GRÁTIS GUIA GUIAS

HOJE 100 IDEIAS

PARA DE INVERNO
PRÓXIMA SEMANA
OS NOSSOS
BAIRROS 1º DE 4 GUIAS
Fundador: Francisco Pinto Balsemão 13 de novembro de 2021
2559 O €4

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.pt

24h MÁFIA DOS

DIAMANTES
COMEÇOU NA PISCINA
Governo vigia crise DE UM HOTEL DE
CINCO ESTRELAS
dos abastecimentos
O Executivo vai criar o Gru- P8
po de Acompanhamento dos
Abastecimentos, que integra-
rá os Ministérios da Econo-
mia, Agricultura e Infraestru-
turas e terá representantes MARCELO E COSTA
dos sectores da agricultura,
agroindústria, distribuição IRRITADOS COM O
e logística. O objetivo é mo-
nitorizar eventuais pertur-
MINISTRO DA DEFESA P9

bações nos abastecimentos e

acompanhar a evolução dos
mercados internacionais.

Pão, café, ovos e

conservas sobem
São vários os produtos ali-
mentares que já ficaram Paulo Nazaré na República
mais caros este ano ou que Centro-Africana, em 2018, na
estão em vias de subir nos missão como comando, é o
próximos meses. O pão é um cabecilha da alegada rede de
deles, em resultado da subi- tráfico de diamantes e droga
da de preços das farinhas, FOTO TIAGO MIRANDA
mas também fruto do au-
mento do custo da energia e
dos transportes.

Marcelo afasta
acordo escrito
O Presidente da República
Teatro de São
Carlos recebe
maior fatia
Crise política Rangel apoia
aumento
“substancial”
afasta a exigência de um acor-
do escrito para uma solução
governativa após as eleições
legislativas. Marcelo alega
que seria um “absurdo”, pois
do PRR favorece Chega do salário
mínimo
não tem sido essa a “regra”
da democracia portuguesa e
não lhe cabe “interferir” na
escolha dos portugueses.
Quatro obras na região
de Lisboa e Vale do Tejo
levam a fatia de leão do
Plano de Recuperação
dedicado à cultura P24
e prejudica PCP Salários a subir, impostos
a descer (primeiro o IRC).
E a TAP pode ficar ou
Bancos contra mudar. Entrevista a Paulo
o Governo Rangel, candidato ao PSD
Associação Portuguesa de
Bancos reitera oposição à re-
novação das duas contribui-
Há mais de Diz que “António Costa está
esgotado”, promete protago-
ções extraordinárias sobre a
banca e diz que prolongar o
mil turmas > Sondagem Expresso-SIC mostra impacto
nistas novos e admite que fará,
se necessário, um governo mi-
adicional de solidariedade
“carece de justificação com-
com horários instantâneo da crise política > PS também
noritário, que caberá ao PS es-
colher. Mas recusa-se a dizer o
preensível”.
por preencher ganha impulso com chumbo do OE, mas tem
que fará se for o PS a vencer. P10

Integram esta edição semanal, além deste

corpo principal, os seguintes cadernos:
Costa no nível mais baixo de popularidade
ECONOMIA, REVISTA E e ainda
GUIA 100 IDEIAS PARA OS NOSSOS BAIRROS
e EXPRESSO BPI GOLF CUP Dificuldades para
> PSD parte com 14 pontos de desvantagem, Meta da 3ª
encontrar professores generalizada em quase toda a população P12 dose até ao
aumentam. Há alunos sem
disciplinas desde o início
do ano. Raio-X à educação
Natal não vai
Preços O esquema ser cumprida
O problema da falta de profes-
sores disponíveis para dar aulas dos terrenos offshore que
na região de Lisboa agrava-se,
e só o recurso a horas extraor-
João agrícolas Fernando
dinárias o tem atenuado. Mas
há milhares de alunos que con-
Rendeiro, sobem 40% Santos Proteger quem tem mais
de 65 anos é o apelo dos
tinuam sem aulas. O Governo da ascensão em dois deixou peritos, mas a DGS diz que
www.mantovani.pt prometeu medidas, mas nada haverá mais de 1,5 milhões
mudou ainda. P20 à fugaR24 anos E18 na gaveta P34 de pessoas para vacinar P7

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Poupe para a reforma
sem poupar nos benefícios.
Caixa. Para todos e para cada um.
Caixa Geral de Depósitos, S.A.
4 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de novembro de 2021

João Vieira Duelo A cimeira climática global durou 15 dias e terminou ontem.
Razões para alguma esperança ou nem por isso?
Pereira
Tiago Francisco
Choque de rendimentos Domingos Ferreira

L
embra-se da “geração à ras-
ca”, um movimento iniciado
por três jovens portugueses
na sequência de várias rei-
vindicações em diferentes
países europeus que denun-
ciavam os baixos rendimen-
tos auferidos por quem entrava no mer-
cado de trabalho? Estávamos em 2011,
desde então nada mudou. Continua-
Professor de Ambiente e Energia Líder da associação
Nas últimas duas décadas, Portugal
do Instituto Superior Técnico ambientalista ZERO
mostrou que não tem uma estratégia de
crescimento. Os políticos navegam em
frases soltas e inócuas, repetindo cha-
vões e aproveitando as boleias que vão
surgindo pela mão da iniciativa privada.
Todos concordam que é preciso crescer
Os políticos estão a tomar medidas
mais, aumentar a produtividade e os
rendimentos. Como se tal acontecesse
adequadas para proteger o clima?
apenas porque queremos ou, pior, por

mos a formar jovens qualificados que
enfrentam os mesmos salários baixos
que a geração à rasca, pasme-se, ainda
continua a auferir.
A geração mileurista eternizou-se. Foi
condenada a perpetuar a incapacidade
de ganhar o suficiente para sair de casa
dos pais, ter a sua habitação, filhos ou
ambições. Dez anos depois não conse-
guimos mudar esta realidade. Pior. Não
conseguimos voltar a dar-lhe a capacida-
de de sonhar com um futuro diferente.
Todos os anos o Estado investe na
formação de milhares de jovens a quem
foi cortada a possibilidade de ascensão
social. Para a grande maioria resta con-
formar-se com rendimentos medíocres
associados a empregos alegadamente
seguros ou, em alternativa, a perspetiva
da emigração.
Fabricamos fornadas de licenciados
sem perceber a necessidade de adequar
a educação ao mercado de trabalho. A
aposta no ensino técnico profissional é
visto como algo menor e chegou-se ao
cúmulo de se preferir ser um licenciado
pobre do que um soldador rico. Insis-
timos em dar força à média, tirando
cada vez mais a quem mais tem, para
dar cada vez menos a quem menos tem.
Como a riqueza não cresce, há cada vez
menos a quem tirar e cada vez mais a
quem temos de dar. Resultado, estamos
a ficar todos mais pobres.
Recusamos falar em crescimento eco-
nómico, a não ser quando o Governo in-
venta um qualquer cenário macroeco-
nómico para justificar um Orçamento
que é um roubo sistemático à iniciativa
privada, com o objetivo de sustentar um
Estado na sua grande maioria ineficien-
te, cuja despesa por ano é de quase 100
mil milhões de euros.
E quando procuramos soluções por
parte de quem se voluntariou para nos
tentar guiar obtemos respostas ridícu-
las. Dou só dois exemplos com base em
duas entrevistas recentes. António Cos-
ta acha que a solução para o aumento
da riqueza está no Orçamento de 2022
que o Parlamento chumbou. Os últimos
seis Orçamentos aprovados não nos
conseguiram tirar do fundo da tabela
europeia, mas para o ainda primeiro-
-ministro, e com alguma probabilidade
futuro primeiro-ministro, a solução
está num documento que repete as
mesmas receitas. Ridículo.
E o ainda líder da oposição, Rui Rio,
mostrou que não tem uma única ideia
para o país a não ser as que repete há
quatro anos e em que ninguém parece
acreditar. Lá avançou com a necessida-
de de produzir e exportar mais ou de
reduzir a carga fiscal. Mas como? Ah,
isso fica para quando for primeiro-mi-
nistro. Ridículo.
decreto.
A discussão sobre o crescimento do
salário mínimo é um exemplo perfeito
deste irrealismo gritante. Aumentar
o rendimento de quem está no fundo
da tabela salarial é prioritário. Mesmo
que isso implique a morte de alguns
negócios que só sobrevivem à custa de
salários baixos. Acredito que não exis-
tem empresários dignos desse nome
que insistam em pagar misérias aos
seus trabalhadores.
Só que não chega aumentar o salário
mínimo. Cada dia que passa estamos a
ficar mais pobres por via da incapacida-
de de pagar mais, seja pela carga fiscal
direta ou indireta, que é brutal para um
país onde se ganha tão pouco. E agora,
que já se fala no regresso da inflação, o
imposto mais injusto de todos, a situa-
ção só vai piorar.
Precisamos rapidamente
de um choque de rendimentos
transversal à sociedade
e não só para quem ganha
o salário mínimo
Precisamos rapidamente de um cho-
que de rendimentos transversal à so-
ciedade e não só para quem ganha o
salário mínimo. Na edição da semana
passada do Expresso, os economistas
Pedro Santa Clara e Paulo Rodrigues
da Silva defendiam o corte de custos
no Estado em 10% ou 20% e que esse
dinheiro fosse distribuído diretamente
a cada português. Uma forma de conse-
guir uma redução da despesa pública e
de aumentar o rendimento disponível.
Atrevo-me a sugerir outra. Estamos
com a taxa de desemprego em valores
mínimos, ajudando a encher os bolsos
da Segurança Social (para o próximo
ano o saldo positivo deverá ser de 2,3
mil milhões de euros). Porque não re-
duzir a Taxa Social Única das empresas,
garantindo que esse valor vai todo para
o bolso do trabalhador? Mantinham-se
os custos das empresas mas aumenta-
va-se o rendimento do trabalho. O des-
vio de fundos da Segurança Social seria
em parte compensado pelo Orçamento
do Estado, cujas receitas cresciam fruto
do aumento da tributação em IRS e im-
postos indiretos pela subida esperada
do consumo. Cabia a cada trabalhador
perceber o que fazer com esse dinheiro.
Gastá-lo ou poupá-lo.
Não podemos é continuar a fingir
que não temos um problema. Ou ficar
sentados à espera que descubram a
cura imediata para a nossa incapaci-
dade de crescer.
jvpereira@expresso.impresa.pt
SIM NÃO
Contrariamente ao que muitos acham, O combate às alterações climáticas
e ainda mais prognosticaram, podemos dá-se em três frentes: maior ambi-
considerar a Cimeira de Glasgow um ção, mais financiamento climático,
sucesso. Antes dela, os compromissos de redução de mais justiça. Importa por isso definir o que são as
emissões subscritos pelos signatários do Acordo de Paris medidas adequadas em cada uma das frentes.
(AP) correspondiam, de acordo com o Programa das Na frente da ambição, são medidas de mitigação que
Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), a um aumento façam conter o aquecimento do planeta em 1,5°C, o
previsível da temperatura global de 2,4°C a 2,6°C. Com limite máximo de segurança para evitar um aumento
os compromissos assumidos na cimeira, a Agência Inter- dramático de fenómenos climáticos extremos. A 26ª
nacional de Energia estima agora um aumento de 1,8°C. Cimeira do Clima começou num contexto alarmante,
É um sucesso notável, quer da Cimeira de Glasgow, quer com o planeta a caminho de um aumento de tempera-
de todo o processo associado ao AP, nomeadamente se tura de 2,7°C, valor catastroficamente acima da meta,
considerarmos que em 2015, antes da assinatura deste demonstrando que as promessas e medidas anunciadas
acordo, as políticas estabelecidas pelos Governos levavam estavam muito aquém do necessário. Se é verdade que
a uma estimativa de aumento de 3,6°C a 4,2°C. houve acordos importantes que fizeram baixar este
Numa atitude de uma generosidade sem prece- valor, como a adesão ou o assumir de maior ambição
dentes na história da Humanidade, vimos em todo por parte de 23 novos países num acordo para o fim
o mundo, antes e durante esta ci- do uso do carvão na produção de
meira, centenas de milhares, ou eletricidade ou o acordo alcançado
até milhões, de manifestantes e Contrariamente ao em termos de redução das emissões
ativistas, com uma notável partici- que muitos acham, de metano até 2030, a verdade é
pação de jovens, pressionarem os podemos considerar que houve importantes países fora
líderes políticos para assumirem destes acordos, como a China e a
compromissos que permitissem a Cimeira de Índia em ambos, a Austrália e os
manter o aumento de temperatura Glasgow um sucesso EUA relativamente ao carvão e a
global abaixo dos 1,5°C. Trata-se, Rússia ao metano.
na verdade, de um objetivo ain- É verdade que No financiamento, são medidas
da mais ambicioso que o do AP, para pagar o combate às alterações
objetivo este que permitiria pro- existiram acordos, climáticas: é preciso que os países
porcionar maior segurança para mas há países desenvolvidos, com responsabi-
os habitantes de algumas nações importantes que lidades históricas nas emissões,
particularmente pobres e vulnerá- ficaram de fora custeiem a mitigação e adaptação
veis às alterações climáticas, sem dos países mais afetados pelas al-
benefícios diretos para a esmaga- terações climáticas, normalmente
dora maioria desses mesmos manifestantes e ativistas. países pobres. Isto não tem acontecido: os países
Naturalmente que o que estava em causa nesta cimeira desenvolvidos ainda estão aquém em 20% de cumprir
não era a potencial extinção da Humanidade formulada a meta de mobilização de 100 mil milhões de dólares
pelo simpático dinossauro do filme em que o PNUA por ano. O acesso a este financiamento tem também
decidiu adotar uma estratégia de comunicação mais estado repleto de entraves, e, por norma, não se trata
adequada a uma organização ambientalista. Mas sem de apoios diretos, mas sim de empréstimos, os quais
dúvida que o esticar da corda do exagero apocalíptico não deviam contar para o fundo, pois são uma forma
sobre as decisões que estavam em causa nesta cimeira de endividar países já pobres. Também aqui os líderes
ajudou a torná-la um sucesso em termos de compromis- não têm mostrado a proatividade necessária.
sos assumidos pelos Governos. Na frente da justiça, são medidas para indemnizar
Estes mesmos Governos têm agora que navegar entre os países vulneráveis pelos danos e perdas já sofridos
a premência de reduzir emissões e a necessidade de asse- nos seus territórios decorrentes de fenómenos ex-
gurar a manutenção ou o aumento de uma prosperidade tremos, cada vez mais causados ou agravados pelas
humana que até hoje só foi conseguida com o crescente e alterações climáticas. Na última década, os desastres
massivo uso de energia. Este equilíbrio é necessariamen- relacionados com o clima em todo o mundo mataram
te diferente para países mais desenvolvidos, com maior mais de 410 mil pessoas e afetaram muitas mais.
capacidade de reduzir emissões, mas também maior ca- Em 2020 havia 30 milhões de deslocados devido a
pacidade de adaptação às alterações climáticas, e países eventos relacionados com o clima. Até 2030 estima-
em desenvolvimento, com necessidades dramáticas de -se que as perdas e danos causados pelas alterações
melhoria do desenvolvimento humano e, portanto, uso climáticas tenham um custo económico entre 290 e
crescente de energia, mas também maior vulnerabilidade 580 mil milhões de dólares só nos países em desen-
às alterações climáticas quer pela sua localização geo- volvimento. Para responder a isto, os líderes devem
gráfica, quer pelo seu próprio nível de desenvolvimento. estabelecer um mecanismo que permita concretizar
Estão em jogo múltiplos valores sociais, para além o financiamento para compensar estes prejuízos e
dos compromissos climáticos, e devemos acautelar que assumir um compromisso concreto adequado às ne-
as narrativas apocalípticas não nos levem a variantes cessidades reais e baseado nos princípios da equidade
do famigerado TINA — There is No Alternative: há, e da solidariedade global.
de facto, muitos caminhos possíveis, com redução de Na COP26 houve avanços, a subida da temperatura
emissões mais rápida ou mais lenta, com maiores ou prevê-se menor, mas mesmo assim a resposta é NÃO:
menores necessidades de adaptação, com maior ou as medidas adequadas no combate às alterações cli-
menor ultrapassagem, mais ou menos temporária, da máticas exigem uma resposta satisfatória em todas as
temperatura global de 1,5°C. frentes, mas em nenhuma delas ela existe.

A Semana sequência do acordo entre a

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
ELEIÇÕES NO PSD
As diretas no partido vão ser
antecipadas para o dia 27 deste
mês. E Rui Rio lembrou-se da
chico-espertice pouco
democrática de recusar fazer
campanha interna, com o
argumento de que está a
preparar-se para governar o
país. O que diria o líder do PSD
se António Costa se recusasse a
participar na campanha
eleitoral com o argumento de
que está preocupado em
governar o país?
MAAT
João Pinharanda vai ser o novo
responsável do MAAT, na
Fundação EDP e Serralves.
TESLA
No fim de semana, o fundador e
dono da Tesla, Elon Musk, deixou
nas redes sociais a pergunta:
deveria vender parte da sua
participação na empresa? Parece
estranho, mas aconteceu. Os
internautas responderam
que sim. E Musk, depois
de ver o valor das ações
cair, lá teve que
vender ações no valor
de cerca de mil
milhões de euros.
BIONTECH
Uma das farmacêuticas
envolvidas numa das
vacinas contra a covid-19,
a BioNTech, lucrou mais
de 7 mil milhões de euros nos
primeiros nove meses do ano.
Este lucro contrasta com os 351
milhões de prejuízo no mesmo
período de 2020.
CARTÃO DO ADEPTO
Durou apenas três meses a
muito polémica ideia do cartão
do adepto no futebol, para
identificar quem pertencia às
claques. Com o Parlamento a
queimar os últimos cartuchos, a
medida foi esta semana
atirada pelos partidos
para o caixote do lixo.
FAMALICÃO
No caso dos dois
miúdos que os pais
não deixam que
frequentem a disciplina
de Cidadania, duas
decisões judiciais vieram
confirmar que o ministério pode
chumbar de facto os alunos.
Mas o Governo, aparentemente,
mesmo sem admitir a abertura
de uma exceção, parece não
querer fazer o que seria
inacreditável: obrigar
os jovens a regredir
no ano que
frequentam.
MUROS
Durante anos zurziu-
-se, e bem, em Donald
Trump por este querer
construir um muro na fronteira.
Agora, já são responsáveis da
UE, como Charles Michel, a
admitirem exatamente o mesmo
na Europa. Inaceitável.
MILITARES
A descoberta de um esquema
criminoso envolvendo tráfico,
nomeadamente de droga e
diamantes, de militares em
serviço numa missão da ONU na
República Centro-Africana foi
tema da semana. Como acabaria
por ser também a forma como o
poder político lidou com o
assunto: quem sabia e
quem não informou
quem devia ter sido
informado?
COVID
Qual D. Sebastião, o
vice-almirante Gouveia
e Melo vai assistindo aos
sucessivos apelos a que
regresse à liderança do processo
de vacinação, cuja
administração da terceira dose
aos mais idosos tem avançado
aos tropeções.
COP
Está a terminar mais uma
cimeira global do clima. Dela
parecem ter surgido avanços
no combate às alterações
climáticas. Mas também deixa
a sensação de que se está a
fazer muito menos do que se
podia e devia fazer para travar
o aquecimento global.
Expresso, 13 de novembro de 2021
Miguel Sousa Tavares
Honra
E
le é o Comandante
Supremo das Forças
Armadas, o Presiden-
te da República, o re-
presentante máximo
de Portugal no mun-
do. É compreensível
que, com todos esses
coletes-de-forças, ele
seja o menos livre dos portugueses
quando se trata de falar das FA ou de
Portugal perante o estrangeiro. Mas
a honra de um país também se mede
pela capacidade de assumir frontal-
mente os seus momentos de pura ver-
gonha: para que não restem dúvidas
de que eles não são um padrão, mas
uma excepção. Quando, confrontado
com o inimaginável episódio do ban-
do de malfeitores que, a coberto do
destacamento militar português na
missão da ONU na República Cen-
tro-Africana, se dedicava a traficar
ouro, droga e diamantes, o Presidente
Marcelo declara que isso “não atinge
minimamente o prestígio das FA”, e
até, pelo facto de ter sido denunciado
internamente, “aumenta o prestígio
internacional que têm”, o Presidente
não está a defender Portugal nem as
FA, está apenas a acrescentar ridículo
e impunidade à vergonha colectiva.
Durante pelo menos dois anos, um
grupo de marginais do crime, infiltra-
dos dentro do destacamento das FA
na República Centro-Africana, com
a colaboração decisiva no terreno de
um capitão e um sargento da unidade
de elite dos Comandos, transformou
o que era uma missão de manutenção
da paz num país miserável, acossado
por uma guerrilha sanguinária e apos-
tada em saquear as riquezas do país,
exactamente no oposto do que era a
sua missão: roubar o povo que tinham
ido supostamente proteger. E fazen-
do-o com os aviões, as facilidades
logísticas e os meios postos à sua dis-
posição, enquanto recebiam subsídios
de risco por zona de guerra (suposta-
mente documentados naqueles vídeos
de propaganda da missão que nos vão
regularmente divulgando, em que
se vêem os nossos soldados invadin-
do casas vazias e disparando contra
inimigos invisíveis, que jamais ripos-
tam). Eles não se limitaram a roubar
um povo miserável, eles serviram o
inimigo no campo de batalha. Depois
da vergonha de Tancos, acrescentada
com a indigna defesa dos implicados
na justiça, depois do roubo organiza-
do na Messe de Oficiais, envolvendo
oficiais superiores, temos agora esta
extrema indignidade. Se nada disto
abala o prestígio das FA, o que será
necessário para o abalar?
Eu gostaria de ter ouvido o Presi-
dente dizer precisamente o contrário
do que disse: “O que se passou foi uma
vergonha, que manchou o prestígio
ARMAZÉNS AUTOMÁTICOS
que aumentam a produtividade
214 151 890
desta missão, das FA e do país. Não há
perdão para o que fizeram.”
2
Alguém se congratulou porque,
pelo menos desta vez, uma in-
vestigação criminal decorreu
durante dois anos sem violações
do segredo de justiça. Que ingenui-
dade! Se o segredo se manteve, foi
só porque não havia “notáveis” — da
política ou de outras áreas — envolvi-
dos. Mas o segredo foi tão longe que
o ministro da Defesa entendeu não o
partilhar nem com o PM nem com o
PR, o Comandante Supremo das FA,
justificando-se com a separação de
poderes. Com o terror do juiz Carlos
Alexandre, o ministro deve ter per-
dido o juízo! A separação de poderes
implica apenas que o Governo não
intervenha na investigação judicial
em curso, mas nada mais — sobretudo
não implica que sejam mantidos, o
Governo e o PR, na absoluta ignorân-
cia de uma investigação criminal que
envolvia o nome de Portugal e das
suas FA ao mais alto nível. Cabe na ca-
beça de alguém que durante dois anos
se investigue a suspeita de que uma
missão de Portugal sob a bandeira da
ONU se dedique ao tráfico de droga
e diamantes e o primeiro-ministro e
o Presidente sejam deliberadamente
mantidos no desconhecimento do
assunto?
3
Já era suficientemente impres-
sionante saber que João Ren-
deiro se tinha posto ao fresco,
“contra uma justiça injusta”,
enquanto via os seus amigos, ex-cole-
gas de administração e com ele conde-
nados pela justiça terem ficado para a
enfrentar ou terem mesmo voltado do
estrangeiro para a enfrentar. Agora
ficámos a saber também que, antes de
se pirar para mares mais calmos, tra-
tou de ir dissipando os bens arrolados
pela justiça para ressarcir um dia to-
dos os que burlou, chegando ao ponto
de falsificar grosseiramente quadros
que o tribunal deixou à guarda da sua
mulher para vender os verdadeiros e
assim financiar o seu exílio de mártir
da justiça injusta. E, detectado mais
um sinal do que parece ser uma incor-
rigível tendência para a burla, Rendei-
ro deixa para a mulher o ónus de res-
ponder pelo crime de descaminho dos
bens. Mas que homem é este, capaz
de burlar os clientes, abandonar os
amigos, roubar os credores, fugir da
justiça, declarando-se soberbamente
contactável nas embaixadas de Portu-
gal no mundo, e dar a mulher por si?
4
Há umas semanas, aqui no
Expresso, Inês Serra Lopes
assinou um extenso e defini-
tivo trabalho sobre as arbi-
tragens em que o Estado se envol-
mecalux.pt
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
ve. Nada se passou entretanto, mas
Eu gostaria de ter quem leu percebeu, se não o sabia
já, que estamos perante um verda-
ouvido o Presidente deiro escândalo continuado, em que
dizer precisamente os contribuintes são assaltados e a
o contrário do que honra da República gozada, à vista
disse: “O que se de todos. Abreviando e resumindo,
é assim: se alguém é um cidadão
passou foi uma ou uma empresa banal que tem um
vergonha, que contencioso com o Estado, recorre
manchou o prestígio ao foro adequado: o tribunal ad-
ministrativo; mas se é uma grande
desta missão, empresa, daquelas que fazem con-
das FA e do país. tratos milionários com o Estado,
Não há perdão então o habitual é que haja uma
para o que fizeram” cláusula que prevê que, em lugar do
tribunal administrativo, as partes
recorram, em caso de conflito, a um
tribunal arbitral. Forma-se então o
dito tribunal arbitral, com um juiz
escolhido pelo Estado, outro pela
parte civil e outro, o presidente, es-
colhido pelos outros dois. Pormenor
nº 1: tudo isto se passa em círculo
fechado, melhor dizendo, em clube
PRIMEIRO CADERNO 5
fechado, de não mais do que 40/50
membros de elite, advogados das
grandes sociedades, professores de
Direito — umas vezes são juízes do
tribunal arbitral, ora nomeados pelo
Estado, ora pela parte civil, outras
vezes são advogados do Estado, ou-
tras da parte civil junto do tribunal,
alternando entre si as posições li-
vremente, com o único aparente
critério de estarem disponíveis. Por-
menor nº 2: nos tribunais arbitrais,
o Estado é quase sempre condenado
e, quando o é, as indemnizações
que tem de pagar são sempre muito
superiores ao que aconteceria num
tribunal administrativo. Pormenor
nº 3: os árbitros e os advogados são
remunerados em função do valor da
causa (que é sempre astronómica),
e, às vezes, os árbitros até são remu-
nerados em função da indemnização
a que o Estado é condenado. Por-
menor nº 4: há países civilizados,
como a França, em que é vedado
ao Estado aceitar arbitragens. E
aqui pergunta-se: vai ficar tudo na
mesma? Vai.
5
Na SIC, (magnificamente) en-
trevistado por Débora Hen-
riques, Paulo Rangel fugiu
a todas as questões que não
só devia como tinha obrigação de
responder. Mas havia uma, que a
jornalista tinha deixado para o fim
e que não havia forma de lhe fugir:
por que razão tinha votado contra
o casamento dos homossexuais em
2008, na AR? Metendo os pés pelas
mãos, Rangel lá acabou a dizer que,
nessa questão, “todos tínhamos mu-
dado de opinião”. Não é verdade,
e peço desculpa por ter de trazer
o meu exemplo pessoal à colação:
antes disso, fiz um programa na TVI
unicamente dedicado a defender o
direito ao casamento homossexual.
E não era nem sou homossexual, o
que não me impediu de defender os
direitos dos outros. Mas Rangel, que
já era homossexual, embora ainda
não tivesse saído do armário, não
teve sequer a coragem de defender
os direitos dos seus. Chama-se a
isto carácter e não vejo razão para
a política o dispensar.
6
Perguntado por que razão
cancelara as eleições internas,
eliminando assim o risco de
não ser ele a liderar o CDS nas
legislativas, Francisco Rodrigues
dos Santos respondeu que foi para
evitar uma “peixeirada”. Anotem,
pois: a democracia agora chama-se
peixeirada.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
6 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Luísa Salgueiro
Presidente da CM
de Matosinhos
Prepara-se para suceder a Manuel
Machado na presidência da Associa-
ção de Municípios. A autarca de Ma-
tosinhos e ex-deputada é a candida-
ta escolhida por António Costa para
liderar a associação, depois de o PS
ter assegurado a maioria das câma-
ras nas autárquicas. Luísa Salgueiro,
a primeira mulher a desempenhar o
cargo, vai ter em mãos a gestão mu-
nicipal de um dos maiores pacotes
de sempre dos fundos europeus.
Henrique
Gouveia e Melo
Ex-coordenador
da task force
Quando se voltam a levantar dúvi-
das sobre o rumo do processo pa-
ra a vacinação da terceira dose da
covid-19, o vice-almirante lembra a
importância de o país mostrar que
aprendeu com os problemas do
passado e da necessidade de se or-
ganizar sem depender de um apoio
que tem sempre de ser visto como
excecional. Gouveia e Melo defen-
de que está na altura de se virar a
página e atacar os problemas de
forma racional, sem saudosismos.
Ana Pinho
Presidente da Comissão
Executiva da Fundação
de Serralves
A Fundação de Serralves vai passar
a gerir a programação do campus
cultural da EDP, que se desenvolve
na Central Tejo/Museu da Eletrici-
dade e no MAAT. A parceria inédi-
ta foi anunciada há dias e ainda não
se conhecem em detalhe os termos
ou a duração do acordo, mas sabe-
-se que os museus do Porto e de Lis-
boa vão manter programações com
exposições independentes. Aumen-
ta assim o portefólio de influência
da fundação portuense.
E BAIXOS
Valdemar Alves
Ex-presidente da CM
de Pedrógão Grande
O MP pediu a condenação a prisão
efetiva de Valdemar Alves e do ex-
-vereador Bruno Gomes por irregu-
laridades detetadas no processo de
reconstrução de casas após os in-
cêndios de 2017. Para a acusação, fi-
cou provado que os dois ex-autarcas
atribuíram indevidamente apoios
com a intenção de “obterem benefí-
cios” políticos. Estão indiciados por
crimes de prevaricação, falsificação
de documentos e burla qualificada.
João Gomes
Cravinho
Ministro da Defesa
Militares portugueses ao serviço
das Nações Unidas foram investiga-
dos por suspeitas de tráfico de dia-
mantes, ouro e droga sem que o PR
ou o PM fossem informados. O mi-
nistro, que sabia e avisou a ONU, in-
voca pareceres jurídicos não divul-
gados para deixar Marcelo e Costa
de fora. O segredo de justiça não im-
pediu que o assunto fosse conhecido
nos meios militares. Faltam esclare-
cimentos e, uma vez mais, ficou à
vista uma falha na comunicação en-
tre o ministério e o Comandante Su-
premo das Forças Armadas.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
PSD Rangel garante
grandes concelhias. Rio
aposta em call centers
Das 60 maiores secções, que
representam cerca de 70% dos
votos no PSD, os rangelistas só
dão 17 como perdidas para Rio
Rui Rio fez saber esta semana que não
vai correr o país em campanha interna
pela liderança do PSD nem participar
em debates com Paulo Rangel, para se
focar na preparação das legislativas,
mas tem dois call centers ativos — um
em Lisboa e outro no Porto —, a telefo-
nar aos militantes de todo o país, para
apelar ao voto na sua candidatura com
o argumento de ser o mais bem prepa-
rado para ser primeiro-ministro, pelo
trabalho realizado ao longo destes
quatro anos. Do lado de Paulo Rangel,
para já, não há recurso a call centers,
mas antes uma aposta no aparelho
laranja: os rangelistas já garantiram o
apoio dos dirigentes de grande parte
das 60 maiores concelhias, que re-
presentam cerca de 70% do total dos
votos. À partida, só dão como perdidas
17 dessas estruturas para Rui Rio.
Fontes de ambas as candidaturas
garantem que vão ganhar as diretas
antecipadas para 27 de novembro,
mas Paulo Rangel tem a seu lado as
secções com mais militantes, incluin-
do algumas concelhias fundamentais
que, no passado, tinham apoiado o
adversário. Em Lisboa, que é a maior
O Cartoon de António Fora de jogo climático
Covid Voltam
os coordenadores
Administradores hospitalares
pedem gestão centralizada
de camas. Governo diz
que gestão será das ARS
O aumento do número de casos e as
dificuldades sentidas na última sema-
na com o processo de vacinação con-
tra a covid-19 e contra a gripe sazonal
levou o Governo a pedir aos secretári-
os de Estado responsáveis pela coor-
denação regional durante a pandemia
para voltarem a ficar mais ativos. Ao
mesmo tempo, os administradores
hospitalares pedem uma gestão mais
eficaz das camas, com a possibilidade
de receberem mais doentes.
estrutura do país (segundo o quadro
com o número de quotas pagas atua-
lizado no site do PSD) e que foi sem-
pre adversa a Rio, o eurodeputado
conseguiu captar fações que antes
estiveram com o líder e espera um
melhor resultado na capital do que
conseguiram Pedro Santana Lopes
e Luís Montenegro. Outra concelhia
que passou para Rangel foi Vila Nova
de Gaia, uma das top 5, que também
apoiou Rio nos últimos quatro anos. A
de Vila Verde (que era a oitava maior
em 2020), liderada pelo eurodeputa-
do José Manuel Fernandes, está com o
colega de Estrasburgo, o que acontece
pela primeira vez no consulado rioís-
ta. Os rangelistas têm o apoio total de
Famalicão, que era a segunda maior
estrutura do partido nas últimas di-
retas e que votou em massa contra
Rio em 2018 e 2020, e acreditam que
Santa Maria da Feira (a sexta maior)
Rio é o primeiro líder
que parte para diretas
com desvantagem
no aparelho. Perdeu
o partido, mas quer
ganhar os militantes
Os cinco secretários de Estado fo-
ram tendo reuniões quer com a task
force de coordenação da vacina, quer
com as entidades regionais, mas nos
últimos tempos abrandaram a mis-
são. Esta semana, a ministra da Pre-
sidência, Mariana Vieira da Silva, e
a ministra da Saúde, Marta Temido,
pediram que as estruturas voltassem
a estar mais ativas para coordenar a
resposta para o inverno.
As dificuldades na proteção dos mais
frágeis com uma terceira dose contra
a covid preocupam também os admi-
nistradores hospitalares. Embora não
seja esperada uma ocupação excessi-
va, na medida em que a maioria dos
também tenha “virado” a seu favor.
Uma vitória “esmagadora” de Rui
Rio está garantida, à partida, em terre-
nos como Barcelos, que era a terceira
maior concelhia do PSD em 2020 e
que agora ganhou força com a recon-
quista da Câmara nas autárquicas de
setembro. A candidatura de Rangel
também dá como perdidos concelhos
como Ovar, casa de Salvador Malheiro,
vice-presidente do partido e diretor de
campanha de Rio, que era a 17ª estru-
tura há dois anos mas que está bem co-
locada hoje no pagamento de quotas. E
também Maia, Loulé, Leiria, Viana do
Castelo e Arcos de Valdevez e outros
concelhos de dimensão mais pequena.
Noutras secções grandes, como no Por-
to, o núcleo de Rangel admite que Rio
venha a ter um bom resultado, apesar
de os dirigentes estarem do seu lado.
Rio aposta nas segundas linhas
No núcleo da candidatura de Rui Rio
reconhece-se que Paulo Rangel tem a
seu lado a maior parte dos dirigentes
intermédios, que controlam “sacos de
votos” de militantes que põem a cruz
num candidato segundo a indicação
do cacique local (hoje, as concelhias
têm mais importância do que os ali-
nhamentos das distritais). Por isso, a
estratégia do líder passa por montar
uma rede de “segundas linhas” de di-
rigentes e militantes espalhados pelo
país que, conjugados com os call cen-
ters, consiga esbater a vantagem teóri-
ca de Rangel em muitos concelhos ou
mesmo invertê-la. Entre os apoiantes
do presidente do partido acredita-se
que o voto livre, que não está ligado
aos caciques locais, vai pender para
Rio, como aconteceu nas últimas duas
diretas realizadas no PSD. Do lado de
Rangel reconhece-se que foi esse voto
portugueses tem já duas imunizações
contra a infeção e um número crescen-
te de idosos também contra a gripe, as
unidades vão ter mais doentes.
“Os hospitais têm os planos prepa-
rados e uma aprendizagem que vai
ajudar, mas é preciso garantir que
existe coordenação entre as unidades
hospitalares, garantir a gestão das
camas em enfermaria e em cuidados
intensivos, bem como a ligação às
unidades de cuidados primários e a
outros serviços, como a linha SNS24”,
avisa Alexandre Lourenço, presiden-
te da Associação Portuguesa de Admi-
nistradores Hospitalares.
Na fase mais aguda da pandemia, os
responsáveis pela medicina intensiva
conseguiram organizar-se e ter ao dia
a ocupação das camas para doentes
críticos. O mesmo não aconteceu nas
enfermarias, com hospitais lotados e
outros sem grande pressão, e os ges-
tores querem agora que essa falta de
articulação não seja repetida. “Desde
março de 2020 que pedimos uma equi-
Expresso, 13 de novembro de 2021
livre a dar as duas vitórias a Rio, mas
também se crê que desta vez o militan-
te com esse perfil se vai dividir entre os
dois candidatos, que, afinal, proveem
da mesma ala do partido. Apesar de
a candidatura de Paulo Rangel estar
muito ancorada nos dirigentes locais,
hoje é muito mais difícil pagar quotas
em massa, como acontecia no passa-
do. Por isso, os apoiantes de Rio man-
têm que se repetirá o fenómeno de
uma preponderância do “voto livre”
para o seu lado. Do lado de Rangel, o
Expresso ouve que esta é a primeira
vez na história do partido em que o
líder em funções parte para a disputa
interna em desvantagem.
Tomando como exemplo as últimas
duas diretas, Rui Rio ganhou por uma
diferença de 3,4 mil votos a Pedro San-
tana Lopes, em 2018, num universo de
42 mil votantes; dois anos depois, em
janeiro de 2020, bateu Luís Monte-
negro por apenas 2 mil votos, quando
votaram apenas 32 mil sociais-demo-
cratas. O prazo para o pagamento das
quotas termina na próxima quarta-
-feira, dia 17 de novembro, e o nível
de participação já está acima dos 35
mil de há dois anos, pelo que se prevê
um caderno eleitoral com mais mili-
tantes. A Madeira — cujos votos não
contaram em 2020, por não respeitar
o regulamento das quotas e que votou
de forma maciça em Miguel Pinto Luz
(eliminado à primeira volta) — já vai
com mais de 1500 quotas pagas. A
tendência é para votar em Rangel, que
tem Pinto Luz como um dos principais
estrategos, mas o Expresso sabe que o
próprio Alberto João Jardim está a fa-
zer telefonemas para convencer os mi-
litantes, um a um, a votar em Rui Rio.
A não campanha do PSD prossegue.
Vítor Matos
vmatos@expresso.impresa.pt
pa de coordenação, mas o Ministério
da Saúde remete essa função para as
administrações regionais de saúde.
Não serve”, explica.
Ao Expresso, o Ministério da Saúde
adiantou que a organização cabe às
ARS. “O Ministério da Saúde promo-
veu fortemente o funcionamento em
rede do SNS na resposta à pandemia,
alinhado com as necessidades de cui-
dados existentes, em todos os níveis,
através das ARS e dos seus prestado-
res. Esta estratégia de acompanha-
mento permitiu uma resposta eficaz.”
Os administradores hospitalares re-
plicam: “O plano vacinal contra a covid
que permitiu proteger a maioria dos
portugueses mostrou que a estrutura
do ministério não pode assegurar to-
das as áreas”.
Entretanto, o secretário de Estado
Adjunto e da Saúde fez saber que já
foi pedido aos hospitais os respetivos
planos de contingência e a escala de
urgência até ao final do ano.
Liliana Valente e V.L.A.
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 7

Vacinas covid Natal com terceira
dose não vai ser cumprido
Proteger quem tem mais de 65
anos até meados de dezembro
é o apelo dos peritos, mas
a DGS diz que haverá mais
de 1,5 milhões por vacinar
Desta vez, Portugal não vai ser exem-
plo na vacinação contra a covid-19.
Os peritos definem como meta de
segurança para o inverno ter os mais
vulneráveis extraprotegidos até ao
solstício, em pouco mais de um mês,
mas não deverá ser alcançada. São
2,3 milhões de portugueses com mais
de 65 anos para voltar a imunizar, e
até quinta-feira eram menos de 450
mil os vacinados com a terceira dose,
incluindo imunocomprometidos.
O atraso torna-se mais evidente
quando a Direção-Geral da Saúde
(DGS) reconhece que “até meados
de dezembro fiquem elegíveis [aptos
para a toma] cerca de 1,5 milhões,
número que será progressivamente
alargado a cada dia com a entrada de
mais pessoas para este grupo”. Por
estes dias, a média diária de inocu-
lações é de 30 mil doses, que a DGS
prevê aumentar com “a chegada de
um maior contingente de vacinas”.
“O cenário ideal era ter os 2,3 mi-
lhões de pessoas acima dos 65 anos,
profissionais de saúde e elementos
das instituições de solidariedade so-
cial com a terceira dose até ao início
de dezembro. Mas se entrarmos no
inverno com o plano traçado, já seria
excelente. São 3,5 milhões de pessoas
para vacinar até ao Natal”, afirma Ar-
tur Paiva, professor da Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto.
Filipe Froes, pneumologista do Hos-
pital Pulido Valente (Lisboa) e respon-
sável pelo Gabinete de Crise da Ordem
dos Médicos para a Covid-19, partilha
da mesma opinião. “Ter 70% a 80%
de vacinados com a terceira dose em
meados de dezembro seria ótimo. Não
podemos esquecer que são precisos
depois 14 dias para a proteção ficar
completa.”
As primeiras tomas foram um su-
cesso, porque está a falhar a terceira?
O chefe do Serviço de Medicina In-
terna do Hospital de São João, Artur
Paiva, faz o diagnóstico: “Devemos
avançar com assertividade para o que
já sabemos (a necessidade de terceira
dose para aqueles grupos) e ter um
plano estruturado, que não temos, e
uma estratégia de política de saúde:
tomar uma decisão e dizer claramen-
te qual é a estrutura para avançar.”
Quem está no terreno garante que
há plano, feito pela equipa que foi
liderada pelo vice-almirante Gouveia
e Melo, mas falta transmissão. “Os
problemas que estão a acontecer são
maioritariamente de comunicação.
O Ministério da Saúde e a DGS deve-
riam ter uma comunicação privativa,
disponível e honesta e um porta-voz
só para este assunto”, diz uma fonte
Terceiras doses são
decisivas para o risco
neste inverno e durante
uma “sexta onda, que virá
com maior percentual
de gravidade”
próxima. A diretora-geral da Saúde,
Graça Freitas, é agora o rosto da va-
cinação pandémica, “mas tem uma
imagem desgastada”, acrescenta.
E agora há uma dificuldade acres-
cida: administrar vacinas para duas
infeções diferentes, covid e gripe.
“Há um problema logístico porque
há duas cadeias de vacinação, ambas
com atrasos nas entregas”, acrescen-
ta um profissional de um centro de
vacinação. A vacina passou para os
centros de vacinação covid, 300 em
todo o país e alguns já inseridos em
centros de saúde, que perdeu-se voz
de comando, dizem os críticos. “En-
tregam-lhes as vacinas e cada um que
se organize”, explica o profissional.
Por dia, em média, são administra-
das 40 mil doses antigripe, mais 10
mil nas farmácias. Dos 2,5 milhões de
doses do Serviço Nacional de Saúde
(SNS) e 700 mil nas farmácias, ti-
nham sido administradas um milhão,
mais de 300 mil na rede de farmácias,
até sexta-feira. “É uma média muito
baixa em pandemia. Agora que chega-
ram mais vacinas, é preciso acelerar”,
afirma Filipe Froes. O travão tem sido
a articulação.
Os utentes são chamados para as
duas vacinas em simultâneo, mas mui-
tos ficam por metade. Uns tomaram
a vacina gripal na farmácia e não po-
dem tomar a dose covid porque não
passaram 14 dias, outros são vacina-
dos contra a gripe mas não com a ter-
ceira dose covid porque receberam a
segunda há menos de seis meses ou
foram infetados há menos de três, por
exemplo. Ir várias vezes aos centros de
vacinação tornou-se comum. “Hou-
NO FIM ERA
O VERBO
ve pessoas que ficaram sem o reforço
por faltarem 15 dias para os seis meses
após a segunda toma ou porque toma-
PRÉMIO TAPAR O SOL
COM A PENEIRA
“Logo que tiveram
ram a vacina gripal na farmácia há 13
dias”, conta um médico. O saldo até ao
momento é ilustrativo: até meados da
semana, estavam protegidos contra as
conhecimento
da denúncia, as FA
procederam à
duas infeções pouco mais de 300 mil investigação. Só aumenta
portugueses. o prestígio que têm”
Os constrangimentos são do conhe-
cimento do primeiro-ministro. Antó- Marcelo Rebelo de Sousa
PR, sobre a Operação Miríade
nio Costa reconheceu que o processo
está a sofrer atrasos, mas diz-se con-
PRÉMIO CORRER POR FORA
victo de que o ritmo será recuperado
a tempo do Natal. E a DGS pôs o pé “Vou concentrar-me
no acelerador. Reduziu o intervalo de na elaboração do
14 para cinco a seis dias na toma não- programa eleitoral e em
-simultânea das vacinas gripal e pan-
démica e ainda da inoculação covid fazer oposição ao PS”
de seis para três meses nos recupera- Rui Rio
dos, apenas mantendo o meio ano de Presidente do PSD
separação entre as doses covid. Para
este fim de semana, foi decidido abrir PRÉMIO APONTAR AO ALVO
os centros de vacinação no regime “Uma coisa que eu
“porta aberta” para 80 e mais anos. saúdo é que o dr. Rio
Na coordenação também há sinais
de reforço, no entanto não agradam queira finalmente fazer
a todos (ver texto na página anterior). oposição ao dr. Costa”
“Já estamos na quinta onda e vai ser Paulo Rangel
muito diferente. O vírus vai transmi- Candidato à liderança do PSD
tir-se e as infeções aumentar, mas a
expressão severa será muito menor”, PRÉMIO O DESEJADO
explica Artur Paiva. Severidade essa “Não podemos estar
que será tanto menor quantos mais
forem os idosos com a terceira dose sempre à espera
covid. Para o especialista, o momento do D. Sebastião”
é decisivo. “É altamente plausível con- Henrique Gouveia e Melo
tinuarmos a ter necessidade de reforço Ex-coordenador da task force da vacinação,
adicional, como na gripe, e aflige-me sobre a hipótese de regressar ao processo
que se procure a certeza absoluta para
decidir, que às vezes pode ser tarde PRÉMIO TERRORISMO DE ESTADO
demais. Os intensivistas estão treina- “Estamos a aquecer a
dos para decidir sem certeza, e isso é Europa, eles ameaçam
fundamental em contingência.” Por
outras palavras: “Se não avançarmos fechar a fronteira. E se
para as terceiras doses com asserti- lhes cortarmos o gás?”
vidade, na sexta onda teremos maior Alexander Lukashenko
percentual de gravidade, porque terá Presidente da Bielorrússia, para a UE
passado mais tempo após a vacinação.”
Vera Lúcia Arreigoso Paula Santos
varreigoso@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt

65 ANOS A PREPARAR
GERAÇÕES QUE PENSAM
E CONSTROEM O FUTURO

JUNTE-SE À REDE DE
BOLSEIROS, ONDE SE
ENCONTRAM ANTIGOS
E ATUAIS BOLSEIROS.
8 PRIMEIRO CADERNO
OPERAÇÃO MIRÍADE
Rede Há 11 militares no centro da organização que envolvia mais de 60
pessoas e 40 empresas. O líder e o seu braço-direito estão em preventiva
A Máfia que
começou na piscina
de um hotel
de cinco estrelas
Texto Hugo Franco
e Raquel Moleiro
O
Foto Tiago Miranda
Ledger Plaza Ban-
gui é um oásis de
conforto no meio da
capital da Repúbli-
ca Centro-Africana
(RCA). Deve ser o
único sítio onde o
pó vermelho da ter-
ra, fininho, não se
cola à pele, ao cabelo, a todo o lado. Só
por isso já justifica as cinco estrelas,
mas é pela piscina que os militares
portugueses, integrados na missão das
Nações Unidas (MINUSCA) lá vão, em
situações muito excecionais e número
reduzido, para descomprimir depois
de projeções mais longas e complica-
das dentro do território. É como um
banho de água fria na tensão.
Na tarde do dia 24 de janeiro de
2018, o comando Paulo Nazaré pas-
sou lá umas horas quando integrou a
2ª Força Nacional Destacada (FND),
entre outubro de 2017 e março de
2018. Estava no convívio com os cole-
gas, quando uma mulher, mais velha,
sofisticada, o chamou do varandim do
seu quarto com vista da piscina. Pare-
cia de filme. Do que falaram, nessa e
noutras conversas, ninguém sabe.
A história é replicada por vári-
os militares que estiveram na RCA.
Os boatos de caserna rapidamente
construíram uma ligação amorosa
entre ambos, que também passaria,
no futuro, por serviços de segurança
privada em viagens pelo mundo. Mas
terá sido mais do que isso. Terá sido o
início da ligação do comando ao trá-
fico de diamantes e, mais tarde, ao
branqueamento de capitais, tráfico
de ouro e droga, fraude informática,
moeda falsa, entre uma multiplicidade
de crimes, tantos e tão diversos que
deram o nome de ‘Miríade’ à operação
da PJ montada esta semana para o de-
ter e desmantelar a rede internacional
que criou, com atividade em Portugal,
Brasil, Angola, Dubai e Bélgica.
Mal o contingente regressou a Por-
tugal, a mulher misteriosa viajou
também para Lisboa, onde ficou, pelo
menos, dois meses. Nas redes sociais
há imagens a atestar a passagem pela
capital, numa galeria dominada por
fotografias de diamantes, lapidados e
em bruto, minas escavadas na lama,
pepitas de ouro e mais viagens, de
Paris ao Sudeste asiático. E até dedi-
catórias no mural de Paulo, ao som de
‘Loucos’, de Matias Damásio.
É por esses dias que Nazaré, 22
anos, a viver em Camarate, “começa
a aparecer todo bem vestido, de fato,
Mercedes preto novo, bem na vida”,
atestam alguns militares. Pouco tem-
po depois abandona o Exército. Terá
ido estudar gemologia e lapidação
numa cidade europeia e desde então
não lhe foi conhecida nenhuma ativi-
dade profissional lícita e remunerada.
Fez uma única missão na RCA, mas,
de acordo com o despacho de indicia-
mento — a que o Expresso teve acesso
— foi suficiente para realizar “diversos
contactos com membros das Forças
Armadas e indivíduos de várias áreas
de negócio que vieram a ser úteis nos
anos seguintes em Portugal”. E, acima
de tudo, percebeu in loco a quase au-
sente vigilância a que eram sujeitos os
voos militares, quer a bagagem quer
os próprios ocupantes. E os diamantes
não apitam.
Em três anos, Paulo criou “a Máfia”,
como lhe chama numa conversa inter-
cetada pela Polícia Judiciária. Entre os
elementos, grande parte constituída
arguida pelo Ministério Público, os
investigadores identificaram pelo me-
nos 66 pessoas: cinco militares no ati-
vo e seis ex-militares, dois advogados
e outros tantos elementos da GNR,
um agente da PSP, três funcionários
bancários, um segurança e dezenas de
“mulas” titulares de contas bancárias.
Cada um tinha uma função espe-
cífica atribuída e havia grupos orga-
nizados por crimes: contrabando de
pedras e metais preciosos, branquea-
mento (transferências e pagamentos
fictícios), tráfico de droga, acessos
ilegítimos a contas e burlas informáti-
cas, contrafação e passagem de moeda
falsa, transações em bitcoins e o que
mais surgisse, como o contrabando de
mercúrio proveniente da Guiné-Bis-
sau, referido numa escuta (ver caixa).
Do sushi ao templo evangélico
No despacho de indiciação, estão
explicadas com especial detalhe as
burlas informáticas com mensagens
e e-mails fraudulentos de instituições
bancárias, como o Novo Banco ou o
Millennium bcp, através das quais
entravam em contas de particulares
e retiravam milhares de euros. Em
apenas um dia, seis clientes ficaram
sem mais de 20 mil euros.
Há também cerca de 40 empresas
referenciadas como estando envol-
vidas na rede de Paulo Nazaré. Em
Portugal, Angola e Brasil, aceitavam
a realização de contratos fictícios, de
compra e venda ou prestação de ser-
viços, e o uso das suas contas para
receber e transferir elevadas somas
de dinheiro. Há firmas de construção
civil, grossistas de alimentação, um
restaurante de sushi em Santa Iria da
Azoia, um stand de automóveis em
Loures, uma discoteca em Alcântara
(Lisboa) e até mesmo uma igreja evan-
gélica em Rio de Mouro, cujo pastor
HAVIA GRUPOS
ORGANIZADOS POR
CRIMES: CONTRABANDO
DE PEDRAS
PRECIOSAS E OURO,
BRANQUEAMENTO,
TRÁFICO DE DROGA,
BURLAS INFORMÁTICAS,
MOEDA FALSA
E BITCOINS
Expresso, 13 de novembro de 2021
ganhava 5% do dinheiro lavado nas
contas do templo.
A maioria dos militares e ex-militares,
todos comandos — a elite do Exército
—, fazia alegadamente parte do núcleo
duro da rede. Lá estava Stashko, colega
de curso e de missão de Nazaré, que se
encontrava a tirar o curso de guarda
da GNR em Portalegre; Michael, atual
agente da PSP no Comando Metropoli-
tano de Lisboa; Sidney, vigilante na área
do transporte de valores que pedia aos
funcionários bancários dicas para tran-
sações ilícitas; Silveira, atual mediador
imobiliário; e Chantre, comando da
velha guarda, com residência habitual
em Angola.
No ativo estavam três capitães, dois
majores e um sargento, o que levou
a que a megaoperação da Unidade
Nacional de Combate à Corrupção
(UNCC) da PJ e do DIAP de Lisboa,
realizada na segunda-feira, incluísse
nos cem mandados de busca, de norte
a sul do país, o próprio Regimento de
Comandos. O dia terminou com 11 de-
tenções e a semana com dois arguidos
em prisão preventiva: Pedro Nazaré,
o líder da rede, e Wilker Rodrigues, o
seu braço-direito e alegadamente um
elo de ligação essencial com o Brasil e
o Reino Unido. Ambos se recusaram
a responder às questões do juiz de
instrução, Carlos Alexandre.
Foi a primeira ação visível da investi-
gação que arrancou no início de 2020,
graças à denúncia feita por Samuel,
intérprete da MINUSCA na RCA, que
trabalhava em grande proximidade
com o contingente português. Duran-
te a 2ª FND, serviu de intermediário
ao primeiro negócio de tráfico de dia-
mantes de Paulo Nazaré — 8 pedras
—, do qual iria receber uma comissão
de 20%. Como o comando regressou a
Portugal antes de terminado o negó-
cio, a transação terá sido continuada
um ano depois pelo capitão Marçal, Rede também
CASOS RECENTES NA DEFESA
quando este chegou à RCA na 5ª FND,
e concluída a 22 de agosto de 2019
traficou mercúrio
num encontro com um comerciante da Guiné-Bissau
local, acompanhado por Nazaré à dis- Mortes nos Comandos (2016)
tância, por videochamada. Em direto Dylan da Silva e Hugo Abreu
assistiu à pesagem dos diamantes e ao Paulo Nazaré, o alegado líder da morreram devido à dureza das provas
pagamento de dez mil euros. rede de militares e ex-militares que e à falta de assistência médica.
As pedras seriam levadas para Por- traficou diamantes, ouro e droga
tugal pelo capitão Marçal num voo de proveniente da República Centro- Roubo em Tancos (2017)
sustentação das Forças Armadas, em Africana (RCA), também se O assalto aos paióis resultou
setembro, mas Samuel não recebeu a dedicava ao contrabando de no furto de material de guerra
sua parte. E entregou todo o esquema mercúrio. De acordo com o e levou à demissão do então
à Polícia Judiciária Militar (PJM). despacho de indiciação, a que o ministro, Azeredo Lopes.
Pouco depois, em fevereiro de 2020, Expresso teve acesso, a 8 de
o major Marques denunciou uma ou- fevereiro deste ano, os inspetores Derrapagem de milhões (2020/2021)
tra situação. Lê-se no despacho que da Unidade Nacional de Combate à O custo das obras no Hospital Militar
entre 3 e 12 de setembro, na transi- Corrupção da PJ presenciaram um de Belém derrapou quase quatro
ção entre a 5ª e a 6ª FND na RCA, o
capitão Santos, militar duplamente
encontro no qual Wilker Rodrigues,
braço-direito do líder da rede, lhe
vezes mais. O ministro João Gomes
Cravinho manteve o relatório da
condecorado, apresentou ao major
um funcionário local de uma ONG que
entregou dinheiro no âmbito de
uma operação de tráfico de
auditoria confidencial durante meses.
futuramente lhe iria entregar uma
“caixinha” com “uma peça de arte-
mercúrio proveniente da Guiné-
Bissau. Dias depois, o ex-comando
Reforma Cravinho (2021)
A reforma do Comando Superior
sanato local”, que ele deveria enviar
depois para Portugal num futuro voo
viajou até lá para fazer negócio.
O mercúrio é muito usado pelos
das Forças Armadas motivou duras
críticas de Ramalho Eanes, Cavaco
militar. A transmissão realizou-se no
parque de viaturas do contingente
garimpeiros ilegais para separar o
ouro do solo, uma vez que adere a
Silva e ex-chefes militares.
português, mas o major, sabendo da
denúncia anterior, arrependeu-se e
este metal precioso, acabando por
envenenar os rios e ameaçar a saúde
‘Exoneração’ na Marinha (2021)
No final de setembro, Cravinho
revelou a operação de tráfico dos oito da população. As grandes redes chamou o Chefe da Armada para
diamantes, cinco em bruto e cinco internacionais de tráfico de ouro, de o exonerar. Marcelo desautorizou
lapidados. Não se livrou, porém, do pedras preciosas, de droga e de o ministro e o caso só ficou sanado
estatuto de arguido. armas costumam também negociar após um encontro em Belém entre
hfranco@expresso.impresa.pt ilegalmente o mercúrio. H.F. e R.M. o ministro, Costa e Marcelo. H.G.
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 9

Paulo Nazaré fotografado em Bangui, na RCA,

em janeiro de 2018, na sua primeira e única missão
internacional como comando. O Expresso foi na altura
em reportagem com a 2ª Força Nacional Destacada

Belém viu “leveza institucional” no caso dos diamantes

Cravinho perde créditos
no PS e em Belém para
continuar na Defesa.
Governo surpreendido
com violência de Costa
António Costa não tem sorte
com os ministros da Defesa.
Perdeu Azeredo Lopes, em
2018, por causa do assalto a
Tancos, e apostou num ministro
que começou discreto mas está
cada vez mais desgastado com
a gestão política de polémicas
evitáveis: o primeiro-ministro
ficou profundamente irritado,
sabe o Expresso, quando perce-
beu, durante uma visita a Ber-
lim, que João Gomes Cravinho
não o tinha informado das sus-
peitas de tráfico de diamantes,
ouro e droga, comunicadas à
Judiciária Militar, ao Ministé-
rio Público e à ONU, sobre os
portugueses que tinham parti-
cipado nas missões das Nações
Unidas na República Centro-
-Africana (RCA).
No PS, avolumam-se as opi-
niões negativas sobre o mi-
nistro, que não convenceu o
partido com a garantia de que
tinha cumprido com todos os
procedimentos. O Expresso
chegou a ouvir que “nem Aze-
redo Lopes cometia um erro
tão básico”, de não avisar PM
e PR. Em Belém, dado o soma-
tório de casos numa área de
sobreposição com o coman-
dante supremo das Forças Ar-
madas — e de “uma certa leve-
za institucional que atravessa
vários domínios” do Governo
— a expectativa é que, depois
das legislativas, o protagonista
na Defesa seja uma cara mais
fresca, se o PS vencer.
No coração do Executivo, ali-
ás, alguns governantes ficaram
surpreendidos pela violência
das primeiras declarações de
Costa, deixando o ministro da
Defesa à mercê dos partidos da
oposição, com o PSD a chamá-
-lo de urgência ao Parlamento.
Rui Rio atirou a matar contra
um ministro sem cobertura: “É
particularmente grave um pri-
meiro-ministro ter um membro
do Governo que não o informa
de uma situação destas”, disse
na entrevista que deu esta se-
mana à RTP.
Apesar da cotação de Gomes
Cravinho estar em queda abrup-
ta nos bastidores, num momen-
to em que o PS parte para as
legislativas à procura de uma
maioria “reforçada, estável e
duradoura”, a palavra de ordem
é desdramatizar e esvaziar a cri-
se. O gabinete de António Cos-
ta tentou conter os danos com
uma declaração ao “Público”
e ao Expresso, depois daquele
diário ter avançado, na quinta-
-feira à tarde, que Marcelo ainda
estava à espera de explicações
por parte do primeiro-ministro.
“O PM falou com o Presidente
da República e ficou tudo escla-
recido. Ambos compreenderam
explicações do almirante chefe
do Estado-Maior das Forças
Armadas e do ministro da De-
fesa”, fez saber uma fonte ofi-
cial de São Bento na sequência
da notícia. É que, ao contrário
do que costuma acontecer to-
das as quintas-feiras, Marcelo
e Costa não tiveram a reunião
habitual em Belém, por alega-
dos problemas de agenda, mas
falaram ao telefone.
Marcelo não dramatizará
Marcelo Rebelo de Sousa, que há
mês e meio já tinha desautoriza-
do o ministro em termos violen-
tos — quando travou a tentativa
de exoneração do chefe do Es-
tado-Maior da Armada (CEMA)
por também não ter sido infor-
mado — “não vai dramatizar” o
caso, explicou ao Expresso fonte
de Belém. A polémica sobre a
substituição do CEMA, que se
enquadra na mesma definição
de “leveza institucional”, aca-
bou com os “equívocos” escla-
recidos após uma reunião tri-
partida em Belém entre o PR, o
PM e o ministro. O Presidente
quer agora ser “o mais discreto
possível”, por entender que as
forças nacionais destacadas são
uma matéria sensível, com im-
plicações internacionais para o
Estado português. Mas não foi
por isso que deixou de colocar o
ministro na linha de fogo: fê-lo
logo no início da semana, quan-
do divulgou que Cravinho lhe ti-
nha telefonado a justificar a não
prestação de informação com
base num parecer jurídico, que
supostamente invoca o segredo
de justiça. Esta sexta-feira, aos
jornalistas, Marcelo cumpriu
e deitou água na fervura: disse
que “o que está em investigação
judicial e em segredo de justi-
ça” não tem de ser “objeto de
apreciação por parte dos órgãos
políticos”. E, com o fantasma de
Tancos ainda a pairar, elogiou o
início da investigação “à primei-
ra suspeita”.
Em Belém, no entanto, de-
fende-se que teria sido desejá-
vel uma referência às suspeitas
numa das reuniões do Conselho
Superior de Defesa Nacional,
que aprova e analisa as missões
internacionais das Forças Arma-
das portuguesas. Mas o Presi-
dente também admite que tanto
o ministro como o almirante
Silva Ribeiro — chefe do Estado-
-Maior-General das Forças Ar-
madas (CEMGFA) — podem ter
pensado que o caso tinha uma di-
mensão menor do que veio agora
a saber-se. De resto, foram nesse
sentido as declarações públicas
do próprio CEMGFA quinta-fei-
ra. Quanto ao parecer jurídico,
o Ministério não respondeu a
nenhuma das perguntas do Ex-
presso. Permanecem dúvidas
sobre: quem o fez, o que diz, que
informação tinha para o susten-
tar e se era externo ou uma mera
“informação” ou “opinião jurí-
dica dos serviços”. O Expresso
conseguiu confirmar que essa
peça jurídica não foi elaborada
pelo auditor jurídico do Minis-
tério da Defesa, Celso Manata,
magistrado do MP.
Para a semana, Costa e Cra-
vinho têm um ponto de agenda
comum, a inauguração da Aca-
demia Aeronáutica das OGMA e
o anúncio de um contrato milio-
nário (ao longo de 15 anos) para
a manutenção de motores de
aeronaves. Cravinho ainda tem
asas para passar da Defesa para
os Negócios Estrangeiros como
fizeram os antecessores?
Vítor Matos, com Hélder
Gomes e Liliana Valente
vmatos@expresso.impresa.pt
10 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA ENTREVISTA
Paulo Rangel
Candidato à liderança do PSD
“A nossa
economia
não pode
assentar
em baixos
salários”
Textos David Dinis e Rita Dinis
Fotos Tiago Miranda
Diz que “António Costa está esgota-
do” e promete protagonistas novos.
Mas é de propostas que aqui fala: um
aumento “significativo” do salário mí-
nimo, uma descida de impostos — so-
bretudo do IRC —, acolhe o IRS Jovem
proposto por Costa e admite todos os
cenários na TAP, até abrir uma nova
companhia. Eis o país que Paulo Ran-
gel propõe.
P Rui Rio acusa-o de não estar pre-
parado para ser primeiro-ministro.
Não contava que houvesse eleições
tão cedo, acha que tem tempo para se
preparar?
R Tenho 53 anos, não tenho 16. Há
uma experiência e um trajeto que fa-
lam por mim. O que acho é que não se
pode fazer em 15 dias o que não se fez
em quatro anos, e é isso que Rui Rio
está a tentar fazer. Mostrar que se tem
uma oposição credível, com alternati-
vas e capaz de fazer oposição ao PS não
pode ser um exercício de 15 dias.
P Há dois anos dizia numa entrevista
que havia muitas condições para Rui
Rio ser o próximo primeiro-ministro.
“Se vai demorar dois anos, dois anos e
meio ou mesmo quatro, é algo que te-
mos de aguardar.” Acha que ele deixou
de ter essas condições?
R Penso que sim. Houve demasiada
cooperação, colaboração e tolerância
com o PS. Isso também ficou visível
na última entrevista de Rui Rio em
que diz que continuará disponível para
ser a muleta do PS se for necessário. A
alternativa a António Costa não pode
ser o próprio António Costa, como ele
quer: Costa e a ‘geringonça’, Costa e o
PSD. Não pode ser. António Costa está
esgotado, a sua experiência terminou.
O que o país precisa neste momento é
de um novo impulso, uma transição ge-
racional. É a isso que me proponho. A
trazer uma nova equipa, novos rostos.
P Já tem essa equipa? Quem são esses
rostos?
R Com certeza que já tenho essa equi-
pa. Há imensa gente a trabalhar na
moção de estratégia e no programa
eleitoral. Não podemos ter como pro-
tagonistas da política do PSD pessoas
que foram ministros de Cavaco Silva
entre 1985 e 1995, que são pessoas que
estão hoje à frente do PSD em algumas
áreas sectoriais. Não estamos nem em
1985, nem em 95, nem em 2005, nem
sequer em 2015. Os problemas com os
quais nos deparamos hoje são os pro-
blemas do ambiente, das alterações cli-
máticas, com uma urgência que nunca
se puseram. Com a transição ecológica
e digital eu apresento-me como o can-
didato da transição geracional.
P Na última entrevista que Rui Rio
deu à RTP esta semana disse que não
seria fácil vencer o PS de António Cos-
ta porque ele ainda não está a zeros.
Também acha que é difícil? Olhando
para as sondagens, o PSD tem muito
terreno para recuperar...
R Já vimos com Carlos Moedas o que
diziam as sondagens que pareciam
categóricas. Sinceramente, acho que
António Costa está esgotado. A sua
fórmula para o PS, um PS virado para
a esquerda; a sua própria energia; a
sua capacidade para executar — está
esgotado. Vai ser este Governo a exe-
cutar o Portugal 2030? Vai ser este
Governo esgotado a executar? Como é
que pode haver alguém que nos diz que
a solução para os problemas do país
passa por uma solução de esquerda
e agora vem dizer que está disponível
para fazer tudo desde que sobreviva e
fique no governo? Acho que António
Costa já desistiu e só vai a jogo para
salvar a honra do convento. Por isso
há aqui uma oportunidade.
P E é recuperável em tão pouco tempo
este espaço que ainda separa PSD de
PS?
R Acho que é perfeitamente recupe-
rável. É preciso é trazer esperança,
ambição, aspiração. É preciso dizer
aos portugueses algo que o Governo de
António Costa não foi capaz de dizer,
e que o PSD também não tem passado
essa mensagem: para combatermos
o nosso atraso, a pobreza, é preciso
criar riqueza.
P António Costa prometeu aplicar
em janeiro os aumentos salariais na
função pública que estavam previstos
no OE chumbado. O Governo tem con-
dições para o fazer?
R Já vi este filme uma vez: José Só-
crates também fez aumentos de 3%
à função pública em janeiro de 2009,
eu era líder parlamentar. Acho que aí
há muito eleitoralismo. O Governo
pode estar em plenitude de funções,
mas deve comportar-se com o recato
próprio de um Governo que está em
transição. Por exemplo, o acordo de
parceria para os próximos fundos não
pode ser agora assinado por este Go-
verno, já que nos atrasamos no acordo
de parceria 2021-2027 e nos fundos
estruturais. São cerca de €24 mil mi-
lhões. Se não formos capazes de fazer
isto será um fracasso.
P Se chegasse a São Bento iria procu-
rar renegociar o PRR?
R O programa tem prazos muito aper-
COM A DÍVIDA QUE
TEMOS, NÃO PODE
HAVER UM CHOQUE
FISCAL COMO SERIA
TALVEZ NECESSÁRIO
NÃO HÁ DÚVIDA
QUE HAVERÁ SEMPRE
LUGAR PARA UMA
COMPANHIA AÉREA
PORTUGUESA,
SE É ESTA OU UMA
NOVA NÃO SEI
tados de cumprimento nomeadamen-
te ao nível da execução, por isso haverá
dificuldade em fazer ajustamentos. Eu
privilegiaria duas coisas: primeiro, a
modernização da máquina da justiça
para a tornar célere, depois, tudo o
que pudesse aliviar custos de contexto.
E poria toda a atenção no acordo de
parceria, isto é, nos fundos estruturais
que vão até 2027 e que podem ser exe-
cutados até 2030, e aí sim daria para
corrigir os aspetos mais críticos que o
PRR tem.
P O salário mínimo deve subir? Faz-
-lhe sentido o que está previsto por
António Costa de subida até €850 em
2025?
R Eu sou favorável a uma subida sen-
sível do salário mínimo.
P Sensível é quanto?
R Uma subida significativa. Não por
uma razão puramente social. O mode-
lo de crescimento e desenvolvimento
das empresas portuguesas não pode
assentar nos salários baixos. Já experi-
mentámos isso e fomos ultrapassados
por cinco países que tinham economi-
as muito abaixo das nossas há 15 anos e
agora deram saltos enormes. Isso pode
implicar, aqui ou ali, acertos em alguns
sectores onde isto pode ser mais pro-
blemático. Claro que não pode ser uma
subida abrupta, sob pena de se criarem
ruturas na economia. Sabemos que
o nosso grande problema não será o
salário mínimo, será depois a proxi-
midade cada vez maior entre salário
médio e salário mínimo,
P Como é que se aumenta o salário
médio?
R Só se aumenta o salário com aumen-
to da produtividade, e só se aumenta
a produtividade com a mudança das
condições da economia. E isso signifi-
ca, em primeiro lugar, um alívio fiscal.
P Reduzir impostos?
R Significa reduzir impostos. Mas cla-
ro que sabemos que, com a dívida que
temos, não pode haver um choque fis-
cal como seria talvez necessário para
dar um grande impulso à economia.
Mas pode ser uma política sustentada
Expresso, 13 de novembro de 2021
de redução fiscal. Vou dar o exemplo
do IRC: foi António Costa quem, ain-
da na oposição, acabou com o acordo
que existia para baixar o IRC até aos
17%. E hoje até temos uma ajuda, há
um acordo internacional para que o
IRC fique em termos globais num pa-
tamar mínimo de 15%. Podemos ser
bastante competitivos para atrairmos
investimento.
P Também é possível reduzir o IRS?
R Mesmo no IRS temos de mexer
alguma coisa, embora seja menos
possível. Neste ensaio que vimos no
Orçamento havia a promessa de cri-
ar dois novos escalões, mas isso não
significava um grande ganho, era
simbólico. Havia, no entanto, uma
medida que pode ser explorada e que
tem muito interesse para a tal transi-
ção geracional, que é o IRS Jovem. O
grande problema hoje é que os jovens
menos qualificados emigram porque
os salários são muito baixos, e os que
são altamente diferenciados e até co-
meçam a ter vencimentos interessan-
tes pagam tantos impostos que não
lhes compensa estar aqui.
P Portanto, uma medida que seja im-
portante para si mas que venha do
Governo de António Costa não será
excluída.
R Sim, falo do IRS Jovem e do salário
mínimo, por exemplo. Mas há aqui
um problema importante que nos di-
ferencia: António Costa rebentou com
a concertação social. Mesmo numa
matéria estrutural como os fundos de
coesão, os parceiros sociais rejeitaram
sentar-se à mesa com o Governo, por-
que já perceberam que é aí que vai ser
definida a política e é aí que pode ser
corrigida a ‘bazuca’.
P E em relação à TAP: o que faria se
Bruxelas recusasse a reestruturação
que está em cima da mesa?
R A TAP é seguramente um dos dossi-
ês mais difíceis que qualquer novo go-
verno irá herdar, por causa de um erro
colossal deste Governo, que decidiu
nacionalizar a companhia aérea. Neste
momento já temos mais de €3 mil mi-
lhões que pusemos ao serviço da TAP.
Expresso, 13 de novembro de 2021
É mais do que tudo o que gastamos no
apoio a todas as empresas portuguesas
durante a pandemia. Vamos ver o que
diz Bruxelas, eu estou bastante cético,
mas não há dúvida que os contribuin-
tes portugueses estão a pagar um pre-
ço brutal para uma solução que vai ser
sempre má. Já não há boas soluções
neste momento.
P Isso quer dizer que admitiria deixar
cair a TAP?
R Só perante os dados de Bruxelas
é que poderemos responder a essa
pergunta. Não há dúvida que haverá
sempre lugar para uma companhia aé-
rea portuguesa, se é esta ou uma nova
não sei. É um assunto muito sensível
e não devemos ter sobre ele nenhum
preconceito a priori. Mas vai ser uma
das bombas ao retardador que o novo
governo terá em mãos e terá de evitar
que expluda.
ddinis@expresso.impresa.pt
CONFERÊNCIA
Grrande Auditório
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ntrada livre
C
Conversa sobre o Futuro
da Igualdade
d
Coprodução:
“As reformas de Rui Rio
não mudam a vida dos portugueses”
Paulo Rangel rejeita outro cenário
que não o da maioria de direita, sem o
Chega e com o PAN, mas admite que,
se não o conseguir, o PS terá “respon-
sabilidade” de viabilizar o Governo.
O contrário não verbaliza. Risco de
ingovernabilidade só se combate com
apelo ao voto útil. Mas primeiro é pre-
ciso ganhar a Rio, que acusa de estar
na política há mais de 40 anos e não
apresentar um modelo de governação
que melhore a vida dos portugueses.
P Tem apontado à maioria absoluta.
Se for eleito líder do PSD e se não
conseguir formar Governo, sai da
liderança do PSD?
R Não vou pôr esse cenário. O meu
objetivo é que o PSD tenha maioria
absoluta e vou dizer isso com toda a
clareza. Os portugueses querem es-
tabilidade, para que as reformas que
trazem riqueza e crescimento se pos-
sam fazer. O Governo da ‘geringonça’
vivia apenas para garantir mais um
dia. Os portugueses não estão muito
disponíveis para governos a dois anos.
P Apontar à maioria absoluta é ape-
nas discurso de campanha...
R Não é argumento, é uma questão
de convicção. O voto no PS hoje é um
voto inútil, porque não pode fazer
coligações à esquerda e não vai haver
Bloco Central. Com o PS não vai ha-
ver estabilidade. O único partido que
está em condições de oferecer uma
solução de estabilidade e que tem um
projeto de crescimento e de criação
de riqueza para combater a pobreza
é o PSD. Não vou sair deste discurso.
P Se for líder do PSD, está obrigado
a ganhar?
R Não estou a dizer isso. Estou a di-
zer que temos de ganhar as eleições
e que podemos ganhar com maioria
absoluta.
P E se não conseguir essa maioria à
direita, o PS deve viabilizar um Go-
verno minoritário do PSD?
R Não é a primeira vez que há um
Governo minoritário reformista, o
primeiro Governo de Cavaco Silva foi
talvez dos mais reformistas e foi mino-
ritário. O Governo do engenheiro Gu-
terres conseguiu a entrada no euro...
P Mas aí houve uma ajuda de Mar-
celo Rebelo de Sousa, que era líder
do PSD e que viabilizou Orçamentos.
Faria o mesmo?
R O que estou a dizer é que, se for-
mos maioritários, estamos dispostos
a governar sozinhos; se fizermos mai-
oria com parceiros como o CDS ou
o IL (ou o PAN), podemos fazer um
acordo de coligação ou de incidência
parlamentar; e se tivermos de gover-
nar com um Governo minoritário
também o faremos.
P Mas aí é preciso que o PS, ou o Che-
ga, viabilize o Governo e Orçamentos.
R Se não viabilizar, terá de assumir
as suas responsabilidades.
P A mesma coisa para o Chega?
R Sim, mas no caso do Chega não há
acordo nem negociação possível, isso
é uma linha vermelha.
P No caso do PS há. E se ficar depen-
dente disso? E se ganhar o PS, o PSD
também deve deixar passar um Go-
verno minoritário do PS?
R Não vou entrar nesses cenários.
Não vou analisar, não sou analista,
sou líder político.
P Não acha que os portugueses de-
vem estar informados das várias pos-
sibilidades?
R Acho que os portugueses querem
muita clareza quanto à questão da
estabilidade, e é isso que lhes vou
oferecer. Não vou contribuir para
confundir os votos do PSD com os do
PS. Não vamos corroborar, amparar
ou pôr a mão por baixo nas políticas
do PS, elas já foram testadas durante
seis anos e falharam.
P Então vai preferir o impasse ou
provocar novas eleições?
R Da minha parte, a única coisa que
vão ouvir é confiança numa maioria
do PSD.
P Mas existe o risco de estas eleições
não serem clarificadoras. O caminho
é a ingovernabilidade?
R O risco existe, mas eu quero elimi-
nar esse risco. E para isso tenho de
dizer aos portugueses que, se que-
remos condições para mudar o país,
então temos de ter uma solução está-
15 nov
ov
v 2021 19:0
19:00
PRIMEIRO CADERNO 11
vel e reformista, que é o PSD. Esta é
a mensagem.
P Acha que o regime está em causa,
como diz Rui Rio? É preciso reformar
a Justiça, mudar a Constituição, o
sistema político?
R Essas reformas não são urgentes.
Não estou a dizer que não se possa
ter de fazer uma revisão constitucio-
nal para ajustar um ponto ou outro,
mas não é prioritário. Em Portugal
não há um problema de independên-
cia judicial, não há uma suspeição
generalizada sobre a Justiça. Esses
são problemas de regime, mas não
são esses que vão mudar a vida dos
portugueses. Não há um português
que vá viver melhor ou pior por causa
disso. Os regimes avaliam-se pelos
resultados. Um regime pode estar
em causa se falhar sistematicamente
em proporcionar às pessoas uma vida
melhor. Veja-se o caso do SNS. Foi a
grande prioridade da ‘geringonça’
nos últimos anos e está a colapsar
todos os dias.
P Esteve ao lado de Rui Rio desde
2001, quando ele se candidatou à Câ-
mara Municipal do Porto. Quando é
que o desiludiu?
R Não tenho com Rui Rio nenhuma
relação de hostilidade, antes pelo
contrário, tenho respeito e admira-
ção. Ele teve quatro anos para mos-
trar como exercia a sua liderança no
PSD, mas houve falhas. Em primeiro
lugar, na unidade do partido. Depois,
na questão da oposição.
P Em nome dessa unidade, admite
vir a contar com Rui Rio se ganhar
as diretas?
R Ganhando as eleições, haverá pon-
tes a fazer. Venho em nome da união
e não da tensão entre as várias sensi-
bilidades do partido.
P Se for eleito no dia 27 vai trabalhar
em conjunto com a anterior direção
para fazer as listas de candidatos a
deputados?
R As listas devem ser feitas pelo can-
didato a primeiro-ministro, é ele que
deve conduzir esse processo e deve
escolher os melhores candidatos se-
gundo vários critérios: competência,
equilíbrio regional e territorial, equi-
líbrio de género e também as diferen-
tes sensibilidades do partido. É isso
que vejo em toda a Europa.
P E vê essas qualidades em nomes
que estão neste momento a apoiar
Rui Rio?
R Com certeza que vejo. Se vejo qua-
lidades em membros de outros parti-
dos, o que faria se não visse dentro do
meu partido.
ts
rijs
ina
12 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de novembro de 2021

SONDAGEM EXPRESSO-SIC

PCP caiu, Chega subiu TRÊS PERGUNTAS A

com chumbo do Orçamento Pedro Magalhães

Coordenador das sondagens ICS/ISCTE

Inquérito mostra impacto imediato da crise. PS ganha e PSD desce — mas com efeitos
menos certos do que no PCP e Chega. Avaliação de Costa no ponto mais baixo
Textos David Dinis
Infografias Sofia Miguel Rosa
A rejeição do Orçamento para 2022
provocou uma mudança clara nas in-
tenções de voto em dois partidos, fa-
zendo descer a CDU em três pontos e
originando uma subida do Chega em
quatro pontos. Mais ainda: há indica-
ções de um potencial efeito positivo so-
bre as intenções de voto no PS e de um
negativo sobre o PSD. Segundo mostra
a sondagem Expresso-SIC, esse efeito
poderia atingir os seis pontos a mais
no caso do PS, e quatro a menos no do
PSD, só que nestes casos as variações
“não são suficientemente robustas”
ou estatisticamente significativas para
dar esse efeito como certo.
Pela primeira vez uma sondagem
procurou medir o impacto imediato
(ainda que possa ser conjuntural) de
uma crise política, precisamente en-
quanto esta decorria. O inquérito feito
pelo ISCTE/ICS propôs-se a isso mes-
mo: sabendo-se que o PCP anunciou
o (decisivo) voto contra no Orçamen-
to para 2022 no dia 25 de outubro, a
equipa fez 315 entrevistas presenciais
(voto em urna) de 21 a 25 de outubro;
e depois 485 entrevistas nos dias 26
de outubro a 1 de novembro. As va-
riáveis das duas subamostras foram
controladas em termos de sexo, idade,
instrução, rendimento, dimensão da
localidade e região de residência dos
inquiridos, de forma a que o antes e o
depois fosse comparável.
O exercício, ainda assim, merece
cautelas, dado o momento particular
em que se realizou. Ou seja, os resul-
tados da sondagem são uma fotografia
do ponto de partida para as legislativas
e não pretende antecipar o resultado
final das legislativas, que terá ainda
muitas variáveis e incertezas pelo
caminho. O PSD, por exemplo, vai
tudantes e pessoas que fazem trabalho
Como variou a intenção de voto doméstico não remunerado. “Pelo con-
Recolha entre 21 de outubro e 1 de novembro. Comparação entre as intenções de voto recolhidas
trário”, anotam os autores do estudo,
antes e depois de 25 de outubro, dia em que o PCP votou contra o OE. Variação em pontos percentuais
“essa vantagem é mais reduzida entre
os homens, os inquiridos com idades
-10 -5 0 5 10 15 PONTOS entre os 25 e os 44 anos, os que sentem
muitas dificuldades para viver com
PS
o seu rendimento, desempregados e
trabalhadores por conta própria”.
CHEGA
Governo já é avaliado
negativamente
CDS
Se os resultados desta fotografia de
partida parecem, à primeira vista,
IL
bons para o PS, nem todos os indica-
dores permitem a António Costa respi-
rar fundo. Por exemplo, a avaliação da
BE
atuação do Governo piorou em relação
à sondagem de abril, situando-se pela
primeira vez em território negativo —
PAN
com uma queda de 11 pontos nas avali-
ações positivas (para 42%), a par com
a subida das avaliações negativas de
CDU 10 pontos, situando-se agora em 48%.
PSD Esta sondagem
é o ponto de partida
para as legislativas.
OUTROS
Até 30 de janeiro
muito pode mudar
BRANCOS E NULOS
Mais: a avaliação do próprio primei-
NÃO VOTARIA ro-ministro está agora no seu ponto
mais baixo: cai de 6,2 para 5,4, numa
escala de zero a 10. É a maior descida
INDECISOS do painel, embora todos sejam pena-
lizados na avaliação dos inquiridos:
Catarina Martins perde 0,3 (ficando
nos 4 pontos, o valor mais baixo de
momento, é generalizada a vantagem sempre); Jerónimo de Sousa cai 0,1
do PS sobre o PSD em diferentes gru- (para 3,7). Inês Sousa Real, do PAN,
pos sociodemográficos. Olhando para tem apenas 3,2, mas é penalizada por
segmentos de idade, sexo, rendimen- LÍDERES ter o mais baixo nível de reconheci-
to, instrução e situação profissional, mento dos vários líderes políticos.
P Tendo em conta a polémica sobre
as sondagens das autárquicas e o
momento particular em que esta foi
feita, que grau de confiança pode-
mos ter neste inquérito?
R As sondagens eleitorais usam uma
parte pequena da população para fazer
inferências sobre um todo de milhões
de pessoas e têm de ser conduzidas em
muito menos tempo do que os inquéritos
de opinião de natureza académica, que
por vezes passam meses a garantir que
são inquiridas as pessoas que constituem
a melhor amostra possível da população.
Estas limitações são intrínsecas à natu-
reza deste tipo de trabalho. Dito isto,
dentro dessas limitações incontornáveis,
uma sondagem conduzida ao longo de 12
dias, diretamente junto dos inquiridos
na sua residência e usando simulação
de voto em urna tem todas as condições
para fornecer um bom retrato das atitu-
des e intenções de voto no momento em
que foi feita. Desde que não seja vista,
claro, como uma previsão dos resultados
de uma eleição que vai ocorrer daqui a
quase três meses.
P O trabalho de campo foi, neste
caso, realizado num período tão in-
certo (antes de se saber do chumbo
do OE e depois disso). O que é que os
resultados nos podem indicar?
R Essa circunstância deu-nos a opor-
tunidade de avaliar se a rejeição do OE
produziu efeitos de curtíssimo prazo,
comparando os inquiridos que foram
entrevistados imediatamente antes e de-
pois do anúncio de que a CDU iria votar
contra. Essa análise permitiu determi-
nar, com bastante segurança, que dois
partidos foram afetados nas intenções
de voto que recolheram: a CDU, nega-
tivamente, e o Chega, positivamente.
Mas reforço que falamos aqui apenas de
efeitos a muito curto prazo.
P Faltando três meses para as elei-
ções, sendo esta uma antecipação
inesperada, a que variáveis devemos
estar atentos?
R No final de agosto de 2019, a pouco

ainda escolher o seu líder, entre Rui
Rio (que é avaliado neste inquérito) e
Paulo Rangel; o CDS fracionou-se com
a decisão de não fazer congresso (um
efeito que ainda não é medido aqui), e
a longa campanha até às legislativas
de 30 de janeiro ainda nem começou.
Ainda assim, a fotografia da linha
de partida é relevante: o PS vai com
40%, o PSD com 26% (desde abril de
2021, a distância para os socialistas
a vantagem do PS está acima dos 7
pontos percentuais em quase todos.
As exceções estão nos inquiridos que
assumem ter rendimento “confortá-
vel” e trabalhadores domésticos — os
sociais-democratas têm ampla vanta-
gem —, assim como na faixa etária dos
25 aos 44 anos, onde há um empate.
“Olhando para a vantagem do PS so-
bre o PSD”, conclui o relatório, “essa
vantagem é tanto maior quanto menor
5,4
é a avaliação média de António
Costa, numa escala de 0 a 10. É uma
descida de 0,8 pontos, a maior de
todos os líderes políticos no ativo
Já à direita, Rui Rio — em plena dis-
puta interna — desce de 4,9 para 4,3,
ainda assim um valor superior ao que
tinha em setembro de 2019, antes das
legislativas. Rio é, aliás, o único com
nota positiva entre os eleitores à di-
reita, com 5,5 valores. O que compara
com 6,3 de António Costa entre os
eleitores à esquerda. O líder socialis-
ta, curiosamente, é avaliado menos
negativamente por estes eleitores de
mais de um mês da eleição, as sondagens
apontavam, em média, para 42% de in-
tenções de voto no PS e 22% no PSD. Em
geral, as intenções de voto nas sondagens
feitas um mês depois, a uma semana da
eleição de 6 de outubro de 2019 — nome-
adamente os das sondagens ICS/ISCTE
— acabaram por ficar bastante próximas
dos resultados finais. Contudo, em vez
dos 20 pontos de vantagem para o PS
captados no final de agosto, a margem

ampliou-se de 8 para 14 pontos per-
centuais). Isto enquanto o Chega sobe
para o terceiro lugar com 10%, o PCP
perde um ponto para 6, o BE fica com
5 (eram 9 em abril). Já o CDS, está com
1%, abaixo do PAN e do IL (2%).
PS à frente em quase tudo
A sondagem ISCTE/ICS, com trabalho
de campo da GfK, mostra como, neste
é a instrução dos inquiridos” e quanto
“maiores as dificuldades sentidas em
viver com o rendimento auferido pelo
agregado familiar”.
Já olhando para a vantagem do PSD
sobre o Chega, verifica-se que essa
vantagem é especialmente maior entre
os inquiridos que dizem viver de forma
“confortável”, assim como entre as
mulheres, entre os inquiridos com 65
anos ou mais e entre aposentados, es-
4,3
é a avaliação média de Rui Rio,
em tempo de recandidatura, uma
quebra de 0,6. Rio é ainda o único
líder com imagem positiva entre
eleitores de direita
direita do que algumas figuras desse
quadrante político: André Ventura
(3,9), Francisco Rodrigues dos Santos
(3,8) e João Cotrim Figueiredo (3,7).
Intocável na liderança continua
Marcelo Rebelo de Sousa: não só é
a figura política cuja atuação é mais
bem avaliada pelos inquiridos (7,1),
como obtém a mesma classificação em
ambos os quadrantes políticos.
ddinis@expresso.impresa.pt
final foi pouco mais de oito pontos. Não
estou com isto a fazer qualquer previsão,
mas apenas a dar uma ideia da incerteza
enorme que devemos sentir em relação à
forma como as intenções de voto possam
mudar até ao dia 30 de janeiro, ainda por
cima num contexto mais politicamente
instável do que o de 2019. O que os resul-
tados desta sondagem indicam é apenas
o ponto de partida do que será uma longa
campanha, não o ponto de chegada.

INTENÇÃO DE VOTO

Como votaria se as eleições legislativas fossem hoje?

Projeção dos resultados excluindo abstencionistas (17%) e após imputação de indecisos e recusas (14%). Entre parêntesis, resultados do total da amostra (com recusas, indecisos e abstenção). A variação, em pontos percentuais, é relativa ao resultado da votação
na última sondagem, publicada em abril
OUTROS BRANCOS/
PS PSD CHEGA CDU BE PAN I. LIBERAL CDS PARTIDOS NULOS

40% 26% 10% 6% 5% 2% 2% 1% 2% 6%

(28%) (19%) (7%) (4%) (3%) (1%) (1%) (1%) (2%) (4%)

VAR.: +3 PONTOS VAR.: -3 PONTOS VAR.: +4 PONTOS VAR.: -1 PONTO VAR.: -4 PONTOS SEM VARIAÇÃO VAR.: +1 PONTO SEM VARIAÇÃO VAR.: -1 PONTO VAR.: +1 PONTO

FICHA TÉCNICA
Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 21 de outubro e 1 de novembro de 2021. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL),
tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram
selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis Sexo, Idade (4 grupos), Instrução (3 grupos), Região (5 Regiões NUTII) e Habitat/Dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de Região
e Habitat, foram selecionados aleatoriamente pontos de amostragem onde se iniciaram caminhos aleatórios para a seleção de domicílios onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de
entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram selecionados 82 pontos de amostragem, realizadas 2997 tentativas de contacto, das quais se apurou que 194
correspondiam a situações não elegíveis. Foram obtidas 800 entrevistas válidas (taxa de resposta de 29%, taxa de cooperação de 40%). O trabalho de campo foi realizado por 34 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo.
Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses residentes no Continente com 18 ou mais anos, a partir dos
dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 9). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 800 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. Todas as percentagens são arredondadas à unidade.
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 13

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14 PRIMEIRO CADERNO
PS
PS entrou em gestão de
danos a negar solução
governativa com PSD. Rio
admitiu viabilizar Governo
PS ou pedir ao PS que
viabilize um Governo seu
FOTO TIAGO MIRANDA
PS espera que PR não dificulte soluções
Cenário 1 é uma maioria, mas Costa admite acordos pontuais. A mera hipótese deixou o PS em estado de nervos
Liliana Valente
Para António Costa, os cenários
para o pós-eleições que garan-
tam estabilidade são poucos e
não dependem apenas de si. Por
isso, nesta altura do campeona-
to optou por manter todos em
aberto. Com os sinais de que o
Presidente da República pode-
rá querer impor condições de
acordo escrito para a formação
de um futuro Governo, os so-
cialistas esperam que Marcelo
Rebelo de Sousa não “se consti-
tua como um fator de instabili-
dade”, diz um alto dirigente do
PS ao Expresso. Em antecipação
aos obstáculos, Costa abriu o
leque de possibilidades: mesmo
que seja o seu cenário de fim
de linha, que não garante uma
estabilidade longeva, afastou a
ideia que se demite se precisar
de falar com o PSD para garantir
a subsistência de um novo Go-
verno. Mas a abertura, em caso
extremo, ao diálogo com o PSD
causou agitação nos socialistas e
obrigou a um recuo estratégico:
a ordem agora é para recentrar
o debate na bipolarização.
O cenário com que os socialis-
tas vão para a campanha eleito-
ral é o de maioria “reforçada”,
significando isto uma maioria
absoluta, que não verbalizam,
ou uma maioria maior do que a
atual, que sirva de pressão ou dê
um sinal aos antigos parceiros.
Tudo começa com a bipolari-
zação em campanha eleitoral:
“Existem duas opções de gover-
nação: um Governo protagoni-
zado pelo PS ou um Governo
protagonizado pelo PSD”, diz ao
Expresso Duarte Cordeiro, que
estará nos comandos da cam-
panha de Costa. Em seguida, a
ideia é explicar que “não há risco
numa maioria do PS”, porque
“o Presidente da República é de
direita e continuaremos a falar
com todos os partidos”.
Este é o cenário em que tudo
correria de modo perfeito para
o PS. O problema coloca-se
caso não haja maioria absolu-
ta, e aí, garante Cordeiro, “não
há nenhuma alteração estraté-
gica” na política de acordos
dos socialistas. “Se não existir,
esperamos sair reforçados das
eleições para desbloquear o
diálogo à esquerda e aumen-
tar a hipótese de governabili-
dade de um Governo do PS”,
remetendo o “diálogo com o
PSD” para matérias em que
ambos os partidos têm visões
semelhantes, como aconteceu
no pacote da descentralização
ou do combate à corrupção.
Coisa diferente é procurar nos
sociais-democratas uma muleta
de apoio para um Governo ou,
mais ainda, fazer uma solução
governativa com o PSD. Depois
da entrevista do primeiro-minis-
tro à RTP e de várias interpreta-
ções terem sido feitas de abertu-
ra de porta ao PSD, os dirigentes
do PS entraram em modo de
contenção de danos. Ana Cata-
rina Mendes, líder parlamentar
Costa não se demitirá
se depender do PSD
para governar, e esse é
o cenário extremo em
que admite falar com
os sociais-democratas
do PS, afastou a hipótese de um
“bloco central” no programa
“Circulatura do Quadrado”, e,
quando questionada sobre se, a
dada altura, pode haver a neces-
sidade de entendimentos com
o PSD, respondeu: “Percebeu
mal. [...] O PS não se deve desviar
de uma política à esquerda e do
centro-esquerda.”
A mensagem em campanha
passará, assim, pela tentativa
de não perder os votos que acre-
dita ter conquistado à esquerda
e falar para as classes médias, o
centro. E uma das mensagens
para este eleitorado é a de esta-
bilidade. Costa repetiu que “o
PS é o referencial de estabilida-
de” na entrevista da RTP, e um
alto quadro do PS acrescenta:
“O PS está no meio, quer fa-
zer acordos à esquerda, mas
quer deixar a garantia de que
o país não fica sem Governo.”
Ou seja, mesmo minoritário e
com acordos pontuais, basta o
Presidente o permitir.
Marcelo tem chave na mão
Tendo em conta o posiciona-
mento dos diferentes partidos,
os socialistas esperam que a de-
cisão do Presidente da Repúbli-
ca no pós-eleições não venha a
constituir um problema. “Tenho
muitas dúvidas de que o Pre-
sidente, que fala sempre antes
de tempo, mantenha ideias de
acordo escrito, como transpa-
receu. Não pode ser um fator
de instabilidade”, diz um alto
dirigente socialista referindo-se
à possibilidade de Marcelo exigir
um acordo para pelo menos dois
Orçamentos, como noticiado
pelo Expresso, ou de não dar
posse a um Governo minoritá-
rio. Ou seja, pedem-lhe à parti-
da que não faça exigências que
possam dificultar a formação de
Governo. Esta sexta-feira, Mar-
celo já deu um sinal: disse que
não irá exigir acordos escritos.
Por outro lado, uma exigên-
cia dessa natureza poderia ser
mais uma arma discursiva em
campanha para o PS: com es-
ses obstáculos a um Governo
“estável e duradouro”, o único
caminho para o país seria ter
uma maioria absoluta. Os ou-
tros cenários podem ficar mais
difíceis se tiver de haver acordo
escrito. Ou o PS convence o BE
e/ou PCP (e se com o primeiro
está muito longe na relação,
o segundo diz que não quer
assinar papéis); ou só precisa
do PAN; ou, em última análi-
se, poderá precisar que o PSD
lhe aprove Orçamentos (como
Marcelo fez a Guterres).
E é aqui que entra o que foi
dito por Costa na entrevista à
RTP. O PS quer forçar a bipola-
rização nas eleições, mas no fim
da linha, se “estiver bloqueado”
quer por não chegar a acordo
com os antigos parceiros quer
por causa das exigências do Pre-
sidente, Costa fez questão de
deixar claro que desta vez não
diz que se demitirá se depender
do PSD. Quando questionado se
voltaria a dizer, como disse ao
Expresso há um ano, que no dia
em que o seu Governo depen-
der do PSD o Governo acabou,
Costa começou por emendar o
entrevistador e dizer: “Não é um
[com ênfase no um] Governo,
era este Governo.”
O pormenor de linguagem não
é de somenos. “O que fez foi ba-
sicamente não se acantonar e
colocar fora do léxico político
aquela frase de que se demitia se
dependesse do PSD”, interpreta
um dirigente do núcleo duro de
Costa. Assim, o secretário-geral
do PS não só vai pedir mandato
para negociar com a esquerda e
dar vida a uma solução nova de
Governo, como quer ir de mãos
livres para, em caso de necessi-
dade última, ter de falar com os
sociais-democratas. “Não posso
dizer o mesmo [que se candi-
Expresso, 13 de novembro de 2021
data para dar continuidade à
‘geringonça’] aos portugueses”,
reforçou.
Sem unanimidade
Esta sua admissão, que desta
vez o mandato que vai procu-
rar é o não ficar acantonado no
diálogo à esquerda, causou agi-
tação no PS — e foi o que pro-
vocou os recuos ou correções
ao discurso do líder. Alguns
consideram que isso destrói a
bipolarização e dá tiros na pró-
pria estratégia eleitoral; outros,
que o tempo para admitir esse
cenário não é este.
“Há um sector do PS que acha
interessante que haja um PSD
que admite viabilizar o Gover-
no PS”, admite um dirigente
do núcleo duro socialista refe-
rindo-se a uma ala em tempos
protagonizada por Francisco
Assis ou Sérgio Sousa Pinto.
Contudo, ter sido o PS a colo-
car essa questão “baralhou” a
discussão na praça pública. “A
determinada altura, podería-
mos vir dizer que, no limite, e se
“Não há alteração”
na política de acordos
à esquerda, diz Duarte
Cordeiro ao Expresso.
Os socialistas vão fugir
a qualquer plano B
estiver tudo bloqueado, admi-
timos falar com a direita, mas
nesta altura não faz muito sen-
tido. Fragilizou o PS ouvir logo
depois Paulo Rangel dizer que
não”, diz o mesmo dirigente.
Mas há socialistas que acredi-
tam que o que Costa quis fazer
foi “ir para um mandato de mãos
livres” e “falar com quem qui-
ser”, diz um presidente de uma
distrital do partido. “Com o PSD
a fazer campanha dizendo que o
PS está encurralado à esquerda
e que isso não traz estabilidade,
ele tinha de contrapor o discurso
e dizer que vai de mãos livres.
Não é a mesma coisa que dizer
que vai procurar maioria com o
PSD, mas que, em última análi-
se, pode ter de o fazer ou pôr no
PSD o ónus de o fazer”, diz outro
dirigente distrital.
Na verdade, o drama socia-
lista é que a mensagem ainda
está a ser definida e há opiniões
diversas. Por exemplo, Porfírio
Silva, que é diretor do Gabinete
de Estudos do PS e, como tal,
coordena a equipa que prepara
o programa eleitoral, defendeu
esta semana, num artigo no “Pú-
blico”, que há necessidade de um
diálogo “produtivo e estrutura-
do” com o PSD em algumas ma-
térias, mas não para soluções de
Governo. O dirigente socialista
defende que o PS deve procurar
de novo unir a esquerda, com
uma base de um “acordo escrito
e de legislatura entre partidos”.
No que todos concordam é
que falar com o PSD serviria
apenas para um Governo PS
sobreviver até novas eleições,
num miniciclo. “Que estabili-
dade teria um Governo apoiado
pelo PSD?”, questiona um diri-
gente. A resposta sabem-na: só
até ao momento em que o PSD
sentisse ter condições para ga-
nhar eleições. E isso não seria
nem um Governo estável nem
duradouro, seria o fim.
lvalente@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 15

QUEBRAMAR.COM
16 PRIMEIRO CADERNO
PARLAMENTO
Quão alinhados votam os partidos na AR?
Votações mais distantes
entre os partidos
2015
No início da XIII legislatura, a
esquerda votava coesa, assim
como o PSD e o CDS. O PS
estava próximo dos partidos da
‘geringonça’ e do PAN
PAN
PCP
PEV
BE
PS
PCP
PEV
BE
PAN
PS
PSD
CDS
ESQUERDA
PS passou a votar mais com a direita.
Viragem começou em 2018
Dados confirmam: o PS aproximou-se do PSD. Bloco central à vista? Esquerda tem narrativa montada
Texto João Diogo Correia
Infografia Sofia Miguel Rosa
Foram mais de 10 mil as vota-
ções dos partidos na Assembleia
da República (AR) ao longo de
seis anos, desde as grandes ques-
tões estruturais, como privati-
zações ou o acesso ao subsídio
de desemprego, às menores, da
gestão corrente. Será que, como
alegam os antigos parceiros de
‘geringonça’, nesta legislatura
interrompida a meio, o voto do
PS andou ao lado da direita?
Não foi para responder a
essa pergunta que Frederico
Muñoz usou a ciência de dados
e funções matemáticas para
esquematizar os votos dos par-
tidos. “Comecei a fazer porque
me interessa a data science, por
um lado, e porque não sou po-
liticamente indiferente, sigo
a discussão. E houve uma dis-
cussão.” Na altura, era sobre
a entrada de três novos parti-
dos na AR (Chega, Iniciativa
Liberal e Livre) e sobre onde
se sentariam os respetivos de-
putados. Frederico Muñoz, que
trabalhava na IBM Portugal e
hoje está no SAS Institute, em-
presa de tratamento de dados e
inteligência artificial, começou
a agrupar os dados abertos, dis-
poníveis no site do Parlamento,
para “publicar uma coisa com
Os caminhos
difíceis para uma
maioria absoluta
A distância entre PS
e PSD, a distribuição
geográfica da votação e
os votos ‘desperdiçados’
dificultam as contas
O PS sonha mas não é certo,
e é mesmo muito difícil que a
maioria absoluta nasça. Mes-
mo para o PSD, também não
será impossível conseguir uma
maioria. “Em termos teóricos,
tudo é possível”, mas um ce-
nário de maioria absoluta com
40% dos votos “é muito difícil
de acontecer”, adverte Carlos
Votações
mais próximas
2018
No final da legislatura, em
vésperas de eleições, o PS já não
vota alinhado com os partidos à
esquerda. PSD e o CDS também já
não estão tão próximos
CDS
PSD
PCP
PEV
BE
PCP
PEV
BE
PAN
PS
PSD
CDS
DIREITA ESQUERDA
o mínimo de utilidade”. Das
várias formas de usar o tempo
de férias, Muñoz escolheu esta.
As conclusões em relação ao
PS parecem confirmar a críti-
ca dos partidos à esquerda. Os
socialistas têm em 2015 e 2016,
no início da ‘geringonça’, “sem-
pre maior proximidade com
os partidos à esquerda, sendo
2015 particularmente vincado”,
escreve Muñoz no site em que
apresenta o projeto. A tendência
é atenuada nos anos seguintes
Votos socialistas na AR
em 2015 eram muito
próximos dos partidos
à esquerda. Em 2019,
o cenário alterou-se
até que, na segunda metade
de 2019, já depois das eleições
que puseram o PS como partido
mais votado, o jogo vira, e as vo-
tações socialistas aproximam-se
das de PSD e CDS-PP.
No site https://fsmunoz.gi-
thub.io/parlamento/html/intro.
html Muñoz põe os dados de
duas formas e ambas permi-
tem essa leitura. A primeira
olha apenas para os números
absolutos dos votos idênticos.
Tomemos o PS e o Bloco de
Esquerda como exemplos: na
Jalali, professor de Ciência Po-
lítica na Universidade de Avei-
ro (UA). Pedro Magalhães, do
Instituto de Ciências Sociais
(ICS) da Universidade de Lis-
boa, diz que “43% ou até me-
nos podem ser suficientes para
uma maioria absoluta”, mas
há uma condição que não é de
somenos.
A história diz-nos que um
partido só conseguiu maiorias
absolutas com votações acima
dos 43%. O momento presente
exige, contudo, que se faça a
pergunta: tendo em conta as
PCP
PEV
PAN
CDS
PSD
PS
BE
L/JKM
PAN
PS
PSD
CDS
IL
CH
DIREITA
primeira legislatura, em 6393
votações, PS e BE votaram 4179
vezes da mesma forma (65%).
Nesta legislatura, com dados
até 27 de outubro, em 3746 vo-
tações, 1582 são iguais (42%),
bem abaixo do rácio que o PS
tem com o PSD, que substituiu
o Bloco como o partido com
mais votos iguais aos socialis-
tas: 2221 (59%).
Esta leitura tem um risco,
uma vez que existem três hipó-
teses de voto (favor, abstenção,
contra), e não duas (igual ou
diferente). Ou seja, abster-se
numa votação ou votar contra,
que têm significados diferen-
tes, contam como iguais. Mu-
ñoz criou então uma “matriz
de distância”, em que essa dife-
rença é analisada, separando os
três tipos de voto, somando-os
a todos, e que resultou nos ma-
pas acima (no site do Expres-
so, pode ver todos os anos das
duas legislaturas). A principal
conclusão é a de que o bloco
à esquerda (incluindo o PAN)
está mais junto na XII legisla-
tura. “A partir de 2018 começa
a haver uma aproximação de
PSD e PS (...) que se acentua na
XIV legislatura.”
Forças e fraquezas
As limitações do trabalho de
Muñoz são também a sua for-
mudanças no sistema político,
será possível ter essa maioria,
ou aproximar-se muito dela,
com uma fasquia mais baixa?
“43% não é um número má-
gico”, desmistifica Pedro Ma-
galhães ao Expresso. Até por-
que o PS já teve votações mais
expressivas em 1995 (43,76%)
e 1999 (44,06%) e, mesmo as-
sim, não conseguiu a maioria
absoluta. E avança com uma
explicação: “O nosso sistema
eleitoral tem um viés a favor
dos partidos mais votados. Mas
o PSD, em ambas as eleições,
também beneficiou desse viés,
com votações claramente aci-
ma dos 30% a impossibilitarem
a maioria absoluta para o PS.”
O investigador do ICS apresen-
ta a chave para uma maioria ab-
soluta com votações na ordem
dos 43% ou mesmo abaixo.
“Para isso será necessário que
o segundo partido mais votado
fique claramente mais longe do
2019
Nos primeiros meses da XIV legislatura, o
PS começa a votar mais próximo de uma
parte da direita (PSD à cabeça). Os partidos
mais à esquerda continuam a mostrar maior
proximidade de posições
L/JKM
PAN
PSD
CDS
PCP
PEV
BE
PS
ESQUERDA
FONTE: “PROXIMIDADES E DISTÂNCIAS: ANÁLISE DA ATIVIDADE PARLAMENTAR, 2015-2021”, FREDERICO MUÑOZ
ça. O cloud architect (arquiteto
de computação em nuvem) fez
uma “abordagem cega”, isto é,
não separou propostas politi-
camente importantes, porque
isso poria “mão humana” na
análise e um possível envie-
samento ideológico. Fraque-
za: “se os partidos concordam
nove vezes de que cor pintar a
AR, e discordam uma do mo-
delo económico, concordaram
90% das vezes”, ainda que isso
seja menos relevante do que os
10%. Seria, porém, “um azar
dos Távoras”, diz Muñoz, que
a leitura global fosse influen-
ciada por hipóteses destas,
uma vez que a amostra é de
grande escala. A força: sem
divisões ou leituras políticas
sobre os dados, Muñoz quis
tornar o trabalho à prova de
bala e evitar acusações de fa-
vorecimento.
O analista insiste que este
“é um dado que não substitui
olhar para dentro e para fora
da Assembleia da República e
para o tipo de votos”, para se
perceber onde está cada par-
tido ideologicamente. E que
mesmo a conclusão de que o
PS está a uma distância menor
da direita no pós-‘geringonça’
pode ter várias leituras: “Foi
o PSD que se aproximou? Ou
à direita, com novos partidos,
o limite mínimo e máximo [de
vencedor do que o PSD ficou do
PS” naquelas duas eleições da
segunda metade dos anos 1990.
Carlos Jalali introduz ao
Expresso um outro fator: os
chamados votos ‘desperdiça-
dos’, ou seja, os votos que não
são convertidos em mandatos.
Por exemplo, os votos brancos
e nulos, que em Portugal são
contabilizados, ou os votos
em partidos que não elegem
deputados. “A percentagem
necessária para se obter maio-
ria absoluta depende da dis-
tribuição geográfica dos votos
e da distribuição entre parti-
dos”, enquadra o professor da
UA. Neste quadro, é “particu-
larmente importante” a per-
centagem dos tais votos ‘des-
perdiçados’ e quanto maior a
proporção destes votos, menor
a percentagem necessária para
uma maioria absoluta.
No Largo do Rato ainda está
fresca a memória da maioria
CH
IL
PCP
PEV
BE
L/JKM
PAN
PS
PSD
CDS
IL
CH
DIREITA
votos num sentido] aumentou,
e arrastou o PS?”.
Esquerda preparada
À esquerda, a narrativa está
montada. Ao pedido de dados
do Expresso, os partidos res-
ponderam de forma diferente.
O BE não tem a contabiliza-
ção feita, mas há muito que se
queixa de ter sido obrigado a
levar os temas extraorçamen-
tais para as reuniões com o
PCP destaca
“confluência do voto”
do PS com PSD e Chega
em várias propostas
comunistas
Governo sobre o Orçamento
do Estado porque, no Parla-
mento, o PS conta sempre com
a direita — e sobrava o espaço
orçamental para forçar uma
negociação.
Se durante a vigência da ‘ge-
ringonça’ como ela foi imagi-
nada, as reuniões entre BE e
PS eram semanais, “às vezes
mais do que uma por semana”,
lembra Pedro Filipe Soares, o
líder parlamentar do BE, de
2019 em diante esses encontros
passaram a esporádicos.
absoluta de José Sócrates em
2005, com 45% dos votos.
Agora, acreditam os socia-
listas, é possível uma maioria
com uma percentagem me-
nor de votos, o que não quer
dizer que seja mais fácil. A
fragmentação parlamentar
traz dúvidas às contas que
vão sendo feitas no aparelho
e a possibilidade de uma mai-
or dispersão à direita é de tal
ordem que o PS sonha com a
maioria, mas não sabe onde
conseguirá ir buscar os depu-
tados a mais de que precisa.
E precisa de oito. Nas últimas
eleições, o PS conseguiu 108
deputados e qualquer parti-
do faz maioria com 116. Para
alcançar o número mágico, os
socialistas precisam de, em
primeiro lugar, não perder
nenhum deputado — e há al-
guns que podem estar peri-
clitantes por terem sido os
últimos a ser eleitos.
Expresso, 13 de novembro de 2021
2021
A esquerda está menos agrupada do que em
2019. O PS vota desalinhado dos outros partidos
com representação parlamentar — PSD é o único
a mostrar alguma proximidade, embora já menos
do que em 2020 (ver site para mapas anuais)
L/JKM
PAN
PSD
CDS
PCP
PEV
CH
BE
PS
IL
ESQUERDA DIREITA
Já o PCP enviou ao Expresso
as contas dos seus projetos de
lei, uma das iniciativas parla-
mentares mais relevantes, apre-
sentados desde 2019. Em 229
projetos de lei, 108 foram chum-
bados com o voto contra do PS e
da direita. Alguns em temas fun-
damentais, destaca o partido: a
nacionalização dos CTT, a proi-
bição de distribuir dividendos na
banca, a revisão extraordinária
das tarifas da energia e do gás
ou o fim das propinas no Ensino
Superior, por exemplo. Além de
destacar “a confluência do voto
do PS com o PSD e o Chega”, os
comunistas não quiseram juntar
mais comentários. Mas a con-
clusão será a mesma: ou o PS se
afastou ou a agenda que o podia
aproximar do PCP se esgotou na
primeira legislatura.
Por fim, o PEV. Com menos
projetos de lei do que os comu-
nistas (66), apenas 13 foram
aprovados, oito deles com a aju-
da do PS. A maior parte ficou,
assim, pelo caminho — 53 chum-
bos, com o PS a contribuir com
um voto contra em 52 deles.
Numa semana em que se vol-
ta a falar de soluções de bloco
central, e em que nenhum dos
principais líderes de PS e PSD a
afasta, os dados estão lançados
para uma narrativa que ganha
força à esquerda.
jdcorreia@expresso.impresa.pt
Depois, o PS precisa de ir bus-
car deputados onde os há para
distribuir, nos grandes centros
urbanos, mas não em todos. Os
socialistas estão a olhar para
aqueles onde a dispersão de vo-
tos à direita (mais do que em
2019), provocada por um cresci-
mento dos votos na Iniciativa Li-
beral e no Chega, pode baralhar
as contas do método de Hondt e
beneficiar o PS se houver uma
concentração de voto nos soci-
alistas, com a transferência de
votantes do BE e PCP para o PS.
Em causa podem estar os distri-
tos de Lisboa, Porto, Santarém,
Braga e Aveiro.
Hélder Gomes
e Liliana Valente
hgomes@expresso.impresa.pt
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EM EXPRESSO.PT
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 17
18 PRIMEIRO CADERNO
PARLAMENTO
PCP insiste até ao fim nas
pensões, trabalho e habitação
Comunistas fazem valer posições até ao fecho da AR e voltam à “luta de massas”
Rosa Pedroso Lima
Nas últimas duas semanas de traba-
lhos parlamentares, o PCP vai pôr a
bancada socialista à prova e insistir
na aprovação de diplomas “essen-
ciais” que acabaram por ser aban-
donados com o fim das negociações
do Orçamento com o Governo.
Para a próxima quarta-feira, os co-
munistas agendaram um debate
potestativo para prolongar, até ao
final de 2022, o regime extraordi-
nário de proteção dos inquilinos. E
querem ver fechadas em comissão
parlamentar as últimas alterações
às leis laborais e o alargamento da
gratuitidade das creches. Quanto
ao aumento geral das pensões já
em janeiro, insistem que o Governo
“pode e deve fazê-lo”.
As negociações com o Governo
acabaram mal e a ‘geringonça’ che-
gou ao fim, mas isso não implica
que os comunistas baixem os bra-
ços e abandonem algumas das ban-
deiras que trouxeram para o OE do
próximo ano. O calendário aperta-
do dos últimos dias de trabalhos
parlamentares não ajuda, porque
“não permite o agendamento de
mais do que uma matéria”, segun-
do João Oliveira, líder da bancada
comunista. E os comunistas opta-
ram por forçar o debate potestativo
do diploma que prolonga até final
do próximo ano o regime extraor-
dinário de proteção dos inquilinos.
O projeto fazia parte do “conjun-
to de propostas que o PCP levou à
discussão com o Governo a respeito
da habitação no OE-2022” e, na
prática, prolonga as moratórias
e os mecanismos para travar os
despejos, concedidos no âmbito
das medidas de proteção social de
combate à pandemia. Pelo meio, o
diploma alarga ainda as proteções
especiais para os inquilinos idosos
(a partir dos 65 anos) ou com grau
de incapacidade ou deficiência su-
perior a 60% e impede que o atual
regime de arrendamento urbano
(aprovado pelo Governo Passos/
Portas) se aplique a contratos ante-
riores a 1990, que “correm o risco
de ficar com um regime totalmente
LIVRE
Rui Tavares avança
para a corrida
às legislativas
Fundador do Livre acredita
que pode conquistar votos
de descontentes do BE e PS
e insiste em acordo escrito
Rui Tavares vai avançar para as pri-
márias do Livre para ser candidato
nas eleições legislativas antecipa-
das de 2022. O historiador e fun-
dador do Livre, eleito em setembro
vereador na Câmara Municipal de
Lisboa (CML), anuncia assim a en-
trada na corrida para as legislati-
vas, num comunicado enviado este
fim de semana a militantes e a um
círculo mais alargado de apoiantes.
“Foi uma decisão muito ponde-
rada. O atual contexto foi deter-
minante e coloca-nos a todos uma
responsabilidade muito grande.
Quem quer que o país mude tem
que fazer algo e eu quero e acredito
Jerónimo de Sousa vai manter a pressão mesmo fora do Parlamento. PCP pronto a apoiar
protestos que agora “ganham uma redobrada importância” FOTO TIAGO MIRANDA
liberalizado, que é uma ameaça
que se coloca perante milhares de
famílias”, alega o PCP.
A luta continua
Na última conferência de líderes
foi limitada a cada bancada par-
lamentar a apresentação de uma
única iniciativa legislativa até ao
final dos trabalhos da AR. Mas
João Oliveira sublinha que “há um
conjunto de projetos de lei do PCP
que se encontram nas comissões
depois de terem sido discutidos na
generalidade e cuja discussão na
especialidade terá de ser concluí-
da”. Em causa está, por exemplo,
o diploma de combate à precarie-
dade, que o PS votou na generali-
dade e que, entre outros aspetos,
revoga a norma dos 180 dias de
período experimental para jovens
no primeiro emprego. Ainda em
matéria de alteração à lei laboral,
os comunistas vão insistir na repo-
sição dos valores de pagamento do
trabalho suplementar para todos
que o Livre pode contribuir com so-
luções”, diz ao Expresso Rui Tava-
res, manifestando-se confiante de
que o partido poderá reconquistar
o lugar no Parlamento, que perdeu
no início de 2020 com a saída de
Joacine Katar Moreira do partido
e a sua passagem a deputada não-
-inscrita.
Para o fundador do Livre, a atual
crise política “deu razão” ao parti-
do quando, em 2019 já durante a
campanha, saiu em defesa de um
acordo escrito para uma solução go-
vernativa à esquerda. Agora, vendo
nos eleitores de BE, PCP e PS moti-
vos para estar “desiludidos” com o
chumbo do Orçamento do Estado e
a dissolução do Parlamento, Tavares
acredita que o Livre poderá con-
quistar os votos do eleitorado des-
contente. “No início da legislatura
os trabalhadores, um tema em que
não tiveram o aval dos socialistas.
Para encerrar a legislatura, os
comunistas vão tentar forçar o PS
a assumir o alargamento da gra-
tuitidade das creches, um assunto
onde chegou a haver avanços nas
negociações orçamentais mantidas
com António Costa. O PCP insiste
na generalização da medida a todas
as crianças já no próximo ano, mas
o Governo não foi além de uma ca-
lendarização da proposta até 2025.
A ideia de que este compromisso
possa ficar inscrito através de um
diploma saído do Parlamento seria
uma forma de os comunistas man-
terem o assunto na agenda política,
independentemente do cenário que
vier a sair das próximas legislativas.
O mesmo se passa quanto ao au-
mento geral das pensões. Os comu-
nistas levaram até ao final das nego-
ciações orçamentais a proposta de
uma subida, logo em janeiro, de 1,8%
para todas as pensões, com um valor
mínimo de 10 euros de acréscimo
para cada pensionista. O Governo
devia ter havido um acordo escrito
entre todos os partidos que tiveram
a maior maioria de esquerda desde
o 25 de Abril. E creio que nas dire-
ções dos partidos houve um fecha-
mento nos gabinetes. Fecharam-se
nas suas ideias e não se procuraram
consensos e depois fez-se o habitual
jogo do passa culpas”, critica.
Política de diálogo
e compromisso
Quem votar no Livre nas legislativas
de janeiro, sublinha Rui Tavares,
estará a passar a mensagem de que
também defende uma solução go-
vernativa à esquerda por escrito,
num acordo “mais consequente”
e “aberto à sociedade civil”. “Não
pode ser um acordo fechado nos
gabinetes dos partidos que acabam
por ceder à tentação do taticismo,
tem que envolver o terceiro sector,
os sindicatos, para que haja apoio”,
vinca. O historiador assume que o
seu partido quer recuperar a “polí-
tica de diálogo e compromisso” es-
sencial para garantir a estabilidade
política no próximo ciclo político.
E dá como exemplo, a Alemanha,
onde as recentes negociações para a
formação de Governo duram meses
admitiu proceder a um aumento ex-
traordinário de 10 euros para todas
as pensões abaixo de 1097 euros e,
embora tenha começado por que-
rer conceder os aumentos apenas
em agosto, acabou por concordar
fazê-los no primeiro mês de 2022.
A hora, para os comunistas, é de
cobrar a promessa feita por António
Costa. “Insistimos em que o Gover-
no pode e deve proceder ao aumen-
to extraordinário nos termos em
que disse estar de acordo e de forma
a que entre em vigor já em janeiro”,
diz João Oliveira ao Expresso.
A insistência dos comunistas vai
até ao fim, dentro e fora do Par-
lamento. E, “enquanto avança a
preparação das eleições”, o rumo
do partido já está traçado, segundo
deixa claro o editorial desta sema-
na do jornal “Avante!”. O partido
vai passar ao ataque e a “estimular
a luta de massas”, apoiando as gre-
ves e protestos que, “neste quadro
político e social, ganham uma redo-
brada importância”.
rlima@expresso.impresa.pt
e envolvem 22 equipas negociais de
três partidos. “Por cá, também é
preciso tempo e um acordo multila-
teral escrito com programa para a
legislatura”, reforça. O historiador
considera ainda que as eleições le-
gislativas colocam os eleitores que
desejam “mudança” num “dilema
muito grande”: por um lado, o elei-
torado da direita e do centro-direita,
que apesar de ambicionar uma vi-
ragem à direita, teme uma aliança
com a extrema-direita; por outro,
o eleitorado de esquerda que receia
que “fique tudo na mesma”. Apesar
das expectativas de uma campanha
“dura”, Rui Tavares considera que
cabe a todos os intervenientes políti-
cos contribuírem para que seja uma
campanha, acima de tudo, “esclare-
cedora” de todos os lados. Porque,
nota, se for só uma campanha de
“tricas, polémicas e polarização” as
pessoas vão desligar-se da campa-
nha e abster-se a 30 de janeiro.
Liliana Coelho
lpcoelho@expresso.impresa.pt
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EM EXPRESSO.PT
Expresso, 13 de novembro de 2021
Gente
“Vai mas é trabalhar!” A corrida
à liderança do PSD anda ao rubro e,
além de ser uma corrida entre Rio
e Rangel, é também uma corrida
contra o tempo. Com diretas a 27
de novembro, qualquer que seja o
vencedor tem menos de dois meses
para preparar o programa eleitoral
e a equipa com que se propõe ir a
votos contra António Costa. Rangel
mandatou Miguel Poiares Maduro
para preparar as suas bases pro-
gramáticas, mas ou o trabalho vai
muito avançado ou é preciso inspi-
ração. É que Gente sabe que esta
quarta-feira à noite o ex-ministro
de Passos Coelho assistiu à abertura
do Lisbon & Sintra Film Festival,
no Tivoli. Duas horas para ver o
novo filme de Wes Anderson, mais
uma hora a ouvir Paulo Branco e a
ministra da Cultura a subir ao palco
é muita hora preciosa...
O oxímetro de Marcelo A ima-
gem já tem uma semana, mas não
nos sai da cabeça: Marcelo foi a um
evento e sentou-se na última fila.
As câmaras de televisão focam o
Presidente e mostram que tem um
oxímetro na mão, coloca-o no dedo,
olha para o resultado discretamente
e com cautela, para ninguém ver,
coloca-o no bolso do casaco. Se se
recorda, um oxímetro serve para
medir a saturação, a quantidade de
oxigénio transportada no sangue. E
tornou-se de acesso comum com a
covid, devido ao risco de hipoxia fe-
liz — que quer dizer, em linguagem
simples, ficar sem ar sem dar por
isso. Gente ficou preocupada: como
está esse resultado, sr. Presidente?
A hipoxia feliz de Rio O líder do
PSD deu uma conferência de im-
prensa na segunda-feira para anun-
ciar ao povo laranja que não vai fazer
campanha para as diretas, prefere
concentrar-se na campanha contra
Costa. Ato contínuo, deu uma en-
trevista à RTP3, mas a notícia da
entrevista não veio nem das críticas
a Rangel (foram várias) nem de uma
crítica a Costa, antes a disponibili-
dade para, vença ou perca, dialogar
com o PS para dar “governabilidade”
ao país. Rio não gostou: “Avalie-se
agora a honestidade e a valia pro-
fissional dos media que ‘informam’
assim: Rio disponível para viabilizar
Governo PS.” Gente, que se preocu-
pou, sugeria a Rui Rio que pedisse o
oxímetro a Marcelo.
Rio mudou de bancada? Rui
Rio fez um tweet indignado com
um título do Expresso, sobre a
entrevista que deu à RTP, de que
estava “disponível para viabilizar
um Governo do PS”, quando disse
que estava disponível para “nego-
ciar com o PS a governabilidade do
país”, caso PS ou PSD ganhassem.
Esta sexta-feira, deputados do PSD
surpreenderam-se quando o líder
apareceu nos computadores do he-
miciclo com um círculo rosa por
trás, como estando sentado num
lugar do PS. Rio enganou-se e fez
login no computador errado, na
cadeira de um socialista, ou está a
pensar no futuro? No PSD há quem
veja isto como um ato falhado...
PM na praça Com eleições marca-
das, os partidos começam a sondar
os cidadãos. Na entrevista à RTP,
António Costa disse que muitas pes-
soas que votaram BE e PCP em 2019
agora “estão arrependidas”. “Eu sei,
porque me disseram pessoalmen-
te.” Mais à frente, Costa explicou
onde: “Eu ouço as pessoas quando
ando na rua, quando passeio os meus
cães, quando vou à praça, que, aliás,
frequentamos os dois”, disse ao jor-
nalista António José Teixeira. Gente
sabe que a praça é a de Alvalade, em
Lisboa, porque também já lá andou.
Só não pode garantir a qualidade da
sondagem.
20 PRIMEIRO CADERNO
FALTAM
PROFESSORES
E FALTAM
SOLUÇÕES
Há alunos sem professor desde o início do ano letivo
e as dificuldades para encontrar substitutos
são cada vez maiores. Governo prometeu medidas,
mas nada mudou ainda
G
eografia e Filosofia des-
de o início do ano letivo.
Inglês, Português e Fran-
cês. Física e Química até
esta semana. Mais um pro-
fessor de Tecnologias de
Informação que vai sair e
cuja substituição já sabe
que andará entre o muito
difícil e o impossível. “Estes são os meus
calcanhares de Aquiles”, desabafa Ro-
sária Alves, diretora do Agrupamento
de Escolas de Benfica, em Lisboa, e
onde cerca de uma dezena de turmas
não têm neste momento professor a
alguma disciplina.
No Agrupamento Monte da Lua, em
Sintra, ainda se procura um docente de
Físico-Química para uma turma do 8º
ano. A situação de Filosofia foi resol-
vida na semana passada, Informática
continua com ‘buracos’, mesmo depois
de recorrer a professores sem habili-
tação específica para o ensino. Para
resolver o problema com a falta de um
docente de Inglês, partiu-se o horário
em parcelas mais pequenas de forma a
poder distribuir em horas extraordiná-
rias pelos docentes da casa e fazer com
que menos turmas permaneçam com
‘furos’. E são cada vez mais as escolas
que estão a conseguir resolver as falhas
recorrendo a este mecanismo: até cinco
horas adicionais, os professores têm de
aceitar este trabalho extra.
No ano passado, ainda foi pior, conta
o diretor, Nuno Cabanas: “Tivemos uma
turma sem Francês praticamente o ano
inteiro e outra do 11º sem Física e Quí-
mica (disciplina com exame nacional)
durante mais de três meses. A situação
é preocupante.” No Agrupamento de
Escolas de Queluz/Belas, também em
Sintra, ainda há uma turma de 3º ciclo
sem Matemática e que em vez de cinco
aulas por semana está a ter uma com
um professor de apoio.
Basta ligar aleatoriamente para es-
colas da Área Metropolitana de Lisboa
para constatar as dificuldades que as
direções estão a sentir em encontrar
substitutos para os horários que vão
surgindo ao longo do ano letivo — decor-
rentes de baixas médicas, aposentações,
parentalidade. A situação tem-se agra-
vado nos últimos anos, sem que tenha
havido até agora um plano conhecido
para tentar diminuir as dificuldades que
afetam esta região e também o Algarve.
O problema é complexo, tem muito
que ver com o envelhecimento desta
classe profissional (que origina mais
aposentações e mais baixas médicas),
com um desequilíbrio entre a oferta e
a procura (os candidatos são sobretudo
do norte e as necessidades estão a sul)
e com mecanismos que possibilitam
milhares de mudanças de escola todos
os anos. A consequência é assistir-se a
situações que não aconteciam desde o
século passado, com alunos sem aulas
a uma ou mais disciplinas durante se-
manas e até meses e o recurso a profes-
sores sem preparação específica para o
ensino de uma dada matéria, admite o
Textos Isabel Leiria
presidente da Associação Nacional de
Diretores de Escolares, Filinto Lima.
No programa do Governo são várias
as medidas inscritas. Fala-se na neces-
sidade de “rejuvenescer” o corpo docen-
te, criar “incentivos à aposta na carreira
e ao desenvolvimento de funções em
áreas do país onde a oferta de profis-
sionais é escassa” e rever o modelo de
colocação de professores para garantir
“maior estabilidade”. Mas dois anos
depois ainda não se conhecem medidas.
Em entrevista ao “Público” em julho,
a secretária de Estado da Educação Inês
Ramires tinha previsto para setembro
passado a apresentação de um estudo
sobre as necessidades do sistema para
os próximos cinco a dez anos, mas ainda
não aconteceu. Quanto à revisão dos
concursos, cujas negociações deveriam
iniciar-se em outubro, o processo ainda
não foi desencadeado. “Nada fizeram
nos últimos dois anos. Nem este Gover-
no negociou qualquer matéria estrutu-
rante durante os últimos seis”, aponta
o secretário-geral da Fenprof, Mário
Nogueira.
MILHARES RUMAM A NORTE
Entretanto, nestas escolas mais afeta-
das lançam-se semanalmente os horá-
rios por preencher nas plataformas.
“Temos sistematicamente necessidade
de substituir professores e temos várias
situações por resolver desde o início das
aulas”, admite a responsável pelo Agru-
pamento Aqua Alba, no Cacém.
Para este ano letivo, este novo mega-
-agrupamento já teve de contratar mais
de cem professores. Muitos acabam por
desistir da colocação quando percebem
que o que vão ganhar é insuficiente para
fazer face aos custos da deslocação ou
porque apesar de constarem das listas
nacionais de professores disponíveis
para a contratação arranjaram entre-
tanto alternativas que lhes compen-
sam mais. As dificuldades revelam-se
também através das ofertas de escola
que são lançadas e que, só em outubro,
foram mais de 60 neste agrupamento.
Estes anúncios feitos diretamente
pela escola só podem ocorrer se já não
houver candidatos inscritos nas tais
listas nacionais de contratados teorica-
mente disponíveis ou se as colocações
forem recusadas por duas vezes. Ou
COM A DIFICULDADE
EM ENCONTRAR
PROFESSORES, NÃO
SE CONSEGUEM
RECUPERAR
APRENDIZAGENS
E ACENTUAM-SE
OS ATRASOS
Expresso, 13 de n
seja, cada horário lançado em oferta
de escola significa que há uma ou mais
turmas sem aulas daquela disciplina há
pelo menos duas semanas.
Em respostas ao Expresso, o Minis-
tério da Educação nota que até à sema-
na passada havia pouco mais de 200
horários completos por preencher (o
equivalente a cerca de 1100 turmas com
furos a pelo menos uma disciplina), que
há professores permanentemente a
sair do sistema e a serem substituídos
e que estes números representam uma
fatia muito pequena de um sistema que
conta com “mais de 50 mil turmas e
centenas de milhares de horários preen-
chidos por mais de 120 mil professores”.
Mas o facto é que muitos horários
completos desapareceram não por te-
rem sido preenchidos, mas por terem
sido partidos. Além disso, persiste o pro-
blema de fundo, lembra Davide Martins,
professor de Matemática, colaborador
do blogue “ArLindo” e que tem feito as
contas a este problema. Num exercício
recente, Davide Martins constatou que
há disciplinas, como Geografia, Alemão,
Informática, Matemática, Biologia e Ge-
ologia e Português para as quais já não
há, ou quase, professores disponíveis
para dar aulas em escolas de Lisboa e
Vale do Tejo nas tais listas nacionais de
recrutamento.
Outro sinal do desequilíbrio manifes-
ta-se nas movimentações de professores
entre escolas, legalmente previstas. Um
dos mecanismos tem a ver com situa-
ções de doença (ver texto ao lado). E
das quase 9 mil mudanças autorizadas,
mais de dois terços foram de professo-
res que saíram do seu lugar em escolas
do sul para o norte. Outra possibilida-
de prevista é a escolha de uma escola
mais próxima da residência (mobilidade
interna). Segundo Davide Martins, saí-
ram este ano 1100 professores afetos ao
quadro de zona pedagógica da Área Me-
tropolitana de Lisboa e vieram apenas
127 de outras regiões. “Não resolveria o
problema, mas limitar esta mobilidade
permitiria ganhar algum fôlego e não
ter tantos alunos sem aulas”, sugere. A
ausência é tanto mais grave quando se
segue a dois anos letivos condicionados
pela pandemia e ensino à distância. “O
Ministério lançou um plano de recu-
peração e permitiu às escolas avançar
com vários projetos, que dependiam da
colocação de mais recursos. Mas com
esta falta de professores, não só não se
recuperam as aprendizagens, como se
acentuam atrasos”, lamenta a diretora
do Agrupamento de Benfica.
ileiria@expresso.impresa.pt
novembro de 2021
Saídas de escola por doença duplicam
EDUCAÇÃO
Mudanças estão
previstas em caso
INVESTIGAÇÃO de doença do próprio
ou para apoio a
familiares a cargo
Ano após ano, são cada vez
mais os professores vinculados
a uma escola ou a um quadro
de zona pedagógica que pedem
para mudar para outro esta-
belecimento de ensino, noutra
região, por motivos de saúde,
como uma doença incapacitan-
te do próprio que requeira tra-
tamento médico noutro local ou
Número de reformas sempre a subir
Estimativas apontam
para a aposentação até
2030 de mais de metade
dos professores que
estão hoje nos quadros
Desde 2016 que o número de
professores que se reformam
anualmente está a subir, ten-
do-se fixado este ano nas 2000
aposentações. E a estrutura
etária da classe docente indi-
ca que assim vai continuar nos
próximos anos.
O estudo mais recente data de
2019 e foi feito pelo Conselho
Nacional de Educação. Nele se
Envelhecimento acentua-se
Portugal tem das classes
docentes mais velhas da
OCDE. Educadores de
infância abaixo dos 30 anos
eram oito na rede pública
Se em 2009/10, os professores do
3º ciclo e Secundário com mais
de 50 anos representavam 23%
da classe, uma década depois
passaram a estar em maioria
(54%). Já os mais novos foram
perdendo expressão e se antes
quase chegavam aos 10% com
menos de 30 anos, agora não
passam de 1,2%, segundo as es-
Menos inscritos em cursos de ensino
Nos últimos anos,
verificou-se uma redução
acentuada de jovens
inscritos nos mestrados que
habilitam para dar aulas
O envelhecimento da classe do-
cente combinado com a diminu-
ição da procura de cursos que
habilitam para o ensino por par-
te dos jovens pode gerar uma
espécie de tempestade perfei-
ta no ensino, atenuada apenas
pela redução da natalidade e do
número de alunos no sistema.
O número de jovens em mes-
trados que dão habilitação pro-
Lisboa com problemas, Norte escapa
Problema da falta
de professores não afeta
o país por igual e é mais
acentuado nalguns
grupos disciplinares
Os dez concelhos que mais difi-
culdades têm tido em encontrar
professores para horários que
vão aparecendo ao longo do
ano letivo localizam-se todos na
Área Metropolitana de Lisboa.
Tiago Brandão E há também dificuldades em
Rodrigues, ministro da vários concelhos do Algarve.
Educação desde 2015 Estas dificuldades são ex-
FOTO MARCOS BORGA pressas através do número de
PRIMEIRO CADERNO 21
ainda para apoio a um familiar
MOBILIDADE POR DOENÇA direto que tenham a cargo. Só
Pedidos aceites
nos últimos cinco anos, o núme-
ro duplicou, passando de 4400
8000 pedidos de mobilidade por do-
ença aceites para quase 9000
6000 no presente ano letivo.
O problema é que estes milha-
4000 res de saídas anuais fazem-se
sobretudo num sentido — de
2000 escolas de Grande Lisboa para
todo a zona Norte do país — li-
0 bertando assim horários por
2016/17 17/18 18/19 19/20 20/21 21/22 preencher numa região onde já
existem as maiores dificuldades
FONTE: DIREÇÃO-GERAL DA ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR de substituição.
calculava que dos 90 mil pro-
DOCENTES REFORMADOS fessores nos quadros que a 1 de
Aposentações pela CGA
setembro de 2019 tinham 45 ou
mais anos, 58% iriam reformar-
3000 -se até 2030, ou seja, mais de
50 mil ao longo de apenas uma
2000 década. Neste momento, já é
possível constatar que as pro-
1000 jeções feitas então para 2020 e
PREVISÃO
2021 estavam acima da realida-
0 de. Mas mesmo que os números
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 não se confirmem tal e qual, a
saída do sistema de uma per-
FONTE: BLOGUE ARLINDO E CGA centagem enorme de docentes
é inevitável, obrigando a que se
formem mais diplomados em
ensino.
DISTRIBUIÇÃO
tatísticas do Ministério da Edu-
POR GRUPO ETÁRIO
cação. No 2º ciclo (5º e 6º anos)
Em percentagem são já 57%. E o envelhecimento é
maior no sistema público.
< 30 30-39 40-49 > 50 Veja o que se passa no pré-es-
60 colar. No ano passado, havia oito
educadores com menos de 30
40 anos em jardins de infância pú-
blicos totalizando 8657 profissio-
20 nais do quadro. No privado eram
quase 400 em 3000. No 3º ciclo
0 e Secundário, professores com
PRÉ-ESCOLAR 1º CICLO 2º CICLO 3º CICLO menos de 30 anos não chegam a
E SECUND.
1%. Na OCDE, Portugal está en-
FONTE: DIREÇÃO-GERAL DE ESTATÍSTICAS tre os cinco países onde a classe
DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA docente é mais envelhecida.
ALUNOS EM MESTRADO fissional para a docência caiu
DE ENSINO nos últimos anos e a atrativida-
Cursos que dão habilitação para dar aulas de da profissão já teve melhores
dias. Em 2018, no âmbito do
6000 PISA (avaliação da literacia aos
15 anos, conduzida pela OCDE),
4000 os alunos portugueses mostra-
ram ser dos que menos ambici-
2000 onavam seguir esta carreira. E
um outro inquérito revelou que
0 mais de 80% dos que exercem
gostariam de reformar-se mais
2011/12 12/13 13/14 14/15 15/16 16/17 17/18
cedo. Mas há agora sinais de
FONTE: CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO uma inflexão na procura, com
os inscritos em licenciaturas
em Educação a subir nos últi-
mos dois anos.
DISCIPLINAS COM MAIS
horários que são anunciados
HORÁRIOS EM FALTA
diretamente pelos agrupamen-
tos (oferta de escola) e que só
1 Informática
podem ocorrer se já não houver
2 Português
candidatos inscritos nas listas
3 Geografia
nacionais de contratados dispo-
4 Matemática
níveis ou se as colocações forem
5 Física e Química
recusadas por duas vezes. Ou
POR CONCELHO seja, cada horário lançado em
1 Lisboa oferta de escola significa que há
2 Sintra uma ou mais turmas sem aulas
3 Almada daquela disciplina há pelo me-
4 Loures nos duas semanas. E há escolas
5 Cascais que em mês e meio de aulas já
FONTE: DAVIDE MARTINS, PROFESSOR DE lançaram 50, 60 e até 100 horá-
MATEMÁTICA E COLABORADOR DO BLOGUE ARLINDO rios em falta.
22 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de novembro de 2021

SO CIEDADE CIMEIRA D O CLIMA

OS AVANÇOS E RECUOS DOS DOSSIÊS DE GLASGOW

1 A meta de 1,5° C. A meta que

previa limitar o aquecimento
global em 1,5° C até final do
século não é alcançável com os
compromissos apresentados
até agora pelos países para
reduzir emissões, pelo que
haverá uma revisão em 2022.
2 Perdas e danos. Este
pacote de financiamento
para ajudar os países menos
desenvolvidos a recuperar
das perdas e danos provocados
por eventos extremos já
vividos está longe de reunir
um acordo.
3 $100 mil milhões. O
prometido fundo verde
devia ter sido mobilizado desde
2020 para ajudar os países mais
pobres a adaptarem-se à crise
climática e a reduzirem as suas
emissões, mas a verba só deve
ser reunida em 2023 ou 2025.
4 O artigo 6º. Este artigo
prevê tornar mensuráveis
e transparentes as regras do
mercado de carbono, mas está
por clarificar há seis anos e
parece que vai continuar sem
resolução, já se falando em
retirá-lo do Acordo de Paris.
5 Alianças positivas. Mais
de 100 países acordaram
acabar com a desflorestação e
cortar emissões de metano até
2030, cerca de 20 prometeram
deixar de financiar projetos
de carvão e 12 vão acabar com
licenças de gás e petróleo.
6 Emissões a crescer. Em
vez de se garantir que as
emissões globais de CO2 são
cortadas para metade nesta
década, tudo aponta para que
se assista a uma subida de 8%
a 16% até 2030, comparando
com os valores de 2010.

A intervenção do ministro dos

Negócios Estrangeiros de Tuvalu,
Simon Kofe, com água pelos joelhos
e de fato e gravata, marcou
a cimeira FOTO COURTESY TUVALU’S
MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS VIA REUTERS

COP26 Apesar de alianças e acordos laterais, a meta de 1,5° C e o pacote de $100 mil milhões continuam adiados

Acordo difícil de emergir

contabilizando os chamados ‘compro-
Carla missos nacionalmente determinados’
Tomás de corte de emissões e as promessas
Enviada a Glasgow
de neutralidade carbónica até 2050.
feitos na Cimeira de Glasgow têm pas- mudanças de linguagem no capítulo do Ambiente, João Matos Fernandes,
sado pela criação de alianças como as da “mitigação”. Em vez de “incitar” frisa que “é preciso muita firmeza nes-
que permitiram acordos para acabar os países a rever as suas contribuições te phasing out, mas isso não se compa-
com a desflorestação até 2030 e para no próximo ano, o texto reforçou o gina com a pressa que a presidência da

C
om água pelos jo-
elhos, de fato e gra-
vata, o ministro dos
Negócios Estrangei-
ros de Tuvalu, Simon
Kofe, chamou a aten-
ção do mundo para
a subida do nível do
mar provocada pelo
aquecimento global. A imagem mar-
cante que chegou à Cimeira do Clima
de Glasgow, na derradeira segunda
semana, serviu para lembrar que o
pequeno Estado insular do Pacífico
corre o risco de ficar submerso, e
como ele muitas outras ilhas e zonas
costeiras afetadas pela subida do nível
do mar e por eventos extremos que
aconteciam a cada 100 anos mas que
podem passar a ser anuais no final do
século, como avisou o painel científico
da ONU (IPCC).
Enquanto os decisores globais pre-
tendem a ambicionada meta de 1,5°
C (de aquecimento até ao final do sé-
culo, em comparação à época pré-in-
dustrial) — por não apresentarem em
Glasgow compromissos que permitam
cortar para metade as emissões de ga-
Uma pequena diferença de meio grau
(entre 1,5° e 2°) pode colocar mais de
10 milhões de pessoas em risco devido
a inundações; e aumentar em 50% as
pessoas expostas a stresse hídrico,
segundo o IPCC.
À hora de fecho desta edição ainda
não era conhecido o acordo final de
Glasgow e tudo indicava que as nego-
ciações se arrastariam. De acordo com
os esboços do documento que foram
surgindo até sexta de manhã, parecia
certo que apesar de o texto “reconhe-
cer que os impactes das mudanças
climáticas serão muito menores com
1,5° C do que com 2° C”, o anúncio de
novos compromissos de redução de
emissões fica adiado para 2022.
Para o leitor, tudo isto deve parecer
estranho, quando há 13 dias os líde-
res mundiais presentes em Glasgow
reconheciam a “urgência da crise cli-
mática” e prometiam cooperar para
alcançar a meta perante “a janela de
oportunidade que se está a fechar”
para atenuar os cenários catastróficos
para a Humanidade. Contudo, as coi-
sas são mais complexas.
“Há um dilema nas COP que é
ter obrigatoriedade de votação por
consenso”, explica o cientista Johan
reduzir as emissões de metano, ou a
que prevê acabar com novas licenças
e concessões de gás e petróleo, mas es-
tas terão de juntar muitos mais países
e ser mesmo aplicadas.
Há muito blablablá nos discursos,
como referiu a ativista Greta Thun-
berg. E os lobies nos corredores das
negociações vão fazendo o seu tra-
balho para tentar cortar ou limar o
que não lhes interessa. Recorde-se
que a maior delegação presente nesta
COP26 está associada à indústria de
combustíveis fósseis (com 503 dele-
gados).
Em menos de 24 horas, entre quinta
e sexta-feira, dois esboços da decla-
ração de Glasgow avançavam com
“O MUNDO LÁ FORA
ESTÁ A PERDER
A PACIÊNCIA E NÃO
PODEMOS CONTINUAR
A EMPURRAR ESTES
“requerer” que o fizessem. Já a passa-
gem referente ao fim dos combustíveis
fósseis não foi eliminada (apesar de
países como a China, a Arábia Saudita
ou a Austrália terem tentado), mas
o texto foi atenuado e, em vez de as
partes serem chamadas a “acelerar
o abandono faseado do carvão e dos
subsídios fósseis”, passou a constar
que só se referiam aos “subsídios ine-
ficientes aos combustíveis fósseis”.
De qualquer modo, várias organiza-
ções não governamentais de ambien-
te sublinham que ter a referência ao
phasing out do carvão e dos subsídios
fósseis é uma novidade num texto fi-
nal de uma Conferência das Partes da
Convenção-Quadro das Nações Uni-
das sobre Alterações Climáticas. Falta
é clarificar como vai ser aplicado.
“Remover essa passagem seria um
extremo mau sinal”, afirmou o vice-
-presidente-executivo da Comissão
Europeia, Frans Timmermans, na
quinta-feira, prometendo que tudo
faria para que “a linguagem [do texto
final] seja o mais dura possível” em re-
lação ao fim dos combustíveis fósseis.
O responsável sublinhou que “a única
forma de a Humanidade conseguir so-
breviver no planeta é livrando-se desta
COP tem em fechar o acordo”.
Muitos esperam que o recente en-
tendimento de cooperação EUA-Chi-
na “simbolicamente” contribuísse
para se desbloquear um acordo em
Glasgow, como aconteceu na COP21,
em Paris, há seis anos. Apesar de
aplaudir este avanço, o secretário-ge-
ral da ONU, António Guterres, frisou
que “as promessas soam vazias quan-
do a indústria de combustíveis fósseis
ainda recebe biliões em subsídios e
há países ainda a construir centrais a
carvão”. Estão projetados mais de 800
perfurações para extração de gás e de
petróleo até 2022, em 76 países, de-
nunciou a plataforma Climate Justice.
A COP26 está longe de ser um suces-
so. Para ter “credibilidade”, Glasgow
“tem de ser o momento em que tudo
fica acordado”, frisou Rockström,
lembrando que “o mundo lá fora está
a perder a paciência e não podemos
continuar a empurrar estes acordos
para o futuro”. Mas esse parece ser o
desfecho, apesar de “não se projetar
uma cimeira de pouco ou nada”, nas
palavras de Francisco Ferreira, da
Zero. Para a jovem ativista sul-afri-
cana Raeesah Noor-Mohamed, de 20
anos, “a sensação é a de que estamos

ACORDOS PARA O
ses com efeito de estufa até final desta Rockström, diretor do Instituto Pots- dependência” e que é “impensável aqui como se nos tivessem dado um
década —, os cientistas apontam para dam, defendendo que as coisas seriam continuar a subsidiar-se combustíveis bilhete para assistir à destruição do

FUTURO”, DIZ ROCKSTRÖM

uma subida de 2,4° C. É o que indicam mais simples “se a votação fosse por fósseis ao ritmo de 11 milhões de dóla- nosso futuro”.
as contas do Climate Action Tracker, maioria”. Os progressos entretanto res por minuto”. Também o ministro ctomas@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 23

Sabemos
o que as pessoas
que investem
no futuro
esperam de nós.
Durante estes tempos difíceis que
passámos, os portugueses nunca
deixaram de investir no futuro.
Mantiveram sempre presente os
seus sonhos e não deixaram de
pensar no amanhã.
E agora, sabemos o que esperam
de nós: soluções de investimento,
reforma e proteção e um Banco
sempre presente.

Saiba como o podemos apoiar

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Caixa Geral de Depósitos, S.A.

24 PRIMEIRO CADERNO
CULTURA
Teatro de São Carlos recebe
maior fatia do PRR
Arquivo da PIDE e manuscritos do Marquês de Pombal serão digitalizados
Textos Christiana Martins
Dos €150 milhões previstos no
Plano de Recuperação e Resi-
liência (PRR) para a “valoriza-
ção, salvaguarda e dinamização
do património cultural”, 20%
serão investidos em obras no
Teatro Nacional de São Carlos.
Em segundo lugar no ranking
dos equipamentos mais bene-
ficiados pelos apoios europeus
surge o Museu Nacional de Ar-
queologia, que receberá €24,5
milhões, seguindo-se o Teatro
Nacional D. Maria II (€9,5 mi-
lhões) e o Palácio Nacional de
Mafra (€8,6 milhões).
As obras terão de estar con-
cluídas até ao final de 2025 e
os primeiros contratos entre a
Direção-Geral do Património
Cultural, as autarquias e os di-
retores dos museus, palácios
e monumentos começaram a
ser assinados esta semana, na
presença da ministra da Cultu-
ra, Graça Fonseca, que ontem
se deslocou à zona de Coimbra
para assinalar as intervenções
no Museu Nacional Machado
de Castro, no Mosteiro de San-
ta Clara-a-Velha e no Museu
Monográfico de Conímbriga.
No total, 46 museus, monu-
mentos e palácios e três teatros
nacionais serão alvo de obras
de requalificação e conserva-
ção no âmbito do PRR.
No caso do Museu Nacional
de Arqueologia, em Belém, se-
rão realizadas obras extensas,
que, segundo Graça Fonseca,
irão permitir aos visitantes
terem acesso a mais peças do
espólio, muitas das quais reme-
tidas para as reservas por falta
de espaço expositivo. “O museu
vai mudar totalmente, será um
projeto de grande fôlego, mas
esta intervenção está pensa-
da há muitos anos e porque já
havia um projeto foi possível
avançar de imediato”, afirma
a responsável. O arquiteto será
Carlos Guimarães, diretor da
Faculdade de Arquitetura do
Porto, e os detalhes da reno-
vação serão apresentados no
próximo mês.
Questionada sobre porque a
expansão do Museu Nacional
de Arte Antiga não foi incluída
no PRR, Graça Fonseca justi-
fica com a complexidade das
intervenções, que não teriam
tempo para estar concluídas no
prazo exigido. “Não creio que
fosse possível”, afirma a minis-
tra. O calendário de aplicação
do plano na área da cultura está
definido, com concentração da
realização de concursos e ad-
judicação das obras em 2023.
No próximo ano avançam já
as adjudicações no Museu da
Música, que será transferido
para uma área não visitada do
Palácio de Mafra, e no Teatro
Nacional D. Maria II.
Nos casos em que a exten-
são das intervenções obrigue
ao encerramento dos equipa-
mentos — Museu Nacional de
Arqueologia e Teatro Nacional
D. Maria II, que encerra já no
próximo ano —, a ideia da tute-
la é que a atividade se mante-
nha quer através da utilização
de outros espaços, quer com a
circulação pelo país das peças
ou dos artistas. Ou ainda com
o aproveitamento da ausência
Os quatro
equipamentos culturais
que recebem maior
investimento estão
na área de Lisboa
e Vale do Tejo
dos visitantes para a realização
de um profundo levantamento
do acervo.
Para Graça Fonseca importa
sublinhar que todas as inter-
venções geram a oportunidade
de “criar emprego, já que são
edifícios classificados, muito
complexos e que necessitam
do recurso a profissionais alta-
mente especializados de dife-
rentes áreas, como a recupera-
ção de azulejos, talha dourada,
ou de frescos”.
Para lá do património
O PRR da cultura inclui ainda
€93 milhões, que serão apli-
cados na transição digital e na
modernização tecnológica dos
equipamentos públicos, como
a Cinemateca, teatros, cinetea-
tros, bibliotecas e laboratórios
de conservação e restauro.
“Um dos objetivos da digitali-
zação é permitir a internacio-
nalização dos equipamentos,
que passam a estar acessíveis
a públicos de qualquer parte”,
defende Graça Fonseca.
Entre as prioridades estão
ainda a criação de cobertura
wi-fi para 50 museus, palácios
e monumentos (€10 milhões)
e a aquisição de equipamentos
de projeção digital de cinema e
de vídeo para 155 cineteatros e
centros de arte contemporânea
(€23,2 milhões). A moderniza-
ção tecnológica dos laborató-
rios contará com €3,3 milhões
e do Arquivo Nacional da Ima-
gem e Movimento com €900
mil. A aquisição de equipamen-
to para a instalação do Arquivo
Nacional do Som tem previstos
€2 milhões.
Na área dos livros, o plano
prevê apoios financeiros às
editoras e livrarias para desen-
volver o segmento de e-books
e audiolivros, assim como a
digitalização de catálogos. Se-
rão aplicados €5,95 milhões na
aquisição de equipamentos in-
formáticos, na criação de biblio-
tecas itinerantes online para as
293 bibliotecas públicas. Desta
forma, os cinco municípios que
não têm uma destas unidades
(Aljezur, Calheta de São Jorge,
Marvão, Terras de Bouro e Vila
Viçosa) poderão passar a contar
com o serviço itinerante.
Pela primeira vez, assinala a
ministra, serão digitalizados os
fundos manuscritos da Biblio-
teca Nacional, cujo documento
mais antigo é de 1010, assim
como o arquivo do Marquês
de Pombal. Toda a documenta-
ção em pergaminho do Cabido
da Sé do Porto e o arquivo da
PIDE, depositado na Torre do
Tombo, também serão digita-
lizados. Já em 2022 serão di-
gitalizados filmes de todas as
épocas do cinema português e
a obra completa de Manoel de
Oliveira estará integralmente
disponível em formato digital
até 2025.
A ministra não esquece uma
área que reconhece lhe ser
cara: a preservação das artes
artesanais, para as quais o PRR
destinou €2 milhões, aplica-
dos em ações de formação de
novos artesãos e na capacita-
ção destes profissionais para
a divulgação e venda dos seus
produtos através da criação de
rotas relacionadas com as uni-
dades produtivas.
camartins@expresso.impresa.pt
Um quinto da verba
para a recuperação do
edificado será aplicado
no Teatro de São Carlos
FOTO D.R.
TRÊS PERGUNTAS A
Graça Fonseca
Ministra da Cultura
P Porque estão na área
de Lisboa e Vale do Tejo as
quatro obras que recebem
os maiores investimentos de
recuperação do património
do PRR?
R Porque nunca teríamos esta
oportunidade para investir de
forma estrutural no patrimó-
nio da capital, já que esta área
está há décadas excluída quan-
do se trata de receber verbas
dos quadros comunitários de
apoio. Assim, decidimos utili-
zar uma lógica de complemen-
taridade regional, que faz todo
o sentido. Se assim não fosse,
não teria sido possível intervir
com obras dessa dimensão nos
Jerónimos ou na Torre de Be-
lém, por exemplo.
P Qual o principal impacto
do PRR na área da cultura em
Portugal?
R Não podemos esquecer que
o PRR surge na sequência de
uma crise pandémica e num
momento em que é neces-
sário recuperar a economia.
O sector da cultura foi parti-
cularmente atingido e o que
procurámos fazer foi colocá-lo
no centro dos objetivos des-
se Plano, que são a transição
para a economia digital e para
a economia verde, e por isso as
intervenções terão em conta,
por exemplo, as necessidades
de sustentabilidade energética.
Mas esta é também uma forma
de criar emprego e de remu-
nerar os profissionais da área.
P Está a fazer um balanço e
a fechar dossiês, agora que
foram convocadas novas elei-
ções legislativas?
R Em dezembro vamos dedi-
car um dia para partilhar com
todos os intervenientes e com
todos os interessados os deta-
lhes do PRR. Não há dúvidas
de que este Governo acabou e
de que é preciso dar conta do
que foi feito.
Expresso, 13 de novembro de 2021
O FUTURO DO FUTURO
Um dia haverá
previsão de sismos.
Só não se sabe quando
A instalação de cabos submarinos que
detetam sismos vindos do Atlântico vai ficar
à espera da aprovação do Orçamento
Ao contrário do céu, o interior da Terra não é
transparente. E por isso a um sismólogo como
Fernando Carrilho deparam-se desafios bem di-
ferentes de colegas de outros departamentos do
Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA),
que podem relacionar as previsões do dia anterior
com as nuvens que veem no horizonte. “Há sismos
com origem a 10, 20, 100 ou mais quilómetros de
profundidade... e as tecnologias existentes não per-
mitem saber o que se passa nesses locais”, explica o
chefe da Divisão de Geofísica do IPMA.
Nos anos 70, vários cientistas tentaram encon-
trar forma de prever sismos — mas esse primeiro
ímpeto perdeu grande parte da força passados
20 anos. “Se disser que vai ocorrer um sismo de
magnitude 3 ou 4 em Lisboa, poderei estar corre-
to (devido às características da região). Mas não
consigo saber quando vai ocorrer esse sismo. Uma
previsão tem de ter instante de ocorrência, local e
magnitude, caso contrário não é uma previsão de
sismo”, acrescenta Fernando Carrilho.
A expectativa do século passado gorou-se e os
avanços tecnológicos recentes também não têm
ajudado muito. “Já se fazem tomografias do interior
da Terra, mas as imagens não têm muita resolução,
além de exigirem campanhas científicas muito
caras e morosas”, explica Rui Moura, professor da
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Perante a dificuldade na recolha de dados, alguns
cientistas ainda tentaram estabelecer uma relação
entre sismos e alterações de campos eletromagné-
ticos ou emissão de gás radão. Mas esses estudos
também foram inconclusivos. “Há vários locais
com aumento de emissões de radão e alteração
de campos eletromagnéticos e que não sofreram
sismos”, lembra Fernando Carrilho.
À falta de solução, os esforços passaram a incidir
na mitigação. E o Japão, com quatro mil estações
sísmicas e redes de sensores no Pacífico, é a referên-
cia nesta abordagem. As ondas sísmicas percorrem
o fundo do oceano a velocidades de quatro a sete
quilómetros por segundo, mas as redes de sensores
“ultrapassam-nas”, por viajarem à velocidade da
luz, permitida pela fibra ótica. O que dá para emitir
alertas dezenas de segundos antes de o sismo afetar
o arquipélago, famoso pela automatização. “Mesmo
que sejam três segundos de avanço, já faz diferença.
É o tempo suficiente para se abrirem portas, se des-
ligar o gás ou os elevadores pararem no sítio certo
de forma automática”, refere Rui Moura.
México e EUA já têm redes de sensores — e há
planos para Portugal se juntar ao clube da “mitiga-
ção”. O projeto tem sido desenvolvido pelo IPMA,
Instituto de Telecomunicações e Instituto D. Luís,
no consórcio LEA. O objetivo é aproveitar a subs-
tituição do anel de cabos de telecomunicações
submarinos que ligam continente, Açores e Ma-
deira por cabos com sensores. Fernando Carrilho
acredita que o investimento compensa, “mesmo
com um acréscimo de 10% nos custos”.
A renovação terá de ficar concluída até 2027,
quando os atuais cabos terminam o ciclo de vida.
“O Orçamento do Estado já previa este investi-
mento, só que acabou por não ser aprovado. É uma
decisão imperiosa que vai ser necessário tomar em
breve”, conclui Fernando Carrilho.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de novembro de 2021
CESPU prepara
Mestrado Integrado
em Medicina
Com uma tradição firmada ao longo de 39 anos a ensinar saúde,
a Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário
(CESPU) aguarda a aprovação do Mestrado Integrado
em Medicina (MIM) para assim completar o ciclo de ensino
em Ciências e Tecnologias da Saúde
Assumindo-se como uma referência
no ensino superior privado, na área
da saúde, dentro e fora de portas, a
CESPU prepara-se para dar um passo
fundamental no âmbito da missão que
abraçou há quase quatro décadas: ensinar
saúde. Esta instituição de ensino pretende
ministrar um MIM, cujo projeto aguarda
agora a aprovação das autoridades
competentes.
Na continuidade natural da licenciatura
em Ciências Biomédicas da CESPU/
Instituto Universitário de Ciências da
Saúde (IUCS), o MIM terá a duração de
sete anos letivos (três de licenciatura,
acrescidos de quatro de mestrado) e
será estruturado de forma idêntica à dos
melhores mestrados internacionais, o
que permitirá aos estudantes o contacto,
em ambiente clínico (hospitalar e centros
de saúde), com todas as especialidades
médico-cirúrgicas. Este ciclo de estudos
visa distinguir-se, contudo, pela especial
ênfase que será dada à Medicina Familiar
e Comunitária, em particular nas áreas da
Medicina Geral e Familiar, Saúde Pública,
Geriatria e Cuidados Continuados.
Projeto de saúde
integrado
Está previsto que as atividades letivas
decorram no campus do IUCS, em Gandra,
Paredes, e no Trofa Saúde Hospital
Central (TSHC), em Vila do Conde,
hospital escola do ensino do MIM. Outros
locais de referência serão também a
Unidade Local de Saúde de Matosinhos,
que inclui o Hospital Pedro Hispano, o
Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa
e vários Agrupamentos de Centros de
Saúde (ACES) afiliados, com os quais a
CESPU tem protocolos de ensino.
Note-se que o TSHC é o maior hospital
privado do país (549 camas), com
residência universitária (126 camas),
polivalente, subordinado a um projeto de
PRIMEIRO CADERNO 25
PUBLICIDADE
Condições
de acesso
O MIM foi concebido como um
programa de ensino médico
bietápico, aproveitando a
experiência da CESPU/IUCS
adquirida ao longo dos seus
39 anos, em particular com o
desenvolvimento do 1.º ciclo
de estudos (CE) em Ciências
Biomédicas (180 ECTS). Este,
ou equivalente CE, será adotado
como requisito para o acesso ao
3.º ano dos seis do MIM (total
360 de ECTS). Os três anos do
1.º CE em Ciências Biomédicas
corresponderão aos dois
saúde integrado (atividade assistencial, tendo naturalmente acesso privilegiado, primeiros do MIM (creditação
investigação, ensino de conteúdo após entrevista, os estudantes melhor de 120 ECTS), o qual será
prático de disciplinas das ciências classificados na licenciatura em Ciências
completado com mais quatro anos
e tecnologias da saúde e formação Biomédicas da CESPU.
de ensino clínico (240 ECTS),
contínua especializada). Estes recursos
num total de sete anos de
de excelência estão ainda alicerçados Corpo docente
formação de 360 ECTS.
numa rede hospitalar com unidades e experiente
infraestruturas atuais, com um corpo
clínico capaz de garantir um serviço Outro dos pontos fortes do MIM
clínico com as melhores práticas ministrado pela CESPU/IUCS é o seu totalidade em tempo integral na CESPU.
internacionais, vocacionado para o corpo docente, que integrará 98 docentes, É ainda de referir a grande experiência
ensino médico e avaliado positivamente dos quais 87 doutorados, cinco mestres no ensino e na organização universitária
pelo Sistema Nacional de Avaliação e quatro licenciados-especialistas, de granjeada por cerca de uma dezena
em Saúde. Poderão inscrever-se neste todos os graus da carreira académica destes docentes. Nesse sentido, o MIM
mestrado estudantes previamente (catedráticos, associados e auxiliares) contará, por exemplo, com a experiência
licenciados em Ciências Biomédicas, e de diferentes grupos etários, a quase de antigos diretores de departamentos
académicos, um ex-diretor de Faculdade
de Medicina e dois ex-diretores de
CESPU: uma referência mestrados integrados em Medicina, em
duas escolas médicas.
a ensinar saúde
A nível de direção de hospitais
universitários, vários dos docentes da
CESPU exerceram funções de diretor de
Reconhecida internacionalmente serviço, três de presidentes de conselho
como uma instituição de ensino de administração e dois foram diretores
clínicos. Para além disso, outro dos
não estatal de referência na
docentes foi presidente da ARS e de
área da saúde, a CESPU conta,
vários conselhos de administração
aproximadamente, com 3100
hospitalar, sendo ainda, presentemente,
estudantes, oriundos de 15 países
um dos docentes presidente do conselho
diferentes. Esta cooperativa, a de administração de um grande hospital
única escola privada nacional que público.
se dedica em exclusivo ao ensino Refira-se ainda, a título de exemplo, a
na área da saúde, tem, desde há experiência de docentes deste MIM na
vários anos, ficado muito bem direção de hospitais privados, seja como
colocada na lista das escolas de ensino superior nacionais, nomeadamente diretor e administrador, seja como diretor
no insuspeito ranking internacional Scimago/Scopus, como a escola não clínico, encontrando-se dois deles,
estatal mais bem classificada (no 1.º quartil, 7.º lugar em 2021). Para assegurar presentemente, nessa função.
Intencionalmente, a composição do
todas as suas atividades, a CESPU conta atualmente com o contributo de
corpo docente do mestrado integra
548 colaboradores, dos quais 158 são não docentes. Os restantes 390 são
professores seniores e experientes,
docentes e destes, 190, são doutorados, 79 são mestres, 37 especialistas
juntamente com outros mais jovens na
e 84 são licenciados, números que aumentarão substancialmente após a carreira académica, o que permitirá de
aprovação do MIM, nomeadamente com mais 85 doutorados (23 catedráticos, imediato um início rápido e fiável do MIM
23 associados e 39 auxiliares), integrados em 96 Centros de Investigação, dos e, simultaneamente, preparar o futuro,
quais 52, com a classificação de excelente e 21 de muito bom, apresentando, assegurando uma transição de forma
em conjunto, mais de 5000 publicações. estável e progressiva.
26 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de novembro de 2021

INTERNACIONAL EUROPA

Muros Há uma nova rota de migração às portas da UE. Grupo de 12

Estados-membros quer construir barreiras com fundos comunitários

O regresso ISLÂNDIA

das ‘cortinas
de ferro’
IRLANDA

de sofrer represálias no emprego; os placas de metal, com quatro metros Países da União Europeia
Texto Ana França
membros da Green Light, porque a de altura e mais meio metro de ara-

A
Infografia Jaime Figueiredo
“ tenção, por favor.
Atenção, por favor.
Atravessar a fron-
teira só é permitido
nas zonas oficiais
de entrada.” A voz
pausada ecoa pe-
las florestas, aviso
insistente: não se
pode passar, ninguém vai passar, é
melhor irem-se embora. “As frontei-
ras da Polónia estão fechadas, a Bi-
elorrússia mentiu-vos. Voltem para
Minsk”, dizem as mensagens escritas
que chegam ao mesmo tempo aos te-
lemóveis das pessoas que estão presas
na fronteira entre a Polónia e a Bielor-
rússia. Vídeos gravados pelo próprio
Ministério da Defesa polaco mostram
pessoas a dormir coladas umas às ou-
tras por causa do frio, crianças com
as mãos sobre uma fogueira, gente
ferida, lábios roxos, tendas ensopadas,
sapatos esfarelados.
Impedidos de se deslocarem à frontei-
ra em si, já que o estado de emergência
em vigor nas zonas fronteiriças da Po-
lónia o impede, os jornalistas têm-se
concentrado nas florestas próximas
dessa zona de exclusão (com cerca de
três quilómetros de largura), à espera
de encontrar quem já tenha consegui-
do passar sem ser visto. Alguns são
ajudados por organizações locais, como
os Medycy Na Granicy (Médicos na
Fronteira) ou a iniciativa Green Light.
Apesar de termos falado com estas
sua ajuda consiste em abrirem as suas
próprias casas a migrantes para que
possam tomar banho, comer ou carre-
gar os telemóveis. Podem ser julgados
por auxílio à imigração ilegal. “Sim, é
perigoso, temos luzes verdes a iden-
tificar as nossas casas, a polícia pode
vir aqui interrogar-nos e os migrantes
que ajudamos também podem sofrer
represálias, mas temos de ajudar. O
frio é insuportável”, disse ao Expres-
so, via Facebook, um dos moradores
na fronteira, que decidiu identificar
a sua casa como porto relativamente
seguro para quem passa a fronteira.
UE não paga muros. Ou vai pagar?
Desde a queda do Muro de Berlim, de
que se assinalaram 32 anos na terça-
-feira, ergueram-se na Europa mais
de mil quilómetros de barreiras, seis
vezes o cumprimento desse muro cuja
destruição é celebrada pelo Velho Con-
tinente. Em todo o mundo, seis em
cada 10 pessoas vivem em países que
têm uma ou várias destas barreiras,
segundo o estudo “Walled World”
(Mundo dentro de Muros), do Trans-
national Institute (TNI). A Ásia tem
mais de metade das fronteiras físicas
artificiais (56%) e a Europa vem em
segundo lugar, com mais de um quarto
de todos os muros do mundo (26%).
Estão em construção ou em fase de
extensão pelo menos três novas fron-
teiras físicas: Lituânia, Letónia e Po-
lónia querem fechar-se à Bielorrússia.
Na Lituânia, o plano é construir,
REINO UNIDO
me farpado, já estão de pé em Drus- Os 12 países que assinaram
kininkai. Até abril, quando o clima uma carta, dirigida à Comissão
volta a permitir movimentações mais
frequentes, o Governo da primeira-
Europeia, para que as barreiras
para travar o fluxo de migrantes
-ministra Ingrida Simonyte espera BÉLGICA
fossem pagas com fundos
ter conseguido colocar estas placas comunitários
de metal ao longo de 110 quilómetros.
Na Polónia o plano também já está Muros construídos entre 2015
em andamento e deve começar por e 2017, no pico da crise migratória
cobrir 200 dos 400 quilómetros de
fronteira (e custar €353 milhões). Novos muros em construção,
A Letónia também já avisou que vai especificamente contra a entrada
construir uma barreira, mas para já de migrantes pela Bielorrússia FRANÇA
está a instalar arame farpado em 60
quilómetros de fronteira.
A presidente da Comissão Europeia,
Ursula von der Leyen, tem dito que
o orçamento comunitário não será
utilizado “em muros e arame farpa-
do”, mas quarta-feira o presidente do
Conselho Europeu abriu uma frincha
a essa hipótese. “Segundo a leitura
dos serviços de aconselhamento jurí-
dico do Conselho, é possível”, afirmou
PORTUGAL ESPANHA
“É UMA MENSAGEM
CLARA PARA TODOS
OS IMIGRANTES ILEGAIS:
NÃO PODEM PASSAR
PELA HUNGRIA”, DIZ
O MINISTÉRIO DO
MARROCOS ARGÉLIA

INTERIOR HÚNGARO
duas organizações, ninguém quis dar no total, 500 quilómetros de barrei-
o nome. O médico, porque tem medo ras (por €152 milhões). As primeiras

Guerra potência regional que está a

ameaçar alguns dos seus vizi-
e Paz nhos mais próximo por razões
de fraqueza e não de força”.
É assim que continuamos a
Miguel Monjardino avaliar a Rússia. O país está
miguelmonjardino@gmail.com
estagnado do ponto de vista
político e não tem base econó-
mica nem valores políticos que
A Rússia de novo lhe permitam voltar a ser uma
grande potência. O futuro não
parece estar a ser inventado em
que as migrações de pessoas
oriundas do Levante continu-
am a ser matéria de conflito
político nos países europeus.
Tal permite-lhe afirmar que
a União Europeia está a criar
“um desastre humanitário” na
fronteira com a Bielorrússia.
Os seus alvos escolhidos são a
reputação externa de Bruxelas
e a política interna dos seus es-
tados-membros.
cadas para permitir aos deciso-
res políticos a opção de levar a
cabo uma operação militar em
tempo útil. A retórica russa em
relação à Ucrânia tem vindo a
endurecer ao longo do ano. No
início do mês, a administração
Biden enviou à capital russa o
diretor da CIA, William Burns,
afirmar a posição de Washing-
ton sobre essa matéria. Entre-
tanto, Moscovo continua a uti-
Parte da dificuldade dos lí-
deres e instituições europeias
com a Rússia é compreender o
jogo que está realmente a ser
jogado e porquê. Putin e o seu
regime sabem que a chave da
sua sobrevivência a nível inter-
no passa pela confrontação de-
liberada, mas controlada, com
os países europeus. A demons-
tração externa do poder russo
é vista no Kremlin como essen-

O
inesperado faz parte da
política internacional.
Exemplos? A queda
do Muro de Berlim em
1989 e o colapso da URSS no
final de 1991. Então, ninguém
pensou que tais acontecimen-
tos fossem possíveis. Todavia,
tiveram mesmo lugar. As ca-
pitais europeias não estavam
preparadas, do ponto de vista
mental e político, para a im-
plosão da URSS e do seu poder.
Trinta anos depois, estamos
surpreendidos com algo com-
pletamente diferente: a capa-
cidade reiterada de Moscovo
para criar sérios problemas
políticos no Velho Continente.
O Kremlin parece-nos agora
ser muito mais poderoso do
que pensávamos.
À primeira vista, isto não
faz sentido. Comparada com
os EUA, China, Japão, Índia,
Alemanha, a França e a Ingla-
terra, a Rússia fica muito atrás
de todos em termos de dimen-
são económica, prosperidade
e capacidade de inovação. Tal
levou Barack Obama a afirmar
em 2014 que “a Rússia é uma
Moscovo.
É verdade. Não está. Toda-
via, que vemos na Europa? A
Bielorrússia, com o apoio da
Rússia, está a usar os migran-
tes que procuram desesperada-
mente entrar na Polónia para
garantir a sobrevivência do seu
regime e forçar o levantamen-
to das sanções que lhe foram
impostas pela União Europeia
após as “eleições” presidenciais
realizadas no ano passado. Em
Moscovo, Vladimir Putin sabe
muito bem que as divergências
políticas entre Varsóvia e Bru-
xelas são graves. Também sabe
Entretanto, junto à frontei- lizar a dependência europeia cial para garantir a estabilidade
ra da Ucrânia, uma série de em relação ao gás natural russo doméstica. Temos chamado a
unidades militares russas tem para conseguir a aprovação fi- isto “guerra híbrida”. Moscovo
vindo a ser reforçada durante nal do gasoduto Nord Stream tem propensão elevada para
as últimas semanas. É possível 2 e a alteração da legislação do correr riscos e continua a levar
que tenham sido para ali deslo- mercado de energia europeu. a cabo uma campanha de deses-
tabilização política na Europa.
A Rússia pode não ser uma
grande potência no sentido
Putin sabe muito bem que as divergências políticas tradicional do conceito, mas
entre Varsóvia e Bruxelas são graves e que as encontrou uma forma inte-
migrações do Levante continuam a ser matéria de ligente de participar no jogo
das grandes potências através
conflito político nos países europeus. Tal permite- de outros meios. Até quando
-lhe afirmar que a UE está a criar “um desastre poderá continuar a fazê-lo? A
humanitário” na fronteira com a Bielorrússia resposta dependerá, em parte,
das lideranças europeias.
 Expresso, 13 de novembro de 2021
Charles Michel numa visita a Varsóvia,
onde se reuniu com o primeiro-minis-
tro polaco, Mateusz Morawiecki, uma
das vozes que mais têm pressionado a
UE a investir no reforço das fronteiras
externas a leste.
Em outubro, 12 Estados-membros
(ver mapa) enviaram uma carta à Co-
missão a pedir que seja o orçamento
da UE a financiar a construção de
muros para impedir que a nova rota
migratória pela Bielorrússia se efetive.
E a resposta que Von der Leyen deu na
altura está a tornar-se cada vez mais
difícil de honrar.
A pressão na fronteira entre a Po-
lónia e a Bielorrússia aproxima-se do
politicamente insuportável: segundo o
Executivo de Morawiecki, pelo menos
30 mil pessoas já tentaram a travessia
SUÉCIA FINLÂNDIA
desde que, no verão, o Presidente bie-
lorrusso, Aleksander Lukashenko,
autorizou a liberalização de vistos de
turista para cidadãos de vários países
NORUEGA do Médio Oriente, criando uma nova
rota para as fronteiras da UE.
ESTÓNIA Muros desviam, não impedem
RÚSSIA
Segundo os serviços secretos alemães,
a cada dia chegam a Minsk entre 800
e mil pessoas com a intenção de conti-
LETÓNIA nuarem os seus trajetos até à UE, no-
meadamente para os países do Centro
e Norte. Só à Alemanha já chegaram
DINAMARCA LITUÂNIA mais de oito mil por esta nova rota a les-
te. Quinta-feira, a “guerra híbrida” que
a UE acusa Minsk de estar a orquestrar
subiu de tom. Lukashenko ameaçou
BIELORRÚSSIA cortar o abastecimento de gás que che-
PAÍSES ga da Rússia à Europa mas passa pelo
BAIXOS POLÓNIA seu território. “E se cortarmos o gás
natural que vai para lá? Aconselho os
líderes polacos, lituanos e outros sem
ALEMANHA cérebro a pensarem antes de falar.”
O Expresso enviou perguntas a
UCRÂNIA todos os 12 Ministérios do Interior
LUX.
dos países que assinaram a carta,
REP. CHECA
mas apenas a Hungria e a Polónia
ESLOVÁQUIA responderam — e não exatamente
às perguntas formuladas. Budapes-
MOLDÁVIA te, apesar de apoiar a iniciativa, não
ÁUSTRIA pensa construir muros além do que já
HUNGRIA tem a sul. “A barreira que temos está
SUÍÇA
a funcionar bastante bem. De qual-
ESLOVÉNIA ROMÉNIA
quer forma, a Hungria vai continuar a
CROÁCIA proteger as suas fronteiras e as da UE
a qualquer custo. É uma mensagem
ITÁLIA clara para todos os imigrantes ilegais:
BÓSNIA SÉRVIA não podem passar pela Hungria”, ex-
plica ao Expresso, numa resposta por
e-mail, fonte do Ministério do Interior
BULGÁRIA magiar. Já Varsóvia defende apenas
que, “para garantir a integridade e
MONTENEGRO
MACEDÓNIA
ALBÂNIA
“ENQUANTO PAGARMOS
A AUTOCRATAS PARA
GRÉCIA TURQUIA
IMPEDIREM QUE AS
PESSOAS CHEGUEM
À EUROPA, VAMOS ESTAR
SOB CHANTAGEM”, DIZ A
TUNÍSIA CHIPRE
MALTA
ATIVISTA NATALIE GRUBER
PRIMEIRO CADERNO 27
o funcionamento normal do Espaço
Schengen, todas as fronteiras exter-
nas devem ser protegidas ao máximo”.
“As fronteiras não impedem nin-
guém, recebemos fotografias de
pessoas depois de passarem muros,
saltarem ou abrirem túneis, mesmo
quando as fronteiras físicas são refor-
çadas, como aconteceu recentemente
entre a Grécia e a Turquia. Os fluxos
alteram-se e as pessoas encontram
sempre forma de passar, é irrealista
pensar que podemos construir mu-
ros de 10 metros, de betão, à volta de
toda a UE”, diz ao Expresso Natalie
Gruber, diretora da associação Josoor,
que presta assistência humanitária
nas várias fronteiras da UE, nomeada-
mente aos migrantes que são reenvia-
dos para a origem sem poderem pedir
asilo. Isto já está a acontecer, aliás, na
fronteira entre a Polónia e a Bielor-
rússia. O Parlamento polaco aprovou
uma lei que permite a expulsão sumá-
ria, sem acesso a um processo de asilo.
O que realmente impede as pessoas
de chegarem às fronteiras, diz Gruber,
“é a tecnologia”. Cada vez há mais dro-
nes, câmaras de visão noturna e de de-
teção de calor, aviões sobre o Mediter-
râneo, “tudo para identificar grupos
em trânsito e os impedir de chegarem
sequer a uma fronteira”. Mesmo que
o orçamento comunitário não possa
ser utilizado na construção de muros,
a UE tem quase €34.900 milhões des-
tinados à gestão de fronteiras, e todas
estas tecnologias podem ser pagas
com dinheiro europeu. “Estes novos
muros são símbolos políticos. Uma
forma de mostrar que alguma coisa
está a ser feita, mas, como é impossí-
vel viver em guerra e as pessoas fogem
da fome há milénios, vai continuar a
acontecer”, diz Gruber.
A chantagem compensa?
Em 2016, a UE entregou à Turquia €6
mil milhões para que o país estancasse
o fluxo de migrantes para a Europa. Em
versões diferentes, há acordos similares
com a Líbia, Marrocos ou o Egito.
O ministro dos Negócios Estran-
geiros russo, Sergei Lavrov, deixou a
pergunta no ar, esta terça-feira: “Se
a Europa enviou dinheiro para a Tur-
quia para garantir que os migrantes
ficassem na Turquia, porque não quer
agora ajudar a Bielorrússia da mesma
forma?” Gruber critica a tática de Bru-
xelas: “Enquanto continuarmos a pa-
gar a líderes autocráticos para impedi-
rem que as pessoas cheguem à Europa,
vamos estar sempre sob chantagem.”
Mesmo fora da UE já estão a nascer
muros como profilaxia contra o grande
número de afegãos que se espera que
venham, agora que os talibãs negam
os mais básicos direitos à população:
na Turquia, perto de Van, na fronteira
com o Irão, há betoneiras e retroesca-
vadoras a trabalhar dia e noite, contra
o tempo que as pessoas demoraram a
aperceber-se de que vão ter de deixar
os seus países. Não é algo que aconteça
de forma imediata. Habituámo-nos a
situar o início da crise migratória no
ano de 2015, mas a guerra na Síria
começou em março de 2011.
afranca@expresso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO
NICARÁGUA
Nicaraguenses exilados na
Costa Rica manifestam-se
contra a reeleição do
Presidente Daniel Ortega,
que o mundo considera ter
sido fraudulenta FOTO EZEQUIEL
BECERRA/AFP/GETTY IMAGES
Ditadura Daniel Ortega fez-se reeleger num ato que a comunidade internacional não reconhece.
Opositores presos e exilados tentam criar condições para um “milagre” que faça cair o seu regime
“Juntos somos um vulcão.”
O difícil é mantê-lo ativo
Daniel Lozano
A
em San José (Costa Rica)
os 76 anos, Daniel
Ortega celebrou em
grande a vitória nas
presidenciais de dia
7, um ato eleitoral
desacreditado pela
comunidade inter-
nacional, montado
pela revolução san-
dinista. “Os que estão presos são filhos
de uma cadela dos imperialistas ian-
ques, deviam levá-los para lá, porque
há muito que deixaram de ser nicara-
guenses. Não têm pátria.” O homem
que dirige a Nicarágua desde 2007,
após outro período entre 1979 e 1990,
bailou, cantou, arengou e insultou
os 160 presos políticos encarcerados
nas suas masmorras, incluindo sete
pré-candidatos da oposição, a quem
afastou da corrida quando as sonda-
gens indicavam que qualquer deles iria
derrotá-lo sem contemplações.
Ortega tinha motivos para celebrar
a farsa: se chegar ao fim do novo man-
dato, somará 30 anos na presidência,
superado no continente americano
apenas pelo cubano Fidel Castro e
pelo paraguaio Alfredo Stroessner.
Acompanha-o na viagem a sua mulher
e “copresidente”, Rosario Murillo, que
mexe cordelinhos na sombra a favor
dos seus oito filhos. O clã familiar divi-
de poder, negócios de petróleo, meios
de comunicação e verbas públicas,
mas não falta tempo à descendên-
cia do casal presidencial para cantar
ópera (Laureano), desenhar roupa
(Camila) ou criar exércitos de trolls
nas redes sociais (Juan Carlos).
Os resultados oficiais do Conselho
Superior Eleitoral (CSE, alinhado com
o regime), que não convencem quase
ninguém dentro e fora da Nicarágua,
foram tão contundentes quanto ca-
rentes de credibilidade: Ortega adju-
dicou-se 75% dos votos, numa jornada
marcada por elevadíssima abstenção.
Washington foi, no próprio domin-
go, a primeira das nações a expres-
sar repulsa pela “pantomima” eleito-
ral, nas palavras de Joe Biden. Dias
mais tarde, o Presidente assinou a
Lei Renascer, que redobrará sanções
pessoais contra o círculo de Ortega e
apertará as redes financeiras do san-
dinismo.
A vizinha Costa Rica, a União Euro-
peia e boa parte dos países da região,
incluindo o novo Governo esquerdista
do Peru, uniram-se à censura inter-
nacional. Apenas as aliadas revolu-
cionárias Cuba, Venezuela e Bolívia
aplaudiram, com a Rússia, a “lição de
democracia” em que Ortega enfren-
tou cinco falsos rivais, sem observa-
dores internacionais nem imprensa
estrangeira (proibida de entrar no
país) e perseguindo com sanha os ati-
vistas internos.
Abstenção superou os 80%
Apesar disso, a organização civil Ur-
nas Abertas comprovou que a parti-
cipação não chegou sequer a 20% do
eleitorado. O CSE esticou-a de forma
artificial até aos 65%. A estratégia de
ruas vazias e portas fechadas, promo-
vida por organizações cívicas, igreja e
oposição, triunfou.
“Juntos somos um vulcão”, gritavam
jovens e estudantes, que, com o apoio
de padres católicos, protagonizaram a
rebelião social de 2018 contra o casal
presidencial. Saíram em protesto con-
tra a reforma neoliberal da segurança
social, que visava impor às famílias e
empresários o fardo do buraco finan-
ceiro que a corrupção aprofundou. A
repressão ainda dura. Mais de 300
assassinados, milhares de feridos, 200
CONTEXTO
Reeleição
A 7 de novembro, Ortega foi
eleito para o quarto mandato
desde 2007, com 76%, após ter
governado entre 1979 e 1990
Contestação
A oposição e a comunidade
internacional não reconhecem
o resultado; sete candidatos
foram presos meses antes
Repressão
Desde 2018 que há protestos
contra a carestia de vida e a falta
de liberdade. Reação do regime é
cada vez mais dura, contando-se
centenas de mortos e de presos
e milhares de feridos
mil exilados e feridas impossíveis de
cicatrizar.
O grito revoltado mantém-se, tanto
dentro como fora do país. O Expresso
visitou a sede do Coletivo de Direi-
tos Humanos Nunca Mais, em San
José (capital da Costa Rica), um dos
enclaves fundamentais do exílio nica-
raguense. O seu diretor, Juan Carlos
Arce, brinca com Alexa Zamora, re-
cém-chegada ao país de acolhimento.
Esta mulher, de 33 anos, faz parte
da Unidade Nacional Azul e Branco,
uma das organizações opositoras mais
populares na luta contra a ditadura.
Manter a coesão
A partida de Zamora explica-se pela
sorte da sua organização na Nicará-
gua, mas também pelo sucedido du-
rante a investida revolucionária dos
últimos meses contra os democratas.
Dos 12 membros da Azul e Branco,
quatro estão exilados (três na Costa
Rica: Zamora, Marcela Guevara e Ma-
ría Laura Alvarado), quatro na cadeia
e outros tantos na clandestinidade.
“Avisaram-nos de que tínhamos or-
dem de captura. Há dois meses atra-
vessei a fronteira com a minha filha,
de 14 anos, num ponto cego. O nosso
papel fundamental, agora no exílio, é
a denúncia internacional e a manu-
tenção da coesão interna”, sublinha
Zamora.
Ironia amarga
O grande paradoxo na Costa Rica é
que os exilados nicaraguenses entra-
ram no mesmo refúgio que nos anos
80 serviu a quem hoje os persegue,
prende e mata. São 110 mil, segundo
as Nações Unidas, embora várias or-
ganizações no país situem o número,
crescente, mais perto dos 200 mil.
“Só nestes dias chegaram cá sete
jornalistas. Foram buscá-los às suas
casas durante a perseguição antes das
votações. Ainda não foi tornado públi-
co, estão aterrorizados”, revela Wendy
Quintero, membro dos Jornalistas
e Comunicadores Independentes
da Nicarágua (PCIN). Camponeses,
defensores dos direitos humanos, as
Mães de Abril, dirigentes políticos,
ativistas, jovens, estudantes, jornalis-
tas independentes e até 30 membros
dos Militares Patrióticos estão exila-
dos com familiares e outros cidadãos.
Todos encaram um futuro desafiador,
em dúvida após mais uma autocoroa-
ção de Ortega e Murillo. O principal
objetivo, talvez a principal incógnita,
é serem capazes de resolver as muitas
divergências internas que subsistem
face a um inimigo tão poderoso e sem
escrúpulos. “Sim, é possível uma fren-
te comum contra a ditadura”, afirma
Arce, que também fugiu da Nicará-
gua em 2019. “Ou nos unimos ou nos
Expresso, 13 de novembro de 2021
lixamos, e o orteguismo continuará
mesmo depois da morte de Ortega”,
adverte o opositor.
Se há mulher que catalisa múltiplas
redes para exilados é Claudia Tenorio,
que deixou o país há três anos, “para
salvar a vida”. Desde então luta não só
para conhecer o destino do seu irmão,
sequestrado por paramilitares e de
quem nada se sabe, como para pôr em
marcha diversos projetos. Um deles é
promover a Iniciativa pela Mudança,
que pretende apostar num Governo
de transição na diáspora.
Difícil subsistência
“Chorámos muito estes dias, por não
podermos votar e porque os nossos
candidatos estão na prisão, mas con-
tinuamos a lutar, somos a voz do nosso
povo”, defende Tenorio, que anima
também a Rede de Mulheres Pinole-
ras (pinolero é um nome popular para
os nicaraguenses). Esta associação
organiza mercados para que as mu-
lheres, muitas delas sem trabalho por
causa da pandemia, vendam artigos
que elas próprias fazem. Uma delas é
Yadira Córdoba, das Mães de Abril (o
seu filho, de 15 anos, foi assassinado
durante as marchas de 2018). Vivendo
da compota que faz e vende, reclama
justiça sem cessar.
Na Costa Rica reúnem-se jornalistas
como Carlos Chamorro — irmão e pri-
mo de dois pré-candidatos capturados
(Cristiana, presidente da fundação
criada pela sua mãe, a ex-Presidente
Violeta Chamorro, e Juan Sebastián)
— e Lucía Pineda, braço direito de
Miguel Mora (outro pré-candidato)
no canal 100% Noticias. Além deles,
há líderes camponeses como Chica
Ramírez, à frente de um povoado
de 300 agricultores aposentados na
fronteiriça Upala, onde vivem da ter-
ra. E mitos populares, como os Mejía
Godoy, acima do bem e do mal nas
suas canções. E ainda médicos como
Rommel Menéndez, um dos anjos da
guarda de jovens e estudantes, cujas
feridas curava durante a repressão de
2018. Fugiu do país e vê-se agora obri-
gado a ganhar a vida como empregado
de mesa.
Todos sonham voltar à sua terra,
embora saibam que combatem um
“monstro” com várias cabeças. É tão
difícil que alguns pedem ajuda a Deus.
“Como será o milagre divino da liber-
dade?”, pergunta-se, emocionada, a
jornalista Pineda, recordando meses
de cárcere e maus-tratos. Só assim crê
que seja possível derrubar o ditador
Ortega.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de novembro de 2021
MACAU
“É ingénuo pensar que uma
ditadura valoriza o pluralismo”
Contra o que diz o Governo de Macau, liberdade é cada vez menor. Covid serve de pretexto
Catarina Brites Soares
Enquanto o mundo se guar-
dou em casa no último ano, a
vida seguia em Macau. Desde
o início da pandemia, houve
77 casos de covid-19. O Gover-
no fechou portas, só permite a
entrada a residentes e depois
de 21 dias de quarentena num
hotel. É assim desde março de
2020. Numa altura de regresso
ao normal, a região aperta mais
o cerco.
A última regra para reduzir o
risco de infeção dita que quem
esteve contaminado só pode
embarcar com destino ao ter-
ritório, no mínimo, dois meses
depois da doença ou do primei-
ro teste positivo. Ao Expresso,
o Executivo justifica que “a en-
trada de estrangeiros poderá
elevar o risco de surgimento de
casos, agravando os encargos e
a pressão no sistema de saúde
de Macau”. A situação pandé-
mica, alertam políticos e ana-
listas, abriu a caixa de Pandora.
“Apesar de as medidas do Go-
verno terem restringido a liber-
dade de movimento e direitos,
foram necessárias. No entanto,
não é difícil ver que se baseiam
em critérios de saúde pública,
mas muitas vezes têm motiva-
ções políticas.” As declarações
são de Sulu Sou, ex-deputado
democrata na Assembleia Le-
gislativa (AL), excluído das úl-
timas eleições por não ser leal
ao Partido Comunista Chinês
(PCC), no entendimento da co-
missão eleitoral.
Scott Chiang, cuja candidatu-
ra a deputado foi barrada pelo
mesmo motivo, acrescenta que
a sociedade foi treinada para
seguir a autoridade quando o
propósito é bom, neste caso
o da saúde pública, mesmo
que isso implique abdicar de
liberdade. “Não me interpre-
tem mal. Apoio a luta contra a
pandemia, mas é preciso estar
alerta e ver se não se está a abu-
sar da obediência.”
Sulu Sou descreve ao Expres-
so uma cidade em metamorfo-
se célere. “O litígio na Televi-
são de Macau [TdM] decorreu
em março [foi anunciada uma
diretiva que proíbe os jorna-
listas do canal em português
de divulgarem informações e
opiniões contrárias às políticas
da China]. Passados sete me-
ses, perdemos a liberdade de
imprensa, o direito a organizar
a Vigília de Tiananmen [que
todos os anos, até 2019, home-
nageava os mortos do massacre
de 1989 na praça homónima
em Pequim], os deputados de-
mocratas e um dos órgãos de
comunicação que mais super-
visionavam o Governo”, resu-
me o também vice-presidente
da associação pró-democracia
Novo Macau.
Menos uma voz
Sulo Sou refere-se ao portal
noticioso Macau Concealers,
fundado por membros da Novo
Macau. Anunciou que encerra
“Impera um ambiente
de apatia política,
pragmatismo,
patriotismo e de certa
submissão”, alerta
o analista Sonny Lo
“devido à alteração das circuns-
tâncias e à escassez de recur-
sos”. Dias depois, face à pressão
de leitores e antigos membros,
o órgão de comunicação pro-
meteu retomar a página, per-
mitindo o acesso ao arquivo. O
Expresso contactou a presiden-
te da Novo Macau e diretora do
portal, Kam Sut Leng, e questi-
onou Sulu Sou sobre o assunto.
Nenhum respondeu.
O diretor dos Repórteres
sem Fronteiras no Sueste Asiá-
tico traduz este silêncio: “O
comunicado mostra que sen-
tiam perigo em continuar. Um
meio de comunicação nunca
fecha assim quando há econo-
mia forte e estável. É claro que
se deve ao mal-estar.” Cédric
Alviani relaciona a decisão
com a Lei de Segurança Naci-
onal, imposta por Pequim em
Hong Kong, mas que pode ser
aplicada no exterior. “Imagino
que os jornalistas em Macau
comecem a preocupar-se ao
verem que já não se trata de
um risco hipotético. Em Hong
Kong, 14 jornalistas foram pro-
cessados por crimes contra o
Estado e 10 foram detidos. É
uma ameaça séria.”
Jason Chao, um dos funda-
dores do Macau Concealers,
que reunia mais de 118 mil se-
guidores, explica o sucedido à
luz da “nova era” liderada por
Xi Jinping, que extravasa os 30
quilómetros quadrados de Ma-
cau e reduz cada vez mais as li-
berdades: “A Macau Concealers
pode ter sido só uma vítima. É
ingénuo pensar que uma dita-
dura valoriza o pluralismo.”
“O Governo reitera que a li-
berdade de expressão e de im-
prensa e o direito à informação
estão salvaguardados, mas os
incidentes dos últimos tempos
mostram que não é assim”, afir-
ma John Mak, presidente da
Associação de Jornalistas de
Macau. O grupo que represen-
ta a classe em língua chinesa
prefere não comentar o caso
Macau Concealers, “por ainda
não ser claro”, mas refere que
a conjuntura afetou o compro-
misso com a liberdade de ex-
pressão e de imprensa. “Se os
media fabricam uma falsa ideia
de harmonia, o direito à infor-
mação é afetado. É do interesse
público que haja pluralismo,
possível apenas se o jornalismo
permanecer imparcial e der voz
a todos.”
O presidente da Associação
de Imprensa em Português e
Inglês de Macau (AIPIM), José
Carlos Matias, recusou-se a fa-
lar ao Expresso, tendo enviado
apenas dados como o número
de sócios: 85. No último ano,
a AIPIM perdeu 23 membros,
15 dos quais deixaram Macau.
Desde o caso TdM, demitiram-
-se 14 jornalistas. Já o diretor e
o diretor-adjunto de informa-
ção e programas portugueses
na TdM, João Francisco Pinto
e Gilberto Lopes — que foram
a voz das novas diretrizes co-
municadas à redação — viram
a comissão de serviço renovada
por seis meses.
O politólogo Larry So lembra
que a tónica de Pequim passou
a ser o país, em detrimento do
segundo sistema. “A linha ver-
melha está traçada: não se pode
criticar o Governo central.”
Quem ousar fazê-lo viverá
dias sombrios na cidade que
Portugal administrou até
1999.“Para aqueles como eu,
que pugnam por justiça social,
o futuro não é auspicioso. Nes-
te ambiente político, muitos
terão dificuldades”, lamenta
Sulu. Recorda que perdeu o
lugar no hemiciclo não por-
que os eleitores decidiram,
mas porque “quem está no
poder” mudou as regras. Aos
30 anos, afirma que é tempo
de repensar o que pode fazer
“Há quem advogue
que estamos melhor.
Suponho que depende
muito de quão baixo se
possa descer”, lastima
o político Scott Chiang
para continuar a servir a terra
que ama. “Não cheguei a uma
conclusão, mas acredito que o
céu fora da Assembleia é bas-
tante maior.”
Scott Chiang, que se candi-
datou com Ng Kuok Cheung
(deputado durante 29 anos e
também excluído das legislati-
vas de setembro), defende que
a desqualificação de 15 candi-
datos pró-democracia marca
uma viragem inaudita. “Muitos
fingem que não. Nunca tive-
mos uma Assembleia eleita na
totalidade por sufrágio univer-
sal e, provavelmente, nunca
teremos, atendendo à conjun-
tura. Há quem advogue que es-
tamos melhor. Suponho que a
capacidade de alguém chegar a
Polícia armada
e militares na ponte que
liga Hong Kong a Macau
FOTO GETTY IMAGES
igual conclusão depende muito
de quão baixo se possa descer.”
O povo é sereno
Contam-se pelos dedos das
mãos as vezes que a popula-
ção de Macau se manifestou.
Pouco se sabe sobre o que pen-
sam os cerca de 700 mil habi-
tantes. “São muito tolerantes
com o Governo, reflexo de
uma cultura de migração [da
China continental] que resulta
numa população mais patrio-
ta e complacente do que a de
Hong Kong”, realça o analista
Sonny Lo. “O Executivo de Ma-
cau está confortável, porque
impera um ambiente de apatia
política, pragmatismo, patrio-
tismo e de certa submissão.”
Larry So admite que possa
haver uma franja não-alinha-
da, mas antevê que nunca vá
mostrar o que sente e pensa.
“Ressalvo que muitos desses
ressentimentos têm origem
nas condições de vida, mais do
que em questões políticas. Para
a sociedade, há uma clara linha
vermelha, e a maioria nunca
irá atravessá-la. É a grande
diferença entre Hong Kong e
Macau”, resume. “Agora que
acabou a era dourada, esta-
mos ainda mais dependentes
de Pequim.”
No discurso de abertura do
ano judiciário, o presidente da
Associação dos Advogados de
Macau afirmava: “Temos vivi-
do tempos difíceis. Se é verda-
de que as medidas sanitárias
decretadas pelo Governo têm
protegido eficazmente a popu-
lação e evitado qualquer fatali-
dade, não é menos certo que es-
sas medidas, pela sua duração
e rigor, têm tido consequências
económicas e sociais devasta-
doras.” Neto Valente deixava
ainda o aviso: “Neste, como
noutros domínios, a erosão do
pensamento crítico, a procura
do unanimismo de opiniões e o
silenciamento de vozes discor-
dantes impedem o desenvolvi-
mento e o progresso.”
internacional@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 29
BREVES
GUERRA NA ETIÓPIA
INCENDEIA A REGIÃO
TIGRAY
Mar Ver-
melho e Canal
do Suez estão em
ebulição e grande
parte da respon-
sabilidade cabe à guerra entre
o Governo Federal da Etiópia e
a Frente de Libertação Popular
do Tigray. Manuel João Ramos,
professor e investigador do ISC-
TE-IUL, é convidado do podcast
“África Agora” para ajudar a
destrinçar as múltiplas implica-
ções deste foco de instabilidade
no Corno de África.
15
de novembro, ou seja, a
próxima segunda-feira, será
dia de protesto em Cuba. A
Marcha Cívica pela Mudança
não foi autorizada pelas
autoridades de Havana, mas
continua a ser organizada no
Facebook pelo movimento
dissidente Archipielago,
composto maioritariamente
por jovens. O Governo
cubano já acusou os Estados
Unidos e os grupos
anticastristas da Florida
de estarem por detrás
do protesto
MUNDO PÓS-COVID NO
FORO IBEROAMÉRICA
POPULISMO Debater o efeito da
pandemia nas lideranças políti-
cas da América do Sul e analisar
o seu impacto sobre governos
populistas — como o do Brasil
ou Nicarágua, entre outros — é
um dos temas do 22º Foro Ibe-
roamérica, que decorre online
na próxima semana. A abertura
será feita pelo ex-primeiro-mi-
nistro e fundador do Expresso
Francisco Pinto Balsemão, pre-
sidente deste fórum, e por Julio
María Sanguinetti, ex-Presiden-
te do Uruguai.
“A REGIÃO DA
ÁSIA-PACÍFICO NÃO
PODE NEM DEVE
VOLTAR A CAIR
NO CONFRONTO
E DIVISÃO DA ERA
DA GUERRA FRIA”
Xi Jinping
Presidente da China, numa aparente
alusão aos esforços dos EUA, junto de
aliados como Índia, Japão e Austrália,
para conter a influência da China
JULIAN ASSANGE VAI
CASAR-SE NA PRISÃO
WIKILEAKS Julian Assange já
tem autorização para se casar
com a companheira, Stella
Moris, na prisão de Belmarsh
(Londres), onde está detido
desde 2019. A sul-africana e
o australiano têm dois filhos,
que são cidadãos britânicos. O
casal conheceu-se durante os
seis anos em que o fundador
da WikiLeaks viveu refugiado
na Embaixada do Equador em
Londres, para evitar ser extra-
ditado para a Suécia, onde é
acusado de violação.
30 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de novembro de 2021

Editorial&Opinião
Editorial A Operação Miríade lança
novas suspeitas sobre a atuação
Famalicão: ainda há um adulto na sala?
de militares ao serviço de Portugal
Tribunal Administrativo tam- tegrados com espírito crítico e de Bellatrix, elevada ao estatuto
bém acha que está na hora de os criativo. É difícil conciliar este de “aquela cujo nome não pode

Comandos
adultos na sala resolverem a sua
batalha sem envolver as crianças,
deixando-se de intransigências
e sentando-se para negociar. Os
objetivo com uma escola asséti- ser pronunciado”. Nada que jus-
ca, sem transmissão de valores, tifique as denúncias de “religião
reclamada por muitos neste caso. de Estado” quando a igualdade de
Depois de ler os materiais de género é um princípio constituci-

e descomando Eugénia Galvão Teles

egteles@gmail.com
alunos podem transitar de ano
com a disciplina reprovada e o
Ministério já aceitou a sua pro-
gressão condicionada. Os pais
referência para um dos módu-
los contestados — a Igualdade de
Género —, fiquei algo apreensiva
se o Estado não estará também
onal. Mas se se quer realmente
formar cidadãos respeitadores
dos outros, há que aceitar o direi-
to de seguir livremente os piores

O
têm à sua disposição medidas de a ceder à tentação de educar em estereótipos de género, desde
caso dos alunos de Fama- recuperação, todas elas razoá- modo de ecossistema fechado. que não interfiram com tercei-
licão que nunca frequen- veis. Com alguma boa vontade, o Se percebi bem, do pré-escolar ros. Nos conteúdos propostos,
taram a disciplina de Ci- caso tem solução. a existência de espaço para um
Nas sociedades modernas e civilizadas, o monopólio dadania transformou-se Fico sempre surpreendida, aluno ser crítico não é óbvia.
da força e da violência está nas mãos do Estado e é numa espécie de batalha judicial quase enternecida, perante pais As vantagens de uma As vantagens de uma democra-
inalienável. Por isso, o prestígio das instituições e pela custódia dos filhos. O pai en- que acreditam piamente na sua democracia pluralista são cia pluralista são não exigir uma
organismos do Estado é tão precioso e a base de uma tende estarem em causa aspetos capacidade todo-poderosa de não exigir uma conceção conceção unitária da sociedade e
confiança absolutamente necessária para o regular educativos onde a família tem educar os filhos à sua semelhan- unitária da sociedade e ter ter flexibilidade para ir digerindo
e salutar funcionamento da sociedade. Os desvios primazia. Pelo caminho, fala em ça, evitando qualquer contacto flexibilidade para ir divergências, o que depende de
verificados na instituição militar, pilar da soberania e pressão sobre a escola para que com as “más companhias” que digerindo divergências os seus cidadãos serem capazes
da defesa do Estado — e relatados nesta edição com chumbe os seus filhos e vai co- os podem desviar do “bom ca- de olhar para a sociedade a partir
notável detalhe —, que envolvem crimes como o tráfico de locando providências cautelares minho”. Diria que a Lei de Bases de vários ângulos. Se, como disse
diamantes e droga e atingem elementos dos Comandos, enquanto recusa as alternativas do Ensino concorda comigo. Ao ao secundário o objetivo é levar o tribunal, a família Mesquita
das forças de segurança e outros, numa rede criminosa que podiam resolver o problema. mesmo tempo que proíbe o Es- à desconstrução dos estereótipos Guimarães pode sempre contra-
temível, não podem deixar ninguém descansado. Quanto ao Ministério da Edu- tado de programar a educação de género em várias áreas, como por, em casa, o seu ponto de vista
Rapidamente, o Presidente da República veio garantir cação, decidido a não abrir um segundo diretrizes políticas ou escolhas vocacionais e profissões, ao que o Estado ensina, também
que os factos conhecidos em nada mancham o prestígio precedente, chegou a permitir ideológicas, também estabelece liderança e distribuição de tarefas é preciso que esse ensino não
e bom nome das Forças Armadas (FA). Mas, depois do o envolvimento da Comissão de que a educação deve promover domésticas. Propõem-se exercíci- forneça aos alunos um modelo
que vimos em Tancos, talvez o assumir de que algo de Proteção de Menores. o desenvolvimento de um espí- os práticos, que vão desde um jogo apresentado como o único modo
bizarro e estranho se passa não seja má ideia. Miguel Algures, só oiço a voz de uma rito pluralista, respeitador do das profissões com um bailarino e de vida correto e a única visão
Sousa Tavares discorda das palavras prontas de Marcelo criança a declarar “não fui eu diferente e aberto ao diálogo, uma aviadora até uma revisão do da sociedade admissível. O sen-
e pergunta: “Se nada disto abala o prestígio das FA, o que que me divorciei, resolvam vocês formando cidadãos capazes de Harry Potter, onde o vilão Volde- tido crítico exerce-se nos dois
será necessário para o abalar?”, acrescentando que neste as vossas guerras”. O Supremo julgarem o meio onde estão in- mort passa a mero subordinado sentidos.
caso talvez tivesse sido bom ter ouvido o chefe do Estado
reconhecer que “o que se passou foi uma vergonha, que
manchou o prestígio desta missão, das FA e do país. Não
há perdão para o que fizeram”.
Mas no meio da mancha e da vergonha — e é bom
Uma excentricidade política
referir que a Operação Miríade da PJ, esta semana
conhecida, relata suspeitas de tráfico de diamantes,
branqueamento de capitais, tráfico de ouro e droga, nada por democratas-cristãos Atualmente, as maiorias ab- um acordo parlamentar com
fraude informática, moeda falsa, entre uma multiplicidade e verdes), Hungria (uma coliga- solutas monocolores só existem vários partidos.
de crimes de uma rede com atividade em Portugal, ção eleitoral entre o populista em países com sistemas elei- Deste retrato devia resultar
Brasil, Angola, Dubai e Bélgica — ainda surge espaço Fidesz e o seu satélite, KDNP) torais maioritários (França), uma lição. A Europa política é
para verdadeiros heróis e pessoas honradas e com e a Estónia (o único caso euro- com bónus maioritário (Grécia) diversa, à esquerda e à direita
escrúpulos e cujo papel e coragem não devemos esquecer. peu de Bloco Central entre os ou onde reina o bipartidarismo dominada por coligações e, ex-
É o caso do tenente-coronel Vítor Gomes, que, quando dois maiores partidos). Em ab- (Malta). Na Europa de hoje, não cecionalmente, por governos de
comandava a 6ª Força Nacional Destacada na República Pedro Adão e Silva soluto contraste, temos o caso há nenhuma maioria absoluta maioria absoluta ou minoritári-
Centro-Africana, foi o autor da denúncia de que algo de padaoesilva@gmail.com
extremo da Bélgica (com sete em países com sistemas elei- os. Mas mesmo as soluções mi-
estranho se passava. É graças a ele, em primeira instância, partidos no Executivo); duas torais proporcionais, como o noritárias beneficiam de algum

O
que hoje sabemos o que sabemos. coligações de cinco partidos português. tipo de acordo parlamentar. É
Finalmente, o caso ganhou ainda contornos políticos lhemos para os governos (Finlândia e Letónia); três de um erro pensar que, depois de
delicados ao saber-se que o ministro da Defesa, João na Europa. Em 27 países, quatro partidos (Eslováquia, 30 de janeiro, na ausência de
Gomes Cravinho, tinha alertado as Nações Unidas das há de tudo um pouco: co- Eslovénia e previsivelmente, No momento atual, mecanismos constitucionais
suspeitas existentes (os militares portugueses estavam ligações, executivos mai- de novo, a Holanda) e a solução há 17 Estados-membros que protejam governos minori-
sob a alçada de uma missão internacional da ONU) mas oritários e até coligações entre dominante, com três partidos governados por coligações. tários (como o instituto da mo-
havia optado pelo silêncio e deixado em desconhecimento coligações. O que é bastante in- a governarem em conjunto Esta é a norma ção de censura construtiva), é
a hierarquia nacional, primeiro-ministro e Presidente da comum são governos minoritári- (Croá cia, Irlanda, Lituânia, viável repetir um governo sem
República (comandante supremo das Forças Armadas) os. Portugal foi, nesta legislatura, Luxemburgo, Polónia e, tudo maioria, sem coligação e sem
incluídos. Mesmo descontando o clima político de uma excentricidade política e é aponta para isso, Alemanha). Sobram, assim, três casos. acordo parlamentar. A menos
campanha eleitoral que vivemos, são naturalmente bom que deixe de o ser. Depois sobram uns quantos O Chipre, um sistema presi- que queiramos aproximar-nos
exigidos mais esclarecimentos. No momento atual, há 17 Es- casos mais singulares: Repúbli- dencialista, em que o Presi- do modelo italiano. O exem-
tados-membros governados por ca Checa, onde se negoceia um dente, agora, não tem maio- plo que guardei para o fim: um
coligações. Esta é a norma. E governo de coligação entre duas ria no Parlamento; a Suécia, país que não conseguia formar
mesmo quando olhamos para coligações eleitorais; Espanha, com um governo minoritário governo e que teve de ser resga-
as coligações, o mais comum que a custo formou uma coli- de coligação, que depois tem tado por um governo presidido
são acordos que envolvem mais gação entre um partido e uma apoio de mais dois partidos por um independente, 24 mi-
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. do que dois partidos. Aliás, são coligação; e Bulgária e Roménia, no Parlamento; e, finalmente, nistros, oriundos de uma coli-
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
apenas três as coligações de que vivem impasses políticos, a Dinamarca, governada por gação de nove partidos, que vão
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, dois partidos: Áustria (gover- com governos de gestão. um partido minoritário, com da extrema-direita à esquerda.
Paulo de Saldanha, Paulo Miguel Reis, Nuno Miguel Conde e Cristina Vaz Tomé
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros,
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João Paulo Batlle y Font sim, na legislação de produção gítimo, sabotagem informática, maior nos ataques aos sistemas
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Rodrigues (produtores) vos sobre a afetação financeira mas. Esta criminalidade mantém ISP em uso, com relevante cons-
Circulação e Assinaturas às tecnologias de informação na índices elevados, afetando espe- trangimento à identificação dos
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mentos banais, o juiz, a dos criminosos. nomeadamente a falsidade da emissão dos cartões pré-pa-
Impressão
Lisgráfica Impressão
seguir à leitura da acu- Segundo o “RASI 2020”, a informática, acesso gos, controlando a sua emissão
e Artes Gráficas, S.A. sação, faria a mesma questão tem importância crucial ilegítimo, sabotagem através de uma base de dados
Estrada de São Marcos, 27
2735-521 Agualva-Cacém pergunta de sempre, no sentido na parte que toca à criminalidade informática e destruição dos titulares das fraudes, o que
Distribuição de apurar a disposição de falar, através da internet, uma vez que de dados de programas bastaria para prevenir grande
VASP-MLP,
Media Logistics Park
confessar ou usar do direito ao si- o relacionamento virtual atinge parte delas. Os confinamentos
Quinta do Grajal, Venda Seca lêncio por parte de cada arguido: praticamente o mesmo peso que expuseram ainda mais pessoas,
2735-511 Agualva Cacém
Tel: 214 337 000 “É verdade ou mentira na parte o presencial, acentuando-se mais cada vez maior nos ataques ao empresas e o Estado.
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt
que lhe toca?”, perguntava ele em contexto covid-19. O relató- sistema do Estado. A “música” a que estamos ha-
Tel: 808 206 545 ao último dos arguidos, que em rio identifica o risco de crimes No domínio do cibercrime, se- bituados, com a multiplicação
A Impresa Publishing não é voz baixa respondeu: “Toca sim, informáticos ou praticados por gundo o mesmo relatório, regis- da confusão legislativa sem a
responsável pelo conteúdo
dos anúncios nem pela sotor juiz, é músico.” “Não é isso, meio informático, com elevada ta-se o aumento acentuado da correspondente tecnologia in-
exatidão das características
e propriedades dos produtos homem, é sobre a acusação”, in- utilização de plataformas de sites exploração sexual de menores formática. Dostoievski dizia que
e/ou bens anunciados.
A respetiva veracidade
siste o juiz, perante o nervosismo na internet ou a utilização da deep online, com uso para partilha de é preciso tratar os leitores com
e conformidade com a
realidade são da integral e
do interrogado. web ou dark web, nomeadamente imagens de canais como o You- delicadeza e cuidado, por isso
exclusiva responsabilidade Vamos à parte que toca à com compra e venda de moeda Tube, Facebook, Google, Insta- acrescento que aquele rapaz-mú-
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. responsabilidade política pela falsa ou de bitcoins. Os crimes gram, do phishing bancário, do sico, o do princípio, foi absolvido.
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 31

Sérgio Sousa Pinto Henrique Raposo

política@expresso.impresa.pt henrique.raposo79@gmail.com

O ovo ou Fremen
a galinha?

Q O
uem nasce primeiro, o partido
ou o seu líder? Uma novidade
deste nosso tempo são os líderes
que emergem como cogumelos
fora das nomenclaturas partidárias.
O inefável Trump, oriundo de um talk-
-show ridículo, fez do partido republica-
no a sua barriga de aluguer, renuncian-
do à sua antiga filiação de democrata
nova-iorquino. O Sr. Macron, ministro
independente de um governo socialista,
renunciou à casa-mãe, que o incubou,
livrando-se do feudalismo interno que
responde pelo nome de tendências, ace-
lerador da vocação autofágica do PS
francês; ficou ele, foi-se o partido. Ago-
ra apareceu o Sr. Éric Zemmour, sem
partido, e prepara-se para enfrentar na
segunda volta o Sr. Macron, que apesar
dos seus esforços continua sem um par-
tido digno desse nome, não desfazendo
da desvalida agremiação que funciona
como uma seita de hermeneutas do seu
pensamento e exemplo.
Crescentemente, os líderes surgem
fora dos partidos, são cooptados a pos-
teriori pelos partidos existentes, ou
tentam, depois de ungidos pelo eleito-
rado, criar um partido à sua medida, de
preferência não se chamando partido.
Haverá antecedentes para este estado
de coisas? Será que este fenómeno se
deve tão exclusivamente ao poder da te-
levisão e das redes sociais, como se diz?
Afinal, Soares também não singrou no
PS (o seu “Stradivarius”, como lhe cha-
mava), antes criou o PS à sua imagem e
semelhança. Quando o partido, durante
a revolução, cresceu geometricamente,
mandou Victor Cunha Rego inspecionar
A foto da
semana
Por João Carlos Santos
jcsantos@expresso.impresa.pt
A decência de uma sociedade afere-se pelo cuidado
com que trata os seus membros mais vulneráveis
Cidadania obrigatória
universo “Dune” faz parte do
meu imaginário desde criança,
talvez porque os vermes gigan-
tescos que navegam na areia
como se esta fosse água me fazem lem-
brar as baleias, uma velha obsessão;
talvez porque o “Dune” me faz lembrar
o “Moby Dick”; talvez porque Arrakis,
a Duna, me faz lembrar o Alentejo are-
noso e, sim, alienígena dos meus pais;
talvez porque os fremen, os rebeldes
de Arrakis, me fazem lembrar os alen-
tejanos na sacralização da água; talvez
A ESPERAR, DESESPERAR E CONGELAR Milhares de migrantes desespe- porque os fremen me fazem lembrar
ram na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. As temperaturas negativas
gelam adultos e crianças, que tentam, indefesas, proteger-se da intempérie e
todos os migrantes do êxodo rural,
da violência das forças militares bielorrussas e polacas, que esgrimem acusa-
ções mútuas, indiferentes ao problema humano que se encontra à sua porta.
que, às portas de Lisboa, conseguem
há décadas transformar entulho em
vida através das hortas. Cresci nestas
A União Europeia aponta o dedo a Lukashenko e considera o líder bielorrusso hortas que praticavam e praticam uma
o fomentador da entrada à força dos migrantes na Europa. Entre dois países e ecologia intrínseca e humilde que con-
sem poderem sair ou entrar, aguardam perante a indiferença (ver pág. 26-27). segue dar vida a paisagens agrestes de
cimento e alcatrão através de uma agri-
cultura de resistência e humanização.
Resiste-se à desumanização da grande
metrópole através da horta. E, com
isso, também se cria uma natureza mais
equilibrada, até porque cada um destes
rebeldes anula a sua pegada carbónica.
Na magna questão das alterações cli-
máticas temos muito a aprender com
este espírito fremen.
Não basta falar em diminuição das
emissões de CO2. Mesmo que amanhã
conseguíssemos baixar as emissões
para zero, anulando-nos como civiliza-
ção, continuaríamos a ter um proble-
ma: o CO2 libertado nos últimos 200
anos continuará a aquecer a Terra — a

Q
o fenómeno, dando uma volta ao país
para averiguar que partido era aquele.
Cunhal não só desenhou magníficas
obras a grafite, durante o seu longo
“ uero descobrir o que acon-
cativeiro, como também desenhou o
PCP como um instrumento de precisão
orientado para a resistência e o assalto
ao poder. Do PCP anterior nada restou.
O CDS também foi confecionado por
um bom alfaiate, de impecável corte,
perfeitamente ajustado nos ombros e
nas mangas a Freitas do Amaral e Ade-
lino Amaro da Costa.
De De Gaulle nem valerá a pena falar.
Mitterrand inventou o PSF a partir dos
escombros da SFIO, para enfrentar De
Gaulle, Pompidou, Giscard e o gigantes-
co partido comunista francês.
Se os atributos da liderança existem
e são qualidades ontológicas, com inde-
pendência em relação às circunstâncias
exteriores, é de esperar que haja muitos
líderes naturais fora dos partidos, e não
faltam universos propícios à afirmação
das suas qualidades. O que é menos
natural é que os partidos se despovoem
de líderes, embora tenham sempre uma
chefia.
Nos últimos 20 anos tem-se tornado
motivo de lamento generalizado a falta
de “grandes líderes europeus”, capazes
de resgatar e fazer avançar o ideal co-
mum integracionista. O próprio Soares
dizia que os políticos são como o vinho,
havendo anos melhores e anos piores.
Apareceu, entretanto, um ramo da
engenharia especializado na construção
de líderes perfeitos, projetados por spin
doctors atentos aos focus groups, em ge-
ral jovens bens parecidos e articulados,
com aulas de dicção, dentes imaculados
e implantes capilares — uma espécie de
Kennedys feitos em laboratório.
Se o líder enquanto tal existe de facto,
titular de qualidades específicas e pouco
democratizadas pela natureza, então
andará arredado dos partidos, embora
não necessariamente da política. O povo
continua a reconhecê-los, e talvez seja
essa uma das chaves do declínio dos par-
tidos e do perigoso advento dos populis-
mos “inorgânicos”. Talvez estes sejam,
em parte, expressão de uma revolta
dos líderes que os partidos declinaram
reconhecer, enquadrar e condicionar,
em favor do burocratismo utilitário e
compromissório dos seus aparelhos.
O ambientalismo
teceu com o meu filho. Vim
com quatro filhos e achei
pelo que lhe acontecesse passou a
ser nossa.
Também traímos a confiança de
tem de deixar de ser
a punição da civilização
humana e passar
que era um país com res- todas as famílias que têm pessoas a ser a celebração
ponsabilidade, seguro, com regras. na prisão. As condições das prisões desse engenho humano
E aqui faço de tudo para ter ordem. portuguesas são miseráveis. São
Se o meu filho não cumpriu, ele ti- recorrentes as queixas sobre a sua
nha que ir para a cadeia. Entreguei péssima alimentação, celas insalu- não ser que seja retirado da atmosfera
a minha confiança à cadeia.” Luís Aguiar-Conraria bres e sobrelotadas, e as denúnci- para ser armazenado noutro lado; a
As palavras são de Alice Santos, Professor de Economia da Univ. do Minho as de organizações humanitárias não ser que consigamos refletir o calor
lfaguiar@eeg.uminho.pt
mãe de Danijoy Pontes — jovem de sobre a repressão que lá se vive. A do Sol numa escala épica, a escala fre-
23 anos que morreu a 15 de setem- mortalidade nas prisões portugue- men. Os fremen conquistam o deserto
bro no Estabelecimento Prisional de Lisboa —, e trans- sas é o dobro da europeia. Também a taxa de suicídio é através de mecanismos que capturam
critas por Joana Gorjão Henriques, no jornal “Público” das mais elevadas. Já fomos condenados pelo Tribunal a água. Como diz o Fareed Zakaria,
a 24 de outubro. Europeu dos Direitos Humanos pelas más condições nós temos de capturar CO2 e refletir
Sobre Danijoy muito haveria por onde pegar. Podía- das nossas prisões. a luz do Sol. Falamos demasiado dos
mos questionar se a condenação a seis anos de prisão de É impossível ler a reportagem de Joana Gorjão Hen- transportes como causa do problema e
um jovem que, num mês, fez vários roubos de baixo va- riques sem sentir um enorme desconforto. As circuns- esquecemos o óbvio ululante: as estru-
lor por esticão é proporcional. Não tinha antecedentes tâncias que rodeiam a morte de Danijoy são estranhas. turas fixas. Nós enchemos a Terra com
criminais e, no acórdão, os juízes dizem que a acusação Não as investigar é atraiçoar a confiança da mãe Alice superfícies escuras (estradas, edifícios)
era “de gravidade não-elevada”. Seis anos de prisão no sistema. No mesmo dia, morreu outro recluso na que absorvem o calor e a luz do Sol. As
efetiva de um jovem de 23 anos, primário, por causa de mesma prisão, Daniel Rodrigues, de 40 anos, e, ainda nossas cidades são superfícies escuras
uma acusação pouco grave? Justiça?! no mesmo dia, um outro na cadeia de Alcoentre. As que amplificam o calor do Sol. Precisa-
Esta semana, soubemos que o Minis- autópsias dos dois primeiros revelaram mos de superfícies claras que reflitam
tério Público, pela voz do procurador a existência de medicamentos em am- a luz. O ano sem verão, 1816, foi possí-
Fernando Ferreira Lino, considerou bos os corpos. Estranhamente, eram vel porque as partículas de um vulcão
excessiva a indemnização atribuída à É indigno o os mesmos num e noutro caso, como refletiram o calor do Sol. Não podemos
família de Ihor Homeniuk, que entregue Ministério Público se padecessem das mesmas maleitas. replicar este fenómeno de forma con-
aos cuidados do SEF morreu depois de lamentar o valor Alguns eram adequados para doenças trolada com a nossa tecnologia? Ou
torturado. Para o procurador, a indem- que, de acordo com Alice Santos, nunca seja, não podemos criar um escudo de
nização de €800 mil, definida pela pro- da indemnização. tinham sido diagnosticadas ao seu filho, partículas refletor na exosfera?
vedora de Justiça, foi um franco exagero. Ihor tinha 40 anos. como epilepsia. Outros, como a meta- Por outro lado, temos de pensar no
É conhecido o aforismo segundo o qual Em condições dona, eram adequados a heroinómanos, oceano como o grande refletor ou ar-
“o grau de civilização de uma sociedade apesar de não haver qualquer registo de mazenador de CO2. E aqui permitam-
pode ser medido pela maneira como
normais, podia que Danijoy o fosse. O rapaz morreu no -me que regresse à minha obsessão,
trata os seus prisioneiros”. Ou, de forma esperar viver dia a seguir a ter terminado de cumprir as baleias. Uma baleia é um pequeno
mais abrangente, a decência de uma pelo menos um castigo de 12 dias por agressão a bosque em movimento. Como diz um
sociedade afere-se pelo cuidado com que outros tantos outro recluso, tendo tido, supostamente, estudo recente do FMI, a atual popula-
trata os seus membros mais vulneráveis. vigilância médica diária. Como é que, ção de baleias vale por quatro Amazó-
Quem está à guarda de uma força poli- nestas circunstâncias, não se chama a nias na absorção de CO2. Então imagi-
cial está numa circunstância de especial Polícia Judiciária para investigar a mor- nem como seria se a população cetácea
vulnerabilidade. Podem algemá-lo, mandá-lo sentar-se, te na prisão de um jovem saudável? recuperasse os números anteriores à
despir-se, levantar, correr, impedir de ir à casa de banho, Quando se soube que Ihor morreu, duas semanas caçada industrial de baleias, o coração
de telefonar, etc. Se precisar de um médico, depende da depois do óbito, foram muitas e variadas as notícias. das trevas reportado no “Moby Dick”?
boa vontade de quem o guarda. No entanto, para a opinião pública e publicada, foi Em pleno século XXI, a humanidade
Volto às palavras de Alice Santos e a esta extraordiná- como se nada se passasse durante oito meses. Até que, não tem capacidade para conservar
ria declaração: “Entreguei a minha confiança à cadeia.” de repente, a indignação levantou-se e tomou conta do e aumentar a população de baleias
Também a família de Ihor entregou a sua confiança ao espaço público. Mas ao menos, no caso de Ihor, a inves- no mar? E será que também não con-
Estado português. Traímos essa confiança com a forma tigação criminal foi decorrendo e a Justiça foi fazendo segue cultivar o mar no sentido de
como o tratámos. Em especial, porque já tinha havido o seu caminho. aumentar a quantidade de plâncton,
várias denúncias sobre o modo como o SEF muitas vezes No caso das mortes em condições suspeitas nas ca- outro grande armazenador de CO2?
atuava. Preferimos sempre fechar os olhos. É indigno o deias, apenas se pede que a PJ investigue. Mesmo que Claro que consegue. É uma questão
Ministério Público lamentar o valor da indemnização. conclua que não houve crime, os familiares merecem a de perspetiva: o ambientalismo tem de
Ihor tinha 40 anos. Em condições normais, podia espe- paz de espírito de saber que tudo se fez para apurar a deixar de ser a punição da civilização
rar viver pelo menos outros tantos. A partir do momento verdade. Não merecem a indiferença com que recebe- humana e passar a ser a celebração
em que o detivemos no aeroporto, a responsabilidade mos estas notícias — tal como fizemos com Ihor. desse engenho humano.
32 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de novembro de 2021

Opinião

Maçanetas e fechaduras

D
epois de Costa ter re- um interlocutor preferencial. líder se perder as eleições. Mas é coerente. Já com
cusado um acordo es- Conforme a sua conveniência, o Chega, fecha a porta refugiando-se na palavra de
crito, em 2019, ofere- usará as maçanetas das portas Ventura, que diz que só apoia um governo onde
Djaimilia Pereira de Almeida cendo-nos dois anos de da direita e da esquerda, sem esteja. Só que a palavra de Ventura vale zero e Rio
sociedade@expresso.impresa.pt
pântano, a política de alianças fechaduras que o aprisionem não nos esclarece se repetirá no país o que apoiou
será o tema desta campanha. a qualquer compromisso. Mais nos Açores — um acordo com a extrema-direita
Por más razões, Cavaco Silva dois anos de pântano chegam- fora do governo. Não fazendo uma análise crítica
reforçou a ‘geringonça’. Foi Daniel Oliveira -lhe para não sair pela porta dessa decisão, depreende-se que sim.
A cara do por causa dos acordos que exi- danieloliveira.lx@gmail.com pequena. Veremos se Marcelo O BE já disse que exigirá um acordo escrito,
giu que ela existiu além da von- deixa. como em 2015, sem fazer isso depender da mudan-
nosso tempo tade de Costa segurar o poder, Na SIC, Paulo Rangel fez pa- ça de liderança no PS, como Costa inventou. Mas
definindo objetivos partilhados que não se afunila- recido. À pergunta sobre a maioria que tentaria comete erro grave se ficar por aí. Deve participar
vam em negociações de Orçamentos, como nesta construir, deu a estafada resposta de que não no governo, com ministros. Se defende acordos
para reverter a lei laboral da troika, como em Es-

D
emoro-me no retrato de James
Joyce que Berenice Abbott fez
em Paris, em 1928. Uma das
desvantagens da desvaloriza-
ção da fotografia de imprensa é ir
deixando de ser possível aos leitores
(e eleitores) contemplarem vagaro-
samente a cara dos protagonistas do
seu tempo. O recurso a bancos de
imagens, a ansiedade da fotografia
digital e a pressão mal paga em que os
fotojornalistas são obrigados a traba-
lhar privam-nos de imagens profun-
das do poder.
Abbott chegou a Paris em 1921, onde
concluiu os estudos de escultura com
Émile Bourdelle. Dois anos depois,
tornou-se assistente no estúdio foto-
gráfico de Man Ray, onde viria a ser
das primeiras a tomar contacto com
o trabalho de Eugène Atget. Nessa
década, abriria o seu estúdio, no qual
fotografou artistas, celebridades e
figuras de salão, como recorda o crí-
tico John Szarkowski em “Looking at
Photographs” (1973). O livro de Szar-
kowski analisa 100 imagens da cole-
ção do MoMA, de cujo departamento
de fotografia foi diretor entre 1962 e
1991. “Looking at Photographs” é um
conseguimento sublime no exercício
dificílimo de escrever sobre uma única
fotografia. Szarkowski leva a tarefa a
tal ponto de perfeição que cada texto
do livro é, ele mesmo, uma fotografia
de dois ou três parágrafos no qual a
tensão da imagem é, em simultâneo,
revelada e ampliada.
A expectativa de que a
imagem jornalística seja
uma ilustração, e não uma
perfuração da atualidade,
empobrece a nossa
vantagem irónica e crítica
legislatura. Apesar de o PS ter ficado em primeiro, trabalha em cenários, que procura a maioria abso-
Marcelo devia ter feito o mesmo, em 2019. Já deu luta. Mesmo que os candidatos a procurem, quem panha, tem de aceitar uma ‘geringonça’ à espanho-
a entender que o fará. a decide são os eleitores. E têm direito a saber o la. O PCP também. Apesar de ter mantido a porta
Depois desta crise, Costa voltou a acreditar, que, sem ela, será feito com o seu voto em cenários aberta ao diálogo para depois das eleições, temo
como defendeu em outubro de 2011, que “PS e plausíveis. Paulo Rangel diz que “não haverá que volte a cometer o erro de 2019,
PSD devem-se oferecer condições recíprocas de governos com o Chega, não haverá um preferindo a relação aberta que tanto
governabilidade, abstendo-se em instrumentos governo de bloco central”. É importante jeito deu ao PS. Estranho que não
fundamentais da governação, independentemente estar atento aos detalhes, porque a esta tenha percebido que um contrato
do conteúdo”? Aparentemente, sim. Mas não o diz resposta permite não mentir sem defende mais o lado fraco do que a
com clareza. Na entrevista à RTP, quando António dizer a verdade. Não havendo precariedade. IL, Chega e CDS já
governo com o Chega, haverá disseram o que querem. E o PAN,
acordos como o dos Açores? desde que lhe deem um ministério,
A maioria absoluta é improvável E se não houver acordos, será tanto apoia PS como PSD. Costa
e, para quem se lembra com negociação à peça? Se e Rangel é que não abrem o jogo.
tudo isso está excluído e recu- A estabilidade não é um valor po-
de Cavaco e de Sócrates, sa o bloco central, espera que o lítico por si só. É um instrumento
a evitar. Os eleitores têm direito PS viabilize Orçamentos do PSD ao serviço de valores políticos. Não
a saber o que os partidos farão sem que ele, à partida, esteja dis- serve para anular parte dos deputa-
em cenários plausíveis, sem ela ponível para fazer o mesmo pelo PS? dos para que uma minoria governe.
Rangel disse que o voto no PS era Serve para levar partidos suficien-
inútil, porque estavam destruídas as temente próximos a entenderem-
José Teixeira lhe recordou a frase que usou em condições de governabilidade. O PS -se. Mesmo quando, no momento
agosto de 2020 para apertar o cerco a BE e PCP está, por agora, em melhores condições em que ainda procuram maiorias
— “no dia em que a subsistência deste Governo de conseguir uma improvável maioria absolutas, fingem que os outros não
depender de um acordo com o PSD este Governo absoluta do que o PSD. E, ao contrário vão existir. Dizer com quem cada
acabou” — ele sublinhou: “Não é um governo, é de Rangel à direita, ainda não excluiu um se pretende entender depois das
este Governo.” E explicou que não repetia a mes- liminarmente entendimentos à sua es- eleições e em que moldes o fará não
ma frase agora. Não só o interdito perde validade a querda. Com estas respostas, a que as é trabalhar mais em cenários do que
30 de janeiro como Costa deixou os entendimentos eleições internas obrigam, o voto no PSD anunciar o programa que se aplicaria
à esquerda dependentes do enfraquecimento elei- é na ingovernabilidade. Rui Rio percebe essa se se tivesse uma maioria absoluta. É dar
toral de PCP e BE. Ao mesmo tempo, para que o contradição e, em troca da viabilização pelo PS aos eleitores a informação necessária para um
voto fora do PS não seja útil para soluções estáveis, de um governo minoritário do PSD (com ou sem voto consciente. E a maioria absoluta não só é
faz passar para a imprensa que procurará aliados IL e CDS), promete fazer o mesmo com o PS. A improvável como, para quem se lembra de Cavaco
para cada medida e a esquerda deixará de ser promessa é simbólica, já que diz que deixará de ser e Sócrates, deve ser evitada.
Diretor da Escola do Porto da Faculdade de Advogado, ex-administrador
Direito da Universidade Católica Portuguesa do Montepio e antigo deputado do PSD
Uma solução ética O futuro do Montepio
para a crise da justiça? fechou. Uma espécie de porta de Sé-
Álvaro Dâmaso samo, que D. Sebastião personificou.

E
Todas resistiram a fortes tensões in-
sobre o poder e torna-nos (salvaguardadas todas as garantias stava uma das minhas netas, ternas. Todas lutam pelo sucesso que
mais suscetíveis Manuel Fontaine Campos de defesa) é, sem dúvida, parte da a mais novinha, com apenas já alcançaram e ambicionam repetir
aos seus desmandos

No retrato de Joyce, Szarkowski
nota um cansaço profundo. “Parece o
sobrevivente de uma longa batalha”,
a de “pôr tantas palavras na ordem
adequada”. O homem da imagem,
sentado numa cadeira, de bengala na
mão, acabou de perguntar “importa-
-se que me sente aqui um pouco?”.
Está cansado, mas é o cansaço sobre
o qual escreveu Álvaro de Campos:
“Um supremíssimo cansaço,/ Íssimo,
íssimo, íssimo,/ Cansaço…” Szarkows-
ki lembra a nota que Joyce escreveu
a Harriet Shaw Weaver: “Em alguns
momentos, sinto que tenho 20 anos”,
mas em outros “sinto que tenho 965”.
Pergunto-me o que perdemos da
cara do nosso tempo, que apenas a
fotografia de imprensa nos pode dar.
A imagem televisiva move-se e escapa.
O disparo automático dos fotógrafos
acotovelados à entrada do Parlamen-
to, dos tribunais e das comissões mui-
tas vezes não serve o propósito, senão
em raros momentos felizes. Refiro-me
a radiografias da alma, a imagens que
nos permitam entender os fotografa-
dos além daquilo que os mesmos que-
rem que apreendamos. Só a fotografia
na imprensa nos pode oferecer tal
visão quotidiana e aguda. A expecta-
tiva de que a imagem jornalística seja
uma ilustração, e não uma perfuração
da atualidade, empobrece a nossa van-
tagem irónica e crítica sobre o poder
e torna-nos mais suscetíveis aos seus
desmandos. Pudéssemos com mais
frequência fixar os protagonistas no
instante em que estão, sem saberem,
indefesos, e entenderíamos melhor
quem nos dirige, aquilo com que con-
tamos, para onde vamos.
A
s notícias que chegam do
mundo da justiça, desde há
uns anos a esta parte, são
preocupantes. A imagem
dos atores forenses (sejam juízes,
procuradores ou advogados) sofre
uma progressiva erosão. Os “casos”
enchem o espaço mediático e a ad-
ministração da justiça é, cada vez
mais, escrutinada através desses
exemplos concretos. Os escândalos
sucedem-se, sejam juízes demitidos
por ilícitos diversos, magistrados do
Ministério Público (MP) nomeados
sob suspeita de favoritismo político
ou, ainda, advogados detidos, em
conjunto com os seus clientes, por
suspeita de cumplicidade nos seus
crimes. Ainda que a visão transmi-
tida à sociedade por estes casos seja
parcial e não reflita o que se pas-
sa com a esmagadora maioria dos
atores da justiça, não deixa de ser
inquietante. Pior, coloca em causa
a confiança que os portugueses de-
vem depositar na administração da
justiça e, com isso, a confiança no
Estado de direito democrático. Em
sondagem de abril, quase dois ter-
ços dos inquiridos não confiavam
nos juízes e nos tribunais (que era,
aliás, a instituição pública mais mal
colocada) e o MP também não tinha
avaliação positiva. Nas sondagens
de opinião internacionais, a advo-
cacia encontra-se recorrentemente
entre as profissões em quem o pú-
blico menos confia.
Não penso que exista uma “bala
de prata” que resolva esta crise da
justiça. A mediatização da justiça
veio para ficar e não é opção escon-
der os problemas dos olhos do pú-
blico. Uma justiça disciplinar rápida
solução — não só para mostrar ao
público que os infratores são san-
cionados, mas também pelo efeito
de prevenção geral que produz nos
próprios atores da justiça. É essa,
aliás, parte crucial da razão de ser
dos organismos de governo das pro-
fissões jurídicas, dos conselhos su-
periores à Ordem dos Advogados:
a de garantir o exercício idóneo
das profissões. Diga-se, aliás, que
bem melhor estariam alguns desses
organismos se se concentrassem
em garantir esse exercício idóneo,
“separando o trigo do joio”, em vez
de procurarem, corporativamente,
limitar o acesso à profissão através
da exigência de qualificações não
comprovadamente indispensáveis
ao exercício da mesma.
Acreditamos, no entanto, que
parte da solução pode estar a mon-
tante, na formação ética dos estu-
dantes de direito, futuros profissio-
nais e atores do sistema de justiça.
Estranhamente, a ética tem sido
descurada nos planos de estudos
das faculdades de direito, talvez
por se julgar caber às profissões
essa formação. Mas, quanto mais
cedo os estudantes de direito per-
ceberem que a prática competente
do direito não pode estar desligada
de uma prudência ética, que o di-
reito deve ser colocado ao serviço
da justiça e que, com frequência, é
pelas opções que tomam na forma
de tratar cada caso concreto que os
profissionais do direito garantem
esse alinhamento (e uma consci-
ência tranquila), melhor. A ética
pode e deve ser, ainda antes da lei,
a primeira muralha na defesa da
justiça e, portanto, do próprio Es-
tado de direito.
três anos de idade, em casa da
avó e do avô. Persistindo em
abrir uma porta de passagem entre
quartos, cuja maçaneta exige pressão
constante para que o desejado inten-
to aconteça, olha para trás e vendo-
-me, impávido, implora, “avô, abre a
porta, a minha mão é pequenina…”.
O Montepio é uma das mais antigas
instituições portuguesas em ativida-
de contínua, resiliência e transver-
salidade.
Primeiro, socialmente. Pelo seu
elevado número de associados, pela
congregação de aderentes oriundos
de todos os estratos sociais.
Depois, entre gerações. No univer-
so dos seus associados identificam-
-se, dispersos por todo o país, desde
crianças cuja vontade foi suprida pe-
los progenitores até à mais vetusta
idade que as crises existenciais não
afetaram.
Em seguida, geograficamente. Por
congregar associados de norte a sul,
de este a oeste do território conti-
nental, como também nas regiões
insulares atlânticas.
Por último, porque é uma institui-
ção de raiz nacional, sem enxertias,
que combina uma função económica
com a social. Não existem muitas
em Portugal com as características
elencadas. Recordo outras duas
atuais em áreas muito distintas: o
Benfica e o PSD. E em todas as três
instituições encontro o país real. Em
cada uma identifico o país como ele
sempre tem sido: intuitivo, precipi-
tado, inovador, sonhador, realizador
e ambicioso, todavia estruturalmen-
te vulnerável e instável, como hoje
mesmo, sem saber bem como será
a sua vida quando conseguir abrir a
porta política que ele próprio quase
nos domínios económico-social, des-
portivo, político. Todas procuram
na sua ampla componente humana
portuguesa o engenho e a matéria
que lhes permita transpor a porta.
O Montepio Geral — Associação
Mutualista e Caixa Económica, como
todo o sistema financeiro mundial,
sofreu na década passada uma per-
turbação severa derivada da crise
imobiliária gerada nos Estados Uni-
dos, que, como um vírus pandémico,
alastrou por todo o mundo e não ex-
cluiu a pequena instituição financeira
portuguesa que geria cerca de 20
mil milhões de ativos. O Montepio
resistiu. Mobilizou exclusivamente as
suas próprias forças, dispensando as
do Estado, do exercício das quais pra-
ticamente todo o sistema nacional
beneficiou. Foi alvo de invejas por
isso.
Percorre deste então um caminho
repleto de escolhos e armadilhas.
Empenha-se hoje numa reforma
estrutural profunda, que separe ou
diferencie patrimonialmente da sua
casa-mãe o banco por ela concebido
há cerca de 18 décadas, ainda antes
do Banco de Portugal.
Alterou os seus estatutos de modo
a afastar o contágio entre função so-
cial e função económica. Convocou
eleições na esperança de encontrar
um caminho novo de apropriados
serviços financeiros e exemplares
sociais destinados primordialmente
aos seus 600 mil associados.
As eleições são necessárias e ino-
vadoras. O país precisa do português
Montepio Geral. O ato eleitoral cons-
titui uma esperança do novo ciclo
institucional que agora começa e
sem uma mão maior que ajude a
abrir a porta.
Expresso, 13 de novembro de 2021
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
Debate sem sentido
Fico espantada com este assun-
to dos dois adolescentes, muito
bons alunos, cujos pais não os
deixam ir às aulas de Cidadania
e Desenvolvimento (CD), por-
que é a eles, pais, que compete
ensinar esses temas. Mas quais?
Ali cabem tantos... Ou seja, a
escola só serve para transmitir
uma ciência pura? Será que ela
existe? Biologia, Ciências, Histó-
ria... até Ginástica e Tecnologia
nada têm a ver com ideologia?
Os professores não transmitem,
quer queiram quer não, a sua
ideologia? Os livros literários
escolhidos pelos professores de
Português e de Inglês não trans-
mitem senão regras de gramá-
tica? A socialização faz-se na
escola e não implica reflexão
e escolhas ideológicas? Pobres
irmãos, neste caso. Centro de
um debate sem sentido com o
qual vão ter de lidar na sua vida,
quer queiram quer não: para
não serem influenciados sobre
as ideias à volta de CD terão de
lidar da pior forma para eles, fi-
lhos, com a noção de Estado, co-
munidade nacional, liberdade,
direitos e deveres... E ninguém
levanta estas questões?
Maria Belo, Lisboa
Celta vs. Barça
Espero que Jorge Jesus tenha
assistido ao jogo entre o Celta
de Vigo e o Barcelona, na Ca-
talunha. A vencer ao intervalo
por 3-0, tudo indicava que o
Barça partia para uma goleada
histórica. Mas o futebol é admi-
rável pelo desfecho que esconde
até ao último minuto ou até ao
apito final. Na segunda parte,
o Celta, com vigor também es-
condido, virou o resultado, che-
gando com um enorme mérito
ao empate, fazendo 45 minutos
inesquecíveis, históricos ver-
dadeiramente. Um jogo como
não se via há muito, impensável
mesmo, embora saibamos que
no futebol acontecem coisas do
arco da velha. Jorge Jesus de-
via ter visto como uma equipa,
estando numa primeira parte
apagada, quase medíocre, se
levanta com um arreganho no
segundo tempo e esmaga o fa-
vorito Barça. Partidas destas
são para ser arquivadas no ál-
bum das melhores memórias
— e que grande lição serviriam
para o Benfica e o seu técnico.
Joaquim A. Moura, Penafiel
SMS da vacina com
resposta de 60%
Interessou-me a notícia. Eis a
minha modesta opinião. Pois é.
A mim parece-me que deve ha-
ver é uma falta de organização.
Saiu de lá o sr. vice-almirante
e a organização “descambou”.
Tenho 72 anos. Há mais de seis
anos que tomo anualmente a
vacina contra a gripe. Tenho-me
dado bem. Ainda no ano tran-
sato fui vacinado em finais de
setembro. Na primeira semana
de dezembro viajarei para os
Estados Unidos, para uma visita
familiar. Estou farto de pergun-
tar na minha USF (em Marinha
Grande), e ninguém me dá res-
postas. Só sabem dizer que irei
ser contactado por SMS. Não
posso fazer autoagendamento,
porque é só a partir dos 80 anos.
Pergunto: quando abrirá o au-
toagendamento para a minha
idade? Talvez quando já estiver
dentro do avião. É o que temos...
M. Batista, Lisboa
A coligação
PS+PCP+BE
Depois de Passos Coelho, sur-
giu o Governo de António Costa
coligado com Jerónimo de Sou-
sa e Catarina Martins, onde foi
anunciado “o fim da austerida-
de”. A fração do povo que antes
da bancarrota beneficiava de
uma vida de nível europeu con-
tinuou a gozá-la, quer com Pas-
sos Coelho, quer com António
Costa e companhia. Ninguém
deixou as férias, no Carnaval, na
Páscoa, no verão, no Natal, em
sítios paradisíacos nas Caraíbas,
com Cuba incluída, no Brasil ou
pelo Oriente. Realmente, houve
avanços para as corporações
de Estado: os cortes entre 3% e
10% para salários acima de 1500
euros, que até representavam
alguma justiça social, foram re-
cuperados. O salário médio da
Função Pública de 1400 euros
continua o dobro daquele aufe-
rido na atividade privada; com
esta realidade podemos avaliar
o conceito de justiça social nos
dois partidos que se autointi-
tulam “à esquerda”: o PCP e o
BE. No tocante à saúde, o SNS
é como um dique com rombos
por onde se escoa o dinheiro
dos trabalhadores por conta de
outrem e empresários (as duas
classes realmente exploradas
neste país). Não houve uma úni-
ca atitude para gerir melhor o
dinheiro do SNS. Os médicos es-
pecialistas passam o dia fora dos
hospitais, ninguém lhes marca
falta para lhes retirar o dia de
“não trabalho”, ninguém os ex-
pulsa da Função Pública. A lista
de exemplos seria infindável, do
PS e do PSD tudo se espera, mas
os partidos ditos de “esquerda”
apresentam a sua verdadeira
máscara: fazer de conta que se
eles estivessem no Governo o
nível de vida podia evoluir sem
qualquer criação de riqueza,
apenas com demagogia. Pode-
-se perguntar se foi positiva esta
coligação? Sim, para desfazer as
ilusões no significado da palavra
“esquerda”. E entre os governos
de PSD ou de PS, mesmo com
António Costa, ou Jerónimo
de Sousa, ou Catarina Martins
como primeiros-ministros, qual
seria a opção menos má para o
país? Temos de lembrar a frase
de Churchill: “A democracia é o
pior sistema, com exclusão de
todos os outros.”
Angélica de Carvalho, Chaves
Os portugueses
são ingénuos?
O senhor primeiro-ministro, ao
ser questionado se tinha tido
conhecimento da investigação
ao caso das tropas portuguesas
na República Centro Africana,
afirmou em alto e bom som e
com o ar mais sério que não e
que o seu ministro da Defesa
também não lhe comunicara
por estar em segredo de justiça.
Contudo, o ministro comunicou
em devido tempo diretamente
às Nações Unidas. Então, nem
em Conselho de Ministros nem
no gabinete do PM houve qual-
quer informação sobre tão gra-
ve crime? Quem acredita nisto?
Pelo visto, o senhor Presidente
da República acredita, após
ter falado sobre o tema com o
ministro. Este tema faz lem-
brar patranha idêntica sobre
o roubo das armas em Tancos.
O povo português é ingénuo,
porque acredita e vota, e de que
maneira.
Manuel B. Mota, Gulpilhares
1925-2021 Professor, ativista antinuclear e pacifista, era um hibakusha — sobrevivente
da bomba atómica de Hiroxima. Em 2011 recebeu o prémio da paz Kiyoshi Tanimoto
Sunao Tsuboi
T
eve a morte por perto
a rondar-lhe a vida in-
teira, chegou a tentar
o suicídio, carregou até
ao fim as marcas e as cicatri-
zes — e sobretudo a lembrança
— daquele clarão imenso. Era
um hibakusha, um dos sobre-
viventes ao cogumelo atómico
que, numa manhã de sol, var-
reu tudo à sua passagem: 70 a
80 mil pessoas morreram logo
no primeiro embate ou no fogo
subsequente e outras tantas fi-
caram gravemente feridas, com
sequelas para o resto dos dias. A
bomba, a que chamaram “Little
Boy”, continha cerca de 64 qui-
los de urânio-235 e foi lançada
pelo coronel Paul Tibbets a par-
tir do “Enola Gay”, um B-29
Superfortress, às 8h15 do dia 6
de Agosto de 1945. O engenho
demorou cerca de 44 segundos
até explodir no ar, a 580 me-
tros acima do solo de Hiroxima,
mas, devido aos ventos cruza-
dos, falhou o alvo, a Ponte Aioi,
e detonou em cima de um hos-
pital, a Clínica Shima, matando
instantaneamente todos os pa-
cientes, médicos e funcionários.
Na manhã seguinte, as equipas
de socorro encontraram apenas
ossos, completamente brancos,
sem um vestígio de carne: por
efeito da bomba, os corpos ti-
nham sido transformados em
esqueletos numa fracção de se-
gundo. Noutros lugares, com
temperaturas que atingiram os
quatro mil graus Celsius, houve
corpos que pura e simplesmen-
te se vaporizaram, volatilizan-
do-se, deixando apenas marcas
negras no chão ou nas paredes,
hoje conhecidas por “sombras
da morte”. Também ele seria
uma sombra da morte, ainda
que tenha vivido até há pouco.
Faleceu no passado dia 24 de
Outubro, aos 96 anos, de arrit-
mia cardíaca.
Sunao Tsuboi nasceu e cres-
ceu em Ondo, uma localidade
do distrito de Aki, na prefeitu-
ra de Hiroxima, e desde mui-
to novo mostrou interesse em
ciências e em matemáticas, o
que o levou a inscrever-se na
Escola Técnica de Hiroxima,
que frequentou até ao dia do
clarão imenso. Na manhã de 6
de Agosto de 1945, depois de
ter comido num restaurante
chamado Shima no Kaori, foi
OBITUÁRIO
Rui Oliveira
e Costa
1948-2021 Politólogo e
político, foi deputado à
Assembleia da República
pelo PSD, partido que
abandonaria para apoiar a
candidatura do socialista
Mário Soares às presidenciais
de 1986, que ganharia contra
o candidato do PSD e do
CDS Freitas do Amaral. Foi
membro do Secretariado
Nacional da UGT desde o
primeiro congresso, bem
como membro do Conselho
Económico e Social e da
Comissão Permanente da
Concertação Social. Aderiu ao
PS no final dos anos 80. Mas
Nasceu e cresceu
em Ondo, uma
localidade do distrito
de Aki, na prefeitura
de Hiroxima, e desde
muito novo mostrou
interesse em ciências
e em matemáticas
convidado por alguns amigos
a tomar um segundo pequeno-
-almoço na cantina da escola,
mas declinou com receio de
que as colegas o consideras-
sem um glutão. Quando se deu
a explosão terrível, caminhava
sozinho em direcção à sala de
aula: todos os que se encon-
travam na cantina da escola
tiveram morte imediata. Vendo
que estava gravemente ferido,
foi até à casa de uma tia, nas
imediações, mas, não queren-
do ser um fardo para ela, saiu
pouco depois e andou à deriva
pela cidade em busca de auxí-
lio. Disseram-lhe que havia um
posto de socorro perto da Pon-
te Miyuki, mas o que ali encon-
trou foi apenas um polícia que
seria como responsável por
uma empresa de sondagens
e, talvez acima de tudo, como
sportinguista que se tornou
uma figura pública. Ex-diretor
do “Jornal do Sporting” e
antigo membro do Conselho
Leonino, foi comentador em
representação do Sporting em
vários programas televisivos
dedicados a debates sobre
futebol. Rui Moreira, atual
presidente da Câmara do
Porto e ex-colega num desses
programas desportivos,
recordou que pronunciava
o nome do clube de que era
adepto e o sócio número
11.231 de uma forma única:
“Zbord”. Foi administrador
e responsável técnico da
Eurosondagem (tendo
trabalhado para o Expresso),
empresa que fez centenas de
sondagens, principalmente
políticas e eleitorais. Era
professor de Ciência Política e
de Relações Internacionais na
Universidade Lusófona. Dia 9,
de cancro.
PRIMEIRO CADERNO 33
Desastres Naturais
Por António Araújo
hospitalizado em estado gra-
ve, dado como perdido em três
ocasiões, teve dois diagnósticos
de cancro e, quando a sua na-
morada anunciou que ia casar
com ele, os pais opuseram-se,
dizendo-lhe que iria ficar viúva
em breve. Foi então que Sunao
e a futura mulher, Suzuko, ten-
taram suicidar-se, sendo ambos
salvos in extremis por não te-
rem tomado a dose suficiente
de comprimidos fatais. Tsuboi
tornou-se professor de Mate-
mática num colégio feminino,
um emprego que lhe permitia
FOTO JOHANNES EISELE/AFP VIA GETTY IMAGES
ter baixas médicas e todos os
anos, no 6 de Agosto, falava aos
alunos do dia abominável.
Depois de se reformar, tor-
nou-se um dos mais famosos
sobreviventes de Hiroxima e
Nagasáqui e empenhou-se a
fundo na causa antinuclear e
pacifista, percorrendo o país e
o mundo em defesa da abolição
das armas atómicas. Em 2000
alcançou a presidência da Ni-
hon Hidankyo, a confederação
japonesa das vítimas de bom-
bas atómicas e de hidrogénio,
tentava aliviar a dor de crianças e em 2011 recebeu o prémio da
horrivelmente feridas despe- paz Kiyoshi Tanimoto. Pouco
jando óleo de cozinha sobre as depois, criticaria o primeiro-
suas feridas em brasa. Para as- -ministro, Shinzo Abe, por este
segurar o esforço de guerra, os ter posto em causa o pacifismo
rapazes e os jovens adultos ti- nipónico do pós-guerra e, mais
veram prioridade na evacuação grave ainda, por ter aprovado a
dos feridos, e por isso Sunao controversa legislação de 2015,
acabou sendo colocado num que passou a permitir o envol-
camião e transferido para Ni- vimento do Japão em conflitos
noshima, onde esteve durante militares externos.
vários dias, ajudado e alimen- Dos 650 mil hibakusha ori-
tado por um colega de escola. ginais restam cerca de 127 mil.
A família julgou-o morto, um Durante décadas foram alvo
tio sugeriu que lhe fizessem o de intensa discriminação no
funeral, mas a mãe resistiu à casamento e no trabalho, devi-
proposta e, numa cena digna do à crença infundada de que
de filme, acabou por encontrá- as doenças por radiação são
-lo quase ao acaso. Ao vê-lo, contagiosas ou transmissíveis
uma tia pensou estar perante hereditariamente, um precon-
um fantasma, tal a extensão ceito que ainda hoje atinge os
das suas chagas e o vazio no filhos e os netos dos sobrevi-
olhar e no espírito: Tsuboi não ventes da bomba — e do seu
sabia sequer que a guerra tinha clarão imenso.
terminado e, quando lhe disse-
ram, não acreditou.
Nos anos vindouros, desen-
volveria anemia aplástica, uma ESTA COLUNA
TEM UMA VERSÃO
doença hematológica rara, PODCAST EM
caracterizada pela produção EXPRESSO.PT
insuficiente de células sanguí-
neas na medula óssea, o que o
obrigou a receber, até ao fim da António Araújo
vida, transfusões de sangue a escreve de acordo
cada duas semanas. Onze vezes com a antiga ortografia
> Dean Stockwell (1936-2021),
ator americano, foi nomeado
para um Óscar de melhor ator
secundário pelo papel de Tony
“The Tiger” Russo na comédia
“Viúva... Mas Não Muito”, de Jo-
nathan Demme. Foi o almirante
Calavicci na série “Quantum
Leap”, filmou com Wim Wen-
Marília Mendonça ders em “Paris, Texas” e com
David Lynch em “Dune”. Teve
1995-2021 Cantora brasileira, uma carreira paralela como ar-
inovou ao adaptar a música tista plástico. Dia 7, de causas
sertaneja aos problemas desconhecidas > Astro (1957-
femininos, colocando as 2021), nome artístico de Terence
mulheres como protagonistas Wilson, músico britânico e fun-
das suas composições, numa dador dos UB40, banda reggae
área musical muito marcada que atingiu o estrelato com uma
pelos artistas do género versão de ‘Red, Red Wine’, de
masculino. Apesar da curta Neil Diamond. Era um dos vo-
carreira, conseguiu bater calistas, percussionista e trom-
vários recordes de audiência, petista. Dia 6, de causas não
tendo sido, em 2020, a cantora reveladas. > Frederik de Klerk
com maior audiência em (1936-2021), último Presidente
simultâneo em todo o mundo branco da África do Sul, os seus
de uma transmissão em direto esforços para acabar com o re-
(3,2 milhões de espectadores). gime do apartheid valeram-lhe
Há uma semana, num acidente o Nobel da Paz, juntamente (em
de aviação, quando se dirigia 93) com Nelson Mandela. Dia 11,
para um espetáculo. de cancro.
34 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA PAND ORA PAPERS
Investigação Um acordo de direitos de imagem entre o
Benfica, duas empresas-fantasma e o treinador foi montado
em 2006 com a ajuda da filha. A ideia era fugir aos impostos,
mas o contrato acabou por não ser executado. Uma
investigação conjunta do Consórcio Internacional de
Jornalistas de Investigação (ICIJ) e da rede europeia EIC
O CONTRATO
QUE FERNANDO
SANTOS DEIXOU
NA GAVETA
Micael Pereira
N
ão importa
para onde
olhemos — o
futebol pa-
rece estar
sempre no
meio de nós.
Isso ainda é
mais eviden-
te quando olhamos para fugas
de informação sobre estrutu-
ras offshore. Nos escândalos
financeiros divulgados nos
últimos anos à volta desta in-
dústria, é raro não haver em-
presas-fantasma a canalizar
pagamentos para jogadores,
treinadores e empresários de
forma oculta, contornando im-
postos e conflitos de interesses.
Apesar disso, encontrar um
nome como Fernando Santos,
um treinador conhecido por
nunca ter sentido necessidade
de contratar um agente para o
representar, é uma surpresa.
Mas aconteceu.
No meio dos 11,9 milhões de
ficheiros dos Pandora Papers,
um projeto coordenado pelo
Consórcio Internacional de Jor-
nalistas de Investigação (ICIJ),
de que o Expresso é parceiro,
foi descoberto um acordo de
cedência de direitos de imagem
no valor de €480 mil que envol-
veu o selecionador nacional de
Portugal quando era treinador
do Benfica, há 15 anos.
Com data de setembro de
2006, dois meses depois de
Fernando Santos ter começado
a treinar a equipa principal do
Benfica, o contrato de direitos
de imagem encontrado na fuga
de informação incluía acordos
complementares com compa-
nhias estrangeiras desconheci-
das. A forma como esta solução
foi desenhada, com o recurso
a duas empresas-fantasma na
Irlanda e nos Estados Unidos,
a Siloue Limited e a Quinton
Services LLC, faz lembrar o
esquema de fuga aos impostos
montado para o treinador José
Mourinho e revelado pelo Ex-
presso em 2016, durante uma
das investigações dos Football
Leaks, embora numa escala de
montantes muito mais pequena.
Ao contrário do caso de
Mourinho, no entanto, o acor-
do com Fernando Santos en-
contrado nos Pandora Papers
nunca chegou a ser executado.
O atual selecionador nacio-
DATAS-CHAVE
Julho de 2006
Fernando Santos
começa a treinar o
Benfica. A sua filha
introduz uma diretora
da Gestar, empresa de
serviços financeiros, na
administração do clube
Setembro de 2006
Data de assinatura de
um acordo de cedência
de direitos de imagem
entre Fernando Santos,
Benfica e uma empresa
na Irlanda, a Siloue
Julho de 2007
O acordo é revogado.
O Benfica paga
diretamente a Fernando
Santos um valor maior
Agosto de 2007
Fernando Santos é
despedido do Benfica
nal veio a assinar um outro
contrato de direitos de ima-
gem com o Benfica 10 meses
depois, em julho de 2007, que
revogou “todos os acordos
anteriormente celebrados” e
cujos valores batem certo com
os recibos verdes passados por
ele e com os rendimentos que
declarou na altura às autori-
dades fiscais, como o Expresso
teve oportunidade de verificar
numa análise a um conjunto de
documentação disponibilizada
por Fernando Santos.
“Não tenho ideia de ter assi-
nado qualquer contrato com
qualquer das entidades referi-
das, com exceção do SLB, pelo
que qualquer explicação que
O ESQUEMA
LEMBRA O CASO
DE MOURINHO,
MAS O ACORDO
MONTADO PARA
FERNANDO
SANTOS NUNCA
FOI USADO
Expresso, 13 de novembro de 2021
pudesse dar seria pura especu-
lação”, admite o treinador, as-
segurando que fez tudo como
manda a lei quanto aos seus
impostos. “Nunca promovi,
executei ou aderi a qualquer
esquema de evasão fiscal. Sou
um homem de família honra-
do, que cumpre as suas obri-
gações fiscais e sociais. Sempre
me pautei por princípios sóli-
dos de honestidade e seriedade
e nunca procurei obter van-
tagens económicas a que não
tivesse direito.”
O que aparece nos Pandora
Os Pandora Papers mostram
que houve um acordo, assinado
com data de 4 de setembro de
2006, entre três partes. Além
da Sport Lisboa e Benfica SAD
(Sociedade Anónima Despor-
tiva) e de Fernando Santos,
o contrato para a venda dos
direitos de imagem do treina-
dor abrangia a Siloue Limited,
uma companhia registada em
Dublin, na Irlanda.
A cópia digitalizada do do-
cumento, assinada em todas
as páginas, diz que a Siloue empresa com sede em Nova A Quinton Services LLC foi Teoricamente, e no limite, se
detinha “os direitos de ges- Iorque, a Quinton LLC. registada numa morada, no o acordo tivesse ido em frente e
tão, marketing e promoção Os termos eram claros: a número 15 da rua North Mill, Fernando Santos tivesse desse
da imagem do treinador tanto Quinton assumia ser detento- onde o Expresso contou haver modo declarado às finanças
profissionalmente, na sua per- ra dos direitos de imagem de mais de mil outras companhias, em Portugal apenas os €100
formance desportiva, como na Fernando Santos, vendendo-os uma característica típica de mil recebidos diretamente da
sua vida privada” desde 14 de à Siloue por €216 mil por ano, empresas-fantasma. Quinton, sujeitos à taxa máxi-
maio desse ano e cedia “o uso num total de €432 mil por dois Companhias do género da ma de IRS então em vigor de
exclusivo” desses direitos ao anos. Ou seja, a Siloue compra- Quinton, uma LLC, “limited 42%, o treinador poderia ter
Benfica por um período de dois va esses direitos por €432 mil à liability company”, ou socieda- poupado quase €140 mil em
anos, até 1 de julho de 2008, e Quinton e vendia-os por €480 de de responsabilidade limita- impostos.
com efeitos retroativos a partir mil ao Benfica, fazendo uma da, não pagam IRC no Estado
de 1 de julho de 2006. mais-valia de €48 mil — valor de Nova Iorque, mas apenas O contrato executado
A Siloue Limited deveria re- que estaria sujeito a uma taxa uma pequena taxa de depósito
ceber €240 mil por ano do Ben- de imposto de 12,5%, depois que depende do montante das Em contraste com o acordo
fica, em prestações mensais de de descontados os custos da suas receitas brutas. Para o va- descoberto nos Pandora Pa-
€20 mil, num total de €480 mil empresa. lor em causa, não seriam mais pers, o contrato que Fernando
ao fim dos dois anos. Finalmente, ainda com a de 500 dólares, ou seja, menos Santos mostrou ao Expresso, e
De acordo com um ficheiro mesma data, há um terceiro de €500. que acabou por ser executado,
dos Pandora Papers, a incor- contrato entre a Quinton Ser- apresenta montantes muito
poração da Siloue foi tratada vices LLC e Fernando San- maiores. O Benfica ficou obri-
pela sucursal das Ilhas Virgens tos, mas só está assinado pelo gado a pagar pelos direitos de
Britânicas da sociedade de ad- administrador de fachada da imagem do treinador €776.492
vogados Alemán, Cordero, Ga-
lindo & Lee (Alcogal) a pedido
empresa. O espaço para a as-
sinatura do treinador está em “SOU UM HOMEM mais IVA (na altura, era de 21%)
em duas fases. Seis dias depois
de uma firma intermediária de
serviços financeiros em Malta,
branco. Este último contrato,
fundamental para a estrutura DE FAMÍLIA da assinatura do acordo, a 31 de
julho de 2007, foi pago metade,
a Portman Consultants Inter-
national. A Alcogal atribuiu-
offshore poder funcionar, di-
zia que Fernando Santos cedia HONRADO, QUE €387.272. E a 31 de janeiro de
2008, quando já tinha sido des-
-lhe dois administradores de
fachada, Andres M. Sánchez e
os seus direitos de imagem à
Quinton por €100 mil, com
CUMPRE AS SUAS pedido do Benfica, foi liquidada
a outra metade.
John Benjamin Foster.
Um segundo contrato, tam-
uma vigência retroativa que ia
de 23 de março de 2006 a 30
OBRIGAÇÕES O contrato tinha efeitos re-
troativos a 1 de julho de 2006, a
bém datado de 4 de setembro de julho de 2008. Uma cláusu- FISCAIS E SOCIAIS”, um ano de distância, e dizia que
GARANTE O
de 2004, foi assinado entre um la de remuneração estipulava “os ora outorgantes declaram
dos administradores de facha- um pagamento fracionado em de forma expressa e sem reser-
SELECIONADOR
da da Siloue e o administra- quatro prestações semestrais vas revogar todos os acordos
dor de fachada de uma outra de €25 mil. anteriormente celebrados”.
Expresso, 13 de novembro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 35

SELEÇÃO

O CATAR ESTÁ A UM
Na relação que a partir daí
manteve com o Benfica, a dire-
tora-adjunta da Gestar assumiu
que o objetivo da criação da es-

trutura offshore era “a otimiza-
ção fiscal” e, ao mesmo tempo,
a “preservação da identidade”
do cliente.
Teresa Claudino não quis
responder às perguntas do
Expresso e o Benfica optou
também por não comentar o
assunto. Quanto a Elsa Dias, já
não trabalha na Gestar e não
foi possível localizá-la.
Confrontada pelo Expresso,
Cátia Costa Santos garante que
desconhece “em absoluto” o
que é que o seu pai “veio a acor-
dar” com o Benfica. “Não tive
qualquer intervenção ou parti-
cipação antes ou depois disso,
e, portanto, na definição dos
termos da contratação do meu
pai, os quais foram exclusiva-
mente definidos e acordados
entre ele e o Benfica.”
A juíza diz que a sua “única
participação” na contratação
do pai pelo Benfica, em 2006,
foi ter estado, “a seu pedido”,
numa reunião com o clube.
“Foi-me apresentado um cená-
rio que estariam a equacionar,
cujos contornos não recordo
com exatidão, mas que desa-
conselhei o meu pai a aceitar,
por não me parecer que o mes-
mo fosse do interesse dele,
depois do que me limitei, no
essencial, a informar que as ne-
gociações deveriam prosseguir
com o meu pai.”
Fernando Santos desmente
que um acordo desse género
tenha partido da sua iniciativa
ou da da sua filha. “É falso que
tenha proposto ao Benfica, di-
retamente ou através da mi-
nha filha, qualquer esquema
relativo ao pagamento da mi-
nha retribuição.” E acrescen-
ta: “Na negociação da minha
contratação, é natural que o
Benfica me tenha proposto
algumas soluções que lhe fos-
sem convenientes por algum
motivo.”
Os ficheiros mostram, contu-
do, que em outubro de 2006 a
filha de Fernando Santos deu
o seu aval ao acordo desenhado
pelo Benfica e pela Gestar.
PONTINHO DE DISTÂNCIA
Portugal recebe, no
domingo, a Sérvia. Basta
um empate para garantir
o Mundial 2022, e não terá
Pepe, expulso na Irlanda
Durante muitas décadas, a
presença da seleção nacional
de futebol nas fases finais das
grandes competições era uma
raridade. Até 2000, Portugal
só esteve em dois Mundiais
(1966 e 1986) e dois Europeus
(1984 e 1996). Com o progres-
sivo aumento da quantidade de
equipas presentes nos grandes
torneios — que foi facilitando as
qualificações —, além do cres-
cimento e da consolidação do
futebol português, o panora-
ma mudou radicalmente: des-
de 2000, Portugal não falhou
qualquer fase final.
No domingo, no Estádio da
Luz (19h45, RTP1), a equipa
de Fernando Santos receberá
a Sérvia em busca de selar a
presença no seu 12º grande tor-
neio de seleções consecutivo,
cifra que demonstra o estatuto
de Portugal como um dos prin-
cipais conjuntos do presente
século. Para garantir viagem
para o Catar no Mundial que
se disputará em novembro e
dezembro de 2022, a seleção
precisa apenas de empatar. Um
cenário animador, dado que
nunca perdeu um encontro de
qualificação em casa com Fer-
nando Santos como técnico.
Apesar de Portugal chegar à
última ronda do grupo A po-
dendo jogar com dois resulta-
dos, o embate contra a Sérvia
segue-se a uma das piores exi-
bições do passado recente da
seleção. O empate a zero con-
tra a Irlanda, na quinta-feira,
surgiu após uma partida sofrí-
vel frente a um adversário de
nível individual bem inferior.
Em Dublin, Fernando San-
tos optou por deixar no ban-
co Rúben Dias, João Cancelo,
José Fonte, Renato Sanches e
Diogo Jota, todos em risco de
falharem a partida de domingo
caso vissem um cartão amare-
lo. No entanto, apesar destas
cautelas, o selecionador perdeu
na Irlanda um dos seus pilares
para o decisivo duelo frente à
Sérvia: Pepe, na noite em que
se tornou o jogador mais velho
de sempre a jogar por Portugal,
foi expulso e não poderá atuar
no Estádio da Luz.
No final do jogo de Dublin,
Fernando Santos argumen-
tou que “empatar ou ganhar
por 5-0 era a mesma coisa”, já
que somar um ponto ou três
levaria sempre Portugal para
a última jornada a precisar
só de um empate, pelo que “o
resultado foi muito positivo”.
Tendo reconhecido as “muitas
dificuldades” contra a Irlanda,
o selecionador vincou a impor-
tância de a “Sérvia ter de jogar
para ganhar”, o que pode facili-
tar a abordagem portuguesa. E
assegurou estar “convencido”
da qualificação para o Mundial.
CR800?
No Estádio da Luz, além do
provável regresso de habituais
titulares, como Rúben Dias ou
João Cancelo, Fernando San-
tos poderá contar com Nuno
Mendes, que estava castigado
na última partida. Em dúvi-
da está ainda Bernardo Silva,
ausente de Dublin por lesão e
cujo regresso pode acrescentar
técnica e criatividade a uma
equipa que na Irlanda abusou
das bolas longas e da falta de
critério em posse.
Com 798 golos apontados na
sua carreira, Cristiano Ronaldo
pode chegar, no domingo, aos
800 tentos marcados. Melhor
marcador luso nesta fase de
qualificação, com seis golos,
o capitão da seleção tentará
assegurar a presença no quinto
Mundial da sua carreira, igua-
lando o recorde dos mexica-
nos Antonio Carbajal e Rafa
Márquez e do alemão Lothar
Matthäus.
Pedro Barata
pmbarata@expresso.impresa.pt

O atraso com a burocracia

Os recibos verdes passados
por Fernando Santos ao Ben-
fica mostram que, ao todo, fo-
ram retidos €146.908,80 de
IRS e foram cobrados €162.654
de IVA. Estes montantes foram
incluídos nas declarações de
impostos do treinador de 2007
e 2008.
Embora os Pandora Papers
não mostrem quem é que mon-
tou o acordo que ficou na gave-
ta, um conjunto de documentos
partilhados pela revista alemã
“Der Spiegel” com a rede de
jornalismo de investigação EIC
(European Investigative Colla-
borations), de que o Expresso
faz parte, permitem entender o
que aconteceu nos bastidores.
A intermediação da filha
De acordo com os ficheiros ob-
tidos pela “Der Spiegel”, e que
dizem respeito à vida interna
do Benfica, em julho de 2006 a
filha de Fernando Santos, Cátia
Costa Santos, apresentou Elsa
Dias, diretora-adjunta da Ges-
tar, uma empresa de serviços
financeiros na Suíça, fundada
pelo Grupo Espírito Santo no
início da década de 90, à então
administradora financeira do
Benfica, Teresa Claudino.
Fernando Santos foi
treinador do Benfica
entre julho de 2006
e agosto de 2007
FOTO TIAGO MIRANDA
juíza em 2008, tinha-se encon-
trado poucos dias antes, em
Lisboa, com a responsável da
Gestar e, em representação do
seu pai, reencaminhou para a
administradora do Benfica os
custos associados a uma estru-
tura offshore proposta pela em-
presa suíça como solução para
Fernando Santos receber os seus
direitos de imagem, num acordo
paralelo ao seu contrato de tra-
balho enquanto técnico do clube.
Nos meses seguintes, seriam
Teresa Claudino e essa direto-
ra-adjunta da Gestar a condu-
zir o processo de montagem do
acordo, com o acompanhamen-
to de um advogado do Benfica.
EM JULHO DE 2007
HAVIA AINDA
BUROCRACIAS
POR RESOLVER
NA IRLANDA
E O BENFICA
RESOLVEU PAGAR
Ainda segundo os documentos
partilhados pela “Der Spiegel”,
o processo acabou por se arras-
tar mais do que o desejado. Em
parte, isso deveu-se à falta de
resposta atempada do Benfica
a várias solicitações da Gestar
para que fosse transferido di-
nheiro para a Suíça, de modo a
pagar as despesas administra-
tivas com a aquisição das duas
empresas-fantasma.
Até que em abril de 2007
surgiu um contratempo der-
radeiro. Era preciso registar a NÃO PARTILHE
Siloue Limited no sistema de
IVA irlandês e isso iria demo-
rar quatro a seis semanas.
JORNAIS E REVISTAS
Em julho de 2007, com a bu-
rocracia ainda por resolver, o NAS REDES SOCIAIS
Benfica informou a Gestar que
o acordo iria ser cancelado e Não cometa um crime
que entretanto tinha sido en-
contrada outra solução para
pagar ao treinador, embora Partilhar jornais e revistas em redes sociais é crime
bastante mais cara para o clube. Não partilhe conteúdos editoriais em
Fernando Santos assinou grupos de Whatsapp e Telegram
um acordo de revogação que
anulou o contrato com o Ben-
fica e a Siloue Limited. Esta
revogação foi assinada com
uma data retroativa, 3 de ou-
O LICENCIAMENTO
tubro de 2006, e enviada para
a Gestar pela administradora
financeira do clube a 26 de
julho de 2007.
Finalmente, em novembro
desse ano, um funcionário do
É OBRIGATÓRIO!
departamento de relações com
o cliente da Gestar remeteu
visapress.pt
uma carta ao Benfica para ser
reencaminhada para Fernando Rua Dr. João Couto, Lote C
Santos. O treinador deveria as- 1500-236 Lisboa - Portugal
Tel.: +351 213 579 025
sinar essa carta para que fosse
dada por terminada a sua re- geral@visapress.pt

DIRETAMENTE
A filha do treinador, que era lação com a Quinton Services.
advogada na altura e se tornou mrpereira@expresso.impresa.pt
36 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO MOBILIDADE
Evolução A mobilidade elétrica vai traduzir-se num aumento do consumo de energia e num impacto na rede, que obrigará a
investimentos, mas que já estão previstos até 2031. Contudo, esse impacto pode ser reduzido — tudo depende de quando se carrega o carro
Será que as redes aguentam
tantos carros elétricos?
AÇORES NA VANGUARDA DA MOBILIDADE A ilha de São Miguel foi escolhida para testar a tecnologia Vehicle-to-Grid (V2G) que, traduzida à letra,
significa “do carro para a rede”, mas que é exatamente isso: o carro usa a rede elétrica para carregar, mas também fornece energia à rede, tornando-se
numa espécie de bateria de armazenamento. O projeto, liderado pela Galp, arrancou em abril de 2020 com 10 carros da Eletricidade dos Açores e,
em agosto do ano passado, já tinha injetado na rede energia equivalente ao consumo médio diário de 15 casas FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
Textos Ana Baptista
A
mobilidade elétrica
já não é uma opção.
É uma inevitabili-
dade. Não só por
causa das aperta-
das metas europei-
as de combate às
alterações climáti-
cas, mas porque a
sustentabilidade e continuidade do
planeta assim o exigem. Em Portugal
a evolução tem sido significativa. Há
pouco mais de 10 anos, no início de
2011, havia 21 carros elétricos e cerca
de 670 pontos de carregamento públi-
cos, acabadinhos de instalar. Hoje há
cerca de 130 mil elétricos e híbridos
plug-in em circulação e uns seis mil
pontos públicos e privados, que con-
tinuam a crescer todos os dias. É, por
isso, que as estimativas da Direção-
-Geral de Energia e Geologia (DGEG)
apontam para que, em 2030, haja
cerca de 2,3 milhões de elétricos e hí-
bridos plug-in ligeiros de passageiros
e de mercadorias, para o quais serão
precisos, segundo um estudo da Fe-
deração Europeia dos Transportes e
Ambiente, mais de 40 mil pontos de
carregamento.
Todos estes carros a circular e a
carregar vão ter impacto no con-
sumo. “Hoje em dia, o consumo de
energia elétrica para a mobilidade
é incipiente — 0,2 GWh ou cerca de
0,4% do total —, no entanto, prevê-se
que, em 2030, represente 5,5 TWh,
cerca de 10% do total”, diz ao Expres-
so fonte da REN. Mas também vão
ter impacto na potência, ou seja, na
energia que tem de passar na rede a
uma determinada hora e local. Desde
logo porque, diz a E-Redes, os ope-
radores pedem potências elevadas,
de 41,4 kVA — o mesmo que para
um supermercado — porque querem
instalar pontos rápidos, dos que de-
moram 20 ou 10 minutos a carregar.
E depois porque podem haver mui-
tos carregamentos em simultâneo,
à mesma hora e na mesma zona, e
haver um risco de sobrecarga, como
quando o contador da nossa casa vai
abaixo. “As pessoas tendem a carre-
gar o carro quando chegam a casa,
ao fim do dia, entre as 19h e as 20h,
o que coincide com um pico de con-
sumo que já está a acontecer, porque
DEVEM PRIVILEGIAR-SE
OS CARREGAMENTOS
DURANTE O DIA,
ENTRE AS 11H E AS 17H,
OU À NOITE, ENTRE
AS 23H E AS 6H
está tudo em casa, a fazer o jantar e a
usar equipamentos elétricos”, diz ao
Expresso João Peças Lopes.
O professor e engenheiro descar-
ta, contudo, que haja sobrecargas
tão expressivas que possam provo-
car apagões. “A mobilidade elétrica
nunca será a causa de apagões”, diz,
até porque a rede elétrica atual “tem
folga para acomodar os próximos cin-
co anos de evolução da mobilidade
elétrica”. Ainda assim, diz, este tipo
de impactos podem ser minimizados,
tudo depende de como e quando se
carrega o carro.
Investimentos já preveem
mobilidade elétrica
“É preciso promover o carregamento
inteligente e escolher as horas de me-
nor consumo. Por exemplo, carregar
durante a noite, entre as 23h e as 6h
do dia seguinte, seja em casa ou na
rua, ou então durante o dia, entre
as 11h e as 17h, enquanto se está no
escritório ou quando se vai ao super-
mercado, a um restaurante ou a uma
consulta. E basta o preço ser mais
baixo a essas horas que já serve de
incentivo”, refere. O administrador
da EDP Comercial com o pelouro da
mobilidade, Pedro Vinagre, concor-
da e adverte que carregar um carro
elétrico não é como pôr gasolina ou
gasóleo. A dinâmica tem de ser seme-
lhante à de carregar o telemóvel, que
se pode fazer várias vezes por dia, em
GUIA DA MOBILIDADE
O Expresso, em parceria com
a EDP, lançou este ano a Carta
Elétrica, um projeto para
discutir, acelerar e explicar a
nova mobilidade. Há um novo
código na estrada. Acompanhe,
ao longo dos próximos meses,
em expresso.pt/carta-eletrica
qualquer lado, e não precisa de ser
até aos 100%. Aliás, a recomendação
técnica é de que basta carregar até
aos 80%, tal como os telemóveis.
Mais potência e mais consumo tem
impacto nas redes, tanto na de trans-
porte, que é gerida pela REN, como
na de distribuição, que é operada pela
E-Redes, e faz chegar a eletricidade às
cidades, casas, empresas, indústrias e,
claro, aos pontos de carregamento. E
este impacto traduz-se em investimen-
tos, contudo, a maioria está prevista
há alguns anos, porque se inclui nos
investimentos planeados para todo
o Sistema Elétrico Nacional, que in-
cluem, entre outros, mais produção
renovável e autoconsumo. “Tudo se
faz por antecipação”, explica Peças
Lopes. Até porque alguns destes in-
Expresso, 13 de novembro de 2021
A EVOLUÇÃO
Mais vendas
^ Recorde O início do ano foi fraco,
por causa do novo confinamento, mas
desde março que todos os meses há
recordes de vendas de carros 100%
elétricos e híbridos plug-in. O mais
recente foi atingido em outubro, com
mais de três mil carros vendidos,
segundo dados da Associação de
Utilizadores de Veículos Elétricos. No
total, este ano já foram vendidos
22.722 carros elétricos, mais que nos
12 meses de 2020.
Mais postos
^ Investimento Quase todos os dias
há anúncios de novos investimentos
em postos de carregamento. Os mais
recentes foram da EDP Comercial e
da Repsol, mas a Galp também tem
estado muito ativa neste negócio.
Aliás, tanto a EDP Comercial como a
Galp disseram ao Expresso que no
final deste ano vão superar os mil
pontos de carregamento em Portugal.
A Repsol também anunciou
recentemente um investimento de
€42 milhões em 610 novos postos,
mas na Península Ibérica, e não
distinguiu quantos seriam em
Portugal.
Mais energia
^ Reforço Segundo a E-Redes, “os
pontos de carregamento
representam locais de elevado
consumo”, ou seja, precisam de mais
potência e de mais energia. Isso quer
dizer que para acompanhar a
evolução da mobilidade elétrica vai
ser preciso haver maior produção de
energia, que terá de ser renovável.
Isso já está previsto: só de solar, a
ideia é passar dos atuais 2 GW para
8 GW ou 9 GW, e de eólica o objetivo
é crescer dos 5 GW para os 9 GW já
em 2030.
vestimentos podem ter de ser pagos
pelos consumidores e, por isso, têm de
ser aprovados pela DGEG, pelo regu-
lador e pelo Governo. Por exemplo, de
acordo com a E-Redes, o plano apro-
vado em 2018, para investimentos até
2023, “não resultaram em qualquer
impacto ou agravamento nas faturas
dos consumidores”.
Acresce ainda que há cada vez mais
reforços de potência que já não exigem
obras profundas e, por isso, são mais
fáceis e rápidos de executar. “Tradi-
cionalmente, os investimentos para
fazer face ao aumento de consumos
traduziam-se em maior capacidade de
potência da rede. Estes investimentos
continuarão a ser necessários para
fazer face à crescente eletrificação
dos consumos. No entanto, estamos
a investir cada vez mais em redes in-
teligentes, com maior capacidade de
sensorização, comunicação e auto-
mação, o que permitirá otimizar o
investimento e a operação”, conclui
a E-Redes.
economia@expresso.impresa.pt
NÃO PERCA NA EDIÇÃO
DE 27 NOVEMBRO
Carta Elétrica regressa
com o terceiro guia
explicativo sobre mobilidade,
desta vez sobre como
carregar o carro em casa
Expresso, 13 de novembro de 2021
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
TRÁFICO
O facto de alguns militares
portugueses em missão da ONU
na República Centro-Africana
terem traficado diamantes, ouro,
mercúrio e o que mais houvesse
não belisca o nome de Portugal
e das suas Forças Armadas. Mas,
dependendo da amplitude do
caso, pode arranhar,
pisar, triturar. O facto de a
Divisão de Polícia da ONU, que
responde diretamente ao
secretário-geral-adjunto
para as Operações de Paz, ser
comandada pelo português Luís
Carrilho e de o subsecretário-
-geral dos Assuntos Jurídicos da
ONU ser Miguel Serpa de Soares,
outro português, além, claro, do
próprio secretário-geral, António
Guterres, põem o país sob mira.
Todos eles e as nossas Forças
Armadas prestigiavam o nome de
Portugal. A partir de agora, não
se admirem se muitos interesses
aproveitarem para fazer constar
que há portugueses a mais,
entre os poucos culpados e os
muitos que nenhuma culpa têm.
A defesa terá de ser a verdade.
Toda, sem rodeios.
290 EUROS?
No despacho que indicia a
célebre rede vem referido (e um
jornal aproveitou para chamar
a atenção para esse aspeto)
que o valor dos diamantes
entregues por um major que
não quis entrar no esquema era
de… 290 euros. Ora, entre isto
e uma rede que abarca quase
uma centena de pessoas, entre
as quais oito militares (de praça
a major) e seis ex-militares, há
algo que não bate certo. Como
evocar-se o segredo de justiça
quando ele não existia, ou como
se um magistrado não pudesse
definir o âmbito e extensão do
segredo, eximindo dele os altos
responsáveis do país. Enfim,
pouco bate certo, o que é mau
para um assunto que deve ser
tratado com a maior seriedade,
profundidade e verdade. Toda,
sem rodeios (sei que é a segunda
vez que o escrevo).
RIO
É curioso como Rui Rio, nas
entrevistas que concede, revela
um bom senso que parece faltar
a muita gente. Desde logo,
quando afirma o óbvio: não há
reformas em Portugal — e elas
são urgentes — se PS e PSD
não se puserem de acordo.
Ao contrário, Rangel diz que
com Costa, ou com o PS (é a
mesma coisa), não há conversas.
Conclusão: ou Rangel faz o
milagre da maioria absoluta ou
coloca o PS a ter de negociar
com a esquerda. Há uma terceira
hipótese: isto ser tudo muito
estudado e dito para causar
efeitos que podem ter influência,
blá-blá-blá, mas disso nem me
interessa saber.
IMPERADOR
Haver um imperador na China
não é nada de novo. Depois
das sucessivas dinastias,
tivemos os comunistas Mao
Zedong, e a sua revolução
cultural radical e bárbara, e
Deng Xiaoping, e a sua tese
dos gatos e ratos e de que ser
rico é glorioso. Agora o PCC fez
do seu atual líder, Xi Jinping,
um novo imperador. Mas este
é mais do que os outros. Mao
queria dominar o movimento
comunista; Deng queria salvar
a China dos desvarios maoistas,
salvando o comunismo e
compatibilizando-o com o
capitalismo à moda chinesa, na
sua forma bastante agressiva.
Xi quer dominar o mundo com
a Rota da Seda e a influência
chinesa em vários países.
RUI
Sondagens, Sporting e GOL.
Bom amigo, partiu cedo demais.
Condições indispensáveis
para uma maioria absoluta segura
A
ntónio Costa tentou
passar a mensagem de
que uma maioria abso-
luta com ele em primei-
ro-ministro não tinha qualquer
problema. Chegou a demarcar-
-se do estilo Sócrates e a puxar
dos seus pergaminhos na câ-
mara, onde, segundo afirma,
mesmo com maioria era muito
dialogante. Certamente por
lapso esqueceu-se de referir
que nomeou reguladores que
eram ministros e que também
criticou a independência, ou
mesmo a existência, de regula-
dores a propósito da ANACOM
e do concurso do 5G.
A democracia não pode fiar-
-se apenas na palavra de um
homem, por mais sério que
ele seja; por isso tem regras
que impõem “freios e contra-
pesos” (a horrível tradução da
expressão inglesa checks and
balances), ou seja, escrutínio
e equilíbrio. Assim sendo, são
necessárias medidas urgentes
para que uma maioria absoluta
(seja monopartidária ou pluri-
partidária) não se transforme
numa espécie de ‘ditadura da
maioria’. Aqui deixo algumas
dessas medidas.
Em primeiro lugar, é preciso
credibilizar e despartidarizar
a Administração Pública e dar
ao Parlamento a possibilidade
efetiva de escrutinar o poder
executivo; para isso, é impres-
cindível mudar a lei eleitoral,
de modo a tornar a representa-
tividade mais forte sem perder
a proporcionalidade e impedir
que os diretórios partidários
tenham todo o poder sobre os
eleitos; é ainda necessário atua-
lizar a remuneração dos cargos
políticos e reformar a lei dos
partidos e do seu financiamen-
to; é preciso descentralizar po-
lítica e administrativamente o
país (sim, a regionalização não é
um papão); também é necessá-
rio democratizar o poder local,
seguindo algumas boas práticas
já existentes; por último, há que
reforçar e escrutinar o papel da
comunicação social, dotando-a
de regulação adequada.
Uma maioria
absoluta não tem
qualquer mal se
houver leis que
limitem o poder
do Executivo. Isso
significa acabar
com os boys,
mudar o sistema
de eleição de
deputados e dar
mais poder
às autarquias.
Ou seja, haver
escrutínio
O que aqui exponho todos os
partidos conhecem. Faz parte
dos documentos de trabalho
discutidos no V Congresso da
SEDES (Associação para o De-
senvolvimento Económico e
Social), que descentralizada-
mente se realiza até 5 de de-
zembro. Declaro o meu inte-
resse no assunto: fui um dos
O poder absoluto
tem razões
que a República
desconhece
François Mitterrand (1916-
-1996), dirigente do Partido
Socialista francês e Presidente
da República entre 1981 e 1995,
no livro “Le Coup d’État
permanent” (O golpe de
Estado permanente, 1964),
onde se opõe a De Gaulle.
FOTO ANA BAIÃO
coordenadores deste grupo de
trabalho e faço parte da dire-
ção da SEDES, presidida pelo
socialista (moderado e liberal)
Álvaro Beleza.
As condições acima referidas
permitem que o poder executivo
tenha limites claros, estabeleci-
dos por um Parlamento que não
é simples caixa de ressonância
dos líderes partidários (conju-
gando círculos uninominais com
círculos tradicionais e círculo
nacional de compensação, algo
que José Ribeiro e Castro já de-
monstrou não alterar a repre-
sentatividade); permitem que
a Administração Pública não
seja constituída por boys, de-
vendo-se limitar o número de
assessores (três ou cinco) que
cada membro do Governo pode
levar para o seu gabinete (hoje
a média é de 17); permitem que
os dirigentes da Administração
(de agências, secretários-gerais,
diretores) sejam averiguados
por um Parlamento diferente,
o mesmo acontecendo aos re-
guladores, que deixariam de ser
escolhidos pelos ministros; do
mesmo passo, permitiriam que
regiões do país não tenham de
prestar vassalagem ao poder
central (Portugal gasta a nível
local 12,6% da despesa pública,
o que apenas compara com a
Hungria e a Roménia; a média
da UE é 33,4%); permitiriam,
enfim, que um primeiro-minis-
tro não tivesse de se justificar
quando pede uma maioria. Bas-
ta que a sua ação esteja limitada
pelas leis. Querem maiorias?
Comprometam-se com medidas
como estas.
hmonteiroexpresso@gmail.com
PRIMEIRO CADERNO 37
CONFORTOS
DA ALMA
ANTIFRENTE
Não era bem
a ‘geringonça’,
mas andava
lá perto. Num
congresso da
Internacional
Comunista (o
VII), Dimitrov
(Georgi, não
Grigor, o
tenista atual que foi 3º lugar no
ranking ATP) fundamentou a
necessidade da Frente Popular
entre comunistas e o povo para
combater o fascismo. Esta nova
política não foi do agrado de
todos os comunistas e, entre nós,
Francisco Martins Rodrigues, um
militante do PCP que mais tarde
seria o fundador do essencial
do que foi a extrema-esquerda,
não se comoveu com tais teses e
escreveu o livro “Anti-Dimitrov
— 1935/1985, Meio Século de
Derrotas da Revolução”. “Xico”
Martins (1927-2008), como era
conhecido, faz um libelo contra
a mudança de política que abre
a porta ao revisionismo, ao
passar para segundo plano a luta
de classes entre o proletariado
e a burguesia, para relevar o
combate do povo, como entidade,
contra o fascismo. Os comunistas
deixariam de ser a vanguarda
revolucionária do proletariado
para se diluírem na luta povo vs.
fascismo. Para Martins Rodrigues
esta política era antileninista. “As
declamações abstratas contra
o “frentismo antifascista” não
passam de inépcias anarquistas,
úteis à reação”, como afirmavam
os defensores de Dimitrov; porém,
o autor contrapõe que “essa nova
orientação tática não podia passar
por cima da linha estratégica de
diferenciação e antagonismo do
proletariado face à sociedade
burguesa no seu conjunto”.
Francisco Martins Rodrigues
era de uma honestidade à prova
de bala. Defendia a ditadura do
proletariado, o esmagamento
da burguesia e manifestava-se
contra a teoria que transformava
certos elementos burgueses bem-
intencionados em meros ‘idiotas
úteis’. Se isto tem alguma coisa a
ver com a atualidade, não sei. Cada
um dirá o que entender. Mas uma
das coisas que o autor detestava
era “os governos de coligação com
a burguesia democrática como
alternativa ao fascismo”. O livro
está disponível gratuitamente na
internet.
À ESPERA
No Teatro
Aveirense,
no dia 4 de
dezembro, e
no de São João,
no Porto, de
10 a 19 do mesmo mês, a mais
genial peça de teatro do séc.
XX (opinião do leigo absoluto
que sou): “À Espera de Godot”,
de Samuel Beckett (1906-1989),
o mais francês dos autores
irlandeses. Basta ver o título
original desta obra magistral
“En attendant Godot”; em
português “À Espera de Godot”.
Escrita em francês, trata de duas
personagens, Estragon e Vladimir,
que conversam sobre tudo e
nada (“e mais um par de botas”,
como se diz na apresentação e
na minha terra). Esperam que
chegue Godot... e será que Godot
chega? Não, não chega. Mesmo
para quem nunca viu a peça a
informação não é relevante. O
que se destaca é que todos nós o
esperamos e, ainda que Beckett
se recusasse a fazer qualquer
paralelo com uma espera de
um Deus, esperamo-lo. Não o
sentimos todos? A encenação, que
começa com a indicação “Route
à la campagne, avec arbre. Soir”
(Estrada no campo com árvore.
Cair da tarde) de Gábor Tompa é
genial. Marquem e visitem Aveiro
ou o Porto, são ambas cidades que
merecem. E Godot, mon Dieu!

Ricardo
Costa
Os
silêncios
na Defesa
O
ministro da Defe-
sa fez mal em não
avisar o Presidente
da República e o
primeiro-ministro
quando a Operação
Miríade já corria na justiça para
desmantelar a rede de tráfico
montada na missão militar na
República Centro-Africana.
Mas fez muito bem em não a di-
vulgar a ninguém quando soube
das primeiras suspeitas, ainda
em 2019. Porquê? A resposta
tem seis letras: Tancos.
Os militares que esta semana
zurziram na aparente desleal-
dade do ministro da Defesa
ignoraram olimpicamente as
consequências do caso Tancos.
E o que se passou resume-se
em poucas linhas: uma parte da
justiça militar e da hierarquia —
que confunde autonomia com
separação de poderes — ten-
tou abortar uma investigação
judicial, fazendo “justiça” por
meios alternativos para salvar
a honra militar e proteger os
seus, incluindo os que seriam
inevitavelmente condenados
em tribunais civis.
No fim, o que sobrou? A honra
militar ficou desfeita naquele
caso, a arbitrariedade da justiça
militar tornou-se evidente, o
desconforto com investigações
civis perpassou todo o caso e,
por último, a forma com que
atiraram as culpas para o então
ministro da Defesa, Azeredo
Lopes, foi escandalosa.
Depois de Tancos,
qualquer ministro
da Defesa passou
a ter que ponderar
silêncios em
casos judiciais
Não está em causa a forma
atabalhoada e bizarra como o
ex-ministro lidou com o caso
— ficando inevitavelmente di-
minuído desde o primeiro mo-
mento —, mas como as culpas
foram alijadas com grande rapi-
dez. Nisto, o Ministério Público
(MP) também ajudou à festa,
acusando Azeredo Lopes de
quatro crimes, para, depois, o
mesmo MP chegar a tribunal e
retirar as acusações!...
No caso Tancos toda a gente
foi informada do que se passava
nas sombras, incluindo a Casa
Militar do Presidente da Re-
pública. E tudo descambou em
sucessivas fugas de informação,
atropelos hierárquicos, mano-
bras de subversão e uma triste
guerra entre a justiça militar e
a justiça civil.
É por isso que, discordando
do prolongado silêncio hierár-
quico de João Gomes Cravinho,
percebo a opção que tomou na
fase inicial. Mais, aconselho
qualquer futuro ministro da
Defesa a fazer o mesmo pe-
rante denúncias que tenham
implicações judiciais: entregue
o caso à justiça civil e não fale
com ninguém, não troque mails
e não responda a SMS.
Os militares têm uma guerra
particular com este ministro
por causa de uma reforma no
modelo de chefias, em que é
bem possível que tenham razão.
Mas não confundam as coisas.
O que é grave nesta operação
é o tráfico, como o que foi gra-
ve em Tancos foi o roubo e a
posterior manobra subversiva.
A honra militar defende-se atu-
ando de forma implacável nes-
tes casos. A força da instituição
depende disso.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
Muros Ditadura
‘Cortina Reportagem
de ferro’ regressa com os exilados
à Europa P26 da Nicarágua P28
Novo Governo poderá
mudar Portugal 2030
Ministro do Planeamento, promisso entre não atrasar os
Nelson de Souza, colocará fundos e não condicionar a ca-
documento de centena pacidade do novo Governo de
e meia de páginas em intervir neste pacote de gran-
consulta pública no dia 15 de dimensão, que ultrapassa a
próxima legislatura.”
“Nenhum partido político Dia 17 de novembro, Nelson
discordou deste calendário e de Souza ruma ao conselho
desta opção do Governo”, diz de ministros a nível europeu
o ministro do Planeamento, sobre os assuntos da coesão.
Nelson de Souza, sobre a solu- Uma deslocação a Bruxelas
ção encontrada para respeitar que será aproveitada para re-
o sentido de voto das eleições unir com os comissários Eli-
antecipadas enquanto prosse- sa Ferreira e Paolo Gentiloni,
gue as negociações do Acordo para clarificar o impacto desta
de Parceria Portugal 2030 crise política nos fundos comu-
com a Comissão Europeia. Em nitários e no Plano de Recupe-
causa estão os €23 mil milhões ração e Resiliência (PRR).
de fundos comunitários a apli- “Para este primeiro pedido
car pelo país até 2029. de desembolso do PRR não
A proposta será colocada precisamos da Assembleia da
duas semanas em consulta República”, diz Nelson de Sou-
pública, já a partir da próxima za sobre o cheque de €1,3 mil
segunda-feira, dia 15. “Depois milhões da ‘bazuca’ de 2021.
do debate concluído, podere- O problema são os dois che-
mos até entregar a proposta ques previstos para 2022, a
na Comissão Europeia, mas começar pela lei relativa às
não iremos celebrar o Acordo profissões regulamentadas,
de Parceria”, explica Nelson que deverá entrar em vigor até
de Souza. “É um bom com- ao final do próximo ano.
“Jamais dormiremos, ainda que cresçam papoilas”
MEMÓRIA Em 1915, o tenente-coronel e médico canadiano John McCrae escreveu o poe-
ma que inclui a citação acima, em memória de um amigo morto na batalha de Ypres. Nele
se descreve como a frágil papoila ressurge na Flandres após a destruição pelas armas. A
Primeira Guerra Mundial acabou em 1918, fez quinta-feira 103 anos. A papoila generali-
zou-se como símbolo de homenagem aos mortos de todos os conflitos, como se vê nesta
imagem de Otava. FOTO PATRICK DOYLE/REUTERS
Pintor é suspeito de ajudar
a vender quadros de Rendeiro
Victor Pires-Vieira de novembro sendo apreendi-
garante que “nunca” do o seu telemóvel. Nenhuma
foi “confrontado” com obra foi levada. Pires-Vieira
“qualquer suspeita” garante que “a ignóbil e insi-
de falsificação diosa notícia” que o “associa a
falsificações, sejam elas quais
O artista plástico Victor Pires- forem, contém um propósi-
-Vieira é o arguido número qua- to de má-fé, nada tendo a ver
tro do processo judicial em que com a realidade dos factos”.
é investigado o descaminho de Afinal, “nunca” foi “confron-
13 quadros da coleção particu- tado pelas autoridades compe-
lar de João Rendeiro. Foi indici- tentes com qualquer suspeita”
ado pelos crimes de cumplicida- que o “colocasse próximo das
de no descaminho das obras e noticiadas falsificações”.
favorecimento pessoal. Ou seja, Em causa está o facto de oito
é suspeito de ter ajudado Maria das obras que desapareceram
de Jesus Rendeiro a vender ou a da casa dos Rendeiros terem
dar sumiço aos quadros, o que sido vendidas por 1,3 milhões
desmente categoricamente. de euros em leilões da Chris-
Em declaração escrita en- tie’s e quatro delas — três tra-
viada ao Expresso, diz que balhos de Frank Stella e um
conhece o casal Rendeiro “há de Per Kirkeby — terem sido
mais de 20 anos” e que, entre substituídas por falsificações
2005 e 2009 foi seu art-ad- toscas, segundo a PJ e a juíza
viser, tendo “nessa qualidade do processo, Tânia Loureiro
adquirido obras de arte em Gomes. Apesar de ter sido alvo
leiloeiras internacionais para de buscas e constituído argui-
vários clientes, entre os quais do, o artista plástico não foi
o Banco Privado Português”. ouvido em tribunal.
A casa e o atelier do artista Victor Pires-Vieira começou
foram alvo de buscas da PJ a 4 a expor no início dos anos 70,
(
Liberdade
China aperta
repressão
em Macau P29
Quanto ao Portugal 2030, a
Comissão Europeia já avisou
que estes fundos poderão fi-
nanciar despesas para trás —
desde 1 de janeiro de 2021 —,
independentemente do mês
em que o próximo Governo
venha a assinar o Acordo de
Parceria. Uma retroatividade
que desdramatiza o facto de
só a Grécia — para já — ter
firmado acordo com Bruxe-
las. Três Estados-membros
já submeteram a proposta,
mas os restantes continuam
a negociar.
PSD, PAN ou Chega já aler-
taram para o curto período de
15 dias de discussão pública
do Portugal 2030. São pra-
zos apertados que impossibi-
litam mais contributos para
melhorar o documento. Mas
todos concordaram em não
interromper o processo em
plena crise política. O objetivo
comum é não atrasar o acesso
aos fundos europeus, já que a
decisão final recairá sobre o
próximo Governo.
participando na emblemática
Alternativa Zero de Ernesto
de Sousa em 1977. O seu tra-
jeto manteve-se consistente
com exposições em galerias
referenciais como Alda Cor-
tez, Pedro Oliveira, Graça
Fonseca, Porta 33 ou Cristina
Guerra. Em 1999, mostrou
desenhos na Gulbenkian e
em 2019 apresentou “Trash
— Lixo de Artista”, no Museu
Berardo. Está representado
nas coleções de Serralves, Gul-
benkian, Berardo, Culturgest,
Museu do Chiado e em várias
coleções particulares.
O processo tem como argui-
dos Maria de Jesus Rendeiro,
Florêncio Almeida, presidente
da Antral que comprou vários
imóveis a Rendeiro, e o filho
deste, também Florêncio Al-
meida, que era motorista do
casal. Rendeiro também é sus-
peito mas não é arguido por
estar desaparecido. Em decla-
rações ao site Sapo 24, ilibou
a mulher e disse ser ele o úni-
co responsável por qualquer
eventual venda ou falsificação.
Últimas
ADSE A nova tabela de preços
da ADSE acaba de provocar a
retirada parcial de mais um hos-
pital privado. Depois da CUF e
Luz, também o grupo Lusíadas
anunciou aos doentes, através
do site, que não aceita a nova
tabela em vários atos médicos.
Abandono escolar A percen-
tagem de jovens entre os 18 e 24
anos que abandonou a escola
sem completar o ensino secun-
dário caiu para 5,2% no terceiro
trimestre, atingindo assim um
mínimo histórico.
Greve A greve de sexta-feira
terá encerrado cerca de 95%
dos estabelecimentos de ensino
e foi provavelmente a greve da
Administração Pública que en-
cerrou mais escolas, afirmou a
FENPROF.
Banco de Portugal Há 24 fre-
guesias em risco de ficar sem
agências bancárias e caixas de
levantamento. O supervisor
quer mecanismos de compen-
sação.
Ai Weiwei censurado O mu-
seu de arte M+ abriu em Hong
Kong, mas a esperada série fo-
tográfica “Estudo de Perspeti-
va”, de Ai Weiwei, será mantida
nos armazéns. Na obra, o artis-
ta dissidente chinês mostra o
dedo médio a instituições como
a Casa Branca ou a Praça Tia-
nanmen, em Pequim.
EUA avisam sobre invasão
Os serviços de informações dos
EUA avisaram os aliados euro-
peus de que está a aumentar a
concentração de tropas na fron-
teira entre a Rússia e a Ucrâ-
nia, incluindo brigadas de elite.
Washington admite o risco de
invasão, como em 2014, quando
a Rússia anexou a Crimeia. Os
russos negam.
Bruxelas aprova mais um
inseto O gafanhoto-migratório
vai estar disponível nas formas
congelada, desidratada e em pó
para ser consumido como snack
ou como ingrediente em vários
produtos alimentares. Larva-
-da-farinha foi o primeiro inseto
aprovado pela Comissão.
“Chicão” quer Senado Fran-
cisco Rodrigues dos Santos não
vai promover a reunião dos ex-
-líderes do CDS-PP, como apelou
Manuel Monteiro, mas vai pro-
por à Direção a convocatória do
Senado do partido, onde aqueles
têm assento. Não está em causa
a realização do Congresso.
Expresso vence podcast
do ano O podcast de entrevis-
tas do Expresso, “A Beleza das
Pequenas Coisas”, do jorna-
lista Bernardo Mendonça, foi
distinguido como Podcast do
Ano na 3ª edição dos prémios
do Festival Podes.
TEMPO FIM DE SEMANA
SÁBADO DOMINGO
Bragança 15° 2° 16° 2°
Porto 20° 10° 19° 8°
Guarda 12° 4° 14° 3°
Sábado
13 de novembro Lisboa 20° 10° 21° 10°
13
de 2021
Évora 22° 7° 22° 7°
Faro 22° 11° 23° 14°
11
P. Delgada 22° 16° 19° 16°
Funchal 24° 18° 24° 18°
MARÉS SÁBADO DOMINGO
Baixa Alta Baixa Alta
Porto 17:08 23:25 18:01 00:15
Lisboa 17:01 23:33 17:58 00:26
#2559 Faro 16:37 22:59 17:29 23:48
expresso.pt FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
Frio “Quando temos boas car-
tas, é um erro fazer batota”,
escreveu Oscar Wilde. Vamos
a jogo com sol e temperaturas
baixas.