Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Gilberto Agostino
Copyright @ by Gilberto Agostino, 2002
2ª edição: 2011
Projeto Gráfico:
Núcleo de Arte/Mauad Editora
Foto da Capa:
Copa de 1938. Jogadores alemães saem derrotados após jogo com a Suíça
CATALOGAÇÃO NA FONTE
Departamento Nacional do Livro
A275v
Agostino, Gilberto.
Vencer ou morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional
/ Gilberto Agostino. – Rio de Janeiro : FAPERJ : Mauad, 2002 ;
2. ed.: Mauad X, 2011.
ISBN 978-85-7478-523-3
CDD – 796.334
Dedico este livro aos meus irmãos, Júlio e Salvador,
que me ensinaram a amar o jogo
Este trabalho foi concebido a partir de uma experiência no Jornal dos Sports,
no qual assinei a coluna “Futebol, Paixão e Poder“. Das crônicas ao livro, foram
muitos dilemas, dúvidas e desafios. Consegui superar alguns deles graças ao
incentivo de muitas pessoas, às quais devo sinceros agradecimentos. Antes de
tudo, à minha família, que esteve ao meu lado nos bons e maus momentos. À
FAPERJ, especialmente na pessoa de Luis Fernandes, pelo apoio ao projeto.
Aos colegas do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, pelas reflexões
levantadas em nossas discussões. Entre aqueles que compartilharam mais de
perto da evolução do texto, foram fundamentais as sugestões de Alexander
Martins, assim como a leitura atenta e carinhosa de Octacílio Ribeiro Lessa. Não
poderia esquecer também as pessoas que me incentivaram com uma palavra,
gesto ou “livro emprestado”, como Luís Antônio, Leonardo Bahiense, Diego
Henrique, Rodrigo Ferrari e Luís Mauro. Finalmente, gostaria de deixar registrado
um agradecimento especial ao professor Francisco Carlos, pelo encorajamento
que reforçou minha determinação de ir em frente.
Vencer ou Morrer
(Mensagem de Benito Mussolini aos jogadores italianos
na véspera da final da Copa de 1938)
ÍNDICE
CAPÍTULO 1
BATALHAS NO CAMPO, BATALHAS NA VIDA
CAPÍTULO 2
A ESTETIZAÇÃO DA POLÍTICA E A FASCINAÇÃO DO FUTEBOL
CAPÍTULO 3
FUTEBOL E POLÍTICA NO “SOCIALISMO REAL”
CAPÍTULO 4
POPULISTAS, DITADORES E GUERRILHEIROS
CAPÍTULO 5
VELHOS IMPÉRIOS, NOVAS NAÇÕES
CAPÍTULO 6
TORCEDORES E NOVA DIREITA: VIOLÊNCIA E (DES)CONTROLE
CONCLUSÃO
Futebol, Mundialização e Mídia 1
BIBLIOGRAFIA
Vencer ou Morrer
Prefácio
Teixeira Heizer*
Teixeira Heizer 9
Prefácio
10 Teixeira Heizer
Vencer ou Morrer
Teixeira Heizer 11
Prefácio
12 Teixeira Heizer
Vencer ou Morrer
Apresentação
CAPÍTULO 1
Gilberto Agostino 19
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
20 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 21
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
22 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 23
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
24 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 25
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
três Copas. Tal afiliação religiosa contribuiu para que o clube se tornasse
desde os seus primeiros tempos uma representação política, sendo para
os imigrantes irlandeses na Escócia um referencial para assuntos que não
podiam ser esquecidos, como a Home Rule (autonomia irlandesa). Não
por acaso, juntamente com o Arcebispo de Glasgow, um dos primeiros
patronos do clube foi um antigo membro do Sinn Fein, Michael Davitt.
Momento emblemático desta identidade foi registrado na primeira turnê
que o clube fez nos Estados Unidos, quando os dirigentes exigiram que
fosse tocado o hino irlandês e não o escocês. Nesse sentido, não surpre-
ende que a identidade político-religiosa do Celtic tenha gerado a reação
de grupos tradicionais na Escócia.
Fundado dezesseis anos antes, o Rangers FC nascera marcado pelos
traços da lealdade franco-maçônica, muito mais expressiva entre escoceses
do que entre ingleses. Este clube acabaria catalisando a identidade não sim-
plesmente protestante, mas fundamentalmente anticatólica. No início do
século XX, a tensão entre os clubes, e principalmente entre seus torcedores,
explodiu, tornando o confronto entre eles – que viria a ser denominado de
Old Firm – um dos principais clássicos do futebol europeu.
Na Itália, existem notícias que, em 1880, colégios jesuítas haviam
utilizado o futebol como meio pedagógico, sendo possível que as insti-
tuições congêneres da América do Sul tivessem introduzido o jogo bem
antes da chegada dos “promotores ingleses”, embora seja reconhecido
que só mesmo com estes o esporte assumiu o formato moderno tal qual
definido na Inglaterra. De qualquer forma, em vários continentes, em
realidades religiosas das mais diversas, foi a Igreja uma importante pro-
motora da mensagem esportiva, favorecida não só pela força ideológica
de que dispunha, como também pelos terrenos em que as partidas podiam
ser disputadas.
Além da dimensão religiosa, outra realidade também bastante sig-
nificativa para a difusão do jogo foi a sua promoção através das próprias
companhias capitalistas, em muitos casos considerando o esporte um
mecanismo de disciplina, desenvolvimento físico e moral dos trabalha-
dores. Em Sochaux, onde Peugeot criou uma equipe profissional, o jogo
era considerado, antes de tudo, um meio disciplinar:
26 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 27
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
28 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 29
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
forma, para aqueles assustados com qualquer coisa vinda de fora – como o
sultão turco Abdülhamid –, o futebol era um corpo estranho, o que torna-
va um simples livro de regras literatura subversiva. Na realidade, alguns
destes temores reacionários tinham certo fundamento. Muitos jovens
nacionalistas se encontravam em associações esportivas para discutir suas
linhas de ação política e muitos clubes nasceram imbuídos desse espírito.
Fascinado com esta realidade, Gramsci sintetizaria mais tarde: O futebol
é o reino da liberdade humana exercida ao ar livre.
m m m
30 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 31
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
32 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 33
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
34 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 35
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
36 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 37
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
38 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
m m m
Gilberto Agostino 39
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
versos países, sendo possível perceber que os aficionados pelo futebol cada
vez mais relacionavam a vitória no campo de jogo ao orgulho cívico. Não
por acaso, o Flamengo, no Rio de Janeiro, achou por bem nesse momento
abandonar sua famosa camisa cobra coral – vermelha, preta e branca –,
até hoje lembrada nos cânticos da torcida, uma vez que a disposição das
cores lembrava o Império Alemão, contra quem o Brasil declarara guerra
em 1917. Nessa fase, não foram poucos os clubes que procuraram não só
formar batalhões militares, como também discutir questões referentes à
defesa nacional entre os associados. Foi neste ímpeto que surgiu no Rio
de Janeiro o Sport Club Aliados, cujo estatuto não aceitava sócios de des-
cendentes dos países com os quais as nações aliadas estavam em guerra.
A partir de 1918, entretanto, a gripe espanhola encarregar-se-ia de
trazer ao futebol sul-americano todo o transtorno que a própria guerra não
trouxera. Em um contexto em que as autoridades sanitárias rondavam as
ruas em busca de portadores da doença, o convívio social tornara-se um
mar de suspeitas, irrompendo o pânico em muitas cidades importantes.
Foi neste quadro que dirigentes do Corinthians em São Paulo tiveram
que se defender das acusações de que os treinos do time ameaçavam a
integridade da população. Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, em meio
ao verdadeiro caos em que a saúde pública se encontrava, os dirigentes
decidiram adiar o Sul-Americano, a ser realizado em 1918. A notícia do
adiamento foi bem recebida pelas delegações do Uruguai e da Argentina,
e o campeonato foi transferido para o ano seguinte.
Partindo de forma tão rápida e intempestiva quanto viera, a Gripe
Espanhola deixou algumas angustiantes inquietações. Uma reação, entre-
tanto, pareceu exercer o domínio sobre todos: esquecer o que acontecera.
Mesmo que a doença esteja indexada na lembrança de algumas famílias,
enquanto experiência histórica coletiva ela foi praticamente apagada da
memória social, como se a omissão ou mesmo a negação do passado pre-
servasse os homens da possibilidade de algo parecido voltar a acontecer.
Nesse sentido, em pouco tempo já era evidente a recomposição do cotidia-
no nas grandes cidades. À medida que os efeitos da gripe desapareciam,
as demandas esportivas iam sendo retomadas. Em 1919, os encontros
internacionais seriam de fato normalizados.
40 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 41
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
42 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 43
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
44 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 45
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
por sua beleza e esplendor. Neste sentido, acreditava que só mesmo o re-
luzir eterno do ouro poderia expressar tal fascínio. Levando sua ideia ao
escultor Abel Lefleur, assistente do museu de Belas-Artes de Rodez, Rimet
viu seu sonho concebido em uma estatueta de 30 centímetros, esculpida
em ouro maciço, sendo a Deusa da Vitória a perfeita projeção do desejo
que o presidente da FIFA procurava despertar. Afinal, em meio a todas as
dificuldades em que se organizava o Mundial do Uruguai, o prêmio maior
do futebol precisava ser algo mais que um troféu. Haveria de ser uma
conquista permanente. Desta forma, foi instituído o regulamento de que
o país vencedor ficaria com a taça até a disputa de um novo Mundial. A
ideia em si podia não ser totalmente nova, mas, naquele contexto, não só
exercitava a projeção de uma nova Copa, algo ainda duvidoso em 1930,
como alimentava o espírito de que só poderia haver um vencedor, questão
importante em meio a tantas dissidências no mundo do futebol. Durante a
realização de um novo torneio, a taça passaria temporariamente à FIFA, a
única capaz de entregá-la ao novo campeão. Em torno da estatueta, por-
tanto, fundava-se uma tradição, aspecto crucial para a internacionalização
de uma competição em um mundo tão dividido por ideologias e conflitos.
À medida que a organização do evento ia se transformando em
uma verdadeira corrida de obstáculos, a FIFA ganhou terreno, deixando
os dissidentes para trás. O tempo era curto demais para mais debates, pois
envolvia os preparativos daqueles que arrumavam as malas para uma longa
viagem e também do anfitrião, que começava uma série de obras especial-
mente para o Mundial. Na verdade, as ausências europeias não eram nada
desprezíveis: Alemanha, Hungria, Suíça e Thecoslováquia recusaram-se
a participar de um certame realizado em terras tão distantes; quanto aos
ingleses, estes já não estavam integrados à FIFA e ninguém acreditava que
pudessem participar, mesmo que o campeonato fosse realizado na Europa.
Neste meio tempo, enquanto setores da imprensa esportiva afirmavam que
a Copa do Uruguai seria um torneio latino-americano, os dirigentes france-
ses confirmaram não só a presença da própria França, como as da Bélgica
e Iugoslávia. Em busca de mais uma adesão, o próprio Rimet chegou a
viajar para a Romênia, procurando convencer o Rei Carol da importância
da competição. Segundo consta, recebeu a melhor das acolhidas por parte
46 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 47
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
48 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 49
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
50 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 51
Batalhas no Campo, Batalhas na Vida
Notas
1
Peter Gay, O Cultivo do Ódio, São Paulo: Companhia das Letras,1995, p. 436.
Cf. Jeffrey Hill, Sport et classe ouvrière en Grande-Bretagne, Les origines
2
1992, p. 163.
4
Cf.Chris Taylor, The Beautiful Game, London: Victor Gollancz, 1998, p. 25.
Cf. Bill Murray, Celtic et Rangers, les Irlandais de Glasgow, Actes de la
5
2001, p. 174.
10
Cf. David Downing, The Best of Enemies, London: Bloomsbury, 2000, p. 5.
11
Cf. Modris Eksteins, A Sagração da Primavera, op. cit., p. 165-170.
Cf.Martin Gilbert, The First World War, New York: Henry Holt and Company,
12
1994, p. 100.
13
Cf.Martin Gilbert, The First World War, op. cit, p. 100
14
Cf.Martin Gilbert, The First World War, op. cit, p. 100.
15
Cf. David Downing, The Best of Enemies, op. cit, p. 14.
16
Cf.Deville-Danthu, Le sport en noir et blanc, Paris: L’Harmattan,1997, p. 29-33.
52 Gilberto Agostino
1938. O English Team vai à Alemanha e se rende ao protocolo nazista.
Vencer ou Morrer
CAPÍTULO 2
A ESTETIZAÇÃO DA POLÍTICA
E A FASCINAÇÃO DO FUTEBOL
Gilberto Agostino 55
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
56 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 57
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
58 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 59
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
60 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
pecial com a “pureza” dos atletas e havia instruído os dirigentes para que
nenhum descuido fosse cometido na escolha dos jogadores. Apenas os
tidos como racialmente puros podiam ser admitidos, tornando-se funda-
mental a exclusão daqueles que, mesmo com sangue italiano, possuíssem
algum traço mestiço.
Nesse momento, diante das compensações financeiras que a Itália
oferecia, muitos jogadores sul-americanos aproveitaram a situação para
falsificar documentos, incluindo sobrenomes italianos às identidades.
Esta questão seria intensamente explorada pelos adeptos da profissio-
nalização na América do Sul, não por acaso adotada na Argentina em
1931 e no Brasil em 1933. Em meio ao que se denominou de verdadeira
redescoberta da América, em algumas transferências transparecia a ideia
de libertação – o definitivo rompimento com o passado. Um desses casos
envolveu Fernando Giudicelli, jogador do Fluminense. Um dos tantos a
ser atraído pela corrida do ouro que a Itália oferecia, Giudicelli, com um
nome “bem” italiano, era considerado um emigrante de volta à casa. Na
sua última partida no Brasil, o jogador aproveitou para acertar as contas
com a arbitragem, espancando, em campo, o árbitro Leandro Carnaval.
Este, completamente atordoado, mal teve condições para expulsá-lo. O
jogador saiu do campo direto para o navio, de chuteiras e tudo.
Na partida de abertura do Mundial, milhares de espectadores
aplaudiram entusiasticamente Mussolini no Estádio de Roma. Apesar do
otimismo dos torcedores e do entusiasmo governamental, a jornada para
a conquista do Mundial não seria fácil para a seleção italiana e o preparo
físico mostrar-se-ia fundamental. Isto porque o regulamento da competição
estabelecera uma eliminatória simples. Se o jogo terminasse empatado,
uma nova partida seria disputada no dia seguinte. Assim, diante de um
gigantesco esquema de propaganda, cada disputa da Squadra Azurra era
representada como uma guerra ritualizada em que a presença dos emblemas
nacionais – uniformes, bandeira, hino – e o próprio Duce ganhavam uma
posição de destaque. Este assistiu a todas as partidas, comemorando com
os camisas-negras cada vitória. O jogo entre Itália e Espanha entrou para
a história dos mundiais: foram 210 minutos de embate – duas partidas
inteiras e mais uma prorrogação –, com muitos dos titulares ficando no
Gilberto Agostino 61
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
62 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 63
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
de palavras com Ted Drake, jogador do Arsenal, cuja missão era derrotar os
homens de Mussolini. Para a Squadra Azurra, jogando a primeira partida
desde a conquista do título mundial, derrotar a indecifrável Inglaterra era
um desafio ainda mais dignificante. Iniciada a partida, assistiu-se a uma
verdadeira batalha campal, digna de entrar para a história do futebol como
Batalha de Highbury. Logo no primeiro minuto, os ingleses tiveram um
pênalti a seu favor, saindo na frente. Em seguida, uma entrada mais dura
de Ted Drake em Luisito Monti fez o clima esquentar. Com os italianos
procurando revidar a cada lance, deixando o jogo em si de lado, os in-
gleses fizeram três gols em apenas quinze minutos. Parecia se anunciar
um desastre para o futebol fascista, mas, através de Giuseppe Meazza, a
Azurra marcou duas vezes e só não empatou graças à atuação magnífica
do goleiro Frank Moss. Mesmo com o nível técnico subindo, as jogadas
violentas continuaram até o final, com vários jogadores deixando o campo
com ferimentos consideráveis, merecendo destaque especial Eddie Ha-
pgood, que saiu com o nariz quebrado, apesar de não ser o único a sair
fraturado. O jornal Daily Herald referiu-se ao jogo como o mais brutal e
perigoso dos encontros futebolísticos internacionais de todos os tempos,
exigindo que a FA pusesse um ponto final nas partidas internacionais,
consideradas lesivas à pureza do jogo inglês.
A recepção que os jogadores italianos tiveram por parte dos torce-
dores franceses, em 1938, não poderia ter sido pior. As relações entre a
França – principal bastião antifascista da Europa – e a Itália vinham se
deteriorando rapidamente, principalmente após a chegada da Frente Po-
pular ao poder. Para agravar a situação, alguns dias antes do Mundial, em
14 de maio, uma declaração de Mussolini hostilizando o governo francês
caíra como uma bomba nas relações entre os dois países. Já na primeira
partida da Squadra Azurra, contra a Noruega, as manifestações contra os
jogadores italianos fizeram o estádio tremer. Como relatou Ugo Locatelli,
que jogou aquela partida:
64 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 65
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
66 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 67
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
68 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
ou seja, todo o esforço deveria ser realizado para que tudo saísse bem,
inclusive o resultado do jogo.
Na verdade, o governo alemão pensava da mesma forma, sendo
pressionado por uma exigência ainda mais crucial. Programados para o
ano seguinte, os Jogos Olímpicos de Berlim ainda estavam sob a ameaça
de não contar com a presença de atletas norte-americanos, uma vez que
a campanha de boicote promovida pelos EUA ganhava cada vez mais
projeção. Neste sentido, disputar uma partida de futebol na Inglaterra, de
preferência sem distúrbios, era para a Alemanha uma demonstração de
sintonia com o espírito de fair play e uma poderosa referência política para
minar a campanha de boicote. Foi com este objetivo que o próprio Hitler
enviou instruções ao embaixador em Londres para que as manifestações
patrióticas fossem contidas, notícia muito bem recebida pelo Home Se-
cretary, Sir John Simon. Um acordo foi estabelecido, determinando que
os torcedores alemães não poderiam cantar hinos, entoar slogans nazistas
ou transportar bandeiras com suásticas. Concluídos os últimos trâmites,
tudo estava pronto para a chegada da equipe alemã na Inglaterra. Enquanto
alguns esperavam que os alemães cruzassem o canal da Mancha em um
navio, como era usual, eles desembarcaram no aeroporto de Croydon,
causando um grande impacto na população inglesa. Três aviões recobertos
indelevelmente com suásticas traziam a delegação, recebida ansiosamente
pela imprensa. O Daily Worker anunciou com letras garrafais que a gan-
gue de futebol de Hitler havia aterrissado, embora as entrevistas com os
jogadores do Reich não confirmassem a chamada. Quando perguntado a
respeito do interesse do Führer no evento, um dos alemães respondeu: Hi-
tler não nos enviou mensagem alguma. Nós estamos aqui como esportistas
para jogar futebol contra os melhores jogadores do mundo. Isto é tudo.7
Nos dias seguintes, os passos dos jogadores alemães foram acom-
panhados milimetricamente pela imprensa. Os horários dos exercícios,
das refeições, do descanso, tudo era informado por repórteres que pra-
ticamente levantaram um sítio no hotel em que a seleção alemã estava
instalada. As táticas, o perfil dos jogadores, os pontos fracos e fortes da
equipe, tudo isso era também objeto de observação e discussão. Todas
essas informações recolhidas ao longo dos dias contribuíam para reforçar
Gilberto Agostino 69
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
a ideia de que o jogo seria vencido pelos ingleses. Isso era ponto pacífico.
A questão era por quanto? No dia da partida, o Daily Express arriscou o
placar 8X2, enquanto o Daily Mirror preferiu não apostar no resultado,
mas, sim, no vencedor e na vantagem do placar: os ingleses, vaticinava o
jornal, venceriam por cinco ou seis gols de diferença.
Chegada a hora do embate, doze mil torcedores alemães atraves-
saram o Canal para assistir à sua seleção. Um gigantesco esquema de
segurança foi montado, dividindo-os em grupos – através de cores de
identificação – desde que chegaram ao país. Seriam mantidos em vigi-
lância desde a entrada do estádio até o local de embarque. Muitos desses
torcedores eram trabalhadores das indústrias alemãs favorecidos pelo
programa de turismo organizado pela Força para a Alegria. Na realidade,
durante a estadia dos alemães, pouquíssimos incidentes foram alvos da
ação policial inglesa, e, mesmo estes, sem maiores consequências, como
no caso de um tal Ernest Woolwy, que foi preso por desfilar com uma
gigantesca bandeira com a suástica nas tribunas do White Hart Lane. Em
campo, com a bola rolando, as surpresas não foram muitas e o jogo em
si não teve tanta emoção quanto se esperava. Superiores, os ingleses não
tiveram dificuldade de vencer por 3X0, placar não tão dilatado quanto os
mais otimistas dos jornalistas previram.
Para Hitler e Göring, que ouviram a transmissão da partida na
Chancelaria do Reich, enquanto discutiam os planos de remilitarização da
Renânia, o resultado esportivo era uma decepção e só valia mesmo pelo
encaminhamento diplomático que representava. Terminado o jogo, apesar
de jornalistas estrangeiros disputarem selvagemente os poucos telefones
disponíveis para realizar ligações internacionais, o clima na cidade era
de tranquilidade. Os jogadores das duas equipes foram receber os cum-
primentos do Rei em uma audiência marcada pela cordialidade. O evento
terminara exatamente como os ingleses esperavam: uma vitória no cam-
po, um estreitamento esportivo com a Alemanha Nazista que coadunava
com as estratégias do Foreign Office. Para os dirigentes alemães, a visita
à Inglaterra não fora de todo ruim. Ninguém acreditava seriamente que
os ingleses pudessem ser derrotados em casa. Em compensação, abria-
-se a possibilidade de o time inglês retribuir a visita, o que seria bastante
70 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 71
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
nazismo nas grandes manifestações públicas. Não por acaso, a televisão entrou
em cena e o cinema marcou com firmeza a sua posição através das lentes de
Leni Riefensthal. Estavam reunidos os componentes marcantes da cultura
de massas no século XX. Como afirmou o historiador Peter Reichel, as
Olimpíadas de 1936 aparecem, assim, como uma espécie de obra de arte
total fascista, mistura de consagração nacional com ópera wagneriana,
fenômeno quase religioso em sua concepção, que transformava uma
competição pacífica entre nações em uma explosão de violência secreta,
de terror de Estado e de preparação de corações e mentes para a guerra.8
Foi neste contexto que, depois de oito anos, o futebol voltou ao
programa olímpico. Em campo, não é surpresa, não faltariam momentos
de muita tensão e brutalidade. No jogo entre Itália e Estados Unidos, os
italianos agrediram o juiz depois da expulsão de um dos azurri. No con-
fronto entre Áustria e Peru, o campo foi invadido e a partida anulada. Os
peruanos, que venciam por 2X0, recusaram-se a jogar novamente. Em
protesto, toda a delegação do país abandonou os jogos, depois de tentar,
sem sucesso, conclamar os sul-americanos para que fizessem o mesmo.
Quando as notícias da confusão atravessaram o Atlântico, a embaixada
alemã em Lima foi apedrejada, enquanto os navios alemães foram boico-
tados pelos estivadores. Para o presidente peruano, Oscar Benavides, os
supostos “arianos” jamais podiam aceitar perder uma partida para aqueles
que consideravam inferiores.
Para a seleção alemã, a competição acabou nas semifinais, ao ser
derrotada por 2X0 pela Noruega do técnico Asbojorn Halvorsen, de origem
judaica. Pior ainda, o jogador que fez os dois gols noruegueses possuía um
nome tipicamente judeu – Isaaksen –, o que irritou ainda mais os dirigentes
nazistas. Corria o dia 7 de agosto, data que ficaria marcada para os dois
lados. Um Hitler “furioso”, segundo o relato de Goebbels, percebendo
que os alemães seriam inevitavelmente eliminados, deixou o estádio pou-
cos minutos antes de a partida terminar, estratégia utilizada mais de uma
vez diante de um revés olímpico. Ao final da competição, a Itália levou
o ouro, para a satisfação de Mussolini, convencido da supremacia dos
valores esportivos italianos, marcados pelo racismo e pelo culto da força.
Para os alemães, entretanto, pairava a decepção. Na verdade, os nazistas
72 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
m m m
Gilberto Agostino 73
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
74 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 75
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
76 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
errantes, quase como artistas de circo, que só podiam contar com o talento
para sobreviver de cidade em cidade. Na América, o time jogou em Cuba,
na Argentina e no México, onde alguns jogadores também acabaram se
instalando. Dois deles, Roberto e Gorostiza, seriam mais tarde cooptados
pelo governo de Franco, regressando ao país.
À medida que a guerra pendia para o lado dos golpistas, a situação
dos esportistas republicanos ficava mais difícil, acompanhando o quadro
geral. Quando Madri foi tomada, o estádio Chamartín foi alvo de uma
ação impiedosa que devastou suas dependências, transformando a madeira
que sustentava as arquibancadas em combustível para aquecer as tropas
golpistas. Já no final de 1938, a resistência perdia terreno, enquanto os
nacionalistas ganhavam moral, pressentindo a vitória próxima. Lançando
bombas e panfletos sobre as cidades republicanas, a aviação franquista
procurava minar ainda mais o espírito de luta. Nesse contexto, em 21 de
dezembro de 1938, foi lançado o jornal Marca, inicialmente semanal,
mas em pouco tempo diário. Comprometido com o ideal franquista – o
subtítulo era “Com o braço levantado, todos os esportistas da Espanha” –,
o número de lançamento apresentou um artigo de Jacinto Miquelarena,
emblemático para pensar os rumos do esporte a partir da nova ordem a
que o país seria em muito breve submetido:
Gilberto Agostino 77
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
78 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
m m m
Gilberto Agostino 79
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
80 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 81
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
82 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 83
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
84 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
m m m
Gilberto Agostino 85
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
86 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 87
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
88 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 89
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
90 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 91
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
92 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 93
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
94 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 95
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
96 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
m m m
Gilberto Agostino 97
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
98 Gilberto Agostino
Vencer ou Morrer
Gilberto Agostino 99
A Estettização da Política e a Fascinação do Futebol
m m m
Notas
1
Cf. Carlo Caliceti, Gli Stadi della Memoria, Calcio 2000, maio. 2001, p. 75.
2
Cf. Angela Teja, Le sport italien et les relations internationales au temps
du fascisme, Sport et Relations Internationales (1900-1941), Paris:
L’Harrmattan,1998, p. 184.
3
Cf. Antonio Papa e Guido Panico, Storia sociale del calcio in Italia, Bolonha:
Il Mulino, 1993, p. 197.
Cf. Eduardo Galeano, Futebol ao Sol e à Sombra, Porto Alegre, L&PM, 1995,
4
p. 79.
5
Adolf Hitler, Minha Luta. São Paulo: Editora Moraes, 1983, p. 255-256.
6
Cf. David Downing, The Best of Enemies, op.cit., p.27.
7
Cf. David Downing, The Best of Enemies, op.cit., p.31.
Peter Reichel, La Fascination du Nazisme, Paris: Éditions Odile Jacob,
8
2000, p. 248-253.
Jeff King, FC Barcelona: Tales from the Nou Camp, London: Macmillan,
9
2000, p.51.
Cf. Teresa Gonzalez Aja, La politique sportive espagnole dans l’Espagne
10
p.159.
CAPÍTULO 3
korner – uglovoi
penalty – shtrafnoi
1X0 contra a Itália e 2X1 contra o Chile. Passando pela Hungria nas quar-
tas de final, viria o confronto com a Alemanha Ocidental, chamado pela
crônica esportiva de Batalha de Stalingrado. A partida foi marcada pela
violência e pelo antijogo, e os alemães venceram por 2X1, disputando a
polêmica final com os ingleses, enquanto a URSS acabaria mesmo com
o quarto lugar – sua melhor colocação em todas as copas disputadas pelo
país.
A partir deste momento, a seleção alternaria bons e maus momentos,
embora o jogo mais retrancado ditasse o ritmo da equipe. Internamente,
entretanto, o futebol soviético vivia intensas transformações, condi-
cionadas pelas antigas rivalidades entre os clubes de Moscou e os das
províncias. Desde 1961, quando o Dínamo de Kiev foi campeão, muni-
ciado pelos recursos do Partido Comunista da Ucrânia e pelas inovações
do técnico Victor Maslov, ficou claro que a hegemonia de Moscou não
era inquebrantável. Os times das províncias, também favorecidos pelos
seus protetores – metsenaty –, detentores de influência nos altos cargos
governamentais, na KGB e nas Forças Armadas, partiram para a busca
de jogadores mais talentosos, não hesitando em oferecer-lhes uma série
de vantagens materiais.
Do início da década de 1970 até a Era Gorbatchev, clubes relati-
vamente desconhecidos no Ocidente conseguiriam grandes resultados,
com destaque para os campeonatos do Zarya Voroshilovgrad, em 1972,
e do Ararat Yerevan, em 1973. Este último, time armeniano, havia sido
fundado também com a denominação Dínamo, transformou-se em Spar-
tak, tendo o nome alterado para Ararat em 1963 – nome de inspiração
religiosa e nacionalista ao mesmo tempo. Segundo o texto bíblico, Ararat
era o monte avistado por Noé quando as águas do dilúvio baixaram. Por
outro lado, Ararat é também o nome da montanha localizada na Turquia,
em uma região que havia pertencido à Armênia. A vitória em 1973, com
um gol no último minuto, foi comemorada durante vários dias pela po-
pulação armênica, festa permitida pelas próprias autoridades socialistas
na Armênia, como uma evidente demonstração de força contra o rígido
centralismo de Moscou. Em 1978, mais um time da “periferia” venceria
o campeonato soviético, desta vez o Dínamo Tbilisi, seguido pelo Dína-
m m m
m m m
m m m
Por outro lado, para os habitantes que viviam nos novos países
formados pela fragmentação da antiga Iugoslávia, ainda fragilizados pelas
incertezas de um futuro pouco previsível, chegara a hora de refazer as
referências nacionais. Para Franjo Tudjman, presidente da Croácia, e do
principal time local, o Dínamo Zagreb, era necessário estabelecer novas
tradições. O nome Dínamo, velha herança socialista, estava identificado
demais com o passado bolchevique e balcânico. Neste sentido, o time foi
chamado simplesmente de Croácia Zagreb, sendo considerado um dos
elementos cruciais da elaboração de uma nova identidade nacional. Nas
competições internacionais, este nacionalismo pôde emergir de forma
mais acentuada do que em outros países. Em 1998, na França, tropas da
OTAN chegaram a prover a segurança em algumas regiões do país quan-
do a seleção croata entravam em campo. Na Eurocopa 2000, a Eslovênia
demonstrou o quanto valia para o orgulho nacional uma boa performance
sobre a Iugoslávia.
Talvez o episódio mais curioso da relação entre nacionalismo, en-
volvendo a ex-Iugoslávia, tenha sido citado por Ivan Colovic, ao relatar o
caso do pai que levou o filho para assistir ao jogo entre Estrela Vermelha
e Panatinaikos, disputado em Sofia, fazendo o menino perder dois dias
de aula. De volta à Belgrado, onde viviam, dirigiu-se à professora e disse:
Notas
1
Pierre Arnaud e James Riordan, Sports et Relations Internationales, Pa-
ris: L ‘Harmattan, 1998, p.136-137.
2
Cf. Simon Kuper, Football against the Enemy, London: Phoenix, 1996, p.42.
3
Bill Murray, Uma História do Futebol, São Paulo: Hedra, 2000, p.118.
Cf. Bob Edelman e James Riordan, URSS/Russia and the World Cup: Come
4
CAPÍTULO 4
um jogo duro, a Azurra venceu por 2X1, com muitas reclamações bra-
sileiras em relação à arbitragem, principalmente em relação ao pênalti
marcado em favor dos italianos. O locutor Gagliano Neto, o primeiro a
transmitir um jogo de futebol da Europa para a América, considerou o
pênalti legítimo, enquanto muitos cogitavam no Brasil de que o jogo pu-
desse ser anulado. Transparecendo o nacionalismo latente de um mundo
que destilava xenofobia, o locutor foi duramente atacado pelos próprios
brasileiros, passando a ser chamado de “italiano nato” e tendo sua carreira
de radialista seriamente comprometida. Consumada a derrota, o impacto
na sociedade foi desolador, a ponto de Getúlio confidenciar a seu diário,
ainda um tanto perplexo com o poder simbólico do esporte:
por 1X0, gol de Pelé. Quanto a Costa e Silva, este morreria no dia 17 de
dezembro, no Rio de Janeiro.
Com o Brasil classificado, parecia que o treinador teria um longo
caminho de estabilidade pela frente. Entretanto, uma série de injunções
dificultou a situação para Saldanha, em um momento em que a relação
entre o esporte mais popular do país e o quadro político se intensificava,
principalmente após a posse de Emílio Garrastazu Médici. Este, torcedor
do Grêmio – e admirador do Flamengo –, era apaixonado pelo esporte, a
ponto de interromper reuniões ministeriais para saber os resultados dos
jogos. Grudado no radinho de pilha, foram várias as vezes em que o pre-
sidente se arriscara a frequentar estádios lotados, não raro sendo anunciada
a sua presença pelos alto-falantes. Promovia-se assim uma importante
estratégia de propaganda da Assessoria Especial de Relações Públicas
(AERP), no sentido de transformar o presidente em Torcedor Número 1
da nação, articulando os êxitos futebolísticos à imagem de Brasil-Potência
que o governo se esforçava em difundir
À medida que a Copa se aproximava, as possibilidades da inte-
ração futebol-poder se ampliavam. Ainda em 1969, apresentou-se uma
oportunidade sem igual: a festa comemorativa em torno do milésimo gol
de Pelé. Para a ditadura, o evento deveria ser planejado com uma bem
calculada antecipação. Até porque ninguém podia saber exatamente em
que jogo o tento histórico seria marcado, embora esforços tenham sido
feitos para que este ocorresse em uma grande praça – preferencialmente o
Maracanã. Uma estatística oficial fora encomendada pela CBD e, a cada
jogo, à medida que o gol 1000 se aproximava, a emoção crescia. Em um
desses momentos, em um dos clássicos paulistas de maior tradição, Santos
X Corinthians, quase ninguém percebeu os tiros desfechados contra o
guerrilheiro Carlos Marighella, acreditando que eram os rojões soltados
para comemorar o gol santista.
Em 14 de novembro, em João Pessoa, quando o Santos entrou
em campo para jogar um amistoso contra o Botafogo da Paraíba, na
reinauguração do Estádio José Américo de Almeida, a estatística oficial
apontava 998 gols para o Rei. Com a bola rolando, Pelé marcou de pênalti,
consumando o que seria o gol 999. Daí em diante, segundo o depoimento
do juiz do jogo, Armindo Tavares de Pinho, tudo foi feito para que Pelé não
tivesse oportunidade de marcar novamente, a ponto de o técnico do Santos,
Antoninho, acertar no intervalo da partida a saída do goleiro e a entrada
de Pelé no gol. Com a manobra, o jogador – e o técnico – foram vaiados
clamorosamente pela torcida local. Vaias que foram diametralmente
transformadas em calorosos aplausos quando o jogador fez uma defesa
espetacular, impedindo o gol certo do adversário.
Cinco dias mais tarde, no Maracanã, jogando contra o Vasco, Pelé
entraria em campo diante de uma expectativa monumental. Todo um proto-
colo oficial fora rigidamente planejado, com o atleta hasteando a bandeira
nacional e recebendo homenagens de todos os lados. Empatado o jogo
em 1X1, um pênalti fora marcado para o Santos, excitando os milhares de
torcedores presentes no estádio. Aos 34 minutos do segundo tempo, Pelé
correu para a bola e bateu no canto direito, fazendo-a explodir na rede para
a irritação do goleiro argentino Andrada. O Maracanã não se continha de
emoção, com o campo invadido por repórteres e admiradores. Nos dias
seguintes, Pelé desfilou em carro aberto em Brasília, sendo recebido pelo
presidente Médici, que lhe concedeu a medalha de mérito nacional e o
título de comendador. No próximo jogo do Santos, no Mineirão, o atleta
recebeu uma Coroa de Ouro do tempo do Império, enquanto era produzida
uma infinidade de marcos comemorativos, como medalhas, selos, bustos,
placas e troféus.
A maior ironia de toda esta questão envolvendo o gol 1000 só apa-
receu em 1995, quando uma reportagem da Folha de S. Paulo, refazendo
a contagem dos gols do atleta do século, percebeu que não havia sido
computado um jogo entre Brasil e Paraguai, realizado em 1959, pelo Sul-
-Americano militar, no qual Pelé marcara. Desta forma, acrescentando o
tento não registrado, o milésimo gol não fora marcado no Maracanã, mas,
sim, naquele esquecido pênalti contra o Botafogo da Paraíba.
Enquanto os ecos do milésimo gol ainda se faziam ouvir no mundo
todo, disputando espaço em todas as retrospectivas de fim do ano com
a epopeia do homem na lua, 1970, pelo menos no campo esportivo, foi
aberto sob o signo da expectativa. Médici assinava o decreto que instituía a
Loteria Esportiva no país, procurando conciliar sorte e futebol, anunciando
m m m
após a vitória por 3X1 no primeiro jogo, no qual Ernesto Grillo marcou um
gol antológico até hoje lembrado pelos saudosistas, cabia apenas esperar
o duelo final. A expectativa em relação ao segundo encontro, entretanto,
seria frustrada por uma tempestade que se abateu sobre Buenos Aires,
cancelando a partida aos 23 minutos do primeiro tempo, diante de quase
92.000 espectadores. No placar: 0X0. E como não havia tempo para um
jogo extra, já que os ingleses partiriam imediatamente para assumir os
compromissos firmados em Montevidéu, valeu mesmo a lembrança do
primeiro jogo. De qualquer forma, para uma crônica eivada pelo discurso
nacionalista que marcava a experiência peronista, o triunfo por 3X1 já
era suficiente para a afirmação definitiva do estilo criollo, demarcando o
que os argentinos ansiavam há tanto tempo: a esperada vitória contra a
Rubia Albión.
Derrubado por um golpe militar em setembro de 1955, o governo
de Perón foi sucedido pelo do general Lonardi e, posteriormente, pelo do
general Aramburu. Neste período, apesar do clima de indefinição que o
país vivia, o técnico Guillermo Stábile tinha em suas mãos uma fantástica
legião de craques que marcaram época no futebol argentino. Vencendo o
Sul-Americano no Chile, a equipe terminou invicta, com o destaque para
a goleada de 6X1 nos uruguaios. Em 1956, reinaugurando oficialmente
as relações futebolísticas entre Brasil e Argentina, a seleções entraram em
campo no Estádio Centenário para mais um Sul-Americano, com a vitória
dos brasileiros por 1X0, gol do corinthiano Luís Trujillo. Na verdade,
poucos perceberam que aquela partida começava a marcar uma impor-
tante virada na rivalidade futebolística Brasil-Argentina, abrindo a fresta
para a superação daquilo que se convencionou chamar de Platinismo. No
ano seguinte, com o campeonato sediado pelos peruanos, Stábille podia
contar com jogadores como Corbatta, Cruz, Maschio, Angelillo e Sívori,
os três últimos passando à história como Los Carasucias. Marcando 25
gols e sofrendo apenas 6, batendo o Uruguai por 4X0 e o Brasil por 3X0,
os argentinos despontavam como a melhor equipe sul-americana e uma
das favoritas para a próxima Copa do Mundo.
Quatorze meses mais tarde, entretanto, às vésperas do início do
certame na Suécia, o quadro do futebol argentino havia mudado. Arturo
Pan e vino
Pan e vino
El que no grita Argentina
Para que carajo vino?
- Reorganizar as instituições
- Devolver o sentido da ordem
- Reafirmar o valor da família
- Voltar ao caminho do progresso
- Recuperar a visão da realidade
- Restituir à República o destino perdido
- Reencontrar os valores tradicionais
falaram, a mesma coisa. Até então, os atritos entre eles eram notórios,
envolvendo tudo que se possa imaginar: escalação, treinamento, estilo
de jogo e até mesmo detalhes administrativos. Ninguém fazia questão de
esconder a hostilidade e volta e meia a imprensa anunciava, com cautela,
alguma tensão. Cautela porque, afinal, o Brasil continuava sob uma dita-
dura e era sabido que o Almirante Nunes era uma peça-chave do governo
no meio futebolístico. Iniciado o jogo com o Peru, os torcedores assistiram
extasiados – alguns um tanto incrédulos – à chuva de gols que caía como
los papelitos que marcaram o cenários dos jogos argentinos em todo o
Mundial. 1, 2, 3... 6. Bem mais que o suficiente para a Argentina chegar
à final, deixando aos brasileiros a disputa do terceiro lugar. E, dentro do
discurso oficial divulgado pelos meios esportivos, superar a seleção bra-
sileira era reencontrar o tempo em que esta respeitava, admirava e temia
o jogo argentino, algo que, de certa forma, se perdera ao longo das duas
últimas décadas. Vencer o Brasil, mesmo indiretamente, era, portanto, um
retorno ao orgulho argentino dos “bons tempos”. Os torcedores, sentindo
a sensação de poder sobre o rival da bola, a cada gol marcado contra o
Peru cantavam a plenos pulmões:
Nos levavam presas a cada instante. Nos batiam. (...) Nos atira-
vam gases. (...) Mulheres maduras, que nunca havíamos saído da cozi-
nha, aprendemos o que haviam feito a tantos jovens anteriormente. [E
o Mundial] escondeu, ou quis esconder, tudo o que estava ocorrendo.16
ção de gala, Videla trocou elogios com Havelange diante dos repórteres.
Como El Gráfico estampara em sua edição especial, era de fato a hora
mais gloriosa do Futebol Argentino. As festas continuariam nos dias
seguintes, engalanadas oficialmente com frases de efeito em torno do
reencontro com as tradições do bom jogo e com o progresso da Nação,
resgatando o sentido da verdadeira Argentina. O sucesso daquele momento
seria estendido ao máximo, com a propaganda oficial entrando em ação
novamente para valorizar o Mundial sub-20, disputado no ano seguinte
no Japão. Um habilidoso jogador, Diego Maradona, roubaria a cena, le-
vando a seleção ao final da competição e à conquista de mais um título.
Entretanto, a repetição de uma série de jargões do ano anterior ofuscara a
real situação e foram poucos os que perceberam que se tratava do início
de uma nova era do futebol argentino.
Em 1982, ainda antes do Mundial da Espanha, o general Leopoldo
Galtieri ousaria fazer aquilo que Videla receara em 1978: uma ação militar
que pudesse angariar o apoio popular ao governo. Ocupando as Malvinas,
como eram chamadas pelos argentinos o conjunto de ilhas sob o domí-
nio inglês desde o século XIX, o governo militar pretendia fortalecer a
identidade nacional voltando-se contra um dos referenciais do “inimigo
comum”, alimentado há tempos pelos governantes do país. A fórmula
futebol-nação foi recuperada pela ditadura através do cântico de 1978,
Vamos, Vamos, Argentina, Vamos Vamos a ganar, retomada agora com
um sentido claramente militar. Fracassada a campanha das Malvinas, a
ditadura foi finalmente superada. Por uma curiosa coincidência, a rendi-
ção das tropas argentinas no Atlântico Sul ocorreu no mesmo dia em que
a seleção argentina caía diante do jogo irresistível da seleção brasileira
nos gramados espanhóis. Encerrava-se finalmente uma fase do futebol
argentino, marcada pelo menottismo e pela interferência sistemática do
Estado autoritário na busca de legitimação política através da seleção.
Entretanto, ainda seriam necessários alguns anos para que os reflexos
projetados pela ação governamental no universo futebolístico fossem
finalmente superados.
Um desses fantasmas foi exorcizado no dia 22 de junho de 1986, no
Estádio Asteca, quando Argentina e Inglaterra disputaram uma vaga para
m m m
m m m
resultado foi recebido com extrema indignação pela população, que saiu
às ruas em sinal de protesto. Entre quebradeiras e explosões de violência,
um caso chocou a nação. Revoltada com o tratamento dispensado à sua
seleção, a adolescente Amelia Bolaños matou-se com o revólver do pai
logo após o jogo. Marcado por rompantes de nacionalismo e ódio, o funeral
foi televisionado, sendo acompanhado por um cortejo militar, tornando
ainda mais tensa a expectativa para a partida de volta.
Não foi surpresa, portanto, que o desembarque da seleção de Honduras
na capital San Salvador fosse marcada por um clima muito pesado, com os
jogadores visitantes hostilizados por uma multidão enfurecida. Apresentando
retratos de Amelia Bolãnos, a esta altura tida como heroína nacional, a popu-
lação cercou o hotel e atirou desde ovos podres e ratos mortos até excrementos
nas janelas dos quartos onde estavam hospedados os jogadores do time “ini-
migo”. Um veículo blindado foi mobilizado para levar a equipe hondurenha
até o estádio Flor Branca, onde seria realizada a partida.
Um pouco antes do jogo, uma bandeira hondurenha foi queimada
na arquibancada, demonstrando o estado de ânimo da torcida. Em campo,
a vitória dos “anfitriões” por 3X0 levou o técnico de Honduras, Mario
Griffin, a declarar que graças a Deus seu time tinha perdido. Na ruas,
depredações e hostilidades contra os torcedores visitantes, levando dois
deles à morte, além da destruição de cerca de cento e cinquenta veículos.
Enquanto isso, em Honduras, salvadorenhos também foram alvos de várias
manifestações de violência, articuladas pela milícias paramilitares que
tradicionalmente “protegiam” os hondurenhos dos imigrantes.
As tensões cresceram ainda mais nos dias seguintes. Em 25 de junho,
El Salvador acusou na ONU os hondurenhos de cometerem genocídio,
enquanto, de fato, milhares de salvadorenhos fugiam do país vizinho. O
estado de emergência foi decretado pelo presidente salvadorenho, Fidel
Sanches Hernandez, seguido da ruptura das relações diplomáticas e co-
merciais entre os dois países. Tropas foram mobilizadas na fronteira, até
como prevenção para o jogo decisivo entre as duas equipes, marcado pela
FIFA para o dia 27 de junho, no Estádio Asteca, na Cidade do México.
Objeto de cuidados muito especiais do anfitrião da Copa, empenhado
em demonstrar a capacidade de suas instalações e a competência de suas
NOTAS
1988, p. 47.
7
João Máximo, João Saldanha, Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996, p. 102.
8
Folha de S. Paulo, 8 de junho de 1988.
9
Hugo Martínez de León, El Superclásico, op. cit., p. 108.
Teixeira Heizer, O Jogo Bruto das Copas do Mundo, Rio de Janeiro: Editora
10
Mauad,1997, p. 178.
Patrick Vassort, Football e Politique, Paris: Les Éditions de la Passion, 1999,
11
p.181.
12
David A. Yallop, op. cit., p. 159.
Cf. Abel Gilbert e Miguel Vitagliano, El Terror y la Gloria, Grupo Editorial
13
143-150.
16
Cf. Abel Gilbert e Miguel Vitagliano, El Terror y la Gloria, op. cit., p. 213.
Cesar Luís Menotti, Como Gananmos la Copa del Mundo, Buenos Aires:
17
CAPÍTULO 5
pôde ser utilizada tanto por argelinos – que o viam como símbolo da au-
tonomia – quanto por franceses – que o consideravam uma referência na
luta pela profissionalização. Mais uma vez de volta à Argélia, agora para
encerrar a carreira, Mekhoufli tornou-se treinador da seleção nacional, em
um momento de expansão do futebol argelino no cenário internacional.
Este, favorecido com os investimentos estatais advindos das rendas do
petróleo, contribuiu com seu brilho e dinamismo para que o período ficasse
conhecido como os “Anos de Ouro da Argélia”.
Nos anos 1990, o país viveu um novo caso de envolvimento de
um renomado futebolista com as tensões do panorama político. A esta
altura, em um verdadeiro clima de insatisfação com o governo secular,
muitos estádios de futebol já haviam se tornado espaços de contestação
política, utilizados pelos integrantes da Frente Islâmica de Salvação (FIS).
Aderindo ao movimento, Salah Assad, jogador que brilhou pela seleção
nacional na Copa de 1982 e passara por vários clubes franceses, acabou
sendo detido, sob acusação de contrabando de armas. Encarcerado na
prisão militar de Blida, uma das mais terríveis do país, Assad enfrentaria
três anos de detenção.
No continente africano como um todo, à medida que o processo de
independência se consolidava, o interesse dos Chefes de Estado em relação
à questão esportiva aumentava cada vez mais. Nesta hora, disputando in-
fluência com o atletismo e o boxe, o futebol marcou presença, tornando-se
uma prática comum a presença de autoridades políticas nas arquibancadas
dos estádios. Tal realidade levou muitos analistas internacionais a demons-
trarem indignação com a preocupação dos líderes africanos com o futebol.
Argumentava-se que enquanto tantos problemas tinham que ser resolvidos,
os espetáculos futebolísticos africanos, simples encontros esportivos,
pareciam ganhar relevância de expedições oficiais. Na verdade, esta não
era uma opinião isolada. O que muitos não conseguiram perceber é que
uma das grandes preocupações dos governos recém-formados era suscitar
o sentimento de fidelidade nacional, fundamental para o estabelecimento
de um estado unitário e centralizado, capaz de superar a pluralidade dos
poderes tradicionais baseados em comunidades familiares. Neste sentido,
os líderes africanos encaravam o esporte como um dos instrumentos da
tra adversários como Congo, Zâmbia e Zaire, todas equipes com muito
mais experiência do que a seleção sul-africana. Apesar das dificuldades,
a Bafana Bafana finalmente cumpriu o maior desafio de toda sua história
ao vencer o Congo em Johannesburgo por 1X0, classificando-se em pri-
meiro lugar no seu grupo. Enquanto a festa tomava conta do país, mais de
300 pessoas eram hospitalizadas, sem contar aquelas que entrariam nos
hospitais nos dias seguintes. Não se contendo de emoção, o técnico Clive
Barker desabafou exultante:
Sul voltou a campo contra a Arábia Saudita, empatando por 2X2 e sendo
eliminada da competição, embora alcançasse o terceiro lugar da chave,
ainda na frente dos sauditas.
Encerrada a participação na Copa da França, novos desafios se
apresentavam para o futebol sul-africano. Uma competição a ser travada
não dentro das quatro linhas, mas em um campo mais difícil, a arena
política da FIFA. O objetivo era sediar a Copa de 2006, uma disputa que
envolvia outro país africano, o Marrocos, e duas potências europeias:
Inglaterra e Alemanha. Com os momentos conclusivos tramitando em
julho de 2000, a candidatura da África do Sul chegou a empolgar muita
gente. Afinal, sabidamente, as chances marroquinas era bem menores
e até mesmo Just Fontaine, o embaixador da candidatura do Marrocos,
admitia que o mais importante era o Mundial ficar na África. Por outro
lado, enquanto a Alemanha já havia sediado o Mundial em 1974, apenas
há 26 anos, a Inglaterra via suas possibilidades comprometidas pelas
truculentas ações dos hooligans. Além de tudo isso, o próprio sistema
de votação, composto por vinte e três delegados, parecia favorecer os
sul-africanos: oito da Europa (maior número de filiados), quatro da Ásia,
quatro da África, três da América do Sul, um dos países da CONCACAF
e um para a Oceania, sendo que a participação do presidente da FIFA
na eleição só se consumaria como voto de Minerva. Contando com os
votos da própria África, da Ásia, da América do Sul, da CONCACAF
e da Oceania, tudo indicava, nos dias que antecederam a votação, que
a África do Sul iria ser a escolhida.
Tendo como embaixadores da candidatura Roger Mila e Abedi
Pele, dois dos maiores craques africanos de todos os tempos, o país
apresentou em sua carta de intenções a possibilidade de 9 cidades-sedes:
Johannesburgo (3 estádios), Pretória (2 estádios), Cidade do Cabo (2 es-
tádios), Durban, Porto Elizabeth, Bloemfontein, Rustenburgo, Maikeng,
Pietersburg. Milla e Abedi Pele chamaram atenção não só pelo ineditismo
de uma sede africana como também para o forte apelo social que o campe-
onato representaria, não só para a África do Sul. Não por acaso, o slogan
da candidatura afirmava ser a Copa “Um desejo africano”, procurando
apresentá-la como uma conquista de todo o continente.
boicote imediato para a Copa de 2002. Apesar das tensões latentes entre
estados africanos, Jonh Fashanu, ministro de Esportes da Nigéria, mostrou-
-se revoltado com a posição da FIFA, declarando: Se você é africano tem
que ser cinco vezes mais brilhante que os brancos europeus no futebol.
m m m
ÁFRICA
1934 - Egito
1962 - Etiópia
ÁSIA
1974 - Japão, Coreia do Sul, Malásia e Tailândia
1978 - Japão e Coreia do Sul
1986 - Taiwan
EUROPA
1938 - Grécia
1950 - Iugoslávia
1954 -Grécia e Iugoslávia
1958 -País de Gales (play off)
1962 -Chipre e Itália
1966 - Bélgica e Bulgária
1982 - Irlanda do Norte, Suécia, Portugal e Escócia
1994 -Bulgária, Suécia, Finlândia, França e Áustria
1998 - Bulgária, Rússia, Chipre e Luxemburgo
OCEANIA
1990 - Nova Zelândia e Austrália
AMÉRICA
1990 - Colômbia (play off)
NOTAS
CAPÍTULO 6
uma legislação mais rigorosa, o que por extensão foi acompanhada de uma
ação policial mais intensa – chegaram a ser utilizados métodos de infiltração
semelhantes aos usados contra o IRA, no Ulster. Paralelamente, foi estabe-
lecida uma mobilização conjunta com aparatos repressivos de outros países,
uma vez que, na virada dos anos 70-80, o fenômeno acabou extrapolando
os horizontes ingleses e a própria expressão hooligan passou a ser utilizada
para caracterizar torcedores exaltados de outras nacionalidades.
Apesar de toda a estrutura montada para limitar o raio de ação das
torcidas violentas na Europa, os avanços neste sentido foram limitados, não
chegando a impedir os usuais confrontos e a disseminação da desordem.
No Mundial da França, um rígido esquema foi estruturado para garantir
a militarização dos espaços esportivos, procurando garantir a prevenção
contra qualquer forma de violência. A primeira medida neste sentido foi a
implementação de um rigoroso controle nas fronteiras, considerado o mais
importante de todos procedimentos para a segurança do evento. Segundo
o jornal L’Équipe, no total, cerca de 900 milhões de francos foram investi-
dos na renovação dos sistemas de segurança das instalações já existentes,
enquanto 62,5 milhões destinaram-se a um eficaz controle nos acessos aos
locais de jogos ou mesmo áreas de possíveis comemorações das torcidas,
além de garantir a proteção das equipes e profissionais de imprensa. Nos
estádios, as arquibancadas foram milimetricamente setorizadas, com o
objetivo de reduzir ao máximo o trânsito dos torcedores, enquanto um
sistema de monitoração por vídeo foi instalado. Simultaneamente, os
famosos gendarmes franceses foram orientados especialmente para lidar
com torcedores exaltados, tendo recebido instruções de comissários deno-
minados correspondentes de hooliganismo. Estes haviam sido destinados,
com vários meses de antecedência, a manter intercâmbios com policiais
ingleses e alemães. Às vésperas do jogo inaugural, um pequeno manual
foi distribuído nas cidades onde seriam realizados os jogos, apresentando
indicações básicas para reconhecer os hooligans, alertando para o perigo
em potencial dos ingleses, alemães, belgas, holandeses e argentinos.
Mesmo com toda a rigidez, que chegou a proibir temporariamente a
venda de bebidas alcoólicas em alguns lugares, o hooliganismo marcaria
presença no Mundial, causando inúmeros distúrbios. Já na cerimônia de
Eles são bêbados. Eles são violentos. Eles são racistas. Eles
são muito mais do que isso. Embriagados, o esporte para eles não
é mais que um pretexto para dar cotoveladas [...] Estes jovens, ma-
nipulados por movimentos extremistas, fazem a saudação nazista, e
se dizem orgulhosos de serem brancos. Se não fossem tão perigosos,
seriam dignos de pena.
pelos torcedores das redondezas. Afinal, tais cores são simplesmente a marca
registrada do Galatasaray, tradicional rival do Besiktas. Temendo o prejuízo,
a multinacional não perdeu tempo. Em Istambul, portanto, encontra-se a única
loja da gigantesca cadeia mundial onde não aparecem nem o amarelo nem o
vermelho. São o preto e branco, as cores do Besiktas, que predominam. Mais
do que a flexibilidade pós-fordista, ou mera curiosidade urbana, a questão
merece ser analisada através de um prisma que demonstre uma maior preo-
cupação com a onda de ódio e violência que ganha cada vez mais projeção
no universo do futebol mundial.
Na Eurocopa 2000, a questão dos hooligans foi o principal tema em
pauta, uma vez que os organizadores estavam empenhados em, pela pri-
meira vez, utilizar duas sedes – Bélgica e Holanda – para um evento de tal
envergadura. Preocupados com os distúrbios da recém terminada Copa da
UEFA, os países sedes chegaram a suspender temporariamente o Tratado
de Schengen, empenhados em promover uma ostensiva fiscalização na
fronteira entre os dois países. Apesar de toda a segurança, mais uma vez
os hooligans compareceram e chamaram a atenção. Vendas de ingressos
controlada, cerveja com menos teor de álcool, “Robocops” nas ruas e
cooperação internacional, todas as precauções não foram suficientes para
impedir as manifestações dos torcedores ingleses. A situação chegou a um
ponto tão crítico que um dia após 450 hooligans ingleses terem sido presos
após ferirem 56 pessoas em suas manifestações de rua, o Comitê Executivo
da UEFA chegou a cogitar a expulsão da Inglaterra da competição.
Mesmo que esta ameaça não tenha se concretizado, o saldo final
foi péssimo para o futebol inglês, que tinha esperanças de sediar a Copa
2006. Tal realidade preocupou tanto a FA que esta “apelou” para o pri-
meiro-ministro Tony Blair, que, em audiência na FIFA, garantiu que uma
lei anti-hooligan estava sendo encaminhada ao Parlamento e exibiu um
filme politicamente correto em que imigrantes jogavam em um campo de
várzea. Para o ex-jogador Bobby Charlton, embaixador da candidatura da
Inglaterra - 2006, os hooligans foram um dos fatores que comprometeram
a possível vitória do país na disputa com a Alemanha. Segundo ele, se
os hooligans se sentem orgulhosos de seu país, têm uma forma bastante
curiosa de demonstrar.
m m m
m m m
elas. Diversos exemplos podem ser citados, como o Bologna – time de uma
região notadamente comunista, a Emilia –, em contraste com o Verona,
equipe que, tradicionalmente, expressava o conservadorismo da região de
Veneto. Um dos primeiros destes grupos, La Fossa dei Leoni (O Covil dos
Leões), fundado em 1968, reunia torcedores do AC Milan, sendo seguido
por uma série de experiências semelhantes em outros clubes. Estabelecidos
na Curva – congênere do Kop inglês – os ultras italianos estabeleceram
associações amplas entre torcedores com as mesmas tendências políticas,
não necessariamente oriundos do mesmo estrato social, e não necessa-
riamente do sexo masculino, o que possibilitou criar uma sociabilidade
muito mais ampla do que no caso inglês.
No final da década de 1970, o crescimento da violência destes
torcedores passou a se tornar um problema de grandes proporções
para as autoridades, principalmente depois da morte de um torcedor
antes do jogo Roma X Lazio, em 1979. Nos estádios as hostilidades
cresceram, com a utilização de um arsenal que contava desde facas
e barras de ferro até foguetes, lançados contra os torcedores rivais.
Seguindo as tendências políticas em curso, alguns grupos passaram
a se autodenominar Brigadas – alusão às Brigadas Vermelhas, que
marcaram o cenário político italiano naqueles anos, transformando
hinos comunistas em cânticos de torcida.
A partir dos anos 1980, a violência ultra alcançou estádios de cidades
menores, ganhando espaço também nos times da segunda e terceira divi-
sões, até então relativamente imunes aos “elitismos” dos grandes clubes.
Em muitos destes novos casos o perfil dos torcedores comportava pessoas
com formação superior, empregos estáveis e casamentos aparentemente
sólidos, seduzidos pela sociabilidade das torcidas em um momento de
apatia em relação à política convencional. Neste momento, como reação
às transformações estruturais que o país vivia, as manifestações contra
jogadores estrangeiros, favorecidos pela política de livre circulação de mão
de obra estabelecida pela União Europeia, começaram a se tornar cada vez
mais frequentes, passando a ser uma constante para times identificados com
a política conservadora. Neste quadro, a Lazio, time historicamente ligado
ao Fascismo, conseguiu assumir a liderança das manifestações racistas no
m m m
Vai acabar!
Vai acabar!
A Ditadura Militar!
m m m
Notas
1
Cf. Peter Gay, O cultivo do Ódio, op.cit., 448.
2
Cf.Eduardo Galeano, Futebol a Sol e à Sombra, op. cit., p. 189.
3
Patrick Mignon, La Passion du Football, Paris: Editions Odile Jacob, 1998.
4
Folha de S. Paulo, 12 de julho de 1998.
5
Cf. Paul Hockenos, Livres para Odiar, São Paulo: Scritta, 1995, p.99
6
Paul Hockenos, Livres para Odiar, op.cit., p. 313-344.
CONCLUSÃO
(Armando Nogueira)
com o sistema pay-per view, possibilitando toda uma gama de opções para
além dos canais convencionais.
Além disso, o futebol viveu também, e com toda a intensidade, a
espiral das grandes transformações promovidas pela Revolução Microe-
letrônica e Digital, não escapando da absorção tentacular de um mundo
ligado em rede, embora as primeiras experiências neste universo tenham
causado grandes surpresas até mesmo à FIFA, sempre inteirada em rela-
ção às novidades tecnológicas que despontavam à sua volta. A entidade
demorou a entender a força, por vezes incontrolável, da Internet, o que
ficou bastante claro no episódio que envolveu a homenagem ao craque
do século, realizada em 2001. Havia sido adotado um critério para a es-
colha envolvendo a opinião dos internautas, que deveriam votar em Pelé
ou Maradona. Com a vitória do argentino, entretanto, a FIFA teve que
desdobrar o protocolo para também homenagear o brasileiro, que havia
sido escolhido praticamente de forma unânime por entrevistados ligados
ao mundo do futebol. Ainda em 2001, um outro episódio apontara um
caminho da interação futebol-rede, não muito distante do que já ocorrera
anteriormente com a televisão. Na Alemanha, um clube tradicional como
o Hamburgo alugou por cinco anos o nome de seu estádio para a empresa
norte-americana America Online, uma transação de quase 13 milhões de
dólares, recurso fundamental para estabilizar sua enorme receita.
O Mundial de 2002 teria a oportunidade de ser a primeira Copa do
Mundo a ser transmitida virtualmente pela Internet, alimentando especu-
lações no mundo todo. Entretanto, tal possibilidade foi frustrada porque
a empresa alemã que comprou os direitos de negociação das imagens do
Mundial, a Kirch, rejeitou as propostas para transmitir a Copa em rede,
preferindo priorizar contratos com a televisão. Nesta decisão, a dimensão
técnica foi um aspecto que também pesou, uma vez que a transmissão
ao vivo de um evento com a grandiosidade da Copa do Mundo parecia,
pelo menos até 2002, uma tarefa acima dos limites da própria rede, o que
comprometeria decisivamente a qualidade das imagens. Mesmo com tal
limitação, o portal Yahoo!, contando com a procura dos países ocidentais,
desfavorecidos com o fuso horário, estabeleceu uma parceria com a FIFA,
oferecendo um serviço de fornecimento das imagens dos melhores mo-
mentos das partidas para algumas horas depois dos jogos – um serviço,
aliás, no qual muitos clubes investiram na virada do Milênio. No dia 23
de abril de 2001, a partida Liverpool X Manchester United bateu o recor-
de de acessos ao site do liverpoolfc.tv, onde o assinante recebeu o jogo
completo apenas quatro horas depois de sua realização.
Com tal escalada frenética, não foram poucos os especialistas que
apontaram para os perigos desse processo ininterrupto de espetaculariza-
ção do futebol. Talvez o mais evidente de todos seja a transformação do
esporte não só em exercício de produtividade – cronometrado, rankeado,
tabelado –, como também em um manufaturado tecnológico e, portanto,
mero produto de propaganda, exigindo-se dele e de seu público respostas
que já não estão no jogo em si, mas no mercado, na televisão ou na rede.
Desse processo poucos conseguirão sair ilesos, nem mesmo os superatletas
multimilionários, hoje transformados em paradigmas do self-made man
pós-moderno. Para o sociólogo Domenico de Massi, principalmente eles
serão tragados pelos dilemas da sociedade pós-industrial:
NOTAS
1
Jornal do Brasil, 16 de setembro de 2001.
2
Nicolau Sevcenko, A corrida para o século XXI: no loop da montanha-
-russa, São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Bibliografia
ARAÚJO, Flávio. O Rádio, o futebol e a vida. São Paulo: Editora SENAC, 2001.
ARAÚJO, José Renato de Campos. Imigração e Futebol: O Caso Palestra Itália. São Paulo,
Editora Sumaré: FAPESP, 2000.
Arnaud, Pierre (org.) Les Origines du Sport Ouvrier en Europe. Paris: L’Harmattan, 1994.
Arnaud, Pierre, Riordan, James. Sport et Relations Internationales. Paris, L’Harmattan, 1998.
Assaf, Roberto, Martins, Clóvis. Mundo das Copas do Mundo. Rio de Janeiro, Irradiação
Cultural, 1998.
Ballard, John, suff, Paul. The Dictionary of Football, Londres: Boxtree,1999.
BIBAS, solange. As Copas que ninguém viu. São Paulo, Catavento, s/data.
Bigot, Yves. Football. Paris: Grasset, 1996.
Bozonnet, Jean-Jacques. Sport et société. Paris: Le Monde-Editions, 1996.
Bromberger, Christian. Football, la bagatelle la plus sériuse du monde. Paris: Bayard Édi-
tions, 1998.
Brown, Adam (org.). Fanatics! Power, identity and fandom in football. Londres: Routledge, 1998.
Buford, Bill. Entre os Vândalos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Burns, Jimmy. Hand of God: The Life of Diego Maradona, Londres: Bloomsbury, 1997.
CALAZANS, Fernando. O Nosso Futebol. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
Caldas, Waldenyr. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa, 1990.
Carrano, Paulo César Rodrigues (org. ). Futebol: paixão e política. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
Castro, José de Almeida. Histórias da Bola. São Paulo: Edipromo, 1998
Deville-Danthu, Bernadette. Le Sport en Noir et Blanc. Paris: L’Harmattan, 1997.
Downing, David. The Best of Enemies: England v Germany. Londres: Bloomsbury, 2000.
Duarte, Orlando. Todas as copas do Mundo. São Paulo: Votorantim, 1987.
Elias, Norbert, DUNNING, Eric. Deporte y Ocio en el Proceso de la Civilizacion. México: Fondo
de Cultura Económica, 1995.
EKSTEINS, Modris. A Sagração da Primavera: a grande guerra e o nascimento da era moderna.
Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
FERRARO, Sergio. Argentina en los Mundiales. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1998.
Filho, João Lyra. Taça do Mundo, 1954. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1954.
Galeano, Eduardo. Futebol ao Sol e à Sombra. Porto Alegre: L&PM, 1995.
Gay, Peter. O Cultivo do Ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Gilbert, Abel, Vitagliano, Miguel. El terror y la glória. Buenos Aires: Grupo Editorial Nor-
ma,1998.
Gilbert, Martin. The First World War. New York: Henry Holt and Company, 1994.
Giulianotti, Richard, Bonney, Norman, Hepworth, Mike. Football, Violence and Social
Identity. Londres: Routlegde, , 1994.
Glanville, Brian. O Brasil na Copa do Mundo. Rio de Janeiro: Cia Gráfica Lux, 1973
Goussinsky, Eugenio, Assumpção, João Carlos. Deuses da Bola. São Paulo: DBA Artes
Gráficas, 1998.