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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - UNEAD


CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

FRANCIELE SANTOS DA SILVA

A PASSAGEM DO CANGAÇO EM SÍTIO DO QUINTO: UMA ANÁLISE GERAL

SÍTIO DO QUINTO/BA
2021
As operações do grupo e subgrupos de Lampião em Sítio do Quinto, aqui se encontram
descritas e analisadas com base principal em uma das mais precisas referências, cuja
publicação inicial é de 1988, mas revista e ampliado em 2019: Lampião na Bahia, a
autoria é do historiador baiano Oleone Coelho Fontes. Das leituras realizadas até o
momento, por conter citações diretas e indiretas sobre a localidade de Sítio do Quinto.
Realizar esta pesquisa servirá para o resgate da história local e cultura regional.

• Delimitação temporal

A pesquisa tem como balizas temporais o período que se estende de 1928 a 1938. Isso
porque dá-se início a chamada “Segunda Fase do Cangaço Lampiônico” (1928 / 1938),
que marca as passagens dos cangaceiros em sertões baianos.

• Delimitação espacial

O tema da pesquisa ocupa-se na visita lampiônica ao vilarejo de Sítio do Quinto. De


acordo com os estudos disponíveis, esta cidade localizada na região Norte da Bahia é
reconhecida por fazer parte do Território de identidade Semiárido Nordeste II e tem
como característica a forte religiosidade, os festejos juninos e o clima sub-úmido a seco
e semiárido. Além disso a pesquisa insere-se na História Regional e Local.
Foi na terra dos jerimuns mais conhecida como Jeremoabo, que em meados do século
XX, nasce um vilarejo cujo nome teria sido herança de um dos seus primeiros
moradores, o popular velho Quinto. Emancipada desde 1989 de sua matriz Jeremoabo,
no tempo presente, denomina-de Sítio do Quinto. Por estas localizações, os fatos aqui
serão destacados e examinados ainda nas primeiras décadas de sua fundação como
palco de encontro de personagens marcantes no imaginário popular, dos temerosos
volantes aos cangaceiros e coronéis. Assim como o cangaço, o coronelismo também
estava em voga nas terras áridas da Bahia:

(..) O “coronelismo” é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos


entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente
influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras.
Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa
estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações
de poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil. LEAL (2012, p .23).

Não contestando os valores dos coronéis nem a estrutura rural nordestina, inicia-se um
elo de troca de favores.
Cada qual com sua moral, um patrocinava o outro com o que possuía: o
cangaceiro geralmente com seus serviços escusos de defesa da propriedade e
interesses alheios e o coronel com um bom pagamento em forma de dinheiro,
víveres ou meios de transporte comuns da época, tornando-se assim, "coiteiro".
Sobre estes conchavos, Queiroz (1977, p. 55) apud Silva (2012, p. 7) analisa que:

[...] Quando um chefe político local ou regional busca se aliar com um


bando independente de cangaceiros, imediatamente seus adversários
solicitam o apoio da polícia e vice-versa. A população se divide então
entre os que auxiliam os cangaceiros, – os famosos coiteiros; e os que
auxiliam as volantes, destacamento móveis da polícia. São estas as duas
grandes facções em luta no Nordeste seco, entre 1894 e 1940.
Sítio do Quinto: Palco de encontro do Capitão Virgulino com o
Coronel João Sá

Neste cenário, Lampião ainda forasteiro em solo jeremoabense segue para a


Fazenda Abroeira de seu antigo aliado, o coronel Saturnino Nilo, como narra
FONTES (2019, p. 17) em seu capítulo A chegada na Bahia. O coronel Saturnino
- avô de Marcelo Nilo, atualmente deputado federal pelo estado da Bahia e
de Sidônio Nilo, prefeito da cidade de Antas por quatro vezes, teria
aconselhado ao chefe do Cangaço ir ao encontro de outros chefes de suas
respectivas categorias, como o político de Santo Antônio da Glória, Petronilo
Reis, e os coronéis João Maria de Carvalho, de Serra Negra, e por último João
Gonçalves de Sá, da mesma localidade em que se encontravam, ou seja,
Jeremoabo.
Esse episódio é abordado no livro Lampião na Bahia, do já mencionado autor e
historiador baiano, que examina a importância desta relação:

(...) Este encontro no futuro, iria ser bastante proveitoso para ambas as
partes. Durante a conversa naquela noite, no Sítio do Quinto, Lampião
assegurou ao coronel que se achava na Bahia para um descanso,
acrescentando ter vindo apesar de haver recebido informações, por
amigo, de que na Bahia iria encontrar sua desgraça. Declarou não
tencionar prejudicar os sertanejos. Deu a entender carregar dinheiro
suficiente para as despesas, embora acrescentando que quando
acabasse seria obrigado a pedir ajuda dos que possuíssem recursos.
Arengou sobre a sua vida de cangaceiro, de déu em déu, não podendo
exercer profissão digna porque o governo o impedia de trabalhar e
produzir, perseguindo-o sem fronteiras nem tréguas. FONTES (2019, p. 42).
Não sabe-se ao certo se a tal conversação ocorrida durante horas, teria sido
em princípio cedida pelo coronel ao cangaceiro por pura simpatia ou relativo
medo de retaliação contra suas eminentes propriedades, uma vez que na
extensa entrevista concedida ao Diário de Notícias de 1928, Dórea, secretário
do chefe político João Sá, defende-o. Alega que o encontro ocorrido em Sítio
do Quinto, do qual também havia feito parte, não passou de uma casualidade
e, que o coronel na realidade almejava ver o capitão Virgulino abatido
juntamente com sua corja. Lampião, por sua vez, não deixa por menos, FONTES
(2019, p.47), indica que em recado para Abdias de Andrade, chefe de
destacamento de Jeremoabo, o capitão escreve: "Diga a ele que não queira
nunca brigar comigo. Se eu quisesse já o tinha matado, pois o vi duas vezes no
mato sozinho". Todavia, entre verdades e boatos, o fato é que o coronel João
Sá viraria um dos máximos protetores do capitão cangaceiro por todo sertão
baiano.
Fazenda Caritá, espaço de políticos coiteiros e cangaceiros

Por conseguinte, acontece uma nova passagem da tropa cangaceira em Sítio


do Quinto, citada no jornal Diário de Notícias, datada em 7 de março de 1929,
ou seja, quase três meses depois da primeira visita. Além da terra sitioquintense,
FONTES (2019, p. 60), conta que

(..) A cabroeira é apontada em vários povoados: Tanque Novo,


Amparo, Novo Amparo e Pombal. Em Tanque Novo Lampião
determina extorquir dinheiro do coronel Saturnino Nilo, de Antas
(município de Bom Conselho, (hoje Cícero Dantas), de quem
somente recebe um conto de réis. Daí parte o bando em
direção ao Sítio do Quinto (município de Jeremoabo).
Da relação de cortesia e de favores, como exemplifica FONTES (2019, p. 43), é adquirida pelo
coronel João Sá a compra de mais uma propriedade para completar seus intermináveis
latifúndios, de certo cidadão por nome Nilo (supõe-se ter sido o coronel Saturnino Nilo), de Antas,
graças à negociação favorável do capitão Lampião. Diante desta realidade amistosa, a turma
cangaceira tem estadia em uma dessas extensões rurais do coronel, a Fazenda Caritá. Neste
local, no século anterior daqueles acontecimentos nascia Cícero Dantas Martins (28 de julho de
1838), também conhecido como Barão de Jeremoabo. Este, com extensa vida pública bem
semelhante a do coronel João Sá, coiteiro de Lampião, como nos informa UCHOA (2003, p. 1)

(..) Foi líder político e representante em sua região. Filiado ao Partido Conservador,
no Império foi vereador na Vila de Bom Conselho, tomando posse em 28 de março
de 1876, tendo sido escolhido Presidente da Câmara Municipal, Deputado Provincial
(1861, 1870-1871) e Deputado Geral (1869-1872, 1873-1878, 1886-1889). Na República,
foi senador à Constituinte do Estado (1891), Senador Estadual (1891-1895), tendo
assumido a presidência do Senado de 1893 a 1895, além de ter sido Intendente
Municipal de Itapicuru de 1893 a 1896.
Entretanto, MEDRADO (2012, p.162), revela que Geremoabo desde os oitocentos era uma antiga e
tradicional região da pecuária localizada no extremo Nordeste Baiano, tendo feito parte dos domínios
dos Garcia d'Ávila, a poderosa Casa da Torre, no período colonial. A autora pondera ainda que em
meados do século XVIII, a retração dos Ávila inicia-se perante o antilusitanismo patente no cenário de
independência política no Brasil. Não obstante, por outro lado:

(...) Foi nesse processo que a família Dantas tornou-se importante proprietária da região,
comprando terras dos Ávila, anexando-as a outros territórios, consolidando a criação de
gado e estabelecendo forte vínculo com a política local. De certo modo, pode-se afirmar
que a família Dantas, da qual fazia parte Cícero Dantas Martins, o poderoso barão de
Geremoabo, substituiu os Ávila no Nordeste Baiano oitocentista. Filhos, netos, bisnetos e
tataranetos do casal Baltasar e Leandra, que foram procuradores da família Ávila,
originaram a família Dantas, ampliaram os domínios e ocuparam os cargos políticos e
militares fundamentais na região. MEDRADO (2012, p.162).

Indubitavelmente, percebe-se que foram nesses solos que germinaram lendários personagens do sertão
baiano. Nos limites geográficos da atualidade, a Fazenda Caritá é pertencente ao município de Sítio
do Quinto, e não mais ao território de Jeremoabo, como embora revista e

ampliada, ainda é citada por FONTES (2019, p.66). Este mesmo capítulo trata a fuga dos cangaceiros
das forças volantes de Sergipe, levando-os a um quase encontro de enfrentamento com os soldados
de Manuel Campos de Menezes na Fazenda Caritá, onde acoitavam-se frequentemente. Porém, tal
enfrentamento só seria efetivado na fazenda Abobreira.
No mais, há ainda outras bibliografias que mencionam a passagem cangaceira na terra do Velho
Quinto, o livro Lampião, o último cangaceiro (1966), escrito por Joaquim de Góis, que durante seis
anos perseguiu cangaceiros como contatado. Embora atualmente sem tiragens disponíveis no
mercado editorial

(...) Trata-se da obra sobre as operações de Lampião em território sergipano, com


capítulos sobre coiteiros, táticas e rastejadores. Góis, como José da Costa Dórea,
também teve encontro com Lampião no povoado de Sítio do Quinto, município de
Jeremoabo, em ocasiões distintas. FONTES (2019, p.72)

Mais recente, outra obra que faz menções de terras sitioquintenses é As quatro vidas de Volta Seca
(2017), do escritor itabaianense Robério Santos, nessa biografia é narrada a história do cangaceiro
Antônio dos Santos, mais conhecido pela alcunha de Volta Seca. Este, nas caatingas da Fazenda
Caritá, foi escolhido ainda garoto para arregimentar a malta de cangaceiros do lendário Capitão
Lampião.
REFERÊNCIAS

FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. Ponto & Vírgula Publicações -


Salvador, 11. ed., 2019.

GÓIS, Joaquim. Lampião, o último cangaceiro. Aracaju, Livraria Regina, 1966.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto : o munıcípio e o regime


representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 7. ed., 2012.

MEDRADO, Joana. Vaqueiros e fazendeiros na comarca de Geremoabo-Bahia


no final dos oitocentos: trabalho, dominação e resistência. Mundos do
Trabalho, v. 4, n. 8, p. 161-181,2012.

SANTOS, Robério. As quatro vidas de Volta Seca. Editora Infographics. 2017.

SILVA, Raymundo José da. Bandido e herói: o vingador do sertanejo no folheto


de cordel. Cadernos do IL. Porto Alegre, RS. N. 45 (dez. 2012), p. 175-189, 2012.

UCHOA, Karina Pinto. Acervo Barão de Jeremoabo. a importância dos


arquivos pessoais para a história. SEMOC-Semana de Mobilização Científica-
Acervo Barão de Jeremoabo. a importância dos arquivos pessoais para a
história, 2003.

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