EXPRESSINHO

A partir da próxima semana

1001 IDEIAS
PARA OCUPAR HOJE GRÁTIS
O TEMPO EM DIAS ATIVIDADES
DE PANDEMIA PARA OS
Três suplementos
destacáveis na Revista MAIS NOVOS

Expresso
Fundador: Francisco Pinto Balsemão 29 de janeiro de 2021
2518 O €4

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.pt

24h Marcelo admite Supremo

aprova escuta
que envolve
Aulas no Carnaval
Com a suspensão das ativida-
estado de emergência António
Costa

até ao verão
des letivas durante 15 dias, até
5 de fevereiro, o calendário
Três escutas foram
escolar tem de ser ajustado,
consideradas irrelevantes
pelo que os alunos do básico e
para a investigação do
do secundário terão aulas nos
negócio do lítio, mas uma
três dias da habitual pausa do
quarta foi validada
Carnaval, em dois dias das fé-
rias da Páscoa e numa semana
Escuta em que o primeiro-mi-
após o final do ano letivo. P14 > Governo dá prémio para horas extra no SNS e fecha fronteiras nistro e o ministro do Ambiente

Museus perderam
> Próximas semanas vão ser as piores em mortes e infetados falam sobre o negócio do lítio
foi validada pelo presidente do
70% dos visitantes > Despedimentos coletivos duplicaram > Presidente do Amadora- Supremo Tribunal de Justiça,
apesar de considerar que não
Os museus, monumentos e
palácios nacionais regista-
-Sintra diz que a planificação foi ultrapassada pela realidade P6,12,18eE6 há indícios de crime. P22
ram uma quebra de 70,4%
de visitantes em 2020 em
relação a 2019, segundo a EDUCAÇÃO NÃO IDOSOS JÁ SÃO ALÍVIO NOS HOSPITAIS
Direção-Geral do Patrimó- GARANTE COMPUTADORES O GRUPO COM MAIS SÓ NA SEGUNDA METADE Ministra
A TEMPO INFEÇÕES DE FEVEREIRO
nio Cultural. O Mosteiro dos
Jerónimos, em Lisboa, foi o
edifício mais visitado.
devolve
P14 P5 P17
prenda
Rescisão de
grávidas aumentou
“roubada”
A cessação de contratos de
grávidas e de pais em gozo Presente de casamento
de licença parental cresceu de autarca a Ana
20% em 2020 quando com- Abrunhosa foi tirado,
parado com 2019. Em abril, sem autorização, à artista
o segundo mês da pandemia, Cristina Rodrigues P25
foi mesmo registado um cres-
cimento de 124%, segundo a
Comissão para a Igualdade
no Trabalho e no Emprego.
Morte de Ihor:
MP investiga
20 crimes jiadistas
inspetores do
O Departamento Central de
Investigação e Ação Penal
SEF acusam
está a investigar crimes de
terrorismo de cariz religioso
seguranças
e de matriz jiadista em Por-
tugal, segundo refere uma Imagens da videovigilância
procuradora do MP. no aeroporto mostram
comportamentos
Integram esta edição semanal, além deste suspeitos. O julgamento
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda
começa na terça-feira P20
ESPECIAL FERTILIDADE
FOTO NUNO FOX

Siza Vieira
Peça na sua assessorou
farmácia criação do
“O PR É O MESMO, MAS AS “UNIÃO TOTAL” Até ao verão, Marcelo alinhará com Costa na luta
contra a pandemia. Depois, ou há uma solução de Governo estável
Novo Banco
SITUAÇÕES VÃO MUDANDO”
Vantagens ou será pressionado a pôr a mão na massa. Após as autárquicas, a E16
Exclusivas
com

DISPONÍVEL NA SUA FARMÁCIA

CARTÃO SAÚDA
P. 45
oposição pode tornar-se a “alternativa” que tem pedido P6
MENSAL | FEV 21 | N.º 61

Pérez-Reverte
De Cascais Ana Gomes Vieira da Silva mataria por
a Moura, como acusa direção pede atenção um cão R48

ASSUMIR justificam o voto do PS de a quem votou

em Ventura hostilidade em protesto Medo: a arte
PAULA NEVES
ACTRIZ
«Não tenho vergonha
de ser uma pessoa ansiosa»
MARTA XAVIER CUNTIM
PSICÓLOGA CLÍNICA
«Esteja atento e converse com
os seus filhos sobre a COVID-19»
NUNO MONTEIRO PEREIRA
MÉDICO UROLOGISTA
«Falar é o primeiro passo
para vencer a disfunção eréctil»
P8 P10 P10 como terapia R20

LINHA DE APOIO AO TURISMO Saiba mais em cgd.pt

No Turismo, o país tem muito para oferecer.

E a Caixa também.
Caixa. Para todos e para cada um.
Caixa Geral de Depósitos, S.A.
2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

João Vieira Duelo O fecho de todas as escolas e a proibição de ensino à distância

são um tema polémico e que divide fortemente as opiniões
Pereira
Filinto Catarina
É bom que ouçam Lima Santos Botelho
aquelas 500 mil cruzes Presidente da Associação
Professora de Direito
Constitucional na Universidade

N
ão acordámos um dia e
descobrimos que há 500
mil fascistas em Portugal.
Mas acordámos um dia e
descobrimos que o des-
contentamento por anos
e anos de incompetência
que nos fazem permanecer como um
de Diretores Escolares Católica Portuguesa
de recebe RSI. Visto assim, o número
mostra a dimensão do problema — esta
etnia vive mergulhada na pobreza.
Ignorar o que diz Ventura apenas con-
tribui para que estas famílias não saiam
O Governo fez bem em suspender as
do círculo vicioso em que entraram.
São necessárias políticas de inclusão
atividades letivas no fecho de escolas?
eficientes, apostando na educação e

dos piores países da Europa em muitos
indicadores criou meio milhão de pes-
soas dispostas a votar num. Perante este
descalabro, a reação dos partidos políti-
cos é a mesma que tiveram até aqui. Em
vez de tentarem perceber porque foram
feitas 500 mil cruzes à frente do nome
André Ventura, atacam-se uns aos ou-
tros, numa tentativa fútil de mostrar
que foi o outro que mais votos perdeu
para a extrema-direita. Só se preocu-
pam com eles e ignoram as pessoas.
Na hora de dar respostas, a direita
não é diferente da esquerda. Ambas
não sabem ou não estão preparadas,
por razões diferentes, para lidar com
o fenómeno André Ventura. A esquer-
da, acorrentada à ditadura do politica-
mente correto e numa defesa por vezes
insana dos alegados desfavorecidos,
ignora a génese dos problemas, princi-
palmente aqueles que não lhe dá jeito
explicar. Já a direita morre de medo
da esquerda, da rua e de ser apelidada
de reacionária. Por isso, finge aceitar
como boas as soluções propostas pela
esquerda, só para não ter de se chatear.
O caso da comunidade cigana é exem-
plo disto. É óbvio que há um problema
de integração na sociedade. Dentro
desta comunidade existem indivíduos
que insistem não só em viver à margem
da sociedade como à margem da lei.
As razões para este comportamento
têm várias causas, mas podem ser re-
duzidas a duas questões fundamentais
(que muitas vezes andam de mãos da-
das): pobreza e exclusão. A “lei cigana”
é incompreensível para a população
maioritária. E, sendo alguns dos seus
costumes ilegais à luz da lei portuguesa,
são usados (justamente como quando
jovens são forçadas a casar em idades
em que deviam andar a brincar no pátio
da escola) como meios para atacar a
comunidade cigana. Para se protege-
rem, os ciganos fecham-se ainda mais,
exacerbando o ostracismo, a exclusão,
condenados à pobreza ou à criminalida-
de. E, quando recorrem a atos de pro-
pagação de medo através da violência,
incentivando a contratação de ciganos
por empresas ou serviços públicos. Na
prática, fazer com que se sintam pri-
meiro portugueses e só depois ciganos.
Mas há mais exemplos do discurso de
ódio de Ventura que os políticos têm de
aprender a discutir e, acima de tudo, a
resolver, de modo a que ele não cresça.
Como a questão da corrupção, que,
principalmente a pequena, se tornou
endémica. A cunha daqui, o favor de
acolá, o jeitinho português, a ajuda
para fazer avançar o projeto... cada um
que está a ler estas linhas tem imensos
exemplos de situações destas.
Na hora de dar respostas,
a direita não é diferente da
esquerda. Ambas não sabem
ou não estão preparadas,
por razões diferentes, para lidar
com o fenómeno André Ventura
O ataque à corrupção sempre fez par-
te do discurso de qualquer Governo.
Mas até agora não passou disso. De
palavras. A incapacidade do Parlamen-
to em conseguir fazer aprovar uma lei
para criminalizar o enriquecimento
ilícito que passe no crivo do Tribunal
Constitucional é uma vergonha. Os
juízes já vieram dizer que o plano do
atual Governo para o combate à cor-
rupção é um zero no que diz respeito
à promiscuidade entre poder político
e financiamento partidário. Uma falta
de ação que não passa despercebida e
que permite à raiva populista crescer.
Se a este ponto juntarmos a insegu-
rança, a imagem negativa que se insiste
em passar das forças policiais, a crise
económica e a falta de perspetivas em
relação ao futuro, torna-se mais fácil
perceber o voto de 500 mil portugueses.
A única forma de parar Ventura é
atacar estes problemas com a seriedade
que eles exigem. Se se continuar a asso-
biar para o lado, o mais provável é que
este meio milhão continue a crescer.
SIM NÃO
A resposta tem um denominador co- À cabeça, o decreto governamental
mum: a urgência do “encerramento” poderá ser considerado orgânica e
das escolas, tendo em conta os pare- formalmente inconstitucional. Com
ceres convergentes dos peritos de saúde, sustentados efeito, o Governo não tem competência para, sem
nos números arrasadores (óbitos e infetados), acima das autorização da Assembleia da República, restringir
previsões mais pessimistas. direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de
A suspensão das atividades letivas configurava uma aprender e ensinar (artigo 43º da Constituição), que
possibilidade para a qual poucos apontavam, indício de aqui resulta afetada.
valorização do ensino presencial, implicando reorganiza- Do ponto de vista material, uma vez que esta medida
ção do calendário escolar e da rotina diária de parte da foi adotada no âmbito da execução do estado de emer-
população. As escolas trabalharam para ativar a modali- gência, necessita de ser alicerçada em razões de saúde
dade de ensino não presencial, efetuando o levantamento pública. Proibir as aulas presenciais será certamente
das necessidades digitais/tecnológicas dos seus alunos e uma ferramenta útil para impedir novas infeções.
atualizando os seus planos de ensino (presencial, misto Em contraste, a interdição de aulas online não tem
e à distância — E@D). qualquer efeito no abrandamento da transmissão do
O primeiro-ministro não cumpriu com o compromisso vírus. Se assim é, pergunta-se: qual foi o objetivo des-
(ambicioso) assumido em abril de “...um objetivo muito ta bizarra proibição? A razão salta à vista: tratou-se
claro: Vamos iniciar o próximo ano tão-somente de uma opção ideo-
letivo assegurando o acesso univer- lógica. Com o intuito de mascarar
sal à rede e aos equipamentos a to- Estamos todos a inexistência de medidas equita-
dos os alunos dos ensinos básico e cientes das enormes tivas que assegurem que todos os
secundário” estudantes tenham igual acesso à
As associações de diretores de-
limitações do ensino internet e a computadores, intro-
fenderam, oficial e publicamente, apelidado de duziu-se um elemento retórico de
o alargamento do anunciado aos emergência distração, que cria empatia social:
professores (recorrem a dispositi- proibimos o ensino online para
vos próprios) e às escolas (parque A igualdade não é tratar todos por igual.
informático que urge ser renovado Não obstante, de um ponto de
e conectividade limitada). Alguns uma igualdade vista filosófico, é importante su-
encarregados de educação presen- matemática, nem blinhar que igualdade não é o mes-
tearam os seus educandos com os pode ser imposta mo que igualitarismo nem implica
meios tecnológicos, perspetivan- como único valor um forçado nivelar por baixo. Um
do circunstâncias análogas às do exemplo claríssimo: se os profes-
3º período do ano transato, outros fundamental sores do ensino público aderirem
recusaram (!) a entrega pelas esco- em massa a uma greve por x nú-
las em regime de comodato. As escolas já distribuíram mero de dias, os professores do privado também
100 mil computadores a alunos do ensino secundário, estarão impedidos de dar aulas nesses dias?
beneficiários de ação social escolar, e a alguns discentes A igualdade não é uma igualdade matemática, nem
dos outros ciclos de ensino. pode ser imposta como único valor fundamental,
Posto isto, as comunidades educativas prepararam-se aniquilando a liberdade e funcionalizando o indivíduo
para acionar o E@D à custa da resiliência e do empreen- ao coletivo. Como bem escreveu Eduardo Lourenço:
dedorismo dos professores e diretores (recusando-se dei- “Preciso do outro para existir e não posso existir
xar alunos para trás), da colaboração dos encarregados plenamente se o outro é meu duplo. Um de nós está a
de educação (apoio à família), do esforço dos autarcas, mais” (“O Esplendor do Caos”, 1998).
e do préstimo de diversas entidades da sociedade civil. Em acréscimo, para que o Governo conseguisse,
Numa altura aproveitada pelos professores para deli- já tardiamente, reunir idênticas condições de ensino
near a atividade letiva, organizar materiais pedagógicos à distância necessitaria de prorrogar esta medida
e cumprir com o trabalho burocrático, estamos todos proibitiva por várias semanas. Esta opção normativa
cientes das enormes limitações do ensino apelidado de governamental está, assim, ferida de inconstituciona-
emergência, dado acentuar desigualdades e fazer emer- lidade material, por violação do princípio da propor-
gir, exacerbadamente, a injustiça social. cionalidade. Existem, pois, medidas menos gravosas

as autoridades sentem-se impotentes
para lidar com a situação. Resolver este
quadro é extremamente difícil.
Tudo isto é gasolina para as fogueiras
de Ventura. Mas como responde a es-
querda? Fingindo que o problema não
existe. Durante a campanha eleitoral,
sempre que Ventura falava do Rendi-
mento Social de Inserção e dos ciganos,
a esquerda respondia que apenas 3,8%
dos beneficiários são ciganos. Assim,
das 135.428 famílias que beneficiam de
RSI, apenas 5275 são ciganas. Não pare-
ce muito, mas o que a esquerda não diz é
que em Portugal existem cerca de 9500
famílias ciganas. Ou seja, mais de meta-
2
Sobre assobiar para o lado, é
absurdo que Catarina Martins
diga que a votação em Ventura
mostra que a direita tem um
problema. Não é a direita que
tem um problema, somos todos. E tal-
vez quem tenha o pior seja o Bloco de
Esquerda, que nestas eleições ficou re-
duzido a 164 mil votos (3,9%) — curio-
samente, quase a mesma percentagem
considerada ”insignificante” pelo pró-
prio Bloco quando se refere ao RSI
atribuído a pessoas de etnia cigana.
Afinal, em que ficamos?
jvpereira@expresso.impresa.pt
A modalidade de ensino que nos espera é inquietante
e iníqua, a evitar o mais possível, pois muitos dos nossos
jovens não têm nos seus lares as condições propícias para
aprender. Pode alguém estar envolvido nas aprendiza-
gens em face de situações de stresse e intranquilidade
que desmotivam para o estudo? Pode alguém fazê-lo
quando não tem os recursos físicos (espaços) e materiais
(mesas, iluminação...) para (po)usar o computador?
O elevador social — a Escola — funciona (?) com inúme-
ras limitações/desvantagens quando movido pelo E@D
(remedeio), prejudicando os alunos nas aprendizagens
e nas experiências e interações sociais, com impacto
gravoso para os mais vulneráveis, deixando-nos todos a
almejar o regresso, no alcance de uma Educação plena,
quando critérios sanitários o permitam.
do que a pura suspensão de aulas que poderiam ser
implementadas para responder à pandemia. O ensino
online é um cristalino exemplo.
Ora, se é verdade que o ensino online exacerba as
desigualdades sociais entre os estudantes, também
é verdade que é ao Governo que compete, através
das suas políticas públicas, mitigar estas mesmas
desigualdades, por exemplo, através da aquisição de
computadores, garantia de acesso à internet, serviço
de refeições a estudantes carenciados, etc.
Decretar, a talhe de foice, que “as aulas online são
proibidas” é prestar um mau serviço à liberdade de
aprender e ensinar e, paradoxalmente, viola aquilo
que ideologicamente se pugna defender — um ensino
verdadeiramente democrático e ao alcance de todos.

A Semana desenvolver uma nova vacina para

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
ANDEBOL
Eis um desporto que não
costuma fazer primeiras páginas
ou abrir jornais televisivos. Mas a
seleção nacional de andebol
merece uma nota, depois de ter
conseguido a sua melhor
prestação de sempre, com um
10º lugar no mundial, realizado
no Egito.
VACINA
As novas estirpes do vírus
assustam e preocupam. A
começar pela britânica, já
largamente disseminada no nosso
país. Mas há outras. E a Moderna,
um dos fabricantes internacionais
de vacinas, já anunciou que vai
fazer face à chamada mutação
sul-africana do coronavírus,
depois de se perceber que a sua
primeira vacina não é tão eficaz
neste caso.
PRESIDENCIAIS
Marcelo Rebelo de Sousa foi
reeleito, à primeira volta, numas
presidenciais marcadas pela
forte abstenção, na casa dos 60
por cento, pela queda dos
candidatos mais à esquerda, João
Ferreira e Marisa Matias, e
ainda pelo meio milhão
de votos conseguidos
pelo candidato de
extrema-direita André
Ventura.
CARDOSO E CUNHA
Foi deputado do PSD,
foi ministro nos
tempos da AD e
depois tornou-se
o primeiro comissário europeu
português, em 1986, com a pasta
dos assuntos marítimos e das
pescas. Faleceu esta semana.
SETE MINISTROS
E já são sete os ministros do
Governo de António Costa (que é
o maior governo da nossa
democracia) a ficarem infetados
com a covid-19. O primeiro foi
Manuel Heitor (Ciência e
Tecnologia), em outubro. No mês
seguinte foi a vez do responsável
pela pasta do Planeamento,
Nélson Sousa. Seguiram-se, já
este ano, a ministra do
Trabalho, Ana Mendes
Godinho, o responsável das
Finanças, João Leão, o da
Economia,
Pedro Siza
Vieira, a da
Agricultura,
Maria do Céu
Antunes e, finalmente, o
ministro da Defesa,
João Gomes Cravinho.
Além do chefe de
gabinete de António
Costa.
EUA
Joe Biden já está a governar,
e a revogar muitas das políticas
de Trump (ver página 29) e esta
semana teve o seu primeiro
telefonema com Vladimir Putin.
De acordo com a Casa Branca,
armas nucleares, Ucrânia e
Navalny foram temas em cima da
mesa dos dois líderes.
GUTERRES
A propósito do Dia do
Holocausto, o secretário-geral
das Nações Unidas pediu uma
aliança internacional coordenada
contra o crescimento do
neonazismo e da supremacia
branca, xenofobia,
antissemitismo e discurso
do ódio provocado em
parte pela pandemia
da covid-19.
POLÍTICOS
VACINADOS
Com medo de
aproveitamentos
populistas, deixou-se de fora os
políticos da lista de prioritários a
vacinar, nomeadamente os da
primeira linha no combate à
pandemia. A lista foi revista, mas
a polémica manteve-se, agora
com vários deputados a recusar
passar à frente nas prioridades.
PRÉDIO COUTINHO
Há temas de Santa Engrácia no
espaço público português e este
é um deles. Os moradores do
edifício de Viana do Castelo
prometeram sair das suas casas
nos próximos 60 dias, de forma a
que o prédio seja demolido.
Expresso, 29 de janeiro de 2021
Miguel Sousa Tavares
Setembro de 1939
H
á quem diga que não se
pode mudar generais a
meio de uma batalha
ou no seu início, mas
a história está cheia
de exemplos felizes do
contrário. Em Setem-
bro de 1939, quando
Hitler invadiu a Poló-
nia, tornando inevitável a declaração de
guerra das potências aliadas, a Inglaterra
substituiu o optimista primeiro-ministro
Neville Chamberlain, o homem que pro-
metera a paz para uma geração, pelo
pessimista Winston Churchill, o homem
que passara anos a avisar em vão para
o que Hitler preparava e que chegava a
Downing Street nada mais tendo para
prometer do que sangue, suor e lágrimas
— e a vitória ao cabo disso.
Tenho a maior consideração e simpatia
pessoal por António Costa e nem por
um momento duvido de que o que ele
tem enfrentado no último ano nenhum
primeiro-ministro de Portugal antes dele
foi chamado a enfrentar, de perto ou de
longe. Mas todas as pessoas são humanas
e chega sempre um momento em que
quebram. António Costa governou o país
durante a primeira fase da pandemia
com lucidez e capacidade de liderança.
Porém, houve um ponto em que que-
brou. Desde há meses para cá, desde
Setembro talvez, que vem dando cres-
centes e evidentes sinais de cansaço, de
incapacidade de ler os sinais de perigo e
antecipar-se aos problemas, de desnorte
e, ultimamente, até de descrença. Desde
então que em todas as frentes, mas so-
bretudo na frente sanitária, que é a mais
importante, o primeiro-ministro correu
sempre atrás do prejuízo, atrás de espe-
ranças perigosas, atrás de unanimidades
ou certezas impossíveis. Sempre à espe-
ra, sempre atrasado, sempre hesitante.
Noutra profissão ou noutras circuns-
tâncias, pedir-se-ia a António Costa que
fizesse uma pausa para descanso e refle-
xão. Não é o caso: o vírus não faz pausa.
Chegou o momento de o Presidente da
República reflectir a sério se este Go-
verno não deve ser substituído por um
Governo de iniciativa presidencial, um
Governo de emergência nacional, para
durar enquanto durar esta situação de
catástrofe pública. Sem dissolver o Par-
lamento, sem necessariamente despe-
dir todo o elenco do actual Governo,
mas apenas aqueles ministros que lá
não fazem nada ou só atrapalham — e
que são, pelo menos, metade — e sem
preocupações de fazer um Governo de
representação interpartidária, mas sim
formado com base num único critério:
competência e determinação para en-
frentar a crise.
2ª edição
SCIENCE AWARD_
ATLANTIC
VVV
Ʀ@C
OS
2
Os notáveis 61% que Marcelo con-
seguiu na sua reeleição, conseguin-
do ainda acrescentar 140 mil votos
aos de 2016, apesar dos 470 mil
abstencionistas a mais, merecem uma
reflexão. Atacado por todos os outros
candidatos e em pé de igualdade com
todos eles — aliás, até em inferioridade,
pois dispensou-se de fazer qualquer tipo
de campanha —, Marcelo nunca respon-
deu no mesmo pé, nunca resvalou para
o populismo como vários deles, nunca se
afastou do terreno seguro da legalidade
constitucional e do bom senso. Esse ter-
reno, onde se encontrou com 61% dos
portugueses e que lhe deu a vitória em
todos os 308 concelhos do país, é o lugar
onde desde o 25 de Abril se situam, com
uma estabilidade incrível, dois terços
ou mais dos eleitores do PS e do PSD: o
bloco central. Numa altura em que tanto
se fala da ameaça do extremismo de di-
reita (e menos do de esquerda, como se
não existisse por cá), o caso português
é notável porque, apesar de só por duas
vezes, em quase 50 anos, ter permitido
uma maioria absoluta do PS e outra do
PSD, só por uma vez também conduziu
àquilo que em vários outros países teria
sido a solução mais normal na ausência
de uma maioria absoluta de qualquer
deles: uma aliança de Governo entre
ambos. Em vez disso, os dois partidos
Chegou o momento de
o Presidente reflectir a
sério se este Governo não
deve ser substituído por
um Governo de iniciativa
presidencial, um Governo
de emergência nacional,
para durar enquanto
durar esta situação
de catástrofe pública
nucleares do nosso quadro po-
lítico têm optado por procurar
formar maiorias ou à sua direita
ou à sua esquerda — a alternativa
de António Costa. Eu sei que todos
guardamos memórias traumáticas do
Governo do bloco central: são justas no
que refere ao grande regabofe do assalto
aos lugares públicos pelos boys e girls de
ambos os partidos; são injustas no que
se refere ao saldo final desse Governo
Soares/Mota Pinto — recorreu ao FMI
mas debelou uma crise das Finanças do
Estado, a segunda, e negociou com
êxito a entrada de Portugal na UE.
Como quer que seja, os núme-
ros desta eleição presidencial e,
em particular, os da votação em
Marcelo vieram mostra-nos que vivemos
num paradoxo politico. Que a engenhosa
e inédita solução encontrada por António
Costa em 2016 para transformar uma
derrota eleitoral numa maioria de Gover-
no funcionou naquela conjuntura e para
aquela legislatura, com um país farto
de austeridade e ausência de horizonte
e com um ministro das Finanças que
tinha uma alternativa e autoridade para a
impor. Mas que já não é sustentável sem
um acordo escrito e claro entre as partes
e com a sua sobrevivência dependente
de uma militante hostilização ao PSD e
uma sujeição permanente às chantagens
de uma extrema-esquerda que cada vez
é menos confiável como parceira. Mes-
mo sabendo que não é lícito extrapolar
sem mais os votos de presidenciais para
legislativas, também não é proibido so-
brepor o que é sobreponível. Quando
Ana Gomes, representando a esquerda
do PS, anunciou que devolveria o apoio à
sua candidatura de Pedro Nuno Santos,
o ministro 3700 milhões, apoiando-o por
sua vez na candidatura a secretário-geral
do PS, creio que terá sido como juntar o
medo ao susto entre a larga maioria dos
votantes PS, imaginando-a ela Presiden-
te e a ele primeiro-ministro. Hoje, Antó-
nio Costa governa com e para a esquerda
+*
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
do PS, mais o BE, o PCP e o PAN — e con-
tra a vontade de uma larga maioria dos
portugueses. Contrariado, talvez, como
o subentende o seu apoio à candidatura
de Marcelo e a sua evidente aversão
ao dito Pedro Nuno Santos. Mas é
assim que ele governa, pois optou
por sacudir, não só arrogantemen-
te mas até inadvertidamente, qual-
quer apoio do PSD, ficando então nas
mãos destes amigos de ocasião, refém
das suas exigências, das suas ameaças,
das suas particularidades. É assim, por
exemplo, e para não ir mais longe, que
no último Orçamento negociou em troca
do voto do PAN os primeiros alicerces de
um SNS para animais, financiado pelos
contribuintes, numa altura em que o SNS
para pessoas estoira à vista de todos, con-
sumindo vidas, esforços desesperados de
quem lá trabalha e milhões que teremos
de pagar durante décadas.
3
Uma reportagem feita pelo “Diário
de Notícias” na aldeia de Póvoa de
São Miguel, concelho de Moura,
no Alentejo, onde André Ventura
obteve a sua mais alta votação numa fre-
guesia do país (41,2%), explicou melhor
do que quaisquer discursos ou proclama-
ções como é sinistra a sua mensagem,
para mais na boca de quem se exibe
como devoto cristão. Porque se o discur-
so marginal que consiste em isolar uma
comunidade específica como fonte do
mal já é em si mesmo venenoso, o tom
em que ele é feito pode tornar-se incen-
diário encontrando terreno propício
para tal. Mas eu não quero cair na hipo-
crisia: há muitos e graves problemas com
O futuro está
no Atlântico
Candidaturas de 1 a 28 de fev
PRIMEIRO CADERNO 3
populações ciganas que têm de ser en-
frentados com a lei e o Estado de direito
e não fingindo que não existem. Porém,
são populações e não toda uma comuni-
dade. E os problemas são mútuos: entre
eles e as comunidades onde (não) estão
integrados e destas para com eles. Em
Póvoa de São Miguel vivem umas 900
almas, das quais 20% são ciganos. Estão
ali há 60 anos e, no dizer dos outros, os
não ciganos, perfeitamente integrados e
sem problemas nenhuns: os ciganos mo-
ram em casas, têm lojas onde os outros
se abastecem, frequentam-se uns aos
outros, vão aos enterros uns dos outros.
Era assim até ali ter chegado a palavra de
André Ventura. Agora, onde não havia
um problema, passou a haver. Como
disse uma cigana da aldeia, “afinal, eles
são outra coisa por trás”. E porquê? Por-
que, explicou uma habitante branca da
aldeia, “não gosto da maneira como os
ciganos vivem”. Então, vá de votar em
André Ventura, o homem que também
não gosta de nenhuns ciganos. Em todos
os locais do Alentejo onde existem fortes
comunidades de ciganos — Portalegre,
Mourão, Elvas, Estremoz — repetiu-se o
cenário do êxito eleitoral de Ventura. Em
lugar de ter vergonha, o homem rejubila
com isso. Fica feliz por ganhar votos a
espalhar o ódio racial e a semear a in-
tolerância e a desavença entre vizinhos.
Não acharão os bispos portugueses que
poderiam ter umas palavras cristãs para
recordar a André Ventura?
4
Nos seus desatinos populistas de
campanha, defendeu Ana Gomes
a regionalização, já e sem novo
referendo, invocando o estafado
argumento do “imperativo constituci-
onal” e declarando que ela havia sido
“bloqueada” há 20 anos. Quero lembrar
a Ana Gomes que a regionalização não
foi bloqueada: foi chumbada por uma
larga maioria de portugueses em refe-
rendo, apesar de defendida por quase
todos os partidos políticos, o Governo
e o Presidente de então, os sindicatos e
todos os autarcas. Mesmo assim, o não
à regionalização, defendido apenas por
um movimento de cidadãos de que tive a
honra de fazer parte, teve, por exemplo,
cinco vezes mais votos do que agora teve
Ana Gomes na sua oferta presidencial.
E só não se tornou definitivo, afastando
de vez cíclicas ameaças destas, porque
(mais) uma absurda disposição consti-
tucional exige uma maioria de votantes
recenseados para que um referendo seja
vinculativo — o que, no caso, falhou por
pouco. Quando tanto se fala do crescente
afastamento entre a classe política e os
cidadãos, posições como a de Ana Go-
mes, demonstrando um total desrespeito
pela vontade manifestada pelos portu-
gueses contra a da classe política, são um
exemplo eloquente dessas razões.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Marcelo
Rebelo
de Sousa
Presidente
da República
Saiu reforçado das eleições com
uma vitória expressiva. Marcelo Re-
belo de Sousa foi reeleito com 60,7%
dos votos, mais 8,7% do que tinha al-
cançado há cinco anos. O resultado
pode ficar longe dos 70% de Mário
Soares, mas é um dos melhores nu-
ma reeleição e tem a seu favor o fac-
to de surgir como voto de confiança
em circunstâncias que o país nunca
enfrentou.
E BAIXOS
Marisa
Matias
Candidata do BE
à presidência
da República
Em cinco anos, a candidata do Blo-
co passou de pouco mais de 10% dos
votos para 3,9%. Do melhor resulta-
do alguma vez alcançado por uma
mulher em presidenciais para uma
votação que nem permite que o par-
tido tenha acesso à subvenção esta-
tal. Marisa foi vítima da partilha de
eleitorado com Ana Gomes, mas as
prestações da candidata nos debates
já deixavam antever um resultado
aquém do que aconteceu em 2016.
João
Ferreira
Candidato do PCP
à presidência
da República
Do candidato do PCP esperava-se
bem mais do que o resultado de Ed-
gar Silva em 2016. João Ferreira é
eurodeputado e vereador em Lis-
boa. Não lhe falta visibilidade, me-
diatismo e tem sido apontado como
promessa para o lugar de secretá-
rio-geral. Alcançou 4,32% dos vo-
tos (ligeiramente mais do que Ed-
gar Silva) mas até teve menos votos.
O PCP, partido com orçamento mais
alto da campanha, fica mais uma vez
fora da subvenção.
Francisco
Rodrigues
dos Santos
Presidente
do CDS
Um ano depois de ter sido eleito, Ro-
drigues dos Santos vê a sua lideran-
ça fragilizada com a demissão de três
elementos da direção, entre eles o
primeiro vice-presidente. Pertencem
a uma tendência que vale 15% do par-
tido e que foi decisiva para a eleição
do atual líder. Isto na semana em que
Adolfo Mesquita Nunes pediu a reali-
zação de um congresso e se assumiu
como candidato à liderança. Com o
crescimento do Chega e da IL, a crise
de sobrevivência do CDS está à vista
em todas as sondagens. E nem a cola-
gem de Rodrigues dos Santos à vitó-
ria de Marcelo Rebelo de Sousa (que
vale por si só) contribuiu para uma
boa imagem do partido.
José
Calixto
Presidente da CM
de Reguengos
de Monsaraz
Foi vacinado contra a covid sem fa-
zer parte dos grupos prioritários.
Beneficiou do facto de ser, por ine-
rência, presidente da Fundação que
gere o lar de Reguengos de Monsa-
raz onde um surto já matou 18 pes-
soas. Assim se contornam os cri-
térios definidos para a população
em geral e se dá um mau exemplo
à comunidade. Inacreditavelmente,
não é exemplo único.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Exames “Avaliação à
distância não é justa, por
não ser imune à fraude”
Exames do superior foram,
em regra, adiados para época
especial, por ser impossível
controlar ‘falsos alunos’
António Sousa Pereira, presidente
do Conselho de Reitores das Univer-
sidades Portuguesas (CRUP), justifi-
ca o adiamento de parte dos exames
presenciais do primeiro semestre
e do período de recurso para uma
época extraordinária no final do ano
letivo, por ser “impossível controlar”
os ‘falsos’ alunos. “Hoje em dia, a in-
formática permite tudo”, adverte. O
reitor da Universidade do Porto (UP)
defende que a avaliação à distância
“não é um sistema justo, por não
ser imune à fraude”, afirmando que
por isso os próprios estudantes não
querem ser avaliados dessa forma,
com o receio de serem prejudicados
em relação a colegas de maiores re-
cursos económicos.
“Temos denúncias de vários casos
de profissionais de múltiplas for-
mações que se ofereciam nas redes
sociais para realizarem exames me-
diante o pagamento de avultadas
quantias”, refere António Sousa Pe-
reira, razão que levou “muitas uni-
versidades” a não repetirem a expe-
riência de provas não presenciais do
ano letivo passado.
O Cartoon de António A nova seara? Porra!
UE Governo avança
com direitos digitais
Privacidade, algoritmos justos
e testamento digital figuram
na proposta apresentada aos
27 Estados-membros
A presidência portuguesa da União
Europeia (UE) prevê aprovar, du-
rante o seu mandato, uma Declara-
ção Europeia dos Direitos Digitais.
O Governo já redigiu uma proposta,
que tem vindo a servir de base a con-
versações entre Estados-membros.
Estão já identificados 12 direitos digi-
tais. No Ministério da Economia, há a
expectativa de que o documento seja
aprovado na assembleia digital que se
realiza em Lisboa, em junho.
Apesar de salientar que as universi-
dades dispõem de estruturas amplas
para realização de exames — pavi-
lhões da Faculdade do Desporto, no
caso do Porto, ou o Estádio Universi-
tário, em Lisboa —, de uma maneira
geral houve um apelo dos reitores
para que fossem substituídos, “sem-
pre que possível”, por outras formas
de avaliação, como relatórios ou tra-
balhos. Na UP, após o encerramento
das escolas, a maioria das provas foi
transferida para a época especial,
arrancando as atividades letivas 10
dias mais cedo, a 8 de fevereiro, to-
talmente em regime virtual até ao
final do confinamento geral do país.
Contra a corrente, o reitor da UP
discorda de que o fecho das escolas,
do básico ao ensino superior, tenha
pecado por tardio, dado “o impacto
negativo” no desenvolvimento de
crianças e jovens. “É uma medida
só justificável como último recurso,
Fechar as escolas médicas
é um erro. Os finalistas
podem apoiar o SNS e
aprendem a lidar com
eventos pandémicos
A declaração tem por objetivo
“tornar a UE uma referência e um
parceiro confiável no mundo digital,
que se distingue de outros países e
regiões”, refere André de Aragão
Azevedo, secretário de Estado para
a Transição Digital. Ainda que a prio-
ridade seja a UE, o Governo admite
que países da América Latina e Áfri-
ca, bem como as maiores platafor-
mas tecnológicas, possam assinar
a declaração. Em paralelo com a
declaração proposta pelo Governo
aos Estados-membros, o Grupo Par-
lamentar Socialista apresentou na
Assembleia da República um projeto
de Carta de Direitos dos Cidadãos na
até porque — todos os dados recolhi-
dos em Portugal o demonstram — os
casos registados nas comunidades
educativas estão quase sempre rela-
cionados com o ambiente familiar e
social”, diz.
António Sousa Pereira defende
o rápido reinício das aulas, para já
fora das salas, lembrando o risco de
ter milhares de jovens desocupados:
“Juntam-se nas casas uns dos outros.
É a natureza, não fomos feitos para
estar sozinhos. Se, para um adulto,
é um martírio, para um jovem é in-
sensato pedir que não convivam uns
com os outros.”
Universidades pouco afetadas
O líder do CRUP garante que as
universidades têm, no geral, esca-
pado a surtos, por ter sido adotado
um regime letivo misto, com aulas
presenciais e online, para evitar ajun-
tamentos nas instalações escolares.
“Têm sido cumpridas todas as regras
sanitárias, desde o afastamento físico
nas salas, a higienização dos espaços
e o respetivo arejamento”, refere o
médico e ex-diretor do Instituto de
Ciências Biomédicas Abel Salazar
(ICBAS).
Na UP, Sousa Pereira optou por
fazer um estudo serológico aberto a
toda a população universitária antes
das férias grandes, repetido antes
do Natal. “Não obrigámos ninguém,
nem podíamos, já que não somos
uma autoridade de saúde, mas hou-
ve grande adesão”, nota, referindo
terem sido recomendados testes de
antigénio a quem estivesse com ati-
vidades presenciais, fossem alunos,
docentes ou funcionários. “Teve a
vantagem de identificar positivos as-
sintomáticos mesmo antes do Natal”,
Era Digital, com propósitos simila-
res, mas de âmbito nacional.
Aragão Azevedo acredita que a
declaração que vier a ser aprovada
pelos Estados-membros “deverá fun-
cionar como o reconhecimento efe-
tivo dos direitos digitais”. O vínculo
que os direitos digitais terão nas leis
comunitárias ainda “está a ser avalia-
do”, informa.
Liberdade e... privacidade
O documento pretende dar resposta
a algumas das tendências e ameaças
que hoje ocorrem no uso das tecno-
logias em geral e da internet em es-
pecial. A presidência portuguesa da
UE já definiu 12 direitos digitais, mas
a declaração ainda poderá registar
alterações durante as conversações
com os Estados-membros.
O primeiro direito pretende salva-
guardar a identidade digital, tanto
em termos de imagem pública como
de autenticação. Também consagra o
Expresso, 29 de janeiro de 2021
adianta Sousa Pereira, que explica a
grande adesão com o facto de quere-
rem estar em família com o menor
risco possível.
Segundo o reitor, o rastreio à co-
munidade académica permitiu ainda
saber que nos 14 dias antes do fecho
das escolas a UP registava 259 casos
por 100 mil universitários, professo-
res e funcionários, quando no mesmo
período a cidade do Porto tinha 688
casos por 100 mil habitantes, “o que
significa que a incidência na popula-
ção universitária é inferior a metade
da incidência da área territorial em
que o campus está instalado”.
Estes dados são similares aos das
restantes universidades e politécni-
cos do país, de acordo com o acompa-
nhamento feito até agora, em colabo-
ração com as autoridades de saúde.
Tal como o diretor da Faculdade
de Medicina do Porto, Altamiro Cos-
ta Pereira, também o reitor da UP
considera ser “contraproducente” o
encerramento das escolas médicas.
Um e outro argumentam que os fina-
listas estão integrados em hospitais e
podem apoiar o SNS “nesta altura de
extrema pressão”. “Sendo médico,
sempre defendi que esta é uma opor-
tunidade única para os estudantes de
Medicina aprenderem a lidar com
eventos pandémicos e de catástrofe”,
refere, seguro de que os futuros mé-
dicos estão “disponíveis e ansiosos”
por darem o seu contributo.
É como médico que defende que os
primeiros ciclos devem ser os primei-
ros a regressar às aulas, sustentando
que manter os mais jovens muito
mais tempo confinados terá “efeitos
perversos na saúde mental, de difícil
recuperação”.
Isabel Paulo
ipaulo@expresso.impresa.pt
direito à privacidade e a preservação
da neutralidade da internet, que ga-
rante que todos os conteúdos e servi-
ços são tratados em pé de igualdade
para efeitos de gestão de tráfego das
redes de telecomunicações. Algo-
ritmos de inteligência artificial que
respeitam direitos individuais, liber-
dade de expressão e de associação e
proteção de crianças são outros dos
quatro direitos propostos. O docu-
mento também proclama o direito
à educação e à literacia digital e à
transparência dos contratos e con-
dições apresentados pelas platafor-
mas tecnológicas. Ainda que pareça
paradoxal, nos últimos quatro direi-
tos digitais destaca-se a necessidade
de criar alternativas analógicas aos
serviços digitais. Direitos de autor,
direito ao testamento digital e direi-
to de ação judicial contra o que se
passa no ambiente digital fecham o
documento.
Hugo Séneca
hseneca@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
Lei eleitoral
PS e PSD
em silêncio
sobre
mudança
Marcelo lançou
o repto, mas bancadas
dos dois maiores
partidos nada fizeram
O PSD recusou “quaisquer co-
mentários” e o vice-presidente
da Comissão dos Assuntos Cons-
titucionais, José Magalhães, ga-
rante que “neste exato momen-
to não há decisões tomadas”.
A bancada socialista reuniu-se
ontem, mas a ideia lançada pelo
Presidente da República de “re-
ver o que deve ser revisto” na
legislação eleitoral está fora da
ordem dos trabalhos dos dois
maiores partidos parlamentares.
Foi um dos temas que marca-
ram a campanha eleitoral, com
as queixas várias sobre o arqueís-
mo da lei eleitoral, desenhada
nos idos de 1975, e que, por isso
mesmo, ainda dificulta os votos
da emigração, obriga a um dia
de reflexão, não contempla o voto
eletrónico ou restringe a possibi-
lidade de suspensão dos atos elei-
torais mesmo perante os cenários
das piores catástrofes. Marcelo
reconheceu que esta revisão seria
um dos desafios do seu próximo
mandato, mas, passada a conta-
gem de votos, a ideia parece estar
a ser colocada no fim da lista de
prioridades legislativas por parte
dos maiores partidos parlamen-
tares. Uma mudança nas leis elei-
torais, recorde-se, obrigaria a um
entendimento alargado no Parla-
mento, por se tratar de matérias
de valor reforçado ou mesmo de
natureza constitucional.
A pandemia e o novo estado
de emergência, por um lado, ou
a discussão da lei da eutanásia
ocuparam a semana política do
pós-presidenciais. A revisão das
leis eleitorais ficou adiada sine
die. Nada de novo, acrescenta,
aliás, José Magalhães. O deputa-
do socialista e vice-presidente da
Comissão parlamentar dos As-
suntos Constitucionais (por onde,
necessariamente, uma revisão
destas matérias terá de passar)
já viveu situações semelhantes.
“Passado o tremor, começa um
longo período de esquecimento
até às próximas eleições”, admite
José Magalhães.
Ex-secretário de Estado da Ad-
ministração Interna, o deputa-
do socialista admite que, depois
do “passo enorme” dado com o
recenseamento eletrónico, está
aberto o caminho para a intro-
dução do voto eletrónico, que
acabaria com grande parte das
dificuldades das votações, seja
dos emigrantes, seja dos eleito-
res residentes mas que tenham
dificuldades de deslocação às
mesas de voto. “Não há nenhu-
ma dificuldade tecnológica, esta
é apenas uma questão política”,
diz José Magalhães, para quem
seria “bom que os partidos to-
massem responsabilidades nesta
matéria”.
O repto deixado por Marcelo
Rebelo de Sousa é bem-vindo, e
o Presidente da República está
“em condições absolutamente
ótimas” para levar a cabo esta
empreitada, diz o deputado
socialista. Oficialmente, nem
PSD nem PS tomaram até ago-
ra qualquer iniciativa. Mas na
rubrica habitual da TSF Carlos
César considerou “importante”
a proposta do chefe de Estado,
enquanto David Justino lembrou
que o PSD “já vem a falar de al-
gumas reformas do sistema polí-
tico há algum tempo”.
Rosa Pedroso Lima
rlima@expresso.impresa.pt
A vacinação nos lares foi
acelerada por causa da
alta incidência e letalidade
entre os mais velhos
FOTO ANTÓNIO ARAÚJO/LUSA
População com mais de 80 anos já tem 1800 novos casos
por 100 mil habitantes. Surtos em lares duplicaram em 20 dias
e há mais de 11 mil casos ativos nestas instituições.
Dois terços dos óbitos aconteceram neste grupo etário
Idosos já passam
os jovens em infeções
Texto Isabel Leiria
e Raquel Albuquerque
A
Infografia Sofia Miguel Rosa
população com
mais de 80 anos é
agora o grupo etá-
rio com o maior
número de casos
de covid por 100
mil habitantes, ten-
do ultrapassado os
jovens dos 20 aos
29 anos. Com 1825 novas infeções por
100 mil habitantes em duas semanas,
os idosos estão agora acima da média
a nível nacional (1568). Os especialistas
veem com preocupação a elevada in-
cidência nos mais idosos, uma vez que
são o grupo mais suscetível à doença e
com maior letalidade, representando
já dois terços das mortes por covid
(7809 até quarta-feira, num total já
superior a 11.600).
Na última semana, em média, houve
diariamente mais mil novos infetados
acima dos 80 anos. Foi neste grupo
que a incidência mais cresceu desde
o início de janeiro e somam-se já 21
mil casos de covid entre os idosos só
este ano, tantos quantos os que foram
registados entre abril e novembro. A
evolução repete-se noutros grupos
etários, em resultado da subida expo-
nencial de infeções em Portugal nas
últimas semanas, só que o impacto
da incidência nos mais velhos é muito
maior na mortalidade. E o pior é que
a letalidade na faixa etária acima dos
80 anos é “a que mais tem crescido”,
como sublinha Carlos Antunes, ma-
temático da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa.
Exceto num curto período em de-
zembro, os jovens entre os 20 e os 29
anos eram, desde maio, o grupo com
mais casos. Há uma semana a situa-
ção mudou. Têm agora 1750 novas
infeções por 100 mil pessoas, seguidos
pelo grupo dos 30-39 anos (1687 novos
casos) e dos 40-49 (1662). Abaixo da
média estão as crianças até aos nove
anos (1055) e a população entre os 60
e os 79, que os especialistas acreditam
estar menos exposta por ter maior
autonomia e capacidade de proteção.
Um dos locais de transmissão entre
os idosos tem sido os lares, onde no
início da semana havia 11.543 casos de
covid. Em apenas 20 dias, o número
PRIMEIRO CADERNO 5
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO CORRER ATRÁS
DO PREJUÍZO
“As coisas estão
a correr muito mal”
António Costa
Primeiro-ministro, à TVI 24
PRÉMIO EMERGÊNCIA
NACIONAL
“O Governo português
está a acionar todos
os mecanismos de que
dispõe, designadamente
no quadro
internacional, para
garantir que presta
a melhor assistência
aos utentes”
Marta Temido
Ministra da Saúde, à RTP, sobre o pedido
de ajuda internacional
PRÉMIO AUMENTAR
AS EXPECTATIVAS
“Os portugueses
querem mais e melhor,
entendo o sinal e
retirarei as ilações. [...]
o segundo mandato
não é um cheque
em branco”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente reeleito
PRÉMIO QUANTOS SÃO?
“PSD, ouve bem! Não
haverá Governo em
Portugal sem o Chega”
André Ventura
Candidato à presidência da República
PRÉMIO UMA QUESTÃO DE TOM
“Com este Chega é
impossível conversar”
David Justino
Vice-presidente do PSD
INCIDÊNCIA DE NOVOS CASOS DE COVID-19 POR FAIXA ETÁRIA
Dados recolhidos a 27 de janeiro. Total de novos casos em 14 dias por 100 mil habitantes
PRÉMIO NINGUÉM ME CALA
1600
1825 80+ ANOS “Lamento a não
20 – 29
1751 comparência a estas
1687 30 – 39
1200
1662 40 – 49
eleições do meu
1523 50 – 59 partido, o PS. [...] nunca
800
1462 10 – 19 me reformarei
1170 60 – 69
400
1055 0–9
da política enquanto
1006 70 – 79 cá andar nesta vida”
0
Ana Gomes
OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO JANEIRO 2021 FEVEREIRO Candidata à presidência da República
FONTE: DGS E INE
PRÉMIO O PESO DA DERROTA
de surtos nestas instituições mais do babilidade de essa ação ter consequên- “Dei o melhor de mim.
que duplicou, passando de 184 a 5 de cias é muito maior do que em qualquer
janeiro para 395 na passada segun- outro momento da pandemia”, subli-
Os resultados não
da-feira, segundo a Direção-Geral da nha Elisabete Ramos, defendendo o são o que esperei”
Saúde. Contam-se cerca de 430 óbitos reforço da mensagem de “prevenção” Marisa Matias
em lares na última semana, num total junto de idosos e jovens. Candidata à presidência da República
de três mil desde março. Nos mais de 80 anos, essa mensa-
gem é importante, “pelas implicações PRÉMIO EM NEGAÇÃO
Mortes continuam a aumentar que a infeção nestas idades tem na “Nós aguentámo-nos
pressão sobre o sistema de saúde e bem, crescemos num
O número de óbitos diários por covid na mortalidade”, defende. “E nos jo-
voltou a subir esta semana, atingindo vens dos 20 aos 29 anos, por poderem quadro de grande
um máximo de 303 na quarta-feira ser um veículo de transmissão para condicionalismo”
(dados divulgados na quinta), sendo os mais velhos, mas também porque, Jerónimo de Sousa
a região de Lisboa a mais afetada. “A enquanto a incidência se mantiver tão Secretário-geral do PCP, sobre o resultado
incidência nas pessoas acima dos 80 alta, haverá contágios de todos os gru- do candidato à presidência da República
anos aumentou de 62 para 150 casos pos, incluindo dos mais vulneráveis.” João Ferreira
diários por 100 mil pessoas desde o A chave, reforça, é “evitar os contactos
início de janeiro. Tal justifica o claro desnecessários”. PRÉMIO XEQUE AO REI
aumento nos internamentos em en- Perante o agravamento da incidên- “A crise de
fermaria, nos cuidados intensivos e, cia, e depois de vários apelos nesse sobrevivência que
finalmente, os óbitos. É nesta faixa sentido, a população com mais de 80
etária que se devem centrar todas anos passou da 2ª para a 1ª fase do pla-
o CDS atravessa não
atenções”, defende Milton Severo, no de vacinação, anunciou a ministra conseguirá ser resolvida
investigador do Instituto de Saúde da Saúde esta semana. A aceleração da com esta direção.
Pública da Universidade do Porto. vacinação dos profissionais e utentes Daqui a um ano será
Perante o nível de risco de trans- de lares também já tinha sido decidida
missão tão elevado, “é difícil evitar” — deve estar concluída em março — e tarde demais”
surtos nos lares, admite Elisabete o objetivo é ter também neste perío- Adolfo Mesquita Nunes
Ramos, presidente da Sociedade do “340 mil pessoas com mais de 80 Ex-dirigente do CDS, no “Observador”,
Portuguesa de Epidemiologia. “Não anos vacinadas (sem contar com as a defender a realização de um Conselho
Nacional e a convocação de um
diria que são inevitáveis, porque há que estão incluídas noutros grupos congresso eletivo
instituições que têm escapado. Mas, prioritários), metade das quais com
se calhar, o nível de cuidados tem de as duas doses tomadas”, anunciou o PRÉMIO SÓ QUANDO JÁ NÃO
aumentar em proporção da transmis- coordenador do plano da vacinação, HOUVER NADA PARA DISCUTIR
são na comunidade.” Francisco Ramos.
A maioria dos óbitos nesta faixa etá- O impacto significativo da prote-
“Não se convocam
ria ocorre, no entanto, fora dos lares, ção dos mais vulneráveis na redução eleições no CDS por dá
muitas vezes em ambiente familiar. dos internamentos e óbitos deverá ser cá aquela palha”
“Há um cansaço acumulado que leva sentido apenas em março. Para já, os Francisco Rodrigues dos Santos
as pessoas a correrem mais riscos e sinais que vêm de Israel, um dos países Presidente do CDS, em resposta
a pensar: ‘Depois de um esforço tão que mais população vacinou até agora, a Adolfo Mesquita Nunes
grande durante tanto tempo, vou fazer são positivos, com uma quebra muito
isto só hoje’. O problema é que, com visível das hospitalizações. Paula Santos
mais infeções na comunidade, a pro- ileiria@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

POLÍTICA PRESIDENCIAIS

308
NO RASTO DE SOARES RESULTADOS GLOBAIS
Eleições presidenciais 2021 “O SEGUNDO
SONHO Não chegou para igua-
lar os 70% de Mário Soares em
MANDATO NÃO É UM
1991, mas a vitória de Marcelo
é o segundo melhor resultado Nunca um Presidente tinha
Marcelo R. Sousa 60,7%
2.533.787 votos CHEQUE EM BRANCO.
numa reeleição. Os candida- ganho todos os concelhos do Ana Gomes 12,97%
541.337 votos ENTENDI O SINAL E
TIRAREI AS ILAÇÕES.
tos-Presidentes têm melhores país. O anterior máximo era 11,90%
resultados do que nas primei- de Mário Soares, em 1991, André Ventura 496.651 votos
ras corridas, exceção feita a Ra-
malho Eanes, que ganhou em
com 295 — Carlos Carvalhas
‘roubou-lhe’ nove, sobretudo João Ferreira 4,32%
180.474 votos OS PORTUGUESES
1976 com 61,54% dos votos e em
1980 foi reeleito com 56,47%.
no Alentejo. Jorge Sampaio
foi o único reeleito com Marisa Matias 3,95%
164.688 votos QUEREM MAIS
A concorrência muda tudo.
“Mário Soares teve o apoio dos
menos de metade dos
concelhos (140). E Soares, em Tiago Mayan 3,22%
134.415 votos
E MELHOR”
dois maiores partidos e o PSD 1986, ganhou apenas oito, 2,94%
na altura [auge do cavaquismo] mas teve votos para levar Vitorino Silva 122.745 votos Marcelo Rebelo de Sousa
valia 50%”, disse Marcelo, des- Freitas do Amaral a uma Presidente da República
pedindo-se do sonho. segunda volta. E derrotá-lo FONTE: MAI no discurso após ser reeleito

2º mandato Conseguiu uma reeleição histórica e apanha o país péssimo.

O Governo conta com ele. Marcelo diz que não muda mas quer mudanças

“O PR é o mesmo
mas as situações
vão mudando”
Depois, passado o verão, vêm as au- Distanciando-se do processo, o Pre-
Texto Ângela Silva
tárquicas e sobre elas Marcelo Rebelo sidente da República tenderá nesta

M
Foto Tiago Miranda
arcelo Rebelo de
Sousa mal sabo-
reou a enorme vi-
tória que teve no
domingo, quando
no meio de uma
pandemia, de te-
mores de uma se-
gunda volta e de
uma expectável abstenção recorde,
conseguiu ser reeleito à primeira volta
com 60% (mais 10% do que há cinco
anos), apesar da fuga de eleitores que
de todo o lado mas muito da sua área
política escolheram castigá-lo votando
em André Ventura. Pouco mais de 24h
depois, Marcelo escolheu para primeiro
ato público do seu segundo mandato
surgir ao lado do primeiro-ministro, em
“união total” (a expressão é sua) pelo
combate à pandemia. E até ao verão vai
ser assim — com Ventura ou sem Ven-
tura, o Presidente vai manter-se ao lado
do Governo numa espécie de liderança
bicéfala, a gerir a catastrófica situação
em que o país se encontra.
Logo na terça-feira à noite, com o
Hospital Amadora-Sintra a ter que
deslocar doentes por falta de oxigé-
nio, Marcelo esteve até altas horas em
contacto com a ministra da Saúde. E
vai ser assim, pelo menos nos próxi-
mos seis meses, com o PR a assumir
um papel reforçado no acompanha-
mento das tomadas de decisão sobre a
crise. Cabe-lhe ir decretando o estado
de emergência, coisa que o Presidente
não exclui, segundo disse ao Expres-
so, ter que prolongar até ao verão.
Cabe-lhe dar cobertura ao atual con-
finamento apertado do país e as suas
previsões apontam para mais dois
meses. E agora, reforçado pela reelei-
ção folgada e liberto da dupla pele que
teve que vestir nos últimos meses en-
tre Presidente em pandemia e candi-
dato em campanha eleitoral, Marcelo
estará mais livre para assumir um
também reforçado protagonismo no
processo. Sempre na máxima unidade
possível com o Executivo, mas atento
aos apoios para a crise económica e
social, ao cumprimento do processo
de vacinação e ao plano para aplicar
de Sousa disse em 2018 o que pensa:
que são potenciais pontos de viragem
nos ciclos políticos. Desta vez com
razões adicionais, perante um PSD
que não passa dos 25% nas sondagens
e de um CDS que quase desaparece.
O acordo entre Rui Rio e Francisco
Rodrigues dos Santos, que entretanto
tem a cabeça a prémio no partido, não
se sabe o que produzirá em termos de
candidaturas. Mas sabe-se que os re-
sultados dos dois partidos, coligados
ou cada um por si, nas autárquicas
de outubro, condicionarão a agenda
do congresso do PSD previsto para o
início de 2022. E não é líquido que a
liderança de Rui Rio sobreviva.
Com Passos ou sem Passos
O regresso de Pedro Passos Coelho
voltou a ser tema no partido, o pró-
prio reapareceu recentemente para
atacar o Governo e manter a chama
viva, nada estará decidido, mas do que
vier a acontecer nesta frente depen-
derá parte do segundo mandato do
Presidente reeleito. Com Passos ou
com Rio, esta será a fase dos jogos
partidários e Marcelo tenderá a não
se imiscuir. Apenas fará votos para
que, finalmente, fiquem criadas as
condições para os eleitores terem duas
frentes claramente diferentes para
poderem escolher. É isso que ele pede
há muito — uma alternativa forte que
passará sempre pelo PSD. Seja Rio a
protagonizá-la através de coligações,
seja Passos a aglutinar votos do CDS,
do Chega e do IL, fortalecendo o maior
partido da oposição.
ATÉ AO VERÃO, É “UNIÃO
TOTAL” COM O PM
CONTRA A PANDEMIA.
DEPOIS, OU VEM UMA
SOLUÇÃO DE GOVERNO
ESTÁVEL, OU MARCELO
fase a afastar-se dos jogos partidári-
os, sem ceder à ajuda que a esquerda
espera dele, mas sem dar qualquer
sinal de estar em campanha pela res-
surreição da direita. Não lhe faltará
agenda alternativa, seja no acompa-
nhamento da situação económica e
social, com incursões pelo terreno
junto de empresas ou de focos de po-
breza. Seja a ajudar a cozer maiorias
para aprovar Orçamentos e evitar
crises políticas.
Os muitos socialistas que o apoia-
ram na recandidatura no pressupos-
to de que contam com ele para ser
“idêntico” ao que foi nestes cinco anos
não o verão passar para a oposição.
Mas Marcelo Rebelo de Sousa admite,
numa declaração ao Expresso, que “o
Presidente é o mesmo, mas as situa-
ções vão mudando”. Da mesma forma
que nunca sufragou a tese segundo
a qual andou com o Governo socia-
lista ao colo, o Presidente costuma
contrapor que fez o que entendeu
ser melhor em cada momento e que
se em momentos diferentes atuou de
forma diferente é isso que tenciona
fazer no futuro.
O terceiro ciclo do seu segundo man-
dato, após as legislativas, é que mais
suscita expectativas. Porque ou as
eleições de 2023 dão um Governo de
esquerda sólido (com Costa, sem Cos-
ta?) e Marcelo poderá sempre repetir
a frase do seu amigo Guterres — “é a
vida!”; ou a direita chega lá de forma
consistente e Marcelo terá cumprido
o sonho de qualquer Presidente, que
é ver a sua família política chegar ao
poder. O que o PR menos quererá é
uma solução em que nem direita nem
esquerda consigam garantir-lhe con-
dições de governabilidade.
“Aí é um problema”, tem reconhe-
cido Marcelo Rebelo de Sousa, sobre-
tudo se o país não tiver superado a
crise que ele próprio já admitiu poder
prolongar-se até 2023. O coro dos
que lhe pedirão governos de iniciativa
presidencial ou soluções de Bloco Cen-
tral (Miguel Sousa Tavares fá-lo hoje,
nesta edição do Expresso) tenderá a
aumentar. E o Presidente, que sempre
foi contra uma coisa e outra e que re-
petiu na campanha que o desejável é

SERÁ PRESSIONADO
os fundos que entretanto deverão haver dois polos diferentes e os eleito-
começar a chegar de Bruxelas. Será res que escolham, pode ter que parar.

A PÔR A MÃO NA MASSA

o primeiro ciclo do seu desafiante Para pensar no que menos deseja.
segundo mandato em Belém. avsilva@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
PIOR MARCELO
ACIMA DA MELHOR
ANA GOMES
DIFERENÇA A vitória de Marcelo
é de tal forma expressiva que o
Presidente não só venceu to-
dos os concelhos como aquele
em que teve pior resultado —
Moura, no Alentejo, com 39%
dos votos — é, mesmo assim,
superior ao melhor resultado
do segundo classificado, Ana
Gomes. O município com uma
percentagem de votos mais alta
na candidata socialista foi o Por-
to, onde não foi além de 20,1%.
29
O candidato Marcelo de 2016
só derrotaria o Marcelo de
2021 em 29 concelhos. A
maior diferença é em
Oliveira do Bairro, onde o
Presidente reeleito perdeu 10
pontos percentuais. Há nove
municípios em que os
resultados são semelhantes
nas duas corridas e 170 em
que Marcelo se supera. Aliás,
até ao Mário Soares de 1991
este Marcelo de 2021
ganharia em 43 concelhos
Marcelo após reeleito:
“O mais urgente é a
pandemia”, para
“podermos passar ao
resto, tão essencial, que
temos que fazer”
“FELICITO
CALOROSAMENTE
MARCELO REBELO
DE SOUSA, COM
VOTOS DAS MAIORES
FELICIDADES,
EM PROFÍCUA
COOPERAÇÃO
INSTITUCIONAL”
António Costa
Primeiro-ministro
Estava escrito que as presiden-
ciais ditariam uma mudança de
ciclo no CDS. As bases prome-
tiam recolher assinaturas para
apear Francisco Rodrigues dos
Santos, mas acabou por ser
Adolfo Mesquita Nunes a abanar
o partido. O ex-secretário de Es-
tado do Turismo escreveu que os
democratas-cristãos enfrentam
uma “crise de sobrevivência” e
de uma nova liderança; António
Pires de Lima concorda e pede
que não se arranjem subterfúgi-
os para travar a disputa interna.
“Espero que o Congresso se
realize mesmo. É importante
que o momento de clarificação
seja agora”, afirma o ex-ministro
da Economia, que considera im-
portante que “não se fuja dele”,
empurrando-o para outros ca-
lendários. Sem o referir, o recado
tem um destinatário: Nuno Melo,
que, em entrevista ao “Público”
e à Renascença, confirmou estar
disponível para ser candidato,
mas apenas em 2022.
Pires de Lima tem um enten-
dimento diferente e apela a que
“não se deixe a atual direção
em agonia ou em lume brando
mais um ano”. Quanto à even-
tual candidatura de Mesquita
Nunes, principal rosto da ala li-
beral do CDS, o antigo dirigente
deixa implícito o apoio. Gaba-lhe
a “coragem política" e a “enorme
generosidade pessoal” por dar
sinais de estar pronto a avançar
para o combate.
“Eu sei que o Adolfo vai ter
de renunciar a muito profissio-
nalmente. Tem uma carreira
bem lançada e que está a con-
Rui Rio pode ter testemunha-
do o “esmagamento claro da
esquerda” e, em simultâneo,
não ter detetado uma “coisa
brutal” no resultado de André
Ventura nas presidenciais, mas
a leitura do líder do PSD está
longe de ser acolhida pelo par-
tido. Os 497 mil votos que o
presidente do Chega alcançou
deixam o aparelho em estado
de alerta. Paulo Rangel perce-
beu a emergência e fez questão
de dar sinais, em artigos que
escreveu, de que os sociais-de-
mocratas não podem ficar de
braços cruzados.
Os remoques do eurodeputa-
do não foram inocentes, apurou
o Expresso. Para o antigo líder
parlamentar do PSD, chegou a
hora de se distanciar da atual
direção do partido e de marcar
o seu espaço rumo às próxi-
mas diretas, no início de 2022.
Rangel sabe que até entre os
apoiantes de Rio a insatisfação é
crescente: seja pela alegada pro-
ximidade ao PS em várias maté-
rias, seja pela incapacidade de o
partido descolar nas sondagens,
ou mesmo por uma possível des-
mobilização dos militantes nas
próximas autárquicas.
Logo na segunda-feira, o vice-
-presidente do Partido Popular
Europeu deixou um aviso no
“Jornal de Notícias”, sublinhan-
do que os números obtidos por
Ventura obrigam o centro-di-
reita “a pensar e a agir” rapida-
ABSTENÇÃO NAS PRESIDENCIAIS
Em percentagem
60
50
40
38
33,6
30
24,6 24,4
21,8
20
15,8
10
1ª 2ª
volta volta
0
1976 1980 1986 1986 1991 1996 2001 2006 2011 2016 2021 2021
* ABSTENÇÃO SEM CONTAR COM O RECENSEAMENTO AUTOMÁTICO DE 1,3 MILHÕES DE EMIGRANTES
CDS Pires de Lima
quer Congresso
e incentiva Adolfo
Deputados ao lado do antigo ‘vice’ do CDS. Rodrigues
dos Santos está a ser pressionado pelos seus
apoiantes para aceitar o desafio de Mesquita Nunes
solidar”, salienta Pires de Lima
para explicar que esse percurso
será penalizado se o antigo vice-
-presidente de Assunção Cristas
“entregar a vida ao CDS se for
essa a escolha dos militantes”.
Deputados querem mudança
Perante o turbilhão — agravado
com as demissões da Comissão
Executiva de Filipe Lobo d’Ávila,
Raul Almeida e Isabel Menéres
Campo —, surgem cada vez mais
vozes a reivindicar que o partido
troque de líder e altere o rumo.
João Almeida, que disputou a
presidência com Rodrigues dos
Santos, foi o primeiro deputado
a pronunciar-se, e agora também
Ana Rita Bessa (que esteve na
direção de Cristas com Mesqui-
ta Nunes) confirma de que lado
estará. “Face a tantos sinais que
evidenciam uma situação difícil
do CDS — seja sondagens que
mostram que o partido vem per-
dendo relevância, com o espaço
mediático a esvaziar-se em conse-
quência disso, seja a própria base
PSD Rangel marca
terreno para o
pós-autárquicas
Eurodeputado escreveu dois artigos com
críticas implícitas à estratégia de Rui Rio.
Daqui para a frente, continuará a demarcar-se
mente. Rangel considera que o
eleitorado “que vai da direita ao
centro e que passa pelos ‘desen-
cantados’ reclama, com mais ur-
gência do que antes, uma alter-
nativa forte, credível e presente
ao apodrecimento do país”.
Nas entrelinhas, estava a críti-
ca a Rio pela estratégia de opo-
sição suave. “O vácuo produzido
por Costa não pode ser ocupado
pelo Chega e por Ventura”, re-
forçou. No dia seguinte, voltaria
à carga no “Público”, prevenin-
do PSD e CDS para “os riscos de
o voto de protesto se volver em
voto estrutural e sistémico”. A
mensagem das presidenciais foi
“ostensiva”: “Só uma oposição
sistemática, forte, presente e do-
tada permanentemente de uma
agenda alternativa pode evitar
o enraizamento de uma direita
radical, de sinal populista.”
Tal como na questão da no-
meação do procurador euro-
60,5
50
53,5
51,3
45*
38,5
de apoio da direção a demarcar-
-se —, só posso ver com muito
entusiasmo que haja pessoas que
queiram mobilizar e protagoni-
zar uma energia nova e uma vida
de renovada representatividade”,
diz a deputada em declarações ao
Expresso. E não se furta à respos-
ta sobre Mesquita Nunes: “Se for
candidato”, apoiá-lo-á.
João Gonçalves Pereira en-
tende que chegou o fim de linha
para Rodrigues dos Santos. E
usa a entrevista do líder ao “Ob-
servador” para fazer outro aler-
ta. “Mais do que a demissão de
dirigentes, estou preocupado
com as desfiliações diárias de
militantes”, nota o deputado e
“Coragem política”
e “enorme
generosidade”
de Mesquita Nunes
são elogiadas
por Pires de Lima
peu, Rangel considera neces-
sário ser mais aguerrido na
oposição para estancar a fuga
de votos para o Chega (e, em
menor escala, para o Iniciativa
Liberal) — e, nesse particular,
está alinhado com o Presidente
da República.
De resto, entre dirigentes das
estruturas do partido contacta-
das pelo Expresso, há já quem
se mostre animado por haver
uma alternativa a Rio no hori-
zonte. A solução Rangel, subli-
nham sob anonimato, permiti-
ria conciliar alguns apoiantes
Paulo Rangel lançou
aviso a PSD e CDS.
Miguel Pinto Luz
e Pedro Rodrigues
criticaram Rui Rio
PRIMEIRO CADERNO 7
87 mil
A soma de votos brancos
e nulos voltou a descer, de
102.490 em 2016 para 87.039.
É menos de um terço do que
há 10 anos, na reeleição de
Cavaco Silva (274.306). Os
nulos desceram de mais de
43 mil para 39.998, o que
indicia um ‘mau resultado’
de Eduardo Baptista,
mantido erradamente
no boletim de voto. Era para
o lote de nulos que ia a cruz
no “candidato fantasma”
presidente da distrital de Lisboa.
Ainda que favorável a um concla-
ve extraordinário, Nuno Maga-
lhães é mais contido. “Foi uma
decisão individual, e para mim
inesperada, do Adolfo, mas que
verifico provocou um sentimen-
to de esperança e a atenção do
país político”, enfatiza o ex-líder
parlamentar, que pede ao par-
tido “cabeça fria para pensar”
e “coração quente para unir”.
“Seja qual for a opinião de cada
um, não seria bom não debater”,
fundamenta.
Raul Almeida, um dos diri-
gentes demissionários, salienta
que será necessário “um pacto
muito forte entre as diferentes
fações” para salvar o CDS. “O
protagonista dessa troika virá
depois, e não é o mais importan-
te”, defende. Abel Matos Santos,
antigo líder da Tendência Espe-
rança em Movimento (corrente
ultraconservadora), é ainda mais
pessimista: “A solução que não
está ao alcance de todos, só de
grandes homens, passaria por o
presidente do CDS reconhecer a
sua incapacidade e criar condi-
ções para uma direção de salva-
ção, com figuras relevantes e ca-
pazes da direita conservadora.”
E só encontra esse estatuto em
Paulo Portas e Manuel Monteiro.
De uma coisa ‘Chicão’ poderá
estar seguro: o principal oponen-
te, soube o Expresso, não reco-
lherá assinaturas para forçar a re-
união magna. Se os conselheiros
não viabilizarem a sua proposta,
não fará um golpe de Estado.
Octávio Lousada Oliveira
ololiveira@expresso.impresa.pt
de Rio com alguns críticos de
sempre do líder.
Mais firmeza
Quem também não deixou
passar em claro o reforço de
Ventura nas urnas foi Miguel
Pinto Luz. O opositor de Rio
nas últimas eleições internas
elogiou o líder pela postura que
adotou no combate à pande-
mia, quando se colocou “ao lado
dos portugueses” mesmo ten-
do de “apoiar o Governo”, mas
exigiu outra firmeza. “Nesta
fase pede-se mais ao PSD e a
Rio. Não podemos esperar pela
decadência deste Governo”,
sublinhou o vice da Câmara de
Cascais à Lusa.
Mais ácido foi Pedro Rodri-
gues. O deputado, que já ad-
mitiu ao Expresso ponderar
ser candidato à liderança, des-
creveu os resultados de Ven-
tura e de Tiago Mayan como
uma consequência da “falên-
cia da liderança” de Rio, que
voltou a acusar de fazer uma
oposição sem assertividade e
que “se distinga do desgover-
no socialista”.
Se as presidenciais serviram
para algo mais do que reeleger
Marcelo Rebelo de Sousa, foi
para os potenciais challengers
fazerem prova de vida. Mas há
um “se” nesta equação. Não é de
somenos: e se Pedro Passos Co-
elho pretender regressar? O.L.O
8 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

PRESIDENCIAIS

632%
VOTO CIGANO OS 15 CONCELHOS ONDE VENTURA TEVE MAIS VOTOS
MAIS ESTRANGEIROS, “CHAMO
PREFERIDA Assumindo “com
33,6%
MAS MENOS GENTE A ATENÇÃO
muito orgulho” o rótulo de Mourão
“candidata cigana”, Ana Gomes
era a preferida da comunida- Ventura passou de 67.826
Monforte
Moura
31,4%
30,9%
DESPOVOAMENTO O voto no
candidato apoiado pelo Chega
PARA QUE
de, mas os concelhos onde essa votos em 2019, onde Elvas
Alter do Chão
28,8%
25,3%
foi maior nos concelhos com O ANDRÉ
VENTURA
população é mais expressiva concorreu pelo quase mais população estrangeira,
Arronches 24,7%
foram todos para André Ventu- unipessoal Chega, para se comparada com a média do
Estremoz 23,3%
ra. A esse facto não será alheia
a baixa proporção de pessoas
496.583 votos, um aumento
de 632%. Foi no Alentejo que Benavente 23%
22,4%
país. E também nos concelhos
com menos densidade popula- É SEGUNDO
CLASSIFICADO
ciganas no país. Ventura ficou teve maior peso relativo, Sousel cional. Aliás, se olharmos para
Vila Viçosa 22,3%
à frente de Gomes em nove dos retendo alguns votos que os concelhos que deram mais
20,8%
NO ALENTEJO
10 concelhos com maior peso tinha ido buscar em 2019. A Reguengos de Monsaraz de 20% dos votos a Ventura (fo-
Albufeira 20,7%
relativo de ciganos, em alguns prova é que, se contássemos ram 15), quase todos estão a
TODO”
Mogadouro 20,6%
deles com mais do dobro dos vo- só os 85 concelhos que agora perder população há 20 anos
Mirandela 20,5%
tos. Ganhou também em alguns deram a Ventura mais de e perderam desde as últimas
Fronteira 19,8%
dos que têm maior número ab- 15%, o Chega teria tido 3,61% presidenciais, há cinco. As exce- Rui Rio
soluto, como Faro e Portimão. nas legislativas (teve 1,36%) FONTE: MAI ções são Benavente e Albufeira. Presidente do PSD

Chega Um líder de extrema-direita “ganhar na terra dos comunistas”

faz pensar, diz um alentejano que votou em André Ventura e que já foi
eleitor do PCP. Viagem de Moura a Cascais pelos votos contra o sistema

Ventura no
Alentejo: “É um
aviso grande”

são”, votou “para ele”. No domingo

Texto Hélder Gomes
voltou a fazer o mesmo. Nunca pen-
Chega baralha

O
Fotos Ana Baião
sou em votar Ventura: “Encontra-

monumento ao tra-
balhador rural des-
taca-se na praceta
da Junta de Fregue-
sia de São Vicente
e Ventosa, uma das
quatro freguesias
alentejanas onde
André Ventura foi
o mais votado nas eleições presiden-
ciais do último domingo. O sino da
igreja anuncia a uma da tarde e ainda
há de pontuar o resto do dia a cada
15 minutos. A chegada de forasteiros
leva os cachorros a saírem para a rua
por uma pequena entrada rasteira
no portão da casa da “Maria José
do marroquino”. O presidente da
Junta está em confinamento, “tam-
bém lhe calhou agora a ele”. “Desta
vez, houve aqui uma surpresa com
o Ventura”, diz ao Expresso o vice-
-presidente, Edgar Eufémia. Num
universo de 270 votantes, 113 esco-
lheram o candidato do Chega e 110
Marcelo Rebelo de Sousa. Há cinco
anos, o independente Sampaio da
Nóvoa ficou em primeiro, com mais
20 votos que Marcelo. Edgar Eufé-
mia atribui o sucesso de Ventura à
“falta de votantes”. “As pessoas que
costumam vir não vieram com medo
do vírus. A parte nova que veio votar
foi o que lhe trouxe a vitória.”
Um pouco mais abaixo, Maria José
Pedro explica o enigma do marro-
quino da sua vizinha homónima:
“Foi um nome que lhe puseram. É
de ser assim muito alvadio, uma pes-
soa com muita vida.” Agora com 70
anos, Maria José está reformada
desde 2003. Um acidente de tra-
balho levou-lhe a mão esquerda,
quando estava “a secar milhos”.
“Ainda trabalhei na zona agrária,
então era aquela coisa do comunista.
Mas depois fui trabalhar por conta
do Estado e mudei de ideias, passei
para o socialista”, recorda. Quando
o “professor Marcelo entrou”, como
“gostava muito de o ouvir na televi-
autárquicas
O resultado das presidenciais
ainda está por digerir e já Ventura
está convencido que as
autárquicas vão ser “o verdadeiro
salto do partido”, disse à
“Sábado”. Ainda que seja
impossível fazer uma
transposição direta dos votos em
presidenciais para umas
autárquicas, o Chega, liderado
por Ventura, poderá baralhar as
contas. Os votos que Ventura teve
em Moura, Mourão, Mora ou
Monforte, todos no Alentejo, de
pouco serviriam se entrassem nas
autárquicas de 2017 (ver gráfico).
A história muda em concelhos
maiores, como Cascais. Por lá, o
PCP precisou de cerca de seis mil
votos para eleger um vereador.
Nas presidenciais, Ventura
conseguiu mais do dobro: 13.338.
O mesmo para Loures, onde
Ventura foi candidato pelo PSD
há quatro anos. O partido pode
absorver o eleitorado que em
2017 apoiou Ventura, e fez subir o
resultado do PSD em mais de
cinco mil votos. Com cerca de 18
mil, os laranjas levaram três
mandatos. Em 2021, Ventura teve
sozinho 11.115 votos em Loures.
Olhando ao total por distrito, é
em Lisboa, Setúbal e Coimbra que
o Chega pode entrar. No maior
distrito do país, o candidato da
extrema-direita portuguesa
angariou mais de 120 mil votos.
Com menos do que isso, o PCP
elegeu 21 vereadores em
diferentes autarquias. No distrito
de Setúbal, a história repete-se:
André Ventura obteve mais de 43
mil cruzes no boletim, bem acima
do que o PSD fez no distrito em
2017, e que chegou para eleger
cinco vereadores, Câmara
Municipal de Setúbal incluída.
João Diogo Correia
va o homem muito alvoroçado por
tudo. Não gosto daqueles gritos que
ele dá.” Parece que tinha medo do
homem. “Mas esta mocidade gosta
muito dele. A minha neta diz que ele
é que é bom para ser Presidente”,
contrapõe. Apesar de já ter perdido
o companheiro de uma vida, Maria
José não tem razões de queixa, mas
reconhece que a freguesia “está mui-
to ‘envelhada’”. Em São Vicente não
terá sido pelo discurso antagonista
em relação aos ciganos que Ventura
conseguiu mais votos. “Aqui não
temos comunidade cigana. De mo-
mento não há ninguém”, garante o
vice-presidente da Junta.
Sobral da Adiça foi uma das duas
freguesias do concelho de Moura
onde Ventura ficou à frente de Mar-
celo (respetivamente, 34% e 30%).
João Ferreira, o candidato comu-
nista, não chegou aos 14% (45 vo-
tos), enquanto em 2016 Edgar Silva
foi o mais votado. Ventura ainda
conseguiu quase mais 1% do que o
candidato então apoiado pelo PCP.
Nascido e criado no Sobral, Horácio
Pato, com 64 anos, votou Ventura.
“Tem de mudar alguma coisa na
política. Sempre a mesma gente já
aborrece”, justifica. E partilha o seu
sentido de voto: “Umas vezes voto
no comunismo para a Junta, outras
no socialismo para a Câmara. À di-
reita votei agora neste, a ver se isto
muda.” E “isto” é o abandono, é a
ribeira esquecida, a rua enlameada.
“A gente aqui sobra, mais nada. Isto terra dos comunistas é de fazer pen- estrada. Francisco Ramalho, com 80
nestas aldeias pequenas está aca- sar duas vezes”, avalia. anos, tem uma drogaria na Póvoa. “Já
bado. Mais uma mão-cheia de anos há muitos ciganos integrados aqui.
e não está aqui ninguém”, lamen- “Minado de ciganos” Nasceram e já são netos ou bisnetos
ta. Horácio não deita a culpa aos dos pais que eu conheci. Convivo com
ciganos. “Deito a culpa a quem dá Ainda no concelho de Moura, foi na eles, são meus clientes”, atalha. Fran-
dinheiro aos ciganos sem trabalha- Póvoa de São Miguel que o candidato cisco votou “na Aninhas [Ana Gomes],
rem. A mim ninguém me dá nada”, do Chega mais descolou de Marcelo: para não ser sempre a mesma coisa”.
sublinha. Se não fossem os 60 hec- 41,2% contra 30,8%, uma diferença Ventura não lhe diz “nada de especi-
tares que explora desde 2003, onde de 34 votos. João Ferreira teve ape- al”, acha-o “muito agressivo e nervo-
ganha o sustento, a sua esposa, que nas 10, menos dois do que conseguiu so”. O filho é que é “mesmo filiado no
“já não se pode mexer”, “estaria a Edgar Silva há cinco anos. “Isso está Chega”, mas esse já ia lá longe, a tra-
passar fome”. Ventura foi “um aviso minado de ciganos”, avisam a equipa balhar com as máquinas. “Houve uma
grande”, “chegar aqui e ganhar na de reportagem quando esta se faz à transferência de votos do PSD e tam-
Expresso, 29 de janeiro de 2021
VEJA MAIS O Expresso foi conhecer a comunidade cigana de Monforte,
em Portalegre, e testemunhou as condições de insalubridade em que vive.
Pode ver a reportagem multimédia que preparámos em www.expresso.pt
7,1%
foi o mais perto que André
Ventura ficou de Marcelo
Rebelo de Sousa em pontos
percentuais. Aconteceu em
Mourão, no Alentejo, onde
Marcelo ganhou, com 40,7%
dos votos, e Ventura foi
segundo, com 33,6%. A
diferença foram 70 votos.
Não muito longe, em Moura
e Monforte, o candidato
apoiado pelo Chega ficou a
8,3 e 16,2 pontos de apanhar
o Presidente reeleito
bém grande parte do PCP. Podemos
até acrescentar alguns descontentes,
que dispersaram o voto de protesto”,
avalia António Montezo, o presidente
da Junta. Para o autarca, “as pessoas
vão atrás de slogans muito apelativos
sem saberem muito bem do que estão
a ir atrás”. “O que interessa é que não
haja conflitos. Todos temos de saber
conviver uns com os outros, indepen-
dentemente da justeza ou não de sub-
sídios ou disto ou daquilo”, frisa. E
acredita que, “explicando, talvez as
pessoas percebam melhor que, acima
de tudo, devemos combater a pobreza,
as desigualdades sociais e, no fundo,
defender os valores humanistas”.
Em Mourão, já no distrito de Évora,
Vítor Bragança, provedor da Santa
Casa da Misericórdia, defende que “os
ciganos são uma parte do problema”.
Mas “a grande motivação” que leva
ao voto no candidato do Chega é no-
vamente “o abandono”. “A juventude
não tem perspetivas de emprego, tem
de abalar toda. Isto é um abanão que
tem de acontecer. E o meu partido
também tem de fazer mais pelo inte-
rior”, avisa este militante do PS.
Se nestas freguesias Ventura con-
seguiu pouco mais de uma centena
de votos (em Mourão foram 246), o
que dizer da sua expressão na ma-
lha urbana que se estende para lá de
Lisboa? O Expresso falou com três
eleitores de Ventura e do Chega, dois
do concelho de Cascais, que não se
quiseram identificar, e um do conce-
lho de Sintra. Aqui há mais perspeti-
vas profissionais, a autarquia não é
o principal empregador e, apesar de
ter ficado em terceiro lugar, Ventura
arrecadou mais de 2 mil votos. Em
São Domingos de Rana ultrapassou
mesmo os 3 mil. É nesta freguesia de
Cascais que um consultor informático
de 44 anos está recenseado. “Tenho
uma bela casa, mas é fruto de muito
trabalho. As ideias de Ventura são
ideias normais que uma pessoa diz
no café”, conta este eleitor, que antes
votava PSD ou CDS. “Muita gente não
quer é o radicalismo. Se se retraísse
um bocado dessa extrema-direita, a
votação ainda seria maior”, prevê.
Concorda com a castração química
de pedófilos e com a prisão perpétua,
tal como um arquiteto de 42 anos
recenseado em Carcavelos e Parede.
Este só votou três vezes na vida: na
primeira em Sócrates, na segunda
para o tirar de lá e agora em Ventura.
“Prefiro votar nele, que mete o dedo
na ferida e levanta a poeira, do que
em todos os compadrios que existem
no PSD, PS, CDU e Bloco”, explica.
André Magalhães, bancário de 36
anos e eleitor em Massamá e Monte
Abraão, conta que trabalhou muito
no Alentejo. “Nunca tive um sucesso
de cobrança a um cigano, nunca. Tive
sempre dificuldades em chegar a um
consenso. Antes votava PS, mas deixei
de me identificar. Tenho muitos ami-
gos que votam Chega, alguns estão é
camuflados”, garante.
Com José Cedovim Pinto
hgomes@expresso.impresa.pt
A direita chamou
os populistas ao Governo
(e perdeu com isso)
Quando o centro-direita
leva radicais para o
Governo, eles subiram
votos e marcaram agenda.
Por cá, os perigos são
ainda maiores
Os especialistas chamam-lhe a
“quarta onda” de ascensão da
direita radical. E Cas Mudde,
um dos mais reconhecidos aca-
démicos nesta área, conta que
foi aí, no início do novo século,
que estes partidos entraram em
força em vários Governos. Em
“O Regresso da Ultradireita”,
Mudde conta os países em que
isso aconteceu: Hungria e Poló-
nia (nestes casos sendo o partido
mais votado); Áustria, Bulgária,
Grécia, Itália, Dinamarca e Ho-
landa (em coligações com parti-
dos da direita tradicional).
Portugal chegou tarde à dita
‘quarta onda’, mas o resultado
de André Ventura nas eleições
presidenciais do último fim de
semana mergulhou o país na dis-
cussão da dúvida que se segue:
aceitará o PSD, para chegar ao
poder, integrar o Chega numa
coligação de poder?
Mas isso tem acontecido na
Europa? Em 2015, Twist recuou
no calendário e fez as contas:
“A direita [tradicional] e a ex-
trema-direita tiveram 30 vezes
uma maioria parlamentar desde
o final dos anos 80. E a extre-
CIGANOS OU ma-direita foi levada para uma
ABANDONO? coligação pela direita mainstre-
Se os ciganos am na sequência de 12 dessas
(na foto, eleições”, explica na sua tese de
comunidade doutoramento, apresentada na
de Monforte) Universidade de Berkeley, nos
podem ser EUA. Se a cedência dos partidos
parte da da velha direita lhe parece gran-
justificação de, na realidade ela foi maior ain-
do voto da: segundo Twist, entre os 30
alentejano em casos acima descritos, só em 19
Ventura, há a extrema-direita era indispensá-
quem atribua vel para que os partidos do cen-
“a grande tro-direita conseguissem formar
motivação” ao Governo — “e foi incluída em 11”.
“abandono” do Mais de metade, portanto.
interior. Maria Na Europa, “a direita mains-
José Pedro (na tream trata cada vez mais os par-
foto em baixo) tidos de extrema-direita como
conta que a tratava qualquer outro partido
neta lhe diz na hora de decidir coligações. Os
que o líder partidos maiores dão prioridade
da extrema- a estar no poder”, argumenta
-direita “é que Twist, para quem é claro o perigo
é bom para desta “normalização”: “Ainda
Presidente”. que a emergência destes parti-
Os jovens dos não constitua uma crise de-
já não são mocrática — pelo menos não ain-
tão atraídos da —, [esta integração] mudou
pelo PCP o ambiente e a agenda política,
legitimando políticas baseadas
no racismo e na intolerância.”
Portugal radical?
Mesmo assim, coloca-se a per-
gunta: se em mais de metade
dos casos os partidos da velha
direita integraram os radicais
“PSD, OUVE BEM:
NÃO HAVERÁ
GOVERNO EM
PORTUGAL SEM
O CHEGA!”
André Ventura
Candidato presidencial
e líder do Chega
nos Governos, é de esperar que
o mesmo aconteça em Portugal?
“Antes do mais, convém
anotar que muitos partidos na
Europa recusaram essa aproxi-
mação, desde logo em França”,
lembra Marina Costa Lobo em
declarações ao Expresso. “Mas
é preciso perceber também que
em vários países os partidos da
chamada direita mainstream são
ideologicamente mais à direita
do que é o PSD em Portugal”,
pelo que esse passo também é
menos contraditório com o seu
percurso e eleitorado. A politó-
loga do ICS dá exemplos: “Na
Áustria, toda a direita tem políti-
cas de imigração profundamente
racistas. Mesmo o PP espanhol é
tradicionalmente mais à direita
do que o PSD.”
A obra de Cas Mudde corrobo-
ra esta tese, explicando que até
antes desta ‘quarta vaga’ muitos
partidos tradicionais aproxima-
ram os seus discursos aos dos
partidos populistas, receando
estar a perder muitos eleitores
para estes — depois de eventos
como o 11 de Setembro, a crise
financeira de 2008 ou a crise dos
refugiados de 2015. “De Sebas-
tian Kurz [da Áustria] a Theresa
"A saúde da democracia
em Portugal é frágil.
Há, por isso, riscos
acrescidos, sobretudo
neste contexto", alerta
Marina Costa Lobo
May [Reino Unido], os políticos
do mainstream já não estão ape-
nas a servir de porta-voz das idei-
as e políticas populistas, estão,
eles próprios, a introduzir polí-
ticas mais radicais na imigração,
integração e combate ao terro-
rismo.” Nos últimos dois meses,
essa mesma polémica estendeu-
-se a França, com o Presidente
Macron, depois do assassinato
de um professor por um extre-
mista islâmico.
Na sua tese de doutoramento,
Twist acrescenta que os par-
tidos de extrema-direita têm
sido vistos como parceiros pos-
síveis por razões pragmáticas:
“São flexíveis na maioria dos
assuntos, e, portanto, mais pre-
dispostos a ceder aos partidos
do centro-direita em troca de
ganhos nas suas políticas [radi-
cais] de imigração.”
Mas essa é mais uma diferen-
ça da realidade portuguesa. “A
política de imigração não é um
assunto por cá — e não o foi par-
ticularmente nas presidenciais”,
recorda Marina Costa Lobo. As-
sim sendo, a dúvida é sobre “o
que é que o Chega quer”, ou seja,
“que tema vai ser central” para
eventuais negociações, tendo em
PRIMEIRO CADERNO 9
MENOS VENTURA,
MAIS RSI
APOIOS Há 2,89% de bene-
ficiários do Rendimento So-
cial de Inserção (RSI) e/ou do
Rendimento Mínimo Garanti-
do (RMG) no conjunto dos 15
concelhos que mais apoiaram
Ventura. O valor fica abaixo da
média nacional, que é de 3,03%.
No polo oposto, os dados mos-
tram que onde há menos vo-
tos em Ventura há mais apoios
sociais. Nos concelhos onde o
candidato foi menos votado há
4,28% de pessoas a receberem
o RSI e/ou o RMG.
conta que o discurso antissiste-
ma não conta por si só. Há algu-
mas hipóteses, a avaliar pelo que
tem dito Ventura: o racismo e os
ciganos, a agenda securitária, os
apoios sociais.
Porém, para o PSD a mera su-
gestão de uma aproximação terá
um preço, acredita a politóloga:
“O PSD já mostrou nos Açores
não ter pruridos em fazer uma
coligação. Mas agora assustou-
-se, porque é diferente fazer coli-
gação com um deputado ou com
um partido com 15% ou 20%, por
causa do equilíbrio de poder. Se
o PSD diz, à partida, que faz a
coligação, diminui a necessidade
de votar útil. E abre imenso o
espaço a André Ventura. Mais: o
PS procurará mover o eleitora-
do centrista — que em Portugal
existe, como mostraram as pre-
sidenciais — para o seu lado. E o
PSD não quer isso.”
Se deixou de ser impossível
antever um cenário em que PSD
e Chega podem, juntos, atingir
uma maioria, para Rui Rio essa
miragem tem um preço: “O PSD
tem agora um caminho muito
estreito: convencer o eleitor cen-
trista de que é credível e de que
não fará coligações com o Chega.
E, por outro lado, fazer oposição
séria ao Chega, para não o deixar
crescer até às eleições.”
A avaliar pelo que tem aconte-
cido lá fora, até a integração de
um partido deste tipo pode ter
efeitos perniciosos para parti-
dos ‘tradicionais’ do centro-di-
reita: “A entrada no Governo
da extrema-direita envia um
sinal forte de legitimação aos
eleitores e aumenta os suces-
sos eleitorais futuros destes
partidos.” Desde logo, fez cair
a votação nos partidos tradi-
cionais “em 15,7%”, explica a
investigadora. “Sabemos que
os líderes partidários têm hori-
zontes de curto prazo — mesmo
que pensem que os seus parti-
dos podem perder eleitores em
resultado de coligações com a
extrema-direita, podem não se
importar. As elites dos partidos
não parecem acreditar que isso
seja o problema”, conclui.
Já para Marina Costa Lobo
o problema em Portugal pode
mesmo revelar-se sistémico: “A
chegada da extrema-direita foi
tardia em Portugal. No entan-
to, a partir do momento da sua
representação parlamentar, há
riscos. Como sabemos, a saúde
da democracia em Portugal é
frágil. Há, por isso, riscos acres-
cidos, sobretudo neste contexto
— a meio de uma pandemia,
com uma crise social e uma
cada vez maior volatilidade elei-
toral, que as presidenciais mos-
traram à esquerda e à direita”.
David Dinis
ddinis@expresso.impresa.pt
10 PRIMEIRO CADERNO
PRESIDENCIAIS
PIOR SEGUNDO LUGAR
DE SEMPRE
HISTÓRICO Ana Gomes foi a
segunda classificada com o
resultado mais baixo da histó-
ria das presidenciais: 12,97%,
correspondente a cerca de 541
mil votos. O anterior registo
era de Basílio Horta, em 1991,
com pouco menos de 700 mil
votos (14,09%). Ana Gomes,
porém, teve mais concorrência
no seu campo político, tanto à
esquerda (Marisa Matias) como
ao centro (Marcelo), enquanto
Basílio Horta foi o único candi-
dato da direita em 91.
“Derrota” de Pedro Nuno. Moderados ganham
Ministro Pedro Nuno Santos diz que “não é sério” ler os resultados de Ana Gomes como se ela pudesse vencer
e está disponível para ser visto como “derrotado”. Vieira da Silva defende resposta urgente ao voto de protesto
Liliana Valente
As eleições presidenciais deram
várias notas de leitura para os
socialistas, quer a nível interno,
para o futuro do partido, quer
a nível externo: houve voto de
protesto e é preciso responder
aos problemas dos desconten-
tes. Nem tudo foram rosas nos
resultados de domingo à noite,
apesar de o primeiro-ministro
dizer que “todos os socialistas
tiveram motivos para festejar”,
seja os que votaram em Marcelo
Rebelo de Sousa, Ana Gomes ou
João Ferreira. Houve sinais de
protesto e cansaço que saíram
do voto que socialistas como
Vieira da Silva, Pedro Marques
e Pedro Nuno Santos defendem
que não se devem ignorar.
Comecemos pelos sinais in-
ternos. O PS dividiu-se, sem
grandes guerras intestinas, mas
com posições veementes, que
são uma antecâmara do que
pode ser a disputa no PS pós-
-Costa. Enquanto 22 socialistas
fizeram um manifesto de apoio
a Marcelo Rebelo de Sousa,
como Vieira da Silva ou Pedro
Marques, Pedro Nuno Santos e
Duarte Cordeiro apoiaram Ana
Gomes. “Obrigado por não dei-
xar os socialistas sozinhos”, dis-
se o ministro das Infraestrutu-
ras numa ação de campanha da
candidata. No rescaldo eleitoral,
várias leituras colaram o resulta-
do da socialista, que conseguiu
cerca de meio milhão de votos,
à ala de Pedro Nuno: “Apoiei a
candidata da minha área polí-
tica, mas que todos sabiam ter
muito poucas possibilidades de
derrotar o atual Presidente. Não
é sério fazer-se de conta que era
possível vencer”, diz em conver-
sa com o Expresso.
A candidata socialista teve o
seu melhor resultado no Porto,
o distrito onde André Ventura
teve o score mais baixo, e muitos
acreditam dever-se ao trabalho
Ana Gomes em reflexão
sobre “hostilidade
da direção do PS”
Candidata diz que não
tem “nenhuma jogada”
na manga, mas
“regista” o silêncio
de Costa e a hostilidade
à sua candidatura
91
foi o número de concelhos
em que Ana Gomes ficou em
segundo lugar, à frente de
André Ventura. O contrário
aconteceu 203 vezes, mas os
municípios ganhos pela
candidata socialista, não
apoiada pelo partido, foram
suficientes para ficar à frente
no total nacional. A diferença
mais expressiva a favor de
Ana Gomes foi no Porto: 11
pontos a mais, seguido de
Matosinhos e Gondomar
de Tiago Barbosa Ribeiro, da ala
de Pedro Nuno, que trabalhou
mais nos bastidores na defesa
da candidatura de Ana Gomes.
Pedro Nuno sabia que haveria
uma leitura sobre o seu apoio,
e por isso defende-se: “Se eu
não estivesse disponível para
ser incluído numa lista de der-
rotados destas eleições, só me
restava estar calado ou apoiar
quem toda a gente sabia que ia
ganhar.” Meteu-se na arena com
um propósito: “A única coisa
que me interessa é que fique na
memória das pessoas que eu de-
fendi as minhas convicções, que
sou coerente e que apoiei uma
socialista com provas dadas”,
sintetiza.
Mais do que para o PS, os si-
nais que muitos estão a retirar
dos resultados eleitorais, com
Nos próximos tempos, Ana
Gomes promete dedicar-se à
escrita. Na forja está um livro
de memórias sobre o processo
de independência de Timor,
começado há uns meses, mas
adiado pela entrada na corrida
presidencial. “Não tenho ne-
nhuma jogada, nem sou cal-
culista”, responde sobre o que
OS 15 MELHORES RESULTADOS DE ANA GOMES
Porto
Lisboa
Matosinhos
Gondomar
Vila Nova de Gaia
Maia
Oeiras
Mourão
Coimbra
Valongo
Almada
Braga
Peso da Régua
Aveiro
Setúbal
o reforço da votação e da per-
centagem em Marcelo Rebelo
de Sousa, é de que a maioria dos
portugueses rejeita soluções
mais extremistas. “O voto dos
moderados foi em Marcelo. Foi
uma vitória forte de uma posi-
ção moderada”, diz ao Expresso
Vieira da Silva, que se define
como um democrata radical.
“O Governo tem sido modera-
do, mas não se tem dado mal à
esquerda”, diz Pedro Marques,
também ex-ministro.
Urgente responder
a descontentes
Para António Costa, não há
uma leitura a fazer para o Go-
verno, disse-o no programa
“Circulatura do Quadrado”, da
TVI, ao referir que a ação do
pretende fazer com o mais de
meio milhão de votos arreca-
dados no domingo. No entan-
to, regista o silêncio da direção
socialista e entrou em processo
de reflexão. “Sei com quem es-
tou a lidar. E não tive apenas o
não-apoio do PS à minha can-
didatura. Tive a hostilidade da
direção do meu partido”, disse
ao Expresso.
“Ainda estou a refletir”, diz a
candidata. Ana Gomes acabou
a noite eleitoral em segundo
lugar, acusando António Costa
de uma “deserção” da corrida
às presidenciais. À mesma hora
em que a candidata indepen-
dente falava ao país, lamentan-
do a “falta de comparência do
20%
18,5%
18%
17,4%
17,3%
17%
17%
16,8%
16,7%
16%
15,7%
15%
14,7%
14,7%
14,6%
FONTE: MAI
Vieira da Silva defende
uma regulação do
trabalho: o objetivo é
“mais emprego”, mas
não qualquer emprego
Governo “não esteve em juízo”.
Mas no partido avisa-se que é
preciso retirar conclusões: al-
gum voto de protesto, cansaço
e descontentamento.
“Estamos a viver a maior crise
das nossas vidas. Se não tives-
se expressão eleitoral, seria um
milagre”, afirma o ex-ministro
do Trabalho e da Segurança
Social José António Vieira da
Silva. Para o socialista, é “pre-
ciso ter em atenção a agenda”
PS, que assim contribuiu para
a vitória do candidato da direi-
ta”, o líder socialista enviava
“calorosas felicitações” a Mar-
celo Rebelo de Sousa através
do Twitter. António Costa, na
noite eleitoral, não dirigiu uma
única palavra à militante soci-
alista. E o silêncio mantém-se
quase uma semana depois das
eleições.
“Não me surpreende, sei com
quem estou a lidar”, diz Ana
Gomes ao Expresso. A “hostili-
dade” sentida ao longo de toda a
campanha por parte da cúpula
socialista (Carlos César acusou
a candidata de ser “rude” e José
Luís Porfírio de ser “populista”)
dão, agora, motivos de “refle-
Expresso, 29 de janeiro de 2021
“A ÚNICA COISA EM CASA, COMO
QUE ME INTERESSA (QUASE) SEMPRE
É QUE FIQUE A única
freguesia em que Tiago May-
PRONÚNCIA DO NORTE
NA MEMÓRIA an ficou em 2º lugar foi na Foz
DAS PESSOAS
do Douro (Aldoar e Nevogilde),
concelho do Porto, onde cres-
QUE DEFENDI
ceu. Obter as melhores votações
“em casa” é um clássico das pre-
AS MINHAS
sidenciais, ainda que desta vez
Vitorino Silva tenha perdido a
CONVICÇÕES, QUE freguesia de Rans para Marcelo.
Já Mayan chegou aos 16% na
SOU COERENTE” Foz e teve o melhor resultado
concelhio no Porto, onde ficou
Pedro Nuno Santos ao Expresso em 4º. Repetiu o feito em 11 con-
Ministro das Infraestruturas e dirigente do PS celhos, incluindo Lisboa.
tunidades da classe média e mé-
FOTO ANA BAIÃO
dia baixa”, diz Pedro Marques,
atual eurodeputado. Houve o
voto “conservador”, identifica,
e quanto a esse “não há nada a
fazer”, porque “há uma diferen-
te ideia de sociedade”; houve o
voto por “insegurança” (física),
e aí entra a defesa da regulação,
sobretudo a “regulação das re-
des sociais”, que está a ser de-
batida a nível europeu, e houve
o voto pela “insegurança econó-
mica”. É neste, acredita, que há
mais caminho a fazer, através de
respostas sociais.
Elas “vão acontecer inevitavel-
mente, mas não se consegue ter
políticas sociais sem recupera-
ção económica”, avisa Vieira da
Silva. A terceira vaga da doen-
ça, com o novo confinamento,
destapou ainda mais problemas
para as contas públicas, o que
reduz a capacidade do país em
ter mais liquidez para distribuir:
“Nunca como hoje a redução das
desigualdades dependeu tanto
da criação de riqueza. Levámos
ao limite a capacidade redistri-
butiva.” As eleições acontece-
ram na mesma semana em que
se soube que o défice do ano
de quem assim votou, porque o passado tinha ficado em €10,3
movimento pode crescer e ali- mil milhões.
mentar forças extremistas de A esperança reside numa
direita. Uma das propostas pas- chegada rápida do dinheiro
sa por impulsionar uma reforma europeu, que permitirá fazer
do mercado de trabalho, regu- investimentos “nas áreas me-
lando-o mais: “Tem de se olhar tropolitanas”, em “habitação,
para o emprego de um ponto de escola pública e saúde”, diz Pe-
vista diferente. É preciso mais dro Marques, o que pode ajudar
regulação do emprego”, diz ao a dar resposta aos descontenta-
Expresso, nomeadamente de- mentos: “As pessoas da classe
fendendo que se deve olhar para média baixa têm de ter os servi-
as subcontratações. Admite que ços a funcionar para elas.” Já no
é preciso uma maior subsidiação interior, o socialista defende que
ao emprego, mas esta tem de o foco tem de ser no emprego.
ser “diferente da última crise. “Tem mais a ver com a quali-
As pessoas não podem saltar de dade do emprego.” É preciso
estágio em estágio. Tem de ser impulsionar o elevador social.
emprego, mas não pode ser em- “Ainda não se conseguiu que
prego não importa como.” as pessoas não achem que para
“O PS tem de agir no campo subir na escala social têm de ir
das políticas de forma progres- para as áreas metropolitanas.”
sista, agir na igualdade de opor- lvalente@expresso.impresa.pt
xão”. Ana Gomes “regista” to-
dos os sinais recebidos, mas não
tem planos para uma atuação
dro Nuno Santos lidera a ala
mais à esquerda do PS, ainda é
cedo para excluir Ana Gomes
imediata. “Continuarei a ser
como sou e a pensar pela minha
de uma possível corrida. “Não
estou reformada e nunca me
cabeça”, diz, acrescentando que
nunca sentiu “falta de apoios”,
vindos, nomeadamente, do in-
reformarei da política”, disse a
candidata no final da noite elei-
toral, da qual se despediu com
terior do PS. Pedro Nuno San- um “até à próxima”. E mesmo
tos é um dos mais fortes apoios no inner circle da candidatura
públicos de Ana Gomes que, presidencial de Ana Gomes pa-
aliás, lhe retribuiu a confiança rece certo e seguro que “é bem
política garantindo ser o minis- possível que ela avance”. Basta
tro das Infraestruturas o seu haver necessidade de ir a jogo
candidato à liderança socialista, ou, pura e simplesmente, “ela
quando chegar o momento do sentir vontade política. Não ex-
congresso. cluiria essa hipótese”, diz fonte
As fileiras dos críticos de An- próxima.
tónio Costa começam a subir Rosa Pedroso Lima
à tona. E, se é certo que Pe- rlima@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
POLÍTICA PRESIDENCIAIS
MARISA CAI DE 25%
PARA 9% NA SUA
PRÓPRIA TERRA
VERMELHO A seguir às provoca-
ções de Ventura, a campanha de
Marisa Matias ganhou fôlego
com o mantra dos lábios verme-
lhos, mas não ganhou votos. A
bloquista perdeu 304,8 mil vo-
tantes em relação às presiden-
ciais de 2016, quando conseguiu
um score de 10%. Este ano, o seu
melhor resultado foi de 9% no
seu concelho, Condeixa-a-No-
va (Coimbra), quando há cinco
anos teve 25%.
Resultado
não muda
estratégia
Comunistas recusam
mudar de rumo e saúdam
votantes do PS. PCP não
culpa Ferreira por ter
ficado aquém do esperado
António Costa estava esta quar-
ta-feira sentado entre os antigos
colegas de comentário na “Cir-
culatura do Quadrado”, progra-
ma da TVI, quando disparou um
elogio. “Aqueles que votaram
no doutor João Ferreira para
assegurar o fortalecimento do
partido que tem contribuído
para que haja uma viabilidade
de um Governo à esquerda,
mais recentemente, têm mo-
tivos para ficar satisfeitos.” O
comentário era, em princípio,
sobre presidenciais. Mas a ex-
tensão das suas palavras — que
abrangem João Ferreira (e o
PCP) e excluem Marisa Matias
(e o Bloco de Esquerda) — vai
bem mais longe do que isso,
dando um sinal daquilo que
o primeiro-ministro quer que
continue a ser a relação com os
comunistas no futuro.
E se o PCP tem planos para
mudar de rumo, não está a dar
sinais disso. Os resultados de
domingo ficaram “aquém” do
que se esperava, nas palavras de
Jerónimo de Sousa: João Fer-
reira, que se posiciona como o
provável sucessor, atingiu uma
votação de 4,3%, ligeiramente
mais alta em percentagem (e
mais baixa em número de vo-
tos) do que Edgar Silva, que se
ficou por uns fracos 3,95% em
2016. Mas se é verdade que as
leituras sobre os resultados se
120
Não foi só no seu concelho
que Marisa perdeu: também
foi derrotada na união
de freguesias Vila Seca
e Bem da Fé — em
Condeixa-a-Nova —, de que
faz parte Alcouce, a aldeia
de onde a candidata apoiada
pelo Bloco é natural. Em
2016 venceu-a com 49,10%
e 272 votos. Desta vez, teve
menos de metade dos votos
expressos (120) e apenas
chegou aos 28,24%
focam desde 2015 nos efeitos
da participação na ‘geringon-
ça’, os comunistas rejeitam
que esse seja o fator definitivo
da sua erosão eleitoral. E não
mostram vontade de mudar
de estratégia, meses depois de
terem viabilizado o Orçamento
do Estado para este ano.
“São eleições muito particu-
lares, feitas num quadro dife-
rente”, diz ao Expresso João
Oliveira, líder parlamentar
do PCP, garantindo que não
fará sentido tirar ilações mais
abrangentes de um resultado
mau. “Extrapolações” para ou-
tras eleições, como Rui Rio fez
quando frisou os bons resulta-
Quem votou Ferreira
para dar força a “um
Governo à esquerda”
tem razões para estar
“satisfeito”, diz Costa
dos de André Ventura no Alen-
tejo — “Rio procurou fugir dos
seus fantasmas, encontrando
manobras de diversão”, acusa
o deputado comunista —, não
“alteram os critérios da inter-
venção” do partido. No terre-
no, João Ferreira recordou
que foi graças ao acordo com
o PCP que o Governo incluiu
no Orçamento o pagamento
a 100% dos salários em lay-
-off, por exemplo. Enquanto
houver conquistas específicas
a retirar destes documentos,
haverá razões para os aprovar.
RESULTADOS NA FREGUESIA DO COUÇO
2021
Marcelo R. Sousa
João Ferreira
André Ventura
Ana Gomes
7,86%
5,57%
Marisa Matias 2,29%
2016
Edgar Silva
Sampaio da Nóvoa
Marcelo R. Sousa
Marisa Matias 7,32%
Maria de Belém 4,44%
FOTO NUNO FOX
A elas se poderão somar uma
análise às sondagens, que não
aconselham a forçar uma ida
a votos nesta altura e ao qua-
dro político, que mostra uma
ascensão da extrema-direita
de André Ventura — um fator
que tem levado tanto o partido
como o candidato João Fer-
reira a apelar à convergência
dos “democratas”. Se houve
conteúdo político novo no dis-
curso de Ferreira durante a
campanha foi, aliás, o chama-
mento de pessoas de “outros
quadrantes políticos”, frisando
os apoios recebidos na área
do PS. “Assinala-se o apoio de
eleitores que nunca antes ti-
nham apoiado um candidato
proposto pelo PCP”, comple-
tava esta semana um comuni-
cado do Comité Central.
Se esses supostos novos elei-
tores e a aproximação ao PS
não chegaram para inverter o
percurso de maus resultados
dos últimos anos, o PCP tam-
bém não imputa as culpas ao
candidato. No dia seguinte às
eleições, o partido começou a
tentar desconstruir as notícias
que apontavam o baixo núme-
ro de votos (o pior de sempre
em presidenciais) e a perda de
apoio em bastiões alentejanos,
onde André Ventura ultrapas-
sou Ferreira a nível distrital.
No Instagram e no Twitter,
os comunistas fizeram publi-
cações apontando que nestas
eleições houve menos votantes
no total e justificando que a
perda de 20.559 votos na Ma-
deira é mais visível também
pelo contraste com o bom re-
sultado de 2016, uma vez que o
anterior candidato — lê-se num
asterisco e em letras pequenas
— é coordenador do PCP na
região. Segue-se um elencar
das percentagens mais altas de
João Ferreira, comparado com
Edgar Silva, em 18 bastiões do
PCP. “Os votos foram para o
João Ferreira”, conclui o post.
Um ‘atropelo’ ao anterior can-
didato, mas que deixa claro o
apoio que o partido mantém ao
possível sucessor de Jerónimo.
Mariana Lima Cunha
mlcunha@expresso.impresa.pt
“ASSINALA-SE
O APOIO DE
43,88%
38,31%
ELEITORES QUE
NUNCA ANTES
TINHAM APOIADO
UM CANDIDATO
PROPOSTO
40,99%
PELO PCP”
25,7%
17,96%
Jerónimo de Sousa
Secretário-geral do PCP
FONTE: MAI
BE derrotado
apela a união
da esquerda
Votou contra o OE, PCP viabilizou o OE e nem por
mas quer entendimentos isso foi recompensado nas pre-
futuros. Direção vê sidenciais. Com um conforto
discurso de Rio como extra: os dirigentes do BE com
cola para a esquerda quem o Expresso conversou
estiveram atentos à sondagem
No dia em que votou contra o à boca das urnas feita pela RTP
último Orçamento do Estado, sobre legislativas, em que o
atingida por críticas ferozes do partido obteve o dobro da vo-
PS, Catarina Martins fez a sua tação de Marisa (8%), o que
análise a partir do Parlamento: traz aos bloquistas esperança
com a “cheguização” do PSD de que a sua força não se tenha
— através da influência radical alterado apesar do tropeção.
de André Ventura —, a única Numa campanha dificulta-
alternativa de António Costa da pela “crise pandémica”, em
para evitar uma nova maio- que Marcelo Rebelo de Sou-
ria à direita seria “procurar sa, admite o partido, acabou
um acordo com a esquerda”. por captar muito eleitorado
No rescaldo das presidenciais, de esquerda e do BE — afi-
obrigado a lidar com um re-
sultado historicamente baixo
e uma queda abrupta na per- Para o Bloco, “os
centagem de Marisa Matias anos da ‘geringonça’
em relação a 2016 (de 10,12%
para 4%), o Bloco encontra ar-
deram a Marcelo
gumentos para reforçar a sua créditos de garante
leitura. de estabilidade”
Estas razões estão elencadas
no documento que a direção
de Catarina Martins — que se nal, “os anos da ‘geringonça’
reuniu esta semana para fazer deram a Marcelo créditos de
um balanço do fraco resulta- garante de estabilidade” —,
do presidencial — apresentará há uma conclusão principal:
este sábado à mesa nacional a “reconfiguração da direita”.
do partido, apurou o Expresso. E é este passo que dá sinais
Desde logo, nesse texto os blo- sobre o que será o caminho do
quistas asseguram que “não se Bloco: com o discurso de Rui
confirmaram as expectativas Rio na noite eleitoral, cheio
de quem, em particular no PS, de elogios aos resultados de
esperava destas presidenciais Ventura no Alentejo, o líder
um pronunciamento popular, do PSD “mostrou reciprocida-
por prémio ou punição, acerca de e admitiu que o projeto de
das diferentes posições à es- poder do PSD também passa
querda perante o Orçamento pelo Chega”. Recado direto ao
para 2021”. Nas entrelinhas: o primeiro-ministro: “A direita
PRIMEIRO CADERNO 11
197
O Couço, uma pequena
freguesia de Coruche, foi
sempre um dos maiores
bastiões do PCP e da
memória antifascista. Mas
os comunistas, que há cinco
anos aprovaram Edgar Silva,
chumbaram João Ferreira,
que teve menos 197 votos do
que o camarada. Jerónimo
teve lá 56% em 2006 e
Francisco Lopes 51% em 2011.
O alegado futuro secretário-
-geral reprovou com 38%
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
está longe de ter uma maioria
que permita qualquer posição
decisiva” e acaba, assim, por
oferecer a Costa “a represen-
tação do centro político”. Ou
seja: se a esquerda não se uniu
nas presidenciais, acabando
derrotada, tem o dever de se
unir nas próximas decisões
políticas.
BE mantém pressão
Ao Expresso, vários dirigentes
frisam que as respostas para a
crise devem ser encontradas à
esquerda e que o BE “insistirá”
nos objetivos que não conse-
guiu inscrever neste Orçamen-
to, nomeadamente os de re-
forço das proteções sociais, da
saúde e do emprego em plena
crise pandémica e económica.
Mas revelam um receio: com
um PCP próximo do PS e até do
eleitorado do PS (ver texto ao
lado), isso poderá retirar poder
de influência aos bloquistas,
que asseguram que as “dificul-
dades do país se agravam pela
contenção na resposta à crise”
e criticam a “enorme impru-
dência” do Governo em dar
prioridade à “contenção orça-
mental” no atual contexto. No
documento político elaborado
pela direção, o Bloco insiste:
“Só a afirmação de alternati-
vas à esquerda e respostas exi-
gentes contra a crise poderão
relegar o extremismo ao lugar
marginal que deve ser o seu
em democracia.” Com Ventura
a crescer e Rio a elogiar-lhe
os resultados, a esquerda tem
uma motivação extra para se
unir.
Se o resultado foi mau nas
presidenciais, para já os vários
sectores do partido afastam
que isso traga dissabores à li-
derança de Catarina Martins,
concentrando a análise em
fatores mais circunstanciais
que prejudicaram Marisa. Por
agora, as sondagens para as
legislativas ajudam o BE a sen-
tir-se confortável com a sua
posição na correlação de for-
ças à esquerda. Os próximos
tempos confirmarão se leu cor-
retamente os eleitores. M.L.C.
12 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

GESTÃO DA PANDEMIA

Gente
AS NOVAS ^ As aulas vão regressar
no dia 8 de fevereiro, mas
^ O Governo
determinou a limitação às
Medidas para o SNS
^ Os estabelecimentos do
horas com “o
correspondente acréscimo

MEDIDAS
apenas online. O Governo
avaliará até dia 14 (e
depois quinzenalmente)
as condições para
O Governo anunciou que determinar uma data para
manteve todas as medidas o regresso das aulas
de restrição já em vigor e presenciais, mas essas só
anunciou algumas novas chegarão quando a
assim como novas regras situação epidemiológica
para contratar estiver sob controlo. Pelo
profissionais de saúde meio, não haverá férias no
para o SNS e incentivos Carnaval, pelo menos dois
salariais para os seus dias das férias da Páscoa
trabalhadores. Eis a lista serão para ter aulas e o
dos anúncios, que vão calendário escolar será
vigorar até dia 14 de prolongado (ainda não se
fevereiro de 2021: sabe por quanto tempo)
deslocações para fora do
território nacional, por
qualquer via, apenas
sendo possível a
deslocação por motivos
impreteríveis. Além disso,
foi decidido, como tinha
sido avançado pelo
Expresso, o fecho de
fronteiras terrestres com
Espanha
^ Passa a ser possível um
confinamento obrigatório
de passageiros à chegada
do aeroporto, quando se
justificar
SNS podem contratar por
um ano profissionais
formados em instituições
superiores estrangeiras,
em medicina ou
enfermagem, cumpridos
certos requisitos
^ Um decreto temporário
permitirá pagar aos
profissionais de saúde, por
trabalho suplementar,
50% de aumento salarial. E
também definido um
horário acrescido para
enfermeiros e assistentes
operacionais até às 42
salarial de cerca de 37%”
^ O Governo autoriza a
contratação excecional de
médicos sem os limites
que a lei define
^ Assim como a
contratação “excecional”
de “médicos sem a
especialidade completa” e
a contratação ou
prestação de serviços por
parte de médicos e
enfermeiros aposentados
sem os limites que a lei
habitualmente define
Presidenciais fazem sangue
no PSD Após as presidenciais de
domingo, Rui Rio mandou às urti-
gas os quase 12% obtidos por An-
dré Ventura, fez orelhas moucas
aos que leram naquele resultado a
erosão do tradicional eleitorado so-
cial-democrata e preferiu celebrar
como se fossem seus os 60% obti-
dos por Marcelo Rebelo de Sousa.
Este negacionismo de uma crise
à direita que só não vê quem não
quer, teve uma curiosa tradução no
primeiro ato do grupo parlamentar
do PSD desta semana: a participa-
ção numa recolha de sangue que
o Instituto Português do Sangue
organizou no Parlamento. Como
quem diz a quem não antevê vida
fácil para o líder social-democrata
nos próximos tempos: “Vão dar
sangue!”

Ferreira de imitação A guerra

muito peculiar entre Bloco de Es-
querda e PCP está ao rubro. De-
pois dos avanços eleitorais de uns
e dos recuos de outros, a disputa
à esquerda do PS atingiu todo um
outro nível. Na campanha para as
presidenciais, Marisa Matias fez
todos os comícios virtuais com um
painel por trás do púlpito no qual
apareciam as caras dos apoiantes
que se tinham conectado ao evento.
Só na última noite de volta nacional
João Ferreira recorreu ao mesmo
meio tecnológico para enriquecer
um São Jorge parcialmente vazio.
Quem disse que a luta não podia ser
António Costa pela estética?
foi tomando
decisões Marcelo e o bife A vida normal
arrastado pela que o Presidente da República por-
gravidade da tuguês exibe tem feito as delícias
pandemia FOTO da imprensa internacional — caso
NUNO FOX da foto na fila para o supermercado
em calções — e até das televisões
nacionais que perseguiram Mar-

Os avanços e recuos de Costa celo na noite eleitoral quando este

foi buscar um bife com ovo a cavalo
a um restaurante e regressou de
saco de plástico na mão. Se Marcelo

num país que “está péssimo” não pode recorrer às plataformas

Governo aperta mais as restrições. Marcelo avisa que é para durar até março
Liliana Valente
Não há muito mais por onde aper-
tar. Quinze dias depois da decisão
do primeiro confinamento, os nú-
meros de novos infetados, de in-
ternamentos e de mortes não dão
tréguas. Todos os dados continuam
a crescer sem sinais de abrandar e
por isso o Governo não só mantém
as regras em vigor como as aperta:
a fronteira com Espanha passará a
estar fechada, com controlo, e as
saídas do país, seja por que via for,
passam a ser proibidas, com algu-
mas exceções. Além disso, haverá
controlo com imposição de quaren-
tena a quem chegue a Portugal, se a
situação epidemiológica o justificar.
É a quarta alteração ao confina-
mento geral do país, decidido a 13
de janeiro, mas não há muito mais
atividades que possam fechar. “A
situação é grave”, repetiu ontem a
ministra de Estado e da Presidên-
cia, Mariana Vieira da Silva, quando
anunciou que todas as regras em
vigor se mantêm tal como estão e que
as escolas ficarão fechadas durante
tempo indeterminado; já as aulas
recomeçam no dia 8 de fevereiro, à
distância — e a meio do mês se verá
como e quando podem voltar a ser
presenciais. Às 20h de ontem, Mar-
celo falou ao país e disse pior: “O
que fizermos até março determinará
o que vai acontecer na primavera,
verão e quem sabe até no outono.”
A história deste confinamento
começa lá atrás, com a decisão das
medidas para o Natal e Ano Novo.
António Costa admitiu esta semana
que se tivesse conhecimento da
existência da variante inglesa do
vírus teria tomado outras medidas.
“O país está péssimo”, admitiu o
primeiro-ministro no programa
“Circulatura do Quadrado”. No
mesmo programa em que deixou
escapar que “as coisas estão a cor-
rer mal” nesta terceira vaga da
pandemia.
As medidas foram apertando,
aqui fica o caminho de avanços e
recuos que se foi tomando.
17 DE DEZEMBRO
Neste dia, depois de no início de de-
zembro ter firmado as regras para
o final do ano, o primeiro-ministro
recuava e apertava as regras para o
Ano Novo com o argumento de que
o número de mortes estava ainda
muito elevado e era preciso man-
ter a pressão. Naquela altura, dizia
Costa: “Não estamos hoje no ponto
em que esperávamos estar.” Mas
recusava mexer no calendário das
escolas: “Nada justifica alterar o
calendário escolar, pelo contrário,
este primeiro período correu exce-
cionalmente bem.” Costa reconhe-
cia que havia “escolas onde houve
focos”, mas que tudo decorreu com
“a maior tranquilidade”.
7 DE JANEIRO
António Costa estendia aos dias de
semana as medidas que até então
vigoravam apenas ao sábado e ao
domingo e deixava aberta a por-
ta para um novo confinamento,
por dias. O passo seguinte seria
procurar apoio político para voltar
a fechar o país em casa: iria falar
com os partidos, parceiros sociais
e especialistas para ter todos os
argumentos e apoio na mão para
uma medida que voltaria a destru-
ir a economia e acentuar a crise
social e económica. A reunião com
os especialistas só aconteceu dias
depois (a 12 de janeiro) e Costa ou-
viu críticas pelo demora. Apesar
de admitir confinamento, insistia
que não havia razão para fechar as
escolas: “Há um grande consenso
entre técnicos e especialistas de
que não é preciso afetar o funcio-
namento do ano letivo.”
13 DE JANEIRO
Foi o dia do pedido de união contra
a “anestesia” perante os números
da pandemia. O Governo decidiu
avançar com o confinamento geral,
e Costa admitia que tinha corrigi-
do a trajetória e puxado “o travão
de mão”. O argumento eram os
elevados números de mortes. “O
custo da vida humana não tem pre-
ço. Atingimos um ponto onde não
é possível hesitar relativamente
ao que é preciso fazer.” As escolas
mantinham-se abertas: “A esco-
la é um local seguro e essencial à
aprendizagem.” Os especialistas
tinham estado divididos, um argu-
mento para o Governo manter as
escolas abertas.
18 DE JANEIRO
O primeiro fim de semana de con-
finamento mostrou que foi light.
Segunda-feira o Governo reúne-se
de urgência e Costa sai do encontro
com um agravo na voz e nas medi-
das: as exceções são calibradas e a
fiscalização aumenta. Costa pede
um “sobressalto cívico” e põe a
tónica na responsabilidade indivi-
dual. Apesar disto, insistia que não
havia dados novos que levassem a
tomar uma decisão diferente em
relação às escolas: “É um custo ir-
reversível para a vida.”
19 DE JANEIRO
Um dia depois, no Parlamento, mu-
dava um pouco o discurso: assumia
a defesa das escolas abertas, mas
acrescentava um “se”. Esperava a
qualquer momento os dados sobre
a nova variante. Se ela fosse “pre-
dominante”, “muito provavelmen-
te” as escolas teriam de fechar.
20 DE JANEIRO
Neste dia, em Bruxelas, ouvia a pres-
são do Presidente-candidato e resis-
tia. Nesse mesmo dia, as ministras da
Saúde e da Presidência reuniam-se
com especialistas e saíam com dados
alarmantes: com a nova variante a
ser responsável por 20% dos novos
casos e perspetiva de subir numa
semana para os 60%, a decisão do
fecho das escolas estava tomada.
21 DE JANEIRO
Nova reunião do Conselho de Minis-
tros que decide pelo fecho de todas as
escolas por 15 dias. “Face à estirpe e
velocidade de propagação, o princí-
pio da precaução leva à interrupção
de todas as atividades letivas”, disse
António Costa. Agora, sabe-se que as
aulas online retomam a 8 de feverei-
ro e as férias encurtadas. As escolas
ainda demorarão a abrir.
lvalente@expresso.impresa.pt
digitais para encomendar refeições
porque tem um velho telefone de
teclas, essa impossibilidade tecno-
lógica é um maná televisivo. Sem-
pre em campanha, mesmo depois
da campanha...
Pacto Molotov-Ribbentrop Rui
Rio tem uns modos estranhos por
vezes de passar mensagens políti-
cas. Na noite eleitoral, ao sublinhar
o esmagamento da esquerda, pas-
sou por estar a louvar os resulta-
dos de André Ventura no Alentejo
quando muito entusiasmado refe-
riu que o líder da extrema-direita
tinha conseguido bater o próprio
João Ferreira em domínios comu-
nistas, algo jamais conseguido pelo
PSD. Ora aí está, Gente recomenda
assim uma reunião extraordinária
e urgente do Conselho Estratégico
Nacional (CEN) para produzirem
um paper sobre o sucesso da ex-
trema-direita nas hostes bolchevi-
ques. Já houve outros momentos
na história em que os extremos se
tocaram.
Rapidez alentejana A política
é volátil, mas tão volátil que tudo
muda em 24h. Num dia, a Câmara
Municipal de Castro Verde, lide-
rada por um socialista, decide pu-
blicitar no Facebook — num post
entretanto apagado — que ordenou
um “rigoroso confinamento da co-
munidade” cigana da vila, por cau-
sa de 17 infeções por covid-19. No
dia seguinte e depois de a polémica
escalar a nível nacional, o autarca
António José reconhecia que a co-
municação sobre confinamento de
ciganos “não foi a mais adequada”
e acertava com associações antir-
racistas uma estratégia de inclusão
para aqueles munícipes. Quem diz
que os alentejanos são lentos?
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 13

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14 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE EDUCAÇÃO
Quase um ano depois,
todas as escolas, do
pré-escolar ao secundário,
tiveram de voltar a fechar
portas FOTO PEDRO NUNES
Confinamento Primeiro-ministro reconhece que não haverá condições para reabrir a 8 de fevereiro
Nas escolas já se prepara o inevitável
regresso ao ensino à distância
Isabel Leiria
e Joana Ascensão
N
ão foi preciso es-
perar nem uma
semana após a
decisão do fecho
das escolas para se
ficar a saber que o
encerramento se
irá prolongar por mais do que
os 15 dias inicialmente previs-
tos. Em declarações ao progra-
ma “Quadratura do Círculo”,
na TVI, António Costa deixou
pouca margem para dúvidas:
“Não acredito que daqui a 15
dias possamos retomar o ensino
presencial. Não estaremos perto
de voltar a essa modalidade, mas
sim de retomar o ensino online.”
Assim, a partir de 8 de feverei-
ro, terminado este período de
suspensão de atividades letivas,
voltarão as aulas à distância, os
trabalhos pedidos e enviados por
plataformas online e os grupos
de WhatsApp. Estes 15 dias de
férias antecipadas vão ser com-
Há colégios que não
interromperam as aulas
Escolas com currículos
internacionais continuam
à espera de resposta. St.
Dominic's fez queixa após
intervenção da PSP
Há uma semana que escolas
públicas e privadas receberam
ordem de fecho e, em simul-
tâneo, de paragem das aulas,
mesmo que à distância. Isso
mesmo ficou estipulado na al-
teração ao decreto do Governo
que regulamenta o estado de
emergência, publicado na sex-
ta-feira da semana passada. A
legalidade desta determinação
chegou a ser questionada pela
pensados depois com aulas nos
três dias que seriam da pausa do Será preciso esperar semanas semana à distância. As escolas secundária, era já assim que cen- apenas aos carenciados
Carnaval, mais dois ou três na
Páscoa e numa semana após o
final do ano letivo. A única dúvi-
da é saber por quanto tempo as
escolas permanecerão fechadas.
Os diretores não tinham mui-
tas dúvidas de que este seria o
cenário mais provável. “Estamos
a prepararmo-nos desde já”, diz
José Ramos, diretor do Agru-
pamento Gonçalves Zarco, em
Matosinhos, revelando que, “por
indicação da autarquia, que no
confinamento do ano passado
forneceu alguns computadores
à escola, os diretores de turma
estão novamente a auscultar a
falta de aparelhos”.
O objetivo é ter o
menor número de dias
de ensino à distância.
No ano passado foram
três meses e meio
associação que representa os
colégios, mas que decidiu não
avançar para uma contestação
judicial relativamente à deter-
minação governamental. O Ex-
presso sabe, no entanto, que há
escolas particulares que pros-
seguiram mesmo com as aulas,
cumprindo o horário diário, da
manhã à tarde.
Questionado sobre se tinha
conhecimento de situações des-
tas e o que fará, o Ministério
da Educação não respondeu.
Quanto à Associação de Esta-
belecimentos do Ensino Par-
ticular Cooperativo (Aeep), o
seu diretor executivo, Rodrigo
E este é outro dos problemas. já podiam ter começado esta do agrupamento, sobretudo na prometeu Costa, ou
ou meses (ver texto ao lado)
para ver chegar às escolas os
360 mil computadores adquiri-
dos pelo Governo para garantir
que, pelo menos, os alunos ca-
renciados dispõem de um por-
tátil que lhes permita seguir o
ensino à distância.
José Lemos, presidente do
Conselho das Escolas, acredita
mesmo que foi o atraso na dis-
tribuição dos equipamentos que
levou o Governo a não avançar
logo com o ensino à distância.
O ministro da Educação, Tiago
Brandão Rodrigues, tem garanti-
do que não, realçando o facto de a
presença dos alunos nas escolas,
com os professores e os colegas,
ser insubstituível. Por isso, a ideia
é ter o menor tempo possível de
ensino à distância. No ano letivo
passado foram três meses e meio
para a maioria dos jovens.
Mas, com os alunos regressa-
dos há pouco tempo da pausa do
Natal, o argumento não colhe
junto dos diretores. “As aulas
Queiroz e Melo, admitiu haver
estabelecimentos a “ocupar os
seus alunos com atividades,
cobrindo todas as áreas do sa-
ber e de forma muito intensa”.
Mas isso “não está proibido”,
sublinha. “Compreendemos
os argumentos do Ministério
da Educação (ME) quando diz
que o ensino presencial não
substitui o ensino à distância
e não quer que os dias de aulas
previstos no calendário escolar
sejam substituídos por estes. E
isso não vai acontecer”.
Rodrigo Queiroz e Melo ex-
plica ainda que não é o ME que
fixa o calendário dos privados
estão preparadas para isso desde
o início do ano letivo”, garan-
te Arlindo Ferreira, diretor do
Agrupamento Cego do Maio, na
Póvoa de Varzim.
“A melhor solução teria sido
passar logo para o ensino à dis-
tância”, concorda José Lemos.
“Se tivéssemos a certeza de que
daqui a 15 dias íamos regressar
às aulas presenciais, [a pausa le-
tiva] podia ser uma boa opção.
Mas, se é para continuar com as
escolas fechadas, então porque
não começar com o ensino à dis-
tância desde já?”
Prioridade aos mais novos
No Agrupamento da Portela e
Moscavide, os professores tam-
bém se sentem preparados para
o regresso à experiência passa-
da. “Se for por 15 dias, penso que
não haverá problema. Depois
disso, as aulas online começam
a perder eficácia”, acredita o
diretor, Nuno Reis. Nas escolas
e que muitos estabelecimentos
começaram o ano letivo mais
cedo do que o público, não ten-
do havido então nenhuma crí-
tica. Por isso e “não estando a
liberdade de aprender e ensinar
suspensa”, durante estes 15 dias
os colégios “podem e devem
fazer o acompanhamento dos
seus alunos com a intensidade
que entenderem”, defende.
Já o pai de um aluno do Colé-
gio Internacional de Vilamoura
apresentou uma intimação con-
tra o Governo no sentido de ser
revogada a suspensão das ativi-
dades letivas não presenciais. A
reclamação foi aceite pelo Su-
premo Tribunal Administrativo
e o Executivo tem até ao início
da próxima semana para justi-
ficar os pressupostos legais da
decisão. No caso deste e outros
estudantes a cumprir o currí-
culo de Cambridge — que tem
Expresso, 29 de janeiro de 2021
Ministério não
esclarece se vão ser
entregues portáteis a
todos os alunos, como
tenas de alunos estavam a ter
aulas. “Antes deste novo confi-
namento, estavam a ir para isola-
mento duas, três, quatro turmas
por dia. Chegámos a ter mais de
20 confinadas e 600 alunos em
casa”, afirma Nuno Reis. “Sem-
pre defendi que o 2º período
devia ter começado à distância
para o 3º ciclo e o secundário,
com os mais novos a vir à esco-
la. Mas os casos e os receios dos
pais eram tantos que se tornou
impossível até para esses.”
Ao invés do que aconteceu no
ano passado, quando o Ministé-
rio decidiu que a reabertura das
escolas iria acontecer primeiro
para os alunos do 11º e do 12º
anos (voltaram em maio e as
crianças do pré-escolar apenas
em junho), agora todos estão
de acordo que tem de ser ao
contrário: quando for possível,
deverão ser os mais novos os
primeiros a voltar a estar com
os seus professores.
ileiria@expresso.impresa.pt
um calendário e exames fixados
para todo o mundo —, a com-
pensação desta paragem nou-
tros períodos nem sequer serve,
já que os testes estão marcados
para maio e as férias da Páscoa
servem para a sua preparação.
O pai alega, por isso, haver aqui
um prejuízo injustificável para o
aluno, com possíveis consequên-
cias no seu ingresso no ensino
superior, por exemplo.
A questão aplica-se de igual
forma a todos os currículos in-
ternacionais e estrangeiros. Na
última sexta, alunos do St. Do-
minics (Cascais), que seguem
o International Baccalaureate,
foram mesmo impedidos pela
PSP de fazer uma das provas
obrigatórias. O colégio já fez
queixa à provedora de Justiça
e expôs a situação ao Governo.
O ME também não esclareceu
esta questão. I.L.
Portáteis
têm
de chegar
até 25
de março
É a data-limite de entrega
pelos fornecedores
dos 335 mil computadores
em falta, a distribuir pelos
alunos do ensino básico
O Ministério da Educação
(ME) não se compromete com
a distribuição de 1,2 milhões de
computadores pelos alunos do
ensino público obrigatório du-
rante o atual ano letivo, como
o primeiro-ministro António
Costa prometeu em abril de
2020, mas deixa em aberto
a possibilidade de, eventual-
mente, alcançar esse objetivo
mais tarde. Sem indicar datas,
informa que vai investir €900
milhões na transição digital
das escolas. O montante vai ser
aplicado em equipamento para
escolas, formação de profes-
sores e “desmaterialização de
material pedagógico”.
“O trabalho de aquisição de
mais material está em curso”,
refere o ME, sem esclarecer se
vão ser entregues portáteis a
todos os alunos de escolaridade
obrigatória ou apenas aos alu-
nos carenciados. Certo é que,
nem uns nem outros os terão
recebido na totalidade quando
as aulas à distância arrancarem
no próximo dia 8 de fevereiro.
Para já, estão contratualiza-
dos 435 mil kits com portáteis,
auscultadores, modem e mo-
chila: 100 mil foram entregues
entre novembro e dezembro de
2020 a todos os alunos carenci-
ados do Secundário, depois de
três ajustes diretos no valor de
€24 milhões. Os 335 mil kits
restantes destinados aos alunos
do básico abrangidos pela Ação
Social Escolar, adjudicados
através de concurso no final de
2020 por mais de €83 milhões,
só começarão a ser distribuí-
dos durante o segundo período.
Estes alunos recomeçarão, por
isso, as aulas à distância com
‘falta de material’.
Os fornecedores terão de en-
tregar os kits ao ME até 25 de
março, mas a entrega aos alu-
nos poderá levar mais tempo.
“Depois de os computadores
chegarem às escolas, temos de
contar com todo o tempo exi-
gido por burocracias, tarefas
técnicas e de gestão dos com-
putadores, sendo que não há
técnicos suficientes e há esco-
las que têm de recorrer a ser-
viços externos”, refere Manuel
António Pereira, presidente da
Associação Nacional de Diri-
gentes Escolares.
Jorge Ascenção, dirigente
da Confederação Nacional das
Associações de Pais (Confap),
admite que depois da primeira
fase da pandemia as escolas e
os encarregados de educação
estão mais bem preparados
para o ensino à distância, mas
deixa o alerta: “Os computa-
dores, só por si, não resolvem
os problemas. É necessário ga-
rantir a ligação entre escolas,
alunos e famílias.”
Hugo Séneca
hseneca@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 15
16 PRIMEIRO CADERNO
VACINAÇÃO
Bruxelas sob pressão no braço
de ferro com a AstraZeneca
Vacina da AZ deverá ser autorizada esta sexta-feira, mas o problema das
entregas mantém-se. UE espera receber doses das fábricas no Reino Unido
Susana Frexes
A Comissão Europeia mantém
a pressão sobre a AstraZene-
ca, pressionada também pelos
Estados-membros, que conti-
nuam à espera de receber as
doses combinadas para o pri-
meiro trimestre do ano. A reu-
nião dos embaixadores dos 27
em Bruxelas deixou claro que
as capitais não estão dispostas
a aceitar tranquilamente que a
farmacêutica entregue apenas
cerca de 30 milhões de doses
em fevereiro e março, quando
estavam previstos pelo menos
100 milhões de vacinas.
A redução nas entregas põe
em causa a velocidade dos pla-
nos de vacinação europeus e o
objetivo de vacinar até março
80% das pessoas com mais de
80 anos e 80% dos profissio-
nais de saúde.
Esta quinta-feira, o ministro
alemão da Saúde previa “pelo
menos mais 10 semanas difí-
80% dos idosos terão
1ª dose até final de março
Plano foi revisto
para dar prioridade
aos mais velhos. Vacinação
de doentes de risco com
mais de 50 anos começa
para a semana
Que alterações foram
feitas ao plano de
vacinação?
A grande novidade anunciada
esta semana pela ministra da
Saúde foi a inclusão dos cida-
dãos com mais de 80 anos na 1ª
fase do plano de vacinação. Na
versão inicial estavam na 2ª,
que deverá iniciar-se só em
abril, o que suscitou várias crí-
ticas, incluindo de ex-responsá-
veis da Saúde. O objetivo agora,
explica o coordenador da task
force para a vacinação, Francis-
ceis” de escassez de vacinas e
não escondia o descontenta-
mento, lembrando à empresa
anglo-sueca que a União Eu-
ropeia “pré-financiou mais de
300 milhões de euros” para
que aumentasse a capacidade
de produção.
A questão passa agora por
saber como é que a Comissão
Europeia vai resolver o proble-
ma e quando. Esta sexta-feira,
a AstraZeneca deverá ter luz
verde da Agência Europeia de
Medicamentos, começando de-
pois a distribuir vacinas pelos
países europeus. A postura da
empresa é manter as entregas
abaixo do previsto e não deu
ainda sinal de recuo.
Já antes do episódio com a
AstraZeneca o Executivo co-
munitário estava sob forte
pressão por causa da maior
lentidão com que a União Eu-
ropeia estava a vacinar os seus
cidadãos, perdendo na com-
paração com o Reino Unido,
Israel ou os Estados Unidos.
co Ramos, é ter “80% deste gru-
po com a primeira toma admi-
nistrada até final de março”.
Para isso é essencial a aprova-
ção da vacina da Astrazeneca/
Oxford pela Agência Europeia
do Medicamento, que deve
acontecer esta sexta-feira, jun-
tando-se assim à Pfizer/BioN-
Tech e à Moderna como forne-
cedores autorizados na União
Europeia.
E como surgiu a questão
dos políticos?
Apesar de não estar inicialmen-
te prevista, a Direção-Geral de
Saúde fez uma proposta para
incluir titulares de órgãos de
soberania e decisores políticos
no grupo prioritário. Esta se-
mana, saiu o despacho do Go-
Agora, cabe à equipa de Ursula
Von der Leyen lidar com o bra-
ço de ferro e tentar encontrar
uma solução. E é aqui que as
atenções se viram para o outro
lado do Canal da Mancha, onde
estão localizadas duas das qua-
tro unidades de produção de
vacinas incluídas no contrato
europeu.
A comissária da Saúde, Stella
Kyriakides, já disse que espera
receber vacinas das fábricas
britânicas, principalmente
quando uma das explicações
dadas pela AstraZeneca para
os atrasos são os problemas na
unidade localizada na Bélgica.
Do lado britânico, o gabine-
te do ministro Michael Gove
garante que não vai deixar a
vacinação britânica derrapar.
Citado bela Bloomberg, terá,
no entanto, mostrado dis-
ponibilidade para encontrar
formas de ajudar os “amigos
europeus”.
Numa entrevista dada esta
semana, o CEO da AstraZene-
verno solicitando às entidades
competentes que indiquem as
pessoas que “asseguram servi-
ços essenciais nos respetivos
órgãos”, sem definir limites. Na
lista das entidades estão os ór-
gãos de soberania — Presidente
da República, Assembleia da
República, Governo e tribunais
—, mas também a Provedoria
da Justiça, governos regionais
e “presidentes de câmaras mu-
nicipais, tendo em conta que
são os responsáveis principais
de proteção civil”, explica-se no
decreto. O Governo já definiu
quem no Executivo tem direito
a ser vacinado em primeiro lu-
gar. São eles primeiro-ministro,
ministros de Estado, alguns
ministros e os secretários de
Estado da Saúde, com respon-
ca argumentava que o Reino
Unido estava a receber doses
atempadamente porque tinha
fechado o contrato três me-
ses antes da União Europeia.
Declarações que não caíram
bem em Bruxelas. Kyriakides
não só rejeita esta lógica de
“quem pede primeiro é servi-
do primeiro”, como considera
inaceitável que Pascal Soriot
diga que a AstraZeneca não
está obrigada a cumprir os pra-
zos de entrega, mas apenas a
fazer “os melhores esforços”
possíveis.
A tensão entre a Comissão e
a farmacêutica tem aumentado
de dia para dia, com o bloco
comunitário a pedir agora para
que o contrato confidencial
seja tornado público.
A forma como for gerido o
problema poderá mostrar se
foi uma boa ideia a aquisição
conjunta de vacinas e a nego-
ciação liderada pela Comissão
Europeia em nome dos 27.
sociedade@expresso.impresa.pt
Atrasos e polémicas
podem comprometer o
plano de vacinação
FOTO EDUARDO COSTA /LUSA
sabilidade no combate à pande-
mia e dos Assuntos Europeus.
Qual o ponto de situação
da vacinação ao fim de
um mês?
Segundo o balanço feito esta
semana, Portugal já recebeu
mais de 400 mil doses, que per-
mitiram vacinar 257 mil pesso-
as (74 mil das quais já recebe-
ram as duas doses), entre
profissionais de saúde, funcio-
nários e residentes em lares e
unidades de cuidados continua-
dos. Na próxima semana inicia-
-se a vacinação das pessoas com
50 ou mais anos e uma das se-
guintes doenças: insuficiência
cardíaca, renal, coronária ou
pulmonar crónica/respiratória
com suporte ventilatório. Tam-
bém bombeiros da emergência
pré-hospitalar e transporte de
doentes, elementos das forças
de segurança e os titulares de
órgãos de soberania e decisores
políticos identificados como
prioritários.
Isabel Leiria
email@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
PROTEÇÃO
Devemos deixar
de usar máscaras
comunitárias?
Alguns países
estão a proibir o
uso de máscaras
sociais em
detrimento das
cirúrgicas e
das P2. Em
Portugal,
a medida
está “em
análise”, mas o
segredo pode
estar numa
palavra:
certificação
Porque é que alguns
países proibiram
as máscaras
comunitárias?
Com a cada vez maior incidên-
cia de novas estirpes do SARS-
-CoV-2, consideradas mais
transmissíveis, a Alemanha e a
Áustria proibiram o uso de más-
caras comunitárias em trans-
portes públicos, lojas, farmácias
ou locais de trabalho. Em detri-
mento destas, pede-se à popula-
ção que use máscaras cirúrgicas
e máscaras FFP2. Em França,
as máscaras têxteis não estão
proibidas mas passaram esta
semana a ser desaconselhadas.
E em Portugal?
Em Portugal é obriga-
tório usar máscara
em espaços fecha-
dos e também no
exterior sempre
que não é possí-
vel garantir um
distanciamento
de, pelo menos,
dois metros. As
máscaras sociais
não estão excluídas da
equação, embora deva
ser dada primazia às que têm
selo de certificação, passado
pelo Centro Tecnológico das
Indústrias do Têxtil e do Vestu-
ário (Citeve) e por alguns labo-
ratórios. A Direção-Geral da
Saúde assume que está “em
análise” a hipótese de também
vir a desaconselhar as másca-
ras comunitárias mas, para já,
as recomendações europeias
nas quais a entidade se baseia
determinam apenas as carac-
terísticas que estas devem ter
no fabrico, mesmo que sejam
feitas em casa: múltiplas cama-
das de tecido — que deverá ide-
almente ser hidrofóbico, ou
seja, repelir a água —, ter um
filtro e apresentar sempre ca-
pacidade de ajuste no nariz.
As máscaras
comunitárias
protegem
o suficiente?
Não é possível aferir qual o
grau de proteção das máscaras
caseiras. Por isso, o segredo
está na certificação. Quando
seguidas as normas euro-
peias de confeção, do
Centro Europeu para
Prevenção e Con-
trolo das Doen-
ças (ECDC),
as máscaras
têxteis co-
munitárias
certificadas
têm uma taxa
de filtração de partícu-
las superior a 70%. Mas
apenas um quinto delas sobem
a fasquia para mais de 90%, o
que faz com que, se as regras
europeias apertarem (como se
tem falado), 80% destas más-
caras tenham de ser desacon-
selhadas. As máscaras cirúrgi-
cas e as de tipo FFP2 (bico de
pato) conferem um grau supe-
rior de proteção.
Qual é a diferença
entre as máscaras
cirúrgicas e
as máscaras FFP2?
Ambas são de utilização única
e não podem estar colocadas
por mais de quatro horas. As
cirúrgicas servem para prote-
ger o outro mas não protegem
o seu utilizador, ou seja, salva-
guardam a saída de gotículas
com vírus de dentro para fora.
São suficientes em contexto
social, se usadas por toda a
gente e sem contacto direto
com infetados. Já as FFP2,
protegem nos dois sentidos
— de dentro para fora mas
também de fora para dentro
—, conferindo um maior grau
de proteção. Devem ser usa-
das “em ambiente de
maior expo-
sição
a o s
agentes
patogé-
nicos, no-
meadamen-
te em ambiente
hospitalar, na exe-
cução de procedimen-
tos médicos que impli-
quem maior risco”, diz a
Sociedade Portuguesa de
Pneumologia.
E os preços?
Um conjunto de dez máscaras
de tipo FFP2 (também chama-
das KN95) custa, numa gran-
de superfície, cerca de cinco
euros. As cirúrgicas podem ser
adquiridas por bem menos:
um conjunto de 50 é vendido
por cerca de quatro euros.
Para as comunitárias certifica-
das, que podem ser lavadas e
usadas várias vezes, os preços
variam muito, começando nos
três euros.
Que tipo
de máscara
devo usar?
Esta semana, a Sociedade
Portuguesa de Pneumologia
defendeu que as máscaras
comunitárias, geralmente
feitas em vários tipos de teci-
do (lavadas e reutili-
zadas múltiplas
vezes), “podem
não ter a efi-
cácia dese-
jada”. A
entidade
defende
que deve ser
“considerada
a obrigatorieda-
de de uso de más-
caras cirúrgicas”, po-
dendo ser equacionado o
uso de máscaras comuni-
tárias apenas em alternativa
e sempre certificadas pelo
Citeve. Para os contextos de
maior risco, nomeadamente
em cuidadores de doentes ou
famílias com elementos infe-
tados por covid-19, a entidade
defende o uso de máscaras
FFP2.
Joana Ascensão
jascensao@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 17

EPIDEMIA

Próximas EVOLUÇÃO DO ÍNDICE DE TRANSMISSIBILIDADE (RT)

Em Portugal. De 1 de setembro de 2020 a 22 de janeiro de 2021

MÉDIA A 5 DIAS: 1,13

TAXA DE POSITIVIDADE DOS TESTES
De covid-19. De 1 de setembro de 2020 a 21 de janeiro de 2021

18,8%

duas
1,2 15%

1 10%

semanas
0,8 5%

0,6 0%
SET OUT NOV DEZ JAN SET OUT NOV DEZ JAN

serão NOVOS CASOS CONFIRMADOS

Valor absoluto diário e média móvel a 7 dias. De 1 de set. de 2020 a 27 de jan. de 2021
PAÍSES COM MAIS CASOS
Média a 7 dias por 1 milhão de habitantes
TOTAL DE CASOS
De covid-19 por 100 habitantes

as piores 16 mil

12
15.073

4
1
2
3

5
Portugal
Espanha
Israel
Andorra
Montenegro
1223,7
787,6
755,1
754,4
738,3
2

4
1

5
Andorra
Montenegro
Rep. Checa
San Marino
Luxemburgo
12,6%
9,5%
8,9%
8,7%
8%
8 6 Rep. Checa 627,3 6 Eslovénia 7,8%
7 Eslovénia 605,5 7 Estados Unidos 7,7%
4 8 Mónaco 549,7 8 Panamá 7,3%
9 Seychelles 533,1 9 Israel 7,2%
0 MÉDIA MÓVEL A 7 DIAS 10 San Marino 530,4 10 Lituânia 6,58%
11 Portugal 6,56%
Pico de casos apontado para SET OUT NOV DEZ JAN Dados de 27 de janeiro

a semana. Internamentos vão subir INTERNAMENTOS HOSPITALARES E EM UCI

De casos confirmados de covid-19. De 1 de setembro de 2020 a 27 de janeiro de 2021
% DE PESSOAS EM UCI NO TOTAL DOS INTERNAMENTOS
De casos confirmados de covid-19. De 1 de setembro de 2020 a 27 de janeiro de 2021
até meados de fevereiro. Contágio INTERNAMENTOS 6603
desce, mas muito lentamente 6 mil 15%
12%

O atual confinamento entrou 4 10%

Texto Raquel
em vigor há duas semanas, no
Albuquerque dia 14 de janeiro. As regras fo- 2 5%
Infografias Sofia UCI 783
ram apertadas cinco dias depois,
Miguel Rosa e as escolas fecharam no dia 22. 0 0%
Os especialistas dizem que ainda SET OUT NOV DEZ JAN SET OUT NOV DEZ JAN
É muito subtil o impacto do é cedo para ver um impacto do
confinamento na redução da fecho das escolas, mas o número
transmissão da covid-19 em médio de pessoas que cada infe- ÓBITOS DIÁRIOS PAÍSES COM + MORTES TOTAL DE MORTES
Valor absoluto diário e média móvel a 7 dias. De 1 de set. de 2020 a 27 de jan. de 2021 Média a 7 dias por 1 milhão de habitantes De covid-19 por 1 milhão de habitantes
Portugal, mas os especialistas tado contagia (Rt) já começou a
já veem alguns sinais de de- descer, embora continue acima 293 1 Portugal 25,8 1 San Marino 1915,3
saceleração de novos casos. de 1. Segundo o INSA, o Rt pas- 300 2 Reino Unido 18,1 2 Bélgica 1806,2
Ainda assim, são unânimes em sou de 1,23 nos primeiros dias 3 Eslováquia 16,3 3 Eslovénia 1647,5
afirmar que o país continua do ano para 1,13 a 22 de janeiro. 225 4 Rep. Checa 13,0 4 Reino Unido 1503,8
a manter-se numa tendência “Mantém-se uma tendência de 5 Suazilândia 11,7 5 Rep. Checa 1474,6
crescente de infeções, inter- descida, embora lenta para o 150 6 Eslovénia 11,5 6 Itália 1437,1
namentos e óbitos. Com algu- que seria necessário”, resume 7 Andorra 11,1 7 Bósnia e Herzegovina 1415,2
ma incerteza, há modelos que Carlos Antunes, matemático da 75 8 Lituânia 10,6 8 Liechtenstein 1363,5
apontam para um pico de casos Faculdade de Ciências da Uni- 9 México 10,3 9 Macedónia 1354,1
na próxima semana, o que sig- versidade de Lisboa. 0 MÉDIA MÓVEL A 7 DIAS 10 Irlanda 10,2 10 Estados Unidos 1296,7
nifica que só na segunda me- Segundo os dados de mobi- SET OUT NOV DEZ JAN Dados de 27 de janeiro 22 Portugal 1108,7
tade de fevereiro é que o alívio lidade da Google, analisados
deverá chegar aos hospitais. pelo INSA, no primeiro dia sem FONTES: DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE (DGS), INSTITUTO NACIONAL DE SAÚDE DOUTOR RICARDO JORGE (INSA) E “OUR WORLD IN DATA” (DADOS DE 27 DE JANEIRO DE 2021)

Até lá, estimam os peritos, a aulas o confinamento foi de

pressão irá subir.
“O número de doentes a pre-
cisar de cuidados intensivos de-
verá continuar a aumentar até
à primeira metade de fevereiro,
atingindo um valor máximo de
cerca de 1100, altura a partir
da qual começará a decrescer”,
aponta Maria Luísa Morgado,
matemática da Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro e
uma das responsáveis pelo mo-
delo desenvolvido com o Insti-
tuto Nacional de Saúde Doutor
Ricardo Jorge (INSA) e a Facul-
dade de Ciências e Tecnologia
da Universidade Nova de Lis-
boa. “O modelo indica que, em
cenários de confinamento de
duas semanas, um mês ou dois
meses, o número de internados
em cuidados intensivos no final
de março será, respetivamente,
de 1000, 500 e 260.”
69% do máximo registado em
março e abril, já mais ‘aperta-
do’ do que na semana anterior
(46%). A TomTom, empresa
de tecnologia de localização,
também conclui que esta se-
mana os portugueses usaram
menos o automóvel do que na
anterior, ainda que o nível de
tráfego seja superior a março.
Entre o atual confinamento e o
de março existem “muitas dife-
renças”, sublinha Milton Seve-
“A proporção
de internados
em cuidados intensivos
baixou de 18%
para 12%”, revela
Óscar Felgueiras
ro, investigador do Instituto de
Saúde Pública da Universidade
do Porto (ISPUP). “O anterior
ocorreu na primavera e agora
é inverno, a disponibilidade das
pessoas era maior, o número
de casos é bastante superior e
temos as novas variantes que
provocam mais contágios.”
“As semanas mais críticas”
Segundo o investigador do IS-
PUP, nos últimos dias já houve
uma “desaceleração” das infe-
ções no Norte, Centro e Alen-
tejo. “Ainda antes do confina-
mento, a 14 de janeiro, existiu
uma redução da velocidade de
crescimento de casos. Passou-
-se de uma duplicação de 9 para
23 dias, provavelmente devido
à diminuição natural de contac-
tos após o período de festas.”
Também Carlos Antunes,
coautor das projeções apre-
sentadas no Infarmed, aponta
a mesma tendência: “Os indí-
cios do efeito do confinamento
são muito subtis, dado o curto
período desde o fecho das esco-
las, mas verifica-se uma desace-
leração da incidência global. O
pico está a ficar cada vez mais
definido e é apontado algures
entre 5 e 9 de fevereiro, com
uma incidência que poderá si-
tuar-se entre os 17 e os 18 mil
casos diários.” Para o fim deste
mês, o modelo aponta para uma
média de 16.400 novas infe-
ções, mais de 7 mil internamen-
tos, 860 em cuidados intensivos
e acima de 300 óbitos diários.
Portugal continua a ser o
país do mundo com mais novos
casos e mortes por milhão de
habitantes (ver gráficos). Ba-
tem-se recordes de óbitos, as
infeções diárias superam as 15
mil, e a percentagem de tes-
tes positivos está acima de 19%,
quando não deveria ir além de
5%, o que continua a ser sinal de
que há muitos casos por dete-
tar. “O país está no limite da sua
capacidade, quer seja na testa-
gem, rastreio ou cuidados hos-
pitalares”, avisa Óscar Felguei-
ras, matemático especializado
em epidemiologia. “Estamos
prestes a chegar às semanas
mais críticas, e o confinamento
pós-fecho das escolas irá dar
um contributo decisivo para
controlar a subida de casos.”
Só desde o início do ano já
morreram mais de 4 mil pes-
soas com covid-19. A letalidade
está a subir, sobretudo nos mais
idosos (ver pág. 5), e com maior
intensidade em Lisboa do que
no Porto. Uma das explicações
para as projeções subestimadas
de óbitos é a “diminuição da ca-
pacidade de resposta perante a
saturação dos serviços hospita-
lares”, refere Óscar Felgueiras.
“Um indicador sintomático dis-
so é a proporção de internados
em cuidados intensivos, que
baixou de 18% no Natal para os
atuais 12%, conjugado com um
aumento da positividade.”
Também Maria Luísa Mor-
gado aponta essa hipótese,
além do possível impacto das
variantes britânica e sul-afri-
cana, “num risco acrescido no
desenvolvimento de sintomas
graves”, explica. “As incertezas
associadas a estas hipóteses são
difíceis de incorporar em mo-
delos matemáticos.”
Com Isabel Leiria
ralbuquerque@expresso.impresa.pt

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18 PRIMEIRO CADERNO
HOSPITAIS
A semana ficou marcada
pela transferência
de doentes devido
aos problemas no
fornecimento de oxigénio
FOTO PEDRO NUNES /REUTERS
Marco Ferreira Presidente do conselho
de administração do Hospital Amadora-Sintra
“A planificação foi sendo
ultrapassada pela realidade”
Christiana Martins
O Hospital Professor Doutor
Fernando Fonseca (Amadora-
-Sintra) enfrentou esta semana
problemas no suprimento de
oxigénio aos doentes ventilados.
A situação vivida pela unidade
com mais doentes covid do país
(tinha na terça-feira 363 em en-
fermaria, para uma capacidade
máxima do plano de contingên-
cia de 120 camas) abalou o sis-
tema. O presidente do conselho
de administração lamenta a de-
sigualdade de esforço feito pelos
hospitais da região, mas agrade-
ce a solidariedade demonstrada
quando precisou de transferir
mais de 100 doentes.
P O HFF, não sendo um hospi-
tal central, era o que tinha mais
doentes covid. Porquê?
R O número de infeções na co-
munidade é elevado. Ao servir-
mos uma população de mais de
550 mil habitantes, a pressão
assistencial é necessariamente
alta. Já o era antes, e agora ain-
da mais. O HFF tem tido desde
sempre uma atitude de planear e
antecipar necessidades, mas essa
planificação foi sucessivamente
ultrapassada pela realidade. Te-
mos procurado reinventar-nos
e adaptar-nos para encontrar a
melhor resposta. Não dar essa
resposta a quem necessita seria
contrariar a missão do hospital.
P Até onde teria expandido, se
não tivesse ocorrido o proble-
ma do oxigénio?
R Não é fácil responder… Cada
vez que foi expandida a respos-
ta covid para lá do previsto no
plano de contingência do HFF,
chegávamos a um patamar que
achávamos não ser possível atin-
gir. Desde 1 de janeiro tivemos
um aumento de 400% dos in-
ternamentos. A plasticidade e
a capacidade de adaptação são
absolutamente vitais. Contudo,
têm limites, e o limiar atingido,
com 363 doentes em enfermaria
e 31 em cuidados intensivos, está
muito próximo do que é susten-
tável do ponto de vista humano
e infraestrutural. E, não sendo
o HFF um centro hospitalar, a
capacidade de expansão infraes-
trutural é mais limitada.
P Qual o impacto desta pres-
são no hospital, na equipa, nos
doentes?
R Para responder aos doentes
covid, quer na urgência, no in-
ternamento ou nos cuidados
intensivos, é necessário conver-
ter camas cirúrgicas e realocar
recursos humanos. A atividade
programada ressente-se, prin-
cipalmente a cirúrgica. A arti-
culação com outros hospitais da
região é fundamental, e é o que
temos feito, por exemplo, com
o IPO de Lisboa. Outro custo
elevadíssimo é sentido pelos
nossos profissionais, inexcedí-
veis no empenho e capacidade
de resposta. Não tenho palavras
suficientes para agradecer essa
dedicação e para expressar o
orgulho que sinto por fazer par-
te desta equipa.
P Quando foi informado de
que o fluxo de oxigénio não era
o adequado, qual foi a primeira
decisão que tomou?
R Salvaguardar a segurança
dos doentes, e felizmente con-
seguimos.
P A decisão de transferir os
doentes foi vossa ou foi orien-
tação da tutela?
R A decisão foi do HFF, em
coordenação com a Adminis-
tração Regional de Saúde de
Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT)
e o Ministério da Saúde.
mente uma parceria virtuosa,
mas que poderia também fun-
cionar entre hospitais públicos.
P Um documento de sete hos-
pitais de Lisboa, inclusive o
HFF, enviado à ministra, aler-
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
tou para a gravidade da situa-
ção. Teve resposta?
R Esse documento sistematizou
por escrito o que tem sido apre-
sentado em inúmeras reuniões.
A meu ver, as disparidades nas ta-
xas de esforço da resposta covid
entre hospitais da mesma região
deveriam ser muito mais ténues.
As assimetrias são perniciosas
para a qualidade dos cuidados,
P Os outros hospitais toma- favorecem o burnout das equi-
ram a iniciativa de vos ajudar pas dos hospitais em sobrecarga
ou tiveram de pedir? e provocam um sentimento de
R Vários hospitais públicos e iniquidade entre os profissionais
privados mostraram uma enor- das diferentes instituições. Para
me solidariedade, contactan- o bem dos doentes, o esforço na
do-nos diretamente, mesmo resposta covid deveria ser equili-
hospitais com taxas de esforço brado. Se todos tivermos níveis
muito elevadas. de esforço idênticos, consegui-
remos dar uma melhor resposta
P Além da saída de doentes, global, diminuindo o risco de
foi também tomada a decisão colapso do sistema.
inédita de transferir profissio-
nais, com os doentes, para um P Arrepende-se de ter amplia-
hospital privado... do a capacidade até ao limite?
R A disponibilidade e o apoio R A nossa missão é servir a po-
por parte do Hospital da Luz pulação, e o aumento da capa-
foram totais, fazendo saber cidade covid é consequência da
que tinha espaço disponível. enorme procura. É fundamen-
Mais uma vez os profissionais tal uma verdadeira resposta em
do HFF se envolveram desde o rede, que distribua os esforços.
primeiro momento e aceitaram Neste aspeto, temos muito a me-
o desafio de ir trabalhar para lhorar. Iremos ampliar a capaci-
outra instituição. Será certa- dade enquanto for possível. Não
pode ser de outra forma, porque
todos os dias surgem doentes
que precisam de internamento.
Que outra opção temos?
SE TODOS P O que resta de atendimento
TIVERMOS NÍVEIS não-covid no vosso hospital?
R A nossa linha vermelha é a
DE ESFORÇO atividade urgente e prioritária.
Essa não pode parar, e não pa-
IDÊNTICOS, rou. Para abrir 90 novas camas
de enfermaria para doentes
DIMINUÍMOS covid em apenas quatro dias,
como aconteceu no passado fim
O RISCO de semana, há áreas de interna-
mento que têm de ser suspensas
DE COLAPSO e atividade programada que tem
de ser cancelada. E todos são
poucos para reforçar as equipas.
camartins@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
COVID-19
Cura não
garante fim
de sintomas
da doença
Recuperados mantêm queixas
meses depois. Fadiga e falta
de concentração são mais comuns
Vera Lúcia Arreigoso
O número exato está por saber,
tal como tanta coisa sobre o cur-
so natural da covid-19, mas os
médicos já podem garantir que
são muitos os portugueses com
sintomas da doença largos me-
ses depois de curados. As mar-
cas deixadas pelo vírus são ob-
servadas tanto em adultos como
em crianças, tenham tido uma
infeção grave, ligeira ou até, por
paradoxo, assintomática.
O Hospital de São João, no
Porto, foi a unidade que mais
pessoas tratou durante a pri-
meira onda da pandemia e o
acompanhamento posterior
mostrou que a cura da infeção
não garante a recuperação to-
tal. Dos 1988 adultos tratados
no hospital e em casa, entre 1
de março e 18 maio, 1151 foram
questionados sobre a perce-
ção do estado de saúde após a
cura e a maioria, ligeiramente
mais de 60%, afirma ter, pelo
menos, um sintoma e perto de
25% dizem que nem chegaram
a recuperar.
São descritas queixas como
dores de cabeça, dormências,
palpitações, tonturas, altera-
ções do olfato e do paladar. Mas
são a fadiga e a falta de concen-
tração as mais comuns. “Estes
sintomas pós-cura são muito
semelhantes entre os doentes,
mesmo quem não teve doença
grave. Há até casos de pessoas
que tiveram uma infeção assin-
tomática e que também repor-
tam sintomas”, explica a infec-
ciologista Margarida Tavares.
Os dados recolhidos pela
equipa do São João indicam
que as queixas prolongam-se,
até agora, pelos seis a nove
meses seguintes ao contágio.
Após os primeiros sintomas da
infeção, para quem os teve, há
uma redução constante da sin-
tomatologia até aos três meses
posteriores, mas daí em diante
estabiliza. E ao invés do que
poderia ser lógico, não são os
idosos os mais queixosos. São
as faixas etárias dos 30 aos 59
anos e depois dos 60 aos 69.
Margarida Tavares não sabe
até quando poderão manter-se
as queixas, porque, por agora,
o horizonte deste estudo fo-
ram nove meses. O intervalo
de tempo é suficiente para os
médicos falarem em ‘covid lon-
ga’, ou seja, que se arrasta no
tempo. “Fala-se em ‘covid cró-
nica’ quando a sintomatologia
persiste mais de 12 semanas”,
acrescenta o diretor do Serviço
de Doenças Infecciosas do Hos-
pital Curry Cabral, Fernando
Maltez. Com os sintomas que
se arrastam, tendem a surgir
sequelas, também elas por
determinar se passageiras ou
não. “Há efeitos neurológicos,
cardía cos, renais e outros e
têm-se identificado nos doentes
graves que estiveram interna-
dos mas também em quem não
esteve”, sublinha o especialista.
Um estudo recente entre a
população de Inglaterra, com
dados do Instituto Nacional de
Estatística do Reino Unido e
centenas de médicos de clíni-
ca geral, indica que quase um
terço dos doentes com alta por
covid-19 regressam ao hospital
pela mesma razão num inter-
valo de cinco meses e um em
cada oito morrem. Por cá, não
há números, mas a perceção é
um pouco mais favorável.
Dez mortes seis meses
depois da alta médica
“Não tenho informação sobre
reinternamentos, no entanto,
e embora não se saiba qual é a
persistência das sequelas, é pos-
sível que surjam complicações,
por exemplo cardíacas, que mo-
tivem o reinternamento”, diz
Fernando Maltez. Margarida
Tavares partilha o diagnóstico:
“Não tenho a mais pequena dú-
vida de que uma percentagem
Seguimento de casos
graves nos últimos
meses tem permitido
verificar que
“as crianças têm
sequelas, e muitas”
destas pessoas com sintomas
prolongados acaba por ter de
procurar cuidados, mas os re-
internamentos são poucos, e na
verdade não sabemos se aconte-
ceram por sequelas da covid.”
Sobre mortalidade pós-cura
ainda menos se sabe. Ainda as-
sim, o grupo do São João regis-
tou dez mortes nos seis meses
após o diagnóstico da doença.
“É um número normal aten-
dendo ao tempo que passou e
ao facto de termos tido doentes
muito ‘pesados’. Alguns doen-
tes morreram de coração, AVC
ou morte natural.”
Outro dado novo é que as
crianças não têm uma infeção
muito diferente da dos adultos,
como se julgava. É certo que
não há registo de reinterna-
mentos — a ter como exemplo o
Hospital de Dona Estefânia, em
Lisboa — , mas “têm sequelas,
e muitas”, garante a diretora
da Unidade de Infecciologia,
Maria João Brito.
“Com o seguimento das cri-
anças que estiveram interna-
das em março, com Síndrome
Inflamatória Multissistémica,
vemos sequelas no coração,
ficam impedidas de atividade
física até alta do cardiologista,
e lesão renal. Não sabemos se
vão resolver-se.” Nos adoles-
centes hospitalizados, surgem
casos de obesidade, ansiedade
e alterações depressivas, por
exemplo. “É de tal maneira
que fizemos um protocolo com
a nutrição e a psicologia para
acompanhamento.”
A alteração da saúde mental
que Maria João Brito tem dete-
tado em adolescentes é também
um dos sintomas pós-cura que
os infecciologistas do São João
registaram. Está entre as quei-
xas mais referidas.
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 19

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Samsung coloca segurança

no topo das prioridades
Pelo terceiro ano consecutivo, certificação do Gabinete Nacional
de Segurança (GNS) premeia aposta da Samsung na segurança
dos seus smartphones e tablets

NO MOMENTO em que segundo um estudo da Forrester No ano seguinte, um conjunto de dispositivos da gama
aponta para que os endpoint devices estejam na origem Galaxy obteve novas certificações e, em 2020, a Samsung
de 70% dos ciber ataques a nivel mundial, a Samsung não voltou a submeter os seus mais recentes equipamentos
deixou os créditos por mãos alheias e apostou forte na a rigorosos testes de avaliação, cujos resultados
segurança dos seus dispositivos móveis. Em 2003, lançou a comprovaram o elevado grau de inviolabilidade da
plataforma de segurança Samsung Knox. Desde então, plataforma Samsung Knox. A acreditação pelo GNS foi A Samsung Knox encontra-se integrada em dispositivos
esta plataforma de proteção de dados realizada em parceria com a Adyta, empresa móveis da linha Galaxy e acrescenta segurança, sobretudo
sensíveis criada a partir do chip e que teve a sua génese na Universidade nas aplicações empresariais
composta por mecanismos de defesa que do Porto, e mais especificamente com
salvaguardam de intrusões, malware e o C3P, centro especializado na área de
outras ameaças maliciosas, tem vindo a ser cibersegurança e privacidade.
continuamente melhorada.
O desempenho e a fiabilidade da Samsung O QUE FOI AVALIADO
Knox valeram à marca, em 2018, o A avaliação do GNS comportou 220 horas
título de primeiro e único fabricante de A Samsung Knox é uma de testes que analisaram, entre outros,
dispositivos móveis a ser certificado pelo plataforma de segurança de os processos de atualização do sistema
Gabinete Nacional de Segurança (GNS), a nível de defesa em várias operativo Android, mais precisamente os
autoridade de segurança e cibersegurança camadas e inclui recursos handshakes das assinaturas criptográficas,
portuguesa responsável pela informação avançados de segurança a robustez do Samsung Knox no
classificada nacional. e gerenciamento encapsulamento seguro de dados sensíveis

(não permitindo o acesso de aplicações móveis maliciosas),

bem como a verificação do fluxo no arranque seguro do
Android. Também foram realizados testes à VPN, análise
à herança de dados nas aplicações importadas para a zona
segura e testes criptográficos a chaves geradas para a zona
segura.

A SAMSUNG KNOX É A PRIMEIRA

PLATAFORMA DE SEGURANÇA
DE DISPOSITIVOS MÓVEIS A SER
CERTIFICADA PELO GABINETE
NACIONAL DE SEGURANÇA

Não há dúvida de que smartphones, tablets e wearables são

já parte indissociável do nosso quotidiano, seja pessoal
ou profissional. São estes dispositivos que nos permitem
comunicar e estar 24 horas por dia “ligados” ao mundo,
com milhões de dados e de informação a circular que
devem ser, assim, protegidos, garantindo, ao mesmo
tempo, a privacidade.

COMO FUNCIONA
A plataforma de segurança encontra-se integrada em
múltiplos dispositivos móveis da Samsung. Apesar de ter
vantagens numa utilização pessoal, os benefícios mais
visíveis estão na sua aplicação empresarial, mantendo
privados todos os dados dos terminais e permitindo
gerir à distância vários smartphones ao mesmo tempo ou
individualmente, ajustando-os a necessidades específicas.
Além disso, possibilita registar e associar milhares de
dispositivos à empresa de uma só vez, sem ter de os
inscrever manualmente um a um; gerir uma frota de
dispositivos com uma solução de EMM (entreprise
mobility management) baseada na cloud ou on-premisses,
aumentando a eficiência da empresa e protegendo os seus
dados corporativos; proteger e aplicar recursos completos
de segurança e gestão aos dispositivos; e controlar versões
do sistema operativo em dispositivos móveis Samsung para
maximizar a compatibilidade.
20 PRIMEIRO CADERNO
O COLOCAM SEGURANÇAS
s inspetores do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras
(SEF) acusados de matarem
o cidadão ucraniano Ihor
Homeniuk na Sala dos Médi-
cos do Mundo, no Centro de
Instalação Temporária (CIT)
do aeroporto de Lisboa, di-
zem-se inocentes e apontam
o dedo aos seguranças da Prestibel que vi-
giavam a sala onde se encontrava retido o
imigrante. Também o relatório da autóp-
sia da vítima que indicou que se tratava
de um homicídio é arrasado pelas defesas
dos dois arguidos. Serão esses alguns dos
principais trunfos que irão apresentar na
próxima terça-feira, dia 2, no Juízo Cen-
tral Criminal, no Campus da Justiça, em
Lisboa, perante o juiz Rui Coelho.
Na contestação do inspetor Bruno Sou-
sa à acusação do Ministério Público, o seu
advogado Ricardo Sá Fernandes refere
que apesar de a comunidade ter já conde-
nado os inspetores de tortura, o arguido
“não quis a morte de Ihor Homeniuk,
nem a previu, nem se conformou com
ela”. Garante mesmo que libertaram o
ucraniano — que se encontrava muito
agitado — das fitas adesivas que o prendi-
am, usaram apenas “a força necessária”
para o imobilizar mas não desferiram
pontapés ou socos, nem o agrediram ou
deram pancadas com o bastão extensível,
como lhes é imputado pelo Ministério
Público, que os acusa de homicídio quali-
ficado, e pelo relatório da Inspeção-Geral
da Administração Interna (IGAI), que
implica 12 inspetores do SEF, seguranças
e até o enfermeiro na morte de Ihor Ho-
meniuk. Sá Fernandes garante mesmo:
“Antes de saírem, os inspetores entrega-
ram as chaves das algemas aos vigilantes
da Prestibel, com indicação de que Ihor
Homeniuk poderia ser desalgemado,
quando estivesse mais calmo.”
O documento de 47 páginas, a que o Ex-
presso teve acesso, apoia-se nas imagens
de videovigilância junto à Sala dos Médi-
cos do Mundo, as mesmas que captaram
a entrada dos três inspetores às 8h32,
um deles com um bastão extensível e o
outro com algemas, e a saída às 8h55 do
dia 12 de março do ano passado. Segundo
a defesa de Bruno de Sousa, filmaram
INSPETORES
SOB SUSPEITA
Defesas dos inspetores do SEF suspeitos do homicídio de Ihor Homeniuk
mostram os trunfos que vão usar no julgamento que se inicia na
terça-feira. Videovigilância revela comportamento suspeito de seguranças
também movimentações consideradas
suspeitas de alguns seguranças, tanto
nas horas antes de Duarte Laja, Bruno
Sousa e Luís Dias terem estado fechados
na Sala dos Médicos do Mundo com Ihor
Homeniuk, como nas horas posteriores à
intervenção dos três inspetores do SEF.
Um dos factos referidos a bold no do-
cumento refere-se ao facto de entre as
00h44 e as 1h07 de 12 de março de 2020
os vigilantes Paulo M. e Manuel C. terem
entrado e saído da Sala dos Médicos do
Mundo “por diversas vezes”, transpor-
tando rolos de fita adesiva, e calçando
pares sobrepostos de luvas cirúrgicas,
ANTES DA
ENTRADA DOS
INSPETORES DO
SEF JÁ A VÍTIMA
TINHA O NARIZ E
A CARA INCHADA,
ALEGA A DEFESA
Hugo Franco e Rui Gustavo
“permanecendo no interior da sala com
o passageiro Ihor Homeniuk por lon-
gos períodos de tempo”. Nessa altura, o
imigrante foi intercetado e “empurrado
violentamente” por um dos seguranças
de modo a voltar para aquele local de
isolamento quando tentava sair dali. E o
outro levantou o punho direito, “fechado,
como se se preparasse para o agredir”.
ATADO COM FITA ADESIVA
À 1h30 dessa mesma madrugada, um en-
fermeiro da Cruz Vermelha foi chamado
ao local, juntamente com uma socorrista,
porque Ihor Homeniuk batia com a cabe-
ça nas paredes. O enfermeiro descobriu
que o ucraniano não estava a tomar um
medicamento para a abstinência de álco-
ol prescrito pela urgência do Hospital de
Santa Maria, onde tinha ido parar dois
dias antes logo depois de lhe ter sido
recusada a entrada em Portugal pelo
SEF por não ter visto de trabalho. Não
for aviado na farmácia do aeroporto por
estar esgotado, o que explicaria a agita-
ção do ucraniano. Apesar de recomendar
que Ihor Homeniuk fosse de novo para o
hospital, nada foi feito.
O imigrante ucraniano tentou de novo
fugir daquela sala e quando o enfermeiro
e a socorrista regressaram, por volta das
2h30, constataram que os dois vigilantes
o haviam manietado: Ihor encontrava-se
agora de mãos atadas à frente por fita
adesiva castanha, e também nos torno-
zelos. Os dois técnicos de saúde ainda
alertaram os vigilantes para os perigos
da utilização indevida daquele material,
“suscetível de funcionar como “garro-
te” e cortar a circulação sanguínea”. E
deixaram umas ligaduras elásticas mais
indicadas para deter o imigrante. Ainda
assim, não reportaram a ninguém esta
irregularidade.
As entradas e saídas dos vigilantes do
local onde se encontrava o ucraniano re-
petiram-se inúmeras vezes nessa madru-
gada, algumas delas acompanhadas por
inspetores do SEF. Numa delas, às 4h23,
o segurança Paulo M. entrou na Sala dos
Médicos do Mundo com o que parecia ser
um livro de capa dura. E às 7h30, o outro
vigilante Manuel C. — que se encontrava
na Sala dos Médicos, sozinho com Ihor
Homeniuk desde cerca das 6h — seguiu
uma inspetora do SEF até à receção,
levando na mão “uma revista enrolada”.
Antes da entrada em ação dos três ins-
petores suspeitos do SEF, já a vítima
tinha, de acordo com duas testemunhas,
“a zona do nariz inchada”, “a cara incha-
Expresso, 29 de
da” e “arranhões na cara”. E depois dos
três terem saído daquele espaço, foram
também “constantes as idas e vindas”
dos quatro seguranças do turno seguinte
na Sala dos Médicos do Mundo, “não
sendo visível nem manifesta qualquer
preocupação” por parte dos vigilantes
sobre ao estado de saúde de Ihor. Não lhe
foi distribuído almoço ou lanche, “fun-
ção que competia aos vigilantes”, nem
se preocuparam com a satisfação das
suas necessidades básicas já que ele se
encontrava amarrado com as fitas. Ihor
Homeniuk morreria às 18h40 desse dia.
A acusação do Ministério Público con-
ADVOGADOS
ALEGAM
IRREGULARIDADES
COM A
AUTÓPSIA AO
CORPO DO
UCRANIANO
janeiro de 2021
traria esta linha dos acontecimentos,
revelando que quando os três arguidos
abandonaram o local, deixando Ihor Ho-
meniuk em posição de decúbito ventral,
algemado e com os pés atados por liga-
duras, um deles disse aos vigilantes de
serviço: “Agora ele está sossegado”, ao
mesmo tempo que outro dizia: “Isto hoje,
já nem preciso de ir ao ginásio.” Durante
os 20 minutos em que estiveram na sala,
foram audíveis pelos seguranças os gritos
do ucraniano.
As conclusões do relatório da autópsia
revelariam que “o cadáver de Ihor Home-
niuk apresentava marcas contundentes,
suscetíveis de terem sido efetuadas por
um bastão ou um cassetete e a presença
de uma equimose modelada com a forma
de uma bota, que denuncia um provável
pontapé”. E concluiu: “Causa de morte
violenta, por asfixia mecânica e de etio-
logia homicida.”
Mas a defesa do inspetor Bruno Sousa
alega que há um conjunto de irregula-
ridades relacionadas com a autópsia ao
corpo do ucraniano. E quer chamar a
depor em tribunal o médico-legista.
Outro dos três inspetores acusados
de homicídio qualificado, Luís Silva,
também coloca em causa o resultado da
autópsia, considerando que o médico-
-legista que a levou a cabo “não tem as
competências técnico-científicas”. E con-
sidera inaceitável que aquele médico não
se tenha oposto ao pedido de cremação
do corpo, “inviabilizando desta forma
qualquer contraperícia que pudesse vir
a ser feita ao cadáver”.
Na contestação ao MP, Maria Manuel
Candal, a advogada de Luís Silva, defende
que pelo menos dois seguranças devem
ser acusados do crime de sequestro e dois
inspetores do SEF de omissão de auxílio.
O Expresso sabe que a defesa deste inspe-
tor admite que deveriam ter sido constitu-
ídos como arguidos todos os seguranças e
inspetores do SEF que de alguma forma
contactaram com Ihor Homeniuk desde
a madrugada do dia 12 até à hora em que
foi declarado o seu óbito.
Já o terceiro arguido, Duarte Laja, li-
mita-se a negar todos os factos que vêm
descritos na acusação.
hfranco@expresso.impresa.pt
CRONOLOGIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CHEGADA A PORTUGAL
A 10 de março de 2020, às 11h,
desembarcou no Aeroporto General
Humberto Delgado, em Lisboa,
proveniente de Istambul, no voo
TK1755, o cidadão ucraniano Ihor
Homeniuk.
ENTRADA TRAVADA
Às 19h30 foi-lhe recusada a entrada
em território nacional, por
alegadamente ter referido que vinha
trabalhar e não possuir visto para tal.
EXAMES NO SANTA MARIA
Depois de cair no chão do aeroporto,
foi transportado para o Hospital de
Santa Maria, duas horas depois,
onde foi sujeito a diversos exames.
RECUSA DE EMBARQUE
Na manhã seguinte, depois da alta,
regressou ao aeroporto. À tarde
recusou-se a embarcar num voo
para Istambul e foi conduzido para o
Centro de Instalação Temporária
(CIT).
NA SALA MÉDICOS DO MUNDO
Por causa do comportamento
agitado, é levado por dois inspetores
do SEF para a Sala Médicos do
Mundo, no CIT, onde fica isolado.
COMPRIMIDO PARA ACALMAR
Ao início da madrugada de 12 de
março, foi visitado por um
enfermeiro, que lhe administrou um
diazepam para o acalmar.
ATADO COM FITA ADESIVA
Algum tempo depois, dois vigilantes
da Prestibel ataram-no com fita
adesiva nas mãos e nos braços.
PRESO COM LENÇÓIS
Às 4H41, dois inspetores do SEF
tiraram-lhe as fitas e ataram-no com
lençóis. Como fazia pressão para se
libertar, um segurança deixou-o só
com as fitas adesivas nos tornozelos.
TRÊS INSPETORES NA SALA
Às 8h15, os inspetores do SEF Duarte
MORTE
DE IHOR
INVESTIGAÇÃO
Laja, Bruno Sousa e Luís Silva
deslocaram-se à Sala Médicos do
Mundo. O último disse à vigilante
que estava na receção, onde são
registados todos os nomes de quem
ali entra: “Atenção, você não vá
colocar aí os nossos nomes, ok?”
BASTÃO E ALGEMAS
O inspetor Luís Silva levava consigo
um bastão extensível e o inspetor
Bruno Sousa um par de algemas.
SOCOS E PONTAPÉS
Depois de algemarem Ihor
Homeniuk com as mãos atrás das
costas e de lhe amarrarem os
cotovelos com ligaduras, desferiram
no corpo do ofendido um número
indeterminado de socos e pontapés.
PORTA ENTREABERTA
Alguns vigilantes aproximaram-se da
Sala Médicos do Mundo e abriram a
porta, que estava encostada. Foram
repreendidos pelo inspetor Duarte
Laja, que, depois de os mandar
embora, lhes disse: “Isto aqui é para
ninguém ver.”
IHOR ALGEMADO
Vinte minutos depois, os três
inspetores abandonaram o local,
deixando Ihor Homeniuk em posição
de decúbito ventral, algemado e com
os pés atados por ligaduras. Um
deles disse aos vigilantes de serviço:
“Agora ele está sossegado”, ao
mesmo tempo que outro dizia: “Isto
hoje já nem preciso de ir ao ginásio.”
SEM REAÇÃO
Às 16h43 desse dia, dois inspetores
do SEF iam transferir Ihor para
embarcar de novo com destino a
Istambul e verificaram então que o
ofendido não reagia.
MORTE DE IHOR
O médico de serviço verificou o óbito
de Ihor Homeniuk às 18H40.
Escreveu no boletim: “Em paragem
respiratória, presenciada após crise
convulsiva.”
José Gaspar Schwalbach Advogado da família de Ihor Homeniuk
“Qualquer crime
hediondo deve ser punido
com pena máxima”
José Gaspar Schwalbach, o advogado
da família do ucraniano Ihor Home-
niuk, acredita que vai ser feita justiça
no julgamento do homicídio do ucra-
niano, mas tem dúvidas sobre como
está a decorrer a reforma no Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
P O Ministério da Administração In-
terna (MAI) agiu demasiado tarde no
processo da morte de Ihor Homeniuk?.
R Sim, o MAI e o Governo agiram tar-
diamente neste caso. Mas a Assembleia
da República pura e simplesmente não
reagiu. Falta os deputados alterarem
a Lei nº 23/2007, que regula a situa-
ção dos estrangeiros em Portugal e
que permite que haja esta margem de
amplitude a quem faz o controlo fron-
teiriço. Enquanto a lei não for alterada,
situações destas, como a do Ihor Home-
niuk, podem voltar a acontecer.
P O SEF já pagou os €712,9 mil de in-
demnização à família do imigrante
ucraniano?
R O dinheiro terá chegado à conta de
Oksana, a viúva de Ihor, na semana
passada, no dia em que o MAI fez o
comunicado público.
P A viúva pedia €1 milhão de indem-
nização pela morte do marido. Estes
€712,9 mil ficam aquém?
R Ficam aquém daquilo que era ex-
pectável, mas, tendo em consideração
a demora de um processo judicial, a
família decidiu aceitar. Não entende-
mos o pagamento como um pedido de
desculpas, mas antes uma tentativa de
dar algum conforto para superar a per-
da a que o Estado português sujeitou a
família.
P Considera que o MAI só agiu em re-
lação à indemnização depois da entre-
vista à viúva de Ihor Homeniuk à SIC,
em dezembro, nove meses depois da
morte do marido?
R Houve um conjunto de situações, en-
tre elas os nossos pedidos ao gabinete
da senhora provedora de justiça, Maria
Lúcia Amaral, e ao ministro Eduardo
Cabrita, cinco dias antes da entrevista,
que fizeram espoletar esta necessidade
de resolução célere do caso. A entre-
vista também ajudou. E se não tivesse
havido pressão mediática, o assunto
tinha sido esquecido.
P Afinal, quantas vezes pediu Portugal
desculpas oficialmente à viúva?
R Por escrito, uma vez, em dezembro,
numa carta de Eduardo Cabrita. Telefo-
nicamente também uma vez, pelo mes-
mo ministro. Na fase inicial do proces-
so, admito que tenha havido reuniões
em sede de embaixadas entre os dois
países, em que Portugal tenha apre-
sentado os seus sentimentos à família,
mas de uma forma política: pedidos de
desculpas indiretos.
P Estes pedidos de desculpa são sufi-
cientes para Oksana?
R Não. Nenhum pedido de desculpa lhe
PRIMEIRO CADERNO 21
Ihor
Homeniuk
com a família
na Ucrânia
FOTO D.R.
traz de volta o marido. É ridículo. Esta-
mos a falar de dinheiro, e esta mulher
só queria o marido para ir com ela levar
os filhos à escola, à universidade ou ao
casamento. Tiraram-lhe isso.
P Sei que não quer falar do julgamen-
to. Mas acredita que vai ser feita jus-
tiça?
R Tenho elevada expectativa de que vai
ser feita justiça no julgamento. E que
qualquer homicídio em Portugal não
ficará impune.
P Vai pedir a pena máxima para os três
arguidos?
R Não quero comentar. Mas qualquer
crime hediondo deve ser punido com
pena máxima.
P As reformas no SEF são suficientes
para que não se repitam excessos por
parte de inspetores?
R Não. Primeiro, é preciso que a lei seja
alterada. Nada vai mudar.
P Acredita que a extinção do SEF, tal
como o conhecemos, se deve à morte
de Ihor Homeniuk?
R A reforma estaria, em teoria, no pro-
grama do Governo, mas na prática foi
acelerada pelo trágico acontecimento.
O processo de extinção está no bom
caminho, mas há que ter muita cautela
com a possibilidade que vai ser dada a
migrações de inspetores do SEF para
as outras polícias. Deviam ir todos para
o serviço de documentação de estran-
geiros e não ter contacto com o público.
Não devia ser possível que um inspetor
do SEF no aeroporto possa migrar para
a PSP e fazer o mesmo tipo de serviço.
Isso é assustador.
P Este caso não é uma exceção?
R Acredito que não. Sei que não. Quem
viu as imagens na televisão das câmaras
do aeroporto, viu um à-vontade nas
pessoas, uma despreocupação muito
grande, em que se conclui que aquele
tipo de comportamentos era habitual.
E os seguranças também estavam mui-
to à vontade. Estavam todos à vontade.
P Mas desta vez morreu um homem...
R Houve mais mortes no CIT do aero-
porto de Lisboa. Tenho muitas dúvidas
de que as outras mortes tenham sido
naturais. O SEF também disse que a
morte de Ihor Homeniuk tinha sido
natural. Existe ali uma cultura de vio-
lência que não vai acabar com a altera-
ção de um emblema do SEF para PSP,
ou PJ, ou GNR. Devia haver um esforço
maior para se fazerem investigações in-
ternas no sentido de se localizar todos
os cidadãos que ali estiveram barrados
durante algum tempo.
P Oksana vai estar presente no julga-
mento?
R Havia uma intenção inicial de ela
estar presente, mas, com a situação
pandémica e o valor da indemnização
ainda não disponível, a sua mobilidade
está reduzida. H.F.
22 PRIMEIRO CADERNO
ESCUTAS
Costa surge em quatro escutas.
Uma é considerada suspeita
Investigação não trava aposta no hidrogénio. Governo acaba
de enviar cartas de apoio a oito promotores em busca de financiamento
Miguel Prado
e Rui Gustavo
No dia 28 de dezembro de
2020, pouco antes da uma da
tarde, António Costa telefonou
ao colega do Governo, João
Pedro Matos Fernandes, para
falar sobre o negócio do lítio e
do hidrogénio verde, que pode
atrair para Portugal fundos
europeus e investimentos de
milhares de milhões de euros.
O primeiro-ministro e o res-
ponsável pela pasta do Ambi-
ente falaram sobre as nego-
ciações que estão a decorrer
para definir a futura localiza-
ção, conversações sobre uma
refinaria de lítio, os eventuais
interessados no negócio e a
possibilidade de fazer uma par-
ceria com Espanha. Nenhum
dos intervenientes sabia, mas
Matos Fernandes estava sob
escuta por iniciativa do pro-
curador do Ministério Público
que está a investigar o caso e
que, de acordo com uma fonte
judicial, considerou que esta
conversa teria interesse para
o processo em curso, que não
tem arguidos mas que já teve
sob escuta o secretário de Es-
tado da Energia, João Galam-
ba, e apanhou acidentalmente
Pedro Siza Vieira, ministro da
Economia.
Esta escuta entre António
Costa e Matos Fernandes foi
validada pelo presidente do
Supremo Tribunal de Justiça
que, apesar de considerar que
não havia indícios de crime,
cedeu à vontade do Ministério
Público. No mesmo despacho
em que validou esta interceção
telefónica, António Joaquim
Piçarra mandou destruir outra
em que o chefe do executivo e o
ministro do Ambiente falavam
sobre o apoio a dar às famílias
e às empresas no consumo de
energia durante o confinamen-
to.
Antes, tal como o Expresso
noticiou na última edição, An-
tónio Piçarra já tinha mandado
destruir duas escutas com os
mesmos intervenientes. O pri-
meiro contacto foi considerado
meramente institucional pelo
presidente do STJ; e o segun-
do, pessoal: Costa queixava-se
a Matos Fernandes dos efeitos
do isolamento profilático e este
oferecia-se para lhe emprestar
um livro. Piçarra mandou des-
truir estas duas escutas mas o
Ministério Público recorreu.
O recurso vai ser apreciado
pelo juiz conselheiro Nuno
Gonçalves, um procurador de
carreira que passou pelo Tri-
bunal de Contas e foi represen-
tante do Ministério Público na
Madeira, tendo, por exemplo,
mandado parar as perícias da
Câmara do Funchal no caso da
queda da árvore que matou 13
pessoas para que fossem feitos
exames por uma entidade in-
dependente.
Sob segredo de Justiça
O inquérito sobre o hidrogé-
nio, revelado em novembro
pela revista “Sábado”, está
em curso no Departamen-
to Central de Investigação e
Ação Penal (DCIAP) e está sob
segredo de Justiça. Segundo
aquela publicação, o proces-
so está a investigar se houve
favorecimento das empresas
portuguesas que integram um
consórcio para construir em
Sines um projeto industrial na
área do hidrogénio.
Matos Fernandes
frisou no Parlamento
que não houve ainda
financiamento para os
projetos de hidrogénio
A investigação começou no
final de 2019 a partir de uma
denúncia anónima, pouco de-
pois de o secretário de Estado
da Energia assumir publica-
mente a vontade de Portugal
trabalhar conjuntamente com
a Holanda para promover a
fileira do hidrogénio, criando
em Sines um polo exportador,
que teria a Holanda como prin-
cipal destino.
A ideia foi apresentada ao
Governo no verão de 2019
por um empresário holandês
radicado em Portugal, Marc
Rechter, com uma empresa
chamada Resilient Group. Nos
meses seguintes, o Governo
contactou a EDP, Galp e REN
para aferir o seu interesse em
participar no projeto de Sines.
Num comunicado de 7 de no-
vembro, para explicar tudo o
que foi feito no dossiê do hi-
drogénio, o gabinete de João
Galamba divulgou uma lista
de cerca de 50 reuniões com
diversas entidades, incluindo
as empresas referidas.
O Governo notou então que
“a EDP, Galp e REN desempe-
nhavam um papel crucial”, por-
que o projeto de Marc Rechter
(que chegou a ser apresentado
publicamente como Green Fla-
mingo) teria de ser articulado
com as três empresas. Por um
lado, o projeto iria desenvol-
ver-se nos terrenos da central
a carvão que a EDP tem em
Sines (e que vai ser desman-
telada). Por outro lado, a Galp
é, na sua refinaria também em
Sines, um grande consumidor
de hidrogénio cinzento (obtido
a partir do gás natural) e po-
derá descarbonizar através de
hidrogénio verde (a partir da
eletrólise da água com eletrici-
dade de origem renovável). E,
finalmente, a REN é a conces-
sionária da rede de transporte
de gás natural, estando pre-
visto que parte do hidrogénio
verde venha a ser injetado nos
seus gasodutos.
Embora Sines seja um pro-
jeto central na estratégia na-
cional do hidrogénio, dezenas
de outros projetos estão a ser
desenvolvidos por diversas em-
presas, mas as suspeitas noti-
ciadas pela “Sábado” apontam
apenas para aquele consórcio.
A investigação não congelou
os trabalhos do Governo para
promover a nova fileira. Esta
quarta-feira o ministro do Am-
biente revelou que o Governo
já enviou cartas a oito promo-
tores de projetos de hidrogé-
nio que tinham solicitado esse
apoio institucional para con-
correrem a oportunidades de
financiamento. “A política in-
dustrial em torno do hidrogé-
nio e dos gases renováveis não
se suporta num projeto úni-
co”, frisou Matos Fernandes,
lembrando que a candidatura
portuguesa ao estatuto IPCEI
(projeto importante de interes-
se comum europeu) ainda não
foi concretizada nem recebeu
qualquer financiamento.
rgustavo@expresso.impresa.pt
O MP quer que conversas
entre António Costa
e Matos Fernandes
sejam investigadas
FOTO TIAGO MIRANDA
DESCODIFICADOR
A polémica
do hidrogénio
num minuto
O DCIAP investiga
a relação entre o
Governo e empresas
que mostraram
interesse em investir
1Odoque é o negócio
hidrogénio?
É uma nova fileira, apoiada por
Bruxelas e vários países, para
promover a descarbonização
de consumos energéticos
onde é mais difícil promover
a eletrificação com base em
renováveis. Em Portugal,
o Governo iniciou no final
de 2019 um diálogo com
diversas empresas para juntar
intenções de investimento
numa candidatura que
possa receber o estatuto
IPCEI (projeto importante de
interesse comum) e ter acesso
facilitado a financiamento
comunitário.
2 De onde vêm
as suspeitas
do DCIAP?
O DCIAP recebeu uma
denúncia anónima no final
de 2019. O inquérito está
em segredo de Justiça, mas
segundo a revista “Sábado”
a principal suspeita é que o
Governo tenha favorecido a
participação da EDP, Galp,
REN, Martifer e Vestas na
candidatura nacional, num
projeto industrial a construir
em Sines.
3 Quanto dinheiro
está envolvido?
A estratégia nacional para o
hidrogénio, aprovada em julho
de 2020, estima que até 2030
haja um investimento privado
de €7 a €9 mil milhões, que
poderá beneficiar de apoios
públicos, ao longo da década,
de €900 milhões, a atribuir em
vários concursos ano após ano.
Expresso, 29 de janeiro de 2021
PRÉDIO COUTINHO
“IMAGINE VER O
SEU LUGAR E FALTAR
A SUA VIDA”
O Prédio Coutinho, em Viana do Castelo,
foi palco de uma guerra legal que travou durante
duas décadas a demolição, até que os moradores
resistentes foram vencidos pelo cansaço
e decidiram entregar as chaves
Moradores pedem dois meses para sair
“Isto é a minha vida. Todas
as minhas recordações es-
tão aqui. Outro sítio nada
me diz, sinto vontade de já
não viver.” Quem o confessa
é Ivone Carvalho, uma das
últimas moradoras do Edi-
fício Jardim, em Viana do
Castelo, conhecida como “a
doutora” entre os escassos
vizinhos que ali permane-
cem irredutíveis há duas dé-
cadas, enclave de sucessivas
batalhas legais que trava-
ram a demolição do imóvel
com 13 pisos e 105 frações,
outrora lotadas com 300
pessoas. O êxodo começou
em 2005, quando o Minis-
tério do Ambiente emitiu a
declaração de utilidade pú-
blica da expropriação, com
“carácter urgente”, até que
a população do prédio ficou
confinada a 11 combativos
despojados.
“Estava aqui maravilho-
samente. Nunca me passou
pela cabeça uma coisa des-
tas”, confidencia Ivone, num
tom emocionado do outro
lado do telefone. Aos 76
anos ainda trabalha como
farmacêutica, à semelhança
do que sempre fez ao lon-
go de 40 anos, tudo para
conseguir pagar o “belíssi-
mo” T3 “muito espaçoso”
no terceiro andar do Prédio
Coutinho. Foi “uma vida in-
teira a economizar e a não
desperdiçar nada”: “agora
tenho de deitar fora muitas
das minhas coisas”.
Agora, “uma ansiedade
tamanha” não deixa dormir
Ivone, sem saber para onde
se virar. “A gente não tem
certezas de nada no fim da
vida”, lamenta a ocupante.
“Quando já não me passava
pela cabeça, tive de arranjar
uma casa”, conta a resisten-
te do braço de ferro com a
VianaPolis, sociedade que
exige aos moradores uma
indemnização de 845 mil
euros.
“Pior do que a guerra”
“Isto não é viver”, afirma
Ivone. Foi por isso que teve
de se “sujeitar ao que havia”.
Já começou a retirar alguns
pertences do apartamento,
“com medo que voltassem
a partir alguma coisa”, tal
como aconteceu em junho
de 2019, quando a Viana-
Polis tentou avançar para
a desconstrução do prédio
com gente lá dentro. Parti-
ram paredes, arrancaram ja-
nelas, cortaram os serviços
de luz, água e gás durante
uma semana de cerco aos
moradores, sem que pudes-
sem sair de casa e em que
a entrada de alimentos era
proibida pelas autoridades.
FOTO RUI DUARTE SILVA
“Como disse um vizinho
meu que esteve no Ultra-
mar, isto é quase pior do que
a guerra. Fomos tratados
como animais.”
A ocupante não tem dúvi-
das. “Este é um caso cheio
de aldrabices”, mas depois
do que viu há um ano e meio
decidiu procurar um novo
lar, ainda antes de os mora-
dores do Prédio Coutinho
terem declarado, esta se-
gunda-feira, que irão aban-
donar voluntariamente o
edifício. A decisão foi toma-
da após o Tribunal Admi-
nistrativo e Fiscal de Braga
ter julgado improcedente
a providência cautelar que
suspendia a demolição.
Contudo, o conflito entre
as partes estará ainda longe
de terminar. “[Os morado-
res] continuam dispostos,
nas outras ações legais pen-
dentes, a discutir e a defen-
der os seus direitos. Uma
coisa é desocupar, outra é
a defesa da matéria”, es-
clarece o advogado Vellozo
Ferreira. Contactado pelo
Expresso, o administrador
da VianaPolis, Tiago Delga-
do, manifesta a pretensão de
que “este litígio acabe sem
mais tormentas”. O respon-
sável considera “razoável”
os dois meses pedidos pelos
expropriados para uma de-
socupação pacífica e deixa
o compromisso de que “não
haverá qualquer ação mais
musculada”.
Futuro nu de passado
Há quem o apelide de “o cro-
nista lá do prédio”, fruto da
quantidade de recortes de
notícias e do arquivo que foi
construindo com informa-
ções referentes ao polémico
caso do Prédio Coutinho. O
seu nome é Agostinho Cor-
reia, nome e sobrenome que
herdou do pai viúvo, atual-
mente o morador mais velho
do Edifício Jardim, com 90
anos. É o filho que lhe faz
companhia por estes dias.
“O meu foco é arranjar-lhe
um sítio onde ele possa ter
um fim condigno”, conta
ao Expresso, no dia em que
se dirigiu a um lar da Santa
Casa para saber as condi-
ções.
Quando olha para o pai,
nota que, “aos poucos, foi
perdendo alguma vivacida-
de”. Algo que compreende
bem. “As pessoas são feitas
daquilo que recordam. Ima-
gine o que é, um dia, ver o
seu lugar e não estar lá a
sua vida. Dá para levar para
outro sítio? Não”, remata
Agostinho Correia.
André Manuel Correia
amcorreia@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
DISCRIMINAÇÃO
Denúncia São inúmeras as queixas de homens impedidos de dar sangue quando revelam a sua orientação sexual,
mesmo garantindo não ter comportamentos de risco. O IPST remete para a falta de clareza da norma em vigor
“É homossexual? Não pode dar sangue”
Texto Bernardo Mendonça
P
Foto Tiago Miranda
assou uma semana e
Bruno Gomes d’Almei-
da ainda está a digerir
os acontecimentos de
sábado, quando decidiu
dar sangue no Instituto
Português do Sangue
e da Transplantação
(IPST), em Lisboa. O
estudante de doutoramento em arqui-
tetura, de 32 anos, sabia que em tempo
de pandemia estas dádivas de sangue
são mais urgentes e, por isso, nem o
medo de agulhas o fez desistir.
Depois de quatro horas em filas de
espera, preencheu um inquérito e cum-
pria todos os requisitos que lá consta-
vam. A seguir, quando questionado pelo
técnico de saúde se tinha estado com
várias parceiras no último ano, respon-
deu que não. Mas decidiu esclarecer que
era homossexual e que, no seu caso, não
se aplicava o termo “parceiras” mas sim
“parceiros”, informando que apenas
tivera um, e com sexo protegido. A res-
posta do técnico foi definitiva: “Então
não pode dar sangue.” Sem mais.
Incrédulo, Bruno perguntou-lhe por-
quê. “Porque não, porque homens que
fazem sexo com homens não podem
dar sangue”, ouviu. Bruno reclamou,
alegou ter consultado as normas que
apenas exigem que nos últimos seis me-
ses a pessoa dadora não tenha tido mais
do que um parceiro sexual. Foi então
encaminhado para a médica de serviço
que confirmou o que lhe fora dito. “De
facto não pode, são normas internas. Se
quiser mesmo dar sangue tem de estar
um ano em abstinência sexual.”
Bruno pediu para ver as normas inter-
nas do IPST, mas não lhe foram facul-
tadas. “Nunca me senti tão humilhado.
Não sabia que isto ainda acontecia em
Portugal. Fui vítima de homofobia. As
normas que vigoram só referem com-
portamentos de risco de homens e mu-
lheres, não falam de orientação sexual.
Pelos vistos assumem que por eu ser
homossexual sou um grupo de risco.”
Nesse mesmo dia, partilhou o sucedido
no Instagram e, num curto espaço de
tempo, recebeu dezenas de mensagens
de outros homens que tinham passado
por situações semelhantes. Foi o caso
do Miguel Silva, de 26 anos, instrutor
de fitness na Benedita, Alcobaça. No
inquérito que lhe fizeram no verão pas-
sado para a dádiva de sangue, quando
assumiu ser gay ouviu a frase: “Os ho-
mossexuais em Portugal não podem
dar sangue.” Miguel ficou chocado.
“Sou dador há oito anos e, pela primei-
ra vez, fui impedido de o fazer, apesar
de ter uma relação estável com o meu
parceiro há mais de um ano.” Até então
nunca lhe tinham perguntado se tinha
tido sexo com homens, apenas se tivera
vários parceiros sexuais nos últimos
meses. “Em Portugal, estará a dádiva
de sangue por homossexuais assente na
interpretação do técnico de serviço no
banco de recolha de sangue, podendo
ser permitida ou vetada? Vetam a reco-
lha de sangue pela orientação sexual,
num questionário verbal, porque por
escrito não é politicamente aceite? Já
não estamos nos anos 80 em que se
considerava o VIH um exclusivo da ho-
mossexualidade. O que importa são os
comportamentos de risco.”
Marta Ramos, diretora executiva
da associação ILGA Portugal — Inter-
venção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans
e Intersexo, assume uma situação de
“SOU DADOR HÁ OITO
ANOS E, PELA PRIMEIRA
VEZ, FUI IMPEDIDO
DE DAR SANGUE,
APESAR DE TER UMA
RELAÇÃO ESTÁVEL
COM O MEU PARCEIRO”
“limbo”, já que a norma atual que vigo-
ra deste 2016 sobre comportamentos
de risco para dadores de sangue retirou
homossexuais e bissexuais da categoria
de população com “risco infeccioso
acrescido”. No entanto, essa dádiva
tem estado condicionada a um ano de
abstinência sexual, ainda em função da
referência a subpopulações com risco
infeccioso acrescido.
Três denúncias por semana
À ILGA estão agora a chegar três de-
núncias por semana. “Infelizmente há
critérios discriminatórios ainda a serem
aplicados. Nalguns casos os profissi-
onais escudam-se em procedimentos
internos dos quais não temos conheci-
mento e o resultado final é que a mai-
oria destas pessoas dadoras quando
revela que tem um parceiro, e não uma
parceira, é impedida de fazer a sua dá-
diva de sangue.”
É esta arbitrariedade legal? O pro-
blema é que a norma em vigor reme-
te para a necessidade de um estudo
chamado “Comportamentos de Risco
com Impacto na Segurança do Sangue
e na Gestão de Dadores”, coordenado
pelo Instituto Ricardo Jorge (INSA),
cuja comissão de acompanhamento
foi criada em 2019 com o intuito de
compreender a necessidade de critérios
diferenciados consoante a orientação
sexual das pessoas dadoras. “O que faz
sentido é centrar a discussão nos com-
portamentos de risco, relações sexuais
desprotegidas, nomeadamente, sexo
anal desprotegido e muitos parceiros
sexuais, sem garantias de proteção.
E estes comportamentos de risco são
transversais a qualquer orientação se-
xual”, considera Marta.
Maria Antónia Escoval, presidente do
IPST, garante que o IPST “não questio-
na a orientação sexual dos seus potenci-
ais dadores”. E que a dádiva de sangue é
voluntária, anónima e não remunerada,
podendo todo o cidadão candidatar-se a
dar sangue, “sem quaisquer diferenças
de género ou orientação sexual.”
Uma afirmação contraditória com
um e-mail a que o Expresso teve acesso,
enviado por um médico do IPST a um
cidadão homossexual que questionava
os critérios para ser dador de sangue. A
resposta do médico não deixa dúvidas:
“Os homens que têm sexo com homens
estão impedidos de dar sangue. Este
critério não é nacional. É internacio-
nal. Muitos dos países da Europa e do
mundo têm essa regra para defesa da
saúde do doente que recebe a unidade
de sangue. 90% dos casos VIH positivos
que tivemos nas dádivas de sangue são
de homens que têm sexo com homens
e que o omitiram na triagem clínica.”
Sobre a polémica, Maria Antónia
Escoval escuda-se com exemplos do
estrangeiro e no que considera uma
omissão da norma em vigor. “Em Por-
tugal, contrariamente ao que acontece
noutros países europeus ou nos Estados
Unidos e Canadá, que têm definidos
períodos de suspensão concretos para
homens que têm sexo com outros ho-
mens (entre os três e os 12 meses), a nor-
ma portuguesa é omissa. Esta situação
levanta questões técnicas relacionadas
com a aplicação da norma no âmbito da
segurança transfusional que necessitam
de clarificação e que exigem por parte
do profissional de saúde qualificado
responsável pela triagem clínica um
reforço de avaliação caso a caso, avali-
ando apenas comportamentos de risco
e nunca a orientação sexual.”
A presidente do IPST remete a re-
“UM HOMEM QUE
TEM SEXO COM UM
HOMEM NÃO É UMA
CATEGORIA DE RISCO.
O QUE INTERESSA SÃO
OS COMPORTAMENTOS
DE RISCO”
PRIMEIRO CADERNO 23
Bruno Gomes
d’Almeida junto
dos seus cães
“Bali” e “Florence”
visão de procedimentos para o grupo
de trabalho que se encontra a avaliar o
impacto da alteração do critério de sus-
pensão de dadores masculinos que têm
sexo com outros homens, que integra o
IPST, a DGS e o INSA, e que se encontra
em fase de finalização, estando prevista
a apresentação do relatório final ao
Ministério da Saúde já em fevereiro.
“Estamos abertos a mudar o que existe.
O problema é que a norma atual, não
refere a situação de suspensão. O IPST
apoiará as recomendações apresenta-
das por este grupo de trabalho.”
Revisão do risco
O INSA esclarece que o estudo contem-
plará uma revisão do risco acrescido
de infeção transmitida por transfusão
associada a comportamentos de risco e
uma avaliação do impacto da alteração
que deixou de proibir a dádiva de san-
gue por parte dos homens que fazem
sexo com outros homens, por compa-
ração do risco residual infeccioso por
VIH entre os períodos de 2014-2016 e
2017-2019. “E o impacto da alteração
do atual período de suspensão para
a dádiva de sangue dos homens que
fazem sexo com outros homens de 12
meses para seis e três meses.”
Isabel Moreira, deputada do PS, cha-
ma a este enredo a “saga do sangue gay”
e considera inadmissíveis mais grupos
de estudo. “Estudar o quê? A não discri-
minação precisa de estudo? O questio-
nário para se ser dador de sangue não é
para indagar se houve sexo com pessoas
do mesmo sexo, mas se houve compor-
tamentos de risco. Um homem que tem
sexo com um homem não é em si um
fator de risco ou categoria de risco.” A
deputada exige da ministra da Saúde e
da DGS uma clarificação urgente. “Têm
de esclarecer que é inadmissível a discri-
minação com base na orientação sexual,
e que na recolha de sangue não deve
ser feita referência a homens que têm
sexo com homens, nem a sua exclusão
temporária ou permanente com base
nessa categoria.”
bmendonca@expresso.impresa.pt
24 PRIMEIRO CADERNO
AMBIENTE
Área de cultura de abacate
triplicou no Algarve em dois anos
Especialistas e ambientalistas alertam para os problemas de escassez
de água que já se faz sentir e será cada vez mais grave no futuro
Carla Tomás
A paisagem de sequeiro do bar-
rocal algarvio, por onde se dis-
persaram figueiras, sobreiros
e oliveiras, começou a mudar.
De Sotavento a Barlavento,
parte do tradicional mosaico
de culturas e dos pomares de
citrinos de regadio está a ser
substituído por abacate e já há
poços a secar.
A fruta de origem tropical
dá-se bem no Algarve, a cujos
aquíferos exauridos vai beber,
e nos últimos 20 anos viu a área
de plantação multiplicar-se por
10 (de 171 hectares em 2000
para 1815 ha em 2019). Só entre
2017 e 2019, a área de abaca-
teiros quase triplicou (de 650
ha para 1815 ha) numa região
que em 2019 não sabia se teria
água suficiente para abastecer
a população mais de um ano,
devido à seca.
O Ministério da Agricultura
desvaloriza a questão da escas-
sez de água com o argumento
de que “não há grande diferen-
ça nas necessidades hídricas en-
tre os citrinos e os abacateiros”
— com os abacates a ganharem
na sede às laranjas, bebendo em
média mais cerca de mil metros
cúbicos por hectare por ano. O
gabinete da ministra Maria do
Céu Antunes prefere sublinhar
“a evolução tecnológica na ges-
tão da água nas novas explora-
ções, que permitiu reduzir os
consumos de água 56% desde
2002”.
Contudo, “em setembro de
2020 tínhamos uma situação
preocupante nas albufeiras do
Algarve e os aquíferos já da-
vam sinais de estar esgotados,
devido em parte à explosão do
regadio no Algarve”, alerta Pe-
dro Cunha Serra, um dos três
especialistas que elaborou o
mais recente estudo sobre a efi-
ciência hídrica da região algar-
via para a Agência Portuguesa
do Ambiente. As projeções de
redução da precipitação e de
recarga dos aquíferos, na or-
dem dos 10% e 20%, e de um
défice hídrico de 60 hectóme-
tros cúbicos em 2050, levam
Pedro Serra a reforçar a ideia:
“A expansão do regadio deve
merecer-nos alguma atenção.
Por muitos que sejam os be-
DESCUBRA
AS BOAS SUGESTÕES
PARA PASSAR MELHOR
OS DIAS EM CASA
nefícios económicos, temos de
olhar para os impactes sociais
e ambientais.” O estudo aponta
para um incremento de 28,7%
na procura de água para rega
no Algarve dentro de 30 anos.
A escassez de recursos hídri-
cos numa região onde a procura
de água para rega é cada vez
maior tem sido sublinhada por
várias organizações ecologistas,
que apontam o dedo às autori-
dades pela falta de fiscalização.
558 milhões de litros/ano
A plantação de abacate, que
ocupa 128 hectares nas fre-
guesias de Luz e Barão de São
João, no concelho de Lagos, é
um caso emblemático. O pro-
cesso de avaliação de impacte
ambiental só avançou por pres-
são dos ambientalistas, quando
já estava tudo plantado com luz
verde da Direção Regional de
NÚMEROS
1977
hectares é a área total
de pomares de abacate
em Portugal. No Algarve
existem 568 explorações
(1815 ha) e no Alentejo
duas (162 ha)
60
litros de água é quanto
um só abacateiro consome
por dia. Um hectare consome
6000 a 7400 metros cúbicos
de água por ano, no Algarve,
o que, face à área ocupada,
corresponde a 13,4 mil
milhões de litros
de água por ano
Agricultura e Pescas do Algar-
ve (DRAPAlg).
A consulta pública do projeto
(da Frutineves) terminou esta
terça-feira e a Declaração de
Impacte Ambiental (DIA) está
por emitir. Porém, os abaca-
teiros estão plantados, tendo
sido afetadas áreas de Reserva
Ecológica Nacional, alteradas
linhas de água e autorizado um
sistema de rega que permite
captar cerca de 558 milhões de
litros de água por ano.
Nos pareceres que entrega-
ram, as associações Regene-
rarte, Zero e Plataforma Água
Sustentável apelam ao chum-
bo do projeto que consideram
“insustentável”, por exaurir os
níveis de água do sistema aquí-
fero e contaminar as massas de
água com fertilizantes e pesti-
cidas. Os ambientalistas apon-
tam “falta de rigor técnico” no
estudo, exigem ver reparados
os valores lesados e querem me-
didas que travem “o alastrar
da impunidade” com que estes
projetos agrícolas têm surgido.
Neste caso, as ações de fiscali-
zação e uma ordem de embargo
não travaram o promotor que,
segundo a Comissão de Coorde-
nação e Desenvolvimento Regio-
nal do Algarve (CCDR), “pagou
voluntariamente uma multa de
€12.255 por violação da legisla-
ção da REN”. O projeto está “em
fase de apreciação instrutória”
e a CCDR não sabe quando será
emitida a declaração final.
Já o Ministério da Agricultura
alega que “todas as obrigações
legais estão a ser cumpridas”.
Quanto às incongruências da
aposta nas culturas intensivas
em Portugal face ao Pacto Eco-
lógico Europeu, argumenta
que “o cumprimento dos com-
promissos europeus é claro e
inequívoco”, e que “a sustenta-
bilidade não depende apenas da
espécie ou variedade cultivada,
mas sim das práticas e sistemas
de produção”.
Mais de metade das 8 mil to-
neladas de abacate produzidas
em Portugal foi exportada em
2020 (€10,2 milhões). O Plano
Intermunicipal de Adaptação
às Alterações Climáticas do Al-
garve aponta para uma redução
de 80% das reservas hídricas da
região no final do século.
ctomas@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
BREVES
MENORES
CONSOMEM MAIS
DROGA E ÁLCOOL
ADIÇÃO O Relatório Anual
sobre a Situação do País em
Matéria de Drogas e Toxico-
dependência, apresentado esta
semana no Parlamento, mostra
que o consumo de álcool e dro-
gas (que não canábis) está a su-
bir entre os jovens com 13 a 18
anos), que as overdoses aumen-
taram pelo terceiro ano conse-
cutivo e que há uma maior cir-
culação de drogas no mercado
nacional, devido ao crescente
uso da internet para a compra
de substâncias psicoativas.
85.456
bebés fizeram em 2020
o teste do pezinho, que cobre a
quase totalidade dos
nascimentos em Portugal.
Os dados do Instituto Nacional
de Saúde Ricardo Jorge (INSA),
revelados esta semana,
apontam para o valor mais
baixo de nascimentos desde
2015. São menos 1908 bebés
do que em 2019 (87.364)
LISBOA DÁ €500
A CADA TAXISTA
AJUDA A Câmara Municipal de
Lisboa tem €2 milhões para
ajudar o sector dos táxis — e
vai dar a cada profissional da
capital €500 para compensar
a quebra de clientes. No to-
tal, a autarquia dispõe de €35
milhões a fundo perdido para
apoiar empresas e famílias da
cidade afetadas pela pandemia.
Foi ainda realizada uma par-
ceria com os CTT, que prevê
entregas gratuitas de compras
feitas no comércio local.
OBRA EM LISBOA REVELA
NAVIO DO SÉCULO XVII
Vestígios de um navio
do final do século XVII,
com cerca de 27 metros e
“muito bem preservado”,
foram descobertos na zona
O abacate é ribeirinha de Lisboa por uma
nutritivamente rico, equipa de arqueólogos numa
mas ambientalmente obra na Av. 24 de Julho. Não
insustentável existem em Portugal casos
FOTO RICHARD COOMBS / EYEEM em melhor condição.
3 SUPLEMENTOS
GRÁTIS COM O EXPRESSO
A partir de 5 de fevereiro e durante três semanas, o EXPRESSO
oferece-lhe “1001 ideias para ocupar o tempo em dias de
pandemia”.
Não perca, grátis, muitas sugestões para saborear, relaxar e
sonhar durante o confinamento.
E ainda, contos de autor e dicas de várias figuras públicas para
animar os seus dias.
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 25

JUSTIÇA

Ministra recebeu quadros “subtraídos”

Presente de casamento de autarca a Ana Abrunhosa foi tirado sem autorização da artista Cristina Rodrigues
Mas quando quis oficializar o
Rui Gustavo protocolo verbal com a autar-
quia, o verniz estalou: a Câma-
O presidente da Câmara de ra reclamou créditos no valor
Idanha-a-Nova ofereceu à mi- de €150 mil pelo “investimen-
nistra da Coesão Territorial, to” na artista e recusou-se a li-
Ana Abrunhosa, dois quadros bertar algumas obras para uma
de Cristina Rodrigues, uma exposição fora do concelho. Al-
artista da região que já expôs gumas, como “Moura Vestida”,
em Manchester e na China e é foram desmanteladas porque
uma divulgadora entusiasta da foram feitas com materiais que
cultura raiana. O casamento a câmara considerou “obsole-
da então diretora do CCDR do tos”, mas que agora dizia serem
Centro foi o feliz pretexto para seus. O ateliê foi fechado e Cris-
a oferta dos dois desenhos que tina Rodrigues impedida de ter

FOTO NUNO BOTELHO

representam figuras femininas acesso às obras, que ficaram a
e que foram escolhidos pessoal- deteriorar-se num armazém
mente por Armindo Jacinto. camarário.
Mas, de acordo com uma sen- A artista teve de meter uma

tença do Tribunal Judicial de
Castelo Branco, trata-se de um
presente envenenado.
Os dois desenhos foram
“subtraídos” — a expressão é
da juíza — do ateliê da artis-
ta, que não só não autorizou
a oferta como nem sequer os
assinou, o que faz deles uma
obra incompleta. De acordo
com a sentença, o autarca terá
pedido a Cristina Rodrigues
que cedesse gratuitamente os
dois desenhos para oferecer
a Ana Abrunhosa, de quem
é amigo, e a artista ficou de
pensar no assunto. Mais tar-
de, quando estava no Brasil,
recebeu uma mensagem de
Paulo Longo, responsável pelo
departamento de Cultura da
Câmara, para que não se es-
quecesse dos desenhos, mas
Ana Abrunhosa vai devolver os quadros que lhe foram oferecidos sem autorização da autora, Cristina Rodrigues
não deu qualquer resposta.
Quando voltou a Portugal, foi
surpreendida com o desapare-
cimento das obras.
Em tribunal, a artista que
se distingue pelas instalações
utilizando objetos como adu-
fes, anjos ou vasos, pediu que a
Câmara lhe pagasse pelos de-
senhos e exigiu poder assina-
-los. Mas o tribunal de Castelo
Branco não lhe fez a vontade.
Apesar de ter dado como
provado que os quadros foram
levados do ateliê sem autoriza-
ção e foram oferecidos por Ar-
mindo Jacinto como presente
de casamento, considerou não
ter ficado demonstrado quem
é que retirou os desenhos do
ateliê e como a ação judicial foi
posta contra a Câmara e não
contra o seu presidente, não
houve condenação. Durante o
julgamento, a Câmara alegou
que a artista ofereceu os dese-
nhos “para se promover”, mas
a juíza rejeitou este argumen-
to com um facto: “Se queria
promover-se, teria assinado os
quadros.”
Contactada pelo Expresso,
Ana Abrunhosa, que é ministra
desde 2019, quatro anos depois
destes acontecimentos, disse
que desconhecia “o conflito
que opunha a artista ao nos-
so convidado”. E acrescenta:
“Apesar de esta ser uma situa-
ção do foro privado, e apesar
de a decisão não o obrigar, é
intenção da família proceder
à devolução dos desenhos ao
oferente, de forma a ajudar à
resolução de um conflito, ao
qual somos — sublinho — total-
mente alheios.”
Câmara condenada
a devolver sete obras
Esta é só mais uma batalha
numa guerra que envolve Cris-
tina Rodrigues e a Câmara de
FOTO D.R.
Idanha-a-Nova. Há cerca de
dez anos, a artista foi convi-
dada pela autarquia para criar
um ateliê e uma exposição
permanente em instalações
da Câmara. Numa das expo-
sições, estiveram convidados
como António Costa e Tiago
Brandão Rodrigues. A artista
era elogiada num texto de uma
publicação oficial pelo facto
de usar “objetos obsoletos”
abandonados pela Câmara nas
suas instalações e por divulgar
a cultura raiana em instalações
de grandes dimensões que en-
volviam a colaboração da popu-
lação local.
ação judicial que só lhe deu par-
cialmente razão e que obriga a
Câmara a devolver sete obras e
a pagar uma indemnização de
€5 mil por danos patrimoniais.
Problema: essas sete obras ou
estão desaparecidas ou dani-
ficadas ou irremediavelmente
estragadas. A lei diz que se um
objeto não puder ser devolvido,
terá de ser pago na íntegra. Um
perito ouvido em tribunal ava-
liou o acervo em questão em
cerca de €300 mil.
A sentença transitou em jul-
gado na última segunda-feira
e Cristina Rodrigues ainda não
recebeu as obras ou o dinhei-
ro. Contactado pelo Expresso,
o advogado que a representa,
Cardoso Nápoles, não quis fa-
zer qualquer declaração.
rgustavo@expresso.impresa.pt

O FUTURO DO FUTURO
Bactérias produzem materiais
úteis para as colónias da Lua
O apetite das sphingomonas
desiccabilis promete dar uma ajuda
à construção civil e à indústria
mineira espacial
A biomineração já é usada pela Huma-
nidade na produção de 20% de ouro e
cobre, e um dia não muito longínquo
poderá revelar-se providencial para a
instalação das primeiras colónias na
Lua e em Marte. Mas, para já, é na Esta-
ção Espacial Internacional (ISS), a 408
quilómetros da Terra, que se centram
as atenções: depois de uma primeira
experiência levada a cabo em 2019, in-
vestigadores da Universidade de Edim-
burgo, Escócia, voltaram a enviar para
o Espaço reatores com amostras de mi-
nerais e biofilmes que alojam culturas
de diferentes bactérias e fungos.
O projeto dá pelo nome de BioAste-
roid, é apoiado pela Agência Espacial
Europeia (ESA) e pretende confirmar
que os micro-organismos enviados para
a ISS não são afetados pela microgra-
vidade e conseguem corresponder às
expectativas. E que expectativas são
essas? A resposta remete para o que é
a própria biomineração. Os cientistas
escoceses acreditam que as bactérias
e fungos que decompõem rochas na
Terra executam as mesmas funções
no pouco agradável ambiente espacial,
o que pode ser especialmente valioso
para converter matéria-prima de qual-
quer planeta num potencial material
útil para a Humanidade e amenizar os
elevados custos do envio de recursos
para o Espaço.
Os investigadores da Universidade
de Edimburgo acreditam que, no caso
de os microrganismos conseguirem de-
compor rochas no Espaço através de um
processo comparável à digestão, então
terão encontrado forma de produzir
as matérias necessárias para erigir os
primeiros abrigos de colónias humanas
noutros planetas. Além de eventual-
mente abrir caminho ao filão da cons-
trução civil interplanetária, o recurso
a micro-organismos “mineiros” pode
ter como atrativo económico adicional
a produção de substrato para hortas
espaciais, ou a extração de metais raros
noutros planetas.
Nos testes realizados em 2019, hou-
ve um primeiro resultado promissor:
a bactéria sphingomonas desiccabilis
destacou-se, entre os diferentes micro-
-organismos enviados para a ISS, por
sobreviver e laborar sem sobressaltos
em microgravidade. E a prova disso foi
a produção de neodímio, cério e lantâ-
nio. São apenas detritos de bactérias,
mas não deixa de ser um grande passo
para a mineração de materiais raros e
valiosos.
Nesta segunda experiência a bordo da
ISS, os investigadores enviaram alguns
biorreatores com 40 centímetros de
diâmetro que alojam culturas de micro-
-organismos com potencial “mineiro”.
Se tudo correr como em 2019, alguns
deverão ser testados em microgravida-
de, enquanto outros serão colocados
a rodar a fim de replicar a gravidade
terrestre — fora da Terra. Desta vez,
há uma diferença de monta: em vez de
basalto, os microrganismos poderão
saciar-se com uma “ementa” à base
de amostras que mimetizam minerais
existentes em asteroides.
Hugo Séneca
hseneca@expresso.impresa.pt
26 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL ESTAD OS UNID OS
Pandemia Starbucks, Microsoft e Costco colaboram com a Casa Branca para agilizar a vacinação contra a covid-19
Aliança com privados no
espírito da II Guerra Mundial
Textos Ricardo Lourenço
À
Correspondente nos EUA
medida que a nova
Administração
americana aumen-
ta os esforços de
vacinação da po-
pulação contra o
coronavírus, vários
estados optam por
parcerias com o
sector privado. Entre os 50, destaque
para o de Washington, na ponta norte
da costa do Pacífico, onde fica a sede
da Starbucks (não confundir com a
capital, Washington D.C.).
Embora o laboratório da cadeia de
cafetarias — o Tryer Center, em Seat-
tle — esteja a ser preparado para in-
tegrar a rede de postos de vacinação,
a experiência da empresa será direci-
onada para outra área fulcral. “Não
somos especializados em cuidados de
saúde, mas operamos uma rede brutal
de lojas [quase 33 mil espalhadas pelo
país], que serve milhões de america-
nos”, explicou ao Expresso Hanna
Smithdale, uma das porta-vozes da
marca. “Grande parte do esforço pas-
sa por tornar aqueles espaços eficien-
tes e orientados para o cliente.”
Por isso a empresa emprestou um
grupo de peritos nessa área para aju-
dar as autoridades de saúde do estado
de Washington a evitar afunilamento
na prestação dos cuidados, cortando
o desperdício de tempo. A Starbucks
promete “centros de vacinação que
amplificam conforto e segurança”.
Nesta coligação anticovid, a Micro-
soft ofereceu-se para gerir a organi-
zação dos planos de vacinação, à ima-
gem do que já faz em estados como
a Virgínia Ocidental e o Michigan,
onde a taxa de inoculação é superior à
média nacional. Já a Costco (empresa
do mercado grossista, equivalente à
Makro em Portugal) usa as platafor-
mas logísticas e frotas de camiões para
auxiliar na distribuição de vacinas.
Em conferência de imprensa, na pas-
sada terça-feira, o governador estadual
de Washington, Jay Inslee (que em
2020 concorreu às primárias do Par-
tido Democrata para a presidência dos
Estados Unidos), comparou este es-
forço do sector privado àquele que foi
prestado pelos gigantes da indústria
americana durante a Segunda Guerra
Mundial. Na altura, Ford e General
Motors, por exemplo, converteram
linhas de produção de automóveis em
unidades de fabrico de armamento.
Vacinar em estádios
e autódromos
“Precisamos de inovação com urgên-
cia, devido ao atraso nos programas
de vacinação e ao surgimento de novas
variantes do vírus, mais infecciosas e,
aparentemente, mais letais”, afirma
ao Expresso a microbióloga Deborah
Fuller, da Universidade de Washing-
ton, membro da equipa multidisci-
plinar que desenvolveu a vacina da
Moderna. “Os estados devem tentar
de tudo e comunicar-nos, para que
possamos generalizar o que corre
bem. Se não for o Starbucks que seja
o Dunkin’ Donuts!”, diz, a rir.
Na Carolina do Norte a multinacio-
nal Honeywell gere centros de vacina-
ção no estádio dos Carolina Panthers
(equipa de futebol americano) e no
autódromo de Nascar. “Esforços como
estes permitem que a comunidade
médica se concentre apenas em vaci-
nar as pessoas e garantir que estas não
têm reação adversa”, adianta Fuller.
O novo Presidente quer
vacinar um terço dos
americanos até abril
FOTO DOUG MILLS/POOL/EPA
Torna-se evidente que, no combate
à pandemia, Estado e empresas priva-
das perseguem o mesmo objetivo. “A
economia não recuperará e nós não
conseguiremos regressar à vida nor-
mal enquanto o programa de vacina-
ção não estiver bem lançado”, afirmou
David Solomon, diretor executivo da
Goldman Sachs, em entrevista ao ca-
nal televisão nova-iorquino Pix11.
Além da Goldman Sachs, outros
atores de Wall Street, casos da J.P.
BIDEN RECORREU A UMA
LEI ADOTADA EM 1950,
DURANTE A GUERRA
DA COREIA, QUE VISA
MOBILIZAR TODO
O TECIDO PRODUTIVO
A BEM DA SOLUÇÃO DE
UMA CRISE NACIONAL
Morgan e do Citigroup, insistem em
querer ajudar nas áreas da distribu-
ição e logística. Recordam, ainda, os
canais de comunicação existentes com
a Administração Biden, que poderão
ser usados para persuadi-la a canali-
zar vacinas para o quarto estado mais
populoso do país (o estado de Nova
Iorque tem perto de 20 milhões de
habitantes).
Prevenção em vez de publicidade
Quando as ações das empresas não in-
cidem diretamente no combate à pan-
demia, viram-se para a informação e
consciencialização dos americanos.
A cervejeira Budweiser decidiu, pela
primeira vez, não ter um anúncio no
intervalo da final do campeonato de
futebol americano (Superbowl), que
se realiza a 3 de fevereiro. Em vez
disso, transferiu a verba que usaria
na produção daquele conteúdo para
ações de sensibilização e prevenção
contra a covid-19.
“Queremos voltar a ver as pessoas
juntas, os restaurantes e bares aber-
tos. Celebrar de novo com amigos e
familiares”, adiantou, em comunica-
do, a vice-presidente de marketing da
empresa, Monica Rustgi. “Para isso
acontecer, para que os consumidores
regressem, principalmente nas regi-
ões mais afetadas, apoiaremos ações
críticas de informação sobre a impor-
tância da vacina contra a covid-19.”
Nos próximos meses prevê-se um
aumento da cooperação. Note-se que
uma das primeiras iniciativas do novo
Presidente dos Estados Unidos, Joe
Biden, foi recorrer, através de despa-
cho executivo, à Lei de Produção da
A CASA BRANCA ADMITE
USAR LABORATÓRIOS
FARMACÊUTICOS PARA
PRODUZIR AS VACINAS
JÁ VALIDADAS PELAS
AUTORIDADES DE SAÚDE
(PFIZER/BIONTECH
E MODERNA)
Expresso, 29 de janeiro de 2021
O QUE BIDEN JÁ FEZ PARA
REVOGAR MEDIDAS DE TRUMP
^ Anulou a declaração de emergência
nacional que servia para financiar o
muro na fronteira com o México
^ Lançou uma revisão do processo de
aprovações regulatórias, tornado
menos exigente no mandato de
Trump
^ Anulou as medidas anti-imigração
do anterior Presidente, como a
aceleração das deportações e abriu
via à legalização dos
indocumentados em solo dos EUA
^ Revogou a proibição de entrada no
país a portadores de passaportes de
sete países de maioria muçulmana
^ Ordenou que residentes sem
cidadania sejam incluídos nos censos
e contem para a distribuição entre
estados de lugares no Congresso
^ Rescindiu a Comissão 1776, criada
pelo antecessor para promover a
“educação patriótica”, criticada por
perpetuar estereótipos racistas e
ligar pouco ao rigor científico
^ Cancelou o oleoduto Keystone XL,
no âmbito de uma revisão de mais
de 100 medidas do ex-Presidente
na área do ambiente
^ Decidiu reintegrar os Estados
Unidos no Acordo e Paris para
combater as alterações climáticas
^ Travou a saída do país da
Organização Mundial da Saúde e
nomeou o médico Anthony Fauci
chefe da respetiva delegação
^ Restaurou poderes de negociação
coletiva e proteção de trabalhadores a
nível federal, base para subir o salário
mínimo para $15 (€12,4) por hora
^ Pôs fim à proibição de recrutar
pessoas transgénero para as Forças
Armadas
Defesa, lei federal adotada em 1950,
no contexto da Guerra da Coreia, que
visa mobilizar todo o tecido produ-
tivo a bem da solução de uma crise
nacional.
“Todas as opções estão
em cima da mesa”
Em consequência, prevê-se o aumen-
to da produção de vacinas, testes,
equipamento de proteção para pes-
soal médico, seringas e ventiladores.
Quarta-feira de manhã, a assessoria
de imprensa da Casa Branca anun-
ciou que “todas as opções estão em
cima da mesa”, nomeadamente o uso
de laboratórios farmacêuticos para
a produção das vacinas já validadas
pelas autoridades de saúde (Pfizer/
BioNTech e Moderna).
“A Administração fará tudo para ter
300 milhões de americanos vacinados
até agosto”, conclui Deborah Fuller,
fazendo eco daquela que é uma das
principais ambições de Biden. “Por
agora, a meta dos 100 milhões até
início de abril parece bem encaminha-
da.” O país já perdeu 440 milhões de
pessoas para o coronavírus.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021
BIELORRÚSSIA
Manifestação em agosto passado. A oposição usa a bandeira que o país teve no início dos anos 90, antes da subida ao poder de Lukashenko
O país onde se pode ser preso por ter
“um guarda-chuva da cor errada”
Seis meses após a vitória contestada de Lukashenko, opositores falam ao Expresso
Ana França
“Vou para a rua”, escreveu aos ami-
gos Raman Bandarenka, militar de 31
anos, poucas horas antes de sucumbir
a um derrame cerebral provocado por
repetidos golpes na cabeça. Esta histó-
ria começa a 12 de novembro de 2020
num parque da capital da Bielorrússia,
Minsk. Bandarenka terá tentado im-
pedir dois homens de retirar os laços
vermelhos e brancos espalhados pela
cidade pela oposição ao regime de Ale-
xandr Lukashenko, Presidente há 26
anos. O Ministério do Interior alega
que Bandarenka estava embriagado e
foi agressivo para os civis; testemunhas
dizem que nem ele foi agressivo nem os
homens eram civis.
Dez dias após a morte de Bandaren-
ka, Artem Sorokin, anestesiologista do
Hospital Central de Minsk, entregou
à jornalista Katerina Borisevich, do
jornal independente “TUT.by”, o rela-
tório toxicológico de Bandarenka: zero
gramas de álcool por litro de sangue.
Ambos estão presos e as autoridades já
não aceitam acreditações do “TUT.by”.
Doze dias após a morte de Bandarenka
a notícia foi publicada e surgiram víde-
os de médicos por todo o país, de bra-
ços erguidos contra a parede e pernas
abertas, posição em que os opositores
presos são forçados a permanecer lon-
gas horas. Nas mãos de cada médico
uma folha de papel: 0,0 g/l.
175 dias de medo
O próximo domingo será o 26º (meio
ano, portanto) desde o início dos pro-
testos contra Lukashenko, reeleito a
9 de agosto com 80% dos votos, num
sufrágio sem observadores externos
que grande parte da comunidade inter-
nacional considera não ter sido trans-
parente. Muitos opositores ao regime
fizeram circular nas redes sociais a
fotografia de um idoso em cima de uma
cadeira, com binóculos apontados às
janelas de uma assembleia de voto,
com a legenda: “Um dos nossos cora-
josos observadores”.
Já este ano, na Rússia, Lukashenko
prometeu levar nova Constituição a
referendo antes do fim do ano. A opo-
sição não aceita uma lei fundamental
escrita por um homem que se recusa a
abandonar o poder e gasta milhões da
magra economia nacional no controlo
permanente dos cidadãos (€500 mi-
lhões, quando o país tinha, em novem-
bro de 2020, reservas para dois meses
e meio de importação de bens essenci-
ais, segundo um grupo de economistas
em entrevista à Deutsche Welle).
Sucedem-se notícias de espancamen-
tos, tortura e prisões em massa, sem
mandado. A Amnistia Internacional,
cujo último relatório sobre a Bielor-
rússia é de quarta-feira, garante que
pelo menos 27 mil foram presos desde
agosto. Não se sabe quantos morreram
nos confrontos ou prisões, por tortura
ou ferimentos. Só chegam à imprensa
casos com testemunhas, como o de
Bandarenka.
No fim de agosto o Expresso falou
com alguns dos que marcam presença
nas marchas da oposição. Passados 175
dias, só dois aceitam voltar a falar. Na
“Reunimo-nos em pontos
dispersos e não nas praças
centrais, gritamos das
janelas, unimos as mãos
em correntes”, diz uma
ativista bielorrussa
Bielorrússia 175 dias são muitas horas
de medo. Daria Senchenko, de 27 anos,
fala porque já não está no país; outra
ativista de 31 anos, que permanece em
Minsk, fala sem dar o nome.
Daria foi dirigente da campanha de
Viktor Babaryko, ex-diretor do ban-
co Belgazprombank, preso para não
concorrer contra Lukashenko nas
presidenciais. Como nunca faltou às
manifestações, ser presa ou não era
questão de sorte, ou de tempo. “Um dia
o nosso prédio foi revistado por forças
de segurança à procura de dissidentes.
Os polícias da fronteira não partilham
informações com os serviços secretos.
Tivemos muita sorte, desde então sair
do país é muito mais difícil”, conta ao
Expresso.
Ela e o marido fugiram nessa noite. O
pai de Daria levou-os à Ucrânia e agora
estão na Sérvia. “Continuo de coração
nas mãos. A minha mãe tem recebido
avisos no emprego sobre as suas sim-
patias políticas e tenho muitos amigos
presos ou a recuperar de ferimentos, e
outros desempregados.”
Campos de encarceramento
Com temperaturas negativas e a eco-
nomia em colapso, áudios de conversas
publicados em janeiro mostram que o
Governo planeia construir campos de
encarceramento em massa. Os protes-
tos perderam força, mas não acabaram.
“Reunimo-nos em pontos dispersos e já
não nas praças centrais, gritamos das
janelas, unimos as mãos em correntes
ao longo das autoestradas. Ninguém
deixou de acreditar na causa, mas o
medo é muito”, diz uma ativista.
O rosto da oposição é Sviatlana Tsi-
khanouskaya, mulher do ex-candidato
presidencial Sergei Tiskhanovsky, pre-
so por alegadamente ter participado
em protestos ilegais no início de 2020.
Exilada na Lituânia, falou quarta-fei-
ra numa conferência organizada pelo
Conselho Europeu de Relações Inter-
nacionais, a que o Expresso assistiu.
Confirma que o movimento mudou,
mas diz que as pessoas continuam em-
penhadas: “Um bielorrusso pode ser
preso por ter um guarda-chuva da cor
errada [...]. Há uma mutação para uma
versão mais descentralizada da luta,
que será base para a organização de-
mocrática na Bielorrússia do futuro.”
Apresenta à União Europeia (UE)
um caderno de encargos: “É preciso
que os Estados-membros liderem es-
forços para abrir um diálogo com vista
à transição pacífica, mas também pre-
cisamos de um organismo indepen-
dente para investigar crimes contra
a Humanidade.” Pede ainda que as
entidades estatais autoras desses ata-
ques sejam reconhecidas como orga-
nizações terroristas e que a televisão
pública bielorrussa seja retirada da
União Europeia de Serviços Públicos
de Rádio e Televisão.
Na conferência o ministro dos Ne-
gócios Estrangeiros (MNE) francês,
Jean-Yves Le Drian, repudiou a violên-
cia, exigiu a libertação imediata dos
presos políticos e reforçou a falta de
legitimidade de Lukashenko. Defendeu
o diálogo com todas as partes, sob a ba-
tuta da Organização para a Segurança
PRIMEIRO CADERNO 27
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
A Rússia
hoje
A
Rússia vive um momento
delicado da sua história. Os
próximos meses serão im-
portantes para termos uma
ideia do rumo do país a nível interno.
No passado dia 17 Alexei Navalny,
o mais conhecido opositor do re-
gime de Vladimir Putin, viajou de
FOTO SERGEI GAPON/AFP/GETTY IMAGES
Berlim para Moscovo. À chegada
à capital russa, foi imediatamente
detido e aguarda julgamento. No dia
seguinte, foi colocado no YouTube
um documentário em que Navalny
acusou Putin de corrupção. Um novo
palácio construído na costa do Mar
Negro foi apresentado como prova
da riqueza furtiva do líder russo, sua
família e aliados.
No dia 23 ocorreram manifesta-
ções contra o Kremlin nas principais
cidades russas. É sempre difícil cal-
cular o número de pessoas presen-
tes, mas é possível que tenham sido
os maiores protestos contra Putin
desde 2011. Tal é importante para
Navalny e seus apoiantes. E também
para o Kremlin.
Para termos ideia do que irá suce-
der na Rússia nos próximos tempos,
é necessário recuar a 2020. No mo-
mento em que as elites que apoiam
o regime começaram a posicionar-
-se para a sucessão de Putin, este
afastou Dmitri Medvedev do cargo
de primeiro-ministro e anunciou
uma revisão constitucional que lhe
permitirá manter o poder até 2036.
e Cooperação da Europa (OSCE): “Há No referendo, em julho, 79% dos
grande urgência em estabelecer um votantes apoiaram esse objetivo.
diálogo político inclusivo entre todos os Como os números e as notícias
bielorrussos, sem desprezar nenhuma então tornaram evidentes, a mai-
parte. Temos de enviar dois sinais ao oria dos russos não reagiu à alte-
regime: total condenação da repressão ração das regras do contrato polí-
e abertura ao diálogo.” A realização tico. Muitos acharam bem. Outros
de eleições com observadores inter-
nacionais é o passo mais importante
para “concretizar as aspirações dos Navalny tentará levar a cabo
bielorrussos”. uma campanha de guerrilha
política, apoiada nas redes
Fechando no bunker sociais e na tecnologia
O MNE da Lituânia, Gabrielius Lands-
bergis, apelou a um esforço das capitais conformaram-se. Um mês depois,
europeias para os alegados crimes do os serviços secretos tentaram assas-
regime bielorrusso começarem a ser sinar Navalny. Foi um passo impor-
julgados nos tribunais dos Estados- tante do Kremlin na consolidação
-membros. Adianta que há uma queixa do caminho para as eleições para a
por maus-tratos aceite pelo procura- Duma, câmara baixa do parlamen-
dor-geral lituano. “O mais importante to, a realizar até setembro. Como
é garantir justiça, porque os tribunais sabemos, a tentativa de assassínio
já não defendem as pessoas, atiram-nas falhou por muito pouco. Navalny
recuperou num hospital em Berlim,
protegido pelo Governo alemão.
A Amnistia Internacional Do ponto de vista de Putin, era
garante que 27 mil foram importante Navalny continuar no es-
trangeiro nos próximos anos. Seria
presos desde agosto. a melhor forma de neutralizar o seu
Não se sabe quantos papel na política russa. O Kremlin
morreram nos confrontos sabe que a Rússia Unida, partido
ou prisões que apoia Putin, é impopular. Mas
também sabe que as alternativas
políticas parecem ainda mais im-
para a cadeia sem processo normal. Os populares. Acresce o poder, o mo-
procuradores que deviam acusar cri- nopólio da violência e a difusão do
minosos estão a construir casos contra sentimento de total impunidade do
inocentes. A polícia que deve proteger Estado sobre a sociedade russa.
e servir está a proteger e servir o regi- Nestas circunstâncias, Navalny,
me.” A seu ver Lukashenko “está num que mostrou enorme coragem ao re-
bunker, apoiado por um círculo muito gressar à Rússia, tentará levar a cabo
restrito”, e “cabe aos europeus agir uma campanha de guerrilha política,
para lhes cortar todas as linhas vitais”. apoiada na tecnologia e nas redes
O Expresso tentou saber se o Governo sociais para minar a credibilidade do
português tenciona defender tais medi- regime russo. Tal só será possível se
das durante a presidência do Conselho a oposição for capaz de alargar a sua
da UE. O MNE Augusto Santos Silva coligação junto da sociedade. Resta
não especificou, mas garantiu apoio ao saber que tipo de violência usará o
que está a ser feito. “A UE já aprovou, Kremlin.
duas vezes, sanções contra responsá- Se olharmos para o longo arco da
veis bielorrussos. Portugal é favorável à história czarista e soviética, reco-
manutenção de um regime de medidas nhecemos em 2021 a falta de meca-
restritivas adequado à gravidade da nismos institucionais ao controlo do
situação. Também tem defendido um poder do estado e a natureza coer-
papel reforçado da OSCE no acompa- civa da autoridade de Putin. O país
nhamento da crise.” está de regresso ao seu passado. A
afranca@expresso.impresa.pt Rússia vive o seu inverno político.
28 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

AMÉRICA LATINA

Guerra Fria na corrida à vacinação

Dificuldade de acesso às vacinas deixa região à mercê da Rússia e da China, face ao afastamento dos EUA
Textos Márcio Resende
Correspondente em Buenos Aires

Um a um, os países da América

Latina alinham-se atrás das va-
cinas da Rússia e da China, que
ganham projeção numa silenci-
osa disputa geopolítica por mer-
cado, prestígio internacional e
poder, numa reedição moderna
da Guerra Fria.
Numa expansão das suas zo-
nas de influência, Rússia e Chi-
na aproveitam-se da ausência
dos Estados Unidos na região e
da dificuldade que os países da
América Latina têm em obter
contratos com outros laborató-
rios para imporem a diplomacia
do soft power. “Para a Rússia e
para a China, tudo é geopolítica.
A ciência é usada como parte
dessa estratégia. Esses países
ainda têm uma persistente visão
da Guerra Fria. A disputa, no en-
tanto, deixou de ser ideológica,
contra ou a favor do comunismo.
A nova Guerra Fria é comercial,
por prestígio e poder”, explica
ao Expresso o médico e analista
político argentino Nelson Cas-
tro, referência no país.
Esses movimentos tiveram,
nos últimos dias, avanços
concretos no tabuleiro latino-
-americano. O Presidente me-
xicano, Andrés Manuel López
Obrador, infetado com coro-
navírus, fechou pessoalmente
com o russo Vladimir Putin
um contrato para comprar
24 milhões de doses da vacina
Sputnik V. Os Presidentes do
Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do
Chile, Sebastián Piñera, anun- Carregamento de 300 mil vacinas russas Sputnik à chegada ao aeroporto de Buenos Aires, em dezembro de 2020 FOTO PRESIDÊNCIA ARGENTINA
ciaram ter chegado a acordos
com a chinesa Sinovac, que preocupado em salvar-se a si -americano a usar o imunizante A imprensa argentina denun- do à recessão, os governantes que esses estudos tenham sido
produz a CoronaVac, a mesma mesmo do que em colaborar russo. Já recebeu 600 mil doses, ciou que o acordo do Governo na América Latina sabem que publicados. Quando a política
vacina que o Brasil começou a com os vizinhos latino-america- como favor pessoal do Presiden- argentino com Putin inclui uma precisam de gerar esperança interfere na ciência, estamos pe-
administrar. nos. A Rússia e a China ficaram te Putin, que retirou doses pre- contrapartida: a instalação em numa população em esgota- rante um grande problema”, ad-
O Presidente brasileiro, Jair a jogar muito bem e sozinhas vistas para russos para dá-las território argentino de uma mento social e psicológico. verte o analista Nelson Castro.
Bolsonaro, foi forçado a parar na região”, indica ao Expresso o aos argentinos. “Um amigo na base de satélites para recolher Não há margem para fechar
com as suas habituais críticas sociólogo e analista político chi- necessidade é um amigo de ver- dados e fazer o rastreamento de a economia com novas qua- Regresso pela mão de Biden
contra a China. Viu-se obrigado leno Patricio Navia, professor da dade”, disse o embaixador russo tudo o que incluía GPS, de veí- rentenas diante da segunda
a aproximar-se de Pequim para Universidade de Diego Portales, na Argentina, Dmitry Feokstis- culos a telemóveis, em terra e no onda, que ameaça estourar nas É justamente pela China e pela
conseguir acordo para o fabrico no Chile, e da New York Univer- tov, quando aterraram as doses espaço. O chamado “Protocolo costas latino-americanas. Rússia que passam as prio-
da CoronaVac no Brasil, em par- sity, nos Estados Unidos. da Sputnik em Buenos Aires entre o Governo da República Subsiste ainda a inquietação ridades do novo Governo dos
ceria com o Instituto Butantan Brasil, Argentina e México Argentina e o Governo da Fe- com a fiabilidade das vacinas Estados Unidos. No presente
de São Paulo. apostaram em produzir a vaci- Vacinas em troca de presença deração Russa sobre Coopera- maioritariamente utilizadas na contexto internacional, a Amé-
Ainda no capítulo brasileiro, a na da Oxford com o laboratório comercial e política ção no Campo da Exploração e América Latina. “A vacina russa rica Latina faz parte da disputa
russa Sputnik V também come- AstraZeneca, mas o processo da Utilização do Espaço Ultra- tem sido usada como elemento geopolítica. Enquanto candi-
çou a ser produzida no Brasil, teve um percalço durante os Os favores pessoais pagam-se. terrestre com Fins Pacíficos” de propaganda. O desespero da dato, Joe Biden descreveu a in-
mas, por enquanto, apenas para testes e a produção atrasou-se. O Presidente argentino, Alber- foi aprovado pelo Parlamento Rússia em ser pioneira na vaci- fluência da China na América
ser exportada para Argentina, O trio perdeu vários postos na to Fernández, tem conversado russo e publicado no Boletim na significou uma falha nos pro- Latina como “uma ameaça para
Bolívia, Venezuela e México. corrida. com os países com os quais tem Oficial argentino este mês. cedimentos para se fazer uma a segurança nacional” dos Esta-
Ainda que a vacina russa seja Por outro lado, as vacinas em afinidade para abrir canais de Os países da região apostam vacina com toda a informação dos Unidos.
questionada pela comunidade que estão envolvidos os Estados negociação com Moscovo. Foi tudo nessas vacinas, como ver- científica necessária. Ao mesmo Com a exceção do México, to-
científica devido à ausência Unidos foram motivo de dis- assim que a Bolívia fechou con- dadeiras epopeias da salvação. tempo, o desespero dos Gover- dos os países têm a China como
de publicações especializadas puta entre os países ricos (Es- trato com Putin, no dia 30 de Politicamente argutos e em nos latino-americanos levou a principal parceiro comercial. Em
sobre os ensaios clínicos, esses tados Unidos, Canadá, Reino dezembro, e que o México fez o queda de popularidade devi- aprovações de emergência sem muitos casos o acesso ao financi-
países aprovaram o uso da va- mesmo esta semana. O venezu- amento depende de Pequim e
cina russa em emergência, sem elano Nicolás Maduro anunciou as contas públicas, da procura
ensaios adicionais. Até março a
Bolívia vai receber 5,2 milhões Os vizinhos do Sul que vai receber dez milhões de
doses da Sputnik e aguarda por Turquia vacina em chinês chinesa por matérias-primas.
“Há muito espaço para que
de doses e a Argentina, 20 mi- virão sempre depois acordos com a China e Cuba. Biden recupere a proximidade
lhões. A Argentina, por outro da prioridade dos EUA: “Os países fecham acordos com a América Latina, depois
lado, também negoceia com a vacinar 100 milhões com os laboratórios, mas, no A vacinação contra a covid-19 na Turquia começou mais tarde do abandono de Trump”, acre-
chinesa Sinopharm e mantém de norte-americanos caso da China e da Rússia, essas do que na maioria dos países europeus, a 14 de janeiro. O país dita o chileno Patricio Navia,
diálogo com o Instituto Butan- negociações são entre Gover- utiliza a CoronaVac, produzida pela farmacêutica chinesa que encontra espaço para
tan para conseguir alguns lotes
em três meses nos, de Estado para Estado. É Sinovac. Mais de 1,5 milhões de pessoas já foram vacinadas, um programa de cooperação
da produção da chinesa Corona- nesse ponto que surge o uso incluindo quase todos os profissionais de saúde. Em duas para acesso às vacinas de la-
Vac no Brasil. político das vacinas”, observa semanas a Turquia vacinou 1,8% da população, mais do que os boratórios norte-americanos.
Unido, Japão, Israel e União Pachano, ressaltando que “a Países Baixos (1%), Luxemburgo (1,4%) ou Noruega (1,5%), ao “Especialmente a vacina da
Washington fica longe Europeia), cabendo aos pobres China condiciona sempre o nível de França (1,8%), e atrás da Alemanha (2,3%) e Portugal Johnson & Johnson, porque
um alinhamento com a Rússia crédito à contratação das suas (2,6%). Nos primeiros três dias mais de 600 mil turcos foram é mais barata e de mais fácil
Rússia e China avançam em de- e com a China. “Os países ricos empresas”. imunizados. logística. Os Estados Unidos
trimento das vacinas nas quais ficaram praticamente com toda “Não existe uma instância de Ancara recebeu 9,5 milhões das mais de 50 milhões de doses até podem produzir essas va-
os Estados Unidos têm partici- a produção. Os latino-america- cooperação, como na União Eu- que comprou à Sinovac. Também encomendou 4,5 milhões à cinas no Brasil, que tem capa-
pação (Moderna, Pfizer, John- nos têm dificuldade de acesso. ropeia. A negociação com os Pfizer, que serão entregues no fim de março. A CoronaVac é cidade de produção, e depois
son & Johnson e Novavax). Na Os poucos que conseguiram chineses fica associada a outros administrada em duas doses, com 28 dias de intervalo, mas distribuí-la gratuitamente nos
nova Guerra Fria, o vácuo nor- a vacina da Pfizer receberam negócios em diferentes setores. não precisa de ser armazenada em temperaturas tão frias países da América Central sem
te-americano é ocupado pelos quantidades ínfimas e não têm No caso da Rússia há uma dife- como a vacina da Pfizer. Foi escolhida por países como a dinheiro nem acesso”, avalia o
laboratórios chineses (Sinovac, garantias de cumprimento do rença: não será uma presença Indonésia ou o Brasil. A firma chinesa não publicou dados académico.
CanSino e Sinopharm) e russos contrato. É aí que surgem no de empresas, mas uma presença sobre a sua eficácia, mas testes nacionais sugerem um êxito Contudo, os vizinhos do quin-
(Gamaleya e Vector). cenário as alternativas russa e política na região”, sublinha o de 50% a 91%, abaixo dos da Pfizer. Em contrapartida, a tal meridional virão sempre
“A Rússia e a China estão a chinesa”, aponta ao Expresso perito. Sinovac não parece ter os problemas de produção das depois da prioridade domésti-
aproveitar, enquanto os Estados o cientista político equatoriano O contrato entre a Argen- congéneres ocidentais. ca de Washington: vacinar 100
Unidos estão a perder a opor- Simón Pachano, da Faculdade tina e a Rússia está repleto de Depois dos trabalhadores da saúde, são os maiores de 80 milhões de americanos nos três
tunidade de somar influência Latino-americana de Ciências suspeitas. É classificado como anos que estão a receber a vacina. O terceiro grupo incluirá primeiros meses da Adminis-
diplomática, o chamado soft po- Sociais (FLACSO). “confidencial”. Poucas pessoas maiores de 65 anos e trabalhadores de sectores vitais: defesa, tração Biden. Até lá, a Rússia e
wer. Dentro de portas Washing- A Argentina começou a vaci- tiveram acesso ao documento, segurança e educação. As autoridades querem inocular 12 a China continuarão a ganhar
ton administrou mal a pande- nar a 29 de dezembro, tornan- que tem carácter de “segurança milhões de pessoas (15% da população) até meio de março. terreno na América Latina.
mia e Donald Trump ficou mais do-se o primeiro estado latino- nacional”. José Pedro Tavares em Ancara internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 29

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À PROCURA DE SAÍDA “HITLER E OS NAZIS PODCAST SOBRE
PARA CRISE ITALIANA NÃO COMEÇARAM A CRISE EM TIGRAY
ROMA O Presidente italiano re-
cebe hoje os partidos de direita de março. Até esta data, pelo
COM MATANÇAS. ETIÓPIA O conflito na Etiópia
entre o Governo de Abiy Ah-
nacionalista Liga e Irmãos de menos, as escolas do Reino TUDO COMEÇOU med e os rebeldes da Frente de

Itália. Sergio Mattarella fala-
rá também com a Força Itália,
Movimento 5 Estrelas e Identi-
dade e Ação, terminando uma
ronda de consultas com dez
formações parlamentares des-
de quarta-feira. Nesse dia o pri-
meiro-ministro Giuseppe Conte
demitiu-se depois de o pequeno
partido Itália Viva, do ex-pri-
meiro-ministro Matteo Renzi,
ter retirado apoio ao Executivo.
Unidos continuarão
encerradas, em virtude da
pandemia. O primeiro-
-ministro Boris Johnson
anunciou no Parlamento que
o regresso às aulas
presenciais será “o primeiro
sinal de volta à normalidade”.
Até lá, o país continuará em
confinamento geral
PELO ÓDIO”
Ben Lesser
No Dia da Memória do Holocausto,
quarta-feira, este sobrevivente
de 92 anos disse à CBS que a invasão
do Capitólio dos EUA, incentivada pelo
ex-Presidente Trump (em que alguns
participantes usavam imagética nazi),
lhe trouxe “um sabor a passado, quando
era miúdo”. Lesser esteve nos campos
de concentração e extermínio
de Dachau e Auschwitz-Birkenau
Libertação do Povo do Tigray
pode vir a ter envolvimento mi-
litar da Eritreia. O risco para
os civis e a economia do Corno
de África é elevado. No episó-
dio 10 do podcast África Agora,
disponível do site do Expresso e
AGRICULTORES INDIANOS EM GUERRA COM O GOVERNO plataformas de streaming, a jor-
Dezenas de milhares de agricultores estão acampados nos nalista Cristina Peres conversa
arredores de Nova Deli há dois meses, para exigir a revogação com Carlos Veloso, ex-diretor
de três leis aprovadas em 2020. Afirmam que estas beneficiam do Programa Alimentar Mun-
os grandes compradores privados à custa dos produtores. dial, que vive no vizinho Djibuti.

MO ÇAMBIQUE

Nyusi desperta para o terrorismo

Com ataques cada vez mais perto das instalações de gás natural, Maputo já não procura minimizar crise
em Cabo Delgado. Presidente nomeou novo chefe dos militares e novo embaixador na vizinha Tanzânia
José Pedro Tavares

Apesar de a insurgência arma-

da na província de Cabo Delga-
do já durar há mais de três anos,
as campainhas devem ter soado
insistentemente em Maputo
nas últimas semanas, depois
de militantes do Daesh terem
realizado uma série de ataques
muito perto das instalações da
multinacional Total, que tem
concessão para a exploração
de gás natural na península de
Afungi, perto de Palma. Entre
o Natal e o Ano Novo houve
incursões nas aldeias de Mute,
Mondlane, Olumbi e Quitunda,
num raio de 20 quilómetros
dos locais da petrolífera.
Embora todos os ataques
tenham sido repelidos pelas
forças de segurança, a Total
decidiu no início do ano parar
as obras e evacuar por via aé-
rea a maior parte dos 3000
trabalhadores no local. Poucos
dias depois, o diretor-geral da
multinacional francesa, Patrick
Pouyanné, voou para Maputo,
onde se encontrou com o Pre-
sidente Filipe Nyusi e outros
dirigentes moçambicanos, para
discutir o reforço da segurança
em redor do empreendimento.
Nyusi, que começou por
negar o conflito e passou por
largos períodos de hesitação,
ambiguidade e passividade, pa- Centenas de deslocados, incluindo muitas crianças, acumulam-se no Centro Agrário de Napala, no Norte do país FOTO ALFREDO ZÚÑIGA/AFP/GETTY IMAGES
rece agora decidido a resolver
a questão. Nas últimas sema- Há quem aplauda. “Pode- usi tenha nomeado um homem mãos dos extremistas desde ao Estado Islâmico da Província favorecem o crescimento da
nas nomeou dois confidentes rá indicar o começo de uma da sua confiança máxima para agosto de 2020. O número de da África Central (EIPAC), e revolta armada.
e amigos para posições-chave: gestão mais eficaz da guerra”, negociar com o recém-eleito ataques e a sua intensidade pa- ataques cada vez mais coorde- O ministro dos Negócios Es-
Eugénio Mussa é o novo chefe defende, em declarações ao Presidente tanzaniano, John recem ter diminuído nas últi- nados e devastadores. trangeiros português esteve em
do Estado-Maior-General das Expresso, Adriano Nuvunga, Magufuli. mas semanas. As incursões na Maputo entre 19 e 21 deste mês,
Forças Armadas e comandante professor de ciência política na O projeto da Total no extre- zona de Palma sugerem mais Ajuda sim, tropas não em representação do chefe da
das operações no Norte; Ricar- Universidade Eduardo Mondla- mo norte de Moçambique, uma busca de alimentos do que ata- diplomacia europeia, Josep
do Mtumbuida, até agora chefe ne, em Maputo. das áreas mais pobres do país, que à petrolífera francesa. “Um O conflito tem ainda uma com- Borrell, para discutir o apoio
de contrainformação nos ser- Mussa acompanhou Nyusi du- é o maior investimento privado ataque direto em Afungi seria plexa nuance étnica. Segundo da UE, na sequência do pedi-
viços de informações, passa a rante a sua importante visita à em África (€15 mil milhões). um contrassenso”, sugere ao o ACLED, já provocou mais de do de Maputo em setembro de
embaixador na Tanzânia. Tanzânia, no passado dia 11. O A multinacional francesa ad- Expresso Alexandre Rayma- 2000 mortos e 560 mil refugia- 2020. Nyusi tem rejeitado todas
país vizinho, que faz fronteira quiriu uma área da península kers, da empresa sul-africana dos internos. Devido à situação as ofertas de tropas estrangei-
Nyusi desconfia da Renamo com Cabo Delgado, é fulcral de Afungi, onde está a reali- de análise de riscos Verisk Ma- de segurança, as agências das ras, apesar de ter contratado
zar o projeto de engenharia. A plecroft. “A estratégia passa empresas de mercenários —
A nomeação de Mussa assume construção da zona industrial mais por atacar povoações, en- primeiro os russos da Wagner,
especial importância, pois suge- O ministro Santos Silva para liquefação de gás (LNG), quanto acantonam as tropas Muitos dos terroristas nos últimos anos a empresa sul-
re uma alteração de forças no esteve em Maputo que chegará a terra através de governamentais em volta dos vêm da Tanzânia, -africana Dyck Advisory Group
regime. Até agora as operações gasoduto, deveria começar este projetos de gás bem defendi- — para ajudar no combate ao
em Cabo Delgado — de facto,
este mês para discutir ano, com o início da explora- dos, o que também ajuda a cri-
país vizinho a norte EIPAC.
todas as principais tarefas de o apoio da UE, a quem ção prevista para 2024. A Total ar uma narrativa favorável de que serve de passagem No fim da visita Augusto San-
segurança do Estado — tinham Nyusi pedira ajuda estima poder produzir até 13 que o Governo protege mais ou refúgio para tos Silva clarificou que Nyusi
estado sob coordenação da Po- em setembro de 2020 milhões de toneladas de LNG/ os recursos do que as pessoas.” as suas operações identificou três áreas para o
lícia da República de Moçambi- ano, durante 25 anos. O conflito em Cabo Delgado, apoio da UE: “Formação mili-
que (PRM), em parte porque o que começou por ser um movi- tar, apoio à ação humanitária
regime desconfiava da presença para resolver o problema. Mui- Terroristas enfraquecidos? mento de pequenos grupos de Nações Unidas e outras orga- para a população de Cabo Del-
de membros da Renamo (parti- tos dos terroristas são tanzani- moçambicanos recém-regres- nizações humanitárias não têm gado e apoio à Agência para o
do da oposição) nas forças ar- anos e o país vizinho serve de Paradoxalmente, estas mudan- sados de escolas islâmicas no acesso a zonas da província e a Desenvolvimento do Norte de
madas, uma das consequências passagem ou refúgio para as ças ocorrem num período em estrangeiro — tentaram impor situação humanitária é grave e Moçambique”, órgão criado
do acordo de paz que pôs fim à suas operações. As relações en- que analistas de defesa suge- uma versão radical do islão, complexa, mormente porque pelo Governo de Moçambique
guerra civil em 1992. tre a Tanzânia e Moçambique rem que os rebeldes dão sinal tendo sido prontamente expul- associada a um surto de cólera em 2019 para responder às crí-
Esta nomeação também “in- têm sido marcadas por tensão, de fragilidade, mesmo que as sos para o mato pelas forças da e à pandemia. ticas de que o Estado estava
dica que Nyusi quer tomar mai- já que Dar-es-Salaam reclama forças moçambicanas não te- ordem e pelo Conselho Islâmico Há receio de que o conflito a ignorar as necessidades das
or controlo das decisões estra- a cedência de parte das receitas nham conseguido recapturar de Moçambique —, tornou-se possa estender-se às províncias populações locais, apesar dos
tégicas sobre Cabo Delgado”, do gás natural, uma vez que as a estratégica vila portuária de em 2019 uma ameaça terrorista de Nampula e Niassa, que são rendimentos obtidos com as
sugere o site do Projeto Con- jazidas ao largo da costa norte Mocímboa da Praia, outrora de dimensões internacionais, muito pobres, como Cabo Del- concessões de exploração de
flitos Armados — Localização, de Moçambique se estendem às centro logístico do norte, a com a chegada de armas e mili- gado, e onde o desemprego e a recursos naturais.
Dados e Incidentes (ACLED). águas tanzanianas. Daí que Ny- 80 quilómetros de Palma, nas tantes estrangeiros, a afiliação falta de investimento público internacional@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

Editorial&Opinião
Editorial Pandemia agrava-se Eutanásia e o respeito por ti em pandemia
e as dificuldades do Governo aumentam
voto dos representantes do povo demia, muitos dos que partici- se confunde com qualquer ce-
acerca de uma questão fulcral param ativamente no grupo de nário pandémico. O Luís Mar-

O que os erros de política criminal que envolve

uma ponderação de normativos
constitucionais que deve ser se-
trabalho, em plena pandemia,
sabendo da composição parla-
mentar atual, usam a pandemia
ques, paralisado há décadas e
sem autonomia para respirar,
queria abreviar a sua morte.

destapam
reníssima. Nunca aceitámos que
a autonomia e a dignidade indi-
viduais fossem referendáveis.
Isabel Moreira Sem pressa, foi formado o
sociedade@expresso.impresa.pt
grupo de trabalho que discutiu
e o sofrimento de milhares de
pessoas para dizerem que não é
hora para aprovar a morte me-
dicamente assistida. Claro que
se pudessem organizavam um
Pediu para que a sua dignida-
de inteira fosse conseguida em
Portugal. Não conseguiu. Não
conseguimos. Fez uma viagem
penosa até à Suíça, ajudado

O
na especialidade os projetos de referendo em plena pandemia pelo amor da amizade, e ali viu
debate aberto, trans- lei referidos. Além de todas as e, se pudessem, votavam com a sua vontade ser respeitada.
parente e participado entidades institucionais auscul- Conheci, há tempos, uma mu-
sobre a eutanásia tem tadas e do acervo documental lher com uma doença terminal
As últimas semanas transformaram-se numa tempestade mais de dez anos. Há, já reunido na legislatura pas- Discordar é a essência para a qual de nada servem os
perfeita de caos, dificuldades e desorientações. Ao em Portugal, poucas matérias sada, que foi trazido para este da democracia, mas cuidados paliativos. Disse-me,
contrário do milagre português tão apregoado na tão debatidas. processo, é bom recordar que a democracia exige com a enorme força da lucidez
primeira vaga da pandemia, de forma precipitada e O Parlamento renovado na quem quis ser ouvido teve as de nós que não desertemos e da autonomia, e com o apoio
errónea, o país continua com tremendas dificuldades, sua legitimidade democrática, portas abertas. Foi o caso da relativamente a quem da sua filha, que queria ajuda
revelando-se melhor com as dificuldades da pandemia com uma maioria parlamentar Associação dos Médicos Cató- espera há anos e anos para morrer. Mas ainda é cri-
as fragilidades de um país pobre (dentro dos mais ricos), favorável à morte medicamen- licos Portugueses, do grupo de me. Dizer que o contexto da
mal preparado, com políticas públicas deficientes e te assistida, aprovou, em 20 de trabalho Inter-Religioso Re- pandemia deve paralisar a au-
deficitárias, e um Estado grande, mas muitas vezes muito fevereiro de 2020, os projetos ligiões Saúde, da Associação empenho o texto final do grupo tonomia de pessoas em agonia
pouco eficaz. de lei do BE, do PAN, do PS, do dos Juristas Católicos Portu- de trabalho se fosse garantido o análoga à de Luís Marques ou
O exemplo das escolas é o primeiro. Se, como se PEV e do deputado único re- gueses, da Cáritas Portuguesa, chumbo da iniciativa. à desta mulher que me falou é
constatou, era inevitável fechar as escolas perante presentante da IL. A maioria do Movimento Filhos sem Voz, Discordar é a essência da de- totalitário. Estamos reunidos
o agravamento súbito e galopante dos números da de aprovação foi muito ampla, do Movimento Stop Eutanásia, mocracia, mas a democracia em plenário para cumprir a
pandemia, deixar os alunos sem aulas à distância não só pelo que alguns dos que, legiti- da Federação Portuguesa pela exige de nós que não deser- democracia. Não a deixamos
não era inevitável como era, de todo em todo, indesejado. mamente, discordam das inici- Vida, da Associação Juntos pela temos relativamente a quem ser instrumentalizada. E não
E só aconteceu por uma razão: o Governo falhou de forma ativas, caíram na tentação dos Vida, entre outras entidades e espera há anos e anos — por- deixamos, nem mais uma vez,
estrondosa numa promessa feita poucos meses antes, a tempos que correm, essa de pôr personalidades. que houve quem morresse ninguém para trás. Isto tem a
de que todos os alunos estariam em condições de acesso em causa a legitimidade da casa Agora, muitos dos que quise- sem lei — por uma decisão do ver com o respeito por ti parti-
igual de aprendizagem e que para tal seriam fornecidos da democracia para decidir pelo ram um referendo, já em pan- Parlamento. Essa decisão não cularmente em pandemia.
computadores, se não a todos, pelo menos aos que mais
necessitam. Os computadores chegaram tarde e não
chegaram a todos. Nem então, nem agora, que eram
mais necessários que nunca. Estamos, portanto, numa
matéria tão sensível, numa situação em que o tsunami
A insustentável radicalização da estabilidade
da pandemia nos deixou completamente descalços e
impreparados.
Veja-se ainda o que acontece com as vacinas. A somar de ao poder, mas a governação mexicanização do regime, para Chega. É a forma mais certa de
ao atraso no fabrico e entrega de vacinas no contexto parece crescentemente depen- que tenho, há muito, alertado. tornar inevitável o acordo...
europeu, tema fortemente polémico e que está a deixar dente dos extremos. A sobrevivência da nossa E se tal acordo existir, que tipo
a Comissão Europeia de nervos em franja com as Este é um desafio para todo democracia depende de conti- de governabilidade ofereceria ao
farmacêuticas — e que ameaça as perspetivas de se atingir o sistema político, mas que as nuar a ser possível a existência país? A geringonça tornou claro
a imunidade de grupo algures no verão —, a nossa política eleições presidenciais tornaram de alternância no poder. Mas a que uma governação dependen-
nacional de vacinação continua a deixar muito a desejar. mais patente para o centro/di- qualidade do que podemos es- te dos extremos apenas oferece
Depois de semanas em que se questionou o facto de altos reita. O resultado eleitoral cons- perar dessa democracia depen- uma estabilidade artificial ou
cargos políticos, como o Presidente da República e o Miguel Poiares Maduro titui, a este respeito, um enorme de de essa alternância não ficar paralisante. Não a estabilidade
política@expresso.impresa.pt
primeiro-ministro, não estarem na lista de prioridades de paradoxo: os candidatos prove- prisioneira dos extremos do es- necessária para as reformas de

Q
vacinação, como respondem os poderes públicos? Fazem nientes do centro/direita foram pectro político. É a importância que o país necessita. O receio da
uma lista sem pés nem cabeça, altamente duvidosa, em uerem que comece pelas os vencedores e os candidatos da de salvaguardar estes dois as- instabilidade tornou-se um tal
que passam a entrar tudo e todos na lista de prioritários, boas ou más notícias? As esquerda claramente derrotados, petos, que muitos não parecem fetichismo político em Portugal
incluindo os magistrados dos tribunais e os funcionários recentes eleições presi- mas quem parece sair em crise compreender. No centro/direita que se valoriza a estabilidade a
da Assembleia da República, dois grupos que não têm denciais confirmaram destas eleições é o centro/direita. muitos dão como inevitável um qualquer custo, mesmo quando
qualquer relevância na primeira linha do combate à que o centro ainda é onde se de- A explicação encontra-se no cres- acordo (parlamentar ou mesmo esse custo é uma governação
pandemia. cidem eleições em Portugal. Mas cimento do candidato do Chega e de Governo) com o Chega. Seria puramente oportunista, que sa-
Este é apenas um pequeno episódio. Mas um episódio também confirmaram a crescen- no dilema perante o qual parece a única forma de poder ser alter- tisfaz o rentismo do status quo
que ajuda a explicar as nossas falhas e desorientação. Não te fragmentação e radicalização colocar o PSD: admitir um acor- nativa de poder, e argumentam e que acaba por ter custos maio-
prevenimos, chegamos mal e chegamos tarde. No fim, do sistema político. Se é impor- do com o Chega ou desistir de ser com a expectativa de que essa res ao de uma instabilidade que
como reconheceu António Costa, só se pode mesmo dizer tante não perder de vista que o alternativa de Governo. Este não pode ser até a forma de moderar ofereça, pelo menos, a visão de
que “as coisas estão a correr muito mal”. Pois estão. nosso sistema político ainda é é, no entanto, nem sobretudo, o Chega. Na verdade, onde a ex- projetos políticos ambiciosos.
dominado pelo centro, por outro apenas um problema do PSD. O trema-direita foi trazida para o No dilema para que nos conduz
lado não se podem ignorar os país não pode ser colocado pe- poder a moderação que ocorreu a fragmentação política, talvez
riscos crescentes de esse centro rante a chantagem de que a única foi pouca e, frequentemente, à aquilo de que o país precise seja
ficar refém dos extremos e de forma de impedir um Governo custa da contaminação do centro de líderes, guiados por princípi-
as forças políticas moderadas dependente de um partido de e direita moderada. Acresce que os, que não tenham medo de pas-
serem progressivamente radica- extrema-direita é aceitar a per- esta é a típica profecia que se sar pela instabilidade para ofe-
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Rua Conselheiro Costa Braga, Ana Paula Baltazar (coord.
Diretor 502; 4450-102 Matosinhos de marcas de informação),
João Vieira Pereira Tel: 220 437 000 Susana Freixo (gestora Os 60% de votos não são uma permite a ação e a intervenção. A relação entre PR e PM não
de marcas) e Carla Martins
Diretores-Adjuntos Publicidade (coord. de comunicação consagração, são um endosso. É o que o entrona como quase é de colo, é um jogo de aparên-
David Dinis, João Paulo Luz (diretor), para relações externas) Marcelo é um político longevo, executivo. Que fará com esse cias de quem tem de se aturar.
Martim Silva, Carlos Lopes (diretor
Miguel Cadete coordenador) Produção mas até 2016 pouco conquista- poder face às crises pandémica Não se pede que Marcelo faça
e Paula Santos Ângela Almeida Maria João Lopes (diretora),
(diretora da Delegação Norte); João Paulo Batlle y Font ra, sendo até aí evocado pela e de desigualdade endémica, oposição, espera-se que passe a
Diretor de Arte Hugo Rodrigues (coordenador),
Marco Grieco (diretor publicidade), Carlos Morais e Joaquim excentricidade e pela inteli- enquanto o sistema político se pressionar e a impor, a contro-
Editores
Dinorá Casanova e Nuno
Martins (gestores de conta);
Rodrigues (produtores) gência fulminante, e por vezes estraçalha? lar a execução das respostas,
Vítor Matos (Política), Miguel Teixeira Diniz e Sérgio Circulação e Assinaturas embusteira, como se divertisse A resposta começou no dis- a pôr o carro à frente dos bois
Joana Pereira Alves (gestores de conta); Pedro M. Fernandes (diretor), Pedro Santos Guerreiro consigo mesma. No primeiro curso de vitória. Se bem lido, de um Governo que confiou na
Bastos (Sociedade), Marta Teixeira e Helena Milton Silva (responsável cidadepsg@gmail.com
Pedro Cordeiro (Internacional), Almeida (gestores de conta pela circulação) e Rita Silva mandato, a obra maior foi a esse discurso diz muito mais sorte, que tem as rodas atoladas
Pedro Candeias (Desporto), da Delegação Norte) (responsável pelo serviço

João Silvestre (Economia),
Pedro Lima
(Editor-adjunto Economia),
Jorge Araújo (Revista E),
Filipe Garcia
e Germano Oliveira (Online)
e José Cardoso
(Editor-adjunto Online),
Joana Beleza (Multimédia) e
João Carlos Santos (Fotografia)
Grande Repórter
Micael Pereira
Coordenadores
Gerais de Arte
Jaime Figueiredo (Infografia)
e Mário Henriques (Desenho)
Coordenadores
Raquel Moleiro (Sociedade),
Elisabete Miranda (Economia),
Vítor Andrade (Economia),
Ricardo Marques (Revista E),
Rui Tentúgal (Fecho),
Tiago Pereira Santos
(Desenho Expresso Diário),
Cristina Pombo,
João Cândido da Silva e
João Pedro Barros (Online)
C
Tel: 214 544 073/214 698 798 de apoio ao cliente) pacificação do ambiente polí- do que a proposta de empatia numa urgência diabólica e se
Fax: 214 698 516 Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel: 214 698 801 omo nos questionários tico e social, a que se somaram numa coreografia da solidão. tornou incapaz da segurança
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publicidadeonline@impresa.pt Fax: 214 698 501; e-mail: de verão se pergunta “o algumas decisões relevantes, Define a missão pela coesão e hoje e da esperança amanhã.
apoio.cliente.ip@impresa.pt que farias se só tivesses no estado de emergência ou no pela intervenção num tempo Marcelo pode ser o líder político
Tiragem média dezembro:
78.720 exemplares
Atendimento Ponto de Venda 24 horas de vida?”, ques- empurrão a três ministros, uma em que se precipita a desor- que não existe na pandemia,
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Associação Portuguesa
tiono Marcelo neste inverno so- das quais saiu depois do tiro e os dem: por causa da pandemia contra a pobreza e a desigualda-
para o Controlo de Tiragem Impressão
Lisgráfica Impressão
bre o que fará sabendo que tem demais deixaram secar ao sol a quando o medo foi substituído de, no “populismo bom” contra
e Artes Gráficas, S.A. apenas mais um mandato de pólvora da palavra do Presiden- por ansiedade, a união por acu- os radicais ambiciosos sem idei-
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2735-521 Agualva-Cacém vida política. E respondo que te. Não é pouco para um PR. É sação e a responsabilidade por as e a favor da representação
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de Imprensa Distribuição pode criar agora o seu verdadei- pouco para a força popular de culpa; por causa da gravíssima institucional que se dilacera.
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ro legado, até hoje mais casca Marcelo. Se não fosse reeleito, crise económica e social; por Se alguém pode fazê-lo, é
Quinta do Grajal, Venda Seca que caroço. Não se trata de uma como o lembraríamos daqui a causa da falésia entre velhas Marcelo. Para que daqui a 20
2735-511 Agualva Cacém
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Pontos de Venda:
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cia (cristã para ele, humanista dos afetos e das selfies? Ele é e novos partidos radicais aplau- co. Um católico como ele per-
Tel: 808 206 545 para outros) de fazer da função PR, não é RP, relações públicas didos pelo grito. O PS gasta-se, cebe: com a sua força popular
“A Impresa Publishing não missão e transformar o poder do regime. É preciso mais. Pode o PCP perde-se e o BE bascula; e inteligência política, Marcelo
é responsável pelo conteúdo
dos anúncios nem pela popular em poder político: li- ser mais. o PAN repete-se; à direita, pior, tem de colocar-se a si mesmo a
exatidão das características
Este jornal utiliza papel produzido por empresas e propriedades dos produtos derar politicamente o combate A popularidade não parece o PSD não cria perceção de al- Parábola dos Talentos, exortan-
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CUIDE DO MEIO AMBIENTE
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A respetiva veracidade
à pandemia, dar espaço à rege- ser para Marcelo a mera satisfa- ternativa e toma decisões de do a responsabilidade de usar
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e conformidade com a
realidade são da integral e
neração do equilíbrio instituci- ção de uma vaidade, como levia- cisão, a IL amadurece, o CDS os dons máximos pelo outro,
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ipublishing@impresa.pt ou empresas publicitárias”. radicalmente radicais. base do seu poder. É o que lhe ços de escadas. começa hoje.
Expresso, 29 de janeiro de 2021
Daniel Oliveira
danieloliveira.lx@gmail.com
O murro
T O
odos têm uma explicação para
a votação de Ventura: pegam
nos seus próprios desconten-
tamentos e atribuem-nos a 12%
dos eleitores. Antes de tudo, é bom não
despolitizar este voto. Há razões socio-
lógicas e estruturais para ele. E até há
o ambiente crispado da pandemia e do
confinamento. Mas qualquer análise
séria dos resultados mostra que uma
grande parte destes eleitores vem do
campo da direita. Por causa da péssi-
ma oposição de Rui Rio e Rodrigues
dos Santos (quem?) e da colagem do
Governo a Marcelo, que recebeu voto
massivo do PS. Ignorar isto é uma fuga
à crise da direita. Até se ensaiou a nar-
rativa da debandada comunista para
Ventura, com base nos resultados no
Alentejo e em Setúbal. Com exceção
de freguesias com presença cigana, a
comparação entre as votações de Ed-
gar Silva e João Ferreira nestas regiões
desmente-o.
Vamos ao resto. Um estudo explora-
tório de Marina Costa Lobo, de 2019,
diz-nos que o eleitor inicial do Chega
era mais sensível ao discurso contra
os políticos e sobre a corrupção. Mas
isto não correspondia a mais exigência
com a democracia: 70% achavam que
era bom ter um líder forte mesmo que
contornasse as regras, posição mino-
ritária (por escassa margem) nos res-
tantes eleitores. São todos “fascistas”?
Nem sequer uma parte significativa.
Como não o era a maioria dos apoian-
tes dos líderes da direita autoritária
dos anos 30. Mas a aliança social em
torno de Ventura é, com adaptações
nacionais e temporais, semelhante
às que então se formaram. E, como
então, as suas motivações são con-
traditórias e não correspondem a um
projeto político claro. O voto neste tipo
de partidos é como um vírus. Quando
localizado, é possível identificar a sua
motivação. Quando a transmissão é
comunitária, passa a ser impossível
identificar a origem da “contamina-
ção”. O eleitor está mais interessado
no efeito de choque do voto do que
no seu conteúdo. Há muito pouco em
comum entre o alentejano de Póvoa de
São Miguel, terra por onde já estive e
onde os 20% de ciganos são visíveis,
a tia do Estoril, indignada por ser go-
vernada por um indiano com amigos
“comunas”, e o pequeno funcionário
que sabe que o futuro não lhe reserva
melhor do que o passado e se informa
pelo Facebook sobre os escândalos
da política. E nenhuma das suas pre-
ocupações é nova. Os ciganos já ali
estavam e há corrupção desde que há
humanos, deceção com a democracia
desde que há democracia e desprezo
pelos políticos desde que há políticos.
Com atualizações, já ouvia o discur-
so de Ventura nos cafés quando era
criança. Ciclos noticiosos de 24 horas,
tabloidização do debate e redes sociais
deformaram a perceção das coisas. Da
corrupção à criminalidade. Mas, aci-
ma de tudo, o desabafo transformou-
-se em voto. Não foi só porque alguém
se atreveu a dizer o que não se dizia.
Outros tentaram e não resultava. As
pessoas não queriam entregar o seu
voto a quem se limitava a repetir o que
elas diziam no café. E estes eleitores
não ficaram ingénuos. Os que dizem
que o seu voto é um murro na mesa
para ver se os políticos aprendem não
acham que os políticos vão aprender.
Muitos nem saberão ao certo o que
lhes querem ensinar, a não ser uma
vaga irritação. Inconscientemente, as
pessoas sabem que o seu voto já não
muda radicalmente as suas vidas. Por-
que os governos já decidem pouco e,
do PCP ao CDS, já ninguém tem um
projeto transformador para defender
ou contrariar. Restam murros na mesa.
Esta inconsequência do voto não faz
do Chega inconsequente. Esse tem um
programa social e económico: é o “sis-
tema” em versão hardcore.
PRIMEIRO CADERNO 31
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
O Norte
Norte atlântico resiste mais ao
Chega do que Lisboa e o Sul.
Porquê? O ressentimento po-
pulista deriva da solidão fami-
liar, da transformação do ser humano
num átomo sem ligações familiares e
comunitárias, sem bairro, sem fábrica,
sem clube, sem igreja, sem família. No
Sul e na Grande Lisboa, as pessoas
sentem-se sozinhas, desamparadas,
sem ligações familiares ou bairristas,
e este vazio acaba por criar ressenti-
mento, que agora tem uma expressão
política. Sim, é difícil viver na Grande
Lisboa, uma metrópole que destrói
famílias com as suas distâncias geo-
A foto da FUTURISMO O cenário parece o de um filme de ficção pós-apoca-
líptica. Mas não é. Trata-se de um concerto da banda Flaming Lips,
gráficas e humanas. Sim, é difícil viver
no Alentejo, e esta dificuldade sulista
semana em Oklahoma, nos EUA, adaptado às bizarras circunstâncias da
vida em pandemia, com as pessoas – público e banda – envoltas em
bolhas, literalmente. Será que o novo normal vai mesmo ser assim?
começa no estilhaçar da base familiar.
Está nos livros, meus caros: o suces-
so populista tem por base o colapso da
FOTO FLAMING LIPS/WARNER MUSIC/REUTERS família. Todos os grandes livros sobre
esta ascensão populista, “Uma Edu-
cação” (Bertrand) de Tara Westover,
“Quem Matou o Meu Pai” (Elsinore)
de Édouard Louis, “Regresso a Reims”
O melhor que poderemos fazer nestas circunstâncias será reabrir (D. Quixote) de Didier Eriborn, e “La-
mento de Uma América em Ruínas”
as escolas apenas para quem verdadeiramente precisa (D. Quixote) de Vance, são também li-
Escola para
vros sobre o colapso familiar, tal como,
se me permitem, o meu “Alentejo Pro-
metido” (FFMS). Não por acaso, no
quem mais precisa
Norte da família há menos mortos de
idosos nos lares. 676 idosos do Norte
morreram de covid na solidão dos la-
res; 1219 morreram em lares da Gran-
de Lisboa. No Alentejo, morreram 305
em lares. Este, aliás, é o número mais
revelador do Alentejo: com apenas
Quando a poeira covídica
F
açamos um ponto da situa- Portanto, tudo somado, quer eu assentar, é esta a grande lição
ção. A experiência do ensino goste ou não, voltaremos ao ensino civilizacional que temos pela
à distância no ano transato à distância. Se não for ao fim das frente: os velhos não podem ser
foi péssima. Já há vários da- duas semanas decretadas, será ao largados em armazéns de pessoas
dos nesse sentido. Houve demasia- fim de três ou de quatro. Quan-
do empenho numa má solução, to mais penso no assunto, mais
a telescola, e depois não houve me convenço de que o melhor que 700 mil pessoas, o Alentejo tem três
capacidade para assumir o erro poderemos fazer nestas circuns- centenas de mortos em lares. Com 3
Luís Aguiar-Conraria
e promover o regresso à escola. Professor de Economia da Univ. do Minho tâncias será reabrir as escolas ape- milhões e meio de pessoas, o Norte
Na preparação do ano letivo de nas para quem verdadeiramente tem seis centenas. Estas diferenças
lfaguiar@eeg.uminho.pt
2020/21, o Governo falhou rotun- precisa. Conhecemos quais são os falam por si, dizem-nos tudo sobre a
damente no ensino à distância. miúdos que beneficiam da Ação imensa solidão que é a vida familiar no
Houve um compromisso solene de que em setembro Social Escolar. Sabemos quais são as crianças com Alentejo e na Grande Lisboa. Quando
todos os meios materiais necessários para as aulas necessidades educativas especiais. Os conselhos de entramos no Porto através da estação
online seriam entregues às escolas e aos alunos. A esse turma facilmente identificarão mais alguns casos da Campanhã, sentimos logo que esta-
compromisso, adiciona-se um consenso na sociedade problemáticos. mos noutro mundo, um mundo mais
portuguesa, da esquerda à direita, para que o inves- Já há sinais de algum abrandamento no crescimento orgânico, com mais toque humano e
timento fosse feito. A realidade é que muito está por dos contágios, mas é ainda insuficiente. Quando os familiar, um mundo onde é inconcebí-
fazer — na verdade, grande parte das encomendas de números começarem a cair, a prioridade deverá ser vel a separação das três gerações, um
computadores foram feitas nas últimas semanas. Diga- então reabrir as escolas para os miúdos identificados mundo onde a avó marreca é passeada
-se que, de acordo com as informações que tenho, as no parágrafo anterior. Isso permitirá ter quase dois por netos e filhos.
escolas prepararam-se. terços das crianças em casa e um terço na escola. Por Quando a poeira covídica assentar,
Apesar de tudo, e este ponto tem sido insuficiente- comparação com o funcionamento pleno, é uma redu- é esta a grande lição civilizacional que
mente salientado, mesmo com todas as ção muito substancial do movimento temos pela frente: os velhos não po-
condições, o ensino à distância é uma escolar, que não porá em causa uma dem ser largados em armazéns de pes-
porcaria. Há muitas crianças que não Um plano evolução favorável da pandemia. soas. As mortes em cadeia nos lares
se adaptam e há muitas a quem falta Caso se opte por uma solução destas, são a grande tragédia desta pandemia.
apoio familiar para que corra bem. É de estudos bem deverá haver o bom senso de perceber Ao entrar num lar, o vírus tem ali um
um ensino indutor de desigualdades, feito permitirá que as disciplinas não são todas iguais dominó de peças facilmente derru-
que deixa ainda mais para trás quem já transformar um e não têm todas a mesma importância. báveis. No pós-pandemia, as cidades
parte em desvantagem. Aceitar o ensi- Pegando num exemplo que já esteve na ultraindividualistas do Ocidente, re-
no à distância como a solução final seria
problema numa ordem do dia, não faria sentido obrigá- presentadas aqui por Lisboa, têm de
uma ignomínia social. O Governo já deu oportunidade. -las a ter cidadania ou educação física — aprender com as cidades mais famili-
mostras de ter percebido os seus custos, As crianças assim sei que estas coisas não se podem dizer, ares (Porto, Braga, Aveiro). As pessoas
pelo que será imperdoável resignar-se acompanhadas mas já está dito. não podem continuar a viver para a
a tal solução. Um plano de estudos bem feito per- sua conta do Instagram, têm de viver
Na semana passada, defendi que se não ficarão mitirá transformar um problema numa para os outros, para os seus próprios
suspendessem as aulas e que o tempo para trás oportunidade. As crianças assim acom- pais, avós e filhos. Sim, a vivência em
perdido fosse recuperado nas férias. panhadas não só não ficarão para trás cidade tem de mudar, tal como a or-
Isso acabou por ser feito, mas, por di- como, na verdade, terão uma oportuni- ganização arquitetónica das próprias
versas vezes, perguntaram-me por quantas semanas dade para recuperar parte do seu atraso, dado que os casas. Os apartamentos da cidade têm
seria viável suspender as aulas. Infelizmente, com os seus colegas estarão em aulas online. de ser repensados para acolher mais
atuais números pandémicos, é irrealista pensar que Nada do que estou aqui a propor é verdadeiramente pessoas além da família nuclear. A
as escolas reabram plenamente em breve, pelo que o original. Em conversa com o Alexandre Homem Cris- pandemia destapou de vez a nossa
ensino à distância é uma inevitabilidade. O calendário to, percebi que estas hipóteses — exceto a de que se obsessão errada com o isolamento da
estica, mas há limites. foque o ensino presencial apenas em alguns disciplinas família nuclear. Quando nos pensa-
Fui também confrontado com um facto: os colégios — já estão previstas nas orientações do Ministério da mos apenas neste quadrado fechado
privados não aceitaram a suspensão das atividades le- Educação para este ano letivo. Podem não ter sido apli- (mãe, pai, dois filhos), perdemos a ca-
tivas e queriam avançar com as aulas online. A maioria cadas nos poucos casos em que as escolas encerraram, pacidade comunitária para ter filhos e
lá cedeu e, esta semana, oficialmente, apenas houve mas a intenção está no papel. Se numa altura destas para cuidar dos velhos. É preciso uma
“apoio não-letivo” online. Mas sei de algumas que não não se passa do papel para os atos, então é caso para aldeia para educar uma criança e para
cederam e, apesar de chamarem apoio ao que estão a perguntar qual a utilidade do papel. cuidar de um velho. Temos de saber
fazer, efetivamente estão a dar as aulas online. Dada a Um plano destes exige trabalho, mobilização de pro- criar esse velho espírito comunitário
influência de alguma da clientela dos colégios priva- fessores e funcionários, mas é exequível. E representa no coração das cidades. Devemos isso
dos, o Governo não tem força para impor pausa letiva também uma oportunidade para a sociedade voltar a aos mortos covid e não covid destes
por muito mais tempo. valorizar os professores do ensino básico e secundário. dez meses.
 32 PRIMEIRO CADERNO
Opinião
L
“ lintra que nos deram para as
Pedro Adão e Silva
padaoesilva@gmail.com
A presidência
de um
homem só
N
on ce la faccio”, repete Mi-
“ chel Piccoli, o Papa do filme
de Nanni Moretti “Habemus
Papam”, quando se aproxima
da varanda do Vaticano para se di-
rigir aos fiéis que aguardam há dias
o desfecho do conclave, na Praça de
São Pedro. A imagem do cardeal que
assume não conseguir arcar com a
responsabilidade que advém do poder
solitário é forte. Recordei-me desta
reinvenção do escrivão de Melville,
Bartleby, ao acompanhar as imagens
de Marcelo Rebelo de Sousa só, a
regressar a casa, vindo de votar da
distante Celorico, depois a assistir
ao desfecho das eleições numa casa
vazia e, ainda na longa deambulação
final, aproximando-se em círculos, ao
volante do seu carro, da Faculdade
de Direito, até falar, já tarde, ao país.
O poder é, por definição, um exer-
cício solitário, mas, como nos recorda
esse Papa magnífico de Moretti, que
quer evitar a sua responsabilidade,
implica sempre um drama coletivo.
O Presidente que vence as eleições,
E
impondo-se ao país e aos partidos, e
que, num gesto de abandono, sugere
alguma relutância em assumir o seu
encargo. Percebe-se bem, tendo em
conta o contexto que o espera.
Forma-se, debaixo
dos nossos olhos,
a típica coligação
autocrática de direita,
juntando elites
saudosistas e ressentidas
Repare-se nos resultados. Marcelo
ganha 10 pontos por relação à sua pri-
meira eleição, conquista votos trans-
versais e é um caso único na Europa:
um político moderado, centrista, em-
pático e popular. Mas também um
Presidente que tem de lidar com si-
nais agudos de fragilidade do regime.
Ganha no país, mas, em contraciclo,
perde 10 pontos nas freguesias mais
opulentas dos concelhos mais ricos,
onde vê a direita autocrática e racista
galgar terreno (na Estrela, em Lis-
boa, na Foz, no Porto, e em Cascais e
Estoril o padrão repete-se — Marce-
lo perde muito por relação há cinco
anos, enquanto Ventura conquista
milhares de votos).
Enquanto isso, forma-se, debaixo
1
dos nossos olhos, a típica coligação
autocrática de direita, juntando elites
saudosistas e ressentidas, que não tole-
ram a experiência da ‘geringonça’ (nas
freguesias com maior poder de com-
pra do país), com os deserdados locais
da modernização (no interior alen-
tejano), as classes médias baixas que
vivem um quotidiano de dificuldade
sem acesso às respostas públicas (nas
periferias metropolitanas) e, ainda,
algum lúmpen, que assume a vanguar-
da (a partir do submundo do futebol).
Entretanto, à esquerda, o recuo do
PCP e do BE, enquanto sugere um PS
mais autónomo, diminui, na realidade,
as condições de governabilidade, por
ausência de interlocutores.
Vivemos o paradoxo do grande cen-
tro, largamente maioritário, mas com
fracas condições de governabilida-
de — seja liderado pelo PS, seja pelo
PSD. No fim, está tudo nas mãos de
um Presidente com muito poder, mas
que tem pouca ou nenhuma margem
de manobra. O que nos recorda que
a solidão, sendo poderosa, é também
um sinal de fragilidade. Temo que
Marcelo o saiba.
Força nas canetas
eve a sua caneta” foi o aviso pe-
eleições mais loucas das nossas
vidas, quando num país man-
dado para casa os poderes políticos
decidiram mandar-nos votar. Esta-
va quase tudo por fazer — nem voto
por correspondência, muito menos
eletrónico, voto antecipado em cima
do joelho, como garantir voto seguro
em pandemia? E temeu-se o pior. A
abstenção ia furar o teto, Marcelo ia à
segunda volta. Mas eis que o país deu
uma lição ao país e o essencial correu
bem. Em sofrimento com o que aí está,
os portugueses focaram-se no que é
mais importante, e o mais importante
é garantirem referências de confiança.
A frase de Marcelo Rebelo de Sousa
a justificar os ziguezagues na gestão
da crise — “isto não é uma ditadura,
os poderes políticos não se sobrepõem
aos portugueses” — percebe-se em
campanha eleitoral, mas tem que mor-
rer no dia seguinte. Os portugueses
não querem ditaduras, mas querem
políticos com capacidade de decisão.
Que saibam na dificuldade afirmar
opções claras. Sem ficarem reféns de
consensos impossíveis, à espera de
agradar a todos, fechados com virolo-
gistas, epidemiologistas, sindicalistas,
Presidente da Associação Portuguesa de Escolas Católicas
Escola. Basta-nos um vírus, não precisamos de dois
Fernando Magalhães
ncontramo-nos no início de um
período a exigir, de novo, um
reiterado esforço das escolas
na sua missão educativa.
Propunham-se as nossas escolas
católicas — como elas, tantas outras
não estatais — encontrar a forma
mais adequada à sua realidade, para
viverem com a sua comunidade edu-
cativa esta quinzena, sem pouparem
esforços; significa isto acompanhar
os seus alunos e famílias, dar serena
continuidade aos projetos educativos
mantendo a continuidade letiva, se
fosse o caso. Parece não poder ser.
Sabemos que as circunstâncias que
vivemos se devem a um vírus que ul-
trapassa o nosso querer. Mas a nossa
vontade já deu mostras de ser capaz
de ultrapassar aquilo a que um vírus
nos poderia resignar.
Ao que parece, no entanto, alguns
contornos destas circunstâncias de-
Juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça — jubilado
A diretiva da PGR e a autonomia do MP
António Bernardo Colaço
A Diretiva nº 4/2020, da srª
Procuradora-Geral da Repú-
blica (PGR), veio espantar os
magistrados(as) do Ministério
Público (MP), que se sentiram atin-
gidos na sua autonomia no exercício
das suas funções, tal como vem defi-
nida na Constituição (CRP), no Códi-
go de Processo Penal (CPP) e no seu
Estatuto (EMP). A questão reside na
legitimação do superior hierárquico
para dar ordens ao magistrado (titu-
lar do inquérito criminal) e de essas
ordens constarem, não no processo
de inquérito, mas à parte, num dos-
siê de natureza administrativa.
2te organizada
O MP é uma magistratura autóno-
ma, responsável, hierarquicamen-
e goza de um estatuto
próprio. Para o EMP, essa autonomia
caracteriza-se pelos critérios de le-
galidade e objetividade. Não estando
em causa a hierarquia a que os ma-
gistrados do MP estão sujeitos, nem a
capacidade funcional de a PGR emitir
diretivas, onde está o motivo para a
indignação?
Ângela Silva
avsilva@expresso.impresa.pt
conselheiros de Estado, cada cabeça
sua sentença e no fim salve-se quem
puder. Se correr mal, a culpa é sua.
Correu muito bem a reeleição do
Presidente da República, que fez da
sua caminhada solitária um acon-
chego para 60% dos que votaram.
E reforçar em 10 pontos o seu peso
eleitoral no meio de uma pandemia
em que se assumiu como responsável
pelo que correu pior nisto tudo é uma
notável prova de força, credibilidade,
influência e poder. Mas agora o país
espera mais e melhor de Marcelo Re-
belo de Sousa. E Marcelo só pode es-
perar mais e melhor do país político.
Não é pera doce. António Costa e
o PS agarram-se ao Presidente que
ajudaram a reeleger como uma boia
de salvação — um vencedor dá muito
vem-se a uma decisão governamen-
tal que parece querer ultrapassar a
nossa legítima vontade. Ocorre que
os ideários e as práticas das nossas
escolas já deram mostras de que não
é uma tal abusiva vontade que nos
levará a uma silenciosa resignação.
Não está em causa, obviamente, ne-
nhuma decisão que vise a imprescin-
dível retração desta pandemia. Isso
desejamo-lo todos e para isso todos
continuaremos empenhadamente a
contribuir.
Está em causa, isso sim, qualquer
medida que, ilegitimamente, nos
impeça de cumprir as liberdades de
ensinar e de aprender e conduzirmos
os nossos projetos de forma livre e
autónoma.
Tal vontade não decorre de um ca-
pricho de diferença, mas do facto
de levarmos tão a sério a relação de
compromisso das nossas escolas com
as famílias dos seus alunos; decorre
da certeza da importância desse con-
tacto na vida de muitos deles, ade-
3a cadeia
O conjunto MP-PGR constitui
uma unidade institucional — daí
hierárquica. Porém, intrin-
secamente tem a seu cargo uma
finalidade bem específica — o do
exercício da ação penal. Será nesta
tarefa diferenciada que se avalia o
impacto de duas grandezas: a hie-
rarquia e a autonomia no exercí-
cio da ação penal. Se a primeira diz
respeito à gestão dos serviços do
MP, envolvendo questões de pro-
gramação e coordenação, objetivos
táticos no quadro da estratégia da
política criminal do Governo e de-
mais metas, já a segunda tem o seu
dimensionamento num plano dis-
tinto: o exercício da ação penal com
base num inquérito formal, por isso
sujeito rigorosamente ao ditame
dos normativos decorrentes do CPP,
onde a situação de dependência e de
autonomia está e terá que estar bem
calibrada.
4 Programar uma Procuradoria-
-Geral de República não é o mes-
mo que dirigir um inquérito crimi-
nal. É que as determinações da PGR
não podem abranger as minúcias
atinentes ao inquérito criminal —
jeito — porque sabem o que aí vem.
Mas o suave bloco central São Ben-
to-Belém não dura para a vida. Se
o país quer mais e melhor, Marcelo
tem que exigir mais ao Governo, in-
fluenciar mais, zangar-se se for caso
disso, liderar quando quem lidera
falha. António Costa está menos ir-
ritantemente otimista e um lutador
teimoso será sempre um lutador
teimoso, o que ainda pode dar jeito
ao país, assim saiba trocar doses de
propaganda por doses de exigência
e rigor. Só que a teoria dos ciclos é
tramada, dificilmente poupa quem
está, e Marcelo ainda não sabe o que
esperar da oposição.
PSD e CDS agonizam e não se vê
por onde andam os melhores dos
melhores da direita zangada. Pedro
Passos Coelho só pode estar cheio
Agora o país espera
mais e melhor de
Marcelo Rebelo de Sousa.
E Marcelo só pode
esperar mais e melhor
do país político
mais no atual contexto, mitigando
impactos e desigualdades; decorre do
retorno que tivemos dessas experiên-
cias — ou da falta delas — no anterior
confinamento escolar.
Não permitir às nossas escolas a
manutenção das aulas à distância
carece de fundamento legal, quer
Não permitir
às nossas escolas
a manutenção das aulas
à distância carece
de fundamento legal
na salvaguarda dos direitos, quer na
ausência de proporcionalidade. Que
relação entre as razões aduzidas pu-
blicamente para tal impedimento e o
motivo que sustenta esta interrupção,
isto é, travar a pandemia?
Reconhecemos e conhecemos a di-
ficuldade de decidir em contextos
sob pena de, fazendo-o, ultrapassar
os parâmetros traçados pela CRP e
pelo CPP, sendo que o próprio EMP
ressalva o estrito acatamento ao seu
ditame.
É neste ponto que reside a distin-
ção entre o poder da hierarquia de
direção e a autonomia interna do
MP quando reportada ao exercício
da ação penal.
As determinações
da PGR não
podem abranger
as minúcias atinentes
ao inquérito criminal
Ora, para o CPP, a realização de
um inquérito criminal, visando in-
vestigar um crime, não se coaduna
com os genéricos limites de uma
hierarquia de direção, por envolver
interesses distintos e destinatários
diferentes. Um arguido em processo
penal é alheio à gestão de uma PGR.
E aqui reside a destrinça funcio-
nal entre uma hierarquia de dire-
ção ou de obediência e a da cha-
Expresso, 29 de janeiro de 2021
de vontade, mas virá? Paulo Portas
pensa nas próximas presidenciais
e também por isso dispensa o CDS,
mas assistirá impávido ao velório do
partido? Mesquita Nunes quer correr
com “Chicão”, mas vai lá? Que é feito
de Carlos Moedas, de Paulo Rangel,
de Assunção Cristas e de tanta gente
competente que se confinou com a
geringonça de esquerda e que agora
se queixa de Ventura e de Rio, por
congeminarem uma geringonça de
direita? Falta fibra à alternativa e não
é só Marcelo a queixar-se. Os 500 mil
eleitores que puseram a cruzinha na
extrema-direita, uns dias xenófoba,
outros racista, mas sempre com co-
letes à prova de bala, disseram chega
porque lhes falta oposição. E Marcelo
dispensa chamar a si a tarefa.
Se a esquerda da esquerda escolheu
ser poder e a direita do centro reco-
lheu às boxes, Marcelo tentará fugir
a preencher esse vazio, preferindo
ser o superministro chato do Governo
que se agarra a ele para fugir ao fim
de ciclo. É nisto que estamos. Em ou-
tubro há autárquicas. E daqui a nove
meses falamos. Mas se a alternativa
continuar a falhar, com quem o país
vai querer ter uma conversa é com o
Presidente dos 60%.
como o presente. Mas não pode isso
resolver-se generalizando aquilo que
não está demonstrado que seja neces-
sário ou conveniente generalizar e,
muito menos, lançando-se suspeições
sobre instituições, no caso as escolas
não estatais. Não é nossa intenção
“ziguezaguear”, nem nossa atitude
“espreitar sempre à exceção”; o que
não entendemos é como é que este
alegadamente perverso “tentar fazer
diferente” poderia, no presente caso,
trazer “tantos problemas em termos
societais”. Concordamos que “o cum-
primento estrito das regras é algo
que deve acontecer”, mas isso passa
igualmente pelo conhecimento e o
respeito pelas liberdades de ensinar
e de aprender por parte do Estado
e, consequentemente, pelo seu igual
conhecimento e respeito pela auto-
nomia das escolas não estatais, nos
termos consagrados na lei.
Decorre tudo isto do imperativo da
nossa missão educativa de cuidar em
liberdade e verdade. Agora e sempre.
mada autonomia interna do MP,
as quais não se intercetam, antes
se situam em patamares desnivela-
dos. Num certo sentido, a diretiva
acaba por invadir um terreno que
não lhe pertence.
É manifesto que uma diretiva não
pode contrariar uma lei. Urge tra-
zer à colação o disposto no artigo
278º do CPP, que dispõe: encerrado
o inquérito, ultrapassado o prazo
para a abertura de instrução, pode o
imediato superior hierárquico, por
iniciativa própria ou sob o impulso
de certos interessados processuais,
determinar ao titular do inquérito
que seja formulada acusação ou que
as investigações prossigam, com a
indicação das diligências a efetuar
e o seu prazo. Para o w, a determi-
nação do superior hierárquico será
por escrito, dentro do processo de
inquérito, não suscetível de recusa.
Ora, não é esta a contextualização
que a diretiva visa abranger, o que
a coloca, salvo o devido respeito, no
plano da ilegalidade. Estamos con-
vencidos de que a diretiva acabará
por se compatibilizar com os pa-
râmetros legal e estatutariamente
traçados.
Expresso, 29 de janeiro de 2021
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
cartas@expresso.impresa.pt
Proibição de aulas
Li o artigo sobre a inconstituci-
onalidade da proibição de aulas
e, sendo professor, manifesto
a minha inteira concordância
com a opinião expressa de Ca-
tarina Santos Botelho. Além
da inconstitucionalidade desta
medida e do facto de a mesma
não contribuir para o confina-
mento e o combate à pandemia,
antes pelo contrário, não vejo
validade nos argumentos que a
sustentam.
É verdade que existem situ-
ações de desigualdade social,
que se refletem, entre muitas
outras dimensões, também na
escola e na aprendizagem. Essa
desigualdade tem implicações
diariamente, no ensino pre-
sencial e, apesar das múltiplas
medidas desenvolvidas pelas
escolas, reflete-se no interesse,
no desempenho e nas oportuni-
dades dos nossos jovens.
A preocupação do Estado de-
veria ser, em primeiro lugar,
uma intervenção social que pro-
porcione uma efetiva igualdade
de oportunidades e de benefício
efetivo no usufruto dos direitos
fundamentais, designadamen-
te o de aprender e superar as
desigualdades e os obstáculos
sociais. O benefício da manu-
tenção do ensino à distância
suplanta largamente quaisquer
dificuldades que existam e que
as desigualdades e limitações
de uso de computadores e de
acesso à internet se resolveriam
melhor e mais depressa com a
intervenção direta das escolas e
das autarquias locais, num pro-
cesso descentralizado e desbu-
rocratizado. O problema é que
parece que alguém não quer
perder o controlo e a imagem...
Luís Pinho
Os que vão
morrer te saúdam
Quero felicitar as professoras
Teresa Pizarro Beleza e Helena
Pereira de Melo pelo excelente
artigo. De facto não se compre-
ende a estratégia de vacinação
em Portugal. Qualquer estra-
tégia deve visar objetivos cla-
ros a atingir, redução da mor-
talidade, poupar anos de vida
ou reduzir a pressão sobre os
serviços de saúde, são alguns
exemplos. Parece claro que va-
cinar os mais velhos teria como
objetivo a redução da mortali-
dade e reduzir a pressão sobre
os serviços de saúde, pois esses
que sofrem de doença severa.
Muitos outros outros países o
percebem.
O problema com ausência de
uma clara estratégia de vacina-
ção é semelhante à gestão da
epidemia, pois não se percebe
com quem se aconselham os
decisores. Seguramente que o
primeiro-ministro terá entre-
gue ao Presidente da República
um documento com a proposta
do Conselho Nacional de Sa-
úde Pública (CNSP) e que os
senhores deputados o tenham
apreciado antes de votar o es-
tado de emergência. Não quero
acreditar que a resolução da AR
foi aprovada sem ter em conta
a proposta do CNSP, que efeti-
vamente pode legitimar técnica
e cientificamente as medidas
excecionais e que o Conselho
de Ministros se debruçou sobre
recomendações do CNSP e que
não se tratou de um conjunto
de políticos a decidir quais são
as medidas de saúde pública,
que justificam a suspensão dos
direitos e liberdades constitu-
cionais dos cidadãos. Creio que
o CNSP desde março que não é
consultado, pois terá dito algo
que o Governo não queria ou-
vir. Assim se gere um proble-
ma grave de saúde pública em
Portugal.
De facto é caso para dizer os
que vão morrer te saúdam, Go-
verno. Bem-haja.
Francisco Castel-Branco
General Ricardo
Fernando
Ferreira Durão
Foi um destacado militar na
Guerra do Ultramar e no de-
correr da democratização de
Portugal. Promovido a alferes
em 1950, e a coronel em 1974.
Cumpriu várias comissões no
Ultramar, sendo, no posto de
capitão e no início da guerra em
Angola (1961/63) condecorado
com a medalha de Valor Militar
com Palma e promovido, por
distinção, ao posto de major.
Nos teatros de operações, inclu-
indo a Guiné, seria ainda conde-
corado com mais duas meda-
lhas de Serviços Distintos com
Palma. Foi também agraciado
com a Ordem Militar de Aviz,
medalhas de Serviços Distintos
(2), medalhas de Mérito Militar
(2), além de outras condecora-
ções e louvores, incluindo uma
comenda da Ordem de Mérito
Militar do Brasil.
Além das suas atividades mili-
tares, foi praticante desportivo
em várias modalidades (atle-
tismo, rugby, futebol, voleibol,
basquetebol, hipismo e esgri-
ma), campeão escolar em salto
em altura 1945, campeão uni-
versitário em 110 metros bar-
reiras e 400 metros sem 1949,
sagrando-se campeão nacional
em 110 metros barreiras. Fez
parte da seleção nacional em
atletismo, tendo participado
nos Jogos Olímpicos de Helsín-
quia/1952 em pentatlo moder-
no e no campeonato Europeu
em pentatlo militar em França,
em 1955.
Após o 25 de Abril de 1974 foi
delegado da junta de salvação
nacional no Ministério do Tra-
balho e delegado na assembleia
do MFA, eleito pela Região Mi-
litar de Tomar. Ricardo Durão
foi promovido a brigadeiro
(atual major-general) em 1978
e nomeado comandante da en-
tão Região Militar do Sul, após
ter sido arbitrariamente detido
em 1975, na sequência do 11
de março. Em 1983 atingiu o
posto de general, sendo depois
diretor da arma de Cavalaria,
governador militar de Lisboa e
juiz-vogal do Supremo Militar.
Passou à situação de reforma
em 1995. Ao longo dos anos
publicou, algumas vezes, ar-
tigos de opinião/denúncia no
Expresso e foi autor de duas
obras: “Nunca Esquecerei... O
que não foi contado nas come-
morações dos 40 anos do 25 de
Abril. E não só...” (2014), com
prefácio do professor Marcelo
Rebelo de Sousa; e “A Minha
Vida” (2017). Ambos editados
pela Seda Publicações/Porto.
Apresento os meus sentidos
pêsames aos seus filhos e ao co-
ronel Roberto Durão e restante
família. Que descanse em paz.
Manuel Bernardo
Retificação
No texto “Os nossos intensi-
vos também estão no limite”,
publicado na última edição do
Expresso, o nome correto do
diretor clínico do Hospital da
Luz é Rui Maio. Ao visado, as
nossas desculpas pelo erro.
1963-2021 Na lista dos mais ricos do planeta publicada pela “Forbes” ocupava um
algo modesto 1349º lugar. Mas poucos terão um apelido tão glamoroso como o seu
Benjamin de Rothschild
F
ulminante e traiçoeiro,
um ataque cardíaco le-
vou-o na flor da vida, na
tarde do passado dia 15,
quando se encontrava confina-
do no seu deslumbrante castelo
de Pregny-Chambésy, nas mar-
gens do lago de Genebra. Aos
57 anos, era o mais rico repre-
sentante da dinastia Rothschild
e detinha a 22ª maior fortuna
de França e a 43ª da Suíça. Em
termos mundiais, não é mui-
to, facto tristemente ilustrativo
da decadência da Europa: na
lista dos mais ricos do planeta
da “Forbes” ocupava um mo-
desto 1349º lugar. Mas poucos
terão um apelido tão glamo-
roso como o seu, sinónimo de
dinheiro antigo e sólido.
Benjamin de Rothschild nas-
ceu a 30 de Julho de 1963, em
Neuilly-sur-Seine, um subúrbio
de luxo nos arredores de Paris
que ostenta a maior concentra-
ção de riqueza por metro qua-
drado de França. O seu pai, Ed-
mond Adolphe Maurice Jules
Jacques de Rothschild, fundou,
em 1953, La Compagnie Finan-
cière Edmond de Rothschild,
em Paris, e, em 1965, a Banque
Privée Edmond de Rothschild,
uma instituição financeira, com
sede em Genebra, especializa-
da em private banking e gestão
de patrimónios. A mãe, Nadi-
ne Nelly Jeanette Lhopitalier,
foi modelo do pintor Jean-Ga-
briel Domergue, o retratista
das socialites parisienses, que
lhe abriu as portas do teatro
e do cinema, onde fez carrei-
ra entre 1952 e 1964. Após o
seu casamento com Edmond,
em 1962, tornou-se baronesa
de Rothschild, converteu-se ao
judaísmo e trocou os palcos
pela filantropia e pela escrita,
sendo autora de vários roman-
ces de qualidade duvidosa, de
uma autobiografia, “Heureu-
se et pas fâchée de l’être”, de
1987, e de alguns manuais de
etiqueta e boas maneiras, como
“Le bonheur de séduire, l’art de
réussir: le savoir-vivre du XXIe
siècle”, saído em 2001.
Filho único de Edmond e de
Nadine, Benjamin pertencia à
sétima geração dos descenden-
tes de Mayer Amschel Roths-
child, o judeu alemão fundador
da mais próspera e mais perene
OBITUÁRIO
Phil Spector
1939-2021 Músico e produtor
americano, é o inventor do
“wall of sound”, método
que resultava da gravação
de um enorme número de
instrumentos em uníssono,
criando uma densa estrutura
orquestral. Os ensembles de
Spector, ricos em metais e
cordas, criaram nos anos
60 um som preenchido e
original que conferia uma
camada extra a canções pop
inocentes como ‘Be My Baby’,
das Ronettes, ou ‘River Deep
— Mountain High’, de Ike &
Tina Turner. Órfão desde os
10 anos, aos 20 já tinha uma
banda, os Teddy Bears , que
Nas poucas
entrevistas
que concedeu,
proclamou-se
democrata e liberal,
adversário do
populismo de Le Pen
e dos extremistas
religiosos de Israel
dinastia de banqueiros do mun-
do, que se expandiu graças à
Revolução Francesa e que des-
de o século XVIII financiou ca-
sas reais, príncipes em apuros,
sucessos bélicos (os Rothschild
foram os patrocinadores das
campanhas de Wellington em
Portugal) e outros grandes pro-
jetos, como a obra do Canal do
Suez ou a fixação de colonos
judeus em Israel.
Benjamin estudou na Suíça,
no Institut Florimont, de Gene-
bra, um colégio de elite fundado
em 1905 pelos Salesianos, e fez
o bacharelato em Gestão pela
Pepperdine University, na Cali-
fórnia. A estada na Costa Oeste
conseguiram o número 1 dos
tops americanos com ‘To
Know Him Is to Love Him’.
Aos 23, já tinha a própria
editora e ao longo dos anos 60
e 70 gravou temas e álbuns
com os Beatles (“Let it Be”, o
último, editado já depois de a
banda acabar), Leonard Cohen
e Ramones, entre outros.
Génio controlador, resolvia
as disputas normais com as
bandas com ameaças com
pistolas e acabou por se tornar
um caso judicial quando matou
a tiro uma namorada, a atriz
Lana Clarkson, durante um
jogo de roleta russa. Soube-
se então que era habitual
manter reclusas as mulheres
com quem se relacionava e
que eram vítimas de violência
física e psicológica. Foi preso
e condenado a 19 anos de
prisão e já na cadeia perdeu
a capacidade de falar. Estava
internado num hospital
prisional desde 2014 em
estado muito debilitado. Dia
16, de covid-19.
PRIMEIRO CADERNO 33
Desastres Naturais
Por António Araújo
actividades filantrópicas da fa-
FOTO GARI GARAIALDE/GETTY IMAGES
mília, que envolviam atribuição
de prémios às artes e bolsas de
doutoramento em Israel. Sob o
seu impulso, foi criada a marca
Edmond Rothschild Heritage,
que reúne os investimentos
da família no sector vinícola,
com destaque para o Château
Clarke, na Borgonha, o Château
Lafite Rothschild, de Bordéus,
e explorações na África do Sul,
Argentina e Nova Zelândia
(onde Benjamin sonhava fazer
um “sauvignon branco de refe-
rência”), além da Ferme des 30
Arpents, em Favières, Seine-
-et-Marne, nas imediações de
Paris, produtora exclusiva do
queijo Brie de Meaux, appela-
tion d’origine contrôlée.
Tímido e discreto, fumador
inveterado, Benjamin era um
apaixonado pela vela (em 2000
criou a equipa Gitana Team,
que concorreu em várias provas
internacionais), pelos despor-
tos de Inverno (a avó fundou a
estância de Megève, nos Alpes,
onde a família ainda detém vá-
rios hotéis e restaurantes de
permitiu-lhe destacar-se no surf luxo), pela velocidade (sempre
e, no dizer de um antigo colega, que a Ferrari adoptava um novo
entregar-se às delícias do “sea, modelo na F-1, comprava o an-
sex and sun”. Após o curso, co- terior, para praticar) e pela caça
meçou a trabalhar em alguns e conservação da natureza, com
bancos da família na Califórnia, viagens frequentes aos Cama-
mas aos 26 anos regressou à rões e a Moçambique, onde ti-
Europa, onde lançou, em 1989, nha investimentos e interesses.
a Compagnie Trésorerie Ben- Nas poucas entrevistas que
jamin de Rothschild, especiali- concedeu, proclamou-se de-
zada em gestão de capitais de mocrata e liberal, adversário
risco. Com a morte do pai, em do populismo de Le Pen e dos
1997, subiu, aos 34 anos, à presi- extremistas religiosos de Isra-
dência da Compagnie Financiè- el, mas nunca procurou possu-
re Edmond de Rothschild, que ir a influência política do seu
em 2010 converteu no Groupe primo David, o fundador da
Edmond de Rothschild, cujos Rothschild & Co., que teve Em-
activos ascendem actualmente manuel Macron como um dos
a €190 mil milhões. Sucedeu seus empregados. Ainda assim,
também ao pai na presidência o nome e a fortuna da família
da Rothschild Caesarea Foun- garantiram-lhe sempre um fácil
dation, criada com os fundos acesso ao poder, que Benjamin
obtidos pela família com a ven- observava a partir do seu escri-
da das suas terras na Cesareia tório da Rue de l’Elysée, a dois
ao Estado de Israel. passos do palácio presidencial.
Em Março de 2015, designou Além de mulher e quatro fi-
a mulher, Ariane, CEO do gru- lhas, deixa várias propriedades
po e presidente do seu comité e uma fortuna estimada em
executivo. Filha de um execu- €1300 milhões.
tivo da Hoechst, formada em
Sciences Po, em Paris, e com um
MBA em Gestão pela Pace Uni- António Araújo
versity, de Nova Iorque, Ariane escreve de acordo
era até então responsável pelas com a antiga ortografia
> John Mortimore (1934-
2021), futebolista e treinador
inglês, jogou no Chelsea e no
Southampton e em Portugal
foi treinador do Benfica e do
Belenenses, conquistando dois
campeonatos (o último depois
de perder 7-1 com o Sporting)
e uma Taça de Portugal pelos
Larry King encarnados. Celebrizou-se pela
frase “no coments” com que
1933-2021 Radialista e respondia às perguntas sobre
apresentador de televisão arbitragem ou qualquer po-
americano (recusou sempre o lémica. Dia 27, de causas não
título de jornalista), conduziu reveladas. > Cardoso e Cunha
durante décadas o “Larry King (1933-2021), político, foi o pri-
Live”, na CNN, um programa meiro português nomeado co-
de entrevistas por onde missário europeu, além de mi-
passaram nomes como Martin nistro, deputado e comissário
Luther King, Vladimir Putin, da Expo-98. Dia 25, de causas
Barack Obama, Bill Gates não reveladas. > Rosalina Ma-
ou Marlon Brando. Preferia chado (1940-2021), empresária,
seduzir do que confrontar os foi a primeira mulher a liderar
entrevistados e celebrizou-se uma empresa multinacional,
pelos suspensórios e a Ogilvy. Era uma das donas
as mangas da camisa do restaurante Belcanto. Dia
eternamente arregaçadas, 25, de cancro, um dia depois
tendo sobrevivido a oito do marido, Francisco Macha-
casamentos. Dia 22, de do, com quem estava casada há
covid-19. mais de 50 anos.
34 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

CARRO D O ANO

Alfa Romeo Stelvio

Carros candidatos Quadrifoglio
Audi A3 Cupra Formentor Citroën C4 1.2 Citroën ë-C4 Ford Kuga

Renault Captur
Honda Jazz Jeep Renegade Kia e-Niro Kia XCeed PHEV Mazda MX-30 Opel Corsa-e Opel Grandland X Peugeot e-2008
PHEV

Ambivalência
em sistemas de correção da trajetória,
Textos Rui Cardoso
atuando no volante, em resposta a

P
reais ou supostos erros do condutor.
rimeiro apareceu o ABS, Alguns são demasiado interventivos
melhorando a travagem e dão a sensação desagradável de que

eletrónica em pisos escorregadios, ao

evitar o bloqueamento das
rodas. Seguiram-se pro-
gressos semelhantes no que
respeita ao controlo da tração e da
estabilidade. Não tardou que a eletró-
nica começasse também a gerir o fun-
cionamento dos motores, doseando
o débito de combustível ou a entrada
de ar, fazendo com que gastem quase
zero em desaceleração. Depois, surgi-
ram as chamadas ajudas à condução
Ajudas à condução que colocam os carros no limiar da cir-
culação autónoma, isto é, dispensando
total ou parcialmente o condutor.
resolvem muitos problemas, As ajudas eletrónicas detetam obstá-
culos, leem sinais de trânsito, contro-
gem por distração ou sonolência. Glo-
balmente falando, representam um
enorme progresso em termos de se-
gurança, mas, como tudo na vida, têm
contrapartidas. É o caso, por exemplo,
há um gnomo maléfico dentro do vo-
lante a querer discutir connosco as
trajetórias e a abordagem das curvas,
reagindo à base de sacões na direção.
Felizmente, há formas de o desativar,
nalguns casos com o simples toque de
um botão (como na Kia ou Citroën),
noutros tendo que ir ao painel central
e/ou às regulações do veículo.
Outros sistemas são bastante mais
amigáveis, desde o alerta de ângulo
morto nos retrovisores exteriores,
às câmaras de marcha-atrás ou aos
faróis, uns automáticos, outros acom-
panhando as curvas, doseando o feixe
de luz para iluminar sem encandear,
etc. Bem ou mal, a eletrónica veio

mas criam outros lam a distância ao veículo da frente ou

evitam que saiamos da faixa de roda-
dos alertas de desvio da faixa de ro-
dagem quando estes se transformam
para ficar.
rcardoso.expresso@gmail.com

Hyundai i10 N Line Honda Crosstar Hybrid Skoda Kamiq

Ampliação de um citadino
Se o Hyundai i10 é um dos
carros citadinos de maiores
dimensões (3,67 m de com-
primento), a versão N Line,
a concurso na Categoria Des-
portivo do Ano, acrescenta-
-lhe algum tempero estético
(jantes, faróis, para-choques,
escapes), bancos e pedais
melhorados relativamente à
versão normal e, sobretudo,
um pouco mais de cavalos.
O motor sobrealimentado
de três cilindros e 998 cm3
passa a debitar 100 cv, o que
para uma viatura com menos
de uma tonelada já é alguma
coisa.
O resto permanece inalte-
rado: dimensões compatíveis
com a vivência urbana mas
cinco portas, bagageira ra-
zoável para os padrões deste
segmento (252 l) e uma habi-
tabilidade irrepreensível para
quatro pessoas. A generosa
brecagem é um trunfo su-
plementar na cidade e a sus-
pensão está ali para as curvas
(bem como para os buracos,
os empedrados e os tapetes
de asfalto deficientemente
mantidos).
É um pequeno carro poli-
valente, cujo sucesso resulta
de duas coisas: por um lado,
simplicidade e fiabilidade
Evolução híbrida continua
A viragem da Honda para a
HYUNDAI I10 N T-GDI eletrificação começou há cer-
Forma (portas/lugares) Hatchback 5/4 ca de um ano, com o lança-
Preço base (€) N. D. mento da versão híbrida do
PVP (€) 17.100* CR-V. Agora, a oferta diversi-
Gasolina (cilindros/cm3) 3/998 ficou-se e dois desses modelos
Potência (cv/ r.p.m.) 100 (4500) concorrem a esta edição do
Binário (Nm/r.p.m.) 172 (1500) Carro do Ano: o novo Jazz e
Cx. manual (velocidades) 5 uma modificação deste para
Velocidade máxima (km/h) 185 crossover, o Crosstar.
Aceleração 0-100 km/h (s) 10,5 É deste último que vos falo
Bagageira (litros) 252 neste texto. É uma espécie de
Depósito (litros) 36 Jazz “arregaçado” com uma
Comp./Larg./Alt. (m) 3,67/1,68/1,48 altura ao solo aumentada para
Consumo combinado
15,2 cm, o que, se não faz dele
5,4
(l/100 km) um jipe, já evita algumas ir-
Emissões CO2 (g/km) 123 regularidades numa pista em
* 15425 com financiamento
mau estado. É claro que quem
compra um carro destes não
está propriamente ralado com
mecânica; por outro, algum a sua aptidão off road, mas
equipamento nem sempre sim com o seu desempenho na
comum neste segmento, da cidade e na estrada. E sobre-
travagem de emergência à tudo nas virtualidades desta
assistência à manutenção na nova motorização híbrida.
faixa de rodagem ou ao de- Aqui há que dizer que os
tetor de fadiga do condutor. progressos relativamente ao
Sem esquecer esse mimo que CR-V são patentes. O sistema
é um alerta sonoro para os híbrido é muito mais suave e
condutores distraídos, avi- silencioso e os consumos, des-
sando que a viatura acabada de que se conduza com algu-
de parar à nossa frente vol- ma destreza, são dos melhores
tou a arrancar e que, portan- do mercado: 4,5 litros aos cem
to, o melhor é irmos dando logo às primeiras impressões
corda aos sapatinhos e não mas com habituação conse-
ficarmos a empatar a fila de gue-se baixar para menos
trânsito... de quatro litros, nomeada-
HONDA CROSSTAR HEV
Forma (portas/lugares)
Preço base (€)
PVP (€)
Motores: Quatro cilindros a gasolina
1498 cm3 + motor elétrico + bateria
iões lítio
Potência combinada (CV)
Binário (Nm)
Caixa de velocidades:
De variação contínua
Velocidade máxima (km/h)
Aceleração 0-100 km/h (s)
Bagageira (litros)
Depósito (litros)
Comp./Larg./Alt. (m) 4,09/1,73/1,97
Consumo (l/100 km)
Urbano
Extraurbano
Combinado
Emissões CO2 (g/km)
mente em condução citadina.
Trata-se um híbrido self
charging muito semelhan-
te mecanicamente aos da
Toyota, com um motor tér-
mico, uma pequena bateria
de iões de lítio recarregável
em andamento e dois moto-
res elétricos, um dos quais de
tração. A energia armazenada
na bateria permite andar par-
te do tempo em modo 100%
elétrico, sendo as acelerações
e recuperações muito suaves.
O maior dos pequenos
É verdade que o Skoda Kamiq
é o mais pequeno dos SUV
SUV 5/5 da marca checa, abaixo do
28.500 Kodiaq ou mesmo do Karoq.
32.840 Mas chamar-lhe pequeno fica
aquém da realidade. Embo-
ra tenha a mesma platafor-
ma doutros SUV do Grupo
109
Volkswagen (Seat Arona e
253
VW T-Cross), é mais compri-
do (4,2 m de comprimento
total) e mais amplo. É uma
173
opção habitual neste constru-
9,9
tor, uma vez que também o
298
Octavia supera o Golf (com o
40
qual partilha a plataforma e
a mecânica) em dimensões e
espaço interior.
2,7
Se há coisa em que o Kamiq
4,6
não desilude é em habitabi-
3,9
lidade. Só a mala tem 400 l.
89
A posição de condução é alta
como se espera num veículo
deste tipo e a visibilidade está
garantida. Há um ecrã central
com as diferentes funcionali-
dades, da navegação à clima-
tização ou às regulações do
veículo.
Embora exista uma versão a
gasóleo com 115 cv, aquela em
que o importador português
parece apostar é a gasolina.
Um motor de três cilindros
de um litro debita os 116 cv
necessários e suficientes para
dar agilidade a este SUV, so-
SKODA KAMIQ 1.0 TSI STYLE
116 CV DSG
Forma (portas/lugares) SUV 5/5
Preço base (€) 22.101
PVP (€) 27.561
Gasolina (cilindros/cm3) 3/999
Potência (cv/ r.p.m.) 116 (5000-5500)
Binário (Nm/r.p.m.) 200 (2000/3500)
Cx. automática (velocidades) 7
Velocidade máxima (km/h) 193
Aceleração 0-100 km/h (s) 10
Bagageira (litros) 400
Depósito (litros) 50
Comp./Larg./Alt. (m) 4,24/1,79/1,56
Consumo combinado
4,9 a 5
(l/100 km)
Emissões CO2 (g/km) 124 a 153
bretudo quando associado à
caixa automática de sete ve-
locidades.
As acelerações e recupe-
rações são convincentes e,
apesar de ser mais alto que
um carro convencional, não
há reparos a fazer à forma
como curva. Com respeito a
preços, esta versão (a mais
equipada do modelo com cai-
xa automática) aparece na
fasquia dos 28 mil euros. Re-
duzindo a potência do motor
para 95 cv e cingindo-nos ao
equipamento base e à caixa
manual, desce para os 22 mil
euros.

Agilidade quanto baste Crossover versátil Segredos da gasolina

Com os seus 100 cv, o Hyundai i10 N despacha-se muito
razoavelmente, o que não quer dizer que os arranques e
recuperações sejam de arregalar os olhos. Já o consumo
revela-se bastante razoável, nunca indo muito além dos seis
litros, mais décima, menos décima. Embora os bancos
sejam melhores que os da versão normal, subsiste um
ponto fraco: o volante só tem afinação em altura, não
permitindo ajustar a profundidade. Se num carro normal é
importante ter uma posição de condução perfeita, já num
aspirante a desportivo isso é crucial. Um problema que se
pode atenuar, jogando com a elevação do assento, mas a
rever futuramente.
Se procura um carro grande por dentro e maneirinho por
fora, não ficará desiludido com o Honda Crosstar. Há
espaço para os passageiros, não faltam zonas de arrumação
e a abertura das portas é ampla. Mantém-se a solução para
os bancos traseiros que tornou famoso o Jazz, com várias
afinações, a mais original das quais permite levantar o
assento mantendo as costas direitas, o que permite
arrumar bicicletas, pranchas de surf ou tábuas de
engomar... Este novo híbrido da Honda nunca fica por
menos de 30 mil euros (com campanha). Já a ajuda à
manutenção na faixa de rodagem é intrusiva, embora
simples de desligar.
Uma das respostas às novas normas ambientais são os
motores a gasolina de pequena cilindrada (menos de um litro)
e sobrealimentados, como os usados no Skoda Kamiq.
Teoricamente conseguem ter uma resposta progressiva
próxima do diesel e consumos não muito maiores, sem
emissão de óxidos nem partículas. Na prática, após algumas
horas de condução, verifiquei que, se do ponto de vista da
suavidade e da aceleração não há grandes diferenças, já o
consumo se revela extremamente sensível à condução. Ou
seja, só andando a velocidades de cruzeiro abaixo dos 100
km/h e conduzindo muito suavemente se consegue chegar aos
seis litros mais algumas décimas aos cem.
 Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 35
UMA INICIATIVA EXPRESSO/SIC NOTÍCIAS

Honda Crosstar Hyundai Tucson

Ford Puma Fiat 500 Hyundai i10 Hyundai i20 Honda e Hyundai Kauai Hyundai i30
PHEV PHEV

Toyota Yaris Volkswagen Volkswagen Volkswagen

Seat Leon Seat Leon PHEV Skoda Kamiq Skoda Octavia Suzuki Swift Sport
Hybrid Golf GTI Golf GTE ID.3

Híbridos, ponto A
s motorizações híbridas
associam em graus diver-
sos um motor térmico,
uma bateria e um gera-
dor (que pode, nalguns
Nos híbridos recarregáveis em an-
damento (self charging hybrids) a
tração é geralmente assegurada pelo
motor elétrico, cabendo à bateria e/
ou motor térmico o fornecimento
temporariamente o apoio térmico)
durante 40 a 50% do tempo, depen-
dendo do percurso e do estilo de
condução. Os consumos, sobretudo
em percursos urbanos ou muito va-

da situação casos, desdobrar-se entre

esta função e a de alternador ou mo-
tor de tração). No entanto, ainda que
partilhem a mesma designação, os
automóveis híbridos dividem-se em
três categorias.
A mecânica míni-híbrida (mild hy-
brid na nomenclatura anglo-saxó-
nica) consiste no acrescento de um
segundo circuito elétrico, este de 48
V, que inclui uma pequena bateria re-
carregável e um motor de arranque/
Há três tipos de automóveis alternador. A energia recuperada na
travagem é armazenada na bateria e
devolvida quando o esforço do mo-
híbridos, cada qual com tor térmico seja maior, ajudando a
poupar combustível (e funcionando
da corrente. Conseguem andar em
modo 100% elétrico (dispensando
riados, são aliciantes.
A última categoria de viaturas
híbridas é a das recarregáveis à
corrente (PHEV no acrónimo an-
glo-saxónico). Mais caras que as
restantes, permitem fazer 50 km
A EFICIÊNCIA em modo 100% elétrico (enquanto
durar a carga), podendo prosseguir
AMBIENTAL em modo híbrido daí em diante. Da
média ponderada de 50 km feitos
DOS HÍBRIDOS PHEV sem emissões e do resto do percurso
gastando cinco a sete litros aos cem
DEPENDE DO USO em modo híbrido, resultam consu-
mos e emissões teoricamente muito
E DA CONDUÇÃO; baixos (até 50 gramas de dióxido de
SÃO, ALÉM DISSO,
carbono). Mas com um pressupos-
to: recarregar a bateria na tomada

as suas qualidades e defeitos MAIS CAROS

como um “turbo elétrico”). Beneficia sempre que possível e ter o pé leve
de alguma redução fiscal. no acelerador.

Honda Jazz 1.5 HEV Kia e-Niro Toyota Yaris Hybrid

Salto no futuro
Quando o Honda Jazz apa-
receu na Europa em 2002
tornou-se uma referência
em termos de habitabilida-
de. Trazia “bancos mágicos”
traseiros com diversas regu-
lações, a mais importante das
quais permitia levantar cada
um dos assentos, como nas
cadeiras de cinema. A solução
para arrumar cargas compri-
das, tipo tábua de engomar.
Tinha uma mecânica fiável a
gasolina, não andava nada de
extraordinário mas em con-
trapartida também gastava
pouco. Estes atributos refina-
ram-se na segunda geração
(2007), sendo que a terceira
(2014) trouxe coisas boas (uma
plataforma maior) e outras não
tão boas (um novo motor a ga-
solina que parecia ter obedeci-
do ao imperativo de provar que
andamento e consumo eram
mutuamente exclusivos).
Agora, em tempo de recon-
versão, a quarta geração do
Jazz salta direitinha para a
mecânica híbrida. Uma op-
ção que satisfaz toda a gente.
O construtor melhora o grau
de conformidade com as nor-
mas ambientais, enquanto o
consumidor passa a dispor
de uma mecânica à medi-
da da vocação deste carro
Alma até Almeida
HONDA JAZZ 1.5 HEV Os carros 100% elétricos fo-
ram uma lufada de ar fresco e
EXECUTIVE
Forma (portas/lugares) Hatchback 5/5 a prova de que havia alternati-
Preço base (€) 22.052 va aos motores a combustão.
PVP (€) 29.937* Contudo, os primeiros que
Sistema híbrido: Motor térmico a gasolina 1498 conduzi pareciam vítimas de
cm3 + bateria iões lítio + 2 motores elétricos uma maldição: ou andavam
Potência (cv) 109 bem e a bateria acabava-se
Binário (Nm) 253 (elétrico) num instante, ou conseguiam
Variação
fazer 150 km mas à custa de
Caixa de velocidades
contínua mil e um malabarismos e de
Velocidade máxima (km/h) 175 uma pasmaceira total. Dez
Aceleração 0-100 km/h (s) 9,5 anos depois a tecnologia evo-
Bagageira (litros) 304 luiu e já é possível ultrapassar
Depósito (litros) 40 este pecado original.
Comp./Larg./Alt. (m) 4,04/1,81/1,53 O Kia e-Niro é exemplo desta
Consumo combinado
nova geração onde andamento
3,7
(l/100 km) e autonomia deixaram de ser
Emissões CO2 (g/km) 84 mutuamente exclusivos. Neste
*€25.596 com campanha caso, raio de ação à volta dos
400 km sem perda do prazer
de condução. Em termos teóri-
(cidade e alguma estrada). cos, daria para ir de Lisboa ao
A caixa automática (de va- Porto sem ficar pelo caminho,
riação contínua) proporciona mas, mesmo para esta nova
eficiência e conforto no trânsi- geração, o seu ambiente não é
to, enquanto a potência com- a autoestrada. E isto porque a
binada do motor térmico e do chave da autonomia dos carros
sistema elétrico (109 cv) chega elétricos é a regeneração de
e sobra para as encomendas, energia na desaceleração e na
desde que o comprador não travagem, coisa que só tem sig-
quisesse um GTI. Dado que nificado em trajetos variados
se consegue andar muito fre- no que respeita a altimetria,
quentemente em modo 100% perfil, etc.
elétrico, os consumos de gaso- Os tais 400 km que não são
lina andam pelos 4 l/100 km, um truque de propaganda mas
senão menos. uma realidade observada nes-
Uma nova geração
Se as versões híbridas do Toy- TOYOTA YARIS HYBRID
KIA E-NIRO ota Yaris remontam a 2012,
PREMIER EDITION
Forma (portas/lugares) Crossover 5/5 a versão 2020 estreia uma Forma (portas/lugares) Hatchback 5/5
Preço base (€) 40.243 nova plataforma (comum aos Preço base (€) 25.990
PVP (€) 49.575* novos modelos do segmento PVP (€) 26.794*
Motor elétrico: Síncrono + bateria de iões B e adaptada às diferentes Motor a gasolina de três cilindros:
de lítio de 64 kWh motorizações) e um sistema 3
1490 cm mais bateria de iões de lítio e
motor elétrico síncrono
Potência (cv/rpm) 204 (3800/8000) híbrido aperfeiçoado (dito de Potência combinada (cv) 116
Binário (Nm/rpm)) 395 (0/3600) quarta geração e derivado dos Binário combinado n.d.
Caixa de velocidades Automática utilizados em carros maiores
Transmissão variável contínua
Velocidade máxima (km/h) 167 como o Corolla ou o RAV4). de controlo eletrónico
Aceleração 0-100 km/h (s) 7,8 A nova plataforma (desig- Velocidade máxima (km/h) 175
Bagageira (litros) 45 nada como GA-B) permite re- Aceleração 0-100 km/h (s) 9,7
Tempo de carga: 22h(cabodoméstico,220Ve10
duzir a altura mas aumentar Bagageira (litros) 286
A);7h(10,5kW);rápida(80%)de54a75minutos o espaço interior, baixando Depósito de combustível 36
Comp./Larg./Alt. (m) 4,38/1,80/1,57 ao mesmo tempo o centro de Comp./Larg./Alt. (m) 3,94/1,75/1,50
gravidade, o que, como é sabi-
Autonomia 455 Consumo combinado
do, beneficia a estabilidade e o (l/100km)
4,3
Emissões CO2 (g/km) Não tem comportamento em curva. A Emissões CO2 (g/km) Não tem
*€45.575 com campanha e menos circunstância de o novo Yaris *desde €21.795 na versão Comfort
€2000 com financiamento ser mais baixo não influencia
a posição de condução nem a
te ensaio significam que numa visibilidade, uma vez que pas- noutros modelos). A potência
utilização urbana e suburbana sageiros e condutor passam a combinada é de 116 cv, mas
podemos ter bateria para uma sentar-se mais perto do chão. como o carro é mais leve, uma
semana inteira ou perto disso. No que respeita à mecânica, coisa compensa a outra. Tra-
E que escusamos de ter que este sistema híbrido corres- tando-se de um híbrido puro
percorrer a Ponte Vasco da ponde à transposição para um (self charging hybrid), recar-
Gama a 70 km/h para poupar motor mais pequeno das solu- rega a bateria em andamento
a bateria. Na hora das contas ções usadas nos carros maio- sem necessidade de a ligar a
é que as coisas se complicam res da marca, com motores de uma tomada e, tal como nos
porque o preço vai para os 50 dois litros ou dois litros e meio. modelos maiores, consegue,
mil euros, um pouco menos se Temos então um motor a ga- em condições favoráveis, no-
contarmos com a campanha solina de três cilindros e 1500 meadamente na cidade e em
da marca e as ajudas estatais cm3 associado a uma bateria estrada com perfil variável,
(limitadas) à aquisição de via- de iões de lítio (e não de hidre- andar metade do tempo em
turas EV. tos metálicos de níquel como modo 100% elétrico.

Elétrico e térmico Recuperar quilómetros Despachado e poupado

A solução mecânica do novo Honda Jazz (que partilha
com o seu primo Crosstar) é o híbrido recarregável
em andamento (self charging hybrid). A um motor térmico
a gasolina de 1500 cm3 juntam-se uma pequena bateria
de iões de lítio e dois motores elétricos. A bateria esgota
depressa, mas também se carrega num ápice numa
descida prolongada ou num percurso variado. A tração
é sempre assegurada por um dos motores elétricos, exceto
em situações de máxima resposta/aceleração em que
o motor térmico dá um ar da sua graça, ainda que
à custa de alguma barulheira. Quanto a preço, €29 mil
(desconto de €4000 com campanha).
Apesar de também ter quatro rodas e volante, um
automóvel elétrico não se conduz como um térmico. Se
quisermos mais autonomia, temos que saber jogar com a
regeneração de energia na travagem e na desaceleração.
No caso do Kia e-Niro há um auxiliar precioso: as patilhas
no volante, que servem, não para comandar a caixa
automática em modo sequencial, mas para aumentar ou
diminuir a força da regeneração. Na posição máxima, ideal
para trânsito denso, basta aliviar o acelerador para o carro
começar a perder andamento como se tivéssemos
engrenado uma mudança baixa. É cómodo e permite mais
uns quilómetros sem voltar à tomada.
No novo Yaris temos a sensação de estar a bordo de um
Corolla, de tal forma o ambiente é familiar. Só notamos que
o carro é mais pequeno na hora de estacionar porque a
perda de andamento não é muita. Como em todos os
híbridos deste fabricante, equipados com uma caixa de
variação contínua, se acelerarmos a sério numa subida ou
numa ultrapassagem somos brindados com algum zumbido
do motor térmico. Se conduzirmos de forma suave e
estivermos atentos à luz indicadora do modo EV,
conseguimos andar metade do tempo em regime 100%
elétrico, o que corresponde a consumos da ordem dos 4,5
litros (de gasolina) aos cem.
36 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA DÉRBI
Futebol O Sporting-Benfica de segunda-feira é o primeiro duelo entre pupilo e mestre,
que trabalharam juntos durante sete anos. Estas são as histórias que ficaram
RÚBEN PEGOU NO QUE JESUS
LHE ENSINOU. E EVOLUIU
A
Lídia Paralta Gomes
primavera/verão
de 2006 foi agitada
ali para os lados de
Belém. No final da
época, o Belenenses
havia descido de di-
visão e Jorge Jesus
era o homem esco-
lhido para reverter
o tombo de um dos históricos do fute-
bol português. O Caso Mateus atalhou
caminho: o Belenenses ficaria afinal
na 1ª divisão e à disposição o treinador
tinha um plantel pejado de jogadores
experientes, como Silas, Zé Pedro, José
Sousa ou Gaspar, temperado com vári-
os jovens. Um deles chamava-se Rúben
Amorim.
O médio, então com 22 anos, levava
já dois anos completos como sénior e
na altura não tinha maneira de saber,
mas estava ali o técnico que mais o in-
fluenciaria. Uma ligação de sete anos,
divididos por Belenenses e Benfica, fei-
ta de “altos e baixos” a nível pessoal — o
próprio Amorim o confirmaria nestas
mesmas páginas numa entrevista em
2017 — mas talvez decisiva para que
segunda-feira ambos estejam em ban-
cos opostos no dérbi Sporting-Benfica
(21h30, Sport TV1). É o primeiro duelo
entre ambos e logo num jogo grande.
Em 2006, Rúben era um menino.
Mas as suas qualidades rapidamente
chamaram a atenção de Jesus. “Ele
gostava muito do Rúben, muito mes-
mo”, lembra Cândido Costa, outra das
caras novas daquele Belenenses época
2006/07, que seria 5º na Liga e dispu-
taria a final da Taça de Portugal. “Ele
interpretava muito bem as ideias do
Jesus. Já pensava muito bem o jogo e
tirava partido da esperteza. Percebia
bem os espaços, usava bem o corpo e
defendia-se muito bem nas coisas em
que não era tão forte.” Já José Sousa
lembra “um miúdo cheio de irreverên-
cia no treino e no jogo”, características
que Jorge Jesus apreciava, mas tam-
bém um jogador “muito cumpridor
do ponto de vista estratégico e tático”.
No primeiro ano com Jesus, dizem os
antigos colegas, Rúben deu o salto,
tornou-se indiscutível no meio-cam-
po. “Ele cresceu mesmo muito com
o Jesus”, diz o antigo lateral, agora
comentador. “Naquele primeiro ano
ele bebeu muito do Jesus, até é o termo
que usa: beber. Cimentou o bom posi-
cionamento, o conhecimento do jogo.”
Diretor desportivo do Belenenses na
2ª época de Jesus, menos bem conse-
guida dentro de portas, mas marcada
pela eliminatória na Taça UEFA em
que a equipa deu água pela barba ao
Bayern Munique, Carlos Janela viu em
Amorim alguém já com “ascendência
dentro do grupo”, apesar da juven-
tude: “Ele tinha muita maturidade,
era mesmo um caso precoce. Já era
reconhecido pelos colegas como um
jogador inteligente.”
“É interessante que naquela altura
já se percebia que naquele grupo havia
dois jogadores que iam dar treinado-
res: o Silas e o Rúben Amorim”, diz Ja-
nela, hoje na estrutura do Benfica. “Pri-
meiro, pela inteligência que punham
no jogo e, segundo, pela paixão que
tinham pelo treino. Já questionavam
e refletiam sobre o treino e já se pre-
ocupavam em perceber porque é que
um tipo de treino tinha determinados
resultados, porque é que o jogo decor-
ria de uma determinada forma e como
se contrariava o adversário.” Talvez
por ter estado tão perto de Amorim no
espaço sagrado que é o balneário, José
Sousa não via, então, um treinador no
agora técnico do Sporting: “Não via
JESUS E AMORIM
CRUZARAM-SE
PELA PRIMEIRA VEZ
EM 2006/07, NUM
BELENENSES QUE
SERIA 5º NA LIGA
porque ele é um bocado como eu, é um
brincalhão, tem uma forma de estar
completamente diferente daquilo que
normalmente vemos nos treinadores.”
O grupo, diga-se, ajudava. “Corríamos
muito, tínhamos talento para dar e
vender, raça. Era um grupo do caraças.
Mas a principal característica daquele
grupo era a palhaçada”, recorda Cân-
dido Costa. “Cada um com o seu estilo.
Eu, claramente, o mais agitado no bal-
neário — era desgovernadamente pa-
lhaço. O Rúben era mais da piada iró-
nica, constantemente a gozar”, conta.
Janela lembra um jogador jovem mas
que já tinha “uma relação de ‘tu cá, tu
lá’ com os mais experientes”. Sousa
acredita que aquele ambiente também
ajudou Amorim a formar o seu estilo:
“Ele sabe que é preciso ter jogadores
fortes, competentes, mas que também
dão um cunho de boa disposição ao
balneário. Ele está a ser uma lufada de
ar fresco porque mostra que dá para
ser brincalhão e também exigente em
termos de treino.”
Os choques
“O Rúben é um treinador muito mo-
derno. Para ele, no treino, o jogador é
sempre um sujeito pensante e nunca
um objeto que obedece”, diz Carlos
Janela, que olha para o técnico do Spor-
ting como “uma evolução de Jesus”.
Mas acredita que as diferenças existem
porque são treinadores de gerações
diferentes. E personalidades diferentes
também.
São públicos os desaguisados que
Amorim e Jesus tiveram enquanto trei-
nador e jogador, apesar dos antigos
colegas no Belenenses sublinharem
que em Belém tal não foi tão visível.
“Os líderes provocam choques quando
são rigorosos. O Rúben achava que não
era preciso tanto rigor”, diz Janela, que
recorda que um dos grandes desen-
contros entre ambos, no Belenenses
e no Benfica, aconteceu quando Jesus
quis colocar Amorim a lateral direito.
“Levava aquelas duras e aqueles gritos.
‘Estás lento! Estás armado em jogador,
vais já para os juniores!’, era assim. O
Expresso, 29 de janeiro de 2021
O treinador da
Amadora a preparar
um treino sob o
olhar de um jovem
jogador, no Benfica
FOTO MÁRIO CRUZ / LUSA
Rúben era miúdo, era dos que mais
ouvia, claro”, recorda Cândido Costa.
Já Sousa lança a questão: “Mas qual
era o jogador que não chocava com o
Jesus?” O antigo defesa diz que “Rúben
era um menino e o normal era acatar
as ideias”, mas que “não era de baixar
as orelhas”. E recorda: “Às vezes ouvia
e ficava irritado, respirava fundo e nós
tínhamos de ir lá dizer para ele ter cal-
ma.” Mas os pequenos choques devem
ser relativizados perante as evidências.
“O Rúben teve no Jesus um treinador
que o colocou a jogar e isso é o mais
importante”, diz Sousa. Cândido Costa
concorda: “A maior mostra de apreço
que um treinador te pode dar é tu joga-
res. E ele jogava sempre.”
Mestre e pupilo
É difícil saber o que teria acontecido
se no defeso da época 2019/20 Rúben
Amorim não tivesse dito não ao seu
clube do coração, ao recusar treinar
a equipa sub-23 do Benfica depois de
reuniões com Pedro Mil-Homens, di-
retor da academia, e Pedro Marques,
diretor técnico da formação — e não se
ter feito tudo para trazer Amorim para
o Benfica ainda é hoje uma das pedras
no sapato de Luís Filipe Vieira, já que
terá sido um pedido expresso seu aos
responsáveis da formação.
O caminho para chegar a um grande
foi outro: SC Braga B, SC Braga e agora
Sporting, tudo em menos de um ano.
Neste momento, Amorim é líder do
campeonato e será com seis pontos de
vantagem para o antigo mestre que vai
receber o Benfica. Tanto Cândido, Sou-
sa e Carlos Janela veem muito de Jesus
na organização defensiva de Rúben
Amorim. “É o que mais fica nos joga-
dores treinados por Jesus. O Rúben tem
conseguido fazer isso, sofre poucos go-
los, já sofria pouco no SC Braga. E tem
tido muito mérito nos jogos grandes”,
sublinha Cândido Costa, que prevê um
clássico com alguma carga emocional e
com ambas as equipas a “querer ferir da
profundidade da outra” porque sabem
que é aí que poderá estar o segredo.
lpgomes@expresso.impresa.pt
BREVES
A TERCEIRA TAÇA
DA LIGA PARA O SCP
FUTEBOL O Sporting conquis-
tou a Taça da Liga pela tercei-
ra vez na sua história, batendo
o SC Braga por 1-0, com um
golo de Pedro Porro. A compe-
tição ficou marcada por casos
de covid-19 (no Benfica), um
problema com falsos positivos
(no Sporting), as expulsões
de Rúben Amorim e Carlos
Carvalhal em simultâneo e o
sururu na bancada entre di-
rigentes dos dois clubes fina-
listas.
43
é a idade de Tom Brady,
o jogador mais velho
da história da NFL a
chegar à Super Bowl.
O quarterback levou os
modestíssimos Tampa
Bay Buccaneers à
primeira final, desde 2002.
Para Brady, será o seu 10º
Super Bowl, que já conquistou
em seis ocasiões anteriores
ANDEBOL Portugal falhou o
apuramento para os quartos
de final do Mundial, no Egi-
to, ao perder com a França
por 23-32. A seleção nacional
deixou a competição com três
triunfos e duas derrotas e a
melhor classificação de sem-
pre: o 10º lugar. Paulo Pereira,
o treinador, quer mais: “Prefi-
ro que me chamem arrogante
do que cobarde.”
O EURO 2021
VAI ACONTECER,
DIZ UEFA
FUTEBOL Num quadro de in-
certeza em função da evolução
da pandemia, a UEFA veio
garantir que o Campeonato
da Europa, já adiado de 2020
para 2021, vai mesmo realizar-
-se entre 11 de junho e 11 de ju-
lho, como estava originalmente
planeado, em 12 países. Sobre
a eventual presença de público
nos estádios, Aleksander Cefe-
rin, presidente da UEFA, disse
que “talvez”.
“RECEBI CARTAS
COM AMEAÇAS.
UMA TRAZIA UMA
FORCA E DIZIA
QUE PODÍAMOS
ENFORCAR
O NOSSO FILHO”
Dylan Groenewegen
Ciclista, relatando as ameaças
recebidas após o acidente com
o compatriota Fabio Jakobsen
na Volta à Polónia
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 37

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“Prémio não convertível em dinheiro”.

Alexei Navalny
A coragem +
imensa
Arturo Pérez-Reverte
de enfrentar Putin.
“O homem que acredita
no mundo como um
Em Moscovo lugar bom é um imbecil”
Por Luciana Leiderfarb
Por Cristina Margato
Alexei Navalny
vencer o

medo
A coragem imensa
de enfrentar Putin.
Em Moscovo
Por Cristina Margato

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38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de janeiro de 2021

PROJETOS EXPRESSO CANCRO

32% 98%
QUAIS SÃO OS FATORES DE EFEITOS SECUNDÁRIOS QUE
DIZEM QUE O RASTREIO

77%
RISCO, QUE CONHECE, PARA OS PORTUGUESES CONHECEM
APARECIMENTO DO CANCRO? E O DIAGNÓSTICO Em %
Em %
PRECOCE SÃO
Tabaco 83
CRUCIAIS PARA O Perda de cabelo 88
Sol 57 ÊXITO NO TRATAMENTO Cansaço 82
Hereditariedade 53 DO CANCRO Náuseas 78
Álcool 48 DOS INQUIRIDOS PENSAM QUE A Vómitos 72 SABEM O QUE É QUIMIOTERAPIA

60%
37 28
E 89% O SIGNIFICADO DE
Excesso de peso* Diarreia
Sedentarismo 31 MUDANÇA DE COMPORTAMENTOS Erupção cutânea 22
Infeções 26 PODE DIMINUIR O APARECIMENTO Mucosite 17 RADIOTERAPIA, ENQUANTO
Idade
Excesso de açúcar
25
24
DE CANCRO. E 78% ACHAM QUE Neuropatia
Febre
15
15
A CIRURGIA É CONHECIDA POR
Excesso de sal 18 O QUE PODE CONTRIBUIR MAIS DOS INQUIRIDOS CONSIDERAM QUE Obstipação 14 72%. JÁ A IMUNOTERAPIA NEM
NS/NR 10 PARA UMA DIMINUIÇÃO OS TRATAMENTOS ONCOLÓGICOS Síndrome* 5 POR ISSO: APENAS 27%. DO QUE
*Obesidade
NO NÚMERO DE MORTES POR NÃO SÃO ACESSÍVEIS. OS CUIDADOS *Pé/mão/boca
MENOS OUVIRAM FALAR FOI
PALIATIVOS SÃO UMA REALIDADE DE HORMONOTERAPIA (16%)
FONTE: GFK
CANCRO É REDUZIR OU DEIXAR
DE CONSUMIR TABACO APENAS PARA 14% E TERAPÊUTICAS-ALVO (12%)
FICHA TECNICA: ESTA SONDAGEM FOI REALIZADA PELA GFK METRIS ENTRE 24 E 29 DE NOVEMBRO DE 2020, TENDO POR BASE UMA AMOSTRA DE 1018 ENTREVISTAS A PARTIR DE UM UNIVERSO
CONSTITUÍDO POR INDIVÍDUOS DE AMBOS OS SEXOS E IDADE IGUAL OU SUPERIOR A 18 ANOS. A INFORMAÇÃO FOI RECOLHIDA ATRAVÉS DE ENTREVISTA ONLINE

Texto André Rito Sondagem Apesar da pandemia, as doenças oncológicas to, a sondagem mostra que 31% dos
inquiridos afirma que existe uma

O
Foto José Fernandes
continuam no topo das preocupações dos portugueses com a saúde estratégia nacional de combate ao
cancro. “A Liga Portuguesa Contra o
cancro continua a Cancro é a entidade mais referida em
ser uma das doen-
ças mais temidas
pelos portugueses.
De acordo com a
sondagem GFK Me-
tris para o Expresso
É o cancro termos de divulgação da prevenção
do cancro”, de acordo com o estudo.

Quando o céu cai

em cima da cabeça
— Cancro — Perce-
ções da População
Portuguesa —, as doenças oncológi-
cas ocupam mesmo o primeiro lugar
na lista das preocupações dos portu-
gueses relativamente à saúde. Segun-
a doença mais A ex-ministra da Saúde, Maria de
Belém, chama a atenção para “o peso
que significa o diagnóstico de can-
cro”: “Uma sensação de que ‘o céu
nos cai em cima da cabeça’ ou de que
se abre um enorme e fundo fosso aos

do o inquérito, 53% dos entrevistados
colocam esta patologia no patamar
mais elevado de preocupação, segui-
da pela covid-19, com 44%.
“O resultado é esperado. A palavra
cancro é um pouco como a palavra
eutanásia, ainda carrega um estigma
negativo muito forte”, começa por
explicar ao Expresso o médico, Rui
Tato Marinho, presidente da Socieda-
de Portuguesa de Gastrenterologia.
Recolhido através de entrevistas
online, o inquérito foi realizado entre
os dias 24 e 29 de novembro de 2020,
com 1018 entrevistas, realizadas a
pessoas entre os 18 e 65 anos, do nor-
te a sul de Portugal, de diferentes
diferentes estratos social. Entre as
respostas mais consensuais — de uma
lista que pode consultar no gráfico
em cima — estão os fatores de risco
identificados como mais graves: taba-
co (83%), sol (57%) e hereditariedade
(53%).
A estes, Rui Tato Marinho lembra
um fator decisivo, nem sempre tido
em conta: o envelhecimento. “É inte-
ressante perceber o peso que ocupam
fatores como o álcool e a obesidade.”
De acordo com a sondagem do Ex-
presso, estes dois fatores surgem na
quarta e quinta posição na perceção
dos principais fatores de risco. Por
outro lado, excessos alimentares,
como ingestão de açúcar e sal, sur-
gem no fim da lista.
Tabaco: um mal maior
Questionados sobre se consideram a
possibilidade de vir a ter cancro por
algum dos fatores de risco menciona-
dos, 25% dos inquiridos consideram
não fazer parte desses grupos mais
vulneráveis à doença. “Os restantes
75%, considera que, no seu caso par-
ticular, o tabaco é o principal fator
de risco, seguindo-se-lhe a heredita-
riedade e o excesso de peso ou obesi-
dade”, refere o texto da sondagem.
Isabel Galriça Neto, médica, ex-de-
putada e coordenadora da Unidade
de Saúde Paliativa do Hospital da
Luz, em Lisboa, considera o estudo
“globalmente muito interessante,
claramente datado (agora os resul-
tados seriam outros)”. “Não me es-
panta que apareça o cancro como
principal preocupação, é ainda uma
doença muito ‘temida’ (de certa for-
ma, erro de perceção, porque há ou-
tras doenças com maior letalidade
que muitos cancros, mas o cancro
é muito frequente e com um trata-
mento muito agressivo e marcante)”,
disse a médica ao Expresso.
“Achei muito interessante surgir a
demência, que é uma realidade para
milhares de famílias portuguesas e
em que os apoios são escassos”, refe-
temida?
A pandemia tem tido forte influência nos rastreios, diagnósticos e tratamento do cancro
o desconhecimento dos cuidados
paliativos. “Não me surpreendeu o
desconhecimento sobre os Cuidados
Paliativos, mas claramente que me
preocupa. Estes cuidados não são
terapia da dor, são uma intervenção
clínica no sofrimento global das pes-
TENHO CANCRO. E DEPOIS? soas com doenças graves e deve ser
A SIC Notícias e o Expresso parte integrante do sistema de saúde.
lançaram um site — Constata-se novamente a questão
www.tenhocancroedepois.pt da falta da acessibilidade. É tão gra-
— dedicado ao cancro. ve isso acontecer como grave será
Ao longo do ano, a
plataforma recolherá a
se as pessoas não tivessem acesso a
quimioterapia, radioterapia ou tra-
opinião de médicos, doentes e
especialistas sobre os desafios
tamentos inovadores”, afirma para
concluir ser “fundamental investir
de uma doença que afeta cada
vez mais pessoas. O projeto
em informação quanto ao que são os
cuidados paliativos, quanto aos direi-
tem o apoio da Médis e da
Novartis, além da colaboração
tos dos doentes e quanto à formação
dos profissionais”.
da Liga Portuguesa contra De acordo com a sondagem feita
liativos “melhoram a qualidade de
vida e não a encurtam”, ainda assim
os resultados mostram que algumas
franjas da população consideram que
os cuidados paliativos “são o mesmo
que receber morfina”, que “encur-
tam a vida”. Embora neste capítulo
demonstrem algum desconhecimen-
NO INQUÉRITO,
53% COLOCAM
O CANCRO NO
PRIMEIRO PATAMAR DE
PREOCUPAÇÃO, SEGUIDO
nossos pés. E é por isso que alguns
dos que padecem da doença não que-
rem dar informações sobre ela, o que
também significa que ela ainda não
perdeu um carácter estigmatizante,
o que é muito pesado.”
Apesar disso, continua, “existe já
uma sólida perceção, ao contrário
daquilo que se passava há uns anos,
no sentido de que é possível tratar
e curar a doença e manter uma boa
qualidade de vida, embora se tenha a
noção de que os tratamentos são mui-
to duros sob vários pontos de vista”,
disse ao Expresso, realçando como
facto positivo “o grau de conhecimen-
to que já existe sobre os principais
fatores de risco, a vontade manifesta
de querer saber mais sobre a doença
e como a prevenir”, assim como o
“nível de notoriedade reconhecido
à Liga Portuguesa Contra o Cancro
como principal obreira desta sensi-
bilização para o diagnóstico precoce,
fatores de risco e de trabalho eficaz a
nível da literacia relativa à doença”.
A questão dos seguros
Refletindo sobre o acesso aos cui-
dados de saúde no cancro, Maria de
Belém considera “que a perceção
dominante é a de que é difícil entrar
no circuito dos cuidados mas quem
entra é bem tratado com preferên-
cia pelo SNS”, deixando um alerta
quanto aos seguros de saúde. “Cha-
mo a atenção para a importância de
a informação sobre níveis e graus
de cobertura ter de ser muito mais
explícita. As pessoas compram ou pa-
gam porque a insegurança é grande e
pretendem sobrecobertura mas sem
o grau de esclarecimento e informa-
ção a que devem ter acesso. Este é um
aspeto de enorme importância para a
regulação.”
Num tempo fortemente marca-
do pela pandemia, o estudo mostra
também que o surto de covid-19 teve
impacto no tratamento do cancro
(92% dos inquiridos), entre exames,
consultas e tratamentos cancelados.
“Veio dificultar tudo: o acesso com
o consequente atraso ou inexistên-
cia de diagnósticos, suspensão de
atividade programada considerada
não urgente, atraso nos tratamentos
em curso, demarcações sucessivas,
receio de ir aos hospitais, tudo aquilo
que tem acontecido e que todos bem
sabemos.” A questão passará por de-
terminar as suas consequências num
futuro não muito distante. “Não sa-
bemos é por quanto tempo, com este
agravamento galopante da situação.
Para nossa relativa tranquilidade os
IPO continuam a funcionar e a rece-
ber doentes dos outros hospitais mas
a sua capacidade não é ilimitada. Uma

PELA COVID-19 COM 44%

re Isabel Galriça Neto, acrescentando o Cancro e da Sociedade para o Expresso, 32% dos inquiridos certeza tenho: farão o seu melhor.”
um ponto importante à discussão: Portuguesa de Oncologia. concordaram que os cuidados pa- sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de janeiro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 39

Henrique Monteiro

ESTADOS DE ALMA
OS LONGOS 15 DIAS
Calma, não entrem em
pânico, isto confina-se
durante 15 dias e
conseguimos. As escolas
fecham também duas
semanas e depois
compensa-se na Páscoa e no fim do ano.
Mas, espera, se as infeções continuam a
crescer, é suposto daqui a 15 dias estarmos
com ainda mais óbitos. Pois, o melhor é
confinar mais 15 dias ou um mês. Como
o Governo não cumpriu a palavra (e
ninguém exigiu que cumprisse) de entregar
computadores a todo o ensino público,
manda a chamada igualdade (na verdade,
igualitarismo arqueológico soviético) que
o ensino privado não possa ter aulas à
distância. Valha-me Deus! Espera, já pode,
passou a ser bom o ensino à distância e,
além disso, ninguém o proibiu. Desculpem,
não tinha percebido! Agora, o Governo
até o recomenda! As argumentações e
justificações que nos vendem seriam para
rir, acaso isto não fosse trágico. Não há a
noção de que a guerra não é entre privados
e públicos, ricos e pobres, mas de todos
contra o vírus. Valha-nos Marcelo.

MAIS OXIGÉNIO

FOTO NUNO FOX

Diz-se que, antes de
morrer, Goethe disse,
como últimas palavras:
“Luz, mais luz.” Com este
maldito vírus, o problema
é o oxigénio. Não só na

Trezentos e três Amazónia, onde a sua

falta é absolutamente dramática, como
até por cá, no Hospital Amadora-Sintra,
que teve de deslocar um bom número de
doentes para outras unidades devido a

M
arcelo Rebelo de Sou-
sa, na noite em que foi
reeleito Presidente da
República, recordou
os mortos e os doentes de co-
vid. Como alguém já frisou,
chegámos ao ponto de ter tan-
tos mortos como se um avião
comercial, dos maiores, caísse
diariamente em Portugal. O úl-
timo número que ouvi foi 303,
mas sabemos que vai ser (ou
já foi) ultrapassado. Biden, na
emotiva tomada de posse como
Presidente dos EUA, dedicou
também uns momentos de re-
flexão ao flagelo da pandemia.
Mas, nos EUA, responsabiliza-
-se Trump pela boçalidade e
irresponsabilidade com que
tratou a covid. Por cá, quando
uma jornalista põe a hipótese
de não ter havido suficiente
planificação, a ministra res-
ponde-lhe que “é criminoso
pensar assim”.
Pensar nunca é criminoso.
Uma ação pode ser crimino-
sa, mas um pensamento só o
será em termos metafísicos
ou religiosos (no sentido em
que se peca por pensamento).
De resto, a jornalista em cau-
sa, Fátima Campos Ferreira,
que não é propriamente uma
um problema que não ficou claramente
estagiária ou principiante na mundo. O que se passou? Por- boração dos privados, em vez esclarecido. Mas coloquemos as coisas
profissão, tinha a obrigação de que se passou? Se não quiser- de os requisitar, como preten- em perspetiva: nas nossas queridas redes
fazer aquela pergunta. Porque mos estudar o assunto, corre- diam certas almas, certamente sociais, onde o extremismo deambula,
é uma questão que muita gente mos o risco de ele se repetir. bem-intencionadas mas sem a se insinua e colhe inocentes, houve logo
coloca, e eu, correndo o risco Face à situação atual, temos mínima noção do que temos quem considerasse o que se passa em
de tornar-me criminoso aos duas hipóteses: uma fuga, pela frente. Manaus como um crime contra o povo. A
olhos da ministra e quem sabe como a da ministra, desatan- Não pretendo centrar-me na deputada Joana Mortágua acrescentava
do Governo, tenho essa dúvida. do a chamar nomes a quem se resposta da ministra, porque que faltar oxigénio nos hospitais é o grau
Que é absolutamente legítima! interroga, para depois, com ar admito que estivesse numa zero da democracia. É fantástico! Bem sei
Nós tínhamos, até novembro, compungido, recordar o esfor- hora infeliz, que ande dema- que o objetivo era atacar Bolsonaro, que,
uma evolução da pandemia que ço dos nossos profissionais de siado cansada e que não fosse aliás, o merece. Mas, apesar de a dimensão
estava em linha com os países saúde, ideia com que todos con- ‘criminoso’ a palavra que que- do problema não ter comparação, volto ao
mais moderados. Ou seja, não cordamos; ou tentar perceber ria usar. Mas sei que, acaso fos- refrão: isto não é uma luta política, não há
estávamos como o Reino Uni- as causas de tal despautério. se, então teria de dizer-lhe que regimes melhores ou piores para a covid.
do, como a Itália, como a Espa- Mas tentar percebê-las a sé- essa categoria de intimidação Ou será que a dirigente do BE pensa que
nha, como a Suécia, e menos rio, o que difere de fazer previ- é bastante comum em países existem?
ainda como outros países de sões aproximadas de quantos que não prezam a democracia
outras latitudes. Depois da ‘fol- casos teremos para a semana e, logicamente, a liberdade de ALEMÃES
ga’ do Natal, que não foi um ou durante quanto tempo te- expressão. Como teria de es- Imaginem se há um
caso apenas português, surgi- remos e aguentaremos este tranhar o silêncio das organi- mês alguém dissesse:
mos em janeiro como lúgubres pico, mesmo pedindo ajuda a zações de jornalistas, dentro e não é só aos privados
recordistas de infeções e óbitos países terceiros ou — horror fora da RTP. que devemos recorrer,
por milhão de habitantes. Não dos horrores, ainda há poucas Em Portugal tudo se passa é também a hospitais
só na Europa como em todo o semanas! — solicitando a cola- como se nada se passasse. Ou- estrangeiros, a médicos
tra pessoa, de outro Governo, militares alemães... Ai,
com outras agendas e com as- mãe! Os nomes com que seria mimoseado
sessores menos influentes que quem o afirmasse. Mas a vida é assim, a
Depois da ‘folga’ do Natal, que não dissesse uma coisa daquelas realidade não é inteiramente determinada
foi um caso apenas português, surgimos estaria sob fogo. Aqui, onde por gabinetes políticos nem por assessores
como lúgubres recordistas de infeções morrem cerca de 300 pessoas de imagem. E o que tem de ser tem muita
e óbitos por milhão de habitantes. Não por dia, o pior sítio do mundo, força. Por isso, meus caros, aí temos
é crime perguntar porquê. Eis militares alemães a ver as nossas condições
só na Europa como em todo o mundo. uma causa para o Presidente e o nosso Ministério da Defesa a trabalhar
O que se passou? Porque se passou? passar do pensamento à ação. com eles. É a vida... como dizia o outro.
hmonteiroexpresso@gmail.com

OS DIAS QUE ME OCORREM

VITÓRIAS Se não leram a crónica CORRUPÇÃO se encerrar o caso do enfermeiros, auxiliares
Nas eleições de domingo que neste número Portugal voltou a procurador nomeado vários, bombeiros,
passado — e se bem escreve Miguel Sousa baixar no índice de por Portugal; na Saúde maqueiros (quem for
percebi — ganhou Tavares, leiam. perceção da corrupção há uma trapalhada que tenha a ver com
André Ventura. Seguiu- da Transparência geral, descontrolo, falta profissões ligadas à
-se António Costa, um ACORDO Internacional. Em 2020 de voz de comando; na saúde) se esfalfa e
rapaz que é líder do O PSD e o CDS, ou o baixou três lugares, TVI, o primeiro-ministro se desfaz para salvar
CDS, Ana Gomes, um que resta deles, fizeram sendo que a sua média desautoriza ministros, vidas, não é de bom
bâton de Marisa Matias um acordo autárquico. é bastante inferior à da ou mente, ou outra tom discutir-se no
e, finalmente, Marcelo Os dois partidos União Europeia, estando coisa qualquer. Penso, Parlamento a eutanásia.
Rebelo de Sousa, um comprometem-se a agora em 33º lugar, com pois, estarem reunidas Independentemente da
senhor que ouvia rádio ir juntos, sempre que a pontuação mais baixa as condições para posição que cada um
dentro de um carro. possível, em certas de sempre. Se isto não considerar Portugal tenha sobre o assunto,
Um pouco mais a sério: e determinadas faz soar as campainhas um país preparado. Ou, há um tempo para cada A salvação
a vitória de Marcelo autarquias — há de para a gestão da como dizia em junho coisa; e este é o tempo dos homens reside
foi incontestável, decidir-se quais —, com ‘bazuca’ ou do dinheiro uma militante da JS, de lutar pela vida. Mais
impossível de lhe um programa comum que vem da Europa, não um país com “um povo tarde pode debater-se no seu coração, no
retirar significado e que trata de coisas e sei que outra coisa fará. experimentado e um a dignidade do seu fim. poder de interrogar,
conteúdo. A vitória dos com candidaturas que se Governo capaz”. Não é preciso ser génio na modéstia e na sua
moderados foi total; no verá na altura própria. A PROPÓSITO para perceber; basta ver
entanto, como escrevi Do anúncio, apenas saiu Portugal sofre nova EUTANÁSIA o mundo e ser humilde. responsabilidade
no Expresso online, um dado positivo: tanto recessão técnica (dois Não será necessário Václav Havel (1936-2011),
insiste-se em debater um partido como o trimestres consecutivos ter dois, nem um, nem VACINAS Presidente da
os extremos e o jeito outro recusou qualquer de queda do PIB face aos meio dedo de testa Quem paga adiantado República Checa, líder da
que isto dá ao primeiro- aliança com o Chega nas três meses anteriores), para perceber algo é mal servido? Parece revolução democrática (1989)
-ministro para poder próximas eleições (que, dizem os analistas. No tão simples como isto: ser o caso da UE com a
continuar a governar. se tudo correr bem, Parlamento Europeu, no mesmo momento AstraZeneca. Ver-se-á se
Mas a governar o quê? serão lá para outubro). a ministra pede para em que médicos, o provérbio se adequa.

Ricardo
Costa
Bem-vindos
ao grande
abalo
N
a semana de todos
os desastres, os
portugueses acor-
reram às urnas
num número bem
superior ao espera-
do. Foi a melhor — e a única —
notícia de semana, porque aca-
bou com todas as especulações
sobre a legitimidade política do
Presidente eleito.
Na essência, essa legitimidade
nunca estaria verdadeiramente
em causa. Todos os portugue-
ses, a começar pelos seus ad-
versários, sabiam que Marcelo
Rebelo de Sousa seria reeleito
qualquer que fosse a partici-
pação eleitoral. Fossem às ur-
nas 10% ou 100% dos eleitores,
Marcelo seria sempre o eleito.
A escolha de Marcelo assen-
ta numa razão cristalina que,
sendo valiosa, encerra um
problema. O atual Presidente
não precisa dos partidos para
nada porque tem uma ligação
genuína, direta e transversal
com a população. Essa desin-
termediação, que faz dele um
quase Sidónio Pais, representa
um problema para os partidos,
sobretudo quando está a ocor-
rer uma das mais sérias recon-
figurações do nosso sistema
partidário.
O desastre da
pandemia, o novo
mapa partidário e o
caso que envolve José
Sócrates fazem de
2021 o ano de todos
os abalos
Já tivemos a aventura do
PRD, a fusão que levou ao BE
e muitas outras coisas episódi-
cas. Mas a inexistência combi-
nada de um partido de direita
soberanista, de um CDS em cri-
se e de um PSD menos central,
abriu caminho a uma alteração
que pode ir bem além das pre-
sidenciais.
Apesar de o Chega não cor-
responder — ao contrário dos
seus congéneres internacionais
— a nenhum movimento social
anti-imigração ou refugiados,
anti-islâmico, antidesintegra-
ção da unidade do Estado ou
pró-identidade nacional, con-
segue abarcar o chamado an-
tissistema. Este conceito, em
rigor, é simultaneamente am-
plo e vazio, poderoso e desmon-
tável, perigoso ou ridículo. É
tudo isso e ocupa o vazio. Ocu-
pa todos os vazios.
Que tudo isto aconteça no
segundo ano da pandemia não
é, nem será para a História,
um pormenor. 2020 foi o ano
da pandemia global, mas 2021
está a ser o ano da pandemia
do nosso desastre nacional, em
particular de uma máquina go-
vernamental e administrativa
que ficou parada nos anos 90.
Em cima disto chegará, em
breve, num processo de eterno
retorno, a decisão da Operação
Marquês. É o abalo que falta
para que 2021 ponha tudo e
todos em causa.
rcosta@expresso.impresa.pt
CELEBRAÇÃO DO NASCIMENTO DO MAIOR INDUSTRIAL PORTUGUÊS DO SÉCULO XX
alfredodasilva150anos.pt
e ainda...
( (
Abel Ferreira
As comparações
com Jesus
no Brasil R36
Centeno dá relatório
secreto a Parlamento
Relação rejeita
divulgação de documento
na insolvência do BES.
Decisão sem efeito na
comissão de inquérito
O Banco de Portugal, liderado
por Mário Centeno, entregou
à comissão parlamentar de
inquérito do Novo Banco o re-
latório que avalia a atuação da
liderança de Carlos Costa nos
últimos meses antes da queda
do antigo BES, confirmou o
Expresso. O documento data
de 2015 e foi realizado a pedi-
do do antigo governador, que
sempre se recusou a entregá-
-lo ao Parlamento.
O relatório de cerca de 500
páginas, que é crítico do papel
da autoridade bancária, não
poderá ser partilhado publi-
camente e chega às mãos dos
deputados apesar de o Tribu-
nal da Relação de Lisboa se ter
recentemente pronunciado
O mês sagrado em que se jejua, se mergulha e se leem histórias
NEPAL “Swasthani Brata Katha” é nome de um livro sagrado hindu e também de um mês
de celebração. Começa na primeira lua cheia do mês de Pohela do ano nepalês (este ano,
28 de janeiro no calendário gregoriano) e dura 31 dias, tantos quantos os capítulos da obra.
Os fiéis cumprem rituais como rezar, jejuar, rebolar pelo chão e banhar-se no rio, no caso
da imagem o Hanumante, em Bhaktapur. A cada noite leem um capítulo do livro, que narra
a Criação. O fim das festividades é assinalado com banquetes e dádivas à deusa Swasthani,
em que de todos os objetos se oferecem 108 peças. FOTO NAVESH CHITRAKAR/REUTERS
Embate deixa RTP
sem provedor
Conselho de Opinião
e administração sem
entendimento. Empresa
vive momento de
mudança em 37 cargos
O Conselho de Opinião da
RTP, órgão com 32 membros
nomeados para representar a
sociedade civil, mantém a re-
jeição do nome proposto pelo
Conselho de Administração
para provedor do telespecta-
dor, José Alberto Lemos.
Este órgão, com um poder
vinculativo nesta decisão, não
vê qualquer razão para justifi-
Bielorrússia
Seis meses
de protestos
na rua P27
sobre o documento, dizendo
que o segredo não deveria ser
levantado perante os acusados
da insolvência do BES, entre
os quais Ricardo Salgado.
Segundo respondeu o Ban-
co de Portugal a questões do
Expresso, o acórdão do Tri-
bunal da Relação de Lisboa
Centeno envia
à comissão de
inquérito o relatório
sobre o supervisor,
crítico do papel de
Carlos Costa no BES
diz respeito ao levantamento
do segredo de supervisão so-
bre o relatório “para efeitos
apenas do julgamento sobre
qualificação da insolvência do
BES a correr no Tribunal de
Comércio de Lisboa”.
car mais aprofundadamente
o chumbo inicial, recusa qual-
quer incumprimento legal e
aguarda uma nova indigitação
por parte da equipa presidida
por Gonçalo Reis. Não vai re-
ceber nenhum nome de volta.
“A administração da RTP
recebeu uma carta do Con-
selho de Opinião com a defe-
sa jurídica do veto ao nome
proposto para provedor do
telespectador. O Conselho de
Administração vai ponderar
os próximos passos, tendo em
consideração o processo de
mudança do Conselho de Opi-
(
Navalny
O homem
que Putin
teme R28
Já a comissão de inquérito
ao Novo Banco tem poderes
próprios e todos os partidos
solicitaram o relatório ao su-
pervisor. A autoridade diz que,
com as regras de transparên-
cia da banca implementadas
em 2019, “tem o dever de en-
tregar toda a informação/do-
cumentação, ainda que sujeita
a segredo de supervisão”.
Os deputados podem ler o
relatório, realizado por uma
equipa liderada pelo ex-gover-
nador João Costa Pinto e apoi-
ado pela Boston Consulting
Group, mas não o vão poder
divulgar. Passa a haver, sobre
todos, dever de segredo.
O relatório vinha sendo in-
sistentemente solicitado pelo
Parlamento, mas, na liderança
de Carlos Costa, houve sem-
pre recusa por considerar do-
cumento interno (e as comis-
sões de inquérito ainda não
tinham tanto poder).
nião em curso”, indica a atual
liderança do grupo de comuni-
cação social.
A administração de Gonçalo
Reis — os seus três membros
saem de funções em março, no
seguimento do recrutamento
em curso — deixa, assim, a se-
leção de um novo provedor do
telespectador para o novo man-
dato do Conselho de Opinião
(2021/2025). Os 32 membros
são designados pelo Parlamen-
to, comissões e associações da
sociedade civil, entre outros.
Por agora, a RTP já não tem
provedor do telespectador, já
que Jorge Wemans deixou o
cargo no final do ano e o pro-
vedor do ouvinte, João Paulo
Guerra, também está a ter-
minar o mandato. E o conflito
entre os conselhos continua.
Ao todo, há 37 nomes em
jogo na estrutura do grupo.
Últimas
Teste rápido de saliva para
covid-19 Investigadores do
laboratório de Medicina do Ge-
noma do Instituto de Biomedi-
cina (iBiMED) da Universidade
de Aveiro desenvolveram um
método de teste de saliva para
a covid-19, que permite testa-
gem rápida e sem sair de casa.
O novo “kit da saliva” aguarda
aprovação.
Estudo confirma coinfe-
ção por coronavírus Um
estudo feito em doentes que vi-
vem no estado brasileiro do Rio
Grande do Sul mostra que o
mesmo paciente pode ser infe-
tado ao mesmo tempo por duas
estirpes do novo coronavírus.
Peritos da OMS estão em
Wuhan A equipa de 13 téc-
nicos da OMS que vão investi-
gar a origem da pandemia de
covid-19 em Wuhan terminou
os 14 dias de quarentena. Os
investigadores vão ficar duas
semanas para estudar a origem
da pandemia da covid-19.
UE: 92 milhões à beira da
pobreza Na União Europeia
existem 92 milhões de pessoas
em risco de pobreza, sobretu-
do mulheres, segundo a ONU.
CUF: 4 hospitais comba-
tem covid A CUF tem mais
um hospital da rede — CUF
Sintra — a tratar doentes covid,
somando-se aos 2 em Lisboa e
1 no Porto, passando a ter 120
camas de internamento geral e
cuidados intensivos. Em total
articulação com as ARS Norte,
Centro e Lisboa e Vale do Tejo,
já recebeu mais de 100 doentes
covid de 20 hospitais do SNS.
Tesla tem lucros Pela pri-
meira vez na sua história, a
empresa norte-americana de
carros elétricos Tesla encerrou
um ano com lucros líquidos de
721 milhões de dólares (€596
milhões) em 2020.
Santa Casa No primeiro con-
finamento, a Santa Casa da Mi-
sericórdia de Lisboa decidiu
subscrever 3000 assinaturas
do Expresso, entregando-as
a leitores sem possibilidades
económicas. Agora, de novo
em confinamento, a Santa
Casa acertou um novo acordo,
renovando a oferta da Assina-
tura Digital por 6 meses para
1000 leitores do Expresso.
TEMPO FIM DE SEMANA
SEXTA SÁBADO
Bragança 14° 11° 12° 7°
Porto
Guarda
15° 12°
13° 7°
14°
8°
11°
4°
Sexta-feira
29 de janeiro Lisboa 17° 11° 16° 12°
29
de 2021
Évora 15° 10° 16° 10°
Faro 17° 12° 19° 11°
P. Delgada 18° 14° 18° 13°
01
Funchal 19° 15° 20° 16°
MARÉS SEXTA SÁBADO
Baixa Alta Baixa Alta
Porto 09:26 15:34 10:04 16:12
Lisboa 09:33 15:59 10:12 16:39
Faro 08:53 15:13 09:31 15:53
#2518 FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
expresso.pt
Cinzento “Estou preso ao
meu pensamento/ Como o ven-
to preso ao ar”, escreveu Fer-
nando Pessoa. Chuva e vento,
para ver pela janela.