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De aperto à vontade

Sou mesmo assim:


Esse acaso
Esse nó
Esse laço,
Esse aperto sem fim.

Outubro, 2002
Cristiane Duarte
Sela

Canta vida artista que resiste


Canta assim com sorriso e choro
Canta mulher com ar de menina
Canta porque espanta o mal agôro

Outubro, 2005
Cristiane Duarte
MARIA FUMAÇA E A TECNOLOGIA

Maria Fumaça sai a todo vapor.


Porque estamos na ida
Quero água seu João.
E com a volta não temos
Quero lenha e não carvão
preocupação
E vou fazer um poeirão.
Qualquer pouco de bebida
Eu sou a primeira máquina Tira nossa atenção
Que veio para a evolução E o excesso de coragem
Cortando o leste, o oeste É inimigo da perfeição.
E o agreste do sertão.
Planeje a ida
Na grande, Minas Gerais Mas não se esqueça da volta.
Atravessei túneis e boqueirões Pense em você,
Matagais, rios e ribeirões.
E em seu irmão.
Seja prudente na direção
Nos lugares em que passei,
Causei admiração
Com o carro ou com o navio
Mas foi no Rio de Janeiro Caminhão ou avião
Que tive decepção. Leve sempre contigo
Com a tecnologia avançada, Muito amor no coração
Eu fiquei na solidão. E o amor que é de Deus
Pois o governo me trocou O pai da Criação.
Sem dó e sem compaixão.

Mas não pensaram que um dia,


Pedro Clemente - Ideias de um
Sua grande sabedoria,
analfabeto - 2020
Se tornaria destruição.
Traz a evolução
Mas mata José e Maria
Antônio, Pedro e João.
Perfeita imperfeição

Ah, Nada é perfeito.


E eu nem queria que fosse.
Se não existisse amargo,
Não iríamos saborear o doce.
Na falta de solidão
Não apreciaríamos companhia
Nada é bom, se em demasia
Caso as nuvens não existissem
O sol estaria sempre à mostra
Sem mistério, sem a presença desejada
Apenas uma rotina pragmática.
Se a paz reinasse,
Não haveria celebração
Ao fim de guerras
Os cidadãos falariam,
"Não é mais que obrigação!"
Por isso que lhe falo:
Levante esse olhar!
Esses dias difíceis vão passar.

Viviane Corréa Nunes


Balada da solidão

Queria declamar versos bonitos


Versos de amor, de paisagens sonoras e frias
Do comum e efêmero dia que se desmanchou ao tocar o
infinito
Mas o que restou disso tudo foi apenas fantasias
Nem mais a alegre cotovia.
Canta com antes. Nem mesmo a lua.
Que se encontrava cheia e nua.
Em um brilho resplandecer, traz a sua alegria
O dia se desmanchou como mel em seus cabelos
Trouxe a solidão da noite em seus véus
Fez do meu amor gotas suaves se tornarem blocos de gelo
Dividiu a minha dor em dois céus
Um céu tenebroso que me fere agora
Outro céu, porém que alegra o meu coração
Se você está aqui já não me importo com a hora
Mas quando você vai embora, o que me apavora é a
imensidão dessa solidão
Não queria dizer versos assim
Versos dolorosos e que causam espanto
Mas é que já não aguento guardar dentro de mim
Versos que se diluem em meu pranto
É uma poesia fria, difícil de engolir
Por isso coloquei ela aqui nesses versos
Para que ela possa sumir
Tuntamente com o vento da madrugada em cantos diversos.

Samanta Aquino - Coletânea Escritores do Vetor Norte da


RMBH - 2019
Coração
Paixão
Então
Em vão?
Coração solidão?
coração
paixão
então
é solidão?
ah coração
bobalhão
chorão
então é
Mesmo
Solidão?
Só?
Ah!

Edna Marilda Mendes da Silva - Coletânea


Escritores do Vetor Norte da RMBH - 2019
Chuva do Mar

No baixo e no médio rio doce, chamam as chuvas temporárias, chuvas do


mar - talvez por serem trazidas pelos ventos do Atlântico.)

Quando Raquel casou, naquela tarde mansa,


Vi desfeito de vez meu sonho de criança...
Um desespero atroz meu ser avassalou!
Mas alguém que conhece os mistérios do mundo
Num sussurro me disse um conselho profundo:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
E passou.
Quando, ainda mocinho, eu senti, doido de ira,
Que, parecendo certo, era tudo mentira
O amor que me jurara a pérfida Margot.
Quis morrer - mas alguém que conhece esta vida
Me falou, sem calor, mas em frase sentida:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
E passou.
Quando Ofélia seguiu seu destino sombrio,
Senti, como ainda sinto, o coração vazio...
Faz tanto tempo já que nem sei mais quem sou!
Mas quem viu em meu pranto uma simples garoa
Quis em vão me dizer uma palavra boa:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
Não passou

Agripa Vasconcelos - Coletânea Escritores do


Vetor Norte da RMBH - 2019
O Palhaço Carequinha

O bom menino não faz pipi na cama.


O bom menino não faz malcriação.
O bom menino vai sempre na escola.
E na escola aprende sempre a lição.
O bom menino respeita os mais velhos.
O bom menino não bate na irmãzinha.
Papai do céu protege o bom menino.
Menino que obedece sempre, sempre a mamãezinha.
Olha aqui!
Carequinha não é amigo de criança que passa
à noite da sua cama para a cama da mamãe.
E também não é amigo de criança que rói unha
e chupa chupeta.
Tá certo ou não tá?
Tál
Eu obedeço sempre a mamãezinha.
Então aceite os parabéns do Carequinha!
O bom menino.
Olha aqui!
Carequinha só gosta de criança que respeita
papai, mamãe, titia e vovó.
E seja amigo dos seus amiguinhos.
E também que coma na hora certa e durma na
hora que a mamãe mandar.
Tá certo ou não tá?
Tá!
Eu obedeço sempre a mamãezinha.
Então aceite os parabéns do Carequinha!
Viva o bom menino!
Viva!

O circo - Nely Pereira da Silva Pontes


Fada keina

No céu tinha uma costureira


Que se chamava keina
Ela fazia as roupas das fadas do céu
E vestidos para as princesas
Da terra.

Ela não tinha preguiça


Trabalhava noite e dia
Para dar conta das entregas.
As vezes não almoçava
e tão pouco jantava.

Mas ela era feliz


Com o que ganhava
Sorriso e abraços
Das princesas e das fadas

Cada roupa era desenhada,


Nebulosamente criada
Para as princesas e para as fadas .

Keina se gabava das exclusividades criadas


Das roupas das princesas e das fadas.

Sorriso não à preço


Felicidades é demasiada
Era o que keina costurava .
Roupas em forma de alegria
Era o que keina distribuía.

Clarice Medeiros
Cultura de Paz
Há que se construir uma Cultura de Paz
Sem respeito à vida
A sociedade corre perigo.

Repúdio à violência
Aplausos à solidariedade

Inaceitável preconceito
Porque as minorias também
Tem que ter seu direito.

Com educação e cultura


Acabaremos com esta tortura

Com paz, amor, compreensão


Acabaremos de vez com esta
deturpação

Poderemos fazer frente


A esta perversidade
E quebrar esta corrente
Da implacável violência de nossos dias.

Ângelo Roberto.
Exaltação

Ave cheia de Graça!


Esta terra bendita que abriga tantas grutas.
Berço de escravos, Quilombos,
Reinado e Candombe
Mocambeiro de festa, dos terreiros, dos tachos de doce.
Do folclore, misticismo e tradição.

Terra de Carstes, repletas de arte.


Das pinturas rupestres...
Das pedras lapidadas por orquídeas.
Das garças, dos tucanos,
Dos bem-te-vis, dos sabiás...

Oh Matozinhos! Oh doce Mocambeiro!


Terras que um dia abrigaste a mega fauna.
Santuário de lagoas, riachos e flores
Dos pequizeiros, dos pés de araticum
Terra das Grutas:
Cerca Grande, Várzea da Pedra,
Lapa do Santo
Boleiras, Caieiras,
Poções. Balé, Faustina.
Protegidos sejam os frutos do teu ventre!

Terra de Luzia
Abençoadas sejam as suas dolinas.
Santificadas as suas nascentes.
Protetor seja sempre o teu povo.
Para todo o sempre...
Amém!

Jane Rosa
Ja-bu-ti-ca-ba

Ia dando a época e o quintal ficava em festa


Borboletas, abelhas, passarinhos e crianças
Sob a guarda dela, os brotos viravam flores, as flores...
Ja-bu-ti-ca-ba. –“Não sobe menina, vai derrubar!”
Pela manhã, ela amarrava o lenço no cabelo
Pegava o cabo de vassoura atrás da porta da cozinha
Enchia um balde de água e com dois assobios tinha
companhia.
Brancas, verdes, avermelhadas, pretas. Pretinhas,
pretinhas.
- “Deixa eu pegar, vó? ”
- “Não tenho só vocês de netos e ainda estão verdes! ”
O estourar da fruta na boca após uma breve distração, o
doce do recheio, a adstringência da casca.
Época sai e entra e o quintal está lá
Borboletas, abelhas, passarinhos, crianças e muro.
Sob o sono dela, os brotos viram flores, as flores... Ja-bu-ti-
ca-ba. Nunca foram tão pequenas.
Pela manhã, hora do banho e do mingau na colher.
Tudo limpo atrás da porta. As coisas mudam...
Brancas, verdes, avermelhadas, pretas. Pretinhas,
pretinhas. - “Vó, será que tem jabuticaba? ”
- [...]

Cassandra Justina.
Caminhos de uma vida

Estou andando, o lugar onde a estrada me leva é protegido pelas


árvores. Antes de entrar, eu posso escolher qual das ruas quero
dobrar.
A menos que eu pegue um atalho por já saber o caminho,
Qualquer uma das ruas escolhida leva a principal, que recebe dois
nomes. Se eu sentir sente enquanto ando, sempre haverá uma
porta aberta Sempre haverá também uma sombra para um breve
repouso.
Sigo andando, se paro em algum lugar mais alto, a vista não
alcança os detalhes. Tenho que ficar atenta, há um passarinho
selecionando galhos para o ninho, Há uma mulher forte e sábia
colhendo frutas para o doce de tacho,
Há uma conversa de rotina em alguma esquina e há poeira nos
sapatos.
Cada casa tem sua própria forma de ser, cada telhado e cada
quintal com horta. Da magia dos contos de que ninguém explica,
se tira história.
As cores dos ipês, esperam pacientemente a sua vez.
As águas das lagoas e seus ritmos e suas pedras com suas
pinturas e interpretações.
Ainda estou andando e já é agosto, há preces de revolução e
súplicas para milagres.
Um sino que toca alto, um coro de vozes afinadas e a procissão
seguindo. Mesmo que de passagem, sempre há o retorno e
lembranças e suspiros e vento no rosto.
Madrugada a dentro, ouve-se folhas secas e sementes alegres
prontas para vida...

Cassandra Justina.
A Fome

Carina pegou a fruta ainda no pé,


Apertando as mãos,
Puxou o galho, puxou a fruta,
Arrebentou-se do galho e a fruta
madura na mão. Uma mordida tímida
na conquista,
O suco doce.
Tudo compunha a cena
Onde o poder se fazia entre os dedos.
Ao terminar o suco, amassou a casca,
Carina jogou o caroço no chão.
Seguiu saltitante, olhando outras
árvores, Buscando novas frutas.
Sua fome já não era pelo suco, Mas por
ceifar das árvores,
O que era precioso então.

César Felipe de Sousa

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