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AS

NOVAS
ARTESÃS
DO
CAFÉ
COOPERATIVAS DE MULHERES,
CONSÓRCIOS AGROFLORESTAIS
E PEQUENOS AGRICULTORES
APOSTAM EM PRÁTICAS
SUSTENTÁVEIS E AMPLIAM O
CULTIVO DE GRÃOS DE ALTA
QUALIDADE NO PAÍS

FEVEREIRO 2024 I Nº 455 I R$ 25,00

PERSONAGEM O GUARDIÃO DO CASTELO DO AGRO NO RIO GRANDE DO SUL

ENTREVISTA BRUNO LUPERI LEVA O CACAU AO HORÁRIO NOBRE EM ‘RENASCER’ CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL APROXIMADA 4,65%
SUMÁRIO Capa_ Henry Milleo

FEVEREIRO 2024

44
A ARTE CAFEEIRA

FOTO BRUNO CARVALHO


Cooperativas, consórcios
agroflorestais e pequenos
produtores ampliam aposta
em cafés de qualidade

6 CARTA AO LEITOR 54 CRÉDITO E INVESTIMENTO 74 TEMPO

10 ENTREVISTA 56 LEGISLAÇÃO 76 COMO PLANTAR

16 IDEIAS 58 BIOINSUMOS 78 COMO CRIAR

30 PERSONAGEM 62 FAZENDA SUSTENTÁVEL 80 GRU RESPONDE

38 STARTUPS 64 O AGRO É DELAS 82 #TÔNAGR

46 CONECTIVIDADE 68 ANÁLISE

48 SUSTENTABILIDADE 71 FUTURO

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CARTA DO EDITOR

amazônico, um café híbrido, criado a partir do


cruzamento de conilon do Espírito Santo com um
robusta levado à região pela Embrapa. Essa
mistura resultou numa bebida que carrega sabores
de chocolate e o aroma do vinho bourbon,
segundo os produtores.
Já em Roraima, é possível encontrar o primeiro
café artesanal indígena do mundo, produzido pela
família Kaleri, na comunidade Kauwê, na Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, e que só vingou
depois de muitas tentativas de Ana Karoliny e seus
pais, Itamar e Nerci, que acreditaram na ideia da
filha. Eles ainda criaram uma rota turística pela
comunidade, a fim de atrair consumidores para o
campo e diversificar a renda.
Os novos terroirs do café No Paraná, território do café até 1975, antes do
Às vésperas de mais uma safra, mostramos nesta episódio devastador da geada negra, um café de
edição como o café vem rompendo novas atitude também se destaca pelas mãos de mais
fronteiras no Brasil. Embora a produção nacional de 250 mulheres (algumas delas estampam a capa
continue concentrada em Minas Gerais e no desta edição), que estão liderando o cultivo de
Espírito Santo, o grão ganha corpo, aroma e sabor cafés especiais e já acumulam vitórias em diversos
únicos em regiões inusitadas – talvez até concursos de qualidade. Além da busca por
duvidosas em relação ao que normalmente seria qualidade e maior valor para a produção, os
recomendado pela ciência. Entre uma xícara e personagens de todas essas histórias têm em
outra, andanças pelo país e conversas com quem comum a bandeira da sustentabilidade fincada em
mais entende do assunto, a repórter Isadora suas fazendas. Por uma razão simples e óbvia: o
Camargo conferiu que até em terra de soja há café café é a cultura que mais tem sentido os efeitos
sendo plantado. E não é qualquer grão. É o das alterações climáticas no planeta, por isso sua
especial, com Indicação Geográfica e produção “sobe o mapa” e está cada vez mais
Denominação de Origem. Quando um produto tem próxima à linha do Equador.
esse atributo, significa que você só o encontra em
um local restrito, que considera condições Boa leitura!
geográficas e manejos específicos. É o chamado
Cassiano Ribeiro
terroir, expressão francesa muito adotada na
Editor executivo
vitivinicultura para os vinhos produzidos em
cassianor@edglobo.com.br
determinadas regiões do mundo e que conferem
sabores – além de valores – exclusivos à bebida. A
cafeicultura brasileira segue o mesmo movimento.
Em Rondônia e Roraima, produtores estão dando
CBN Agro, com Cassiano Ribeiro. Às terças, às 13h20, no
aula de cafeicultura, literalmente, para quem tiver RÁDIO CBN CBN Brasil, apresentado por Carlos Alberto Sardenberg, e
interessado no assunto. Juan Travian e seus dois diariamente às 5h50 no CBN Primeiras Notícias.

irmãos são alguns deles. O trio administra uma


fazenda, em Cacoal, coração do chamado robusta Programa Globo Rural: aos domingos, às 8h
TV GLOBO (reapresentação na Globo News, aos domingos, às 9h05)

6 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


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C U L T U R A I E N T R E V I S T A I Bruno Luperi, autor da novela "Renascer"

Cacau, o novo protagonista do horário nobre


O AUTOR DA NOVELA "RENASCER" FALA DA SUA IMERSÃO NA ATIVIDADE PARA
CONSTRUIR O ENREDO, DA REPAGINAÇÃO DE PERSONAGENS E DA IMPORTÂNCIA
DE RETRATAR O HOMEM DO CAMPO QUE VALORIZA AS BOAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS

Por MARCOS FANTIN, do RIO DE JANEIRO

O
s caminhos que os produtores de cacau do sul paginados” e um protagonista com relevante consciência
da Bahia trilharam na batalha contra a vassoura ecológica. José Inocêncio, interpretado por Humberto Car-
de bruxa, uma praga que devastou os cacaueiros rão na primeira fase e por Marcos Palmeira na segunda,
entre as décadas de 80 e 90, é um dos principais é apresentado como produtor de cacau engajado em boas
temas da nova novela das nove da TV Globo. Bruno Luperi práticas agrícolas. Na entrevista a seguir, Bruno Luperi
é o autor da nova versão de "Renascer", uma adaptação da fala da sua pesquisa de campo, da presença da agricultu-
obra original de 1993, assinada por seu avô, Benedito Ruy ra em suas outras obras mais recentes e que foram sucesso
Barbosa. Trinta anos depois, a agroecologia e a sustentabi- de audiência ("Velho Chico" e "Pantanal") e da importância
lidade serão tão relevantes quanto as histórias de amor e de se valorizar o homem que cuida da natureza. Confira os
conflitos tradicionais de uma novela, com personagens “re- principais trechos da conversa a seguir.

GLOBO RURAL_ Trinta anos depois da pri- LUPERI_ Eu enxergo a presença da agri- coisa muito viva no imaginário das pes-
meira versão da novela, veremos uma cultura nas minhas obras sempre com soas para a gente simplesmente arran-
produção agrícola mais sustentável? novas propostas e modelos que são ca- car fora. E o João Pedro [personagem
BRUNO LUPERI_ Nós vamos explorar racterísticos do Brasil, um país de po- que é um dos filhos de José Inocêncio]
muito mais a cultura do cacau com o vos originários muito relacionados com vem no outro sentido, que não existia
advento da vassoura de bruxa, que na o meio ambiente. A relação do homem 30 anos atrás, que é o cacau de qualida-
versão original chega somente na se- com o meio ambiente é pautada no res- de. Ele não pisa mais no cacau, ele não
gunda fase da novela, dando a promes- peito, na dignidade, na honestidade. É põe o pé na comida. A novela é muito
sa de um futuro complicado. Na nova uma via de mão dupla, em que o homem feliz de chegar nesse momento em que
versão, ela já está estabelecida na re- cuida da natureza e a natureza provê a a cultura do cacau está falando sobre
gião logo na primeira fase, limitando a ele o alimento e o sustento. Não tenho qualidade. Você recebe um preço justo
possibilidade de futuro para quem lida aquela visão do agronegócio convencio- por isso, planta um cacau bom que atin-
com o cacau. Isso implica em um José nal, no qual o homem é o minerador da ge uma qualidade maior e vai dar um
Inocêncio repaginado, com uma nova terra e apenas extrai o que precisa. chocolate melhor. Os valores do pai ele
consciência. O protagonista chega com aprendeu e assimilou, mas ele traduz
uma nova filosofia e conceitos básicos GR_ Que elemento da novela original, de esse valor em novas práticas, o que eu
da agroecologia que ele acaba difun- 1993, do seu avô, você vai manter e qual acho muito importante.
dindo. Enquanto estava todo mundo será totalmente modificado?
queimando os cacaueiros, tentando se LUPERI_ Hoje em dia, nós temos uma no- GR_ A primeira fase da novela fala sobre
libertar da doença, ele enxergava a vas- ção de que não se pisa mais no cacau, a devastação da vassoura de bruxa. A
soura de bruxa como uma condição e a porque isso traz alguns malefícios para segunda fase, que se passa nos dias atu-
necessidade de um novo manejo para a amêndoa: essa ação pode deixar a fer- ais, vai abordar novas ameaças, como
lidar com aquela nova realidade. mentação mais intensa e trazer fungos a monilíase?
e outras coisas que não são necessaria- LUPERI_ A gente fala da monilíase como
GR_ Das quatro últimas novelas das mente boas. Mas há 30 anos esse era o uma possível nova ameaça, que é o que
nove, essa é a terceira com temática ru- padrão. Eu não quis tirar isso, porque está acontecendo hoje, um risco muito
ral. Como você avalia esse movimento? é uma imagem muito marcada, é uma grande para a região. E ela se apresen-

8 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


FOTO_ GLOBO/MANOELLA MELLO

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 9


C U LT U R A I E N T R E V I S T A

FOTO_ GLOBO/MANOELLA MELLO

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C U LT U R A I E N T R E V I S T A

“A novela fala muito


de um Brasil que
precisamos revisitar
ta como a possibilidade de uma nova e dignificar” Brasil que precisamos revisitar e dig-
vassoura de bruxa. Ou seja, depois de nificar. Esse é o grande legado que eu
30 anos de um período muito compli- tenho do meu avô. Quando ele tra-
cado, os cacauicultores conseguiram fi- tou do campo, ele sempre tratou sem
car na terra, outros chegaram, e agora LUPERI_ Meu trabalho é fundamentado transformar em "Jeca Tatu" aquele
vem uma nova ameaça. Por isso, acho em pesquisa, então, só escrevo daqui- homem do campo, mas sempre digni-
importante a agroecologia estar no lu- lo que eu entendo. Sou de São Paulo, ficando, trazendo para o protagonis-
gar onde está, com essa visão de novos paulistano, e "Velho Chico" abriu uma mo da sua vida. É assim que eu en-
manejos. Em um sistema sadio, ela não porta para mim no mundo da agricul- xergo, e aprendi com ele, e que espero
vai derrubar as lavouras. Ela vai estar tura. Quando cheguei à "Pantanal", que o público enxergue.
presente, então, o produtor talvez tenha pude falar mais abertamente sobre
que conviver com aquilo. isso, mas fui estudar a região, a pecuá- GR_ O que mais difere "Renascer" das
ria no Pantanal e o gado pantaneiro. E últimas novelas com temática rural?
GR_ O lado pessoal do protagonista, o hoje, com o cacau, é a mesma coisa. Eu LUPERI_ Mais do que servir de cená-
ator Marcos Palmeira, que está ligado à fui para o sul da Bahia, fui assessora- rio e pano de fundo, assim como foi
produção orgânica e sustentável, contri- do por muitas pessoas, conversei com a pecuária em "Pantanal" e a fruti-
buiu para a construção do personagem e os mais diversos profissionais e com cultura em "Velho Chico", o cacau é
da própria novela? todos os agentes da cadeia. Agora, se o protagonista dessa história. Tudo
LUPERI_ O maior tesouro que a profis- o público vai gostar ou não, a gente aquilo que é característico da região
são me dá são as grandes amizades. O só vai descobrir com o passar do tem- cacaueira do sul da Bahia vai se tor-
Marquinhos é o primeiro ator que eu po. Mas é isso, o autor tem que saber nar determinante para o curso da-
conheci na minha vida, desde quando ser odiado e saber ser amado. Nem te quela dramaturgia. "Renascer" tem
o meu avô fazia "Renascer". Eu lem- amam por completo quando dá certo, a característica muito única de mer-
bro dele chegando à casa do meu avô, nem te odeiam por completo quando gulhar na cacauicultura, nas cabru-
e eu o vendo pela TV ao mesmo tempo. dá errado. Quando a gente mexe nes- cas manejadas, mostra todo o cenário
A vida nos aproximou muito. Nós fize- se espaço, desperta paixões, é porque político, econômico e social que essa
mos "Velho Chico" e "Pantanal" juntos a gente fez nosso trabalho bem-feito. cultura apresentou nos últimos anos
e nos tornamos grandes amigos. Ele é e os desafios que ela tem pela frente,
um dos poucos atores que reúnem as GR_ Você acha que a novela também além de propor soluções práticas que
qualidades para fazer esse papel, com tem um papel informativo, ao mostrar podem ser adotadas para que a re-
uma consciência agroecológica, dentro à população urbana as novas práticas gião consiga renascer ainda mais for-
do espaço dele como um agricultor, um adotadas no campo? te do que já era.
artesão da terra, um cara muito ligado LUPERI_ Acredito que sim. A novela
ao seu ofício e muito pouco ligado à vai- tem um caráter educacional de mos- GR_ Produtores de cacau falam que
dade, ao dinheiro. Foi uma parceria que trar a realidade do campo, os dile- a relação com o fruto é apaixonante,
deu muito certo em "Pantanal" tam- mas contemporâneos, e propor so- que é muito mais do que um negócio.
bém, porque José Leôncio tinha essa re- luções para os desafios que estamos Você sente isso também?
lação com o gado. atravessando. Eu entendo que a te- LUPERI_ Nas minhas andanças e em to-
lenovela no Brasil é um instrumento das as entrevistas que fiz, eu ouvi que
GR_ Como enfrentar possíveis críticas muito forte para promover o resgate o cacau é como se fosse uma cachaça.
de representantes do agro que questio- da relação dos seres humanos com a Quem lida com ele não consegue desa-
nem algo retratado na novela? natureza. A novela fala muito de um pegar. É uma cultura apaixonante.

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A G R I C U LT U R A | C A F É

A NOVA
GEOG
DO CA
por CAROLINA MAINARDES, de Pinhalão (PR), CIBELLE BOUÇAS, de Serra do Cabral (MG),
e ISADORA CAMARGO, de São Paulo (SP)
fotos BRUNO CARVALHO, de Cacoal (RO), e HENRY MILLEO, de Pinhalão (PR)

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VA ARTESÃS DA COLHEITA, PRODUTORES DA AGRICULTURA
FAMILIAR E ADEPTOS DE CONSÓRCIOS AGROFLORESTAIS
APOSTAM EM PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS E AMPLIAM A
PRESENÇA TERRITORIAL DOS GRÃOS ESPECIAIS NO PAÍS

RAFIA
AFÉ
globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 15
A G R I C U LT U R A | C A F É

A
Ana Karoliny Calleri, de 23
AGRICULTORA a melhoria dos resultados financeiros não depende ne-
anos, apostou em um café exclusivo, que cessariamente de mais lavouras: nos últimos 20 anos, a
ela produz em um sistema agroflorestal área de plantio de café em Rondônia diminuiu 70%, mas,
com cupuaçu na Reserva Indígena Rapo- com a disseminação de práticas regenerativas, a produ-
sa Serra do Sol, em Roraima. Também na tividade cresceu 500%, o que fez com que a produção ti-
Região Norte do país, em Rondônia, Juan vesse um salto de 60% nesse período.
Travian lidera uma cooperativa de produtores de ro- Travian é um dos 17 mil produtores do grão em Ron-
busta amazônico, que desperta a atenção internacio- dônia, estado que foi o primeiro do mundo a obter uma
nal. A 3.500 quilômetros dali, no Paraná, mulheres Indicação Geográfica do tipo Denominação de Origem
se uniram para produzir grãos especiais e recuperar para os robustas amazônicos. Ao todo, 15 municípios
o selo de qualidade do Norte Pioneiro do estado. E em fazem parte da Indicação Geográfica. Neles, 80% da
Minas Gerais, cafeicultores redesenham as fronteiras produção ocorre em áreas de até 4 hectares, nas quais a
da produção do café de qualidade. colheita é manual e a agricultura, familiar.
Esses diferentes personagens não se conhecem, mas Travian e seus quatro irmãos cuidam de 140 hectares
têm um desafio em comum: traçar novos roteiros para de café nas Matas de Rondônia, como a região é conheci-
o cultivo do grão no Brasil, o maior produtor do mun- da. Eles já exportaram para 13 países e, entre 2022 e 2023,
do. Durante muito tempo, a cafeicultura brasileira tiveram produtividade média de 150 sacas por hectare, o
concentrou-se em poucos polos de cultivo, mas o qua- equivalente a 7.000 sacas de 60 quilos. Travian investe
dro começou a mudar a partir do início dos anos 2000: em rastreabilidade e maquinário e aposta em “atitudes
agora, a cultura está em 37 diferentes áreas do territó- ambientais” – como o uso de biológicos e de plantas de
rio nacional, o que inclui estados dominados pela soja cobertura – para valorizar seu café. Ele está há sete anos
nas últimas décadas, como Goiás. no ramo e hoje abre a propriedade para visitas técnicas.
A nova geografia do grão não tem se estabelecido a
partir de um aumento expressivo da área de plantio,
mas a reboque, principalmente, de pesquisas sobre o
plantio em espaços que tenham potencial de receber
lavouras que fiquem em sintonia com a preservação
ambiental. O crescimento da demanda global por pro-
dutos com essas características, que usualmente ofe-
recem remuneração mais alta aos produtores do que o
grão commodity, tem puxado a transformação.
Um dos lugares em que o café surge de forma artesa-
nal e autoral é no Norte do país. Em Rondônia, em par-
ticular, um tipo específico do grão tem sido um agente
de mudança da economia local. “O robusta amazônico é
único, de genética criada a partir do cruzamento entre “O robusta amazônico é único.
o conilon do Espírito Santo e o robusta que a Embrapa A bebida lembra chocolate ou
trouxe para a região. O grão híbrido gerou uma bebida
encorpada, com doçura e acidez equilibradas. Você toma o aroma do vinho bourbon"
e lembra do chocolate ou sente o aroma do vinho bour-
bon”, detalha Juan Travian, um dos principais produto-
res de Cacoal, cidade de cerca de 85 mil habitantes que é
o coração do plantio dessa variedade no estado. JUAN TRAVIAN,
No estado, o desenvolvimento da cultura mostra como produtor da variedade em Cacoal (RO)

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A CHAVE É O EQUILÍBRIO
O agricultor Juan Travian: a área de
produção de café em Rondônia diminuiu
70% nos últimos 20 anos, mas as práticas
regenerativas fizeram com que a produção
crescesse 60% nesse período

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A G R I C U LT U R A | C A F É

DA LAVOURA PARA O MUNDO


No alto, fazenda de café em Cacoal (RO) com
reservatório para irrigação; acima; sacas de
exportação de robusta amazônico; e, ao lado,
canéfora em estágio de enchimento do grão

18 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


“A fazenda é uma escola de robusta amazônico e
um lugar de cooperação com outros cafeicultores. Se
eles precisam, podem processar ou armazenar o café
aqui", relata. "Essa união vai ajudar a disseminar a va-
riedade e a garantir que tenhamos volume suficiente
no futuro para atender outros países.”
Travian é o atual presidente da Cafeicultores Asso-
ciados da Região Matas de Rondônia (Caferon), entida-
de que nasceu em 2019. Nessa função, ele está à frente
de um estudo sobre a retenção de carbono que pode-
rá atestar, por meio de georreferenciamento, que o café
não tem impacto sobre as reservas legais.

O surgimento de lavouras de café em locais que até


recentemente desconheciam a cultura tem ocorrido com
rapidez, diz Edgard Bressani, exportador e especialista do
setor. Para ele, isso ocorre porque, hoje, a interação entre
os produtores e os profissionais e institutos de pesquisa é
maior do que a que havia no passado – e também porque
os agricultores têm buscado produzir com sustentabilida-
de. Bressani afirma que as mudanças climáticas devem
"empurrar" as lavouras do grão para regiões próximas da
Linha do Equador, passando a ganhar espaço em estados
distantes de regiões com tradição na cultura, como São
Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais.
Ana Karoliny decidiu abdicar do vestibular de medi-
cina para plantar café na comunidade Kauwê, na Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, a 6 quilômetros de Paca-
raima, em Roraima, na fronteira com a Venezuela. A tra-
jetória dela na cafeicultura é curta, mas, ainda assim, a
agricultora testou todos os processos da cadeia, do solo
à xícara. Suas primeiras mudas de arábica da espécie
myang só vingaram em 2022, depois que a produtora
consultou um especialista e se aprofundou no cultivo.
O pai, Itamar Calleri, seguiu o conselho da filha e plan-
tou as mudas entre as frutas em uma área de 1,5 hecta-
re. (Ele ainda não sabia disso, mas, com a técnica, tinha
dado origem a uma agrofloresta.) Em 2023, a família lan-
çou o Imeru – nome que os Calleri deram à marca – como
o primeiro café artesanal indígena do mundo. "Imeru" é a
palavra para "cachoeira" em macuxi. O nome do dialeto é
também o da etnia da família, povo indígena originário das
Guianas sobre o qual há poucos registros no Brasil.
A família cultiva o arábica na região mais alta do es-

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 19


XXXXX | CLIMA
PRODUÇÃO DE CAFÉ OO Brasil
cas
Brasildeve
de
deverá
café
mais dodeque
produzir
produzir
beneficiado
na safra
no ciclo
na
mais
safra
de 58
de café milhões
2024/25
2024/2025,
2023/2024,
maisde
de acordo
ou
milhões de sacas do grão beneficiado, 5,5% a mais do que a
a
desa-
5,5%
58

temporada 2023/24, de acordo com dados recentescom


da

NO BRASIL o relatório mais recente da Companhia Nacional


Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgados em
Abastecimento (Conab), de janeiro. A área total da
janeiro. A área total destinada à cafeicultura deve chegar a
cafeicultura deve chegar a 2,25 milhões de hectares,
de

2,25 milhões de hectares, com leve alta de 0,8% em compara-


o que representará um aumento de 0,8% em com-
ção à safra anterior.
paração com a temporada anterior. Desse total, 1,92
Desse montante, 1,92 milhão de hectares de lavouras estão em
milhão de hectares estão efetivamente em produção.
produção. Para o arábica, o volume estimado é de 26,7 sacas por
A Conab estima que a produtividade do arábica será
de 26,7e sacas
hectare a do café
porconilon de 44,3
hectare e a sacas por hectare.
do conilon, de 44,3 sa-
Acasprodutividade média deve chegar às
por hectare. O rendimento médio deverá 30,3 sacas
ser por
de
hectare.
30,3 sacas por hectare em 2024/2025.

CICLO
DO FRUTO
ANATOMIA
DO GRÃO

semente pergaminho

casca

polpa

flor

cereja verde

CAÇAAOS
CAÇA AOSCAFÉS
CAFÉS
“Cada café
“Cada café éé uma
uma viagem
viagem diferente”,
diferente”, relata
descre-
ve Hugo Wolff, empreendedor que junto
Hugo Wolff, empreendedor e fundador fundou
com o irmão, Henrique, de uma
com o irmão, Henrique, uma torrefadora em torrefadora
em fase de
com oPaulo
São mesmo quenomelevadaofamília, localizada
sobrenome da emfamí-
amadurecimento
São Paulo. Eles trabalham apenas com
lia. Eles trabalham apenas com grãos de alta grãos
de alta qualidade
qualidade de pequenos
de pequenos produtores.
produtores.
fruto OsOsirmãos estãoque
no ramo há cinco anos,háfazem
irmãos, estão no ramo cinco
maduro viagensfazem
anos, em busca de cafés
viagens em ebusca
criam deperfis de e
cafés
torras para
criam perfiscada
de lote encontrado.
torras para cada “Nalote
caçaqueporen-
contram. “Na caça mulheres
cafés, descobrimos aos cafés, quedescobrimos
fazem a
mulheres que
diferença. Foi fazem
então que a diferença.a relacio-
começamos Foi então
que
nar acomeçamos a relacionar
compra à inclusão de quema faz
compra
isso aoà in-
clusão
mercado”, dessas pessoas
explicou Hugo no mercado”,
Wolff. Foi quando conta

20 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


TRANSFORMAÇÕES
TRANSFORMAÇÕES E EVOLUÇÃO
E EVOLUÇÃO
DADA PRODUÇÃO
PRODUÇÃO CAFEEIRA
CAFEEIRA NO BRASIL
NO BRASIL
Até 2000, o café tinha endereço limitado a 5 regiões - Minas Gerais, São Paulo,
Até 2000, as lavouras de café estavam restritas a cinco regiões: Minas Ge-
Paraná, Espírito Santo e Bahia. Hoje, são 37. O 'desbravar' da cafeicultura está
rais, São Paulo, Paraná, Espírito Santo e Bahia. Hoje, são 37. A expansão
associado ao espaço dos cafés especiais de regiões, como Rondônia ou do Acre,
territorial da cafeicultura é resultado direto do avanço dos cafés especiais BA
lugares que destacam-se pelos cuidados do plantio à pós-colheita, dando ao café
em regiões como Rondônia e Acre, lugares que se destacam pelos cuida-
o tratamento premium que o vinho recebe. “O Brasil vive o (re)nascimento e
dos que adotam do plantio à pós-colheita e que dão ao café tratamento MG ES
evolução
similar ao que de um canéfora dea qualidade
se dispensa vinhos de- primeira
bebida que refugava
linha. na boca
As novas e agora
geografias SP
do desperta experiências sensoriais",
café se estabelecem quando uma fala Bressani.
produçãoCom rotas do romper
consegue café desenhadas
barreiras PR
a partir de produções que conseguem romper barreiras
climáticas e também de precificação. Como os desafios não são poucos, climáticas e de precifi-
cação, fica na cultura quem se “desdobra para ter qualidade
"fica na cultura quem se desdobra para ter qualidade e ser sustentável am- e ser sustentável
ambiental
biental e financeiramente”,
e financeiramente”, reitera.
afirma o especialista Edgard Bressani.

CAFÉ NO BRASIL
EM 2023

CE

PE
AC
RO
BA
MT
DF

GO

MG
decidiram
Hugo. Foi assimoferecer
que cursos a produtores
eles decidiram que
ofere- ES
cer encontram
cursos aos e fazem parcerias.
produtores que encontram.
Henrique, responsável
Henrique, que administrapela a empresa, ressalta
administração SP
da que os grãosafirma
empresa, são únicos
que eosque, provavelmente,
grãos são úni-
RJ
cosserão frutos
e que, de um lote só. De
provavelmente, olho frutos
serão nos núme-
de
um ros,
loteele
só.prevê fortalecimento
Ele acredita que odo consumode
consumo de
PR
cafés
cafés especiais,
especiais vaioseque vai abrir oespaço
fortalecer, que devepara
abrirnovos
espaço para novos cafeicultores.
cafeicultores. área de plantio
Os Wolff investiram
Eles investiram R$1,5 R$1,5 milhão
milhão para para criar
a empresa
a empresa, que torra
sair do papel e, hoje,30compram
toneladas de de
café café
20
por mulheres,
ano. Hoje,seeles compram café de 20
relacionam indiretamente com mu-
lheres, têm relação
mais de 200 e pagam indireta com outras
de quatro 200
a seis vezes
produtoras
mais do eque pagam pelo grão
o mercado até seis vezes
convencional para
mais do que o mercado convencional.
torrar 30 toneladas do grão por ano. Fonte: INPI, IBGE, CONAB, BSCA, Cecafé

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 21


A G R I C U LT U R A | C A F É

tado, que fica 775 metros acima do nível do mar, um pa- de cafés com classificação acima de 83 pontos na avalia-
tamar inferior ao mínimo de 800 metros de altitude que ção SCA (Specialty Coffee Association, ou Associação de
se recomenda para a variedade. Ana e a mãe, Nerci, se- Cafés Especiais, em tradução livre). A pontuação indica
lecionam os grãos maduros, fazem a secagem de forma que a bebida oferece atributos sensoriais superiores aos
natural e torram o café em panelas comuns, para, em se- do café tradicional, incluindo acidez, corpo e aroma.
guida, embalar e enviar a cafeterias da capital, Boa Vista. “A altitude e a latitude influenciam, mas a atitude é
“O Imeru foi o primeiro café especial do tipo arábica fundamental”, diz Cíntia Mara Lopes, economista do-
catalogado em Roraima. Todo mundo estranha como méstica do IDR-PR e coordenadora do projeto. As par-
o grão pode ter dado certo no extremo norte do país e ticipantes da iniciativa aprendem a desenvolver o ne-
se espanta com o sabor único, cítrico e com alto teor de gócio e a olhar a lavoura como um tesouro, de onde sai
doçura", conta a agricultora. O cafezal tem 800 plan- uma bebida cheia de história e experiência.
tas, mas a família já pensa em aumentar o número para As integrantes do projeto vivem em 14 diferentes mu-
2.000. Para diversificar a renda, os Calleri investiram nicípios do Norte Pioneiro e em outros quatro do Vale
mais de R$ 40 mil nos últimos três anos e criaram uma do Ivaí. O senso coletivo do grupo reforça a conexão de
rota turística na comunidade. consumidores de todo o Brasil com a aura secular da
Ainda tímida, a cadeia cafeeira de Roraima está em cafeicultura local, que havia sido dizimada pela "geada
três polos: além do plantio da comunidade Kauwê, há negra" de 1975. O fenômeno é considerado o principal
produção no assentamento Caju, no município de Bon- responsável pelo fim do cultivo de café no Estado.
fim, com 44 famílias, e na comunidade indígena Man-
gueira, em Alto Alegre, com 45 famílias. Antes da "geada negra", o Paraná chegou a liderar
a colheita nacional, na década de 1960. Mas, com o fe-
Na Região Sul do país, os esforços de um grupo de nômeno, a área de plantio do grão caiu de 942 mil para
mulheres dialoga com o trabalho dos produtores de Ro-
raima e Rondônia: elas querem devolver ao Norte Pio-
neiro Paranaense o status de região que cultiva café de
qualidade. “Hoje, a mulher compra, vende, prova e co-
nhece o seu café. Antes, eu nem sabia por quanto meu
marido tinha vendido a produção”, conta Maria Apare-
cida Maciel, produtora rural de Japira, no Paraná. Ela
integra o projeto Mulheres do Café do Norte Pioneiro,
que pretende estimular o protagonismo feminino e in-
centivar as cafeicultoras a produzir grãos especiais.
O grupo, de mais de 250 mulheres, compartilha o en-
tusiasmo de Maria Aparecida. O resultado aparece na
xícara, com uma bebida de sabor e aroma reconhecidos
por dezenas de premiações regionais, estaduais e na- “Hoje, a mulher compra, vende,
cionais. O produto tem gerado renda e mudado a vida prova e conhece o café que produz.
das pequenas propriedades de agricultura familiar, que
vendem uma saca de 30 quilos de café especial por um Antes, nem sabia por quanto
valor até 70% maior do que o do grão tradicional. meu marido vendia a produção"
Coordenado pelo Instituto de Desenvolvimento Rural
do Paraná (IDR-PR), o projeto completou, no ano pas-
sado, uma década de criação. Em 2022, as agricultoras MARIA APARECIDA MACIEL,
produziram 8,2 toneladas – ou 137 sacas de 60 quilos – produtora rural de Japira (PR)

22 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


SEM MEDO DE GEADA
Em 1975, a "geada negra" virtualmente
matou a cafeicultura paranaense. Hoje,
iniciativas como a do projeto Mulheres do
Café têm dado nova vida à cultura no Estado,
que já tem 30 mil hectares de cafezais

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 23


A G R I C U LT U R A | C A F É

MARCA DA CASA
A agricultora Solange Braga, uma das
integrantes do projeto de cafeicultoras
paranaenses: grupo criou seu próprio
rótulo, o Café das Mulheres

24 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


3.000 hectares, segundo o Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE). Atualmente, o cultivo parana-
ense ocupa cerca de 30 mil hectares, o que faz do estado
o quinto maior do país em área de plantio da cultura. Um
marco do segmento no Paraná foi a Identificação Geográ-
fica, certificação concedida em 2012 pelo Instituto Nacio-
nal de Propriedade Industrial (INPI) aos produtores de
cafés especiais de 45 municípios do Norte Pioneiro.
Os processos de colheita e secagem das variedades
RUMO NORTE de arábica são manuais, e as produtoras contam com
Ana Karoliny Calleri, que produz café na a assistência técnica do IDR. Por meio da Associação
comunidade Kauwê, na Terra Indígena
Raposa do Sol, em Roraima: família lançou
das Mulheres do Café do Norte Pioneiro do Paraná
marca para homenagear a própria etnia (Amucafé), a produção do grupo leva a marca própria
de café especial do projeto, a Café das Mulheres. A co-
mercialização vem ganhando mercado em cafeterias
que trabalham com a bebida especial, e muitas partici-
pantes já mantêm suas marcas próprias.

Minas Gerais, que responde por 50% da produção


nacional, é um velho conhecido no cultivo de café, mas
algumas regiões do estado só começaram recentemente
a explorar a atividade. As zonas norte, sudoeste e Ma-
tas de Minas têm liderado um movimento de expansão
da cafeicultura para além do Sul e Cerrado Mineiro, que
produzem mais de 20 milhões de sacas de 60 quilos.
O norte de Minas, de clima semiárido, é uma das no-
vas fronteiras para os produtores, que plantam o grão
sobretudo nas regiões da Serra Geral e da Serra do Espi-
nhaço. A oferta de água é um fator central no surgimen-
to de novos polos na cafeicultura mineira.
“A Serra do Cabral, uma das últimas fronteiras de
plantio, atraiu a produção devido à sua altitude eleva-
da, à grande oferta hídrica e a seu clima ameno, com
dias quentes e noites frias. Não temos conhecimento de
outras áreas com altitude elevada e disponibilidade de
água para irrigação”, afirma Luis Carlos Casim, de 49
anos, sócio e diretor da Cedro Agro, do grupo minei-
ro Cedro Participações, comandado pelo empresário
Lucas Kallas. As lavouras da região distribuem-se em
pontos que ficam entre mil e 1.100 metros de altitude.
A temperatura média é de 22°C a 28°C.

Se na Região Norte do país as áreas de plantio são


menores, nos municípios de Francisco Dumont, Joaquim

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 25


A G R I C U LT U R A | C A F É

UNIÃO FEMININA
A economista Cintia Lopes de Souza, que
coordena o projeto Mulheres do Café: grupo
quer colocar o Norte Pioneiro Paranaense
mais uma vez no papel de protagonista
na produção de cafés especiais

26 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


Felício e Lassance, na Serra Geral, há espaço para au- O gerente-geral da fazenda, João Emílio Duarte, conta
mentar a produção do café commodity. Para aproveitar a que a produção recebe irrigação por gotejamento, méto-
possibilidade, a Cedro Agro investiu R$ 500 milhões no do eficiente para o uso racional da água. “Pesquisamos e
plantio de 4.100 hectares de lavouras irrigadas. descobrimos que, de cada dez cafés vencedores de con-
Em Lassance, o plantio começará ainda neste ano, e cursos, nove fazem irrigação por gotejamento, então
em Joaquim Felício, em 2025. O projeto mais avançado existe uma relação direta entre irrigar só por baixo e
é o da Fazenda Cedro I, em Francisco Dumont, que já a qualidade do café. Além disso, esse tipo de irrigação
plantou 900 hectares e prevê chegar a 1.550 até 2025. A gasta 30% menos água que o pivô central e gera uma
propriedade produz café arábica das variedades arara, economia de 30% a 40%”, descreve Duarte.
catucaí 137, catucaí 2SL, paraíso MG2 e guará. A propriedade valoriza também outras estratégias. Ao
Na Cedro I, parte da lavoura completou dois anos, e todo, 80% do adubo é orgânico, por exemplo, e o contro-
a colheita da primeira safra comercial, ainda neste ano, le de pragas é feito com inseticidas biológicos. Entre os
deve chegar a 5.000 sacas de 60 quilos, com produtivi- talhões de café se faz o plantio de braquiárias, nabo for-
dade em torno de 35 sacas por hectare. “Este ano será rageiro e milheto, que servem de cobertura para o solo e
de teste. Uma parte da colheita será mecanizada, e par- de alimento aos insetos. A expansão do café se percebe
te será manual. Para o ano que vem, a expectativa é de no viveiro de mudas da Cedro I, onde há 4,2 milhões de
uma produtividade de 50 a 55 sacas por hectare”, afirma unidades produzidas, com 700 mil prontas para plantio.
Casim. O executivo estima uma colheita de 50 mil sacas A pouco mais de 50 quilômetros dali, em Rio Par-
até 2026. Para garantir a qualidade da produção, a em- do de Minas, na Serra do Espinhaço, o produtor Car-
presa construiu dois reservatórios no local. As estrutu- los Otone Pena alcançou a maior produtividade média
ras têm capacidade de 1,4 bilhão de litros de água, volu- do país em 2023, colhendo 84 sacas por hectare. O café
me suficiente para irrigar as lavouras por até 90 dias. atinge seu melhor desempenho a 900 metros de altitu-
de e com irrigação – o rendimento médio em outras re-
giões cafeeiras é de 40 sacas por hectare.
Água é assunto crucial para o cafeicultor, que cons-
truiu quatro pequenas barragens na propriedade. Com
as estruturas, Otone Pena coleta as chuvas e usa essa
água para irrigar os 300 hectares de café, em especial
nas épocas secas de Rio Pardo de Minas, onde o índice
de chuvas é de 819 milímetros por ano.
O produtor utiliza esterco de gado e de galinha, bagaço
de cana e a palha do próprio café para fazer a adubação
na Fazenda Natanael. A propriedade tem um histórico de
produção de 21 mil sacas do grão de alta qualidade, que
abastecem os mercados nacional e internacional.
“Altitude e latitude influenciam [o Segundo a Conab, a região que engloba o Norte de Mi-
bom resultado das mulheres do nas e os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri terá 29,6
mil hectares de café na temporada 2024/2025, ou 4,7%
Norte Pioneiro Paranaense], mas a mais do que no ciclo 2023/2024. A produção deverá
a atitude também é fundamental” aumentar 14,7%, para 1,01 milhão de sacas, de acordo
com os cálculos da estatal. “Essa promete ser a maior
região produtora de café do Brasil. Por dia, temos duas
CÍNTIA MARA LOPES, horas de sol a mais do que o sul de Minas", diz o produ-
coordenadora do projeto Mulheres do Café tor. "E isso ajuda muito na produtividade.”

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PERSONAGEM | MEMÓRIA

LUIZ CARLOS SEGAT COMPROU UMA


FAZENDA PARA PRODUZIR SOJA – E
VIROU DEFENSOR DO IMÓVEL QUE
AJUDA A CONTAR A HISTÓRIA DO AGRO
NO RIO GRANDE DO SUL
por MARCELO BELEDELI, de Pedras Altas (RS)
fotos FREDY VIEIRA

OGUARDIÃO
28 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com
DOCASTELO
globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 29
PERSONAGEM | MEMÓRIA

O
que eu vou fazer com um castelo?” Essa foi "Esse é um patrimônio
a reação do produtor rural e advogado Luiz
Carlos Segat, de 57 anos, quando, em 2021, histórico e cultural que
seu genro informou a ele sobre a possibili- precisa ser preservado”
dade de compra de uma propriedade de 360 hectares
para o plantio de soja. A área ficava em um município
gaúcho de pouco mais de 2.000 habitantes próximo à
LUIZ CARLOS SEGAT,
fronteira com o Uruguai, o que inclui um trajeto de 20 presidente da Associação do
quilômetros de estrada de terra. Castelo de Pedras Altas
Segat não sabia, mas a oferta o transformaria, tempos
depois, no guardião de um dos maiores patrimônios da
história da agropecuária e da política brasileira: o Cas-
telo de Pedras Altas. “Meus filhos [Rafael, Gabriela e
Kamilla, também advogados] tinham vendido uma pro-
priedade em São Francisco de Assis e buscavam com-
prar outra área para plantar soja. Meu genro comentou
sobre uma oferta em Pedras Altas, que vinha com um
castelo. Mas eu nem sabia que isso aqui existia. A ima-
gem que vinha na minha cabeça eram ruínas, um prédio
abandonado, nada interessante”, conta ele.
O prédio “nada interessante” oferecido aos Segat foi
a morada do político e diplomata Joaquim Francisco de
Assis Brasil (1857-1938). Inaugurado em 24 de junho to da agropecuária brasileira. Apresentando-se em suas
de 1912, o edifício em granito rosa havia sido uma pro- campanhas políticas como “agricultor”, ele não aceitava
messa de Assis Brasil à sua segunda esposa, Lídia Pe- que o Brasil da época fosse um importador de alimen-
reira Felício de São Mamede, filha de um conde portu- tos, reclamação que deixou clara em seu livro Cultura dos
guês, de que construiria para ela um castelo parecido Campos, de 1897: “O feijão chegamos ao aperfeiçoamen-
com os que a mulher visitava em Portugal. to de receber do México e do Chile… Recebemos arroz da
Com 44 cômodos, 12 lareiras e cinco banheiros, o Índia, que nos fica do lado oposto do planeta e não tem
castelo conta com mobília importada de Nova York e terras melhores do que as nossas. Um amigo meu, goia-
Paris, obras de arte e uma biblioteca com 15 mil livros. no, revelou-me que é muito comum comer-se em Goiás
Muitos deles são extremamente raros, como os 22 vo- banha americana! Tal situação é, nos termos mais claros,
lumes da primeira edição da primeira enciclopédia do a ruína econômica e política”.
mundo, publicada por Diderot e D’Alembert, em 1751. Uma de suas grandes preocupações era provar que
O prédio também marcou a história por ter sido o lo- um pequeno pedaço de terra poderia ser tão produtivo
cal em que ocorreu a assinatura do tratado de paz que quanto uma grande propriedade se os agricultores ado-
encerrou a Revolução de 1923, guerra civil em que os tassem técnicas modernas e racionais. Ele acreditava,
opositores do então governador do Rio Grande do Sul além disso, que o produtor rural não precisava ser um
Borges de Medeiros (conhecidos como maragatos) en- “bruto”, isolado da busca por conhecimento e cultura.
frentaram os governistas (chimangos) para tentar im-
pedir o mandatário de se reeleger pela quinta vez. "Assis Brasil sempre foi um homem da lida no cam-
Embora tenha dedicado boa parte da vida à política e à po. Ele continuamente juntou as culturas, a do intelecto e
diplomacia, Assis Brasil buscou fazer de sua proprieda- a da terra”, afirma Cláudia Petry, professora da Faculda-
de em Pedras Altas um modelo para o desenvolvimen- de de Agronomia e Medicina Veterinária da Universida-

30 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


MEMÓRIA DO AGRO
Acima, detalhe do quarto principal;
ao lado, antigo piano de cauda; e,
abaixo, fachada norte do castelo

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PERSONAGEM | MEMÓRIA

QUEM FOI ASSIS BRASIL


Joaquim Francisco de Assis Brasil legislatura que criou a Constituição no Rio Grande Sul, em uma guerra
nasceu em São Gabriel (RS), em 29 de de 1891, a primeira da República. civil que durou 11 meses. Foi
julho de 1857. Filho de estancieiros, Diplomata na Argentina, Portugal ministro da Agricultura entre 1930
foi produtor rural, advogado, político, e Estados Unidos, Assis Brasil e 1932, ano em que idealizou o
escritor e diplomata e participou da ajudou o Barão de Rio Branco a Código Eleitoral Brasileiro.
criação da Associação Pastoril de negociar, em nome do governo Assis Brasil casou-se duas
Pelotas (1898), a primeira associação brasileiro, a compra do Acre, que vezes e teve 12 filhos. Ele morreu
agrícola do Rio Grande do Sul. até 1903 pertencia à Bolívia. na noite da véspera de Natal de
Na política, ele ajudou a fundar o Em 1923, liderou a oposição ao 1938, aos 80 anos, no Castelo de
Partido Libertador e foi deputado na governo de Borges de Medeiros Pedras Altas, onde foi sepultado.

32 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


de de Passo Fundo (UPF). “Com sua curiosidade e vasta
cultura, ele efetivamente colocou em prática sua ideia de
que o agricultor poderia arar a terra de manhã e ler Eucli-
des da Cunha pela tarde.” Esse pensamento se manifes-
ta na frase gravada nas entradas do castelo: “Bem-vindo
à mansão que encerra/A dura lida e doce calma/O arado
que educa a terra/O livro que amanha a alma”.
Em Pedras Altas, Assis Brasil desenvolveu ações
pioneiras, como a adoção de variedades de milho mais
produtivas e a introdução de novas raças, como vacas
jersey para produção de leite, gado devon e ovelhas ka-
rakul, ideais para a extração de lã, assim como galinhas
white wyandotte, que trouxe dos Estados Unidos. O di-
plomata manteve ainda uma importante criação de ca-
valos de corrida, com reprodutores árabes e ingleses, e
também introduziu novas espécies de árvores, como o
eucalipto, além de nogueiras-pecãs e videiras.
O mentor do castelo repassava a outros agricultores as
informações que colhia sobre oportunidades de geração
de renda no campo e os conhecimentos que obtinha com
suas experiências práticas em Pedras Altas. Com isso,
Assis Brasil passou a ser considerado o patrono da agri-
cultura gaúcha. Atualmente, em homenagem à sua con-
tribuição ao desenvolvimento agropecuário do Rio Gran-
de do Sul, o parque de eventos no município de Esteio,
que sedia a Expointer, a maior feira agropecuária do es-
tado, leva seu nome (Parque de Exposições Assis Brasil).

Quando os Segat visitaram o castelo pela primeira vez


para avaliar a compra da propriedade, eles quase nada
sabiam do histórico do local ou de seu fundador. “Trabalhei
na Avenida Assis Brasil, em Porto Alegre, e fui muitas
RIQUEZA NA ESTANTE
Luiz Carlos Segat com um dos vezes no Parque Assis Brasil durante a Expointer, mas
15 mil livros da biblioteca do castelo. nunca tinha me perguntado de onde vinha esse nome,
Muitas obras são raras qual era o motivo da homenagem”, conta Luiz Carlos.
À primeira vista, adquirir o castelo não parecia um
bom negócio. O prédio era tombado pelo patrimônio
histórico desde 1999, mas sofria com anos de abandono.
Depois da morte de Assis Brasil, em 1938, e de sua espo-
sa, em 1973, o castelo e o seu entorno foram partilhados
entre os 12 filhos. O último inventário tinha 18 herdei-
ros, entre netos e bisnetos, que não chegavam a um con-
senso sobre como conseguir recursos para preservar o
prédio, que sofria com infiltrações, umidade e corrosão.

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 33


PERSONAGEM | MEMÓRIA

A última descendente do fundador deixou o prédio VISITAÇÃO


em 2017. Com isso, além das intempéries, o local passou
a sofrer com ladrões e vândalos, que roubaram princi- As visitas ao Castelo de Pedras Altas devem
palmente obras de arte e objetos de metal. Os herdeiros ser agendadas previamente na página
tomaram a decisão de vender a propriedade em 2019. @castelopedrasaltas, no Instagram, que informa quais as
Segat afirma que o objetivo inicial da aquisição, que datas em que a entrada na propriedade estará liberada.
era o plantio de soja, virou motivo secundário quando No interior do castelo, pode-se visitar apenas
ele conheceu o histórico do local. “Ocupamos metade o primeiro andar, onde ficam a biblioteca, o salão
da propriedade com soja, e a terra é rentável com a pro- principal e a sala onde ocorreu a assinatura do
dução de grãos. Mas entendemos que aquilo que temos Tratado de Paz de Pedras Altas, em 1923. O restante
na mão é muito maior, é um patrimônio histórico e cul- do passeio é pela área externa do prédio.
tural que precisa ser preservado”, diz.
A família Assis Brasil aceitou a proposta de compra Existem dois turnos de visitas, das 9h às 12h e das 14h às 17h.
A entrada custa R$ 100. Para garantir a reserva, é
dos Segat em fevereiro de 2022. Com o acordo, os ir- preciso fazer pagamento antecipado, via Pix
mãos Rafael, Gabriela e Kamilla tornaram-se os pro-
prietários da terra, enquanto o patriarca Luiz Carlos
foi instituído presidente da Associação do Castelo de
Pedras Altas, entidade criada para buscar recursos
para a restauração do imóvel. A recuperação total das
PEDAÇOS DE HISTÓRIA
estruturas vai exigir cerca de R$ 10 milhões, conta Se- Acima, visitantes ouvem Luiz Carlos Segat
gat. A associação já captou parte desses recursos via contar a história do castelo; abaixo, antiga
Lei de Incentivo à Cultura (LIC). garagem, com um Ford modelo A 1927; e,
ao lado, escadaria da entrada principal
A primeira etapa da revitalização já está em anda-
mento. Os trabalhos incluem a impermeabilização e a
pavimentação da laje de cobertura do castelo e dos lo-
cais de maior acesso. No andar superior, os operários
dedicam-se à remoção dos revestimentos internos e à
fixação dos novos, além da instalação da estrutura elé-
trica e do restauro da pintura das janelas metálicas.

Atualmente, os novos proprietários já promovem


o turismo no local, por meio do agendamento de visitas
pela página do castelo no Instagram. A longo prazo, os
Segat pretendem criar um museu no imóvel, uma ini-
ciativa que vai valorizar não só o castelo e seu patrimô-
nio cultural como também a paisagem local e o histórico
agrário da propriedade, acredita o patriarca. “Quere-
mos resgatar ao máximo o ambiente da granja de Pedras
Altas no tempo em que Assis Brasil vivia aqui”, explica.
O novo guardião do castelo já cumpriu parte desse
objetivo quando ele e a família reintroduziram na pro-
priedade os bovinos devon, que o fundador do castelo
trouxe para o Brasil no início do século passado. Hoje,
o local já conta com cerca de 300 cabeças da raça.

34 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 35
CENÁRIOS I UVAS

VINHO
DO CHILE,
FOTO_ GETTYIMAGES

CASAL DE SÃO PAULO INVESTE EM PRODUÇÃO


ORGÂNICA E ARTESANAL NA REGIÃO DE VALPARAÍSO,
UMA DAS 12 CAPITAIS MUNDIAIS DO VINHO

36 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


MÃOS
DO BRASIL
por MARCOS FANTIN, de Casablanca (Chile)*
ilustração DAVI AUGUSTO

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 37


CENÁRIOS I UVAS

procura de sossego longe de uma


grande metrópole, um casal de bra-
sileiros deixou São Paulo e partiu
para o Chile em 2011. O local esco-
lhido foi o Vale de Casablanca, na re-
gião de Valparaíso, uma das 12 capi-
tais mundiais do vinho, chancelada
pela associação internacional Great
Wine Capitals. A escolha do desti-
no não aconteceu por acaso. Ange-
la Mochi e Marcos Attilio começa-
ram a trabalhar importando vinhos
para o Brasil em 1999, até se torna-
rem proprietários da vinícola chile-
no-brasileira Attilio e Mochi.
Em 5,5 hectares, o casal cultiva
oito variedades de uva e produz,
todos os anos, 15 mil garrafas de
vinho das variedades sauvignon
blanc, viognier, pinot noir, syrah,
malbec, cabernet franc, grenache
e roussanne. Segundo Angela, a
vinícola elabora o único vinho da
roussanne em todo o Chile.
“Para agregar valor, é preciso fazer
diferente, e não como todo mundo
faz. Nós temos variedades diferentes
e mostramos o que fazemos. Isso não

38 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


FOTO_ DIVULGAÇÃO

OFERTA DIVERSIFICADA_ Angela Mochi


e seu marido cultivam oito variedades
de uva no Vale de Casablanca

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 39


CENÁRIOS I U VAS

é uma indústria. Somos pessoas cultivando videiras em Grande parte da zona central e o sul do país tiveram
um sistema orgânico totalmente conectado com a nature- excedente de chuva em 2023, segundo dados da Direção
za, e muita gente valoriza isso”, diz Angela, com orgulho. Meteorológica do Chile (DMC). Em consequência, espe-
O frio e a névoa densa das manhãs dá lugar, à tarde, a ra-se uma “colheita abundante” em 2024, segundo Pedro
um sol escaldante, que brilha até as 20h. Depois, o frio Solar, gerente global de marketing da Wines of Chile.
retorna, na oscilação de temperaturas de que as uvas da Ainda que se trate de boa notícia, Solar prefere ser co-
região tanto precisam para se tornar especiais. medido ao fazer projeções. “A primavera de 2023, que
Além da amplitude térmica, que chega a até 23ºC, foi mais fria que a média, pode reduzir nossa estimativa,
as uvas da região de Casablanca — e de todo o Chile — já que baixas temperaturas nessa época afetam o peso
também precisam de estabilidade no regime de chuvas. dos cachos. Vamos observar as condições do verão, que
No entanto, como o país passou a enfrentar uma crise também vão afetar a colheita de 2024”, pondera.
hídrica, essas condições escassearam nos últimos anos. Na região de Casablanca, a média histórica de chuva
Como resultado da diminuição das chuvas, a produ- era de 400 milímetros por ano, de acordo com produ-
ção de vinhos do Chile, que viveu um boom a partir do tores locais. Nos últimos dez anos, no entanto, as pre-
fim dos anos 1990, é hoje menor que a de 2012. No ano cipitações caíram à metade, para perto de 200 milí-
passado, o país produziu 1,1 bilhão de litros da bebi- metros anuais. Mas 2023 trouxe esperança: o El Niño
da, o que representou uma queda de 11,4% em relação aumentou as chuvas entre os meses de maio e agosto e
a 2022, segundo dados do Serviço Agrícola e Pecuário fez o volume chegar a cerca de 330 milímetros ao ano.
do Chile. A produção em 2013 foi 16% maior que a atu- “Estamos pulando de alegria”, diz Angela Mochi.
al. O número de garrafas produzidas também caiu. Em Para ela, o principal desafio é a falta de água, e é nesse
2023, os chilenos fabricaram 11 milhões de unidades; ponto que os agricultores brasileiros mais percebem o
no ano anterior, o volume foi de 12,4 milhões. contraste com a realidade no Brasil. “Aqui no Chile, nós
Mas, para este ano, as perspectivas são mais ani- pagamos pela água. Você só pode usar água para agri-
madoras. A razão é que, com a ação do El Niño, 2023 cultura ou comercial se comprar esse direito”, conta.
marcou o fim de um intervalo de dez anos de chuvas Uma empresa privada é responsável por comerciali-
irrisórias entre o centro e o sul do território chileno. zar cotas de água, o que encarece a produção. Angela
Caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano exemplifica que, assim como as terras no Chile, a água
Pacífico, o fenômeno levou mais precipitações a algu- também é registrada em cartório. É um recurso que
mas regiões de vitivinicultura do país andino. tem a mesma figura jurídica da terra, ela explica.
Para encarar os períodos de seca dos últimos anos, in-
clusive na região de Valparaíso, os viticultores passa-
ram a adotar técnicas de irrigação mais eficientes. Se-
gundo Ivo Sandoval, diretor regional da ProChile em
Valparaíso, a recomendação também é plantar castas
mais resistentes ao calor e ajustar as práticas de cultivo.
“A tecnologia tem sido usada para monitorar e prever
“Isso não é uma indústria. as condições meteorológicas e do solo, o que ajuda os pro-
Somos pessoas cultivando dutores a tomar decisões sobre quando regar, fertilizar e
colher as uvas”, detalha o diretor da ProChile, entidade
videiras em um sistema vinculada ao Ministério das Relações Exteriores do país.
conectado com a natureza" Mario Agliati, presidente da Casablanca Valley, asso-
ciação de empresários e viticultores de Casablanca, con-
ta que a cidade tem se destacado cada vez mais no enotu-
ANGELA MOCHI, rismo, realçando os vinhos de clima frio, principalmente
produtora de uvas viníferas os brancos. “Todo o trabalho que foi e continua a ser feito

40 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


A PRODUÇÃO CHILENA DE VINHOS
EM MILHÕES DE GARRAFAS POR ANO - ENTRE 2013 E 2023

2013
1,2 BILHÃO
DE LITROS 1998
5,2 BILHÕES
DE LITROS

13,4
12,8 12,8 12,8 (2021)
(2013) (2015) (2018) 12,4
11,9 (2022)
(2019)
11
10,3 (2023)
9,8 10,1 (2020)
(2014) (2016) 9,4
CHILE (2017)

VALPARAÍSO
2023
SANTIAGO
1,1 BILHÃO
DE LITROS

VALE DE CASABLANCA

543,9 MILHÕES
DE LITROS DE VINHO
FOI O VOLUME QUE A REGIÃO
DE BERNARDO O'HIGGINS
ENGARRAFOU EM 2023

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CENÁRIOS I UVAS

NEGÓCIOS COM O BRASIL


FOTO_ DIVULGAÇÃO

O mercado brasileiro é o destino de


60% das exportações de vinhos da
Casa Romero, uma das vinícolas
da região de Casablanca

contribuirá para que Casablanca se


torne no futuro o primeiro vale sus-
tentável do Chile”, diz.
Angela acredita que o Chile expor-
ta seus vinhos por valores muito bai-
xos e que valorizar a região de Casa-
blanca é um passo fundamental para
mudar o cenário. “Nosso objetivo é
ter uma empresa pequena e susten-
tável, com os aspectos ambiental, so-
cial e financeiro equilibrados. Nos-
sa produção é artesanal, com valor
agregado no produto final”, afirma.
A Casa Romero, outra vinícola de
Casablanca, exporta 45 mil garrafas
por ano. O Brasil, o principal mer-
cado, é o destino de 60% dos embar-
ques. De acordo com a proprietá-
ria, Angélica Romero, a marca tem
boa aceitação, principalmente nos
estados de São Paulo, Rio de Janei-
ro e Minas Gerais. “O consumidor
brasileiro hoje aposta em vinícolas
menores e de qualidade mais alta,
e isso é bom para nós. Aqui, tudo é
feito à mão, os processos são dife-
rentes. Nós damos tempo ao vinho.”
Entre janeiro e setembro de 2023,
a região de Valparaíso, da qual Ca-
sablanca faz parte, exportou 174,1
milhões de garrafas, das quais 36,1
milhões chegaram ao Brasil. Chi-
na, com 27,1 milhões de unidades, e
Canadá, com 18,7 milhões, também
são compradores importantes.
Os produtores locais acreditam
que o futuro do Vale de Casablan-
ca é se estabelecer como um grande
produtor de vinhos de qualidade, de
alto valor agregado, produzidos com
uvas que dependam cada vez de me-
nos água. “É a única maneira de con-
tinuar com a tradição vitivinícola”,
diz Angela, da Attilio e Mochi.

*
O jornalista viajou a convite do ProChile

42 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


OPINIÃO I IDEIAS I Luiz Josahkian

Biotecnologia e alimentação
EMBORA A APLICAÇÃO DA TRANSGENIA FAÇA PARTE DO NOSSO COTIDIANO, AS
DISCUSSÕES E OS TABUS SOBRE O TEMA NUNCA DEIXARAM DE EXISTIR

P
aul Berg, Nobel de Química, na irrigação artificial de desertos e na castanha-de-caju, e não pelo fato de
pegou o mundo de surpresa em drenagem de pântanos, já que nós já ser um transgênico). Mesmo assim,
1972, ao realizar, pela primei- utilizamos quase todas as áreas agri- o projeto foi abandonado, porque não
ra vez, a transferência de um gene de cultáveis do planeta. passaria pelas rígidas regras de apro-
um ser vivo para outro. Era o início da Aumentar a produtividade é a al- vação de um alimento transgênico.
biotecnologia, que 50 anos mais tar- ternativa mais sensata. Do ponto de Em média, entre concepção, desen-
de estaria presente em novas terapias vista do consumo humano, após 25 volvimento, testes e aprovação, a libe-
gênicas, nos alimentos geneticamente anos de uso de sementes transgêni- ração de um transgênico demora 15
modificados e na produção de vacinas cas, não há um único relato de caso anos. Esse processo caro e demorado
contra doenças como a Covid-19. prejudicial à saúde. Tudo bem, não é só pode andar com o suporte de gran-
Embora a aplicação da transgenia um horizonte tão vasto assim, mas o des empresas. Isso gera outra sarai-
esteja presente em nosso cotidiano vada de críticas por parte de setores
(no Brasil, 92% da soja, 90% do mi- da sociedade que ressaltam a concen-
lho e 47% do algodão são transgêni- tração de poder em poucas mãos, mas
cos, segundo dados da Embrapa), as essa é mais uma questão que precisa
discussões e até mesmo tabus sobre o ser analisada sob outros ângulos.
tema nunca deixaram de existir. O fato é que as biotecnologias são
Se nós driblamos a teoria malthu- um assunto recente no mundo e ain-
siana no século XX com a introdução da carecem de análises jurídicas, éti-
dos adubos nitrogenados, ao que tudo cas e sociais. Infelizmente, a oposição
indica só vamos manter o vaticínio de mais forte ocorre nos países de maior
Malthus no terreno da ficção no sécu- necessidade alimentar, instigados
lo 21 com o uso de novas tecnologias, a pelo ativismo dos países desenvolvi-
exemplo da transgenia. dos. Como bem salientou a pesqui-
Em 2050, seremos 9 bilhões de sadora queniana Florence Wambu-
pessoas no planeta. Se os padrões gu, ativista que defende o aumento
tecnológicos adotados até a década fato é que existem casos em que ali- da produção de alimentos na Áfri-
de 1960 se mantiverem, será neces- mentos geneticamente modificados ca, "vocês, pessoas do mundo desen-
sário duplicar as áreas de produção foram abandonados ao longo do ca- volvido, certamente são livres para
para a manutenção dos níveis atu- minho por não terem passado pelos debater os méritos dos alimentos
ais de acesso aos alimentos. Isso se- severos crivos dos órgãos de contro- geneticamente modificados. Mas po-
ria um motivo mais do que razoável le. Isso reforça sua confiabilidade. demos comer primeiro?"
para que avessos às tecnologias e de- É o caso do feijão enriquecido com
FOTO_GETTY IMAGES

fensores da natureza repensassem genes de proteínas da castanha-de-ca-


suas posições, especialmente porque ju, que, nos testes, mostrou-se alergê- Luiz Josahkian é zootecnista,
professor de melhoramento genético e
a expansão de novas áreas de cultivo nico para algumas pessoas (mas ve- superintendente técnico da Associação
implicaria na devastação de florestas, jam: para aquelas com intolerância à Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ)

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 43


TECNOLOGIA I CONECTIVIDADE

HORIZONTE
AUTÔNOMO
MÁQUINAS AGRÍCOLAS CONTROLADAS À DISTÂNCIA
FORAM DESTAQUE EM UMA DAS MAIORES FEIRAS
DE ELETRÔNICOS DE CONSUMO DO MUNDO

por JOSÉ FLORENTINO,


de Las Vegas (EUA)*

C
erca de 2.000 quilômetros separavam um conjunto robusto de dados para aprimorar o modelo e
trator da John Deere, localizado em Aus- torná-lo apto a reagir em ambientes diversos.
tin, no estado americano do Texas, do ce- No futuro, essas máquinas serão capazes de fazer boa
lular usado para controlá-lo, que estava em parte do trabalho de campo sozinhas. Caberá aos huma-
Las Vegas, Nevada. Em meio a carros voa- nos traçar os planos de trabalho na lavoura e tomar deci-
dores, televisores transparentes e outras tecnologias fu- sões quando algo inesperado ocorrer, como o surgimento
turísticas, curiosos de diferentes partes do planeta para- de um animal na frente da máquina. A expectativa é que,
ram para entender como a tecnologia funciona. com isso, os custos da operação caiam e que o produtor
Em janeiro, durante a CES, uma das maiores feiras tenha mais tempo para outras obrigações.
de eletrônicos de consumo de todo o mundo, a fabri- Maya Sripadam, gerente sênior de produtos autôno-
cante americana de máquinas agrícolas demonstrou a mos da John Deere, afirma que há centenas de profissio-
novidade: um clique no aplicativo fazia o trator inter- nais envolvidos no desenvolvimento da tecnologia, tan-
romper ou retomar o percurso traçado sobre o mapa da to no Meio-Oeste, a principal região produtora de grãos
lavoura, em um trabalho de arar a terra. dos Estados Unidos, quanto no Vale do Silício, berço dos
A John Deere acelerou o desenvolvimento dessa tec- gigantes globais de tecnologia. A expectativa da empre-
FOTOS_ DIVULGAÇÃO

nologia após comprar, em 2017, por cerca de US$ 300 sa é ter máquinas autônomas em campo até 2030, aten-
milhões, a startup Blue River. Hoje, os testes envolvem dendo o produtor do plantio à colheita.
dezenas de máquinas em sete estados do país. Com es- No ano passado, a AGCO acirrou a disputa pelo pri-
sas experiências, o objetivo da companhia é reunir um meiro lugar na corrida pela autonomia ao anunciar a

44 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


MÁQUINAS AO LONGE
Em demonstração na
CES, um celular no estado
americano de Nevada
controlou o andamento de
um trator no Texas, a 2.000
quilômetros de distância

compra de uma fatia da Trimble, um negócio de US$ 2 Para resolver a questão, a John Deere trabalha em
bilhões, e a criação de uma joint venture, que facilitará projetos com operadoras de telefonia para instalar tor-
o acesso da AGCO às tecnologias de automação e tele- res nos rincões do país. A companhia também anun-
metria da Trimble. Dona de marcas como Fendt e Mas- ciou uma parceria com a SpaceX, do bilionário Elon
sey Ferguson, a AGCO é uma das três maiores fabri- Musk, para usar o serviço de internet por satélite Star-
cantes de máquinas agrícolas do mundo. link e assim conectar as áreas em que é inviável insta-
Segundo o diretor de tecnologia da John Deere, Jahmy lar as torres. Para colocar a ideia em prática, as con-
Hindman, as concorrentes buscam uma integração verti- cessionárias da John Deere no Brasil vão instalar um
cal que sua empresa tem há mais tempo. “Já produzimos terminal Starlink em máquinas compatíveis, testado
nosso próprio sistema de orientação, hardware e softwa- para condições agrícolas severas, e um modem para co-
re, o que nos permite agregar valor para os clientes de nectar as máquinas ao John Deere Operations Center.
uma forma que é difícil para quem não é integrado”, diz. A companhia americana participou pelo segundo ano
Em algum momento, as máquinas autônomas desen- consecutivo da CES para mostrar que produz máquinas
volvidas nos EUA chegarão aos outros mercados em agrícolas duráveis e tecnologia de alto valor. “É uma for-
que a John Deere atua, como o brasileiro. No entanto, a ma de demonstrar como estamos ajudando nossos clien-
falta de conectividade no campo no Brasil será um de- tes a enfrentar os desafios de baixa oferta de mão de obra
safio adicional para a adoção dessa tecnologia, assim qualificada e a fazer mais com os recursos de que já dis-
como já tem sido para o funcionamento pleno de solu- põem”, afirma Aaron Wetzel, vice-presidente de sistemas
ções de agricultura de precisão que já existem. de produção e agricultura de precisão da John Deere.

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TECNOLOGIA I CONECTIVIDADE

46 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


LAVOURA DE AR na para Todos da edição 2024 da feira. A startup sul-co-
A Midbar ganhou os holofotes reana Midbar – palavra hebraica para deserto – exibiu a
com sua fazenda inflável,
que usa inteligência artificial AirFarm, uma solução que promete economizar água e
e internet das coisas outros recursos naturais, além de permitir que pessoas
comuns produzam seu próprio alimento.
Moses Seo, o principal executivo da Midbar, disse
que, com a tecnologia, é possível produzir alimentos em
qualquer lugar. Além disso, conta ele, a estrutura demo-
ra menos de um dia para começar a funcionar, o que é
útil principalmente em situações de emergência, como
catástrofes naturais e campos de refugiados.
Outro dos chamarizes é que a tecnologia cabe em
praticamente qualquer espaço, já que ela não utiliza
estruturas metálicas pesadas, o que não a impede de
ser resistente. O material que compõe a AirFarm reduz
seu custo ao consumidor. “Existem soluções na indús-
tria agrícola que utilizam contêineres, mas ainda são
baseadas em bombeamento de água e não podem ser
instaladas em qualquer lugar”, completa Seo.
Visualmente, a AirFarm parece um pequeno galpão
todo branco. Dentro dela, prateleiras também infláveis
sustentam mudas de plantas. Por trás da simplicida-
de, a Midbar integra sistemas automatizados com inte-
ligência artificial e internet das coisas.
“O cultivo ocorre em sistema de névoa, que leva umida-
de e nutrientes em forma de vapor até as raízes. Depois, o
sistema faz uma reciclagem da umidade que sobra, o que
nos torna mais independentes em uso de água”, explica.
Segundo ele, a tecnologia de aeroponia faz com que os
alimentos cresçam 1,5 vez mais rápido do que em cam-
Uma das poucas empresas agrícolas presentes na feira, po, além de consumir 99% menos água do que a agri-
a marca também apresentou ao público como funcionam cultura tradicional e 90% menos do que a maioria das
suas tecnologias de agricultura de precisão — como o See fazendas verticais. A AirFarm também promete dimi-
& Spray, que reduz em até 70% o uso de herbicidas. nuir em 60% o uso de fertilizantes e dispensar total-
O produtor rural Andrew Miller, de Odem, no Texas, mente o uso de pesticidas. “É um ambiente de produção
que utiliza tecnologias da empresa americana há mais de controlado. Então, se você é um restaurante ou quer ter
uma década, exibiu um mapa digital de sua fazenda. Espa- um para uso pessoal, você pode”, diz o executivo.
lhados pela representação gráfica dos 6.000 hectares da Seo estima que a tecnologia é capaz de gerar até 140
propriedade, ícones de caminhões e máquinas se desloca- quilos de alimentos por mês. Já ocorreram testes com
vam e mostravam dados de desempenho em tempo real. batata-semente, cenouras, cânhamo medicinal e verdu-
Para ele, as tecnologias que coletam dados e sugerem ras, e há estudos para a produção de morangos nessas
melhorias nos processos são o coração da produtividade estruturas. A Midbar não comercializa os produtos di-
da fazenda. “Em vez de dizer apenas ‘ei, parece bom. É, retamente, mas diz que busca distribuidores da tecnolo-
não funcionou’, podemos realmente quantificar”, diz. gia e que tem interesse no mercado brasileiro.
A organização da CES premiou uma fazenda inflável
como a melhor inovação na categoria Segurança Huma- *O jornalista viajou a convite da John Deere

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S U S T E N TA B I L I D A D E I M A D E I R A

ÁRVORES EM
ANÁLISE
ESTIMAR O RETORNO FINANCEIRO DA INTEGRAÇÃO
LAVOURA-PECUÁRIA-FLORESTA PASSA NECESSARIAMENTE
PELA AVALIAÇÃO SOBRE O MERCADO DE MADEIRA

por CAROLINA MAINARDES, de Campo Grande (MS)*

O
produtorruralDanielWolfestáanimadocom do pai, Mário Wolf Filho, na gestão da Gamada e de ou-
osresultadosdaintegraçãolavoura-pecuária- tras duas fazendas em Mato Grosso – Fortuna e Fortu-
floresta (ILPF), que adotou na Fazenda Ga- na do Tapaiuna. Somadas, as propriedades têm 18 mil
mada, em Nova Canaã do Norte, em Mato hectares, com 50% de reserva legal.
Grosso. A propriedade foi a primeira uni- Na agricultura, a família produz milho, soja e arroz e,
dade de referência tecnológica da Embrapa no estado a na pecuária, atua na cria, recria e engorda. A atividade
adotar o componente florestal no sistema de integração: agrícola inclui ainda armazenamento de grãos, genética
no ano passado, ela comemorou, com um dia de campo, o de gado nelore puro de origem e uma fábrica de produtos
fim do primeiro ciclo das espécies de árvores, plantadas em de nutrição para gado de corte. A ILPF já garante oferta
2009, numa área de 80 hectares. de madeira de reflorestamento para venda. “Além da fi-
“Vale a pena, mas cada fazenda tem que avaliar quais xação de carbono no solo e do gado que se produz nesse
as suas necessidades e se existe demanda para a madei- sistema – criado e engordado com sombra e água fresca
ra”, afirma Wolf, membro da segunda geração a estar à –, há o benefício da madeira, que também utilizamos nas
frente da Gamada, propriedade que é pioneira do siste- propriedades. O balanço é positivo”, resume Daniel.
ma ILPF também no bioma amazônico. De acordo com o produtor, a diversificação das ativida-
Das quatro espécies cultivadas na área, as exóticas des torna a gestão da propriedade rural mais complexa e
eucalipto e teca tiveram bons resultados, enquanto as mais dependente da capacidade humana. Isso aumenta a
nativas paricá (ou pinho cuiabano) e pau-de-balsa não importância da boa gestão, que precisa tomar decisões de
deram certo. Com isso, os proprietários plantaram eu- acordo com as necessidades de todo o negócio. “O traba-
calipto e teca em diferentes arranjos. Depois, a partir lho exige estruturação e conhecimento”, afirma ele.
de 2018, a fazenda ampliou a área de ILPF, usando teca Maurel Behling, pesquisador da Embrapa Agrossilvi-
em linha simples e alterando, assim, o sentido das ár- pastoril, em Sinop (MT), diz que, no estado, já se adota a
vores e o espaçamento. integração lavoura-pecuária (ILP) em mais de 2 milhões
O sucesso da iniciativa tem levado muitos visitantes de hectares, o que representa pouco mais de 5% da área
à propriedade, que organiza eventos periódicos para destinada à agropecuária em Mato Grosso. Já os siste-
divulgar informações e tratar do desafio da adoção do mas silviagrícolas, ou silvipastoris, estão presentes em
componente florestal. “Nosso objetivo é contribuir, tro- apenas 150 mil hectares do território mato-grossense.
car experiências para multiplicar resultados, pensar Segundo ele, a familiaridade com os componentes la-
coletivamente”, comenta o produtor, que atua ao lado voura e pecuária, assim como a estrutura de armazena-

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FOTO_ EMBRAPA

PIONEIRA_ A Gamada foi a primeira unidade de referência tecnológica da Embrapa a incluir a floresta na integração em Mato Grosso

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S U S T E N TA B I L I D A D E I M A D E I R A

FOTO_ EMBRAPA

NOVAS OPORTUNIDADES_ A abertura de usinas de etanol de milho em Mato Grosso elevou a demanda de madeira para biomassa

50 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


rido antes. “Hoje, temos condições e incentivos para gra-
dativamente implantar floresta dentro de áreas que já fa-
zem integração lavoura-pecuária”, afirma, referindo-se a
ações como o Plano de Adaptação à Mudança do Clima e
Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ABC+).
Segundo a Rede ILPF, o país tem hoje 17,4 milhões de
hectares de áreas com o sistema de integração, o que in-
clui diferentes configurações, combinando dois ou três
componentes em um sistema produtivo. O predomínio
é da ILP, com cerca de 85% a 90% da área.
“O componente florestal é um desafio bastante gran-
de do ponto de vista de mercado”, ressalta Manoel Ma-
cedo, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, sediada
em Campo Grande (MS). Além de uma avaliação crite-
riosa, que passa pela escolha da espécie de árvore ade-
quada – geralmente eucalipto –, o especialista reforça
que é necessário considerar aspectos como aptidão da
propriedade, existência de mercado para os produtos
que se pretende cultivar, logística para a entrega de in-
sumos e para escoamento da produção, assim como
disponibilidade de mão de obra e de assistência técni-
ca qualificada. “O futuro é bastante promissor, mas vai
depender sempre de planejamento.”
mento e a cadeia de suporte para a produção de grãos Considerando uma propriedade que atua com lavou-
e gado, explicam a concentração na ILP. Além disso, a ra e pecuária, a técnica para implantação da floresta
falta de um polo moveleiro no Estado cria uma barrei- envolve a inserção de espécies arbóreas nas linhas dos
ra à adoção da floresta no sistema de integração. pastos. No caso do eucalipto, o ciclo de vida é de seis a
O pesquisador destaca que o foco na região tem sido o sete anos, com a formação de corredores de florestas
direcionamento da madeira de eucalipto para biomassa, durante o passar dos anos. Passado esse período, po-
um mercado que se intensificou a partir de 2018, com a de-se cortar a árvore e vender a madeira ou aproveitá-
inauguração de usinas de etanol de milho. “Está se for- la na fazenda. Macedo conta que, na sede da Embrapa
mando uma cadeia para que o produtor tenha experiên- Gado de Corte, o plantio das árvores ocorreu em 2010.
cias exitosas com o componente florestal”, avalia. Hoje, prestes a completarem 14 anos, elas estão atin-
Ele também aponta a necessidade de se atrelar o cul- gindo quase 36 metros de altura e 40 cm de diâmetro.
tivo de áreas de floresta a uma logística de comercializa- O pesquisador ressalta que, como o sistema ILPF re-
ção de madeira para a produção de celulose, um esforço sulta inicialmente em queda tanto na produção agrí-
que pode garantir preços mais competitivos aos produto- cola quanto na produção animal, a compensação pode
res. “De certa forma, é salutar que a adoção da modalida- vir na comercialização futura das árvores, que ocorre
de florestal seja mais lenta e gradativa, com amadureci- de maneira mais eficiente ao final de um ciclo de 25 ou
mento do mercado, que passa a ter estrutura e logística de 30 anos. Ele acrescenta que, na pecuária, as perdas são
processamento para absorver o produto”, analisa. Para mais fortes e podem oscilar entre 10% e 20%. Mas es-
ele, a tecnologia poderia ter sido “queimada”, resultando ses percentuais não são uma regra e dependem da lo-
em um negócio frustrado, caso sua adoção tivesse ocor- calização da propriedade, entre outros fatores.

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S U S T E N TA B I L I D A D E I M A D E I R A

FOTO_ EMBRAPA

EXCEÇÃO_ Componente florestal ainda tem baixa presença nos sistemas de integração no país, de acordo com a Rede ILPF

52 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


Para ele, o produtor que atua com lavoura é mais
aberto à ideia de utilizar o componente florestal do que
o pecuarista, para o qual o custo de adoção do novo com-
ponente não é pequeno. “Para a integração lavoura-pe-
cuária, o investimento é relativamente grande, porque
você precisa de uma boa área para fazer agricultura e
para compensar o investimento em máquinas”, obser-
va. A sugestão ao produtor, nesse caso, é começar com
um arrendamento, com parcerias, “para ir evoluindo e
entrando no negócio”.
Após o investimento inicial, entretanto, a ILP bara-
teia os custos de produção, amortizando gastos do pro-
dutor com fertilizantes e garantindo renda por meio da
venda de grãos. Isso sem falar na melhora da qualida-
de da pastagem, que ganha mais valor nutritivo, o que
reduz o tempo dos animais no pasto.
Os benefícios podem ser ainda maiores com a im-
plantação da floresta no sistema produtivo. Dados da
Embrapa indicam que a produtividade é maior em áre-
as com os sistemas mais intensificados, nas quais o
balanço de emissões de carbono equivalente é menor.
Apesar da clareza em relação aos benefícios da ILPF,
ainda não há definições exatas a respeito da regula-
mentação do sequestro de carbono no solo e de quanto
No caso de regiões em que a atividade agrícola é valo- o produtor pode ganhar financeiramente.
rizada, com solos férteis, Macedo observa que é mais di- Maurel destaca que o retorno financeiro do sistema
fícil o produtor colocar a modalidade floresta no negócio. ILPF depende da espécie de árvore e de sua finalidade.
Nesse caso, a ocupação dos solos mais pobres da fazenda Eucalipto para biomassa, por exemplo, é uma opção de
ou de áreas mais declivosas pode ser uma opção. exploração rápida – em torno de seis a sete anos – e con-
Outra possibilidade de ganho futuro com a ILPF é siderada competitiva. Já a produção de madeira para o
o estoque de carbono no solo. “Com pastagens muito setor moveleiro pode levar de 18 a 20 ou até 30 anos,
bem conduzidas, manejadas adequadamente e com re- com espécies como a teca, que demora em torno de 13
posição de nutrientes, conseguimos colocar no solo te- anos para conduzir a rebrota. “O planejamento de mé-
ores elevados de carbono”, afirma o pesquisador. dio e longo prazo pode ser uma das barreiras para o pro-
O modelo de ILPF que se vai adotar, a estratégia de dutor. Mas, a partir do momento que a floresta passa a
rotação das culturas, o espaçamento entre os renques produzir, é possível gerar receitas anuais”, explica.
de árvores ou as espécies a serem utilizadas são deci- A lucratividade, afirma o pesquisador da Embrapa
sões a serem tomadas com base em uma análise geral Agrossilvipastoril, pode ser de R$ 1,50 para cada R$ 1
dos cenários interno e externo. Macedo enfatiza que é investido no componente florestal, podendo alcançar
preciso escolher a espécie de árvore – eucalipto, pínus, patamares mais altos quando houver potencial. No caso
cedro, madeira de lei, frutífera – de acordo com as ca- do eucalipto, após um ciclo de seis ou sete anos, a madei-
racterísticas da área e a perspectiva de negócio. “São ra pode ser cortada e vendida ou usada na fazenda.
dezenas de possíveis combinações, e isso tudo tem que
entrar numa análise de custo”, recomenda. *A jornalista viajou a convite da CNA

globorural.globo.com FEVERIRO 2024 GLOBO RURAL I 53


S TA R T U P S I C R É D I T O E I N V E S T I M E N T O

EM BUSCA DE
MAIS APORTES
RELATÓRIO MOSTRA QUE STARTUPS DE BIOTECNOLOGIA
LIGADAS AO AGRO AINDA TÊM DIFICULDADE PARA ATRAIR
INVESTIMENTOS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA

por JOSÉ FLORENTINO e PATRICK CRUZ

A
s startups de biotecnologia ligadas ao agronegó- No ano passado, as dificuldades para levantar recur-
cio estão entre as mais inovadoras desse estrato sos foram um dos fenômenos mais evidentes do univer-
da economia, mas ainda penam para atrair re- so das startups do agro – de biotecnologia e também dos
cursos para seus projetos de pesquisa e estra- demais segmentos – da América Latina. Segundo o re-
tégias de expansão. O quadro não é exclusividade bra- latório, que a Liga Ventures elaborou em parceria com o
sileira: as dificuldades desse grupo de empresas para centro de inovação CNA Digital e a Bunge, as chamadas
conseguir encorpar seu grupo de financiadores são um agtechs receberam R$ 1,23 bilhão em investimentos em
fenômeno que se observa em toda a América Latina. 2023, o que representou um declínio de 32,8% em rela-
A rede de inovação aberta Liga Ventures compilou da- ção ao ano anterior, quando elas atraíram R$ 1,83 bilhão.
dos públicos das empresas iniciantes de base tecnológi- O número de rodadas de investimento caiu 24,2% de um
ca para apresentar um retrato sobre as startups do agro ano para outro, passando de 66 para 50. Grossi relata
na região. De acordo com o relatório, nos últimos quatro que, em 2022, as rodadas terminaram, em muitos casos,
anos, o segmento de biotecnologia foi o que mais se ex- com a assinatura de cheques mais polpudos, com valo-
pandiu na América Latina: havia 99 startups de biotec- res acima de R$ 100 milhões, e concentração de grandes
nologia no agronegócio latino-americano em 2023, um volumes de recursos em poucas startups.
contingente 11% maior que o de quatro anos antes. As companhias brasileiras abocanharam R$ 882 mi-
Daniel Grossi, cofundador da Liga Ventures e dire- lhões do montante total, ou quase R$ 360 milhões a
tor de risco da rede, afirma que a alta deveu-se ao au- menos do que em 2022, quando os aportes chegaram a
mento da participação ativa de universidades e incu- R$ 1,24 bilhão. O levantamento informa que as startups
badoras no apoio a essas empresas, já que boa parte de serviços financeiros receberam 26% do volume de in-
dos produtos nasce do trabalho em polos de pesqui- vestimentos. Depois, na sequência, ficaram as empresas
sa do agronegócio. Ele reconhece, no entanto, que as de tecnologia para agricultura de baixo carbono (22%), de
startups de biotecnologia do agro, também conhecidas máquinas e equipamentos (19%), que lidam com resíduos
como biotechs, ainda têm dificuldade para obter in- da produção (13%), e com as plataformas de comerciali-
vestimentos. “O mercado de venture capital está mais zação de produtos (5%); outras 17 categorias, o que inclui
acostumado com as soluções digitais”, diz ele. bioinsumos, dividiram os 15% restantes.
LEGISL AÇÃO | DEFENSIVOS

CONFIRA ALGUMAS DAS PRINCIPAIS


MUDANÇAS PREVISTAS NA NOVA LEI

NOVAS PRAZOS ANÁLISE DE RISCO

DIRETRIZES Pesquisa, produção,


exportação, importação,
ENTENDA O QUE MUDA COM A APROVAÇÃO comercialização e uso
Como ficaram: DE 30
DA LEI QUE TRATA DAS REGRAS PARA DIAS A 2 ANOS

COMO ERA COMO FICOU


APROVAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE
DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NO PAÍS Liberação de produtos novos, Como ficou:
técnicos ou formulados A LEI INTRODUZ
Como ficaram: ATÉ 2 ANOS O CONCEITO
por RAFAEL WALENDORFF, de Brasília DE ANÁLISE DE
Registro especial temporário RISCO PARA A
para produtos destinados à APROVAÇÃO DE
pesquisa e experimentação NOVOS DEFENSIVOS
Como ficaram: ATÉ 30 DIAS AGRÍCOLAS

A
nova lei de defensivos agrícolas, que o Congres-
Registro de produtos
so Nacional aprovou no fim do ano passado e o genéricos, destinados à
presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou agricultura orgânica e de
com vetos, modifica as regras para aprovação e comer- defensivos biológicos
cialização de agroquímicos no país. As principais mu- Como ficaram: ATÉ 1 ANO
danças são a redução do tempo máximo para a conces-
são dos registros de novos defensivos – hoje, o prazo
médio para a aprovação das moléculas no Brasil é de
Pesquisa, produção,
sete anos – e a adoção dos critérios de análise de risco exportação, importação,
no processo de liberação desses produtos. comercialização e uso
Com 66 artigos, a lei 14.785 é “autoaplicável”, de acor- Como era: SEM PREVISÃO EM
do com especialistas. Isso significa que o texto poderá ser LEI; DECRETO ESTIPULAVA
DE 6 MESES A 3 ANOS
colocado em prática sem a necessidade de seguir diver-
sas regulamentações infralegais, que poderiam atrasar a Liberação de produtos novos,
entrada plena em vigor dos novos dispositivos. técnicos ou formulados
O texto foi um elemento de divergência entre rura- Como era: SEM PREVISÃO EM Como era:
LEI; DECRETO ESTIPULAVA A AVALIAÇÃO E
listas e ambientalistas por décadas. Os vetos presiden- DE 6 MESES A 3 ANOS REGISTRO DOS
ciais deixaram 17 itens de fora, mas eles ainda podem DEFENSIVOS
entrar na lei por meio de votação no Congresso. Registro especial temporário BASEAVA-SE NO
para produtos destinados à DANO POTENCIAL
Por ano, os agricultores brasileiros aplicam 1,2 mi- pesquisa e experimentação DESSES PRODUTOS
lhão de toneladas de defensivos nas lavouras, o que cor- Como era: SEM PREVISÃO EM À SAÚDE HUMANA E
responde a um movimento de mais de US$ 20 bilhões LEI; DECRETO ESTIPULAVA AO MEIO AMBIENTE
REGISTRO AUTOMÁTICO
anuais. Cerca de 50% do volume corresponde a herbici-
das, de acordo com o Sindicato Nacional das Indústrias Registro de produtos
de Defesa Vegetal (Sindiveg). Fungicidas (21%) e inse- genéricos, destinados à
agricultura orgânica e de
ticidas (20%) aparecem na sequência. A soja responde defensivos biológicos
por 54% da área tratada de aplicação de agroquímicos, Como era: SEM PREVISÃO EM
seguida por milho (18%), algodão (7%), pastagem (6%), LEI; DECRETO ESTIPULAVA
cana (4%), trigo (3%), feijão (2%), batata, cebola e frutas DE 6 MESES A 3 ANOS
(2%), arroz (1%), café (1%), citros (1%) e outras (1%).

56 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


PROIBIÇÕES CONTESTAÇÕES EXPORTAÇÃO PRAZO PARA MULTAS PENAS
PRODUZIR

Como ficou:
O MINISTÉRIO DA Como ficou:
AGRICULTURA EM VEZ DE
DEVERÁ REGISTRO DO Como ficou:
Como ficou:
REAVALIAR OS PRODUTO, A A PARTIR DA
O REGISTRO DO Como ficou:
RISCOS QUANDO EMPRESA TERÁ EMISSÃO DO
AGROTÓXICO NÃO HAVERÁ PENA
ORGANIZAÇÕES DE INFORMAR AO REGISTRO, A
SERÁ PROIBIDO DE RECLUSÃO
INTERNACIONAIS MINISTÉRIO DA EMPRESA TERÁ
APENAS QUANDO Como ficou: PARA CASOS DE
DAS QUAIS O AGRICULTURA ATÉ DOIS ANOS
O PRODUTO TETO DAS MULTAS TRANSPORTE,
BRASIL SEJA QUE A PRODUÇÃO PARA COMEÇAR
REPRESENTAR VAI DE R$ 2.000 A APLICAÇÃO OU
MEMBRO DESTINA-SE A PRODUZIR
“RISCO R$ 2 MILHÕES PRESTAÇÃO
ALERTAREM AO MERCADO E VENDER O
INACEITÁVEL”, DE SERVIÇO
PARA POTENCIAIS EXTERNO E PRODUTO,
MESMO COM RELACIONADOS
PROBLEMAS. A COMUNICAR SOB PENA DE
MEDIDAS DE ÀS EMBALAGENS
REANÁLISE VAI PREVIAMENTE CANCELAMENTO
GESTÃO DE RISCO
CONSIDERAR A O VOLUME DOS DO REGISTRO
POSSIBILIDADE DE EMBARQUES E
USO DE PRODUTOS SEUS DESTINOS
SUBSTITUTOS

Como era:
ENTIDADES DE
Como era: CLASSE OU
A LEI ANTERIOR DE DEFESA DO
PREVIA PROIBIÇÕES CONSUMIDOR, DO
Como era:
RELACIONADAS MEIO AMBIENTE Como era: Como era:
POSSIBILIDADE
AO CONCEITO DE E DE RECURSOS A LEI EXIGIA Como era: O VALOR MÁXIMO
DE PRISÃO POR
“PERIGO”, COMO A NATURAIS, E REGISTRO DE SEM PREVISÃO DAS MULTAS POR
DOIS ANOS POR
POSSIBILIDADE DE TAMBÉM PARTIDOS DEFENSIVOS PARA EM LEI DESRESPEITO À LEI
DESCUMPRIMENTO
DESENVOLVIMENTO POLÍTICOS, PODIAM EXPORTAÇÃO ERA DE R$ 20 MIL
DA LEI
DE CÂNCER REQUERER O
OU A FALTA DE CANCELAMENTO
ANTÍDOTOS DO REGISTRO DE
UM DEFENSIVO
AGRÍCOLA

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 57


BIOINSUMOS | INOVAÇÃO
SOLUÇÃO BRASILEIRA
O inseto Doryctobracon
areolatus é um inimigo
natural da mosca-da-fruta

PREDADOR
DO BEM
BONS RESULTADOS NO USO DE INSETOS
PARASITOIDES PARA O CONTROLE DA MOSCA-DA-FRUTA
MULTIPLICAM-SE EM LAVOURAS DE TODO O PAÍS
Por CLEYTON VILARINO

N
ATIVA DO BRASIL, A VESPA Doryctobracon areola-
tus pode fazer pelos pomares de frutas do país
o que nenhum outro pesticida químico ou bio-
lógico consegue: ela detecta pelo cheiro a pre-
sença das larvas da mosca-da-fruta e faz a postura dos
seus ovos diretamente na praga, que morre dias depois,
antes de se tornar adulta e contaminar outras árvores.
“A verdade é que, quando falamos de controle biológi-
co, não são todas as culturas em que se consegue fazer
esse trabalho com microrganismos. Tem certas cultu-
ras em que é melhor usar um inseto parasitoide”, afirma
FOTOS PAULO LANZETTA-EMBRAPA CLIMA TEMPERADO / DIVULGAÇÃO

Dori Nava, pesquisador da Embrapa Clima Temperado.


Nava é um dos responsáveis pela pesquisa que desen-
volveu um método para criação em escala comercial do
inseto predador da larva da mosca-da-fruta. Ele explica
que o controle macrobiológico, que utiliza insetos e ou-
tros seres vivos de porte maior, responde por uma fatia
ainda pequena do mercado de biológicos, no qual o uso
de microrganismos como fungos, vírus e bactérias dis-
seminou-se com bastante força nos últimos anos.
“Quando se produz um entomopatógeno, é possível for-
mular um produto como se fosse químico. Ele tem tempo
de prateleira, com data de validade de dois, três ou quatro
meses, enquanto no caso do inseto, não. É preciso liberar
o inseto na natureza, não dá para estocar”, diz Nava.

58 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 59
BIOINSUMOS | INOVAÇÃO

PEQUENAS ALIADAS_ Uso da vespa Cotesia flavipes reforçou as ações de combate à broca-da-cana nas lavouras brasileiras

Além de a logística ser mais complexa, o custo de pro- “O fato de estar publicado e de qualquer empresa poder
dução dos insetos também é maior, já que precisa de pedir o registro do produto não garante que ela vai conse-
muito mais mão de obra do que a multiplicação in vitro guir produzir. Esse é o nosso diferencial tecnológico para
de fungos e bactérias. O pesquisador estima que a mão negociar com uma empresa parceira”, afirma Sandro Nör-
de obra represente cerca de 70% do custo de produção nberg, diretor e um dos fundadores da Partamon. Ele es-
de insetos parasitários. A reprodução dos insetos exige tima que haja cerca de 5 milhões de hectares com culturas
a criação tanto do predador ou parasita desejado quan- suscetíveis à mosca-da-fruta. A despeito do nome, a praga
to da praga a ser combatida e que será usada na alimen- ataca também o café, causando prejuízo anual ao Brasil de
tação dos parasitoides, tarefas que necessariamente têm R$ 180 milhões, segundo estimativas da CropLife.
de ficar com trabalhadores especializados. Na cultura de citros, outro inseto tem feito contri-
buições milionárias aos produtores, mas também sem
Foi a esse ponto do trabalho que a startup Partamon registro comercial: a Tamarixia radiata. Embora seja
passou a se dedicar. A empresa desenvolveu, em parceria exótica, a vespa foi encontrada por pesquisadores da
FOTOS FUNDECITRUS / KOPPERT / DIVULGAÇÃO

com a Embrapa, uma dieta artificial para criação da larva Esalq-USP no Brasil anos após serem registrados os
da mosca-da-fruta que serve de alimento para a vespa primeiros casos de greening nos pomares paulistas e
Doryctobracon areolatus, que recebeu o nome comercial de terem sido iniciadas as tratativas para sua importação.
Biolatus. O Ministério da Agricultura já publicou as espe-
cificações de referência da tecnologia, desenvolvida após Hoje professor de agronomia da Unesp, o engenhei-
12 anos de pesquisas, o que abre espaço para que qual- ro agrônomo Alexandre José Ferreira Diniz dedicou-se,
quer empresa faça o seu registro para venda comercial durante seu pós-doutorado na Esalq, a estudos para
como bioinsumo – algo que a Partamon ainda não faz, tornar possível o uso em campo da Tamarixia radiata.
mas que tampouco preocupa os criadores da startup. Na primeira fase, entre 2011 e 2012, os testes ocorreram

60 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


VESPA CONTRA BESOURO_ A Trichogramma galloi parasita os ovos da broca, uma das pragas que mais causam perdas em canaviais

em seis regiões de São Paulo, nas quais ocorreu a libe- "O maior benefício do uso
ração de 500 vespas por hectare. “O que vimos naque-
le momento foi uma redução de quatro vezes e meia na de insetos parasitoides é
quantidade de ninfas da praga”, relata. que eles matam"
Em 2013/2014, os pesquisadores aumentaram a escala
do estudo, e a produção no campus da Esalq em Piracica-
ba (SP) chegou a 20 mil insetos parasitoides por dia. Os in- VINICIUS LOPES,
setos eram entregues ao Fundo de Defesa da Citricultura gerente de cana da Koppert
(Fundecitrus), um dos financiadores do projeto. A entida-
de, mantida por citricultores e indústrias de suco, passou
a aplicar o controle no método de manejo externo, quando
os insetos são liberados nas áreas ao redor dos pomares. disseminada, alcança 4 milhões de hectares, segundo Vi-
A técnica evita que a mosca vetor da bactéria causadora nicius Lopes, gerente de cana-de-açúcar da Koppert, em-
do greening, o psilídeo Diaphorina citri, ataque a produção. presa que vende tanto a vespa Cotesia flavipes, que parasita
“Isso foi a cereja do bolo, porque o maior problema para as larvas da broca-da-cana (Diatraea saccharalis), quanto o
o greening tem sido as áreas abandonadas, e o parasitoide Trichogramma galloi, que parasita os ovos da praga.
não conhece cerca. Ele vai até a área do vizinho e controla “O maior benefício do uso de insetos parasitoides é
o psilídeo lá dentro”, comenta Diniz. O Fundecitrus já não que eles matam exatamente o alvo que se quer. Com o
produz a Tamarixia radiata para controle da mosca vetor defensivo químico, você corre o risco de matar insetos
do greening, mas usinas e programas estaduais de comba- que poderiam ajudar no controle da própria broca”,
te à doença têm feito o trabalho de maneira individual. pontua Lopes. Usados em conjunto, os dois insetos aju-
Já na cana, a aplicação de insetos parasitoides, bastante dam a evitar perdas anuais de R$ 5 bilhões no Brasil.

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PR ÊM IO | FA Z E NDA S U S T E N TÁV E L

PRÊMIO PARA A
SUA FAZENDA
OITAVA EDIÇÃO DO FAZENDA SUSTENTÁVEL, INICIATIVA DA GLOBO
RURAL, VAI RECONHECER AS BOAS PRÁTICAS DE PEQUENAS,
MÉDIAS E GRANDES PROPRIEDADES DE TODO O PAÍS

por REDAÇÃO GLOBO RURAL

A
tenção, produtores: estão abertas as inscrições a veracidade das informações que os proprietários en-
para a 8a edição do Prêmio Fazenda Sustentável, viaram. Essas visitas servem de base para a produção
que reconhece as boas práticas sociais, ambien- de relatórios a serem analisados por uma comissão jul-
tais e financeiras das propriedades rurais. Fazendas de gadora independente, que elegerá os campeões.
todos os tamanhos podem concorrer à premiação, uma O anúncio dos nomes dos grandes vencedores acon-
iniciativa da GLOBO RURAL com patrocínio da Cargill e tecerá em um evento especial de premiação, a ser rea-
apoio metodológico do Rabobank e do Imaflora. lizado em São Paulo, e as histórias dos ganhadores se-
Os formulários de inscrição estarão disponíveis no rão contadas em uma edição especial da revista GLOBO
site www.fazendasustentavel.com.br até o dia 10 de março. RURAL, além dos jornais O Globo e Valor Econômico, da
Na primeira fase do concurso, os produtores submetem rádio CBN e do site e das redes sociais da GR.
para avaliação informações como a situação trabalhista No ano passado, o Fazenda Sustentável avaliou 44
dos funcionários, a regularização do Cadastro Ambien- fazendas de diferentes tamanhos e premiou nove pro-
tal Rural (CAR) e sobre a adoção de técnicas de mane- dutores – 1o, 2o e 3o colocados nas categorias Pequena,
jo de baixo impacto ambiental. A segunda etapa envolve Média e Grande Propriedade. Os vencedores da edição
uma análise mais detalhada, como a informação sobre o 2023 da premiação estão nas regiões Nordeste, Sudes-
volume de insumos que o produtor usa em cada cultivo. te e Centro-Oeste e trabalham com atividades diversas,
Em seguida, as fazendas classificadas passam por como o cultivo de café, soja, milho, cana-de-açúcar, ca-
uma análise de crédito, que avalia a situação financeira cau, frutas e hortigranjeiros.
das propriedades. As visitas técnicas às fazendas ocor- Acompanhe as próximas novidades sobre o prêmio
rem na terceira e última etapa, um trabalho que atesta no site www.globorural.globo.com.

62 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


FOTOS RUY BARON; ROGÉRIO ALBUQUERQUE; ALEXANDRE DIPAULA/EDGLOBO

GALERIA DE CAMPEÕES
No alto, uma das vencedoras
do prêmio em 2023; acima,
a capa da edição da GLOBO
RURAL sobre os ganhadores; e,
ao lado, cenas do evento de
anúncio das fazendas eleitas

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O AGRO É DEL AS I TR ABALHO

TOQUE MAIS
FEMININO
MULHERES JÁ REPRESENTAM
QUASE 50% DA FORÇA DE
TRABALHO NO MERCADO
DE FLORES E PLANTAS
por NAYARA FIGUEIREDO
fotos CAROLINA PEDROSA

B
UQUÊ DE FLORES PARA PRESENTEAR, uma plan-
tinha para embelezar a casa. Um segmento
que lida diretamente com as emoções das
pessoas e tem nas mulheres seu maior con-
sumidor final também assiste ao crescimen-
to da presença feminina em todos os elos da cadeia – e
isso é, principalmente, uma estratégia de negócios.
Segundo levantamento que o Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada (Cepea) e o Instituto
Brasileiro de Floricultura (Ibraflor) elaboraram em par-
ceria, em 2022, o mercado de trabalho de flores e plantas
ornamentais tinha 48% de participação feminina, uma
fatia superior à média nacional, de 43%, que considera dedora continuou na produção durante a gestação. "Co-
todos os ramos de atividade. O contraste é ainda maior meçamos com três pessoas e hoje estamos em 12, porque
quando se faz a comparação com o universo da agrope- boa parte da produção é automatizada", diz.
cuária, em que as mulheres ocupavam somente 19,6% Ao longo do tempo, a companhia também percebeu
das vagas de trabalho naquele ano. que havia um diferencial entre o trabalho feminino e o
Neta de pecuarista, Raíssa Teresani Scian personifi- masculino na lida com as suculentas, plantas que são a
ca a força feminina nesse setor: ela cultiva plantas orna- especialidade da Swalmen."Naturalmente percebemos
mentais junto com o marido em Holambra (SP), a cidade que o manuseio feito pelas mulheres era melhor. Por ser
das flores, desde que, há oito anos, o casal decidiu apos- uma planta muito pequena, a suculenta precisa de uma
tar na produção e criou a Swalmen Plantas. "Meu mari- delicadeza que as mulheres têm mais. Hoje, elas com-
do já trabalhava com flores e plantas na área comercial, põem 90% da nossa equipe", afirma.
ele era atacadista, mas o negócio dele nunca foi escritó- Associada à cooperativa Veiling Holambra, a Swal-
rio. Eu sou formada em propaganda e marketing e sem- men Plantas trabalha com 148 variedades de suculen-
pre trabalhei no agro, inclusive na área de eventos, até tas e lança, em média, outras dez espécies por ano. O
que decidimos montar a empresa", conta. carro-chefe, conhecido como p11, é vendido em autos-
Quando a Swalmen Plantas nasceu, Raíssa e o ma- serviços, floriculturas e a colecionadores. Segundo Ra-
rido eram as únicas pessoas na operação. Três meses íssa, em 2023 foram comercializados 1 milhão de vasos
depois, ela descobriu que estava grávida. A empreen- de suculenta p11. Mas o ano de maior faturamento foi

64 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


MÃOS NA MASSA
Raíssa Scian, da Swalmen Plantas:
"As mulheres têm mais delicadeza
para manusear as suculentas"

2020, quando a pandemia de Covid-19 manteve as pes- Holambra. Ela diz que, nesse trabalho, tem percebido que
soas dentro de suas casas e o cuidado com flores e plan- o público feminino tem participado cada vez mais do ramo
tas tornou-se algo até com objetivos terapêuticos. Em de flores e plantas ornamentais, e cada vez mais cedo, seja
consequência, a demanda aumentou. via sucessão familiar ou com iniciativas para oferecer ino-
"As pessoas viram benefícios e criaram esse hábito de vações tecnológicas para a cadeia produtiva.
ter plantas em casa. Hoje, o volume pode não ser o mesmo Dentro da Veiling Holambra, a gerente de marketing
daquele ano, mas o conceito se perpetuou e segue cres- e produtos Thamara D’Angieri é uma das mulheres que
cente", avalia. "Acredito que esse setor vai voltar a ter atestam a força da mão de obra feminina nesse mercado.
uma expansão em flores, por exemplo, com a valorização A executiva está na cooperativa desde 2006, onde co-
dos eventos mais uma vez ganhando força", acrescenta. meçou como assistente de marketing. Nesse período, ela
Raíssa conta que, quando atuava no segmento de even- assistiu ao forte crescimento da Veiling, cujo faturamen-
tos voltados ao agronegócio, como profissional de marke- to dobrou nos últimos 15 anos, passando de R$ 500 mi-
ting, percebia um preconceito muito maior pelo fato de lhões para a casa do R$ 1 bilhão – e com a ajuda de estra-
ser mulher. "Eu fingia que não via e seguia em frente. No tégias que a profissional ajudou a desenhar.
setor de flores e plantas, não sinto nenhum preconceito. "Éramos uma empresa pequena em Holambra. A gen-
As mulheres se fazem muito presentes", comenta. te foi evoluindo tanto da porteira para dentro, com o pro-
Além de suas atividades na Swalmen Plantas, a agricul- dutor mostrando a importância da inovação, tecnologia e
tora também se dedica a um comitê de mulheres da Veiling sustentabilidade, quanto da cooperativa para fora, até o

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O AGRO É DEL AS I TR ABALHO

ROTA ASCENDENTE_ Thamara D'Angieri ajudou a criar estratégias que levaram a receita da Veiling Holambra à casa de R$ 1 bilhão

66 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


consumidor final", diz. No início, afirma Thamara, o ma- tégias de negócio mais adequadas para a cooperativa. "A
rketing não tinha nem orçamento dentro da cooperativa. facilidade que a mulher tem de enxergar oportunidade de
"Comecei a entender o que significavam as flores e plan- negócios é muito alta, somos muito resilientes. Na pande-
tas na vida das pessoas e falei que precisávamos entender mia, conseguimos levar nossa estratégia a outro patamar,
o mercado de consumo para aumentar a capilaridade do com a venda de flores nos supermercados", comenta.
nosso produto. E o marketing foi crescendo aos poucos", O ano de 2023 foi mais difícil para o segmento por-
lembra ela, que hoje lidera uma equipe de 20 pessoas. que, passado o período de isolamento social, as pesso-
A executiva conta que, em 2014, representantes da as voltaram a sair e passaram a repensar a importância
cooperativa foram aos Países Baixos em busca de ideias de ter flores em casa. Ainda assim, a executiva diz que
para inovar no mercado brasileiro. Depois disso, algu- a Veiling continuou em ritmo acelerado. "Nosso fatura-
mas práticas, como a abertura para que clientes de menor mento cresceu 10% em comparação com 2022, e esta-
porte pudessem comprar da Veiling, foram uma grande mos prevendo um crescimento de 8% em 2024", diz.
virada de chave para a empresa. A cooperativa vende flo- Além do retorno dos eventos, uma via de expansão
res para outras empresas, como supermercados e garden para o segmento pode estar nos autosserviços, avalia a
centers, atuando no chamado B2B, mas a pequena flori- executiva. "Na Holanda, já tem flores em postos de ga-
cultura também se tornou cliente da central. solina, por exemplo. Podemos ver onde ainda há opor-
"Passamos a adotar uma estratégia diferente em tunidades para negócios aqui no Brasil", afirma ela.
2019, com parcerias com grandes influenciadoras, que A cooperativa também faz planos de crescer em diferen-
mostraram a importância das flores, o bem-estar e a tes regiões do país, com base nas culturas locais e religiões.
emoção que a flor leva para a vida das pessoas. Come- É o caso das festas de Iemanjá, que ocorrem em fevereiro
çou a dar muito resultado", afirma. e que demandam flores brancas, entregues pelos pratican-
Ela ressalta que o mercado comprador no segmento tes das religiões de matriz africana como oferenda. "O foco
B2B é composto de muitos homens, mas que ser mulher do marketing para 2024 é entender e levar ao consumidor
certamente contribuiu no momento de encontrar as estra- aquilo que faz parte da cultura dele”, acrescenta.

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M E R C A D O I A N Á L I S E I Scot Consultoria

MILHO: safra de verão limita altas

E
m Campinas (SP), o preço médio da saca de milho subiu 3,5% até meados de SUÍNO / EXPORTAÇÃO DE CARNE SUÍNA
janeiro em comparação com a média de dezembro do ano passado. Segundo Em 2023, o Brasil exportou 1,08
levantamento da Scot Consultoria, a referência está em R$ 67 a saca de 60 kg. milhão de toneladas de carne su-
Apesar do aumento das cotações na comparação mês a mês, os preços do cereal ína in natura, ou 7,4% a mais do
vêm caindo desde o início de janeiro. A colheita da safra de verão e a diminuição que no ano anterior. O preço mé-
da demanda neste início de ano pressionaram as cotações do grão. dio pago por tonelada da carne
Para a primeira safra, a previsão é de que a produção vai diminuir 10,9% em subiu 1,8% no mesmo compara-
relação ao ciclo 2022/2023. Estima-se colheita de 24,4 milhões de toneladas. As tivo, fechando o ano passado em
condições climáticas desfavoráveis na maior parte do país, principalmente no US$ 2,42 mil por tonelada.
Sul, a principal região produtora, afetaram a produtividade.
Nov. 125,8 Dez. 132,9 Jan.* 130,4
Apesar de quase finalizada, a semeadura da safra de verão está atrasada, um
PREÇO MÉDIO DO SUÍNO TERMINADO,
reflexo dos efeitos do clima. Até 14 de janeiro, a área de cultivo de milho no país EM SAO PAULO, EM R$/ARROBA *ATÉ O DIA 18/1

tinha chegado a 87,7% da projeção, ou 4,2 pontos percentuais abaixo do desem-


penho na safra passada. Piauí, Maranhão, Bahia e Rio Grande do Sul são os es- FRANGO / MERCADO ESTÁVEL
tados que não finalizaram a semeadura. Em São Paulo, o preço do frango
A colheita no Brasil atingiu 6,8% da área estimada de plantio. Rio Grande do Sul vivo ficou estável em meados de
(24%), Santa Catarina (8%) e Paraná (1%) já deram início aos trabalhos de campo. janeiro em relação ao mês ante-
Em 2023, as exportações brasileiras de milho bateram recorde. Ao todo, os rior, sendo negociado por R$ 5,20
embarques somaram 55,9 milhões de toneladas no ano passado, ou 29,4% a o quilo. O Brasil exportou 4,8 mi-
mais do que em 2022. As vendas ao exterior estão em bom ritmo neste início de lhões de toneladas de carne de
2024. Até a segunda semana de janeiro, o Brasil tinha exportado por dia, em aves em 2023, ou 8,4% a mais que
média, um volume 7,6% maior que a média diária de janeiro de 2023. em 2022. Já a receita dos embar-
No curto e médio prazos, o mercado deve trabalhar com preços de milho está- ques subiu 0,9%, a R$ 9 bilhões.
veis. A entrada da safra de verão deve limitar o aumento das cotações do cereal.
Nov. 5,17 Dez. 5,20 Jan.* 5,20

> COTAÇÃO MÉDIA DO MILHO PREÇOS MÉDIOS MENSAIS DO FRANGO VIVO


NAS GRANJAS EM SÃO PAULO EM R$/KG *ATÉ 18/1

GRÃO EM CAMPINAS (SP)


(EM R$/SACA DE 60 KG) AÇÚCAR / MAIS LONGE DAS MÁXIMAS
87,67
87,28

•2023 •2024 O preço do açúcar chegou à má-


xima em outubro de 2023 (R$
76,86

156,90 a saca), mas vem caindo


69,80

desde então, pressionado pela


67,47

grande oferta de matéria-prima.


61,78

Em meados de janeiro, a saca de


59,48
58,95

56,88
55,21

55,25

50 quilos estava cotada em R$


53,74

145,39, ou 4,7% a menos do que


em dezembro de 2023.
FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN*
Nov. 156,1 Dez. 152,6 Jan.* 145,3
*ESTIMATIVA MÉDIA NACIONAL PONDERADA *ATÉ O DIA 18/1 PREÇO MÉDIO MENSAL DA SACA DE 50 KG DE AÇÚCAR CRISTAL EM
SÃO PAULO, EM R$/SACA, COM IMPOSTOS, SEM FRETE *ATÉ 17/1

68 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


SOJA: preços recuam aos níveis de 2020

ALGODÃO / FORÇA NAS EXPORTAÇÕES


> PREÇO MÉDIO DA SOJA
EM PARANAGUÁ (PR) Com a entressafra e a boa de-
(EM R$/SACA DE 60 KG) manda, a cotação do algodão em
•2023 •2024 pluma subiu 0,8% até meados de
janeiro em relação a dezembro.
159,21

Os preços devem seguir firmes no


curto prazo. Até o dia 17, o país
148,61

146,68
146,89

146,30 exportou 13,8 mil toneladas de al-


145,93

144,53
143,57

godão bruto por dia, em média.


137,93

136,17

133,38
Ago. 126,92 Set. 125,82 Out.* 126,77
COTAÇÃO MÉDIA MENSAL* DO ALGODÃO EM PLUMA
EM R$/ARROBA *ATÉ O DIA 16/1

MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN*
FONTE: SCOT CONSULTORIA LTDA. *ATÉ O DIA 18/01
ARROZ / AUMENTO DE PRODUÇÃO
Com expectativa de aumento de

S egundo levantamento da Scot Consultoria, o preço médio da soja, até 18/1,


era de R$ 133,38 a saca de 60 kg em Paranaguá (PR). Em relação à média de
dezembro de 2023, a cotação caiu 8,8%. Em um ano, a queda chega a 25,4%.
área e produtividade, a produção
nacional de arroz deverá crescer
7,7% em 2023/2024. Em outubro,
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estimou em virtude da queda da produção
que a produção americana será de 113,3 milhões de toneladas na temporada na safra passada, dos efeitos da
2023/2024. Para a Argentina, o órgão estima colheita de 50 milhões de tonela- entressafra e da boa demanda in-
das, o que representará uma forte recuperação, de 25 milhões de toneladas, em terna e externa, o preço subiu 2%
relação à safra passada, em que ocorreu uma forte quebra no país. em relação a setembro.
Em virtude do baixo volume de chuvas no Brasil, o USDA cortou para 157
Nov. 120,2 Dez. 121,3 Jan.* 122,2
milhões de toneladas sua estimativa para a produção brasileira de soja. Com
isso, o órgão reduziu em 1,8 milhão de toneladas sua projeção de estoques fi- MÉDIAS MENSAIS DO INDICADOR DIÁRIO ARROZ EM CASCA
CEPEA/ESALQ/BM&FBOVESPA POR SACA DE 50 KG, POSTO
INDÚSTRIA/RS *ATÉ O DIA 17/1
nais da oleaginosa no país no ciclo 2023/2024.
A semeadura está na reta final no Brasil. Em Mato Grosso, onde o plantio já ter- CAFÉ / CLIMA DITA OS PREÇOS
minou e a colheita começou, os produtores tinham, até 14 de janeiro, colhido 3,9% Na primeira quinzena de janeiro
da área estimada. O clima adverso também deve diminuir a produção no estado. deste ano, a cotação da saca do
As exportações brasileiras cresceram 29,4% em 2023, para 101,9 milhões de café arábica subiu 0,8% em re-
toneladas, um recorde. Os embarques seguiram em ritmo forte no mês passa- lação a dezembro de 2023. As
do: até a segunda semana de janeiro, o país exportou 1,3 milhão de toneladas (a chuvas pressionaram os preços,
média diária, de 150 mil toneladas, foi 293% maior do que a de janeiro de 2023). mas a oferta limitada no mer-
No curto prazo, a expectativa é de que as cotações sigam estáveis. No médio cado externo e as exportações
prazo (março/abril), os preços podem cair devido ao andamento da colheita. O aquecidas têm oferecido sus-
que poderá limitar a pressão sobre as cotações é o prêmio de exportação. tentação às cotações do grão.

ANA PAULA OLIVEIRA, MÉDICA-VETERINÁRIA E ZOOTECNISTA – CAFÉ E BOI GORDO; EDUARDO ABE, ZOOTECNISTA – AÇÚCAR, ARROZ, FRANGO E
Nov. 888,00 Dez. 974,46 Jan.* 982,61
SUÍNO; JULIANA PILA, ZOOTECNISTA – LEITE, SOJA E MILHO; MARIANA GUIMARÃES, MÉDICA-VETERINÁRIA – ALGODÃO; COORDENAÇÃO: ALCIDES INDICADOR CEPEA/ESALQ MERCADO FÍSICO CAFÉ ARÁBICA
TORRES – SCOTCONSULTORIA.COM.BR, TEL. (17) 3343-5111 EM R$ POR SACA DE 60 KG LÍQUIDO *ATÉ 17/1

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 69


M E R C A D O I A N Á L I S E I Scot Consultoria

BOI GORDO: mercado estável

A
cotação média da arroba do boi em São Paulo estava em
R$ 238,81 até meados de janeiro, o que representou uma
>PREÇOS DO BOI GORDO
queda de 0,3% em relação ao mês anterior. EM ARAÇATUBA (SP)
A diminuição do consumo de carne bovina no mercado do- (EM R$/ARROBA, A PRAZO)
méstico entre um mês e outro elevou os estoques da proteína. •2023 •2024
Com isso, a quantidade de negócios no mercado atacadista e

275,13

274,45

271,20
também o interesse dos compradores de boiadas caíram.

254,50
O volume das exportações bateu recorde em 2023, superan-
do as expectativas do mercado. O ritmo de vendas ao exterior

239,95

239,60
238,70

238,81
232,25
229,75
segue firme e, até meados de janeiro, o país embarcou 86,8 mil

215,48
toneladas – a média diária foi 32,5% maior que a de janeiro de

204,85
2023. O preço médio está em US$ 4.500 por tonelada, o que re-
presenta uma queda de 6,5% nessa mesma base de comparação.
O consumo no mercado interno deve continuar retraído, e os
preços, sob pressão no curto prazo. Essa época do ano concen- FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN*
tra o pagamento de impostos como IPTU e gastos com material
FONTE: SCOT CONSULTORIA LTDA. *ESTIMATIVA MÉDIA NACIONAL PONDERADA *ATÉ O DIA 18/1
escolar, o que diminui o poder de compra da população.

LEITE: preço do leite ao produtor reage

D
epois de seis meses consecutivos de quedas, o preço
>PREÇO DO LEITE PAGO do leite pago ao produtor aumentou no país no pa-
AO PRODUTOR gamento de dezembro, referente ao leite entregue no
(EM R$/LITRO)
mês anterior. A alta foi de 0,9% em relação a novembro, ou o
•2024 equivalente a R$ 0,02 por litro. Na média nacional, a cotação
do litro de leite chegou a R$ 2,086.
2,560

2,510
2,471

O recuo dos preços no mercado de leite deveu-se ao exces-


2,450

2,440
2,427

so de oferta, que cresceu em virtude do aumento da produção


2,355

2,274

no país e também das importações. Porém, a captação dos la-


ticínios se desacelerou, o que explica a mudança no compor-
2,134

2,068

2,086

tamento dos preços. No país, o Índice de Captação caiu 0,5%


na comparação entre novembro e outubro. O indicador deverá
permanecer mais ou menos nos mesmos patamares, com re-
dução de 0,6% em dezembro, segundo dados parciais.
A produção deve seguir sob o impacto do clima adverso.
FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Além disso, existe uma tendência de aumento dos custo de
FONTE: SCOT CONSULTORIA LTDA. *ESTIMATIVA MÉDIA NACIONAL PONDERADA
produção, o que desestimula os investimentos na atividade.

70 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


OPINIÃO I FUTURO I Maurício Antônio Lopes

Engenheiras do ecossistema do solo


UM NOVO ESTUDO REITERA A IMPORTÂNCIA DAS MINHOCAS PARA A PRODUÇÃO DE
ALIMENTOS E PARA UMA AGRICULTURA VERDADEIRAMENTE EQUILIBRADA E SUSTENTÁVEL

O
solo, muitas vezes considera- minhocas e sobre as propriedades do
do apenas a "terra sob nossos solo, o manejo agrícola e a produção
pés", é, na verdade, um uni- agrícola para estimar a contribuição
verso complexo, dinâmico e crítico desses organismos para a agricultura
para a vida na Terra. Ele garante ali- e os ecossistemas em âmbito global.
mento, sequestro de carbono, reten- O estudo estimou que as minhocas
ção e purificação de água, ciclagem de contribuem diretamente para cerca
nutrientes e manutenção da biodiver- de 6,5% da produção global de ce-
sidade, funções essenciais para nós reais (milho, arroz, trigo, cevada) e
humanos e para os ecossistemas. 2,3% da produção de leguminosas, o
Nesse universo subterrâneo, um equivalente a mais de 140 milhões de
grupo de organismos invertebrados, toneladas métricas anuais. A conclu-
que conhecemos como minhocas, são é que precisamos entender me-
cumpre funções vitais. As minho- lhor o papel das minhocas nos ecos-
cas são consideradas verdadeiras en- cionam, aeram, fragmentam e aumen- sistemas e valorizar sua contribuição
genheiras do ecossistema graças ao tam a área superficial da matéria orgâ- para a agricultura, em especial no
papel que elas cumprem na orques- nica para a ação microbiana. Hemisfério Sul, onde as condições
tração de processos que impactam a A contribuição das minhocas para de clima e solo favorecem a atividade
estrutura, a saúde e a produtividade a melhoria da disponibilidade de nu- desses organismos.
do solo em todo o planeta. trientes, como nitrogênio, fósforo e Esse estudo pioneiro oferece uma
A contribuição desses organismos potássio, se dá não só por meio da de- visão reveladora da magnitude do im-
decorre de um trabalho meticuloso composição da matéria orgânica, mas pacto das minhocas, sublinhando sua
que transforma o solo em um am- também da liberação de excrementos relevância para a agricultura e a sus-
biente propício ao florescimento da ricos em nutrientes. Daí sua influên- tentabilidade dos ecossistemas em
vida. Ao promoverem a formação de cia direta na fertilidade e na saúde do todo o mundo. À medida que desven-
agregados, as minhocas aprimoram solo – e, por consequência, no equilí- damos os segredos do solo, é inques-
a estrutura do solo, aumentando a brio dos sistemas agrícolas e naturais. tionável a necessidade de se valorizar
infiltração de água e a aeração e re- Apesar de as minhocas cumprirem e promover essas incansáveis tra-
duzindo a compactação. funções tão essenciais no ecossiste- balhadoras subterrâneas, reconhe-
A participação delas é ativa na cicla- ma, a contribuição desses organis- cendo-as como aliadas essenciais na
gem de matéria orgânica, já que conso- mos para a produção agrícola global busca por uma agricultura verdadei-
mem folhas e restos de plantas e trans- permanece pouco conhecida e disse- ramente equilibrada e sustentável.
formam esses resíduos em húmus, um minada. Essa é a conclusão de um es-
FOTO_GETTY IMAGES

composto enriquecido com nutrientes tudo recente, publicado na renoma-


essenciais para a fertilidade. Em in- da revista científica Nature. Maurício Antônio Lopes é
engenheiro agrônomo e pesquisador
teração com os microrganismos, elas Os autores basearam-se em mapas da Empresa Brasileira de Pesquisa
aceleram a decomposição, pois condi- sobre a distribuição e abundância de Agropecuária (Embrapa)

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 71


O T e R c E i R o e ú Lt I m O v O l U m E d A
s É r I e b E sT- s E l L e R d E L a U r E n T i N o G o M e S

Nenhum outro assunto é tão importante e tão definidor da nossa


identidade nacional quanto a escravidão. Conhecê-lo ajuda a
explicar o que fomos no passado, o que somos hoje e também o que
seremos daqui para a frente. Em um texto impactante e ricamente
ilustrado com imagens e gráficos, Laurentino Gomes lança o
terceiro volume de sua obra, resultado de 6 anos de pesquisas,
que incluíram viagens por 12 países e 3 continentes.

NOS SITES, LIVRARIAS E EM E-BOOK


A TrIlOgIa
EsTá CoMpLeTa!
A N Á L I S E I T E M P O I Nadiara Pereira/Climatempo

Chuvas seguem acima da média no Sul


Mundo
ARGENTINA_ A Argentina está fi-
nalizando o plantio da soja, para
a qual há expectativa de boa pro-
dutividade neste ano. Com chuvas
mais regulares e intensas, devido
aos efeitos do fenômeno El Niño,
neste ano, os problemas pontu-

O
mês de fevereiro deve ser marcado por chuvas frequentes e acima ais são decorrentes do excesso
da média no Sul do país. Já no Centro-Oeste, a irregularidade deve de umidade – um quadro bem di-
predominar em algumas regiões. Em Mato Grosso e Mato Grosso do ferente da situação das três safras
Sul, as atividades de colheita podem se beneficiar de períodos mais longos anteriores, que foram marcadas
de tempo aberto, mas, por outro lado, pode faltar umidade nesses dois esta- por perdas expressivas de produ-
dos para instalação e desenvolvimento das lavouras de milho segunda safra. tividade devido à estiagem seve-
ra. A tendência para esse ciclo é
de ocorrência de chuvas regula-
Sul_ Não há previsão de chuvas em volume tão expressivo como ocor- res, com volumes acima da média
reu na primavera. Ainda assim, as precipitações volumosas podem na maior parte das áreas produto-
ocorrer na forma de tempestades e provocar transtornos. ras, mas sem tantos extremos, o
que deve ajudar a elevar a produ-
Sudeste_ A maior parte do Sudeste deve ter precipitações acima da mé- tividade nos 17,3 milhões de hec-
dia. Minas Gerais deve ser, mais uma vez, o estado com o maior volume tares projetados para a safra atual.
de chuvas. Não se descarta a ocorrência de períodos de invernada, que Na fase de colheita, os produtores
podem ter impacto principalmente sobre a fase inicial da colheita de soja. podem enfrentar problemas com o
excesso de umidade.
Centro-Oeste_ No Centro-Oeste, as chuvas vão continuar irregula-
res. A tendência é que Goiás enfrente chuvas acima da média, espe- AUSTRÁLIA_ A Austrália, que en-
cialmente no leste do estado, onde os períodos chuvosos prolongados frentou um início de temporada
podem afetar as atividades no campo. A maior parte de Mato Grosso muito seco e quente devido aos
do Sul e Mato Grosso deve registrar chuvas abaixo da média. Isso não efeitos do El Niño e de uma osci-
significa ausência de chuvas, mas que os episódios serão mais isola- lação no Oceano Índico, conheci-
dos, o que não assegura um quadro de umidade homogênea. da como Dipolo do Oceano Índi-
co, que está em sua fase positiva,
Nordeste_ A expectativa é de chuva acima da média em grande parte do voltou a receber chuvas expressi-
Nordeste, especialmente na Bahia. As condições serão favoráveis ao de- vas nas últimas semanas, o que
senvolvimento das lavouras, mas o excesso de chuva também pode au- tem garantido boas condições de
mentar o risco de ocorrência de doenças. Entre o Piauí e o Maranhão, as umidade para o desenvolvimento
precipitações serão mais mal distribuídas, mas as áreas produtoras do dos cultivos de verão no meio les-
centro-sul dos dois estados devem registrar volumes mais expressivos. te do país. Para os próximos me-
ses, porém, a tendência é de chu-
Norte_ O Norte do país, que costuma ter mais chuvas no mês de feverei- vas irregulares e abaixo da média,
ro, deve registrar volumes abaixo da média em grande parte dos estados, o que pode impactar o início da
com exceção do leste do Pará e de partes de Tocantins, que devem rece- safra de inverno e prejudicar a
ber chuvas mais volumosas e acima da média para essa época. produtividade do trigo no país.

74 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


ANOMALIA DE CHUVAS EM FEVEREIRO
NO MAPA, AS ÁREAS EM AZUL INDICAM PRECIPITAÇÕES
ACIMA DA MÉDIA, ENQUANTO AS QUE ESTÃO EM LARANJA
APONTAM QUE O TEMPO SERÁ MAIS SECO QUE O NORMAL
AS INFORMAÇÕES SÃO DA CLIMATEMPO CONSULTORIA@CLIMATEMPO.COM.BR / WWW.CLIMATEMPO.COM.BR

-500 -300 -200 -100 -50 -25 0 25 50 100 200 300 500

La Niña cada vez mais provável no segundo semestre do ano


As temperaturas da superfície do mar (TSM) bilidade maior de neutralidade climática a partir
acima da média em todo o Oceano Pacífico do trimestre abril-maio-junho. Além da probabi-
equatorial ainda indicam a presença de um El lidade de término do El Niño, a última atualiza-
Niño forte, mas com anomalias positivas dimi- ção indicou também uma rápida transição para
nuindo nas últimas semanas sobre o leste do um período de resfriamento no Pacífico e a pro-
oceano. A previsão probabilística da NOAA in- babilidade de ocorrência de La Niña a partir
dica que o El Niño continuará até o fim do verão dos meses de inverno no Hemisfério Sul (junho,
no Hemisfério Sul e perderá intensidade ao lon- julho e agosto). Com essa tendência, a próxima
go do outono, que começa em março. A previ- safra poderá ser marcada por uma distribuição
são atualizada em 11 de janeiro mostra proba- de chuvas bem diferente da atual.

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 75


C O M O P L A N TA R I A L A M A N D A I J o ã o M a t h i a s

Exuberância pendente

A
amarela é a mais comum entre de muita exposição direta ao sol, o que, cessário o uso de luvas nos tratos cul-
as cores da alamanda (Alla- no Brasil, é possível aproveitar de ja- turais. Também em razão disso, deve-
manda spp.), flor que muitas neiro a dezembro em regiões inteiras. se manter a alamanda – cujas folhas
vezes cresce de maneira espontânea Para a alamanda se manter em servem de insumo para o preparo de
em muitos cercados de áreas rurais e florada por longos períodos, bas- uma receita que combate cochonilhas
também urbanas de todo o país. Mas, ta ao produtor contar com suporte, e pulgões no controle preventivo dos
se cultivada com esmero, é planta como um pergolado, terra fértil e lo- insetos-praga – longe do alcance de
ornamental e de valor para compor cal com boa incidência de raios sola- crianças e animais.
projetos de paisagismo de jardins em res. No cultivo em canteiros com uti- Embora perigosa, ela é popularmen-
casas, fazendas, praças públicas e es- lização de adubos, aplicação de podas te considerada uma planta medicinal,
tabelecimentos comerciais. de formação ou condução no inverno por ser rica em antioxidantes que com-
Como trepadeira ou pendente em tu- – quando necessárias – e regas fre- batem os radicais livres, responsáveis
toramento, a alamanda embeleza am- quentes, também é possível obter pelo aumento de inflamações no orga-
bientes também com tons de rosa, ver- toda a exuberância da floração. nismo. O chá da flor tem ainda ação
melho, lilás e branco, oferecendo uma Apesar de fácil, o manejo da cultu- antifúngica, ao fortalecer o sistema
ampla variedade ao mercado – o que, ra precisa ocorrer com cuidado, já que, imunológico, além de aliviar infecções
FOTO_GETTY IMAGES

para o produtor, representa uma fonte quando a planta é cortada ou danifica- quando aplicado por meio de compres-
de renda o ano inteiro. O verão concen- da, ela libera látex – uma seiva branca sas. Na composição de loções e cremes,
tra a maior parte do florescimento da e tóxica que causa dermatite ao entrar produz efeitos benéficos para tratar fe-
espécie, mas essa planta tropical gosta em contato com a pele, o que torna ne- ridas cutâneas causadas por bactérias.

76 I GLOBO RURAL FEVEREIRO 2024 globorural.globo.com


Arbustiva, a alamanda tem ramos tantos outros nomes. Rústica e mar- comendada para o plantio em vasos,
longos e flexíveis, que podem ser le- cante, ela está entre as preferidas de cujo espaço é insuficiente para o cres-
nhosos e semilenhosos, e quatro fo- muitos jardineiros, sobretudo para a cimento adequado do sistema radicu-
lhas ovadas e oblongas. O formato de instalação de cercas-vivas e cobertu- lar da planta. Sem um bom desenvolvi-
funil com 7 centímetros de diâmetro ras de muros e grades. mento das raízes, que, nos vasos, ficam
faz com que a flor também seja co- Com possibilidade de chegar a 3,5 limitadas às paredes do recipiente, a
nhecida como dedal-de-dama, entre metros de altura, a alamanda não é re- floração da espécie é prejudicada.

MÃOS À OBRA

INÍCIO_ Apesar da PROPAGAÇÃO_ É fácil deve ser de 5,5 a 6,5. Não


facilidade de propagação e ocorre por meio da esqueça de vestir luvas SOLO_ rico em matéria
orgânica e drenado
da alamanda, uma estaquia, com corte para manipular a planta,
alternativa para em bisel com tesoura a fim de evitar qualquer CLIMA_ tropical
assegurar a qualidade adequada para jardinagem contato com o látex tóxico e subtropical
das primeiras matrizes de um galho da planta que a alamanda contém.
ÁREA MÍNIMA_ pode ser
é adquirir exemplares com dois a três nós
plantada em canteiros
de produtores que têm (gemas) na extremidade, TUTORAMENTO_ Por
experiência com o cultivo dos quais irão brotar necessitar de apoio para CUSTO_ de R$ 20 a R$
da flor. Em viveiros de as raízes. Deixe-o por crescer, a alamanda 50 é a faixa de preço
da muda, que pode
plantas ornamentais, dois dias introduzido depende do uso de uma passar de R$ 100 para
também é possível a 2 centímetros de estrutura de sustentação, exemplares grandes
encontrar as diferentes profundidade em um que pode ser um
variedades da espécie enraizador concentrado caramanchão, pergolado,
e escolher aquelas e, então, transfira-o para treliça ou cerca. Escolha
com mais potencial de um recipiente ou saco a opção mais apropriada coroa feita no entorno da
vendas na região onde plástico para a formação ao local de cultivo e que cova da cultura. Também
serão comercializadas. da muda durante mais produza um bonito efeito são indicadas versões
30 dias. Em seguida, decorativo. A estrututra industrializadas, como a
AMBIENTE_ A faça o transplante para deve ser reforçada, já que fórmula NPK 10-10-10.
disponibilidade de sol o local definitivo. a planta fica muito pesada
direto é fundamental depois de formada. PRODUÇÃO_ Com solo e
para o crescimento da PLANTIO_ De preferência adubações preparados
alamanda, que precisa em terra rica em matéria ADUBAÇÃO_ Colabora para adequadamente, a
de bastante luminosidade orgânica e argilosa, a floração duradoura da alamanda começa a
para se tornar vigorosa. mas ela também aceita alamanda. Em plantio no florescer dois a três
Planta tropical, ela vive semiarenosa. Deve- solo, são recomendados meses após o plantio. Por
bem em locais de clima se ter atenção com produtos naturais, ser uma planta perene,
quente, em especial com a drenagem, pois a como esterco de boi ou pode durar 30 anos ou
temperaturas entre 15ºC e alamanda não gosta de húmus de minhoca bem até mais se bem cuidada
30ºC, mas tolera até 7ºC. solo encharcado. O pH curtidos, colocados na e conduzida com podas.

CONSULTORIA_ FÁBIO PADILHA É DOUTOR EM AGRONOMIA, ESPECIALIZADO EM PAISAGISMO E FLORICULTURA, SÓCIO DA PLANTAS & PLANOS ASSESSORIA E CONSULTORIA EM AGRICULTURA, MEIO AM-
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SER OBTIDAS COM TÉCNICOS DAS AGÊNCIAS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA DOS ESTADOS

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 77


COMO CRIAR I CAPIVAR A I João Mathias

Roedor que rende

E
mbora ainda não seja tão popu- nas duas últimas décadas, tornando-se pecial dos cortes de pernil, lombo e
lar nas refeições da população fonte de renda e exigindo pouco inves- paleta, a carne de capivara oferece
quanto outras carnes, a de ca- timento. A maior parte das instalações benefícios à saúde. Ela é fonte de vi-
pivara já não causa tanta estranheza fica nos estados das regiões Sudeste e taminas do complexo B, que têm fun-
ao consumidor quando ele a encon- Centro-Oeste. Elas necessitam de um ção importante para evitar a ocorrên-
tra em balcões refrigerados no varejo cercamento telado e de brete de baixo cia de anemia, e tem poucas calorias,
de produtos alimentícios. Antes mais custo, já que a estrutura precisa ser rús- sendo uma ótima opção para quem
restrita a restaurantes e churrasca- tica, para replicar as condições do hábi- quer controlar o peso.
rias com opções exóticas em seus tat natural do roedor, incluindo tanques Embora seja fornecedor de proteína
cardápios, a carne do mamífero vem ou pequenos açudes em piquetes. magra – em especial o exemplar que
conseguindo, 20 anos depois de sua A existência de aguadas na proprie- vai para o abate com 10 a 12 meses de
chegada ao mercado, ocupar espaço dade é uma vantagem, o que permite vida –, o animal possui gordura que
em diferentes pontos de venda, gra- ainda uma criação consorciada com a serve de matéria-prima para obtenção
ças à expansão e à profissionalização piscicultura. Outra oportunidade eco- de óleo utilizado por empresas que
da atividade de criação no país. nômica atraente para o criador é a pos- produzem itens medicinais. Por ser
Desde que o manejo e as instalações sibilidade de combinação dos tratos resistente e, ao mesmo tempo, elástico
sejam adequados, a capivara é uma es- rotineiros da capivara com bois, vacas e macio, o couro é outro insumo ren-
pécie que se adapta bem à vida em ca- e até aves, como galinhas, emas e espé- tável da criação, sobretudo porque é
FOTO_ RAWPIXEL

tiveiro e tem lida fácil, apresentando cies do segmento aquático. apreciado por compradores interna-
boa reprodução. Por isso, ela atraiu o Além da maciez e da textura que cionais, em especial os japoneses. O
interesse de produtores de todo o país agradam os consumidores, em es- material tem uso na elaboração de di-

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versos artefatos, com destaque para a bém gera rendimentos para o criador. aprovada e autorização concedida
fabricação de casacos, bolsas, sapatos O comércio do animal para a forma- pelo Estado para manejar o mamífe-
e luvas para golfe e beisebol. ção de plantéis tem mercado promis- ro, a dedicação do produtor completa
A venda de matrizes para outros sor, já que a atividade mostra bom po- o que é necessário para alcançar uma
criatórios é uma alternativa que tam- tencial no país. Com documentação criação bem-sucedida.

MÃOS À OBRA CRIAÇÃO MÍNIMA_ 1


macho para 5 fêmeas

INÍCIO_ Como é preciso a doenças, a capivara é arame farpado na parte CUSTO_ em média,
o investimento inicial
autorização para criar mais ativa pela manhã e de cima. No local também é de R$ 15 mil. Cada
capivara – o pedido tem de no fim da tarde, gosta de é importante ter mato, capivara custa R$ 1.000
ser feito ao órgão gestor nadar e tem o hábito de cerrado, capoeira ou ainda
da fauna do estado –, a viver em grupos familiares. um abrigo, além de brete RETORNO_ 2 anos e meio

recomendação é contar com de manejo e aguada, em


REPRODUÇÃO_ a partir
uma assessoria técnica para AMBIENTE_ Por se tratar de um espaço equivalente a de 1 ano de idade e com
orientar sobre o processo, um animal silvestre, a dica é 20% do total. Uma opção intervalo de 8 meses entre
cada parição, que gera de
que inclui obrigatoriamente que o criatório seja instalado é providenciar tanques
4 a 6 filhotes por parto
projeto assinado por um em uma área calma. Evite, com profundidade de 40
profissional especializado. portanto, locais com muito centímetros nas margens e
Ressalte-se que, mesmo movimento e barulho. O uso de 1,50 metro no centro.
se o criador optar pela de cercas-vivas ou árvores carrapaticidas para
captura do animal na no entorno é uma alternativa ALIMENTAÇÃO_ Herbívora, bovinos. Com a adoção
natureza para economizar para isolar a criação. a capivara come capins da medida preventiva nos
com a compra em um variados e leguminosas; criatórios, a ocorrência
criatório, também será ESTRUTURA_ A rusticidade entre seus alimentos do carrapato-estrela se
necessário ter permissão é a principal característica preferidos estão mandioca, restringe aos animais soltos
da instituição do meio do cativeiro, que deve ter milho e cana. O consumo em campos e matas.
ambiente mais próxima. um piquete com dimensões diário por animal varia de 3
de, no mínimo, 30 x 30 a 5 quilos, de acordo com REPRODUÇÃO_ Ocorre a
MATRIZES_ Na aquisição das metros para acomodar um a idade. Ofereça também partir do primeiro ano de
capivaras para formar o macho e cinco fêmeas. sal mineral nos cochos vida da capivara e vai até
plantel – que deve ocorrer Para cercar, use mourões do brete, cujo espaço que complete nove anos.
somente com criadores de madeira ou de concreto indicado de 12 x 6 metros A indicação é que as
registrados –, escolha distantes 3 metros entre deve ainda possuir dois fêmeas procriem somente
animais saudáveis. Um si e com altura de 1,50 cochos cobertos, incluindo após atingirem 30 quilos
exemplar adulto de porte metro, sendo fechado no um corredor ligado a uma de peso e com intervalo
médio tem 1,30 metro de primeiro metro com tela gaiola de contenção. de oito meses entre cada
comprimento e de 50 a 60 tipo alambrado dotada de parto gestacionado por
centímetros de altura, sendo fio de arame galvanizado CUIDADOS_ Indica-se 120 dias. Antes de ir
que a fêmea pesa cerca de número 14 e malha de vermifugação uma vez para o piquete de recria,
40 quilos, e o macho, 50 5 centímetros. Instale a cada quatro meses o filhote é amamentado
quilos. Bastante resistente outros quatro fios de e é essencial utilizar durante três meses.

CONSULTORIA_ FABIO MORAIS HOSKEN É ZOOTECNISTA, DOUTOR EM PRODUÇÃO ANIMAL E CONSULTOR PARA CRIAÇÃO E MANEJO DE ANIMAIS SILVESTRES E PROJETOS, TEL. (31) 98417-4312, FABIO@
ZOOASSESSORIA.COM.BR ONDE ADQUIRIR_ COM CRIADORES DE MATRIZES REGISTRADOS MAIS INFORMAÇÕES_ COM O ÓRGÃO ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE

globorural.globo.com FEVEREIRO 2024 GLOBO RURAL I 79


V I DA N A FA Z E N DA I G L O B O R U R A L R E S P O N D E I J o ã o M a t h i a s

Vigor às pitangas
Antes graúdos e bonitos, ficaram
secos e murchos os frutos da
minha pitangueira, que sempre
está florida, mas não segura a
carga. O que devo fazer, se nem
torta de mamona curou a planta?

Verônica Martins
via Facebook

Nutrientes VÁRIOS FATORES podem levar à da cultura. Outra recomendação é fa-


queda de frutos da pitangueira. Por zer adubação orgânica, com 10 quilos
para plátanos isso, uma medida é podar os ramos in- de esterco curtido, e química, usan-
ternos para melhorar a entrada de luz, do a fórmula NPK 10-10-10 ou 20-05-
Qual a adubação necessária para
uma vez que a fruteira prefere receber 20, na dose de 200 gramas por planta,
o plantio de banana-da-terra?
sol direto. Quando se observar a pre- quatro vezes ao ano. Distribua bem os
Ivanilson Santos Pereira sença de pragas, como pulgões e co- adubos no solo em volta da planta.
via Facebook chonilhas sugando a planta, é preciso
fazer tratamento para o controle. O se- CONSULTOR_ JOSÉ ANTONIO ALBERTO DA SILVA, PESQUISA-
DOR DA AGÊNCIA PAULISTA DE TECNOLOGIA DOS AGRONE-
OS PLÁTANOS (banana tipo terra) são camento de frutos também pode estar GÓCIOS (APTA), DA SECRETARIA DE AGRICULTURA DE SÃO

plantas de crescimento rápido que exi- relacionado à falta de irrigação no pe- PAULO, AV. RUI BARBOSA, S/NO, CP 35, COLINA (SP), CEP
14770-000, TEL. (17) 3341-1332, JOASILVA@SP.GOV.BR
gem quantidades adequadas de nu- ríodo de florescimento e crescimento
trientes disponíveis no solo. Embora
o próprio solo possa suprir parte das
necessidades nutricionais, na maioria
das vezes é necessário aplicar calcário
e fertilizantes para se obter uma pro-
dução economicamente viável. Estudo
Gravioleira no interior da copa. É preciso apli-
car um tratamento para o controle de
feito no litoral sul da Bahia, no primei-
ro ciclo do plátano, mostrou que os ma-
sem carga pulgões e cochonilhas, caso eles este-
jam presentes nas flores sugadas pe-
cronutrientes que as plantas mais ab- O que fazer com o pé de graviola las pragas. Aliás, sobretudo no pe-
sorveram foram potássio e nitrogênio, que dá flor, mas não frutos? ríodo de florescimento, mantenha a
FOTOS PEXELS / PIXABAY / DIVULGAÇÃO / ARQUIVO PESSOAL

seguidos por magnésio, cálcio, enxofre Patrícia Santos gravioleira irrigada. Outro trato cul-
e fósforo, e os micronutrientes foram via Facebook tural importante é a adubação orgâ-
cloro e ferro. Assim, para fertilizar cor- nica, com uso de 20 quilos de esterco
retamente o plantio, é essencial consi- curtido, e química, com aplicação da
derar os teores de nutrientes na plan- A FALTA DE POLINIZAÇÃO pode ser a fórmula NPK 10-10-10 ou 20-05-20
ta e a disponibilidade deles no local, o causa provável para a ausência de na dose de 400 gramas, e boa distri-
que é possível saber por meio da aná- frutos na gravioleira. Para enfren- buição no solo em volta da planta.
lise química e granulométrica do solo. tar o problema, um dos caminhos é
CONSULTOR_ JOSÉ ANTONIO ALBERTO DA SILVA, PESQUISA-
melhorar as condições de plantio da DOR DA AGÊNCIA PAULISTA DE TECNOLOGIA DOS AGRONE-
CONSULTORA_ ANA LÚCIA BORGES, PESQUISADORA DA EMBRA- fruteira, que deve estar a pleno sol. GÓCIOS (APTA), DA SECRETARIA DE AGRICULTURA, AV. RUI
PA MANDIOCA E FRUTICULTURA, RUA EMBRAPA S/Nº, CP 007, BARBOSA, S/NO, CAIXA POSTAL 35, COLINA (SP), CEP 14770-
CEP 44380-000, CRUZ DAS ALMAS (BA)
Faça a poda dos ramos internos para 000, TEL. (17) 3341-1332, JOASILVA@SP.GOV.BR
tornar possível a entrada de mais luz

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Limão com eiro é a carência nutricional, princi-
palmente a falta de potássio. Para a
rugas reposição do nutriente, a recomen-
dação é o produtor espalhar cinza de
Apesar de carregar, meu pé madeira, que é um material rico em
de limão-rosa produz frutos potássio, ao redor da árvore. Para au-
com casca enrugada e sem xiliar na nutrição da fruteira, distri-
sumo. Qual será o problema? bua em seu entorno também ester-
Flavio Pereira co bem curtido na proporção de 10 a
via Facebook 20 litros. A recomendação é repetir o
procedimento três vezes ao ano.
É COMUM QUE os limões tenham Caprino
formação de má qualidade devido à
precoce
CONSULTORES_ JULIO CESAR DA SILVA MONTEIRO DE BAR-
ROS E REGINA CÉLIA ALVES CELESTINO, PESQUISADORES
baixa distribuição de água em mo- DO CENTRO ESTADUAL DE PESQUISA EM DESENVOLVI-
mentos em que a planta mais preci- MENTO RURAL SUSTENTÁVEL, DA PESAGRO-RIO. ESTRADA
ADÉRSON FERREIRA FILHO, S/NO, CIDADE NOVA, CEP 27949- Há alguma explicação para
sa dela. Outro elemento que afeta o 100, MACAÉ (RJ), TEL. (22) 2765-1297
uma cabrita de 15 dias já
desenvolvimento dos frutos do limo-
produzir leite, como aconteceu
com o filhote da cabra da
propriedade da minha cunhada?

Plantio de Marisa Martins


via Facebook
araucária A PRODUÇÃO DE LEITE em fêmeas de ca-
prinos muito jovens é rara e ocorre de-
Como se faz muda de pinhão
vido ao surgimento precoce do hor-
por meio de enxerto?
mônio prolactina, responsável pela
Marlene Schmoeler Marschall geração do leite. Estudos relatam que a
via Facebook disfunção é individual e não se propa-
ga geneticamente. No entanto, é preciso
ANTES DE FAZER a enxertia em araucária, monitorar e manejar adequadamente
é preciso produzir o porta-enxerto. Em os animais, pois a condição pode afetar
um vaso de 20 litros, plante uma muda a vida produtiva do caprino. A suges-
de pinhão, que será enxertada ao atingir tão é que se façam ordenhas em dias al-
80 cm de altura. Para o enxerto, colete ternados e com intervalos, a fim de evi-
o material genético da planta a ser usa- do broto central da muda acima da pla- tar muitos estímulos para produção de
da na propagação e corte a copa para ca do enxerto; é preciso retirar o ara- leite, o que pode levar ao surgimento
estimular a emissão de brotos. Retire os me quando o enxerto brotar. Mantenha de mamite. Também conhecida como
brotos jovens, a ponteira e os espinhos, apenas o broto central e leve a muda ao mastite, a doença de alto índice de con-
restando o caule para gerar as placas campo ao atingir de 15 a 20 cm. A pro- tágio é uma inflamação provocada pelo
de gemas (borbulhas). Insira uma bor- dução começa em quatro a sete anos. não esgotamento do úbere na cabrita.
bulha no corte feito no broto central do CONSULTOR_ ALEXANDRE MONTEIRO, ANALISTA DA ÁREA DE
porta-enxerto, amarrando-a com ara- CONSULTOR_ AZIZ ABOU HATEM, DA EPAGRI DE SANTA CA- TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA DA EMBRAPA CAPRINOS E
TARINA, ROD. ADMAR GONZAGA, 1.347, FLORIANÓPOLIS OVINOS, FAZENDA TRÊS LAGOAS, ESTRADA SOBRAL/GROAÍRAS,
me fino e vedando-a com fita plástica. (SC), CEP 88034-901, TEL. (48) 3665-5000 KM 4, CP 71, CEP 62010-970, SOBRAL (CE), TEL. (88) 3112-7400
Após cinco semanas, extraia a ponta

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#TÔNAGR -Quem fa z a diferença no campo

O conhecimento transforma

U
ma sucessão familiar bem-sucedida é um desafio comum aos jovens do cam-
po, mas assumir o comando de uma propriedade aos 16 anos de idade não é
algo que se vê todo dia – e foi esse o teste de maturidade que José Eduardo Ca-
miloti Orsini, de Barra do Jacaré, no norte do Paraná, enfrentou.
Quando o pai dele precisou trabalhar com a administração de uma cooperativa, coube
ao jovem tocar as lavouras e dois dos cinco aviários da propriedade de 80 hectares. “Eu
tinha que tomar decisões, lidar com funcionários e empresas para quem a gente entre-
ga a produção. Mas meu pai auxiliou no começo e teve paciência quando tomei decisões
erradas”, lembra Orsini, hoje com 22 anos.
Na época, ele tinha pouca experiência prática e muitas dúvidas sobre a própria capaci-
dade. Essa condição começou a mudar com a busca por conhecimento. O jovem entrou em
um curso universitário de agronomia e fez capacitações do Sicredi e do Senar-PR.
Uma das suas primeiras missões foi aumentar a produtividade da lavoura de soja.
“Aprendi uma palavra bonita, 'diagnóstico', e trago isso para melhorar tanto como pessoa
quanto como produtor. Analisar os problemas para pensar em soluções”, ressalta.
Com medidas de correção de solo e adubação adequada, José Eduardo conseguiu au-
mentar a produtividade da lavoura de 42 para 62 sacas por hectare já na primeira safra
sob seu comando. Depois vieram outros avanços, como a substituição dos fertilizantes
químicos pela cama de aviário e a redução das aplicações de inseticidas a partir da uti-
lização de conhecimentos do manejo integrado de pragas.
Hoje considerado um “conselheiro” para os produtores da região, José Eduardo segue
com planos de expandir a propriedade. “Nós planejamos outras fontes de renda. Tenho
FOTO_ SENAR/PR

pensado em ampliar a avicultura, voltar a trabalhar com peixe e apostar em agricultura


sustentável, algo que já fazemos com o emprego de painéis fotovoltaicos e a utilização de
cama de aviário e outros produtos biológicos”, afirma. (por Marcelo Beledeli)

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