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CLUBE DE REVISTAS

00122
ISSN 1809-466X

9 77180 9 466007

Ano 17
Número 122
outubro/2023
R$ 29,99 28
€ 5,00

capa individual5.indd 1 19/10/2023 10:44:41


CLUBE DE REVISTAS
NEUTRO

      


        
   
      


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PROMOÇÃO: APOIO:
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ORGANIZAÇÃO: E MARKETING:

12 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br

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12 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br

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CLUBE DE REVISTAS

EXPEDIENTE
PUBLICAÇÃO
Editora Círios SS LTDA
ISSN 1677-7158

DÉFICIT DE CHUVAS NO INTERIOR DO AMAZONAS E


CNPJ 03.890.275/0001-36 EDITORA CÍRIOS
Rua Timbiras, 1572-A
NORTE NO PARÁ FOI O MAIS SEVERO EM 40 ANOS Fone: (91) 3083-0973
Fone/Fax: (91) 3223-0799
Cel: (91) 9985-7000
A seca na Amazônia deve durar pelo menos até dezembro quando o CEP: 66033-800
fenômeno El Niño atingirá a sua máxima intensidade. Até lá, as previsões Belém-Pará-Brasil
de chuva indicam volumes abaixo da média. O alerta foi feito nesta quarta-
DIRETOR
feira (04) pelo Cemaden, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da

05
Rodrigo Barbosa Hühn
Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo o comunicado, desde o mês de pauta@revistaamazonia.com.br
maio, parte dos estados do Amazonas e do Pará vem registrando chuvas
PRODUTOR E EDITOR
abaixo da média. A situação pode ser uma consequência do inverno... Ronaldo Gilberto Hühn

QUEIMADAS NO AMAZONAS ACIONAM amazonia@revistaamazonia.com.br

DECRETOS DE EMERGÊNCIA AMBIENTAL COMERCIAL


Alberto Rocha, Rodrigo B. Hühn
O governador do Amazonas, Wilson Lima, assinou na última 3ª comercial@revistaamazonia.com.br
feira (12/9) um decreto de emergência ambiental em virtude das
ARTICULISTAS/COLABORADORES
queimadas que assolam o estado nas últimas semanas, que vigorará Agência Brasil, Ascom Ibama, Ben Turner, Camila Ferreira Leão, Charles Q. Choi, Darrell
por 90 dias. O decreto abrange os municípios de Apuí, Novo Aripuanã,

07
Kaufman, Earth’s Future, Genevieve Normand, Graham Rush, Instituto de Tecnologia
de Massachusetts, IPBES, Imprensa MCTI, Mariana Alvarenga, Mathiew Leiser, Matt
Manicoré, Humaitá, Canutama, Lábrea, Boca do Acre, Tapauá e Davenport, Northern Arizona University, Ronaldo G. Hühn, Science, Universidade
Maués, no sul do estado, além da região metropolitana de Manaus. Estadual de Michigan, Universidade Federal do Pará, Universidade de Leeds, Universidade
de Minnesota, Universidade de Utrecht;
O governo também anunciou a destinação de R$ 1,1 milhão...

ONDAS DE CALOR RECENTES DESTACAM FOTOGRAFIAS


Academia de Ciências da Califórnia, Agência Brasil, AFP, Anders Priemé,, Arquivo/Secom,
O NOVO ESTADO CLIMÁTICO DA TERRA BBC, BC Wildfire Service, Brett Monroe Garner, Cadu Gomes/VPR, CBMA/Divulgação,
Center for Ecosystem Science and Society, Charles Q. Choi, Chien C Lee/PA,, Diego
Lourenço Gurgel, Divulgação, DS Kaufman, Eloisa Lasso, Emily Stone, Environmental
À medida que o calor escaldante atinge grandes áreas da Terra, muitas Research Health, Erika Berenguer, Earth’s Future, Federação Canadense de Vida Selvagem,
pessoas estão tentando contextualizar as temperaturas extremas e GCARE, Getty/Michael Dantas, Graham Rush, Hamilton Garcia, IISD/ENB/Anastasia
se perguntando: quando foi tão quente antes? Globalmente, 2023 Rodopoulou, Instituto de Nutrição e Saúde de Xangai/CAS, Internet, IF/USP, IPCC, Kathryn
teve alguns dos dias mais quentes nas medições modernas, mas e Whitney, Leader, Luke Mosley, Mary Fetzer, Michael WI Schmidt, Miguel Monteiro (IDSM),

14
Museu de História Natural da Universidade de Michigan, Nature, NASA/Goddard Space
mais para trás, antes das estações meteorológicas e dos satélites? Flight Center Scientific Visualization Studio, NASA/Joshua Stevens, Nature Reviews Earth
Alguns meios de comunicação relataram que as temperaturas diárias & Environment (2023), Northern Arizona University, NP McKay, 2022, Observatório da
atingiram uma alta de 100.000 anos... Terra da NASA, OsakaWayne Studios via Getty Images, Pedro Biondi/Agência Brasil, PeerJ
(2023), Penn State News, Pixabay/CC0 Domínio Público, Peter Roopnarine, PNAS,

SECA EM UMA REGIÃO DA FLORESTA


PNUMA, Polícia Federal, Prevfogo, Roy Kaltschmidt/Berkeley Lab, Science (2023), Science
Advances (2023), Sean Gladwell via Getty Images, Stuart Wagenius, The Prairie Ecologist,

AMAZÔNICA PODE IMPACTAR ÁREAS VIZINHAS


Universidade da Colúmbia Britânica, Universidade de Copenhague, Universidade Estadual de
Michigan, Universidade Estadual da Pensilvânia, Universidade Federal do Pará, Universidade

E COMPROMETER OS RIOS VOADORES


de Adelaide, Universidade de Leeds, Universidade de Minnesota, Universidade de Utrecht,
Universidade de Zurique, Unsplash, Unsplash/CC0 Domínio Público, Victor Leshyk, Visible
Infrared Imaging Radiometer Suite (VIIRS) da NASA, Wanmei Liang;
A seca pode atingir somente uma região da floresta amazônica, mas FAVOR
suas consequências se estendem para outras áreas, multiplicando EDITORAÇÃO ELETRÔNICA POR

18
os impactos, mostra estudo desenvolvido por pesquisadores Editora Círios SS LTDA
internacionais, com participação da USP. De acordo com a pesquisa,
para cada três árvores que morrerão devido às futuras secas na DESKTOP
Rodolph Pyle

A
CIC

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floresta, uma quarta árvore – embora não diretamente afetada...

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LE ESTA REV

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E CARNÍVOROS NOSSA CAPA


Ações contra a mudança global do Clima. Árvores absorvem dióxido de
carbono, removendo-o da atmosfera, ajudando a manter a Terra mais fria.
Um novo artigo publicado na PeerJ Life & Environment , de autoria de O conjunto das árvores – as florestas, protegem a biodiversidade. Árvores,
Camila Ferreira Leão, da Universidade Federal do Pará, lança luz sobre portanto, são fundamentais na natureza e para as nossas vidas. Na foto,
os efeitos das mudanças climáticas sobre os mamíferos carnívoros sobrepostas, ramagem com folhas da Castanheira do Pará. Foto: ODS 13 .
na Amazônia e sua representação dentro de Áreas Protegidas (UCs).
“Mudanças climáticas e carnívoros: mudanças na distribuição e eficácia

24
das áreas protegidas na Amazônia”, revela descobertas alarmantes
sobre a situação vulnerável desses animais e a eficácia das medidas de
conservação. Os mamíferos carnívoros, essenciais para a manutenção
e funcionamento do ecossistema amazônico, estão...

PREVENINDO INCÊNDIOS FLORESTAIS


Brigadistas e pesquisadores do Cerrado apontam que o uso
consciente do fogo vem ajudando a reduzir os incêndios florestais na
Chapada dos Veadeiros (GO) nos últimos anos. Prática adotada por
parte dos brigadistas da região desde o ano de 2014, ela se expandiu,
principalmente, depois dos grandes incêndios de 2017 e 2020 que

26
consumiram, respectivamente, 22% e 31% do Parque Nacional da
Chapada dos Veadeiros. O chamado Manejo Integrado do Fogo (MIF)
é o conjunto de técnicas que usam o fogo como ferramenta para
prevenir os incêndios florestais, como a queima do excesso...

MAIS CONTEÚDO
[06] Prognóstico de seca para Amazônia [10] Aquecimento das águas pode ter provocado a morte de 5% dos botos de Tefé
[11] Mundo ultrapassa marca de aquecimento de 1,5°C por número recorde de dias [17] IPCC emite orientações para a batalha
contra as mudanças climáticas [18] Seca em uma região da floresta amazônica pode impactar áreas vizinhas e comprometer os
rios voadores [21] As plantas podem piorar a poluição do ar em um planeta em aquecimento [28] Usando o fogo conscientemente
[30] Incêndios florestais no Canadá causam danos devastadores à vida selvagem [32] Medidas que podem ajudar a evitar incêndios
florestais [33] Cientistas pedem plantação de árvores para ajudar a enfrentar ondas de calor [34] Os rios estão aquecendo Para receber edições da
rapidamente e perdendo oxigênio: a vida aquática está em risco [37] 10ª Sessão da Plenária do IPBES e do Dia das Partes Interessadas Revista Amazônia gratuita-
[40] Estudo revela 10 mil registros de antigas comunidades indígenas escondidas sob a floresta amazônica [42] Antigos amazônicos
criaram intencionalmente uma “terra escura” fértil [46] Gases de bactérias e plâncton afetam o clima [48] O aquecimento climático
mente é só entrar no grupo
altera a memória e o futuro das florestas [50] A qualidade da água está se deteriorando nos rios em todo o mundo devido às www.bit.ly/Amazonia-Assinatura
mudanças climáticas e ao aumento de eventos climáticos extremos [52] O derretimento do gelo provavelmente desencadeou ou aponte para o QR Code
mudanças climáticas há mais de 8.000 anos [54] A Corrente do Golfo pode entrar em colapso em 2025, mergulhando a Terra no
caos climático [58] Preservando as florestas para proteger o solo profundo do aquecimento [60] Os seres humanos enfrentaram um
“perigo de extinção” há quase um milhão de anos [62] 19 “extinções em massa” tiveram níveis de CO2 para os quais agora estamos Portal Amazônia
nos voltando [64] A perda da biodiversidade levou ao colapso ecológico após a “Grande Morte” www.revistaamazonia.com.br

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Déficit de chuvas no interior
do Amazonas e norte no Pará
foi o mais severo em 40 anos
Fotos: Cadu Gomes/VPR

Desde maio, chuvas abaixo da média foram registradas


principalmente na região central do Amazonas, segundo o
Cemaden. Estiagem deve atingir a região até o fim de ano

A
seca na Amazônia deve du-
rar pelo menos até dezem-
bro quando o fenômeno El
Niño atingirá a sua máxi-
ma intensidade. Até lá, as previsões de
chuva indicam volumes abaixo da mé-
dia. O alerta foi feito nesta quarta-feira
(04) pelo Cemaden, unidade de pesqui-
sa vinculada ao Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação. Segundo o co-
municado, desde o mês de maio, parte
dos estados do Amazonas e do Pará vem
registrando chuvas abaixo da média.
Dados do Cemaden indicam que a produção agrícola familiar po-
A situação pode ser uma consequência derá ficar comprometida em pelo menos 79 municípios da região
do inverno mais quente provocado pelo
El Niño. O déficit de chuvas registrado
entre julho e setembro no interior do “Em grande parte do Amazonas, Acre Devido ao déficit acumulado de pre-
Amazonas e no norte do Pará foi o mais e Roraima, observa-se uma anomalia de cipitação, a umidade do solo alcançou
severo desde 1980. chuvas de -100 a -150 milímetros. níveis críticos ao longo do mês de se-
tembro”, informou o Cemaden.

Níveis dos rios


O Cemaden alerta ainda que o início
da estação de chuvosa, entre novembro
e dezembro, costuma elevar os níveis
dos rios. Contudo, com previsões abaixo
da média, alguns rios podem não atin-
gir os níveis normais em 2023. No dia
27 de setembro, a estação de medição do
rio Negro em Caricuriari registrou 3,37
metros – bem abaixo da mínima histó-
rica para o mês, que é de 7,11 metros. Já
o nível do rio Solimões baixou para 2,9
metros em Coari enquanto a mínima his-
tórica já registrada para o mês de setem-
bro é de 2,44 metros. “Grande parte dos
rios da região Norte, entre os estados do
Amazonas e Acre, encontra-se com ní-
veis muito abaixo da média climatológi-
ca”, alertou o Cemaden.

Mapa de percentil de umidade do solo para o mês de setembro. As áreas em tons de ver- [*] Agência FAPESP
melho indicam os locais onde a umidade do solo está abaixo da média para setembro

revistaamazonia.com.br REVISTA AMAZÔNIA 05

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Prognóstico de seca para Amazônia
por * Mariana Alvarenga Fotos: Hamilton Garcia

A
escassez de água duran-
te os períodos de seca na
Amazônia afeta direta-
mente as atividades de
pesca, agricultura e abastecimento das
comunidades ribeirinhas. Para apoiar
os órgãos de defesa civil na redução
dos impactos da estiagem, o Centro
Gestor e Operacional do Sistema de
Proteção da Amazônia (Censipam),
do Ministério da Defesa, promoveu
recentemente a conferência “Pré-seca:
Análise e Prognóstico para 2023”.
O evento, que ocorreu em Porto Velho, Durante o 1º Seminário de Hidrologia da Amazônia, o meteo-
rologista Luiz Alves, falou sobre as previsões climáticas
Rondônia, durante o 1º Seminário de Hi-
drologia da Amazônia, contou com uma
série de mesas-redondas e minicursos. O gráfico abaixo apresenta essa O Assessor Executivo da Defesa Civil do
Uma das palestras abordou o tema “Ama- anomalia climática prevista para Mato Grosso, Major do Corpo de Bombeiros,
zônia pelo clima: diagnóstico e prognós- os próximos meses. Lucas Souza, enfatizou que os conhecimen-
tico climático para a Amazônia Legal A área em verde claro aponta tos adquiridos no seminário auxiliam na to-
brasileira e internacional”, na qual o me- baixa incidência de chuva nos es- mada de medidas preventivas e na execução
teorologista Luiz Alves expôs as previsões tados de Roraima, Acre, Amapá e de estratégias de assistência à população
climáticas para os próximos três meses na em parte do Amazonas, Pará, Mato afetada pela seca. “O seminário gerou uma
Amazônia, de julho a setembro. Grosso e Maranhão. aproximação dos pesquisadores, cientistas e
De acordo com o especialista, o fenô- A conferência contou com a par- pessoas que geram dados conosco, da Defesa
meno El Niño, que está ocorrendo desde ticipação de membros da Organi- Civil. A partir das informações geradas por
junho, provoca interferência no clima no zação do Tratado de Cooperação esses especialistas, podemos tomar as deci-
País. O evento natural caracteriza-se pelo Amazônica (OTCA), único bloco sões em situações de risco iminente e buscar
aquecimento das águas do oceano Pacífi- socioambiental da América Latina, ações antes que os desastres possam vir a
co tropical. “Boa parte da Amazônia vai além deles, integrantes de organi- acontecer. O que a gente vê aqui traz mudan-
apresentar chuvas abaixo do normal para zações intergovernamentais e re- ças e melhorias lá na ponta “, frisou.
esse trimestre. A estação seca deverá ser presentantes dos setores público
prolongada e vamos ter mais ocorrência e privado, além da sociedade civil [*] Ascom Ministério da Defesa
de queimadas”, destacou. também participaram.

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Prognóstico de seca para Amazônia.indd 6 16/10/2023 17:23:24


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Queimadas no Amazonas
acionam decretos de
emergência ambiental
Segundo o INPE, o Amazonas registrou 3.925 focos de queimadas nos dez primeiros
dias de setembro. A intensificação do fogo cria problema de saúde pública
Fotos: Arquivo/Secom, CBMA/Divulgação, Divulgação, Environmental Research Health, Polícia Federal

Segundo pior setembro em número de focos de fogo desde 1998

O
governador do Amazo- A iniciativa acontecerá no âmbito de um reduziu mais de 73% em relação ao mes-
nas, Wilson Lima, assi- novo projeto, em parceria com a Funda- mo período no ano passado, quando o
nou na última 3ª feira ção Amazônia Sustentável (FAS) e apoio Acre registrou 3.650 focos de incêndio.
(12/9) um decreto de da organização Re:wild, do ator Leonar-
emergência ambiental em virtude do Di Caprio. Dados do INPE mostram Amazonas tem o 2º pior
das queimadas que assolam o estado que as queimadas estão se intensificando setembro desde 1998
nas últimas semanas, que vigorará no Amazonas. Somente nos primeiros
por 90 dias. O decreto abrange os dez dias de setembro, foram registrados Calor e seca impulsionam queimadas no
municípios de Apuí, Novo Aripuanã, 3.925 focos de incêndio no estado. maior estado da Amazônia brasileira, que
Manicoré, Humaitá, Canutama, Lá- Desde janeiro, o Amazonas registrou experimentou o segundo pior setembro
brea, Boca do Acre, Tapauá e Maués, 11.736 focos. A situação das queima- em número de focos de fogo desde 1998.
no sul do estado, além da região me- das também é preocupante no Acre. De O Amazonas experimentou um setem-
tropolitana de Manaus. acordo com o INPE, o estado registrou bro particularmente devastador com as
O governo também anunciou a des- 976 focos de incêndio nos primeiros queimadas. De acordo com o Programa
tinação de R$ 1,1 milhão para remune- nove dias de setembro, número cinco Queimadas, do INPE, o estado registrou
rar uma equipe de 153 brigadistas que vezes maior que o registrado no mes- 6.871 focos de incêndio, o segundo pior
atuam contra as queimadas no “arco do mo período no mês de agosto. Ape- índice para o mês desde 1998, quando
desmatamento” do sul amazonense. sar da alta, o número de queimadas começou a série histórica.

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Ações do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) no combate aos focos de incêndio

O número é parcial, já que contabiliza Segundo o INPE, foram regis- utilizado por desmatadores para limpar
os focos até o último dia 29. O acumula- trados 32.094 focos em toda a o terreno depois da derrubada da vegeta-
do no último mês só não é maior que o Amazônia Legal em setembro, ção. O quadro é particularmente preo-
de setembro de 2022, quando o Amazo- número abaixo dos 48.570 levantados cupante na região metropolitana de
nas registrou 8.659 focos de incêndio. O no mesmo mês em 2022 e da média his- Manaus. O governador do Amazonas,
total deste ano, no entanto, já está bem tórica para o mês (32.477). Wilson Lima, pediu a ajuda de dois he-
superior à média histórica anual no es- Dois fatores podem explicar essa di- licópteros da Marinha para combater as
tado: de janeiro a setembro, foram con- ferença: o calor intenso e a seca atípica queimadas no entorno da capital ama-
tabilizadas 14.682 queimadas, superior que acometem boa parte da Amazônia zonense. As autoridades estaduais de-
à média de 9.617 dos últimos 25 anos. central nas últimas semanas. cretaram situação de emergência na 6ª
Os dados do Amazonas destoam do O tempo quente e seco facilita a dis- feira (29/9) em 55 dos 61 municípios do
resto do bioma amazônico. seminação do fogo, que segue sendo interior afetados pela seca.

Helicópteros da Marinha ajudando a combater as queimadas no entorno da capital amazonense

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Preocupações com a queima de vegetação em termos de saúde pública
Um estudo publicado na revista En-
vironmental Research Health estimou
o impacto dos incêndios florestais e
queimadas que ocorreram na América
do Sul entre 2014 e 2019 em termos
de saúde pública. Os números são
preocupantes: cerca de 12 mil mortes
prematuras anuais registradas neste
período podem estar diretamente as-
sociadas aos poluentes liberados pela
queima de vegetação, sendo que 55%
delas ocorreram no Brasil. A queima
de vegetação libera material particu-
lado do tipo MP2.5, que conseguem
percorrer grandes distâncias pelas
correntes de ar na atmosfera, chegan-
do a regiões milhares de quilômetros
distantes dos focos de incêndio.
Por razões óbvias, as populações
mais vulneráveis à poluição decor-
rente de incêndios florestais e quei-
madas são aquelas que vivem nas
áreas próximas ao fogo, principal-
mente as comunidades indígenas. Distribuição espacial das internações hospitalares

Ocorrências nacionais de internações hospitalares respiratórias e circulatórias (total de 2008 a 2018) (A, B). Concentrações
de PM 2·5 (média durante o período de estudo) (C) e densidade de incêndios florestais (D) (com base na densidade do Kernel
com um tamanho de célula de saída de 0,15°; aqui contabilizamos todos

Últimas notícias
Na quarta-feira, 11/10, a Polícia Fede-
ral prendeu em flagrante dois homens
por envolvimento em queimada ilegal
em região próxima Manaus.
Os presos assumiram que já pratica-
ram o mesmo crime anteriormente e
foram capturados com motosserras, ga-
lões de gasolina e fósforos. Os homens
foram encaminhados para a Superinten-
dência Regional da PF e, em seguida,
para audiência de custódia, onde per-
manecerão à disposição da Justiça.
A Polícia Federal abriu investigação
para verificar as causas das queimadas
na Região Metropolitana de Manaus.
O Amazonas teve reforço federal
contra as queimadas e foi enviado
mais efetivo da Força Nacional para
ampliar o combate aos incêndios flo-
restais no Amazonas. A densa nuvem
de fumaça que encobria Manaus já Presos assumiram que já praticaram o mesmo crime anteriormente
estava se dissipando

revistaamazonia.com.br REVISTA AMAZÔNIA 09

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Aquecimento das águas pode ter
provocado a morte de 5% dos botos de Tefé
Somente no fim de semana, 110 animais morreram no Lago Tefé, no Amazonas. Espe-
cialistas buscam as causas da mortandade. Temperatura da água chegou a 40 graus

por *Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) Fotos: Miguel Monteiro (IDSM)

População afetada
O diretor do Instituto Mamirauá, João Valsecchi, acrescenta
que o baixo nível da água no Lago Tefé também tem causado
transtornos para a população. “Os eventos extremos têm im-
pactado não somente a biodiversidade da região, mas também
a população da Amazônia pela dificuldade de mobilidade, in-
cluindo restrição de acesso a muitas áreas, e consequentemente
o aumento do custo de vida”, relatou. “Escolas estão sendo fe-
chadas, linhas de barcos deixam de funcionar, todos os produ-
tos estão mais caros nas cidades e principalmente no interior e,
neste ano, de forma muito atípica, estamos registrando a mor-
No Lago Tefé, no Amazonas
talidade de pescado e botos no Lago Tefé”, ressaltou. Segundo
o diretor do Mamirauá, na seca de 2010, o Lago Tefé atingiu

C
erca de 5% da população de botos amazônicos da um nível ainda mais baixo, mas os impactos da seca atual po-
região de Tefé, no Médio Solimões, morreu desde dem ser piores. “Esta seca de 2023 pode se tornar mais extre-
o início da seca que atinge o estado do Amazonas. ma. Mesmo antes de atingir níveis tão baixos, o evento causou
A estimativa é da pesquisadora Miriam Marmon- mais danos do que qualquer outro anterior. Isso provavelmente
tel, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, é consequência de um acúmulo de impactos causados pela po-
organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tec- luição urbana, pelo assoreamento do Rio Tefé, pela poluição do
nologia e Inovação. Segundo ela, a mortandade inclui botos ar devido ao grande número de queimadas, e pode ser que ainda
vermelhos e tucuxis. Especialista em mamíferos aquáticos, sejam descobertos outros agravantes.”
Miriam pesquisa os botos da Amazônia há 30 anos. Segundo
ela, a população de botos e tucuxis no Lago Tefé é estimada Ações com a comunidade
em 900 e 500 indivíduos, respectivamente.
“Estamos enfrentando um evento de mortalidade incomum Além do trabalho realizado para recuperar os cetáceos, pes-
de botos amazônicos no Lago Tefé – uma situação muito quisadores do Instituto Mamirauá também estão ajudando a
preocupante e grave. Entre sábado (24) e segunda-feira (2), população ribeirinha. “A gente monitora as informações sobre o
perdemos 110 animais entre botos-vermelhos e tucuxis”, ex- nível do rio e o clima e emite boletins periódicos que são distri-
plicou. De acordo com a pesquisadora do Instituto Mamirauá, buídos na rádio local e pelas redes sociais”, informou o pesqui-
a causa da morte desses animais ainda é desconhecida. Ela sador Ayan Fleischmann. O mapeamento da profundidade do
acredita, no entanto, que a mortandade está ligada às altas Lago Tefé é disponibilizado para evitar que os barcos encalhem.
temperaturas das águas. “A minha impressão é que tem algo “Também estamos falando sobre a seca em locais como a
na água, obviamente, relacionado à situação de seca extrema, feira municipal, para conscientizar a população e discutir
baixa profundidade dos rios e, consequentemente, ao aqueci- medidas de adaptação sobre os eventos climáticos extremos
mento das águas. A média histórica da temperatura da água que temos vivido”, destacou. “Para lidar com esses impactos,
no Lago do Tefé é de 32 graus e, na quinta-feira, nós aferimos precisamos que a população local se engaje, para que possa-
40 graus até três metros de profundidade”, disse. mos nos antecipar à próxima seca extrema”.
Miriam ressaltou que equipes de apoio e resgate de cetáceos
vivos chegaram a Tefé no fim de semana. “Seguimos com a
coleta e amostram de animais mortos e o monitoramento dos
vivos. Agora, vamos tentar uma captura de animal debilitado
para coleta de amostras e acompanhamento.” A pesquisadora
explicou ainda que foi alugado um barco flutuante com piscina,
para onde serão levados os animais resgatados com vida.
O objetivo é manter os animais nesta piscina até sair o re-
sultado da análise dos estudos. “Se for um agente infeccioso,
seria muito arriscado liberar os animais para o rio Solimões,
pois terminaria infectando o resto da população. Aparen-
temente, isso é um evento isolado no Lago Tefé, e não há
registro de algo semelhante acontecendo nas cidades do en-
No Lago Tefé, no Amazonas
torno”, concluiu a pesquisadora.

10 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br

Aquecimento das águas pode ter provocado a morte de 5 dos botos de Tefé.indd 10 17/10/2023 11:05:42
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Mundo ultrapassa marca de
aquecimento de 1,5°C por
número recorde de dias
Em cerca de um terço dos dias de 2023, a temperatura média global foi
pelo menos 1,5°C superior aos níveis pré-industriais. Manter-se abaixo
desse marcador a longo prazo é amplamente considerado crucial para
evitar os impactos mais prejudiciais das alterações climáticas

por Daniel Scheschkewitz Fotos: BBC, IPCC, Pixabay/CC0 Domínio Público, Getty/Michael Dantas

M
as 2023 está “no
caminho certo”
para ser o ano mais
quente já registado,
e 2024 poderá ser
ainda mais quente.
“É um sinal de que estamos a atin-
gir níveis que nunca atingimos an-
tes”, afirma a Dra. Melissa Lazenby,
da Universidade de Sussex.
Esta última descoberta ocorre
após temperaturas recordes em se-
tembro e um verão de eventos climá-
ticos extremos em grande parte do
mundo. Quando os líderes políticos
se reuniram em Paris, em Dezembro
de 2015, assinaram um acordo para
manter o aumento a longo prazo das
temperaturas globais neste século
“bem abaixo” dos 2ºC e para envi-
dar todos os esforços para mantê-lo O mundo está a ultrapassar um limiar de aquecimento fundamental a
um ritmo que preocupa os cientistas, concluiu uma análise da BBC
abaixo dos 1,5ºC.

Os limites acordados referem-se à


diferença entre as temperaturas mé-
dias globais actuais e o que eram no
período pré-industrial, entre 1850 e
1900 – antes da utilização generaliza-
da de combustíveis fósseis.
Ultrapassar estes limiares de Paris
não significa ultrapassá-los durante
um dia ou uma semana, mas sim ul-
trapassar este limite numa média de
20 ou 30 anos.
Este valor médio de aquecimento a
longo prazo situa-se atualmente em
torno de 1,1ºC a 1,2ºC.
Mas quanto mais frequentemente
a temperatura de 1,5ºC é ultrapassa-
da em dias individuais, mais perto o
mundo fica de ultrapassar esta marca
Meta de aquecimento global de 1,5 º C na COP21 em Paris
a longo prazo.

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Mundo ultrapassa marca de aquecimento de 1,5°C por número recorde de dias.indd 11 17/10/2023 11:31:38
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A primeira vez que isto aconteceu na
era moderna foi durante alguns dias em
Dezembro de 2015, quando os políticos
assinavam o acordo sobre o limiar de
1,5ºC. Desde então, o limite foi repeti-
damente quebrado, normalmente ape-
nas por curtos períodos.
Em 2016, influenciado por um forte
evento El Niño – uma mudança climáti-
ca natural que tende a aumentar as tem-
peraturas globais – o mundo viu cerca
de 75 dias acima dessa marca.
Mas a análise da BBC aos dados do
Serviço de Alterações Climáticas Co-
pernicus mostra que, até 2 de Outubro,
cerca de 86 dias em 2023 foram mais de
1,5ºC mais quentes do que a média pré-
-industrial. Isso bate o recorde de 2016
bem antes do final do ano.
Há alguma incerteza quanto ao nú-
mero exato de dias que ultrapassaram
o limite de 1,5°C porque os números
refletem uma média global que pode
apresentar pequenas discrepâncias de
dados. Mas a margem pela qual 2023 já
ultrapassou os números de 2016 dá con-
fiança de que o recorde já foi quebrado.
“O fato de estarmos a atingir esta ano-
malia de 1,5ºC diariamente, e durante
um maior número de dias, é preocu- “Esta é a primeira vez que vemos “O Oceano Atlântico Norte é o mais
pante”, disse. Um fator importante no isto no verão do hemisfério norte, o quente que alguma vez registámos, e
aumento destas anomalias de tempera- que é incomum, é bastante chocante se olharmos para o Oceano Pacífico
tura é o aparecimento de condições de ver o que está acontecendo”, disse o Norte, há uma língua de água anor-
El Niño. Isto foi confirmado há apenas professor Ed Hawkins, da Universida- malmente quente que se estende des-
alguns meses - embora ainda seja mais de de Reading. de o Japão até à Califórnia”, disse a
fraco do que o pico de 2016. “Sei que os nossos colegas austra- Dra. Jennifer Francis, do Woodwell
Estas condições estão a ajudar a lianos estão particularmente preo- Climate Research. Centro nos EUA.
bombear calor do leste do Oceano Pa- cupados com as consequências para Embora as emissões de gases com
cífico para a atmosfera. Isto pode ex- eles com a aproximação do verão [por efeito de estufa estejam a aumentar
plicar porque é que 2023 é o primeiro exemplo, incêndios florestais extre- as temperaturas médias, as razões
ano em que a anomalia de 1,5ºC foi mos], especialmente com o El Niño.” precisas pelas quais estas tempera-
registada entre Junho e Outubro – Os oceanos do mundo também têm turas do mar aumentaram não são
quando combinada com o aquecimen- experimentado temperaturas anor- totalmente conhecidas.
to de longo prazo resultante da quei- malmente altas este ano e, por sua Uma teoria - que ainda é incerta - é
ma de combustíveis fósseis. vez, liberando mais calor na atmosfera. que a queda na poluição atmosféri-
ca causada pelo transporte marítimo
através do Atlântico Norte reduziu o
número de pequenas partículas e au-
mentou o aquecimento.
Até agora, estes “aerossóis” tinham
compensado parcialmente o efeito das
emissões de gases com efeito de estu-
fa, refletindo alguma da energia do Sol
e mantendo a superfície da Terra mais
fria do que seria de outra forma.
Outro fator talvez menos conhecido é
a situação em torno da Antártida.
Tem havido preocupações contínuas
sobre o estado do gelo marinho em tor-
no do continente mais frio, com dados
mostrando níveis muito abaixo de qual-
quer inverno anterior.
O mundo está ultrapassando um limiar de aquecimento

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pré-industrial poderão persistir,
especialmente quando o El Niño
atingir um pico no final deste ano
ou no início do próximo.
Os investigadores acreditam que
estas anomalias contínuas de altas
temperaturas devem servir de alerta
para os líderes políticos, que se reu-
nirão no Dubai em Novembro para
a cimeira climática COP28.É neces-
sária ação sobre as emissões, dizem
eles, e não apenas a longo prazo.
Em Março, a ONU instou os países
a acelerarem a acção climática, su-
blinhando que já estavam disponí-
veis opções eficazes para reduzir as
emissões, desde energias renováveis
até veículos eléctricos.
O Oceano Atlântico Norte é o mais quente que alguma vez registramos
“Não se trata apenas de atingir um
objetivo final, de emissões líqui-
das zero até 2050, trata-se de como
chegaremos lá”, disse o professor
Hawkins.
«O IPCC [o organismo climático
da ONU] diz muito claramente que
precisamos de reduzir para metade
as emissões ao longo desta década e
depois chegar a zero líquido. Não se
trata apenas de atingir o zero líqui-
do em algum momento, trata-se do
caminho para chegar lá.»
E como demonstraram os aconte-
cimentos climáticos extremos deste
ano – desde ondas de calor na Eu-
ropa até precipitações extremas na
Líbia – as consequências das altera-
ções climáticas aumentam com cada
No início de julho, a Antártida ficou muito quente
fracção de grau de aquecimento.

Mas, segundo alguns especialis-


tas, dois picos de temperatura nos
últimos meses na Antártida – de-
sencadeados pela variabilidade na-
tural – impulsionaram a média glo-
bal. No entanto, é difícil identificar
a influência precisa do aquecimento
a longo prazo causado pelo homem.
“No início de julho, a Antártida
ficou muito quente, registaram-se
temperaturas recordes, que ainda
são 20 ou 30 graus Celsius abaixo
de zero”, disse o Dr. Karsten Haus-
tein, da Universidade de Leipzig.“E
o que vemos com as anomalias de
1,5°C e 1,8°C que estamos vendo
agora, é parcialmente devido à An-
tártica novamente.”
Embora o hemisfério norte vá
arrefecer naturalmente no Outo-
no e no Inverno, existe a ideia de
que as grandes diferenças de tem-
peratura em relação ao período Precisamos de reduzir para metade as emissões ao longo
desta década e depois chegar a zero líquido, diz o IPCC

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Ondas de calor recentes
destacam o novo estado
climático da Terra
É realmente mais quente agora do que em qualquer outro momento em
100.000 anos? Muito antes dos termômetros, a natureza deixou seus
próprios registros de temperatura. Kaufman, cientista do clima explica
como o aquecimento global atual se compara às temperaturas antigas

por *Darrell Kaufman Fotos: BC Wildfire Service, DS Kaufman e NP McKay, 2022, Emily Stone, Sean Gladwell via Getty Images, Unsplash

À
medida que o calor escal-
dante atinge grandes áreas
da Terra, muitas pessoas
estão tentando contextuali-
zar as temperaturas extremas e se per-
guntando: quando foi tão quente antes?
Globalmente, 2023 teve alguns dos
dias mais quentes nas medições mo-
dernas, mas e mais para trás, antes das
estações meteorológicas e dos satélites?
Alguns meios de comunicação relata-
ram que as temperaturas diárias atingi-
ram uma alta de 100.000 anos.
Como um cientista paleoclimático
que estuda as temperaturas do passado, Incêndio Donnie Creek, em 12 de maio de 2023, aproximadamente 136 km a
sudeste de Fort Nelson e 158 km ao norte de Fort St. John, no norte de BC
vejo de onde vem essa afirmação, mas
me encolho com as manchetes inexa-
tas. Embora essa afirmação possa estar
correta, não há registros detalhados
de temperatura que se estendam por
100.000 anos, então não temos certeza.
Aqui está o que podemos dizer com
confiança sobre quando a Terra esteve
tão quente pela última vez.

Este é um novo
estado climático
Os cientistas concluíram há alguns
anos que a Terra havia entrado em um
novo estado climático não visto em mais
de 100.000 anos. Como o colega cien-
tista climático Nick McKay e eu discu-
timos recentemente em um artigo de
jornal científico , essa conclusão fazia
parte de um relatório de avaliação cli-
mática publicado pelo Painel Intergo-
vernamental sobre Mudanças Climáti-
cas (IPCC) em 2021. Terra já estava mais de 1 grau Celsius (1,8 Fahrenheit) mais
quente do que os tempos pré-industriais, segundo o IPCC

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A Terra já estava mais de 1 grau Cel-
sius (1,8 Fahrenheit) mais quente do
que os tempos pré-industriais, e os ní-
veis de gases de efeito estufa na atmos-
fera eram altos o suficiente para garan-
tir que as temperaturas permanecessem
elevadas por muito tempo.
Mesmo sob os cenários mais otimis-
tas do futuro – nos quais os humanos
param de queimar combustíveis fósseis
e reduzem outras emissões de gases
de efeito estufa – a temperatura mé-
dia global provavelmente permanecerá
pelo menos 1°C acima das temperaturas
pré-industriais, e possivelmente muito
A temperatura média da Terra excedeu 1 grau Celsius (1,8 F) acima da linha de base pré-industrial
mais, por vários séculos.
Este novo estado climático, caracteri-
zado por um nível de aquecimento glo- Este novo estado climático provavelmente persistirá por séculos como o perío-
bal de vários séculos de 1 C e superior, do mais quente em mais de 100.000 anos. O gráfico mostra diferentes reconstru-
pode ser comparado de forma confiável ções de temperatura ao longo do tempo, com temperaturas medidas desde 1850
com reconstruções de temperatura do e uma projeção até 2300 com base em um cenário intermediário de emissões
passado muito distante.

Como estimamos a
temperatura passada
Para reconstruir as temperaturas de
tempos anteriores aos termômetros, os
cientistas do paleoclima contam com
informações armazenadas em uma va-
riedade de arquivos naturais .
O arquivo mais difundido que re-
monta a muitos milhares de anos está
no fundo de lagos e oceanos , onde
uma variedade de evidências biológi-
cas, químicas e físicas oferece pistas
sobre o passado. Esses materiais se
acumulam continuamente ao longo
do tempo e podem ser analisados ex-
traindo um núcleo de sedimento do
leito do lago ou do fundo do oceano.
Esses registros baseados em sedi-
mentos são fontes ricas de informa-
Tentando contextualizar as temperaturas extremas e se perguntando quando foi tão quente antes...
ções que permitiram aos cientistas do
paleoclima reconstruir as temperatu-
ras globais passadas, mas eles têm li-
mitações importantes.
Por um lado, as correntes de fundo
e os organismos escavadores podem
misturar o sedimento, obscurecendo
quaisquer picos de temperatura de
curto prazo. Por outro lado, a linha do
tempo para cada registro não é conhe-
cida com precisão; portanto, quando
vários registros são calculados juntos
para estimar a temperatura global
passada, as flutuações em escala fina
podem ser canceladas.
Por causa disso, os cientistas do pa-
leoclima relutam em comparar o regis-
tro de longo prazo da temperatura pas-
A cientista da Universidade do Arizona, Ellie Broadman, segura um núcleo sada com os extremos de curto prazo.
de sedimento do fundo de um lago na Península de Kenai, no Alasca.

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Tendências de temperatura nos últimos 65 Ma e potenciais análogos geohistóricos para climas futuros

Olhando para trás dezenas Olhando para o período interglacial O último episódio glacial durou qua-
de milhares de anos de 12.000 anos, a média da tempera- se 100.000 anos. Não há evidências de
tura global ao longo de vários séculos que as temperaturas globais de longo
A temperatura global média da Terra pode ter atingido o pico cerca de 6.000 prazo tenham atingido a linha de base
tem flutuado entre condições glaciais anos atrás , mas provavelmente não pré-industrial em qualquer momento
e interglaciais em ciclos que duram excedeu o nível de aquecimento global durante esse período.
cerca de 100.000 anos, impulsionados de 1°C naquele ponto, de acordo com o Se olharmos ainda mais para trás,
em grande parte por mudanças lentas relatório do IPCC . Outro estudo des- para o período interglacial anterior,
e previsíveis na órbita da Terra com cobriu que as temperaturas médias que atingiu o pico cerca de 125.000
mudanças concomitantes nas concen- globais continuaram a aumentar du- anos atrás, encontramos evidências
trações de gases de efeito estufa na rante o período interglacial. Este é um de temperaturas mais altas.
atmosfera. Atualmente, estamos em tópico de pesquisa ativa . A evidência sugere que a tempera-
um período interglacial que começou Isso significa que temos que olhar tura média de longo prazo provavel-
há cerca de 12.000 anos, quando as mais para trás para encontrar um mente não foi mais do que 1,5 C (2,7
camadas de gelo recuaram e os gases tempo que poderia ter sido tão F) acima dos níveis pré-industriais –
de efeito estufa aumentaram. quente quanto hoje. não muito mais do que o atual nível de
aquecimento global.

O que agora?
Sem reduções rápidas e sustenta-
das nas emissões de gases de efeito
estufa, a Terra está atualmente a
caminho de atingir temperaturas de
aproximadamente 3 C (5,4 F) acima
dos níveis pré-industriais até o fi-
nal do século, e possivelmente um
pouco mais altas.
Nesse ponto, precisaríamos olhar
para trás milhões de anos para en-
contrar um estado climático com
temperaturas tão altas. Isso nos le-
varia de volta à época geológica an-
terior , o Plioceno, quando o clima
da Terra era um parente distante
daquele que sustentou o surgimento
da agricultura e da civilização.

[*] Universidade do Norte do Arizona


[*] Em The Conversation

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IPCC emite orientações para a batalha
contra as mudanças climáticas
Fotos: IPCC

Todos os dias, a temperatura parece bater todos os recordes, tornando cada dia mais
quente que o anterior. Recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres,
afirmou que “a era da ebulição global chegou” depois de os cientistas confirmarem
que Julho de 2023 foi o mês mais quente do mundo já registado

V
emos constantemente os efei-
tos das alterações climáticas
nas notícias – desde incêndios
florestais violentos e ondas
de calor até inundações devastadoras que
deixam as comunidades com dificuldades
para lidar com a situação. Mas mesmo
diante destes desafios, há um vislumbre de
esperança. O DISTENDER visa enfrentar
os riscos das alterações climáticas através
de estratégias de mitigação e adaptação.
Apresentou os primeiros resultados do
projeto durante a Conferência sobre Lu-
A era da ebulição global chegou
gares Sustentáveis aos representantes do
Painel Intergovernamental sobre Mudan-
ças Climáticas (IPCC), o que marca um Sem medidas urgentes de adaptação, a Por último, Figueroa destacou a impor-
marco significativo na partilha de conheci- região mediterrânica enfrentará riscos de tância dos instrumentos políticos, regu-
mento e no alinhamento dos resultados do perda de ecossistemas terrestres, redução lamentares e económicos para impulsio-
projeto e das atividades do IPCC. dos glaciares alpinos e impactos crescen- nar mudanças positivas.Alcançar a meta
Especialistas de todo o mundo reuni- tes das ondas de calor. Maria Figueroa, de 1,5 graus e emissões líquidas zero até
ram-se na Conferência sobre Lugares Sus- do grupo de trabalho 3 do IPCC sobre 2050 é essencial, exigindo tecnologias
tentáveis, para discutir como os objetivos Mitigação das Alterações Climáticas, su- sustentáveis, planeamento urbano, efi-
das alterações climáticas e como podem blinhou a necessidade de cumprir a meta ciência energética e mudanças políticas.
ser alcançados considerando edifícios, de 1,5 graus e alcançar emissões líquidas O DISTENDER está desempenhando um
transportes e infraestruturas energéticas zero até 2050 para que as gerações futu- papel significativo na promoção desses
a diferentes níveis. Jan-Gunnar Winther, ras possam desfrutar do direito a um am- objetivos. Ao integrar ações de adaptação
do grupo de trabalho 1 do IPCC sobre Ba- biente limpo, saudável e sustentável. e mitigação das alterações climáticas com
ses das Ciências Físicas, partilhou a reali- abordagens participativas, o DISTEN-
dade alarmante de que o aquecimento glo- DER está promovendo estratégias co-
bal já se instalou. As ações humanas têm muns que reúnem cientistas, empresas,
causado o aquecimento desde o final dos governos, decisores políticos e cidadãos.
anos 70, levando a mudanças nos padrões A singularidade do DISTENDER foi
climáticos em todo o mundo e a um au- delineada pelo coordenador do projeto,
mento dos efeitos climáticos em frequên- Roberto San José, que enfatizou a abor-
cia, número e intensidade. O aumento dos dagem holística e as metodologias desen-
níveis de CO2 também afeta os nossos volvidas que serão testadas nos estudos
oceanos, tornando-os mais ácidos e colo- de caso principais, entregando aos deciso-
cando mais desafios ambientais. res políticos estratégias viáveis para lidar
Piero Lionello, representante do grupo Para atingir este objetivo, Figueroa deli- com os impactos das alterações climáticas
de trabalho 2 do IPCC sobre Impactos, neou várias oportunidades para a mudança através de estratégias integradas de miti-
Adaptação e Vulnerabilidade, mudou o de sistemas, concentrando-se na utilização gação e adaptação com ações multidisci-
foco para a adaptação. Ele discutiu como de tecnologias sustentáveis (como a ener- plinares. abordagem. O trabalho do IPCC
os ecossistemas e os sistemas humanos gia fotovoltaica, a energia eólica onshore e apela aos governos, às empresas e aos in-
são afetados por eventos influenciados os veículos elétricos), melhores práticas de divíduos para que trabalhem em conjunto
pelas mudanças climáticas. A Europa é planeamento urbano e medidas de eficiên- para um planeta mais habitável, desta-
especialmente vulnerável, enfrentando cia energética (como a modernização de cando que a ciência pode sugerir soluções
problemas como o stress térmico, perdas edifícios, transportes sustentáveis meios e e ações, mas a responsabilidade na deci-
agrícolas devido ao calor e à seca. descarbonização das indústrias). são depende dos decisores políticos.

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Seca em uma região
da floresta amazônica
pode impactar áreas
vizinhas e comprometer
os rios voadores
Fotos: Erika Berenguer, IF/USP, PNAS

Mesmo que a seca atinja somente uma região da floresta, suas


consequências são sentidas em outras áreas e colocam em risco
os rios voadores, grande quantidade de água que circula pela
floresta, suspensa no ar, vital para o equilíbrio do ecossistema

Para cada três árvores que morrerão devido às futuras secas na floresta,
uma quarta árvore – embora não diretamente afetada – também morrerá

A
seca pode atingir somen- Como a falta de chuva diminui forte-
te uma região da floresta mente o volume de reciclagem de água,
amazônica, mas suas conse- também haverá menos chuvas em regiões
quências se estendem para vizinhas, colocando ainda mais partes da
outras áreas, multiplicando os impactos, floresta sob estresse significativo.
mostra estudo desenvolvido por pesqui- Isso traz um alerta quanto aos rios voa-
sadores internacionais, com participação dores. Uma das características da região
da USP. De acordo com a pesquisa, para amazônica é a presença de uma grande
cada três árvores que morrerão devido às quantidade de água que circula pela flo-
futuras secas na floresta, uma quarta ár- resta, suspensa no ar, vinda da evapora-
vore – embora não diretamente afetada ção e da transpiração das plantas, dando
– também morrerá. Segundo os cientis- origem à evapotranspiração: um proces-
tas, o aumento das secas atinge de for- so fundamental para o bom funciona-
mas diferentes cada trecho da floresta. mento do ecossistema amazônico.
Rios voadores

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Seca em uma região da floresta amazônica pode impactar áreas vizinhas e comprometer os rios voadores.indd 18 17/10/2023 13:55:50
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O trabalho teve co-orientação de Hen- foi calcular como a umidade amazôni- evapora e volta a chover.“Utilizamos um
rique Barbosa, professor do Instituto ca se desloca para outras regiões e se conjunto de dados acumulados em vinte
de Física da USP e da Universidade de transforma em chuvas no Sudeste e no anos, composto de informações pontuais
Maryland, nos Estados Unidos. O artigo Sul. “O nosso modelo mostrou, de for- da evapotranspiração em diversos pon-
descrevendo o estudo, Recurrent drou- ma inédita, que o transporte direto junto tos da floresta, os ventos que deslocam
ghts increase risk of cascading tipping com o transporte secundário da umi- a umidade, os dados de precipitação e
events by outpacing adaptive capacities dade é responsável por 27% das chuvas imagens de satélites. Esses dados foram
in the Amazon rainforest, foi publica- nas regiões Sudeste e Sul. Se diminuir analisados a partir da teoria de redes
do na revista PNAS e faz parte de uma a umidade amazônica pela perda de co- complexas e considera as conexões do
série de publicações do grupo que ana- bertura vegetal, diminuirão as chuvas sistema junto com as informações pon-
lisa as interações atmosfera e floresta em outras regiões do País”, alerta. O tuais de cada local”, explica Barbosa ao
a partir de modelos teóricos da física. transporte direto é a umidade que se des- Jornal da USP. “Secas mais intensas
Com essa abordagem foi possível obter loca para essas regiões e se transforma colocam partes da floresta amazôni-
avaliações mais precisas sobre o funcio- em chuva. Já o transporte secundário da ca em risco de secar e morrer. Subse-
namento do clima. Segundo o professor umidade é a contribuição de precipitação quentemente, devido ao efeito de rede,
Barbosa, um dos resultados relevantes que ocorre ao longo de todo o percurso, menos cobertura florestal leva a menos

Efeitos não lineares e rede de reciclagem de umidade atmosférica na floresta amazônica

(A) Propriedade dinâmica de cada1∘×1∘1°×1°célula da grade da floresta tropical representada como o estado da célula
da grade versus o valor do MAP. O estado da célula da grade é limitado pela cobertura florestal total (valor do estado: 1,0)
e um estado alternativo (copa aberta, floresta seca, savana, valor do estado sem árvores: –1,0). Entre estes dois estados
estáveis, a inclinação ocorre quando o valor do MAP cai abaixo do seu MAP específico da adaptação. Como neste estudo
estamos nos concentrando em eventos de derrubada induzidos pela seca de estados florestais para não florestais, cada
célula é estável apenas nos estados marrons, mas não nos estados cinzas (uma vez que não estamos simulando uma
recuperação da floresta). A linha tracejada cinza representa a borda que separa o estado estável superior do inferior (va-
riedade instável). A seta azul representa uma redução potencial na precipitação que é suficiente para desencadear um
evento de tombamento nesta célula específica. (B) O mesmo que em A para MCWD. (C) Rede exemplar de reciclagem de
umidade atmosférica, onde cada círculo florestal representa um1∘×1∘1°×1°célula da grade, cuja dinâmica é mostrada em
A e B . As diferentes células da grade recebem precipitação e experimentam
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Regiões vulneráveis e motivo de tombamento

(A) A probabilidade de tombamento (vulnerabilidade) como uma média de todos os membros do conjunto e de todos
os cenários avaliados que se assemelham aos anos hidrológicos de 2004 a 2014. A região Sudeste é mais vulnerável que
outras regiões, mas também as regiões Sul e Sudoeste são afetadas. (B) Razão geral de tombamento calculada em média
para toda a Bacia Amazônica com barras de erro como o DP ao longo de todos os anos e de todos os 100 membros do con-
junto. Uma versão separada nos cenários de seca futura 2004, 2005,……, 2014 para todos esses potenciais cenários de seca
futura. O MAP não contribui para eventos de tombamento (a probabilidade é inferior a 0,1%) e, portanto, é omitido aqui.
(C) Motivo de tombamento resolvido regionalmente no caso de MCWD ser o motivo de um evento de tombamento. (D) O
mesmo que para C , mas mostrando efeitos de rede (efeitos em cascata da rede de reciclagem de umidade atmosférica) são
o motivo do tombamento. Observe que A é a soma de C e D .

água no sistema geral e, portanto, a mais em circulação diminui e começa aconte- ao efeito cascata, ou seja, oriundo de
danos”, explica o primeiro autor do estu- cer um desequilíbrio. Esse fenômeno outros locais, por exemplo, de regiões
do, o pesquisador Nico Wunderling, do atinge a floresta de maneira desigual mais desmatadas a leste”, explica a
Instituto Potsdam para Pesquisa de Im- devido à sua extensão. Existem regiões coautora Marina Hirota, professora da
pacto Climático da Alemanha. “Embora onde ocorrem secas periódicas enquanto Universidade Federal de Santa Catari-
tenhamos investigado o impacto da seca, outros locais têm abundância de chuvas na, que contou com o apoio do Insti-
essa regra também vale para o desma- todo o ano. Diferenciar o que poderia ser tuto Serrapilheira para este trabalho.
tamento. Isso significa essencialmente um fenômeno natural e o que eram con- “Já para outras regiões da Amazônia,
que, quando você derruba um acre de sequências do aquecimento global foi um em torno de 50% dessa mudança está
floresta, o que você está realmente des- dos resultados relevantes obtidos pela associada à intensificação da estação
truindo é 1,3 acre”, diz Wunderling.Boa pesquisa, graças ao modelo matemáti- seca, e não diretamente ligada àquele
parte da água dos rios voadores retorna co proposto, que permitiu diferenciar e efeito cascata. Isso é muito importan-
aos cursos d´água e solos por meio das quantificar as perturbações. “No caso da te para nosso entendimento de como o
abundantes chuvas e preserva o sistema região Sudeste da Amazônia, cerca de sistema funciona”, finaliza.
floresta-atmosfera em equilíbrio. Com as um terço de qualquer mudança poten-
alterações no clima, a quantidade de água cial de floresta para não floresta é devido [*] Jornal da USP

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Seca em uma região da floresta amazônica pode impactar áreas vizinhas e comprometer os rios voadores.indd 20 17/10/2023 13:55:51
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Embora o isopreno das árvores possa piorar a poluição do ar, não é ele que cria uma poluição
atmosférica como esta, gosta de salientar Thomas Sharkey, da Michigan State University

por *Matt Davenport, Universidade Estadual de Michigan Fotos: David Iliff, CC BY-SA 3.0

As plantas podem
piorar a poluição do
ar em um planeta
em aquecimento
D
“ everíamos cortar todos
os carvalhos?” per-
guntou Tom Sharkey,
ilustre professor uni-
versitário do Instituto
de Resiliência de Plantas da Michi-
gan State University. É uma pergun-
ta simples que parece um pouco uma
proposta modesta.
Sharkey também trabalha no La-
boratório de Pesquisa de Plantas
Energéticas do Departamento de
Energia da MSU e no Departamento
A emissão de isopreno diminui com o aumento do nível de CO 2 e é independente da fotossíntese
de Bioquímica e Biologia Molecular.
Para ser claro, Sharkey não estava
sugerindo sinceramente que deve- Efeito de 41 Pa e 78 Pa CO2 na emissão de isopreno e na fotossíntese em folhas
ríamos derrubar todos os carvalhos. de choupo. (A) Período de emissão de isopreno e fotossíntese à medida que o
Ainda assim, a sua pergunta foi sé- nível de CO2 muda entre 41 Pa e 78 Pa em uma folha de choupo. (B) Emissão de
ria, motivada pela mais recente in- isopreno registrada em folhas de choupo (n = 14) após atingirem valor estável
vestigação da sua equipa, publicada em 41 e 78 Pa CO2 . Os asteriscos indicam um declínio significativo na emissão de
na revista científica Proceedings of isopreno a 78 Pa CO2 em comparação com o CO2 ambiente (P < 0,001; teste t de
the National Academy of Sciences. Student). Os bigodes dos gráficos de caixa representam IC de 95%.

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As plantas podem piorar a poluição do ar em um planeta em aquecimento.indd 21 17/10/2023 14:14:29


CLUBE DE REVISTAS
A equipa descobriu que, num plane-
ta em aquecimento, plantas como car-
valhos e choupos emitirão mais de um
composto que agrava a má qualidade
do ar, contribuindo para a emissão de
partículas problemáticas e para o bai-
xo nível de ozono atmosférico.
O problema é que o mesmo composto,
chamado isopreno, também pode melho-
rar a qualidade do ar limpo, ao mesmo
tempo que torna as plantas mais resisten-
tes a fatores de estresse, incluindo insetos
e altas temperaturas.
“Queremos que as plantas produzam
mais isopreno para que sejam mais resis-
tentes, ou queremos que produzam me-
nos para não piorar a poluição do ar? Qual
é o equilíbrio certo?” Sharkey perguntou.
“Essas são realmente as questões funda- Efeito de diferentes intensidades de luz e temperaturas na supressão
da emissão de isopreno induzida por CO2 em folhas de choupo
mentais que impulsionam este trabalho.
Quanto mais entendemos, mais eficaz-
mente poderemos respondê-las”. (A) Emissão de isopreno em folhas de choupo ( n = 3) em cinco diferentes in-
tensidades de luz a 41 e 78 Pa CO2 . A temperatura foi mantida constante em
Destaque para o isopreno 30°C. ( B ) Mudanças relativas e (C) absolutas na emissão de isopreno em folhas
de choupo ( n = 3) a 41 Pa e 78 Pa CO2 sob diferentes intensidades de luz. (D)
Sharkey estuda o isopreno e como as Emissão de isopreno em folhas de choupo ( n = 6) em três temperaturas dife-
plantas o produzem desde a década de rentes de 41 Pa e 78 Pa CO2 . (E) Relativo e, (F) mudança absoluta na emissão de
1970, quando era estudante de doutorado isopreno em folhas de choupo ( n = 6) entre CO2 ambiente e alto em diferentes
na Universidade Estadual de Michigan. temperaturas. A luz foi mantida constante em 1.000 μmol m −2 s −1 . Os aste-
O isopreno proveniente de plantas é o riscos indicam declínio significativo na emissão de isopreno a 78 Pa CO 2 em
segundo hidrocarboneto mais emitido na comparação com 41 Pa CO 2 (* P < 0,05, ** P < 0,01 e *** P < 0,001; teste t bicaudal
Terra, atrás apenas das emissões de me- de Student ) em ( A e D ). Diferenças estatisticamente significativas pela ANOVA
tano provenientes da atividade humana. e HSD de Tukey ( P <0,001) são indicadas por letras minúsculas em B ,C , E e F. _
No entanto, a maioria das pessoas nunca Os bigodes dos gráficos de caixa representam IC de 95%
ouviu falar disso, disse Sharkey.

“Isso está nos bastidores há muito


tempo, mas é extremamente importan-
te”, disse Sharkey.
Ganhou um pouco de notoriedade na
década de 1980, quando o então pre-
sidente Ronald Reagan afirmou falsa-
mente que as árvores produziam mais
poluição atmosférica do que os auto-
móveis. No entanto, havia um fundo de
verdade nessa afirmação. O isopreno
interage com compostos de óxido de
nitrogênio encontrados na poluição do
ar produzida por usinas termelétricas a
carvão e motores de combustão interna
em veículos. Estas reações criam ozono,
aerossóis e outros subprodutos que não
são saudáveis tanto para os seres huma-
nos como para as plantas. “Há um fenô-
Relação entre altas alterações na emissão de isopreno mediadas meno interessante em que o ar se move
por CO2 e via de sinalização estomática dependente de ABA
pela paisagem de uma cidade, captando
óxidos de nitrogênio e depois se mo-
Alteração absoluta na emissão de (A) isopreno; (B) fotossíntese (A); (C) con- vendo sobre uma floresta para fornecer
dutância estomática (g sw); e ( D ) concentração intercelular de CO2 (Ci) medi- essa mistura tóxica”, disse Sharkey. “A
da numa folha de álamo a níveis de 41 Pa CO2 e 78 Pa CO2 na presença de água qualidade do ar a favor do vento de uma
(controlo) seguida de tratamento com 5 nM de ABA . cidade é muitas vezes pior do que a qua-
lidade do ar na própria cidade”.

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As plantas podem piorar a poluição do ar em um planeta em aquecimento.indd 22 17/10/2023 14:14:30


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Agora, com o apoio da National Scien-
ce Foundation, Sharkey e a sua equipa
estão a trabalhar para compreender me-
lhor os processos biomoleculares que as
plantas utilizam para produzir isopreno.
Os investigadores estão particularmente
interessados em saber como esses pro-
cessos são afetados pelo ambiente, espe-
cialmente face às alterações climáticas.
Antes da nova publicação da equipe,
os pesquisadores entendiam que certas
plantas produziam isopreno à medi-
da que realizavam a fotossíntese. Eles
também sabiam que as mudanças que
o planeta enfrenta estavam a ter efeitos
concorrentes na produção de isopreno.
Ou seja, o aumento do dióxido de car-
bono na atmosfera reduz a taxa, enquan-
to o aumento das temperaturas acelera a
taxa. Uma das questões por trás da nova Thomas D. Sharkey , da Michigan State University, tem o dom de explorar os
intrincados mecanismos bioquímicos da fotossíntese, as reações de susten-
publicação da equipe da MSU era essen- tação da vida que as plantas usam para crescer literalmente a partir do ar
cialmente qual desses efeitos venceria.
“Estávamos procurando um pon-
to de regulação na via de biossínte- “Para os biólogos, o ponto crucial do O isopreno está jorrando como um
se do isopreno sob alto teor de dió- artigo é que identificamos a reação es- louco.”Nas suas experiências, que utili-
xido de carbono”, disse Abira Sahu, pecífica retardada pelo dióxido de car- zaram choupos, a equipa também des-
principal autora do novo relatório e bono, CO2”, disse Sharkey. cobriu que quando uma folha sofria um
pesquisadora associada de pós-douto- “Com isso, podemos dizer que o efeito aquecimento de 10 graus Celsius, a sua
rado no grupo de pesquisa de Sharkey. da temperatura supera o efeito do CO2”, emissão de isopreno aumentava mais
“Os cientistas vêm tentando descobrir disse ele. “Quando você atinge 95 graus de dez vezes, disse Sahu. “Trabalhando
isso há muito tempo”, disse Sahu. “E, fi- Fahrenheit – 35 graus Celsius – basica- com Tom, você percebe que as plantas
nalmente, temos a resposta”. mente não há supressão de CO2. realmente emitem muito isopreno”, disse
Mohammad Mostofa, professor assisten-
te que trabalha no laboratório de Sharkey
e foi outro autor do novo relatório.
A descoberta ajudará os pesquisado-
res a antecipar melhor a quantidade
de isopreno que as plantas emitirão no
futuro e a se preparar melhor para os
impactos disso. Mas os investigadores
também esperam que possa ajudar a in-
formar as escolhas que as pessoas e as
comunidades fazem entretanto.
“Poderíamos estar fazendo um traba-
lho melhor”, disse Mostofa.
Num local como a MSU, que al-
berga mais de 20.000 árvores, isso
poderia significar a plantação de me-
nos carvalhos no futuro para limitar
as emissões de isopreno.
Quanto ao que fazemos com as
árvores que já emitem isopreno,
Sharkey tem uma ideia que não en-
volve derrubá-las.“A minha sugestão
é que deveríamos fazer um trabalho
melhor no controlo da poluição por
óxido de azoto”, disse Sharkey.
Sarathi Weraduwage, ex-pesquisado-
ra de pós-doutorado no laboratório de
Sharkey e agora professora assistente
na Bishop’s University em Quebec, tam-
Curiosamente, o isopreno, também pode melhorar a qualidade do ar limpo, ao mesmo tempo bém contribuiu para a pesquisa.
que torna as plantas mais resistentes a fatores de stress, incluindo insetos e altas temperaturas

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Mudanças climáticas e carnívoros
Mudanças na distribuição e eficácia
das áreas protegidas na Amazônia
por * Camila Ferreira Leão Fotos: PeerJ (2023), Internet

Mapa da área de estudo. Mapa do Bioma Amazônia (cor sólida verde claro), correspondente à área de estudo. Todas as unidades de conservação
(UC) do Bioma estão representadas no mapa em verde escuro sólido. O arco do desmatamento está representado em forma listrada.

U
m novo artigo publicado na
PeerJ Life & Environment ,
de autoria de Camila Ferreira
Leão, da Universidade Fede-
ral do Pará, lança luz sobre os efeitos das
mudanças climáticas sobre os mamíferos
carnívoros na Amazônia e sua represen-
tação dentro de Áreas Protegidas (UCs).
“Mudanças climáticas e carnívoros:
mudanças na distribuição e eficácia das
áreas protegidas na Amazônia”, revela
descobertas alarmantes sobre a situação
vulnerável desses animais e a eficácia das
medidas de conservação.
Os mamíferos carnívoros, essenciais
para a manutenção e funcionamento do
ecossistema amazônico, estão cada vez
mais em risco devido à interferência hu-
mana, especialmente às mudanças climá-
ticas e ao desmatamento.

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Riqueza taxonômica de carnívoros alvo

Mapa da riqueza taxonômica de espécies em todos os climas cenários. Os mapas foram gerados a partir dos SDMs
sobrepostos (com remanescente florestal) de todas as espécies para cada cenário climático, totalizando 16 níveis. A ri-
queza varia de uma espécie a 16 espécies juntas ao mesmo tempo

À medida que estes impactos au- O estudo fornece conhecimentos crí- dois cenários climáticos para o ano
mentam, torna-se crucial com- ticos para decisores políticos e conser- de 2070. Ao incorporar variáveis bio-
preender como a distribuição e vacionistas, enfatizando a necessidade climáticas e de cobertura vegetal, a
persistência dos carnívoros são afe- de adaptar as medidas de conservação equipe de pesquisa avaliou a área po-
tadas, particularmente na região para enfrentar os desafios específicos tencial perda e adequação climática
tropical da Amazónia. colocados pelas alterações climáti- para estas espécies, bem como a efi-
A p e squ i sa r es s a lt a a n ece s s i - cas aos carnívoros. O estudo utilizou cácia das Áreas Protegidas existentes
d ad e u r ge nt e d e es t r a t é g i a s r o - Modelos de Distribuição de Espécies na salvaguarda do seu futuro.
bu stas d e c on s er v a çã o pa r a m i t i - (SDMs) para avaliar a distribuição
gar a p e r d a po t en ci a l d e es pé ci es geográfica de 16 espécies de carnívoros [*] Universidade Federal do Pará
c a r ní v o r as n a A m a zô n i a . na Amazônia, projetando o futuro sob

As principais conclusões do estudo são


1. Impacto negativo das alterações climáticas: Os
SDM projetaram uma redução na distribuição poten-
cial de espécies carnívoras em ambos os cenários cli-
máticos futuros. No primeiro cenário, prevê-se que
cinco espécies sejam afetadas negativamente pelas
alterações climáticas, aumentando para oito espécies
no segundo cenário. Isto realça a necessidade urgente
de esforços de conservação direcionados para prote-
ger estes animais vulneráveis.
2. Perda de adequação climática: Todas as espécies
analisadas demonstraram uma perda de adequação
climática, com algumas enfrentando uma perda qua-
se completa de habitat adequado no segundo cená-
rio. Isto indica a gravidade do impacto das alterações
climáticas na capacidade dos carnívoros de prosperar
nos seus ambientes actuais.
3. Eficácia Limitada das Áreas Protegidas: Apesar da
presença de Áreas Protegidas, o estudo concluiu que elas
podem não ser tão eficazes na salvaguarda de espécies
carnívoras como previsto. A análise da lacuna revelou
que as AP não conseguiram demonstrar uma protecção
significativa em termos de riqueza de espécies, e a sua
capacidade de reter a riqueza de espécies não foi subs-
tancialmente diferente das expectativas aleatórias.
À medida que enfrentamos a crise climática global, esta
À medida que enfrentamos a crise climática global, esta investi- investigação serve como um alerta para agirmos rápida
gação serve como um alerta para agirmos rápida e decisivamen- e decisivamente para proteger a biodiversidade da Ama-
te para proteger a biodiversidade da Amazónia e os mamíferos zónia e os mamíferos carnívoros que desempenham um
carnívoros que desempenham um papel vital na sua preservação
papel vital na sua preservação.
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Prevenindo
incêndios florestais
Fotos: Joédson Alves/Agência Brasil

Prática é adotada por brigadistas desde 2014 na Chapada dos Veadeiros (GO)

Na cachoeira de Santa Bárbara, por


exemplo, localizada no Quilombo
Kalunga (GO), a brigada formada por
quilombolas põe fogo no espaço em
torno das nascentes e das veredas que
protegem o curso do rio para evitar que,
no período da seca, incêndios alcancem
a mata que protege as águas.
Entre abril e julho de 2023, os briga-
distas do Prevfogo realizaram queimas
conscientes em mais de 2 mil hectares
dentro do quilombo. O Prevfogo é a
unidade do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Hídricos (Iba-
ma) que atua no combate e prevenção
de incêndios florestais.

B
rigadistas e pesquisadores do Conhecimento tradicional
Cerrado apontam que o uso
consciente do fogo vem aju-
dando a reduzir os incêndios
florestais na Chapada dos Veadeiros (GO)
nos últimos anos. Prática adotada por
parte dos brigadistas da região desde o
ano de 2014, ela se expandiu, principal-
mente, depois dos grandes incêndios de
2017 e 2020 que consumiram, respecti-
vamente, 22% e 31% do Parque Nacional
da Chapada dos Veadeiros.
O chamado Manejo Integrado do Fogo
(MIF) é o conjunto de técnicas que usam
o fogo como ferramenta para prevenir os
incêndios florestais, como a queima do
excesso de vegetação seca que é propícia
a se tornar combustível de incêndios de Cavalcante (GO) – A brigada de incêndio da Prevfogo, formada
por quilombolas, faz simulação de combate ao fogo no Cerrado
grandes proporções.

O Manejo Integrado do Fogo (MIF) associa aspectos ecológicos, culturais, socioeconômicos e técnicos na execução, na integração, no monitoramento, na ava-
liação e na adaptação de ações relacionadas ao uso do fogo, por meio de queimas prescritas e controladas, à prevenção e ao combate aos incêndios florestais

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Apesar de adotado pelos brigadistas
há quase dez anos, o uso consciente do
fogo é parte do conhecimento ancestral
do Território Kalunga, sétimo quilombo
mais populoso do Brasil com cerca de
3.600 pessoas espalhadas em 39 comu-
nidades por cerca de 261 mil hectares.
O supervisor da brigada local, o kalunga
José Gabriel dos Santos Rocha, contou
que a queima do terreno sempre foi
uma prática na comunidade.
Cavalcante (GO) - Elias Francisco coloca fogo controlado em sua roça

“Nossos antepassados já faziam essas


queimas nos pontos estratégicos.
Quilombolas lideram combate ao fogo na Chapada dos Veadeiros
Queimavam uma área, dois anos de-
pois queimavam outra área e iam re-
manejando o combustível. “Só queimo onde quero, tenho total Recentemente temos aprendido
Isso sempre foi feito”, explicou. controle. Aqui no quilombo sempre muito com a importância de se ma-
Por causa desse hábito, a antiga po- teve fogo. No Parque [Nacional da nejar o fogo de uma forma correta em
lítica de “fogo zero” sofreu resistência Chapada dos Veadeiros] sempre foi ambientes adaptados ou dependentes
por parte dos moradores kalungas. política fogo zero, mas quando saiu do fogo. Isso é fundamental para o
A proibição total do uso do fogo foi um fogo ninguém conseguia controlar Cerrado e para reduzir o risco de ca-
adotada como regra pelos brigadistas porque eles não faziam o manejo [do tástrofes”, explicou.
desde a criação do Prevfogo em Ca- fogo]”, explicou.
valcante, em 2011. Com a política de Uso do fogo pelos
fogo zero, Gabriel disse que a vegeta- Fogo e Cerrado órgãos do Estado
ção acumulava excesso de material que
acabava virando combustível dos in- No Cerrado, o fogo faz parte da evo- O responsável pelo Prevfogo em Goiás,
cêndios florestais. Com isso, no perío- lução biológica do bioma, destacou a Cássio Tavares, destacou que, no início, a
do da seca, temperatura alta e umidade diretora de Ciência do Instituto de Pes- prática do manejo do fogo não foi bem re-
baixa, “os incêndios florestais ficavam quisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e cebida por parte de órgãos ambientais do
difíceis de combater”. coordenadora do MapBiomas Cerrado, Estado, da sociedade e da academia. “Mui-
Enquanto a reportagem conhecia a Ane Alencar. Segundo a pesquisadora, tos foram taxados de loucos” por defender
comunidade Engenho II no quilombo, existiu por muito tempo a ideia de que o método, contou o servidor do Ibama. O
presenciou o agricultor Elias Francisco as chamas eram sempre ruins. Instituto Chico Mendes de Conservação da
Maia, de 46 anos, colocando fogo e, ao “Isso vem de uma visão da Amazônia Biodiversidade (ICMBio), que faz a ges-
mesmo tempo, apagando as chamas onde o fogo sempre foi visto como algo tão do Parque Nacional da Chapada dos
em torno da sua roça. necessariamente ruim. Veadeiros, informou, em nota, que o uso
consciente do fogo pelo órgão começou, de
forma experimental, entre 2012 e 2014. De
acordo com o ICMBio, o manejo do fogo
para prevenção de incêndios florestais no
Brasil foi motivado pela “troca de expe-
riência com outros países que apresen-
taram resultados positivos na realização
de ações de manejo”, em especial, com a
Austrália. Como exemplo de sucesso, o
Instituto citou o caso da Estação Ecoló-
gica da Serra Geral do Tocantins, que viu
os incêndios florestais despencarem após
o manejo do fogo pelo ICMBio, conforme
ilustra o gráfico a seguir.

[*] Agência Brasil

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Usando o fogo conscientemente
Embora o fogo possa matar algumas plantas, muitas plantas precisam do
fogo para sobreviver e florescer. Habitats inteiros, como pradarias de ca-
pim alto, dependem de incêndios, que historicamente queimaram milhares
de hectares de pastagens a cada ano. A fragmentação do habitat separa a
floração estimulada pelo fogo da aptidão reprodutiva das plantas

por * Universidade de Minnesota Fotos: PNAS, Stuart Wagenius, The Prairie Ecologist

O
fogo periódico mantém a
diversidade de plantas em
ecossistemas dependentes
do fogo em todo o mundo.
Os efeitos do fogo na dinâmica popula-
cional e nas taxas vitais, como a repro-
dução, são atribuídos principalmente à
influência do fogo no ambiente físico.
No entanto, o nosso estudo experimen-
tal de 6 anos com 6.357 plantas indivi-
duais em 35 populações fragmentadas
de pradarias revela que os efeitos do
fogo na reprodução sexual dependem
do tamanho da população.
Hoje, os fogos são uma ferramenta im-
portante para o manejo das pradarias e
a conservação da diversidade de plantas
nativas. Nas grandes reservas sabemos
Uma queimada na pradaria em andamento
que o fogo reduz a sombra, influencia o
solo e melhora a produção de sementes
. Mas e os pequenos fragmentos de pra- Cientistas da Universidade de Min- Durante um estudo de seis anos sobre
daria espalhados pelo Centro-Oeste? nesota e do Instituto Negaunee de Echinacea angustifolia, uma planta da
Uma nova pesquisa publicada na Ciência e Ação para Conservação de pradaria comumente conhecida como
PNAS – Academia Nacional de Ciências, Plantas do Jardim Botânico de Chicago coneflower roxo de folhas estreitas, os
analisa como os incêndios afetam a po- investigaram como os incêndios esti- pesquisadores rastrearam 6.357 indi-
linização em remanescentes isolados de mulam a floração e a polinização e até víduos em 35 populações no oeste de
pradarias, que são extremamente impor- que ponto a influência do fogo depende Minnesota, variando em tamanho de
tantes para plantas e polinizadores. do tamanho da população. três a quase 4.000 plantas adultas.

A ciência do fogo é uma área de investigação madura, com ligações bem estabelecidas entre as condições meteorológicas, a aridez dos combustí-
veis (a secagem das florestas e de outros ecossistemas incineráveis) e os aumentos associados no potencial de ignição e na atividade do fogo

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Antes e depois de 22 queimadas expe-
rimentais, os pesquisadores mediram o
esforço e os resultados da floração para
aprender como o fogo influencia os dife-
rentes estágios de reprodução das plan-
tas em populações grandes e pequenas.
Os pesquisadores descobriram que:
Os efeitos benéficos do fogo na repro-
dução das plantas nas pradarias depen-
dem do tamanho da população vegetal.
A floração no verão aumenta após os
incêndios na primavera, independen-
temente do tamanho da pradaria. Em
contraste, a polinização e o rendimento
de sementes aumentaram mais em po-
pulações pequenas (30–100 indivíduos).
As populações maiores obtiveram um
aumento substancial na produção de se-
mentes após os incêndios, mas a popu- A floração no verão aumenta após os incêndios na prima-
vera, independentemente do tamanho da pradaria
lação menor não obteve benefícios.
“A produção de sementes depende
tanto do esforço reprodutivo quanto A coneflower roxa de folhas estreitas “Os administradores de terras decidem
da polinização”, disse Amy Waananen, é nativa da pradaria de grama alta entre quais pradarias queimar e com que fre-
pesquisadora de pós-doutorado na U of o rio Mississippi e as Montanhas Ro- quência. Nossas descobertas ajudam a
M e coautora do estudo. “É mais prová- chosas, que vai do Texas ao Canadá. Os orientar essas decisões. Em particular,
vel que as abelhas movam o pólen entre pesquisadores usam esta planta como aprendemos que as queimadas prescri-
as plantas que estão próximas e flores- organismo modelo para estudar plantas tas realmente ajudam as populações me-
cem ao mesmo tempo. Em populações perenes em pastagens. Espécies rela- nores”, disse Waananen. “É importante
pequenas, mesmo após o incêndio, cionadas (como Echinacea purpurea e agir rapidamente para preservar as es-
quando é provável que mais indivíduos cultivares ornamentais) são frequente- pécies. Se uma população se tornar de-
floresçam, os parceiros potenciais ainda mente cultivadas em jardins e usadas na masiado pequena, o fogo provavelmente
podem ser poucos e distantes entre si”. medicina tradicional. não conseguirá trazê-la de volta”.

Os cientistas investigaram como os incêndios estimulam a floração e a polinização


e até que ponto a influência do fogo depende do tamanho da população

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Incêndios florestais no Canadá causam
danos devastadores à vida selvagem
Fotos: AFP, Federação Canadense de Vida Selvagem, Universidade da Colúmbia Britânica

S
em excrementos, pegadas, Um cervo e um cervo são vistos em uma floresta
ninhos ou outros vestígios enegrecida na província canadense de Nova Es-
cócia, onde os incêndios florestais costumavam
de vida selvagem – as flo- ser raros, em 22 de junho de 2023
restas boreais do Canadá
foram devastadas por incêndios flo-
restais recordes este ano. Nas florestas
da província de Quebec, o caçador Paul
Wabanonik procura rastros frescos de
alces nas terras ancestrais de sua tribo
indígena, que sustentaram ele e sua
família. “Normalmente, veríamos ves-
tígios por toda parte”, diz o membro da
tribo Ashinabe. Mas “é como um deser-
to”, diz ele enquanto conduz jornalistas
da AFP por uma trilha na floresta.
As pessoas da sua aldeia, centenas de
quilómetros a norte de Montreal, foram
forçadas a fugir dos incêndios florestais
que avançavam em Junho.
Alguns brotos verdes estão começando
a brotar na outrora exuberante floresta
verde carbonizada pelos incêndios.
No outono, a folhagem normalmente
explodiria com cores vermelhas, laranja
e amarelas brilhantes, mas agora está
toda enegrecida. Sem cobertura flores-
tal , não há mais nada para caçar para
alimentar Wabanonik e sua família, e
há poucas chances de a vida selvagem
retornar tão cedo, lamenta ele.
“Não temos uma ideia precisa do nú-
mero de animais que morreram, mas são
centenas de milhares”, diz Annie Lan-
glois, bióloga da Federação Canadense de
Vida Selvagem. Castores, coiotes, gam-
A área acumulada queimada por ano por incêndios florestais no Canadá desde 2014
bás, carcajus, raposas, ursos – a floresta

boreal canadense abriga 85 espécies de


mamíferos, 130 de peixes e 300 de aves,
incluindo muitas aves migratórias. Mas
foi devastado pela época recorde de in-
cêndios florestais deste ano, com mais de
18 milhões de hectares queimados – uma
área próxima do tamanho da Tunísia.

Partículas de fumaça
O biólogo observa que certas espécies
podem ficar presas rapidamente, por-
que não têm capacidade de voar ou cor-
rer com rapidez suficiente e por longas
distâncias diante de incêndios muito
Um grande incêndio queima florestas e casas em West Kelowna, na pro- intensos e de avanço rápido.
víncia canadense de British Columbia, em 17 de agosto de 2023

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Incêndios florestais no Canadá causam danos devastadores à vida selvagem.indd 30 17/10/2023 15:12:58
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E em certas regiões, os incêndios ocor-
reram muito cedo na estação, logo após a
gestação, não deixando qualquer hipótese
de fuga para os filhotes ou lactentes. As
consequências são graves também para a
fauna aquática. Além das cinzas que co-
brem lagos e rios, a erosão do solo causada
pela perda de vegetação altera a qualidade
da água. “Lagos com águas límpidas no
Escudo Canadense ficarão cheios de algas
que sugarão o oxigênio da água, então ha-
verá menos para os animais”, explica Lan-
glois, referindo-se a uma grande área de
rocha exposta. A composição química das
partículas de fumaça de incêndios flores-
tais também é diferente das partículas de
outras fontes de poluição, como emissões
de automóveis ou poluição industrial.
Contém uma proporção maior de po-
luentes à base de carbono em diversas
Os incêndios florestais no Canadá geraram emissões recordes de CO2
formas químicas que às vezes são depo-
sitados a centenas de quilómetros dos
incêndios. Esses vapores têm efeitos
agudos ou crônicos na saúde da vida
selvagem, diz Matthew Mitchell, da
Universidade da Colúmbia Britânica.
“Os animais jovens são frequentemen-
te mais susceptíveis aos efeitos do fumo,
tal como os humanos”, acrescenta, e “até
os animais marinhos como as baleias e
os golfinhos são afectados quando emer-
gem para respirar”. No Canadá, quase
700 espécies já são consideradas amea-
çadas, em grande parte devido à destrui-
ção do habitat causada pela exploração
madeireira e outras invasões. A longo
prazo, os incêndios florestais constituem
uma ameaça adicional para a vida sel-
vagem. Este é o caso do caribu. É pouco
provável que este emblema canadiano
que vive em florestas antigas, alimen-
As florestas a oeste de Quebec, Canadá, foram devastadas como
tando-se de líquenes, recupere durante parte da temporada recorde de incêndios do país neste verão
vários anos da devastação dos incêndios.

“Se é provável que o alce se saia bem, o


caribu terá um desempenho pior, visto que
se encontra numa situação bastante pre-
cária”, preocupa Gabriel Pigeon, professor
da Universidade de Quebec em Abitibi-Te-
miscamingue. Os incêndios também po-
dem acentuar um fenómeno já observado
pelos investigadores e ligado às alterações
climáticas e à perturbação dos ecossiste-
mas: certas espécies deslocaram-se para
norte. É o caso de um lince que o Pombo
segue usando uma coleira de rádio. Refu-
giou-se a 300 quilómetros (185 milhas) do
seu território, enquanto a sua área de vida
é geralmente de 25 quilómetros quadra-
dos. O retorno dos animais às áreas quei-
madas varia de uma espécie para outra.
Duas mulheres olham para a ponte Jacques-Cartier, em Montreal, através da fumaça Para alguns, isso pode levar anos.
causada pelos incêndios florestais no norte de Quebec, em 25 de junho de 2023

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Incêndios florestais no Canadá causam danos devastadores à vida selvagem.indd 31 17/10/2023 15:13:00
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Medidas que podem ajudar


a evitar incêndios florestais
Fotos: Agência Brasil, Prevfogo

Além de destruir a vegetação nativa No Brasil, 95% dos incêndios florestais


No período da seca, e matar muitos animais selvagens, um são causados pela ação humana, seja de
aumentam os riscos de in- incêndio florestal também pode causar forma proposital ou acidental. Os incên-
cêndio florestal. O Ibama sérios prejuízos financeiros e, até mes- dios florestais podem ter causas diversas,
é responsável pela política mo, colocar em risco a vida de pessoas como a queima para plantio, queima para
e de animais domésticos. Em outras rebrota de pastagem, vandalismo, velas
de prevenção e combate palavras, os incêndios florestais, além para rituais religiosos, fogueiras, balões e
aos incêndios florestais em de queimarem lavouras, pastos e áreas queima de lixo, entre outros.
todo o território nacional, naturais, podem atingir casas, galpões, É importante compreender que comba-
por meio de campanhas armazéns e instalações rurais, como ter um incêndio florestal não é tarefa fá-
educativas, treinamento celeiros, galinheiros, viveiros, chiquei- cil. Exige treinamento e equipamentos de
ros e currais. Sobre os efeitos à saúde segurança. Por isso, a orientação no caso
e capacitação de produ- humana, a fumaça e a fuligem causam de incêndios florestais é sempre acionar o
tores rurais e brigadistas, ou agravam doenças respiratórias como Corpo de Bombeiros pelo número 193 ou
monitoramento e pesquisa bronquite e asma, dores de cabeça, náu- a Defesa Civil (41 3281-2513).
e ações in loco de com- seas e tonturas, irritação na garganta, E Como prevenir sempre é a melhor op-
bate ao fogo. O trabalho tosse e conjuntivite. Provocam alergias ção, o Ibama destaca algumas medidas que
na pele e problemas gastrointestinais. podem evitar o início de focos de incêndios
é realizado pelo Centro Intoxicam e podem levar à morte. e a dispersão do fogo pela vegetação:
Nacional de Prevenção e
Combate aos Incêndios
Florestais (Prevfogo) • Sempre capinar em volta e tirar o mato do local onde for fazer uma foguei-
ra ou colocar velas;
• Ao abandonar uma fogueira, apagar com água ou terra;

É
considerado incêndio flores- • Manter fósforos e isqueiros fora do alcance das crianças;
tal todo fogo fora de controle • Fazer aceiros ao redor de casas, currais, celeiros, armazéns, galpões etc.;
em qualquer tipo de vegeta- • Manter os aceiros sempre bem roçados;
ção, seja em plantações, pas- • Optar, sempre que possível, por estratégias alternativas ao uso do fogo,
tos ou áreas de mata nativa. Os incên- como roçada manual ou por máquinas e plantio direto;
dios podem causar grandes prejuízos à • Se for fazer uma queimada controlada, fazer no fim da tarde ou de manhã
biodiversidade, ao ciclo hidrológico e cedo e com a autorização do Instituto Água e Terra – IAT (antigo IAP);
ao ciclo do carbono na atmosfera.

O Ibama alerta: provocar incêndios sem


autorização é crime ambiental! A pena
prevista é de reclusão, de dois a quatro
anos, e multa (Lei nº 9.605/98 e Decreto
nº 6.514/08). Para denúncias, ligue para
0800 61 80 80. Evite, combata e denun-
cie incêndios florestais! Ajude a preservar
a qualidade de vida de todos!

[*] Assessoria de Comunicação do Ibama

32 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br

Medidas que podem ajudar a evitar incêndios florestais.indd 32 17/10/2023 15:21:33


CLUBE DE REVISTAS

Relatórios do PNUMA enfatizam a importância das soluções baseadas na natureza (SBN) para mitigar as mudanças climáticas

Cientistas pedem plantação


de árvores para ajudar a
enfrentar ondas de calor
Adicionar mais áreas naturais às nossas cidades poderia resfriá-las em até
6°C durante ondas de calor, de acordo com uma nova pesquisa do Centro
Global de Pesquisa de Ar Limpo (GCARE) da Universidade de Surrey

Fotos: GCARE, PNUMA

A
pós um ano de monitori-
zação de temperaturas em
quatro áreas distintas* de
Guildford, Inglaterra, os
investigadores descobriram que locais
baseados na natureza – florestas, pasta-
gens e lagos – eram até 3°C mais frios,
em média, do que áreas construídas. Os
investigadores do GCARE estão agora a Soluções baseadas na natureza para ondas de calor. Assista o Vídeo: www.youtu.be/f46ZA6v5aoA
apelar aos urbanistas para que se con-
centrem na adição de áreas “verdes” e
“azuis” para ajudar a combater ondas de “Recomendamos a plantação de árvores Os sensores capturaram dados a cada
calor anuais cada vez mais frequentes. no maior número possível de espaços pú- minuto, fazendo 633.780 leituras no total.
O professor Prashant Kumar, coautor blicos, especialmente em redor das nossas Os investigadores descobriram que du-
do estudo e diretor fundador do GCA- escolas, como um excelente ponto de parti- rante o verão de 2022, houve uma maior
RE, está endossando uma iniciativa na- da para ajudar as comunidades a enfrentar probabilidade de ondas de calor mais
cional de plantio de árvores e soluções o efeito da ilha de calor urbana. Corpos de intensas e duradouras em comparação
baseadas na natureza: água, como lagos e lagoas, também podem com 2021. A área construída excedeu fre-
“Com as temperaturas globais a subir ajudar a resfriar áreas e podem ser úteis quentemente o limiar de ondas de calor
e o Reino Unido a registar a temperatu- para gerenciar o excesso de águas plu- de 28°C. Em 19 de julho de 2022, que foi
ra mais quente de sempre em Julho de viais.” Os investigadores monitorizaram as o dia mais extremo do ano e o dia mais
2022, a nossa investigação contribui para temperaturas continuamente desde junho quente já registrado no Reino Unido, a
o crescente conjunto de evidências que de 2021 até ao final de agosto de 2022, temperatura subiu para 40,7°C.
confirmam que a natureza é a chave para com sensores de temperatura colocados O professor Kumar acrescentou: “Que-
manter as nossas áreas urbanas frescas. dois a três metros acima do nível do solo. remos que os nossos dados ajudem a
construir modelos ambientais à escala da
cidade e auxiliem os planeadores e cida-
dãos comuns na incorporação de elemen-
tos naturais em áreas construídas.
Este trabalho está alinhado com os
Objetivos de Desenvolvimento Susten-
tável 11 (cidades e comunidades sus-
tentáveis) e 13 (ação climática).

revistaamazonia.com.br REVISTA AMAZÔNIA 33

Cientistas pedem plantação de árvores para ajudar a enfrentar ondas de calor.indd 33 17/10/2023 15:26:21
CLUBE DE REVISTAS
Os rios estão aquecendo
rapidamente e perdendo oxigênio:
a vida aquática está em risco
Desoxigenação generalizada no aquecimento dos rios. Os rios estão a aquecer e a per-
der oxigênio mais rapidamente do que os oceanos, de acordo com um estudo liderado
pela Penn State e publicado na Nature Climate Change. O estudo mostra que dos qua-
se 800 rios, o aquecimento ocorreu em 87% e a perda de oxigênio ocorreu em 70%.
Fotos: Leader, Mary Fetzer, Penn State News, Universidade Estadual da Pensilvânia

O
estudo também projeta que Um estudo recente descobriu que os rios estão aquecendo e desoxigenando mais rapi-
nos próximos 70 anos, os damente do que os oceanos, o que poderá ter sérias implicações para a vida aquática — e
para a vida dos seres humanos. A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional esti-
sistemas fluviais, especial- ma que a maioria dos americanos reside a menos de um quilômetro de um rio ou riacho
mente no Sul dos Estados
Unidos, provavelmente passarão por pe-
ríodos com níveis tão baixos de oxigênio
que os rios poderão “induzir a morte agu-
da” de certas espécies de peixes e ameaçar
a diversidade aquática em grande. “Este
é um alerta”, disse Li Li, professor Isett
de Engenharia Civil e Ambiental da Penn
State e autor correspondente do artigo.
“Sabemos que o aquecimento do clima le-
vou ao aquecimento e à perda de oxigénio
nos oceanos, mas não esperávamos que
isso acontecesse em rios rasos e correntes.

O estudo mostra que dos quase 800 rios, o aquecimento ocor- Este é o primeiro estudo a analisar de
reu em 87% e a perda de oxigênio ocorreu em 70% forma abrangente as mudanças de tempe-
ratura e as taxas de desoxigenação nos rios
– e o que descobrimos tem implicações
significativas para a qualidade da água e a
saúde dos ecossistemas aquáticos em todo
o mundo”. A equipe de investigação in-
ternacional utilizou inteligência artificial
e abordagens de aprendizagem profunda
para reconstruir dados historicamente es-
cassos sobre a qualidade da água de quase
800 rios nos EUA e na Europa Central.
Eles descobriram que os rios estão aque-
cendo e desoxigenando mais rapidamen-
te do que os oceanos, o que pode ter sé-
rias implicações para a vida aquática – e
para a vida dos humanos.
A Administração Oceânica e Atmosfé-
rica Nacional estima que a maioria dos
A quantidade de oxigénio dissolvido num rio é uma questão de vida ou morte para as americanos reside a menos de um quilô-
plantas e animais que nele vivem, mas esta concentração de oxigénio varia drastica- metro de um rio ou riacho.
mente de um rio para outro, dependendo da sua temperatura, luz e fluxo únicos
“A temperatura da água ribeirinha e os
níveis de oxigênio dissolvido são medidas
essenciais da qualidade da água e da saú-
de do ecossistema”, disse Wei Zhi, pro-
fessor assistente de pesquisa no Depar-
tamento de Engenharia Civil e Ambiental
da Penn State e principal autor do estudo.

34 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br


h

Os rios estão aquecendo rapidamente e perdendo oxigênio a vida aquática está em risco,.indd 34 18/10/2023 11:45:16
CLUBE DE REVISTAS
Os oceanos desempenham um papel importante no ciclo de carbono e no ciclo da água, entre atmosfera, o ambiente físico e os organismos vivos

“No entanto, são pouco compreendidos


porque são difíceis de quantificar devido à
falta de dados consistentes sobre os dife-
rentes rios e à miríade de variáveis envol-
vidas que podem alterar os níveis de oxigé-
nio em cada bacia hidrográfica”.A equipe
de pesquisa desenvolveu novas aborda-
gens de aprendizagem profunda para re-
construir dados consistentes e permitir a
comparação sistemática entre diferentes
rios, explicou ele. “Se você pensar bem, a
vida na água depende da temperatura e do
oxigênio dissolvido, a tábua de salvação
para todos os organismos aquáticos”, disse
Peixes mortos encontrados em um rio Reino Unido
Li, que também é afiliado ao Instituto de
Energia e Meio Ambiente da Penn State.
“Sabemos que as zonas costeiras, como Ela acrescentou que o declínio do treinaram um modelo informático
o Golfo do México, têm frequentemente oxigénio nos rios, ou desoxigenação, com base numa vasta gama de dados
zonas mortas no verão. O que este estudo também impulsiona a emissão de – desde taxas anuais de precipitação,
nos mostra é que isso também pode acon- gases com efeito de estufa e leva à li- tipo de solo e luz solar – relativos a
tecer nos rios, porque alguns rios não sus- bertação de metais tóxicos. Para con- 580 rios nos Estados Unidos e 216 rios
tentarão mais a vida como antes”. duzir a sua análise, os investigadores na Europa Central.

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Os rios estão aquecendo rapidamente e perdendo oxigênio a vida aquática está em risco,.indd 35 18/10/2023 11:45:17
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Usando máquina para oxigenar a água do rio

O modelo descobriu que 87% dos rios


ficaram mais quentes nas últimas qua-
tro décadas e 70% perderam oxigênio.
O estudo revelou que os rios urbanos
demonstraram o aquecimento mais rá-
pido, enquanto os rios agrícolas expe-
rimentaram o aquecimento mais lento,
mas a desoxigenação mais rápida.
Eles também usaram o modelo para
prever taxas futuras e descobriram
que em todos os rios que estudaram,
as taxas futuras de desoxigenação
eram entre 1,6 e 2,5 vezes mais altas
do que as taxas históricas.
“A perda de oxigénio nos rios é ines-
perada porque normalmente assu-
mimos que os rios não perdem tanto
oxigénio como em grandes massas de
água como lagos e oceanos, mas desco-
O estudo revelou que os rios urbanos apresentaram o aquecimento mais rápido, enquanto os
brimos que os rios estão a perder oxi- rios agrícolas experimentaram o aquecimento mais lento, mas a desoxigenação mais rápida
génio rapidamente”, disse Li.

“Isso foi realmente alarmante, por-


que se os níveis de oxigênio ficarem
baixos o suficiente, torna-se perigoso
para a vida aquática”.
O modelo previu que, nos próximos
70 anos, certas espécies de peixes
poderão desaparecer completamente
devido a períodos mais longos de bai-
xos níveis de oxigénio, o que, segundo
Li, ameaçaria amplamente a diversi-
dade aquática. “Os rios são essenciais
para a sobrevivência de muitas espé-
cies, incluindo a nossa, mas têm sido
historicamente negligenciados como
um mecanismo para compreender as
nossas mudanças climáticas”, disse
Li. “Esta é a nossa primeira visão real
de como estão os rios em todo o mun-
Se você pensar bem, a vida na água depende da temperatura e do oxigê- do – e é perturbador”.
nio dissolvido, a tábua de salvação para todos os organismos aquáticos

36 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br

Os rios estão aquecendo rapidamente e perdendo oxigênio a vida aquática está em risco,.indd 36 18/10/2023 11:45:20
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10ª Sessão da Plenária do IPBES


e do Dia das Partes Interessadas
O IPBES 10 centrou-se nas espécies exóticas invasoras – avaliando
as tendências atuais, os impactos na biodiversidade e as opções de
gestão, e formulando recomendações para os decisores políticos

O
Stakeholder Day reuniu Fotos: IISD/ENB/Anastasia Rodopoulou
cientistas, membros de
comunidades indígenas
e locais e representantes
de organizações da sociedade civil
para trocar opiniões sobre os assun-
tos da agenda da 10ª Sessão da Plená-
ria da IPBES. Entre outros, refletiram
sobre a avaliação temática das Espé-
cies Exóticas Invasoras (EEI), que
deverá ser lançada na sessão.
O conhecimento é fundamental para
informar a tomada de decisões. No que
diz respeito à biodiversidade, é aqui
que entra a IPBES: fornecendo infor-
mações baseadas em evidências e re-
levantes para políticas sobre biodiver-
sidade e serviços ecossistémicos com o
objetivo de promover a conservação e a
utilização sustentável da biodiversida-
de., bem-estar humano a longo prazo e
Presidente do IPBES, Ana María Hernández Salgar
desenvolvimento sustentável.

A décima sessão da Plenária da Pla-


taforma Intergovernamental de Polí-
ticas Científicas sobre Biodiversidade
e Serviços Ecossistêmicos (IPBES 10)
terminou com nota alta e com várias
salvas de aplausos.
O plenário aprovou o resumo para os
decisores políticos (SPM) da avaliação
das espécies exóticas invasoras (EEI)
e aceitou os capítulos da avaliação,
com uma longa ovação. O copresiden-
te da avaliação, Peter Stoett, convidou
os delegados a agradecer aos autores
ao traduzir a ciência em políticas,
indicando que a melhor maneira de
fazer isso é aproveitar as suas conclu-
A biodiversidade está em rápido declínio em todo o mundo. Com muitas espécies de plantas sões para informar a atualização das
e animais em risco de extinção, é mais urgente do que nunca enfrentar os motores da perda estratégias e planos de ação nacionais
de biodiversidade e empenhar-se em mudanças transformadoras : Plataforma Intergoverna- de biodiversidade (NBSAPs).
mental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos (IPBES)

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10ª Sessão da Plenária do IPBES e do Dia das Partes Interessadas.indd 37 18/10/2023 11:44:01
CLUBE DE REVISTAS
Em termos de avaliações adicionais a
serem preparadas até 2030, os delega-
dos aprovaram:

☆ um processo de definição do
escopo para uma segunda ava-
liação global da biodiversidade
e dos serviços ecossistêmicos,
para consideração pelo IPBES 11;
☆ a realização de uma avalia-
ção metodológica acelerada so-
bre o monitoramento da biodi-
versidade e das contribuições da
natureza para as pessoas, para
consideração do IPBES 13; e
☆ a realização de uma avalia-
ção metodológica acelerada do
planeamento espacial integrado
e inclusivo da biodiversidade e
da conectividade ecológica, para
apreciação pelo IPBES 14.
☆ Decidiram também determi-
nar o tema exato para uma ava-
liação adicional no IPBES 12, com
base num novo convite à apre-
sentação de sugestões.
A IPBES 10 terminou com nota alta e com várias salvas de aplausos

Os delegados elegeram David Obura


(Quénia) como o próximo Presidente da
IPBES e aceitaram a oferta da Namíbia
para acolher a IPBES 11 em Dezembro
de 2024. Eles adotaram ainda os termos
de referência de:

☆ a revisão intercalar do progra-


ma de trabalho evolutivo para 2030;
☆ o grupo de trabalho sobre
capacitação;
☆ o grupo de trabalho sobre
conhecimento e dados;
☆ a força-tarefa sobre conheci-
mento indígena e local; e
☆ o grupo de trabalho sobre ce-
nários e modelos de biodiversida-
de e serviços ecossistêmicos.
O novo presidente eleito do IPBES, David Obura

Em exposição na IPBES

As espécies invasoras – incluindo plantas, animais e peixes – causam graves danos às culturas, à vida selvagem e à saú-
de humana em todo o mundo. Alguns atacam espécies nativas; outros os superam na competição por espaço e comida
ou espalham doenças. Um novo relatório das Nações Unidas estima as perdas geradas por invasores em mais de 423 mil
milhões de dólares anuais e mostra que estes danos pelo menos quadruplicaram em cada década desde 1970.
Os humanos movem regularmente animais, plantas e outras espécies vivas das suas áreas de origem para novos locais,
seja acidentalmente ou propositalmente. Por exemplo, podem importar plantas de locais distantes para cultivar ou trazer um
38animal
REVISTA não-nativo
AMAZÔNIA para atacar uma praga local . Outros invasores pegam carona na carga ou na água de lastro dos navios.
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10ª Sessão da Plenária do IPBES e do Dia das Partes Interessadas.indd 38 18/10/2023 11:44:02
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Plenária do Grupo de Trabalho 1

Em Números – Principais Estatísticas e Fatos do Relatório


Espécies
• >37.000: espécies exóticas estabelecidas em todo o mundo
• 200: novas espécies exóticas registradas todos os anos
• >3.500: espécies exóticas invasoras registradas globalmente, incluindo 1.061 plantas (6% de todas as espécies de plantas
exóticas), 1.852 invertebrados (22%), 461 vertebrados (14%) e 141 micróbios (11%)
• 37%: proporção de espécies exóticas conhecidas relatadas desde 1970
• 36%: aumento previsto de espécies exóticas até 2050 em comparação com 2005, num cenário de “business-as-usual”
(assumindo que as tendências passadas nos factores de mudança continuam)
• >35%: proporção de peixes exóticos de água doce na bacia do Mediterrâneo que surgiram da aquicultura
Impactos
• 34%: proporção de impactos relatados nas Américas (31% Europa e Ásia Central; 25% Ásia-Pacífico; 7% África
• 75%: impactos relatados no âmbito terrestre (principalmente em florestas temperadas e boreais e florestas e áreas cultivadas)
• 14%: proporção de impactos relatados em ecossistemas de água doce
• 10%: proporção de impactos relatados no domínio marinho
• 60%: proporção de extinções globais registadas para as quais contribuíram espécies exóticas invasoras
• 16%: proporção de extinções globais registadas em que espécies exóticas invasoras foram a única causa
• 1.215: extinções locais de espécies nativas causadas por 218 espécies exóticas invasoras (32,4% eram invertebrados, 50,9%
vertebrados, 15,4% plantas, 1,2% micróbios)
• 27%: espécies exóticas invasoras impactam espécies nativas através de mudanças nas propriedades do ecossistema (24%
através de competição interespecífica; 18% através de predação; 12% através de herbivoria)
• 90%: extinções globais em ilhas atribuídas principalmente a espécies exóticas invasoras
• >US$ 423 bilhões: custo econômico anual estimado de invasões biológicas, 2019
• 92%: proporção dos custos económicos das invasões biológicas atribuídas a espécies exóticas invasoras que prejudicam
as contribuições da natureza para as pessoas e a boa qualidade de vida (com os restantes 8% dos custos relacionados com a
gestão da invasão biológica)
• >2.300: espécies exóticas invasoras documentadas em terras administradas, usadas e/ou de propriedade de Povos Indígenas
• 400%: aumento do custo económico das invasões biológicas em todas as décadas desde 1970

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10ª Sessão da Plenária do IPBES e do Dia das Partes Interessadas.indd 39 18/10/2023 11:44:03
CLUBE DE REVISTAS
Estudo revela 10 mil registros de
antigas comunidades indígenas
escondidas sob a floresta amazônica
Estudo liderado por pesquisadores do Inpe e publicado na re-
vista Science, combinou tecnologia de ponta em monitoramen-
to remoto com dados arqueológicos e modelagem estatística
Fotos: Ciência (2023), Diego Lourenço Gurgel

A
floresta amazônica pode
abrigar mais de 10 mil re-
gistros de obras pré-colom-
bianas, construídas antes
da chegada dos europeus. É o que revela
um novo estudo publicado recentemen-
te na revista Science. A pesquisa com-
bina tecnologia de ponta em monitora-
mento remoto com dados arqueológicos
e modelagem estatística avançada para
calcular a quantidade de ocupações
que ainda podem estar escondidas de-
baixo do dossel da floresta amazônica
e apontar os locais onde essas estrutu-
ras podem ser encontradas. Conhecidas
como “obras de terra”, essas estruturas
antecedem a chegada dos europeus ao
continente.
O estudo liderado pelos pesquisa-
Obras de terra identificadas na paisagem amazônica
dores Luiz Aragão e Vinicius Peripato,

do Instituto Nacional de Pesquisas Es-


paciais (Inpe), identificou 24 novos re-
gistros arqueológicos por meio de uma
tecnologia avançada de mapeamento
remoto, utilizando um laser embarcado
em avião, conhecido como LiDAR (Li-
ght Detection and Ranging).

(A) Mapa de terraplanagens rela-


tadas anteriormente e recentemente
descobertas (círculos roxos e estrelas
amarelas, respectivamente) relatadas
neste estudo em seis regiões amazôni-
cas: Amazônia central (CA), Amazônia
oriental (EA), Escudo das Guianas (GS),
noroeste da Amazônia ( NwA), Sul da
Amazônia (SA) e Sudoeste da Amazô-
nia (SwA). (B) Terraplanagens recen-
temente descobertas em SA. (C a F)
Terraplanagens recentemente desco-
bertas em SwA. (G a I) Terraplenagens
recentemente descobertas em GS. (J e
Distribuição geográfica de terraplenagens geométricas pré-colombia- K) Terraplanagens recentemente des-
nas conhecidas e recentemente descobertas na Amazônia
cobertas na CA. Barras de escala, 100 m

40 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br

Estudo revela 10 mil registros de antigas comunidades indígenas escondidas sob a floresta amazônica.indd 40 18/10/2023 12:26:39
CLUBE DE REVISTAS
O sensor permitiu reconstruir os ele-
mentos da superfície em um modelo 3D
com alto nível de detalhamento.
A partir dos modelos 3D, foi possível
remover digitalmente toda a vegetação
e iniciar a investigação arqueológica do
terreno sob a floresta. “Investigamos
um total de 0,08% da Amazônia e en-
contramos 24 estruturas, jamais cata-
logadas, nos estados do Mato Grosso,
Acre, Amapá, Amazonas e Pará”, expli-
cou Vinicius Peripato.
Usando todos os 961 registros de obras
de terra encontrados até agora, a equipe
também apontou a quantidade de estru-
turas que ainda podem ser encontradas,
demonstrando que dezenas de espécies
de árvores estão relacionadas a essas
ocupações que remontam a um período
entre 1.500 a 500 anos atrás.
“O estudo indica que a floresta ama-
zônica pode não ser tão intocada quanto
muitos pensam, já que quando busca-
mos uma melhor compreensão da exten-
são da ocupação humana pré-colombia-
na na região nos surpreendemos com a
grande quantidade de sítios ainda desco-
nhecidos pela ciência”, afirmou Peripato.
“Tempos atrás, os ecólogos viam a
Amazônia como a grande floresta in-
tocada, mas agora, combinando outros
tipos de vestígios pré-colombianos, po-
demos perceber como muitos locais que
hoje sustentam uma densa floresta já
foram submetidos a extensas obras de Distribuição geográfica de terraplenagens geométricas pré-colombia-
nas conhecidas e recentemente descobertas na Amazônia
engenharia e ao cultivo e domesticação
de plantas pelas sociedades pré-colom-
bianas. Esses povos dominavam técni- (A) Mapa de terraplanagens relatadas anteriormente e recentemente des-
cas sofisticadas de manejo da terra e das cobertas (círculos roxos e estrelas amarelas, respectivamente) relatadas neste
plantas, em certos casos, ainda presen- estudo em seis regiões amazônicas: Amazônia central (CA), Amazônia oriental
tes nos conhecimentos e práticas dos (EA), Escudo das Guianas (GS), noroeste da Amazônia ( NwA), Sul da Amazônia
povos atuais que podem inspirar novas (SA) e Sudoeste da Amazônia (SwA). (B) Terraplanagens recentemente desco-
formas de conviver com a floresta sem a bertas em SA. (C a F) Terraplanagens recentemente descobertas em SwA. (G
necessidade de destruí-la”, acrescentou a I) Terraplenagens recentemente descobertas em GS. (J e K) Terraplanagens
a pesquisadora Carolina Levis, da Uni- recentemente descobertas na CA. Barras de escala, 100 m
versidade Federal de Santa Catarina.

Ocupação ancestral possibilitou a análise dos milhões de “A pesquisa traz inúmeras evidências
pontos presentes nos dados LIDAR e na da ocupação ancestral da floresta amazô-
O chefe da Divisão de Observação da modelagem estatística da distribuição nica por povos originários, de suas formas
Terra e Geoinformática do Inpe, Luiz das feições estudadas”, explicou. de vida e da relação estabelecida por eles
Aragão, destacou o avanço científico e Até agora, as obras de terra eram co- com a floresta. A proteção de seus territó-
tecnológico promovido pela pesquisa. mumente encontradas por meio de ima- rios, línguas, culturas e heranças deve ser
“O estudo avança o conhecimento em gens do Google Earth. No entanto, devi- compreendida como milenar, como são, e
três grandes áreas: na própria arqueo- do à extensão da floresta amazônica e às não ligada a uma data, que é tão recente”,
logia, por meio de novas descobertas; dificuldades de estudar áreas remotas, a ressaltou Luiz Aragão. O estudo publi-
nas ciências ambientais, demonstran- pesquisa lança previsões testáveis sobre cado na revista Science foi assinado por
do o nível de interferência humana locais pouco conhecidos da Amazônia, uma equipe composta por 230 pesquisa-
na região, o que pode ter implicações onde novos trabalhos de campo prova- dores de 156 instituições localizadas em
para seu funcionamento atual e como velmente descobrirão sítios arqueológi- 24 países de quatro continentes.
modelamos o seu futuro; e finalmente cos de dimensões monumentais e ainda
na área de computação aplicada, que bem preservados dentro da floresta. [*] Imprensa MCTI

revistaamazonia.com.br REVISTA AMAZÔNIA 41

Estudo revela 10 mil registros de antigas comunidades indígenas escondidas sob a floresta amazônica.indd 41 18/10/2023 12:26:39
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Selva Amazônica, Brasil

Antigos amazônicos
criaram intencionalmente
uma “terra escura” fértil
por *Instituto de Tecnologia de Massachusetts Fotos: Science Advances (2023), Unsplash/CC0 Domínio Público

A bacia do rio Amazonas é conhecida por suas imensas e exuberantes florestas


tropicais, então pode-se supor que as terras da Amazônia sejam igualmente ricas

N
a verdade, os solos subja- Esta “ terra escura ” foi encontrada A equipe reuniu resultados de
centes à vegetação florestal, dentro e ao redor de assentamentos análises de solo, observações et-
particularmente nas ter- humanos que datam de centenas a nográficas e entrevistas com co-
ras altas montanhosas, são milhares de anos. E tem sido motivo munidades indígenas modernas,
surpreendentemente inférteis. Grande de algum debate se o solo super-rico para mostrar que a terra escura foi
parte do solo da Amazônia é ácido e po- foi criado propositadamente ou se foi produzida intencionalmente pelos
bre em nutrientes, tornando-o notoria- um subproduto coincidente destas antigos amazônicos como forma de
mente difícil de cultivar. Mas ao longo culturas antigas. Agora, um estudo li- melhorar o solo e sustentar socie-
dos anos, os arqueólogos desenterra- derado por pesquisadores do MIT, da dades grandes e complexas.
ram manchas misteriosamente negras e Universidade da Flórida e do Brasil “Se você deseja ter grandes as-
férteis de solos antigos em centenas de pretende resolver o debate sobre as sentamentos, você precisa de uma
locais em toda a Amazónia. origens da Terra escura. base nutricional.

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Localização da área de estudo, locais e transecções de amostragem

(A) Área de estudo do Alto Rio Xingu mostrando a localização das modernas e históricas aldeias Kuikuro e cinco
sítios arqueológicos. O mapa inserido mostra a localização da área de estudo na Bacia Amazônica (estrela vermelha) e
localizações de sítios arqueológicos documentados com terra escura (pontos pretos). (B) Aldeia moderna de Kuikuro
II. O círculo branco mostra a localização da aldeia histórica Kuikuro I (ocupada entre 1973 e 1983). (C) Sítio arqueológi-
co de Seku. Os círculos magenta em (B) e (C) marcam os locais dos poços de teste ao longo dos transectos na Fig . As
setas mostram as direções dos transectos na Fig.. Imagens de satélite: Esri, DigitalGlobe, GeoEye, i-cubed, Agência de
Serviços Agrícolas do Departamento de Agricultura dos EUA, US Geological Survey, AEX, Getmapping, Aerogrid, IGN,
IGP, swisstopo e comunidade de usuários de GIS.

Mas o solo na Amazônia é extensiva- Goldberg, que realizou a análise de dados 2000, com novos dados coletados em
mente lixiviado de nutrientes e natural- quando era estudante de pós-graduação 2018–19. Os cientistas concentraram
mente pobre para o cultivo da maioria das no MIT e agora é professor assistente no seu trabalho de campo na Terra Indí-
culturas”, diz Taylor Perron, professor Universidade de Miami. “É exatamen- gena Kuikuro, na bacia do Alto Xingu,
Cecil e Ida Green de Terra, Atmosférica te isso que queremos para os esforços no sudeste da Amazônia. Esta região
e Ciências Planetárias no MIT. “Argu- de mitigação das alterações climáticas. abriga aldeias modernas de Kuiku-
mentamos aqui que as pessoas desem- Talvez pudéssemos adaptar algumas das ro, bem como sítios arqueológicos
penharam um papel na criação da Terra suas estratégias indígenas numa escala onde se acredita que os ancestrais dos
escura e modificaram intencionalmente maior, para reter carbono no solo, de Kuikuro viveram. Durante várias visi-
o ambiente antigo para torná-lo um lugar formas que agora sabemos que perma- tas à região, Schmidt, então estudante
melhor para as populações humanas”. neceriam lá por muito tempo.” de pós-graduação na Universidade da
E acontece que a terra escura contém O estudo da equipe aparece na Scien- Flórida, ficou impressionado com o
enormes quantidades de carbono arma- ce Advances. Outros autores incluem o solo mais escuro ao redor de alguns
zenado. À medida que gerações traba- ex-pós-doutorado do MIT e autor prin- sítios arqueológicos.
lhavam no solo, por exemplo, enrique- cipal Morgan Schmidt, o antropólogo “Quando vi esta terra escura e como
cendo-o com restos de comida, carvão Michael Heckenberger, da Universida- ela era fértil, e comecei a investigar o
e resíduos, a terra acumulava detritos de da Flórida, e colaboradores de diver- que se sabia sobre ela, descobri que era
ricos em carbono e mantinha-o tranca- sas instituições em todo o Brasil. uma coisa misteriosa – ninguém sabia
do durante centenas a milhares de anos. realmente de onde vinha”, diz ele.
Ao produzir propositadamente terra Intenção moderna Schmidt e seus colegas começaram a
escura, então, os primeiros habitantes fazer observações das práticas moder-
da Amazónia também podem ter criado No seu estudo atual, a equipe sinte- nas de manejo do solo dos Kuikuro.
involuntariamente um poderoso solo tizou observações e dados que Schmi- Estas práticas incluem a geração de
sequestrador de carbono. dt, Heckenberger e outros reuniram “monturos” - pilhas de resíduos e res-
“Os antigos amazônicos colocaram anteriormente, enquanto trabalha- tos de comida, semelhantes a pilhas de
muito carbono no solo, e muito disso vam com comunidades indígenas na composto, que são mantidas em deter-
ainda existe hoje”, diz o coautor Samuel Amazônia desde o início dos anos minados locais no centro de uma aldeia.

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Antigos amazônicos criaram intencionalmente uma “terra escura” fértil.indd 43 18/10/2023 13:27:59
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Depois de algum tempo, essas pilhas de
resíduos se decompõem e se misturam ao
solo para formar uma terra escura e fér-
til, que os moradores usam para plantar.
Os investigadores também observaram
que os agricultores de Kuikuro espalham
resíduos orgânicos e cinzas em campos
mais distantes, o que também gera terra
escura, onde podem então cultivar mais
culturas. “Vimos atividades que eles fize-
ram para modificar o solo e aumentar os
elementos, como espalhar cinzas no chão
ou espalhar carvão na base da árvore, que
eram ações obviamente intencionais”,
diz Schmidt. Além destas observações, Aldeia Ipatse, no Parque Indígena do Xingu. Atividades do povo Kuikuro
foram a base da pesquisa — Foto: Pedro Biondi/Agência Brasil
também realizaram entrevistas com os al-
deões para documentar as crenças e práti-
cas dos Kuikuro relacionadas com a terra diárias na criação e cultivo do solo rico comunidades indígenas hoje produzem
escura. Em algumas destas entrevistas, os para melhorar o seu potencial agrícola. intencionalmente terra escura, através
aldeões referiram-se à terra escura como Com base nestas observações e entre- das suas práticas para melhorar o solo.
“exegese” e descreveram as suas práticas vistas com os Kuikuro, ficou claro que as Mas poderia a terra escura encontrada
em sítios arqueológicos próximos ter
sido feita através de práticas intencio-
nais semelhantes?

Uma ponte no solo


Em busca de uma conexão, Schmidt
ingressou no grupo de Perron como pós-
-doutorado no MIT. Juntos, ele, Perron
e Goldberg realizaram uma análise meti-
culosa de solos em sítios arqueológicos e
modernos na região do Alto Xingu.
Eles descobriram semelhanças na es-
trutura espacial da terra escura: depósitos
de terra escura foram encontrados num
padrão radial, concentrando-se principal-
mente no centro de assentamentos mo-
dernos e antigos, e estendendo-se, como
raios de uma roda, até as bordas. A terra
escura moderna e antiga também tinha
composição semelhante e era enriquecida
com os mesmos elementos, como carbo-
no, fósforo e outros nutrientes.
“Esses são todos os elementos que
existem em humanos, animais e plan-
tas, e são eles que reduzem a toxicidade
do alumínio no solo, que é um proble-
ma notório na Amazônia”, diz Schmidt.
“Todos esses elementos tornam o solo
melhor para o crescimento das plantas”.
“A ponte principal entre os tempos
modernos e antigos é o solo”, acres-
centa Goldberg. “Como vemos esta
Diagramas de cerca da composição do solo ao longo dos transectos amostrais.
correspondência entre os dois perío-
dos de tempo, podemos inferir que
Os transectos se estendem radialmente através de uma vila moderna, Kui- estas práticas que podemos observar
kuro II ( A , C e E ) e do sítio arqueológico de Seku ( B , D e F ). As linhas pretas e perguntar às pessoas hoje, também
verticais correspondem às localizações das amostras na Fig. 1 (B e C) . (A e B) aconteceram no passado.” Por outras
SOC (g kg −1 ). (C e D) pH do solo medido em água. (E e F) Componente princi- palavras, a equipa conseguiu mostrar
pal 1 de um PCA das 11 grandezas químicas medidas, que explica 51% (Seku) e pela primeira vez que os antigos ama-
76% (Kuikuro II) da variação zónicos trabalhavam intencionalmente

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Algumas atividades que contribuem para a criação da Terra Negra

(A) Processamento de mandioca. (B) Descarte de lixo em monturos. (C) Cultivo de quintal. (D) Varrer cinzas e carvão de
uma lareira. (E) Aldeia Kuikuro II com localizações de outras fotos indicadas. (F) Espalhar resíduos de mandioca. (G) Espalhar
cinzas e carvão em volta das árvores. (H) Queimadas em campos e em áreas de descarte de lixo de quintal. (I) Processamento
de mandioca no campo e queima de resíduos e restos culturais.

o solo, provavelmente através de prá-


ticas semelhantes às de hoje, a fim
de cultivar colheitas suficientes para
sustentar grandes comunidades. Indo
um passo adiante, a equipe calculou a
quantidade de carbono na antiga Terra
escura. Eles combinaram suas medi-
ções de amostras de solo com mapas de
onde a terra escura foi encontrada em
vários assentamentos antigos. As suas
estimativas revelaram que cada aldeia
antiga contém vários milhares de tone-
ladas de carbono que foram sequestra-
das no solo durante centenas de anos
como resultado de atividades humanas
indígenas. Tal como a equipa conclui
no seu artigo, “a agricultura sustentável
moderna e os esforços de mitigação das
alterações climáticas, inspirados pela
fertilidade persistente da antiga terra
Algumas atividades que contribuem para a criação da Terra Negra
escura, podem basear-se em métodos
tradicionais praticados até hoje pelos
Nem todos os sites contêm todos os recursos mostrados indígenas amazónicos”.

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Gases de bactérias e
plâncton afetam o clima
Fotos: Anders Priemé, Eloisa Lasso, Universidade de Copenhague

Precisamos saber quantos


gases as plantas, o solo, os
fungos e as bactérias emitem
na atmosfera. Os gases que eles
liberam influenciam o clima do
planeta e sabemos muito pouco
sobre eles. Em 19 de junho de
2023, o primeiro centro de pes-
quisa do mundo especializado
nessa área foi inaugurado na
Universidade de Copenhague

E
stamos constantemente cer-
cados por eles. Embora não
Professor Anders Priemé fazendo amostragem em ilhotas ao norte da Groenlândia
possamos vê-los ou senti-
-los, muitas vezes podemos
sentir seu cheiro. Os gases voláteis são Por outro lado, as flores tornam-se ir- Quando acertamos os números, eles
emitidos para a atmosfera por qua- resistivelmente deliciosas para atrair as podem ser incluídos na equação climá-
se tudo ao nosso redor – tanto pelas abelhas e garantir a sua própria polini- tica mais ampla e nos fornecer modelos
criações humanas quanto pela própria zação. Dessa forma, os organismos ‘con- climáticos mais precisos”, diz o professor
natureza: móveis, cosméticos, plantas, versam’ uns com os outros nos ecossis- Riikka Rinnan, chefe do novo centro de
fungos, bactérias – e até mesmo pelo temas com a ajuda dos gases VOC. pesquisa, VOLT – Center for Volatile In-
nosso próprio corpo. Esses compostos Mas os gases VOC dos ecossistemas teractions, da Universidade de Copenha-
químicos, que evaporam facilmente também influenciam o clima global. En- gue. Departamento de Biologia.
e se misturam com outras coisas no tre outras coisas, eles contribuem para a Juntamente com outros três pesqui-
ar, são referidos coletivamente como formação de mais gases de efeito estufa sadores do Departamento de Biologia, o
compostos orgânicos voláteis (VOCs). atmosféricos. O problema é que ainda professor Rinnan recebeu uma doação
Na natureza, todos os organismos pro- não sabemos por quanto. de DKK 60 milhões (8 milhões de eu-
duzem VOCs e os utilizam para se comu- Pesquisadores da Universidade de Co- ros) da Fundação Nacional de Pesquisa
nicarem uns com os outros e se protege- penhagen dedicaram os próximos anos da Dinamarca para administrar o cen-
rem dos inimigos por meio do cheiro e para descobrir. “Eles são um pouco tro pelos próximos seis anos. A cerimô-
da química. Por exemplo, insetos come- brincalhões na equação climática. nia oficial de abertura do centro aconte-
dores de folhas fazem com que as plantas Porque ainda sabemos muito pouco so- cerá em 19 de junho de 2023.
comecem a liberar VOCs que eventual- bre as quantidades de gases emitidos. Este
mente repelem os mesmos insetos. é o conhecimento que gostaríamos de ter. Não é tão simples quanto
os gases de efeito estufA
VOCs são encontrados como milhares
de compostos químicos. Por exemplo, em
compostos como isopreno e metanol.
Embora saibamos muito sobre como
os gases de efeito estufa, como o CO2 e
o metano, afetam o clima, o efeito dos
VOCs é mais inexplorado e complicado.
No entanto, eles são conhecidos por pro-
longar a vida útil do metano na atmos-
fera. Mas, ao mesmo tempo, os VOCs
podem formar minúsculas partículas de
aerossol que refletem a radiação solar e,
assim, resfriam o clima. Portanto, seu
efeito climático geral permanece incerto.
Precisamos saber quantos gases as plantas, o solo, os fungos e as bactérias emitem na atmosfera

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“Embora o efeito dos gases de efeito
estufa na atmosfera seja bastante sim-
ples, entender o efeito dos VOCs é mais
difícil porque seus efeitos no clima
variam e ocorrem nos dois sentidos.
Além disso, os VOCs reagem de manei-
ra diferente na atmosfera, dependendo
do que mais está no ar. Portanto, os
efeitos são bastante locais e variam de
lugar para lugar, o que aumenta a com-
plexidade”, explica Riikka Rinnan.

Organismos emitem
e consomem VOCs
A ideia por trás do centro VOLT é obter
uma visão profunda de como funcionam
as complexas interações entre os orga-
nismos, o ambiente e a atmosfera. Isso
envolve entender todos os processos bio-
lógicos envolvendo VOCs na natureza –
até como cada tipo de musgo, fungo ou
plâncton emite e consome gases.
“Anteriormente, descobrimos que os
microorganismos produzem gases VOC
e os ‘devoram’ como fonte de energia.
Por exemplo, enquanto uma planta
pode produzir 100 unidades de VOCs,
os microorganismos em suas folhas po- A pós-doutora Amy Smart e a aluna de mestrado Anneka Williams
coletando voláteis das plantas de Paramo em Matarredonda
dem consumir 20 unidades, de modo
que apenas 80 são emitidos. De fato,
processos opostos estão sempre em E como as pesquisas anteriores se con- concentrações geralmente são muito
andamento e não os compreendemos centraram nos gases vegetais, os pesqui- baixas”. Os primeiros projetos de pes-
hoje”, diz Riikka Rinnan, que continua: sadores do novo centro vão voltar mais quisa do centro serão sobre gases VOC
“Portanto, é importante saber quanto sua atenção para outros organismos. em plâncton, solo e musgo.
gás os organismos produzem e quan- “Agora precisamos olhar para todos os
to absorvem para obter uma imagem organismos que ficaram de fora da pes-
mais precisa da quantidade e composi- quisa anterior. Isso inclui o solo – com
ção que escapa dos ecossistemas para sua comunidade de bactérias e fungos
a atmosfera.” A ambição dos pesquisa- – plantas como musgos e organismos
dores é obter uma compreensão geral aquáticos como o plâncton. Mas preci-
das interações entre todos os tipos de samos fazer algumas medições muito
organismos e gases VOC. difíceis, pois os VOCs são reativos e suas

VOLT
O VOLT – o Centro de Interações Vo-
láteis – opera sob os auspícios do De-
partamento de Biologia da Universida-
de de Copenhague e foi criado em 2023
com financiamento da Fundação Nacio-
nal de Pesquisa da Dinamarca.
Além do diretor do centro Riikka Rin-
nan, que é professor de interações ecos-
sistema-atmosfera, o centro é liderado
pelos pesquisadores principais Lasse
Riemann, Anders Priemé e Kathrin
Rousk, que são respectivamente espe-
cialistas em microbiologia marinha, mi-
crobiologia do solo, bem como simbio-
ses e interações do organismo.
Estudando efeitos das minhocas em plantas e solos nos ecossistemas

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O aquecimento climático altera a
memória e o futuro das florestas
A memória ecológica armazenada em uma paisagem pode ajudar um ecossistema a
se recuperar de distúrbios como incêndios e surtos de doenças. Mas o que acontece
quando o aquecimento climático interrompe esses padrões de perturbação? Quanto
tempo levará até que as memórias ecológicas armazenadas no Ártico em aquecimen-
to sejam substituídas por novas, e o que isso significa para o futuro do Ártico?

Fotos: Victor Leshyk, Center for Ecosystem Science and Society, Northern Arizona University

Um circuito mostra como o aquecimento climático pode alterar diferentes legados ecológicos na floresta boreal
do Ártico, que então retroalimentam o aquecimento climático e as mudanças nos processos da paisagem

U
ma equipe de mais de 40 Michelle Mack, investigadora principal e professora de biologia
cientistas recebeu US$ 9,6 do Regents é reconhecida como líder em ciência do fogo
milhões da National Science
Foundation para investigar
essas questões e uma rede de questões
conectadas no interior do Alasca como
parte do Programa de Pesquisa Ecoló-
gica de Longo Prazo Bonanza Creek. O
projeto também é apoiado pela USDA
Forest Service Pacific Northwest Re-
search Station. Michelle Mack, investi-
gadora principal e professora de biolo-
gia do Regents no Center for Ecosystem
Science and Society da Northern Ari-
zona University, disse que a próxima
etapa da pesquisa ocorrerá durante um
período potencialmente transformador
para as florestas boreais do Ártico.

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O aquecimento climático altera a memória e o futuro das florestas.indd 48 18/10/2023 13:41:20


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Três painéis de experimento de aquecimento de longo prazo rotulados em texto cinza, da esquerda para a direita: controle, aquecimento de curto
prazo, aquecimento de longo prazo. O tratamento de controle, à esquerda, mostra bactérias, protistas e outros microorganismos identificados
pelo sequenciamento do metagenoma do solo em amarelo, laranja, verde e azul, junto com as cadeias de nutrientes disponíveis. O solo represen-
tado no painel central, que sofreu um aquecimento de curto prazo, mostra uma maior abundância e diversidade de micróbios, alguns dos quais
estão crescendo, incorporando nutrientes e respirando dióxido de carbono. O solo que sofreu um longo aquecimento, imaginado no painel à
direita, mostra menos espécies microbianas e relações competitivas que estão se desenvolvendo para o controle dos nutrientes mais escassos

“Vimos como as mudanças dramáti- melhor incluir as perspectivas e prioridades afeta as trajetórias sucessionais, como o
cas no fogo e no permafrost na floresta de pesquisa das comunidades nativas. degelo do permafrost está mudando a hi-
boreal causadas pelo aquecimento cli- A pesquisa nos próximos seis anos, que drologia na região, como os micróbios do
mático já perturbaram a forma como será co-liderada pelos pesquisadores da solo estão respondendo ao aquecimento e
esses ecossistemas se estabilizaram por NAU Ted Schuur, Xanthe Walker, Lo- como o inseto e planta mineiro da folha
milênios”, disse Mack. “Nos próximos gan Berner, Scott Goetz e colaboradores de álamo tremedor patógenos como o
seis anos, vamos observar como esses especializados de nove instituições aca- cancro do álamo podem determinar a ca-
legados e interrupções estão moldando o dêmicas, o Serviço Florestal dos EUA e pacidade futura do álamo de prosperar e
futuro da floresta e o futuro das comuni- o Serviço Geológico dos EUA, se baseará se reproduzir na região.
dades que dependem da floresta boreal.” em décadas de dados anteriores coleta- Aqui está um exemplo de como a próxi-
A equipe de Mack também perguntará dos através do programa Bonanza Creek ma fase se baseará no legado de pesquisa
como a atividade humana moldou a his- LTER desde 1987. Bonanza Creek, com de Bonanza Creek: a equipe descobriu
tória das florestas, trabalhando com tribos sede na Universidade do Alasca-Fair- que incêndios cada vez mais frequentes
nativas do Alasca para desenvolver ques- banks Institute of Arctic Biology, é um e intensos na floresta boreal resultaram
tões de pesquisa que sejam relevantes para dos 28 locais LTER dos EUA no país. em árvores de folha caduca de cresci-
suas comunidades e papéis no manejo do A equipe trabalhará em uma rede de lo- mento mais rápido, como a bétula e o
fogo hoje. O programa também reunirá um cais no interior do Alasca investigando tó- álamo trêmulo, movendo-se para onde
Conselho Consultivo Nativo do Alasca para picos interligados, incluindo como o fogo crescem mais lentamente. mas o abeto
preto mais inflamável já dominou. Nos
próximos seis anos, eles monitorarão
uma série mais ampla de parcelas de flo-
resta que queimaram em diferentes épo-
cas, incluindo algumas acessíveis apenas
por helicóptero, para construir uma es-
pécie de lapso de tempo que ilustra como
essas florestas estão crescendo e mudan-
do, e que papel o fogo desempenha.
“Nosso trabalho em Bonanza Creek
LTER nos mostrou quão incerto é o fu-
turo da floresta boreal do Ártico”, dis-
se Mack. “A próxima etapa é para essa
equipe realmente talentosa mapear que
tipos de futuros são possíveis, prováveis
e como os humanos desempenharão um
papel em moldá-los”.
Floresta boreal Bonanza Creek LTER no Ártico

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A qualidade da água está se
deteriorando nos rios em todo
o mundo devido às mudanças
climáticas e ao aumento de
eventos climáticos extremos
Fotos: Luke Mosley, Nature Reviews Earth & Environment (2023), Universidade de Adelaide, Universidade de Utrecht

Qualidade global da água dos rios sob altera-


ções climáticas e extremos hidroclimáticos

Fatores hidroclimáticos, fatores geográficos e atividades humanas que afetam a qualidade da água do rio

A
s alterações climáticas e o
aumento das secas e das
tempestades colocam sérios
desafios à nossa gestão da
água. Não só a disponibilidade da água
está sob pressão, mas também a sua
qualidade. Contudo, de acordo com o
relatório mais recente do IPCC, a nos-
sa compreensão actual desta questão é
inadequada. Para preencher esta lacu-
na, um grupo internacional de cientistas
reuniu um grande conjunto de pesqui-
sas sobre a qualidade da água nos rios
em todo o mundo. O estudo publicado
na Nature Reviews Earth & Environ-
ment, mostra que a qualidade da água
dos rios tende a deteriorar-se durante
Rios em risco: as alterações climáticas estão a diminuir a qualidade global da água
eventos climáticos extremos.

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CLUBE DE REVISTAS

A qualidade da água deteriora-se nos rios em todo o mundo devido às alterações climáticas

À medida que estes eventos se tornam


mais frequentes e graves devido às alte-
rações climáticas, a saúde dos ecossiste-
mas e o acesso humano à água potável
podem estar cada vez mais ameaçados.
A pesquisa liderada pela Dra. Michelle
van Vliet, da Universidade de Utrecht,
analisou 965 casos de mudanças na
qualidade da água do rio durante con-
dições climáticas extremas, como secas,
ondas de calor, tempestades e inunda-
ções, bem como sob mudanças climá-
ticas de longo prazo (multidecadais).
“Analisamos vários constituintes da
qualidade da água, como temperatura
da água, oxigênio dissolvido, salinidade
e concentração de nutrientes, metais,
microorganismos, produtos farmacêu-
Rio Finniss sofreu seca em 2009, onde solos com sulfato ácido racharam e acidificaram
ticos e plásticos”, diz van Vliet.
A análise mostra que, na maioria dos
casos, a qualidade da água tende a dete- As alterações na qualidade da água da água em África e na Ásia. A maioria
riorar-se durante secas e ondas de calor são fortemente impulsionadas pelas al- dos estudos sobre a qualidade da água
(68%), tempestades e inundações (51%) terações na vazão dos rios e na tempe- concentra-se agora em rios e riachos na
e sob alterações climáticas de longo prazo ratura da água. O uso do solo e outros América do Norte e na Europa”.
(56%). Durante as secas, há menos água fatores humanos, como o tratamento de Os resultados do estudo sublinham
disponível para diluir os contaminantes, águas residuais, também determinam a a necessidade urgente de uma melhor
enquanto as tempestades e as inunda- forma como isto se desenrola. “É cru- compreensão das mudanças na qua-
ções geralmente resultam em mais con- cial compreender a complexa interação lidade da água durante eventos cli-
taminantes que escoam da terra para os entre o clima, o uso do solo e os fato- máticos extremos e dos mecanismos
rios e riachos. Melhorias ou respostas res humanos, que juntos influenciam subjacentes a isto. “Só então seremos
mistas na qualidade da água também as fontes e o transporte de poluentes”, capazes de desenvolver estratégias efi-
são relatadas em alguns casos devido a afirma van Vliet. A investigação tam- cazes de gestão da água que possam
mecanismos de neutralização, por exem- bém exige mais recolha de dados e estu- salvaguardar o nosso acesso à água po-
plo, quando o aumento do transporte de dos sobre a qualidade da água em paí- tável e garantir a saúde dos ecossiste-
poluentes é compensado por uma maior ses não ocidentais. “Precisamos de uma mas face às alterações climáticas e ao
diluição durante eventos de inundação. melhor monitorização da qualidade aumento dos extremos climáticos”.

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CLUBE DE REVISTAS
O derretimento do gelo provavelmente
desencadeou mudanças climáticas
há mais de 8.000 anos
Fotos: Dr. Graham Rush, Universidade de Leeds

U
sando amostras geológicas
do estuário de Ythan, na
Escócia, os cientistas iden-
tificaram o derretimento da
camada de gelo como o provável desenca-
deador de um grande evento de mudança
climática há pouco mais de 8.000 anos.
E a análise – envolvendo uma equipe
de geocientistas de quatro universidades
de Yorkshire, liderada pelo Dr. Graham
Rush, que ocupa cargos na Universidade
de Leeds e na Universidade Leeds Beckett
– poderá conter pistas sobre como a atual
perda de gelo na Groenlândia poderá afe-
tar a os sistemas climáticos do mundo.
Há mais de 8.000 anos, o Atlântico
Norte e o Norte da Europa sofreram um
Mostra do núcleo de sedimentos sendo retirado do Estuário Ythan
arrefecimento significativo devido a alte-
rações num importante sistema de cor-
rentes oceânicas conhecido como Circu- A mudança na AMOC também afetou Acredita-se que um influxo de uma
lação Meridional do Atlântico, ou AMOC. os padrões globais de precipitação. grande quantidade de água doce nos ma-
res de água salgada do Atlântico Norte
causou o colapso do AMOC.
A equipe de investigação recolheu
amostras de sedimentos no estuário de
Ythan para construir uma imagem do
que estava a acontecer ao nível do mar há
mais de 8.000 anos.
Ao analisar os micro fósseis e os sedi-
mentos nas amostras, eles descobriram
que as mudanças no nível do mar se afas-
taram das flutuações normais de fundo de
cerca de dois milímetros por ano e atingi-
ram 13 milímetros por ano, com eventos
individuais no nível do mar, resultando
no aumento da água, provavelmente em
Fósseis de um organismo unicelular Elphidium gerthi
cerca de 2 metros. no Estuário Ythan.

As configurações do manto de gelo Laurentide (LIS) e do Mapa da região do Atlântico Norte c. 8.500 anos cal AP. A costa do
lago Agassiz-Ojibway (LAO) são retiradas de Dalton et al. noroeste da Europa em 9.000 anos cal AP é retirada de (Hill, 2020)
(2020) e Teller et al. (2002) , respectivamente, com o sub-
sequente encaminhamento da água de degelo através
da Baía de Hudson mostrado em azul escuro. A proposta
Hudson Bay Ice Saddle (HBIS) é destacada pela incuba-
ção. As principais correntes (quente = setas vermelhas,
fria = setas azuis) são desenhadas para destacar o padrão
geral da Circulação Meridional do Atlântico com base no
conjunto de dados de Hamilton (2018). Os locais com re-
construções ao nível do mar mencionados no texto são
mostrados em amarelo, incluindo o Estuário do Ythan

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O derretimento do gelo provavelmente desencadeou mudanças climáticas há mais de 8.000 anos.indd 52 18/10/2023 14:59:03
CLUBE DE REVISTAS
A análise das amostras centrais for-
nece mais evidências de que havia pelo
menos duas fontes principais de água
doce que drenavam para o Atlânti-
co Norte, causando as mudanças na
AMOC, e não uma única fonte como se
pensava anteriormente.
A opinião de muitos cientistas era
que a água doce provinha de um lago
gigante – o Lago Agassiz-Ojibway, que
tinha o tamanho do Mar Negro e estava
situado perto do que hoje é o norte de
Ontário – que desaguara no oceano.
Dr Rush disse: “Mostramos que,
embora enorme, o lago não era
grande o suficiente para dar conta
de toda aquela água que entrava no
oceano e causava o aumento do ní- Parte de uma visualização da NASA da Corrente do Golfo,
mostrando temperaturas da superfície e padrões de fluxo
vel do mar que observamos”.

Em vez disso, o Dr. Rush e os seus cole-


gas acreditam que o derretimento da sela
de gelo da Baía de Hudson, que cobriu
grande parte do leste do Canadá e do nor-
deste dos Estados Unidos, proporcionou
a injeção de grandes quantidades de água
que se refletiu nas amostras principais.

A circulação oceânica
distribui calor
A energia térmica impulsiona o clima
mundial e a perturbação das corren-
tes oceânicas teve grandes ramificações
em todo o mundo. As temperaturas no
Atlântico Norte e na Europa caíram entre
1,5 e 5 graus C e duraram cerca de 200
anos, com outras regiões a registarem um
aquecimento acima da média. Os níveis
de precipitação também aumentaram
na Europa, enquanto outras partes do
mundo, como partes de África, regista-
ram condições mais secas e períodos de
seca prolongados. Os autores do estudo
acreditam que o estudo dá uma ideia de
como o atual derretimento das camadas
de gelo na Groenlândia pode afetar os
sistemas climáticos globais. Dr. Rush
acrescentou: “Sabemos que a AMOC está
atualmente a abrandar e, embora ainda
debatida, algumas previsões indicam que
poderá encerrar completamente.
“No entanto, olhando para eventos pas-
sados podemos aprender mais sobre o
que causa estas mudanças e a sua proba-
Mapa da região do Atlântico Norte c. 8.500 anos cal AP. A costa do bilidade. Mostrámos que o rápido recuo
noroeste da Europa em 9.000 anos cal AP é retirada de (Hill, 2020)
da camada de gelo, que pode ocorrer na
Groelândia dependendo da trajetória das
a) Uma visão geral do Reino Unido, mostrando a localização de b) - uma futuras emissões de combustíveis fósseis,
imagem de satélite do Estuário Ythan, costa oeste da Escócia (BingTM, 2019). pode causar uma série de efeitos climáti-
c) Mapa do local de campo mostrando a localização de novos transectos e fu- cos significativos que teriam consequên-
ros feitos neste estudo e os transectos existentes de Smith et al. (1999)+ cias muito preocupantes”.

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O derretimento do gelo provavelmente desencadeou mudanças climáticas há mais de 8.000 anos.indd 53 18/10/2023 14:59:05
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Uma visão dos furacões se formando sobre o Oceano Atlântico, criada pela
montagem de imagens adquiridas em 6 de setembro de 2017 pelo satélite

A Corrente do Golfo pode entrar em


colapso em 2025, mergulhando a
Terra no caos climático
Os pesquisadores previram que o colapso do AMOC poderia acontecer a qualquer momento
entre 2025 e 2095 – muito mais cedo do que as previsões anteriores, embora nem todos os cien-
tistas estejam convencidos. Aviso de um próximo colapso da circulação meridional do Atlântico

Fotos: Nature, NASA/Goddard Space Flight Center Scientific Visualization Studio,


por *Ben Turner
NASA/Joshua Stevens, Visible Infrared Imaging Radiometer Suite (VIIRS) da NASA

U
m sistema vital de correntes O AMOC pode existir em dois estados “Não foi um resultado em que disse-
oceânicas que ajuda a regu- estáveis : um mais forte e mais rápido do mos: ‘Ah, sim, aqui está’. Na verdade,
lar o clima do Hemisfério qual dependemos hoje, e outro que é mui- ficamos perplexos.” AMOC como uma
Norte pode entrar em colap- to mais lento e fraco. Estimativas anterio- correia transportadora global
so a qualquer momento a partir de 2025 res previam que a corrente provavelmen- As correntes do Oceano Atlântico fun-
e desencadear o caos climático, alerta te mudaria para seu modo mais fraco em cionam como uma correia transporta-
um novo estudo controverso. A Circu- algum momento do próximo século. dora global sem fim, movendo oxigênio,
lação Meridional do Atlântico (AMOC), Mas a mudança climática causada pelo nutrientes, carbono e calor ao redor do
que inclui a Corrente do Golfo, governa homem pode levar o AMOC a um ponto de globo. As águas mais quentes do sul, que
o clima trazendo águas tropicais quen- inflexão crítico mais cedo ou mais tarde, são mais salgadas e densas, fluem para o
tes para o norte e águas frias para o sul. previram os pesquisadores em um novo norte para resfriar e afundar sob as águas
Mas os pesquisadores agora dizem estudo, publicado na terça-feira (25 de ju- em latitudes mais altas, liberando calor
que o AMOC pode estar caminhando lho) na revista Nature Communications. na atmosfera. Então, depois de afundar
para um colapso total entre 2025 e “O ponto de inflexão esperado – dado no oceano, a água lentamente se move
2095, causando a queda das tempe- que continuamos com os negócios como para o sul, esquenta novamente e o ciclo
raturas, o colapso dos ecossistemas sempre com as emissões de gases de efeito se repete. Mas a mudança climática está
oceânicos e a proliferação de tempes- estufa – é muito mais cedo do que esperá- diminuindo esse fluxo. A água doce do
tades em todo o mundo. vamos”, disse a coautora Susanne Ditlev- derretimento das camadas de gelo tornou
No entanto, alguns cientistas aler- sen , professora de estatística e modelos a água menos densa e salgada, e estudos
taram que a nova pesquisa vem com estocásticos em biologia na Universidade recentes mostraram que a corrente é a
algumas grandes ressalvas. de Copenhague, à Live Science. mais fraca em mais de 1.000 anos.

54 REVISTA AMAZÔNIA revistaamazonia.com.br

A Corrente do Golfo pode entrar em colapso em 2025, mergulhando a Terra no caos climático.indd 54 18/10/2023 15:10:28
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Impressão digital da circulação meridional do Atlântico (AMOC), temperatura da superfície do mar (SST) e média global (GM)

a região do giro subpolar (SG) (contorno preto) no topo da reconstrução SST do conjunto de dados Hadley
Center Sea Ice e Sea Surface Temperature (HadISST) para dezembro de 2020. A região SG SST foi identificada
como uma impressão digital AMOC. b Registro mensal completo do SG SST junto com a média global (GM)
SST. c , d anomalias SG e GM, que são os registros subtraídos da média mensal sobre o registro completo. O
proxy de impressão digital AMOC, que é aqui definido como a anomalia SG menos duas vezes a anomalia GM,
compensando o aquecimento global amplificado polar

Uma animação simplificada da “correia transportadora” AMOC global, com correntes


de superfície mostradas em vermelho e correntes marítimas profundas em azul

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A Corrente do Golfo pode entrar em colapso em 2025, mergulhando a Terra no caos climático.indd 55 18/10/2023 15:10:30
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A região perto da Groenlândia, onde
as águas do sul afundam (conhecida Curvas de estado estacionário de simulações de modelos climáticos de Águas Profundas
como giro subpolar do Atlântico Nor- do Atlântico Norte (NADW), com um parâmetro de controle de mudança muito lenta
(força de água doce)
te), faz fronteira com um trecho que
está atingindo temperaturas baixas
recordes, enquanto os mares ao redor
atingem máximas históricas, forman-
do uma “bolha” em constante expan-
são de água fria.
A última vez que o AMOC mudou
de modo durante a era glacial mais
recente, o clima perto da Groenlândia
aumentou de 18 a 27 graus Fahrenheit
(10 a 15 graus Celsius) em uma déca-
da. Se fosse desligado, as temperatu-
ras na Europa e na América do Norte
poderiam cair até 9 F (5 C) no mesmo
período de tempo.
Dados diretos sobre a força do
AMOC só foram registrados des-
de 2004, portanto, para analisar as
mudanças na corrente em escalas de
tempo mais longas, os pesquisadores
recorreram às leituras da temperatu-
ra da superfície do giro subpolar entre
os anos de 1870 e 2020, um sistema
que eles argumentam fornecer uma
‘impressão digital’ para a força da cir-
culação do AMOC.
Ao inserir essas informações em
um modelo estatístico, os pesqui- Controvérsia sobre o colapso previsto
sadores avaliaram a diminuição da
força e resiliência da corrente oceâ- O painel superior mostra modelos apenas do oceano, enquanto o painel in-
nica por meio de suas crescentes ferior mostra os modelos da atmosfera oceânica. As curvas são, mesmo longe
flutuações ano a ano. Os resultados da transição, surpreendentemente bem ajustadas pela Eq. (curvas finas pre-
do modelo alarmaram os pesquisa- tas). Os pontos de bifurcação são indicados com círculos pretos. Observe que,
dores – mas eles dizem que verifi- para alguns modelos, a transição ocorre antes do ponto crítico, como seria de
cá-los apenas reforçou suas desco- se esperar em transições induzidas por ruído. Os círculos coloridos mostram
bertas: a janela para o colapso do as condições atuais para os diferentes modelos. Adaptado de Rahmstorf et al
sistema pode começar já em 2025,
e torna-se mais provável à medida
que o século 21 continua.
“Não me considero muito alarmis-
ta. Em certo sentido, não é frutífe- no AMOC, então este é um resulta- de que o colapso mostrado por mo-
ro”, disse Peter Ditlevsen , profes- do muito preocupante”, David Thor- delos simplificados descreve correta-
sor de física e ciência climática do nalley, professor de oceano e ciência mente a realidade - mas simplesmente
Instituto Niels Bohr em Copenha- climática na University College Lon- não sabemos, e não há discussão séria
gue, à Live Science. don, disse ao Live Science por e- mail sobre as deficiências desses modelos
“Então, meu resultado me incomo- . “Mas existem algumas incógnitas e simplificados”, disse Jochem Marot-
da, de certa forma. Porque [a janela suposições realmente grandes que zke, professor de ciência do clima e
para um possível colapso] é tão pró- precisam ser investigadas antes de diretor do Instituto Max Planck de
xima e tão significativa que temos que termos confiança neste resultado”. Meteorologia em Hamburgo, ao Live
tomar medidas imediatas agora”. Outros cientistas do clima chega- Science por e-mail. fica muito aquém
Oceanógrafos e especialistas em ram ao ponto de jogar água fria nas de seu objetivo autoproclamado de
clima disseram que, embora o estu- descobertas, sugerindo que é “total- estimar a evolução da circulação ape-
do forneça um aviso preocupante, mente incerto” que a evolução ob- nas a partir de observações”.
ele vem com algumas grandes incer- servada da temperatura da super- Os pesquisadores por trás do
tezas. “Se as estatísticas são robustas fície do AMOC possa estar ligada à novo estudo dizem que seus pró-
e são uma maneira correta/relevante força de sua circulação. “Embora a ximos passos serão atualizar seu
de descrever como o AMOC moder- matemática pareça feita com habi- modelo com dados dos últimos
no real se comporta, e as mudanças lidade, a base física é extremamen- três anos, o que deve reduzir sua
se relacionam (apenas) a mudanças te instável: baseia-se na suposição janela para o colapso previsto.

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As alterações climáticas
dão nova cor ao oceano
Duas décadas de medições por satélite mostram que a superfície do mar está ficando verde

Fotos: Observatório da Terra da NASA por Wanmei Liang , usando dados de Cael, BB, et al. (2023).

O
mar azul profundo está ficando um pouco mais Os valores apresentados em verde baseiam-se em toda a
verde. Embora isso possa não parecer tão im- gama de cores e, portanto, captam mais informações sobre o
portante como, digamos, temperaturas recor- ecossistema como um todo.Uma longa série temporal de um
des da superfície do mar , a cor da superfície do único sensor é relativamente rara no mundo do sensoriamento
oceano é indicativa do ecossistema que se encontra abaixo. remoto. Enquanto o satélite Aqua celebrava o seu 20º ano em
Comunidades de fitoplâncton , organismos microscópicos órbita em 2022 – excedendo em muito a sua vida útil de 6 anos
fotossintetizantes, são abundantes em águas próximas à su- – Cael questionou-se que tendências a longo prazo poderiam
perfície e são fundamentais para a cadeia alimentar aquática ser descobertas nos dados. Em particular, ele estava curioso
e o ciclo do carbono. Esta mudança na tonalidade da água para saber o que poderia ter faltado em todas as informações
confirma uma tendência esperada no âmbito das alterações sobre as cores do oceano que havia coletado. “Há mais coisas
climáticas e sinaliza mudanças nos ecossistemas do oceano codificadas nos dados do que realmente utilizamos”, disse ele.
global, que cobre 70 por cento da superfície da Terra. Pesqui- Ao ampliar os dados, a equipe identificou uma tendência de cor
sadores liderados por BB Cael , principal cientista do Centro do oceano que havia sido prevista pela modelagem climática,
Nacional de Oceanografia do Reino Unido, revelaram que mas que deveria levar de 30 a 40 anos de dados para ser detec-
56% da superfície global do mar sofreu uma mudança signi- tada usando estimativas de clorofila baseadas em satélite. Isto
ficativa de cor nos últimos 20 porque a variabilidade natu-
anos. Depois de analisar ral da clorofila é elevada
os dados da cor do em relação à tendên-
oceano do instru- cia das alterações
mento MODIS climáticas. O
(Espectrorra- novo método,
diômetro de incorporando
Imagem de toda a luz vi-
Resolução sível, foi ro-
Moderada) busto o su-
do satéli- ficiente para
te Aqua da confirmar a
NASA , eles tendência em
descobriram 20 anos.Nesta
que grande fase, é difícil
parte da mu- dizer que mu-
dança decorre do danças ecológicas
fato de o oceano ficar Imagem do dia 2 de outubro de 2023. Instrumento: Aqua — MODIS
exatas são responsá-
mais verde.O mapa acima veis pelas novas tonali-
destaca as áreas onde a cor da su- dades. No entanto, postulam os
perfície do oceano mudou entre 2002 e 2022, com tons mais autores, eles poderiam resultar de diferentes conjuntos de
escuros de verde representando diferenças mais significativas plâncton, de partículas mais detríticas ou de outros organis-
(maior relação sinal-ruído). mos, como o zooplâncton. É improvável que as mudanças de
Por extensão, disse Cael, “estes são locais onde podemos cor venham de materiais como plásticos ou outros poluen-
detectar uma mudança no ecossistema oceânico nos últimos tes, disse Cael, uma vez que não são suficientemente difun-
20 anos”. O estudo concentrou-se nas regiões tropicais e didas para serem registadas em larga escala.
subtropicais, excluindo latitudes mais altas, que são escuras “O que sabemos é que nos últimos 20 anos o oceano tornou-se
durante parte do ano, e águas costeiras, onde os dados são mais estratificado”, disse ele. As águas superficiais absorveram o
naturalmente muito ruidosos. Os pontos pretos no mapa in- excesso de calor do clima mais quente e, como resultado, são me-
dicam a área, que cobre 12% da superfície do oceano, onde nos propensas a se misturar com camadas mais profundas e mais
os níveis de clorofila também mudaram durante o período de ricas em nutrientes. Este cenário favoreceria o plâncton adapta-
estudo. A clorofila tem sido a medida preferida pelos cien- do a um ambiente pobre em nutrientes. As áreas de mudança de
tistas de sensoriamento remoto para avaliar a abundância e cor do oceano alinham-se bem com onde o mar se tornou mais
a produtividade do fitoplâncton. No entanto, essas estima- estratificado, disse Cael, mas não existe tal sobreposição com as
tivas usam apenas algumas cores do espectro de luz visível. mudanças de temperatura da superfície do mar.

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As alterações climáticas dão nova cor ao oceano.indd 57 18/10/2023 18:02:42


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Preservando as florestas para proteger
o solo profundo do aquecimento
Um estudo recente liderado por cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (Berkeley
Lab) e da Universidade de Zurique revelou que os compostos orgânicos propostos para o sequestro
de carbono em solos profundos são altamente vulneráveis à decomposição sob o aquecimento global

Fotos: Michael WI Schmidt, Roy Kaltschmidt/Berkeley Lab, Universidade de Zurique

A
descoberta tem implica- Reduzir simultaneamente as emissões de ozônio
ções para uma estraté- de baixo nível e outros poluentes climáticos de
vida curta, bem como o dióxido de carbono de vida
gia chave na gestão do longa, poderia reduzir a taxa de aquecimento global
carbono que depende do pela metade até 2050, mostra um novo estudo
solo e das florestas – “su-
midouros” naturais de carbono – para
mitigar o aquecimento global.
Cerca de 25% das emissões globais
de carbono são capturadas por flores-
tas, pastagens e pastagens. Durante a
fotossíntese, as plantas armazenam
carbono em suas paredes celulares e
no solo. Devido aos ricos estoques de
carbono de décadas passadas, os solos
contêm duas vezes mais carbono do
que a atmosfera, e os subsolos mais
profundos (mais de 8 polegadas ou “Nosso estudo mostra que a mudança Em 2021, Torn e sua equipe de pes-
20 centímetros) respondem por apro- climática afetará todos os aspectos do quisa forneceram a primeira evidência
ximadamente metade do carbono do ciclo de carbono e nutrientes do solo. física de que temperaturas mais altas
solo. Mas à medida que as populações Também mostra que, em termos de levam a uma queda significativa nos
globais aumentam, também aumen- sequestro de carbono, não existe solu- estoques de carbono armazenados em
tam nossas demandas por novas terras ção milagrosa. Se quisermos que o solo solos florestais profundos – uma perda
agrícolas e madeira. sustente o sequestro de carbono em um de 33% em cinco anos.
A pesquisa mostra que perturbar o mundo em aquecimento, precisaremos No novo estudo, Torn e o primeiro
mundo natural para o comércio tem de melhores práticas de manejo do solo, autor, Cyrill Zosso, da Universidade de
um preço: o Painel Intergovernamen- o que pode significar uma perturbação Zurique, revelam uma imagem mais
tal das Nações Unidas sobre Mudanças mínima dos solos durante o manejo flo- clara do solo em um mundo em aqueci-
Climáticas alertou que as emissões do restal e a agricultura”, disse Margaret mento. Desta vez, a equipe de pesquisa
desmatamento e da agricultura repre- Torn, cientista sênior da Área de Ciên- é a primeira a mostrar que temperatu-
sentam cerca de um quinto dos gases cias Ambientais e da Terra do Berkeley ras mais altas levam a uma queda sig-
de efeito estufa globais. Lab. e um autor sênior do estudo. nificativa nos compostos de carbono
orgânico do solo que são criados pelas
plantas durante a fotossíntese.
Durante um experimento na Blo-
dgett Forest Research Station da
Universidade da Califórnia, no sopé
das montanhas de Sierra Nevada,
os pesquisadores usaram hastes de
aquecimento verticais para aquecer
continuamente terrenos de 1 metro
de profundidade (três pés de profun-
didade) em 4 graus Celsius ( 7 graus
Fahrenheit). Essa é a quantidade de
aquecimento projetada até o final do
século 21, se as emissões de gases de
efeito estufa permanecerem altas.
Cientistas do Berkeley Lab coletam amostras de solo na Blodgett Forest

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Preservando as florestas para proteger o solo profundo do aquecimento.indd 58 18/10/2023 18:21:46


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Eles descobriram que apenas 4,5
anos de aquecimento nessa temperatu-
ra levaram a grandes mudanças nos es-
toques de carbono a uma profundidade
de mais de 30 centímetros (ou aproxi-
madamente 12 polegadas) abaixo da
superfície do solo.
Durante experimentos espectroscópi-
cos na Universidade de Zurique, Zosso
identificou os compostos orgânicos afe-
tados pelo aquecimento. Os resultados
foram chocantes: uma perda de 17% em
lignina – os compostos que dão rigidez
às plantas – e uma perda de quase 30%
em cutina e suberina, os compostos ce-
rosos nas folhas, caules e raízes que pro-
tegem as plantas de patógenos.
Torn e Zosso também ficaram surpre-
sos ao encontrar uma diferença signifi-
cativa na quantidade de “carbono piro-
gênico” nas amostras de solo que foram
aquecidas artificialmente em relação às
que não foram. O carbono pirogênico é
um tipo de carbono orgânico do solo de-
rivado de vegetação carbonizada e outros
restos de matéria orgânica deixados na
sequência de um incêndio florestal.
Muitos pesquisadores assumem que o
carbono pirogênico tem o maior poten-
cial para servir como uma forma muito
estável de carbono sequestrado. “En-
contramos muito menos carbono piro-
gênico nos solos profundos quando eles
foram aquecidos”, disse Torn.
“O carbono pirogênico pode perma-
necer no solo por décadas ou mesmo
séculos, mas precisamos entender sua
vulnerabilidade ao aquecimento ou a Tempos globais de rotatividade de carbono orgânico no subsolo controlados
mudanças no manejo da terra. Nosso es- predominantemente pelas propriedades do solo e não pelo clima
tudo sugere que esse material se decom-
pôs tão rápido quanto qualquer outra Padrão espacial dos tempos de renovação do carbono orgânico do sub-
coisa quando o solo foi aquecido”, expli- solo. a, b e c, respectivamente, mostram o limite superior (ou seja, o quan-
cou Torn. “Isso mostra que, quando você til de 97,5%), média e limite inferior (ou seja, o quantil de 2,5%) dos tempos
coloca material profundamente no solo, de renovação do carbono orgânico do subsolo (0,3-1 m) com base em 200
onde está em contato com minerais e mi- simulações de inicialização considerando incerteza na entrada de carbo-
cróbios, esses sistemas naturais decom- no em cada pixel na resolução de 0,0083
põem o material ao longo do tempo”.

Pesquisadores da Universidade de Zurique medem o teor A seguir, os pesquisadores planejam


de carbono do solo na Floresta Nacional de Sierra Nevada reamostrar o solo do estudo para deter-
minar como nove anos de aquecimento
afetam a composição e a saúde do solo.
Um novo experimento de aquecimento
de pastagens no Point Reyes National
Seashore, no norte da Califórnia, tam-
bém está no horizonte. “Também esta-
mos organizando todos os experimentos
mundiais de aquecimento do solo pro-
fundo (ou aquecimento total do solo)
para compartilhar dados e know-how e
conduzir a síntese dos dados para ver o
que podemos aprender”, disse Torn.

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Os seres humanos enfrentaram
um “perigo de extinção” há
quase um milhão de anos
por *Charles Q. Choi Fotos: Charles Q. Choi, Instituto de Nutrição e Saúde de Xangai/CAS, Science

O gargalo ancestral inicial poderia ter significado o fim dos humanos moder-
nos. A população humana pode ter permanecido em cerca de 1.300 habi-
tantes durante mais de 100.000 anos, e esse gargalo populacional pode ter
alimentado a divergência entre os humanos modernos, os neandertais e os
denisovanos. Durante inferência genômica de um grave gargalo humano
durante a transição do Pleistoceno Inferior para o Médio

H
oje, existem mais de 8 bilhões de
seres humanos no planeta. Do-
minamos as paisagens da Terra
e as nossas actividades estão a
levar à extinção um grande número de outras
espécies. Porém, se um pesquisador tivesse
olhado para o mundo em algum momento
entre 800 mil e 900 mil anos atrás, o quadro
teria sido bem diferente. Hu et al . usaram
um modelo coalescente recentemente desen-
volvido para prever tamanhos de populações
humanas passadas a partir de mais de 3.000
genomas humanos atuais (ver a Perspectiva
de Ashton e Stringer). O modelo detectou
uma redução no tamanho da população dos
nossos antepassados de cerca de 100.000 A arte rupestre num penhasco ilustra como os nossos antepassados humanos sobrevive-
para cerca de 1.000 indivíduos, que persistiu ram face a um perigo desconhecido. Próximo a ele está o fórum central usado pelos pes-
quisadores para inferir o gargalo que ocorreu há cerca de 1 milhão de anos
por cerca de 100.000 anos.

O declínio parece ter coincidido tanto


com grandes alterações climáticas como
com subsequentes eventos de especiação.
—Sacha Vignieri. Os humanos podem ter
quase sido extintos há quase 1 milhão de
anos, com a população mundial a oscilar
em apenas cerca de 1.300 durante mais de
100.000 anos, conclui um novo estudo.
Esta proximidade com a extinção pode
ter desempenhado um papel importan-
te na evolução dos humanos modernos
e dos seus parentes extintos mais pró-
ximos, os neandertais de sobrancelhas
grossas e os misteriosos denisovanos ,
acrescentaram os investigadores.
Pesquisas anteriores sugeriram que
os humanos modernos se originaram
há cerca de 300 mil anos na África.
Com tão poucos fósseis daquela época,
ainda há muita incerteza sobre como a
linhagem humana evoluiu antes do sur-
gimento dos humanos modernos.
Mapa mostrando a distribuição potencial de hominídeos arcaicos, incluindo H. erectus, H.
floresiensis, H. neanderthalenesis, denisovanos e hominídeos africanos arcaicos, no Velho
Mundo na época da evolução e dispersão de H. sapiens entre ca. 300 e 60 ka
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Os seres humanos enfrentaram um “perigo de extinção” há quase um milhão de anos.indd 60 18/10/2023 18:31:31
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Para saber mais sobre o período próxi-
mo da evolução dos humanos modernos,
os cientistas investigaram os genomas
de mais de 3.150 humanos modernos
actuais, de 10 populações africanas e 40
não-africanas. Eles desenvolveram uma
nova ferramenta analítica para deduzir o
tamanho do grupo que constitui os ances-
trais dos humanos modernos, observan-
do a diversidade das sequências genéticas
observadas em seus descendentes.
Os dados genéticos sugerem que entre
813 mil e 930 mil anos atrás, os ancestrais
dos humanos modernos experimentaram
um grave “gargalo”, perdendo cerca de
98,7% de sua população reprodutora.
“Nossos ancestrais experimentaram um Este gráfico mostra a linha do tempo do grave gargalo e quantos indivíduos provavel-
gargalo populacional tão grave por mui- mente existiram durante esse período. A lacuna fóssil dos hominídeos africanos e o
período de tempo estimado da fusão cromossômica são mostrados à direita
to tempo que enfrentaram um alto risco
de extinção”, disse Wangjie Hu , co-autor
principal do estudo , da Escola de Medi-
cina Icahn no Monte Sinai, na cidade de
Nova York, à WordsSideKick.com.
Os pesquisadores estimaram que a po-
pulação reprodutora humana moderna
era de cerca de 1.280 durante cerca de
117.000 anos. “O tamanho populacional
estimado para a nossa linhagem ancestral
é minúsculo e certamente os teria levado
O DNA humano moderno indica
quase à extinção”, disse Chris Stringer , pa- que os ancestrais humanos po-
leoantropólogo do Museu de História Na- dem ter enfrentado a extinção
tural de Londres, que não esteve envolvido há cerca de 900 mil anos, antes
de se recuperarem e possivel-
no novo estudo, à WordsSideKick.com. mente evoluirem para o Homo
Os cientistas notaram que esta queda heidelbergensis , uma espécie
populacional coincidiu com um arrefeci- representada pelo crânio fóssil
africano mostrado aqui
mento severo que resultou no surgimento
de glaciares, numa queda nas temperatu-
ras da superfície dos oceanos e talvez em Isto sugere que a quase erradicação revelar-se-iam suficientemente significa-
longas secas em África e na Eurásia. Os estava potencialmente ligada de alguma tivas para dividir estes sobreviventes em
cientistas ainda não sabem como é que forma à evolução do último ancestral co- populações distintas – humanos moder-
esta mudança climática pode ter afectado mum dos humanos modernos, os nean- nos, neandertais e denisovanos, disse ele.
os humanos porque os fósseis e artefactos dertais e os denisovanos. Além disso, trabalhos anteriores su-
humanos são relativamente escassos du- Se este último ancestral comum viveu geriram que cerca de 900 mil a 740 mil
rante este período, talvez porque a popu- durante ou logo após o gargalo, o garga- anos atrás, dois cromossomos antigos se
lação era muito baixa. lo pode ter desempenhado um papel na fundiram para formar o que é atualmente
Pesquisas anteriores sugeriram que o divisão de grupos humanos antigos em conhecido como cromossomo 2 nos hu-
último ancestral comum compartilhado humanos modernos, Neandertais e Deni- manos modernos. Uma vez que isto coin-
pelos humanos modernos, os neandertais sovanos, explicou Stringer. Por exemplo, cide com o gargalo, estas novas descober-
e os denisovanos, viveu entre 765 mil e 550 pode ter dividido os humanos em pe- tas sugerem que a quase erradicação dos
mil anos atrás, aproximadamente na mes- quenos grupos separados e, ao longo do seres humanos pode ter alguma ligação
ma época que o gargalo recém-descoberto. tempo, as diferenças entre estes grupos com esta grande mudança no genoma
humano, observaram os investigadores.
O estudo foi publicado na revista Science
“Como os neandertais e os denisovanos
partilham esta fusão connosco, ela deve
ter ocorrido antes das nossas linhagens se
separarem”, disse Stringer. Pesquisas fu-
turas podem aplicar esta nova técnica ana-
lítica “a outros dados genômicos, como os
dos neandertais e dos denisovanos”, disse
Stringer. Isto pode revelar se eles também
passaram por grandes gargalos.
Um ‘gargalo ancestral’ destruiu quase 99% da população humana há
800 mil anos. Quatro crânios de ancestrais humanos A. africanus, A.
afarensis, H. erectus, H. neanderthalensis e um crânio humano moderno
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Os seres humanos enfrentaram um “perigo de extinção” há quase um milhão de anos.indd 61 18/10/2023 18:31:32
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19 “extinções em massa” tiveram
níveis de CO2 para os quais agora
estamos nos voltando
por *Earth’s Future Fotos: Brett Monroe Garner, Earth’s Future, OsakaWayne Studios via Getty Images

A pesquisa analisou os picos de


perda de biodiversidade e sua
relação com o CO2 atmosférico,
encontrando 50 eventos nos últimos
534 milhões de anos que podem ser
considerados extinções em massa

D
urante a vida humana, as
concentrações de CO2 na
Os níveis atuais de CO2 já estão causando perdas na biodiversidade, diz o estudo
atmosfera da Terra podem
atingir níveis associados a
19 “extinções em massa” que ocorre- Isso estaria próximo das concentra- “A relação entre o dióxido de carbono
ram nos últimos 534 milhões de anos, ções médias de CO2 (870 ppmv) asso- no passado e a extinção no passado nos
sugere uma nova pesquisa. Até 2100, ciadas a grandes acidentes na biodiver- dá uma espécie de parâmetro que pode-
os níveis atmosféricos de dióxido de sidade marinha nos últimos 534 milhões mos aplicar ao presente”, autor do es-
carbono podem subir para 800 partes de anos, de acordo com um estudo pu- tudo William Jackson Davis , biólogo e
por milhão em volume (ppmv) – qua- blicado em 22 de junho na revista Ear- presidente do Instituto de Estudos Am-
se o dobro da concentração de aproxi- th’s Future. Esses eventos de extinção bientais sem fins lucrativos em Santa
madamente 421 ppmv registrada este são preservados no registro fóssil, per- Cruz. , Califórnia, disse ao Live Science.
ano – se não conseguirmos reduzir as mitindo aos cientistas traçar como a bio- O CO2 atmosférico contribui para a
emissões da queima de combustíveis fós- diversidade e o CO2 atmosférico evoluí- perda de biodiversidade por meio da
seis e converter terras para agricultura. ram ao longo da história da Terra. acidificação dos oceanos , disse Davis.
Os oceanos absorvem o dióxido de car-
bono atmosférico, o que torna a água
mais ácida, reduzindo a disponibilidade
de íons de carbonato de cálcio necessá-
rios para que os organismos construam
seus esqueletos e conchas.
Quando esses efeitos são fortes o sufi-
ciente para afetar toda a cadeia alimentar,
eles podem levar a extinções em massa.

CO2 e extinção se
movem em conjunto
No novo estudo, Davis descobriu que
as concentrações de CO2 oscilam com a
biodiversidade marinha no registro fóssil.
“Quando o dióxido de carbono aumen-
ta, a extinção aumenta, e quando o dió-
Séries temporais de extinções em massa e seus subestágios nos últimos 534 milhões de anos
xido de carbono diminui, a extinção di-
minui”, disse ele. Davis então usou essa
relação para estimar a perda de biodiver-
Os rótulos identificam as cinco extinções em massa canônicas. Os dados sidade nas condições atmosféricas atuais.
originais são de Bambach (2006) e Melott e Bambach (2014) com base em JJ “A concentração atual de CO2 na
Sepkoski (1986 , 2002). Cf. com a Figura 1, pág. 178 de Melott & Bambach, 2014 atmosfera é de 421 ppmv”, afirmou.
. As linhas que conectam os pontos de dados nesta série temporal são apenas “Quando ligamos isso à relação entre
para clareza visual e não refletem a existência de dados reais entre os pontos biodiversidade e concentração de CO2
de dados designados. Abreviaturas: Ordov., Ordoviciano; Sil., Siluriano; Carbo- no passado, isso corresponde a uma
nífero., Carbonífero; Paleog., Paleogeno; Neo., Neogene perda de biodiversidade de 6,39%”.

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Essa estimativa se aproxima da por-
centagem de biodiversidade perdida
no menor evento de extinção “em mas-
sa” considerado no estudo - chamado
“evento de extinção nº 10” - que conde-
nou 6,4% das espécies há 132,5 milhões
de anos. Isso significa que “os humanos
já causaram perdas de biodiversidade
em grau de extinção”, disse Davis.
Os cientistas geralmente definem as
extinções em massa como três quartos
das espécies morrendo em curtos perío-
dos geológicos – em menos de 2,8 mi-
lhões de anos. Sob esta definição, cinco
eventos de extinção em massa molda-
ram a história da Terra , com um sexto
provavelmente em andamento.
Mas outros 45 picos de perda de bio-
diversidade também podem ser con-
siderados extinções em massa, disse
Davis. Para o estudo, uma extinção em
massa foi definida como “qualquer pico
na perda de biodiversidade que é flan-
queado por valores menores”. Por esta
definição, houve 50 extinções em massa
nos últimos 534 milhões de anos, va-
riando de 6,4% a 96% das espécies ma-
rinhas extintas.
É mostrada a relação entre a perda
percentual do gênero e a concentração O CO2 atmosférico contribui para a perda de biodiversidade e branquea-
mento de corais por meio da acidificação e aquecimento dos oceanos
atmosférica de CO2 (curva vermelha, li-
nha de tendência linear de melhor ajus-
te, método dos mínimos quadrados) As setas para cima abaixo da curva de em massa nos últimos 210 Myr (seta ver-
com base no registro fóssil mais recente extinção marcam marcos de concentração melha no canto superior direito). Esta
(últimos 33 milhões de anos). As setas de CO2 , começando com as concentra- curva de extinção mostra que a perda de
para baixo acima da curva de extinção ções atmosféricas interestaduais de CO2 biodiversidade associada ao CO2 atmos-
mostram os cortes percentuais anuais entre as recentes Grandes Idades do Gelo férico já está ocorrendo, enquanto perdas
necessários para atingir a estabilização (seta verde no canto inferior esquerdo) e de biodiversidade comparáveis às extin-
da concentração de dióxido de carbono culminando na concentração atmosférica ções em massa passadas são projetadas
atmosférico (CO2 ). média de CO2 das últimas 19 extinções para um futuro próximo. As unidades de
todos os números, exceto porcentagens e
datas, são ppmv. Abreviaturas: CO2, dió-
xido de carbono; ppmv, partes por milhão
por volume; IPCC, Painel Intergoverna-
mental sobre Mudanças Climáticas.
Os resultados sugerem que a acidifi-
cação oceânica resultante de concentra-
ções elevadas de CO2 é “o mecanismo de
morte imediata” da maioria das extin-
ções em massa, de acordo com o estudo.
“A ligação entre o CO2 na atmosfe-
ra, a temperatura global e a perda de
biodiversidade está bem estabelecida”,
disse Mike Benton , professor de pa-
leontologia de vertebrados na Univer-
sidade de Bristol, no Reino Unido, ao
Live Science por e-mail. As concentra-
ções atmosféricas de CO2 estão aumen-
tando atualmente em mais de 2 ppmv a
cada ano , o que pode desencadear uma
perda de 10% na biodiversidade nas
Gráfico de extinção mostrando os riscos calculados para a biodiversidade associa- próximas décadas, disse Davis.
dos às metas e marcos de redução de CO 2 atmosférico explorados neste artigo

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A perda da biodiversidade
levou ao colapso ecológico
após a “Grande Morte”
A história da biodiversidade da Terra é pontuada episodicamente por extinções em massa.
Estes são caracterizados por grandes declínios na riqueza de táxons, mas o colapso ecológico
que os acompanha raramente foi avaliado quantitativamente. A extinção em massa do Per-
miano-Triássico (PTME; ~252 milhões de anos), como a maior extinção conhecida, alterou
permanentemente os ecossistemas marinhos e abriu caminho para a transição das faunas
evolutivas do Paleozóico para o Mesozóico. Assim, o PTME oferece uma janela para a rela-
ção entre a riqueza do táxon e a dinâmica ecológica dos ecossistemas durante uma extinção
severa. No entanto, o colapso ecológico decorrente do PTME não foi avaliado em detalhes.
Aqui, usando modelos de teia alimentar e um conjunto de dados de paleocomunidades mari-
nhas abrangendo o PTME, mostramos que após a primeira fase de extinção, a estabilidade
da comunidade diminuiu apenas ligeiramente, apesar da perda de mais da metade da di-
versidade taxonômica, enquanto a estabilidade da comunidade diminuiu significativamen-
te na segunda fase. Assim, as mudanças taxonômicas e ecológicas foram inequivocamente
dissociadas, com a riqueza de espécies diminuindo severamente ~ 61 ka antes do colapso da
estabilidade do ecossistema marinho, implicando que em grandes catástrofes, uma queda na
biodiversidade pode ser o prenúncio de um colapso mais devastador do ecossistema

Fotos: Academia de Ciências da Califórnia © Kathryn Whitney, Chien C Lee/PA, Museu de História Natural da Universidade de Michigan, Peter Roopnarine, Unsplash

A
história da vida na Terra
foi pontuada por várias ex-
tinções em massa, sendo
a maior delas o evento de
extinção Permiano-Triássico, também
conhecido como “Grande Morte”, que
ocorreu há 252 milhões de anos.
Embora os cientistas geralmente con-
cordem com suas causas, exatamente
como essa extinção em massa se desen-
rolou – e o colapso ecológico que se se-
guiu – permanece um mistério.
Em um estudo publicado na Current
Biology, os pesquisadores analisaram os
ecossistemas marinhos antes, durante e
depois da Grande Morte para entender
melhor a série de eventos que levaram à
desestabilização ecológica.
Ao fazer isso, a equipe de estudo in-
ternacional – composta por pesquisa-
dores da Academia de Ciências da Cali- O evento de extinção do final do Permiano causou a extinção de cerca de 90% da vida marinha e
fórnia, da Universidade de Geociências 70% dos vertebrados terrestres, provavelmente como resultado da mudança climática do vulca-
nismo hiperativo - quando vulcões expeliram lava basáltica e liberaram gases na atmosfera
da China (Wuhan) e da Universidade de
Bristol – revelou que a perda de biodi-
versidade pode ser o prenúncio de um “A extinção do Permiano-Triássico “Neste estudo, determinamos que a
colapso ecológico mais devastador, uma serve como modelo para estudar a per- perda de espécies e o colapso ecológico
sobre a descoberta, dado que a taxa de da de biodiversidade em nosso planeta ocorreram em duas fases distintas, com
perda de espécies hoje supera aquela hoje”, diz o curador de geologia da Aca- a última ocorrendo cerca de 60.000 anos
durante a “Grande Morte”. demia, Peter Roopnarine, PhD. após a queda inicial da biodiversidade”.

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A perda da biodiversidade levou ao colapso ecológico após a “Grande Morte”.indd 64 18/10/2023 19:16:39
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O evento em si eliminou 95% da Resumo Gráfico
vida na Terra, ou cerca de 19 de cada
20 espécies. Provavelmente desenca-
deado pelo aumento da atividade vul-
cânica e um aumento subsequente no
dióxido de carbono atmosférico, cau-
sou condições climáticas semelhan-
tes aos desafios ambientais provoca-
dos pelo homem vistos hoje, ou seja,
aquecimento global, acidificação dos
oceanos e desoxigenação marinha.
Para conduzir o estudo, os pesqui-
sadores examinaram fósseis do sul da
China – um mar raso durante a transi-
ção Permiano-Triássico – para recriar
o antigo ambiente marinho. Ao classi-
ficar as espécies em guildas ou grupos
de espécies que exploram recursos de
maneira semelhante, a equipe conse-
guiu analisar as relações entre presas
e predadores e determinar as funções
desempenhadas pelas espécies anti-
gas. Essas teias alimentares simula-
das forneceram representações plau-
síveis do ecossistema antes, durante e
depois do evento de extinção.
“Os sítios fósseis na China são per-
feitos para esse tipo de estudo porque
precisamos de fósseis abundantes
para reconstruir as redes alimenta-
res”, diz o professor Michael Benton,
da Universidade de Bristol. “Apesar da perda de mais da metade O curador de geologia da Academia, Peter
“As sequências de rochas também das espécies da Terra na primeira fase Roopnarine, PhD, concentra-se na biologia
da mudança global e em como podemos
podem ser datadas com muita preci- da extinção, os ecossistemas perma- desenvolver ainda mais nossa compreensão
são, para que possamos seguir uma neceram relativamente estáveis”, diz dos ecossistemas do passado da Terra para
linha do tempo passo a passo para o pesquisador da Academia Yuangeng
rastrear o processo de extinção e Huang, PhD, agora na Universidade de
eventual recuperação”. Geociências da China.

As interações entre as espécies dimi-


nuíram apenas ligeiramente na primei-
ra fase da extinção, mas caíram signifi-
cativamente na segunda fase, causando
a desestabilização dos ecossistemas.
“Os ecossistemas foram levados a um
ponto crítico do qual não poderiam se
recuperar”, continua Huang.
Recriação do fundo do mar do período Permiano

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A perda da biodiversidade levou ao colapso ecológico após a “Grande Morte”.indd 65 18/10/2023 19:16:42
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Um ecossistema como um todo é mais
resistente a mudanças ambientais quando
existem várias espécies que desempenham
funções semelhantes. Se uma espécie se
extingue, outra pode preencher esse nicho
e o ecossistema permanece intacto. Isso
pode ser comparado a uma economia em
que várias empresas ou corporações forne-
cem o mesmo serviço. O fim de uma cor-
poração ainda deixa o serviço e a economia
intactos, mas o oposto ocorrerá se o servi-
ço for monopolizado por uma única enti-
dade. “Descobrimos que a perda de biodi-
versidade na primeira fase da extinção foi
principalmente uma perda nessa redun-
dância funcional, deixando um número
suficiente de espécies para desempenhar
Uma seção de rocha do limite Permiano-Triássico tirada na província de Hubei, no sul da China
funções essenciais”, diz Roopnarine.

“Mas quando distúrbios ambientais


como o aquecimento global ou a aci-
dificação dos oceanos ocorreram mais
tarde, os ecossistemas perderam essa
resistência reforçada, o que levou a
um colapso ecológico abrupto”. Para
a equipe de estudo, suas descobertas
enfatizam a importância de considerar
a redundância funcional ao avaliar as
estratégias modernas de conservação e
os lembram da necessidade urgente de
ação para lidar com a atual crise de bio-
diversidade causada pelo homem.
“Atualmente, estamos perdendo es-
pécies em um ritmo mais rápido do que
em qualquer um dos eventos de extinção
anteriores da Terra. É provável que este-
jamos na primeira fase de outra extinção
em massa mais severa”, diz Huang. “Não
podemos prever o ponto de inflexão que
A extinção em massa no final do Permiano (252 milhões de anos atrás) foi a maior da história levará os ecossistemas ao colapso total,
da Terra. Depois disso, um dos animais mais comuns na época era o Lystrosaurus, um parente mas é um resultado inevitável se não re-
primitivo de mamíferos cujos fósseis são conhecidos da Rússia, China, Índia, África e Antártida
vertermos a perda de biodiversidade”.

Cenário estratigráfico e paleogeográfico das sucessões abrangendo o evento do final do Permiano na Bacia de Sydney, Austrália

a) Mapa da Bacia de Sydney mostrando a distribuição dos estratos Permiano e Triássico. b) Mapa paleogeográfico do
final do Permiano de Gondwana oriental com a área de estudo marcada imediatamente a oeste de um arco vulcânico
continental flanqueando a margem sudeste de Gondwana. c) Mapa paleogeográfico global para a transição Permiano-
-Triássico mostrando a localização da Grande Província Ígnea das Armadilhas Siberianas , a distribuição das zonas de
subducção (linhas amarelas) e magmatismo félsico (símbolos vulcânicos) formando o ‘anel de fogo’ Pangeano

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