Fundador: Francisco Pinto Balsemão
Diretor: João Vieira Pereira
6 de janeiro de 2023
2619 O
24
horas
em notícia
Expresso lança NFT
da sua primeira página
No ano em que comemora 50 anos,
o Expresso vai eternizar a sua pri-
meira página
num NFT (non
fungible token).
O leitor pode
adquirir um
dos 50 NFT em
opensea.io.
Putin ordena
cessar-fogo na Ucrânia
A partir do meio-dia desta sexta-
-feira, e durante 36 horas, vai haver
cessar-fogo na Ucrânia, anunciou o
Kremlin. O Presidente russo, Vla-
dimir Putin, deu essa ordem às
suas tropas e pede ao lado adversá-
rio que também cumpra a trégua,
que visa assinalar o Natal ortodo-
xo, que se celebra este sábado.
“Guerra” foi a palavra
do ano em 2022
Uma maioria de 53,3% de votantes
escolheu “guerra” como a palavra
mais marcante do último ano, de-
pois de “vacina” ter sido a escolhida
em 2021. Em segundo lugar, para
a Porto Editora, ficou “inflação”
(18,8%), seguida de “urgências”.
Nem uma das palavras mais vota-
das remete para situações positivas,
nem mesmo “rainha”, escolhida por
5,3% das pessoas, devido à morte de
Isabel II. No top 10 surgem ainda
“abusos”, “juros”, “ciberataque”,
“energia”, “nuclear” e “seca”.
Agricultores protestam
Os agricultores vão sair à rua em
protesto contra a extinção das Di-
reções Regionais de Agricultura
e a política agrícola e florestal do
Governo. A mobilização, organi-
zada pela CAP, começa no dia 26
de janeiro, em Mirandela, e vai
alastrar a todo o país.
Cabaz atinge valor mais
alto do último ano
O preço de um cabaz básico de 63
alimentos essenciais, calculado pela
Deco Proteste, atingiu esta semana
€219,40, o valor mais alto desde
janeiro de 2022. Para comprar a
mesma lista de compras gasta-se
agora mais €31,70 do que há um
ano, o que representa uma subida
de 17%. O arroz carolino, que está
quase €1 mais caro, as cenouras e
o açúcar, com aumentos na ordem
dos 50%, estão entre os produtos
que mais subiram de preço.
Siga a conferência
dos 50 anos do Expresso
Ao longo desta sexta-feira, o Ex-
presso celebra o seu aniversário
com uma conferência na Fundação
Champalimaud, que contará, entre
outros, com a presença de Marcelo
Rebelo de Sousa, António Guter-
res, Mário Centeno, Mariana Vieira
da Silva, Ricardo Araújo Pereira
e Dino D’Santiago. O evento pode
ser seguido em direto no site e no
Facebook do Expresso.
Integram esta edição semanal, além deste corpo
principal, os seguintes cadernos: ECONOMIA,
REVISTA E e CADERNO IMOBILIÁRIO & EMPREGO
EM BELÉM JÁ SE FALA DE PÂNTANO
Marcelo dá um
ano a Costa para
salvar legislatura
Em Belém assume-se que o Governo
entrou em “queda acelerada” e teme-
-se um “impasse” caso a oposição, ou
melhor, o PSD não acelere a prepara-
ção para o que der e vier. Marcelo não
ficou satisfeito com a remodelação e
dá um ano a Costa para ainda salvar a
legislatura de maioria absoluta. 2023,
O Cartoon do António
Arbitrariedade
Luís Montenegro
reúne estrategas
do PSD para tentar
acelerar oposição
Entrevista ao namorado
de Paula Rego
“A Paula
dizia que em
Portugal era
republicana
e monárquica
em Inglaterra”
O poeta britânico Anthony Ru-
dolf, reconhecível em inúmeras
pinturas de Paula Rego, conce-
deu ao Expresso uma longa en-
trevista carregada de emoção.
Em Londres, o modelo mascu-
lino mais vezes utilizado pela ar-
tista portuguesa revelou como
a conheceu em 1995 e como se
tornaram namorados, passando
desde então a fazer parte da ro-
tina do seu ateliê. Os escritores e
pintores favoritos de Paula Rego,
o fado e até o retrato que pintou
de Jorge Sampaio — “não é, di-
ga-se, o melhor retrato que ela
alguma vez fez” — são relembra-
dos numa conversa reveladora e
em que se desfiam memórias até
agora inéditas sobre a pintora
falecida em junho. R40
PME Líder 2022
Candidate a sua empresa com a Caixa.
A atribuição dos estatutos é da exclusiva responsabilidade
do IAPMEI e do Turismo de Portugal.
Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete
e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco
expresso.pt
89%
Sondagem
dos portugueses
exigem ao Governo
investimento
na habitação
Há uma nova ministra e a Habitação subiu de importância no Gover-
no, mas, para a esmagadora maioria dos portugueses, há sobretudo
uma grande crise que precisa de soluções. Na sondagem do Expresso
e SIC, 89% pedem a Costa mais investimento para a resolver. As pes-
soas culpam a falta de regulação, o alojamento local e os vistos gold.
Há mais de €2 mil milhões do PRR para a nova ministra gerir, mas
também 700 mil casas desocupadas sem explicação. P6
Fundos europeus Ensino Superior
que já era para o Presidente um ano Em dia de moção de censura, Costa Portugal com Teses de
“exigente”, passou a ser “decisivo”.
Em São Bento reconhece-se que as
últimas semanas correram mal, mas
teve a surpresa de mais um problema
judicial, envolvendo a nova secretária de
Estado da Agricultura, mas defendeu-a
duas novas mestrado
permanecem réstias de otimismo.
O primeiro-ministro quer guardar o
no Parlamento, onde anunciou que
vai falar com Marcelo para criar um
regiões. à venda
trunfo de uma grande remodelação
para depois das eleições europeias.
mecanismo de avaliação dos nomes
escolhidos para o Governo. P4eÚLTIMA
Lisboa na internet
dividida por 800
em três euros
Em 2024, Portugal passará a Não faltam anúncios a publici-
ter nove em vez das atuais sete tar a venda de trabalhos acadé-
regiões para efeitos da Nomen- micos, um negócio de “batota”
clatura das Unidades Territo- que beneficia de um vazio legal
riais (NUTS). Lisboa e Vale do em Portugal. E agora que há
Tejo será dividida em três, com máquinas que já sabem escre-
a criação da península de Se- ver por nós, o risco de fraude é
túbal e do Ribatejo e Oeste. E1 cada vez maior. P8
APÓS CINCO MORTES, MÉDICOS
ALERTAM: “HÁ EPIDEMIA DE
TROTINETAS NAS URGÊNCIAS” P10
Pedro Nuno Santos Crise na TAP
ganha margem Advogados de
para liderar sucessão Alexandra Reis
P4 dentro do PS P4
admitem falhas
na indemnização
FOTO ALESSANDRA BENEDETTI/CORBIS/GETTY IMAGES
O acordo de indemnização assinado entre a TAP e a gestora está a
ser revisto pelos advogados para serem detetadas eventuais falhas
de enquadramento legal. Este caso mantém a companhia no olho do
furacão, numa altura em que a privatização vai avançar e os lucros
poderão regressar. Depois de um annus horribilis com uma greve após
sete anos de paz social e uma sucessão de polémicas, a TAP procura
agora um parceiro para se salvar. E4eR20
Fisco ficou TAP pública
com 50% do contratou
FUNERAL DE BENTO XVI Cerca de 100 mil pessoas terão participado nas exé- valor pago à mais e paga
quias do Papa emérito, ontem, no Vaticano. Presidida por Francisco e na pre-
sença de mais de 120 cardeais, 400 bispos e quase 4000 sacerdotes, a cerimónia ex-secretária melhor a
foi ainda assim mais breve e muito menos concorrida do que a de João Paulo II,
de Estado diretores
em 2005, que reuniu cerca de 4 milhões de pessoas em Roma. E4 E4
Alterações climáticas Reportagem
2022 foi o ano Em que
de todos os condições
Lula vai
extremos: calor, governar
seca e chuva P9 o Brasil P12
Saiba mais em cgd.pt
A Caixa Geral de Depósitos, S.A., é registada junto do Banco de Portugal sob o n.o 35.
2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 6 de janeiro de 2023

A
João responsabilidade, honra
e felicidade de liderar o
Vieira Expresso no momento
em que este faz 50 anos
Pereira é extraordinária. Os pa-
rabéns são, obviamente,
devidos a cada um dos elementos que
fizeram e fazem do Expresso muito
mais do que um jornal.
O Expresso nasceu, cresceu e afir-
Venham mou-se como um semanário inspi-
mais 50... rado na imprensa inglesa de refe-
rência. Ao longo dos anos foi capaz
obrigado de reunir os melhores jornalistas,
fotojornalistas, colaboradores, co-
lunistas, líderes de opinião, cartoo-
nistas, correspondentes, designers
gráficos, infográficos, revisores, tra-
dutores, gestores, administrativos,
comerciais, produtores, sonoplastas,
programadores... é enorme a lista de
todos os que merecem o meu, o nosso
agradecimento. Hoje ainda somos e
queremos continuar a ser um jornal
semanário, impresso em papel, com
uma forte componente política e tam-
bém social, internacional, económica
e cultural. Mas hoje também somos
muito mais.
Somos uma marca de informação
única, que publica conteúdos quase
24 horas por dia, sete dias por sema-
na. Somos líderes em várias platafor-
mas, editamos as newsletters mais
lidas do país, publicamos os podcasts
mais ouvidos e temos dos trabalhos
multimédia mais premiados. Nos úl-
timos anos liderámos o jornalismo
de investigação em Portugal, parti-
cipando inclusive em vários consór-
cios colaborativos internacionais, e
partilhámos projetos com alguns dos
maiores jornais do mundo.
Estas metas não seriam possíveis
de alcançar sem si. Porque é para
os leitores do Expresso, muitos dos
quais nos acompanham há 50 anos,
que trabalhamos. Sem aquele que
nos compra, que nos lê, que nos vê ou
que nos ouve não haveria Expresso. A
ele, a si deixo aqui um especial agra-
decimento. Extensível a todos os par-
ceiros e anunciantes que nos apoiam,
alguns deles, desde a primeira hora.
É para os leitores,
muitos dos quais nos
acompanham há 50 anos,
que trabalhamos. Sem
aquele que nos compra,
que nos lê, que nos vê
ou que nos ouve
não haveria Expresso
Há, contudo, um destaque maior a
fazer e que, nesta data, mais do que
nunca, é fundamental.
A um jovem que, com apenas 34
anos, arriscou para provar a si mesmo,
à sua família e ao mundo que era pos-
sível lançar e fazer triunfar um projeto
inovador na área da imprensa. Escrito
assim, pode não parecer muito. Mas se
transportarmos esta ideia para aquilo
que era Portugal em 1972, ela ganha
dimensões totalmente diferentes. E se
olharmos para o resultado dessa ousa-
dia 50 anos depois, somos obrigados
a dizer que o maior obrigado é devido
a Francisco Pinto Balsemão. Obriga-
do pela sua visão, obrigado pela sua
ousadia, obrigado pela sua coragem,
obrigado pelos seus valores, obrigado
por ter fundado e tornado o Expresso
aquilo que ele é hoje.
É um orgulho enorme liderar uma
equipa que todos os dias trabalha para
manter intactos os objetivos que foram
traçados no Estatuto Editorial do Ex-
presso, que 50 anos depois se mantêm
atuais e que aqui republico e reafirmo.
O Expresso defende a liberdade de
expressão, a liberdade de informar, e
repudia qualquer forma de censura
ou pressão, seja ela legislativa, ad-
ministrativa, política, económica ou
cultural.
O Expresso defende que as marcas
de informação devem ser indepen-
dentes, pois só assim cumprem o seu
papel perante a sociedade.
O Expresso apoia a defesa das
liberdades fundamentais e da de-
mocracia, a defesa de um ambiente
saudável que não coloque em risco as
gerações futuras, a defesa da língua
e do património histórico, a defesa
da paz e da participação plena de
Portugal na União Europeia, a de-
fesa do incitamento à participação
da sociedade civil na resolução dos
problemas da comunidade. Estas
causas devem ser divulgadas e sus-
tentadas, sem prejuízo do pluralismo
de opinião.
O Expresso sabe recusar-se a ali-
mentar qualquer tipo de sensacio-
nalismo que ponha em perigo o jor-
nalismo de qualidade que sempre
pretendeu fazer.
O Expresso atribui prioridade abso-
luta à coerência que historicamente
lhe tem permitido ser um projeto
ganhador e de referência, indepen-
dentemente de quem sobe e de quem
desce do poder.
E se quando, um dia, se tornar im-
possível manter essa coerência, o
Expresso acabará, porque — como
sempre afirmou o seu fundador —
prefere, nessas circunstâncias, mor-
rer de pé.
Felizmente o Expresso, ao fim de
50 anos, continua a ser líder. Não
só porque honra estes valores mas
porque trabalha com os melhores
e para os melhores. Por isso e mais
uma vez a todos os que fizeram do
Expresso aquilo que é hoje deixo o
meu, o nosso, agradecimento.
Este dia, 6 de janeiro de 2023, mar-
ca o lançamento das comemorações
dos primeiros 50 anos do Expresso.
Ao longo do ano vamos ter várias
iniciativas que vão levar o jornal a
ser desafiado e a desafiar o país. Sa-
bemos que a história do Expresso se
confunde com a História de Portugal
dos últimos 50 anos. Essa é a nossa
ambição: que nos próximos 50 anos
continuemos a marcar e a registar a
História.
Fica a promessa a quem está aí de
que deste lado continuará a ter uma
equipa profissional, independente,
corajosa, mas humilde, pronta para
lhe levar as notícias, reportagens,
análises e opiniões que importam. É
para si que o adoramos fazer!
jvpereira@expresso.impresa.pt
GENTE
O calcanhar de Malheiro
Quem siga Salvador Malheiro nas
redes sociais pôde acompanhar
toda uma lesão e recuperação. O
presidente da Câmara de Ovar e
ex-vice do PSD tem uma tradição
familiar de jogar voleibol no dia de
Natal. Mas este ano fez “uma ru-
tura total do tendão de Aquiles”,
anunciada nas redes do próprio
dia. E o que se sucedeu foi uma
sequência de Salvador no hospital,
Salvador em casa, de pé estendido,
a dar conta do “estado de cicatri-
zação”, Salvador de regresso ao
gabinete autárquico, com o cal-
canhar em cima da secretária a
mostrar trabalho e Salvador de
muletas, já na rua, a conviver com
o povo e a sossegar os ovarinos: é
mais forte do que Aquiles, não há
calcanhar que o pare.
Marcelo às voltas No regresso
do Brasil, onde foi à posse de Lula
da Silva, o Presidente da Repúbli-
ca demorou uma hora a aterrar
em Lisboa. O avião em que vinha
andou às voltas e voltas até pousar
no Aeroporto Humberto Delgado.
Marcelo quis explicações e ligou
a José Luís Arnaut, presidente da
ANA, que lhe explicou a situação:
uma avaria num avião da TAP que
não conseguia sair da pista. “Se isto
é assim em janeiro, como será em
agosto?”, atirou o Presidente nas
declarações que fez aos jornalistas
que foram à Portela apanhá-lo para
falar da remodelação. Terá Marce-
lo começado já a fazer tiro ao alvo
ao calcanhar de Galamba?
Ups, endereço de e-mail er-
rado A preparar o debate de ur-
gência pedido pelo PSD, um dos

A SEMANA telecomunicações, rodovia,

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
BENTO XVI
Com o ano de 2022 a
terminar, morreu o Papa
Emérito. Realçado tanto pelo
seu pontificado na Igreja
Católica, antecedendo
Francisco, como pela
sua abdicação,
inédita em vários
séculos, e
sobretudo pelo
seu percurso e
obra intelectual ao
longo da vida (ver
etc.).
DUELO Se a situação da empresa já não era fácil, a polémica da indemnização milionária
paga a Alexandra Reis só veio acicatar mais os ânimos, dentro e fora da instituição
assessores do grupo parlamentar
do PS enviou um e-mail a pedir
contributos para, achava ele, os as-
sessores socialistas. Acontece que a
CROÁCIA diferença entre PS e PSD por estes
Mais um país decidiu passar a
ter como moeda o euro.
Bernardo Eugénio dias é pouca e, mais D menos D,
o e-mail acabou enviado para os
Trata-se da Croácia, que
depois de ter entrado na UE
Trindade Fernandes assessores do grupo parlamentar
social-democrata. “Caríssimos,
em 2004, agora dá mais um aguardo contributos para o debate
Presidente da Associação
passo na integração europeia de hoje”, escrevia o socialista uma
de Hotelaria de Portugal Partner da Aviation Office
(e ainda passa a fazer parte do hora antes do debate. “Obrigado
Espaço Schengen). pelo pedido de contributos. Sugiro
que o Governo se faça representar
RUI PINTO pelo primeiro-ministro e pelo mi-
O Ministério Público
pediu a condenação
A administração da TAP nistro das Finanças”, respondeu,
com ironia, um dos assessores so-
a pena de prisão
efetiva de Rui
tem condições para prosseguir ciais-democratas. Contributo não
aceite. Como previsto, foi só Ana
Pinto, criador da
plataforma
o mandato? Catarina Mendes a defender, sozi-
nha na bancada, as entradas de car-
eletrónica Football rinho aos calcanhares do Governo.
Leaks, por 89 dos 90

pág. 22).
GOVERNO
A última semana do ano tinha
corrido mal ao Governo,
como aliás todo o último
trimestre. Mas não se pode
dizer que 2023 tenha
começado melhor: Alexandra
Reis foi demitida, Pedro Nuno
Santos saiu do Governo (e de
caminho abandonou a
direção do PS), multiplicaram-
se os avisos de Marcelo. Um
otimista diria que depois de
uma semana assim, o resto
do ano só pode mesmo
correr melhor.
GALAMBA
No meio das
atribulações
envolvendo o
Governo e o PS, um
nome se destacou nos
últimos dias, o de João
Galamba, que depois de ter
sido deputado e uma
fervorosa e muitas vezes
violenta presença no Twitter,
passou para secretário de
Estado do Ambiente e Energia
e agora lidera a pesada pasta
das Infraestruturas (TAP,
aeroportos, ferrovia,
crimes de que está
acusado no processo que
agora vê o julgamento chegar
ao fim.
CRISTIANO RONALDO
Foi apresentado com pompa e
circunstância na Arábia
Saudita, no clube Al-Nassr,
para onde se mudou a troco
de muitos milhões de euros.
Deixou as ligas europeias
onde jogou duas décadas e
passa para um palco
secundário no seu ocaso
futebolístico.
EUTANÁSIA
O texto da
polémica e sensível
lei já foi aprovado
três vezes no
Parlamento, mas
continua sem ter luz
verde. Agora, Marcelo
decidiu voltar a enviar o
diploma para análise do
Tribunal Constitucional (que
já chumbou uma versão
anterior).
GREVES
O ano começa com
contestação social. Nas
escolas, na TAP, na ferrovia...
SIM NÃO
Em abstrato, pedir a um dirigente as- Quer concordemos quer não com as O calcanhar de Costa É sabido
sociativo do turismo que se pronuncie decisões tomadas no passado recente que o primeiro-ministro sofre com
sobre a viabilidade de uma adminis- em relação à TAP, que incluem um pla- problemas de inchaço nos pés. Já
tração, sendo essa administração responsável por uma no de reestruturação aprovado por Bruxelas e injeção de foi fotografado até em reuniões
companhia que traz, em ligação direta ou fazendo escala capital, a realidade dos factos demonstra que o processo internacionais com uns sapatões
noutro aeroporto, mais de 30% do seu número de turis- se tornou irreversível e que, neste momento, é essencial ao que lhe permitem estar mais con-
tas clientes para o país, convoca-nos responsavelmente país mantermo-nos unidos na defesa desse investimento e fortável nessas ocasiões. Talvez os
a revisitar os contributos que essa companhia trouxe e nos compromissos assumidos. deva calçar nos próximos tempos,
traz ao país ao longo dos seus 77 anos de história nos Infelizmente, a reestruturação desenhada para a com- já que, ao que tudo indica, vai con-
domínios económico, social e político. panhia não está a ser conduzida da forma que se impõe a tinuar a ter de aguentar ataques
No ano de 2019, ano anterior à pandemia, o contributo uma empresa intervencionada pelo Estado, com polémi- ao que pode ser nos próximos tem-
da TAP como grande empresa nacional cifrou-se em cas a sucederem-se a um ritmo vertiginoso, refletindo-se pos o seu calcanhar de Aquiles:
€2600 milhões de exportações, 10 mil pessoas emprega- na imprensa e, inclusive, na vida política do país. Fernando Medina, o ministro das
das em todo o seu perímetro, €1200 milhões de compras Enquanto empresa nacional e de capital público, a Finanças, que diz que não sabia da
a mais de 1300 fornecedores. Do ponto de vista de receita TAP tem a obrigação de assegurar a credibilidade e o indemnização de Alexandra Reis
fiscal, o contributo foi de €950 milhões: entre impostos e património de uma organização com 77 anos de história. mas ainda não explicou porque é
contribuições para a Segurança Social, IVA sobre o consu- É um dever para com os seus trabalhadores, clientes, que não teve curiosidade em saber.
mo dos colaboradores e IVA sobre o consumo de turistas parceiros, para os cidadãos contribuintes e instituições
não-residentes. Do ponto de vista político, recordar ainda nacionais e internacionais que têm apoiado, muitas ve- O medidor de abraços A curta
a importância da TAP para a nossa diáspora e para as zes com grande sacrifício, a companhia. Neste momento cerimónia de tomada de posse dos
regiões autónomas. Qualquer português espalhado pelo isso não está a acontecer, e é preciso alterar a trajetória novos ministros e secretários de
mundo sabe do que falo. Sendo madeirense, lembro-me para retomar o caminho da sustentabilidade e perspeti- Estado foi um autêntico medidor
bem que durante a pandemia quando var o futuro da aviação nacional de abraços e de tensão. O silêncio
todas as companhias aéreas saíram da com confiança. que se fazia sentir na Sala dos Em-
Madeira, foi a TAP em exclusivo que As informações Depois de dois anos de pande- baixadores, em Belém, era ensur-
assegurou o transporte ao continente públicas da mia — dramáticos para o sector decedor quando António Costa foi
dos portugueses da Madeira. Como ima- da aviação —, 2022 conduziu-nos cumprimentar, um a um, todos os
ginam, transportando com gigantesco
companhia apontam para a recuperação: segundo o governantes e ex-governantes pre-
prejuízo meia dúzia de passageiros por para a superação organismo de vigilância do tráfe- sentes, até chegar a Pedro Nuno
voo. Foi a responsabilidade política que das metas impostas go aéreo, a Eurocontrol, em 2022 Santos para o abraço de despedi-
impôs esta solidariedade... pelo plano de foram realizados 9,3 milhões de da. Gente contorceu-se nesse mo-
Factos e números impressionantes voos, mais 3,1 milhões do que no mento, Pedro Nuno parecia branco
que nos interpelam a pensar bem e sem
reestruturação ano anterior, ainda que menos como se tivesse uma pedra no cal-
ligeirezas sobre a decisão de viabilizar 1,8 milhões em comparação com canhar e Duarte Cordeiro, ao lado,
esta companhia. 2019. Portugal atingiu 96% do nem conseguia olhar diretamente
Foi, aliás, isso que Portugal fez, sub-
Não estão reunidas tráfego que tinha antes da crise, para não revelar mais do que de-
metendo à Comissão Europeia um pla- as condições acima da Alemanha, que registou via. Valha-nos o abraço que tanto
no duríssimo de reestruturação com para assegurar 75%, e da França, com 86%, mas Pedro Nuno como Duarte Cordeiro
metas claras e objeto de forte escrutínio. o necessário abaixo de Espanha, que obteve deram a seguir a João Galamba. Ai,
Envolvendo, entre várias iniciativas, um 91%, enquanto a Grécia atingiu o amor e a descompressão...
diálogo entre a administração e a sua retorno do enorme 101% do volume registado três
força de trabalho visando a dispensa investimento anos antes. As companhias low-
de 3000 trabalhadores em resultado efetuado por todos -cost registaram uma recuperação
da redução da sua frota, além da entre- mais sólida, regressando a 85% do ROTAÇÃO
ga de 16 slots no Aeroporto de Lisboa,
nós na companhia movimento de 2019, contra 76%

LULA, OUTRA VEZ Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse pa-
ra o seu terceiro mandato no Palácio do Planalto. No discur-
so de posse como Presidente do Brasil prometeu reavivar
bandeiras sociais suas e reverter políticas do seu anteces-
sor. Jair Bolsonaro não assistiu à tomada de posse. Foi para
os Estados Unidos. FOTO SERGIO LIMA/AFP VIA GETTY IMAGES
5
principal hub da companhia e eixo de das transportadoras “clássicas”.
distribuição entre a Europa e os EUA, o Brasil e os PALOP. A Associação Internacional de Transporte Aé-
As informações públicas da companhia apontam para a supe- reo (IATA) prevê que a aviação mundial deverá
ração das metas impostas pelo plano de reestruturação — resul- fechar este ano com um lucro de 4700 milhões
tados positivos já em 2022 quando a meta apontava para 2025... de dólares. Há, portanto, sinais muito encora-
Antecipo que esta superação está muito ligada ao interesse jadores para o sector, mas também não faltam
crescente por visitar Portugal. desafios que só as companhias aéreas com uma SÃO OS NOMES
Em 2022, Portugal liderará o crescimento na UE com uma liderança forte e credível têm capacidade para
impressão digital chamada turismo. Turismo que depende da enfrentar e vencer: a fragilidade da recuperação QUE SE MANTÊM
mobilidade aérea. Não podemos brincar. A continuada recu- económica, a inflação, a subida dos juros, o au- NO GOVERNO
peração da TAP vai permitir a reabertura do seu capital. Os mento do custo da energia e dos combustíveis
grupos Air France/KLM e Lufthansa já manifestaram interesse e o risco da guerra que se mantém na Ucrânia. DESDE 2015 E
em entrar no capital da TAP, sobretudo pela importância desta Por tudo isto, e independentemente de todas
no Brasil e nos EUA. as questões políticas que envolvem a companhia,
SÓ DOIS DELES
E é aqui que a administração deve centrar o seu trabalho: considero que não estão reunidas as condições CONTINUAM COM
antecipar as metas do plano, abrir o capital da companhia, ga- para assegurar o necessário retorno do enorme
rantir a centralidade do hub em Portugal. Assim, sim, devolverá investimento efetuado por todos nós na com-
AS PASTAS EM
futuro à TAP. panhia. QUE COMEÇARAM
Expresso, 6 de janeiro de 2023
ALTOS
Marcelo Rebelo
de Sousa
Presidente
da República
O Presidente entrou no Ano Novo
com um caderno de encargos para
o Governo que lhe permitiu recupe-
rar o peso de uma intervenção polí-
tica que chegou a parecer esgotada.
No caso que levou à saída da secre-
tária de Estado do Tesouro foi fir-
me na procura de respostas. Volta a
sê-lo na fase da remodelação ao ele-
var a fasquia das exigências.
João
Galamba
Ministro das
P
Infraestruturas
“
É promovido a ministro depois de
um desempenho considerado bem-
-sucedido na Energia. Tem enor-
mes desafios pela frente, num mi-
nistério onde estão por resolver os
dossiês da reestruturação e venda
da TAP, do futuro do aeroporto e da
conclusão de obras na ferrovia. Não
se livra da comparação com o peso
político do seu antecessor no cargo.
E BAIXOS
Eurico
Brilhante Dias
Líder parlamentar
do PS
O PS chumbou os requerimentos
da oposição, que queria ouvir ex-
plicações de Pedro Nuno Santos,
Fernando Medina, Alexandra Reis
e responsáveis da TAP sobre o pro-
cesso de indemnização que provo-
cou uma crise grave no Governo.
A maioria absoluta garante o “tra-
vão” das iniciativas de que discor-
da, impedindo a fiscalização do
Parlamento, e passa ao país um si-
nal de falta de transparência.
Maria do
Céu Antunes
Ministra
da Agricultura
O estado de graça da nova secre-
tária de Estado escolhida por Ma-
ria do Céu Antunes não durou 24h.
Carla Alves tem contas arrestadas
pela Justiça após uma investigação
que envolve o seu marido e onde há
suspeitas de corrupção ativa e pre-
varicação. Mais uma nomeação sob
pressão e envolvida numa polémica
que não foi acautelada e escrutinada.
António
Costa
Primeiro-ministro
2
Em funções há pouco mais de nove
meses, o Governo de maioria abso-
luta funciona cada vez mais em cir-
cuito fechado, incapaz de se renovar
de outra forma que não seja nos pró-
prios gabinetes dos ministérios. An-
tónio Costa justifica-se com a “es-
tabilidade” das políticas, mas o que
sobra é um cenário de descoordena-
ção onde escasseiam soluções e im-
peram casos e crises que, já se per-
cebeu, parecem não ficar por aqui.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
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mecalux.pt
Miguel
Sousa
Tavares
Viver
habitualmente
ara surpresa de muitos, João
Galamba foi um excelente
secretário de Estado da
Energia” — uma das razões
pelas quais ele, António Cos-
ta, resolveu agora subi-lo a
ministro das Infra-Estruturas, na es-
perança de que nova surpresa possa
contrariar todos os vaticínios lógicos.
Galamba chega então a ministro e
logo numa pasta que já era difícil há
cinco anos, mas que o seu saudoso
amigo Pedro Nuno Santos transfor-
mou em mortal. Dizem os chegados
que Galamba é um “fazedor” — o mes-
mo que já diziam de Pedro Nunes San-
tos e, antes dele, de Miguel Relvas ou
José Luís Arnaut. A pátria, felizmente,
não tem falta de fazedores, apenas
escasseia obra que se veja.
Pois eu, de facto, não sei dizer se,
entre o lítio (que parece ter morrido à
nascença) e o hidrogénio verde cujas
vantagens ou desvantagens ninguém
consegue explicar com clareza, João
Galamba foi ou não um excelente se-
cretário de Estado da Energia. Ser da
ala esquerda ou ‘nunista’ do PS, tal
como a nova ministra da Habitação,
não me parece, por si só, garantia de
qualidade governativa — tal como se
fosse da ala direita, ou ‘medinista’,
ou qualquer outra. Pelo contrário, e
como muitos outros, alimento legíti-
mas desconfianças de que essa filiação
interpartidária tenha sido, afinal, o
principal motivo da sua escolha — não
em benefício do Governo ou do país,
mas da paz interna no PS e da “es-
tabilidade”, segundo António Costa.
Em contrapartida, já tenho fundadas
desconfianças de alguém que, sendo
adulto há vários anos e, para mais,
com responsabilidades governativas
há outros tantos, continua a brincar
aos cowboys e índios nas redes sociais,
descompondo e insultando quem dele
discorda e recorrendo até à linguagem
mais rasca para travar o que imagi-
na ser um combate democrático de
ideias: não são os palavrões que mais
me chocam, é a incapacidade de ser
confrontado ou ir ao confronto sem
descer ao nível da pior frequência que
hoje em dia temos de tolerar nas nos-
sas democracias. Para quem vai ser
confrontado com dossiês tão explo-
sivos como os da TAP ou da querida
e mítica “ferrovia”, imagino que rapi-
damente lhe vão escassear palavrões
no dicionário. Enfim, venha daí essa
surpresa.
De facto, na vida pública é muito
mais importante parecer do que
ser. Depois da demissão do seu
secretário de Estado, que sabia
há meses da indemnização paga pela
TAP a Alexandra Reis, Pedro Nuno
Santos, o responsável directo pela pas-
ta, demorou ainda 24 horas a demitir-
-se, argumentando que de nada sabia
e subentendendo que de nada tinha
de saber. Mas, como sempre teve boa
imprensa, saiu quase como um herói,
que “assumiu as suas responsabilida-
des políticas”. E mais: deixou “obra
feita” e uma aura de “fazedor”. Gastei
uma semana a vasculhar o seu
currículo de fazedor, de alguém
que nunca teve outra actividade
que não a política e outra vida
que não cargos políticos. Da
sua ‘obra’, naquela imensa pas-
ta, verifiquei o seguinte: nas
telecomunicações, atrasou
quase um ano o concurso do
5G, que ainda está por concluir
e que é essencial para o país,
e assistiu sem um queixume à
progressiva deterioração dos
correios; na habitação, grande
aposta do Governo, todos os projec-
tos ou falharam por completo, como
a Renda Acessível, ou o grau de exe-
cução varia entre 0,8% e 2%; na fer-
rovia, a sua grande paixão, tudo não
passa de promessas grandiloquentes,
encomendas milionárias com dinhei-
ros europeus e amanhãs que cantam,
embora sem data à vista; aeroporto
de Lisboa é o que se sabe: depois de
resolvido num dia, temos para mais
um ano de espera antes da decisão; e a
Dizia Salazar
que a ambição dos
portugueses era a de
“viver habitualmente”:
isto é, tratar da sua
vidinha, que o Governo
trataria da de todos
TAP, onde começou, mãos largas, por
despedir os sócios e os administrado-
res que estavam, com o dinheiro dos
contribuintes, e precisou de um ano
para ir descobrir uma obscura CEO,
não iremos, ao contrário da sua solene
promessa, reaver um só euro dos 3,2
mil milhões que em nosso nome lá
injectou.
Em boa hora, digo eu, se livrou de
todos estes sarilhos e da sua cobrança
próxima, emigrando para o Parlamen-
to, onde dizem que por ora ficará em
contenção e mais tarde, chegada a
hora e confiado na habitual amnésia
colectiva dos portugueses, emergirá
como a grande oposição a António
Costa e o futuro do PS. Pois parece
que quando ele entra num congresso
socialista há pernas que tremem e gar-
gantas que emudecem, qual Santana
Lopes da esquerda. Mas eu, apesar
de tudo e de não ser muito dado a
previsões destas, repito uma que já
aqui fiz há tempos: no dia em que um
PS, perdido da realidade, avançar com
o nome de Pedro Nuno Santos como
candidato a governar Portugal, levará
uma desfeita tamanha que serão pre-
cisos anos para se recompor.
3
Só mais umas curtas considera-
ções sobre a remodelação que,
afinal, o não foi. Era uma opor-
tunidade para Costa ter des-
pachado João Gomes Cravinho, que
nada acrescenta como MNE a não ser
banalidades que qualquer um pode
dizer e que se portou sem nenhum
decoro republicano na questão das
obras do Hospital Militar. E, já ago-
ra, livrava-se também da ministra da
Agricultura, Maria do Céu Antunes,
um caso notável de incompetência
numa pasta cuja importância António
Costa nunca percebeu. Mas não ad-
mira quando olhamos, por exemplo,
para o currículo da nova ministra da
Habitação e lá vemos todo o cursus
honorum da carreira partidária: Ju-
ventude Socialista, adjunta de gabi-
nete, chefe de gabinete, secretária de
Estado, ministra. Dizia Salazar que
a ambição dos portugueses era a de
“viver habitualmente”: isto é, tratar da
sua vidinha, que o Governo trataria da
de todos. O “habituem-se” de António
Costa é diferente porque vivemos em
democracia e não em ditadura e ele é
um democrata e não um salazarista.
Mas há certos hábitos na forma como
nos governam, fazendo de nós eunu-
cos políticos, que estão enraizados
numa cultura de poder que parece
pensada para desmobilizar os portu-
gueses.
4
Finalmente, e ainda a propó-
sito: alguém me explica que
crime ou suspeitas de crime
querem a PGR e o DCIAP
investigar nesta história? Ou foi só
porque não resistiram a ficar de fora
dela? E também pergunto para que
tem a TAP (tal como outras empresas
públicas) um gabinete jurídico se para
negociar uma simples rescisão con-
tratual é preciso recorrer a um desses
caríssimos escritórios de advogados
lisboetas?
5
No seu primeiro dia de Gover-
no, Lula da Silva começou bem,
fazendo o que era mais urgente
fazer: a revogação de parte da lei
das armas e da legislação predadora
da Amazónia e das nomeações que
Bolsonaro fez de alguns amigos para
cargos da República. Mas antes disso,
na própria cerimónia de posse, Lula
começou mal, não aproveitando e,
pior ainda, estragando uma oportu-
nidade irrepetível de começar bem.
PRIMEIRO CADERNO 3
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO TPC
“Só o Governo
e a maioria podem
enfraquecer ou
esvaziar [a estabilidade
política], por erros
de orgânica,
descoordenação ou
fragmentação interna,
falta de transparência
ou descolagem
da realidade”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República
PRÉMIO PALAVRA DADA
“Estas duas
nomeações de
ministros asseguram
quer a estabilidade
das políticas quer
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
a continuidade
da ação executiva”
António Costa
Primeiro-ministro, sobre a remodelação
PRÉMIO CONTROLO DE DANOS
“Isto é um processo
que tem a ver comigo
e não com ela. É uma
injustiça, só porque
é minha mulher”
Américo Pereira
Ex-presidente da Câmara de Vinhais, marido
da nova secretária de Estado Carla Alves,
sobre as contas arrestadas pela Justiça
PRÉMIO BOMBA-RELÓGIO
“O critério é: fazer
com a prata da casa.
Ele sabia que pouco mais de 1% de Vamos ver. Se isto
votos o tinham separado de Bolsona-
funcionar, é uma boa
ro em 30 de Outubro passado, e ali,
na Praça dos Três Poderes, a anun- ideia, se não, tiraremos
ciada multidão de 300 mil, afinal, daí as conclusões”
era pouco mais de um décimo disso. Marcelo Rebelo de Sousa
Assim, ele sabia, e disse, que logo ali Presidente da República,
devia começar a gigantesca tarefa de sobre a remodelação
tentar unir um país profundamente
dividido, mesmo entre famílias e ami- PRÉMIO APONTAR AO ALVO
gos. Mas, em vez disso, não resistiu a “O que o PM vai fazer
um violento ataque ao Governo an-
terior, a que chamou “irresponsável” é manter um peso
e “criminoso” várias vezes; outros morto no Governo,
podiam tê-lo dito e com toda a ra- desprovido
zão, o Presidente eleito, na tomada
de posse, jamais. Depois, também
de autoridade”
disse que o passado não interessava, Luís Montenegro
só o futuro, mas gastou metade do seu Presidente do PSD, sobre Fernando Medina
longo, palavroso e repetitivo discurso
PRÉMIO TRAVESSIA NO DESERTO
a falar dos feitos dos seus Governos
passados, de tal forma que pareceu “Deem-me descanso”
evidente que ele próprio sabe que não Pedro Nuno Santos
conseguirá repetir o sucesso que lhe Ex-ministro das Infraestruturas
permitiu abandonar a presidência ao
fim de oito anos com 87% de taxa de PRÉMIO BOAS INTENÇÕES
aprovação — num momento em que a “Vou governar
conjuntura internacional foi favorável
e o Brasil beneficiou da valorização
para 215 milhões de
das suas matérias-primas. E, por fim, brasileiros e brasileiras
como quem se desculpa antecipada- e não apenas para
mente, enumerou todas as desgraças quem votou em mim”
que vai herdar do Governo cessante,
em lugar de deixar isso para os analis- Lula da Silva
Presidente do Brasil
tas e a imprensa. Fez um discurso de
campanha eleitoral em lugar de um
PRÉMIO A NOTÍCIA
discurso de estadista, com isso pro-
DA MINHA MORTE É
longando o pretexto para as divisões
CLARAMENTE EXAGERADA
e o ódio na sociedade brasileira. Nem
tudo foi mau, claro, no seu discurso, “Não é o fim da minha
mas, no geral, foi uma oportunidade carreira. Ganhei
perdida. Se o tempo de Bolsonaro tudo, joguei nos clubes
nunca deveria ter acontecido, nem
que fosse por simples dignidade, ficou mais importantes.
também claro para mim que o tempo Para mim, este
de Lula já passou. Mas quando chega- é um novo desafio”
rá, enfim, o tempo do Brasil?
Cristiano Ronaldo
Jogador do Al-Nassr
Miguel Sousa Tavares escreve de Paula Santos
acordo com a antiga ortografia paulasantos@expresso.impresa.pt
4 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA
CRISE NO GOVERNO
Marcelo dá um ano a Costa
para segurar a legislatura
PR acelera ciclo político e não exclui eleições antecipadas. Vai depender da maioria.
E de haver uma “alternativa forte e evidente”, que Marcelo ainda não vê
A
Ângela Silva
imagem de Antó-
nio Costa com um
capacete de obras
na cabeça a visitar,
esta quarta-feira,
investimentos fi-
nanciados pelo
PRR numa uni-
dade de Saúde da
freguesia de Amor, algures em Leiria,
parecia resposta ao ultimato que Mar-
celo Rebelo de Sousa lhe dirigiu no
Ano Novo. Acerte e acelere o passo,
nada de falhas “imperdoáveis” nos
fundos europeus e não desperdice
2023 que é o ano “decisivo”, avisou o
Presidente. E quando a primeira figu-
ra do Estado diz no arranque de uma
legislatura que há um ano decisivo é
porque a vida da terceira figura está
sob pressão máxima e não é líquido
que o seu ciclo chegue ao fim.
“O Governo entrou em queda de tal
forma acelerada que se a oposição não
se despachar podemos ter um impasse
grande”, antecipam na Presidência,
enquanto Marcelo se prepara para vol-
tar à rua disposto a mostrar o bom e o
mau e, sobretudo, a ouvir as pessoas.
Acusado durante anos de andar com o
Governo ao colo, o Presidente entra no
“ano decisivo” num novo registo, feroz
com as falhas da maioria absoluta, as-
sumidamente frustrado por Costa não
arejar estruturalmente o Executivo e
a pressionar, como nunca antes o fez,
Costa não agradou
a ninguém, mas acha
que ainda tem trunfos
Horas depois da posse dos novos mem-
bros do Governo e pouco antes de ir
ao Parlamento defender-se da moção
de censura apresenta pela Iniciativa
Liberal, caiu mais um caso na mesa do
primeiro-ministro: Carla Alves, a nova
secretária de Estado da Agricultura,
tem contas arrestadas por causa de
uma investigação ao marido.
Costa tinha dado ordem para haver
mais escrutínio dos nomes escolhidos
para esta remodelação. Depois dos
casos de Miguel Alves e de Alexandra
Reis (ver Economia) não podia haver
casos e casinhos envolvendo os novos
governantes. Por isso, as escolhas fo-
ram feitas quase só nos gabinetes do
Governo.
A remodelação motivada pela demis-
são de Alexandra Reis e de Pedro Nuno
um primeiro-ministro que se sente des-
gastado. Sem garantias da oposição, a
quem começou por aconselhar calma
mas que agora espera mais ágil, Mar-
celo evitará, no entanto, dar ele próprio
corda excessiva ao relógio, consciente
de que vai ter de manobrar entre o ace-
lerador e o travão. Certo é que, para já,
conseguiu recuperar o volante.
“Se 2023 for um ano perdido, de
nada servirá a consolação de nos con-
vencermos de que ainda temos 2024,
2025 e 2026”, avisou na comunicação
de 1 de janeiro ao país, em que habil-
mente aproveitou o facto de o Gover-
no ter mergulhado numa inesperada
crise política para acelerar o ritmo de
exigência e escrutínio, ao ponto de
restringir o tempo útil do Executivo
ao ano que agora arranca.
O recado não é novo e vale a pena
revisitar o que Marcelo disse a Costa
quando há 10 meses lhe deu posse. A
maioria absoluta, avisou na altura,
“dá condições excecionais para, sem
desculpas nem álibis, fazer o que tem
de ser feito”; e o que tem de ser feito
exige “crescimento duradouro”, “re-
formar e bem o SNS”, “concentração
no decisivo sem tensões secundári-
as”, “garantir que os fundos euro-
peus avançam depressa no tempo”
e que “algo muito diferente possa
ficar”, sem perder demasiado com
“adiamentos ou autocontemplações”.
Nada de muito novo, portanto. A não
ser o novo fôlego que o grave arran-
que de ano do Executivo ofereceu ao
Presidente.
Santos levou até a mudanças na orgâni-
ca do Governo, mas não agradou a nin-
guém. Nem ao Presidente, que queria
mais, nem sequer aos simpatizantes de
Pedro Nuno Santos, apesar de Costa
ter distribuído os pelouros do agora
ex-ministro por dois ‘pedronunistas’:
João Galamba nas Infraestruturas e
Marina Gonçalves na Habitação.
“Foi uma má decisão e um erro grave
[de António Costa]: era preciso uma
remodelação para fora, que fosse vista
como um sinal de restauração da confi-
ança no Governo, e não uma remodela-
ção a falar para dentro do PS”, disse ao
Expresso um parlamentar socialista.
“Isto não correu bem”, assume-
-se no núcleo político do Governo.
Ainda assim, entre os conselheiros
do primeiro-ministro vários pensam
Marcelo Rebelo de Sousa não só
contribuiu ativamente para dar cor-
po e voz à polémica que nasceu com
uma indemnização da TAP e termi-
nou com a saída do poderoso minis-
tro das Infraestruturas, como soube
aproveitar para se recolocar no epi-
centro do jogo político, passando ele
a delimitar o espaço e o tempo do
primeiro-ministro. Trocado por mi-
údos, Costa passa a ter um ano para
provar o que vale e, se a prova for
fraca, o Presidente antecipa um ciclo
perdido, até porque, disse, “2024,
2025 e 2026 serão anos eleitorais”.
Só não garante que voltará a usar
o seu poder máximo para dissolver
o Parlamento e voltar a convocar
eleições antecipadas, porque isso
só poderia acontecer caso existisse
“uma alternativa forte e evidente”,
coisa que ele ainda não vê. Mas ao
dizer que seria absurdo dissolver
agora, Marcelo tratou de sinalizar
ENQUANTO NÃO VÊ
“UMA ALTERNATIVA
FORTE E EVIDENTE”, PR
TERÁ DE MANOBRAR
ENTRE O ACELERADOR
E O TRAVÃO
que este não foi o momento mais gra-
ve deste Governo. O pior terá sido
a forma como Costa anunciou um
aumento de pensões, em plena crise
inflacionista, que afinal era um corte
nas expectativas de crescimento fu-
turo. “Os eleitores não gostam de ser
aldrabados” e esse momento fragili-
zou a confiança no primeiro-ministro,
reconhecem ao Expresso.
Os otimistas acham que, com a saída
de Pedro Nuno Santos e as escolhas dos
novos ministros, António Costa conse-
gue ganhar tempo, porque os nomes
escolhidos “neutralizam” de alguma
forma o ex-ministro, mas também cré-
ditos, porque Galamba tudo fará para
surpreender como ministro, da mesma
forma que fez como secretário de Es-
tado. E há mesmo quem realce que o
primeiro-ministro continua a guardar
o “trunfo” de uma grande remodelação
para uma altura de viragem.
Costa pode estar
a guardar a “grande
remodelação” para 2024,
altura em que tem de
decidir se vai ou racha
como o poder da ‘bomba atómica’
está intacto para futuro.
“Não podemos ter eleições todos
os anos nem recorrer da dissolução
de cada vez que há remodelações”,
afirmou antes de partir para o Brasil,
onde passou o fim de ano para assis-
tir à posse de Lula da Silva. Subtil a
lembrar que a arma mais letal para
qualquer Executivo está no seu bolso,
estendeu-se nas explicações: “Imagine
que é usada a bomba atómica e que o
povo confirma o partido que está no
poder. Já viu a posição em que fica o
Presidente?” E ainda somou um post
it para Luís Montenegro: “Não é claro
que neste momento surgisse uma alter-
nativa forte e evidente ao que existe no
Governo.” Há que dar tempo ao tempo.
À espera para ver o que António
Costa consegue e em que estado che-
gará a oposição ao final do ano, Belém
confirma a expectativa de que Mon-
tenegro acelere. Porque se isso não
acontecer e o desgaste do Governo
for imparável, Marcelo não quererá
ficar “com o menino nas mãos”. Para
já, a remodelação de emergência sou-
be-lhe a pouco. “Se funcionar é uma
boa ideia, se não funcionar tiraremos
as conclusões”, afirmou, insatisfei-
to por Costa não corrigir os “vícios
originais” que ele próprio apontou a
esta maioria e que vão da excessiva
centralidade do PM à ausência de um
nº 2 de peso, passando pela insistên-
cia num ciclo fechado na “prata da
casa”. Costa voltará a surpreender?
avsilva@expresso.impresa.pt
Presidente e primeiro-
-ministro na quarta-feira
quando tomaram posse os
novos membros do Governo
FOTO TIAGO MIRANDA
Ao longo de sete anos, Costa remo-
delou sempre sob pressão e a reboque
de casos. “Era difícil fazer uma remo-
delação maior na saída do Pedro Nuno
Santos”, nota uma fonte socialista, su-
blinhando que a saída de Pedro Nuno
em si mesma já é “a” remodelação.
“Não é uma remodelação como as ou-
tras, há um Governo com Pedro Nuno
e um Governo sem ele”, corrobora
outra fonte. O calendário para usar a
“grande remodelação” como trunfo de
modo a criar um “novo ciclo” pode ser
o pós-europeias de 2024, sobretudo
num cenário de derrota socialista.
É isso que poderá estar na cabeça
de António Costa, se não for para ne-
nhum cargo europeu em 2024 (até
agora tem dito apenas que está amar-
rado ao cumprimento da legislatura,
e se Marcelo não a mandar abaixo,
ela dura até 2026). É em 2024 que
tem de pensar na forma como vai
encarar a segunda fase do mandato:
ou assume que, depois disto, “vai para
casa”, ou assume para si mesmo que
“ainda vai candidatar-se novamente
a primeiro-ministro em 2026”, nota
um experiente socialista. Se estiver
apostado na segunda via, tem de fazer
um reset no Executivo de alto a baixo.
Eunice Lourenço e Rita Dinis
elourenco@expresso.impresa.pt
Duarte Cordeiro entre Fernando Medina e Pedro Nuno Santos
3, 2, 1. Começou
a sucessão
O momento de Pedro Nuno Santos,
alto e hirto, a receber de António
Costa o abraço de despedida na pos-
se do novo ministro das Infraestru-
turas mostra como o ex-ministro
encara a rutura com o costismo:
é um “fim de ciclo”, um “virar de
página”, confidencia no seu inner
circle. Mas isso não significa que
Pedro Nuno Santos vá partir já para
o ataque. Gelo nos pulsos, para o
feitiço não se virar contra o feiticei-
ro. O abraço foi recíproco, porém,
gelado. Nessa manhã, o ex-ministro
tinha também pedido para sair da
direção socialista.
“Não se vai vingar nem passar a
atacar o Governo, mas vai deixar de
andar de mãos dadas com ele”, re-
sume fonte próxima do ex-ministro,
sublinhando que é essa a história da
mais recente remodelação do Exe-
cutivo: a ideia de que há um antes e
um depois de Pedro Nuno Santos.
Um “fim de ciclo” que dá início a
um outro, o da sucessão de Costa
na liderança do PS.
É para isso que Pedro Nuno vai
trabalhar, tendo a máquina do parti-
do oleada e as principais federações
do seu lado, mas precisando de gerir
a sua imagem pública. “Pode não ter
problemas com o partido, mas vai
ter mais dificuldades com o país”,
nota uma fonte governamental ao
Expresso. Pedro Nuno está cien-
te disso (e ciente de que o PSD de
Montenegro também contará com
isso) e vai confidenciando aos seus
próximos que, depois do autoimpos-
to exílio de um mês, não vai comba-
ter o Governo mas tentar ganhar a
simpatia do PS e dos portugueses.
PSD acelera para
liderar a oposição
O PSD vai tentar acelerar a sua afir-
mação, não só na liderança da opo-
sição como na construção de uma
alternativa de Governo. Para dar
esse sinal, vai reunir este sábado o
novo Conselho Estratégico Nacional
(CEN), liderado agora por Pedro
Duarte. Uma tentativa de dar a vol-
ta, depois de a abstenção na moção
de censura ao Governo não ter sido
pacífica na bancada parlamentar.
“Não queremos derrubar o Gover-
no”, assume Luís Montenegro à saída
da reunião com o grupo parlamentar.
O sentido de voto mereceu o reparo
do partido proponente (ver texto pág.
6), mas também de deputados sociais-
-democratas, estes em surdina. De
viva voz, José Ribau Esteves, antigo
secretário-geral do PSD e presidente
da Câmara de Aveiro, descreve ao
Expresso a moção de censura como
“um ato absolutamente inconsequen-
te” — de resto, em linha com a argu-
mentação do presidente do partido:
Luís Montenegro disse que “o PSD
não está nem do lado da inconsequên-
cia nem do lado da incompetência”,
numa referência à IL e ao Governo.
Ribau, contudo, aponta o principal
problema do PSD seis meses depois
de Montenegro chegar à liderança:
“O PSD ainda não lidera a oposição.”
Esse lugar está a ser disputado entre
PSD, Chega e IL, e aconselha: “É um
problema que Montenegro tem para
resolver. Tem de se concentrar nesse
objetivo fundamental.”
O autarca estende o diagnóstico
pouco abonatório à liderança da ban-
cada parlamentar: Joaquim Miranda
Sarmento “não consegue ter uma
prestação que marque os debates”.
Os deputados que preferiam ter vota-
do favoravelmente a moção de censu-
ra confessam-se preocupados com a
“perceção pública” da abstenção, até
porque a maioria socialista seguraria
sempre o Governo e o PSD consegui-
ria marcar “uma posição assertiva”.
Expresso, 6 de janeiro de 2023
FOTO TIAGO MIRANDA
“Há três pessoas que tinham es-
crito nas estrelas que iam ser secre-
tários-gerais do PS:Guterres, Segu-
ro e Pedro Nuno”, ouve o Expresso
de um experiente socialista que,
no entanto, não tem a convicção
de que Pedro Nuno Santos vá ser
primeiro-ministro de Portugal. “O
PS precisa urgentemente de voltar
à oposição”, arrisca. E Pedro Nuno
Santos pode ser a pessoa certa para
voltar a “obrigar o PS a pensar” e “a
construir um projeto político”.
Contra as expectativas, foi a mai-
oria absoluta que impulsionou as
guerras há muito reprimidas dentro
do PS. De um lado Pedro Nuno, do
outro Medina, que não tem peso no
aparelho. No meio, discreto, Duarte
Cordeiro, que há já quem veja como
uma terceira via ou como a via da
união. “O Duarte tem a capacidade
agregadora que o Pedro Nuno não
tem”, diz um membro do aparelho
socialista. É também com o atual
ministro do Ambiente e que está no
núcleo de coordenação política que
Costa conta para ir fazendo pontes
com o agora ex-ministro.
Certo é que 2023 há um congresso
do PS por volta de setembro. Será o
momento para Pedro Nuno marcar
posição. Dois anos depois, há novo
congresso, e Costa já disse que nes-
sa altura decide se se mantém líder
do PS. Aí, as contas vão ser outras.
Uma coisa é certa entre pedronunis-
tas: este Governo já não tem “emen-
da”. Portanto, é esperar que caia. Se
é em 2024 ou em 2026, só o tempo
(e Marcelo) o dirá.
Rita Dinis com E.L.
rdinis@expresso.impresa.pt
“Para quem criticava tanto as posi-
ções do anterior líder, acusando Rui
Rio de não ser assertivo na oposição,
esta abstenção também não é muito
favorável aos olhos dos eleitores”,
sugerem ao Expresso.
Hugo Soares, secretário-geral do
PSD, rejeita que a abstenção passe
a imagem de um partido que não
está preparado para governar. “O
PSD não é um partido de protesto e
histeria. Não pede eleições todos os
anos. Mas está, como sempre esteve,
preparado para governar”, assegura.
E dá como exemplos o Programa
de Emergência Social, as propostas
“O PSD ainda não lidera
a oposição. É um problema
que Montenegro tem
para resolver”, diz Ribau
apresentadas no debate do OE, o
projeto de revisão constitucional ou
“a capacidade de captação de talento
na sociedade civil para fazer parte do
pensamento estratégico do partido”.
Refere-se concretamente ao CEN,
criado por Rio e que amanhã tem a
primeira reunião sob a atual direção.
Pedro Duarte antecipa que “toda
a estrutura foi reformulada” e re-
partida por “25 áreas temáticas”,
“algumas inovadoras, como longe-
vidade e bem-estar ou diversidade
e igualdade de género”. Cada área
terá um coordenador, sendo que
15 são independentes e 13 são mu-
lheres. “É um exército dedicado a
pensar políticas públicas e a fazer do
CEN um laboratório de ideias para
a alternativa que o PSD está a cons-
truir.” Ou será o PSD a dar corda aos
sapatos para, de uma vez por todas,
liderar a oposição?
Hélder Gomes
hgomes@expresso.impresa.pt
Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 5
6 PRIMEIRO CADERNO
SONDAGEM
89% exigem a Costa investimento na habitação
Texto João Diogo Correia
Foto Tiago Miranda
Infografia Sofia Miguel Rosa
Entendida como o drama de uma
geração, a habitação em Portugal
é, na verdade, uma crise em toda a
linha, percecionada por toda a gen-
te. E cujo principal fator é a falta de
habitação pública, a que se junta a
falta de regulação do mercado, a fal-
ta de oferta privada e o fenómeno do
alojamento local. Tanto à esquerda
como à direita, os partidos falham
em colocar a habitação como ponto
central da discussão política. E, no
meio da crise política, o primeiro-
-ministro entendeu elevar a pasta a
ministério.
Na sondagem feita pelo ICS/ISCTE
para o Expresso e para a SIC, os por-
tugueses pedem respostas tanto do
lado do património do Estado quanto
pela via da propriedade privada. E
convidam o poder político a agir.
O ano é de escalada inflacionista e
de aumento generalizado dos preços,
refletidos na sondagem, que mostra
um aumento de 9 pontos percentuais
da proporção de inquiridos, que diz
que a situação económica no país
“piorou” ou “piorou muito”. O ter-
mo de comparação é setembro de
2022, data do último inquérito, em
que havia 67% de respostas nesse
sentido (agora há 76%). É um valor
expressivo, que só tem paralelo com
as sondagens sobre a situação eco-
nómica do país no primeiro ano de
pandemia de covid-19. E que só não
é mais expressivo do que a perceção
da crise habitacional.
“EXISTE UMA CRISE DE HABITAÇÃO EM PORTUGAL”
Percentagem em relação ao total da amostra
“DISCORDA” (3%)
E “DISCORDA TOTALMENTE” (1%)
4%
NS/NR
2%
“NÃO CONCORDA
NEM DISCORDA”
5% CRISE
NA HABITAÇÃO
“CONCORDA TOTALMENTE” (47%) E “CONCORDA” (43%)
90%
O CONSENSO EM TORNO DA IDEIA DE QUE HÁ UMA
CRISE DE HABITAÇÃO EM PORTUGAL É TRANSVERSAL
AOS VÁRIOS GRUPOS SOCIOPOLÍTICOS (SEXO, IDADE, INSTRUÇÃO,
SIMPATIA PARTIDÁRIA E POSIÇÃO IDEOLÓGICA)
FICHA TÉCNICA
Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre 3 e 15 de dezembro de 2022. A sondagem foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS — ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE — IUL),
tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram
selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis Sexo, Idade (4 grupos), Instrução (3 grupos), Região (5 Regiões NUTII) e Habitat/Dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de Região
e Habitat, foram selecionados aleatoriamente 83 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema
CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 3010 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 809 entrevistas válidas (taxa de resposta de 27%, taxa
de cooperação de 39%). O trabalho de campo foi realizado por 42 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática
religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma
amostra aleatória simples de 809 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. Todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100%.
ENTREVISTA
Rui Rocha Candidato à liderança da
Iniciativa Liberal
“É necessário rever
a fiscalidade e as
regras da construção”
Na véspera da apresentação da sua
moção de estratégia, Rui Rocha des-
valoriza o timing das eleições internas
na Iniciativa Liberal (IL), agendadas
para 21 e 22 deste mês. O candidato à
sucessão de Cotrim acredita que está
mais bem preparado para a nova fase
do partido, que “inevitavelmente” se
vai tornar a terceira força política.
P A IL terá eleições internas em ple-
no contexto de crise no Governo. O
timing não é desfavorável?
R São processos independentes e
acredito que não fará desviar as aten-
ções. A campanha interna prossegue,
mas o partido não pode deixar tam-
bém de fazer combate político no
Parlamento. É importante que o faça.
A esmagadora maioria dos inqui-
ridos (90%) “concorda totalmente”
ou “concorda” que há uma crise de
habitação em Portugal. Apenas 4%
recusam essa ideia. Divididos os
inquiridos em subgrupos sociopo-
líticos, o resultado é o mesmo: 91%
das mulheres, 90% dos homens; aci-
ma dos 90% nas faixas etárias mais
baixas e médias, 87% nos maiores
de 65 anos; valores a bater nos 90%
também para os diferentes níveis de
instrução; e, nas simpatias partidári-
as, o valor desce ligeiramente entre
os simpatizantes do PS, mas forma,
ainda assim, uma maioria expressiva
(88%) dos que acham que se vive uma
crise para ter casa.
Mais do que diferenças, o que a
sondagem mostra é que, pelo me-
nos aqui, formou-se em Portugal um
consenso.
Fenómeno por explicar
Identificada a crise, falta saber as
causas e como as resolver. E, tam-
bém aí, o que a sondagem mostra é
mais semelhança do que diferença. A
reabilitação de casas em mau estado,
o investimento público em habita-
ção, a redução de impostos sobre o
arrendamento, os limites ao valor
das rendas, a imposição de casas a
preços acessíveis em novas constru-
ções e as cooperativas de habitação,
por esta ordem, são todas citadas
por mais de quatro em cada cinco
inquiridos.
“O que as pessoas estão a dizer é o
que está na Lei de Bases da Habita-
ção”, comenta Helena Roseta, ex-de-
putada, ex-vereadora da Habitação
P Cotrim de Figueiredo estará arre-
pendido por deixar a liderança nesta
altura?
R O João acreditou que deixar a li-
derança neste momento seria mais
favorável para a IL e a preparação do
partido para o futuro. Essa decisão é
independente do momento político.
E a discussão interna pela liderança
e a participação ativa na oposição são
perfeitamente compagináveis.
P Espera que o partido possa ser pe-
nalizado? Na última sondagem, feita
pelo ICS/ISCTE para o Expresso e SIC,
a IL teve só 2% das intenções de voto.
R Durante essa semana foram di-
vulgadas mais sondagens: umas que
davam crescimento à IL e outras
Marina Gonçalves fica na Habitação, João Galamba nas Infraestruturas
em Lisboa e “mãe” da referida lei,
aprovada na Assembleia da Repúbli-
ca em 2019. Com os direitos agora
consagrados, falta passar à ação, tra-
vada pela pandemia, onde “o esforço
foi adiar prazos [de pagamentos] e
evitar despejos”. O primeiro passo
vai ser dado no Parlamento, quando
for aprovado o Plano Nacional de
Habitação, documento-chave para
usar o que Roseta chama a “mala de
ferramentas” da habitação.
Arquiteta, Roseta divide a “mala”
em quatro, assim cobrindo grande
parte dos problemas e das soluções
OS PARTIDOS DÃO ATENÇÃO AO PROBLEMA DA HABITAÇÃO?
Avaliação das afirmações “os partidos de esquerda prestam atenção ao problema da habitação”
e “os partidos de direita prestam atenção ao problema da habitação”. Em relação ao total da amostra
PARTIDOS DE ESQUERDA
“DISCORDA” (19%) E “DISCORDA
TOTALMENTE” (14%)
33%
PARTIDOS DE DIREITA
“DISCORDA” (22%)
E “DISCORDA TOTALMENTE” (17%)
39%
menos favoráveis. Não valorizamos
umas nem outras. Acredito que a IL
tem um enorme potencial de cresci-
mento.
P Compreendeu as razões invocadas
por Luís Montenegro para o PSD se
abster na vossa moção de censura
ao Governo?
R Não. Entendemos é que, face à de-
gradação do cenário político e das
condições de governação, quem se
devia demitir era António Costa, mas,
na verdade, quem se demite é Luís
Montenegro e o PSD. Demitem-se de
ser oposição. A IL não se demite de
ser oposição, está cá para ser oposi-
ção e liderar a oposição se outros não
o quiserem fazer.
P Criticou os “modos grosseiros”
do PM em relação à IL, acusando-o
de ter um estilo de quem só “pode
estar sentado aos ombros de André
Ventura”. A IL é mais incómoda do
que o Chega para o PS?
R António Costa e o Chega têm uma
relação de benefício mútuo com um
tipo de discurso em que se alimen-
tam um ao outro. É uma evidência. E
creio que no PS todos entendem que
a IL é o partido mais desafiante para
a governação socialista. O modelo de
gestão do país pelo PS está absolu-
tamente esgotado, e isso é uma das
razões pelas quais o PM anda tão irri-
identificadas na sondagem ICS/ISC-
TE. Usar a política fiscal para incenti-
var ou penalizar determinadas ações,
subsidiar soluções de habitação, seja
com os municípios a cobrir parte das
rendas, seja com a cedência de ter-
renos a cooperativas, por exemplo, e
regular os preços do mercado.
Por fim, das quatro ferramentas,
porventura a mais importante: in-
vestir em habitação pública, como
responde a larguíssima maioria dos
inquiridos da sondagem (89%). A al-
tura é propícia, e Portugal tem para
isso dinheiro como nunca teve, mais
“NÃO CONCORDA “CONCORDA TOTALMENTE”
NEM DISCORDA” (8%) E “CONCORDA” (19%)
22%
“NÃO CONCORDA
NEM DISCORDA”
“CONCORDA TOTALMENTE”
(6%) E “CONCORDA” (16%)
20%
MONTENEGRO E O
PSD DEMITEM-SE
DE FAZER OPOSIÇÃO.
A IL VAI LIDERAR
A OPOSIÇÃO
de €2 mil milhões só do PRR, boa par-
te a fundo perdido. O sinal a António
Costa, com a equipa ministerial agora
reformulada, está dado.
A oportunidade de chegar à meta
de 5% de habitação pública no país
(atualmente em 2%) não deve, no
entanto, fazer esquecer uma “indig-
nidade” apontada por Helena Roseta.
“Há 723 mil fogos vazios no país, é
um número chocante.”
Ao contrário do que foi norma du-
rante muito tempo, há hoje em Portu-
gal mais casas do que famílias. “Não
sabemos porque é que tantas casas
estão vazias”, insiste Roseta. “Tanto
podem estar numa aldeia que nin-
guém quer como no centro da cidade
na mão de um fundo imobiliário.” É
um fenómeno por explicar, agora
nas mãos de Marina Gonçalves, que
tomou posse na quarta-feira como
ministra da Habitação, pasta que já
tinha como secretária de Estado.
Solução inédita
A sondagem foi feita entre os dias
3 e 15 de dezembro, bem antes das
mexidas no Governo que levaram à
criação de um ministério autónomo
para a habitação. É a primeira vez
que tal acontece desde a revolução
de Abril de 1974. Aliás, em quase 50
anos, a norma foi a de nem incluir
o termo habitação nas designações
dos ministérios com a pasta. Até à
era António Costa, o termo apareceu
apenas 11 vezes, e associado a outros,
tal como até aqui havia feito o atual
primeiro-ministro, com a designação
Ministério das Infraestruturas e Ha-
bitação. Marina Gonçalves será então
IMPACTO DE FATORES
NA SITUAÇÃO DA HABITAÇÃO
Percentagem de “muito impacto” ou “algum
impacto” em relação ao total da amostra
Falta de investimento público
em habitação
85%
Falta de regulação do mercado
de habitação
27% Falta de oferta
78%
de habitação privada
76%
NS/NR: 17% Aumento
do alojamento local
70%
Incentivos à aquisição de habitação por
estrangeiros, tais como os vistos gold
22% imobiliário
64%
Atuação dos fundos de investimento
56%
NS/NR: 18%
tadiço. Costa vê vacas voadoras, ouve
bolos que guincham, mas aquilo que
o devia preocupar é o país que sofre.
P Da sua lista à Comissão Executiva,
metade transita da atual direção.
Sendo um candidato de continuida-
de, apoiado pelo ainda líder, como
pretende responder aos críticos in-
ternos?
R A equipa tem uma matriz de con-
tinuidade, de quem executou a estra-
tégia que conduziu a IL ao sucesso.
Mas tem também novos membros, o
que traduz o compromisso de fazer
alterações internas significativas.
P Quais são as linhas orientadoras
da sua moção de estratégia?
R Terá como foco quatro pontos:
reorganização interna, propostas
para o país, objetivos eleitorais e ca-
derno de encargos para qualquer so-
lução pós-eleitoral como alternativa
ao Governo do PS. A nível interno,
quero promover reuniões trimestrais
com núcleos, para um diálogo mais
aberto, apostar na formação para
membros e autarcas e melhorar a
comunicação. A nível externo, será
fundamental diversificar as bandei-
ras do partido e alcançar todo o ter-
ritório. Também deixo claro que a IL
quer e vai ser protagonista do fim do
bipartidarismo, com o objetivo de ter
pelo menos 15% de votos em eleições
Expresso, 6 de janeiro de 2023
a primeira. Um sinal político de que
algo está para mudar?
Segundo os inquiridos, há muito
por fazer politicamente. Às pergun-
tas sobre se a esquerda e a direita
têm dado a devida atenção ao tema
da habitação, as respostas não va-
riam muito. Menos de um quarto
dos inquiridos acha que a direita faz
esse trabalho (“concorda” ou “con-
corda totalmente”), um valor mui-
to semelhante para os partidos da
esquerda. Do lado oposto estão os
39% de portugueses que acham que
os partidos de direita não prestam
atenção ao problema da habitação
e os 35% que respondem o mesmo
sobre a esquerda.
Nesta categoria de perguntas, as
diferenças só se notam na defesa
dos respetivos partidos e espectros
ideológicos. Ou seja, as pessoas de
esquerda e os simpatizantes do PS
respondem mais vezes que a esquer-
da presta atenção ao problema, como
acontece à direita com os simpatizan-
tes do PSD. Mas em nenhum caso há
uma maioria de inquiridos a respon-
der que os partidos fazem o suficiente
sobre o tema.
Grosso modo, o que o inquérito
indica é que há mesmo uma perceção
de desinteresse do poder político.
Um buraco entre os partidos e o ta-
manho da crise identificada pelos
portugueses.
jdcorreia@expresso.impresa.pt
OS DESAFIOS
DA NOVA
MINISTRA E AS
EXPECTATIVAS
DO SECTOR
MEDIDAS PARA LIDAR COM
A SITUAÇÃO DA HABITAÇÃO
Percentagem de “muito a favor” ou “a favor”
em relação ao total da amostra
Incentivar mais a reabilitação de casas
em mau estado de conservação
91%
Aumentar o investimento público
em habitação
Reduzir os impostos sobre
89%
o arrendamento
87%
Introduzir limites máximos ao valor
das rendas
85%
Número de casas a preços acessíveis
imposto a novos empreendimentos
Dinamizar as cooperativas
de habitação
84%
82%
Permitir a construção de mais prédios
com mais apartamentos nas zonas urbanas
68%
Reduzir licenças
para alojamento local
64%
Aumentar os impostos sobre as casas
que permanecem vagas
63%
Acabar com os incentivos à compra
de habitação por estrangeiros
57%
a médio/longo prazo. Tornarmo-nos
na terceira força política será uma
inevitabilidade.
P Habitação, ambiente e justiça se-
rão prioridades da sua lista à Comis-
são Executiva...
R Vou insistir muito na habitação,
que é um problema sério. É necessá-
rio rever a fiscalidade e as regras da
própria construção. Não é aceitável
que um licenciamento em Portugal
possa demorar dois anos e que a
esmagadora maioria dos processos
tenha problemas num momento de
escassez de oferta de habitação. O
ambiente é também uma área essen-
cial face à crise climática. A justiça é
outra área que tem de ser reformada
para que Portugal possa ser um país
mais justo, mas também que consiga
atrair mais investimento estrangeiro.
P Já definiu o caderno de encargos
para negociar uma eventual solução
pós-eleitoral com o PSD?
R Sim, um sistema eleitoral que não
desperdice milhares de votos, uma
revisão constitucional que reforce os
direitos, liberdades e garantias, uma
reforma do Estado, um limite à des-
pesa pública em percentagem do PIB,
um limite à carga fiscal e liberdade de
escolha na saúde e educação.
Liliana Coelho
lpcoelho@expresso.impresa.pt
Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 7
8 PRIMEIRO CADERNO
SOCIEDADE
EDUCAÇÃO
As máquinas já escrevem por nós.
Os riscos de fraude aumentam
O ChatGPT é capaz de responder e criar textos sobre quase tudo em segundos, de forma muito próxima a um humano
Texto Isabel Leiria
P
Ilustração Helder Oliveira
ara o início deste tex-
to pedi ajuda a um
programa de com-
putador chamado
ChatGPT, disponibi-
lizado recentemente,
de forma livre, para
qualquer utilizador.
Queria escrever
um artigo sobre o impacto nos
trabalhos escolares da utili-
zação deste modelo capaz de
gerar conteúdos escritos em
segundos, sobre quase tudo,
de forma original e como se
fosse escrito por um humano.
Perguntei-lhe o que achava
do assunto e o risco que esta
nova ferramenta comporta
para o aumento do plágio e
da fraude académica. Tudo
em cinco mil palavras. De
imediato, caráter a cará-
ter, o documento começou
a aparecer à minha frente
como se estivesse a ser dati-
lografado por um par de mãos
invisíveis.
“Apesar de o ChatGPT poder
ser usado como uma ferramenta
muito útil para gerar um texto, tam-
bém comporta um risco associado ao
plágio académico […] É importante
usá-lo de forma responsável. Assegu-
rando que o texto gerado é original
e faz as devidas citações, é possível
recorrer ao ChatGPT de forma ética
e cumprindo os standards académi-
cos”, comentou o próprio programa.
Pedi-lhe ainda para me escrever
um curto poema sobre o amor, ao
estilo de Baudelaire; perguntei-lhe
quando era o próximo ano primo e
se a inflação iria diminuir em 2023. A
tudo respondeu, tirando talvez a esta
última questão, sobre a qual disse não
poder fazer previsões, embora tenha
explicado o fenómeno e apontado os
fatores que podem contribuir para
a desaceleração dos preços depois
de um novo pedido da minha parte.
Umas vezes questionei-o em inglês,
outras em português.
Mas, afinal, o que é o ChatGPT e
porque tem dado que falar nos últi-
mos tempos? Trata-se de um progra-
ma de processamento de linguagem
natural, desenvolvido pela empresa
de pesquisa de inteligência artificial
Open AI (fundada em 2015 por inves-
tigadores e empresários como Elon
Musk), e que compreende as instru-
ções escritas que lhe damos, respon-
dendo a perguntas ou criando textos
coerentes e factuais. Pelo menos na
maioria dos casos: “O conhecimento
do mundo e dos acontecimentos após
2021 é limitado. Pode, ocasionalmen-
te, gerar informação incorreta e apre-
sentar contexto enviesado”, alerta o
ChatGPT numa mensagem referente
às suas limitações.
A verdade é que está ainda em
fase de teste e um dos princípios por
trás de modelos como o GPT-3 (Ge-
nerative Pre-trained Transformer,
na origem do ChatGPT) é ir apren-
dendo com a utilização que fazemos
dele e o feedback que damos. E é,
por agora, o mais bem conseguido
programa de processamento de lin-
guagem natural, reconhece Arlin-
do Oliveira, professor do Instituto
Superior Técnico e presidente do
INESC, havendo já quem antecipe a
substituição do omnipresente motor
Compra
de teses
é batota,
mas não
é crime
de pesquisa da Google.
Afinal, lembra Paulo
Peixoto, professor da
Faculdade de Eco-
nomia de Coimbra e
membro da direção
do Instituto Internaci-
onal para a Pesquisa e
Ação sobre a Frau-
de Académica, o
ChatGPT é capaz de
“pesquisar, produzir
conteúdo e de forma
diferenciada, conso-
ante os pedidos que
fazemos”.
As utilizações
de processamento
de linguagem natu-
ral — uma das áreas que está a ter
mais desenvolvimento dentro da IA
e que pode ser resumida como a ca-
pacidade de a máquina entender a
linguagem humana — são variadas
e uma realidade no nosso quotidi-
ano. A Siri, do iPhone, ou a Bixby,
da Samsung, são assistentes virtu-
ais que compreendem coisas que
lhes dizemos. E são cada vez mais as
empresas a recorrer a chatbots que
dialogam connosco para resolver os
problemas que apresentamos. Tam-
EM TODAS AS ÁREAS É
INEVITÁVEL UMA CADA
VEZ MAIOR INTERAÇÃO
ENTRE A MÁQUINA
E OS HUMANOS
Na internet não faltam anúncios de
empresas que oferecem “apoio” na
elaboração de teses de mestrado, ar-
tigos científicos, monografias, rela-
tórios, ensaios ou dissertações. Num
dos sites mais populares e há mais
tempo a operar neste sector, a “ajuda”
é descrita de forma vaga, mas ao tele-
fone é traduzida sem rodeios: “Faze-
mos tudo o que for preciso, incluindo
a escrita integral.” No caso de uma
tese de mestrado, por exemplo, o ser-
viço custa 800 euros. Noutro site do
mesmo tipo vai-se direto ao assunto:
“Aqui pode comprar ou encomendar
o seu trabalho académico.”
Ninguém duvida de que entregar
uma tese escrita por outrem é, no
mínimo, uma fraude académica eti-
camente censurável. Mas, aos olhos
da lei, não é necessariamente crime.
Nem da parte de quem vende a tese,
nem da parte de quem a compra, ex-
plica o advogado Paulo Sá e Cunha.
“Sem dúvida que constitui um ilícito
bém no “mun-
do do conhe-
cimento é
inevitável uma
cada vez maior interação
entre a máquina e os humanos”, su-
blinha Paulo Peixoto.
A tecnologia e o plágio
‘The college essay is dead’ (O ensaio
universitário está morto), lia-se no
título de um artigo publicado no final
do ano na revista “Atlantic” e em que
o autor, Stephen Marche, citava um
professor que defendia ser necessá-
rio “repensar o ensino e a avaliação”
à luz das novas tecnologias.
Muito do trabalho pedido e avaliado
ao nível do ensino superior, sobretu-
do na área das ciências sociais e hu-
manas, passa pela redação de textos
que juntam conhecimento e análise.
E as máquinas vão ser cada vez mais
capazes de o fazer à medida que au-
mentam a capacidade de processar
disciplinar que pode levar à expulsão
da universidade e à anulação do grau,
segundo o regulamento interno de
cada instituição. Mas pode não cons-
tituir nenhum crime, já que há um
vazio legal nesta área”, diz.
O Código Penal prevê o crime de
usurpação, aplicável, por exemplo,
no caso de alguém se apropriar de um
trabalho de outro e de o apresentar
como seu, e o crime de plágio, que
prevê a reprodução de um trabalho
alheio com ligeiras alterações, des-
tinadas a dissimular a cópia. Mas é
omisso em relação à venda de um
trabalho original por parte de um
Na internet, vários sites
anunciam a venda de
trabalhos académicos.
Uma tese de mestrado
custa 800 euros
dados e a velocidade a que
o fazem e que contam com
melhores algoritmos.
No caso do ChatGPT-3, que
não vai procurar textos preexis-
tentes, perceber se há plágio ou
fraude pode ser mais
difícil por parte dos
vários programas
de deteção que
existem e que são
usados pelas ins-
tituições de ensino
superior.
“Os desenvolvi-
mentos tecnológi-
cos sempre levanta-
ram preocupações
associadas ao plá-
gio. Com a IA estamos nou-
tro nível. Mas os próprios programas
de deteção de plágio também já a
estão a incorporar”, diz Paulo Pei-
xoto, reconhecendo serem vários os
desafios que se colocam à universi-
dade “É impressionante a quanti-
dade de tutoriais que já existem na
internet sobre como explorar esta
ferramenta. Acredito que, numa pri-
meira fase, ela vai entrar no ensino
superior da pior maneira possível,
gerando muitas críticas. Mas a verda-
PARA LERMOS OS
TEXTOS QUE O GPT-3
APREENDEU, TERÍAMOS
DE LER 24 HORAS/DIA,
DURANTE 5 MIL ANOS
“autor-fantasma”. “Se essas empre-
sas fazem a própria tese, sem recurso
a plágio, e a vendem a alguém, isso
não constitui nenhum crime, já que
não há nenhum enquadramento legal
que o preveja”, adianta o advogado.
“Em Portugal, as empresas que
vendem esses serviços vivem numa
espécie de vazio legal”, corrobora Rui
Sousa Silva, professor da Faculdade
de Letras do Porto e especialista em
linguística forense. Já em Inglaterra,
por exemplo, “a existência de um ver-
dadeiro negócio de compra e venda de
trabalhos académicos obrigou a uma
intervenção das autoridades no sen-
tido de tornar ilegais esses serviços”,
conta. Paralelamente, houve também
uma mudança nas práticas de avalia-
ção das faculdades britânicas, que pas-
saram a privilegiar mais a avaliação
baseada em testes e exames e menos
em trabalhos académicos. “Em Por-
tugal também devíamos fazer essa
reflexão”, defende o professor.
de é que estas aplicações emergentes
podem ser usadas como auxiliares de
um trabalho autónomo e criativo,
em diálogo com a máquina.
Tal como faço quando estou
a ler vários artigos sobre
o assunto. São maneiras
diferentes de produzir
conhecimento.”
Mas há questões que
continuam a colocar-se:
a partir de que percenta-
gem de texto que não é do
próprio autor se considera
plágio? E é plágio se é escrito
por uma máquina? Assina-se em
coautoria com um programa de
computador? “Os próprios sis-
temas de citação e de referência
bibliográfica vão ter de evolu-
ir para acomodar estas novas
fontes, tal como já existem
regras para citar tweets e pá-
ginas de Facebook”, antevê
o professor de Economia.
Pensar como
um humano
Rui Sousa Silva é professor
da Faculdade de Letras do
Porto e tem desenvolvido a
sua investigação em linguís-
tica forense. E se há coisa que
sabe é que cada pessoa tem
um estilo de escrita, tal como
tem uma “maneira de vestir”. Um
programa de computador não con-
seguirá imitá-lo. Por isso, acredita,
um professor que conheça os seus
alunos continuará a ser capaz de per-
ceber se estes foram os verdadeiros
autores dos textos. “Há dois motivos
essenciais para se recorrer ao plágio:
preguiça e falta de tempo. Se recorrer
a um programa destes, não vai preo-
cupar-se em aprimorar o que lhe for
sugerido.”
O conhecimento aparentemente
ilimitado do programa resulta de ter
sido treinado com uma enormidade
de textos, que lhe permitem inferir,
apenas com base em estatística e
modelos matemáticos (e não, obvia-
mente, conhecimento de causa so-
bre os assuntos), sequências de pa-
lavras que devem seguir-se umas às
outras. E é por isso que o programa
também erra. Basta não ter lidado
com palavras sobre determinados
temas e não ser, assim, capaz de
fazer determinadas associações.
“Para lermos todos os textos que
o GPT-3 apreendeu precisávamos
de cinco mil anos a ler 24 horas por
dia”, descreve Arlindo Oliveira. O
modelo usa ainda o que se chama
redes neuronais (tal como o cére-
bro humano), ligadas por cerca de
175 mil milhões de parâmetros, que
“codificam as tais relações probabi-
lísticas entre palavras”.
“O que se veio a verificar — e foi
uma surpresa também para a comu-
nidade científica — é que com mode-
los desta dimensão, e pelo simples
facto de aumentarmos a quantidade
de textos usados para o seu treino,
eles exibem uma compreensão cada
vez melhor e até capacidade de raci-
ocinar sobre coisas que não estavam
nos textos. Fiz-lhe perguntas armadi-
lhadas: como podia ir a pé de Lisboa
para Nova Iorque, por exemplo, e ele
respondeu que era impossível. Ainda
está muito distante, mas começa a
aproximar-se da nossa capacidade de
pensar em novas condições”, conclui
o professor do IST.
ileiria@expresso.impresa.pt
Apesar da multiplicidade de anún-
cios online sobre este tipo de serviços,
“a compra e venda de trabalhos aca-
démicos ainda é um mercado dimi-
nuto no nosso país”, acredita Paulo
Peixoto, professor da Faculdade de
Economia de Coimbra e membro da
direção do Instituto Internacional
para a Pesquisa e Ação sobre a Frau-
de Académica.
Já a prática de plágio é mais recor-
rente, ainda que muitas vezes não
intencional. Além disso, as novas
gerações já não plagiam na base do
copy paste textual, avisa. Em vez
desse método, “usam as novas tec-
nologias, YouTube e podcasts, ou
seja, fontes não-textuais que não
são facilmente descobertas pelos
sistemas de deteção de plágio con-
vencionais”. Encontrar a “batota” e
puni-la é um desafio para as institui-
ções de ensino.
Joana Pereira Bastos com I.L.
jbastos@expresso.impresa.pt
Expresso, 6 de janeiro de 2023
O FUTURO
DO FUTURO
A vida
em três
minutos
Num cubo com menos de um
palmo de aresta cabem todos
os tipos de sangue e os diag-
nósticos de 26 doenças. Pelo
menos é o que promete a star-
tup Criam com um dispositi-
vo portátil que faz a tipagem
sanguínea e já deu mostras
de conseguir detetar em labo-
ratório algumas das doenças
mais nocivas em apenas três
minutos. A estreia está prevista
para 2024, mas a empresa já
está a negociar a distribuição
de equipamentos em 15 países
africanos, depois de garantir
recomendações de hospitais e
um prémio da Agência Nacio-
nal de Inovação (ANI).
“Não há equipamentos com
estas características. Os pro-
jetos nesta área costumam co-
meçar com a deteção de um
biomarcador (um indicador fi-
siológico de doença ou tipo de
sangue) e depois desenvolvem
hardware à medida da deteção
desse biomarcador. Nós criá-
mos hardware que não precisa
de ser alterado e deteta dife-
rentes biomarcadores, desde
que tenha os algoritmos indi-
cados”, descreve Vítor Crespo,
líder da Criam. A ideia de ne-
gócio tem por base o trabalho
da investigadora Ana Ferraz
na Universidade do Minho, que
valeu um prémio internacional
da Microsoft. O dispositivo ope-
ra com cartuchos compostos de
sete contentores. No centro de
cada cartucho há um contentor
que redistribui a amostra de
sangue para os outros seis, que
contêm reagentes para pro-
duzir diferentes aglutinações,
após dois minutos de agitação.
Os reagentes variam consoante
o que se pretende apurar, mas
o princípio é sempre o mesmo:
o dispositivo capta imagens das
aglutinações produzidas pelos
reagentes em contacto com a
amostra e, com recurso a algo-
ritmos que detetam padrões,
identifica o tipo de sangue ou
despista doenças.
“Na configuração básica, o
equipamento só faz tipagem de
sangue. Para os diagnósticos
de doenças, os clientes terão de
encomendar cartuchos especí-
ficos e fazer a atualização de al-
goritmos”, refere Vítor Crespo.
Cada máquina custa €16 mil
e cada cartucho começa nos
€12. A Criam admite oferecer
as máquinas e cobrar apenas
pelos cartuchos.
Além de locais com menos
infraestruturas, os equipamen-
tos pretendem fazer a diferen-
ça na redução dos tempos de
espera da tipagem, ao mesmo
tempo que evitam o desperdí-
cio do tipo de sangue universal,
que é escasso e caro. Segundo
a Criam, os equipamentos la-
boratoriais da atualidade de-
moram uma hora a apresen-
tar resultados, além de serem
caros e não serem portáteis.
Os seus equipamentos têm uma
taxa de sucesso de 99,2% na
tipagem. E este valor pode fun-
cionar como trunfo nos pedidos
de certificação clínica em curso
na UE e EUA. “No diagnóstico
de doenças já estamos a estudar
sífilis, tuberculose e a proteína
troponina (um dos indicadores
de ataque cardíaco). Depois se-
gue-se HIV e malária”, informa
Vítor Crespo. A urgência fará
o resto.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 6 de janeiro de 2023
CLIMA
2022, o ano
de todos os extremos
Carla Tomás
A temperatura média do ar em de-
zembro esteve 2,7°C acima da nor-
ma, o que coloca o último mês do
ano como o mais quente dos últimos
92 em Portugal, indica o Instituto
Português do Mar e da Atmosfera
(IPMA). Com a marca nos 12,72°C,
tornou-se mais fácil poupar gás e
eletricidade para aquecer as casas,
o que é uma benesse em tempos de
crise energética e de inflação galo-
pante. Pode parecer bom, mas é, na
verdade, apenas mais um dado a jun-
tar a outros num “ano inédito”, nas
palavras do geofísico Filipe Duarte
Santos, ou “um ano de sucessão e de
combinação de extremos”, segundo
o físico da atmosfera Pedro Matos
Soares.
Num só ano verificaram-se três
eventos climáticos extremos: uma
seca que cobriu a totalidade do
país (de forma severa e extrema),
seis ondas de calor (três no verão)
e episódios de chuva diluviana em
dezembro, cuja intensidade num só
dia bateu recordes centenários em
Lisboa.
“Quando olhamos para os mode-
los do clima presente e próximo e
para as projeções das alterações cli-
máticas, o que vemos é que estes
fenómenos, a que se junta o maior
risco de incêndios, tendem a ser mais
extremos”, frisa Pedro Matos Soares,
investigador do Instituto Dom Luiz
da Faculdade de Ciências de Lisboa
(IDL/FCUL).
Secura prolongada
O ano começou seco, devido à fraca
precipitação que caíra em 2021, e o
país chegou a fevereiro com 95,5% do
território em seca extrema (66,2%) e
severa (29,3%). A situação agudizou-
-se no verão, estendendo-se a 100%
do território (62% em seca severa
e 38% em extrema) e os valores de
água no solo ficaram inferiores a
NADA É MAIS ATRAENTE DO QUE UM LÍDER
Ninguém lidera sozinho e a Peugeot não é exceção. É por milhares de condutores portugueses entenderem a nossa linguagem
que fomos líderes de mercado em 2022 e Marca Escolha do Consumidor pelo 10º ano consecutivo.
10% e deixaram a terra em ponto
de “emurchecimento permanente”
em algumas regiões — no Nordeste
do país chegou a menos de 1%. A
água que caiu no outono permitiu
que 2022 ficasse em segundo lugar
como o ano mais seco em quase um
século, atrás de 2005. No final de
novembro só 8% do território conti-
nuava neste estado.
“As cinco maiores secas em exten-
são e severidade desde 1901 aconte-
ceram todas no século XXI, assim
como os anos menos húmidos”, e
a isto não são alheias as alterações
climáticas, frisa o investigador do
IDL/FCUL Carlos Câmara. Nas últi-
mas duas décadas, a precipitação em
Portugal diminuiu cerca de 15% e a
disponibilidade de água reduziu-se
em cerca de 20%, e projeta-se que
chova ainda menos 10% a 25% até
final do século.
“Temos de nos habituar
e ter diplomacia com as leis
da física e da natureza”,
diz Carlos Câmara
“As secas e as ondas de calor estão
interligadas”, frisa o climatologista,
ilustrando o que refere com o que
observamos quando vamos à praia
no verão: “A areia molhada e a areia
seca recebem ambas a mesma ra-
diação do sol, mas a que tem água
precisa de muito mais energia para
aquecer e, quando evapora, refresca,
enquanto a seca nos escalda os pés.
2022 é um corolário desta metáfora.”
O país viveu seis ondas de calor
(nem todas nas mesmas regiões):
duas na primavera (maio e junho),
três no verão (julho e agosto) e uma
em outubro, indica o IPMA. O ano
que passou foi o que teve mais dias
em onda de calor desde 1941, dei-
xando para trás 2003 e 2006, e o que
teve o mês de julho mais quente em
quase um século.
Obrigado por liderar connosco.
Melhor Marca Automóvel
pelo 10º ano consecutivo
Dados ACAP. Matrículas Veículos de Passageiros e Comerciais Ligeiros Acumulado 2022.
“Quando temos massas de ar quen-
te sobre o território, assistimos a
uma realimentação positiva entre
solos muito secos e as massas de ar
já por si muito quentes para a época
do ano, e, sem evaporação, intensifi-
cam a temperatura do ar”, esclarece
Pedro Matos Soares.
Chuva intensa e cheias
Chegados ao outono, com o antici-
clone dos Açores localizado mais a
sul, sucedeu-se uma instabilidade
atmosférica que levou à formação de
fenómenos de convecção que origi-
naram eventos de precipitação muito
intensa e consequentes inundações
urbanas. A 7 de dezembro, o IPMA
registou a maior intensidade de pre-
cipitação alguma vez monitorizada:
numa só hora abateram-se sobre
Lisboa 47 milímetros de chuva. “É o
mesmo que termos 47 litros de água
por cada metro quadrado numa co-
zinha. É brutal”, diz Carlos Câmara.
Em 24 horas (entre 12 e 13 de de-
zembro) choveu mais do que nun-
ca desde 1856: foram medidos 120,3
milímetros na estação do Instituto
Geofísico, em Lisboa, o que bateu
por dois milímetros o recorde an-
terior na mesma estação, registado
em 2008. Prever esta intensidade
era “uma tarefa impossível”, garante
Filipe Duarte Santos. O presidente
do Conselho Nacional do Ambiente
e do Desenvolvimento Sustentável
(CNADS) esclarece que, “por não se
conhecer o estado inicial do sistema
meteorológico, o cálculo diferencial
não permite obter uma curva, mas
sim várias, tipo esparguete, o que difi-
culta previsões de intensidade”.
Para Carlos Câmara, “secas severas
e precipitação muito intensa são duas
faces da mesma moeda”. E explica: “A
atmosfera precisa de um regime que
permita manter o equilíbrio do sistema
climático, e nós temos de nos habituar
a eventos extremos e ter diplomacia
com as leis da física e da natureza.”
ctomas@expresso.impresa.pt
A L I N G U A G E M
PROJETOS EXPRESSO
SONDAGEM
CONSIDERA QUE NO FUTURO
PODERÃO EXISTIR NOVAS
PANDEMIAS PROVOCADAS
POR OUTROS VÍRUS?
%
Não
4 96
FONTE: GFK — ESTUDO SOBRE COVID-19
Só 7% acham que
Portugal está preparado
para novas pandemias
No dia 2 de março de 2020, em Por-
tugal, registava-se o primeiro caso
de infeção por covid-19. Quase três
anos volvidos, o Expresso quis saber
o que pensam os portugueses sobre
a evolução da pandemia através de
um estudo que contou com mais de
mil inquiridos. Os dados mostram
que 96% das pessoas acreditam em
novas pandemias, apesar de só 7%
dos portugueses pensarem que o
país está completamente preparado
para fazer frente ao aparecimento
de novos vírus.
“Nós nunca estamos verdadeira-
mente preparados para as pande-
mias, porque a característica das
mesmas é serem absolutamente
imprevisíveis”, lembra Joaquim
Oliveira, presidente da Sociedade
Portuguesa de Doenças Infeccio-
sas e Microbiologia Clínica. Mas o
especialista acrescenta que o país
“conseguiu responder”. A verdade
é que, para 61% dos portugueses,
a pandemia ainda não nos deixou,
sendo que os restantes 39% pen-
D A AT R A Ç Ã O
Líder de vendas em Portugal
ACHA QUE ATUALMENTE
O PAÍS SE ENCONTRA
PREPARADO PARA UMA
POSSÍVEL FUTURA PANDEMIA?
7% De certeza que sim
27% Provavelmente sim
Sim
40% Provavelmente não
Média
2,3%
17% De certeza que não
8% Ns/Nr
sam que a covid-19 é hoje mais uma
doença transmissível, como a gripe.
Outro dado curioso é que 71% ten-
cionam manter hábitos adquiridos
como forma de prevenção e, mesmo
que poucos tenham plena confiança
de que o país conseguirá dar uma
reposta eficaz ao surgimento de si-
tuações similares no futuro, 89%
dizem estar satisfeitos com o de-
sempenho das empresas e institui-
ções científicas. “Aprendemos mui-
to durante esta época e estaremos
melhor para a próxima. Preparados
a 100% nunca estaremos”, garante
Joaquim Oliveira.
Tendencialmente, os portugueses
têm encarado o programa nacional
de vacinas como um dever e a vaci-
nação contra a covid-19 não é exce-
ção: 91% dos inquiridos reconhecem
a importância do programa de vaci-
nação, 95% foram vacinados contra
a covid-19 e 76% tencionam cum-
prir o futuro plano de vacinação.
De entre as pessoas inquiridas que
não quiseram ser vacinadas (5%)
PRIMEIRO CADERNO 9
FOI VACINADO CONTRA
A COVID-19 E TOMOU
AS DOSES PREVISTAS NO
PROGRAMA DE VACINAÇÃO?
Sim, mas não
tomei todas Não
as doses 5
13
%
Sim, tomei todas as doses
83
ou que não cumpriram o programa
de vacinação até ao fim (13%), as
principais razões apontadas para
tomar a decisão foram: o ceticismo
em relação aos benefícios da vaci-
na (28%) e o receio de desenvolver
alguma complicação resultante da
mesma (23%).
Durante a pandemia, 38% recorre-
ram ao SNS 24 e 82% destes ficaram
satisfeitos com o serviço. Dos 28%
de portugueses que recorreram ao
Centro de Saúde, 59% encaram o
seu funcionamento como positivo,
sendo que a mesma percentagem
de satisfação se aplica aos 14% que
recorreram ao hospital. Por fim, 13%
recorreram ao serviço de urgência e
54% dessas pessoas dizem ter tido
uma experiência positiva.
No campo da saúde mental, 42%
dos inquiridos tiveram sequelas psi-
cológicas, mas a maioria (58%) afir-
ma não ter tido problemas. Entre os
que os tiveram, a ansiedade (27%) e
uma maior irritabilidade (18%) fo-
ram os mais referidos.
Sara Fevereiro
sociedade@expresso.impresa.pt
NAS PRÓXIMAS SEMANAS, O
EXPRESSO LANÇARÁ UM PROJETO
SOBRE COVID, COM CONSULTÓRIOS
COM ESPECIALISTAS E EVENTOS
PARA DEBATER OS DESAFIOS DO
PÓS-PANDEMIA, NUM PROJETO QUE
CONTA COM O APOIO DA SOCIEDADE
PORTUGUESA DE DOENÇAS INFECCIOSAS
E MICROBIOLOGIA CLÍNICA E DA GILEAD
10 PRIMEIRO CADERNO
MOBILIDADE
Acidentes com trotinetas
já causaram cinco mortes
Joana Pereira Bastos
e Raquel Albuquerque
A morte do jovem de 25 anos que foi
atropelado na madrugada de Ano
Novo no Porto quando viajava de troti-
neta elétrica não é um caso isolado. Só
no último ano e meio morreram, pelo
menos, mais quatro pessoas e outras
10 ficaram com lesões permanentes,
sobretudo neurológicas, em conse-
quência de acidentes com trotinetas.
Os dados foram revelados ao Expresso
pelos principais hospitais de Lisboa e
do Porto, que alertam para um aumen-
to “brutal” das admissões na urgência
relacionadas com estes veículos.
Além do jovem que morreu no Porto
no passado fim de semana, as outras
quatro mortes ocorreram todas em
Lisboa. Em junho de 2021, um jovem
de 26 anos despistou-se com a troti-
neta e embateu com violência contra
uma parede, acabando por morrer
no Hospital de Santa Maria com um
traumatismo cranioencefálico muito
grave. Já em maio do ano passado, um
homem de 60 anos também perdeu a
vida em resultado de uma queda quan-
do conduzia uma trotineta alcoolizado.
Morreu no Hospital de São Francisco
Xavier depois de 10 dias em coma.
No verão registaram-se mais duas
mortes: um jovem de 32 anos que
também se despistou, batendo con-
tra um carro, e outro de 27 que foi
atropelado. Ambos morreram no
Hospital de São José, que recebe o
maior número de vítimas deste tipo
de acidentes por abranger todo o cen-
tro de Lisboa. Luís Bento, diretor da
Unidade de Medicina Intensiva, não
esconde a preocupação perante a su-
bida em flecha destas ocorrências.
“Em 2021, deram entrada na urgên-
cia 70 pessoas por acidentes envol-
vendo trotinetas elétricas. Em 2022
foram 995, representando já 5% de
todas as admissões por acidente ou
queda. Estamos francamente apreen-
sivos”, admite, sublinhando a necessi-
dade de apertar as regras e reforçar a
JUSTIÇA
PJ congela
contas
e bens
de “Xuxas”
A Polícia Judiciária e o Ministério Pú-
blico estão a apertar o cerco ao maior
traficante português da atualidade e
mandaram congelar as contas ban-
cárias e arrestar os bens de Rúben
“Xuxas” Oliveira, já depois o terem
detido e apresentado à Justiça. A in-
vestigação encontrou mais indícios
de que o traficante usava os seus ne-
gócios lícitos para esconder e lavar o
fluxo monetário gerado pelo tráfico
fiscalização em torno da circulação
destes veículos. “Não são números
negligenciáveis. É um problema de
saúde pública que não pode continuar
a ser ignorado.”
Segundo ele, a maioria das vítimas
são homens jovens, entre os 25 e os
35 anos, muitos dos quais turistas. Só
no ano passado 14 pessoas estiveram
internadas nos cuidados intensivos do
São José em consequência de aciden-
tes com trotinetas. Seis acabaram por
ficar com sequelas neurológicas. “É
urgente que se perceba que não esta-
mos a falar de raspões ou de fraturas
sem importância. Trata-se muitas
vezes de embates de grande violência,
que podem resultar em morte ou em
danos permanentes”, avisa.
O alerta é partilhado por outros
responsáveis hospitalares. “Tendo
em conta a velocidade a que circulam,
os acidentes com trotineta têm gran-
de potencial de gerar lesões graves.
É urgente apostar em campanhas
de sensibilização”, frisa João Ribei-
ro, diretor de Medicina Intensiva no
Centro Hospital Lisboa Norte, que
integra o Hospital de Santa Maria.
António Pais Martins, diretor da
mesma unidade no Centro Hospitalar
de Lisboa Ocidental, a que pertence o
São Francisco Xavier, corrobora: “As
trotinetas elétricas circulam muitas
vezes a mais de 25 km/h, e, a essa velo-
cidade, um embate sem capacete é de
uma violência brutal, com alta proba-
bilidade de resultar num traumatismo
cranioencefálico grave. Já recebemos
vários casos que obrigaram a cirurgia
e a longos períodos de recuperação.”
O fenómeno está a causar preocu-
pação um pouco por todo o mundo.
Em França, por exemplo, há neste
momento um debate aceso em tor-
no da circulação destes veículos, que
causaram 24 mortes só em 2021.
Recentemente têm sido publicados
vários estudos internacionais que re-
velam um “aumento dramático” de
admissões na urgência provocadas
por quedas ou acidentes envolvendo
trotinetas elétricas.
internacional de cocaína e acabou
por indiciá-lo também pelo crime de
branqueamento de capitais.
Esta operação antidroga não se
resume ao território português. O
Expresso sabe que foi enviada uma
carta rogatória às autoridades brasi-
leiras a pedir um levantamento dos
investimentos e transações bancá-
rias de “Xuxas” no Brasil. O passo
seguinte será o de apreender tam-
bém as suas contas naquele país, bem
como de pessoas próximas, para que
o traficante fique impossibilitado de
movimentar ou investir o dinheiro.
“As polícias portuguesas e brasileiras
têm uma ótima relação institucional,
sobretudo no que respeita ao tráfico
de droga. Não se preveem obstácu-
los”, refere uma fonte judicial.
Mais difícil parece ser a comuni-
cação com o Dubai, onde “Xuxas”
também terá investimentos imobiliá-
rios. Segundo outra fonte próxima do
processo, as autoridades portuguesas
NÚMEROS
995
pessoas deram entrada na urgência
do Hospital de São José em 2022
devido a acidentes com trotinetas.
Em 2021 tinham sido 70 admissões
18
anos é a idade mínima para
utilizar bicicletas ou trotinetas
das empresas de aluguer.
E estar abrangido pelos
seguros em caso de acidente
Um artigo publicado no “Journal
of Clinical Medicine”, por exemplo,
analisou todos os casos que deram en-
trada num dos principais hospitais de
Barcelona ao longo de um ano, con-
cluindo que 25% requereram cirurgia
e que a gravidade e a incidência dos
acidentes são superiores às registadas
com bicicletas.
Novas regras em stand-by
Tornar obrigatório o uso do capacete
é uma das medidas que a Prevenção
Rodoviária Portuguesa (PRP) con-
sidera urgente, preparando-se para
a incluir na proposta de revisão do
Código da Estrada que vai apresen-
tar ao Governo. Ainda assim, José
Miguel Trigoso, presidente da PRP,
reconhece que a obrigatoriedade não
é consensual entre os vários países
europeus. “Alguns têm optado por
torná-lo obrigatório só para as crian-
ainda não detêm qualquer ponto de
contacto naquele país, o que dificulta
o raio-X ao património do suspeito
nos Emirados Árabes Unidos.
Preso em Monsanto
“Xuxas” foi ouvido esta semana na
Polícia Judiciária num interrogatório
complementar que visa precisamen-
te confrontar o arguido com factos
novos e considerados relevantes
no processo. Também os restantes
suspeitos, detidos nas três fases da
Operação Exotic Fruit, têm estado a
ser interrogados pelos inspetores da
unidade antidroga e procuradores do
Departamento Central de Investiga-
ção e Ação Penal (DCIAP).
O traficante continua em prisão
preventiva na cadeia de alta seguran-
ça do Monsanto, enquanto os outros
arguidos estão detidos no Estabeleci-
mento Prisional de Lisboa. O mesmo
acontece com o seu aliado brasileiro,
Vários países estão a apertar
as regras para a circulação das
trotinetas e bicicletas elétricas
FOTO RUI DUARTE SILVA
ças, sendo apenas recomendado no
caso dos adultos.”
A relutância deve-se ao receio de
que a obrigatoriedade acabe por di-
minuir a utilização destes meios de
mobilidade sustentável numa altura
em que se enfrenta o desafio de redu-
zir a dependência automóvel. Ainda
assim, alguns países têm encarado
a gravidade das lesões como motivo
suficiente para impor o capacete.
Dinamarca, Espanha, Grécia e Fin-
lândia já alargaram a todos os utiliza-
dores o uso obrigatório de capacete.
Em França, este só é exigido a meno-
res de 12 anos, enquanto na Noruega e
Suécia é imposto até aos 15. Tal como
Portugal, países como a Bélgica ou a
Alemanha não têm essa regra para
nenhuma idade.
Outro dos problemas que per-
sistem é a ausência de estatísticas
desagregadas, já que os dados dos
acidentes com bicicletas e trotine-
tas vêm englobados na categoria de
velocípedes. E muitos nem sequer
chegam a ser registados pelas auto-
ridades, sobretudo quando não resul-
tam da colisão com um automóvel,
entrando apenas nas estatísticas dos
hospitais. A ANSR já confirmou que
vai avançar com uma campanha de
sensibilização dirigida aos utilizado-
res das trotinetas.
Entre as propostas que a PRP ulti-
ma está ainda a redução da velocidade
máxima de 25 km/h para 20 km/h, a
obrigatoriedade de circular em ciclo-
vias, sempre que existam, a proibição
de circulação em vias com velocidade
máxima acima de 50 km/h, a obriga-
toriedade de seguro e a definição de
um limite mínimo de 14 anos para cir-
cular em ciclovias e de 16 para as res-
tantes vias. “O esforço para melhorar
as regras de segurança e de circulação
de bicicletas elétricas e trotinetas tem
um paralelo com a evolução que se fez
em relação à obrigatoriedade de usar
capacete para andar de mota ou de
usar o cinto no carro”, resume José
Manuel Trigoso.
jbastos@expresso.impresa.pt
o major Sérgio de Carvalho, preso na
Hungria desde junho à espera de ser
extraditado para o Brasil.
“Xuxas” e o ex-polícia militar de
Mato Grosso são suspeitos de terem
organizado o tráfico cerca de uma
tonelada de cocaína, equivalente a
€40 milhões, entre a América do
Sul e a Europa. A cocaína chegava
a Portugal por duas vias: marítima,
através dos portos de Setúbal e Lei-
xões; e aérea, com a cumplicidade de
funcionários do Aeroporto de Lisboa
pagos para desviarem as malas ou
contentores enviados do Brasil, ou
da Colômbia com droga escondida
no interior.
Sérgio de Carvalho não era o único
aliado: “Xuxas” tinha ligações privi-
legiadas ao Primeiro Comando da
Capital (PCC) e ao Clã do Golfo, duas
das maiores organizações criminosas
do mundo.
Hugo Franco e R.G.
hfranco@expresso.impresa.pt
TRABALHO
Indemnização
histórica por
assédio laboral
A última gota caiu numa manhã
de outubro de 2018, durante uma
apresentação na sala grande da
Simoldes, um dos maiores grupos
empresariais de Portugal, com mais
de seis mil empregados no país e no
estrangeiro e 34 empresas. Decorria
uma reunião onde se mostravam os
resultados (não muito bons) quando
Rui Pinho e Costa, o quarto diretor
mais bem pago do grupo, abriu o
computador e, “como era hábito”,
começou a tirar notas. Então, Rui
Paulo Rodrigues, administrador e
filho do fundador do grupo, António
da Silva Rodrigues, ordenou-lhe que
parasse, que aquela era altura “de
ouvir” e não de “escrever”. Pinho
e Costa não obedeceu. Há 20 anos
que trabalhava no grupo e sempre
tirou notas, porque isso facilitava-
-lhe “a concentração”. Além disso,
“não” era “o único” a fazê-lo, disse
apontando para os outros diretores
e colaboradores presentes no local,
que também tiravam apontamentos.
O administrador endureceu o tom
e todos os que estavam a tirar no-
tas começaram a fechar os blocos
e a desligar os computadores. Me-
nos Pinho e Costa. De acordo com
a queixa que viria a apresentar em
tribunal, Rui Paulo Rodrigues disse-
-lhe que se “gostava tanto de tirar
notas” ficava “encarregado de fazer
a ata da reunião” e enviá-la para to-
dos os presentes “no final”. Depois
da apresentação, o então diretor de
aprisionamento quis mostrar uma
avaliação sobre os resultados do gru-
po que tinha estado a preparar “até à
uma da manhã”. Rui Paulo Rodrigues
não autorizou, porque, se o lema do
grupo é “juntos fazemos melhor”,
apresentar um estudo “sem falar com
os colegas era uma prova real de má-
-fé e ego”. E afirmou que o grupo
tinha “as melhores carruagens” mas
era necessário que fossem postas
“nos carris” e que todos andassem
”na mesma direção”. Costa, que tinha
sido o “braço direito” do herdeiro do
grupo, que até tratava por tu e com
quem tinha passado férias, garantiu
que “não” alinhava em “carris” e que
havia mais quem pensasse como ele.
Rodrigues, que ia tomando o lu-
gar do pai nas principais decisões
do grupo — e é descrito como um
homem “direto”, que diz o que tem a
dizer “na cara” e não “guarda ranco-
res”—, perguntou o seguinte: se mais
alguém pensava assim que o dissesse
ou se calasse “para sempre”. Nin-
guém falou. Foram todos convidados
para almoçar. Menos Pinho e Costa.
Cinco dias depois, “humilhado e
ofendido”, o homem que tinha come-
çado como escriturário de terceira
SAÚDE
Médicos fazem lista
de incentivos no SNS
São cada vez mais os médicos que
saem ou nem chegam a entrar no
Serviço Nacional de Saúde (SNS),
penalizando muito as unidades peri-
féricas, que sem um ‘tratamento de
choque’ não vão sobreviver. O minis-
tro da Saúde quer, por isso, que todos
os especialistas passem pelos centros
de saúde e hospitais mais periféricos
durante a formação, numa tentativa
de os atrair para as unidades caren-
ciadas. Manuel Pizarro anunciou
a intenção numa entrevista, que o
bastonário da Ordem dos Médicos
critica: “O ministro nem sabe o que
tem nas mãos.” Miguel Guimarães
explica que a medida já existe e está
parada no próprio ministério. E avi-
sa: “O ‘cadinho’ não é esse, é criar
um verdadeiro pacote de incentivos
para trabalhar nessas zonas. E isso
também está nas mãos do ministro.”
E reconhece que Manuel Pizarro
está em funções há pouco tempo,
mas que, ainda assim, “já tem um
dossiê” por ele enviado “sobre o que
a Ordem pensa e sobre cada espe-
cialidade”. “Temos de ter verdadeiros
pacotes de medidas, e essa política
global de incentivos nunca foi feita”,
diz o bastonário.
A Ordem dos Médicos tem a lista de
incentivos feita. “É fundamental in-
cluir a família, da escola ao trabalho,
habitação, redução de impostos — o
Canadá reduziu-os em quase 50% —,
apoio à formação e investigação, sa-
lário base reforçado, progressão na
carreira facilitada e outras medidas a
nível regional e local que possam con-
Expresso, 6 de janeiro de 2023
numa empresa do grupo — a Moldes
de Azeméis —, que tirou uma licen-
ciatura em Gestão, enquanto traba-
lhava, com a melhor nota do ano e
que conseguiu uma pós-graduação
paga pelo grupo, pedia a demissão
numa carta enviada ao fundador,
António Rodrigues. Invocava justa
causa e pedia o pagamento de uma
indemnização. É que aquele era o 11º
de uma série de episódios que seriam
classificados como “assédio laboral”
pelo Supremo Tribunal de Justiça,
que atribuiu ao antigo funcionário
do grupo uma muito pouco usual
indemnização: mais de €350 mil.
A Moldes de Azeméis recusou o
pedido de demissão, argumentou
que as palavras de Rui Paulo Ro-
drigues mais não eram do que uma
“manifestação de desagrado em re-
lação à postura” de Pinho e Costa,
“feita a quente, no âmbito de uma
discussão”, e que todos os 11 episó-
dios de alegado assédio versavam
“exclusivamente sobre o problema
organizacional” do grupo e a “dis-
puta de poder entre os vários dire-
tores da empresa”. Costa saiu do
grupo, fundou uma empresa (para a
Simoldes foi esta a razão da saída) e
a questão foi dirimida nos tribunais.
Supremo Tribunal de
Justiça condenou a
Simoldes a pagar €350 mil
a ex-diretor do grupo
A primeira instância considerou
que não houve “justa causa” nem
“assédio” e condenou a Moldes de
Azeméis a pagar cerca de €65 mil ao
ex-diretor. A Relação do Porto admi-
tiu a justa causa, mas negou o “mob-
bing laboral”. Decisão: €185 mil. O
Supremo deu razão a Costa e passou
a indemnização para cerca de €350
mil. Em reuniões com os seus pares, é
publicamente acusado de “ego muito
elevado”. E “algumas das afirmações
feitas por um dos diretores executivos
tiveram o propósito de humilhar o au-
tor”, sentencia o acórdão. “É uma de-
cisão histórica, porque teve o cuidado
de analisar o contexto e não apenas os
factos isoladamente”, congratula-se
Nuno Cáceres, advogado de Pinho e
Costa. “A MDA não concorda com
a decisão do Supremo Tribunal de
Justiça e, neste momento, os advo-
gados estudam uma reação judicial
ao conteúdo do acórdão, até mesmo
porque ainda não transitou em julga-
do”, reage um porta-voz da Simoldes.
Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
tribuir para reforçar a preferência”,
descreve Miguel Guimarães.
Sobre a formação de especialistas
com passagem pelas áreas caren-
ciadas, o bastonário esclarece ainda
que quando lançou o desafio, em
2017, “vários colégios alteraram os
programas de formação, a Ordem
e o Conselho Nacional do Internato
Médico aprovaram e continuam pa-
rados porque o ministério não lhes
deu saída”. No total, “são 12 progra-
mas aprovados e ainda a aguardar
resposta ministerial”.
Segundo a Ordem, “as especialida-
des de anestesiologia, ginecologia-
-obstetrícia e pediatria e ortopedia já
têm estágios em instituições diferen-
tes do nível de hospital de colocação”.
Cirurgia geral, medicina interna ou
urologia serão as próximas. Outras,
como cirurgia plástica ou medicina
nuclear, aguardam aprovação ainda
pelas instâncias do ensino médico.
“Potencialmente, a formação com
passagem por unidades fora dos
grandes centros pode ser feita em
qualquer especialidade, embora em
algumas não seja possível face à sua
complexidade, como cirurgia cardio-
torácica”, diz o bastonário. E insiste:
“Temos revisões aos programas de
formação paradas e é fundamental
que sejam aprovadas, a bem da qua-
lidade da medicina. Temos de fazer
novos programas a cada cinco anos,
dada a evolução da medicina, e não
podemos estar à espera.”
Vera Lúcia Arreigoso
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 11
12 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL
BRASIL
Lula saúda apoiantes ao chegar
ao Palácio do Planalto após ter
tomado posse pela terceira vez
como Presidente do Brasil
FOTO CARL DE SOUSA/GETTY IMAGES
Lula tem pressa em
anular ‘herança maldita’
Nos primeiros dias após (re)tomar posse, o Presidente anulou decretos de Jair Bolsonaro.
Novo Governo queixa-se do legado deste último, sobretudo nas frentes económica e ambiental
Plínio de Fraga
S
no Rio de Janeiro
ob desconfiança e
pressão do mercado
financeiro, Luiz Iná-
cio Lula da Silva ini-
ciou, esta semana, o
seu terceiro mandato
como Presidente do
Brasil. É o primeiro a
consegui-lo graças ao
voto popular. Em resposta àquilo a que
chama “herança maldita” do seu ante-
cessor, Jair Bolsonaro, o chefe de Esta-
do do Partido dos Trabalhadores (PT,
esquerda) promete exercer o papel de
“mediador de interesses divergentes”,
governando com responsabilidade
fiscal, pondo ao mesmo tempo “os
pobres no orçamento público”, para
diminuir as imensas desigualdades
sociais do país.
Não serão tarefas fáceis. O mer-
cado financeiro abriu a semana
demonstrando mau humor com o
discurso de posse e as primeiras
medidas do Presidente. A Bolsa de
Valores caiu e a procura de dólares
aumentou, elevando a sua cotação.
Investidores e operadores financei-
ros queixam-se de que não é claro
que o Governo vá procurar equilíbrio
fiscal através do corte de gastos, sem
subir os impostos.
Aos 77 anos, no primeiro dia de
mandato, Lula revogou uma série de
medidas de Bolsonaro. Assinou 52
decretos presidenciais e pelo menos
três medidas provisórias (normas
com força de lei com efeito imediato,
mas que precisam da aprovação do
Congresso no prazo de 90 dias).
DEEPFAKE
Inteligência artificial.
Ver já não garante
que se possa crer
No “universo deepfake”, o Presidente
da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, já se
rendeu a Vladimir Putin, a speaker da
Câmara dos Representantes dos Esta-
dos Unidos, Nancy Pelosy, já discursou
embriagada e a presidente da Câmara
de Berlim, Franziska Giffey, entabulou
uma hora de “conversa normal”, via
Zoom, com o seu homólogo de Kiev,
Vitaly Klitschko, sem desconfiar da
idoneidade do diálogo até Klitschko
lhe pedir apoio para realizar uma pa-
Lula dificultou a concessão de au-
torização para a compra de armas,
reestruturou e reforçou órgãos res-
ponsáveis pela fiscalização ambien-
tal e extinguiu um órgão da saúde
envolvido em denúncias de corrup-
ção durante a pandemia. No campo
económico, travou o processo de pri-
vatização de oito empresas estatais
iniciado pelo antecessor, entre elas
a Petrobras e os Correios, e manteve
a isenção de impostos sobre os com-
bustíveis, medida tomada por Bolso-
naro durante a campanha eleitoral e
muito criticada por Lula.
O Presidente regressado revogou
também um decreto que Bolsonaro
emitiu nos últimos dias no poder, que
cortava pela metade as taxas de im-
posto cobrado às grandes empresas.
O Executivo do PT tenta evitar a perda
de arrecadação de cerca de um mi-
lhão de euros, o que poderia levar a
um rombo ainda maior nas contas
públicas.
Rombo de €50 mil milhões
Para o novo ministro da Fazenda (Fi-
nanças), Fernando Haddad, a queda
da Bolsa e a maior procura de dólares
são reflexos do “legado desastroso”
deixado por Bolsonaro na economia.
“Havia um clima de que a economia
estava num rumo certo e isso está se
desfazendo pela apresentação dos
números”, explicou.
Segundo o ministro, derrotado por
Bolsonaro nas presidenciais de 2018,
este último deixou um rombo de €50
mil milhões nos cofres públicos e os
maiores juros reais do mundo: a taxa
básica da economia subiu de 2% para
13,75% em quatro anos, encarecendo
rada gay em junho, altura em que a ca-
pital ucraniana se encontrava debaixo
de violento fogo russo.
É fácil analisar episódios passados
quando já foram identificados como
deepfakes estes vídeos manipulados,
altamente realistas e gerados por in-
teligência artificial (IA). É uma tecno-
logia acessível que tem vários graus de
sofisticação e cuja utilização é de largo
espetro. Podem imaginar-se utiliza-
ções positivas de deepfake na indústria
a concessão de crédito a pessoas e
empresas. Haddad acusa ainda Bol-
sonaro de ter usado recursos equiva-
lentes a 3% do PIB (soma da riqueza
nacional), com aumento de gastos
e isenção de impostos, para tentar
reverter a rejeição do seu Governo
durante o processo eleitoral.
Na área ambiental, Lula herda um
aumento de 59% da desflorestação da
Amazónia em quatro anos, um dos
aspetos que mais contribuíram para
minar a imagem do Brasil no exte-
rior. Promete reverter este quadro
e anular a desflorestação até 2030.
O Governo de Bolsonaro teve a
maior participação de militares desde
a redemocratização do Brasil. Mais
de 6000 ocuparam cargos nos minis-
térios do ex-Presidente. Grande parte
começou a ser exonerada por Lula já
na primeira semana de mandato.
O novo Presidente sabe que tem
de administrar o Brasil de modo
diferente do que fez entre 2003 e
2011, período de seus dois mandatos
anteriores. À época, por exemplo,
as redes sociais estavam apenas em
formação: o Facebook começou em
MAIS DE 6000
MILITARES OCUPARAM
CARGOS NO GOVERNO
DE BOLSONARO. LULA
DA SILVA JÁ EXONEROU
GRANDE PARTE DELES
de entretenimento, por exemplo, po-
rém é um óbvio poderoso instrumento
de desinformação. Neste caso, acresce
o risco de disseminação imediata de
vídeos falsos, imagens compromete-
doras, abusivas ou fraudulentas, se
tiverem sido usadas fontes próximas
ou credíveis que garantam partilhas
ulteriores. Quem espalha deepfakes
ou outro tipo de desinformação conta
com a credibilidade de que gozam as
fontes utilizadas.
Semear a dúvida
A rapidez com que este tipo de men-
sagens pode ser multiplicado por
sucessivas partilhas é uma das ca-
racterísticas que as redes sociais ex-
ploram. Daí que repor a verdade ou
retirar conteúdos de circulação seja
processo muito mais lento e menos
abrangente. No fim, ficou lançada
a dúvida sobre determinada pessoa,
ação ou instituição.
2006, o WhatsApp em 2009, o Te-
legram em 2013. Grande parte do
debate político acontece hoje nes-
sas redes, num ambiente infestado
por ódio, manipulação e mentiras.
“Defendemos a plena liberdade de
expressão, cientes de que é urgente
criarmos instâncias democráticas de
acesso à informação confiável e de
responsabilização dos meios pelos
quais o veneno do ódio e da mentira
são inoculados”, avaliou Lula no seu
discurso de posse.
Superar o ódio
O chefe de Estado e de Governo in-
siste em que a mediação da política é
essencial para que o Brasil supere o
ódio. “Negar a política, desvalorizá-
-la e criminalizá-la é o caminho das
tiranias.”
Depois de 580 dias que passou na
prisão, devido a um inquérito judi-
cial mais tarde reconhecido como
parcial, Lula voltou à política mais
centralizador e preocupado em atua-
lizar-se. Aumentou a sua atenção às
causas ambientais e incluiu como
prioritárias as políticas de promoção
da igualdade em termos de etnia e
género. A primeira-dama Rosânge-
la (conhecida por Janja), socióloga
com quem casou há menos de um
ano, é uma força crítica contra um
clima político comandado maiorita-
riamente por homens brancos. Dos
37 ministros de Lula, apenas 11 são
mulheres e dez declaram-se negros.
Mantém-se a maioria de machos
brancos, embora o novo elenco go-
vernativo bata recordes de represen-
tação de mulheres e negros.
internacional@expresso.impresa.pt
Os problemas sérios surgem quando
o conteúdo falso é indetetável, mesmo
por peritos, e as pessoas não têm como
distinguir factos de ficção. Mesmo que
as empresas de redes sociais e as au-
toridades nacionais criem políticas
contra os deepfakes, elas não podem
ser aplicadas se não existir uma tec-
nologia de deteção, que ainda não foi
criada, apura um relatório de agosto
da organização não-governamental de
combate à desinformação Democracy
Reporting International (DRI), que
contou com o apoio do Ministério dos
Negócios Estrangeiros alemão.
Os conteúdos falsos têm
muitas hipóteses de ser
disseminados em larga
escala antes de serem
retirados das redes
por onde circulam
DUELO Omuito
inédito terceiro mandato começa num contexto
diferente do de 2003-11. Estará Lula à altura?
Lula terá condições
para governar o Brasil?
SIM
Lula é o melhor Pre-
sidente para governar
o Brasil nas condições
atuais, que não são as melhores da
História, nem no Brasil nem em qual-
quer parte do mundo.
O Brasil está dividido e, ao con-
trário de Bolsonaro, Lula pode aju-
dar a cosê-lo, política e socialmente.
Sem dúvida, terá mais dificuldades
do que no passado para combater
as profundas desigualdades sociais
— o cancro de toda a América La-
tina. As condições económicas do
Brasil dificultam, para já, algumas
das políticas distributivas generosas
que gostaria de promover. Mas para
Lula, que cresceu pobre e trabalhou
desde criança, ainda com altura in-
ferior à de um terno, que por isso
tinha de carregar da lavandaria com
o braço levantado, essa é mesmo uma
“obsessão”: permitir às crianças e às
famílias brasileiras uma vida melhor
do que a dele. Não vai ser fácil o tra-
balho de Fernando Haddad, ministro
Ao contrário
de Bolsonaro, Lula
pode ajudar a coser
o Brasil, política
e socialmente
da Fazenda, para obter os resultados
que, felizmente, o Presidente lhe vai
pedir todos os dias.
Mas há outros grandes desafios,
onde Lula não pode limitar-se a re-
petir os seus primeiros mandatos.
Um é o da política ambiental, hoje
com novas exigências. Vai ser preci-
so estabelecer um equilíbrio entre o
agronegócio, fortemente represen-
tado no Congresso e, sobretudo, uma
das principais fontes de divisas bra-
sileiras, e a proteção da Amazónia e
outras áreas rurais, como o cerrado,
exploradas por pequenos agricultores
que aí encontram a sua sobrevivência.
Outro desafio é o da política in-
ternacional. Na sua passagem pelo
Palácio do Planalto, Lula foi um dos
entusiastas dos BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), agru-
pamento de países dos mercados
emergentes. Porém, o mundo e esses
países mudaram muito. Regressar à
aliança privilegiada com o Sul Glo-
bal não faz sentido e, por isso, será
preciso construir pontes internacio-
nais, nomeadamente com a Europa.
Talvez o adiado acordo comercial do
Mercosul com a UE, de que Lula e
Dilma não foram grandes adeptos, te-
nha nova oportunidade, contribuindo
para uma abordagem mais verde da
política agrícola e para a industriali-
zação do Brasil, de forma sustentável.
Tenha a Europa, em especial a Fran-
ça, disponibilidade para reequacionar
esta importante parceria.
Por todas estas razões, sem es-
quecer a resposta às expectativas
de outros apoiantes de Lula, que
incluem quase toda a comunidade
universitária e científica, que Bol-
sonaro desprezou, Lula precisa de
políticas inovadoras em quase todos
os sectores. Isso requer uma equipa
com gente competente e motivada,
à prova de suspeita quanto à sua in-
tegridade, audaz para experimentar
novas receitas, com transparência e
criatividade. Lula já provou ter co-
ragem e determinação para vencer
grandes desafios. Esperemos que ao
seu lado haja quem o ajude a merecer
esta vitória. O Brasil precisa que este
Governo seja bem-sucedido.
Maria Manuel Leitão Marques
Eurodeputada e membro da Assembleia
Parlamentar América Latina-UE
Isto implica que os conteúdos
falsos tenham muitas hipóteses de
ser disseminados em larga escala
antes que os utilizadores possam
ser esclarecidos ou antes que tais
conteúdos sejam retirados das re-
des onde circulam. “As pessoas têm
a perceção de que o uso de IA na
medicina não é bom, acham menos
ético em várias áreas”, diz ao Ex-
presso Diego Costa Pinto, professor
de Data Driven Marketing na NOVA
Information Management School. A
verdade é que é “muito difícil reco-
nhecer e identificar” um deepfake,
diz o docente, que coordenou re-
centemente um mestrado intitulado
“Como distinguir o que é verdade ou
mentira? Deepfakes — Um estudo
sobre a nossa atenção”.
“Temos de ser mais proativos na re-
gulação” e não reagir apenas situação
a situação, diz ao Expresso o diretor
da DRI, Michael Meyer-Resende, re-
ferindo que nos Estados Unidos as
Expresso, 6 de janeiro de 2023
NÃO
O Governo Lula irá
mal. Nenhum Go-
verno no Brasil vai
bem. Alguns vão mal, outros piores.
Um país à deriva. Bolsonaro foi dos
piores. Há que ver se o populista Lula
será também um dos piores ou ape-
nas mal. Mas bem não irá.
A começar pelas altíssimas expec-
tativas alocadas no pobre e cansado
Lula. Muitas expectativas, apesar de
a Humanidade nunca aprender, é
sempre mau presságio. Em política é
ainda pior, porque nela somos todos
bobos, irracionais ou oportunistas.
Toda a esquerda quer um pedacinho
do Governo para chamar seu. O centrão
também. A “frente democrática” — que
significa, assim como o centrão, velhos
partidos fisiológicos — já apresenta a
sua conta. Isso tudo significa muito
dinheiro e muita ‘gastança’. Logo, o
Governo terá de montar a clássica rede
de corrupção para sustentar a sua coli-
gação no Congresso. E corrupção sig-
nifica mais dinheiro para ‘gastança’. Os
37 ministérios não bastarão, quem sabe
criará mais uns 20 ou 100 secretarias
especiais. Mesmo que empacotadas
para presente, que aqui implica cau-
sas sociais “nobres”, tudo isso significa
cabides de emprego e mais ‘gastança’.
Lula 3, como chamamos no Brasil
ao seu terceiro mandato, é um Go-
verno sem dinheiro. Lula 1, o Governo
menos ruim do PT (filho do sindica-
lismo da ditadura, do ramo marxista
católico, dos intelectuais carreiristas
nas universidades e da infantaria das
redações de media) pegou num Brasil
muito menos ruim do que agora. E
porquê? Porque Fernando Henrique
Cardoso, Presidente de 1994 a 2001,
fez a única coisa que prestou no país
nas últimas décadas: o plano real, que
acabou com a inflação deixada pelos
militares, os mesmos que os idiotas
bolsonaristas canonizam. Além, é cla-
ro, de arrumar a casa para arrecadar
mais impostos.
O Governo Lula 3 terá
de montar a clássica
rede de corrupção para
sustentar a coligação
no Congresso
Lula 1 pegou num mundo ainda na
‘festa’ da democracia liberal e da so-
ciedade de mercado da viragem do
século. O mundo agora é bem mais
triste, stressado e mesquinho. Lula
não poderá brincar a ‘líder mundial’, a
querer resolver crises com o Irão ou os
israelitas e palestinianos. Nem terá di-
nheiro para irrigar ditadores da África.
O Governo Lula ainda terá de en-
frentar as tensões internas do seu
próprio campo ideológico. Um traço
da esquerda é ser gulosa. A “diversi-
dade” nunca acaba. Lula 3, coitado,
terá de declinar pronomes como “to-
des”. E isso abrirá espaços para muito
bate-boca nas redes e no Congresso.
O Brasil permanecerá febril e com
sangue nos olhos. Lula venceu por
50,9%-49,1%, apesar de posar como
tendo levado o Brasil inteiro no bolso.
Dois dos seus possíveis herdeiros
já mostram os dentes um ao outro.
A sua nova mulher, Janja (mistura
de Cristina Kirchner e Evita Peron),
disputa com o fiel escudeiro Haddad
o espólio de Lula em 2026. A disputa
atingirá o leito onde dorme e sangra-
rá o seu Governo. Além de Haddad
ser um ministro que acredita numa
economia progressista fincada no
modelo estalinista. Boa coisa não é.
Luiz Felipe Pondé
Professor da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e colunista da “Folha de S. Paulo”
empresas são mais reativas do que
na União Europeia. Os utilizadores
da sociedade fazem o seu escrutínio
e debandam do que não lhes inspira
confiança, como aconteceu recente-
mente na rede social Twitter com a
alteração das políticas pelo seu novo
CEO, Elon Musk.
Inegável é o poder das imagens e o
impacto que têm no subconsciente
das pessoas. É por isso que a “regu-
lação da IA na UE deve avisar apli-
cações como o Tik Tok de que a IA
não pode ser usada para espalhar
desinformação”, defende Meyer-Re-
sende. Entretanto, os utilizadores
continuam a ser essenciais para as
plataformas e a reação das empre-
sas que decidem abandonar as redes
sociais por não se identificarem com
os modelos de negócio ainda conta.
“Porém, não podemos depender de-
las”, conclui.
Cristina Peres
cperes@expresso.impresa.pt
Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 13

CAIXA PRR/PT2030

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14 PRIMEIRO CADERNO
ISRAEL
Com segurança apertada, Itamar Ben-Gvir visita um mercado
de Jerusalém FOTO MENAHEM KAHANA/AFP/GETTY IMAGES
Governo novo,
velhas disputas,
provocações em alta
Ao sexto dia em funções, o novo Go-
verno de Israel confirmou algum do
potencial desestabilizador que se lhe
atribui. Itamar Ben-Gvir, porven-
tura o ministro mais polémico do
Executivo de Benjamin Netanyahu,
fez-se passear pelo Monte do Tem-
plo, numa atitude de clara provo-
cação aos palestinianos. A visita do
político extremista, novo titular da
Segurança Nacional, originou uma
condenação generalizada a nível in-
ternacional, com um alto responsável
da Administração Biden, citado pelo
portal israelita “Ynet”, a denunciar
uma tentativa de “atiçar o caos”.
Aquele que é o local mais sagrado
para os judeus, onde se insere o Muro
das Lamentações (único vestígio do
antigo Templo de Herodes), é tam-
bém especial para os muçulmanos,
já que se ergue ali a Mesquita de Al-
-Aqsa, terceiro lugar santo do Islão.
Este complexo fica em Jerusalém
Oriental, a parte árabe da cidade san-
ta, conquistada por Israel em 1967
e que os palestinianos reivindicam
para capital do Estado com que so-
nham. O potencial explosivo desta
disputa levou as partes a aceitarem
a custódia da família real hachemita
da Jordânia, que reclama linhagem
direta do profeta Maomé, sobre nove
lugares sagrados na Terra Santa.
Avisos ao Hamas
O Monte do Templo, em concreto,
pode ser visitado por crentes das três
religiões monoteístas, mas cristãos e
judeus devem abster-se de rezar no
local. Nos últimos anos, grupos de
judeus radicais, por vezes sob prote-
ção policial, têm desafiado esse statu
quo. Não há registo que Ben-Gvir o
tenha tentado, durante a sua visita
de 13 minutos, iniciada cerca das 7h
de terça-feira, num período em que
a presença de judeus era permitida.
“O nosso Governo não se submete-
rá às ameaças do Hamas [grupo isla-
mita que controla a Faixa de Gaza].
O Monte do Templo é o lugar mais
importante para o povo de Israel e
mantemos a liberdade de movimento
para muçulmanos e cristãos, mas os
judeus também subirão ao Monte.
Quem fizer ameaças será recebido
com punho de ferro”, disse Ben-Gvir.
Não é a primeira vez que o líder
do Poder Judaico, partido kahanista
(seguidor do rabino Meir Kahane) e
antiárabe da extrema-direita, visita
a Esplanada das Mesquitas (outro
nome do Monte do Templo) em ação
provocatória. Já lá tinha ido em mar-
ço passado, enquanto deputado, com
uma “mensagem muito simples”:
“Não me vou render e não vou ca-
pitular. O Estado de Israel não deve
capitular diante de terroristas que es-
tão a tentar matar-nos,” Esta semana
foi a primeira vez que o fez enquanto
governante e responsável pela polícia.
O rastilho da Intifada
Ben-Gvir teve um percurso fulgu-
rante na política. Entrou no Parla-
mento em 2021 e nas legislativas
do ano seguinte foi o resultado do
seu partido que possibilitou a Ne-
tanyahu continuar a somar tempo
a um recorde que já lhe pertence:
é o israelita que mais tempo foi pri-
meiro-ministro. A ser julgado por
Netanyahu lidera o seu
sexto governo, o mais
à direita de sempre, com
partidos ultraortodoxos
e da extrema-direita
corrupção, Netanyahu tomou posse
a 29 de dezembro como chefe do seu
sexto Governo, o mais à direita da
história do país. Além do Likud, que
lidera, integram a coligação partidos
religiosos ultraortodoxos (Shas e
Judaismo Unido da Torá) e da extre-
ma-direita (Sionismo Religioso, Po-
der Judaico e o homofóbico Noam).
É apoiado por 64 dos 120 deputados.
O rosto mais mediático desse ex-
tremismo é Ben-Gvir, que vive num
colonato e tem no currículo defe-
sa de judeus radicais em tribunal e
uma condenação por incitamento
ao racismo. A sua visita ao Monte
do Templo terminou sem inciden-
tes, mas a história do local mostra
que, às vezes, à bonança segue-se
a tempestade. A 28 de setembro de
2000, o então líder da oposição, Ari-
el Sharon, passeou-se 45 minutos no
local, com forte aparato policial. A
violência começou no dia seguinte,
sexta-feira, quando as mesquitas
palestinianas se encheram para a
oração mais importante da semana.
Foi o início da Intifada de Al-Aqsa.
Margarida Mota
mmota@expresso.impresa.pt
GUERRA NA UCRÂNIA
Ano Novo à luz das velas para
que as trevas não vençam
Mauro Mondello
em Lviv
O parque Stryiskyi é dos mais bonitos
da Ucrânia. Sucedem-se abetos, bor-
dos, plátanos, carvalhos-vermelhos,
e até o antiquíssimo ginkgo, parte
das 40 mil árvores que cobrem a sua
extensão, ao longo de caminhos que
contornam o lago dos cisnes. Foi cons-
truído no fim do século XIX na parte
sul de Lviv, no bairro de Halytskyi, a
cerca de 20 minutos a pé do centro
histórico. Aqui, em contentores na
zona mais central do parque, vivem
100 famílias ucranianas deslocadas, à
espera de poder alugar ou de lhes ser
atribuído um apartamento, no caótico
vaivém de refugiados da cidade.
Desde o início da invasão russa, Lviv
tornou-se “capital dos refugiados”,
lugar seguro para fugir às bombas,
onde vivem cerca de 170 mil desloca-
dos internos, dos 5,9 milhões que a
Organização Internacional das Migra-
ções calcula que existam na Ucrânia.
“Passámos o Natal aqui, e afinal não
foi mau. Apesar de terrível, a guerra
uniu ainda mais este grande país, eli-
minou divisões e regionalismos: hoje
sentimo-nos mais ucranianos”, diz ao
Expresso a professora reformada Na-
dija, de 74 anos, que há quatro meses
divide um contentor no parque Strysky
com a filha e dois netos, após passar as
primeiras semanas em fuga numa es-
cola em Bialystok, na Polónia, e depois
numa igreja em Novojavorivsk, a 40
quilómetros de Lviv. “Eu morava no
12º andar de um prédio em Luhansk
quando começaram os bombardea-
mentos. Em poucos dias cortaram a
água, o gás e a eletricidade. Por muito
que quisesse, ficar lá com a minha ida-
de era impossível, já que tinha muitas
escadas para subir e descer todos os
dias, sem elevador.”
Nos últimos meses, Lviv tornou-se
também novo ponto de referência co-
mercial, cultural e económico. Além
das famílias que fogem para esta ci-
dade a 70 quilómetros da fronteira
polaca, empresas, instituições e artis-
ESPANHA
Ano dramático na
violência doméstica
deixa país alarmado
Dezembro fez soar alarmes em Espa-
nha. No último mês de 2022 morre-
ram 11 mulheres vítimas de violência
doméstica, elevando a 49 casos o to-
tal do ano. Em Portugal essa estatís-
tica (provisória) é de 22 vítimas, o que
é proporcionalmente superior (há 10
milhões de portugueses e 47 milhões
de espanhóis).
Esta chaga familiar e social tornou-
-se evidente em termos dramáticos.
Apesar de vigorar no país uma das
legislações mais avançadas do mun-
Desembarque de passageiros em Lviv, cidade ucraniana
perto da fronteira com a Polónia FOTO DAN KITWOOD/GETTY IMAGES
tas decidem recomeçar num local que
oferece a possibilidade de fuga rápida
para a fronteira. “Entre os novos mo-
radores estão muitos profissionais,
Lviv tornou-se porta da Ucrânia para
o Ocidente, algo que se reforçou com
o encerramento dos portos do Mar
Negro”, explica o vice-presidente da
Câmara, Andriy Moskalenko.
Garantir que haja futuro
A Poschmaschina, firma ucraniana
que fabrica veículos agrícolas, trans-
feriu há meses a produção de Pryluky,
centro industrial do nordeste do país,
para Lviv. Funciona numa fábrica de
autocarros abandonada. Está em ruí-
nas, mas “longe da frente de guerra,
e isso é o que importa, além de ser
o Governo quem financia a transfe-
rência das fábricas, caso contrário
seria impossível”, explica Oleksander
Oskalenko, vice-diretor do grupo.
Apesar do grande esforço para
manter o conflito à distância, os seus
efeitos indiretos não podem ser ig-
norados. Segundo a imprensa local,
quase 10 mil jovens de Lviv lutam na
frente. Embora não haja dados ofi-
do nesta matéria, existe a convicção
geral de que algo está a falhar. Os
mecanismos de prevenção não são
suficientes e urge melhorar a cons-
ciência social sobre o problema e a
formação das entidades envolvidas.
O ano que terminou há dias foi ne-
gro em Espanha. Só 2008 se apro-
xima de 2022, com 48 assassínios
machistas. Desde que há registos
oficiais (2003), Espanha soma 1182
casos, cada um dos quais cobre um
drama familiar, vítimas com nomes e
ciais sobre mortos, o autarca Andryi
Sadovyi decidiu construir no cemitério
Lychakivskyi uma área para heróis de
guerra. Celebram-se funerais todas
as semanas. “Não sei como explicar,
mas estas pessoas, de alguma forma,
morreram por nós, foram lutar para
permitir que jovens como nós possam
ter futuro na Ucrânia livre, num país
de paz”, diz Maksym, de 16 anos, cujo
irmão Dmytro, de 26, está na frente de
guerra. Passou o primeiro dia de 2023
a pôr pequenas bandeiras ucranianas
ao pé das sepulturas em Lychakivskyi,
o mais antigo cemitério de Lviv e um
NÚMERO
5,9
milhões de ucranianos estão
deslocados no país (cálculo
de dezembro da Organização
Internacional das Migrações).
Desses, 170 mil estão em Lviv
apelidos, filhos afetados para toda a
vida. As autoridades não estabelecem
um padrão aplicável a episódios que
se saldam na morte de parceiras ou
antigas parceiras dos agressores, mas
frisam que as denúncias prévias não
chegam a 50% dos casos.
Governo ativa comité
Chamam a atenção crimes de espe-
cial crueldade, como o que aconte-
ceu há duas semanas na localidade
de Escalona (Toledo). Uma mulher
de 38 anos em avançado estado de
gravidez foi apunhalada pelo marido,
que assim matou também o filho que
esperava. Ou o da doente de esclerose
múltipla que sofreu uma queda na
sua casa de Madrid, também em de-
zembro. O marido deixou-a morrer
no chão do corredor, ao fim de cinco
dias de agonia sem atenção.
O grau de alarme social é tal que
o Governo decidiu ativar os meca-
nismos previstos na Lei Integral de
Violência de Género — promulgada
em 2004 pelo Executivo socialista
de José Luis Rodríguez Zapatero —,
Expresso, 6 de janeiro de 2023
dos mais velhos da Europa. “Este con-
flito rouba-nos a parte mais bonita
das nossas vidas e não podemos senão
dedicar um pensamento aos homens
e mulheres que lutam no terreno para
tentar devolvê-la. Continuamos longe
da linha de frente, mas não livres dos
cortes de luz, gás e água que há sema-
nas deixam o país de joelhos.”
Fazer da tristeza coragem
“É o primeiro Ano Novo que eu e o
meu marido passamos sós, longe de
casa, sem família, amigos, no peque-
no apartamento que alugámos”, diz
Julia, de 32 anos, que chegou a Lviv
com o marido arquiteto, fugidos de
Sievierodonetsk, em Luhansk, uma
das cidades mais afetadas pelos ata-
ques russos, com 90% dos edifícios já
destruídos. Na sua área metropolitana
restam 7 mil dos 106 mil habitantes
que havia antes da guerra. “Prepa-
rámos um churrasco na varanda e, à
meia-noite, fizemos telefonemas. A
nossa família está espalhada por toda
a Europa, situação comum aqui. É em
momentos como este que a tristeza se
torna força e coragem, porque ao nos-
so redor vemos muitas pessoas como
nós, longe de casa, dos entes queridos,
da vida destruída em poucos dias, mas
determinadas a resistir.”
Desde o início de dezembro, Lviv
sofreu cortes de luz, água e aqueci-
mento. A cidade reagiu com a habi-
tual atitude positiva. “Na noite de 25
a eletricidade foi cortada mais de dez
horas, assim como na noite de 31 e no
primeiro dia de 2023, mas continua-
mos abertos”, afirma Vitaliy, de 25
anos, empregado de bar no Winston
Churchill Pub, um dos locais mais na
moda do centro de Lviv. “Acende-
mos dezenas de velas e foi esplêndido,
ainda melhor do que o habitual. A
internet não funcionava e as pessoas
conversavam mais, foi um ambiente
lindo. Pode parecer pouco manter um
bar aberto à luz das velas, mas é im-
portante, porque representa o nosso
espírito: não desistimos.”
internacional@expresso.impresa.pt
criando um comité de crise integra-
do pelos ministérios do Interior, da
Igualdade e da Justiça, além de repre-
sentantes das comunidades autóno-
mas onde houve surtos de violência.
As conclusões deste comité indi-
cam a necessidade de melhorar os
sistemas de avaliação de riscos que
as potenciais vítimas correm e de
maior especialização das entidades
implicadas no combate à violência
doméstica, tanto no âmbito judicial
como no da medicina legal, passando
pelos corpos e forças de segurança
do Estado.
Segundo dados do Ministério do In-
terior, através do sistema Viogen (que
regista mulheres em risco de agres-
sões machistas postas ao abrigo de
algum sistema de proteção), existem
em Espanha 17 mulheres em risco
extremo, sob vigilância permanente,
e outras 723 em seguimento pessoal
continuado. O Viogen tem 70 mil
casos ativos em todo o país, dos quais
30 mil em risco de agressão.
Ángel Luis de la Calle
Correspondente em Madrid
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 6 de janeiro de 2023
TRIBUNA
RONALDO
Um “novo
desafio”
que vai além
do futebol
Textos Pedro Barata
Foi a 13 de novembro que as primei-
ras partes da conversa de Ronaldo
com Piers Morgan foram transmiti-
das. Num certo momento do diálogo,
o interlocutor do português diz que o
avançado quer “continuar a jogar ao
mais alto nível”, exclamando que, “se
fosse só por dinheiro”, Cristiano “es-
taria na Arábia Saudita”. “Exatamen-
te”, foi a resposta pronta do jogador.
Menos de dois meses depois do
programa que espoletaria a saída de
Ronaldo do Manchester United, o 7
está mesmo na Arábia Saudita. Na
sexta-feira passada, ainda em 2022,
foi anunciado como reforço do Al-
-Nassr, sendo apresentado em Riade
na terça-feira, perante um estádio
repleto de adeptos.
O madeirense assegurou que teve
“muitas oportunidades” para rumar
a outras paragens, destacando “o
Brasil, a Austrália, os EUA e Portu-
gal”. Mais de 20 anos depois de, em
agosto de 2002, se ter estreado no
Sporting, Cristiano sai do futebol eu-
ropeu, abandonando a elite do jogo.
A imprensa internacional tem qua-
lificado o contrato de CR7 como o
maior da história do desporto, le-
vando-o a receber, entre salários e
patrocínios, cerca de €200 milhões
por ano. Foi o próprio a assumir que
se trata de um “contrato único”, justi-
ficando-o por ser um “jogador único”.
As particularidades do acordo que
levou o melhor marcador da história
da Champions para o Médio Oriente
não se esgotam só no pagamento sem
paralelo no desporto que receberá. E
explica que esta se trata de uma “opor-
tunidade” para “ajudar a desenvolver
não só o futebol”, mas também “outras
partes deste fantástico país”, usando
o seu “conhecimento e experiência”.
O “fantástico país” de que Cristi-
ano fala dá, com esta contratação,
Segundo a imprensa
internacional, Cristiano
receberá, entre salários
e patrocínios, cerca
de €200 milhões por ano
mais um passo numa estratégia de
utilização do desporto para ganhar
peso internacional, seguindo o gui-
ão do seu vizinho Catar. A Arábia
Saudita, onde, segundo a ONU, os
“abusos dos direitos humanos estão
descontrolados e incluem torturas,
detenções arbitrárias e execuções”,
tem Messi como embaixador do tu-
rismo, comprou o Newcastle, organi-
za competições de golfe ou Fórmula
Ronaldo acena para o público do Mrsool Park, casa do Al-Nassr, que esgotou para a apresentação
do português na terça-feira. Depois de Sporting, United, Real e Juve, é o quinto clube do madeirense
1 e pretende receber um Mundial de
futebol.
Sem Jorge Mendes ao lado — o ne-
gócio foi intermediado por Ricardo
Regufe —, Ronaldo falou várias vezes
sobre as mulheres enquanto elencava
as missões que tem pela frente e que
vão além do terreno de jogo, recor-
dando até que o Al-Nassr “tem uma
equipa feminina”. Neste país as mu-
lheres ainda têm de obter aprovação
de um guardião masculino para se ca-
sarem ou acederem a certos cuidados
de saúde. E os homens podem fazer
queixa contra as filhas ou esposas
devido a “desobediência”.
Os desafios da adaptação
Na Arábia Saudita, o cinco vezes Bola Saudita, que tem usado o
de Ouro junta-se à equipa que segue desporto como forma de
em primeiro no campeonato. O Al- ganhar peso internacional
-Nassr está à frente do Al-Shabab,
que é orientado pelo espanhol Vicen-
te Moreno. Ao Expresso, o técnico
avisa que no país “há um nível de fu-
tebol superior ao que as pessoas pen-
sam”, tendo Cristiano de “se cuidar”
devido à “exigência” da competição.
Moreno indica as “diferenças cultu-
rais” que CR7 encontrará como bar-
reira a superar. Fábio Martins, jogador
do Al-Khaleej, destaca desafios como
a definição dos horários dos treinos
em função das orações, o hábito de se
treinar ao fim da tarde ou à noite e o
“trânsito selvagem” como aspetos que
requerem alguma adaptação.
Fábio Martins faz parte dos “es-
trangeiros que contribuem para ele-
var o nível do campeonato”, como
são descritos por Vicente Moreno. À
parte destes, os sauditas “têm talento
e margem de progressão”, considera
o espanhol, mas Martins destaca as
“dificuldades em pensar o jogo” de-
vido “às lacunas na formação”.
Para ganhar algum sentido coleti-
vo, o futebol saudita tem apostado
em técnicos estrangeiros. Além de
Ronaldo é uma aposta
milionária da Arábia
Vicente Moreno ou de Rudi Garcia,
o francês que orientará Ronaldo, há
três portugueses na liga: Nuno Espí-
rito Santo, no Al-Ittihad, Pepa, no Al-
-Tai, e Pedro Emanuel, no Al-Khaleej.
No futebol de formação está Pedro
Mariano, treinador na Winners Foot-
ball Academy KSA, cujo manager é
André Castro, outro português.
Pedro tem, além do trabalho de
ajudar jovens a crescerem dentro
PRIMEIRO CADERNO 15
QUATRO PERGUNTAS A
Fábio Martins
Jogador português do Al-Khaleej
P Quais são as especificidades
da liga saudita?
R É um campeonato onde o
primeiro, todas as semanas, pode
perder com o último. Há muito
bons jogadores árabes, como
vimos no Mundial, ainda que,
taticamente, tenham algumas
dificuldades para pensar o jogo,
acredito que por não terem uma
FOTO KHALID ALHAJ/MB MEDIA
formação do nível da nossa. Nas
partes finais dos encontros pode
haver algum caos, é um futebol
aberto. E há muitos estrangeiros
de qualidade, mesmo que alguns
já na casa dos 30, que ajudam a
que o futebol seja melhor.
P A imagem de falta
de profissionalismo que há
sobre o futebol do Médio
Oriente é justificada?
R É um bocadinho. Acho que está
de campo, a tarefa de “formar téc- relacionado com a maneira de ser
nicos locais”, justamente para que deles, com a forma como foram
no futuro não se notem tanto as educados. Mas cheguei agora a
“muitas carências táticas” que o este clube [estava nos Emirados
treinador diz serem visíveis nos fu- Árabes Unidos e antes havia
tebolistas sauditas. Há três meses jogado no Al-Shabab, também da
na Arábia, o jovem, de 27 anos, já Arábia] e não sinto isso: chegam
notou que “há uma grande procu- à hora do treino, trabalham
ra por técnicos europeus, sobretu- no ginásio. A nova geração de
do espanhóis e portugueses”. Nos miúdos aqui tenta cuidar-se mais
bancos e nos campos contrata-se e preocupar-se com a alimentação.
qualidade de fora para fazer subir
o nível da liga. P As condições de trabalho
Nos últimos meses, Ronaldo cor- são muito diferentes das que
tou com o que vinha sendo hábito Ronaldo estará habituado?
nos longos anos anteriores e foi mais R Há bons estádios, mas claro
notícia por polémicas fora de cam- que não são as condições de um
po — ter saído mais cedo num jogo Real, Juve ou United. Os sauditas
contra o Tottenham, a conversa com esforçam-se muito e querem
Piers Morgan, a saída do United, a estar noutro patamar, mas não
reação à substituição contra a Coreia rivalizam com os melhores
no Mundial — do que pelos golos que clubes do mundo. Não há falta de
marcou dentro dele. Foram apenas condições, mas o Cristiano está
quatro festejos esta época, entre Uni- habituado a um nível de condições
ted e seleção. que não encontrará aqui.
O jogador é o primeiro a admitir
que há muito além do estritamente P A chegada de Ronaldo
futebolístico no negócio que o levou gerou muita expectativa?
ao Médio Oriente. Mas diz-se “orgu- R Imensa. Mesmo os meus colegas
lhoso” desta decisão e pronto para ficaram muito expectantes. Sente-
“um novo desafio”: “O meu trabalho se que as pessoas estão felizes
na Europa está feito, ganhei tudo, com a chegada dele, o mundo do
joguei nos maiores clubes. Vir para futebol aqui está ansioso para que
aqui não é o fim da minha carreira”, o Ronaldo chegue e jogue. Traz
avisa. uma visibilidade enorme ao futebol
pmbarata@expresso.impresa.pt daqui, vai ser bom para a liga.
16 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 6 de janeiro de 2023

Se não aconteceu, podia ter acontecido... em 1973 Nº 53 SÉRIE II O DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES

O SENHOR
CONTEÚDO PATROCINADO

Francisco Pinto
Balsemão anuncia
aos eleitores que,
“dentro de 50
anos, o Expresso
PRESIDENTE DO
poderá ser lido
em casa através
da tecnologia de
CONSELHO GARANTE
ponta do futuro,
o telefax”
QUE O BES ESTÁ FIRME
Este semanário ainda agora se es- O Professor Marcello Caetano iminente do eminente Banco Sport Lisboa e Benfica.
treou nas bancas, mas já está de desvalorizou notícias recentes, Espírito Santo & Comercial de “O BES está firme”, assegurou o
olhos postos no futuro e no salto tec- certamente veiculados por Lisboa, que, segundo os autores Senhor Presidente do Conselho
nológico que, antes do final da déca- sectores políticos incapazes de da aleivosia, teria de ser enquanto esperava na caixa para
da, permitirá colocar o primeiro Ex- distinguir entre o corporativismo, resgatado pelo erário público levantar todos os contos de réis
presso na Lua. É com esse objectivo
que Francisco Pinto Balsemão irá
o cooperativismo e o solipsismo,
que apontavam para o colapso
para não fazer colapsar todo o
sistema bancário nacional e até o
que tinha depositados na
instituição. M.B. PRÍNCIPE CARLOS
REAFIRMA FORTE
participar no evento Fax Summit,
essa Nauticampo do telefax. “Daqui

a meio século, a 6 de Janeiro de 2023,
os leitores do Expresso receberão o
jornal nas suas casas de Cascais, gra-
ças ao aparelho formidável de comu-
nicação à distância que é o telefax.
Antes disso, talvez já em 2022, tam-
bém será possível encomendar o jan-
tar, encontrar namoro ou ouvir o re-
lato do hóquei em patins com um
simples telefonema para um núme-
ro constante nas Páginas Amarelas”,
garantiu o Dr. Balsemão. M.B.
Demitiu-se
o ministro da
ferrovia para
Trilogia ‘Fado,
Futebol e Fátima’
eleita Património
Imaterial da
Humanidade
Portugal acaba de receber mais uma
distinção, que muito honra o nosso
país e, em particular, os fadistas, os
futebolistas e os triatletas que pere-
grinam Fátima por meios próprios,
ou seja, a pé. É que os famosos pila-
res dos três efes (fado, futebol e Fá-
tima), a que este repórter, num
cunho mais intimista, juntaria, tal-
Marcello Caetano
passa a recomendar
livros no seu programa
“Conversas em Família”
Os portugueses já não podem pas-
sar sem o programa em que o Se-
nhor Presidente do Conselho expli-
ca os assuntos. A cada emissão,
seguem-se análises acaloradas aos
balcões das pastelarias e na fila de
embarque para a guerra ultrama-
rina. O “Conversas em família”, sa-
bem o INIMIGO e um ex-informa-
dor da ex-PIDE, vai ganhar
novidades em breve: o Professor
Marcello, por sugestão do jovem
CONVICÇÃO DE QUE
,QÀDomRFDXVDGD
por factores SERÁ REI DE INGLATERRA
completamente AINDA ESTE ANO
alheios ao Estado O INIMIGO está em condições de garantir aos seus leitores que o
português faz Príncipe Carlos de Inglaterra julga poder suceder à senhora sua
mãezinha, no trono de Inglaterra, antes de finado este ano de 1973.
GLVSDUDUSUHoRVGRV Foi essa certeza que asseverou, a este repórter, Sua Alteza Real, o
combustíveis para Príncipe de Gales e de Tudo o que Confina com Esse Esplêndido
Pedaço de Terras Britânicas. “A Mummy, nos próximos meses, vai à
os 10 tostões por litro Loja do Cidadão meter os papéis para a reforma e depois abala
para Balmoral para tratar das roseiras e dos cães e pescar trutas
A inflação causada pela agitação co-
com uma pancada de frigideira”, confidenciou o jovem de 24 anos
enquanto amaldiçoava uma incómoda caneta de tinta permanente
munista e nacionalista pan-árabe no que verteu de modo inusitado desenhando um frondoso bigode na
Médio Oriente fez aumentar alguns
preços em Portugal, tendo o litro de
fotografia da sua amiga Camilla sobre a mesinha. M.B.

preservar vez, a fartura e a feijoada (mas aí, lá

está, seriam os cinco efes e o mer-
estabilidade do chandising já não seria tão impac-
Governo e os tante), foi classificada como patri-
mónio imaterial da Humanidade.
5 contos injetados Seguem-se, ao que consta na UNES-
jurista e amigo da família Marcelo
Rebelo de Sousa, irá passar a reco-
mendar livros, a dar notas de 1 a 20
aos protagonistas e comentará o
futebol 10 segundos após o térmi-
no das partidas. M.B.
combustível aumentado 10 tostões
desde o início do ano, levando a bichas
de tractores nos postos de abasteci-
FEIRA POPULAR DE LISBOA
mento de agricultores que querem en-
cher os depósitos para lavrarem os seus PODE MUDAR-SE PARA OS
campos e tornarem Portugal um país

pelo Estado
na TAP
O senhor ministro das Obras Pú-
blicas, da ferrovia, dos apeadeiros
e da segunda demão de tinta nos
pilares da Ponte de Vila Franca
apresentou ontem a demissão “a
bem da Nação”. Cofiando a barba
frondosa, o ex-governante confi-
denciou a O INIMIGO que, com
esta decisão, preserva os créditos
do senhor Presidente do Conse-
lho, do Governo e dos 5 mil escu-
dos atribuídos à TAP para equipar
as suas aeronaves com pneus so-
bresselentes. O ex-ministro re-
gressa ao lugar de deputado para
bater palmas ao Governo e vaiar
a Oposição no exílio. M.B.
Madeirense
Dolores Aveiro é
a portuguesa com
mais seguidores
no Telex
CO, as sopas de cavalo cansado. M.B.
EU ACHO QUE ------------
----------------------------
-------------------
Portugueses e portuguesas,
vocês todos me conhecem
como um homem frontal
que diz sempre aquilo
que pensa sem pensar
nas consequências e
por isso, após reflectir
profundamente sobre o
assunto, é minha forte
convicção que --------------------
---------------------------------------. E
mais, acho ainda que ------------
--------------------------------------------
--- e que --------------------------------
--------------------------- porque eu não sou ----------------, doa a quem doer. Ou não
pessoa para levar desaforos como --- me chame eu ------------- de ---------. V.E
Direcção-Geral da Saúde alerta
--------------------- para casa. Ou comem
todos, ou não come ninguém e por
isso considero inapelavelmente que
-------------------------------------------------------
---- e, citando o grande filósofo grego
------------- de -------, “-------------------------
-----------------------“, que é, em
bom Português, como quem
diz ----------------------------------
-----. Como sabem, tenho o
coração na boca e, portanto,
perante um assunto tão ------
-------------- Portugal ---------------
OPINIÃO ----- Marcello Caetano ----------
---, pelo que é caso para dizer
Por que quem não tem ----- caça
------------ com ---- Obrigado por terem
escutado a minha opinião
de ---------
sobre este assunto tão ------
------- e termino dizendo em
consciência que -------------------
ainda mais auto-suficiente. O Conselho
de Ministros está atento à situação e
mandou a Câmara Corporativa fiscali-
zar as lojas para multar quem aumen-
tar os preços em produtos essenciais,
como os deliciosos e nutritivos cereais
que as crianças tomam ao pequeno-al-
moço, misturando migalhas de pão em
tigelas de vinho de tinto. V.E.
União Nacional vai
discutir imposição
de limites ao humor
no seguimento
de emissão dos
‘‘Parodiantes de Lisboa’’
na qual foi usada a
expressão vernacular
“mas que ferro”
Muitos portugueses tementes a Deus
querem que a sociedade abra uma
discussão franca sobre os limites do
humor, mormente após uma trans-
missão dos populares Parodiantes de
Lisboa quer, segundo os ouvintes
TERRENOS BALDIOS DE
UM SUBÚRBIO DESABITADO
COMO OEIRAS
A amada Feira Popular de Lisboa atrai cada vez mais miúdos e graúdos
em busca de diversão salutar e inocente, razão pela qual o Conselho de
Ministros estará a ponderar o seu alargamento, mudando o recinto para
algum baldio ermo, como Oeiras ou a Amadora, localidades que também
estarão a ser alvo de discussão para receberem o novo aeroporto de
Lisboa caso o actual, na Portela, receba mais de dois mil turistas por
ano, atingindo assim a sua capacidade máxima. A nova Feira Popular de
Lisboa vai manter a sua maior atração, a saber, a Casa do Terror, a
casa-museu dedicada à I República. V.E.
Famílias satisfeitas
NOTA OFICIAL: com descida
acidentes em das taxas de juro
fábricas de para 20%
pirotecnia
continuam todos Milhares de famílias portugueses re-
os dias a ferir ceberam com enorme satisfação a
notícia da descida das taxas de juro
alguns portugueses
no Ultramar
para 20%. É a taxa mais baixa em mui-
tos meses e irá permitir-lhes poupar
milhares de escudos todos os anos

Uma senhora da ilha da Madeira, que

responde pelo nome Dolores Aveiro,
conseguiu o feito invejável de ser a pes-
para os perigos da gripe invernal chocados, ultrapassado todos os limi-
tes do bom gosto e do bom senso ao
e avisa que usar camisolas colocar a inaceitável expressão “mas
que ferro” na boca de um persona-
No seguimento de notícias falsas e
em juros dos empréstimos. Os ban-
cos queixam-se da decisão por consi-
alarmantes sobre a suposta situa-
ção de esporádicas escaramuças
derarem que limita a sua rentabilida-
de já que a margem financeira baixa

térmicas Termotebe pode dar

soa, em todo o Portugal, incluindo me-
trópole e colónias, com mais seguidores
daquilo que faz seguir por Telex. Conhe-
cida como “Rainha do Telex”, a Sra. Dona
Dolores publica nesta rede social assun-
tos de interesse para todas as idades,
como o que almoçou, ou viu da janela, ou
gabando a excelência da banana madei-
rense. Parabéns, minha senhora, e ve-
nham daí mais telexes! M.B.
Marcello Caetano
D¿UPDTXHRVHX
protegido Marcelo
Rebelo de Sousa
é muito calado
e foge sempre
GDVIRWRJUD¿DV
O Senhor Presidente do Conselho
confidenciou ao INIMIGO que des-
confia das valências sociais do jovem
licenciado em Direito, Marcelo Rebe-
lo de Sousa, filho de um casal amigo
de quem foi padrinho de casamento.
“Gostava que o rapaz fosse mais pes-
pineta, que visse um microfone do
Rádio Clube e fosse desarvorado co-
mentar os temas da actualidade da
metrópole, das colónias e até da
bola”, adiantou o Professor Marcel-
lo sobre o jovem Marcelo. “Não o
ouço abrir o bico para nada, nunca
quer tirar fotografias com ninguém
e agora, sabe Deus porquê, diz que é
adepto do Braga”. M.B.
gem, tendo a emissão sido devida-
mente interrompida antes que o es-
cândalo escalasse com o uso de
uma falsa sensação de segurança expressões ainda mais atentatórias à
sensibilidade dos ouvintes, como
“que estopa”. Os membros dos ‘‘Pa-
A Direcção-Geral de Saúde requereu o espaço disponibilizado no novo rodiantes de Lisboa’’ pediram descul-
jornal chamado INIMIGO PÚBLICO para alertar a população sobre o uso pa e prometeram voltar a contar cha-
de camisolas interiores térmicas Termotebe que podem dar uma falsa laças edificantes, como aquela do
sensação de segurança perante a ameaça de gripe, constipações e português, do inglês e do francês que
resfriados aos catraios que as usam e que se gabam que os seus pais entram numa igreja. V.E.
fazem o mesmo. A Direcção-Geral de Saúde relembra que a maneira
mais eficaz de prevenir o contágio da gripe é o confinamento em igrejas
a rezar a Nossa Senhora de Fátima, bem como o pudor das mulheres O Presidente
portuguesas que deverão usar soutiens apertados e cintas elásticas para
achatarem as curvas. V.E. da República
Américo Thomaz
JOVEM CHAMADO SÓCRATES anuncia que
APANHADO NA COVILHÃ pretende
reformar-se a 25
COM 37 SEMANADAS de Abril de 1974
GARANTE QUE O DINHEIRO O Chefe de Estado, o Senhor Almiran-
É DO AMIGO CARLOS te Américo Thomaz, comunicou ao IP
que mantém a decisão de se aposentar
antes de completar 80 anos e de passar
Chama-se José Sócrates e foi abordado pela autoridade local a ser referido na imprensa desportiva
covilhanense depois de uma cidadã, que se encontrava numa como “octogenário”. Nesse sentido,
pastelaria central da cidade, se ter apercebido que o rapazola levava Sua Excelência o Presidente da Repúbli-
nas algibeiras uma quantia apreciável que totalizava o equivalente a ca estará a pensar meter os papéis para
37 semanadas, fora os trocos extra para pagar um gelado às garotas. a reforma a 25 de Abril do ano que vem,
Interpelado pela PSP, o jovem José Sócrates assegurou que aquela se estiver bom tempo e não encontrar
pequena fortuna era do Carlos e que também era este grande amigo muito trânsito na zona do Terreiro do
que lhe financiava os palmiers recheados. Acrescentou ainda que Paço. Para suceder ao Senhor Almiran-
“pá, se não acreditam, então, pá, o dinheiro veio do cofre da minha te, fala-se num outro Senhor Almiran-
mãe e é de uma herança, pá, do meu avô, um gajo que era conhecido te que é muito inovador e até projecta
por ‘Xá da Pérsia, pá, do volfrâmio’”. M.B. construir de raiz, se percebemos bem o
conceito, um “navio eucarístico”. M.B.
nas províncias ultramarinas, o Con-
selho de Ministros anuncia que al-
guns portugueses que nelas vivem
continuam a ferir-se por lançarem
fogos-de-artifício e saltarem fo-
gueiras todos os dias para celebra-
rem a sorte de serem portugueses
e de viverem num regime cristão e
respeitador dos bons costumes
como o Estado Novo, tendo as au-
toridades coloniais interpelado os
foliões patriotas, muitos dos quais
indígenas, para sugerir maneiras
menos perigosas de celebrar a uni-
cidade do Império, como colecio-
nar os cromos com as fotografias
dos membros da União Nacional, a
nova moda entre a pequenada. V.E.
RTP tem projecto
para vencer
o Festival da
Eurovisão daqui
a 44 anos
A Radiotelevisão Portuguesa manda-
tou uma equipa, que deverá consti-
tuir um observatório, que indicará
uma comissão técnica, que reporta-
rá a um departamento pluridiscipli-
nar com o objectivo de vencer o festi-
val de cantigas da Eurovisão pelo ano
de 2017. O plano é iniciar desde já a
busca de uma voz distintiva, afinar os
instrumentos de cordas e enviar o
maestro Shegundo Galarza a Valla-
dolid à cata de um baterista. M.B.
drasticamente de 20% para 15%. O
presidente de um banco chegou a
manifestar-se publicamente contra a
descida, mas acabou por refletir me-
lhor e até concordar com os seus mé-
ritos depois de um breve telefonema
do ministro das Finanças. Para mui-
tas famílias, esta folga nos juros ser-
virá para passarem a ter duas refei-
ções por dia ou então para dar o salto
para França. A.P.
Ferrovia de
velocidade muito
elevada permitirá
reduzir tempo
de viagem
/LVERD%UDJDQoD
para apenas
9 horas
Encontram-se em fase muito adianta-
da de projecto os melhoramentos na
ligação de caminho de ferro entre San-
ta Apolónia, na capital, e Bragança, em
Bragança. Esta linha de altíssima velo-
cidade encurtará muitíssimo o tempo
de viagem entre as duas cidades, que
se cifra, neste momento, em três se-
manas, quatro dias, 17 horas e 26 mi-
nutos. Depois das obras em três apea-
deiros e da instalação de turbos nas
modernas locomotivas a diesel da CP,
a mesma distância será percorrida em
apenas 9 horas (ou em 15 horas nos
dias de procissões). M.B.

Equipa oInimigoPúblico “Se não aconteceu… podia ter acontecido!” O Inimigo Público é um suplemento satírico, sendo todo o seu conteúdo ficcional. Diretor Luís Pedro Nunes Redação Alexandre Parreira, Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha, Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
Projeto gráfico @oinimigo_pronto Editor online João Martins Fotografia Getty Images e arquivo pessoal | O INIMIGO PÚBLICO é um projeto conjunto Expresso/Produções Fictícias/Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 17
18 PRIMEIRO CADERNO
EDITORIAL
50 anos depois
Há meio século, na primeira semana
de 1973, ainda sem democracia
em Portugal, nascia o Expresso.
Um jornal que foi criado quando
não havia liberdade e que soube
resistir a todos os percalços, a
todas as dificuldades e a todas as
mudanças no país e no mundo,
adaptando-se e modernizando-se de
forma a conseguir estar aqui hoje,
janeiro de 2023, como um projeto
jornalístico que se orgulha da sua
história, passado e percurso mas que,
sobretudo, está focado no que deve
ser o presente e o futuro do melhor
jornal do país. Um jornal que já não é
só um semanário, como há 50 anos,
mas uma marca de informação sólida
e credível que quer estar sempre
presente na vida dos leitores. Seja
através do online, no site, seja através
das redes sociais, pelas newsletters que
chegam às caixas de correio eletrónico
e com os podcasts que se podem ouvir
quando e onde se quer.
A 6 de janeiro de 1973, este jornal
era publicado pela primeira vez.
Meio século depois mantemo-nos
firmes. E republicamos aqui o
Estatuto Editorial que norteia o
jornalismo que fazemos:
1. O Expresso defende, desde sempre, a
liberdade de expressão e a liberdade de
informar, bem como repudia qualquer
forma de censura ou pressão, seja ela
legislativa, administrativa, política, eco-
nómica ou cultural. O Expresso é um jor-
nal com convicções, mas independente
de todos os poderes, manifestando esse
espírito de independência também em
relação aos seus próprios anunciantes.
2. O Expresso entende que as publicações
de natureza informativa devem ser inde-
pendentes, porque só assim cumprem a
sua função essencial perante a sociedade.
Julga, pois, que as publicações informati-
vas não são instrumentos ou meios ao ser-
viço de determinados objetivos, por mais
louváveis que estes sejam, mas instituições
autónomas através das quais os cidadãos
podem, em liberdade e no pluralismo, pro-
curar o esclarecimento de que necessitam
para o exercício das suas opções.
3. O Expresso considera, no entanto, que
determinadas causas comuns à cidadania
— como sejam a da defesa das liberdades
fundamentais e da democracia, a de um
ambiente saudável que não coloque em
risco as gerações futuras, a da língua e do
património histórico do país, a da paz e da
participação plena de Portugal na União
Europeia, a do incitamento à participa-
ção da sociedade civil na resolução dos
problemas da comunidade — devem ser
divulgadas e sustentadas, sem prejuízo
do pluralismo de opinião e de conceder
voz a todas as correntes, nunca perdendo
nem renunciando à capacidade de crítica.
4. O Expresso tem e terá presente os
limites impostos pela deontologia dos
jornalistas, pela ética profissional e pelo
Código de Conduta dos jornalistas do
Expresso. Quaisquer leis limitadoras da
liberdade de expressão terão sempre a
firme oposição deste jornal.
5. O Expresso sabe que é indispensável,
em cada momento, distinguir entre as
notícias — que deverão ser, tanto quanto
possível, objetivas, circunscrevendo-se à
narração, à relacionação e à análise dos
factos para cujo apuramento devem ser
ouvidas as diversas partes — e as opi-
niões, que deverão ser assinadas por
quem as defende, claramente identificá-
veis e publicadas em termos de pluralis-
mo. O Expresso toma posição através de
editoriais não assinados que vinculam a
posição do jornal.
6. O Expresso sabe, ainda, que a seleção
do material a publicar, a sua colocação
nas diversas páginas, a colunagem dos
respetivos títulos, a ilustração com foto-
grafias, infografias ou cartoons devem
obedecer a critérios de inserção basea-
dos na importância efetiva de cada texto
e não nas convicções ideológicas ou inte-
resses particulares de quem as escreve,
escolhe ou pagina.
7. O Expresso sabe, também, que em casos
muito excecionais há notícias que mere-
ciam ser publicadas em lugar de destaque
mas que não devem ser referidas, não por
autocensura ou censura interna mas por-
que a sua divulgação seria eventualmente
nociva ao interesse nacional. O jornal re-
serva-se, como é óbvio, o direito de definir,
caso a caso, a aplicação deste critério.
8. O Expresso sabe, igualmente, que
a publicação insistente de determina-
dos assuntos — do crime e do sexo às
baixezas da vida política e económica
— poderia aumentar a venda de exempla-
res, mas recusa-se a alimentar qualquer
tipo de sensacionalismo que ponha em
perigo o jornalismo de qualidade que
sempre pretendeu fazer. Respeita, acima
de tudo, os leitores e está consciente de
que eles aceitam e desculpam os erros
que o Expresso comete, mas que não lhe
perdoariam se, deliberadamente, por
ação ou por omissão, os enganasse ou
abusasse da sua boa-fé.
9. O Expresso atribui prioridade abso-
luta à coerência que historicamente lhe
tem permitido ser um projeto ganhador
e de referência, independentemente de
quem sobe e de quem desce do poder.
10. Se e quando, um dia, se tornar impos-
sível manter essa coerência, o Expresso
acabará, porque — como sempre afirmou
o seu fundador — prefere, nessas circuns-
tâncias, morrer de pé.
OPINIÃO
Pague o visível para
levar o invisível
N
os acontecimentos que marca-
ram 2022, a história do vestido da
Cristina Ferreira na festa da TVI
pode não ter tido o merecido des-
taque. Entre buracos e atilhos, a
pele à vista era tanta que, num
ápice, a discussão passou da apreciação da
roupa para o que se passava por baixo desta.
Sempre empreendedora, a apresentadora
lançou logo ali uma coleção de lingerie in-
visível. Em sentido literal: o kit completo
oferecia uma caixa vazia no meio de duas
cuequinhas. O vazio vinha preenchido com
um discurso motivador sobre a liberdade
de cada mulher ser o que quiser — o corpo é
nosso; ninguém tem o direito de nos julgar
por sair de casa só com a roupa de cima.
Este “pague três e leve dois” pode parecer
absurdo, mas não é: pagando dois, ainda se
leva para casa o cruzar de pernas da Sharon
Stone no “Instinto Fatal”.
Numa semana, a coleção de underwear
livre de preconceitos estava esgotada. Até
aí, tudo dentro da normalidade: as clientes
da loja da Cristina são todas aficionadas de
programas da manhã e reality shows. Só
estas são tontas o suficiente para acreditar
que o empoderamento feminino passa pela
aquisição de lingerie imaginária. Mesmo que
a rainha vá nua, todas as Marias vão com ela,
acabando donas e senhoras de uma mão-
-cheia de nada.
Acontece que eu própria, que nunca vi um
programa da Cristina, tive recentemente
um colapso nervoso perante a possibilidade
de descontinuarem o meu perfume. Per-
fume que uso há 15 anos, apesar de saber
que o conteúdo custa cerca de 6% do preço.
Insisto em gastar o resto por causa da pro-
messa de ficar a cheirar a “lençóis de linho e
Morte lenta
U
ma zanga qualquer de comadres
deu a conhecer ao país a existên-
cia da senhora secretária de Es-
tado do Tesouro. O seu percurso
no sector empresarial do Estado,
entretanto conhecido, ofereceu
ao povo, das tabacarias aos ministérios, o
ensejo de contemplar a cultura, as práticas e
os percursos profissionais e de vida consen-
tidos pelas empresas públicas, bem como a
rede opaca de cumplicidades, inescrutinável
e impossível de desenlear, que gere e reparte,
num país pequeno e pobre, os lugares mais
apetecíveis do país, que, como é próprio de
um capitalismo periférico, dependente e
esmoler, são sustentados pelo Orçamento e
pelos contribuintes.
Golden boys e golden girls, incubados nas
EP e tratados como meritocratas de esta-
tura planetária, auferem remunerações de
nababos, pois — explicam-nos — de outro
modo as multinacionais não resistiriam a
recrutá-los. O que seria de Portugal sem
esses profissionais de topo, algumas vezes
consagrados pelos laços indissolúveis do
matrimónio? Por regra, fizeram o seu tiro-
cínio na PT, empresa sempre atenta à ex-
celência e que há 20 anos empregava filhos
de políticos de topo a rodos, para comprar
sossego, vista grossa e boa vontade ao mais
alto nível. Político-descendentes, afilhados,
primas burras das melhores famílias, e uns
quantos genuinamente capazes, formaram
laços que persistem até hoje e se manifestam
de maneira indecifrável para o observador
As lições de uma crise
E
screvo este artigo na noite de terça-
-feira, dia 3 de janeiro. Nos próxi-
mos dias vai ser discutida e vota-
da na AR uma moção de censura
e haverá um debate de urgência,
pedidos, respetivamente, pelo IL e
pelo PSD. Ambas as iniciativas são legítimas
e normais em democracia, no quadro do exer-
cício do direito de oposição, mesmo que não
tenham consequências práticas. Não posso é
concordar que haja razões para dissolver a
AR ou demitir o Governo.
Temos um Governo eleito há menos de
um ano com uma maioria absoluta robusta,
que tomou posse há nove meses e cujo pri-
meiro-ministro é o mesmo que venceu essas
eleições enquanto líder do partido mais
votado. A situação não é comparável com
a que levou o Presidente Jorge Sampaio a
dissolver a AR em 2004, mais de dois anos e
meio volvidos sobre as eleições legislativas e
quando tinha havido uma mudança de chefe
do Governo.
É verdade que nestes meses de governação
ocorreram várias situações criticáveis, de
gravidade e natureza muito diversas, das
quais resultaram uma dezena de demissões,
culminando com a saída de Pedro Nuno San-
tos, cuja relevância política é inquestionável
dentro e fora do PS. O Governo não será o
mesmo sem ele, apesar de, como se conclui
da escolha dos novos ministros, estes apenas
irem executar o plano que ficou traçado.
Mas a maioria formada na AR mantém a
sua legitimidade intacta e, por isso, nem a
dissolução do Parlamento nem a demissão do
Governo (que só pode ocorrer, nos termos da
Constituição, quando tal se torne necessário
Eugénia Galvão Teles
egteles@gmail.com
camisolas de caxemira”, conforme afiança a
publicidade. Posso não comprar o empode-
ramento da lingerie inexistente apregoado
pela sirene da Malveira, mas estou disposta
a gastar o que for preciso para adquirir o
luxo discreto da burguesia, gentilmente
cedido pela LVMH.
Há muito homem
de barba rija a defender
tudo o que tem origem
no santo padroeiro Jobs
como se estivesse
em causa uma parte
do seu próprio corpo
Sérgio Sousa Pinto
política@expresso.impresa.pt
comum. Distribuídos pelo sector público,
estes altos quadros de aviário hoje desfru-
tam de egos colossais, que servem de bitola
às remunerações e indemnizações que, uns
aos outros, se atribuem. Passam pela política
Golden boys e golden girls,
incubados nas EP e tratados
como meritocratas de estatura
planetária, auferem
remunerações de nababos, pois
— explicam-nos — de outro
modo as multinacionais não
resistiriam a recrutá-los
Alexandra Leitão
alexandrarfleitao@yahoo.com
para assegurar o regular funcionamento das
instituições democráticas) são cenários cre-
díveis no atual momento.
Acresce um outro aspeto fundamental:
a interrupção da legislatura só faz sentido
quando se afigura como provável um resul-
Esta crise recente deveria
fazer soar os alertas no
Governo e no PS, porque, como
é sabido, muitas vezes as
eleições não são ganhas pelos
partidos da oposição, mas sim
perdidas pelos Governos
Só podia ser uma mulher. Basta carregar
nos botões certos e acabamos todas cheias
de caixas vazias com promessas variadas.
Não admira que as empresas se dediquem
a diferenciar os produtos femininos e, com
um bocado de tinta cor-de-rosa, consigam
impingir-nos a mesma coisa, mas mais cara.
E ainda temos a lata de nos queixar dessa
“taxa” cor-de-rosa quando dois dedos de testa
chegam para ver que nos estão a levar à certa.
Só que os homens são tão, ou mais fáceis,
de manipular. Foi dizendo-lhes o quanto
são especiais que o Steve Jobs conseguiu
converter os clientes em apóstolos da Igreja
Evangélica da Apple e de Todos os Mac, para
quem a mera aproximação da concorrência
é um pecado mortal. E há muito homem de
barba rija a defender tudo o que tem origem
no santo padroeiro Jobs como se estivesse
em causa uma parte do seu próprio corpo.
Aqui, devia começar a ladainha de todos os
horrores desta sociedade de consumo. Não
paramos de comprar coisas por acreditar,
erradamente, que vamos ser melhores e mais
felizes. Na realidade, a ligação entre o que so-
mos e o que temos é mais complexa e vem de
longe — a tradição de enterrar os mortos com
os seus bens remonta à noite dos tempos.
Para o bem e para o mal, estamos sempre a
abrir caixas à procura da nossa identidade.
A primeira vez que comprei o perfume em
risco de ser descontinuado foi num aeropor-
to, a caminho de Madrid, onde o meu pai
tinha acabado de ser operado. No último ano
de vida dele, foi o meu cheiro, para lá e para
cá. Passou a fazer parte da minha pessoa e
quero ser enterrada com ele. Aquilo que te-
mos diz muitas vezes de onde viemos e quem
somos. Pode ser que também ajude a dizer
para onde vamos.
em voos rasantes e tardios, em missões que
encaram praticamente como serviço pro
bono, a remunerar convenientemente na
hora da despedida, em administrações de
bancos e assembleias-gerais. Os jornalistas,
verificando estes resplandecentes percursos
“empresariais”, saúdam estes importantes
influxos de qualidade nos elencos governa-
mentais, geralmente encharcados de “po-
líticos profissionais”, a deplorável e bem
conhecida chaga da democracia.
Quando, política ou jornalisticamente,
não há alternativa a escrutinar estes percur-
sos profissionais de alto débito, feitos na paz
das administrações e diretorias, pagos com
os impostos da classe média proletarizada
e com injeções delirantes de dinheiro que
o Estado providencia endividando-se (por
isso vive em défice e subinvestimento), a
indignação portuguesa, uma indignação
tão histriónica como fugaz, rebenta os di-
ques da hipocrisia nacional e inunda o país.
Ainda com a indignação pelos joelhos (o
solo está saturado), já transitámos para
uma questão maior, embora presentemente
irrelevante, sobre putativas movimentações
para a liderança do PS. O melodrama reto-
ma a boca de cena.
O que importa é o que aprendemos nos
últimos dias sobre o país que somos e o que
podemos fazer a esse respeito. A sucessão do
PS, por ora, não interessa nada a ninguém.
Aliás, se isto continuar assim, o próximo se-
cretário-geral do PS acumulará, certamente,
com a liderança da oposição.
tado diferente nas eleições subsequentes.
Ora, de acordo com os dados que temos, essa
condição não se verifica. E isto acontece em
larga medida porque o principal partido da
oposição critica o Governo mas nunca diz de
forma clara e concreta o que faria de diferen-
te. O PSD não tem propostas nem pensamen-
to político para ser alternativa.
Dito isto, esta crise recente deveria fazer
soar os alertas no Governo e no PS, porque,
como é sabido, muitas vezes as eleições não
são ganhas pelos partidos da oposição, mas
sim perdidas pelos Governos.
A solução governativa proporcionada pelo
PS não está esgotada, mas devem retirar-se
lições do que correu mal até agora. Falta um
desígnio ou desígnios claros. É preciso mais
cuidado e mais humildade na gestão política
e a definição de um modelo de crescimento
económico mais eficiente e mais justo, com
melhor distribuição da riqueza (que não se
consegue apenas com apoios pontuais, por
mais importantes que estes sejam). E sobre-
tudo é preciso espírito reformista. Não para
fazer as reformas que a direita preconiza
e que se reconduzem quase sempre ao jar-
gão “menos Estado”, mas sim as reformas
que se esperam de um Governo socialista:
tornar os serviços públicos e, em especial, o
Serviço Nacional de Saúde mais eficientes,
erradicar a pobreza, diminuir as diferen-
ças de rendimentos e a desigualdade social,
alterar a legislação laboral no sentido de
proteger mais os trabalhadores e fortalecer
a contratação coletiva, diversificar as fontes
de financiamento da Segurança Social e criar
um mercado público de habitação. É para
isto que serve a maioria absoluta do PS.
Expresso, 6 de janeiro de 2023
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Uma casa:
é pedir
muito?
O
jornal faz 50 anos. Quer
isto dizer que eu estou aqui
a conversar convosco há 15
anos — parece uma vida.
E o que mudou no país
durante esta vida? Talvez
a habitação. Em 2008, eu morava há
pouco tempo em Lisboa. Lembro-me
da dificuldade absurda que era arren-
dar uma casa na cidade; arrendar até
era uma excentricidade aos olhos das
outras pessoas. Eu não queria comprar
casa, porque não queria uma dívida
tão grande e porque queria uma vida
flexível: e se recebesse uma oferta de
trabalho do Porto, Braga ou Bruxelas?
Não queria fazer parte de uma socieda-
de que me parecia e parece demasiado
endividada, rígida e literalmente presa
às casas. Em Portugal, ter casa própria
podia e pode ser uma prisão que limita
horizontes.
Porque é que isto era assim? Porque
a velha lei das rendas, prezada por sa-
lazaristas e esquerdistas, congelou as
rendas em valores absurdos. Numa
época em que eu já pagava entre 500
a 750 euros de renda, conheci vizinhas
que pagavam — sentem-se, p.f. — 10
euros de renda por um T3 no centro
de Lisboa. Como é que os proprietá-
rios podiam dinamizar o mercado de
arrendamento se eram roubados desta
forma? Além de ver aqui um óbvio pro-
blema económico, social e urbanístico,
eu sentia sobretudo uma imensa injus-
tiça geracional: eu tinha de pagar uma
renda altíssima para que as minhas
vizinhas tivessem o privilégio de ter
uma casa em Lisboa por 10 euros/mês.
Parecia piada. Ainda parece uma piada.
Os países desaparecem,
convém recordar.
Ou são invadidos,
como a Ucrânia,
ou perdem a vontade
de viver, como
este Portugal
Por outro lado, vivia numa cidade-fan-
tasma, os prédios vazios eram a nossa
marca. Andar na rua às nove da noite
era uma experiência fantasmagórica,
eu ouvia os meus passos no percurso,
por exemplo, entre o Corte Inglés e o
Sheraton. A partir das oito da noite,
Lisboa era uma cidade com uma acús-
tica de aldeia. Essa acústica espectral
mudou com a nova lei das rendas (troi-
ka), a única grande reforma introdu-
zida em Portugal neste século e que
permitiu o rejuvenescimento da cidade
e o nascimento do novo turismo.
Além da mudança urbanística e eco-
nómica evidente, a nova lei das rendas
tinha tudo para provocar outra conse-
quência positiva: para mim, era óbvio
que ia surgir finalmente um mercado
de arrendamento dinâmico para jo-
vens casais. Só que aconteceu aquilo
que acontece sempre: a lei das conse-
quências imprevistas. Ninguém podia
prever que Lisboa ia passar a ser um
refúgio para ricos estrangeiros. Antes,
não havia mercado de arrendamen-
to porque a lei antiga não o permitia.
Agora, há mercado de arrendamento,
mas só para ricos estrangeiros, que
acabam por alugar ou mesmo com-
prar as casas que, à partida, eram para
jovens casais portugueses. Portanto,
as coisas mudaram, mas na essência
permanecem iguais: é quase impossível
arrendar uma casa em Lisboa, conti-
nua a ser muito difícil começar uma
vida de casal. Julgo até que a geração
que tem agora 20 ou 30 anos tem uma
vida ainda mais difícil do que a minha
geração. É por isso, aliás, que dedico
esta crónica a estes jovens casais. A
vida destas pessoas é o nosso principal
problema: se eles não conseguem uma
casa, não formam família; se não for-
mam família, não têm filhos; se não há
crianças, não há futuro. Se estes jovens
continuarem fora das prioridades da
governação, Portugal corre mesmo
o risco de desaparecer. Os países de-
saparecem, convém recordar. Ou são
invadidos, como a Ucrânia, ou perdem
a vontade de viver, como este Portugal.
Digo “este Portugal” porque ainda te-
nho esperança, tento mantê-la todas
as semanas de uma forma ou de outra
nesta conversa que mantenho convos-
co há 15 anos. E, se perder a esperança
algures nos próximos 15 anos, então
entregarei esta conversa e este espa-
ço a outra pessoa. Nunca vou entrar
na traficância preguiçosa do cinismo,
nunca vou vender a vulgata do baixo
queirosianismo.
Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 19

Recupere
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20 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 6 de janeiro de 2023

OPINIÃO
Um presente envenenado

E
sta maioria absoluta foi original. Acon-
teceu depois de seis anos no poder sem
Qualidade Devida maioria. Surgiu no que parecia ser o
Luísa Schmidt fim de um ciclo, com um primeiro-mi-
sociedade@expresso.impresa.pt nistro que se preparava para a gestão
de uma saída que lhe permitisse dar um
salto europeu. Nasceu cansada. Ela pode ter sido
um presente envenenado para o PS e para o país.
As teias Apesar de garantir, teoricamente, mais estabili-
dade do que a ‘geringonça’, é muito mais instável.
das cheias Porque a estabilidade política não depende de
maiorias aritméticas, mas da estabilidade social
que elas ofereçam. E de um propósito. Na ‘gerin-
Daniel Oliveira
danieloliveira.lx@gmail.com
potenciais convidados perceberam que ir para
a política é ir para a forca. Fora da política nin-
maioria absoluta em plena crise internacional
pode ser fatal para o PS. Depois de Cavaco, o
PSD só esporadicamente voltou “ao pote”. Só Guerra e Paz
que agora é mais perigoso do que isso. Os tem- Miguel Monjardino
pos, na Europa e no mundo, são outros. guerraepaz.expresso@gmail.com
Apesar da inflação, da obsessão de Medina
pelo corte à bruta do défice e da instabilidade
interna do Governo, o PSD tem dificuldade em
ultrapassar a barreira dos 30%, mesmo nas son-
dagens que dão uma queda do PS. Os que fazem
A grande
análises simplistas imaginaram que se viesse al-
guém conotado com Passos Coelho esvaziaria o
ilusão
campo à sua direita. Se isso pode acontecer com

A H
s chuvas intensas que têm as-
solado o país e que também
afetaram as populações da
AML tiveram o condão de
deixar a seco algumas me-
mórias e várias responsabili-
dades que parece terem a arte de passar
incólumes entre as gotas de água.
Se há tema ambiental que traga con-
sigo a desanimadora memória das suas
repetições é o das cheias em Lisboa.
Ribeiro Telles fez uma das suas mais lú-
cidas e clássicas intervenções públicas,
ainda no início da sua carreira, sobre
as trágicas cheias de Lisboa em 1967.
Repetiu-as e alertou inúmeras vezes.
Entretanto, ciclos e contraciclos de so-
luções técnicas foram sendo propostos,
mas sempre interrompidos ou adiados.
A última da série consistiu no Plano
Geral de Drenagem, que inclui túneis e
bacias de retenção em vários pontos da
cidade. Começou a ser construído em
2016, com fim previsto em 2030, e tem
de ser complementado por várias outras
medidas para reduzir o impacto das
cheias, incluindo respeitar logradouros
e zonas de infiltração. Mas nada disto
servirá se não houver uma inversão na
abusiva política imobiliária da cidade,
cujo balanço se salda na persistente
expulsão dos seus habitantes.
Lisboa, cidade atlântica, de sete coli-
nas e outros tantos vales por onde corre-
ram rios e por onde correm enxurradas,
como em Loures, Amadora ou Oeiras,
é um dado físico do território que não
depende dos alvitres dos autarcas nem
se compadece com os interesses tan-
tas vezes delirantes do imobiliário. Sa-
bendo nós da morfologia do território
e da condição climática em acelerado
agravamento na qual vivemos e vivere-
gonça’, era reverter as imposições da troika. Na
pandemia, era a emergência sanitária. Perante
uma crise inflacionista e sem receitas diferentes
da direita, qual é o propósito de António Costa?
Ao contrário do que acontecia na ‘geringonça’,
de que era a alma, Pedro Nuno Santos era um
corpo estranho neste Governo. Permanecer nele
destruiria o seu caráter, porque Costa nunca
desistiria de o fragilizar e humilhar. E destruiria
o seu programa, porque corresponde a tudo o
que se tem oposto. Não sai fortalecido e, longe
do Governo, perde parte do poder que tem no
PS. Se o Governo correr bem, estará longe e fa-
lhará a oportunidade. Mas tem 45 anos e muito
tempo para regressar. Se correr mal, e há tanto
por onde correr mal, será o mais bem colocado
para assumir um caminho alternativo para os
socialistas. Não há, nem haverá enquanto Costa
tiver as rédeas do poder, contestação interna
ao líder. Mas há cada vez menos entusiasmo na
sua defesa. É o cansaço, é a arrogância, é o que
quiserem. Mas também é a sensação de que o PS
está a fazer o que criticou a Passos. É por isso que
a ofensiva da direita se concentra em casos. E de-
fender o partido de casos quando falta uma cau-
sa desgasta a moral das tropas. Não é a primeira
vez que o PS se verga aos dogmas económicos da
direita, mas agora fá-lo depois de um Governo
popular, com apoio de toda a esquerda e em que
se envolveu em alguns confrontos ideológicos,
uns mais reais do que outros.
António Costa está fechado no seu núcleo cada
vez mais apertado. Mais do que João Galamba e
Marina Gonçalves serem ou não “pedronunis-
tas”, estas escolhas foram determinadas pela
impossibilidade de ir para lá do que já existe no
Governo. Por culpas próprias e porque todos os
Não querer saber?
guém quer lá entrar, dentro dela ninguém quer
entrar num Governo que se desfaz.
Porque não há alternativa, porque as alter-
nativas são demasiado assustadoras, porque o
Presidente o segura, Costa até se pode manter
no poder mais quatro anos. Duvido. Mas ex-
tinguiu-se a sua estrela, talvez logo depois de
conquistar a maioria absoluta. Porque ela foi
determinada por uma conjuntura, não por uma
vontade: o resto da esquerda estava condenada
a escolher entre apoiar um Governo onde já
não mandava ou provocar uma crise política
de que seria a principal vítima; Rui Rio estava
amarrado ao fantasma de Ventura, depois do
erro que cometeu nos Açores, e as sondagens
apontavam para um empate depois da vitória
de Carlos Moedas em Lisboa, traumatizante
para a esquerda. Não foi o entusiasmo dos elei-
tores que nos trouxe aqui. Foi o medo. E, nas
mãos de um primeiro-ministro exausto com
uma pandemia seguida de uma guerra, esta
Se a crise se prolongar e não
houver alternativa a uma
maioria absoluta cansada,
Portugal pode encaminhar-se
para a desestruturação do seu
sistema partidário, com um
enfraquecimento dos dois
principais campos políticos,
como aconteceu em vários
países europeus
o IL — esta crise é péssima para a sua agenda —,
não acontecerá com o Chega. O PSD vai sina-
lizando casos, a extrema-direita vai ganhando
com eles. Ainda por cima Montenegro não tem
perfil para dar “banhos de ética”. Quanto à crise
económica e social, que era onde podia disputar
os votos ao PS, tem pouco a dizer. Primeiro,
porque quando um passista diz que não cortaria
nas pensões reais ninguém acredita. Depois,
porque Montenegro é um taticista puro. Está
à espera que a crise bata mais forte para culpar
as escolhas do PS e nunca dizer quais seriam as
suas, achando que o poder lhe vai cair no colo.
Só que esse tempo acabou. Quem fatura com
os escândalos é a extrema-direita. Quanto mais
o Chega cresce nas sondagens, mais o PSD fica
seu refém e mais assusta o centro que precisa
de conquistar.
Como ficou provado há um ano, a função cor-
retiva de uma crise política depende da existên-
cia de uma alternativa. E ela depende de um líder
convincente, da clareza na relação do PSD com a
extrema-direita e da existência de um programa
de Governo que o distinga. Sem alternativa, a cri-
se social manifesta-se em pequenos ou grandes
casos, distantes dos problemas das pessoas. Se
houvesse uma crise política sem que estas con-
dições estivessem satisfeitas, o mais provável é
que se iniciasse um período de crises sucessivas,
como outras democracias conheceram, atiran-
do-nos para um impasse. Nos próximos anos, se
o Governo se for autodestruindo sem que o PSD
se consiga afirmar como alternativa, Portugal
pode encaminhar-se para a desestruturação do
seu sistema partidário, com um enfraquecimen-
to dos dois principais campos políticos, como
aconteceu em vários países europeus.
á um ano escrevi aqui: “A
possibilidade de a Rússia in-
vadir novamente a Ucrânia
existe.” Na altura, a minha
conjetura era a de que não
estávamos a avaliar devida-
mente as intenções de Vladimir Putin
e a forma como olhava para Kyiv. Em
Moscovo, o fator tempo e a avaliação do
risco eram muito diferentes dos nossos.
Nos países europeus volta-se a falar da
necessidade de construir a paz na Ucrâ-
nia. De uma forma ou de outra, queremos
todos regressar ao dia 23 de fevereiro do
ano passado. Estamos cansados desta
guerra. Este é um dos objetivos da cam-
panha de coerção aérea russa contra as
infraestruturas e sociedade ucranianas.
Esta campanha de terror tem a vantagem
de ser altamente apelativa para a socieda-
de russa e as televisões europeias. O mes-
mo não pode ser dito da estratégia militar
de Kyiv, cuja teoria de vitória continua a
assentar na destruição das unidades rus-
sas, do seu equipamento e logística. Esta
estratégia tem sido eficaz, mas tende a
ser invisível para os canais de televisão e
opiniões públicas na Europa.
Nada em Moscovo sugere que a guerra
do Kremlin contra Kyiv esteja à beira do
fim. É uma grande ilusão pensarmos que
tal acontecerá por desejo de Moscovo. Se
não, vejamos o discurso de fim de ano de
Putin, dominado pela sua teoria de cons-
piração do “Ocidente” contra a Rússia e
com referências aos “traidores” internos
e “neonazis” que governam a Ucrânia.
Este discurso mostrou que os fins polí-
ticos de Putin na guerra contra Kyiv per-
manecem. Mostrou também a influência
da religião ortodoxa em todo o processo
de escolha e decisão do Kremlin. Do ponto
de vista de Putin e do patriarca Cirilo,

mos no futuro, não podemos deixar de
questionar as razões que presidiram ao
licenciamento de um cordão de enormes
edifícios ao longo da zona ribeirinha
de Lisboa, uma zona artificializada em
aterro, altamente vulnerável, e que área
classificada será ciclicamente reclamada
pela água do mar e pelo escoamento das
enxurradas.
Pelo menos entre a sede da EDP no
aterro da Boavista, em Santos, passando
pela CUF Tejo, pelos dois novos blocos
de escritórios de Alcântara (sete pisos,
quatro caves para 681 carros), as obras
não param. E estão previstos mais 12
lotes (com nove pisos e quatro caves)
junto à LxFactory e quatro novas torres
no aterro de Boavista Poente…
Este cordão prolonga-se nalguns pro-
jetos de bradar aos céus que o vizinho
concelho de Oeiras continua a promo-
ver na bacia da ribeira de Algés, em
condições tão más ou piores ainda do
que as de Lisboa.
Para além dos danos causados ao siste-
ma de vistas das colinas da cidade, bem
como a todas as circulações, desde a dos
ventos até à das pessoas e transportes, a
ocupação da zona ribeirinha de Lisboa
é um acumular de disparates que todos
estamos já a pagar e pagaremos mais no
futuro. Sim, literalmente a pagar, porque
as despesas públicas provocadas pelas
cheias saem-nos cada vez mais caras.
E tudo isto passou técnicos, gabinetes,
formulários, carimbos, emolumentos,
vereadores...
As enxurradas de dezembro mostra-
ram o óbvio: se a água não passa num
sítio, vai passar por outro, inundando
muitas vezes lugares que ficariam a seco
se o efeito de barragem das novas cons-
truções não encaminhasse para eles as
águas a que se opõem.
Lisboa sempre foi uma cidade de cheias,
atravessada por ribeiras e junto à foz do
rio Tejo. O que não tinha até há poucos
anos era uma autêntica barragem de
prédios em lugares onde nunca deveriam
ter sido autorizados. Há duas coisas que
não é possível impedir: a chuva de cair e
a água de correr de cima para baixo. Pa-
rece que em Lisboa há ainda mais duas:
a asneira e a irresponsabilidade.
E
sforcei-me por me pôr na pele de
Fernando Medina para compreender
a sua ameaça de processos em tribu-
nal. Sinto alguma empatia pelo seu
exaspero. Mas a sua reação é inad-
missível. Se não gosta do escrutínio
a que o cargo está sujeito, tem bom remédio,
vá-se embora. Abandone o Governo, eventual-
mente a política, e volte para a sua profissão.
Se quer ser ministro, ainda para mais sendo
um dos principais candidatos à sucessão do
primeiro, não há como fugir.
Percebo a indignação, é injusto que a mulher
apanhe por uma escolha que não foi dela. Mas,
como me dizia João Marques de Almeida no
nosso programa semanal “Fora do Baralho”,
na Rádio Observador, que culpa têm os jor-
nalistas e os comentadores que o Governo do
país e das empresas públicas esteja pejado de
relações familiares? As relações familiares e
de amizade são tantas que é irrazoável não ter
isso em atenção.
Num escândalo com uma indemnização paga
pela TAP a uma secretária de Estado do seu mi-
nistério, sendo que a sua mulher era a diretora
jurídica da TAP, devemos fazer de conta que isso
é irrelevante? Estava de licença de maternidade
— parabéns a ambos pelo rebento —, mas isso é
razão para nada saber? Devemos, simplesmente,
aceitar que a diretora do departamento jurídico
da TAP não se informou do acordo de rescisão a
que a sua empresa chegou com uma administra-
dora? Não ter estado envolvida nas negociações,
mesmo que não estivesse de licença de parto
— em especial se era amiga de Alexandra Reis
—, é normal. Mas, depois destas fechadas, nem
perguntar à amiga ou aos seus antigos colegas no
departamento jurídico quais os valores envolvi-
dos? Não havia um poucochinho de curiosidade?
Nem em maio, quando houve notícias a falar
em indemnização milionária, pegou no tele-
fone para saber que valores eram esses? Bem
sei que já se tinha demitido da sua posição na
TAP, mas e então? Apagou todos os contactos
da agenda e não sabia a quem perguntar? Ou
não quis informar-se? Reconheço que estou a
inquiri-la por ser mulher do atual ministro das
Finanças, mas Stéphanie Sá da Silva também
era a diretora jurídica de uma empresa onde os
portugueses empataram milhares de milhões
de euros. Isso também traz escrutínio. Fingi-
mos que estas perguntas não vêm à cabeça de
qualquer pessoa normal?
Luís Aguiar-Conraria
Professor de Economia da Universidade do Minho
lfaguiar@eeg.uminho.pt
Não vou ao ponto de dizer que Fernando
Medina mente quando diz que não sabia da
indemnização. Mas teve de se esforçar muito
para manter a ignorância. Para se empenhar
tanto em não saber é porque sabia que era
melhor não saber. Tal como o pior cego é o
que não quer ver, o pior ignorante é o que não
quer saber.
Agora Medina que se ponha na nossa pele.
Vemos o Estado, a alta Administração Pú-
blica e as grandes empresas públicas serem
colonizados pela família socialista e os seus
boys e girls. Casos de nepotismo que saltam à
vista. Vemos escândalos sucessivos na gestão
da coisa pública. São centenas de milhares de
euros para pavilhões por construir, orçamentos
que derrapam, indemnizações absurdas pagas
por empresas públicas a pessoas que não só
não saem da esfera do Estado como até vão
para o Governo. E ainda vos temos de aturar
com ameaças de processos porque achamos a
história mal contada?
Uma empresa familiar?
Cada vez mais o país é gerido como se de uma
empresa familiar se tratasse. Só no Conselho
de Administração, também designado por
Conselho de Ministros, já vimos pai e filha,
marido e mulher e irmã e irmão.
Na altura em que os blogues
tinham importância, Galamba
destacava-se no apoio
empenhado às políticas
erradas de José Sócrates
As pessoas chegam lá por um sistema de pro-
moções internas que é a inveja de qualquer
carreira. A nova ministra da Habitação, Mari-
na Sola Gonçalves, começou como assessora
parlamentar do Partido Socialista. Mais tarde
tornou-se assessora do secretário de Estado
dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno San-
tos. Depois, foi deputada na Assembleia da
República. Posteriormente, tornou-se chefe de
Gabinete de Pedro Nuno Santos. De seguida, foi
secretária de Estado da Habitação. Finalmente,
é ministra. Peço desculpa se troquei a ordem das
promoções, mas será problemático: como na
multiplicação, goza da propriedade comutativa,
a ordem dos fatores não altera o produto, que,
neste caso, é uma carreira fulgurante!
Estar errado no momento certo
Fala-se muito da necessidade de estar certo na
altura certa. Mas a verdadeira arte, como uma
vez Medeiros Ferreira explicou, é estar errado
no momento certo. João Galamba é um mestre
dessa arte.
Na altura em que os blogues tinham importân-
cia, Galamba destacava-se no apoio empenhado
às políticas erradas de José Sócrates. Aliava o
seu estilo arruaceiro a uma certa arrogância
intelectual, talvez por estar (ou ter estado) a
tentar fazer doutoramento em Ciência Política
em Londres, o que lhe permitia citar autores.
O empenho foi premiado com um convite para
ser deputado pelo PS em 2009. As políticas que
tão veementemente defendia eram tão erradas
que pouco depois estávamos à beira na bancar-
rota. De seguida, continuou errado, sendo um
dos indefetíveis de Sócrates, mesmo depois de
perder as eleições e por aí andar a fazer mestra-
dos. Na companhia de algumas pessoas certas,
Augusto Santos Silva, por exemplo, foi-lhe fiel
até ao fim. O resto é história. No Parlamento, vol-
tou a errar na altura certa, com a oposição que
fez a António José Seguro. Com a ‘geringonça’,
Galamba, antes um crítico da esquerda radical,
até em público passou a namorar (politicamente,
entenda-se) com Mariana Mortágua.
Na Energia, recebeu um presente envene-
nado, mas foi um secretário de Estado à altura
de uma pasta complexa. Teve o mérito de ser
a pessoa certa no sítio certo no momento cer-
to. Com a saída de Pedro Nuno Santos, a ala
esquerda do PS passa a ter em Galamba o seu
novo representante no Conselho de Ministros.
Esta é uma guerra santa
russa contra os infiéis
ucranianos, europeus
e norte-americanos
primaz da Igreja Ortodoxa russa, o seu
país está numa guerra total contra os ho-
mossexuais, os ateus e católicos europeus.
Todos eles, afirmam Putin e Cirilo, estão
interessados na destruição da Rússia. A
violência contra a Ucrânia é uma das con-
sequências deste messianismo religioso e
ideológico de Putin e Cirilo. Esta é uma
guerra santa russa contra os infiéis ucra-
nianos, europeus e norte-americanos.
A retórica do Kremlin também reflete
uma importante mudança de perceção
geográfica sobre a Rússia. As campanhas
militares de Pedro, o Grande, e de Cata-
rina II, a Grande, no século XVIII foram
uma forma de europeização do império
russo. Como defendeu Vasily Tatishchev
(1686-1750) em 1725, o território russo
a oeste dos Urais era europeu. A feroz
resistência dos ucranianos contra a guer-
ra de agressão de Moscovo e o apoio
dos países europeus, Estados Unidos e
Canadá a Kyiv levaram Putin a propor
uma conceção geográfica sobre o futuro
do país muito diferente da que nos tem
sido familiar nos últimos três séculos.
Devemos tê-la em conta e entender as
reações das elites e da sociedade russa.
Prepare-se. A guerra de Putin contra a
Ucrânia e a repressão interna na Rússia
deverão, necessariamente, aumentar de
intensidade. O Kremlin acredita mesmo
que as democracias euro-atlânticas es-
tão em declínio e cansadas da guerra.
Esta é, pois, a altura para derrotar de
uma vez por todas a Ucrânia e alterar a
distribuição do poder na Europa. Putin
não tem o menor interesse em regressar
a 23 de fevereiro de 2022.
A pedido de Miguel Monjardino,
o Expresso respeitou a grafia Kyiv
usada pelo autor neste texto e não
a forma Kiev que o jornal adotou

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Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 21
 22 PRIMEIRO CADERNO

Desastres Henrique Se vale a pena viver e se

a morte faz parte da vida,
Naturais Monteiro então, morrer também
vale a pena...
ESTA COLUNA
TEM UMA VERSÃO Immanuel Kant (1724-1804),
Por António Araújo PODCAST EM filósofo alemão, racionalista crítico
EXPRESSO.PT

1927-2022 Foi acima de tudo um “patriota bávaro”, como se definiu,

conservador e católico, um amante da ordem e da tradição

Joseph Ratzinger,
Papa Bento XVI

FOTO STEFANO COSTANTINO/SOPA IMAGES/LIGHTROCKET VIA GETTY IMAGES

H
avendo vida além desta,
Joseph Aloisius Ratzin-
ger, que subiu ao trono
petrino como Bento XVI
e dele desceu como Papa
Emérito, e cujo corpo de
95 anos pereceu às 9h34 horas lo-
cais de Roma no último dia de 2022,
estará hoje certamente de regresso
à sua Baviera natal, pois, segundo
disse, o que mais se aproximou do
seu ideal de paraíso foi a infância aí
vivida, após ter nascido às 4h15 da
madrugada de 16 de Abril de 1927,
um Sábado Santo coberto de gelo e
neve, sendo logo baptizado, quatro
horas depois, com a primeira água
acabada de benzer, facto que ele,
sempre atento aos signos da graça,
considerava ter sido premonitório de
uma existência especialmente ligada
à Páscoa e seus mistérios. Noutra
coincidência, mais terrena mas não
bávaro”, como se definiu, conserva-
dor e católico, crescido num triângulo
estreito entre as duas margens do Inn
e do Salzach, um amante da ordem e
a tradição (e, por isso, especialmente
atento aos ritos e à liturgia, razão do
seu dissídio com o Missal de Paulo VI
e o legado conciliar), cujo único jornal
que lia na íntegra, mesmo sendo já
cardeal, era o Mittelbayerische, e que
nos debates alemães do pós-guer-
ra se colocou ao lado de Adenauer
na defesa de uma República Federal
ancorada no Ocidente, opondo-se
a uma concepção bismarckiana ou
prussiana da germanidade e àqueles
que, como Kurt Schumacher, do SPD,
preferiam a causa da reunificação à
do europeísmo. Foi, aliás, em nome
desse ideal de uma Europa unida e
Se tivesse durado mais
tirou a tiara, substituindo-a por uma
simples mitra, consta a cabeça de um
mouro, no que hoje seria tido por um
cúmulo da incorrecção política, mas
que, na sua autobiografia, explicou
como alusão à cidade de Frisinga, da
qual foi arcebispo, e à universalidade
da Igreja. Não são meros detalhes
heráldicos por parte de quem, como
ele, substituiu o misticismo do seu
antecessor por um apreço obsessivo
pelos sinais cifrados e as mensagens
à clef, a ponto de ter escolhido re-
nunciar ao papado a 11 de Fevereiro,
festa da Senhora de Lourdes, já que
o dia de Santa Bernardette era o do
seu aniversário. Para esse corajoso
gesto, considerado o maior e o mais
revolucionário do seu pontificado,
podem ter contribuído muitas e mui-
to obscuras causas, dos escândalos da
pedofilia às revelações do Vatileaks,
Bento XVI: a arte de saber sair
mas pesou também, e inquestiona-

menos expressiva, viu a luz no nº 11
da praça central de Marktl am Inn,
uma casa do século XVIII onde vive-
ra Johann Georg Lankensperger, o
carroceiro-real bávaro que em 1816
inventou o eixo de direcção sem o
qual hoje não existiriam automóveis,
um traço da modernidade com a qual
Ratzinger foi obrigado a conviver,
nem sempre de um modo feliz.
Em partes iguais, o mundo sau-
dou-o e exautorou-o como o primeiro
Papa alemão ao fim de 500 anos e,
sobretudo desde que ascendeu, em
1981, ao antipático cargo de prefeito
da Congregação para a Doutrina da
Fé, a sua ascendência germânica foi
frequentemente usada para carica-
turá-lo como “cardeal-Panzer” ou
“rottweiler da fé”, até com espúrias e
lamentáveis associações ao nazismo,
quando, na realidade, Joseph Ratzin-
ger foi acima de tudo um “patriota
FOTO ALESSANDRA BENEDETTI/CORBIS VIA GETTY IMAGES
uns tempos, talvez visse
o dia da independência
da Escócia e até, quiçá,
a adesão de Edimburgo
à União Europeia
cristã que escolheu o seu nome papal,
em dupla homenagem ao fundador
do monasticismo beneditino e ao pon-
tífice da Grande Guerra, e que assu-
miu algumas das suas posições mais
controversas, nomeadamente quando
manifestou reservas sobre a entrada
da Turquia na UE ou quando, num
célebre discurso de Ratisbona, em
Setembro de 2006, citou uma frase
anti-islâmica de um antigo impera-
dor bizantino, da qual depois pediu
desculpa. Nas armas papais que es-
colheu, e de onde simbolicamente re-
velmente, a lúcida constatação de
que os nossos dias se caracterizam
por um mediatismo sem preceden-
tes, como as viagens de João Paulo
II exuberantemente mostraram, e,
em simultâneo, pela possibilidade
técnica de prolongar a vida humana
até ao limite, duas circunstâncias que,
quando conjugadas, inviabilizam que
o Vigário de Cristo seja escondido em
agonia no Vaticano, como sucedera
com Pio XII. Assim, se a resignação
de Bento XVI assinalou uma ruptura
com o calvário público do Papa po-
laco, ela representa também, a seu
modo, uma homenagem à singulari-
dade irrepetível do gesto do seu an-
tecessor. Só o futuro dirá se se criou
precedente.
Poucos como Joseph Ratzinger de-
ram sentido ao dito de que todo o
começo é eterno, já que nos diversos
passos da sua trajectória é possível en-
trever vestígios da Weltanschauung
em que se formou, a qual, associada a
raros dotes de inteligência, lhe permi-
tiu, sendo filho de um polícia e de uma
cozinheira de poucas letras, traduzir
textos latinos e gregos aos 14 anos de
idade, entre outros espantosos feitos.
Falava diversas línguas, tocava Bach
U
m dos males das visões
contemporâneas sobre
qualquer assunto é que-
rer etiquetá-lo. Trata-
-se sempre alguém, ou
alguma coisa, como se
a precisão ontológica fosse deter-
minante para a compreender. Nes-
se processo, que nasceu a par com
um cientismo que destrói qualquer
consideração que não esteja devi-
damente catalogada, Bento XVI foi
um Papa conservador. Pelo menos,
assim o definiam quase todos os ór-
gãos de comunicação social.
No entanto, esta definição cai pela
base quando sabemos que o Papa
Emérito, falecido no último dia de
2022, resignou à sua condição de
representante de Cristo na Terra há
quase 10 anos, decisão que contras-
tou com a agonia arrastada do seu
antecessor, João Paulo II, cada vez
mais fraco e debilitado.
Ainda que dissesse estar doente,
Ratzinger parecia razoavelmente em
forma, mesmo se comparado com
o atual Papa Francisco. Nesse dia
11 de fevereiro de 2013, muitas teo-
rias da conspiração surgiram; como
Após a sua resignação, Ratzinger
viveu retirado do mundo. Na sema-
na passada, Francisco, que só teve
palavras de elogio para o antecessor,
pediu aos fiéis que rezassem por ele,
que estaria muito doente. No último
dia de 2022, o Papa Emérito Bento
XVI saiu do mundo dos vivos, resig-
nando uma vez mais ao recusar o
internamento num hospital.
Na sua visita a Lisboa, em 2010,
tive a oportunidade de o ouvir numa
plateia de intelectuais. Sempre me
impressionou o seu racionalismo
crítico e sempre me fascinou como
se pode chegar à fé (não à crença,
uma categoria diferente) através da
razão. Mais tarde convidaram-me
para apresentar, em Lisboa, o livro
Sempre me impressionou
o seu racionalismo crítico
e sempre me fascinou
como se pode chegar
à fé através da razão
homem inteligente e desprendido.
Na verdade, na minha opinião de
não membro da Igreja Católica, Boff
teria destruído a sua unidade, co-
locando-a ao serviço de objetivos
políticos, sem qualquer subtileza.
Causa mais do que suficiente para
conceder razão, do ponto de vista da
defesa da Igreja, a Ratzinger na épo-
ca em que era, no Vaticano, prefeito
da Congregação da Doutrina da Fé.
No entanto, numa época em que tan-
tos melindres existem com a origem
das pessoas, poucos se coibiram de
lhe chamar “pastor alemão”, para
ficarmos pelos insultos mais leves.
O que nenhum dos seus críticos
fez — nem Boff — foi saber sair de
cena pelo seu pé. Ratzinger fê-lo por
duas vezes: em 2013, quando renun-
ciou ao Papado; e no sábado passado,
quando preferiu morrer em paz no
Mosteiro Mater Ecclesiae a ir para o
hospital e prolongar artificialmente
a vida.
A isto chamo liberdade; de um
homem livre com um espírito li-
vre, capaz de se autodeterminar. Se
quiserem chamar-lhe conservador,
admito que, perante as duvidosas

e Mozart ao piano, foi membro da
Academia Francesa, debateu com
os maiores intelectuais da segunda
metade do século XX, deixou extensa
e radiosa obra (quase 70 títulos, mais
de 30.000 cartas só do período até
à sua tomada de posse como bispo),
toda escrita à luz do dia, no mais ab-
soluto silêncio, em letra miudinha e a
lápis, e pensada em longos passeios
pedestres ou no conforto de um cana-
pé. Perguntado por Van Gogh, louvou
Rembrandt e Vermeer.
António Araújo escreve
de acordo com a antiga ortografia
quase sempre, nenhuma se revelou
verdadeira. Do mesmo modo, o je-
suíta Bergoglio, que eleito pelo con-
clave lhe sucedeu, começou por ser
considerado um conservador, até se
revelar reformador. A sua frase “este
capitalismo mata” fez a alegria dos
que viviam (e vivem) numa crise dura.
Nunca pensaram que o Papa não pro-
põe uma alternativa, mas apenas mo-
derar a ganância, o egoísmo e a de-
sumanidade que guiam os mercados
financeiros. O Papa preferiria um ca-
pitalismo mais cristão, mais fraterno,
mas nem ele nem ninguém sabe se o
desenvolvimento se consegue sem os
defeitos que todos reconhecem.
do jornalista alemão Peter Seewald,
“A Luz do Mundo”, sobre o Papa
Bento XVI, que converteu Seewald,
um ateu, ao catolicismo. Nesse li-
vro, constituído por um conjunto
de questões, senti o mesmo fascínio
pela racionalidade de Ratzinger.
Bento XVI nunca foi um conserva-
dor — epíteto que começou a colar-
-se-lhe após, nos finais dos anos 80,
enfrentar o teólogo da libertação,
considerado marxista, frei Leonar-
do Boff, um brasileiro na primeira
linha de apoio a Lula. Curiosamen-
te, Boff, que acabou excomungado,
diz que nunca rompeu as relações
com Bento e descreve-o como um
imposições éticas de outras áreas,
possa ser assim considerado.
Como uma vez, a convite do atual
cardeal (então padre) José Tolenti-
no Mendonça, disse na Capela do
Rato, a Igreja tem de ser conser-
vadora — do património, dos bons
costumes, da moral e da vida em
família. De outro modo, de nada
serviria às sociedades uma força
que recorre à transcendência e à
tradição. Bento XVI, filósofo de for-
mação, que em 2004 debateu com
Habermas os fundamentos morais
do Estado numa interessante con-
versa, sabia-o bem.
hmonteiroexpresso@gmail.com

OBITUÁRIO OS DIAS QUE ME OCORREM ANTES QUE ME ESQUEÇA

Vivienne Westwood
1941-2022 Designer de moda e
estilista britânica, abriu nos anos
70 a butique Sex, em Londres,
onde vendia roupa e acessórios que
definiriam o look punk que invadiu
as ilhas britânicas e o resto do
mundo civilizado nos anos seguintes.
Foi nesta loja, que durou dois anos,
que os Sex Pistols (e a juventude
punk mais endinheirada) se vestiam
e reuniam com Malcom McLaren,
manager da banda e companheiro
da designer, com quem teve um
filho. Oriunda de uma família
humilde, esteve várias vezes à beira
da falência, mas conseguiu criar
um império de moda e uma fortuna
que aplicou em causas ambientais
(era uma das maiores benfeitoras
do partido ecologista inglês), no
combate à sida e à pobreza e na luta
pelos direitos dos animais. Nunca
abandonou a imagem e a atitude
punk e alugou um tanque branco
que mandou estacionar à porta
do então primeiro-ministro David
Cameron para protestar contra o
fraturamento hidráulico. Foi uma
das apoiantes incondicionais de
Julian Assange. E em 1992, quando > Graça Lobo (1956-2022), professo- SUBSTITUIÇÕES Silva, que afirma ex-administradora que A LUZ DO MUNDO
foi condecorada pela rainha Isabel ra universitária de Cinema, foi uma Num jogo de futebol, a estar o PM com medo (sem ninguém saber?) Peter Seewald é um
II por ter devolvido relevância à impulsionadora do cineclubismo em substituição de Pedro da ala esquerda ou conseguiu meio milhão. jornalista alemão,
moda britânica, decidiu comparecer Portugal e a primeira diretora do Pla- Nuno Santos teria sido ‘pedronunista’ do A investigação está de 68 anos. Integrou
na cerimónia com um espetacular no Nacional de Cinema, uma iniciativa antes dos 20 minutos PS, nomeando dois em segredo de Justiça, os quadros da “Der
vestido rodado de inspiração militar. das áreas governativas da cultura e da de jogo, algo que só lídimos representantes porque, já se vê, quando Spiegel”, da “Stern”
Estava sem roupa interior, o que fez educação para promover a literacia acontece por lesão ou da ala; ainda que ela o caso, o dinheiro, a e do “Süddeutsche
questão de mostrar aos fotógrafos para o cinema junto das escolas. Dia reajustamento devido tenha sido sempre de empresa e o cargo Zeitung”. Ateu e
presentes. Ficará para a história 30, de causas não reveladas. > Alberto a um jogador expulso. gabinetes de poder, são públicos, tudo esquerdista (em 1976 fundou um
como a mãe ou a avó (depende da Sampaio da Nóvoa (1927-2022), juiz de O caso do ministro, desde que acabou um deve ser tratado sem jornal radical), dispôs-se a fazer (em
geração) do punk. Dia 29, de causas carreira, foi membro do Conselho de eventual sucessor de estágio de advocacia, e que ninguém saiba ao 1996) um trabalho sobre Ratzinger.
não reveladas. Estado, ministro da República para
os Açores e conselheiro do Supremo
Costa, foi parecido —
nove meses de Governo
ele um dos ‘trauliteiros’
de serviço na defesa
certo o que se investiga
(precisará de alerta de
Perante quem era tido como um
inquisidor, Seewald converteu-se ao
Tribunal Administrativo. O filho, An- e saiu. Ninguém de qualquer tese que ironia)? catolicismo. Em 2010 escreveu a obra
tónio, foi candidato derrotado nas elei- o expulsou, mas é sirva o PS. Podem que mais diz sobre Bento XVI, “A Luz
ções presidenciais de 2016, ganhas por um bom indicador. revelar-se excelentes, GUERRA do Mundo”. Conjunto de perguntas
Marcelo Rebelo de Sousa. Dia 31, de Sobretudo se tivermos o que seria bom para O acontecimento mais primeiro sobre as funções do Papa e
causas não reveladas. > Anita Poin- em conta os... o país e uma enorme fundamental e decisivo a vida de Ratzinger (onde este diz que
ter (1948-2022), música americana, foi admiração para os para a Europa e o se diverte com Don Camilo, história
uma das vocalistas das Pointer Sisters, ... SUBSTITUTOS analistas. Infelizmente, mundo é em Portugal da luta amistosa entre um padre e
grupo formado pelas suas irmãs June e João Galamba e uma para Costa, a principal abafado por Pedro um autarca comunista), entrando
Bonnie, também já falecidas. O grupo quase desconhecida vantagem da dupla Nuno fora do Governo, depois em questões teológicas e
é autor dos sucessos ‘Jump (For My Marina Gonçalves é não trazerem Galamba ministro, por fim da vida — da sexualidade, à
Love)’ e ‘I’m So Excited’ e teve uma foram contemplados surpresas. Ronaldo nas Arábias, família, da degradação ambiental
Barbara Walters incursão pelo estilo country com o
tema ‘Fairytale’, que lhe valeu o título
com a subida a
ministros, após o LULA
Enzo Fernandez a faltar
aos treinos do Benfica,
à segurança alimentar. Quem o ler
sem preconceitos percebe o que foi
1929-2022 Jornalista americana, de primeiro conjunto afro-americano ministério de Pedro A posse do novo/velho entre outros assuntos Ratzinger.
foi a primeira mulher a apresentar a atuar no seleto Grand Ole Opry, festi- Nuno ser dividido em Presidente do Brasil importantes.
um telejornal em horário nobre na val que se realiza em Nashville. Dia 31, dois (Infraestruturas correu bem. Pena ter-se ÚLTIMAS
ABC News, em 1976. Ganhou uma de causas não reveladas. > Fred White para um lado e esquecido de que as NOITE DE REIS PALAVRAS
notoriedade única nas décadas (1955-2023), músico americano, foi ba- Habitação para outro). presidenciais naquele Foi ontem. Mas gostava As últimas palavras de
seguintes e entrevistou todos os terista dos Earth, Wind & Fire, banda Isto diz muito de Pedro país versaram não de recomendar a Bento XVI terão sido:
Presidentes americanos da altura, funky/disco de que fazia parte com os Nuno (Yakov Sverdlov, sobre o mais amado comédia hilariante de “Amo-te, Senhor.” Mas
desde Richard Nixon ao mais atual irmãos Maurice e Verdine e que tomou quando faleceu em mas sobre o menos Shakespeare com este manda a História dizer
Barack Obama, cultivando sempre de assalto as pistas de dança e os tops 1919, precisou de cinco odiado. E Bolsonaro era nome, em português. que nada é tão falsificado como
um estilo profundo e pessoal que os nos anos 70 e 80 com clássicos como substitutos, pois era o bastante odioso. No original chama-se últimas palavras. Por exemplo, de
críticos chamavam “sentimental”. ‘September’, ‘Let’s Groove’ ou ‘Boogie principal organizador “Twelfth Night, or What Sidónio disse-se que eram: “Morro!
A entrevista a Monica Lewinski, Wonderland’. Prodígio das baquetas, do partido bolchevique MP E ALEXANDRA You Will” (a tradução Salvem a pátria!”, e afinal foram:
a estagiária que teve uma relação ganhou o primeiro disco de ouro aos de Lenine), mas diz O Ministério Público não é absurda, porque “Não me apertem, rapazes”, para os
com o Presidente Bill Clinton, bateu 16 anos, quando ainda tocava no grupo ainda mais de Costa. abriu um inquérito a noite de Reis é a 12ª soldados que se debruçaram sobre
todos os recordes de audiência. Dia de Donny Hathaway. Parece verdade o à indemnização de depois da noite de ele depois de ser alvejado com um
30, de causas não reveladas. Por Rui Gustavo que escreveu Ângela Alexandra Reis, a Natal). tiro na Estação do Rossio.
Expresso, 6 de janeiro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 23

Ricardo
Costa
Chegar
tarde
a casa
Colégios
distribuem
notas 20 em
disciplinas
sem exame
Em nove disciplinas do secundário que
não têm exame nacional associado
para as concluir, a classificação final
de 20 valores foi a mais frequente entre
os alunos que, em 2021, estavam no en-
sino privado. No caso dos estudantes do
público, tal aconteceu em quatro des-
sas disciplinas, incluindo Química, Físi-
ca, Biologia ou Aplicações Informáticas
B. A concentração de notas muito altas
pode causar mais estranheza ainda se
se pensar que nas disciplinas da mesma
área que as antecedem no 10º/11º — e
que são sujeitas a exame nacional — os
alunos concluem-nas com três a quatro
valores abaixo.
Os dados constam de uma análise
às classificações no ensino secundário
nos últimos quatro anos letivos pedida
pelo secretário de Estado do Ensino
Superior, Pedro Teixeira, no âmbito da
revisão do sistema de acesso a univer-
sidades e politécnicos. E mostram sem
margem para dúvida que a distribuição
de notas tem um comportamento mui-
to diferente consoante haja ou não exa-
me à disciplina, a frequência de público
ou privado e até entre regiões. E é nes-
se sentido que Pedro Teixeira defende
a importância de manter os exames
como mecanismo “regulador e até de
justiça social” no acesso ao superior:
“Reduzir o peso dos exames ou o seu
número é dar vantagens a alunos de
distritos ou de determinados colégios
do sector privado onde existem notas
anormalmente mais altas.”
Os exames nacionais
devem deixar de contar
para a conclusão de
disciplinas do secundário,
mas o seu peso no acesso
ao superior pode subir
A questão está agora em cima da
mesa e este mês o Governo apresenta-
rá as alterações que irá introduzir no
acesso ao ensino superior e que entra-
rão em vigor de forma gradual a partir
de 2024. O que se sabe com quase toda
a certeza é que os exames nacionais
deixarão de contar para a conclusão do
ensino secundário (a situação excecio-
nal definida para a pandemia passará
assim a definitiva), mas poderão ver o
seu peso reforçado para efeitos de aces-
so ao ensino superior, passando a valer
entre 50% a 65% (o intervalo atual é de
35% a 50%) da média de candidatura.
A ideia é garantir o tal efeito regulador
das provas num sistema nacional de
acesso que põe os alunos a concorre-
rem entre eles, com as suas notas de
secundário e as que obtêm nas provas
de ingresso (exames). Para isso, reforça
o secretário de Estado, “têm de estar
em igualdade de circunstâncias”.
Outra das alterações propostas
prende-se com o número mínimo de
exames requeridos para a candida-
tura ao concurso nacional de acesso.
Para Pedro Teixeira é desejável manter
“três a quatro” provas — “que garan-
tem uma avaliação mais robusta” —,
incluindo nesse lote e para todas as
áreas de estudo o exame de Português,
disciplina que integra todos os cursos
secundários. Outra novidade será a
criação, primeiro como experiência-
-piloto, de um contingente especial de
acesso para alunos que beneficiem do
1º escalão de apoio social.
No concurso deste ano tudo se man-
tém igual e os alunos apenas farão as
provas exigidas por cada instituição.
As colocações serão conhecidas mais
cedo, no final de agosto.
N
o país com a maior crise
de habitação na Europa o
tema está a tomar conta
da política. O maior parti-
do da oposição agarrou o
assunto e surge destacado
nas sondagens. O Governo, perceben-
do os riscos, reforçou os programas
que lançou em 2021 e promete cons-
truir casas acessíveis e incentivar um
mercado de arrendamento menos
especulativo a tempo das legislativas.
Com exceção da frase sobre o maior
partido da oposição, o parágrafo ante-
rior podia ser sobre Portugal; é sobre
a Irlanda, um país recorrentemente
citado pelos excelentes indicadores
económicos, mas em que a desigual-
dade provocada, entre outras coisas,
pela dificuldade de acesso a habitação
está a mudar radicalmente a paisagem
política.
O Sinn Féin, que durante décadas
não passou de braço político do IRA,
é hoje o partido mais popular do país:
agarrou as políticas sociais com os
dentes e fez da falta de habitação e dos
preços exorbitantes as suas grandes
bandeiras. A coligação governamental
de centro-direita respondeu e pegou
em €4 mil milhões anuais (!) para ten-
tar construir 30 mil fogos por ano,
durante uma década.
50 anos do Expresso
ANIVERSÁRIO O Expresso celebra esta sexta-feira, dia em que chega às bancas, os
seus 50 anos de vida. Para assinalar a data, a edição desta semana volta ao formato
original do Expresso, em broadsheet. Francisco Pinto Balsemão, o fundador do jor-
nal e chairman do Grupo Impresa, que detém o Expresso, esteve esta quinta-feira na
Redação para marcar o momento em que a edição semanal do jornal ficou concluída.
Na foto ao lado vê-se o banco de jardim do Expresso (onde figuram algumas das pri-
meiras páginas mais emblemáticas), que assinala os 50 anos do jornal e que vai ser
colocado ao longo deste ano em praças centrais das 18 cidades capitais de distrito do
continente. A peça de arte urbana, com wi-fi MEO, foi criada pela Antarte e preten-
de ser um local de encontro e de incentivo à leitura. Através do código QR coloca-
do no banco vai ser possível aceder ao podcast “50 Anos de Expresso”, que relata
o que de mais marcante aconteceu no país e no mundo entre 1973 e 2023, pela voz
dos jornalistas do Expresso. FOTOS NUNO BOTELHO
Assis:
conflito
faz parte da
democracia
Os patrões estão preocupados peran-
te aquilo que, logo no arranque de
janeiro, já consideram poder vir a ser
“um ano difícil”. Da parte dos sindi-
catos a ordem é para expressar “toda
a indignação” e, por isso, a agenda
de greves e protestos está cheia, mas
Francisco Assis, presidente do Con-
selho Económico e Social, garante
que “não há motivo para alarme”.
Não porque a paz social esteja à vista,
mas antes porque “a conflitualidade
política e social caracteriza as soci-
edades democráticas”. Se a pressão
social está a aumentar, “as manifes-
tações e as greves não podem ser
demonizadas”. Costa que se prepare.
E o Governo que se vá habituando.
Isabel Camarinha, líder da CGTP,
assume a linha da frente do combate
perante a “degradação crescente das
condições de vida e de trabalho, o au-
mento das desigualdades e das injus-
tiças, e o brutal aumento do custo de
vida”. Com greves a estalar por todo o
país — transportes, educação e saúde
no topo da lista —, a CGTP acrescenta
ainda um novo elemento ao habitual
menu dos protestos: o “dia nacional
de indignação, de protesto e luta”,
marcado para dia 9 de fevereiro e
que pretende capitalizar o descon-
tentamento geral da sociedade numa
mega-ação contra o Governo de An-
tónio Costa.
“A indignação está, naturalmente,
a crescer”, garante a secretária-geral
da Intersindical, para quem é impor-
tante “unir todo este descontenta-
mento e esta exigência de respostas
aos trabalhadores, reformados e pen-
sionistas que sentem que há uma in-
justiça que não está a ser combatida”.
As contas são simples: o Governo de
Dublin, por consciência social ou por
medo de perder as próximas eleições,
tem como objetivo gastar €40 mil
milhões em 10 anos a construir cerca
de 300 mil casas de habitação social e/
ou com preços acessíveis.
Portugal está muito atrasado — o
Governo chegou ao poder em 2015,
quando a subida dos preços das casas
ou a falta de quartos para estudantes
era gritante —, tem como instrumen-
to financeiro tardio e quase único o
PRR (13%, ou seja, €2,1 mil milhões
vão para habitação), desinteresse em
concertar-se com agentes do mercado
e recusa recorrer a incentivos fiscais
que desonerem a cadeia de constru-
ção, de venda ou compra.
Em Lisboa, o PS protagonizou o
episódio mais infantil deste mono-
litismo. O partido chumbou a ideia
de Carlos Moedas de isentar de IMT
jovens até aos 35 anos que comprem
casa para habitação própria perma-
nente até €250 mil. O PS preferia
que a verba fosse canalizada para
apoios ao arrendamento. Percebo
as divergências sobre qual é a polí-
tica pública mais urgente. Mas não
percebo, como ninguém percebe, o
chumbo. Um tiro no pé em nome de
uma proclamação pueril.
A crise política, marcada pela
mudança sucessiva de responsáveis
ministeriais, não é apontada pelos
parceiros sociais como o motivo
principal do mal-estar. Mas ajuda a
carregar no acelerador das “preocu-
pações”, tanto de patrões como de
sindicatos.
“O ano termina com o Governo so-
bre pressão máxima”, escreveu Antó-
nio Saraiva, da CIP na sua mensagem
de Ano Novo. “É preocupante haver
falta de rigor do Governo na gestão
dos dinheiros públicos”, prossegue
Isabel Camarinha, a propósito da
indemnização milionária na TAP,
que levou à queda da secretária de
Estado do Tesouro, Alexandra Reis,
e, pouco depois, do ministro das In-
fraestruturas e respetivos secretários
de Estado.
CGTP marcou para
9 de fevereiro um
dia de indignação
e luta. Quer unir
todos os descontentes.
Como na era
da troika
Do lado da presidência do Conse-
lho Económico e Social o tom é de
aparente normalização do crescendo
da conflitualidade, que “caracteriza
as sociedades democráticas”. Mas
Francisco Assis não perde a oportuni-
dade para lançar um aviso a António
Costa. “Há um fundo salazarento no
nosso país, que tanto se manifesta à
direita como à esquerda, que execra
a manifestação pública do conflito
e convive mal com o pluralismo de
opiniões.”
A recente assinatura do acordo de
rendimento na concertação social
prova, para Assis, que “não há mo-
tivo para alarme” no diálogo social,
mas “as manifestações e as greves
não podem ser demonizadas. Vive-
mos numa democracia e devemos
habituar-nos a viver democratica-
mente”. Costa terá de se habituar,
portanto.
Não há qualquer problema numa
abordagem ideológica a temas com-
plexos, onde interagem milhares
de agentes individuais, familiares,
empresariais e estatais. O proble-
ma existe quando as abordagens
são próprias de quem parece ter ti-
rado lições de ideologia no Planeta
Agostini, não ter noções mínimas
de funcionamento do mercado ou
recusar abordagens fiscais, quando
os impostos têm um peso enorme em
toda a cadeia.
O PS chegou atrasado à
crise da habitação porque
quis. As prioridades de
2015 foram dedicadas a
interesses cristalizados
da nossa sociedade
Mais relevante, o Governo incenti-
va de todas as formas — estudantes,
reformados, trabalhadores qualifi-
cados, vistos gold, aventureiros das
criptomoedas, onshoring... — que
estrangeiros endinheirados se ins-
talem em Portugal. Faz isso porque
precisa. Mas estas medidas têm um
impacto direto na habitação.
Costa
segura
secretária
de Estado
António Costa questionou direta-
mente a nova secretária de Estado
da Agricultura, Carla Alves Pereira,
antes de se sentar ontem na bancada
do Governo no Parlamento para res-
ponder aos deputados, que debatiam
mais uma moção de censura ao Go-
verno socialista. Perante as respostas
que a recém-empossada governante
lhe deu, o primeiro-ministro garantiu
que não a vai deixar cair: “Não é com
populismo de esquerda que se com-
bate o populismo de direita”, disse
em resposta a Catarina Martins.
O caso, divulgado no dia a seguir
à posse da secretária de Estado (ver
pág. 4) diz respeito ao marido da
nova governante, que foi autarca em
Vinhais e que está a ser acusado pelo
Ministério Público de corrupção ativa
e prevaricação. Como consequência,
Carla Alves Pereira e o marido, Amé-
rico Pereira, ficaram com as contas
bancárias arrestadas. Para Costa,
contudo, uma coisa é o marido, outra
coisa é a mulher. “Sobre este caso
em concreto, o Ministério Público já
investigou, já teve acesso a tudo, às
contas todas, e decidiu acusar uma
pessoa e só uma [o marido]: vou ser
eu a substituir-me ao Ministério Pú-
blico e vou demitir a mulher de al-
guém porque o marido é acusado?”,
atirou, sublinhando que não é assim
que se mede a “ética republicana”.
Para Costa, a “pessoalidade da res-
ponsabilidade criminal” é um princí-
pio basilar do Estado de direito e é isso
que faz com que uma pessoa acusada
de um crime seja individualmente res-
ponsabilizada por ele. “Não é por eu
cometer um crime que a minha mu-
lher é culpada, o meu filho culpado ou
O caso das universidades é especial-
mente ridículo. Forçadas pelo Estado
a procurar novas receitas junto de es-
tudantes estrangeiros — sobretudo em
mestrados e doutoramentos —, quase
nunca foram dotadas (ou sequer liberta-
das de regras de financiamento congela-
das desde a troika) de meios ou simpli-
ficações administrativas para construir
residências estudantis, mesmo quando
têm terrenos próprios disponíveis.
Venha um ministério e venha, com
ele, uma ministra e, com ela, 13% do
PRR. Desejo-lhe sucesso, apesar dos
atrasos, das proclamações simplistas
e dos incentivos contrários promovi-
dos por pastas ministeriais focadas
na captação de receita fiscal ou de in-
vestimento estrangeiro. Duvido muito
é que esse sucesso tenha um efeito
estrutural num problema tão grande
e que afeta em maior escala faixas
etárias que estiveram muito longe
das prioridades eleitorais do primeiro
ciclo governativo do PS.
Por mais que custe ao PS, esse foi
o problema original: a agenda de re-
versão deu absoluta prioridade aos
interesses mais cristalizados da nossa
sociedade. As gerações jovens e futu-
ras ficaram para o fim do ciclo, e isso
foi uma opção política.
rcosta@expresso.impresa.pt
a minha mãe suspeita”, disse, critican-
do duramente a coordenadora bloquis-
ta por se preparar para “deitar pela
janela uma conquista civilizacional do
Estado de direito liberal e democrático
por ter medo dos populismos”.
Foi aí, já o debate da moção de
censura ia a meio, que o primeiro-
-ministro revelou que, depois de ter
sido conhecida a notícia do “Correio
da Manhã”, a secretária de Estado
recém-nomeada foi questionada dire-
tamente pelo Governo sobre o caso:
“Perguntámos à secretária de Estado
se constavam na conta conjunta os
montantes referidos na notícia. Ela
disse que não, que na conta conjunta
só constavam rendimentos do traba-
lho. Perguntámos se havia dúvidas
sobre declarações fiscais que fez. Ela
disse que não, que tinha declarado
Primeiro-ministro voltou
a sair em defesa do seu
ministro das Finanças,
com o PSD apostado em
não largar o osso. “Tem
todas as condições”,
respondeu Costa
todos os rendimentos”, frisou o PM,
sublinhando que “tem de confiar nas
palavras das pessoas”. António Costa
escuda-se, assim, na palavra que a
governante lhe deu pessoalmente,
reiterando que a questionou pessoal-
mente sobre o tema.
Com a oposição unida contra o es-
tado de “degradação” do Governo, o
caso da TAP que fez cair Pedro Nuno
Santos e que mantém Fernando Me-
dina à tona foi outro dos temas mais
abordados. Mas também aí António
Costa voltou a sair em defesa do seu
ministro das Finanças, com o PSD
apostado em não largar o osso. “Tem
todas as condições” para continuar
como ministro das Finanças, disse
várias vezes o primeiro-ministro, que
anunciou que vai falar com o Presi-
dente para criar um mecanismo de ve-
rificação dos nomes escolhidos para o
Governo entre a nomeação e a posse.
Rui Pinto defende-se
A defesa de Rui Pinto, que o
Ministério Público quer que
cumpra pena de prisão efetiva,
apresenta hoje as alegações
finais. Durante o julgamento,
o fundador do Football Leaks
admitiu que pode ter come-
tido o crime de tentativa de
extorsão.
Portugal emite dívida
O Estado português emitiu €3
mil milhões de dívida a 15 anos
com uma taxa de 3,599%. Na úl-
tima emissão comparável, ainda
em 2021, tinha pago 0,622%.
Três feridos graves
em incêndio
O incêndio que deflagrou num
prédio na Avenida Columbano
Bordalo Pinheiro, em Lisboa,
causou três feridos muito gra-
ves, um casal e uma criança de
cinco anos que estavam no ele-
vador. Foram assistidas no local
18 pessoas e 14 foram transpor-
tadas para os Hospitais de São
José e de Santa Maria.
Pelé já é nome
de avenida no Rio
As placas Avenida Rei Pelé re-
batizaram a Avenida Castelo
Branco, à frente do Estádio do
Maracanã. A mudança do nome
do segundo Presidente da di-
tadura militar para o maior
jogador de todos os tempos é
uma decisão de Eduardo Paes,
prefeito do Rio de Janeiro.
O mais antigo recluso
deixa prisão israelita
Karim Younis, de 66 anos, foi
libertado da prisão israelita de
Hadarim, a norte de Telavive,
depois de ter cumprido 40 anos
de pena por ter matado um sol-
dado israelita. Preso em 1983,
acusado pela morte de um sol-
dado israelita nos montes Golã,
ocupados três anos antes, Younis
foi recebido por uma multidão
em Ara.
Expresso na
Biblioteca Nacional
O Expresso passa a ser deposi-
tado em formato digital na Bi-
blioteca Nacional. No âmbito de
um acordo assinado esta semana
entre a Impresa e a Biblioteca
Nacional de Portugal, o jornal
passa a depositar a sua edição
impressa em formato digital no
sistema DDJ — Depósito Digital
de Jornais.
Eutanásia
ainda este mês
O Tribunal Constitucional tem
até ao fim do mês para decidir
sobre a lei da eutanásia, envia-
da quarta-feira pelo Presidente
da República. No seu pedido,
Marcelo escreve que, nesta ma-
téria, é exigível a “maior certe-
za jurídica possível”. O prazo
para apreciação da constituci-
onalidade é de 25 dias.
Novo podcast
Oiça o episódio de estreia do
podcast “A História repete-se”,
com Henrique Monteiro e Lou-
renço Pereira Coutinho, que
partem do nascimento do Ex-
presso, a 6 de janeiro de 1973,
para falar do Portugal de há
50 anos: a tentativa falhada do
marcelismo, a guerra que não
se podia ganhar e a antecâmara
do 25 de Abril.
Castelo Branco
na Sérvulo
O advogado Manuel Castelo
Branco, sócio e fundador da
Gonçalves Pereira, Castelo
Branco & Associados, vai re-
forçar a equipa da Sérvulo.
TEMPO E MARÉS
SEXTA SÁBADO
Bragança 6° 0° 11° 4°
Porto 15° 6° 15° 13°
Guarda 8° 1° 9° 2°
Lisboa 13° 6° 17° 13°
Évora 14° 3° 15° 9°
Faro 18° 8° 18° 11°
P. Delgada 17° 14° 18° 14°
Funchal 21° 15° 22° 16°
MARÉS SEXTA SÁBADO
Baixa Alta Baixa Alta
Porto 08:43 14:49 09:18 15:24
Lisboa 08:40 15:01 09:17 15:36
Faro 08:14 14:25 08:50 15:01
FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
Encoberto “Já somos tudo
aquilo contra o que lutámos no
passado”, escreveu José Emilio
Pacheco. Nuvens a caminho.