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URGÊNCIA EMOCIONAL

Martha Medeiros

Se tudo é para ontem, se a vida engata uma primeira e sai em


disparada, se não há mais tempo para paradas estratégicas, caímos
fatalmente no vício de querer que os amores sejam igualmente
resolvidos num átomo de segundo. Temos pressa para ouvir "eu te
amo", não vemos a hora de que fiquem estabelecidas as regras de
convívio: somos namorados, ficantes, casados, amantes? Urgência
emocional. Uma cilada. Associamos diversas palavras ao amor: paixão,
romance, sexo, adrenalina, palpitação. Esquecemos, no entanto, da
palavra que viabiliza esse sentimento: Paciência. Amor sem paciência
não vinga. Amor não pode ser mastigado e engolido com emergência,
com fome desesperada. É preciso degustar cada pedacinho do amor,
no que ele tem de amargo e de saboroso, no que ele tem de duro e de
macio, os nervos do amor, as gorduras do amor, as proteínas do amor,
as propriedades todas que ele tem. É uma refeição que pode durar uma
vida. Mas não. Temos urgência. Queremos a resposta do e-mail ainda
hoje, queremos que o telefone toque sem parar, queremos que ele se
apaixone assim que souber nosso nome, queremos que ela se renda
logo após o primeiro beijo, e não toleraremos recusas, e não
respeitaremos dúvidas, e não abriremos espaço na agenda para
esperar. Temos todo o tempo do mundo, dizem uns; não há tempo a
perder, dizem outros: a gente fica perdida no meio deste fogo cruzado,
atingidos por informações várias, vivências diversas, parece que todos
sabem mais do que nós, pobres de nós, que só queremos uma coisa
nessa vida, ser amadas. Podemos esperar por todo o resto: emprego,
dinheiro, sucesso, mas não passaremos mais um dia sequer sozinhos,
te adoro, dizemos sei lá pra quem, para quem tiver ouvidos e souber
responder "eu também", que a gente está mais a fim de acreditar do
que de selecionar. Urgência emocional. Pronto-socorro do amor.
Atiramos para todos os lados e somos baleadas por qualquer um. E o
coração leva um monte de pontos por causa dessa tragédia: Pressa.!!!
Não quero isso para minha vida!! Entendeu?
A BELEZA TOTAL

Carlos Drummond de Andrade

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os


espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as
pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o
corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do
banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.
A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos
condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda capacidade de ação.
Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora
Gertrudes houvesse voltado logo para casa.
O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à
janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua
mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o
peito.
Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino
fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta
de ar puro, acabou sem condições de vida, e um dia cerrou os olhos
para sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou pairando, imortal. O
corpo já então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza
de Gertrudes continuou cintilando no salão fechado a sete chaves.
A CARROÇA

Autor desconhecido

Certa manhã, meu pai, muito sábio, convidou-me para dar um


passeio no bosque e eu aceitei com prazer.
Após algum tempo, ele se deteve numa clareira e, depois de um
pequeno silêncio, me perguntou:
– Além do canto dos pássaros, você está ouvindo mais alguma
coisa?
Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi:
– Estou ouvindo um barulho de carroça.
– Isso mesmo – disse meu pai – e é uma carroça vazia!
Perguntei a ele:
– Como pode saber que a carroça está vazia, se ainda não a vimos?
– Ora – respondeu meu pai – é muito fácil saber que uma carroça
está vazia por causa do barulho.
Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho que faz.
Tornei-me adulto e até hoje, quando vejo uma pessoa falando
demais, gritando (no sentido de intimidar), tratando o próximo com
grosseria inoportuna, prepotente, interrompendo a conversa de todo
mundo e querendo demonstrar ser o dono da razão e da verdade
absoluta, tenho a impressão de ouvir a voz do meu pai dizendo:
– Quanto mais vazia a carroça, mais barulho ela faz!
NÓS QUEIMAREMOS O MUNDO, QUERIDA

Diz a Madame de Stael que os primeiros amores não são os mais fortes
porque nascem simplesmente da necessidade de amar. Assim é comigo;
mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada
com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como
o teu são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão
melindrosa, razão tão recta não são bens que a natureza espalhasse às
mãos cheias (…). Tu pertences ao pequeno número de mulheres que
ainda sabem amar, sentir, e pensar. Como te não amaria eu? Além disso
tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É minha ambição
dizer à tua grande alma desanimada: «levanta-te, crê e ama: aqui está
uma alma que te compreende e te ama também».
A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-
a com alegria, e estou certo que saberei desempenhar este agradável
encargo. Olha, querida; também eu tenho pressentimento acerca da
minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi
ainda completamente feliz?
Obrigado pela flor que mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse a ti
mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco
de tua alma. Sábado é o dia da minha ida; faltam poucos dias e está tão
longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta
do paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom conosco. (…)
Depois… depois querida, queimaremos o Mundo, porque só é
verdadeiramente senhor do Mundo quem está acima das suas glórias
fofas e das suas ambições estéreis. Estamos ambos neste caso; amamo-
nos; e eu vivo e morro por ti.
Machado de Assis, em Carta a Carolina de Novais (1869).
NORDESTE: AQUI É MEU LUGAR (Carlinhos Cordel)

Bumba-meu-boi, capoeira
Vou falar do meu lugar Essa dança brasileira
Terra de cabra da peste Querida em todo lugar.
Terra de homem valente Tem baião e tem forró
Do sertão e do agreste Pra dançar agarradinho
Terra do mandacaru Tem maracatu, congada
Do nosso maracatu Tem o cavalo-marinho
Meu lugar é o Nordeste! Festa junina animada
Meu Nordeste tem riquezas Pra toda rapaziada
Só encontradas aqui Namorar um “bucadinho”.
Sua música, sua dança
Sua gente que sorri Nossa culinária é rica
Nosso povo tem bravura Em tradição e sabor
Tem tradição, tem cultura Tem cuscuz, tem macaxeira
Da Bahia ao Piauí. Que têm um grande valor
Tem o xinxim de galinha
A nossa música é linda Rapadura com farinha
Temos coco e embolada Tudo feito com amor.
Aboio e banda de pife Do bode tem a buchada
Poesia improvisada Carne de sol com pirão
Axé, repente, baião O mocotó, a rabada
O forró do Gonzagão O bobó de camarão
Que faz a maior noitada. Bredo no coco, paçoca
Frevo, xote e xaxado Vatapá e tapioca
Violeiro, canturia Venha provar o qu’é bão.
O martelo agalopado
O cordel e a poesia Temos doce bem gostoso
O cantador de viola Como o Bolo de Fubá
Fazendo versos na hora A cocada, a rapadura
Pra nos trazer alegria. O quindim e o mungunzá
Temos Beijinho de coco
Nossa dança é muito rica Que deixa qualquer um loco
É bastante popular Venha aqui saborear.
Tem ciranda, afoxé As festas do meu Nordeste
Para quem quiser dançar Têm alegria e calor
O carnaval de Olinda, Do poder da oração.
De Recife e Salvador Piauí da Pré-História
Em Natal o “Carnatal” Bahia do candomblé
Em Fortaleza o “Fortal” Paraíba das cachaças
Micaretas de valor. Em Sergipe eu boto fé
Pernambuco tem o frevo
Quando chega o São João Alagoas tem segredo
A "disputa" é pra valer Vá descobrir o que é.
A "Capital do Forró"
Todos querem conhecer Maranhão é o estado
Caruaru tem beleza Pra dançar bumba-meu-boi
Campina Grande destreza Ceará do “Padim Ciço”
Para o forró não morrer. Só conhece quem já foi
Terra de Alceu Valença No Rio Grande do Norte
E de Jackson do Pandeiro A cultura é muito forte
Terra de Luís Gonzaga Vá! Não deixe pra depois.
Esse grande brasileiro Essa terra é muito boa
A terra de Elba Ramalho Dela ninguém me separa
E também de Zé Ramalho Tem tudo pra se viver
Famosos no mundo inteiro. Uma culinária rara
Uma beleza campestre
A terra de Virgulino Só deixo o meu Nordeste
O famoso Lampião No último pau-de-arara.
A terra de Vitalino
Rei do barro feito à mão
A terra do “Padim Ciço”
Dos milagres, “dos bendito”

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