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A vida no campo

Quem são os novos rurais


e o que é que os move?
Elvas Tivoli Palácio
As memórias bélicas de Seteais
da cidade que Há 65 anos
FUGAS | Público N.º 11.112 | Sábado 26 Setembro 2020 foi a chave do reino a seduzir Sintra
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Da cidade para o campo

a Quando uma leve brisa começa a empresa, reabrir os restaurantes,


arrefecer a noite de Verão em São tinha-me perdido”, diz. A relação
Teotónio, o chef Alexandre Silva põe- com a horta e com os produtos diá-
se a acender duas fogueiras para que rios do restaurante ajudou-o a man-
os visitantes do Craveiral Farmhouse ter uma certa sanidade. “Poder acor-
possam aconchegar-se. Desde Abril, dar e estar ali, olhar nos olhos do
ele trocou a rotina atribulada em Lis- produtor. É diferente quando tu vais
boa pelo tempo vagaroso do Alentejo à lota e fala com os pescadores, sabes
para inaugurar o restaurante farm- das diÆculdades que eles têm. Aqui
to-table daquele turismo rural. O tu sentes as coisas de outra maneira,
projecto, que já estava sendo cozi- conectas-te com o ritmo da natureza,
nhado há algum tempo, concretizou- relembras que o farm é que precede
se em boa hora: com a pandemia e o o table”, explica. “Isso dá voltas à
encerramento, em Março, dos seus nossa cabeça”, ri-se.
restaurantes, Loco e Fogo, viver uma Assim como no caso de Silva, a vida
rotina no campo foi providencial. no campo, um projecto por vezes
“Foi quase uma viagem espiritual. distante na lista de desejos de tanta
Se tivesse Æcado em Lisboa fechado gente (“quando me reformar, vou
em quatro paredes, pensando sobre comprar uma terra e viver lá”), pare-
aquilo que me estava a acontecer, e ce estar a ganhar um novo sentido na
de que maneiras poderia salvar a nossa sociedade moderna. Mais c

O novo
rural
Buscar uma vida no campo,
com mais tranquilidade, é o sonho
de muita gente — que foi
intensiƊcado com a pandemia.
Há quem já o tenha feito e mostre
que é possível ser feliz longe da
cidade. A Fugas conta a história de
cinco projectos que estão a mudar
o panorama rural de Portugal ao
investir em vinhos, ervas
aromáticas, morangos
biodinâmicos ou peixes
sustentáveis. Rafael Tonon
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ADRIANO MIRANDA
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Da cidade para o campo

um dos muitos comportamentos


sociais que a actual pandemia fez
acelerar. “Ela lançou luz sobre o fac-
to de que as cidades são criadouros
de muitos problemas, como de saú-
de, ao mesmo tempo que destacou
nossa necessidade inata de nos
conectarmos com o que está lá fora
— especialmente quando nossa liber-
dade é limitada”, aÆrma Kathryn
Bishop, editora de previsão da con-
sultoria de tendências inglesa The
Future Laboratory.
Esta mentalidade e este desejo de
se conectar ou estar rodeado pela
natureza é um aspecto que ela cha-
ma de “desaceleração consciente”.
“Uma escolha activa para mudar para
um ritmo de vida mais lento e mais
ponderado, agora reforçado pela
compreensão de que muitos de nós
realmente podemos trabalhar de
casa”, explica. Pesquisas corroboram
o que avança a especialista ao mos-
trar que, ao saírem do bloqueio, as
pessoas anseiam por deixar as cida-
des. Um levantamento conduzido em
Maio pela imobiliária Savills desco-
briu que quatro em cada 10 compra-
dores em potencial no Reino Unido
agora acreditam que quintas são mais Portugal ainda mantém uma
atraentes para se viver do que antes ancestralidade rural muito presente
da covid-19, e 61% dos corretores do — da maneira como são cultivados à
país acreditam que a demanda nas origem de seus produtos. Mas, como
áreas rurais aumentará. O banco de noutros países do mundo todo, a
investimentos UBS divulgou recente- população do campo tem diminuído
mente que mais da metade dos euro- consideravelmente. De acordo com
peus na Grã-Bretanha, Alemanha, o Centro de Estudos de GeograÆa e
França e Itália desejam mudar-se das Ordenamento do Território, algu-
cidades para áreas menos povoadas, mas zonas rurais do país perderam
enquanto um terço dos americanos cerca de 40% de população nas últi-
anseia por algo semelhante. mas três décadas — algo que se vem
“É provável que vejamos uma intensiÆcando desde que, em 2007,
intensa mudança da vida urbana, a população urbana ultrapassou a
com mais pessoas querendo criar ou rural em termos mundiais pela pri-
apoiar negócios locais menores e, em meira vez.
geral, também se sentindo tímidos Algo cada vez mais perceptível no
com o retorno às ruas movimenta- campo. Morador de Alturas do Barro-
das, locais de trabalho, lojas, etc.”, so, zona classiÆcada pela Organização
explica Kathryn. das Nações Unidas para a Alimentação
De forma mais prática, esse com- e a Agricultura (FAO) como o primeiro
portamento tem sido percebido com património agrícola mundial de Por-
as buscas pelo turismo rural, por via- tugal, Herculano Rua cultiva em dois
gens mais próximas (sempre para o hectares de terra centeio, milho e
interior) e, sobretudo, pela adopção batatas de altitude. Também mantém
de “mentalidades hiperlocais”, em uma criação de porcos para produzir
que pessoas cultivam os seus pró- enchidos de fumeiro. Dos três Ælhos,
prios alimentos e adoptam marcas apenas um se manteve na aldeia de
em pequena escala, consomem dos menos de 200 habitantes para ajudá-
vizinhos e prestam-se a saber a ori- lo no campo. Os netos mostram ainda Miguel Neiva Correia Mas o crescente movimento de pes- agricultura ou de pesca, levando con-
gem do que põem no prato. O que ela menos interesse em cuidar das terras produz legumes e soas a vislumbrar no campo uma sigo mais conhecimento em gestão,
chama de “revolução rurbana” (uma da família. “Eles querem dinheiro aromáticas em Runa, nova forma de vida (e também de adopção de manejos mais sustentá-
fusão de rural e urbana) já vem sendo mais fácil, uma proÆssão na cidade”, Torres Vedras gerar ganhos) pode aos poucos mudar veis, plano de negócios detalhados e
estudado desde 2010 e, agora, o cam- diz ele, com 79 anos. Sem políticas esse panorama. São representantes de olho em consumidores que, como
po deve tornar-se não apenas um públicas efectivas de Æxação de gente Bárbara Monteiro dedica-se de uma nova geração de proÆssionais bem lembra Kathryn, estão mais dis-
lugar de desejo, mas também um no território, muitas áreas rurais cor- aos vinhos e azeites no que largaram os seus empregos na postos a valorizar e pagar por esses
estilo de vida inspiracional. rem risco no país. Vimieiro, Arraiolos cidade para empreender projectos de produtos.
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FOTOS: DIOGO VENTURA

nunca abdicou da tarefa de cuidar


das uvas no campo.
Foi na cozinha, entretanto, que
Correia aprendeu a dar ainda mais
valor ao produto. Em passagens por
restaurantes de renome — como o
Tavares, em Lisboa — e estrelados,
sempre soube que a boa receita
começa nas mãos do agricultor. “Na
altura havia muitas lacunas no que
diz respeito ao produto de excelên-
cia, decidi que um dia, quando lar-
gasse a jaleca, eu ia passar para os
bastidores da produção”, conta.
Era um caminho já deÆnido: can-
sado do trabalho intenso e dos horá-
rios malucos da alta gastronomia,
decidiu que precisava adoptar uma
vida mais regrada, calma. “Mas não
sem assumir que a minha personali-
dade não aceita coisas fáceis, como
estar atrás de uma secretária. Com
umas coisas que eu já produzia nas
minhas hortinhas, iniciei umas pes-
quisas e passei a resgatar variedades
antigas”, conta.
De picantes crioulas (muitas que
mandou vir de países como a Bolívia)
ao trigo barbela, de dezenas de varie-
dades de beringela à sua obsessão
pelos tomates (há negros, amarelos,
grandes e pequenos), o cozinheiro de
ofício conta que começou com um
piloto em 2016 “para ver a aceitação
do mercado”. Deu certo: no decorrer
Eu conheço dos anos ganhou a conÆança de ex-
colegas que estão distantes da reali-
dezenas de dade do campo. “Eu acho que faço
essa mediação que faltava no merca-
chefs que têm do”, diz ele, que se tornou fornece-
dor de chefs como António Galapito,
dificuldade em João Rodrigues, Leopoldo Calhau,
André Magalhães, entre outros.
perceber os Correia diz que muitos cozinhei-
ros não têm nenhum tipo de contac-
alimentos to directo com o mundo rural. “Eu
conheço dezenas de chefs que têm
porque toda a diÆculdade em perceber os alimen-
tos porque toda a vida foram urba-

vida foram nos”, aÆrma. “Muitos investem em


livros, facas e tudo mais, mas não se

urbanos dedicam a ir ao campo”, lamenta.


No seu ponto de vista, acredita que

Miguel Neiva a experiência na cozinha foi impres-


cindível para valorizar ainda mais os
ingredientes com que trabalha. E
Correia que voltar ao campo o ensinou sobre
produtos, sim, mas essencialmente
A Fugas conta a história de cinco Hortelão do Oeste Mais do que um empresário, Miguel sobre tempo das coisas e a impor-
projectos pelo país que estão a Neiva Correia é um hortelão à moda tância da relação com a natureza.
mudar o panorama rural de Portugal Quem está por trás: Miguel antiga, um coleccionador de semen- “As pessoas acreditam na ideia de
ao investir em produtos distintos — Neiva Correia tes (só de tomates são 220 espécies!) que a cidade representa o auge da
de vinhos a aromáticas, de morangos O que produz: Legumes, que cuida de suas hortícolas como se vida e da trajectória proÆssional, da
biodinâmicos a peixes sustentáveis aromáticas, picantes, cereais, fossem as plantas da sua sala. A pai- felicidade. Felicidade não é necessa-
— e, assim, transformar a relação dos entre outros produtos xão pelo cultivo veio como herança riamente ter tudo o que se deseja
portugueses com seus produtos. Onde: Runa, Torres Vedras do pai, que se formou enólogo, mas sempre à mão”, diz. c
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Da cidade para o campo


FOTOS: DIOGO VENTURA

Por isso, o cozinheiro (“nunca se


deixa de ser um”, garante) e agora
agricultor tenta, aos poucos, domar
com o tempo as suas sementes para
aumentar a produção. Já são mais de
600 variedades de legumes, além de
cereais, farinhas e, em breve, até
alguns animais. “Depois preciso
entrar na loucura de vender e de sus-
tentar tudo o que invento, explicar
ao cliente que ele vai receber um
tomate preto, convencê-lo a comprar
um produto com o formato muito
diferente do convencional”, ri-se,
para em seguida concluir: “Eu sou
louco, mas é o que me move, o que
me motiva a acordar todos os dias.
Essa é a caminhada da vida, é por aí
que nós ganhamos.”

Mainova
Quem está por trás:
Bárbara Monteiro e família
O que produz: Vinhos e azeites
Onde: Vimieiro, Arraiolos

A possibilidade para uma guinada ao


campo surgiu diante de Bárbara Mon-
teiro como um desaÆo proposto pelo
pai: certo dia, ele quis saber se ela
tinha o interesse de assumir a herda-
de da família no Vimieiro, Alentejo, me viam cheirando um azeite, diziam:
para coordenar as produções de estás maluca? Com o tempo, apren-
vinhos e azeites plantados em 2010 e deram a ser mais exigentes também,
fazer delas uma empresa constituída, organizamos provas, é Æxe”, diz Bár-
“a sério”. bara, que acredita que as novas gera-
Bárbara trabalhava numa agência ções são imprescindíveis para a valo-
de comunicação, sentia-se feliz com
a vida que levava em Lisboa, perto
Era uma rização dos produtos.
Na Herdade da Fonte Santa, ela
dos amigos e da família, e estava rea-
lizada com o trabalho. Filha de um
menina do conta que há um profundo respeito
pela terra e pelo ecossistema de toda
casal de empresários do sector de
cerâmica, a proposta pareceu estra-
computador, a região, por isso os azeites — duas
variedades extra-virgem— e os vinhos
nha a princípio, mas fez um bocado
de sentido logo depois. “Embora eu
não percebia — separados em três diferentes gamas
— são produzidos da forma mais sus-
adorasse o que fazia, sentia que fal-
tava alguma coisa um bocadinho
nada de vinhos, tentável possível: pouca ou nenhuma
intervenção, baixos sulÆtos, foco na
mais humana”, conta.
Em 2019, despediu-se e passou a
de azeite, decidi produção orgânica. Bárbara quis
que tanto cuidado no campo fosse
acompanhar o pai na vinha, no olival,
no campo. “Era uma menina do com- que precisava representado nas embalagens. “Os
vidros todos são 100% recicláveis, o
putador, não percebia nada de
vinhos, de azeite, então decidi que de aprender a rótulo é de algodão, não usamos plás-
ticos na tinta, enÆm, tento cuidar de
precisava mesmo aprender a fundo”,
diz. “Fiz três dias de campo e Æquei fundo. Fiz três cada detalhe como via meu pai a tra-
tar das oliveiras e videiras, como se
fossem suas próprias Ælhas.”
depois outros cinco sem me mexer”,
ri-se. Da experiência prática, come- dias de campo e Com o background na área de
çou uma formação na área de vinho marketing, passou a pensar na cria-
e também a fazer provas e estudar
área do azeite. Tornou-se uma entu-
fiquei outros ção da marca, baptizada em alusão
a uma anedota familiar. O pai costu-
siasta, especialmente do óleo que se
extrai das azeitonas. “Quando a pes-
cinco sem me mava apresentar as Ælhas mais velhas
pelas suas proÆssões, e Bárbara era
soa começa a perceber mais, apaixo-
na-se. É engraçado como é algo que
mexer introduzida como “a mais nova”,
alcunha de que não gostava muito.
já estava na nossa cultura há tantos
anos, mas ainda tão pouco valoriza-
Bárbara Mas, com o tempo, incorporou ser a
“mainova”. O lançamento da marca
do”, conta. “Quando os meus amigos Monteiro coincidiu exactamente com a pan-
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Nuno Alves e Patrícia Justiniano


são as caras do Quintal Urbano,
nas Caldas da Rainha. Produzem
microvegetais, minivegetais e
flores comestíveis

demia. “Foi uma correria mas tam- cozinheiros e a ganhar terreno. “Foi
bém uma óptima oportunidade de tudo muito gradativo, até que decidi
poder fugir para o campo. Percebi a vender a minha empresa e investir
importância que tem esse contacto mesmo nisso. Estava desmotivado,
com a natureza na nossa vida”, apon- era unir o útil ao agradável”, diz ele,
ta ela, que se divide entre Lisboa e a então sócio numa companhia de ani-
herdade, mas que já prevê que o mação. Patrícia trabalhava com aná-
avanço da marca a levará a passar lises clínicas e decidiram que era a
mais tempo entre os 90 hectares de hora de crescer.
oliveiras e 20 de vinhas. “Vai ser ine- “A minha mãe tinha um terreno
vitável, mas eu gosto muito dessa que nos deu, com quatro mil metros
ideia. Se você me perguntasse quan- quadrados, e fomos acrescentando
do eu tinha 18 anos se eu queria sair aos poucos o que precisávamos ali”,
de Lisboa, era impensável. A pessoa conta ela. O foco são os micro e mini-
vai valorizando outras coisas na vegetais, além de algumas Çores
vida”, diz. comestíveis. Já são mais de 100 tipos
A convivência com as pessoas do de espécies cultivadas, ainda que
campo também fez aumentar o seu metade delas é que represente o Çu-
apreço pelo legado rural. “Mas isso xo mais constante de produção. “O
não signiÆca que não podemos ino- cliente dá-nos feedback, explica o
var, com o know-how que temos hoje que quer, e nós tentamos desenvol-
em dia. Não faria sentido”, defende. ver. É assim que gostamos de traba-
A Mainova aposta também em vinhos lhar, de forma bem próxima a eles”,
mais leves, “e mais fáceis, o que mui- conta Patrícia.
tos chamam de novo Alentejo”, como Os principais são mesmo os chefs
ela explica. “Queremos mostrar um de cozinha — em Lisboa, mas também
Alentejo mais jovem. Olhamos para noutras cidades do país, como Bra-
o passado para perceber como eles gança ou Amarante. “Como sabemos
faziam, mas aliado à experiência de que eles gostam de novidades, tenta-
hoje em dia com tecnologia e inova- mos produzir coisas novas, colher
ção, para melhorar o que era feito impressões e produzir para o ano.
antigamente. Temos muito respeito Neste Verão, por exemplo, produzi-
pela tradição”, garante Bárbara. “Mas mos o tomate ervilha, uma variedade
acho que isso não nos impede de muito especial”, conta Patrícia.
olhar para o futuro.” Muita gente pensa que a vida Æcou
mais fácil para o casal de actuais agri-
Quintal Urbano cultores. “Basicamente trabalhamos
tanto como trabalhávamos na cida-
Quem está por trás: Nuno Alves de. Não há Æm-de-semana, a nature-

SEJA RESPONSÁVEL BEBA COM MODERAÇÃO.


e Patrícia Justiniano za não pára”, aÆrma Nuno Alves.
O que produz: microvegetais, “Mas conseguimos ter mais tempo
minivegetais e flores com os Ælhos [além da menina, há
comestíveis. um rapaz de quatro anos], estar mais
Onde: Caldas da Rainha próximos dos nossos pais e da natu-
reza, o que é óptimo. E ainda apro-
O “quintal” de Nuno Alves e Patrícia veitamos a chuva quando ela cai:
Justiniano começou urbano, ainda paramos um pouco e damo-nos ao
em Lisboa. Mas com a necessidade luxo de contemplá-la”, acrescenta
de mais terra para plantar, acabou Patrícia.
tendo que ser transferido para o cam- O casal conta que colocou na
po, mais especiÆcamente para as balança o que Lisboa lhe dava e o
Caldas da Rainha. O casal começou que as Caldas podiam oferecer. “Foi
algumas experiências de cultivar o uma mudança muito consciente,
seu próprio alimento ainda em casa, viemos para cá sem nunca parar de
quando a primeira Ælha, hoje com produzir, mas foi uma capacidade de
sete anos, nasceu. Eram algumas aro- reinvenção gigante”, lembra Patrí-
máticas, poucas hortícolas. cia. “Inicialmente, o que fazíamos
“Mas começámos a investigar mais parecia muito afastado das técnicas
sobre o mercado desses produtos e agrícolas que nós conhecíamos como
percebemos que era uma boa ideia tradicionais. No fundo, o que Æzemos
de negócio. Fizemos muitos testes foi só alterar algumas coisas para
em casa e, então, apresentamos tentar modernizá-las”, diz ela, sobre
alguns produtos, entre ervilhas e a escolha de se trabalhar com a
rúculas, ao Nuno Barros [da Taberna hidroponia.
1300] e ele achou-os óptimos”, con- Outro ganho foi dar mais valor ao
ta Nuno. O primeiro cliente já tinha produto e ver a comida na mesa de
sido conquistado. Aos poucos, pas- outra forma, com mais respeito por
saram a ser conhecidos por outros quem transforma o que eles c
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Da cidade para o campo


FOTOS: DIOGO VENTURA

passam o ano todo a cultivar. “Quan-


do um cliente me pergunta ‘não
consegues fazer todas as cenouras
do mesmo tamanho?’ Eu respondo:
‘isso é só no supermercado. Não é
comigo. Comigo as cenouras são
assim, uma é mais gorda, uma é
pequena’. É aí que está a beleza de
todas elas”, conclui Patrícia. Ainda
bem, diz, que há quem esteja dis-
posto a enxergá-la.

Ocean Tour
Quem está por trás:
Tiago Fonseca
Onde: Peniche

O mar sempre foi uma presença


marcante na vida de Tiago Fonseca
— pelo menos desde que deixou a
serra da Estrela para se Æxar em
Peniche e a praia passou a fazer par-
te da sua vista quotidiana. Foi como
proprietário de uma loja de artigos
de surf que ele se consolidou. Mas
veio a crise de 2008 e Tiago viu-se
obrigado a buscar emprego em
empresas na cidade. “Mas eu sem-
pre gostei mesmo é de estar perto
do mar. Foi um dia, a observar os
pescadores, que percebi que havia
uma grande lacuna na gastronomia
portuguesa em atender o que nós
temos de melhor: o peixe e o maris-
co da costa”, conta.
Veio daí a ideia de criar um pro-
jecto que permitisse que cozinhei-
ros em busca de produtos de quali-
dade pudessem chegar directamen-
te ao que há de melhor e mais
fresco. Em parceria com Joel Mar-
tins, Ælho do fundador da celebrada
Tasca do Joel, também em Peniche,
ele fundou a Ocean Tour, há três
anos. “O que Æzemos foi aproximar
os chefs dos pescadores. Com essa
relação de proximidade, muitos
passaram a ter um carinho maior
pelo produto, a perceber e ter res-
peito pelas migrações, pelos peixes de reprodução, trabalhar apenas Ocean Tour já distribui para restau- isso preciso de estar sempre infor-
que estão em época, como é que se com pescadores que não fazem pes- rantes como o Euskalduna Studio, mado. Chego a trabalhar 18 horas
produz”, conta. ca de arrasto, combater a sobrepesca no Porto, e o Feitoria, em Lisboa. “Já por dia, porque tenho que ir à lota,
Antes, diz, havia muitos interme- e garantir o ciclo natural do peixe. são muitos os cozinheiros que aten- depois preparo-me para fazer as
diários, então o peixe nem sempre “Todos os dias é uma descoberta, demos e com os quais criámos laços entregas e preciso ir buscar os pei-
chegava nas melhores condições aos
restaurantes. Pelo resultado que tive- O que fizemos uma experiência enorme. É um
poder poder ajudar numa mudança
de amizade mesmo. Não podia ser
diferente, falo com eles diariamente,
xes no dia seguinte de novo”, conta
Tiago Fonseca, que faz as entregas
ram, ele acredita que acertaram num de mentalidade sobre os peixes aqui. eles a pedir o que querem, eu a dizer três vezes por semana em Lisboa,
nicho que estava vago. “No princípio,
nós atendíamos os amigos, e a partir
foi aproximar A cavala é um peixe que não era res-
peitado em Portugal, enquanto na
o que está melhor. Esse tipo de tra-
balho não era feito. É o que eu faço:
além de outras que programa nou-
tras cidades. “Essa vida que eu faço
deles começámos com clientes mais
sérios. Eu realmente não Æz publici-
os chefs dos Espanha sempre foi nobre. Era o que
dávamos de comer a outros peixes,
acompanhar as lotas e a chegada dos
barcos e dar-lhes o melhor a cada
é uma vida bem cansativa, mas é a
que eu gosto. Não me imagino a tra-
dade nenhuma. Os próprios clientes
gostaram do produto e ajudaram a
pescadores mas percebemos que pode ser uma
iguaria”, garante.
momento”, diz.
O trabalho de Fonseca começa
balhar com lojas novamente, a estar
longe do mar”, confessa ele, que
divulgar o negócio”, aÆrma.
O “segredo do sucesso”, também,
Tiago Fonseca Entre peixes da nossa costa e
mariscos de todos os tipos — inclusi-
pela manhã, quando se põe em con-
tacto com os pescadores para saber
tirou cursos de sistemas de informa-
ção e programação. “Mas nunca foi
está em perceber bem o trabalho que ve alguns que vai buscar a outros o que é que conseguiram. “Muitos uma coisa que me puxou. Preferi
é feito no mar: o respeito pela época países, como França e Espanha —, a saem para o mar à meia-noite, por cuidar dos peixes.”
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ADRIANO MIRANDA

morangos Æzeram sucesso. Na pri-


meira vez, levamos uma tacinha,
nem mesmo chegamos a pôr em
cima da banca e já tinha sido tudo
vendido”, conta Joana, que é enge-
nheira ambiental.
Perceberam que precisavam
aumentar a produção. Das 150 plan-
tas iniciais, hoje cultivam 15 mil,
principalmente das variedades Mara
de Bois (francesa, com polpa suave
e muito aromático), e Albion (que
vem Califórnia, tem polpa crocante
e sabor mais tradicional do moran-
go). “Para além da certiÆcação bio,
e de ser tudo cultivado ao ar livre,
colhemos tudo no ponto de matura-
ção ideal, o que o permite um sabor
mais doce e aromático dos frutos”,
explica ela. Hoje, vendem no Merca-
do Biológico no Parque da Cidade,
no Porto, e em lojas certiÆcadas no
Norte.
Como a produção do morango é
restrita — de Abril a Outubro —,
viram que precisavam de produzir
outras culturas. “Fizemos uma pes-
quisa de mercado e decidimos
investir em espargos verdes. Tam-
bém resgatámos o cultivo das vinhas
ADRIANO MIRANDA
que estavam instaladas na proprie-
Verde Água dade há mais de 20 anos, para pro-
duzir Vinho Verde, seguindo a
Quem está por trás: o casal região onde estamos instalados”,
Hector Aníbal San Miguel e diz Joana. O projecto Verde Água
Joana de Almeida Gouveia também conta com framboesas,
O que produz: morangos, beterrabas, aromáticas, mel e a cria-
espargos e outras hortícolas ção de animais, como galinhas e
biológicas ovelhas.
Onde: Cinfães Desde 2019, o casal passou a inves-
tir no turismo rural, e construiu cin-
Para contar a história do projecto co suítes na propriedade para rece-
agrológico que o argentino Hector ber os visitantes, que parecem cada
Aníbal San Miguel e a portuguesa vez mais dispostos a refugiar-se no
Joana de Almeida Gouveia decidiram campo. “Nós queremos trazer as
estabelecer em Cinfães para cultivar, pessoas e promover o contacto com
entre outros produtos, uma diversi- a natureza, que elas se conectem
dade irresistível de morangos biodi- com os seus sabores, aromas e
nâmicos, é preciso voltar um pouco sons”, atira Joana. Para Aníbal, o
atrás no tempo, mais precisamente campo permitiu-lhe conectar-se
para 2013, quando o casal se conhe- com o ciclo das coisas. “Valorizo
ceu entre as ondas no mar da praia ainda mais aquilo que produzimos
de Jericoacoara, no litoral brasileiro. e comemos. Temos uma vida mais
“Fui surfar e vi a Joana passar com a simples, não há bares para um
sua prancha. Foi um impacto na cocktail antes de dormir, mas gosto
hora, uma conexão que nunca tinha mais de estar cá”, garante.
sentido”, diz ele. Por sua vez, Joana diz que o maior
Entre conversas no mar e em terra ganho com a mudança foi a conquis-
Ærme, apaixonaram-se. Findas as ta do tempo. “Na cidade, temos um
férias, ele voltou para o escritório em horário de trabalho que nos exige
Buenos Aires e ela para sua rotina no Aires para viver num lugar mais de grandes investimentos. Começa- Hector e Joana um desempenho independente do
Porto. Mas tinham que dar um jeito tranquilo. A vida não podia ser ape- ram por transformar o modo de conheceram-se no nosso estado anímico, da forma
na distância para construírem uma nas trabalhar para buscar um salário produção para o biológico, e culti- Brasil e agora vivem como nos sentimos. No campo, che-
vida juntos. Entre conversas e ideias, no Ænal do mês”, lembra Aníbal, vavam hortícolas que levavam para em Cinfães, onde go a trabalhar mais horas, mas tenho
Joana propôs que assumissem a quin- administrador de empresas. vender no Porto. “Não vendíamos produzem morangos espaço para seguir meu ritmo, fazer
ta centenária da família no Douro e Decidiram avançar pela parte agrí- muito porque já havia muita oferta e hortícolas as coisa no meu tempo”, admite.
começarem uma história no campo. cola que poderia dar um retorno e a maioria dos produtores já tinha biológicas “Para mim, essa é a melhor tradução
“Eu tinha intenção de sair de Buenos mais a curto prazo, sem necessidade sua própria clientela. Mas os nossos de liberdade.”
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Série Portugal, Património Mundial


Sábado, 26 de Setembro de 2020 | FUGAS | 11

a Cresceu “como se fosse um anÆ#

Elvas
teatro de muralhas”, uma, duas, três,
quatro, em anéis que seguravam
uma população multiplicada em
poucos séculos. Na raia, Badajoz em
espelho do outro lado de um Æo de
Caia prestes a derramar-se no Gua-
diana, quem domasse Elvas poderia
vir a tomar o trono, que daqui a Lis-
boa a geograÆa não põe mais obstá-

Aqui esgotou-se
culos ao caminho. Era “um passeio”,
terá dito o rei espanhol.
Elvas era a “chave do reino”. E,
por isso, até hoje veste couraça
robusta, imponente. Até 1912, ainda
se trancava noite dentro. Da cidade
muralhada, que para lá da última

a arte de fortiƊcar
cerca só planície, proibidas que esta-
vam as construções até 1942, nin-
guém entrava ou saía de Elvas entre
a meia-noite e as seis da manhã.
Impunha-se como um recolher obri-
gatório, que esta já fora a chave de
todas as chaves e ainda era, então,

O último regimento militar saiu de Elvas há mais de dez anos, eminentemente militar.
À cidade em estrela foram-se

mas esta memória bélica de uma cidade que, durante séculos, somando outros astros numa cons-
telação defensiva, de século em sécu-

foi considerada a chave do reino ainda se sente a cada passo. lo, à medida que o armamento bélico
foi também evoluindo e novo conÇi-

Mara Gonçalves (texto) e Rui Gaudêncio (fotos) to se anunciava: o forte de Santa


Luzia (século XVII), o forte da Graça
(século XVIII) e os fortins de São
Mamede, São Domingos e São Pedro
(século XIX). Haveria um quarto,
mas foi entretanto demolido para
construir o cemitério, que as guerras
terminaram há muito, mas os mortos
serão para sempre chorados.
Somando o Aqueduto da Amorei-
ra, temos todos os pergaminhos clas-
siÆcados como Património Mundial
pela UNESCO em 2012, compreen-
dendo, no conjunto, “o melhor
exemplo de cidade-quartel de fron-
teira, o maior e melhor exemplo de
fortiÆcação abaluartada holandesa
e a maior fortiÆcação terrestre de
todo o mundo, contando com os cin-
co fortes e fortins e a cidade mura-
lhada”.
O processo para chegar à classiÆ#
cação “foi moroso”, recorda Rui
Jesuíno, técnico da autarquia respon-
sável pelas pastas do Património e
do Turismo. O historiador entrou
para a câmara municipal em 2005,
um ano depois do arranque dos tra-
balhos da candidatura à UNESCO. Na
altura, “muitos edifícios ainda eram
do exército” e faltavam levantamen-
tos recentes. “Foi uma coisa quase
feita de início.” O dossier Æcou con-
cluído em 2010 e, dois anos depois,
o Governo decidiu avançar rumo à
UNESCO.
A decisão do comité reunido em
São Petersburgo, recorda, foi unâ-
nime, asseguradas as duas contra-
partidas: “aprovar um plano de
salvaguarda do centro histórico” e
“recuperar o Forte da Graça” – do
abandono à reabertura em “tempo
recorde”: um ano e seis milhões de
euros. c
12 | FUGAS | Sábado, 26 de Setembro de 2020

Série Portugal, Património Mundial

Cidade-quartel As primeiras casernas foram cons-


truídas no século XVI, no bairro de
A partir da década de 1940, Elvas São João da Corujeira, actualmente
começou a galgar as muralhas e hoje em ruínas (há planos para concessio-
a esmagadora maioria dos habitantes nar o projecto de recuperação e
vive nos bairros novos da cidade adaptação a Æns turísticos). Mas não
(cerca de 80%). No centro histórico, tarda a serem insuÆcientes e a lei vir
quase tudo permanece igual. No pro- obrigar os habitantes a acolher mili-
cesso de classiÆcação da UNESCO até tares em casa.
se diz, “quase em tom de brincadei- Ao longo do tempo, vários edifí-
ra”, conta Jesuíno, que “se os solda- cios religiosos passaram também a
dos dos séculos XVII e XVIII voltas- militares, caso do convento de São
sem a Elvas não se perdiam”. Os Paulo, primeiro quartel, depois tri-
quartéis, as fortiÆcações, as mura- bunal militar, mais tarde abandona-
lhas, “tudo está intacto”. Apenas do e, recentemente, reaberto como
mudaram de função ou aguardam hotel, ao abrigo do programa REVI-
novo destino para serem reabilita- VE. Segundo Rui Jesuíno, “são mais
dos. de cem os edifícios que tinham fun-
O antigo Quartel do Trem, por ção militar, só dentro do centro his-
exemplo, é agora Escola Superior tórico de Elvas”. Em diferentes
Agrária; os Quartéis de São Martinho períodos da História, vivem na cida-
foram recuperados “quase há 20 de mais militares do que habitantes.
anos” para acolher oÆcinas de arte- Chegam a estar aqui aquartelados
sanato; a antiga Casa das Barcas, “30 mil militares” nas Invasões Fran-
onde seriam construídas as embar- cesas. “Até as freiras foram manda-
cações militares utilizadas para atra- das retirar dos conventos para pôr lá
vessar os rios fronteiriços e atacar militares.”
Badajoz ou Olivença, foi prisão, tea- O facto de a cidade ter acolhido
tro e cinema antes de ser transforma- regimentos do exército até ao Ænal
da em mercado municipal. Os Quar- do século XX fez com que todo este
téis do Casarão são Museu Militar e perÆl militar se mantivesse preser-
os dos Artilheiros “foram recupera- vado, cristalizando a história da cida-
dos pela câmara há dois anos” para de. Subimos ao miradouro junto ao
acolherem as sedes de associações castelo para confrontar Badajoz.
locais. “É uma forma de dar vida a “Era gémea de Elvas, também uma
estes espaços antigos.” De dar futuro cidade-quartel de fronteira, essen-
a edifícios do passado. cial para defender o lado de lá.” Em
Elvas nasceu para a população Espanha, optou-se pelo caminho
civil, mas a localização estratégica oposto: demolir todas as muralhas e
deu-lhe sempre uma face defensiva. fazer crescer a cidade. “Nos anos
Foi uma aldeia fortiÆcada romana, 1920, tinham a mesma população:
“que patrulhava a via que ligava cerca de 15 mil habitantes”, compara
Mérida a Lisboa”. Depois, medina Jesuíno. “Hoje, Elvas tem 21 mil e
islâmica, a partir de 714. São os ára- Badajoz 160 mil.”
bes que constroem a primeira linha
de muralha, ainda visível junto ao Arte de fortificar holandesa
castelo, sobre os alicerces de uma
romana, pré-existente; e a segunda, “Isto é uma terra de heróis. Aqui não
no início do século XII, “também já há medo.” José Manuel Martins, 68
para fazer face ao avanço dos reinos anos, vai lançado pelo túnel cego.
cristãos que vinham conquistando Levamos umas lanternas miúdas e
[território] a partir do Norte”. A cida- nada mais, que “isto assim tipo
de é tomada deÆnitivamente por D. investigação, estilo aventura, é mais
Sancho II, em 1230. E, no século XIV, bonito”. Cuidado com estas pedras
é construída uma terceira muralha soltas, atenção àquela cova. “O
no âmbito das Guerras Fernandinas, caminho já me conhece.” E José
“porque, novamente, já havia casa- sabe-o de cor, qual toupeira entu-
rio fora da muralha”. siasmada a guiar-nos por uma das mento para cada lado”, que termi- descem às minas ou galerias, de mesmas condições de visitação. Ao
É, no entanto, a partir do século contraminas do Forte de Santa nam em novas alas redondas. “Isto estrutura semelhante mas escavadas contrário das galerias, estes túneis
XVII, com a Guerra da Restauração, Luzia. é lindo.” E já repararam no tecto, em com o intuito de ligar a fortiÆcação subterrâneos não tinham saída.
“que Elvas toma mais importância” “Aqui faz uma casa redonda, seria telhas que desabariam em estrondo ao exterior, mas o acesso a estas con- Eram feitos para os mineiros Æcarem
ao estar na linha de fronteira “onde um paiol com certeza.” Da sala sub- caso se detectassem tropas inimigas? traminas acontece apenas em acti- “à escuta” e perceberem se o inimi-
vão ser travadas as principais bata- terrânea, saem dois corredores “Isto é um espectáculo.” vidades especiais e para pequenos go estaria a tentar escavar um túnel
lhas”. É cidade civil e cidade-quartel. “com cerca de 25 metros de compri- As visitas ao Forte de Santa Luzia grupos, uma vez que não têm as semelhante para entrar no forte.
Sábado, 26 de Setembro de 2020 | FUGAS | 13

No sentido dos ponteiros


do relógio: Arco de Santa
Clara; exterior do Forte de
Nossa Senhora da Graça;
Forte de Santa Luzia; e
túneis do Forte de Santa
Luzia

alusão aos motivos da construção


do forte”, depois do cerco espanhol
à cidade, interrompido com a vitó-
ria portuguesa na batalha da Linha
de Elvas.
No Forte da Graça, “conjugam-se
todas as técnicas de defesa [da épo-
ca] e acaba-se por inovar com um
conjunto de boas práticas medie-
vais”. Está aqui toda a estrutura
abaluartada, qual estrela cadente
vista do céu (a cauda prolongada
para “reforçar o lado mais frágil”),
mas também “os mata-cães, os pon-
tos de disparo na vertical, os gradea-
mentos que encerram passagens
através de mecanismos de roldanas,
as covas de lobo”. Uma vez mais,
não há ângulos mortos, todos ao
alcance de mosquetes e canhões.
Tudo se repete ao longo de três
linhas de defesa, com caminhos de
ronda cobertos, fossos e pontes ele-
vadiças.
Há “um anacronismo um bocadi-
nho estranho” entre algumas das
técnicas medievais e a fortaleza,
“moderníssima” à época. Mas é esse
conjunto que faz do Forte da Graça
ção da UNESCO. “Lá não existem “o melhor exemplo de arte fortiÆcar
tão grandes nem tão perfeitas, até
porque a maior parte foi destruída
A partir da holandesa abaluartada do mundo”.
É o seu “aperfeiçoamento máximo”.
na primeira e na segunda guerras
mundiais”, aponta Rui Jesuíno.
década de 1940, Como diria um príncipe alemão de
visita a Elvas no Ænal do século
Elvas começou XVIII, “aqui se esgotou a arte de for-
tiÆcar”.
O “aperfeiçoamento
máximo” a galgar as No interior de cada linha de defe-
sa, encontramos as diferentes gale-
Partimos em direcção ao Forte da
Graça, colosso de 17 hectares que,
muralhas rias onde era feito o aquartelamen-
to, as alas de latrinas e urinóis, os
visto cá de baixo, parece enterrado
no topo do mais alto outeiro junto à
e hoje a maioria armazéns onde eram guardadas as
munições de armas e “a munição de
cidade, assim construído para que
o inimigo não tivesse noção do real
dos habitantes boca”, o hospital, a igreja. Seria
“uma verdadeira máquina de guer-
portento, erguido no século XVIII.
Nessa altura, já a artilharia teria vive nos ra intransponível”, adaptada a pri-
são desde as Guerras Liberais até
capacidade para bater a cidade a
partir daqui, pelo que era necessá- bairros novos 1989.
Ao centro, o conjunto arquitectó-
Nesse caso, “punham explosivos e
explodia a contramina, a mina e o
vações defensivas foi Joannes Ciere-
mans, conhecido em Portugal como
rio construir uma nova estrutura
defensiva. Conde de Lippe fez o da cidade. No nico é rematado pela casa do gover-
nador, “uma excentricidade”, já que
inimigo”. João Cosmander, padre jesuíta desenho e acompanhou os primei- existem apenas “três exemplares no
Construído no século XVII, o Forte holandês e engenheiro militar, ros anos de construção porque “era centro histórico, mundo”, dois deles aqui em Elvas,
de Santa Luzia ergue-se em muralhas encarregado por D. João IV de ins- militar aqui em Elvas”, mas acabou nos fortes de Santa Luzia e Graça. É
abaluartadas, tal como a última cer-
ca em torno da cidade, feita na mes-
peccionar e reestruturar as constru-
ções defensivas portuguesas duran-
por regressar à Alemanha e é
Guillaume Valleré quem se vai
quase tudo um palácio barroco, “sem qualquer
característica de defesa”, com “gran-
ma época, com muros inclinados e
robustos, capazes de aguentar a nova
te as Guerras da Restauração. Em
Elvas, vai encarregar-se de “adaptar
encarregar da obra, conta Margari-
da Ribeiro, guia no Forte da Graça.
permanece des janelões” e “pequenas salas
intercomunicantes” ao longo de dois
artilharia canhoeira, com pólvora, e
desenhado de forma angulosa para
o primeiro sistema de fortiÆcar
holandês”, mais tarde utilizado
Aberto ao público em 2015,
depois de onze meses de obras de
igual pisos. Do varandim, o horizonte
estende-se a 360º numa vista “abso-
não existirem pontos mortos. De novamente no Forte da Graça, restauro, arrancamos a visita guiada lutamente fabulosa”, anunciava Mar-
todo o lado se via e combatia o inimi- erguendo-se assim aquele que é junto à “porta mais emblemática”, garida ao subirmos os últimos
go com fogo cruzado. Seria pratica- hoje “o melhor e maior exemplo da no revelim dianteiro. “O dragão sim- degraus. Como teria sido assistir
mente “inexpugnável”.~ arte de fortiÆcar holandesa”, um boliza a invencibilidade da estrutu- daqui à chegada do inimigo, que aca-
O responsável por todas estas ino- dos fundamentos para a classiÆca- ra e os dois canhões cruzados fazem bou por nunca acontecer?
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Série Portugal, Património Mundial

10 atracções na cidade entre m


1
Praça da República
É o centro nevrálgico da cidade
muralhada, praça principal de Elvas,
aberta no século XVI em pleno cora-
ção do novelo intricado de ruelas do
centro histórico. Plena de esplana-
das, concentra a câmara municipal,
a antiga catedral, posto de turismo e
a Casa da Cultura, além de cafés e
restaurantes. Ponto de partida para
um passeio pela cidade.

2
Casa da História Judaica
Rui Jesuíno aponta o nome da rua:
Arco dos Pregos. Já não há vestígios
nos edifícios, mas a toponímia mar-
ca a memória do lugar onde Æcava a
entrada na judiaria velha, “ainda da
época islâmica”. Cidade de fronteira
de muito comércio, Elvas teve “uma

4
comunidade judaica sempre muito de cristãos-novos”, nomeadamente igreja das Domínicas, parte de um estas características, se uma opção
importante”, assinala o responsável as 16 marcas cruciformes encontradas antigo complexo conventual, demo- renascentista tomada pelo arquitecto,
pelo Património e Turismo da autar- pelo casario. “Eram colocadas nas lido no início do século XX. Era pre- Diogo de Torralva.” Os azulejos, as
quia. “Apesar da expulsão dos ombreiras das portas das casas que cisamente neste quarteirão que esta- pinturas nas colunas e a talha doura-
judeus e da perseguição dos cris- tinham sido de judeus ou de cristãos- Igreja das Domínicas va localizada a judiaria nova, durante da que decoram todo o interior já são
tãos-novos, no século XVII ainda um novos que tinham sido descobertos e a Idade Média. “Com a expulsão dos do início do século XVII.
quarto da população da cidade era condenados pela Inquisição, como se Nos séculos XVI e XVII, Elvas “era a judeus, o casario foi demolido, Æcou Atente-se ao chão para encontrar
cristã-nova, o que diz muito desta fosse para cristianizar a casa.” quinta cidade em termos populacio- aqui um espaço livre e é construído outra particularidade: uma sepultu-
comunidade judaica.” nais do país”, nota Jesuíno, para mos- um convento de freiras dominica- ra com dois dragões e um vaso chi-

3
No número 6 da Rua dos Açougues, trar que não será de estranhar que na nas.” É neste convento que nasce um nês ao centro, pertencente a António
no prolongamento do Arco dos Pre- cidade existam “20 igrejas e sete con- dos doces conventuais mais icónicos de Oliveira de Abreu, mercador
gos, encontra-se a Casa da História ventos”. Muitas delas já não estão ao da cidade, a ameixa de Elvas. elvense que terá vivido vários anos
judaica, inaugurada no ano passado culto, mas mantêm-se abertas a visi- Antes da construção do convento, na China. “É a única conhecida na
no edifício onde poderá ter sido a anti- Igreja de Nossa tas. “Quase se conta a história da arte erguia-se aqui a igreja de Santa Maria Europa que tem estas características
ga grande sinagoga da cidade. Uma religiosa desde o gótico até à contem- Madalena, construída pelos templá- e data do século XVI.”
Senhora da Assunção
vez que não resistiu qualquer “docu- poraneidade só vendo estas igrejas.” rios. “Não se sabe se esta planta octo-

5
mento escrito que nos indique ou fale É a principal igreja da cidade, cons- Mesmo atrás da antiga Sé, Æca uma gonal e centralizada é uma reminis-
da sinagoga”, “não podemos dizer truída no século XVI, num estilo das mais curiosas, “muito bonita”: a cência da igreja templária, que tinha
concretamente que era” aqui que se “tipicamente manuelino”. As obras
situava, mas existem vários pormeno- arrancaram cinco anos depois de
res que apontam nesse sentido. Elvas ser elevada a cidade por D. Fábrica Museu
Para além da “monumentalidade Manuel I, em 1517, e foi sede de bis-
da Ameixa de Elvas
do edifício” e da localização, Jesuíno pado entre 1570 e 1881.
aponta a distribuição da sala em três No interior da antiga Sé de Elvas, “A melhor ameixa de Elvas come-se
naves, as 12 colunas (as mais antigas encontramos todos “os símbolos típi- na Fábrica da Ameixa”, garante Rui
com a folhagem típica da decoração cos do manuelino”, como a cruz de Jesuíno. A produção de fruta conÆta-
medieval) e o facto de ter sido adap- Cristo, a esfera armilar, os arcos ner- da começou nos conventos da cidade,
tado a açougue público a partir do vurados e as portas laterais ornamen- alastrando-se depois a várias fábricas
século XVI, dessacralizando o espaço. tadas. Sofreu, depois, obras de adap- artesanais, especializadas na conser-
“Era o conspurcar daquilo que era tação ao barroco, no século XVII, com vação em açúcar de ameixas rainha-
um edifício religioso com algo que os a construção de duas capelas laterais. Cláudia. A Frutas Doces, inaugurada
judeus odiavam, que era o sangue e, E, já no século XVIII, surgem as cape- em 1919, “era uma das mais antigas”
especialmente, a carne de porco.” las em mármore e o grande órgão de e, para celebrar o centenário, foi
A partir da Casa da História Judaica, tubos, “uma das maiores peças em requaliÆcada e aberta ao público
traça-se o caminho para encontrar talha dourada a sul do Tejo”. Integra como fábrica-museu. Comprada em
“todos os restantes vestígios que exis- ainda um pequeno museu de arte 2017 por empresários locais, a socie-
tem na cidade, tanto de judeus como sacra na antiga Casa do Cabido. dade Sereno & Fonseca continua a
Sábado, 26 de Setembro de 2020 | FUGAS | 15

muralhas
São lugares incontornáveis num passeio pela cidade
raiana, das igrejas à herança judaica, dos museus à
ameixa d’Elvas. Com uma novidade a caminho
FOTOS: RUI GAUDÊNCIO

7
produzir a famosa ameixa de Elvas de toda a envolvente e que hoje aco-
nos velhos tachos de cobre, seguindo lhe o Museu Municipal de FotograÆa
o processo e a receita originais. João Carpinteiro. Estamos nas trasei-
É possível visitar o espaço (Rua ras da biblioteca municipal, “uma das
Martim Mendes, 16) e descobrir toda Castelo de Elvas mais antigas do país”, criada em 1880
a complexa arte de cozedura e calda no antigo colégio dos jesuítas e, mais
da iguaria, provar e, claro, levar para O castelo, localizado no topo da colina tarde, seminário episcopal do bispa-
casa. E já que falamos da ameixa de amuralhada, é outro testemunho do do de Elvas. O acervo conta com cer-
Elvas, sabia que ela nada tinha a ver período islâmico da cidade. Foi depois ca de 80 mil livros, edições modernas
com a sericaia? A cada doce o seu reconstruído nos séculos XIII e XIV, mas, sobretudo, do século XV ao XIX,
convento. A receita da ameixa nasceu adquirindo o traçado actual no século incluindo 29 incunábulos, “a maioria
no Convento das Domínicas e a seri- XVI. Votado ao abandono, foi o pri- vinda dos conventos”.
caia no Convento de Santa Clara. Foi meiro edifício a ser considerado Numa das salas, uma vitrina vai
a Pousada de Santa Luzia, a primeira Monumento Nacional, em 1906. expondo ciclicamente algumas das
a abrir em Portugal, em 1942, hoje Sofreu obras de restauro nas décadas obras mais notáveis da colecção,
Hotel Santa Luzia, que juntou as duas de 1930 e 1990, sendo actualmente como os manuscritos do Livro que
receitas numa única sobremesa. gerido pela Direcção Regional de Cul- Trata das Coisas da Índia e do Japão,
tura do Alentejo. “Ainda que não seja um deles assinado por São Francisco

6
muito grande nem tenha nada a ver Xavier, ou o manuscrito “também
com a imponência das muralhas aba- único” do Cancioneiro de Elvas. “Uma
luartadas”, continua a ser um dos vez, encontrei aqui, dentro de um
espaços mais visitados pelos turistas. livro, parte de outro livro, todo dobra-
Igreja de Santa Maria da do. Era sobre o método de fortiÆcar

8
holandês e estava assinado pelo arqui-
Alcáçova
tecto do forte de Santa Luzia. Com
“Mais um largo, mais uma igreja.” Já certeza, andava no bolso enquanto
nos encontramos na zona mais antiga fazia o forte, porque está cheio de
da cidade, no centro da medina de Museu de Arte traços e de apontamentos”, conta o
Ialbax, burgo árabe que aqui se erguia historiador. “É mais um tesouro que
Contemporânea de Elvas
temos aqui em Elvas.”
Desça-se agora até à Rua da Cadeia

10
para visitar o Museu de Arte Contem-
i porânea de Elvas (MACE), inaugurado
em 2007 no edifício do antigo Hospi-
tal da Misericórdia. Gerido pela câma-
Museu de Arqueologia ra, apresenta a colecção privada de Museu Militar
e Etnografia António Cachola, um portefólio de
obras criadas por artistas portugueses Com 15 hectares, é um dos maiores
O antigo Quartel do Assento, con- desde os anos 1980, em diferentes museus em área total do país, inte-
vertido no século XIX em Manuten- disciplinas e versando diversas temá- grando o antigo convento de São
ção Militar, está a ser recuperado ticas. Do espólio, destaca-se A Noiva, Domingos, as casernas do Quartel do
para acolher o novo Museu de polémico candelabro de Joana Vas- Casarão, parte da cerca fernandina e
Arqueologia e EtnograÆa – António concelos. Actualmente, o museu da muralha seiscentista e a fonte de
Tomás Pires. Era aqui que outrora encontra-se encerrado “para substi- São José. Com a extinção do Regimen-
se armazenava a palha para os ani- tuição de algumas das infra-estrutu- to de Infantaria N.º 8, em 2007, as
mais e a farinha para fazer o pão ras técnicas”, lê-se no site. A reaber- antigas instalações do exército foram
nos enormes fornos do edifício: “A tura está prevista “para a segunda transformadas em museu, inaugura-
chamada ‘munição de boca’, ou quinzena de Outubro”. do dois anos depois. É aqui que se
seja, a comida para os soldados”. encontram hoje os únicos militares

9
Agora, vai mostrar ao público o “há mil anos”. A igreja de Santa Maria que permanecem em Elvas.
património arqueológico do conce- de Alcáçova nasce, precisamente, da Ao longo das salas, vamos encon-
lho, desde o passado romano ao adaptação da antiga mesquita princi- trando diversas colecções militares do
espólio medieval e moderno “que pal da cidade a templo cristão. exército. Nas 18 alas que compõem as
vai sendo descoberto em diversas Com a conquista de Elvas, é logo Biblioteca Municipal antigas casernas descobrimos arreios,
escavações arqueológicas aqui na “transformada em igreja na década objectos ligados ao serviço de saúde,
cidade”, revela Rui Jesuíno, assim de 1230” e, até ao século XVI, mantém “Nasceram nesta ruazinha” os Bota- incluindo farmácia e uma mesa de
como “muito material etnográÆco “muito do que era o traçado da antiga fogo, família judaica que haveria de operações, serviços de transmissões,
que pertencia ao antigo museu mesquita.” Mas “a população não emigrar de Elvas para vários cantos uma cozinha móvel, equipamentos de
municipal”, incluindo diverso espó- No sentido dos ponteiros do gostava de vir aqui à missa porque era do globo e erguer o icónico bairro no veterinária, peças de artilharia e a
lio doado pelo antigo Grémio da relógio: Casa da História diferente das outras”, tendo sido pro- Rio de Janeiro. “Há turistas brasilei- recriação de uma trincheira, entre
Lavoura de Elvas e vários muníci- Judaica; Museu Militar; Museu gressivamente adaptada. Da velha ros que já vêm de propósito a Elvas outros. Há ainda quatro salões com
pes. De acordo com o presidente da de Arte Contemporânea; mesquita, encontram-se apenas ves- para fotografar a rua e procurar a viaturas (o museu integra uma parte
autarquia, Nuno Mocinha, aquando colecção de carros militares; tígios de um mirhab no exterior e a casa”, conta Rui Jesuíno. O palácio dedicada ao restauro de automóveis),
da visita da ministra da Cultura, no e antiga sé de Elvas grande cisterna subterrânea. “Tem da família foi, no entanto, transfor- dois salões de hipomóveis e uma sala
início de Junho, o museu deverá ser 1200 anos mas está perfeita”, aponta mado em quartel e demolido já no de doações inaugurada este ano, além
inaugurado “até Ænal do ano”. Rui Jesuíno, revelando que é intenção século XIX para dar lugar ao Cinema do Centro Interpretativo do Patrimó-
da autarquia torná-la visitável. Central, paralelepípedo que destoa nio de Elvas. Mara Gonçalves
16 | FUGAS | Sábado, 26 de Setembro de 2020

Dormir

O histórico hotel de Sintra sopra as velas


no dia 29 sob o signo da pandemia. Num
ano totalmente atípico, comprovámos
que todo o serviço é feito de maneira
muito cuidada e atenta às necessidades
dos clientes. Bárbara Wong

O charme
do Tivoli Palácio
de Seteais perdura
há 65 anos
a Entregam-nos uma chave pesada rei, que o adquiriu à viúva de Gilde- um solar português. São estas as indi- Pitt ou Johnny Depp; ou da música,
e bojuda que entra com jeito na fecha-
dura antiga. Roda duas vezes e a por-
meester, três anos depois da morte
do holandês.
cações de Raul Lino.
A maioria destas peças perdura
como David Bowie ou os U2. i
ta abre-se para uma suíte onde as Foi o marquês que decidiu cons- até hoje e há algumas que conti- Casar e para
paredes forradas a papel, as altas por- truir um edifício semelhante ao pri- nuam a merecer destaque, como Tivoli Palácio de Seteais
sempre em Seteais
tas e janelas e todo o mobiliário com meiro, ligado pelo arco triunfal com um móvel que terá pertencido a Rua Barbosa du Bocage, 8
um toque clássico nos lembra que a efígie de D. João e D. Carlota Joa- Carlota Joaquina não para guardar Junto ao relvado, a directora Graziela 2710-517 Sintra
estamos num palácio. É o Tivoli Palá- quina, marcando assim a passagem jóias, mas ervas aromáticas; e um Vieira aproxima-se com uma caixa de Tel.: 219 233 200
cio de Seteais que celebra, no próxi- do príncipe regente e da mulher pela piano Steingraeber & Söhne, do plástico cheia de peças de prata. “Há E-mail: palacioseteais@tivoli-
mo dia 29, às 18h, a sua abertura há sua casa, em 1803. O nobre viria a século XIX – no mundo são conhe- tanta coisa!”, exclama, fazendo refe- hotels.com
precisamente 65 anos. morrer sem descendência, perden- cidos apenas três exemplares. rência a um depósito onde estão os www.tivolihotels.com
Se na festa de então, em 1955, este- do-se o palácio entre heranças e Em Seteais respira-se a história tesouros esquecidos de Seteais. Por Preços: a partir de 230€, com
ve presente o ministro da presidência sucessões até que, em 1946, foi antiga e a contemporânea quando aqueles dias, em meados de Agosto, pequeno-almoço incluído.
Marcello Caetano, desta vez, entre as adquirido pelo Estado. Cabe a Raul sabemos que por ali passaram e con- a responsável andava atarefada nos
entidades oÆciais estarão o presiden- Lino, director-geral dos Edifícios e tinuam a pernoitar Æguras das artes, preparativos da festa desta semana,
te da autarquia, Basílio Horta, e a Monumentos Nacionais, a decisão da literatura ao cinema. Marguerite onde gostaria de servir o mesmo
secretária de Estado do Turismo, Rita de transformá-lo num hotel, assu- Yourcenar, que se tornou uma hóspe- menu de há 65 anos.
Marques. A festa será no relvado que mindo o projecto de adaptação, de frequente, escreveu que estar ali é Este é um ano atípico porque se
outrora foi passeio público, aberto a refere Rodrigo Sobral Cunha, no como “regressar ao século XVIII fosse como os outros, no Verão,
todos os sintrenses, e onde no Ænal da livro Seteais em Sintra, uma edição como quem entra em casa”. Depois Seteais estaria fechado para casa-
década de 1990 ainda se faziam as de luxo que se encontra em cima da há nomes dos tempos áureos do cine- mentos. Pelo menos foi assim em
noites de bailado, numa parceria do secretária da suíte onde a Fugas é ma, como Burt Lancaster, aos mais anos anteriores. O palácio é muito A Fugas esteve alojada a convite
município com a Companhia Nacio- convidada a Æcar. recentes, como William Hunt, Brad procurado, sobretudo por famílias do Tivoli Palácio de Seteais
nal de Bailado. Também nesta terça- O espaço é respeitado durante as
feira, a dança voltará a Seteais. obras, os frescos originais de Jean-
Mas a história do palácio de Sintra Baptiste Pillement no Salão Nobre,
remonta ao século XVIII, quando foi que remetem para a Grécia Antiga,
construído pelo cônsul holandês para histórias de amor entre sereias
Daniel de Gildemeester, que detinha e tritões, numa paisagem onde a fau-
o negócio de exportação de diaman- na e a Çora tropicais se misturam com
tes, na conhecida Quinta da Alegria. a local, são recuperados; bem como
O edifício classicista foi inaugurado os da sala de apoio ao check-in, onde
com toda a pompa e circunstância a outrora era a sala das crianças – daí os
25 de Julho de 1787. Porém, o palácio motivos infantis, lembrando brinca-
como o conhecemos é da responsa- deiras antigas; ou os da sala de refei-
bilidade do quinto Marquês de Marial- ções. O palácio é ainda recheado de
va, Diogo José Vito de Menezes Noro- tapetes, sobretudo Arraiolos, mobi-
nha Coutinho, o estribeiro-mor do liário e decoração que lembram as de
Sábado, 26 de Setembro de 2020 | FUGAS | 17

FOTOS: DR

Tivoli Avenida da Liberdade

Da Cervejaria ao Seen
a A chegada ao Tivoli Avenida da nha que agrade a toda a gente, onde estranhar que seja difícil fazer uma
Liberdade, em Lisboa, faz-se com haja diversidade. E o Seen tem uma reserva no Seen. À Fugas, Olivier da
toda a pompa. O concierge abre a cozinha cujos pratos têm sabor. Ele Costa revela que os seus restaurantes
porta do carro, carrega as malas. [Olivier da Costa] é uma pessoa mui- “já estão em velocidade cruzeiro” e
Por trás do acrílico e de máscara to completa porque tem origem na com alguns a duplicar a facturação.
posta, o check in é feito com toda a restauração e os seus restaurantes A sugestão é a de começar com um
simpatia pela recepcionista e a estão sempre cheios.” cocktail na esplanada, ver a cidade a
caneta com que assinamos é-nos E, em tempos em que os bares e as escurecer e as primeiras luzes a acen-
entregue num invólucro de plástico. discotecas estão fechados, não é de derem-se, ao som de música descon-
A caneta Æca para nós. No dia traída, para depois nos sentarmos e
seguinte, no spa Anantara, mais experimentarmos alguns pratos de
uma caneta depois de completa a
Æcha de cliente.
i cozinha japonesa e outros mais inter-
nacionais, como wagyu laminado
A preocupação com a limpeza e com molho chimichurry (45€), lin-
higienização já era uma constante, Tivoli Avenida da guini com molho trufado, parmesão
mas com a pandemia os cuidados Liberdade e cebolinho (22€) e concluir com um
redobraram-se. Os elevadores que Av. da Liberdade, 185 delicioso soufflé de doce de leite com
dão acesso a mais de 300 quartos 1269-050 Lisboa sorbet de goiaba (12 €). De regresso
são usados por um número mínimo Tel.: 213 198 900 ao quarto, há um champanhe de
de pessoas. As escolhas, ao peque- E-mail: avenidaliberdade@tivoli- boas-vindas que não deve ser desper-
no-almoço, são feitas ao lado de um hotels.com diçado. Bárbara Wong
empregado de máscara, tal como www.tivolihotels.com
nós, que é responsável por colocar Preços: a partir de 180€, com A Fugas esteve alojada a convite
todos os produtos na mesa. Ao pequeno-almoço incluído. do Tivoli Avenida da Liberdade
almoço, na Cervejaria Liberdade, FOTOS: DR
com porta aberta para a Avenida,
depois de nos sentarmos, é-nos
dado um saco onde depositamos a
estrangeiras, que alugam o hotel obras, conÆdencia. máscara. À mesa chega um pão tor-
completo, os 30 quartos, e, às vezes, Todo o serviço é feito de maneira rado de Mafra com manteiga clariÆ#
ainda ocupam quartos no Tivoli Sin- muito cuidada e atenta às necessida- cada (3€), arroz malandrinho de
tra, no centro da vila, alugando des dos clientes. Do pequeno-almoço mariscos da nossa costa (37,50€)
transporte para os convidados se ao spa, passando pela recepção e ser- para duas pessoas e pica-pau de
deslocarem até Seteais. viço de limpeza. Por causa da covid-19 novilho, alho, louro e batata frita
Patrícia Gonçalves, da recepção, é-nos pedido para escolhermos uma caseira (24€). O almoço termina
descreve como são esses dias: a ceri- hora de pequeno-almoço, de manei- com tarte de maçã caseira com gela-
mónia pode ser feita no Jardim dos ra a que essa atenção não seja descu- do de canela (9€).
Limoeiros ou no Salão Nobre. Os rada. A refeição é feita com calma e “É importante que as pessoas sai-
festejos acontecem no piso térreo, num ambiente que pede conversas bam que temos um protocolo de
onde Æca o bar e o restaurante, em volume baixo para não incomo- higiene nosso, outro com o selo
espaço esse que pode ser transfor- dar os outros hóspedes. A maioria Clean & Safe e que há auditorias
mado para dançar. Há eventos que casais, mas há também famílias com internas com delegados de higiene
podem durar vários dias, por exem- Ælhos pequenos que respeitam o e segurança para garantir o previsto
plo quando os noivos são do Orien- espaço onde se encontram. pela Direcção-Geral de Saúde”,
te ou do Médio Oriente, mas há Depois, há a piscina, os courts de resume Miguel Garcia, director-ge-
também muitos norte-americanos ténis, mas também a ida à vila, que ral do grupo. “Queremos divulgar
e brasileiros que escolhem Sintra. convém ser feita a pé. São dez minu- Portugal como um destino seguro”,
Há ainda espaços para casamentos tos, sempre a descer, serão pouco acrescenta, lembrando que o Tivoli
mais pequenos como o da Meia Laran- mais de dois de automóvel, mas a Avenida da Liberdade foi o primeiro
ja, um pequeno terreiro entre o jardim câmara interditou a passagem dos cinco estrelas da capital a reabrir
e a piscina, com vista para o mar – lá veículos, o que os obriga a ir dar uma portas depois do conÆnamento, a
ao longe –, onde em ano de pandemia enorme volta até Colares, voltar à 31 de Julho. “Tínhamos uma respon-
um casal decidiu unir-se na presença direita, em direcção novamente a sabilidade histórica para com a cida-
dos pais e padrinhos, respeitando as Sintra, e percorrer uma dezena de de. Temos 87 anos de história”,
regras da Direcção-Geral de Saúde, quilómetros, serra acima, serra abai- justiÆca.
assinala a responsável. xo, curva e contracurva. Também o Seen, no último piso do
E quem casa, volta, conta à noite Esta é a maior queixa de Graziela hotel, com vista larga sobre a cidade,
o empregado que serve o jantar. Vieira, assim como de todos os fun- reabriu e tem estado cheio noite
Como aquele casal que vem todos os cionários de Seteais com quem a após noite, testemunha o chefe de
anos e quer sentar-se sempre na Fugas falou. Uma volta que no Inver- sala. A escolha de fazer uma parceria
mesma mesa ou outros que regres- no se torna perigosa sobretudo à noi- com Olivier da Costa surgiu porque
sam só para celebrar datas redondas, te, pela serra, diz um deles. Por isso, Miguel Garcia queria um espaço que
como as bodas de prata, e trazem a calce uns sapatos confortáveis, desça, se tornasse icónico entre os lisboe- Dormir em pleno centro da cidade
família. Houve mesmo um casal que espreite a Quinta da Regaleira e as tas, mas também entre os clientes do e experimentar os restaurantes
deu conta da sua tristeza num ano suas misteriosas construções e entre hotel: “Queríamos algo para um do Tivoli num ambiente de luxo
em que Seteais esteve fechado para na Sintra romântica! público descontraído, com uma cozi- mas descontraído.
18 | FUGAS | Sábado, 26 de Setembro de 2020

Gastronomia

Terroir: um balcão,
uma cozinha criativa
e uma janela aberta
para o vinho
Pratos descontraídos, harmonizações
com vinho. O Terroir já nasceu adaptado à pandemia:
há uma simpática janela e um mapa para quem optar
pela versão piquenique. Alexandra Prado Coelho
a Quem entrar na casa-de-banho do encontro com o chef Miguel Vaz (que
Terroir, o novo restaurante que abriu passou por cozinhas como as do 100
na Rua dos Fanqueiros, em plena Bai- Maneiras, Fortaleza do Guincho,
xa lisboeta, e vir uns bichinhos, de um Herdade do Esporão, e foi chef exe-
tamanho considerável, a subir por cutivo no Bairro do Avillez) veio dar
uma parede, não tem que se assustar. nova ambição e o que o Terroir pro-
Não se trata de uma praga – ou melhor, põe hoje é uma cozinha descontraí-
foi uma praga, sim, mas nunca atacou da, mas “com um toque de autor”,
restaurantes. O bichinho da Æloxera, para comer de preferência ao balcão,
que destruiu as vinhas por toda a o lugar ideal para ver Miguel Ænali-
Europa e outras zonas do mundo nos zar os pratos, que vão desÆlando à
Ænais do século XIX, tem aqui uma nossa frente, harmonizados com
discreta homenagem. diferentes vinhos.
Criados pela artista Daniela Rodri- Há, para já, dois menus de degusta-
gues, os “bichos” escapam-se da ção, um com “nove momentos” e mais
casa-de-banho e revelam-se nas “inÇuências do mundo”, outro um
várias fases da sua evolução num pouco mais curto, com seis momen-
caminho até ao lavatório, situado tos. E, para marcar o estilo, começa-
numa zona exterior, recordando-nos
uma história antiga, que podia ter i mos com um guacamole servido gela-
do (e num pau de gelado) com corn-
sido o Æm da produção de vinho na flakes picantes. Percebemos, com esta
Europa e em Portugal. Felizmente Terroir brincadeira, que estamos aqui para
não foi, e graças a isso hoje Portugal Rua dos Fanqueiros, 186, Lisboa uma refeição que se pretende diverti-
é um país de vinho – e o Terroir quer Tel.: 218 873 823 da e surpreendente sem se impor
ser uma montra do que de mais inte- Email: demasiado - um pouco como “uma
ressante existe nesse campo. info@terroirrestaurante.pt barra espanhola, descontraída sem
Erik Ibrahim, que é, juntamente Instagram ser relaxada”, resume o chef.
com a mulher, Inês Santos, proprietá- https://www.instagram.com/ Miguel Vaz foi desenvolvendo
rio deste novo espaço – ao qual gostam terroir.restaurante/ algumas ideias e, em certos casos,
de chamar “atelier gastronómico” – Facebook confessa-se até admirado pelo suces-
explica que o que se pretende com o https://www.facebook.com/ so que alguns pratos tiveram. É o
Terroir é precisamente cruzar os uni- terroirlisboa/ caso do de batata doce roxa com
versos do vinho e da comida. Não é Horário: quarta e quinta, das leguminosas cozidas a baixa tempe-
por acaso que o balcão, em mármore, 18h às 19h30 na janela para o ratura, avelãs e azeite de trufas. O
tem a forma de meia garrafa. A carta exterior e das 19h30 às 23h para efeito visual é muito bem consegui-
de vinhos inclui cerca de trinta refe- refeições. De sexta a domingo, do, pela cor da batata, mas é o sabor
rências, criteriosamente escolhidas das 12h30 às 15h e das 18h às que nos deixa rendidos, com os con-
pelo sommelier Rudolfo Tristão, que 19h30 na janela para o exterior, trastes a dar um equilíbrio que torna
foi professor de Erik e Inês quando e das 19h30 às 23h para este prato de aconchego o mais ines-
estes passaram pela Escola de Hotela- refeições quecível da refeição.
ria e deixou-lhes este outro “bichi- Preço médio: A Bola de Berlim com recheio de
nho”: o fascínio pelo vinho. 27€ (seis momentos), bacalhau e chouriço de porco preto
Inicialmente, a ideia era ter umas 35€ (nove momentos); assado tornou-se já um dos mais
“tapas criativas”, diz Erik, mas o pairing de vinhos: 20€ emblemáticos da ainda curta vida do
Sábado, 26 de Setembro de 2020 | FUGAS | 19

FOTOS: DR

Lat.A: há fiesta
restaurante (não valia a pena concor-
rer com a memória que as pessoas
têm dos pastéis de bacalhau, por isso
é outra coisa, explica Miguel, um fã

latino-americana
confesso de Bolas de Berlim); as ostras
com dashi e coco são óptimas e cum-
prem a função refrescante que se
espera delas; os fígados de galinha
com aipo de coentrada, carameliza-
dos, são muito bons, constituindo um
desaÆo pela sua intensidade, que o
aipo ajuda a cortar (é servido com um
nas Docas
Vinho de Carcavelos, Villa Oeiras, 7
anos); a barriga de porco com Ægos
secos cozidos em calda de chá fuma-
do é também muito saborosa no seu A preocupação foi também a de ter
jogo entre o doce e o salgado (acom- Alexandra Prado Coelho uma oferta de qualidade com um pre-
panhada pelo Laranja Mecânica, um ço acessível. É verdade que todos os
vinho de curtimenta de António a Uma das palavras mais ouvidas restaurantes se estão a debater neste
Maçanita); e, nos doces, os frutos ver- desde que a pandemia de covid-19 momento com a grande diminuição
melhos, lima e manjericão vêm mais virou as nossas vidas do avesso foi do número de estrangeiros em Lis-
uma vez dar leveza e frescura antes
da intensidade da segunda sobreme-
i “reinventar”. O Grupo Capricciosa
olhou para o seu restaurante Doca
boa, mas Ana garante que “o Grupo
Capricciosa sempre trabalhou sobre-
sa, de chocolate, miso, funcho e men- de Santo, nas Docas, junto a Alcân- tudo para um público nacional”.
ta (isto para quem optar por comer o Lat.A tara, em Lisboa, e decidiu fazer isso
menu, claro, dado que a opção à car- Armazém CP Doca de Santo mesmo. Uma parte da Doca de San- Carta passeia
ta também existe). Amaro, Lisboa tos continua a ser como sempre a
pela América Latina
Não foi fácil encontrar um espaço Tel.: 210 935 386 conhecemos, mas a área de cima,
na Baixa – estávamos ainda no perío- E-mail: que@lata.com.pt com uma esplanada e um confortá- Depois do período do conÆnamen-
do pré-pandemia e as ruas da Lisboa www.lata.com.pt vel espaço interior, é agora o Lat.A, to, reabriram, ainda a tentar medir
histórica tinham mais estrangeiros do Horário: todos os dias, das 12h um restaurante de comida da Amé- o pulso à situação, mas rapidamen-
que os que parecia possível gerir. Mas, às 15h30 e das 19h à meia-noite rica Latina. te perceberam que, com os devidos
depois de uma experiência de hote- Preço médio: 20/25€ A ideia é, explica Ana Arié, direc- cuidados, as pessoas queriam voltar
laria na China e de vários anos afasta- tora-geral do grupo, apresentar um a sair e a frequentar restaurantes. A
dos deste universo, Inês e Erik sabiam conceito festivo, que leve as pessoas resposta? Uma esplanada exterior,
bem o que procuravam. a querer sair de casa e a descontrair um bar de margaritas, piscos, caipi-
Quando encontraram este espaço longe de preocupações com as rinhas e mojitos, e vários outros
na Rua dos Fanqueiros, (o projecto regras a que todos somos obrigados cocktails, empregados com t-shirts
arquitectónico é da Involve, executa- neste momento. Garantindo, ao a perguntarem “Qué pasa?” e uma
do pelo DarkStudio) planearam-no mesmo tempo, que se sentem em carta que oferece alguns dos pratos
muito em função da experiência ao segurança – os dispensadores de mais conhecidos de diferentes paí-
balcão, sobre o qual paira um can- álcool-gel não apenas à entrada, ses latino-americanos – do pão de
deeiro-nuvem desenhado por Miguel mas em cima de cada mesa servem queijo e biscoitos de polvilho do
Arruda, Æzeram uma parede de espe- precisamente esse propósito. Brasil aos tacos de camarão com
lho para lhe dar profundidade, e con- O projecto foi montado com algu- abacate, passando pelos pastéis de
vidaram o artista plástico Martinho ma rapidez, e, conta Ana Arié, com frango e catupiry com pico de galo
Pita a criar uma peça que, à seme- a colaboração de toda a equipa, que ou os de bobó de camarão, do arroz
lhança do bichinho da Æloxera, tam- participou nomeadamente na deco- de rabada à moqueca de corvina,
bém remete para a vinha, com ramos ração. “Foi um trabalho muito com passagem pela picanha grelha-
de videira a sair do espelho como se engraçado, de criatividade conjun- da com arroz, feijão e farofa. Para os
este fosse água. ta e acho que o restaurante tem um vegetarianos, há um hambúrguer
“Já nascemos com a pandemia. Não óptimo astral por causa disso”, diz, vegan com guacamole feito com o
tivemos que nos reinventar”, diz Erik, orgulhando-se por esta abertura famoso Beyond Meat.
sorrindo. A operação foi pensada já “um bocadinho em contraciclo”. A carta, em eufórico fundo ama-
tendo em conta as necessidades do FOTOS: DR
relo com araras, cactos, sombreros,
distanciamento social – e a generosa o Cristo Rei e uma bola de futebol,
janela é parte importante disso. Ao mostrando bem a mistura assumi-
Ænal da tarde há um período em que damente divertida e sem grandes
todo o serviço é feito apenas à janela. pretensões a um rigor de restauran-
É possível, aí, pedir alguns dos peque- te étnico, anuncia ainda a feijoada à
nos pratos e acompanhá-los com um brasileira todos os Æns-de-semana
cocktail (a maior parte são vínicos) ou (35€ para duas pessoas).
com um copo de vinho. Nas sobremesas, há um Romeu e
Ou ainda, optar por uma ideia ori- Julieta não tão tradicional como isso
ginal: encomendarmos o que se qui- (com a goiaba em gelado e uma
sermos, e levar um cesto de piqueni- espuma de queijo), mas no qual vale
que para comer onde nos apetecer. a pena meter a colher, um ceviche
Se formos estrangeiros ou simples- doce de manga e papaia com sorve-
mente conhecermos mal Lisboa, o te de limão, e um Te Quiero – não
Terroir oferece um bonito mapa (com vamos revelar em que consiste para
ilustração de Ana Gil) para nos orien- não estragar a surpresa, mas pode-
tarmos e podermos encontrar um mos dizer que, se o objectivo for
espaço verde ou um banco confortá- passar despercebido, é melhor Æcar-
vel para Æcarmos a comer – ao ar livre se pelo brigadeiro gigante – é, garan-
e com distanciamento social. tidamente, mais discreto.
20 | FUGAS | Sábado, 26 de Setembro de 2020

Eira do Pato Ougado

i
Eira do Pato Ougado
Parque do Carreiro Velho
3770-062 Oiã
Tel.: 916 611 008
E-mail:
palatusdivinus@gmail.com
Horário: Almoços das 12h às
15h15 e jantares das 18h50 às
23h (encerra à segunda e
terça-feira).
Preços: parafuso a 13,50€,
aletria de línguas de bacalhau a
16€, costeletão maturado
Rubia Galega a 44€
(duas pessoas), paelha com
arroz selvagem a 30€ e risotto
de alfazema, beterraba
e hortelã a 13€.

taca David Rocha, a propósito do tra-


balho comandado pelo jovem chef
Leonardo Alves, mas sempre com a
sua colaboração e apoio. Na Eira, ser-
vem-se parafusos em vez de pregos –
“é muito nobre para ser um prego,
leva bife do acém e é servido em bolo
do caco; acompanha com puré de
batata-doce e abacaxi grelhado” – e
areias do Sky, em vez de natas do céu
– “leva um crumble e ovos-moles feitos
com stevia ou açúcar mascavado”.
Entre os bestsellers da casa está

Comer, beber e relaxar


também a aletria de línguas de baca-
lhau e o costeletão maturado Rubia
Galega (40 dias de maturação). Tam-
bém há opções vegetarianas e vegan,

à beira da Pateira
como os noodles com legumes ou o
risotto de alfazema, beterraba e hor-
telã. Tudo receitas que, a médio pra-
zo, bem podem vir a ser reunidas
num livro, anuncia.
A carta de vinhos também tem pro-
a Foi amor à primeira. E à distância.
A ligação estabeleceu-se através de Plantado num para preparar a mesa para outra
reserva”, assegura. Outra das regras
ÆlosoÆa”, sustenta o empresário.
A carta da casa não é Æxa – há um
postas para todos os gostos, com
especial destaque para os rótulos do
uma foto enviada pela Internet. David
Rocha estava na Tailândia quando
pequeno paraíso de ouro da casa passa por não servir
refrigerantes – são substituídos por
menu para cada dia da semana –, mui-
to por conta dessa aposta “nos produ-
Douro e da Bairrada. “Dou preferên-
cia aos artistas do vinho, a enólogos
recebeu uma imagem do local que é
hoje ocupado pelo restaurante Eira
natural, o sumos de fruta natural – , nem pro-
dutos com açúcar reÆnado. “Somos
tos da época”. “A ementa vai sendo
deÆnida a partir do que há de fresco a
como a Filipa Pato, a Maria João Pato,
o Tiago Sampaio ou o António Dinis”,
do Pato Ougado. Directamente da
Ásia, apregoou: “Esse espaço é para
Restaurante Eira uma casa anticoca-colas”, alerta
David Rocha, explicando que tenta
cada semana”, justiÆca, ao mesmo
tempo que garante dar primazia aos
realça o empresário nascido no Cana-
dá, mas com família e origens no
mim.” Assim nascia, há cerca de ano
e meio, uma história que junta gastro-
do Pato Ougado imprimir no seu negócio a sua Æloso-
Æa de vida. “Uma vida sã, com quali-
produtos locais. “Gosto de ir buscar
peixe à Vagueira e de ir comprar pão
município de Vagos.
David Rocha tem 49 anos e confes-
nomia, bem-estar e artes. A Eira do aposta nos dade”, argumenta. a Vale de Ílhavo”, exempliÆca. A esta sa-se um apaixonado pela área da
Pato Ougado é muito mais do que um É também por conta desses princí- preocupação com a origem e qualida- restauração, enaltecendo esse que é
restaurante e a culpa é, em grande produtos pios que a Eira do Pato Ougado dá de dos ingredientes, junta-se, depois, “um dos maiores prazeres da vida,
parte, do paraíso onde está plantada,
a Pateira (a grande lagoa natural que sazonais. Os palco privilegiado às artes, nas suas
mais variadas formas. Pintura, escul-
um certo toque artístico. “A carta tem
sempre umas pitadas criativas”, des-
comer bem”. Chegou a ter um wine
bar em Aveiro,
Aveir igualmente com “uma
se estende pelos concelhos de Águe-
da, Aveiro e Oliveira do Bairro). refrigerantes e o tura, música, entre outras, têm lugar
cativo naquele pequeno recanto do
cozinha criativa”,
criat
chegou a sug
e no dia em que lhe
sugestão para vir a explorar
Rodeada de vegetação e de água, a
estrutura de madeira onde o restau-
açúcar reƊnado município de Oliveira do Bairro. Nes-
te momento, por exemplo, está a
um restaura
restaurante junto à pateira estava
a negociar a abertura de um negócio
rante se encontra instalado tem todas
as condições para proporcionar ver-
foram excluídos decorrer, aos sábados, um ciclo de
concertos ao pôr do Sol. O circui-
Tailândia. Acabou por regressar a
na Tailândia
Po
Portugal, assentando
dadeiros momentos de relaxamento
a quem ali acorre. “O objectivo é que
da carta. Maria to “São 7 na Eira” junta gastro-
nomia, música e artes visuais,
arraiais na região onde tem
ar
as suas origens e abrindo
as pessoas consigam aproveitar todas José Santana durante todos os sábados de um restaurante
r onde até o
estas experiências”, realça David Setembro. “Adoro arte e acho que nome é original.
orig “Eira e pato vêm de
Rocha, notando o facto de a Eira do (texto) e Adriano eventos com pintura ao vivo, poesia pateira; ouga
ougado é o nome de um gru-
Pato Ougado não rodar mesas. “Recu-
so-me a estar a despachar as pessoas Miranda (fotos) ou música, combinam na perfei-
ção com este espaço e a nossa
po de chefes e cozinheiros ao qual eu
pertenço”, d descodiÆca.
Sábado, 26 de Setembro de 2020 | FUGAS | 21

Vinhos

O Douro e a sagrada família da Foz


NELSON GARRIDO
mas juraria que é uma regra Douro.
Elogio do vinho inconstitucional. Não conheço É necessário repensar tudo e
nenhuma denominação de origem mudar o que tiver que ser mudado,
de vinhos que estabeleça, à desde a classiÆcação das vinhas (já
partida, uma fasquia Ænanceira ultrapassada) até à criação de
desta natureza para se entrar no novas denominações de origem
negócio. O nome para isto é que reÇictam a grande diversidade
monopólio. da região. Até mesmo o tema tabu
A obrigação de possuir um stock da utilização de aguardente
mínimo para se ser comerciante de estrangeira na fortiÆcação do vinho
Pedro Garcias vinho do Porto é comummente do Porto devia ser equacionado. É
explicada com a necessidade de legítimo invocar a genuinidade do
a O leitor já deve ter ouvido falar preservar a denominação de vinho do Porto quando quase um
em vinhos do Porto muito velhos origem da especulação e da terço do vinho (a quota da
como o Scion (Taylor’s) ou o entrada de operadores pouco aguardente usada no fabrico do
Tributa (Vallado) que são vendidos escrupulosos que pudessem vinho) tem origem em uvas de
a milhares de euros a garrafa. São colocar em causa o valor e o outros países?
vinhos extraordinários que têm em prestígio do vinho. Este argumento Os conservadores da Foz (e
comum a circunstância de não é paupérrimo. São 250 mil euros também do Douro) nem querem
terem sido produzidos por quem que impedem qualquer maÆoso ou ouvir falar no assunto e
os vende. Foram comprados a especulador de entrar no negócio rematam-no dizendo que seria
famílias do Douro. Não há mal do vinho do Porto? inviável fazer vinho do Porto com
nenhum. A essência do negócio do O que esta limitação absurda tem aguardente produzida no Douro,
vinho do Porto sempre foi esta. Um feito é afastar uma geração de pelo seu elevado custo de
vinho comprado a terceiros pode enólogos e de pequenos produção. Mas há quem discorde e
fazer maravilhas no refrescamento produtores durienses do principal sustente que o uso exclusivo de
de vinhos próprios, na elaboração vinho da região. Os números são aguardente do Douro, além de
de lotes mais complexos e até para elucidativos. No Douro, há 498 assegurar a verdadeira
vender como edição rara. operadores de vinhos tranquilos, genuinidade, permitiria equilibrar
O que o leitor menos ligado aos mas a produzir e a vender vinho do a oferta e a procura na região e
meandros do vinho do Porto não Porto há apenas 121. E muitos obter ganhos para todos a prazo.
sabe é que nem toda a gente pode destes são Não sei de que lado está a razão,
fazer o mesmo. Para poder produtores-engarrafadores, não mas sei que não devia haver temas
comprar e vender vinho do Porto é podem comprar vinhos a terceiros. tabu no Douro. E sei também que
necessário ter à partida um stock Mais de dois terços do negócio está já cansa ver os representantes de
mínimo de vinho de 75 mil litros. nas mãos de apenas cinco grandes algumas grandes companhias
Ou seja, tem que começar com um grupos: a Gran Cruz (líder proclamar nos jornais que é
património no valor aproximado destacada em volume, na soma das necessário remunerar melhor os
de 250 mil euros. suas várias empresas), a “cuidadores” da paisagem
Um pequeno produtor de vinho Symington, a Sogrape, a Fladgate duriense Património Mundial
ou um jovem enólogo que queira Partnership (Taylor’s e outras) e a (Fugas de 12/9) e depois, na
entrar no negócio do vinho do Sogevinus. Juntos, venderam mais vindima, pagarem as uvas abaixo
Porto só tem duas soluções: ou de 50 milhões de litros de vinho do mesmo. O preço que recebem hoje mesma elite de sempre, a sagrada do custo de produção.
engarrafa apenas o vinho que Porto em 2019, num ano que as que por uma pipa de vinho do Porto é família da Foz (e arredores). A Mas o que cansa ainda mais é
produz ou tem que fazer logo à as vendas totais foram de 73,99 inferior ao que recebiam há 20 família católico-anglicana que vai assistir ao conformismo, à
cabeça um investimento colossal milhões de litros. anos. E os custos de produção casando entre si e perpetuando a subserviência até, daqueles que
(tem uma terceira hipótese, a mais São estes big Æve que põem e aumentaram de forma patine e o poder. A mesma família tinham obrigação moral de
recorrente, que é não fazer vinho dispõem no negócio do vinho do exponencial. que prega a bondade e a justiça na defender os interesses dos
do Porto). Engarrafando o vinho Porto. Concorrem apenas entre si, Como é possível isto? É possível missa de domingo e à segunda viticultores, em especial dos mais
que produz, signiÆca que nos porque vinho do Porto só se faz no porque já não existe capacidade decide sob os ditames neoliberais, vulneráveis, e à insensibilidade e
primeiros anos o melhor que pode Douro (certiÆcado). Mas, apesar de negocial e de indignação na lavoura pagando muitas vezes as uvas e o frieza das grandes empresas, que,
almejar é vender Porto Vintage, nos últimos anos terem vindo a duriense. Com a produção órfã da vinho abaixo do custo de detendo o poder, nada fazem, nem
segmento em que o peso das apostar cada vez mais nas sua “Casa do Douro”, o comércio produção. deixam fazer, em favor de uma
grandes marcas esmaga qualquer categorias especiais, aquelas que domina todas as pontas do O máximo que se pode esperar maior justiça social no Douro. Pode
veleidade comercial. Se quiser geram valor, continuam, em negócio. E se, com a Casa do de um conservador são pequenos parecer quixotesco, mas só por
vender Tawnies velhos, tem que grande parte, a viver da venda de Douro, o comércio já era avesso à passos. Mas os problemas do cobardia se pode continuar a olhar
envelhecer com o vinho ou esperar vinho do Porto mau e barato. São mudança, agora pode manter-se Douro são tão antigos e tão graves calado para os gritantes
que os Ælhos ou os netos o possam algozes deles mesmos. tranquilamente no seu tradicional que já não chega reagir com desequilíbrios sociais e
vender. Se quiser vender um Porto Por que razão isto acontece? Por conservadorismo. pequenos passos. A perda contínua económicos existentes no Douro.
30 anos, tem que esperar 30 anos burrice, só pode, e porque não É difícil encontrar um sector tão de rendimento por parte da Acabar com a medieval obrigação
por esse dia, e por aí adiante. Se precisam de mudar, porque conservador e fechado como o do maioria dos viticultores é uma do stock de 75 mil pipas de vinho
quiser comprar um vinho velho ao continuam a poder comprar uvas e vinho do Porto. Sobre ele cai um ameaça para a própria do Porto seria o mínimo. Um
vizinho, não pode. Só se tiver o tal vinho a preços baixos juntos dos manto de pó e de teias de aranhas sustentabilidade da região. pequeníssimo passo mais. Mas,
stock mínimo de 75 mil litros (e até produtores durienses. E como se igual ao que cobre muitas garrafas Ninguém trata bem das vinhas ou para a sagrada família da Foz, até
há alguns anos era de 150 mil percebe pelos investimentos que guardadas nos armazéns de Gaia e faz bom vinho se perde dinheiro isso talvez seja pedir muito.
litros). têm feito nos últimos anos, o do Douro. O vinho continua a ser todos os anos. E as máquinas
Isto é o quê? Concorrência negócio não lhes tem corrido mal. feito no Douro, mas as decisões nunca substituirão o trabalho Jornalista e produtor
desleal. Não percebo de Direito, Já os produtores não podem dizer o continuam a ser ditadas pela braçal na orograÆa montanhosa do de vinho no Douro
22 | FUGAS | Sábado, 26 de Setembro de 2020

Vinhos
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente
ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo
com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada:
Fugas — Vinhos em Prova, Rua Júlio Dinis, n.º 270, bloco A, 3.º 4050-318 Porto

55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100

91 88 84
Casal de Sta.Maria
Mar de Rosas 2019
Um rosado Esporão Colheita
Branco 2019
Quinta do Paral
Rosé 2019
Casal de Sta. Maria
Colares
muito Herdade do Esporão, Estremoz
Região: Alentejo
Quinta do Paral, Vidigueira
Região: Alentejo
Região: Colares
Castas: Syrah, Touriga Nacional sugestivo Castas: Antão Vaz, Viosinho,
Alvarinho e outras
Castas: Syrah
Graduação:13,5% vol
e Pinot Noir Graduação:14% vol Preço: 8,80€ (recomendado
Graduação: 12,5% vol
Preço: 20 €
e sério Preço: 9,70€ (onwine.pt) pelo produtor)

A intensidade de sabor, com Tem o mérito de assumir a cor e


a O nome deste vinho é tão suges- notas cítricas e maduras à aroma dos frutos vermelhos,
tivo que nos leva a viajar e a criar mistura com alguma fugindo à tendência light que faz
imagens físicas e sensoriais sobre tropicalidade, é a característica a moda. Um rosé moldado mais
ele. Inspira-nos, só por si, sensações mais marcante desde vinho para o convívio que para a mesa,
refrescantes e joviais, que todos resultante de vinhas cultivadas à moda antiga na cor mas
esperamos encontrar num bom em modo de produção biológico. também moderno no perfil de
rosé. Começamos a gostar dele Boca com textura cremosa, boca. Sabores bem maduros, até
antes de o provarmos, o que é notá- muita matéria, e um final que vai com laivos de tropicalidade, à
vel. Mas também pode ser uma em crescendo de intensidade e compita com a frescura que
ratoeira. Partindo para o vinho já bom prolongamento. Boa procura o equilíbrio mas cede à
com as expectivas elevadas, o peri- conjugação e equilíbrio entre doçura do álcool que acaba,
go de desilusão é maior. elegância e intensidade. J.A.M assim, por dominar o final de
Proposta Não é o caso. A haver alguma sur- boca. J.A.M.
presa, é a descoberta de que se tra-
da semana ta de um rosé de barrica, mais rico
e estruturado, portanto, o que pode
sempre penalizar a pureza e a jovia-
lidade da fruta. Também não encon-
tramos notas de rosas, de rosas
orvalhadas, sempre mais frescas (o
90 90
nome do vinho pretende criar uma
associação entre o Atlântico, à bor- Quinta dos Abibes Herdade do Rocim
da do qual estão as vinhas do Casal Baga & Bical 2017 Fresh From Amphora
de Santa Maria, em Colares, e as Quinta dos Abibes Branco 2019
rosas que o primeiro proprietário, Anadia Herdade do Rocim
o barão Bodo Von Bruemmer, plan- Região: Bairrada Vidigueira
tou profusamente junto às videiras). Castas: Baga e Bical Região: Alentejo
Mas do copo desprendem-se sensa- Graduação: 12,5% Castas: Rabo de Ovelha,
ções muito gostosas de frutos ver- Preço: 25€ Manteúdo e Perrum
melhos; e, quando levamos o vinho Graduação: 12% vol
à boca, embatemos com o rugido do Se der com esta garrafa numa Preço: 12€
mar e a sua fresquidão salgada, que qualquer garrafeira e tiver o
se sobrepõe e apazigua a presença impulso de a comprar, leia bem Um branco “moderno” criado
das notas fumadas da barrica. o rótulo. Pode julgar estar a segundo a velha tradição
Trata-se, em resumo, de um rosa- comprar um tinto e quando vai a alentejana dos vinhos de talha e
do sério, estival o suÆciente mas encher o copo descobrirá que é também com as castas de
com complexidade e frescura capaz um branco. Foi o que me antigamente. Feito de forma
de enfrentar combinações gastronó- aconteceu a mim. A garrafa é natural em ânforas, sem
micas elaboradas e exigentes. E não escura e o nome Baga, sendo de controlo de temperatura, não
é vinho para se beber apenas no uma casta tinta, engana. Mas é tem a mesma exuberância
primeiro ano, como manda a triste mesmo um branco. O resultado aromática de um branco feito
tradição nacional. Tem tudo para é um vinho que no gosto está a com maior controlo de oxigénio
poder durar uns bons anos em boa meio do caminho entre um e com frio. Possui, em
forma, podendo até melhorar em branco e um rosado de barrica. contrapartida, um lado mais
garrafa, pelo menos nos próximos Possui uma bela frescura e uma floral e verde, que é muito
24 meses. Mas isto não tem nada de interessante austeridade agradável. Sendo um vinho leve
ciência, é apenas suposição. Pedro aromática (as notas de frutos de álcool, mostra uma riqueza
Garcias vermelhos e algum floral estão gustativa interessante
lá, mas de forma discreta). É um (beneficiou muito dos dois
vinho indefinido e desafiante meses de contacto do vinho
que não se parece com nada e com as películas, que é onde
esse talvez seja o seu grande está o melhor das uvas) e é
mérito. P.G. muito guloso. P.G.
Sábado, 26 de Setembro de 2020 | FUGAS | 23

Fugas dos leitores


Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto,
devem ser enviados para fugas@publico.pt.
Os relatos devem ter cerca de 3000 caracteres.
Mais informações em www.publico.pt/fugas

Pinhel: à descoberta instaFugas


do castelo entre planaltos
a A vista nítida da serra da Estrela A cidade histórica, ainda fora das tude, correndo da raia de Vilar For- #FugasPorPortugal
fá-la beirã, mas a terra dá vinho, muralhas, é uma sucessão de espa- moso para a Reserva Natural Faia Mostre-nos o melhor do país, de Norte a Sul, da costa
azeite e amêndoa, fazendo anunciar ços públicos que mostra a importân- Brava, autêntico santuário da biodi- ao interior, passando pelas ilhas. A Fugas (@fugaspublico)
a Terra Quente transmontana. Que cia que Pinhel teve, entre praças e versidade. Mas o castelo também quer ver por onde anda e quer ver qual é a sua melhor foto
terra é esta, que tanta história tem ruas largas, ajardinadas com tílias tem muito que se lhe diga: sobres- de um recanto único de Portugal.
para dar? frondosas. A Igreja da Misericórdia saem duas torres, o que o torna dife-
Depois de sair da Guarda, acalmam ostenta um pórtico do gótico tardio, rente de qualquer outro. Ao lado da
as curvas da estrada. A penedia ser- mesmo ao lado da Igreja Matriz, que torre de menagem, resiste a torre da
rana dá lugar ao planalto beirão, ado- em tempos foi catedral. E naquele prisão, agora convertida num espaço
çado pelo pintalgar dos pastos e dos conjunto, nem os edifícios mais de exposições. Não podiam ser mais
castanheiros, torcidos e robustos ao recentes destoam: nem sequer o res- contrastantes: a torre da prisão é
Æm de tantos séculos. Nem no Æm do taurante Entre Portas, desenhado românica na aparência, mais auste-
Verão o verde sai da sombra fresca. pelos arquitectos DepA. ra, enquanto a de menagem foi
Aparece uma anta, a cerca de vinte No antigo palácio episcopal, um embelezada com uma janela manue-
metros da estrada, datada de mais de pouco mais adiante, Æca o Centro lina e gárgulas antropomórÆcas -
vinte séculos antes de Cristo. Ao des- Cultural e o Museu da Cidade, tam- cujas Æguras exibem o traseiro na
cobri-la, corre um arrepio: talvez pela bém reabilitado pelos DepA. Salta à direcção do país vizinho.
aparente doçura da terra, a região é vista a pureza de um edifício neoclás- A história do castelo teve momen-
habitada desde tempos imemoriais. sico, reabilitado com linhas contem- tos conturbados: em 1480, terá sido
Segue-se uma descida, quase des- porâneas. O design expositivo foi um grupo de moradores a ocupá-lo,
percebida no embalo da estrada. Até premiado pela Associação Portugue- para surpresa do alcaide. E a histó-
que Pinhel aparece, quase sem aviso, sa de Museologia. Vamos querer ria de Pinhel parece ter sido, e con-
numa silhueta inconfundível. Salta à descobrir mais. tinua a ser, de resistência. Resiste
vista a concentração de torres - sejam Se a cidade fora das muralhas tem orgulhosamente na aspereza raiana,
as do castelo ou das igrejas. À volta, ruas e praças largas, Pinhel intramu- mas também resiste ao turismo de
domina o silêncio dos vales. ros, mais labiríntica, também parece massas. Será possível que, com o
Na chegada ao posto do turismo, arejada. As casas rareiam, entre Douro, com Aldeias Históricas já tão
percebemos que esta cidade não é muros de pedra que sustêm Ægueiras exploradas, estes vales continuem
para menos: diz-se ter a maior con- e oliveiras - terão sido quarteirões tão serenos?
centração de casas senhoriais do país, abandonados depois da Idade Média? Docemente, o sol tinge nas encos-
além da maior produção de vinho da Certo é que, no ambiente bucólico, o tas jogos de luz e sombra. É o dia
Beira Interior. Nada de grandes exten- azul dos montes e vales faz querer que termina. Fiquei com a sensação paulotiago_carvalho
sões de vinha: ali domina a produção subir ao castelo. de que, depois de um dia tão pleno, São João da Pesqueira, Viseu.
familiar, que enche as cubas da Adega Ali, do alto, vêm-se as serras, mas Pinhel tem ainda mais para reve- Fotografia de Paulo Barbosa Carvalho
Cooperativa, ali tão perto. também o vale do Côa na sua pleni- lar. Tomás Reis

asofia.cs
O Parque Nacional da Peneda-Gerês,
através da lente de Sofia Santana

FUGAS N.º 1053 FICHA TÉCNICA Fotografia da Capa: Diogo Ventura Direcção Manuel Carvalho Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Joana Lima e José Soares
Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Rua Júlio Dinis, nº270, Bloco A, 3º, 2, 4050-318 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@publico.pt. www.publico.pt/fugas
7.ª EDIÇÃO
23 A 25 DE
OUTUBRO

Vi j p
Viaje pelo
l Este ano, o maior evento do mundo de vinhos
portugueses é online, mas mantém a tradição:
divulgar a premiada vinicultura portuguesa através
dos seus protagonistas, os produtores portugueses.
Este evento de três dias realizado com a Globo inclui
62 sessões e 15 provas de vinho, comentadas por

mund
mundo
d d dos
do um painel de críticos luso-brasileiros

Encontro marcado com:

Luís Lopes

vi h
vin
vinho
vinhos Crítico português,
fundou a Revista de Vinhos.
É o actual director da revista
Grandes Escolhas

portugueses
p t g 24 DE OUTUBRO / 16H30 - 17H30
Portugal: A Excelência na Diversidade
25 DE OUTUBRO / 17H20 ÀS 18H20
Grandes Tintos do Douro
25 DE OUTUBRO / 22H40 - 23H40
Alentejo Clássicos e Modernos

os
20 acess ra
o s pa
exclusiv s
as s in a n te
por p ro va

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Aponte a câmara do seu telemóvel para este código para se inscrever
nas provas ou nas palestras. Ou vá a publico.pt/vinhosdeportugal2020

Cada prova de vinhos está limitada a 20 acessos exclusivos para assinantes. Entregas em 48 horas úteis para Portugal Continental, com portes de envio de gratuitos, Tem questões? Nós ajudamos. Contacte assinaturas@publico.pt
ou levantamento no Edifício Diogo Cão, Doca de Alcântara Norte, Lisboa. É proibida a venda de álcool a menores de 16 anos. Seja responsável, beba com moderação. ou ligue 808 200 095 (dias úteis das 9H às 18H).

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