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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – PUC-SP

Depto. Ciências Sociais – Curso: História (Bacharelado)

Disciplina: Brasil II – Junho de 2017 – Prof. Dr. A. L. Schneider


Aluno: Luiz Felipe de Oliveira – RA00182273

Resumo: o presente texto busca relacionar os conteúdos da aula II com a aula III, tratando
da formação de Minas Gerais a partir do evento da Guerra dos Emboabas e a formação
histórica da Vila Rica de Ouro Preto.

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Da Guerra dos emboabas à Vila Rica de Ouro Preto: o nascimento de Minas

Houve nos tempos coloniais um condições de uma vida adequada. No


desejo perpétuo de se buscar metais entanto, com a propagação da notícia da
preciosos. A ambição dos povos que descoberta, houve um grande
habitavam a colônia promoveu diversas deslocamento populacional de diversas
expedições que desbravaram os sertões e regiões. Portanto, tais acampamentos
é verdade que dentro deste contexto a eram compostos por dois principais
coroa esteve praticamente ausente das “partidos”: os paulistas e os emboabas
articulações locais. Estava presente na (reinóis e etc).
mentalidade da época até mesmo a
A distinção dos grupos que
mística do Eldorado: um local com
compunham a região mineradora se dava
demasiada quantidade de ouro. Essa
muito em função das suas diferenças
incessante ambição culminou na
culturais e ambições que se cruzavam.
descoberta de ouro na atual região de
Enquanto os emboabas eram mais
Minas Gerais pelos bandeirantes
aportuguesados ou, em muitos casos,
paulistas, que no século XX sofrerão
vinham de outras regiões da colônia, os
uma mitificação de cunho
paulistas possuíam traços mais indígenas
historiográfico devido as suas
se comunicando, inclusive, na língua
descobertas. A ocupação inicial da
tupi. Houve, assim, um choque entre o
região não ultrapassava o estatuto de
interesse dos paulistas, que
grandes acampamentos pobres e sem
reivindicavam a posse das datas e o
interesse dos emboabas, que que perpetuará pelos séculos seguintes.
questionavam a distribuição das minas. Dentre os trabalhos elaborados acerca do
Diante da tensão criada, Manuel Nunes tema, destaca-se de início o de Rocha
Viana formará um grupo armado que vai Pita, que relega aos emboabas posição de
enfrentar o domínio paulista das datas. destaque e apresenta aversão aos
Vale ressaltar que esta tensão não tem paulistas. Pedro Taques, por sua vez,
origem devido as divergências culturais busca criticar a visão construída por Pita
dos grupos presentes, mas sim com as e busca, também, enaltecer os homens do
divergências políticas e de interesse planalto de Piratininga e seus feitos. A
entre tais grupos. Em meio a tensão a obra de Diogo de Vasconcelos também é
Coroa tentou ser imparcial, mas, por de grande importância ao interpretar que
temer o empoderamento paulista, tendeu a ausência de um poder central promovia
ao lado dos emboabas. Nenhum dos disputas cujo patriotismo nada mais era
grupos, portanto, possuíam qualquer que particularismos característicos de
autoridade real e, após diversos disputas cada grupo, ou seja, havia o nativismo
e combates, os emboabas terminaram por paulista e o emboaba.
vencer a guerra.
Em todo caso, a produção
Entretanto, no campo historiográfica extremamente diversa
historiográfico a guerra teve uma revelava sobretudo as dificuldades do
continuidade que ainda não fora cessada. estado português penetrar os sertões.
A tradição historiográfica oitocentista Revelava a ausência de instituições
vai interpretar a Guerra dos Embobas administrativas e jurídicas que
como um conflito de caráter nativista, garantissem a soberania portuguesa.
dotando a ela um caráter de libertação Adriana Romero afirma que “mais do
nacional, de revolta para com a que o campo de batalha, os imaginários
metrópole. Seria, segundo Adriana ofereceram a arena de luta em que ambas
Romero, “o despertar do nativismo em as facções digladiaram-se, buscando
solo mineiro, a pungente luta do colonial legitimar suas reivindicações à luz de
contra o metropolitano”1. Mas seriam os suas próprias formulações políticas”2.
paulistas ou os emboabas os reais Para esta mesma autora, nem os paulistas
nativistas? Eis o debate historiográfico nem os emboabas foram propriamente

1
ROMERO, Ad ia a. Gue a dos e oa as: 2
Ibidem. p.114
um balanço histó i o . Revista do A uivo
Público Mineiro. Belo Horizonte, 107. p.108
ditos nativistas. Em todo caso, a Guerra caracterizadas por constituir
dos Emboabas, por residir nas origens de concubinatos.
Minas Gerais, possui a característica de
As implicações sócio-
um evento fundador. Com a derrota dos
administrativas de tal miscigenação
paulistas, a Coroa assume a exploração
foram evidentes dado o racismo presente
do ouro da região e passa a regulamenta-
nas estruturas político-governamentais.
la. Nasce, assim, uma sociedade
Ainda que a cor fosse fator determinante
heterogênea, marcada por conflitos e
para que se ocupasse um cargo público,
pelo grande interesse no ouro.
em muitos casos tal determinação era
Como principal expoente desse transposta, dado que outro fator
universo minerador figura a Vila Rica de determinante – ainda mais importante –
Ouro preto. Houve uma grande era justamente o poder de aquisição do
exploração de ouro nesta região, ainda indivíduo. No entanto, uma grande
que ela não fora suficiente para saciar a parcela da população estava
Coroa portuguesa. Charles Boxer afirma marginalizada pela ausência de
que se tal atividade beneficiou o Brasil e oportunidade de emprego causada pela
Portugal, beneficiou mais ainda a exclusão racial. Por outro lado, se os
Inglaterra. Através de relatos em cartas portugueses “não viam a pobreza como
trocadas entre governadores e a Coroa, um crime, a viam como algo que devia
os indivíduos que lá habitavam e/ou antes ser apaticamente suportado do que
viviam na zona de mineração eram se fazer incentivo para duro labor e
homens solteiros, recém imigrados e progresso pessoal“3, revelando, desta
paulistas. Segundo alguns desses relatos forma, o trabalho como algo degradante
eram acostumados a violência e a para o português.
soltura. Para ocupar uma posição social
Houve, no entanto, diversas
um pouco mais favorável era se casar,
tentativas para sanar os problemas
mas para isso necessitava de mulheres
sociais, mas Charles Boxer afirma que as
brancas e instituições clericais que, em
medidas tomadas não curavam a ferida
verdade, eram quase ausentes. Com isso,
de verdade. Fora, inclusive, proposto a
houve um grande aumento da população
criação de uma escola, em 1721, mas o
mulata e parte das relações eram
resultado foi insatisfatório. A medida

3
BOXER, Cha les Ralph. Vila Ri a de Ou o 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
P eto . I Idade de Ou o do B asil t adução , p.192
mais recorrente, no entanto, era o envio ao contrário, revelando recomendações
dos indivíduos que eram considerados de que os senhores deveriam tratar os
“indesejáveis” para outras regiões do escravos com bondade para que
império, como Angola. Outra medida houvesse uma maior produção.
recorrente era o emprego de tais
Assim, é de se presumir que a
indivíduos em bandos liderados por
vida do escravo era regada por um
capitães do mato, que perseguiam negros
trabalho árduo e em condições
que fugiam sob pagamento em ouro a
degradantes, de modo que eles
cada negro capturado. Os negros fugidos
aguentavam muito quando trabalhavam
se organizavam em comunidades
por mais de 7 anos. A fertilidade era
chamadas quilombolas, que, geralmente,
baixa muito devido aos maus tratos,
tinham uma localização difícil. Tais
ainda que, em contrapartida, ela era alta
comunidades se organizavam através de
entre as amantes dos brancos. Boxer
uma agricultura de subsistência e
afirma que ao analisar as listas de
simbolizavam a resistência negra. A
escravos entre 1718 e 1719 os maiores
fuga, assim, perdurou durante todo
proprietários possuíam de trinta à
século XVIII e as autoridades puniam
cinquenta escravos, mas a grande
duramente os negros capturados. Fora,
maioria possuía apenas cinco ou seis. É
inclusive, proposto que se cortasse o
de se esperar, também, que a alta
tendão de Aquiles dos negros que
mortalidade e a baixa natalidade
fugissem.
fomentaram o tráfico negreiro,
A Câmara Municipal de Mariana especialmente os de origem “minas”.
insistiu para que tal petição fosse
Diante dessa sociedade desigual,
acolhida. A Coroa submeteu tal petição à
marcada pela heterogeneidade dos
análise ao vice-rei, que rechaçou
indivíduos, se destaca também a
afirmando que não deveria ser acolhida
importância da arquitetura, que refletia
tamanha barbárie, revelando um caráter
as características fundamentais dessa
“humanitário” para época. No entanto,
sociedade. Assim, havia majestosas
os apologistas da escravidão reagiram
igrejas, revelando a crescente presença
afirmando que os senhores não tratavam
clerical, cujos interiores eram adornados
mal seus escravos pois não gostariam de
em ouro, pois, o interior representava a
reduzir o valor de suas “propriedades”.
Alma de Nosso Senhor. Havia detalhes
Mas, relatos médicos provam justamente
nos entalhes, nos altares, nas mesas e até
mesmo nas colunas. Grande parte dessas mantimentos era destinada, na maior
igrejas foram devidamente reformadas parte dos casos, ao uso local, sendo o
entre a segunda metade do século XVIII pequeno excedente vendido à altos
e a primeira do XIX. Mas essas preços no mercado.
construções monumentais foram
Mas a principal razão para o alto
somente possibilitadas graças ao papel
preço dos produtos era a excessiva
decisivo das Irmandades que se
tributação realizada. Todas as
organizavam para realiza-las. A Coroa
mercadorias pagavam direitos e todo o
pouco ajudou na construção, mas ao
sistema de locomoção – estradas, pontes
passo que a ajuda era negligenciada, a
e etc – era elaborado de maneira a
recíproca vinha à galope através dos
otimizar a coleta de impostos. Mas, dos
preços extorsivos que os paroquianos
mais polêmicos impostos, o “quinto real”
cobravam.
estava em primeiro lugar. A principal
Quanto aos procedimentos de queixa dos mineiros era maneira pela
exploração do ouro que adornava as qual a cobrança era efetuada. O sistema
igrejas, bancavam as festas populares e adotou como cobrança a taxa de ouro em
enchia os cofres portugueses e ingleses, pó e, posteriormente, começara a ser
podia-se dizer que eram essencialmente cobrado por escravo envolvido no
de Aluvião. Mas com o esgotamento das trabalho. Houve a tentativa também de
reservas superficiais, os terrenos eram estabelecer também uma alternativa ao
perscrutados internamente através de quinto, que seria o pagamento de trinta
túneis perto das margens e etc. Muitos arrobas, mas a Coroa não sancionou tal
dos que trabalhavam eram negros, mas a acordo. A solução então proposta era o
maior parte eram brancos pobres que estabelecimento de casas de fundição,
eram conhecidos como faiscadores. As em que o ouro deveria ser transformado
condições péssimas de trabalho levavam em barra antes de ser exportado. O ouro
os homens a desenvolverem doenças em pó era somente permitido dentro de
intestinais, venéreas e até disenterias. A Minas Gerais. Tal sistema se mostrou
mortalidade era deveras elevada. Diante ineficaz dado ao fato de que havia
de todas essas adversidades ainda era poucas fundições, de maneira que
necessário, caso o indivíduo grandes distancias deveriam ser
sobrevivesse, lidar com o alto custo de percorridas e, consequentemente, os
vida e a alta tributação. A produção dos gastos iriam disparar. Assim, os mineiros
reagiram e fizeram a Coroa voltar atrás. Vila Rica não era o único, mas
No entanto, o acordo se estabeleceu dentre as diversas cidades era o principal
apenas para dar tempo da Coroa se expoente desse estilo de vida sedento por
reorganizar e formar uma linha de frente. lucro. Estilo este que passava por cima
Houve então uma reação dura da Coroa, de quaisquer questões humanitárias. O
mas não foi o suficiente para voltar a negro era escravizado, a mulher
estabelecer fundições submetida a violência doméstica e
momentaneamente. reduzida a um papel familiar esdruxulo e
a mulher negra, além de servir como
No entanto, em meio a
escrava, era tratada como objeto sexual
negociações para elevar a tributação, a
de seus brancos donos. Portanto, a
Coroa tomou, finalmente, a coragem de
violência e a heterogeneidade cultural
negar o aumento dos impostos e instituir
que a Guerra dos Emboabas mostrou em
a Casa da Moeda e mais quatro
1707-9 perdurou e se ampliou durante
fundições. Tal sistema funcionou, mas a
todo o século.
Coroa, sedenta por ouro, instituiu a taxa
de capitação, que era uma maneira de
melhor coletar os impostos, dado que
essa taxa atingia todo o grosso da
população. Acontece que tal sistema foi
duramente falho dado que incidia mais
sobre os pobres. Os comerciantes
taxados, mesmo que improdutivos,
deveriam pagar o mesmo de
comerciantes produtivos. Posteriormente
a coroa veio a ceder e aboliu essa taxa. A
razão pela qual a Coroa sustentou essa
prática foi o crescente contrabando que
era realizado através de rios solitários e
caminhos vazios. Tais vias levavam à
Bahia ou Rio de Janeiro, de onde partiam
para o resto do mundo. Tal pratica
perdurou por todo período colonial.

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