PRÓXIMA EDIÇÃO EXPRESSINHO

GRÁTIS MAPA HOJE

DAS ESTRADAS GRÁTIS
DE PORTUGAL Para leitores
em papel NA REVISTA
DO EXPRESSO

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 29 de março de 2024

2683

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

24h
TUDO SOBRE O NOVO GOVERNO

15 mil milhões do
Hora de verão
Na noite de sábado para do- PRR forçam novos
acordos AD/PS
mingo, dia 31, à 1h, no Con-
tinente, não se
1
esqueça de
2 adiantar os re-
lógios uma hora,
para as 2h. Che-
ga a Portugal a
hora de verão.
> Compromisso com a UE leva várias leis ao Parlamento
Taxa de inflação > Avaliação na Função Pública e Prestação Social Única
sobe para 2,3% entre as mais sensíveis > OE 2025 ainda mais difícil P7e10
A taxa de inflação aumen-
tou, em março, para 2,3%,
anunciou na quinta-feira o
Instituto Nacional de Estatís- DIREÇÃO DO SETE MULHERES PR DÁ SEIS MESES
tica (INE). A taxa de inflação
homóloga de fevereiro fora PSD EM FORÇA EM 17 AO GOVERNO PARA
de 2,1%. A subida deveu-se
principalmente aos preços
NO GOVERNO P6a9 MINISTÉRIOS P6a9 MOSTRAR O QUE VALE P14
da energia: a taxa de inflação
dos produtos energéticos au-
mentou para 4,8% em mar-
ço. Os preços dos produtos
alimentares não transfor-
mados estão, entretanto, em
deflação de 0,5%.

100 mil jovens já

pediram propinas CASTRO DE AFILHADO FERNANDO SAÚDE VOLTA

FOTO ANA BAIÃO

O prazo para pedir o prémio ALMEIDA: PESO DE CAVACO A ALEXANDRE, A TER UMA
salarial pelo fim do curso su- POLÍTICO PARA HOMEM FORTE SURPRESA MINISTRA QUE
perior termina no final de GERIR FUNDOS DAS FINANÇAS NA EDUCAÇÃO NÃO É MÉDICA
maio, mas já mais de 100 mil
jovens até aos 35 anos, que
concluíram o curso em 2023 Opinião Miguel Sousa Tavares, Clara Ferreira Alves, Ricardo Costa, Henrique Monteiro, Luís Aguiar-Conraria, Daniel Oliveira, David Dinis, Sebastião Bugalho, Ângela Silva
e ficaram a trabalhar em Por-
tugal, solicitaram-no. O mon-
Privados
Há mais João Sousa: Chefes
tante a receber equivale ao
valor pago em propinas, com
o limite de 1500 euros por
denunciam “Mostrei militares
ano no caso dos mestrados.
que é possível
Bankman apanha
bloqueio de
vales-cirurgias
portugueses a chegar ao
topo do
propõem
regresso
25 anos de prisão
Sam Bankman-Fried, de 32
anos, fundador da empresa viver em casas ténis” P32 do SMO

de criptomoedas FTX, foi
condenado a 25 anos de pri-
são pelo colapso da firma e
a perda de 8 mil milhões de
dólares de investidores.
Integram esta edição semanal, além deste
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda MOBILIDADE
ELÉTRICA E GESTÃO DE FROTAS
sobrelotadas
Quebra de 35% nas
cirurgias encaminhadas
do público para o
privado. Hospitais
atrasam ‘cheques’ P18
O número aumentou
Madeira quase 40% em 2023, o
maior salto em 20 anos.
a votos com Estudo mostra que vistos
gold inflacionaram preços
PSD e PS Segundo dados pedidos pelo
divididos Expresso ao Instituto Nacional
de Estatística, praticamente
não houve alteração da per-
mudou: no ano passado, uma
em cada cinco destas famílias
(21%) vivia numa casa sem di-
visões suficientes, quando em
2022 esta percentagem era de
16%. “Temos tido relatos de um
número crescente de casais
com filhos que regressaram à
casa dos pais ou que acolhe-
ram familiares que não tinham
Os chefes da Marinha
e do Exército defendem
que se estude a
reintrodução do Serviço
Militar Obrigatório
A passagem obrigatória dos
Os 42 mil
jovens pelas fileiras como
“escola de cidadania” deve
desafios
voltar a ser estudada, defen-
de o general Eduardo Fer-
de correr rão, chefe do Estado-Maior
do Exército, em declarações
a maratona R22 ao Expresso, muito críticas
do poder político, que não
autoriza os efetivos necessá-

As eleições são
a 26 de maio. Maiores
partidos têm dois meses
para unir correntes
Veja mais no interior de opiniões internas P16
centagem de estrangeiros a
viver em casas sobrelotadas.
Eram 22,6% em 2022 e 22,7%
em 2023. Foi mesmo entre
famílias portuguesas sobretu-
do com filhos que o cenário
para onde ir. Estas situações
agravaram-se entre o final de
2023 e o início de 2024”, afir-
ma Natália Nunes, coordena-
dora do gabinete de proteção
financeira da Deco. P20
Yuval Noah rios. O almirante Gouveia e
Melo também defende que se
Harari e a estude o regresso da conscri-
paz no Médio ção ou de um modelo análo-
go, num ensaio que escreveu
Oriente R28 na Revista E. P5eR20

Saiba mais em cgd.pt

2 PRIMEIRO CADERNO
Reescrever a “Arte
de Governar” de Cavaco
Q
uando, ainda em campa-
nha eleitoral, Luís Mon-
tenegro começou a fazer
uma lista de ministeriá-
veis, já eram escassos os
incentivos para que os
candidatos aceitassem
integrar o seu Governo. É verdade que
a direita está há oito anos fora do po-
der — o que aumenta o desejo —, mas
também é verdade que, nestes anos,
qualquer político passou a estar obri-
gado a mostrar o que antes escondia:
património, rendimentos, potenciais
incompatibilidades. Pior: nestes oito
anos de jejum, muitos dos que têm ex-
periência governativa deixaram a polí-
tica e dificilmente trocariam o conforto
do sector privado por uma vida pública
de baixo rendimento e alta exposição.
O que já era difícil antes tornou-se
pior depois de 10 de março. Conhece-
mos as contas: a AD com apenas mais
dois deputados do que o PS; as bancadas
à esquerda somando mais mandatos
do que os da direita moderada; e bem à
direita uma ruidosa bancada de 50 luga-
res. Se passámos os primeiros dias sem
que alguém se atrevesse a adivinhar
a durabilidade do novo Governo, esta
semana acabaram as ilusões: André
Ventura criou uma tempestade na vota-
ção do presidente do Parlamento e Luís
Montenegro foi obrigado a tomar uma
decisão, escolhendo um acordo com o lí-
der do PS. Fez bem, mas sabemos todos
que o caminho ficou ainda mais estreito.
Que seja, então, bem-vindo o Governo
possível. Com meia dúzia de surpresas,
poucos independentes e bastante par-
tido. À luz disto, as críticas que muitos
fizeram a António Costa por reduzir o
seu Governo aos indefetíveis tornaram-
-se risíveis. Porém, com o horizonte que
tem, o primeiro-ministro indigitado deu
um passo certo, mantendo no essen-
cial a estrutura orgânica do anterior
Governo e rodeando-se do seu núcleo
duro no partido — Paulo Rangel, Leitão
Amaro, Pedro Duarte, Pinto Luz. Para
quem tem seis meses para apresentar
resultados, era a única opção racional:
o Governo não tem tempo a perder com
orgânicas e muito menos com discus-
sões internas. Mas a escolha e a con-
juntura criaram um risco enorme: a da
inexperiência governativa. Há apenas
uma ex-ministra e cinco ex-secretários
de Estado, que somam — todos juntos
— pouco mais de oito anos de Governo.
Por tudo isto recomenda-se a maior
prudência nos próximos passos: mexer
o menos possível nos cargos dirigen-
tes dos ministérios, aproveitando no
SETE DIAS, SETE RAZÕES PARA GUARDAR O EXPRESSO
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loque-o em código.expresso.pt e, durante a próxima semana, poderá: 1 Ler
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ores em formato digital. GRÁTIS, DURANTE SETE DIAS, COM ESTE JORNAL
A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
RÚSSIA
Centenas de pessoas
preparavam-se para o início do
concerto da banda de rock russa
Picnic na sala de espetáculos
ligada ao centro comercial
Crocus, nos arredores de
Moscovo, quando um grupo de
homens armados começou a
disparar aleatoriamente.
Islamitas radicais reclamaram a
autoria do atentado. Putin tentou
fazer a ligação com a Ucrânia.
PARLAMENTO
José Pedro Aguiar-Branco é o novo
presidente da Assembleia da
República. Mas o social-
democrata só à quarta vez
David
Dinis
Estado quem sabe meter a máquina a
rolar; resistir às demissões e reversões,
desde logo na estrutura executiva do
SNS; ser pragmático na aplicação do
PRR, garantindo que não há cheques
travados em Bruxelas. Recomeçar do
zero, em tudo isto, adiaria em meses os
resultados de que a AD precisa como
de pão para a boca daqui a seis meses.
O que aí vem não permite vislumbrar
qualquer facilidade: a ideia de assumir
as decisões no Conselho de Ministros
pode ser tentada, mas tem perna curta.
Bastam 10 deputados da oposição para
chamar decretos ao Parlamento e, em
muitos casos, basta uma maioria sim-
ples para os mudar ou revogar. E quem
conta que André Ventura não entre em
coligações negativas com a esquerda
desengane-se: nem o Chega é propria-
mente de direita em muitas matérias
nem terá qualquer pejo em abster-se
para cobrar a Montenegro a ausência
de um acordo de Governo (e basta-lhe
uma abstenção em cada votação).
Há apenas uma ex-ministra
e cinco ex-secretários de Estado,
que somam — todos juntos —
pouco mais de oito anos
de Governo. A Montenegro
resta ser pragmático
Montenegro pode ir tentando, lei a
lei, fazer as geometrias possíveis, com
a habilidade que lhe faltou no primeiro
dia da legislatura. Mas consciente de
que terá de contar com o PS muitas
vezes mais nos próximos meses: será as-
sim no programa de Governo, para um
retificativo que inclua os prometidos
bónus para polícias, militares, profissio-
nais de saúde e professores e até para
aplicar as reformas do PRR prometidas
a Bruxelas, que trazem cheques em
troca — como explicamos nesta edição.
Ao novo Governo restará celebrar
cada dia, cada vitória. Porque até o exce-
dente orçamental que deixa Fernando
Medina é outra ilusão: como explicou
Mário Centeno, o guardião que sobra
do tempo das contas certas, somando os
compromissos assumidos por António
Costa e a evolução normal da despesa
pública, a margem orçamental do novo
Governo “é nula”. A margem política
não é muito maior do que isso. Para
Montenegro ter a “arte de governar”
não lhe basta seguir o livro que Cavaco
Silva quis deixar-lhe de herança: é que
estas águas nunca foram navegadas.
ddinis@expresso.impresa.pt
conseguiu ser eleito. O acordo
com o PS prevê que a meio da
legislatura seja substituído por
um socialista. André Ventura
conseguiu bloquear o processo
durante dois dias.
GOVERNO
Luís Montenegro já apresentou o
elenco governativo. Para a
semana tomam posse e na
seguinte o programa é
discutido na AR.
EXCEDENTE
Levamos 50 anos de
regime democrático.
Sabe quantas vezes as
contas do Estado
registaram um
excedente (balanço
positivo entre receitas e
despesas)? Duas, apenas, contra
47 anos com défices. Uma foi em
2019, com excedente de 0,1. A
outra foi o ano passado, com 1,2.
Expresso, 29 de março de 2024
O excedente orçamental de 2023 deu margem para discussão. Devia ter sido
Duelo menor? Deve ser usado? Em quê? A discussão divide políticos e economistas
Carlos João
Brito Duque
Professor da
Porto Business School Presidente do ISEG
O Governo deve guardar a margem
orçamental que tem?
SIM NÃO
O Instituto Nacional de Estatística … mas. José Sócrates deixou o Go-
divulgou esta semana que Portugal verno com três grandes problemas nas
teve no ano passado um excedente or- finanças públicas portuguesas: o défice
çamental que corresponde a cerca de 1,2% do PIB. explosivo que lhe rebentou nas mãos; a dívida pública que
As reações não se fizeram esperar. Fernando Medina não estava devidamente consolidada e por isso muita dela
congratulou-se com o facto, afirmando que são “excelen- encoberta, mas que era colossal; e a própria composição
tes notícias para o país”. Já do lado do BE e do PCP as críti- das receitas e despesas orçamentais.
cas foram as que já se anteviam: que aquele saldo deveria Deixando de lado a composição final das receitas e des-
ter sido usado para responder aos problemas sociais dos pesas do Estado e resolvido o problema do défice pelos
portugueses. Curiosamente, também do PSD surgiram governos de Passos Coelho e António Costa, resta a dívida.
reações negativas, com Duarte Pacheco a culpabilizar o Se a dívida não for alimentada por défices orçamentais, o
Governo por não ter utilizado aquela folga para evitar a crescimento da economia e a inflação ajudarão a reduzir o
degradação dos serviços públicos. E dentro da própria problema quando este se mede através rácio entre a dívida
esfera socialista emergiram reparos, com Carlos César, e o PIB. Bastam 2% de inflação e 1% de crescimento real e
presidente do partido, a afirmar “espero que o excedente a meta da União Europeia é satisfeita.
não seja um excesso”. Ao longo destes anos, as subidas do PIB não foram famo-
Enfim, parece que numa altura em que se inicia uma sas e sem inflação o percurso foi lento. Demorámos cinco
nova legislatura, todos, à exceção de Medina, estão de anos a descer dos 135,2% até aos 116,6%, reduzindo 3,7 pon-
acordo que havia margem para se tos percentuais por ano. Mas com
ter feito mais. Mas será que há efeti- a pandemia o indicador disparou
vamente espaço para ir mais além? Houve um saldo para os 138,1%! Daí para cá tem sido
Em primeiro lugar, deve-se recordar positivo, mas não a “mata cavalos”, chegando agora
que, em meio século de democracia, significa que haja folga. aos 99,1% do PIB!
apenas em três anos se registou um Claro que a inflação deu uma
superavit das contas públicas: no
O endividamento excelente ajuda e o crescimento
ano da revolução, em 2019 com o continua elevado real do PIB também. Mas num ano
Mário Centeno como ministro das com uma inflação média de 4,3% e
Finanças e agora em 2023. Conve- Cheira um bocado a a duplicação nas taxas de juro com
nhamos que a performance não é finanças públicas reflexo na vida direta das famílias e
brilhante. salazarentas com ouro das empresas, a política fiscal não
Em segundo lugar, há que reco- nos cofres, mas deu tréguas, nem a despesa pública
nhecer que a troika e os Governos cumpriu o orçamentado. Foi uma
de Passos Coelho e António Costa sofrimento nas ruas política pró-cíclica de agravamento
contribuíram de forma decisiva para das dificuldades das famílias.
o equilíbrio das contas públicas. Equilíbrio finalmente Conseguiu-se um excedente orçamental histórico, e Má-
atingido em 2019 e só não repetido no ano seguinte em rio Centeno perdeu o título de recordista nacional sacado
virtude da pandemia provocada pela covid-19. por Fernando Medina e pago pelo povo. Mas confesso que
Em terceiro lugar, apesar de todos os sacrifícios e cheira um bocado a finanças públicas salazarentas com
cativações, a verdade é que o montante global da dívida ouro nos cofres, mas sofrimento nas ruas. Foi com sangue,
pública se situa hoje num nível superior àquele que suor e lágrimas que os cidadãos portugueses enfrentaram,
se registava aquando da intervenção da troika. A sua em 2023, o monstro que Fernando Medina quis degolar:
contração para os 100% do PIB fica-se a dever ao cres- a dívida pública.
cimento do próprio produto interno nominal. E não nos Terá valido a pena? O que teria sucedido se os polícias
esqueçamos que a meta é de 60% de acordo com o Pacto tivessem sido aumentados, se os jovens já tivessem sido
de Estabilidade e Crescimento cujas regras deverão beneficiados com IRS mais benevolente, se a classe média
regressar em 2025. tivesse mais folga para enfrentar o banco e o supermerca-
Face a isto, volto a perguntar: há folga orçamental? do? Se em lugar de termos um excedente imprevisto de
De facto, houve um saldo positivo em 2023, mas isso €3,2 mil milhões tivéssemos “apenas” metade, tendo usado
não significa que haja folga. O nível de endividamento €1,6 mil milhões de alívio fiscal?
continua demasiado elevado, os desafios com a defesa e Espantosamente, poderíamos acabar por ter reduzido
a transição energética vão implicar investimentos signifi- ainda mais o rácio porque, se parte do rendimento dispo-
cativos e a incerteza quanto ao futuro é grande. Se a isto nível acrescido tivesse sido canalizado para a economia
somarmos a tentação de dar tudo a todos (professores, em lugar de estar esterilizado em depósitos em bancos
médicos, polícias... e os mais que vierem a seguir, porque centrais, esta crescia e nem teríamos necessidade de emitir
também têm “direitos”) a situação pode rapidamente mais dívida.
descontrolar-se, até porque se está perante a criação de Mas mesmo que o rácio ficasse prejudicado em 1%, qual
despesa permanente. o impacto nas finanças públicas? Provavelmente a dívida
É por isso que o perfil do futuro ministro das Finanças pública sairia mais cara no futuro entre 3 a 7 pontos-base,
é crucial. Aquilo de que o país precisa é de um “diretor de acordo com estudos empíricos. Ou seja, em vez de estar
financeiro” que, sabendo articular compromissos decor- a 2,78% a 10 anos poderia estar a 2,83%. Claro que a dívida
rentes dos projetos de desenvolvimento propostos pelos privada também sofreria, mas não teria sido mais sensato
seus colegas nas várias áreas da governação (Economia, desfasar-se o esforço no tempo em vez de escolher este ano
Educação, Saúde, Habitação...), não coloque em causa o difícil, em concreto?
equilíbrio estrutural das contas públicas. Porque, se não o O país ficou melhor, o povo pior.
fizer, iremos comprometer o futuro dos nossos filhos dei- Mas atenção! Agora que o excedente cá está, não lhe
xando-lhes um país pior do que aquele que herdámos. O toquem. Porque há ainda muita dívida “excedente” para
que, além de irresponsável, seria extremamente injusto. amortizar!
FC PORTO
Aproxima-se o momento de os
sócios do Futebol Clube do Porto
ASSANGE
A Justiça britânica
decidiu atrasar a
Baltimore, provocando a
queda imediata da
estrutura, fazendo
irem a votos e a campanha, entre extradição de Julian vários mortos.
Pinto da Costa e Villas-Boas, está Assange, pedindo
a escalar no tom das críticas e mais garantias aos COSTA
acusações mútuas. Aconteça o EUA, que o querem Primeiro-ministro
que acontecer, esta é a primeira julgar por espionagem desde o final de 2015,
vez em quatro décadas que o por ter divulgado milhares teve a sua última semana
histórico líder tem oposição de documentos secretos na chefia do Governo. A última
a sério. relacionados com as guerras no reunião ministerial serviu para
Iraque e no Afeganistão. convidar Marcelo. Depois,
SAGRADA FAMÍLIA recebeu Montenegro em São
Quase 150 anos depois POEIRAS Bento. E falou ao país, para fazer
do início da sua De norte a sul, o país foi coberto o balanço dos oito anos.
construção, a basílica na última semana por
da Sagrada Família vai concentrações de partículas SELEÇÃO
estar concluída. finas nocivas para a saúde. O A equipa de Roberto Martínez
Apesar de a sua pico mais elevado foi registado levava uma série magnífica de 11
conclusão estar em Faro, com o dobro do limite vitórias seguidas. Mas o embate
anunciada para 2026, há considerado aceitável. com a Eslovénia, que também
trabalhos que se podem vai ao Euro, foi um balde
prolongar até 2034. Seguir o BALTIMORE de água fria.
projeto original vai implicar o Um navio porta-contentores
despejo de 1000 famílias e colidiu com um pilar de uma PÁSCOA
empresas. ponte na zona do porto de Tenha uma excelente Páscoa...
NotíciasFlix
Expresso, 29 de março de 2024
Miguel Sousa Tavares
Acarinhá-los? Não:
enfrentá-los e derrotá-los
D
espachado como
pára-quedista para
chefiar a lista da AD
no Algarve, o vice-
-presidente do PSD,
Miguel Pinto Luz,
teve uma derrota
tão previsível quan-
to humilhante, atrás
do PS e do Chega. Talvez a pensar já
na desforra a curto prazo, não per-
deu tempo a namorar os eleitores do
Chega, afirmando que eles têm de
ser “acarinhados”. Mas, verdade seja
dita, o instinto de compreensão e to-
lerância para com o milhão e cem mil
eleitores do partido de André Ventu-
ra contagiou todos ou quase todos os
que foram chamados a enfrentá-lo
nas eleições de 10 de Março, come-
çando logo por Pedro Nuno Santos.
Era preciso, explicaram-nos, enten-
der as razões da sua “revolta”, do seu
justo desencanto com a política e o
estado do país, de igual forma que a
mesma compreensão, e até rendição,
era necessária para com a revolta do
braço armado do Chega — os polí-
cias de camisas negras, a cantar o
hino como patriotas de excepção e
a ameaçar um motim público, toda-
via juntando à solidariedade óbvia
de Ventura também a do Bloco de
Esquerda ou de comentadores como
Daniel Oliveira. Até parece que não
perceberam o que têm pela frente:
não se trata só de combater ideias
“racistas e xenófobas”, como repe-
tem preguiçosamente (e, como se
viu, sem sucesso), mas de tentar deter
uma onda galopante de demagogia
desenfreada e populismo de taberna
que tornará o país ingovernável e, por
arrasto, a democracia indefesa.
Quando oiço os dirigentes políticos
da democracia falarem do Chega,
percebo até que ponto é restrita a
liberdade de pensamento de quem
faz da política a sua profissão e da
necessidade de ganhar votos a sua
sobrevivência. De quem, como Pinto
Luz, precisa de namorar todos os
eleitores, incluindo aqueles que os
desprezam. Eles não podem dizer,
nem sequer murmurando, aquilo que
salta à vista, que é o inimigo a enfren-
tar: não André Ventura, que lançou
a semente à terra e a rega e aduba
inteligentemente, mas sim os que o
seguem como a um Messias. Quem
já viu desfilar na TV brasileira os
inúmeros canais das Igrejas Evangé-
licas (que já têm também represen-
tantes na bancada parlamentar do
Chega) não ignora as semelhanças: o
problema não são os “sacerdotes” e
“bispos” daquelas confrarias de ban-
didos da fé, mas sim o “rebanho” de
descamisados sem causa, de aliena-
ESTREIA
dos à mercê de aldrabões de feira. O
problema, meus caros senhores, não
é André Ventura, o único verdadeiro
dirigente da confraria: o problema é
mesmo o povo, o povo do Chega.
Divido esse povo em duas cate-
gorias: os mal informados e os mal
formados. Os mal formados são os
tais racistas por doença mental, xe-
nófobos por nacionalismo pacóvio
e saudosistas do Estado Novo por
conforto pessoal — são a minoria,
os “intelectuais” do partido. Os mal
informados, a grande maioria, são
uma amálgama entre aqueles que,
ignorando tudo sobre o estado do
mundo, que confundem com as “ver-
dades” que lhes debita o algoritmo
das redes sociais a eles destinado,
acham que Portugal só não é um país
triunfante entre todos porque “eles”,
os que nos governam, são corruptos
e inimigos do povo; e, por outro lado,
aqueles que sempre existiram e que
representam o Portugal no seu pior:
os maledicentes profissionais de
café, os intriguistas, os invejosos, os
frustrados, os falhados, os que nunca
reconhecem o mérito alheio nem
aceitam o mérito como critério na
sua actividade — a grande coligação
dos medíocres. Esses confundem de-
mocracia com prosperidade e prefe-
rem sempre o seu bem-estar pessoal
à liberdade colectiva e individual.
Esses — não todos, mas a maior par-
te — precisam que apareça alguém a
dizer-lhes que o seu mal-estar nunca
é culpa própria, mas “deles”, e que
lhes explique que a frase de Kenne-
dy deve ser lida ao contrário: “Per-
gunta o que o teu país pode fazer
por ti.” Porque não se informam,
ignoram tudo sobre a conjuntura
internacional e pensam que só por
mau governo e má vontade é que
Portugal não é um oásis de prospe-
ridade. Porque não pagam impostos
nem se preocupam com a despesa
ou a dívida do Estado, acreditam nos
milagres económicos, tão evidentes e
tão simples, que Ventura lhes propõe
como alternativa. Porque não são
livres, não se importam de viver na
dependência e, porque não são sérios
na sua forma de estar, não gostam
de ver os imigrantes estrangeiros na
“sua” terra, mesmo a fazer os traba-
lhos que eles não querem fazer e que
o tal “sistema” que tanto odeiam os
subsidia para não terem de fazer —
ao contrário do que os seus pais e
avós fizeram outrora, sem desfaleci-
mento, durante a “prosperidade” do
salazarismo, naquelas comunidades
de emigrantes cujos descendentes
agora, vá-se lá saber porquê, também
deliram com o Chega, porque estão
“revoltados”.
Não, eu não tenho
a menor vontade de
acarinhar os votantes
do Chega, sejam eles
quantos forem. Quem
deve ser acarinhado
são os outros
Revoltados? Revolta é uma coisa
séria, isto não o é. Sim, há sobejas
razões de revolta: uma globalização
que ajudou os miseráveis mas des-
protegeu os simplesmente fracos ou
pobres; um capitalismo que desregu-
lou o mercado, capitulando perante
os grandes interesses e corporações;
uma cultura woke levada ao extremo
da idiotice que agride e afasta multi-
dões de gente simples; uma geração
de líderes sem rasgo nem coragem,
com medo de dizer as verdades e de
fazer opções claras — aliás, muito
aterrorizados por um populismo que
não sabem ou não querem enfrentar
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
em campo aberto. Mas essa revolta,
para ser séria, não pode alimentar-se
da ignorância, da demagogia e do
triunfo da mediocridade.
Não, eu não tenho a menor vontade
de acarinhar os votantes do Chega,
sejam eles quantos forem. Quem
deve ser acarinhado são os outros:
os que votam na democracia, os que
acreditam na liberdade como primei-
ro valor da vida colectiva, os que não
querem depender nem esperar por
milagres ou embustes prometidos
mas abrir caminho por si, pelo seu
esforço, o seu trabalho, a sua criati-
vidade, a sua contribuição para a so-
ciedade. Os 80% que não votaram no
Chega. Esses é que têm de ser acari-
nhados, apoiados, empurrados para
cima, para que não fiquem apeados
por falta de oportunidades, enquanto
se gastam atenções e recursos com
os inúteis sentados nos cafés a dizer
mal do “sistema”, só porque desta
vez descobriram as virtudes do su-
frágio universal e lá se dignaram le-
vantar o cu da cadeira e ir votar na
alternativa do Dr. Ventura.
PRIMEIRO CADERNO 3
Não é um combate fácil, mas, so-
bretudo, tem de ser travado e tem
de ser ganho — não dando tréguas na
luta das ideias, no desmascaramento
das mentiras e na exposição do em-
buste. E governando bem, governan-
do a pensar no país e não no partido,
privilegiando não quem mais exige
mas quem mais retribui, não quem
mais grita e tem mais palco mas
quem mais produz, mais inova e mais
arrisca. Acordando no que é essen-
cial em cada momento e discordando
no que é diferente, mas, acima de
tudo, não tendo medo de contrapor
sempre a verdade e os factos contra a
demagogia e o facilitismo de dizer ao
povo o que o povo quer ouvir e não o
que o povo precisa de ouvir.
Cito e subscrevo aquilo que Fran-
cisco Mendes da Silva escreveu no
“Público” há 15 dias: “O tal povo
‘esquecido’ que vota em Ventura é
muito mais ouvido do que se pensa.
Determina muito mais do que se
julga as prioridades mediáticas do
país.” Isto é um facto, e a imprensa
também tem muitas responsabilida-
des no assunto. Esta nossa doentia
tendência para dar sempre mais voz
e mais importância a quem mais
berra ou desfila pelas ruas a cantar
o hino tem como contrapartida o
esquecimento de todos os outros. E
os outros são os 80% que não vota-
ram no Chega ou os 50% que pagam
IRS. Só num país desnorteado é que
a prioridade são aqueles e não estes.
Olhemos para cima e para a frente,
não para trás ou para baixo. Deixem
que o diga com todas as letras: aque-
la senhora que eu vi na televisão a
dizer que ela, a filha e a neta desta
vez tinham decidido ir votar e todas
tinham votado no Chega, para “ver
se as coisas melhoram”, não me ins-
pira compreensão alguma — apenas
desprezo. Vai fazer 50 anos que a se-
nhora só podia votar em eleições de
fantochada e aposto que não estava
melhor na vida.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de março de 2024

ALTOS EM DESTAQUE
Pedro Nuno
Santos
Secretário-geral
do PS O Cartoon de António Os ovos desta Páscoa
Partiu do PS a solução para o bloqueio
parlamentar. Os socialistas acabaram
por fazer a proposta que resolveu o pro-
blema provocado pelo recuo do Chega,
garantindo em troca uma rotatividade
na presidência da AR se a legislatura o
permitir. E podem ainda invocar duas
vitórias de Assis contra Aguiar-Branco.
O PS respondeu com sentido de respon-
sabilidade e mostrou ao PSD e a Mon-
tenegro quais os canais de comunicação
que se devem privilegiar.

José Pedro
Aguiar-Branco
Presidente da Assembleia
da República

Foram precisas quatro votações (com

duas derrotas pelo meio) no primei-
ro teste a sério de um novo Parlamento
fragmentado e tripartido para que fos-
se eleito. Estratégias e táticas políticas
deixaram a eleição num impasse, que
só foi ultrapassado com o entendimento
entre AD e PS. Não será o mandato que
Aguiar-Branco esperaria, repartido com
o PS e num cenário parlamentar explosi-
vo, mas sublinha-se o espírito de missão.

Justiça António Costa da Viagem mais Turbulenta da TAP”, dele, foi sequestrado e impedido de

E BAIXOS
escrito a duas mãos com Hugo Mendes, sair das instalações e, na versão das
ex-secretário de Estado também demi- assessoras de Galamba, agrediu as

tem dois processos tido na sequência do escândalo TAP.

Suspeitas de roubo e pancadaria

Joaquim Miranda
Sarmento
Líder parlamentar
cessante do PSD
Faltou peso e iniciativa política a Miran-
da Sarmento na gestão do primeiro e
importante desafio do novo Parlamen-
to. Não acautelou a eleição do candida-
to da AD e permitiu, em silêncio, que
o Chega assumisse a existência de um
acordo com o PSD. Acabou surpreendi-
do pelas circunstâncias e refém do PS.
André
Ventura
Presidente
do Chega
A estratégia é clara e transparente:
apostar na vitimização e dar o dito por
não dito consoante a oportunidade po-
lítica. Ventura marcou o arranque da
nova legislatura ao anunciar um acor-
do com o PSD, que o partido de Monte-
negro nunca confirmou, para depois re-
cuar sem aviso prévio. A opção obrigou
a outros entendimentos e permitiu-lhe
autointitular-se líder da oposição. Nun-
ca a palavra dada valeu tão pouco.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
no Supremo
O primeiro-ministro
demissionário é visado numa
queixa de Frederico Pinheiro
por difamação, que está no STJ
Afinal, há dois processos que visam
António Costa e que estão a ser in-
vestigados no Supremo Tribunal de
Justiça (STJ). Além do que resultou
da Operação Influencer, em que o
primeiro-ministro demissionário é
suspeito de prevaricação, há um outro
que resulta de uma queixa particular:
Frederico Pinheiro, ex-adjunto do mi-
nistro das Infraestruturas, apresen-
tou uma participação criminal contra
António Costa e João Galamba pelo
crime de difamação. Pinheiro foi acu-
sado pelos ex-governantes de “roubo”
de um computador de serviço e de
“comportamento violento” contra as-
sessores e funcionários do ministério
e decidiu reagir judicialmente.
De acordo com uma fonte judicial,
o inquérito que resultou desta queixa
foi dividido em dois: o de Galamba
continua a ser investigado no DIAP
de Lisboa e o de Costa foi para o STJ,
porque o alvo da queixa era o primei-
ro-ministro quando o suposto crime
foi praticado. O Expresso sabe que
Frederico Pinheiro já foi ouvido nos
dois inquéritos. Em janeiro, por causa
de Galamba, e um mês depois por cau-
sa de Costa. Das duas vezes prestou
declarações perante um magistrado
do Ministério Público.
Contactado pelo Expresso, o gabi-
nete de António Costa diz que o ainda
primeiro-ministro “não” foi ouvido
por causa desta queixa e também “não
foi notificado” de qualquer decisão.
O alegado roubo do computador
deu origem a mais dois processos: um
sobre os acontecimentos no Minis-
tério das Infraestruturas em abril de
2023, depois de as assessoras de João
Galamba se terem queixado do roubo
e de agressões cometidas por Pinhei-
ro, e um outro sobre a atuação do SIS
no mesmo caso. O computador do
ministério foi entregue por Pinheiro
a um agente dos serviços de informa-
ções, que lhe terá dito para resolver “a
coisa a bem”.
Nenhum destes casos teve, até ago-
ra, qualquer despacho de acusação ou
arquivamento e também não há argui-
dos constituídos. Pinheiro anunciou a
queixa contra Costa e Galamba pouco
depois da publicação do livro “Patos
Desalinhados não Voam — Por dentro
investigadas há um ano
O antigo adjunto de Galamba foi
exonerado há quase um ano, a 26 de
abril de 2023, por “comportamentos
incompatíveis com os deveres e res-
ponsabilidades inerentes ao exercício
das funções”, disse na altura fonte do
Governo ao Expresso. Pinheiro terá
coordenado uma reunião “secreta”
entre a ex-CEO da TAP, Christine
Ourmières-Widener, e o grupo parla-
mentar do PS nas vésperas de a ges-
tora ir ao Parlamento esclarecer a
demissão de Alexandra Reis a troco
de uma indemnização de meio milhão
Pinheiro já foi
ouvido duas vezes
nos últimos dois meses.
Costa ainda não
de euros. Foi acusado de omitir notas
que tinha tirado durante a reunião e
houve até uma troca de mensagens
por WhatsApp com João Galamba so-
bre isso, que foram depois divulgadas
pela SIC.
Já depois de ter sido exonerado du-
rante um telefonema tenso com João
Galamba (Pinheiro queixa-se de ter
sido ameaçado), o ex-adjunto foi ao
ministério recuperar objetos pessoais
e o computador. Foi aí que, na versão
mulheres que tentaram impedir que
levasse o equipamento informático.
Costa e Galamba acusaram-no pu-
blicamente não só do “roubo” do com-
putador, mas também de ter tido um
“comportamento violento”.
Em declarações ao “Público”, Pi-
nheiro justificou a queixa-crime que
decidiu apresentar assim: “Cientes
do relevo mediático inerente às fun-
ções públicas que exercem, quiseram
e conseguiram difamar-me perante
a opinião pública, imprimindo, sem
qualquer motivo legítimo, terror à
minha conduta no que concerne aos
acontecimentos ocorridos no dia 26
de abril, quando nem sequer os pre-
senciaram, como, de resto, admitiram
publicamente.” O ex-adjunto queixou-
-se ainda de “danos irreparáveis” na
vida pessoal e profissional.
O Expresso contactou o gabinete
de Lucília Gago, mas a PGR não quis
esclarecer se António Costa já foi ou-
vido no âmbito deste processo e se
também “é possível” que este volte ao
DIAP de Lisboa. A procuradora-geral
já admitiu que isso pode acontecer
com a Operação Influencer, que está,
por agora, nas mãos do coordenador
do Ministério Público no Supremo,
José Duarte Silva.
Esta quarta-feira, quando fez o ba-
lanço dos oito anos de governação,
Costa reiterou que não sabe de ne-
nhum desenvolvimento no processo e
o que sabe deve-o à “amabilidade” da
comunicação social.
Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de março de 2024
Forças Armadas O general Eduardo Ferrão defende o Serviço Militar Obrigatório como “escola
de cidadania”, pede aumentos para os militares e deixa múltiplos recados ao próximo ministro
Chefe do Exército propõe
estudar regresso do SMO
Vítor Matos
N
um momento de
crescente inseguran-
ça internacional, em
que as Forças Arma-
das sofrem de carên-
cia aguda de efetivos,
o chefe do Estado-
-Maior do Exército
(CEME), general
Eduardo Ferrão, defende que se estu-
de a reintrodução do Serviço Militar
Obrigatório (SMO). Embora a exigên-
cia para operar tecnologias avançadas
seja incompatível com uma passagem
efémera pelas Forças Armadas, numa
declaração feita ao Expresso o CEME
entende que “uma reintrodução do
SMO justifica-se ser estudada e avalia-
da sob várias perspetivas”. Na opinião
do general, “a passagem pelas fileiras
equivale à frequência de uma escola
de cidadania”, contribuindo “para o
desenvolvimento de uma cultura de
Defesa Nacional” e de “sensibilização
dos jovens” para estas áreas.
A opinião do chefe do Exército coin-
cide com a do almirante Gouveia e
Melo, chefe do Estado-Maior da Arma-
da (CEMA), que, num texto publicado
na revista E (ver pág. 20 da revista),
também acredita que “reequacionar o
SMO ou outra variante mais adequada
poderá ser uma medida necessária não
só para equilibrar o rácio despesa/re-
sultados, mas também para gerar uma
maior disponibilidade da população
para a Defesa”.
De resto, o general Eduardo Fer-
rão apresentou ao Expresso um diag-
nóstico que se pode traduzir num ca-
derno de encargos para o próximo
ministro, num momento em que ainda
não era conhecido o nome do titular da
pasta (a resposta escrita foi enviada ao
Expresso um dia antes de ser conheci-
do o Governo). O CEME aponta o nú-
mero deficitário de efetivos a contratar
autorizado pelo Governo cessante,
critica o facto de as Forças Armadas
serem a única instituição do Estado
a vender património para financiar
obras e defende a equiparação dos
vencimentos e suplementos a outras
carreiras do Estado, depreendendo-se
forças de segurança e magistrados.
Urgência nos vencimentos
Até 2004, quando foi extinto o Serviço
Efetivo Normal, havia “recursos hu-
manos em número ajustado às neces-
O chefe do Estado-Maior do Exército, general Ferrão, critica a ministra da Defesa: abriu apenas
1098 vagas para colmatar 1619 saídas FOTO TIAGO PETINGA/LUSA
sidades”, recorda o general, estando
o Exército profissionalizado, até hoje,
a “ajustar-se à realidade de uma ne-
cessidade de recrutar e reter efetivos
que garantam os níveis de prontidão e
dimensão definidos”.
No entanto, Eduardo Ferrão reco-
nhece que não seria o SMO a resolver
o problema, apesar de, há 20 anos,
muitos jovens optarem pelo contrato
depois de terem passado pelas filei-
ras. “Num Exército moderno e tec-
nológico”, argumenta, “exige-se que
os seus militares, de todas as catego-
rias, incluindo as praças, disponham
de competências mais complexas e
exigentes, quadro que não se coaduna
com o recrutamento obrigatório, orien-
tado apenas para assegurar efetivos
por um período reduzido de tempo”. A
passagem obrigatória pela instituição,
de acordo com o general, “não possibi-
lita o tempo necessário para a obten-
ção das competências técnicas para
a operação de sistemas de armas tão
complexos e onerosos como os atuais”.
Uma reintrodução do SMO serviria,
sobretudo, para reatar essa relação da
população com as Forças Armadas.
Daí que, para atrair e reter os re-
cursos humanos, o general defenda a
urgência de “implementar outras me-
PRIMEIRO CADERNO 5
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO A ODISSEIA
“Não me sinto
minimamente diminuído,
tudo o que fazemos em
nome do interesse
nacional e que permita
o normal funcionamento
das instituições não
diminui, engrandece”
José Pedro Aguiar-Branco
Presidente da AR, sobre o acordo
rotativo para o cargo
PRÉMIO ESTAR À ALTURA
“Os partidos
democráticos têm,
em cenários de
crise institucional,
a obrigação absoluta
de promover
entendimentos”
Francisco Assis
PS, sobre o entendimento AD/PS
PRÉMIO DECLARAÇÃO
DE GUERRA
“Luís Montenegro,
cara a cara te digo:
governarás com o PS,
porque com o Chega
não contarás neste
ciclo político”
André Ventura
Presidente do Chega
PRÉMIO APONTAR AO ALVO
“O Parlamento
está refém de um
irresponsável. Esse
irresponsável chama-se
André Ventura”
didas de âmbito social”, sobretudo “ao Eduardo Ferrão exemplifica que, em Rui Rocha
Presidente da Iniciativa Liberal
nível salarial, através da equiparação novembro de 2023, a ministra da De-
dos vencimentos e dos suplementos fesa, Helena Carreiras, autorizou para
PRÉMIO BFF
remuneratórios a outros corpos es- o Exército um máximo de admissões
peciais do Estado, bem como ao nível de “1098 praças” voluntárias e contra- “Dificilmente será
do reequipamento, através do investi- tadas, um “valor insuficiente para col- possível encontrar
mento na modernização dos sistemas matar as 1619 saídas verificadas nesta outro período onde as
de armas”. categoria” ao longo do mesmo ano.
Uma das políticas de retenção do relações entre Governo
Dois anos de serviço, em média Exército tem passado pela melhoria e Presidência tenham
das instalações, e o CEME sublinha o seguido de uma
Além da captação de jovens, a reten- investimento de cerca de €7 milhões forma tão fluida,
ção dos contratados é uma das difi- em 2023, “perspetivando-se o inves-
culdades do ramo: “De facto, a média timento de cerca de €11 milhões em tão cooperativa
da retenção [tempo de permanência 2024”. Mas aponta mais uma crítica e tão solidária”
nas fileiras] no Exército é atualmente aos decisores: “As Forças Armadas António Costa
de dois anos e quatro meses, muito são a única instituição que necessita Primeiro-ministro em exercício
abaixo dos possíveis seis anos de limite de vender o seu património edificado
de contrato”, o que não compensa o in- para obter verbas que permitam ser PRÉMIO ATÉ BREVE
vestimento na “formação ministrada”, empregues na melhoria das suas in-
refere o CEME. fraestruturas.”
“O mundo não acaba
No caso dos recursos humanos, envia Num contexto “decorrente da in- hoje, a vida não acaba
outro recado ao próximo ministro da vasão da Ucrânia pela Rússia” e do hoje e não há razão
Defesa, para autorizar o Exército a con- pedido da NATO para os aliados au- nenhuma para não nos
tratar mais pessoal: “Importa aumen- mentarem os gastos, o general defende
tar o efetivo previsto no decreto-lei que que “Portugal não se pode alhear desta encontrarmos noutras
fixa os efetivos, que fica muito aquém realidade” e aponta para os “défices de encruzilhadas”
do nível de ambição fixado.” Em lingua- investimento na Defesa nos últimos Marcelo Rebelo de Sousa
gem militar, isto quer dizer que os sol- anos”, e “no Exército em particular”. Presidente da República, para António Costa
dados que o Governo permite contratar O próximo ministro da Defesa não terá
ficam abaixo das necessidades para as tarefa fácil. Paula Santos
missões exigidas pelo poder político. vmatos@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO
XXIV GOVERNO
OS MINISTROS UM A UM
Paulo Rangel
Ministro de Estado
e dos Negócios Estrangeiros
58 anos Eurodeputado
Negócios
Estrangeiros
A única dúvida sobre se Paulo
Rangel seria ou não o ministro
dos Negócios Estrangeiros
residia no facto de o seu nome
também circular como
potencial candidato a
comissário europeu, mas Luís
Montenegro dificilmente
encontraria alguém melhor
para tutelar a política externa.
Sendo esta uma das frentes em
que o primeiro-ministro tem
menos experiência, a escolha
de Rangel é uma garantia
segura de conhecimento,
Ministros Governo com poucas mudanças orgânicas.
Algumas surpresas em pastas temáticas
Direção
do PSD no
Governo e sem
tempo a perder
Texto João Diogo Correia
Foto Ana Baião
C
om experiência po-
lítica — muita par-
lamentar, mas pou-
ca governativa — e
preparado para o
combate: o Gover-
no de Luís Monte-
negro, mantido em segredo até
ter feito o site da Presidência ir
abaixo, tem todo o núcleo duro
do líder do PSD e está pronto
para quem vai arrancar a legis-
latura sem tempo a perder.
A orgânica muda muito pou-
co e a justificação é que este
Executivo não pode perder
tempo com mudanças buro-
cráticas. Mais uma vez a pressa
em começar a governar, porque
não se sabe quanto tempo terá
o XXIV Governo Constitucio-
nal que toma posse na próxima
semana (ministros na terça, 2,
secretários de Estado na quin-
ta, 6). Ainda assim, algumas
mudanças a registar: a habi-
tação volta a estar junto com
as Infraestruturas (só estive-
ram separadas no último dos
oito anos de Costa) e o Ensino
Superior volta a estar na Edu-
cação. A Juventude volta a ga-
nhar nome de ministério, assim
como a modernização. E, a dar
o sinal de que este tem de ser
um Governo de combate polí-
experiência e relevante
network europeia e
internacional. Como nº 2 do
Governo, terá a desvantagem
das ausências que a frente
externa lhe exigirão, mas a sua
estreita relação com
Montenegro, com quem
disputou, sem sucesso, a
liderança do partido, mas de
quem aceitou ficar como
primeiro vice-presidente,
facilitará a coordenação.
Advogado, ex-deputado,
ex-líder parlamentar, ex-
secretário de Estado da Justiça
e nome muitas vezes falado
para a Câmara do Porto, foi
como eurodeputado que mais
se destacou nos últimos anos,
tendo sido eleito
sucessivamente vice-presidente
do Grupo Parlamentar do PPE
desde 2009 e vice-presidente do
PPE desde 2014. Fascinado pelos
temas europeus, nunca se
distraiu da política interna, e a
frase que há 15 anos disse ao
Expresso “eu não quero ser
nada!” não se confirmou. Aos
58 anos, chega a ministro. Na
pasta com que sonhou.
Ângela Silva
tico, Assuntos Parlamentares e
ministro Adjunto voltam a ser
pessoas diferentes.
Nos ministérios políticos e
nas decisivas pastas das Fi-
nanças e da Economia, Mon-
tenegro não surpreende e joga
pelo seguro (ou pelo possível)
e prepara-se para uma gover-
nação que tem de mostrar
serviço antes do fim do ano.
As surpresas ficam reservadas
para algumas áreas temáticas,
com a maior a ser talvez a es-
colha do economista Fernando
Alexandre para uma pasta da
Educação que junta a Ciência
e a Inovação.
Em 17 ministérios, estão lá
quatro vice-presidentes do
PSD, dois deles ex-candidatos
ORGÂNICA MUDA
MUITO POUCO E
A JUSTIFICAÇÃO
É QUE ESTE
EXECUTIVO NÃO
PODE PERDER
TEMPO COM
BUROCRACIAS
António Leitão Amaro
Ministro da Presidência
do Conselho de Ministros
43 anos Jurista
Presidência
Do núcleo duro de
Montenegro, era, tal como
Hugo Soares, uma
possibilidade para várias
pastas. É como um pivô da
estratégia do líder do PSD para
diferentes áreas, como
aconteceu com a coordenação
do programa eleitoral.
Manterá esse papel de ligação
entre ministérios e de ser o
homem que “põe a máquina a
andar”. Eleito deputado pela
primeira vez aos 29 anos, em
2009, o atual vice-presidente
do partido foi secretário de
Estado entre 2013 e 2015. J.D.C.
à liderança do partido (Rangel
e Pinto Luz), que Montenegro
quis ter por perto, para dar
prova de unidade. Está ainda
Miranda Sarmento, mais téc-
nico e menos político, que fez
uma transição suave entre a
liderança de Rui Rio e a atu-
al, e tornou-se peça-chave de
Montenegro quando teve de
segurar a bancada parlamentar
que tinha sido escolhida pelo
líder anterior. E está Pedro
Duarte, que foi líder da JSD,
nome várias vezes apontado ao
futuro, que será um dos pivôs
da legislatura.
Com a tutela dos Assuntos
Parlamentares, Pedro Duarte
terá de encontrar o equilíbrio
com Hugo Soares, o líder par-
lamentar, entre a negociação
e o combate com a oposição,
que mostrou ao que vem logo
na primeira semana de Parla-
mento. Ambos ex-líderes da
JSD, ambos com larga expe-
riência parlamentar, têm, no
entanto, perfis bem diferentes:
Hugo Soares mais combativo,
foi líder parlamentar quando
o PSD estava na oposição e
Passos Coelho ainda liderava
o partido; Pedro Duarte mais
conciliador, é capaz de cons-
truir as pontes que o levaram
a liderar o Conselho Estraté-
gico do partido, que preparou
as bases do programa da AD,
com 25 coordenadores de ou-
Expresso, 29 de março de 2024
Pedro Duarte
Ministro dos Assuntos
Parlamentares
50 anos Jurista
Assuntos
Parlamentares
Quatro anos à frente da JSD,
seguidos de uma subida a
secretário de Estado da
Juventude de Santana, e a
direção de campanha de
Marcelo nas presidenciais em
2015, fizeram de Pedro Duarte
um nome apontado ao partido.
Foi deputado em quatro
legislaturas, afastou-se da
ribalta para trabalhar na
Microsoft. Com Montenegro,
voltou à linha da frente e
passou a coordenar o Conselho
Estratégico Nacional. J.D.C.
tras tantas áreas. Polícia mau,
polícia bom?
A preocupação com a ex-
periência política é evidente.
Exemplo máximo é o de Ma-
nuel Castro Almeida, antigo
secretário de Estado da Edu-
cação no tempo de Cavaco, cuja
governação serve de bússola a
Montenegro, esteve também
no Governo Passos, com a pas-
ta do Desenvolvimento Regio-
nal, ou seja, gestão de fundos
europeus. É um mendista, na
medida em que esse ‘ismo’ ain-
da exista no PSD, mas é, sobre-
tudo um conciliador. Foi o que
tentou ser na direção de Rui
Rio, saindo quando percebeu
que o antigo líder não queria
fazer pontes com Montenegro.
Com experiência técnica e po-
lítica, vai fazer parte do núcleo
duro, trabalhando diretamente
com o primeiro-ministro como
ministro Adjunto e participan-
do na gestão dos fundos euro-
peus, como ministro da Coesão.
Recusas na Justiça
Nas questões espinhosas e para
as quais Montenegro prometeu
decisão rápida — do novo aero-
porto, da TAP e da ferrovia —,
Miguel Pinto Luz era a escolha
mais evidente, por ser há meses
uma espécie de ministro-som-
bra do PSD, numa área que
Passos Coelho lhe quis dar em
2015, mas em que ficou apenas
duas semanas.
Nuno Melo, como se previa, é
o único elemento do CDS com
um ministério e ficou mesmo
com a pasta que um dia foi de
Paulo Portas. Terá de gerir com
pinças o desconforto que os mi-
litares vão manifestando, mas
estes gostam de ter ministros
com força política e, apesar das
dificuldades do CDS, Melo é
o líder de um dos partidos da
coligação de Governo.
Com muitas figuras de den-
tro do partido, restava ainda
a dúvida se Montenegro seria
capaz de chamar um núme-
ro considerável de mulheres,
que estão em minoria no nú-
cleo mais restrito da liderança.
Chamou sete em 17, todas em
pastas sectoriais, algumas com
capacidade política por provar.
Uma delas, Rita Júdice, não
foi primeira escolha — Monte-
negro levou mais do que uma
recusa para a tutela da Justiça,
numa altura pouco dada às re-
formas que começaram a ser
exigidas com mais vigor, de-
pois da queda de um Governo
provocada por um caso judicial.
jdcorreia@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de março de 2024
Nuno Melo
Ministro da Defesa Nacional
58 anos Presidente do CDS
Defesa
O ex-eurodeputado Nuno Melo
tem características que podem
agradar aos militares: fez o
serviço militar, foi comandante
de pelotão, deu instrução como
alferes e foi da Polícia Militar.
Sabe manejar armas (coleciona
armas antigas e foi atirador
desportivo) e tem peso político
como líder do CDS. O maior
desafio é reverter a sangria de
efetivos, dando melhores
condições aos militares, a
começar pela prova de lhes
atribuir um subsídio equiparado
ao das forças de segurança.
Vítor Matos
Orçamento do Estado ficou
mais perto de cair
PSD mantém pressão
sobre o PS. Socialistas
garantem que não serão
“muleta” e acreditam que
Marcelo não dissolve
A dificuldade da eleição de
Aguiar-Branco como presidente
da Assembleia da República ser-
ve de antecâmara para uma go-
vernação que se adivinha sem-
pre entre a espada e a parede. E
mostrou que vai ser mais difícil
do que se previa. O teste mais
perigoso será o Orçamento do
Estado em outubro e aí, perante
a posição do Chega, a pressão
do PSD concentra-se no PS e os
socialistas vão dizendo que nada
mudou: o voto no Orçamento é
contra e tem de ser Montenegro
a encontrar soluções para a go-
vernabilidade. Assim, o chumbo
do Orçamento terá ficado mais
perto, mas a dissolução não é a
única via.
No PSD, a ordem é desvalori-
zar: o combate político, os avan-
ços e recuos, a busca de apoios,
são o “normal em democracia”,
mais ainda em maiorias relati-
vas. Não são raros os dias em
que a governação de Cavaco Sil-
va é lembrada. No PS, regista-se
essa vontade de Montenegro
de imitar o Governo de 85-87,
o que faz pensar os socialistas
que a estratégia de Montenegro
poderá ser a de não procurar
apoios (nem dizer nada) para
forçar a queda do Governo e
conseguir depois em eleições
maioria absoluta, mas “estão a
esquecer-se que há um partido
antissistema que é o único que
ganha” com a instabilidade, avi-
sa um dirigente socialista.
A primeira semana provou
também que a tarefa vai ser
mais difícil do que se imagina-
va na São Caetano à Lapa. O
ar atónito na bancada do PSD
quando António Filipe anunci-
ou o primeiro chumbo do can-
didato a presidente da Assem-
bleia da República deu prova da
“surpresa” com que a votação
foi recebida. Aguiar-Branco ba-
Luís Montenegro foi teu com uma mão nas costas da
entregar a lista de outra, como quem diz “acabou,
ministros a Belém vou-me embora”. Chegou a re-
esta quinta-feira tirar a candidatura, para depois
voltar a candidatar-se.
EXPRESSO.PT Montenegro ofereceu lugares,
Rocha queria medidas: não há acordo entre PSD
e IL, mas comprometem-se a manter “diálogo”
Rita Alarcão Júdice
Ministra da Justiça
50 anos Advogada
Justiça
A nova ministra, que vai ter de
lidar com a revolta dos oficiais
de justiça (em greve há mais de
um ano) e o caos nos tribunais
administrativos e fiscais, é
especialista em Imobiliário
(assim se apresenta no LinkedIn)
e foi até há pouco tempo sócia
da PLMJ, escritório de
advogados fundado pelo pai,
José Miguel Júdice. Fazia parte
de um gabinete do PSD que
estava a trabalhar na
elaboração de propostas para a
habitação. Ainda assim, o nome
foi bem recebido pelo Sindicato
dos Funcionários Judiciais: “É
Por agora, nada muda na es-
tratégia que o PSD tornou pú-
blica perante o país: chegar à
Assembleia e apresentar as suas
propostas, mesmo tendo que as
limar com a oposição, mas estan-
do, ainda assim, mais próxima
do “deixem-me trabalhar” de
Cavaco do que do “vamos con-
versar” que André Ventura pe-
diu. Um plano que passa por ter
“um Governo à prova de bala”,
articulado e sem erros e por ir
destrunfando com piscares de
olho à esquerda e à direita.
Se uma medida do PRR é mais
provável ter luz verde do PS,
uma proposta para as polícias
ou para a política de imigração,
pode obrigar o Chega a dizer
‘sim’. Isso vale para o “medida a
medida” como para o Orçamen-
to do Estado. Aliás, o secretário-
-geral do PS já se disponibilizou
para aprovar medidas concretas
— lançou aliás um repto para
um acordo para um orçamento
retificativo que aumentasse pro-
fessores, polícias, profissionais
de saúde e oficiais de justiça — e
não chumbará medidas impor-
tantes para os fundos europeus.
A recusa do PS é para o Orça-
mento do Estado, onde se joga
a governabilidade.
Dito de outra forma: para o
Governo da AD se não há Ventu-
ra, ninguém diz que não haja Pe-
dro Nuno. Mas depois do acordo
para a eleição para a presidên-
cia da Assembleia da República,
os socialistas estão obrigados a
dar provas de oposição, ou seja,
querem circunscrever o acordo
a uma questão “institucional” e
não “programática”, evitando
que se pense que há um blo-
co central. O objetivo é pegar
de estaca no lugar de líder da
oposição, mas “responsável”,
demarcando-se do “chefe da
confusão”. Isto faz com que
o voto contra no Orçamento
seja agora mais provável. “Nós
chumbamos mesmo o Orça-
mento”, garantem ao Expresso
dois membros do secretariado
nacional socialista.
Acresce que o OE vai estar
nas mãos de Joaquim Miranda
Sarmento, que ainda como lí-
der parlamentar geriu no Parla-
mento a relação com os outros
uma pessoa que conhece muito
bem o sistema judicial
português. O seu sucesso será o
sucesso da Justiça", elogiou
António Marçal. Rita Alarcão
Júdice ainda terá de enfrentar a
guerra surda com o Ministério
Público: foi a Operação
Influencer que levou à queda do
Governo depois de António
Costa ter sido nomeado como
suspeito pela procuradora-geral
Lucília Gago e o PSD também
foi alvo de investigações
comprometedoras. O anterior
presidente, Rui Rio, foi alvo de
buscas por suspeita de uso
indevido de dinheiro do
Parlamento, há deputados e
dirigentes do PSD envolvidos na
Operação Tutti-frutti e a nova
casa de Luís Montenegro, o
primeiro-ministro, é alvo de um
inquérito por parte do MP. A
procuradora-geral acaba o
mandato no final do ano e
outras das missões importantes
da nova ministra será a escolha
do novo líder do MP. “Desejo-lhe
boa-sorte”, diz Paulo Lona,
presidente do Sindicato do MP.
Rita Robalo Rosa
e Rui Gustavo
partidos para a eleição do PAR,
com os resultados que se viram.
“Mas o Pedro Nuno Santos
quer ir a eleições?”, pergunta-
-se de volta, nos corredores do
PSD. Com a queda da maioria
absoluta que apanhou todos
desprevenidos, a questão dos
timings políticos é tida como
fundamental para os dois mai-
ores partidos. E ninguém sabe
verdadeiramente como eles vão
chegar ao outono.
André Ventura, para quem
tinha dúvidas, deu a Luís Mon-
tenegro a prova de que tenciona
jogar noutra pista. Dirigiu-se
de tal maneira ao líder do PSD,
tratando-o por “tu” do púlpito
— “com o Chega não contarás
neste ciclo político”, disse —,
que qualquer recuo seria visto
como derrota em toda a linha
para Montenegro.
Perante o cenário e as subi-
das de tom do Chega, os sociais-
-democratas foram ao centro
buscar a única saída. “Não tí-
nhamos outra hipótese”, diz um
deputado ao Expresso, sentado
FRASES
“O PS continuará
a ser oposição.
O líder do Chega é
chefe da confusão”
Pedro Nuno Santos
Secretário-geral do PS
“Com o Chega
não contarás
[Luís Montenegro]
neste ciclo político”
André Ventura
Presidente do Chega
PRIMEIRO CADERNO 7
Margarida Blasco
Ministra da Administração
Interna
67 anos Juíza
Administração
Interna
Atual juíza-conselheira do
Supremo Tribunal de Justiça,
destacou-se pela tolerância zero
com que lidou com os casos de
racismo e abusos nas forças
policiais durante os sete anos
(2012-2019 ) em que esteve à
frente da Inspeção-Geral da
Administração Interna. Foi a
primeira mulher diretora do
Serviço de Informações de
Segurança (2004-2008),
repetindo o pioneirismo quando
foi chamada a liderar a IGAI.
Raquel Moleiro
e resignado nos sofás da Assem-
bleia. E daqui para a frente, que
outra hipótese resta?
Dissolução ou duodécimos
No PS vai correndo a tese sobre
a “irresponsabilidade” do PSD.
“Se não tinha condições para
governar, não se podia ter dispo-
nibilizado para ser primeiro-mi-
nistro”, diz um socialista, e acres-
centa que espera para ver que
garantias de estabilidade pedirá
Marcelo quando fizer o discurso
da tomada de posse. Com Costa,
o Presidente foi deixando cader-
nos de encargos para assegurar
a estabilidade. “E com Monte-
negro, não pede?”, pergunta-se
no Rato. Governos de maioria
relativa sempre governaram,
mas nunca numa circunstância
em que o terceiro partido mais
votado tem as características e a
dimensão do Chega.
Os primeiros dias de Parla-
mento deram mostras, também
para o PS, de que “isto vai ser
pior”. “Temos ali um problema
com o Chega”, desabafam. Mas
Francisco Assis entrou direto
no combate ao Chega, que, diz,
“é oposição ao sistema democrá-
tico” e que por isso os partidos
“não podem ter medo de falar
uns com os outros”. O que fará
Ventura entra na cabeça de am-
bos os partidos. Se achar que não
bateu no teto e pode ganhar elei-
ções, provocará ainda mais caos.
Mas, diz um socialista, “tudo de-
pende do que for o Governo e de
como forem os seis meses”. Aí
pode mudar, mais ainda se o PSD
colocar no Orçamento medidas
que o Chega não pode recusar,
como o subsídio dos polícias.
Se o momento-chave é o Or-
çamento, no pior dos cenários,
o documento chumba e a bola
passa para Marcelo. Se na AD
acenam com eleições anteci-
padas, no PS acreditam que
esse não é um cenário líquido:
“Podemos ficar dois anos sem
Orçamento, com o PSD a go-
vernar em duodécimos.” Seria
o mal menor para o Presidente
que não quer sair com a terceira
dissolução?
J.D.C. e Liliana Valente
lvalente@expresso.impresa.pt
8 PRIMEIRO CADERNO
XXIV GOVERNO
OS MINISTROS UM A UM
Miguel Pinto Luz
Ministro das Infraestruturas
e da Habitação
47 anos Engenheiro
Habitação
Tem uma longa história no
partido, que já envolveu uma
disputa interna contra o líder
que agora apoia. Em 2020,
aliás, candidatando-se contra
Rui Rio e Luís Montenegro,
punha-os no mesmo bloco de
políticos “do passado” e dos
“discursos bacocos”. Miguel
Pinto Luz, o novo ministro das
Infraestruturas e da Habitação,
foi citadíssimo por essa
entrevista ao Expresso, em que
defendia alianças com o Chega
e dizia que as linhas vermelhas
podiam ser “um passo em
falso” que “no futuro pode sair
Saúde volta a ter uma
ministra que não é médica
Ana Paula Martins foi
a primeira nomeação de
Fernando Araújo. Agora
vai decidir o futuro da
Direção Executiva do SNS
A 1 de fevereiro de 2023 Ana
Paula Martins assumiu a dire-
ção do Conselho de Adminis-
tração do Centro Hospitalar
Universitário de Lisboa Norte,
onde se incluem os Hospitais
de Santa Maria e Pulido Valen-
te. Tomava assim posse aquela
que foi a primeira pessoa no-
meada por Fernando Araújo,
enquanto diretor-executivo
do SNS, para liderar um dos
maiores centros hospitalares
do país.
Ana Paula Martins, farma-
cêutica, ex-bastonária da Or-
dem dos Farmacêuticos, vinha
da Gilead Sciences, onde era
diretora para os Assuntos Go-
vernamentais. A escolha sur-
preendeu: não tinha qualquer
experiência em gestão hospi-
talar e era militante do PSD
(foi vice-presidente de Rui Rio).
No final do ano decide aban-
donar o cargo. Os meses ante-
riores tinham sido marcados
pelo protesto da equipa de
ginecologia e obstetrícia do
Santa Maria e pelo caso das
gémeas luso-brasileiras, que
ocorreu durante o mandato do
antecessor, Daniel Ferro.
caro” ao PSD. Entretanto,
muito mudou. Pinto Luz foi
chamado por Montenegro
para fazer parte da direção e já
repetiu ter mudado de posição
em relação ao partido de
André Ventura. Na atual
direção social-democrata,
tinha informalmente a pasta
dos Transportes e
Infraestruturas, chegando
agora a ministro, sem surpresa
nas mesmas áreas e juntando a
pasta da habitação. Com a
diferença de que agora terá
mesmo nas mãos temas
quentes como a TAP, o futuro
aeroporto, o TGV, os
investimentos na ferrovia e a
habitação. Foi eleito por Faro,
embora para isso tenha
suspendido o cargo de
vice-presidente de uma
autarquia a mais de 300 km do
Algarve: Cascais, onde estava
na calha para suceder a Carlos
Carreiras. Agora suspende
também o lugar no
Parlamento, para ser ministro
de uma área cuja Secretaria de
Estado ocupou por um mês
— foi o Governo de Passos
Coelho, em 2015, cujo
Só que os motivos eram ou-
tros. Numa entrevista ao “Pú-
blico”, em janeiro, Ana Paula
Martins assumiu ter saído por
divergências com Fernando
Araújo e com o modelo de Uni-
dades Locais de Saúde (ULS)
entretanto posto em marcha.
“Eu não discordo da aproxima-
ção entre os cuidados hospita-
lares e os cuidados primários.
Esse é o caminho, processos
assistenciais integrados com
contrato-programa e incenti-
vos para essa articulação. Não
discordo do modelo de ULS,
discordo do modelo ULS para
um hospital universitário”,
afirmou. Explicou porquê: um
hospital universitário “não
pode e não deve ser financiado
por capitação [valor de referên-
cia por cada utente]”, porque
“sem um financiamento sig-
nificativo para a diferenciação
e sem um programa de finan-
ciamento para medicamentos
inovadores para oncologia e
doenças raras este hospital
[falava do Santa Maria] não so-
brevive financeiramente”.
Sobre a relação com Fernan-
do Araújo, disse: “Nunca tive da
parte da DE-SNS falta de apoio
para nada do que pretendemos
Ana Paula Martins
Ministério da Saúde
58 anos Farmacêutica
programa foi chumbado pela
esquerda que formaria uma
“geringonça” a quatro anos.
Licenciado em Engenharia
Eletrotécnica e de
Computadores, no Instituto
Superior Técnico de Lisboa, fez
lá mestrado e uma parte da
carreira de investigador. Pelo
meio, em 2005, quando chegou
pela primeira vez à Câmara de
Cascais, foi administrador de
várias empresas e organizações
da vila, caso da Fundação Paula
Rego. Na pasta das
Infraestruturas esperam-no
dossiês quentes: a decisão
sobre o novo aeroporto de
Lisboa, que em dezembro Luís
Montenegro se comprometeu
a tomar “nos primeiros dias”
do seu Governo; a venda da
TAP, que o PSD defende, tal
como defendeu e concretizou
em 2015; e as muitas obras na
ferrovia em curso, mas
também o avanço da linha de
alta velocidade entre Lisboa e
no Porto. E depois há o bicudo
caso da falta de habitação a
preços acessíveis.
João Diogo Correia
e Pedro Lima
fazer. Trabalhámos muito em
conjunto.”
A agora ministra, nascida
em Bissau em 1965, vai lide-
rar um dos ministérios mais
complexos. Herda um SNS com
problemas de recursos huma-
nos, nomeadamente na área
da medicina geral e familiar, e
terá pela frente uma árdua ne-
gociação com os médicos, que
querem continuar a discutir
aumentos salariais.
A mulher que entrou no SNS
pela mão de Fernando Araújo
tem agora que decidir o futu-
ro do diretor-executivo e das
reformas que mal arrancaram
— a criação das ULS e o fim
das Administrações Regionais
de Saúde, as baixas de curta
duração, a reorganização das
urgências hospitalares, a uni-
versalização das USF modelo
B e o arranque da dedicação
plena.
Em dezembro, quando ques-
tionada sobre um futuro como
ministra, foi assertiva: “Nun-
ca aceitarei nada que não me
sinta capaz de defender in-
transigentemente e em que
eu assuma completamente a
responsabilidade daquilo que
me for entregue.” O desafio
foi aceite.
Joana Ascensão
e Rita Ferreira
jascensao@expresso.impresa.pt
Pedro Reis
Ministro da Economia
56 anos Gestor
Economia
Foi presidente da AICEP nos
anos da troika, integrou a
equipa de quatro
coordenadores do programa
económico da Aliança
Democrática e acredita que
um cenário macroeconómico
que prevê um crescimento da
economia de 3,5% até 2028 “é
realista”. Pedro Reis é
licenciado em Gestão e
Administração de Empresas
pela Universidade Católica e
presidente do Conselho
Consultivo da Diáspora
Portuguesa.
Margarida Cardoso
Experiência e conciliação
para gerir fundos
Castro Almeida tem
o conhecimento sobre
fundos europeus que
lhe permite começar
a trabalhar rapidamente
Manuel Castro Almeida, 66
anos, é o novo ministro-ad-
junto e da Coesão Social, um
regresso a um sector que co-
nhece bem e que já tutelou, o
que mostra como o novo Go-
verno não quer perder tem-
po, pelo que escolhe um dos
nomes laranjas que terá mais
capacidade para entrar na pas-
ta e começar logo a trabalhar.
Além disso, tem muita experi-
ência política e capacidade de
conciliação que Montenegro
quererá rentabilizar ao dar-lhe
o lugar de adjunto, o que impli-
ca que trabalhará diretamente
com o primeiro-ministro.
Antigo secretário de Estado
do Governo liderado por Pedro
Passos Coelho e antigo presi-
dente da Câmara de São João
da Madeira (entre 2001 e 2012)
— tendo chegado a derrotar Pe-
dro Nuno Santos nas autárqui-
cas de 2009 — regressa a uma
pasta que domina. Ainda não se
sabe se acumulará a gestão po-
lítica dos fundos europeus com
a aplicação no terreno desses
mesmo fundos — duas funções
apartadas na orgânica do Go-
verno anterior, entre a ministra
da Presidência Mariana Vieira
Rosário Palma Ramalho
Ministra do Trabalho
63 anos Professora
universitária
Trabalho
Maria do Rosário Palma
Ramalho, a futura ocupante da
Praça de Londres, tem uma
carreira sólida e respeitada
numa das áreas que vai tutelar,
o trabalho, e, não lhe sendo
conhecidas filiações partidárias,
já colaborou no passado com o
Governo PSD/CDS. A nova
ministra é professora
catedrática da Faculdade de
Direito da Universidade de
Lisboa, onde coordena
precisamente as disciplinas de
Direito do Trabalho e Teoria
Geral do Direito Civil, e, a
lustrar o currículo, está o facto
da Silva e a ministra da Coesão
Social Ana Abrunhosa.
A confirmar-se a acumula-
ção, terá o grande desafio de
assegurar a execução atempa-
da do dinheiro da “bazuca” eu-
ropeia, o Plano de Recuperação
e Resiliência (PRR), e dos qua-
dros de financiamento comuni-
tário Portugal 2020 e Portugal
2030. Tem-se mostrado crítico
relativamente a várias opções
políticas do anterior Governo:
em 2021, admoestou o Execu-
tivo da altura por não aplicar a
linha de financiamento dispo-
nibilizada no âmbito do PRR
na recapitalização do tecido
empresarial português.
No final de 2021, em entrevis-
ta ao Expresso, Castro Almeida
dizia que o Portugal 2030 deve-
ria “ser uma oportunidade para
corrigir a falha de recursos que
o PRR dedicou ao crescimento
económico. Se os fundos eu-
ropeus forem assumidos com
o objetivo de fazer crescer o
país (em vez de servirem para
melhorar o saldo orçamental)
então a grande prioridade deve
ser o investimento na inova-
ção, na internacionalização da
nossa economia e nos apoios à
criação de emprego. Três áre-
Manuel Castro Almeida
Ministro-adjunto
e da Coesão Territorial
66 anos Advogado
Expresso, 29 de março de 2024
de ter sido a terceira pessoa no
país a tirar o doutoramento em
Direito do Trabalho, uma área
praticamente inexistente antes
do 25 de Abril de 1974. Preside,
desde 2013, à Associação
Portuguesa de Direito do
Trabalho, cargo que acumula
com a vice-presidência da
Sociedade Internacional de
Direito do Trabalho e
Segurança Social, desde 2021.
Em 2013, precisamente durante
o Governo de Pedro Passos
Coelho, coordenou a equipa
que ajudou a elaborar a Lei
Geral do Trabalho em Funções
Públicas. Em 2019, numa
conversa com Expresso, falava
nos desafios que a economia
digital coloca ao Direito do
Trabalho. Defendendo que a
legislação, tal como estava
desenhada, falhava uma
adequação aos modelos de
trabalho do futuro, Maria do
Rosário Palma Ramalho
criticava as alterações
introduzidas nessa altura à lei
laboral, referindo que o diploma
já nascia desatualizado.
Cátia Mateus
e Elisabete Miranda
as fundamentais que passam
pela vida das empresas”, com
várias críticas à burocracia e
aos atrasos nas candidaturas e
pagamentos.
Vice-presidente do PSD na
direção de Rui Rio, bateu com
estrondo a porta meses antes
das legislativas de 2019 em de-
sacordo com o líder do parti-
do. Enquanto esteve na direção
tentou ser um conciliador, mas
percebeu que não havia como
conciliar Rui Rio. A sua filia-
ção nos ‘ismos’ dos PSD é com
o mendismo (Marques Men-
des) que agora, de certa forma,
representará no Executivo de
Montenegro. Fez recentemen-
te parte do grupo de trabalho
criado pelo PSD para preparar
o dossiê das infraestruturas,
lado a lado com “pesos pesa-
dos” sociais-democratas como
a antiga ministra das Finanças
Maria Luís Albuquerque e o
novo ministro das Infraestru-
turas, Miguel Pinto Luz.
Ficar com a pasta dos fundos
é uma tarefa de alta pressão, vi-
giada de perto desde Belém. As
antecessoras de Manuel Cas-
tro Almeida foram várias vezes
alvo de remoques do Presiden-
te da República, Marcelo Rebe-
lo de Sousa, pressionando-as a
uma mais rápida execução dos
fundos.
Pedro Carreira Garcia
pcgarcia@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de março de 2024
Maria da Graça Carvalho
Ambiente e Energia
68 anos Engenheira
Ambiente
Maria da Graça Carvalho é a
nova ministra do Ambiente e
Energia. A até aqui
eurodeputada do PSD integrou
várias comissões do
Parlamento Europeu, entre as
quais a da Investigação e
Energia e a das Pescas.
Alinhada com o Partido Popular
Europeu, chumbou a primeira
versão da Lei de Restauro da
Natureza. Foi relatora do
regulamento europeu contra a
manipulação dos mercados de
energia. Será um regresso a
funções ministeriais depois de
há duas décadas ter integrado
Centeno de Rio, ‘afilhado’
de Cavaco, enfim, ministro
Rio chegou a desejar
tê-lo como ministro das
Finanças, mas é com
Montenegro que chega ao
cargo. Cavaco é referência
Foi Rui Rio que o celebrizou, mas
seria Luís Montenegro a dar-lhe
o palco e a fazê-lo chegar a uma
das pastas mais relevantes do
Governo. Joaquim Miranda Sar-
mento, o Centeno que Rui Rio
em tempos gostaria de ter tido
oportunidade de nomear para
as Finanças, é o novo zelador dos
cofres públicos. A formação em
Finanças Públicas e Fiscalidade
dão-lhe pergaminhos técnicos
para o cargo, mas o contexto
de incerteza política, de desa-
celeração do crescimento e de
aumento da contestação social
poderão revelar-se especialmen-
te espinhosos para quem chegou
ao Parlamento apenas há dois
anos e tem pouco peso político.
Com 46 anos e um doutora-
mento em Finanças, Miranda
Sarmento regressa à sua casa
de partida. Foi nas finanças, na
então Direção-Geral de Contri-
buições e Impostos que come-
çou a carreira, e foi por lá que
continuou quanto saltou para
a Direção-Geral do Orçamento.
Seguiria para a Unidade Técnica
de Apoio Orçamental, e dali para
o Palácio de Belém, pela mão de
Nunes Liberato. Cavaco Silva
tem marcado presença no lança-
o Governo de Durão Barroso,
como ministra da Ciência e
Ensino Superior. Também foi
conselheira de Barroso
enquanto presidente da
Comissão Europeia e, mais
tarde, do comissário para a
Investigação, Ciência e
Inovação, Carlos Moedas. Entre
os dossiês que a nova ministra
tem de resolver até ao verão
estão a operacionalização da
Lei do Clima e a revisão do
Plano Nacional de Energia e
Clima (PNEC). O Governo
cessante deixou na pasta de
transição uma proposta de
revisão da Lei da Água, que terá
de ir a votos no Parlamento e
que é considerada “crucial”
para robustecer as medidas
adotadas para gerir situações
de seca. Na energia, o leilão
eólico offshore, a estratégia
para o armazenamento, o
regime dos consumidores
eletrointensivos e o futuro da
central a gás da Tapada do
Outeiro também serão
assuntos que Maria da
Graça Carvalho terá
de gerir no curto prazo.
Carla Tomás e Miguel Prado
mento de alguns dos seus livros,
e será ao seu apadrinhamento
que se deve a sobrevivência de
Miranda Sarmento a dois líderes
do PSD. Em 2019 ajudou Rui
Rio no cenário macroeconómico
mas, apesar de remontar a essa
altura o epíteto de “Centeno do
PSD”, só em 2022 chegaria a de-
putado. Montenegro manteve-o
na fila da frente, e confirmou-lhe
o papel de líder da bancada par-
lamentar, o que levou António
Costa a descrevê-lo como “o elo
de ligação entre a liderança do
doutor Rui Rio e aquilo que é o
passismo puro e duro”.
Agora, assume uma das pas-
tas mais relevantes de qualquer
Governo. Falta saber se, a par do
estatuto de ministro de Estado,
Montenegro lhe assegurará a
autoridade necessária para o
papel.
Miranda Sarmento chegou a
defender a cobrança de um mí-
nimo de 40% de IRS a todas as
famílias, ou uma coletiva mínima
para empresas que não pagam
IRC. Manifestou-se contra o re-
gresso às 35 horas no Estado, a
favor da privatização da Caixa
Geral de Depósitos, e chegou
a opor-se a uma subida susten-
tada do salário mínimo (SMN).
Joaquim Miranda Sarmento
Ministro de Estado
e das Finanças
46 anos Professor universitário
Margarida Balseiro Lopes
Ministra da Juventude
e da Modernização
34 anos Jurista
Juventude
É a ministra mais nova do
Governo de Montenegro e mais
um dos membros do núcleo
duro, acumulando com o cargo
de vice-presidente do PSD. A
social-democrata foi presidente
da JSD (2018 a 2020) e deputada
nos primeiros sete anos de
Costa. Fica com uma pasta que
sobe a ministério, num sinal
político de que a juventude
ficará com alguém do núcleo de
confiança do primeiro-ministro.
Fica com a modernização,
sobretudo o que tem a ver com
transição digital.
Liliana Valente
Entretanto, o PSD reconciliou-se
com o SMN, que promete subir,
e tudo o resto está fora do seu
programa eleitoral. As ideias
do economista e conselheiro do
PSD deverão, assim, ficar de fora
do programa que o ministro tem
para executar.
Quando chegar ao Terreiro
do Paço, um dos seus primeiros
desafios será o de inteirar-se da
situação orçamental, até para
entregar o Programa de Esta-
bilidade em Bruxelas. O novo
Governo herda um excedente
e uma dívida pública historica-
mente baixas, mas não é ainda
clara a margem que terá para
acomodar as promessas eleito-
rais, até porque neste momento
a receita está a cair e a despesa
a subir. A médio prazo, terá de
assegurar o aumento do inves-
timento público e preparar a
transição para o pós-PRR em
2026, privatizar a TAP a 100%
e assegurar o financiamento de
grandes obras públicas como o
novo aeroporto.
A lista de tarefas é longa e exi-
gente, o tempo para executá-las
incerto, mas o autor das “Cróni-
cas de um País Estagnado” tem
agora oportunidade de mostrar
que, além de fazer cenários ma-
croeconómicos, também tem
capacidade de executá-los.
Diogo Cavaleiro
e Elisabete Miranda
dcavaleiro@expresso.impresa.pt
José Manuel Fernandes
Ministro da Agricultura e Pescas
56 anos Engenheiro
informático
Agricultura
Vem do Parlamento Europeu
para o Governo de Montenegro
num período conturbado do
mundo agrícola, com sucessivos
protestos por melhores
condições para quem trabalha
no sector. O antigo presidente
da Câmara Municipal de Vila
Verde é apontado como um
“grande conhecedor da Política
Agrícola Comum” e um dos
eurodeputados “mais
produtivos” da bancada
social-democrata. Mas não é
visto como um homem do
terreno.
M.C. e Vítor Andrade
Surpresa na Educação
e Superior ‘despromovido’
Economista Fernando
Alexandre assume o
Ministério da Educação
e Ciência. Ensino Superior
perde autonomia
O nome só foi conhecido após
a divulgação oficial da com-
posição do Governo e muito
provavelmente não integrava
qualquer das listas de minis-
teriáveis que iam circulando.
Fernando Alexandre é espe-
cialista em macroeconomia e
era até agora vice-presidente
do Conselho Económico e So-
cial e da Escola de Economia
e Gestão da Universidade do
Minho (UM), onde chegou a
ser pró-reitor. Autor de oito
livros de economia, colaborou
como consultor da Fundação
Francisco Manuel dos Santos,
do Tribunal de Contas e da
Microsoft Portugal. Funções
governativas exerceu apenas
uma vez, entre 2013 e 2015,
altura em que foi secretário de
Estado Adjunto da Adminis-
tração Interna no Governo de
Passos Coelho.
Quando foi distinguido com
o Prémio de Mérito Científico
da UM, revelou os planos que
tinha para o futuro: “Gosto de
estudar. Vou estudar um pouco
mais e depois vou fazer aquilo
que eu quero fazer, que é ser
gestor e ir trabalhar para as
Dalila Rodrigues
Ministra da Cultura
63 anos Historiadora da arte
Cultura
Dalila Rodrigues, até agora
diretora do Mosteiro dos
Jerónimos e da Torre de Belém,
é a escolha para a pasta da
Cultura do novo Executivo
liderado por Luís Montenegro.
Doutorada em História de Arte
pela Universidade de Coimbra,
ao longo da sua carreira teve
vários cargos de
responsabilidade na área dos
museus, tendo sido diretora do
Museu Grão Vasco, em Viseu,
do Museu Nacional de Arte
Antiga (MNAA), em Lisboa, e
da Casa das Histórias Paula
Rego, em Cascais — onde fez
empresas.” O convite para in-
tegrar o Governo da AD tro-
cou-lhe as voltas e vai agora
assumir a pasta da Educação,
que considera como “a grande
esperança para ter cidadãos
mais informados, mais exigen-
tes, mais criativos, mais resi-
lientes e com maior capacidade
de criação de riqueza”.
À frente do Ministério da
Educação, Ciência e Inovação,
Fernando Alexandre terá como
grande desafio a gestão do dos-
siê dos professores. No imedia-
to com a devolução do tempo
de serviço congelado que os
Governos de António Costa não
quiseram contar, mas que foi
assumida como uma das ban-
deiras do programa eleitoral.
Os seis anos e seis meses de
tempo de serviço deverão ser
recuperados a um ritmo de
20% ao ano. Mas há também
um problema de insuficiência
de professores para gerir, que
nos anos mais recentes já fez
com que dezenas de milhares
de alunos fiquem sem aulas du-
rante meses.
Em relação à avaliação, a
equipa de Fernando Alexandre
também terá de decidir se avan-
Fernando Alexandre
Ministério da Educação,
Ciência e Inovação
52 anos Economista
PRIMEIRO CADERNO 9
parte do Conselho de
Instalação. Integrou o conselho
de administração do Centro
Cultural de Belém (CCB) como
vogal, tendo sob a sua alçada a
Fundação de Arte Moderna e
Contemporânea — Coleção
Berardo. A sua carreira
desenrolou-se também no
campo académico, como
investigadora do Centro de
Estudos de Arqueologia, Artes
e Ciências do Património e
formadora da Fundação
Calouste Gulbenkian em
Património Artístico e
Museologia. Exerceu também
a docência na Escola Superior
de Educação do Instituto
Politécnico de Viseu. Com um
longo currículo, nem sempre
as suas posições foram
consensuais. Em 2007, foi
afastada do MNAA por
discordar publicamente do
modelo de gestão do museu. E
em 2009, um mês após a
abertura da Casa das Histórias
de Paula Rego, foi-lhe retirada
a direção por falta de consenso
sobre o seu nome no conselho
de administração.
Luciana Leiderfarb
ça com os exames digitais do 9º
ano este ano letivo e se mantém
as provas de aferição no 2º, 5º
e 8º anos.
Além do ensino básico e se-
cundário, terá ainda a pasta do
Ensino Superior, que foi des-
promovido, deixando de ser
ministério. Foi em 2002 que
pela primeira vez a política de
Ensino Superior teve um mi-
nistério próprio, com Pedro
Lynce. E assim se manteve nos
Governos até 2011, quando vol-
tou a secretaria de Estado, com
Passos Coelho. Regressou em
2015 com o PS no Governo.
“A história repete se. A direita
desvaloriza a ciência e tecno-
logia e o ensino superior, des-
promovendo essas áreas, que
perdem o estatuto de ministé-
rio. No atual contexto nacional
e internacional parece ser uma
má opção política. Sobretudo
para fazer face, por um lado,
aos problemas que emergem e,
por outro, aos desafios e opor-
tunidades crescentes do de-
senvolvimento científico e da
inovação no contexto europeu.
Quem sofre são os mais jovens
e as futuras gerações”, comen-
ta Manuel Heitor, ministro da
Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior entre 2015 e 2022.
Isabel Leiria
e Joana Pereira Bastos
ileiria@expresso.impresa.pt
10 PRIMEIRO CADERNO
TRANSIÇÃO
PRR força novos acordos ao centro
Mais de uma dezena de leis prometidas a Bruxelas valem €15 mil milhões. PS disponível para as viabilizar
David Dinis
e Liliana Valente
Pedro Nuno Santos prometeu
viabilizar o programa de Go-
verno, já se disponibilizou para
um retificativo que concretize
as negociações de várias carrei-
ras da Administração Pública e
fechou com Luís Montenegro
um acordo inédito, esta semana,
para repartir pelos dois parti-
dos a presidência da Assembleia
da República — desbloqueando
assim um impasse institucio-
nal provocado pelo Chega (ver
pág. 13). Esta quarta-feira, aos
deputados do PS e também aos
jornalistas o secretário-geral do
PS quis vincar o aviso, para “que
não haja ilusões sobre o futuro
da política em Portugal: o PS não
será o suporte de um Governo da
AD e é bom que isso fique claro
para todos”. Só que, confirmou o
Expresso, há um imenso pacote
de legislação que promete forçar
António Costa à saída da conferência de imprensa em que fez o balanço de oito anos de governação FOTO JOSÉ FERNANDES
Costa deixa
caminho aberto
Luís Montenegro
herda um excedente
orçamental, mas também
problemas da Função
Pública para resolver
Há uma coisa que é certa para
qualquer primeiro-ministro: o
seu posto de trabalho não será
extinto por falta de problemas
a resolver, disse António Costa
na conferência de imprensa de
despedida. A Luís Montenegro
também não faltará o que fazer,
a começar pelas reivindicações
de vários grupos de profissio-
nais da Administração Pública.
Ao fim de oito anos, Costa
não quer pensar em “marcas”,
mas quis colar a si o epíteto
do gestor de “quatro crises”
mais de uma dezena de acordos
entre PS e o novo Governo AD:
as leis que António Costa pro-
meteu a Bruxelas para, em troca,
obter financiamento para o PRR.
Quando Costa assinou com
Von der Leyen, presidente da
Comissão, o plano operacional
do PRR, os compromissos as-
sumidos pelo Governo tinham
campo aberto para serem im-
plementados: Costa estava em
campanha eleitoral e iria dispor
de uma maioria absoluta com a
qual podia, ainda que sozinho,
fazer passar no Parlamento até
as leis mais polémicas com que
se tinha comprometido. Uma de-
Avaliação da AP,
prestação social
única e revisão dos
benefícios fiscais são
reformas sensíveis
na política corrente e propul-
sionador de “sete mudanças
estruturais”. No balanço feito
pelo primeiro-ministro ces-
sante, que acaba o mandato
na terça-feira, deixa as “contas
certas”, que incluem o cresci-
mento “dez vezes superior”
aos 15 anos anteriores, o maior
excedente da democracia
(1,2% a que corresponde mais
de €3,2 mil milhões) e o indi-
cador de que mais se orgulha:
o aumento das qualificações,
que produziram a taxa de de-
semprego em mínimos, a taxa
de emprego em máximos e o
aumento das receitas da Segu-
rança Social.
O caderno de feitos que dei-
xa para o senhor que se segue
las passou assim, há pouco mais
de meio ano: a reforma que for-
çou várias ordens profissionais a
aceitar rever as regras de aces-
so às profissões, ainda que sob
protesto de muitas e com vetos
do Presidente pelo meio, que,
aliás, adiaram a entrega de €800
milhões quando foram processa-
dos os pagamentos da terceira e
quarta tranches.
Agora, com uma crise política
pelo meio e um Parlamento divi-
dido, as contas são mais difíceis
de fazer. O Governo mudou de
cor e Luís Montenegro fez cam-
panha avisando de que gostaria
de rever algumas partes do plano
que não teve o seu acordo, mas,
ao mesmo tempo, prometendo
acelerar a sua execução, para
receber os cheques. Mas o PSD
tem uma maioria curta, como
ficou claro esta semana. Sem um
apoio firme do Chega e com as
muitas críticas que André Ven-
tura tem feito ao PRR, precisará
do apoio do PS para aprovar no
foi uma “prestação de contas”,
argumentou, vista como “pro-
paganda” por muitos no PSD.
Foi também uma forma de
deixar escrito na pedra que o
capital político não se esgota
com o fim do seu terceiro Go-
verno. A São Bento não voltará
enquanto primeiro-ministro,
mas o caminho para um outro
cargo fica em aberto, ainda que
dependendo do seu processo
judicial. “Do ponto de vista éti-
co e institucional, entendo que
quem está numa situação de
suspeição pública não pode,
obviamente, manter-se nas
funções que exerci”, respon-
deu, falando para passado e
não para futuro.
O excedente
como herança
Nas palavras de Costa, no ins-
titucionalismo com que quer
que sejam lidas está também
um acerto de contas com o
passado. Primeiro, com Luís
Montenegro em Bruxelas, quis
Parlamento mais de uma dezena
de leis que foram prometidas à
Comissão Europeia. A pressão
será enorme e virá de autarcas,
empresários, até da equipa que
está a fiscalizar a execução do
PRR: é que há ainda €15.225.211
milhões por receber, respeitan-
tes a seis tranches que se pro-
longam até 2026, confirmou o
Expresso.
PS disponível, mas…
Os socialistas limitam-se a di-
zer, por agora, que vão “avaliar”
todas as medidas que forem
para o Parlamento, mas com
vários membros do Executivo
de Costa na bancada parlamen-
tar, incluindo Mariana Vieira da
Silva, que tutelou o PRR, e tendo
o próprio Pedro Nuno Santos
integrado o Governo ao tempo
da negociação do PRR, no PS
admite-se que dificilmente po-
derão votar contra as medidas
que desenharam no Governo —
deixar claro que tinha ido sos-
segar as instituições europeias
com uma mensagem de estabi-
lidade e tranquilidade, como
não tinham feito consigo quan-
do assumiu o cargo de primei-
ro-ministro em 2015; depois,
na despedida, salientou que
quando se iniciou em funções
estava preocupado com o défi-
ce e não com o excedente.
Essa é a sua herança nas
contas que mais impacto terá
na governação de Montenegro
no curto prazo. Com algumas
vozes no PSD a acusarem a
“pressão” ao dizerem que o ex-
cedente serve para o PS criar a
ideia de que “há dinheiro para
tudo”, Costa quis responder
Caminho de Costa
para outro cargo fica
em aberto, ainda que
dependendo do seu
processo judicial
sobretudo quando passem pelo
Parlamento e possam colocar
em causa o PRR.
Nem todas as leis inscritas no
plano terão de passar pela AR,
caso das que têm a ver com reor-
ganização do Serviço Nacional
de Saúde (SNS), por exemplo.
Mas, mesmo que sejam feitas por
decreto, podem ser chamados à
apreciação da AR por apenas 10
deputados e alguns dos casos
que têm de passar pelo Parla-
mento prometem ser sensíveis.
Será o caso da revisão dos be-
nefícios fiscais existentes, para
determinar quais vão acabar
(processo a ser lançado já, mas
Montenegro
queria rever PRR,
mas será difícil
não comprometer
pagamentos
que a herança financeira que
deixa é também política ao per-
mitir “liberdade” de escolha.
“Preferia começar a governar
não tendo esta preocupação
de saber onde vou buscar di-
nheiro, mas ter esse problema,
de termos uma situação mais
estável” e de pensar onde se
pode “investir mais".
O investimento é outra das
heranças, muito dele em obras
inscritas no Plano de Recupe-
ração e Resiliência. Num resu-
mo de pasta de transição com
as obras em andamento, Costa
fez questão de deixar escrito
que muito do que Montenegro
vai inaugurar fica pronto pelo
seu Executivo — ao contrário
do que tinha quando chegou,
foram salientando alguns so-
cialistas. É o caso dos hospi-
tais — Alentejo e Sintra à beira
de serem inaugurados —, mas
também na ferrovia, habita-
ção pública (32 mil casas em
construção ou em concurso)
e residências estudantis (40
prontas até ao fim do ano).
Expresso, 29 de março de 2024
com fim previsto em 2026). Ou
ainda a criação de uma presta-
ção social única, que pode mu-
dar, por exemplo, as condições
de acesso ou também os valores
e que já tem um grupo de tra-
balho nomeado pelo PS para a
começar a estudar. Nestes dois
últimos cenários, o trabalho de
bastidores ainda vai demorar,
deixando as linhas precisas das
reformas mais em aberto para
Montenegro. Mais urgente é o
novo regime de avaliação dos
funcionários públicos, que pro-
mete sempre tensão com os
sindicatos e pode implicar mais
despesa orçamental (que terá de
entrar em vigor ainda este ano).
Há reformas a que Monte-
negro vai ter de dar prioridade
máxima, porque os cheques de
Bruxelas chegam por semes-
tres. Uma delas é a da revisão
da legislação sobre o mercado
de capitais, que tem de ir ao
Parlamento. A outra, que per-
mitirá desbloquear uma parte
relevante da quinta tranche
do PRR, é a reforma orgânica
da Administração Pública. Na
declaração que António Costa
fez na segunda-feira, depois do
Conselho de Ministros especial
com o Presidente da República,
o ainda primeiro-ministro jus-
tificou os atrasos no PRR por
ter estado em gestão e não que-
rer comprometer a orgânica do
novo Governo. Esta implicará
a fusão de vários organismos
de apoio aos ministérios, como
os gabinetes de planeamento e
jurídicos, assim como as secre-
tarias-gerais, limitando o núme-
ro de dirigentes e pretendendo
aumentar e eficácia da gestão
política. Montenegro ainda não
se pronunciou, mas é certo que
recebeu esse dossiê na passagem
de pasta do próprio Costa, esta
quarta-feira ao fim da tarde.
Mais difícil será a hipótese de
renegociar com Bruxelas o PRR
que está em curso. Uma fonte
ouvida pelo Expresso — que tem
estado por dentro de todos os
passos do Plano — afirma que
a margem é “reduzida”. “Hou-
ve uma renegociação a meio
de 2023 e não está, para já, ne-
nhuma nova renegociação no
horizonte. No futuro, talvez se
possa abrir um processo desse
tipo com todos os países”, ad-
mite em teoria a mesma fonte,
mas sempre avisando o novo
primeiro-ministro de que será
fundamental “a concretização
dos marcos acordados”.
ddinis@expresso.impresa.pt
Outro dos pontos focados
por socialistas é o facto de o
Governo do PS ter deixado a
dívida abaixo dos 100% e ain-
da as empresas públicas como
a TAP (€177 milhões) e a CP
a darem lucro. “Espero que
não venham dizer que foi em
excesso”, ironizou Costa. As
duas empresas que estavam na
tutela de Pedro Nuno Santos,
lembram não sem ironia.
Costa diz que não quer condi-
cionar Montenegro — recebeu
o primeiro-ministro indigitado
em São Bento na quarta-feira,
prometeu “total colaboração
neste período de transição” e
desejou-lhe “as maiores felici-
dades pessoais e políticas” —,
mas deixa uma pressão com
muito significado político ou
não tivesse sido a receção da
Comissão Técnica Independen-
te que analisou as localizações
para o aeroporto um dos seus
últimos atos no cargo: o Gover-
no da AD pode resolver “a qual-
quer instante” a localização do
novo aeroporto. L.V.
Expresso, 29 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 11
12 PRIMEIRO CADERNO
PARLAMENTO
Propostas À margem da confusão para eleição do presidente da
Assembleia da República, os partidos tentaram manter alguma normalidade
Prioridade à
Função Pública
PAN
1
(=)
PS
78
(-42)
LIVRE
4 8
(+3)
PCP
4 2
(-2)
BE
5 TERESA MORAIS (PSD)
(=)
Texto Margarida Coutinho
Fotos Ana Baião
O
Infografia Sofia Miguel Rosa
arranque das sessões
legislativas costuma
ser acompanhado
por iniciativas legis-
lativas de cada um
dos partidos. Desta
vez, o novo ciclo po-
lítico ficou marcado
por um impasse nas
eleições da mesa da Assembleia da
República (AR) que só ficou resolvido
com um entendimento entre o PSD e
o PS para uma presidência rotativa en-
tre os dois partidos, que arranca com
José Pedro Aguiar-Branco até 2026.
Antes dos resultados do primeiro dia
de votações, alguns partidos avança-
ram com o normal funcionamento do
dia e apresentaram as suas prioridades
legislativas para o novo ciclo político
— BE, PCP e IL foram os primeiros e
apenas o PSD e o PS ainda não apre-
sentaram uma iniciativa legislativa.
Estiveram centrados na tática.
CHEGA
Forças de segurança
primeiro
Nos primeiros dias da sessão legislati-
va, o Chega deu entrada a apenas uma
iniciativa: a atribuição do suplemento
de risco à PSP, GNR, Corpo da Guarda
Prisional, Polícia Marítima e militares
das Forças Armadas. Este foi um dos
focos do discurso de André Ventura
durante a campanha e era esperado
que esta fosse uma das prioridades do
partido no arranque do novo ciclo po-
lítico. Apesar de o PSD ainda não ter
dado entrada a nenhuma proposta,
à semelhança do PS, Luís Montene-
gro já defendeu a distribuição deste
XVI LEGISLATURA
230 DEPUTADOS
PRESIDENTE DO PARLAMENTO
JOSÉ PEDRO AGUIAR-BRANCO (PSD)
VICES-PRESIDENTES
MARCOS PERESTRELLO (PS)
DIOGO PACHECO DE AMORIM (CHEGA)
RODRIGO SARAIVA (IL)
LÍDERES DAS BANCADAS PARLAMENTARES
PSD HUGO SOARES
PS PEDRO DELGADO ALVES
CHEGA PEDRO PINTO
IL MARIANA LEITÃO
BE FABIAN FIGUEIREDO
PCP PAULA SANTOS
LIVRE ISABEL MENDES LOPES
suplemento pelas restantes forças de
segurança.
IL
Reverter programa
Mais Habitação
Os liberais foram quem já deu entrada
na AR a mais iniciativas legislativas —
acima de 20. À cabeça está a revogação
do programa Mais Habitação: entre as
prioridades estão travar a possibilidade
de arrendamento coercivo de imóveis
devolutos e a suspensão de novos títulos
de alojamento local. Esta já tinha sido
uma das promessas eleitorais de Rui
Rocha durante a campanha eleitoral.
Outra das bandeiras é “tomar as medi-
das necessárias” para atribuir um médi-
co de família para todos os portugueses
até 2028 e uma iniciativa que prevê
o regresso ao modelo de gestão em
parceria público-privada nos hospitais
de Braga, Loures e Vila Franca de Xira.
Apesar de não fazer parte do primeiro
rol de iniciativas apresentadas, Rui Ro-
cha defendeu durante a campanha a
criação de um círculo de compensação
nacional e o fim do dia de reflexão que
antecede o dia da ida às urnas.
BE
“Serviço à democracia”
sobre Global Media
À semelhança dos discursos de campa-
nha, as prioridades do BE nesta sessão
PSD
78
(+1)
IL
(=)
CDS-PP
(+2)
CHEGA
50
(+38)
legislativa passam por solucionar as
tensões sociais que ocuparam as ruas
nos últimos meses. De professores aos
polícias, dos profissionais de saúde aos
idosos, os bloquistas querem aumen-
tar os rendimentos. Por isso, o BE já
deu entrada na AR a propostas como a
reposição integral do tempo de serviço
dos professores, a equiparação do sub-
sídio de risco da PSP e GNR ao da PJ,
a criação de um regime de dedicação
exclusiva para os profissionais do SNS
com majoração da remuneração-base
em 40% ou o aumento do pagamento
do Complemento Solidário para Idosos
dos 12 para os 14 meses. A somar a isso,
o BE apresentou uma proposta para a
criação de uma comissão parlamentar
de inquérito à atuação da Global Media
Group. Na apresentação destas medi-
das, na passada terça-feira, Fabian Fi-
gueiredo destacou esta comissão como
um “serviço à democracia”.
PCP
Lista habitual
de reivindicações
Para começar a sessão legislativa, o
PCP voltou a apresentar propostas
que fazem parte da sua habitual lista
de reivindicações como o aumento do
salário mínimo para €1000 ainda este
REPOSIÇÃO DO TEMPO
AOS PROFESSORES
E ATRIBUIÇÃO DO
SUBSÍDIO ÀS FORÇAS
POLICIAIS UNEM
ESQUERDA E DIREITA
Aguiar-Branco agradece a eleição sob o olhar de Assis.
Hugo Soares e Pedro Nuno Santos num intervalo dos trabalhos
ano, o aumento em 7,5% das reformas
e pensões ou pôr os lucros da banca
a suportar o aumento das taxas de
juro do crédito à habitação. Contudo,
há outras propostas legislativas que
também fazem parte das prioridades
de outros partidos desde o BE ao PSD
— e que por isso devem ser aprovadas,
ainda que em configurações apresen-
tadas pela direita. São elas a reposição
do tempo de serviço dos professores e
a atribuição do subsídio de risco a “to-
das as forças e serviços de segurança”,
na formulação apresentada pelo PCP.
LIVRE
Excedente a
combater pobreza
Depois de Rui Tavares ter defendido
durante a campanha eleitoral que era
possível dialogar com a direita demo-
crática para assuntos mais amplos, o seu
partido apresentou a primeira proposta
com que espera que isso aconteça. Tra-
ta-se da criação de um círculo nacional
de compensação nas eleições para a AR
que permita diminuir o número de vo-
tos “desperdiçados” (votos válidos que
não são convertidos em mandatos) que
costumam prejudicar os partidos mais
pequenos. De forma pouco comum, esta
proposta acabou por unir as bancadas
da esquerda e da direita já que também
a IL avançou com um projeto de lei que
vai no mesmo sentido. O PAN é outro
Expresso, 29 de março de 2024
dos partidos que já apresentaram uma
proposta semelhante. A segunda aposta
do Livre assentou numa proposta para
alocar o “valor restante do excedente
orçamental disponível” para o “desen-
volvimento e promoção de políticas
públicas de combate e erradicação da
pobreza”. Para isso, o partido liderado
por Rui Tavares pede que sejam criadas
“soluções” para os “principais proble-
mas” que estão na origem da pobreza,
como a habitação, a educação, a forma-
ção profissional e o emprego.
PAN
Combate à violência
Inês Sousa Real apresentou um pacote
de medidas para o reforço da proteção
dos animais que inclui uma alteração
ao Código Penal para “assegurar que
a tutela penal aplicável se estende a
todos os animais” e não apenas aos
animais de companhia, tal como existe
hoje. Outra iniciativa é a criação de
gabinetes de atendimento à vítima
de violência doméstica nos Departa-
mentos de Investigação e Ação Penal
regionais de todas as comarcas do país.
Tal como o Livre e a IL, também o PAN
já propôs a criação de um círculo de
compensação para as eleições e altera-
ções aos círculos eleitorais de forma a
garantir uma “maior representação de
todos os distritos, incluindo do interior
e dos círculos da emigração”.
mcoutinho@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de março de 2024
Assis quis desistir, rotação
incomodou Aguiar-Branco
Montenegro ligou a Pedro
Nuno no plenário depois
de terceiro chumbo de
Aguiar-Branco. Solução
não agradou a todos no PS
O nome de Aguiar-Branco tinha
batido na trave pela terceira
vez, o impasse estava criado e
Luís Montenegro voltou a te-
lefonar a Pedro Nuno Santos
pelo telefone do plenário da As-
sembleia. “Amanhã às 9h30”,
acordaram os dois, com a mão
à frente da boca, para que nin-
guém lesse os lábios.
Pouco depois, passava das 11
da noite dessa terça-feira, já as
limpezas aconteciam, quando
Pedro Delgado Alves apareceu
sozinho, sentado no hemiciclo.
O sítio onde tudo tinha acon-
tecido horas antes era o mais
silencio so do Parlamento.
Apanhados de surpresa com o
chumbo, e depois de Francis-
co Assis ganhar duas votações
ao social-democrata, tanto PS
como PSD tinham de montar
estratégias para não perderem
a face. Foi numa das reuniões
no PS que apareceu o resultado
da reflexão de Delgado Alves:
a solução era uma presidência
rotativa, como se faz no Parla-
mento israelita.
A ideia não fez logo caminho,
nem no PS nem no PSD. Mas,
entre socialistas, era a única
que cumpria o requisito de ser
um acordo apenas “institucio-
nal e não programático” e que
respeitava a vontade de Assis,
que não queria ir de novo a vo-
tos. Foi afinada durante a noite.
A reunião que serviu para des-
bloquear o impasse não foi às
9h30 (Pedro Nuno chegou atra-
sado) e não durou mais de 15 mi-
nutos, em espaço neutro, na Sala
Lisboa, 3º piso do edifício novo
da AR. O secretismo era tal, de
forma a evitar que fossem foto-
grafados juntos, que os partidos
fizeram correr a ideia de que a
reunião era por videochamada.
O único plano que Montene-
gro levava na cabeça era insistir
em Aguiar-Branco, esperando
que o PS cedesse. Pedro Nuno
perguntou ao social-democra-
ta como pretendia resolver a
situação e recebeu só essa infor-
mação. E apresentou a ideia de
Delgado Alves, com uma rotati-
vidade todos os anos. O líder do
PSD achou insuficiente e con-
trapropôs com dois anos cada,
a começar por Aguiar-Branco,
e seguiram caminho para con-
sulta e decisão das respetivas
bancadas.
A narrativa social-demo-
crata tem sido essa: o partido
mais votado deve ficar com a
presidência da AR (o que nem
sempre aconteceu) e dividir as
vice-presidências com os outros
três mais votados. “Foi com sur-
presa que vimos os resultados
da tarde”, comenta fonte pró-
xima de Montenegro, que acre-
ditou no bom comportamento
de Ventura. A partir dessa sur-
presa, o PSD não podia perder
a face com uma cedência — de-
cidiu fazer meia.
Aguiar-Branco não terá gos-
tado e o argumento para o
convencer foi o de que assim
o PSD tem o que queria e que,
se entregar a presidência ao PS
em 2026, é por um bom motivo:
o Governo durou.
Solução à Israel foi
de Delgado Alves. PSD
fez contraproposta.
Ambos dizem que
saíram a ganhar
Do lado do PS a estratégia é
passar a ideia de que, no meio
do caos, foi o PS a resolver. Para
abdicar da candidatura que ia
na frente era preciso ter algum
ganho, nem que fosse reputa-
cional, mostrando “sentido ins-
titucional” e, ao mesmo tempo,
garantir que não havia acordo
programático: servia apenas
para que o Parlamento come-
çasse a funcionar. Além disso,
os socialistas acham que assim
ficou evidente que a esquerda se
entende, uma vez que em Assis
votaram todos os partidos da
esquerda com exceção de dois
deputados; e, por fim, o líder do
PS quis mostrar que tinha a ini-
ciativa política que Montenegro
não tinha ao ser ele a liderar a
resolução para o problema.
A vontade de Pedro Nuno era
insistir pelo menos mais uma
vez em Assis. Com as duas vitó-
rias para o socialista, a pressão
passava para o lado do PSD, mas
a sua vontade esbarrou na do
próprio: Assis quis acabar com o
impasse e não estava disponível
para constar do boletim de voto.
Na reunião da bancada do PS,
que aconteceu na quarta-feira
à hora de almoço, nem todas
as vozes se mostraram concor-
dantes com o que tinha ficado
acordado. E foi aí, quando Isabel
Moreira defendia a sua posição,
que o secretário-geral do PS a
interrompeu para explicar que
tinha de ser “claro” e que o PS
não insistia porque o candida-
to não estava disponível. Assis
confirmou, porque para si qua-
tro votações eram aceitáveis em
qualquer país, mas a partir daí
poderia começar a “ficar perigo-
so”. O perigo chama-se Chega e
este foi apenas o primeiro teste.
João Diogo Correia
e Liliana Valente
jdcorreia@expresso.impresa.pt
EXPRESSO.PT Rotatividade na presidência
não é inédita no Parlamento, mas já o é
entre o partido do Governo e a oposição
Análise
“Estamos a caminho do
precipício”, diz Ventura.
E se for verdade?
Líder do Chega
mostrou que não
está a fazer bluff.
As regras mudaram
As primeiras 48 horas de con-
fusão no novo Parlamento ser-
viram para André Ventura de-
monstrar a sua força — com uma
exibição de poder exuberante
na Assembleia da República —,
antecipando o que poderá ser
esta legislatura: confusa, disrup-
tiva e curta. E marcada por um
homem que se diz ungido por
Deus na sua missão.
O próprio Ventura descreveu
o caos institucional que semeou
na rede social X desta maneira:
“O banho de realidade que Mon-
tenegro tem de ter.” Ou seja, tra-
tou-se da lição dada por Ventura
por o líder do PSD não se ter
sentado com ele a negociar um
acordo para eleger José Pedro
Aguiar-Branco como segunda
figura do Estado. De facto, não
só Montenegro levou com esse
“banho de realidade” como o
levaram todos aqueles que, no
PSD e à direita, defendem ou
já defenderam uma associação,
negociação ou coligação com o
Chega. Se dúvidas houvesse, fo-
ram momentos tão esclarecedo-
res para os defensores da cerca
sanitária como para os partidá-
rios da integração. Ventura não
se dissimulou em rodriguinhos
nem punhos de renda. Foi com
força bruta.
O bloqueio intransigente de
André Ventura à eleição do pre-
sidente da Assembleia da Repú-
blica foi a forma mais eficaz de
provar com estrondo e escânda-
lo, logo no momento zero — sem
que estivesse em causa a con-
tinuidade do Governo, porque
ainda nem havia Governo —, o
valor dos seus 1.169.836 votos,
que condicionam os outros par-
tidos (que juntos representam
5,3 milhões de portugueses). O
líder do Chega lançou um avi-
so, mas decidiu fazê-lo da forma
mais musculada possível, em
ação real, em direto e a cores,
fora da pura retórica das entre-
vistas: não deixará Luís Monte-
negro governar se este não se
sentar consigo a negociar um
“acordo”, obrigando-o a violar a
promessa de que “não é não”, ou
empurrando-o para os braços do
PS, recolhendo assim ainda mais
argumentos contra o “bipartida-
rismo corrupto” e os “tachos” do
Na primeira intervenção de Ventura,
o novo presidente da AR não o corrigiu
bloco central. É uma estratégia
win-win em que parece que Ven-
tura ganha sempre. Até agora
tem ganho.
Numa das múltiplas entrevis-
tas que deu esta semana, e que
partilhou nas redes sociais, Ven-
tura destacou uma frase dita à
CMTV que resume tudo: “Esta-
mos a caminho do precipício.” É
mais uma forma de condicionar
Luís Montenegro, com a amea-
ça de inviabilizar toda a gover-
nação e o Orçamento do Estado
se não houver verdadeiramente
“negociações”. Hoje, ninguém
sabe se da próxima vez Ventura
voltará a usar todo o peso da sua
“marreta” de 50 deputados —
ele disse na campanha que ia
ser a “marreta para destruir o
bipartidarismo” —, mas a partir
de agora toda a gente percebe
que terão de o levar a sério. Este
era o momento de jogar forte
para indicar que não está a fa-
zer bluff, atemorizar as hostes
sociais-democratas, encurralar
os socialistas e esperar para ver
como as próximas jogadas se
desenrolam.
A crise causada pelo
Chega pode levar
a uma mudança
no relacionamento
entre partidos
Como se vê, André Ventura é
um jogador temível. Luís Mon-
tenegro e Pedro Nuno Santos
têm de arregalar o olho. Até por-
que as regras do jogo mudaram,
porque o Chega não as respeita.
O discurso e o método
A forma como a crise causada
pelo Chega se desenrolou mere-
ce reflexão, e pode levar a uma
mudança no relacionamento en-
tre partidos, quando a palavra
bastava para firmar um acordo
com base na troca de informa-
ções, o que é diferente de um
“acordo” no sentido que Ventura
lhe dá. A isto chama-se controlo
da narrativa.
Antes de mais, o líder da direi-
ta radical começou a controlar
os acontecimentos ao anunciar,
em conferência de imprensa, na
segunda-feira, a existência de
um “acordo” com o PSD. Fê-lo
assim que o líder parlamentar
PRIMEIRO CADERNO 13
Por Vítor Matos
laranja ainda em funções , Jo-
aquim Miranda Sarmento, in-
formou o líder parlamentar do
Chega, Pedro Pinto, da intenção
de viabilizar os candidatos de
todos os partidos a vice-presi-
dentes da Assembleia — inclu-
indo o do Chega, palavra que
cumpriu até ao fim — esperando
que também fosse votado José
Pedro Aguiar-Branco.
No dia seguinte de manhã,
deu uma entrevista ao “Obser-
vador”, a dizer que ia viabilizar
o nome do PSD, embora Aguiar-
-Branco não fosse o seu preferi-
do. À tarde, o candidato do PSD
chumbava por só ter os votos
correspondentes ao número de
deputados da Aliança Demo-
crática e da Iniciativa Liberal,
mais um (88). É aqui que Ventu-
ra começa a contar uma história
que o torna nada confiável para
quem um dia quiser dialogar
com ele: “Não sei quem votou
a favor e contra, não sei se os do
PSD votaram a favor ou contra”,
e lembrou o caso Fernando No-
bre, em que o PSD inviabilizou
o seu próprio candidato. “Eu
só dei uma indicação. Foi para
votar e viabilizar esse nome.
Não perguntei [aos deputados],
o voto é secreto e respeito essa
democracia”.
Ou seja, com base nas decla-
rações de responsáveis da AD
de que não havia um acordo
— “humilharam-nos e espezi-
nharam-nos”, repetiu Ventura
à exaustão, é o seu novo mantra
—, o líder do Chega não cumpriu
a palavra dada. Alguém acredita
que estes 50 deputados triun-
fantes desobedecessem a uma
ordem deste chefe logo no pri-
meiro dia? André Ventura nun-
ca admitiu que tivesse dado a
ordem para votarem em branco.
No dia seguinte, a tática re-
sultou. O PSD entendeu-se
com o PS para ultrapassarem
o bloqueio institucional, com
a originalidade da presidência
rotativa, apesar de ser preciso
fé para acreditar que a legisla-
tura vai durar até um socialista
tomar posse. Ventura passou a
capitalizar com o resultado da
sua estratégia: “Foi uma liga-
ção de PSD e PS a altas horas
da noite, que se uniram uma vez
mais com uma razão, distribu-
ir tachos e lugares, impedindo
a mudança”. Esta frase não foi
escrita nas redes sociais, mas
dita pelo líder do Chega a par-
tir da solenidade da tribuna do
hemiciclo, reduzindo o lugar da
segunda figura do Estado a um
“tacho”.
De resto, o primeiro discur-
so de André Ventura começou
de imediato com um teste ao
próprio presidente da Assem-
bleia da República, ao quebrar
a praxe parlamentar quanto à
forma de tratamento dos titula-
res de cargos de soberania e dos
adversários. “Augusto espero
que tenhas compreendido que a
tirania, a arrogância, tem sem-
pre uma resposta, foste corrido
da AR pelos eleitores”, afirmou
sobre o ex-presidente Augus-
to Santos Silva, no mesmo tom
dos seus vídeos para o TikTok.
Depois referiu-se assim ao pri-
meiro-ministro indigitado, sen-
tado na bancada do PSD: “Luís
Montenegro escolheu e não teve
dúvidas, o caminho é governar
com o PS. Governarás com o PS,
porqu.ecom o Chega não conta-
rás”. José Pedro Aguiar-Branco
absteve-se, não interveio para o
corrigir e dizer que na educação
parlamentar nem os amigos se
tratam por “tu”. Não estamos “à
beira do precipício?”
vmatos@expresso.impresa.pt
14 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de março de 2024

PRESIDENTE

chegar. Ninguém derruba um

Governo em alta, mas a tenta-
ção será grande se um eventual
mau resultado para a AD nas
europeias e uma deficiente ini-
ciativa política no comando do
país impedir que a coligação
que ganhou as legislativas de
10 de março por 0,8% consiga
disparar nas sondagens.

Relação ciclotímica
Do ponto de vista pessoal, o
ponto de partida para a nova
coabitação Belém-São Bento
não tem o sex appeal que mar-
cou a dupla cessante. A histó-
ria da relação entre Marcelo
Rebelo de Sousa e Luís Mon-
tenegro é bastante ciclotími-
ca, marcada por momentos de
cumplicidade política — Mon-
tenegro não hesitou em apoiar
a candidatura do atual Presi-
dente, quando o então líder
do PSD, Pedro Passos Coelho,
ainda o catalogava “catavento
mediático” — mas também por
momentos de altíssima tensão,
sobretudo quando Marcelo in-
sistia em dizer que ainda não
via uma alternativa ao Governo
socialista. Não há muito tempo,
em março de 2023, o Presiden-
te aproveitava uma entrevista
à RTP para espicaçar o líder
do seu partido de sempre — na
altura, falou mesmo em “alter-
nativa fraca na liderança”. Mas
Montenegro foi resistente, tra-
Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém: as reuniões semanais de quinta-feira vão começar, só não se sabe por quanto tempo vou críticas públicas do partido
a Marcelo, afirmou alto e bom

Montenegro tem seis meses

som que “o PSD e o seu líder
não estão no bolso de ninguém”
e soube esperar.
O desgaste acelerado da

para provar o que vale

Precisam um do outro para evitar o pântano. O canal Belém-São Bento vai estar ativíssimo
Textos Ângela Silva
Foto Nuno Fox
Após oito anos de rara coabita-
ção política com um primeiro-
-ministro socialista de quem foi
cúmplice, com quem rompeu
com estrondo, mas a quem aca-
bou abraçado na hora da despe-
dida, Marcelo Rebelo de Sousa
prepara-se para iniciar com
Luís Montenegro um ciclo po-
liticamente mais instável, mais
desafiante e perigoso para a sua
família política e, sobretudo,
muito mais decisivo para o final
do seu mandato presidencial.
São razões de sobra para que a
sua relação com o chefe do novo
Governo seja um caso de inevitá-
vel dependência mútua. Ambos
precisam de evitar o pântano,
Montenegro para sobreviver
na liderança do PSD e Marcelo
para evitar que a sua página na
história remeta para um índex
chamado instabilidade.
O arranque da AD no Parla-
mento, onde Montenegro não
soube precaver-se da imprevi-
sibilidade de André Ventura,
foi visto na Presidência como
uma falsa partida que Marcelo
lamenta não ter sido evitada,
mas nem por isso surpreendeu
quem, no palácio, há muito
radiografou o líder do Chega
como um protagonista que exi-
ge perícia e cautela máximas.
Marcelo viveu isso na pele, ao
ponto de se ter visto obrigado
a fazer um comunicado quando
Ventura saiu de Belém a dizer
que o Presidente lhe garantira
que nunca o impediria de che-
gar ao Governo. E nas muitas
conversas que foi tendo com
o líder do PSD, conversaram
sobre os riscos do que aí vinha.
O desfecho encontrado para
a crise que esta semana quase
deixou a eleição do presidente
do Parlamento bloqueada (um
acordo com o PS que reparte
entre os dois partidos o segun-
do lugar do Estado salvou o im-
passe) colou na perfeição com
a opinião de Marcelo Rebelo
de Sousa, segundo a qual é um
erro fechar o canal entre AD e
PS. Mas a perceção em Belém é
que Luís Montenegro tem pou-
co tempo para evitar a morte
antecipada da legislatura que
ainda mal começou.
“São seis meses para o Go-
verno provar o que vale”, dra-
matizam fontes oficiais, com
os olhos no próximo outono,
quando o novo Executivo terá
que levar o seu primeiro Or-
çamento do Estado à Assem-
bleia da República. Entalado
entre o partido de Ventura, que
aproveitou a atribulada elei-
ção do presidente da AR para
Presidente
chegou a duvidar
que Montenegro
fosse o homem
certo. Falsa partida
da AD preocupa-o
anunciar que a AD deixará a
partir de agora de contar com
ele, e um PS que salvou a hon-
ra institucional do convento,
mas que Pedro Nuno Santos se
apressou a avisar que não esta-
rá disponível para ser muleta
do Executivo, Luís Montene-
gro “tem que entrar em for-
ça”, ouve-se em Belém. Porque
por muito que Marcelo esteja
apostado em ajudar a cultivar
a relação com Pedro Nuno
Santos, sensibilizando-o para
a necessidade de dar estabili-
dade ao novo ciclo, ninguém
duvida que, como Luís Mar-
ques Mendes previu na SIC, o
que o PS virá a fazer na vota-
ção do Orçamento do Estado
dependerá em grande parte
da forma como o Executivo lá
maioria absoluta socialista
consolidou a sua imagem em
Belém como o senhor que se
segue e, após a impressionan-
te sucessão de demissões no
Executivo de António Costa e a
crise Galamba, Marcelo Rebelo
de Sousa deixou de ter margem
para dúvidas. Era com Monte-
negro (o homem em cujo lu-
gar chegou a não disfarçar ter
preferido ver Paulo Rangel e
onde a dada altura não excluiu
ver reaparecer Passos Coelho)
que contaria na hora de apear
Costa. O Operação Influencer
abriu a oportunidade e a vitória
da AD a 10 de março permitiu
a Montenegro provar ao Presi-
dente que afinal foi ele quem
lhe serviu a alternativa.
Na direção do PSD, a influên-
cia do Presidente da República
na gestão do novo ciclo é enca-
rada como uma preciosa ajuda,
mas a exigir filtro e indepen-
dência estratégica. Montene-
gro é bastante blindado. Ouve
muito Cavaco. Mas é com Mar-
celo que o canal de São Bento
vai estar ativíssimo.
avsilva@expresso.impresa.pt

Marcelo&Costa. política, manteve com os Exe-

cutivos socialistas quase até
ao fim. Mas o retrato final de
segunda-feira. “Dificilmente
haverá relações que tenham se-
guido de forma tão fluida e soli-

Cúmplices cada ciclo é quase sempre im-

placável — mais marcado pelos
resultados do que pelas descul-
dária”, concordou o Presidente,
com uma ressalva, para que
se depreenda que sempre que

de uma década pas de contexto — e na hora da

Para o bem e para o mal,
a imagem que fica desta
(quase) década terá a
assinatura dos dois. Está
explicado o abraço final
Ver Marcelo Rebelo de Sousa e
António Costa abraçados, à saí-
da do último Conselho de Mi-
nistros do Governo que o Pre-
sidente demitiu sob protesto do
partido incumbente, é todo um
programa. E a legenda mais fiel
ao retrato anexo é esta: “Cúm-
plices de uma década.”
Não chegou a uma década —
o Processo Influencer impediu
o primeiro-ministro socialista
de disputar o recorde de Cava-
co Silva em funções executivas.
Mas os oito anos em que Mar-
celo e Costa coincidiram no
topo do Estado ditarão a ima-
gem que deste ciclo fica para a
história e a forma como ambos
zelaram pela hora da despedida
não será alheia a isso.
Um e outro sabem que a dé-
cada não foi nem fácil nem bri-
lhante. O rescaldo de uma crise
financeira (logo em 2016, quan-
do Marcelo chegou a Belém),
uma pandemia, o regresso da
guerra à Europa e uma crise
inflacionista histórica foram
exigentes com os Governos
de António Costa e ajudarão
Marcelo Rebelo de Sousa a
justificar a cumplicidade que,
para grande fúria da sua área
despedida o rasto é sombrio.
Um crescimento económico
que continua aquém, um Es-
tado que pouco se reformou,
serviços públicos no vermelho,
uma Justiça em xeque, jovens
qualificados que zarpam, o in-
terior que continua abandona-
do, os sem-abrigo que continu-
am na rua, uma classe média
queixosa da cepa torta e um
partido populista que a cavalo
da zanga nas ruas está à beira
dos 20%. Nos 50 anos do 25 de
Abril, é grande a lista das falhas
assumidas, apesar do brilho das
contas certas — a taça dos con-
sulados de Costa.
A direita acusa Marcelo de
ter pactuado em excesso, de
não ter sabido agarrar causas
de exigência implacável, e cul-
pa-o por só ter acordado após
se ver espicaçado pela maio-
Adeus a “oito anos de cooperação” FOTO JOSÉ FERNANDES
ria absoluta conquistada pelo
PS há dois anos. E a esquer-
da também não lhe perdoa a
forma como, após a estreita
parceria, Marcelo descolou até
conseguir apear a esquerda do
poder e abrir espaço para que
a direita lá chegasse. Os dois
protagonistas da história, no
entanto, contam-na de outra
forma. Porque foram professor
e aluno, porque se admiram
há décadas, porque partilham
o gozo da política, mas não só.
“Nem sempre coincidimos
(...), mas dificilmente será pos-
sível encontrar outro período
da vivência constitucional onde
as relações entre Governo e
Presidência da República te-
nham seguido de uma forma
tão fluida e tão solidária como
aconteceu no essencial destes
oito anos”, disse António Costa
na declaração conjunta no fim
do Conselho de Ministros, na
pactuou foi a pensar no país:
“A solidariedade institucional
transformou-se em solidarie-
dade nacional.”
Um e outro apagaram publi-
camente os ressentimentos que
as crises Galamba, Influencer
ou o ‘caso gémeas’ chegaram
a deixar com feridas abertas e
bem expostas. E nem os atra-
sos na habitação, no PRR, na
política para a floresta, nos
sem-abrigo, nas reformas no
Estado, na resposta às corpora-
ções em protesto, no combate à
corrupção, estragaram a festa.
Marcelo antevê que a relação
não fique por aqui. “Não há
razão nenhuma para que seja
a última vez que nos encontra-
mos ao serviço de Portugal”,
disse o Presidente a fechar este
ciclo. A década vai ter a assi-
natura Marcelo&Costa. Está
explicado o abraço final. Â.S.
Expresso, 29 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 15

A sua marca.
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16 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de março de 2024

MADEIRA

Região a votos cretariado gostaram e terá já ha-

vido pressões sobre os militantes
e até diligências para saber se,
ao abrigo dos estatutos, há ou

com PSD não motivos para expulsar do

PS-Madeira as pessoas que par-
ticipem nos encontros. O certo é
que, em menos de uma semana,

e PS divididos este fórum juntou mais de 100

militantes e simpatizantes.
Se os maiores partidos da Ma-
deira têm dois meses para unir

ao meio correntes de opiniões internas,

a verdade é que são nove os
partidos com assento no parla-
mento regional e todos têm que

FOTO ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Marcelo ouviu os partidos, reuniu o
Conselho de Estado e decidiu que a
Madeira vai a eleições a 26 de maio
Marta Caires
Quando a reunião do Conselho
de Estado começou já o país
sabia que Marcelo Rebelo de
Sousa não só ia convocar elei-
ções antecipadas para a Madei-
ra como até tinha data. O dia
26 de maio foi anunciado, em
Belém, quando ainda faltava
ouvir o PSD e antes de se saber
o parecer dos conselheiros. Foi
Paulo Cafôfo, o presidente do
PS-Madeira, a comunicar a de-
cisão e a provocar incómodos
institucionais, sobretudo entre
os sociais-democratas madei-
renses. É que a ala do partido
mais próxima de Miguel Albu-
querque acreditou até ao fim
na possibilidade de se formar
um novo governo sem ser ne-
cessário ir as eleições.
“Estou preparado para
tudo”, disse várias vezes du-
rante a campanha das diretas
do PSD-Madeira. O tudo de Al-
buquerque incluía as eleições
antecipadas e esse é agora o
cenário para um líder que tem
um partido dividido ao meio.
Apesar dos prazos apertados
com que convocou as internas
e o congresso, não conseguiu
evitar a candidatura de Manuel
António Correia. O adversário
teve mais de 45% dos votos dos
militantes e a declaração de vi-
tória de Miguel Albuquerque
não ajudou à união quando
acusou de “falta de carácter”
os que apoiaram Correia e têm
cargos de confiança política na
administração pública.
O líder do PSD-Madeira e
presidente demissionário do
governo regional indicou-lhes
Miguel Albuquerque acreditou até ao fim que era possível não haver eleições
a porta de saída, mas tentou
uma conciliação e telefonou
ao adversário com um convite
para almoçar. A questão é que
as ameaças de saneamento aos
apoiantes não se resolvem com
um almoço e, desta vez, o lado
de Manuel António Correia
não vai recuar e remeter-se ao
silêncio como fez em 2014. A
corrente está para ficar e irá ao
congresso de 20 e 21 de abril. E
Miguel Albuquerque terá que
unir muitas pontas soltas para
apresentar a lista de candida-
tos. A primeira promessa a esse
Miguel Albuquerque
avança, mas tem oposição
interna muito ativa
e ainda é arguido num
processo de corrupção
lado é de ir a votos sozinho e
sem o CDS.
Se os sociais-democratas es-
tão a braços com a divisão in-
terna, no PS o quadro não é o
melhor. Paulo Cafôfo, que foi
cabeça de lista à Assembleia
da República, ficou abaixo dos
20%, teve menos 23 mil votos
do que o PSD e apenas mais
três mil votos do que o Chega.
Os resultados de 10 de março
tiraram um deputado aos soci-
alistas, que só elegeram dois e a
custo, mas Paulo Cafôfo sacudiu
a responsabilidade para a dire-
ção nacional e para o Governo
de António Costa — do qual fez
parte como secretário de Esta-
do das Comunidades. Apesar
do desempenho do partido, Ca-
fôfo volta a ser candidato, mas
as condições são diferentes de
2019. Os partidos à esquerda já
se preparar para ir a eleições.
A começar no CDS que não vai
a votos sozinho desde 2019 e
que há cinco anos partilha o
poder com o PSD no governo
e na Câmara do Funchal. Rui
Barreto demitiu-se e José Ma-
nuel Rodrigues é candidato a
líder. E as lealdades do ainda
presidente da assembleia le-
gislativa não são necessaria-
declinaram integrar uma frente mente com o PSD se conseguir
e, no interior do PS, enfrenta eleger deputados. Em 2019 fez
agora uma nova corrente da opi- depender a coligação do lugar
nião, a Autonomia 24, formada de presidente do parlamento.
logo a seguir o desastre eleitoral E no jogo há o Chega, partido
nas legislativas nacionais. que, em março, teve 26 mil votos
Dessa corrente fazem parte e com o qual Miguel Albuquer-
Carlos Pereira, deputado madei- que admite falar, já disse numa
rense na Assembleia da Repúbli- entrevista à RTP-Madeira que
ca que foi eleito pelo círculo de “não há linhas vermelhas” para
Lisboa, autarcas e ex-autarcas partidos aprovados pelo Tribu-
socialistas como Miguel Silva nal Constitucional. A questão é
Gouveia e Ricardo Franco. Os saber se o Chega — que faz do
membros deste fórum de debate combate à corrupção a sua luta
informaram os órgãos do parti- — quererá fazer alianças com
do, mas nem a direção, nem o se- Miguel Albuquerque, arguido
num processo de corrupção. Mi-
guel Castro, o líder regional do
Cafôfo volta a ser Chega, disse, em fevereiro, que
candidato, mas com piores o “PSD renascido das cinzas se-
condições. Os partidos ria outro”, mas a verdade é que
à esquerda já declinaram o que saiu do PSD foi o mesmo
integrar uma frente líder, Miguel Albuquerque.
politica@expresso.impresa.pt

Gente jovem a Madalena Cordeiro, de 20 anos,

da mesma bancada. Na altura de ir votar
para a presidência da AR, a deputada do
Chega precisou de indicações até à urna
apesar desta estar no centro do Parla-
mento e já ter sido utilizada por dezenas
de outros membros. Apesar do sucesso
do Chega no TikTok, Gente aconselha
aos mais jovens passarem menos tempo
a fazer scroll e mais tempo a ouvir as
instruções regimentais.

Etiquetas Os primeiros dias no Par- Perdidos Entre os deputados estrean-

lamento são assim como os primeiros
dias de escola, os deputados não se co-
nhecem, anda tudo numa azáfama a
conhecer os cantos à casa. Móveis para
aqui, cadeiras para acolá, uma confu-
são. Vai daí que o Chega decidiu facilitar
o trabalho a toda a gente: obrigou os
homens a usar pin com a bandeira do
Chega e de Portugal na lapela. Gente
agradece, porque assim ninguém vai ao
engano. Nem Ventura.
tes são vários os que se perderam dentro
e fora do hemiciclo esta terça-feira. João
Tilly, o candidato eleito do Chega por Vi-
seu e negacionista das vacinas, deslocou-
-se a meio da tarde para colocar o voto na
urna para a vice-presidência da AR, mas
teve de voltar atrás para buscar o voto ao
seu lugar. Jorge Pinto, o deputado eleito
do Livre pelo Porto, perdeu-se várias
vezes no labirinto do Parlamento e teve
que pedir ajuda até a jornalistas.

Melo, o aparafusador O líder do

CDS estava tão contente com o regresso
do partido ao Parlamento que levou 30
pessoas para a festa de ‘aparafusamen-
to’ da placa com o nome do partido na
frente do gabinete, num dos corredores
da Assembleia da República. Melo quis
mostrar que sabe aparafusar, sacou
de uma chave e pôs-se a rodar parafu-
sos. Um bom início de mandato para
o centrista que vai ter de aprender a
rodar na cadeira. Sentado na primeira
fila ao lado do Chega, Melo esforçou-se
por estar muitas vezes de lado, com ar
enfadado. Chega a dar pena.
Disfarces “Vou andando, vem aí o Rui
Cristina”, ouviu Gente da boca de uma
figura do PSD, no momento em que se
aproximava o deputado que há quatro
meses dizia que Montenegro era a solu-
ção para o país e hoje bate palmas de pé
a Ventura. O regresso às aulas é mesmo
assim: numa hora estamos a encontrar
velhos amigos, na outra estamos a fugir
para o outro lado do pátio.
Jovens inexperientes Rita Matias
passou o testemunho de deputada mais
Presidente por dois dias
O PREFERIDO O comunista António
Filipe foi convidado pelo PSD para
presidir ao início da legislatura por
ser o mais experiente. Não contava
era ficar dois dias em vez de umas
poucas horas a dirigir os trabalhos
e a procurar resolver a eleição do
presidente do Parlamento. Mas
desempenhou tão bem o papel que
entre (quase) todos os partidos
se ouvia dizer que, perante os
impasses, o melhor era ficar ele como
segunda figura do Estado. E, entre
os jornalistas, houve até quem lhe
perguntasse se ainda ia presidir
à sessão solene dos 50 anos do
25 de Abril. FOTO ANA BAIÃO
Expresso, 29 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 17

AGRICULTURA E AGROINDÚSTRIA

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18 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de março de 2024

SO CIEDADE SAÚDE

Acesso Hospitais sentem quebra continuada nas intervenções cirúrgicas vindas do SNS. Sector afirma que regras
de emissão dos cheques induzem à elevada falta de adesão dos doentes. Privados questionaram e não tiveram resposta

Privados denunciam
bloqueio de vales-cirurgias
Textos Vera Lúcia Arreigoso

O
número de doentes
do Serviço Nacional
de Saúde (SNS) ope-
rados nos hospitais
privados é cada vez
menos significativo.
O sector contabiliza
uma redução cons-
tante em quatro
anos e apenas um ligeiro aumento
no ano passado, mesmo assim, insu-
ficiente para melhorar o diagnóstico.
A associação do sector garante que as
regras dos vales-cirurgias estão a blo-
quear a adesão dos doentes, aumen-
tando-lhes a espera na rede pública.
Dados da Associação Portuguesa de
Hospitalização Privada mostram que
as intervenções cirúrgicas encami-
nhadas pelo SNS através do Sistema
Integrado de Gestão de Inscritos para
Cirurgia (SIGIC), nunca se aproxima-
ram das 20 mil por ano. O número
mais elevado dos anos recentes é de
2019, com 17.806 operações, decres-
cendo daí em diante.
Em 2020 foram 15.815 as cirurgias
feitas no privado vindas do SNS, em
2021 houve 14.866 e, em 2022, 11.562.
“A atividade SIGIC teve uma quebra
de 22% em 2022, acentuando a queda
que se verifica desde 2019”, sublinha
o presidente da associação, Óscar
Gaspar. Mais evidente: “As cirurgias
SIGIC caíram 35% nos últimos quatro
anos.” Os dados de 2023 indicam um
aumento da intervenção privada, que Intervenções nos hospitais privados para beneficiários do SNS não chegam a 5% da atividade cirúrgica global FOTO GETTY IMAGES
pouco ou nada muda na trajetória.
Das 257.742 cirurgias realizadas no obrigatoriedade de seguir aquelas su- “Se não existirem instituições que ofe- de compromisso a cada vale garan-
privado, 12.746 foram de doentes en- gestões. O doente pode escolher o reçam o procedimento, ou oferecendo tindo que têm dinheiro para pagar
caminhados do SNS. “O SNS tem re- prestador que quiser, desde que tenha não o consigam efetuar nos tempos o ato cirúrgico. “Como os hospitais
corrido cada vez menos aos hospitais convenção com o SNS. Os entraves regulamentados, o utente não recebe são subfinanciados, muitas vezes não UTILIZAÇÃO DOS
privados para colaborar na recupera- têm sido assinalados pelos prestado- qualquer vale cirurgia.” têm enquadramento orçamental para VALES EM 2022
ção das listas de espera cirúrgicas”, res, que várias vezes questionaram as acautelar aquela despesa. Nesse caso,

resume Óscar Gaspar.
A redução no recurso à ajuda priva-
da, que o novo Governo quer reforçar,
tem duas explicações imediatas: os
hospitais públicos estão a operar mais
doentes, logo não precisam de emitir
tantos vales, mas a lista de espera é
maior. Os cheques enviados e aceites
pelos doentes não refletem esse uni-
verso de pessoas em espera.
Os dados mais recentes da Adminis-
entidades responsáveis. Dizem não ter
tido respostas.
A Direção Executiva do SNS (DE-S-
NS) não adiantou ao Expresso o nú-
mero de vales emitidos e utilizados no
ano passado, mas esclareceu alguns
aspetos sobre o funcionamento do
SIGIC. “O diretório do vale-cirurgia
apresenta até dez instituições, desde
que exista oferta para o procedimento
em causa e capacidade para efetuar a
Confiança nos médicos do SNS
Também há privados a recusarem
os vales porque “a tabela SIGIC não
é atualizada desde 2017”. “A falta
de oferta ou o número reduzido de
convenções também contribui para a
fraca adesão dos doentes. Importa di-
zer que os privados também rejeitam
doentes portadores de vale cirúrgico,
devolvendo-os aos hospitais públicos”,
21%
o vale não é passível de ser usado”,
explica Xavier Barreto. “É um tema
que merece ser discutido, no sentido
em que pode pôr em causa o direito à
saúde, mas os hospitais, agora unida-
des locais de saúde, só estão a cumprir
a lei”. A DE-SNS desvaloriza: “A res- é a percentagem de vales para
ponsabilidade financeira do processo, cirurgia nos hospitais privados
pelo hospital de origem, já existia e aceites pelos doentes do SNS
estava plasmada nos contratos-pro- em 2022, entre 165.079 enviados
grama anteriores”, que definem o or-

tração Central do Sistema de Saúde
referentes a 2022 revelam que 80%
das ‘guias’ para ir ao privado ficam por
utilizar. Para os prestadores, a culpa
da falta de adesão está nas regras de
emissão dos vales. Um exemplo: na
maioria dos casos, os privados indica-
dos no vale ficam longe da residência
dos doentes. Só que não há qualquer
cirurgia dentro dos tempos definidos.
Assim, desde que exista oferta, são
consideradas as dez que oferecem
o procedimento em causa, com me-
lhores tempos de resposta, levando
também em consideração o critério
da proximidade geográfica.” Quando
os critérios para os cheques cirúrgicos
não são reunidos, não há indicações.
explica Xavier Barreto, presidente da
Associação Portuguesa de Adminis-
tradores Hospitalares.
A intervenção privada é paga pelo
hospital público que não conseguiu
dar resposta e isto coloca outra difi-
culdade. Os hospitais têm de garan-
tir que os prestadores cumprem os
procedimentos e atribuir um número
180
çamento anual.
Xavier Barreto sublinha, porém, que
a fraca adesão se deve sobretudo à
confiança dos doentes nos médicos
que os acompanham. “A principal ra-
zão para a baixa percentagem de vales
SIGIC cativados no privado é a fideli- dias é o tempo de espera, no geral,
zação à equipa do hospital público.” para reencaminhar a operação para
varreigoso@expresso.impresa.pt uma unidade fora da rede pública

Tosse convulsa deixa dos Médicos de Saúde Pública. “Quan-

do assim é, é pedido aos médicos que
fiquem atentos e temos mantido o
surtos terem revelado que os bebés
nasciam com a doença, transmitida
pelas mães infetadas e assintomáticas,
crianças muito pequenas pode ser
mortal”, sublinha o médico de saúde
pública.

médicos em alerta controlo da infeção.”

Saúde pública pede a pediatras
e neonatologistas que estejam
atentos a sintomas suspeitos.
Europa regista surto infeccioso
A comunidade médica reforçou a mo-
nitorização de sintomas suspeitos de
tosse convulsa. O alarme soou com
o aumento da infeção na Europa,
incluindo em Espanha, mas as au-
toridades nacionais têm notificação
de apenas dois casos, a Norte e a Sul.
Os peritos garantem que a situação
epidemiológica no país mostra uma
manifestação esporádica e expectável.
“A tosse convulsa pode gerar surtos a
cada três a cinco anos mesmo em lo-
cais onde a cobertura vacinal é eleva-
da, mas em Portugal temos registado
casos pontuais e em número muito
baixo”, explica Gustavo Tato Borges,
presidente da Associação Nacional
A população portuguesa tem uma
vantagem: a proteção vacinal de grá-
vidas e bebés é muito elevada, das
maiores da Europa, e apenas é pedido
aos neonatologistas e pediatras que
estejam alerta. “Além da vacinação
dos bebés, no último trimestre da gra-
videz é proposta a vacina e a maioria
das grávidas aceita”, sublinha Gustavo
Tato Borges. “O interesse em vacinar
as grávidas é, além de as proteger,
dar proteção ao bebé até à toma da
primeira dose”, aos dois meses.
A vacinação das grávidas passou a
fazer parte do Programa Nacional de
Vacinação em 2017, depois de vários
ou infetados antes dos dois meses de
vida, quando é feita a primeira ino-
culação. Foi o que aconteceu com os
últimos casos mortais notificados no
país: dois bebés em 2015 e um no ano
seguinte.
Mortes em Espanha, Bélgica
e Países Baixos
A imunização não é para a vida, a
infeção pode repetir-se sem sintomas
ou de forma ligeira — semelhante
a uma constipação com tosse —, e
daí também ser prática em Portugal
propor a vacina a cada gravidez. “A
doença dura alguns meses, mas nas
Espanha tem já um caso mortal, no
final de 2023, de um recém-nascido
cuja mãe não estava vacinada, e desde
o início do ano notificou mais de 5200
casos, segundo o Centro Europeu de
Prevenção e Controlo de Doenças.
Outra morte neonatal ocorreu na Bél-
gica, em dezembro, e os Países Baixos
somam quatro crianças mortas só en-
tre fevereiro e março deste ano.
A tosse convulsa é transmitida a
partir de gotículas de saliva expelidas
pelos espirros ou tosse e pelo contacto
com objetos com secreções do infeta-
do. A infeção é sobretudo transmis-
sível na primeira semana em que se
manifestam os sintomas.
Expresso, 29 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 19

POPULAÇÃO

Na Coreia do Sul, por cada mulher em idade fértil nascerá menos de um filho FOTO GETTY IMAGES

Em 2050, só 49
países conseguirão
substituir gerações
São sobretudo de África, Ásia e Oceânia os países
com fecundidade acima de 2,1. Em 2100 serão seis
Cátia Barros
São 49 os países que terão um
índice de fecundidade (número
de filhos por mulher em idade
fértil) suficiente para substituir
gerações daqui a 24 anos, reve-
la o estudo “Global fertility in
204 countries and territories,
1950-2021, with forecasts to
2100” (‘Fertilidade global em
204 países e territórios, 1950-
2021, com previsões até 2100’),
publicado na semana passada
na revista “The Lancet”.
Dos 204 países analisados no
estudo liderado pela Universi-
dade de Washington (Estados
Unidos), apenas 49 vão ter um
índice de fecundidade superior
a 2,1 (o valor de referência do
índice de fecundidade que per-
mite substituir as gerações), ou
seja, cada mulher em idade fér-
til terá mais do que dois filhos.
A maioria destes países situam-
-se na África, Ásia e Oceânia.
A ciência estipulou os 2,1
como valor de referência para
o índice de fecundidade, no en-
Taiwan (0,9). Aliás, para estes
países, a projeção para 2050
é muito semelhante ao que já
se verificava em 2021, quando
já estavam com um índice in-
ferior a um: 0,82; 0,9 e 0,98,
respetivamente.
Já abaixo de um índice de
dois, em 2050 esperam-se 145
países, nos quais se encontram
países como Itália (1,18), Espa-
nha (1,23), França (1,27), Portu-
gal (1,27) e Grécia (1,36).
Quando comparamos os va-
lores de 2021 com aqueles es-
perados em 2050, há um país
que terá uma redução do índice
de 50% (o Iémen); em 2021,
EVOLUÇÃO DO ÍNDICE
DE FECUNDIDADE
EM PORTUGAL
3,04
2,13
1,3 1,27 1,17
PELA VALORIZAÇÃO
o índice de fecundidade deste
território do Médio Oriente era DA ENGENHARIA
de 3,87 e em 2050 será de 1,91.
“A menos que os governos
identifiquem fontes de finan-
ciamento que respondam aos
desafios do envelhecimento
da população, esta mudança
demográfica irá exercer uma
pressão crescente sobre os se-
guros de saúde nacionais, os
programas de segurança social
e infraestruturas de cuidados
de saúde”, alerta o estudo.
Mais de metade dos bebés
nascerão em África
No entanto, em 2100 haverá
ainda menos países com ca-
pacidade para substituir ge-
rações. De acordo com o pró-
prio estudo, daqui a 76 anos
as taxas de fecundidade vão
estar “abaixo do nível de subs-
tituição em mais de 95% dos
países e territórios do mundo”.
O que significa que, na prática,
apenas seis territórios vão ter
essa capacidade. É o caso do
Chade, do Níger, da Samoa,

tanto, o estudo realça que “o
verdadeiro nível de substitui-
ção depende da taxa de mor-
talidade específica e do rácio
entre os sexos à nascença numa
população”. Olhemos, por-
tanto, para o caso português:
desde 1981 que Portugal não
tem um índice suficiente para
substituir as suas gerações (na
altura tinha um índice de 2,13).
Segundo os dados do estudo,
em 1950 era de 3,04, e em 2021
esse valor era de 1,3.
No entanto, o valor deverá
continuar a baixar: em 2050
será de 1,27 e em 2100 de 1,17.
Se cruzarmos estes dados com
os do Instituto Nacional de
Estatística (INE), percebemos
que em Portugal se morre mais
do que se nasce, uma vez que o
número de nascimentos é in-
ferior ao dos óbitos. Em 2023,
nasceram 85.613 bebés e mor-
reram 119 mil pessoas.
Três países abaixo de um
Em 2050, três países terão
um índice de fecundidade
inferior a um: Coreia do Sul
(0,82), Porto Rico (0,84) e
CANDIDATURAS
da Somália, do Tajiquistão e
do Tonga.
1950 1980 2021 2050 2100 Mais de metade dos bebés
(54%) vão nascer na África
subsariana; em 2021, esse va-
ATÉ 31 DE MAIO
PAÍSES COM ÍNDICE DE lor era de 29%. O estudo realça
FECUNDIDADE MAIS ALTO que “o maior número de na-
EM 2050...
Níger 5,15
dos-vivos acontecerá em con-
textos de baixos rendimentos, + INFORMAÇÕES
E CANDIDATURAS
em especial um subconjunto
Chade 4,81 de países e territórios da Áfri-
Somália 4,3 ca Subsariana, que se encon-
Mali
Sudão do Sul
4,21
4,09
tram entre os mais vulneráveis
aos desafios económicos e am-
pnoe.ordemengenheiros.pt
bientais”. Em causa estão vá-
... E MAIS BAIXO rios fatores, “como a riqueza,
a educação e os comportamen-
Coreia do Sul 0,82 tos e práticas socioculturais”.
Porto Rico 0,84 O estudo conclui que “a fe-
Taiwan 0,9 cundidade tem vindo a dimi-
Ucrânia 1,01 nuir de forma constante a ní-
Sérvia 1,01 vel mundial e em quase todos
FONTE: CGB 2021 FERTILITY/“THE LANCET” os países e territórios desde
1950”. Contudo, há dois que
vão aumentar o índice de fe-
cundidade: Bahamas e Andor-
ra. O primeiro tinha, em 2021,
um índice de 1,23 e terá, em
2050 e 2100, 1,24. Já Andorra
tem 0,98 em 2021 e terá 1,02
em 2050 (em 2100 descerá
para 1,01).
cbarros@expresso.impresa.pt
20 PRIMEIRO CADERNO
U
m casal com duas crian-
ças acolheu recentemente
uma cunhada e a filha dela,
por não terem casa onde
ficar. Vivem agora os seis
num apartamento de duas
assoalhadas, obrigados a
partilhar os quartos até que
uma solução melhor apare-
ça. Só um dos adultos tem atualmente
trabalho e o que ganha não chega para
todos. As prestações da casa ao ban-
co já entraram em incumprimento e o
aperto que sentem não é só pela falta
de espaço: estão dependentes de ajuda
alimentar, mas, esta semana, quando
iam buscar o cabaz, perceberam que a
instituição já não tinha nenhum dispo-
nível. Em desespero, por não saberem
mais que volta dar à vida, contactaram
o gabinete de proteção financeira da
Deco, ao qual têm chegado muitas ou-
tras famílias na mesma situação.
“Temos tido relatos de um número
crescente de casais com filhos que re-
gressaram à casa dos pais ou que aco-
lheram familiares que não tinham para
onde ir. Estas situações agravaram-se
entre o final de 2023 e o início de 2024”,
resume Natália Nunes, coordenadora
do gabinete de proteção financeira da
Deco. “Umas famílias foram forçadas a
vender as casas e não encontraram uma
alternativa que conseguissem pagar, ou-
tras estavam a arrendar e os senhorios
não renovaram os contratos. Também
há situações de irmãos que estão a aco-
lher os seus irmãos e os sobrinhos.” Ir
Há mais portugueses
com filhos em casas
sobrelotadas
Situação económica das famílias está a empurrá-las para casa dos pais
e para quartos partilhados com os filhos. Número de pessoas em casas
sobrelotadas aumentou quase 40% em 2023, o maior salto em 20 anos
viver com familiares é quase sempre
encarado como solução temporária,
enquanto não encontram uma casa que
consigam pagar, mas as situações “aca-
bam por se prolongar no tempo”, frisa
Natália Nunes. “Sobretudo entre quem
tem rendimentos mais baixos, pouco
acima do salário mínimo, com filhos a
cargo e sem capacidade para pagar as
rendas que estão a ser pedidas.”
Em 20 anos, desde que é calculada a
taxa de sobrelotação das casas, nunca
houve um agravamento tão grande
de um ano para o outro. Entre 2022
e 2023, o número de pessoas a vive-
rem em casas sem espaço suficiente
aumentou 37%. É essa a realidade de
1,3 milhões de pessoas em 2023, mais
370 mil do que no anterior. São 12,9%
da população, a percentagem mais alta
desde 2010 (14,6%), segundo os dados
do Instituto Nacional de Estatística
(INE).
Embora a população de nacionali-
dade estrangeira viva em piores con-
dições — quase um quarto mora em
casas sobrelotadas —, não foi entre os
imigrantes que a realidade se agravou
HABITAÇÃO
INVESTIGAÇÃO
Textos Raquel Albuquerque Infografia Carlos Esteves
no último ano. Segundo dados mais
detalhados, pedidos pelo Expresso ao
INE, praticamente não houve alteração
da percentagem de estrangeiros em
casas sobrelotadas entre 2022 (22,6%)
e 2023 (22,7%). Foi mesmo entre famí-
lias portuguesas, sobretudo com filhos,
que o cenário mudou: no ano passado,
uma em cada cinco (21%) vivia numa
casa sem divisões suficientes (16% em
2022). E os baixos rendimentos colo-
cam a população numa situação ainda
“HÁ MAIS CASAIS A
PARTILHAR QUARTO
COM FILHOS NA CASA
DE PESSOAS QUE NÃO
CONHECEM”,
DIZ NATÁLIA NUNES,
DA DECO
mais frágil, com quase 30% das pessoas
pobres a viverem em casas sem espaço.
Famílias com filhos em quartos
O impacto da inflação, da subida das
rendas e do aumento das prestações
da casa ao banco ajudam a explicar o
agravamento da sobrelotação das casas
em Portugal. Ao longo de 2022, as famí-
lias foram cortando nas despesas e, em
alguns casos, usaram as poupanças para
pagar as contas. Sinal disso é o facto
de a taxa de poupança das famílias em
2022 ter sido a mais baixa desde que há
registo, segundo a Pordata.
Só que a subida quase contínua do
custo de vida foi aumentando o pro-
blema. Só um cabaz alimentar básico
custa agora mais €50 do que há dois
anos: é um aumento de quase 30%. E
a grande maioria da população (75%)
admite ter tido dificuldades em pagar
contas em 2023, segundo o barómetro
da Deco Proteste. A habitação concen-
tra o maior dos problemas: metade das
famílias (49%) dizem estar em esforço
para pagar o crédito ou a renda da casa.
Expresso, 29 de
As medidas criadas pelo anterior Go-
verno ajudaram a aliviar a pressão, mas
para muitos não foi suficiente. Além
disso, essas respostas já não chegam
aos novos arrendatários. “Os apoios
só abrangem contratos celebrados até
15 de março de 2023. Mas há muitas
pessoas a quem os contratos de arren-
damento não foram renovados depois
disso e que se têm visto em situações
dramáticas”, alerta Natália Nunes. “Há
poucas casas no mercado, as que exis-
tem têm rendas que um casal com o
salário mínimo não consegue suportar
e o mercado público de arrendamento
também não existe. A solução é ir para
casa de familiares, quando é possível,
ou sujeitar-se a partilhar um quarto.”
Numa rápida pesquisa por casas para
arrendar, são poucos os anúncios de
apartamentos com dois quartos por
menos de €1000 por mês, sobretudo
nos distritos de Lisboa e do Porto. Essa
realidade tem empurrado famílias com
filhos para quartos, em casas partilha-
das. “Há cada vez mais casais a partilhar
quarto com os filhos na casa de pessoas
que nem conhecem. E as famílias que
e março de 2024
SOBREOCUPAÇÃO O impacto
da inflação, da subida das rendas
e do aumento das taxas de juro
contribuíram para este aumento
FOTO TIAGO MIRANDA
lhes arrendam o quarto aceitam fazê-lo
porque precisam de um rendimento
extra”, conta Natália Nunes. “Não es-
tamos a falar de arrendar um quarto a
um estudante, porque isso as famílias
portuguesas já fazem há muitos anos.
É mesmo arrendar quartos a famílias e,
em algumas situações, o sofá da sala é
usado por não haver camas suficientes.”
No conceito definido pelo INE, uma
casa está sobrelotada quando o número
de divisões não chega para a quantidade
de pessoas que lá vivem, tendo em conta
o seu perfil sociodemográfico. Isso sig-
nifica que cada casa deve ter um espaço
comum para a família (uma cozinha
ou sala, por exemplo). Deve também
ter um quarto por cada casal e um por
cada adulto. Duas crianças do mesmo
sexo (por exemplo, dois irmãos ou duas
irmãs) podem partilhar um quarto até
aos 17 anos, mas se forem de sexos dife-
NÃO FOI ENTRE
A POPULAÇÃO
IMIGRANTE QUE
A SOBRELOTAÇÃO
AUMENTOU EM 2023,
MOSTRAM
OS DADOS DO INE
POPULAÇÃO A VIVER EM CASAS
SOBRELOTADAS
Em %
12,9
9,4
2022 2023
POR TIPO DE FAMÍLIA
Em %
15,5
5 7,1
3,6
SEM CRIANÇAS COM CRIANÇAS
POR NACIONALIDADE
Em %
22,6 22,7
12,6
9,1
PORTUGUESA ESTRANGEIRA
POPULAÇÃO A VIVER
EM CASAS SOBRELOTADAS
Em % do total
17
14,6
14
11
8 -6
5 -12
2005 2010 2015
EVOLUÇÃO DO NÚMERO E VALOR TOTAL
DAS CASAS VENDIDAS EM PORTUGAL
Valor (em mil milhões de euros)
30
20
10
0 0
2009 10 11 12 13
EVOLUÇÃO DAS CASAS VENDIDAS
A PORTUGUESES E ESTRANGEIROS
A PORTUGUESES
Nº DE CASAS
(€MIL MILHÕES)
2022 157.178
2023 126.108
Var. (%) -20%
FONTE: INE
rentes deverão ter um quarto cada um
a partir dos 13 anos.
Nas últimas duas décadas, a sobrelo-
tação das casas em Portugal teve uma
tendência decrescente, num cenário já
muito distinto da realidade do país antes
da década de 1980, quando as famílias
tinham muito mais filhos e a partilha
de quartos entre irmãos era habitual. É
nesse contexto que o agravamento da
sobrelotação entre 2022 e 2023 se torna
ainda mais expressivo. Não só inverte a
tendência como indicia que o estado da
habitação e a situação económica das
famílias estão a impactar negativamente
as condições em que vivem.
Além de ter aumentado a sobrelo-
tação das casas em Portugal, o INE
mostra também um agravamento das
condições em que as pessoas vivem.
Em 2023, 6% da população estava em
privação habitacional severa, ou seja,
morava numa casa sobrelotada onde ha-
via humidade, falta de saneamento ou
pouca luz natural. O indicador não foi
recolhido em 2021 nem em 2022, mas
quase que duplicou face a 2020 (3,9%).
Crédito para pagar caução
Conjugados os vários efeitos da crise,
o impacto foi sentido no mercado imo-
biliário. No ano passado, o número de
casas vendidas em Portugal foi o mais
baixo desde 2017 e a queda foi clara-
mente mais intensa entre os portugue-
ses. Segundo dados do INE, o número
de casas compradas por nacionais caiu
PRIMEIRO CADERNO 21
POR GRUPO ETÁRIO
Em %
Vistos gold
inflacionaram
21,8
16 13,9
10,2
3 4,4
0-17
ANOS
18-64
ANOS
+ 65
ANOS preços das casas
POR TIPO DE OCUPAÇÃO
Em %
Estudo identifica efeito dos cias”, dizem os autores. “As pes-
23,6 vistos gold nos imóveis mais soas começaram a comprar casas
21,1
17,4 caros. Após entrada do por €500 mil com pior qualidade
9,4 programa em vigor, houve do que anteriormente.”
um aumento de 60% de casas Questionado sobre se houve um
vendidas por 500 mil euros efeito de contágio nos imóveis
PROPRIETÁRIO ARRENDATÁRIO abaixo desse patamar de €500
Os vistos gold foram um dos fato- mil, o investigador sublinha que a
res que contribuíram para aumen- análise só permite ver esse efeito
SITUAÇÃO ECONÓMICA tar os preços das casas em Portu- em casas que, “na ausência do re-
Em % gal, conclui um artigo científico gime, poderiam ter sido vendidas,
27,7 publicado pelo Institute of Labor em média, por 475, 480, 490 mil
Economics, na Alemanha, e di- euros”. Contudo, admite, “à me-
20,5
vulgado pelo Observatório Fiscal dida que o tempo foi passando,
9,8 Europeu. Depois da entrada em houve um contágio para os valo-
7,2 vigor deste regime, que permitia res mais baixos, exacerbado pelo
dar vistos de residência a quem facto de existir pouca construção
EM RISCO SEM RISCO comprasse uma casa por um míni- e a que existe ser direcionada para
DE POBREZA DE POBREZA mo de €500 mil, e face ao período uma gama mais alta”.
anterior, houve um aumento de João Pereira dos Santos frisa
60% de imóveis vendidos precisa- que os vistos gold “não foram a
PREÇOS DA HABITAÇÃO mente por esse valor, sugerindo única variável a contribuir para
Variação média anual (%) do Índice de Preços
a existência de uma distorção de o aumento dos preços das casas”,
da Habitação
preços para que as casas fossem referindo outros fatores como o
abrangidas pelo programa. alojamento local, a abertura de
“Concluímos, em primeiro lu- novos hotéis ou o regime de resi-
12
gar, que os vistos gold afetaram os dentes não habituais. “O aumento
preços das casas transacionadas do turismo e da imigração infla-
6
12,9 8,2 na proximidade de meio milhão cionaram a procura. Mas o que a
de euros, não só por terem levado nossa investigação confirma é que
0
a um aumento da procura por par- o regime de vistos gold contribuiu
te de estrangeiros de fora da Uni- e é um desses fatores.”
ão Europeia, que beneficiaram do
visto, mas também porque houve Faltam mais dados
uma sobrerreação dos consumi-
2020 2023 2011 2015 2020 2023 dores e vendedores portugueses”, Um estudo encomendado pelo
explica João Pereira dos Santos, anterior Governo, realizado por
um dos autores do artigo, investi- um grupo de trabalho composto
por vários ministérios, avança-
do pela Rádio Renascença há um
Nº de casas (em milhares) “Os vistos gold não foram ano, também concluiu que os vis-
150 a única variável a contribuir tos gold “promoveram” a subida
para aumentar o preço das dos preços das casas “nas zonas
100 casas. Mas confirma-se que de maior pressão”. Em julho de
foram uma delas”, diz João 2023 foi aprovado no Parlamento
50 Pereira dos Santos o fim da atribuição dos vistos para
investimento em imóveis, com os
votos favoráveis do PS, BE e PCP,
14 2015 16 17 18 19 2020 21 22 23 gador no Queen Mary University e contra do PSD, IL e Chega.
of London e professor no ISEG. O mercado imobiliário tem es-
Além de os investidores estran- perança de que o novo Governo
geiros terem acabado por pagar ressuscite os vistos gold. Hugo
mais pelas casas do que teriam Santos Ferreira, da Associação
pago antes do programa, os com- Portuguesa de Promotores e In-
A ESTRANGEIROS pradores portugueses foram tam- vestidores Imobiliários, admitiu
VALOR Nº DE CASAS VALOR bém ‘arrastados’ pela alteração. recentemente ao Expresso ter a
(€MIL MILHÕES) “Apesar de não terem benefício “expectativa de que o novo Go-
28,17 10.722 3,62 direto por não precisarem do vis- verno possa fazer um trabalho de
24,44 10.391 3,57 to, incorporaram na sua decisão reabilitação da imagem e relança-
-13% -3% -1% de compra a informação de que mento”, referindo um “regime de
tinha havido um aumento grande arrendamento verde e de arren-
da procura, dando uma impor- damento acessível”, no sentido de
20% — com uma descida de 13% no valor tância exagerada a essa saliência o Estado atribuir vistos a quem
total investido — enquanto que a quebra do valor de €500 mil”, diz o autor. invista em imóveis para colocar
na compra de imóveis por investidores A análise partiu do cruzamento no mercado.
estrangeiros foi de 3%. Ainda assim, em de dados do IMT (o imposto pago Para discutir “de forma séria”
2023, os preços da habitação continua- sempre que um imóvel é compra- sobre se os vistos gold devem ou
ram a subir (8,2%), mesmo que menos do) e do IMI (Imposto Municipal não ser mantidos, João Pereira
do que no ano anterior (12,6%). sobre Imóveis, que dá uma medida dos Santos diz que são precisos
Ao gabinete de proteção financeira da da qualidade da casa através do mais dados. “Não sabemos se as
Deco têm chegado muitos pedidos de seu valor fiscal). Os investigadores casas foram compradas por pes-
ajuda, incluindo de casais já separados, focaram-se no período entre 2010 soas que se fixaram em Portugal
com filhos, que continuam a viver jun- (antes da entrada em vigor dos ou que só vêm 14 dias, o que tem
tos por não conseguirem, sozinhos, pa- vistos gold em 2012) até 2019, para impactos diferentes no consumo
gar uma casa. Natália Nunes diz que há eliminar os efeitos posteriores da privado. Não sabemos se as casas
situações de “desespero total” que vão crise e da pandemia. Em quase estão fechadas ou colocadas em
muito além da questão da sobrelotação. dez anos, o regime teve 12 mil can- arrendamento, nem onde foram
“Está a crescer o número de famílias didaturas e gerou €7 mil milhões, compradas, se em zonas de rea-
que recorrem a créditos pessoais para o que comprova a atração de in- bilitação ou mais turísticas. E era
pagarem a prestação da casa ao banco, vestimento estrangeiro, embora possível saber, porque os dados
as rendas e, especialmente, os meses de tenha “trazido outras consequên- existem.”
caução exigidos pelos senhorios para
conseguir um contrato. É o desespero
de ter um teto que leva as famílias a
fazerem estes créditos, até porque es-
tão conscientes de que depois não vão
conseguir pagar as rendas.”
Um desses casos foi o de uma mãe
com três filhos, que teve de procurar
casa na Margem Sul depois de o contra-
to de arrendamento em Lisboa não ter
sido renovado. A única casa que encon-
trou tem uma renda perto de €1000,
não muito longe do salário que recebe
mensalmente, o que a levou a pedir um
crédito pessoal para pagar os meses de
caução e as primeiras rendas. “A única
preocupação da mãe era ter uma casa
onde pôr os três filhos.”
ralbuquerque@expresso.impresa.pt Vistos gold atraíram €7 mil milhões em dez anos FOTO LUÍS BARRA
22 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de março de 2024

JUSTIÇA

“Xuxas” e cúmplices
chamam 137
testemunhas
Julgamento começa na próxima terça-feira. Prazo para
prisão preventiva do traficante esgota-se em junho
Hugo Franco
Rúben “Xuxas” Oliveira e os
seus cúmplices no caso que in-
vestiga uma das maiores redes
de cocaína em Portugal cha-
maram 137 testemunhas para
o julgamento que se inicia no
dia 2 de abril.
Num documento judicial a que
o Expresso teve acesso, o Tri-
bunal Central Criminal de Lis-
boa não colocou entraves a esta
grande quantidade de pessoas
convocadas pelas defesas. No
rol de testemunhas, há cidadãos
portugueses e estrangeiros. “A
maioria são familiares, amigos,
ou pessoas com quem os argui-
dos fizeram negócios”, conta
uma fonte próxima do processo.
Outra fonte judicial lembra
que o prazo de prisão preven-
tiva de “Xuxas” está a chegar
ao fim, terminando em junho,
e que o grande número de pes-
soas arroladas como testemu-
nhas pode ser uma manobra
dilatória para que o traficante
seja libertado antes do final do
julgamento. O suspeito está de-
tido na prisão de alta segurança
de Monsanto, em Lisboa. O Ex-
presso contactou Vítor Parente
Ribeiro, advogado de Rúben
Oliveira, mas este não respon-
deu às dúvidas colocadas.
Duas queixas ao Tribunal
dos Direitos do Homem
O tribunal já marcou as datas
para as sessões do julgamento,
que terá uma segurança refor-
çada por elementos da PSP.
Há 24 audiências agendadas
desde 2 de abril até 12 de ju-
lho. Dado o elevado número
de testemunhas é expectável
que sejam marcadas novas
audiências.
Rúben Oliveira fez duas quei-
xas ao Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem em junho
e em novembro do ano passado
“por não lhe estar assegurado
um julgamento justo e impar-
cial” e porque considerou que
“não lhe foi garantido um juiz
de instrução imparcial, tendo
sido violados os artigos 6º e 13º
da Convenção Europeia dos Di-
reitos do Homem”. As queixas
ainda não tiveram resposta por
parte daquele tribunal.
O grande número
de pessoas arroladas
pela defesa é visto
como uma possível
manobra dilatória
O Tribunal Central
Criminal de Lisboa
não colocou entraves
a esta quantidade
de testemunhas
A defesa pretende também
chamar a atenção do Tribunal
de Justiça da União Europeia so-
bre as diligências levadas a cabo
pelas autoridades francesas, ho-
landesas e belgas, no acesso aos
servidores das empresas Encro-
chat e Sky ECC [dois sistemas de
comunicação altamente encrip-
tados que eram usados por mui-
tas redes criminosas europeias
e que foram desmantelados por
estas polícias, levando à deten-
ção de centenas de traficantes
em toda a Europa], alegando
que “violam de forma flagrante
o Direito da União Europeia, no-
meadamente diversas diretivas
e bem assim a Carta da União
Europeia”.
Durante a fase de instrução,
ao contrário do que pretendia a
defesa, o juiz Carlos Alexandre
validou as provas obtidas no
Encrochat e no Sky ECC.
Rúben Oliveira foi o primei-
ro do grupo, que agora vai a
julgamento, a ser preso pela
Polícia Judiciária, em junho de
2022, numa rua dos Olivais, em
Lisboa, quando estava de visita
a familiares. Cerca de quatro
meses depois foram detidos
mais suspeitos de pertencerem
a uma rede de tráfico de droga
que tinha ligação direta com
o major Sérgio Carvalho, um
ex-militar que é considerado
o Escobar brasileiro, e com o
Primeiro Comando da Capi-
tal, um dos principais grupos
criminosos do Brasil. O clã do
Golfo, do México, também se
associou aos portugueses.
Oito dos arguidos estão em
prisão preventiva e constituem
o grupo que o MP suspeita ser o
“núcleo duro” da organização.
Entre os acusados estão José
“Xulinhas” Afonso, sócio de
“Xuxas” e um dos mais impor-
tantes membros do grupo; Ri-
cardo Macedo, cunhado do che-
fe; Dércio Oliveira, o irmão que
tomou conta do negócio depois
da primeira vaga de detenções;
Carla Sofia, ex-mulher do líder;
Punil Narotamo, o responsável
pelas operações no aeroporto
de Lisboa; Gurvinder Singh,
dono da empresa que importou
a fruta onde a polícia encontrou
a droga que desencadeou toda a
operação, e António Freitas, ad-
vogado e “homem de confiança”
de “Xuxas”. Rúben Oliveira, conhecido
O grupo terá movimentado por “Xuxas”, está preso
uma tonelada de droga entre a preventivamente desde
América do Sul e a Europa. Es- junho de 2022 na prisão
tão acusados de crimes que vão de alta segurança de
do tráfico ao branqueamento. Monsanto FOTO D.R.
hfranco@expresso.impresa.pt

Peritos querem que Tribunal de Contas audite gestão de fundos

Peritos de think tank
ligado à PGR querem
análise independente à
estrutura responsável pelo
dinheiro de Bruxelas
Um think tank especializado
em fundos europeus e associa-
do à Procuradoria-Geral da Re-
pública (PGR) vai pedir ao Tri-
duas abstenções em mais de 20 meses antes, os peritos apon- em fundos europeus que tem
votantes, num grupo composto tam várias falhas à estrutura acompanhado de perto os per-
por magistrados, polícias, pro- de gestão das verbas europeias: calços dos últimos anos.
fessores universitários, mem- “ausência de avaliação horizon- Esta falta de organização e
bros da Comissão Europeia — e tal do risco de fraude”, falta de transparência “cria desigual-
também quadros de entidades supervisão sucessiva e “limi- dades no acesso aos fundos e
da Administração Pública com tações da informação sobre a concorre para a fraude e a cor-
responsabilidades de fiscaliza- execução” dos fundos. Além rupção”: “Pode haver verbas
ção, como a Inspeção-Geral de disso, sublinham a “omissão de difícil acesso que vão para
Finanças e a Agência para o De- de procedimentos” quanto à uma empresa com meios para
FOTO TIAGO MIRANDA

bunal de Contas (TdC) que faça
uma auditoria externa ao atual
modelo de gestão e fiscalização
das verbas vindas de Bruxelas,
confirmou o Expresso junto de
fontes próximas do processo.
A decisão foi tomada pelo
grupo esta semana, dias depois
de Ministério Público e Polí-
cia Judiciária terem realizado
buscas em todo o país no âm-
bito da Operação Maestro: o
empresário Manuel Serrão é
suspeito de desviar verbas eu-
ropeias para benefício pessoal,
com a cumplicidade de funcio-
nários públicos. Podem estar
em causa dezenas de projetos
fraudulentos e um desvio na
ordem dos €65 milhões.
O pedido de auditoria do
think tank foi aprovado com
senvolvimento e Coesão (ADC).
Esta não é a primeira tentati-
va dos peritos para analisar os
modelos de controlo dos fun-
dos. Ao Expresso, fonte oficial
do think tank diz que o tema
“tem sido objeto de reflexão
recorrente” e o pedido ao TdC
só avançou “depois de terem
sido inviabilizadas outras pos-
sibilidades para um diagnós-
tico externo independente”,
nomeadamente um estudo so-
bre a interoperabilidade dos
sistemas que ficou na gaveta
por alegada falta de financia-
mento público — apesar de o
atual quadro comunitário pre-
ver dinheiro para isso.
No final de janeiro os peritos
já tinham manifestado “preo-
cupação com as fragilidades
Manuel Serrão é suspeito de ter desviado verbas europeias
do sistema de controlo interno”
Grupo é composto que as autoridades de gestão e
fiscalização utilizam na gestão
por magistrados, das verbas. Além das falhas de
polícias, professores interoperabilidade entre siste-
e membros da mas, as deficiências dos canais
Comissão Europeia de denúncia também foram
expostas.
Nesse trabalho, feito para
analisar o “Relatório de Acom-
panhamento do Ministério Pú-
blico na Comissão de Auditoria
e Controlo do PRR”, publicado
avaliação dos beneficiários e
das suas candidaturas e ainda
uma “ausência de plano para
verificações no local”.
“Há projetos que chegam a
ter 40 denominações associa-
das”, lamenta ao Expresso um
funcionário público que fisca-
liza a aplicação das verbas eu-
ropeias. O cenário é idêntico
nas plataformas: um programa
de uma entidade pública pode
ser atualizado no final de um
quadro plurianual de apoios e
por isso deixar de funcionar em
rede com software de outras
entidades onde não foi substi-
tuído. “As entidades não estão a
comunicar umas com as outras,
não há cruzamento de dados, e
é preciso que alguém se chegue
à frente”, sublinha um perito
pagar a consultores, quando,
se calhar, uma empresa mais
pequena precisava mais”,
exemplifica.
A ADC, que fiscaliza al-
guns dos maiores pacotes do
PT2030, diz ao Expresso que
as autoridades de gestão no ter-
reno (como a Compete ou as
CCDR, no caso de programas
regionais) são “responsáveis
pelos sistemas de informação
e suporte à gestão dos fundos”,
tendo de garantir que estes
funcionam com as plataformas
centrais da ADC — como o Bal-
cão dos Fundos, por exemplo,
uma “melhoria que ainda as-
sim deixa muito a desejar”, nota
uma fonte.
Tiago Soares
tsoares@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 23

EDUCAÇÃO

Professores querem
adiar exames
digitais, serviços
garantem condições
Adiamento das provas em computador no 9º ano
não é impossível, mas é “difícil”, assume Júri de Exames Está previsto que este ano os exames do 9º sejam feitos em computador FOTO RUI DUARTE SILVA

Isabel Leiria
Se no ano letivo passado foi
possível realizar centenas de
milhares de provas de aferição
em computador, também será
possível garantir em junho que
cerca de 90 mil alunos do 9º
ano façam o exame nacional
de Matemática e, dois dias de-
pois, o de Português em supor-
solução profissional”, defende que vão ser feitos pelos alunos de computador e internet ao o processo”, explica o presi- bretudo porque implica garantir
Fernanda Ledesma. do 9º ano. E, tal como no ano mesmo tempo] e poderão ser dente do JNE. um fornecedor que entregue a
Esta semana foi anunciada passado, os exames também feitos em modo offline. Tudo Mas se se quisesse prolongar tempo o papel necessário para os
uma verba de €6,5 milhões do vão ser organizados em dois isto foi explicado às escolas e por mais um ano a realização de exames, que seriam impressos
Ministério da Educação para a turnos [para evitar que este- nenhuma nos disse que não ti- exames em papel? “Não é impos- em milhões de folhas”, explica.
aquisição de equipamento por jam tantos alunos a precisar nha condições para assegurar sível, mas seria muito difícil. So- ileiria@expresso.impresa.pt
parte das escolas, mas apenas
para substituir os que já não
têm arranjo ou foram extra-
viados. E estes são apenas uma
pequena parte dos que estão
inoperacionais, lembra a pre-

Prémio
te digital. A convicção é assu- sidente da ANPRI, defendendo,
mida pelo presidente do Júri por isso, o adiamento por um

Nacional
Nacio nal de Exames (JNE), ano da digitalização das provas
Luís Almeida, num momento do 9º ano: “Era importante dar

em que diretores e professo-
res questio nam a existência
de condições nas escolas para
se avançar com a digitalização
dos testes e acabar com as pro-
Turismo
um passo atrás, aproveitar o
tempo para resolver os proble-
mas, para depois dar dois em
frente com segurança.”
Também os presidentes das UMA INICIATIVA:

vas em papel e caneta no final duas associações de diretores

deste nível de ensino.
O problema, aponta a presi-
dente da Associação Nacional
de Professores de Informática
(ANPRI), Fernanda Ledesma,
é a quantidade de computa-
dores que se foram avariando
nas escolas e se amontoam nas
prateleiras sem que haja capa-
cidade para os reparar. Por fal-
ta de verbas para o efeito — as
garantias dos portáteis distri-
buídos a todos os alunos com
verbas do PRR já expiraram
e os orçamentos que estão a
ser pedidos para o arranjo são
muito elevados — e por falta de
técnicos nas escolas que assu-
mam essa função. “De há uma
década para cá que têm sido
os professores de Informáti-
ca a dar um jeitinho. Só que
as escolas têm agora milhares
de portáteis ‘nas mãos’. Isso
obriga a que se pense numa
NÚMEROS
manifestam dúvidas sobre o
avanço do processo de desma-
terialização dos exames. Por
questões técnicas, mas também
pelo facto de os alunos pode-
rem não estar em condições de
igualdade na hora de fazer as
provas — uns terão já treinado
responder a questões no com-
putador e têm equipamentos,
outros não. Com uma preo-
cupação adicional: é que se as
provas de aferição não contam
para a nota, no caso do 9º ano a
avaliação externa tem um peso
de 30% na classificação final
das disciplinas de Português e
Matemática.
Decisões da próxima equipa
Com uma nova equipa à frente
do Ministério da Educação a
partir da próxima semana, o
processo terá de ser ou confir-
mado ou reavaliado. No caso
das provas de aferição, mais
do que decidir uma improvável
reversão para formato papel, o
próximo ministro ou ministra
terá de determinar se, e quan-

197
mil foi o número de
provas nacionais realizadas
no ano passado pelos
alunos do 9º ano a
Matemática e Português
do, avança para a medida que
constava do programa eleito-
ral da Aliança Democrática e
que implica mudar os anos de
escolaridade em que são reali-
zadas. Em vez de ser no 2º, 5º
e 8º anos, a AD defende que se-
jam feitas no 4º e 6º anos, igual-
mente sem contar para a nota,
mas com divulgação pública
dos resultados por agrupamen-
to escolar, para que sejam mais BPI e o Expresso promovem uma Portugal é uma referência mundial

43%
foi a média obtida no exame
de Matemática. A Português
o valor foi bem mais alto: 62%
valorizadas. Se essa alteração
se confirma ou se ficará só para
o próximo ano letivo (as pri-
meiras provas de aferição estão
marcadas já para maio) será
uma das primeiras decisões a
tomar pelo novo Executivo.
Quanto aos exames do 9º
ano, a avaliação prende-se com
o avançar ou adiar o fim dos
exames com papel e caneta.
Da parte das estruturas que as-
seguram a realização das pro-
vas nacionais — o Instituto de
Avaliação Educativa, que faz
os enunciados, e o JNE, que
define regras e procedimentos
nova edição do Prémio Nacional do turismo. Inscreva-se e mostre que
de Turismo. o seu proj
o eto é uma boa razão para
celebrarmos.
Pelo 6º ano consecutivo, vamos
Candidaturas abertas até 31 de maio.
reconhecer e premiar os melhores
proj
o etos nas categorias de Turismo
Autêntico, Turismo Gastronómico,
Turismo Inclusivo, Turismo Inovador Saiba mais e inscreva-se em
PREMIONACIONALTURISMO.PT
e Turismo Sustentável.
COM O APOIO INSTITUCIONAL DE: COM O ALTO PATROCÍNIO: KNOWLEDGE PARTNER:

— garante-se que existem to-

das as condições para avançar
já. “O número de provas de
aferição realizadas em 2023,
em qualquer dos níveis de en-
sino, é superior ao de testes
24 PRIMEIRO CADERNO
ORDENAMENTO D O TERRITÓRIO
A grande maioria dos
terrenos registados em
nome de pessoas que já
morreram estão no Norte
e Centro FOTO ANA BAIÃO
Pelo menos 30% dos terrenos
rústicos em nome de defuntos
Governo cessante aprovou proposta que reduz prazos para aceitação de heranças
Carla Tomás
Um projeto de lei da reforma da
propriedade rústica foi aprovado
no último Conselho de Ministros
do Governo de António Costa, na
segunda-feira passada. Entre as
medidas propostas para prevenir e
transformar a paisagem e valorizar
economicamente a floresta, para
que o país possa enfrentar melhor
o risco de incêndio, está a redução
dos prazos para reclamar heranças
e para as registar, como sugerido no
documento apresentado em julho
de 2023 pelo Grupo de Trabalho da
Propriedade Rústica.
A versão final do texto ainda não
é conhecida, mas o Expresso apu-
rou que a habilitação de herdeiros
(que não tem prazo atualmente)
passa a ter um prazo de seis me-
ses para ser concretizada e dois
anos para a aceitação ou repúdio da
sucessão — o que até agora podia
durar até uma década.
Aprovar esta legislação é essencial
num país onde “30% dos prédios rús-
ticos ainda estão em nome de defun-
tos”, frisa ao Expresso Pedro Bingre
do Amaral, um dos especialistas en-
volvidos no grupo de trabalho. Esta
Rede Natura: novo Governo herda atrasos
Metade dos 61 planos de
gestão das zonas especiais
de conservação prontos para
aprovação. Portugal corre
o risco de ser multado
Portugal acelerou nos últimos dois
anos a elaboração dos obrigatórios
planos de gestão de zonas especiais
de conservação (ZEC). Pelo menos
28 dos documentos que definem os
objetivos de conservação de habitats
e espécies presentes nas respetivas
áreas da Rede Natura 2000 estão já
finalizados e há mais quatro em fase
final. O Executivo de António Costa
não os aprovou, mas constam da
“pasta de transição” que o Instituto
de Conservação da Natureza e das
Florestas (ICNF) tem para apre-
sentar ao Governo de Luís Monte-
constatação resulta do cruzamento
de dados da Autoridade Tributária e
do Instituto de Registo e Notariado
e só inclui as propriedades rústicas
em nome de pessoas que morreram
entre 2003 e 2016, esclarece Pedro
Bingre. “O que pode significar que
pelo menos o dobro, ou seja 60% dos
prédios rústicos, estão em nome de
pessoas já falecidas”, explica.
O professor do Instituto Politéc-
nico de Coimbra recorda que o
levantamento feito pelo grupo de
trabalho indica que “Portugal tem
20 milhões de prédios/proprieda-
des registadas, dos quais cerca de 11
milhões são rústicos”. E pelo menos
um terço destes estão registados
em nome de pessoas que já morre-
ram. A grande maioria localiza-se
na região Norte e Centro.
É “positivo que o Governo socialista
tenha conseguido aprovar a proposta
recomendada”, frisa ao Expresso Rui
Gonçalves, coordenador do grupo
de trabalho (entretanto extinto). O
problema é não ter ainda força de
lei. Por tratar-se de “um instrumento
essencial para resolver o problema
das heranças indivisas em geral”,
Rui Gonçalves, está positivamente
expectante de que o novo Governo,
chefiado por Luís Montenegro, o
negro, apurou o Expresso. Além
destes, há mais nove que entraram
esta semana em consulta pública e
outros 13 relatórios quase prontos
para avaliação. Seis em 61 estão ain-
da por fazer. O ICNF espera assim
conseguir “acalmar” o contencioso
com Bruxelas.
Portugal está no banco dos réus
do Tribunal de Justiça da União
Europeia por “incumprimento das
suas obrigações ambientais quan-
to à adoção de medidas de conser-
vação necessárias” para proteger
as espécies e habitats das 61 ZEC,
como é exigido pela Diretiva Habi-
tats. A última advertência chegou
a 7 de fevereiro e instou Portugal a
cumprir um acórdão de 2019 que,
na sequência de uma ação da Co-
missão Europeia, obrigava o país a
apresente à nova Assembleia da Re-
pública, que é a entidade que pode
consumar a aprovação da lei.
Sobre este tema, o programa elei-
toral da AD apenas fala em “sim-
plificar os processos de registo de
propriedade, combinando o registo
de âmbito notarial e fiscal, e dimi-
nuindo os custos de transação em
particular de propriedades rústicas
de pequena dimensão, contribuindo
Estima-se que 4 milhões
em 11 milhões de prédios
rústicos estão em nome
de pessoas que morreram
entre 2003 e 2016
para uma menor pulverização da
propriedade e uma mais rentável
gestão do território”.
Seguindo o proposto pelo grupo
de trabalho, o projeto de lei apro-
vado no último Conselho de Minis-
tros também deve indicar que, se
os prazos não forem cumpridos,
“deve ser nomeado um adminis-
trador de heranças como o que já
existe por exemplo para a admi-
nistração de insolvências”, explica
Rui Gonçalves. Outra das medidas
concretizar a cartografia e os refe-
ridos planos com medidas e meios
concretos para gerir estas áreas que
no total cobrem 21% do território,
sob pena de ter de pagar uma multa
de milhares de euros. Para os con-
cretizar foram disponibilizados 4,7
milhões de euros, em 2016 (com
recurso ao POSEUR). A cartogra-
fia foi feita, apesar da dificuldade
enfrentada pelos técnicos do ICNF
em entrarem em muitos terrenos,
na sua maioria privados.
“Somos o país da Europa com
menos área protegida em terre-
nos públicos, o que leva a grande
conflitualidade na gestão de áreas
protegidas” , lembra Pedro Bingre.
O especialista em ordenamento do
território e presidente da Liga para
a Proteção da Natureza (LPN) apon-
equacionadas é a proibição do fra-
cionamento da propriedade quando
esta corresponde a parcelas inferio-
res à unidade mínima de cultura
fixada para cada zona do país. E se
os proprietários não se entenderem
quanto a tornas para quem ficar
com o prédio, deverão vender. “O
Programa Emparcelar para Orde-
nar prevê benefícios financeiros
para quem comprar propriedades
nestas condições”, esclarece.
Para o coordenador do grupo de
trabalho, acabar com a situação
das propriedades indivisas é posi-
tivo para a prevenção de incêndios
e para dinamizar investimentos.
Como exemplo recorda a situação
de “um grupo de produtores de vi-
nho que precisou de uma década
para conseguir acertar com 50 her-
deiros a compra de terrenos para
produzir vinho no Douro”. Mas o
especialista lembra que “o proble-
ma não se resume à propriedade
rústica, mas também afeta a urba-
na” e que “uma das razões para a
atual crise da habitação deve-se à
situação de prédios urbanos devo-
lutos durante anos e anos, sem que
os herdeiros se entendam e sem que
se consiga estimular o mercado”.
ctomas@expresso.impresa.pt
ta esta “conflitualidade” como uma
das razões para o “contínuo adiar
da aprovação”. Outras resultarão do
“mero desinteresse político ou a fal-
ta de orçamento”. O biólogo Jorge
Palmeirim, também da LPN, lamen-
ta que os planos de gestão das ZEC,
apresentados em consulta pública,
“não prevejam recursos financeiros
e humanos para os aplicar”.
Já Paulo Lucas, da associação
Zero, considera que “a preocupa-
ção agora é fazer avançar o processo
de forma célere, para evitar que se
agrave o contencioso no Tribunal
Europeu”. E acrescenta: “As ZEC
não podem estar só dependentes
de projetos de conservação Life de-
senvolvidos pelas organizações não
governamentais do ambiente” com
apoio comunitário. C.T.
Expresso, 29 de março de 2024
O FUTURO
DO FUTURO
Proteínas
sem medo
Para cada fobia,
um comprimido.
Universidade de Coimbra
aposta no desenvolvimento
de terapia que promete
ajudar a esquecer o medo
Ninguém questiona o terrível caso
da aranha que pica e deixa pavor
nas vítimas ao mínimo vislumbre
na TV, mas na Universidade de
Coimbra (UC) há a expectativa de
que tudo se resuma a proteínas.
Até porque o medo aprende-se e
desaprende-se. E mesmo que haja
medo de aranhas, de nada vale o
medo de ratinhos. Caso contrário,
Mónica Santos não teria conse-
guido levar a cabo os primeiros
ensaios na esperança de criar
uma nova terapia.
“Estamos a estudar drogas que
já existem e poderão ser usadas
para ativar a proteína Trkc. Temos
uma colaboração com a Universi-
dade AIM do Texas e temos feito
testes com uma molécula sintética
que tem como alvo a Trkc, e que
queremos testar com o objetivo
de ajudar à extinção do medo em
ratinhos”, responde a investiga-
dora do Centro de Neurociências
e Biologia Celular (CNBC).
A Trkc pode habitar os neuró-
nios de várias áreas do cérebro,
mas é na amígdala que dá — ou
tira — medo. Num artigo publica-
do na revista “Molecular Psychia-
try”, investigadores de Coimbra
explicam como esta proteína tem
um papel determinante nas me-
mórias do medo que ficam a pai-
rar, tanto em quem sofre de um
ataque de aranha como em quem
teve experiências traumáticas
(desastres de automóvel, violên-
cia) ou a insondável recusa de an-
dar de avião ou elevador. Medos
há para todos os desgostos, mas
para cada molécula de Trkc dá
jeito uma molécula da proteína
Neurotrofina 3 que a ativa — pelo
menos foi essa a convicção com
que ficaram os investigadores da
UC depois de descobrirem que
Trkc e Neurotrofina 3, quando se
ligam, tendem a facilitar a extin-
ção das memórias do medo. Só
que nem sempre é assim: e por
isso há ratinhos que superam o
medo com o tempo, e ratinhos
que permanecem medrosos.
“A Trkc funciona como fecha-
dura. E a Neurotrofina 3 é, neste
cenário, uma chave”, descreve
Mónica Santos. “Nos casos em
que não há extinção do medo,
eventualmente, a fechadura está
torta ou a chave não chega onde
deveria chegar na amígdala.”
Mesmo sem saberem ao certo o
que impede o encaixe com a Trkc
dentro dos neurónios da amíg-
dala, os cientistas da UC estão
a estudar o desenvolvimento de
moléculas que permitam levar a
Neurotrofina 3 a passar a barrei-
ra hematoencefálica que filtra o
sangue do cérebro, em paralelo
com a análise de medicamentos
que produzem efeitos similares,
mas são usados noutras maleitas.
A segunda alternativa será sem-
pre mais célere, porque já está au-
torizada e testada para uso clínico.
Mónica Santos dá uma ideia de
como pretende ajudar as pessoas a
mandar o medo embora, à medida
que aprendem a conviver com o
que as aflige: “Imaginemos uma
sessão de psicoterapia (com expo-
sição ao fator do medo). No final,
o paciente pode tomar um compri-
mido para fortalecer a aprendiza-
gem e uma nova memória substi-
tuirá aquela que motivou a sessão.”
Nem tudo Freud explica.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
 Expresso, 29 de março de 2024
INTERNACIONAL RÚSSIA
Quatro cidadãos
do Tajiquistão
declararam-se
culpados, domingo,
em tribunal
FOTO OLGA MALTSEVA/AFP/GETTY IMAGES
Atentado É cada vez mais claro que Moscovo ignorou avisos dos serviços secretos ocidentais
Inércia é impossível,
retaliação arriscada
Catarina Maldonado
M
Vasconcelos
oscovo sempre
quis apresentar-
-se como capital
multirreligiosa e
promover rela-
ções pragmáti-
cas com os países
islâmicos. Não é
fácil, como com-
prova o ataque à sala de espetáculos
Crocus City. Na noite de sexta-feira,
dia 22, atacantes armados entraram
e dispararam em todas as direções
durante quase uma hora, enquanto es-
pectadores em pânico tentavam esca-
par. Em seguida incendiaram o local.
O Daesh-K, sucursal afegã do grupo
terrorista, reivindicou o atentado, que
se salda, por ora, em 143 mortos e pelo
menos 180 feridos.
“A Rússia fez um mau trabalho na
compreensão das ameaças”, diagnos-
tica William Alberque, do Instituto In-
ternacional de Estudos Estratégicos,
em Berlim. Fala de “miopia”. “Não
veem a ameaça de uma população
muçulmana marginalizada nem a sua
própria atitude racista e imperialista”,
afirma ao Expresso. Vê grande poten-
cial para “agitação”, uma “verdade
incómoda varrida para debaixo do
tapete” pelo Kremlin.
Quatro suspeitos, identificados
como cidadãos do Tajiquistão, decla-
raram-se culpados, domingo, no tri-
bunal. Mas Moscovo não dá resposta
as crescentes indícios que apontam
para o autointitulado Estado Islâmico.
“É uma vergonha pública Putin ter
sido avisado por secretas ocidentais e
não ter agido”, salienta Kelly Grieco,
investigadora do think tank Stimson
Center. “Aposto que continuará a cul-
par a Ucrânia, embora não haja pro-
vas”, prossegue, prevendo que “repri-
ma brutalmente as minorias étnicas
muçulmanas, como os chechenos”.
Culpar a Ucrânia é “fácil” para Pu-
tin. Kiev tem sido “bode expiatório
para todos os problemas da Rússia”,
lembra Nicolò Fasola, especialista em
assuntos militares russos na Universi-
dade de Bolonha. Frisa que as secretas
russas, “embora figurem entre as me-
lhores do mundo, não são perfeitas”, e
acredita que “o foco na Ucrânia possa
ter desviado a atenção e os recursos da
frente islamita”.
Putin agrava o perigo
Ao implicar “erroneamente” a Ucrâ-
nia, Putin “arrisca-se a não reduzir
o risco de futuros ataques”, alerta
William Courtney, investigador do
think tank RAND. “Pode ter aumen-
tado a ameaça do Daesh-K ao exibir
em público os seus combatentes seve-
ramente torturados.”
Ter telefonado aos líderes turco e
sírio, respetivamente Recep Erdogan
e Bashar al-Assad, pode indicar a in-
tenção de Putin de retaliar, “talvez
na Síria, onde ainda existem bases do
Daesh”, observa Fasola. Outro alvo
pode ser o Tajiquistão, ex-república
soviética que faz fronteira com o Afe-
ganistão e onde a Rússia tem forte pre-
sença militar, por a considerar terreno
fértil para terroristas islâmicos.
Fixado na “ameaça ucraniana”, Pu-
tin tem ignorado a bomba-relógio que
é a contestação entre a população mu-
çulmana da Rússia. Alberque frisa que
o Daesh “tem interesse em provocar
uma resposta brutal para aumentar o
apoio público às causas muçulmanas”,
o que poderá prejudicar a posição da
Rússia na Ásia Central e Médio Orien-
te. “Já iniciaram repressão interna
sobre trabalhadores da Ásia Central
na Rússia, mas atacarão o Daesh-K?
O Irão ofereceu apoio à Rússia, mas
esta pode estar tão fixada na narrativa
falsa de culpar a Ucrânia que isso não
aconteça.” Grieco lembra que o Daesh-
-K também tem como alvo o Irão, pelo
que o ataque em Moscovo “poderá le-
var a maior cooperação entre as forças
de segurança russas e iranianas”.
Durante décadas a Rússia tem es-
tado na mira do Daesh, acreditam os
analistas. A União Soviética foi po-
tência imperial com atuação brutal
na Ásia Central, para onde deportou
habitantes e transferiu povos de ou-
tras partes do seu império (como 1,2
milhões enviados para o Cazaquistão).
Desde então, tem trabalhado através
da Organização do Tratado de Segu-
rança Coletiva para apoiar esforços
locais contra o extremismo, mas não
apagou o passado, garante Alberque.
“Houve a brutal ocupação soviética do
Afeganistão e a conduta incrivelmente
selvagem da Rússia na segunda guer-
ra chechena, o apoio à opressão dos
muçulmanos pela Jugoslávia e a ten-
tativa de limpeza étnica na Bósnia e no
Kosovo. Há o apoio da Rússia a Assad
contra o Daesh e não é de ignorar a
supressão geral do islão na Rússia: um
Estado que se identifica como cristão
ortodoxo, apesar de a sua população
muçulmana ser a que mais cresce.”
No Norte do Cáucaso o terrorismo
religioso cruzou-se com reivindicações
separatistas. “A Rússia tem uma longa
história de repressão de minorias muçul-
manas”, explica Grieco. “Há muito que
há um problema de terrorismo interno.
Os serviços de segurança terão frustrado
ataques do Daesh no início deste mês,
mas falharam a prevenção deste.”
O ATAQUE NÃO DEVE
ENFRAQUECER PUTIN.
NÃO HÁ ALTERNATIVAS
E É ARRISCADO MUDAR
DE PRESIDENTE
DURANTE A GUERRA
Fasola deteta terreno comum entre
Moscovo e o Ocidente. “Este ataque
desvia a atenção para a questão per-
sistente do terrorismo e a sua relevân-
cia a nível global. Acredito que este
possa ser um bom ponto de partida
para a Rússia e o Ocidente retomarem
conversações pragmáticas num futu-
ro distante.” Foi o terceiro ato terro-
rista do Daesh em salas de espetácu-
los, depois dos cometidos no teatro
Bataclan, em Paris, em novembro de
2015, e no concerto de Ariana Grande
na Manchester Arena, no Reino Uni-
do, em maio de 2017.
Narrativa minada
O ataque não deve enfraquecer Putin,
“reeleito” com 87% dos votos. Não há
alternativas e é arriscado mudar de
Presidente durante a guerra. Mas o
seu apelo ao povo tem-se baseado na
garantia de estabilidade e seguran-
ça. “Este ataque mina a narrativa”,
considera Grieco. Courtney reforça:
“Tem sido a sua principal fonte de
legitimidade política. Além disso, o
ataque ocorre num momento em que
a guerra na Ucrânia está a tornar-se
menos popular na Rússia devido ao
elevado número de vítimas e aos cres-
centes custos financeiros.”
“Putin está numa situação difícil”,
acredita Alexander Motyl, professor
de Ciência Política na Universidade
Rutgers-Newark, nos Estados Unidos.
“Se reconhecer que foi o Daesh, estará
a admitir que ele e os serviços de infor-
mações ignoraram os avisos ociden-
tais. Mas retaliar contra o Daesh não é
fácil, uma vez que não têm instalações
fixas. Pior ainda, disseram, segundo a
imprensa iraniana, que continuarão
os seus ataques terroristas, pelo que
retaliar só poderá piorar as coisas.
Mas Putin deve responder, para não
parecer fraco e despreparado. “Se o
Daesh voltar a atacar em breve, já não
será possível culpar a Ucrânia.”
cmvasconcelos@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 25
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
Cooperação
entre a Rússia
e o Irão
O
Daesh, grupo que ambiciona
reconstruir na Ásia Central e
no subcontinente indiano uma
réplica do califado, reivindicou
a autoria do atentado terrorista de há
uma semana na periferia de Moscovo,
cidade fortemente policiada. O Kremlin,
todavia, tem acusado ou insinuado em
público que é a Ucrânia, com o apoio
dos Estados Unidos e do Reino Unido,
a verdadeira autora deste ataque contra
civis russos. Porquê?
Sobretudo porque tal é conveniente
para os objetivos políticos e as decisões
geoestratégicas do regime que Vladimir
Putin lidera. O terrorismo de 23 de mar-
ço permitir-lhe-á fazer as alterações que
entender convenientes a nível governa-
mental e aumentar ainda mais a repres-
são interna. O antagonismo em relação
a Kyiv, Washington e Londres é também
essencial para justificar a continuação
da guerra de agressão contra a Ucrânia.
A Rússia tem uma longa fronteira
terrestre na Ásia, Cáucaso e Europa.
Do ponto de vista geoestratégico, Putin
decidiu que a guerra contra a Ucrânia e
a ordem de segurança europeia era prio-
ritária para defender os interesses per-
manentes do seu regime e da Rússia. A
partir de 2022, os territórios ucranianos
ocupados, a propaganda e desinforma-
ção na Europa e Estados Unidos e a es-
tabilidade interna da Rússia para impedir
dissidência ou oposição passaram a ser
a principal missão dos serviços de segu-
rança russos. A Ásia Central e o Cáucaso
tornaram-se regiões secundárias para
Moscovo. Isso fez da capital russa um
alvo apetecível para o Daesh, que sempre
viu na Rússia um inimigo implacável que
tinha de ser atacado violentamente.
O Kremlin não alterará as suas deci-
sões geoestratégicas após o ataque de 23
de março. O “Ocidente”, ou seja, Estados
Unidos e aliados europeus, continuará
a ser o seu principal inimigo, o que leva
Moscovo a reforçar relações com Teerão
para tentar alterar a ordem internacio-
nal, diversificar exportações e importa-
ções e criar novas linhas de comunicação.
As relações diplomáticas de Moscovo
com a Pérsia começaram no início do sé-
culo XVI e foram tranquilas até ao início
do século XVIII, altura em que Pedro,
o Grande, iniciou campanhas militares
contra o império persa e o Cáucaso. No
século XX, as relações entre Moscovo e
Teerão continuaram a ser difíceis por
causa do alinhamento do Irão com Lon-
dres e Washington.
Nos últimos 15 anos, a ideia de que a
Rússia e o Irão são civilizações únicas, a
guerra pelo controlo da Síria, o messianis-
mo iraniano sobre o seu papel histórico e
geográfico que lhe permite ligar a Rússia
a partir do mar Cáspio ao golfo Pérsico e
oceano Índico, as visões de uma ordem
internacional multipolar e a necessida-
de de armamento e munições iranianas
para a guerra da Rússia contra a Ucrânia
aproximaram muito Moscovo de Teerão.
No início deste século, o terrorismo
da Al-Qaeda levou Putin a ver Washing-
ton e alguns países europeus como par-
ceiros políticos. Na altura, a orientação
geoestratégica da Rússia ainda era eu-
ro-atlântica. O 23 de março mostra-nos
o caminho percorrido pelo líder russo
desde então na conquista e manutenção
do poder e o preço das suas decisões
geoestratégicas para os russos e, por
agora, os ucranianos.
A pedido de Miguel Monjardino, o
Expresso respeitou a grafia Kyiv
usada pelo autor neste texto
e não a forma Kiev que o jornal
adotou
26 PRIMEIRO CADERNO
UNIÃO EUROPEIA
Direita radical já não pede saídas da UE.
Isso é bom ou mau para os europeístas?
A esmagadora maioria dos europeus não defende exits. Partidos eurocéticos pedem antes mudanças na UE
Os primeiros-ministros da Hungria e Itália, Viktor Orbán e Giorgia Meloni, numa reunião em Bruxelas FOTO PIER MARCO TACCA/GETTY IMAGES
Textos Ana França
Não existe um único Estado-
-membro da União Europeia
(UE) onde a população conside-
re que o seu futuro seria melhor
fora da UE. Na Polónia, Chipre
e Eslovénia o número dos que
“concordam totalmente” com
essa possibilidade atinge os
18%. E daí é sempre a descer.
Em Portugal, só 3% dos inquiri-
dos acham que estariam melhor
fora da UE, os mesmos que na
Dinamarca. No pódio está ain-
da a Irlanda, onde apenas 4%
dos cidadãos veem o futuro mais
brilhante longe dos 27.
Não é estranho, por isso, que
o tema das saídas, muito bada-
lado depois do ‘Brexit’ — que
acabou por se revelar uma ideia
sem grandes benefícios para os
britânicos, que quiseram fechar
as fronteiras e nunca tiveram
tantos imigrantes e refugiados
a chegar ao país —, já não seja o
prato forte das campanhas das
forças populistas, até das con-
sideradas radicais. “A grande
maioria dos eleitores tem ati-
tudes favoráveis à integração
europeia e, neste clima interna-
cional, a guerra da Ucrânia tem
ajudado a consolidar a UE como
âncora importante do ponto de
vista da democracia, da segu-
rança. A bandeira da saída não
se reflete em grandes ganhos
eleitorais”, diz ao Expresso o
investigador Marco Lisi, da Uni-
versidade Nova de Lisboa, que
tem centrado a sua pesquisa nes-
tes fenómenos a nível europeu.
Uma UE à la carte
Um exemplo deste novo eu-
roceticismo adaptado é Geert
Wilders, o neerlandês que é dos
políticos populistas com mais
antiguidade nos palcos euro-
peus e que venceu as legislativas
nos Países Baixos em novembro
do ano passado, apesar de não
ter conseguido maioria para
governar sem apoio. O progra-
ma do seu Partido da Liberdade
(PVV, extrema-direita) pede um
referendo ao ‘Nexit’, junção das
primeiras letras de Nederland
com exit (saída), à imagem do
‘Brexit’ (Britain + exit), mas
Wilders nunca verbalizou essa
intenção em campanha. Já disse
que vê a UE como cooperação
estreita entre países, na qual
cada um escolhe as regulações
e protocolos a que quer aderir.
Esta corrente eurocética está
a evoluir no sentido de tentar
“A grande maioria
dos eleitores tem
atitudes favoráveis
à integração na UE”,
afirma o perito
Marco Lisi
emular o papel que tem tido o
primeiro-ministro da Hungria,
Viktor Orbán. Em dezembro
de 2023 recebeu €10 mil mi-
lhões do Plano de Recuperação
e Resiliência que tinham sido
congelados, porque, entendeu a
Comissão, Budapeste legislara
contra os direitos fundamentais
de cidadãos migrantes e per-
tencentes a minorias LGBTQ+.
A Hungria não teve de alterar
leis para receber o montante,
apenas de autorizar a Ucrânia a
começar o seu caminho de ade-
são à UE.
Prever os resultados das elei-
ções para o Parlamento Euro-
peu é difícil, porque as duas
organizações que o fazem (Po-
litico Europe e Europe Elects)
baseiam-se em extrapolações
de sondagens nacionais, o que
não oferece transposição exata.
Ainda assim, ambas preveem
um ganho claro para o grupo
de extrema-direita Identidade e
Democracia (ID) — que inclui o
partido alemão Alternativa para
a Alemanha (AfD), o Reagrupa-
mento Nacional, de Marine Le
Pen, a Liga, de Matteo Salvini,
e o Chega —, que poderá obter
mais de 85 lugares (hoje tem 76).
Os Conservadores e Reformistas
(ECR) — casa do Lei e Justiça
polaco, dos Irmãos de Itália, de
Giorgia Meloni, e do espanhol
Vox — devem eleger perto de 80
deputados, um salto de quase
duas dezenas dos atuais 61.
Unidos na divergência
Estes partidos não são iguais
uns aos outros. Análises so-
bre as suas agendas revelam
diferenças muito profundas,
nomeadamente no papel da UE
na guerra da Ucrânia. A exce-
ção são os temas culturais, de
identidade e imigração, que tra-
çam o fio condutor à narrativa
de quase todos. “As campanhas
eleitorais para o Parlamento
Europeu tendem a centrar-se
em questões internas ou a dis-
cutir a integração europeia de
forma superficial, simplifican-
do o debate em ‘a favor ou con-
tra’, ‘mais Europa ou Europa’. A
direita radical tende, é claro, a
associar a UE a temas salientes
para si e para os seus eleitores,
como imigração e soberania
nacional”, diz ao Expresso Stijn
van Kessel, professor de Polí-
tica Europeia na Queen Mary
University e especialista em
populismos, direita radical e
integração europeia. Por isso,
acrescenta Lisi, “muitos dos
partidos radicais e antissiste-
ma estão a pedir mais poder e
mais exceções para cada Esta-
do-membro para conseguirem
fortalecer o controlo nacional
sobre cada vez mais matérias”.
É por aí que “podem nascer
alianças transversais entre as
várias famílias ideológicas no
Parlamento Europeu”. Isto ape-
sar de um estudo recente do
Conselho Europeu de Estudos
Internacionais em 12 países da
UE (Portugal incluído) mostrar
que a imigração só é a principal
preocupação na Alemanha e na
Áustria. A economia, a saúde
(nomeadamente pandemias) e
a guerra são muito mais proemi-
nentes na lista de preocupações
dos europeus.
“Estes partidos
tendem a ser
eurocéticos, porque
são nativistas”,
afirma o investigador
Van Kessel
Uma das principais fontes do
euroceticismo é a assimetria que
os europeus sentem no desen-
volvimento das suas regiões. O
fenómeno está estudado e cha-
ma-se “armadilha do desenvol-
vimento”, que acontece quando
uma região previamente prós-
pera ou de nível de vida médio
começa a perder fulgor e entra
em declínio. É na incompreen-
são sobre a mudança que se
alojam os sentimentos de aban-
dono que fazem engrossar os
votos nos partidos que prome-
tem “país primeiro” ou “o nosso
povo primeiro”. Essa tendência
está a crescer na UE. “Estes
partidos populistas e de direi-
ta radical tendem a ser quase
naturalmente eurocéticos, por-
que são nativistas, uma forma
xenófoba de nacionalismo que
defende que os chamados nati-
vos, independentemente da sua
definição, devem ter prioridade
sobre os não nativos. Isto afeta
os imigrantes e, potencialmen-
te, as minorias étnicas, como a
população cigana”, explica Van
Kessel.
Viktor Orbán é o grande im-
pulsionador de ambas as ten-
dências, mas apenas porque fala
delas em público. Ficou famoso
um discurso em que se referiu
à Europa cristã e à ameaça mu-
çulmana a esse traço, a seu ver
definidor da cultura europeia.
Sem ser tão óbvia, Meloni tam-
bém já percebeu que sozinha
não vai conseguir resolver o pro-
blema migratório que foi eleita
para resolver. “É um excelente
exemplo. Assim que chegou ao
poder, passou a querer colabo-
rar com outros dirigentes eu-
ropeus e a promover políticas
conjuntas, por exemplo, contra
a imigração.”
Uma UE de extrema-direi-
ta é possível? Hans Kundnani,
analista da Chatham House que
foi dos primeiros a desenvolver
trabalho académico sobre o
etnorregionalismo, explora a
possibilidade num texto recen-
te para a International Politics
and Society (IPS). “A tendência
‘pró-europeia’ para pensar na
UE como expressão de cosmo-
politismo criou uma espécie de
ângulo morto em torno da possi-
bilidade do que se pode designar
por etnorregionalismo, versão
étnica/cultural da identidade
europeia análoga ao etnonacio-
nalismo, que está intimamente
ligada à ideia de se ser branco.
Por outras palavras, uma UE de
extrema-direita é possível, pelo
menos em teoria”, escreve.
afranca@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de março de 2024
DADOS IMPORTANTES
PARA AS ELEIÇÕES
EUROPEIAS DE JUNHO
Extrema-direita a subir
^ Uma sondagem do Conselho
Europeu para as Relações
Internacionais mostra que o
grupo de extrema-direita
Identidade e Democracia,
que inclui o partido
Alternativa para a
Alemanha, o
Reagrupamento Nacional,
de Marine Le Pen, a Liga, de
Matteo Salvini, e o Chega, se
eleger, poderá vir a obter 98
lugares (atualmente tem 76).
Populistas, idem...
^ Os Conservadores e
Reformistas Europeus, casa
do Lei e Justiça polaco, dos
Irmãos de Itália, de Georgia
Meloni, e do espanhol Vox,
também devem eleger perto
de 85 deputados, um salto
de quase duas dezenas dos
atuais 61.
Mais participação
^ Há mais pessoas
interessadas em participar
nas eleições europeias: 57%,
segundo o último
Eurobarómetro, seis pontos
acima de 2019.
Exit? Nem pensar
^ Um grande estudo
pan-europeu, o “Inquérito
Social Europeu”, conduzido
pela City University of
London desde 2001, mostra
que o desejo de sair da UE
caiu em todos os 27
Estados-membros
desde 2016.
Expresso, 29 de março de 2024
ESPANHA
Gorka Castillo
em Madrid
Ainda há capítulos ocultos na
tragédia da guerra civil es-
panhola e dos 40 anos de di-
tadura que se lhe seguiram.
Quando ressurgem, fazem
as delícias dos historiadores.
Deve ter sido o caso de Xurxo
Ayán, arqueólogo do Instituto
de História Contemporânea
da Universidade Nova de Lis-
boa; Luis Antonio Ruiz Casero,
investigador da Universidade
Complutense de Madrid; e a
documentarista Márcia Hat-
tori, do Instituto Espanhol de
Ciências do Património, que
reconstituíram a marca de um
português esquivo e misterioso
nas pedras do Vale dos Caídos.
De nome Manuel Rodríguez
Crisogno, “foi uma das perso-
nagens mais desconhecidas
que participara na construção
do monumento-santuário fas-
cista entre 1943 e 1950”, asse-
guram ao Expresso os historia-
dores. “Angariou uma fortuna
dirigindo parte daquela obra e
relacionou-se com as mais al-
tas esferas do poder franquista
até se lhe perder a pista, em
1963, em Madrid. Para nós,
foi uma investigação apaixo-
nante”, reconhecem. Acabam
de publicar a sua investigação
numa das revistas académicas
mais prestigiosas do país.
Provavelmente oriundo de
Tortosendo, terra secular de
construção no sudoeste da Ser-
ra da Estrela, Manuel Rodrí-
guez Crisogno foi contratado
pelo primeiro diretor da obra,
o arquiteto Pedro Muguruza,
para construir a fachada que
dá acesso à cripta do sump-
tuoso mausoléu que Franco
mandou levantar para celebrar
a sua vitória na guerra. “Pelos
documentos que descobrimos,
que contêm a sua assinatura,
e por referências bibliográfi-
cas que encontrámos, cremos
que era um homem com muito
pouca instrução cultural, mas
com grande habilidade para fa-
zer negócios. Tudo indica que
entrou em Espanha para traba-
lhar na construção, sector que
estava no auge, porque o país
estava devastado pela guerra”,
explica Ayán ao Expresso.
Ele e Ruiz Casero emprega-
ram fino olfato de detetives
para seguirem a pista. Crisog-
no não foi mentor das injus-
tiças que se praticaram para
erguer o monumento, mas
a exploração sistemática de
trabalhadores e a generosa
oportunidade que o regime
lhe ofereceu para enriquecer
converteram aquele contrato
num marco da sua vida.
Da cripta à Via Crucis
O construtor de Tortosendo não
só aplicou o seu talento na fa-
chada da cripta como aceitou o
desafio de participar na edifica-
ção da Via Crucis, conjunto de
capelas originalmente desenha-
do para percorrer o vale pelo
lado norte. Continua a ser um
conjunto monumental muito
desconhecido dos arqueólogos.
“A maior dificuldade que de-
tetámos é que todas as investi-
gações sobre o vale posteriores
às do jornalista Daniel Sueiro
indicam que um ‘português’
foi responsável por construir
a porta monumental da cripta,
mas reproduzem mal os apeli-
dos, porque os castelhanizam:
Rodríguez em vez de Rodri-
gues e Crisógono em vez de
Crisogno. Deduzimos a iden-
tificação a partir de familiares
seus que também passaram
por Espanha no pós-guerra e
acabaram detidos por praticar
o chamado estraperlo, comér-
cio ilegal de artigos de consu-
mo num momento de grande
carestia”, explica Ruiz Casero.
Um dos últimos rastos que
Manuel deixou foi um código
O português que lucrou
com trabalho escravo
no Vale dos Caídos
Dois historiadores espanhóis reconstituem a participação de Manuel
Rodríguez Crisogno, construtor de Tortosendo, na construção
da fachada da cripta do maior monumento franquista
Obras de construção do mausoléu franquista em Cuelgamuros, nos arredores de Madrid FOTO D.R.
postal na cidade de Madrid, de
um bairro perto da estação de
Atocha, onde morou até 1963.
A sua marca desaparece em
seguida, desconsiderado pelo
regime ultranacionalista es-
panhol devido à sua condição
de “estrangeiro”, o que o pró-
prio agravou por ter aversão
à notoriedade pública para lá
da ostentação de riqueza. Não
existe uma única foto de Manu-
el Rodríguez Crisogno.
“A investigação está agora
em Portugal, em Tortosendo,
o local de nascimento que in-
dicou em documentos um dos
encarregados principais da sua
empresa, Armenio Rodríguez
Serra, e que nos permitiu aven-
turar-nos na nossa suposição”,
frisa o historiador da Universi-
dade Complutense.
Ruiz Casero e Ayán recons-
truíram um perfil de Rodríguez
Crisogno na revista acadé-
mica “História Contemporâ-
nea”, onde o descrevem como
“mestre pedreiro português
que converteu uma modesta
empresa familiar numa gran-
de construtora, bem ligada às
esferas do poder”. A sua ver-
tiginosa ascensão cimentou-se
no uso dos procedimentos se-
guidos por outras companhias
“A investigação está
agora em Portugal,
em Tortosendo”, frisa
um dos historiadores
O Vale dos Caídos,
obra mais
extravagante do
ditador Franco, tem
os alicerces intactos
adjudicatárias na construção
do Vale dos Caídos: corrupção
generalizada e recurso, quan-
do necessário, à mão de obra
escrava dos republicanos pre-
sos. “Rodríguez foi muito hábil
na negociação do seu contra-
to, entendeu perfeitamente o
ecossistema imposto pelo Con-
selho de Obras do Monumento
Nacional aos Caídos (COMNC)
em Cuelgamuros, sobretudo o
gerente Antonio de Mesa Ruiz-
-Mateos, com quem suspeita-
mos que tenha mantido con-
tacto para lá do profissional”,
acrescenta Ayán.
Extravagância de Franco
O Vale dos Caídos, obra mais
extravagante do ditador Fran-
cisco Franco, tem os alicerces
intactos. A marca do horror
está por toda a parte: nos anjos
imperiais de bronze que vigiam
a entrada da cripta, munidos
de ameaçadoras espadas; no
martirológio das Cruzadas
que cobre a cúpula da basílica,
desafiando o tempo e o esque-
cimento. Há dramatismo até
nas pedras do chão, repletas
de omissões e reinterpretações
ad hoc de uma história terrível.
A perfuração do Risco da
Nava ficou a cargo da em-
presa San Román, que anos
mais tarde se transformou na
construtora Agromán, por fim
absorvida pela multinacional
Ferrovial. A firma madrilena
Molán edificou o mosteiro para
monges beneditinos que foram
vigilantes e coveiros. Os filhos
de um contratante catalão de
apelido Banús traçaram a es-
trada de acesso.
Quase todas estas empresas
sobreviveram ao tempo e à di-
tadura. A construtora Huarte
y Cía, que começou a trabalhar
na segunda fase do projeto,
cresceu até se tornar o gigante
OHLA. A família Banús multi-
plicou por cem o seu patrimó-
nio, edificando bairros inteiros
da capital, a culminar na adju-
dicação da grande obra turís-
tica do regime, o emblemático
recinto de Puerto Banús, em
Marbelha, em 1970.
Más condições
de trabalho
A Agromán foi ponta de lança
da família Aguirre, referência
na banca espanhola durante
décadas. Todas estas socieda-
des beneficiaram de estreitas
relações com Franco e do cha-
mado programa de Redenção
de Penas por Trabalho. “Ro-
dríguez Crisogno e os seus 23
empregados, depois alargados
Anúncio da
firma de
Rodríguez
Crisogno
na “Revista
Nacional de
Arquitectura”
para 36, desembarcaram em
Cuelgamuros pouco depois da
adjudicação da obra. Os pri-
meiros documentos datam de
dezembro de 1943. Foi a época
mais dura para as condições
dos trabalhadores, com contí-
nuos cortes de abastecimento
Não existe uma única
foto do empreiteiro
português Manuel
Rodríguez Crisogno
“Crisogno era um
homem com muito
pouca instrução
cultural”, dizem
os especialistas
PRIMEIRO CADERNO 27
elétrico e a ameaça permanen-
te da sombra da fome. Três de
cada quatro eram presos polí-
ticos cuja vida foi organizada
pelos carcereiros em redor de
três povoações separadas”, ex-
plica Ayán.
Foi complicado dar com a
localização do alojamento
destinado aos empregados
do mestre de obras de Torto-
sendo. Em 2021, Ayán e Ruiz
Casero levaram a cabo escava-
ções nesse sentido: “Sabíamos
pela literatura que houve, nal-
gum ponto de Cuelgamuros,
uma estrutura coloquialmente
designada por ‘barracão do
português’. A chave estava
nas atas do COMNC de 5 de
dezembro de 1945.” Encontra-
ram ali a revelação que espera-
vam: um documento compro-
vativo a aprovar o gasto de 40
mil pesetas para a construção
“com caráter urgente de um
barracão de alvenaria a seco
para alojar o pessoal das obras,
já que por falta de local, estão
atualmente sem alojamento,
cujas obras serão realizadas
pelo mestre pedreiro”.
A queda em desgraça
A queda de Rodríguez Crisog-
no em desgraça também está
envolta em incertezas. Segun-
do o antigo preso Nicolás Sán-
chez-Albornoz, o português
ficou manchado para sempre
pelo que diz ser a marca inde-
lével da vingança dos podero-
sos. Saído do Vale dos Caídos,
o homem de Tortosendo de-
saparece quase por comple-
to da documentação. “Várias
das perguntas que utilizámos
para abrir a nossa investigação
continuam sem resposta, ine-
vitavelmente. Percorremos os
momentos mais relevantes que
conseguimos resgatar da sua
vida, o seu auge e a sua queda,
mas não há documentos que
nos falem diretamente da sua
personalidade, embora possa-
mos configurar alguns traços”,
explica o arqueólogo.
Sabem, por exemplo, que
lia e escrevia com grande di-
ficuldade, porque era inculto,
mas muito ambicioso, capaz
de impor condições a simples
construtores ou hierarcas da
ditadura. Antepôs o lucro a
qualquer princípio, aprovei-
tando o sistema de explora-
ção de presos e a corrupção
imperante. Viu-se arrastado
pelos luxos do êxito repentino,
deslocando-se de carro quando
só os privilegiados o faziam,
no tempo do pós-guerra, e
chegou a expandir sedes pe-
los bairros mais exclusivos da
capital espanhola. “Também
sabemos que andava sempre
armado, como o seu homem
de confiança, um tal Almeida.
Para lá de deduções e suposi-
ções, ignoramos quase tudo
do seu carácter. Não consegui-
mos contactar ninguém que o
conhecesse nem encontrámos
nenhuma fotografia em que
ele esteja identificado”, conclui
Ruiz Casero.
Poucas vezes uma investiga-
ção arqueológica sobre a dita-
dura espanhola revelou com
tão subtil eloquência como foi
erguido o monumento fran-
quista mais grandioso, que
continua de pé num país que
não superou as feridas da guer-
ra. Como o nó que fecha com
tanta inclemência a câmara da
cripta do Vale dos Caídos, onde
jazem 30 mil republicanos.
A tortuosa árvore da história
fecha portas ao conhecimento
de um passado pavoroso, mas
deixa aberta a da incerteza.
Rodríguez Crisogno, mestre de
obras que cimentou a fachada
dessa sala mortuária, conti-
nua a ser um homem sem rosto
para os historiadores. O seu
destino esfuma-se, por agora,
na bruma que cobre o caminho
para Tortosendo.
internacional@expresso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO
ESTAD OS UNID OS
Queda da ponte em Baltimore era evitável?
Navio de carga emitiu aviso de emergência antes de embater na ponte, que ruiu como um baralho de cartas
Texto Eunice Parreira
Infografia Jaime Figueiredo
A Ponte Francis Scott Key, em
Baltimore, desmoronou-se após
colisão de um navio durante a
madrugada de terça-feira. De
início pensava-se que vários veí-
culos teriam caído ao rio, mas
um alerta da tripulação, momen-
tos antes do choque, permitiu
encerrar o trânsito na ponte. Fal-
tava saber o paradeiro de oito
trabalhadores civis, de origem
hispânica, que reparavam o pa-
vimento da ponte: dois foram
resgatados com vida, pouco de-
pois da queda; quatro continuam
desaparecidos; dois foram en-
contrados mortos. A polícia clas-
sificou a colisão como acidente.
A Autoridade Marítima e Por-
tuária de Singapura assegura
que a embarcação, com bandeira
deste país, tinha certificados vá-
lidos que cobriam “a integridade
estrutural do navio e a funcio-
nalidade do seu equipamento”
e fora sujeita a duas inspeções,
em junho e setembro de 2023.
Na primeira foi identificado
um problema na “propulsão e
nas máquinas auxiliares”, que
foi resolvido; na segunda não se
detetaram deficiências. Estava
prevista nova inspeção em junho
e, atracado no porto americano,
o navio passou por uma “manu-
tenção de rotina ao motor”.
Recursos eram suficientes
Antes de colidir, a tripulação do
“Dali” reportou uma falha de
energia que o fez perder a pro-
pulsão, emitiu um aviso de que
estava à deriva e lançou âncora
como parte dos procedimentos
de emergência. “Havia recursos
humanos suficientes e especiali-
zados” e “aparentemente houve
um bom procedimento”, explica
João Frade, vice-presidente da
Escola Superior Náutica Infan-
te D. Henrique. Salienta que os
marinheiros são treinados para
lidar com emergências, como a
falha na máquina principal, cujo
motivo se desconhece.
Sem energia é impossível con-
trolar o rumo da embarcação. “É
um navio com dimensão já consi-
derável, carregado.” Navegava a
15 quilómetros por hora, veloci-
dade adequada para o controlar
em condições normais, afirma o
docente. “Como aconteceu mui-
PERFIL
SENEGAL
Bassirou Diomaye Faye
Da prisão para
o palácio presidencial
Ex-inspetor fiscal, é o mais
jovem Presidente na história
do país. Libertado dias antes
das eleições, quer romper
com linha de Macky Sall
Preso há quase um ano, Bassirou
Diomaye Faye foi libertado a 14 de
março, dez dias antes das presiden-
ciais de domingo. No dia seguinte
Uma amálgama de aço é o que resta da Ponte Francis Scott Key, na cidade americana de Baltimore FOTO GETTY IMAGES
to próximo do pilar da ponte, Baltimore
pouco podiam fazer.”
Cerca de dois minutos antes
do impacto, o navio começou a
desviar-se do percurso inicial.
Os vídeos do acidente sugerem
ao docente que “momentanea-
mente, quando voltaram a ter a
máquina a funcionar, colocaram
o navio à ré”; contudo, o ângulo
de incidência das pás da hélice
provoca um ligeiro desvio. Fra-
de alerta que se a máquina não EUA
estivesse a funcionar, o leme não
teria “grande efeito”. Rejeita a
hipótese de erro na navegação
e defende que “todos os navios,
segundo a legislação internacio-
nal e as boas práticas, têm de ter
um plano de viagem, elaborado
de cais a cais”, para assegurar
que atravessam apenas zonas
seguras. “Parto do princípio que
isso estava cumprido, até porque
a visibilidade era boa.” O perito
considera improvável que o aci-
dente se tenha devido ao desvio
da embarcação por uma corren- Ponte Francis Scott Key
te do rio Patapsco. Estas são de- Inauguração: 23 março 1977
terminadas antes da viagem e há
manobras para compensá-las.
Resta perceber se existem
riscos ambientais, pois o navio
ao ato eleitoral, fez 44 anos já na
condição de chefe de Estado eleito
do Senegal. A sua eleição parece
apontar o fim da linha para Macky
Sall, na presidência desde 2012,
que viu ser derrotado o delfim e
candidato que apoiou, Amadou Ba,
primeiro-ministro desde 2022.
“Os senegaleses decidiram rom-
per com o passado. Prometo gover-
Rio
Patapsco
Terminal
de contentores
Baltimore
O porta-contentores
perdeu a propulsão
e a tripulação avisou
as autoridades
de que perdera
o controlo do navio
Tabuleiro
Local
do impacto Comprimento: 800 metros
nar com humildade e transparência
e combater a corrupção a todos os
níveis”, declarou Faye na segunda-
-feira. Tanto o Presidente cessante
como o candidato escolhido por
este, que se demitiu da chefia do
Governo para entrar na corrida, fo-
ram rápidos a reconhecer a vitória
de Faye e a felicitá-lo.
Currículo sindical
Nascido em N’Diaganiao, no cen-
tro-oeste do Senegal, Faye conhe-
ceu Ousmane Sonko, que viria
a tornar-se seu mentor político,
quando trabalhava como inspetor
fiscal. Desempenharam papel cru-
cial na formação de um sindicato.
No ano passado foram presos:
Faye em abril, acusado de difundir
informações falsas, desrespeitar
o tribunal e difamar nas redes so-
ciais um órgão constituído; Sonko
em julho, sob múltiplas acusações,
incluindo incitamento à insurrei-
ção, conspiração com grupos ter-
Porta-contentores “Dali”
Destino: Colombo, Sri Lanka
Bandeira: Singapura
Comprimento: 299 metros
Largura: 48,2 metros
Contentores: 9960
Velocidade
do navio: 8 nós
Blocos
de proteção
Farol
do Forte
Carroll
Ponte
Francis
Scott Key
Estrutura
em aço
Pilares
em cimento
roristas, perigo para a segurança
do Estado e comportamento imoral
contra indivíduos com menos de 21
anos. Foram ambos libertados no
mesmo dia, ao abrigo de uma lei
da amnistia entretanto aprovada.
Apesar de ter recuperado a li-
berdade, Sonko, então líder da
oposição, foi impedido de concor-
rer às presidenciais, mas já indi-
Expresso, 29 de março de 2024
transportava 56 contentores,
que continham 764 toneladas de
materiais corrosivos e inflamá-
veis, incluindo baterias de lítio.
Após a colisão, alguns contento-
res partiram-se e caíram ao rio.
Quando se observa o embate,
o desabamento da ponte é rápi-
do. “Normalmente, quando há
acidentes ou rutura de um pilar,
dá-se o colapso dos vãos adja-
centes. É uma ponte de grande
dimensão e os vãos adjacentes
são parte importantíssima da
mesma”, explica Pedro Pache-
co, professor da Faculdade de
Engenharia da Universidade do
Porto e presidente da BERD —
Projeto, Investigação e Enge-
nharia de Pontes. Recomenda
“muita prudência” e lembra que
o possível embate de navios é
contemplado nos regulamentos
de vários países. O nível de carga
pode ter desempenhado um pa-
pel crucial. Nas últimas décadas,
as pontes são construídas consi-
derando cargas maiores e, como
tal, “o navio podia ter uma carga
muito superior ao previsto”. Em
junho de 2023, uma inspeção à
ponte de 47 anos considerou-a
em boas condições, mas apon-
tou que parecia não ter proteção
para resistir a um embate.
Tragédias em pontes
No Ocidente há cada fez maior
falta de recursos técnicos. “É ex-
pectável que haja mais aciden-
tes em áreas que dependem de
técnicos qualificados, tanto na
aviação como na engenharia de
pontes ou de edifícios”, afirma
Pacheco. Nos Estados Unidos
houve 18 colapsos de pontes de-
vido a colisões de navios entre
1960 e 2015, segundo a Associa-
ção Mundial de Infraestruturas
de Transporte Aquático.
Em agosto de 2018, o desaba-
mento da Ponte Morandi, em
Génova (Itália), matou 43 pes-
soas. Um ano depois, em 2019,
duas pessoas morreram quando
uma ponte ruiu em Toulouse,
França. Em julho de 2023, ou-
tras duas foram vítimas do desa-
bamento parcial de uma ponte
na cidade grega de Patras. Portu-
gal sofreu tragédia idêntica. Em
março de 2001, a Ponte Hintze
Ribeiro, que ligava Castelo de
Paiva à localidade de Entre-os-
-Rios, ruiu causando a morte de
59 pessoas.
internacional@expresso.impresa.pt
cara Faye para dar continuidade
ao seu “projeto de mudança”. O
Presidente eleito compromete-se a
erradicar a corrupção e a lutar por
uma maior soberania económica,
sendo que o seu maior desafio será
lidar com uma taxa de desempre-
go superior a 20% num país onde
60% da população tem menos de
25 anos. Está obrigado, por isso, a
falar para uma juventude frustrada
com a falta de condições de vida e
de empregabilidade.
No capítulo da emancipação
económica, Faye já fez saber que
pretende libertar o país do franco
CFA, herdado da era colonial, e in-
troduzir uma nova moeda, além de
renegociar os contratos de explora-
ção mineira e de hidrocarbonetos.
Hélder Gomes
hgomes@expresso.impresa.pt
LEIA UMA VERSÃO
ALARGADA DESTE
TEXTO EM EXPRESSO.PT
Expresso, 29 de março de 2024
BRASIL
Militares golpistas
patrulham as ruas
de São Paulo em
abril de 1964
FOTO AFP/GETTY IMAGES
Lula trava investigação de crimes da ditadura
Presidente também orientou ministros a não fazerem atos em memória dos 60 anos do golpe militar
Danilo Thomaz
no Rio de Janeiro
A jornalista Hildegard Angel re-
cebeu duas certidões de óbito,
expedidas a 4 de setembro de
2019. Os documentos, ao contrá-
rio do que é habitual, não foram
recebidos por Hilde, como é co-
nhecida, com tristeza. Tratou-
-se, antes, de uma vitória. Após
quase 50 anos, o seu irmão, o
militante político de esquerda
Stuart Angel Jones, e sua mãe,
a estilista Zuleika Angel Jones,
“Zuzu Angel”, foram reconheci-
dos formalmente como vítimas
do Estado brasileiro por crimes
cometidos contra as suas vidas
pela ditadura militar que vigo-
rou entre 2 de abril de 1964 e 15
de março de 1985.
Tratada como data a ser ce-
lebrada durante o Governo de
Jair Bolsonaro (Partido Liberal,
direita radical), a triste efeméri-
de deve ser ignorada pelo Exe-
cutivo brasileiro nos 60 anos
do golpe militar iniciado a 31
de março de 1964. O Presiden-
te, Lula da Silva (Partido dos
Trabalhadores, esquerda), de-
clarou que se deve “virar a pá-
gina” da ditadura. “Houve um
tempo em que era proibido aos
militares comemorarem a data
de 64. Hoje é o próprio Gover-
no que se cala”, afirma Hilde.
A medida, no entanto, não é a
mais grave do Executivo.
Em dezembro de 2022, o
Governo de Bolsonaro extin-
guiu a Comissão Especial so-
bre Mortos e Desaparecidos
Políticos (CEMDP), que conti-
nua paralisada. Ante a pressão
dos familiares, o ministro dos
Direitos Humanos, Sílvio Al-
meida, prometeu mais de uma
vez reabri-la. Nunca cumpriu.
A última vez foi no final de ou-
tubro. O Expresso enviou três
questões ao ministério, que
não respondeu. O Ministério
Público Federal deu ao Gover-
no dois meses para retomar os
trabalhos da CEMDP.
Criada em 1995, 10 anos após
o regresso da democracia — du-
rante a presidência de Fernan-
do Henrique Cardoso (F.H.C.)
—, a Comissão foi responsável
pelo reconhecimento de 364
mortos e desaparecidos, víti-
mas do Estado brasileiro.
Vítimas do Estado
Os trabalhos da CEMDP e da
Comissão de Amnistia, criada
no final do segundo Governo
de F.H.C., foram fundamentais
para as tarefas da Comissão Na-
cional da Verdade (CNV). Esta
funcionou entre maio de 2012
e dezembro de 2014, durante
o primeiro Governo de Dilma
Rousseff (PT), visando apurar
todo o espectro de crimes do
período militar.
Apesar da abrangência da
CNV — que funcionou em pa-
ralelo com comissões estaduais,
municipais e universitárias —,
muitos crimes da ditadura con-
tinuam sem resposta. O rela-
tório final indica 434 mortos e
desaparecidos às mãos do Esta-
do brasileiro, 243 deles durante
Após quase 50 anos,
Stuart e a sua mãe
foram reconhecidos
como vítimas do
Estado brasileiro
a ditadura. Há, além disso, um
número estimado de 8350 in-
dígenas e 1196 camponeses que
não foram contabilizados por
falta de elementos materiais
para análise dos casos, como
documentação pessoal. Do total
de vítimas oficiais, 210 ainda
estão desaparecidas.
É o caso de Stuart, reconhe-
cido pela primeira vez como
vítima do Estado pelo relatório
final da CEMDP. O estudan-
te de Economia e militante do
Movimento Revolucionário 8
de Outubro (MR-8, marxista)
foi sequestrado na rua a 14 de
maio de 1971, aos 25 anos. De-
poimentos à CNV atestam que
Stuart foi torturado antes de
ser morto e feito desaparecer
naquele dia. Presume-se que a
tortura tenha ocorrido na Base
Aérea do Galeão, aeroporto in-
ternacional do Rio.
O desaparecimento levou a
mãe de Stuart a uma busca que
só teve fim com o seu assassí-
nio, a 14 de abril de 1976. Em-
bora tivesse proximidade com o
ambiente político e simpatia pe-
los sectores progressistas, Zuzu
não fazia parte de nenhum par-
tido ou organização militante.
A sua determinação fez dela
uma das principais opositoras
civis ao regime militar.
Nem as suas criações como
estilista passaram ao largo da
sua experiência pessoal. Reco-
nhecida internacionalmente —
tinha por clientes estrelas como
Joan Crawford e Liza Minnelli
—, em 1971 disse que criava um
género político para a moda ao
apresentar peças com pássaros
aprisionados e canhões num
desfile em Nova Iorque e subir
à passarela, no final do desfile,
enrolada na bandeira brasileira
manchada de vermelho.
Zuzu abalou até a geopolíti-
ca do regime. Em fevereiro de
1976 entregou ao secretário de
Estado americano Henry Kis-
singer, que intercetou no hotel
onde estava hospedado, um
dossiê que continha o exemplar
do livro do historiador Hélio
Silva. A obra fazia referência
ao caso do seu filho. O texto já
acusava os militares pela morte
de Stuart na Base do Galeão.
Morta no regresso a casa
Dois meses após a visita de Kis-
singer, Zuzu foi morta quando
voltava para casa de carro, aos
54 anos, na autoestrada Lagoa-
-Barra, no Rio de Janeiro. A es-
tilista já esperava por isso. Em
1975 deixara ao compositor e
amigo Chico Buarque uma gra-
vação em que acusava os mili-
tares por um eventual atentado
contra a sua vida.
A verdade sobre o assassínio só
foi confirmada passados 22 anos,
graças aos trabalhos da CEMDP.
O pedido inicial de reconheci-
mento de Zuzu como vítima da
ditadura foi negado pela Comis-
são. Na sequência, em 1998 duas
novas testemunhas afirmaram
ter visto a intercetação do seu
automóvel. A perícia feita a par-
tir de depoimentos, que incluiu
a exumação do corpo de Zuzu,
confirmou os testemunhos. “Um
“As famílias dos
desaparecidos estão
em choque com a
posição de Lula”, diz
o filho de uma vítima
PRIMEIRO CADERNO 29
ex-agente do DOPS, Cláudio
Guerra, afirmou que a morte da
mamãe foi encomendada pelo
gabinete do Geisel [ditador que NÚMEROS
governou entre 1974 e 1979]. O
434
executor dessas ordens foi um
torturador [Freddie Perdigão],
que confidenciou que achava
que havia sido fotografado no
local”, conta Hilde.
Em 2014, a CNV conseguiu
provar que o major Perdigão, é o total dos que morreram
membro da elite da repressão, ou desapareceram às
fora fotografado de facto no mãos da ditadura brasileira,
local. Era o que faltava para segundo o relatório final
desmontar, segundo Hilde, o da Comissão Nacional
acordo tácito em “criminalizar da Verdade
Stuart e não criminalizar o as-
243
sassínio de sua mãe”.
Apesar de avanços ao longo
das últimas décadas, restam
casos emblemáticos a serem
solucionados, que justificariam
a manutenção da CEMDP.
O ex-deputado Rubens Paiva, foram vítimas do Estado
por exemplo, foi sequestrado brasileiro, mortas
em 1971. Vítima de tortura, se- ou desaparecidas, durante
gundo depoimentos, continua o período de 1964 a 1985
desaparecido, apesar de até os
8350
seus torturadores terem sido
reconhecidos pela CNV. “As fa-
mílias dos desaparecidos estão
em choque com a posição do
Lula. É algo que nos entristece
muito, ele sempre foi um gran-
de aliado na causa dos mortos e são indígenas e não foram
desaparecidos”, afirma Marcelo contabilizados por
Rubens Paiva, escritor e filho falta de documentação.
do ex-deputado. “Lula tem-se O mesmo acontece
afastado da base que o elegeu, com 1196 camponeses
está se aproximando muito das
210
camadas mais conservadoras,
inclusive dos militares.”
“O desaparecimento torna
impossível o exercício do luto
e o rito tradicional do luto, que
é substituído por outro: a incer-
teza, a busca nos quartéis, nas pessoas ainda permanecem
prisões. É uma incerteza com desaparecidas, entre
esperança que se torna incerte- o total de vítimas oficiais
za sem esperança e, depois, cer-
teza de que foram mortos e não
voltam mais”, afirma Kucinski.
internacional@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO
VATICANO
“Paz ou morte” na autobiografia do Papa
Obra sai em português a 1 de abril. Ajuda a compreender o pontificado de Francisco, desfazendo mitos
Rossend Domènech
Correspondente em Roma
Jorge Mario Bergoglio tem um
sonho. “Devemos fazer avançar
muitas novidades, muitos proje-
tos”, escreve o líder católico, aos
87 anos, na sua autobiografia.
Com o título “Vida (a minha his-
tória através da História)”, será
publicada em português pela
HarperCollins na segunda-feira
de Páscoa, dia 1 de abril.
Em 250 páginas e 14 capítu-
los, Francisco não faz qualquer
grande revelação sobre a sua
vida. Tampouco diz como é ser
Papa nem que poder real tem
desde que foi eleito para substi-
tuir Bento XVI, há 11 anos.
Há uma única exceção. Um
dia, o Papa recebe um “convida-
do” importante, anónimo, com
quem fala do futuro. “Destruiu
a imagem do papado, porque
eliminou a distância em relação
às pessoas”, diz-lhe o anónimo.
“Fiquei em silêncio”, conta
Francisco antes de encetar o
último capítulo, intitulado ‘Uma
história ainda por escrever’.
Nele, o Papa vislumbra “o hori-
zonte” da sua Igreja, mas deixa
mais dúvidas do que projetos
concretos. Por um gabinete se-
melhante passou um dia, nos
anos 70, o chefe da agência de
espionagem americana CIA,
para convencer João Paulo II,
com fotos de satélite, de que a
União Soviética se preparava
para invadir a sua Polónia natal.
O resto é História.
Francisco reconhece que o Va-
ticano é a “última monarquia
absoluta da Europa” e que no
seu interior decorrem “mano-
bras da corte” e há “gente que
ataca a reforma”. São os que
desejam um novo Papa-rei, di-
fundindo mentiras como a que
alega que o próximo Papa será
eleito por cardeais, bispos, frei-
ras e laicos católicos.
O colaborador do Papa na
autobiografia, Fabio Marchese
Ragona, jornalista especializado
no Vaticano — trabalha para o
Mediaset, conglomerado indus-
trial da família Berlusconi —, vai
salpicando o relato do pontífice
com reconstruções de momen-
tos. Parece um expediente lite-
rário para dizer coisas que só
o Papa sabe, sem que este as
escreva em primeira mão.
São detalhes importantes,
mas detalhes. Durante a dita-
TURQUIA
Istambul é o único
farol da oposição
nas autárquicas
Erdogan vencerá a nível
nacional. Não é certo que
recupere a maior cidade,
nas mãos do carismático
Ekrem Imamoglu
Nove meses depois das presi-
denciais, das mais disputadas
batalhas eleitorais do último
século na Turquia, em que Re-
cep Tayyip Erdogan reforçou
o seu controlo quase absoluto,
64 milhões de eleitores vão às
urnas, domingo, para escolher
mais de 1300 autarcas, incluin-
Jorge Mario Bergoglio foi eleito Papa no dia 13 de março de 2013, adotando o nome de Francisco FOTO ALESSANDRA BENEDETTI/GETTY IMAGES
dura militar argentina (1976-
-1983), o então simples padre je-
suíta escondeu numa residência
cerca de 20 jovens procurados
pela polícia e ajudou outro, pa-
recido consigo, a escapar aos
militares vestindo-o de padre e
dando-lhe o seu próprio bilhete
de identidade. Noutra ocasião,
pediu ao padre pessoal de Jorge
Videla que se declarasse doente
para que pudesse substituí-lo e
falar pessoalmente com o dita-
dor. Quando se tornou mais co-
nhecido, saía regularmente de
casa para falar de uma cabina
telefónica, evitando as escutas
policiais.
A parte mais longa da autobio-
grafia é dedicada à infância e
ao crescimento de Jorge Mario
na casa do bairro de Buenos
Aires onde vivia com os pais,
emigrados de Itália. Aparecem
figuras como a chefe do labora-
tório químico onde trabalhou,
Esther Ballestrino (fundadora
do 30 presidentes de grandes
áreas metropolitanas.
A campanha foi mais morna
do que o habitual, em pleno
Ramadão e com a oposição
dividida e desmoralizada. O
próprio Erdogan teve con-
tributo discreto, com menos
comparências e discurso me-
nos polarizador.
Não há dúvida quanto ao re-
sultado: o seu Partido da Justi-
ça e Desenvolvimento (AKP, is-
lamita e nacionalista) ganhará
em número de votos, câmaras
O livro mostra
ao crente católico
que Francisco não é
um revolucionário ao
estilo de Che Guevara
das Mães da Praça de Maio),
que o “ensinou a pensar”. Há
menção à II Guerra Mundial e
às bombas atómicas lançadas
pelos Estados Unidos sobre Hi-
roxima e Nagasáqui, à “caça às
bruxas” do senador Joseph Ray-
mond McCarthy contra os co-
munistas (ou os que ele achava
que o eram), à chegada à Lua e
à fundação da União Europeia.
A obra permite perceber
quem foi e é Francisco como
Papa. O amor, que tudo salva,
aprendido em casa, distante do
ódio alimentado pelas guerras
do presente, pelo terrorismo
e mandatos nas assembleias
municipais. Será a 13ª vitória
de Erdogan desde que assumiu
o poder, em 2002. A dúvida in-
cide sobre Istambul, a maior
metrópole turca (16 milhões
de habitantes e uma autarquia
metropolitana com um orça-
mento de €16 mil milhões),
onde o presidente da câmara,
o carismático Ekrem Imamo-
glu, do Partido Republicano
do Povo (CHP, esquerda repu-
blicana e laica), trava feroz ba-
talha com o candidato do AKP,
Murat Kurum, ex-ministro do
Ambiente e Urbanismo.
A pensar em 2028
Em 2019, num sinal de cansaço
do eleitorado com Erdogan e o
AKP, a oposição conseguiu a
sua única meia vitória em mais
de 22 anos de reinado quase
absoluto: o CHP, apoiado pelo
“desumano” e pelas “blasfé-
mias dos massacres em nome
de Deus” cometidos por radi-
cais islâmicos. A marginaliza-
ção das periferias e os “des-
cartados” da cidade, onde os
miúdos brincam com bolas de
trapos. Os “descartados” das
crises económicas, das conse-
quências da Grande Depressão
de 1928 à crise do subprime em
2007-2008, com as subsequen-
tes recessões mundiais. A trans-
formação dos templos católicos
em armazéns de víveres, me-
dicamentos, roupas, quando a
Argentina foi à falência. Esta
parte do livro revela que teve
uma namorada e uma “paixão”
por outra mulher, “muito boni-
ta e inteligente”.
Todos os momentos da vida
do Papa explicam a surpresa
ao ser escolhido. Todos os ar-
gentinos o conheciam, mas o
resto do mundo não. Um car-
deal aproximou-se para lhe per-
Partido Bom (IYI, nacionalis-
ta) e pelo partido curdo, con-
seguiu vencer em Ancara e
Istambul, dando esperanças
de potencial vitória nas pre-
sidenciais seguintes, que não
veio a acontecer.
O presidente da Câmara de
Istambul joga o futuro político
no domingo. Há cinco anos
era desconhecido e ganhou
com surpresa. Desde então,
Imamoglu tem ganho popu-
laridade com a sua mistura
de modernidade, laicismo e
tradicionalismo. Muitos consi-
deram que teria sido o melhor
candidato da oposição para
enfrentar Erdogan nas presi-
denciais de 2023. Agora, en-
frenta não só o candidato do
AKP como candidatos do IYI e
do partido curdo.
Se ganhar, o mais provável é
que use os próximos anos para
cimentar a posição no partido,
guntar se era verdade que tinha
“só um pulmão”, não fosse o
colégio cardinalício escolher
um novo pontífice doente à par-
tida. “Quantas mentiras fazem
correr!”, murmurou, ao saber
que a Bergoglio só falta um pe-
dacinho de um pulmão.
O livro mostra ao crente ca-
tólico que Francisco não é um
revolucionário ao estilo de Che
Guevara. Não entende, não quer
e não consegue entender que a
sua abertura aos “pobres” seja
interpretada como diferente do
que pregam os Evangelhos ou
oriunda do marxismo. Acredita
que “é preciso amar”, sejam os
vizinhos da casa, do bairro, as
prostitutas ou as pessoas LGB-
TQI+. “O Senhor amou todos”,
sobretudo os “rejeitados”, de-
fende. Vê-se na obra que as fre-
quentes arremetidas do Papa
contra a grande finança e as
especulações nada têm que ver
com “o mercado”; que não des-
reformular a estrutura bolo-
renta do CHP (uma das razões
para a hegemonia de Erdogan)
e lançar-se como candidato
da oposição às presidenciais
de 2028, contra o sucessor do
atual Presidente, que prome-
teu não se recandidatar. “Ima-
moglu precisa de ganhar para
injetar energia numa oposição
dividida e poder desafiar o AKP
em 2028”, confirma o conhe-
cido jornalista independente
Ragip Soylu.
Partido curdo resistirá?
Outra grande dúvida será o de-
sempenho do curdo, que con-
corre com nova roupagem. A
braços com mais um processo
judicial para a sua extinção,
mudou de nome e de figurino:
em vez de Partido Democrático
do Povo (HDP), é agora DEM
(Partido Igualdade e Democra-
Expresso, 29 de março de 2024
preza os judeus, mas isso não o
calará face ao drama de Gaza;
que é contrário à pena de morte,
“porque há sempre esperança”;
contra as políticas migratórias
atuais; contra o “distanciamento
dos cidadãos das instituições eu-
ropeias”. Dentro de portas, criti-
ca os abusos sexuais por padres,
“satânicos” e “sem justificação”.
“Basta de horrores!”, exclama.
O seu sonho é que a Igreja seja
“moderada, humilde, cervical”,
ou seja, “sensível, próxima e
compassiva”. Não quer “a Igreja
das origens”, antes uma Igreja
“sinodal” em que não governa
só o Papa. Citando Bento XVI,
explica que seria “uma Igreja
que partiria de uma minoria,
com poucos fiéis”, para se tor-
nar uma “Igreja-mãe que acolha
todo o mundo”. Um mundo que,
segundo Francisco, se depara
com uma disjuntiva política, eco-
nómica e social: “Paz ou morte.”
internacional@expresso.impresa.pt
cia do Povo). E se em Istambul
escolheu uma candidata com
pouco brilho, Meral Danis Bes-
tas, para não prejudicar Ima-
moglu, a grande incógnita é
se no sueste da Turquia, zona
de maioria curda, conseguirá
mobilizar o seu eleitorado tra-
dicional, frustrado perante a
verdadeira perseguição judicial
que o regime de Erdogan tem
feito ao partido.
Dos 65 presidentes de câma-
ra eleitos no sueste em 2019, só
seis continuam no cargo. Os de-
mais foram demitidos, e muitos
detidos, por alegadas ligações
a grupos terroristas (como o
separatista PKK, Partido dos
Trabalhadores do Curdistão),
e substituídos por administra-
ções técnicas nomeadas pelo
Governo central.
José Pedro Tavares
Correspondente em Ancara
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 29 de março de 2024 PRIMEIRO CADERNO 31
32 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA TÉNIS
Pedro Barata
O ténis português divide-se em a.S. e
d.S. Antes de Sousa e depois de Sou-
sa. Jogadores nacionais entre os 50
melhores do ranking antes do vima-
ranense? Nenhum. Sousa chegou à
28ª posição. Presenças em finais de
torneios ATP antes de João? Uma,
sem qualquer título. Sousa atingiu
12, ganhando quatro. Vitórias em en-
contros de Grand Slams somadas por
todos os que precederam o minhoto?
Onze. Sousa, sozinho, obteve 27. Uma
revolução que torna o estatuto de
“melhor tenista português de sem-
pre” uma evidência. Mas o tempo
passa e, nos últimos anos, as dores
atingiram o corpo, semearam dúvidas
na mente e levaram à decisão da re-
tirada, já perto dos 35 anos. A última
competição da carreira será o Estoril
Open, de 30 de março a 7 de abril,
coincidindo a despedida de João com
o anúncio de que, para já, o torneio
ficou de fora do calendário do circuito
ATP para 2025.
P Disseste que a decisão da retirada
surgiu “após um período de muita
reflexão”. Pensaste em quê?
R Dediquei toda uma vida ao ténis,
não é uma decisão fácil. O que pesou
foram as lesões, o período difícil que
tenho atravessado devido a problemas
físicos nas costas, no pé, no ombro...
São lesões que me impedem de estar
ao mais alto nível e daí esta decisão,
que é pesada, mas creio que correta.
P Há um ano disseste: “Não jogo ténis
para isto.” Sentires que já não chega-
rias perto do teu melhor nível foi a
principal razão?
R Exatamente. O corpo já me deu
sinais de estar muito desgastado, a
mente não se motiva da mesma forma
jogando torneios do circuito secundá-
rio [o Challenger]. É difícil de aceitar,
não tem a ver com humildade ou que-
rer, mas não encontrei motivação para
continuar a jogar. As lesões pesaram
muito.
P Sentiste mais cansaço no corpo ou
na mente?
R Ambos. O corpo começou a dar
sinais de cansaço e isso, automatica-
mente, passou para a mente. A moti-
vação deixa de ser a mesma, o corpo
“Mostrei que é
possível chegar
ao topo do ténis”
não chega à bola como deveria e não
consigo aplicar o estilo que sempre
tive, o que é complicado de aceitar.
P A rotina tornou-se um fardo?
R Nós, atletas, e particularmente os
tenistas, nunca estamos a 100%. O ob-
jetivo é estar a 99%, mas há semanas
em que não conseguimos estar com
os padrões físicos e mentais elevados.
Tentamos estar ao máximo preparados
para competir, mas o ténis é muito exi-
gente — para o corpo e para o cérebro
— e nós procuramos estar tão prepara-
dos quanto possível. Senti que, devido
às mazelas físicas que tenho, fui dei-
xando de conseguir fazer o que fazia. É
difícil competir assim contra jogadores
de 19 anos, com mais agilidade, que se
NÃO ENCONTREI
MOTIVAÇÃO PARA
CONTINUAR A JOGAR.
AS LESÕES PESARAM
MUITO
João Sousa Tenista
mexem de forma diferente. A exigência
física e mental que tive durante muito
tempo é algo que, aos 35 anos, já pesa.
Se estivesse bem fisicamente, acredito
que me sentiria motivado a jogar, mas
não o consigo fazer.
P Como esperas que seja a próxima
semana no Estoril Open?
R Vai ser muito especial. É um torneio
onde fui muito feliz, tive lá a melhor
semana da minha vida em termos pro-
fissionais, quando ganhei em 2018. Es-
pero uma semana de festa, sejam um,
dois ou três dias, não sei quantos dias
irei competir, mas espero ter o carinho
do público, como tive sempre. 2018 foi
um ano marcante na minha vida e na
vida de muita gente que apoia o ténis
português. Certamente virão muitas
emoções à flor da pele, não tenho dú-
vidas disso, porque estarão lá muitas
pessoas importantes para mim.
P Vês algum simbolismo na coinci-
dência da tua despedida com o anún-
cio recente de que, na primeira versão
do calendário ATP para 2025, o Estoril
Open está ausente?
R O Estoril Open é um torneio que
não deveria sair do circuito. Infeliz-
mente, há uns dias tivemos essa no-
tícia, mas espero que ainda possa ser
incluído, provavelmente noutra data.
Isso seria muito importante para o
ténis português, bem como para o
desporto em geral. Já falei com outros
tenistas e todos estão perplexos com a
ausência do Estoril para 2025.
P É um torneio muito do agrado dos
jogadores...
R Sim, toda a gente gosta de jogar
lá e se sente bem lá, as pessoas em
Portugal são muito acolhedoras. Não
conheço nenhum jogador que tenha
criticado o Estoril Open, é um torneio
cheio de história, com muitos anos no
circuito. Acredito que continuará.
P Sentes que abriste novas possibili-
dades que pareciam impensáveis para
o ténis nacional?
FALEI COM OUTROS
TENISTAS E TODOS
ESTÃO PERPLEXOS
COM A AUSÊNCIA DO
ESTORIL PARA 2025
Expresso, 29 de março de 2024
Depois de chegar ao 28º
lugar do ranking e de vencer
quatro títulos ATP, Sousa
disputará, no Estoril, o último
torneio da carreira FOTO NUNO
CRUZ/NURPHOTO VIA GETTY IMAGES
R Gostaria de acreditar que sim, que
hoje em dia há mais jovens a quererem
ser profissionais. Mostrei que é possí-
vel chegar ao topo do ténis mundial e
vencer torneios ATP. Como os joga-
dores anteriores fizeram o seu papel
no ténis, eu também deixo aqui o meu
caminho, na expectativa de mais por-
tugueses conseguirem fazer o que eu
fiz e até melhor: gostaria de, no futuro,
ver portugueses entre os 10 primeiros
ou a lutar por Grand Slams.
P Continuas a achar que o talento é
sobretudo trabalho?
R Sim. O talento, para mim, não é
ter jeito para modalidade, é possuir
capacidade de trabalho e espírito com-
petitivo. Essas duas componentes são
fundamentais para o êxito no ténis e
na vida.
P Esse é o teu grande legado: provar
que se pode ir a 12 finais ATP mesmo
sem ser o maior dos tecnicistas?
R O meu método de sucesso foi este,
à base do trabalho, da dedicação e da
ambição, não demonstrando isto só
durante um dia, mas ao longo de mui-
tos anos. Mas o que fica não são só os
resultados, é a pessoa que fomos e que
somos. Gosto de ver que as pessoas gos-
tam de mim, da maneira como estou
na vida, da forma como me comporto.
P Em 2004, uma família de Guima-
rães contraiu um empréstimo para
que um adolescente de 15 anos fosse
para Barcelona à procura de um so-
nho. Passados 20 anos, valeu a pena?
R O sacrifício — não só económico,
mas emocional — dos meus pais e do
meu irmão foi gigante. Deixaram imen-
sas coisas para trás e deram-me tudo a
mim, num esforço para que eu fosse
profissional. Isso não se quantifica,
demonstraram muitíssimo amor e ca-
rinho, estou-lhes eternamente grato.
P Comparando o João Sousa de 2024
com aquele de 2004, o que é que se
mantém e o que é que mudou depois
de 20 anos de ténis?
R Mantém-se o espírito de sacrifício
e de trabalho. Fui moldando a minha
maneira de ser e de estar, mas os
meus princípios e maneira de estar
na vida mantêm-se inabaláveis. Gos-
taria de pensar que essa é a grande
marca que deixo.
pmbarata@expresso.impresa.pt
 Expresso, 29 de março de 2024
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1938-2024 Escultor minimalista, que experimentou ao longo de seis décadas materiais
como o aço enferrujado ou a borracha vulcanizada para produzir obras únicas
Richard Serra
V
idas Paralelas”, obra
“ fascinante escrita por
Plutarco, é a fonte mais
relevante sobre gran-
des homens gregos e romanos
cujos contributos na oratória, na
guerra e na política moldaram
a nossa História. Acontece que
Plutarco decidiu contar as his-
tórias das vidas destes grandes
homens através da comparação,
unindo-os em pares para que
vícios e virtudes sobressaíssem.
Por vezes, são os próprios pro-
tagonistas que se comparam
aos antecessores, sendo que,
por ordem cronológica, são os
romanos que o fazem. Na “Vida
de César” Plutarco conta que
um dia os amigos de Júlio Cé-
sar o encontraram num estado
meditativo invulgar nele, tendo
mesmo irrompido num pranto.
Quando lhe perguntaram o que
se passava, César terá respon-
dido que tinha razões de sobra
para chorar porque tinha lido
que Alexandre, com a mesma
idade, conquistara tantos povos
e ele, César, ainda não tivera ne-
nhum sucesso memorável.
As comparações de magní-
ficos com magníficos anterio-
res costumam correr mal para
quem se compara e naturalmen-
te se desanima. Alguns choram,
outros mudam de profissão. No
caso do escultor norte-ameri-
cano Richard Serra, que queria
estudar pintura e que admirava
Cézanne, Pollock, De Kooning,
atirou a toalha ao chão quan-
do, numa viagem a Madrid, vê
“Las Meninas”, de Velázquez,
no Museu do Prado. Parafra-
seando um comentário de Serra,
não conseguiu lidar com a força
do seu Alexandre, e perante a
impossibilidade de o ultrapas-
sar encontrou outra forma de
se exprimir.
Richard Serra nasceu a 2 de
novembro de 1938, em São
Francisco. Era o filho do meio
de três de Tony e Gladys Ser-
ra. O pai, emigrante espanhol,
trabalhou como operário num
estaleiro naval em São Francisco
durante a II Guerra Mundial.
Entre memórias de infância re-
lacionadas com o trabalho do pai
no estaleiro e vários trabalhos
de verão quando era adolescen-
te em siderurgias localizadas
naquela zona, Richard criou o
hábito de lidar com materiais
Obituário
Maurizio Pollini
1942-2024 “Esse rapaz toca
melhor do que qualquer
um de nós”, terá dito Artur
Rubinstein quando Pollini
ganhou o Concurso Chopin
de Varsóvia. Tinha 18 anos,
era aluno de Carlo Vidusso
no Conservatório de Milão, e
tinha-o sido do famoso Carlo
Lonati. O meio musical ainda
o recordava por, três anos
antes, aos 15, ter ficado com
o segundo lugar no Concurso
de Genebra, no qual Martha
Argerich arrebatou o primeiro
prémio. Ambos são da mesma
geração e iriam cruzar-se
muitas vezes. Nascido em
Milão, filho de um arquiteto,
A arte monumental
de Serra mete
medo e gera
fascínio, como tudo
o que mete medo
que se tornam indispensáveis à
criação artística. A mãe, por seu
lado, emigrante russa de Odes-
sa, era mais dada às artes e à
leitura. Passou a levar Richard
a museus quando uma profes-
sora do rapaz a alertou para o
talento que a criança tinha para
o desenho. Na Universidade da
Califórnia, Santa Barbara, e não
Berkeley, foi aluno de Margaret
Mead, Aldous Huxley e Chris-
topher Isherwood. Ao mesmo
tempo estudava artes e pintura
com Howard Warshaw, que o
convenceu a aprofundar o estu-
do do desenho em Yale. Mandou
para lá uns desenhos e ganhou
uma bolsa. Entre os seus cole-
iniciou-se no piano aos sete.
Após as distinções, estudaria
com Arturo Benedetti
Michelangeli a fim de ampliar
o seu repertório. Ficou
conhecido pelas suas leituras
de Chopin, Schumann ou
Beethoven, que considerava
um “moderno”. Tocou
também compositores do
século XX, como Schoenberg,
Sciarrino, Maderna, Boulez ou
Luigi Nono. Do seu catálogo
discográfico, que começa em
1960, constam 126 álbuns,
sobretudo para a chancela
Deutsche Grammophon. Aos
82 anos, continuava a tocar:
só parou definitivamente dia
23, num hospital em Milão.
Antes, cancelara concertos
em Madrid, Saragoça e
Barcelona, devido a uma
doença respiratória. “É
verdade que procuro o que me
parece ser a essência de uma
obra, a sua verdade. Nesse
sentido, sou um pianista do
meu tempo”, disse à revista
“Grammophone”. L.L.
má ou um vilão de monóculo.
Afirma que está mais interessa-
do na ação de verbos como “en-
rolar”, “dobrar” ou “vincar” no
material do que no resultado. E
o resultado passa a ser surpreen-
dente e aterrador. As peças são
gigantes, os materiais usados
são o aço enferrujado, o chum-
bo, a fibra de vidro e outros cujo
uso na escultura parecia impen-
sável até então. O significado
parecia misterioso e às vezes
causava uma enorme irritação.
Em 1981 percebe que as cha-
pas de aço, desde que tivessem
grossura suficiente, se manti-
nham de pé sem necessidade de
suporte e cria uma instalação de
arte pública intitulada “Tilted
Arc”, uma chapa de aço coberta
de ferrugem com cerca de três
metros de altura e 37 de com-
primento. A peça podia figurar
num filme de terror ou de ficção
FOTO OLIVER MORRIS/GETTY IMAGES
científica e aterrava na Foley
Federal Plaza, em Manhattan,
para grande indignação dos que
trabalhavam na zona. Era uma
escultura divisiva, estranha, me-
donha. Encontrou defensores e
oponentes até ser retirada, em
1989, mas não sem antes ser
alvo de um julgamento que reu-
niu 122 testemunhos a favor da
sua manutenção naquele sítio.
A peça fora uma encomenda
gas estavam Brice Marden (de- governamental, o que ajudou
saparecido em agosto do ano ao argumento de que poderia
passado) e Nancy Graves, uma ser retirada por ser proprieda-
escultora com quem casaria em de estatal. Foi decidido que a
1964, em Paris. liberdade de expressão do artis-
Em 1965 o casal mudava-se ta não estava em causa. Mas as
para um apartamento em Tri- entidades proprietárias da obra
beca, Nova Iorque. Philip Glass podiam fazer com ela o que qui-
e Steve Reich eram amigos pró- sessem. A peça seria guardada
ximos, assim como o escritor num parque de estacionamento
Spalding Gray ou o realizador público em Brooklyn.
canadiano Michael Snow. O ca- Os círculos de aço em “The
samento chega ao fim em 1970, Matter of Time” (1994-2005),
porque Richard se apaixona pela no Guggenheim de Bilbao, uma
artista Joan Jonas. Em 1981 casa escultura monumental em aço
de novo, mas com Clara Weyer- em forma de espiral, contras-
graf, historiadora de arte que o tam com o fabuloso conjunto
acompanha até ao fim dos dias. de quatro chapas de aço de 15
Depois de experiências com metros de altura, “East-West/
animais empalhados e também West-East”, situadas algures no
vivos em jaulas, numa perfor- deserto de Doha, no Catar, como
mance em Roma, em 1966, inti- se fossem de outro planeta. A
tulada “Live Animal Habitats”, arte monumental de Serra mete
Serra começa a interessar-se medo e gera fascínio, como tudo
pela escultura. A sua primeira o que mete medo, mas não tanto
peça, “To Lift”, consistia numa pela sua envergadura. Mais pelo
espécie de capa de borracha aspeto labiríntico, pelo silêncio,
vulcanizada posta no chão que pelo eco; pela solidão que invo-
podia ser usada por uma bruxa ca: inescapável, atrativa.
Por Luciana Leiderfarb e Rui Gustavo
> Laurent de Brunhoff (1925-
-2024), ilustrador francês, de-
cidiu, aos 21 anos, ressuscitar
uma personagem de livros in-
fantis que tinha sido idealizada
pela mãe, Cecile, e desenhada
pelo pai, Jean: Babar, o elefante.
O pai fez cinco álbuns e o filho
dezenas e ainda uma série de
Lisa Lane animação. Quando foi confron-
tado com acusações de bran-
1933-2024 Xadrezista quear a colonização de África
americana, começou a jogar — a personagem foi criada na
no fim da adolescência e Europa no meio dos humanos
venceu logo todos os jogos que e volta a África para salvar o
disputava. Foi campeã feminina seu bando e ensinar-lhe o modo
em 1958 (dois anos depois de de vida europeu —, Laurent re-
ter começado) e foi a primeira conheceu que as críticas eram
xadrezista na capa da “Sports válidas. Dia 22, de AVC. > Frans
Illustrated” (incluindo homens). de Waal (1948-2024), primató-
Retirou-se cedo, agastada com logo neerlandês, desenvolveu a
o machismo que a impedia de teoria da existência de empatia
disputar torneios com homens. e moralidade entre os primatas.
Em 1971, enfrentou e venceu Fez a descoberta quando ob-
o programa de computador servou dois chimpanzés a lutar
da IBM que viria a derrotar e, mais tarde, ao que deu início
Karpov. “Não ficou tão chateado à zaragata, a fazer um gesto de
como alguns homens”, conciliação um com o outro. As
comentou. Dia 28 de fevereiro, pazes foram seladas com um
de causas não reveladas. R.G. abraço. Dia 14, de cancro. R.G.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
A criança mimada
Rui Rocha, líder da Iniciativa Li-
beral a propósito da não eleição
de José Pedro Aguiar Branco
para presidente da Assembleia
da República, chamou “crian-
ça mimada” a André Ventura.
A Assembleia da República da
XVI legislatura é a mais fraca
a nível de qualidade política
dos eleitos. Se querem isolar o
Chega numa “cerca sanitária”
porque não houve acordo entre
o PS e o PSD, o famoso arco da
governação? Luís Montenegro
não tem pedalada para o cargo
de primeiro-ministro e Pedro
Nuno Santos vai ser o Francisco
Rodrigues dos Santos do PS. A
linguagem de Rui Rocha é pró-
pria de deputados com pouco
ou nenhum sentido de Estado.
Passados 50 anos do 25 de Abril
de 1974, acenar com “cerca sa-
nitária” é próprio de um regime
com tiques totalitários. É que
a tal cerca alberga 50 deputa-
dos. Iremos assistir na casa da
democracia portuguesa a cenas
de pugilato como na Coreia do
Sul?
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
Um homem do povo
Em dois episódios transmitidos
pela RTP1, e, com a realização
fantástica do cineasta portu-
guês Leonel Vieira, foi dada a
conhecer a vida e a obra do “Sr.
Rui — Um Homem do Povo”.
Que extraordinário exemplo de
um homem, Rui Nabeiro, que
cresceu a pulso e que vingou na
vida empresarial, perante enor-
mes vicissitudes que encontrou
ao longo da vida, mas que va-
leu certamente a pena. Uma
vida cheia, onde o seu lema foi
sempre ajudar o próximo. Dis-
tribuir pelos outros foi sempre
a sua bandeira. Que bom seria
que, nos dias que correm, hou-
vesse mais homens com este
espírito e missão.
Mário Jesus, Odivelas
Aeroporto e escolhas
Lisboa tem um dos melhores
aeroportos da Europa. Qual
a razão de pensar num novo
aeroporto de Lisboa? É uma
falácia. O que Lisboa precisa
urgentemente, para bem de
quem lá vive, é que o tráfego
aéreo seja reduzido em 90%.
Existe um aeroporto no Porto,
um em Lisboa, outro em Beja
e outro em Faro. O interior
do país está marginalizado e
com um potencial de turismo
fora de série. Tancos tem uma
infraestrutura aeroportuária
gigante e completamente ao
abandono. Esteve na lista du-
rante duas ou três semanas e
foi excluída por duas razões:
a distância e ser base militar.
Não há exemplo mais escanda-
loso, se pensarmos que todos
os lugares indicados eram ou
são bases militares, incluindo
Lisboa. Nada contra Santarém,
mas os terrenos são potencial-
mente agrícolas, têm donos e
a especulação é evidente. Não
há dinheiro para um aeropor-
to, todos sabemos. Em Tancos
custa uma navalha velha e não é
preciso sacrificar terrenos agrí-
colas nem cortar sobreiros. É só
honestidade política. Só espero
PRIMEIRO CADERNO 33
que o novo Governo não embar-
que na primeira ratoeira que
está armada e que foi guardada
para a última hora.
Guilherme Duarte, Vale Cabeiro
Soberba da esquerda
Depois das eleições legislativas
do dia 10 de março, que resul-
taram numa derrota sem pre-
cedentes dos partidos extremis-
tas BE e PCP, reduzidos a nove
deputados no seu conjunto, a
líder do primeiro toma a inicia-
tiva de convocar o PS, Livre
e PAN para unir uma “frente
de esquerda” contra a direita,
exercício que deverá ser a re-
jeição de todos os projetos-lei
emanados do Governo da AD
na Assembleia da República,
mesmo que tenham utilidade
para a melhoria dos cidadãos,
incluindo igualmente a convo-
cação de greves a granel pelo
PCP, através dos sindicatos, um
estrebuchar comatoso de quem
está no limiar da sobrevivência
política. Espero que o PS, se-
gundo partido em número de
deputados, não embarque em
tal dislate.
José Mesquita, Lisboa
Obrigado Eriksson
Fabulosa a homenagem que
o Liverpool, segundo sei por
ideia do próprio Jürgen Klopp
(ao saber que um dos sonhos,
não concretizado, do técnico
sueco, era ter treinado o Liver-
pool), prestou, no mítico An-
field, a Sven-Göran Eriksson.
Deve ter-lhe sabido muito bem
(sobretudo para quem, como
ele, está sentenciado a viver
poucos mais meses e a perder
o jogo da vida contra o cancro
no pâncreas que o consome)
receber a estima e o tributo que
lhe prestaram mais de 60 mil
fãs do clube maior da cidade
dos Beatles. É por pequenos
grandes gestos como este que
o futebol inglês é incomparável
e que os seus adeptos, que esgo-
tam, a cada semana, os estádios
da grande Ilha, são inconfundí-
veis no tributo aos heróis do seu
“Beautiful Game”.
Armando Neves, Lisboa
Edifícios
O edifício da CGD encaixa
perfeitamente como Sede do
Governo. Com 2 mil empre-
gados, a sede da Caixa perdia-
-se naquela casa, fica bem no
Parque das Nações. O Terreiro
do Paço, o símbolo máximo do
Governo, com uma qualidade
arquitetónica e histórica notá-
veis, parece estar ser minimi-
zado. A preocupação maior é o
Torreão Poente: precisa duma
intervenção gigantesca com o
máximo empenho do Estado.
Deve ter uma ocupação con-
dizente, sede do Ministério da
Defesa, como é tradicional. O
edifício do antigo Ministério
do Ultramar, em Belém, virá a
ser, certamente, mais um hotel,
com o Estado-Maior deslocado
para a Cavalaria 7. O Terreiro
do Paço não pode estar pintado
com duas cores, quebrando a
formidável unidade pombalina.
Foi pena terem transformado
o antigo Ministério do Interior
(primitivamente das Finanças)
num hotel. O claustro nascente,
das Finanças, deve ser liberto
de automóveis, com urgência, e
aberto ao público. Sugiro que o
Complexo do Terreiro do Paço
passe a ter uma gestão integra-
da, sediada na Presidência do
Conselho de Ministros. É o mai-
or símbolo de Lisboa e do país.
Maria Ribeiro, Lisboa
34 PRIMEIRO CADERNO
Se não aconteceu,
podia ter acontecido
Nº 117 SÉRIE II
DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
Novos ministros
vão ser oficialmente
colocados sob
escuta pela PGR
na quarta-feira
Os novos ministros que tomam
posse na terça-feira apenas ini-
ciam oficialmente funções no dia
seguinte, quando forem oficial-
mente indigitados como suspeitos
por Lucília Gago e formalmente
colocados sob escuta, devendo os
seus nomes, conforme declara a
Constituição, serem vazados aos
jornais e enlameados na praça pú-
blica no prazo máximo de 15 dias.
Os novos ministros vão também
conhecer os armários e secretá-
rias dos respetivos gabinetes onde
deverão esconder milhares de eu-
ros em numerário e em moedas
castanhas. V.E.
Costa deixa a
Montenegro os 3194
milhões de euros do
excedente em notas
de 5 euros usadas
A AD tem feito o “spin” de que não
há assim tanto excedente, e que os
3194 milhões mal pagam os novos
submarinos que Nuno Melo quer
comprar, mas todo este “jackpot”
estará à espera de Luís Montenegro,
em notas de 5 euros usadas e não
sequenciais, sobre a secretária de
São Bento, com a nota “Não gastes
tudo no mesmo sítio! Lolada! Gran-
de abraço! António”. 3194, diz “A
Bola”, passou a ser o código do Mul-
tibanco de Fernando Medina. M.B.
PGR prepara-se para
comunicar, no dia da
tomada de posse do
Governo, que não
encontrou crimes
e Costa está ilibado
É “O Regresso do Parágrafo” aos
pequenos ecrãs! O INIMIGO e a lei-
tora oficial de búzios do Palácio de
Belém sabem que Lucília Gago
tem estado a trabalhar num comu-
nicado, a ilibar António Costa de
qualquer ilícito criminal e a carac-
terizá-lo como fora de série ao ní-
vel de ser humano, que será divul-
gado às 17H55 de terça-feira, cinco
minutos antes da tomada de pos-
se de Luís Montenegro. A seguir,
vão todos comer gelados. Marcelo
convida. M.B.
Mariana Mortágua
queria que líderes de
todos os partidos da
Esquerda organizassem
um almoço de Páscoa
Mariana Mortágua telefonou a to-
dos os líderes da Esquerda para con-
vidá-los a passarem juntos a Páscoa,
lembrando, à mesa com um borrego
assado, como o PCP e o BE “mataram
o borrego” de décadas com a gerin-
gonça e finalmente alcançaram o po-
der, prometendo ainda muitas pia-
das, com o seu famoso sorriso
natural, sobre o coelho da Páscoa e
Pedro Passos Coelho. Pedro Nuno
Santos já disse que só aceita o convi-
te se puder levar o novo melhor ami-
go, Luís Montenegro. V.E.
PARLAMENTO ROTATIVO
AGUIAR-BRANCO PRESIDE ÀS MANHÃS
E ASSIS FICA COM AS TARDES
Pedro Nuno e Montenegro dormiram sobre o
assunto, acordaram ambos com enxaqueca
provocada pela mesma dúvida (“E se o Governo, o
Parlamento e Roger Schmidt caem já para a
semana?”), tomaram paracetamol e Vitamina C e
O QUE CONSTA NA
PASTA DA TRANSIÇÃO
DE COSTA PARA A AD?
 São 48 páginas (três sobre
medidas em curso e 45 sobre
feitiços para exorcizar o
Diabo).
 Código de ativação de
Santos Silva em “Modo
Terminator”.
 Localização de um bunker
no novo edifício do Governo na
CGD que parece ideal para a
AD trancar Câmara Pereira.
 Relatório do SIS com
identificação da Fonte de
Belém do Expresso.
 Verbas do PRR para
Madonna voltar a morar em
Lisboa.
 Pin do Google Maps com
coordenadas GPS do aeroporto
de Alcochete.
 Fotografia enigmática de
Carlos César dentro de um
vulcão nos Açores. M.B.
Último Conselho
de Ministros
emotivo de António
Costa e Marcelo
vai tornar-se
uma série da Netflix
O último Conselho de Ministros do
Governo de António Costa ficou
marcado por memórias melancó-
licas dos passados oito anos, pro-
messas ilusórias de encontros em
futuras encruzilhadas e olhos ma-
rejados de lágrimas, tendo levado
a Netflix a avançar para a produ-
ção de uma série romântica inspi-
rada no mesmo, tendo o Observa-
dor denunciado que a série vai ser
woke e contar com um ator negro
no papel de Marcelo e uma atriz
chinesa no papel de António Cos-
ta. A Netflix, depois do sucesso
“Rabo de Peixe”, também vai es-
trear uma série de ação e ‘suspen-
se’ inspirada na eleição do novo
presidente da AR, intitulada “Cal-
deirada”. V.E.
ontem refizeram o Tratado de Tordesilhas – Versão
2024. A cadeira da segunda figura do Estado será
repartida entre PSD e PS, sim, mas José Pedro
Aguiar-Branco fica com as manhãs, Francisco Assis
pega ao serviço à tarde e ainda há a possibilidade de
Filha de Kim Jong-un é
apontada como sucessora
do pai e já é chamada
“Mariana Vieira da Silva
da Coreia do Norte”
Kim Ju-ae, a pimpolha do queridíssi-
mo líder e genial inventor do fatia-
dor de ovos cozidos Kim Jong-un,
anda cada vez mais atrelada ao pai
nas cerimónias oficiais e também
dispara mísseis que mutilam atuns
órfãos no Mar do Japão. Ju-ae (Ivo-
ne Maria em coreano) é apontada
como a próxima querida líder, é co-
nhecida em toda a Pyongyang como
“Mariana Vieira da Silva da Coreia
do Norte” e já posou para a estátua
de 80 metros de altura a apontar o
amanhã (ou seja, sábado). M.B.
Último ato de Costa
em São Bento foi queimar
a estante de Vítor
Escária numa fogueira
“Foi um exorcismo. Sei do que falo
porque estávamos todos no cam-
pismo quando o meu camarada
Augusto Santos Silva espetou pa-
litos dos caracóis num boneco
vudu do André Ventura feito com
um pepino e peúgas brancas com
raquetes.” Foi assim que Eurico
Brilhante Dias descreveu o que viu
no jardim do Palácio de São Ben-
to, ontem à tarde: António Costa
a pegar fogo à estante onde Vítor
Escária guardou os 75.800 euros
isentos de IVA que juntou a vender
cautelas de lotaria do Natal em
Luanda. “Arde no Inferno, mobi-
liário do Demo! Vade retro! Sai
dela, chifrudo!”, ouviu-se o Primei-
ro-ministro a gritar, desde a Lapa
ao Barreiro. M.B.
Deputados do Chega
expulsos por imigração
ilegal já são suficientes
para formar uma
tendência interna
no partido
Há mais um deputado do Chega
que foi detido por imigração ilegal
num país estrangeiro, neste caso
nos E.U.A., mas o senhor diz-se ví-
tima de um plano maquiavélico
dos democratas para o impedir, à
Carlos Andrade moderar as noites. Em caso de
doença ou imprevisto, ou avança o speaker de
“O Preço Certo”, ou outra vez o comunista António
Filipe ou, se for avante uma emenda constitucional
fora da caixa do Chega, o TikTok de Rita Matias. M.B.
época, de se candidatar a Gover-
nador do Texas e/ou a um prémio
Tony. Perante isto, o partido da ex-
trema-direita passou a contar com
a autodenominada corrente inter-
na “Muro de El Paso”, uma fação
que agrupa estes deputados que
sonham dar uma volta ao mundo
sem passaporte. M.B.
Ministro das
Infraestruturas António
Costa entregou pasta
do aeroporto ao seu
homólogo no PSD
José Luís Arnaut
António Costa parece apostar num
governo AD de curta duração e só
deixa uma provisão de cápsulas de
café para seis meses em São Bento.
No exterior, a vaca voadora socialis-
ta já libertou o estábulo de São Ben-
to para o unicórnio de Luís Monte-
negro. Costa, que ainda é ministro
das Infraestruturas, entregou o dos-
siê do aeroporto ao seu homólogo
no PSD José Luís Arnaut. O docu-
mento tem apenas três páginas: a
capa, o índice e a palavra “Alcoche-
te”. M.B.
N.º 2 DO GOVERNO PS,
MARIANA VIEIRA DA SILVA,
PASSOU PASTAS AO N.º 2
DO GOVERNO AD
MARQUES MENDES
Tem sido uma transição modelo:
Costa já avisou a portaria de São
Bento para, daqui em diante,
deixar Montenegro estacionar
no recinto do Palácio e Gonçalo
da Câmara Pereira telefonou
para o Largo do Rato porque
não sabia com quem falar no
PS para receber a pasta das
touradas. Mais: a solidariedade
democrática entre os números
2 de PS e AD está a ser exemplar
e Mariana Vieira da Silva
entregou todas as pastas a
Marques Mendes, incluindo a da
localização do futuro estádio de
100 mil pessoas que vai acolher
um Malta-Chipre no Mundial
2030. M.B.
Expresso, 29 de março de 2024
Astronautas da estação
espacial garantem que
excedente orçamental
é visível do espaço
Os astronautas da estação espacial
internacional emitiram esta sema-
na um comunicado a dar conta de
que é possível ver o excedente orça-
mental português a partir do espa-
ço. Dizem mesmo que tiveram de fa-
zer uma série de cálculos para ter a
certeza de ser o saldo português já
que havia quem garantisse que só
poderia ser alemão. Em Portugal,
embora com menos clareza, os as-
tronautas conseguiram também
ver o ego de Cristina Ferreira e ou-
vir sons vindos do grupo parlamen-
tar do Chega. A.P.
Lacerda Machado falhou
reeleição para cargo de
‘melhor amigo’ do novo
primeiro-ministro
Depois de Augusto Santos Silva falhar
a reeleição para presidente da Assem-
bleia da República, António Lacerda
Machado falhou a reeleição para o se-
gundo cargo mais importante da Na-
ção, o de “melhor amigo do primeiro-
-ministro”, devendo o lugar ser
ocupado por Salvador Malheiro. Esta
é a segunda vez que um “melhor ami-
go” do primeiro-ministro falhou a
reeleição, após Rui Gomes da Silva fi-
car sem o cargo com a queda do Go-
verno de Pedro Santana Lopes. V.E.
Portugal responde ao
boxe de Macron com
foto de Marcelo a
ganhar prova de natação
aos fuzileiros
Emmanuel ‘Rocky Balboa’ Macron
mostrou-se numa série de fotogra-
fias a praticar boxe como se estives-
se a treinar para enfrentar Ivan Dra-
go ou Pepe. O Conselho de Estado
português, reunido anteontem, de-
pois de despachar a questão da Ma-
deira, mandatou o Presidente da Re-
pública para divulgar as fotos em que
dá um bigode aos fuzileiros na prova
de mariposa Nazaré-Alfeite e o vídeo
em que dança três solos de “O Lago
dos Cisnes” com uma jamanta, de-
baixo de água, durante 15 minutos,
no tanque central do Oceanário. M.B.
Expresso, 29 de março de 2024
OPINIÃO
Por
António Costa
ADEUS TRISTEZA, ATÉ DEPOIS
Na minha vida tive palmas e
fracassos, fiz a geringonça quando
tive votos escassos, aconteceu-
-me uma maioria absoluta que
não estava nos planos, tive a
promessa de outro mandato por
quatro anos, a remodelação,
que era boa, não serviu e o meu
futuro foi aquilo que se viu.
Na minha vida tive ministros
aldrabões, matarem a fome
num banquete de adjudicações,
não entendi a maior parte dos
rumores, só percebi que alguns
deixaram muitas dores, não fiz os
telefonemas que a PGR pensa que
ouviu e o meu futuro foi aquilo
que se viu. Adeus Marcelo, até
depois, sinto-me triste por sentir
que entre os dois, não há mais
nada para fazer ou conversar,
chegou a hora de acabar. Nos
meus mandatos fiz viagens de ida
e volta, prometi de tudo e a todos
à boca solta, devagarinho, na
geringonça, para começar, com
muita força na maioria
parlamentar, mas
ao Galamba a triste
sorte não sorriu e
o meu futuro foi
aquilo que se viu.
Na geringonça
tive sempre
um parceiro
qualquer, era
tão fácil, bastava
apenas escolher.
Escolherem-me só a
mim, parece que isso
era vaidade, a maioria
já passou, não foi
a melhor, lá isso é
verdade. Não ando cá
a fazer nada, está-se a
ver e em Bruxelas há de
ser o que Deus quiser.
Adeus Marcelo, até
depois, sinto-te triste
por sentires que entre
os dois, não há mais
nada para maldizer
ou intrigar, chegou a
hora de
emigrar. V.E.
André Villas-Boas
revela que vai ser
um presidente do
FC Porto não
remunerado, mas
com uma cláusula
de rescisão de 25
milhões de euros
André Villas-Boas anun-
ciou que, caso seja eleito
presidente do FC Porto,
não vai auferir salário,
mas terá direito a 25 mi-
lhões de euros de indemni-
zação caso seja demitido do
cargo a meio do mandato,
somando-os assim aos mui-
Geração 80
em Podcast
Músicos, humoristas, atores e apresentadores.
As personalidades nacionais que nasceram nos anos 80
partilham as suas memórias desta icónica década,
em conversa com Francisco Pedro Balsemão
O destino da informação.
tos milhões que recebeu quando saiu
do Chelsea, do Tottenham, do Zenit
e da equipa com que joga na Playsta-
tion. Já Pinto da Costa garantiu aos
sócios que paga para ser presidente
do FC Porto e que comprou o Estádio
do Dragão com os direitos de autor
da biografia “Largos Dias Têm Cem
Anos” e da sequela “Luis Díaz Foi
Vendido Por Cem Contos”. V.E.
Autobiografia do Papa
Francisco coloca cenário de
renúncia como ‘hipótese
distante’, mas admite
teletrabalho e adesão à
semana dos quatro dias
A autobiografia que o Papa Francisco
vai lançar, intitulada “Uma Aventura...
No Vaticano”, coloca o cenário de re-
núncia do Sumo Pontífice como uma
“hipótese distante”, mas admite que o
debilitado Papa possa recorrer ao “la-
yoff” ou, caso a sua saúde melhore, ao
teletrabalho, com declarações “urbi et
orbi” pelo Zoom, precisamente o mé-
todo usado por Jesus Cristo para falar
com Alexandra Solnado. O Papa Fran-
cisco explicou que apenas pondera
reiniciar ao mandato caso não consi-
ga ser reeleito pelos cardeais dos cír-
culos da Europa e Fora da Europa. V.E.
10 MAIORES PATRANHAS DA HISTÓRIA DE
1 DE ABRIL AS tónio Saraiva, Jos
An
s Três Zés (José
Dream team IP/O tos) explica como as coisas rea
Rodrigues dos San historiografia registou é treta.
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são factos. O que
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No 25 te
o quar
GNR d m da Portela que estava saturado de cavalos.
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O ouro do Brasil não foi
assim tanto. Na verdade,
D. João V era rico porque
tinha um avô que enriqueceu
no volfrâmio.
e x is tiu. B grande ob “As
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to nu encionado ério roma lês”.
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mais e lheres. A.P.
aí há se julga
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do q riu Porto
o b
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.
Santo
PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO
Secretas dos EUA,
Reino Unido e França
alertaram Espanha de que
Sérgio Conceição ia ver
bola a Huelva
O Governo espanhol está a tratar o
caso de Sérgio Conceição como uma
nova Aljubarrota e ameaça retaliar
contra Portugal aumentando o ga-
sóleo nos postos junto à fronteira. O
“mister” foi acusado de alegada-
mente ter agredido o alegado autar-
ca de Huelva enquanto assistia a um
alegado jogo infantil entre o FC Por-
to e o Sevilha. As secretas ocidentais
(MI 6, NSA, BND, UEFA, Ricardo Cos-
ta, etc.) tinham alertado Madrid de
que Conceição planeava algo rocam-
bolesco no eixo Monte Gordo-Doña-
na. Sanchez começou por não lhes li-
gar e preferiu ver a liga inglesa. Será aos exames nacionais digitais, exi- ca foi convocada na página do Hi5
julgado pela História. M.B. gindo que o próximo ministro da de Mário Nogueira. V.E.
Educação mande as carreiras do-
Greve dos professores de centes abaixo, espera dez segundos Nova moda do TikTok é
informática vai manter-se e depois ligue-as de novo, o método
até que o novo Governo que os professores de informática jovens usarem cremes
mande abaixo e volte usam para arranjar computadores antienvelhecimento e
a ligar os estatutos da Magalhães avariados e que André quitarem mata-velhos
carreira docente Ventura usa para eleger o presiden-
te da Assembleia da República. A A nova tendência do TikTok é a cos-
Os professores de informática con- greve dos professores de informáti- meticorexia, ou seja, crianças e jo-
vocaram por carta uma greve geral vens usarem produtos antienvelhe-
cimento no rosto e quitarem os
PORTUGAL POSTAS A NU
mata-velhos, que podem conduzir
a partir dos 16 anos de idade, com
a e José
é Gomes Ferreir que se segue,
.Oam
jantes modernas e galhardetes do
Chega, para tentarem mostrar que
lmente se passar
t. são e sempre serão jovens e rebel-
Está tudo na Ne
des. Luís Montenegro também
aderiu à cosmeticorexia para ten-
tar reverter as rugas de stress e as
olheiras de sono que ganhou esta
semana. V.E.
DGS alerta para
D. Afonso Henriques conquistou Santarém para risco sério de
fazer um hipódromo alternativo ao hipódromo
dependência de açaí
A Direção-Geral de Saúde (DGS)
edro lega está seriamente preocupada com o
D. P ceu a ga da Batalh
a
e
conh e Castr
o O Mosteiro a
consumo abusivo de açaí entre os
o em honr
d foi erguid portugueses. Um relatório a que o
Inês loja da id. de Sé io
rg
a r da vitória INIMIGO PÚBLICO teve acesso dá
num de Mad ão so bre os
ci Conceiç conta de “pessoas a deambular pe-
Guc espanhóis
.
las ruas como zombies enquanto
mastigam elevadas doses de açaí
Oliveira com paçoca” e de “acampamentos
Salazar, so improvisados de viciados a consu-
zinho,
impediu
o o sismo mir a céu aberto”. Para mitigar os
ue nã de 1755.
izer q a de riscos, a DGS está a preparar um
asta d r
plano de prevenção agressivo: ses-
na no de ter
Depois sões de informação nas escolas, ví-
imp Gau lha
bre o rix, o a Bata deos educativos no TikTok e distri-
p a re cido n risto só
tur a u e, C buição de panfletos nas zonas de
u ri q ra
ixo pa
cá aba e maior consumo. Está também em
voltou irar o golo d prevista criação de salas de consu-
sp 6.
in ro 201
É d er no Eu mo assistido de açaí e troca de co-
Manuel Buíça e os regicidas
assassinaram D. Carlos e o
príncipe Luís Filipe com um parágrafo certeiro
da PGR.
Equipa oInimigoPúblico
“Se não aconteceu… podia
ter acontecido!” O Inimigo Público
é um suplemento satírico,
sendo todo o seu conteúdo ficcional.
Diretor Luís Pedro Nunes
Redação Alexandre Parreira,
Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
Projeto gráfico @oinimigo_pronto
Editor online João Martins
Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
conjunto Expresso/Produções Fictícias/
/Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
Com o apoio:
tv · web · app
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de março de 2024

Editorial&Opinião
Editorial A XVI legislatura da democracia
começou com um bloqueio na eleição Comprem um mapa
do presidente do Parlamento
tórico no cruzamento da fun- blicos deu-se de 1851 em diante, A sua missão, contrariamente à
ção militar com a política, tendo assim mapeando. Aldeias onde do fontismo no século XIX, não

Sobreviver
Fontes Pereira de Melo sido en-
genheiro, coisa que toda a gente
lembra, mas sobretudo enge-
nheiro do Exército, coisa que
unidades de peso eram arcaicas é burocratizar nem endividar,
desde o feudalismo sofreram, mas a consciência do que o ro-
certamente a contragosto, a deia não será menos urgente.
uniformização das suas medi- Como as votações desta semana

a mais Sebastião Bugalho

politica@expresso.impresa.pt
a maioria esquece. O ministro
das Obras Públicas que marcou
a segunda metade do século XIX
— construindo estradas, pontes,
das. Para o fazer, o Governo teve
de saber onde eram.
Na Europa de hoje, poucos
governantes encarariam o
na Assembleia demonstraram,
quando tudo muda, convém sa-
ber onde estamos.
Também nós, como o Portu-

1645 dias
E
caminhos de ferro e linhas te- mapa como ferramenta diá- gal oitocentista na sua segun-
m 1777, George Washin- legráficas — tornou-se célebre ria até à invasão da Ucrânia, da metade, necessitaremos de
gton nomeou o primeiro pelo comboio, mas o fontismo em fevereiro de 2022. Apesar lideranças mais aptas à gestão
cartógrafo do Exército como motor da regeneração disso e da nossa sortuda oci- de recursos e menos belicosas
continental. A sua relação foi somente possível com um dentalidade, o meu conselho e unipessoais. Tal como a mo-
com mapas precedia a vocação conhecimento pormenorizado ao primeiro-ministro em vias narquia constitucional benefi-
militar, tendo sido prospetor de do território nacional. A apro- de tomar posse é este: dr. Luís ciou de a era dos engenheiros
terras índias enquanto colono ximação do “país legal” ao “país Montenegro, compre um mapa. (Fontes, Filipe Folque) suceder
Terça-feira, 26 de março de 2024. Dia 1 da nova e, mais tarde, especulador de real”, como explica José Miguel ao tempo dos chefes (Sá da Ban-
legislatura. A XVI legislatura da nossa democracia. propriedades quando empresá- Sardica no seu “Terminar a Re- deira, Saldanha), a República
O Parlamento dava o pontapé de saída, sabendo-se rio. Nos seus 67 anos de vida, volução”, dependia de conhecer O meu conselho agradeceria semelhante apa-
à partida que o quadro político seria sempre muito Washington foi soldado, revolu- o país em si: cartografar terri- ao primeiro-ministro ziguamento, por mais distante
complexo. A coligação que vai governar o país teve cionário e Presidente, havendo tório, cadastrar propriedade. O é este: dr. Luís Montenegro, que pareça.
a vitória eleitoral mais curta da democracia (PSD mapeamentos da sua autoria alargamento do Estado na cole- compre um mapa O paralelismo, mesmo que
e PS têm, aliás, o mesmo número de deputados, arquivados na biblioteca do ta fiscal e nos investimentos pú- imperfeito, adequa-se. Dos
desempatando os dois do CDS), e na Assembleia da Congresso com datas que vão comboios, que continuam por
República os populistas radicais têm a impressiva das viagens da sua juventude cá, aos portos, no caso aéreos
força de 50 deputados. Ou seja, mesmo que as coisas às batalhas pela independência, e por erigir. Do divórcio entre
corressem bem, seria sempre muito difícil. Embora terminando numa incursão final Lisboa e o restante território,
tendo começado de forma elevada, com o convite a na sua propriedade, onde fale- que se mantém, à saturação do
António Filipe, do PCP, para conduzir os trabalhos, o ceria em 1799. Nos seus últimos sistema político, que se repete
primeiro dia não podia ter corrido pior. Mesmo estando dias no exílio, em 1821, Napoleão — esmagado entre a conjuntura
em causa a normalmente simples eleição da mesa da estenderia mapas numa mesa de internacional e a incompatibili-
AR, com o presidente, vice-presidentes e secretários da bilhar, com as pontas seguradas zação interna. E Montenegro,
mesa, o PSD não soube prever e acautelar as dificuldades pelas bolas do jogo, recordando não tendo sido militar ou enge-
do novo quadro e permitiu que André Ventura tomasse cargas de artilharia como se es- nheiro, pode sempre nomear
conta do palco, bloqueasse a votação e alimentasse tivesse nos locais retratados e um cartógrafo.
FOTO SMITH COLLECTION/GADO/GETTY IMAGES

um espetáculo pouco recomendável. Na bancada não a sete mil quilómetros de O seu mapa, a fixar no pri-
laranja, ainda como deputado, estava presente Luís França, numa ilha remota do meiro dia em São Bento, con-
Montenegro, que na próxima semana toma posse como Atlântico. Em 1942, o general tabilizaria três variáveis por
primeiro-ministro de Portugal. Se ainda tivesse dúvidas Marshall ofereceu dois globos concelho: população, votos e
sobre a dificuldade de levar a legislatura a bom porto, perfeitos a Churchill e Roosevelt visitas ao longo do mandato.
o que sucedeu no hemiciclo deve tê-lo deixado alerta. como prenda de Natal, cada um A sua empreitada é distinta da
Naquela terça-feira, faltavam 1645 dias até ao final da com cerca de 300 quilos e cen- de Fontes há 170 anos, não vi-
legislatura. A batalha afigura-se longa e muito difícil. tenas de horas de trabalho dos sando expandir o Estado, mas
cartógrafos da OSS, que antece- preservá-lo; nem ambicionando
deria a CIA. Durante a Segunda construir do zero, mas evitar a
Guerra, britânicos e americanos destruição do todo: do seu par-
acertariam estratégias com o tido e do nosso regime.
O nó da habitação respetivo globo como referência.
Por cá, a cartografia também
Não sendo líquido que con-
siga, o mapa seria um bom
encontrou o seu expoente his- começo.
Uma investigação do Expresso, publicada nesta edição
do jornal, mostra como a situação económica das famílias
está a empurrá-las para regressarem a casa dos pais e
também para situações como a necessidade de quartos LEIA TAMBÉM ( ( (
partilhados com os filhos. O número de pessoas em casas
sobrelotadas aumentou quase 40% em 2023, o maior
EM EXPRESSO.PT Movimento estudantil Mais mulheres Não há Sheraton
salto em 20 anos. O que estes dados mostram é que,
passado este período de instabilidade política, há urgência
e crise climática na AR para todos
MATILDE VENTURA RODRIGO TAVARES MANUEL CARDOSO
em voltarmos a olhar para alguns dos problemas mais
prementes da sociedade portuguesa.

A dócil tontaria
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A.
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de Saldanha, e, a seguir, os republicanos a sua próprio mandato. Na escala das rem que o mais importante não
Paulo Miguel Reis, Nuno Conde e Bruno Mateus Padinha
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, República. O sistema bipartidá- coisas, não é um erro de enor- é o sistema bipartidário, mas
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970 rio que tinha aguentado cerca de me magnitude: mais uma dó- a capacidade de os cidadãos se
70 anos finou-se e, pouco depois cil tontaria do que uma ignóbil sentirem ouvidos e respeitados
dele, o próprio regime. porcaria. pela política, retirando capita-
Diretor-Geral Redação, Administração Publicidade Online
de Informação Impresa e Serviços Comerciais publicidadeonline@impresa.pt O acordo bipartidário que pa- Mas a dinâmica de base é lização aos populistas e antide-
Ricardo Costa Rua Calvet de Magalhães, 242
2770-022 Paço de Arcos Marketing e Comunicação recia feito para salvar o sistema comparável. Não haja lugar a mocráticos, a resposta terá de
Rui Tavares
Diretor Tel. 214 544 000 Mónica Serrano (diretora) do rotativismo e os seus dois dúvidas, o bipartidarismo por- ser a inversa: os dois grandes
João Vieira Pereira ipublishing@impresa.pt Ana Paula Baltazar (coord.

Diretores-Adjuntos Delegação Norte

de marcas de informação)
Susana Freixo (gestora politica@expresso.impresa.pt
maiores partidos acabou por en- tuguês, que desta vez dura há partidos devem abrir-se às ideias
David Dinis Rua Conselheiro Costa Braga, de marca) e Carla Martins terrá-lo e a eles com ele. Ficaria meio século, está sob pressão. e ao diálogo com os restantes
Martim Silva 502; 4450-102 Matosinhos (coord. de comunicação

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E
conhecido para a história como E, apesar das diferenças entre os democratas no que diz respeito
m 1901, o bipartidarismo a “ignóbil porcaria”. dois grandes partidos, eles têm o à democracia, preservando o
português — entre rege- Como a história nunca se re- interesse em comum de tentar espaço e as diferenças para a
neradores de Hintze Ri- pete, mas rima, lembrei-me esta oposição e o Governo em todas
beiro e progressistas de semana da “ignóbil porcaria” ao as outras matérias.
José Luciano de Castro — estava saber do acordo entre PSD e PS Como é que isso se teria fei-
Os dois grandes partidos
já abalado pelo crescimento dos para partir a meio o mandato to no caso presente? Extraindo
têm de perceber se aquilo
republicanos e entrou em cri- de presidente da Assembleia da condições para a escolha e o
que lhes interessa mais
se pelo aparecimento de uma República em troco de — em tro- exercício do mandato de presi-
preservar é o bipartidarismo
cisão dos regeneradores, mais co de quê, exatamente? Alguém dente da Assembleia da Repúbli-
ou a democracia
à direita, que deu origem a um sabe? Os experimentadíssimos ca. Mais valia terem-se inspirado
novo partido, os Regenerado- dirigentes de ambos os partidos de outra prática do Parlamento
res Liberais, de João Franco, dirão que o não ser em troco de preservá-lo. Daí a tentação de Europeu, a de os candidatos aos
a quem o rei D. Carlos viria a nada demonstra precisamente acordos por lugares entre am- cargos apresentarem as suas
seu tempo a dar poderes dita- o seu elevado sentido de Estado. bos, que serão de seguida ataca- candidaturas em cada grupo
toriais. Em pânico, os líderes Alguns comentadores concor- dos pelos populistas emergentes parlamentar e responderem a
dos dois grandes partidos do dam. E eu, até eu, jamais direi como sendo vergonhosas ne- perguntas dos deputados. Ou
sistema, a que então se chama- que foi ignóbil, nem porcaria. gociatas por “tachos” (ao passo obtendo compromissos de quem
va “rotativismo”, e em que am- Não vejo nele má-fé nem astú- que, como é evidente, celebram quer ser presidente sobre a for-
bos iam alternando no poder, cia. Pelo contrário, há até ali avidamente os seus próprios “vi- ma como vão lidar com discurso
decidiram alterar a lei eleitoral uma certa ingenuidade: os dois ce-tachos”). de ódio, insultos e agressividade
para impedir o crescimento dos grandes partidos inspiram-se Como sair desta tensão? Os no Parlamento. Ou procurando
emergentes. À primeira vista, na rotação de meio mandato dois grandes partidos têm de formas novas de interação com
resultou. Nas eleições seguintes no Parlamento Europeu, que perceber se aquilo que lhes in- os cidadãos que fizessem parte
os republicanos não elegeram tem uma duração fixa de cin- teressa mais preservar é o bipar- do programa do candidato.
e os “regeneradores liberais” co anos imposta por tratados, e tidarismo ou a democracia. No Ou seja, melhorando o traba-
elegeram apenas um deputado. pretendem adaptá-la à realida- primeiro caso, a resposta será fe- lho do Parlamento e a sua ima-
Até 1906, o “rotativismo” bipar- de incomparável da Assembleia charem-se para resolver assun- gem. Precisamente o mais im-
tidário aguentou-se. Mas depois da República portuguesa, que tos em privado, ao passo que se portante e o que ficou esquecido
João Franco teve a sua ditadura não controla a duração do seu atacam em público. Se percebe- no acordo entre os dois partidos.
Expresso, 29 de março de 2024
Alexandra Leitão
alexandrarfleitao@yahoo.com
Instabilidade
e (ir)responsa-
bilidade
E P
screvo este artigo antes de ser
conhecido o elenco do próximo
Governo, num momento em
que o recente episódio ocorrido
em torno da eleição do presidente da
Assembleia da República veio dar o
tom do que será esta legislatura.
Os eventos desta semana deixaram
muito claro que a direita e a extrema-
-direita não são capazes de propor-
cionar nem estabilidade parlamentar
nem governativa, por impreparação
e conivência da primeira e por opor-
tunismo e intransigência da segunda.
Fica assim demonstrado que o par-
tido que, ao que tudo indica, irá em
breve formar Governo não tem con-
dições para garantir no Parlamento a
governabilidade de que o país precisa.
Não admira. Quem depende da extre-
ma-direita populista e demagógica
para governar nunca terá essas con-
dições, desde logo porque é na confu-
são e no caos que esse tipo de forças
políticas cresce e prospera. É no meio
da anarquia que tentam mascarar a
sua incapacidade, ineptidão e falta de
respostas para o país.
O futuro Governo da Aliança De-
mocrática depende destes parceiros e
por isso está condenado à instabilida-
de e ao insucesso. Governar em mino-
ria, sobretudo num contexto em que
os dois maiores partidos têm o mesmo
número de mandatos na Assembleia
da República, exige responsabilidade,
O Governo da Aliança
Democrática depende
destes parceiros e por
isso está condenado à
instabilidade e ao insucesso
humildade e competência. Não se
encontrou nenhuma destas caracte-
rísticas na forma como o processo da
eleição do presidente da Assembleia
da República foi conduzido pelo Par-
tido Social-Democrata.
Assistimos atualmente ao puro re-
vanchismo político dos detratores do
regime saído da Revolução do 25 de
Abril e dos valores da liberdade e da
igualdade. E isso acontece perante a
complacência — patente também na
forma como viabilizaram a eleição de to-
dos os membros da mesa da Assembleia
da República — da direita democrática.
Ao maior partido da oposição cabe,
por isso, impedir a extrema-direita
de desrespeitar a democracia. Com
responsabilidade, confiabilidade, cre-
dibilidade e capacidade de diálogo,
mas sem tibiezas no enfrentamento
de quem ataca o regime democrático,
procurando as soluções que sejam
necessárias para superar as situações
que ponham em causa a normalidade
constitucional, os direitos fundamen-
tais e as instituições.
Mas é também dever do maior partido
da oposição garantir a alternância de
políticas públicas e de medidas para
responder aos problemas do país, no
quadro de diferentes visões estratégicas.
Não se incorra, portanto, no erro de
confundir responsabilidade com fra-
queza ou capacidade de diálogo com
sustentação de políticas. Uma coisa
é ultrapassar bloqueios institucionais
ou encontrar pontualmente consen-
sos alargados em torno de objetivos
comuns, outra coisa, bem diferente, é
suportar uma governação.
Independentemente do que outras
forças políticas pretendam, a liderança
da oposição caberá sempre ao Partido
Socialista, enquanto segundo partido
mais votado nas eleições legislativas
do dia 10 de março (e com empate em
número de mandatos no Parlamento).
Não há intimidação, ameaça ou chan-
tagem que altere essa realidade.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Onde estás?
áscoa. “Ben-Hur”. Deus. Reco-
meçar. Fé. Tenho saudades do
tempo em que não tinha fé, a
minha vida era mais fácil, tinha
mais paz mental, não tinha esta in-
quietude contra o mundo e sobretudo
contra Ele. Aliás, tenho que confessar
que tenho passado os últimos tempos
a insultá-Lo como se eu fosse uma va-
rina do Bolhão e Ele um burguesito
snobe. Sim, às vezes, sinto que Deus
é um enorme e insuportável snobe
A foto da A URNA Não foi à primeira. Não foi à segunda. Nem sequer foi à tercei-
ra. José Pedro Aguiar-Branco, advogado portuense e antigo ministro da
refastelado no divã do Olimpo, dando
risadinhas à Nero perante a tragédia
semana Defesa do Governo de Passos Coelho, só à quarta tentativa conseguiu ser
eleito presidente da Assembleia da República, a segunda figura da hierar-
quia do Estado, com 160 votos favoráveis, bem mais do que os 116 exigidos,
cá em baixo. Porque há situações que
são mesmo inaceitáveis; pormenores
que nos indicam que, se calhar, o mun-
depois de um acordo conseguido entre PSD e PS, as duas maiores banca- do não foi bem pensado e que Ele ou é
Por Martim Silva das do Parlamento. Pelo meio, ficaram 48 horas de confusão, com o Chega omnisciente ou é omnipotente, e não
mgsilva@expresso.impresa.pt a bloquear o processo. FOTO ANA BAIÃO as duas coisas em simultâneo. Não,
não estou a falar do mal que um ser
humano pode infligir a outro ser hu-
mano; o mal enquanto escolha huma-
na não põe em causa a minha fé num
A notícia económica da semana é o excedente Deus que nos criou com livre arbítrio;
no leque de escolha do livre arbítrio, as
orçamental de 1,2% do PIB em 2023 diferentes tonalidades da crueldade es-
Keynes era
tão lá à nossa disposição. E, caramba!,
como nós gostamos de nos lambuzar
nesse menu. Não, a minha revolta não
uma formiga
está no mal humano; está no acaso;
está na arbitrariedade que é uma doen-
ça que temos logo à nascença, ou num
acidente sem sentido e sem culpados.
Porque é que uma pessoa cresce na
mais absoluta e pachorrenta normali-
dade ao mesmo tempo que vê o irmão
A
notícia económica da se- tivemos um défice superior a 4%, Tenho saudades do tempo
mana é o excedente orça- chegando até a bater os 10%, só um em que não tinha fé, a minha
mental de 1,2% do PIB em keynesiano à portuguesa para con- vida era mais fácil, tinha
2023. Mas há uma outra siderar tal excedente um excesso. mais paz mental, não tinha
igualmente importante e que vem Acresce que cinco décadas de dé- esta inquietude contra o
da semana passada: o Banco de fices geraram uma dívida pública mundo e sobretudo contra Ele
Portugal reviu em alta as perspe- enorme. Se, para corrigir um ou
tivas de crescimento para 2024 Luís Aguiar-Conraria dois anos de défices, basta um ex-
(e também para 25 e 26). Esta re- Professor de Economia da Univ. do Minho cedente moderado durante algum a crescer com uma condição neuroló-
visão em alta é significativa, não lfaguiar@eeg.uminho.pt tempo, para corrigir cinquenta, gica e genética que o debilita à parti-
porque o Banco de Portugal tenha se calhar temos de ser um pouco da? Esta doença não resulta de uma
capacidade para prever o que se mais ambiciosos. Pelo menos, até escolha. As pessoas que fumam, sim,
vai passar em 2026, mas pelo motivo oposto: como os reduzir a dívida a valores que nos ponham a salvo de um sabem que vão ter graves problemas
economistas são incapazes de saber o futuro, quando qualquer ataque especulativo. de saúde, é uma escolha, é um risco
fazem revisões em alta, apenas quer dizer que o pre- (Outra curiosidade ‘tuga’: os que mais clamam con- e é um processo que conseguimos
sente está a correr melhor do que tinham antecipado. tra a economia de casino internacional e contra os compreender e rastrear até à fonte:
Acresce que ficámos a saber que não só não fomos especuladores são os que mais apoiam as políticas que aquela pessoa escolheu fumar e há
ultrapassados pela Roménia como, pelo contrário, nos deixam vulneráveis à conjuntura internacional e a aquele castigo. Mas uma criança não
ultrapassámos Polónia e Estónia. Em resumo: há um ataques especulativos.) escolhe ter um cancro ou uma con-
excedente orçamental que tem como pano de fundo Mas agora teremos excedentes para sempre? Infe- dição neurológica debilitante. Não
uma economia a laborar bastante bem. lizmente, não. Apesar de o futuro não ser previsível, há castigo, não há consequência, só
Sobre o saldo orçamental, há, com certeza, leituras sabemos, quase de ciência certa, que haverá crises e acaso. Porque é que existe esta roleta
políticas a fazer. Terá Fernando Medida desperdiçado recessões. Nessa altura, será ótimo termos margem russa? Porque é que uma família tem
uma folga que permitiria ao Governo para deixar o défice derrapar. Diga-se de viver com um homem com Parkin-
socialista passar o último ano em cam- que, se o Governo de Montenegro deixar son durante 25 anos e outra não?
panha eleitoral? Seria possível ter re- o défice derrapar em período de cresci- E o que pode ser pior do que um
posto a contagem do tempo de serviço Como muitas mento económico, então será justo que acaso genético que dura décadas?
dos professores há uns anos? Como pes- vezes acontece, fique o PS com o epíteto do partido das Um acaso que dura um segundo.
soa que considerou uma farsa teatral os keynesianos contas certas. Esta semana — e logo nesta sema-
a ameaça de António Costa se demitir Como não conhecemos o futuro, res- na — passei todos os dias à porta de
caso o tempo de serviço fosse reposto, à portuguesa ta-nos aprender com o passado. Há uns uma escola onde sei que aconteceu
percebo bem estas questões. Mas, sob só aprenderam anos, como resposta à crise financeira uma tragédia há pouco tempo, e isso
o ponto de vista macroeconómico, faz metade da lição, internacional, o problema não foi ter- fez-me lembrar uma tragédia anti-
sentido queixarmo-nos de que o exce- mos deixado o défice subir aos 10%. O ga que colocou e ainda coloca em
dente é excessivo? Quando conjugamos
a de aumentar problema foi que os défices anteriores ti- causa a minha fé ou até uma ideia
as notícias do primeiro parágrafo com a despesa nham posto a nossa dívida pública numa de esperança civil e camusiana. Há
a enorme dívida pública que temos, a trajetória que não comportava esses muitos anos, no jardim-escola, uma
resposta só pode ser um rotundo não. défices. (Quem diz que as organizações das minhas filhas tinha como colega
A incapacidade que o regime demonstrou em ter sal- internacionais nos mandaram aumentar os défices está um menino muito pobre, era o úni-
dos orçamentais equilibrados ao longo de várias décadas enganado: se forem ler os relatórios da época, verão co que tinha direito a descontos e a
a fio era uma falha da nossa democracia. Demorou-se sempre que apenas aconselham políticas despesistas apoios; vivia com uma mãe solteira
quase 50 anos a corrigi-la. Bem sei que muitos acusam aos países sem dívidas públicas excessivas, o que excluía numa casa miserável. Após muitas
quem defende contas equilibradas de ser um ortodoxo Portugal, mas o keynesiano à portuguesa não lia essa diligências, lá conseguiram uma casa
económico por oposição a quem defende políticas key- parte.) A enorme crise que se seguiu devia servir-nos da câmara. No dia em que, felizes,
nesianas, de aumento da despesa pública. Mas, como de aviso de que ainda é cedo para chamarmos a cigarra. foram ver a casa nova pela primeira
é óbvio, Keynes não era parvo. Advogava aumentos de E como fica a educação, a saúde, a defesa e tudo o que vez, uma porta, que estava fora dos
despesa pública quando a economia estava em recessão, alegadamente não funciona em Portugal? A resposta gonzos, caiu e esmagou o menino.
mas tinha noção do outro lado da moeda; havia que não cabe ao ministro das Finanças, é o primeiro-minis- Pouco sobra depois de sentirmos esta
fazer uma gestão do ciclo económico: quando a econo- tro que tem de estabelecer prioridades. crueldade do acaso. Como assim? E
mia estava em expansão, aproveitar-se-ia para corrigir Nos últimos oito anos, a minha principal preocupação Tu ficas aí calado e sossegado? Não
os défices anteriores. Como muitas vezes acontece, os tem sido a Educação. Olhando para a evolução dos con- podias ter parado a porta?, só tinhas
keynesianos à portuguesa só aprenderam metade da flitos internacionais, pergunto-me se não está na altura de esticar o teu divino mindinho!
lição, a de aumentar a despesa. de investirmos nas forças armadas. Mas uma coisa é cer- Como é que permites que algo tão
Portanto, nada mais normal e desejável do que, em ta, em cada uma das áreas, apenas podemos investir de brutal e tão sem sentido bata à porta
períodos de crescimento económico, haver excedentes acordo com as nossas capacidades. Sejam quais forem de quem já tinha uma vida tão dura?
orçamentais. Mas, perguntarão alguns, “1,2% não será as prioridades, temos de perceber que querer “tudo em Onde Estás? Estás a ver sentadinho
excessivo?”. Dado que, nos últimos 20 anos, em média, todo lugar ao mesmo tempo” só corre bem nos filmes. o “Ben-Hur”?
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 29 de março de 2024

Opinião

Três blocos instáveis

R
ecapitulemos. O PSD Carlos Moedas — aprovem ou ra. Só tem um problema: não serve para nada,
entendeu-se com o sejam responsáveis por uma porque nenhum deles tem força para governar.
Ângela Silva Chega, deixando claras crise —, mas foi longe demais Claro que há assuntos em que todos os blocos ou
avsilva@expresso.impresa.pt
as suas preferências. nas conversas com o Chega. dois deles podem estar de acordo. Mas o que está
O Chega mostrou incómodo Ao firmar um acordo à direi- em causa é a sustentação previsível deste Gover-
quererem esconder o amante ta, assumiu a existência de no que se determina nos orçamentos de Estado.
e tirou o tapete ao PSD. Mi- dois blocos — direita e esquer- É porque as pessoas acreditam que essa susten-
Ventura randa Sarmento acusou o PS Daniel Oliveira da. Como correu mal, o Chega tação deve ser previsível que quem viabiliza o
de se aliar ao Chega, apesar instalou o caos em que é es- primeiro é candidato a viabilizar os seguintes.
não quer da aliança que correu mal ter
danieloliveira.lx@gmail.com
pecialista. O PS avançou com Porque se não o fizer será ele o responsabilizado
acordos sido entre PSD e Chega. Ofe- a candidatura de Francisco
recendo uma oportunidade única a Pedro Nuno Assis, institucionalizando em votos esses dois
por uma crise política e punido nas urnas. Quem
governa sabe isso e, não havendo uma relação de
Santos, assim começou o mandato de Montene- blocos. O Chega reagiu, apresentou candidatura confiança, não procura um aliado para o presen-
gro como líder de uma curta maioria parlamen- e ficámos com os três blocos de que Rui Tavares te, mas uma vítima para o futuro. Até por saber

O
arranque da ‘legislatura dos
50’ foi um desastre. O PSD foi
irritantemente incompeten-
te e achou que geria André
Ventura à moda antiga. O PS ensaiou
oportunisticamente pôr-se de fora (se
falam com o Chega, não se queixem).
O Chega mentiu, ao transformar uma
conversa num acordo. E Ventura roeu
a corda sem aviso prévio. Com a elei-
ção da segunda figura do Estado blo-
queada, percebeu-se que o efeito dos
50 toca a todos e o PS salvou a honra
do convento, “contra a selvajaria”.
Luís Montenegro congelou. Quan-
do convinha sabermos o que pensa o
novo primeiro-ministro de um partido
que na primeira oportunidade o en-
ganou, ficou calado. Achará bem que
Paulo Rangel tenha denunciado o não
acordo ou prefere não fechar todas as
pontes para o Chega?
O silêncio sobre o comportamento
de Ventura foi doentio e não pode ser
Nuno Melo — o parceiro de coligação
que euforizou com a Páscoa antecipa-
da do seu partido, ao ponto de dizer
que o dia do falhanço da AD foi “um
grande dia para o CDS” — não pode,
nem deve, ser ele a responder ao Che-
ga, a menos que Montenegro queira
alimentar a ambiguidade. Se escolheu
o ‘não’ ao populista demagogo, con-
vém não ter medo de o desmascarar,
porque quem tiver medo de Ventura
vai sempre perder.
Montenegro e Pedro Nuno
foram arrastados para o
primeiro acordo de regime
de um ciclo que a
esquerda queria polarizar.
Quanto mais cedo melhor?
FOTO ANA BAIÃO
tar. E, à hora que escrevo, ainda não conheço o falou na campanha, sendo o maior o da esquerda. que é à custa dos eleitores da vítima que pode
novo Governo. Aguiar-Branco acabaria sempre A tese dos três blocos é interessante e verdadei- atingir a maioria sólida para governar.
por ser eleito, mas, apesar da pressão estar so- Pelos erros do PSD e a instabilidade do Chega,
bre o Chega e as trapalhadas do PSD, foi o PS o este primeiro ensaio dava ao PS a oportunidade
primeiro a ceder, fazendo um acordo absurdo: de começar a conquistar a liderança da oposição.
uma presidência “cama quente” que junta os dois
Sempre que Ventura sentir Porque estando o estatuto formalmente garanti-
partidos “do sistema” para a partilha de um lu- que Pedro Nuno Santos do, ele tem, com três blocos, de ser conquistado
gar, não dando lugar ao PS, porque a legislatura vai fazer oposição saltará na prática. Até para ser “oposição construtiva” é
não chegará tão longe. Uma tragédia simbólica para fora do barco para preciso ser oposição de facto e ter autonomia es-
e uma fraude prática. Nem sequer impediram a tratégica para ser construtivo. Quem está amar-
eleição de Pacheco de Amorim. O PS conseguiu tentar atirar o PS para a maioria rado a um Governo depende da boa vontade do
um acordo que instituiu o bloco central para uma da estabilidade. Se o PS ceder governante. Quando ele sentir que é boa altura
legislatura inteira sem qualquer ganho para o sempre à acusação de coligação para ir a votos, não cede. E há um problema
país ou para si, num momento em que o jogo nem negativa com o Chega, nunca acrescido: se um bloco fica preso o outro fica solto
estava do seu lado, livrando a direita da pressão e e é esse que faz oposição. O que alguns julgam ter
oferecendo a Ventura imagem que ele precisava. conseguirá fazer oposição em sido apenas um episódio no Parlamento pode ter
O que estava em jogo era bem mais do que a temas relevantes, a começar dado o padrão para o futuro. Sempre que Ventura
presidência da AR. Num bom momento para pelo OE. E entrega a liderança sentir que Pedro Nuno Santos vai fazer oposição
fazer testes, porque não afetava a economia, as saltará para fora do barco para tentar atirar o PS
contas públicas ou qualquer coisa relevante para
da oposição ao Chega, que para a maioria da estabilidade. Sabendo que o
os portugueses, começou-se a desenhar o padrão aguenta melhor a pressão Chega aguenta melhor a pressão, se o PS ceder
de governabilidade. O PSD esperava usar a tática sempre à acusação de coligação negativa com o
Chega nunca conseguirá fazer oposição em temas
relevantes, a começar pelo Orçamento. E entrega
a liderança da oposição ao Chega. Este foi o teste.
Nos outros vai ser pior, porque estarão em causa a
continuidade do Governo ou questões relevantes
para a vida das pessoas.
Se os três blocos se mantiverem, as eleições
acontecerão brevemente, porque o impasse de
ontem será recorrente. Para existir estabilidade,
há duas possibilidades: a AD entende-se com
o Chega, sendo tudo incerto até que haja uma
aproximação dos dois espaços, como acontece
em parte da Europa; ou a AD entende-se com o
PS e o Chega lidera a oposição, reforçado a ideia
da alternativa antissistémica e preparando uma
mudança radical no nosso sistema partidário.
Com a atual composição parlamentar, decidida
pelo voto popular e a irresponsabilidade do Pre-
sidente, vivemos a gestão da instabilidade para
decidir como isto estabiliza, sobrando dois blocos
fortes. O que estamos a determinar é qual deles
morre ou é absorvido. E isso depende da maldita
tática. Sem ela, sobretudo neste contexto, não
há estratégia. No dia das eleições, Pedro Nuno
Santos disse que o tempo da tática tinha acabado.

Pela forma como desaproveitou o degradante

Muito provavelmente, o líder do
Chega nunca quis acordo nenhum.
Porque se alimenta da rutura, de de-
molir o sistema, de crescer por fora.
Mais do que integrar um Governo, ele
quer chegar lá porque um dia ganhou
eleições e a vertigem com que reagiu,
dizendo tudo e o seu contrário, tanto
tinha um acordo fechado como recla-
mava freneticamente uma conversa,
mostrou a irracionalidade em que se
move. Um delírio que deixou a velha
classe política à nora e que arrastou
Montenegro e Pedro Nuno para uma
cimeira com direito a aperto de mão,
que ficará como o primeiro acordo de
regime de um ciclo que a esquerda
tanto queria polarizar.
Afinal, quando o calor aperta e
porque ninguém sabe como sair vivo
“Where is Kate”, o jogo online do ano
Eugénia Galvão Teles
egteles@gmail.com
brante. Passou, como se nada fosse,
por umas fotografias em topless e
rumores de ser uma cunhada insu-
portável. No fim, temos um sorriso
meio plastificado imperturbável e
uma mão-cheia de nada.
Talvez seja por Kate dar tão pouco
sobre a sua pessoa que o público se
habituou a consumir o seu corpo sem
restrições. Quando lhe comunica-
espetáculo que a direita lhe ofereceu, temo que
acredite nisso. Que não se entusiasme com os
aplausos. É que o “adulto na sala” pode ser ape-
nas o que vai morrer primeiro.
tografia da multidão em luto, sob povo, sempre a pedir mais circo. O
o título “A culpa é dos media”. No #Kategate mostra como não precisa-
meio da imagem, alguém aparecia a mos dos tabloides para montar o cir-
comentar que os jornais eram “uma co; no caso, até foram mais calmos
desgraça”. O vizinho respondia-lhe do que é costume. Com as redes so-
que sim, “Nem comprar o jornal do ciais, somos perfeitamente capazes
dia tinha conseguido”. Um terceiro de os substituir. Fomos mesmo nós
apressava-se a emprestar-lhe o seu, que sentámos à força aquela mulher
onde podia ver “Uma fotografia do num banco de jardim para nos dizer
carro” esmagado. Vários distribui- que tinha um cancro.

W
deste imbróglio, a decência resiste
e o centro está lá. Pedro Nuno diz
que não volta a salvar Montenegro,
mas o tempo e o PS dirão, e o líder
“ o prémio de melhor jogo
da AD, que chegou disposto a falar
com todos, terá percebido que há uns
com quem não pode contar. Isto não
significa deitar fora votos de deputa-
dos eleitos, mas significa evitar con-
versas passíveis de ambiguidades e,
sobretudo, fazer escolhas claras sobre
quem, em cada momento, se prefere
para interlocutor. Para já, foi o PS e
a marca fica. Se e quando Ventura
se quiser chegar à frente, que diga.
O líder do Chega vai exigir ‘tudo e
já’ para o meio mundo que reclama,
vai agitar a rua e dizer que vem aí o
Diabo. Hugo Soares agarrou-se a duas
palavras: mudança e pessoas. Mas
a principal lição é que, se escolheu
o ‘não é não’, o PSD, para governar,
vai ter de olhar para a esquerda. No
estado a que chegámos, quanto mais
cedo melhor.
here is Kate” já ganhou
online do ano. Nada pode
suplantar um jogo em
que milhões de adultos, em vários
pontos do planeta, colaboraram dia-
riamente meses a fio à procura de
uma princesa desaparecida. No fim,
ganharam, com uma mulher de 42
anos obrigada a contar ao mundo
inteiro o que se passava no interior
do seu corpo.
Até desaparecer, Kate Middleton
era a mais improvável cabeça de
cartaz. Tudo nela foi sempre previ-
sível, para não dizer aborrecido. Foi
a “Waity Katie”, silenciosamente à
espera de um pedido do seu prín-
cipe. No dia em que casou, muita
gente fixou-se mais no traseiro da
irmã do que no vestido da noiva. Pro-
duziu três herdeiros na ordem certa;
limita-se a cumprir as suas funções;
está sempre bonita, nunca deslum-
ram que até esse corpo ia estar fora
de circulação por uns tempos, mes-
mo com um atestado médico, revol-
tou-se. Muitos britânicos invocaram
a qualidade de acionistas da empre-
sa que paga as contas da princesa
para justificar o seu direito a mais
explicações do que um pedido de pri-
vacidade. Outros disseram-se preo-
cupados, resvalando rapidamente
para as teorias da conspiração, com
o sumiço atribuído aos suspeitos do
costume — cirurgia estética, adulté-
rio e morte. Entre memes e vídeos,
todos participaram no jogo; a maior
parte com noção de que era isso mes-
mo — uma brincadeira, para passar
o tempo nas horas mortas. Assim
é mais fácil esquecer que, naquele
corpo, está uma pessoa.
Em 1997, depois de Diana mor-
rer perseguida pelos paparazzi, o
mundo caiu em cima da imprensa.
Na capa do “Private Eye”, um jor-
nal satírico inglês, via-se uma fo-
dores recusaram-se a ter o jornal
nas bancas, vendo nele uma afronta
à memória da princesa do povo. Na
realidade, remetia a culpa para esse
Se quer ser deixada em
paz, vai ter de especificar
que cancro vive no seu
abdómen. O invólucro
já não chega; queremos
as entranhas à vista
A última capa do “Private Eye”
traz a malograda fotografia de fa-
mília fornecida pela própria Kate
Middleton, numa tentativa ingló-
ria de fazer prova de vida. Olhando
bem, aquele Photoshop caseiro pa-
rece mais um gesto de desespero do
que uma manobra de manipulação.
O que se percebe. Mesmo agora,
estamos viciados e não queremos
largar a boneca nova. Depois de
pedir imensa desculpa, está tudo
entretido a caçar os arrependidos do
#Kategate. Há quem prefira conti-
nuar à procura das princesas mortas
e se dedique a identificar todos os
indícios de falcatrua num vídeo que,
garantem, foi feito só para nos ca-
lar. Também há os que pedem mais
detalhes porque nunca nada chega
— ou vai chegar. Se quer ser dei-
xada em paz, vai ter de especificar
que cancro vive no seu abdómen. O
invólucro já não chega; queremos as
entranhas à vista.
Expresso, 29 de março de 2024
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
SILÊNCIO
Quem lê estas linhas (salvo
novas surpresas) já conhece o
Governo de Montenegro. Eu
não; recebi várias listas, mas
nenhuma fidedigna. O silêncio é
de ouro, diz-se, embora também
se afirme que “o calado é o pior”.
De qualquer modo, a estratégia
de Montenegro, que alguns
consideram não ser própria
deste tempo, pareceu-me boa.
Acredito que a maioria esteja
cansada de atores políticos que
— para citar o outro, que neste
caso é RAP — falam, falam,
falam e não dizem nada. Os que
apenas abrem a boca para a
chicana, as acusações e o rasgar
de vestes de indignação. Desses
casos, podemos dizer que já
chegam e… sobram!
AGUIAR-BRANCO
Começou por dizer, após eleito
ao fim das inúmeras tropelias
que se conhecem, que “não
desistia da democracia”.
Muito bem! A superioridade
da democracia é ter soluções
para todos os problemas. O
acordo entre o PSD e o PS
para a presidência da mesa
da AR aí está a prová-lo. Há
quem olhe para isto como
fraqueza. Eu penso que devemos
sublinhar a força. Claro que
há vencidos, como o Chega e
todos os que não gostam do
parlamentarismo (não sei se
haverá vencedores, não me
parece); porém, no conjunto, a
democracia é a vencedora. Fez o
que devia ser feito, encontrou a
solução. Não agrada a todos,
é certo, mas nada na vida
agrada a toda a gente.
TRÊS BLOCOS?
Tornou-se uma espécie de
mantra dizer que há três blocos
no Parlamento: a esquerda, a
direita democrática, a extrema-
-direita populista. Proponho
uma simplificação que não
agrada aos principais autores
desta tese: dois blocos apenas.
O primeiro é o que acredita
na democracia liberal, no
parlamentarismo e no legado
do Ocidente democrático; o
segundo é o dos que elogiam
Putin (Pacheco de Amorim
incluído), desprezam a
negociação e o consenso e
aproveitam qualquer coisa para
fazer um drama. Cada partido,
cada deputado, deve ser
livre para alinhar por um
destes dois blocos.
MADEIRA
A Assembleia Regional vai a
votos a 26 de maio. Não me
lembro de outro ano com quatro
eleições — para as duas Regiões
Autónomas, para as legislativas
nacionais e para o Parlamento
Europeu. Se alguém se queixava
de não conhecer o que pensam
os portugueses, este ano terá
um retrato quase exato, ou pelo
menos o mais fiel possível, do
entendimento geral da nação. E,
apesar da algazarra, o chamado
‘centrão’, embora com um pouco
menos de fulgor, continua a
dominar os escrutínios.
TERRORISMO
Não sabiam, aposto, que o Daesh
não tinha capacidade para fazer
um ataque terrorista. Mas agora
que Putin o disse, ficam a saber.
Quando o Presidente russo tem
gripe ou escorrega na rua,
a culpa é do Ocidente e dos
EUA, além da Ucrânia e do
Reino Unido. O pior é que
há quem o leve a sério.
GAZA
Nunca Israel esteve tão isolado;
nunca o Governo de Israel
foi tão cruel e mau. Nunca a
desilusão de quem acredita na
superioridade da democracia e
na necessidade da paz
foi tão grande.
Fazer o que nunca foi feito
J
á não sei se estou a pla-
giar o Bloco se Pedro
Abrunhosa, mas faço
a devida vénia a quem
for o autor da frase (que deve
ter aparecido num dos muitos
séculos da nossa língua, antes
destes recentes anos). Fazer o
que nunca foi feito pode pare-
cer revolucionário, mas nem
sempre o é. Eu apenas recu-
pero propostas com mais de
40 anos, feitas por alguns dis-
tintos economistas, entre os
quais João Salgueiro. E de que
se trata? De um Orçamento de
base zero.
O exercício é difícil de fazer
e não poderia ser imediato,
mas ter um período de tran-
sição. Porém, parece impera-
tivo. Como se sabe, os OE são
elaborados tendo em conta as
prioridades de cada Governo,
mas a sua base, aquilo que é
quase imutável, no que diz
respeito às despesas correntes
é inscrita em função das que
desde sempre têm existido. É
um bom método quando existe
alguém atento — e esse alguém,
no Ministério das Finanças e
nos órgãos da reforma adminis-
trativa, não se pode dizer que
não exista — às modificações
impostas pela caducidade de al-
guns programas, pela inovação,
pela digitalização.
Não pretendo dizer que nada
foi feito; sou do tempo em que
tirar o bilhete de identidade
(atual cartão de cidadão) era
uma odisseia ali junto à anti-
ga sede da PJ. No passeio do
outro lado da rua, diversas
bancas estavam montadas por
pessoas que ganhavam a vida
a preencher papelada, tal era
o analfabetismo (funcional e
real) das pessoas que acorriam
aos serviços. Como este, havia
dezenas de outros, mal estru-
turados, hiperburocratizados
e dificultados pela excessiva
centralização e falta de comu-
nicação em rede, hoje banal
depois de vários processos de
simplificação. Mas se a situação
não é, de todo, igual, não me
espantaria se um documento
orçamental baseado no que ver-
dadeiramente o país necessita,
e não na tradição, no que pre-
cisou, em processos e métodos
claramente desfasados, não ge-
rasse inúmeras surpresas. Em
Itália (caso não seja mito), uma
revisão orçamental descobriu
verbas para um gabinete de
apoio aos familiares dos com-
batentes da unificação de Itália
que persistiam há mais de 100
anos. Ou seja, se a ideia é colo-
car uma percentagem corres-
pondente à inflação, ou até um
pouco abaixo, podemos contar
com apoios, departamentos,
subsídios e outras coisas que
não fazem sentido. Quanto
mais fundo se vai nessa pes-
quisa, mais excentricidades se
Temos de ter em
conta os nossos
meios e não os
nossos desejos
George Washington
(1732-1799). Herói da guerra
da independência e primeiro
Presidente da República dos
EUA, de 1789 a 1797. A sua
liderança acabou por se tornar
decisiva justamente pelo bom
senso e parcimónia que
demonstrava entre os ‘pais
fundadores’ do novo país.
encontrarão. Confio que quem
tem, ou teve, responsabilidades
na Administração Pública con-
seguirá falar de algumas delas.
Quando se fala de ‘gorduras
do Estado’, pensa-se em progra-
mas que, independentemente
da sua validade e pertinência,
são conhecidos (refiro-me, por
ser, talvez, o mais controver-
so, aos apoios relacionados
com a chamada ‘igualdade de
género’). Mas ainda que em
PRIMEIRO CADERNO 39
ANTES QUE
ME ESQUEÇA
O MENTIROSO
Ventura
classificou como
acordo uma
conversa (do
tipo, o nosso
candidato é este,
apresentamo-
-lo porque
ganhámos as
eleições e não
nos vamos opor a que o CH
tenha uma vice-presidência);
conversa que, tirando a parte
da vice-presidência do CH,
também foi tida com o PS
e com a IL (o Regimento da
AR refere os quatro maiores
partidos para a mesa do
Parlamento). Depois, Ventura
disse que a AD tinha rompido
o acordo (que não existira).
Ao PS caiu-lhe bem a ideia
de que houvera um acordo
com o CH, porque podia dizer,
sem mentir, que com o PS
não havia acordo nenhum. E
assim foi. Conversas com o
CH, o PSD já o sabe agora, só
gravadas, em público, bem
alto para todos ouvirem.
FOTO TIAGO MIRANDA
Caso contrário o resultado é
o que se viu. Os danos para o
PSD são evidentes, para o PS
existe a ideia, mais ténue, de
que poderia ter dispensado
o CH na primeira votação e
não o fez; para o CH, que não
foi necessário para nada, é
indiferente. É o partido da
chicana e da confusão, armado
em vítima, alegando o seu
programas bem conhecidos mais de um milhão de votos,
possa haver uma revisão, tal como se AD e PS não tivessem
não passará de umas gotas de quase dois milhões cada um.
água num mar de despesas. Enfim, o PSD tem de perceber
Acontece que o Orçamento de que para Ventura quanto pior,
base zero também pode aju- melhor.
dar o país a responder a outras
questões pertinentes, por acaso ADEUS
feitas por Vítor Gaspar quando Pode não ser
era ministro das Finanças, há um adeus,
mais de 10 anos: quanto esta- mas apenas
mos dispostos a gastar com o um até à vista.
Estado social? A resposta não De qualquer
pode ser “quanto for necessá- modo, quem
rio”, que tem sido a realidade visse António Costa e Marcelo
até agora. Porque o necessário Rebelo de Sousa no dia em
vai continuar a crescer a um que escolheram para se
ritmo superior ao das receitas despedir oficialmente diria que
que possam ser cobradas. Na naquele gesto de despedida do
saúde, nas reformas e pensões, primeiro-ministro cessante,
no combate à pobreza, no au- à porta da sede da CGD (que
xílio à habitação. De que modo será a sede do Governo em
queremos que o Estado con- breve), estava sincera simpatia.
tribua? Quais as situações em E penso que está mesmo, por
que essa contribuição se torna razões de queixa mútuas que
obrigatória? existam. As fintas e reviengas
Esta segunda questão, que que se fizeram mutuamente
também decorre da necessida- foram parte do jogo que
de de se refazerem as contas, jogaram. É certo que podiam
não pode ter por objetivo aca- ter jogado mais, ser mais
bar com o Estado social, como objetivos, ter mais resultados;
dirão aqueles que não querem porém, sendo otimista, sempre
ver para além da ponta do seu direi que tudo poderia ter sido
nariz. Pelo contrário, pretende bem pior.
responder a como vamos man-
ter o Estado social dentro dos COABITAÇÃO
princípios possíveis da equida- Vamos entrar
de e justiça e tendo em conta num período
os recursos que o país produz, em que não há
que se espera sejam bastante coabitação. O
mais do que os atuais, mas que primeiro-
sabemos não ser infinitos. -ministro e o
Uma aposta neste debate tem, Presidente são
necessariamente, de deixar de da mesma cor.
fora qualquer demagogia e Já aconteceu.
qualquer aproveitamento po- O que nunca
lítico ou acusações sem base ocorreu foi um Presidente
real. O mais simples, como se não ter Governos de cores
sabe, é afirmar que quem quer diferentes. Eanes teve o PS,
revisitar as despesas e a sua com Soares, e a AD com Sá
necessidade é um liberal, pior, Carneiro e Balsemão, além
neoliberal impiedoso, que gosta do ‘Bloco Central’ com Soares
de ver os sem-abrigo a dormir e Mota Pinto; Soares teve o
na rua, os jovens sem escola e PSD com Cavaco e o PS com
os doentes pobres sem possibi- Guterres; Sampaio continuou
lidade de se tratarem. Até agora Guterres e teve ainda Durão
foi em coisas semelhantes que Barroso, Santana e Sócrates;
se basearam as discussões, mas, Cavaco teve Sócrates, Passos
apesar das forças demagógicas Coelho e Costa. Marcelo ia
terem reforçado — e muito — o tendo apenas Costa, mas
seu peso na Assembleia da Re- cumpriu-se a tradição: vai
pública, será possível encontrar ter também Montenegro,
quem queira seriamente parti- não se sabe bem por quanto
cipar num debate assim. tempo nem se não terá outro
E isto, sim, seria fazer o que primeiro-ministro até ao fim
nunca foi feito. do seu mandato, em 9 de
hmonteiroexpresso@gmail.com março de 2026.

Ricardo
Costa
A
armadilha
binária
T
emos Espanha. Um
país com uma tran-
sição exemplar —
que conseguiu for-
jar amizades entre
a realeza ressusci-
tada e combatentes republica-
nos e fazer a paz entre famílias
com caídos dos dois lados de
uma das mais brutais guerras
civis do século XX, transfor-
mada em cinco décadas numa
plêiade de sectarismos.
Temos aqui ao lado essa tris-
teza, em que os políticos da
transição — os que vinham do
exílio, da resistência, da opo-
sição corajosa e os que vinham
do sistema, da ditadura e da fa-
lange — foram substituídos por
gerações de vistas curtas, sem-
pre prontas a ajustar contas
retroativas no sofá das causas.
Temos, depois, Portugal. O
país que escolheu a revolução
porque a transição, exemplar
ou remediada, esfumou-se numa
primavera e a ditadura conti-
nuou inaceitável, iníqua e violen-
ta. Tentou-se na abrilada de 61,
no golpe de Beja, tentou-se nas
Caldas. Conseguiu-se em abril: o
regime caiu como um castelo de
cartas. Houve revolução, houve
PREC, houve o 25 de Novembro
e, mais importante que tudo,
houve democracia.
Depois houve a reconcilia-
ção. Feita pelos grandes e pelo
maior de todos, Mário Soares.
O que se dava com todos, que
chegou do exílio em 1974 e pou-
cos anos depois estava a ir bus-
car ao exílio os que, entretanto,
partiram. Foi buscar Mellos,
Espíritos Santos ou Jardim
Estamos em 2024
a envergonhar
os que lutaram
pela democracia
e a mantiveram de pé
Gonçalves com a mesma cal-
ma olímpica que antes trouxe
os seus e sempre apoiou os que
mais sofreram na ditadura, os
militantes comunistas.
Ser maior que a história é
isto. Não é estar em 2024 a en-
vergonhar os que lutaram pela
democracia e a mantiveram de
pé, unindo os cacos numa dé-
cada, juntando quem se quis
juntar e perdoando até quem
não merecia ser perdoado.
Temos, agora, o MDLP. A
coqueluche da vulgata esquer-
dista da internet. Tão infantil
como a vulgata direitista que
não sabe que Henrique Gal-
vão, Hermínio da Palma Iná-
cio ou Camilo Mortágua são
heróis da resistência. Gente
que humilhou Salazar e a sua
pequenez mundo fora. Temos
simetrias incultas porque cada
claque tem de ter os seus ódios
e os seus heróis, de preferência
mortos, para não poderem pro-
testar perante a turba binária.
E temos, claro, Spínola. O
herói da Guiné, o autor do li-
vro que liquidou Marcello e a
quem Marcello se rendeu no
Carmo. O primeiro Presiden-
te, o que depois tresmalhou e
liderou o MDLP. Que Eanes e
Soares foram buscar de volta,
perdoando tudo e graduando
a marechal. Foi Soares quem
o pôs nas comemorações dos
10 anos do 25 de Abril. Dos 10
anos! Nos 50 anos, isso não
seria possível. Pensem no que
se transformaram e no que
querem transformar Portugal.
Santa paciência.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
EUA
Queda da ponte
em Baltimore
era evitável? P28
Portugueses esgotam
charters na Páscoa
Vários operadores
de voos charter têm
as suas operações
a 100%, com elevada
procura de destinos
no exterior
Os portugueses desataram
numa corrida desenfreada à
compra de viagens no início
do ano, a níveis que surpreen-
deram os operadores turís-
ticos, e para a Páscoa, com o
período de férias escolares,
muitos destinos encontram-se
esgotados, em particular os
que envolvem charters (voos
fretados) que permitem paco-
tes a preços mais acessíveis.
Esgotada está já a progra-
mação da Páscoa para Cancún
e Punta Cana do operador
Newblue, que este ano deci-
diu reforçar a sua oferta de
viagens para destinos nas
Caraíbas para um total de 45
mil lugares, com charters se-
manais à partida de Lisboa,
num reforço de 15% face ao
ano passado.
“Os aviões para o México e
República Dominicana estão
100% cheios na Páscoa, não
há um único lugar vago”, ga-
rante Duarte Correia, diretor
em Portugal da W2M, grupo
Milhares na rua a exigir a demissão de Viktor Orbán
BUDAPESTE Peter Magyar, advogado e empresário que já foi próximo do partido Fidesz (no
poder), mas que hoje se opõe ao Governo ultranacionalista de Viktor Orbán, agita a bandei-
ra húngara durante um protesto na capital. Milhares saíram à rua para exigir a demissão do
chefe do Executivo e do procurador-geral Peter Polt. O gatilho foi uma gravação telefónica
em que um assessor de Orbán pede a Polt que elimine partes de documentos de um caso de
corrupção contra o ex-secretário de Estado da Justiça, Pal Volner. Magyar e a sua mulher, Judit
Varga, ex-ministra da Justiça, tiveram papel crucial na denúncia. FOTO BERNADETT SZABO/REUTERS
Trump sem dinheiro
para pagar cauções
Acumulação de dívidas
resultantes de processos
na Justiça obrigam
ex-Presidente a pôr à
venda a sua rede social
O candidato republicano às
presidenciais de novembro
esforça-se por pagar uma cau-
ção, mesmo depois de um juiz
a ter reduzido de 454 milhões
de dólares (€419 milhões)
para 175 milhões (€161 mi-
lhões), na passada segunda-
-feira. O prazo para apresen-
tar a garantia expira dentro
de dez dias.
A questão relaciona-se com
a prática de fraude em larga
escala, baseada num esquema
de subvalorização do patrimó-
Brasil
Lula trava
investigação
à ditadura P29
ibérico que integra o operador
Newblue.
Além das Caraíbas, também
se verificam esta Páscoa ope-
rações cheias, ou ao ponto
de esgotar, para Cabo Verde,
Djerba (Tunísia) ou Saidia
(Marrocos), destacando-se
ainda vendas em alta para des-
tinos de proximidade como a
Disneyland Paris, ou regiões
nacionais que envolvem des-
locações de avião (Madeira e
“O negócio está
a correr muito
bem no sector das
viagens”, admite
Pedro Costa Ferreira,
da APAVT
Açores), a par “das grandes
viagens que estão a aumentar,
sobretudo a Oriente”, adianta
ao Expresso Pedro Costa Fer-
reira, presidente da Associa-
ção Portuguesa de Agências de
Viagens e Turismo (APAVT).
Na Páscoa, as viagens dos
portugueses ao exterior estão
em crescimento numa vasta
panóplia de destinos, que se-
gundo Costa Ferreira também
nio para efeitos fiscais, que se
invertia quando o objetivo era
obter crédito bancário. Prova-
da a culpa em tribunal, o anti-
go chefe de Estado (2017-21)
foi condenado a pagar uma
multa de 355 milhões de dó-
lares (€328 milhões).
“Quando existe uma decisão
tão incisiva contra alguém, a
pessoa pode continuar a re-
correr, mas, entretanto, tem
de entregar a tal garantia”,
explica ao Expresso David
Herzig, professor de Direito
na Universidade da Florida
e perito em questões fiscais.
“Contudo, passou-se algo
extraordinário. Os tribunais
raramente recalculam cau-
ções deste tipo, até porque é a
(
Espanha
Português lucrou
com monumento
a Franco P27
incluem a ilha de Creta, na
Grécia, Brasil ou São Tomé
e Príncipe, além de circuitos
europeus, cruzeiros ou via-
gens de longo curso com vista
a fazer safaris.
“Está a correr tudo muito
bem, notamos desde o início
do ano um crescimento de
vendas que é transversal a
todos os destinos”, realça o
presidente da APAVT, referin-
do haver “diferentes níveis de
crescimento, mas em média
teremos neste momento mais
20% de reservas que no ano
passado, que para o sector foi
recorde”.
“O crescimento é tão agres-
sivo, que temos de admitir
que se deve a antecipação de
reservas, se este nível se man-
tivesse tão alto, rapidamente
esgotaria a oferta de viagens
que existe, e a própria oferta
está em crescimento”, nota
Pedro Costa Ferreira. “Sei que
a inflação continua, a atmos-
fera política não é a melhor,
a instabilidade internacional
é cada vez maior, as guerras
persistem, a taxa de juro man-
tém-se alta, sei de tudo isto,
a realidade é que o negócio
está a correr muito bem para
o sector das viagens.”
maneira que o acusado tem de
provar que, findo o recurso, e
a manter-se a decisão, poderá
pagar o que deve.”
Se Trump não avançar com
os €175 milhões exigidos —
numa primeira fase, justificou
a incapacidade para tal com a
inexistência de seguradoras
capazes de submeter a caução
—, a procuradora-geral do es-
tado de Nova Iorque, Letitia
James, ditará o congelamento
de bens.
Esta terça-feira, a startup
Trump Media & Technology
Group, que inclui a rede social
Truth Social, começou a ser
negociada em Wall Street. De
imediato, valorizou-se mais
de 50%. Especialistas do mer-
cado financeiro especularam
que o valor da tecnológica
chegaria aos 14 mil milhões de
dólares (quase 13 mil milhões
de euros). O reconhecimento
de interesse surge apesar de a
Truth Social acumular prejuí-
zos e perdas de utilizadores.
Últimas
Podcast especial Nos 50
anos do 25 de Abril, o Expresso
apresenta “Retratos de Abril”,
25 episódios sobre as perso-
nalidades que se bateram pela
liberdade em Portugal. Não
perca, todos os dias em abril.
Rendas sobem A renda me-
diana das casas fixou-se em
€7,71 por metro quadrado no
último trimestre de 2023, mais
11,6% que no mesmo período
de 2022.
Horário das carrinhas de
metadona reduzido A par-
tir de abril, as carrinhas de
distribuição de metadona em
Lisboa só vão funcionar duran-
te a manhã, por falta de verbas.
A decisão vai afetar cerca de
1300 beneficiários.
Colômbia expulsa diplo-
matas O Governo colombiano
decidiu expulsar diplomatas da
embaixada da Argentina em
Bogotá, depois do Presidente
da Argentina Javier Milei dar
uma entrevista em que cha-
mou “terrorista assassino” ao
seu homólogo colombiano,
Gustavo Petro.
Embargo de armas para
gangues do Haiti A ONU
pede mais eficácia no embargo
de armas aos gangues do Haiti,
responsáveis por uma situação
“catastrófica” naquele país do
Caribe, onde já morreram mais
de 1500 pessoas nos primeiros
meses do ano.
Parlamento francês quer
travar discriminação ca-
pilar O Parlamento francês
aprovou um projeto de lei que
proíbe a discriminação de mu-
lheres africanas, no local de
trabalho, com base na textu-
ra do cabelo. Esta proposta
pretende penalizar qualquer
discriminação no local de tra-
balho com base no “penteado,
cor, comprimento ou textura”.
Viagem pelo clima Encer-
ram a 31 de março as candidatu-
ras para participar na segunda
edição da Viagem pelo Clima,
organizada pela Get2C. Basta
ter mais de 18 anos para tentar
integrar uma das três equipas
que vão viajar por Portugal e
resolver desafios em nove mu-
nicípios parceiros, com o mí-
nimo de impacto em CO2. A
equipa vencedora vai participar
na COP 29, no Azerbaijão.
‘Grândola’ regressa ao
Coliseu 50 anos depois A
Associação José Afonso rea-
liza esta sexta-feira, dia 29,
um concerto comemorativo
do espetáculo que há precisa-
mente 50 anos pôs o público
do Coliseu de Lisboa a cantar
Sexta-feira de pé a canção ‘Grândola, Vila
29 de março Morena’, com o país ainda em
29
de 2024 ditadura. Participam na ho-
menagem vários músicos que
nasceram depois do 25 de Abril
e, também, Francisco Fanhais,
Manuel Freire e Vitorino, que
estiveram no palco do Coliseu
03
a 29 de março de 1974.
Morreu o psicólogo que
ganhou o Nobel da Eco-
nomia Daniel Kahneman, o
psicólogo, professor e escritor
que em 2002 ganhou o Pré-
#2683 mio Nobel de Economia sem
expresso.pt ter formação na área, morreu
esta quarta-feira aos 90 anos.
É autor de “Pensar Depressa e
Devagar”, obra essencial para
a compreensão do mecanismo
de tomada de decisão.