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História

História do povo brasileiro História do povo brasileiro História História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do

do povo brasileiro
sua implementação nos remotos seringais no interior Este livro de María Verónica Secreto conta a história

MaríaVerónica Secreto
do povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasilei-
da região Norte. Mas, se o governo não valorizava a extraordinária de homens e mulheres, a grande maioria
linguagem e o significado dos contratos, os “soldados” nordestinos, que participaram da chamada “Batalha da

EsteHistória
e suas mulheres, sim, insistiam nos direitos indicados Borracha” nos anos da Segunda Guerra Mundial. Mas

povo brasileiro doa povo brextraordinária


asileiro História do povo ro História do povo brasileiro História do povo brasileiro História
nos papéis assinados. Este capítulo da história, basea- a obra vai muito além de relatar um episódio curioso
do nas cartas redigidas pelas mulheres, primeiro, aos da campanha das “nações unidas”. A autora pesquisou
maridos ausentes e, segundo, ao próprio presidente livro conta história de a documentação da “batalha” – inclusive a propaganda

Soldados da borracha:Trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governoVargas


Getúlio Vargas, revela o custo humano dessa “batalha” de recrutamento visual e textual produzida pelo go-
homens e mulheres, a grande maioria nordestinos,
brasileiroqueHistória do povo brasileiro“Batalha
História do povo brasileiro do povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo
de uma maneira inesquecível. As mulheres “expuseram verno brasileiro e as cartas altamente comoventes das
o duplo abandono em que se encontravam, sem maridos mulheres dos “soldados da borracha” – para analisar o
e sem Estado”. Mas, muito longe de tomar a atitude
participaram da chamada da Borracha” lugar do trabalhador rural, do Nordeste e da Amazônia
de vítimas enfraquecidas pela miséria, as mulheres – um programa de emergência para lidar com o déficit nos discursos e na política do Estado Novo.

Históriadedoborracha
povo brasileiro História
Unidos do povo brasileiro
asileiro História brasileiro História doMARÍA
povo abrSegunda HistóSECRETO
ria do povo brasileiro
reclamaram seus direitos, denunciando os trabalhos Foi em resposta à seca de 1932 que o governo Vargas in-
demasiado pesados que eram obrigadas a fazer e insis- nos Estados durante VERÓNICA troduziu a imagem do sertanejo como um bandeirante
tindo até no direito de fumar, contrariando o regime novo, destinado a povoar os “espaços vazios” da nação.
Guerra Mundial. “Soldados da borracha” ajuda a
do povo esclarecer
brasileiro a complexidade
História do povo brasileiro História e do povo História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do
disciplinar da diretoria dos “núcleos” onde elas e suas A autora demonstra que o trabalhador rural, apesar de
famílias residiam. ser na maior parte excluído dos benefícios da legislação
Barbara Weinstein
Professora de História da América Latina
na University of Maryland
das relações trabalhistas
da questão da cidadania no governo Vargas, analisando Soldados da
brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasilei-
social getulista, fazia parte de uma visão de mobilização
e colonização das “fronteiras” que procurava colocar
“cada um no seu lugar”.
o lugar do trabalhador rural, do Nordeste e da
Amazônia nos discursos e na política do Estado Novo. borracha A “Batalha da Borracha”, porém, era menos uma con-
seqüência da política federal e mais um programa de

História do povo brasileiro História do povo brasileiro História roHistória do povo brTrabalhadores
asileiro História do povo obrsertão
asileiro História
emergência para lidar com o enorme déficit de borra-
Arquivo pessoal

entre cha nos Estados Unidos no contexto da Segunda Guerra

A coleção História do povo brasileiro busca oferecer


Mundial. A seca de 1942 coincidiu com o começo dessa

e a Amazônia no governoVargas campanha, criando uma “reserva” de braços disponí-

do povo bruma
asileiro Históriae alternativa
do povo br da asileiro História do povo do povo brasileiroHistória do povo brasileiro História do povo
veis, principalmente no Ceará, embora os nordestinos
hesitassem em virar “soldados da borracha” devido às
visão abrangente história brasileira,
denúncias de abusos cometidos pelos seringalistas na
combinando rigor historiográfico com linguagem acessível
brasileiroHistória do povo brasileiro do povo brasileiro brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro
Históriacompetência
época do boom e às imagens de trabalho semi-escraviza-
do associadas com os seringais da Amazônia. Por isso, o
MaríaVerónica Secreto é doutora em História e publicando obras de autores de reconhecida governo Vargas procurava criar uma contra-imagem de
Econômica pela Universidade Estadual de Campinas um novo tipo de seringueiro que ia chegar na floresta
nos temas selecionados para cada volume.
História do povo brasileiro História do povo brasileiro História História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do
e professora no Departamento de Desenvolvimento, com um contrato na mão e direitos garantidos pelo
Agricultura e Sociedade da Universidade Federal governo — e até assistência monetária e social para
Rural do Rio de Janeiro. Foi professora da Univer- sua mulher e seus filhos.

História do povo brasileiro


sidade Federal do Ceará entre 2002 e 2004, período A interpretação tecida por Verónica Secreto sobre este

do povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro
no qual realizou parte da pesquisa apresentada aqui. aspecto da “Batalha da Borracha” é uma contribuição
Nascida na Argentina, em Necochea, interior da ISBN 978-85-7643-025-4 absolutamente preciosa à historiografia das relações
província de Buenos Aires, formou-se em História trabalhistas e da questão da cidadania durante o Es-

brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do povo brasileiro História do
na Universidade Nacional de Mar del Plata, onde tado Novo. Segundo a autora, os representantes do
também lecionou. Realizou o mestrado em História governo federal sempre entenderam que os contratos
9 788576 430254
Social na Universidade Federal Fluminense . teriam pouca força, porque não havia como garantir

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capa soldados da borracha.indd 1 2/13/07 3:49:45 PM
História do povo brasileiro

MariaVerónica Secreto

Soldados da borracha
Trabalhadores entre o sertão
e a Amazônia no governoVargas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Secreto, Verônica
Soldados da borracha : trabalhadores entre o sertão e a
Amazônia no governo Vargas / Verônica Secreto. — São Paulo : Editora
Fundação Perseu Abramo, 2006. — (Coleção história do povo brasileiro)

Bibliografia.
ISBN 978-85-7643-025-4
1. Borracha — Brasil 2. Brasil — História — Getúlio Vargas, 1930-1945
3. Seringueiros 4. Trabalho e classes trabalhadoras — Brasil I. Título
II. Série
06-4002 CDD-331.7667820981062
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Governo Vargas : Seringueiros : Extração da borracha :
História econômica
331.7667820981062
2. Trabalhadores na extração da borracha : Governo Vargas :
História econômica
331.7667820981062
Para Norberto e Mariana.

Profundo agradecimento a meus amigos e companheiros Luigi Biondi, Edilene Toledo,


Gino Negro e Héctor Alimonda. Sou grata também a meus alunos da Universidade
Federal do Ceará, que fizeram minha estadia em Fortaleza mais agradável.
Agradeço a leitura cuidadosa e generosa de Fernando Teixeira da Silva.
Ao Norberto como sempre mais que gratidão.
Fundação Perseu Abramo
Instituída pelo Diretório Nacional do
Partido dos Trabalhadores em maio de 1996.
Diretoria
Hamilton Pereira – presidente
Ricardo de Azevedo – vice-presidente
Selma Rocha – diretora
Flávio Jorge Rodrigues da Silva – diretor

Editora Fundação Perseu Abramo


Coordenação Editorial
Flamarion Maués
Assistente editorial
Viviane Akemi Uemura

Coordenador da coleção
Fernando Teixeira da Silva
Equipe Editorial
Alexandre Fortes, Antonio Negro, Fernando Teixeira da Silva (editor deste volume),
Hélio da Costa e Paulo Fontes
Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica
Eliana Kestenbaum
Imagem da capa
xxxxxxxxxx
Pesquisa iconográfica
Maria Verônica Secreto
Revisão
Maurício Balthazar Leal
Márcio Guimarães de Araújo

Soldados da borracha
Copyright @ 2003 by Maria Verônica Secreto
isbn 978-85-7643-025-4
1a edição: março de 2007

Todos os direitos reservados à


Editora Fundação Perseu Abramo
Rua Francisco Cruz, 224
04117-091 – São Paulo – SP – Brasil
Telefone: (11) 5571-4299 • Fax: (11) 5571-0910
Correio eletrônico: editoravendas@fpabramo.org.br
Na internet: http://www.efpa.org.br
Sumário

Introdução ............................................................................................................ 7
Os sertões, a Amazônia e o trabalhador rural no discurso varguista .............
A dualidade litoral/sertão .........................................................................
“Viu a terra, ouviu o homem. E compreendeu
os anseios de todos”......................................................................................
Continuidade: bandeira e tempo afetivo ..............................................
Atingidos pelas palavras ..............................................................................
Passagens de Proa. As migrações nordestinas na rota amazônica
A seca: do naturalismo à história ambiental ........................................
De retirantes a imigrantes .........................................................................
Norte ou Sul. ..................................................................................................
“Mais borracha para aVitória” ............................................................................
A borracha: de Amazónia para Ásia e de volta a Amazónia............
A propaganda do varguismo......................................................................
Da sequidade à uberdade: outra viagem ...............................................
Do plano do Conselho de Imigração e Colonização ao do Conselho
Nacional de Economia.................................................................................
“De tua triste e sem sorte esposa”. As cartas das mulheres do nordeste
O Serviço de Mobilização de Trabalhadores
para Amazonas (semta) ..............................................................................
A peça fundamental: o contrato ..............................................................
Maridos e esposas..........................................................................................
A Assistência às famílias ..............................................................................
A modo de conclusão: Antônio e Jovelina ...........................................................
Notas
Bibliografia .............................................................................................................
Introdução

Conquistar a terra, dominar a água, sujeitar a floresta foram


as nossas tarefas.
Getúlio Vargas, 19401
Essa Amazônia prodigiosa, atordoante, nunca inspirou amor.
Só cupidez.
Gilberto Osório de Andrade, 19402

O que acontecia no mundo rural durante a chamada “era Vargas”?


Sempre que pensamos nesse período vêm a nossa memória imagens urbanas,
de trabalhadores industriais, de operários da construção civil. Parece que o Brasil
deixou de ser agrário em 1930. É verdade que o processo de industrialização se
aprofundou e o de urbanização se acelerou de forma inédita, mas muitas pessoas
continuaram a trabalhar e morar no campo. O que aconteceu com essas pessoas?
Todas migraram para os centros urbanos? Evidentemente, não.
O governo Vargas tinha planos para os habitantes do campo. O principal:
que eles lá ficassem. Os trabalhadores rurais seriam mantidos em seu “hábitat”
e as leis trabalhistas não os atingiriam senão num futuro que não podia ser
determinado.
Considerou-se que existia um “fluxo natural” das correntes de povoamento
que devia ter o sentido litoral–sertão. O contrário – a migração dos sertanejos
para o litoral – era visto como um “erro histórico”. Para fixar o trabalhador rural
nos sertões de Goiás e Mato Grosso, o governo Vargas concebeu um plano amplo
chamado de “Marcha para o Oeste”. Mas a idéia de marchar para o interior logo
se estendeu à região amazônica, que também ingressou no “imaginário oficial”

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história do povo brasileiro

entre os territórios internos a ser ocupados pelos homens do sertão, preferen-


cialmente pelos nordestinos, cuja missão – além da abnegação – era alargar o
território, como antes tinham feito os bandeirantes. As periódicas secas que
atingiam o Nordeste eram a justificativa moral para “encaminhar” os sertanejos
para aquele que era o seu “destino”.
O que se pretendia era desenvolver um amplo programa de colonização,
mas o que se levou a cabo foi muito diferente. A conjuntura internacional veio
apressar e desfigurar aquilo que tinha sido colocado no papel. A colonização e o
“sedentarismo” apregoados nos meios da imprensa oficial transformaram-se em
nomadismo extrativista, do qual já se tinham amplos antecedentes. O período
áureo da borracha tinha sido sustentado por ele.
O desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial e acordos assinados em 1942
em Washington condicionaram a política externa do Brasil, além da ocupação e
da exploração dos espaços internos. O controle japonês do abastecimento de
borracha colocou aos aliados mais uma dificuldade: conseguir rapidamente um
fornecedor de borracha, sobretudo para a indústria bélica. O ingresso dos Estados
Unidos na guerra tirou o Brasil da neutralidade, comprometendo-o a produzir
“mais borracha em menos tempo”. Para isso, seria necessário mobilizar grande
quantidade de trabalhadores de forma rápida, o que não permitiria levar adiante
o plano de colonização. A solução mais fácil e imediata era prover trabalhadores
“baratos” aos seringalistas, e dessa forma se alimentou o estagnado sistema de
exploração dos seringais.
O projeto não era apresentado como tradicional, embora seus resultados
tenham sido tradicionais, o que era uma conseqüência medianamente previsí-
vel, mas ainda assim um desdobramento do próprio projeto. Os trabalhadores
engajados nessa campanha – os soldados da borracha – tiveram seus direitos e
obrigações selados por meio de um contrato que se dividia em duas partes. Na
primeira, o Estado se responsabilizava por seu encaminhamento até os seringais
em determinadas condições; na segunda, o dono do seringal se comprometia
a cumprir uma série de outras condições. Visava-se evitar os abusos cometidos
anteriormente, quando as exportações de borracha brasileira atingiram os mais
altos preços e a mais alta tonelagem, e se produziu a corrida para o “ouro bran-
co” entre as últimas décadas do século xix e a primeira do século xx. Mas esses
direitos, implícitos nos contratos, não foram garantidos porque não existiu uma

••
Soldados da borracha

fiscalização eficaz, nem sequer minimamente eficaz. A distância entre a lei escrita
e a prática jurídica, como em outros casos, continuava a ser imensa.
Como veremos, os únicos “fiscais” foram os próprios trabalhadores e suas
mulheres.

***

Memória e história têm muitas coisas em comum, mas não são sinônimos.
Todos temos direito à memória, mas os historiadores também têm a obri-
gação de analisar como esta é construída e por quê. Não podemos simplesmente
reproduzir os depoimentos individuais, como se a história fosse a somatória de
versões particulares.
Quem lembra, lembra desde o seu presente. Lembra as lembranças do evo-
cado. Constrói, a partir de dados posteriores, uma memória do vivido.
As reflexões geradas em torno de um evento contemporâneo ao narrado
nestas páginas serão provavelmente úteis para pensarmos a relação entre his-
tória e memória. No verão de 1944, enquanto se retirava do norte da Itália,
o exército alemão realizava uma série de massacres numa aldeia chamada
Civitella della Chiana, onde 175 homens foram separados de suas mulheres
e filhos, e fuzilados. Os habitantes da aldeia justificaram o massacre como
retaliação às ações de resistência. Cinqüenta anos depois, uma conferência
internacional ocupava-se do massacre. Esse encontro, afirma o historiador
Eric Hobsbawm, aconteceu num clima de desconfiança e de incômodo. Al-
guns jovens historiadores estavam surpresos de que os habitantes da pequena
cidade culpassem mais os homens da resistência do que os próprios alemães
pelo massacre.
Pelos critérios universalmente aceitos da disciplina histórica, argumenta
Hobsbawm, a narrativa dos aldeões devia ser cotejada com as fontes. O histo-
riador segue afirmando que os não-acadêmicos – que “necessitam e consomem”
o que produzem os historiadores – não se preocupam com as diferenças entre
os procedimentos científicos e as construções retóricas. Para aqueles não-aca-
dêmicos, boa história é a história que é boa para a “causa” deles3. Mas o que têm
a ver estas referências à memória dos aldeões de Civitella della Chiana com os
soldados da borracha? Muito.

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história do povo brasileiro

Em ambos os casos trata-se de memórias traumáticas e de apropriações. No


caso de algumas reconstituições feitas sobre os soldados da borracha, passamos do
esquecimento social a um pretensioso “dar voz a quem não tinha voz”. É evidente
que se cometeu um sem-número de injustiças com os soldados da borracha, mas
não será vitimizando-os que iremos repará-las. Os soldados da borracha podem
dizer em seus depoimentos o que eles lembram e como lembram, recriando e
construindo uma fala subjetiva, ainda que essas recordações não se ajustem à
realidade. Mas nosso trabalho é cotejá-las com as fontes.
Em junho de 2004 foi exibido na televisão o documentário Borracha para
a vitória, de Wolney de Oliveira. Por seu gênero, não tinha a pretensão de ser
história, e não vamos lhe cobrar isso, mas, em seu afã de “denunciar” as injusti-
ças cometidas contra os trabalhadores, como muitos outros discursos, reforçava
grande parte dos “preconceitos” em voga sobre os soldados da borracha, que
inclui outros também sobre os soldados da Força Expedicionária Brasileira (feb).
A instrumentalização dos depoimentos dos trabalhadores, em lugar de ajudar-nos
a compreender o passado, nos confunde.
Vejamos quais são os preconceitos de que falamos. Na prova de história
do vestibular de 2003 da Universidade Federal do Ceará4 foi elaborada uma
questão na qual se pedia, entre outros pontos, para estabelecer diferenças entre
os soldados da borracha e os da feb. Uma porcentagem elevada de candidatos
respondeu que, enquanto os primeiros foram para a Amazônia enfrentar a morte
e quando retornaram nada receberam, os segundos – “privilegiados” – foram para
a Europa e receberam medalhas ao retornar. Com respostas como esta, cria-se a
idéia de que os soldados da feb foram passear – resposta que também não faltou
–, tendo sido injustamente condecorados ao retornarem. A comparação é em
si perversa. Parte do suposto de uma igualdade – inexistente – de condições
no ponto de partida.
Outra das comparações que se costuma realizar é a dos números. Enquanto
a feb teve 454 baixas, os soldados da borracha morreram aos montes, chegando
talvez a 25 mil o número de mortos e desaparecidos.
As desventuras vividas pelos soldados da borracha devem ser comparadas
com as de outros trabalhadores no mesmo período, ou na mesma atividade.
Provavelmente, a mortandade na exploração da seringa continuou a ser a mesma
antes e depois. Na Colômbia, somente na década de 1910, morreram na explo-

• 10 •
Soldados da borracha

ração da borracha 40 mil trabalhadores indígenas, e muitos mais continuariam a


morrer nas décadas seguintes.
A linguagem bélica, que formava parte da “campanha da borracha”, na qual
a Amazônia era denominada “front da borracha”, e o estímulo à produtividade,
de “mais borracha para a vitória”, não passavam de retórica.
O contrato de trabalho nada mencionava sobre a condição de soldado. Quem
era “voluntário” na exploração da borracha ficava isento do serviço militar, mas
não era equiparado, em termos de direito, a um soldado no serviço das armas,
o que não exclui que esse discurso tenha funcionado como instrumento de pro-
paganda e que posteriormente fosse com base nele que as famílias fizessem suas
reivindicações. Mas o seringueiro ficava igualado a um “trabalhador/cidadão” da
década de 1940. A cláusula 12 do contrato assinado entre seringueiro e seringa-
lista estabelecia que “a solução dos conflitos que ocorrerem entre os contratantes
caberá à Justiça do Trabalho”.
O Estado, por mais que pretendesse, não conseguiu romper com as “tradi-
ções” e os interesses oligárquicos. A campanha da borracha resultou em braços
baratos para os seringalistas. Mas, fora do território amazônico e longe das mani-
pulações e “apropriações” da oligarquia seringalista, o Estado não quis reparar os
erros. Quando, em 1944, as mulheres dos trabalhadores escreveram ao presidente
da República contando que tinha sido cortado o pagamento da assistência familiar,
que lhes era devido por força contratual, aquele teria sido um bom momento para
se começar a reparação. Mas não começou. Em 1946, uma comissão de inquérito
chamou para depor vários altos funcionários. A imprensa internacional denunciava
a atrocidade cometida contra os trabalhadores brasileiros. Mas também não foi
nessa oportunidade que se intentou a reparação. Foi apenas recentemente que a
Constituição de 1988 estabeleceu pensão para esses trabalhadores.
Os homens “colocados” nos seringais foram “esquecidos” lá. Mas eles não
esqueceram de si e tampouco suas famílias.

• 11 •
Os sertões, a Amazônia
e o trabalhador rural no
discurso varguista

O planalto de Piratininga nos deu a bandeira. A bandeira nos


deu uma geografia. Esta geografia nos traçou, em sua réplica,
um destino histórico, social, político, até então inédito.
Cassiano Ricardo, 1941
A redenção do sertão e a revalorização da Amazônia são
capítulos essenciais do programa traçado pelo governo para
dar ao Brasil a prosperidade e a cultura que merece.
Getúlio Vargas, 19415

A dualidade litoral–sertão
P ara alguns historiadores, a revolução de 1930 significou o rompimento
com o ordenamento agrário-conservador6. O sucesso do modelo econômico
e de desenvolvimento, por meio da substituição de importações, dependia do
alargamento do mercado interno. Este garantiria o desenvolvimento econômico
e permitiria romper com a dependência das flutuações do mercado internacional,
condenando-se assim o predomínio da política agrário-exportadora. Para o sucesso
deste plano, seria necessária a intervenção do Estado em matéria de infra-estrutura
viária e mercado de trabalho, além – e o mais importante para os nossos objetivos
– do incentivo à mobilidade da fronteira, incorporando amplos “espaços vazios”,
e da reunião dos diversos núcleos demográficos isolados. Para tal fim, a ideologia
da fronteira, ou bandeirantismo, teve um papel fundamental.

• 13 •
história do povo brasileiro

O campo deveria atender às necessidades que a nova regulação econômica


exigia. Planejou-se a consolidação de uma ampla base urbana e fabril. A partir
das cidades se conquistaria o campo. O litoral marcharia para o sertão.
Os historiadores Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva
referem-se a uma incorporação imaginária do trabalhador rural. A opção por este
tipo de incorporação deveu-se à impossibilidade de incorporá-lo nos mesmos
moldes do trabalhador urbano. Essa impossibilidade esteve marcada por impli-
cações políticas, o que significaria abrir uma dupla frente: organizar o trabalho
fabril e libertar o trabalhador rural do “plantacionismo”.
Essa incorporação imaginária mobilizou grande número de intelectuais e
artistas populares. Sambas, poesias, romances, ensaios, pinturas foram produzi-
dos durante o período, retratando o homem do campo, o retirante, o lavrador.
A imagem do campo como sinônimo de atraso, típica da República Velha (1889-
1930), cedia lugar a outras representações. Mas nem todos os que produziram

ESTADO NOVO (1937-1945)


10 de novembro de 1937 – 29 de outubro de 1945.
“Na manhã de 10 de novembro de 1937, o jornalista e escritor Joel Silveira,
então jovem estudante de direito no Rio de Janeiro, encontrou os portões de ferro
do prédio da faculdade trancados. ‘Getúlio deu um golpe’, disse-lhe um outro co-
lega. ‘Ele fechou a Câmara e o Senado. Hoje não tem aula.’” Assim Robert Levine
inicia sua descrição e sua análise do Estado Novo. O anúncio do Estado Novo por
cadeia de rádio inaugurava o período mais autoritário do governo de Getúlio Var-
gas. As eleições foram suspensas e a Constituição de 1934 revogada e substituída
por outra, escrita por Francisco de Campos. O governo alegava existir um plano
comunista para a tomada do poder (Plano Cohen). No início de 1937, tinham-se
aberto as articulações políticas para a sucessão de Vargas. A campanha eleitoral
deveria culminar em janeiro de 1938, na primeira eleição direta para a Presidência
da República, de acordo com as novas regras do Código Eleitoral de 1932.
O golpe de Getúlio Vargas foi articulado com os militares e contou com o
apoio de grande parcela da sociedade, convicta da ameaça comunista. O reforço da
propaganda anticomunista, a partir de 1935, mostrava seus resultados. Depois de
novembro de 1937, Vargas impôs a censura aos meios de comunicação e reprimiu

• 14 •
Soldados da borracha

segundo estes parâmetros foram partícipes da revolução de 1930 ou do Estado


Novo. Alguns deles já vinham trabalhando nessa direção desde a década de 1920,
como Tarsila do Amaral e Cândido Portinari, para mencionar dois dos artistas
plásticos mais conhecidos, ou como o escritor Graciliano Ramos, que retratou
personagens populares no marco do naturalismo regionalista nos anos 1920, para
depois chegar ao realismo social na década seguinte7.
Entre os vários intelectuais e artistas que contribuíram para esta construção
simbólica destacamos Cassiano Ricardo, por seu forte vínculo com Vargas e com o
Estado Novo (1937-1945), além de pela abrangência e pela influência de seu ensaio
Marcha para Oeste (A influência da bandeira na formação social e política do Brasil).
A obra de Cassiano Ricardo deve ser colocada em um lugar de destaque
entre as que procuraram estabelecer a continuidade entre o bandeirismo dos
séculos xvii e xviii, as penetrações no planalto paulista no século xix e o projeto
estadonovista de colonização denominado “Marcha para o Oeste”. O Marcha para

a atividade política, perseguindo e encarcerando os “inimigos”. Em 1939 criou o


Departamento de Imprensa e Propaganda (dip), inicialmente sob a direção do jor-
nalista Lourival Fontes. Dentro do dip foi criada a Agência Nacional, que fornecia
cerca de 60% das matérias publicadas na imprensa, com notícias sobre os atos do
governo.
O Estado Novo adotou medidas econômicas nacionalizantes e deu continuidade
à política trabalhista com a criação da Consolidação das Leis doTrabalho (clt), em 1943.
O Dicionário histórico-biográfico brasileiro do cpdoc (Centro de Pesquisa e Docu-
mentação de História Contemporânea do Brasil), da Fundação Getúlio Vargas,
assinala duas interpretações sobre o significado do Estado Novo. Uma o considera
um “parêntese ditatorial” no processo de democratização das instituições políticas
brasileiras iniciado em 1930 e retomado em 1945. Esse parêntese ditatorial teria
causas conjunturais de natureza tanto interna como externa. Outra interpretação vê
o Estado Novo como resultado da influência preponderante da vertente autoritária
contida na própria revolução de 1930.
Ver: Levine, Robert. Pai dos pobres? O Brasil e a eraVargas. São Paulo, Companhia
das Letras, 2001; Dicionário histórico-biográfico brasileiro:
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5863_1.asp

• 15 •
história do povo brasileiro

Oeste de Ricardo inscreve-se no programa homônimo elaborado pelo Estado


Novo. No último ponto do livro, sugestivamente intitulado “O verdadeiro sentido
da brasilidade está na marcha para Oeste”, Ricardo afirma que
“o novo regime tem parentesco muito próximo com o que o grupo social
histórico da conquista nos havia indicado, embora em caráter rudimentar. O
governo forte não é uma novidade para o nosso país, pois nasceu com a bandeira
[...] retomando o fio histórico da civilização brasileira, a Constituição de 10 de
novembro reata, finalmente, o espírito bandeirante interrompido no século xix
e tão deturpado pela dialética do litoral”8.
Salientamos desta citação de Cassiano Ricardo seu caráter “americanista”,
vinculado a um pensamento que podemos chamar de “profundamente america-
no”. Com efeito, ele foi definido como “um Turner autoritário” 9, em uma clara
associação do seu pensamento com a obra do historiador americano F. J. Turner
The Frontier in American History (1893)10 – embora o historiador Capistrano de
Abreu (1853-1927) tenha começado a trabalhar em sua peculiar interpretação
do papel dos sertões na formação do povo brasileiro em 188211, pouco antes da
aparição da referida obra de Turner. Mas devemos reconhecer que a teoria da
fronteira se tornou universalmente conhecida com a obra do historiador norte-
americano. Este estabeleceu a seguinte particularidade para os Estados Unidos:
o Leste voltado para a Europa e o Oeste verdadeiramente americano – ou bra-
sileiro, na versão de Ricardo.
A originalidade de Ricardo consiste em ter elaborado o conceito de bandeiris-
mo com tal plasticidade que permite ser adaptado ao longo da história. Podemos citar
como exemplo dois capítulos: “O neobandeirismo do século xix” e “As bandeiras
do século xx”. Nestes casos, o bandeirismo vê-se transformado, anacronicamente,
num conceito com o qual se pode interpretar toda a história do Brasil.
Cassiano Ricardo percebe que no começo do século xix o bandeirismo pa-
rece extinto devido a dois motivos: o sedentarismo agrícola e o despovoamento,
que lhe interrompem o fio histórico. Mas ele atribui ao mesmo século xix o fato
de reviver a bandeira, embora em outros horizontes culturais. Dessa forma, os
desbravamentos dos sertões para a cultura do café formaram parte desse fio
histórico a que se refere, então só momentaneamente interrompido. O café,
com sua extrema mobilidade, teria permitido, segundo Ricardo, a conciliação

• 16 •
Soldados da borracha

BANDEIRANTISMO
As bandeiras entre os séculos xvi e xviii entraram na história oficial paulista
como sinônimo de expedição de alargamento territorial. Mas, como afirma o his-
toriador francês Fernand Braudel, em menos de um século os aventureiros de São
Paulo percorreram, sem tomar posse, metade do continente. Ou, segundo John
Monteiro, referindo-se aos remanescentes da expedição de Antonio Raposo Tava-
res que, em 1651, chegou a Belém do Pará depois de mais de três anos de imenso
périplo pelo continente, esta, como tantas outras expedições, nada tem a ver com
expansão territorial.
Seguindo John Monteiro, o desejo de assegurar um lugar de destaque para
seus antepassados levou os estudiosos paulistas a menosprezar o motivo básico da
penetração nos sertões: a busca de mão-de-obra indígena para os empreendimentos
agrícolas paulistas.
O termo bandeirante entrou na historiografia tradicional, assim como no
imaginário, como sinônimo de pioneiro, aventureiro intrépido, abnegado. O ban-
deirante seria, nesta interpretação, o responsável pelo alargamento das fronteiras
luso-americanas e, como tal, lhe caberia um lugar no panteão dos vultos nacionais.
Apagou-se em grande parte seu caráter de “devastador” e “despovoador”.
O fazendeiro paulista, enquanto desbravador e pioneiro, tem sido assimilado
ao bandeirante.
Cassiano Ricardo foi um continuador da tradição paulista de enaltecimento da
figura do bandeirante que, “destemidamente”, penetrou no território desconhecido
e extraiu dele as riquezas ocultas, arrancou da natureza o que esta escondia e criou,
a partir disso, uma civilização.
Braudel, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos xV-xVIII. São
Paulo, Martins Fontes, 1995 (primeira edição: 1979), p. 82.

do bandeirismo com a propriedade imobiliária. O autor, não obstante, chama


a atenção para a diferença entre o bandeirismo do século xix e o dos séculos
precedentes.
Assim, na visão de Ricardo, a bandeira nunca morreu: teria adormecido
para ser revivida no século xix com o café e, no século xx, com o Estado Novo,

• 17 •
história do povo brasileiro

que encarna o espírito da bandeira, e com Getúlio Vargas, o líder bandeirante.


Já no início da obra, Ricardo pergunta-se sobre qual dos primeiros grupos da
formação brasileira teria dado origem à democracia. A resposta é a bandeira. A
bandeira teria uma função importante na gênese do Estado. Mas como conciliar
estas afirmações com a figura de Getúlio Vargas? Como transpor a imagem do
bandeirante herói, dessa figura lendária, até chegar na do governante? O chefe
das bandeiras é um governador investido de todos os poderes. É ele, o chefe, um
executivo que tudo ordena, o legislador que decreta as leis do sertão, o juiz que
resolve as desavenças, provendo todos os atos da vida civil.
A bandeira, afirmava Cassiano Ricardo, permitiu o reencontro do Brasil con-
sigo mesmo, ou do Estado com as evidências “biodemocráticas”. O novo regime,
o Estado Novo, teria parentesco com o grupo social histórico da conquista e com
o caminho iniciado por esse grupo, embora em forma muito rudimentar.
Para Marilena Chaui12, a divisão do Brasil em litoral e sertão deu origem à
tese dos “dois Brasis”, tese de longa duração, reafirmada com intensidade pelos
integralistas dos anos 1920 e 1930. Estes opuseram, segundo ela nos informa,
o Brasil litorâneo – cujas características seriam a imitação letrada e burguesa da
Europa – e o Brasil sertanejo – real, pobre, analfabeto e inculto. Esta mesma
divisão reaparece nas imagens do Oeste e do Centro, formuladas politicamente
durante o Estado Novo.
Segundo Alcir Lenharo, existe uma dualidade esquizofrênica na forma com
que se percebe no Estado Novo a relação campo–cidade13. O sertão é tomado
como fonte de brasilidade, onde se encontra a reserva moral do país, enquanto o
litoral e as cidades apresentam-se estandardizados, mancomunados com o capita-
lismo internacional e submetidos a sua influência dissolvente. O ato de marchar
para o Oeste implicava não só a trajetória da regeneração, do encontro com a
pureza, com a “reserva moral”, mas também a marcha do litoral, da nação, voraz
(antropofágica), que levaria a civilização material e cultural até o sertão. Mas
essa esquizofrenia de que trata Lenharo, ou melhor, essa dualidade litoral–sertão,
não aparece pela primeira vez com Cassiano Ricardo. Como assinalamos, talvez
o primeiro a falar no Oeste como reserva de autenticidade, como o locus por
excelência onde se encontra a essência da nacionalidade, foi o historiador norte-
americano J. F.Turner. No Brasil, essa teoria encontrou sua primeira versão mais
acabada em Capistrano de Abreu.

• 1 •
Soldados da borracha

Marilena Chaui indica o padre José de Anchieta como o primeiro a construir


a fratura entre o litoral – lugar onde chegou a palavra de Deus e, portanto, lugar
do bem – e a mata bravia, a terra do mal, onde o demônio estava à espreita. Desde
que foi enunciada, esta fratura passou a ganhar novas recriações14.
Se pensamos numa nação da América do Sul cujo fator constituinte seja
por excelência a ocupação territorial, essa nação é o Brasil; sua própria história se
confunde com a de sua possessão territorial. Toda a história do Brasil se refere
a um processo, ainda em andamento, de incorporação de homens e terras por
meio de migrações e ocupação de um espaço de dimensões continentais. Dessa
forma, a questão permeia grande parte da produção intelectual. Tentar fazer um
balanço bibliográfico a partir desta perspectiva implicaria analisar um universo
de obras impossível de ser abrangido e repetir, pelo menos, grande parte dos
chamados clássicos. Simplesmente queremos mencionar alguns dos textos que
incorporaram essa dicotomia litoral–sertão.
A preocupação de Capistrano de Abreu era toda uma geração do pós-guerra
do Paraguai (1864-1870): a de interpretar a história brasileira privilegiando o povo
e sua constituição étnica, no lugar do Estado imperial, como se fazia até então. Em
sua pena, a história do Brasil começa nos caminhos que levam ao sertão. Isolado
do litoral, constitui-se um homem novo, o brasileiro. O tema de Capistrano foi,
assim, o da ocupação do território e de sua conquista por esse novo povo.
Capistrano de Abreu valoriza a presença indígena e pensa um Brasil mais
mameluco do que mulato, mais sertanejo do que litorâneo. Adentrando no ter-
ritório, o colonizador se alterou e se tornou uma personalidade distintamente
brasileira: isolado do litoral, convive com os indígenas e a natureza, constituindo
um homem novo. O fato de Capistrano ser cearense, de ter-se criado em Maran-
guape, não é secundário. Ele é um “caboclo”, um homem do não-litoral.
Depois de Capistrano de Abreu, foram muitas as interpretações - que
tomaram a entrada no sertão como momento fundador da nação. Até Gilberto
Freyre, que afirma como primeiro momento nacional o da construção da casa-
grande, chega a considerar o dinamismo e a originalidade dessas entradas. Em
Interpretação do Brasil15, ele dedica o capítulo “Fronteiras e plantações” a explicar
o que chama de duas tendências complementares: a dos grupos que ficaram
na costa e a dos que se internaram, alargando o território. O grupo da costa,
o dos senhores de engenho e fazenda, foi o dos fundadores verticais do Brasil,

• 19 •
história do povo brasileiro

que se arraigaram à terra e construíram as sólidas casas de tijolos, feitas para


durar. Os homens que adentraram no território, os fundadores horizontais,
eram homens móveis e migratórios, aventureiros, com um forte senso de
liberdade individual, que não se contentavam em viver no litoral, perto das
igrejas, dos edifícios públicos e do controle metropolitano. Estes dois grupos
são apresentados por Freyre como complementares, embora se oponham na
descrição e na interpretação do autor: o litoral voltado para Europa e o interior
voltado para si. Os homens da fronteira ou do sertão não eram portugueses
puros, afirma Freyre, mas mestiços de europeus com índios. A colonização
do Brasil, segundo ele, logo deixou de ser européia para converter-se em um
processo de autocolonização.
Em Caminhos e fronteiras16, Sérgio Buarque de Holanda coloca a ultrapas-
sagem da serra do Mar, durante os primeiros tempos da colonização do Brasil,
como o acontecimento singular. Até então, os sítios conquistados e “ocupados”
não passavam de manchas dispersas no litoral. Este processo se veria alterado
com o cultivo da cana-de-açúcar. Mas teria sido com a vitória sobre a dificuldade
imposta pela serra do Mar que a colonização mudou, não existindo em São Paulo
a coesão externa, embora muitas vezes fictícia, dos núcleos formados no litoral
nordestino. No título do livro, explica o autor, caminho indica a mobilidade nos
séculos iniciais no planalto paulista, em contraste com o litoral. Essa mobilidade
condicionou a situação implícita na idéia de fronteira.
Segundo o mesmo autor, a fronteira, tal qual entendida na concepção turne-
riana, não teria aplicabilidade à realidade nacional – embora o termo já existisse
no vocabulário brasileiro para definir o contexto dos primeiros habitantes do
planalto. Seria injustificável, assinala Holanda, aplicar os esquemas de Turner ao
Brasil. Os contrastes entre as ações e reações dos herdeiros de um João Ramalho
e as dos pioneers da América anglo-saxônica seriam radicais, assim como, segundo
Holanda, os contrastes resultantes da expansão territorial.
É evidente que quando Ricardo, Freyre e Holanda formularam suas teorias
do povoamento, ou da ocupação do território, a dicotomia litoral–sertão tinha
ampla acolhida, sustentada numa tradição secular17.
A teoria de Ricardo sobre as bandeiras, sobre o destino bandeirante do
brasileiro, sobre a reserva de capital moral que representava o Oeste, sobre o pro-
fundo sentido da brasilidade, sobre os “dois Brasis”, ou a dualidade litoral–sertão,

• 20 •
Soldados da borracha

Leste–Oeste, já tinha uma trajetória consolidada nas construções intelectuais e


formava parte do imaginário ou, se se quiser, do senso comum.

“Viu a terra, ouviu o homem. E compreendeu


os anseios de todos”
Podemos pensar Cassiano Ricardo como um dos ideólogos da “Marcha para
o Oeste”, mas ele não esteve sozinho na grande empresa estadonovista de criação
de consenso em torno da idéia de conquista do espaço interior, de criação da
unidade nacional por meio da integração territorial. Na revista Cultura Política
– Revista Mensal de Estudos Brasileiros, circulavam algumas das idéias e dos slogans
que o Estado Novo se encarregou de criar e recriar sobre o “Novo Brasil”18. O
dip (Departamento de Imprensa e Propaganda) foi o encarregado da produção e
da difusão desse discurso. A revista era somente um – embora qualitativamente
diferenciado – de seus instrumentos. Entre as idéias veiculadas na revista Cultura
Política encontramos a da “Marcha para o Oeste”, que contou com um grupo
heterogêneo de colaboradores: Péricles Melo Carvalho, Nelson Werneck Sodré,
Ademar Vidal, Herberto Sales etc.
Segundo Mônica Pimenta Velloso, à alta concentração de poder político du-
rante o Estado Novo correspondeu uma igual concentração de poder simbólico.
À elite intelectual correspondia a produção das representações que conforma-
vam o discurso estadonovista. Aos intelectuais menores cabia a reprodução e a
difusão das idéias geradas por essa elite. Em Cultura Política escrevia esta última,
composta por um seleto grupo de intelectuais divididos em dois grupos: a nata
do Estado Novo e um conjunto heterogêneo de figuras que cobriam um amplo
leque ideológico, que ia de Gilberto Freyre a Graciliano Ramos.
Em 1941 Péricles Melo Carvalho, diretor de seção do Departamento Na-
cional de Imigração (dni), dizia:

“Quem examinar o panorama que nosso país oferece no momento […] vê,
com pesar, que durante longos anos se processou no país o inverso do objetivo
colonizador, na marcha lenta e assustadora da população rural para as cidades
litorâneas do leste” (grifo nosso)19.

• 21 •
história do povo brasileiro

Carvalho explicava esse movimento da população reconhecendo que


os trabalhadores rurais estavam privados do “progresso dos operários das
cidades do litoral”.
A legislação social, continuava ele, só poderia ter começado nos centros
urbanos para avançar nas esferas rurais em um momento posterior. Por isso,
em seu balanço da legislação social, considerava que esta foi “prejudicial” aos
efeitos da “Marcha para o Oeste”, concorrendo, pelo contrário, para a drenagem
de trabalhadores rurais para as cidades do litoral em busca da proteção de que
gozavam os operários urbanos. Tudo isso teria contribuído, segundo Carvalho,
para o desequilíbrio da balança entre o urbanismo e o ruralismo. Nas cidades, os
trabalhadores desfrutavam de ensino gratuito, garantia de assistência policial e
segurança da propriedade, cooperativismo político, econômico e sindical, assis-
tência social com a proteção da família, das mulheres e dos menores etc. Mas no
presente, afirmava, o Brasil voltava-se para o interior, buscando conquistar-se.
Carvalho salientava a importância do dni na tarefa de encaminhar os trabalha-
dores rurais para lugares onde sua falta se fazia sentir “no seu respectivo hábitat”.
Com o movimento de internalização
dos trabalhadores, buscava-se afastar
as tensões sociais no campo. Carvalho
lembrava que no ano anterior, 1940,
o dni tinha encaminhado 8 mil traba-
lhadores nordestinos para os seringais
do Alto Amazonas e do Território do
Acre. Lembremos que isto aconteceu
antes dos acordos de Washington,
selados em 1942. Estes acordos,
na conjuntura da Segunda Guerra
Mundial, modificariam os planos. O
programa original de “sedentarização”
Os acordos deWashington, representados nesta ilustração,
foram selados em 1942 na conjuntura da Segunda Guerra
dos habitantes da região amazônica
Mundial e modificaram os planos de ocupação da região ama- deu lugar ao já conhecido modelo de
zônica. O programa original de “sedentarização” deu lugar ao exploração extrativa tradicional e ao
modelo de exploração extrativa tradicional e ao “nomadismo”.
(Acervo Jean Pierre Chabloz - Museu de Arte da Universida- “nomadismo”. Apesar disso, quando
de Federal do Ceará.) do recrutamento dos soldados para a

• 22 •
Soldados da borracha

Amazônia, se criou a ilusão de que se tratava de um programa geral de colonização


de um território “vazio” com garantias e proteção do Estado e não de providenciar
mão-de-obra barata para a elite agrária amazônica20.
Carvalho dizia que, com a “Marcha para o Oeste”, era a primeira vez que
um governo no Brasil dirigia a conquista do interior do país. A “Marcha” e seu
complemento de ocupação da região amazônica tinham como objetivo a colo-
nização, a fixação da família sertaneja nos territórios interiores. Num discurso
pronunciado em Belém, em 1933, Vargas afirmava que o desafio maior para a
Amazônia era transformar a exploração nômade em sedentária, e para isso era
necessário povoá-la, colonizá-la, fixar o homem à terra.
Em Manaus, em 1940, em outro discurso, que ficaria conhecido como “Dis-
curso do rio Amazonas”21, Vargas disse aos amazonenses reunidos no Ideal Club
daquela cidade que, sem demora, eles seriam incorporados ao corpo da nação, sendo
necessário adensar o povoamento, incrementar o rendimento agrícola, aparelhar
os transportes. Até o momento, segundo Vargas, o caluniado clima amazônico
tinha impedido que partissem contingentes humanos de outras regiões com
excesso demográfico. Somente o nordestino, com o seu “instinto de pioneiro”,
teria se embrenhado pela floresta, abrindo trilhas de penetração e talhando a se-
ringueira silvestre. Mas esta, segundo ele, tinha sido uma etapa que era desejável
superar – embora dois anos depois se voltasse a clamar por esse “pioneirismo”.
Era tempo, segundo palavras do presidente, de cuidar do povoamento amazônico
em caráter permanente:

“O nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos povoados ribei-


rinhos devem dar lugar a núcleos de cultura agrária, onde o colono nacional,
recebendo gratuitamente a terra desbravada, saneada e loteada, se fixe e esta-
beleça a família com saúde e conforto.”
“Nada nos deterá nesta arrancada, que é, no século xx, a mais alta tarefa do
homem civilizado: conquistar e dominar os vales das grandes torrentes equato-
riais, transformando sua força cega e sua fertilidade extraordinária em energia
disciplinada. A Amazônia, sob o impulso fecundo da nossa vontade e do nosso
trabalho, deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da Terra, e,
equiparado aos outros grandes rios, tornar-se-á um capítulo da história da
civilização.” 22

• 23 •
história do povo brasileiro

Dias depois de ter estado em Manaus e pronunciado estas palavras, Getúlio


Vargas estava diante de outro auditório, o de trabalhadores cearenses, na cidade
de Fortaleza. “Venho da região amazônica, do extremo norte do país. Enquanto
percorria o prodigioso vale, a cada momento, lembrava-me de vós.”23 . A seca
teria dado aos cearenses um destino, o de ocupar a bacia amazônica. Graças ao
pioneirismo deles, dizia Vargas, foram até os confins do Brasil, reivindicando para
a pátria e incorporando à soberania nacional o território do Acre, cerca de 200
mil quilômetros quadrados.
O “Discurso do rio Amazonas” foi “inflacionado” pelo dip e transformado em
marco da marcha para a Amazônia. Após um ano de seu pronunciamento, realizou-
se no Palácio Tiradentes uma sessão comemorativa, na qual várias autoridades
referiram-se ao discurso: o diretor-geral do dip, o presidente da Comissão de
Eficiência do Ministério de Viação, o ministro Bernardino de Sousa, o interventor
paraense José Malcher, o prefeito de Belém, Abelardo Conduru, o ex-governador
do Acre, Hugo Carneiro etc. Dois anos depois, quando o presidente Vargas fez
60 anos, a revista Cultura Política editou uma coletânea de artigos selecionados
entre os primeiros 25 números. A coletânea foi intitulada O pensamento político
do presidente e reuniu quatro textos sobre o “Discurso do rio Amazonas”, que
tinham sido produzidos para a solenidade do primeiro aniversário. Também no
aniversário do ano do discurso, a revista fez um inquérito entre intelectuais da
região amazônica, cujas respostas foram publicadas no número 9, de 1941.Todos
os depoimentos foram sumamente elogiosos, destacando a penetração socioló-
gica das palavras do presidente. Francisco Pereira da Silva, consultor jurídico do
Instituto dos Marítimos, expressou que
“desde aquele momento, estava iniciada a ‘Marcha da Amazônia’! O Presiden-
te, depois de reunir todos os dados estatísticos e econômicos sobre a planície
verde, foi vê-la… Viu a terra, ouviu o homem. E compreendeu os anseios de
todos”24.
Aqui temos outra dimensão do personalismo varguista, encarnado na
figura do presidente, que percorre o país e lhe conhece cada canto, que não se
guia somente por relatórios e estatísticas, mas que vê a terra, ouve o homem
do lugar e, com este exercício, compreende seus anseios. O escritor paraense
Nelio Reis disse que a gente da Amazônia já estava cansada do verbalismo dos

• 24 •
Soldados da borracha

que descreviam fabulosamente seus rios e suas matas. As palavras de Vargas


tinham para ele a força da ação: seriam a passagem da fantasia verbal para a
realidade dos atos.
Inflacionado ou não, o “Discurso do rio Amazonas” foi uma “carta de inten-
ções” que não seria cumprida. A Segunda Guerra Mundial e os compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil demandavam extrativismo. No biênio
1942-1943 se fazia urgente obter borracha para fornecer aos aliados. Assim,
em junho de 1943, declarado o mês da borracha, Vargas explicava a urgência:
“Hoje, o problema se apresenta incomparavelmente mais grave. Não mais se trata
de uma industrialização para as nossas necessidades pacíficas, mas de produzir
para o consumo gigantesco de uma Guerra Mundial. É o problema de nossos
aliados, aos que devemos fornecer a borracha sobre a qual rodarão as armas
vitoriosas da liberdade”.
A idéia de povoamento, de famílias sendo encaminhadas para a região ama-
zônica, foi substituída pela de recrutamento de trabalhadores, homens sós, a ser
trasladados em caráter de urgência para os seringais.
Na época, isso foi chamado de “migração planificada”. Beneval de Oli-
veira dizia que era necessário aceitar os movimentos dos sertanejos que,
empurrados pelas secas, eram obrigados a procurar outros ambientes mais
favoráveis à existência. O salutar e desejável, dizia, seria que esse movimento
se realizasse para outras zonas rurais e não para as cidades. Por isso as mi-
grações planificadas eram, para ele, a melhor solução achada pelo Estado,
“reajustando as populações dentro de seus territórios”25. Exemplo disso seria
o encaminhamento de trabalhadores nacionais, principalmente do Nordeste,
para a planície amazônica.
Em um discurso que atribuía ao sertanejo imensa cota de abnegação, o
próprio Getúlio Vargas chegou a fazer suas as palavras de Euclides da Cunha:
“À sua miséria devemos um pouco de nossa opulência relativa, às suas des-
graças, a maior parte de nossa glória. E esta dívida tem mais de 400 anos”26.
Em meio a esse discurso, esperava-se ainda do sertanejo mais dois sacrifícios:
que se dirigisse às fronteiras do Oeste e da Amazônia e que aguardasse pela
chegada da legislação social. E que não fosse, de modo algum, ao encontro
desta nas cidades. Com isto, dizia-se estar reparando um erro histórico, o

• 25 •
história do povo brasileiro

das migrações acontecidas no sentido inverso ao “natural”, e retomando o fio


inaugurado com as bandeiras.
Pelo resgate do passado bandeirante-caboclo, podemos perceber como
este programa de “inclusão” dos habitantes do campo recolhia alguma coisa
que estava muito internalizada no mundo das representações populares. Há
uma reapropriação de signos e significados. O discurso oficial do Estado Novo
apropriou-se de um conjunto de idéias que faziam parte do “senso comum” e
as reelaborou na forma de um projeto político que cristalizava também uma
reivindicação tão secular quanto as entradas e bandeiras: a do direito à terra,
à ocupação dos “espaços vazios”. Esta última elaboração passaria ainda por
novas apropriações.
Neste ponto coloca-se a necessidade de uma breve referência à relação
entre a cultura das classes subalternas e a das classes dominantes. É consenso
entre os historiadores da cultura que tanto a perspectiva de “cultura imposta”
às classes populares como a que podemos chamar de “cultura autônoma” das
classes populares são equivocadas. Podemos afirmar que a circularidade cultural
implica influência recíproca entre cultura das classes subalternas e cultura das
classes dominantes27.
De acordo com García Canclini28, nos últimos tempos publicaram-se
muitos livros e produziram-se muitas teses tendo como suposto que a expli-
cação dos processos socioculturais consiste em ver que fatos enquadram-se
numa lista de “hegemônicos” em contraposição a outra lista de fatos “subal-
ternos”. Desta forma, assistimos à multiplicação de trabalhos que descobrem
por toda parte a resistência popular, atribuindo tal categoria a fatos que, na
realidade, são simples recursos populares para resolver seus problemas à
margem do sistema hegemônico. Em visões simplificadas, caberia à cultura
subalterna resistir e à hegemônica dominar, não chegando os trabalhos ela-
borados nesta perspectiva além da análise dos mecanismos em que cada uma
exerce este papel.
Quando isto acontece, descuida-se da rede de intercâmbios e condiciona-
mentos recíprocos entre as culturas das diferentes classes. Na maior parte das
abordagens, reconstitui-se, numa primeira instância, um discurso hegemônico
– como construção cultural com determinados conteúdos – e, numa segunda,
sua apropriação e sua (re)elaboração por parte das classes subalternas. Assim,

• 26 •
Soldados da borracha

esta última instância aparece como uma “astúcia”, quando em geral se está
diante do que pode ser entendido pelo conceito de transação. Diante da hege-
monia política, a transação consiste em aceitar as relações pessoais para obter
benefícios de tipo individual.
No caso do Estado Novo, sua cuidadosa geração de idéias faz parte de um
discurso hegemônico articulado nos mínimos detalhes. Mas este discurso, pelo
menos no caso que nos ocupa, retoma idéias seculares como a de ingenuidade, a
de autenticidade, a de simplicidade e a de paciência do homem rural. O discurso
gerado desde o Estado, em torno da “Marcha para Oeste”, é acolhido favora-
velmente porque satisfaz expectativas e reproduz idéias há muito consensuais.
Responde às expectativas, talvez urbanas, do que deve ser o campo e às expec-
tativas rurais do que deve ser a cidade. Retoma, para corrigir, o mito dos “dois
Brasis”. Como temos demonstrado, o discurso estadonovista sobre os sertões
recolhe idéias elaboradas durante séculos de colonização e, principalmente, do
pensamento social brasileiro do século xix.

Continuidade: bandeira e tempo afetivo


Ao iniciar-se um tempo novo é necessário, na busca de legitimação, evocar um
tempo remoto, tempo em que estariam fincadas as raízes verdadeiras do regime
que se quer legitimar. A idéia subjacente é a de que existiria um fio histórico inter-
rompido e que o tempo novo o retomaria, dando continuidade a esse “destino”.
Os modernistas na década de 1920 alertavam sobre a urgência da mobi-
lização em torno do ideal nacionalista. Mas os grupos modernistas divergiam
quanto aos meios para se alcançar a “nacionalização do Brasil”29. Havia que se
conhecer o Brasil, porém não havia consenso sobre qual seria esse Brasil, nem
sobre como conhecê-lo. Alguns pretendiam extrair do singular, das diferenças das
várias regiões do país, os elementos que informavam o conjunto: o Brasil. Assim,
Mário de Andrade defendia essa idéia em sua teoria da “desgeografização”. Com
esta teoria, o escritor se propunha a pensar o Brasil em sua dimensão temporal
e histórica, no lugar de priorizar o fator espacial e o meio ambiente, como tinha
sido feito até então. O que interessava resgatar era a idéia de unidade cultural e
eliminar as partes em favor do conjunto.

• 27 •
história do povo brasileiro

O grupo dos verde-amarelos se opunha a esse ponto de vista, pois considerava


a tradição um valor que extrapolava o contexto histórico. Fixava-se no mito das
origens. A tradição não precisava de atualização, como tinha proposto Mário de
Andrade, já que esta não pertencia à dimensão temporal, mas à espacial.
MODERNISMO
Os anos 1920 são a década das vanguardas na América Latina. O Modernismo
no Brasil começou antes de 1922 e da Semana de Arte Moderna, que serviu para
a sua divulgação.
Tal como no México, foram as artes plásticas as que despertaram a consciência
para a natureza e os significados da modernidade. Uma famosa exposição realizada
por Anita Malfatti introduziu os jovens no mundo do cubismo, do futurismo e do
expressionismo.
Com a chamada Geração de 1922, instalou-se na literatura brasileira a influência
dos surrealistas franceses, do verso livre, da prosa experimental e da exploração
criativa do folclore, da tradição oral e da linguagem coloquial. Houve um resgate de
tradições populares e uma rejeição da tradição erudita. O resgate da cultura popular
e de seu folclore trouxe para as representações os sujeitos populares, o povo.
A arte brasileira influenciada pelo cubismo, pelo futurismo, pelo expressionismo
e pelo muralismo mexicano se politizou, na busca da identidade brasileira, do “genui-
namente” brasileiro. Será descoberto o trabalhador, o homem simples do povo.
As tendências vanguardistas não aparecem unificadas. Por um lado, teremos
Anita Malfatti, Mário de Andrade (Paulicéia desvairada, Macunaíma), Oswald de
Andrade (Memórias sentimentais de João Miramar), Manuel Bandeira (Ritmo dissoluto),
Carlos Drummond de Andrade (Alguma poesia), Augusto Meyer (Giraluy), Mário
Quintana (A rua dos cataventos), Jorge de Lima (Poemas negros) e o romancista José
Lins do Rego (Menino de engenho).
Em reação a este grupo e seu cosmopolitismo aparecerá o grupoVerde-Amarelo
e o movimento Anta, de 1926, ambos comandados por Plínio Salgado, dos quais
participaram Menotti del Picchia (Juca Mulato) e Cassiano Ricardo (Martim Cererê),
que se caracterizaram pela negação das vanguardas européias, aderindo a idéias
políticas que prenunciavam o integralismo.
Vinculado ao modernismo surgirá o regionalismo, com expoentes como Américo
de Almeida, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos.

• 2 •
Soldados da borracha

Cassiano Ricardo, integrante do grupo Verde-Amarelo, escreveu um poema


épico, Martim Cererê, cujo herói realiza a epopéia bandeirante, paulista. Os heróis
de Ricardo são geográficos, como sua proposta em Marcha para Oeste. Seu conceito
de bandeira, como categoria analítica que serve para interpretar qualquer período
da história do Brasil, representa a carência da dimensão temporal.
Angela de Castro Gomes nos lembra que é nos momentos de implemen-
tação de novos projetos políticos que os que dirigem o Estado voltam-se para
o passado30. Na busca de seu lugar na história, relêem e reescrevem os fatos do
passado. No projeto de um novo Estado, havia que se investir na produção de
lealdade e legitimidade, que incluiria os futuros cidadãos. “O futuro não se faz
sem o passado.”31
A concepção temporal de Ricardo é afetiva e é mítica. Utilizamos o termo
“mito” na ampla concepção de Marilena Chaui: em seu sentido etimológico, de
narração pública de feitos lendários da comunidade, e no antropológico, no qual
a narração mítica representa a solução imaginária para as tensões e contradições
dessa comunidade32.
As representações do tempo são componentes essenciais da consciência
social. O tempo ocupa um lugar importante no modelo de mundo que carateriza
uma cultura, tanto como outros componentes desse modelo de mundo, tais como
o espaço, a causa e a mudança.
O tempo como duração pura, irreversível, vetorial e divisível em segmentos
iguais e de valor equivalente, o tempo que poderíamos chamar de neutro, é parte
integrante da imagem científica do mundo. Nunca a humanidade teve uma percepção
do tempo como hoje. Na consciência mitológica, a categoria temporal não existe em
forma de abstração. Na consciência dos homens das sociedades que podemos deno-
minar “míticas”, o tempo está saturado de valor afetivo, podendo ser considerado
bom ou mau, favorável ou nefasto a certas atividades. Nessas sociedades, o tempo
não se desenrola de forma linear do passado para o futuro, mas ora é imóvel, ora é
cíclico. As concepções cíclicas devem-se a que o homem não se desligou ainda da
natureza, está submetido às estações climáticas. Tanto na interpretação do mundo
natural como na do mundo social impera a idéia do eterno retorno33.
A realidade é alcançada unicamente por intermédio da repetição ou da
participação; tudo o que carece de um modelo exemplar é insignificante, isto é,
está destituído de realidade. Como um ato ou objeto adquire uma determinada

• 29 •
história do povo brasileiro

realidade? Por intermédio da repetição de certos gestos paradigmáticos verifica-se


uma abolição implícita do tempo profano, da duração, da história.
É em uma concepção temporal deste tipo que Cassiano Ricardo elabora uma
grande obra como Marcha para Oeste. O Oeste representa o novo e o velho. O
novo porque é o novo mundo, intocado, incontaminado que a marcha irá atingir,
como já vimos. O velho porque a marcha irá ao encontro das origens, da repetição.
Anula-se a singularidade, que não tem representatividade dentro da realidade.
O que se anula não tem importância, o importante é o que se repete: a bandeira
e seu protagonista, o bandeirante, são constantes da história brasileira. O que
se reitera é um líder forte como Getúlio Vargas, o chefe-bandeirante, executivo
que tudo ordena, legislador que decreta as leis do sertão.
Aqui nos deparamos com outra caraterística importante da elaboração ricar-
diana e estadonovista que evidencia uma apropriação de valores populares. Embora
o sentimento do tempo se tenha transformado sensivelmente sob a influência do
cristianismo, era inerente aos camponeses, às comunidades agrárias, a percepção
do tempo como fenômeno cíclico, como eterno retorno das estações e repetição
das mesmas individualidades humanas na cadeia das gerações.
O camponês não podia superar a tirania dos ritmos naturais. O tempo não
era a extensão neutra dos processos reais da vida. Esta percepção temporal pode
encontrar-se em qualquer comunidade rural e, portanto, pode ser considerada
parte do imaginário rural brasileiro.
A elaboração anti-histórica de Ricardo sobre o interior rural se encaixa
perfeitamente na concepção cíclica do tempo. A sobrevivência desta concepção,
vestígio de cosmogonias pré-cristãs, não se opõe à concepção cristã do tempo
no cristianismo popular dos habitantes rurais. O calendário eucarístico se repete
ano após ano. O 19 de março, dia de São José, indica o início das chuvas no sertão
nordestino; a sucessão das estações é acompanhada pela devoção aos santos que
providenciaram para que aquela estação trouxesse o que tinha que trazer: chuvas
abundantes, boas colheitas, pastagens, fertilidade. Quando tal não acontece, o ciclo
se interrompe. E então, sim, há um corte temporal, um trauma, uma seca.
A geografização ou espacialização da nação implica uma concepção con-
servadora da história. Segundo Mônica Velloso34, a percepção da história que
tende a privilegiar o espacial sobre o temporal constitui uma das caraterísticas
do pensamento conservador. Ao adotar esta concepção, os verde-amarelos dis-

• 30 •
Soldados da borracha

tanciavam-se do ideário modernista. Por outra parte, para o próprio Cassiano


Ricardo, o componente espacial da bandeira outorgava-lhe um forte sentido
democrático. “Em termos primários, democracia representa, pois, uma feliz
combinação espacial-demográfica. E há tanto de biológico em nossa democracia
‘espacial’ que tem sede de povoamento como um imperialismo moderno que tem
sede de espaço.” Se nas primeiras décadas do século xx vários pensadores haviam
questionado a “democracia” contida na Proclamação da República, Ricardo agora
falava da bandeira como “a república sem proclamação”.
Através da história, o Estado pode mobilizar um povo que compartilha um
passado, em que tempo e território têm um papel fundamental. Nas origens das
elites políticas havia um erro no tratamento dos tempos e do espaço, o que estava
sendo remediado pelo Estado Novo. Como integrante do grupo Verde-Amarelo,
Ricardo tinha produzido Martim Cererê (1926), um poema épico-espacial em que
fazia um determinado uso da história. Segundo Angela de Castro Gomes35, durante
o Estado Novo, há duas concepções de “passado”. Na primeira, o “passado” está
ligado à cultura popular e, por meio das tradições, convive com o presente; esse
passado é, assim, anti-histórico, seu tempo não é datado. Na segunda, o “passa-
do” é histórico e está vinculado a uma idéia de tempo linear, de fatos únicos e
impossíveis de conviver com o presente.

Atingidos pelas palavras


Os trabalhadores rurais ficaram fora das leis trabalhistas, mas não fora do
discurso oficial sobre o trabalho. MariaYedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira
da Silva afirmam que a inclusão simbólica dos trabalhadores rurais desde o início
da revolução de 1930 representa a peça-chave da desestruturação do “plantacio-
nismo” e da articulação da nova regulação econômica.
Na década de 1980, Alcir Lenharo considerava a realidade rural do período
1930-1945 como a face mais desconhecida do período. Desde os anos 1980, do
ponto de vista quantitativo, os trabalhos sobre a história agrária daquelas duas
décadas não têm progredido muito. A história agrária não tem sido uma das áreas
priorizadas pelos historiadores. O mundo rural do período Vargas continua a ser,
em grande medida, pouco conhecido. Em fins da década de 1990, Jorge Ferreira,

• 31 •
história do povo brasileiro

ao analisar a correspondência que os trabalhadores dirigiam ao presidente da


República, percebe o silêncio dos camponeses em relação a essa comunicação
direta36. Ferreira considera um indício para explicar este silêncio o fato de os
trabalhadores rurais terem sido os grandes ausentes do Estado varguista. Sobre
esses possíveis silêncios e seu contrário – a abundante produção historiográfica
sobre os mecanismos de participação política dos trabalhadores urbanos –, Fer-
reira destaca a incapacidade de se perceber outros mecanismos de incorporação
política e social que não tenham a forma liberal-representativa. Como vimos,
os trabalhadores rurais não foram os grandes ausentes. Estiveram presentes em
moldes diferenciados daqueles dos trabalhadores urbanos.
Poderíamos continuar a dizer que o projeto trabalhista é um projeto do
litoral, isto é, da cultura urbana? Um discurso que se pretendesse inclusivo não
poderia esquecer do habitante do sertão, do trabalhador rural. E isso sobretudo
porque foi nessa dicotomia campo–cidade, como já assinalamos, que se construiu
a idéia de nação e, do ponto de vista econômico, porque o campo deveria cumprir
seu papel dentro do modelo de substituição de importações.
Sem ser atingidos pelas leis trabalhistas, os trabalhadores rurais foram in-
corporados num discurso anti-histórico como míticos habitantes do campo, bons
e pacientes por natureza.
Os habitantes dos sertões ficariam à espera de que o litoral os atingisse,
esperariam estáticos a chegada da marcha? Seria o capítulo derradeiro do an-
tropofagismo enunciado pelos modernistas? A modernidade finalmente os atin-
giria, os devoraria? A espera poria ponto final ao processo inverso do objetivo
colonizador, da marcha “lenta e assustadora da população rural para as cidades
litorâneas do Leste”?
A guerra criou uma nova conjuntura. Apesar de o modelo econômico não
priorizar – muito pelo contrário – as exportações agrícolas por implicarem,
na visão varguista, uma fragilidade econômica, um ponto de vulnerabilidade, o
alinhamento com os Estados Unidos e a demanda de borracha, além de outras
matérias-primas, recolocaram em pauta a questão do incremento das exportações
de alguns produtos primários. Junto veio a necessidade de o litoral chegar no
sertão. O litoral fez-se presente no Nordeste com a batalha da borracha e, para
os trabalhadores, com o contrato de trabalho. Este, que tinha por intuito proteger
o trabalhador, em lugar de explorá-lo, era uma novidade. Não foi a panacéia dos

• 32 •
Soldados da borracha

direitos trabalhistas, por causa da distância entre a lei escrita e a prática jurídica,
mas foi importante na luta por direitos, uma luta com poucas conquistas, é certo,
mas com vários episódios e confrontos.

Exemplo de contrato que os “soldados da borracha” assinavam ao ir para a Amazônia.


(Acervo Jean Pierre Chabloz - Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará.)

Entre as conquistas, podemos mencionar, mais uma vez, a intenção de reparo


expressa na Constituição de 1988, que reconheceu os contratos dos “soldados
da borracha” e estabeleceu uma pensão mensal vitalícia de dois salários mínimos
para aqueles que fossem considerados carentes37. Como conquista mais recente,
destacamos o direito à memória.

• 33 •
Passagens de proa – as migrações
nordestinas na rota amazônica
Quem quiser compreender a história da Amazônia da metade
do século passado para cá, forçosamente terá de entender e
estudar profundamente o “cearense imigrante”.
Samuel Benchimol, 194438
Mas, enquanto o cortiço dickensiano subsiste no currículo
da história mundial, os filhos da fome de 1876 e 1899
desapareceram. Quase sem exceção, os historiadores modernos
que escrevem a história mundial do século xIx, de um
privilegiado ponto de vista metropolitano, têm ignorado as
mega-secas e fomes de fins da era vitoriana que engoliram o
que agora chamamos de Terceiro Mundo.
Mike Davis, 200239

A seca: do naturalismo à história ambiental


Q uando se fala no Nordeste, o binômio seca–emigração é indissociável.
E, por sua vez, este é indissociável do horror. Das descrições e dos números do
horror.
As referências à seca no Nordeste durante o século xix estiveram vincula-
das às crônicas naturalistas, também caracterizadas por recorrer ao horroroso
para poder narrar o inenarrável: famílias inteiras morrendo de fome, pais ven-
dendo os filhos, comendo-os, abandonando-os. Mulheres vendendo-se por um
prato de comida, prostituindo-se. Corvos comendo crianças exauridas, mas
ainda vivas. Mortos sendo transportados em redes por bêbados que, parando
para descansar, jogavam os corpos dos defuntos a um lado, em qualquer lugar
e a qualquer momento. Corpos sem sepultura abandonados pelos caminhos.
Todas as imagens infernais foram utilizadas para descrever o que acontecia no
Nordeste nas épocas de seca.

• 35 •
história do povo brasileiro

GYLBERTO FREYRE E O NORDESTE


Freyre critica a utilização do termo nordeste com o sentido econômico que
lhe outorgou Franklin de Oliveira ao dizer que nordestinização era uma medida
econômica, um metro para medir uma situação social. “A palavra Nordeste” – es-
creve Gilberto Freyre em 1937 – “é hoje uma palavra desfigurada pela expressão
‘obras do Nordeste’, que quer dizer: ‘obras contra as secas’. E quase não sugere
senão as secas, os sertões de areia seca rangendo debaixo dos pés. Os sertões de
paisagens duras doendo nos olhos. Os mandacarus. Os bois e os cavalos angulosos.
As sombras leves como umas almas de outro mundo com medo do sol”. Mas esta
definição, consolidada na década de 1930, se nutria de uma longa tradição que se
iniciou com os cronistas do século xix.
Freyre, Gilberto. Nordeste, Rio de Janeiro, Record, 1989, p. 41-42.

Estas imagens impregnaram as narrativas de historiadores e sociólogos


do século xx e, ainda, as do presente. Aparecem nas descrições e análises mais
“sensacionalistas” e nas criteriosas. A descrição do horror intenta transformar-
se num argumento, e isto acontece porque se julga que o que se quer narrar
é totalmente estranho aos leitores e porque se absolutizou a relação Nordes-
te–seca–miséria.
Também os números são números do horror. Embora os dados sejam im-
precisos, são “indicativos” do sofrimento e da catástrofe. Na seca de 1877-1879,
a cidade de Fortaleza, com aproximadamente 25 mil habitantes, recebeu 114
mil retirantes, que transformaram a cidade na capital de um pavoroso reino40.
Alguns estimam que talvez tenha sido mais alto o número de retirantes, já que
nem todos receberam socorros públicos e, portanto, não entraram na estatística
oficial. O repórter Herbert Smith, que estava no Ceará cobrindo a seca para
a Scribner’s Magazine, registrou que, durante a seca, 500 mil sertanejos haviam
morrido de varíola e fome. Mike Davis, por sua vez, estima que nas três secas
de dimensões globais (1877-1879; 1889-1891 e 1896-1902), que provocaram
profundas crises de subsistência, o tributo humano não pode ter sido inferior a
30 milhões de vidas.
Sobre as perdas em vidas humanas durante a seca de 1877-1879, o contem-
porâneo Rodolpho Theóphilo afirmou:

• 36 •
Soldados da borracha

“A França perdeu vitimados pela bexiga, de um exército de 1 milhão de homens,


23 mil soldados, e a capital do Ceará perdeu, em pouco mais de dois meses, de
uma população de pouco mais de 100 mil almas, 27.378 vidas.
“O mês de dezembro se acabou registrando o obituário a assombrosa cifra de
15.352 falecimentos; 14.491 de varíola e 861 de outras moléstias”41.

A Amazônia também tem sua história repleta de catástrofes. A construção


da ferrovia Madeira–Mamoré tem um dos mais altos índices mundiais de morte
de trabalhadores em ferrovias, medido pela relação trabalhador–dormente. O
historiador colombiano Heraclio Bonilla, em artigo sobre exploração da borra-
cha na região Amazônica, chega à conclusão de que o custo em vidas humanas
foi altíssimo em todas as experiências. Somente na Colômbia morreram 40 mil
indígenas na primeira década do século xx42.
As estatísticas da morte nunca são muito precisas, mas podem nos dar uma
idéia da magnitude da tragédia humana. De aproximadamente 50 mil soldados
da borracha – entre trabalhadores e dependentes – que foram para a Amazônia
entre 1943 e 1944, estima-se que quase a metade morreu ou desapareceu.
Como observamos, o binômio seca–emigração é indissociável. Cada crise
agrícola era seguida por uma onda de retirantes-emigrantes que saíam dos
sertões em direção ao litoral e deste, às vezes, para fora dos estados atingi-
dos pelas secas em busca de melhores condições de vida. Assim, a emigração
reiterava seus mecanismos universalmente conhecidos: fatores de expulsão e
de atração. Como causa da saída, podemos considerar que estava a seca, des-
nudando motivos mais profundos que se relacionam com a questão agrária,
mas que no momento da falta de chuvas se apresenta como uma crise agrícola.
Devemos salientar que o que ocasiona a saída não é um fenômeno natural,
mas social.
Segundo Mike Davis, a seca é o duelo entre a natural variabilidade de chuva
e as defesas hidráulicas da agricultura. Qualquer seca com um impacto agrícola
importante resulta de dois processos, que operam em diferentes temporalida-
des. Há a seca meteorológica, que é a diminuição da quantidade de chuva, e a
seca hidrológica, que acontece quando o sistema de abastecimento de água é
insuficiente para salvar a safra43. A seca hidrológica tem sempre uma história
social, afirma Davis. Um jornal no período de seca de 1888-1889 falava em

• 37 •
história do povo brasileiro

dupla crise: uma produzida pelo fenômeno meteorológico e outra de ordem


governamental44.
Neste ponto, uma pergunta se impõe: como é possível que uma sociedade que
passa periodicamente por fortes baixas demográficas, decorrentes da mortandade
provocada pelo círculo vicioso “falta de defesas hidrológicas–seca–fome–epide-
mias”, seja “provedora de trabalhadores”? A resposta está num processo anterior:
no de internalização do sertanejo e na capacidade alimentar da pecuária, embora
esta não seja a panacéia descrita por Capistrano de Abreu, já que destrói o frágil
equilíbrio ecológico.
Na medida em que a economia açucareira se estagnava, o homem do lito-
ral penetrava os sertões, onde havia terra abundante e o gado se multiplicava
rapidamente (a curto prazo, existe uma maior elasticidade do gado em relação
à agricultura). Como a produção de gado tinha como seu principal mercado a
sociedade do litoral, quando esta entrava em crise a pecuária transformava-se
numa atividade de subsistência. Segundo Celso Furtado, quando uma região de
agricultura de exportação é afetada pela baixa do preço do produto que exporta
– no caso do litoral nordestino, o açúcar –, a alimentação torna-se pior, mais
deficiente. Isto pode acontecer por dois motivos: porque para compensar as per-
das cultiva-se uma área maior, que inclui terras antes destinadas a mantimentos,
ou porque a capacidade de importar alimentos diminui. Já nas áreas pecuárias, a
perda de mercado não afeta a oferta de alimento, que acaba sendo melhor que na
região agrícola. Por isso a população do Nordeste, principalmente nos sertões,
cresceu no século e meio de estagnação da produção açucareira.
Essa explicação contradiz, em grande medida, as afirmações de Gilberto
Freyre, para quem a população mais bem alimentada durante a Colônia, e ainda
no Império, era a composta por senhores e escravos, enquanto os pior alimentados
eram os homens pobres livres. Igualmente relativiza as deficiências da alimentação
no período colonial, a ponto de afirmar que, se podemos considerar senhores e
escravos mais bem alimentados, isso ocorre “apenas em relação aos matutos, cai-
piras, caboclos, agregados e sertanejos pobres…”. Freyre responsabiliza a mono-
cultura pela pobreza alimentar – e, ao menos neste ponto, podemos aproximá-lo
das afirmações de Furtado. Provavelmente, no litoral, os pior alimentados eram
os pobres livres; mas parece que esta afirmação não pode se estender a todos os
ecossistemas brasileiros.

• 3 •
Soldados da borracha

A má qualidade dos alimentos e o equilíbrio instável marcaram todas as


sociedades de Antigo Regime. A escassez de víveres provoca uma elevação da
taxa de mortandade porque, geralmente, é o resultado de catástrofes ecológicas
e vem acompanhada por epidemias, entre outras tragédias que não representam
episódios excepcionais, sendo necessária uma adversidade natural, como seca,
enchente ou geada, para quebrar o equilíbrio do autoconsumo.
Evidentemente, o autoconsumo da economia camponesa sertaneja deixava
uma margem muito estreita de armazenamento de alimentos. Em períodos de
chuvas regulares, a alimentação do sertão era boa e relativamente equilibrada,
se comparada com a alimentação de outras regiões: proteínas da carne, amidos
provenientes da mandioca e do milho e calorias de pior qualidade obtidas do
açúcar e da cachaça.
Podemos considerar que, apesar de exageradas as conclusões otimistas
de Furtado sobre a capacidade alimentar da economia pecuária, a população
dos sertões estava suficientemente alimentada para sustentar um crescimento
demográfico considerável, somente interrompido quando crises agrícolas, de-
correntes das secas periódicas, vinham alterar essa situação45. Assim, a condição
inicial necessária a toda emigração, que é a de uma população abundante, estava
assegurada. O outro elemento que sobredimensionava essa população, a ponto
de torná-la “população excedente”, era a seca e, junto com esta, a migração
para as cidades do litoral, o que gerava os quadros de aglomeração nas cidades
do Nordeste.

De retirantes a imigrantes
No século xix, o deslocamento de trabalhadores do Nordeste para outras
regiões, especificamente para o Sudeste, era bem conhecido, sobretudo pelo
fenômeno do comércio interprovincial de escravos entre as estagnadas ou de-
cadentes regiões produtoras de açúcar e as pujantes produtoras de café. Mas no
triênio 1877-1879, anos de dura seca, o Nordeste, em seu conjunto, e o Ceará,
em particular, experimentaram outro tipo de deslocamento de trabalhadores:
o dos pobres-livres-flagelados. A classe proprietária tomou a decisão de abrir
– temporariamente – uma exceção ao controle desse reservatório de mão-de-

• 39 •
história do povo brasileiro

obra e a tornou disponível para outras oligarquias regionais. Inaugurava-se, pelo


menos oficialmente, a relação seca–emigração.
O historiador Peter Eisenberg chamou a atenção para o problema da “tran-
sição” entre trabalho escravo e trabalho livre. Propôs entendê-la a partir das
continuidades. Pensou a abolição da escravidão como um longo processo que se
estendeu por quase todo o século xix, processo no qual não houve “conversão
dramática” em que o escravo desaparece e, em seu lugar, surge um outro traba-
lhador, o livre46.
Nesta perspectiva, o trabalhador imigrante estrangeiro apresentou-se como
uma das alternativas, sobretudo para algumas províncias e nas últimas décadas do
século xix, porque cumpria os requisitos indispensáveis para as classes proprie-
tárias: era barato e abundante. A Europa estava “despejando” trabalhadores nas
costas americanas. Só faltava um fator que atraísse esses potenciais trabalhadores
para o Brasil, desviando-os dos destinos privilegiados. Os incentivos poderiam
ser diretos ou indiretos. Indiretos, como criar condições de imigração suficien-
temente atrativas para que estes, “espontaneamente”, se dirigissem ao Brasil, ou
diretos, como a subvenção das passagens e a realização de um recrutamento ativo
na Europa Meridional. Cada uma das formas de atrair imigrantes dava lugar a uma
corrente de opinião sobre a imigração: a dos defensores da imigração espontânea
e a dos da imigração subsidiada por meio do pagamento de passagens.
Outra das possibilidades cogitadas pela classe proprietária e por alguns in-
telectuais, tendente a agenciar braços para a lavoura, era a do trabalhador nacio-
nal. Considerou-se a viabilidade de converter o amplo setor de subsistência em
trabalho dependente do mercado. O grande problema que encontraria a classe
proprietária seria a dispersão dos trabalhadores no amplo território brasileiro,
principalmente como agregados ou moradores, ainda quando eles muitas vezes
não se considerassem em tal condição. Segundo Furtado, o recrutamento de
trabalhadores nacionais somente seria praticável se contasse com a cooperação
da classe de proprietários de terra. É conhecida a afirmação de Furtado segundo
a qual, no fim do século xix, já existia no Brasil um “estoque” de mão-de-obra
que o levava a acreditar que, se não tivesse sido possível uma solução para o
problema da mão-de-obra – para a lavoura cafeeira – com imigrantes europeus,
outra solução alternativa teria surgido dentro do próprio país. Furtado sustenta
esta afirmação com base nos 500 mil trabalhadores mobilizados do Nordeste

• 40 •
Soldados da borracha

à região amazônica, entre 1872 e 1900, para a exploração da borracha47. Não


obstante, considera o mesmo autor, prevaleceu no país uma atitude extremada-
mente hostil a toda transferência interna de mão-de-obra, o que se explica pelo
poder político dos grupos cujos interesses seriam prejudicados. Lembremos que
as oligarquias locais sustentavam seu poder político e econômico na possibilidade
de dispor de homens.
Esses grupos, com interesses de classe mais ou menos homogêneos, atuaram
no Ceará a partir de 1877 entre o temor e a necessidade econômica. Entre o temor
das multidões de flagelados aglomerados nos centros urbanos nos períodos de
seca e a necessidade de dispor de homens em abundância que garantissem mão-
de-obra barata e poder político.
No final do século xix – em 1877-1879 e 1888-1889, períodos de secas
pronunciadas –, com o fim de mitigar o horror que causava nessa classe domi-
nante a presença dos flagelados, esfarrapados, famintos, sujos e doentes, foi organizado
um sistema de migração com passagens subvencionadas pelo poder público. Os
destinos ofertados para os trabalhadores foram São Paulo, Pará, Maranhão e
Amazonas. Estes três últimos foram os mais procurados, talvez porque os mi-
grantes pensassem que tal destino lhes permitiria um retorno mais fácil para sua
terra, uma vez que os nefastos vestígios da seca se tivessem apagado, ou quando
eles “enriquecessem”. Mas também porque uma corrente de imigração já tinha
se dirigido para ali, contando muitos dos “novos imigrantes” com amigos ou
parentes na Amazônia.
Naquela conjuntura, não se tratava de imigração espontânea. As passagens
dos trabalhadores nordestinos foram pagas pelo Erário: os ministérios de Agri-
cultura e do Império custearam as passagens dos emigrados. Os destinados a São
Paulo, uma vez chegados no porto de Santos, foram levados às fazendas cafeei-
ras, utilizando-se os mecanismos montados para internalizar os trabalhadores
imigrantes transatlânticos: hospedagem de imigrantes, passagens da estrada de
ferro, contratos antecipados48.
Provavelmente, foi o medo da multidão que levou a classe dominante cea-
rense a abrir as comportas para a migração49. A multidão se fazia presente na
cidade de Fortaleza, “invadindo” todos os cantos e se tornando onipresente. No
contexto das secas nordestinas, especificamente no Ceará, afirma Frederico de
Castro Neves que “as multidões atuam estrategicamente”50. Depois de março, com

• 41 •
história do povo brasileiro

Fotos de J. A. Correa que formam parte de uma série de fotografias sobre o tema vítimas da seca de 1877-78. Estas imagens
foram publicadas n’ O Besouro, do Rio de Janeiro, periódico considerado um dos marcos no processo de incorporação da
fotografia pela imprensa ilustrada. (J. A. Castro, Secca de 187-1878. Iconografia. Biblioteca Nacional.)

as plantações perdidas, o gado doente, morto ou transferido para áreas úmidas,


muitas pessoas começavam a marchar para o litoral pensando em escapar daquela
situação. Com a movimentação dos retirantes à procura de proteção e assistência,
os focos de conflito se multiplicavam. Começava então uma “negociação”, para a
qual os retirantes contavam com seu número. A aglomeração de pessoas à espera de
solução era seu principal argumento e, ao mesmo tempo, o mais poderoso meio
de pressão que os retirantes levavam para esse novo cenário. A fome: a motivação
essencial. Entre as “coisas” que os retirantes negociavam, estava, obviamente
em primeiro lugar, a comida, mas também as passagens, que muitos retirantes
pretendiam conseguir para fugir da fome.
A estratégia camponesa diante da fome e a forma como a classe dominante
lidou com ela não foram muito diferentes no Nordeste do século xix do que ha-
viam sido no Antigo Regime europeu. Durante séculos, a fome voltou sempre, tão
insistentemente, escreve o historiador francês Fernand Braudel51, que se incorpo-

• 42 •
Soldados da borracha

rou ao regime biológico dos homens a ponto de fazer parte do cotidiano. Um dos
motivos eram os rendimentos cerealíferos medíocres. Uma ou duas más colheitas,
às vezes, eram suficientes para provocar uma catástrofe. O rendimento medíocre
deixava a população camponesa sumamente vulnerável, resultado das quantidades
de sementes dadas por espiga, da reserva das necessárias para viver e para a próxima
semeadura e das que poderiam armazenar-se para consumo alimentício. Apesar
de serem os citadinos os que mais se queixavam da fome, não convém acreditar
muito neles, afirma Braudel, já que dispunham de outros recursos, como comprar
no estrangeiro, além das próprias reservas da cidade. Por outro lado, ao camponês,
em caso de má colheita, não restava outra solução senão mudar-se para a cidade a
qualquer custo, mendigar ou, muitas vezes, morrer nas ruas. A mesma coisa fazia
o retirante no final do século xix e nas primeiras décadas do xx: acudia às cidades,
mendigava nas ruas – quando o deixavam – e alguns também morriam lá, já que
ter chegado ao litoral não era garantia de ter passado o perigo.
A oligarquia cearense viu-se na incômoda situação de ter que decidir entre
a abertura para a saída de trabalhadores52 – inclusive, organizar essa saída – e
o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle de circulação de trabalhadores
por meio de um dispositivo de regulação da mobilidade pessoal. Durante quase
todo o século xix existiram mecanismos de controle da circulação da população
pobre-livre. Mas estes intensificaram-se a partir de meados daquele século. O
projeto de repressão à ociosidade, apresentado quase simultaneamente com a
abolição da escravidão, reconhecia duas condições elementares para definir o
delito de vadiagem: o hábito e a indigência. A perseguição da vadiagem só pôde
acontecer de forma sistemática como complemento da formação de um mercado
de trabalho livre. Foi um dos instrumentos disciplinares para a mão-de-obra. Por
isso, no Brasil, se fez freqüente a perseguição de vadios e ébrios após a abolição.
Em áreas em que o trabalhador livre teve grande relevância, como no Ceará, as
formas de controle sobre a população pobre foram mais intensas. Colocava-se o
problema da mão-de-obra junto com o de manter a ordem social, nos termos de
levar o liberto ou livre a vender sua força de trabalho ou tornar-se “dependente”
ou “cliente” de algum senhor local, como agregado, morador, parceiro etc. Essa
questão apresentava duas dimensões: por um lado, a prática que visava medidas
que obrigassem este potencial trabalhador a vender sua força de trabalho e, por
outro, a revisão de conceitos e valores que construíssem a ética do trabalho.

• 43 •
história do povo brasileiro

Um exemplo da contradição em que incorreu a classe proprietária e dirigente


no Ceará é o movimento da abolição e a criação de associações abolicionistas,
como a Sociedade Cearense Libertadora, que, a partir de dezembro de 1880,
tentou frear a perda de trabalhadores escravos para outras províncias. É possível
ver o movimento abolicionista como uma forma de conter, depois de três anos
de perdas ocasionadas pela seca, o fluxo de trabalhadores para fora da província
do Ceará. Tratava-se de mudar seu estatuto jurídico antes que de perdê-los fisi-
camente. Eram evidentemente diferentes as motivações dos próprios escravos e
de outros setores da população que participaram ativamente do movimento.
A década de 1870 constituiu um momento de inflexão no debate da questão
da mão-de-obra. Naqueles anos, sancionou-se a Lei do Ventre Livre53, de 1871,
realizaram-se os dois Congressos Agrícolas, o do Rio de Janeiro e o de Recife,
em 1878, e promulgou-se a lei de locação de serviços, de 1879, que não tinha
por finalidade atrair imigrantes, mas disciplinar os existentes. No Congresso
Agrícola do Rio de Janeiro foi levantado o problema da falta de mão-de-obra.
Já no congresso organizado em Recife negou-se que houvesse falta absoluta de
trabalhadores, havendo sim uma falta relativa. Aqueles que negavam a “falta de
braços” no Nordeste o fizeram em vista da conjuntura de 1878, quando milhares
de sertanejos, “flagelados” pela grande seca de 1877-1879, invadiram a Zona da
Mata. Mas, como salienta Einsenberg54, a mera presença dos retirantes não era o
bastante para a grande lavoura aproveitá-los; ainda seria necessário transformá-
los em mão-de-obra disponível para o trabalho nos engenhos. Esta conjuntura
particular expunha uma prática corriqueira entre os sertanejos, a da sazonalidade
de sua oferta: migravam durante a seca para a parte ocidental da Zona da Mata
e voltavam para suas roças com as primeiras chuvas; ou, mais genericamente,
emigravam para o litoral e as zonas úmidas durante as secas, voltando para suas
roças quando as chuvas permitiam o retorno ao cultivo de subsistência.
Aqui entramos num tema crucial da história do trabalho, a disjuntiva entre
trabalhar para si e trabalhar para outro. O retorno às roças com as primeiras
chuvas era o claro resultado da negação de trabalhar para outro; ou, se se quiser,
a preferência de trabalhar para si. Mas nem todos os flagelados tinham suas pró-
prias roças e nem todas as províncias atingidas pela seca tinham zonas de matas.
Muitos retirantes eram despossuídos. Sobre estes pretendiam agir os proprietários
nordestinos reunidos no Congresso Agrícola, propondo uma série de medidas

• 44 •
Soldados da borracha

restritivas e repressivas que o Estado devia tomar, tendente a conduzir (coagir)


os homens livres ao engajamento na grande lavoura. Sobre este grupo de ho-
mens também atuaria o poder público por meio dos Socorros Públicos e de sua
condução para fora da província do Ceará.
No terceiro quartel do século xix, o preço do café se recuperou, enquanto o
do açúcar continuou baixo, criando-se forte pressão para transferir mão-de-obra
de um setor para outro. O presidente da província de São Paulo, em seu relatório
anual de 187155, afirmava que não era o colono estrangeiro o único trabalhador
livre possível. Lembrava que muitas famílias nacionais trabalhavam nas fazendas,
nas mesmas condições contratuais que os estrangeiros. À imigração reservava
o papel de “pedagoga”, pois, graças ao seu bom exemplo, outras pessoas livres
doravante quereriam ser contratadas para realizar trabalhos rurais nas fazendas,
fato que, segundo ele, era antes inexistente. Como exemplo do sucesso deste
modelo, o presidente da província de São Paulo citava o caso das 63 famílias
nacionais que trabalhavam para Luiz Antonio da Silva Fidalgo, de São José do
Parahyba, com contratos de parceria.
A emigração nordestina é um fenômeno social recorrente na história do
Brasil a partir da segunda metade do século xix. Não seria errado pensar no Ceará
como um “provedor de trabalhadores”, cujos capítulos mais conhecidos são o fluxo
rumo à Amazônia e aquele que se dirigiu ao Sudeste, mais especificamente para
São Paulo. Outro dos capítulos menos conhecidos dessa “provedoria humana” é
o recrutamento militar. Na Guerra do Paraguai, o Ceará enviara 5.648 soldados,
enquanto Minas Gerais, com o triplo de população, apenas 1.07056.

Norte ou Sul
Como afirmávamos, no Ceará, depois de março, se ainda não choveu,
perdem-se as plantações e o gado adoece ou fica em suas últimas forças. Assim,
esgotadas as possibilidades de permanecer no sertão, os agricultores marcham
para o litoral, porque é lá que podem encontrar algum recurso para sobreviver.
A presença dos retirantes na cidade inicia as negociações, o pedido de “socorros”:
comida, roupa, assistência médica, passagens. Passagens para emigrar para fora
da área atingida pela seca. Para São Paulo ou para a Amazônia.

• 45 •
história do povo brasileiro

No Ceará, o modelo de emigração, que incluía as passagens subvencionadas


para outras províncias do Império, teve opositores locais. O jornal O Cearense
fez uma campanha de oposição: primeiro, em 1877-1879, se opôs à emigração
para o Norte, e depois, em 1888-1889, se opôs à emigração para o Sul. Já o
jornal O Retirante, na seca de 1877-1879, condenava somente a emigração para
os seringais: “O sul é pois nossa tábua de salvação”, dizia57. É que o destino dos
emigrantes foi uma das duas questões mais polêmicas. A outra, que antecedeu
esta, foi a emigração em si como solução para a conjuntura crítica. A emigração
foi colocada pelos contemporâneos como uma solução extrema. Isto não quer
dizer que não houvesse setores beneficiando-se com a emigração, como as com-
panhias de navegação e os fazendeiros que empregariam estes emigrantes. Mas
todos afirmavam que a emigração acontecia em última instância, quando já se
tinham esgotado todas as outras alternativas de solucionar o problema dentro do
território atingido pela seca. A venda de escravos para o Sul e a exportação de
retirantes geraram uma “obscena prosperidade”, afirma Mike Davis. Joaquim da
Cunha Freire, barão de Ibiapaba, lucrou com a exportação de navios de cargas
humanas de Fortaleza e Mossoró. Também a empresa Singlehurst Brocklehurst
and Company, empório britânico em Fortaleza, que fornecia mantimentos para
o governo e transportava retirantes para o Norte em sua linha de vapores de
navegação costeira, lucrou com a seca, da mesma forma que a Casa de Comércio
Boris Frère, que comercializou gêneros alimentícios de primeira necessidade58.
O ministro dos Negócios do Império, Antônio Ferreira Vianna, recomendava
que “só quando não fosse possível reter os emigrantes por meio do trabalho se
concedessem passagens aos que desejassem transportar-se para outras províncias,
observando-se o máximo respeito às preferências por eles manifestadas quanto
aos portos de destino”59.
Se nos guiarmos pelo que está expresso nas cartas de pedido de passagens
na seca de 1888-1889, a preferência dos solicitantes no Ceará era o Norte. Não
obstante, o relatório acima citado denunciava a existência de “pessoas mal-in-
tencionadas” que projetaram uma imigração para Amazonas e Pará, apesar da
propaganda encaminhada de forma contrária para o Sul, onde os emigrantes, nas
palavras do ministro, encontrariam recursos prontos.
Antes de resolver-se pela emigração dever-se-ia esgotar as possibilidades
de reter os trabalhadores no território cearense. Tais possibilidades estavam

• 46 •
Soldados da borracha

Quatro crianças em farrapos. (Fotografia sem autor. Secca do Ceará. Iconografia. Biblioteca Nacional.)

determinadas pela expansão das obras públicas, já que “repugnava a idéia de


socorros diretos”, como chegou a dizer o presidente da província do Ceará em
1888. No lugar desses recursos, propunha-se que os retirantes trabalhassem em
obras públicas e recebessem os socorros em forma de retribuição por um serviço
prestado. Mas, como indicava O Cearense na seca de 1877, havia grande dificuldade
em arranjar trabalho para a quantidade crescente de refugiados.
Os socorros vinculados a trabalhos públicos tiveram um grande defensor
em André Rebouças, que parecia acreditar no que lia no Journal des Economis-
tes, no qual se elogiava o trabalho realizado nesse sentido na Índia, no mesmo
período60.
Na seca de 1877-1879, O Cearense, como dissemos, era contrário à emi-
gração para o Norte, levantando algumas matérias de jornais paraenses e
amazonenses que denunciavam as péssimas condições em que se encontravam

• 47 •
história do povo brasileiro

os retirantes nessas províncias. No período seguinte de seca, 1888-1889, o


jornal tinha mudado de posição. A emigração para o Sul, segundo o jornal, iria
encher as senzalas desertas61, que os escravos libertados haviam abandonado
com a lei de 13 de maio:
“A despedida desses exilados que – em soluços e lágrimas – arrancados da
terra natal, dos braços dos parentes, dos amigos e dos conterrâneos, vão ser
transportados a proa, ou no porão de um navio, como fardos de mercadorias
incômodas.”
Já um relatório do ministro Antônio Ferreira Vianna referia-se àquelas
pessoas mal-intencionadas que teriam conduzido os emigrantes para o Norte,
circunstância na qual
“Sucedeu o que devia suceder: atiradas ali as primeiras levas de emigrantes,
surgiram os embaraços; e os presidentes daquelas províncias, coadjuvados pela
própria colônia cearense, começaram a telegrafar para o Ceará reclamando
contra uma invasão de indigentes…”62
Mas eram os próprios retirantes que expressavam seu desejo de ir para
o Norte. Em 27 de junho de 1889, José Luiz da Rocha, de 32 anos de idade,
solicitava passagens para ele, sua mulher, filhos, irmãos e mãe para o Pará,
“onde tem parentes e tem certeza de encontrar meios para escapar da seca”. No
dia 30 de junho de 1889, era Maria Joaquina do Bonfim, viúva e natural de
Tauá, com quatro filhos, que pedia passagens para o Pará, “em razão de nesta
província não poder subsistir pela sua mesma pobreza e, ali ter seus parentes que a
chamavam com o fim de proverem a sua subsistência”63. As acusações do jornal
continuaram. Comparando os flagelados com os imigrantes estrangeiros, os
editores consideravam que estes últimos tinham seus direitos mais respeitados
que os migrantes cearenses. Aqueles podiam escolher a província de destino,
enquanto estes só conseguiam passagens com facilidade se escolhessem o Sul.
Responsabilizavam por estes atropelos o presidente da província, Caio da Silva
Prado. Este sobrenome não pode passar despercebido. Por tratar-se de um Silva
Prado, representante de sua classe e de sua família, podemos pensar nele como
um agenciador de trabalhadores para os interesses cafeeiros. Um homem que
representava os interesses paulistas.

• 4 •
Soldados da borracha

FAMÍLIA PRADO
Os Silva Prado são das mais ricas e influentes famílias de São Paulo, cuja
importância e cuja fortuna remontam ao século xviii. Eles tiveram papel desta-
cado no comércio, nas finanças, no cultivo do café, nas ferrovias, na indústria, na
política, na imprensa, na cultura e nas artes paulista e brasileira. Mas seu apogeu
deu-se com o café. Antônio da Silva Prado ocupou durante o Império e a Pri-
meira República cargos estratégicos para os interesses paulistas e de sua classe,
tendo sido ministro do Exterior e da Agricultura. No Ministério da Agricultura
promoveu a formação de colônias de imigrantes no Espírito Santo, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Em 1886 a lavoura cafeeira representava 60% das exportações brasileiras. A
carência de mão-de-obra motivara a adoção de medidas de estímulo à imigração,
como a criação da Sociedade Promotora da Imigração por Antônio da Silva Prado,
então ministro da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas da Agricultura.

No dia 13 de janeiro de 1889, o jornal condenava a emigração para o Sul e


enumerava as vantagens que oferecia o Norte: a) região rica e despovoada; b) aí
tinham os emigrantes cearenses parentes que poderiam socorrê-los; c) existiam
produtos naturais disponíveis para a atividade extrativa, localizados em terras
públicas e que tinham mercado nos países estrangeiros; d) permitiria um retorno
mais fácil; e) o clima era semelhante; f) as passagens mais baratas; g) os usos e
costumes similares; h) e, reforçando estes argumentos, finalizava lembrando a
liberdade de escolha64.
Queixava-se o mesmo jornal de que o governo provincial afirmava que
a emigração não era um mal, antes um bem, “porque se a província fica des-
falcada de braços válidos, o Estado não perderá nas rendas; visto como esses
mesmos braços vão produzir em outra parte em benefício da comunhão”. Mas
para o jornal o desequilíbrio entre as províncias – já existente – tenderia a
acentuar-se. No mesmo sentido, anos depois, um relatório oficial advertiria
sobre a impossibilidade de emigrarem todos os flagelados, calculados em 300
mil. Os motivos: o antagonismo interprovincial, a desorganização da riqueza
pública e até a inviabilidade.

• 49 •
história do povo brasileiro

As contradições das opiniões sobre a realidade que encontraria o emigrante


que escolhesse o Norte se expressam nestes versos populares:
“Cearense vai ao Norte,
Sonhando áureos castelos,
Sai daqui robusto e forte,
Volta magro e amarelo.
Vai de camisa e ceroula
Às vezes rasgado em tiras
E volta de lá, pachola,
De chapéu de sol, cartola
E terno de caxemira.”65
No arquivo do estado do Ceará encontramos as cartas já citadas de retirantes
solicitando passagens para diferentes lugares do Império. Embora estas não repre-
sentem o total dos emigrantes saídos nos períodos de secas, e nem sequer o total
das cartas dirigidas aos poderes públicos em busca de passagens subvencionadas,
podem servir como amostra. De um total de 314 pedidos – que podem incluir
cerca de 1.570 pessoas, calculando-se uma média de 5 pessoas para cada núcleo
familiar –, 173 eram para o Amazonas, 90 para o Pará, 11 para Pernambuco, 8
para o Maranhão, 3 para Alagoas, 5 para o Rio Grande do Norte, 1 para a Bahia,
2 para São Paulo, 8 para o Rio de Janeiro e 1 para o Espírito Santo. Alguns pedi-
dos eram para destinos internos à província do Ceará: 7 para Camocim, 3 para
Aracaty, 2 para Icarahu. Das cartas computadas, 96,49% dos solicitantes pediam
passagens para serem destinados a portos do Norte e do Nordeste.
Via de regra, o requerente dirigia um pedido de passagem que podia ser assim:
“Maria Joaquina de Bonfim, viuva e natural da vila de Tauhá, com 4 filhos meno-
res: Cesario de 16 anos, Candida de 14, Raymundo de 4 e José de 3, vem mui
respeituosamente requerer a V. Exa para que se digne de mandar se conceda
passagens para si e sua referida família até o Pará, para onde emigra em rasão
de que nesta província não pode subsistir pela sua mesma pobresa, e ali ter seus
parentes que a chamão com fim de proverem a sua subsistência. A supplicante
viuva desvalida como prova o documento junto, nesta triste condição.
Fortaleza, 28 de junho de 1889.
A rogo de Maria Joaquina do Bonfim, Arcadio L. d’Almeida Fortuna”

• 50 •
Soldados da borracha

O documento anexo era um atestado de pobreza, como este que o vigário


João Paulo Barbosa redigiu para sua paroquiana:
“Atesto que minha parochiana Maria Angélica Soares como [fruto] da seca e
de seu estado de pobreza está no caso de merecer passagem do governo para
qualquer porto do Império.”
No lugar de destino solicitava-se a ida gratuita destes trabalhadores “animados
para o trabalho”, já que as passagens eram subsidiadas pelo Império. “Rogamos
mais a V. Exa que as passagens sejam pagas pelo governo até este porto…”, escrevia
um grupo de proprietários maranhenses ao presidente do Maranhão, solicitando
agricultores cearenses.
Em outubro de 1889 o governador do Maranhão escrevia ao governador do
Ceará pedindo 200 emigrantes para um grupo de “lavradores” do Engenho Central
São Pedro. Dizia: “E por esta ocasião cabe-me dar ciência a Vossa Excelência de
que os que ultimamente dali vieram acham-se aqui empregados em excelentes
condições e por tanto mui animados no trabalho”.
O ofício dos “lavradores” assim se referia a esses trabalhadores soli-
citados:
“Nos abaixo assignados, lavradores do Engenho Central São Pedro vemos a
presença de V. Exa solicitar a acquisição de trabalhadores agricultores do Ceará
que pretendam emigrar para este lugar.
E como nos consta que o governo tem por causa da seca, facultado a passagem
deles do Ceará para outras províncias, pedimos a V. Exa que interessando-se
pelo progresso da terra que administra, empregue os esforços necessários para
semelhante adquisição. […] Preferimos que sejam acompanhados de pequenas
famílias, que podem constar de quatro pessoas, pouco mais ou menos, afora
o chefe e mesmo de famílias mais crescidas com tanto que a maior parte seja
apta para o serviço.”66
Na época, alguns argumentavam que a emigração para o Norte permitiria
aos retirantes trabalhar autonomamente, enquanto a emigração para o Sul os
converteria em trabalhadores dependentes dos fazendeiros cafeicultores. Já outros
argumentavam que somente o Sul permitiria uma emigração organizada, com
trabalho efetivo. A petição do presidente do Maranhão, assim como o embarque

• 51 •
história do povo brasileiro

Inspetoria de Obras Contra a Seca. Horto Florestal em Quixadá. Eucaliptos de 30 meses. 1915. (Guilherme, Oscar.Vistas das
obras contra o flagelo das secas. 1915. Iconografia. Biblioteca Nacional.)

de 600 trabalhadores para os trabalhos da estrada de ferro Madeira–Mamoré,


demonstra a imprecisão dessas definições.
No último quartel do século xix, houve uma forte tensão entre migrações e
(in)disponibilidade de mão-de-obra. Enquanto algumas regiões, como São Paulo e
Amazônia, demandavam braços e suas classes proprietárias participavam de acalora-
dos debates sobre a solução para a falta de trabalhadores, outras sofriam de excesso
de população, se não em termos absolutos, pelo menos em termos relativos. Embora
o Ceará não fosse a China americana, como afirmava a Gazeta de Notícias, negando
com esta sentença a idéia de um esvaziamento populacional daquele estado, o certo
é que nos períodos de seca várias províncias do Nordeste, em especial o Ceará,
passavam por um desequilíbrio entre população e recursos disponíveis.
Na seca de 1877-1879, assinala Marco Antônio Villa, os barões do açúcar
de Pernambuco se beneficiaram com as secas do sertão, porque, fugindo dela,
os retirantes aceitaram trabalhar nos canaviais por um salário ínfimo67. Em maio
de 1877, havia em Recife 70 mil flagelados, que não só chegavam por terra, mas

• 52 •
Soldados da borracha

Trabalhadores das Obras Contra a Seca em Quixadá. 1915.


(Guilherme, Oscar. Vistas das obras contra o flagelo das secas. 1915. Iconografia. Biblioteca Nacional.)

também nos paquetes do Norte. Alguns retirantes cearenses se fizeram presentes


no Piauí e na Bahia, e isto não desgostou as classes proprietárias baianas. Um
jornal local dizia que estes compensavam as perdas de mão-de-obra ocasionadas
pelas vendas de escravos para o Sul.
Este último quartel do século xix também coincidiu com o aumento da
demanda e dos preços da borracha. O período de ouro da borracha, que se es-
tendeu até aproximadamente 1910, motivou a migração de nordestinos para a
região amazônica, especialmente dos cearenses. Eram emigrantes que iam atrás
do sonho de enriquecer e fugir da miséria.
A seca de 1915, talvez mais conhecida pelo romance O Quinze, de Rachel de
Queiroz, encontraria a região amazônica em outra conjuntura, quando o Brasil
perdera o monopólio da borracha. Agora tinha como poderoso concorrente os
asiáticos, cuja produção fez baixar o preço do produto. Na Ásia, a borracha tinha
sido aclimatada e cultivada de forma sistemática, o que terminou não somente
com o monopólio, mas também com a escassez. Não obstante a crise pela qual

• 53 •
história do povo brasileiro

passava a produção de borracha no vale amazônico, entre 1915 e 1916 saíram do


porto de Fortaleza com destino à Amazônia aproximadamente 31 mil emigrantes,
enquanto 9 mil se dirigiram ao Sul do país.
A grande maioria dos migrantes nordestinos que deixavam sua terra como
conseqüência da seca e emigravam para a Amazônia ou São Paulo (destino mais
freqüente do Sul) não tinha esse objetivo final no início de suas viagens. Deixar a
terra, literalmente, era o início da busca de socorros no litoral. Mas este ir para
o litoral, este devir retirante, não era necessariamente um devir emigrante. Não
no início. A resistência a sair da terra era uma das características dessas marchas,
evidenciada nas péssimas condições em que os retirantes chegavam no litoral.
Essas marchas dos retirantes provocaram ampla produção de crônicas,
como dissemos no início, caracterizadas pelo realismo mórbido de suas descri-

A NoRmAlIStA, (1893), DO ESCRITOR CEARENSE


ADOLFO CAMINHA (1867-1897)
“Foi numa tarde infinitamente calma de dezembro de 1877 que o capitão
Bernardino de Mendonça chegou a Fortaleza pela estrada nova de Mecejana, depois
de penosíssima viagem.
A seca dizimava populações inteiras no sertão. Famílias sucumbiam de fome
e de peste, castigadas por um sol de brasa. Centenas de foragidos, arrastando os
esqueletos seminus, cruzavam-se dia e noite no areial incandescente dos caminhos,
abantesmas das desgraças gemendo preces ao Deus dos cristãos, numa voz rouque-
nha, quase soluçada. Era um horror de misérias e aflições.
Bernardino de Mendonça foi dos últimos que abalaram do interior da província
para o litoral na pista dos socorros públicos. Totalmente desiludido, quase arrui-
nado, vendo todos os dias passarem pela sua porta, em Campo Alegre, magotes de
emigrantes andrajosos que batiam do sertão num êxodo pungente, acossados pela
necessidade, resolvera também ir-se com a família para Fortaleza, embora mais
tarde fosse obrigado a procurar outros climas.”
[…] “Não havia outro recurso, outro jeito senão marchar para a capital, para
onde quer que fosse, como tantos outros infelizes empolgados pela miséria. Iria,
que remédio? bater à porta de um amigo, de um correligionário, de um cristão.
Lembrou-se então do ‘compadre João da Mata’, padrinho de Maria.

• 54 •
Soldados da borracha

ções, cujo ápice é a narração de cenas de antropofagia, em que os pais comem


os filhos, impelidos pelo desespero, pela fome e pela degradação humana. O
registro do horror tinha por finalidade despertar a compaixão e motivar a ação
solidária nas outras províncias e estados, já que, para os locais, supostamente,
esse não era desconhecido. Uma parte considerável das análises contemporâ-
neas das secas tem incorrido na “tentação” de citar essas descrições do horror
de forma exaustiva.
O realismo social da literatura também dedicou algumas obras às mar-
chas dos retirantes, como Vidas secas, de Graciliano Ramos, ou O Quinze, de
Rachel de Queiroz, nas quais o realismo não é do tipo naturalista-pessimista
das crônicas ou dos romances das duas primeiras décadas do século xx, mas
um realismo crítico.

Muito bom: iria ao compadre.”


[…] “Dias depois Mendonça embarcara para o norte. Ainda acabrunhado pelo
desgosto que lhe trouxera a morte quase repentina da mulher, manifestou a João
da Mata desejos d’ir tentar fortuna onde quer que fosse. Não podia continuar no
Ceará, viúvo e ocioso, de braços cruzados, sem dinheiro, olhando para o tempo,
decididamente não podia continuar. Mas havia uma dificuldade, a Maria. Se o
compadre quisesse tomar a menina, encarregar-se de sua educação, mediante uma
mesada, um pequeno auxílio...
O amanuense aceitou. Que fosse imediatamente para o norte. A vida no Ce-
ará não valia coisíssima alguma. O Pará, sim, aquilo é que é terra de fartura e de
dinheiro. Um homem trabalhador e honesto, como o compadre, com uma pouca
experiência, podia enricar da noite para o dia. Os seringais, conhecia os seringais?
eram uma mina da Califórnia. Tantos fossem quantos voltavam recheados, de mão
no bolso e cabeça erguida. E o Ceará? Fome e miséria somente. Num mês morriam
três mil pessoas, eram mortos a dar com o pé, morria gente até defronte do palácio
do governo, uma lástima!”
[…] “Mendonça podia mesmo demorar o tempo que quisesse no Pará, anos sé-
culos... a menina ficava em casa de gente séria, pobre, é verdade, mas honrada.”
(Extraído da página eletrônica www.bibvirt.futuro.usp.br, que reproduz a
edição publicada pela Editora Ática, de São Paulo (1985, Série Bom Livro).

• 55 •
história do povo brasileiro

Voltando às condições da chegada dos retirantes no litoral, especialmente


em Fortaleza, todos os cronistas salientam que os que abandonavam o sertão antes
chegavam em melhor estado físico do que aqueles que resistiam a sair e, portanto,
o faziam quando já não restava o que comer e, inclusive, quando já fazia tempo
que mal comiam. Frederico de Castro Neves confronta duas das interpretações
sobre o momento em que o retirante saía do sertão em direção ao litoral. Segundo
Rodolpho Theóphilo, os primeiros a chegar eram os mais preguiçosos, aqueles
que, anunciada a seca, em 19 de março, logo largavam tudo, sem se importar com
a colheita, provavelmente porque nada tinham plantado. Já o jornal Constituição
dava outra explicação. Quem primeiro saía era aquele que nada possuía, enquanto
os proprietários resistiam mais a deixar a terra68.
A seca de 1915 inaugurou uma nova metodologia de “assistência” aos flagela-
dos. Instaurava também o novo termo: “flagelado”. Se alguma coisa tinha aprendido
a classe dominante nas secas precedentes era que a “invasão” das cidades pelos
retirantes era perigosa ou, no mínimo, muito desagradável. Por isso foi criado o
campo do Alagadiço, onde os flagelados eram “amontoados”. A idéia apregoada
era que, ao isolá-los, seria mais fácil administrar os socorros. Mas o certo é que
o campo se transformou em centro de difusão de doenças e morte.
Em 1932, continuou-se com a política de campos de concentração. Desta
vez estes estavam espalhados também pelo interior do estado, para evitar que os
retirantes chegassem na capital. E, novamente, como em 1915, a conjuntura se
apresentou desfavorável para a emigração. Na primeira vez, foi a crise da borracha;
na segunda, a crise do café. Depois de 1915, o fluxo migratório para o Sul tinha
crescido muito. Mas com a crise de 1929 São Paulo não estava em condições de
“acolher” o fluxo emigratório que a seca expulsava do Nordeste. Villa69 registra
que os jornais cariocas, que em 1915 tinham proposto a imigração como solução
ao problema da seca no Nordeste, em 1932 afirmam que a seca era um problema
do Nordeste que deveria achar solução na sua região.
Estimava-se, só no Ceará, a existência de 150 mil retirantes. O interventor
Roberto Carneiro de Mendonça afirmava que, em janeiro de 1933, mês em que
voltou a chover, havia no estado 185 mil flagelados entre os alojados nos cam-
pos e os empregados nas Obras contra a Seca (em novembro de 1932, o ifocs
– Inspectoria Federal de Obras Contra a Seca – tinha informado que havia 220
mil trabalhadores nas obras)70.

• 56 •
Soldados da borracha

Desenho do Pouso do Prado em Fortaleza. Nestas


palhoças eram albergados os homens recrutados
como soldados da borracha. O desenho é de autoria Recrutas no Pouso do Prado assistindo ao culto religioso. O SEMTA tinha
de Jean Pierre Chabloz. (Acervo Jean Pierre solicitado à Igreja Católica tríplice assistência: às famílias nucleadas, aos
Chabloz - Museu de Arte da Universidade trabalhadores em marcha e aos trabalhadores nos seringais. (Relatório que
Federal do Ceará.) Helder Câmara elevou ao Núncio Apostólico D. Aloísio Masella.)

O ano de 1942 também foi marcado pela seca, criando uma conjuntura
favorável ao recrutamento de trabalhadores para os seringais da Amazônia. Em
1942 foram assinados os acordos com Washington, comprometendo o governo
Vargas a produzir borracha para os aliados, com o lema “mais borracha em menos
tempo”. Mas para isso precisava-se de um recrutamento maciço de trabalhadores
dispostos a deixar seus lares de um dia para o outro. A urgência marcava o ritmo
dos trabalhos de preparo de um amplo esquema de recrutamento e condução
dos trabalhadores até os seringais amazônicos.
A borracha no Brasil vinha de uma crise que se estendia desde 1910, quando
seu preço começou a cair, depois de dois anos de aumento e de uma alta abrupta
entre abril e maio. Em 1900 o Brasil produzia 26.750 toneladas de borracha e, em
1919, 34.285, enquanto a Ásia passou, no mesmo período, de 3 mil para 381.860
toneladas71. A indústria automobilística norte-americana vinha absorvendo grande
parte dessa produção asiática, mas a guerra interrompeu o comércio entre a Ásia
e os Estados Unidos depois do ingresso do Japão na guerra.
Fazia tempo que os Estados Unidos pesquisavam com a Alemanha em busca
da produção de borracha sintética, mas também não descuidavam das pesquisas

• 57 •
história do povo brasileiro

Um dos caminhões com que era realizado o trans-


porte dos soldados da borracha para a Amazônia. Na
foto menor, soldados da borracha num dos caminhões
do SEMTA. (Acervo Jean Pierre Chabloz - Museu de
Arte da Universidade Federal do Ceará.)

agrícolas nos campos experimentais na Costa Rica e, inclusive, na empresa de


Henry Ford, na bacia amazônica.
A guerra e a necessidade de borracha para a indústria bélica veio precipitar as
coisas. Recorria-se ao velho esquema que tinha proporcionado o boom borracheiro:
extrativismo, explorando os seringais amazônicos que estavam em mãos dos serin-
galistas tradicionais, aviamento–endividamento, arrendamento de estradas etc.
Havia urgência de borracha e, por isso, urgência de trabalhadores. A seca
de 1942, que não foi da gravidade das que a precederam no século xx, colocou
os retirantes em condição de ser recrutados. Rapidamente, a Coordenação da
Mobilização Econômica criou o semta (Serviço Especial de Mobilização de
Trabalhadores para o Amazonas). Também foi criado o sesp (Serviço Especial
de Saúde Pública), que tinha por objetivo sanear a Amazônia e a região do Vale
do Rio Doce, onde se produzia borracha e minério de ferro, matérias-primas

• 5 •
Soldados da borracha

estratégicas para o esforço de guerra norte-americano. A sava (Superintendência


de Abastecimento do Vale Amazônico) se encarregaria, entre outras atividades,
de internalizar os trabalhadores a partir de Belém. Colocou-se em marcha toda
uma maquinaria para conduzir rapidamente 50 mil trabalhadores ao Amazonas
para que estes produzissem as cotas previstas de borracha.
Com isso, caíam por terra os planos de sedentarização: colonização com núcleos
familiares do vale amazônico, como o governoVargas vinha apregoando fazia tempo.A
seca de 1942 transformou-se em uma solução para o problema da oferta de mão-de-
obra, mas também para o da justificativa “moral” do deslocamento de trabalhadores
de um ponto a outro do território nacional. Entre o seco e o molhado.

• 59 •
“Mais borracha para a vitória”
Art. 207. Aliciar trabalhadores de um local para outro do
território nacional.
Deve entender-se no dispositivo supra. Como crime de
aliciamento de trabalhadores […] a sedução para que o
trabalhador abandone serviço em que se ache ocupado para ir
para outra localidade do território nacional.
[…]
Como sedução no aliciamento de trabalhadores é de
considerar como eficiente a distribuição de prospectos,
oferecendo vantagens de bom tratamento e altos salários,
visivelmente impossíveis de ser pagos, pela natureza do
trabalho a fazer.
Aliciar, no sentido expresso acima, é recrutar: escolher
determinada espécie de trabalhadores, para um trabalho em
indústria especializada…
Ribeiro Ponte, Código Penal Brasileiro, 194272

O bombardeio japonês a Pearl Harbour, em dezembro de 1941, pôs fim à


ambigüidade da política externa do governo de GetúlioVargas e, de alguma forma,
condicionou a política interna a respeito da Amazônia. O ingresso dos Estados
Unidos na guerra exigiu uma posição clara das nações americanas. O domínio
japonês das ilhas do Pacífico cortou o fornecimento de borracha e, com isso, foi
necessário definir a política econômica dos países do continente que passaram
a abastecer as nações aliadas com matérias-primas. Em março de 1942 o Brasil
assinou em Washington uma série de acordos sobre matérias-primas estratégi-
cas, entre as quais a borracha. Durante a Primeira Guerra Mundial, cada pessoa
utilizava no serviço militar 16 quilos de borracha, enquanto na Segunda Guerra
Mundial essa quantidade tinha aumentado para 98 quilos73, motivo pelo qual
estava justificada a qualificação da matéria-prima como “estratégica”.
Fazia tempo que os Estados Unidos intentavam aumentar o suprimento de
borracha por meio da pesquisa voltada para duas áreas diferentes: a herveicultu-

• 61 •
história do povo brasileiro

O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL


O pan-americanismo a serviço dos Estados Unidos
As nações do continente americano, reunidas nas Conferências Interameri-
canas de 1936, 1938 e 1939, estabeleceram, respectivamente, em cada uma delas,
que: a ameaça a qualquer nação americana seria considerada ameaça ao conjunto
das nações do continente; seria ampliado o sistema de consultas entre as repúblicas
americanas para dar resposta rápida ante uma eventual ameaça externa; as Américas
manteriam a neutralidade ante o conflito europeu. Na Reunião de Chanceleres
do Rio de Janeiro (janeiro de 1942), logo após o ingresso dos Estados Unidos na
guerra (dezembro de 1941) – depois do ataque japonês a Pearl Harbor –,Washing-
ton pressionou para obter o rompimento de relações diplomáticas das nações do
continente com os países do Eixo.
O alinhamento do Brasil com os Estados Unidos implicou que o primeiro for-
neceria matérias-primas estratégicas – como a borracha – e permitiria a instalação
de bases militares norte-americanas no Nordeste para o estacionamento de tropas.
Os Estados Unidos financiariam a modernização das Forças Armadas brasileiras e
a criação da Companhia Siderúrgica Nacional.
Com efeito, em 28 de janeiro de 1942, foram rompidas as relações diplomá-
ticas com os países do Eixo. Esta tomada de posição do Brasil implicou a presença
de tropas norte-americanas no Norte e Nordeste do país. Aeronaves de combate
auxiliavam na patrulha anti-submarino e na proteção de comboios.
Sete meses depois do rompimento das relações diplomáticas com os países do
Eixo, veio a declaração de guerra em 22 de agosto, motivada pelo afundamento de
ra, isto é, o cultivo sistemático e racional de borracha, com plantas resistentes
e de alta produtividade, e a borracha sintética. O incentivo ao extrativismo, a
partir de 1942, foi somente circunstancial – e a terceira alternativa conjuntural.
E, dados os magros resultados obtidos com esta campanha, ficou evidente que a
crescente demanda não podia ser suprida com base no extrativismo tradicional.
As exportações da borracha brasileira, entre 1943 e 1946, alcançaram a cifra de
42,8 mil toneladas. Esta quantidade apresenta-se modesta quando comparada
com o consumo dos Estados Unidos em um único ano, 1943, quando os norte-
americanos consumiram 332,7 mil toneladas de borracha vegetal, 173,6 mil
toneladas de borracha sintética e 162,7 mil de regenerada74.

• 62 •
Soldados da borracha

vários navios mercantes brasileiros: dois nas costas dos Estados Unidos e seis nas
costas brasileiras, tendo morrido 607 passageiros e tripulantes.
O ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, propôs ao presidente
Getúlio Vargas a organização de uma Força Expedicionária Brasileira (feb) para
tornar efetiva a participação do Brasil na guerra. A feb adotou como emblema
uma cobra fumando, em alusão àqueles que diziam que o Brasil entraria na guer-
ra apenas no dia em que cobra fumasse. O Brasil, finalmente, entrava na guerra
enviando para a Itália 25 mil homens, totalizando 239 dias de combate, nos quais
morreram 465 homens.
Os afundamentos dos navios mercantes geravam grande apreensão, sobretudo
para os retirantes embarcados para a Amazônia:
“O porto de Fortaleza, como é sabido, ainda não tem cais, e, portanto, o embarque
tinha de ser feito, da ponte para o navio, através de embarcações.
“Assim, foram embarcados os 15.105 trabalhadores e 8.065 dependentes. A vida
a bordo era de apreensão pois que estávamos em tempos de guerra e a presença
do caça-submarinos e do avião não permitia que alguém pudesse esquecer tal
situação.
“Embora mal acomodados, na viagem que durava três a quatro dias, os nordestinos
esticavam suas redes onde houvesse um espaço disponível. Nem de outra forma
poderia ser…”
Relatório da Comissão de Encaminhamento de Trabalhadores para Amazônia.
Dezembro de 1945.

A borracha: da Amazônia para a Ásia e de


volta à Amazônia
Em linhas gerais, a história da exploração da borracha, em seus traços mais
amplos, é muito conhecida. Desde o fim do século xix, a borracha estava destinada
a transformar-se em um item importante das exportações brasileiras em razão
do crescimento da fabricação de veículos com motores de combustão interna
que revolucionou a indústria no século xx.
A seringueira, árvore de cujo látex se faz a borracha, é originária da região
amazônica. Sendo a borracha um produto extrativo, sua exploração tinha um

• 63 •
história do povo brasileiro

A BORRACHA AUTÓCTONE DAS AMÉRICAS


Os índios americanos conheciam algumas das propriedades e dos usos da bor-
racha antes da chegada dos espanhóis. Os astecas praticavam um jogo chamado de
tlachtloi, no qual duas equipes se confrontavam num campo, lançando uma pesada
bola de caucho maciça que só poderia ser tocada com os joelhos e os quadris.
Mas a borracha não despertou interesse comercial e científico até final do século
xviii. Em 1791, iniciou-se a primeira aplicação comercial da borracha, quando um
fabricante inglês patenteou um método para impermeabilizar tecido. Em 1820, o
inglês Thomas Hancock inventou uma fórmula para torná-la mais macia e resistente
à água. O químico e inventor britânico Charles Macintosh cultivou, em 1823, uma
planta em Glasgow para a fabricação de tecido e vestidos impermeáveis. Em 1839,
Charles Goodyear descobriu o processo de vulcanização. Posteriormente, vieram
os pneus para carros de John Dunlop (1888). A partir daí, a exploração da borracha
foi desatada, acompanhando o processo de industrialização e gerando histórias de
cobiça e crueldade.
O barão sul-americano da borracha, Júlio César Arana, protagoniza o capí-
tulo mais sórdido desta história. Nos 12 anos em que operou no rio Putumaio, na
Amazônia colombiana, a população indígena foi dizimada, passando de 30 mil para
8 mil habitantes.
Arana foi denunciado pelo cônsul britânico Roger Casement, mas só seria
realmente abalado com a concorrência asiática.
Um dos nomes mais “odiados” pelo setor borracheiro brasileiro é o do inglês
Henry Wickham, do Royal Botanical Garden em Londres, que veio ao Brasil e
colheu 70 mil sementes de seringueira (Hevea brasiliensis), que foram plantadas
nas colônias britânicas na Malásia. Depois de algum tempo, o Sudeste Asiático se
tornou grande exportador do produto, tirando do Brasil e dos outros produtores
americanos o papel de principais produtores. Contudo, não devemos esquecer que
a história da agricultura brasileira está povoada de plantas “exóticas” importadas
e, inclusive, contrabandeadas: cana-de-açúcar do Sudeste Asiático, café da Etiópia,
cacau da Colômbia e do Equador e soja da China.
limite óbvio. Outro limite, embora menor, era o problema do recrutamento da
mão-de-obra para sua exploração. Estas limitações condicionavam a oferta da
borracha, tornando-a insuficiente diante da crescente demanda do produto. A

• 64 •
Soldados da borracha

BORRACHA
Segundo o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, “cautchu” significa subs-
tância elástica e resistente, resultado da coagulação do látex de diversas plantas.
“Borracha” é a substância elástica feita do látex coagulado de várias plantas, prin-
cipalmente a seringa, a goma elástica, o caucho etc.

partir de final do século xix, intentou-se contornar tais dificuldades por meio
do contrabando para a Grã-Bretanha de algumas mudas da Hevea brasiliensis que
HenryWickham realizara em 1876. No Kew Garden, jardim botânico de Londres,
a planta foi aclimatada e dali passou para as possessões britânicas no Ceilão e as
possessões holandesas em Java, lugares onde foi cultivada de forma sistemática.
Segundo Celso Furtado, podemos desdobrar a produção da borracha em duas
etapas: a primeira se desenvolveu inteiramente dentro do território amazônico e
representou uma solução de emergência para o problema da oferta, fase que se
caracterizou também pelos preços crescentes, chegando à média de 512 libras a
tonelada.A segunda etapa caracterizou-se pela produção no Oriente, organizada em
bases racionais, introduzindo-se a borracha de forma regular no mercado a partir
da Primeira Guerra Mundial e reduzindo-se os preços a algo inferior a 100 libras a
tonelada. Esta última etapa implicou a decadência da produção amazônica.
No período entre guerras, Henry Ford teceu a idéia de produzir borracha
de forma racional e sistemática no território amazônico. Se a empresa iniciada
por Henry Wickham tinha levado a borracha a menos de 100 libras a tonelada,
ele cogitava conseguir abastecer suas indústrias por muito menos do que isso.
A “espionagem agrícola” de Henry Wickham levou a seringueira para o
Ceilão, Malásia e Java, numa experiência prévia de aclimatação, processo que
acontecia com todas as espécies vegetais transportadas de seus lugares de origem.
Lembremos que o produto de maior exportação brasileira do século xix, o café,
também teve que ser aclimatado. Originário da Etiópia, passou para a Holanda,
onde foi aclimatado no jardim botânico, de lá se deslocou para a França e desta
para suas possessões coloniais. Segundo a tradição, em 1726, o sargento-maior
Francisco de Melo Palheta foi enviado do Maranhão para a Guiana Francesa. Des-
sa viagem, voltou ao Pará com algumas sementes e mudas, apesar da proibição
expressa a respeito, dando-se assim início ao cultivo do café no Brasil75.

• 65 •
história do povo brasileiro

Segundo os historiadores ambientais, há uma história que não se encaixa


dentro das fronteiras nacionais, como é justamente o caso da história ambiental,
cujo problema não obedece necessariamente às delimitações estabelecidas pelas
fronteiras políticas76. Assim, as questões ambientais desafiam o espaço estreito
da nacionalidade, embora também haja temas ambientais que se desenvolvem
dentro desse quadro. A exploração da borracha na década de 1940 bebe nas
duas vertentes. Por um lado, faz parte de uma história ambiental amazônica
e, portanto, transnacional. Por outro, apresenta uma série de problemas que
dizem respeito às políticas internas brasileiras. A forma como foi organizada
a exploração da borracha naquela década tem relação com os compromissos
assumidos nos Acordos de Washington e com as peculiaridades do governo Var-
gas, assim como com os antecedentes e a formação social da região amazônica,
motivos pelos quais o tema também é parte de uma história ambiental dentro
das fronteiras nacionais.
É importante reforçarmos o caráter internacional da região amazônica:
67,79% da bacia amazônica pertence ao Brasil e 58,50% deste é amazônico e, por
isso, está totalmente justificada a identificação do Brasil com ela. Mas notemos
também que 74,44% do Peru é amazônico, 75% da Bolívia, 51% do Equador,
36% da Colômbia, 5,78% da Venezuela e 2,73% da Guiana77. Embora em nosso
trabalho nos restrinjamos à Amazônia brasileira, é relevante não esquecermos que
a situação de exploração da borracha nos outros países era muito semelhante à do
Brasil. Os outros países amazônicos também sofreram a perda do “monopólio”
quando apareceu no mercado a borracha asiática, e suas economias, sustentadas
na produção do caucho, foram abaladas. Também sua população indígena foi di-
zimada pelas condições de trabalho nos seringais e sua classe dominante criou
fortunas da noite para o dia.
Mas voltemos à experiência de Henry Ford na Amazônia. Ford não queria
depender mais dos preços que os ingleses e holandeses estipulavam. Se a iniciativa
de Wickham tinha dado lugar à maior plantação de borracha do mundo, o que não
poderia ele fazer no lugar em que a planta era autóctone? Foi baseado nessa idéia
que solicitou ao governo brasileiro terras no Tapajós para sua empresa agrícola.
Assim foi que começou o plantio de seringa de Ford no Pará.
Já se tinham realizado algumas experiências com o plantio de borracha na
Amazônia na região das ilhas do Pará muito antes que os britânicos interviessem no

• 66 •
Soldados da borracha

mercado da borracha através do cultivo sistemático em suas possessões orientais.


É que foi nas ilhas onde primeiro se esgotaram algumas “estradas” (ver Glossário),
motivo pelo qual uns poucos seringalistas realizaram reposições das árvores. Não
obstante, esses empreendimentos, escreveu Bárbara Weinstein, eram individuais
e raramente iam além de alguns milhares de árvores78.
GLOSSÁRIO
Arigó: segundo o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, trata-se do indivíduo rústico,
matuto, caipira. Segundo Samuel Benchimol, seu uso para denominar os imigrantes,
principalmente cearenses, que se dirigiam aos seringais, começou a difundir-se entre
1943 e 1944. A partir daí, teria tomado vulto suficiente para gerar uma polêmica
lingüística entre os filólogos da terra. O filólogo João Leda atribui influência à gíria
argentina. Arigó significaria malandro adventício que tira vantagens de alguém recém-
chegado, desconhecido.
Aviador: fornecedor de mercadorias aos seringueiros.
Brabo: Trabalhador recém-chegado ao seringal, desconhecedor das coisas da terra.
Estrada: grupo de 100 a 150 seringueiras que um homem entalha por dia. Cada estrada era
percorrida duas vezes ao dia: na ida, o seringueiro abria cortes na árvore e colocava o
recipiente em que cairia o látex; na volta, recolhia o látex depositado nesses recipientes.
“A estrada não tinha a largura do varadouro da véspera; trilho quase imperceptível,
sobre folhas e raízes, dobra aqui. Endereita ali, baixa a cabeça acolá para evitar galhos
e lianas, ia ligando no mistério da floresta uma seringueira à outra” (Castro, José Maria
Ferreira de. A Selva, Portugal, Guimarães & Ca., s/d.).
Freguês: nome que recebe o seringueiro que freqüenta sempre o mesmo armazém, de onde
retirava mercadorias e para o qual levava a borracha para vender. Estas operações eram
registradas num livro.
Manso: seringueiro prático, trabalhador experiente, pessoa afeita aos costumes amazônicos.
Tapiri: pequena palhoça onde se realiza a defumação, processo indígena de coagulação do
látex.
Fontes: Benchimol, Samuel. “O cearense na Amazônia. Inquérito antropogeográfico
sobre um tipo de imigrante”. Revista de Imigração e Colonização, ano vi, no 4, dezembro de
1945, p. 348; Romanceiro da batalha da borracha. Manaus, Imprensa Oficial do Estado de
Amazonas, 1992, p. 236-237; Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Segunda edição
revista e ampliada. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.

• 67 •
história do povo brasileiro

O empreendimento de Ford era pioneiro pela escala que tinha. Tudo dele
era medido em milhares e milhões. No final da década de 1920, o estado do Pará
havia concedido terras no Tapajós à Companhia Ford Industrial do Brasil. Em
1934, por meio de um termo aditivo ao contrato, a empresa trocou uma área
da primeira concessão por outra da mesma extensão e mais próxima à foz do
Tapajós. O nome Fordlândia, com que ficou conhecido o empreendimento de
Ford na Amazônia brasileira, corresponde estritamente à primeira área; a segunda
recebeu o nome de Belterra.
Quando a empresa começou a demonstrar algum sucesso, isto é, quando
foram plantadas 1 milhão de mudas e estas começaram a dar sinais de grande
vitalidade depois de dois anos, ninguém tinha dúvidas de que a empresa era bem-
sucedida, embora muita coisa ainda estivesse para acontecer.

ABAIXO O ESPINAFRE!
Por ocasião do x Congresso Brasileiro de Geografia (1944), o ibge (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) publicou Amazônia brasileira, uma coletânea de
trabalhos sobre a Amazônia, o tema do momento. Gastão Cruls contribuiu com um
artigo intitulado “Impressões de uma visita à Companhia Ford Industrial do Brasil”,
resultado de uma viagem que ele tinha realizado em 1938 e sobre a qual escrevera um
ano depois para a Revista Brasileira de Geografia. Suas palavras não poderiam ser mais
elogiosas para o empreendimento da Companhia Ford no rio Tapajós, na Amazônia.
Da conversa que Cruls manteve com o diretor-gerente da companhia, o senhor A.
Johnston, podemos destacar o principal problema que a administração enfrentava: a
falta de mão-de-obra. O maior número de homens teria sido obtido em 1931, quando
trabalhavam para a companhia 3.100 seringueiros. Mas, em lugar de aumentar nos
anos seguintes, este número diminuiu para 1.700 em 1938. Afirmava Johnston que
isto se devia à falta de costume do caboclo com o trabalho metódico e com a fixação
à terra. Johnston percebia que havia alguma diferença de natureza cultural, embora
talvez não conseguisse medir as suas conseqüências. Continuava o diretor informando
que havia horários de trabalho fixos: de 6h30 até 15h30, com uma hora para o almo-
ço. Este horário era marcado num relógio registrador, como o utilizado nas fábricas,
havendo relógios espalhados por vários pontos da imensa propriedade. Apoiando-se
num decreto estadual, em toda a concessão eram proibidas a venda e o uso de bebi-
das alcoólicas. Como em outras propriedades da Amazônia, havia um regulamento

• 6 •
Soldados da borracha

Do ponto de vista social, o modelo também se apresentava como exemplar:


os “caboclos” que trabalhavam para Ford, em número de 3 mil aproximadamente,
tinham casa com até três quartos e água encanada, contavam com hospital e recebiam
um pagamento “dez a vinte vezes maior” do que costumavam pagar os coronéis do
lugar. Não obstante, segundoVianna Moog, um motim explodiu ao grito de “Abaixo
o espinafre!”79. Não vamos analisar aqui a natureza desta ação dos trabalhadores,
mas é bom lembrar as análises de João Reis e Márcia Aguiar. Os autores salientam
que as chamadas “revoltas da fome” demonstram que não se pode estabelecer uma
relação direta entre revolta e fome, pois alguns episódios desse tipo de revolta
tiveram lugar em épocas de relativa abundância alimentar, associados a um temor
dos consumidores quanto à não-permanência da abundância. No complexo caso
de Fordlândia, os trabalhadores se revoltaram contra uma série de imposições que
a ser seguido. Os regulamentos em geral tinham o intuito de sujeitar o seringueiro
por meio de uma série de medidas que geravam seu endividamento. Embora alguns
afirmem que os regulamentos eram do período do auge da borracha, o certo é que
estes constituíram um conjunto de costumes ainda praticados nas décadas de 1930 e
1940, muito diferentes das normas da Companhia Ford.
O controle sobre os horários, sobre a comida e a bebida, sobre o lazer etc.
provocou o protesto dos seringueiros, para os quais “o modo americano de vida à
Ford” era insuportável. Produziu-se um quebra-quebra, depois do qual conseguiram
algumas liberdades, mais próximas dos costumes do caboclo amazonense. Segundo
Vianna Moog, “numa noite os dirigentes da Ford Motor Company aprenderam mais
sociologia do que em anos de universidade”.
Vejamos um trecho do episódio desta revolta no romance Fordlândia: un obscuro
paraíso, de Eduardo Sguiglia:
“ – Há que demitir os revoltosos e fuzilar os criminosos – disse Rowwe.
Olhei para ele fixamente, vi o medo no seu rosto e me encorajei.
– Eles querem botar fora seus antilhanos e o professor de dança, e que lhes permita
comer e beber outras coisas. Deram-me uma hora para pensar – disse –; se não lhes
concedemos o pedido ameaçam queimar toda a vila e partir no primeiro barco.
– Que pretendem, champanha e caviar? – perguntou-me.
– Não, feijão e cachaça – respondi.”

• 69 •
história do povo brasileiro

implicava a “forma americana de vida” (american way of life), cuja rejeição ia do es-
pinafre à casa quente construída sobre o chão, e não sobre palafitas80.
Com a deflagração da guerra, afirma o historiadorWarren Dean, descobriu-se
que as companhias químicas norte-americanas não dominavam o procedimento
para a produção de borracha sintética, daí a busca frenética de alternativas81. A
partir de 1940, antes do bombardeio a Pearl Harbour, o governo norte-americano
aprovou medidas destinadas a adquirir borracha. Em 1940 foi criada a Rubber
Reserve Company, com um capital de 140 milhões de dólares, cuja finalidade
era a aquisição de borracha. Outra instituição norte-americana, que interviria
na América Latina nas áreas gomíferas, ou nas que a seringa poderia se adaptar,
foi o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (usda – United States
Department of Agriculture), que planejava estratégias a longo prazo: ampliar a
heveicultura.
Na conjuntura de busca de suprimentos de borracha nos Estados Unidos,
lembrou-se que Ford tinha imensos seringais na Amazônia.Técnicos brasileiros
e norte-americanos visitaram as plantações. Buscava-se desenvolver espécies
que reunissem duas qualidades: produtividade e resistência ao mal-das-folhas.
Segundo Warren Dean, os pesquisadores do usda estavam convencidos de
que encontrariam no território do Acre e do Mato Grosso árvores que com-
binassem tais qualidades82. Mas esse projeto de heveicultura não implicava
que o cultivo sistemático das espécies borracheiras se limitasse ao território
brasileiro, nem ao amazônico. As espécies clonais resistentes serviriam para
os plantios no Panamá e na Costa Rica. Segundo Dean, a preferência dos nor-
te-americanos pela América Central deve-se talvez à estreita relação entre os
homens do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que realizavam
o trabalho de campo na América Latina, e os homens da Goodyear, que tra-
balhavam na América Central.
Observadores da rdc (Rubber Development Corporation) e do usda
visitaram as possessões de Ford em 1942 e examinaram os estragos causados
pelo mal-das-folhas. Os seringais foram novamente abatidos em 1944-1945.
Em 1946, Ford se retirou do Brasil; já desde 1944 existia a borracha sintética
e, desde 1942, os Acordos de Washington previam o incremento da produ-
ção de borracha no velho esquema: atividade extrativa com recrutamento
de mão-de-obra no Nordeste do Brasil. Quando Ford retirou-se do Brasil,

• 70 •
Soldados da borracha

transferiu as plantações ao governo pela soma de 250 mil dólares, ou seja,


o montante que a empresa devia a seus trabalhadores, de acordo com o que
a lei estabelecia sobre aviso prévio dos empregados. As estimativas mais
pessimistas da empresa afirmavam que ambas as plantações tinham custado
a Ford 20 milhões de dólares.

A propaganda do varguismo
Assinalamos anteriormente que, nas décadas de 1930 e 1940, com o discurso
de “unidade nacional”, um setor da sociedade, o formado pelos trabalhadores rurais
e pelos habitantes do campo, em geral, foi incorporado de forma simbólica ao
“corpo da nação”. Pela natureza desta incorporação, foi fundamental o trabalho
da propaganda oficial.
Durante o primeiro governo de Vargas surgiram órgãos de propaganda
oficial, que implicavam também controle e repressão de idéias contrárias ou
consideradas ameaçadoras. Com o Estado Novo, foi criada, em 1939, uma peça
fundamental: o Departamento de Imprensa e Propaganda (dip), órgão vinculado
diretamente à Presidência da República, que se ocupava não só do controle dos
meios de comunicação, isto é, da censura, mas também da difusão e da divulgação
das mensagens propagandistas. Em 1940 o dip teve seu poder ampliado com a
instalação, em cada estado do país, de um Departamento Estadual de Imprensa
e Propaganda (deip). Entre os objetivos do dip, estava centralizar, coordenar e
orientar a propaganda e auxiliar os ministérios e as entidades públicas e privadas
sobre a propaganda nacional, assim como incentivar a arte e a literatura “genui-
namente brasileiras”.
O trabalhador e o trabalho não eram prioritários nos meios de comunicação.
Por exemplo, na imprensa paulista controlada pelo dip os temas dominantes eram
a doutrina do Estado Novo e suas realizações. Entre 127 textos pesquisados por
José Inácio Melo Souza, 2,2% referiam-se a trabalho84. Silvia Goulart analisou o
conteúdo das matérias publicadas pelo deip de São Paulo na imprensa local em
seu estudo de 5.799 recortes de jornais anexados nos processos do deip. Esses
processos eram constituídos por correspondência de empresas editoriais recla-
mando o pagamento da publicação de materiais oficiais. Da tabela temática que

• 71 •
história do povo brasileiro

O DIP, O SAMBA E O TRABALHO


A influência que o dip exerceu na música é suficientemente conhecida. A censura
“direcionou” as composições de forma a serem elogiosas ao regime e às idéias que
este sustentava. No que diz respeito ao trabalho e ao trabalhador, o dip interveio no
sentido de que a música popular elogiasse as condutas morigeradas do trabalhador, e
não a vida desregrada da malandragem e dos malandros, como estaria fazendo o samba
desde a década de 1920. Alberto Ribeiro da Silva, em seu livro Sinal fechado, nos dá
alguns exemplos83. O samba “O bonde São Januário”, de Wilson Batista e Ataulpho
Alves, dizia na sua versão original: “Quem trabalha não tem razão/ Eu digo e não tenho
medo de errar/ O bonde São Januário/ Leva mais um sócio otário/ Só eu que não vou
trabalhar”. Mas depois de passar pela censura do dip, a canção assim homenageava a
vida do trabalhador: “Quem trabalha é que tem razão/ Eu digo e não tenho medo de
errar/ O bonde São Januário/ Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar”. A
partir de então, seriam mais freqüentes os sambas de exaltação do trabalho, como é o
caso de “O bonde Piedade”, de Geraldo Pereira e Ari Monteiro, de 1945.

ela elabora a partir das matérias pagas entre 1941 e 1944, depreende-se que o
tema trabalho teve uma média de 2,2%85.
Segundo Maria Helena Capelato, o trabalhador que aparecia nos cartazes
produzidos pelo dip era representado como força de trabalho. A organização
racional do trabalho era representada pelo binômio trabalhador–máquina. Nes-
se binômio, a máquina ofuscava o trabalhador. Capelato explica a inexpressiva
representação do operário na iconografia varguista pela negação estadonovista
de identidade de classe, substituída pela identidade nacional. Mas na propaganda
destinada ao recrutamento de nordestinos para a Amazônia o homem-trabalhador
foi a figura central (mais adiante veremos por quê).
A propaganda política vale-se de idéias e conceitos transformados em ima-
gens e símbolos. A principal referência da propaganda é trabalhar com elementos
de ordem emocional. Segundo Capelato, o objeto da propaganda política se define
no terreno onde política e cultura se mesclam com idéias e se relacionam com o
estudo dos imaginários sociais. Um dos conceitos-símbolo utilizados pelo Estado
Novo foi a bandeira e o bandeirismo, aos quais já temos nos referido bastante.
O regime também utilizou-se de outros de menor sofisticação teórica, mas de
grande aceitação popular, tais como: a simplicidade e a autenticidade da população

• 72 •
Soldados da borracha

sertaneja; seu destino de desbravadora do Norte e sua predisposição ao sacrifício;


a ocupação efetiva do território brasileiro como ações de patriotismo; a seca como
situação extrema e desumanizante. E, como contraponto a esse último aspecto,
a Amazônia era então apresentada como terra de possibilidades para aqueles que
não tinham opção alguma86.
A propaganda para mobilizar os trabalhadores para a Amazônia teve duas
dimensões: uma nacional e outra local. Na dimensão nacional, a batalha pela bor-
racha se encaixava no programa de ocupação e colonização dos “espaços vazios”
e nos esforços de guerra do Brasil. Na esfera local, a emigração de nordestinos
para a Amazônia era uma questão que contava com uma longa tradição e alguns
debates. Um dos destinos mais procurados pelos nordestinos nas conjunturas de
seca, e não apenas nestas, era o Norte, especialmente os estados do Pará e do
Amazonas. A propaganda para recrutar trabalhadores explorou alguns elementos
do imaginário, dos desejos e das emoções, por meio de símbolos e de um discurso
direto e apelativo.
O historiador italiano Carlo Ginzburg87 analisou um cartaz famoso que todos
já vimos alguma vez em sua versão original, ou nas imitações que correram o
mundo. Durante a Primeira Guerra Mundial, Lord Kitchner, secretário de Guerra
de Sua Majestade britânica, realizou um chamado às armas mediante um cartaz
que teve como resposta um alistamento voluntário sem precedentes. No cartaz
aparecia Lord Kitchner em uma perspectiva que deixava seu dedo gigante num
primeiro plano apontando ao espectador.Trata-se, segundo Ginzburg, de um dos
cartazes mais eficazes da história, e prova disso foi a adaptação que dele foi feita
pelos Estados Unidos e pela urss (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), em
que apareciam Tio Sam e Trotsky, respectivamente, e, claro, o resultado imediato
do recrutamento de voluntários para a guerra. A imagem no cartaz britânico era
acompanhada por estas palavras: Teu rei e teu país te necessitam, ou Kitchner quer
mais homens, Quero você etc. “A representação da autoridade atuou como a
própria autoridade”, concluiu Ginzburg. A que se deveu esse sucesso, ou melhor,
sua eficácia, se pergunta Ginzburg? Este historiador constrói a resposta utilizando
o conceito de “fórmula de emoção” de Aby Warburg88. Não entraremos aqui nos
detalhes da análise, mas é importante salientar que, para que um cartaz desse tipo
– de recrutamento de homens – tenha sucesso, ele deve comover, deve despertar
anseios ou apelar moralmente, deve acordar antigas emoções.

• 73 •
história do povo brasileiro

Como foi realizada a pro-


paganda para recrutar traba-
lhadores para a Amazônia? Essa
campanha contou com alguma
peça da eficácia do cartaz de
Kitchner?
O pintor suíço Jean Pier-
re Chabloz, que emigrou para
o Rio de Janeiro em 1940, foi
o encarregado de realizar parte
O cartaz original com Lord Kitchener convocando os britânicos a
defender seu país e, ao lado, sua famosa cópia norte-americana com o da propaganda oficial do semta
Tio Sam. Reprodução (Serviço Especial de Mobiliza-
ção de Trabalhadores para Amazonas). Depois de uma permanência de quase três
anos no Rio, fixou residência em Fortaleza após o convite de George Rabinovitch
para trabalhar no serviço de desenho da campanha da borracha. Como responsável
pela propaganda gráfica, realizou diferentes tipos de material: folhetos, cartazes,
caracterizou os caminhões em que eram transportados os soldados, fez os brace-
letes de identificação que levavam os trabalhadores etc.Trabalhou principalmente
com duas técnicas: desenho e colagem com fotografias.
Afirma Abraham Moles que, sobre a base da simplificação necessária, o
cartaz constrói um novo quadro de símbolos pertencentes à nossa cultura89.
Por exemplo: as faces coradas da criança de boa saúde e a transparência da água
mineral são símbolos elementares aceitos por todos. São símbolos “axiomatica-
mente evidentes, com conotações estereotipadas, que vão constituir-se em uma
linguagem simbólica das imagens”. Chabloz tinha trabalhado na Europa na área
de publicidade e realizara vários cartazes publicitários. Foi essa experiência que
utilizou em seu novo trabalho. As idéias sobre o Estado Novo e as deste a respei-
to do recrutamento de trabalhadores estavam mediadas, em grande parte, por
seus contatos, o círculo de funcionários que tinha viajado do Rio de Janeiro para
Fortaleza, em final de 1942, para organizar todo o serviço do novo órgão – todos
domiciliados, no princípio, em um par de hotéis do centro da cidade. Alguns
permaneceram ali até a dissolução do semta, uns tantos meses depois. Houve
um convívio muito intenso devido, sobretudo, ao tipo de trabalho, encarado
como uma missão dos homens do litoral, da cidade marchando para o interior

• 74 •
Soldados da borracha

– embora se tenha escolhido Fortaleza como sede. Segundo Mônica Velloso,


existia uma verdadeira divisão intelectual do trabalho entre os responsáveis por
produzir idéias, conceitos, valores, e os encarregados de os reproduzirem90. Qual
seria o lugar de Chabloz? Acreditamos que seu trabalho implicou duas coisas:
reproduzir idéias geradas pela “elite intelectual” do regime e criar, ele mesmo,
imagens e conceitos.
Uma das preocupações do Estado Novo, manifestada em sua campanha
“Marcha para o Oeste”, era a do movimento migratório dos sertões para o lito-
ral, expressada claramente nas palavras de Péricles Melo Carvalho: “Corrente
migratória dirigida no sentido inverso da marcha que a verdadeira civilização
indicava”; ou quando diz: “Encaminhar o trabalhador rural para seu respectivo
‘hábitat’”91. Na conjuntura da guerra, essa idéia foi representada por Chabloz
por meio de uma imagem: um mapa do Brasil, em cujo litoral pode-se observar
os soldados, e no interior amazônico os
seringueiros extraindo látex das árvores,
acompanhado da frase: “Cada um no seu lu-
gar!” (Ver imagem 1). A mensagem “cada um
no seu lugar” não está falando somente da
conjuntura – soldados na defesa do litoral
e seringueiros nas florestas extraindo látex
– mas, em geral, do lugar dos homens do
litoral, da cidade, e do lugar dos homens do
sertão, do campo. A imagem está dizendo
que no Brasil de Vargas cada um tem um
lugar, e era desejável que assim fosse. Na
fotografia de uma manifestação de trabalha-
dores no Rio de Janeiro, acontecida no dia
9 de novembro de 1940, pode ver-se um
grupo de homens carregando uma faixa que
diz: “Trabalhador também tem o seu lugar Imagem 1 - Soldados no litoral e seringueiros no in-
terior amazônico extraindo látex: “Cada um no seu lu-
no Estado Novo”92. Pela metáfora espacial, gar!”. A mensagem é que o lugar dos homens do litoral é
o Brasil em que cada um tinha seu lugar a cidade, e o lugar dos homens do sertão, o campo. No
Brasil de Vargas cada um tem um lugar, e era desejável
se contrapunha àquele do passado em que que assim fosse. (Acervo Jean Pierre Chabloz - Museu de
nem todos o tinham, o Brasil de inclusão Arte da Universidade Federal do Ceará.)

• 75 •
história do povo brasileiro

Imagem 2 - Grupos de
trabalhadores vão para a
Amazônia,“para a fartura”.
Cartaz colorido. (Acervo
Jean Pierre Chabloz - Mu-
seu de Arte da Universidade
Federal do Ceará.)
Imagem 3 - Uma imagem
idílica da floresta amazô-
nica começou a surgir nos
cartazes de recrutamento do
SEMTA. Neste, a exploração
de borracha aparece como
uma atividade de “fundo de
quintal”. (Acervo Jean Pierre
Chabloz - Museu de Arte
da Universidade Federal do
Ceará.)

se opunha, na propaganda, ao Brasil da exclusão. O Brasil da unidade era uma


somatória de lugares. O lugar do sertanejo era no sertão.
Outra das peças criadas por Chabloz é um cartaz colorido, desenhado a
partir de uma perspectiva muito particular (imagem 2). Enquanto grupos de tra-
balhadores vão para a Amazônia, “para a fartura”, quem observa o cartaz pode ser
o “caboclo passivo” da cena ilustrada por Chabloz: um homem forte encostado
no umbral da porta que vê passar os caminhões. É para ambos a frase: “Vai tam-
bém para a Amazônia protegido pelo semta”. O espectador da representação de
Chabloz é um homem de pés no chão, que está contemplando, ou esperando, e
em condições de ser um trabalhador recrutado e “protegido” pelo semta. É um
caboclo desenhado com traços arredondados, de membros grandes, como os
trabalhadores de Portinari – lembra muito o Lavrador, de 1934. O Portinari antes
de sua série de retirantes. O Portinari mais próximo do muralismo mexicano de
Siqueiros – com seus camponeses fortes – do que de Orozco, artista da tragédia
coletiva. O homem de Chabloz vê passar um grupo animado de trabalhadores
que o cumprimentam entusiasmados, felizes porque vão para a Amazônia.
Uma imagem idílica da floresta amazônica começou a surgir dos cartazes de
Chabloz. Num de seus cartazes, “Vida nova na Amazônia”, a exploração de borracha
aparece como uma atividade de “fundo de quintal”. Toda a cena é idílica e indica
fartura: casa, lenha, porcos, galinhas, boi e, para completar o quadro, uma criança

• 76 •
Soldados da borracha

brincando e uma mulher pendurando roupas brancas no varal. Até mesmo a densa
floresta amazônica não é tão fechada e deixa passar alguns raios de sol. A casa está
cercada e o homem está tirando látex de uma seringa vizinha ao cercado (ver imagem
3). Segundo Samuel Benchimol, o que a monocultura fez em outras regiões do Bra-
sil, o extrativismo fez na Amazônia: “Seringa e roça, portanto, não rimam bem…
Seringa rima bem é com béri-béri, com charque e farinha, com pirarucu seco e
feijão. Não combina com batatas, legumes, galinhas, ovos, leite”93. Nesta ilustração
de Chabloz, o extrativismo é uma atividade complementar na economia camponesa.
Salientemos que o público a que é dirigido o cartaz é sobretudo camponês, para o
qual a agricultura é uma parte importante do seu cotidiano.
O trabalhador recrutado recebia um enxoval composto por uma calça
de mescla azul, uma blusa de morim branco, um chapéu de palha, um par de
alparcatas de rabicho, uma caneca, um prato fundo, um talher que era colher e
garfo, uma rede e um saco de estopa. Esse enxoval foi desenhado por Chabloz

Imagem 4 - O trabalhador recrutado


recebia um enxoval composto por uma
calça de mescla azul, uma blusa de
morim branco, um chapéu de palha,
um par de alparcatas de rabicho, uma
caneca, um prato fundo, um talher que
era colher e garfo, uma rede e um saco Imagem 5 - Desenho que ilustra a parte do contrato referente às
de estopa. (Acervo Jean Pierre Chabloz percentagens que correspondiam ao seringueiro de borracha, castanha,
- Museu de Arte da Universidade caça, pesca e área de cultivo. (Acervo Jean Pierre Chabloz - Museu de
Federal do Ceará.) Arte da Universidade Federal do Ceará.)

• 77 •
história do povo brasileiro

e anunciado com as seguintes pa-


lavras: “Equipamento de viagem
fornecido pelo semta” (ver imagem
4). Este desenho correspondia à
cláusula segunda do contrato de
encaminhamento. A imagem 5
ilustra parte das cláusulas gerais
do “Contrato padrão de trabalho
nos seringais”, que dizia respeito
aos compromissos do seringalis-
Imagem 6 - As etapas da elaboração da borracha no traço de Cha-
bloz. (Acervo Jean Pierre Chabloz - Museu de Arte da Universidade ta. Estas ilustrações serviam para
Federal do Ceará.) tornar conhecido o conteúdo do
contrato numa sociedade em que grande parte da população era analfabeta. O
mesmo objetivo tem a imagem 6, que mostra os instrumentos de trabalho e o
procedimento para transformar o látex em borracha.
“Perfeitamente aparelhado, o semta alista, transporta, hospeda, veste, ali-
menta, ampara, trata e defende, por todos os meios, o homem que se entrega aos
seus cuidados, a fim de prepará-lo para o trabalho – sadio, forte, produtivo”, dizia
um texto da extensa propaganda de recrutamento. Era o que mais se assemelhava
a “direitos trabalhistas”.
As representações de Chabloz nos trazem o homem, a terra, a luta, para
usar o esquema de Euclides de Cunha. Diferentemente do trabalhador urbano,
o trabalhador rural é o centro da iconografia do semta. Na colagem feita com
fotografias (figura 7), o protagonista é o soldado da borracha. Ele aparece
em formação militar, fazendo ginástica, sendo examinado pelos médicos,
cortando o cabelo, fazendo a barba, sendo vacinado, jogando vôlei, luzindo
seu uniforme, marchando nos caminhões. Mas o centro do cartaz é o soldado
no singular, o homem que personalizou o chapéu dado para ele escrevendo
seu nome, Leonardo, de olhar orgulhoso e distante, de cruz amarrada ao
pescoço, carregando uma sacola nos ombros. Em várias das fotografias que o
rodeiam, aparecem funcionários do semta, também trabalhando, vacinando,
fazendo fichas, palestrando, organizando. A fotografia que constitui o cen-
tro, a de Leonardo, nos apresenta um homem “pronto”, que já passou por
todos os preparativos e, de sacola no ombro, está disposto a partir. Perdeu

• 7 •
Soldados da borracha

Imagem 7 - Na colagem feita com fotografias, o protagonista é o soldado da borracha. Ele aparece em formação militar,
fazendo ginástica, sendo examinado pelos médicos, cortando o cabelo, fazendo a barba, sendo vacinado, jogando vôlei, luzin-
do seu uniforme, marchando nos caminhões. Colagem realizada com fotografias da Aba Filme. (Acervo Jean Pierre Chabloz
- Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará.)

a vulnerabilidade que tinha deitado na camilha, de frente ao funcionário,


respondendo às perguntas para preencher a ficha, ou nas mãos do barbeiro
com navalha. Ganhou individualidade.
É uma campanha de recrutamento, como a realizada com o cartaz de
Kitchner. Apela-se ao heroísmo pessoal. O homem do campo, nessas ma-
nifestações, aparece desprovido de tecnologia, de maquinaria. É ele contra
a natureza. Ele espremerá a seringa até brotar o látex, o que fará com suas
próprias mãos.

• 79 •
história do povo brasileiro

Da sequidade à uberdade: outra viagem


Podemos nos aproximar do processo criativo de Chabloz por meio do bos-
quejo do cartaz “Rumo à Amazônia”. É evidente que quer explorar a sequidade
da paisagem nordestina e contrapô-la à uberdade amazônica. A migração se
apresenta nesta representação como um percurso entre dois pontos: um seco,
de formações vegetais tortuosas e com espinhos, e outro verde e frondoso. Se a
sequidade é a pobreza, a umidade é a riqueza; por isso, a esperança se transforma
em certeza, em fartura (ver imagem 8a e 8b). Nesse caso, está-se explorando uma
série de elementos que, se pretende, fazem parte do imaginário do sertanejo. De
fato, entre 1872 e 1900, segundo o cálculo de Furtado94, 500 mil nordestinos
se mobilizaram para a região amazônica, e o fizeram, em grande medida, com a
ilusão de enriquecer na terra da fartura. Nesta representação, porém, não só o
elemento de atração é importante, mas também o de expulsão: a sequidade. A
uberdade amazônica tem o mesmo efeito que as faces coradas da criança de boa
saúde, ou deveria ter.
Desde as primeiras crônicas sobre a América, as representações edênicas
estiveram vinculadas a ela e à paisagem tropical. Com o tempo, surgiria outra
imagem, a de floresta-inferno. Mas, no pensamento ocidental, a representação
paradisíaca ainda tinha força. Pode ser que, para o desenhista suíço, fosse axio-
mática a preferência pelo verde e úmido em contraposição ao cinzento e seco.
Mas Samuel Benchimol iria mostrar como os cearenses declaravam gostar do
“enxuto”, e não do “encharcado”95. Claro que essas declarações eram de cearenses
na Amazônia, e outra poderia ter sido sua representação do Vale do Grande Rio
antes de chegar nele.
Em 1944 foi realizado o x Congresso Brasileiro de Geografia. Nessa oca-
sião, Benchimol apresentou um trabalho intitulado “O cearense na Amazônia.
Inquérito antropogeográfico sobre um tipo de imigrante”. Era “um trabalho de
estréia”, como ele o definiu, no qual se propôs apanhar as primeiras impressões
dos imigrantes sobre a terra, o rio, a seca, a borracha etc. Para isso, entrevistou
mais de cem imigrantes, embora por questões metodológicas viesse a considerar
somente 55 entrevistas para a redação do artigo. Seu plano inicial era realizar
as entrevistas em diferentes pontos do trajeto do rio Amazonas, mas acabou
restringindo-as a Manaus. O imigrante, segundo seu dizer, chegava com algu-

• 0 •
Soldados da borracha

Imagens 8a e 8b - A migração se apresenta nestas imagens como um percurso entre dois pontos: um seco, de
formações vegetais tortuosas e com espinhos, e outro verde e frondoso. Se a sequidade é a pobreza, a umidade
é a riqueza; por isso, a esperança se transforma em certeza, em fartura. Bosquejo e cartaz definitivo. (Acervo
Jean Pierre Chabloz - Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará.)

ma experiência adquirida nas primeiras conversas nos portos de lenha onde


os navios paravam para carregar madeira a fim de abastecer as caldeiras dos
vapores. Nessa viagem vagarosa pelo rio Amazonas os imigrantes observavam
silenciosamente a transformação da paisagem, as águas movendo-se debaixo
do barco:
“As barracas mergulhadas, a canoa andando de um lado para outro como se fosse
um cavalo, o silêncio da atividade humana no meio da mata […] Daí o terror
pânico da água, o medo do rio que se agrava à medida que ele toma contato
definitivo com a várzea. O sertão ainda está perto dele”.
Por isso o recém-chegado diz coisas como: “Não gosto desta terra feia e
encharcada”, ou “gosto do enxuto”.
Benchimol começou a fazer as entrevistas em junho de 1942 e as termi-
nou em março de 1943, tendo assim a oportunidade de realizar sua amostra
utilizando 20 levas e abrangendo duas modalidades diferentes de imigrantes,
como ele os define: aqueles que foram por causa da seca e aqueles que foram

• 1 •
história do povo brasileiro

por causa da seringa. No período de seca, pesariam mais os fatores da expulsão


e, nos períodos em que o sertão “estava chovido”, os da atração.
Para compreender as possibilidades de “acomodação” dos imigrantes, Ben-
chimol se propôs a fazer uma análise de sua psicologia e das construções mentais
que faziam parte de suas bagagens. Um dos primeiros elementos que analisou para
tal fim foram a paisagem e a percepção desta. Quanto ao Nordeste e à Amazônia,
duas paisagens contrastantes, o que uma tinha de mais, a outra tinha de menos:
“Passamos bruscamente de um deserto para um dilúvio, da caatinga cinzenta e
quase-morta para a hiléia verde e sempre-viva”. Mas os contrastes não se limi-
tariam somente à paisagem, pois o homem do rio seria a antítese do homem da
seca: fisionomia, alimentação, gestos, cultura, psicologia, tudo nele era diferente.
Para definir essa diferença, a partir da antropogeografia do caminho, Benchimol
definiu: “Um em função do pé e da pata, o outro vivendo em razão do remo e
da canoa”. E continua a se perguntar com que termos se poderia associar o ser-
tão. Com terra seca, mandacarus, cáctus, caatinga, vaqueiros-sertanejos, bois,
cobras, queixos, farinha, rapadura, carne-de-sol, couro, agricultura – e, quando
havia inverno, chuva e algum verde. E em que termos associaria o rio? Paisagens
encharcadas, igapós, lagos, paranás, pirarucu, tambaqui, matrinxã, canoa, farinha-
d´água, economia extrativa, borracha, castanha, caboclo.
Benchimol define a relação com a nova paisagem como terror, pânico
d’água. O cearense sempre se lembra de seu sertão, embora devamos salientar
que os entrevistados são recém-chegados – “brabos” – desembarcados depois de
dias de navegação fluvial. Uma primeira impressão recorrente nas entrevistas é
esse estranhamento com a paisagem e a necessidade de a comparar com aquela
deixada para trás, o sertão, a terra firme. É o confronto do conhecido com o
desconhecido: “Eu não abandono o meu sertão. Quando aqui começa a trovejar
me dá uma vontade de ir voando para lá”. Quando perguntado sobre o destino
com que seguiria a viagem, outro dos entrevistados respondeu: “Vou para o Ju-
ruá, porque me disseram que é um lugar muito parecido com meu sertão. Gosto
do pé enxuto”.
Para os homens da Amazônia, sua pátria é o rio, a terra não tem expressão,
não tem importância dentro de suas representações. O ciclo de suas vidas está
relacionado com as águas, com os rios. Eles costumam dizer: “Nasci no Madei-
ra”, “casei-me no Tapajós”, “vim do rio Negro”, “estou indo para o Trombetas”.

• 2 •
Soldados da borracha

Segundo Benchimol, a terra não oferece lembranças. Já para o homem do sertão


é totalmente o contrário. Ele se sente filho da terra: “Minha terrinha”, “minha
pátria”, “criei-me no Crato”.
Este amor pela terra, segundo o sociólogo amazonense, era uma das difi-
culdades para a “acomodação” do imigrante, para ele ficar na Amazônia. Todos
pensavam em voltar.
“Então já se considera amazonense?
O senhor me desculpe, seu moço. Tenho 51 anos de Amazônia. Gosto muito
desta terra, criei-me a bem dizer aqui, mas não renego a minha pátria. Sou
cearense até o infinito”.

Do plano do Conselho de Imigração e


Colonização ao do Conselho Nacional de
Economia
As imagens de seca e uberdade foram muito utilizadas desde o início da
campanha da borracha. A seca de 1942 foi de uma oportunidade sem igual para os
planos de recrutamento do governo. Não só porque disponibilizou trabalhadores,
o que é muito importante, mas porque enquadrou a ação do recrutamento numa
perspectiva solidária e de necessidade. O Estado aparecia como mediador entre
necessidades e oportunidades.
Em agosto de 1942 a Revista de Imigração e Colonização dedicou um número
aos problemas ligados ao encaminhamento de trabalhadores nordestinos para
os seringais da Amazônia, responsabilidade naquele ano, ainda, do Conselho de
Imigração e Colonização. Desde 1940 o governo vinha se encarregando de “fa-
cilitar” a emigração de nordestinos para os seringais por meio de concessão de
4 mil passagens no Lloyd Brasileiro e na Amazon River. Mas o governo, depois
de dois anos, não estava satisfeito com os resultados conseguidos desse modo.
Achava-se que a imigração assim incentivada era desordenada e não respondia
às necessidades da região. O presidente da República confiou ao Conselho de
Imigração e Colonização a elaboração de um plano de exploração e colonização
do vale amazônico que considerasse a forma mais adequada de colocação de
trabalhadores nordestinos nos seringais.

• 3 •
história do povo brasileiro

Segundo o Conselho, ao elaborar o plano, teve-se em mente corrigir falhas


anteriormente registradas quanto aos métodos de recrutamento, seleção e enca-
minhamento, como também se tinha considerado evitar abusos, antes cometidos,
regulando as condições de trabalho pela mediação de um contrato.
O plano dizia responder a duas necessidades: a de execução do acordo
Souza Costa, referente à exploração de borracha com mão-de-obra nacional,
e a de “providenciar desafogo” das grandes cidades do Nordeste, onde se tinha
produzido uma aglomeração de retirantes por causa da seca.
O mesmo relatório registrava que, das três etapas consideradas essenciais para
a boa execução do plano (seleção, transporte e localização), a primeira evitaria
“inconvenientes”, como os ocasionados quando o recrutamento foi indiscriminado
e foram dadas passagens a mulheres, barbeiros, alfaiates, marceneiros, artífices de
todo tipo, “seduzidos pela facilidade do transporte”. É interessante notar que essa
outra imigração correspondia aos objetivos destacados por Vargas no “Discurso
do rio Amazonas”. O primeiro era o de sedentarização, para o qual a presença da
mulher era fundamental, como também a de uma série de ofícios, representados
por esses outros trabalhadores “indiscriminados”. Já em 1942 o ministro Antônio
Camillo de Oliveira, presidente do Conselho de Imigração, frisava que o novo
plano previa a seleção dos trabalhadores adequados para a indústria extrativa da
borracha. Ciente dos problemas em torno do trabalho nos seringais, o ministro
afirmava que, de acordo com a política de trabalho do governo, se tinha pensado
em um contrato entre seringalista e seringueiro para evitar, como sempre tinha
acontecido, que a dívida consumisse o salário do trabalhador e o deixasse “preso”
a um patrão.
O conselheiro Dulphe Pinheiro Machado, do Conselho de Imigração e Co-
lonização, realizou em maio de 1942 uma viagem pelo Nordeste a fim de elabo-
rar um plano para encaminhar os trabalhadores nordestinos para os seringais da
Amazônia. Esse plano, embora “provisório”, já que finalmente a ação foi executada
pelo Conselho Nacional de Economia, é muito relevante porque assenta as bases
para a elaboração do plano posterior, não só por suas qualidades intrínsecas, mas
também pela urgência com que foi preciso atuar.
A relação seca–emigração tem um lugar de relevo no discurso oficial. E
isso é importante salientar porque pela exploração do tema seca buscavam-se o
consenso, a legitimidade política e social. Havia várias vozes que se levantavam

• 4 •
Soldados da borracha

no país dizendo que as migrações nordestinas deixariam o Nordeste sem popu-


lação, e nós já vimos como esta questão era levantada desde as secas-emigrações
do século xix. Falava-se em sacrifício de alguns estados em benefício de outros.
Por isso, em várias peças de propaganda, tanto na imprensa de circulação mais
restrita como na grande imprensa, insistia-se em que o governo federal não tinha
poupado esforços para fixar os sertanejos em seu próprio hábitat96. Para isso,
teriam sido muito importantes as obras contra a seca: açudagem, irrigação, reflo-
restamento. Não obstante, estas iniciativas, dizia-se, não poderiam dar solução a
um problema tão vasto, pelo qual os sertanejos, ante o flagelo da seca, voltavam
a emigrar, como tradicionalmente o faziam, só que agora o governo imprimia
um ritmo a essas migrações, objetivando “estabelecer o equilíbrio entre as massas
que se deslocam e as necessidades da produção nacional”.
Dulphe Pinheiro Machado, em sua viagem pelo Nordeste, percorreu os
estados de Pernambuco, Ceará e Piauí. Dos três, o segundo era o que se apre-
sentava como o mais favorável para recrutar trabalhadores, já que mais atingido
pela seca. Em sua capital, Fortaleza, encontravam-se concentrados milhares de
retirantes alojados nos galpões da Polícia Marítima e Aérea e num local deno-
minado Urubu. Outros encontravam-se no pavilhão da Inspetoria Federal de
Obras Contra as Secas. O fato não era novo, dizia Pinheiro Machado, pois desde
o século xix o povo afluía para as cidades durante as secas. Dava grande relevân-
cia aos socorros que o Estado organizou em 1932, quando foram criados vários
campos de concentração que evitaram o ingresso dos flagelados dentro da cidade.
Por todas as informações que ele conseguiu levantar nessa viagem, considerou
que deveria ser criado um albergue central em Fortaleza. Antes de ir embora da
cidade, Pinheiro Machado deixou um plano de emergência para ser executado
pelo delegado regional do Ministério do Trabalho, dispondo sobre hospedagem,
alimentação, vestuário, identificação, embarque e adiantamentos.
Previa-se que os contratos entre trabalhadores e seringalistas seriam feitos
pela Divisão de Terras e Colonização do Ministério de Agricultura. No trabalho
de fiscalização, o Departamento Nacional de Imigração seria auxiliado pela
Divisão de Fomento Agrícola, que controlaria os preços dos gêneros fornecidos
aos trabalhadores. Sabia-se que este era o calcanhar-de-aquiles das relações de
trabalho no seringal. Dois pontos das Disposições Gerais referiam-se a isto e
tinham o objetivo de prever os problemas decorrentes do “endividamento”. O

• 5 •
história do povo brasileiro

Foi criado um serviço especial para cuidar da saúde dos recrutados, o Ser-
viço Especial de Saúde Pública (sesp), que manteve uma estreita relação
com o semta.Tipos biológicos como o deste desenho eram utilizados para
Homens do Pouso do Prado, já uniformizados, “catalogar” os trabalhadores.
ouvem, embaixo do alto-falante, as indicações
que continuamente recebiam por este meio.

ponto 6 estabelecia que os pagamentos dos trabalhadores deveriam ser feitos


semanal ou quinzenalmente, não podendo ser realizados mediante a emissão
de vales. Os proprietários receberiam as quantias que os trabalhadores qui-
sessem depositar, sem cobrar juros por isso, estando obrigados a entregá-las
quando solicitadas, escriturando-as nas cadernetas. O ponto 7 estabelecia que
os trabalhadores poderiam comprar os gêneros alimentícios e utilidades onde
lhes aprouvesse.
No mesmo ano de 1942 a Coordenação da Mobilização Econômica foi
incumbida de realizar um plano geral para seleção e encaminhamento de traba-
lhadores para a Amazônia. Pelo Decreto-lei no 4.750, foi criado o semta, e pelo
Decreto-lei no 5.044, de 4 de dezembro de 1942, criada a Superintendência de
Abastecimento do Vale Amazônico (sava). O primeiro encarregava-se de recrutar
e levar o trabalhador até Belém; a partir dali, a sava colocava o trabalhador nos
seringais e se encarregava, com a rdc, de fornecer gêneros essenciais diretamen-
te aos seringalistas, evitando os intermediários, que não tardaram a se queixar.
Segundo Nelson Prado Alves Pinto, depois do breve interregno bélico, a sava e
a rdc passaram a operar por intermédio dos comerciantes da região, pondo fim,
dessa forma, às tentativas de enfraquecer a estrutura do aviamento.

• 6 •
Soldados da borracha

O semta teve uma vida curta e intensa. Por meio dele foi organizado ra-
pidamente todo um sistema que implicava assistência às famílias, seleção dos
trabalhadores, alojamento nas barracas, chamadas de pousos, exames médicos,
alimentação, transporte, vestuário e adiantamentos até ser colocado nos seringais.
Mas o encontro do litoral com o sertão não seria tão simples como fora pensado
e projetado no papel. Um funcionário encarregado de recrutar trabalhadores no
interior, ante a dificuldade de conseguir um número relevante de “voluntários”
por terem começado as chuvas, dizia que os boatos sobre a natureza do trabalho
que deviam realizar eram “desconcertantes e estúpidos”, arraigados na mentali-
dade dos sertanejos.
Do Crato, Paulo Assis Ribeiro, diretor do semta, escreveu para um de seus
colaboradores, em 24 de fevereiro de 1943:
“Prezado Hyder
Escrevo-lhe às pressas, às dez horas da noite, no ligeiro intervalo de mil coisas a
tratar, do insano trabalho de manter em ordem esse grupo de vadios que estou
procurando fazer viajar amanhã…”97

CARTA DO INTERVENTOR DO ESTADO DO CEARÁ, MENEZES PIMENTEL, DIR-


IGIDA AOS PREFEITOS DE SEU ESTADO
Fortaleza 12 de maio de 1943
Senhor prefeito de …..
Criado pelo Decreto-lei no 4750, representa o semta um dos aspectos essen-
ciais do esforço de guerra de nosso país no sentido de dar pleno cumprimento à
palavra de ordem de nosso preclaro presidente Getúlio Vargas.
A fim de incentivar o mais possível a batalha da produção, recomendo com
o mais vivo empenho, seja prestada por essa prefeitura toda a colaboração que se
fizer mister para o mais completo êxito do agenciamento de homens válidos, para
engrossar as fileiras dos soldados da borracha.
Lembro que, ao nosso querido Ceará – nesta hora difícil que atravessa a grande
Pátria comum – compete, além de todos os serviços que está empenhado no Serviço
do Brasil e das Nações Unidas, assegurar a continuidade de sua missão histórica de
pioneiro da conquista amazônica, povoando, civilizando e extraindo os recursos
naturais do Vale do Grande Rio. Maximé quando a borracha representa uma das

• 7 •
história do povo brasileiro

matérias-primas essenciais às indústrias de guerra das Nações Unidas, em particular


de nosso grande aliado, os Estados Unidos da América do Norte – com o qual o
governo brasileiro assumiu compromissos internacionais para o fornecimento em
grande escala da preciosa hevea. E, para assegurar o cumprimento desses acordos,
se faz mister mobilizar grande número de braços e encaminhá-los ao Amazonas para
o fecundo e patriótico labor de extrair, sempre cada vez mais borracha, cabendo
aos cearenses, dada a nossa densidade de população e a nossa tradicional política
emigratória, uma grande parte do esforço comum do Brasil.
Concretizando esse magnífico esforço, foi que o eminente presidente Getúlio
Vargas fez criar como órgão da Coordenação Econômica, o Serviço Especial de
Mobilização de Trabalhadores para Amazonas (semta) que em caráter executivo,
desde fevereiro último está transportando homens, dentro das melhores condições
possíveis de amparo social, religioso, econômico e sanitário, juntando assim, além
do dever patriótico, vantagens inúmeras, que possibilitarão ao nosso homem e a
suas famílias uma sensível melhoria de seu nível de vida, de educação e saúde.
Espero, assim, que de vossa parte e de vossos imediatos auxiliares, não serão
poupados esforços para incentivar a propaganda dos objetivos do semta, prestigiar
a ação dos representantes desse órgão e encaminhar todos os homens válidos que no
momento estejam desempenhados ou desejosos de seguirem para a Amazônia, aos
postos mais próximos de seleção e concentração do semta, localizados nas cidades
de Sobral, Iguatu e Crato, onde serão devidamente atendidos.
Atenciosas Saudações
Dr. F. Menezes Pimentel
Interventor Federal
Conclui a carta com um pós-escrito dizendo que anexa cartazes e material
de propaganda.

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Soldados da borracha

“De tua triste e sem sorte esposa”:


as cartas das mulheres do nordeste

O s milhares de trabalhadores nordestinos recrutados desde inícios de


1943 para trabalhar na região amazônica na extração da borracha assinaram um
contrato de “encaminhamento”, no qual podiam optar – e a grande maioria optou
– pela assistência que o semta oferecia para suas famílias que ficavam no Nordeste.
Muitas mulheres (e filhos) desses trabalhadores permaneceram em seus lugares de
origem ou nas hospedarias improvisadas, esperando o momento para empreender,
também elas, a viagem que as levaria ao encontro de seus maridos, ou aguardando
o retorno destes ao termo de dois anos de ingresso no seringal.
Nas hospedarias, chamadas de “núcleos”, longe dos maridos, entre pessoas
estranhas e tendo que seguir normas e ordens antes desconhecidas, essas mulhe-
res escreveram cartas angustiadas a seus esposos. Cartas pedindo desculpas pela
fraqueza de se queixar; contando das injustiças contra elas cometidas; do desejo
de ir ao encontro deles; das saudades sentidas por elas e pelos filhos. Cartas nas
quais uma mulher podia assim se definir: “Tua triste e sem sorte esposa”.
Depois, em junho de 1944, quando foi suspenso o pagamento da assistência,
sentiram-se novamente abandonadas e escreveram ao presidente da República,
Getúlio Vargas, como último recurso, apelando por justiça.

• 9 •
história do povo brasileiro

o Serviço Especial de mobilização de


trabalhadores para Amazonas (SEmtA)
Em 1942 foi criado o semta, com sede na cidade de Fortaleza, subordina-
do à Comissão da Mobilização Econômica, que seria substituído em setembro
de 1943 pela caeta (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Traba-
lhadores para Amazônia). O alinhamento do Brasil com os Estados Unidos e
os acordos assinados com este país previam que a região amazônica proveria
de borracha os aliados, substituindo os estoques asiáticos, naquele momento
indisponíveis. Nessa nova conjuntura de aliança, o povoamento e a fixação de
famílias na bacia amazônica já não eram empreendimentos prioritários e, por
isso, conforme já analisamos, recorreu-se ao tradicional recrutamento de tra-
balhadores nordestinos para serem conduzidos aos seringais. Tradicional nos
dois pólos da imigração: na origem e no destino.
Na origem, apesar das novidades nos mecanismos de recrutamento – alo-
jamento em hospedaria, assistência médica e social, serviço de propaganda,
transporte gratuito e contrato –, também se usou dos agentes de recrutamento

Leva de soldados da borracha em caminhões e marchando pelo centro de Fortaleza antes de uma das partidas para a Amazônia.
(Acervo Jean Pierre Chabloz - Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará.)

• 90 •
Soldados da borracha

tradicional, já que a classe proprietária do Nordeste não abria mão tão facilmente
daqueles trabalhadores-moradores que constituíam sua força política e econô-
mica. Em todas as oportunidades em que os proprietários do Nordeste haviam
aberto mão de “sua” força de trabalho, fizeram-no em condições-limite, quando
já não podiam reter essa população no território, quase sempre nos complicados
quadros de seca. Os agentes tradicionais sabiam, mais ou menos, como lidar com
os coronéis. Tradicional também foi o “aproveitamento” que se fez da conjuntura
de seca, quando em 1942 milhares de sertanejos rumaram para o litoral em busca
de auxílio98.
No destino, em lugar de famílias povoando e ocupando a região amazônica na
qualidade de pequenos proprietários, como o discurso varguista vinha salientando,
a urgência da demanda e as condições impostas pelo financiador do projeto – os
Estados Unidos, por intermédio da rdc – vieram reforçar uma velha prática.
Assim, os seringalistas se beneficiaram de uma política nacional numa conjuntura
internacional específica.
Angela de Castro Gomes99 afirma que desde a Primeira República vinha-se
abandonando o liberalismo, o que se evidenciava na política tarifária, de valori-
zação do café e da imigração. A novidade, a partir dos anos 1930, era a demanda
por uma intervenção do Estado no mercado de trabalho. Mas, no caso dos traba-
lhadores rurais do Nordeste, essa intervenção também tinha seus antecedentes.
Não foi a primeira vez que o Estado interveio para agenciar trabalhadores para
outras oligarquias regionais.
Como em muitos outros aspectos do Estado Novo, produziu-se uma ci-
são entre o escrito e a realidade concreta. A respeito da legislação trabalhista
plasmada na clt (Consolidação das Leis do Trabalho), John French100 analisa
a distância entre o real e o ideal. Este historiador afirma que, considerada em
seu momento como uma das leis mais avançadas no mundo, quando se examina
mais acuradamente o mundo do trabalho vê-se que na prática ela era aplicada
de forma muito irregular e insatisfatória. Havia desigualdades evidentes entre
campo e cidade, entre regiões do país e, inclusive, entre setores e ocupações nas
áreas urbanas. Como já assinalamos em outro capítulo, os benefícios das “leis
sociais” não eram para os trabalhadores do campo. Segundo o declarado pelos
homens do regime, não seriam os trabalhadores rurais os beneficiários dessas
leis naquele momento histórico, embora argumentassem que seriam posterior-

• 91 •
história do povo brasileiro

mente incluídos. Segundo Alcir Lenharo101, ao abordamos o binômio conceitual


campo–cidade no discurso do período Vargas, observamos que a percepção
deste seria esquizofrênica. O sertão é tomado como reserva de brasilidade,
onde se encontra a retaguarda moral do país, enquanto as cidades, ou o litoral,
apresentam-se estandardizadas, mancomunadas com o capitalismo internacional
e submetidas a sua influência dissolvente, não obstante as cidades receberem
benefícios postergados ao campo.
SOLDADOS DA BORRACHA PARA MATO GROSSO
A caeta e o Departamento Nacional de Imigração (dni) também incentivaram
e organizaram a emigração para os seringais de Mato Grosso. O recrutamento de
trabalhadores foi realizado por solicitação dos proprietários de seringais mato-
grossenses.
Os trabalhadores, uma vez recrutados, eram conduzidos para a Hospedaria
de Imigrantes da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, sendo submetidos a exame
médico, da mesma forma como era feito em Fortaleza, a fim de proceder-se à
seleção dos que fossem aptos para o serviço. Nessa mesma hospedaria, os homens
recebiam equipamento idêntico ao fornecido aos trabalhadores da Amazônia.
Os aprovados no exame de saúde partiam da Ilha das Flores, fazendo o seguinte
itinerário: Rio de Janeiro, São Paulo, Bauru, Campo Grande e, finalmente, Cuiabá.
Nesta última cidade, os homens eram recebidos por um representante da caeta e
distribuídos pelos seringais.
Foram encaminhados para Mato Grosso 624 trabalhadores.
No Rio de Janeiro havia sido recrutado o primeiro contingente de soldados
da borracha. Estes trabalhadores foram concentrados em Fortaleza, mas nem todos
os que chegaram lá continuaram rumo à Amazônia.
No seu depoimento para a Comissão Parlamentar de Inquérito (cpi) da Bor-
racha, Paulo de Assis Ribeiro102 disse que do Rio de Janeiro para o Norte levaram
somente uma quantidade pequena de trabalhadores: 1.452 homens. Reconheceu
que esta foi a leva que deu mais trabalho, havendo um número relativamente alto
de “reconduzidos” para o Rio de Janeiro por motivo de “indisciplina”, “incapaci-
dade física” e “inconveniência no serviço”.
Relatório da Comissão de Encaminhamento de Trabalhadores para Amazônia, s/e, s/l,
dezembro de 1945.

• 92 •
Soldados da borracha

A peça fundamental: o contrato


As denúncias dos abusos cometidos durante o período áureo da borracha
não permitiam encaminhar os trabalhadores em idênticas condições às do período
anterior. Para minimizar os efeitos sociais desastrosos do novo surto produtivo,
elaborou-se um contrato: o de Encaminhamento, que trazia anexadas as cláusulas
gerais do contrato-padrão de trabalho nos seringais103. De acordo com a primeira
parte do contrato, os órgãos do Estado encarregados de encaminhar trabalhadores
para a Amazônia se comprometiam a oferecer assistência médica aos trabalhadores,
concentrá-los, transportá-los, vesti-los e alimentá-los até sua colocação nos seringais.
No item “assistência às famílias” havia algumas diferenças entre os contratos do semta
e os da caeta. Pelo primeiro, às famílias assistidas seriam creditados dois cruzeiros
por dia por dependente, não superando o montante de oito cruzeiros, qualquer
que fosse o número de dependentes (cláusula quarta). À família do trabalhador que
optasse pela assistência do semta, mediante desconto dos vencimentos ou de quais-
quer outros proventos obtidos pelo contratado, seria assegurada a continuação da
assistência prevista durante toda a vigência do contrato do trabalhador no seringal.
Para assegurar transparência, o valor dessa assistência seria escriturado mensalmente
na caderneta a ser emitida pelo empregador na forma da lei e dos regulamentos que
vigiam. Essa assistência somente cessaria em caso de rescisão de contrato ou quando
a família do trabalhador viesse a se unir a este no local de trabalho. Semelhante ao
semta, a caeta comprometia-se a fornecer como assistência à família dois cruzeiros
por pessoa, até um total de oito cruzeiros por trabalhador, desde a data da assina-
tura do contrato até a colocação nos seringais. Após a colocação do trabalhador no
seringal, a assistência à família continuaria a ser prestada, sendo as importâncias
correspondentes debitadas na caderneta do respectivo trabalhador, por ocasião da
liquidação da safra, por intermédio do Banco da Borracha S.A.
De acordo com a segunda parte do contrato, o seringalista se obrigava a:
entregar ao seringueiro as estradas arrendadas em condições que permitissem
sua exploração imediata; fornecer adiantamento em gêneros alimentícios, peças
de roupa e medicamentos de uso comum, utensílios e ferramentas necessários
ao serviço e à extração de látex, inclusive arma e munição de caça. Esses forne-
cimentos, supostamente, não poderiam visar lucro e deveriam ser lançados na
caderneta do seringueiro.

• 93 •
história do povo brasileiro

O seringueiro comprometia-se a trabalhar seis dias por semana, quer na época


apropriada à extração do látex, quer no período de entressafra. Toda a borracha
produzida deveria ser entregue ao seringalista. Da borracha produzida pelo serin-
gueiro, lhe seriam creditados no mínimo 60% sobre o preço oficial que vigorava
nas praças de Manaus e Belém. O seringueiro também teria direito aos animais
abatidos e poderia cultivar um hectare de terra, livre de qualquer ônus.
Um contrato “para inglês ver” ou, neste caso, para norte-americano ver.
Uma vez que o trabalhador ingressava no seringal, era impossível fiscalizar.
Nelson Prado Alves Pinto considera as garantias do contrato impraticáveis nas
condições peculiares da Amazônia104. Como indicadores da impraticabilidade da
fiscalização, ele assinala: a) a precariedade das comunicações da região, deixando
os trabalhadores em áreas que distavam dias ou semanas de viagem do núcleo
populacional mais próximo; b) o fato de que um banco recém-criado, o Banco
Nacional da Borracha, fosse encarregado de fiscalizar as relações de trabalho
adotadas por seus clientes.
ROGER CASEMENT (KINGSTOWN, 1864- LONDRES, 1916)
Em 1902 Roger Casement era o cônsul britânico no Congo Belga. Nesta
função escreveu um memorandum pouco usual para o Foreign Office, na Inglaterra,
denunciando as atrocidades cometidas na exploração do caucho contra os habitantes
da África Central, sob o domínio de Leopoldo ii da Bélgica.
Estima-se que durante o domínio de Leopoldo ii morreram no Estado Livre
do Congo de 5 milhões a 8 milhões de habitantes. O Congo esteve sob domínio
pessoal de Leopoldo ii, entre 1883-1884, quando da Conferência de Berlim, e 1906,
quando a pressão internacional, motivada pelas denúncias, obrigou-o a cedê-lo ao
Estado Belga.
Milhões de congoleses eram obrigados a cumprir cotas estabelecidas pela
Companhia. Cada aldeia devia se encarregar de uma determinada quantidade de
caucho, marfim e resina de copal. A aldeia que não cumprisse era exterminada e
queimada. Penas “menores” e individuais eram as amputações de algum membro.
Para a conscientização das atrocidades acontecidas no Congo foram funda-
mentais os trabalhos de Roger Casement e do publicista E. D. Morel.
Em 1910 Roger Casement se internou na Amazônia. Como cônsul britânico
no Brasil, foi-lhe encomendado investigar a situação da exploração de borracha

• 94 •
Soldados da borracha

Os abusos nos seringais eram internacionalmente conhecidos. A Selva (1930),


do português Ferreira de Castro, foi um dos romances em língua portuguesa que
mais recebeu traduções. Castro tinha emigrado para o Amazonas com apenas 12
anos de idade ou, como ele mesmo dizia com precisão de trauma, “com 12 anos, 7
meses e 14 dias”. Sua chegada no Pará foi em 1911. Durante quatro anos trabalhou
como caixeiro de armazém num seringal de nome Paraíso105, período no qual
não deixaria de sofrer e ser sensível ao sofrimento dos seringueiros cearenses e
paraenses. Experiência que marcaria sua obra. Quando Jean-Pierre Chabloz fez a
primeira viagem ao Norte para conhecer, junto com a comissão, as possibilidades
de organização com que poderiam contar, ele registrou em seu diário que, em 2
de janeiro de 1943, no Maranhão, Stella Pitaluga relatou para ele as experiências
desastrosas dos seringueiros cearenses no Amazonas, acrescentando que toda essa
triste realidade estava retratada no livro A Selva, de Ferreira de Castro.
Também Roger Casement, cônsul britânico no Rio de Janeiro desde 1910,
a quem se lhe encomendou investigar os escândalos do Putumaio na Amazônia
no Putumaio. A Peruvian Amazon Company tinha criado outro “Congo”, desta
vez em terras americanas. Júlio César Arana era o responsável por essa companhia
internacional radicada em Londres, onde teve que prestar contas ante a Câmara
dos Comuns, em 1913. Casement escreveu, em 1911, Putumayo: caucho y sangre.
Un informe al parlamento inglês. Suas denúncias colocaram Arana na situação de
“acusado”. Como resultado, a empresa foi liquidada, mas na década 1920 Arana
a recompôs. Por outro lado, Casement, o denunciador das atrocidades coloniais,
que tinha sido nomeado Sir pelos seus serviços prestados, foi condenado à morte
e enforcado em 1916 acusado de traição. Defensor da causa nacional irlandesa
durante a Primeira Guerra Mundial, instou prisioneiros irlandeses a lutar contra
a Grã-Bretanha. Retornando à Irlanda em um submarino alemão, foi detido pelos
ingleses. Para macular a sua honra, de acordo com a moral britânica do início do
século xx, seus diários da expedição a Putumaio foram falsificados, destacando-se
neles sua condição homossexual.
Camacho, Roberto Pineda; Arana, Julio César y Casement, Sir Roger. “Destinos cru-
zados. El caucho, un comercio infame”. Revista Credencial Historia. Bogota –Colombia, Edición
160, abril 2003.

• 95 •
história do povo brasileiro

peruana, fez conhecer ao mundo o que acontecia com os trabalhadores na re-


gião. Embora a Inglaterra estivesse interessada nos assuntos que se referiam à
companhia Peruvian Amazon Company e à Casa Arana, o informe de Casement
demonstrava a utilização de trabalho escravo e, entre outras coisas, como Arana
descia o rio Amazonas e ia até o Nordeste brasileiro, especialmente até o Ceará,
em busca de trabalhadores. O certo é que, fosse pela literatura, fosse pelos relatos
consulares, ou pelos cronistas nacionais, os abusos da exploração borracheira
eram bem conhecidos.
O contrato do semta, com todas as suas limitações, foi peça fundamental
do programa de recrutamento e estava afinado com o novo lugar reservado ao
trabalho pelo Estado Novo. Esse contrato que o trabalhador assinava antes de
partir podia ser um pedaço de papel para o seringalista, mas não o era para o
seringueiro, nem para a sua família, que o levaram muito a sério, como veremos
a seguir106.

maridos e esposas
O semta recrutava e encaminhava homens, somente homens. Porque,
como mostramos, já não se tratava mais de um projeto de colonização, mas de
uma campanha de exploração: “Mais borracha em menos tempo”. Entretanto,
essa preferência não implicou que todos os recrutados fossem solteiros e não
tivessem família.
Os trabalhadores podiam assinar tipos de contrato que estabeleciam assis-
tências diferenciadas para suas famílias. Os contratos de encaminhamento eram
idênticos para todos os trabalhadores, o que mudava era o tipo de assistência
familiar. Os dependentes do trabalhador, em sua maioria mulher e filhos, podiam
permanecer em hospedagens administradas pelo semta, comprar os alimentos
nos barracões do semta a preços mais baixos que os de mercado ou poderiam
receber a assistência somente até a chegada do trabalhador no seringal. Paulo
de Assis Ribeiro, diretor do semta, comunicava aos funcionários em São Luís e
Belém que os contratos dos trabalhadores cujas famílias eram assistidas levavam
um carimbo indicando o tipo de assistência e o número de dependentes. Seguem
diferentes tipos de contratos:

• 96 •
Soldados da borracha

“502 – Declaro que opto por que meus dependentes diretos só recebam a assis-
tência relativa a eles durante a vigência do contrato de encaminhamento, ficando
sua assistência por minha conta quando estiver localizado nos seringais.”
“503 – Declaro que meus dependentes diretos devem ser nucleados de acordo
com as normas da assistência dada pelo semta aceitando as condições fixadas
para este caso nas cláusulas respectivas do contrato de encaminhamento e
subseqüentes.”
“504 – Declaro que meus dependentes diretos ficarão para efeito de receberem
a assistência dada pelo semta, associados às cooperativas organizadas pelo semta,
aceitando as condições fixadas nas cláusulas respectivas do contrato.”
“505 – Declaro que os meus dependentes diretos ficam sob minha exclusiva
responsabilidade.”
O folheto de propaganda “Rumo à Amazônia”107, destinado a motivar tra-
balhadores para se apresentarem como voluntários para a batalha da borracha,
depois de apelar ao patriotismo e às vantagens econômicas para o trabalhador,
dizia, em sua décima página:
“AMPARO À FAMÍLIA:
A família deste homem – a sua esposa, os seus filhos?…
Também não foram esquecidos. As pessoas de família, que dependem do
trabalhador alistado no semta, ficarão a salvo das necessidades, amparadas
financeiramente com a quantia de Cr$ 2,00 (dois cruzeiros) até Cr$ 8,00
(oito cruzeiros), cada uma, ou, cabendo-lhes, alojamento, alimentação – e,
em todos os casos, assistência médica, prática da religião católica etc. À fa-
mília do soldado da borracha não faltarão elementos para manter dignidade
de vida…”
O Regulamento do SEMTA108 dedicava-se no capítulo 2, seção iii, à assistência
social, estabelecendo:
“Art. 13 – O semta, tendo como finalidade no campo social garantir a preser-
vação da família do trabalhador mobilizado, a qual só poderá seguir para junto
do mesmo quando os meios de transporte e as condições locais de saneamento
e abastecimento na Amazônia forem favoráveis, organizará os serviços de assis-
tência social de forma a atingir a consecução deste objetivo fundamental.

• 97 •
história do povo brasileiro

Art. 14 – A Assistência econômica aos dependentes será feita por meio do fundo
de assistência às famílias, constituído pelas contribuições fixadas nos acordos
respectivos.
Art. 15 – As formas de assistência variarão conforme os casos de dependentes
que desejem ou não o alojamento fornecido pelo semta.
Art. 16 – Será facultado aos dependentes, nos locais de nucleamento, assistência
nas formas econômica, médico-social, educacional e religiosa, sendo nestes
pontos facultado trabalho a todos que estejam em idade e condições físicas de
prestá-lo.”
Um grande número de mulheres e crianças, dependentes dos soldados da
borracha que optaram pela assistência “nucleada”, ficaram na cidade de Fortaleza
no núcleo Porangabussu, dirigido pela senhora Regina Frota, mulher de Jean
Pierre Chabloz – o artista plástico contratado para realizar tudo o que implicasse
propaganda e desenho gráfico, do qual tratamos no capítulo anterior.

Crianças com dos funcionários do SEMTA no Núcleo das famílias em Parangabaçu, em Fortaleza. (Acervo Jean Pierre Cha-
bloz - Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará.)

• 9 •
Soldados da borracha

Entre os materiais pertencentes ao corpus documental “Regina Frota”, deposita-


do no Museu de Arte da Universidade do Ceará (mauc), encontramos um conjunto
de cartas escritas pelos soldados e por suas esposas. As cartas dos maridos foram
enviadas de diferentes pontos da Amazônia e chegaram ao destino – o núcleo – ou,
mais precisamente, a Regina Frota, porque estavam endereçadas a ela, com quem
esses esposos tinham conversado antes de partir e na qual confiavam, segundo se
depreende da leitura das correspondências. As cartas das esposas, por sua vez, não
chegaram ao destino. Pelo fato de encontrar-se entre os papéis do arquivo men-
cionado, é evidente que nunca saíram do núcleo. Mas por que não teriam saído?
Na realidade, não é muito difícil de imaginar. O tom das cartas dá um indício forte
sobre os motivos de sua “retenção”. Somos propensos a pensar que não chegaram
a seus destinatários em razão de seu conteúdo. Mas também podemos salientar
a dificuldade de se conseguir o endereço para enviá-las. Quando depôs na cpi da
Borracha, em 1946, o diretor do semta, Paulo de Assis Ribeiro, disse:
“Devo ainda informar que dispúnhamos de uma secretária, encarregada da
correspondência das famílias dos trabalhadores, que escreviam por dia cente-
nas de cartas. A dificuldade estava em saber para onde endereçá-las. Enquanto
os trabalhadores estavam em viagem, até Belém, eram remetidas para o nosso
pouso. Daí em diante não tínhamos endereço certo. Em Belém, conseguimos
com a sava o endereço de algumas famílias e desse modo pudemos manter a
correspondência entre o trabalhador e a família, até 1943.”
Em 14 de maio de 1943, na hospedaria de Belém, José Rodrigues de Car-
valho, um dos trabalhadores recrutados no Ceará, que tinha deixado sua família,
composta de seis pessoas, no núcleo Porangabussu, escreveu diretamente à senhora
Regina Frota. Escreveu porque um “fulano” na hospedaria tinha recebido carta da
mulher dizendo que ela e as filhas estavam passando fome. Conforme escreveu,
“Além de vossa mercê já ter feito muita fineza […] não acredito […] acho impos-
sível”. Depois de recomendar a família e pedir para que desmentisse os “dizeres”
que chegaram em Belém, informa que fizeram boa viagem, consideraram ótimo
o pouso em que estavam, tinham saldado o dinheiro e não lhes faltava nada.
Esta carta de José Rodrigues é o primeiro registro de que alguma coisa não
estava se passando como era o esperado e de que essas notícias viajavam com a
correspondência das mulheres até seus maridos.

• 99 •
história do povo brasileiro

Há uma primeira carta muito significativa da saudosa Elcidia Galvão, de


20 de junho de 1943. Sua saudade é tão grande que a leva a escrever a seu Cur-
sino frases como estas: “Hoje as saudades cruxificam-me mais do que nunca”;
“Quantas noites, quantos dias o meu coração invadido de umas infindas saudades
e muitas vezes derramam-se meus olhos lágrimas por esta tua ausencia por tão
longos tempos”; “Vivo neste núcleo de tristeza sem você”. Mas suas cartas não
são somente de saudades, pois Elcidia se queixa amargamente das condições de
vida no núcleo, onde “já botaram inquisição por causa do fumo”. Ela informa ao
marido que advertira à “mulher do Doutor”, dona Ivete, e ao doutor também
que preferia ser “enxotada” a deixar de fumar, já que fumar e chorar eram seus
únicos confortos.
Seis dias depois, Joana Abreu escrevia a seu esposo Guilhermino, dese-
jando-lhe que suas linhas o encontrassem gozando de saúde e felicidade. Já
ela, dizia, passava seus dias horrivelmente devido a problemas que tinham
aparecido no núcleo. “A mulher do doutor Pinto tem implicado com o fumo,
“MEU QUERIDO CURSINO
Felicidades!
Hoje as saudades cruxificam-me mais do que nunca e faço-te estas para ver se
obtenho ao menos em sonho uma notícia tua. Já estou quase sem esperança de ti me
dar as notícias porque sei que as dificuldades são muitas com esta já são duas cartas que
ti escrevo para ver se tenho alivio mas nada. Por que? Já estou por ti esquecida? O nosso
Samuel diz: mãe, papai parece já ter esquecido de nós porque todo mundo escreve
para sua família e papai não, todas as noites ele pede para eu ensinar o Padre Nosso
para oferecer ao Divino Espirito Santo para tu ser feliz e mandar notícias. Sempre
quase todos os dias ele amanhece contando um sonho que tem contigo, ele já perdeu
2 kilos e meio. Está com uns tumores na perna. Cursino aqui já botaram inquisição
por causa do fumo, eu já disse à senhora do Doutor e ao Doutor que preferia ser
enxotada do Núcleo mas de fumar não deixava pois que é meu único conforto aqui é
fumar, vivo neste Núcleo de tristeza sem você, mãe sem adrente, sem ter a quem dar
as minhas queixas, o meu consolo é fumar e chorar, a maior parte das mulheres que
tem aqui são o cão de carne, vivem de foxicos e brigas e de prometeres de quebrar a
cara umas das outras, são um pessoal que ninguém pode ter amizade de cento se tira
uma, baste que eu lhe diga isto. E mesmo só tu poderá dar alivio a minhas saudades,

• 100 •
Soldados da borracha

pois tu sabes que eu não passo sem o fumo. Quero que tu mandes dinheiro
para eu comprar.”
Quase um mês depois, Maria Filisolina de Abreu escrevia a seu esposo,
Abel, para comunicar-lhe a situação em que se encontrava no Núcleo: “Aqui sou
uma desprezada”. Segundo ela, todos os problemas começaram quando o doutor
Pinto levou a mulher para o núcleo e esta “inventou umas leis que não podem
ser criadas”; primeiro, quis proibir o fumo, mas, como não obteve êxito, então
decidiu cercar um dos barracos para as fumantes.
Estava se organizando outro núcleo para o qual as mulheres e crianças seriam
trasladadas e, dizia-se em Porangabussu, que seria coordenado pela mulher do
doutor Pinto. Maria Filisolina prognosticava ao marido que nesse dia, quando dona
Ivete fosse diretora do Núcleo, começaria a “guerra civil”, porque as mulheres não
aceitavam as leis dela, que era do Rio de Janeiro, porque elas eram do interior,
conforme a carta. Filisolina o informa também de que o inconformismo não era
de uma ou duas famílias, mas de muitas. Muitas “que combinam que a liberdade da
tu deve compreender em que sentido eu digo mas acho tão custosos estes seis meses
mas como Deus te levou pode trazer ou mesmo levar portanto vou-me conformar
não é. Quantas noite, quantos dias o meu coração invadido de umas infindas saudades
e muitas vezes derramam-se meus olhos lágrimas por esta tua ausência por tão longos
tempos, sempre vejo-te em sonho mas tão diferente comigo, sonho realizado o que
mais desejo, compreende? é…
Cursino, peço-te que quando tiveres dinheiro não esqueça de mim e dê sempre
notícias que servirá de conforto para mim, conte-me tudo como é e como passas.
Eu fui assistir a tua saída com o Samuel e não mais encontrei foi para mim um dia
de Juizo.
Cursino, posso ficar tranquila? Como tu [não] me escreve sempre e manda me
buscar com 6 meses? Tua mãe manda abraços e te abençoa, ela reclama porque tu
é muito grosseiro em não dar notícia. Samuel e Agenice envia-te abraços. Abençoa
o Samuel.
Adeus tua saudosa esposa
Elcidia Galvão
Fortaleza, 20/6/43
Responda”

• 101 •
história do povo brasileiro

escravatura foi acabada”. Mas por que essa relação com a escravidão? Não somente
pelas regras do “bom viver”, como não fumar, mas porque se dizia que no outro
Núcleo as mulheres iriam trabalhar sem receber nenhuma remuneração. Joana
tinha escrito para Guilhermino: “O cativeiro aqui está de não suportar. Vamos
para o outro com mais sujeição que os presos, é para todo mundo trabalhar”.
Embora as cartas de Elcidia, Joana e Maria Filisolina não tivessem chegado
ao destino, outras o conseguiram. Eram cartas que deveriam conter mais ou
menos as mesmas queixas. Alfredo Mesquita de Oliveira, por exemplo, escreveu
de Manaus, em 15 de julho, a dona Regina pedindo como favor que, quando
fizessem trabalhar às mulheres, dessem serviços mais “maneiros” a sua esposa,
Antonia Araújo, e que esta levasse as filhas sempre consigo. Alfredo pedia trabalhos
“mais maneiros”, pois tinha tomado conhecimento de que elas iriam fazer tijolos,
telhas e “trabalhar de enxada”, e a mulher dele não tinha costume de fazer esses
trabalhos. Além disso, escreve ele, “quando eu fui fazer a ficha de família falamos
em trabalhos maneiros como tem de fazer rendas e engomar bordados, criar
galinhas e diversos maneiros”.
Em 13 de agosto, Manoel Souza Viana escrevia também a Regina Frota.
Dizia que tinha recebido informação de que no Núcleo havia problema com o
trabalho pesado e difícil, que ele achava não ser adequado para essas mulheres e
mães de família, sendo
“irresistível principalmente para a minha senhora [porque] ela não tem cos-
tume e mesmo eu nunca botei ela para fazer esses trabalhos, […] não assinei
este contrato de nuclear a minha mulher para ela trabalhar pesado. O con-
trato que eu assinei foi para ela ficar no Núcleo obtendo o conforto assistida
e amparada”.
Como dissemos, o contrato poderia ser um pedaço de papel para o serin-
galista, mas não para o seringueiro. Não era por acaso que Alfredo e Manoel
sublinhavam, respectivamente: “Quando eu fui fazer a ficha...”, “o contrato que eu
assinei...”. O papel que eles tinham assinado implicava “assistência e amparo”: as-
sim estava escrito e assim o compreenderam. O contrato mencionava 20 vezes o
termo “assistência” e isso não tinha passado despercebido pelos trabalhadores.
As mulheres do Núcleo Porongabussu não estavam de favor ali e assim
também não se sentiam. Segundo o contrato, ao trabalhador que optasse pela

• 102 •
Soldados da borracha

assistência providenciada pelo semta para seus dependentes, lhe seriam creditados
sete cruzeiros por dia transcorrido sem prestar serviço, e 11 cruzeiros por dia em
que o prestasse. Além disso, como assistência à família, seriam creditados pelo
semta dois cruzeiros por dependente. No momento de assinar a ficha familiar, os
trabalhadores foram informados de que as mulheres realizariam alguns trabalhos
no Núcleo, mas estes seriam “maneiros”, como costurar, bordar, engomar etc.
Trabalhos que eles e elas consideravam apropriados para uma mulher.
Sabemos que a origem dessas mulheres, na sua imensa maioria, era o in-
terior do Ceará, sendo elucidativa a esse respeito a frase “porque ela é do Rio e
nós somos do interior”. Foi lá, nos sertões, que se incentivaram os mecanismos
do recrutamento dos trabalhadores para serem encaminhados ao Amazonas.
Devemos lembrar que 1942 foi ano de seca, a qual, embora não tenha sido tão
grave como a de 1932, disponibilizou grande número de trabalhadores do inte-
rior. Essa conjuntura foi aproveitada pela agência recrutadora, assim como pelo
discurso oficial, de forma a apresentar a migração para a Amazônia como uma
ação de socorro público.
As mulheres e os filhos que estavam no Núcleo aí permaneceriam tempo-
rariamente, à espera do retorno de seus cônjuges ou de serem encaminhadas
para junto deles. Essa última alternativa era a forma que tinha encontrado o
semta para conciliar os interesses norte-americanos, de mais borracha, e os
estadonovistas, de povoamento. Por esse motivo, as cartas das mulheres citadas
aqui lembram seus maridos sobre o prazo de seis meses a partir do qual eles
poderiam levá-las.
Em uma segunda carta, Elcidia Galvão dirá a seu Cursino: “Se você não
tomar providência aí com o chefe eu aqui tomo, retirando-me nem que seja para a
Emigração Getúlio Varga”, e quando menos você espera eu chego como ‘aflagelado’
ainda no Pará.” As opções destas mulheres eram muito restritas. Uma era a rua:
“João você mande nos buscar para nós ir, se você não mandar, você vai ver eu sair
daqui nem que seja para o meio da rua porque eu nunca levei descomposta de nin-
guém para hoje eu levar”. Outra opção era o distante e complicado encontro com
seus maridos na Amazônia. Não obstante isso, elas não se deixaram amedrontar.
Chegar como “aflagelado”, como anunciava Elcidia a seu marido, era posicionar-
se num lugar de extrema inferioridade. “‘Aflagelado’” – diz Lúcia Arrais Morales
– “é alguém no extremo da sobrevivência em condições de inferioridade e cuja

• 103 •
história do povo brasileiro

ida para o Norte somente pode ser realizada no marco dos socorros públicos”.
Flagelado se opunha a mobilizado109.
A partir da idéia de “miserabilidade” da população nordestina na conjuntura
de crise, chegou-se à errada conclusão de que as esposas aceitariam qualquer
condição. Não era bem assim. Essas mulheres não sentiam que lhes estavam
“matando a fome”, não se conformavam com um prato de comida balanceado
por uma nutricionista, não fariam qualquer trabalho por um teto e uma cama
limpa. Elas tinham alguns costumes que pretendiam manter. Elas queriam fumar
e estavam cientes de que era o trabalho de seus maridos o que as mantinha. Não
sentiam nenhum tipo de agradecimento pela “assistência”.
Entre os maridos, o sentimento de gratidão é maior. Eles tinham deixado
suas famílias na “segurança” de que seriam amparadas. A figura maternal de Regina
Frota, com quem trataram antes de partir, é muito importante em seu julgamento
do Núcleo e na decisão de empreender a viagem sozinhos.
A vida do semta foi curta, sendo substituído, em 14 de setembro de 1943,
pela caeta. As explicações dadas para esta mudança não foram muitas nem con-
vincentes. No relatório realizado depois de um ano de funcionamento, a caeta
assim explicava sua existência:
“Trabalhadores já haviam sido recrutados no Nordeste e encaminhados para
a Amazônia por dois órgãos federais: o Serviço Especial de Mobilização de
Trabalhadores para Amazônia e a Superintendência de Abastecimento do
Vale Amazônico. O primeiro fazendo o recrutamento e encaminhamentos
até Belém, no estado do Pará, e o segundo continuando o encaminhamento
além de Belém, até a colocação dos trabalhadores nos seringais.
A prática havia demonstrado que a execução do serviço em dois setores não
era aconselhável.
Surgiu assim a necessidade de se continuar o serviço sob a administração de
um único órgão.”
O ministro João Alberto, coordenador da Mobilização Econômica, emi-
tiu uma portaria em novembro de 1943 na qual comunicava que, por meio do
acordo celebrado em 14 de setembro de 1943 entre o presidente da Comissão
de Controle de Acordos de Washington, a rdc, e a sua repartição, extinguia-se o
contrato firmado em 21 de dezembro de 1942 entre o semta e a Rubber Reserve

• 104 •
Soldados da borracha

Company (nesse momento Rubber Development Corporation). Considerava


ainda que o semta já tinha organizado e posto em funcionamento os serviços de
recrutamento para oVale Amazônico, previstos no extinto contrato. Na “novíssima
conjuntura”, segundo ele, era necessário estabelecer uma unidade de serviços
administrativos e de controle destinados ao cumprimento do acordo de 14 de
setembro de 1943, criando-se para tal fim a caeta, à qual caberia administrar
o fundo especial estatuído no mesmo acordo e cumprir as funções que antes
desempenhava o semta.
O próprio Paulo Assis Ribeiro, diretor do semta, foi tomado de surpresa.
Naqueles dias deixou Fortaleza e viajou para o Rio de Janeiro para se reunir com
o coordenador da Comissão de Mobilização Econômica e organizar o traspasse
– experiência que parece ter sido um pouco dolorosa. Em carta enviada a sua
mulher Vera, que permanecia em Fortaleza, assim despediu-se dela:
“um grande abraço certo que compreenderá o que não devo escrever para não
perder as forças tão necessárias ao prosseguimento desta luta interminável que
é a nossa vida.
Um beijo de Paulo”
Foram muitos os funcionários que se deslocaram para Fortaleza com
suas mulheres. E algumas delas passaram a ser funcionárias do semta, como
no caso da mulher do doutor Pinto, a “dona Ivete” tão “odiada” pelas mu-
lheres dos trabalhadores. Mas nem todas as funcionárias eram “esposas”. Os
cargos de nutricionista e assistente social também eram desempenhados por
mulheres. Os jornais chegaram a noticiar: “Os trabalhadores comandados
por uma moça chegaram à Amazônia”, “Uma senhorita seguiu para o ‘front’
da borracha com os trabalhadores!”. Tratava-se de Stela Pitaluga. Havia um
“lugar para as mulheres” no governo Vargas, e as mulheres dos trabalhadores
o tinham compreendido muito bem.
Mas voltemos à extinção do semta e suas conseqüências. A nova comissão,
a caeta, cortou o pagamento da assistência familiar, quando então as mulheres
voltaram a escrever para reclamar, apelar por humanidade e algo mais: justiça.
Mas desta vez escreveram para Getúlio Vargas. E esta é outra parte da história da
fúria epistolar dessas mulheres do Nordeste.

• 105 •
história do povo brasileiro

A assistência às famílias
Do Crato (Ceará), um grupo de mulheres escreveu ao presidente dizendo que a
assistência às famílias tinha sido cortada e, em seu lugar, eram oferecidas passagens ao
Amazonas para, supostamente, se encontrarem com seus maridos, dos quais não sabiam
se ainda estavam vivos, muito menos o domicílio. A resposta que deu a Presidência
da República a essas mulheres não a conhecemos, porque não aparece no processo,
não obstante este caso tenha sido mencionado como um antecedente quando a caeta
teve que dar uma resposta pouco tempo depois a outro telegrama escrito em termos
semelhantes, enviado pelas mulheres de Mossoró (Rio Grande do Norte), motivo
pelo qual acreditamos que a resposta deve ter sido mais ou menos a mesma.

“Crato, CEARÁ
Presidente República
Rio
Nós, abaixo assinadas, mulheres dos soldados da borracha, domiciliadas Crato
(Ceará), vimos perante V. Exa pedir providencias sobre suspensão nosso pagamento
diárias, de ordem doutor Falcão, alegando dará passes. Não temos noticias nossos
maridos, cujo paradeiro ignoramos. Impossível aceitar passes porque ignoramos
destino.
Confiamos V. Exa, dará solução satisfatória, mantendo nosso pagamento aqui,
conforme foi combinado. Resposta para Padre Lauro Pita, Crato –Ceará.
Saudações respeituosas.
Irinéa Leandro, Ana Maria Espirito Santo, Isabel Belisa, Ana Maria Conceição,
Argentina Costa, Maria Luiza do Carmo.”

“Mossoró, 20 de junho de 1944


Exmo. Sr. Presidente da Rep.
Dr. Getulio Vargas
Nos abaixo assinados esposas, mães, noivas e irmãs de trabalhadores que há
mais de um ano deixaram seus lares, afim de procurar melhores dias de vida no
estremo norte do país, forçados pela situação de miséria que encontrava-se em sua
terra natal, viajaram para Amazônia, com esperanças de serem bem sucedidos e

• 106 •
Soldados da borracha

prestarem relevante serviço à pátria no combate ao inimigo comum, produzindo


borracha para a vitoria das nações unidas.
Desde a saída desses chefes de família, ficamos recebendo a importância de dois
cruzeiros. Esta quantia que recebemos no fim de cada mês, mesmo com a carestia
da vida dava para irmos passando.
No dia 20 de junho do corrente ano foi cortado o auxilio assistidas pela Co-
missão Administrativa do Encaminhamento de trabalhadores para Amazônia, dei-
xando na maior calamidade as famílias em grande parte numerosas, que tão longe
se encontram de seus chefes.
Não acreditamos que Vossa Excia. possa ficar alheio a esta ação desumana que
virá lançar à fome mais de 4.500 pessoas, cujos maridos, paes, irmãos, noivos, estão
prestando relevante serviço à pátria, no desbravamento da Amazônia.
Sr. presidente, V. Excia que tantos beneficios vem prestando ao Brasil, não
poderá [deixar] de examinar minuciosamente tal medida, e, resolve-la de maneira
que mais tarde saibamos agradecer-vos, como muitas outras que já recebemos de
V. Excia em horas tão críticas para o nordeste brasileiro.
Sr. Presidente para melhor provarmos a quanto chega a nossa calamidade, só
encontramos um meio, é, apelar para V. Excia demostrando que poderá fazer uma
mãe com oito filhos longe do marido, em muitos casos não sabemos se será vivo
ou morto, casos de viuvez que já existe bastante na cidade de Mossoró e outras
do Estado do Rio Grande do Norte, que por lei cabia a indenisação de dez mil e
oitocentos cruzeiros de acordo com o código trabalhista do Brasil.
No entanto estas creaturas só receberam a título de gratificação a importância
de mil cruzeiros, pela vida de seus inesquecidos maridos, deixando dezenas de filhos
menores na orfandade.
V. Excia não poderá aceitar tamanha desumanidade com creaturas que compõe
um povo heroi, o povo do Brasil.
Certas de que V. Excia saberá ouvir o grito de angustia de milhares de mães
para não saber da noticia de que morreu de fome junto aos filhos longe de seus
chefes.
Assinado
Jovelina Luciana de Sousa”
(e 53 outras mulheres)

• 107 •
história do povo brasileiro

Cinqüenta e quatro mulheres de Mossoró escreveram em 20 de junho de


1944 um telegrama a Vargas, apresentando-se como esposas, mães, irmãs e noivas
dos soldados da borracha. Reclamavam também do fim do pagamento da “assis-
tência às famílias”. O encarregado de dar uma resposta foi o auditor jurídico da
caeta, José Maciel Luz. Esse caso é muito interessante porque deu lugar a um
processo administrativo.
Apesar de sabermos que o conjunto de cartas encaminhadas aVargas constitui
um dos fundos mais volumosos da Presidência da República – o que demonstra a
convicção que tinham os trabalhadores de ser esta uma via livre de comunicação
e uma forma de serem atendidos em suas demandas –, os pedidos, em sua imensa
maioria, não eram atendidos, embora todos obtivessem resposta.
Jorge Ferreira110, ao abordar a relação que as classes subalternas estabe-
leceram com Vargas, utilizando para esta análise a correspondência dirigida ao
presidente, considera que, embora deva-se considerar a existência da violência,
da manipulação e da propaganda política como pano de fundo do período, estes
elementos não são suficientes para explicar a relação do povo com Vargas – um
Vargas que podia penetrar e interpretar a alma dos pobres. Claro que, para elevar-
se a esta condição, houve um redimensionamento do Estado encarnado em sua
figura, doravante guardião de seus interesses de classe. Ferreira mostra como as
classes subalternas se apropriaram do discurso oficial e o reelaboraram a partir
de suas realidades e seus anelos. Os telegramas das mulheres nordestinas são um
caso claro dessa ressignificação.
Quando telegramas desesperados começaram a chegar do Nordeste, eles
foram encaminhados, como corriqueiramente se procedia, para o setor que se
incumbia de dar resposta. No caso do telegrama assinado por Jovelina Luciana
de Sousa e outras 53 mulheres, depois de um percurso por algumas repartições
do Estado, ele foi para a caeta.
Segundo o auditor, não cabia o reclamo feito pelas mulheres. Em primeiro
lugar, diz não querer comentar a lamentável situação de miséria em que se en-
contravam e contra a qual se colocavam, porque esta precedia a ida dos maridos
para a Amazônia, como elas afirmavam no telegrama. Dessa forma a autoridade
naturalizava a miséria do Nordeste e dos nordestinos. Essas mulheres estariam
nessa situação antes ou depois da campanha da borracha, e a caeta não se consi-
derava responsável por elas serem pobres. É importante frisarmos este aspecto,

• 10 •
Soldados da borracha

explorado cruamente pelo auditor.Toda a campanha de recrutamento foi susten-


tada ideologicamente no apelo ao patriotismo, ao esforço de guerra, à condição
do “soldado” tão necessário no front da borracha como na frente armada européia.
Embora em alguns momentos da propaganda se tenha frisado a possibilidade de
“enricar” no Amazonas com slogans como “Terra da fartura”, muito mais explorado
foi o tema do esforço em prol do bem do Brasil e de seus aliados, expresso no lema
“Mais borracha para a vitória”. O folheto de propaganda para o recrutamento,
desenhado por Chabloz, dizia em sua primeira página:
“O Brasil – insultado na sua honra e compreendendo o dever de lutar pela
liberdade do mundo, na guerra de vida ou morte que ora se trava – assumiu
compromissos internacionais que precisa cumprir, custe o que custar.
É nossa própria dignidade que está em jogo.
O APELO DA PÁTRIA
E tão grande se apresenta a necessidade de respondermos ao chamado da pátria,
que todos nós, todos sem exceção de um só, temos de oferecer a nossa quota
de sacrifício, que é glória, para a vitória final.
SOLDADO DA BORRACHA, HERÓI DA AMAZÔNIA
Mas não só pelas armas podemos e devemos concorrer para o triunfo completo
da liberdade humana.
Ao Nordestino, ao nosso trabalhador do campo, cabe uma tarefa tão importante
como a do manejo das metralhadoras nas frentes sangrentas de batalha: impõe-
se-lhe o dever de lutar pacificamente na retaguarda, dentro do seu próprio país,
nas terras abençoadas da Amazônia, extraindo borracha – produto indispensável
para a vitória, como a bala e o fuzil.”
E, baseadas nestes argumentos do voluntariado, do status de “soldado”, que
em lugar de metralhadora carregava nas suas costas a mochila e o machadinho
para abrir os cortes na seringueira por onde escorreria o látex, foi que as mu-
lheres do Nordeste escreveram a Vargas. Mas o auditor tomava o argumento da
“miséria” para dizer que esta condição – fundamental no apelo das mulheres, pois
era a partir desta realidade que esperavam despertar o sentimento de justiça no
presidente – preexistia ao momento do recrutamento, citando textualmente em
seu parecer o trecho do telegrama, datilografando-o em vermelho: “… forçados

• 109 •
história do povo brasileiro

pela situação de miséria que encontravam-se na sua terra natal, viajaram para
Amazônia etc.”. Mas foi obviamente negligenciada em seu parecer a frase seguinte,
em que Jovelina e as outras dizem: “Com esperanças de serem bem-sucedidos e
prestarem relevante serviço à pátria no combate ao inimigo comum, produzindo
borracha para a vitoria das nações unidas” (o grifo é nosso). É bom observar que
esta última passagem está repleta de expressões do discurso oficial.
Mas continua o auditor dizendo que, já em resposta às mulheres do Crato,
teve a oportunidade de explicar que a assistência às famílias não poderia continuar
sob a responsabilidade da caeta, mediante o que estabelecia o Decreto federal
no 5.813, de 14 de setembro de 1943, que criou a caeta.
Segundo o auditor, não se fazia outra coisa senão cumprir a cláusula segunda
do contrato, de acordo com a qual a assistência às famílias seria paga até a colo-
cação do trabalhador no seringal. Mas, como podemos ver, o contrato estabelece
textualmente:
CLÁUSULA SEGUNDA – A caeta fornecerá também, gratuitamente, assis-
tência em dinheiro aos dependentes do trabalhador, desde a data da assinatura
deste contrato até a colocação nos seringais, uma vez que o trabalhador que o
requerer se comprometa a autorizar a continuação dessa assistência, por sua
conta exclusiva quando colocado nos seringais.
CLÁUSULA TERCEIRA – A assistência de que trata a cláusula anterior será
prestada na base de dois cruzeiros por pessoa da família, até um total de oito
cruzeiros por trabalhador, qualquer que seja o número de seus dependentes.
Após a colocação do trabalhador no seringal, a assistência à família continuará
a ser prestada, sendo as importâncias correspondentes, a partir da assinatura
do contrato de trabalho, debitadas na caderneta do respectivo trabalhador,
para acerto, por ocasião da liquidação da safra, por intermédio do Banco da
Borracha S. A.
[…]
CLÁUSULA QUINTA – Cessará a assistência a que se refere a cláusula anterior:
– quando a família do trabalhador se unir ao mesmo no local de trabalho;
– quando o contrato de encaminhamento ou de trabalho for rescindido;
– quando o trabalhador abandonar o trabalho nos seringais, desertar dos pousos
ou aceitar colocação que não se relacione com a extração da borracha.”

• 110 •
Soldados da borracha

Evidentemente, não tinha acontecido nenhuma das três causas mencionadas


no contrato para se suspender a assistência de forma justificada.
José Maciel Luz afirmava que muitos trabalhadores que tinham seguido para
o Amazonas por intermédio da caeta, uma vez chegados lá, desviaram a sua ativi-
dade para outro setor que não a borracha. Não obstante isso, continuava ele, até
30 de junho de 1944 a caeta pagara a cota de assistência aos seus beneficiários,
sem que houvesse qualquer reembolso.
Na realidade, não se sabia se o trabalhador tinha abandonado o trabalho no
seringal, pois a caeta não sabia o paradeiro dos trabalhadores. Presumia, como
o fazia o auditor no seu escrito, que muitos trabalhadores, uma vez chegados ao
Amazonas, desviavam-se para outro setor, mas não se sabia quais trabalhadores.
Porém, se os contratos eram nominais e individuais e as famílias estavam cadastra-
das, como poderia, então, o auditor dizer “muitos trabalhadores”? O importante
era saber se esses trabalhadores de que falava genericamente eram os maridos
das mulheres que escreviam. Qual era a solução que ele dava para as esposas?
Seguir seus maridos. A caeta, dizia ele, daria as passagens, como já estava fazen-
do. Afirmava que não cabia responsabilidade à Comissão pela recusa da família
do trabalhador a unir-se a ele, sob fúteis e cavilosos pretextos. Mas quais seriam
esses “pretextos fúteis”? Não saber onde eles estavam, o que não era absurdo se
consideramos que aproximadamente 50% dos trabalhadores recrutados nunca
voltaram, não deram mais notícia e, provavelmente, morreram lá. Mas, para o
auditor, o fato de elas não aceitarem a passagem, que ele considerava o meio de a
família do trabalhador unir-se a este no local de trabalho, era como se a união se
houvesse dado, motivo pelo qual o desamparo desaparecia, com todo o cortejo
de misérias que trazia. Devemos lembrar que, um ano e meio depois de iniciada
esta marcha para a Amazônia, no Nordeste já se conhecia, em grande parte, suas
catastróficas conseqüências.
Outro dos reclamos das mulheres de Mossoró era sobre a indenização por
viuvez, com o qual continuavam a demonstrar conhecimento de seus direitos.
Elas afirmavam que havia muitas viúvas que recebiam mil cruzeiros, quando de
direito o montante correspondia a 10.800 cruzeiros. Segundo o auditor, no caso
daqueles que morreram no serviço, como conseqüência do exercício de suas
funções, suas famílias foram indenizadas, de acordo com a Lei de Acidentes,
mas a caeta não poderia pagar como acidente de trabalho pela morte natural

• 111 •
história do povo brasileiro

do trabalhador. Morte natural era a que não decorria de moléstia adquirida no


trabalho. Mas, se a doença era preexistente à ida do trabalhador, como este então
foi recrutado depois de cuidadoso exame médico, para o qual tinha sido criado o
sesp (Serviço Especial de Saúde Pública)? Não conseguimos imaginar a natureza
dessas mortes naturais.
A legislação social tinha chegado até o sertão através dos contratos do semta
e da caeta, no sentido da marcha Leste–Oeste, tão almejada pelo Estado Novo, e
agora os sertanejos não abriam mão tão facilmente daquilo que tinham adquirido.
Um dos primeiros argumentos do auditor foi que o corte da assistência às
famílias estava de acordo com o Decreto-lei no 5.813, de 14 de setembro de 1944
– que criou a caeta. O decreto aprovava o Acordo Relativo ao Recrutamento,
Encaminhamento e Colocação de Trabalhadores para a Amazônia. O acordo era
assinado entre o presidente da Comissão de Controle dos Acordos de Washington,
o coordenador da Mobilização Econômica e a rdc. Segundo esse acordo, a rdc se
comprometia a depositar em uma conta especial do Banco do Brasil, à disposição
do governo brasileiro, a quantidade de 2,4 milhões de dólares. O governo brasi-
leiro, por sua vez, se comprometia a aplicar essa importância no recrutamento e
encaminhamento de 16 mil trabalhadores para os seringais amazônicos a tempo
de realizar a extração de borracha na safra de 1944, “bem como na assistência às
famílias dos trabalhadores já recrutados pelo semta e dos que o forem em virtude
do presente Acordo”. Mas também cancelava as outras obrigações assumidas pela
rdc e pela Rubber Reserve Company, que eram as que depositavam o dinheiro
para realizar o pagamento da assistência às famílias.
O corte do pagamento da assistência às famílias era exigência da agência
norte-americana.
Em 1946 a campanha da borracha já era um “escândalo” de dimensões na-
cionais. Formou-se uma cpi que, em 13 de agosto de 1946, tomou o depoimento
de Paulo Assis Ribeiro, o já conhecido diretor do extinto semta.
Quando foi feito o comentário de que “no Ceará e em todas as partes há
grande clamor contra uma falha grave: o não cumprimento da cláusula referen-
te à família”, Assis Ribeiro respondeu simplesmente: “Isso é gravíssimo”, com a
tranqüilidade de quem nada tinha a ver com o problema. E, de fato, enquanto
ele foi diretor do semta, a assistência às famílias foi paga regularmente porque
a rdc providenciava o dinheiro para isso. O único comentário que fez foi que

• 112 •
Soldados da borracha

a Rubber é que suspendera o pagamento, não podendo compreender como o


governo consentiu nisso. Ainda segundo ele,
“Grande foi a luta que tive, inclusive com o senhor Russell, com o objetivo de que
mandassem efetuar semelhante pagamento. Era uma responsabilidade nossa, pois
ficara combinado que o Banco da Borracha recolheria do seringueiro uma quota
a ser dada à família. Achei isso impraticável. Quem conhece a Amazônia há de
concordar. Disse que semelhante coisa iria ficar no papel. Como não era de meu
serviço nada podia fazer. Acentuei que as famílias iriam ficar abandonadas.
O senhor Bouças pode esclarecer bem essa parte.”
Valentim Bouças havia sido o diretor da caeta. Com esta última frase, Assis
Ribeiro deixava uma questão e tanto para ser respondida por Bouças, já que tinha
sido a caeta a responsável por cortar a assistência às famílias.
O relatório da caeta, de 1945, em que dava conta de suas atividades desde
sua criação, afirmava que no início dos trabalhos da batalha da borracha, em fins
de 1942, em virtude da urgência de mão-de-obra nos seringais e dos grandes
riscos na viagem marítima do Nordeste para Belém, o semta foi forçado a dar
preferência aos trabalhadores sem família. Entretanto, trabalhadores com família
eram recrutados e encaminhados, pagando-se mensalmente às respectivas famílias
um auxílio em dinheiro a título de assistência social, até que o trabalhador esti-
vesse colocado e recebendo salário. Outra das formas de assistência, segundo o
relatório, era a hospedagem no Núcleo de Fortaleza, onde recebiam alimentação,
alojamento, assistência médica e religiosa, além das cooperativas de consumo,
que também tinham sido organizadas pelo semta. O Núcleo tinha capacidade
para alojar 200 famílias, 800 pessoas. Mas a grande maioria das famílias recebia
assistência pelo pagamento da cota. Até aqui o relatório nos diz como operava
o extinto semta. Sobre a atuação da caeta, o relatório expressa que, a partir
de 1944, as famílias passaram a ser encaminhadas com seus respectivos chefes.
Dessa forma, as famílias eram de responsabilidade destes e a caeta se desfazia
do problema de assisti-las111.
O desinteresse dos Estados Unidos pela borracha brasileira, dada sua baixa
produtividade, teve, em termos sociais, um resultado catastrófico. Já que não podia
ser paga a assistência familiar, então se retomou a idéia de “colonização” e se intentou
de todas as formas que as famílias dos seringueiros embarcassem para lá.

• 113 •
história do povo brasileiro

Mas voltemos aos telegramas. As mulheres se apresentaram perante Var-


gas como responsáveis pelas famílias, mas desamparadas, liderando lares nos
quais seus chefes estavam longe. O fim do pagamento da assistência significava
a miséria das famílias. Elas definiam a ação da suspensão do pagamento como
desumana e apelavam para o envolvimento de Vargas, dizendo acreditar que ele
não ficaria alheio ao sofrimento. A ação era desumana porque lançara na miséria
mais de 4.500 pessoas, famílias de homens que acudiram ao chamado da pátria.
Pediam a Vargas que examinasse a causa e a resolvesse de forma que elas sabe-
riam agradecer, como outras vezes já o haviam feito, referindo-se com isso ao
reconhecimento de outras “assistências” recebidas nas horas críticas do Nordeste.
Elas expuseram o duplo abandono em que se encontravam, sem maridos e sem
Estado. E finalizaram: “Certas de que V. Excia saberá ouvir o grito de angustia
de milhares de mães para não saber da noticia de que morreu de fome junto aos
filhos longe de seus chefes”.
Esta última é uma imagem muito forte que perpassa todo o texto e, por
isso, o auditor se encarregou minuciosamente de desarmá-la por meio da figura
do que podemos chamar de “desamparo voluntário”.
Este material epistolar, formado pelas cartas dos trabalhadores e suas es-
posas, e pelos telegramas para Getúlio Vargas, constitui um material riquíssimo
para analisarmos as idéias de direitos e deveres das famílias trabalhadoras. Nos
telegramas, algumas se definem como mulheres “dos soldados da borracha”, en-
quanto outras como mulheres, irmãs, mães etc. dos “trabalhadores”. Angela de
Castro Gomes e Maria Helena Capelato afirmam que a categoria cidadão, durante
o varguismo, estava intimamente vinculada à categoria trabalho, ou à figura do
trabalhador112. Somente este era cidadão. Esta construção estava implícita na “ideo-
logia da outorga” que orientou o governo na elaboração da política trabalhista.
Segundo tal ideologia, as leis trabalhistas seriam dádivas de um Estado protetor,
de um chefe clarividente que se antecipava às demandas da sociedade e que, por
ser clarividente, dava o necessário. Assim, a dádiva tinha duas dimensões, uma
obrigatória e outra voluntária. Mas o ato de doar implica a obrigação de receber.
Aquele que recebe precisa aceitar o benefício e, quando necessário, retribuir.
Para Castro Gomes, o mais importante é ainda manifestar gratidão, só ela sela o
“pacto”. Isto estava implícito nas palavras das mulheres do Nordeste.

• 114 •
A modo de conclusão:
Antônio e Jovelina
O planalto de Piratininga nos deu a bandeira. A bandeira nos
deu uma geografia. Esta geografia nos traçou, em sua réplica,
um destino histórico, social, político, até então inédito.
Cassiano Ricardo, 1941
“Lá é assim. A gente está sempre em começo. Nunca vi se
terminar uma coisa. Eu estou cansado de viver pobre e
começar sempre.”
“A seca faz nascer os boatos. Os boatos fazem a influência.
A gente não resiste e acaba vindo.Vem tudo no iludimento, o
pessoal está delirando pelo Amazonas.”
“Coronel, um homem livre não se põe no tronco, mata-se.”
Depoimentos recolhidos por Benchimol em
Manaus em 1942-1943
A seca não tinha sido muito prolongada. Um ano depois de anunciada,
o sertão já estava chovido. Era março de 1943 e Antônio e sua mulher, Jovelina,
decidiram que, apesar da boa nova, não era seguro voltar para o sertão. Enfim,
eles não sabiam quando as chuvas se ausentariam novamente. Estavam cansados
de recomeçar sempre.
Ambos eram quase crianças quando, em 1932, com suas famílias, buscaram
auxílio em Fortaleza. Encontravam-se outra vez nessa cidade. Diferentemente da
vez anterior, agora eram eles que tomavam as decisões. Eles tinham sua própria
família.
Nesses dias, era impossível não ouvir falar da Amazônia, do governo dando
passagens e até dinheiro adiantado para quem quisesse ir para lá. Lá onde o tio-
avô de Antônio tinha se perdido para sempre da família. Mas também lá onde
um compadre do pai de Jovelina tinha feito fortuna. Tanto dinheiro conseguira,
comentava-se no povoado deles, que as filhas não lavavam, nem faziam lavar os
vestidos quando sujos: os jogavam fora.

• 115 •
história do povo brasileiro

Nos correios, nos hotéis, na estação de trem, na praça do Ferreira, nos


bondes, em todas as partes, cartazes de propaganda apelavam para o patriotismo,
para a necessidade de se conseguir produzir borracha suficiente para derrotar
Hitler. Os homens se empolgavam com a idéia de ir para o front da borracha,
para a terra da fartura.
Os funcionários do governo não faziam outra coisa que falar das diferenças
entre ir para o seringal protegido por Vargas e o que tinha sido ir antes.
Antônio, que andava perto do Arraial, onde os funcionários costumavam
aparecer para fazer seu proselitismo, ficou à espreita escutando um homem do
semta, muito bem vestido, que falava para dois moços.
– Antes vocês ficavam nas mãos dos seringalistas – termo novo, lembrou –,
dos patrões – esclareceu. – Agora o governo não permite que eles obriguem
os trabalhadores enviados por nós a comprarem somente deles ou de seus
aviadores, para criar dívida. Vocês, com seu dinheiro, poderão comprar onde
quiserem. Mas a borracha, vocês têm a obrigação de vender para eles, porque
as estradas lhes pertencem.
– Dizem que lá a gente é que nem escravo, que não pode ir e vir e até que
existe tronco.
– Quem disse isso?
– Um manso que estava noutro dia no bar do Nonato – e indicou com a cabeça em
direção à taverna, como se o funcionário soubesse de quem estava falando.
– Não é assim. Vocês acham que Getúlio permitiria que fizessem isso com um
trabalhador brasileiro? Vocês lá assumem um compromisso, o de trabalhar seis
dias na semana. Devem percorrer as estradas duas vezes por dia, uma na ida
cortando as árvores e outra na volta coletando o leite. É como qualquer outro
trabalho que não pode ser abandonado. Ou vocês acham que um trabalhador das
ferrovias pode ir e vir? – e depois de fazer esta pergunta ficou um tanto sério,
como que ofendido, ou fazendo-se de ofendido.
A seguir, entregou-lhes uma brochura, com a recomendação de a passarem
para outros. Abriu uma igual e explicou o conteúdo, mostrando que os desenhos
diziam o mesmo que as palavras.
De tudo o que disse o funcionário, houve uma coisa que chamou ainda mais
a atenção de Antônio.

• 116 •
Soldados da borracha

– Vocês têm família? Porque se têm, não devem se preocupar com ela. Enquanto
vocês acham uma boa colocação e se acostumam com o serviço, o semta tomará
conta dela.
O funcionário sabia que tinha alguém atrás escutando e sabia também do
efeito que o assunto da assistência às famílias causava nos homens.
– Sim, assistência às famílias – disse virando-se para Antônio e indicando com
o dedo o índice na página 10 da brochura.
Fazia algum tempo que Antônio e Jovelina andavam pensando em deixar o
sertão. Mas ir para onde? Como?
No dia seguinte, muito cedo, Jovelina o acompanhou até o Pouso do Prado,
onde muitos homens faziam filas diferentes. Fila para se vacinar, fila para cortar o
cabelo, para receber o café da manhã e outras tantas filas que eles não conseguiam
determinar a função.
Um homem explicava para um grupo de trabalhadores o que dizia o contrato.
Antônio foi conduzido até o grupo e seguiu atentamente a explicação, cláusula
por cláusula.
Saiu de lá atordoado e pensando nas porcentagens de que falava o contrato
e tentando fazer contas no ar, quando encontrou com Jovelina muito agoniada.
– O que foi mulher?
Jovelina tinha ficado ruminando a conversa do dia anterior, sobre ela e as
crianças ficarem no núcleo das mulheres. Não podia deixar de lembrar quando,
junto com seus irmãos e a mãe, tinham ficado no campo do Alagadiço.
– O Alagadiço – disse laconicamente, como quem nomeia um fantasma.
Antônio tinha certeza de que não era como nos campos de concentração.
Ele imaginava o núcleo mais como uma dessas escolas para moças, mas sem tanta
religião nem aulas.
Do pouso, rumaram para o núcleo. Lá conversaram com dona Regina, e a
alma de Jovelina voltou-lhe ao corpo. Tudo era limpo, tudo organizado. Regina
falava com um entusiasmo sem igual e tinha algo mesmo de madre superiora:
entre autoritária e doce. Jovelina e as crianças ficariam lá até que Antônio lhes
comunicasse que podiam se juntar a ele. Ou, se alguma coisa desse errado e ele
• 117 •
história do povo brasileiro

quisesse voltar antes, as encontraria ali esperando por ele. Durante esse tempo,
seriam mantidos com os seis cruzeiros diários que correspondiam aos três juntos
como assistência familiar. Parecia que nada podia dar errado, que todas as possi-
bilidades tinham sido pensadas por eles. Parecia que Getúlio vira a terra, ouvira
o homem e compreendera seus anseios.

***

Esta bem poderia ser alguma das tantas histórias familiares que compõem este
livro de muitas Jovelinas e muitos Antônios. Uma história verossímil, considerando
as evidências existentes. Olhando a história a partir do presente, sabemos que o
que podia dar errado deu errado, que muitos dos Antônios não voltaram e que
as Jovelinas lutaram por seus direitos através de sua “fúria epistolar”.
Levada a debate da Assembléia Constituinte, a gravidade da situação criada
pela batalha da borracha, foi formada uma cpi que trabalhou entre os meses de
julho e setembro de 1946 juntando documentos e tomando depoimentos dos
funcionários vinculados ao dni, sesp, semta, caeta, Banco do Brasil, Banco de
Crédito da Borracha, do Instituto Agronômico do Norte etc. Os depoimentos
dados à Comissão de Inquérito da Campanha da Borracha deixam transparecer
problemas políticos e até pessoais entre os depoentes. Mas, mais importante que
isto, trazem à luz o verdadeiro desastre que foi a campanha. Alguns tinham cons-
ciência das conseqüências sociais da introdução dos “migrantes nordestinos” nos
seringais, como o responsável pela Hospedaria do Pensador em Manaus, o doutor
Ezequiel Burgos, que de lá escreveu ao senhor Péricles de Carvalho, diretor do
dni, em setembro de 1943, comentando que os trabalhadores que voltavam dos
seringais traziam notícias das piores, que eram maltratados, ameaçados pelos ca-
pangas, que a carne podre era vendida a 16 cruzeiros, que o seringalista lhes negava
remédios quando doentes etc. Burgos levou cópia desta carta, como de outras,
para a cpi. Outros depunham que o transporte dos trabalhadores era realizado em
condições deploráveis, que se desperdiçavam dinheiro e comida jogando ao rio
alimentos em mau estado ou por carecer de meios para distribuir nos seringais,
que se produziu pouca borracha e ainda se adulteraram as estatísticas etc.
O relatório da cpi concluía que se impunha com urgência o amparo ime-
diato aos soldados da borracha e às famílias que haviam ficado no Nordeste, as

• 11 •
Soldados da borracha

quais seria justo que recebessem a assistência que lhes fora prometida na fase de
propaganda. Aconselhava também a elaboração de um plano geral de assistência
social e econômica.
No balanço entre ruptura e continuidade, podemos pensar a batalha da borra-
cha como um triunfo da segunda. Continuidade da força da tradição, dos aviadores,
do endividamento, da violência e do privatismo por sobre a ruptura representada
pela presença do Estado, da modernidade encarnada no serviço público de saúde,
na legislação trabalhista, na assistência às famílias. Mas é importante ressaltar que
o Estado que chegou ao Amazonas na década de 1940 também era um Estado
debilitado e impregnado pelo privatismo. Warren Dean113 diz que, em outubro
de 1943, quando Valentim Bouças foi entrevistado por um grupo de jornalistas
norte-americanos, estes sabiam que Bouças costumava “usar organismos públicos
para promover seus interesses particulares”. Bouças defendia um preço máximo
moderado para a borracha por ser o diretor da subsidiária brasileira da Goodyear,
que vendia pneus para o estrangeiro sem preços máximos. A Goodyear também
tinha um empregado sujo dentro do Banco de Crédito da Borracha.
Quando Bartolomeu Guimarães114, funcionário do Banco do Brasil, prestou
depoimento à cpi, identificou Bouças como o “vice-presidente da Goodyear,
vice-presidente da Rádio Internacional do Brasil, grande acionista do Banco de
Crédito da Borracha, marajá da Hollerith no Brasil, rei da Coca-Cola, do Kibon e
do Chicabon Sorvex”. Era o mesmo Bouças que fora diretor da caeta, a comissão
que suspendeu o pagamento da assistência familiar.
Quando olhamos para áreas de fronteira, como a da Amazônia, e vemos
casos como o do assassinato da irmã Dorothy Stang, em que grileiros, prefeitos,
juízes e capangas se aliam para dar continuidade ao privatismo, percebemos que a
categoria “herança rural”, mencionada por Sérgio Buarque de Holanda para definir
a invasão do público pelo privado, do Estado pela família, serve para entender a
sociedade de fronteira onde o Estado, como vitória do universal e abstrato sobre
o particular e concreto, ainda não triunfou.

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Notas

1 Fragmento do “Discurso do rio Amazonas”, pronunciado por Getúlio Vargas em Manaus em 1940.
Vargas, Getúlio. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, vol. 8 (7 de agosto
de 1940 a 9 de julho de 1941).
2 Andrade, Gilberto Osório de. Um complexo antropogeográfico. Recife, Tipografia do Diário da
Manhã, 1940, p. 14.
3 Hobsbawm, Eric. “Não basta a história de identidade”. In: Sobre história. São Paulo, Companhia
das Letras, 1998, p. 281-292. Alessandro Portelli realiza uma análise sensível e brilhante sobre este
episódio em “O massacre de Civitella della Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política,
luto e senso comum”. In: Moraes, Marieta de e Amado, Janaina (orgs.). Usos e abusos da história
oral. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1996.
4 A prova do vestibular da Universidade Federal do Ceará, de 2003, pode ser consultada no seguinte
endereço eletrônico: <www.ccv.ufc.br>
5 A primeira epígrafe está no livro de Ricardo, Cassiano. Marcha para Oeste (A Influência da bandeira
na formação social e política do Brasil). Rio de Janeiro, Editora da usp/Livraria José Olympio Editora,
1970, vol. 2. A segunda epígrafe, de Getúlio Vargas, corresponde a um trecho de um discurso
pronunciado no estádio do Vasco da Gama, por ocasião das comemorações do Dia do Trabalhador,
1o de maio, de 1941. In: Vargas, Getúlio. A nova política do Brasil, já citado.
6 A idéia da revolução de 1930 como rompimento com a ordem agrário-conservadora é dos histo-
riadores Linhares, Maria Yedda e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra prometida: uma história
da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro, Campus, 1998.
7 Sobre Graciliano Ramos, ver Coutinho, Carlos Nelson. “Graciliano Ramos”. In: Cultura e sociedade

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Soldados da borracha

no Brasil. Ensaio sobre idéias e formas. Rio de Janeiro, dp&a Editora, 2000, p. 157-218
8 Marcha para Oeste, op. cit., vol. 2, p. 648.
9 Esta caracterização de Cassiano Ricardo é de Velho, Otávio G. Capitalismo autoritário e campesinato,
Rio de Janeiro, Difel, 1979.
10 Temos trabalhado com a tradução espanhola dessa obra inclusa no livro de Clementi, Hebe. J.F.
Turner. Buenos Aires, Centro Editor de América Latina, 1992.
11 O ensaio que Capistrano escreveu em 1882 para o concurso que realizou no Colégio Pedro ii é
intitulado Descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século xvi, no qual começou a dar aos sertões
o tratamento especial que carateriza sua obra, analisando aspectos que, posteriormente, seriam
bastante desenvolvidos em Caminhos antigos de povoamento do Brasil, de 1899, e em Capítulos de
história colonial, de 1907.
12 Chaui, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo, Editora Fundação Perseu
Abramo
13 Lenharo, Alcir. A sacralização da política. Campinas, Papirus, 1986. .
14 Chaui, op. cit.
15 Freyre, Gilberto. Interpretação do Brasil. São Paulo, Livraria José Olympio, 1947. Este livro é com-
posto por uma série de conferências que o autor proferiu nos Estados Unidos.
16 Holanda, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1975, p.
vii.
17 Se tivéssemos que fazer uma caraterização em poucas palavras de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque
de Holanda, diríamos que o primeiro é o historiador do litoral e o segundo o da interiorização.
18 Sobre a revista Cultura Política, ver: Velloso, Mônica Pimenta. “Cultura e poder político. Uma
configuração do campo intelectual” e Gomes, Angela de Castro. “O redescobrimento do Brasil”.
Ambos os textos estão em Oliveira, Lúcia Lippi de, Velloso, Mônica Pimenta e Gomes, Angela de
Castro. (orgs.). Estado Novo. Ideologia e poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
19 São vários os números da revista Cultura Política em que apareceram artigos sobre a Marcha para
Oeste, o povoamento do Amazonas e temáticas afins. Citamos o artigo de Péricles Mello Carvalho,
“A concretização da ‘Marcha para o Oeste’”. Cultura Política, ano 1, no 8, out. 1941, p. 15-18.
20 Ver: Guillem, Isabel Cristina Martins. “Cidadania e exclusão social: a história dos soldados da
borracha em questão”. Trajetos, no 2, vol. 1, 2002.
21 O “Discurso do rio Amazonas”, como outros discursos de Getúlio Vargas, está em A nova política
do Brasil, op. cit.
22 Vargas, Getúlio. “Circular aos prefeitos”. In: A nova política do Brasil, op. cit., vol. 10.
23 Idem, ibidem.
24 A opinião de Francisco Pereira da Silva, como dos outros intelectuais consultados, está em “À
margem do ‘Discurso do rio Amazonas’”. Cultura Política, ano 1, no 9, 1941, p. 163-171.
25 A expressão “migração planificada” é de Beneval de Oliveira, do Instituto Nacional do Mate, em seu
artigo “As populações brasileiras e seus movimentos”. Cultura Política, ano iii, no 28, junho 1943.
26 Vargas cita Euclides da Cunha em A nova política do Brasil, op. cit., 1933, vol. 2, p. 163.
27 Carlo Ginzburg tem desenvolvido num texto amplamente conhecido pelos historiadores as limita-
ções das visões maniqueístas de autonomia da cultura popular e de imposição de padrões culturais às

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história do povo brasileiro

classes populares.Ver “Introdução” de O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido


pela Inquisição. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
28 A análise de Néstor García Canclini está no artigo “Gramsci e as culturas populares em América
Latina”. In: Coutinho, Carlos Nelson e Nogueira, Marco Aurélio (orgs.). Gramsci e a América Latina.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
29 Pqra a relação entre os grupos modernistas, ver Velloso, Mônica. “A brasilidade verde-amarela:
nacionalismo e regionalismo paulista”. Estudos Históricos, no 11, 1993.
30 Gomes, Angela de Castro. História e historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas, 1996.
31 Idem, ibidem, p. 23
32 Chaui, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária, op. cit., p. 4.
33 Sobre o conceito de tempo, ver Gourevitch, A.Y. “O tempo como problema de história cultural”.
In: As culturas e o tempo, estudos reunidos pela Unesco. São Paulo, Vozes/Editora da Universidade
de São Paulo, 1975.
34 Velloso, Mônica, op. cit.
35 Gomes, Angela de Castro, op. cit.
36 Ferreira, Jorge Luiz. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular. Rio de Janeiro, Fundação Getulio
Vargas, 1997.
37 O artigo 54 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 estabelece: “Os seringueiros
recrutados nos termos do Decreto-lei no 5.813 de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo
Decreto-lei no 9.882, de 16 de setembro de 1946, receberão, quando carentes, pensão vitalícia de
dois salários mínimos”. Artigo regulamentado pela lei no 7.986, de 28 de dezembro de 1989.
38 Benchimol, Samuel. “O cearense na Amazônia. Inquérito antropogeográfico sobre um tipo de
imigrante”. Revista de Imigração e Colonização, ano vi, no 4, dezembro de 1945, p. 341.
39 Davis, Mike. Holocaustos coloniais: clima, fome e imperialismo na formação do Terceiro Mundo. Rio de
Janeiro, Record, 2002, p. 28.
40 A definição “capital de um pavoroso reino” foi feita pelo cronista Rodolpho Theóphilo, em Vario-
la e vaccinação no Ceará. Fortaleza, Fundação Waldemar Alcântara, 1997 (edição Fac-similar de
1904).
41 Theóphilo, Rodolpho, op. cit., p. 6.
42 O texto de Heraclio Bonilla foi apresentado no Primeiro Congresso Brasileiro de História Econômica
e publicado com o título de “Estructura y eslabonamiento de la explotación cauchera en Colombia,
Perú, Bolivia y Brasil”. In: Silva, Sérgio S. e Szmereczányi,Tamás (orgs.). História econômica da Primeira
República. São Paulo, Hucitec, 2002.
43 Davis, Mike, op. cit.
44 Tratava-se do jornal O Cearense, em 10 de janeiro de 1889.
45 Sobre alimentação nos sertões, ver Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo, Editora
Nacional, 1979. Gilberto Freyre se refere à alimentação da Colônia em várias passagens de Casa-
Grande e Senzala. A passagem citada aqui está em “Casa-Grande e Senzala”. In: Intérpretes do Brasil. Rio
de Janeiro, Nova Aguiar, 2002, vol. ii, p. 181. Sobre alimentação no Nordeste, ver também Castro,
Josué de. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 10ª ed. Rio de Janeiro, Antares/Achiamé,
1980. Do mesmo autor, “As condições de vida das classes operárias no Nordeste”. In: Documentário

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Soldados da borracha

do Nordeste. São Paulo, Brasiliense, 1959, e Vasconcelos, F. de A. G. “Fome, eugenia e constituição


do campo da nutrição em Pernambuco: uma análise de Gilberto Freyre, Josué de Castro e Nelson
Chaves”. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. viii (2), jul.-ago. 2001, p. 315-39.
46 Eisenberg, Peter. Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil. Séculos xviii e xix. Campinas,
Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1989, p. 187-212.
47 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil, op. cit., p. 121.
48 Moura, Denise Aparecida Soares de. Saindo das sombras: homens livres no declínio do escravismo. Campinas,
Centro de Memória-Unicamp, 1998, p. 167-182.
49 Sobre concentração demográfica nas cidades do litoral nordestino, ver para o caso de Recife o
trabalho de Greenfield, Gerald Michael. “Recife y la gran sequía”. In: Morse, Richard e Hardoy,
Jorge Enrique. Cultura urbana latinoamericana. Buenos Aires, Clacso, 1985. Para Fortaleza, ver Neves,
Frederico de Castro. A multidão e a história. Saques e outras ações de massas no Ceará. São Paulo,
Relume Dumará, 2000.
50 Neves, Frederico de Castro. A multidão e a história, op. cit.
51 Braudel, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos xv-xviii. São Paulo, Martins Fontes,
1995 (primeira edição: 1979).
52 Segundo Rodolpho Theóphilo, saíram 6.559 escravos pelo porto de Fortaleza durante o triênio de
seca.Theóphilo, Rodolpho. História da seca do Ceará (1878-1880). Rio de Janeiro, Imprensa Inglesa,
1922, p. 361.
53 A denominação Lei do Ventre Livre tem sido questionada ultimamente pela historiografia, já que a
mesma restringe a Lei 2.040 de 1871 a um de seus aspectos. A origem desta denominação remonta
à mesma década de 1870. O jornal O Cearense, de 29 de Janeiro de 1874, dizia: “A Lei de Ventre
Livre, assim conhecida por que por enquanto não tem conseguido senão um único fim…”.
54 Eisenberg, Peter. “A questão da mão-de-obra nos Congressos Agrícolas” e “A mentalidade dos
fazendeiros no Congresso Agrícola de 1878”, op. cit., p. 167-185 e 131-166, respectivamente.
55 Os presidentes das províncias, assim como outras autoridades do Poder Executivo, apresentavam
anualmente um relatório. As opiniões vertidas aqui são do Relatório apresentado à Assembléia Legislativa
provincial de São Paulo pelo presidente da província, o Excellentíssimo Senhor Doutor Antonio da Costa
Pinto Silva, no dia 5 de fevereiro de 1871, São Paulo Typ. Americana, 1871, p. 40.
56 Melo, Evaldo Cabral de. O Nordeste agrário e o Império. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, inl, 1984.
57 As opiniões do jornal O Cearense foram extraídas dos números dos dia 22 de dezembro de 1888,
10 de janeiro de 1889 e 15 de janeiro de 1889. As do jornal O Retirante, do livro de Villa, Marco
Antônio. Vida e morte no sertão. História das secas no Nordeste nos séculos xix e xx. São Paulo, Ática, 2000,
p. 64.
58 Sobre as empresas que lucraram com a seca, pode-se consultar o capítulo de Monteiro, Denise
Mattos. “O capital mercantil estrangeiro no Brasil do século xix: a atuação da Casa Boris Frère no
Ceará”. In: Szmrecsányi, Tamás e Lapa, José Roberto do Amaral (orgs.). História econômica da Inde-
pendência e do Império. São Paulo, Hucitec, 2002, principalmente p. 228-229. Sobre companhias de
navegação durante o Império, ver o artigo de EL-Kareh, Almir Chaiban. “A Companhia de Paquetes
a Vapor e a centralidade do poder monárquico”. In: História Econômica & História de Empresas, 2002,
vol. 2 , p. 7-27.
59 Vianna, Antonio Ferreira. Relatório do Ministério de Negócios do Império. Rio de Janeiro,Typ. Nacional,

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história do povo brasileiro

1889, p. 92.
60 André Rebouças defende a idéia de fornecer socorros públicos em “troca” de trabalho no texto As
secas nas províncias do Norte. Rio de Janeiro, Typ. G. Leuzinger e Filhos, 1877.
61 O Cearense, 22 de dezembro de 1888.
62 Vianna, Antonio Ferreira. Relatório do Ministério de Negócios do Império. Rio de Janeiro,Typ. Nacional,
1889, p. 92.
63 O grifo nas duas citações é nosso.
65 Citada em Nobre, Freitas. João Cordeiro: abolicionista e republicano. São Paulo, Letras Editora, 1943.
66 As cartas solicitando passagens pertencem à Inspetoria Geral de Emigração. Trata-se da relação de
emigrantes Norte-Sul, 1888-1889, e estão no Arquivo Público do Estado do Ceará.
67 Villa, Marco Antônio, op. cit., p. 54-58.
68 Neves, Frederico de Castro, op. cit., p. 81.
69 Villa, Marco Antônio, op. cit.
70 Idem, ibidem.
71 Weinstein, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência. 1850-1920. São Paulo, Hucitec/
Edusp, 1993.
72 Parte Especial “Dos crimes contra a propriedade imaterial”, do Código Penal Brasileiro de 1940,
comentado por Ribeiro Ponte, Código Penal Brasileiro, Editora Guaíra Limitada, 1942, vol. ii, p.
51.
73 Os dados sobre a quantidade de borracha consumida por cada soldado durante a Primeira e a
Segunda Guerra Mundial foram extraídos do site: http://www.exordio.com/1939-1945/civi-
lis/industria/caucho.html
74 Pinto, Nelson Prado Alves. Política da borracha no Brasil. A falência da borracha vegetal. São Paulo,
Hucitec, 1984, p. 101. Celso Furtado se dedicou à região amazônica no capítulo “O problema da
mão-de-obra iii: a transumância amazônica”, em Formação econômica do Brasil, op. cit.
75 Dean, Warren. A ferro e fogo. A história e a devastação da mata Atlântica brasileira. Tradução Cid Knipel
Moreira. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.
76 Worster, Donald. “Para fazer história ambiental”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, no 8,
1991, p. 199.
77 Amazonia sin mitos. Comisión Amazónica de Desarrollo y Medio Ambiente, Banco Interamericano
de Desarrollo. Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo, Tratado de Cooperación Ama-
zónico, s/l, s/d.
78 Weinstein, Bárbara. A borracha na Amazônia, op. cit., p. 250.
79 Moog, Vianna. Bandeirantes e pioneiros. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p. 18-21.
80 Reis, João e Aguiar, Márcia. “‘Carne sem osso e farinha sem caroço’: o motim de 1858 contra a
carestia na Bahia”. Revista de História, no 135, 2o semestre, 1996, p. 134.
81 A produção de borracha sintética nos Estados Unidos passou de 60 mil toneladas em 1941 para 1
milhão de toneladas em 1945.
82 Dean, Warren. A luta pela borracha no Brasil: Um estudo de história ecológica. São Paulo, Nobel, 1989,
p. 133-136.
83 Sinal fechado: a música brasileira sob censura (Rio de Janeiro, Obra Aberta, 1994), de Alberto Ribeiro

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Soldados da borracha

da Silva, é um livro de história comparada que aborda a censura na música popular brasileira sob o
Estado Novo e a ditadura militar.
84 Souza, José Inácio Melo, apud Capelato, Maria Helena. Multidões em cena – Propaganda política no
varguismo e no peronismo. Campinas, Papirus, 1998, p. 173-191.
85 Goulart, Silvia. Sob a verdade oficial. São Paulo, Marco Zero/mct/cnpq, 1990.
86 Capelato, Maria Helena, op. cit., p. 36.
87 Ginzburg, Carlo. “‘Your country needsYou’: a case study in political iconography”. HistoryWorkshop
Journal, 2001.
88 Aby Warburg: crítico e historiador da arte, não teve uma obra sistemática, a qual se concentrou em
conferências e trabalhos em congressos. Herdeiro de uma imensa fortuna, formou uma biblioteca
com mais de 60 mil exemplares e numerosa quantidade de imagens, que, em 1933, depois de sua
morte em 1929, foi transferida para Londres, constituindo a base do Warburg Institut. Em 1932,
um discípulo seu organizou sua obra em dois volumes, reimpressa recentemente, em 1998.
89 Moles, Abraham. O cartaz. São Paulo, Perspectiva, 1974, p. 25.
90 Velloso, Mônica. “Cultura e poder. Uma configuração do campo intelectual”. In: Estado Novo. Ideologia
e poder, op. cit., p. 71-108.
91 Carvalho, Péricles Mello. “A concretização da ‘Marcha para o Oeste’”, Cultura Política, 1941
92 Fotografia publicada em GetúlioVargas: 1983. Exposição de fotografias. Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, cpdoc/fgv, 1983..
93 Benchimol, Samuel. “O cearense na Amazônia. Inquérito antropogeográfico sobre um tipo de
imigrante”. Revista de Imigração e Colonização, ano vi, no 4, dez. 1945, p. 367.
94 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil, op. cit., p. 121.
95 Benchimol, Samuel, op. cit.
96 Como exemplo de grande imprensa, podemos citar a entrevista realizada com o ministro Antônio
Camillo de Oliveira no Correio da Manhã, em 28 de abril de 1942, e, com circulação mais restrita,
na Revista de Imigração e Colonização, de agosto de 1942.
97 Tanto a carta como a frase do funcionário recrutador pertencem a documentos do Fundo Paulo
Assis Ribeiro, do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro)
98 Sobre a forma tradicional de realizar o recrutamento, ver Morales, Lúcia Arraias. Vai e vem, vira e volta.
As rotas dos soldados da borracha. São Paulo/Fortaleza, Annablume/Secult, 2002. Sobre a resistência
da classe dominante do Nordeste para “abrir mão” dos trabalhadores, ver Secreto, María Verónica.
“Ceará: a fábrica de trabalhadores”. Trajetos, vol. 2, no 4, 2003, p. 48-50.
99 Gomes, Angela de Castro. “A construção do homem novo: o trabalhador brasileiro”. In: Oliveira,
Lippi de; Velloso, Mônica Pimenta e Gomes, Angela de Castro. Estado Novo. Ideologia e poder, op.
cit.
100 French, John. Afogados em leis. A clt e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo, Editora
Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 13-21..
101 Lenharo, Alcir. Sacralização da política, op. cit.
102 Depoimento de Paulo Assis Ribeiro ante a Comissão de Inquérito da Campanha da Borracha, pu-
blicado no Diário da Assembléia, em 24 de agosto de 1946.
103 Cópias dos formulários do contrato encontram-se no Fundo Paulo Assis Ribeiro, no Arquivo Na-

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história do povo brasileiro

cional.
104 Pinto, Nelson Prado Alves. Política da borracha no Brasil. A falência da borracha vegetal. São Paulo,
Hucitec, 1984, p. 96-97.
105 Utilizando como fonte dados do recenseamento de 1920, Samuel Benchimol organizou os nomes
dos seringais em cinco categorias toponímicas: 1) messiânica de salvação; 2) do sucesso e fortuna;
3) da misericórdia e do desespero; 4) da paisagem e do chão e 5) da lembrança e saudade. Com o
nome “Paraíso”, como o que trabalhou Ferreira de Castro, registrou 44 estabelecimentos. Benchi-
mol, Samuel. “Seringais. sítios e fazendas: um estudo da toponímia messiânica”. In: Romanceiro da
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106 Guillén, Isabel. “Cidadania e exclusão social: a história dos soldados da borracha em questão”. In:
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107 Fundo Paulo Assis Ribeiro do Arquivo Nacional.
108 Fundo Paulo Assis Ribeiro do Arquivo Nacional.
109 Morales, Lúcia Arraias, op. cit., p. 294-295.
110 Ferreira, Jorge. Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular 1930-1945. Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas, 1997.
111 Relatório da Comissão de Encaminhamento de trabalhadores para Amazônia. s/l, s/e, dezembro de 1945,
p. 2
112 Sobre o significado do “trabalho” no governo Vargas, ver Gomes, Angela de Castro. “A construção
do homem novo: o trabalhador brasileiro”. In: Oliveira, Lúcia Lippi de; Velloso, Mônica Pimenta
e Gomes, Angela de Castro. Estado Novo, op. cit.; e Capelato, Maria Helena. Multidões em cena, op.
cit., especialmente p. 173-180. Gomes, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro,
Vértice, Editora Revista dos Tribunais/iuperj, 1988, p. 246-254.
113 Dean, Warren. A luta pela borracha, op. cit., p. 148.
114 Depoimento de Bartolomeu Guimarães para a Comissão de Inquérito da Campanha da Borracha.
Diário da Assembléia de 17 de agosto de 1946.

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Sites consultados
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www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5863_1.asp

Prova de História do Vestibular 2003 da UFC


www.ccv.ufc.br

Caucho
http://www.exordio.com/1939-1945/civilis/industria/caucho.html

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História do povo brasileiro
Volumes já lançados

Brasil – Mito fundador e sociedade autoritária Diretas Já – O grito preso na garganta


Marilena Chaui Alberto Tosi Rodrigues

O império do Belo Monte –Vida e morte de Canudos Anarquismo e sindicalismo revolucionário –


Walnice Nogueira Galvão Trabalhadores e militantes em São Paulo na
Primeira República
Relações internacionais do Brasil – DeVargas a Lula Edilene Toledo
Paulo Fagundes Vizentini
Cinema brasileiro – Das origens à Retomada
O elo perdido – Classe e identidade de classe Sidney Ferreira Leite
na Bahia
Francisco de Oliveira Afogados em leis – A CLT e a cultura política dos
trabalhadores brasileiros
Uma história do feminismo no Brasil John French
Céli Pinto
Cenas da Abolição – Escravos e senhores no
As barricadas da saúde –Vacina e protesto popular Parlamento e na Justiça
no Rio de Janeiro da Primeira República Joseli Nunes Mendonça
Leonardo Pereira

Soldados da borracha foi impresso na cidade de São Paulo em feve-


reiro de 2007 pela Bartira Gráfica para a Editora Fundação Perseu
Abramo com tiragem de 2.500 exemplares. O texto foi composto
em Perpetua no corpo 12,5/15. Os fotolitos da capa e do miolo
foram executados pela Ananda Digital. A capa foi impressa em
Carta Íntegra 220g; o miolo foi impresso em papel Pólen Soft 80g.

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