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Talvez seja apenas uma vista panorâmica que faça as pessoas acharem lindo e tirarem fotos

conceituais para lança-las em seus perfis temporários e pouco profundos, sempre gostei de
aproveitar esses pequenos momentos ao máximo e nunca me deixei levar pela vontade de
registrar aquilo digitalmente falando. Posso estar errado, mas eu não me importo tanto.

Sempre fui um cara que pensava demais, lembro-me de quando meu pai me levava para
pescar em alto mar e eu não conseguia parar de pensar nas nuvens assustadoramente mais
brancas, no mar assustadoramente mais cheio e no silencio assustadoramente mais vazio, a
vida sempre pareceu gritar aos meus ouvidos a sua enorme magnificência, mas eu nunca tive
ouvidos para ouvir e nem olhos para enxergar. Entretanto, as sucessões de fatos que
resultavam na atividade de final de semana de ir pescar com meu pai, me fazia sentir uma
emoção tão grande que eu não sei ao certo se era por alegria ou medo, o êxtase unido do
medo do que poderia acontecer me faziam vomitar na madrugada do grande dia e acordar
cedo para preparar o melhor café possível antes de sairmos. Era lindo o começo da liberdade.

Numa das primeiras vezes que fomos pescar, eu e meu pai não estávamos em uma relação
muito boa, por conta do divorcio, eu havia criado um rancor bastante forte do meu pai por
conta da culpa que eu o atribuía por ter estragado os natais e os sábados da minha família,
aquela atividade de pesca tinha como objetivo forçar uma religação entre mim e meu pai, e ela
começou da melhor maneira possível.

Lembro perfeitamente deste dia, saímos cedo de casa e fomos em direção ao pequeno porto
onde havia o nosso pequeno barco, como disse, sempre fui um cara que pensava muito,
pensava no caminho sobre como podia o céu estar com uma cor tão alaranjada como aquela,
em como o ar parecia estar dançando de frescor em meus pulmões e em como os pássaros
cantavam de maneira tão linda, não me entrava na cabeça em como o dia poderia estar tão
lindo uma semana depois do processo de divorcio dos meus pais terem sido concluídos.
Chegando ao píer, compramos os mantimentos necessários para a viagem e entramos no
barco (ele parecia estranhamente mais desgastado do que de costume, mas resolvi ignorar
isso), prontos para zarparmos, meu pai sorriu e me perguntou se eu estava gostando daquilo
em um tom de humildade que eu nunca havia visto, eu nada respondi. Adentrando ao mar, o
balanço do barco me causou náuseas e eu tive que tomar um comprimido contra vertigem que
me trouxe uma dor de cabeça bem desagradável, comemos um pouco da comida que
havíamos trago e paramos não muito longe, mas também não muito perto do píer, meu pai
me entregou minha vara de pesca e ficamos sentados à beira do barco de lados opostos,
esperando, esperando e esperando. Passada horas, meu pai em seus últimos esforços de
inserir uma conversa com seu filho, me perguntou sobre a escola, meus amigos, meus
romances e até sobre meu cachorro, respondi a todas essas perguntas com monossílabas ou
grunhidos pouco convidativos para uma continuação de conversa; quando meu pai já estava
perdendo as esperanças, sentiu um balanço em sua corda de pesca e começou a gritar
animado “Consegui! Consegui! Veja filho, seu pai pegou um dos grandes!” A emoção de sentir
ver algo grandioso acontecendo me fez ficar de pé no barco e a começar a torcer para que
aquele peixe fosse pego, não pela alegria do meu pai, mas porque eu sabia que só assim eu
poderia ir embora daquela chatice. Contudo, a finura e o tamanho daquela vara de pescar não
eram páreas para o tamanho daquele peixe que estava lutando por sua sobrevivência, depois
de várias tentativas de trazê-lo à tona, o peixe conseguiu o que queria e deu um forte golpe na
parte debaixo do barco, fazendo-o não só arrebentar a linha da vara de pesca e se libertar,
como também me derrubar do barco. Não me lembro de muitas coisas desse momento, só me
lembro de ver o infinito azul escuro à minha volta ficando cada vez mais acolhedor, das bolhas
de ar que saiam ferozmente da minha boca que acalmavam meu peito em fúria desde que saí
de casa, mas principalmente, lembro-me de desejar a morte por afogamento a ter que voltar
para a superfície e encarar mais um dia minha casa sem meu pai, minha mãe com um novo
namorado e minha irmã que me batia sempre que podia. Todas aquelas situações já estavam
me deixando desgostoso com a vida e com as coisas ao meu redor, por isso havia me
impressionado com a paisagem que havia visto enquanto caminhava em direção ao barco,
fazia tempo que aquilo não acontecia. Quando eu já estava me entregando ao meu destino
iminente, senti um puxão forte em meu braço que me trazia com velocidade para cima, senti
como se algo ou alguém estivesse me carregando e pude ver um borrão que me agarrava
balançando ferozmente as pernas ou o que quer que fosse aquilo, Meu Pai havia pulado ao
mar atrás de mim e arriscado sua vida por mim, o vi chorando copiosamente enquanto me
fazia uma massagem cardíaca e o vi sorrindo alegremente e me abraçando quando a água saiu
da minha garganta e meu peito se contraiu em um grande acesso de tosse; toda aquela
situação me parecia assustadora e eu me lembro de no automático ter perguntado em tom de
agressividade o motivo de ele ter feito aquilo, lembro-me dele ignorando a agressividade em
minha voz (como estava fazendo desde a hora que saímos de casa) e dito as palavras que
acredito que foram as que me abriram os olhos para o resto de minha vida:

“Filho, eu não queria isso! Me perdoe por favor! Eu só queria te mostrar algo que gosto de
fazer quando me sinto perdido e achei que isso pudesse te ajudar! Eu te amo muito, muito
mesmo! Jamais quis te colocar nessa situação e só te trouxe aqui como tentativa para te
acalmar! Eu fui errado, eu sei! Mas por favor, não pense que eu não te amo por isso, eu só
queria ter você por perto!” O choro escorria pelo seu rosto como a água cuspida escorria pela
minha pele, que agora, se misturava com as lagrimas que também escorriam pelo meus olhos.

Havia entendido que meu pai não tinha culpa do que havia acontecido, não apenas sobre
meu quase afogamento, mas também sobre o divorcio e todas as coisas ruins que se
sucederam, meu pai era um humano assim como eu e só queria me dar um descanso de todo
aquele tormento que eu estava passando. Infelizmente, adormeci poucos minutos depois
daquele acontecimento devido ao cansaço e não me lembro das outras falas do meu pai,
minha última memória sou e meu pai se abraçando como nunca fizemos antes e chorando
juntos tendo aquele mesmo céu alaranjado e encantador de fundo, ele parecia ainda mais
bonito.

Meu pai morreu mês passado vitima de um ataque cardíaco, lembrei-me dessa historia
enquanto dormia com minha esposa, meus filhos estão dormindo no quarto. Acho que os
levarei para pescar amanhã, assim como meu pai fez por todos os finais de semana da minha
vida. Ainda posso ouvir aquele canto dos pássaros.

-Matheus

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