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A RIQUEZA DO POBRE

A riqueza do pobre é um pote no canto


da parede

Um machado, uma foice e uma rede

Um fogão de lenha fazendo fumaça

É poder livre, ver o sol abrir o dia

Acordar sem um tostão, sem ter vigia

Porque mais vale ser um pobre magro,


só a carcaça,

Do que ter de carregar a desgraça

De ser um rico pobre de alegria.


José Norberto da Costa
SOBRE A AUTORA

Cleane Medeiros da Costa é filha de um repentista


nordestino que viveu a vida cantando e inventando poesia
oral enquanto trabalhava na roça. José Norberto da Costa é
paraibano mas partiu do norte para a Bahia onde construiu
sua família. O homem que preferiu lidar com a força da
natureza, lutando contra a seca e cultivando contra as
evidências, morreu em abril de 2022, deixando a filha
apaixonada e chorosa. O poeta não deixou riquezas
materiais, pois passou a vida inteira lutando na roça pela
sobrevivência e foi contra o sistema explorador, ao se
recusar a viver na cidade sob ordens de patrão.

A maior herança deixada à filha foi a poesia. Ainda menina,


Cleane Medeiros da Costa iniciava as suas primeiras rimas
e em 2020 foi publicada no livro Terra, Fogo, Água, Ar
(EDUFBA, 2020), no qual, a poetisa fica entre os primeiros
colocados após ser avaliada por uma comissão de 5
especialistas (professores e poetas). Cleane Medeiros da
Costa é graduada em História (UNEB-Campus IV-
Jacobina), Mestre e Doutoranda em Crítica Cultural
(UNEB-Campus II- Alagoinhas).
Sumário

CANTORIA À PAPAI ..................................... 5


DISTÂNCIA .................................................. 10
MATADOURO .............................................. 12
POEMA DE GRATIDÃO .............................. 14
A PAIXÃO DA FILHA ................................. 16
MELHOR AMIGO ........................................ 22
MORTE CRUEL ............................................ 24
CANTORIA À PAPAI

No dia em que eu acordo com vontade de


cantar,
Eu me lembro do meu pai que perto de mim
não está,
Se ele não voltar de Minas o jeito é eu ir pra

Porque saudade é cruel e eu não posso
aguentar.

Quando eu era meninota, que não sabia


cantar,
Vivia da contemplação de sua voz a ressoar,
Nas terras daquele sertão d’onde pôs-se a
trabalhar.

E foi tanta carroça d´água, que o senhor lá


carregava
Em cima da sua carroça pra quem lhe
solicitava,
Eu, com a felicidade, se podia acompanhava.

Um dia eu achei de lhe dizer, pisando


naquele chão
Pain eu quero morrer primeiro pois não sei
se guento não,
Por todo canto que ando, lhe levo no
coração.

Se eu virei poetisa e penso nas coisa além,


É porque sou fruto teu, que é poeta também,
Se tu canta eu também canto além do mal e
do bem.

Sou filha da poesia, que também é mãe de


papai
Não sei viver sem cantar, cantai e se alegrai,
Porque a voz que sai agora, pode um dia não
vir mais.
A vida é um bicho esquisito que eu não
posso entender,
Como é que se vive e trabalha pra no final
vir a morrer,
Papai do meu coração, eu não posso lhe
perder.

A tristeza chega e me toma e me enche de


aflição,
Oh deus por caridade, não me tire o meu pai
não,
Antes, peço, leve a mim, de tão frágil
coração.

Mas no final de tudo eu sinto, que deve ter


algum sentido,
Por que na vida da gente, nada há de ser
perdido,
A grandiosidade do ser, tem no eterno um
abrigo.
A tal da eternidade tá em tudo o que existe,
A tristeza é quem nos enfraquece, mas quem
é forte resiste,
Tenho fé no bem do eterno, pra que eu não
fique triste.

Papaizin lembre de mim que estou pela


Bahia
Esperando seu retorno que vai me dar tanta
alegria,
Eu tenho fé no bem que existe que não tarda
esse dia.

Porque onde papai canta as paredes pende e


cai,
Quem tá indo embora volta, por não poder
seguir mais,
E quem já seguiu estrada, sente e volta para
traz.
O poder da poesia é do tamanho de Deus,
Com certeza é sua fala, que ele nos
concedeu,
Pra fazer reboliço e ressuscitar quem
morreu.

Oh Deus que é grandioso, eu peço por


caridade,
Traga de volta o poeta meu pai pra cantar
nessa cidade,
Onde ele canta o mal não vinga, porque é a
própria bondade.
Papaizin oh meu querido, a vida é dura
demais,
O senhor está tão longe, foi para a Minas
Gerais,
E a saudade é tão grande que eu já não
aguento mais.
DISTÂNCIA

Toda vez que o senhor se vai


Para recantos longe de mim
Eu fico triste, meu pai
Mas eu só sei ser assim
Como folha solta que cai
No chão de qualquer jardim.

Eu tenho medo do que não sei


E do que sei sinto também
De tua boca uma vez escutei
Algo que ecoa aqui e além
Dissesse: “A gente que vai embora
Não sabe se ainda vem”.

Recordo de um dia eu bem pequena


Lhe olhando e a dizer:
Existe a vida e a gota serena
E eu tenho medo de sofrer
Peço a Deus que me leve antes
Pois não suportaria lhe perder.

Painho respondeu:

“Minha querida quer bem


A painho desse tanto?
Homi, minha fía
Esqueça logo esse pranto!
Como é que pode ir primeiro
Se foi eu quem já vivi tanto?

A minha filhinha não viveu nada


E ainda tem muito o que viver
Painho já foi menino e é homem
E ainda vai envelhecer
Viver é bom, minha fía
E o que tiver de ser vai ser”.

Salvador, Bahia, 12 de março de 2021.


MATADOURO

Êeeeeh ... ôo ooooooh, saudade.. Ôh vida


de gado, boi

Esse gado tão cansado


Jaz na alma desse ente
Que nada teve de herdado
Herdou somente o repente
Me perdoe, pobre gado,
O matadouro é logo à frente

Os bicho bruto passa sede


De baixo desse sol quente
E o infeliz vaqueiro
Segue cantando repente
Já cansou de chamar Deus
Pra salvar os inocente

Iêeeeehh
Teve água, passou bem
Mas é triste o que vem lá
O final de sua jornara
É mermo logo aculá
O matadouro, o rio de sangue
É quem vai lhe libertar
Aêeehh,
Ôh, saudade, ôh vida de gado, boi...

Eu sei que um dia vai ser


Minha vez de descansar
E inda no último instante
Sei que vou me perguntar:
Como pode um home trabailá1 tanto
Ficar velho e se acabar?

Aêeeeehhh
ôo ooooooh, saudade.. Ôh vida de gado, boi

Cleane M. da Costa e José Norberto da Costa

1
Trabalhar
POEMA DE GRATIDÃO

Na natureza eu vejo
Toda a sorte de beleza,
catástrofes e gigantes,
Brisas, cores e leveza.

Do espiritual sou grata,


Por lindas e fortes amizades.
Quero amá-los e ser amada,
até que a morte nos separe!

Obrigada a quem me estendeu a mão


Nos momentos de fraqueza,
A quem eu ajudei também,
Foi feito de minha natureza.

Quando meus olhos forem fechados,


E eu partir do mundo dos viventes,
Foi tudo lindo e tudo valeu,
Tenham isto em suas mentes.

Mas se dos que amo partirem primeiro,


apertarei no punho uma micha de terra fria,
Cada grão que eu for soltando,
Representa um universo de alegria.

Alegria não por teres partido,


mas por eu ter tido o privilégio grandioso,
De compartilhar com aquele, tempo e
espaço,
Tornando tudo mais valioso.

Somente amor quero carregar,


Até que eu dê o último suspiro,
Se te dedico minhas palavras,
É porque o amo e o admiro!
A todos os meus amigos, um abraço de amor e luz, Cléo M.
A PAIXÃO DA FILHA

Como amarga esse saber


Como sou inconformada
É que nunca mais posso ver
A pessoa mais amada
Que partiu e não pude crer
Eu fiquei tão desolada
O que eu mais queria agora

Era abraçar papai

Beijar as suas bochechas

Mas isso eu não posso mais

Sua voz canta dentro de mim

E eu não o esqueço jamais.

Eu não posso acreditar

Ainda não me conformei

Não tem remédio pra me dar

E de tanto que eu já chorei

Isso vai passar um dia

Ou pra sempre sofrerei?


Ai que saudade que eu sinto

De papai meu tão querido

Homem daquela qualidade

Nem falar eu tenho ouvido

Sei que não nasceu ainda

Um com fôlego tão comprido.

Papai não me deixou fortuna

Nada em bens materiais

Pois viveu a vida inteira

Sob as luzes matinais

Trabalhando na lavoura

E cuidando dos animais.


Dentro de casa ninguém lhe via

Se não na hora de comer

No meio da roça sumia

E voltava no entardecer

Com seu rostinho salgado

De seu suor escorrer.

E a noitinha ele cantava

Chega a voz ecoava

Tenho pra mim que da estrada

Quem lá passava escutava

As cantorias tão formosas

Que ele mesmo inventava.


E aqui dentro de mim

Escuto papai cantando

Nem percebo quando começa

E já me pego chorando

Eu já volto pra esse mundo

Com os meus olhos pingando.

Papaizin por caridade

Eu peço sozinha ao vento

Acalente meu coração

Me tire desse tormento

De querer abraçar aquele

Que hoje é só sentimento.


E o nó na garganta aperta

E eu quero me entregar

A toda lembrança que vem

O meu ser acariciar

Mas é ruim demais a dor

De ter vazio o seu lugar.

Só pode mesmo ser mentira

Que o senhor não tá mais aqui

O procuro em toda parte

E vejo tudo se repartir

Nada nesse mundo é capaz

De meu pai substituir.


MELHOR AMIGO

Inda que a minha inocência se acabe

Há de renascer num outro dia

Só pra somar ao que em mim já não cabe

Essa ternura, essa amizade, essa alegria

Não sei definir o amor

Mas enfrentaria o impossível por papai


querido

Atravesso um campo minado se preciso for

Daria a vida pelo meu melhor amigo

E se um dia ele viesse a partir primeiro


Entregaria também o meu corpo a terra fria
Na mesma tumba, o nosso abrigo derradeiro
Encerrados com tudo o que hoje nos inebria.

Mas se o implacável anjo da morte

Por ventura queira me levar primeiro,

Só peço a ti, meu painho, sejas forte

Encante a todos com poesia, meu guerreiro!

Mas esqueças essas palavras fúteis

Agora que as findo, secarei o meu rosto

Que molhou-se com essas lágrimas inúteis

Por meu amor, por meu medo e meu


desgosto.
MORTE CRUEL

As vezes a tristeza vem

E me assalta o sentido

Não acho consolo em nada ou ninguém

E tudo fica mal entendido

Por que a morte cruel

Levou meu papai querido

Aqui eu tô sem saber

O sentido dessa vida

Acho a morte cruel

Mas um dia será amiga

Sendo nela o meu descanso


Na sepultura escondida

Ai meu Deus que saudade


Que eu tenho de papai
Se eu pudesse ele não morria
Mas tão longe ele já vai
Num cavalo encantado
Em galope e não volta mais

Várzea Nova, 25/06/22


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CLEANE MEDEIROS DA COSTA

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