GRÁTIS HOJE

1º DE 4 GUIAS
DE VINHOS
Fundador: Francisco Pinto Balsemão 9 de outubro de 2021
2554 O €4

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.pt

24h
PANDORA PAPERS Cavaco ORÇAMENTO DO ESTADO

BES ajudou lança

alerta
Costa
preparado
para ceder
a subornar
Advogado de
Rendeiro alvo da OA
A Ordem dos Advogados vai
vermelho mais ao PCP
fazer uma “apreciação limi-
nar” a Carlos do Paulo para

ministro
decidir se há indícios suficien- Ex-Presidente faz duros
tes para lhe instaurar um pro- avisos sobre economia e Socialistas admitem
cesso disciplinar. Em causa PRR. Ataca Governos PS negociação longa
está o facto de o advogado de mas também a oposição, e preparam-se para
João Rendeiro, fundador do que diz “débil e sem rumo” dar mais trunfos a

BPP, ter representado os lesa-
dos do banco. O advogado diz
que era um mero “porta-voz”.
Nobel da Paz
Os jornalistas Maria
Ressa e Dmitri Mura-
tov venceram o Pré-
mio Nobel da Paz “pelos seus
esforços por salvaguardar a
liberdade de expressão, que é
pré-condição para a democra-
cia e a paz duradoura”, diz o
comité norueguês. Respetiva-
mente filipina e russo, os dois
são perseguidos pelos regimes
da Venezuela
Jerónimo. O que vai
Em artigo de opinião, Cavaco mudar para empresas,
Silva culpa os socialistas “pelo famílias e Estado P10eE11
empobrecimento” do país nas
últimas duas décadas e acusa a
oposição, “débil e sem rumo”,
Investimento:
de ajudar ao “silenciamento” da
situação. Sobre o PRR, diz que
> Odebrecht pagou $92 milhões através de um não vai “inverter a decadên- Governo
esquema criado por núcleo de Salgado > Em troca cia relativa”. E acusa António
Costa de se guiar “por meros recupera
foram investidos €50 milhões em ações do banco interesses eleitorais”, deixando
o país numa “democracia amor- apoio fiscal
> Esposa comprou casa de luxo ao GES em Lisboa P6
P11
daçada”. P12

Costa serena ENTREVISTA “MEO”:

autoritários dos seus países.

“Sem Moderação”
Francisco Mendes da Silva,
Marcelo com
recondução
O CAMINHO Ministérios
criam
que estava na TVI24, e José
Eduardo Martins, na RTP,
no Exército QUE LEVOU alcunha
RUI COSTA
vão ser comentadores da
SIC Notícias, no programa para criticar
“Sem Moderação” (original
obsessão
AO PODER
do Canal Q), com Daniel
Oliveira e Pedro Delgado
Alves. Este reforço segue-se Manutenção do chefe de Leão P11

ao lançamento do “Linhas do Estado-Maior pretende

Vermelhas”, com Mariana
Mortágua, Adolfo Mesquita
Nunes, Pedro Delgado Alves
e Miguel Morgado.
Integram esta edição semanal, além deste
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda
GUIA VINHOS Nº 1 — TINTOS
mostrar que militares
críticos das novas leis
não são penalizados
A continuação do general Nu-
nes da Fonseca por mais dois
anos contraria as acusações de
“governamentalização” feitas
por Ramalho Eanes. E abre a
porta à substituição na Mari-
nha sem parecer que os chefes
são castigados pelas críticas à
‘reforma Cravinho’. P16

“Bando dos 4” Antifascista

CANDIDATURAS DE
junta-se para da Seara Nova
1 A 30 DE NOVEMBRO. flad.pt
celebrar Jorge informava
Sampaio P20 a PIDE R38

Pany Varela, ELEIÇÕES O Benfica vai hoje a votos e o favorito é Rui Costa, ex-jogador que brilhou no
Irão e
das bolas de Estádio da Luz e em Itália, mas que também fez parte da direção de Luís Filipe Vieira
— entretanto afastado devido a processos judiciais. Essa coabitação, porém, não o
sauditas
trapos a herói demove: “Se estivesse envolvido nalguma coisa, não estava nesta situação”, diz em financiaram
www.mantovani.pt entrevista de fundo. Francisco Benítez, o outro candidato, contesta-o: “Nunca vimos
nacional P36 Rui Costa dar um murro na mesa.” R40eP37 FOTO TIAGO MIRANDA Juan Carlos P30

Saiba mais em cgd.pt

Sabemos o que os empresários
esperam de nós.
Caixa. Para todos e para cada um.
Caixa Geral de Depósitos, S.A.
2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 9 de outubro de 2021

João Vieira Duelo Quando se discute o Orçamento para o próximo ano e as contas do país,
o salário mínimo também é motivo de debate
Pereira
António Carlos
Colonoscopia sem anestesia Saraiva Silva

P
eço desde já desculpa pelo
título, que pode impressi-
onar alguns. A dureza das
palavras é infinitamente
menor que o desconforto
provocado pelo ato médico,
ao estilo medieval, que me
foi relatado via médicos do Serviço Na-
cional de Saúde (SNS). Já se sabe que
a pandemia serviu como adubo para as
geridos os hospitais. Um hospital re-
Presidente da CIP Secretário-Geral da UGT
cebe do Estado fundos de acordo com
atos médicos, por exemplo consultas.
Mas não recebe dinheiro por meios
complementares de diagnóstico. A
dita colonoscopia pedida ao paciente
é apenas custo para o hospital, logo
O Governo deve rever o ritmo de subida
não existe qualquer tipo de incentivo
por parte da administração hospita-
previsto para o salário mínimo?
lar em fazê-la ou sequer ter recursos

listas de espera de consultas e cirurgi-
as. Para salvar uns condenaram outros.
Aos sortudos são oferecidos maus ser-
viços, os azarados ficam esquecidos
entre milhares de outros nomes.
O relato vindo de dentro do SNS não
podia ser mais rude. Hoje, depois de
milhões de euros gastos em equipa-
mentos e tecnologia, os meios de di-
agnóstico e tratamento permitem mi-
lagres. Desde, claro, que exista quem
os saiba usar. Garantem-me que há 20
anos, com menor capacidade cientí-
fica, tratava-se melhor os doentes. A
causa está na crónica falta de médicos.
No caso concreto, de médicos aneste-
sistas, que sejam capazes de drogar um
paciente para que se possa fazer em
segurança e sem dor um ato médico.
A única solução é oferecer ao paciente
a tal colonoscopia sem anestesia. Não
estamos a falar entre escolher fazer (o
mesmo que escolher o desconforto e a
dor) ou não fazer. Em causa pode estar
a escolha entre a vida e a morte.
Quem tem dinheiro vai ao privado e
engrossa as estatísticas que mostram
que somos um dos países da Europa
onde as famílias mais pagam do pró-
prio bolso para terem acesso a cuida-
dos de saúde. Neste indicador estamos
bem acima da tabela, gastando mais do
dobro da média europeia. A falta de
oferta no SNS aumenta gravemente
as desigualdades, principalmente num
país com dois milhões de pessoas em
situação ou risco de pobreza.
Mas porque faltam médicos para
este tipo de atos? A explicação mais
fácil é a de que os médicos fugiram
para o sector privado, que oferece con-
dições financeiras bastante mais atra-
tivas. Este argumento financeiro não
é falso, mas é absolutamente redutor.
Primeiro porque também no privado
há falta de médicos, nomeadamente
em algumas especialidades, pelo que
não pode ser a única explicação para
as carências no SNS.
Ao contrário do que defende a Or-
dem dos Médicos, há falta de médicos
em Portugal. E haverá sempre falta
enquanto as vagas que forem abertas
no SNS para a contratação de médicos
ficarem por preencher. Neste ponto
concordo com o Governo na neces-
sidade de restringir, drasticamente,
alguns dos poderes das ordens profis-
sionais, que preferem funcionar como
centros de lóbi para garantir restrições
no acesso à profissão e assim aumenta-
rem os benefícios dos seus associados.
As ordens não são eleitas por sufrágio
universal, por isso a sua atuação não
pode condicionar o cidadão.
Mas há mais causas para o caos no
SNS. Desde logo a forma como são
suficientes para que sejam feitas com
todas as condições. Aliás, se o paciente
a for fazer noutro sítio, no privado,
por exemplo, o hospital na prática até
poupa dinheiro.
E por fim existe uma coisa de fun-
cionamento sombrio que se chama
Sistema Integrado de Gestão de Inscri-
tos para Cirurgia (SIGIC). Que nasceu
como uma excelente ideia para tentar
limpar as infindáveis listas de cirur-
gia mas que se tornou um monstro
dentro do monstro. É reconhecido
por vários médicos e administradores
hospitalares que os médicos preferem
operar ao abrigo do SIGIC em vez de
fazerem operações em dias normais
de trabalho, pelo simples facto de no
A falta de oferta no SNS aumenta
gravemente as desigualdades,
principalmente num país com
dois milhões de pessoas em
situação ou risco de pobreza
primeiro caso receberem um extra
pelo procedimento. Existirá sempre
um incentivo para colocar o maior
número de cirurgias neste regime, o
que pode implicar fazer menos do que
as que deviam ser feitas.
Isto leva ao último ponto. Os salá-
rios dos médicos no SNS são ridicu-
lamente baixos. Por isso, os médicos
— peço desculpa se a generalização
é injusta — usam todos os procedi-
mentos que conseguem para ganhar
mais algum. Resolver este problema
não é fácil. É preciso coragem para
enfrentar o lóbi de uma classe po-
derosa, é preciso aprender a gerir
hospitais sem estar preocupado com
as pressões desse lóbi, de sindica-
tos e ordens profissionais, é preciso
aumentar drasticamente as vagas
para a formação de médicos e com
isso baixar as médias de entrada nas
universidades, é preciso aumentar e
ajustar as vagas para a entrada nas
especialidades, é preciso olhar para
o sector privado como um aliado. E,
claro, é preciso dinheiro.
Numa altura em que se discute mais
um Orçamento do Estado que tem
tudo, na melhor das hipóteses, para ser
mais uma oportunidade perdida, e no
pior caso mais um passo em direção a
uma economia totalmente dependente
da (má) despesa do Estado, talvez fosse
altura de perguntar o que preferem
pensionistas e funcionários públicos.
Aumentos miseráveis para fingir que
se está a dar alguma coisa ou colonos-
copias com anestesia?
jvpereira@expresso.impresa.pt
SIM NÃO
O objetivo de atingir o valor de 750 Claro que não. Basta atentar na re-
euros para o salário mínimo no final solução do Secretariado Nacional da
da legislatura foi fixado num momen- UGT aprovada no mês de setembro
to em que se projetava, para esse horizonte temporal, para se compreender qual o panorama atual dos sa-
um período de crescimento económico. lários dos trabalhadores em Portugal, mesmo que em
Tive oportunidade de afirmar, nessa altura, que se circunstâncias de crise, como vem sendo cíclico desde
tratava de um objetivo muito ambicioso, tendo em con- 2008 — rutura financeira do Estado, crise do subprime,
ta a evolução esperada da economia, nomeadamente austeridade e crise sanitária provocada pela pandemia
em termos de inflação, produtividade do trabalho e —, com os mesmos argumentos de sempre a serem
competitividade, critérios económicos objetivos e quan- esgrimidos pelos nossos empresários para susterem a
tificáveis que, como sempre defendi, deverão estar na subida dos salários e manterem-nos na cauda da Europa
base da evolução dos salários e, obviamente, do salário no que toca às remunerações dos trabalhadores.
mínimo nacional. “A valorização dos salários e dos rendimentos dos por-
Entretanto, inesperadamente, a realidade alterou- tugueses e o combate às desigualdades foram assumidos
-se profundamente com a eclosão da crise pandémica. como prioridades pelo Governo desde 2015 e sistematica-
Quando a esmagadora maioria das empresas luta com mente reafirmadas ao longo dos seis anos já decorridos.
severos problemas financeiros, quando está em causa Relembram-se aqui as recentes declarações do pri-
a própria sobrevivência de muitas empresas viáveis, meiro-ministro, proferidas aquando da assinatura do
quando é pedido às empresas que, acordo tripartido sobre a formação
nos próximos anos, ponham em profissional, no final do passado
prática estratégias e investimentos A realidade alterou- mês de julho, sobre a importância
exigentes, que permitam impul- -se profundamente de um acordo “sobre a valorização
sionar a recuperação económica, salarial, em particular das jovens
manter inalterado este objetivo
com a eclosão da gerações, sem o qual este esforço
é, do ponto de vista económico e crise pandémica de aposta na qualificação não será
mesmo social, absurdo e revela um percebido por quem tem de o fazer
completo alheamento da realidade. como valendo a pena para progre-
Revela, sobretudo, desprezo pelas
A atualização do dir na respetiva carreira”, ou ainda
consequências que daí podem ad- salário mínimo é relembrando “a todos os parceiros
vir. Só considerações de natureza indissociável da da concertação social que o Estado
político-partidária podem explicar melhoria das se considera parte no esforço co-
tal pretensão. letivo que a sociedade portuguesa
Temos hoje evidência (nomea- condições de vida tem de fazer para aumentar o ren-
damente através de um estudo rea- dimento disponível das famílias”.
lizado no ano passado) de que as políticas de salário A UGT rejeita uma discussão sobre a atualização do
mínimo no período de 2014 a 2017 tiveram um impacto salário mínimo para 2022 que esteja simplesmente
negativo na rentabilidade das empresas e no ritmo de amarrada ao discurso das dificuldades e constrangimen-
crescimento do emprego e que esse impacto foi ampli- tos do momento de saída desta crise pandémica. O país
ado para empresas em dificuldades financeiras. Esse apresenta já fortes sinais de recuperação económica e
estudo mostrou que o aumento do salário mínimo ace- a melhoria do desempenho económico tem necessaria-
lerou o encerramento de empresas que estavam numa mente de ter impactos também na melhoria dos salários
situação financeira muito débil. e, muito especialmente, nos baixos salários. A atualiza-
Se, em períodos de elevado crescimento económico e ção do salário mínimo é indissociável da melhoria das
do emprego, podemos admitir este impacto e justificar, condições de vida, constitui um estímulo ao consumo
por razões de natureza social, uma maior ambição nos privado e um estabilizador económico (como, aliás, esta
aumentos do salário mínimo, tal não sucede na presente fase de recuperação económica bem o demonstra) e po-
situação, dado o estado em que a crise deixou o tecido tencia ainda uma melhoria dos salários em geral, assim
produtivo português e, em particular, as empresas de as empresas o saibam assumir. Mesmo desconsiderando
menor dimensão de alguns dos sectores mais afetados, o papel social fundamental que o salário mínimo de-
onde a incidência do salário mínimo é mais elevada. sempenha, é necessário que os empregadores percam
Acresce que as empresas estão a enfrentar uma subi- a mentalidade de poupar tostões e assumam o aumento
da brutal de custos — energéticos e no abastecimento do salário mínimo, quanto mais não seja como um fator
de matérias-primas —, que as obriga ao esmagamento impulsionador do consumo e da economia.
das margens para segurar a carteira de clientes. A recente Proposta de Diretiva sobre Salários Míni-
Nestas circunstâncias, aumentos adicionais e des- mos adequados apresentada pela Comissão Europeia
proporcionados dos custos são o que as empresas mais veio colocar um enfoque na relevância económica e
dispensariam num momento em que ainda sofrem os social da existência de salários mínimos adequados nos
efeitos da crise. Necessitam, pelo contrário, de uma diferentes Estados-membros, realçando o seu papel
envolvente propícia ao regresso à rentabilidade para económico na robustez dos modelos económicos em
poderem impulsionar a recuperação da economia. geral e, em particular, destacando o seu contributo em
Se, relativamente à política salarial do Estado, o ciclos económicos desfavoráveis. Quando parece que
Governo invoca o cenário macroeconómico para não conseguimos operar alguma mudança numa instituição
admitir aumentos generalizados, deveria ter em conta que sempre se revelou tão cética e receosa de aumen-
esse mesmo cenário e os parâmetros que lhe estão tos do salário mínimo como é a Comissão Europeia,
subjacentes para rever, numa perspetiva racional, o parece-nos que, mais do que nunca, os empregadores
objetivo para o salário mínimo. portugueses deveriam perceber a mensagem!

A Semana Conselho de Ministros para

fechar o documento e na última
semana os partidos já foram
expressão”, disse Berit Reiss-
-Andersen quando anunciou os
dois distinguidos: os jornalistas e
realizar-se de 1 a 6 de agosto de
2023. Estará cá o Papa Francisco.
em instituições religiosas desde os
anos 50 até 2020.

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
PANDORA PAPERS
O ICIJ, o consórcio que revelou os
Luanda Leaks e os Panama
Papers, está de volta, numa
investigação feita a partir de 12
milhões de ficheiros com origem
em alguns dos maiores paraísos
fiscais do planeta. Uma
investigação em que o Expresso
participa e que está a gerar ondas
de choque em todo o mundo, da
Rússia à América Latina,
passando pela Europa.
ORÇAMENTO DO ESTADO
É já no início da próxima semana
que o OE para 2022 é
apresentado pelo Governo. Este
fim de semana há o habitual
recebidos para uma primeira
apresentação das linhas gerais
do documento que vai governar
Portugal no próximo ano.
FUTSAL
A seleção nacional de
futsal conseguiu um
inédito título mundial,
que se soma ao
europeu, vencendo na
final do Mundial, na
Lituânia, a poderosa
Argentina, até aqui detentora
do título. Foi a consagração de
uma geração que tem Ricardinho
como seu expoente.
NOBEL DA PAZ
O Nobel da Paz 2021 foi para a
liberdade de expressão e
informação. “Não existe
democracia sem liberdade de
ativistas Maria Ressa, das Filipinas,
e Dmitry Muratov, da Rússia, dois
países, liderados por Duterte e
Putin, em que este direito
fundamental democrático não
está garantido.
JUAN CARLOS
Documentos agora
divulgados do antigo
chefe dos serviços
secretos revelam
manobras de Juan Carlos
no início do seu reinado, na
transição do franquismo para a
democracia, nomeadamente ter
recebido milhões provenientes
da Arábia Saudita.
JORNADAS DA JUVENTUDE
Já se sabia que eram em Lisboa,
faltava saber a data. As Jornadas
Mundiais da Juventude irão
FACEBOOK
Semana negra para Zuckerberg.
O Facebook, o Instagram e o
WhatsApp estiveram em baixo
durante várias horas no
início da semana, levando
a uma queda de vários
milhares de milhões na
cotação da empresa. E
as denúncias de Frances
Haugen, ex-funcionária
da empresa, são um
enorme abalo.
IGREJA EM FRANÇA
Choque em França com a
revelação, através de uma
comissão independente, do
número de vítimas — 330 mil
— de crimes de abuso sexual
sobre menores cometidos
diretamente pelo clero católico no
país ou por leigos que trabalharam
VACINAS
A terceira dose das vacinas
contra a covid-19 vai mesmo
avançar em Portugal, depois
de várias semanas em que
se aguardava por este
anúncio. A inoculação
começa já para a
semana e será para os
maiores de 65 anos. O
processo vai começar
pelos lares.
GLOBO DE OURO
Acabado o processo de
vacinação, em que coordenou a
task force, o vice-almirante
Gouveia e Melo foi galardoado,
no fim de semana, com o Prémio
Mérito e Excelência nos Globos
de Ouro da SIC. O próprio
revelou que o troféu seria para
entregar ao Ministério da Saúde.
Expresso, 9 de outubro de 2021
Miguel Sousa Tavares
O dinheiro
T
alvez nenhumas re-
lações das pessoas
consigo mesmas
e com os outros
sejam tão comple-
xas de gerir e tão
reveladoras como
aquelas que elas
estabelecem com
o dinheiro. O dinheiro desvenda
caracteres e personalidades, exibe
sem disfarces o fundamental da edu-
cação que se teve e dos valores em
que se acredita e, quando a tenta-
ção do seu brilho fatal escava uma
superfície mal polida de cobertura
social, destrói casais, afasta irmãos,
estilhaça famílias, espalha o ódio
e a inveja onde antes reinava uma
harmonia, talvez pobre, mas pací-
fica. Mas depois o dinheiro sobe à
cidade e corrompe os incorruptíveis,
determina as ideologias, contamina
a política, favorece a demagogia, al-
draba eleições e vicia a concorrência
— no mundo político, empresarial,
cultural.
Certos povos do Norte, de tradição
luterana, temem o dinheiro e o seu
poder nefasto sobre as frágeis almas
humanas. Desconfiam das grandes
fortunas, taxam-nas com impostos,
perseguem-nas com uma crítica so-
cial sempre latente que as faz serem
grandes mecenas de hospitais, uni-
versidades, orquestras, centros de
investigação. Mas, depois disso, não
as invejam, porque elas — as gran-
des empresas, as grandes fortunas
— cumpriram a sua função de pay
back à sociedade. Foi isto que Olaf
Palme quis explicar a Otelo quando
este lhe disse que o objectivo do 25
de Abril era acabar com os ricos :
“Ah, curioso, aqui, nós queremos é
acabar com os pobres.” Mas ai dos
ricos desses países do Norte que se
atrevam a fugir ao Fisco, a refugiar-
-se em offshores, a serem empresá-
rios como um Jeff Bezos, sempre a
tentar pagar o mínimo de impostos
e o mínimo de salários e a descontar
no salário o tempo que os empre-
gados gastam a ir à casa de banho.
Um tipo assim não é um empresário
de respeito, por mais Amazons que
faça, é alguém com um grave defei-
to de carácter. Mas ai também de
alguém que, ao leme do Governo,
não demonstre um respeito absoluto
pela gestão dos dinheiros públicos,
arrecadados aos contribuin tes. A
esta filosofia de vida em sociedade
chama-se social-democracia, uma
coisa de que muitos se reclamam e
invocam, mas que só existe lá, por
terras do Norte da Europa, e que,
por alguma estúpida razão, fez de-
les os países mais prósperos e mais
justos do planeta Terra.
Pelo contrário, aqui, no Sul do
mesmo continente, existem povos e
países que olham para as formas de
organização da vida em sociedade de
ARMAZÉNS AUTOMÁTICOS
que aumentam a produtividade
214 151 890
maneira completamente diferente.
É talvez verdade que pensamos e
reflectimos e escrevemos muito mais
do que eles sobre estas coisas e isso
impede-nos de, ao fim e ao cabo, che-
garmos a conclusões tão simples ou
lineares como as deles — ou mesmo,
deleite máximo, de chegarmos a con-
clusão alguma. Desde a Grécia Anti-
ga, passando por Roma, pelos árabes,
pelo Renascimento, pelos filósofos
alemães, pela Revolução Francesa e
pelas Luzes, foram tantas as escolas
de pensamento que nunca nada se
tornou claro. Até que, por comodi-
dade ou cobardia, nos conformá-
mos com a doutrina da Santa Madre
Igreja: Deus, cujo reino não é desta
Terra, fez o mundo com pobres e
ricos e só no outro mundo adminis-
trará a sua divina justiça. Eis um
conforto de alma que a todos serviria
e do qual nasceu essa nefasta palavra
“caridade”, adequada justificação de
toda a injustiça terrena e que levou
Victor Hugo a escrever: “Declaro
que haverá sempre pobres e ricos,
mas não é necessário que haja mi-
seráveis.”
E é disso que se trata: enquanto
aqui quisemos acabar com os ricos,
lá no Norte quiseram, e consegui-
ram, acabar com os pobres. Qua-
se 50 anos depois do 25 de Abril e
depois de dezenas de milhares de
milhões de euros dados pelos tipos a
quem Otelo queria vender a revolu-
ção portuguesa, um quinto da nossa
população — dois milhões — é ainda
pobre. Gastámos todo esse dinhei-
ro, endividámo-nos como ninguém
mais, e, sim, conseguimos acabar
com os ricos, mas não conseguimos
acabar com os pobres. É obra!
Agora, importamos ricos, a quem
vendemos a paisagem, e importa-
mos miseráveis para trabalharem
naquilo a que chamam a “agricultura
moderna”. E exportamos os frutos
exóticos desta, alguns sapatos, têx-
teis disfarçados de made in Italy e os
melhores da “geração mais qualifica-
da de sempre”. A indústria química,
a construção e reparação naval, a
siderurgia, os cimentos, as pescas
— tudo isso em que, em tempos de
pobreza, éramos ricos - esfumaram-
-se, apesar de tantos milhões que
nos deram e emprestaram para que
se desenvolvessem. A banca, que se
tinha modernizado ao ponto de se
ter tornado, como nos garantiam,
das mais eficientes do mundo, desa-
pareceu de mãos portuguesas, entre
escândalos sucessivos e injecções de
ajudas públicas sempre a fundo per-
dido. Por junto, ficámos reduzidos à
nossa velha vocação de Oliveiras da
Figueira, que nos levou pelo mundo
fora: a de vender mercearias a reta-
lho. Mas cobrimos o país de centros
de congressos, rotundas e uma es-
pessa teia de burocracia, e paulati-
namente desmantelámos um sistema
mecalux.pt
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
ferroviário que demorara séculos a
Gastámos todo erguer, substituindo-o por auto-es-
tradas para todo o lado. Após o que
esse dinheiro, nos sentámos para olhar para a fac-
endividámo-nos como tura: 135% do PIB de dívida pública,
ninguém mais, e, sim, uma das maiores do mundo. Outros
conseguimos acabar ficariam desmoralizados, assusta-
dos, pelo menos tentados a pensar
com os ricos, mas não onde estará o problema. Nós, não:
conseguimos acabar nós continuamos a acreditar que a
com os pobres. É obra! fórmula está certa, as circunstâncias
é que estão erradas. Vêm aí novos
sacos de dinheiros europeus que nos
preparamos para gastar da mesma
forma de sempre e somos campeões
PRIMEIRO CADERNO 3
do mundo de uma coisa importan-
tíssima, o futebol de salão. Porquê
preocuparmo-nos?
Volto ao princípio para dizer que
talvez a maneira como nos relacio-
namos com o dinheiro tenha que ver
com isto. Peguemos em dois exem-
plos: o fugitivo Rendeiro e o ministro
Pedro Nuno Santos.
Já tudo, ou quase tudo, foi dito
sobre a fuga, “em legítima defesa”,
do finório João Rendeiro: a lei pro-
cessual penal que podia facilmente
precaver situações destas, os sinais
patentes na própria atitude de so-
branceria que sempre foi a dele que
deveriam ter alertado os juízes, etc.
Mas nada disso pode fazer esque-
cer o essencial: que estamos perante
um homem desprovido de honra, de
vergonha e de coragem de assumir o
que fez. Com uma gestão que os tri-
bunais julgaram criminosa, Rendeiro
espatifou o dinheiro que outros lhe
tinham confiado, mas nunca se dis-
pôs a pedir desculpa, a pagar-lhes e a
enfrentar as consequências dos seus
actos. Tratou antes, e obviamente,
de preparar o dia seguinte ao juízo
final, acautelou o seu pé-de-meia no
estrangeiro e, na hora de mostrar de
que fibra era feito, pôs-se ao fresco.
Deve achar-se espertíssimo, mas eu
não gostaria de ser filho dele.
Pedro Nuno Santos protagonizou
uma insólita bravata pública contra o
seu colega das Finanças, João Leão,
culpado, tal como o seu antecessor,
das célebres e bem-aventuradas ca-
tivações — sem as quais o déficit e a
dívida andariam em roda livre. Na
mesma semana em que João Leão
lhe soltou mais €1000 milhões para
a TAP, Pedro Nuno Santos queixou-
-se de ele não fazer o mesmo com
a CP, finan ciando o seu sonho da
“ferrovia”. Pois, o problema é que
andamos a financiar sonhos impossí-
veis ou flutuantes há quase 50 anos e
o resultado é desastroso: a TAP está
endividada em €6000 milhões e a
CP em €2000 milhões. É fácil dizer,
como o ministro, que “comigo a man-
dar, o problema já estava resolvido”.
Com o dinheiro dos outros também
eu resolvo todos os problemas. Mas
com o meu dinheiro, tal como toda
a gente, por cada despesa que faço
pergunto-me antes como é que vou
pagá-la. Até porque, no fim, chega,
implacável, a factura das Finanças,
que não perdoa atrasos nem juros,
e eu não posso e não quero, como o
dr. Rendeiro, pedir que ma enviem
para o Consulado de Portugal nas
Bahamas. Ou que a reenviem para o
ministro Pedro Nuno Santos, pedin-
do-lhe que, se não tem dinheiro para
os seus sonhos grandiloquentes, voe
mais baixinho.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Fernando
Medina
Presidente cessante
da Câmara Municipal
de Lisboa
Como valorizar quem perde e está
de saída? Nas cerimónias do 5 de
Outubro, a partir dos Paços do Con-
celho de Lisboa, o autarca cessante
teve um gesto de saudável dignida-
de democrática e convidou para es-
tar presente o seu sucessor, Carlos
Moedas. Medina pode ou não ter si-
do um bom autarca, mas na hora da
derrota tem estado inexcedível.
Mário
Centeno
Governador
do Banco de Portugal
Nas vésperas da entrega da propos-
ta de OE para 2022, o governador
do Banco de Portugal e ex-minis-
tro das Finanças veio deixar alguns
alertas muito significativos nesta al-
tura, nomeadamente sobre a pres-
são da dívida portuguesa e a neces-
sidade de o país conseguir retomar
um caminho de redução.
Nuno Melo
Candidato à liderança
do CDS
A clarificação política dentro dos
partidos é sempre um sinal saudá-
vel e de vitalidade. Francisco Rodri-
gues dos Santos, “Chicão”, veio gri-
tar vitória na noite das autárquicas.
No seu partido há quem não con-
corde com essa análise e prefere ir
a jogo e desafiar a atual liderança.
Depois se verá, na ida a votos, quem
é que tem razão e quem é que tem o
partido consigo.
José Avillez
Chefe
Qual o melhor restaurante do Mun-
do? Claro que a resposta é difícil e
altamente subjetiva. Mas há listas
para tudo e também para os locais
onde se melhor come. E o Belcanto,
do português José Avillez, em Lis-
boa, é mesmo o único restaurante
nacional a figurar na restrita lista
dos 50 melhores do mundo. Está na
42ª posição.
Jorge Braz
Selecionador nacional
de Futsal
O crescimento do futsal em Portu-
gal tem sido assinalável e o seleci-
onador nacional conseguiu levar a
modalidade para outro patamar, ao
somar em três anos os títulos euro-
peu e mundial. Notável.
E BAIXOS
Rui Fonseca
e Castro
Juiz
O Conselho Superior da Magistra-
tura decidiu por unanimidade de-
mitir o juiz negacionista de funções,
por ter incentivado à violação da lei
e regras sanitárias na pandemia.
PS: Na última semana referi aqui, de
forma enganosa, que a CDU tinha
passado de 29 para 19 presidências
de câmara. Na realidade, passou de
24 para 19. As minhas desculpas.
Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
GALP Refinaria terá
projeto visionário
Destino dos terrenos de
Matosinhos será anunciado em
2022, após análise de 20 planos
de transformação industrial
O Grupo de Trabalho (GT) da Galp
já avaliou 20 grandes projetos de
transformação industrial e de mo-
vimentos de revitalização urbana
em vários países, para identificar
novas tendências e necessidades a
alavancar nos 260 hectares de terre-
nos da extinta refinaria de Leça da
Palmeira. Os principais centros de
inovação da Europa estão ainda na
mira da petrolífera, que vai manter
sob reserva o destino a dar aos ape-
O Cartoon de António Arrastando o ‘Brexit’
Impostos Irlanda junta-se ao grande clube
Esta sexta-feira foi
formalizado em Paris um
acordo histórico que junta
136 países para pôr ordem
na tributação fiscal
Que acordo histórico
é este?
O plano selado em Paris entre 136
países tenta pôr um mínimo de or-
dem na tributação das empresas e
na concorrência fiscal desenfreada
entre Estados sedentos de atrair in-
vestimentos e capital. As regras são
mínimos denominadores comuns
que os países se comprometem a
seguir.
Em que consistem
essas regras?
O plano assenta em dois pilares. O
primeiro quer impedir que as gran-
des multinacionais, sobretudo do
sector digital, façam transferên-
cia de resultados para territórios
de mais baixa tributação e deixem
fiscalmente à míngua os mercados
onde efetivamente fazem mais ne-
gócios. As empresas ou grupos com
mais de €20 mil milhões de receita
(cerca de 100, ao todo), como é o
caso da Amazon, do Facebook ou da
Google, terão de compensar os paí-
ses onde, apesar de terem receitas,
não pagam impostos e terão ainda
de arcar com uma despesa fixa em
função do marketing e publicidade.
Já o segundo pilar, o mais famoso,
tenta impor uma taxa mínima de
15% a nível global (em termos muito
resumidos).
tecíveis terrenos até ao final do ano.
Qualquer que seja a decisão, a Câ-
mara Municipal de Matosinhos terá
“um papel central”, refere Rodrigo
Tavares, coordenador do GT da Galp,
criado em julho e que integra peritos
nacionais e internacionais.
Num local de “valências estratégi-
cas, territoriais, económicas e logís-
ticas”, como os vizinhos Aeroporto
Francisco Sá Carneiro, o porto de
Leixões ou o Terminal de Cruzei-
ros, o GT avança ter como missão a
apresentação de uma solução de fu-
turo “que seja visionária e ambiciosa
nos seus alcances e originalidade”.
Embora não abra o véu sobre que
Vai haver uma taxa única
de IRC?
Não. Em traços gerais, fica acordado
que os países são obrigados a garan-
tir que as empresas que estão sujei-
tas a imposto nos seus territórios
pagam aí uma taxa efetiva mínima
de 15%. Contudo, a regra só abarca
as multinacionais com um volume
de negócios superior a €750 milhões
por ano (em Portugal há poucas).
Então, os irlandeses não têm
de subir a taxa de imposto?
A Irlanda tem uma das taxas de IRC
mais baixas da Europa, de 12,5%,
e até à ultima hora fez finca-pé. Os
irlandeses poderão continuar a co-
brar a sua taxa reduzida de imposto
a todas as empresas com um volume
de negócios abaixo do tal patamar de
€750 milhões, deixando a salvo cerca
de 160 mil estabelecimentos. Só as
multinacionais serão apanhadas. É
também esta exceção que explica a
As fugas de informação
dos últimos anos abriram
caminho a grandes
transformações
na área da fiscalidade
empreendimento está a ser equacio-
nado para o local da antiga refinaria,
cujo encerramento em abril afetou a
vida de um milhar e meio de traba-
lhadores, Rodrigo Tavares garante
ao Expresso que o que irá ser propos-
to “não é apenas uma grande ideia
mas um projeto concretizável, com
avaliação de risco e sujeito a testes
económico-financeiros”. O coorde-
nador externo à Galp nota que, por
ser “uma decisão estratégica e rele-
vante” para o país, a empresa adotou
um formato “inovador no contexto
corporativo português”.
“O processo de decisão é indepen-
dente e muito democrático”, refere
Rodrigo Tavares, salientando que o
trabalho diário do grupo tem sido
feito com discrição, ambição, muita
latitude, mas com sentido prático e
sem submissão ao curto prazo. Até
agora, já foram consultadas cerca de
40 entidades e personalidades, onde
se incluem autoridades governamen-
tais e municipais, reitores, associa-
adesão à última hora da Estónia, ou-
tro dos países europeus com relutân-
cia neste acordo. Isso e, ao que tudo
indica, o facto de se passar a admitir
que alguns países possam beneficiar
de um período de transição para se
adaptarem a estas regras.
Como se consegue pôr 136
países de acordo num tão
curto espaço de tempo?
As principais linhas gerais têm vindo
a ser trabalhadas há anos no seio da
OCDE (Organização para a Coope-
ração e Desenvolvimento Económi-
co), mas, como é habitual, foram os
Estados Unidos que acabaram por
dar o empurrão decisivo e definir as
prioridades. Os americanos cederam
no pilar 1 (o tal que se dirige às 100
maiores multinacionais do mundo,
que apanhará sobretudo as empre-
sas americanas), em troca da impo-
sição de uma taxa mínima de IRC.
Joe Biden quer subir a taxa de IRC
nos EUA de 21% para 28%, mas tem
receio que as suas empresas fujam
para territórios de baixa tributação.
É aqui que entra a ideia da taxa míni-
ma (que os EUA tentaram que fosse
superior a 15%). Seja como for, ainda
é cedo para cantar vitória. A ideia é
que as regras entrem em vigor em
2023, e, até lá, há muitos afinamen-
tos e cedências a fazer.
Esta medida ajuda
a combater as offshores?
Indiretamente sim, uma vez que
muitas das offshores são territórios
de baixa tributação. Mas não é uni-
Expresso, 9 de outubro de 2021
ções e empresas do ecossistema da
inovação e tecnologia.
A abertura na condução do proces-
so é justificada com a necessidade
de identificação de oportunidades,
expectativas e interesses de Mato-
sinhos, da região Norte e do país.
O processo em curso, estruturado
por vários eixos e diferentes fases,
já avaliou quantitativamente múlti-
plos cenários logísticos e temporais
para o vasto território industrial por
descontaminar, atendendo à neces-
sidade de preservar o atual parque
logístico de distribuição de combus-
tíveis. Rodrigo Tavares afiança que a
decisão final “não será uma decisão
da Galp e para a Galp, mas fomenta-
da pela empresa para o país, em ar-
ticulação e participação ativa de um
conjunto alargado de stakeholders”.
A meta ambiental da UE de neu-
tralidade carbónica até 2050 “será
cumprida” (ver pág. 18 Economia).
Isabel Paulo
ipaulo@expresso.impresa.pt
camente pelas baixas taxas que as
offshores são tão atrativas — é tam-
bém pela discrição que garantem e
pela sua opacidade. E, nesta fren-
te, há outros acordos, igualmente
históricos (embora naturalmente
imperfeitos), que já foram conse-
guidos nos últimos anos. Por exem-
plo, desde 2018 que o Fisco passou
a conhecer o património financeiro
que os portugueses têm num vasto
número de territórios, entre os quais
pontuam importantes offshores. E
que passou a enviar lá para fora in-
formação sobre quanto os estran-
geiros não residentes têm aplicado
em Portugal. Este acordo andava há
anos a marinar no seio da OCDE, e,
tal como acontece agora com o IRC,
acabou por ter um grande impulso
com a adesão dos EUA logo após a
crise financeira — e após a sucessão
de escândalos fiscais que ajudam a
opinião pública a pressionar a classe
política.
Quem ganha e quem
perde com isto?
Antes de se conhecerem as entre vír-
gulas não é possível tirar conclusões
definitivas. Mas, à partida, o primei-
ro pilar parece beneficiar sobretudo
os países com grandes mercados de
consumo. A taxa de 15% beneficiará
os mercados com grandes empresas,
e, em particular, os EUA e a União
Europeia (um estudo estima que em
Portugal estejam em causa €100 mi-
lhões por ano).
Elisabete Miranda
emiranda@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
Fim de semana intenso no CDS. Nuno Melo apresenta candidatura e Conselho Nacional em risco
de ser impugnado. Pronto para a guerra, ‘Chicão’ elege senadores para ter peso no congresso
CDS: caça aos senadores
e ameaças de impugnação
Rita Dinis
O CDS está em guerra e de lá não vai
sair tão cedo. “Se vencermos, temos
de cortar a eito”, terá dito Francisco
Rodrigues dos Santos à sua direção
mais restrita na reunião da comissão
executiva que decorreu esta quarta-
-feira à noite, na sede do partido. Sem
tréguas, “vai ser a doer”, disse, ao que
o Expresso apurou, numa intervenção
de preparação para o combate. A data
está marcada: 27 e 28 de novembro é a
proposta da direção para a realização
do congresso que vai eleger o novo
líder. Os candidatos também já estão
anunciados: vai ser ‘Chicão’ contra
Nuno Melo, que faz este sábado, no
Porto, uma sessão de anúncio da candi-
datura. Resta alinhar as tropas e afinar
o discurso.
As facas começam a ser afiadas e o
próprio Francisco Rodrigues dos San-
tos tem andado de telefone em punho
a fazer contactos e a medir forças aos
apoios. “Não vão ser favas contadas”,
admite-se na direção, em jeito de toca
a reunir; nem sequer vai ser tão fácil
como foi quando, há dois anos, ‘Chicão’
venceu João Almeida no congresso.
Uma das armas pode até ser simbóli-
ca. O senado do partido, órgão consul-
tivo criado por Paulo Portas em 2003
e reativado por Assunção Cristas, que
voltou a estar adormecido na liderança
de Rodrigues dos Santos, vai agora ser
nomeado em vésperas de congresso.
Ao que o Expresso apurou, a direção
centrista decidiu eleger os novos mem-
bros na reunião de quarta-feira, alegan-
do que o ano e meio de pandemia não
o permitiu fazer. Serão cinco nomes
designados pela direção, a que se acres-
centa um nomeado por cada distrito e
região autónoma, que terão assento no
congresso ainda que sem poder de voto.
O objetivo é dar peso político a uma
direção que é apontada pelos críticos
como inexperiente e competir, dessa
forma, com os quadros e pesos-pesados
do ‘portismo’ que Nuno Melo promete
recuperar para o seu lado já no lança-
mento da candidatura.
Coligação, eis a questão
Paulo Portas, um dos senadores por
inerência, interrompeu esta semana o
seu prometido celibato político para,
no espaço de comentário que tem na
TVI, criticar a estratégia do atual líder
do partido: “Há um risco de dependên-
cia extrema do PSD”, disse, alertando
CONFERÊNCIA
Grande Auditório
Entrada livre
Conversa sobre o Futuro
da Democracia
Coprodução:
Francisco e Nuno Melo estiveram juntos em Barcelos na campanha eleitoral. Agora vão medir forças
para o “problema sério” dos resultados
que o CDS teve nas autárquicas quan-
do foi a votos sozinho, em muitos sítios
até atrás do Chega e do IL.
Essa será também uma das consi-
derações que Nuno Melo irá fazer no
discurso de anúncio da sua candidatu-
ra este sábado, quando fizer uma ava-
liação menos positiva dos resultados
das autárquicas: com estes números,
o CDS não tem condições para se afir-
mar em eleições legislativas. “O CDS
tem de ter capacidade de se afirmar
antes de pensar numa coligação, não
pode ser só pôr a bandeirinha”, diz um
apoiante de Melo, defendendo que o
caminho do partido deve passar por
afirmar primeiro a sua marca, as suas
ideias e propostas, e só depois pensar
se faz sentido ir a votos coligado — e
não o inverso, como acusam ‘Chicão’
de estar a fazer.
A posição de Francisco Rodrigues
dos Santos sobre isto, de resto, tem
sido clara: sempre que PSD e CDS, jun-
tos, tiverem mais hipóteses de derrotar
o PS, então a coligação faz sentido.
“O CDS não deve ter visões megaló-
manas”, diz fonte próxima do líder
centrista ao Expresso, referindo-se ao
CDS de Assunção Cristas, que prome-
tia ser maior do que o PSD. ‘Chicão’ é
pela “direita útil”, que “soma e une” e
que “contribui para a afirmação de al-
ternativas e de maiorias”. E a atual di-
PRIMEIRO CADERNO 5
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO MOEDAS
NÃO SÃO TROCOS
“Acho que me
subestimaram. Acredito
que as pessoas querem
figuras diferentes
na política, e eu sou
essa mudança”
Carlos Moedas
Presidente eleito da Câmara de Lisboa,
em entrevista ao “El País”
PRÉMIO DESCULPAS
NÃO SE PEDEM, EVITAM-SE
“Pedimos sinceras
desculpas”
Facebook
Reagindo depois do apagão global de várias
horas no Facebook, Instagram e WhatsApp
PRÉMIO PLANO SOCIALISTA
DE RECUPERAÇÃO
E RESILIÊNCIA (PSRR)
“PRR não é monopólio
do PS”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República, em entrevista
PRÉMIO À SÉTIMA SERÁ DE VEZ?
“Orçamento vai
dar muita atenção
às classes médias
e em particular
às novas gerações”
FOTO NUNO FOX
António Costa
Primeiro-ministro
PRÉMIO QUANTO QUER
A CAROCHINHA PARA
APROVAR O OE?
“PS tem a ilusão de que
reção vê nas autárquicas um resultado João Gonçalves Pereira à cabeça, en- pode decidir tudo”
diferente: o CDS aumentou as câmaras viou uma carta ao presidente do órgão João Oliveira
em que governa em coligação, fazendo máximo do partido a questionar a con- Líder parlamentar do PCP, antes
parte do executivo em oito capitais de vocatória da reunião sem a antecedên- da apresentação e discussão do OE
distrito, incluindo a cobiçada Lisboa — cia prévia de 10 dias que os estatutos
onde a estratégia dos críticos teria sido obrigam e sem a documentação anexa PRÉMIO DE REMODELADO
uma candidatura individual e não um (apenas foi enviada esta sexta-feira). A REMODELADOR
apoio imediato a Carlos Moedas. Às Em causa está a proposta da direção “O Governo é grande
críticas internas de dependência face a de antecipação do congresso, do final
Rui Rio a resposta está no calendário: o de janeiro para o final de novembro,
demais, há um número
CDS irá discutir a sua liderança em no- num gesto que os apoiantes de Melo de secretários de
vembro, antes de o PSD discutir a sua. entendem ser de condicionamento do Estado gigantesco,
debate interno. há sobreposições
A primeira batalha Apesar de o Conselho Nacional ter
considerado as queixas “infundadas”, de competências
A primeira batalha, de resto, vai ser os subscritores não rejeitam a possi- e há um número
no Conselho Nacional deste domingo bilidade de impugnação da reunião e de ministros também
— que vai reunir por videoconferência das decisões que dela resultarem — se a muito grande. Quanto
—, e que, antes mesmo de começar, já jurisdição ou o tribunal entender haver
está em vias de ser impugnado. Um violação dos estatutos. Mas a narrativa mais reduzido melhor”
grupo de 25 conselheiros e apoiantes de Rodrigues dos Santos está oleada, João Soares
de Nuno Melo, com Mota Soares e pois há exemplos de outros Conselhos Antigo ministro, ele próprio remodelado
Nacionais marcados com a mesma por Costa, em entrevista à TSF
antecedência e, quando a liderança foi
desafiada por Adolfo Mesquita Nunes, PRÉMIO CAROCHINHA
‘Chicão’ deixou claro que só estava QUER VOLTAR A CASAR
PAULO PORTAS ENTROU disponível para reunir o congresso
depois das autárquicas. “Na altura que-
“Vamos com certeza
continuar a trabalhar
EM JOGO A DISPARAR. riam um congresso antecipado, agora
dizem que é cedo”, defende a direção juntos”
“HÁ O RISCO DE centrista, que procura capitalizar o António Costa
DEPENDÊNCIA EXTREMA
resultado de há 15 dias para se con- Primeiro-ministro, para a sua esquerda,
centrar o quanto antes na preparação no debate na Assembleia da República
DO PSD”, DISSE das legislativas. Em paz ou em guerra.
rdinis@expresso.impresa.pt
Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
11 out 2021 19:00
OR ADORES:
Daniel
Innerarity
Universidade do País Basco
Instituto Universitário Europeu
Paul
W. Kahn
Universidade de Yale
6 PRIMEIRO CADERNO
PAND ORA PAPERS
Investigação A Odebrecht pagou mais de 90 milhões de dólares em subornos a um ministro
de Nicolás Maduro através de um esquema montado no GES por colaboradores de Ricardo Salgado
Uma máquina
de lavar made
in Portugal
Textos Micael Pereira
D
Infografia Jaime Figueiredo
iscreta e pacata, Lis-
boa era no final de
2013 um canto na Eu-
ropa para onde toda
a gente parecia que-
rer mudar-se. Porque
é que a venezuelana
Maria Eugénia Bap-
tista Zacarias não ha-
veria de aproveitar o momento para
garantir, também ela, um refúgio no
Chiado, o bairro mais caro da cidade?
No outro lado do Atlântico, Hugo
Chávez tinha morrido em março des-
se ano e, embora uma profunda crise
social e económica começasse a cavar
divisões irreversíveis na Venezuela, a
substituição do comandante por Ni-
colás Maduro no cargo de Presidente
mostrava ter pelo menos um lado bom:
o marido de Maria Eugénia, Haiman El
Troudi, fora entretanto nomeado minis-
tro das Obras Públicas. Era um motivo
para celebrar. E pensar no futuro.
Dois dias depois de Maduro ter rece-
bido poderes especiais do Parlamento
para governar por decreto, com o pre-
texto de querer imprimir uma “ofensi-
va económica” no país, Maria Eugénia
criava, a 21 de novembro de 2013, uma
pequena empresa em Lisboa, sem fun-
cionários nem atividade, a Publicicorp.
Pouco depois essa empresa comprava
um apartamento duplex num edifício
de luxo no coração da cidade, no Chi-
ado, o Ivens 31, por €1,5 milhões, onde
uma outra figura conhecida do mundo
das obras públicas tinha também ar-
ranjado uma casa meses antes: Pedro
Novis, antigo CEO da gigante brasileira
Odebrecht.
Adquirido ao Grupo Espírito Santo
(GES) a 28 de janeiro de 2014, com
recurso a um empréstimo de €900
mil do Banco Espírito Santo (BES), de
acordo com cópias da escritura e do
contrato de hipoteca obtidas pelo Ex-
presso no registo predial, o apartamen-
to da Ivens 31 é apenas uma amostra de
como a mulher do ministro El Troudi
se envolveu desde 2012 com o império
financeiro então ainda liderado por
Ricardo Salgado. Esse envolvimento
expandiu-se rapidamente por vários
continentes.
Mais de 92 milhões de dólares de
comissões pagas por debaixo da mesa
pela Odebrecht na Venezuela foram
parar a uma companhia offshore no
Panamá, a Cresswell Overseas, enco-
mendada e gerida pelo gestor portu-
guês Paulo Murta, tendo como bene-
ficiária secreta Maria Eugénia. Ela e,
por arrasto, o marido.
O papel desempenhado por Paulo
Murta, um homem-chave nas opera-
ções mais obscuras do GES no período
final do banqueiro Ricardo Salgado à
frente do grupo e do BES, é revelado
por uma investigação do Expresso, em
colaboração com o “Armando.info”, na
Venezuela, e o “El Nuevo Herald”, em
Miami, nos Estados Unidos, e que tem
por base os Pandora Papers, um projeto
coordenado pelo Consórcio Internacio-
nal de Jornalistas de Investigação (ICIJ)
e que envolve uma fuga de informação
de 11,9 milhões de ficheiros.
Documentos confidenciais da Ale-
mán, Cordero, Galindo & Lee (Al-
cogal), um escritório de advogados
no Panamá que é uma das origens
da fuga de informação dos Pandora
Papers e que incorporou a Cresswell
Overseas, mostram detalhes de como,
entre 2012 e 2014, Paulo Murta abriu
e geriu contas em nome dessa compa-
nhia no Espírito Santo Bankers Dubai
(ESBD) e na Sucursal Financeira Ex-
terior do BES na Madeira, a que se
seguiu uma última conta, aberta em
julho de 2014, no Meinl Bank, em An-
tígua, uma ilha nas Caraíbas, semanas
antes de o BES entrar em colapso e
quando Ricardo Salgado já tinha per-
dido o controlo do seu próprio banco.
Ao todo, 92,1 milhões de dólares
foram transferidos para as contas da
Cresswell pela Odebrecht entre se-
tembro de 2012 e dezembro de 2014,
ao mesmo tempo que a construtora
brasileira garantia a sua posição em
quatro grandes obras públicas do me-
tro na Venezuela, quando Haiman El
Troudi era o responsável político por
esses projetos. Mais de 40 milhões
de dólares acabaram mais tarde em
contas bancárias na Suíça.
O marido de Maria Eugénia não
só era ministro das Obras Públicas e
presidente do metro de Caracas desde
maio de 2013, como acumulava essa
função com outra que já tinha desde
2010: a de presidente do metro de
Los Teques, nos arredores da capital,
incluído nas obras da Odebrecht.
O montante de dinheiro canalizado
pela Odebrecht para a Cresswell já
tinha sido revelado por uma investi-
gação anterior do ICIJ, a Bribery Di-
vision, mas não era ainda conhecido
o nível de envolvimento do GES no
esquema de lavagem, sendo que havia
também dúvidas sobre até que ponto
o ministro era o verdadeiro beneficiá-
rio daquela companhia offshore.
Extraditado em julho deste ano
para os Estados Unidos, a pedido de
um tribunal em Houston, pelo seu
envolvimento na lavagem de mais de
mil milhões de dólares com origem
na petrolífera estatal venezuelana
PDVSA, Paulo Murta é um antigo
gestor de um albergue e restaurante
na Suíça (Auberge La Balance, em
Daillens) que passou a trabalhar na
Gestar, uma empresa especializada
em serviços fiduciários que a família
Espírito Santo constituiu na Suíça,
em 1981, para gerir os seus ativos e
os ativos de alguns dos seus clientes
bancários, ajudando-os a ocultar as
suas fortunas com uma carteira que
DOCUMENTOS
CONFIDENCIAIS
MOSTRAM COMO PAULO
MURTA ABRIU CONTAS
NO BES DO DUBAI
E DA MADEIRA PARA A
OFFSHORE DO MINISTRO
Expresso, 9 de outubro de 2021
LUÍS DELGADO
CONTRERAS
(Venezuela)
Intermediário que negociou
comissão de 2% com a Odebrecht
e advogado da mulher
do ministro El Troudi
ODEBRECHT
(Brasil)
chegou a ter mais de 1200 compa-
nhias offshore.
A arma do crime
e o seu fornecedor
Em 2012, Paulo Murta foi recrutado
como funcionário de uma pequena
empresa de gestão de ativos com es-
critórios em Lausanne e no Dubai, a
ICG Private Wealth & Family Offices
Services, criada nesse mesmo ano
por Michel Ostertag, um dos colabo-
radores mais próximos de Ricardo
Salgado.
Administrador-delegado da Ges-
tar, da qual veio a ser o seu principal
acionista em 2007, Michel Ostertag
fora igualmente, entre 1994 e 1999,
administrador da Espírito Santo In-
ternational, a companhia holding
mais importante no grupo controla-
do pela família portuguesa de ban-
queiros.
A Cresswell Overseas foi referencia-
da em Portugal pelos procuradores
do inquérito-crime principal do cha-
mado “universo Espírito Santo”, que
ficou concluído em julho de 2020.
Nessa altura, Ricardo Salgado e
mais 24 arguidos foram acusados de
crimes de corrupção ativa, burla, ma-
nipulação de mercado, falsificação de
documentos, branqueamento de capi-
tais e associação criminosa — sendo
considerados responsáveis por uma
gestão ruinosa que levou o banco a
acumular perdas de €11,8 mil milhões
e a ser intervencionado pelo Estado
português —, mas houve partes da
história que ficaram de fora dessa
Expresso, 9 de outubro de 2021
ESTRUTURA
OFFSHORE
ALEMÁN, CORDERO,
GALINDO & LEE — Alcogal
(Panamá)
Escritório de advogados
que incorporou a Cresswell
a pedido da ICG
CRESSWELL
OVERSEAS LIMITED
(Panamá)
Companhia que recebeu
os subornos da Odebrecht
ICG
(Suíça e Dubai)
Empresa que encomendou a Cress-
well à Alcogal. Criada por Michel
Ostertag, um colaborador próximo
de Ricardo Salgado
acusação. Incluindo a parte que diz
respeito à Cresswell.
Num ofício enviado a 8 de janeiro de
2020 por uma das procuradoras do
processo-crime principal do BES para
uma colega que está a trabalhar num
outro inquérito-crime aberto pelo
Ministério Público em 2018 é dito
que, apesar de um cidadão venezue-
lano de nome Leopoldo José Briceño
Punceles ter sido dado como “titular
formal” da Cresswell Overseas, foi
reunida “prova suficiente” [sobre o
facto de] que esta entidade pertence,
na realidade, a Maria Eugénia Zaca-
rias, esposa de El Troudi.
Nesse ofício para a colega, a pro-
curadora deu conta de outras duas
informações: Maria Eugénia é uma
“cidadã venezuelana residente em
Portugal” e foi representada por um
advogado venezuelano, Luís Henri-
que Delgado Contreras, tendo sido
identificadas várias reuniões com ele-
mentos do BES em que ambos parti-
ciparam. O documento revela ainda
como a Cresswell Overseas investiu
entre janeiro de 2013 e 2014 um total
de 50 milhões de dólares em ações
preferenciais da Espírito Santo Over-
seas Limited (ESIOL).
Embora a Odebrecht não seja men-
cionada em nenhum dos volumes do
processo-crime do BES, o Expresso
confirmou que o outro inquérito-cri-
me aberto entretanto em 2018 no
DCIAP tem a ver com subornos pagos
por aquela construtora brasileira.
Registada nas ilhas Caimão, a
ESIOL era uma companhia que tinha
como único ativo empréstimos conce-
MARIA
EUGÉNIA BAPTISTA
ZACARIAS
Mulher do ministro El Troudi e ver-
dadeira beneficiária da Cresswell,
de acordo com uma confissão do
dono da ICG ao Ministério Público
na Suíça
US$ 92,1
MILHÕES
Através de bancos do GES
no Dubai e na Madeira e do Meinl
Bank em Antígua
(entre 2012 e 2014)
LEOPOLDO JOSÉ
BRICEÑO PUNCELES
Testa de ferro. Declarado pela ICG
à Alcogal como sendo o beneficiário
da Cresswell
didos à Espírito Santo International
(ESI), a holding principal do GES,
através da qual o BES era controlado
pela família Espírito Santo.
Um relatório produzido pelo Mi-
nistério Público português em março
de 2019, que consta nos volumes do
processo-crime do BES, e a que o Ex-
presso teve acesso, descreve como
esse investimento de 50 milhões de
dólares foi feito pela Cresswell de
forma indireta através de uma outra
companhia offshore, a Eurasian Inves-
timentos Limitada. Incorporada em
Macau em janeiro de 2013 e com uma
conta bancária no Bank of China, a
Eurasian tinha como administradores
Michel Ostertag e Paulo Murta.
Ostertag confirmou
mulher do ministro
Quando foi interrogado pelo Ministé-
rio Público suíço em Berna, em julho
de 2018, Michel Ostertag contou que
Maria Eugénia Zacarias era a pessoa
por detrás do investimento de 50 mi-
lhões de dólares na ESIOL. E explicou
aos procuradores que o dossiê desta
cliente era gerido por Paulo Murta
na ICG, mas que ele tinha visto os
documentos de identidade de Maria
Eugénia.
Questionado pelos procuradores so-
bre até que ponto conhecia o trabalho
que Paulo Murta fazia relacionado
com a Venezuela, Ostertag admitiu
que não acompanhava esse assunto
e, enquanto patrão de Murta na ICG,
confiava a 100% no seu trabalho, mas
havia dois clientes venezuelanos de
US$ 50
MILHÕES
Investimento em ações do Grupo
Espírito Santo (GES) pela mulher do
ministro El Troudi
que se lembrava. Um era Nevis Vil-
lalobos (vice-ministro da Energia),
o outro era Maria Eugénia Zacarias.
O dinheiro investido pela mulher do
ministro El Troudi em ações preferen-
ciais na ESIOL foi integralmente inje-
tado na ESI, que se encontrava numa
situação desesperada no final de 2013,
depois de o Banco de Portugal desco-
brir que a holding do grupo tinha uma
dívida oculta de €1300 milhões ao
BES. O banco central exigiu na altura
ao banqueiro Ricardo Salgado que
injetasse de forma urgente dinheiro
fresco na ESI — mas que isso tinha de
ser feito com capitais próprios.
Parte desse dinheiro acabou por vir
de clientes especiais do banco — entre
eles alguns venezuelanos. Mais tarde,
em junho de 2014, numa última tenta-
tiva de salvar o investimento feito, as
ações preferenciais da ESIOL foram
substituídas por obrigações na Rio-
forte, uma subholding da ESI.
O cruzamento dos Pandora Papers e
dos volumes do processo-crime prin-
cipal do BES com o que foi descober-
to em 2019 na investigação Bribery
Division permite entender o resto da
história.
De acordo com o que o “Armando.
info”, o jornal “Miami Herald” e o site
brasileiro Poder 360 publicaram du-
rante os Bribery Division, Luís Delgado
Contreras, o venezuelano identificado
pelo Ministério Público em Portugal
como advogado de Maria Eugénia,
foi denunciado por três delatores do
caso Lava-Jato, no Brasil, como sendo
o homem que serviu de intermediário
para negociar com a Odebrecht a apro-
MINISTRO
HAIMAN EL TROUDI
(Venezuela)
O beneficiário final
do dinheiro
EURASIAN
INVESTIMENTOS
LIMITADA
BANK OF CHINA
(Macau)
RICARDO SALGADO
(Portugal)
Banqueiro em Portugal, líder do
Grupo Espírito Santo (GES) até 2014
vação dos contratos de obras públicas
com as empresas do metro de Caracas
e do metro Los Teques.
Delgado Contreras era tratado na
Odebrecht pelo nome de código “Ca-
melo” e foi descrito como sendo pró-
ximo do ministro El Troudi.
As denúncias foram feitas à equipa
do Lava-Jato, no Brasil, por Alessan-
dro Dias Gomes e por Euzenando
Azevedo, funcionários da construtora
brasileira na Venezuela.
Segundo Dias Gomes, “Camelo”
cobrava 2% do valor das obras, sendo
que o total de comissões ultrapassa-
ra os 100 milhões de dólares e esses
pagamentos foram feitos através da
Cresswell Overseas. Um outro quadro
da Odebrecht, Vinicius Veiga, tam-
bém contou como aquela companhia
offshore foi usada para a construtora
brasileira pagar subornos.
Nenhum controlo no Panamá
Mas se Paulo Murta encomendou e
geriu uma companhia offshore que
serviu para a Odebrecht pagar mais
de 90 milhões de dólares de alegados
subornos a um ministro na Venezuela,
como é que foi possível que um fluxo
tão grande de dinheiro e com um des-
tinatário tão politicamente exposto
não tenha sido detetado pelos fun-
cionários da Alcogal, o escritório de
advogados no Panamá que forneceu
os administradores de fachada para
a Cresswell e que foi assinando toda
a papelada necessária?
Continuação na próxima página >
PRIMEIRO CADERNO 7
>>
Artigos
provocam
reações
no mundo
inteiro
Nos EUA, os políticos
prometem a maior
reforma legislativa
sobre lavagem de dinheiro
desde o 11 de Setembro
Numa semana apenas, desde
que foi lançada a 3 de outubro,
a nova investigação do Con-
sórcio Internacional de Jorna-
listas de Investigação (ICIJ),
com a participação de mais de
600 jornalistas e 150 media
parceiros em 117 países, pro-
vocou já uma extensa onda de
reações um pouco por todo o
mundo. Da Ásia a África e às
Américas, políticos e regula-
dores têm manifestado preo-
cupação e vontade de agir face
às revelações já publicadas so-
bre esquemas de ocultação de
dinheiro e património de mais
de 330 políticos e funcionários
públicos em mais de 90 países,
incluindo presidentes e pri-
meiros-ministros — sendo um
deles o atual chefe de gover-
no de um Estado-membro da
União Europeia, a República
Checa.
Nos Estados Unidos, um país
muito visado nesta investiga-
ção do ICIJ, devido a paraísos
fiscais existentes em estados
como o Nevada ou Dacota do
Sul (onde foram identifica-
dos quase 30 trusts ligados a
pessoas ou companhias acu-
sadas de corrupção, fraude ou
outros crimes), um grupo de
congressistas democratas e
republicanos vão avançar com
uma proposta de legislação
para obrigar os profissionais
que facilitam os esquemas de
ocultação — incluindo advoga-
dos — a investigarem os seus
próprios clientes antes de eles
poderem transferir dinheiro
ou outros ativos para os regi-
mes offshore norte-america-
nos. Batizada com o nome de
Lei dos Facilitadores — Ena-
blers Act —, se for aprovada,
a nova legislação vai substituir
a atual Lei do Sigilo Bancário,
em vigor há meio século, que
requer apenas aos bancos o
dever de diligência (conheci-
do como due diligence) sobre
os seus clientes, deixando de
fora todas as outras entidades
intermediárias envolvidas nos
circuitos financeiros.
Na União Europeia, os eu-
rodeputados aproveitaram a
ocasião para exigir reformas
na legislação comunitária que
consiga travar não só a evasão
fiscal como outros crimes que
podem ser cometidos com o
uso de empresas-fantasma e
de jurisdições secretivas. “Te-
mos na União Europeia alguns
dos mais elevados padrões de
transparência fiscal do mun-
do, mas como vemos não é
suficiente, é necessário mais
trabalho”, admitiu Ursula von
der Leyen, a presidente da Co-
missão Europeia.
Na sequência das histórias
já publicadas, foram anunci-
adas investigações em vários
países, incluindo Alemanha,
Espanha, Irlanda, Bulgária,
Brasil, México, Sri Lanka e
Paquistão. Com base numa
fuga de informação que acu-
mulou 11,9 milhões de fichei-
ros vindos de 14 provedores de
serviços offshore, os Pandora
Papers são a maior investiga-
ção jornalística feita até hoje
sobre a indústria dos paraísos
fiscais..
8 PRIMEIRO CADERNO
PAND ORA PAPERS
Família Soares
dos Santos
do Panamá para
a ilha de Jersey
Ficheiros revelam fundo criado em 2006
por Alexandre Soares dos Santos
Micael Pereira
Entre os beneficiários mais ricos em
Portugal identificados nos Pandora
Papers está a família Soares dos San-
tos, dona do grupo Jerónimo Martins,
que inclui a cadeia de supermercados
Pingo Doce. Na investigação feita pelo
Expresso em colaboração com o Con-
sórcio Internacional de Jornalistas de
Investigação (ICIJ) e com outros 150
media parceiros em todo o mundo a
partir de uma fuga de informação de
11,9 milhões de ficheiros, surgem três
entidades com ligações àquela família
portuguesa.
Em 2005 e 2007, uma companhia
offshore de nome Brookrow Holding,
incorporada no Panamá pelo escritó-
rio de advogados da Alemán, Corde-
ro, Galindo & Lee (Alcogal), aprovou
procurações para atribuir poderes de
abertura e movimentação de contas
bancárias ao patriarca Alexandre So-
ares dos Santos, falecido em 2019, à
sua mulher e a quatro filhos do casal.
Depois, em 2010, um contrato de
compra e venda de ações mostra que a
Brookrow vendeu 16,7% de outra com-
panhia offshore, a Invescom Ltd, incor-
porada nas Ilhas Virgens Britânicas,
por 25,5 milhões de euros a um trust
da família Soares dos Santos registado
na ilha de Jersey e gerido por um trus-
tee na Suíça, isto é, por uma empresa
especializada neste tipo de fundos, a
SwissIndependent Trustees S.A.
Um trust é um fundo que agrega
bens de uma ou mais pessoas — que
podem incluir património imobiliá-
rio, contas, aplicações financeiras,
> Continuação da página anterior
Os Pandora Papers dão uma ideia
de quão grande era a falta de controlo
na Alcogal. Um exemplo disso é um
acordo de consultoria estabelecido,
em julho de 2013, pela Cresswell com
a Klienfield Services e a Select Engi-
neering Consulting, duas companhias
usadas pela Odebrecht para pagar
comissões ilegais. O documento foi
assinado pelos administradores de
fachada da Cresswell, apesar de fazer
alusão a um acordo de investimento
imobiliário anterior, com data de ju-
nho de 2011, quando a Cresswell ainda
nem sequer existia.
Em junho de 2017, quando uma pro-
curadora do gabinete especial anti-
corrupção do Ministério Público no
Panamá pediu informações sobre esta
companhia à Alcogal, o escritório de
advogados limitou-se a responder que
“ao longo dos anos tiveram uma rela-
ção satisfatória” com o intermediário,
a ICG, que regularmente encomenda-
va “a constituição de empresas para
os seus clientes”. E não tinham nota-
do nada de suspeito.
Contudo, durante os dois primeiros
anos de existência da Cresswell, a
Alcogal não teve qualquer informação
sobre quem seriam os donos desta
companhia. Em janeiro de 2013, o
escritório de advogados chegou a per-
guntar ao ICG quem era o beneficiá-
rio efetivo da Cresswell, mas Michel
Ostertag respondeu que só partilharia
essa informação caso isso fosse “exi-
gido pelas autoridades do Panamá
como parte de uma investigação”. Os-
participações em empresas — em que
a pessoa deixa de ser proprietária des-
ses bens e a sua gestão passa a estar
nas mãos de um gestor profissional, o
trustee, de acordo com regras estabe-
lecidas de início e para o objetivo de
gerar lucro, em que são definidos be-
neficiários específicos para esses ren-
dimentos. Além disso, é uma solução
usada muitas vezes para contornar as
legislações nacionais sobre heranças.
Segundo o contrato encontrado nos
Pandora Papers, o Soares dos Santos
Family Trust foi criado em fevereiro
de 2006. Quanto à Brookrow Hol-
ding, que era detida através de outra
companhia offshore, a Independent
Nominees Ltd., foi dissolvida em fe-
vereiro de 2014.
“Cumprimento rigoroso da lei”
Confrontada pelo Expresso, a família
Soares dos Santos diz não ter “qual-
quer informação sobre os poderes de
assinatura para abrir e movimentar as
alegadas contas bancárias tituladas”
pela Brookrow Holding.
Num esclarecimento escrito, a famí-
lia diz que não detém companhias em
jurisdições como o Panamá, as Ilhas
Virgens Britânicas ou a ilha de Jersey,
“nem noutras comummente perce-
cionadas como relativas a países que
promovem a falta de transparência
ou a evasão fiscais”. Além disso, acres-
centa, “a conduta da família pauta-se
pelo cumprimento rigoroso da lei, in-
cluindo das suas obrigações fiscais, o
que é, aliás, atestado pela inexistência
de diferendos entre os seus membros
e as autoridades tributárias”.
tertag disse mais: “Estamos a tomar
todas as precauções para assegurar
que não ocorram atividades de lava-
gem de dinheiro.” Uma afirmação que
entra em choque com o que confessou
cinco anos depois, quando foi inter-
rogado pelos procuradores na Suíça.
Confrontada nas últimas semanas
pelo Expresso, a Alcogal argumentou
que “a legislação de know your costu-
mer na altura permitia aos agentes
residentes confiar nos intermediários
profissionais a realização de diligên-
cias apropriadas, incluindo a iden-
tidade e documentação de apoio do
beneficiário efetivo final, tal como
exigido pela lei no seu país de opera-
ção”. Por isso, sublinhou o escritório
de advogados do Panamá, “a nossa
relação profissional foi conduzida
em conformidade, e os prestadores
de serviços foram encarregados de
realizar as devidas diligências nos
termos da lei”.
DURANTE DOIS ANOS,
O ESCRITÓRIO DE
ADVOGADOS NO
PANAMÁ ASSINOU
PAPÉIS SEM SABER
QUEM ERA O DONO
DA CRESSWELL
Quanto ao trust, foi criado “pelo
senhor Alexandre Soares dos Santos
para proteção futura da sua mulher
e dos seus (muitos) netos”. A nota diz
ainda que o “Soares dos Santos Family
Trust esteve sempre sediado na Suíça,
regido pela lei de Jersey aplicável aos
trusts, que é a mais antiga e consolida-
da do mundo”.
Em Jersey não são cobrados impos-
tos sobre trusts em que os beneficiári-
os são estrangeiros. A família assegu-
ra, de qualquer forma, que “todos os
montantes recebidos com origem no
trust foram sempre declarados pelos
A Alcogal acabou por ser informada
do beneficiário efetivo da Cresswell
em julho de 2014, quando a ICG preci-
sou de abrir uma conta bancária para
aquela companhia offshore num ban-
co fora do universo Espírito Santo, no
Meinl Bank, em Antígua.
Foi então que apareceu o nome de
Leopoldo Jose Briceño Punceles, um
cidadão venezuelano de 50 anos. Um
relatório know your customer entre-
gue à Alcogal dizia que era adminis-
trador executivo da Cresswell desde
2012. Curiosamente, o relatório não
fazia nenhuma referência a uma ou-
tra companhia offshore, a Gran Capti-
ve Financial, de que era formalmente
também dono, mas cujo verdadeiro
beneficiário, segundo o Ministério
Público em Portugal, é Rafael Cure
Lopez, um funcionário da petrolífera
estatal venezuelana PDVSA.
Antes disso, na década de 90, Brice-
ño Punceles tinha chegado a ser dono
de uma empresa de frutas. Formado
na academia militar e com uma licen-
ciatura em Marketing, referia no seu
CV ter frequentado em 2010 um curso
sobre “legitimação de capitais”.
Segundo um conjunto de formu-
lários bancários encontrados nos
Pandora Papers, entre 22 de julho e
5 de agosto de 2014 foram transfe-
ridos €8,2 milhões e 2,4 milhões de
dólares da conta da Cresswell na Su-
cursal Financeira Exterior do BES na
Madeira para a nova conta que Paulo
Murta abriu para aquela companhia
offshore no Meinl Bank. E, ainda de
acordo com esses formulários, entre
julho e outubro de 2014 a conta do
seus beneficiários nos países onde têm
residência fiscal, incluindo Portugal”.
A Invescom, entretanto, deixou de
estar incorporada nas Ilhas Virgens
Britânicas e passou a estar registada
na Holanda, sendo atualmente detida
a 100% pelo trust da família.
Em 2019, quando o patriarca mor-
reu, os Soares dos Santos constavam
no ranking da “Forbes” como a se-
gunda família mais rica em Portu-
gal, a seguir aos Amorim, com uma
fortuna estimada em 3,6 mil milhões
de euros.
mrpereira@expresso.impresa.pt
Meinl Bank recebeu 13 milhões de
dólares e €1 milhão com origem na
Fincastle Enterprises Ltd, uma das
empresas-fantasma da Odebrecht,
justificados com um acordo “de con-
sultoria para aquisição de bens imo-
biliários”.
Confrontados pelo Expresso, Ri-
cardo Salgado e Paulo Murta não
responderam. Também El Troudi e a
sua mulher, Maria Eugénia, optaram
pelo silêncio quando foram contacta-
dos pelo jornal de investigação online
“Armando.info”. Já Briceño Punceles
preferiu reagir através do advogado,
que assegurou ser tudo “falso”.
Ironicamente, ao “Miami Herald”
o advogado de Briceño Punceles
chegou a referir em 2019, durante
o projeto Bribery Division, que o seu
cliente passou anos a lutar para recu-
perar 50 milhões de dólares que lhe
tinham sido pagos pela Odebrecht.
Agora, dois anos depois, é fácil adi-
vinhar que, com alguma probabili-
dade, se tratava dos mesmos 50 mi-
lhões que foram gastos nas ações
tóxicas do GES. Um preço alto para
uma máquina de lavar.
Com Joseph Poliszuk (“Armando.info”)
e Antonio María Delgado
(“El Nuevo Herald”, de Miami)
mpereira@expresso.impresa.pt
Os Pandora Papers são uma
colaboração global entre
o Expresso e o Consórcio
Internacional de Jornalistas
de Investigação (ICIJ), uma
organização sem fins lucrativos. Se gosta
de jornalismo como este, por favor faça
uma doação ao ICIJ para o apoiar.
Expresso, 9 de outubro de 2021
A MATERNIDADE DE
OFFSHORES DO BES
ALCOGAL Uma so-
ciedade de advo-
gados no Panamá,
que é um dos alvos
dos Pandora Pa-
pers, registou mais de 600 em-
presas de fachada para o núcleo
de Ricardo Salgado e clientes do
Banco Espírito Santo. Metade
dos políticos e funcionários pú-
blicos encontrados nesta fuga
de informação estão associa-
dos a companhias incorporadas
pela Alemán, Cordero, Galindo
& Lee, conhecida como Alcogal.
35 atuais e antigos
Presidentes e
primeiros-
-ministros — de
países que vão da
Jordânia à República Checa,
passando pela Rússia ou o
Quénia — são referenciados
nos Pandora Papers, além de
mais de 330 funcionários
públicos em mais de 90
países. Os documentos
também mencionam gente
fugida à justiça ou condenada
por burla, fraude ou mesmo
homicídio
SARMENTO, PINHO
E VITALINO NA TEIA
PORTUGAL As re-
velações do ICIJ
incluem três polí-
ticos portugueses.
Nuno Morais Sar-
mento, vice-presidente do PSD,
usou as Ilhas Virgens Britânicas
para ser sócio de um hotel em
Moçambique. O socialista Vitali-
no Canas teve procuração passa-
da para abrir contas em Macau.
E o ex-ministro Manuel Pinho
transferiu o seu dinheiro para
uma nova offshore quando quis
comprar casa em Nova Iorque.
“ESTES
DOCUMENTOS
ESTÃO, INCLUSIVE,
A MOSTRAR PELA
PRIMEIRA VEZ
OS ESTADOS
UNIDOS COMO
PARAÍSO FISCAL”
Gerard Ryle
Diretor do Consórcio Internacional
de Jornalistas de Investigação
IATE ATRAVÉS
DE OFFSHORE
ILHAS VIRGENS
Em 2014, o em-
presário Vasco
Pereira Coutinho
adquiriu uma
companhia offshore através
da qual detém um iate, depois
de o seu grupo ter avançado
com um processo especial de
revitalização. O empresário
garante que se tratou apenas
da transferência de empresa
e que é dono do referido iate
desde 1996, tendo pago todos
os impostos em Portugal. O iate
é detido por uma offshore nas
Ilhas Virgens Britânicas.
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 9
10 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA ORÇAMENTO D O ESTAD O
Negociação Primeira reunião do Governo desta semana foi sem Costa — e não teve avanço.
PCP mais intransigente. Socialistas preparados para negociação longa. Há pequena porta aberta ao BE
Governo preparado
para dar mais a Jerónimo
Texto David Dinis, João Diogo
Correia e Rosa Pedroso Lima
A
Foto Pedro Nunes
ntónio Costa con-
vocou um Conselho
de Ministros para a
última terça-feira,
mas não foi à reu-
nião. Nesse dia, o
primeiro-ministro
tinha agenda cheia:
foi às (rápidas) co-
memorações do 5 de Outubro, inau-
gurou uma exposição na Residência
Oficial em São Bento e seguiu viagem
para o Conselho Europeu na Eslo-
vénia. E assim, Costa entregou João
Leão aos leões — ou seja, deixou o
internamente contestado ministro
das Finanças a discutir o Orçamento
do Estado de 2022 com os colegas que
há muito lhe reclamam verbas e flexi-
bilidade. “Com Centeno discutia-se
política, com ele não, só os números”,
desabafava um governante depois de
um encontro que não foi tenso, mas
também não terá sido muito produti-
vo: “Resolveram-se alguns problemas,
outros não. Este Orçamento vai ter de
ser o primeiro-ministro a resolver”,
sintetiza um ministro ao Expresso.
Costa não tardou a meter as mãos no
ofício: na Eslovénia, sem deixar cair
a ideia de “prudência” na gestão das
contas, deixou, sim, cair um estímu-
lo ao PCP, que subiu o tom ao exigir
aumentos reais de salários para todos
na função pública: “A política de ren-
dimentos tem de ser vista como con-
tributo para o crescimento”, aceitou
Costa, deixando também um inespe-
rado abraço ao Bloco (“Felizmente, o
Bloco de Esquerda parece estar numa
trajetória diferente”).
Tentativas falhadas
Horas antes, na Assembleia, João
Leão e o secretário de Estado Duarte
Cordeiro sinalizavam mais boas no-
tícias às esquerdas e PAN: as novas
estimativas são de mais crescimento
da economia, mas o Governo não vai
usar essa folga para encolher o défice.
Nas entrelinhas: haverá mais milhões
para negociar. O PCP e Bloco, mesmo
assim, aumentavam a pressão: “As
preocupações que tínhamos mantêm-
-se nos mesmos termos”, dizia o co-
munista João Oliveira, com quem se
fazem as contas. Catarina Martins, de
seguida, daria uma conferência de im-
prensa para pressionar nas pensões.
No regresso a Lisboa, mais uma ten-
tativa falhada: Costa convocou Jeró-
nimo e Catarina para novas reuniões
bilaterais em cima do debate bimensal
no Parlamento. Mas lá, Jerónimo fez
um grito de alerta, lembrando os su-
cessivos atrasos e rejeições dos sinais
pedidos pelo PCP: “Com franqueza,
senhor primeiro-ministro! São estes
os sinais que o PS quer dar? Que signi-
ficado quer que se atribua a estas op-
ções quando se discute o Orçamento?”
“Estou certo de que na segunda-feira
ficará menos preocupado”, respon-
deu-lhe Costa, reforçando: “Tenho
a certeza que o PCP não faltará ao
compromisso que tem na resposta a
dar ao país.”
Enquanto isso, Costa tinha pedido à
a ministra da Administração Pública
para voltar a reunir com os sindicatos,
depois de quatro dias antes ter fecha-
do a porta a aumentos para a função
pública. A nova proposta foi de um au-
mento de 0,9% para todos no Estado.
Negociação longa, trunfos pedidos
Mas o debate — e as reuniões a sós
— deixaram os socialistas inseguros.
“Nesta altura o caminho é difícil: es-
tamos a meio do mandato, a seguir às
autárquicas”, que foram duras para
os comunistas, e o líder do PCP “está
cansado”, desabafa uma fonte próxi-
ma do primeiro-ministro ao Expresso.
Uma outra corrobora: “Não estamos
em tempos para facilitar, vai ser pre-
ciso dar alguma coisa de que o PCP se
possa orgulhar.”
Para já, a dois dias da entrega do
Orçamento na Assembleia, não há
almas socialistas que acreditem que
o Governo cairá. Mas já todos dão por
certo que as negociações vão mesmo
cair no terceiro cenário admitido por
Costa aos jornalistas na Eslovénia: o
PCP não dará acordo na segunda-fei-
ra, nem antes da votação na genera-
lidade, vai obrigar a uma negociação
AUMENTO DE SALÁRIOS
E DAS PENSÕES,
DESAGRAVAMENTO
FISCAL E MAIS
INVESTIMENTO
PÚBLICO,
AS EXIGÊNCIAS DO PCP
até ao fim de novembro, aquando das
votações na especialidade. Conclusão?
Vai ser mesmo preciso usar a folga de
Leão; e é bom estar preparado para
algumas coligações negativas entre
esquerda e PSD — “mais perigosas
agora”, depois do PSD ter saído das
autárquicas “a cheirar o poder”.
O debate parlamentar tornou certo
e seguro que, para poder contar com
os comunistas, o PS vai ter de ceder. E
sabe bem onde, porque Jerónimo foi
enumerando as questões “essenciais”
para o seu partido: desagravamento
fiscal (maior do que a descida de IRS
em dois escalões prometida), aumento
de pensões (desta vez para além das
mais baixas), investimento público
(sobretudo no SNS) e aumento geral
de salários. Neste ponto, a margem de
0,9% prometida quarta-feira aos sindi-
catos — depois de, na segunda-feira, os
mesmos responsáveis governamentais
terem fechado a porta aos aumentos
— “é curta para contentar o PCP”,
admite uma fonte socialista.
Uma janela a Catarina
“Just in case” — velha expressão in-
glesa —, não vá o PCP falhar, Costa
foi moderando o tom com o Bloco
(“Vamos com certeza continuar a tra-
balhar juntos”, respondeu o primeiro-
-ministro a Catarina Martins). Para
já, só mesmo o tom: mesmo após o
encontro com António Costa desta
quinta-feira ao final do dia, o Bloco
continua à espera, sem compromissos
assumidos pelo Governo ou garantias
de luz verde às suas propostas. Mas
também não deu o pretexto de baixar
os braços: fez propostas, esperou rea-
ção, respondeu com uma contrapro-
Expresso, 9 de outubro de 2021
posta até chegar a um compromisso.
Ou não, como aconteceu há um ano
— e o Bloco, sem expectativas, man-
tém-se aberto até ver o documento
entregue.
Há, porém, pistas de uma ligeira
aproximação. Um dos pontos centrais
das reivindicações do partido é o fim
do fator de sustentabilidade, que sig-
nifica um corte de 15,5% para algumas
reformas antecipadas, e o recálcu-
lo das pensões que foram cortadas a
quem se reformou entre 2014 e 2018.
Ao desafio de Catarina, Costa respon-
deu com um não: “O fator de sustenta-
bilidade é um elemento essencial para
garantir a sobrevivência da Segurança
Social.” Mas esse não veio com uma
adenda: “A urgência deste OE vai ser
continuar a responder à emergên-
cia social que emergiu da pandemia.
Depois, cá estaremos para discutir
outros orçamentos e para resolver
outros problemas, designadamente os
herdados do passado.”
A estratégia serve para manter a
porta aberta agora, mas também para
piscar o olho a uma reunião da esquer-
da antes das legislativas, se o cerco da
direita se apertar em 2023.
Depois de ter falhado o primeiro
Conselho de Ministros da semana,
Costa entrou no desta sexta-feira
pronto a desempatar alguns dos pe-
didos do PCP, PAN e mesmo do Blo-
co, para que as negociações possam
prosseguir nos dias a seguir à entrega
do OE-2022. Do lado do Governo, esta
é a última grande prova da legislatu-
ra — no próximo ano, mesmo antes
das legislativas, a tensão será menor.
Mas pode bem ser a mais dura de ul-
trapassar.
ddinis@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
OE traz novo incentivo
fiscal para as empresas
Governo recupera apoio
fiscal ao investimento,
a quem não distribuir
lucros. E aumenta
incentivo a tecnológicas
O Conselho de Ministros des-
ta sexta-feira, que fechou os
dossiês mais sensíveis do Or-
çamento para 2022, aprovou
duas medidas que têm um
objetivo comum: tentar in-
centivar uma retoma (ainda)
mais pujante do investimento
no arranque do ano.
Em primeiro lugar, confir-
mou o Expresso, o Governo
vai reativar durante mais seis
meses o famoso incentivo fis-
cal ao investimento. O bem su-
cedido CFEI vai aparecer re-
tocado no nome — vai passar
a chamar-se IFR (Incentivo
Fiscal à Recuperação) — e traz
duas novidades: a dedução à
coleta vai variar consoante
o volume de investimento, e
exige que as empresas não
distribuam lucros aos acionis-
tas durante três anos (além de
não despedirem pessoal).
O sucedâneo do CFEI II
vai, deste modo, ser reativa-
do entre janeiro e junho de
2022. As empresas que façam
investimento neste período
Costa já chamou
Jerónimo a São
Bento. Mas o PCP
não viu bons
sinais do Governo
poderão abater à coleta de
IRC 10% ou 25% do IRC que
realizarem, durante um pe-
ríodo de cinco anos. Se o va-
lor do investimento realizado
for inferior ou igual à média
do investido nos últimos três
anos, as empresas poderão
abater ao IRC 10% do novo
investimento. Se ultrapassar a
média dos últimos três anos, a
dedução ascende a 25%.
Tal como acontecia no CFEI
II, impõe-se um montante má-
ximo de despesas elegíveis de
€5 milhões, e tal como já previa
o anterior regime, que vigorou
até meados deste ano, exige-
-se que as empresas não façam
despedimentos coletivos, nem
extingam o posto de trabalho
durante três anos. Mas há uma
obrigação acrescida: as empre-
sas não podem distribuir lucros
durante três anos.
A outra medida aprovada visa
atrair empresas tecnológicas:
promete aumentar a isenção
de IRC para 85% das receitas
ou ‘royalties’ decorrentes de
patentes e propriedade intelec-
tual em geral, designadamente
na venda de software. Será, se-
gundo fonte do Governo, um
dos regimes mais competitivos
da Europa. D.D. e E.M.
O QUE MUDA PARA EMPRESAS E FAMÍLIAS Um guia
sobre o que já se sabe do próximo Orçamento, que será
entregue na segunda-feira, no caderno de Economia
O ministro com pouca vida
além do Orçamento
João Leão, que entrega
a proposta de Orçamento,
é tratado por “MEO”.
Obsessão com
as contas gera críticas
e animosidades
É um ministro agastado o que
esta segunda-feira chegará ao
Parlamento para entregar a
proposta de Orçamento para
2022 — e a causa não recai só
no cansaço da maratona dos
derradeiros dias. Nos últimos
tempos, João Leão tem sido
bombardeado por críticas in-
ternas e externas ao Governo, e
a sua obsessão pelas contas até
já levou a que lhe alterassem o
estatuto. Em vez de ministro de
Estado e das Finanças, é nomea-
do nos corredores dos ministé-
rios por um acrónimo que faz
publicidade a uma operadora de
telemóveis: “MEO” — Ministro
de Estado e do Orçamento.
As características de perso-
nalidade de João Leão, centra-
lizador, minucioso, absorto, não
são novas. Já era desta forma
que geria a pasta do Orçamento
quando foi um dos braços direi-
tos de Mário Centeno, ajudando
o atual governador do Banco
de Portugal a inscrever no seu
palmarés o primeiro superávite
da democracia. Mas desde que
assumiu a pasta ministerial as
suas características tornam-se
mais distintivas face às funções
que ocupa e levantam uma nova
questão: saber quão tecnocrata
pode ser um tecnocrata para
ser ministro das Finanças (e
não só do Orçamento).
Ouvir ministros das Finan-
ças serem criticados por não
abrirem os cordões à bolsa e
por fazerem vetos de gaveta
não é novidade. Todos os seus
antecessores, sem exceção,
puseram travões aos planos
dos colegas de Governo e de-
siludiram corporações. João
Leão, contudo, vai mais longe.
Centrado sobretudo na gestão
das contas públicas, tem de-
monstrado desprendimento
por outras áreas sobre a sua
tutela, adiando a resolução de
problemas e deixando dossiês
a marinar, mesmo quando são
vitais a outras entidades e mi-
nistros, de acordo com várias
conversas que o Expresso teve.
Presidência em blackout
Um dos exemplos embaraçosos,
que teve pouco eco em Portugal
mas correu na Alemanha, foi o
do supervisor europeu do mer-
cado de capitais, a ESMA. João
Leão era responsável europeu
pelo Conselho de Ministros
das Finanças aquando da pre-
sidência portuguesa da União
Europeia e tinha de agilizar a
nomeação do futuro presiden-
te, no máximo até abril. A lista
final com os três nomes estava
pronta desde novembro (Maria
Luís Albuquerque incluída) e
ficou sem resolução.
Na Alemanha, o jornal “Süd-
deutsche Zeitung” noticiou
que a finlandesa que interina-
mente está à frente da ESMA,
Anneli Tuominen, tentou con-
tactar Leão para desbloquear
a situação, mas não conseguiu
um encontro, nem sequer uma
conversa. Depois de seis meses
da presidência portuguesa sem
que o telefone do ministro fosse
levantado para ouvir Tuominen,
os eslovenos, que sucederam a
Portugal na presidência, desblo-
quearam o impasse nomeando a
alemã Verena Ross.
Outro exemplo da difícil rela-
ção com os contactos institucio-
nais foi dado por António Sarai-
Anneli Tuominen presidiu
interinamente ao supervisor
europeu dos mercados,
durante meses sem líder.
Tentou falar com Leão
durante a presidência da UE,
mas sem sucesso. Caso
chegou à imprensa alemã
António Saraiva, da CIP,
diz ter feito ‘n’ pedidos
de reunião ao ministro
e nem uma vez foi atendido.
Ausência de diálogo
aborrece tanto ou mais os
patrões quanto a política
restritiva das Finanças
“Se dependesse de mim,
estava resolvido.” Pedro
Nuno Santos criticou
duramente a paralisação
de uma empresa pública,
a CP, pela ausência de vários
despachos do colega
das Finanças
va. Em entrevista à Antena 1 e
ao “Negócios”, o chamado “pa-
trão dos patrões” diz ter perdido
a conta ao número de tentativas
de contacto com o ministro das
Finanças. No último ano, houve
“‘n’ solicitações de reuniões, que
nunca são atendidas”.
Ex-ministro arreliado
Apesar de ter integrado o elen-
co de Mário Centeno, quando
mudou de gabinete, João Leão
perdeu quase toda a equipa téc-
nica do antecessor. Ao fim de
dois meses praticamente não
restavam caras transitadas do
anterior mandato. E até com
Centeno as relações rapida-
mente esfriaram.
Já no Banco de Portugal, o
governador não viu com bons
olhos o facto de João Leão ter
cortado a transferência de mais
€112 milhões para o Novo Ban-
co, em relação aos quais não
Leão ajudou Centeno
no primeiro superávite da
democracia, mas entretanto
as suas relações esfriaram.
Entre outras coisas,
o governador não gostou
de ter sido ultrapassado na
decisão sobre o Novo Banco
Nazaré Cabral lidera
o Conselho de Finanças
Públicas e apontou o dedo à
falta de transparência. “Não
é normal” e é até “bizarro”
não haver um decreto-lei
de execução orçamental
pelo segundo ano
O ministro da Defesa
chegou a admitir,
no Parlamento, que
os estaleiros precisavam, no
“curto prazo”, da aprovação
pelas Finanças de um
“empréstimo bancário”
para o Arsenal do Alfeite
tinham sido levantadas dúvidas
pelo supervisor, sabe o Expres-
so. Antes disso, quando João
Leão falou, no Parlamento, so-
bre o encerramento do proces-
so de monitorização do plano
estratégico da CGD em Bruxe-
las, houve palavras de reconhe-
cimento para os trabalhadores,
para a gestão, mas não para a
equipa que o precedeu. Silêncio
num tema que quase custou o
cargo a Centeno.
Ao lado de grandes temas
Em silêncio, ou com grande dis-
crição, é também como João
Leão tem gerido grandes dos-
siês que estão sob a sua alçada
direta. As moratórias e garanti-
as a empresas poderão vir a cus-
tar milhões aos cofres públicos,
mas o rosto das medidas foi Siza
Vieira. A TAP foi nacionaliza-
da, mas é Pedro Nuno Santos o
único a dar a cara pelas opções.
PRIMEIRO CADERNO 11
A crítica mais sonora de den-
tro do Governo veio há duas
semanas do colega das Infraes-
truturas, aquando da demissão,
a apenas três meses do fim do
mandato, do presidente da CP.
E nem foi por falta de dinheiro:
o governante criticou a demora
na aprovação do plano de ativi-
dade, do orçamento e da espera
de meses por autorizações.
Decisões que não são tiradas
nem a ferro estão também na
origem dos embates com a De-
fesa. Entre problemas como a
demora no arranque da cons-
trução de seis navios de patru-
lha oceânica aprovada em maio,
ou problemas de financiamento
do Arsenal do Alfeite (a idD não
respondeu às perguntas do Ex-
presso), há verbas urgentes que
são disponibilizadas aos poucos,
com consequências na vida dos
militares e reformados. Só on-
tem (sexta-feira) é que as Finan-
ças libertaram €8 milhões para
pagar a dívida da ADM (sistema
de saúde dos militares), que no
fim de agosto ascendia a €66
milhões e que está a levar os pri-
vados a cancelarem convenções.
Vidas em suspenso
A espera não é caso único den-
tro do Governo. No mundo da
supervisão financeira, eleita um
tema central aquando da chega-
da de António Costa ao poder,
e que passou entretanto para o
secretário de Estado João Nuno
Mendes, o atraso tem sido siste-
mático (ainda que não lhe seja
exclusivo). Por exemplo, Hélder
Rosalino só agora foi reconduzi-
do como administrador do Ban-
co de Portugal, dois anos depois
de ter terminado o mandato.
E, mesmo assim, o supervisor
continua a incumprir a sua pró-
pria lei orgânica, já que desde
janeiro é obrigado a ter 40%
dos membros da administração
do género sub-representado.
Há uma mulher em cinco ad-
ministradores neste momento,
metade do exigido (20%).
Na Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários, Gabriela
Figueiredo Dias terminou o
mandato em junho e só agora
se iniciou o processo de substi-
tuição, faltando preencher dois
outros cargos da administração.
Na Autoridade de Supervisão de
Seguros e Fundos de Pensões, o
vice-presidente, Filipe Serrano,
está fora do seu mandato desde
o fim de 2017. Houve atrasos na
escolha de novos nomes para a
administração da CGD, o que
faz com que o BCE ainda nem
sequer tenha dado luz verde à
nova equipa de Paulo Macedo.
Mesmo nas questões orça-
mentais João Leão não esca-
pa a críticas mordazes, com
a da presidente do Conselho
de Finanças Públicas, Nazaré
Cabral, que veio publicamente
dizer que é “bizarro” e “não é
normal” não haver um decre-
to-lei de execução orçamental
desde 2019.
João Leão chegou a ministro
numa altura especialmente difí-
cil, e quem o defende lembra a
seu favor que, com a pressão da
pandemia, não teve tempo de
aprender a ser ministro de Es-
tado e das Finanças. Mas o seu
estilo de gestão não deixa de
destoar muito do que teria sido
imprimido por Fernando Ro-
cha Andrade, o nome que podia
ter sucedido a Mário Centeno
se não estivesse chamuscado
com as polémicas viagens aos
jogos da Seleção.
Diogo Cavaleiro, Elisabete
Miranda e Vítor Matos
dcavaleiro@expresso.impresa.pt
12 PRIMEIRO CADERNO
OPINIÃO
Cavaco
lança alerta
vermelho
Estagnação económica,
empobrecimento relativo
agravado no quadro europeu,
opções políticas erradas
ditadas por interesses
eleitorais e preconceitos
ideológicos e um clima de
silenciamento do real estado
do país. É este o quadro
traçado por Cavaco Silva
no artigo que publica nesta
edição do Expresso, onde
lança um grito de alerta para
a necessidade de “mudança”.
O ex-Presidente da República
atribui culpas, “sem
margem para dúvidas”, aos
“Governos socialistas”, que
responsabiliza por Portugal
ter começado no final dos
anos 90 a atrasar-se em
relação aos outros países.
E alerta que “sem uma
clara mudança de rumo,
Portugal continuará a
decair para a cauda da zona
euro em termos de riqueza
produzida por habitante”,
com o que isso implica de
salários baixos, pensões
indignas e desigualdades
sociais, perdendo “uma
oportunidade de ouro para
se aproximar do pelotão da
frente da UE”.
Para Cavaco Silva, além de
“o atual Governo socialista,
apoiado pelos partidos da
extrema-esquerda”, não ter
sido “capaz de aproveitar
as boas condições de
sustentabilidade da economia
portuguesa herdadas” do
Governo de Passos Coelho,
não tem sabido “assumir
como prioridade efetiva o
aumento da produtividade e
da competitividade através
de medidas estruturais e
reformas do Estado”. Mas,
em vésperas de PSD e
CDS escolherem com que
líderes irão às legislativas,
Cavaco também aponta
o dedo ao que chama de
“oposição débil e sem rumo,
desprovida de uma estratégia
consistente de denúncia dos
erros, omissões e atitudes
eticamente reprováveis
do Governo”. E avisa que
“mudança é a palavra-chave
para que o país tenha sucesso
económico e social”.
Para o futuro próximo, o
ex-Presidente deixa dois
desafios: “recuperar as
posições perdidas em termos
de desenvolvimento”. E
“trazer Portugal de volta aos
países de democracia plena”.
Em março, Cavaco já tinha
falado de uma “democracia
amordaçada”. Agora, insiste
que “o controlo do aparelho
do Estado” e “a subserviência
de parte da comunicação
social à lógica do Governo”
contribuem para silenciar
o que deveria ser “tema
proeminente no debate
político”.
Ângela Silva
avsilva@expresso.impresa.pt
Para o poder socialista, o mérito conta pouco, a que
acresce a linguagem ameaçadora, rude e mesmo
ofensiva com que ataca quem ouse criticar o Governo
Empobrecimento
e silenciamento
Aníbal Cavaco Silva
E
m novembro de 2000,
publiquei um artigo no
semanário Expresso
em que começava por
sublinhar que, em 1990,
Portugal tinha ultrapas-
sado o nível de desen-
volvimento da Grécia —
medido pelo rendimento
per capita — e saído da incómoda po-
sição de lanterna vermelha da União
Europeia (UE).
Esse artigo foi, acima de tudo, um
grito de alarme: a partir de 1999 tudo
mudara. Portugal começara a atrasar-se
em relação aos outros países e a desfa-
zer-se a esperança de que atingisse o
nível de desenvolvimento médio da UE
por volta de 2010-2015. A culpa era dos
erros do Governo socialista de então,
como deixei escrito, e, daí, o apelo que
lhe dirigi para que não adiasse as me-
didas estruturais indispensáveis para
inverter a situação.
2
Passados 20 anos, os traços mar-
cantes da evolução de longo prazo
da economia portuguesa são, ine-
quivocamente, a estagnação eco-
nómica e o empobrecimento em relação
aos outros países do grupo europeu
com que nos comparamos. E a culpa
é também, sem margem para dúvidas,
dos Governos socialistas.
Em 2004 aderiram à UE oito países
da Europa de Leste, todos com um nível
de desenvolvimento muito inferior a
Portugal, fruto de décadas de sujeição
ao estatismo comunista.
Hoje, é penoso verificar que, em 16
anos, Portugal já foi ultrapassado pela
República Checa, a Estónia, a Lituânia
e a Eslovénia e que as previsões são de
que, nos próximos dois, três anos, o mes-
mo aconteça com a Polónia, a Hungria, a
Roménia, a Letónia e a Eslováquia.
Nas duas décadas do século XXI, a
economia portuguesa cresceu à taxa
média anual de apenas 0,5%. Segun-
do um estudo do Banco de Portugal, a
produção por habitante de Portugal em
2018 era pior do que em 1995.
Deixando de lado a Grécia, cujo Go-
verno caiu, em janeiro de 2015, nas mãos
de um partido da extrema-esquerda
semelhante ao Bloco de Esquerda que
arruinou a economia do país, Portugal
é o campeão europeu do agravamento
do empobrecimento relativo.
O empobrecimento relativo do
país implica salários baixos, salários
insuficientes para reter jovens com
ambição de subir na vida e atrair imi-
grantes qualificados, uma classe média
empobrecida, pensões de reforma que
não permitem uma vida digna, desigual-
dades sociais e elevado nível de pobreza,
cuidados de saúde de baixa qualidade
para quem não dispõe de recursos para
acesso à medicina privada e degradação
do ensino público.
Por tudo isto são responsáveis os Go-
vernos do Partido Socialista.
3
O Governo socialista de 2005 a
2011 insistiu teimosamente em po-
líticas económicas erradas, apesar
dos múltiplos alertas, e conduziu
o país a uma situação de bancarrota em
que ao Estado faltava o dinheiro para
pagar salários e pensões e os bancos não
dispunham de recursos para financiar
as empresas e as famílias.
O Governo foi forçado a negociar um
Programa de Assistência Económica e
Financeira com a troika, em que Por-
tugal se comprometia a executar uma
política de severa austeridade e de re-
formas estruturais como contrapartida
de um empréstimo de €78 mil milhões.
Derrotado o Partido Socialista nas
eleições de junho de 2011, coube ao
Governo de coligação PSD/CDS a
ingrata tarefa de, sob a vigilância da
troika, cumprir os compromissos as-
sumidos pelo Governo socialista que o
antecedeu. Num contexto internacional
adverso, o novo Governo corrigiu os
profundos desequilíbrios económicos e
financeiros que o país acumulara e co-
locou-o numa trajetória de crescimento
económico, criação de emprego e de re-
posição de salários e pensões atingidos
pela situação de emergência financeira
recebida do Governo socialista.
O atual Governo socialista, apoiado
pelos partidos da extrema-esquerda,
não foi capaz de aproveitar as boas con-
dições de sustentabilidade da econo-
mia portuguesa herdadas do anterior
Governo, como o fez a Irlanda, que, tal
FOTO LUÍS BARRA
como Portugal, saiu de forma limpa do
Programa de Assistência Financeira
que em 2010 negociara com a troika.
Portugal continuou a crescer menos
do que os países com que se deve com-
parar e o empobrecimento relativo, que
devia ter começado a reverter, conti-
nuou a agravar-se. Tem sido o reflexo de
uma vitória dos partidos da extrema-es-
querda apoiantes do Governo, de cujos
objetivos faz parte a fragilização dos
fatores de crescimento da nossa econo-
mia, e que, explicitamente, apoiam Go-
vernos de países onde impera a ditadura
e a miséria. O combate à pobreza nunca
foi uma prioridade efetiva do Partido
Comunista e do Bloco de Esquerda.
4
Portugal irá receber no período
de 2021-2027 apoios financeiros
da UE e do Banco Central Euro-
peu de montante elevadíssimo,
nunca antes verificado. Isso não impede
a previsão, muito generalizada, com a
qual concordo, de que, com as orien-
tações de política económica que têm
vindo a ser seguidas pelo atual Governo,
não se verificará a inversão da decadên-
cia relativa do país.
Sem uma clara mudança de rumo,
que permita ultrapassar os bloqueios
ao desenvolvimento económico e social,
Portugal continuará a decair para a cau-
da da zona euro em termos de riqueza
produzida por habitante. Será penoso
ver o país perder uma oportunidade de
ouro para se aproximar do pelotão da
frente da UE.
A razão, como a maioria dos econo-
mistas tem sublinhado, encontra-se
no facto de o Governo socialista não
assumir como prioridade efetiva o au-
mento da produtividade e da competiti-
vidade através da execução de medidas
estruturais e reformas do Estado que
favoreçam a expansão do investimento
nacional e estrangeiro nos sectores de
bens transacionáveis, o aumento das
exportações e o desenvolvimento de ati-
vidades de elevado valor acrescentado.
O poder socialista perdeu a noção do
papel do sistema de impostos no desen-
volvimento económico e social do país.
Guiado por meros interesses eleito-
rais, o Governo aposta, acima de tudo,
na expansão do consumo, o qual, no
curto prazo, pode ser visto como um ob-
jetivo, mas não é um meio de promoção
do crescimento económico sustentável
e de melhoria duradoura do bem-estar
da população num país de elevado endi-
Expresso, 9 de outubro de 2021
vidamento como Portugal. A esta opção
errada junta-se a atitude ideológica anti
grandes empresas e desfavorecedora da
iniciativa privada e da inovação.
Assim, mudança é a palavra-chave
para que o país tenha sucesso económi-
co e social.
A pandemia que atingiu Portugal, exi-
gindo a concessão de apoios públicos
extraordinários de grande dimensão às
empresas e famílias, é, em boa parte,
irrelevante na análise do empobreci-
mento relativo do país, porque o vírus
atinge igualmente os outros países da
UE com que nos comparamos. Não ser-
ve, portanto, de desculpa para os erros
do Governo socialista.
5
Por aquilo que o empobrecimento
relativo do país significa em ter-
mos de perda de bem-estar da po-
pulação, de ineficácia dos serviços
públicos, de hipoteca sobre o futuro das
gerações mais novas e de persistência
das desigualdades e da pobreza esperar-
-se-ia que fosse um tema proeminente
de debate político, objeto de grande
destaque na comunicação social, no seu
papel de escrutínio da ação do Governo,
e de discussão permanente de analistas
e comentadores. Contudo, não é isso
que se verifica.
O empobrecimento do país tem es-
tado envolto, para descrédito da nossa
democracia, numa penumbra de silen-
ciamento. Para isso têm contribuído
vários fatores.
Desde logo, uma oposição política
débil e sem rumo, desprovida de uma
estratégia consistente de denúncia dos
erros, omissões e atitudes eticamente
reprováveis do Governo.
Outra razão do silenciamento do em-
pobrecimento do país prende-se com
o controlo do aparelho do Estado pelo
Governo socialista, incluindo entidades
da nossa democracia a quem é exigido
distanciamento e independência em
relação ao poder político, ao mesmo
tempo que promove campanhas de des-
credibilização de partidos da oposição.
São muitos os portugueses que têm
medo de criticar o Governo. Receiam
ser prejudicados na sua vida pessoal,
profissional ou empresarial, incluin-
do de familiares, medo de perderem o
emprego ou de serem injustamente ex-
cluídos de oportunidades de realização
pessoal ou de negócios.
Para o poder socialista o mérito conta
pouco, a que acresce a linguagem amea-
çadora, rude e mesmo ofensiva com que
ataca quem ouse criticar o Governo.
Para algumas pessoas, de coluna ver-
tebral mais frágil, o encosto ao Governo
socialista é visto como a melhor posição
para subirem além do princípio de Peter.
O silenciamento tem também expli-
cação na subserviência de parte da co-
municação social à lógica do Governo, à
sua propaganda e desinformação, num
claro afastamento dos princípios de in-
dependência e de verdade que a devem
nortear, o que tem sido publicamente
denunciado por conhecedores do sector.
A aposta socialista no silenciamento
do empobrecimento relativo do país é
uma expressão da perda de qualidade
da democracia portuguesa, a que se têm
referido vários autores e relatórios in-
ternacionais, sublinhando que Portugal
deixou de ser uma democracia plena.
Esta realidade portuguesa tem sido
classificada como “democracia defi-
citária”, “democracia com falhas”,
“democracia meramente eleitoral” ou
“democracia claustrofóbica”, e as ati-
tudes e abusos do Governo socialista
qualificados como bullying, assédio ou
asfixia da democracia.
No passado mês de março, falando
numa sessão partidária, lembrei um
conjunto de notícias amplamente di-
vulgadas pela comunicação social que
nos deixavam uma certa ideia de que
o país se encontrava numa situação de
“democracia amordaçada”, o que não
excluía alguns gritos de alarme que se
ouviam. Filmes policiais têm mostrado
como uma pessoa amordaçada conse-
gue emitir gritos de socorro.
De então para cá a situação não me-
lhorou, antes pelo contrário.
As forças políticas, incluindo o Partido
Socialista, e os portugueses em geral en-
frentam no futuro próximo dois grandes
desafios.
Por um lado, recuperar as posições
perdidas e aproximar Portugal do pe-
lotão da frente dos países da UE em
termos de desenvolvimento.
Por outro, trazer Portugal de volta ao
grupo dos países de democracia plena.
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 13
14 PRIMEIRO CADERNO
PSD
Rio em silêncio. Direção procura apoios
Rio só desfaz tabu após Conselho Nacional. Rangel soma apoios, mas Rio confia na tese da ‘deslealdade’
Rita Dinis
É como uma fotografia tirada à
noite: quem se mexer primeiro
vai aparecer tremido. A uma
semana do Conselho Nacional
decisivo para definir regras e
datas da corrida à liderança, é
mais ou menos assim que está
o PSD. A noite eleitoral de Rui
Rio com sabor a vitória foi há
duas semanas, mas nem por
isso o partido está galvanizado.
Esta semana, o líder social-de-
mocrata sentou-se à mesa com
representantes de praticamen-
te todas as distritais e regiões do
país e nem uma palavra sobre a
recandidatura. Nem Rio o disse,
nem os dirigentes o incentiva-
ram. “Ninguém fala, está tudo a
medir, e ainda há quem acredite
que um deles possa desistir”,
diz ao Expresso uma fonte afeta
ao atual líder, que não acredita
na teoria da saída pela porta
grande: Rio fica.
Rui Rio tem escondido o jogo,
até da sua direção, e vai conti-
nuar a fazê-lo até ao Conselho
Nacional, onde falará na quali-
dade de presidente do partido, e
não como candidato. Se alguém
se quiser assumir como candi-
dato, que o faça. A estratégia
passa por isso mesmo: confiar
no voto “livre e consciente” dos
militantes, que poderão culpar
Paulo Rangel por ter andado a
colher apoios em período elei-
toral e por, com a luta interna,
ter deslaçado o élan que o PSD
começou a ganhar com a fragi-
lização do PS nas autárquicas.
É a tese da “deslealdade” de
David Justino. “Se houvesse
uma crise política agora, o PSD
era apanhado com as calças na
mão”, comenta fonte próxima
de Rio. O ataque a Rangel já
está pensado — até as interven-
ções públicas do eurodeputado
nos últimos anos estão a ser
estudadas — e vai passar tam-
bém por recordar que Rangel
foi apoiante de Rio nas últimas
diretas, em que não só apoiou
a moção do líder como nunca
Marcelo aconselha
coligações à direita
Presidente/analista
revê posição sobre
recandidatura de Costa e
dá quatro meses à direita
para rever estratégia
Marcelo Rebelo de Sousa fez
no 5 de Outubro um discurso
sem novidades (repetiu, pela
enésima vez, que os milhões
da ‘bazuca’ exigem rigor repu-
blicano), mas aproveitou uma
entrevista de véspera a Miguel
Sousa Tavares, que esta sema-
na se despediu do jornalismo
à conversa com o Presidente
da República na TVI, para le-
gitimar a ideia de um começo
de viragem no ciclo político
que a direita teima em ver nos
resultados das autárquicas.
“Decisivo é o que se vai passar
nos próximos três, quatro me-
ses”, afirmou Marcelo, fazendo
depender o desfecho da legis-
latura no que de novo poderá
sair em matéria de lideranças
e de acertos estratégicos dos
congressos e eleições internas
que irão ocorrer no PSD, CDS,
Chega e Iniciativa Liberal.
Para o Presidente, o seu du-
plo estatuto de Chefe de Estado
e de analista “inevitavelmente
discordou da estratégia políti-
ca. Logo, argumentará a ala do
atual líder, trata-se apenas de
ambição pessoal. E de uma su-
bida de tom, que não lhe serviu
de muito nas últimas europeias.
No núcleo duro, e apesar de
Nuno Morais Sarmento ter dito,
na SIC, que não dava como cer-
ta uma recandidatura de Rui
Rio, são mais os que o fazem.
“Avança em qualquer circuns-
tância”, acredita uma fonte.
“Não seria compreensível” ou-
tra opção, vai repetindo David
Justino na comunicação social.
Mesmo que as estruturas do
partido estejam “zangadas” e a
vitória longe de garantida.
Aí as coisas complicam-se. No
somatório dos apoios, o tabu-
Rangel soma apoios e pode dar nota de candidatura antes do Conselho Nacional. Rio só o fará depois FOTO RUI DUARTE SILVA
confundem-se”, porque é im-
possível “definir uma posição
sem analisar primeiro”. E eis
que entrou em cena o analis-
ta, defensor de que a direita
reflita com que líder quer ir
às legislativas de 2023, mas,
sobretudo, com que estratégia
tenciona lá chegar para tentar
recuperar o poder e apear o
Partido Socialista.
Na sua opinião, “para haver
uma alternativa plausível e for-
te, o problema não é só de líder,
é sobretudo de estratégia”. E
Marcelo deixou perceber o que
considera fundamental — recu-
perar a aposta em coligações
que ajudem a reforçar a base
eleitoral do lado direito da bar-
ricada.
Sem o dizer claramente, o
Presidente lembrou que a ori-
PR lembra que o fim
da aliança PSD/CDS
no pós-passismo
adubou o Chega e o IL.
“Ficou clara a falta de
coligação possível”
leiro tende a inclinar-se para
Paulo Rangel, que acredita num
cálculo simples: somar os votos
que Rio não teve há dois anos
(“quem era anti-Rio não vai
estar ao lado de Rio”) e ainda
importar apoios importantes
da ala do líder. E esses já come-
çaram a aparecer. Alberto Ma-
chado, homem forte da distrital
do Porto, já não faz segredo da
mudança de lado, e José Ma-
nuel Fernandes deu um sinal
público esta semana: “O PSD
precisa de um líder moderno,
com mundo”, disse em entre-
vista ao “Polígrafo”.
Outro cálculo fácil de fazer:
o PSD concentra 60% dos seus
militantes em quatro distritais,
Porto, Braga, Lisboa e Aveiro,
gem da fragmentação parti-
dária hoje instalada à direita
remonta ao fim da coligação
entre PSD e CDS, quando Pe-
dro Passos Coelho saiu do Go-
verno e “ficou clara a falta de
uma coligação possível”. Na
altura, recorde-se, Passos e
Assunção Cristas, então líder
do CDS, divergiram quanto à
estratégia a seguir na oposição
— Passos Coelho acreditava na
queda do primeiro Governo
de António Costa, enquanto
Cristas apostava na sua con-
tinuidade — e o conselho im-
plícito do analista Marcelo
Rebelo de Sousa aponta para
um regresso às alianças. Com
a devida atenção ao que entre-
tanto se passará à esquerda,
onde o Presidente também não
afasta um eventual reforço de
sinergias.
“À esquerda devem refletir
se querem reforçar a base de
poder ou enfraquecê-la, e à
direita é o mesmo”, defendeu,
indisfarçavelmente expectan-
te da reflexão “que os parti-
dos vão ter que fazer sobre as
autárquicas”. Pela sua parte,
Marcelo deixou duas pistas:
primeira, que as eleições lo-
cais “têm sempre uma leitura
nacional” — ou seja, alinha
com a sua família política, que
viu nos resultados de 26 de
setembro, sobretudo na ines-
perada vitória da coligação de
direita em Lisboa, o princípio
do fim do atual ciclo de poder
por esta ordem. Logo, se Ran-
gel tem ao seu lado a influência
do líder da distrital do Porto,
Gaia, os apoios da Grande Lis-
boa (por via de Miguel Pinto
Luz), se em Braga tem José
Manuel Fernandes e se o líder
da distrital, Paulo Cunha, era
um dos mais convictos apoian-
tes de Luís Montenegro há dois
anos, as contas parecem sim-
ples. Acresce que, em Aveiro,
Salvador Malheiro (homem
forte de Rio) está em final de
mandato e em guerra aberta
com a maior concelhia: Rangel
tem Santa Maria da Feira, São
João da Madeira, Espinho e até
o líder da concelhia de Aveiro
estará do seu lado. Mesmo en-
tre os todo-o-terreno de Rui Rio
do PS; segunda, ele próprio
tudo fará para evitar que este
ciclo seja interrompido e insis-
te que ninguém deve pensar
em eleições antecipadas. Con-
sidera, aliás, “uma evidência
que deve haver estabilidade
política” até a legislatura se
cumprir e que esse tempo
deve ser aproveitado pela di-
reita para “se preparar”.
“Não contem comigo
para fazer oposição”
Mas não há uma contradição
entre pedir ao mesmo tempo
estabilidade política e uma
alternativa (será para a al-
ternativa ficar quieta?), per-
guntou-lhe Sousa Tavares. O
Presidente diz que não. “O que
provoca maior instabilidade é
não haver uma alternativa for-
te”, pelo que a maior urgência,
vista de Belém, é que a direita
“se prepare para competir e,
se for caso disso, ganhar as le-
gislativas”.
Marcelo Rebelo de Sousa não
diz se é melhor o PSD manter
ou mudar de líder — “isso não
é comigo” — e aproveita para
se distanciar, quer do estilo de
Ramalho Eanes — “não tencio-
no criar um partido” — quer
do de Mário Soares — “nem
promover um congresso para
apoiar a oposição”. Para quem
tivesse dúvidas, Marcelo Re-
belo de Sousa deixa claro que
quem espera que seja ele a aju-
a convicção é de que não será
fácil bater isto. “Quando se vê
um apoio em bloco, ninguém
quer estar do lado que parece
que vai perder...”
Dividir para reinar
Mas o lado de Rio não dá o
partido como perdido e muitos
vão lembrando o erro de Luís
Montenegro há dois anos. Dizia
que tinha o maior número de
“Avança em qualquer
circunstância”,
diz ao Expresso fonte
próxima de Rui Rio
dar a derrubar o Governo pode
esperar sentado. Terá que ser
a oposição a mudar de vida.
Marcelo apenas não disfarça
que deseja que aconteça.
Quanto à leitura nacional
das autárquicas que o Presi-
dente considera inevitável,
levou-o a rever a convicção
de que António Costa não se
recandidata em 2023. Con-
frontado com a notícia do
Expresso que há um mês in-
formou estar Marcelo convic-
to de que Costa quer sair, o
próprio respondeu de rajada:
“Isso foi antes do congresso do
PS.” Foi depois — o congresso
socialista realizou-se a 28 de
agosto e a notícia saiu a 2 de
setembro —, mas para o Pre-
sidente, que assumiu só haver
em Belém uma fonte que é ele
próprio e que lembra “que o
secretário-geral do PS na altu-
ra tinha dado uma entrevista
em que colocou o cenário da
saída com uma clareza que
nunca tinha colocado”, con-
sidera hoje que “estamos a
falar de um tempo diferente,
“Para haver uma
alternativa plausível e
forte, o problema não
é só de liderança, é de
estratégia.” Próximos
meses são “decisivos”
Expresso, 9 de outubro de 2021
distritais e de apoios, mas nem
a soma dos votos anti-Rio, na
segunda volta, foi suficiente. A
chave está no voto livre. “Hoje
em dia já ninguém tem os vo-
tos, há dois anos o voto livre
favoreceu Rui Rio; pode voltar
a acontecer”, lembra um antigo
apoiante de Luís Montenegro,
que admite ter sido contactado
por membros da direção de Rui
Rio para saber como se posicio-
na desta vez.
A estratégia passa por tentar
seduzir antigos apoiantes de
Montenegro, mesmo que seja
só para desestabilizar. Nem
precisam de apoiar Rio — basta
não apoiarem Paulo Rangel.
Basta “um empate aqui e ali”,
acreditam, e o voto popular fará
o resto, à boleia de uma cam-
panha centrada no tema ‘quem
está melhor preparado para ser
primeiro-ministro’. O Expresso
sabe que José Silvano e Paulo
Cunha, líder da distrital de Bra-
ga, têm “falado bastante”, mes-
mo que Paulo Rangel já conte
para si as tropas bracarenses.
Nesta fase do campeonato, a
verdade é que ninguém descar-
ta que muitos estejam a dizer
que sim aos dois lados da bar-
ricada. Viseu, Coimbra e Leiria
são outras distritais que, tendo
apoiado Montenegro, podem
agora dividir-se.
E ainda há o Porto todo-po-
deroso, terra natal de Rio e de
Rangel. Se Rangel conta ter
as concelhias unidas, o lado
de Rio procura fazer uso dos
anticorpos de Alberto Ma-
chado nas lutas internas para
desestabilizar. A Trofa pode
continuar leal a Rio, acreditam
os rioístas, que também depo-
sitam muita fé no voto secreto
na cidade onde Rio foi autarca
12 anos. Em Lisboa, idem: pode
haver furos por causa de guer-
ras intestinas. “É isso que tem
dado as vitórias a Rui Rio, está
tudo furado nos aparelhos.”
Uns contra os outros. Depois
sobra o voto livre. Será Rio ca-
paz de repetir a proeza?
rdinis@expresso.impresa.pt
que é o pós-autárquicas”. E
tudo depende “da avaliação
que o secretário-geral do PS
terá que fazer da situação pós-
-autárquicas”.
“Ele esperava uma vitória
em fanfarra e com a derrota
em Lisboa teve uma vitória de
Pirro”, atualiza-se em Belém,
onde já não é afastada a hipó-
tese de António Costa “ficar
obrigado a fazer a próxima
campanha e a não abandonar
o partido”. Marcelo explicou
na entrevista à TVI que além
de o seu duplo estatuto de Pre-
sidente e de comentador se
confundirem, muitas vezes ele
decide tornar públicas as suas
análises por entender “que é
útil” num magistério presiden-
cial que classifica como “de ex-
plicação”.
Sintetizando a explicação
marcelista do momento, as
autárquicas foram o princípio
de um novo ciclo que pode le-
var Costa a ter que ficar; que
força a esquerda a decidir se
se agrega ou se separa; e que
aconselha a direita a somar
esforços para crescer. Como?
Com novas lideranças e novas
estratégias. O Chega não foi
tema nesta entrevista. E não é
certo que o seja nos congressos
do PSD e do CDS que Marcelo
sonha resultarem numa res-
surreição atualizada do espí-
rito AD.
Ângela Silva
avsilva@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 15
16 PRIMEIRO CADERNO
DEFESA
Marcelo não quis
que ficasse a ideia de
que os chefes militares
estavam a ser penalizados
politicamente
FOTO HUGO DELGADO/LUSA
Governo tranquiliza Marcelo com Exército
Com a recondução do general Nunes da Fonseca, os chefes contra a 'reforma Cravinho' não são penalizados
Vítor Matos
A recondução do general Nu-
nes da Fonseca à frente do
Exército, divulgada ontem
(sexta-feira) por Belém, é um
sinal de apaziguamento com
São Bento depois da crise ins-
titucional dos “três equívocos”
— a tentativa de exoneração
do chefe da Marinha por parte
do Governo, sem o Presidente
da República ter sido informa-
do a tempo. A revalidação da
confiança no chefe do Estado-
-Maior do Exército (CEME)
por mais dois anos, esclarece
um dos “equívocos” enuncia-
dos por Marcelo: os três chefes
que criticaram a reforma do
comando superior das For-
ças Armadas não podem ser
penalizados por terem dado
a sua opinião nas instituições
próprias. “Isto é um exemplo
de lealdade institucional e não
de deslealdade institucional”,
disse o Presidente. A decisão
de manter um crítico no posto
também esvazia as acusações
de “governamentalização” das
Forças Armadas que o ex-Pre-
sidente Ramalho Eanes fez esta
quinta-feira.
A renovação do mandato de
Nunes da Fonseca, um militar
que várias fontes descrevem
como muito institucional, abre
a possibilidade de o almirante
Mendes Calado ser substituído
por Gouveia e Melo, como es-
tava combinado entre Gover-
no e Presidente, sem que isso
seja interpretado como uma
tentativa de “partidarização”
das Forças Armadas — palavra
também usada por Eanes para
descrever os riscos que está
a correr a instituição militar.
Restabelecida a normalidade
constitucional na relação entre
Governo e Presidente (Belém é
que nomeia e exonera os che-
fes militares sob proposta de
São Bento), resta saber quando
será o “momento adequado”
para a substituição na Marinha,
de que Marcelo falou quando
fez as declarações públicas a
travar a exoneração do CEMA.
Em fevereiro será a vez de o
general Joaquim Borrego sa-
ber se é reconduzido à frente
da Força Aérea, mas se Men-
des Calado se mantiver até lá
— para a decisão ser simultâ-
nea nos dois ramos —, bate o
recorde de um chefe militar
em funções sem a confiança
do Governo. Já houve outros
chefes no limbo...
“Razões políticas
não se explicam”
António Ramalho Eanes recor-
dou esta semana o Processo Re-
volucionário em Curso (PREC),
por “temer que alguns milita-
res, ambiciosos, e de poucos
escrúpulos, procurem ligações
pessoais de dependência parti-
dária” para serem promovidos.
O general explicou ao Expresso
que não se referia “a ninguém
em especial”. Limitou-se a
identificar “um perigo potenci-
al e uma vulnerabilidade que é
necessário esconjurar porque,
a concretizar-se, pode ter con-
sequências gravosas”. Noutra
época, quando Eanes estava na
linha de fogo, ainda cheirava a
PREC e havia uma nova Lei da
Defesa Nacional para testar a
força entre políticos e milita-
res: em 1983 foi a única vez que
um chefe militar ficou quatro
meses no limbo, com um pedi-
do de exoneração pendurado,
por causa de uma guerra entre
São Bento e Belém.
Mário Soares era primeiro-
-ministro e media forças com
o Presidente da República, Ra-
malho Eanes, por causa da não
recondução do general Garcia
dos Santos como chefe do Esta-
do-Maior do Exército (CEME).
O Governo pediu a exonera-
ção do chefe militar, como na
atual crise da Marinha, mas o
Presidente travou-o enquanto
pôde. Se hoje o Governo procu-
ra testar a reforma que alterou
a arquitetura de relações entre
os chefes dos ramos, o poder
político e o chefe do Estado-
-Maior General das Forças Ar-
madas (CEMGFA), há 38 anos
Mário Soares testava a força
do poder civil contra a influên-
cia dos militares — que tinham
regressado aos quartéis com o
fim do Conselho da Revolução,
fruto da revisão constitucional
de 1982. O ex-Presidente disse
esta semana que, quando “se é
obrigado a exonerar” um chefe
militar, “apontam-se as razões
que levaram a isso”, mas em
1983 Soares justificou a demis-
são a Garcia dos Santos com
“razões políticas” e “razões po-
líticas não se explicam.”
Naquela época, quando Soa-
res e Eanes fizeram as tréguas,
a paz político-militar surgiu
sob forma de uma carta, di-
vulgada então pelo Expresso,
onde se estabelecia um “en-
tendimento mútuo” de “dupla
responsabilidade”: qualquer
chefe militar seria exonerado
se perdesse a confiança política
do Presidente ou do Governo.
Na atual crise da Marinha, está
subjacente uma perda de con-
fiança política do ministro e do
CEMGFA no almirante Men-
des Calado, que chegou a ir a
Belém apresentar as suas ra-
zões ao comandante supremo
por o Governo ter chumbado o
nome proposto por si para co-
mandante naval, já nos termos
na nova legislação.
Com os “equívocos” de comu-
nicação e “erros de perceção
mútua” oficialmente sanados
na reunião de há semana e
meia entre Presidente, minis-
tro da Defesa e primeiro-minis-
tro em Belém – embora ainda
ninguém tenha explicado em
que termos –, Mendes Calado
permanece num limbo como
esteve Garcia dos Santos. Tem
a confiança do Presidente, mas
não do Governo. Até quando
é possível manter essa situa-
ção, é o que questionam altas
patentes ao Expresso. Outro
momento que se pode revelar
adequado para uma movimen-
tação na Marinha é se houver
entretanto uma remodelação
do Governo e Gomes Cravinho
sair ou mudar de pasta.
Não concordo, mas fico
Noutras circunstâncias em
que os militares chocaram de
frente com o poder, os desfe-
chos foram mais dramáticos.
Ao longo da discussão sobre a
reforma do comando superior
das Forças Armadas, debateu-
-se muito nos bastidores se os
atuais chefes se deviam demitir
depois de ser aprovada a legis-
lação a que se opunham —, e
que limita os poder dos chefes
dos ramos para o concentrar no
CEMGFA. Em 1992, o general
Loureiro dos Santos demitiu-se
depois da “lei dos coronéis” do
ministro Fernando Nogueira
ter sido aprovada. “Não concor-
dei com os termos da lei, por
isso entendi que não era obri-
gado a cumprir uma coisa com
a qual não concordava”, disse
o general, citado na biografia
da jornalista Luísa Meireles.
No caso presente, nenhum dos
chefes militares bateu com a
porta, apesar de não serem de-
fensores dos termos concretos
da ‘reforma Cravinho’. Aliás, o
CEME agora reconduzido che-
gou a apontar “inconsistênci-
as, colisões de competências,
lapsos e omissões” nas novas
leis, numa audição na comissão
parlamentar de Defesa.
Já com as novas regras da lei
de bases das Forças Armadas
AS CRISES DOS CHEFES
^ 1983 Mário Soares pede
a exoneração do CEME,
general Garcia dos Santos,
mas passa quatro meses em
braço de ferro com Eanes
^ 1992 Loureiro dos Santos
demite-se de CEME
por discordar da “Lei
dos Coronéis”
^ 1997 O almirante Ribeiro
Pacheco bate com a porta
a duas semanas do fim do
mandato porque António
Vitorino não lhe deu
indicações sobre a intenção
de o reconduzir ou substituir
^ 1998 Jorge Sampaio entende
que não tem de ouvir o
CEMGFA, almirante Fuzeta
da Ponte, na recondução do
chefe da Força Aérea. O
CEMGFA protesta. Belém
força a demissão
^ 2002 Paulo Portas demite o
CEMGFA, general Alvarenga,
por críticas políticas públicas
ao ministro da Defesa
^ 2003 O CEME demite-se
por ter perdido a confiança
no ministro Portas, depois
de este ter forçado a
promoção de um oficial
^ 2016 Carlos Jerónimo
demite-se de CEME por
o ministro Azeredo Lopes
ter exigido a demissão
do subdiretor do Colégio
Militar
^ 2018 Assim que toma
posse, Gomes Cravinho
força a demissão do CEME,
general Rovisco Duarte
Expresso, 9 de outubro de 2021
em vigor, o chumbo inédito do
nome do comandante naval
por parte do ministro (depois
de ouvido o CEMGFA) foi ou-
tro momento decisivo na fric-
ção que levou à atual crise. No
passado, quando se sentiram
ultrapassados pelo poder po-
lítico, outros chefes bateram
a porta com estrondo: Carlos
Jerónimo saiu de CEME em
2016, quando o ministro Aze-
redo Lopes forçou a demissão
do subdiretor do Colégio Mili-
tar por este ter assumido a dis-
criminação de homossexuais
na instituição. E o general Silva
Viegas demitiu-se de CEME
em 2003, por ter “perdido a
confiança” no ministro Pau-
lo Portas, quando este deu
uma ordem ao comandante
de pessoal para promover o
então tenente-coronel Cam-
pos Serafino a coronel, uma
vez que ia ser diretor-geral de
Armamento. Uma “garotice”
de Portas, comentou na altura
o analista Marcelo Rebelo de
Sousa, quando o ministro fal-
tou às comemorações do dia do
Exército para estar na tomada
de posse do seu novo diretor-
-geral.
Na verdade, só houve dois
chefes militares demitidos, até
hoje. O primeiro foi o almiran-
te Fuzeta da Ponte, afastado
cargo de CEMGFA em 1998,
por ter entrado em choque
com Jorge Sampaio, que não o
ouviu na recondução do chefe
da Força Aérea. O segundo foi
o general Alvarenga, também
CEMGFA, que perante um ma-
gro crescimento no orçamento
da Defesa, disse em público que
o ministro Paulo Portas estava
“paralisado”, com “algumas
dificuldades que não têm a
ver com as Forças Armadas”,
numa alusão indireta ao caso
Moderna. Caiu ao fim de uns
dias.
vmatos@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 17

Apoiamos
o trabalho de equipa
Força “Lobinhos”, força Seleção!
Apoiamos a vossa paixão.

O Santander está com a Seleção Nacional Sub-18 “Lobinhos”ʆėʆÚÑñàÑݞñšžZñª“ăŧ

Paixão, resiliência e dedicaçãoäÑì†É“ŸÉÑäÊÑääÑäü†ÃÑàžäŧ
Força Portugal!
18 PRIMEIRO CADERNO
PARLAMENTO
Socialistas enfrentam as Ordens.
Reforma vale €2,4 mil milhões
Governo aponta “equívocos” dos bastonários e alerta para cheque do PRR
David Dinis
e Joana Nunes Mateus
A guerra estava adiada, mas pré-
-anunciada. E bastou que o grupo
parlamentar do PS apresentasse
o projeto de lei no Parlamento
para que os bastonários dos Mé-
dicos, Advogados e Engenheiros
se juntassem numa conferência de
imprensa para disparar contra os
socialistas: falaram de “ingerência
direta”, num ataque à sua “indepen-
dência” e de uma “tentativa do Go-
verno de controlar" a sua atividade,
“retirando a sua missão principal
[que é a] de proteger os cidadãos”.
Mas a batalha dos socialistas está
marcada para o Parlamento, já para
quarta-feira: a Assembleia tem o
poder de mudar a lei-quadro das
Ordens Profissionais e, aprovando-
-a, impor mudanças nos estatutos
de cada Ordem. O Governo virá
em seu socorro — com armas car-
regadas.
“Vi críticas que só podem resul-
tar de grande equívoco, não quero
acreditar em má-fé”, diz ao Ex-
presso Tiago Antunes, secretário
de Estado Adjunto do primeiro-mi-
nistro, que irá ao plenário defender
o projeto na generalidade. A união
PS/Governo não é uma mera decor-
rência do facto de o Governo ser,
hoje, socialista: é que se foi o PS que
apresentou o diploma, o Governo
inscreveu-o como compromisso de
reforma no Programa de Recupe-
ração e Resiliência (PRR), a célebre
‘bazuca’. E essa também será uma
arma para convencer os partidos a
apoiar a reforma: um chumbo desta
lei, avisa Tiago Antunes, “condi-
cionaria o desembolso do PRR”.
Olhando as reformas acordadas
com a Comissão, esta é uma das 34
medidas decisivas para Portugal
continuar a receber o dinheiro a
fundo perdido da ‘bazuca’. Por si-
nal, está em causa uma reforma que
a Comissão pede a Portugal desde
o início da troika e, agora, a maior
tranche de subsídios da ‘bazuca’, no
valor de 2,4 mil milhões de euros. O
que está previsto é que este terceiro
pedido de pagamento seja entregue
no início de 2023, uma corrida de
velocidade que obriga a bancada
socialista a acelerar: para cumprir
o PRR é preciso aprovar esta lei até
dezembro, mas sobretudo é preciso
ter tudo aprovado — incluindo regu-
lamentos das várias Ordens — até
ao quarto trimestre de 2022.
Mas o argumento do Governo e
PS para abrir esta guerra adiada
AUTÁRQUICAS
Moedas
fecha
pelouros,
Moreira
arrisca
nova perda
Seis vereadores de Moedas
obrigam a maior acumulação
de pastas. No Porto, Moreira
não tem garantida reeleição
na Assembleia Municipal
Bastonários uniram-se contra a lei. Mas o Parlamento deve dar cobro ao PS FOTO MIGUEL A. LOPES/LUSA
aos “poderes fáticos” (expressão de
António Costa no debate parlamen-
tar de quarta-feira) é o da mudança
estrutural: “Há partidos que têm
insistido na necessidade de refor-
mas e esta é uma autêntica reforma
estrutural”, acena Tiago Antunes
ao Expresso. O Governo não se an-
cora, porém, nas recomendações da
troika, sequer nas da Comissão Eu-
ropeia para justificar a necessidade
de mudança (os tempos da austeri-
dade não recomendam essa linha
de argumentação aos socialistas).
Antes, prefere segurar-se nas “su-
cessivas recomendações da OCDE
e da Autoridade da Concorrência”.
“Equívocos” e apoio na AR
Mas indo aos “equívocos” das Or-
dens — e aos fundamentos da pro-
posta de lei —, se os bastonários
acusam os socialistas de ingerência
na sua “autonomia”, obrigando as
Ordens a nomear independentes
para os seus órgãos de supervisão,
o Governo responde que a atual lei
já prevê que parte desses membros
sejam “exteriores”, mas acrescenta
que “na prática não acontece”. De
todo o modo, acrescenta o secretá-
rio de Estado, “é a própria Ordem
que escolhe — e é falacioso dizer
que o Governo intervém”.
O segundo argumento dos bas-
tonários é que a nova lei limita as
suas regras internas. Tiago Antunes
não aceita o argumento: “É ina-
Duas semanas depois da eleição
de Carlos Moedas mantêm-se as
dúvidas sobre a nova organização
na Câmara de Lisboa. Menos uma:
os pelouros de vereação serão to-
dos ocupados pela coligação Novos
Tempos, que inclui eleitos do PSD,
do CDS e independentes. O que
cria uma primeira dificuldade a
Moedas: distribuir todas as pas-
tas por apenas seis vereadores. No
anterior executivo, de Fernando
Medina, eram oito, sem contar com
o próprio, e já havia acumulação.
É certo que há perfis que encai-
xam de forma direta em alguns
cargos, como o de Filipa Roseta,
arquiteta e ex-vereadora da habi-
tação na Câmara de Cascais. Mas
há também casos mais bicudos. Por
isso, as reuniões de passagem de
pastas têm tido a presença de vá-
rios elementos da coligação agora
creditável que em 2021 se tenha
de dizer que os estágios na Ordem
têm de ser estágios remunerados.”
Mas é mesmo preciso definir isso,
argumenta, assim como “limitar o
período do estágio [a um ano], para
acabar com o calvário de estágios
longuíssimos”.
E se os bastonários ameaçam re-
correr ao TC para travar uma lei, o
Governo responde que é precisa-
mente o cumprimento da Consti-
tuição que está em causa: “Não é
um ataque às Ordens, é um ataque
a obstáculos que têm vindo a ser
colocados à liberdade de exercício
destas profissões.”
Esse é, de resto, o argumento
maior do PS para convencer a opo-
sição a dar-lhe ombro nesta guerra
aberta: a da necessidade de abrir
as profissões reguladas aos mais
jovens: “É preciso acabar com as
restrições que existem, despropor-
cionadas e injustificadas, de acesso
ao mercado de trabalho. É uma lei
muito dirigida à geração mais qua-
lificada de sempre, que tem tido
dificuldades de acesso ao mercado
trabalho”, argumenta Tiago Antu-
nes. Hoje, sublinha, “o desempre-
go jovem é muito elevado, perto
dos 25%, e é agravado por qualquer
restrição que exista na legislação”.
Mas a guerra com as Ordens pro-
fissionais já vem de trás — e ameaça
prejudicar o debate público. Ficou
registado o caso do Lar de Reguen-
gos, quando a Ordem quis impedir
eleita. Nada que afete o ambiente
pacífico na transição, reforçado
pelos discursos de Moedas e Me-
dina no 5 de Outubro e ainda, no
arranque da semana, pelo futuro
presidente da Câmara, em entre-
vista ao “El País”, que reafirmou
os “sinais” cooperantes que tem
recebido da oposição.
Porto em fase porta aberta
A semana e meia da tomada de pos-
se, Rui Moreira ainda tem em risco
a reeleição de Miguel Pereira Leite
para a Mesa da Assembleia Muni-
cipal (AM). Com uma minoria mais
curta — 20 deputados municipais,
contra 26 da oposição —, Moreira
não tem garantido acordo, à direita
ou à esquerda, para evitar novo
desaire eleitoral após a perda da
maioria absoluta na Câmara.
os médicos de acudirem ao surto
pandémico — fazendo depois um
relatório que denunciava os erros
do Estado. Ou a crítica de Costa à
OM por ter travado a abertura de
novos cursos de medicina e restrin-
gido acesso a algumas especialida-
des. Assim como ficou na memória
socialista a defesa que a Ordem
dos Advogados fez do Z-Mar, quan-
do o Governo determinou que os
imigrantes fossem lá alojados. Na
“Circulatura do Quadrado”, a líder
parlamentar Ana Catarina Mendes
foi dura: “São corporativas e tor-
nam-se de alguma forma elitistas.
É preciso dignificar o papel das Or-
dens, que têm papel de interesse
público.”
Agora, o PS procura apoios nas
outras bancadas, para garantir que
o projeto é aprovado. O Bloco mos-
tra-se disponível (“Acompanhamos,
em termos gerais, o projeto do PS.
Temos disponibilidade para discuti-
-lo em pormenor”, diz ao Expresso
uma fonte do partido). O PCP deixa
em aberto (“estamos a analisar”, diz
fonte comunista), mas os socialistas
acreditam que ele virá, mesmo que
com acertos na proposta. Tiago An-
tunes é, porém, mais ambicioso — e
puxa pelo PSD: “Não vejo porque
alguém possa ser contra esta refor-
ma.” OPSD não enjeita, apurou o
Expresso, que a proposta seja ana-
lisada na especialidade.
Com R.P.L.
ddinis@expresso.impresa.pt
“Rui Moreira precisa de um par-
ceiro, formal ou informal, para dar
estabilidade ao mandato”, diz fonte
do PSD/Porto, partido que ainda
não decidiu se avança com candi-
dato próprio à AM ou se se abstém,
viabilizando a reeleição de Pereira
Leite. Numa semana de intensos
contactos, fonte do PS local admi-
te “conversas exploratórias”, mas
nada fechado. Certo é que “a esquer-
da estará unida” se Alberto Martins
for candidato à AM, cenário que só
terá fumo branco se o antigo mi-
nistro socialista pescar votos entre
independentes ou eleitos ‘laranja’. A
questão vai estar nos bastidores da
Comissão Nacional do PS, hoje, em
Lisboa, e à mesa da Comissão Polí-
tica do PS/Porto, na segunda-feira.
Isabel Paulo
e João Diogo Correia
ipaulo@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
Gente
Mas, e tu quem és? A regularida-
de já não é a que era, mas a ida do
primeiro-ministro ao Parlamento
é sempre motivo de emoção e de
dúvidas, sejam as que a oposição
coloca ao Executivo, sejam as que
o Executivo coloca... a toda a gente.
Foi assim na quinta-feira, quan-
do, antes de se irritar, Costa teve
de confirmar o nome do deputado
que acabara de lhe fazer subir a
pressão sanguínea. No final, já fora
do hemiciclo e passada a irritação,
voltaria a insistir na pergunta: afi-
nal, quem era o deputado social-de-
mocrata a quem Costa respondeu
com um gentil “O senhor não me
conhece de parte nenhuma e não o
autorizo a fazer qualquer juízo mo-
ral sobre o meu comportamento?”
Gente ajuda: o senhor é André Coe-
lho Lima, natural de Guimarães. E
vice-presidente de Rui Rio no PSD.
A bola, Costa. Momento inédito foi
quando o liberal Cotrim Figueiredo
conseguiu “quase” convencer Costa.
Motivo? A confusão gerada pelo Go-
verno com a imposição do “cartão
do adepto” aos clubes de futebol,
que têm deixado bancadas vazias
na Liga. Costa prometeu que ia ave-
riguar. Sinal de um regresso à Luz
do primeiro-ministro benfiquista,
agora que acabou a era do seu amigo
(e agora acusado) Luís Filipe Vieira?
Está lá, é da Mesa? Os debates
parlamentares com o Governo têm
regras sempre mais favoráveis ao
Executivo (que concentra tempo,
enquanto os partidos o dividem
entre si), mas há quem tenha tru-
ques infalíveis. Quinta-feira, na reta
final do aceso debate com António
Costa, um jovem deputado do PS a
falar, falar, quando a Mesa da As-
sembleia sinalizou estar na hora
de parar. Eis senão quando Ana
Catarina Mendes, líder da bancada
do PS, pega no telefone e acena,
sorridente, para a Mesa. Gente não
lê os lábios, mas o jovem teve mais
um tempinho. Quem sabe, sabe.
De mota pela ciclovia? É sabi-
do que a relação entre comunistas
e socialistas será sempre volátil.
Também é sabido que por Lisboa
as ciclovias já estiveram melhor
guardadas. Esta semana, Miguel
Tiago, ex-deputado comunista,
recorreu ao Twitter para lançar a
pergunta: se andar de moto numa
ciclovia vale multa, porque não são
castigadas também “trotinetes e as
binas que andam na estrada onde
há ciclovia?” Sinais dos tempos ou...
pedido a Moedas?
À nossa! “Chicão” saiu das au-
tárquicas a cantar vitória, mesmo
não tendo, em termos nacionais,
chegado aos 2% nas candidaturas
em que o CDS foi sozinho ou lide-
rou coligações. Agora, até já sabe
que vai ter pela frente Nuno Melo
na disputa pela liderança. Terá o
líder do CDS reais motivos para
brindar? Aparentemente sim. Gen-
te sabe que a reunião da comissão
executiva da última quarta-feira
teve direito a brinde com vinho tin-
to Quinta dos Aciprestes. À nossa,
tchim-tchim, always look for the
bright side of life!
Desviar atenções Gente não es-
queceu a animação que foi o último
congresso do Chega. Agora, demis-
sionário e obrigado pelo Tribunal
Constitucional a convocar nova re-
união magna, André Ventura con-
vocou nova reunião magna para 26
e 28 de novembro em Viseu. Gente
assinala, com pena, a coincidência
— ou forma de desviar atenções? —
de ser o mesmo fim de semana em
que o CDS, ao que tudo indica no
Porto, se junta para decidir o seu fu-
turo. Será uma marcação homem a
homem — mas a Melo ou “Chicão”?
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 19
20 PRIMEIRO CADERNO
“APRENDI
COM SAMPAIO
A PACIÊNCIA
PARA
O DIÁLOGO”
O “Bando dos Quatro”, de que fazia
parte Jorge Sampaio, reunia-se
regularmente para almoçar. E durante
a pandemia juntavam-se e falavam
todos os dias via WhatsApp. Agora, um
mês depois da morte do ex-Presidente,
José Gameiro, Jorge Simões e Jorge
Reis Novais juntam-se no Expresso
para uma última conversa
Texto Bernardo Mendonça Foto João Girão
F
oi há um mês que o país se
despediu do ex-Presidente
Jorge Sampaio, figura mai-
or da democracia portugue-
sa, que partiu aos 81 anos.
Desde o início da pandemia,
Sampaio e mais três amigos
passaram a falar quase diaria-
mente, pelas 19h, num grupo
de WhatsApp batizado de “O Bando
dos Quatro”. Nessa ‘hora mágica’ de
amizade, cavaqueira, discussão e cum-
plicidade não havia cônjuges, namora-
das, refeições ou outros compromissos
que se sobrepusessem. Era um debate
livre, que passava a pente fino todos
os temas, acima de tudo política. Pou-
cos sabiam deste grupo, que integrava
dois dos antigos assessores de Belém
— Jorge Reis Novais, para os assuntos
constitucionais, e Jorge Simões, para
os assuntos de saúde — e ainda o mé-
dico psiquiatra José Gameiro, que com
ele colaborou na Câmara de Lisboa.
Com o falecimento de Jorge Sampaio,
este grupo desfez-se. Mas estes três
amigos reuniram-se uma última vez
para celebrarem a memória “de um
homem bom”, “político singular”, que
lhes faz “muita falta”. Este é um excerto
de uma conversa que pode ser ouvida
integralmente no podcast “A Beleza das
Pequenas Coisas”.
P Esses encontros por WhatsApp du-
rante a pandemia foram salvíficos?
R José Gameiro (JG): Sim. Fiquei
dependente destas conversas diárias.
Aliás, a minha mulher dizia-me: “Estás
completamente dependente!”...
R Jorge Novais (JN): Com certeza. Es-
tes encontros diários pareciam-nos que
estávamos numa vida normal. Porque
todos os dias nos juntávamos com os
amigos. Até aproveitava para beber
um copo.
R Jorge Simões (JS): Tudo correu mui-
to bem. Não foi um milagre, mas nunca
tínhamos ‘jogado’ antes juntos. Ou seja,
conhecia Jorge Sampaio e José Gamei-
ro desde os anos 90. E quanto à minha
relação com Jorge Novais, vem de Co-
imbra, quando éramos estudantes. Ele
foi o responsável pela minha expulsão
da direção da associação académica.
Mas temos quase um amor recíproco.
E a relação que tínhamos os quatro
surpreendeu-me. Entendíamo-nos às
mil maravilhas. Além de ser muito triste
e dramática a morte de Jorge Sampaio,
é um grupo que se desfaz.
P Sampaio era a cola do grupo?
R JG: Jorge Sampaio era a figura do
bando, claramente.
R JN: Através de uma característica
que tinha, que era fazer amigos entre
os colaboradores, e conservava essas
amizades ao longo da vida. E há uma
coisa engraçada, pois enquanto José
Gameiro tratava Jorge Sampaio por tu,
eu e o Jorge Novais tratávamo-lo por
‘senhor Presidente’. Até ao fim. Para
nós ele foi sempre “o Presidente”.
P De que é que falavam?
R JN: Principalmente de política.
R JS: E a pandemia foi um tema re-
corrente. Não nos esqueçamos que o
[ex-]Presidente Jorge Sampaio era um
homem com uma saúde muito frágil.
Quando começámos os jantares pre-
senciais, em 2018, ele já não estava em
grande forma e havia o receio de que
pudessem afetar a sua saúde. Tínhamos
informação antes de ela ser divulgada
publicamente e discutíamo-la.
SAMPAIO TELEFONAVA-
-ME DANDO SUGESTÕES
À MINISTRA DA SAÚDE:
‘DIGA-LHE QUE ELA,
QUANDO FALA, TEM
QUE OLHAR PARA
AS PESSOAS’
P Imagino que para si, Jorge Simões, a
posição fosse um pouco mais ingrata
quanto a este tema, dado que é o ma-
rido da atual ministra da Saúde, Marta
Temido. Não se sentia muitas vezes na
berlinda pelo “Bando dos Quatro”?
R JS: Nunca.
P Nem um bocadinho, às vezes?
JS: Não. Vou aqui fazer várias confis-
sões. Em primeiro lugar, o [ex]-Pre-
sidente Sampaio gostava muito da
doutora Marta Temido. Às vezes tele-
fonava-me — e se calhar nunca disse
isto ao Gameiro e ao Novais — dando
sugestões para eu as passar à ministra
da Saúde. Mas eram sugestões quase de
logística. “Diga-lhe que ela, quando fala,
tem que olhar para as pessoas.”
P Sampaio pedia-lhe mais empatia na
comunicação com os portugueses?
R JG: Dizia-lhe: “Não pode estar a olhar
para o telemóvel.”
R JS: E também dizia: “E não ponha o
telemóvel em cima da mesa.” E eu: “Ó
Presidente, mas sabe que o telemóvel
é uma coisa que a gente utiliza no dia
a dia.” Ele gostava da Marta Temido.
E nós os três somos de esquerda, mas
não somos propriamente de nenhum
partido. Portanto, tanto estávamos de
acordo com determinadas decisões
como eventualmente não estávamos e
as contestávamos. Mas nunca me senti
constrangido.
P Além de Sampaio, José Gameiro e
Jorge Novais também tentavam passar
recados à ministra da saúde?
R JN: Nós tentávamos que naqueles
encontros Jorge Simões fosse também,
de vez em quando, marido da ministra,
mas ele nunca queria.
R JG: Cada vez que Marta Temido era
entrevistada nos telejornais, Sampaio e
nós fazíamos uma espécie de apreciação
no WhatsApp sobre a sua comunicação
verbal e não-verbal. Uma coisa mais so-
fisticada e clínica. Jorge Sampaio tinha
muito treino disto e um olhar crítico
sobre as coisas.
P Ao longo deste ano e meio, o Go-
verno fez muita ‘navegação à vista’ na
tomada de decisões sobre a pandemia
e entrou várias vezes em contradições,
como no caso do uso das máscaras ou
no confinamento. Sobre as medidas do
Governo, em que é que discordaram
mais?
R JG: Discordância de fundo nunca
houve. Eles gozavam todos comigo, por-
que eu saía de manhã e de madrugada,
estava sempre na rua. Havia uma coisa
que nos fazia impressão a todos e à qual
Sampaio era muito sensível, que era o
facto de os telejornais abrirem siste-
maticamente com as mortes. Ele ficava
muito indignado com isso. Ao fim de um
tempo dizia: “Mais uma vez os telejor-
nais abrem com o número de mortos.
Isto não pode continuar, é terrível! É
preciso dar esperança às pessoas.”
P Mas estavam sempre de acordo?
R JS: Não tínhamos grandes certe-
zas quanto às políticas tomadas na
pandemia. Aquele que talvez tivesse
mais certezas era Jorge Sampaio, pois
trouxe para o “Bando dos Quatro”
aquele que foi o seu trajeto de vida. Por
um lado, um homem de diálogo e que
achava que todos os temas eram para
ser debatidos. Sem tabus. Só quando
trazíamos à colação alguns temas um
pouco mais vernáculos, tínhamos al-
guma cautela. Mas nas presidenciais
SAMPAIO DIZIA:
‘MAIS UMA VEZ OS
TELEJORNAIS ABREM
COM NÚMERO DE
MORTOS. TERRÍVEL.
É PRECISO DAR
ESPERANÇA!’
Expresso, 9 de o
penso que não votámos nos mesmos
candidatos…
P Sabe-se que Jorge Sampaio apoiou
Ana Gomes...
R JG: Terá. Não sei. Publicamente não
apoiou ninguém.
R JS: Ele ficou muito satisfeito com o
reatar das relações com Ana Gomes.
Depois do episódio conhecido de todos
os portugueses, com uma relação difícil
com a direção do Partido Socialista, de
Eduardo Ferro Rodrigues [desde o dia 9
de julho de 2004, quando Sampaio, en-
tão Presidente, comunicou ao país que,
na sequência da demissão de Durão Bar-
roso do cargo de primeiro-ministro, en-
tendia dar posse a um novo Governo do
PSD, chefiado por Pedro Santana Lopes,
sem eleições antecipadas], e depois com
Ana Gomes também, Jorge Sampaio fi-
cou nitidamente muito aliviado quando
houve um reatar de relações com Ana
Gomes. Isso, aliás, foi muito visível nos
últimos meses. E foi visível na situação
dramática que todos vimos nos Jeróni-
mos [no dia da cerimónia fúnebre de
Sampaio, em que esteve presente Ana
Gomes]. Mas se me perguntarem em
quem o Jorge Novais votou, palavra de
honra que não sei. Jorge Sampaio terá
votado em Ana Gomes, José Gameiro
não sei. Esse foi um tema que discutimos
sem fazer um striptease completo.
P Propondo um pequeno striptease
agora. Imagino que falaram dos deba-
tes presidenciais, nomeadamente de
um certo arrastar para a lama que o
candidato do Chega tentava fazer com
os adversários…
R JG: Lembro-me bem das discussões
sobre os debates. Alguns foram muito
marcantes. Recordo a minha desilusão
com a atitude de Ana Gomes no debate
com Marcelo. Ela foi buscar a histó-
ria da companheira do Marcelo [e sua
relação] com o Banco Espírito Santo,
e eu achei aquilo completamente des-
propositado. E houve outros debates
comentados pelos quatro. E falávamos
naturalmente de Marcelo Rebelo de
outubro de 2021
Sousa e de António Costa. Até porque
Sampaio os conhecia…
P Mas, insisto, em que é que discor-
davam?
R JN: Relativamente à política seguida
na pandemia por vezes discordávamos.
Se se devia abrir ou não [o país], se se
devia desconfinar ou não. O Governo
cometeu enormes erros a esse nível,
andando aos ziguezagues. E o Natal foi
talvez onde foi levado ao extremo, por
razões meramente políticas abriu-se
de uma forma completamente aven-
tureira, que depois teve os estragos de
janeiro e fevereiro. Discutimos isso na
altura.
P O que poucos sabiam sobre Sampaio?
R JS: Que adorava hambúrgueres. Ao
contrário de nós, Jorge Sampaio tinha
um profundo desinteresse pela comida.
Vou contar-lhe uma história. Estamos
em Coimbra, no final dos anos 90. E
Sampaio estava a ficar com uma bar-
riguinha. Estava preocupado e disse-
-nos: “Ah, estou a ficar gordo.” E num
restaurante do Hotel Tivoli estávamos
numa mesa com talvez 10 pessoas e
Pedro Reis, que era o operacional de
quase tudo, terá dado indicações sobre
o menu que deveria ser servido. E os
empregados aparecem na mesa com...
Como se chamam aquelas coisas que se
retiram dos pratos?
R JG: Campânulas.
R JS: E à frente de cada um de nós esta-
va uma campânula. E elas foram sendo
levantadas [para revelar o prato]. O
último foi Jorge Sampaio. E se para os
restantes havia cozido à portuguesa,
feijoada ou algo da cozinha tradicional
portuguesa, quando se abre a campâ-
nula de Jorge Sampaio... estão lá dois
iogurtes. [Risos]
R JG: Ele tinha um grande sentido de
humor.
R JS: Mas o sentido de humor foi de
quem lhe fez isso. Ele pensava que aqui-
lo era a sério e ia comer os iogurtes.
Então alguém lhe disse: “Ó senhor Pre-
sidente, isto era uma pequena brinca-
O BANDO
DOS 4
P O D C A S T
deira, o seu jantar não são iogurtes!”
R JG: Eu tenho outra história engra-
çada com ele que também nunca con-
tei. Quando estávamos na Câmara de
Lisboa, ele estava debaixo de grande
pressão e um dos clássicos era o trânsito
na cidade. E os taxistas estavam irrita-
dos com o trânsito, que não se resolvia.
Um belo dia eu vinha com ele de carro,
ele ia à frente com o motorista e eu
atrás. Parámos num sinal encarnado
da Avenida da Liberdade. Ele na altura
ainda fumava, e ia a fumar um cigarro
de janela aberta. E um gajo do táxi ao
lado começa a insultá-lo. “Você não faz
nada…” E insultou-o a sério! Sampaio
ouviu, ouviu, e quando o sinal abriu
disse-lhe: “Vai para...” Não o deixou
sem resposta.
JN: Já agora, uma outra história de ta-
xista. Lembro-me de numa das grandes
discussões do seu segundo mandato
que envolveram a crise de dissolução e
nomeação de primeiro-ministro [quan-
do Santana Lopes foi nomeado, depois
da demissão de Durão Barroso], a certa
altura ele chega a Belém e diz-me: “Ó
Novais, hoje ao pequeno-almoço apa-
receu-me um taxista que me disse ‘se
não sabem como vão fazer, perguntem
ao povo!’” E disse-me que veio a pensar
naquilo. “Ó Novais, o tipo tem razão
ou não?” Recordo isto para mostrar a
importância que ele dava à opinião das
pessoas e àquilo que lhe diziam.
JORGE SAMPAIO
TERÁ VOTADO
EM ANA GOMES.
FOI UM TEMA QUE
DISCUTIMOS SEM
FAZER UM STRIPTEASE
COMPLETO
P Um dos momentos curiosos de “O
Bando dos Quatro”, que vos dividiu, foi
nas presidenciais americanas. Numa
discussão sobre as eleições norte-ame-
ricanas, o ex-Presidente Sampaio e
José Gameiro apostaram na reeleição
de Trump, enquanto Jorge Novais e
Jorge Simões acreditaram que a vitó-
ria brindaria Joe Biden. No final todos
aplaudiram a derrota de Trump, mas
por perderem a aposta Sampaio e Ga-
meiro tiveram de pagar a conta do
almoço num restaurante de grande ga-
barito. José Gameiro, acha que Trump
teria ganho se não fosse a pandemia?
R JG: Eu e Jorge Sampaio tínhamos
quase a certeza. A pandemia tramou-
-nos e eles ganharam o almoço à custa
da pandemia. Porque eles iam perder a
aposta seguramente. Trump ia ganhar.
Aliás, no final, nos resultados entre Bi-
den e Trump, a diferença não foi muito
grande. E o desastre de Trump na pan-
demia deu cabo daquilo. Mas atenção
que queríamos os quatro que Biden
ganhasse. Mas também queríamos ga-
nhar o almoço.
R JN: O que nos dividia era o prognósti-
co em relação ao resultado das eleições.
Mas o erro que Gameiro e Sampaio
cometiam era o facto de não repara-
rem que já da outra vez, quando Trump
tinha ganho as eleições, a adversária
[Hillary Clinton] tinha tido mais 400 mil
votos. Foi o sistema eleitoral que per-
mitiu aquilo. E desta vez a diferença foi
esmagadora. Era muito difícil repetir-se
a situação de Trump ganhar com menos
votos do que o adversário.
R JG: Mas pagámos de bom grado.
P Uma rica conta…
R JN: Só há um que sabe, que é o José
Gameiro. Se conseguir convencê-lo a
dizer quanto pagou…
P Quanto pagou?
R JG: Pagámos muito. À volta de 100
euros por pessoa.
P Cerca de 400 euros no total…
R JS: Mas com um bom vinho, ao ar
livre. O [ex]-Presidente Sampaio be-
beu gin.
P Apesar de Biden no poder, a verdade
é que há muito trumpismo, populismo,
extremismo pelo mundo, a ganhar es-
paço político e expressão no espaço
público. E Portugal não é exceção. Dis-
cutiam isto?
R JN: Sim, durante muito tempo não
tivemos expressão política da extrema-
-direita, o que era raro na Europa, mas a
partir do momento em que passámos a
ter havia a dúvida se o crescimento não
seria exponencial, como aconteceu em
alguns países. Tal como nós, Sampaio
dizia que finalmente a extrema-direita
aparecera à luz do dia e a forma de a
combater era a grande dificuldade. E
tanto a experimentamos nós como os
outros países, desde a Alemanha, Es-
panha, Itália... alguns com muito mais
expressão.
R JG: E havia alguma preocupação de
Sampaio com o esvaziar da direita em
Portugal, como no CDS, que sempre
foi democrático. Lembro-me dessa
preocupação dele e nossa, desses votos
irem para o Chega, para a extrema-
-direita.
R JS: A receita de Sampaio numa pa-
lavra é ‘inclusão’. E se ele, como presi-
dente da câmara, não só defendeu como
praticou a inclusão, como Presidente da
República também o fez.
NÃO SEI SE EXISTIRÁ
NOS 10 MILHÕES
DE PORTUGUESES
ALGUÉM QUE TENHA
ESTE CONJUNTO
DE ATRIBUTOS
QUE SAMPAIO TINHA
PRIMEIRO CADERNO 21
OIÇA A ENTREVISTA INTEGRAL
NO PODCAST ‘A BELEZA
DAS PEQUENAS COISAS’
EM EXPRESSO.PT
A DESPEDIDA À esquerda, Jorge Reis
Novais, Jorge Simões e José Gameiro
posam junto a uma fotografia de um
dos almoços presenciais com Jorge
Sampaio, a que passaram a chamar
“O Bando dos Quatro”. Em cima, os
três amigos de Sampaio à conversa
no estúdio de podcasts do Expresso.
E os quatro num almoço em casa do
psiquiatra José Gameiro
P O que mais aprenderam com Sam-
paio?
R JS: O espaço para diálogo. E que não
há temas tabu na sociedade portuguesa.
R JN: A importância de garantir sem-
pre um grande respeito pela presença
dos partidos políticos parlamentares.
R JG: A paciência para o diálogo. Du-
rante uma altura da minha vida fiz cam-
panha com ele, nas presidenciais e na
câmara. Ele ensinou-me que era preciso
paciência para ouvir as pessoas. Porque
às vezes eu não tinha. As pessoas falam
demais em Portugal. Sampaio dizia-
-me: “Tens de ter paciência.” De vez
em quando olhava para mim e passava-
-me um papelinho, onde se lia: “Eh pá,
não faças essa cara, porque eles não
gostam!”
P No último artigo que Sampaio assi-
nou no jornal “Público”, referia a tragé-
dia do Afeganistão, e anunciou a prepa-
ração de “um programa de emergência
de bolsas de estudo e de oportunidades
académicas para jovens afegãs”.
R JG: Este é um testamento político
bonito, que me emociona muito.
R JS: Sou professor na Universidade
de Aveiro e fui professor de sírios. E
se estivesse no Minho ou no Algarve,
também teria [alunos] sírios. Sampaio
fez isto com um grupo muito hete-
rogéneo, com muita gente, das mais
diversas proveniências ideológicas,
de Manuela Ferreira Leite a Marques
Mendes, até aos reitores das univer-
sidades.
P Sampaio criava essas pontes…
R JS: Um dos aspetos que é raro na
sociedade portuguesa é o facto de Sam-
paio falar com toda a gente. Tanto fala-
va com Jerónimo de Sousa como com
Rui Rio. E falava com completo à-von-
tade e era ouvido com muito respeito.
Não sei se neste momento existirá nos
10 milhões [de portugueses] alguém que
tenha este conjunto de atributos e que
tenha esta respeitabilidade para com o
outro que Jorge Sampaio tinha.
bmendonca@expresso.impresa.pt
22 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE PED OFILIA
Igreja
portuguesa
recusa
revelar dados
sobre abuso
de menores
Ex-coordenador da PJ acusa
clero de ter travado investigações
a abusos de padres
Hugo Franco
Em França, uma comissão in-
dependente revelou que 330
mil menores foram abusados
sexualmente pelo clero católi-
co ou por leigos que trabalha-
ram em instituições religiosas
desde os anos 50 até 2020.
Em Portugal continuam a ser
nebulosos os números sobre
vítimas de padres. Em 2019,
a Conferência Episcopal Por-
tuguesa (CEP) anunciou ter
analisado, juntamente com os
tribunais eclesiásticos, cerca
de uma dezena de casos desde
2001. Em metade deles as au-
toridades da Igreja garantiram
não ter encontrado fundamen-
tos para as queixas de abusos
sexuais. Dois anos depois, o
Expresso pediu números con-
cretos e atualizados à Igreja,
mas não obteve resposta. “O
Conselho Permanente e a
Assembleia Plenária da CEP
mantêm o assunto na agen-
da, continuando a tomar me-
didas para concretizar o que
está decretado nas diretrizes”,
limitaram-se a responder as
autoridades eclesiásticas.
SAÚDE
Médicos que desistem da ADSE são afastados um ano
Nova regra impede
os clínicos de assistirem
os beneficiários em
regime livre. Atos não são
reembolsados ao doente
A partir de agora, os médicos
das unidades privadas que res-
cindam o acordo com o subsis-
tema de saúde dos funcionários
públicos, ADSE, ficam impedi-
dos de tratar os beneficiários
em regime livre durante um
ano. O doente só pode manter
esse clínico se pagar os cuida-
dos na totalidade, sem direito
a qualquer reembolso.
A medida é nova e faz par-
te das regras gerais da ADSE
para as convenções com os
prestadores da rede privada.
No documento que acompanha
as tabelas em vigor desde se-
tembro, sob acesa polémica, a
restrição é detalhada: os médi-
A experiência dos últimos
anos de quem investiga estes
casos tem mostrado que a Igre-
ja “usa a técnica da avestruz”,
“tenta amenizar os danos” e
até “chega a travar as inves-
tigações” quando recai uma
suspeição sobre um pároco.
“Receiam sempre a entrada
em campo das autoridades”,
conta fonte judicial. “Esta pos-
tura está muito enraizada na
estrutura eclesiástica, e nem as
recém-criadas comissões para
proteger as vítimas fizeram
mudar as mentalidades.”
Ao Expresso, Gil Carvalho,
ex-diretor de unidade da Polí-
cia Judiciária e ex-coordena-
dor dos departamentos de in-
vestigação criminal da Guarda,
Braga e Leiria, que se aposen-
tou em agosto, garante que as
autoridades eclesiásticas não
cooperaram com a PJ nas suas
Igreja “usa a técnica
da avestruz” e “tenta
amenizar os danos”
nos casos de abuso
sexual de padres
cos que rescindam ficam impe-
didos de manter os doentes ou
de admitir novos beneficiários
da ADSE “no mesmo local de
prestação e na mesma especia-
lidade” que tinham à data da
parceria com o subsistema.
O Expresso questionou a
ADSE e os maiores grupos
privados de saúde sobre o nú-
mero de médicos que terão op-
tado por cessar os cuidados a
doentes com o subsistema do
Estado, mas ficou sem respos-
ta. De todos, a que chegou foi
semelhante: que ainda estavam
a dimensionar esse universo.
Já o presidente da Associa-
ção Portuguesa de Hospitali-
zação Privada, Óscar Gaspar,
afirmou que “a regra é nova” e
que “não existia qualquer res-
trição semelhante no passa-
do”. A alteração foi para pior,
garante. “A ADSE está no seu
O bispo francês Eric De Moulins Beaufort causou indignação ao pedir ajuda financeira aos fiéis para pagar indemnizações
por abusos sexuais cometidos por padres naquele país. Há 330 mil vítimas FOTO FRANCOIS NASCIMBENI/AFP VIA GETTY IMAGES
duas grandes investigações
aos casos de abusos sexuais de
padres. “Colaborar é também
dar elementos à investigação.
Pelo contrário, esconderam-
-nos dados por várias vezes.”
Foi Gil Carvalho quem pren-
deu, em 2012, o vice-reitor do
Fundão, o padre Luís Mendes,
condenado a 10 anos de prisão,
e em 2018 o padre exorcista
Humberto Gama, em Fátima,
por suspeitas de violação. No
primeiro caso, recorda que a
PJ foi ao seminário do Fundão
de surpresa para deter Luís
Mendes e que a instituição
tudo fez para que o padre não
fosse preso. “Não foi connosco
porque alegava estar doente.”
Acabaria por ser detido mais
tarde. O ex-PJ acusa também
a Igreja de ter demorado a dar
informação sobre Humberto
Gama, que foi acusado e se en-
contra em liberdade. “Inicial-
mente recusaram-se a dizer se
ele ainda era ou não padre. E
obrigaram-nos a pedir infor-
mação sobre ele por escrito.
Foram muito formalistas.” In-
quirida pelo Expresso, a CEP
não reagiu às declarações de
Gil Carvalho.
direito de convencionar ou não
com os prestadores que enten-
de, como sempre aconteceu,
mas preocupa-me muito o im-
pacto desta regra na vida dos
doentes, pois levará a acompa-
nhamentos médicos interrom-
pidos e descontinuados.”
A mesma preocupação é
expressa pelo bastonário da
Ordem dos Médicos. Miguel
Guimarães afirma que “a Or-
dem foi a primeira instituição
a alertar para este problema,
quando manifestou publica-
mente a sua apreensão perante
o impacto que as alterações
podiam ter, nomeadamente
no acesso aos médicos, mas
também à inovação”. A críti-
ca é mais profunda: “Impedir
que os doentes continuem a ser
seguidos pelo mesmo médico
no regime livre é obrigar a um
corte abrupto na relação mé-
Outra fonte da PJ tem uma
experiência mais positiva com
o clero. “Há alguns anos inves-
tigámos um caso de eventuais
abusos sexuais de adolescen-
tes numa instituição católica
de Coimbra. Todavia, tivemos
toda a colaboração da hierar-
quia da Igreja.”
Casos na justiça
Depois de muitos escândalos
que abalaram a Igreja Católica,
o Papa Francisco decidiu agir e
há dois anos impôs aos mem-
bros do clero de todo o mundo
a obrigação de denunciarem
o abuso sexual de menores e
de adultos e a distribuição de
pornografia infantil. Tendo em
conta as orientações da Santa
Sé, as dioceses portuguesas pas-
saram a ter comissões de pro-
teção de menores e de pessoas
vulneráveis, compostas por clé-
rigos mas também por juristas
ou pedopsiquiatras, e que têm
como objetivo comunicar estes
casos às autoridades civis.
Mas a CEP não esclareceu
quantas queixas receberam as
20 dioceses desde que foram
criadas estas comissões espe-
dico-doente e no plano de tra-
tamento que estava definido, o
que, além de reduzir o acesso,
pode também ter impacto ne-
gativo na vida dos doentes”,
explica.
A ADSE não respondeu ao
Expresso, mas na informação
online aos beneficiários garan-
te que foram “residuais os ca-
sos de pedido de saída das con-
venções”. Mesmo assim, está
a “trabalhar na diversificação
de prestadores para alargar a
oferta, suprimindo o eventual
impacto da retirada de alguns
Bastonário da Ordem
dos Médicos critica
a restrição: “É um corte
abrupto na relação
médico-doente”
ciais. “Desde o início, houve
a intenção de se realizarem
encontros periódicos das co-
missões, para informação, for-
mação e troca de experiências.
Com a situação pandémica,
não foi possível avançar muito
nesse sentido. Mesmo assim,
realizou-se um encontro em
Fátima, a 31 de maio, com to-
das as comissões diocesanas”,
respondeu a CEP.
Pelo contrário, as dioceses
não tiveram problemas em re-
velar o número de denúncias
contra padres: a esmagadora
maioria garantiu, no entan-
to, que não recebeu qualquer
queixa até ao momento. As ex-
ceções foram as de Braga e do
Funchal. Na primeira houve
três queixas. “Duas relativas a
dois sacerdotes já falecidos há
algumas décadas e outra sobre
factos ocorridos há mais de 30
Dioceses só reportaram
três casos de padres
suspeitos de pedofilia.
Todos eles
prescreveram
atos médicos”. E promete rea-
gir às rescisões: “A ADSE está
a ponderar a possibilidade de
denunciar a convenção nas
áreas ou valências em que se
verificar que a prestação de
serviços por um prestador não
é integrada ou que o corpo clí-
nico afeto à convenção não é
suficiente.”
Os privados, através de Óscar
Gaspar, não criticam a ADSE.
“É à ADSE que compete
pugnar por garantir a cober-
tura dos adequados cuidados
de saúde aos seus beneficiá-
rios, pelo que essa afirmação
é positiva.” No entanto, “assim
sendo, compreende-se mal por
que há reações tão negativas à
decisão legítima dos operado-
res de indicarem em que casos
deixa de ser possível assegurar
o regime convencionado”.
Segundo o relatório do orça-
Expresso, 9 de outubro de 2021
anos, por isso juridicamente
prescritos quer no plano civil,
quer no plano canónico”, ex-
plicam. Já na da Madeira há
um caso suspeito de abuso se-
xual, não de um padre, mas de
“um fiel que exercia funções na
respetiva paróquia e junto da
comunidade paroquial”.
Atualmente, alguns padres
estão a braços com a justiça. É
o caso de Ismael Teixeira, afas-
tado da paróquia, em Lisboa,
desde maio, depois de uma fun-
cionária da paróquia revelar
que foi assediada sexualmente
pelo padre. A Procuradoria-
-Geral da República revela que
o pároco é alvo de um inquérito
do Departamento de Investi-
gação e Ação Penal (DIAP) de
Lisboa, embora sem avançar
mais detalhes.
Também o padre Heitor An-
tunes, sobre quem a diocese de
Vila Real abriu, em 2019, uma
investigação por abusos de me-
nores após uma reportagem
do “Observador”, abandonou
o sacerdócio com autorização
do Papa Francisco. O mesmo
aconteceu com o padre Anas-
tácio Alves, do Funchal.
hfranco@expresso.impresa.pt
mento da ADSE para 2022, até
31 de dezembro deste ano os
beneficiários serão 1,3 milhões.
Um em cada oito portugueses
vai estar coberto pelo subsis-
tema de saúde do Estado. Só
durante o período extraordiná-
rio de adesão de trabalhadores
públicos com contratos indivi-
duais de trabalho, fechado a
9 de setembro, entraram 105
mil novos elementos. A média
de idades é de 39 anos e a “es-
magadora maioria pertence a
entidades do sector da saúde”.
E em 2022 os custos para a
ADSE também serão maiores.
Estão previstos aumentos de
407 milhões para 470 milhões
de euros nos convencionados
e de 154 milhões para 170 mi-
lhões de euros no regime livre.
Cátia Mateus
e Vera Lúcia Arreigoso
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 23

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24 PRIMEIRO CADERNO
CORRUPÇÃO
Estamos mais vulneráveis à corrupção?
Portugueses acham que sim
Estudo do ICS aponta que políticos e empresários são vistos como os mais corruptos
Tiago Soares
A maioria dos cidadãos (53%)
considera que a corrupção
aumentou no último ano em
Portugal. Por outro lado, 33%
acham que os níveis de corrup-
ção ficaram na mesma e 5% di-
zem que a incidência desta prá-
tica na sociedade portuguesa
diminuiu durante esse período.
Estas são algumas das conclu-
sões do estudo “O que pensam
os portugueses sobre corrup-
ção”, levado a cabo pelo Institu-
to de Ciências Sociais (ICS). O
trabalho de campo foi realizado
entre dezembro de 2020 e abril
de 2021 junto de 1020 pessoas
representativas da sociedade
portuguesa, e os resultados fo-
ram partilhados em primeira
mão com o Expresso.
Os dados mostram que são os
habitantes do Norte que mais
acreditam que a corrupção au-
mentou nos últimos 12 meses:
36%. Ao mesmo tempo, a con-
vicção de que esta prática dimi-
nuiu é maior no Centro (38%).
Os inquiridos foram questio-
nados sobre se concordavam,
numa escala de 0 a 10, com a
ideia de que a pandemia fez
aumentar as oportunidades de
corrupção: em média, o valor
foi de 6,75.
“Não podemos relacionar a
perceção de que a corrupção
aumentou exclusivamente com
as oportunidades associadas à
pandemia, mas de facto houve
uma diminuição do escrutínio
e dos controlos formais para
fazer face à urgência sanitária,
e isso pode explicar este va-
lor elevado”, diz Luís de Sou-
sa, coordenador do estudo. É
nos Açores que este valor de
concordância é maior: 8,18.
Seguem-se o Alentejo (7,20),
o Norte (6,98) e Lisboa (6,93).
Mais: 73% dos inquiridos res-
ponderam que as suas vidas não
foram afetadas pela corrupção
no último ano e 22% disseram
que a corrupção teve um im-
pacto negativo nas suas vidas
durante o mesmo período. Para
Patrícia Calca, uma das inves-
tigadoras do estudo, estes nú-
meros devem-se a um divórcio
entre a população e o Estado:
“Os cidadão não sentem que o
Estado é de todos e que, quando
é prejudicado, esse prejuízo é
de todos”, afirma.
São os inquiridos oriundos do
Norte que mais sentem o im-
pacto da corrupção. Além disso,
cruzando todos os indicadores,
percebe-se que os homens que
se posicionam à esquerda no
espectro político e que auferem
rendimentos baixos (até €780)
são os que mais indicam sentir
esse impacto negativo — e isso
“pode estar relacionado com
uma maior precariedade deste
segmento da população”, suge-
re Patrícia Calca.
Políticos vistos como
os mais corruptos
Os investigadores também per-
guntaram isto: “Imagine agora
que o número total de políticos
em Portugal é 100. Destes 100,
quantos diria que são corrup-
tos?” A resposta mostra que,
em média, os portugueses
acham que 69% dos políticos
são corruptos. Seguem-se os
empresários (51%), os funcioná-
rios públicos (40%) e a popula-
ção em geral (39%). Tratam-se
de percentagens castigadoras,
diz Patrícia Calca. “Verifica-se
um empolamento daquilo que
é uma realidade negativa. Há
um consenso na sociedade de
que os níveis de corrupção são
muito altos, e isso ajuda a que
as pessoas tenham tendência
a fazer generalizações”, sugere
a perita.
Os homens que
se posicionam à
esquerda no espectro
político são os que
mais indicam sentir
o impacto negativo
da corrupção
Segundo os dados do estudo,
as mulheres têm uma perceção
mais negativa do que os homens,
independentemente do grupo
em questão. Além disso, conclui-
-se que a corrupção em todos
estes grupos é maior no Norte
do que em qualquer outra região
nacional, com valores entre 34%
e 35%. “É uma região que se sen-
te, talvez, mais penalizada pela
corrupção. As pessoas sentem-
-se mais afastadas dos centros de
decisão e são críticas do Estado
centralizador, das suas institui-
ções públicas e governantes”,
aponta Luís de Sousa.
Esta ideia também explica
isto: Lisboa é a região do país
onde as percentagens mais di-
ferem consoante os grupos. Na
capital, só 22% dos funcioná-
rios públicos são considerados
corruptos, menos dois pontos
percentuais do que os políticos
(24%) e menos cinco pontos do
que os empresários e a popula-
ção em geral (27%). “Os lisboe-
tas têm um contacto mais pró-
ximo com a esfera governativa
e com as instituições, e por isso
não surpreende que achem que
o fenómeno da corrupção é mai-
or nas empresas e na população
em geral”, afirma Luís de Sousa.
Patrícia Calca traça este ce-
nário: se 40% dos funcionários
públicos fossem de facto cor-
ruptos, o cidadão comum lidaria
com este tipo de práticas nos
serviços públicos com bastan-
te frequência. E não é isso que
dizem os números: na resposta
à pergunta “Quantas vezes, nos
últimos três anos, é que funcio-
nários públicos lhe pediram ou
deram a entender que queriam
presentes ou favores em troca
dos seus serviços?”, apenas 7%
dos inquiridos responderam
que já tinham passado por essa
experiência pelo menos uma
vez, havendo uma incidência
maior desta realidade nos cida-
dãos com rendimentos líquidos
baixos (até €780) e, sobretu-
do, nos inquiridos que vivem
no Norte: 48% destes admitem
terem sido vítimas de suborno
três ou mais vezes. No entan-
NÚMEROS
69%
dos políticos portugueses são
corruptos, apontam em média
os inquiridos pelo estudo. O
Norte é a região do país mais
castigadora dos governantes
53%
dos cidadãos inquiridos
garantem que os níveis
de corrupção aumentaram
no último ano em Portugal
73%
dos cidadãos não sentem
que a corrupção tenha
um impacto negativo
nas suas vidas
90%
dizem que “nunca” um
funcionário público lhes
propôs pagar um suborno
ou combinar uma troca de
favores para resolver uma
situação num serviço público
José Sócrates foi
o primeiro ex-primeiro-
-ministro a ser acusado
por crimes de corrupção
FOTO MÁRIO CRUZ/LUSA
to, 90% das pessoas a nível na-
cional (90%) reportaram que
“nunca” passaram por situações
de suborno ou troca de favores.
Apesar disto, “os números su-
gerem que existe a perceção de
que a corrupção é eficaz”, nota
Luís de Sousa. Isto porque os
investigadores quiseram saber
se os inquiridos conheciam pes-
soas que resolveram situações
nos serviços públicos através de
subornos ou troca de favores,
e 18% responderam afirmati-
vamente. O Norte é a região
que mais reportou situações
reiteradas de corrupção ativa
(suborno) envolvendo terceiros
(59% dizem conhecer três ou
mais casos), sendo que Lisboa
tem uma taxa percentual mais
alta quanto a situações de troca
de favores ou presentes (39% di-
zem conhecer um ou dois casos).
Os investigadores indagaram
ainda as pessoas sobre um total
de 11 situações, desde “corrup-
ção para ato ilícito”, “abuso de
poder” ou “peculato”, até “por-
tas giratórias”, “nepotismo” ou
“puxar os cordelinhos”. Com a
devida gradação dependendo
dos termos, as pessoas concor-
daram, em média, que todas as
11 situações eram sinónimo de
corrupção. O cenário de “cor-
rupção para ato ilícito”, enqua-
drada na definição penal de
corrupção, apresenta um valor
médio próximo do 10, enquanto
“puxar os cordelinhos” regista
o valor mais baixo (6,96). Os
inquiridos com rendimentos
líquidos mensais até €780 ou
superiores a €3510 são os que
mais desvalorizam determina-
dos cenários de corrupção.
“Em Portugal há uma noção
muito forte daquilo que é eti-
camente reprovável, mas não
há um conhecimento muito es-
pecífico do que é considerado
legalmente corrupção”, diz Pa-
trícia Calca — e esta “dissonân-
cia entre as ações em si e a lei”
pode explicar a perplexidade
social quando, em certos casos
mediáticos, “os envolvidos não
são logo condenados”.
tsoares@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
CIÊNCIA
Maria Manuel Mota
e Miguel Prudêncio
Cientistas
“A luta
contra
a malária
não
terminou”
Com apenas 30% de eficácia
contra um parasita “complexo”
que mata cerca de meio milhão
de pessoas por ano, a nova vaci-
na ‘Mosquirix’ revela um passo
de gigante no combate à malá-
ria. Os dois cientistas do Ins-
tituto de Medicina Molecular
João Lobo Antunes saúdam a
descoberta e lembram que há
uma vacina portuguesa, mais
eficaz do que esta, a caminho.
P O que pensam da nova va-
cina e de a Organização Mun-
dial de Saúde autorizá-la em
África?
R É muito bem vinda. A pande-
mia de covid veio mostrar que
não podemos estar sempre à es-
pera de algo perfeito e temos de
usar as ferramentas que temos.
Esta vacina é um marco impor-
tantíssimo, mas a luta contra a
malária não terminou. São ne-
cessárias vacinas mais eficazes.
E esta tem uma eficácia de 30%
para prevenir os casos graves
de doença. É um primeiro pas-
so. Podem salvar-se centenas
de milhares de vidas. E 30% é
melhor do que zero. As medi-
das complementares passam
pelo controlo do vetor e pelos
tratamentos farmacológicos da
infeção.
P Porque é tão difícil conceber
uma vacina eficaz contra a ma-
lária, quando pareceu tão fácil
encontrar uma para a covid?
R A covid veio mostrar-nos
que, quando queremos, juntos
encontramos uma solução. Os
recursos disponibilizados para
o SARS-CoV-2 nunca antes es-
tiveram disponíveis na ciência
biomédica. Um parasita é um
organismo muitíssimo mais
complexo que um vírus e tem
uma riqueza de mecanismos
para evadir a resposta imunitá-
ria que um vírus não tem.
P Há outras vacinas em de-
senvolvimento, inclusive em
Portugal?
R Há várias vacinas a serem de-
senvolvidas, que conferem 80
ou 90% de proteção. Uma das
mais avançadas, está em fase 2
de ensaios clínicos nos Estados
Unidos. As vacinas de segun-
da geração serão mais eficazes
do que a agora autorizada pela
OMS. A nossa está a ser desen-
volvida há dez anos e teve os
primeiros ensaios clínicos em
seres humanos, no ano passado.
A nossa vacina reduz na ordem
dos 95% a carga de parasita da
malária humana capaz de infe-
tar o fígado de uma pessoa, mas
enquanto não chegarmos aos
100%, vai sempre haver um que
escapa e passa a doença. Já sa-
bemos o que é preciso fazer para
chegar aos 100% de bloqueio da
infeção e isso é muito bom.
P O que falta?
R São precisos dois a três anos
para alcançar uma nova etapa
fundamental. Um milhão de eu-
ros de financiamento é signifi-
cativo para o desenvolvimento
tecnológico, mas vamos precisar
de mais para um novo ensaio
clínico.
Carla Tomás
ctomas@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 25

Sabemos
o que as pessoas
que investem
no futuro
esperam de nós.
Durante estes tempos difíceis que
passámos, os portugueses nunca
deixaram de investir no futuro.
Mantiveram sempre presente os
seus sonhos e não deixaram de
pensar no amanhã.
E agora, sabemos o que esperam
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26 PRIMEIRO CADERNO
ENSINO SUPERIOR
Luís Ferreira Reitor da Universidade de Lisboa
“Vamos duplicar vagas
nos cursos mais procurados”
Textos Isabel Leiria
Foto João Girão
Professor catedrático da Facul-
dade de Medicina Veterinária,
Luís Ferreira foi eleito reitor da
maior universidade portuguesa.
Reforçar a projeção da institu-
ição, abrir mais lugares para
alunos que estão a ficar de fora
com média de 18 e intensificar
a ligação com as empresas são
alguns dos seus objetivos. Toma
posse terça-feira.
P Passa de vice-reitor da Uni-
versidade de Lisboa (UL) a rei-
tor. Que marcas quer deixar?
R A equipa do professor Cruz
Serra fez um trabalho extraor-
dinário em termos de coesão
após a fusão com a Universida-
de Técnica de Lisboa e projeção
do nome da UL. Queremos con-
tinuar nessa linha, apostando
num ensino de qualidade e na
investigação com relevo nacio-
nal e internacional. Nesse sen-
tido, é importante manter os
contactos internacionais e ter-
mos mais estudantes de grande
qualidade vindos de fora.
P Qual é o peso dos estudantes
internacionais na UL?
R São 19% do total de alunos.
Destes quase 10 mil, 6500 estão
a tirar um curso completo e os
restantes são Erasmus. Estes
estudantes contribuem para a
divulgação da universidade e ao
mesmo tempo trazem a sua cul-
tura e formas de ver o mundo,
que também são importantes
para os nossos alunos e para a
cidade. O ensino superior por-
tuguês tem uma consistência
em termos de qualidade que lhe
permite atrair mais estudantes.
E há uma procura imensa a ní-
vel mundial.
P Este ano letivo vai ser dife-
rente dos dois últimos, com
mais aulas presenciais?
R Há aspetos do ensino à dis-
tância que foram muito inte-
ressantes e que devem ser
aproveitados depois de toda a
aprendizagem que os nossos
alunos, mas sobretudo os pro-
fessores, fizeram. Mas o ensino
será tão presencial quanto nos
for possível. Não há forma de
ter aulas laboratoriais e práticas
à distância, nem nada substitui a
presença e a discussão com pro-
fessores e colegas. O sentimento
de persistência — ‘eu consegui,
tu também vais conseguir’ — é
mais fácil com alguém ao lado.
P Na 1ª fase do concurso de
acesso registou-se o segundo
maior número de colocados,
mas houve também milhares a
ficar de fora. Como interpreta?
R Se há mais alunos a concluir
o secundário e com vontade de
entrarem no ensino superior
são tudo bons sinais. O ensino
superior tem agora de dar res-
posta a esta procura para que
estes estudantes tenham uma
oportunidade de entrar.
É UMA
FRUSTRAÇÃO
VER ALUNOS DE
18 A NÃO ENTRAR
NO CURSO QUE
SONHARAM
TEMOS HOJE
UM ORÇAMENTO
30% INFERIOR
AO DE 2009
P O facto é que muitos não
conseguem entrar nas suas pri-
meiras opções, mesmo tendo
notas excelentes.
R Sinto uma enorme frustração
ao ver alunos de 18 a não conse-
guir entrar no curso que sonha-
ram. A universidade como um
todo tem de encontrar forma
de dar resposta a estes jovens e
abrir mais vagas nestes cursos
com alta procura.
P A UL vai fazê-lo?
R Temos feito um esforço gran-
de nesse sentido, aumentando
vagas em cursos do Técnico, do
ISEG, mas também em Belas-
-Artes, em áreas menos fala-
das mas muito concorridas. E
estamos a concorrer às verbas
do Plano de Recuperação e Re-
siliência (PRR), precisamente
para encontrar resposta para
estes alunos. O ministro per-
mite-nos crescer 15% ao ano ao
nível das licenciaturas e é o que
pretendemos fazer. Ou seja,
por volta de 2027 estaremos
a duplicar o número de alu-
nos nos 10 cursos que exigem
notas mais altas [Engenharia
Aeroespacial, Física Tecnoló-
gica, Matemática Aplicada à
Computação ou Design de Co-
municação, por exemplo]. Nos
mestrados queremos aumen-
tar as vagas em 25%. Mas para
isto precisamos de um pacote
financeiro para a contratação
de professores e criação de es-
paços. A subida de vagas não
foi acompanhada até agora por
um reforço de verbas.
P Têm outros projetos no PRR?
R Sim. Para a criação de uma
escola de pós-graduação, com
cursos pensados com os nossos
parceiros, incluindo empresas, e
envolvendo todas as faculdades
da UL, à exceção de Medicina.
Apresentámos cerca de duas
centenas, com uma média de 14
ECTS (créditos recebidos no fi-
nal da formação, que pode ir de
Serra, de quem era vice-reitor
poucas semanas a vários meses)
e dirigidos ao público adulto.
P As competências mais valo-
rizadas pelos empregadores
são diferentes do que era pe-
dido antes. Há alguma refor-
mulação pedagógica pensada?
R Temos de caminhar cada vez
mais para a interdisciplinarida-
de. Temos hoje 40 cursos, de
licenciaturas a doutoramentos,
em que intervêm mais de duas
escolas. Os grandes desafios
das sociedades — das alterações
climáticas à transição digital
— requerem esta abordagem
interdisciplinar e a Universida-
de tem uma capacidade única
para fazer isso. Por isso criámos
também colégios e redes, que
promovem a interação entre
docentes e investigadores de
diferentes faculdades.
P Não falta uma maior ligação
entre a Universidade e o mun-
do do trabalho?
R Ainda temos um longo cami-
nho a percorrer. Temos muitos
empregadores com formação
inferior aos seus próprios tra-
balhadores e temos as pesso-
as mais altamente formadas a
trabalhar sobretudo no Estado.
Nos países do centro e do norte
da Europa, cerca de 30% dos
doutorados estão a trabalhar
nas empresas. Em Portugal, são
só 2,6%. Temos de criar um am-
biente propício a que pessoas
com tanta capacidade técnica e
intelectual passem para as em-
presas. Mas também é preciso
melhorar a sua capacidade de
empreendedorismo.
P De que forma?
R Qualquer estudante, das ci-
ências sociais às exatas, deve
saber alguma coisa de empreen-
dedorismo, de forma a ser capaz
de criar o seu próprio emprego
ou integrar equipas já constituí-
das mas assumindo um papel
no crescimento dessa empresa.
Luís Ferreira, 62 anos,
assume a direção da UL
e sucede a António Cruz
Queremos integrar esta disci-
plina em toda a universidade
e temos uma incubadora em
construção que esperamos que
venha a dar um impulso grande
à criação de novas empresas por
parte dos alunos e professores.
P O contrato de legislatura
entre o Ministério e as insti-
tuições de ensino prevê um
aumento anual de 2% no orça-
mento. É suficiente?
R Não. O ensino superior tem
hoje um orçamento 30% in-
ferior ao que tinha em 2009.
Conseguimos responder a este
corte no financiamento reduzin-
do pessoal e temos hoje menos
professores do que tínhamos
nessa altura. A despesa da UL
em recursos humanos ascen-
de aos €275 milhões por ano
e recebemos do Estado €220
milhões. Temos de ir buscar às
receitas próprias a diferença
para pagar salários e tudo o
mais que é necessário para ga-
rantir o ensino. E ainda temos
de construir residências para
os alunos deslocados, algo que
começou a ser feito pela antiga
equipa. Desde o 25 de Abril que
não se construía nada.
P Para quando está prevista a
abertura do Pavilhão de Por-
tugal, entregue à UL em 2015?
R O empreiteiro prevê entregar
a obra no fim de junho de 2022.
O projeto teve vários percalços,
contestações, implicou concur-
sos públicos com prazos alar-
gados, vendas de património da
universidade que também re-
queriam autorizações prévias...
P O que vai funcionar lá?
R Além de um grande centro
de congressos, será mais um
espaço cultural ao serviço da
cidade, com concertos e expo-
sições. Também funcionará aí
grande parte da atividade da
escola de pós-graduação.
ileiria@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
4600 já
inscritos
entraram
noutro
curso
Dos 7200 que voltaram a
concorrer este ano, 64%
conseguiram mudar de
curso. Notas mais altas de
2020 podem ter ajudado
Dos 64.300 candidatos à 1ª fase
do concurso nacional de acesso
ao ensino superior — o número
mais alto de sempre —, 7200
estavam já inscritos numa uni-
versidade ou politécnico mas
voltaram a candidatar-se para
tentar uma colocação mais
desejada. A possibilidade está
prevista e é usada todos os anos
por milhares de estudantes, em-
bora nunca tenham sido tantos
(em número absoluto) como em
2021. O que os números faculta-
dos ao Expresso pelo Ministério
do Ensino Superior também re-
velam é que a percentagem de
sucesso nesta recandidatura foi
bastante elevada.
“Dos 7207 candidatos de 2021
que já tinham matrícula pelo
concurso nacional de acesso em
ano anterior houve 4628 que
ficaram colocados na 1ª fase”,
ou seja, 64% conseguiram in-
gressar noutro curso mais do
seu interesse, informa a tutela.
O Expresso tentou perceber
se esta percentagem foi tão
elevada como em anos anterio-
res, mas não conseguiu obter
os números. Mas uma hipótese
que surge imediatamente é a
possibilidade de as adaptações
feitas nos exames em 2020,
decorrentes da pandemia e do
ensino à distância e que gera-
ram notas anormalmente altas,
terem sido agora aproveitadas
por esses alunos. Os que volta-
ram a concorrer em 2021 po-
dem tê-lo feito apresentando
as médias dos exames do 12º e
ainda eventuais melhorias do
11º realizadas em 2020, com
vantagem em relação aos co-
legas que só terminaram o se-
cundário em 2021, ano em que
as médias voltaram ao normal.
No ano passado, com a intro-
dução de perguntas opcionais
nos exames a ser experimentada
pela 1ª vez, a média na prova de
Matemática, por exemplo, dis-
parou para 13,3, a classificação
mais atribuída foi 19 valores e
houve 1400 notas 20. Este ano,
o instituto que faz as provas
afinou o número de questões e
ponderações e as médias foram
muito diferentes em quase todas
as disciplinas. No caso de Mate-
mática, caiu para 10,6, a nota
mais atribuída foi 10 valores e os
‘vintes’ foram apenas 217.
Para este ano letivo, o secre-
tário de Estado da Educação
e o ministro do Ensino Supe-
rior já revelaram a intenção
de voltar às regras pré-pande-
mia, com os exames a serem
necessários para a conclusão
de disciplinas do secundário e
a entrarem para o cálculo des-
sas médias. Ou seja, apesar de
terem passado dois anos deste
nível de ensino em pandemia,
os jovens que estão agora no
12º vão concorrer com as regras
de sempre. Eram essas que co-
nheciam quando iniciaram o
secundário e que têm de voltar
a vigorar uma vez terminado
todos os estados de exceção,
justificaram os dois responsá-
veis. O problema é que, mais
uma vez, poderá haver alunos
a concorrer para as mesmas
vagas do ensino superior em
condições bem diferentes.
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 27

POLÉMICA

Facebook vai ter mesmo de mudar

Audiência no Senado dos EUA abriu caminho para novas regras nas redes sociais
Hugo Séneca
Frances Haugen foi depor, na
terça-feira, no subcomité do
Comércio do Senado dos EUA,
e levou consigo milhares de do-
cumentos para provar que o
grupo Facebook não segue as
melhores práticas no que toca
à gestão dos conteúdos disponi-
bilizados aos internautas. E as-
sim se tornou no mais recente
caso de um ex-profissional que
se converte num denuncian-
te da maior das redes sociais.
“O Facebook atua na sombra”,
acusou em pleno Capitólio,
para depois considerar que é
necessário exigir mais docu-
mentos à rede social. No final,
descobriu que tanto no Partido
Republicano como no Demo-
crata, há vontade política para
avançar com nova regulação
— que acabará por produzir
resultado no mundo inteiro.
“Estou aqui hoje porque acre-
dito que os produtos do Face-
book fazem mal às crianças,
geram divisões e enfraquecem
a democracia”, proferiu o ex-
-responsável pela área de desin-
formação cívica do Facebook.
“A liderança sabe como tornar
o Facebook e o Instagram mais
seguros, mas não faz as mudan-
ças necessárias”, reiterou.
A ida de Haugen ao Senado é
apenas o capítulo mais recen-
te de uma série de revelações
que começaram a circular no
“Wall Street Journal” e che-
garam, depois, ao programa
de TV “60 Minutes”, da CBS,
já com identidade assumida e
a intenção de remeter queixa
para a Securities and Exchange
Commission (SEC), que regula
a bolsa de Nova Iorque.
Além de denunciar algorit-
mos que fomentam o confron-
to entre internautas, Haugen
acusou os antigos superiores
hierárquicos de saberem que
o Instagram (detido pelo Face-
book) pode ter efeito nefasto
na forma como os jovens veem
o corpo ou se alimentam. Tam-
bém foi referida a ausência de
medidas no que toca a campa-
nhas virais que contribuíram
para a invasão do Capitólio dias
antes de Joe Biden tomar posse
como Presidente. E admitiu que
o Facebook não consegue elimi-
nar mais de 20% das publica-
ções enganosas sobre vacinas.
No final, acusou a rede social
de promover publicações com
mais “gostos”, mesmo quando
geradas por perfis falsos.
Perante as acusações, o se-
nador Richard Blumenthal
aconselhou Mark Zuckerberg
a depor, para o caso de preten-
der apresentar uma versão di-
ferente. O senador democrata
Frances Haugen, durante
a audiência no Senado
FOTO JABIN BOTSFORD/EPA
considera que ainda não é o
momento para a convocatória
oficial, mas lembrou que o líder
do Facebook tem “responsabi-
lidade pública de responder a
estas questões”.
A reação do Facebook
O Facebook não deixou passar
o momento sem reação. Além
de lembrar que Haugen não
trabalhava diretamente em al-
gumas áreas mencionadas nas
denúncias, o conglomerado de
marcas digitais recordou que
a ex-gestora de produto este-
ve na empresa “menos de dois
anos, não produziu relatóri-
os próprios, e nunca assistiu
a reuniões de tomada de deci-
são”. Apesar de não se rever
nas palavras de Haugen, Lena
Pietsch, porta-voz do Facebo-
ok, deu sinais de haver dispo-
nibilidade para a mudança: “É
tempo de criar novas regras
que funcionem como standard
para a internet”, disse, citada
pelo “The New York Times”.
“Em vez de ficarem à espera
que a indústria tome decisões
de âmbito social que perten-
cem ao legislador, é chegada a
hora de o Congresso (dos EUA)
passar aos atos”, concluiu.
Já não restam dúvidas de que
o Facebook vai mudar — mas
antes desse momento, terá de
superar um último desafio: aca-
tar o que vier a ser decidido no
processo iniciado pelos advoga-
dos de Frances Haugen na SEC.
E neste caso não serão só os al-
goritmos que distribuem conte-
údos que estarão em causa, mas
também as perdas (ver caderno
de Economia) que o grupo e
diferentes parceiros registam
sempre que há um ‘apagão’
como o que bloqueou Facebo-
ok, Instagram e WhatsApp na
passada segunda-feira.
sociedade@expresso.impresa.pt

A Fundação Francisco Manuel SETE ÁREAS ESTRATÉGICAS

GRV6DQWRVDSUHVHQWDR¢HVWXGR AMBIENTE ECONÓMICO: CONCORRÊNCIA, MERCADOS E FISCALIDADE

SISTEMA CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO

Ÿ'R¢PDGH¢LQ¢DR¢FUHDWHG¢LQ: QUALIFICAÇÕES E MERCADO DE TRABALHO

XPQRYRSDUDGLJPDSDUD¢ PMES INOVADORAS

D¢HFRQRPLDSRUWXJXHVD  TERRITÓRIO E INFRAESTRUTURAS

INVESTIMENTO DIRECTO ESTRANGEIRO E CADEIAS DE VALOR GLOBAIS

Como garantir o crescimento económico sustentável ESTRATÉGIA NACIONAL PARA O MAR

e a melhoria das condições de vida dos portugueses?

Como criar valor assente no conhecimento, no talento
e na inovação? Sete áreas estratégicas de actuação.
Um novo paradigma. Junte-se a grandes especialistas
Venha
QDFLRQDLVHLQWHUQDFLRQDLVFRQKHoDRVGHVD´RVHGHEDWD
as oportunidades para Portugal na próxima década.
'HVD´DU
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EM FFMS.PT

THOMAS PHILIPPON DAVID AUTOR RICARDO REIS SÉRGIO REBELO

NEW YORK UNIVERSITY MASSACHUSETTS INSTITUTE LONDON SCHOOL OF ECONOMICS KELLOGG SCHOOL OF MANAGEMENT
OF TECHNOLOGY NORTHWESTERN UNIVERSITY
28 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL REINO UNID O
Reportagem Um “triângulo tóxico” formado pelas consequências da saída da UE, a pandemia
e os impostos está a dificultar o abastecimento. Boris Johnson sacode responsabilidades
‘Brexit’ e covid deixam
prateleiras vazias
Francisca Ferreira Marques
N
em Londres
uma das ruas per-
pendiculares a Ox-
ford Street — uma
das avenidas mais
emblemáticas de
Londres, sobretudo
pelas suas lojas —, o
cenário das últimas
semanas repete-se:
Linda Robinson, de 41 anos, sai do
supermercado com a lista de compras
por concluir. “Não há queijo. As pra-
teleiras dos laticínios estão comple-
tamente vazias. A secção das frutas
e legumes também. Na verdade, falta
quase tudo o que são frescos”, descre-
ve ao Expresso. Esta imagem tem-se
verificado um pouco por todo o país,
mesmo em lojas como esta, que fazem
parte das maiores redes de supermer-
cados do Reino Unido. À saída deste
Sainsbury’s, outra cliente ainda pon-
dera embarcar numa busca pelo que
aqui está em falta. Apesar de acreditar
que o encontraria noutras lojas, já que
a escassez varia e não é generalizada,
acha que, “para já, não vale o esforço”.
A pouco mais de um quilómetro, no
nº 10 de Downing Street, quem tem
sido obrigado a fazer contas de cabeça
é Boris Johnson. O primeiro-ministro
britânico enfrenta vários problemas
ao mesmo tempo, para já sem grandes
sobressaltos na popularidade, mas o
futuro complica-se, numa altura em
que as dificuldades anunciadas desde
o verão por empresários e associa-
ções começam a fazer-se sentir na vida
dos cidadãos. Da corrida aos postos
de combustível à falta de oferta nos
supermercados, passando por uma
escassez de trabalhadores nos secto-
res da restauração e dos cuidados de
saúde, o dia a dia dos britânicos está,
no mínimo, instável.
A estratégia do Governo passou,
de início, por afastar a ideia de que
os problemas se devessem à saída da
União Europeia (UE) ou às políticas
do Executivo, mas a narrativa alterou-
-se nos últimos dias. Apesar de se ter
insistido esta semana, durante a con-
venção do Partido Conservador, que a
crise nas transportadoras afeta todo o
mundo, devido à pandemia, Johnson
afirmou que a falta de trabalhadores
é “uma etapa necessária na transição
do Reino Unido para uma economia
‘pós-Brexit’”. Em entrevista à BBC,
explicou que o objetivo final é o país
deixar de “depender de mão de obra
barata” da UE e passar a cativar bri-
tânicos através de melhores salários e
condições de trabalho.
Falando com o Expresso, David
Lindars, da Associação Britânica de
Processadores de Carne (BPMA), não
se contém na reação: “Johnson vive
noutro mundo. Isto é uma loucura, é
ridículo.” Enquanto membro da prin-
cipal produtora de carne britânica,
que emprega mais de 75 mil pessoas,
Lindars garante que a situação está a
tornar-se “insustentável” e que, em
breve, vão matar animais “em vão” —
ou seja, que não vão ser processados
para alimentação —, porque não há
quem queira trabalhar. “Faltam pes-
soas nos matadouros, açougueiros e
camionistas. Estamos com menos 25%
de produção. Quanto à ideia de que
BORIS JOHNSON
AFIRMOU QUE A FALTA
DE TRABALHADORES
É “ETAPA NECESSÁRIA
NA TRANSIÇÃO PARA
UMA ECONOMIA
‘PÓS-BREXIT’”
são mal pagos, um açougueiro pode
ganhar 35 mil libras [41 mil euros]
ao ano. Agora... não é trabalho para
qualquer pessoa.”
De informático a talhante
O Governo parece discordar. Tem
defendido que os cortes nos apoios
estatais (concedidos durante a pande-
mia) vão pôr o mercado a funcionar e
os postos de trabalho vagos irão ser
ocupados internamente. A BPMA con-
sidera tal previsão “absurda”. “Acha
que um informático de Londres vai, de
repente, ser talhante? Não faz sentido!
Uma pessoa teria de mudar toda a
vida, a maioria destas fábricas fica li-
teralmente no meio do nada.” Rachael
Maskell, do Partido Trabalhista, consi-
dera a teoria “simplesmente impossí-
vel” e garante que “a tendência é que
a atual situação piore”. A deputada,
que foi responsável pelos transportes
e pelos assuntos rurais no Governo-
-sombra, garante ao Expresso que há
zonas de Inglaterra, como York, onde
não há trabalhadores suficientes para
manter os restaurantes a funcionar
em pleno e que o sector da saúde tam-
bém está em apuros.
Quanto a causas, Maskell não tem
dúvidas. “Esta crise decorre do ‘Bre-
xit’. Pedimos ao Executivo medidas
como o visto de mobilidade juvenil,
mas é urgente um acordo de longo
prazo que permita a circulação de
trabalhadores entre o Reino Unido e
a UE. Todos os dias ouvimos falar de
sectores que não conseguem sobrevi-
ver sem estas medidas.”
Johnson tem querido, nos últimos
meses, evitar recorrer a mão de obra
estrangeira. “O que não podemos fa-
zer é puxar a alavanca da imigração
descontrolada e voltar a esse velho
e fracassado modelo de baixos salá-
rios”, afirmou o primeiro-ministro,
acrescentando que os cidadãos, em
2016 e 2019, “votaram pelo fim de um
modelo económico falhado”.
Esta estação de serviço
em Northwich, Inglaterra,
ficou sem combustível
na semana passada
FOTO JASON CAIRNDUFF/REUTERS
Todavia, com o Natal a aproximar-se
e o agravamento da crise, o Gover-
no decidiu emitir 10.500 vistos de
curto prazo (três meses): 5000 para
motoristas de pesados e 5500 para
avicultores. Até quarta-feira, só se
tinham candidatado 127 condutores,
27 para o sector dos combustíveis, um
dos mais afetados. Depois do caos, a
situação começou a estabilizar esta se-
mana, com a entrada de militares nas
cadeias de distribuição, mas 20% dos
postos da zona de Londres e do Su-
deste de Inglaterra continuavam sem
combustível. A Associação de Retalho
de Petróleo admite que os militares
permitiram estancar o problema, mas
alerta para a necessidade de soluções
a longo prazo, estimando que estejam
em falta cerca de 100 mil condutores.
As alterações nos impostos são ou-
tro motivo apontado para esta falta de
“atratividade britânica”. Sobretudo,
desde que o regime fiscal conhecido
como IR35 começou a aplicar-se a
camionistas que trabalhem frequen-
temente com a mesma empresa sem
serem empregados da mesma. É uma
tentativa de combater “falsos reci-
bos verdes”, mas, ao contrário do que
acontece em Portugal, é utilizado pe-
los trabalhadores, porque permite
pagar menos impostos. As empresas
garantem que os custos aumentaram
25%.
Segundo a trabalhista Maskell, toda
a estratégia dos conservadores está a
falhar: “Embora o Governo esteja a
tentar atrair motoristas estrangeiros,
eles já não querem vir para o Reino
Unido. A situação foi travada pelas
Forças Armadas, mas não podemos
recorrer ao Exército sempre que
houver uma crise em algum sector”,
conclui a deputada. Pela primeira vez
desde que há registo, entre junho e
agosto deste ano, o número de postos
de trabalho por ocupar no Reino Uni-
do foi superior a um milhão, indica o
Instituto Britânico de Estatística.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
Wendy Morton
Secretária de Estado
do Reino Unido para
a Europa e as Américas
“É muito
importante
estabelecer
novas
ligações,
não apenas
na Europa”
De visita a Portugal no fim
de setembro, Wendy Morton
anunciou uma parceria com a
Associação Portuguesa de In-
vestigadores e Estudantes no
Reino Unido no valor de cerca
de €50 mil. Foge a falar das
lacunas de mão de obra pro-
vocadas pelo ‘Brexit’ e garante
que o país tem de procurar par-
cerias fora da Europa.
P Já há contagem final de por-
tugueses inscritos para residên-
cia permanente no Reino Unido?
R Chegaram-nos cerca de 400
mil inscrições, e mais de 370
mil estão concluídas. Os por-
tugueses querem viver lá e os
britânicos querem viver aqui.
P Tem havido filas para tentar
abastecer veículos. Há quem
queira trabalhar no Reino Uni-
do como motorista e noutras
áreas. Há algum plano para
criar vistos especiais para pro-
fissões em falta?
R Há aí dois assuntos. Quero
ser clara: não há falta de ga-
solina nem de qualquer com-
bustível no Reino Unido. O que
temos visto é falta de motoristas
para conduzir camiões-cisterna,
mas é temporário e tem a ver
com a pandemia. Não acontece
só no Reino Unido, mas tam-
bém na Alemanha e na Poló-
nia. Vamos criar 5000 vistos de
três meses para condutores de
matérias perigosas e estamos a
escrever a pessoas com este tipo
de carta de condução para saber
se querem voltar à profissão.
P Não há falta geral de mão de
obra na agropecuária ou na apa-
nha de fruta? Muitos responsá-
veis têm mostrado apreensão.
R O que podemos dizer é que
na questão dos combustíveis
identificámos o problema. Se
identificarmos outros proble-
mas, tentaremos olhar para eles.
P O programa Turing veio
substituir o Erasmus, mas não
prevê que as propinas sejam
pagas aos alunos. Quantos por-
tugueses estão em universida-
des britânicas graças a ele?
R O Turing é virado para fora, o
Erasmus é diferente. O objetivo
é usar a popularidade das nossas
universidades e fazer parcerias
que levem a maior intercâmbio.
Mas é muito importante que
tentemos estabelecer novas li-
gações, não apenas na Europa.
P O orçamento para a ajuda
externa foi reduzido em 2020
em cerca de €4700 milhões.
Como se justifica numa altura
em que o Reino Unido quer pro-
jetar-se como potência?
R O Reino Unido é um dos
maiores contribuintes do G7
para programas de ajuda in-
ternacional, mesmo com esse
corte. Ainda gastamos cerca
de €11.700 milhões nessa área
e sempre dissemos que esta
redução é temporária e que
voltaremos a aumentar mal a
situação orçamental permita.
Ana França
afranca@impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
IRAQUE
Ir às urnas sem esperança de mudar
Nova lei eleitoral pretende quebrar o corrupto statu quo que levou à violenta revolução popular em 2019
José Pedro Tavares
Amanhã, 25 milhões de iraquia-
nos irão às urnas escolher os 329
deputados que decidirão depois
quem vão ser os próximos Pre-
sidente e primeiro-ministro do
país. Concorrem às eleições 109
partidos, agrupados em 21 coli-
gações. São as quintas legislati-
vas no Iraque desde que a coliga-
ção internacional liderada pelos
Estados Unidos derrubou o re-
gime de Saddam Hussein, em
2003, e o primeiro teste eleitoral
depois da revolta popular do fi-
nal de 2019, quando milhões de
iraquianos saíram às ruas para
protestar contra a ausência dos
serviços públicos mais básicos, o
desemprego galopante e a cor-
rupção generalizada.
Essas manifestações foram
reprimidas de forma violenta
pelas autoridades, o que causou
um banho de sangue (mais de
700 mortos), mas acabou por
provocar a queda do Executi-
vo de Adel Abdul Mahdi. Em
maio de 2020, o Parlamento
chegou a acordo para empossar
o atual primeiro-ministro inte-
rino, Mustafa al-Kadhimi, que
prometeu eleições antecipadas
assim que possível.
Uma das principais exigências
da revolução era uma reforma
estrutural do corrupto sistema
político, em que os partidos de-
cidem a lista de deputados com
base na percentagem de votos,
,@HNQOQ¤LHNBHDMS¨ƥBNCD2@µCD,DMS@KDL/NQSTF@K
CANDIDATURAS ABERTAS DE 1 A 30 DE NOVEMBRO DE 2021
/@Q@OQNIDSNRCDHMUDRSHF@¢žNBK¨MHB@M@œQD@C@2@µCD,DMS@K
DL/NQSTF@KDLBNNODQ@¢žNBNLNR$RS@CNR4MHCNR
PRÉMIO: 300 MIL EUROS
%+ #
/3
favorecendo o compadrio e im-
pedindo a entrada de candidatos
independentes. O Parlamento
aprovou uma nova lei eleitoral
em dezembro de 2019, mas o
Presidente, Barham Salih, só
a ratificou passados 11 meses,
devido a desacordos quanto à
definição dos círculos eleitorais.
Até então havia apenas um cír-
culo eleitoral nacional, mas a
nova lei divide o Iraque em 83
circunscrições e facilita a eleição
de independentes. A Constitui-
ção exige ainda que 25% dos
parlamentares sejam mulheres.
Xiitas são dominantes
Os partidos xiitas deverão con-
tinuar a dominar o Parlamen-
to. No Iraque predominam os
muçulmanos (95%), dos quais
65% são xiitas e 35% sunitas. A
aliança Saeroon, do líder religio-
so xiita Muqtada al-Sadr, associa-
do à poderosa milícia armada
Jaish al-Mahdi, deverá continuar
a ter a maior bancada. Tem uma
agenda nacionalista contra a
presença de tropas estrangeiras,
mas distanciada das fações xiitas
pró-iranianas. O segundo maior
partido deverá ser a Aliança Fa-
tah, comandada pelo líder para-
militar Hadi al-Amiri, pró-Irão.
Já os sunitas estão dividi-
dos entre o voto nos partidos
tradicioais ou uma opção mais
tribal. A maior força sunita é a
Aliança Taqaddom, do atual pre-
sidente do Parlamento, Moham-
Cartazes de campanha no bairro de Mansur, na zona oeste de Bagdade FOTO AHMED JAUL/EPA
med al-Halbusi, ex-governador
da província de Anbar, no cora-
ção da região sunita. Uma nova
formação, a Aliança Azm, do
milionário Khamis al-Khanjar,
poderá disputar-lhe votos. Al-
-Khanjar foi acusado de suborno
e corrupção por Washington,
em 2019. Quer ele quer Halbusi
têm ligações próximas ao Irão.
Já o voto curdo irá repartir-se
entre o Partido Democrático
do Curdistão (KDP), que do-
mina o Governo regional em
Erbil, e a União Patriótica do
Curdistão (PUK), que controla
a zona fronteiriça com o Irão. O
Curdistão iraquiano é autóno-
mo desde 2005 e as formações
curdas acabam sempre por ser
importantes para viabilizar Go-
vernos centrais.
Desde a queda de Saddam, o
sistema político iraquiano assen-
ta numa divisão de poderes que
segue linhas étnicas e sectárias, a
chamada muhasasa (repartição,
em árabe): o primeiro-ministro é
xiita; o presidente do Parlamen-
to, sunita, e o Presidente, curdo.
É provável que o novo Parlamen-
to reconduza Salih a chefe de
Estado. É talvez o político mais
respeitado em Bagdade.
Vários movimentos indepen-
dentes concorrem às eleições,
o mais organizado dos quais é
o Imtidad, liderado por Alaa al-
-Rikabi, com base em Nassíria,
no Sul do Iraque, onde ocorre-
ram alguns dos protestos mais
violentos. Uma das incógnitas
é a abstenção. Apesar da nova
lei eleitoral, muitos iraquianos,
sobretudo jovens, continuam
PRIMEIRO CADERNO 29
desiludidos com a política e ten-
cionam boicotar o ato. Em 2018
apenas 44,5% foram às urnas.
A comissão eleitoral cancelou
a votação da diáspora iraquia-
na, uma das principais fontes
de irregularidades em 2018.
As eleições de amanhã vão ser
inspecionadas por centenas de
observadores estrangeiros, no-
meadamente da UE e da ONU.
Milícias pró-Irão persistem
As últimas décadas têm sido
turbulentas. Anos de violência
sectária seguiram-se à queda de
Saddam e, em 2014, parte subs-
tancial do país ficou sob controlo
do Daesh. A derrota do movi-
mento jiadista, em 2017, levou
às últimas legislativas e a um
período de relativa segurança,
mas continua a haver milícias
armadas ativas, muitas próximas
do Irão, cada vez mais influente.
A generalidade dos observa-
dores duvida que muita coisa
mude: “Os protestos de 2019
foram um sério aviso de que o
sistema político enfrentava uma
crise de legitimidade. Poucos
acreditam que estas eleições
possam mudar as coisas. Se o
novo Parlamento não avançar
com uma agenda reformista,
parece inevitável que haja mais
protestos nos próximos anos”,
vaticinou Lahib Higel, analista
política no think tank Interna-
tional Crisis Group.
internacional@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 9 de outubro de 2021

ESPANHA

Riade e Teerão Juan Carlos I (à direita)

numa visita ao Ministério
da Defesa espanhol nos
anos 90. Emilio Alonso

financiaram Manglano é o último à

direita, antes do então rei
FOTO JMN/GETTY IMAGES

democracia
Papéis do antigo chefe dos serviços
secretos revelam manobras de
Juan Carlos no início do seu reinado
Ángel Luis de la Calle
correspondente em Madrid
O ex-rei Juan Carlos tentou,
com êxito, obter financiamen-
to externo para consolidar o
processo de transição políti-
ca que lançou ao ser coroado,
em 1975, após a morte do di-
tador Francisco Franco, que
o designara para o trono. Eis
uma de muitas revelações dos
apontamentos do general Emi-
lio Alonso Manglano, que foi
diretor dos serviços secretos
espanhóis (CESID, Centro Su-
perior de Informações de De-
fesa) durante quase 15 anos,
entre 1981 e 1995.
Oito anos depois do fale-
cimento do militar, o diário
“ABC” reproduz muitas das
anotações que fazia, num traba-
lho quotidiano de salvaguarda
das informações e confidências
que recebia em função do seu
cargo. Os “Papéis de Manglano”
resultam da investigação dos
jornalistas Juan Fernández Mi-
randa e Javier Chicote, ao longo
de vários anos, com base no ma-
terial documental de Manglano.
Verão a luz do dia, em forma de
livro, (“El jefe de los espías”, edi-
torial Roca) no próximo dia 14.
O legado do homem conside-
rado o principal modernizador
dos serviços de informações es-
panhóis clarifica assuntos vitais
SAIBA
MAIS
para a história do país nos anos
mais conturbados após o fim
do regime franquista: o golpe
de Estado de 23 de fevereiro de
1981 e o papel de Juan Carlos
no seu fracasso; a luta contra o
grupo terrorista ETA, incluindo
métodos de “guerra suja” pro-
movidos pelo Estado; a consoli-
dação do sistema de liberdades e
a equiparação de Espanha às na-
ções democráticas suas vizinhas.
Manglano, filho de um ge-
neral de profundas convicções
monárquicas, era conhecido da
família Borbón como assíduo
visitante do conde de Barcelona,
Juan (pai de Juan Carlos), no
exílio lisboeta. Era um militar
culto, ordenado e minucioso,
sem ambições políticas.
Sete contentores cheios
Já no trono, Juan Carlos rece-
beu com satisfação a nomeação
para chefe dos serviços secretos
do tenente-coronel, adscrito à
Brigada Paraquedista de Alcalá
de Henares, perto de Madrid.
Dadas as suas relações, o mo-
narca convocava Manglano ao
Palácio da Zarzuela com fre-
quência e fazia-lhe confidências,
de dez milhões de dólares para
apoiar a União de Centro Demo-
crático, do então primeiro-mi-
nistro Adolfo Suárez. A fonte da
informação é um antigo chefe
de Governo iraniano, Assadolah
Alam. As anotações do gene-
ral Manglano confirmam ainda
que o dirigente líbio Muammar
Kadhafi entregou 400 milhões
de pesetas (atualmente 2,5 mi-
lhões de euros) para financiar
a campanha do “não” à NATO
no referendo sobre a adesão de
Espanha, convocado em 1985
pelo então primeiro-ministro
socialista Felipe González.
Os papéis divulgados aludem
a somas que o Estado espanhol
disponibilizava regularmente a
Juan Carlos, vindos de fundos
reservados, à margem das ver-
bas orçamentais. Manglano afir-
ma que durante dois anos, entre
1994 e 1996, a atual ministra da
Defesa, Margarita Robles, então
secretária de Estado da Admi-
nistração Interna, entregou à
Casa do Rei cinco milhões de
pesetas (30 mil euros) por mês,
em dinheiro, “para não deixar
rasto”. O monarca recebera
valores semelhantes em anos
anteriores, com registo oficial

O FUTURO
que este registava em agendas,
diários e caixas de documentos.
Os jornalistas do “ABC” consul-
taram sete contentores repletos
junto do Banco de Espanha. O
seguimento que o CESID então
fazia de amigos de Juan Carlos
(Manuel Prado, Mario Conde,

DA MOBILIDADE
de papéis. Javier de la Rosa) e a deslealdade
de colaboradores próximos na
secreta, como o coronel Alberto
Os papéis do ex-chefe Perote, levaram a que Manglano

É ELÉTRICO
das secretas mostram
que o Estado espanhol
disponibilizava dinheiro
a Juan Carlos à margem
O Expresso e a EDP apresentam a Carta Elétrica, um projeto das verbas orçamentais Coroa ou bola de jogar?
que vai acelerar a transição para uma nova mobilidade.
Ao longo dos próximos meses, reunimos especialistas, “O rei da Arábia Saudita en-
esclarecemos mitos, debatemos as principais tendências tregou-me 36 milhões de eu-
e apresentamos as melhores soluções para uma mobilidade ros para financiar os primeiros
mais elétrica e mais sustentável. anos da democracia”, confessa
Juan Carlos ao seu interlocu-
tor em 1989. O rei mantinha (e
HÁ UM NOVO CÓDIGO NA ESTRADA. mantém) excelentes relações
pessoais com as casas reais dos
países petrolíferos do Médio
Oriente, fornecedores de pe-
tróleo a Espanha em condições
muito favoráveis. Um dos casos
que ditaram o seu autoexílio em
Abu Dhabi, há mais de um ano,
diz respeito a alegadas comis-
sões recebidas por Juan Carlos
da Arábia Saudita por ter in-
tervindo na contratação de fir-
mas espanholas para construir
o comboio de alta velocidade
entre Meca e Medina.
Na conversa registada por
Manglano, o rei conta que o en-
tão monarca saudita, Khalid bin
Abdulaziz, lhe abriu uma linha
de crédito de 50 milhões de dó-
lares. Juan Carlos investiu 20
milhões desse montante em ne-
gócios em que lucrou 18 milhões,
a presumível base da sua fortu-
na pessoal. Renovações subse-
quentes destes créditos e outros
contributos, de até 136 milhões
de dólares, fizeram ascender as
dívidas aos sauditas a cerca de
PARCEIRO
TÉCNICO
100 milhões, no fim de 1995.
Dinheiro do xá e de Kadhafi
Manglano regista um pedido
feito nos anos 70 por Juan Car-
los ao xá da Pérsia, por carta,
fosse acusado (e depois absolvi-
do) de atos ilegais, como escu-
tas secretas a figuras públicas,
como o próprio Juan Carlos.
As anotações de Manglano são
ricas quanto ao risco de retro-
cesso militar e à intentona de 23
de fevereiro de 1981. Juan Carlos
confidencia ao chefe do CESID
que o general Alfonso Armada,
seu antigo precetor e secretá-
rio da Casa do Rei, se oferecera
para pôr fim ao sequestro do
Congresso dos deputados tor-
nando-se primeiro-ministro. O
rei rejeitou essa ideia, o que foi
o começo do fracasso do golpe.
Juan Carlos quis que o seu filho
e herdeiro Felipe — então com
13 anos, agora Filipe VI — esti-
vesse a seu lado naquela noite
tormentosa. Segundo os papéis
de Manglano, disse ao príncipe:
“Felipe, vais ver como jogam
com a coroa do teu pai como se
fosse uma bola de futebol.”
O chefe dos serviços secretos
registou o testemunho de um
oficial do Exército, que lhe as-
segura que os golpistas tinham
preparado um comando para
assassinar os jornalistas Juan
Luis Cebrián e Pedro J. Ramírez,
então diretores dos diários “El
País” e “El Mundo”, respetiva-
mente. Um parente do general
Milans del Bosch, que fez sair
tanques às ruas de Valência no
dia do golpe, ameaçava o Esta-
do durante o julgamento dos
golpistas: “Se houver sentença
dura, o Exército subleva-se. Sub-
levação dura e crua. O rei está
metido nisto até aos cabelos.” As
penas mais longas impostas aos
responsáveis foram de 30 anos.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 31

PRÉMIOS NOBEL Guerra

e Paz
Miguel Monjardino

Paz Sétimo Nobel atribuído

miguelmonjardino@gmail.com

a jornalistas em 120 anos

Maria Ressa é a segunda mulher jornalista a receber o Nobel da Paz, Da democracia
Dmitri Muratov o sexto homem. Ambos combatem pela liberdade de informação e estratégia
na América
Manuela Goucha Soares

C
onsidero Heródoto meu amigo.
“O Comité Nobel da Noruega decidiu As suas Histórias ajudaram-me
conceder o Prémio Nobel da Paz de a construir um mapa mental
2021 a Maria Ressa e Dmitri Muratov para interpretar o mundo.
pelo seu esforço para garantirem a Esta semana reli o famoso Debate
liberdade de expressão, que é pré- Constitucional Persa entre Otanes, Me-
-condição para a democracia e a paz gabizo e Dario. Em causa estava saber
duradoura”. Com esta frase sintéti- qual a melhor forma de governo para a
ca e profunda foi ontem anunciada a Pérsia. Otanes defende o poder do povo
atribuição ex aequo deste galardão à e a importância da prestação de contas
FOTO RAINER JENSEN/PICTURE ALLIANCE VIA GETTY IMAGES

jornalista filipina e ao jornalista russo dos governantes perante a comunidade.

que diariamente lutam pelo direito a Megabizo argumenta que a oligarquia
informar livremente e de forma isen- é uma forma superior de governação
ta. Ambos vivem em países cujos go- face à democracia. Por seu lado, Dario
vernantes não respeitam os direitos subscreve o poder absoluto na Pérsia.
FOTO JOEL SAGET/AFP VIA GETTY IMAGES

humanos. Ignoramos se este debate aconteceu

Recorde-se que sete jornalistas da no final do século VI a. C. ou se Heródo-
“Novaya Gazeta”, jornal sediado em to o inventou para transmitir aos ateni-
Moscovo onde trabalha Muratov, fo- enses o que parece ser o seu ponto de
ram assassinados desde 2000. Entre vista: que a liberdade política promoveu
estes profissionais da imprensa há um o bom governo em Atenas e a tornou
nome que (quase) todos recordam: mais poderosa a nível externo.
Anna Politkovskaya, morta a tiro no Durante décadas pensámos de forma
elevador do prédio onde morava, em semelhante à de Heródoto. As vanta-
Moscovo. Tinha 48 anos quando mor- gens internas e externas das democra-
reu, a 7 de outubro de 2006, aniver- cias liberais em relação às oligarquias e
sário de Vladimir Putin. Uma semana ditaduras eram evidentes. Hoje vivemos
após a morte, o ex-espião Alexander numa ecologia política diferente. O que
Litvinenko acusou o Presidente de Dmitri Muratov e Maria Ressa ganharam o Nobel da Paz pelo seu combate pela liberdade de informação parece definir o nosso tempo é o pessi-
‘sancionar’ o crime que vitimou a jor- mismo democrático liberal. É preciso
nalista, assinando a sua sentença de Comité Nobel distinguiu o Programa nais que trabalham em países onde almente até 50 anos após terem sido recuar até aos anos 50 para encontrar
morte: Litvinenko foi envenenado Alimentar Mundial das Nações Unidas esse direito está longe de adquirido. propostos —, surge um português, traços semelhantes.
poucos dias depois com polónio radia- pelo seu “esforço no combate à fome, O mundo ouviu os nomes de Maria em 1909: Sebastião Magalhães Lima, Donald Trump tem sido um dos sím-
tivo, vindo a morrer a 24 de novembro pelo contributo para criar condições Ressa, 58 anos, e Dmitri Muratov, 59, cofundador e primeiro diretor de “O bolos desta abrupta transição política.
desse ano. de paz nas zonas afetadas por con- com a certeza de que o Nobel da Paz Século”, importante matutino com Ao longo das últimas semanas, uma
Os nomes dos que perderam a vida flitos, tentando (assim) evitar que a contempla muitas áreas de atuação. sede em Lisboa que se publicou entre série de artigos, livros e investigações
nestes anos de luta pelo direito à ver- fome seja usada como uma arma de junho de 1880 e fevereiro de 1977. do Congresso dos Estados Unidos re-
dade e à liberdade da palavra são mui- guerra”. Uma mulher e cinco homens mgoucha@expresso.impresa.pt velaram até que ponto Trump e os seus
tos e incluem Yuri Shchekochikhin, Este ano, o Comité Norueguês rece-
camarada de redação de Politkovs- beu 329 candidaturas ao Nobel da Paz, Antes de Ressa e Muratov, seis outros
kaya e Muratov, falecido em julho de que indicavam 234 personalidades defensores da paz e da liberdade rece- Em termos históricos,
2003 por presumível envenenamento. individuais e 95 organizações. Quando beram o Nobel da Paz enquanto jorna-
muitos previam que o galardão cou- listas ou ex-jornalistas. O primeiro, foi o dia mais relevante
LEIA SOBRE
Nem Navalny nem Thunberg besse à opositora bielorrussa Svetlana o pacifista suíço Élie Ducommun, em O NOBEL DA QUÍMICA deste ano para os EUA
Tikhanovskaya, que se candidatou às 1902, um ano depois deste galardão EM EXPRESSO.PT será 6 de janeiro, com
O nome da(s) pessoa(s) ou organiza- eleições do seu país em vez do mari- ser instituído por vontade de Alfredo
ção(ões) galardoadas com o Nobel da do, Sergei Tikhanovsky — preso pelo Nobel. O também pacifista italiano
o assalto dos apoiantes
Paz é muitas vezes uma surpresa. À regime de Alexander Lukashenko, fiel Ernesto Teodoro Moneta, em 1907; de Trump ao Capitólio
semelhança do que aconteceu há um aliado de Putin —, ao opositor russo o austríaco Alfred Hermann Fried, LEIA SOBRE
ano, 2021 não escapou a esta regra. Alexei Navalny ou ainda (de novo) a em 1911; o inglês Norman Angell, em O NOBEL DA FÍSICA
Em 2020, quando muitos esperavam Greta Thunberg, a porta-voz do comi- 1933; o alemão Carl von Ossietzky, em EM EXPRESSO.PT aliados ousaram subverter os resulta-
que os laureados pudessem ser a ati- té norueguês, Berit Reiss-Andersen, 1936; e a iemenita Tawakkol Karman, dos das presidenciais no final de 2020.
vista ambiental Greta Thunberg, o anunciou às 11h e poucos segundos de em 2011. Hoje, a maioria dos republicanos conti-
opositor russo Alexei Navalny ou o Oslo (10h em Portugal) que a escolha Entre os nomeados, segundo o ar- nua convencida de que Trump ganhou
diretor-geral da Organização Mundi- feita era uma homenagem ao combate quivo disponível no site da Fundação LEIA SOBRE essa eleição. Segundo o Pew Research
al da Saúde, Tedros Adhanom, pelo pela liberdade de expressão e infor- Nobel — que vai apenas até 1964, sen- O NOBEL DA MEDICINA Center, dois terços dos republicanos
seu papel no combate à pandemia, o mação, nas pessoas de dois profissio- do proibido divulgar candidatos ofici- EM EXPRESSO.PT ou independentes mais conservadores
gostariam que Trump continuasse a ser
uma figura política nacional.
O continuado apoio de parte signifi-

Literatura Abdulrazak cativa da sociedade norte-americana a

Trump deve-se à evolução demográfica
no país, à mudança tecnológica, à glo-

Gurnah, ficcionista balização e ao iliberalismo da extrema-

-esquerda. A vida da classe média é ago-
ra mais incerta. O apoio à democracia

pós-colonial liberal e às suas instituições tenderá a

Academia entrega Nobel a autor Reino Unido aos 18 anos, fugindo à
africano que vive em Inglaterra. perseguição sofrida pelos muçulma-
Obra do tanzaniano Gurnah está nos no conturbado período que se
pouco divulgada em Portugal, seguiu à independência. Em paralelo
com apenas um livro publicado com uma carreira literária discre-
ta — publicou dez romances em 34
Retomando a tradição de distinguir anos, alguns deles muito elogiados
autores mais ou menos obscuros, de pela crítica, mas apenas um finalista
culturas periféricas, e cumprindo o do Booker: “Paradise” (1994) —, teve
desígnio de tornar o prémio menos um sólido percurso académico como
eurocêntrico, a Academia Sueca atri- professor de Inglês e Literaturas Pós-
buiu o Nobel de Literatura deste ano -coloniais na Universidade de Kent,
ao escritor tanzaniano Abdulrazak em Canterbury.
Gurnah, “pela forma intransigente A experiência do exílio, em con-
e compassiva como descreveu pene- traste com o impacto do colonialismo
trantemente os efeitos do colonia- (sobretudo o britânico e o alemão)
lismo e o destino dos refugiados no na vida de tantos dos seus compatri-
abismo que separa culturas e conti- otas, forma a matriz da sua escrita
nentes”. É o primeiro escritor africa- ficcional. De “Memory of Departu-
no a vencer o galardão desde 2003 (J. re” (1987) até “Afterlives” (2020), o
M. Coetzee) e o primeiro negro desde seu projeto foi sempre o de mostrar
1993 (Toni Morrison). a opressão devastadora da socieda-
Nascido no então sultanato de Zan- de colonialista, sem enveredar pela
zibar, em 1948, Gurnah exilou-se no nostalgia de uma suposta pureza an-
O escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah FOTO HENRY NICHOLLS/REUTERS
cestral de África, anterior à presen-
ça branca. Nas palavras de Anders
Olsson, secretário do Comité Nobel,
Gurnah revela uma surpreendente
“dedicação à verdade”, o que o afasta
das simplificações abusivas.
“Junto ao Mar” é o único livro de
Gurnah publicado no nosso país, em
2003, pela Difel, mas encontra-se
esgotado e a editora faliu entretanto.
Francisco Vale, responsável máximo
da Relógio D’Água, que no último ano
lançou cinco livros da poeta norte-
-americana Louise Glück, vencedo-
ra em 2020 (e então absolutamente
inédita em Portugal), nunca leu o
autor premiado, mas admite que o
anúncio da Academia Sueca não o
entusiasmou, parecendo-lhe entre-
ver um “regresso ao politicamente
correto”, talvez para contrabalançar
escolhas recentes mais polémicas.
Ainda assim, já pediu para analisar
dois dos romances centrais na obra
do escritor tanzaniano: “Paradise” e
“Desertion”. Se a desconfiança inicial
se desvanecer, pondera avançar para
a compra dos direitos.
José Mário Silva
e@expresso.impresa.pt
ser menor.
A recusa continuada dos republica-
nos em aceitar o resultado e avançar
para uma nova coligação eleitoral não
augura nada de bom para o futuro dos
Estados Unidos. A pandemia consolidou
o tribalismo político nacional e piorou a
imagem internacional do país, que, para
muitos, parece dificilmente governável
e mais imprevisível.
O acontecimento mais importante do
ano não é 15 de agosto, com a queda de
Cabul para os talibãs. Também não é
15 de setembro, dia em que o AUKUS
foi anunciado em Camberra, Londres e
Washington. Do ponto de vista históri-
co, diria que o dia mais relevante deverá
ser 6 de janeiro, com a insurreição e
o assalto dos apoiantes de Trump ao
Capitólio, o símbolo da república demo-
crática dos Estados Unidos.
A tentação autocrática de Trump e a
reação dos defensores da democracia
liberal americana terão repercussões
estratégicas para os aliados e competi-
dores de Washington. Este será um país
continental virado para a gestão dos
seus problemas internos e mais seletivo
na gestão do sistema internacional.
32 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 9 de outubro de 2021

Editorial&Opinião
Editorial Revelações da investigação 9%
internacional Pandora Papers colocam
uma vez mais o foco sobre a utilização
das offshores perceberem que nós percebe- 9%. mais do que os homens, pelo que
mos que contamos pouco. E O silêncio em relação à igual- ignorar e desaproveitar o mérito
também percebemos que não dade não é maldoso. É chocante, de uma multidão à conta do se-
se retira uma única consequên- mas é ele próprio fruto da inte- xismo mais do que estudado terá

Pandora cia de coisa alguma. Lembra-

mo-nos bem de como íamos
aprender todos e todas com a
pandemia. Precisamente, uma
riorização do estado das coisas.
O mundo é dominantemente
masculino e entra-nos pelos
olhos assim, é normalizado as-
preço alto.
O consenso em torno da igual-
dade de género não pode acabar
na consequência máxima do se-

Papers Isabel Moreira

sociedade@expresso.impresa.pt
das lições destes tempos tene-
brosos foi a do impacto despro-
sim. Assistimos à noite eleitoral
nos vários canais de televisão
xismo, a violência doméstica.
A violência doméstica é o topo

N
porcional que a pandemia teve repletos de homens comentado- de uma pirâmide de “permis-
a véspera das eleições entre homens e mulheres, tanto res, espelhos do sistema que nos sões” históricas, não acontece
autárquicas, a Islândia no trabalho fora de casa como exclui. A mesma exclusão acon- do nada, repousa numa cultu-
elegeu pela primeira dentro dela. As mulheres pre- tece com as pessoas racializadas ra complexa que temos vindo
vez um Parlamento com cisam de todas as igualdades e, a desconstruir, mas que ainda
uma maioria de mulheres. Por por isso, precisam de aceder ao condena as mulheres, em mui-
Qual o mal das offshores? Porque é que ter uma offshore cá, o número de mulheres à fren- poder, precisam de represen- É batota contarem tos aspetos, à categoria de “se-
é visto como negativo? As revelações trazidas a público te de câmaras municipais, que já tação, de voz, de enriquecer a com as mulheres para gundo sexo”. Não por acaso, a
por mais uma investigação internacional do consórcio de era vergonhoso, caiu. É apenas tomada de decisão com a sua candidaturas autárquicas Organização Internacional do
jornalistas de investigação ICIJ, do qual o Expresso faz 9%. Ou seja, na sequência das experiência. É batota contarem que se sabem perdidas Trabalho, em julho, analisou,
parte e que integra alguns dos maiores jornais do mundo, primeiras eleições locais em que com as mulheres para candida- em conjunto, questões como a
ajuda a responder a esta questão. Ou, pelo menos, a está em vigor uma lei que obriga turas que se sabem perdidas. perda de rendimentos das mu-
parte dela. O mal talvez não seja tanto ter uma offshore a que haja 40% de mulheres em É inaceitável ver o resultado e com as pessoas LGBT. Os par- lheres, a violência doméstica, o
só por si, mas o uso e objetivo para o qual são utilizadas lugares elegíveis, temos 29 (num do nosso apagamento e sentir tidos políticos continuam a não assédio no local de trabalho e a
maioritariamente neste mundo global — seja para universo de 308) mulheres pre- em todas as lideranças políticas levar a sério, mas mesmo a sério, necessidade de participação das
ocultar crimes ou para conseguir esconder património sidentes de câmara. aquele gigantesco silêncio. Não a igualdade. Como se a questão mulheres em órgãos de tomada
e rendimentos, que, assim, não são devidamente Isto é chocante? Muito, mas se disse nada, nem uma pala- não fosse determinante. Acon- de decisão e liderança, diálogo
tributados e escrutinados. De forma lapidar, Pedro Adão aparentemente não tem impor- vrinha na noite eleitoral ou nos tece que há mais mulheres do social e instituições de parceiros
e Silva diz isso esta semana nas páginas de opinião deste tância. Aquilo que se esperaria dias seguintes, uma reflexão, que homens a votar, há, de resto, sociais.
jornal: “Poucos males corroem tanto as democracias dos partidos políticos compro- um compromisso para o futuro, mais mulheres do que homens Vale mesmo a pena mudar de
contemporâneas como a erosão de uma base fiscal metidos com a igualdade era nada de nada. no país, as mulheres trabalham consenso.
partilhada e a possibilidade que se abre de uma elite —
estruturalmente corrupta — capturar o interesse comum,
desviando recursos financeiros significativos.”
Desigualdade. Cada vez maior desigualdade. E a sua
perceção crescente pelos cidadãos corrói os nossos
A sorte de António Costa
regimes e a confiança que neles depositamos.
Ao longo dos últimos dias e nos próximos vamos
continuar a revelar os resultados desta investigação, ta é, na política, um homem de O foco, nas recentes eleições Os próximos anos continu-
que resulta de uma fuga de informação de 12 milhões sorte. Assumiu o poder quando locais, estava todo nas conse- am, ainda assim, a ser poten-
de documentos obtidos, a partir dos quais os jornalistas a economia estava numa fase as- quências que teriam na vida da cialmente anos de sorte para
fizeram o seu trabalho. cendente e de recuperação. Be- oposição. Para já, os resultados António Costa. É verdade que os
neficiou das expectativas muito estão, sobretudo, a mudar a vida custos da transição energética
baixas que a própria oposição do Governo. Para surpresa de e as tensões inflacionistas po-
promoveu, permitindo-lhe apre- muitos, multiplicam-se os sinais dem baralhar muita coisa, mas,
sentar um crescimento medíocre pantanosos. São as demissões depois de ter batido no fundo,
O tango do Orçamento Miguel Poiares Maduro
política@expresso.impresa.pt
(e comparativamente mau) como
um enorme sucesso. Mesmo na
em empresas no centro da es-
tratégia e discurso político do
a economia (por mero efeito
da “gravidade”) vai crescer. A
resposta à pandemia, um choque Governo, como a TAP ou a CP. única questão é quanto. O Go-

O
O Governo de António Costa esteve reunido, sem o líder,
na última terça-feira para ultimar a proposta de lei de s políticos são como os
Orçamento do Estado para 2022, que será fechada este treinadores de futebol:
fim de semana e na segunda-feira entregue na Assembleia às vezes, o sucesso de-
da República. Depois de resolvidas as divergências e pende, sobretudo, da
negociações internas, com o ministro João Leão a fazer sorte. Sorte não é, neste caso, o
o habitual papel de quem não quer gastar, passa-se para acaso. É o contexto que não se
o palco em que os três partidos da ‘geringonça’ ensaiam controla. Se um político entra no
arrufos e passos de dança até se perceber com qual dos poder quando a economia está a
parceiros (ou os dois) poderão os socialistas contar para sair de uma recessão isso é “sor-
aprovar o sétimo Orçamento com António Costa ao te”. Se enfrenta adversários fra-
leme. O primeiro-ministro tem dado sinais de abertura à gilizados isso é “sorte”. O mesmo
esquerda, nomeadamente ao PCP, que fazem antever uma se as expectativas que o rodeiam
viabilização relativamente tranquila deste documento. são muito baixas. É óbvio que
as qualidades políticas também
contam. Um bom político sabe
tirar partido de um contexto fa-
vorável e combate melhor o que
lhe é desfavorável. Mas a qua-
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. lidade não garante o sucesso,
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
apenas aumenta ou diminui a
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, probabilidade do mesmo.
Paulo de Saldanha, Paulo Miguel Reis, Nuno Miguel Conde e Cristina Vaz Tomé
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, Muitos dizem que António Cos-
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970
exógeno em que o Governo não
tem qualquer responsabilidade,
mas com consequências econó-
micas e sociais profundamente
negativas, parecia ter beneficia-
do da sorte. A gestão em muitos
aspetos errática da pandemia
explica, provavelmente, por que
razão o Governo português foi
(de acordo com dados do Eu-
robarómetro) aquele que mais
perdeu a confiança dos seus ci-
dadãos. No entanto, o sucesso do
processo de vacinação (ironica-
mente — até nisso sorte? — após a
alteração da liderança escolhida
pelo Governo), as taxas de juro
historicamente baixas garanti-
das pelo BCE e o enorme volume
de fundos prometido pela União
Europeia pareciam assegurar ao
primeiro-ministro umas eleições
e futuro tranquilos.
São as revelações de problemas
dramáticos em serviços públicos,
como a saúde e a educação, que
contrariam a mensagem políti-
ca do Governo. São os conflitos
abertos entre ministros e os de-
safios à autoridade do primeiro-
-ministro vindos de dentro do
próprio Governo. Subitamente,
o Governo parece muito mais dé-
bil. Prova disso mesmo é a forma
como o Presidente da República
reencontrou a sua autoridade
perante o Executivo. A forma
como lidou (e arrumou) com
a tentativa governamental de
exonerar o chefe do Estado-Mai-
or da Armada contrasta com a
forma como as suas palavras e
autoridade foram ignoradas na
gestão final da pandemia ou nos
escândalos governamentais do
último ano.
verno parece contentar-se com
poucochinho: menos de 3% a
partir de 2023. Um valor muito
inferior ao previsto por outros
países, como a Grécia. As ex-
pectativas de crescimento do
Governo parecem até inferiores
ao volume de fundos europeus
que devemos receber. É como
se não crescêssemos nada por
mérito próprio e ainda estivésse-
mos a prever deitar fora algum
do dinheiro que iremos receber.
A única explicação plausível é
que o Governo sabe que irá su-
perar essa previsão medíocre e o
pretende apresentar como mais
um sucesso. O PM faz assim de-
pender a sua sorte política de
continuar a limitar a ambição do
país. Resta saber se o país está
disponível para continuar a viver
sem ambição.

Diretor Geral Documentação (Gesco) Marketing, Comunicação

de Informação IMPRESA
Ricardo Costa

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Martins (gestores de conta)
Rodrigues (produtores) -se, todos os anos, em esquemas combate à evasão fiscal. passado foram arrecadados 107
Pedro Candeias Miguel Teixeira Diniz e Sérgio Circulação e Assinaturas de evasão fiscal, crescentemen- Este ponto é fundamental. Se biliões de dólares adicionais).
(Sociedade) Alves (gestores de conta) Pedro M. Fernandes (diretor)
Pedro Cordeiro Marta Teixeira e Helena Milton Silva (responsável te complexos. Um valor que de cada vez que há revelações Talvez valesse a pena insistir
(Internacional) Almeida (gestores de conta pela circulação) e Rita Silva corresponde sensivelmente ao os próprios políticos reagem nesta pedagogia, em lugar de a
João Silvestre (Economia)
Pedro Lima
da Delegação Norte)
Tel: 214 544 073/214 698 798
(responsável pelo serviço
de apoio ao cliente)
Pedro Adão e Silva PIB português. Estas revelações como se nada tivesse, entretan- secundarizar.
(Editor-adjunto Economia) Fax: 214 698 516 Serviço de Apoio ao Assinante: padaoesilva@gmail.com
Jorge Araújo (Revista E) Tel: 214 698 801 sobre a forma como o dinheiro to, mudado por ação política, A propósito de Pandora, há
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pontodevenda.ip@impresa.pt
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nos trouxe os Panama Pa- é, aliás, o primeiro passo para o contemporâneas como Erasmus a substituí-la por uma
para o Controlo de Tiragem Impressão
Lisgráfica Impressão
pers sejam denominadas combater. Daí a importância de a erosão de uma base caixa), as consequências para a
e Artes Gráficas, S.A. de Pandora. Afinal, na versão se avançar na censura moral. fiscal partilhada e a humanidade são fatais. Persis-
Estrada de São Marcos, 27
2735-521 Agualva-Cacém popularizada da mitologia clás- Convém, contudo, separar o possibilidade que se abre te, contudo, alguma expectati-
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de Imprensa Distribuição sica, quando Pandora, contra trigo do joio quando se fazem de uma elite capturar va sobre o que vai suceder, até
VASP-MLP,
Media Logistics Park
a vontade dos deuses, abriu a revelações (basta, por exemplo, o interesse comum porque a esperança permanece
Quinta do Grajal, Venda Seca caixa, logo se manifestaram to- pensar como aparentam ser dentro da jarra. Esta ambiva-
2735-511 Agualva Cacém
Tel: 214 337 000 dos os males do mundo. O pa- diferentes, por um lado, os ca- lência pode ser encarada como
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ralelismo é óbvio: poucos males sos bastante inócuos de Morais estão a desvalorizar objetiva- uma predisposição para a ação,
Tel: 808 206 545 corroem tanto as democracias Sarmento e Vitalino Canas e, mente o combate à evasão fis- que permite contrariar as fatali-
A Impresa Publishing não é contemporâneas como a erosão por outro, o caso chocante — cal. Ora, considerando que está dades. Apesar de tudo, quando o
responsável pelo conteúdo
dos anúncios nem pela de uma base fiscal partilhada e mas já conhecido — de Manuel excluída a possibilidade de inva- tema é combate à evasão fiscal,
exatidão das características
Este jornal utiliza papel produzido por empresas e propriedades dos produtos a possibilidade que se abre de Pinho); que se seja conclusivo dir países soberanos por serem temos tido mais ação do que é
offshores, a via disponível terá
certificadas segundo a norma ISO14001

Redação, Administração
(Certificação de sistemas de Gestão Ambiental)
CUIDE DO MEIO AMBIENTE
e/ou bens anunciados.
A respetiva veracidade
uma elite — estruturalmente (os Panama Papers acabaram sugerido. Convém que não des-
e Serviços Comerciais Utilize melhor esta revista depois de a ler

Rua Calvet de Magalhães, 242

Colabore com a sua reciclagem
e conformidade com a
realidade são da integral e
corrupta — capturar o interes- por nunca ter alguns dos capí- de combinar alguma coerção valorizemos esses passos, é deles
2770-022 Paço de Arcos
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ESTATUTO EDITORIAL DISPONÍVEL EM exclusiva responsabilidade se comum, desviando recursos tulos preanunciados), e, acima com muita negociação. A este que depende a esperança nas
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Expresso, 9 de outubro de 2021
Daniel Oliveira
danieloliveira.lx@gmail.com
Destapar
a caixa
D
epois dos Panama Papers e do
Luanda Leaks, o consórcio inter-
nacional que junta 600 jornalis-
tas de 117 países oferece-nos os
Pandora Papers, a maior fuga de infor-
mação sobre paraísos fiscais de sempre.
São quase três terabytes de informação
confidencial sobre 14 prestadores de
serviços offshore, envolvendo 29 mil
beneficiários. Do primeiro-ministro
checo, um milionário populista que pe-
rorava contra a corrupção, ao ministro
das Finanças holandês, que pediu à UE
que investigasse os países do Sul por
terem menos dinheiro para responder
à pandemia. Do Presidente do Equador
a Tony Blair, de ordens religiosas a cha-
vistas venezuelanos, do rei da Jordânia
ao ministro da Economia de Bolsonaro,
de atores de Bollywood a traficantes.
Há de tudo nesta caixa de Pandora: ras-
to de obras de arte contrabandeadas
e hoje expostas em museus, sinais de
riqueza que políticos querem esconder,
empresários que acumulam dívidas en-
quanto fazem compras de luxo, provas
de corrupção, fuga a impostos sobre o
imobiliário. Da marca do crime violento
à vontade de manter o dinheiro discreto
perante os Estados. Estão ali os suga-
douros das riquezas dos povos.
Dirão que, com estas divulgações em
arrastão, se baralha tudo. O legal e o
ilegal, o crime e o negócio. Mas é mes-
mo esse o problema dos labirínticos
offshores: misturam tudo para que tudo
se torne indistinto. Com o apoio de le-
Os ricos criaram pátrias
suas, onde a lei é facultativa.
O objetivo dos Pandora
Papers não é o de separar
o trigo do joio, é o de destapar
um segredo ilegítimo
gisladores e da banca, os ricos criaram
pátrias suas, onde a lei é facultativa. Ga-
rantindo que os percursos do dinheiro
e da propriedade sejam impossíveis de
mapear, tornam impossível o trabalho
das autoridades e o escrutínio público.
Mesmo depois destas investigações,
pouco acontecerá. Poderá haver pro-
cessos criminais, cairá este ou aquele
político, mas a informação é de tal for-
ma avassaladora que o seu impacto
público é sempre menor do que se es-
pera. Mas, mesmo que esta informação
seja recebida como indiferenciada pela
maioria, ela é útil. Porque o objetivo
não é o de separar o trigo do joio, é o
de destapar um segredo que é sempre
ilegítimo, por dar à elite a possibilidade
de se furtar às regras impostas ao ci-
dadão comum. A divulgação geral é a
única forma de causar dano reputacio-
nal a quem use instrumentos que nos
retiraram a possibilidade de separar o
crime e a evasão fiscal do resto. Se ali
houvesse trigo, teriam escolhido o lugar
errado para o semear. A opacidade, e
não este ou aquele delito, é o crime dos
offshores. Partir esta caixa de Pandora,
revelando tudo o que lá se esconde, é o
que se exige. Porque impor a lei a off-
shores é uma tarefa derrotada à partida.
Mesmo um caso comezinho como o
de Morais Sarmento, que não parece
ter violado qualquer lei e usou uma
offshore para comprar uma escola de
mergulho e um pequeno hotel rústico
em Moçambique, é esclarecedor. Diz
que havia “muitos entraves na rece-
ção de investimentos estrangeiros” em
Moçambique. Entraves legais, no caso.
Era o que se fazia, “legalmente”, para
amaciar a lei de um Estado. A natura-
lização desta ideia aplica-se a uma lei
comercial que parece absurda, a uma
lei fiscal que parece excessiva ou a uma
lei criminal que parece inconveniente.
É à vontade do freguês, na medida dos
pruridos éticos de quem tem dinheiro
para decidir as regras com que joga.
A foto da INÉDITO A seleção nacional de futsal, liderada por Jorge Braz, conseguiu
somar ao título europeu, conquistado em 2018, o cetro mundial, que até
semana agora nunca tinha conseguido. A final do mundial, que decorreu na Lituâ-
nia, foi emocionante, com uma vitória por dois a um contra a Argentina,
anterior campeã. Mal aterraram em Lisboa, os campeões foram recebidos
em Belém por Marcelo — com direito à habitual selfie. Esta vitória está
Por Martim Silva longe de ser fruto do acaso, como bem atesta o número de praticantes da
mgsilva@expresso.impresa.pt modalidade, que subiu fortemente nos últimos anos. FOTO TIAGO PETINGA/LUSA
CEO da OutSystems, um dos unicórnios portugueses
Força de atrito ou força
de atração: a escolha
dos governos
Paulo Rosado
P
ortugal conta com um cluster
tecnológico composto por
empresas relevantes, que
assumem um papel deter-
minante no emprego qualificado e
bem remunerado quando compa-
rado com outras indústrias. Esti-
ma-se que as principais tech compa-
nies portuguesas empreguem mais
de 4500 pessoas e que o conjunto
das empresas de tecnologias de in-
formação e de comunicação criem
cerca de 52.000 postos de trabalho
em Portugal. São profissionais es-
pecializados e que competem com
os melhores.
Graças a estas pessoas, as empre-
sas portuguesas têm desenvolvido
novos produtos e serviços que che-
gam virtualmente a todo o mundo,
desenvolvendo um contexto favo-
rável ao aparecimento de novas
realidades, que colocam Portugal
no pódio dos países com maior nú-
mero de unicórnios e scale-up com-
panies por milhão de habitantes da
União Europeia.
Esta realidade é o resultado de
um esforço coletivo, mas sendo a
transição digital uma das dimen-
sões estruturantes para a recupe-
ração pós-pandemia, é oportuno
questionarmo-nos se o Governo
não pode fazer mais pela moder-
nização do país e pela criação de
valor na economia e na sociedade.
Optar entre ser uma força de atrito
ou ser uma força de atração para
que mais empresas tecnológicas
incrementem a sofisticação e a ino-
vação do trabalho desenvolvido em
Portugal. Esta é a escolha que os
governos enfrentam.
Para melhorar o ambiente de ne-
gócios e a vida dos trabalhadores
destas empresas é preciso come-
çar por reconhecer que a seiva da
economia digital são as pessoas e
o talento. Os países que coletiva-
mente forem capazes de manter
e atrair o melhor talento para as
suas empresas, num quadro de
constante procura pelos melho-
res profissionais, serão os que vão
emergir mais fortes da pandemia
do coronavírus.
Uma das oportunidades para o
conseguir é rever as regras de tri-
butação das stock options, que one-
ram de forma excessiva — e para
além disso no momento errado — o
exercício das opções que as em-
presas tecnológicas normalmente
colocam à disposição.
Os impostos que os colaborado-
res destas empresas têm de supor-
tar são difíceis de compreender
e praticamente impossíveis de
explicar. Como transmitir a um
trabalhador que vai pagar mais
A consequência
do regime fiscal
português é que
os planos de atribuição
de opções aos
colaboradores
ficam na prática
neutralizados
de IRS do que o preço das opções
que pretende exercer, mesmo que
não tenha na altura monetizado o
ganho resultado da sua dedicação
de anos?
A consequência do regime fis-
cal português é que os planos de
atribuição de opções aos colabora-
dores ficam na prática neutraliza-
dos, as empresas tecnológicas têm
maiores dificuldades em conseguir
os profissionais de que precisam e
o progresso da nossa sociedade fica
também mais comprometido.
Alguns países têm dado passos
significativos para ir de encontro a
estes desafios. Ainda esta semana,
o Governo holandês apresentou
o seu Plano Fiscal para 2022, no
qual se inclui entre outras medidas
a possibilidade de, a partir de 1 de
janeiro, os colaboradores pagarem
o imposto correspondente ao exer-
cício das opções apenas quando as
ações se tornem transacionáveis.
A medida surge no contexto de
um processo de diálogo entre o
Governo e as empresas tecnológi-
cas, e visa assumidamente tornar
a Holanda um país mais atrativo
para startups e scale-ups.
Segundo estas novas regras, as
opções de ações deixam de estar
sujeitas a IRS quando os emprega-
dos exercem as opções, ficando a
tributação diferida até que as ações
possam ser negociadas, o que ajuda
os colaboradores a terem dinheiro
disponível para pagar o imposto
com a venda de parte das ações.
Antes da Holanda, em março
deste ano, a Grécia havia anunci-
ado que as opções detidas pelos
trabalhadores por mais de 24 me-
ses serão integralmente tributadas
como rendimento de mais-valias à
taxa de 15%. Em Portugal, as taxas
para o exercício de stock options
vão até 48%. Este anúncio está a
ter consequências imediatas. A
Grécia tornou-se de um dia para
o outro um destino privilegiado
para a fixação de nómadas técni-
cos e uma localização de eleição
para a sedimentação de empresas
tecnológicas.
À medida que estas medidas fis-
cais forem sendo replicadas nou-
tros países, e se nada for feito em
Portugal, ficaremos enquanto país
numa posição cada vez mais difícil
para reter e atrair as pessoas de
que precisamos para gerar valor
nas nossas fronteiras.
No momento em que o Governo
considera as suas opções para o
próximo Orçamento do Estado, as
experiências destes países podem
contribuir para que agarremos as
oportunidades e sejamos força de
atração para os melhores, em vez
de força de atrito.
PRIMEIRO CADERNO 33
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Mal
O
impensável é o novo normal. À
esquerda, a vanguarda revolu-
cionária está de novo a queimar
livros. Não é figura de estilo. Os
autoproclamados donos da virtude e
das narrativas com poder cultural es-
tão a queimar livros que consideram
impuros. O distinto fedor ao esturrica-
do comunista está no ar. À direita, as
vanguardas reacionárias estão de novo
a enterrar-se no obscurantismo que
produz a sua própria realidade paralela:
largam a família, a comunidade e até a
fé em nome de uma alegada lente que
permite desmontar a imensa teoria da
conspiração que é a realidade. Vejam
o documentário da HBO “Q: Into da
Storm” e depois digam-me se não esta-
mos de facto nos anos 20 e 30 do século
passado. O fascismo e o nazismo tinham
como base a psicose que é esta QAnon:
uma seita que garante que a realidade
transmitida pelos media e pelos parla-
mentos é uma teoria da conspiração
que engana o povo. Portanto, se me
permitem, temos de recordar velhas
lições sobre a natureza do mal. Sim, eu
sei, é sábado de manhã, mas os tempos
não estão para contemplações.
Temos a tentação de ver o comunis-
mo e o fascismo como produtos de um
único homem, qual Lúcifer caído na
terra. Ora, vamos supor que há de facto
homens que nascem com um conheci-
mento inapto do mal. Vamos supor que
essa maldade intrínseca é reforçada
por uma infância brutal. Vamos supor
que, na vida adulta, estes homens aspi-
ram à grandeza desligada de qualquer
Se não vigiar o seu ponto de vista
parcial e relativo através
dos juízes universais da civilização
(o Direito, a Ciência, a Filosofia,
a História, a Teologia),
o ser humano vai acreditar
naquilo que é emocionalmente
necessário e não naquilo
que é objetivamente verdadeiro
consideração moral. Não é Ricardo II
de Shakespeare quem proclama “Mal,
que sejas tu o meu bem!”? Pois muito
bem, mesmo assumindo esta natureza
luciférica de Hitler e Estaline, fica a
faltar o essencial: como é que milhões
de pessoas aceitaram as suas teses e le-
gitimaram a Solução Final e o Gulag? A
palavra-chave deste passado histórico é
a palavra determinante do nosso tempo
aqui em 2021: bolha, bolhas.
Por uma série de razões intelectuais
e materiais, nós criámos uma socie-
dade que permite o desenvolvimento
imparável de bolhas. Essas bolhas são
o pecado original perfeito. No interior
da bolha, que é uma alegada verdade
que se confirma a si própria em circuito
fechado, as pessoas sentem-se donas de
uma verdade sagrada que não pode ser
contestada por nenhum critério univer-
sal. É por isso que negam o Direito (o
Positivo e o Natural), a Ciência e Deus.
Se ficam incomodados com a palavra
“Deus”, podem substituí-la pelas pala-
vras “ética” ou “moral”, isto é, palavras
que simbolizem um padrão moral de va-
lores que é superior a qualquer pessoa,
grupo, tribo, país. Se não vigiar o seu
ponto de vista parcial e relativo através
dos juízes universais da civilização (o
Direito, a Ciência, a Filosofia, a História,
a Teologia), o ser humano vai acreditar
naquilo que é emocionalmente neces-
sário e não naquilo que é objetivamente
verdadeiro. E é isso que está a acontecer
neste momento em larga escala. Dentro
da bolha, o jovem esquerdista que quei-
ma livros sente-se moralmente superi-
or enquanto queima os livros. Dentro
da bolha, o jovem reacionário repete o
erro: sente-se moralmente superior en-
quanto invade o Capitólio. Ambos não
hesitarão em recorrer à violência contra
outras pessoas quando o contexto assim
o pedir. O impensável acontece.
34 PRIMEIRO CADERNO
Opinião
Djaimilia Pereira de Almeida
sociedade@expresso.impresa.pt
As casas
P
assei a adolescência a namo-
rar da rua, em Queluz, a casa
onde viveu Ruy Belo. Era a
casa do poeta, da qual eu só
avistava as estantes cheias de livros.
Ruy Belo já não era vivo, mas como
seria viver ali, ter tantos livros? Su-
bia e descia a rua, caderno de versos
na mão, espreitava. Que modo de
vida era aquele? Que coisa misteri-
osa era um poeta? Oh, as casas, na-
morar casas da rua, “as casas de fora
olham-nos pelas janelas”. Algumas
são promessas de vida, sonhos, in-
timações a quem passa. “Sem casas
não haveria ruas/ as ruas onde pas-
samos pelos outros/ mas passamos
principalmente por nós.”
Passeava e passeio no lusco-fusco
— e sonho. Sai delas um perfume, ou
uma luz quente, vislumbro uma es-
tante, um cadeirão, uma ventoinha,
notas de uma música. Alguém põe
a mesa, crianças fazem perguntas,
ouvem-se risos, talheres, televisores.
É assim que imaginar a vida dos ou-
tros, no lugar dos outros, nos salva,
quando temos pouco. E, aos tram-
bolhões, perseguimos não aquilo
que nos foi designado mas esse calor
que vem de nos sonharmos adentro
das janelas dos outros, a viver a sua
vida, da qual não sabemos nada. Oh,
namorar casas, as janelas das casas,
cheia de uma força que me arranque
às circunstâncias, pedindo por essa
força. “As casas de fora olham-nos
pelas janelas/ Não sabem nada de
casas os construtores/ os senhorios
os procuradores/ Os ricos vivem nos
Ruy Belo já não era
vivo, mas como seria
viver ali, ter tantos livros?
Subia e descia a rua,
caderno de versos
na mão, espreitava.
Que modo de vida
era aquele? Que coisa
misteriosa era um poeta?
seus palácios/ mas a casa dos pobres
é todo o mundo/ os pobres sim têm
o conhecimento das casas/ os pobres
esses conhecem tudo.”
Converso com uma amiga. Cres-
ceu na década de 60, em Sarilhos
Grandes. Conta-me que, na geração
dos seus pais, no dia do casamento,
para o qual só eram convidados os
irmãos e os padrinhos, a noiva fazia
uma grande travessa de arroz-doce
e distribuía um prato a cada vizinho,
em troca de uma prenda: um pano
da louça, um punhado de nozes, uma
pega, um saco de farinha. As vizinhas
viam-se aflitas. “Lá vem ela com o
arroz-doce, e agora o que é que lhe
vou dar?” Às vezes, não havia nada
para dar. Os recém-casados iam viver
em quartos em casa dos pais ou dos
sogros. Ninguém sonhava sequer
arrendar uma casa e, muito menos,
ter casa própria. Mulher sozinha,
mãe solteira, proprietária a custo,
falou-me da sua casa e, por pouco,
não citou Ruy Belo: “A minha casa é a
única que me conhece, minha amiga,
confidente, testemunha, a única que
não me julga.” “Oh as casas as ca-
sas as casas/ mudas testemunhas da
vida.” É uma casa modesta, numa rua
sem graça. Mostrei-lhe o poema de
Ruy Belo. Respondeu-me por escrito:
“Nesta casa, onde agora vivo, vivem
todas as outras onde vivi.” Namorar
casas da rua, namorar outras vidas,
sonharmo-nos outros. Quem namo-
rará da rua a luz destes candeeiros?
Que fará essa luz por eles, cadernos
de versos na mão? Às vezes, salvar
alguém é não dar por isso.
Os fios desligados do sistema penal
Q
ual tem sido a maior fraque-
za do nosso sistema penal?
A incapacidade de obter
as condenações justas em
tempo útil, o que tem provocado
desnecessário desgaste dos investi-
gadores e desprestígio do sistema.
Pôr-lhe termo deveria ser tarefa
prioritária do MP. Escrevi isto em
2003, sobre crime económico, não
queria manter a razão.
Isto acontece no crime económico-
-financeiro, crimes dos poderosos,
pessoas respeitáveis, que visam lu-
cro e poder, através da corrupção,
branqueamento de capitais, burlas
financeiras internacionais, tráfico
de influência, crimes fiscais, fraude
e desvio na obtenção de subsídios,
etc. Aí, a acumulação de pacotes an-
ticorrupção sem avaliações, somada
à falha de deteção tempestiva dos cri-
mes, desligou muitos fios. Investigar
num passado distante da prática do
crime, alimentou os megaprocessos.
Era preciso ligar o fio da compensa-
ção legal dos denunciantes.
O sistema progrediu a duas velo-
cidades e os fios que deviam refor-
Professor, presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
Os Big Five: estamos a falar de quê?
Guilherme Macedo
E
sta expressão está já no léxi-
co comum dos nossos meios
de informação: Big Five.
Aplica-se de facto nas mais
variadas circunstâncias, remeten-
do-nos para diferentes experiên-
cias: para o intrépido e renovado
viajante, se tiver a planear fazer
um safari, sabemos que os Big Five
descrevem o leão, o leopardo, o
rinoceronte, o búfalo e o elefante;
se for um credenciado comenta-
dor de futebol, irá lembrar-nos de
imediato da Inglaterra, Alemanha,
França, Itália e Espanha. Se for
um consultor de economia, o seu
clube dos cinco é constituído pelos
Estados Unidos, China, Japão, Ale-
manha e Índia; podemos até pensar
nos traços de personalidade ou as
suas dimensões básicas, também
conhecidas pelas Big Five. Para
nós, no entanto, Big Five significa
o foco da nossa atenção clínica quo-
tidiana: porque se trata dos cinco
tumores malignos digestivos que
mais afetam a população no mun-
do, porque são eles os responsáveis
pela crescente mortalidade onco-
Consultor, antigo dirigente social-democrata
A indisfarçável fragilidade do ministro da Defesa Nacional
José Matos Correia
A
subordinação das Forças
Armadas ao poder político
é um elemento estruturan-
te das democracias. Mas,
como é óbvio, subordinação não
pode significar uma espécie de su-
jeição vassálica e, muito menos,
desrespeito e menosprezo, não só
pela entidade, mas por todos os que
nela servem.
O ministro da Defesa Nacional
não parece, contudo, partilhar des-
se entendimento. E foi porventura
isso que esteve na base de decisões
recentes, que, para além de desa-
dequadas, são objetivamente aptas
a fragilizar a instituição militar.
O primeiro episódio tem que ver
com a reforma da macroestrutura,
em obediência a uma orientação
política duplamente errada. Er-
rada na perspetiva do Governo,
porque afunila o processo de deci-
são, colocando-o, basicamente, na
dependência dos contributos do
Justiça de Perdição
Maria José Morgado
sociedade@expresso.impresa.pt
çá-lo no combate ao crime grave
foram-se desligando. No crime de
rua, fez-se o caminho contrário de
simplificação, celeridade sentença
rápida, tão rápida que ninguém fala
disso, os fios estão ligados.
A legislação moderna imposta
pela União Europeia nesta crimina-
lidade, a quebra do sigilo bancário e
o acesso às bases de dados aumen-
taram extraordinariamente a capa-
cidade de investigação do MP e da
PJ. Os casos ganharam visibilidade,
fez-se aplicação de prova digital,
cruzamento de dados, seguimento
dos fluxos financeiros, cooperação
lógica à escala global, porque se
desenvolvem nas cinco estruturas
do aparelho digestivo às quais nós,
na gastrenterologia — especialistas
da saúde digestiva —, dedicamos a
nossa atenção todos, mas todos,
os dias. Essas cinco entidades —
cancro do cólon e reto, cancro do
estômago, cancro do pâncreas,
cancro do fígado e cancro do esó-
fago — obrigam a reposicionar e
a reconfigurar o posicionamento,
organização e adequação da nossa
prática assistencial gastrenteroló-
gica. Daí que permanentemente o
nosso quotidiano esteja vocaciona-
do para a sua identificação precoce
e atempada, para o seu tratamento
(e torná-lo o mais realístico, espe-
cífico e confortável possível) e so-
bretudo para a sua prevenção, a tal
batalha que travamos a montante,
por antecipação, para combater
estas condições oncológicas tão im-
portantes na vida dos indivíduos,
das suas famílias e das sociedades.
São estes Big Five que redefinem
o atual desenho da nossa capacida-
de de resposta, como profissionais,
seja para intervir especificamente
nessas três dimensões (prevenção,
diagnóstico, tratamento), seja na
Chefe do Estado-Maior-General
das Forças Armadas (o único que
sai beneficiado deste processo).
Mas errada, igualmente, do ponto
de vista das Forças Armadas no seu
todo, porquanto degrada o estatu-
to e a autoridade dos chefes dos
ramos, com o rol de evidentes con-
sequências que daí podem advir.
Uma alteração legislativa encon-
tra a sua justificação na resolução
de problemas ou na necessidade
de ultrapassar dificuldades e cons-
trangimentos. Ora, tive o privilégio
de presidir à Comissão de Defesa
Nacional durante quatro anos. Aí
lidei com sete chefes militares. E
nunca, em público ou em priva-
do, um que fosse me transmitiu a
existência de qualquer dificuldade
operacional decorrente do modelo
estrutural então em vigor. Julgo
que não será necessário dizer mais
nada.
Pena é que o partido a que per-
tenço tenha dado a anuência a tais
alterações, invocando, nomeada-
mente, que já corresponderiam a
internacional, articulação do MP
com a PJ, em geral. As investiga-
ções são longas, algumas acusações
de dimensão gigantesca, alta tecni-
cidade e os julgamentos ganharam
duração indefinida. Impunha-se o
estudo da cronologia entre o re-
gisto do inquérito, a duração da
investigação e da Instrução, a du-
ração do julgamento, dos recursos
nas várias instâncias até desaguar
tudo no Tribunal Constitucional.
Com esse case study, seria possível
aprender com os erros, perceber o
fosso entre acusação, condenação
e execução da pena e verificar res-
ponsabilidades.
Qual tem sido a maior
fraqueza do nosso
sistema penal?
A incapacidade de
obter as condenações
justas em tempo útil
reconstituição da vertente for-
mativa, isto é, de ensino e treino
que prestamos aos nossos jovens
internos da especialidade e no ti-
rocínio dos próprios especialistas
já credenciados, que sentem a ab-
soluta necessidade de renovar e
expandir conhecimentos em todas
estas áreas.
Por isso, um dos grandes obje-
tivos da Sociedade Portuguesa de
Gastrenterologia é o de, a par da
preocupação de apoiar e promo-
ver o desenvolvimento das compe-
Os cinco tumores
malignos digestivos
que mais afetam
a população no mundo
são responsáveis pela
crescente mortalidade
oncológica
uma intenção do Governo liderado
por Passos Coelho. Algo que, subli-
nho, não corresponde à verdade.
O segundo episódio tem que ver
com o rocambolesco processo vi-
sando a substituição do Chefe do
Estado-Maior da Armada. Não te-
nho, evidentemente, qualquer in-
formação direta dos acontecimen-
tos. Mas não me passa pela cabeça
pôr em causa as claras explicações
do Presidente da República.
Ora, a essa luz, os factos são linea-
res. Em desrespeito por quanto ti-
nha ficado acordado, não no século
Não faz sentido pedir a
demissão de governantes.
Mas uma coisa tenho
por evidente: o ministro
ficou indisfarçavelmente
fragilizado
Expresso, 9 de outubro de 2021
O problema por resolver da ges-
tão e métodos de investigação, de
modo a construir processos cirúr-
gicos, com objeto delimitado, aliás
lição aprendida na PJ. O fosso julga-
mento-acusação vive muito não só
do gigantismo de certas acusações
como dos meios de prova especi-
ais a exigir ajustamento judicial à
realidade, os tais fios desligados.
Julgamentos com apoio pericial e
digital, experiência, realismo na
aplicação da lei. No caso Rendeiro
houve até preocupação em fazer
processos pequenos, e é o que se vê.
Agora que é preciso deixar o ca-
minho fácil de mudar a lei a cada
escândalo, e procurar o difícil e
longo caminho de bons métodos de
gestão e de aplicação atualista da
lei, com tanto fio desligado, caire-
mos na fatalidade de mais uma lei.
Que seja. Ao menos a imposição
do início do cumprimento de pena
logo após o primeiro recurso a con-
firmar a condenação, sem esperar
pela via sacra dos recursos dilatóri-
os, evitando o entorpecimento legal
e patológico do direito de punir.
tências nestas áreas profissionais,
criar uma onda de conscienciali-
zação da população sobre a onco-
logia digestiva, sensibilizar todos
os portugueses para a importância
da saúde digestiva para o seu bem-
-estar e qualidade de vida.
A literacia em saúde, como pro-
jeto cívico e social do maior relevo,
não se limita a ser cumprida pelo
entusiasmo, estoicismo e boa von-
tade de uma sociedade científica
médica, necessita indiscutivelmen-
te da conjugação de esforços com
estruturas como instituições de so-
lidariedade social, particularmente
vocacionadas para o apoio ao doen-
te com cancro digestivo. E o plano
de ação é simples: ajudar quem
padece destes cancros digestivos,
tratar adequadamente e a tempo
quem o alberga, identificar quem
o possa vir a ter e, muito especial-
mente, evitar que se percorra todo
esse calvário. Para nós, o cancro
digestivo não é simplesmente o
inimigo a combater, é a ameaça que
importa antecipar, cercar e derro-
tar pelas estratégias preventivas.
É este o desígnio que desejamos
tornar comum aos vários protago-
nistas da sociedade civil.
passado mas em março deste ano,
aquando da renovação do manda-
to do almirante Mendes Calado, o
ministro da Defesa Nacional pre-
tendeu, sem a prévia anuência do
Presidente da República, antecipar
a cessação de funções do Chefe do
Estado-Maior da Armada e nomear
o seu substituto.
Num momento raro, o Presidente
da República desautorizou-o pu-
blicamente. E isso fez surgir uma
dúvida: mesmo depois do comu-
nicado de Belém, que, sem nada
esclarecer, dá os equívocos por re-
solvidos, tem o ministro condições
para permanecer no cargo?
A meu ver, não faz sentido pedir
a demissão de governantes, uma
vez que a responsabilidade pela sua
manutenção, ou não, em funções
é do primeiro-ministro, que disso
assume as consequências.
Mas uma coisa tenho por evi-
dente: o ministro ficou indisfar-
çavelmente fragilizado. E isso não
é bom. Nem para o próprio, nem
para as Forças Armadas.
Expresso, 9 de outubro de 2021
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
O Presidente
No dia 5 de Outubro, o Presi-
dente da República referiu que
é urgente elevar o nível de vida
dos portugueses, refazer a es-
perança, aproveitar a oportuni-
dade irrepetível de os dinheiros
europeus serem aplicados no
investimento, para reconstrução
das empresas em dificuldades,
de modo a criar emprego. Estes
apelos têm sido feitos inúmeras
vezes, mas caem sempre em
saco roto... Apesar de apelos no
sentido de se refazer a fé e a es-
perança, o resultado é zero. A
podridão da sociedade aumenta.
Há casos de corrupção, e todos
os dias a comunicação social dá
deles notícia. Os acontecimentos
que se têm verificado no país e no
estrangeiro levam-nos a concluir
que estamos a atravessar uma
grave crise de valores, a que não
foi alheia a pandemia, deixando
sequelas graves a nível da saúde
mental dos cidadãos. (...) Torna-
-se urgente que cada um procure
os verdadeiros valores dentro de
si. Respeitar os nossos princípios,
ter firmeza nas nossas crenças e
demonstrar isso em ações con-
cretas.
Francisco J.C. Pina, Agualva-Cacém
Silêncios pesados
Nutro pelo vice-almirante Gou-
veia e Melo (G.M.) um enorme
respeito e, até, uma grande admi-
ração. O que não me livra da per-
plexidade suscitada por questões
relacionadas com a sua (gorada)
nomeação para a chefia da Mari-
nha. Não faltam análises, críticas
ou abonatórias, a vários inter-
venientes diretos no desenvolvi-
mento do assunto, desenhando-
-se uma certa convergência nas
apreciações às posições do Presi-
dente da República, do primeiro-
-ministro, do ministro da Defesa
e do chefe do Estado-Maior da
Armada (CEMA) em exercício.
Sinto, contudo, alguma falta
de análise (incrível, com tantos
“analistas” em campo...) sobre
a posição do próprio G.M., que
parece arredado da questão. Na
sua posição de militar assumido,
não é de admirar o silêncio, nem
outra coisa se esperaria dele. Mas
qual a razão que leva ao “outro”
silêncio, o dos comentadores, que
não discutem o seu posiciona-
mento neste caso? Todos pare-
cem pensar que G.M. não sabia
de nada do que se estava a passar.
Não é natural pensar-se que G.M.
estivesse a um passo da cadei-
ra do CEMA sem, previamente,
ter manifestado a sua aceitação
do cargo. Se não foi enganado
pela autossuficiência do Governo
quanto à certeza do almejado (?)
cargo, resta-nos pensar que, de
alguma forma, foi conivente. Ou
então, haja quem nos esclareça.
José A. Rodrigues, Vila Nova de Gaia
Ministro em guerra
com CEMA
O episódio ridículo que envol-
veu a eventual demissão do atual
CEMA, que o Governo recondu-
ziu no início do ano, o avanço do
nome de Gouveia e Melo para
o substituir e a própria posição
do PR sobre o assunto coloca
perguntas pertinentes. Por que
razão o almirante Mendes Ca-
lado iria ser demitido? Por ter
discordado de algumas das alte-
rações à LDNFA e o MDN e/ou
o CEMGFA não terem gostado
dessa tomada de posição? Tra-
tou-se de aplicar um castigo a um
militar íntegro? E agora, com a
Armada em processo de moder-
nização dos seus meios, como
será a relação futura do CEMA
com o MDN? Como sai desta
embrulhada o vice-almirante
Gouveia e Melo, que em nada
terá contribuído para o sucedido
e que não merecia ver a sua pes-
soa envolvida neste processo, até
porque é apanágio na Armada
a lealdade ser uma palavra de
culto? O PR terá sido esclareci-
do sobre os três equívocos que
o incomodavam, mas nada disse
aos portugueses como e porque
ocorreram? Imperdoável ou su-
periores interesses do Estado? Se
o MDN queria afastar o CEMA
por motivos políticos, não deveria
ter informado previamente Mar-
celo, que, creio, é o comandante
supremo das Forças Armadas?
Pobre ministro que pouco conhe-
ce da ética militar e que bem po-
deria ser substituído por alguém
que fez já muito pelo seu país, o
vice-almirante Gouveia e Melo.
Manuel Alves, Lisboa
Inflação na zona euro
O colunista Ricardo Reis, profes-
sor de macroeconomia na Lon-
don School of Economics, escre-
veu no Expresso de 1 de outubro
um artigo intitulado “A inflação
na zona euro”, onde mostra de
forma clara a sua erudição no
tema e conclui: “A inflação de-
pende sobretudo e acima de tudo
daquilo que fará o BCE”, porque
parte da premissa “a inflação é,
sobretudo, um fenómeno mone-
tário”. Sou economista há mais
de 50 anos, também lecionei ma-
croeconomia, fui diretor do Ban-
co de Portugal e secretário de Es-
tado no Ministério das Finanças e
do Plano. Preparei a continuação
da minha vida académica para ir
para a London School of Econo-
mics em setembro de 1974, mas
o 25 de Abril falou mais alto e
decidi ficar no meu país e entrar
para o Banco de Portugal. Por
dever de ofício estudei muito o
tema da inflação, por exemplo
quando entrei para o Governo a
inflação em Portugal estava nos
30%. Estudei o tema não ape-
nas a nível da Europa mas muito
mais a hiperinflação no Brasil
e em países africanos. A minha
experiência prática diz-me exa-
tamente o contrário do que diz
o prof. Ricardo Reis: a inflação é
sobretudo um fenómeno de de-
sequilíbrio na economia real, a
que por vezes se juntam fatores
monetários. Aliás, o seu próprio
artigo mostra que é a discrepân-
cia na oferta e procura de bens
e serviços que está na génese da
inflação. A luta contra a inflação
faz-se reduzindo a procura e/ou
aumentando a oferta de bens e
serviços. E não há “véu mone-
tário” que altere esta realidade.
Por isso, reconhecendo o mérito
académico do prof. Ricardo Reis
em matérias de política mone-
tária, espero que ele aproveite
a sua página no Expresso para
aprofundar um tema que será,
em breve, de grande atualidade,
mas com maior rigor científico e
académico.
José Manuel Serrão, Lisboa
Retificação
Na edição da Revista E de 24
de setembro, no artigo sobre a
biografia de Fernando Pessoa,
o texto secundário surge assi-
nado por Luciana Leiderfarb
e não, como seria correto, por
José Mário Silva, também autor
do texto principal. Aos leitores e
aos jornalistas visados pedimos
desculpa pelo erro.
1941-2021 Foi dos principais artífices e organizadores de uma das maiores barbáries
do século XX, os massacres genocidas do Ruanda, que fizeram 1,143 milhões de vítimas
Théoneste Bagosora
E
ste que ali vedes, gordo
e lustroso, teve o sumo
desplante de vir impe-
trar liberdade em Abril
passado, alegando ter já cum-
prido mais de dois terços da
pena, mas o juiz da Haia de-
cidiu, e bem, que ele, que ali
o vedes, deveria permanecer
na cadeia maliana o resto dos
35 anos a que fora condenado
em 2008/2011 por malvadezes
várias, das quais continuava
a mostrar pouco ou nenhum
arrependimento, sendo, além
disso, um preso de trato difícil,
dado a ataques de cólera contra
os seus carcereiros e o mundo
em geral, o que não surpreende
se tivermos presente que ele,
que ali o vedes, foi dos princi-
pais artífices e organizadores
de uma das maiores barbáries
do século XX, os massacres
genocidas do Ruanda, que
em pouco mais de dois meses
(Abril/Junho de 1994) fizeram 1
milhão e 143 mil vítimas, a uma
taxa diária de mortos cinco a
seis vezes superior à dos cam-
pos de concentração nazis.
Théoneste Bagosora, pois é
ele que ali vedes, nasceu a 15 de
Agosto de 1941 em Giciye, no
distrito de Nyabihu, na actual
Província Oeste do Ruanda,
onde 74% da população vive
da agricultura, assente no cul-
tivo de batata irlandesa e de
milho, dois produtos legados
pelos europeus, como ele, o
sanguinário lustroso, que de-
pois de se formar na École des
officiers de Kigali, em 1964,
prosseguiu estudos em França,
após o que foi promovido ao
posto de capitão, em 1970, e
nomeado, em Junho de 1992,
já coronel, directeur du cabinet
do Ministério da Defesa.
Conterrâneo de Juvénal Ha-
byarimana, um ditador corrup-
to de etnia hutu que chefiou o
país de 1973 até ser assassina-
do, em 1994, Théoneste estava
ligado ao sinistro “le Clan de
Madame”, um círculo de fami-
liares e amigos do Presidente
e, sobretudo, da sua esposa,
Agathe Habyarimana, também
chamado “Akazu” (“Casa Pe-
quena”) ou “Rede Zero”, nome
que indiciava o propósito de
uma eliminação completa dos
tutsis do Ruanda, até não res-
tar um único sobrevivente.
OBITUÁRIO
Vítor Feytor Pinto
1932-2021 Nasceu em
Coimbra, mas cresceu em
Castelo Branco. Aos 10
anos foi para o seminário,
por vontade sua, apesar de
os pais terem um colégio
onde podia ter estudado.
Fez o percurso completo de
seminarista e percorreu todos
os caminhos do sacerdócio.
Mas a sua carreira religiosa
nunca o isolou ou sequer
afastou do mundo que o
rodeava. A reforma total da
Igreja tornou-se a sua marca.
A notícia do 25 de Abril
chegou-lhe pela voz de um
dos membros do Teatro da
Comuna, onde “costumava ir
Terá dito que a única
forma de o país
resolver os seus
problemas era
livrar-se em definitivo
dos tutsis, todos eles
Luc Marchal, um coronel
belga que integrou a Missão de
Assistência das Nações Unidas
para o Ruanda (UNAMIR), diri-
gindo o sector de Kigali, lembra-
-se de Bagosora lhe ter dito que
a única forma de o país resolver
os seus problemas era livrar-se
em definitivo dos tutsis, todos
eles, o que o levou a estabelecer
as “Interahamwe”, um corpo
de milícias hutus que deveriam
agir em coordenação com as
autoridades locais e com os mili-
tares e às quais distribuiu armas
de fogo, machados e catanas
(entre Janeiro de 1993 e Mar-
assistir, nas caves da Central
de Cervejas, a teatro de
pesquisa”. A revolução segue
o seu caminho, assim como o
padre Feytor Pinto, que em
1982 é chamado para a Pastoral
da Saúde, como capelão
hospitalar. É nesta área que
o seu trabalho se torna mais
intenso e a sua figura ganha
projeção nacional. Trata de
temas difíceis ou fraturantes,
que vão da toxicodependência
ao aborto, da eutanásia ao
combate à sida. Não hesita
quando acha que o preservativo
deve ser usado. Condena que
se “trate como criminosa” uma
mulher que faz um aborto e as
suas posições criam dissabores
dentro da própria comunidade
católica. A sua Igreja, tal como
a do Papa Francisco, é de uma
enorme proximidade. Vítor
Feytor Pinto conseguiu estar
onde era difícil permanecer:
nos hospitais, nos centros
para toxicodependentes ou
onde fosse necessário prestar
serviço.
PRIMEIRO CADERNO 35
Desastres Naturais
Por António Araújo
Os ventos mudariam e, com
o avanço do exército tutsi,
Théoneste fugiu para o Zaire,
para organizar a réplica dos
hutus, e depois para os Ca-
marões, onde acabou detido.
Em 1997, foi levado à barra do
Tribunal Penal Internacional
para o Ruan da, em Arusha,
na Tanzânia, começando a ser
julgado em Abril de 2002 sob
acusação de 11 crimes, todos
gravíssimos. Em Dezembro de
2008, o tribunal considerou-o,
juntamente com dois cúmpli-
ces, o major Aloys Ntabakuze
e o coronel Anatole Nsengiy-
FOTO INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR RWANDA/REUTERS
umva, responsável pela prática
de genocídio, de crimes contra
a humanidade e de crimes de
guerra, aplicando-lhe a mere-
cida pena de prisão perpétua,
comutada em 2011 para 35
anos de confinamento gradea-
do. Entre os delitos perpetra-
dos contavam-se homicídios,
violações, extermínio étnico e
vários atentados à dignidade
humana.
Uma das principais teste-
munhas do desastre ruandês,
o general canadiano Roméo
Delaire, comandante da UNA-
MIR, recordou que Théoneste
Bagosora sempre se opôs aos
Acordos de Arusha de 1993,
que poderiam ter evitado a
tragédia, e René Lemarchad,
ço de 1994 o Ruanda importou professor na Universidade da
500 mil catanas). Na manhã de Flórida e um dos maiores espe-
6 de Abril de 1994, mal se sou- cialistas mundiais em conflitos
be que o avião em que voava o étnicos (Ruanda, Burúndi, Dar-
Presidente Juvénal fora abatido fur), assegura que Bagosora foi
por dois mísseis disparados de o “principal organizador das
terra, um atentado cujos con- matanças”.
tornos ainda hoje permanecem Um miserável patife, por-
misteriosos, começaram os inci- tanto, que morreu no passado
tamentos à violência contra os 25 de Setembro num hospital
tutsis, apelidados de “baratas” prisional do Mali, onde esta-
merecedoras de impiedoso e va a ser tratado a problemas
total extermínio. cardíacos, a única prova que
O que se seguiu foi inaudito. temos de que, apesar de tudo,
Apesar de o ter sempre negado, havia um coração naquele pei-
Bagosora teve intervenção di- to, a latejar selvagem, entre a
recta no homicídio bárbaro dos maldade e as trevas.
10 soldados belgas que, em mis-
são de paz, faziam a segurança
da primeira-ministra, Agathe
Uwilingiyimana, também as- ESTA COLUNA
TEM UMA VERSÃO
sassinada nessa operação, que PODCAST EM
visou, com êxito, que as tropas EXPRESSO.PT
estrangeiras saíssem de ime-
diato do país, pavimentando o
caminho para 100 dias de chaci- António Araújo
nas, que terão feito, diz-se, mais escreve de acordo
de um milhão de vítimas. com a antiga ortografia
> Cristóvão de Aguiar (1940-
-2021), escritor açoriano, é au-
tor de “Braço Tatuado”, obra
em que relatou a experiência
na Guerra Colonial, na Guiné,
e que seria o segundo volume
de uma trilogia composta por
“Raiz Comovida” e “Relação de
Bordo”. Traduziu “A Riqueza
Bernard Tapie das Nações”, de Adam Smith.
Dia 5, de causas não reveladas.
1943-2021 Empresário e > Fernando Echevarría (1929-
político francês, foi ministro e -2021), poeta espanhol, mudou-
deputado, mas seriam os anos -se para Portugal com pouco
que passou na presidência mais de 20 anos. Por razões po-
do Olympique de Marselha líticas, teve de se exilar na Ar-
a torná-lo uma figura gélia e depois em França, onde
internacional. Foi campeão viveu desde 1966 até ao início
nacional e europeu em 1993 dos anos 80. Regressou a Portu-
numa final contra o Milan, mas gal e radicou-se no Porto, onde
ficou provado que subornara escreveu grande parte da sua
um clube francês num jogo obra poética, reunida em “Obra
do campeonato, o que levou o Inacabada”. Dia 5, de causas
Marselha a descer de divisão. não reveladas. > Lissy Jarvik
O título europeu, o único da (1924?-2021), psiquiatra espe-
história, não foi retirado. Foi cialista em geriatria, foi salva
banido do desporto e acabou por Aristides de Sousa Mendes
por passar um ano na prisão quando tinha 16 anos e teve de
por causa de um processo fugir dos Países Baixos. Dia 1, de
fiscal. Dia 3, de cancro. causas não reveladas.
36 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA FUTSAL
Campeões Pany Varela,
grande herói da conquista do Mundial,
ajuda a explicar como o país virou
uma referência na modalidade
QUANDO
TODOS
ACREDITAM,
TOCA-SE
“MAIS
ACIMA
DO CÉU”
Texto Pedro Barata
E
Foto Nuno Botelho
nquanto ‘A Portuguesa’
soava em Kaunas, antes
da final do Mundial de
futsal, as lágrimas que
escorriam da cara de
Ricardinho não enga-
navam: na expressão
emocionada do grande
embaixador da moda-
lidade em Portugal manifestava-se a
importância do momento. Quarenta
minutos cronometrados e uma eter-
nidade na intensidade das emoções
depois, a equipa de Jorge Braz derro-
tou (2-1) a Argentina, arrebatando aos
sul-americanos o título de campeões
do mundo que detinham, para juntar
esse troféu ao de campeão da Europa,
conseguido em 2018.
Se até esse cetro conseguido na Eslo-
vénia a seleção nunca tinha sido cam-
peã continental, até à conquista da
Lituânia nunca tinha sido campeão do
mundo. E, apesar de todos na equipa
vincarem que este foi um triunfo ba-
seado na força do coletivo, é inegável
que um nome se assumiu como herói
máximo da mais gloriosa página do
futsal português. Pany Varela marcou
oito golos em sete jogos: dois nos oita-
vos-de-final, à Sérvia, um nos ‘quartos’,
à Espanha, um nas meias-finais, ao
Cazaquistão; na final, novo bis contra
a Argentina.
As prestações de Pany valeram-lhe
os títulos de segundo melhor jogador
— atrás de Ricardinho — e segundo
melhor marcador, mas o atleta, em
entrevista ao Expresso, vinca que foi
tudo “consequência do que o grupo
fez” e que, “quando uma equipa rende,
há sempre uma ou outra individuali-
dade que se destaca”. E refere que foi
“brutal sentir que o país todo desejava
que isto acontecesse”, enaltecendo
o “apoio” tanto na Lituânia, onde a
seleção “jogou sempre em casa”, como
à chegada ao país, que foi “uma coisa
linda”, diz.
A melhor prestação de sempre de
Portugal num Mundial datava de 2000,
com um 3º lugar na Guatemala, e Vare-
la revela que a equipa foi para o Mun-
dial com “o objetivo de chegar às me-
dalhas”, ainda que houvesse “sempre o
desejo íntimo e a crença de que podía-
mos ganhar o título”. Para o atleta do
Sporting, que confessa que “só quando
pendurar as botas e se sentar no sofá” é
que terá noção de “tudo o que a seleção
tem feito”, houve um momento “decisi-
vo” para a vitória final: “O clique deu-se
no jogo contra a Espanha. Estivemos a
perder por 2-0 e conseguimos ganhar,
e isso teve um impacto grande em nós,
porque conseguirmos uma reviravolta
assim significava que tínhamos capaci-
dades que nem nós acreditávamos que
possuíamos.”
Uma aposta que deu resultados
O fulgor do futsal português mede-se
pelas conquistas das seleções e dos clu-
bes (o Sporting venceu a Liga dos Cam-
peões, a mais importante prova euro-
peia, em 2018/2019 e 2020/2021, depois
de o Benfica o fazer em 2009/2010),
mas as raízes desta pujança situam-se
na aposta que tem sido feita, a nível
federativo, na modalidade, a qual tem
um antes e um depois de 1997. Nesse
ano, foi celebrado um acordo de fusão
do futsal com o futebol de cinco no seio
da Federação Portuguesa de Futebol
(FPF), a qual passou a concentrar a
modalidade, sob a denominação in-
ternacional de “futsal”. E desde este
abraçar protagonizado pela entidade o
crescimento tem sido contínuo.
Em 1996/1997, o futebol de salão, o
futebol de cinco e o futsal somavam
6454 praticantes, e esse número sal-
tou para 14.613 federados de futsal em
2000. Em 2019/2020 eram já 36.490.
Mas este universo nos quadros compe-
titivos regulares em Portugal ascende
a 86.684, pois aos jogadores e jogado-
NÚMERO DE PRATICANTES DE FUTSAL EM PORTUGAL
Por época
55.000
50.000
45.000
40.000
2010/11 2011/12 2012/13 2013/14
FONTE: FPF
ras registados na FPF somam-se os
do desporto escolar (mais de 25 mil)
e universitário, os do INATEL e de
outras entidades com protocolos com
a federação. Um verdadeiro boom de
praticantes, que leva a que haja 2322
equipas no país, entre provas nacionais
ou distritais.
Pany Varela destaca o “trabalho bru-
tal” feito pela federação, o qual “se
nota no campeonato, na formação e
em todas as seleções”. A seleção, de-
fende, “deu mais um motivo para que a
aposta no futsal continue”, já que este
processo é como “uma troca”, com a
FPF a “dar” e a seleção “a retribuir da
melhor forma possível”.
Outro aspeto destacado por Pany
prende-se com a formação de atletas.
Os 23 anos de Afonso Jesus, os 21 de
“NEM NOS MELHORES
SONHOS IMAGINARIA
CONSEGUIR O QUE
TENHO ALCANÇADO”,
DIZ PANY VARELA,
QUE NASCEU
EM CABO VERDE
Portugal foi
campeão da Europa
2014/15 2015/16 2016/17 2017/18 2018/19
Tomás Paçó ou os 20 de Zicky Té, três
campeões do mundo, demonstram que
há sangue novo a entrar na seleção. O
jogador do Sporting opina que “hoje os
miúdos já não chegam às equipas prin-
cipais tão verdinhos”, já que “há sele-
ções desde os escalões mais jovens”,
o que proporciona que “desde muito
novos eles compitam contra Espanha,
Argentina ou Brasil”, levando-os a
“crescerem” e surgirem na elite “mais
capazes e competitivos”. Em 2011 só
havia duas seleções nacionais — neste
momento existem nove nos diversos
escalões etários, cinco masculinas e
quatro femininas.
O “comandante” Braz
Outra das marcas da condução do fut-
sal por parte da federação reside na
estabilidade no comando técnico da
seleção. No presente século, só Orlan-
do Duarte, selecionador até 2010, e
Jorge Braz, que já fazia parte da estru-
tura, dirigiram a principal equipa de
futsal masculino. Pany entende que a
“estabilidade, juntamente com a com-
petência, tem dado frutos”. Mas, além
de táticas ou escolhas técnicas, Braz
destacou-se no Mundial também pelas
frases que dizia aos jogadores durante
os descontos de tempo, captadas pelos
microfones da transmissão televisiva.
Contra a Espanha, o selecionador
soltou: “Ando há 20 anos a dizer que
somos mais fortes que eles.” Varela diz
Expresso, 9 de outubro de 2021
que essa frase “não foi novidade para
os jogadores”, visto que o técnico “faz
questão de a repetir várias vezes”. E
56.558 o jogador considera que “a diferen-
ça” para que Portugal, no passado,
fosse um conjunto competitivo, mas
que não vencia os troféus, e agora os
vença, estava na parte mental: “Por
acharmos que do outro lado estava
alguém melhor. O mister Jorge Braz
tem desmistificado isso.”
2019/20 Pany explica ao Expresso que todo o
futsal nacional aborda agora os desa-
fios de maneira diferente, pois “os clu-
bes portugueses na Europa já não vão
lá só para jogar, vão lá para competir e
ganhar, e isso leva a uma mudança de
mentalidade” — há a convicção de que
“estamos ao mesmo nível”. E quando
se vai à luta sem complexos, diz o joga-
dor, “tudo é decidido por detalhes, pela
bola que entra ou vai ao poste e sai”. E
justamente no último segundo da final
um remate da Argentina foi ao poste
e não entrou: “O mister Braz diz que,
quando estamos todos pelo mesmo e
acreditamos naquilo que queremos e
trabalhamos para isso, a bola bate no
poste e sai. Não sei se foi coincidência,
mas a bola bateu no poste e saiu.”
Outro momento marcante deu-
-se quando, antes do desempate por
penáltis contra o Cazaquistão, nas
meias-finais, o selecionador garantiu
aos jogadores: “Gente, já ganhámos
isto.” Pany destaca a “forma genuína”
como o treinador disse esta e outras
frases, que levam a que a “réstia de
dúvida que poderia haver seja logo des-
feita”. Se o selecionador “acredita ce-
gamente”, os jogadores “vão atrás do
seu comandante”, explica, garantindo
que Jorge Braz “acredita na equipa de
uma forma que muitas vezes parece
uma utopia, mas ele acredita”.
A “fome” por mais
Pany Varela viveu em Cabo Verde até
aos 10 anos, idade com que veio para
Portugal. As “melhores memórias”
Expresso, 9 de outubro de 2021
desse período “são do campo de terra
batida à frente da casa dos meus pais”
onde “passava a vida”. O jogador “es-
taria a mentir” se dissesse que sonhava
com ser campeão da Europa e do Mun-
do, bem como vencedor de três Ligas
dos Campeões (uma no Benfica e duas
no Sporting). “Nem nos melhores so-
nhos imaginaria conseguir tudo o que
tenho alcançado”, admite.
Após ter passado boa parte dos seus
primeiros tempos em Portugal em Via-
longa, onde viviam os tios, e de lá ter
começado a jogar futsal no clube Os
Patuscos por influência de um primo,
Varela conseguiu chegar à elite do fut-
sal mais devido “à cabeça”, porque
conheceu “gente que tinha muito mais
qualidade com os pés” do que a sua
Pany com a medalha de
campeão do mundo ao peito
e segurando o prémio de
segundo melhor marcador da
competição, fruto dos oito golos
que marcou em sete jogos.
Também eleito o segundo
melhor jogador do Mundial,
o atleta do Sporting junta
as distinções individuais a um
palmarés coletivo riquíssimo:
um Mundial, um Europeu,
três Ligas dos Campeões,
cinco Campeonatos Nacionais,
seis Taças de Portugal, cinco
Supertaças e duas Taças da Liga.
Varela assume que “ganhar é
um vício bom”, garantindo que
é o “trabalho do dia a dia que faz
a diferença” e que as conquistas
do futsal “colocam o nome
do nosso pequeno grande país
no topo do mundo, que é onde
ele deve estar sempre”
mas a quem “faltou um pouco de sorte
ou de cabeça para ter vingado”.
E destaca o “orgulho” por ter marca-
do oito golos no Mundial, garantindo
que “todos foram especiais”, ainda que
o “segundo golo da final”, com a espo-
sa e o filho na bancada, tenha sido “um
momento muito bonito”. Três anos
depois da conquista da Europa veio a
do Mundo, mas Varela destaca que são
“distintas”: “O Ricardinho disse que
nós tocámos no céu quando ganhámos
o Europeu. Acho que desta vez tocá-
mos o céu e, se existir algo mais acima
do céu, tocámos lá também, tocámos
além do céu.”
Sobre Ricardinho, recorda que o ca-
pitão da seleção “passou por um ano
muito complicado” devido aos pro-
blemas físicos, sendo “incrível” que se
tenha “apresentado nas condições em
que se apresentou”. E Varela não duvi-
da de que se trata do “melhor jogador
de sempre” e tem “a certeza absoluta”
de que é um grande embaixador do
futsal. Sobre a possibilidade de o ver
abandonar a seleção, Pany conta, en-
tre risos, já ter dito a Ricardinho “que
não faz sentido parar agora”, ainda
que seja “uma decisão que cabe só ao
Ricardo” e que se deve “apoiar” e “res-
peitar” aquilo que o canhoto escolher.
Varela, um homem cujo olhar focado
transmite ambição, marcou, no passa-
do domingo, os dois golos mais impor-
tantes da história do futsal português.
“No futuro”, espera que “venham aí
golos ainda mais importantes”, porque
não deixou de “ter fome” e “vontade
de ganhar”. E se o Pany que jogava
na rua “com bolas de trapos”, como o
próprio recorda, visse o Pany campeão
mundial, o que lhe diria? “Ficaria feliz,
orgulhoso e satisfeito. E diria: ‘Conti-
nua, porque estás no bom caminho’.”
O “bom caminho” de Varela cruzou-
-se com o do futsal português, numa
ascensão até ao topo do mundo feita à
base de golos.
pmbarata@expresso.impresa.pt
ELEIÇÕES NO BENFICA
BENFIQUISTAS DECIDEM
HOJE QUE VENTO QUEREM
Rui Costa e Francisco
Benitez, do movimento
Servir o Benfica, são os
candidatos à sucessão
a Luís Filipe Vieira
Apenas 345 dias depois, os só-
cios do Sport Lisboa e Benfica
voltam às urnas para escolhe-
rem a rota e as vontades que
consideram mais adequadas
para o clube. Nas eleições deste
sábado, em que o atual presi-
dente, Rui Costa, e o empre-
sário Francisco Benitez (mo-
vimento Servir o Benfica) são
os únicos candidatos, existem
algumas novidades. Para come-
çar, será escolhido o sucessor de
Luís Filipe Vieira, eleito para o
cargo em 2003, agora a contas
com processos judiciais que cul-
minaram na sua detenção e de-
missão. Para este ato eleitoral,
foi acordado o voto físico em
urna em Portugal continental
e à distância nos arquipélagos
dos Açores e da Madeira e no
estrangeiro. Houve também
espaço para a campanha das
listas candidatas nas platafor-
mas de comunicação do clube,
entrevistas e até um debate na
BTV, na quinta-feira à noite. E
os delegados de ambas as listas
terão acesso à consulta dos ca-
dernos eleitorais.
Rui Costa, nº 2 da direção de
Vieira e um ex-futebolista cria-
do nas escolas do clube, trans-
formou-se, principalmente
com o regresso de Itália, em
2006, num símbolo inquestio-
nável na Luz. Ou quase, já
que, para alguns, aqueles 13
anos ao lado do ex-presiden-
te, como dirigente, beliscam a
imagem imaculada do antigo
nº 10. Francisco Benitez, can-
didato da lista B, concorreu há
11 meses mas recuou para se
juntar à candidatura de João
Noronha Lopes, que conquis-
tou uma fatia importante dos
votos (34,71%) e desta vez op-
tou por não concorrer.
Em entrevista à revista do
Expresso, publicada hoje, Rui
Costa revelou como deseja que
os benfiquistas olhem para
ele. “Espero que os adeptos
me vejam como o benfiquista
que sempre fui, com as minhas
virtudes e os meus defeitos”,
disse, demarcando-se dos pro-
cessos judiciais em curso que
afetaram e afetam o clube. Para
se afastar da sombra do vieiris-
mo e do facto de, no passado,
Francisco Benitez, que integrou as listas de Noronha Lopes
nas eleições de 2020, é agora candidato em nome próprio
não ter havido debates na BTV
entre candidatos, o presidente
interino acabaria por desabafar:
“Eu sou eu, e eu quero ser eu.
Deixem-me ser eu.”
Benitez vê duas dimensões
em Rui Costa. “É um ídolo dos
benfiquistas. Enquanto jogador,
teve muito mais êxito fora do
Benfica do que dentro do Ben-
fica, mas não deixa de ser um
benfiquista, um futebolista que
teve êxito. Isso é parte do ídolo,
do jogador, e depois há a parte
da gestão. Rui Costa está há 13
anos no Benfica com uma ges-
tão desportiva lamentável”, dis-
se em entrevista à Tribuna Ex-
presso, publicada na sexta-feira.
“Nunca vimos Rui Costa dar um
murro na mesa e dizer ‘eu não
estou de acordo com isto’. São
tudo coisas que demonstram
uma certa passividade como
gestor e que me assustam um
pouco no futuro”, admitiu o
candidato da lista B.
A Oferta Pública de Aquisição
(OPA) lançada pelo Benfica em
2019, e chumbada pela CMVM,
foi um dos temas principais
nos últimos tempos e fez cor-
rer muita tinta, até porque se
destapou que beneficiaria es-
pecialmente José António dos
Santos, conhecido por “Rei dos
Frangos”, um acionista da SAD
com negócios com Vieira. Rui
Costa, na entrevista à Revista
E, desvalorizou a história: “Ain-
da hoje, se não houvesse todos
estes problemas pelo meio, há
PRIMEIRO CADERNO 37
FOTO PEDRO NUNES
muita gente da área a conside-
rar que era uma má operação
e outra parte a considerar que
era uma boa operação para o
Benfica.” Benitez torce o nariz
ao tema: “Nunca ouvi Rui Costa
dizer ‘não estou de acordo com
esta questão da OPA’. A OPA
é uma situação que está toda
por explicar, ninguém percebe
porque havia aquela vontade
de meter o Benfica no meio da-
quele negócio, em que, à par-
tida, parece que já estava tudo
planeado.”
Se quanto ao clube nunca
perder a maioria na SAD os
candidatos estão de acordo, na
questão do treinador parece
haver mais reticências de parte
a parte. O contrato de Jorge
Jesus termina no final desta
época, mas Rui Costa garante
que não estão “distraídos” —
“haverá um tempo” para essa
discussão. Já Benitez garante
que, com ele, o técnico termi-
naria o contrato, mas que a
permanência dependeria do
próprio Jesus: teria de ceder à
lógica de gestão desportiva que
aprecia, inspirada em Ajax e
Barcelona, com foco na forma-
ção e retenção de talento.
Hugo Tavares da Silva
htsilva@expresso.impresa.pt
LEIA A ENTREVISTA
A FRANCISCO
BENITEZ EM
TRIBUNAEXPRESSO.PT
38 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO BAIRROS
Proximidade Resistentes ao tempo, ocupam pequenos espaços com um papel fundamental na vida de bairro:
quem são os sapateiros, amoladores, costureiros, alfarrabistas e técnicos de eletrodomésticos do nosso século
O sapateiro dos Anjos
quer uma economia circular
Manuel Sapateiro herdou o ofício do bisavô. Já leva mais de 30 anos a consertar solas e malas de senhora para os vizinhos dos Anjos, em Lisboa
Textos André Rito
M
Foto José Fernandes
anuel Sapateiro,
como é conheci-
do no bairro dos
Anjos, em Lisboa,
exibe uma velhi-
nha máquina de
costura, à entra-
da do estabele-
cimento. Digna
de um museu, é nesta peça que ainda
hoje costura as “sapatos de senhora e
de homem”. A perícia com que executa
pequenos arranjos é uma herança de
família: pai e avô e bisavô foram sapa-
teiros, um ofício que parece destinado
ao esquecimento, mas essencial na vida
dos bairros. Manuel chegou a Portugal,
vindo de Moçambique, com 13 anos. Foi
nas horas vagas da escola que aprendeu
o ofício, num tempo de glória para os
sapateiros: “Trabalhávamos sete dias por
semana. Ao domingo, de porta fechada,
para aviar o serviço.” Situada na Rua de
Arroios — zona residencial com dezenas
de escritórios, o Banco de Portugal e
vários serviços —, os clientes da loja são
uma mistura de habitantes do bairro
e gente que trabalha nas redondezas.
Maeche Chimanlal — assim se chama
Manuel Sapateiro — tem mais de 30 anos
de experiência, e nota as diferenças entre
o passado e o presente, numa lógica de
reutilização e economia circular: “Dan-
tes os sapatos duravam 10 anos, as pesso-
as faziam solas quatro e cinco vezes. Hoje
é tudo mais descartável, produzimos
muito lixo e o calçado tem menos quali-
dade”, diz, orgulhoso por fazer “serviço
à antiga”: cose à mão, reveste sapatos a
tecido, faz malas de senhora, tudo com
mãos de artesão. “É como ouvir uma
música e apanhar-lhe o ritmo.”
BAIRRO FELIZ
O programa Bairro Feliz é
uma iniciativa do Pingo Doce,
com o apoio do Expresso e
da SIC. E tem um objetivo:
melhorar a qualidade de vida
dos bairros em Portugal,
apostando em novas ideias e
projetos que os tornem mais
felizes. Acompanhe ao longo
dos próximos meses nas
páginas do Expresso.
Desde tempos imemoriais, o comér-
cio tradicional de rua é considerado
vital para as comunidades que neles
habitam. Pelas vielas do Bairro Alto,
por exemplo, é costume ouvir-se o som
de um amolador. Mesmo quando não
chove, Simão Conceição, bate a cidade
inteira tendo como fiel companheira
uma bicicleta equipada com os arte-
factos do ofício: dois discos de lixa para
afiar as facas, algumas ferramentas
para consertar chapéus de chuva. Hoje
tornou-se uma figura da cidade, que os
turistas gostam de fotografar, mas cuja
imagem deixa de fora os problemas de
quem dedica o tempo a um trabalho em
extinção: a indústria internacional, com
produtos baratos e descartáveis, é uma
ameaça severa aos pequenos ofícios
— e um reflexo da globalização e dos
países altamente industrializados. “A
maior parte dos guarda-chuvas, impor-
tados da China, não merece conserto”,
lamenta o amolador, com 36 anos de
experiência. É por essa razão que o
jurista, João Massano, dá uma ideia ca-
paz de reverter este ciclo: “A promoção
da sustentabilidade não passa apenas
por menos carros nas cidades ou por
indústrias menos poluentes. Passa pelo
nosso dia a dia e pela forma como con-
sumimos”, diz, evocando memórias de
infância. “Nesses tempos, quando um
eletrodoméstico era substituído por
um mais moderno ou quando havia
roupa ou objetos da casa que já não
queríamos, era normal encontrar junto
dos vizinhos, dos amigos ou da família,
alguém a quem esses produtos ainda
pudessem servir. A ideia é de simples
execução e pretende ajudar a vida dos
habitantes mas também o ambiente:
“Criar um serviço local que recebes-
se e canalizasse esses produtos, que
ainda não estão em fim de vida.” Ou
seja, ajudar o ambiente e promover a
entreajuda.
“Foi uma das coisas boas que se recu-
perou com a pandemia: as relações de
proximidade entre a vizinhança, que
todos beneficia, nomeadamente, o co-
A PANDEMIA RECUPEROU
A PROXIMIDADE
ENTRE A VIZINHANÇA,
O QUE BENEFICIA O
COMÉRCIO LOCAL E É
“IMPORTANTE” PARA
A SUSTENTABILIDADE
mércio local, muito importante na sus-
tentabilidade dos bairros”, diz o jurista.
Carlos Madeira, 54 anos, dono de uma
antiga loja de conserto de eletrodomés-
ticos, em São Vicente, é dos poucos que
ainda resistem com um espaço deste gé-
nero, aberto ao público. Começou com
16 anos e é um perito a consertar pro-
blemas domésticos com os aparelhos:
televisões, máquinas de lavar roupa e
loiça, esquentadores. “Estamos numa
zona de passagem de muita gente, te-
nho muitos clientes do bairro e outros
que vêm de fora, pelo passa a palavra”,
diz-nos atrás do balcão da pequena loja.
Nem sempre foi assim: antigamente era
habitual correr a Grande Lisboa numa
carrinha para efetuar pequenos conser-
tos ao domicílio, em Almada, Arruda
dos Vinhos, Setúbal. Hoje a clientela é
sobretudo a vizinhança. A consciência
ambiental é a mesma dos outros ofícios:
hoje os eletrodomésticos são feitos para
durar pouco, praticamente não existe
reutilização. “Uma máquina antiga du-
rava 30 anos. Hoje são feitas para durar
pouco e deitar fora”, lamenta.
Esse é também o ponto central do
discurso de Anabela Santos, 58 anos,
mais de 20 dedicados a costurar far-
das do exército. Proprietária da loja As
Costuras da Blé, a meia dúzia de passos
da Feira da Ladra, é ali que muitos dos
vizinhos recorrem para fazer bainhas,
arranjos na roupa, cortinados e borda-
dos. O ofício, tal como outras profissões
semelhantes, é uma herança da mãe,
também costureira. A loja não serve
apenas para os arranjos de costura: ali
também se fala do vizinho que está doen-
te, dos idosos que não saem de casa, con-
versas triviais do dia a dia do bairro. Um
ponto de encontro. “Dantes fazia bonés
para o exército, hoje faço bainhas para
os vizinhos. Gosto muito do que faço”
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 9 de outubro de 2021
O QUE É O BAIRRO FELIZ
O PROJETO
^ Programa
Objetivo: incentivar a
mobilização de vizinhos e
comunidades para apresentarem
ideias que tornem o seu bairro
mais feliz. Enquadrado na
política de responsabilidade
social do Pingo Doce, pretende
fortalecer vínculos e relações
mais próximas entre moradores
dos bairros através de causas
comuns
O PRÉMIO
^ Votação
As inscrições encerraram a 1 de
julho. Agora, serão os membros
das comunidades a eleger uma
ideia por loja, que será apoiada
com um valor até €1000. A
votação nas lojas decorre entre
28 de setembro e 2 de novembro.
A 3 de novembro serão
apresentadas as causas
vencedoras
500 GRUPOS DE VIZINHOS
^ Recorde
Esta 3ª edição — a primeira
nacional — teve mais de duas mil
inscrições. Mobilizou perto de
1500 instituições por todo o país.
Mais de 500 grupos de vizinhos
uniram-se para apresentarem
ideias, o que representa cerca de
2500 pessoas. Acompanhe o
projeto e saiba tudo em www.
pingodoce.pt/responsabilidade/
bairro-feliz
Expresso, 9 de outubro de 2021 PRIMEIRO CADERNO 39

Henrique Monteiro

CONFORTOS DA ALMA
TOTÓS
Hoje em dia somos todos totós
de qualquer coisa. Por isso os
livros para totós florescem
como cogumelos. Há gestão
para totós, guitarra para
totós, inglês para totós e,
claro, esta “Economia para
Totós”, um livro que tem como
autores Peter Antonioni e
Sean Masaki Flynn, dois professores de
economia. Não é um manual que se possa
considerar académico, mas permite, a
quem o lê, compreender muito melhor
o que diz Centeno, Cavaco, uma resma
de economistas e, ainda, verificar como
António Costa percebe menos do assunto
do que aquilo que dá a entender. Por
exemplo, quando se afirma que há uma
folga, porque na realidade a economia
cresceu mais, isso advém sobretudo do
facto de se querer manter o défice. Imagine
que deve 100 euros e recebe 70; precisa de
tudo para viver e ainda de mais um pouco;
digamos, 20. Endivida-se em mais 20 e fica

FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

a dever 120. Mas, acontece que recebe não
70, mas 75. O que faria? Pedia só 15, uma
vez que recebera mais, ou vivia com mais
cinco, ficando a dever os mesmos 120? É
uma opção, neste caso pessoal e, no caso
do país, política. A resposta do Governo já
sabe qual é...

PARADIGMA
Hoje chama-se paradigma a
qualquer coisa. Anda-se sempre
a mudar de paradigma e os
O problema da cana de pesca e do peixe jornalistas adoram dizer que
o paradigma mudou porque
um senhor teve mais ou menos
votos. Mas, um dos livros mais

N
ão é intuitivo para
muita gente, provavel-
mente a maioria, que
um valor que desça,
por exemplo, 10%, não volta
ao valor original se subir 10%.
Mas é assim: se a base for 100
e descer os tais 10%, passa a
90; sendo 90, quando sobe 10%
passa a 99, ou seja, abaixo do
que estava antes da queda.
A economia portuguesa le-
vou um tombo de 8,4% do PIB
no ano de 2020, resultado da
pandemia e da consequente
paragem de muitas atividades
económicas. Este ano, o Go-
verno espera que o PIB cresça
4,6% e, para o ano, 5,2. O re-
sultado, pelo efeito já descrito,
é que se tudo isto for verdade
(pode ser melhor ou pior, como
em todas as previsões), tere-
mos crescido 0,33% ao ano de
2020 a 2023. Ou seja, pior que
as duas décadas deste século
que nos deram cerca de 0,5%
de crescimento anualizado. Por
isso, caros leitores, desenga-
nem-se quando vos falam em
folga. Não há folga nenhuma,
há uma recuperação tímida
que, acaso tomássemos como
100 o valor de 2019, nos coloca
em 2023 com 101.
importantes da Filosofia do
Porém, quem faz a mercea- to das despesas com o pessoal de Passos e haveria setas apon- século XX, “A Estrutura das
ria orçamental não quer saber e 0,8 do aumento de pensões. tadas a todos os ministros; com Revoluções Científicas”, de
muito disto. Nem sequer dos Centremo-nos no aumento das este poder, passa por birra de Thomas Kuhn, acaba de ser reeditado em
avisos do governador do Banco despesas com pessoal: alguém médicos, ainda por cima ricos. português, 60 anos após ser escrito. Kuhn,
de Portugal que, por acaso, era vislumbrou um aumento da Acresce que este aumento que completa Popper em “A Lógica da
o ministro das Finanças quan- produtividade do Estado que de custos representa, muitas Descoberta Científica” (1934), estabelece
do o atual responsável era seu justificasse tão severo aumento vezes, a entrada de quem nem como paradigma um conjunto de teorias,
secretário de Estado. No nosso de custos com pessoal? É óbvio era necessário, impedindo a regras, procedimentos e análises,
OE, que continua com défice, que não; este é o preço que pa- contratação de quem traria ga- aceites pela comunidade científica. Esse
depois dos festejos do superavit gamos por o PCP e o BE terem nhos de produtividade. paradigma assenta numa mundivisão
de 0,2% em 2019, e a contri- uma palavra a dizer no OE. Em suma, continuaremos que vai revelando incongruências, ou
buir para o aumento da dívi- Ambos os partidos, com o con- na “apagada e vil tristeza” de explicações que não se adequam à
da, temos muito mais despesa sentimento, quando não aplau- Camões. Não há uma reforma, realidade. Surge, assim, uma nova fase,
fixa do que tínhamos à época. so, do PS, são especialistas em não se dá a cana, prefere-se dar ou uma revolução científica, que vai
Disse Centeno que “retirando defender aumentos salariais, o peixe. É mais rápido, pagam assentar numa nova visão do mundo. Esta
todos os efeitos das medidas mesmo que não relacionados os contribuintes e dá votos. Os obra, fundamental na filosofia da ciência,
covid, on-off (pontuais) e tudo com aumentos de produção. serviços degradam-se, o SNS fe- vendeu mais de um milhão de exemplares
o que é financiado por fundos Ou seja, o Estado estar na pe- nece, as pensões também. Isso é a estudiosos de todos os campos do
europeus”, o rácio da despesa núria (basta ver as notícias, ou escondido, como um prestidigi- conhecimento.
primária corrente no PIB é “1,8 atos como a demissão de 87 tador faria, com aumentos de 10
pontos percentuais superior médicos por falta de condições, euros nas pensões mais baixas. TINTIN
ao de 2019”. E isto é o quê? Se- todos menos três, do hospital As empresas não têm direito Não falemos sempre de
gundo o ex-ministro, um ponto de Setúbal), não os comove! a nada, como se não criassem coisas sérias. Podemos falar
percentual decorre do aumen- Acontecesse isto no consulado emprego e bem-estar, algo que de coisas muito sérias: Tintin
é visto como monopólio do Es- tem uma exposição dedicada
tado. Caímos e continuamos a na Gulbenkian. Ou melhor,
cair, sem saber como e quando a exposição é sobre o autor,
Não há uma reforma, não se dá a cana, chegaremos ao fundo do poço. Hergé (mas desse dizem
prefere-se dar o peixe. É mais rápido, Tudo isto em nome de quê? Da agora cobras e lagartos). Não
pagam os contribuintes e dá votos. Os “glória de mandar, da vã cobi- interessa! Com os seus debates
serviços degradam-se, o SNS fenece, as ça”. Distribui-se o que há pelos e oficinas (espero que não
fiéis; os ricos fogem, a classe esqueçam a Castafiore), a exposição vale
pensões também e isso é escondido, média paga. O país é sempre a pena…
como um prestidigitador faria adiado. E direi mesmo mais: vale a pena!
hmonteiroexpresso@gmail.com

OS DIAS QUE ME OCORREM

ORÇAMENTO a quem se opõe às se debater como se mesmo (em proporção) conjunto de circuitos
Começou a farsa vacinas. Eles não negam faz oposição, o que se encontraria em (ou coisa assim, não
orçamental. António um facto, como os é importante para qualquer outro país. E, sou engenheiro),
Costa irrita-se de que dizem que não qualquer sistema já agora, em qualquer quase microscópico,
mais com a direita, houve Holocausto; democrático, discute-se instituição que lide provocaria tantos
com o centro e com a apenas não confiam na quem vai a eleições. Já com crianças. Mas danos. Mas a falta de
esquerda, mas como ciência e, nesse aspeto, há candidatos. Até no comecemos pela chips faz-se sentir na
com esta última tem aproximam-se mais das PS já se ouve falar de Igreja Católica: é uma indústria automóvel,
de fazer acordos, volta pessoas que pensam que alternativas a Costa. vergonha, disso não há nos eletrodomésticos,
a irritar-se com a a Terra deve ser plana, Em Portugal, o decisivo dúvida. nos computadores,
direita e com o centro caso contrário quem é quem e não o quê. televisões e até em certa
e mostra o seu sorriso vive na Austrália cairia. Menos importante é TAP E CP roupa. Somos, portanto,
de gato de Chesire a Vem isto a propósito o onde, quando, como O primeiro-ministro ‘chipodependentes’.
PCP e BE. O Orçamento do ex-juiz Rui Fonseca e porquê. Parece que disse que para a TAP O aumento salarial
ficará composto por e Castro, expulso da só gostam de notícias não há plano B. Vou ENERGIA de um homem, é o
símbolos: 0,3% para os magistratura, não com a velha fórmula da revelar um segredo: Já não se pode com o
funcionários públicos, por ter opiniões, mas Associated Press. não há plano A, não há preço da eletricidade, aumento de preços
defesas ideológicas de por utilizar o cargo plano nenhum, salvo com o da gasolina, de outro
sectores considerados de magistrado para VERGONHA pagarmos as contas. Já com o do gás, com Harold Wilson (1916-1995),
estratégicos, as defender e, até, Foi a palavra utilizada para a CP há um plano: tudo o que faça mexer primeiro-ministro trabalhista
crescimento anémico, pôr em prática. O juiz pelo Papa para se referir Pedro Nuno Santos qualquer coisa. Há do Reino Unido nos períodos
dívida galopante. foi bem expulso, até ao inquérito profundo dizer que se dá bem com planos, há propostas, há compreendidos entre
porque ninguém deve que em França revelou João Leão e não se falar tudo menos uma coisa 1964-1970 e 1074-1976. Líder
NEGACIONISTA ser julgado por um à volta de 300 mil casos mais do assunto. que Espanha (com um dos Trabalhistas de 1973 a 1976
Não gosto muito, ignorante. de pedofilia na Igreja Governo semelhante ao
parece-me que já daquele país, desde CHIPS nosso fez, mas o nosso
confessei isto, que DIREITA os anos 50 do século Quem diria que algo não): baixar os impostos.
chamem negacionistas Na direita, em vez de passado. Penso que o tão pequeno como um É que ajudava...

Ricardo
Costa
Plano
da dívida
resiliente
A
s autárquicas marca-
ram o início de um
novo ciclo político,
e não apenas pelos
resultados ou pelo
choque que a perda
de Lisboa provocou no estado-
-maior socialista. O que as elei-
ções mostraram é que a campa-
nha foi toda montada de forma
errada, em cima de conceitos a
que os eleitores ligam pouco.
Não se trata de ignorância
ou ingratidão. A esmagadora
maioria dos portugueses sabe
que o PRR é fundamental a
qualquer recuperação sólida da
nossa economia e tão ou mais
importante a uma transforma-
ção digital e ecológica, às quais
estamos coletivamente obri-
gados. Trata-se muito mais de
cansaço: da conversa em si, da
ideia salvífica do PRR e de uma
incredulidade numa verdadeira
transformação.
O que mais devia preocupar
o Governo é isso, e não estri-
tamente por razões políticas.
Assim como o PS não percebeu
que existiam fatores qualitati-
vos e emocionais que estavam
a passar ao lado da maioria das
sondagens eleitorais, também
os conceitos de cansaço, des-
crença ou desânimo raramente
são “fotografados” nas inten-
ções de voto.
Apesar dos evidentes sinais
de crescimento económico, do
regresso do turismo e da diminu-
ição do desemprego, alguns dos
nossos constrangimentos eco-
nómicos vão manter-se iguais
ao período pré-covid e podem,
agora, ser até mais limitativos,
Sem um plano para
baixar a dívida — o
que se faz com mais
crescimento —, o
cansaço, a descrença
e o desânimo serão
constantes
porque nos meses de pandemia
ocorreu um enorme salto digital.
Os avisos de Mário Centeno
foram evidentes. É claro que
também tinham como destinatá-
rios o Bloco e o PCP, para quem
qualquer “folga” ou poupança
circunstancial pode ser transfor-
mada em despesa permanente,
mas tinham como alvo central
o Governo.
O PRR pode ter um efeito mui-
to benéfico na nossa economia,
mas será sempre fortemente as-
simétrico e portador de algumas
ineficiências, porque os proble-
mas existentes são muitos e de
vária ordem. Ao mesmo tempo,
deixará destapadas áreas desca-
pitalizadas ou disfuncionais, tan-
to no privado como no público. E
por cima de tudo isto continuará
a pesar uma das mais pesadas
dívidas públicas do mundo.
Se há alguma coisa que é re-
siliente em Portugal, é a nossa
dívida pública: adapta-se, reno-
va-se, refinancia-se, joga muito
bem com os juros, usa todos os
instrumentos disponíveis nos
mercados financeiros.
Tanto João Moreira Rato como
Cristina Casalinho têm feito um
trabalho notável na gestão desse
grande mal nacional, diminuin-
do brutalmente o custo anual da
fatura. Mas sem um plano para
baixar a nossa dívida — o que se
faz sobretudo com mais cresci-
mento —, o cansaço, a descrença
e o desânimo serão o prato do
dia, sobretudo dos mais jovens.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
CEO da TAP
“Não podemos
dar mais voos
ao Porto” E8
Juiz não quis dar hipótese
de fuga a Guichard
Magistrado decidiu
prender número dois
do BPP no momento
em que soube que
este viria a Portugal
Paulo Guichard não sabia.
Mas assim que embarcou
num avião que o transportou
do Brasil até ao Aeroporto Sá
Carneiro, no Porto, o seu futu-
ro próximo estava traçado: a
prisão de Custoias, onde terá
de cumprir os quatro anos e
oito meses de prisão a que foi
condenado num dos processos
que julga a queda do BPP.
O juiz titular desse processo,
Nuno Dias Costa, decidiu que
o antigo braço direito de João
Rendeiro teria de ser detido
assim que aterrasse em Portu-
gal, mesmo sabendo que vinha
a Portugal para se apresentar
a outra juíza, Tânia Loureiro
Gomes, titular de um segundo
processo, que pretendia alte-
rar as medidas de coação e,
previsivelmente, apreender-
-lhe o passaporte. Mas Dias
Costa antecipou-se para, de
acordo com uma fonte judici-
al, não dar qualquer hipótese
de fuga a Paulo Guichard. A lei
determina que o cumprimen-
to de uma pena se sobrepõe a
Debate:
voltam os
Encontros
de Cascais
Iniciativa do Expresso
vai discutir o futuro
pós-pandemia, a
transição energética e o
crescimento da economia
O papel de Portugal no Mundo,
o crescimento económico, a
transição energética, a prote-
ção do ambiente e o pós-pan-
demia são alguns dos temas
em debate nos III Encontros
de Cascais, organizados pelo
Expresso, e que decorrem na
próxima sexta-feira e sábado,
15 e 16, em Cascais, e nos quais
o Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, es-
tará presente.
A discussão divide-se em
quatro painéis. No primeiro,
debate-se o “Papel de Portugal
na nova ordem mundial”. O
moderador é Francisco Pinto
Balsemão, fundador do Ex-
presso e chairman do Grupo
Impresa, e os oradores são o
jornalista Henrique Cymer-
man, correspondente no Mé-
dio Oriente, e o professor e
colunista do Expresso Miguel
Monjardino. Com o centro do
mundo a deslocar-se cada vez
mais para o Pacífico, que papel
está reservado para Portugal?
Como podemos usar a nossa
posição geográfica como uma
vantagem?
Para o segundo painel de
discussão, “Modelo de cres-
cimento sustentável e inclu-
sivo”, moderado por Carlos
Carreiras, presidente da Câ-
mara Municipal de Cascais,
foram convidados como ora-
dores Elisa Ferreira, comis-
sária europeia para a Coesão
e Reformas, e o deputado
socialista Sérgio Sousa Pin-
ADSE
Regras apertadas
para médicos
que desistem P22
uma audiência para determi-
nação de medidas de coação e
o juiz decidiu avançar.
Para a defesa de Guichard, o
juiz está a cometer uma “ma-
nifesta ilegalidade”. Nuno
Brandão entende que a sen-
tença não transitou em julga-
do e que o juiz “deu o dito por
não dito” ao emitir os manda-
dos de detenção quando ainda
está pendente uma reclama-
ção no Tribunal Constitucio-
Supremo tem oito
dias para decidir se
liberta braço direito
de João Rendeiro
nal sobre uma decisão da Rela-
ção e ainda decorria um prazo
para o MP se pronunciar sobre
um pedido da defesa.
Agora, o Supremo Tribunal
de Justiça tem uma semana
para decidir o habeas corpus
interposto pela defesa e man-
ter ou não Paulo Guichard na
prisão.
Paulo Guichard foi conduzi-
do pela Polícia Judiciária para
o Estabelecimento Prisional
de Custoias, no Porto, esta
Pormenor de um dos debates dos últimos Encontros,
que decorreram em 2019 FOTO NUNO FOX
to, presidente da Comissão
de Negócios Estrangeiros da
Assembleia da República (e
colunista habitual do Expres-
so). Hoje, é impossível pensar
em desenvolvimento sem se
considerar o plano da susten-
tabilidade social, económica e
ambiental. As novas rotas de
imigração criam novos proble-
mas que são velhos e para os
quais são necessárias soluções
imediatas, dada a rapidez e
dimensão destes movimentos.
Contudo, a estratégia euro-
Elisa Ferreira,
António Costa Silva,
Sérgio Sousa Pinto,
Jorge Moreira da
Silva são alguns dos
oradores convidados
peia está longe de ser clara
ou consensual. E a evolução
para modelos mais justos tem
custos claros. Quem os irá su-
portar?
O terceiro tema em debate
será a “Transição energética
e proteção ambiental”. Mode-
ra Isabel Mota, presidente do
Conselho de Administração da
Fundação Calouste Gulbenki-
an, e são oradores o social-de-
mocrata Jorge Moreira da Sil-
va, diretor da Cooperação para
o Desenvolvimento na OCDE,
e António Costa Silva, presi-
dente da Comissão Nacional de
(
Reitor da UL
Lisboa vai duplicar
vagas nos cursos
mais procurados P26
quinta-feira. E encontra-se em
quarentena na Unidade Espe-
cial daquela prisão, anexa à
enfermaria. Se o resultado ao
teste da covid-19 for negativo,
o ex-banqueiro sairá daquela
unidade ao final de dez dias,
podendo ficar naquela cadeia
ou noutro estabelecimento
prisional.
A prisão de Paulo Guichard
surge num momento em que o
principal arguido do caso BPP
se encontra em parte incerta.
As autoridades portuguesas
emitiram um mandado de de-
tenção internacional para a
sua captura. No mandado, a
juíza responsável pelo proces-
so em que Rendeiro foi con-
denado a dez anos de prisão
chegou a admitir que Rendei-
ro poderia fugir do país.
Mas de acordo com a lei, mes-
mo suspeitando que Rendeiro
se preparava para fugir, a ma-
gistrada não podia ter emitido
imediatamente os mandados
de captura internacional. Para
decretar a prisão preventiva
tinha de o ouvir primeiro e dar-
-lhe hipótese de se apresentar
voluntariamente; quando há
uma semana Rendeiro infor-
mou estar em fuga, aí já havia
fundamento para os emitir.
Acompanhamento do Plano de
Recuperação e Resiliência. O
aparecimento sistemático de
eventos climáticos extremos é
apenas um dos rostos da des-
truição ambiental que ameaça
a vida da Humanidade tal com
a conhecemos. Também neste
campo há dúvidas sobre a efi-
ciência do caminho que está a
ser seguido.
Finalmente, “The new better,
disrupção pós-pandemia (o fu-
turo do trabalho, saúde e ciber-
segurança)” é o tema do último
painel de discussão, moderado
por Pedro Penalva, da AON, e
que conta com Isabel Baptista,
coordenadora do Departamen-
to de Desenvolvimento e Ino-
vação do Centro Nacional de
Cibersegurança, e Alexandra
Brandão, do Santander. A for-
ma como trabalhamos, sociali-
zamos e consumimos foi total-
mente abalada com a covid-19.
O que julgávamos possível num
futuro mais ou menos próximo
tornou-se real de um dia para
o outro. Na saúde, a evolução
e capacidade de resposta da
ciência foi celebrada por todo
o mundo. Os benefícios do te-
letrabalho foram apregoados
como um salto quântico na
organização do trabalho. A di-
gitalização forçada do modo
de vida traz novos desafios. A
pandemia veio permitir prá-
ticas que noutros tempos não
seriam admitidas e expor os
perigos e a vulnerabilidade da
segurança digital.
Últimas
Terceira dose A diretora-ge-
ral de Saúde anunciou que o
reforço da vacinação contra a
covid-19 arranca na próxima se-
mana. Segundo Graça Freitas, a
terceira dose da vacina será ad-
ministrada à população com 65
ou mais anos, com prioridade
aos maiores de 80 anos e resi-
dentes em lares ou na rede na-
cional de cuidados continuados.
Tiara vem para Portugal
Durante um ano, os portugue-
ses poderão ver a tiara de D.
Maria II no Museu do Tesouro
Real, em Lisboa. O Ministério
da Cultura recupera a joia por
empréstimo, depois de vários
meses de negociações.
Tribunal absolve O antigo
deputado Agostinho Branqui-
nho e outros nove arguidos
foram absolvidos dos crimes
económicos de que estavam
acusados no processo de licen-
ciamento e construção do Hos-
pital de São Martinho, no Porto.
Mulheres em Belém O Pre-
sidente da República retoma
na terça-feira as conversas com
escolas no Palácio de Belém.
Desta vez, alunos do secundá-
rio irão ouvir e falar com “Mu-
lheres de coragem”. Entre as
convidadas estão uma enfer-
meira, uma bombeira, uma
militar e várias escritoras.
Dadores de sangue Após
várias queixas de homossexu-
ais impedidos de doar sangue,
a Assembleia da República
aprovou por unanimidade a
proibição da discriminação dos
dadores de sangue face à orien-
tação sexual.
‘Polexit’? O Tribunal Consti-
tucional polaco decidiu que as
leis da UE têm de se submeter
à lei polaca sempre que coli-
dam. O choque põe em causa
a ordem legal dos 27, que dita
a primazia da lei comunitária
sobre a nacional.
Videovigilância A proposta
do Governo sobre a utilização
de sistemas de videovigilância
pelas forças e serviços de se-
gurança, que vai permitir aos
polícias usarem câmaras nos
uniformes, as chamadas body-
cams, foi aprovada no Parla-
mento na generalidade.
Combustíveis A Assembleia
da República aprovou o tex-
to final da proposta de lei do
Governo que permite a fixa-
ção de margens máximas de
comercialização para os com-
bustíveis simples e GPL engar-
rafado.
Ponte 25 de Abril A circula-
ção rodoviária vai estar inter-
rompida nos dois sentidos na
madrugada de domingo, devi-
do a trabalhos de conservação.
TEMPO FIM DE SEMANA
SÁBADO DOMINGO
Bragança 25° 9° 22° 9°
Porto 22° 12° 27° 16°
Guarda 21° 11° 20° 7°
Sábado
9 de outubro Lisboa 25° 16° 28° 15°
09
de 2021
Évora 27° 17° 29° 13°
Faro 25° 17° 26° 17°
10
P. Delgada 23° 18° 24° 19°
Funchal 26°20° 27° 21°
MARÉS SÁBADO DOMINGO
Baixa Alta Baixa Alta
Porto 11:27 17:43 12:12 18:31
Lisboa 11:38 18:15 12:22 19:00
#2554 Faro 10:56 17:29 11:39 18:15
FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
expresso.pt
Limpo “Não existe nenhum
homem que, podendo ganhar
o máximo, se contente com o
mínimo”, escreveu Friedrich
Schiller. Dias de sol.