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a agricultura

camponesa
no rasil

ariovaldo de oliveira
a agricultura
camponesa
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camponesa
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a o v a l d o umbeSino de oliveira
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E D I T O R A

I BIBLIOTECA BRITO BROCA


| At . M utinga, 1425
L 834-1444
Copyright © 1991 Ariovaldo Umbelino de Oliveira
Coleção
Caminhos da Geografia
Ilustração de capa SUMÁRIO
Detalhe alterado de Aeroporto de Guararapes,
de Lula Cardoso Ayres
Revisão
Maria Aparecida Monteiro Bessana
Luiz Roberto Malta
Composição
Veredas Editorial
Impressão e acabamento
Bartira Gráfica e Editora
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( ) cip

_______________(Câmara Brasileira do Livro, , Brasil)______________


sp

Oliveira, Ariovaldo Umbelino de, 1947-


A agricultura camponesa no Brasil / Ariovaldo U. de
Oliveira. 4. ed. - São Paulo: Contexto, 2001. - (Caminhos da
Geografia). 1. A produção geográfica brasileira e o campo...................... 7
Bibliografia.
ISBN 85-85134-99-2
2. Contradições do desenvolvimento capitalista na
1. Agricultura - Brasil. 2. Agricultura e Estado - Brasil.
3. Trabalhadores rurais - Brasil. I. Título. II. Série. agricultura........................................................................... 18
91-0923 CDD-630.981
-331.7630981
-338.1881 3. Concentração fundiária e relações de trabalho
índices para catálogo sistemático:
no campo............................................................................. 28
1. Brasil: Agricultura 630.981
2. Brasil: Agricultura e Estado: Economia 338.1881
. 3. Brasil: Trabalhadores rurais 331.7630981 4. Questões teóricas sobre a agricultura camponesa................ 45
Proibida a reprodução total ou parcial.
5. Á produção camponesa nas décadas de 70 e 8 0 .................. 73
Os infratores serão processados na forma da lei.
6. Os posseiros e a luta contra o capital .................................. 106
2001
7. A colonização e a recriação capitalista dos camponeses
na fronteira amazônica mato-grossense............................... 142
Todos os direitos desta edição reservados à
E d it o r a C o n te x to (Editora Pinsky Ltda.)
Diretor editorial Jaime Pinsky 8. Referências Bibliográficas................................................ 159
Rua Acopiara, 199 - Alto da Lapa
05083-110 - São Paulo - sp O Autor no Contexto............. .................................................. 162
p ab x /fax : (11) 3832 5838
contexto @editoracontexto .com.br
www. editoracontexto.com. br
Para A PRODUÇÃO GEOGRÁFICA
FRANCISCO e APARECIDA,
meus pais, BRASILEIRA E 0 CAMPO
que nasceram camponeses sem-terra,
nas fazendas decadentes de café
no interior paulista.

No Brasil das últimas décadas, um grande número de conflitos,


em geral sangrentos, tem acontecido no campo. Lideranças sindicais
de trabalhadores, religiosos, advogados entre outros, têm sido
Meu Senhor, minha senhora cruelmente assassinados ao arrepio da lei. A justiça continua ser
Vou falar com precisão a única ausente do campo nos dias de hoje.
Não me negue nessa hora Tem-se procurado entender os processos geradores dos
Seu calor sua atenção
A canção que eu trago agora conflitos.
Fala de toda nação. As greves no campo e nas cidades mostram que cidade e
Andei pelo mundo afora campo não podem ser separados: estamos diante de greves de
Querendo muito encontrar trabalhadores do campo que são feitas nas cidades. Movimen­
Um lugar para ser contente tos de trabalhadores rurais sem-terra caminham pelas es­
Onde eu pudesse ficar tradas, acampam e lutam no campo, e na cidade marcham pela
Mas vida não mudava reforma agrária. A luta pela terra no campo só poderá ser feita
Mudando só de lugar na cidade.
E a morte que vi no campo A produção geográfica, felizmente, começa a ser submetida a
Encontrei também no mar uma crítica profunda, comprometida com a transformação do mundo.
Boiadeiro e jangadeiro É pois urgente produzir uma geografia sobre o campo que possibilite
Iguais no mesmo esperar o seu entendimento; ou, mais que isto, uma geografia que possa ser­
Que um dia se mude a vida vir de instrumento para a transformação do campo, e se possível
Em tudo e em todo lugar. também, da cidade.
(Ventania - Geraldo Vandré)
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fazia-se para produzir. E a geografia que se dizia humana, esquecia-
UM RÁPIDO RETORNO AO COMEÇO se, propositadamente das classes sociais assentadas na base desse
modo de produzir. O importante eram os sistemas agrícolas, se ex-
tefisivos, intensivos, primitivos, modernos, com rotação entre terras
A chamada produção geográfica científica no Brasil nasceu, ou com cereais. Toda a estrutura social edificada sobre o colonato,
como sabemos, sob a crise mundial do modo capitalista de produção, as relações sociais de produção que permitiam a exploração dessa
que levou o mundo à Segunda Grande Guerra. Nasceu também, no massa trabalhadora, era relegada a um segundo plano, quando não,
que toca às particularidades econômicas do país, num período em csquecida intencionalmente.
que o bloco no poder alterava-se, e as classes dominantes, de origem As transformações sociais e políticas a que o país esteve sub­
agrária, perdiam sua posição hegemônica. metido no pós-guerra abriram novas perspectivas à produção geográ­
De certa forma, a geografia científica brasileira nasceu velha. fica. E como sempre, nas crises da sociedade em geral, criou-se o
Velha porque apegada ao pensamento político que deixava de ser espaço para que, sob o populismo, o debate político chegasse à geo­
dominante. Foi essa a base material sobre a qual a produção geográ­ grafia. E é óbvio que esta intervenção dos geógrafos foi sobre a
fica do país foi se edificando. E, como era óbvio, foram os estudos questão agrária. O prefácio do livro Geografia Agrária do Brasil, de
sobre o campo os principais desta época. O capitalismo entrava em Orlando Valverde (que ficou só no primeiro volume) constitui um
sua etapa monopolista em nível internacional e a formação social marco político da produção geográfica. Lá está escrito:
capitalista no Brasil agitava-se, procurando adaptar-se a essa nova
ordem; mas a geografia brasileira, de certo modo, ignorou durante No decorrer da década de 1950, entretanto, os debates sobre a
muito tempo toda essa realidade. Por isso, nasceu velha, cheia dos questão agrária brasileira, que se mantinha como bandeira de
valores do capitalismo concorrencial, que teimosamente mesmo de­ lutas e reivindicações das esquerdas, alcançaram o Congresso
Nacional e a praça pública. Urgia dar ao problema seu equa-
pois, durante muito tempo, continuaram sendo aplicados em sua cionamento científico e sem paixão. Aquilo que fora um com­
produção. promisso moral com o meu mestre, passou a sê-lo com o povo
Por outro lado, a preocupação da geografia em estudar o cam­ brasileiro (Valverde, 1964: 5).
po é tão antiga quanto a sua própria existência. Mas, no que consis­
tiam esses estudos? Como todos sabemos, concebidos no seio da di­ Também naquela mesma época, Manoel Correia de Andrade
visão do trabalho acadêmico, eles visavam à explicação da dimensão escrevia A Terra e o Homem no Nordeste com um capítulo dedicado
espacial dos fenômenos estudados, ou seja, desde cedo, as questões às Ligas Camponesas. Era, sem dúvida alguma, outro marco político
sociais não lhes eram pertinentes, as questões econômicas idem, e na produção geográfica sobre a questão agrária brasileira.
muito menos as questões políticas. Aliás, muitas vezes, vimos e ou­ Nessa importante obra da geografia em geral e da geografia
vimos, nos bancos escolares (no final da década de 60) vários agrária em particular, o compromisso social com a transformação
professores defenderem a separação entre ciência e política. Tudo também estava presente:
isso não era feito descompromissadamente, seja consciente ou in­
conscientemente. Daí concluirmos que estamos vivendo em um período crítico:
O que privilegiavam estes trabalhos? Nada mais, nada menos, ou as reivindicações populares justas são atendidas e dá-se ao
do que as relações técnicas de produção. Estas eram, às vezes, ex­ homem do campo condições de vida compatíveis com a digni­
plicadas em detalhes. O importante era explicar como, tecnicamente, dade humana ou a revolução prevista (...) será inevitável e a
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estrutura fundiária arcaica que aí temos ruirá, arrastando em do modo capitalista de produção na formação social capitalista no
sua queda tudo que nela se apóia. Sua situação é tão difícil, Brasil.
suas condições tão precárias que a esta altura ninguém a de­
fende, todos a atacam desde os comunistas até os católicos, di­
vergindo apenas pela maneira mais ou menos rápida, mais ou
menos radical de como planejam destruí-la (Andrade,
1964: 257). A LÓGICA DO CAMPO NOS DIAS DE HOJE
Geógrafo de importância fundamental nessa mesma década foi
Pasquale Petrone, que escreveu trabalhos importantes como A Bai­ Entender o desenvolvimento desigual do modo capitalista de
xada do Ribeira. produção na formação social capitalista, significa entender que ele
Outros trabalhos desses mestres se sucederam. Foram fiéis ao supõe sua reprodução ampliada, ou seja, que ela só será possível se
seu tempo e fiéis, sobretudo, aos trabalhadores. articulada com relações sociais não-capitalistas. E o campo tem sido
Foram nessas e outras obras, que nós geógrafos do final da dé­ um dos lugares privilegiados da reprodução dessas relações de pro­
cada de 60 bebemos o saber geográfico produzido. E, talvez, aí es­ dução não-capitalistas.
teja a raiz da contradição que levou hoje essa geração a colocar em Se, de um lado, o capitalismo avançou em termos gerais por
questão toda a produção geográfica. Talvez esteja aí a origem de todo o território brasileiro, estabelecendo relações de produção es­
certas ingenuidades e os pontos fracos de várias críticas, às vezes pecificamente capitalistas, promovendo a expropriação total do tra­
rudes, até com os próprios mestres. Entretanto, entendemos que tudo balhador brasileiro no campo, colocando-o nu, ou seja, desprovido
isso foi próprio desse tempo, da urgência e da grande velocidade das de todos os meios de produção; de outro, as relações de produção
transformações sociais a que temos estado submetidos. não-capitalistas, como o trabalho familiar praticado pelo pequeno
E fundamental também lembrar que o final da década de 60 foi lavrador camponês, também avançaram mais. Essa contradição tem
rico em crises, quer no nível nacional, quer no nível internacional. E nos colocado frente a situações em que há a fusão entre a pessoa do
como produto dessa crise a que ninguém ficou imune, procurou-se proprietário da terra e a do capitalista; e também frente à subordina­
avançar em direção a uma posição mais crítica na geografia agrária ção da produção camponesa, pelo capital, que sujeita e expropria a
brasileira frente à questão agrária. Uns preferiram o “milagre brasi­ renda da terra. E, mais que isso, expropria praticamente todo exce­
leiro” e tiraram proveito, idolatrando-o ou procurando o caminho de dente produzido, reduzindo o rendimento do camponês ao mínimo
uma ciência neutra, quantitativa, pragmática e engajada. Nós outros, necessário à sua reprodução física.
preferimos ajustar contas com nossas consciências. Preferimos colo­ Assim, estamos diante de dois mecanismos de monopólio do
car as coisas no lugar. Preferimos o caminho da identificação de capital em relação à produção no campo. De um lado, o monopólio
nossa produção com os interesses da maioria da população trabalha­ na produção, subordinando a circulação à produção. De outro, o
dora do país. E é esse quadro que tem se imposto a nós geógrafos monopólio na circulação, subordinando a produção à circulação.
desse país. Uns engajam-se no sistema, procurando desenvolver tra­ O caso da agroindústria açucareira representa um dos exemplos
balhos que visem à sua “santificação científica”; outros colocam-se mais avançados do desenvolvimento de relações sociais capitalistas
do outro lado, inevitavelmente contra o estado de coisas vigentes. de produção no campo.
Esse posicionamento de luta contra a dominação em todos os níveis, O camponês produtor de uva, por exemplo no sul do Brasil,
coloca-nos a necessidade de compreender o desenvolvimento subordinado às multinacionais de vinho é outro exemplo da subordi-
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nação da renda da terra ao capital. Isso também ocorre com produto­ É no campo também, que parte dos trabalhadores pratica a
res de ervilha, tomate, figo é outros produtos hortifrutícolas em re­ “traição” às leis da ordem capitalista: o aumento do número de pos­
lação à Cica, Paoletti, Peixe, etc. Encontramos, nesses casos, dois seiros entre 1970 e 1985 é testemunho claro dessa realidade. Ocorre
tipos de capitais atuando e monopolizando a circulação: um o in­ nesse espaço da reprodução uma contradição: a luta capitalista pela
dustrial, como demonstram os exemplos citados, outro o capital co­ apropriação privada da terra leva a um aumento do número de pos­
mercial, atuando na intermediação entre os produtores e consumido­ seiros, que também travam a luta desigual pela conquista de um es­
res e tendo nos “Ceasas” seu locus privilegiado de atuação. paço para se reproduzir.
O capital, interessado em sujeitar a renda da terra, primeiro
É através do mercado que a mercadoria perde a sua individua­ estabelece a condição fundamental para fazê-lo: apropria privada­
lidade, que ela se socializa. Ela só pode ser trocada quando o mente a terra. Nesse processo os posseiros têm travado lutas san­
seu conteúdo se toma equivalente do conteúdo de todas as ou­ grentas contra o capital e seus asseclas. O objetivo dessa luta é li­
tras mercadorias, quando a substância da mercadoria, que é o vrar-se do destino de alguns de seus companheiros: se tomar assala­
trabalho, se socializa pela troca (...). Só uma força de fora do
lavrador, uma força que atinja por igual todos os lavradores, é riado; ser “bóia-fria”. Primeiramente, o capital sujeita a renda da
que pode levá-los a se unirem, a se verem como uma classe, terra e em seguida subjuga o trabalho nela praticado.
uma força social. O capital é essa força que procura expropriar O desenvolvimento das forças produtivas, quer na direção da
o lavrador, ou pelo menos submeter o seu trabalho, que procu­ lógica do capital que produz e reproduz o trabalhador nu, o assala­
ra divorciá-lo dos instrumentos de trabalho, da terra, que ao riado, o volante, o “bóia-fria”, etc., quer na contradição intrínseca
invés do lavrador trabalhar livremente para si mesmo, passe dessa lógica produzindo e reproduzindo o camponês, reflete, con-
a trabalhar para ele, capital, como acontece com os operários.
A união e a força dos lavradores do campo não vêm de dentro cretamente, o seu desenvolvimento desigual. E esse desenvolvi­
de suá condição social (Martins, 1980: 14/15). mento desigual das forças produtivas, na formação social capitalista
tem levado muitos autores a interpretações equivocadas.
É dentro desse processo de sujeição da renda da terra que o
capital entra no mundo do pequeno lavrador camponês, sitiando-o Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produti­
pela ação dos monopólios. Mas é aí mesmo que é gestado o movi­ vas materiais da sociedade entram em contradição com as rela­
mento contrário, que leva à união desses trabalhadores enquanto ções de produção existentes, ou o que nada mais é do que sua
classe. E a “liberdade de produzir” tem sido a bandeira empunhada expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das
por esses camponeses: quais aquela até então se tinha movido. De formas de desen­
volvimento das forças produtivas, estas relações se transfor­
É no campo, sobretudo entre os lavradores de base familiar, mam em seus grilhões. Sobrevive então uma época de revolu­
que se vive o confronto mais radical com os princípios da or­ ção social (Marx, 1974: 136).
dem vigente. Porque se abre diante deles um destino que o
operário já não experimenta: o destino do desaparecimento, da O desenvolvimento das forças produtivas, portanto, deve ser
proletanzação, da perda de autonomia. É no campo, por exem­ entendido em seu movimento contraditório, ou seja, a unidade deve
plo, que se pode ouvir uma palavra raramente ouvida entre os ser uma unidade na diversidade. O capital já unificou, articulou es­
operários urbanos: a palavra liberdade. É claro que ela não truturalmente, a sua reprodução ampliada. Hoje a articulação entre o
tem a conotação pequeno-burguesa e acadêmica à qual estamos capital industrial, o capital comercial e o grande proprietário de ter­
acostumados. Por isso mesmo deve ser ouvida e entendida. ras, tem no Estado a mediação da sua reprodução e regulação. A
(Martins).
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mediação e a regulação do Estado têm garantido todas as condições É por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode
para o processo de desenvolvimento do capital. A ruptura no bloco resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará à
dominante não pode pois ser buscada, ao menos teoricamente, pela conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as condições
insistência do debate sobre o campo sob o signo da transição feuda­ materiais de sua solução já existem ou, pelo menos, são capta­
lismo x capitalismo. Há que se situar o debate sobre a transição ca­ das no processo de seu devir (Marx, 1974: 136).
pitalismo x socialismo.
A luta pela propriedade coletiva dos meios de produção, é pas­
so fundamental no processo de luta contra os capitalistas e seus alia­
dos, os rentistas. Mas os trabalhadores têm mostrado na prática que
CAMINHAR É PRECISO não basta apenas a propriedade coletiva, é preciso o controle, posse
c administração coletiva desses meios de produção; numa palavra:
toda soberania às assembléias dos trabalhadores.
Colocar, portanto, o debate da questão agrária sob o signo da Em Guraçaí, interior do estado de São Paulo, um grupo de fi­
transição capitalismo x socialismo, põe em questão a discussão sobre lhos de imigrantes japoneses recusou a saída capitalista da terra par­
a democracia no socialismo. Nosso papel nesse particular constitui- tilhada, e optou pela posse coletiva dos meios de produção. As as­
se em ver e ouvir. Pois já é hora de entendermos que são os traba­ sembléias mensais se constituem no órgão máximo de deliberação
lhadores - os maiores interessados na transformação da sociedade - onde todos têm direito a voz e voto, da criança ao velho. Lá a liber­
que devem falar. A nós geógrafos cabe uma tarefa talvez pequena na dade de trabalhar, de produzir, é uma conquista. Lá certamente, o
luta teórica: estudar, entender, compreender a luta pela terra, a luta futuro já é hoje.
armada pela terra. Como sabemos, hoje o número de conflitos com Os seringueiros da Amazônia estão gestando nas reservas ex­
vitimas já supera a casa dos 5 mil.
No centro dàs lutas tem estado a luta contra a apropriação pri­ trativistas a experiência coletiva do controle sobre a terra e sobre
vada da terra. O fim da propriedade privada da terra coloca em o trabalho que nela se dá. As cooperativas têm aberto a alternativa
questão o fim da propriedade dos meios de produção: para que coletivamente o capital seja enfrentado na luta pelo e no
mercado. A morte de líderes sindicais como Wilson Pinheiro e Chico
Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em Mendes abriu lugar para o avanço das lutas travadas nos confins da
terra de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio; floresta. A aliança do Conselho Nacional dos Seringueiros com a
quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em União das Nações Indígenas, formando a Aliança dos Povos da Flo­
terra de trabalho (Martins, 1980: 60). resta, trouxe para os seringueiros seguramente o universo coletivo da
A posse coletiva dos meios de produção tem sido colocada sociedade indígena.
como urgente. A luta dos posseiros na Amazônia a coloca como O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra tem feito
bandeira. A luta dos índios pela demarcação de suas terras a coloca da luta pela terra uma bandeira de defesa e de conquista da reforma
como bandeira. A luta dos seringueiros pelas reservas extrativistas, a agrária. Os acampamentos são verdadeiras escolas onde se discute a
coloca como bandeira. A luta do Movimento dos Trabalhadores Ru­ necessidade da produção coletiva nos assentamentos.
rais Sem-Terra, a coloca como bandeira. Numa palavra, a superação, Enfim, o caminho a ser percorrido é longo, mas os exemplos a
a saída da crise está sendo construída no próprio campo. seguir já são muitos.
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A educação nestes meios não será dogmática??
Primeiro:
O RECADO É ANTIGO
Os proprietários de mera força de trabalho, os proprietários de
capital e os proprietários da terra, cujas respectivas fontes de
Há mais de seis anos alimentamos o desejo de produzir um li­ rendimentos são o salário, o lucro e a renda fundiária, portan­
to, assalariados, capitalistas e proprietários da terra, constituem
vro sobre os múltiplos aspectos da produção camponesa no Brasil. as três grandes classes da sociedade moderna, em que se baseia
Vários outros compromissos fizeram com que essa tarefa fosse sendo o modo capitalista de produção (Marx, 1984: 1123).
adiada. No entanto, finalmente pudemos resgatar no seio de nossa
produção durante a década de 80, textos que foram agora retraba- Segundo: Muito reducionista...
lhados e atualizados e formam essa visão da geografia agrária sobre As relações são mais complexas!

a agricultura camponesa no Brasil. Como limite da exploração para o camponês parcelário não
O primeiro capítulo deriva do trabalho “A Questão Agrária” aparece, por um lado, o lucro médio do capital, enquanto ele é
apresentado no 4- Encontro Nacional de Geógrafos - AGB realiza­ pequeno capitalista; nem tampouco, por outro lado, a necessi­
do no Rio de Janeiro em 1980 e publicado nos anais daquele evento. dade de uma renda, enquanto ele é proprietário da terra. Em
O segundo e terceiros capítulos têm origem no texto publicado em sua condição de pequeno capitalista, não aparece para ele, co­
mo limite absoluto, outra coisa senão o salário que paga a si
1988, no Boletim Paulista de Geografia n- 66 sob o título “O Campo mesmo, após a dedução dos custos propriamente ditos. En­
Brasileiro no Final dos Anos 80”. O quarto e quinto capítulos são quanto o preço do produto cobrir seu salário, ele cultivará suas
oriundos de dois trabalhos apresentados no 5- Encontro Nacional de terras, e isso com freqüência até chegar a um mínimo físico do
Geógrafos - AGB, realizado em Porto Alegre em 1982 e que estão salário...
publicados no livro 2 - volume II dos anais daquele encontro. Já o Uma parte do trabalho dos camponeses que trabalham sob as
piores condições é dada gratuitamente à sociedade e nem se­
sexto Capítulo, foi originalmente publicado em 1989 na revista Tra­ quer entra na regulação dos preços de produção ou formação
vessia n2 3 do Centro de Estudos Migratórios - CEM - São Paulo do valor em geral. Esse preço mais baixo é, portanto, um re­
com o título “Paraíso e Inferno na Amazônia Legal”. sultado da pobreza dos produtores e, de modo nenhum, da pro­
Não pretendemos cair na apologia, ou no caminho único. Mas dutividade de seu trabalho (Marx, 1984: 1024/5).
de uma coisa temos certeza: a contradição que move a lógica do ca­
pital, certamente, é o móvel revelador do desenvolvimento desigual Assim, o rumo só pode ser um. A necessidade da discussão da
e combinado do campo brasileiro - este campo que ao mesmo tempo lógica que preside o desenvolvimento do modo capitalista de produ­
que abre espaço para o avanço do trabalho assalariado, igual e con­ ção. Penetrar em seus segredos, vasculhar suas especificidades, tal­
traditoriamente, abre espaço ao avanço do trabalho familiar. vez seja um recado antigo mas válido ainda para se chegar a um ca­
Entender essa contradição não é tarefa fácil, sobretudo quando minho fértil.
estamos submetidos à “cegueira” de posições políticas apriorísticas,
“urbanas”, que mais servem para falar do e no “campus”, como tem
lembrado José de Souza Martins, do que explicar o campo.
Nesse sentido, dois entre muitos outros recados deixados por
Marx no último volume de O Capital, seguramente ainda continuam
atuais.
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capital, numa próxima etapa do processo de produção, poderá ser
CONTRADIÇÕES DO DESENVOLVIMENTO destinado à contratação de bóias-frias, por exemplo, e então se esta­
rá implantando o trabalho assalariado na agricultura.
CAPITALISTA NA AGRICULTURA
Vejamos um caso. Um fazendeiro que desenvolve pecuária de
corte —invemada —no oeste do Estado de São Paulo precisa ter
sempre em boas condições as pastagens de sua propriedade e manter
um conjunto de trabalhadores assalariados para cuidar do rebanho.
Quando as pastagens estiverem desgastadas pelo pastoreio do gado,
elás terão que ser refeitas ou, como se diz na região: “o pasto tem
que ser tombado”. Para refazer a pastagem o fazendeiro pode deslo­
car ou contratar trabalhadores assalariados para arar a terra, adubá-la
e semear capim, esperá-lo crescer, para depois soltar novamente o
gado na área.
Nem sempre isso ocorre. Muitas vezes, esse fazendeiro, ao in­
O desenvolvimento capitalista se faz movido pelas suas con­ vés de destinar uma parte do seu capital para realizar a tarefa de re­
tradições. Ele é portanto, em si, contraditório e desigual. Isto signi­ fazer o pasto, arrenda a terra a camponeses sem-terra ou com pouca
fica que para seu desenvolvimento ser possível, ele tem que desen­ terra na região, para que eles façam o trabalho por ele. Esse arren­
volver aqueles aspectos aparentemente contraditórios a si mesmo. damento pode ser de várias formas, entre elas a de dividir parte da
Vamos encontrar no campo brasileiro, junto com o processo produção obtida no solo durante uma colheita de algodão, amen­
geral de desenvolvimento capitalista que se caracteriza pela implan­ doim, milho, etc. O fazendeiro entra com a terra e por isso recebe
tação das relações de trabalho assalariado (os bóias-frias, por exem­ metade, ou um terço ou um quarto ou uma porcentagem previamente
plo), a presença das relações de trabalho não-capitalistas como, por estipulada da produção obtida. Também, pode cobrar uma quantia
exemplo, a parceria, o trabalho familiar camponês, etc. em dinheiro pela cessão da terra. No primeiro caso, temos a parceria
c, no segundo, a renda em dinheiro. Em seguida o camponês planta,
por um ano ou menos ainda, um produto na terra que era ocupada
pela pastagem. Após a colheita, ou ele entrega parte da produção ao
A PRODUÇÃO DO CAPITAL fazendeiro ou vende a safra e paga em dinheiro a quantia estipulada
previamente no contrato de arrendamento. Em seguida, semeia o ca­
pim na tenra e entrega/devolve a área ao fazendeiro, que aguardará
A utilização dessas relações de trabalho não-capitalistas poupa apenas o crescimento do capim e terá o pasto reformado, sem que
ao capitalista investimentos em mão-de-obra. Ao mesmo tempo, ele para tal, tenha gasto parte de seu capital.
recebe parte do fruto do trabalho desses parceiros e camponeses, que Ora, o que esta relação revelou? Revelou que o próprio capital
converte em dinheiro. Assim, realizam a metamorfose da renda da pode lançar mão de relações de trabalho e de produção não-capita­
terra em capital. listas (parceria, familiar) para produzir o capital.
Este processo nada mais é do que o de produção do capital, E, como isso foi possível? Foi possível através da transferência
feito através de relações não-capitalistas. Uma vez acumulado, este da renda da terra em produto, quando da parceria, ou em dinheiro,
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quando o pagamento foi feito em dinheiro, e/ou em trabalho, pelos
camponeses, parceiros ou rendeiros que deixaram o pasto refeito A TRANSFORMAÇÃO DOS CAMPONESES
sem terem recebido salário algum por esse trabalho. Isso quer dizer UM CAPITALISTAS
que o fazendeiro não só cobrou renda pela cessão da terra, como fi­
cou com parte da produção (em mercadoria ou dinheiro) e ainda fi­
cou com o pasto renovado, ou seja, não pagou os dias de trabalho do É importante tocarmos neste ponto: o nascimento da classe ca­
camponês, se apropriando desse trabalho gratuitamente. pitalista no campo, que segundo a história, teve origem naquela fase
Como se vê pelo exemplo, o fazendeiro, um capitalista, para inicial do capitalismo, quando o comércio dominou (mercantilismo).
aumentar o seu capital (para produzi-lo), abriu possibilidade para a O processo de nascimento de novos integrantes da classe capitalista
criação e a recriação do trabalho camponês, igualmente necessário continua. Vários fatores podem gerar a criação de novos capitalistas.
ao desenvolvimento geral do capitalismo. Por exemplo, o setor tecnológico (máquinas, fertilizantes, sementes
Outros exemplos desse processo de desenvolvimento contra­ selecionadas, agrotóxicos, etc.). Para aumentar a produção de ali­
ditório do capital ocorreram em áreas ditas de “fronteira”, aquelas mentos nas fazendas capitalistas, esse arsenal tecnológico entrou no
que ainda não tinham sido abertas pelos fazendeiros. No Mato Gros­ inercado e está à disposição dos camponeses. Através do trabalho
so, por exemplo, é comum um fazendeiro entregar uma parte da mata lamiliar eles podem aumentar sua produção, mesmo sem ampliar
ao camponês sem-terra para que a derrube e plante arroz, feijão, suas terras. Dessa forma, uma família camponesa pode estar produ­
mandioca, etc., durante um, dois ou três anos e depois semeie capim, zindo muito além do necessário a sua sobrevivência e com isso acu­
transformando a área em pastagem. Dessa forma, o trabalhador, ao mulando. Esse dinheiro poderá ser destinado a aumentar suas terras
entregar a área com capim semeado, “evitou” que o fazendeiro gas­ e/ou contratar trabalhadores assalariados para trabalhar para ela.
tasse parte do seu capital para desmatar a área e prepará-la para se­ Quando isso ocorre, seus membros (filhos, pai e mãe) deixam de
mear o capim. Irabalhar na produção, passando a cuidar apenas das tarefas da ad­
ministração e comercialização da produção, tomando-se, pois, pe­
Outros exemplos podem ser citados, como o caso dos projetos quenos capitalistas.
de colonização particulares, onde o grande latifundiário loteia parte Capitalistas são, portanto, todos aqueles que, possuidores de
de suas terras revendendo-as a pequenos camponeses. O dinheiro capital, destinam-no à produção. Na agricultura, adquirem terras e
obtido pela venda da terra loteada - a renda da terra - vai ser trans­ outros meios de produção e contratam trabalhadores para trabalha­
formado em capita] para o fazendeiro/latifundiário loteador. rem para eles em troca de um salário.
Portanto, o que podemos concluir desse processo de desenvol­ Dessa forma, estamos diante de uma relação de trabalho e de
vimento desigual e contraditório do capitalismo, particularmente no produção baseada na exploração do trabalho alheio, diferente daquela
campo, é que estamos diante da sujeição da renda da terra ao capital. baseada na família, numa unidade camponesa, onde a família trabalha,
O que significa dizer que o capital não expande de forma absoluta o em tese, para si própria. Ou, então, naquela baseada na parceria, onde
trabalho assalariado, sua relação de trabalho típica, por todo canto e a produção é dividida entre o proprietário da terra e o trabalhador.
lugar, destruindo de forma total e absoluta o trabalho familiar cam­ Isso não quer dizer que não haja exploração também nessas
ponês. Ao contrário, ele, o capital, o cria e recria para que sua pro­ relações de trabalho; e a exploração é diferente. No capitalismo, o
dução seja possível, e com ela possa haver também a criação, de no­ trabalhador não é dono nem pode dispor do produto de seu trabalho.
vos capitalistas. Em troca da cessão de sua força de trabalho, recebe uma quantia em
20 21
dinheiro: o salário. Enquanto na parceria, ele é proprietário de parte mentar a produção toma mais dinheiro emprestado, conseqüente­
da produção, podendo dispor dela da forma que desejar e, evidente­ mente aumenta a dívida, o que faz com que ele tenha que exportar
mente, não recebendo dinheiro algum pelo trabalho despendido para ainda mais; logo, os preços internacionais tendem também a cair
produzir a parte da produção que fica com o proprietário da terra. muito mais.
Observar e entender essas diferenças é fundamental para en­ E por isso que temos assistido no Brasil, nas últimas décadas,
tendermos o processo contraditório e desigual de desenvolvimento a uma expansão violenta das culturas de produtos de exportação, qua­
do capitalismo em geral. Essas desigualdades e contradições são ou se sempre em detrimento daqueles produtos destinados ao mercado
podem ser diferentes quer social quer territorialmente. interno, para alimentar a população brasileira.
Isso significa que, para entendermos a distribuição social e/ou Outras vezes, o que assistimos é a alteração rápida dos hábitos
territorial das desigualdades e contradições do desenvolvimento ca­ alimentares da população em decorrência da expansão desses pro­
pitalista, devemos compreender que elas estão ligadas aos processos dutos. O exemplo da soja é típico. Boa parte da população brasileira
históricos específicos de cada país ou nação. Ou seja, cada formação fazia seus alimentos cozidos ou conservados em gordura animal ou
econômico-social concreta revela no seu interior esse processo desi­ óleos derivados de outros produtos vegetais (algodão, amendoim,
gual e contraditório espacial e temporalmente. coco, etc.). Entretanto, de uns tempos para cá, o óleo de soja tomou-
se o produto básico na preparação da alimentação. Até campanhas
publicitárias e “médicas” foram feitas ressaltando seu valòr em rela­
ção aos demais do gênero. Na essência, tudo foi feito movido pela
A MUNDIALIZAÇÃO ânsia de se aumentar as exportações de farelo de soja, ingrediente
DA ECONOMIA BRASILEIRA básico utilizado na fabricação de ração animal, aqui e principal­
mente no exterior.
O mesmo exemplo é válido para a citricultura. A sua espeta­
Para entendermos o campo no Brasil, seus conflitos e a lu­ cular expansão nas décadas de 70 e 80 deveu-se, fundamentalmente,
ta pela terra, temos, também, que compreender que a economia à introdução no mercado norte-americano do suco de laranja. Como
brasileira hoje está internacionalizada, e que isso é uma característi­ conseqüência, o preço da laranja em fruta no mercado intemo subiu
ca ímpar do capitalismo: ter nascido contendo virtualmente a sua e os fabricantes de suco já começam também a “inundar” o mercado
mundialização. nacional de suco industrializado, de certo modo forçando a substi­
Temos que entender, ainda, que esse processo de internaciona­ tuição do consumo da fruta in natura pu do “suco puro feito na ho­
lização da economia brasileira no âmago do capitalismo mundializa- ra” pelo suco industrializado.
do é fundamental para compreendermos o mecanismo da dívida ex­ Poderíamos citar muitos outros exemplos, mas, certamente, os
terna. Esse mecanismo não é de todo complicado na sua essência: o leitores estariam se lembrando de produtos que no passado eram
país fez ou faz a dívida para criar condições ou para ampliar a sua consumidos na sua forma natural e que agora estão sendo consumi­
produção. Para pagar a dívida tem que exportar, quer dizer, tem que dos industrializados.
se sujeitar aos preços internacionais. Como esses preços no que se Isso revela que o processo de desenvolvimento do capitalismo
refere às matérias-primas (gêneros agrícolas e recursos minerais, ex­ na agricultura de nossos dias está marcado pela sua industrialização.
ceto o petróleo) têm baixado nas últimas décadas, o país tem que am­ Uma industrialização que deve ser entendida internacionalmente,
pliar a produção para poder continuar pagando a dívida. Para poder au­ pois não há mais, ou nunca houve, «ma rígida separação entre as
22 23
indústrias nacionais e estrangeiras; ao contrário, a história dos últi­ contraditório revela que o capital monopoliza o território sem entre­
mos tempos tem sido uma história de alianças e fusões com a parti­ tanto temtorializar-se. Estamos, pois, diante do processo de mono­
cipação ou com o beneplácito do Estado, durante governos militares polização do território pelo capital monopolista.
ou civis.

O TRABALHO ASSALARIADO
A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL E O TRABALHO FAMÍLIA®. CAMPONÊS

A industrialização da agricultura, também desigual no campo Esse conjunto de contradições que marcam o processo de de­
brasileiro, revela que o capitalismo está contraditoriamente unifican­ senvolvimento capitalista revela, também, que o processo pelo qual
do o que ele separou no início de seu desenvolvimento: indústria e o capitalismo se expande no país passa necessariamente pelo domí­
agricultura. Esta unificação está sendo possível porque o capitalista nio do trabalho assalariado nas grandes e médias propriedades e pelo
se tomou também proprietário das terras, latifundiário portanto. Isso predomínio do trabalho familiar, camponês portanto, nas pequenas
se deu porque o capital desenvolveu liames de sujeição que funcio­ propriedades ou pequenas unidades de produção.
nam como peias, como amarras ao campesinato, fazendo com que Vale dizer que esse processo é uma moeda de dupla face pois,
ele produza, às vezes, exclusivamente para a indústria. Dois exce­ ao mesmo tempo em que desenvolve uma face, igual e necessaria­
lentes exemplos desse processo são as usinas ou destilarias de açú­ mente desenvolve a outra. Em outras palavras: a expansão do traba­
car e álcool e os produtores de fumo. Nas usinas ou destilarias, in­ lho assalariado tem trazido consigo a expansão do trabalho familiar.
dústria e agricultura são partes ou etapas de um mesmo processo. Isto não ocorre porque o trabalho familiar é funcional ou comple­
Capitalista da indústria, proprietário de terra e capitalista da agri­ mentar ao assalariado, mas porque são contradições internas do ca­
cultura têm um só nome, são uma só pessoa. Para produzir utilizam pital que os geram.
o trabalho do assalariado, dos bóias-frias. Este processo também, como todos os anteriormente citados, é
No segundo caso, os produtores de fumo do sul do Brasil en­ desigual territorial e temporalmente, e a análise dos dados sobre essa
tregam sua produção às multinacionais do cigarro. Capitalista in­ questão tem revelado a expansão/retração de um e de outro em uma
dustrial é uma pessoa, proprietário da terra e trabalhador são outra região do país e o oposto em outras. O mesmo ocorre quando anali­
pessoa. Nos casos em que os camponeses arrendam terra para plan­ samos as séries temporais, históricas portanto. Num período uma
tar o fumo com suas famílias, podemos ter três personagens sociais relação pode retrair-se e, em período posterior, voltar a aumentar e
na relação: o capitalista industrial, o proprietário da terra-rentista assim por diante. Um exemplo disso é a diminuição dos posseiros no
(que vive da renda em dinheiro pago pelo aluguel da terra) e o tra­ Sudeste e o seu aumento no Nordeste entre 70 e 80. Já entre 80 e 85
balhador camponês rendeiro que trabalha a terra com a família. eles voltam a aumentar na região Sudeste. Isto significa que não po­
O que esse processo contraditório de desenvolvimento capita­ demos tomar como produto de uma relação mecânica de causa e
lista no campo revela, é que, no primeiro caso, o capital territoriali- efeito a expropriação da terra no capitalismo. Ela também é desigual
za-se. Estamos, portanto, diante do processo de territorialização do e contraditória.
capital monopolista na agricultura. No segundo caso, esse processo Os dados censitários revelam que, ao mesmo tempo em que há
24 25
um aumento dos latifúndios capitalistas, há um aumento das unida­ a indústria; e a cidade e o campo. Só que essa soldagem está sendo
des camponesas de produção. Ao mesmo tempo em que aumenta a feita num patamar social muito mais avançado, pois a separação foi
concentração das terras nas mãos dos latifundiários, aumenta o nú- decorrente e envolveu trabalhadores individuais, camponeses, arte­
mero de camponeses em luta pela recuperação das terras expropria­ sãos, aqueles que com o trabalho da família quase tudo produziam.
das. Nem que para isso eles tenham que continuar seu devir históri­ Agora, entretanto, a soldagem está sendo feita num processo avan­
co: ter a estrada como caminho. O que vale dizer: a migração como çado de cooperação no trabalho. Portanto, a solução para a produ­
necessidade da sua reprodução, a luta pela fração do território dis­ ção, quer do produto agrícola, quer do industrial, passa a requerer
tante como alternativa para continuar camponês. Espaço e tempo necessariamente o trabalho coletivo, e a questão central transfere-se
unem-se dialeticamente na explicação desse processo. Quando essa para a distribuição dos frutos da produção (salário e lucro). Essa
possibilidade de recuperar a fração do território perdido não pode solução passa também pela luta, igualmente na cidade, do camponês
ser realizada, ele encontra novas formas de luta para abrir acesso por um preço melhor para seus produtos ou por condições e vanta­
à terra camponesa onde ela se tomou capitalista. O Movimento dos gens creditícias e/ou técnicas de modo a poder ter condições para
Trabalhadores Rurais Sem-Terra é um bom exemplo dessa nova rea­ continuar camponês. A cidade, hoje revela essas contradições. Ela é,
lidade. pois, palco dessas lutas rurais/urbanas e/ou urbanas/rurais. Isso sig­
nifica que a compreensão dos processos que atuam na constru­
ção/expansão das cidades passa pela compreensão dos processos que
iituam no campo.
A UNIDADE CONTRADITÓRIA Cabe lembrar que essa unidade contraditória não elimina suas
ENTRE A CIDADE E O CAMPO diferenças, ao contrário, aprofunda-as tomando cada um mais espe­
cífico, porém, cada vez mais portador da característica geral de ambos.
Esse processo, no caso brasileiro, ao mesmo tempo em que
Por fim, com relação aos processos Contraditórios e desiguais aprofunda a luta pela reforma agrária no campo, desencadeando a
do capitalismo, devemos entender que eles têm se desenvolvido no violência, tem transferido paulatina, mas decididamente, essa luta
sentido de ir eliminando a separação entre a cidade e o campo, entre para as cidades. Até aqueles que são incentivadores da violência,
o rural e o urbano, unificando-os numa unidade dialética. Campo e para fazer valer seu poder ilegítimo, por exemplo, os latifundiá­
cidade, cidade e campo, formam uma unidade contraditória. Uma rios/grileiros da UDR - União Democrática Ruralista -, ao mesmo
unidade onde a diferença entre os setores da atividade econômica (a tempo em que atuam no campo fazendo aumentar a violência, atuam
agricultura, a pecuária e outros, por um lado, e a indústria, o comér­ decididamente também nas cidades, fazendo seu marketing político e
cio, etc., por outro), vai ser soldada pela presença na cidade do tra­ suas manifestações. Aliás, mandam e/ou ameaçam matar no campo e
balhador bóia-fria do campo. As greves dos trabalhadores do campo na cidade, trabalhadores do campo ou suas lideranças nas cidades.
são feitas nas cidades. Isso certamente aponta para a necessidade de compreendermos
Ao mesmo tempo, podemos verificar que a industrialização dos que a reforma agrária se faz no campo, mas se ganha é na cidade.
produtos agrícolas pode ser feita no campo com os trabalhadores das Assim, cidade e campo estão unidos dialeticamente, quer no
cidades. Aí reside um ponto importante nas contradições do desen­ processo produtivo, quer no processo de luta. Expostas essas carac­
volvimento do capitalismo, tudo indicando que ele mesmo está sol­ terísticas contraditórias do desenvolvimento do capitalismo, vamos
dando a união contraditória daquilo que ele separou: a agricultura e analisá-las no campo brasileiro.
26 27
governo do Mato Grosso a vender, no então município de Arapuanã,
CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA cinco áreas de 200 mil ha; ou seja, 1 milhão de ha de terras deve­
riam ser entregues a cinco proprietários apenas.
E RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO
Isto para não falar na burla “legal” que os latifundiários fazem
para obter extensões de terra maiores do que as leis permitem. Um
bom exemplo é a “técnica da procuração”, ou seja, o latifundiário
consegue um procurador, ou ele mesmo toma-se procurador de um
certo número de pessoas, às vezes de sua própria família. Para isso,
ele, às vezes, paga pelas assinaturas. Com as procurações ele dá en­
trada nos Institutos de Terras para adquiri-las para aquelas pessoas
de quem é procurador. Os órgãos públicos emitem os títulos e ele
loma-se proprietário dos títulos emitidos em nome de outras pessoas,
devido às procurações. Assim, toma-se proprietário não de uma área
de, no máximo, 2.500 ha (pela Constituição de 1988), mas de tanta
Quando estudamos historicamente a estrutura fundiária no Bra­ terra quantos foram os títulos que obteve através de procurações. Se
sil, ou seja, a forma de distribuição e acesso à terra, verificamos que conseguir cem procurações toma-se proprietário de 250.000 ha de
terra.
desde os primórdios da colonização essa distribuição foi desigual. E assim que as terras da Amazônia estão sendo griladas. É as­
Primeiro foram as capitanias hereditárias e seus donatários, depois sim que as terras das nações indígenas da Amazônia estão sendo sa­
foram as sesmarias. Estas, estão na origem da grande maioria dos queadas, e os “filhos do sol” aprisionados em reservas e parques. A
latifúndios do país, fruto da herança colonial. história da ocupação das terras no Brasil está marcada pelo saque
Com a independência e com o fim da escravidão, trataram os das terras das nações indígenas desde os seus primórdios. Está mar­
governantes do país de abrir a possibilidade de, através da “posse”, cada também pelo genocídio a que foram submetidas essas nações.
legalizar grandes extensões de terras. Com a Lei de Terras de 1850, Podemos afirmar com segurança que a estrutura fundiária bra­
entretanto, o acesso à terra só passou a ser possível através da com­ sileira herdada do regime das capitanias/sesmarias, muito pouco foi
pra/venda com pagamento em dinheiro, o que limitava, ou mesmo alterada ao longo dos 400 anos de história do Brasil; e particular­
praticamente impedia, o acesso à terra para os escravos que foram mente na segunda metade deste século o processo de incorporação
sendo libertos. de novos espaços - assaltados/tomados das nações indígenas - tem
Dessa forma, podemos verificar que esses princípios que mar­ concentrado ainda mais as terras em mãos de poucos proprietários.
caram a concentração fundiária no Brasil nunca deixaram de existir.
Por exemplo, a Constituição de 1946, que vigorou até 1967, e as
que a antecederam definiam em 10 mil ha a área de terra devoluta
máxima a ser vendida a brasileiros natos ou estrangeiros naturaliza­ OS LATIFÚNDIOS TÊM AUMENTADO
dos. Mas, sempre previram que, com a autorização do Senado Fede­
ral, essa área poderia ser maior e foi o que aconteceu na década de
70, quando a Constituição de 67 baixou a áiea máxima para 3 mil O traço essencial da estrutura fundiária brasileira é portan­
hectares. Naquela época o Senado Federal autorizou, por exemplo, o to o caráter concentrado da terra. Senão, vejamos a tabela 1 que
28 29
apresenta a distribuição das terras desde 1940 até 1985. BRASIL ESTRUTURA FUNDIÁRIA
O que nos revelam esses dados é que, em 1940, o Brasil que 1948 A 1983
ainda não havia se expandido sobre os territórios indígenas do Cen- C Iu iii is NUMERO BS ESTABELECIMENTOS
tro-Oeste e da Amazônia, já apresentava seu traço concentrador: ir» CM) 1948 1958 1968 1978 1975 191 191
poucos com muita terra e muitos com pouca terra. Vamos aos dados: TOTAL 1.964.589 2.864.642 3.337.769 4.924.819 4.993.252 . 5.159.851 5.834.779
1,5% dos proprietários dos estabelecimentos agrícolas com mais de Kinn de 11 654.557 71B.934 1.495.828 2.519.6K 2.681.868 2.598.819 3.885.841
1.000 ha, ou seja 27.812 unidades ocupavam uma área de 95,5 mi­ U i -IN 975.438 L852.Î57 1.491.415 1.934.392 1.898.949 2.816.774 2.166,424
lhões de hectares, ou 48% do total de terras, quase a metade por­ IM i -1.60 243.818 268.159 314.746 414.746 446.178 41.521 518.618
tanto; enquanto isso, 86% dos proprietários dos estabelecimentos 1 MMa - 18.868 26.539 31.817 38.883 35.425 39.648 45.496 47.931
agrícolas com menos de 100 ha, ou seja 1.630.000 unidades, ocupa­ i» HM a Mis 1.Z73 1.611 1597 1.449 1.828 2.345 2.174
vam uma área de apenas 35,9 milhões de hectares, menos, portanto, ÁREA OCUPADA (HA >
de 19% das terras. 1948 1958 1968 1978 1975 191 1985
Se analisarmos os dados de 1985 essa realidade não mudou, ao TOTAL
contrário, a concentração das terras nas mãos de poucas pessoas au­ 197.728.247 232.211.186 249.862.142 294.145.466 323.896.882 363.854.421 376.®,577
mentou ainda mais. Vamos aos dados: menos de 0,9% dos proprietá­ mmn Is 18 2.893.439 3.85.372 5.952.381 9.883.4% 8.982.646 9.14.259 18.829,71
rios dos estabelecimentos agrícolas com área superior a 1.000 ha, ou IM -U » 33.112.li8 35.562.747 47.566.298 68.869.784 68.171.637 64.494.343 69.678,91
IM 1 -1.888 66.184.999 75.528.717 86.829.455 11.742.676 115.923.843 126.799.11 131.893.557
seja, 50.105 unidades, ocupavam uma área de 164,7 milhões de 1 MM1-18.888 62.824.817 73.893.482 71.41.984 1.859.162 89.866.944 184.548.849 11.397.132
hectares ou 44% do total das terras; enquanto mais de 90% dos pro­ 11,WMo mis 33.501832 « 1 .7 1 38.893.112 36.190.429 48.951.812 1.887.71 56.287.11
prietários dos estabelecimentos agrícolas com menos de 100 ha, ou
seja, 5.252.265 unidades, ocupavam uma área de apenas 79,7 mi­ I abela 1 —Fonte IBGE
lhões de hectares, ou 21% do total das terras.
Portanto, o que o Brasil conheceu nos últimos 45 anos foi
um aumento violento da concentração fundiária, e isso pode ser mais
bem observado se tomarmos apenas as duas classes extremas da dis­
tribuição das terras, por exemplo, em 1985. Voltemos à tabela 1:
menos de 2.174 estabelecimentos agrícolas com mais de 10 mil ha l undiários registrados (pois há os que têm terras em nome de outras
(menos de 0,04% do total, uma minoria Mima) ocupavam 56,3 mi­ pessoas) naquele órgão no Brasil. A tabela 2 mostra quem é quem
lhões de hectares (15%); enquanto uma maioria de 3.085.779 esta­ no latifúndio no país.
belecimentos agrícolas com menos de 10 ha ocupavam pouco mais Uma análise da tabela 2 permite tirar duas conclusões. A pri­
de 10 milhões de hectares, apenas, portanto, 2,6% do total das meira, é que a maioria absoluta desses superlatifúndios está na
terras. Amazônia. A segunda é que eles ocupam uma área quase igual
O INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma àquela ocupada pelo Estado de São Paulo, e maior que o território
Agrária - que pertencia ao Ministério da Reforma e do Desenvolvi­ do Amapá, ou que os Estados do Acre, Ceará, Rio Grande do Norte,
mento Agrário - MIRAD - divulgou uma relação dos maiores lati- Paraíba, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Ja-
30 31
neiro, Paraná e Santa Catarina. Ocupam, portanto, uma área maior
que doze unidades da federação brasileira. Mais que isso ainda: es­ OS HâüQRES LATIFUNDIÁRIOS DO BHfiSIL
ses proprietários têm nas mãos, nada mais nada menos, do que 3%
do território brasileiro. NO® MUNICÍPIOS AREA(ha)
HWKM- MADEIREIRANACIONALS/A Ubwa-ANe Guarapua»a-PS 4.140.767
JARI FLORESTALï «GMPSOMIfl UM. Alaeíin-M 8.318.885
Mil) - ta m m m anaeohií Jutai ( Caruari-AN 2.194.874
CIA. FLORESTAIMONTEDOBRADO Alwrin-AP e Karagao-Pa 1.682.227
A DESIGUAL CONCENTRAÇÃO CIA. K DESBWOLVIMBITOMPIAÜI Castelo
Enidio, io Piauí,do Sao
Piauí,Miguel do Tajmio,doPimnteiras, Manoel
REGIONAL DAS TERRAS Canto dotfazare
Buriti, Floriano, SaoRibeiro
Francisco
GonçalvesPiaui, Oeiras,
e Orucui-Pl 1.076.752
COTBIGUACUCOLON. 19 G1IPWNAS/A. Aripuana-MT 1.888.888
.10*0FRANCISCOMARTINSBARATA Calcoene-AP 1 ■W o ■DIM

MANOELMH9BS 91 QUEIRÓS ttooel Urbano-AC 975.080


Os dados expressos na tabela 2 também revelam que, segu­ MA LINAGOMESAMORA Labrea-AM 901.248
ramente, a distribuição territorial da concentração fundiária no rill» APARECIDOSOLTO Manoel Urbano e Sena Nadureira-AC 884.8S8
ALBERTNICOLAVITAL! Forwsa do Rio Preto-BA 795.575
Brasil é desigual. Essa desigualdade está assentada historica­ ANIOfflOPESEI» DEFREITAS Atalaia do Norte, Benjamn Constant e Estirão do Equador-AK 784.574
mente nos momentos distintos em que essas regiões conheceram a NALLNHASSANEUKMLá !tanarati-AN 661.173
ocupação. MORAKSMADEIRASLTM. Itanarati e Caruari-AM 656.794
Assim, o Nordeste que tem uma estrutura fundiária herdada do INDKCOS/A- INT.DES. ï COLONIÏACAO Alta Floresta, Ariptiana e Diamntino-MT 615.218
NARIOJORGEDEHE8MM5 ftORAES Caruari-AM 548.613
período colonial, apresentava em 1985 uma elevadíssima participa­ «MOIHWSIRIALMAm S/A. Narzagao-AP 468.486
ção dos estabelecimentos de menos de 10 ha. Estes representavam FRANCISCOJACIKfO89 SILVA Sandovalina-SP, Nauirai-MS, Feijo, Tarauca e Envira-AH 452.0®
mais de 70% do total, ficando, entretanto, com apenas pouco mais fUNIOSEBASTIAN5ÙW1EBBBIÎICS Auxiliadora e taiicore-AN 448.»
de 5% da área total da região. Enquanto os latifúndios com mais de Cl». COLONIZA» 90 NORDESTE Carutapera-NA 436.341
JORGEHOUOÏ ATAUI PiraJui-SP e Feijo-AC 432.119
1.000 hectares, que representavam tão-somente 0,4% dos estabele­ JUSSARAMARQUESm Sunuiduri-AN 432.119
cimentos, ficavam com mais de 32% da área total. •DALBERTOCORDEIRO! SILVO Pauini t Boca do Acre-ANe Feijo-AC 423.178
Aliás, o Nordeste e o Centro-Oeste foram as regiões que apre­ lOWLOBONALUNI Cananari-ANe Cruzeiro do Sul-AC 486.121
UNIAODECONSTHJTOMSS/fi. Itawsa do Rio Pwtc-BA 405.888
sentaram o maior número de estabelecimentos com mais de 1.000 NAPiLmarochí ! pecuaní usa. Itai tuba-Pâ 398.78Í
hectares: 10.524 e 17.682 respectivamente. Esses latifúndios do TOTAL 25.547.539
Centro-Oeste (estabelecimento com 1.000 e mais ha), uma marca
histórica dos últimos 40 anos, representavam 6,7% do total, e, en­
tretanto, controlavam mais de 69% da superfície regional. Tabela 2 — Fonte: Cálculos, tabulação e idealização do Eng. Agrônomo
Outra região com a marca acentuada da concentração fundiária Carlos Lorena a partir de dados do INCRA. Publicados em “Alguns pontos
é a região Norte, onde menos de 1,5% dos estabelecimentos (com de discussão sobre a questão da Reforma Agrária: o caso do Brasil”, José
mais de 1.000 ha) controlava cerca de 50% das terras. Para mostrar (lomes da Silva.
que o traço da concentração fundiária é geral no Brasil, tomaremos
como exemplo as regiões Sul e Sudeste. Elas apresentavam, respec-
32 33
tivamente, 42% e 36% dos estabelecimentos com mais de 10 Este processo de concentração fundiária apresenta-se ainda
ha ocupando 5% e 2% das áreas regionais, enquanto os estabe­ muis fortemente acentuado quando passamos do nível regional para
lecimentos com mais de 1.000 ha ficavam com 25% e 28% das terras 0 estadual. Para exemplificar, encontramos no estado do Rio de Ja­
totais das respectivas regiões. neiro 61% dos estabelecimentos com menos de 10 ha ocupando ape­
É também igualmente curioso observar este traço fundamental nas 5% da superfície do estado.
da concentração fundiária apresentando os dados censitários agrupa­ Encontramos também no estado do Piauí 71% dos estabeleci­
dos em três classes de área, para verificarmos regionalmente esta mentos (menos de 10 ha) ocupando somente 3% da área total do es-
realidade. A tabela 3 expressa este fenômeno e revela que a maioria Indo. No Maranhão, 84% dos estabelecimentos com menos de 10 ha
quase absoluta dos estabelecimentos controla pouca terra em todas ocupam 4% da área total.
as regiões, sendo que a região Sul é aquela que apresentava partici­ Enquanto isso, vamos encontrar no outro extremo da concen-
pação percentual maior de 39%, evidentemente em virtude da pre­ 1ração fundiária o estado de Mato Grosso, onde 7% (5.575 estabele­
sença histórica intensa da colonização baseada na pequena proprie­ cimentos com mais de 1.000 ha) controlam mais de 31 milhões de
dade (a colônia) naquela região. licctares, ou seja, 83,5% da área total. Fato semelhante ocorre em
Tocantins onde 7% (3.529 estabelecimentos com mais de 1.000 ha)
controlam mais de 10 milhões de hectares de terras, ou seja, mais de
— ESTüyTUKft
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL POR RE6I0ES -
FO NDI ákl
1965
55% das terras do estado. O Centro-Oeste e a Amazônia represen-
Mo- Am Ess -fc 1 @p o ±**#c?r» -fco * Inm uma espécie de “paraíso” do latifúndio.
Classos de TOTAL K"2So 1.000
® mis Dessa forma são esses dados que procuram demonstrar a in­
árta CHA>
eimsiL
C10OVÎ) PEQÜEWA
90.0
MÉDIA
8,9
W WI
0,9
justa distribuição de terras no Brasil. Os versos de Dom Pedro Ca-
saldáliga talvez sejam uma forma simples de expressar o rancor que
5.034.779
MMTE 547.095 79.3 10,0 1.5
CENTRO-OESTE
Ü01BESTE
268.965
2.817.909
tó.l"
94.3
27.5
5,1
6.5
0,4 essa realidade tem gerado entre aqueles que lutam para minorar esta
SÜBESTE
SUL
990.987
i.201.903
85.4
94.1
13.5
5,4
0,0
0,5
mjustiça:
O «3a.»35»m. «5Lm.

ClacEos ã» TOTAL 3T£8o îî?oio © mis


Malditas sejam
PEQUENA GRANDE
Todas as cercas!
(HA) <100*0 MEDIA
BRASIL 376.286.577 21,2 35.1 43,e
mMTE 62.230.758 17,2 33.2 49.6 Malditas todas as
mm este
99.731.819 5,5 23,1 71,4
propriedades privadas
que nos privam
91.988.185 28,6 39.3 32,1
; SUBISTE 73.614.727 25,6 46,7 27.7
SUL 48.713.066 39,0 35,9 25,®
de viver e de amar!
©BSs A tntp» a soesa das trts classes
>r*-s* aos •sía£®¥®oí»«ní©s s*w d»oI«r«çao
J.O03C Malditas sejam todas as leis,
amanhadas por poucas mãos
Tabela 3 —Fonte: IBGE para ampararem cercas e bois
e fazer da terra, escrava
e escravos os humanos!
34 35
de 80 a 85 inverteu a tendência da presença dos parceiros no campo
A DESIGUAL DISTRIBUIÇÃO que, entre 70 e 80, era de declínio de 13%. Apenas os arrendatários
DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO continuaram em declínio no período.
O que esta realidade dos números pode nos revelar de mais
Se a concentração fundiária tem suas raízes históricas, as rela­ profundo é que nem sempre o processo de expropriação atua em
ções de trabalho no campo também as tem. Como sabemos, a escra­ termos absolutos no campo. Senão vejamos: o aumento dos possei­
vidão foi a primeira forma generalizada de relação de trabalho no ros revela que uma parte do campesinato expropriado recusa a pro-
campo brasileiro; e junto com ela também se desenvolveu o trabalho Ictaiização e procura abrir na posse da terra reconquistada o espaço
camponês. para a continuidade do trabalho camponês, familiar. Seu crescimento
Com o advento da expansão cafeeira, tivemos a passagem do igualmente revela que cerca de 1/5 dos produtores no campo está em
trabalho escravo para o colonato e com a colonização oficial a ocu­ luta aberta pela garantia da posse da terra como meio de produção
pação do sul do país por trabalhadores camponeses baseados no tra­ necessário e fundamental ao trabalho familiar camponês. Esses da­
balho familiar. dos revelam também que se ocorre um aumento dos proprietários,
O avanço da industrialização e o crescimento urbano fornece­ ocorre também um aumento da parceria como forma de trabalho no
ram possibilidades históricas para o estabelecimento do trabalho as­ campo. Não há, pois, uma lei absoluta que revele apenas a expansão
salariado, capitalista portanto, no campo. Sua rápida expansão por das relações de trabalho assalariado, mas igual e contraditoriamente
todo o país, no entanto, está longe ainda de implantar o domínio a expansão de outras relações de trabalho não-capitalistas, a parceria
dessa forma de produzir no campo. Mais que isso, a sua expansão |X)r exemplo.
abriu possibilidades concretas para a recriação do trabalho familiar E importante ressaltar, também novamente, que este processo
camponês. geral do país é produto do seu desigual desenvolvimento territorial.
Esta realidade de nossos dias pode ser analisada pela tabela 4, A região Sul do Brasil conheceu no período 70/85 o declínio de to­
que procura mostrar a realidade dos últimos quinze anos em relação dos os tipos de produtores (o total caiu 6%; proprietários -6%; ar­
à distribuição do número de estabelecimentos segundo a condição do rendatários —17%; parceiros -28% e posseiros -2%). Isto significa
produtor. de forma clara e inequívoca que neste período o processo de expro­
A análise dos dados contidos na tabela 4 mostra-nos que entre priação foi praticamente absoluto, não só eliminando a possibilidade
1970 e 1985 ocorreu uma ampliação do número de posseiros com do trabalho camponês, como certamente atuando no sentido de con­
conseqüente ampliação percentual no conjunto dos vários tipos de centrar ainda mais as terras.
produtores no Brasil, pois os posseiros passaram de 16% para 19%
no total, apresentando um crescimento de 30% nestes quinze anos. Já a região Sudeste, a que concentra a industrialização do país,
Esses dados tomam-se mais importantes se nós verificarmos que o que no período 70/80 tinha conhecido realidade semelhante, decrés­
rápido crescimento se deu sobretudo entre 1980 e 1985, quando os cimo de todos os produtores (total menos 4%; proprietários —2%; ar­
posseiros passaram de 898.184 para 1.054.542. rendatários —23%; parceiros —14% e posseiros -6%), no período de
Crescimento significativo teve também a parceria que, embora 80/85 conheceu outra vez o aumento total dos produtores em 7%, os
ficasse com a participação percentual igual em 70 e 85, cresceu em proprietários em 10% e os posseiros em 23%, continuando o declí­
termos absolutos cerca de 20%. Cabe ressaltar aqui, que o período nio dos arrendatários —26% e dos parceiros —5%.
37
BRAS I L A RECONCENTRAÇÃO DAS TERRAS
I É 1 DE ESTABELECIMENTOS SEGUNDO
A CONDIÇÃO DO PRODUTOR - TOTAL O desenvolvimento contraditório e desigual territorialmente no
campo brasileiro também aparece expresso nas diferenças entre o
1970 1985 V.
(*)
V.
processo de expropriação nas regiões Sudeste e Sul do país. Este
processo certamente é comandado diretamente pelo capital na região
TOTAL 4.924.019 100 5.834.779 100 18 Sudeste. Na região Sul, porém, junto com a ação direta do capital,
PROPRIETÁRIO 3.094.861 63 3.687.384 63 19 há também a subordinação e o processo de ampliação da propriedade
camponesa através da anexação das pequenas pelas médias e gran­
ARRENDATÁRIO £37.600 13 589.945 10 -7 des. Há, portanto, um processo de expropriação no seio da própria
PARCEIRO 380.191 8 455.813 8 20 produção camponesa, em que o camponês médio ou rico anexa,
POSSEIRO 811.367 16 1.054.542 19 30 através da compra, a terra do pequeno, que muitas vezes vai buscar
uma área maior em outra região, na Amazônia ou Centro-Oeste por
* CRESCIMENTO OU DECRÉSCIMO exemplo; ou que tenha sido vítima da proletarização, com conse­
qüente migração para as cidades.
É importante deixar claro que há uma lógica interna na produ­
Tabela 4 —Fonte: IBGE ção camponesa que pode levar ao que os autores franceses chamam
dc remembrement (remembramento, anexação) entre as unidades de
produção camponesa, sem que o capital esteja diretamente envolvido
nesse ato. E por isso que a propriedade média nos EUA tem, de um
lado, aumentado em área e, de outro, decaído em número. Senão ve­
jamos: em 1850 havia 1,5 milhão de estabelecimentos com uma área
Igualmente contrastante é a realidade da região Nordeste que inédia de 82 ha; em 1935 os estabelecimentos passaram para 6,8
milhões e a área média caiu para 63 ha; entretanto, em 1978, os da­
conheceu no período 70/85 um crescimento de 100% do número de dos censitários revelam que o número havia caído para 2,5 milhões e
parceiros e de 39% do número de posseiros. Já a região Centro- .1 área média subido para 168 ha.
Oeste destoa do conjunto, no que se refere aos posseiros. Nessa re­ Não é muito complicado entender esse processo. O desenvol­
gião, em que a concentração da terra é a mais violenta do país, o vimento das forças produtivas, que colocam o avanço tecnológico a
número de posseiros diminuiu no período 70/85 em 16%. Ao contrá­ Nerviço das empresas capitalistas para poder aumentar a exploração
rio do que ocorreu no Centro-Oeste, a região Norte apresentou um dos trabalhadores, também está disponível no mercado para os pro­
crescimento de 48% do número de posseiros no período 70/85, e é dutores camponeses. Portanto, uma parte do campesinato também
nela que os posseiros alcançam o maior percentual na participação (em elevado o grau de produtividade do trabalho familiar camponês,
total, pois representam 48% - quase a metade dos produtores rurais lim muitos casos, tem mesmo conseguido acumular uma poupança
da região. que reaplica na compra de mais terra, de seus vizinhos, por exemplo,
38 39
que não tiveram a mesma possibilidade de acumulação ou que opta­ ca de 18,5 milhões, ou seja, 78,5% do total. Já a realidade dos dados
ram pela migração ou ainda foram expropriados sumariamente. referentes ao trabalho assalariado apresentou um quadro um pouco
Assim, nas regiões predominantemente ocupadas pelos campo­ diferente. Em 1970 o contingente de trabalhadores assalariados no
neses não é necessariamente o processo de expropriação direta pelo campo era de 2,7 milhões de pessoas, ou 15% do total. Em 1975 su-
capital que comanda e determina o processo, expropriando a terra hiu para 3,2 milhões de trabalhadores, ou 16% do total. Em 1980 es-
campesina. Mas o capital - talvez mais sabiamente - expropria as hcs trabalhadores representavam 5 milhões, ou 23% do total. Entre­
possibilidades de os filhos dos camponeses possuírem terra para con­ tanto, em 1985 esse contingente não cresceu, continuando a somar 5
tinuar camponeses. Na maioria dos casos, os filhos se proletarizam. milhões de trabalhadores, o que vale dizer que baixou sua participa­
Ou seja, a proletarização não precisa atingir diretamente toda a fa­ rão percentual para 21,5% no total.
mília camponesa, mas atinge seguramente a maior parte dela. Esta Esse aumento absoluto do trabalho familiar, combinado com
distinção dos processos atuantes é fundamental para o entendimento decréscimo/aumento relativo em termos percentuais em relação ao
geral do país. aumento/decréscimo absoluto e relativo do trabalho assalariado no
campo brasileiro entre 1970 e 1985 está mais bem espelhado nos da­
dos da tabela 5. Nela vamos encontrar a presença significativa do
Irabalho familiar nos estabelecimentos com menos de 100 ha, repre-
O AUMENTO DO TRABALHO FAMILIAR
E DO TRABALHO ASSALARIADO
BRf l SI L
Hoje assistimos no Brasil, simultaneamente, ao aumento do PERCENTUAL DO PESSOAL OCUPABO NOS ESTABELECIMENTOS
trabalho assalariado e do trabalho familiar no campo. São, contradi­
toriamente, as duas faces estruturais do campo no país, pois registra- 1970, 1975, 1980 e 1985
se o aumento e o predomínio quase que absoluto do trabalho assala­
riado (permanente ou temporário) nos estabelecimentos agrícolas CLASSES DE FAMILIAR ASSALARIADO
com mais de 1.000 ha e, inversamente, o aumento e predomínio AREA (ha) 1970 1975 1988 1985 1970 1975 1980 1985
majoritário do trabalho familiar camponês nos estabelecimentos com 9 14 12
área inferior a 100 ha. MENOS DE 100 91 91 86 88 9
Os dados dos censos agropecuários de 70, 75, 80 e 85 revelam 100 a m s
DE 1000 59 57 46 48 41 43 54 52
de forma clara esse desenvolvimento contraditório. Em termos glo­ 1000 e MAIS 30 28 17 28 70 72 83 88
bais, em 1970 o número de pessoal ocupado no campo de origem
familiar representava cerca de 15 milhões de pessoas, ou seja, 85%
dos trabalhadores no campo. Em 1975, esse contingente subiu para TOTAL 85 84 77 78,5 15 16 23 21,5
17 milhões ou 84% do total. Já em 1980 ocorreu uma queda em nú­
meros absolutos para pouco mais de 16 milhões, o que passava a re­ Tabela 5 - Fonte: IBGE
presentar 77% do total, portanto. Entretanto, em 1985 esse contin­
gente voltou a aumentar em termos absolutos, alcançando cer-
40 41
sentando em 1970 e 1975 cerca de 91%. Em 1980 esta participação No entanto, o censo de 1985 mostrou que mesmo nesse tipo de área
caiu para 86%. Entretanto, em 1985 voltou a subir para 88%. Outra onde o trabalho assalariado é dominante, ocorreu uma ligeira queda
foi a realidade dos estabelecimentos com mais de 1.000 ha que em percentual, passando para 80%.
1970 apresentavam uma participação de 30% do trabalho familiar. Como podemos observar, esses dados mostram de forma clara
Esta participação minoritária vai cair em 1975 para 18% e 17% em o caráter contraditório do desenvolvimento do capitalismo no país.
1980. No entanto, em 1985 este percentual voltou a subir para 20%. Mesmo se tomarmos dados de outras regiões ou estados, a situação
Igual e contraditoriamente, esses dados revelam essa dupla fa­ estruturalmente não muda de forma significativa, como se pode ver
ce das relações de trabalho no campo brasileiro no que se refere ao na região Sudeste e estado de São Paulo, que seguramente detêm os
trabalho assalariado. Esse contingente no que se refere aos estabele­ mais altos índices e ritmos de desenvolvimento e expansão capita­
cimentos com menos de 100 ha representava em 1970 e 1975 apenas lista do país.
Em 1980, a região Sudeste registrava que 62% do pessoal ocu­
9%. Em 1980, esta participação subiu para 14%. Entretanto, em pado no campo eram de origem familiar, e portanto, 38% eram tra­
1985 acusou uma queda percentual, indo para 12%. Enquanto isso, balhadores assalariados. Já os dados referentes a 1985 revelaram
nos estabelecimentos com mais de 1.000 ha, o trabalho assalariado uma ligeira alteração; a participação do trabalho familiar passou para
já tinha uma participação majoritária de 70% em 1970. Em 1975 es­ 63% contra 37% do trabalho assalariado.
se percentual subiu para 72% e em 1980 alcançou a casa dos 83%. A situação no estado de São Paulo apresentava-se em 1980 um
pouco diferente, pois o trabalho familiar participava com 52%. Essa
participação não se alterou em 1985. Isso significa que em 1980 e
1985 o trabalho assalariado participou com 48% do total do pessoal
B RAS I L ocupado no campo paulista.
NÚMERO DE ESTABELECIMENTO SEM PESSOAL CONTRATADO Cabe aqui também salientar que esses números variam territo­
EM RELAÇÃO AO NÚMERO DE ESTABELECIMENTO TOTAL
rialmente no país, pois na região Sul o estado do Rio Grande do Sul
apresentou em 1980 e 1985 uma participação do trabalho assalariado
1970, 1975, 1980 e 1985 - ( v . ) de apenas 13%, predominando pois o trabalho familiar de forma
quase que absoluta com 87%.
CLASSES
AREA (ha)DE 1970 1975 1980 1985 Continuando nessa linha de raciocínio, e para ilustrarmos mais
a presença do trabalho familiar e assalariado no campo, apresenta­
MENOS DE iae 94,3 94,5 94,5 96,8 mos a tabela 6 que contém dados relativos aos estabelecimentos que
100 a U S DE 1000 5,2 3,9 não apresentavam trabalhadores contratados entre 1970 e 1985.
1000 e «IS
5,1
0,2
5,1
0,2 0,1 Esses dados revelam que em termos gerais, o percentual relati­
®,2
vo dos estabelecimentos sem pessoal contratado embora tenha uma
ligeira queda em 1980, voltando a crescer em 1985, é absolutamente
TOTAL 83,0 83,3 79,0 81,8 majoritário, pois ficou praticamente em patamares acima de 80%. O
quadro é ainda mais expressivo quando observamos a distribuição
Tabela 6 - Fonte: IBGE
pelas classes de área, pois a concentração do trabalho familiar tem
seu reinado quase que de forma absoluta em cerca de 95% dos esta­
belecimentos agropecuários do país com área inferior a 100 ha.
42 43
Dessa forma, temos que entender que o processo de desenvol­
vimento do capitalismo no Brasil está marcado contraditoriamente QUESTÕES TEÓRICAS SOBRE
por esse processo desigual, que ao mesmo tempo em que amplia o A AGRICULTURA CAMPONESA
trabalho assalariado no campo, amplia igual e contraditoriamente o
domínio do trabalho familiar camponês. Esse processo tem aberto
para essas duas formas de produzir no campo espaços distintos de
predomínio, o familiar nas pequenas unidades camponesas e o assa­
lariado nas grandes unidades capitalistas.
É, pois, no bojo dessa articulação entre o processo de expan­
são desigual do trabalho assalariado no campo, e a expansão também
desigual, do processo de expropriação, e o dominante processo his­
tórico da concentração fundiária, que vamos encontrar contradito­
riamente a origem dos conflitos e da luta pela terra camponesa no
Brasil, com a sua marca histórica: a violência. Na medida em que o produtor preserva a propriedade
da terra e nela trabalha sem o recurso do trabalho
assalariado, utilizando unicamente o seu trabalho
e o de sua fam ília, ao mesmo tempo em que cresce
a sua dependência em relação ao capital, o que
temos não é a sujeição formal do trabalho ao
capital. O que esta relação nos indica é
outra coisa, bem distinta: estamos diante da
sujeição da renda da terra ao capital. (Martins, 1981:175)

AS VERTENTES TEÓRICAS

Os autores que têm discutido a questão agrária no Brasil con­


cordam que a tendência do processo de desenvolvimento do modo
capitalista de produção é a sua generalização progressiva por todos
os ramos e setores da produção, na indústria e na agricultura, na ci­
dade e no campo.
Um grupo de autores procura ver o processo de desenvolvi­
mento do modo capitalista de produção em sua etapa monopolista,
através do processo de generalização das relações de produção es­
pecificamente capitalista no interior da produção agrícola. Esse
44 45
processo se daria por dois caminhos. Um seria produto da destruição de discórdia entre as várias vertentes teóricas. É assim que inte­
do campesinato ou dos pequenos produtores de subsistência, como grantes do primeiro grupo de autores preferem acusar aqueles que
preferem chamá-los através da diferenciação interna gerada pelas Neguem a terceira corrente de abraçarem “teses populistas (narod-
contradições típicas desse processo de integração no mercado capi­ niks) expressas notadamente nos estudos de Chayanov” (Leão Rego
talista. No ponto de chegada desse processo ter-se-ia a configuração c Silva: 1980, 30). Representantes da corrente de autores acusada,
de duas classes sociais distintas: os camponeses abastados (os pe­ entretanto, defendem-se argumentando que
quenos capitalistas rurais) e os camponeses empobrecidos (que se
tomariam proletários). O outro caminho, seria o da modernização do a comparação da situação brasileira atual com a situação russa
latifúndio transformando-se em empresas capitalistas. Para esses do século XIX é totalmente descabida, porque há diferenças
autores, a persistência de relações não-capitalistas de produção no substantivas entre o campesinato russo daquela época e o cam­
campo é entendida como resíduo em vias de extinção. pesinato brasileiro de hoje. Lá, o campesinato resistia à expan­
são do capital porque era um campesinato apegado à terra. Era,
Outro conjunto de autores prefere entender o “processo de pe­ como comprovava Lênin, um campesinato estamental, baseado
netração de relações capitalistas de produção no campo” através de na propriedade comunitária e tradicional da terra. Era um cam­
um processo de separação que se daria em três etapas: a primeira, pesinato que não queria sair da terra, que queria permanecer
seria dada pela separação do camponês dos estreitos vínculos e hie­ defensivamente alheio ao capitalismo, fora e contra ele, que re­
rarquias comunitárias tradicionais, ou por outras palavras, estaria sistia ao processo de expropriação que poderia desenraizá-lo,
destruída a economia natural e o produtor tomar-se-ia produtor indi­ libertá-lo da comuna, abrir-lhe o horizonte. Aqui, ao contrário,
o campesinato é uma classe, não um estamento. E um campesi­
vidual; a segunda etapa seria gerada pela introdução da economia de nato que quer entrar na terra, que, ao ser expulso, com fre­
mercado e a conseqüente separação entre a indústria rural e a agri­ qüência retoma à terra, mesmo que seja terra distante daquela
cultura; e a terceira etapa seria dada pela separação dos meios de de onde saiu. O nosso campesinato é constituído com a expan­
produção do pequeno produtor mercantil, com sua conseqüente pro- são capitalista, como produto das contradições dessa expansão
letarização, e a implantação final de formas capitalistas de produção. (Martins, 1981: 15/16).
Enfatiza-se nessa corrente, portanto, o uso do conceito de coerção Aliás, nunca é demais relembrar aos “críticos” dessa corrente,
extra-econômica, isto é, o poder político desempenharia um papel de que a descontextualização histórica de suas críticas e acusações de­
destaque no “processo de penetração” de relações capitalistas no riva, certamente, de um equívoco teórico lamentável, ou de uma op­
meio agrícola. ção política, no mínimo a-histórica:
Outros autores ainda entendem as relações não-capitalistas de
produção no campo hoje como criadas e recriadas pelo próprio pro­ Curiosamente, os autores que têm invocado essa designação
cesso contraditório de desenvolvimento do modo capitalista de pro­ extemporânea e estrangeira (“populista”) para depreciar a ação
dução, ou seja, seria o próprio modo capitalista de produção domi­ dos grupos que assumem como legítimas as lutas camponesas,
nante que geraria relações capitalistas de produção e relações não- não se dão ao trabalho, como seria correto na atividade cientí­
capitalistas de produção combinadas ou não, em função do processo fica que declaram desenvolver, de demonstrar a legitimidade
contraditório intrínseco a esse movimento (desenvolvimento). de seu uso e o acerto de sua invocação. “Populistas” era a de­
Assim, a questão teórica que envolve a produção camponesa, signação que Lênin dava aos socialistas narodniks (que a si
mesmos se chamavam “amigos do povo”) numa polêmica par­
(ou do pequeno produtor de mercadorias), tem sido relegada a um tidária aguda na Rússia do final do século XIX. Os bolchevi­
plano secundário, embora todos saibam que aí reside um dos pontos ques, que Lênin representava, tinham uma interpretação oci-
46 47
dentajizada do processo político russo, baseada nas formula­ Entendemos, portanto, que o desenvolvimento do modo capi­
ções que, em O Capital, Marx desenvolvera sobre o capitalis­ talista de produção no campo se dá primeiro e fundamentalmente
mo, na importância do crescimento e da ação política da classe pela sujeição da renda da terra ao capital, quer pela compra da terra
operária. Já os populistas entendiam que á transformação social para explorar ou vender, quer pela subordinação à produção do tipo
podia ocorrer sem que houvesse o desaparecimento da comuni­ camponês. O fundamental para o capital é a sujeição da renda da ter­
dade russa, o que implicava conceber os camponeses como ia, pois a partir daí, ele tem as condições necessárias para sujeitar
uma força política e não como um fator de atraso político.
Aliás, Marx, numa carta de 1881 a uma populista russa, havia lambém o trabalho que se dá na tenra.
apoiado a posição dos populistas, que após a leitura d’0 Ca­ No entanto, se situamos a questão no plano teórico, temos que
pital humildemente entraram em dúvida a respeito de suas po­ colocá-la também no plano prático, pois é uma questão política im­
sições sobre o papel histórico dos camponeses na passagem pa­ portante nos dias atuais o entendimento do avanço das lutas no cam­
ra o socialismo” (Martins, 1981: 15). po. É fundamental nos estudos sobre o campo, respeitar o direito
que o campesinato tem de se expressar politicamente. E preciso en-
É nesse processo dialético que as vertentes teóricas vão se tor­ lender que a resistência do camponês à expropriação, ao capital,
nando mais claras, juntamente com as contradições que cada uma vem de dentro do modo capitalista de produção, e não se expressa
contém. É nesse embate teórico que procuramos nos situar, pois en­ num universo particular e isolado.
tendemos o desenvolvimento do modo capitalista de produção na sua Enfim, é preciso entender o camponês enquanto classe, ou se­
etapa monopolista como um processo contraditório de reprodução ja, compreendê-lo no contexto da sociedade brasileira em geral.
ampliada do capital, ou seja, o modo capitalista de produção não Assim, logo de início é importante lembrar que no processo de
está circunscrito apenas e tão-somente à produção, mas também à desenvolvimento do modo capitalista de produção no Brasil, parti­
circulação de mercadorias, à troca de mercadorias por dinheiro e de cularmente no que se refere à agricultura, foi o próprio capital que
dinheiro por mercadorias. Isso decorre do fato de que ele não é na instituiu a apropriação camponesa da terra, como conseqüência evi­
essência um modo de produção de mercadorias em seu sentido res­ dente da crise do trabalho escravo. Portanto, a apropriação campo­
trito, mas sim modo de produção de mais-valia. nesa da terra é fruto das contradições e da lógica do capital, o que
Assim, esse processo contraditório de reprodução capitalista vale dizer, o camponês é fruto da história atual do capitalismo no
ampliada do capital, além de redefinir antigas relações subordinando- país. É por isso que Martins afirma que o camponês brasileiro não é
as à sua reprodução, engendra relações não-capitalistas igual e contra­ um enraizado,
ditoriamente necessárias à sua reprodução. Ou como prefere Martins: ao contrário, o camponês brasileiro é desenraizado, é mi­
grante, é itinerante. A história dos camponeses-posseiros é
... é muito importante discernir entre produção do capital e re­ uma história de perambulação. A história dos camponeses-
produção capitalista do capital. A produção do capital nunca é proprietários do sul é urna história de migrações. Há cem
capitalista, nunca é produto de relações capitalistas de produ­ anos, foram trazidos da Europa para o Rio Grande do Sul,
ção, baseada pois no capital e no trabalho assalariado. Por­ Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo. Há pouco
tanto, não só relações não-capitalistas de produção podem ser mais de trinta anos deslocaram-se para as regiões novas do Pa­
dominadas e reproduzidas pelo capital, como é o caso da pro­ raná. Hoje, muitos estão migrando para Rondônia e Mato
priedade familiar de tipo camponês, como também determina­ Grosso. Tanto o deslocamento do posseiro, quanto o desloca­
das relações podem não aparecer integrantes do processo do mento do pequeno proprietário são determinados fundamental­
capital, embora o sejam, como é o caso da propriedade capita­ mente pelo avanço do capital sobre a terra (Martins, 1981: 17)
lista da terra (Martins, 1981: 170/1) (Grifo nosso). (Grifo nosso).
48 49
Das afirmações de Marx também temos que entender que na
REFLEXÕES TEÓRICAS pequena propriedade camponesa uma parte da produção agrícola
SOBRE A AGRICULTURA CAMPONESA entra primeiro e fundamentalmente no consumo do produtor, do
camponês, como meio de subsistência imediato, e outra parte, o ex­
cedente, é comercializado sob a forma de mercadoria. Nessa unidade
Marx em O Capital, quando tratou da pequena propriedade de produção, também como nas capitalistas, existe a presença da
camponesa, lembrou que essa forma de propriedade fundiária supu­ renda diferencial obtida nos terrenos mais férteis ou mais bem
nha que a população rural fosse numerosa, maior que a urbana, e situados.
que o modo capitalista de produção, embora dominasse o restante da Quando a renda diferencial ocoire na produção camponesa, ela
economia, não fosse muito desenvolvido. Entretanto, embora essa pode ou não ficar com os camponeses que trabalham em condições
colocação tenha como realidade, principalmente, a Europa do século naturais mais favoráveis. Já com relação à renda absoluta, Marx
passado, é fundamenta] entendê-la no contexto atual do desenvolvi­ afirma que “nessa forma de propriedade deve-se admitir que não
mento do capitalismo. Para Marx: exista renda absoluta” (Marx, tomo UI, vol. 8 1984:1024). Para ele,
isso ocorre porque a renda absoluta é oriunda de situações em que
A propriedade livre do camponês que cultiva a própria terra é, além do preço de produção, realiza-se um valor excedente, ou seja,
sem dúvida, a forma mais normal de propriedade da terra para um preço de monopólio faz subir o preço do produto acima do preço
a exploração em pequena escala; isto é, para um modo de pro­ de produção. Marx lembra que o valor dos produtos de origem cam­
dução em que a posse do solo é uma condição para a proprie­ ponesa estão, via de regra, acima do preço de produção, devido ao
dade, por parte do trabalhador, sobre o produto de seu próprio
trabalho, e através do qual, seja já proprietário livre ou vassa­ predomínio do trabalho vivo materializado nesses produtos.
lo, o agricultor sempre deve produzir seus próprios meios de Cabe aqui também lembrar que esta necessidade básica do
subsistência, independentemente, como trabalhador isolado acesso à terra pelo camponês, apontada anteriormente, também tem
com a sua família. A propriedade da terra é tão necessária para as suas contradições pois:
o completo desenvolvimento desse modo de explotação como o
é a propriedade do instrumento para o livre desenvolvimento
da atividade artesanal. Essa propriedade mesma, constitui aqui Um dos males específicos da agricultura em pequena escala,
a base para o desenvolvimento da independência pessoal quando a mesma acha-se vinculada com a propriedade livre da
(Marx, tomo Hl —vol. 8, 1984: 1026). terra, surge do fato de que o agricultor desembolsa um capital
na compra do solo... Dada a mobilidade que aqui adquire a ter­
Dessa maneira, a propriedade/posse da terra é básica e funda­ ra como mera mercadoria, aumentam as mudanças de posse, de
mental para a existência desta forma de explotação na agricultura. modo que a cada nova geração, a cada partição sucessória, a
Daí deriva a lógica da luta pela posse/propriedade da terra travada terra entra novamente como inversão de capital, do ponto de
vista do camponês, o que quer dizer que se converte em terra
pelos camponeses expropriados ou que nunca tiveram acesso à terra comprada por ele mesmo. Neste caso, o preço da terra confor­
no Brasil. Esse processo, como se vê, está assentado no processo ma um elemento predominante dos custos de produção indivi­
contraditório de desenvolvimento do capital que, ao mesmo tempo duais improdutivos, aquele do preço de custo do produto para
em que expropria, abre a possibilidade histórica do retomo à terra, os produtores individuais (Marx, tomo Hl, vol. 8,
em geral em lugares distantes daqueles primeiros. 1984: 1027/8).

50 51
Assim, o desembolso para adquirir a terra, quando isso é pos­ qual sai da circulação e entra na órbita do consumo. Portanto,
sível para os camponeses, ou quando eles as obtém por ocasião de o consumo, a satisfação de necessidades ou, em uma palavra, o
valor-de-uso, é seu objetivo final. D-M-D, ao contrário, parte
heranças, não entra no cálculo econômico para definir os custos de do extremo constituído pelo dinheiro e retoma finalmente a es­
produção. Por essa e outras razões é que a análise econômica da se mesmo extremo. Seu objetivo impulsionador e seu objetivo
agricultura camponesa não pode ser feita através da lógica e dos determinante é, portanto, o valor-de-troca mesmo. Na circula­
conceitos componentes da agricultura capitalista. ção simples de mercadorias, ambos os extremos possuem a
Não é o lucro médio do capital que limita a exploração da pe­ mesma forma econômica. Ambos são mercadorias. E, além
quena propriedade, mesmo quando o camponês é pequeno capitalis­ disso, são mercadorias com igual magnitude de valor. Mas são
valores-de-uso qualitativamente diferentes, por exemplo, trigo
ta. Nem mesmo a necessidade de se obter uma renda a limita, quan­ e roupas de vestir. O intercâmbio de produtos, a mudança dos
do o camponês é proprietário da terra. Isso porque: diferentes materiais nos quais o trabalho social se representa,
configura aqui o conteúdo do movimento (Marx, tomo I, vol.
... para que o camponês parcelário cultive seu campo, ou com­ 1, 1984: 183).
pre terra destinada ao cultivo, não é necessário, pois, como
ocorre no modo normal de produção capitalista, que o preço de Portanto, no ciclo M-D-M, a quantia de dinheiro que se obtém
mercado do produto agrícola eleve-se o suficiente para propor­ ntravés da venda de uma mercadoria, vai ser consumida pela compra
cionar-lhe o lucro médio, e mesmo um excedente acima desse
lucro fixado sob a forma de renda. Portanto, não é necessário ele outra mercadoria, em geral não produzida. Isto vale dizer que,
que aumente o preço de mercado atingindo o valor ou mesmo o nessa circulação, o dispêndio de dinheiro não guarda relação alguma
preço de produção de seu produto... uma parte do sobretraba- com seu refluxo. O contrário ocorre com a fórmula D-M-D em que o
lho dos camponeses que trabalham sob piores condições é dada refluxo do dinheiro está condicionado pela forma como foi gasto. Se
gratuitamente à sociedade... (Marx, tomo D3, vol. 8,
1984: 1025). isso não acontecer, o processo não se completa e interrompe-se o ci-
( lo da circulação capitalista.
Outra questão fundamental nos estudos sobre a produção cam­ Marx também, referindo-se à circulação simples das mercado­
ponesa é a distinção do movimento na circulação entre esta e a pro­ rias, afirma que
dução capitalista. Na produção capitalista temos para definir seu
movimento a fórmula D-M-D na sua versão simples e D-M-D’ na É possível também, por certo, que no ciclo M-D-M, os extre­
sua versão normal, ampliada portanto. Enquanto na produção cam­ mos M, M, por exemplo trigo e roupas de vestir, sejam mag-
ponesa estamos diante do movimento expresso na fórmula M-D-M. nitudes de valor quantitativamente diferentes. Cabe aí, a pos­
Por conseguinte, a lógica da produção camponesa está assentada sibilidade de que o camponês venda seu trigo por um preço
acima de seu valor, ou compre a roupa por um preço abaixo
na forma simples de circulação das mercadorias, onde se tem a con­ do valor da mesma. (Marx, 1984: 184).
versão da mercadoria em dinheiro e a conversão do dinheiro em
mercadoria, ou seja, vender para comprar. Marx assim se referiu a Essa realidade do processo M-D-M no capitalismo abre pois a
essa questão em O Capital: possibilidade de que o camponês possa, em determinadas circuns-
... , ----- C O - ,
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O ciclo M-D-M parte de um extremo constituído


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por uma mer-


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’ lAncias, receber uma quantidade de dinheiro acima daquela necessá­
cadoria e conclui no outro configurado por outra mercadoria, a ria para a aquisição das mercadorias de que necessita. Nesse caso, pode
52 53
pois ocorrer sobra de dinheiro, ou seja, é possível ocorrer a acumu­ se distinguir de outra pela sua magnitude. Por conseguinte, o
lação desse dinheiro. O mesmo raciocínio, no sentido inverso, leva o processo D-M-D não deve seu conteúdo a nenhuma diferença
camponês à pauperização. Ou o equilíbrio entre venda e compra qualitativa entre seus extremos, pois ambos são dinheiro, mas
abre a possibilidade de que o camponês permaneça na mesma situa­ isto sim, somente a sua diferença quantitativa. No final, sub­
trai-se da circulação mais dinheiro, do que aquele que no início
ção, uma situação de “remediado”. se aplicou nela. O algodão comprado por 100 libras esterlinas
Assim, na produção camponesa é, por exemplo, revendido a 100 + 10 libras esterlinas, ou se­
ja, 110 libras esterlinas. A fornia completa desse processo é,
A circulação simples da mercadoria - vender para comprar - portanto, D-M-D’ em que D ’ = D + > D, isto é, igual à so­
serve de meio a um fim último situado à margem da circulação: ma do dinheiro adiantada inicialmente mais um incremento.
a apropriação de valores-de-uso, a satisfação de necessidades Esse incremento, ou o excedente acima do valor originalmente
(Marx, tomo I, vol. 1, 1984: 186). adiantado, denomino-o de mais-valia (surplus value). O valor
adiantado, originalmente não só, pois, se conserva na circula­
Enquanto isso, na produção capitalista ção, mas também nela modifica sua magnitude de valor, adi­
ciona mais-valia, ou seja, valoriza-se. E esse movimento
transforma-o em capital (Marx, tomo I, vol. 1, 1984: 183/4).
A circulação do dinheiro como capital é, pelo contrário, um
fim em si mesmo, pois a valorização do valor existe unica­
mente no seio deste movimento que se renova sem cessar
(Marx, tomo I, vol. 1, 1984: 186).
OS ELEMENTOS DA PRODUÇÃO CAMPONESA
Cabe também aqui esclarecer que a lógica do movimento de
circulação capitalista visa, antes de mais nada, à acumulação. Logo
a fórmula D-M-D é empregada apenas com finalidade didática, para Para se analisar os elementos da produção camponesa devemos
explicar quer a diferença da lógica que preside a produção campone­ agrupá-los em dois conjuntos. Um primeiro ligado à presença e
sa, quer (e principalmente) a fórmula da produção capitalista que qualificação da força de trabalho e outro ligado aos meios de pro­
é D-M-D’. Marx em O Capital mostra esta questão de forma clara e dução e sobretudo à propriedade da terra. Para tal, tomamos do tra­
objetiva: balho de José Vicente Tavares dos Santos Colonos do Vinho o con­
junto dos elementos que caracterizam a produção camponesa (o tra­
... na circulação D-M -D... ambos os extremos têm a mesma balho se constitui em uma adaptação à realidade brasileira da pro­
form a econômica. Ambos são dinheiro, não sendo portanto posta de Chayanov) (Tavares dos Santos, J. V., 1978: 25).
valores-de-uso qualitativamente distintos, pois o dinheiro é O primeiro elemento que se destaca na caracterização da pro­
precisamente, a figura metamorfoseada das mercadorias, nas dução camponesa é a força de trabalho familiar. Esta é o motor do
quais se encontram extintos seus valores-de-uso particulares.
Primeiro trocar 100 libras esterlinas por algodão e, então, tro­ processo de trabalho na produção camponesa:
car novamente o mesmo algodão por 100 libras esterlinas, ou
seja, dando uma volta, trocando dinheiro por dinheiro, o mes­ na unidade produtiva camponesa, a força de trabalho é utiliza­
mo pelo mesmo, parece ser uma operação tão carente de obje­ da segundo seu valor-de-uso, pois é como atividade orientada
tivos como absurda. Uma soma de dinheiro unicamente pode- de transformação de objetos que a capacidade de trabalho de
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cada membro possui significado para a família. Não se realiza A presença do trabalho acessório do camponês é outro ele­
a separação do trabalho da pessoa do trabalhador nem a conse­ mento componente da produção camponesa. Através do trabalho
qüente conversão da força de trabalho em mercadoria. Cada acessório o camponês pode se transformar periodicamente em tra­
pessoa da família camponesa desempenha um trabalho útil e balhador assalariado, recebendo salário por período de trabalho.
concreto, segundo o momento e a necessidade. Desse modo, Hssa transformação periódica constitui-se em fonte de renda mone­
estrutura-se no interior da família uma divisão técnica do tra­ tária que suplementa o rendimento com as culturas em suas pro­
balho, articulada pelo processo de cooperação, resultando nu­
ma jornada de trabalho combinada dos vários membros da fa­ priedades. Tavares dos Santos lembra, no caso da cultura de uva no
mília. Nesse sentido, a família camponesa transforma-se em um Rio Grande do Sul, que ao realizarem esse trabalho acessório, os
trabalhador coletivo (Tavares dos Santos, 1978: 33/4). camponeses
Dessa forma, a presença da força de trabalho familiar é carac­ não aceitam ser trabalhadores expropriados e sujeitos a um
terística básica e fundamentei da produção camponesa. É pois deri­ proprietário, mas admitem o trabalho acessório que não implica
a perda de sua condição camponesa, também não lhes escapan­
vado dessa característica que a família abre a possibilidade da com­ do que, além de suplementar monetariamente o rendimento in­
binação muitas vezes articulada de outras relações de trabalho no suficiente, a atividade acessória funciona como aprendizagem
seio da unidade camponesa. É assim que o trabalho assalariado, antecipada da condição de proletário, característica particular­
ajuda mútua, e parceria aparecem como relações que garantem a mente valiosa para os filhos que desde há algum tempo migram
complexidade das relações na produção camponesa. Porém essa para as cidades.
complexidade de relações estabelecidas é primeiro e fundamental­ Em síntese, o trabalho acessório do camponês cuja família tem
mente, articulada a partir da família, a partir da hegemonia que o flexibilidade para liberar um de seus membros —trabalho esse
trabalho familiar exerce nessa unidade de produção e consumo. realizado em São Pedro mesmo ou em outros processos produ­
tivos próximos, rurais e urbanos —significa uma combinação
Já quando a família camponesa não consegue completar total­ técnica e econômica da otimização do uso da força de trabalho
mente a sua necessidade de trabalho, ela pode ser completada pela familiar, a qual ficaria parcialmente ociosa caso não ocorresse
ajuda mútua entre os camponeses. Essa prática aparece no seio da o trabalho acessório (Tavares dos Santos, 1978: 39).
produção camponesa sob várias formas; a mais comum é o mutirão,
mas pode aparecer também como troca de dias de trabalho entre os Já com relação ao Nordeste brasileiro, o trabalho acessório
camponeses. A ajuda mútua é a solução encontrada pelos campone­ aparece ciclicamente como bem relate Manoel Correia de Andrade:
ses para completar o trabalho que a família não conseguiu realizar
pois, em geral, seus rendimentos monetários não permitem pagar não conhecendo os processos técnicos de conservação do solo
trabalhadores continuadamente. e não dispondo de dinheiro para adquirir adubos, têm eles (os
Outro elemento da produção camponesa decorrente dessa au­ pequenos produtores) uma produção mínima, sendo a rènda au­
sência de condições financeiras do camponês para assalariar perma­ ferida insuficiente para a manutenção da família. O sitiante
nentemente trabalhadores em sua propriedade, é a parceria. O cam­ complementa o seu orçamento trabalhando “alugado” , como
camarada, diriam no Sul do país, para os grandes e médios
ponês ao contratar o parceiro divide com ele custos e ganhos. As­ proprietários vizinhos (no Agreste e Sertão), ou emigram no
sim, tenta superar a falte de capital variável, que o levaria a deixar estio para a área açucareira a fim de trabalharem nas usinas em
de ser praticamente camponês, para transformar-se num pequeno ca­ moagem, deixando à mulher a guarda e a administração de sua
pitalista. Cabe esclarecer que estamos tratando aqui da parceria co­ gleba. Engajam-se, assim, no grande exército formado pelos
mo relação do trabalho. trabalhadores sem-terra que a partir de setembro migram para a
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região da Mata, voltando à gleba em março, com as primeiras se capitaliza, pois o produto excedente não é consumido pro­
chuvas... Os “corumbas” , “caatingueiros” ou “curaus” , são dutivamente, mas se destina ao consumo individual da família
habitantes do Agreste e, às vezes, do Sertão, que passam o camponesa. Resulta desse processo na unidade produtiva cam­
“inverno” — estação chuvosa — na sua região. Aí, como pro­ ponesa (sic), não se constitui o capital que depende da mais-
prietários de pequenos lotes ou como rendeiros, se não pos­ valia gerada pela força de trabalho assalariada para se reprodu­
suem terra, cultivam lavouras de subsistência ao caírem as pri­ zir em escala ampliada. Em outros termos, não se verifica o de­
meiras chuvas, permanecendo até o período da colheita. Che­ senvolvimento do capital enquanto relação social entre as pes­
gado, porém, o estio, nos meses de setembro e outubro, quando soas envolvidas no processo de trabalho camponês. Ao contrá­
as usinas começam a moer e a seca não permite a existência de rio, a forma salário ocorre no interior da produção camponesa
trabalhos agrícolas no Agreste, eles descem em grupos em di­ em função do ciclo de existência da família. Nesse sentido, a
reção à área canavieira... e vêm oferecer seus trabalhos nas soma de dinheiro gasta no pagamento de salários aparece como
usinas e engenhos (Correia de Andrade, 1964: 119 e 156). redução do rendimento familiar: “porque, né, descontando as
despesas, pagando empregado e sustentá a família, tton dá. A
A presença da força de trabalho assalariada na unidade pro­ gente, né, non ganha dinheiro prá pagá tudo isso aí. Aquilo
dutiva camponesa pode também aparecer como um elemento desta que a gente ganha, assim mesmo quando que é no fim do ano,
unidade. É evidente, que esse assalariamento no interior da unidade non sobra nada, prá sustentá a fam ília e tudo. Sobra pouco e
camponesa baseada fundamentalmente no trabalho familiar precisa se ainda pagá empregado, ainda por cima, daípiorô. Os em­
ser muito-bem entendido. Em primeiro lugar, essa contratação, em pregado son caro tamém, é brabo.” Da parte do trabalhador
assalariado, verifica-se que não é um trabalhador expropriado
geral, se deve ao ciclo de existência da família camponesa, pois há dos meios de vida e produção, que possuísse apenas a força de
momentos críticos do ciclo agrícola em que os membros da família trabalho. Ao contrário, é um camponês, proprietário dos meios
camponesa não são suficientes pois as tarefas exigem rapidez e de vida e produção, vivendo a condição de trabalho acessório,
muitos braços, como lembra Tavares dos Santos, examinando a co­ nos momentos em que a amplitude da família o permite. Pode-
lheita da uva. Contrata-se, então, trabalhadores temporários. Em, se concluir que, tanto do lado da procura quanto do lado da
geral, o período da colheita tem levado o camponês a experimentar o oferta, é a força de trabalho familiar que provoca a necessidade
assalariamento. Deve-se verificar caso por caso no seio do território da utilização do trabalho assalariado, bem como o seu desapa­
recimento, no processo de trabalho camponês (Tavares dos
brasileiro, pois, no Sul do país, o assalariado é um proprietário ou Santos, 1978: 43/4).
seu filho; ainda não se trata, portanto, de um trabalhador expropriado
totalmente. E o camponês que o contrata não é um capitalista, não Entretanto, a par dessas constatações fundamentais, deve-se ter
trava com ele uma relação social de produção especificamente ca­ claro que o assalariamento em áreas em que conjunturalmente seja
pitalista, como afirma Tavares dos Santos: possível o aumento da renda diferencial nas mãos do camponês (que
pode inicialmente constituir-se em trabalho acessório do próprio
para além da aparência da forma de assalariamento, é preciso camponês), pode tomar-se permanente através da presença dos tra­
considerar a realidade substancial da relação, mediante a análi­ balhadores temporários (convertidos em permanentes, embora não
se da condição social das personagens envolvidas. Da parte do moradores nas propriedades). Configura-se assim a passagem desses
camponês que utiliza trabalho assalariado, a finalidade de sua
produção é vender um produto para comprar outros que satis­ camponeses abastados para a condição de pequenos capitalistas. A
façam as necessidades de sua família. Em conseqüência, a so­ transição, no caso do estado de São Paulo, tem sido feita pela pre­
ma de dinheiro que obtém com a venda de seu produto não sença inicialmente da parceria e depois do assalariamento.
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A socialização do camponês é também outro elemento que Ta­ dade, porém diversa da propriedade capitalista, pois a propriedade
vares dos Santos considera importante para caracterizar a produção familiar não é propriedade de quem explora o trabalho alheio. Es-
camponesa: latnos diante da propriedade direta de instrumentos de trabalho que
pertencem ao próprio trabalhador. É pois, terra de trabalho. E
A reprodução da força de trabalho familiar efetiva-se pela pro­ |K)rtanto, propriedade do trabalhador, não é fundamentalmente
criação e complementação através do processo de socialização instrumento de exploração.
das crianças. Como a unidade produtiva camponesa condensa Sobre os resultados sociais da propriedade familiar camponesa,
um núcleo familiar e um núcleo produtivo, nela vão confundir- Martins afirma serem esses completamente distintos daquele da pro­
se também a socialização primária, por meio da qual o indiví­
duo se converte em membro da sociedade, e a socialização se­ priedade capitalista da terra, pois,
cundária, através da qual o indivíduo adquire o conhecimento
específico de papéis determinados pela divisão social do tra­ nesse caso a produção e reprodução das condições de vida dos
balho. Em conseqüência, observa-se a norma, no bairro rural trabalhadores não é regulada pela necessidade de lucro do ca­
de São Pedro, de ensinar as crianças a trabalhar desde peque­ pital, porque não se trata de capital no sentido capitalista da
nas... (Tavares dos Santos, 1978:44/5). palavra. O trabalhador e lavrador não recebem lucro. Os seus
ganhos são ganhos do seu trabalho, e do trabalho de sua famí­
Dessa forma, as crianças são iniciadas como personagens da lia e não ganhos de capital exatamente porque esses ganhos
divisão social do trabalho no interior da unidade produtiva do cam­ não provêm da exploração de um capitalista sobre um traba­
ponês. Ao atingirem os 12, 14 anos, passam a desempenhar tarefas lhador expropriado dos instrumentos de trabalho. Apenas
quando o capital subordina o pequeno lavrador, controlando os
dos adultos, desenvolvendo dentro da unidade familiar o trabalho mecanismos de financiamento e comercialização, processo
acessório. Nesse momento desencadeia-se a contradição no seio da muito claro no Sul e no Sudeste, é que sub-repticiamente as
unidade familiar: o jovem precisa continuar na propriedade, pois é condições de existência do lavrador e sua família, suas neces­
parte integrante da força de trabalho familiar; aí permanecendo, ga­ sidades e possibilidades econômicas e sociais, começam a ser
rante a reprodução social do processo de trabalho camponês. No reguladas e controladas pelo capital, como se o próprio lavra­
entanto, com o aumento da família, a migração é inevitável. dor não fosse o proprietário da terra, como se fosse um assala­
riado do capitalista (Martins, 1980: 59/60).
A escola em geral contribui para aguçar esse processo no inte­
rior da produção camponesa, pois ela tem preparado o jovem para o Quando esse processo ocorre, estamos diante da sujeição da
trabalho assalariado na cidade. Esse jovem, que só possui como renda da terra ao capital. Renda da terra que pode derivar da pro­
qualificação a força de trabalho, é um expropriado. Assim, a própria priedade territorial privada e expressa no preço da terra, que é pura
unidade camponesa se incumbe de reproduzir a força de trabalho e simplesmente renda capitalizada da terra. Renda diferencial quan­
própria e aquela de que o capital precisa, uma vez que a reprodução do provém da melhor situação ou fertilidade natural dos terrenos, ou
ampliada da unidade camponesa não ocorre, em decorrência da su­ então oriunda dos investimentos de capital no solo.
jeição da renda da terra dessas unidades ao capital. DeSsa foima, o Entretanto, é importante ressaltar que a realidade vivida pelos
capital igual e contraditoriamente desenvolve-se, permitindo a re­ camponeses no Brasil é aquela da expropriação da terra:
produção da produção camponesa, mas subordinando-a por todos
os lados. O que acontece hoje com a pequena lavoura de base familiar é
Outro elemento da produção camponesa é a propriedade da que o produtor está sempre endividado com o banco, a sua
terra. Aqui estamos diante da propriedade familiar, privada é ver­ propriedade sempre comprometida como garantia de emprésti-
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mos para investimento e sobretudo para custeio das lavouras. esclarecer, pode apenas ser um consumidor dessas rendas ou então,
Sem qualquer alteração aparente na sua condição, mantendo-se convertê-las em capital, através da metamorfose dessas fontes de
proprietário, mantendo o seu trabalho organizado com base na irnda camponesa em capital.
família, o lavrador entrega ao banco anualmente os juros dos Mas há também aquele conjunto de camponeses que não tendo
empréstimos que faz, tendo como garantia não só os instru­ acosso à terra e recusando-se a pagar pelo seu uso ou pela proprie­
mentos adquiridos com os empréstimos, mas a terra. Por esse dade, abre a posse. Nesse caso, nega-se a pagar a renda da terra,
meio, o banco extrai do lavrador a renda da terra, sem ser pro­
prietário dela. O lavrador passa imperceptivelmente da condi­ lorna-se posseiro.
ção de proprietário real a proprietário nominal, pagando ao É assim, pois, baseados no acesso à propriedade e/ou posse da
banco a renda da terra que nominalmente é sua. Sem o perce­ terra, que os camponeses diferenciam-se internamente. Desse pro­
ber, ele entra numa relação social com a terra mediatizada pelo cesso nascem os camponeses-proprietários, os camponeses-parcei-
capital, em que além de ser o trabalhador é também de fato o ms, os camponeses-rendeiros e os camponeses-posseiros.
arrendatário. Como a sua terra é terra de trabalho, não é terra Além da propriedade da terra, outro elemento da produção
utilizada como instrumento de exploração da força de trabalho
alheia, não é terra de uso capitalista, o que precisa extrair da camponesa é a propriedade dos meios de produção, que na sua
terra não é regulado pelo lucro médio do capital, mas regulado maioria são adquiridos, portanto, são mercadorias. Uma parte desses
pela necessidade de reposição da força de trabalho familiar, de meios é produzida pelos próprios camponeses, não assumindo assim
reprodução da agricultura de tipo camponês (Martins, .i forma mercadoria. E com relação ao acesso a essas mercadorias,
1981: 176/7). meios de produção, que o camponês trava relação com o capital. É
Assim, a renda territorial gerada no processo de trabalho cam­ por esse processo que parte da renda vai ser drenada para o setor
ponês tende a ser apropriada, ou pelo capital financeiro, em função bancário e industrial, pois os empréstimos financeiros fazem parte da
dos empréstimos bancários realizados, ou pelo capital industrial ou dinâmica de reposição desses meios de produção, e - por que não
comercial, através do pagamento a preços baixos ao produtor. Ainda dizer? - do próprio acesso do camponês a essas mercadorias. Isso
com relação à propriedade privada deve-se ressaltar que o acesso do sc in falar do processo de subsistência do camponês que se utiliza
camponês a essa terra se faz geralmente pela sucessão hereditária, dos empréstimos para adquirir produtos de sua necessidade básica.
compondo um mosaico de alternativas variadas, em função das espe- Sobre essa questão, Tavares dos Santos afirma:
cifícidades regionais no país. que se faz necessária a mediação do crédito bancário para que
Entretanto, quando o camponês nunca possui ou perdeu a pro­ possam ser efetivadas tanto a compra de insumos como a subs­
priedade da terra, ao recusar a condição de proletário, procura abrir tituição das instalações dos parreirais (...) em função das más
acesso à terra através do pagamento pelo seu uso. Pagando em pro­ condições financeiras dos camponeses de São Pedro. Provoca-
duto, através das muitas formas de parceria (meação, terça, quarta, se, por essa via, a penetração de mercadorias industrializadas,
percentagem, etc.) ele transfere para o proprietário da terra renda em com maiores preços relativos, na unidade produtiva campone­
produto, renda camponesa, portanto. Pagando em dinheiro, ele toma- sa. Ora, as condições desiguais da troca estabelecem condições
se um rendeiro, transferindo para o proprietário da terra renda em para que haja transferência de parte do valor incorporado no
produto camponês para o capital industrial, por intermédio dos
dinheiro, renda camponesa da terra. Muitas vezes, é através do pa­ preços que o camponês deverá pagar por aqueles bens, preços
gamento em trabalho que ele abre acesso à terra, transferindo para o superiores aos que recebe pela venda de seu produto como
proprietário dias de trabalho, renda em trabalho, renda camponesa matéria-prima para a indústria. Assim, na mesma medida em
da terra também, portanto. O proprietário da terra, por sua vez, é bom que o capital financeiro assegura a reposição dos meios de tra-

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balho a cada ciclo agrícola, está abrindo o caminho para uma Essa lógica reflete na essência a circulação simples da merca­
das formas de expropriação do sobretrabalho camponês pelo doria - vender para comprar - e serve de meio a um fim. situado fora
capital industrial (Tavares dos Santos, 1978: 60). da circulação, a apropriação de valores-de-uso, a satisfação de ne-
i cssidades.
A jornada de trabalho é outro elemento componente da produ­
ção camponesa. Nesse aspecto, a realidade é toda particular. Não há
uma rigidez de horário diário como na produção capitalista; a jorna­
da de trabalho do camponês varia conforme a época do ano e segun­ \ PRODUÇÃO CAMPONESA E A PRÁTICA
do os produtos cultivados. Assim, combinam-se períodos chamados l>E ARRENDAMENTO DE TERRAS
de ociosos, quando o camponês está livre para assalariar-se através
de trabalho acessório, com períodos de intenso trabalho quando, Já no início da discussão desta questão devemos assinalar que
nem o nascer e o pôr-do-sol, às vezes, são os limites naturais da jor­ ii característica básica entre a renda da terra camponesa e a renda
nada de trabalho. Os trabalhos que envolvem ó preparo da terra para capitalista da terra, reside no fato de que a primeira, a camponesa,
o plantio são feitos até durante a noite. Essa aparente irregularidade nasce na produção. É, pois, o próprio produtor que entrega direta­
da jornada de trabalho dos camponeses é que abre espaço para o de­ mente para os proprietários da terra uma parte da produção, ou dias
senvolvimento de uma série de tarefas artesanais domésticas, que de trabalho, ou ainda uma parte da produção convertida em dinheiro
eles realizam nos períodos de pouco trabalho agrícola. (lunda em produto, renda em trabalho e renda em dinheiro). É pois o
Dessa forma, esse conjunto de componentes da produção cam­ inibalhader que paga renda. Entretanto, com relação à renda capita­
ponesa caracterizam essa produção simples de mercadorias, confor­ lista da terra, o mesmo não acontece, pois esta não nasce na produ­
me já foi dito. E, portanto, por essa ótica que entendemos a produ­ ção e sim na distribuição da mais-valia.
ção camponesa, pois Dessa maneira, a lógica que preside o processo de surgimento
dossas duas formas de renda é distinta e a renda capitalista da terra
o camponês é personificação da forma de produção simples de iinsce da expansão da agricultura, baseada nas relações capitalistas
mercadorias, na qual o produtor direto detém a propriedade dos de produção:
meios de produção — terra, objeto de trabalho e outros meios
de trabalho —e trabalha com esses meios de produção. No processo de produção, o trabalhador produz o seu salário e
Essa combinação de elementos faz com que o camponês se
apresente no mercado como vendedor dos produtos do seu tra­ o capitalista extrai o seu lucro. A conversa com o proprietário
balho, como produtor direto de mercadorias. Como produtor, da ten-a vem depois, em separado, não obstante a sua renda
venderá seus produtos para adquirir outros, qualitativamente também ter que sair da produção. Só que nesta a parte da ri­
diferentes, que possam satisfazer suas necessidades de consu­ queza que excede o necessário ao pagamento do salário do tra­
mo individual ou produtivo... Assim, a produção camponesa balhador é apropriada pelo capitalista, porque ele é o proprie­
realiza o ciclo mercadoria-dinheiro-mercadoria, ou seja, o pro­ tário do capital, e mais ninguém. Portanto, a renda que toca ao
cesso de vender para comprar, culminando o ciclo na obtenção proprietário da terra terá que chegar num segundo momento.
de valores-de-uso; a mercadoria é retirada da esfera da circula­ Isso ocorrerá quando o capital lhe pagar pelo direito de utiliza­
ção e introduzida na esfera do consumo do camponês. O pro­ ção da sua terra. Ora, o trabalhador produziu mais-valia, in­
cesso de trabalho camponês vai obedecer a essa lógica econô­ crementou a riqueza, para o capitalista. Quando este paga a
mica (Tavares dos Santos, 1978: 69/70). renda ao proprietário, não está produzindo nada; está distri-

64 65
buindo uma parte da mais-valia que extraíra dos seus trabalha­ missão de plantar culturas de subsistência de ciclo vegetativo
dores. Por isso, a renda capitalista da terra não nasce na pro­ curto. Uma vez colhidas estas, ele não poderá plantar outra vez
dução, mas sim na distribuição da mais-valia (Martins, 1981: no mesmo lugar, pois a forrageira já terá atingido um tamanho
163/3). tal, que terá de crescer sozinha daí para diante. Se o dono da
terra estiver interessado num novo plantio de capim ou palma
Assim, essas são as premissas básicas que devem nortear a dis­ em outra área de sua propriedade, a operação pode ser reini­
cussão da questão da prática do arrendamento pelos camponeses ciada, com o mesmo rendeiro. Caso contrário, ele vai com a
sem-terra ou com pouca terra no país. Essa questão, como sabemos, família para a estrada, à procura de outra fazenda para proce­
der da mesma maneira.
passa pela prática quase geral no Brasil do arrendamento como for­ Aliás, é característico do regime de arrendamento a desvincu­
ma de exploração, que precisa ser explicado e desmistifícado, pois lação do homem à terra. Com isso, não há estímulo para o cui­
foi através do arrendamento (da existência do arrendatário, portanto) dado do solo, e nem para a adubação. Durante a viagem da
que o capitalismo implantou-se pelos campos da Inglaterra. Entre­ equipe observou-se que nem mesmo nas propriedades onde
tanto, no caso brasileiro, se levarmos em conta a estrutura produtiva, predomina a pecuária, os rendeiros aproveitam o esterco como
veremos que a prática do arrendamento não corresponde necessaria­ adubo.
mente ao acesso à terra por parte do capitalista para explorar o tra­ A expansão dos arrendatários, numa taxa superior à dos pro­
prietários, decorre do processo de apropriação das terras em
balho assalariado na agricultura, como são os exemplos da cultura antecipação à abertura de estradas que as tornam acessíveis.
do arroz e em parte da soja no Rio Grande do Sul. Mas o que ocorre Não podendo tomar-se proprietário, o camponês arrenda a ter­
é que são os camponeses sem-terra ou com pouca terra que arrendam ra já apropriada por outrem (Sá Jr., 1976: 125).
terras para a prática da produção camponesa, Na realidade, são ren­
deiros e não arrendatários. Pagam portanto por esse uso, renda, em Quanto à presença do arrendatário nas estatísticas do INCRA e
produto, trabalho ou dinheiro. do IBGE, é importante salientar que para ambas instituições é consi­
A existência dessa relação configura o processo de reprodução derado como tal, todo aquele que explora a terra pertencente a ou­
mediada pelo capital, da reprodução de formas de renda camponesa trem, a quem paga aluguel pelo seu uso ou gozo (aluguel esse em
da terra. Sá Jr. nos dá exemplos significativos desse processo quan­ quantia fixa em dinheiro ou equivalente em produtos).* Nesse parti­
do analisa o arrendamento em seu trabalho “O desenvolvimento da cular, estas instituições chamam atenção para a presença na agricul­
agricultura nordestina e a função das atividades de subsistência”: tura também do subarrendatário. As publicações do INCRA chamam
atenção, também, para as designações locais ou regionais que o ar­
Durante a viagem de campo realizada pela equipe da SUDENE, a rendatário recebe: “locatários”, “foreiro”, etc. Faz também a distin­
forma de arrendamento que se mostrou, possivelmente em
maior expansão, é aquela cuja obrigação para com o proprietá­ ção entre o arrendatário e o comodatário que é aquele que explora a
rio não consistia no pagamento nem em dinheiro, nem em es­ terra pertencente a outrem por empréstimo gratuito.
pécie, mas sim em trabalho. Tal forma foi encontrada princi­ Os dados do IBGE referentes aos arrendatários contêm majo-
palmente na parte sul do Agreste pernambucano, nas proprie­ ritariamente os rendeiros. Esse fato pode ser comprovado através da
dades dedicadas simultaneamente à pecuária e à lavoura. O
rendeiro tem a obrigação de desmatar ou destocar um pedaço apresentação dos dados do Censo Agropecuário de 1970, uma vez
de terra, na qual ele planta uma forrageira, geralmente o capim que os censos de 1975 e 1980 não divulgaram os dados relativos ao
ou a palma. Consorciadas à forrageira, tem ele a per­ pessoal ocupado em relação à condição do produtor. Esses dados
66 67
BRAS I L BHASI L
ARRENDATÁRIOS - 1376 ARRENDATÁRIOS -1970
PESSOAL OCUPADO NOS ESTABELECIMENTOS NÚHERO DE ESTABELECIMENTOS SECUNDO 0 PESSOAL OCUPADO
núnero 7,
Número
TOTAL 1.925.266 119,00 V,

FAMILIAR 1.£92.016 87,88 TOTAL 637.600 100,00


ASSALARIADO Total 201.079 10.45
FAMILIAR 11.579 91,06
Permanente 70.619 3,67
ASSALARIADO Total 46.397 7,28
Teworário 130.460 6,78
Permanente 21.302 3,34
PARCEIRO 23.051 1,20
Temporário 32.01 5,02
OUTROS 9.120 0,47
PARCEIRO 7.117 1,11
Tabela 7 —Fonte: IBGE OUTROS 3.507 0,55

Tabela 8 - Fonte: IBGE

presentes na tabela 7 permitem ao leitor verificar a predominância


do trabalho familiar entre os chamados arrendatários para o IBGE.
Para melhor demonstrarmos essa tese, devemos analisar
também os dados referentes à tabela 8 que informa sobre o nú­
mero de estabelecimentos e a relação de trabalho presente. Fa­ produção e de trabalho familiar que define os camponeses-ren-
cilmente pode-se comprovar que as relações de trabalho de tipo deiros.
familiar predominam em mais de 90% desses estabelecimentos.
São portanto estabelecimentos cuja condição do produtor deve Esses dados presentes nas duas últimas tabelas, são, portanto,
ser caracterizada como camponeses-rendeiros e não arrendatá­ a prova inequívoca da importância em se desmistificar os dados
rios como quer o EBGE. Cabe ressaltar também que os arrendatá­ sobre os arrendatários apresentados no Censo Agropecuário do
rios propriamente ditos aparecem nessa última tabela, represen­ IBGE e do cadastro rural do INCRA, pois como podemos verifi­
tados pelos estabelecimentos com a presença da relação de trabalho car, estamos diante da predominância quase que absoluta do ren­
assalariada. Eles somam apenas cerca de 7% do total que o censo deiro (87,88% do pessoal ocupado e 91,06% dos estabelecimen­
aponta. tos dos arrendatários), e não do arrendatário capitalista propria­
Portanto, cabe aqui caracterizar de forma clara essa relação de mente dito.
68 69
Vários autores têm tratado dessa relação de produção no cam­
A PRODUÇÃO CAMPONESA po brasileiro, e entre eles destaca-se Antônio Cândido com seu clás­
E A PRÁTICA DA PARCERIA sico Os parceiros do Rio Bonito.
A presença desses parceiros no campo brasileiro é, portanto,
outra comprovação inequívoca de que a lógica contraditória do de­
A prática da parceria, como relação de produção no campo, é senvolvimento capitalista tem criado e recriado a possibilidade histó­
uma das formas mais antigas de relação de exploração da terra. Po­ rica para a reprodução camponesa no Brasil.
de, portanto, ser encontrada em vários modos de produção na histó­
ria da humanidade. No Brasil, é uma relação que aparece desde o
período escravagista.
Sua definição pode ser encontrada em Marx para quem a par­
ceria ou o sistema de meação é a transição entre a forma primitiva PRODUÇÃO CAMPONESA
de renda e a renda capitalista. Para ele, a parceria é a relação \
E A POSSE DA TERRA
... em que o lavrador fornece, além de seu trabalho (próprio ou
alheio), uma parte do capital da explotação (o gado, por exem­
plo), dividindo-se o produto em determinadas proporções, que
variam segundo os diferentes países, entre o parceiro e o lati­ Nessa discussão das questões teóricas sobre a pequena produ­
fundiário (Marx, 1984: 1020). ção camponesa, devemos fazer também menção à questão da posse
da terra pelos camponeses-posseiros. Essa posse deve ser vista como
Dessa forma, a prática da parceria tem estado presente em todo a negação da propriedade capitalista da terra, portanto como uma
o campo brasileiro, podendo inclusive ser considerada característica das contradições da propriedade privada, ou como prefere Martins:
particular de relação de produção na transição do colonato para o “como manifestação subversiva do direito à terra que nasce dentro
trabalho assalariado na agricultura brasileira, quando a cultura do do próprio ventre da propriedade capitalista” (Martins, 1980: 79).
algodão estava caracterizada por essa relação, nas decadentes fazen­ E assim que o desenvolvimento contraditório do modo capita­
das de café no interior paulista. Hoje, inclusive, pode ser encontrada lista de produção no Brasil age no sentido da expropriação dos cam­
principalmente nessa cultura, na do amendoim e da uva, entre poneses em uma porção do território; entretanto, o camponês expro­
outras.
Os parceiros autônomos no Brasil ocupavam em 1960 250 mil priado, que pela lógica do capital, deveria proletarizar-se, recon­
estabelecimentos, e a expansão capitalista na agricultura não tem si­ quista a autonomia do trabalho, ocupando novos espaços em terras
do suficientemente intensa para promover o seu desaparecimento. sem ocupação. E nessa luta pela manutenção da condição de lavra­
Ao contrário, a lógica contraditória desse desenvolvimento, ao mes­ dor autônomo, pela conquista da posse que os posseiros, na luta
mo tempo em que promove o seu desaparecimento em algumas por­ contra o capital, vão construindo o seu próprio regime de proprieda­
ções do território brasileiro, como, por exemplo, no café do norte do de anticapitalista: a posse, a terra de trabalho. Ou como preferem os
Paraná, promove igual e simultaneamente sua expansão em outras próprios lavradores: “a terra não deve ter dono, ela é dos verdadei­
regiões, como no Nordeste brasileiro, nas culturas do tomate, alho, ros agricultores, dos que nela trabalham” (Lavradores Brasileiros in
melão entre outras. Camerman, 1980: 25).
70 71
E assim qie se pratica uma verdadeira traição às leis do capi­
tal, para que a produção camponesa possa continuar sua existência. A PRODUÇÃO CAMPONESA
Cabe também esclarecer nesse momento, que os posseiros têm NAS DÉCADAS DE 70 E 80
aumentado de forma significativa no Brasil. Entre 1960 e 1985 cres­
ceram mais de 200%, passando em termos absolutos de 350 mil para
cerca de 1 milhão e 50 mil. E mais do que isso, estão presentes em
todas as regiões do país, numa demonstração clara de que a existên­
cia do estatuto urídico da propriedade da terra não tem sido impe­
dimento à existóicia e à recriação desses camponeses. Em outro ca­
pítulo deste livD esses camponeses-posseiros são estudados de for­
ma mais detalhala.

Cabe esclarecer, de início, que o trabalho Estrutura Agrária e


1’rodução de Subsistência na Agricultura Brasileira, coordenado
por José Graziano da Silva, já tratou, em termos, da questão que
agora estamos nos propondo a discutir, a partir dos dados do IN-
('RA. Iniciaremos por esse caminho e procuraremos abordá-la tam­
bém a partir dos dados dos Censos Agropecuários do IBGE.
Muito se tem discutido sobre a validade de se trabalhar com os
dados dos Censos Agropecuários do IBGE que, fundamentalmente,
aparecem estratificados em classes de áreas. Muitos, certamente,
procuram imitar (sic) Lênin quando critica o Sr. Guimer, em seu tra­
balho Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos da América
por utilizar os dados dos censos norte-americanos que aparecem por
extratos de área. É evidente que, via de regra, essas críticas têm sido
improcedentes e na maioria das vezes carregam mais o ranço de uma
postura teórica que tem que passar, pelo crivo das posições políticas
do “Partido”, do que a construção consciente de um arcabouço teó­
rico montado sobre a realidade. Nós assumimos conscientemente
outro caminho, e procuraremos trilhá-lo criticamente. Entendemos
ser a teoria e o método instrumentos de trabalho fundamentais para
compreendermos a realidade, e não, “camisa-de-força” para vestir­
mos a realidade.
A primeira e grande crítica que se faz aos dados do censo é
72 73
que sendo apresentados estratificados por classes de área, camuflam B H f i S I L - INCRA
a realidade da grande exploração em termos financeiros, realizada RELAÇÃO ENIRE CLASSE CE ÁREA 1! VALOR CA PRODUÇÃO
no pequeno estabelecimento por área. E no extremo oposto, escondem PERCENTAGEM EM RELAÇÃO AO TOTAL GERAL
a pequena exploração no grande estabelecimento. Esses autores su­
gerem que se trabalhe com as classes de valor da produção. É evi­ CrS eu 1.0 TOTAL Menos 3 a 6 a 12 a 24 a 50 a 100 e
dente que essa questão constitui-se em questão importante, mas não Hectares de 3 - 6- 12 - 24 - 50 Mais
invalida os resultados que se pode obter com os dados do censo 101AL 100,00 58,06 15,43 9,80 4,97 2,53 1,17 0,96
(classes de área). Mimos de 1 1,45 1,42 0,01
Para procurar demonstrar o que estamos afirmando, apresenta­
0,00 0,00 0,00
3,53 3,41 0,01 0,01
remos os dados do INCRA de 1972, que relacionam estratos de área, e I » - 2
i. -5
0,02
10,89 9,98 0,69 @,20 0,07 0,03
0,00
0,01
classes de valor da produção, tabelas 9, 10 e 11. 1 10 13,02 10,24 1,83 0,67 0,19 0,06
0,02
0,01
A análise da realidade expressa pela tabela 9, referente à • -

tU d - 25 26,24 15,62 5,63 3,26 1,20 0,40


0,02
0,10 0,03
percentagem em relação ao total geral e os estratos de valor da 0,04
produção e classes de área, revela que cerca de 58% do total <1 » - 50 15,38 8,0 2 3,27 2,33 1,12 0,46 0,14
está concentrado nos estratos de valor da produção que poderíamos 111 a - 100 9,61 4,65 1,90 1,46 0,87 0,46 0,20 0,07
denominar de muito pequeno, ou seja, menos de Cr$ 3.000,00, e IUW a - 200 5,93 2,47 1,09 0,93 0,68 0,42 0,21 0,13
25% referem-se aos estratos pequenos (entre Cr$ 3.000,00 e m a - 500 4,15 1,46 0,63 0,61 0,53 0,41 0,26 0,25
12.000,00). Portanto, 83% do total geral está entre os pequenos es­ M a - 1.000 1,42 0,43 0,18 0,18 0,17 0,16 0,12 0,18
tratos. Estes, por sua vez, distribuem-se entre as classes de área da I.HM0 a - 2.000 0,69 0,21 0,07 0,08 0,07 0,06 0,12
seguinte forma: os muito pequenos concentram 53% dos 58% e os •' HH0 a - 5.000 0,42 0,16 0,03 0,04 0,04 0,03 0,08
pequenos 21% dos 25%, nas classes de área inferiores a 100 hecta­ ï . «00 a - 10.000 0,12 0,05 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,02
res. No pólo oposto temos cerca de 2% do total geral entre os gran­ IM.H00 a - 20.000 0,02 0,01 0,00 0,00 0,00 0,01
des estratos de valor (grande exploração na pequena unidade de u.HHfl a - 50.000 0,02 0,01 0,00 0,00 0,01
área) e que estão presentes nas unidades com área inferior a 100 -.«.000 a - 100.000 0,00
hectares em apenas 0,6% do total. Acredita-se que, portanto, esta
0,00 0,00 0,0 0,00
IUO00 e Mais
presença é extremamente reduzida no conjunto da realidade brasilei­ 0,00 0,0 0,00

ra, ainda que possa ser expressiva em algumas atividades como avi­ ......... ;a entre a sona das classes de área e dos estratos de valor da produpão e
« total, refere-se aos ÍMÓveis seM declarapão.
cultura e suinocultura.
A mesma realidade, como era de se esperar, aparece expressa I ui n l.i 9 — Fonte: IBGE
nas tabelas 10 e 11, referentes à percentagem em relação à classe de
área e estrato de valor da produção respectivamente. Para a percen­
tagem em relação à classe de área temos mais de 77% dos estratos
de valor da produção nas classes de área pequenas (menos de 100
hectares). Também aqui, no pólo oposto, temos 2% dos estratos de
grande valor entre esses pequenos estabelecimentos.
74 75
BRASIL - INCRA BRASIL - INCRA
RELAÇÃOENTRE CLASSE SE ÁREA E VALORDAPRODUÇÃO RELAÇÃOENTRE CLASSE DE ÁREA E VALOR DAPRODUÇÃO
PERCENTAGEMEMRELAÇÃOACLAS$E DE ÁREA PERCENTAGEMEMRELAÇÃOAOESTRATO DE VALORDE PRODUÇÃO
Cr$ eu 1.080 TOTAL Menos 3 a 6 a 12 a 24 a 50 a 100 e Cr$ eN 1.000 TOTAL Menos 3 a 6 a 12 a 24 a 50 a 100 e
Hectares de 3 - 6 - 12 - 24 - 50 - 100 Mais Hectares de 3 - 6 - 12 - 24 - 50 - 100 Mais
TOTAL 100,00 58,06 15,43 9,80 4,97 2,53 1,17 0,96 TOTAL 100,00 100,00 180,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Menos de 1 100,00 88,44 1,18 0,42 0,20 0,10 0,11 0,05 Menos de 1 1,53 2,45 0,12 0,07 0,06 0,06 0,15 0,09
1a-2 100,00 88,05 1,96 0,53 0,24 0,16 0,10 0,07 1a- 2 3,70 5,88 0,49 0,21 0,19 0,24 0,32 0,28
2a-5 100,00 83,19 5,77 1,69 0,57 0,23 0,12 0,09 2a- 5 11,46 17,04 4,45 2,05 1,36 1,06 1,24 1,16
5 a - 10 100,00 73,03 13,05 4,76 1,38 0,43 0,12 0,10 5 a - 10 13,68 17,61 11,87 6,81 3,90 2,37 1,47 1,47
10 a - 25 100,00 56,03 20,19 11,70 4,30 1,44 0,35 0,10 18 a - 25 27,55 26,89 36,48 33,32 24,12 15,84 8,28 2,96
25 a - 50 100,00 48,86 19,91 14,16 6,84 2,82 0,87 0,24 25 a - 50 16,16 13,81 21,19 23,76 22,58 18,23 12,16 4,08
58 a - 100 100,00 44,99 18,39 14,08 8,39 4,44 1,88 0,68 58 a - 100 10,09 8,01 12,34 14,88 17,45 18,09 16,53 7,26
100 a - 200 100,00 39,19 17,30 14,77 10,72 6,65 3,40 2,01 180 a - 203 6,22 4,25 7,06 9,51 13,57 16,52 18,15 13,09
288 a - 500 100,00 32,20 13,95 13,45 11,63 9,04 5,72 5,77 280 a - 500 4,36 2,52 4,10 6,24 10,61 16,18 22,02 26,09
588 a - 1.080 108,00 27,44 11,33 11,51 11,08 10,19 7,84 11,44 560 a - 1.000 1,49 0,74 1,15 1,84 3,48 6,28 10,39 18,45
1.888 a - 2.080 100,00 27,44 9,38 10,16 9,93 9,60 8,02 16,07 1.000 a - 2.888 0,73 0,36 0,47 0,80 1,54 2,92 5,24 12,78
2.888 a - 5.000 100,00 35,05 6,86 8,25 8,96 8,19 6,74 16,24 2.880 a - 5.088 0,46 0,29 0,22 0,41 0,87 1,56 2,77 8,12
5.888 a - 10.000 100,00 39,12 5,70 4,55 5,82 8,56 7,48 17,19 5.888 a - 18.888 0,12 0,09 0,04 0,08 0,20 0,44 0,82 2,30
10.080 a - 20.000 100,00 28,84 4,31 4,62 6,51 8,33 8,86 25,51 18.880 a - 20.080 0,84 0,02 0,01 0,02 0,05 0,13 0,31 1,08
20.080 a - 50.000 108,00 37,39 1,82 2,43 4,71 7,29 6,38 26,90 28.888 a - 50.008 0,82 0,01 0,00 0,01 0,02 0,06 0,11 0,57
50.000 a - 100.088 100,08 41,51 5,03 5,03 5,03 6,29 4,40 27,58 58.000 a - 100.888 0,01 0,08 0,00 0,00 0,00 0,01 0,02 0,14
188.000 e dais 100,00 45,45 1,30 1,30 1,30 7,79 1,30 25,97 188.000 e Mais 0,00 0,88 0,00 0,00 0,00 0,01 0,00 0,06
Do diferença entre a aossonainoveis
total, refere-se das classes de área e dos estratos de valor
sen declaração. da produção o d diferença entre a sona das classes d? área e dos estratos de valor da produção e
o total, refere-se aos ifióveis seM declaração.
Tabela 10 - Fonte: IBGE Tabela 11 —Fonte: IBGE
Já com relação à tabela 11 sobre a percentagem em relação aos
estratos de valor de produção, os dados expressam a seguinte reali­ BHASIL - INCRA
dade: mais de 82% dos estratos de valor da produção estão concen­ DELAÇÃO ENTRE CLASSES SE ÁREA E ESTRATOS DE VALOR SA PRODUÇÃO
trados nas classes de área inferior a 100 hectares. E por outro lado,
entre os estratos de grande valor da produção apenas 17% estão en­ CR$ Renos de 3.009 a 12.000 a 50.000 a Mais de
tre as classes de área inferior a 100 hectares. HA 3.000 12.000 50.090 100.000 100.000
A partir dos dados expressos nessas tabelas podemos afirmar Nenos
que a realidade agrária brasileira revela de forma majoritária uma de 10 26,87 3,79 0,40 0,04 0,02
relação direta entre as pequenas classes de área (inferior a 100 ha) e IO e 4,85 0,47 0,15
os pequenos estratos de valor (inferior a Cr$ 12.000,00). Esse qua­ - 100 30,45 19,21
dro nos permite tirar algumas conclusões. Sub-total 53,45
Em primeiro lugar, o número de unidades de classes de área 190 e
- 1.000 4,(9 3,90 2,55 0,63 0,60
pequena (por exemplo, inferior a 100 ha) que apresentam grandes va­
lores da produção, é pequeno e, portanto, praticamente sem expres­ Sub total 16,39
são (menos de 1%) e mesmo somado aos valores de produção mé­ 1.000 e 0,24
dios, não superaria 6%. O mesmo pode ser observado para os estra­ - 10.000 0,45 0,26 0,27 0,11
tos de grandes áreas (por exemplo, superiores a 1.000 ha, ou mesmo Sub-to tal 2,23
superiores a 100 ha) que apresentam baixos valores de produção 10.000
(não vão além de 10%). Essa situação nos coloca diante de uma e «ais 0,02 9,09 0,09 0,00 0,02
questão fundamental: o que explica a teoria é a regra ou a exceção? Sub-total 1,05
E óbvio que julgamos ser a regra, e ela, a regra, está expressa de
forma sintética na tabela 12. Tabela 12
Podemos detectar nos dados da tabela 12, um conjunto de es­
tratos de área e classes de valor da produção (por ordem de grande­
za): muito pequeno, pequeno, médio, grande e muito grande. Estes
poderiam compor uma variada combinação entre si, mas a questão é
da efetiva expressão qualitativa e quantitativa dessas combinações. brada nas três variáveis, conforme os dados presentes nas tabelas 13,
Na realidade, o que temos é o predomínio dos estratos combinados 14 e 15.
muito pequeno e pequeno (80,32%). Se considerarmos os estratos de Os percentuais expressos nas tabelas, a nosso ver, são muito
classe de área com menos de 100 ha, pequenos e muito pequenos, significativos e não fogem à regra. É assim que temos nos extremos
teremos com classes de valor da produção grande e muito grande
apenas 0,68% do total dos estabelecimentos. Essas constatações - pequenos estratos de área e valor da produção -, um total de
comprovam nossas afirmações iniciais de que no Brasil as pequenas 80,32% (tabela número de imóveis) e apenas 0,68% de pequenos
propriedades por dimensão são também pequenas em valor de pro­ estratos de áreas com grande valor de produção. Já com relação à
dução, enquanto as pequenas por dimensão com grandes valores da área ocupada e valor de produção, a situação é inteiramente oposta,
produção são poucas. ou seja, os maiores percentuais ficam com os grandes estratos, ou
Para melhor entendermos essa realidade, apresentamo-la desdo- combinam-se com os médios.
79
Esse quadro geral, à luz da crítica, mostra que o agrupamento
B R A S I L - INCRA dos dados do censo em três grandes grupos não compromete absoluta­
NUMERO DE IMÓVEIS mente, na essência, o resultado das análises. E percebe-se que os da­
50.000
dos por estratos de áreas apresentados pelos censos agropecuários, não
CR$ Menos de 12.000 a trazem grandes diferenças em relação às classes de valor da produção.
HA 12.000 - 50.000 e Mais Entretanto, devemos deixar registrado que não estamos igno­
Henos de 100 80,32 0,68 rando, em hipótese alguma, os problemas já apontados por vários
autores sobre os dados dos censos. Nem tampouco estamos afirman­

cn
cn
ro
____ ____
do que esses dados sejam os “melhores do mundo” e, portanto, a
100 a - 1.000 8,59 2,55 1,23 única fonte estatística para assentar as pesquisas sobre o campo. A
Sub-total 16,39 questão, no entanto é simples: ou se usam os dados do censo criti­
0,27 0,37
camente, ou certamente demoraremos muito para produzir trabalhos
Pais de 1.000 0,73 que apresentem a situação geral do país, e muito menos teremos cla­
Sub-total 3 ,2 8 reza quanto à evolução dessa questão no passado. É preciso, pois,
Tabela 13 —Fonte: IBGE correr o risco do uso desses dados: afinal, é a única série histórica de
que dispomos no Brasil.

BRAS I L - INCRA
B RAS I L - INCRA
VALOR DA PRODUÇÃO (Crí)
ÁREA OCUPADA (HA)
CR$ Henos de 12.000 a 50.000
CR$ Henos de 12.000 a 50.000 HA 12.000 - 50.080 e Mais
HA 12.000 - 50.000 e Mais
Henos de 100 2 1 ,9 8 13,81 9,70
Henos de 100 1 6 ,1 6 1,90 0,31
............
100 a - 1.000 3,54 7,64 23,86
100 a - 1.000 20,27 6,98 4,46
Sub-total 24,99
Sub-total 29 ,1 5
Hais de 1.000 0,24 0,90 18,33
Mais de 1.000 27,03 7,90 14,99
Sub-total 53 ,0 4
Sub-total 54,69
Tabela 15 - Fonte: IBGE
Tabela 14 - Fonte: IBGE

80 81
A seguir, passaremos a apresentar os dados dos censos agrope­
cuários de 70, 75, 80 e 85 que refletem a situação geral da produção BRAS IL
camponesa na agricultura brasileira. ESTRUTURA FUNDIÁRIA - 1985

Classes No. ESTABELECIMENTOS ÁREA OCUPADA


A ESTRUTURA FUNDIÁRIA de ãrea
(ha) TOTAL y. TOTAL V.
TOTAL 5.834.779 100,00 376.286.575 100,00
A análise do aspecto fundiário da produção camponesa do Henos de 10 3.085.841 53.00 10.029.780 2,60
Brasil passa necessariamente pelo seu lugar na estrutura fundiária 10 a Henos
geral do país. Em primeiro lugar, precisamos entender que o Censo de 100 2.166.424 37.00 69.678.938 18,50
Agropecuário de 1985 (tabela 16) revelou que 90% dos estabeleci­ HENOS SE 100 5.252.265 90,00 79.708.718 21,10
mentos do campo brasileiro possuem área inferior a 100 hectares
(5.250.000). Esses estabelecimentos, entretanto, ocupam 21% da su­ 1001.000
a Henos
perfície total, ou seja, 80 milhões de hectares. de 518.618 9,00 131.893.557 35,00
O aspecto mais cruel dessa violenta concentração fundiária é 1.000 e Hais 50.105 1,00 164.684.300 43,90
que os estabelecimentos com área inferior a 10 hectares, apesar de Tabela 16 - Fonte: IBGE
representarem 53% do número total de estabelecimentos (mais de 3
milhões) ficam com apenas 2,6% da área ocupada, ou seja, 10 mi­
lhões de hectares.
No pólo oposto, como todos sabem, está o “paraíso dos lati­
fúndios”, que embora sejam pouco mais de 50 mil em número (esta­ Mesmo aqueles com área inferior a 10 hectares, cresceram en­
belecimentos com mais de 1.000 hectares), ocupam mais de 44% da tre 1940 e 1950 mais de 7,1 milhões de hectares, ou seja, ficando
superfície agrícola do país, ou seja, mais de 165 milhões de hectares. com 4% do total da área ocupada ampliada nestes últimos 50 anos.
Uma rápida análise do processo histórico dos últimos 50 anos, Também cabe registrar aqui, que os latifundiários ficaram com
segundo os dados dos censos agropecuários do IBGE, demonstra a maior fatia das terras ocupadas nesse final de século, ou seja, abo­
que a participação dos estabelecimentos com menos de 10 hectares canharam 70 milhões de hectares ou 40% do crescimento da superfí­
passou de 34% do total (1.900.000) para 53% (3 milhões) enquanto cie agrícola.
aqueles com área entre 10 e 100 hectares passaram de 51% em 1940 Outro aspecto a ser ressaltado no comportamento fundiário do
para 37% em 1985, ou seja, 2.165.000 estabelecimentos. país entre 1940 e 1985, refere-se ao ritmo diferenciado de cresci­
Esse processo historicamente revela também que o crescimento mento da área ocupada pelos estabelecimentos com menos de 100
entre 1940 e 1985 foi, em termos gerais, de 4 milhões de estabeleci­ hectares. Em primeiro lugar, entre 1940 e 1950 aqueles estabeleci­
mentos, 3,6 milhões (92,5%) dos quais com menos de 100 hectares. mentos com área inferior a 10 hectares cresceram no que se refere à
Além disso, entre esses estabelecimentos com menos de 100 ha, área ocupada total 4,5%; já entre 1970 e 1980 em menos de 1%, mas
aqueles que ocupam área inferior a 10 hectares, cresceram 62% em voltaram novamente a aumentar entre 1980 e 1985 em 11%.
número (2,4 milhões). Também no que se refere à área ocupada, es­ Comportamento semelhante ocorreu com aqueles estabeleci­
tes estabelecimentos cresceram mais de 42,5 milhões de hectares. mentos com área entre 10 e 100 hectares que cresceram nestes pe-
82 83
ríodos: entre 1940/50 em 7%; entre 1950/60 em 34%; entre 1960/70

Tabela 17
em 26%; entre 1970/80 em 7%; e entre 1980/85 em 8%.
Dessa forma, fica evidente que o chamado período “populista”
da política brasileira, que coincide com um curto período democráti­
co da história do país, foi favorável ao crescimento dos estabeleci­
mentos agrícolas controlados pelos camponeses. Fato que não ocor­
reu, apesar da propaganda ideológica contrária, no período das dita­
duras militares, quando os camponeses viram reduzidas as oportuni­
dades de ampliarem sua participação na conquista de áreas novas no
país. Daí o decréscimo da área ocupada ocorrido na década de 70 e
o baixo índice de crescimento (4%) entre 40 e 50.
Para ampliar a análise do quadro fundiário apresentado pelos
estabelecimentos com área inferior a 100 hectares, apresentamos as
tabelas 17 e 18 que demonstram a evolução estrutural dessa classe
de estabelecimentos agropecuários do país entre 1940 e 1985, quer
no que se refere ao número, quer no que se refere à área ocupada.
Os dados presentes nessas tabelas mostram claramente que to­
das as classes de área intermediária até 100 ha de uma forma geral
cresceram em número e área ocupada, embora algumas delas apre­
sentassem em 1975 e 1980 alguns resultados ligeiramente negativos.
Um dos aspectos importantes presentes nestes dados é aquele
relativo ao crescimento do número de estabelecimentos com área in­
ferior a 10 ha, que cresceram entre 1940 e 1985, um total de 471%,
enquanto aqueles entre 10 e 100 ha cresceram 222%, contra um
crescimento total dos estabelecimentos com menos de 100 ha de
322%. Para mais bem situar esses dados devemos assinalar que em
termos globais, o total dos estabelecimentos do país apresentaram no
período um crescimento de 306%.
Outro aspecto a ser ressaltado nesses dados é o fato de que as
classes de área entre 2 e 10 hectares concentravam 31% dos estabe­
lecimentos, sendo que destes, os de área entre 2 e 5 ha representa­
vam 18% do total. Assim, estes estabelecimentos com área muito
pequena, inferior a 10 ha, que representavam 53% do total, ficaram
com apenas 3% da área ocupada, enquanto aqueles com área entre
10 e 100 ha ficaram com 18% do total.
A conseqüência direta desse processo concentrador de terras
no país, que mesmo assim, não tem sido obstáculo intransponível pa-
85
ra a ampliação, recriação e criação do campesinato, foi uma dimi­

Tabela 18 - Fonte: IBGE


nuição da área média ocupada pelos diferentes estratos de área nos
estabelecimentos com menos de 10 ha. Estes tinham, em 1940, uma
área média de 4,4 ha e diminuíram em 1980 para 3,4 ha e 3,2 ha em
1985. O mesmo ocorreu com os estabelecimentos com área entre 10
c 100 ha, que apresentavam em 1940 área média de 34 ha, e que di­
minuíram para 32 ha em 1980 e em 1985.

A ESTRUTURA AGRÁRIA

Os estudos sobre os camponeses no Brasil têm revelado pelo


menos quatro tipos distintos: os camponeses-proprietários, os cam­
poneses-rendeiros, os camponeses-parceiros e os camponeses-pos-
seiros. Estes aparecem distribuídos por todo o território brasileiro,
embora apareçam concentrados em algumas regiões, como é o caso
dos camponeses-proprietários no sul do país e os camponeses-pos-
seiros na região amazônica.
A análise das tabelas 19 e 20, relativas à condição do pro­
dutor, com dados dos censos de 1970 e 1985, mostra-nos que nes­
ses quinze anos ocorreram alterações no comportamento geral dos
diferentes tipos.
Os camponeses-proprietários que representavam em 1970 55%
do total do número de estabelecimentos (2.718.000) mantiveram em
1985 essa posição relativa, embora apresentassem um crescimento
de mais de 475.000 estabelecimentos, chegando a um total de
3.194.000. Em 1985 as classes de área que mais se destacavam entre
esses camponeses eram aquelas que ocupavam área de até 10 ha, e
naquele ano representavam 24% do total. Enquanto isso, aquelas
que possuíam área entre 10 e 20 ha ficaram com 11% e as de 20 a
50 ha com 13%. No geral, essas três classes ficaram com 48% do
total dos estabelecimentos dos camponeses-proprietários, numa clara
evidência de que os mesmos são em geral pequenos e, mesmo, muito
pequenos.
87
BEA S IL — C O N D I Ç A O X> O P R O D U T O R B R A SIL - C O N D IÇ Ã O D O PRO D UTO R
1 9 7 0 1985
NÚM ERO DE E S T A B E L E C I M ENTOS
N Ú M E RO DE E S T A B E L E C IM E N T O S
Cftre
la as s e s<HA>
de TOTAL PROPRIETÁRIO RENDEIRO PARCEIRO POSSEIRO

Menos d e 10 2.519.630 1.137.785 509.520 288.101 584.224


Classes d:
área (HO) TOTAL PROPRIETÁRIO 8111180 PARCEIRO POSSEIRO
10 a menos 100 1.934.392 1.580.683 94.836 86.183 172.49H
10 a M enos 20 7 6 8 .4 4 8 5 9 2 .7 1 3 4 5 .3 1 6 5 7 .3 6 3 73.03Í» Menos de 10 3.085.841 1.404.878 474.847 371.670 815.955
20 a Menos 50 8 2 4 .0 9 0 6 9 4 .6 7 9 3 3 .5 0 9 2 3 .8 8 2 7 2 .0 2 0 10 a nenos 160 2.166.424 1.789.808 93.146 77.289 196.563
50 a « e n o s 100 3 4 1 .8 5 4 2 9 3 .4 9 1 1 6 .0 1 1 4 .9 3 8 2 7 .4 1 4

MENOS m 100 4.454.022 2.718.668 604.356 374.284 756.714 16 a nenos 20 818.157 642.186 38.973 48.850 83.656

TOTAL GERAL C*) 4.924.019 3.094.861 637.600 380.191 811.367 W a Menos 50 910.075 771.694 33.771 22.911 76.467
50 a nenos 100 438.192 376.000
Área o g u p a i >a c h a s
17.402 5.528 36.440

Ci r lae as s e <HA>
de TOTAL PROPRIETÁRIO RENDEIRO PARCEIRO POSSEIRO
m s DE 100 5.252.265 3.194.678 564.993 448.959 1.012.518
Menos de 10
10 a menos 100
9.083.495
60.069.704
4.968.396
50.386.598
1.316.055
2.796.900
1.162.193
1.797.507
1.636.850
5.088.699
TOTAL S M (») 5.834.779 3.1)87.384 589.945 455.813 1.054.542
10 a Menos 20 1 0 .7 4 2 .8 3 2 8 .3 6 3 .7 3 0 6 1 7 .9 4 8 7 7 3 .2 5 9 98 7 .8 9 3
20 a Menos 50 2 5 .4 2 4 .8 4 9 2 1 .5 3 4 .5 3 1 1 .0 3 3 .4 4 8 6 8 7 .4 7 2 2 .1 6 9 .3 9 0 Áre a ocupad a ch a ?
50 a Menos 100 2 3 .9 0 2 .0 2 3 2 0 .4 8 8 .3 3 7 1 .1 4 5 .5 0 5 3 3 6 .7 7 5 1 .9 3 1 .4 0 6
MENOS DE 100 69.153.199 55.354.994 4.112.955 2.959.700 6.725.549
Classe de
area (HA) TOTAL PROPRIETÁRIO RENDEIRO PARCEIRO POSSEIRO
TOTAL GERAL (*) 294.145.460 254.425.898 13.740.860 4.781.440 21.197.268
Nenos de 10 10.623.788 5.668.566 1.862.507 1.212.309 2.023.945
(* ) A d iferen ça en tre o to tal e a so m a r e fe r e -se aos esta b elecim en to s se m d eclaraçã o. 16 a nenos 108 69.678.938 58.928.674 2.820.419 1.61.788 5.825.828
19 a Menos 20
Tabela 19 - Fonte: IBGE. 20 a Menos 50
11.345.762
28.179.753
8.991.751
24.008.369
534.437
1.055.872
653.779
660.606
1.102.703
2.291.806
50 a nenos 100 38.153.422 25.920.552 1.230.109 376.402 2.431.317

ItENOS BE 100 79.708.718 64.5119.240 3.882.926 2.822.097 7.849.773


TOTAL GERAL (») 376.286.577 338.718.923 12.990.879 6.364,552 28.115.862
(*) A d iferen ça en tre o total e a so m a r e fe r e -se a o s e sta b elecim en to s sem
d eclaração.
No que se refere à área ocupada, esses camponeses proprietá­
rios controlavam em 1970 apenas 18,8% da área total e em 1985 re­ Tabela 20 - Fonte: IBGE.
duziram esse percentual para 17,1%, embora conhecessem um
crescimento em termos absolutos de mais de 9 milhões de hec­
tares. Dentre as classes de área o que se observa é que a classe
de até 10 ha ficou com apenas 1,5% da área ocupada, reflexo da ra 565 mil em 1985. Em decorrência dessa diminuição, a participa­
estrutura fundiária concentrada no país, já que 81% da área ocu­ ção percentual também caiu de 12% em 1970 para 9,5% em 1985.
pada no país ficou com as propriedades com área acima de Cabe ressaltar aqui que a maioria esmagadora dos estabelecimentos
100 ha. de camponeses-rendeiros está na classe de até 10 ha, e eles repre­
Os camponeses-rendeiros, ao contrário dos proprietários, co­ sentavam em 1970 cerca de 10% dos 12% total e em 1985 cerca de
nheceram no período de 1970 a 1985 um pequeno decréscimo de 8% dos 9,5% total. Esta realidade revela que as áreas tomadas em
cerca de 40.000 estabelecimentos, passando de 604 mil em 1970 pa- arrendamento em dinheiro são pequenas e destinam-se majoritaria-
88 89
mente ao trabalho com a família, como já apresentamos neste traba­ pada. Essa realidade mostra que o processo de expropriação deve ser
lho. Com relação à área ocupada pelos estabelecimentos dos campo- melhor estudado no seio do capitalismo, pois via de regra, o campo­
neses-rendeiros verifica-se o mesmo processo, ou seja, queda entre nês expropriado em uma região do país tem conseguido continuar
1970 e 1985 quando passaram de 4,1 milhões de hectares para 3,8 existindo enquanto camponês, quer mudando de tipo (rendeiro/par­
milhões. As classes de área de até 10 hectares que concentravam em ceiro), quer migrando e/ou abrindo novamente o acesso à terra, ain­
1980 cerca de 85% do número de estabelecimentos ficaram com da que distante da que vivia. Apenas a região Sul do Brasil apre­
apenas 30% da área ocupada pelos estabelecimentos com área infe­ sentou neste período um decréscimo absoluto de todos os tipos de
rior a 100 ha. camponeses, o que de certo modo reflete o processo de expropriação
Os camponeses-parceiros, por sua vez, conheceram no período em marcha naquela região. Porém isso não quer dizer que todos os
de 1970 a 1985 um crescimento em cerca de 75 mil o que equivale camponeses que venderam suas terras no sul deixaram de ser cam­
dizer que passaram de 374 mil em 1970 para cerca de 449 mil em poneses; ao contrário, é fácil encontrá-los na Amazônia e no Centro-
1985. Entretanto, este aumento não se verificou em relação à área Oeste brasileiro, recriados como camponeses, em geral proprietários,
ocupada pelos parceiros que caiu de 2,9 milhões em 1970 para 2,8 em projetos de colonização, privados ou oficiais.
milhões em 1985. Ou seja, a participação relativa dos camponeses-
parceiros em relação ao número de estabelecimentos passou de 7,6%
em 1970 para 7,5%, e em relação à área ocupada passou de 1,0% em
1970 para 0,7% em 1985. A FORÇA DE TRABALHO
A realidade expressa pelos dados referentes aos camponeses-
posseiros foi diferente nesse período pois eles cresceram quer em Muito se tem falado e escrito sobre a questão da força de tra­
número, quer em área ocupada. Em 1970, os camponeses-posseiros balho na agricultura brasileira. Uns chegaram até a afirmar que a
eram mais de 750 mil, representando 15% do número total dos esta­ presença do trabalho assalariado na agricultura brasileira já domina
belecimentos no pais, e em 1985 chegaram a mais de 1 milhão e 50 toda atividade. Nós julgamos que os dados e a realidade concreta do
mil, ou seja, cerca de 17,3% desse total. Cabe também ressaltar aqui campo falam mais que muitos textos e livros de muitos “teóricos”.
que cerca de 14% desses 17,3% são de estabelecimentos de campo­ Assim, apresentamos a seguir, os dados referentes ao pessoal ocupa­
neses-posseiros com área inferior a 10 ha, ou seja, mais de 816 mil do nos estabelecimentos agropecuários do país entre 1970 e 1985.
estabelecimentos de posseiros têm área inferior a 10 ha. Com relação As tabelas 21, 22, 23 e 24 mostram o comportamento e a dis­
à área ocupada ocorreu um crescimento em termos absolutos, pas­ tribuição do pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários do
sando de 6,7 milhões de hectares em 1970 para 7,8 milhões em país por classe de área para os estratos abaixo de 100 hectares. A
1985, embora a participação percentual tenha caído no mesmo pe­ observação atenta dos dados presentes na tabela 21 mostra que em
ríodo de 2,3% para 2,1%. termos gerais o total do pessoal ocupado que era de 17,5 milhões
Assim, podemos verificar que o processo histórico vivido pelo passou para 23,5 milhões. Naqueles estabelecimentos com menos de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil tem propiciado a existên­ 100 ha, por sua vez, este total passou de 14,5 milhões para 18,7 mi­
cia, criação e recriação dos diferentes tipos de camponeses. Sua ex­ lhões. Nesses dados totalizados, podemos verificar que o trabalho
pansão tem acontecido quer em número, quer em relação à área ocu­ familiar é dominante, pois representava 12,8 milhões em 1970 e
90 91
BRAS I L — PE S so a r. OCU PO D O
BR AS I L - PESSOAL OCUPADO PERCENTUAL EM RELAÇÃO AO TOTAL DAS CLASSES DE ÁREA

Nos estabelecimentos segundo as classes de área 1 9 7 0 E 1 9 0 3


ASSALARIADO
ÇUists
ANO
1 9 7 0 E 19B5 Tha ?** TOTAL FAMILIAR TOTAL PERMANENTE TEMPORÁRIO PARCEIRO

70 100,0 94.2 4,7 3.6 0,6

Classes de
Nenos 1,1
| ASSALARIADO de 10 85 100,0 93.3 5,0 1,2 4.6 0,3
ANO TOTAL FAMILIAR 70 1 0 0 .0 8 8 .9 8 .4 2 .3 6 .1 1 .9
TOTAL FEKHAHLNTE IEHPORgRIO PARCEIRO
10 *
área (HA) 5S"°* es 1 0 0 ,0 8 3 .7 1 1 .9 3 .2 8 .7 1 .3
20 « 70 1 0 0 .0 8 2 .4 1 2 .4 4 .1 8 .3 3 .8
Nenas de 18 70 7.129.803 6.717.413 336.003 74.895 261.108 43.M 55"°*
30 *
83
70
1 0 0 .0
1 0 0 .0
7 8 .0
6 9 .9
1 8 .1
2 0 .7
3 .7
8 .1
1 2 .4
1 2 .6
2 .6
7 .0
85 9.361.608 8.739.595 546.966 116.518 430.448 31.'Ml í83°* 83 1 0 0 .0 6 6 .3 2 7 .7 1 0 .6 1 7 .1 4 .0

13 a Nenos 28 78 2.686.628 2.387.576 225.413 62.298 163.115 50.341 NENOS


DE 100
70
85
100,0
100,0
88,1
85,6
8,8
12,0
2,7
3,6
&,1
8,4
2,2
1,4

85 3.163.877 2.712.899 377.926 102.804 275.122 47.111« TOTAL 70 100,0 80,2 15,0 6,6 8,4 3,4

1 28 a nenos 50 78 3.222.922 2.654.528 398.865 132.562 266.383 122.111 GERAL


DMenos
if« M n11( a
85 100,0 75,2 21,4 9,3 15,1 2,0

85 105.111
16,0
3.961.514 3.888.821
23,0 7,0 “1,2
227.843
77,0
717.292
100,0
489.449 7S ^ 5
100,0 60,0 40,0 17,5 22,5 -2,2

58 a Nenos 188 78 1.523.858 1.865.157 316.887 123.364 192.643 107.11)


85 2.212.885 1.466.375 613.962 235.707 378.255 88.331 Tabela 22 —Fonte: IBGE
n o s DE 168
70 14.562.453 12.824.666 1.276.288 393.119 823.169 323.913
BS 18.698.284 16.006.090 2.256.148 682.874 1.573.274 273.311
WIALGEM 70 17.582.089 14.106.198 2.643.713 1.155.292 1.488.416 602.21.4
85 23.538.536' 17.687.793 5.037.411 2.195.970 2.841.441 470.07a Deve-se ressaltar também o crescimento da força de trabalho
íiferenca 78/85 no campo em 6 milhões em 10 anos, entre 70 e 85. Deste contin­
Menos 188 HA 4.135.831 3.181.424 979.860 289.755 750.105 -50,5 Í gente mais da metade, 3,2 milhões, foi formado por trabalhadores
tiferenca
I01AL GOAL 78/85 5.948.447 3.581.603 2.393.695 1.040.678 1.353,025 -132.1'n familiares ocupados em estabelecimentos com área inferior a 100 ha.
O contingente de trabalho familiar na década de 70 e metade da dé­
Tabela 21 - Fonte: IBGE cada de 80 registrou um aumento de cerca de 2,2 milhões de traba­
lhadores em relação ao contingente de trabalhadores assalariados nas
classes de área abaixo de 100 ha, entre os camponeses portanto.
A tabela 22 apresenta os dados referentes à participação per­
passou para 16 milhões em 1985. Cabe salientar também que entre centual entre o trabalho familiar e assalariado nos estabelecimentos
as classes de área inferiores a 100 ha o destaque ficou para aquelas abaixo de 100 ha. O que eles revelam é, em primeiro lugar, o pre­
com classes de área abaixo de 10 ha que concentravam praticamente domínio do trabalho familiar em níveis acima de 70%. Mostra, tam­
a metade dos trabalhadores ocupados na agricultura. Outra caracte­ bém, que o trabalho assalariado, embora com participação inferior a
rística é aquela referente ao trabalho assalariado e parceria que estão 30%, conheceu um pequeno crescimento na década. De uma forma
presentes de forma mais expressiva nas classes de área entre 20 e 50 geral, pode-se observar também a presença maior do trabalho assala­
ha, e entre 50 e 100 ha. riado e da parceria nas classes de área acima de 20 ha. No que se re­
92 93
BRO S I L — P E S S O A L, O G U PA DO
BHflSIL
PERCENTUAL EM RELAÇAO AO PESSOAL OCUPADO TOTAL
1 9 7 0 E 1 9 8 5 PESSOAL OCUPADO NOS ESTABELECIMENTOS
Ç la s tts ANO ASSALARIADO RITMO DE CRESCIMENTO - 1970 / 1985
TOTAL FAMILIAR TOTAL PERMANENTE TEMPORÁRIO PARCEIRO
Menos 70 40,0 38,0 1 ,9 0,4 1 ,5 8 ,1
d e 10 85 40,0 37,5 2,3 0,5 1 ,8 8 ,1 ASSALARIADO
DIFERENÇA
1 3 ,0 1 3 ,0 1 .3 0 ,3 0 ,9 0 ,3 entre TOTAL FAMILIAR PARCEIRO
SS nos 83 1 3 ,4 1 1 ,4 1 .3 0 ,4 1 ,1 1970/1985 TOTAL PERM. TEMP.
1 8 ,0 1 3 .0 2 ,3 0 ,8 1 ,5 0 ,7
s s no s 83 1 6 ,8 1 3 .0 3 ,1 1 ,0 2 ,1 MENOS
8 ,6 6 ,0 1 ,8 0 ,7 1 ,1 0 ,6 DE 100 28,4 24,8 76,7 74,0 91,0 - 15,6
338o* 83 9 ,4 6 ,0 2 ,6 1 ,0 1 ,6 0 ,4
MENOS 70 83,0 73,0 7,2 2,2 4,7 1 ,8
DE 100 85 7 9 ,0 68,0 9,5 2,9 6,6 1 ,1 TOTAL 33,8 25,4 90,5 90,0 91,0 - 22,0
TOTAL 70 100,0 80,0 15,0 6,5 8,5 3,4
GERAL 85 100,0 75,0 9 ,0
Tabela 24 - Fonte: IBGE
21,0 12,0 2,0
B i í S r í S Ô 7Bft83 7 0 ,0 53,0 16,0 5,0 13,0 -0,8
100,0 60,0 40,0 17,0 23,0 -2,2

Tabela 23 —Fonte: IBGE


A tabela 24 mostra, por sua vez, uma realidade distinta das
anteriores, e com significado qualitativo diferente. Os estabeleci­
mentos com área abaixo de 100 ha cresceram entre 1970 e 1985 me­
fere ao crescimento no período, podemos verificar que o trabalho nos que o total do país. Eles cresceram 28,4%, enquanto no geral do
familiar teve uma participação expressiva de 77%, contra 23% do país houve um crescimento de 33,8%. Outra peculiaridade foi o rit­
trabalho assalariado. E também importante observar que em termos mo de crescimento do trabalho familiar que foi de 25% enquanto o
gerais no pais, essa participação no montante do crescimento do pes­ trabalho assalariado cresceu acima de 75%. Esse ritmo elevado de
soal ocupado entre 1970 e 1985, a participação é menor que aquela crescimento do trabalho assalariado em termos percentuais, entre­
dos pequenos estabelecimentos, ou seja, 60% para o trabalho fami­ tanto, não tem sido suficiente para apresentar alterações estruturais
liar e 40% para os assalariados. Isso mostra que o crescimento do na distribuição da força de trabalho entre aqueles de origem familiar
exército de trabalhadores assalariados cresceu muito mais nos esta­ e aqueles de origem assalariada.
belecimentos com área acima de 100 ha. Assim, a realidade geral expressa pelos dados demonstra, de
Os dados presentes na tabela 23, por sua vez, mostram que a forma inequívoca, a supremacia numérica do trabalho familiar sobre
distribuição dos trabalhadores pelas classes de área revela sua o trabalho assalariado total, ficando a primeira forma com 80,2% em
concentração nas classes abaixo de 20 ha. As alterações entre 1970 1970 e 75,2% em 1985, e a segunda com 15,0% em 1970 e 21,4%
e 1985 não foram significativas, embora se possa verificar a presença em 1985.
majoritária do trabalho familiar sobre o assalariado e o decréscimo Esses percentuais estão distribuídos de maneira heterogênea
da parceria em todas as classes de área. quando se levam em conta as classes de área. Os estabelecimentos
94 95
com área inferior a 100 ha apresentaram a situação mais radical:
88,1% em 70 e 85,6% em 85, representavam a presença do trabalho
familiar. Nas classes entre 100 e 1.000 ha ocorreu um relativo equi­

Tabela 25 - Fonte: IBGE


líbrio entre as duas formas de trabalho (familiar e assalariada). E as P-o* 00
io -JÍa H co
tí01 VIO IO a oi osW 0tf0 aH IO
T 03 C0 P» CCOO Cff*O

64 , 62
7 5 ,6 9
6 9 .7 1
classes de estabelecimentos acima de 1.000 ha apresentaram uma ( X co
N aN so
H > tf a
oi oi tf H H 03 IO 10 tf
10 IO IO C
0 a a a

situação invertida, correspondendo 30,0% em 1970 e 20,0% em 0 ® «í W co 0N011 HIO


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COO *n03 £ff*
IO œ í os tfP- ®sfi tfH03
§ 01 tfC0 CIOO V v0 03
1985 ao trabalho familiar (certamente, aqueles ligados à administra­ 0 (53 C
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>3Ic 03 co r» C0 N C0N «At0 aH aH Hos


t- co p-
C0 0Î a01 0011 p-N
C0 tf
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ção dos estabelecimentos) contra 70,0% em 1970 e 80,0% em 1985 A os

de trabalho assalariado. fc “ 0
3 12
\0 CO IO
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03 P-H OVÛ
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OS 0tf1 tfff* tf
tf0S a •£01 0IO1 CHO ff»
HH C0 C^ htf tfa tfh co 03 os
IO tf tf 00 IO
on H CO Htf H HOS 0P-1
Esses dados refletem a combinação desigual do desenvolvi­ U 5
0 .
mento do capitalismo que reproduz no grande estabelecimento o tra­ sr*
i (T* oU CtfO *CO Htf HC0 IO
® ff* CO H ff* Os H«vO SH IO
2 HS ®aIOmIO tf
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Hh CcoO Oa
01 01 H
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balho assalariado e simultaneamente cria e recria o trabalho familiar iff "i
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00 IO OS 00 co 0 ff> aIO
p-H1 Hr» CM
tfH tfvo œ00
tf tf tf
nos pequenos estabelecimentos. Para que a evidência da realidade
apareça de forma mais contundente, sugerimos a observação dos da­ !» | m n io P-tf HIO IO 01 atf co P- oi<4 oio> aa co a IOP- S001 C03O IO
tf 0011 tftf
H S X <ívo Cp-O IOco ^ í <0 vû v£ Os 01 01 01 P- H HH a a g
IO C O
dos da tabela 25 que apresenta o quadro de força de trabalho no Ç\ aw
00 co co

campo pelo número de estabelecimentos. oi


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HCO tfP-C0 H01
IO
í 0nca1 4a00 co
C0 oiH aPi f-osH Stf050 crtfCT OosS OOS» HCO 0IOS OP» IO
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A primeira informação a ganhar realce é aquela ligada ao nú­ a n "
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IO C0 IO osH a01 co
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01 N ú Î
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CO tf\0 1tf0 IO
mero de estabelecimentos sem pessoal contratado, que apresentava tf tf tf
1 1
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co co co
em 1970, 82,96% do total dos estabelecimentos, 83,39% em 1975 e KH g n o» 03
H IO tf IO Cff*O C03O «Û
y co IO
C0 H0 O10S Oos* 01
X tfN oiCO aOS P- P- 0 r- r- h CO 01 01 OS P- s0
OS S 1 i
79,04% em 1980. A variação entre as classes de área permanece R U '!
Wo C0 C0 P- H H H H H sH Hi Hi
constante, pois os estabelecimentos com menos de 100 ha estão com J °
w <è Ja ff*
percentual acima desses totais enquanto aqueles com área acima de fl S H CÇ0O HIO co
00 aCO *úoi n a ^ CO CO IO
00 ff* t
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£ 2 aIO OOS 00
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1.000 ha estão com percentual em tomo de 20%. Com.relação à pre­ H i C0 IO
C a4 h4 a
CIOO Hos CO CO os
CO CO IO P-CO osCO IO
C03O HCO CO
HH
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tf01 OC0S IO
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sença de pessoal contratado permanente, a situação no geral inver- !» o


H '1
tf tf IO
te-se, pois do total dos estabelecimentos com menos de 100 ha ape­ w 1 ap- iop- aco sP- ioP- a03 aP- loP- a03 aP- ioP- aco aP- p-10 aco aP- 1P-0 aco
nas 4,47% em 1970, 4,51% em 1975 e 6,25% em 1980 tinham pes­ fl =w 2<E

soal assalariado permanente. Enquanto isso, os estabelecimentos 0 i s< c


com mais de 1.000 ha que tinham trabalhadores permanentes atingi­ K B
WS flí H

ram 64,62% em 1970, 69,71% em 1975 e 75,69% em 1980. 1 ë


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A presença de pessoal assalariado temporário nos estabeleci­ z •tí a
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mentos não tem sido muito expressiva (embora em 1980 as classes IA
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com mais de 1.000 ha concentrassem 40% desses trabalhadores) de­ G « «
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H

vido à contratação de serviço por empreitada. Registrou-se essa E S w s si 8

contratação em 1970 em 17,75% do total dos estabelecimentos com


96 97
menos de 100 ha, em 1975, 15,26% e em 1980, 13,88%. Entre­
tanto, em 1970, 55,29%; em 1975, 54,84 e em 1980, 58,10% do BRAS IL
total dos estabelecimentos com mais de 1.000 ha utilizavam-se des­ SERUIÇO DE EMPREITADA - 1 9 8 0
se serviço. Certamente esses proprietários procuraram burlar a le­
gislação trabalhista no campo, através desse expediente. Mas essa Classes de Henos 100 a 1.000

alternativa é utilizada de forma ampla pelos estabelecimentos com área (HA)


TOTAL
de 190 - 1.000 e Mais
mais de 100 ha, e de forma reduzida, 14% em 1980, pelos estabele­ T O M GERAL DOS
cimentos com área inferior a 100 ha. No geral, apenas 17% dos es­ ESTABELECIMENTOS
5.159.851 4.614.795 488.521 47.841
tabelecimentos do país em 1980 utilizavam-se do serviço de
empreitada. TOTAL dos CX)
estabelecimentos com
16,% 13,88 41,99 58,10
A tabela 26 registra a distribuição das atividades desempenha­
das pelos trabalhadores contratados através do serviço de empreita­
SERVIÇO DE EMPREITADA

da. Se compararmos a situação entre as classes de área abaixo de Preparo do solo 5,76 5,03 11,77 14,97
100 ha e aquelas acima de 1.000 ha, observamos pouca utilização do Plantio 4,44 3,58 11,46 16,47
serviço de empreitada nos estabelecimentos com menos de 100 ha 3,35 10,42 13,49
(13,88%); utilização maior (41,99%) nos estabelecimentos com área
Tratos culturais 4,11

entre 100 e 1.000 ha; e uma presença ainda mais forte (58,10%) nos Colheita 5,50 4,94 10,24 11,89

estabelecimentos com área acima de 1.000 ha. Essa análise está pre­ LiMpeza de pastos 5,54 3,30 23,79 35,47

sente na tabela 26, a qual expressa, de forma detalhada, a distribui­ Outros serviços 3,59 2,57 11,11 24,21

ção do serviço de empreitada pelas diferentes etapas do processo de


trabalho no campo. Uso de «ão-de-obra 13,97 10,95 38,58 54,38

5,96 5,26 11,46 17,81


Assim, podemos observar que a relação de trabalho especifi­ Uso de equipaMento

camente capitalista (assalariamento) aparece distribuída de forma de­


sigual entre os estabelecimentos agropecuários do país, e não domi­ Tabela 26 - Fonte: IBGE
na, em hipótese alguma, quantitativamente a agricultura brasileira. É
a presença do trabalho familiar que quantitativamente domina o
campo brasileiro.
Nesse particular, cabe esclarecer que o processo contraditório
de criação e recriação da unidade familiar é componente inerente do O VALOR DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
desenvolvimento capitalista em nosso país. Em conseqüência do
avanço das relações de trabalho e produção especificamente capita­ Os dados referentes ao valor da produção têm sido evocados
listas, ocorre um avanço contraditório das relações baseadas no tra­ como “salvadores” da tese do domínio total e absoluto da presença
balho familiar, alimentando-as e alimentando-se delas, no movi­ da relação de produção e de trabalho especificamente capitalista no
mento geral de produção e reprodução do capital. pampo no Brasil. Argumenta-se que embora as dimensões territo­
98 99
riais das propriedades sejam reduzidas, elas poderão apresentar ele­ produção agropecuária do país. Representavam ainda, em 1980,
vados valores de produção, e que essa massa de propriedades ainda 30% da produção animal total e cerca de 55% do total das lavouras
com a presença do trabalho familiar representa pouco economica­ permanentes e temporárias. Cabe ressaltar também sua menor pre­
mente para o país. sença nos setores de pecuária de grande porte, silvicultura e extra­
Em função dessas afirmações freqüentes entre os estudiosos da ção vegetal, que são dominados pelos estabelecimentos de mais de
questão agrária no Brasil, apresentamos a tabela 27 relativa ao valor 100 ha. Se cruzarmos as informações de predomínio do trabalho as­
da produção animal e vegetal em 1980. salariado nas propriedades com área acima de 100 ha com estes da­
dos de valor da produção podemos verificar que a relação de traba­
BHflSIL lho e produção capitalista aparece de forma dominante em apenas
alguns setores da atividade agropecuária.
UflLOF Dfi FHODUÇflO - 1 9 B 0 <X> Ainda com relação ao valor da produção apresentamos também
os dados referentes à rentabilidade média anual em cruzeiros, por
Classes de
TOTAL
Menos de 100
100 a 1.000 estabelecimentos e por área entre os estabelecimentos das várias
área (HA) - 10
10 a
-100
sub­ classes de área em 1980 (tabela 28).
total -1.000 e nais
Podemos observar que a desigualdade na distribuição da rique­
TOTAL GERAL 100,0 13,0 37,7 50,7 33,2 16,1 za é evidente e muito mais que isso, a rentabilidade por unidade de
área revela uma diferença violenta entre as pequenas unidades de
PRODUÇÃO
Grande Porte 27,0 1.3 7,0 8 ,3 11.5 7,4 área e as grandes. É baixa a rentabilidade média por hectare nos
ANIMAL
Médio Porte 4,7 0,9 2,6 3, 5 0,8 0,2 grandes estabelecimentos deste país, 40 vezes menor do que a renta-
Pequeno Porte 7,5 2,1 3,9 6 ,0 1,3 0,2
TOTAL 39,2 4.3 13,5 17, 8 13.6 7,8
PRODUÇÃO TOTAL
56.5 8,3 22,9 31,2
BHflSIL
18.4 6,9 RENTABILIDADE MÉDIA ANUAL - 1988
VEGETAL Peraanente 12.5 1,6 5,7 7,3 4.4 0,8
Teuporária 44,0 6,7 17,2 Classes de ãrea-HA ESTABELECIMENTOS/(CR$) HA/(CRÍ)
23, 9 14,0
Nenos de 10 76.910,21 22.191,07
SILVICULTURA 1,2 0,0 0,1 0, 1 10 a 100 288.128,07 9.009,93

EXTRAÇÃO VEGETAL MENOS DE 100 169.217,42 10.624,74


3,1 0,4 1,2 1 1,6 0,8 0,7
100 a - 1 000 1.049.472,20 4.043,32

Tabela 27 - Fonte: IBGE Hais de 1.000 5.160.116,00 1.500,18


1000 a - 10.000 4.711.584,30 2.050,32
Hais de 10.000 13.862.207,00 541,71

Como podemos observar, no geral as propriedades com super­


fície inferior a 100 ha foram responsáveis por 50,7% do valor da Tabela 28 —Fonte: IBGE
100
~ r l S O -Õ S j
bilidade média dos estabelecimentos com área inferior a 10 ha. Isso
abre perspectivas para entendermos o processo de desenvolvimento BRASIL
desigual do capitalismo, e na essência, o real motivo de uma estrutu­ PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS ESTABELECIMENTOS COH HENOS DE 100 HA
ra fundiária concentrada, a terra funcionando como reserva de valor, NO VOLUME DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
ou seja, a terra sendo apropriada para se obter a renda capitalista da
terra, ou para subtrair a renda camponesa onde esta produção se de­ PRODUÇÃO AGRÍCOLA 1970 1975 1980 PRODUÇÃO AGRÍCOLA 1970 1975 1980
senvolve. Morango - 100,0 11»,0 Algodão eN caropo 69,9 64,1 65,6

Abóbora - 87,3 99,8 Algodão arboreo - 60,2 61,8

Batata-doce - 100,0 98,9 Café eH grao 53,4 59,8 55,2

VOLUME DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA Melancia - 97,4 98,7 Agave -


52,2
48,4
47,9
53,8
53,5
Juta - 99,7 98,4 Cacau

Fumo en folha - 96,4 97,2 Trigo eH grão 49,5 43,4 47,0


Com relação ao volume da produção agropecuária dos estabe­ Mansna 96,9 97,2 Soja eH grão 55,2 55,4 46,2
lecimentos com menos de 100 ha, verifica-se seu predomínio na 60,1 50,2 44,7
produção da grande maioria dos produtos, o que reforça a tese de Uva 95,2 96,1 95,6 Laranja

que a produção agrícola deste país depende fundamentalmente dos Alho - 100,0 92,9 Arroz eH casca 54,8 49,5 37,1

estabelecimentos de pequenas dimensões, em que prevalece o traba­ Cebola - 99,8 99,1 Cana-de-acúcar 22,6 17,5 15,3
lho familiar. Melão - 99,4 85,1 PRODUÇÃO ANIMAL
Como podemos verificar pela tabela 29 os estabelecimentos 89,1 87,5 Bovino - Total 25,2 27,2 25,6
controlados pelos camponeses no Brasil são responsáveis por mais Mandioca 88,1

de 50% do volume da produção agrícola e animal do país, embora Feijão eN grão 83,3 82,7 78,6 Bovino - Abatido 30,5 48,7 34,8

disponham de apenas pouco mais de 20% das terras dos estabeleci­ Batata-inglesa 80,8 78,1 75,2 Leite 49,7 48,1 47,2

mentos. Escapam desse controle apenas aqueles produtos agrícolas Tonate - 79,1 74,5 Suíno - Total 82,8 81,7 81,2
nos quais o capital tem investido em maior escala como é o caso do Coco-da-baia - 65,5 71,7 Suíno - Abatido 85,2 83,0 82,5
trigo, da soja, da laranja, do arroz e sobretudo da cana-de-açúcar; 87,3 85,0 32,2
e também da pecuária bovina cuja produção se concentra nos esta­ Banana 72,8 73,5 71,6 Aves - Total

belecimentos acima de 100 ha. AHendoiM eH casca 88,3 77,3 68,7 Aves - Abatidas 87,5 86,5 81,5

Cabe esclarecer aqui o fenômeno que está ocorrendo com a Milho eN grão 75,4 71,9 68,2 Ovos 87,2 82,6 76,3

produção de soja, laranja e arroz que eram produtos igualmente, pro­


duzidos em maior escala nas unidades com área abaixo de 100 ha até Tabela 29 - Fonte: IBGE
1975, situação que se inverteu em 1980. Ocorre aqui uma alteração
estrutural no processo produtivo, pois a soja e o arroz, com a expan­
são na área de cerrado do Centro-Oeste, vêm sendo cultivados em
estabelecimentos com área superior a 100 ha. O mesmo ocorre com a
laranja, que em função dos preços internacionais do suco passa a ser
cultivada também em unidades de área acima de 100 ha.
102 103
Na realidade, estamos diante de uma certa divisão territorial e rações, e com carinho homenagear os camponeses daquele estado e
setorial da produção agropecuária no Brasil, em que camponeses e do país todo:
capitalistas disputam o mercado dos diferentes produtos.
Em suma, procuramos contribuir para esclarecer o papel e as Lições da Terra
características da produção camponesa no país, e conseqüentemente Por esta verga, rotineira em que caminhas
do campo brasileiro. Como boi manso ponteando a lavração
Vira e revira no silêncio do arado
A nova terra para outra plantação.
DE OLHO NO FUTURO Neste teu rosto existem rugas que são vergas
E pelas veias do teu corpo correm rios
Os grossos dedos de tuas mãos são como as dargas
Para encerrarmos esta breve análise da agricultura camponesa Cortando as terras e as tranqueiras com seus fios.
no Brasil, lembramos nossas afirmações iniciais: a sujeição da renda Tem muita gente que é mais árida que a terra
da terra ao capital é o processo fundamental que rege a relação entre Quando explora, te expulsa e te maltrata
o pequeno lavrador camponês e o capital. Esse processo é de extre­ E a terra bruta como homem não se entrega
ma importância para se compreender a estrutura e a dinâmica do E vai um dia se vingar de quem a mata.
campo brasileiro. Quanto se aprende pilhando claro em nossa volta
Esse processo contraditório, todos sabemos, tem de ser enten­ Semente frágil se transforma em linda fruta
dido no contexto dialético das afirmações de Marx: Neste entrevero de homens, plantas e de bichos
Brota a certeza de que a vida é sempre luta.
O modo capitalista de produção e de apropriação, e portanto
a propriedade privada capitalista, é a primeira negação da Pequeno agricultor tu és o grande
propriedade privada individual fundada no trabalho próprio. Plantador da nova roça que sonhamos
Mas, a negação da produção capitalista se produz por si mes­ D o calo de tuas mãos há de brotar
ma, como a necessidade de um processo natural. É a negação O fruto da justiça que sonhamos.
da negação. Esta segunda negação restaura a propriedade pri­
vada individual, porém sob o fundamento da conquista alcan­
çada pela era capitalista: a cooperação de trabalhadores livres
e sua propriedade coletiva sobre a terra e sobre os meios de
produção produzidos pelos seus próprios trabalhos (Marx, to­
mo I, vol. 3: 1984: 953/A).
É, pois, por entender a importância da produção camponesa no
contexto agropecuário do país que escolhemos os versos do poema-
canção Lições da Terra de autoria de Humberto Zanetta, Ribamar
Machado e Luiz Carlos Borges apresentado na 10- Califórnia da
Canção Nativa do Rio Grande do Sul, para finalizar nossas conside­
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ser mortal, entre os posseiros, índios, garimpeiros, colonos, etc., e
OS POSSEIROS os jagunços, pagos por fazendeiros e empresários deste país.
E A LUTA CONTRA 0 CAPITAL Esses conflitos têm sua raiz na estrutura econômica brasileira,
ou seja, na própria dinâmica de desenvolvimento do modo capitalista
de produção monopolista em território brasileiro.
A amplitude desses conflitos pela terra tendo como vítimas ín­
dios e posseiros, entre outros, tem razão estrutural, pois estão pre­
sentes duas formas de propriedade da terra não(anti)capitalista, co­
mo escreveu José de Souza Martins, a propriedade tribal comunitária
e a posse. Formas de propriedade que instauram a subversão da pro­
priedade capitalista. Formas de propriedade que distinguem funda­
mentalmente a terra de trabalho da terra de exploração; distinguem a
terra para trabalhar da terra para explorar o trabalho alheio.
É por isso que o Estado e as classes dominantes se levantam
“Segue nessa marcha triste contra essas formas de propriedade, tentando por todos os meios
Seu caminho aflito aniquilá-las. Mas se a condução da luta é distinta entre si, com rela­
Leva só saudade
E a injustiça ção aos índios e posseiros, esses, por sua vez, têm demonstrado uma
Que só lhe fo i feita vitalidade de expansão que constitui concretamente a prática da trai­
Desde que nasceu ção às leis do capital. Pois o que assistimos nos últimos decênios
Pelo mundo inteiro não é uma expropriação e uma conseqüente proletarização da totali­
Que nada lhe deu’ ’
(Valle) dade dos trabalhadores do campo, mas sim uma ocupação por parte
dos expropriados, de novas áreas, nos mesmos estados de origem ou
na Amazônia Legal.
Esse aumento significativo dos posseiros, configurado nos cen­
OS POSSEIROS E OS CONFLITOS sos agropecuários de 1960/1970/1975/1980/1985, e a conseqüente
luta entre esses posseiros e o capital é que dão a característica pecu­
Os conflitos pela terra no Brasil assumem, a cada dia que pas­ liar à expansão do capital no campo. É por isso que o eixo principal
sa, características de uma verdadeira luta armada no campo. O tra­ da questão política no campo está na expropriação e não na explora­
balho de Murilo de Carvalho intitulado Sangue da Terra é um ção, como tem demonstrado com grande felicidade José de Souza
exemplo eloqüente desta situação. Outros exemplos são o trabalho Martins.
de Vera L. G. da Silva Rodrigues e José Gomes da Silva intitulado Esse fato provocou a manifestação da Igreja através do docu­
Os conflitos de terra no Brasil, o Massacre dos Posseiros de Ricar­ mento Itaici de 1980 “Igreja e Problemas da Terra”. Essa manifesta­
do Kotscho e o nosso próprio Geografia das lutas no campo. Esses ção do episcopado brasileiro marcou no seu eixo principal a conde­
trabalhos têm mostrado à inteligência brasileira o que está ocorrendo nação do capitalismo e especificamente da propriedade “capitalis­
no campo, por todo o país: a luta, que na maioria das vezes, chega a ta”. Dessa posição
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decorre a formulação concreta de uma sociedade nova que nas­ os grupos executivos são órgãos de emergência e de intervenj
ce da contradição da sociedade capitalista, como resultado da ção militar, como se estivéssemos numa situação de guerra. É
consciência crítica, da mobilização, da organização e das lutas um recurso para evitar que a questão efetiva e básica do regime
populares que já estão ocorrendo no campo. O documento de de propriedade seja colocada em debate, juntamente com os
Itaici apresenta a grande novidade de se constituir num mani­ compromissos do governo, de modo que o Legislativo pudesse
festo anticapitalista que não nasce das contradições ideológicas fazer agora, como fez em 1850, a reformulação do direito de
e meramente teóricas. É um documento que codifica e sistema­ propriedade em nosso país, ajustando-o à realidade destes tem­
tiza todos esses anos de Pastoral da Terra, nascida das lutas pos e aos interesses dos trabalhadores do campo (Martins,
sociais no campo, dos conflitos abertos ou aprofundados pelo 1980: 90).
grande capital. É um documento que vem de baixo para cima, O governo militar do general Figueiredo foi mais além, no cla­
em que os bispos assumem a tarefa evangélica de dar voz a ro reconhecimento da situação em que viviam e ainda vivem os pos­
quem não a tem (Martins, 1980: 39). seiros em conflito deflagrado; criou uma solução paliativa, â Lei do
Usucapião Especial (26/11/81) que permitiu a efetivação e o reco­
De forma clara, Martins destaca que o documento da Igreja nhecimento da posse em terras não tituladas e ocupadas por no mí­
constitui-se em verdadeiro “documento da Terra Prometida”, pois nimo cinco anos, mas fora das áreas em litígio. O problema é que o
“em Itaici, a Igreja condena o capitalismo no campo e prevê sua su­ Estado atualmente não patrocinou a distribuição dos títulos de pro­
peração”. priedade massivamente. Dessa forma, continuou atuando como todos
Em função do caráter que esse movimento no campo adquire é os outros governos militares, que estão repletos de leis e medidas
que o Estado brasileiro, representado pelo governo militar, na defesa para a promoção da distribuição de titulação, que pouco se efetivam
dos interesses das classes dominantes, criou o GETAT - Grupo na realidade. A questão é que essa distribuição tem ficado restrita
Executivo de Terras do Araguaia-Tocaritins, órgão subordinado ao apenas às áreas de conflitos, numa clara intenção de frear os refle­
Conselho de Segurança Nacional, para intervir na área que conheceu xos desses conflitos. Mas mesmo agindo assim, certamente os refle­
a guerrilha de Xambioá (1972/1974). Essa intervenção de um órgão xos da necessidade da luta pela terra tem-se espalhado pelos confins
militar para “resolver” conflitos de terra nessa região do pais, é uma dos sertões de boca em boca entre os posseiros.
verdadeira “guerra interna” como a denominam os órgãos de segu­ É assim que concebemos a discussão da luta dos posseiros
rança. Na verdade é o recurso extremo para evitar que a questão contra o capital, e nessa perspectiva é que procuraremos desenvolvê-
principal venha a debate, ou seja, que o governo assuma a necessi­ lo. Trataremos primeiramente das questões teóricas que envolvem
dade de discutir a questão do regime de propriedade. Sobre essa a terra e os posseiros no modo capitalista de produção; discutiremos
questão Martins afirma: depois, a situação geral dos posseiros no Brasil de hoje, e finaliza­
remos tratando da situação política no campo e os posseiros.
Na prática, a criação desses grupos de intervenção federal
constitui o reconhecimento público, por parte do governo, da
completa falência do sistema institucional na solução do pro­ A QUESTÃO DA TERRA
blema fundiário do país. Concretamente significa que as insti­ E O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
tuições administrativas e judiciárias não têm a menor condição
para enquadrar e solucionar a grave e crescente questão social
da terra. As funções e compromissos dessas instituições estão As questões que envolvem o campo no Brasil nos dias atuais,
baseadas numa concepção do que deveria ser a realidade social
completamente distinta do que efetivamente é. De fato, são fruto do desenvolvimento do modo capitalista de produção em
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sua fase monopolista. No país, a questão agrária tem duas faces O processo de expropriação no meio rural brasileiro está arti­
combinadas: a expropriação e a exploração. culado com as transformações nas relações de trabalho na agricultu­
Em função da violenta concentração da propriedade fundiária, ra e com as migrações para as cidades e para outras partes do país.
um grande número de pequenos lavradores perde ou deixa o seu O número de expropriados eleva-se dia a dia, porém o número de
principal meio de trabalho (a terra) para os capitalistas de todos os empregos não cresce na mesma proporção. Isso se deve à tendência
tipos. Esse processo é realizado diretamente por grandes empresas geral das grandes empresas capitalistas, quer no campo, quer na ci­
capitalistas nacionais ou multinacionais, sob o manto protetor e os dade, em modernizar seus processos de trabalho e adotar tecnologias
incentivos financeiros do Estado. O país inteiro tem sido sacudido, avançadas que fundamentalmente diminuem o uso de mão-de-obra.
inúmeras vezes de forma violenta, por esse processo de expropria­ Essa política de modernização conta hoje com o beneplácito do Es­
ção. Murilo de Carvalho em Sangue da Terra retratou muito bem tado que a incentiva através de assistência técnica gratuita e finan­
momentos desse processo na Amazônia, em Itaipu e no sertão da ciamentos bancários com juros subsidiados. Como exemplo, basta
Bahia. Mas apenas alguns conflitos chegam a vir à tona; muitos não lembrar os efeitos provocados no campo com o uso de herbicidas.
são divulgados. No entanto, a grande faceta desse processo de ex­ Ao realizar a expropriação do trabalhador, o capital cria as
propriação não tem sido percebida pela sua falsa aparência de um condições sociais para mostrar a outra face do seu processo de re­
processo sem conflito. produção: a exploração do trabalhador que já foi expropriado. O
Esse processo tem na expropriação a característica principal do trabalhador
processo de expansão do capitalismo. Constitui-se, portanto, num
componente de lógica da reprodução do capital. terá agora que vender a sua força de trabalho ao capitalista,
segundo regras de mercado, e não conforme as suas necessida­
O capital só pode crescer, só pode se reproduzir, à custa do des reais. Já não é ele, o trabalhador, quem diz quanto precisa
trabalho, porque só o trabalho é capaz de criar riqueza. Por is­ juntamente com sua família para sobreviver; é o capital que lhe
so, uma lei básica do capital é a de subjugar o trabalho. Não há dirá quanto quer pagar segundo as leis do mercado. Se houver
capitalismo sem subjugação do trabalho. Assim, na medida em muita gente procurando trabalho, se for muito grande o número
que o trabalhador vende a sua força de trabalho ao capitalista, de expropriados que não conseguiu encontrar emprego, a ten­
mediante o salário, os frutos do seu trabalho aparecerão neces­ dência será a queda dos salários, a sua redução a níveis até in­
sariamente como frutos do capital que o comprou, como pro­ feriores às necessidades mínimas vitais do trabalhador (Mar­
priedade do capitalista. Para que isso ocorra é necessário sepa­ tins, 1980: 56).
rar o trabalhador dos seus instrumentos de trabalho, para evitar
que o trabalhador trabalhe para si mesmo, isto é, para evitar Entretanto, ao mesmo tempo em que o capital cresce, e esta é
que deixe de trabalhar para o capitalista. A instauração do di­
vórcio entre o trabalhador e as coisas de que necessita para sua tendência constante, acumula contradições intrínsecas a esse
trabalhar — a terra, as ferramentas, as máquinas, as matérias- crescimento. Esse crescimento não pode ocorrer sem o trabalho e,
primas —é a primeira condição e o primeiro passo para que se simultaneamente, dispensa esse trabalho pois
instaure, por sua vez, o reino do capital e a expansão do capi­
talismo. Essa separação, esse divórcio, é o que tecnicamente se
chama de expropriação - o trabalhador perde o que lhe é pró­ ... a produção já não é mais individual e artesanal - agora ela é
prio, perde' a propriedade dos seus instrumentos de trabalho. uma produção social, baseada na divisão do trabalho e no tra­
Para trabalhar terá que vender a sua força de trabalho ao capi­ balho combinado de centenas e milhares de trabalhadores.
talista, que é quem agora tem esses instrumentos” (Martins, Apesar, porém, de o capital ter socializado completamente a
1980: 54/55). produção, implantou ao mesmo tempo a apropriação privada
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dos resultados dessa produção. O capital tem de crescer, que se trabalho de outrem; é propriedade direta de instrumentos de
ampliar, enquanto se reproduz, enquanto é aplicado na produ­ trabalho por parte de quem trabalha. Não é propriedade capita­
ção. Nenhum capitalista fará o investimento para ganhar menos lista; é propriedade do trabalhador. Seus resultados sociais são
do que investiu. A reprodução ampliada está, pois, na própria completamente distintos, porque nesse caso a produção e re­
essência do capital. A medida que o capitalismo cresce e cria produção das condições de vida dos trabalhadores não é regu­
mais problemas do que soluções; à medida que se pode obser­ lada pela necessidade de lucro do capital, porque não se trata
var que esse descompasso nem depende dos capitalistas nem de capital no sentido capitalista da palavra. O trabalhador e la­
do Estado, pois frutifica de contradições que são inerentes ao vrador não recebem muito. Os seus ganhos são ganhos do seu
próprio processo de reprodução do capital; à medida que a re­ trabalho e do trabalho de sua família e não ganhos de capital,
produção ampliada do capital é necessariamente, ao mesmo exatamente porque esses ganhos não provêm da exploração de
tempo, reprodução ampliada das contradições sociais, a ten­ um capitalista sobre um trabalhador expropriado dos instru­
dência será a de que as vítimas procurem uma solução (Mar­ mentos de trabalho.
tins, 1980: 57/8). Apenas quando o capital subordina o pequeno lavrador, con­
trolando os mecanismos de financiamento e comercialização,
No Brasil, o processo de desenvolvimento do capitalismo nos processo muito claro no sul e no sudeste, é que sub-repticia-
mostra claramente o processo de expropriação do lavrador pelo ca­ mente as condições de existência do lavrador e sua família,
suas necessidades e possibilidades econômicas e sociais, co­
pitalista, e não como se poderia imaginar os grandes capitalistas meçam a ser reguladas e controladas pelo capital, como se o
“engolindo” os pequenos. O país vive uma distinta oposição entre próprio lavrador não fosse o proprietário da terra, como se fos­
os diferentes regimes de propriedades. Entre esses regimes encon­ se um assalariado do capitalista. Quando o capital se apropria
tramos o da propriedade capitalista que se incumbe de levar os con­ da terra, esta se transforma em terra de negócio, em terra de
flitos aos trabalhadores rurais e lavradores; e os regimes de proprie­ exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa
dade que têm sido atacados pelo capital, como o da propriedade fa­ da terra, ela se transforma em terra de trabalho. São regimes
distintos de propriedade, em aberto conflito um com o outro.
miliar, da propriedade comunitária e o da posse. Quando o capitalista se apropria da terra, ele o faz com o in­
Para esclarecer os conceitos de regimes de propriedades capi­ tuito do lucro, direto ou indireto. Ou a terra serve para explo­
talista, familiar e da posse devemos lembrar que rar o trabalho de quem não tem terra; ou a terra serve para ser
vendida por alto preço a quem dela precisa para trabalhar e não
a propriedade capitalista é um regime distinto da propriedade. a tem. Por isso, nem sempre a apropriação da terra pelo capital
Baseia-se no princípio da exploração que o capital exerce so­ se deve à vontade do capitalista de se dedicar à agricultura. O
bre o trabalhador que já não possui os instrumentos e materiais monopólio de classe sobre a terra assegura ao capitalista o di­
de trabalho para trabalhar, possuídos agora pelo capitalista. reito de cobrar da sociedade inteira um tributo pelo uso da ter­
Nesse caso, a propriedade capitalista é uma das variantes da ra. É a chamada renda fundiária ou renda da terra. A renda não
propriedade privada, que dela se distingue porque é proprieda­ existe apenas quando a terra é alugada; ela existe também
de que tem por função assegurar ao capital o direito de explo­ quando a terra é vendida.
rar o trabalho; é fundamentalmente instrumento de exploração. Alugar ou vender significa cobrar uma renda para que a terra
Por isso não podemos confundir a propriedade capitalista seja utilizada. É o que se está observando agora nos chamados
com a propriedade fam iliar, ainda que propriedade privada. projetos de colonização particular. Posseiro não pode ter aces­
São coisas completamente diferentes, ainda que a passagem so à terra e dela é expulso porque não pode pagar por ela. Em­
de uma a outra seja muito sutil e a muitos pareça não existir bora o Estado ceda essas terras a preços simbólicos a empresá­
diferença alguma. rios capitalistas para que as revendam, para que negociem com
A propriedade familiar não é propriedade de quem explora o elas. Fica com a terra quem pode pagar por ela. A terra é
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completamente diferente dos outros meios de produção. grandes pensam que são donos” (Lavradores brasileiros —in Ca-
A apropriação de uma máquina pelo capitalista e, através dela, merman, 1980: 25).
do trabalho do operário, pode parecer legítima na medida em Mais de um milhão de famílias de posseiros existentes no Bra­
que, tendo os trabalhadores que a produziram trabalhado sob sil travam uma surda batalha pelo reconhecimento de que a terra é
tutela do capital, mediante o salário, o resultado do seu traba­ um bem coletivo, um bem comum, sujeito ao trabalho privado, mas
lho aparece como produto do capital. O mesmo não acontece não à propriedade privada (Martins, 1980: 42).
com a terra. Já constatavam os economistas clássicos dos sé­ O caráter anticapitalista dos conflitos pela terra no Brasil de
culos XVIII e XIX que a propriedade capitalista da terra é uma hoje deve ser entendido no seio do próprio processo de desenvolvi­
irracionalidade porque a terra não é produto do trabalho e, por
isso mesmo, não pode ser produto do capital. A terra é um bem mento do modo capitalista de produção - que no modelo clássico
natural. conheceu um desenvolvimento diverso - em que a concentração da
Pesquisadores têm observado, entre lavradores brasileiros, que terra e das propriedades,
eles próprios podem perceber na existência direta, como cos­
tumam dizer, que “a terra é uma dádiva de Deus”, por isso é tendia a proletarizar o lavrador, de modo a obrigá-lo a procurar
de todos. Por essas razões é que os posseiros de vastas re­ trabalho junto ao proprietário que o expropriara. No nosso ca­
giões se concedem o direito de abrirem suas posses nas cha­ so, de diminuição crescente de emprego no campo, a concen­
madas terras livres, desocupadas e não trabalhadas, sem ‘ ‘si­ tração opera de modo diferente. Em vez de produzir a proleta-
nal de ferro’’, de vastas regiões desertas, pois entendem que a rização do lavrador, produz a sua exclusão do regime de pro­
terra é um patrimônio comum, é de todos. Só é legítima a pos­ priedade, levando-o a continuar lavrador autônomo sem pro­
se porque baseada no seu trabalho. E o trabalho que legitima priedade, especialmente na condição de posseiro. Esse é um
a posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade. dos motivos pelos quais a posse deve ser vista como a negação
Esse direito está em conflito com os pressupostos da proprie­ da propriedade, como uma das contradições da propriedade
dade capitalista (Martins, 1980: 59/61). privada, como a manifestação subversiva do direito à terra que
nasce dentro do próprio ventre da propriedade capitalista
Dessa forma podemos verificar que no Brasil de hoje, o pró­ (Martins, 1980: 79).
prio capital impôs a luta pela terra, como luta contra a propriedade É assim que se pratica uma verdadeira traição às leis do capi­
capitalista da terra. É a terra de trabalho contra a terra de explora­ tal, pois uma parte dos expropriados, posseiros ou não, reconquistam
ção, contra a terra de negócio. É a luta dos posseiros contra a ex­ a autonomia do trabalho, ocupando novos espaços em terras sem
propriação da posse que o capital quer transformar em equivalente ocupação, às vezes já tituladas ou griladas, ou em terras do Estado.
de capital. É um verdadeiro movimento dialético de criação, destruição e re­
Esse processo é que define hoje o caráter anticapitalista dos criação.
conflitos pela terra no país, que constituem verdadeiras resistências
obstinadas contra a expansão da apropriação capitalista da terra. E é
nesse processo de luta que os posseiros estão construindo sua pró­
pria concepção de propriedade, o seu próprio regime de propriedade
anticapitalista: a posse, a terra de trabalho. É assim que os próprios OS POSSEIROS NO BRASIL DE HOJE
posseiros estão construindo sua concepção de posse: “terra não deve
ter dono, ela é dos verdadeiros agricultores, dos que nela trabalham.
No começo a terra era toda de Deus, que não deu documento, nem No Brasil, o posseiro sempre se constituiu em um desbravador
vendeu para ninguém, nem botou cercas. • Agora o governo e os do território, um “amansador da terra”. Na realidade, os posseiros
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sempre pressionados pelos capitalistas interessados em desalojá-los Assim é que com a expansão do capitalismo no Brasil, nas úl­
de suas terras, têm se constituído, também, em instrumentos de des­ timas décadas, o número desses conflitos tem aumentado e, sendo
locamento dos grupos indígenas. expropriado num ponto do país o posseiro vai surgir em outro para
Desse modo, a ocupação do que resta do território brasileiro, mais uma tentativa de reconquista da autonomia do trabalho.
ainda com a presença de tribos indígenas, as propriedades comunais, Os posseiros estão presentes em todo o país, em todos os esta­
vai conhecendo uma forma peculiar de ocupação territorial. Aí o dos da Federação. Por isso desejamos apresentar sua realidade a
partir dos dados do Censo Agropecuário do IBGE. Para o censo, os
terreno vai sendo definido como se fosse constituído de faixas, posseiros são cadastrados como ocupantes, que se constituem como
cada uma ocupada de forma social distinta e cada forma social tal, quando ocorrem “casos em que a exploração se processa em ter­
em conflito com a outra. Caracteristicamente, no limite mais ras públicas, devolutas ou de terceiros (com ou sem consentimento
interior do território estão as sociedades tribais. No limite mais do proprietário), nada pagando o produtor pelo seu uso” (IBGE).
exterior está a sociedade capitalista plenamente constituída. Nós usaremos o conceito de posseiro como sendo
Entre ambas, até o posseiro que concede a terra de modo com­
pletamente distinto do capitalista, embora esteja vinculado ao um lavrador pobre, que vende no mercado os excedentes agrí­
mercado como produtor simples de mercadorias (Martins, colas do trabalho familiar, depois de ter reservado uma parte
1980:74). da sua produção para o sustento da sua família. O que ganha
com a venda desses excedentes é para comprar remédios, sal,
Nessa perspectiva, o processo de ocupação territorial é defini­ querosene, às vezes roupa e mais uma ou outra coisa necessá­
do como ria à casa ou ao trabalho. Como não possui o título de proprie­
dade da terra em que trabalha, raramente tem acesso ao crédito
bancário, à assistência agronômica ou qualquer outro tipo de
dois momentos distintos e combinados de ocupação territorial, apoio que lhe permita aumentar a produtividade do seu traba­
que ocupam de formas distintas e conflituosas entre si territó­ lho. E importante saber que, a rigor, o posseiro não é um inva­
rios via de regra já ocupados por sociedades tribais. Através do sor da propriedade de outrem. Invasores são os grileiros, fa­
deslocamento de posseiros é que a sociedade nacional, isto é, zendeiros e empresários que o expulsam da sua posse (Martins,
branca, expande-se sobre territórios tribais. Essa frente de 1981: 104).
ocupação territorial pode ser chamada de frente de expansão.
Um segundo movimento é constituído pela forma empresarial e Entendemos pois o posseiro como
capitalista de ocupação do território — é a grande fazenda, o
banco, a casa de comércio, a ferrovia, a estrada, o juiz, o car­ produto das próprias contradições do capital. A funcionalidade
tório, o Estado. E nessa frente que surge o que em nosso país da sua existência se desenvolve porque está inserido em rela­
se chama hoje, indevidamente, de pioneiro. São na verdade os ções dominadas pelo capital e não porque esteja nos cálculos
pioneiros das formas sociais e econômicas da exploração e de­ do capitalista. A mesma sociedade que dele se beneficia o quer
nominação vinculadas às classes dominantes e ao Estado. Essa destruir. A expansão do capital se faz preferencialmente sobre
frente pioneira é essencialmente expropriatória porque está so­ terras ocupadas por posseiros, através da expropriação e da
cialmente organizada com base numa relação fundamental, em­ expulsão (Martins, 1981: 116).
bora não exclusiva, que é a de compradores e vendedores de
força de trabalho. Quando se dá a superposição da frente pio­ Dessa forma, assumidas as premissas, passamos a verificar,
neira sobre a frente de expansão é que surgem os conflitos pela
terra (Martins, 1980: 74/5). através dos dados do Censo Agropecuário do Brasil, a situação geral
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dos posseiros. Em primeiro lugar, apresentamos os dados sobre nú­ CRESCIMENTO DO NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS
mero de estabelecimentos e área ocupada, comparando-se os censos E ÁREA OCUPADA POR PERÍODO DO CENSO
de 1940, 50, 60, 70, 75, 80 e 85 constantes da tabela n- 30. POSSEIROS % BRASIL EM GERAL %
PERÍODO
TOTAL DE POSSEIROS Ne EST. ÁREA (HA) N2 EST. ÁREA (HA)
1940/1950 91,40 88,47 8,40 17,44
ANO N" DE ESTABE­
LECIMENTOS % ÁREA OCUPADA % 1950/1960 70,86 -8,65 61,66 7,60
1960/1970 122,43 108,60 47,55 17,72
1940 109.016 5,72 5.278.125 2,67 15,68 6,88 1,41 10,11
1970/1975
1950 208.627 10,11 9.947.607 4,28 1975/1980 -2,08 31,20 3,49 14,11
1960 356.502 10,68 9.087.028 3,64 1970/1980 13,27 40,22 4,95 25,65
1970 792.972 16,10 18.955.220 6,44 1980/1985 21,95 -14,60 13,08 3,13
1975 917.271 18,37 20.259.138 6,25 Tabela 31 - Fonte: IBGE
1980 864.767 16,64 23.953.350 6,45
1985 1.054.542 18,07 20.115.002 5,35 Podemos observar que está ocorrendo um aumento mais rápido
Tabela 30 —Fonte: IBGE dos estabelecimentos ocupados por posseiros do que o aumento dos
estabelecimentos em geral, quer em número, quer em área ocupada.
Cabe ressaltar os dados de 1970 a 1975, quando se observou uma
Como podemos observar, o país tem conhecido, nas últimas lentidão do ritmo de crescimento e mesmo uma diminuição entre 75
décadas, um aumento considerável dos estabelecimentos (unidade de e 80. Tal fato, certamente deveu-se ao aumento do processo de ex­
exploração) conduzidos por posseiros, passando de uma participação propriação que está tendo lugar na Amazônia Legal, conforme de­
no conjunto dos estabelecimentos rurais do país de 5,72% em 1940 monstraram Murilo de Carvalho, Vera Lúcia G. da Silva e José Go­
para 10,11% em 1950, ou seja, praticamente dobrando sua participa­ mes da Silva e Ricardo Kotscho em obras já citadas.
ção. Outro período significativo é de 1960 a 70, quando a participa­ Entretanto, se tomarmos o período de 1940 a 1985 teremos um
ção dos posseiros passa de 10,68% para 16,10%. Esses dados de­ aumento total dos estabelecimentos controlados por posseiros de
monstram que a expansão do capitalismo no país, nas últimas déca­ 967% e o aumento da área ocupada de 381%; enquanto o total do
das, tem como contradição intrínseca o aumento dos posseiros. É a número de estabelecimentos cresceu no mesmo período 206% e a
prática da traição às leis do capital. A mesma situação pode ser ob­ área ocupada em 90%. Esse ritmo desigual de aumento entre o nú­
servada com relação à área ocupada. mero de estabelecimentos e a área ocupada indica que a área dos
estabelecimentos está cada vez menor, colocando para o futuro ime­
Esses dados do censo podem se tomar mais expressivos para diato certamente problemas para a sua própria reprodução.
comprovarmos a tese que estamos defendendo se calcularmos a par­ Aproveitando essas colocações apresentamos na tabela n9 31 a
ticipação percentual dos incrementos de novos estabelecimentos de distribuição dos estabelecimentos ocupados por posseiros em relação
posseiros no país, em comparação com os aumentos dos estabeleci­ aos grupos de área total para os Censos de 1960,1970,1975,1980 e
mentos em geral (tabela 31). 1985.
118 119
EVOLUÇÃO N'-' ESTABELECIMENTOS E ÁREA OCUPADA
POR CLASSES DE ÁREA TOTAL
POSSEIROS -1960/1980

B R A S IL — POSSEIROS
NUMERO DE ESTABELECI MENTOS - 19 60 /198 5
Cl a s s o d* a r t « i e ô G9 Ú. 9 •7 e s A. 9 *7 3 dL •9 S 0 9 B 3
(HA) No. Y. No. 1 K No. ! * N o. I y. No. “T"
M tnos d* 1 2 9 .5 5 8 ! 8 ,2 9 1 2 0 .6 4 8 ! 1 4 ,8 7 1 5 9 .6 6 7 ! 1 7 ,2 7 131 .3 6 1 ! 1 6 ,8 7 227 .©86 ,1 21 ,3 3
1 a -2 3 9 .9 1 4 > 1 6 ,8 1 1 5 0 .1 9 4 i 1 8 ,5 0 1 8 2 .8 8 5 • 1 9 ,7 8 138 .7 8 4 • 1 7 ,6 7 201 .55 8 i; 19 ,1 1
2 a -5 9 9 .9 2 7 i 2 8 ,0 4 2 1 2 .3 3 3 i 2 6 ,1 8 2 4 9 .3 8 6 • 2 6 ,9 8 230 .9 1 8 - 2 5 ,7 1 268 .56 9 ; 25 ,47
3 a -1 0 4 5 .6 1 1 i 1 2 ,7 9 1 0 1 .0 1 1 ■1 2 ,4 5 1 1 3 .8 3 1 i 1 2 ,3 1 112 .8 4 1 i 1 2 ,5 6 118 .74 2 i: 11 ,2 6
M®nois d® 1© 2 3 3 .0 1 0 > 6 3 ,9 3 5 8 4 .2 2 4 ■7 2 ,0 0 7 0 3 .7 6 9 ' 7 6 ,3 4 654 -+■
1© a -2© 4 1 .3 5 3 * 11,6® 7 3 .0 5 6 i 9,0© 7 6 .0 1 7 ! 8 ,2 2 80 ! 8 ,9 6 83 .65 6 :1 7 ,9 3
20 a -5® 5 3 .9 2 9 i 1 5 ,1 2 72.©2® i 8 ,8 8 7 0 .0 1 1 i 7 ,5 7 76 .©23 i 8 ,4 6 76 467 i 7 ,2 5
5® a -1 0 0 1 3 .e 2 0 i 3 ,6 5 2 7 .4 1 4 i 3 ,3 8 2 8 .1 2 0 • 3 ,9 4 16
> 3 0 ,3 7 1 7 2 .4 9 0 * 2 1 ,3 6 1 7 4 .1 4 8 ' í i . 8 4 192
13® a -20® 5 .5 2 6 • 1 ,5 5 1 8 .8 9 6 ! 2 ,3 3 2 0 .0 4 5 ! 2 ,1 7 28 .7 5 3 ! 3 ,2 0 21 .071 1:: 2 ,5 8
20® a -30® 5.8© 5 • 1 ,3 5 1 5 .2 9 4 • 1 ,8 8 1 4 .6 7 6 > 1 ,5 9 11 872 • 1 ,3 2 IO 439 .: 0 ,9 9
50® a -1 .8 0 ® 1 .3 9 4 • © ,39 3 .3 1 7 ■ 0 ,4 1 3 .4 1 2 ' © ,37 3
• 3 ,2 9 3 7 .5 0 7 ■ 4 ,6 2 1 8 .1 5 3 • 4 ,1 3 44
1.60® a - 2 .0 0 0 551 • © ,15 1 .1 5 4 ! 0 ,1 4 1 .4 0 6 ! © ,13 1 .52 7 ! 0 ,1 7 955 l m ,09
2.00® a - 3 .0 0 0 257 > 0 ,0 7 659 > ©,©© 786 • 0 ,0 9 1 .23 3 > © ,14 453 !: 0 ,0 4
a - 1 0 .0 0 0 37 i 0 ,0 1 103 • ©,©1 117 • 0 ,0 2 144 i 0 ,0 2 91 i1 0
s.m m
,01
1 .®@© a - 1 0 .0 0 0 @43 i 0 ,2 3 1 .9 1 6 • 0 ,2 4 2 .3 0 9 [ 0 ,2 3 2 .9 0 4
1®„@©@ a -1 0 0 .0 0 0 20 i 0 ,0 1 5© ! ©,0© 53 ! ©,©i 169 ! © ,o i 52 I!I 0 „ m m
1 0 0 . M • Mais - ' - i 1 • ©,©© 4 • 0,0®
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S« m D « o lara « ã o 598 I © ,17 1 5 .1 8 0 1 1 ,8 8 3 .9 7 1 ! 0 ,4 3 3 .7 6 1 ! 0 ,4 4 693 ! © 09

B R A S IL - POSSEIROS
ÁREA OCUPADA 1980/1985

C la s s e de íre a i.<9 es <& e *7 0 rL 9 *7 3 ú. *3 Q GJ áL 9 © 3


Ha ! A Ha i Y. Ha i Y. Ha ! Y. Ha í Y.

Msnos d e 1 1 3 . 348 ! 0 ,2 6 7 3 .1 9 9 \ © ,35 9 9 .5 5 3 ! 0 ,4 5 9 0 .5 2 7 ! 0 ,3 4 1 2 9 .6 7 4 \ © ,64


1 a -2 9© 322 i 0 ,9 9 2 0 4 .4 7 7 • 0 ,9 6 2 5 2 .8 7 4 i 1 ,1 3 2 1 6 .5 7 6 > 0 ,8 1 2 6 9 .4 2 2 t 1 ,3 4
2 a -5 309 86© i 3 ,4 1 6 6 1 .8 4 0 • 3 ,1 2 7 8 0 .7 1 7 i 3 ,5 0 7 2 1 .9 0 1 ■ 2 ,7 2 8 2 2 .8 3 0 . 4 ,0 9
3 a -1 0 318 622 i 3 ,5 1 6 9 7 .3 3 5 i 3 ,2 9 7 8 1 .7 3 1 t 3 ,5 0 7 7 2 .3 8 5 i 2 ,9 1 8 0 2 .0 1 8 i 3 ,9 9
742 152 i 8 ,1 7 1 6 3 6 .8 5 0 i 7 ,7 2 1 9 1 4 .0 7 6 » 8 ,5 8 £ .8 0 1 .3 5 2 « 6 ,7 8 2 .0 2 3 .9 4 5 T l ê , 06
1® a -2 0 557 839 ! 6 ,1 4 9 8 7 .8 9 5 i 4 ,3 6 1 0 1 5 .0 1 6 i 4 ,5 5 1 .0 6 9 .2 7 1 i 4 ,0 2 1 .1 0 2 .7 0 3 1 5 ,4 8
2© a -5© 1 594 583 • 1 7 ,5 5 2 .1 6 9 .3 9 8 i 1 8 ,2 3 2 0 9 9 .7 0 6 i 9 ,4 1 2 .2 6 2 .1 5 3 i 8 ,5 1 2 .2 9 1 .8 0 6 > 1 1 ,3 9
50 a -10® 91© 628 > 1 0 ,0 2 1 .9 3 1 .4 0 6 t 9 ,1 1 2 © 21.434 i 9 ,0 6 2 .4 9 1 .2 8 0 i 9 ,3 8 2 .4 3 1 .3 1 7 i 12,© 9
10 a -10© 3 ©62 970 • 3 3 ,7 1 5 .0 8 8 .6 9 9 t 2 4 ,©í 5 .1 3 6 .1 3 6 i 2 3 ,0 3 5 .8 2 4 .6 7 9 • 2 1 ,9 1 5 .8 2 5 .8 2 8 « 2 8 ,9 6
100 a —20© 752 711 ! 8 ,2 8 2 .5 8 3 .3 6 7 ! 1 2 ,1 9 2 .5 3 4 .7 3 4 i 1 1 ,3 6 3 .4 6 3 .3 5 8 < 13,© 3 3 .2 7 7 .4 2 3 i 1 6 ,2 9
2©@ a -5®0 1 504 808 i 1 6 ,5 6 4 .47 0.76© i 2 1 ,0 9 4 .3 3 3 .3 3 8 i 1 9 ,4 4 3 .5 1 7 .0 8 3 i 1 3 ,2 3 2 .9 2 8 .2 2 0 i 1 4 ,3 6
5©© a - 1 .0 0 0 991 334 > 1© ,91 2 .2 8 3 .9 8 6 i 1© ,77 2 .3 7 1 .8 7 3 I 1 0 ,6 4 2 .6 1 1 .3 4 6 • 9 ,8 2 1 .4 9 1 .1 5 3 . 7 ,4 1
IO® a - 1 .0 0 0 3 .248 853 i 3 5 ,7 5 9 .3 3 8 .1 1 1 i 44,© 3 9 .2 3 9 .9 2 4 i 4 1 ,4 3 9 .5 9 1 .7 6 3 i 3 6 ,0 9 7 .6 9 6 .7 9 7 t 3 8 ,2 6
1 .0 0 0 a -2.0© © 7 2 0 .4 2 8 ! 7 ,9 3 1 .5 3 7 .2 3 6 i 7 ,2 5 1 .9 0 3 .4©3 i 8 ,5 3 2 .0 0 6 .5 2 7 i 7 ,5 5 1 .2 5 7 .2 8 3 i 6 ,2 3
2 a -5 .0 0 © 746 167 i 8 ,2 1 1 .9 2 4 .8 2 4 i 9 ,8 8 2 .1 1 4 .2 9 7 i 9 ,4 8 3 .2 2 3 .0 5 0 i 1 2 ,1 3 1 .2 8 9 .8 8 8 > 6 ,4 1
3 . ©OS a -1 0 .0 8 8 243 585 i 2 ,6 8 6 8 2 .0 9 4 i 3 ,2 2 7 9 6 .6 6 8 « 3 ,5 7 9 4 3 .3 5 7 » 3 ,5 6 6 0 8 .7 9 7 i 3 ,0 3
1.00® a -1 8 .8 8 8 1 .71© .18 0 i 1 8 ,8 2 4 .1 4 4 .1 5 4 i 1 9 ,5 4 4 .8 1 4 .3 6 8 i 2 1 ,5 9 6 .1 7 4 .9 1 5 • 2 3 ,2 3 3 .1 5 5 .9 7 0 t 1 5 ,6 9
i@.m m a - 100.000 322 .873 ! 3 ,5 5 9 8 9 .4 5 3 i 4 ,6 8 9 9 9 .3 5 4 > 4 ,4 8 2 .4 5 8 .3 9 8 i 9 ,2 5 1 .0 1 4 .4 7 1 i 5 ,0 5
109.00® ® M ais ! - i 2 0 8 .8 0 8 i 0 ,9 0 7 2 8 .5 2 2 » 2 ,7 4 3 9 7 .9 8 9 > 1 ,9 8
16.@ 03 • ♦ 322 .873 T 3 ,5 5 9 8 9 .4 5 3 ■ 4 ,6 8 1 .1 9 9 .3 5 4 ! 3 ,3 7 3 .1 8 6 .9 1 8 ; 1 1 ,9 9 1 .4 1 2 .4 6 8 ! 7 ,0 3

Tabela 32

(to—*

......................... ....................................................................................................................................................... ................................................... ............ — ^ ^ 1


Os dados do censo indicam que tem aumentado significativa­
mente a participação relativa dos grupos de áreas menores, o que
vem comprovar nossa afirmação anterior. Senão vejamos: a partici­
pação relativa dos estabelecimentos com área inferior a 1 ha passou
de 8,29% em 1960 para 14,87% em 1970, para 17,27% em 1975,
para 16,87% em 1980 e para 21,53% em 1985; o mesmo ocorreu
com os estabelecimentos com área de 1 a 2 ha que passaram respec­ _N _01 tOf) ff»'
H1 *<0 O1 P-«ff»H
tivamente de 16,81% para 18,5%, 19,87%, 17,67% e 19,11%. A
mesma situação se repete se observarmos os dados globalizados para
os estabelecimentos com menos de 10 ha que passam respectiva­ •< t/J tíf>) 81
H' HO«H
mente de 65,91% para 72%, 76,34%, 72,81% e 77,37% entre 1960 « r-' 10 m
°s
r» w c
-a

e 1985. Êg
Esses dados comprovam também que os estabelecimentos dos g sQ.»GO
W
posseiros são em sua maioria de pequenas dimensões, ou seja, ocu­ « »2 O **

pam classes de área inferiores a 100 ha, senão vejamos: os estabele­ £


cimentos com áreas inferiores a 100 ha representavam em 1960 um h
total de 96,30%, passando para 93,26% em 1970, 95,18% em 1975, n> ff» * ■§*0
94,28% em 1980, e 96% em 1985, o que demonstra que pratica­ “l i s «o.

mente a totalidade dos estabelecimentos dos posseiros está concen­ O ®


trada nessas classes de áreas. j Ujh
Quanto à área ocupada, deve-se ressaltar que os 96% dos esta­ h Ww S _ tf n> « 91 r»m*6*
H' r» n>n r»
•N0• tW
f)'1
H <D' "fl1 O

belecimentos com área inferior a 100 ha ocupam apenas 39,02% da <pí w5 5§ £w


cc iJ cá S p** eo• ff» « ' m
H *'

superfície total dos estabelecimentos dos posseiros. O que vale dizer ga tí ©

que o restante dos estabelecimentos certamente é de grileiros que wn <


controlam cerca de 60% da área total restante. ^Q HWtfW 3 li s li U i S 3 i 3 ; 0* 9O'1 s 3 : 2 3
Outro dado que julgamos significativo refere-se à localização «O 05
sc H 2 i: 2 s: 0»00 H 3r.’ SI ff,HÜ H3:'• S«s 8 ;' i!f) 3
das posses em relação à propriedade das terras que ocupam. É im­ «O w ' OD >

portante observarmos os dados do censo para 1960, 1970, 1975, WB-


1980 e 1985, período de elevada concentração de capital em todos 'PO
os setores da economia brasileira, conforme tabela 33.
Estamos diante de dados de real importância, pois podemos
comprovar que existiram entre os censos de 1960, 1970, 1975 e Htf)H«aHiJUU~XMZHOC0

1980 mecanismos que alteram o índice de participação dos posseiros ZsXHKO OH

em relação às diferentes formas de propriedade das terras ocupadas.


Senão vejamos: em 1960 26,24% eram terras cadastradas como pro­
priedades particulares e 73,10% terras cadastradas como entidades
122
públicas; em 1970 a situação inverteu-se, passando para 62,71% as Estamos certamente diante do período de aumento da violência
terras particulares ocupadas e 35,81% as terras de entidades públicas e expropriação, que reflui a possibilidade de ampliação das posses,
ocupadas. Em 1975 havia 67,5% em terras particulares ocupadas e esse fato pode ser observado e comprovado se analisarmos deta­
contra 31,07% em terras públicas ocupadas. Em 1980 havia 69,64% lhadamente os dados referentes às terras particulares. Aqui, se des­
em terras particulares ocupadas contra 29,70% em terras públicas. dobrarmos os dados em: terras de propriedade individual; terras de
Esse quadro demonstra que está ocorrendo nas últimas décadas, uma sociedade de pessoas e condomínios; S/A ou por quotas de respon­
aceleração no processo de ocupação de terras tidas como já tituladas sabilidade limitada; e instituição pia ou religiosa, teremos um quadro
privadamente. Não estamos aqui ignorando o processo de grilagem bem significativo do que estamos afirmando. A observação da tabela
de terras públicas ou devolutas em marcha sobretudo na Amazônia 34 poderá esclarecer esta questão.
Legal. Mas mesmo assim, o fato é significativo, pois na prática a
existência ou não da titulação privada da terra não tem se constituí­ PORCENTAGEM DO NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS DOS
do em obstáculo para a expansão do número de estabelecimentos dos POSSEIROS EM RELAÇÃO À PROPRIEDADE DAS TERRAS
posseiros. CONDOMÍNIO S/A OU SOC. INSTITUIÇÕES
Esse fato vem comprovar a tese de que o processo desigual e PERÍODO INDIVI­ OU SOCIEDA­ POR
DUAL DES DE COTAS DE PIAS OU
contraditório do desenvolvimento capitalista no Brasil coloca-se PESSOAS RESP/LIMIT ADA RELIGIOSAS
diante de uma verdadeira guerra entre os regimes de propriedade no
país. E certamente a característica desses conflitos ainda que nasci­ 1970/1975 27,33 - 8,40 - 10,01 3,26
dos do processo contraditório do próprio capitalismo, é nitidamente 1975/1980 - 2,32 22,58 23,86 - 5 ,1 4
não(anti)capitalista. Tabela 34 - Fonte: IBGE
Essa tese pode ficar mais clara se observarmos o ritmo de cres­
cimento nas décadas passadas: entre 1960 e 1970 houve um aumento Esses dados comprovam que além do processo de expropriação
de 448,09% de ocupação de terras tidas como particulares, enquanto praticado por fazendeiros individualmente, são as empresas capita­
no mesmo período o aumento da presença de posseiros em terras pú­ listas que de forma mais violenta estão praticando a expropriação.
blicas foi de 11,49%. Entretanto o período de 1970 a 1975 mostrou- Para tal, basta observarmos no período de 70/75 a diminuição de
nos uma nova faceta, ou seja, o ritmo alterou-se para as terras parti­ 10,01% da presença de posseiros em terras tidas como tituladas pe­
culares registrando 21,83% contra uma redução absoluta de 1,16% las S/A ou companhias. O inverso, entretanto, ocorre no período de
negativo para as terras públicas. 75/80; é o desenvolvimento desigual. Trata-se, pois, de uma evi­
Já no período de 1975 a 1980 o processo acelera-se ainda dente comprovação das questões que colocamos na parte anterior do
mais, chegando a 0,13% para as terras de particulares e 7,11% ne­ trabalho: a luta insana para a recuperação da autonomia do trabalho.
gativo para as terras públicas. Com relação à área ocupada, o quadro
é diferente pois o período de 70/75 marca a redução percentual da
participação das posses em propriedades particulares, o que se in­ A DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DOS
verte para o período de 75/80. Há também que se ressaltar para o POSSEIROS NO BRASIL
período de 75/80, o aumento da área ocupada em terras públicas o
que é certamente o sinal da presença da grilagem que vem aumen­ Outros dados do censo que gostaríamos de apresentar são
tando no país. aqueles referentes à distribuição territorial dos posseiros e sua
124 125
BRmSIX. - POSSEIROS BUA S I L — POSSEIROS
DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO

M Ú ti E K O DE E S T A B E L E C IM E N T O S Á r e a o c u p s D n c H « >

I960 1970 I960 1970 1973 1980 • 1985


1975 1980 1985
BRASIL BmSIL 9 087.028 18 955.228 20.259.136 26 579.581 28 115.0B2
356.502 792.972 917.271 898.184 1.054.542
NORTE 45.370 NORTE 1 601.032 5 @75.258 © 683.601 12 .186.287 8 374.010
121.627 178.388 185,531 179.474
m> 992 RO 149.137 468.81® 641.023 2 ,964.975 996.150
3.119 7.335 26.356 23.149
AC 941 AC 50.60® 2 159.710 1 791.494 1 .533.577 1 973.770
10.586 11.296 12.256 16.552
AM 13.736 40.334 62.206 AN ' 187.032 1 112.479 @83.706 2 .593.577 1 843.396
47.7 14 45.794 346.287
RR 479 440 2.861 3 .4 1 4 2.70 4 RR 270.906 75.099 1 484.529 1 .664.166
28.795 66.145 PA 919.692 2 017.153 3 755.64© 3 .361.059 2 914.649
pa 91.941 93.411 87.638
AP AP 23.663 41.999 129.199 68.914 299.756
427 1.003 2.749 2.376 3.637
NORDESTE 176.750 NORDESTE 1 410.273_ 4.409 .6 9 4 ^ 3 .877.154 4 .513 .3 10 4 310.321
467.262 538.841 511.052 648.050
MA 138.745 MÃ 6921902" 1 149.114 ï >1161936 ~ Î ©261967 7801883
190.434 228.859 184.044 202.015
PI 4.747 PÏ 115.291 421.153 292.123 697.881 522.032
49.873 45.927 66.685 80.427
CE 2.877 CE 131.116 935.579 817.123 622.167 728.062
37.717 42.915 30.355 56.843
RN 936 RN 44.784 328.344 270.246 339.632 329.163
21.341 25.246 23.002 27.981
PB 1.141 PB 26.576 240.989 210.573 304.099 266.377
22.378 41.389 32.943 44.322
PE PE 41.772 327.700 307.753 412.635 442.674
4.971 59.378 59.677 65.143 86.765
AL 1.009 AL 19.733 62.596 63.504 91.435 103.599
11.012 19.315 23.697 33.058
SE 1.222 SE 5.407 44.317 30.317 35.686 43.616
11.853 15.876 12.353 15.982
BA 20.102 63.402 59.677 BA 332.692 699.901 768.637 982.788 1 .093.911
72.830 100.657
SUDESTE 26.681 63.540 53.041 SUDESTE__ 1 .176.826 2 .724.036 1 .621.109 1 862.091_ 2 .0 80 .1 34
59.7 10 78.072
MG 10.703 30.969 22.705 29.355 41.441 MÕ ’©29l347" ’~~à lõ iá ri© ^ ’" ~9©91234 " i :Í8 Í:0 9 7 ~ """ï I374I576
ES 1.546 3.358 ES 56.521 92.193 58.752 80.229 10®.294
2.1 7 0 3.359 5 .59 5
RJ 4.753 3&J 52.446 140.555 165.155 140.685 137.220
10.405 10.793 9.265 12.478
SP 8.719 SP 189.52® 437.385 407.966 451.079 460.042
18.78© 17.373 17.731 18.558
SUL @0.024 109.574 SUL 1 .@33.549 1 .916.95® 1 .454.63© 1 .617.882 1 .572 .3 72
97.773 100.215 107.521
33.786 PR 1 .062.026 750.342 566.662 593.070 598.232
ï ï >ï ï 50.048 44.384 44.70® 46.665
SC 6.081 14.294 SC 105.610 273.241 231.379 314.410 283.64©
16.810 19.8 14 20.997
RS 40.157 45.232 RS 665.913 ©93.36® 636.597 710.402 690.49®
36.579 35.693 39.859
C. ©ESTE 28.677 49.364 56.360 C. ©ESTE 3 .@€5.34® 6 .271.32© 6 .665.333 6 .400.003 3 .778 .1 63
41.676 41.425
MS MS - 549.967 513.765 538.414
- - 10.728 6.151 6.741 -

MT 10.620 22.222 16.914 MT 673.858 2 .119.976 750.617 1 .754 .4 34 961.529


13.963 14.078
TO 18.025 26.658 28.160 TO 2 .389.427 4 .138 .0 10 5 .348.182 4 .108.533 2 .249 .5 43
20.975 19.748
®F 32 484 ®F 2.063 13.342 16.568 23.270 28.677
558 587 858

Tabela 35 - Fonte: IBGE Tabela 35 (Cont.)

126 127
BRAS II, — POSSEIROS
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL EM RELAÇÃO AO TOTAL DOS ESTABELECIMENTOS
DO BRASIL E DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO

9 ê 0 s *7 0 d. 9 *7 3 i. 3 o 0 i 3 e s
_L_.,9
ú. ±.
A A » A B A B A B
BRASIL 1 8 8 ,0 0 1 0 ,6 8 1 0 0 ,0 0 1 6 ,9 3 1 0 0 ,0 0 1 0 ,5 1 1 0 0 ,0 0 1 7 ,1 8 1 0 9 ,0 0 1 8 ,0 7
NORTE 1 2 .7 3 3 2 .8 2 1 4 ,9 9 4 7 ,0 7 1 9 ,3 0 5 2 ,9 9
8 ,7 9 2 8 ,7 8 2 ,9 3 5 3 ,2 3 2 ,2 8 2 8 ,3 8
AC 0 .2 6 23.6© 1 ,3 9 4 5 ,9 4 1 ,2 2 4 5 ,1 8 1 ,3 6 4 1 ,7 3 1 ,5 7 4 6 ,8 6
AM 3 .8 6 2 8 .3 4 4 ,9 7 4 8 ,2 4 6 ,7 3 6 7 ,9 7 5 ,3 2 4 7 ,3 6 4 ,3 4 39,1©
RR 9 .1 3 5 4 ,8 7 9 ,9 3 2 2 ,6 2 9 ,3 1 9 4 ,7 7 9 ,3 9 9 1 ,2 1 © ,26 4 2 ,8 9
PA 8 .8 8 3 4 ,6 2 8 ,1 3 4 7 ,1 9 9 ,5 5 4 9 ,1 8 19,4© 4 1 ,6 9 8 ,3 1 3 4 ,4 3
AP 0 .1 2 3 4 ,6 2 0 ,1 2 4 4 ,1 5 0 ,3 0 6 8 ,5 7 ©,26 5 5 ,2 1 0 ,3 4 7 5 ,2 7
NORDESTE 4 9 .3 0 1 4 ,4 6 3 7 ,3 9 2 1 ,4 9 5 8 ,2 9 2 2 ,9 2
4 8 ,2 9 2 4 ,7 5 4 6 ,9 7 2 9 ,4 9 37 ,©4 1 9 ,1 6 3 7 ,8 4
PI 1 .3 3 3 ,4 4 6 ,1 3 2 3 ,1 6 4 ,5 7 2 1 ,1 9 7 ,4 2 2 6 ,7 6 7 ,6 3 2 9 ,5 7
CE 0 .8 1 2 ,3 3 4 ,6 5
RN
PB
9 .2 6
0 .3 2
1,8®
9 ,3 7
2 ,6 3
2 ,7 6
1 5 ,9 5
2 1 ,9 9
4 ,6 4 1 7 ,0 5
2 ,7 3 2 4 ,9 8
3 ,38 12 ,3 4
2 ,3 6 2 1 ,5 8
5 ,3 9
2 ,6 5
1 4 ,4 2
2 4 ,9 0
1 3 ,5 1 4 ,4 8 2 0 ,7 9 3 ,6 7 1 9 ,6 6 4,2© 2 1 ,6 6
PE 1 ,3 9 1 .9 1 7 ,3 0 1 8 ,1 7 6 ,4 3 18 ,8 4 7 ,2 3 1 9 ,6 6 8 ,2 3 2 4 ,1 8
AL 0 .2 8 1 ,6 1 1 ,3 6 1 0 ,5 6 2 ,0 9 1 6 ,7 1 2 ,6 4 2 8 ,8 4 3 ,13 2 2 ,9 9
SE 0 .3 4 1 ,8 8 1 ,4 6 1 2 ,5 5 1 ,7 2 1 5 ,6 8 1 ,3 6 1 2 ,8 6 1 ,5 2 1 3 ,7 5
BA S . 64 3 ,2 7 7 ,8 1 1 1 .8 0 6 ,4 6 1 9 ,8 9 8 ,1 1 1 1 ,4 8 9 ,5 4 1 3 ,5 1
SUDESTE 7 .4 8 3 ,2 4 7 ,8 3 7.1® 5 ,7 4 6 ,9 4
2 ,4 6 4 ,9 9 3 ,2 7 4 ,9 2 3 ,9 3 7 ,4 7
ES 9 .4 7 2 ,8 2 0 ,4 1 4 .8 3 0 ,2 3 3 ,5 8 0 ,3 7 5 ,6 5 8 ,5 3 8 ,8 6
RJ 1 .3 3 8 .2 9 1 ,2 8 1 3 .6 1 1 ,1 7 1 4 ,1 6 1 »03 1 1 ,8 2 1 ,1 8 1 3 ,6 2
SP 2 .4 3 2 .7 3 2 ,3 2 3,9© 1 ,8 8 6 ,2 4 1 ,9 8 6 ,4 8 1 ,7 6 6 ,5 5
SUL 2 2 .4 3 9 ,9 1 13,5® 9,9® 1 9 ,5 8 8 ,4 5
9 ,2 7 4 ,8 9 9 ,2 8 4 ,9 8 9 ,8 3 4 ,4 3 9 ,9 7
SC 1 .7 1 3 ,8 4 1 ,7 6 7 ,2 5 1 ,8 2 8 ,1 4 2 ,2 1 9 ,1 6 1 ,9 9 8 ,9 2
RS 1 1 .2 6 1 9 ,3 6 5 .5 7 9 ,4 2 3 ,9 6 7 ,7 6 3 ,9 7 7 ,5 1 3 ,7 8 7 ,9 9
C. OESTE © .94 1 7 .9 9 6 .9 8 1 9 ,9 4 6 ,1 9 2 9 ,9 2 4 ,6 3 1 5 ,5 5 3 ,9 3 1 3 ,1 8
MS — — — — 1 ,1 6 1 8 ,5 4 9 ,6 8 1 2 ,8 8 8 ,6 4 12^23
MT 2 ,2 8 2 2 .9 8 2 ,7 4 2 1 ,3 8 1 ,8 3 3 9 ,1 4 1 ,5 5 2 2 , ©1 1 ,3 3 1 7 ,9 6
m 3 .9 6 1 6 ,2 4 3 ,2 9 1 8 ,8 1 3 ,9 3 1 8 ,3 4 2 ,3 4 1 3 ,6 3 1 ,8 8 1 1 ,8 1
....
m?
1 9 ,9___1 1 1 ,7
~2 ®-,9---3 2 3 ,5 1
---*---- ©,®6 3 9 ,9 2 w©,,96
gyp 2 2 ,1 3 [1 U, ©,@8 2 4 ,9 9
A = X ES3 RELAÇÃO AO TOTAL BO PAIS / B = X EH RELAÇÃO t t UNI DftDE DA FEDERAÇÃO

B R ft 3 I L. — P O S S E IR O S

PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL EH RELAÇÃO À ÁREA OCUPADA


BO BRASIL E DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO

A. 3 6 0 ±. 9 •7 0 •7 3 Q 0 dL <3 a s
c T D c | D c D C i D c D
B r a s i1 1 8 8 ,8 9 3 ,6 4 1 9 8 ,9 9 7 ,5 2 1 9 9 ,9 9 6 ,8 9 i r o , 89 7 ,1 9 1 0 8 ,8 8 5 ,3 5
3 8 ,9 9 2 6 ,6 3 4 5 ,8 6 2 8 ,6 4 4 1 ,6 3 1 8 ,6 6
RO 1 ,6 4 4 9 ,1 7 2 ,2 1 2 8 ,7 4 2 ,6 7 20,8©
AC 9 ,5 6 © ,54 1 9 ,1 9 5 2 ,4 5 8 ,9 3 4 1 ,7 4 5 ,7 7 2 6 ,2 1 9 ,81 3 3 ,3 0
AM 2 ,9 6 2 ,9 2 5 ,2 5 2 7 ,1 8 3 ,9 6 33,6© 9 ,7 6 3 5 ,9 2 9 ,1 6 3 0 ,8 9
RR 2 ,9 8 3 1 ,1 2 9 ,3 5 4 ,7 3 6 ,6 6 8 0 ,8 3 6 ,2 6 6 7 ,1 4 1 ,7 2 1 6 ,0 5
PA 1 9 ,1 2 1 7 ,5 1 9 ,5 2 1 9 ,1 8 1 6 ,8 4 2 3 ,2 3 1 2 ,6 5 1 6 ,3 4 1 4 ,5 8 1 2 ,3 9
AP 9 ,2 6 1 ,9 1 9 ,2 9 7 ,1 7 9 ,5 8 1 7 ,4 1 8 ,2 6 9 ,3 7 1 ,4 9 2 4 ,7 6
6 ,9 6 1 7 ,3 6 4 ,9 3 1 6 ,9 8 5 ,0 4 2 1 ,4 3 4 ,6 9
MA 7 ,6 3 8 ,4 3 3 ,4 2 1 9 ,8 7 5 ,9 1
PI 1 ,2 7 1 ,2 7 1 ,9 9 4 ,4 4 1 ,3 1 2 ,7 6 2 ,6 3 5 ,8 7 2 ,5 9 1 ,4 7
CE 1 ,4 4 1,2© 4 ,4 1 8 ,9 3 3 ,6 6 7 ,4 3 2 ,3 4 5 ,2 2 3 ,6 2 6 ,5 3
RN 9 ,4 9 1 ,2 1 1 ,5 5 7 ,4 9 1 ,2 1 6 ,1 8 1 ,2 8 7 .5 3 1 ,6 4 7 ,4 7
P© 9 ,2 9 © ,65 1 ,1 4 5 ,4 1 © ,94 4 ,4 5 1 ,1 5 6 ,1 8 1 ,3 2 5 ,4 1
PE © ,46 0 ,7 1 1 ,5 5 5 ,2 1 1 ,3 8 4 ,8 9 1 ,5 5 6 ,1 9 2,2© 6 ,6 0
AL 9 ,2 2 1 .0 3 9,3© 2 ,8 4 0 ,2 8 2 ,7 8 © ,34 3 ,7 9 © ,52 4 ,3 4
83 9 ,9 6 © ,37 9 ,2 1 2 ,5 7 0 ,1 3 1 ,6 6 9 ,1 3 1 .8 8 0 ,2 2 2 ,2 8
BA 3 ,6 6 1 ,8 3 4 ,2 5 4,©9 3 ,4 5 3 ,9 4 3,7© 3 ,2 6 5 ,4 4 3 ,2 6
8UDESTE 1 2 ,9 5 1 ,8 3 1 2 ,8 5 4 ,1 1 7 ,2 7 2 ,2 4 7 ,9 1 2 ,5 2 1© , 34 2 ,8 3
HO
»
9 ,1 2 2 ,1 7 9 ,5 6 5 ,1 1 4 ,4 4 2 ,2 2 4 ,4 5 2 ,5 4 6 ,83 2 ,9 9
ES © ,62 1 ,9 5 9 ,4 3 2 ,5 4 0 ,2 6 1 ,5 3 9 ,3 3 2 ,3 0 © ,54 2 ,8 3
RJ © ,69 3 ,9 7 9 ,7 9 4 ,6 3 0 ,7 4 4 ,7 9 9 ,3 3 4 ,2 4 © ,68 4 ,1 3
SP 2 ,9 9 9 ,9 6 2 ,1 6 2 ,3 2 1 ,8 3 1 ,9 8 1 ,7 9 2 ,2 1 2 ,2 9 2 ,2 6
9 ,8 4 4 ,6 7 6 ,3 2 3 ,1 5 6 ,9 8 3 ,3 6 7 ,8 2 3 ,2 3
PR 1 1 ,6 9 9 ,3 3 3 ,5 4 5 ,2 9 2 ,5 4
SC 1 ,1 6 1 ,7 8 1 ,2 9 4,©7 1 ,1 3 3 ,6 6 1 ,3 8 4 ,2 7 1 ,4 1 3 ,8 3
RS 7 ,3 3 3 ,8 7 4 ,2 1 4 ,4 3 2 ,8 3 2 ,6 9 2 ,6 7 2 ,9 4 3 ,4 4 2 ,9 0
7,9© 2 9 ,8 8 7 ,9 9 2 4 ,9 7 5 ,5 5 1 8 ,7 8 3 ,2 3
___ ___ — — 2 ,4 7 1 ,9 2
MT 7 ,4 2 2 ,1 8 1 9 ,9 9 4 ,7 7 3 ,3 7 3 ,4 2 6 ,6 9 4 ,9 2 4 ,7 8 2 ,3 3
OO 2 6 ,2 9 0 ,2 7 1 9 ,5 2 1 1 ,9 9 2 3 ,9 8 1 2 ,4 9 1 3 ,4 8 8 ,4 4 1 1 ,1 8 4 ,7 3
DF ©,©2 1,4© 9 ,9 6 8,9® 0 ,8 7 8*93 9 ,9 8 8 ,3 2 9 ,1 4 9 ,3 7
TOTAL DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO
£ = c2„*5
LxDO r * d o s A?mo X EM RELAÇAO AO
« 8 t rPAÍS
Tabela 36 —Fonte: IBGE
participação relativa no conjunto de cada unidade da Federação. Na censo de 1975 mostra-nos que 52,90% dos estabelecimentos da re­
tabela 35, referente ao número de estabelecimentos e área ocupada gião Norte são controlados por posseiros ocupando um total de
para os anos de 1960, 1970, 1975, 1980 e 1985, temos a situação 26,63% da área da região, que representa 38,99% da área ocupada
desta distribuição no Brasil. pelos estabelecimentos com posseiros no total do país.
Podemos, assim, observar que o maior número de estabeleci­ Se juntarmos à região Norte, os estados do Maranhão, Goiás e
mentos pertencentes a posseiros está localizado no Maranhão e esse Mato Grosso, esses percentuais passarão para: 48,94% dos estabele­
fato não é ocasional, pois se trata da área mais próxima da Amazô­ cimentos e 71,35% da área ocupada pelos posseiros no país.
nia Legal em relação ao Nordeste brasileiro. Depois do Maranhão Ignorar a evidência desses dados é ignorar a própria realidade
vêm os estados do Paraná, Amazonas, Bahia e Pernambuco, com deste país. Aqui fica evidenciada, mais uma vez, a necessidade de
compreensão não linear da expressão do capitalismo no Brasil. Ou­
contingentes mais expressivos. Através dos censos apresentados nas tros caminhos de análise levarão certamente a desvios teóricos e
tabelas anteriores podemos verificar que toda a região Norte, região equívocos nas propostas práticas de superação dessa realidade.
Nordeste e região Centio-Oeste conheceram aumento no número de
estabelecimentos, e as regiões Sudeste e Sul, com exceção de Santa
Catarina, conheceram um aumento do número de posseiros entre
1960 e 1970 e uma diminuição entre 1970 e 1975. O mesmo vale pa­ OS POSSEIROS
ra a área ocupada, com a diferença de que nos estados de maiores E A PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
contingentes como Maranhão, Bahia e Pernambuco houve uma di­
minuição da área ocupada também; o Pará apresentou-se em 1975
com expressivo crescimento de 86,19% da área ocupada. Iniciaremos este item apresentando a participação do pessoal
Estamos novamente diante do desenvolvimento desigual do ca­ ocupado no total dos estabelecimentos e particularmente nos esta­
pitalismo no país, que expropria numa região, mas os posseiros ins­ belecimentos dos posseiros e o faremos apenas para os anos de 1960
talam-se em outras, indicando o movimento contraditório de destrui­ e 1970 pois os censos de 1975 e 1980 suprimiram esta informação.
ção e recriação. Sobre o total do pessoal ocupado, conforme tabela 37, pode­
Ainda com relação à distribuição territorial dos posseiros, mos observar que o período 60/80 apresenta uma realidade deveras
chamamos a atenção para a tabela 36 referente à participação per­ heterogênea. É assim que o total do pessoal ocupado nos estabele­
centual do contingente de posseiros no total de estabelecimentos cimentos rurais aumentou em 12,43% no período 60/70, 15,72% no
existentes em cada unidade da Federação. período 70/75 e apenas 3,76% no período 75/80. Entretanto, ainda
Esses dados permitem-nos inferir que o período de 1960 a assim, se tomarmos o período 70/80 o total cresceu 20,06%. Já o
1970 marca um avanço geral da participação dos posseiros em rela­ pessoal ocupado em estabelecimentos de posseiros nesse contexto,
ção ao total dos estabelecimentos de cada unidade da Federação. No cresceu em 97,06% entre 60/70, recuando para 27,17% entre 70/75
entanto, o período de 1970 a 1975 marcou um decréscimo dessa e reduzindo ainda mais em -3,64% entre 75/80. No entanto, tivemos
participação nas regiões Sudeste e Sul, e o aumento considerável para o período de 1970/80 um aumento total de 22,54% ligeiramente
ocorrido na maioria das unidades da Federação das regiões Centro- superior ao aumento total do pessoal ocupado. Outro fato significa­
Oeste, Norte e Nordeste. Gostaríamos de chamar a atenção também tivo é a participação percentual do pessoal ocupado nos estabeleci­
para os incrementos na participação percentual das unidades da Fe­ mentos de posseiros no total do país que passou de 7,82% em 1960
deração dessas regiões (Centro-Oeste, Norte e Nordeste), pois o para 13,71% em 1970 e para 15,07% em 1975, baixando para
130 131
13,99% em 1980. Entretanto, quanto à participação do pessoal ocu­
pado nos estabelecimentos de posseiros em relação ao total do in­
cremento no período, tivemos 61,06% entre 60/70, 23,69% entre
70/75 e um saldo negativo de -14,60% entre 75/80. Já com relação
ao período de 70/80, o saldo permanece ainda positivo em 15,40%.
Para melhor esclarecer a estrutura do pessoal ocupado nos es­
tabelecimentos de posseiros, apresentamos na tabela 38 os dados re­
ferentes ao pessoal ocupado nos estabelecimentos dos posseiros.
Tabela 38 - PESSOAL OCUPADO
EM ESTABELECIMENTOS DE POSSEIROS
INCRE­
1960 % 1970 % MENTO NO
PERÍODO
RESPONSÁVEL E
MEMBROS NÃO RE­ 980.322 80,15 2.220.983 92,14 126,56
MUNERADOS DA
FAMÍLIA
Empregados (per­
manentes e tempo­ 179.719 14,69 144.759 6,01 -19,45
rários)
Parceiros 17.144 1,40 27.243 1,13 58,91
Outras Condições 45.989 3,76 17.356 0,72 -62,26
TOTAL 1.223.174 100,00 2.410.341 100,00 97,06

Estamos diante da prova cabal de que, a cada década que pas­


sa, o pessoal ocupado nos estabelecimentos dos posseiros é funda­
mentalmente composto pelos membros da família, que passam de
80,15% em 1960 para 92,14% em 1970. Cabe ressaltar aqui a dimi­
nuição do número de empregados assalariados que baixam de
14,69% para 6,01% entre 1960 e 1970. Com relação ao incremento
no período, pode-se observar que para um aumento de 97,06% no
total do pessoal ocupado tivemos 126,56% para os representantes da
família e 58,91% para os parceiros; e uma diminuição de 19,45%
para os empregados permanentes ou temporários. É, pois, trabalho
133
familiar que caracteriza a posse, e os dados referentes ao número de necessárias. No entanto, encontramos também no país posseiros pro­
estabelecimentos sem pessoal contratado em 1960 era de 290.417, dutores de mercadorias que não usam de imediato na posse. É o caso
ou seja, 81,46% do total das posses, passando em 1970 para da juta, da mamona, e em parte do algodão, e dos produtos extrati-
746.535, ou seja, 94,14% do total das posses. vos, etc. Esta questão pode ser demonstrada pela tabela 39 onde po­
Acreditamos que estes dados provam muito mais do que as demos observar a área cultivada dos principais produtos da agrope­
colocações que fizemos anteriormente: prova de que o trabalho e a cuária e a participação percentual em relação ao total do país.
produção na posse são determinados pela estrutura familiar. Essa Já com relação ao valor da produção animal e vegetal temos na
conclusão prende-se ao fato de que enquanto entre 1960 e 1970 o tabela 40 o total e a participação percentual dos posseiros nos cen­
trabalho familiar aumentou em 126,56%, o assalariado decresceu em sos de 1970 e 1980.
19,45%. Já o dado total de pessoal ocupado entre 75 e 80 conforme
tabela 37 apresenta um aumento no primeiro período 70/75 de Tabela 40 - VALOR DA PRODUÇÃO DOS POSSEIROS
27,17% e uma pequena diminuição de 3,64% no período 1975/80.
Entretanto, o período 70/80, ainda em relação ao total, apre­ TOTAL PROD. ANIMAL PROD. VEGETAL
senta um aumento de 22,54%, contra um aumento do total do pes­ mil Cr$ %* mil Cr$ %* mil Cr$ %*
soal ocupado no pais de 20,06%. Essa produção familiar que carac­
teriza a posse tem como objetivo fundamental a reprodução da famí­ 1970 1.770.029 7,09 367.361 4,56 1.402,667 8,29
lia e a venda do excedente para a aquisição de outras mercadorias % 100,00 20,75 79,25
Tabela 39 - ÁREA CULTIVADA PELOS 1980 75.613.614 4,90 19.302.640 3,18 56.310.974 6,02
POSSEIROS DOS PRINCIPAIS PRODUTOS % 100,00 25,53 74,47
DA AGROPECUÁRIA -1980
* % em relação ao total do valor da produção do país
PARTICIPAÇÃO %
ÁREA (HA) EM RELAÇAO AO
TOTAL DO PAÍS
Como podemos verificar, a participação da produção dos pos­
Agricultura e agropecuária 9.642.988 7,69 seiros no conjunto do valor da produção agrícola é relativamente
Algodão arbóreo 299.064 4,90 pequena e teve entre 1970 e 1980 um relativo declínio, o que de­
Banana 420.392 13,12
Algodão em caroço 110.388 3,80 monstra mais uma vez que a produção na posse visa em primeiro lu­
Arroz em casca 2.458.165 8,69 gar a reprodução da família e apenas o excedente é que vai ao mer­
Feijão em grão 1.353.883 9,12 cado. O quadro mostra claramente que os posseiros têm na produção
Fumo 85.080 5,27
Juta 69.636 17,02 de origem vegetal, predominantemente, o seu sustento. Se deflacio-
Mamona 52.378 7,19 narmos os dados de 1980, para compará-los aos de 1970 em termos
Mandioca 1.853.677 21,30 absolutos, verificamos que o valor da produção dos posseiros de
Milho em grão 838.012 6,06
Pecuária 9.282.442 4,39 1980 ainda assim é inferior a 1970, o que demonstra o processo de
Extração vegetal 4.201.236 23,39 perda e redução de valor da agricultura em relação ao conjunto da
Total 23.553.350 6,46 economia.
134 135
Outro dado que desejamos apresentar é aquele referente aos Tabela 41 - RECEITA DOS ESTABELECIMENTOS
indicadores contábeis, ou seja, a relação entre a receita e despesas DE POSSEIROS E DO BRASIL EM GERAL
dos estabelecimentos dos posseiros, que procuramos comparar com o 1980
total dos estabelecimentos do país conforme a tabela 41. POSSEIROS BRASIL
Analisando os dados da tabela 41 podemos constatar que a
produção de origem vegetal representa a mais importante fonte de mil Cr$ % mil Cr$ %
receitas dos estabelecimentos pertencentes aos posseiros e os pro­ RECEITA
dutos da indústria rural têm uma participação relativa mais signifi­ Venda
cativa na receita dos posseiros que dos estabelecimentos em geral no Prod. Vegetais 43.765.656 64,72 785.196.656 56,23
país. No conjunto da estrutura contábil apresentada podemos verifi­ Prod. da Ind. Rural 5.530.230 8,18 30.732.069 2,20
car também que em termos do equivalente de renda líquida total ti­ Animais e Prod. de Origem
vemos em 1980, os seguintes dados: Animal 15.750.465 23,29 541.323.822 38,77
Aluguel e Arrendam. 164,661 0,24 11.205.020 0,80
Serv. Prest. a Terceiros 1.137.477 1,68 13.538.086 0,97
Brasil total = Cr$ 575.025.520.000,00 Exploração Mineral 69.952 0,10 1.655.762 0,12
Posseiros = Cr$ 41.131.435.000,00 Pesca 236.944 0,35 720.327 0,05
Outras Receitas 973.001 1,44 11.916.702 0,86
O que equivale dizer que cada estabelecimento ficou com uma TOTAL 67.627.778 100,00 1.396.288.449 100,00
renda média de: % 4,84 100,00
Brasil total = Cr$ 112.094,00 DESPESAS
Posseiros = Cr$ 48.239,47 Salários 6.081.303 22,95 166.349.207 20,26
Quota parte da prod.
entregue a terceiros 365.554 1,38 17.273.283 2,10
Ou seja, os posseiros ficaram com menos da metade do con­ Serv. de Empreitadas 2.691.518 10,16 62.357.436 7.59
junto dos estabelecimentos do país. Para melhor aquilatarmos o que Insumos 7.801.122 29,44 312.632.625 38,07
significam esses dados, lembramos que o maior salário-mínimo no Arrend. de Terras 192.457 0,73 36.987.753 4,50
país em 1980 era de Cr$ 4.149,00 e o menor Cr$ 3.189,00. Isso Aluguel de máquinas e
equipamentos 453.166 1,71 13.084.681 1.59
equivale a dizer que o rendimento médio mensal dos estabelecimen­ Transp. da Produção 1.055.364 3,98 17.314.278 2,11
tos dos posseiros naquele ano era de Cr$ 3.710,73, ou seja, pratica­ Juros e Desp. Bancárias 884.120 3,34 50.208.113 6,11
mente um salário mínimo mensal. Convém esclarecer que estamos Impostos e Taxas 506.868 1,91 23.210.311 2,83
trabalhando com a média, pois o censo não divulga o dado distribuí­ Outras Despesas 6.464.862 24,40 121.845.231 14,84
do por classes de área, o que certamente mostraria a maior parte das TOTAL 26.496.343 100,00 821.262.929 100,00
posses com um rendimento médio mensal inferior a um salário mí­
nimo, como ocorre para o conjunto dos estabelecimentos do país. % 3,23 100,00
Outro dado que se tem pela análise da estrutura contábil apre-
136 137
sentada anteriormente é que houve menor gasto com adubos ou cor­ nutre de realidades não-capitalistas; e esse processo desigual não
retivos por parte dos posseiros, os quais em função de sua situação pode ser entendido como incapacidade histórica de superação, ele
não têm acesso aos financiamentos bancários. Para ilustrar, apre­ demonstra as condições criadas pelo próprio desenvolvimento do
sentamos a despesa por hectare no conjunto do país: modo capitalista de produção. É a marcha do seu desenvolvimento
que redefine antigas relações de produção, cria condições contradi­
Proprietários Cr$ 136,42 tórias para a sua reprodução, engendrando relações não-capitalistas
Arrendatários Cr$ 318,14 de produção igual e contraditoriamente necessárias a essa mesma
Posseiros Cr$ 37,54 reprodução.
Total Cr$ 137,61 É nesse contexto que devemos entender os posseiros no Brasil
de hoje. É nesse contexto que a questão da luta pela conquista da
autonomia do trabalho deve ser entendida. É nessa luta pela inde­
No que se refere à mecanização, entre os posseiros encontra­ pendência que o posseiro passa a pôr em questão o regime de pro­
mos um trator para cada 73 estabelecimentos, ou seja, apenas 10,7% priedade capitalista da terra, pois as lutas estão marcadas e determi­
dos estabelecimentos possuíam tratores em 1980. Cabe ressaltar que nadas pelo processo de expropriação. Esse processo evidentemente
o conjunto dos estabelecimentos do país que possuíam trator repre­ visa despojar o posseiro de todos os meios de produção e particu­
sentava 6,98%. larmente, da terra, para tomá-lo um trabalhador proprietário apenas
Com relação ao valor dos investimentos, para finalizar este ca­ da sua força de trabalho. Mas a luta dos posseiros é contra esse me­
pítulo, devemos salientar que enquanto os estabelecimentos do país canismo. A questão que se coloca é se esses posseiros teriam condi­
como um todo investiram 15,64% do total em terras, os posseiros ções de se unirem para fazer avançar suas lutas. A resposta eviden­
nada puderam investir em terra. Isto demonstra a total impossibilida­ temente requer algumas considerações.
de de acesso à terra pelos posseiros através da sua compra, justifi­ Não podemos esquecer de início que a mercadoria do posseiro
cando assim o apossamento. é o produto do seu trabalho, enquanto a mercadoria do operário é a
Assim procuramos dar uma rápida visão da situação geral dos força de trabalho. É pois
posseiros no Brasil.
através do mercado que a mercadoria perde a sua individuali­
dade, que ela se socializa. Ela só pode ser trocada quando o
seu conteúdo, o trabalho, toma-se equivalente do conteúdo de
todas as outras mercadorias quando a substância da mercado­
OS POSSEIROS E A QUESTÃO POLÍTICA NO CAMPO ria, que é o trabalho, se socializa pela troca. Quando o traba­
lhador vende diretamente a sua força de trabalho, essa sociali­
zação mediada pela troca o atinge diretamente. A mercadoria
que aí nasce é produto do trabalho combinado, social, sociali­
Entendemos o desenvolvimento do modo capitalista de produ­ zado, de muitos trabalhadores. Quando, porém, o trabalhador é
ção como processo (contraditório) de reprodução ampliada do capi­ proprietário dos seus instrumentos de trabalho, suas ferramen­
tal, e esta, como reprodução de formas sociais não-capitalistas (em­ tas, sua terra, esse processo atinge o fruto do seu trabalho, mas
bora dominada pela lógica do capital). Esse modo de produção se não o atinge diretamente.
138 139
Ele comparece perante a sociedade, perante o mercado, sozi­ É por isso que escolhemos o poema-canção de Marcos e Paulo
nho, dono das coisas que produziu, quando muito, junto com a Sérgio Valle para abrir e fechar este capítulo, pois os versos tradu­
família, isolado e isoladamente. As suas condições individuais zem certamente o projeto futuro dos posseiros deste país:
e familiares de trabalho, isoladas, produzem também uma
consciência, uma visão de mundo, que reflete e expressa esse Mas o dia vai chegar
isolamento. Que o mundo vai saber
Só uma força de fora do mundo do lavrador, uma força que Não se vive sem se dar
atinja por igual todos os lavradores, é que pode levá-los a se Quem trabalha é que tem
unirem, a se verem como uma classe, uma força social. O ca­ Direito de viver
pital é essa força que procura expropriar o lavrador, ou pelo Pois a TERRA É DE NINGUÉM
menos submeter o seu trabalho, que procura divorciá-lo dos
instrumentos de trabalho, da terra, para que, ao invés do lavra­
dor trabalhar livremente para si mesmo, passe a trabalhar para
ele, capital, como acontece com os operários.
A união e a força dos lavradores do campo não vêm de dentro
da sua condição social. O lavrador que trabalha isoladamente
com a sua família não tem possibilidade de perceber a extensão
social e a força política de todos os lavradores da sua socieda­
de. Somente quando o capital, de fora da sua existência,
invade o seu mundo, procura arrancá-lo da terra, procura trans­
formá-lo num trabalhador que não seja proprietário de nada
além da força dos braços, somente aí é que as vítimas dessa in­
vasão, dessa expropriação, podem se descobrir como membros
de uma classe. Essa descoberta se dá pela mediação do capital.
E o que está acontecendo em nosso país (Martins, 1980:
14/16).

É assim que devemos entender a disposição dos trabalhadores


que expropriados numa área partem para outra, numa luta insana
pela autonomia. E como procuramos demonstrar pelos dados apre­
sentados, essa luta está avançando sobre as áreas já tituladas (de
forma correta ou griladas) e o aumento dos conflitos parece emi­
nentes. É por isso que o GETAT aí está.
No entanto, é na sua luta diária que os posseiros constroem o
conceito de terra de trabalho, numa autêntica subversão do regime
de propriedade capitalista da terra. É nesse processo que eles vão se
enxergando como classe, se unindo e colocando em marcha seu
projeto futuro.
140 141
Dessa forma, a abertura das novas frentes de ocupação na
A COLONIZAÇÃO E A RECRIAÇÃO CAPITALISTA Amazônia sempre trouxe consigo esse caráter contraditório da for­
DOS CAMPONESES NA FRONTEIRA mação da estrutura fundiária brasileira no seio da lógica do desen­
AMAZÔNICA MATO-GROSSENSE volvimento capitalista. Assim, o processo que leva os grandes capi­
talistas a investirem na fronteira contém o seu contrário, a necessária
abertura dessa fronteira aos camponeses e demais trabalhadores
do campo.
Quer através dos projetos de colonização oficial ou particula­
res, ou mesmo simplesmente através da abertura das posses, os cam­
poneses e demais trabalhadores procuram, ainda que conjuntural-
mente, romper com o processo de expropriação a que estão submeti­
dos. Abrem luta contra tudo e contra todos na caminhada pela re­
conquista da terra para o trabalho livre.
Nesse aspecto estrutural, o Estado e o capital privado sempre
‘‘Quanto mais eu ando mais vejo estrada, deram as mãos. O capital privado, através da venda de terras dos
Mas se eu não caminho não sou é nada. camponeses procura, por um lado, realizar, extrair a renda da terra e,
Se tenho a poeira como companheira, por outro, simultaneamente, ir formando os “viveiros de mão-de-
Faço da poeira o meu camarada. obra” para seus projetos de exploração capitalista da terra. O Esta­
O dono quer ver a terra plantada, do, por sua vez, tem ficado com a tarefa de buscar conter as tensões
Diz de mim que vou pela grande estrada: sociais e, nesse processo, tem feito dos projetos de colonização
—Deixem-no morrer não lhe dêem água, “válvula de escape” das áreas de tensão social. Assim, tem si­
Que ele épreguiçoso e não planta nada.
do historicamente a “Marcha para o Oeste” e a colonização na
Eu que plantei muito e não tenho nada, fronteira.
Ouço tudo e calo na caminhada. Entretanto, nessa etapa recente da ocupação da Amazônia en­
Deixo que ele diga que sou preguiçoso,
Mas não planto em tempo que é de queimada.” contramos uma característica específica que se expressa no corte
('Plantador —Geraldo Vandré) monopolista do processo.
A economia brasileira que se internacionalizou nos últimos
30 anos, passou a requerer da agricultura a elevação das taxas de
produtividade. Para que isso fosse possível, transformações nas rela­
“ MARCHA PARA O OESTE” CONTINUA ções de produção e de trabalho ocorreram. O trabalho assalariado
(bóia-fria) expandiu-se pelo país todo, ao mesmo tempo em que au­
mentou a produtividade do trabalho familiar decorrente do avanço
A colonização no Brasil tem se constituído, historicamente, na tecnológico.
alternativa escolhida pelas classes dominantes do país para evitar, Contraditoriamente, o campo brasileiro do final dos anos 50
simultaneamente, a necessária reforma estrutural do campo e suprir- e irncio dos anos 60 estava sendo sacudido pelos movimentos popu­
se de força de trabalho para seus projetos na fronteira. lares em luta pelo acesso à terra. Do Nordeste ao Sul, os traba­
142 143
lhadores rurais faziam da luta seu instrumento de conquista da terra, desse contingente (97 mil pessoas). No total, mais de 456 mil pes­
que estruturalmente o desenvolvimento capitalista no campo lhes ti­ soas migraram no e para o estado de Mato Grosso. Esse processo
nha negado. migratório fez com que a população do estado crescesse 86% entre
Os governos militares procuraram “administrar” esta contradi­ 1970 e 1980, permitindo uma estimativa de crescimento para o pe­
ção e, ao mesmo tempo, aprofundaram-na. Reprimiram os movi­ ríodo entre 1980 e 1990 de mais de 90%. Dessa forma, a migração
mentos populares e deram todo apoio aos investimentos incentivados interna tem no estado de Mato Grosso uma de suas bases de atração.
no campo. Transformaram, nesse processo, os grandes capitalistas Pelo censo demográfico de 1980, de um total de 632 mil pessoas não
nacionais ou internacionais em grandes latifundiários através do naturais no município onde moravam, mais de 72% estavam lá há
programa de incentivos fiscais da SUDAM para os projetos agrope­ menos de 9 anos.
cuários na Amazônia.
Políticas territoriais foram elaboradas e implantadas para dar
apoio a esse processo tais como: PIN - Programa de Integração Na­
cional (com a construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-
Santarém), PROTERRA, POLAMAZÔNIA, POLOCENTRO,
POLONOROESTE, entre outros.

OS MIGRANTES CAMINHAM...

O estado de Mato Grosso ocupou posição privilegiada nesse


processo, pois foi contemplado com recursos de todos esses progra­
mas governamentais. Por isso, constituiu-se em área preferencial pa­
ra a implantação de projetos de colonização privada do país. Calcu­
la-se que mais de 90% dos projetos particulares de colonização estão
no estado.
Mas, onde esses empresários dos projetos de colonização pri­
vada foram buscar “clientes” para comprar terras no norte mato-
grossense? No Centro-Sul do Brasil, onde as transformações nas re­
lações de produção, via “modernização” da agricultura, abria a ne­
cessidade histórica de novo processo migratório para os filhos de
camponeses dessas regiões. Font«: CENSO DEMOGRÁFICO - 198 0 -IBGE
Org.: ARIOVALDO U. OLIVEIRA

O mapa 1 procura mostrar que 57% dos migrantes da década


Dst.: RICARDO DE ALMEIDA

de 70 que foram para o Mato Grosso, eram provenientes do Centro-


Sul do país, especialmente do Paraná, que contribuiu com mais de 21 % Mapa 1 - Mato Grosso, migração interna, 1970-1980.
144 145
Esta é mais uma característica do corte monopolista do atual tre as empresas que adquiriram terras estavam: Rendanyl (depois Ot-
processo de colonização: o deslocamento rápido de grandes contin­ sar) 1 milhão ha; Indeco (Ariosto da Riva) 400 mil ha; Colniza (gru­
gentes populacionais. A maioria das empresas de colonização apro- po Lunardelli) 400 mil ha; e Juruena (João Carlos Meirelles) 200 mil
veitou-se e montou escritórios de representação no Sul do país, so­ ha. Destas, apenas a Indeco implantou projeto de colonização em
bretudo no norte e oeste paranaense (Maringá, Cianorte, Umuarama, tempo hábil. As demais, ao contrário, pouco ou nada fizeram. En­
Assai, etc.). tretanto, as terras não retomaram ao patrimônio público. Inclusive,
durante o governo do general Figueiredo, as terras da Otsar passa­
ram para a Contriguaçu numa operação fraudulenta visando poste­
rior repasse para a multinacional Sharp (o famoso episódio da queda
A GRILAGEM E A TOMADA DAS TERRAS INDÍGENAS do ministro Amaury Stabile - funcionário e acionista daquela multi­
nacional). No frigir dos ovos, a referida quantia de um milhão de
hectares de terras foi sendo remanejada e hoje está assim redistribuí­
Esse processo de ocupação do norte mato-grossense, assentado da: 400 mil ha com a Cotriguaçu, 400 mil ha com a Juruena de João
na abertura dos projetos agropecuários e nos projetos de colonização Carlos Meirelles e 200 mil ha com a Indeco de Ariosto da Riva.
privados, teve sua base na grilagem das terras e em verdadeiros mas­ Os povos indígenas foram sendo destruídos com a tomada de
sacres de nações indígenas inteiras. seus territórios e, gradativamente, tiveram que marchar para o confi-
A maioria dos povos indígenas daquele estado teve suas terras namento das reservas e parques. Genocídios e etnocídios de nações
griladas e tomadas à força pelos grupos econômicos e especuladores e povos foram se sucedendo. Era o capital aprisionando os indígenas
que, lançando mão de documentos falsos (certidões ou declarações no espaço-prisão das reservas, através da apropriação violenta de
atestando a não-existência de índios e/ou posseiros), foram obtendo seus territórios.
títulos de terras dos vários governos do estado do Mato Grosso. Griladas as terras, passaram os “bandeirantes do século XX”,
Qualquer pesquisa elementar nos documentos de titulação de terras como se autodenominam (embora mais pareçam “jagunços do capi­
daquele estado (ainda hoje) atesta a imensidão de documentos falsos tal”), a iniciar seus projetos privados agropecuários e de coloniza­
presentes nos processos. Entretanto, o ponto alto do expediente da ção. O mapa da página seguinte mostra a localização dos projetos de
grilagem das terras indígenas está na figura do procurador. Este, colonização no norte mato-grossense.
munido de procurações muitas vezes falsas, obtinha títulos de áreas
contíguas, burlando assim a Constituição Federal que impedia a venda
sem prévia autorização do Senado de área superior a 10 mil hecta­
res (1946) e 3 mil hectares (1967) e 2 mil e quinhentos hectares (1988). OS LATIFÚNDIOS NAS MÃOS DAS
No entanto o governo mato-grossense incumbiu-se, em 1973, de COLONIZADORAS PRIVADAS
pedir autorização ao Senado Federal para vender 2 milhões de hec­
tares de terras em Anpuanã, um município sabidamente indígena.
Este é um dos muitos episódios das falcatruas existentes no Mato O INCRA autorizou cerca de 36 empresas privadas de coloni­
Grosso, pois era cláusula contratual que se a empresa que adquirisse zação a operarem no estado de Mato Grosso. Estas empresas,
as terras não implantasse no prazo de 5 anos (até 1978 portanto) os através da grilagem ou do recebimento das terras a preços simbóli­
referidos projetos, as terras voltariam para o patrimônio público. En­ cos, implantaram mais de meia centena de projetos de colonização.
146 147
A Colonizadora Sinop S/A, de propriedade de Ênio Pepino,
(que ainda hoje atua no norte e oeste do Paraná) implantou na gleba
Celeste com 650 mil hectares no eixo da Cuiabá-Santarém, quatro
cidades: Sinop, Vera (hoje municípios emancipados), Santa Carmem
e Cláudia. Também uma usina para a produção de álcool de mandio­
ca foi implantada no projeto, mas até hoje não conseguiu atingir
produção satisfatória.
A Indeco S/A - Integração, Desenvolvimento e Colonização -,
de propriedade de Ariosto da Riva (ex-sócio do grupo Ometto na
Agropecuária Suiá-Missu), afirma ter adquirido 500 mil ha da gleba
Raposo Tavares em 1971 pelo preço de Cr$ 15,00 o hectare (quantia
essa que na época dava para comprar seis maços de cigarro de marca
Hollywood). Além dessa área, adquiriu também, do governo do es­
tado, em 1973, outra área contígua à anterior, com 400 mil ha, por
apenas Cr$ 50,00 o hectare. Nessa área de quase um milhão de hec­
Projetos
tares implantou três projetos de colonização: Alta Floresta e Para-
SIN O P : Particular
naíta (hoje municípios emancipados) e Apiacás.
Também a preço de Cr$ 50,00 o hectare, o governo entregou
L U C A S RIO V E R D E : O F IC IA L

Rodovias
----- Pavimentadas
200 mil ha à Juruena Empreendimentos S/C Ltda., dirigida pelo fa­
zendeiro paulista João Carlos Meirelles, que implantou na área o
----- Sem Pavimentação

projeto de colonização Juruena.


O grupo Ometto, depois de vender a Agropecuária Suiá-Missu
Mapa 2 - Mato Grosso: projetos de colonização em São Félix do Araguaia para o grupo multinacional Liquifarm,
está implantando, através da Agropecuária do Cachimbo, o projeto
colonização de Matupá em área superior a 250 mil ha no extremo
norte do estado, no entroncamento da rodovia Cuiabá-Santarém com
a BR-80.
O grupo Herbert Levy, através da Mutum Agropecuária Ltda.,
A Conomali - Colonizadora Noroeste Matogrossense S/A, implantou no seio do cerrado mato-grossense, ao longo da Cuiabá-
de propriedade dos irmãos Mayer de Santa Rosa-RS, colonizou Santarém, o projeto Nova Mutum em área superior a 100 mil ha.
a gleba Arinos com mais de 240 mil ha e lá fundou Porto dos Próximo ao projeto Nova Mutum está a Colonizadora Sorriso Ltda.,
Gaúchos. que também tem implantado, em área também de mais de 100 mil ha,
o projeto de colonização Sorriso, hoje município emancipado.
A Incol - Imóveis e Colonizadora Ltda. (família Briante) - di­ A Colonizadora Vila Rica de Minas Gerais implantou, no ex­
vulga em seus folhetos de propaganda, o fato de ter colonizado área tremo nordeste do estado, no vale do Araguaia, próximo à divisa
superior a 1 milhão de ha e fundado as cidades de São José do Rio com o Pará, o projeto Vila Rica (hoje também município emancipa­
Claro e Brianorte. do) com área superior a 100 mil ha.
148 149
Já a Colonizadora Líder, que implantou Colider e Nova Canaã e falências, o próprio governo federal chamou a Coopercana para di­
(também municípios emancipados), grilou terras da União e vendeu rigir e implantar o projeto de colonização de Terra Nova. Como se
a colonos do sul do país três vezes mais terras do que possuía. Aos sabe, este projeto visava assentar no norte mato-grossense (a 650 km
proprietários nada aconteceu, pois o INCRA tomou para si a tarefa de Cuiabá no eixo da Cuiabá-Santarém), os colonos acampados que
de regularizar a titulação das terras. haviam sido expulsos da reserva indígena de Nonoai no Rio Grande
do Sul. O projeto Terra Nova, implantado em área de mais de 200
mil ha, conheceu rapidamente problemas particularmente relaciona­
dos com a malária e com a distância dos centros consumidores do
COOPERATIVAS TORNAM-SE EMPRESAS país. Assim, o projeto passou a se constituir numa espécie de marco
“ PRIVADAS” DE COLONIZAÇÃO para o processo de retomo dos gaúchos que foram transferidos do
Rio Grande do Sul para o Mato Grosso. O início do processo de re­
tomo, que já se manifestava em Sinop e Canarana, teve em Terra
A presença de cooperativas como empresas de coloni­ Nova o seu auge. Estudos recentes mostram que menos de 15% dos
zação também é uma das características da ocupação do colonos pioneiros ficaram no projeto. Terra Nova recentemente
norte mato-grossense. emancipou-se, tomando-se município.
A primeira delas foi a Coopercol-Cooperativa 31 de Março Mais tarde, na própria esteira da Coopercana, a Cotrel - Coo­
Ltda., fundada pelo pastor luterano Norberto Schwantes em Tenente perativa Tritícola de Erexim Ltda. —implantou o projeto Peixoto
Portela-RS. Esta implantou projetos de colonização que deram ori­ Azevedo, em parceria com o INCRA em área de 100 mil ha. Tam­
gem às cidades de Canarana e Água Boa no cerrado do médio Ara­ bém a Cotriguaçu iniciou projeto de colonização em área de 400 mil
guaia mato-grossense. A cooperativa beneficiou-se da amizade do ha em Aripuanã e a CAC - Cooperativa Agrícola de Cotia - e IN­
pastor com o então presidente general Geisel, que via no projeto de CRA implantaram em Alta Floresta, o projeto Carlinda em área de
colonização uma resposta oficial (capitalista) aos efeitos da guerrilha quase 100 mil ha. A Coomajul - Cooperativa Mista Agropecuária de
e da luta dos posseiros no vale do Araguaia. Juscimeira Ltda - instalou também, no município de Nobres, o pro­
Após a disputa entre um grupo de colonos pioneiros, liderados jeto de colonização Ranchão.
por Orlando Roewer, e o pastor pela hegemonia na cooperativa,
Norberto Schwantes criou a Coopercana —Cooperativa Mista de
Canarana Ltda., em Carazinho-RS, transferindo-a depois para Água
Boa-MT. Com o aumento da disputa política pelas cooperativas, o PARA COMPLETAR OS ESCÂNDALOS
pastor abandonou-as e criou em sociedade com o funcionário do O ESTADO ENTRA EM CENA
INCRA na região, Sérgio Bertone, a sua própria empresa privada de
colonização, a Conagro - Colonização e Consultoria Agrária S/C
Ltda. Esta empresa colonizou na região mais de 200 mil hectares de O estado de Mato Grosso, paraíso das colonizadoras privadas e
terras. das empresas agropecuárias, não tem sido área prioritária de atuação
Com a tomada do poder na Coopercana pelo grupo liderado dos govemos estadual e federal no que se refere à colonização ofi­
por Orlando Roewer, trataram de encerrar as atividades da Coopercol e cial nas últimas décadas.
ainda com a proteção governamental e após sucessivas crises Entretanto, o govemo estadual, através da CODEMAT - Com­
150 151
panhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso S/A im­ A origem do projeto remonta ao início da década de 80, quan­
plantou o projeto Juína (município já emancipado) em área de mais do milhares de colonos sem-terra iniciaram o grande acampamento
de 400 mil ha em terras sabidamente dos índios Salumã, Cinta-Larga da Encruzilhada do Natalino no município de Ronda Alta-RS. Para
e Erikibaktsa (hoje em reservas). Este fato vem desencadeando na desmobilizar o movimento, o então ministro Extraordinário para As­
região constantes conflitos entre colonos e nativos. Além deste, um suntos Fundiários e membro do Conselho de Segurança Nacional,
segundo projeto do governo estadual foi implantado: trata-se do general Danilo Venturini, convocou o major Curió para lá atuar.
projeto Panelas, com área de mais de 1 milhão de hectares, localiza­ Após várias tentativas de repressão e frente à resistência dos colo­
do em Aripuanã. nos, o governo resolveu oferecer terras no Mato Grosso aos natali­
A atuação da CODEMAT em Juína esconde muitos escândalos nos. Em maio de 1982, depois de muitas promessas, 213 famílias de
e violência, mas o maior deles envolve a ocorrência de diamante na acampados aceitaram o deslocamento para Lucas do Rio Verde. O
área. Uma empresa multinacional já opera no vale do Juruena, ex­ projeto foi concebido para assentar 900 famílias em lotes de 200 ha.
traindo diamante do cascalho do fundo do rio. Ao que se comenta na O trajeto do escândalo tem passagens fantásticas. O primeiro
cidade, altos funcionários da CODEMAT, entre eles um parente executor do INCRA no projeto (ligado a grupos políticos de Cuia­
próximo do ex-govemador Júlio Campos, teriam ficado com os lotes bá), passou a articular, junto a um dos maiores posseiros da área (os
onde o mineral ocoire. posseiros existentes na área receberam lotes do INCRA), e com o
O governo federal, através do INCRA, tem praticamente dois então gerente do Banco do Brasil em Diamantino, uma verdadeira
grandes projetos de colonização no estado. No primeiro grande pro­ “arapuca” para os colonos recém-chegados ao projeto. Como o go­
jeto, localizado no eixo da Cuiabá-Santarém, na porção do extremo verno queria fazer do projeto “efeito demonstração” aos natalinos
norte do estado, já na divisa com o Pará, nasceu a cidade de Gua- que continuavam acampados, abriu crédito em proporção superior ao
rantã do Norte, hoje emancipada. Guarantã do Norte conheceu dois que seria necessário para desapropriar e fazer a reforma agrária no
projetos do INCRA implantados em terras dos índios gigantes Kren- próprio estado do Rio Grande do Sul para os acampados. Dessa
Akarore que quase foram dizimados no primeiro contato com os tra­ forma, os colonos chegando ao INCRA, em Lucas, eram enviados a
balhadores que abriam a estrada. Mais tarde foram transferidos para Diamantino para obterem os financiamentos. O gerente do banco,
o Parque do Xingu. O PAC - Peixoto Azevedo com 120 mil ha, agindo “por fora”, avisava os colonos para contratarem os serviços
executado em convênio com a Cotrel - Cooperativa Tritícola de da “empresa de trabalhos agrários” controlada pelo ex-posseiro. A
Erexim Ltda. -, visou transferir colonos do sul do Brasil (áreas de partir daí, a “empresa destocava o terreno, arava, plantava, pulveri­
tensão) para a região. Já o projeto Braço Sul (105 mil ha) visou re­ zava, colhia e vendia”, depois “recebia o pagamento do próprio
gularizar a situação fundiária de posseiros da região e assentar 500 banco”. Aos colonos restava “ficar sentado na porta da cozinha pela
famílias de brasiguaios que viviam no Paraguai em terras que foram manhã e só se mudar para a porta da sala porque o sol mudava de
inundadas pela represa de Itaipu. lugar”.
O segundo grande projeto do INCRA no Mato Grosso é Resultado, a maioria dos colonos abandonou o projeto, vol­
Lucas do Rio Verde. Com área de 240 mil ha, localizado também no tando para o Sul. Em 1984, das 213 famílias que para lá haviam
eixo da Cuiabá-Santarém entre Sorriso e Nova Mutum (250 km da ido, permaneciam menos de 18. Em 1987, menos de 10. Muitos
capital), em pleno cerrado, é um dos maiores escândalos da coloni­ entregaram os lotes em troca da passagem de volta para o Rio
zação oficial no país e uma espécie de anti-símbolo da luta pela Grande do Sul. Outros venderam por pequena importância em
reforma agrária. dinheiro.
152 153
Mas quem eram os “compradores”? Um grupo articulado pelo rimpos do rio Peixoto de Azevedo, e rio Teles Pires. Foi assim tam­
então executor do INCRA. Ao certo, ninguém consegue saber quem bém que Carlinda, Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás, tiveram que
são os verdadeiros proprietários, pois os lotes continuam em nome conviver com os garimpos fechados do município de Alta Floresta,
dos primeiros colonos e os seus atuais proprietários “funcionam” “onde ninguém entra ou sai sem controle”.
como seus “procuradores” que “cultivam soja nos lotes para os co­ Aliás, os garimpos de Alta Floresta são famosos, pois ao que
lonos”. Além disso, o próprio executor do INCRA cuidou de distri­ se sabe, Ariosto da Riva, proprietário da colonizadora Indeco, sabia
buir os demais lotes para pessoas com compromisso de não ocupa­ desde 1972 da ocorrência do ouro em suas terras. Mas foi no final
rem de fato as terras e em seguida efetuarem a “devolução” para ele de 1978 que a notícia se espalhou através de dois garimpeiros que
próprio. Enfim, Lucas é uma das grandes falcatruas da colonização penetraram na área vindos do Pará pelo rio Juruena. Como conse­
oficial, e há quem diga por lá que há “gente grande de Brasília no qüência, uma avalanche de garimpeiros deslocou-se para a região e
meio da muamba”. outra parte dos colonos deixou a agricultura em busca da aventura
Segundo a legislação em vigor, o INCRA poderia anular a no garimpo. A violência passou a fazer parte do cotidiano do proje­
concessão dos títulos pois eles são provisórios. Entretanto, o ex- to, e a tentativa de “enriquecimento fácil” tomou conta das cidades
executor do INCRA, demitido do cargo por processo administrativo, de Paranaíta e Alta Floresta. Estima-se que mais de 300 garimpeiros
partiu para a articulação política, criando o diretório do PMDB em já foram mortos nessa disputa pelo ouro. De um lado, as empresas
Lucas e apoiando o governador eleito em 1986, Carlos Bezerra. Em de mineração e a colonizadora, e do outro, como elo frágil, os ga­
rimpeiros. Desde 1978, a Indeco destacou um de seus “homens de
troca pediu, simplesmente, a “anistia” para tudo o que ocorreu em confiança” para “administrar” os garimpos na condição de “arren­
Lucas do Rio Verde. Conclusão: estamos outra vez diante da oficia­ datários”, tendo portanto o monopólio da compra do ouro, do trans­
lização de mais um escândalo. porte e do abastecimento. O ouro, segundo afirmou uma repórter do
Mas a luta dos sem terra também chegou a Lucas. Lá no lon­ jornal O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, que lá esteve desde
gínquo cerrado matogrossense nasceu o primeiro acampamento dos 1979, é vendido a comerciantes de São Paulo por preço que nin­
sem-terra do Mato Grosso, hoje transformado em uma associação guém sabe. Os hotéis da cidade (praticamente todos) são os loci
que luta pela reforma agrária em um projeto de colonização do go­ privilegiados das operações de contrabando do metal.
verno federal. Dessa forma, esses projetos envolvidos com garimpo são
exemplos vivos da encruzilhada que vivem hoje muitos projetos de
colonização na Amazônia, ou seja, entre a agricultura (além da “la­
voura branca” cultiva-se café, cacau, guaraná, seringa, etc.), em ge­
A FEBRE DO OURO INVADE OS ral com pouca assistência dos governos, e a febre do ouro dos
PROJETOS DE COLONIZAÇÃO garimpos.

A descoberta de ouro em garimpos na porção norte do estado O PARAÍSO E O INFERNO


de Mato Grosso fez com que, a partir do final da década de 70, au­
têntica corrida para os garimpos ocorresse dentro dos próprios pro­
jetos de colonização. Foi assim que Guarantã do Norte, Matupá, Assim, a colonização no norte de Mato Grosso tem se consti­
Terra Nova e Colider tiveram que aprender a conviver com os ga- tuído em um paraíso para o capital, para os especuladores e para os
154 155
grileiros que têm atuado livremente com o ' ‘apoio” do próprio go­
verno. Verdadeiros latifúndios continuam sendo entregues “de gra­
ça” para os grandes grupos econômicos especularem com a terra.
Nesse processo, as primeiras vítimas foram as nações indígenas
e as segundas os trabalhadores, colonos, peões ou garimpeiros. Para
eles foi reservado também um lugar na Amazônia: o inferno.
Mais uma vez a história se repete. Toda colonização traz con­
sigo os mesmos mecanismos estruturais. Primeiro, projeta-se através
dos mapas a delimitação da fração do território a ser tomada. Em se­
guida, todos os meios são válidos para justificar a conquista. Esse
processo traz em seu bojo o conflito entre etnias e/ou classes ou fra­
ções de classes que sempre culminam com a domesticação cultural.
“Domesticados”, os novos trabalhadores da fronteira são submeti­
dos à dominação. Dominação essa que se estrutura através das em­
presas de colonização e se consolida com a sua herança: a emanci­
pação desses projetos de colonização e a sua transformação em mu­
nicípios. O Estado que vai se constituindo é a expressão da domina­
ção existente. Os proprietários das colonizadoras tomam-se os novos
“coronéis” da política local.
Em função desse processo, nas últimas décadas o Mato Grosso
conheceu a criação de quase 50 novos municípios. Os mapas das
páginas seguintes dão uma visão territorial dessa nova realidade do
paraíso e inferno em que se tem constituído a ocupação rápida da
Amazônia Legal. TABELA DE MUNICÍPIOS
ATÉ 1960
1 - Cuiabá 16 - Itiquira
2 - Acorizal 17 - Jaciara
3 —Alto Araguaia 18 - Nortelândia
4 - Alto Garças 19 - Nossa Senhora do Livramento
5 - Alto Paraguai 20 - Poconé
6 - Arenápolis 21 - Ponte Branca
7 - Aripuanã 22 - Poxoréu
8 - Barão de Melgaço 23 - Rondonópolis
9 - Barra do Bugres 24 - Rosário do Oeste
10 - Barra do Garças 25 - Santo Antonio de Leverger
11 - Cáceres 26 - Tesouro
12 - Chapada dos Guimarães 27 - Torixoréu
13 - Diamantino
14 - Dom Aquino 28 - Várzea Grande
15 - Guiratinga 29 - Vila Bela da Santíssima Trindade

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TABELA DE MUNICÍPIOS (Cont.)
1970 A 1980
57 - SINOP 68 - Marcelândia
58 - Tangará da Serra 69 - Nova Canaã do Norte
1980 a 1987 70 - Nova Olímpia
71 - Novo Horizonte do Norte
59 - Alto Taquari 72 - Novo São Joaquim
60 - Araguaiana 73 - Paranaíta
61 - Campinápolis 74 - Peixoto Azevedo
62 - Cocalinho 75 - Porto Alegre do Norte
63 - Comodoro 76 - Porto Espiridião
64 - Figueirópolis 77 - Primavera do Leste
65 - Guarantã do Norte 79 - Sorriso
66 - Indiavaí 80 - Terra Nova do Norte
67 - Itaúba 81 - Vera
82 - Vila Rica

TABELA DE MUNICÍPIOS (Cont.)


1960 A 1970
30 - Araguainha 42 - Juara
31- General Carneiro 43 - Juína
32 - Luciara 44 - Juscimeira
33 - Nobres 45 - Mirassol D’Oeste
34 - Porto dos Gaúchos 46 - Nova Brasilândia
47 - Nova Xavantina
1970 a 1980 48 - Paranatinga
49 - Pedra Preta
35 - Água Boa 50 - Pontes e Lacerda
36 - Alta Floresta 51 - Quatro Marcos
37 - Araputanga 52 - Rio Branco
38 - Canarana 53 - Salto do Céu
39 - Colider 54 - Santa Terezinha
40 - Denise 55 - São Félix do Araguaia
41 - Jauru 56 - São José do Rio Claro
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VELHO, Otávio Guilherme. Frentes de expansão e estrutura agrária. Rio de
Janeiro, Zahar, 1972.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira nasceu numa velha fazenda de


café, na área rural do município de Santa Rita do Passa Quatro, inte­
rior de São Paulo. Ainda pequeno, mudou-se com os pais para Porto
Ferreira, às margens do rio Mogi-Guaçu. Lá cursou o primário, o gi­
násio e normal.
Filho de trabalhadores, Ariovaldo sempre discutiu com o pai
Francisco as coisas do campo e da política. Com ele aprendeu a co­
nhecer as coisas da terra. Nunca se esqueceu da explicação que o
pai lhe deu sobre a razão da mudança para a cidade, no final da dé­
cada de 40: “Eu queria ser livre, para que isso fosse possível, eu ti­
ve que “comprar” a minha liberdade. Paguei com trabalho, plantan­
do algodão e arroz a “meia”. E dessa maneira livrei-me do cativeiro,
não dos escravos, mas da fazenda, da terra portanto”.
Assim, “desde pequeno, aprendi que a luta dos trabalhadores é
uma necessidade histórica de sua época (e geração). Por isso sempre
que posso realizo trabalhos de campo com alunos pelos ‘sertões’ do
Brasil”.
Ariovaldo também colabora com o Movimento dos Trabalhado­
res Rurais Sem-Terra de Sumaré-SP, e com o movimento Aliança
dos Povos da Floresta, “lutando ao lado dos seringueiros e índios
pelas reservas extràtivistas”.
É professor assistente-doutor do Departamento de Geografia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, desde
162 163
Atualize sua biblioteca!
Geografia, natureza e sociedade
1980. Vem ministrando a disciplina “Geografia Agrária e Geografia ^lefienáam clo a José William Vesentini
Regional do Brasil: Amazônia” entre outras no curso de Graduação A federação brasileira
94 páginas
em Geografia e no curso de pós-graduação (mestrado e doutorado) a Uma análise geopolítica e geo-social Geomorfologia:
disciplina “Agricultura e Capitalismo”. É também, orientador do Manuel Correia de Andrade am biente e planejam ento
mestrado e doutorado em “Geografia Humana”, onde já formou vá­ Sandra Maria Correia de Andrade
128 páginas
Jurandyr Luciano Sanches Ross
88 páginas
rios mestres e doutores nas diferentes áreas da geografia tais como:
agrária, urbana, e ensino. A vida nas cidades
Eliseu Savério Spósito
Moradia nas cidades brasileiras
Arlete Moysés Rodrigues
Na área do ensino da geografia, Ari continua lutando pela re­ 92 páginas 74 páginas
formulação, ministrando cursos de reciclagem para professores da Fronteiras e nações Imperialismo e fragmentação do espaço
rede oficial de ensino e debatendo com os professores de São Paulo André Roberto Martin Manuel Correia de Andrade
e de outros estados brasileiros, a proposta de ensino de geografia 96 páginas 96 páginas
voltado para a compreensão e conscientização da realidade vivida. A geografia das lutas no campo A produção do espaço
É assessor das Secretarias de Educação do Estado e do Muni­ Ariovaldo U. de Oliveira geográfico no capitalism o
cípio de São Paulo. 128 páginas Horieste Gomes
78 páginas
Publicou vários artigos em revistas científicas tais como: Bole­ Migrantes
tim Paulista da Geografia, Caderno Prudentino de Geografia, Bo­ Dora Martins e Sônia Vanalli
104 páginas
letim Goiano de Geografia, Terra Livre, Revista do Departamento
de Geografia-USP, Orientação, Travessia, etc... É autor dos livros O Brasil e a África Novos caminhos da geografia
Geografia das Lutas no Campo; Modo capitalista de produção e Manuel Correia de Andrade
80 páginas Ana Fani Alessandri Carlos (org.)
Agricultura; Amazônia: monopólio, expropriação e conflitos; A 208 páginas
Amazônia, e organizou o livro Para onde vai o ensino de O Brasil e a América Latina
Manuel Correia de Andrade Ecologia e lutas sociais no Brasil
Geografia. 80 páginas Maurício Waldman
128 páginas
É coordenador da coleção Repensando a Geografia da Editora Capitalismo e urbanização
Contexto. Maria Encarnação B. Spósito A agricultura camponesa no Brasil
Ariovaldo U de Oliveira
80 páginas 168 páginas
A cidade Am biente e apropriação do relevo
Ana Fani A. Carlos Valter Casseti
104 páginas 152 páginas
Geografia física: ciência humana?
Francisco Mendonça Geografia e lugar social
72 páginas Armando Corrêa da Silva
Geografia lingüística: 144 páginas
dominação e liberdade Geografia e m eio am biente
Álvaro José de Souza Francisco Mendonça
94 páginas 82 páginas
Espaço e indústria A natureza
Ana Fani A. Carlos contraditória do espaço geográfico
72 páginas Lenyra Rique da Silva
O Estado e as políticas 104 páginas.
territoriais no Brasil População e geografia
Wanderley Messias da Costa Amélia Damiani
88 páginas 110 páginas
a agricultura
camponesa
no brasil
Nas últim as décadas, um grande núm ero de
conflitos - em geral sangrentos - tem
ocorrido no cam po. O assassinato de
lideranças sindicais, de religiosos e de
advogados, no entanto, depara-se com um a
ju stiça m uitas vezes m anipulada pelos
poderosos da região.
Assim , as reivindicações dos trabalhadores
rurais se voltam para a cidade. M ovim entos
de sem -terra m archam para os centros
urbanos, exigindo reform a agrária. Torna-se
m ais evidente, a cada dia, que a luta pela
terra no cam po só poderá ser fe ita na cidade.
C om prom etida com essa visão, A
AG R IC U LTU R A C A M P O N E S A NO BRASIL,
de A riovaldo U m belino de O liveira, professor
da USP, faz parte da nova produção
geográfica que vem procurando servir de
instrum ento para a transforrr BM 23
Tombo: 16230

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3211826

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