gomes de Almeida,
amigo do ex-secretário de Estado
da Defesa Marco Capitão Ferreira
— que foi constituído arguido por
corrupção no caso Tempestade Per-
feita —, está sob suspeita devido a
três adjudicações diretas contratadas
em 2016 e 2017 pelo Ministério da
Defesa (MD).
Os documentos relativos a esses
contratos com a Direção-Geral de
Recursos da Defesa Nacional (DGR-
DN), consultados pelo Expresso, in-
diciam que Gomes de Almeida terá
funcionado como testa de ferro de
Capitão Ferreira para contratos com
o Estado: o jurista foi contratado
duas vezes para entregar dois pare-
ceres exatamente iguais, um deles
coassinado por Capitão Ferreira, os
procedimentos e peças de um desses
contratos não constam dos arquivos
ministeriais, dois dos relatórios pro-
duzidos também desapareceram do
MD e um estudo encomendado pela
DGRDN a Gomes de Almeida sobre
economia da Defesa foi quase inte-
gralmente reproduzido num livro
que Capitão Ferreira publicou no
Instituto de Defesa Nacional (IDN)
apenas quatro meses depois. O ju-
rista admite ao Expresso que ele e
Capitão colaboraram nesse trabalho,
que, no entanto, só foi faturado a si.
A gravidade destes casos levou a
subdiretora-geral de Recursos da
Defesa Nacional, Cristina Pinto, a
informar o gabinete da ministra
da Defesa, Helena Carreiras, das
“suspeitas de irregularidades e vio-
lações de legalidade” identificadas
nestes procedimentos, propondo
a realização de uma ação inspeti-
va pela Inspeção-Geral da Defesa
Nacional. Esta informação seguiu
da DGRDN para o gabinete da mi-
nistra a 25 de agosto, duas semanas
depois de o Expresso ter solicita-
do a consulta destes processos (o
acesso à documentação só nos foi
concedido, porém, três meses de-
pois). Um dos contratos em causa
está mesmo a ser investigado pelo
Ministério Público, o que impossi-
bilitou o acesso do Expresso à do-
cumentação por estar em segredo
de justiça (ver caixa).
Marco Capitão Ferreira e João
Gomes de Almeida são amigos
desde que se conheceram ainda
estudantes na Faculdade de Direi-
to de Lisboa. Mais tarde trabalha-
ram juntos enquanto juristas no
Instituto Nacional do Transporte
Ferroviário (INTF) e continuaram
a colaborar. O nome de Gomes de
Almeida, hoje subdiretor jurídico
da Santa Casa da Misericórdia, sur-
giu no Processo Tempestade Perfei-
ta por ter sido um dos especialistas
consultados num procedimento
fictício, “fabricado” por Capitão
Ferreira em conluio com os respon-
sáveis da DGRDN — Paulo Branco,
então diretor financeiro, e o pró-
prio diretor-geral, Alberto Coelho,
acusados de corrupção no processo
— para se atribuir a si próprio uma
avença de €61 mil para uma consul-
toria realizada em cinco dias.
O CONTRATO DESAPARECIDO
Em agosto de 2016 — quando o mi-
nistro da Defesa ainda era Azeredo
Lopes —, João Gomes de Almeida
recebeu €4305, autorizados pelo
então diretor-geral de Recursos da
Defesa Nacional Alberto Coelho, por
um parecer sobre as consequências
da saída de Portugal de um grande
programa cooperativo europeu para
construir o helicóptero NH-90. O
relatório é composto por 15 pági-
nas, mas tem uma particularidade:
todas as folhas da “consulta” têm
no cabeçalho o nome de João Go-
mes de Almeida e de Marco Capitão
Ferreira e foi assinado por ambos,
mas o pagamento do serviço foi feito
apenas a Gomes de Almeida.
Outra evidência que levanta sus-
peitas: embora existam registos des-
te pagamento na DGRDN, os servi-
ços do ministério não encontraram
agora o rasto de qualquer contrato,
caderno de encargos ou outras peças
a suportar esta prestação de serviço.
Também não consta do Portal Base.
Menos de um ano depois, em maio
de 2017, Gomes de Almeida volta a
ser contratado pela mesma DGRDN,
que lhe encomenda dois relatórios
em simultâneo: uma avaliação sobre
as implicações da saída de Portu-
gal do programa dos helicópteros
NH-90 (outra vez) e um estudo para
repensar a economia da Defesa em
Portugal.
PARECER IGUAL,
AO TRIPLO DO PREÇO
Este novo contrato levanta ainda
mais dúvidas. A prestação de ser-
Justiça investiga ajuste direto
a Gomes de Almeida
Quando fizeram as buscas ao
Ministério da Defesa no dia 7 de
julho, as autoridades judiciárias
apreenderam toda a
documentação de um ajuste
direto de €72 mil (mais IVA),
contratado a João Gomes de
Almeida, professor de Direito e
amigo do ex-secretário de
Estado Marco Capitão Ferreira
(que se demitiu nesse dia, por
ter sido constituído arguido por
corrupção). O contrato em
causa, que o Expresso não pôde
consultar por estar em segredo
de Justiça, era relativo à
aquisição de serviços de
consultadoria técnico-jurídica
para o desenvolvimento do
2016 sobre a saída do programa NH90,
coassinado com Capitão Ferreira; à
direita, o parecer de 2017, exatamente
igual, pelo triplo do preço. Gomes de
Almeida diz ter na sua posse um parecer
de 2016 diferente do que está no MDN
viços de João Gomes de Almeida
tem um valor global de €23 mil, mas
divide-se em duas parcelas: €11.992
pelo relatório sobre a economia da
Defesa e €11 mil pelo parecer sobre
a desistência dos NH-90.
Qual é o problema? O texto do pa-
recer sobre os NH-90 é exatamente
igual à “consulta” que tinha sido en-
tregue à DGRDN no ano anterior, só
que agora o preço é quase o triplo e o
relatório já não aparece coassinado
por Capitão Ferreira, mas apenas
por João Gomes de Almeida.
Apesar de o conteúdo dos dois do-
cumentos na posse do MD consulta-
dos pelo Expresso ser igual, exceto
as assinaturas (ver imagens), Gomes
de Almeida garante que os pare-
ceres são diferentes e que incidem
sobre questões diversas, e que tem
na sua posse o parecer verdadeiro,
datado de 2016.
Qual é o outro problema? Estes
dois relatórios desapareceram
dos arquivos do MD. Foi a própria
DGRDN — depois da solicitação
dos documentos por parte do Ex-
presso — que teve de pedir ao pró-
prio João Gomes de Almeida, a 24
de agosto, para enviar ao ministé-
rio os dois trabalhos contratados
em 2017. Num e-mail que consta
da documentação disponibilizada
ao Expresso, Gomes de Almeida
reenviou os dois trabalhos reali-
zados e explicou ao ministério que
projeto de relocalização dos
serviços do Ministério da
Defesa”.
O trabalho contratado a Gomes
de Almeida consistia na
produção das peças de conceção
para um concurso de arquitetura
para a criação de um Campus da
Defesa, no antigo Regimento de
Lanceiros na Ajuda. O concurso
de ideias chegou a ser lançado
com pompa e circunstância pelo
então ministro João Gomes
Cravinho, mas o Governo
desistiu do projeto. Gomes de
Almeida diz ao Expresso que
desconhece o processo, que não
foi ouvido nem constituído
arguido.
À esquerda, o parecer de
“a entrega dos dois documentos
ocorreu em reunião havida com
o dr. Manuel da Silva Lopes [en-
tão diretor de Serviços] no dia 23
de maio de 2017, pelas 11 horas”.
Como desapareceram os docu-
mentos é um mistério.
PLÁGIO, COLABORAÇÃO
OU TESTA DE FERRO?
O aspeto que reforça a suspeita de
João Gomes de Almeida funcionar
como testa de ferro de Marco Ca-
pitão Ferreira é a contratação de
um “referencial para a reestrutura-
ção da economia de Defesa” para “o
modelo de governação de base tec-
nológica e industrial da Defesa e da
internacionalização da indústria em
Portugal”. Embora esta seja a área
de expertise de Marco Capitão — não
há muitos peritos no assunto em
Portugal —, o estudo foi encomen-
dado a Gomes de Almeida, que é um
especialista em direito sucessório,
em divórcios e em direito internaci-
onal privado. Nada no seu currículo
menciona a Defesa.
Ora, se Gomes de Almeida entre-
gou o relatório à Defesa em maio de
2017, Marco Capitão publicou um es-
tudo sobre a “Economia da Defesa”
no caderno nº 27 do IDN em outubro
do mesmo ano. Acontece que o livro
de Marco Capitão reproduz inte-
gralmente, ipsis verbis, numerosos
parágrafos do estudo assinado por
Gomes de Almeida, sem o citar.
Questionado pelo Expresso so-
bre a razão de ter sido contratado
para uma área em que não tinha
experiência, Gomes de Almeida
respondeu que essa pergunta teria
de ser feita “a quem o contratou”:
“Não tive queixas do cliente. O que
fiz foi estudar para fazer o traba-
lho”, justificou numa conversa tida
com o Expresso a 23 de agosto.
Nessa altura, o jurista omitiu que
Capitão Ferreira colaborou consi-
go na feitura do relatório, o que só
assumiu ao Expresso esta semana:
“Colaborámos cientificamente na
elaboração do referencial” que foi
encomendado pela DGRDN, reco-
nheceu, mas só conheceu o livro
de Capitão Ferreira publicado pelo
IDN “depois da sua publicação”. Ca-
pitão Ferreira não fez comentários
às questões enviadas pelo Expresso
até ao fecho desta edição.
vmatos@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023
Gente
Conversa de circunstância
Marcelo foi recebendo os partidos
em Belém e, como é habitual, os
repórteres de imagem entraram
na sala nos primeiros minutos de
cada delegação. Nesses momentos,
Marcelo faz, geralmente, conversa
de circunstância. Desta vez, os as-
suntos do Presidente foram três: a
doença de um amigo, um livro que
o PR apreciou muito, até porque o
papel era muito bom e facilitava a
leitura por ser meio amarelado e o
tempo. A temática foi-se repetindo
de forma, aparentemente, indife-
renciada.
Influências Gente segue com
atenção Luís Paixão Martins nas
redes sociais. O especialista em
comunicação, que esteve nas cam-
panhas de três maiorias absolutas,
tanto se passeia pelo mundo, como
nos mostra a vida do campo pela
raia portuguesa. E foi com uma
imagem do campo, roupa informal
e um boné de pala que assinalou
a demissão do primeiro-ministro.
“Deixei de ser influente”, legen-
dou o comunicador. Olhe que não,
L.P.M., olhe que não...
Emoções Se há imagem que mar-
ca a presença de Ana Abrunhosa
na política é a sua emotividade. Já
a mostrou várias vezes e voltou a
mostrar esta quarta-feira no Parla-
mento. Na audição orçamental de
quarta-feira, emocionou-se ao des-
pedir-se dos deputados, depois de
se ter referido várias vezes ao “meu
primeiro-ministro” e “ao nosso mi-
nistro das Finanças”. Gente não
tem dúvidas: Abrunhosa leva o tro-
féu de ministra mais chorona deste
Governo.
Em cima da hora Bem mais di-
fícil foi a prestação do ministro
da Saúde, ouvido no Parlamento
enquanto o primeiro-ministro es-
tava a fazer o discurso de demis-
são na residência oficial. Manuel
Pizarro foi tão atropelado pelos
acontecimentos que ainda disse
que ia manter as negociações com
os sindicatos médicos que estavam
marcadas para o dia seguinte. Ho-
ras depois percebeu que, afinal,
não havia condições.
Tertúlia É o debate que se im-
punha no momento: a dignidade
no exercício de funções públicas.
A tertúlia organizada pelo movi-
mento de Isaltino Morais, e com
o presidente da Câmara de Oeiras
como cabeça de cartaz, decorreu
esta quinta-feira em Oeiras, mas
infelizmente a horas não compatí-
veis com o fecho deste jornal. Gen-
te lamenta.
Última ceia
DISPOSIÇÃO Na véspera da sua
demissão, António Costa passou
uma verdadeira noite de cinco
estrelas. O primeiro-
-ministro jantou com um
grupo de empresários no Art
Legacy, um dos mais recentes
hotéis da Baixa de Lisboa. O
jantar terminou tarde e, ao que
contaram à Gente, Costa estava
tremendamente bem-disposto.
O pequeno-almoço do dia
seguinte é que já terá sido com
uma disposição bem diferente.
FOTO D.R.
Expresso, 10 de novembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 15
16 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 10 de novembro de 2023

PUBLICIDADE

PME EXCELÊNCIA
UM TOTAL DE 3922 EMPRESAS, REPRESENTATI-
VAS DOS MAIS DIVERSOS SECTORES DE ATIVI-
DADE, FORAM DISTINGUIDAS COM O ESTATUTO
PME EXCELÊNCIA 2022, O NÚMERO MAIS ELE-

ATINGE NOVO
VADO DESDE O LANÇAMENTO DA INICIATIVA, EM
2009. O BOM DESEMPENHO E A RESILIÊNCIA DO
TECIDO EMPRESARIAL PORTUGUÊS, COMPOSTO
MAIORITARIAMENTE POR PEQUENAS E MÉDIAS
EMPRESAS, FORAM ENALTECIDOS NA CERIMÓ-

RECORDE DE
NIA DE ENTREGA DOS PRÉMIOS PME EXCELÊN-
CIA 2022, QUE DECORREU A 31 DE OUTUBRO, NO
EUROPARQUE, EM SANTA MARIA DA FEIRA.

EMPRESAS
EM 2022, 3922 PEQUENAS E MÉDIAS EMPRE-
SAS (PME) PORTUGUESAS, representativas
dos vários sectores de atividade, conquistaram
o estatuto de PME Excelência, o que constitui o

PREMIADAS
número mais elevado desde o lançamento do ga-
lardão, em 2009. Responsáveis por 124.999 pos-
tos de trabalho e tendo gerado 17.620 milhões de
euros em volume de negócios e 3480 milhões de

EM 2022
euros em exportações – valores que traduzem
aumentos de 28,3% e 36,5%, respetivamente,
face ao ano anterior – as PME Excelência 2022
foram distinguidas na cerimónia de entrega de
prémios da iniciativa promovida pelo IAPMEI, em
parceria com o Turismo de Portugal e um conjun-
to de bancos parceiros e sociedades de garantia
mútua, que teve lugar a 31 de outubro, no Euro-
parque, em Santa Maria da Feira.
“As PME são fulcrais para o desenvolvimento da
economia portuguesa e o que fazem em termos
de excelência, de rigor de gestão, de capacida-
de de inovação e capacidade de exportação é
extraordinariamente importante para o país”,
salientou António Costa Silva, ministro da Eco-
nomia e do Mar, através de um testemunho em
vídeo que marcou a abertura da sessão solene.

PME EXCELÊNCIA: UM EXEMPLO

DE RESILIÊNCIA
Tendo vindo a assumir-se, ao longo dos anos,
como um dos mais relevantes eventos nacionais
de reconhecimento do mérito empresarial, a ce-
rimónia PME Excelência “mantém uma especial
relevância porque premeia a excelência das PME
portuguesas, que foram capazes de crescer, ino-
var e ser competitivas”, frisou, por sua vez, Luís
Guerreiro, presidente do Conselho Diretivo do
IAPMEI, que louvou ainda o desempenho deste
lote de empresas eleito como “as melhores entre
as melhores” no universo PME Líder. “Apesar da
conjuntura desafiante pós-pandemia, é de enal-
tecer a resiliência da economia portuguesa e, no-
meadamente, das PME, que representam 99,9%
do tecido empresarial português”, reforçou o pre-
sidente do IAPMEI.
A “resiliência e a ambição das nossas PME, num
contexto nacional e internacional muito desa-
fiante” foram também elogiadas por Pedro Cilí-
nio, secretário de Estado da Economia, que não
escondeu a “grande satisfação em constatar que
os bons exemplos que as PME Excelência repre-
sentam crescem todos os anos e já são quase
quatro mil”. “Esta subida significa maior volu-
me de negócios, mais exportações, maior cria-
ção de valor, mais rentabilidade e maior solidez
financeira”, reiterou o secretário de Estado da
Economia, dando “os parabéns a todas as PME
Excelência”.
Já Carlos Abade, presidente do Turismo de Portu-
gal, deixou uma “mensagem de felicitação às 586
PME Excelência do sector do turismo que rece-
beram este justo reconhecimento”. O presiden-
te do Turismo de Portugal aplaudiu igualmente
a “enorme resiliência” demonstrada pelo sector,
que lhe permitiu “crescer de uma forma extraor-
dinária” em 2022 e 2023, trazendo “boas notícias
para Portugal e para os portugueses”. “O turis-
mo é verdadeiramente um motor da economia
nacional, que revela uma grande capacidade de
alavancagem dos demais sectores de atividade
e promove a coesão económica e social do país”,
acrescentou Carlos Abade.
PME DE OLHOS POSTOS NO FUTURO
Oriundas dos mais variados sectores de ativi-
dade, com predominância do comércio, indús-
tria, turismo, serviços e construção e imobiliário,
a convicção de que as PME Excelência 2022 se
destacam também como empresas capazes de
encontrar respostas para os desafios do futuro
e de servir de exemplo para outras empresas e
para a sociedade foi unânime entre os integran-
tes do painel que refletiu sobre “Os novos desa-
fios das PME” na primeira parte da cerimónia.
Segundo Ana Reis, group research leader on Ad-
vanced Manufacturing Process no INEGI – Insti-
tuto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecâ-
nica e Engenharia Industrial, “cada vez mais as
Expresso, 10 de novembro de 2023
PME encaram a inovação como uma mais-valia”
e sabem recorrer aos “parceiros certos que lhes
podem aportar novas competências”. “Centros
tecnológicos como o INEGI têm precisamente a
missão de transferir conhecimento para as em-
presas e de as apoiar no seu percurso de inova-
ção”, lembrou a oradora.
“A capacidade empresarial das PME portugue-
sas evoluiu extraordinariamente nas últimas
décadas”, garantiu António Braz Costa, diretor-
-geral do CITEVE – Centro Tecnológico das In-
dústrias Têxtil e do Vestuário e do CeNTI – Centro
de Nanotecnologia e Materiais Técnicos, Funcio-
nais e Inteligentes. “A perceção de que o suces-
so empresarial só pode ser atingido com alguns
condimentos específicos como a capacidade de
gestão financeira, gestão de recursos humanos,
gestão de mercados e a aposta na inovação está
hoje cada vez mais generalizada”, reconheceu
António Braz Costa.
O debate contou também com a intervenção de
Ana Carvalho, vice-presidente do Conselho de
Administração e presidente da Comissão Execu-
tiva do Banco Português de Fomento (BPF), que
chamou a atenção para os “5,2 mil
milhões de euros de financiamento
para o universo PME Excelência 2022
apoiados com as garantias do grupo
BPF”. Ana Carvalho realçou, em parti-
cular, os programas referentes ao PRR
geridos pelo BPF, envolvendo um total
de 1,3 mil milhões de euros “espe-
cialmente vocacionados não só para
apoiar os investimentos das PME mas
também para lhes permitir participar
como investidoras noutros projetos
empresariais, ajudando a disseminar
as boas práticas junto de outras em-
presas que ainda não tenham atingido
este patamar de excelência”.
A mesa-redonda moderada pela apre-
sentadora Isabel Silva foi ainda en-
riquecida com os testemunhos de
representantes de empresas distin-
guidas com o estatuto PME Excelên-
cia 2022. Albano Miguel Fernandes,
CEO da AMF SAFETY SHOES, congra-
tulou-se pelo facto da empresa por
si liderada “ser repetente como PME
Excelência”. “É o reconhecimento do
bom desempenho que a empresa tem
tido ao longo dos anos e uma prova
da resiliência das PME portuguesas”,
considerou.
Inserida num “sector tradicional,
como o da cortiça”, por seu turno, a
J.C. Ribeiro, que produz rolhas com
cápsulas para bebidas premium, faz
da “inovação uma constante no seu
dia a dia”, sublinhou José Carlos Ri-
beiro, CEO da empresa. “É uma honra
voltarmos a estar entre os melhores e
o nosso desafio passa por continuar o
legado de excelência que o fundador
da empresa nos deixou”, admitiu José
Carlos Ribeiro.
“Já há alguns anos que recebemos
esta distinção, que significa que o
nosso projeto vem fazendo uma cami-
nhada sólida”, afirmou ainda Gonçalo
Alves, CEO do Grupo Areias do Seixo,
para quem uma iniciativa como o pré-
mio PME Excelência “é um excelente
estimulante para a economia portu-
guesa, essencialmente constituída
por PME”.
PRIMEIRO CADERNO 17
PUBLICIDADE
PMEEXCELÊNCIA2220
Empresas de olhos postos no futuro
TESTEMUNHOS DE EXCELÊNCIA
Na cerimónia de entrega de prémios PME
Excelência 2022 foram ainda distinguidas
as empresas que mais se destacaram nas
seguintes categorias:
• Mais exportação
• Mais produtividade
• Criação de valor
• Mais crescimento
• Empresas gazela
• Mais emprego
• Na rota da sustentabilidade
Os representantes de algumas das PME Ex-
celência 2022 partilharam o que representa
para as suas empresas este galardão.
SEBASTIÃO VILLAX
DEFINEDCROWD
“É um orgulho sermos reconhecidos como
PME Excelência e premiados na categoria Mais
Emprego. Num momento em que as empresas se
debatem com o desafio da retenção de talento, é
um incentivo para continuarmos o nosso percurso.”
RUI MARTINS
ROUNDB
“Já tínhamos sido considerados PME Excelência
em 2021, mas este foi o primeiro ano em que
subimos ao palco, como premiados na categoria
Mais Emprego. É um grande orgulho e a prova
de que estamos no caminho certo na criação de
emprego sustentável.”
SARA BARROS
FIBROMADE
“Temos um percurso de mais de 40 anos na
produção de folhas de madeira e quem está
nesta área sabe que o único caminho possível
passa pela sustentabilidade. O prémio honra-nos
muito e congratulamo-nos também pelo facto
de a iniciativa PME Excelência estar cada vez
mais atenta às questões da sustentabilidade.”
SAUL SOUSA
O CABEÇAS, LEITÃO ASSADO
“É o segundo ano em que conquistamos o prémio
de Mais Crescimento. Celebramos 10 anos em
2023, somos PME Líder desde 2019 e queremos
continuar a crescer. Esta é a prova de que temos
vindo a fazer um bom trabalho e de que vale a
pena continuar.”
SÉRGIO ALVES
HOSPITAL VETERINÁRIO DE GAIA
“É com muito orgulho que recebemos este
prémio, o qual implicou muito trabalho de
toda a nossa equipa. Só é possível termos um
desempenho de excelência com o contributo de
uma equipa de excelência.”
18 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE ENSINO
Juventude Professores universitários queixam-se de uma interferência cada vez maior de pais na vida académica dos
estudantes. Especialistas alertam para a progressiva diminuição da autonomia e aumento da imaturidade dos jovens
Os ‘pais-helicóptero’ já
chegaram à universidade
Texto Joana Pereira Bastos
N
Ilustração Helder Oliveira
a semana passada,
a coordenadora da
licenciatura em Ci-
ências da Comunica-
ção da Universida-
de Nova de Lisboa
mandou aos 383
estudantes do curso
um e-mail taxativo:
“Mensagens enviadas por pais de alu-
nos não terão resposta.” O objetivo foi
travar a interferência das famílias na
vida académica dos jovens, que Ma-
risa Torres da Silva garante ser cada
vez maior. “Os contactos por parte de
pais, que antes não existiam, estão a
tornar-se comuns. Os exemplos suce-
dem-se. O pai de uma aluna mandou
um e-mail a refilar por causa de uma
nota. Outro queixou-se a todos os ór-
gãos da faculdade porque a filha não
tinha vaga numa disciplina opcional.
Uma mãe escreveu a reclamar por
não ter sido dada equivalência ao filho
numa determinada cadeira”, enume-
ra. Perante a multiplicação dos casos,
a professora optou agora por impor
limites à comunicação. “Sentimos
necessidade de deixar claro que, por
princípio, não respondemos a pais. Os
alunos são maiores de idade e não de-
vem ser infantilizados. Não alinhamos
numa dinâmica que contribua para
lhes retirar autonomia e maturidade.”
A situação repete-se noutras institu-
ições de ensino superior. Luís António
Santos, professor da Universidade do
Minho, nota que a tendência acen-
tuou-se, sobretudo, depois da pan-
demia. “Houve pais que entraram
em contacto comigo porque estavam
preocupados com o bem-estar dos
filhos. A mãe de uma aluna queria
saber se podíamos promover con-
vívios para facilitar a construção de
amizades entre os colegas de turma
porque a filha não tinha amigos. Ou-
tros estão apreensivos
com a empregabilidade e
perguntam-nos que tipo de atividades
devem incentivar os filhos a fazer
para se tornarem mais distintivos e
terem mais facilidade de conseguir
um emprego no futuro”, exemplifica.
O aumento da presença dos pais
parece proporcional à diminuição da
maturidade dos jovens, notada nos
últimos anos por muitos professores
universitários. “Sinto que uma gran-
de parte tem um nível de maturida-
de mais próximo de adolescentes de
15 anos do que daquele que seria de
esperar em alunos do ensino superi-
or. São irrequietos nas aulas e estão
sempre a meter-se uns com os outros.
Dizem-me ‘ó professor, ela fez-me isto
ou fez-me aquilo’ e eu penso: ‘Caram-
ba, isto parece o liceu!’”
Em muitas instituições de ensino
superior, os funcionários dos serviços
administrativos são, frequentemente,
os primeiros a ter de lidar com as
famílias dos estudantes. E começa
logo no período de matrículas. “Hoje,
grande parte dos jovens vem fazer a
inscrição na faculdade na companhia
dos pais, que insistem em ajudar na
matrícula e em participar na sessão
de boas-vindas aos alunos. Explica-
mos-lhes que não faz sentido e pedi-
mos que aguardem numa sala à parte,
É CADA VEZ MAIS
COMUM OS PAIS
IREM À SECRETARIA
DAS FACULDADES
PARA SABER DE
NOTAS OU FAZER
RECLAMAÇÕES
que tivemos necessidade de
reservar apenas para pais”, con-
ta Sílvia José, diretora dos Serviços de
Gestão do Ensino do ISCTE.
Ao longo do ano letivo, não são ra-
ras as vezes em que pais se deslocam
à secretaria para fazer todo o tipo de
reclamações ou saber informações
sobre as notas dos filhos — incluindo
no caso de finalistas de licenciatu-
ra. “Os funcionários têm orientação
para não dar essas informações, até
porque, legalmente, estamos impedi-
dos de o fazer, uma vez que os jovens
são maiores de idade. Mas há pais
que reagem mal e ficam muito zan-
gados”, diz.
Nos últimos anos, Sílvia José tem
constatado igualmente uma diminui-
ção da autonomia dos estudantes, até
para tratar das coisas mais simples, e
um aumento da sua imaturidade. Em
muitos casos, não só não ficam en-
vergonhados pela presença dos pais,
como se sentem mais confortáveis e
seguros na sua companhia. E pare-
cem ter menor capacidade de tomar
decisões, de lidar com o imprevisto
ou a adversidade, diz. “Este ano, o
sistema informático esteve em baixo
durante algum tempo e houve jovens
que começaram a chorar porque não
conseguiam inscrever-se. É aflitivo.
Eu só pensava no que lhes vai aconte-
cer quando entrarem no mercado de
trabalho. Faz-nos pensar que tipo de
geração estamos nós a criar.”
Prolongamento
da adolescência
A tendência para um envolvimento
cada vez maior dos pais em todos
os aspetos da vida dos filhos não é
de agora. Aliás, o conceito de ‘pais-
-helicóptero’, que descreve um estilo
de parentalidade hiperprotetor, em
que os pais estão sempre a ‘pairar’
sobre os filhos, tentando acompanhá-
-los e protegê-los em tudo, foi criado
na década de 1990 e generalizou-se
sobretudo a partir dos anos 2000. A
diferença é que costumava aplicar-se
a pais de crianças. Só que as crianças
de então estão agora no ensino supe-
rior e, com elas, os ‘pais-helicóptero’
chegaram à universidade.
“Há uma relação quase umbilical
que se perpetua no tempo. Esta ten-
dência, que resulta de um maior in-
vestimento afetivo nos filhos, vem
de trás, mas está mais disseminada
do que nunca”, diz a socióloga Lia
Pappamikail, investigadora do Ob-
servatório Permanente da Juventude
da Universidade de Lisboa. O envol-
vimento parental na vida escolar tem
aumentado nas últimas décadas, à
medida que cresceu a importância
social atribuída às qualificações e que
foi subindo a habilitação média dos
pais. “As famílias, sobretudo as mais
favorecidas, sentem uma grande ansi-
edade em relação ao futuro dos filhos.
Querem dar-lhes todas as condições
para que possam singrar, o que por
vezes as leva a ultrapassar o que seria
normal no que diz respeito à sua pro-
teção, criando-se uma dependência
recíproca, não apenas dos filhos em
relação aos pais, mas também dos
pais em relação aos filhos.”
O acompanhamento parental até
idades cada vez mais tardias tem-se
notado ao longo dos anos em diferen-
HÁ UMA TENDÊNCIA
PARA A INFANTILIZAÇÃO
DOS JOVENS, QUE
OS TORNA MAIS
IMATUROS E MENOS
PREPARADOS PARA
LIDAR COM A VIDA
Expresso, 10 de novembro de 2023
tes indicadores. Por exemplo, dados
do Censos 2021 revelam que 52% dos
alunos até aos 18 anos vão para a es-
cola à boleia dos pais, quando antes
era comum irem sozinhos logo no 2º
ciclo. E a idade média de saída de casa
da família tem subido. Atualmente,
mais de metade dos jovens (54,4%)
até aos 34 anos vive com os progeni-
tores e as razões não são apenas eco-
nómicas, frisa a socióloga Maria João
Valente Rosa. “A forma como vivemos
a família é algo que culturalmente nos
diferencia e que partilhamos com ou-
tros países da Europa do Sul”, explica.
À medida que diminuiu o número
de filhos, aumentou muito o inves-
timento emocional em cada criança
e criou-se uma tendência para um
“prolongamento da adolescência e
um retardamento da entrada na vida
adulta”, adianta Valente Rosa. E hou-
ve como que um recuo nas fases da
vida. Se os 30 são os novos 20, os 20
são os novos 15. E a licenciatura — en-
curtada para três anos com o Proces-
so de Bolonha — passou mentalmente
a equivaler ao liceu. “A própria uni-
versidade começou a infantilizar os
estudantes, uma vez que, apesar de
terem mais de 18 anos, há um contro-
lo permanente das presenças e, em
muitos casos, a classificação final é
afetada pelas faltas”, diz a socióloga
Teresa Seabra.
Mas a infantilização torna os jovens
menos autónomos e capazes de lidar
com os desafios próprios do cresci-
mento, alertam os especialistas. “Ní-
veis exagerados de controlo parental
traduzem-se, inevitavelmente, numa
maior imaturidade, que os deixa
menos preparados para lidar com
a vida”, salienta o psiquiatra Daniel
Sampaio, um dos precursores da Te-
rapia Familiar em Portugal. E questi-
ona: “Se não são treinados para tratar
dos seus próprios assuntos, o que vai
acontecer depois do curso? Vão levar
os pais para o emprego?”
jbastos@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 19
20 PRIMEIRO CADERNO
TOTAL ANUAL 2000 2001 2002 2003 2004 2005
DE VÍTIMAS
MORTAIS EM
DESASTRES
NATURAIS 30.945 110.036 241.527 89.645
Estão identificados os países ou as regiões mais
afetadas, por tipo de evento
200 mil
100 mil PAQUISTÃO
ÍNDIA IRÃO
50 mil
Sismos 227.290 76.241
10 mil
2004
Foi um dos anos mais trágicos
das últimas duas décadas devido
a um tsunami, desencadeado por INDONÉSIA E SERI LANCA
um sismo, no Sudeste Asiático.
Afetou sobretudo Indonésia,
Seri Lanca, Índia e Tailândia
Temperaturas 74.698
extremas
IMPACTO ECONÓMICO DE 2003
ITÁLIA, FRANÇA, ESPANHA
Os milhares de mortes devido à
onda de calor em agosto de 2003 na
Europa fez deste evento um dos mais
caros dos últimos 20 anos
Tempestades
Outros desastres
naturais*
*Inclui: Erupções vulcânicas, secas, cheias, aluimentos
e desabamentos de terras, incêndios florestais,
explosões de glaciares, epidemias, pragas de insetos e
incidentes com animais 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Mortes em
O
s desastres naturais cau-
sados por sismos ou pelo
calor extremo, secas, tem-
pestades e cheias matam
milhares de pessoas pelo
mundo inteiro todos os
desastres
anos. Até agora, em 2023,
o pior desastre foi o sismo
na Turquia e na Síria, a 6
de fevereiro, onde morreram 55 mil
pessoas. Uns meses mais tarde, em se-
tembro e outubro, os terramotos em
naturais
Marrocos e no Afeganistão fizeram mais
cinco mil vítimas. A juntar-se aos gran-
des desastres sísmicos estão as inun-
dações no Congo, pouco faladas, mas
que mataram mais de 3 mil pessoas. E,
ainda as cheias na Líbia, em setembro,
aumentam
das quais ainda nem é conhecido um
balanço final: contam-se pelo menos 4
mil mortes, mas o número real poderá
aproximar-se dos 11 mil, tendo em conta
os milhares de pessoas desaparecidas.
O número total de vítimas de desas-
tres naturais pelo mundo inteiro nos
primeiros dez meses deste ano supera os
70 mil, já não muito distante dos 76 mil
registados durante todo o ano de 2022.
Os dados são da base de dados interna-
cional sobre emergências, a EM-DAT,
gerida pelo Centro de Investigação em
Epidemiologia dos Desastres da Univer-
sidade de Louvain (Bélgica) que, até esta
semana, contabilizava 67 mil vítimas,
excluindo as cheias na Líbia por não
haver ainda uma contagem definitiva
do total de mortos. De qualquer forma,
Número de vítimas em 2022 e 2023 é já certo que, tanto em 2022 como em
2023, o número de vítimas de desastres
em todo o mundo superou a média aumentou muito face aos últimos anos e
ultrapassa a média anual das duas déca-
dos 20 anos anteriores. Eventos das anteriores (61 mil), ainda que fique
muito aquém de anos trágicos como o de
climáticos mais intensos são parte 2004 com o tsunami no sudeste asiático
ou de 2010 devido ao sismo no Haiti.
da explicação. Em Portugal, o calor A principal razão da mortalidade no
ano passado são os eventos climáticos
extremo é o principal problema
Texto Raquel Albuquerque Infografia Sofia Miguel Rosa
extremos — sobretudo as ondas de calor
na Europa e o impacto da seca no Ugan-
da. Em 2022, as temperaturas elevadas
2006 2007 2008 2009
235.332
87.918
CHINA
140.985
CICLONE EM MIANMAR
No final de abril de 2008, a passagem do
MIANMAR ciclone tropical “Nargis” foi brutalmente
destrutiva, com ventos acima de 190 km/h,
causando a pior tragédia da história do país
2006 2007 2008 2009
mataram 62 mil pessoas em 26 países
europeus, incluindo 18 mil em Itália, 11
mil em Espanha e 2200 em Portugal.
No Uganda, a seca matou mais de 2 mil
pessoas – muitas delas à fome. Na altura,
o responsável de um dos distritos mais
afetados descreveu à Reuters o cenário.
“Idosos, mulheres a amamentar e cri-
anças estão a morrer silenciosamente
em casa. Simplesmente, sucumbem à
fome”, relatou. Às temperaturas ex-
tremas juntaram-se ainda, no verão de
2022, as cheias na Índia e no Paquistão,
que fizeram quase 4 mil mortos.
Este ano têm sido sobretudo os sismos
e as cheias a explicar o elevado número
de vítimas. “A principal razão é mesmo
um único evento: o sismo na Turquia”,
diz ao Expresso Damien Delforge, in-
vestigador do centro que gere a base de
dados EM-DAT. Ainda assim, as chuvas
torrenciais na Líbia, a 10 de setembro,
que atingiram níveis absolutamente
recorde, marcam também a mortalida-
de deste ano. A massa de água gerada
pelo colapso de duas barragens antigas,
equivalente a uma onda de sete metros,
engoliu a cidade costeira de Derna.
Este é um dos desastres naturais refe-
ridos num estudo recente da World We-
ather Attribution (WWA), organização
que estuda a influência das alterações
climáticas na ocorrência de eventos ex-
tremos. Os cientistas concluem que o
aquecimento global está a tornar 50
vezes mais provável a existência de pre-
cipitações extremas como a que ocor-
reu na Líbia e lembram que há fatores
humanos envolvidos — como a falta de
EVENTOS
MUNDIAIS
INVESTIGAÇÃO
Expresso, 10 de n
2010 2011 2012 20
317.757 30.969
2010
O ano com mais
mortes em
desastres naturais
neste século
JAPÃO
226.733
Ao grande sismo
no Haiti juntou-se
HAITI
ainda uma onda
de calor na Rússia
e uma seca na
Somália
57.188
RÚSSIA
32.272
SOMÁLIA
(SECA)
2010 2011 2012 20
manutenção das barragens, neste caso,
mas também a desflorestação — que
potenciam o impacto destes fenómenos.
“As alterações climáticas causadas
pelo homem, principalmente devido
ao uso de combustíveis fósseis, estão a
tornar os fenómenos meteorológicos
extremos mais frequentes e mais inten-
sos em todo o mundo. Para impedir que
se tornem ainda mais mortais e destru-
tivos, precisamos de parar de queimar
combustíveis fósseis o mais rapidamen-
te possível”, frisa ao Expresso Friederi-
ke Otto, coautora do estudo da WWA
e professora de Ciência Climática no
Grantham Institute do Imperial College
London. “Isto levará tempo, portanto
também precisamos de nos adaptar a
condições meteorológicas extremas. E
são necessárias diferentes medidas para
diferentes extremos climáticos.”
SISMOS SÃO UM “TOTOLOTO”
Na base de dados mundial sobre de-
sastres, Portugal surge 42 vezes em 20
anos. Nem todos os eventos resultaram
em mortes, mas, no total, contam-se
5600 vítimas, quase todas (93%) em
resultado de ondas de calor, sobretudo
em 2003 e 2022. Entre outros eventos
marcantes estão os incêndios de 2017, a
tragédia da ponte Entre-os-Rios (março
de 2001) e as cheias no Funchal (feverei-
ro de 2010). Já este ano, ainda que sem
mortes, é referido o incêndio de Odemi-
ra, que durou cinco dias, fez 45 feridos
e queimou 8500 hectares.
Carlos da Câmara, climatologista e
investigador do Instituto Dom Luiz, lem-
bra que tanto Portugal como Espanha
são “um hotspot” para fenómenos ex-
tremos. “Os eventos raros vão passar a
ser mais frequentes, intensos e extensos.
Este verão e o do ano passado já são
exemplos”, explica. “Estatisticamente,
um evento parecido com as cheias de ou-
tubro de 2022 torna-se mais habitual e
frequente num cenário de alterações cli-
máticas. Os furacões são outro exemplo:
ovembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 21

013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
PAÍSES MAIS AFETADOS PELOS DESASTRES MAIS RECENTES
Países com maior número de vítimas mortais em desastres naturais, de 2022 a 2023 (outubro)

8
4
5
3 2 10 1
6 7
76.125 67.398 4
9

10

Países mais afetados

TURQUIA, SÍRIA E MARROCOS

NEPAL INDONÉSIA

Nº TOTAL DE DESASTRES NATURAIS EM 2022/23 MORTES

59.550
1 TURQUIA Sismo, cheias, tornado e deslizamentos de terras 9 50.128
2 ITÁLIA Cheias, ondas de calor, seca, deslizamentos e avalanches 10 18.055
3 ESPANHA Onda de calor, seca e incêndios florestais 3 11.324
4 ALEMANHA Onda de calor, tempestades e temperaturas extremas 5 8181
5 FRANÇA Onda de calor, seca, tempestade tropical, seca e incêndios 8 4813
6 SÍRIA Sismos, tempestades e cheias 5 4502
7 AFEGANISTÃO Cheias, secas e tempestades 14 3891
EUROPA EUROPA 8 REINO UNIDO Onda de calor, tempestades tropicais e seca 5 3475
9 ÍNDIA Cheias 22 3217
10 REP. DEM. CONGO Cheias 7 3212

61.782
MORTES PROVOCADAS POR DESASTRES NATURAIS DESDE 1980
Por ano
FRANÇA E ÍNDIA
TEMPERATURAS EXTREMAS NA EUROPA
A principal razão para a elevada mortalidade 500.000 1980 1990 2000 2010
em desastres naturais em 2022 foi a onda
de calor na Europa durante o verão, que fez 400.000
vítimas em mais de 20 países, incluindo Portugal
300.000

200.000

100.000

0
2023 (ATÉ OUT.)
SECAS E CHEIAS
A seca no Uganda matou quase
2500 pessoas, muitas delas à fome. EVENTOS RECENTES EM RELAÇÃO À MÉDIA 2000 -2021
E as cheias na Índia e Paquistão
fizeram quase 4 mil vítimas 381
SISMOS DESASTRES MÉDIA: 340
CLIMÁTICOS

230
UGANDA
(SECA)
MÉDIA: 27
31 26
013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
2020 2021 2022 2023
2022 2023 2022 2023
(ATÉ OUT.) (ATÉ OUT.)

NÚMERO DE MORTES RECENTES EM RELAÇÃO À MÉDIA 2000 -2021

tem reiterado a urgência de atingir a 74.493
neutralidade carbónica e, pelo meio,
O AQUECIMENTO GLOBAL ESTÁ A TORNAR 50
SISMOS DESASTRES
mitigar os efeitos dos desastres. Para CLIMÁTICOS
59.550

VEZES MAIS PROVÁVEIS PRECIPITAÇÕES

isso, a ONU quer que, até ao fim de
2027, todos os países tenham sistemas

EXTREMAS COMO A QUE OCORREU NA LÍBIA
o primeiro que veio ‘morrer’ na Penín-
sula Ibérica foi por volta de 2005. Era
um caso nunca visto, mas desde então
tornaram-se mais frequentes nas nossas
latitudes e isso deve-se ao aumento da
temperatura dos oceanos.” E um estudo
científico publicado em outubro conclui
que a probabilidade de um furacão do
Atlântico tornar-se mais perigoso em
menos de um dia duplicou nas últimas
décadas. Também Friederike Otto refe-
re que algumas partes do Mediterrâneo
e do Sul da Europa “estão a aquecer
regras já existentes para a construção
e lançar campanhas para reforçar as
estruturas de edifícios mais antigos.
A base de dados mundial mostra que
os terramotos tendem a ser os eventos
com maior número de vítimas. No Haiti,
em 2010, morreram 230 mil pessoas.
E o tsunami desencadeado pelo sismo
no sudeste asiático, em 2004, fez 166
mil mortes na Indonésia, 35 mil no Sri
Lanka, 16 mil na Índia e 2700 na Tai-
lândia. Só em 2023, até fim de outubro,
morreram 59 mil pessoas em sismos, a
de alerta precoce para eventos extre-
mos, uma vez que um aviso com 24 MÉDIA: 32.911
horas de antecedência para o risco de
MÉDIA: 24.281
cheias ou de incêndio pode reduzir os
prejuízos em 30% e nos países que já
têm estes sistemas a taxa de mortalida- 7848
de em desastres é oito vezes mais baixa. 1626
Em Portugal, os incêndios de 2017 2022 2023 2022 2023
tornaram óbvia a necessidade de criar (ATÉ OUT.) (ATÉ OUT.)
um sistema direto de avisos à popu-
lação. A Comissão Técnica Indepen- EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE DESASTRES CLIMÁTICOS
dente sugeriu a criação de “sistemas Total anual, de 2000 a 2023 (setembro)
rápidos de alerta” e, a partir de 2018,
começaram a ser enviados SMS a
375
quem se encontre em áreas geográ-
ficas suscetíveis de um acidente grave
300
ou catástrofe, incluindo incêndios, sis- 2023

quase duas vezes mais rapidamente” do
que a média. “Há ondas de calor mortais
e incêndios devastadores, mas também
inundações extremas. Uma vasta gama
de riscos alimentados pelas alterações
climáticas está a afetar a Europa.”
Realidade distinta é a dos sismos, que
acontecem em resultado do movimento
de placas tectónicas e não de alterações
climáticas. “Não há nenhuma evidência
de que nos anos recentes haja um au-
mento da magnitude dos sismos, ou seja,
que haja mais sismos grandes. Sabemos
é que há anos com mais sismos e outros
com menos. É um totoloto”, frisa Luís
Matias, especialista em sismos e profes-
sor na Faculdade de Ciências da Univer-
sidade de Lisboa (FCUL). Quanto a um
impacto crescente nas populações, ou
seja, os sismos matarem mais pessoas,
Luís Matias sublinha que isso está rela-
cionado com o aumento da densidade
populacional e com a tendência crescen-
te de construir cada vez mais em zonas
de maior risco. “Não são os sismos em
si que matam, são os edifícios e a quali-
dade da construção”, frisa, lembrando
estar ao alcance dos governos fiscalizar
230
grande parte no da Turquia e Síria. mos, tsunamis, secas, cheias e emer-
225
gências radiológicas. Além disso, está a
CUSTO? €260 MIL POR MINUTO ser desenvolvido um sistema de alerta
150
precoce de sismos e tsunamis através
A intensidade crescente dos eventos cli- de sensores instalados nos cabos sub-
75
máticos tem feito escalar os seus custos marinos de telecomunicações entre
económicos. Nos Estados Unidos, por o Continente, os Açores e a Madeira.
0
exemplo, bastaram os primeiros oito Só em 2024 será possível ter um re-
meses deste ano para ser batido um trato completo do impacto dos desas- 2000 2005 2010 2015 2020 2023 (ATÉ OUT.)
recorde absoluto de prejuízos em resul- tres naturais em 2023. Mas nos dois
tado de 23 desastres, ultrapassando os últimos anos os efeitos das alterações PAÍSES COM MAIS DESASTRES CLIMÁTICOS
mil milhões de dólares. Os incêndios de climáticas tornaram-se mais óbvios Total anual, de 2000 a 2023 (setembro)
agosto no Havai, que mataram 115 pes- no mundo inteiro. “O colapso climá-
EVENTOS DESASTRES MAIS FREQUENTES
soas, já fazem parte da lista, mas de fora tico já começou”, alertou António
1 ESTADOS UNIDOS 565 Tempestades, cheias e incêndios florestais
ficam, por exemplo, as cheias em Nova Guterres, secretário-geral da ONU,
2 CHINA 518 Cheias, tempestades e aluimentos de terras
Iorque, que ocorreram em setembro. no passado mês de setembro, que foi
3 ÍNDIA 361 Cheias, tempestades e temperaturas extremas
Estima-se que, em todo o mundo, os o mais quente de sempre. A climato-
4 FILIPINAS 308 Tempestades e cheias
eventos naturais extremos atribuídos às logista Friederike Otto avisa que as
5 INDONÉSIA 263 Cheias e aluimentos de terras
alterações climáticas tenham custado, condições meteorológicas extremas
6 VIETNAME 172 Tempestades e cheias
em média, €136 milhões por ano nas úl- “continuarão a intensificar-se” até as
7 MÉXICO 140 Tempestades e cheias
timas duas décadas. São €260 mil por emissões de gases com efeito de estufa
8 BRASIL E JAPÃO 138 Tempestades e cheias
minuto, quase dois terços devido à perda serem reduzidas para zero. E lembra:
9 BANGLADECHE E PAQUISTÃO 129 Cheias
de vidas, segundo um estudo publicado “A vulnerabilidade é o que transforma
10 AFEGANISTÃO 126 Cheias
na “Nature”. E estes custos são agora sete um evento climático num desastre
vezes mais altos do que há 50 anos, diz a humano. E as nossas sociedades estão *Desastres climáticos: temperaturas extremas, secas, tempestades, cheias, aluimentos e desabamentos de
Organização Mundial de Meteorologia. incrivelmente vulneráveis a condições terras, incêndios florestais, explosões glaciares e pragas de insetos
Face à maior gravidade destes eventos, a meteorológicas extremas.”
Organização das Nações Unidas (ONU) ralbuquerque@expresso.impresa.pt FONTE: EM-DAT — “THE INTERNATIONAL DISASTER DATABASE”
22 PRIMEIRO CADERNO
JUSTIÇA
Perícias confirmam que
Salgado sofre de Alzheimer
Apesar da doença, ex-banqueiro pode ter de ir a tribunal em dois processos
Helena Bento e Rui Gustavo
A perícia neurológica ao ex-ban-
queiro Ricardo Salgado realizada
no âmbito do processo cível que
corre no Tribunal de Cascais já se
encontra concluída, estando agora
a ser elaborado o relatório final,
confirmou ao Expresso uma fonte
judicial. No caso da perícia efetua-
da em Coimbra pelo Instituto Naci-
onal de Medicina Legal e Ciências
Forenses (INMLCF) a pedido da
juíza que está a conduzir o processo
EDP, falta realizar ainda uma avali-
ação, mas a diligência encontra-se
igualmente numa fase avançada.
O Expresso sabe que estas duas
avaliações confirmam o diagnóstico
de Alzheimer que já tinha sido feito
pelo neurologista Joaquim Ferrei-
ra, médico particular de Salgado,
mas o simples facto de ter a doença
não significa obrigatoriamente que
o antigo presidente do Grupo Es-
pírito Santo esteja incapaz de ser
julgado ou de testemunhar. É essa
ponderação que os peritos estão
encarregados de fazer.
As perícias foram pedidas pelos
advogados de Salgado para validar
o diagnóstico de Alzheimer que lhe
foi atribuído com base em relatórios
médicos realizados pelo neurolo-
gista que o acompanha, Joaquim
Ferreira. Mas além desse objetivo,
isto é, a confirmação do diagnóstico,
têm finalidades diferentes. A perícia
do INMLCF serve para avaliar se
Salgado está em condições de ser
julgado, de se defender e de cumprir
uma eventual pena a que venha a ser
condenado. Já a perícia pedida pelo
Tribunal de Cascais terá de concluir
se o ex-banqueiro está em condições
de testemunhar, mesmo que fique
comprovado que sofre da doença.
Prevê-se que os relatórios finais de
ambas as perícias sejam enviados
aos respetivos tribunais até ao final
deste mês.
No processo que restou da Ope-
ração Marquês e em que foi conde-
nado a uma pena de prisão efetiva
os juízes aceitaram o diagnóstico
de Alzheimer, mas consideram que
isso não afetou a capacidade de de-
fesa de Salgado e remeteram para
o Tribunal de Execução de Penas a
decisão sobre se o arguido deveria
cumprir a pena numa cadeia.
O prazo para a entrega de perícias
médico-legais é normalmente de 30
SEGURANÇA
Esta Web Summit
vai ser a mais
vigiada de sempre
Conflito na Palestina
gera preocupações entre
as polícias. Esperam-se
manifestações pró e contra
Israel junto ao evento
O tweet de 13 de outubro de Paddy
Cosgrave, cofundador da Web Sum-
mit, sobre o conflito na Palestina,
em que escreveu que “os crimes de
guerra são crimes de guerra, mes-
mo quando cometidos por aliados,
e devem ser denunciados pelo que
são”, está na origem do reforço de
segurança da próxima edição do
evento, que se inicia esta segun-
Defesa pediu perícias em diferentes processos judiciais que envolvem o ex-banqueiro FOTO MARCOS BORGA
dias, contados a partir do momento
em que são recebidos os exames
pedidos no âmbito da diligência.
Após a entrega ao tribunal, é dado
um período à defesa para ler os re-
latórios e pronunciar-se sobre os
mesmos. Podem ser colocadas ques-
tões aos peritos, a que estes terão de
responder. Tudo isto implica tempo.
Os resultados podem servir para
sustentar a eventual necessidade
de perícias futuras, mas não podem
ser usados nos outros casos em que
o ex-banqueiro está envolvido.
Relatórios dos
exames neurológicos
vão ser enviados em
breve aos tribunais
A perícia no INMLCF foi reali-
zada a 28 de setembro. Ricardo
Salgado foi avaliado pelos peritos
— um psiquiatra e uma neurologis-
ta —, que solicitaram a realização
de vários exames. A perícia pedida
pelo Tribunal de Cascais teve início
em outubro, tendo o ex-banqueiro
sido submetido a várias avaliações
pela equipa de peritos formada por
da-feira, em Lisboa. Como o Ex-
presso noticiou há duas semanas,
os comentários do empreendedor
irlandês — que se demitiu da dire-
ção do evento por causa da polé-
mica que se criou dentro e fora das
redes sociais — justificam “medidas
extraordinárias de segurança”, de
acordo com um alto responsável da
área da Segurança Interna.
Outra fonte judicial garante que
a próxima edição vai ter o maior
dispositivo de segurança desde
que a Web Summit veio para Por-
tugal, em 2016. “Será uma segu-
rança discreta, mas eficaz, caso
três especialistas: neurologista, psi-
quiatra e neuropsicólogo. Tinham
sido marcadas três datas para esta
perícia, mas a diligência não che-
gara a ocorrer, ou porque Salgado
estava fora do país ou porque não
foi notificado.
A defesa de Salgado pediu sem-
pre perícias independentes que
foram sendo recusadas pelos tri-
bunais e pelo Ministério Público,
com a exceção de um procurador
da Relação de Lisboa que concor-
dou com a diligência.
Os casos
O julgamento do caso EDP, que
junta Manuel Pinho, ex-ministro
da Economia, Alexandra Pinho e
Ricardo Salgado, ex-presidente do
BES, no mesmo banco dos réus,
teve início a 10 de outubro, de-
pois de ter sido adiado duas vezes,
devido à greve dos funcionários
judiciais.
No início de novembro, o julga-
mento foi adiado para se proceder
à substituição da juíza Margarida
Natário, afastada pelo Tribunal
da Relação de Lisboa por ter sido
casada com um ex-gestor do Gru-
po Espírito Santo (GES) que, tal
haja algum tipo de problemas”,
avança esta fonte.
As palavras de Cosgrave — que
ainda se mantém como proprietário
do evento, com uma participação
de mais de 80% —, aliadas ao cres-
cimento da tensão no Médio Ori-
ente, levam as forças e serviços de
segurança a acreditar que haja pro-
testos perto do Altice Arena, onde
decorrerá o evento. “É possível e
provável esse cenário. Há alguma
tensão social. Estaremos atentos”,
afiança o mesmo alto responsável.
Summit no Catar
Várias fontes da área da segurança
afiançam que a programação da
Web Summit para o próximo ano,
que se realizará no Catar, causou
“algum desconforto”, sobretudo
depois das palavras do irlandês. Isto
porque aquele país tem um historial
de parceria com o Hamas, o grupo
terrorista que matou 1400 pessoas
no ataque de 7 de outubro.
como Manuel Pinho, terá recebido
dinheiro através de um ‘saco azul’
gerido por Ricardo Salgado. O jul-
gamento prossegue hoje, 10 de no-
vembro. Três sessões em que foram
ouvidas várias testemunhas — Rui
Silveira, Joaquim Goes, Manuel
Espírito Santo e Carlos Andrade
e Maria Vilar — terão de ser repe-
tidas porque ocorreram já depois
de Margarida Natário ter pedido
escusa.
Manuel Pinho foi acusado de um
crime de corrupção passiva para
ato ilícito, outro de corrupção pas-
siva, um crime de branqueamento
de capitais e um crime de fraude
fiscal. Já Ricardo Salgado foi acu-
sado de um crime de corrupção
ativa para ato ilícito, um crime de
corrupção ativa e outro de bran-
queamento de capitais. O caso EDP
agrega no processo principal 242
inquéritos, que foram sendo apen-
sados, e queixas de mais de 300
pessoas, singulares e coletivas, resi-
dentes em Portugal e no estrangei-
ro. Segundo o Ministério Público,
cuja acusação contabilizou cerca de
quatro mil páginas, a derrocada do
GES, em 2014, terá causado preju-
ízos superiores a €11,8 mil milhões.
hrbento@expresso.impresa.pt
Segundo a cadeia alemã Deutsche
Welle, o emirado é o mais impor-
tante apoiante financeiro e aliado
estrangeiro do Hamas. O emir do
Catar, Sheik Hamad bin Khalifa
al-Thani, foi o primeiro dirigente
estatal a visitar o governo daquela
organização em 2012. Até 2021, es-
tima-se que o emirado transferiu 1,5
mil milhões de euros para o Hamas.
No último mês, a Google, a Meta,
a Siemens e a IBM cancelaram a
participação no evento da próxima
semana. O Expresso já revelou que
o contrato que garantiu a realização
da Web Summit em Lisboa durante
10 anos permite que o Governo e a
Câmara de Lisboa enveredem pela
sua rescisão a qualquer momento
— mas também obriga as entidades
portuguesas a pagarem à Connec-
ted Intelligence Limited (CIL), que
organiza o evento, o montante rela-
tivo a todas as edições que ficarem
por realizar depois da rescisão.
Hugo Franco
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023
O FUTURO
DO FUTURO
Contas
cifradas
É uma questão de tempo para
que o apocalipse criptográfico
tome de assalto o computador.
E foi para acautelar esse dia
que a QuantumNova foi criada
É com um bit numa mão e um
bit quântico (qubit) na outra que
André Grilo explica a razão de ser
da QuantumNova. Na computa-
ção clássica, a numeração biná-
ria obriga cada bit a ser “zero”
ou “um”. Em contrapartida, um
qubit pode ser simultaneamente
“zero” e “um”. E isso faz a dife-
rença. “Se tiver dois bits numa
mão, tenho apenas duas possibi-
lidades para cada um. Ou é “zero”
ou é “um”. Mas com dois qubits
já tenho quatro possibilidades,
porque cada um pode ser simul-
taneamente “um” e “zero”. E por
aí fora numa evolução exponen-
cial”, explica o gestor.
Estas contas poderiam ter fi-
cado guardadas numa qualquer
mão imaginária, mas, em 1998,
Isaac Chuang, Neil Gershenfeld
e Mark Kubinec anunciaram o
primeiro computador quântico
nos EUA. E com isso inaugu-
raram uma geração de compu-
tadores que promete acelerar
cálculos e forneceram a peça que
faltava para correr o algoritmo
criado pelo americano Peter
Shor, com o objetivo de quebrar
em minutos ou horas uma chave
criptográfica que, eventualmen-
te, exigiria cálculos de muitos
milhões de anos aos computado-
res convencionais.
Apesar de já terem mais de mil
qubits, os computadores quânti-
cos mantêm-se envoltos em dúvi-
da. “Não conseguem fazer coisas
como um copy/paste e nunca vão
substituir os computadores clás-
sicos, mas são muito bons a fazer
coisas muito específicas. E nin-
guém sabe se países como Coreia
do Norte já têm computadores
quânticos para correr o algoritmo
de Shor”, refere André Grilo.
Uma cifra de referência como
a RSA tem por base chaves apu-
radas com multiplicações de nú-
meros primos muito grandes. O
que significa que para decifrar
essa chave são necessários cálcu-
los tão morosos quanto imprati-
cáveis — mas com o algoritmo de
Shor as contas aceleram a ponto
de pôr em risco até os compu-
tadores e serviços baseados na
internet mais bem protegidos
do planeta. Cientes do armage-
dão criptográfico que se perfi-
la, as autoridades americanas
adotaram como standards de
resistência ao poder dos qubits
quatro algoritmos que já são
disponibilizados livremente. E
foi esse o mote que levou André
Grilo a pegar em duas dessas
soluções pós-quânticas para
criar os primeiros produtos da
QuantumNova, ao mesmo tempo
que garantia clientes nas tele-
comunicações e na saúde. “Já
desenvolvemos gestores de bases
de dados e VPN (redes virtuais
privadas, devidamente cifradas).
Estas VPN podem proteger com-
putadores, telemóveis, carros,
ou robôs”, refere.
A avaliar pelos €2 milhões de
investimento captados aos 23
anos e o apoio garantido pelo
Centro Nacional de Cibersegu-
rança ou o Instituto Quântico
Português, Grilo teve mesmo
uma ousadia ainda sem par em
Espanha ou França. “A oferta é
pouca, mas a procura está seden-
ta”, diz. Não é preciso um mate-
mático para descobrir com quan-
tos qubits se faz um negócio.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 23

PROJETOS EXPRESSO BAIRROS

Dar força ao que nos une

sem perder o norte
Laços Já diz a música interpretada por Rui Veloso que “muito mais é o que nos une/que aquilo que nos separa”, e isso
é particularmente verdade nos pequenos fios condutores que identificamos nas reportagens para dar a conhecer projetos
comunitários que funcionam como pilares vitais de integração e transmissão de valores e cultura. Desta feita andámos
pelo Norte do país e visitámos uma escola de rugby focada na integração social, uma associação de apoio a migrantes e
refugiados ou um projeto musical que recupera as sonoridades tradicionais das gaitas com um cariz moderno. É a última
paragem desta viagem pelo país para conhecer pessoas que lutam pela felicidade dos bairros Textos e fotos Tiago Oliveira

NUNO FERREIRA ALEXANDRE FERREIRA E TALHA EHSAN RICARDO ALMEIDA

PORTO GUIMARÃES VILA REAL

“Passam mais Do Paquistão O papel das gaitas

tempo comigo do
que com os pais”
As luzes já estão ligadas no
Complexo Desportivo de
Campanhã para o início do
treino. No terreno, rapazes
e raparigas colocam-se em
grupo e ouvem as indicações
para de seguida começarem
a correr enquanto fazem pas-
ses com uma bola em forma-
to oval. O jogo é o rugby e o
coordenador “há 10 anos”
da Escola de Rugby Cercar-
-te, Nuno Ferreira, admite
que pode parecer estranho à
primeira vista a prática entu-
siástica deste desporto num
terreno às portas do Estádio
do Dragão. “Primeiro estra-
nha-se, depois entranha-se”,
atira.
O projeto foi criado ao abri-
go do Espaço T — Associação
para o Apoio à Integração
Social e Comunitária, que
foi fundada em 1994, pelas
mãos de Jorge Oliveira, com
o objetivo inicial de “fazer
teatro com toxicodependen-
tes”. Desde então a associa-
ção tem-se expandido e foi
assim que chegou ao Bairro
do Cerco, onde atualmente
são cerca de 60 as crianças
dos seis aos 15 anos que se
encontram a praticar aque-
le desporto. “Inicialmente,
quando viemos para cá, o ru-
gby não estava nos planos”,
conta Nuno Ferreira, mas um
desafio do Programa Esco-
lhas levou-os a encarar essa
possibilidade. O agora trei-
nador admite que a formação
superior na área das Artes
não lhe dava “competências
para lidar com este grupo de
miúdos” na questão despor-
tiva. Como eles, teve que se
lançar à aprendizagem, fez os
“graus 1 e 2” do curso de trei-
nador e agora é o “maior en-
tusiasta”. Numa zona em que
a presença do futebol se faz
sentir de forma muito forte,
“falar de rugby é uma coisa
estranhíssima”, garante, com
os pais também inicialmente
a olharem com alguma des-
confiança para este despor-
to. “Por desconhecimento”,
acrescenta Nuno, porque
na prática encontra-se um
“microcosmos da sociedade”
em que se ensinam os joga-
dores a “aceitar decisões” e
a passar por “processos de
vinculação” que fortalecem
a união. “Um ou dois treinos
e apaixonam-se logo. Alguns
destes miúdos passam mais
tempo comigo do que com os
pais”, e reforça: “Isto mudou
realmente a nossa vida.”
A integração comunitá-
ria está também na base da
criação, a 10 de outubro (Dia
Mundial da Saúde Mental) de
2006, da Associação Encon-
trar+se, com Filipa Palha na
condição de fundadora e pre-
sidente. Se o “tema da saúde
mental está agora nas paran-
gonas diárias, há 17 anos nem
se ouvia falar”, sustenta. O
objetivo “não é reinventar a
roda, é tão-só disponibilizar
às pessoas os melhores cui-
dados de saúde”. Por isso ge-
rem “uma “unidade sócio-o-
cupacional” e um “centro de
atendimento integrado” que
presta “apoio psicológico” a
“dezenas e dezenas”. Para
Filipa, “o que mais assusta é
as pessoas não conseguirem
desenvolver o seu potencial”.
para Portugal
via Ucrânia
Foi longo e árduo o caminho
que o paquistanês Talha Eh-
san percorreu até chegar à
‘cidade berço’ e ser um dos
fundadores da Guimarães
[IN]volve, associação que
pretende contribuir para a
melhoria das condições de
vida e integração dos mi-
grantes e refugiados. A as-
sociação “começou com o
princípio básico de apren-
dizagem de língua”, explica
Talha, numa manhã fria e
chuvosa. Sentiu essa dificul-
dade quando chegou a Por-
tugal após algumas etapas
como refugiado da guerra na
PESSOAS MAIS FELIZES
No primeiro ano
procurámos ideias
para tornar os bairros
mais felizes. No segundo,
os bairros mais felizes.
Agora procuramos as
pessoas mais felizes com os
seus bairros. Pelo terceiro
ano consecutivo,
o Expresso é media partner
do projeto Bairro Feliz —
um desafio lançado pelo
Pingo Doce a todos os
bairros, a todos os vizinhos,
para descobrirem e
apostarem em novas ideias.
Ucrânia, onde se encontra-
va a estudar. “Sair foi muito
difícil, foi assustador”, não
esconde, mas em Guimarães
“nunca se sentiu sozinho” e
agora quer retribuir.
“Quando as pessoas che-
gam ficam fechadas em
bolhas”, acredita outro dos
fundadores, Alexandre Fer-
reira. Por isso ajudam, fazem
muitas vezes a ligação entre
quem mais precisa e organi-
zações especializadas. “Em
três meses” passaram “de 10
membros para mais de 150”,
oriundos de quatro conti-
nentes e que representam
acima de 20 nacionalidades
e o objetivo é “crescer dia a
dia”. Até porque Talha quer
ficar na cidade e continuar
a degustar “bacalhau, vinho
verde e vinho tinto”, como
diz, entre risos.
A AVE — Associação Vima-
ranense para a Ecologia
surgiu em 2001 e tem sido
uma referência na cidade e
na região para a consciencia-
lização e críticas às políti-
cas ambientais seguidas. “A
Câmara chama-nos muitas
vezes, mas mais para ser-
vir como bandeira”, aponta
um dos responsáveis, José
Cunha, conhecido como o
“enfermeiro de bicicleta”:
“Ouvem, mas depois fazem
ouvidos moucos”. A associa-
ção organiza um mercado de
agricultura biológica, colabo-
ra com ecoescolas, organiza
uma mostra anual de cinema
documental sobre ambiente
assim como caminhadas re-
gulares na natureza. O traba-
lho prossegue.
no renascer de uma
tradição popular
“Era um instrumento des-
prestigiado”, menciona Ri-
cardo Almeida, em referência
à tradicional gaita de foles de
Trás-os-Montes. A Trouxa
Mouxa — Gaiteiros de Vila
Real tem quatro elementos e
teve como origem uma trupe
de teatro, e aposta “na recupe-
ração das melodias tradicio-
nais” que utiliza igualmente
instrumentos atuais”, como
é o caso do “baixo elétrico”.
“Já demos concertos em todo
o mundo”, indica o também
dramaturgo, ator, escritor,
radialista e “interessado” em
doçaria regional. Daí que a
conversa decorra numa das
pastelarias mais tradicionais
da cidade, onde Ricardo Al-
meida lembra que “é impor-
tante praticarmos a nossa
cultura. Senão esquece-se”.
Após ter sido presidente
“durante 18/19 anos”, Carlos
Varela voltou recentemente
ao cargo na Associação de Pa-
ralisia Cerebral de Vila Real.
“Todo o trabalho aqui é pesa-
do”, reconhece, só que quem o
acompanha pelos corredores,
ou a afagar o cão “Simba”, que
veio a pedido dos utentes, per-
cebe que “a ligação afetiva aos
contos” compensa. “Cada um
aqui traz um bocadinho seu”,
reflete, inclusive Carlos, que
nos espetáculos da associação
“também dança com eles”. As
atividades vão desde a capaci-
tação para a vida diária, o des-
porto e o acompanhamento
psicológico, sempre a partir
dum “sentimento de missão”.
Sem esquecer que “mudam os
nomes mas as crianças são as
mesmas”.
O QUE É O BAIRRO FELIZ
O PROJETO
^ O Bairro Feliz tem como
objetivo melhorar a qualidade
de vida nos bairros. Para isso
é lançado um desafio onde
entidades locais públicas ou
privadas (associações, IPSS,
fundações, cooperativas) ou
grupos de vizinhos até cinco
pessoas inscrevem projetos
“que promovam um impacto
positivo” nos seus bairros.
AS IDEIAS
^ Enquadram-se em seis áreas:
ambiente; apoio animal;
apoio social e cidadania;
cultura, património, turismo
e lazer; educação, e saúde,
bem-estar e desporto.
Estas são analisadas por um
painel de jurados, que faz
uma primeira seleção, e
depois levadas a votação
popular nas lojas.
O PRÉMIO
^ Cada vencedor ganha até mil
euros para desenvolver
o seu projeto.
OS PRAZOS
^ As candidaturas terminaram
a 4 de julho e são avaliadas
pelo júri até 9 de outubro. As
votações nas lojas vão de 10
de outubro a 25 de novembro,
dia em que serão também
anunciados os vencedores.
SAIBA MAIS
^ Em pingodoce.pt/bairrofeliz.
E acompanhe
no Expresso e na SIC.
24 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL GUERRA ISRAEL-HAMAS
Rede Islamitas radicais construíram 500 quilómetros de passagens secretas a profundidades de até 60 metros
Túneis do Hamas: uma
linha da frente invisível
Texto Ana França e Catarina
Maldonado Vasconcelos
A
Infografia Jaime Figueiredo
s Forças de Defesa
de Israel (conhe-
cidas pela sigla
inglesa IDF) estão
a aplicar a maioria
dos seus esforços
militares na des-
truição de uma
rede de túneis
construída ao longo dos últimos 40
anos pelo Hamas. Estende-se, hoje,
por cerca de 500 quilómetros de zi-
guezagues no subsolo da Faixa de
Gaza, a mesma extensão que o metro
de Nova Iorque. Impressionante, se
pensarmos que o território só tem 40
quilómetros de comprimento e entre
6 e 12 de largura.
Joel Raskin, geomorfologista e pro-
fessor na Universidade de Bar-Ilan,
em Israel, foi chamado a ajudar o
seu exército em 2009, durante uma
incursão militar em Gaza. As elites
militares tinham-se apercebido amar-
gamente — com o rapto do soldado
Gilad Shalit, em 2006, de que este
emaranhado de túneis passara de
simples sistema de contrabando para
se tornar vantagem estratégica do
Hamas contra o Estado hebraico.
“As pessoas de Gaza são, há muito,
especialistas em cavar poços, por-
que não há água doce à superfície,
conhecem a geologia, sabem onde
estão as águas subterrâneas. Esse
conhecimento começou a ser usado
há mais de 40 anos, depois do acordo
de paz de Israel com o Egito. No início
dos anos 2000, a rede começou a ex-
pandir-se: repararam que Israel não
queria ou não conseguia identificar
estes túneis, e começaram a investir
em força”, diz Raskin ao Expresso,
por telefone.
Há 40 anos que estuda estas estru-
turas subterrâneas, mas o “metro de
Gaza” que viu em 2009 é uma ténue
NÚMEROS
500
quilómetros é a extensão
que os túneis do Hamas ocupam
debaixo de Gaza; o território
só tem cerca de 40 quilómetros
de comprimento, porém os túneis
são construídos em ziguezague
60
metros é a profundidade a que
os serviços secretos israelitas
acreditam haver túneis na Faixa
de Gaza — a estação mais
profunda do metro de Lisboa,
Baixa-Chiado, está a 45 metros
3
milhões de dólares (cerca
de €2,8 milhões) é quanto custa cada
túnel ao Hamas, segundo Israel
sombra do que hoje existe. Há ilumi-
nação em grande parte da rede, co-
municação telefónica por fio, não de-
tetável, quartos de grandes dimensões
onde centenas de combatentes podem
dormir confortavelmente, respira-
douros, corredores largos por onde
podem passar motas, armazéns de
armas e até consultórios médicos com
capacidade cirúrgica. “Em combate
dito normal, o Hamas é mais fraco,
porque Israel tem uma força aérea
muito forte. Mas se usarem túneis
conseguem aproximar-se de posições
israelitas sem serem vistos e planear
ataques em segredo. Não é possível
escutar comunicações com túneis que
estão a 40, 50 e 60 metros de profun-
didade”, continua. A estação mais fun-
da do metro de Lisboa, Baixa-Chiado,
está 45 metros abaixo do solo.
Ataques que vêm de baixo
Apesar de servirem para armazenar
armas e combustível, e para esconder
combatentes, na opinião do geólogo,
a maior vantagem dos túneis é permi-
tirem disparar rockets contra Israel
de qualquer sítio. “Em 2002 come-
çaram a chover morteiros sobre cida-
des israelitas, centenas, disparados a
partir de túneis, no fundo dos fossos,
ou então de aberturas, alçapões, que
logo depois se fechavam. Os comba-
tentes desapareciam e reapareciam
noutro lugar.”
Em 2007, as IDF começaram, por
fim, a entender o que se passava. Hoje
os serviços de informações sabem
que “há milhares de plataformas de
lançamento”. Estão “em todo o lado,
e o poço de entrada, o poço de alimen-
tação, está, normalmente, dentro de
um edifício civil”.
Em 2013, descobriu-se um túnel
de Gaza para Israel com quase três
quilómetros de comprimento e 20 de
profundidade, que exigiu 800 tonela-
das de betão para ser construído. Se-
gundo as estimativas israelitas, cada
túnel custa três milhões de dólares
(€2,8 milhões).
O Catar é dos maiores financiado-
res do Hamas, apesar de negar que o
dinheiro que envia para Gaza seja uti-
lizado pelo grupo terrorista. O Irão é
outro, e há investigações jornalísticas
que mostram que parte dos fundos
que chegam a organizações de ajuda
humanitária acabam por entrar nos
cofres do Hamas. Tudo o que entra
em Gaza passa pela sua lupa.
Segunda-feira à noite, as IDF pu-
blicaram um vídeo na rede social Fa-
cebook que mostra a destruição de
túneis perto de uma universidade,
debaixo de um parque de diversões,
sob uma piscina desativada destinada
a crianças, e outros perto de prédios
residenciais. São os exemplos que
Raskin utiliza quando questionado
sobre que justificação pode ter a inten-
sidade dos ataques de Israel. “Há duas
noites, o Hamas disparou junto a um
hospital, a 50 metros de distância. É lá
que têm esta plataforma de lançamen-
to. Portanto, sabem que se Israel atin-
gir a rampa de lançamento, é provável
que haja danos colaterais no hospital,
se não mesmo nos funcionários ou
pacientes. É doentio.” Desde o início
dos combates, segundo os israelitas,
foram destruídos 130 túneis.
O porta-voz principal do exército
israelita, Daniel Hagari, diz, desde
o início do conflito, que destruir o
Hamas significa destruir a trama
instalada sob infraestruturas civis
tão importantes como o Hospital de
Shifa, o maior da Faixa, na cidade de
Gaza, a norte. Para sustentar estas
acusações, Hagari tem apresentado
Expresso, 10 de novembro de 2023
Fronteira entre Cerca de ferro 6 metros Torre de imagens de satélite, chamadas tele-
o Egito e Gaza e arame farpado de altura observação
fónicas entre membros do Hamas e
vídeos gravados por aviões israelitas
que, segundo as IDF, mostram a en-
trada de combatentes em túneis com
Os túneis Muro de cimento
ligação ao hospital.
construídos com 18 metros abaixo
pelo Hamas podem do solo O Hamas nega estas acusações,
variar entre 20 e 60 metros mas reconhece que os túneis não são
de profundidade para resguardo dos civis. Esses têm
de ser “protegidos” pela ONU e por
Israel, como defendeu Moussa Abu
Túneis do Hamas Fronteira Hospitais Campos de refugiados Marzouk, membro proeminente do
gabinete político do Hamas, residente
9,5 km no Catar, ao canal árabe da emissora
Sderot Russia Today. “O Hamas construiu
os túneis porque não temos outra
Fronteira forma de nos protegermos de ataques
de Erez aéreos. Estamos a lutar a partir do seu
interior”, explicou, num segmento da
entrevista traduzido e partilhado pelo
Norte de Gaza Middle East Media Research Institute
(MEMRI).
Mefalsim
Tudo serve para construir túneis
Kfar Aza Quando Israel saiu da Faixa de Gaza,
Jabalia
em 2005, o Hamas usou “quase tudo”
o que Israel deixou para construir
Sa’ad
armas, diz Raskin. “É impressionante:
40 km
Cidade os canos da irrigação foram usados
de Gaza para fazer rockets, em vez de conti-
nuarem a cultivar, fizeram armas. Fi-
zeram armas com tudo, com material
Alumim de mergulho civil, com drones disfar-
çados de brinquedos”. Raskin explica
que é difícil destruir estes túneis sem
presença no terreno. “Antes de en-
trar na Faixa de Gaza, a identificação
destas entradas era feita apenas pelos
Be’eri serviços secretos ou por fotografias
aéreas. Ora, como os buracos são tão
pequenos e estão camuflados, é muito
FAIXA ISRAEL difícil identificá-los só com recurso a
DE fotografias. Visto de cima, quase tudo
GAZA parece igual. Podemos ter boa infor-
mação de agentes a dizer que há uma
entrada naquela casa, mas Israel não
ataca sem ter certezas, por isso temos
Al Zahra Re’im
de ir para dentro de Gaza, para evitar
incertezas.”
“Israel criou um centro de treino
em túneis e usa a realidade virtual
Al Musaddar para treinar os seus soldados para o
combate nos túneis”, explica ao Ex-
Kisufim presso o analista de segurança ameri-
Deir cano Peter Bergen. O grande dilema
Al Balah é o que fazer para destruir ou selar
Ein Ha Shlosha aquelas estruturas, dado o risco de as
forças israelitas serem atacadas pela
retaguarda. “Podem fazê-los explodir,
mas, se houver civis ou reféns lá den-
tro, será delicado. Existe ainda a pos-
Nirim sibilidade de se colocar água em alta
pressão nos túneis, inundando-os, o
que também atingiria os reféns.”
Nir Oz Segundo Bergen, estes túneis são
claramente um problema para Israel,
Khan Younis
porque confirmam que a guerra urba-
na se combate em três dimensões (ao
Khuza’a nível do solo, no subsolo e no escon-
derijo que cada edifício constitui para
o inimigo). Também para os cerca de
Al Mawasi 240 reféns que o Hamas sequestrou
a 7 de outubro, o ambiente dos tú-
neis coloca desafios. “Não saberão o
Al Fukhkhari
dia nem que horas são. Fica-se muito
desorientado e depressa se perde a no-
ção do tempo. É óbvio que não há mui-
to oxigénio. Por outro lado, estão pro-
tegidos dos bombardeamentos. Mas
estar ali semanas é assustador, ainda
Rafah que não se sofra de claustrofobia.”
Al Bayuk Mesmo com toda a tecnologia que
Israel diz estar a utilizar, a dúvida
sobre a proporcionalidade tem en-
12,5 km sombrado as ações militares das IDF.
Fronteira
de Rafah Os bombardeamentos que arrasaram
o campo de refugiados de Jabalia,
o maior da Faixa, são exemplo de
EGITO um momento em que a justificação
de destruir túneis se torna difícil de
aceitar.
FONTE: THE WALL STREET JOURNAL
afranca@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 25

ESPANHA

Fumo branco
ao fim de
quatro meses
num país
dividido

Acordo entre PSOE e nacionalistas

catalães permite reconduzir
Sánchez e amnistiar Puigdemont
Ángel Luis de la Calle
Correspondente em Madrid
Pedro Sánchez será reconduzi-
do como primeiro-ministro de
Espanha na próxima semana.
Na madrugada de quinta-feira,
as delegações do seu Partido
Socialista Operário Espanhol
(PSOE, centro-esquerda) e da
formação independentista Jun-
tos pela Catalunha (JxC, cen-
tro-direita) anunciaram que,
superadas as divergências, al-
cançaram um acordo pelo qual
os sete deputados que a força
separatista tem no Parlamento
espanhol apoiarão a investidu-
ra de Sánchez. Com este apoio
e o de outros nacionalistas
catalães, bascos e galegos, o
socialista pode continuar no
poder, coligado com a frente de
esquerda radical Somar.
O pacto foi assinado pelo “nú-
mero três” do PSOE, Santos
Cerdán, e pelo secretário-ge-
ral do JxC, Jordi Turull. Prevê
o compromisso de o Governo
propor ao Congresso dos De-
putados uma lei de amnistia
que extinga os delitos come-
tidos por dirigentes políticos
O receio pessoal
de Puigdemont de ser
citado por terrorismo
acelerou a reta final
das negociações
que o próprio Sánchez rejeitou
durante meses por a conside-
rar inconstitucional, é agora
vista pelo primeiro-ministro
como “instrumento necessário
para recuperar a convivência
e resolver o conflito político
na Catalunha”. Na prática, eis
a moeda de troca para formar
um Governo estável apesar da
derrota eleitoral.
Obstáculos judiciais
O vencedor das legislativas de
23 de julho foi o Partido Po-
pular (PP, conservador). O seu
candidato a chefe do Executivo,
Alberto Núñez Feijóo, não ob-
teve apoios suficientes para ser
empossado no cargo. A secretá-
ria-geral do partido, Cuca Ga-
marra, chamou “vergonhoso
e humilhante” ao acordo entre
PSOE e Puigdemont.
Fontes próximas da nego-
ciação, que se desenrolou no
máximo sigilo, admitem ao Ex-
presso que o principal escolho
foi o anúncio de última hora de
um juiz da Audiência Nacional
(tribunal que julga crimes de
terrorismo) de que incluiria o
ex-presidente catalão e outros
representantes públicos impli-
cados na declaração unilateral
de independência num pro-
cesso por terrorismo. O receio
pessoal de Puigdemont de que
essa acusação pudesse dificul-
tar a aplicação da amnistia a si
próprio — graças à qual espera
poder voltar a Espanha — for-
Republicana da Catalunha
(ERC), que governa a comu-
nidade autónoma. Este prevê,
além da amnistia, importantes
cedências económicas, como
o perdão de parte da dívida
da região a Espanha (€15 mil
milhões). Outros apoios asse-
gurados são os do Bloco Nacio-
nalista Galego (BNG) e do Unir
o País Basco (Euskal Herría Bil-
du, outrora braço político do
grupo terrorista ETA).
A meio da próxima semana
Sánchez poderá, em teoria, ju-
rar o cargo perante o rei Filipe
VI. O líder do PSOE não irá já
empossado, como desejava, ao
encerramento da reunião do
Partido Socialista Europeu, que
se realiza em Málaga no fim de
semana. Após a demissão de
António Costa, o governante
espanhol ganha peso como re-
ferência do centro-esquerda
europeu.
O preço do pacto com Puig-
demont gerou obstáculos
fortes à formação do futuro
Governo ao longo dos últimos
dias. Os de maior impacto pú-
blico são as manifestações de
rua junto de sedes do PSOE em
todo o país, algumas das quais
A secretária-geral
do PP considerou
o pacto com os
catalães “vergonhoso
e humilhante”
de direito num objeto de mer-
cadejo ao serviço do interesse
pessoal de Pedro Sánchez”, e
ainda “a degradação, quando
não a abolição, do Estado de
direito em Espanha”.
Dúvidas de Bruxelas
Também a Associação Profis-
sional da Magistratura, a mais
importante do sector, emitiu
um comunicado em que consi-
dera a futura lei da amnistia o
“começo do fim da democracia
espanhola”. Esta opinião é par-
tilhada por bispos da hierar-
ncia e inovação
Ciê
quia católica nacional, que se Manifestantes
pronunciaram contra as con- confrontam a polícia
versações com os independen- diante da sede
tistas catalães. nacional do PSOE,
A cereja no topo do bolo foi em Madrid
colocada pelo comissário de FOTO FERNANDO
Justiça da UE, Didier Reyn- SÁNCHEZ/EUROPA PRESS
ders. Pressionado pelos seus VIA GETTY IMAGES
sócios liberal-conservadores
espanhóis, enviou uma carta
ao Governo de Sánchez na qual
expressa “profunda preocupa-
ção” pelo debate suscitado em
torno da planeada amnistia e
exige “explicações detalhadas”
sobre o seu conteúdo.
internacional@expresso.impresa.pt
al
io n
rn ac
inte
a
om
Dipl

e outros cidadãos implicados
nos episódios do processo inde-
pendentista entre 2012 e 2023,
çou os juristas do JxC a afinar
a redação da proposta de lei,
visando fechar brechas e evi-
tar interpretações restritivas
da futura lei por juízes e tribu-
INSCRIÇÕES
degeneraram em violência.
Comportamentos de vandalis-
mo, com graves embates com

conforme confirmou Cerdán
numa declaração ao fim da ma-
nhã. O ato mais relevante desse
período agitado foi o referendo
de autodeterminação ilegal e a
posterior declaração unilateral
de independência, logo anulada
juridicamente. Por tais motivos,
foram detidos, julgados, con-
denados e encarcerados altos
dirigentes catalães, até que em
2021 o Executivo de Sánchez
lhes concedeu um indulto.
A capital de Espanha viajou
para a Bélgica, onde Carles
Puigdemont, antigo presiden-
te do Governo regional catalão
(2016-2017), se instalou há seis
anos para fugir à justiça espa-
nhola. Embora sem cargo ofi-
cial, é quem manda no JxC. À
nais. Puigdemont fugiu para a
Bélgica no porta-bagagens de
um automóvel e ali permanece
rodeado de fiéis colaboradores.
A apresentação formal e de-
talhada do projeto de lei de
amnistia ficou para sexta, dia
10, em Madrid, antes de o do-
cumento dar entrada formal no
Congresso dos Deputados. A
presidente da Câmara Baixa do
Parlamento, a socialista Fran-
cina Armengol, poderá convo-
car no mesmo dia o plenário de
investidura, que ao abrigo do
regimento dura dois dias, com
discurso do candidato e uma ou
duas rondas de votação, confor-
me os resultados da primeira.
À hora de fecho desta edição
estava para breve a assinatu-
ABERTAS
a polícia, foram capitalizados
pela extrema-direita (Vox),
grupos antissistema e neona-
zis. O PP demorou quatro dias
a condenar os tumultos.
Não fora pacificadoras de-
cisões como a acima referida
DIA DA PORTA ABERTA
do juiz Manuel García Caste-
llón, da Audiência Nacional,
25.11.2023
que após quatro anos de ins- Língua
trução escolheu o momento
e cultura
quente da negociação política
para incluir como acusados de
terrorismo Puigdemont e a se-
cretária-geral da ERC, Marta
Rovira, que vive foragida na
Suíça, o mesmo tribunal man-
dara julgar por terrorismo, dia
3, os membros dos Comités de
Defesa da República, respon- ES AB
IÇÕ E R
sáveis por tumultos durante a CR
TA

capital belga rumou volumosa ra de outro acordo de apoio a celebração do referendo ilegal
S
IN

delegação deste partido para
participar na encenação do
acordo com o PSOE.
As difíceis e prolongadas
negociações centraram-se em
definir os limites da amnistia,
que se tornou eixo central da
atenção pública nas últimas se-
manas. Esta medida de graça,
Sánchez por parte do Partido
Nacionalista Basco (PNV, cen-
tro-direita), já negociado. Os
demais pactos para que Sán-
chez continue a governar es-
tão ratificados, sendo o mais
relevante o que firmou com a
outra grande força do indepen-
dentismo catalão, a Esquerda
de 1 de outubro de 2017 e dos
dias subsequentes.
O Conselho Geral do Poder
Judicial, órgão que rege a atua-
ção de juízes e magistrados,
aprovou por nove votos contra
cinco uma declaração sobre a
futura lei da amnistia: “Implica
degradar e converter o Estado
D E 0 1 . 1 0. 2023
A 0 2.0 2. 20 24 *
*Crianças que tenham
completado os 3 anos
Rua Guerra Junqueiro, 162 – Porto – Tel: 226 076 570/78 até 31.12.2024
info@dsporto.de – www.dsporto.de
26 PRIMEIRO CADERNO
ESTAD OS UNID OS
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
A derrota
de Biden
mudará a
América
e a Europa
J
unho de 2025 — Há um ano, a
Aliança Atlântica celebrou o seu
75.º aniversário em Washington.
Na altura, o Presidente Joe Bi-
den afirmou que a NATO era a aliança
defensiva mais forte e duradoura da his-
tória e reiterou o empenho dos Estados
Unidos na defesa da Europa. Todavia,
em novembro passado, Donald Trump
ganhou as eleições presidenciais. No
início deste mês, anunciou que os Esta-
dos Unidos deixarão de ser membros da
Aliança Atlântica.
Os Governos e as instituições euro-
peias têm olhado para a América com
um misto de mistura de inveja e preo-
cupação. A causa é a política industrial
da Administração Biden. Os “The Chips
Act” e “Inflation Reduction Act” apro-
vados pelo Congresso incluem mais de
400 mil milhões de dólares (€374 mil
milhões) de subsídios e incentivos fiscais
para investimentos em infraestruturas,
inovação industrial e transição energé-
tica nos Estados Unidos. Esta legislação
visa manter a posição dominante de
Washington em tecnologias nodais, au-
mentar as qualificações dos americanos
e atrair investimento direto estrangeiro
e conhecimento para o país. Nos últimos
meses, inúmeras empresas europeias
anunciaram investimentos considerá-
veis nos Estados Unidos. Do ponto de
vista da Casa Branca e de Bruxelas, tudo
isto deveria ajudar à reeleição de Joe
Biden no próximo ano.
O problema é que, segundo sondagens
recentes publicadas por “The New York
Times” e CNN, Trump lidera nas inten-
ções de votos dos eleitores recenseados.
A taxa de aprovação de Biden (39%) é
historicamente muito baixa. À primeira
vista, não faz sentido. Os indicadores
económicos fundamentais do país são
bons. Quantas cidades europeias não
gostariam de estar na posição de Pho-
enix (Arizona), que tem uma universi-
dade pública de engenharia de enorme
qualidade, instalações da Intel e a TSMC
tendo atraído 60 mil milhões de dólares
(€56 mil milhões) de investimento na
indústria de microprocessadores nos úl-
timos anos? O Arizona, todavia, prefere
votar em Trump. Porquê?
A política industrial de Biden levará
tempo a produzir os resultados preten-
didos. A transição energética rápida
anunciada pela Casa Branca não é po-
pular junto da classe trabalhadora. O
mesmo pode ser dito das prioridades
da ala mais à esquerda da coligação do
Partido Democrata, vista com suspeita
por eleitores latinos e negros. A isto
acresce o fim de um período históri-
co caracterizado por taxas de inflação
baixas, taxas de juro próximas de 0%, o
abrandamento do crescimento econó-
mico da China e uma época mais turbu-
lenta na política internacional. Trump
tem péssima reputação nos Estados
Unidos. O que estas sondagens revelam
é que, por razões diferentes, a de Biden
é ainda pior.
O ponto essencial é este: os ameri-
canos sabem perfeitamente quem é
Trump. A sua preferência por um de-
magogo ignorante mostra-nos a tenta-
ção das sociedades para um populismo
carismático e a rejeição das instituições
democráticas essenciais na moderação
das paixões e da negociação de compro-
missos políticos. É verdade que muito
pode acontecer até novembro de 2024.
Dito isto, convém pensarmos bem nas
enormes consequências políticas, eco-
nómicas e militares de uma derrota de
Biden para a América e a Europa.
Biden ganha balão de oxigénio
com aborto a votos e Trump fora
Com sondagens aziagas, Presidente celebra vitórias democratas nas eleições de dia 7
Hélder Gomes
Joe Biden apressou-se a ligar a vá-
rios candidatos democratas que na
terça-feira conseguiram importantes
vitórias em eleições para governos e
parlamentos locais e estaduais. O Pre-
sidente dos Estados Unidos saudou
igualmente uma emenda constitucio-
nal, sufragada no Ohio, que garante
acesso à interrupção voluntária da
gravidez (IVG) naquele estado. Não
era para menos, já que os bons re-
sultados, sobretudo em três estados,
acontecem após a divulgação de uma
série de sondagens que colocam Biden
atrás de Donald Trump na corrida
presidencial do próximo ano.
A proteção da liberdade das grá-
vidas sobre a decisão de abortarem,
consagrada constitucionalmente em
1973 e formalmente anulada no ano
passado pelo Supremo Tribunal, é a
chave para entender algumas das vitó-
rias democratas. No Ohio, os eleitores
votaram a favor da tal emenda consti-
tucional, tornando-se o mais recente
estado a fazê-lo desde a revogação da
decisão Roe v. Wade, que conferia pro-
teção federal ao direito ao aborto. Na
Virgínia, os democratas assumiram o
controlo das duas câmaras do órgão
legislativo, pelo que podem impedir os
republicanos de introduzirem novas
limitações à IVG. E no Kentucky o go-
vernador democrata foi reeleito após
uma campanha em que o seu opositor
defendeu a quase total proibição da o
aborto num estado dominado pelos
republicanos.
Depois de revogar o acórdão Roe v.
Wade, o Supremo Tribunal concedeu
recentemente aos estados o direito de
definirem as suas próprias regras. Nas
eleições desta semana os democratas
conseguiram capitalizar com a defesa
da liberdade de escolha, por oposição
à retórica proibicionista do campo re-
publicano. O Mississípi, onde o gover-
nador recandidato garantiu segundo
mandato, foi uma das poucas exceções
onde o fator aborto não prejudicou os
republicanos. Mesmo aí, os democra-
tas deram luta. Já na Virgínia, além de
conquistarem a assembleia bicamaral,
fizeram vingar a sua oposição à proi-
bição de acesso ao aborto após as 15
semanas de gravidez, que fora propos-
ta pelo governador Greg Youngkim,
estrela republicana em ascensão.
Na Pensilvânia os democratas ven-
ceram a disputa por um lugar no Su-
premo Tribunal estadual. Ora, a Pen-
silvânia é um dos swing states, isto é,
um dos estados oscilantes que tanto
votam democrata como republicano
e podem decidir uma vitória presi-
dencial. É sobretudo nesse e noutros
quatro swing states (Arizona, Geórgia,
Michigan e Nevada) que Trump leva
vantagem sobre Biden nos estudos de
opinião, mas estes últimos não foram
a votos na terça-feira.
“Injeção de adrenalina” em Biden
Biden ganhou, pois, um balão de
oxigénio, mas que extrapolação se
pode fazer para a recandidatura à
Casa Branca? Para o principal analis-
ta político do jornal “The New York
Times”, “terça-feira foi ótima para
os democratas”, mas “não altera as
perspetivas para 2024”. Numa análise
dos resultados, Nate Cohn arrefece o
“Os resultados devem
acalmar os nervos de
democratas que estiveram
em pânico total”, diz
analista Russell Schaffer
“Há demasiados
imponderáveis para que
se possam tirar lições para
2024”, refere politólogo
Robert Donaldson
entusiasmo no campo democrata ao
escrever que se manteve “um padrão
de êxito em eleições de baixa afluência
às urnas, que favorecem eleitores al-
tamente empenhados”. Contudo, res-
salva, “os anos presidenciais tendem
a ser diferentes”. De resto, “quase
todas as eleições desde a decisão do
Supremo Tribunal de anular o Roe v.
Wade trouxeram boas notícias para
os democratas” e a última terça-feira
“não foi exceção”.
Quanto ao aparente desencontro
entre as sondagens e os resultados,
Cohn defende que são “surpreenden-
temente fáceis de conciliar”. E expli-
ca: “As sondagens mostram milhões
de eleitores que não gostam de Biden,
mas continuam recetivos a outros de-
mocratas e apoiam causas liberais.
Também mostram os democratas
com particular força entre os eleitores
mais empenhados, que dominam as
eleições de baixa participação como as
de terça-feira, enquanto Trump mos-
tra a sua maior força entre os eleitores
menos empenhados, que só partici-
pam nas presidenciais.” Nesse sentido,
ainda que bons para os democratas,
os resultados não foram surpreen-
dentes. “Podiam parecer bastante
improváveis ou, pelo menos, longe de
estarem garantidos. Mas estava tudo
nas sondagens — tal como a fraqueza
de Biden entre eleitores jovens e não
brancos”, escreve o analista do “The
New York Times”.
Russell Schaffer, gestor de relações
públicas e analista político, destaca a
disputa renhida no Mississípi, “onde
um democrata não consegue o car-
go de governador desde 1999”. Em
conversa com o Expresso a partir de
Nova Iorque, afirma que os resultados
foram “uma injeção de adrenalina de
que o Presidente Biden muito neces-
sitava” e “devem acalmar os nervos
de alguns democratas que estiveram
em modo de pânico total na última
semana”. No polo oposto, Schaffer
sinaliza que “os republicanos conti-
nuam a ter um problema muito sério
com o aborto”, assumindo uma posi-
ção “extremamente impopular” e não
aprendendo a “comunicá-la melhor”.
“Os eleitores percebem que se os re-
Expresso, 10 de novembro de 2023
A força de Trump reside nos
eleitores que só participam
nas presidenciais
FOTO BRANDON BELL/GETTY IMAGES
publicanos tiverem o controlo total
do Congresso e a presidência [do país],
este direito fundamental, que mui-
tas pessoas tomaram como adquirido
durante 50 anos, poderá desapare-
cer”, sustenta. Por isso, é expectável
que “os democratas se empenhem
muito” numa questão “vital para os
energizar” e “também apelativa para
republicanos moderados e eleitores
indecisos”.
Trump ausente dos boletins
E qual terá sido o peso do fator Trump
nestas eleições? Por outras palavras, o
facto de o antigo Presidente e candida-
to à reeleição não constar nos boletins
de voto ajuda a explicar os maus resul-
tados dos republicanos? “Há eleitores
de Trump que só aparecem para votar
republicano se ele estiver no boletim
de voto. Caso contrário, ficam em
casa”, confirma Schaffer. O analista
político lembra que o milionário “não
fez muita campanha em pessoa pe-
los candidatos republicanos”, o que
poderá ter acontecido “porque estes
não o queriam lá, ou porque estava
demasiado ocupado no tribunal ou
a preparar-se para os seus próximos
julgamentos”. Uma coisa dá por certa:
a presença de Trump nos boletins de
voto leva a enormes afluxos de eleito-
res de ambos os lados”, que “aparecem
para demonstrar apoio ou oposição”.
Robert Donaldson, professor de
Ciência Política na Universidade de
Tulsa, Oklahoma, dispensa extrapo-
lações. Eleições como estas, “num pe-
queno número de estados, raramente
lançam luz sobre eleições nacionais a
um ano de distância”, matiza ao Ex-
presso. “Isto é especialmente verdade
porque os candidatos presidenciais
prováveis, Trump e Biden, não se en-
volveram pessoalmente de uma forma
que permitisse uma avaliação dos seus
destinos no próximo ano”, acrescenta.
E depois “há demasiados imponderá-
veis pela frente, incluindo os proble-
mas legais de Trump e o curso de duas
guerras em que Biden tem apostado
a sua reputação, para que se possam
tirar lições para novembro de 2024”.
hgomes@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 27

UE-UCRÂNIA ALEMANHA O Muro de Berlim caiu há 34 anos. Como evoluiu

o país mais influente da UE? Pedro Cordeiro conversa com
a académica Mónica Dias no podcast “O Mundo a Seus Pés”

Adesão da Ucrânia exige reformas na UE

Comissão deu luz verde para negociações, mas eurodeputados sublinham necessidade de reformas internas
Cláudia Monarca
Almeida

A Comissão Europeia reco-

mendou esta quarta-feira a
abertura de negociações para
a adesão da Ucrânia à União
Europeia (UE), mas impôs uma
condição: “A Ucrânia tem de
continuar a lutar contra a cor-
rupção.” A decisão passa agora
para os Estados-membros e o
tema deverá estar em cima da
mesa na próxima reunião do
Conselho Europeu, marcada
para dezembro.
A posição de Bruxelas não
surpreendeu. A perspetiva de
iniciar negociações antes do
Natal já tinha sido antecipada
pela presidente do Parlamento
Europeu (PE), Roberta Metso-
la, numa entrevista ao jornal
britânico “The Guardian”, em
setembro.
“Para a Europa é uma neces-
sidade. Não há solução para a
Ucrânia senão integrar a UE
e, a prazo, até a NATO. Essa
é a única solução que pode vir
a trazer paz e prosperidade”,
apontou ao Expresso o euro-
deputado Paulo Rangel (PSD).
“O alargamento não pode ficar
para as calendas gregas. Isso
será entregar a Moldávia e a
Ucrânia à Rússia. Será entregar
os países balcânicos à Turquia,
à Rússia, à China, à Arábia Sau-
dita e ao Catar.”
Mas não são só a Ucrânia e
os outros candidatos que têm A UE pretende receber a Ucrânia, só não sabe quando FOTO SERGEI SUPINSKY/AFP/GETTY IMAGES
trabalho a fazer. É consensual
entre os eurodeputados portu- ter uma resposta à altura dos sos próprios. Pelo contrário, José Gusmão (BE) denuncia esta é uma “grande oportuni- orçamento da UE para 2024.
gueses ouvidos pelo Expresso desafios geopolíticos que a Eu- não parece haver intenção de que “a política de coesão que dade económica”. “Estes países Para Francisco Guerreiro —
durante o plenário de outubro ropa tem agora.” aumentar o número de eu- temos é um lençol que já foi são mais atlânticos do que o pilar independente que se senta com
em Estrasburgo que a UE pre- No entanto, considera Nuno rodeputados no Parlamento esticado várias vezes e que já central da Europa. Querem uma os Verdes europeus após ter-se
cisa de reformas internas. E é aí Melo (CDS), o alargamento Europeu, o que levaria a uma tapa muito pouco”. Como re- parceria constante com os Esta- desvinculado do PAN, pelo qual
que começam as divergências. está a ser usado por alguns “representação absolutamente sultado, não está a dar resposta dos Unidos e o Reino Unido, e foi eleito —, será necessário
países como “pretexto para residual no número e no plura- à “função única que cumpre e isso, para Portugal, é fundamen- garantir que este “tenha um
Reformas de que dimensão? uma vontade política que já é lismo partidário”. que mais nenhuma política eu- tal. A Europa só faz sentido para papel, como sempre, de ajudar
antiga”, sendo “Portugal um “Só estes três exemplos con- ropeia cumpre”. Ou seja, já não nós se for uma Europa Atlânti- fora das fronteiras europeias”,
“É óbvio que não podemos dos países mais prejudicados”. substanciam mais do que o que cumpre “o objetivo da coesão ca.” E remata: “Não quero que nomeadamente na Ucrânia.
arrastar a adesão dos países Entre as possíveis alterações foi rejeitado nos referendos de económica e social sem o qual o haja menos fundos para Portu- Para isso será necessário “ro-
por falta de condições inter- em cima da mesa, enumera o 2005 [em França e Países Bai- projeto europeu não é possível.” gal, não é essa a questão. Mas os bustecer” o orçamento, encon-
nas para recebê-los, mas tam- eurodeputado e líder do parti- xos, sobre o projeto de Consti- Por outro lado há preocupa- fundos existem para deixarmos trando novos mecanismos de
bém não podemos recebê-los do, estará o fim da regra “um tuição da UE]. No CDS não con- ção com a atribuição de fundos de precisar deles, não é para nos financiamento.
sem fazer reformas internas”, país, um comissário” e do di- cebemos que alterações que europeus. “A adesão da Ucrâ- viciarmos neles.” O PE aprovou no mês passa-
defende Pedro Marques (PS). reito de veto, nomeadamente impliquem perdas de soberania nia teria um impacto brutal na A questão do financiamento do um pacote de financiamen-
“Há um conjunto de regras que em temas de política externa, e a assunção de um federalismo redução dos fundos recebidos está presente no imediato, no- to adicional à Ucrânia, com
têm de mudar para tornar a UE matérias de segurança e recur- desta natureza possam ser de- por um conjunto significativo meadamente nas discussões do €50 mil milhões. Mas o tema
mais operacional, mais eficien- cididas nas costas das pessoas.” de países, incluindo Portugal”, permanecerá pertinente, “por-
te para receber mais países.” aponta João Pimenta Lopes que mesmo que a guerra pare
Rangel corrobora. Considera Redistribuição dos fundos (PCP). Esta redução, acredita, (e queremos todos que pare o
“fundamental” uma reforma Adesão da Ucrânia à gera preocupação “seria o fim da política de co- “Há um conjunto de mais cedo possível), o esforço
institucional e financeira, “tal- UE “é a única solução esão como a conhecemos”, o regras que têm de de reconstrução da Ucrânia
vez um pouco mais minimalista que pode vir a trazer Outro dos temas que suscitam que contribuiria para “acentu- mudar para tornar a vai ser enorme. E a Europa
e pragmática”, que incida nos preocupação é a política de co- ar ainda mais os efeitos assimé- vai ter que ser presente, evi-
principais problemas de fun- paz e prosperidade”, esão. Lembrando que esta tem tricos da integração”. UE mais operacional, dentemente”, remata Pedro
cionamento e financiamento. defende Paulo Rangel permanecido inalterada atra- Rangel descarta esta preocu- diz Pedro Marques Marques.
“É a única forma de virmos a vés de sucessivos alargamentos, pação. Para o social-democrata, calmeida@expresso.impresa.pt
 28 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA FUTEB OL
N
Pedro Barata
o domingo (20h30,
BT V), Benfica e
Sporting continua-
rão uma história que
começou em 1907,
era ainda Portugal
uma monarquia, e
prossegue quando
a democracia repu-
blicana se aproxima dos 50 anos. Do
Campo da Quinta Nova (Carcavelos),
palco do dérbi inaugural disputado
dois meses antes do regicídio, aos due-
los na Luz ou em Alvalade houve 137
vitórias das águias e 112 dos leões.
O duelo eterno de Lisboa vem com
cheiros antagónicos. Uma sugestão de
pré-crise no campeão nacional, que se
pode transformar em prova de vida e
gesto de autoridade; a chance de al-
cançar uma vantagem inédita para os
verdes e brancos, que, no ano do “tudo
ou nada” de Amorim, querem atirar
para trás das costas os maus resulta-
dos recentes nos encontros grandes.
Depois da derrota contra a Real So-
ciedad e da eliminação na Liga dos
Campeões, com quatro derrotas em
quatro jogos, o Benfica soma já cinco
partidas perdidas em 17 desafios. Na
época passada, quando Schmidt levou
as águias a meses iniciais de grande
fulgor, a equipa só foi batida quatro
vezes em 55 compromissos.
GOLOS ESPERADOS
2,48
(POR JOGO)
BENFICA
1,88
SPORTING
PASSES DO
6,91
ADVERSÁRIO ATÉ
AÇÃO DEFENSIVA
(POR JOGO)
FOTO NUNO BOTELHO
Dérbi O Benfica-Sporting pode deixar as águias a seis pontos
da liderança, mas os leões não têm conseguido vencer os clássicos
Um risco ou uma
oportunidade?
Voltar a ser derrotado contra o
Sporting significaria que o Benfica
chegaria à 11ª jornada a seis pontos do
rival da cidade, a segunda maior des-
vantagem de sempre das águias face
aos leões nesta altura desde 1995/96,
quando as vitórias passaram a valer
três pontos. Distância superior só os
sete pontos de 2000/01 e 2015/16.
Aqui está o grande risco para o téc-
nico alemão, que o poderá transfor-
mar em oportunidade caso derrote
os verdes e brancos, se junte a eles na
liderança e confirme os bons núme-
ros em clássicos desde que chegou a
Portugal. Até agora venceu três vezes,
empatou duas e só perdeu um em seis
embates contra FC Porto e Sporting,
no início de abril, frente aos dragões,
em pleno Estádio da Luz.
Para a equipa de Amorim, ganhar
significaria chegar à 11ª ronda com
uma superioridade nunca vista: ja-
mais os leões tiveram seis pontos à
maior das águias e dos dragões — que
têm teste difícil em Guimarães — à 11ª
jornada. Aqui reside a oportunidade
do Sporting, que também tem riscos
próprios.
7,1
Vindo de uma época muito aquém
das expectativas e com a fasquia co-
locada bem alta pelo discurso do trei-
nador, o grande teste para os de Al-
valade será derrubar uma espécie de
síndrome de fraqueza nos palcos de
maior exigência no contexto nacional.
Desde janeiro de 2022 que o Sporting
BENFICA
SPORTING
10,9
% DE BOLAS AÉREAS
DEFENSIVAS GANHAS
(POR JOGO)
COATES
83,3%
ANTÓNIO SILVA
81,3%
DIOMANDE
68,8%
OTAMENDI
61,9%
Expresso, 10 de novembro de 2023
mais passes com êxito, Diomande (58)
o sexto e Coates (55,7) o sétimo.
Força aérea de Alvalade
Os golos esperados medem a probabili-
dade de um remate ter êxito, atribuin-
do-se um valor entre 0 e 1 a cada dispa-
ro, consoante este seja de zona mais ou
menos próxima ou o atacante esteja ou
não pressionado. O Benfica é a equipa
da I Liga com mais golos esperados,
mas, quanto a eficácia, está atrás do
Sporting, com 21 festejos contra 22.
Salta à vista a superioridade leonina
no jogo pelo ar. Os golos esperados de
bola parada do Sporting são superio-
res, bem como as bolas ofensivas aé-
reas ganhas por jogo (7,1 face a 4,3) —
as águias são a 3ª pior equipa. Também
na defesa, o Benfica tem fragilidades,
não consegue vencer um clássico. A acentuaria este fantasma dos grandes com os seus 51,2% de lances aéreos de-
partir daí, são nove choques contra jogos. Riscos e oportunidades. fensivos a serem a 4ª pior cifra da I Liga
FC Porto e Benfica sem ganhar, com (o Sporting tem 56,9% e é a 6ª melhor).
três empates e seis derrotas, cinco Entre passes e pressões Amorim não esconderá segredos,
delas na última mão-cheia de partidas mas Schmidt teve dúvidas nos últimos
frente aos homens de Sérgio Concei- Olhando para os números da Driblab, tempos. O alemão apostou, em Arouca,
ção. Triunfar na Luz colocaria os leões empresa de dados especializados em em três centrais, mas o dérbi poderá fa-
numa espécie de pole position no final futebol, vemos que o Benfica, apesar zer o Benfica voltar aos quatro defesas.
do primeiro terço da I Liga, perder de menos eficaz a roubar a bola em Na frente, se as águias têm andado en-
zonas adiantadas esta época, mantém tre Musa, Arthur ou Guedes, nos leões
aí um toque de identidade. Os cam- o protagonista é Gyökeres, que já fez 11
peões permitem que o adversário faça golos — o melhor encarnado é Di Ma-
I LIGA
menos passes por cada ação defensiva ría, com sete — e lidera na I Liga, entre
que realizam (6,91 passes em média os pontas de lança, em dribles efetua-
contra 10,9 do Sporting) e são líderes dos ou toques na área adversária.
do campeonato em recuperações no pmbarata@expresso.impresa.pt
2023/24
meio-campo ofensivo, com 18,5 de
média, sendo os leões quintos nesse
capítulo (15,9 roubos).
Como habitual, os dois rivais estão GOLOS ESPERADOS
entre as equipas que mais dominam
DE BOLA PARADA (POR JOGO)
0,51
no campeonato. Ainda assim, o Ben-
BOLAS OFENSIVAS
fica destaca-se como a equipa com
maior média de posse da I Liga, parâ-
AÉREAS GANHAS
metro em que o Sporting é só quarto,
e como o conjunto que troca mais pas-
(POR JOGO) ses de cada vez que tem a bola, com
uma média de 5,1 passes por desafio,
SPORTING superior aos 4,7 dos verdes e brancos.
Na Luz são os médios que mais pas-
BENFICA
sam. Florentino, com 69,7 passes com
sucesso por jogo, é o líder da I Liga,
com Neves (63,5) em terceiro e Kökçü SPORTING
4,3 0,3
(61) em quarto. Em Alvalade, o pro-
tagonismo é dos defesas, com Inácio
(66,2 passes, em média, por jogo) a
ser o segundo do campeonato que faz BENFICA
% MÉDIA DE POSSE BENFICA
RECUPERAÇÕES NO
MEIO-CAMPO OFENSIVO
18,5
(POR JOGO)
(POR JOGO)
64,3%
BENFICA
SPORTING
15,9
SPORTING
59,3% OPORTUNIDADES
CRIADAS EM
BOLA CORRIDA
3,2
(POR JOGO)
% DE PASSES COM
SUCESSO PARA A FRENTE
JOÃO
77,3%
NEVES
MORITA
MARCUS
73,7% 1,5
EDWARDS
FOTO PEDRO LOUREIRO/EURASIA SPORT IMAGES/GETTY IMAGES
JOÃO
MÁRIO
TOQUES NA ÁREA ADVERSÁRIA
(POR JOGO)
9,1
ARTHUR CABRAL
5,6
GYÖKERES
DADOS: DRIBLAB
Expresso, 10 de novembro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 29
 30 PRIMEIRO CADERNO
Madeira A economia da Região Autónoma da Madeira beneficiaria se tivesse um sistema fiscal próprio. O turismo
é o motor da economia, a aposta nas empresas tecnológicas é crescente e tem potencial de crescimento na ligação ao mar
Turismo e tecnologia são
armas para economia forte
Texto Marina Almeida
O
Fotos Duarte Sá
continente é in-
“ dustrializado, nos
Açores predomina
o sector primário,
na Madeira predo-
minam os serviços.
Como podemos ter
a mesma política
fiscal para três rea-
lidades tão distintas?” A questão foi
lançada por Miguel de Sousa, CEO
da Empresa de Cervejas da Madeira e
transversal às intervenções que pers-
petivaram os “Desafios Económicos
para a Região Autónoma da Madeira”.
Realizada no âmbito dos 50 anos do
Expresso, cuja exposição itinerante
chegou na quarta-feira ao Funchal,
a conferência juntou empresários e
decisores políticos, com o futuro da
Região Autónoma da Madeira no ho-
rizonte. Miguel de Sousa sublinhou
a importância de atrair investimento
estrangeiro para a região, bem como
de cativar grandes grupos económicos
e fixar mais pessoas na região. “Al-
guém disse um dia que podíamos ser
a Singapura do Atlântico, mas temos
300 mil pessoas. Singapura tem cinco
milhões. Precisamos de mais gente”,
apontou.
O turismo, que está a bater todos os
recordes na Madeira, tendo superado
pela primeira vez a fasquia de um mi-
lhão de dormidas no mês de setembro,
é o motor da economia insular, mas
tem limites e está a chegar a “um ní-
vel de esgotamento”, reconheceu. É
preciso encontrar caminhos paralelos
para a Madeira não ficar dependente
de um só sector.
Na mesma linha de pensamento,
o Secretário Regional da Economia,
Rui Barreto, acrescentou aos desafi-
os para o território a importância de
cativar empresas estrangeiras, mas
também grupos económicos fortes
para criar influência externa e dar
peso à Madeira no panorama global.
Em paralelo, realçou a aposta que
está a ser feita pelo Governo Regional
nas empresas que trabalhem em áreas
tecnológicas, a que chamou “nova
economia”, com a ligação entre a Uni-
versidade da Madeira e os centros de
investigação e as incubadoras. Desta-
cou também o cabo submarino que
liga o arquipélago e um conjunto de
infraestruturas, como as de comuni-
cações, mas também o futuro hospi-
tal, atualmente em construção. Falou
ainda do trabalho feito com as escolas,
através de 26 “salas do futuro”, em
que os jovens tomam contacto com
a robótica, a inteligência artificial e
outras temáticas.
Já Luís Sousa, CEO da ACIN, uma
das empresas tecnológicas a laborar
há 20 anos na região, criticou a falta
de capacidade de a escola acompa-
nhar as necessidades destas empresas,
renovando a oferta formativa, e assim
fixar jovens da região e desenvolver os
negócios. Para este empresário, que
diz ter a “felicidade de poder trabalhar
a partir de qualquer parte do mundo
graças à tecnologia”, a ilha tem tudo
o que precisa para cativar trabalhado-
res, pagar bons salários e desenvolver
projetos para qualquer latitude: “A
Madeira tem uma excelente rede de fi-
bra, comunicações 5G, ligações viárias
e ligações a 50 cidades europeias por
via aérea.” Cerca de 99% do trabalho
que desenvolvem tem como destino
a exportação, essencialmente para o
“mercado continental”.
A vertente tecnológica é encarada
como uma oportunidade para os ter-
ritórios periféricos se afirmarem, e a
Madeira não é exceção. O secretário
regional da Economia apontou ainda
a vantagem da ligação com o mar.
Aludindo ao alargamento da plata-
forma continental, perspetivou para a
Madeira um papel central na criação
de conhecimento: “A reserva das Sel-
vagens, com 2700 quilómetros qua-
COM O APOIO:
A exposição interativa que marca os 50 anos do
Expresso chegou à Madeira. Encontra-se na Av.
Sá Carneiro, no Funchal. O banco de leitura ficou
instalado a poucos metros, na Praça Colombo
drados, é a maior do Atlântico Norte
POPULAÇÃO RESIDENTE
e tem um potencial enorme” como ob-
NA MADEIRA
Em milhares
servatório das alterações climáticas,
de investigação dos fundos marinhos,
entre outras possibilidades. “Temos
270 capacidade de incrementar empresas
de área tecnológica para desenvol-
260 ver este tipo de projetos”, referiu o
253,3 responsável político, enfatizando a
250 relevância do recurso: “O mar deve ser
encarado como um ativo estratégico
240 europeu.”
2012 2015 20 21* 22*
*estimativas provisórias Turismo mais jovem
Menos exuberante, Gonçalo Mendon-
DORMIDAS NA MADEIRA
Em milhares
ça, CFO da Alberto Oculista (loja de
ótica fundada em 1984 no Funchal,
hoje um grupo económico com 68
1200 lojas em Portugal e Espanha), trouxe
2023 1040 para o debate a atual situação eco-
900 nómica com a elevada fiscalidade e a
2022 667 subida das taxas de juro e dos preços
600 dos bens alimentares, que penalizam o
poder de compra das famílias e travam
300 o consumo. “É quase uma tempestade
J F M A M J J A S O N D perfeita. Se calhar ainda não medimos
bem as consequências sociais do au-
FONTES: INE/DREM (DIREÇÃO REGIONAL mento dos preços e dos rendimentos
DE ESTATÍSTICA DA MADEIRA) que não sobem. Sentimos muita difi-
Conferência foi dedicada ao desenvolvimento económico da Madeira
Expresso, 10 de novembro de 2023
culdade no mercado, no cumprimento
das obrigações das pessoas”, referiu.
Apesar de o turismo estar vigoroso na
ilha, o empresário considerou que o
seu ramo de atividade não está muito
exposto a esta dinâmica.
Enquanto a conferência decorria,
no Design Center Nini Andrade Silva,
três navios de cruzeiro estavam an-
corados na Marina do Funchal, e os
seus passageiros percorriam as ruas
da cidade e as estradas da ilha. Uma
realidade que não deixa ninguém in-
diferente e que se alterou nos últimos
dois anos. “A pandemia foi o melhor
que podia ter acontecido ao turismo
da Madeira”, disse o secretário regio-
nal da Economia. Segundo referiu Rui
Barreto, a organização do turismo na
região, que estava muito dependente
dos operadores turísticos, passou a ter
novos canais, as plataformas online.
Isso traduziu-se na chegada de novos
públicos à região: “Um turismo mais
jovem, com outras apetências, que
permitiu maiores ganhos hoteleiros.”
O rendimento por quarto (RevPar)
passou os 100 euros (€100,81 em agos-
to). Para o governante, esta situação
configura uma nova oportunidade
da Madeira se posicionar como uma
economia de futuro, mais sustentável.
Num debate sobre desafios econó-
micos não ficou de fora a Zona Franca
da Madeira e, também aqui, Miguel de
Sousa apontou a importância de uma
gestão autónoma: “Há um sistema
de ajudas do Estado, que tem de ser
autorizado pela União Europeia, que
dificulta tudo.” Para o empresário,
“os madeirenses não podem pagar
mais impostos e a Madeira precisa de
mais receitas”. A solução que preco-
niza é continuar a atrair investimen-
to estrangeiro igualmente a partir
desta porta de entrada na região: “Só
se pode ir buscar [receitas] através
de empresas e entidades externas
que se queiram fixar na Madeira”,
considerou.
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 10 de novembro de 2023
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1945-2023 Excêntrico britânico que popularizou o bungee jumping no Ocidente,
influenciado pelas tribos do Pacífico Sul, que usam o “mergulho na terra” como ritual
David Kirke
S
abemos muito pouco
sobre a vida de Samuel
Foster, imortalizada
num adequadamente
curto parágrafo em “Brief Li-
ves”, de John Aubrey. Não sabe-
mos quando nasceu, mas sabe-
mos que morreu em 1652. Entre
o ponto de interrogação e a data
da morte, pelo testemunho do
sobrinho, sabemos que terá
nascido em Coventry, que era
professor na Gresham College,
em Londres, e que na parede do
escritório tinha um desenho da
sua autoria de um relógio de sol.
O desenho, impressionante pela
sua minúcia, é descrito como
“verdadeiramente o melhor no
mundo inteiro”, chegando a in-
dicar as horas “em Jerusalém,
no Cairo, etc.”. Conseguir mos-
trar em desenho um relógio de
sol que indica as horas em diver-
sas partes do mundo é um feito.
Para alguns será um mistério.
O momento pelo qual David
Kirke é lembrado em obituários
pelo mundo, sobretudo angló-
fono, é tão insólito como o de-
senho do relógio de sol naquela
parede em Londres. No dia 1 de
abril de 1979 David inaugura-
va o desporto radical chamado
bungee jumping, inspirado num
ritual praticado em Vanuatu,
no Pacífico Sul, em que miúdos
saltam de torres de 30 metros
com os tornozelos amarrados a
uma corda feita de ramos flexí-
veis de plantas, cuja elasticidade
varia consoante a época do ano.
A distância era calculada para
que ninguém morresse quan-
do se atiravam da torre com o
objetivo de varrer o chão com
o cabelo. Em 1974, numa visita
da rainha Isabel II, um rapaz
morreu no salto. Não era a épo-
ca do ano indicada para saltar,
porque as cordas de plantas ain-
da não estavam suficientemen-
te elásticas. O Naghol, assim
se chama o salto, foi tema de
um documentário da National
Geographic e em finais da dé-
cada de 70 era conhecido dos
membros excêntricos do Clube
de Desportos Perigosos da Uni-
versidade de Oxford.
David Antony Christopher
Potter nasceu a 26 de setembro
de 1945, em Shawbury, uma al-
deia em Shropshire, na região
ocidental dos Midlands, em In-
glaterra. David era o mais velho
Obituário
Pedro Teixeira
Duarte
1918-2023 Engenheiro civil,
formou-se no Instituto
Superior Técnico de Lisboa
e entra, em 1946, para a
empresa fundada 25 anos
antes pelo pai Ricardo
Esquível Teixeira Duarte, de
quem era o segundo filho.
“Foi ele quem desenvolveu
a Teixeira Duarte de uma
pequena empresa de
fundações, herdada do pai,
num grande empreiteiro
internacional”, sintetiza ao
Expresso um engenheiro
que conviveu com o homem
que assumiria o leme da
No dia 1 de abril
de 1979, David
inaugurava o
desporto radical
chamado bungee
jumping, inspirado
num ritual praticado
em Vanuatu,
no Pacífico Sul
de sete irmãos. O pai era pro-
fessor da primária e a mãe era
pianista, oriunda de uma família
ilustre de militares. Por razões
desconhecidas, David optou por
usar o nome de solteira da mãe,
Kirke, quando estava a estudar
em Oxford. Sobre quem seriam
os Potter, um artigo de 2013 da
americana “Vanity Fair”, citado
pelo americano “NYT”, dá-nos
uma imagem curiosa: “Inverna-
vam na Suíça e veraneavam em
França, tinham 15 empregados
e passeavam-se num Rolls-Roy-
ce vintage na época derradeira
da história da Grã-Bretanha,
empresa. Com a morte do pai
e fundador da construtora,
Pedro Teixeira Duarte chega
à liderança executiva da
empresa em 1959, função que
manteria até 1987, data em que
a empresa se transformou na
Teixeira Duarte — Engenharia
e Construções, S.A.. Na altura,
Pedro Teixeira Duarte assumiu
a presidência do Conselho
de Administração até 2008,
retirando-se aos 90 anos e
deixando de desempenhar
qualquer cargo ou função
na empresa. “Pedro Teixeira
Duarte teve intervenção direta
em centenas de projetos e
obras, tendo dado contributo
especialmente relevante para
a engenharia portuguesa
com a sua atuação em
inúmeras obras geotécnicas
com tecnologias originais ou
pela primeira vez utilizadas
em Portugal”, lê-se na nota
de pesar da Ordem dos
Engenheiros. Dia 1, aos 105
anos, de causas decorrentes da
idade avançada.
FOTO D.R.
em que era possível usufruir
destes luxos e ainda assim ser
considerado classe média.”
Em 1964, David Kirke entrou
no Corpus Christi College, em
Oxford, para estudar Filosofia
e Psicologia. Quando terminou
os estudos, foi trabalhar para a
Calder & Boyars e editou uma
revista de poesia. Nada fazia
prever que ficasse conhecido
no mundo inteiro por inventar
um desporto radical.
Um irmão refere ao “NYT”
que a vida de David sofreu um
forte revés quando a namora-
da morreu atropelada por um
autocarro. É nessa altura que
regressa a Oxford e começa a
dar-se com pessoas muito dife-
rentes. Tem a ideia de criar o
Clube dos Desportos Perigosos
numas férias nos Alpes suíços
com o amigo Edward Hulton,
quando ambos se cruzam com
o herdeiro riquíssimo Chris Ba-
ker, que andava muito entusi-
asmado com a asa-delta e que
desafia Kirke a experimentar.
Kirke adora a experiência e am-
bos começam a pensar num clu-
be onde possam experimentar
Por Hélder C. Martins e Rui Gustavo
Paula Ribas
1942-2023 Nome artístico
de Ilídia Dias, cantora que
se celebrizou nos anos 60
com versões em português
de êxitos internacionais
como ‘Vamos Dançar o
Twist’ —– adaptação de
‘Let’s Twist Again’. Ganhou
o título de ‘Rainha do Twist’,
participou em vários filmes
e programas de televisão.
No princípio da década de
70, radicou-se no Brasil e
gravou um disco de “Fados
Brasileiros”, com canções
dos génios Vinicius de
Moraes, Chico Buarque e
Caetano Veloso. Dia 7, de
causas não reveladas.
estas novas formas de arriscar
a vida com o máximo de diver-
timento. Odiavam os desportos
convencionais e viam o risco
mais como uma forma de ex-
pressão artística, quase como
uma performance. Kirke pro-
tagonizou vários momentos de
excentricidade, tais como des-
cer uma pista de esqui nos Al-
pes suíços enquanto manejava
um cavalo de carrossel, pilotar
um canguru insuflável suspen-
so por balões sobre o Canal da
Mancha, fazer skateboard por
entre os touros em Pamplona e
tomar uma refeição sentado na
borda de um vulcão em erup-
ção na ilha de São Vicente, no
Caribe. O risco e a performance
claramente interessavam a Da-
vid Kirke.w
É possível que a ideia do
“mergulho na terra” tenha vin-
do de Chris Baker. Conhecia o
documentário da National Geo-
graphic e no clube a todos pare-
ceu ridículo e ao mesmo tempo
irresistível. Baker propôs que
usassem a ponte por que pas-
sava todos os dias. O Dia das
Mentiras (April Fools’ Day) era
o dia ideal para fazerem a ten-
tativa. As performances tinham
uma indumentária própria. Os
membros do clube usavam car-
tola e fraque, mas naquele dia
Chris Baker não estava vestido
para a ocasião. Assim, Kirke
foi o primeiro a saltar da ponte
suspensa de Clifton, em Bris-
tol, com umas cordas elásticas
usadas na aviação. Seguiram-
-se Simon Keeling e Geoff Ta-
bin. Outro dos excêntricos era
Alan Weston, que trabalharia
na NASA. Eram loucos mas não
estúpidos, embora fossem con-
tra quaisquer testes antes de
fazerem as suas performances.
O salto correu bem, apesar de
a cartola de Kirke ter voado.
O dia acabou na esquadra, a
beber o vinho das garrafas que
tinham deixado na ponte. A
polícia tivera a amabilidade de
entregar os espólios.
A partir daí não houve mui-
tas tentativas de saltar daque-
la ponte abaixo com elásticos
amarrados aos tornozelos, mas
o bungee jumping fez escola,
com David Kirke como o seu
“inventor”. Viveu a fazer exata-
mente o que queria, o que é por
si um feito.
> Mário Moinhos (1949-2023),
futebolista, destacou-se no Boa-
vista como atacante (ganhou
uma Taça de Portugal pelas
panteras) e transferiu-se para
o Benfica, onde conquistou
três títulos de campeão nacio-
nal. Chegou a internacional A
em sete ocasiões e marcou um
golo com a camisola de Por-
tugal. Destacava-se nas fotos
de grupo pela farta cabeleira/
barba/bigode. Dia 7, de causas
não reveladas. > Lolita Rodri-
gues (1928-2023), nome artístico
de Sylvia Rodrigues, cantora
e atriz brasileira e uma das
primeiras estrelas do universo
das telenovelas. Destacou-se
em “Sassaricando”, de 1987,
no papel de Aldonza, e como
Noémia na novela “Viver a
Vida”. Na biografia escrita por
Eliana Castro contou que era
fã de telenovelas “faladas em
espanhol” porque era “filha de
emigrantes” e considerava-se
“desinteressante”, com uma
vida “igual à de todo o mundo”
Dia 5, de pneumonia.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
“Foram eles
que começaram”
“Foram eles que começaram”.
Foi assim que Marcelo Rebelo
de Sousa, o mais alto magis-
trado da nação portuguesa,
considerou a invasão de Gaza
pelas forças armadas israelitas.
Marcelo referir-se-á às mais de
7 mil crianças palestinianas que
morreram durante os bombar-
deamentos israelitas no norte da
Faixa de Gaza? Foram elas que
começaram? Fiquei sensibiliza-
do com uma lágrima ao canto do
olho de um comentador político
televisivo quando afirmou que
750 crianças ucranianas tinham
morrido depois de vários meses
de guerra Ucrânia/Rússia. Ain-
da não vi lágrimas no seu rosto
perante a carnificina em Gaza. A
vida das crianças palestinianas
vale menos do que a vida das
crianças ucranianas?
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
Sem aumento
da carga fiscal
Depois do abandono do jargão
“contas certas”, hoje fala-se
de “aumento da carga fiscal”.
Como cidadão espanta-me que
em relação ao Orçamento do
Estado em discussão se afirme
que a carga fiscal aumenta para
2024 somente “lendo” o valor
das receitas fiscais previstas e
comparando-a com as recolhi-
das no ano anterior. O simples
aumento do emprego, e conse-
quentemente da economia, sem
falar no aumento do número de
novos contribuintes para a Segu-
rança Social, leva a que as recei-
tas fiscais aumentem sem que o
cidadão veja, em percentagem,
um aumento da sua carga fiscal.
Ricardo Charters-d’Azevedo,
São Pedro do Estoril
Antes de se saber,
já se sabe?
Qual a necessidade de ser do
conhecimento público e publi-
cado, ao minuto, os passos que
o MP ainda está a dar, antes de
considerar uma pessoa argui-
da? Qual foi a necessidade, não
há muito tempo, de a comuni-
cação social estar junto à resi-
dência de Rui Rio, dado saber
que o MP lá iria, e a aguardar a
sua chegada? Qual foi o interes-
se em fazer cair António Costa
por suspeitas que não estão mi-
nimamente provadas? A quem
aproveita que se levantem sus-
peitas em torno do Presidente
da República, sem qualquer
fundamentação? Todos os que
andaram a exigir a demissão
do primeiro-ministro, António
Costa, conseguiram. Não em
eleições livres e democráticas,
mas conseguiram. Em simultâ-
neo foram tentando descredibi-
lizar a figura do PR, o Governo,
e claramente abriram brechas
na democracia, alegadamente
a defender essa mesma demo-
cracia. Ainda temos o Presi-
dente da República, que não
conseguiram fazer com que se
demitisse. Marcelo Rebelo de
Sousa ainda é o garante sóli-
do da nossa democracia. Não
hajam dúvidas. Veremos o que
se seguirá. Para os verdadeiros
democratas não vai ser bom.
Augusto Küttner, Porto
PRIMEIRO CADERNO 31
Orçamento,
demissão e país
O Orçamento do Estado é su-
posto estar preparado até 15 de
novembro. Se o país só vai ter
orçamento em junho, a dívida
pública vai aumentar porque
lá fora os mercados confiarão
menos na capacidade do país a
pagar, e logo as taxas de juros
aumentarão. Por outro lado,
o país fica numa espécie “de
modo de voo” — os investido-
res ficam em dúvida e adiam
ou cancelam investimentos e
perdemos todos e perde o país,
que fica mais pobre e desorga-
nizado. Não há nada pior para
a economia de um país do que
a incerteza.
Fátima Ponte, Reino Unido
Deixem os livros
em paz
Eu sei que é difícil comparar
vidas humanas inocentes com
livros. E estou perfeitamente
consciente de que quem não
respeita as primeiras, e prosse-
gue, obstinadamente (perante o
silêncio ensurdecedor de quem
podia ajudar a pôr cobro a ta-
manhas atrocidades, só porque
Israel é dos “nossos”) a “ma-
tança”, pouco, ou nada, se pre-
ocupa em defender a liberdade
criativa dos autores de livros.
Vem isto a propósito do re-
cente “cancelamento” da escri-
tora palestiniana Adania Shibli,
e do seu premiado livro “Um
Detalhe Menor” pela organi-
zação da prestigiada Feira do
Livro de Frankfurt (na sua 75ª
edição). De forma cobarde, e
largamente denunciada numa
carta aberta subscrita por mais
de 350 autores e editores, entre
os quais alguns Prémios No-
bel da literatura, como Annie
Ernaux, Olga Tokarczuk e Ab-
dulrazak Gurnah, foi anulada
a cerimónia, proposta pela
própria organização da Feira
(sem aceitação da escritora pa-
lestiniana, contrariamente ao
que foi divulgado), em que seria
reconhecido o mérito de um
livro que fala de um aconteci-
mento real ocorrido em 13 de
agosto de 1949 (violação e pos-
terior assassínio de uma jovem
beduína, no deserto de Negue-
ve, que, tal como o seu povo,
foi chacinada pelos soldados
israelitas) e, num âmbito mais
lato, evoca a Nakba (quando,
em 1947, na sequência da Guer-
ra da Independência de Israel,
700 mil palestinianos se viram
submetidos ao “apagamento”,
à expropriação das suas terras
e bens e ao êxodo, sob a bandei-
ra da guerra, da violência e da
injustiça). Um livro é, antes de
mais, um “ato” de amor. Amor
pela liberdade de pensamento,
pela memória, e pela criativida-
de artística. Um livro (tal como
outra qualquer expressão artís-
tica) deve merecer o respeito
de todos nós. Independente-
mente das “narrativas” que,
ocasionalmente, em função do
sentido dos ventos, vão sendo
propagandeadas.
Por isso o meu apelo: Deixem
os livros (os autores e a arte) em
paz.
Armando Neves, Lisboa
Retificação
No artigo “Onde vai aterrar o
novo aeroporto de Lisboa”, que
é publicado esta semana na Re-
vista E, deve ler-se que a ANA
investiu 325 milhões de euros
nos aeroportos portugueses en-
tre a privatização e 2019, e não
entre a privatização e 2022, con-
forme escreve o Expresso. Pelo
lapso, pedimos desculpa à ANA
e aos leitores.
32 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 10 de novembro de 2023

CRISE POLÍTICA || CRISE POLÍTICA || CRISE POLÍTICA || CRISE POLÍTICA || CRISE POLÍTICA || CRISE POLÍTICA || CRISE POLÍTICA || CRISE

GOVERNO DE SALVAÇÃO GOVERNO

NACIONAL SERÁ LIDERADO DE SALVAÇÃO
NACIONAL
POR JOSÉ SÓCRATES Primeiro-ministro
José Sócrates
Para situações extraordinárias, soluções fora da caixa: O INIMIGO
PÚBLICO sabe que o Presidente da República entende que a moral do Vice-primeiro-ministro
país, a execução do PRR e o êxito no Festival da Eurovisão do ano que para a Banca
Se não aconteceu, vem não são compatíveis com paninhos quentes, nem com uma espera Armando Vara
podia ter acontecido de meses por um novo Governo e novos escárias, galambas e lacerdas,
e decidiu escolher um Governo de iniciativa presidencial. O nome Ministro de Estado e das
escolhido para Primeiro-ministro só surpreende quem não tenha Adjudicações
Nº 97 SÉRIE II
acompanhado a Operação Marquês: José Sócrates. “Estou disponível João Galamba
DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES para salvar a Pátria”, garantiu o ex-PM no exílio na Ericeira, que já tem
um rascunho do executivo que leva a Marcelo já para semana. Um Ministro Adjunto e da
rigoroso exclusivo IP/Fonte próxima de Belém. M.B. Internacionalização do
Pernil
Mário Lino
NOME DO PRIMEIRO- Padrinho de Casamento
-MINISTRO SURGE NUMA Lacerda Machado
ESCUTA QUE PODE Ministro de Estado e da
REFERIR-SE A ANTÓNIO Transição para o Offshore
COSTA, COSTA DA CAPARICA Manuel Pinho
OU GAMBA DA COSTA Ministro dos Fundos
Europeus
António Costa demitiu-se devido
a um parágrafo da PGR em
João Vale e Azevedo
legalês que nem a experiente Secretário de Estado das
redação IP, que analisou dezenas
Pescas
de megaprocessos das duas
últimas décadas, reforçada com Nemo
Hernâni Carvalho e o barbeiro
Ministro das PPP do PRR
de José Miguel Júdice, conseguiu
decifrar. O IP sabe que a famosa Paulo Campos
escuta de 2021 fala em Costa,
Ministro dos Contratos da
é verdade, mas ainda não se
percebeu se se trata de António Defesa
Costa, Costa da Caparica, gamba Marco Capitão Ferreira
da costa ou Gal Costa. Neste
momento, as três hipóteses
Ministra dos Negócios
para a frase condenatória com a Estrangeiros
palavra “Costa” são as seguintes: Maria Leal

“Lacerda, levas sobremesa Ministro Sem Pasta, Sem

para a patuscada hoje? FYI: o Paradeiro, Sem NIF e Sem
Costa espirra quando come Impressões Digitais
amêndoas.” Vítor Escária
“Ele foi com o PR ao
Multibanco, mas estava fora de Ministro da Habitação
serviço. Traz dinheiro para o (em Paris)
Costa.” Carlos
“Costa em Bruxelas, dia santo
nas adjudicações diretas.” M.B. M.B.

Lacerda Machado
lamenta ter sido
intermediário em
500 negócios e nunca
lhe ter ocorrido ser
consultor da PGR
O IP chegou à fala com Diogo Lacerda
Machado, o facilitador que interme-
diou mais negócios do que Jorge Men-
des e Oliveira da Figueira de “Tintim”
juntos. “Estupidamente, nunca me
passou pela cabeça juntar-me à PGR
como partner, adviser ou padrinho de
casamento”, declarou Lacerda a brin-
car com a colher e a gelatina do almo-
ço na PSP de Moscavide. “É um erro
que aponto à Faculdade de Direito:
não me ter explicado a relação entre o
direito penal, o lítio e hidrogénio.” M.B.
Frenesim nas sociedades
de advogados, na
terça-feira, comparado
pelos biólogos à desova
do salmão
António Costa acordou, na manhã de
terça, e engasgou-se com os corn fla-
kes ao ler as gordas dos jornais onli-
ne. Nas sociedades de advogados
mais tchan, mais must, com mais
prescrições per capita, pelo contrá-
rio, rebentou uma euforia que o bió-
logo marinho George Constanza diz
ter sido ainda mais agitada do que a
desova do salmão, a migração dos
gnus ou a portagem de Paderne na
A2 em agosto. Dito e feito: passados
minutos, começaram a chegar os te-
lefonemas de novos clientes cheios
de nota a perguntar quanto custava
uma avença anual e se podiam pagar
em lítio. M.B.
Pedro Nuno
Santos disponível
para ir gerindo
o Governo até às
eleições a partir
dos estúdios da SIC
O ex-ministro das Infraestruturas está
disponível para assumir a liderança do
Governo até às eleições legislativas,
mas pretende fazê-lo a partir dos es-
túdios da SIC. Pedro Nuno Santos ad-
mite, no entanto, que o cargo de Pri-
meiro-ministro exija mais do que
apenas aparecer uma vez por semana
às segundas-feiras à noite. Por isso,
passará a marcar presença duas vezes
por semana no programa da manhã.
Passará pela Júlia nas tardes de quar-
ta-feira e terá uma participação a
cada 15 dias numa telenovela da noi-
te. Aos fins de semana alternará entre
o Alta Definição, o Terra Nostra e o
National Geographic. A.P.
Pedro Adão e Silva
nomeado comissário
executivo das
comemorações dos
8 anos de mandatos
de António Costa
Depois da comissão para as come-
morações dos 50 anos do 25 de
Abril, o ainda ministro Pedro Adão
e Silva foi incumbido por Augusto
Santos Silva de organizar as come-
morações dos quase 8 anos de man-
dato de António Costa e assessorar
e reabilitar alguma zona pós-indus-
trial de Lisboa para receber a Gran-
de Exposição do Mundo Socialista,
cuja mascote será o Gil, nomeada-
mente José Gil, o filósofo que olha-
va para Mário Soares como o Jorge
Calado olha para a estátua do Eusé-
bio. A escrita do programa das co-
memorações foi adjudicada a Mi-
guel Abrantes, o antigo mentor do
blogue “Câmara Corporativa” e ar-
gumentista na nova temporada da
série “Conta-me Como Foi”, sobre
os gloriosos anos de Portugal no
tempo de José Sócrates. V.E.
Proprietários de
automóveis com
matrículas anteriores
a 2007 festejam queda
de António Costa na
discoteca Penélope
A demissão de António Costa atrasa
ou inviabiliza de todo a proposta do
novo Orçamento de Estado, tendo por
isso sido festejada pelos proprietários
de chaços na discoteca Penélope, cujo
logótipo sempre engalanou a trasei-
ra dos mesmos, bem como nas sedes
do Benfica e do Belenenses, cujos ga-
lhardetes sempre foram pendurados
nos retrovisores dos referidos auto-
móveis, com pinheirinhos de cheiro e
medalhas de Nossa Senhora de Fáti-
ma. Os proprietários dos chaços sau-
daram ainda a demissão do primeiro-
-ministro com uma salva de estoiros
das panelas e canos de escape furados
dos seus veículos. V.E.
PS reforça lema de
“à justiça o que é da
justiça, ao Largo do
Rato o que é do Largo
do Rato”
Os socialistas voltaram a ler a lista
habitual de clichés destes momentos
históricos e exigiram o apuramento
de toda a verdade e manifestaram
disponibilidade para esclarecer o
que a justiça entender, doa a quem
doer e até às últimas consequências,
e nem sequer se esqueceram da
imortal tirada “ainda bem que sou
arguido para poder defender-me”. A
ordem veio de cima (Carlos César) e
é para afirmar sempre “à justiça o
que é da justiça, ao Largo do Rato o
que é do Largo do Rato, ao Pedro
Nuno o que sobrar disto tudo”. M.B.
Costa lembra
que detenções
de figuras do PS
só favorece o Hamas
Os politólogos estranharam o silên-
cio ensurdecedor de Madonna, sobre
a crise política, no concerto de Lis-
boa de terça à noite, um sinal inequí-
voco da perturbação que varreu as
chancelarias depois do furacão polí-
tico-judicial-galâmbico-português
desta semana. O próprio Primeiro-
-ministro salientou que “deter, fazer
buscas e engavetar padrinhos de ca-
samentos do PS é algo que só joga a
favor do Hamas, do Dr. Putin e do Dr.
Kim. Duvido que o Dr. Orbán volte a
convidar-me para ir à bola.” M.B.
Advogado de defesa
de João Galamba
considera que
elegância física do
cliente prova que não
foi corrompido com
almoços e jantares
O Ministério Público acusa João
Galamba de ter estado presente
em almoços e jantares de “valor
não despiciendo”, pagos por em-
presários da área do lítio, mas o
advogado do político chama a
atenção para a figura esbelta de
Galamba, que compara à de David
Beckham no documentário da
Netflix, considerando impossível
que a mantivesse caso enchesse o
bandulho em Montalegre com
chanfanas de cabra, lembrando
ainda ao MP que o seu cliente sem-
pre foi conhecido por frequentar
marisqueiras com José Sócrates,
onde degustava uns meros cama-
rões de Espinho e recusava o cock-
tail de gambas porque continha
maionese. A Defesa de João Ga-
lamba já entregou ao MP a prova
A do processo, a ficha de inscrição
do cliente no ginásio “low cost”
Solinca e a lista das suas inúmeras
alergias alimentares. V.E.
Costa garante
que praticamente
nem tem visto o
chefe de gabinete
porque tem andado
entre viagens no
estrangeiro
António Costa praticamente não
tem visto o seu chefe de gabinete
nas últimas semanas porque tem
andado entre viagens ao estrangei-
ro, encontros do Partido Socialista
e reuniões de conspiração contra
Marcelo Rebelo de Sousa. Segundo
apurou o INIMIGO PÚBLICO, Antó-
nio Costa e Vitor Escária apenas fa-
laram uma vez no último mês e foi
por Whatsapp. Costa escreveu:
“Viste o Marcelo armado em parvo
com a TAP”. E Escária respondeu:
“Ya”. A.P.
34 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 10 de novembro de 2023

Editorial&Opinião
Editorial O conflito entre Israel e o Hamas
começou a 7 de outubro. Surgem ténues sinais Um problema sem solução
de cessar-fogo. Esperemos que se concretizem
Parlamento — não havia “alter- -ministro sob suspeita de um ção da lei do estatuto de ges-
nativa”, dizia —, via-se na posi- crime por nomear, com o seu tor público aos advogados de

Um mês
ção igualmente inusitada de ter
diante de si duas opções: não
convocar eleições, quebrando
a sua promessa de dissolução
núcleo político desacreditado António Domingues, aquando
e descoberto em pleno Palácio do escândalo da sua passagem
de São Bento. E trata-se, so- pela Caixa Geral de Depósitos.
bretudo, de um problema sem Ora, João Galamba é suspeito

de guerra Sebastião Bugalho

politica@expresso.impresa.pt
caso António Costa deixasse de
ser primeiro-ministro, ou man-
ter a palavra e arriscar uma
ida às urnas num ambiente de
aparente solução.
Soluções de transição ou ges-
tão como as aspiradas pelo Par-
tido Socialista acarretariam o
de ter cometido exatamente
a mesma prática, delegando a
feitura de diplomas à equipa
jurídica de empresas sob in-

e castigo
É
sonho para populistas, sem a risco de agravar — mais do que vestigação. Não seria solução.

“ só uma questão de esta-

rem atentos e abrirem
os olhos, senhores depu-
“alternativa” propriamente
consubstanciada e com um PS
tão ou mais descredibilizado
de resolver — o impasse. Au-
gusto Santos Silva seria motor
e não antídoto da polarização
Carlos César, surpreendente
reserva de autoridade do cos-
tismo, não possui vontade nem
tados! Passem por Sines do que em 2011, quando José que compreensivelmente se legitimidade eleitoral. Não se-
e verão o maior investimento Sócrates saiu de funções. receia. O Chega faria do presi- ria solução. Vitorino idem.
em Portugal desde a Autoeuro- A maioria absoluta, que dente da Assembleia alvo diá- A bitola moral que Costa es-
pa”, era o que proclamava João entrou no outono temendo o rio, colando-o ao socratismo tabeleceu ao demitir-se (“A dig-
Assinalou-se na última semana um mês de guerra Galamba, há uma semana, do pior mês de sempre no SNS, de que alegadamente padece nidade das funções de primei-
entre Israel e o Hamas. Por estes dias surge aquela que púlpito da Assembleia da Re- encontrou em novembro a Vítor Escária. Não seria solu- ro-ministro não é compatível
provavelmente é a primeira boa notícia no meio de todo pública para as bancadas da mais grave crise institucional ção. Mário Centeno, apesar de com qualquer suspeita”) con-
este conflito: estarão em curso negociações para uma oposição. Sete dias mais tarde, da nossa história democrática: mais popular, foi o ministro das dicionou os seus possíveis her-
pausa humanitária de três dias nas hostilidades, na Faixa o ministro seria alvo de buscas a demissão de um primeiro- Finanças que entregou a reda- deiros, no imediato, e limitará
de Gaza, em troca da libertação de cerca de uma dúzia de e constituído arguido numa os seus eventuais sucessores,
reféns israelitas sequestrados pelo Hamas, de um total de operação que suspeita de cor- que vierem a disputar eleições.
240, que incluem cidadãos de outros países. Não é muito, rupção, prevaricação, peculato, Seria imprudente menosprezar
mas é melhor do que nada e é um sinal positivo. Ao longo tráfico de influências e recebi- o impacto que tal terá na vida
de mais de 30 dias, e segundo dados da Organização mento indevido de vantagem, interna dos dois principais par-
das Nações Unidas, o conflito fez com que 1,5 milhões precisamente em torno desse tidos, assim como no decorrer
de pessoas fossem deslocadas internamente na Faixa de investimento em Sines. de uma campanha.
Gaza. Além disso, mais de 710 mil estão abrigadas em 149 “As declarações do Presi- Caso suspeitas se avolumem
instalações geridas pelas Nações Unidas, outras 122 mil dente da República são preo- em redor do sistema político
estão refugiadas em hospitais, igrejas e edifícios públicos cupantes. Impressionou-me a como um todo, o ato eleitoral
e 110 mil encontram-se em 89 escolas. Há que não forma ligeira”, era o que Pedro transformar-se-á num autên-
esquecer, também, as condições precárias em que vivem Nuno Santos considerava sobre tico referendo ao regime. Os
os habitantes daquele território, carentes de elementos a interação de Marcelo Rebelo governos minoritários que dele
básicos de nutrição, energia e bem-estar, ao mesmo tempo de Sousa com o representan- saírem — mais dependentes
vítimas do regime jiadista do Hamas e, desde o massacre te da Palestina em Portugal, dos radicais do respetivo lado
de 7 de outubro, atingidos pela retaliação israelita. esta segunda-feira, há escassos — concretizarão a profecia que
O conflito começou com as mais de 1400 vítimas mortais quatro dias. Dez horas depois, tanto apoquentava Marcelo há
do ataque do movimento terrorista Hamas em Israel. a residência oficial do primei- pouco mais de três semanas:
Desde então, e segundo números conhecidos, a resposta ro-ministro sofreria buscas, 75 “Um ciclo de miniciclos, com
das forças do Estado hebraico terá causado a morte a mil euros em dinheiro seriam fragmentações partidárias e
mais de 10 mil pessoas na Faixa de Gaza, das quais 4800 encontrados no local de traba- imprevisibilidade.” E essa tam-
são crianças e 2550 são mulheres. A resposta israelita ao lho do seu chefe de gabinete bém não é uma solução para o
ataque dos extremistas e, em particular, o efeito que tem e Pedro Nuno, que criticara problema original.
FOTO TIAGO MIRANDA

sobre civis palestinianos em Gaza — muitas vezes usados duramente o Presidente na Depois do 7 de novembro,
como escudos pelo movimento terrorista — têm sido noite anterior, encontrava-se contudo, é para ela que cami-
motivo de preocupação generalizada. Basta lembrar as na iminência de ver o mesmo nhamos: da inércia e da estag-
palavras recentes de António Guterres. Ainda esta semana Presidente convocar eleições nação para a instabilidade e a
ouvimos condenar Israel pelo “castigo coletivo” que de em que ambiciona concorrer. provável guerrilha cultural.
alguma forma está a aplicar. E até os Estados Unidos, seu Marcelo, que menos de um Antes de ficar melhor, caro
maior aliado e parceiro, tem feito alertas e dado sinais de ano antes recusara dissolver o leitor, tudo piorará bastante.
desconforto. O secretário de Estado americano, Anthony
Blinken, por estes dias no Médio Oriente em intenso
périplo diplomático, sublinhou mesmo ser “preciso fazer
mais para proteger os civis palestinianos”. LEIA TAMBÉM ( ( (
Essa preocupação não se cinge ao tempo que durar o
conflito armado. Se Israel cumprir o que promete em
EM EXPRESSO.PT A greve nos Custos da O medo
Gaza (a erradicação do Hamas), será preciso assegurar a tempos de cólera austeridade da imigração
gestão daquele território e a segurança da sua população.
JOANA BORDALO E SÁ TERESA VIOLANTE HENRIQUE BURNAY
Só um esforço internacional em que participem nações
árabes vizinhas parece permitir ter esperança nisso.

E agora, Portugal?
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A.
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de Saldanha, de imprensa e que dá informa- nos de uma semana o ministro da população, a transparência, a
Paulo Miguel Reis, Nuno Conde e Bruno Mateus Padinha
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, ções a conta-gotas a jornalistas, é João Galamba elogiou no Parla- criação de organismos indepen-
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970 toda a natureza da relação entre mento como sendo uma “nova dentes e de fiscalização — tudo
poderes (e entre estes e o povo Autoeuropa”. À primeira vista, aquilo que defenda o interesse
Diretor-Geral Arquivo Marketing, Comunicação soberano) que está em causa. tudo na descrição deste projeto público e, de caminho, o interes-
de Informação Impresa arquivo@impresa.pt e Criatividade
Ricardo Costa Mónica Balsemão (diretora) Se é o partido que ainda há pou- parece ser o tipo de investimento se à consciência tranquila dos
Diretor
Delegação Norte
Rua Conselheiro Costa Braga,
Ana Paula Baltazar (coord.
de marcas de informação)
co tempo obteve uma maioria de que precisamos em Portugal políticos que a queiram ter.
João Vieira Pereira 502; 4450-102 Matosinhos
Tel. 220 437 000
Susana Freixo (gestora
de marca) e Carla Martins Rui Tavares absoluta a ser cúmplice ou coni- — uma infraestrutura de base Portugal precisa de uma nova
Diretores-Adjuntos (coord. de comunicação
politica@expresso.impresa.pt
vente com este estado de coisas, da economia de dados e do co- cultura de exercício do poder,
Publicidade para relações externas)
David Dinis, Martim Silva,
Miguel Cadete e Paula Santos Miguel Pacheco (diretor)
crise de regime. Se são partidos nhecimento, ligada à transição tanto político como judicial. A

Diretor de Arte
Marco Grieco
Grande Repórter
Micael Pereira
Editor Executivo
Pedro Candeias
Editores
Eunice Lourenço (Política),
Pedro Cordeiro (Internacional),
João Silvestre (Economia),
Pedro Lima
(Editor-adjunto Economia),
Diogo Pombo (Desporto),
Ricardo Marques (Revista E),
João Pedro Barros (Online),
José Cardoso (Editor-adjunto),
Joana Beleza (Multimédia) e
João Carlos Santos (Fotografia)
Coordenadores
Gerais de Arte
Jaime Figueiredo (Infografia)
Mário Henriques (Desenho)
Coordenadores
Isabel Leiria (Sociedade),
Cristina Pombo (Internacional),
Elisabete Miranda, Miguel
Prado e Vítor Andrade
(Economia), Lídia Paralta
Gomes (Desporto), João Miguel
Salvador (Revista E), Rui
Tentúgal (Fecho), Tiago Pereira
Santos (Desenho Multimédia),
João Cândido da Silva
e Mafalda Ganhão (Online),
Pedro Miguel Coelho
(Redes Sociais)
Redação, Administração
e Serviços Comerciais
Rua Calvet de Magalhães, 242
2770-022 Paço de Arcos
Tel. 214 544 000
ipublishing@impresa.pt
João Paulo Luz (diretor
de receitas digitais) Carlos
Lopes (diretor coordenador)
Ângela Almeida (diretora
da Delegação Norte)
Hugo Rodrigues (diretor
publicidade) Nuno Martins
(gestores de conta) Miguel
Teixeira Diniz e Sérgio Alves
(gestores de conta) Marta
Teixeira e Helena Almeida
(gestores de conta da
Delegação Norte)
Tel. 214 544 073/214 698 798
Publicidade Online
publicidadeonline@impresa.pt
Tiragem média de outubro:
54.025 exemplares
Associação Portuguesa
para o Controlo de Tiragem
Associação Portuguesa
de Imprensa
Subscrições Digitais Expresso
3 semanas: €5,99
52 semanas: €84,99
104 semanas: €139,99
Ligue 214 698 801 ou vá a expresso.pt
Dias úteis: 9h às 19h | Sábados: 9h às 14h
ESTATUTO EDITORIAL DISPONÍVEL EM
www.impresa.pt/Lei78/2015
E
Produção
Maria João Lopes (diretora)
oportunistas a tirarem partido energética e ao desenvolvimen- política não pode continuar a ser
João Paulo Batlle y Font screvo antes de saber que destas situações para minarem to regional. Mas se assim é, por uma atividade na qual as pessoas
(coordenador)
Carlos Morais e Joaquim decisão tomará o senhor a democracia por dentro — crise que raio têm estes bastiões da comuns tenham medo de se me-
Rodrigues (produtores) Presidente da República de regime. modernidade de ser decididos e ter, por saber que vão passar a
Circulação e Assinaturas para resolver a crise polí- Escrevendo a partir da con- dirigidos à moda opaca e perso- vida sob a desconfiança dos olha-
Miguel Pacheco (diretor)
Pedro M. Fernandes (diretor tica. Tanto melhor. Quem dera vicção de que este foi o melhor nalista da política antiga? Quan- res gerais e arriscando-se a ver
de circulação e produtos
Expresso) João Braz
que esta fosse apenas uma crise regime da nossa história — o to mais crucial o investimento, a vida desfeita por uma notícia
(responsável pela circulação) política. que mais nos educou e deu pers- mais se justifica o envolvimento plantada nos jornais. O poder ju-
e Rita Silva (responsável pelo
serviço de apoio ao cliente) As crises políticas resolvem-se. petivas de vida, o que mais nos dicial não pode estar escondido
Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel. 214 698 801 (dias úteis, Com novas eleições, ou novas enriqueceu e abriu ao mundo, o dos cidadãos comuns, comuni-
das 9h às 19h); e-mail:
apoio.cliente.ip@impresa.pt
lideranças, ou ambas as coisas. que mais nos libertou e chamou Portugal precisa de uma cando de forma oculta, como um
Mas as crises de regime não têm a participar — e que merece ser nova cultura de integridade Estado dentro do Estado.
Atendimento Ponto de Venda
pontodevenda.ip@impresa.pt respostas simples, e esta crise salvo e merecemos todos que a e transparência na gestão Portugal precisa de nós. De
Impressão
tem elementos indisfarçáveis de democracia pluralista, de mode- da coisa pública nós todos. Essas novas culturas
Lisgráfica Impressão crise de regime. Em qualquer lo europeu, com um forte Estado de gestão da coisa pública e de
e Artes Gráficas, S.A.
Estrada de São Marcos, 27 das suas versões. Se houve cor- social seja o mais longevo dos exercício do poder não nascerão
2735-521 Agualva-Cacém
rupção ao mais alto nível exe- regimes políticos da nossa mo- sozinhas a partir das próprias
Distribuição
VASP-MLP,
cutivo — enquanto escrevo, as dernidade, olhemos para lá do elites, mas devem ser uma exi-
Media Logistics Park últimas notícias são de que te- curto prazo e pensemos no que gência de uma cidadania forte e
Quinta do Grajal, Venda Seca
2735-511 Agualva Cacém riam sido encontrados mais de é preciso fazer para o garantir. esclarecida. É difícil? Se é. Mas
Tel. 214 337 000 75 mil euros em notas escondi- Portugal precisa de uma nova de outra forma não se salvam os
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt das em livros e caixas de vinho cultura de integridade e transpa- regimes que merecem ser salvos.
Tel. 808 206 545
na sala de trabalho do chefe de rência na gestão da coisa pública. E a verdade é que, quase 50
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo gabinete do primeiro-ministro Tenho aqui ao meu lado uma pi- anos após o 25 de Abril de 1974,
dos anúncios nem pela
exatidão das características e —, é a autoridade do Governo lha de papéis sobre a Start Cam- aproximam-se os tempos mais
propriedades dos produtos e/ou
bens anunciados. A respetiva
que é posta em causa. Se temos pus, o agora célebre supercentro difíceis para o regime que esse
veracidade e conformidade
com a realidade são da integral
um poder judicial que força a de- de dados a ser construído em dia nos legou. Teremos de os pas-
e exclusiva responsabilidade missão do primeiro-ministro por Sines, alimentado por energias sar não a comemorar o regime
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. um parágrafo num comunicado renováveis, e que ainda há me- — mas a salvá-lo.
Expresso, 10 de novembro de 2023
Alexandra Leitão
alexandrarfleitao@yahoo.co
Estado
de direito,
democracia
e justiça
O
dia 7 de novembro de 2023
ficará na história recente de
Portugal. Pela primeira vez, um
primeiro-ministro em funções
demite-se por razões que se prendem
com suspeitas associadas a um inquérito
judicial. Mais do que uma crise política,
é o Estado de direito democrático que
pode estar em causa.
Começo por afirmar inequivocamente
que a independência dos Tribunais e a
autonomia do Ministério Público são
princípios basilares do Estado de direi-
to e não podem ser questionados em
nenhuma circunstância. E que a lei se
aplica a todos por igual doa a quem doer.
Ponto final. Sem adversativas.
A realização de buscas na residência
oficial do primeiro-ministro visando
pessoas que lhe são próximas teria sem-
pre consequências e exigiria explicações
cabais da parte do primeiro-ministro.
Mas, na realidade, a demissão de An-
tónio Costa ocorre por causa de um
comunicado do gabinete de imprensa
da Procuradoria-Geral da República
(PGR) que veio informar que “no de-
curso das investigações surgiu, além do
mais, o conhecimento da invocação por
suspeitos do nome e da autoridade do
primeiro-ministro e da sua intervenção
para desbloquear procedimentos no
contexto suprarreferido”, sendo que
essas referências “serão autonomamen-
te analisadas no âmbito de inquérito
instaurado no Supremo Tribunal de
Justiça”. António Costa não foi alvo de
buscas, não foi constituído arguido, não
foi ouvido, não sabia sequer que este
inquérito existia, mas é este parágrafo
do comunicado que motiva o seu pedido
de demissão. E António Costa fez bem
ao demitir-se, agiu com dignidade e com
sentido de interesse público, fazendo
um juízo sobre as suas condições polí-
ticas — e não jurídicas ou de qualquer
outra natureza — para se manter como
chefe do Governo.
E, assim, o país assistiu à demissão de
um Governo a (ainda) quase três anos
do fim do mandato, com plena legiti-
midade democrática, detentor de uma
maioria absoluta, na sequência de uma
intervenção direta do poder judicial.
Intervenção essa que, pelo menos para
já, se limita a uma nota vaga do gabinete
de imprensa da PGR — e é isso que nos
deve fazer pensar a todos.
Tenho a profunda convicção de que
António Costa é honesto e íntegro e
espero que isso fique cabalmente de-
monstrado. Mas como cidadã considero
sobretudo que o respeito pelo Estado de
direito democrático e pelo princípio da
separação de poderes tem de ser preser-
vado a todo o custo.
Em democracia não há poderes públi-
cos isentos do cumprimento de deveres
de transparência e de escrutínio, seja
o poder político, seja o poder judici-
al. O processo que alegadamente visa
o primeiro-ministro deve ser célere e
transparente porque todos nós, cida-
dãos, temos o direito de saber de forma
clara e concreta o que motivou este in-
quérito, que lançou o país numa crise
política e interrompeu a normalidade
constitucional.
Se no termo deste processo os Tribu-
nais concluírem que houve uma atuação
ilícita por parte do primeiro-ministro
— o que de todo não acredito — o poder
político tem de fazer uma profunda re-
flexão sobre os limites da gestão pública
e sobre a qualidade da classe política, e o
PS deve liderar essa reflexão.
Se, pelo contrário, os tribunais iliba-
rem o primeiro-ministro e considera-
rem que a sua conduta não tem relevân-
cia criminal, então não foram apenas
António Costa e o Governo que foram
postos em causa, foi o próprio Estado
de direito democrático.
PRIMEIRO CADERNO 35
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
O fim
H
á oito anos escrevi o seguin-
te: o papel histórico da amo-
ralidade de António Costa é
provar de uma vez por todas a
inviabilidade deste statu quo socialista
que sufoca Portugal, quer ao nível do
Estado social, quer ao nível da econo-
mia, quer ao nível das instituições. In-
felizmente, Costa cumpriu esse papel
na perfeição. Na economia, estamos a
caminho da cauda da Europa a 27. O
nosso Estado social está a colapsar. Ao
nível das instituições, a era de Costa
foi marcada pelo total desrespeito
pelas regras escritas e não escritas.
A foto da ALEMANHA Rosas assinalaram, a 9 de novembro, os 34 anos da queda do
Muro de Berlim. Foram colocadas no memorial composto por um troço de
Para chegar ao poder, Costa rasgou
uma regra não escrita e, pouco depois,
semana 1,5 quilómetros preservado da barreira que dividiu a cidade entre 1961 e
1989, símbolo tangível da Guerra Fria. Com o Muro caíram, qual fila de pe-
chamou para o centro dos negócios do
Estado o seu melhor amigo, uma fla-
ças de dominó, as ditaduras comunistas da Europa de Leste, culminando grante falta de vergonha. Mas a falta
Por Pedro Cordeiro na dissolução da União Soviética, em 1991. Antes, porém, dezenas de pesso- de vergonha não é ilegal nem prova de
pcordeiro@expresso.impresa.pt as foram assassinadas ao tentar passá-lo. FOTO ODD ANDERSEN/AFP/GETTY IMAGES corrupção. O que me leva à condução
do Ministério Público (MP): até agora,
a acusação mais grave da história da
nossa democracia não tem nada de
sólido. Esta acusação é — até agora —
Tudo indica que, mais uma vez, não estivéssemos uma espécie de criminalização ressen-
tida da atividade económica e política
preparados para lidar com o minério da moda, o lítio de políticos, advogados, empresários
Temos sempre
e lobistas. É como se o ressentimento
populista da CMTV, do Chega e da
extrema-esquerda tivesse o poder do
os noruegueses
Estado para lançar acusações vagas
baseadas na teoria da conspiração,
“são todos uns bandidos”, até porque
junta demasiada gente diferente no
mesmo saco. Há ali gente que tem de
facto muita coisa para explicar, mas
outras pessoas estão ali de maneira
U
m dos paradoxos mais in- ção da sua moeda seria uma quase A investigação criminal de um
teressantes na economia inevitabilidade. Para o evitar, criou Estado de direito é pesca à linha,
real é o que se convencio- um fundo soberano para aplicar os não é de arrastão. Se tudo é
nou chamar a maldição dos lucros do petróleo e do gás. Esse corrupção, nada é corrupção. Se
recursos. Todos nos questionámos fundo é maioritariamente investido toda a gente passa pela condição
como é possível que tantos países fora da Noruega, para evitar que a de arguido, então não há lei
tão ricos em recursos naturais se- sua moeda fique demasiado forte, e
jam pobres. Venezuela e Rússia têm Luís Aguiar-Conraria serve também para pagar pensões,
enormes reservas de petróleo; vári- Professor de Economia da Univ. do Minho quer as das atuais gerações quer incompreensível. A investigação cri-
os países árabes, apesar da opulên- lfaguiar@eeg.uminho.pt as das futuras. É difícil ser mais minal de um Estado de direito é pesca
cia da classe dirigente, têm grande inclusivo. à linha, não é de arrastão. Se tudo é
parte da sua população a viver na E como pontua Portugal? Somos corrupção, nada é corrupção. Se toda
pobreza; entre as ex-colónias portuguesas em África, medíocres. Estamos lá no meio. Não temos as institu- a gente passa pela condição de argui-
Angola é particularmente rica (petróleo, diamantes ições inclusivas do norte da Europa, mas não são tão do, então não há lei.
e minérios vários), Moçambique dispõe de grandes extrativas como as de Angola. Não temos grandes re- É preciso separar as águas entre
reservas de carvão e gás natural, mas os países mais cursos naturais, mas, nos últimos 40 anos, encontrámos moral e lei. No caso José Sócrates,
desenvolvidos são Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. nos fundos da União Europeia um substituto. O maná eu não preciso de uma sentença para
Esquecendo fenómenos como a corrupção, guerras e europeu tem sido importante: quantos investimentos formar o meu juízo moral e político —
afins, há bons motivos económico-financeiros para estas públicos não são cofinanciados por fundos europeus? E, um ex-primeiro-ministro que recebe
dificuldades. Um pequeno país, como Timor-Leste, que na verdade, quantos investimentos privados? malas de dinheiro de um construtor
tem grandes recursos de gás e petróleo, será um país Vários economistas levantaram a suspeita de que so- é uma pessoa infrequentável. Mas,
fortemente exportador destes recursos, o que levará fremos desta maldição de recursos, diagnóstico com que neste caso, não há provas inequívocas.
a que a sua moeda tenha tendência a valorizar-se. A concordo. O mais recente será Nuno Palma, professor Eu posso considerar imoral a ação
consequência é que todos os outros produtos se tornam na Universidade de Manchester, mas, já em 2013, João de Lacerda no meio disto tudo, por
pouco competitivos nos mercados internacionais. Ao Sousa Andrade e António Portugal, professores na Uni- exemplo. Em 2016 critiquei aqui Costa
mesmo tempo que as atividades em versidade de Coimbra, identificaram e Lacerda pela total falta de noção
torno da extração dos recursos naturais este problema. que é a colocação do amigo do pri-
florescem, as restantes definham. Foi O desenvolvimento Mesmo não conseguindo provar a meiro-ministro enquanto facilitador
o que aconteceu na Holanda nos anos existência de muitos casos de corrup- de negócios. Mas, repito, esta crítica
60 depois da descoberta de gás (e pe- tem de partir ção envolvendo fundos europeus — o moral e política é para o Parlamento
tróleo) no Mar do Norte, que levou ao de nós e temos primeiro caso mediático de que me e para os jornais. Uma acusação de
declínio da restante indústria. Daí que de ser nós a criar lembro foi ainda nos anos 80, envolven- corrupção é outra coisa, e, até agora,
este fenómeno também seja conhecido as instituições do a UGT, e, 30 anos depois, todos os não há provas irrefutáveis, e o que
como a doença holandesa, termo cu- envolvidos foram absolvidos em tribu- salta à vista é de facto a criminalização
nhado pela “The Economist”. que o permitam nal —, posso ficar-me pelos problemas populista (revolucionária e/ou popu-
E há todos os outros problemas. A estritamente económicos que o influxo lista) da atividade inerente à atração
extração de petróleo e gás não é ba- de fundos gera: empresas que, em vez do maior investimento externo desde
rata e exige tecnologia que muitas vezes não está ao de lutarem pela conquista de mercados, se especializam a Autoeuropa. Ou seja, o MP tem tiros
dispor de países pouco desenvolvidos, o que os deixa na captação de subsídios, distorções concorrenciais, de pressão de ar, precisava de bombas.
fragilizados nas negociações com outros países ou com apostas em setores errados, etc. Ou aparecem agora malas de di-
multinacionais para explorar as suas reservas. É, mais Há cada vez mais a consciência de que não bastam nheiro à José Sócrates espalhadas
uma vez, o caso de Timor, que foi sistematicamente entrar os fundos europeus. O desenvolvimento tem de por todas estas pessoas ou é preciso
prejudicado pelo seu vizinho mais rico, a Austrália. partir de nós e temos de ser nós a criar as instituições que dizer que no MP há sobretudo uma
A existência de recursos apetecíveis gera ainda um o permitam. Não é por acaso que, há uns anos e a propó- espécie de ódio anterior a qualquer
sem-número de problemas políticos, que vão desde a sito do PRR, muitos apelaram para que se aumentasse a prova contra a figura do político, do
corrupção às guerras. transparência e a sindicância na distribuição de fundos. advogado, do empresário. E se a mon-
Mas a maldição não é uma inevitabilidade. Também Ainda em cima do acontecimento, tudo indica que, tante a acusação tem em si mesma
temos um sem-número de exemplos a demonstrá-lo. mais uma vez, não estivéssemos preparados para lidar este cenho populista contrário à ideia
Nos Estados Unidos explora-se petróleo há mais de com o minério da moda, o lítio. Sendo um dos países de democracia e capitalismo, o efeito
século e meio; o mesmo no Canadá; na Europa, temos europeus com maiores reservas de lítio, não faz senti- prático também é óbvio: ganhos elei-
os bons exemplos do Reino Unido e da Noruega. O do não o explorar. Mas ou montamos um sistema que torais para o Chega, pois a campanha
que distingue os países que evitaram a maldição dos garanta que os ganhos são distribuídos por todos ou, eleitoral será marcada pela lógica do
restantes? As instituições, que, de acordo com Daron com os protestos das populações locais, vamos andar a “são todos uns bandidos”. Mas esta,
Acemoglu e James Robinson, podem ser classificadas destruir modos de vida, reservas ecológicas e paisagens lamento, é a grande herança de Costa:
como inclusivas ou extrativas. maravilhosas em troca de muito pouco. deixa-nos nas mãos de populistas, que
A Noruega talvez tenha estabelecido o padrão de Se não somos capazes de fazer isso por nós, podemos se aproveitaram da destruição institu-
referência. Sendo um país muito pequeno, a valoriza- sempre pedir apoio aos noruegueses. cional e moral conduzida por Costa.
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 10 de novembro de 2023

Opinião

“Quem tem Pior era impossível

filhos tem
F
oi António Costa que torna inevitável a queda de um não costuma fazer comunicados sobre suspeitos
cadilhos” decidiu amarrar a sua Governo sem que correspon- que nem são arguidos nem ir a Belém explicá-los.
credibilidade a um mi- da a uma enorme solidez nos Mas, em vez de esclarecimentos da PGR, temos
nistro fragilizado. Que indícios entregamos o poder informação parcelar e dispersa a inundar as reda-
escolheu para seu braço-direi- político a quem não o pode ter. ções, logo no dia seguinte à demissão e preparando
to Vítor Escária, que vinha do Não sendo o segredo de Jus- uma campanha eleitoral bastante suja. Uma déca-
centro de negócios do gabinete tiça a regra, mas a exceção, da depois de o processo de Sócrates ter começado,
de Sócrates. Que permitiu que Daniel Oliveira a PGR tem de esclarecer, de sem termos julgamento e com prescrição à vista,
“melhor amigo” fosse cargo forma oficial, com bases fa- perdi a confiança numa Justiça que prefere man-
danieloliveira.lx@gmail.com
político, deixando que Lacer- ctuais e antes das eleições, o chetes a condenações.
da Machado se tornasse pivô que quer dizer “a invocação À hora que escrevo, misturam-se, na imprensa,
Eugénia Galvão Teles informal de vários negócios do Estado. Depois de por suspeitos do nome e da autoridade do primei- informações importantes; dados muitíssimo des-
egteles@gmail.com o primeiro ser arguido e de os outros dois serem ro-ministro”. Aconteceu com conhecimento do concertantes (€76 mil em numerário no gabinete
detidos, a margem de manobra para Costa ficar primeiro-ministro? E o que é uma “intervenção de Escária em São Bento), mesmo que não estejam

T
odos os anos assinalamos o Dia
da Igualdade Salarial, a data em
que, em média, as mulheres dei-
xam de receber um salário igual
ao dos homens. Já faz um tempo que
aparece com as castanhas e cai algures
por esta altura. Nada de muito original:
depois de bastante tempo a convergir,
o valor do trabalho feminino passou a
estagnar por todo o lado. Isto quando já
ninguém discute a máxima “a trabalho
igual, salário igual”.
Nos últimos tempos, mandaram-nos
olhar para a família onde parece estar
o principal problema. Tipicamente, a
vantagem dos homens aparece quan-
do os filhos entram na equação. Daí a
multiplicação de medidas e declarações
que incentivam a partilha da educação
das criancinhas, a começar logo no dia
zero com a divisão da licença parental.
Hoje, o mantra é o pai cuidador, que dá
banho, muda fraldas e não se esquece de
aquecer o biberão. Um pai encarregado
de educação, que verifica trabalhos e mo-
chilas, fala com os professores e ainda se
infiltra nos grupos de WhatsApp, sempre
ditos “de mães”. Só com um pai destes,
envolvido em todos os meandros da vida
familiar, pode uma mãe almejar a não
ficar para trás na carreira que escolheu.
Estávamos no bom caminho, pelo me-
nos no que toca às intenções, quando
Claudia Goldin, que acabou de ganhar o
Nobel de Economia, veio chamar a aten-
ção para um detalhe, capaz de abalar
quem quer viver maternidade e pater-
nidade em plena igualdade. É que este
casal perfeito, o tal que faz tudo a meias,
arrisca-se a perder dinheiro perante
FOTO MARCOS BORGA
no lugar era baixíssima. Até porque tinha todos para desbloquear procedimentos”? Se uma frase relacionados com o caso; elementos irrelevantes
os dados disponíveis quando os escolheu. Para ser vaga e sem sustentação conhecida torna inevitável para a investigação, juntando tudo e mais algu-
benevolente, foi, no mínimo, negligência conscien- a queda de um Governo de maioria absoluta, ela ma coisa, na habitual técnica do arrastão; meras
te. Ainda assim, a saída dependia da sua avaliação tem de deixar de ser vaga e ganhar sustentação. avaliações políticas; e suspeitas porque o primei-
política. O parágrafo que termina o comunicado Dizer que a lei é igual para todos é sonsice. A PGR ro-ministro não quis falar de assuntos sensíveis
da Procuradoria-Geral de República (PGR) fechou ao telefone, cautela compreensível quando tudo
qualquer decisão. Ao escrevê-lo com uma assassi- acaba nos jornais. Não ponho as mãos no fogo por
na vacuidade, a PGR disse ao país que as suspeitas Com uma liderança fraca, o PSD vários intervenientes. Por alguns, com currículo
sobre o primeiro-ministro eram suficientemente quererá mostrar que o PS é que deveria ter impedido a sua nomeação, nem o
graves e sólidas para serem públicas. Nem é com- dedo mindinho. Imagino que muitos podres ainda
parável a Sócrates. É uma suspeita expressa pela corrupto. Acossado por este caso, surgirão e nos envergonharão. Mas, se é para ser a
PGR sobre um primeiro-ministro em funções. o PS agitará o perigo do Chega. sério, dispensa-se a repetição deste padrão judicial
A confiança nas instituições depende de uma Em vez da clarificação, que e mediático.
dose saudável de desconfiança. Por isso temos Na relação do poder político com o poder eco-
pesos e contrapesos e escrutínio público. Basta
engrandece a democracia, teremos nómico há linhas vermelhas e zonas cinzentas.
recordar Miguel Macedo e Azeredo Lopes, ter a degradação da democracia. Para as distinguir, temos a lei e quem a aplique
acompanhado o circo mediático das buscas às Esperemos que não acabe tudo com bom senso e boa-fé. Um ministro almoça e
sedes do PSD e perceber que a PJ foi afastada arquivado ou prescrito. Que esta conversa com investidores. Persuade e dá con-
desta investigação por guerras políticas no sistema trapartidas a autarquias para compensar investi-
judicial para confirmar que os magistrados vivem oportunidade perdida ao menos mentos importantes para o país. Há interlocutores
no mesmo mundo impuro e mesquinho que nós. tenha sido em nome da Justiça legítimos e ilegítimos, e isso não é um pormenor,
Por isso, no dia em que a frase de um procurador quando escritórios usam a advocacia para fazer
lóbi e tráfico de influências. Trabalhar para con-
quistar um investimento pode transformar-se num
favorecimento ilegal, com ou sem retorno para
quem o faz. Saber a diferença entre as duas coisas
é saber a diferença entre a política e a corrupção.
Se um político as confunde, corrompe-se. Se um
magistrado as confunde, criminaliza a política.
Previ, há umas semanas, um embate entre Pedro
Nuno Santos, que sucederia a Costa no fim deste ci-
clo, e Pedro Passos Coelho, que substituiria Monte-
negro depois das europeias. Avisei que as previsões
eram inúteis. Acontece sempre qualquer coisa. O
que previa era, depois dos últimos anos perdidos
com mera gestão corrente, um enfrentamento
político polarizado no PS e no PSD em torno de
alternativas para o país. O que teremos é uma fraca
liderança à direita, pressionada pelo crescimento
do Chega, que está exultante com a lama, e um PS
acossado por mais um caso judicial. O PSD quererá

a proliferação dos chamados greedy mostrar que o PS é o centro da corrupção e o PS

jobs — aqueles empregos que exigem
gente sempre de plantão, mesmo fora
do horário de expediente.
Todos conhecemos trabalhos que exi-
gem disponibilidade total, dia e noite,
férias, feriados e fins de semana, aqui e
do outro lado do mundo, se necessário
for. É o advogado que responde a um
cliente enquanto assiste ao parto do pri-
mogénito; é a consultora que precisa de
autorização do patrão para desligar o
telefone enquanto ouve o recital da mais
nova. A disponibilidade total paga-se e
estes trabalhos acabam por render mais
do que as horas despendidas — podem
sugar-nos a vida, mas também são alta-
mente lucrativos. Inversamente, quem
não queira entregar a sua pessoa a tempo
inteiro à empresa vai ver as suas horas va-
lerem menos do que as do colega sempre
às ordens. O casal que corta no trabalho
pela mesma medida para prover às ne-
cessidades dos filhos vai acabar mais po-
bre do que aquele onde só um desacelera
Historiadora
O rigor nas palavras e o combate ao antissemitismo
“Quando ouvirem falar mal dos
judeus, agucem os vossos ouvidos,
está-se a falar de vós”
Frantz Fanon in “Pele Negra,
Máscaras Brancas”, 1952
Irene Flunser Pimentel
de Gaza; entre o Governo e extremis-
tas de extrema-direita de Netanyahu
e israelitas e judeus da diáspora de
esquerda pacifistas e defensores de
dois Estados viáveis na região.
3. Crucial para a compreensão dos
acontecimentos é o rigor de palavras
definidoras, pois, como lembrou Al-
agitará o perigo do Chega. Em vez da clarificação e
do debate sobre o futuro do país, que engrandece a
democracia, teremos a degradação da democracia.
Veremos, daqui a uns anos, se não for arquivado ou
prescrever, se mais esta oportunidade perdida foi
mesmo em nome da Justiça.
fensores dos dois Estados — opõe-se que há pulsões genocidárias, tanto
à narrativa do Hamas, de erradicação em alguns dirigentes israelitas como
de Israel, do Jordão ao mar. O colo- no Hamas. Amichay Eliyah, ministro
nialismo nunca teve esse propósito, de extrema-direita israelita, referiu
pois pretendeu usar a força de traba- a utilização da bomba atómica em
lho forçado dos colonizados. Quanto Gaza, enquanto Ghazi Hamad, do
ao termo-conceito de genocídio, foi Hamas, evidenciou o propósito de
criado pelo polaco judeu Raphael aniquilação física dos israelitas, por

O
na carreira. Entre biologia e tradição, é a
advogada que ia ser sócia que acaba no
departamento jurídico de um cliente,
onde consegue enfim controlar os seus
horários. Já o pai da criança muda-se de
armas e bagagens para o escritório —
onde vai, um dia, ser ele a mandar.
Se for esta a principal razão para a
persistência da desigualdade salarial,
estamos por nossa conta e risco – para
além de fornecer creches e pré-escolar,
não se vê como pode ser o Estado a re-
solver a situação. Talvez as empresas
percebam que estão a perder talento
feminino altamente qualificado e di-
minuam o que torna estes trabalhos
incompatíveis com uma família: as pes-
soas serem insubstituíveis e, por isso,
terem de estar sempre de serviço. Pela
minha parte, vou aproveitar o Natal
para oferecer o livro de Claudia Goldin a
todas as mulheres que estão a embarcar
numa carreira e querem ter filhos. E ins-
crever lá o conselho que lhe ouvi — para
escolhermos bem o pai dos nossos filhos
e não nos esquecermos de acordar com
ele o que queremos para o nosso futuro
comum. Porque, em grande parte, esse
futuro está nas nossas mãos.
pogrom perpetrado pelo Ha-
mas em 7 de outubro já é hoje
ele próprio contexto, mas
nunca me ocorreria justificar
com ele a guerra, morte e destrui-
ção em Gaza. O uso do contexto e
da adversativa — tão em moda, para
justificar o morticínio — poderia ser:
o contexto é o 7 de outubro, ‘mas’
há muitas formas de conseguir o de-
sejável fim do Hamas, sem nunca
esquecer o combate por dois Estados
na região.
2. Ligadas à questão contextual en-
quanto justificação estão os exercícios
de comparação e de definição dos
termos. Comparar — confrontar algo
com outra coisa para determinar di-
ferenças, semelhanças ou relações
mútuas — desrespeita frequentemen-
te a dor específica de cada grupo, sem
ter em conta que, para palestinianos e
israelitas, o sofrimento não é vivido de
forma equivalente, tendo cada um dos
povos a sua memória própria relati-
vamente à nakba ou à shoah. Mais do
que assinalar semelhanças, há que dis-
tinguir: entre o Hamas e os habitantes
bert Camus, utilizar “mal as palavras
é acrescentar infortúnio ao mundo”.
Deve o Hamas ser designado como
movimento de resistência ou como
organização terrorista? A sua estraté-
gia baseia-se no ódio e no extermínio
dos inimigos, pouco se preocupando
que exista um Estado palestiniano.
Enquanto modo de ação, o Hamas
utiliza o terrorismo sobre os civis ju-
deus. Pelo contrário os movimentos
de libertação nacional anticolonia-
listas concentram o ataque nos alvos
militares. Samora Machel e Amílcar
Cabral, entre outros, sempre tiveram
o cuidado de distinguir os portugue-
ses, também oprimidos, do poder di-
tatorial e colonial. Aliás, até temos
de agradecer a esses movimentos a
libertação o enorme papel tido no
derrube da ditadura portuguesa, há
quase 50 anos.
4. Entre os termos que considero
estarem a ser usados sem qualquer
rigor, contam-se os de “colonialismo”
e “genocídio”, para caracterizar a
política de Israel. A narrativa segundo
a qual Israel coloniza e ocupa — tam-
bém usada por muitos israelitas de-
Lemkin, em 1944, para designar, com
base na caracterização dos crimes
nazis, o objetivo da eliminação da
existência física de grupos nacionais,
étnicos, raciais e/ou religiosos.
Do que não tenho dúvida,
desde já, é de que há
pulsões genocidárias,
tanto em alguns
dirigentes israelitas
como no Hamas
5. Critério para concluir se o Hamas
perpetrou um genocídio de judeus
em 7 de outubro e se o Governo de
Israel está a cometer um genocídio
de palestinianos é o facto de existir,
ou não, um plano político intencional
levado a cabo para eliminar física e
culturalmente “todos” os israelitas
(judeus), no primeiro caso, e “todos”
os palestinianos nessa Faixa, antes
de fazer o mesmo na Cisjordânia. Do
que não tenho dúvida, desde já, é de
serem judeus, com a promessa de
levar a cabo “um, dois, três, 10 mil ‘7
de outubro’, os que forem necessários
para aniquilar Israel”.
6. Apenas um mês após 7 de ou-
tubro, o mundo mudou também em
termos de aumento exponencial de
manifestações antissemitas, tanto na
Europa como nos EUA, com a curio-
sidade de juntarem neonazis e uma
certa esquerda identitária. A partir
dos anos 90, foram de facto surgindo,
na luta contra a discriminação e mar-
ginalização ao racismo e ao sexismo,
correntes tribais de vitimização, em
competição umas com as outras, mas
tendo em comum a substituição dos
valores universais e direitos humanos
pela crença em identidades grupais
baseadas na raça, no género, na se-
xualidade e na etnicidade.
7. Enquanto portuguesa e europeia
de esquerda reivindico os valores
universais que me permitem tanto
combater o racismo, o sexismo e o an-
tissemitismo como defender o direito
dos palestinianos, israelitas e ucra-
nianos a terem o seu Estado-nação,
em viabilidade, segurança e paz.
Expresso, 10 de novembro de 2023
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
MARCELO
E quando a vida não podia
correr-lhe pior, eis que o poder
da República lhe cai nos braços.
Não sei o que disse após ouvido
o Conselho de Estado, mas
apostaria em eleições depois
do OE aprovado. Parece-me o
mais sensato. O que não se me
afigura como nada sensato é a
ideia de que o MP, ou a PGR, ou
o sistema judicial, quis deitar
este Governo abaixo. Há gente
que nunca se liberta das teorias
da conspiração. Deixem lá
Portugal ser um país normal,
igual (ou parecido) com aqueles
que admirávamos. Lembram-se
quando, em 1974, o grande Willy
Brandt se demitiu por se saber
que um membro do seu partido
e dos mais próximos assessores
do seu gabinete de chanceler
era espião da RDA (Alemanha
comunista)? Foi um exemplo de
integridade, lá e cá.
TÚNEIS
O complexo de túneis debaixo de
Gaza, utilizado pelos terroristas
do Hamas, é impressionante.
Autêntica cidade, paiol e
quartel-general sob instalações
civis, como infantários,
hospitais, creches, escolas.
Durante anos os israelitas
denunciaram o caso, mas o
mundo, no geral, não quis saber.
Pelo contrário, a ONU, tendo
uma organização dedicada aos
refugiados palestinianos, não
se insurgiu; a UE continuou
a dar auxílio, assim como
outras organizações. Agora
que os vimos, podemos dizer
que é criminoso, impiedoso,
inacreditável? Podemos agora
perceber (não quer dizer apoiar)
a lógica de certos atos que
pareciam sem sentido?
CIVIS
A superioridade das
democracias e do Ocidente
geopolítico, no geral, tem
de saber responder a casos
como o de Gaza. A morte de
milhares (sejam quantos forem)
de civis não é uma resposta
proporcional, por muito que o
Hamas os utilize como escudos
humanos. São necessárias
novas estratégias; seria
preciso que Israel envolvesse
a comunidade internacional;
acima de tudo, era imperativo
que Netanyahu cedesse o
poder, de modo a abandonar
à sua sorte (espero que má)
aquela franja extremista que já
propõe bombas atómicas para
exterminar Gaza.
UCRÂNIA
Nem a guerra acabou nem os
russos recuaram. O confronto
vai para dois anos de massacres,
violações e atentados conduzidos
pela Rússia, país que se preocupa
muito com o que Israel faz e tenta
dar lições de moral ao mundo.
Também é pena que os ativistas
da paz no Médio Oriente (alguns
dos quais querem exterminar
Israel), que choram todos os dias
pelo destino dos palestinianos,
não tenham um minuto para
se condoer com os ucranianos.
As mortes civis são sempre
condenáveis, mas há diferenças
— Israel responde a uma matança
realizada pelo Hamas no dia 7 de
outubro, bem como ao rapto de
mais de 200 pessoas; a Ucrânia
foi invadida, sem qualquer
provocação, a 24 de fevereiro de
2022, pelo exército da Federação
Russa. De resto, o Hamas é
considerado grupo terrorista, o
que não o impede de se reunir
com a Rússia.
DATAS
Dia 7 passaram 126 anos da
revolução bolchevique; só o PCP
se lembrou. Amanhã passam
125 anos do armistício que pôs
fim à I Guerra Mundial. Veremos
se alguém se recorda.
E não se aprende nada?
T
emos de agradecer a
António Costa a digni-
dade com que se demi-
tiu. Não que a dignidade
pessoal seja algo para agrade-
cer, mas porque cria um pa-
drão, um exemplo. Costa era
mau de mais a proteger mem-
bros do Governo que já deviam
ter saído há muito; felizmente,
a si próprio impôs uma exigên-
cia estrita e, de certa forma,
contraditória com a que defen-
deu para outros. Mas não se é
primeiro-ministro apenas nas
horas boas...
Embora todas as células do
meu corpo me digam que Costa
é íntegro, nenhuma me diz que
ele se preocupa com a integri-
dade. Por isso tem amigos que
o levam à demissão; se fossem
outros, sentir-se-ia seguro. Ao
contrário do que afirmam al-
gumas figuras, não foram li-
nhas de um comunicado que
ditaram a sua saída; foram qui-
lómetros de casos e casinhos,
amizades e nomeações pouco
recomendáveis que fez ao lon-
go de oito anos.
A partir deste ponto, o mais
importante para quem se preo-
cupa com a defesa de uma so-
ciedade liberal com os poderes
devidamente separados, cada
um balizando os outros, po-
demos falar do processo — ou
melhor, do que pensamos ser
o processo — que desencadeou
esta tempestade.
Como quase sempre, e à ex-
ceção de Sócrates, que não era
amador nestas coisas, receio
estarmos perante uns ‘casi-
nhos’. Do que se sabe, há refei-
ções de luxo pagas, motoristas
a transportarem empregadas,
reuniões em locais impróprios
e as chico-espertices habituais:
favores a amigos, pedidos a pes-
soas influentes, empresas for-
madas dois ou três dias antes
de concursos milionários, a que
concorrem e vencem. Enfim,
nada que não tivéssemos já vis-
to em diversas épocas.
Por serem de pouca monta,
ou pouco significativos, não
deveria o MP investigar? Fe-
charia os olhos ao tráfico de
influências, eventual corrup-
ção e outros crimes próprios de
agentes políticos? Nada disso.
O MP faz bem em investigar,
e, se há matéria, ela tem de ser
devidamente escrutinada. Ain-
da que pareça tão frágil como
as transcrições telefónicas que
se referem ao primeiro-minis-
tro. Um dos erros que despres-
tigiou a Justiça foi quando o
STJ e a PGR (então com outros
titulares) mandaram destruir
escutas com Sócrates.
Agora, o caso seguiu e o pro-
blema, a meu ver, não é especí-
fico deste Governo, que, aliás,
merecia ser derrubado por coi-
sas bem mais importantes. O
caso é algo estrutural (não gosto
A velocidade com
que vivemos
impede-nos de viver.
Uma alternativa
será resgatar
a nossa relação
com o tempo.
Por tentativas, por
pequenos passos
Tolentino Mendonça (1965),
cardeal, poeta e teólogo no seu
livro de aforismos. Conselhos
sábios para políticos (e não só)
de utilizar a expressão ‘de regi-
me’ porque se confunde com o
regime democrático, do qual
não abro mão — prefiro uma
democracia com corrupção a
uma ditadura que diz que ela
não existe... e não nos permite
saber se existe ou não), mas é
um assunto velho, entalhado no
sistema político. Ignoro como
se resolve (não ponham um ar
desafiador, a interrogar: “Diz lá
o que é preciso mudar?”), mas
PRIMEIRO CADERNO 37
ANTES QUE
ME ESQUEÇA
CASOS
Não foi o caos
no SNS nem a
confusão na
educação e
intransigência
com os
professores;
não foi, sequer,
a trapalhada
no Ministério
das Infraestruturas de
Galamba, onde a intervenção
do SIS se revestiu de uma
gravidade sem igual. Também
não é a desgraça nas Forças
Armadas (onde já vai o roubo
de Tancos e as matreirices
com os abastecimentos?).
Nem sequer as reviravoltas
da TAP (lá foram milhares de
milhões) ou a confusão com
a Efacec. Nada disso. O que
fez cair o Governo, atrelado
ao primeiro-ministro, que
sempre passou por tudo isto
como entre os pingos da chuva,
foi um terceto — Lacerda,
Escária, Galamba — e os seus
acompanhantes. Costa chegou
a esta altura convencido, talvez
demasiadamente, de que tinha
tudo controlado, tudo na mão,
FOTO NUNO FOX
incluindo o Presidente, que
por acaso andava um pouco
pelas ruas da amargura. Mas
atenção: não se sabe até que
ponto Costa tem potencial
para voltar. Ouviram-no
dizer que não, certo? Mas já o
ouviram dizer muita coisa... Se
acaso o STJ acelera, ilibando
tenho a certeza de que é preci- totalmente o ainda líder do
so mudar. E talvez estejamos PS, sei lá se ele — acedendo
a aprender (ou não). Vejamos: ao pedido de muitas famílias,
Sócrates foi uma lição, mas de como se dizia — não tenta um
Vara só me lembro de robalos, regresso em triunfo...
como destes governantes só sei
de almoços, jantares, viagens a MP
finais de campeonatos de fute- Também já se
bol. Meu Deus! Se me perdoa- começaram a
rem a comparação, isto é o tipo ouvir críticas
de coisas que os playboys ofe- ao Ministério
reciam às acompanhantes de Público. Vejam
luxo. Seria demais dizer que lá a desfaçatez
estes membros do Governo são de quem
comparáveis à velhíssima pro- investiga crimes
fissão. No entanto, pode ser só ter crimes para
isto; pequenas coisas, sem off- investigar no
shores nem mafiosos de monta. meio do Governo e até no
Seja o que for, é preciso investi- que diz respeito ao chefe do
gar e reprimir. Governo. Esse é um ponto a
Depois, há o caso da perce- favor do MP; não estivesse
ção. O Governo já vinha cheio o Governo tão desgastado
de problemas criados pelo pri- por ‘casos e casinhos’, o
meiro-ministro: de um asses- problema seria encarado de
sor que era arguido à defesa outra forma. Lembram-se
de Cabrita, passando pela in- dos tempos em que Costa
sistência, quase provocadora, demitiu João Soares? Não vos
em Galamba, ou contratar um parece uma coisa do século
chefe de gabinete que fora as- XIX? Julgam que nessa altura
sessor económico de Sócrates um pormenor como ser citado
(entretanto também condena- num telefonema, se acaso é
do na chamada Galpgate), Cos- isso, abalava o primeiro-
ta parecia fazer gáudio em ter -ministro? Não creio! Uma
uma série de gente duvidosa a frase de há dois mil anos
rodeá-lo. Quando — por pouco explica o problema: não basta
que fosse — o MP investigou os ser sério… é preciso parecê-lo.
seus próximos, a margem que E agora alguém parecia?
lhe sobrava era pouca. E, ainda
que nada tenha feito e mesmo SUCESSORES
que rapidamente seja ilibado Para a
no Supremo, o primeiro-mi- comunicação
nistro não tinha condições para social, a ideia
continuar. Foi a gota de água. de quem será
Mas será que em Portugal só o sucessor de
se consegue governar neste fio Costa é uma
da navalha em que os ‘chico- das questões
-espertos’ afastam as pessoas principais
sérias? A verdade é que não para o país;
acredito que seja um destino depois temos a
incontornável, embora não veja questão de o PSD poder fazer,
partidos que não tenham este ou não, Governo com o Chega;
estilo de dirigentes e protogo- depois, o que acontecerá ao
vernantes. E é triste a ideia de Orçamento do Estado; por
que nada se aprende… nada se último, se o PS terá tempo para
progride nesta zona maldita de se organizar. São tudo questões
uma governação que, cada vez importantes, mas a vida do
mais, é feudo, não de quem tem país sem Governo não é uma
ideias, projetos, objetivos, mas tragédia. A vida das pessoas
de quem sabe fazer negociatas simples, as questões-chave,
com o dinheiro dos outros, seja que raramente aparecem na
dos contribuintes, seja da UE, comunicação social, são se
seja de quem for. Negociatas os preços aumentam, o que
sempre mascaradas de grandes se passa com as prestações e
ideias e desígnios, que, como rendas de casa, se os salários
se vê no caso atual, se forem e pensões aumentam em linha
‘verdes’, melhor ainda. com a inflação. Soluções todos
hmonteiroexpresso@gmail.com os sucessores dirão ter.
 CONGRESSO DA ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS
10 | NOV | 2023 | EXPONOR | PORTO
09:00 | TURISMO EM SAÚDE
11:00 | IMPACTO SOCIAL E ECONÓMICO NA MEDICINA DENTÁRIA

e ainda...
Ricardo ( ( (
Últimas
Orhan Pamuk Quatro dias Israel-Hamas
Costa Nobel da A semana de A rede invisível
Literatura turco trabalho reduzida de túneis debaixo
PR promulga apoio às
em entrevista R44 por quem a faz R30 de Gaza P24 rendas O Presidente da Re-
pública promulgou esta quin-

Como
ta-feira o diploma do Governo
que altera o apoio extraordiná-

comemorar O Cartoon de António O “desencruzilhador” rio às famílias para pagamento

das rendas, que em 2024 serão
50 anos atualizadas em 6,94%. Recor-
de-se que o Governo aprovou,
a 26 de outubro, uma medida
que atualiza automaticamente
o apoio extraordinário às ren-

H
das, acrescendo-lhe 4,94% do
á um facto políti- valor da renda mensal.
co que distingue o
25 de Abril do 25 Aumentos salariais na
de Novembro que Função Pública O Conselho
raramente é subli- de Ministros aprovou ainda o
nhado. Aliás, dois decreto-lei de atualização re-
factos. A primeira vez que os muneratória dos trabalhado-
portugueses votaram em li- res da Administração Pública
berdade, para a Assembleia (AP) para o próximo ano. Os
Constituinte, foi a 25 de Abril salários vão aumentar entre
de 1975. E a segunda vez que 3% e 6,8%, sendo tanto maior
votaram — desta vez para uma quanto mais baixo o vencimen-
legislatura, em 1976 — foi no- to. E todos terão um aumento,
vamente a 25 de Abril. no mínimo, de €52,63 mensais
A data tem, assim, uma curio- (em termos brutos), elevando
sa tripla legitimidade: a de ter a base remuneratória na AP

Start Campus já
encerrado uma longa ditadura para €821,83.
e de nos ter dado a liberdade,
a de ter revelado a verdadeira Brilharetes orçamentais

captou €183 milhões

relação de forças entre os par-
tidos e a de ter permitido a pas-
sagem de governos provisórios
a executivos constitucionais
saídos do Parlamento. Tudo
em três 25 de Abril seguidos.
Com exceção dos governos
de iniciativa presidencial (um
mecanismo excluído da Cons-
tituição em 1982), a partir do
25 de Abril de 1976 todos os
Executivos emanaram de um
Parlamento eleito por um sis-
tema proporcional, escolhido
para não facilitar a existência
de governos de um só partido.
As eleições são uma
forma irónica, mas
inultrapassável, de
assinalar a liberdade
e o 25 de Abril
As pessoas que se indignaram
com a escolha que o PS fez em
2015 — formar Governo apesar
de ser o segundo partido mais
votado — esqueceram esse pon-
to: a legitimidade que o Par-
lamento tem para apresentar
soluções de governo é absoluta.
É curioso que oito anos de-
pois, no pico desta crise, quan-
do o atual ciclo político se en-
cerra de forma abrupta, um dos
argumentos mais ouvidos seja
o de que não pode haver um
Governo com o Chega nos 50
anos do 25 de Abril. Claro que
pode, desde que seja essa solu-
ção parlamentar. E claro que
o Chega pode continuar fora
do Governo se os portugueses
assim o quiserem.
Quando forem às urnas, os
eleitores terão várias opções
políticas e muitos elementos
a ponderar. Escolherão como
Privados têm estado
a desembolsar verbas
para construir o centro
de dados, cujo gestor foi
detido esta semana
A Start Campus, uma das em-
presas investigadas na Opera-
ção Influencer, já assegurou
financiamentos privados de
€183 milhões para construir
o centro de dados de Sines,
e a mais recente emissão de
obrigações, no montante de
€32 milhões, data de 31 de ou-
tubro, uma operação realizada
apenas uma semana antes das
buscas do Ministério Público
(MP).
Os empréstimos obrigacio-
nistas, cujos investidores não
são identificados, acompa-
nham a expansão do centro
de dados de Sines, depois de
em outubro o edifício inicial
do projeto ter recebido os pri-
meiros clientes. Na passada
terça-feira, após a operação
do MP, a Start Campus já ha-
via emitido um comunicado
garantindo que “continuará as
suas operações e investimento
em Portugal”, apesar de o seu
presidente executivo, Afonso
Salema, ter ficado detido.
Os procuradores do Depar-
tamento Central de Investi-
gação e Ação Penal (DCIAP)
que lideram este inquérito
consideram que a Start Cam-
pus, através de Afonso Salema
e do administrador Rui Oli-
veira Neves, aceitou conce-
vistos ainda pelo MP como
suspeitos de terem tentado
influenciar o conteúdo de atos
do Governo, que terão sido
apresentados ao Conselho de
Ministros pelo atual ministro
das Infraestruturas e anterior
secretário de Estado da Ener-
gia, João Galamba. Igualmen-
te alvo das suspeitas é Diogo
Lacerda Machado, consultor
que desde 2022 presta servi-
ços à empresa do centro de
dados, alegadamente, segun-
do o MP, beneficiando da sua
proximidade ao primeiro-mi-
nistro, António Costa.
Reagindo às buscas de terça-
-feira, a Start Campus defendeu
o seu “total compromisso com
a transparência, legalidade e
integridade de todas as suas
operações e em todas as fases
do desenvolvimento do seu in-
vestimento em Portugal”.
Investimento em marcha
A emissão de obrigações no
final de outubro é a maior
tranche de financiamento já
realizada pela Start Campus
desde que a sociedade foi cria-
da, em 2020. A empresa, que
é controlada pela britânica
Pioneer Point Partners e pela
norte-americana Davidson
Kempner, fez a sua primeira
emissão de obrigações em
julho de 2021, quatro meses
depois de ter conquistado o
estatuto de PIN (Projeto de
Interesse Nacional).
rio da Justiça, tem feito novas
rondas de emissão de obriga-
ções. Mas foi já no corrente
ano que a Start Campus levan-
tou mais fundos dos investido-
res. De acordo com o levanta-
mento feito pelo Expresso, as
cinco operações realizadas em
2023 somam €96,2 milhões,
fixando o financiamento to-
tal captado pela empresa do
centro de dados em €183,1
milhões.
Recorde-se que a Start
Campus viu em agosto a
Agência Portuguesa do Am-
biente (APA) emitir uma
Declaração de Impacto Am-
biental favorável à expansão
do centro de dados de Sines.
O em preendimento, que
foi apresentado em abril de
2021 numa cerimónia com o
primeiro-ministro, António
Costa, poderá atrair um inves-
timento total de €3,5 mil mi-
lhões até 2028, criando 1200
empregos diretos.
O facto de o primeiro edi-
fício do projeto não ter sido
sujeito a avaliação de impacto
ambiental e de a expansão ter
entretanto tido “luz verde” da
APA são matérias que fazem
parte da investigação do MP,
que registou a existência de
almoços e jantares ofereci-
dos pela Start Campus a João
Galamba e ao presidente da
APA, Nuno Lacasta, ambos
constituídos arguidos neste
processo.O inquérito do MP
nasceu em 2019 e investiga
acabaram Os resultados or-
çamentais alcançados pelo Go-
verno têm surpreendido pela
positiva. Mas “o ciclo de boas
surpresas orçamentais pode
ter chegado ao fim”, avisou Na-
zaré Costa Cabral, presidente
do Conselho das Finanças Pú-
blicas (CFP), no Parlamento.
Atividade económica em
ligeira aceleração A ativi-
dade económica em Portugal
entrou em novembro a cres-
cer 1,5% face à mesma altura
de 2022, sinaliza o indicador
diário de atividade económica
(DEI), calculado pelo Banco de
Portugal.
Portugal dá €10 milhões a
Gaza Portugal vai contribuir
com €10 milhões para refor-
çar a assistência humanitária
à Faixa de Gaza, através do sis-
tema instalado das Nações Uni-
das e de outras organizações
humanitárias presentes no ter-
reno. O anúncio foi feito em
Paris pelo secretário de Estado
dos Negócios Estrangeiros e
Cooperação, Francisco André.
Ministra do Interior
britânica em risco Suella
Braverman pode estar de saída
do Governo do Reino Unido,
escreve o “The Guardian”. O
gabinete do primeiro-minis-
tro, Rishi Sunak, demarcou-se
de um artigo de jornal em que
a ministra, da ala radical do
Partido Conservador, acusa a
polícia de enviesamento a fa-
vor dos manifestantes pró-Pa-
lestina em Londres.
Cessar-fogo ou pausa hu-
manitária em Gaza? O pri-
Sexta-feira meiro-ministro de Israel rejei-
10 de novembro tou um cessar-fogo de cinco

entenderem, mas com uma
equação muito complexa, para
a qual o Presidente tem cha-
mado a atenção: como garantir
estabilidade num quadro par-
lamentar muito fragmentado?
der “vantagens indevidas” à
Câmara Municipal de Sines,
alegadamente propostas pelo
presidente da autarquia, Nuno
Mascarenhas.
De acordo com o MP, essas
Desde então, mostra o por-
tal de publicações do Ministé-
Ex-assessor jurídico no Governo
ainda os negócios do lítio e do
hidrogénio verde.
10
de 2023 dias com o Hamas, que podia
ter garantido a libertação da
maioria dos reféns ainda pre-
sos em Gaza. Israel anunciou,
no entanto, que vai começar a
implementar pausas de quatro

É uma forma ironicamente
curiosa de cumprir abril, com
eleições antecipadas, tendo
por onde escolher e podendo
ponderar os riscos das várias
soluções. Percebo, e sublinho,
os perigos para os quais o Presi-
dente tem chamado a atenção.
A fragmentação e a instabilida-
de representam riscos, mas não
são o fim da democracia. São
partes integrantes no regime
que o 25 de Abril nos trouxe.
rcosta@expresso.impresa.pt
vantagens, que terão sido
acordadas em maio deste ano,
incluiriam um patrocínio de
€5 mil da Start Campus ao
Festival Músicas do Mundo,
um apoio de “valor ainda não
apurado” às camadas jovens
do Clube de Futebol Vasco da
Gama e “um valor não apura-
do para um projeto social da
Câmara Municipal de Sines”.
Afonso Salema e Rui Oli-
veira Neves, ambos detidos
na Operação Influencer, são
11
horas diárias nas operações
militares em áreas do Norte
Além de ter contratado os serviços de Diogo Lacerda de Gaza para permitir a assis-
Machado, consultor que é amigo do primeiro- tência humanitária e a saída
-ministro, a Start Campus contou, no ano de 2022, com um de civis.
assessor jurídico que entretanto regressou ao Governo.
Francisco Cordeiro Ferreira integrou o gabinete do secretário Três milhões de downloads
de Estado da Presidência do Conselho de Ministros entre #2663 O mês de outubro registou o
2018 e 2022 e em abril desse ano foi trabalhar para a Start expresso.pt valor mais elevado de sempre
Campus, onde ficou até outubro, mês em que regressou ao nos podcasts do grupo Impre-
Governo, como chefe de gabinete do secretário de Estado sa, superando os três milhões
André Moz Caldas (de quem foi aluno). O Governo diz que a de downloads de episódios no
nomeação é “fruto da confiança pessoal e política” e das Expresso, SIC e SIC Notícias.
“qualidades pessoais e profissionais”. Oiça em expresso.pt/podcasts.