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Domingo, 6 de Junho de 2021 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 11.363 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
LEON KUEGELER/REUTERS
Estará a
Alemanha
preparada
para Annalena
Baerbock?
P4 a 7
4 8 12
PerÄl Verdes Ensaio João Reportagem Maputo
Índice Estará a Alemanha
preparada para
Miguel Tavares
A ditadura do
O skate ajuda a sonhar
quando “os pais
Annalena politicamente desistem muito cedo
Baerbock? correcto dos Älhos”
E
xiste o artista, a obra e que o sucesso económico chinês
o seu contexto. O caso veio demonstrar é que quanto mais
do artista chinês Ai musculado um Estado for, mais hi-
Weiwei é muito curioso. póteses poderá ter o capitalismo de
Por estes dias muito se Çorescer. Mas, claro, disso, ninguém
tem falado dele, devido quer ouvir falar. Não serve a narra-
à inauguração de uma grande expo- tiva neoliberal. Mas Ai Weiwei é cla-
sição em Lisboa e por assumir afec- ro: neste momento, não existem
to pelo país onde agora residirá par- grandes diferenças entre China, Es-
cialmente. A sua obra tem potencia- tados Unidos ou Portugal. A única
lidades, e também limites, como o ideologia que move esses países cha-
simplismo recorrente na grande es- ma-se capital.
cala e no simbolismo de objectos O mesmo acontece quando se fala
familiares que geram uma empatia de liberdade. A Europa e os Estados
imediata com o espectador. Unidos gostam de se ver a si próprios
Nele a arte é indissociável do acti- como os guardiões da mesma. Mas
vismo político. Foi em primeira ins- quando os poderes vigentes se sen-
tância o facto de se insurgir pela li- tem ameaçados reagem. Que o di-
berdade de expressão na China, e gam Snowden ou Julian Assange, por
de ter estado em prisão domiciliária exemplo. Pode-se dizer o que se
durante quatro anos a partir de 2011, quer, mas só até certo ponto. Vive-se
que lhe deu uma visibilidade trans- na ilusão da liberdade. No mundo
versal na Europa e nos Estados Uni- ocidental achamos que o controlo
dos. Nesses anos tornou-se o crítico sobre os cidadãos é apenas exercido
e dissidente chinês mais apetecível conscientemente em países com ten-
do mundo ocidental, sempre pron- dências ditatoriais. Custa-nos aceitar
to a demonizar a China. A sua rela- que esse controlo é também exerci-
ção com o país de origem auto-ali- do aqui, de uma outra forma, mais
mentou-se. Ao censurarem-no, pro- subtil ou elaborada, mas ele existe.
moveram-no. Foi por isso que a E o que é pior: confundimos tantas A seguir
partir de determinada altura o dei- vezes esse controlo com liberdade.
xaram sossegado. É-nos fácil vislumbrar a violência Marcelo Rebelo de Sousa
Isso permitiu transformá-lo numa à distância, mas quando ela aconte-
celebridade. Mas nunca mais aqui- ce no Mediterrâneo torna-se mais
lo que diz e pensa foi reproduzido difícil de lidar com ela. Da mesma Este ano, o Presidente da “Portugal não pode Ængir que
na sua complexidade. As suas pala- forma, durante décadas, ouvimos República, Marcelo Rebelo de não existiu e existe pandemia,
vras só são aceites para simpliÆcar. falar da crueldade exercida sobre as Sousa, escolheu a Madeira como como não pode Ængir que não
É verdade que Ai Weiwei foi a jogo, mulheres nos países muçulmanos. palco para as comemorações do existiu e existe brutal crise
como ele costuma dizer. Ganhou Mas depois do mediatismo do #Me- 10 de Junho. O local é outro (no económica e Ænanceira. E este
fama. Mas também foi instrumen- Too ou dos muitos casos de violência ano passado foi em Lisboa), mas 10 de Junho de 2020 é o exacto
talizado. Estamos dispostos a ouvi- doméstica, constatamos que essa o momento é sempre um ponto momento para acordarmos todo
lo dizer que o regime chinês é tota- brutalidade é também ela exercida alto aproveitado por todos os para essa realidade.”
litário. Mas assobiamos para o lado ao nosso lado. Ainda assim, quando presidentes para fazerem avisos. Agora vivemos um momento em
quando diz que nos Estados Unidos se constata isso, a tentação é relati- Avisos esses que podem ser ao que o Presidente dá sinais de
e na Europa a liberdade é também vizar e dizer que não é comparável. governo, à oposição ou à desconforto e pressão sobre o
uma Æcção, mesmo se os sintomas Pode manifestar-se de forma diver- população geral. Governo, quer a propósito da
são outros. O mesmo acontece sa, o que não signiÆca que não pos- No ano passado, pouco depois alegada “bolha” de adeptos
quando declara que o capitalismo sa até ser mais brutal. De outra ma- do eclodir da pandemia de ingleses no Porto que não
se tornou incontrolável e que a po- neira, é isso que Ai Weiwei tem vin- covid-19 em Portugal, Marcelo existiu, quer a propósito da
lítica foi resgatada pelas grandes do a dizer sobre as diversas faces do vincava que “os políticos necessidade de controlar a
empresas e entidades corporativas
que não respeitam as fronteiras ou
capitalismo. Mas alguém está real-
mente a ouvi-lo?
Avisos do Æzeram uma trégua de dois
meses e uniram-se no essencial”
vinda dos dinheiros da “bazuca”
europeia. O momento, pois, é de
a democracia.
Mais ainda. Se existe alguma coisa Jornalista
10 de Junho e dava uma espécie de
sacudidela à classe política:
expectativa sobre as palavras
que chegarão do Funchal. H.P.
@jornaisPT
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Ficha técnica
16 22 23
Análise Estar bem Obituário
Futebol sub-21 Crianças Eric Carle Director Manuel Carvalho
Directora de Arte Sónia Matos
A turma dos miúdos Vamos (1929-2021) Editor Sérgio B. Gomes
que leva Portugal aos brincar? O artista solar Designers Marco Ferreira e Sandra
píncaros Silva Email sgomes@publico.pt
E
screvo como mãe. respirar e o medo ataca cada controlo dos esfíncteres e e que os valores que lhes tentámos
Como mãe de um Ælho bocadinho do meu ser. Tanto faz urinar-se de medo enquanto a transmitir se perderam algures.
surdo que usa um O meu maior receio não é resposta agressora a pontapeava no chão. E
S
implante coclear à relativamente ao Pedro não são as sabem quantas pessoas lá foram e é verdade que a
direita e uma prótese diÆculdades práticas causadas Carmen Garcia ajudá-la? Zero, eu incluída. Por psicopatia está
auditiva à esquerda. pela surdez, não é o cobardia Æcámos todos onde relativamente bem
Escrevo como uma mãe que há aproveitamento escolar e estávamos, cheios de medo de estudada, também é
mais de três anos luta diariamente tampouco são as condicionantes sermos a próxima vítima. Naquela verdade que está
contra os eufemismos, contra o que a surdez lhe possa causar no altura ninguém nos tinha ainda provado que a maioria
medo, e que deixa claro a todos futuro. Porque para resolver cada ensinado que, quando as ovelhas dos agressores tem contextos
quanto o conhecem que ele, o uma dessas questões cá se unem, os lobos se deitam com complicados por trás. E, não
Pedro, é surdo. Recuso-me a estaremos, tão preparados quanto fome. Então fugimos dali para fora pretendendo desculpá-los de todo,
utilizar expressões como “tem um possível. O que me aterroriza, o enquanto a nossa colega, naquela aquela é provavelmente a única
déÆce auditivo” ou “ouve um que me tira o chão, é pensar que a que foi, provavelmente, a maior forma que conhecem para lidar
bocadinho mal”. Gosto da palavra surdez pode fazer do Pedro, do humilhação da vida dela, se com sentimentos e situações que
surdo, assim mesmo como ela soa meu tão perfeito Pedro, uma tentava levantar e limpar como não sabem gerir. É por isso que, ao
e se escreve. Porque é aquilo que o vítima fácil de bullying. podia. mesmo tempo que acredito que
meu Ælho é. Não sou psicóloga, não sei falar Não sei o que foi feito dessa devem ser penalizados pelos seus
E o Pedro sabe que é surdo. Sabe proÆssionalmente sobre estas colega. Há anos que não a vejo. comportamentos de acordo com o
que os ouvidos dele não questões e não possuo mais do Mas não acredito que este episódio que for apropriado para a sua faixa
funcionam e que, sem a ajuda do que os conhecimentos básicos que não lhe tenha deixado marcas. Não etária, também acredito que
implante e da prótese, o mundo adquiri ao ler uns quantos artigos acredito que não haja um antes e devem ser trabalhados e tão
dele é feito de silêncios. O João, mais ou menos cientíÆcos. Mas um depois deste episódio na vida apoiados quanto possível. O
com dois anos, também reconhece
a surdez do irmão e todos os dias
sou a mãe do Pedro e, por muito
que lute, este medo nunca me
O bullying dela. Na minha há. Porque depois
de tudo aquilo, depois de me ter
bullying não se combate se
investirmos apenas num dos lados.
de manhã, quando acorda, veriÆca
se o Pedro já tem o implante
deixa. Há sempre um “e se” na
minha cabeça que me impede de aterroriza-me. portado como um rato, fartei-me
de chorar. E chorei de vergonha de
O meu Ælho Pedro, que anda ali
a apanhar caracóis no quintal
colocado. Se, por acaso, ainda não
tiver, ele comunica por gestos e
relaxar totalmente e que me
obriga a questionar se estou a E ser mãe de mim própria e da minha cobardia,
que me fez fugir em vez de ajudar.
enquanto canta a plenos pulmões
o “amor para a vida toda” num
sem palavras e eles lá se entendem
naquela forma de comunicar que
fazer as escolhas certas na forma
como o educo e preparo para o um menino É que se fôssemos duas contra
uma talvez as coisas tivessem sido
português cheio de falhas, é feliz.
Sinto isso todos os dias. É feliz
lhes é exclusiva e que conhecem futuro. diferentes. E quem sabe se outras com a prótese que prende com
desde sempre. surdo só faz pessoas não se juntariam também. uma mola em forma de jipe na
N
Ao longo dos anos tenho ouvido as últimas semanas Podíamos ter retirado o poder à parte de trás da camisola, é feliz
perguntar dezenas de vezes
porque é que não deixo crescer o
voltou a falar-se
muito sobre bullying
aumentar o nossa agressora e, no Ænal, Æzemos
precisamente o contrário.
com o implante que adora
mostrar como se tivesse poderes
cabelo do Pedro um bocadinho. As
pessoas raramente o assumem
em Portugal. O
episódio lamentável
receio. Porque Caramba, o bullying
aterroriza-me. E ser mãe de um
mágicos e, acima de tudo, é feliz
também no silêncio que, para ele,
frontalmente, mas eu percebo que
a ideia é esconder o implante e a
que culminou com o
atropelamento de um adolescente
eu não quero menino surdo só faz aumentar o
receio. Porque eu não quero que o
tem o sabor e o conforto de uma
casa.
prótese. E Æco tão furiosa...
Porque não há nada para ser
no Seixal incendiou as redes
sociais e o tema esteve no centro
que o meu filho meu Ælho seja uma vítima. Mas
acreditem que me aterroriza de
E tudo aquilo que eu quero é que
jamais lhe roubem esta felicidade e
escondido ali. Não há
absolutamente nada de que o meu
das conversas. Mas não é como se
o bullying fosse exactamente uma
seja uma igual forma o outro lado, o ser mãe
de um agressor, o ter de olhar para
esta capacidade de encarar os
outros e de dizer com um sorriso
Ælho se deva envergonhar. E essa é
a mensagem que lhe tento passar a
coisa recente, pois não?
Há mais de 20 anos, andava eu
vítima. Mas o meu Ælho e perguntar onde é
que falhei para que ele não
“não consegui ouvir, podes repetir,
por favor?”. Tudo aquilo que eu
cada dia. A surdez não é para
esconder.
no 3.º ciclo, e existia na minha
escola uma aluna cujo desporto acreditem que perceba o respeito e a empatia.
Creio que as mães das crianças e
quero é que ele não se sinta
sozinho, que não seja uma vítima
Quero que o Pedro cresça forte,
sem medo e sem vergonha de
era aterrorizar aqueles que lhe
pareciam teoricamente mais me aterroriza dos jovens agressores, desde que
não padeçam da síndrome de “o
nem um dos que viram as costas
com medo. Quero que ele Æque e
assumir aquilo que é. Faço o meu
melhor para que ele, ainda tão
fracos. Ninguém imagina o medo
que eu tinha dela. E foi esse medo de igual forma meu Ælho é um santo”, se devem
sentir tão mal como as mães das
que saiba defender-se a ele e aos
outros. Pela minha parte juro que
pequeno, perceba que o caminho
só pode ser este. Mas se uns dias
que me colou ao chão no dia em
que a vi avançar contra uma colega o outro lado, o vítimas. Com a agravante de que
nelas o sentimento de culpa é
vou tentar educá-lo para que ele
seja um dos que, sem medo,
sinto que vai correr tudo bem, às que estava sentada num banco do ainda maior. Porque é impossível obrigam o lobo a deitar-se com
vezes, quando olho para ele tão
inocente, forma-se no meu peito
recreio, sozinha, a ler um livro. A
cena que se seguiu foi tão má
ser mãe de um ser-se mãe de um agressor e não se
sentir que se falhou em toda a
fome.
um aperto que não me deixa quanto a outra menina perder o agressor linha, que a mensagem não passou Enfermeira
@jornaisPT
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Estará a Alemanha
preparada para
Annalena
Baerbock?
PerÄl Os Verdes estão em segundo lugar nas
sondagens, mas próximos da CDU. A candidata a
chanceler, Annalena Baerbock, tem tido uma série
de altos e baixos. A sua conÄrmação será feita no
congresso dos Verdes do próximo Äm-de-semana.
Um retrato político da candidata
Por Maria João Guimarães
O
que deÆne Annalena própria Baerbock também usou o seu CDU, que tem 25,1%, depois de terem Mesmo que seja arriscado fazer
Baerbock, a candidata a passado desportivo de modo metafórico. chegado a estar em primeiro lugar. prognósticos, o lugar actual é de uma ordem
chanceler dos Verdes? A “Quando estamos em segundo, e não A imprensa alemã foi rápida a fazer os de grandeza diferente, o que analistas
sua tenacidade e estamos a fazer nada para Æcar em primeiro, Verdes passar de grande esperança a grande políticos dizem dever-se à liderança de
disciplina de ferro é já estamos a fazer algo mal”, disse quando se desilusão. A revista Der Spiegel titulava Annalena Baerbock e Robert Habeck, que
quase lendária — e faz especulava quem seria a pessoa escolhida mesmo na semana passada sobre uma transformaram os Verdes de um partido
lembrar a actual para ser, pela primeira vez em mais de 40 imagem de Baerbock e o co-líder dos Verdes, indisciplinado numa máquina política bem
chanceler, Angela Merkel. anos de história, a candidata dos Verdes a Robert Habeck, com um girassol, o símbolo oleada e muito proÆssional.
O facto de ser uma mulher, jovem, entre chanceler. do partido, a perder as pétalas: “Bem-vindos Como conta o jornalista do TAZ (Die
vários candidatos homens, mais velhos, faz Depois de umas primeiras semanas em à realidade.” Mas basta olhar para os Tageszeitung) Ulrich Schulte no seu livro Die
com que sobressaia. Mas a pressão sobre a que o efeito de novidade trouxe um inegável resultados do partido em legislativas desde grüne Macht (“O Poder Verde”, em tradução
primeira candidata a chanceler dos Verdes entusiasmo em volta da sua candidatura, os anos 1980 para notar que o melhor livre), os dois formaram uma equipa coesa, a
ainda agora começou. com a passagem de um tempo, alguns resultado de sempre foi 10,7% nas eleições quem é dado crédito pela transformação do
O facto de ter competido em trampolim ataques e também alguns passos em falso de 2009 (depois da primeira “grande “partido antipartido” numa formação
(ganhou três medalhas de bronze em vieram temperar as expectativas. Os Verdes coligação entre os democratas-cristãos e os “muito proÆssional”. “Há muitos anos que
campeonatos nacionais) levou a um grande estão com 23,1% na média de sondagens sociais-democratas, no primeiro mandato de não me lembro de haver uma discussão não
número de títulos sobre o “salto para a mais recentes sobre intenções de voto para Merkel). Nas últimas legislativas, o partido orquestrada num congresso do partido”, diz
chancelaria” que Baerbock poderia dar. A as eleições legislativas de Setembro, atrás da obteve apenas 8,9%, Æcando em sexto lugar. Schulte.
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FILIP SINGER/EPA
Canhões de água e bolo Currículo Movida pelas injustiças do mundo, e em doutoramentos que se descobrem ter sido
Nascida em 1980 em Hanôver, na parte também pela chegada de refugiados da plágios — o mais recente caso foi o da
Nascida a 15 de Dezembro de 1980 em Baixa Saxónia, Annalena Baerbock guerra da ex-Jugoslávia à Alemanha, quis ser ex-ministra da Família, Franziska Gièey, que
Hanôver (Baixa Saxónia), Annalena Charlotte cresceu “entre campos de jornalista de internacional, conta, o que a se demitiu em Maio na sequência do
Alma Baerbock cresceu numa quinta numa beterrabas e campos de futebol” e levou a um percurso que faz de si uma escândalo.
pequena localidade (Schulenburg, 2300 nas manifestações pelo fim do excepção nos mais altos cargos da política No seu site, a candidata dos Verdes tem
habitantes) com as duas irmãs, duas primas nuclear. Estudou Ciência Política e alemã: fez um ano de intercâmbio na Florida também uma página em inglês, na qual fala
e os tios, “entre campos de beterrabas e Direito Público em Hamburgo e fez e, depois de ter estudado Ciência Política e do seu percurso e deixa alguns comentários:
campos de futebol”. A sua família era, um mestrado em Direito Direito Público em Hamburgo, fez um “Sendo uma europeísta empenhada, tento
descreveu, “um pouco hippie” (o pai Internacional Público em Londres, mestrado em Direito Internacional Público contribuir para diminuir o fosso entre ricos e
engenheiro e a mãe educadora social). na London School of Economics na London School of Economics (LSE). É pobres dentro da Alemanha, dentro da
Cresceu a ir a manifestações pelo Æm do raro ver uma política de topo com um Europa e pelo mundo.”
nuclear e contra os mísseis Pershing II na percurso tão internacional. Ao jornalista do TAZ disse que o que a
Alemanha Ocidental na altura da Guerra Baerbock começou ainda um levou à política foi o desejo de mudar as
Fria. Sobre esses tempos disse numa doutoramento na Universidade Livre de coisas para melhor. Cliché, mas verdade.
entrevista ao Tagesspiegel que às vezes havia Berlim, em 2019, mas deixou-o, enquanto se “Custa-me Æcar a olhar, quando penso que
canhões de água da polícia, “mas depois em dedicava mais à actividade política. Vários se podia estar a fazer qualquer coisa
casa havia bolo”. políticos alemães têm tido problemas com melhor”, declarou. c
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expressão “Rabenmutter”, as “mães corvo”, uns impressionantes 97,1% (Habeck obteve criticadas pela lentidão em decidir —
que deixam os Ælhos demasiado cedo para 90,4%). Tinha-se transformado na favorita do observando-se que por vezes, no
irem trabalhar. partido. Parlamento, a chanceler chama a deputada
A decisão sobre qual dos co-líderes iria dos Verdes e Æcam um pouco a conversar
concorrer a chanceler foi tomada pelos dois. numa Æla de trás do hemiciclo.
Falta de experiência ou mais
Habeck decidiu retirar-se, o que já era Baerbock defende que a mudança verde
do mesmo? esperado, tendo em conta que se trata de um não pode ser feita à custa da criação de
O ponto fraco de Baerbock é a falta de partido com o feminismo no ADN e ainda problemas sociais. Foi assim que comentou
experiência governativa. Nunca foi sequer olhando às qualidades de Baerbock: as manifestações dos “coletes amarelos” em
ministra de um governo de um estado conhecimento profundo dos dossiers, França, inicialmente motivadas por um
federado. Se chegar a chanceler, será a domínio das áreas, nervos de aço. “É plano de subir o preço do diesel que era
primeira pessoa que não passou por um verdade que se poderia chegar mais alto com fundamental para muitos. E é isso que
cargo executivo antes da chancelaria. Os Habeck [as sondagens davam-lhe melhores responde a cada pergunta que lhe fazem
outros candidatos na corrida às eleições de números antes da escolha], mas há sempre sobre a dicotomia economia mais verde/
Setembro são Armin Laschet, 60 anos, da um risco”, dizia um consultor dos Verdes ao postos de trabalho. A economia verde é mais
CDU, ministro-presidente da Renânia do Financial Times. Habeck também é igualitária, diz, advogando formação para
Norte-Vestefália, o estado federado mais conhecido pelo potencial para gaèes. quem Æcar desempregado por extinção de
populoso da Alemanha, e Olaf Scholz, 62 “Annalena está sempre a trabalhar, está postos de trabalho no seu sector e
anos, vice-chanceler e ministro das sempre preparada, sabe o que fazer.” garantindo que o investimento verde vai
Finanças, do SPD. A jornalista do Tagesspiegel Anna trazer emprego.
Claro que Baerbock tem uma resposta na Sauerbrey comentava como os jornalistas Na paisagem política alemã, Baerbock —
ponta da língua, o argumento que usou na viram Baerbock transformar-se. “Nos uma mulher jovem, com duas Ælhas e
apresentação da sua candidatura: “Não, não bastidores, ela foi sempre tendo conversas relativamente pouca experiência política — é
tenho experiência governativa. Nunca fui com jornalistas. Se não conhecia bem um uma opção mais “aventureira” para os
ministra. Mas represento a renovação. Os assunto, já o dominava da vez seguinte. Foi eleitores, observou Helene Bubrowski,
outros representam o statu quo.” ousadia? Porque os Verdes têm o seu critério possível vê-la crescer”, descreve. jornalista de política no Frankfurter
Baerbock era até pouco tempo para a liderança dual: além de serem sempre Tem outra grande qualidade — a vontade Allgemeine Zeitung, citada pela CNN. Os
desconhecida do grande público da um homem e uma mulher, um é sempre de de ir a locais onde não a esperam os eleitores alemães “não são muito
Alemanha, e até dentro do seu partido, uma das alas (moderada ou radical) e o outro tradicionais apoiantes dos Verdes. No seu aventureiros”, acrescentou.
apesar de ter ganho dimensão quando da outra. Baerbock decidiu “que se lixe” livro, Ulrich Schulte comenta como Baerbock Para Baerbock, o primeiro passo para o
participou nas conversações para um (foram estas as palavras, segundo disse um se juntou a sindicatos ou mineiros na região salto já foi dado. Mais uma vez, a
governo de coligação “Jamaica”, assim amigo num artigo da revista britânica New de Lausitz, discursou na Fundação Konrad comparação com os saltos em trampolim é
chamado pelas cores da bandeira (negro dos Statesman) e avançou mesmo, sendo Habeck Adenauer na comemoração dos 75 anos da adequada. Como disse a candidata à revista
democratas-cristãos, amarelo dos liberais, e da mesma ala que ela, a moderada. Habeck CDU (o partido democrata-cristão de Angela Stern: “A cada salto novo que se aprende não
verde), que falharam quando os liberais se teve muito mais votos, como seria de Merkel), ou na Associação Nacional de se sabe se se vai aterrar de pé, de cabeça, ou
retiraram. esperar, Baerbock Æcou em segundo, mas fez Indústria. “Aí recebeu aplausos tão fortes o que for. Uma pessoa tem de se saber avaliar
Não era um nome especialmente referido história no partido: pela primeira vez, os que até o [jornal] conservador Die Welt se extraordinariamente bem, conhecer as suas
nas bases do partido quando resolveu dois representam a mesma tendência. dizia espantado que tivesse marcado pontos fraquezas, os seus limites.”
arriscar e concorrer à liderança, quando se Na altura, Baerbock anunciou que não em terreno hostil”, assinala Schulte. Para a jornalista Anne Sauerbrey, a
sabia que Robert Habeck, tido por ninguém estava ali para ser “a mulher ao lado do Schulte pensa que a própria Merkel questão já não é se Baerbock está preparada
menos do que “a cara” dos Verdes para os Robert”. E logo se viu que falava a sério, simpatiza com Baerbock, com quem partilha para ser chanceler, mas sim se a Alemanha
próximos anos, segundo Joshcka Fischer, iria quando em 2019, na reeleição, Baerbock a aptidão para conhecer os dossiers em pouco aventureira está preparada para uma
também concorrer. Porque é que foi uma conseguiu mais votos do que Habeck, com profundidade — o que faz com que sejam chanceler Baerbock.
ANNEGRET HILSE/REUTERS LEON KUEGELER/REUTERS
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A intolerância
cultural e a
ditadura do
politicamente
correcto
Ensaio Para um liberal, o mercado livre não é apenas um conceito
que se aplica à dimensão económica da sociedade. Ele também se
aplica à sua dimensão política e intelectual
Por João Miguel Tavares
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1
Num dos últimos Ælmes de Clint
Eastwood, Correio de Droga (2018),
há uma cena em que a personagem
por si interpretada, Earl Stone, pára
à beira da estrada para ajudar uma
família afro-americana com um
pneu furado. O diálogo que se
estabelece é este:
Mulher: Obrigada.
Earl: Como é que estão?
Mulher: Nada bem. Temos um pneu
furado.
Earl: Um pneu furado?
Mulher: Sim. O meu marido não é
habilidoso e…
Earl (para o marido): O seu pai não lhe
ensinou a mudar um pneu?
Marido: Não. Por isso, ia ver como é na
Internet. Mas não tenho rede.
Earl: É o problema desta geração. Não
conseguem abrir uma caixa de fruta sem ir à
Internet. Querem ajuda? Eu ajudo.
Marido: Está bem.
Earl: Tire o pneu e resolvemos isso.
Mulher: Sim, anda.
Earl: O pneu está aí, continue.
Marido: Certo.
Earl: Ora aí está. É bom poder ajudar
pretos.
Mulher (estupefacta): “Pretos”? Já não se
diz isso.
Marido (embaraçado): Pois, preferimos
“negros”.
Mulher: “Negros” ou só “pessoas”.
Marido: Eu sou negro, o senhor é branco.
Earl: Não diga… (No original: “No shit…”)
Marido: Digo. (No original: “Yeah, no shit.”)
Earl (ri-se): Certo. Vou dar-lhe uma ajuda.
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dia seguinte, tirando dois denários, deu-os Os devotos do politicamente correcto são
ao estalajadeiro e disse: ‘Trata dele e, o que ateus a entrarem na igreja pela porta dos
gastares a mais, eu to pagarei quando voltar.’ fundos. São as novas beatas do século XXI.
Qual destes três terá sido o próximo daquele E aos beatos de esquerda de 2021 temos de
homem que caiu nas mãos dos salteadores?” dizer o mesmo que dizíamos aos beatos de
Esta é, como sabem, a famosa parábola do direita de 1951: tira as mãos da minha
Bom Samaritano. Como explica Frederico consciência. Tira as tuas unhas das minhas
Lourenço a seu propósito – e estou a citar –, palavras. Não tens absolutamente nada que
“é preciso não esquecer quanto os levitas ver com aquilo que se passa na minha
eram respeitados na sociedade judaica do cabeça, nem com os meus preconceitos
tempo de Jesus e quanto os samaritanos “sistémicos”, nem com as minhas taras, nem
eram odiados e vistos pelos judeus como com os meus fetiches, enquanto eles
‘raça rafeira e apóstata’”. pertencerem apenas ao meu mundo mental.
Ao longo dos últimos dois mil anos, os São os gestos que contam.
samaritanos ganharam boa fama graças ao São as acções que eu pratico.
magníÆco golpe de relações públicas de É isso que deÆne aquilo que eu sou e que
Lucas, mas naquele tempo eram a classe cada um de nós é.
mais desprezada do Reino de Judá. É o pneu que eu ajudo a trocar na estrada.
Samaritanos e judeus odiavam-se Não é a palavra “preto”.
mutuamente, como é próprio dos vizinhos (Embora, naturalmente, a palavra “preto”
que discordam há séculos por motivos não possa ser usada de forma gratuita à
políticos e religiosos cujas origens já frente do nome de uma deputada numa
ninguém recorda. notícia da Lusa.)
O bom samaritano tinha todas as razões
para odiar aquele judeu que estava caído por 2 Para um liberal, o mercado livre não é
terra, e se ele não estivesse prostrado e meio apenas um conceito que se aplica à
morto, e pudesse exprimir as suas opiniões dimensão económica da sociedade. Ele
sobre política e sobre religião, é provável que também se aplica à sua dimensão política e
o odiasse mesmo. intelectual.
Mas, naquele momento, como escreve Ou seja, é essencial que exista um
Lucas, o bom samaritano “compadeceu-se”. mercado de ideias livre e pujante, onde cada
Reparem como no texto não há nenhuma um possa ir buscar a ideologia com a qual se
outra palavra, nenhuma outra razão para identiÆca, ou procurar argumentos para
aquele gesto de generosidade, nenhuma solidiÆcar as suas convicções. Esse mercado
outra justiÆcação: “Vendo-o, deve ser tão vasto e tão aberto quanto
compadeceu-se.” Simplesmente isso. possível, pela simples razão de que o velho
E não é preciso mais. Deus ontológico e cosmológico morreu entre
Se dois mil anos depois o texto de Lucas os séculos XIX e XX, e as grandes narrativas
ainda estivesse protegido pelos direitos de que ambicionavam explicar o mundo e MIGUEL MANSO
autor, Clint Eastwood teria de pagar alguns encontrar uma teleologia para a existência
denários ao terceiro evangelista, porque a humana fracassaram entre Auschwitz e o
cena do Ælme que citei é um decalque Gulag.
evidente da parábola do Bom Samaritano. A A maneira que temos de impedir, nas
diferença é que Earl Stone não pertence a democracias liberais, os cidadãos de
uma velha tribo desprezada de Israel, mas à rumarem para lugares políticos indesejados
mais moderna tribo dos racistas e dos não é através da colocação de barreiras ou
reaccionários. de cordões sanitários ou da vigilância das
Quando o informam de que já não se diz palavras — é através do confronto de ideias e
“preto”, mas sim “negro”, ele responde a rir de projectos, e da nossa capacidade para
“No shit…”, e nós Æcamos com a sensação de defender os méritos do liberalismo face ao
que aquela informação lhe entrou por um iliberalismo.
ouvido e saiu pelo outro, e que ele se está Quem acha que a política só pode ser uma
bem nas tintas para isso. coisa, ou que aquilo que Æca de fora do
Esta cena de Correio da Droga é uma nosso palato deve ser proibido de ser
provocação em forma de pergunta: pode um empratado, tem um grave problema de
homem com preconceitos racistas ter um fundamentação ÆlosóÆca: Porquê? Porque é
gesto de generosidade para quem não tem a que tem de ser assim? Porque é que as tuas
sua cor da pele? Pode um racista ajudar uma ideias políticas são melhores do que as
família de negros? minhas? A que Deus ou a que Rei ou a que
Qualquer pessoa sensível à complexidade autoridade superior vais tu buscar os
do mundo e à complexidade dos seres fundamentos últimos para silenciar certas
humanos responderá, obviamente, que sim. ideias ou propor a sua remoção do espaço
Sim, é possível. público? Onde está esse Deus? Debate que pensam de forma diferente do que eu
O problema da intolerância cultural e do Repito: Onde está esse Deus? João Miguel Tavares a falar sobre o penso, constroem um mundo diferente do
politicamente correcto é, em primeiro lugar, Onde está a segurança inabalável dos politicamente correcto no 3.º meu — e isso enriquece-nos a todos.
este: simpliÆca tudo. Reduz a riqueza dos primeiros princípios? colóquio do Movimento Europa e A tensão entre esquerda e direita é uma
homens à linearidade cega de uma matriz Não está. Liberdade, em Lisboa (em cima), em tensão positiva, que mantém vivo o
predeÆnida. É uma máquina trituradora da Não há. que defendeu que “as mercado das ideias, e que permite
complexidade do mundo. É uma máquina Aquilo que nos resta, para citar o Ælósofo e desigualdades de classe encontrar novas soluções para os desaÆos
que descontextualiza, que dissocia palavras político italiano Gianni Vattimo — um nome (especialidade do PCP) são muito do presente.
de intenções, que equivale a linguagem aos caro à esquerda radical —, é um menos apelativas para uma Essa tensão tende, como a própria
actos, que reduz tudo a uma literalidade “pensamento débil”, fragilizado pelo Æm das juventude politicamente motivada palavra indica, a ser tensa — mas antes tensa
indigente. grandes narrativas, e que é uma dos que as desigualdades do que morna e do que morta, porque as
Como nos prova a personagem de Clint consequência natural da pós-modernidade. identitárias (especialidade do democracias estiolam quando não são
Eastwood, ou a parábola do Bom Exactamente por jamais podermos saber Bloco)”. Em baixo, Jerónimo de desaÆadas, e só uma visão muito distorcida
Samaritano, as palavras e as crenças são para onde vai a humanidade, e por ser Sousa e Catarina Martins, líderes do que é o confronto político pode acreditar
muito menos relevantes do que os gestos e as impossível prever o futuro e os desaÆos que daqueles partidos que precisamos de viver num mundo
acções. ela encerra, é que a liberdade de pensar e de acolchoado e consensualizado, como
O politicamente correcto é uma deriva falar é tão importante. aqueles casamentos aborrecidos onde cada
puritana oriunda da esquerda, mas que não É a atenção que cria o mundo: as pessoas gesto do cônjuge é tragicamente previsível.
deixa de ser menos puritana por causa disso. que reparam em coisas diferentes de mim, e Nos dias de hoje, o grande problema da
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MIGUEL MANSO
as opiniões do Outro, para além de um Escolho apenas um desses problemas Aquilo que Fukuyama não terá previsto
sentimentalismo bacoco e de uma para concluir este artigo, por me parecer quando anunciou o Æm da História e a vitória
vitimização crescente, baseada nos que ele é poucas vezes tido em conta. deÆnitiva das democracias liberais é
argumentos infantis do “ele está a Esse problema chama-se tédio, e, de certo precisamente o quanto a morte das grandes
ofender-me”, “ele está a microagredir-me” modo, é um alastramento burguês do spleen narrativas em sociedades prósperas e
ou “ele está a invadir o meu espaço de baudelairiano, que 150 anos depois desceu paciÆcadas deixaria um vazio tão difícil de
segurança”. da aristocracia europeia e espalhou-se por preencher.
Quando olhamos para a tradição toda a classe média. As mais descabeladas tontices identitárias
judaico-cristã que enforma a nossa É um aborrecimento, um tédio existencial, são, se Æzermos algum esforço de empatia,
civilização, ela diz-nos essencialmente duas que deriva não da falta de bens materiais uma resistência ao niilismo e uma procura
coisas. essenciais, mas de uma falta de sentido e de desesperada de sentido e de razões para
Em primeiro lugar, diz-nos que cada ser perspectiva de futuro. uma vida signiÆcativa. Os motivos por que o
humano é sagrado. Há essa ideia radical, Se os marxistas tivessem lido Dostoievski Partido Comunista parece hoje menos sexy
criada pelo cristianismo, de que Deus se fez com alguma atenção, e em particular as do que o Bloco de Esquerda tem
homem, e, portanto, de que há uma unidade Memórias do Subterrâneo, saberiam que as precisamente que ver com isso: numa
orgânica entre o humano e o divino. Lucas, utopias estão condenadas ao fracasso, e que sociedade que não cresce há 20 anos, mas
mais uma vez, resume a ideia de forma sempre que se insiste politicamente na sua que à boleia de Bruxelas mantém níveis de
poeticamente perfeita: “Até os cabelos da materialização todas as utopias tendem para prosperidade razoáveis, as desigualdades de
vossa cabeça estão todos contados.” a violência. classe (especialidade do PCP) são muito
É evidente que a civilização que nós O ser humano não suporta o menos apelativas para uma juventude
construímos raramente está à altura de tão aborrecimento da perfeição. As pessoas politicamente motivada dos que as
alto desígnio, mas não vejo como seja Æcam perdidas quando lhes tiram razões desigualdades identitárias (especialidade do
possível não reconhecer quão extraordinária para lutar e para se sentirem socialmente Bloco).
é esta reinvenção do homem enquanto úteis, e são dadas a pulsões destrutivas. Só a burguesia é microagredida. Os
reÇexo de uma imagem de Deus – e, nesse Preferem o caos ao tédio. A excitação do verdadeiros pobres continuam a ser
sentido, a ideia de que toda a violência inesperado a uma qualquer felicidade macroagredidos, ontem como hoje,
injusta sobre o ser humano é uma forma de terrena supostamente garantida. independentemente de serem brancos,
blasfémia. Os consultórios de psicologia, de negros, cisgénero ou homossexuais. Mas
Em segundo lugar, a tradição psiquiatria e de psicanálise estão cheios, e hoje os verdadeiros pobres são uma minoria.
judaico-cristã diz-nos também, de forma estão aí para testemunhar a desconexão Como sempre aconteceu no espaço
obsessiva, que não devemos orbitar à volta entre felicidade e bem-estar económico. A público, desde que o espaço público foi
do nosso umbigo, que é aquilo que infelicidade dos ricos e dos famosos, que inventado, somos burgueses a falar para
qualquer pai decente passa o tempo todo a enche tantas páginas das revistas burgueses, privilegiados a falar para
dizer aos seus Ælhos – tu não és o centro do cor-de-rosa, apenas reforça os dados que privilegiados sobre as razões do privilégio.
mundo. encontramos nos mais recentes relatórios da Não há pobres a ler este jornal, nem são os
É a relação com o próximo que sacraliza. ONU: os níveis de felicidade estão, de um pobres que deixam comentários no site do
Não somos nós que devemos sacralizar-nos a modo geral, a diminuir em todo o mundo, PÚBLICO.
nós próprios. Uma vida solipsista, centrada apesar do crescimento económico contínuo. Mas é verdade que há um outro tipo de
apenas no interesse próprio, nas nossas pobreza a crescer, e que sustenta muitos dos
política portuguesa não é o radicalismo dos preocupações ou nos nossos prenomes desvarios da intolerância cultural e do
seus extremos — é o conformismo do seu favoritos, é um caminho de perdição. politicamente correcto – uma pobreza de
centro. Esta auto-sacralização, a que damos o sentido para a vida dos habitantes das
Aquilo de que nós precisamos, e não nome de egoísmo ou de narcisismo, é sociedades desenvolvidas do mundo
temos, nem sequer como desejo, é de um tradicionalmente encarada em termos de ocidental, que decorre, em boa parte, da
radicalismo de centro, ou de um centrismo poder e de ambição. Somos avisados acerca vitória das democracias liberais e da
radical. dos perigos da ganância e da cupidez. construção de um Europa paciÆcada, e do
Este não é o sítio certo para desenvolver o
que é que isso signiÆca, mas é o sítio certo
Mas a vitimização constante; os supostos
alvos não de murros violentos no nariz mas
A maneira que tédio que deriva da ausência de conÇitos
catastróÆcos.
para recusar que a democracia seja uma Çor
delicada e frágil, capaz de ser assassinada
de palavras desagradáveis nos ouvidos; os
sofredores não de injustiças concretas mas
temos de impedir, Estamos em 2021. Há 21 anos que este
século não vê uma guerra na Europa. Não
pela mordedura do primeiro vento cortante
que surja, ou que os cidadãos sejam meras
de agressões “estruturais”; esses mártires
das palavras infelizes não deixam de padecer
nas democracias aconteceu assim no início do século XX, com
a Primeira Guerra Mundial. Não aconteceu
ovelhas que devem ser protegidas — não se
percebe bem por quem — dos pastores
do mesmo solipsismo e da mesma
auto-sacralização, promovendo a construção liberais, os assim no início do século XIX, com as
guerras napoleónicas. Nem no início do
autocráticos.
A liberdade voltou a ter demasiados
de uma nação de vítimas, para citar o título
do famoso livro de Charles J. Sykes. cidadãos de século XVIII, com a guerra de sucessão
espanhola, que se estendeu da Europa à
inimigos, uns porque temem que ela caia na
“libertinagem”, outros porque temem que
Viver numa nação de autoproclamadas
vítimas é uma desgraça. É elevar o queixume rumarem para América. Nem no início do século XVII, com
a guerra dos Trinta Anos. E assim
ela invada os seus “espaços de segurança”. a hino nacional. sucessivamente, até ao início dos tempos, ou
“A minha liberdade” — diz-se agora muitas
3 Esta postura precisa de ser combatida — e
lugares políticos pelo menos dos tempos com memória
vezes — “termina onde começa a liberdade histórica.
do outro.”
É tão bonito, não é? Não, não é.
isso é óbvio.
Mas, já agora, também precisa de ser
indesejados não é Pergunto-me se temos consciência da
extraordinária originalidade deste facto. A
Essa frase não faz qualquer sentido,
porque a liberdade não tem peso, nem
compreendida – e isso é menos óbvio.
Quando paramos para pensar porquê,
através da actual obsessão com o passado deriva da
monotonia do presente, atravessada por
ocupa espaço. Ela não se divide em quintas
que obrigam a tocar à campainha do vizinho.
porque é que à nossa volta emerge uma
juventude obcecada pelas palavras e pela
colocação de uma falta de sentido político e existencial.
Há demasiada gente perdida que está
Como escreveu George Orwell num
prefácio de A Quinta dos Animais:
fragmentação identitária; porque é que
estando nós a viver no mundo mais justo e
barreiras ou de erradamente convencida da sua
auto-suÆciência e da excelência dos seus
“Se a liberdade signiÆca alguma coisa é o
direito de dizer às pessoas o que elas não
igualitário de sempre parece que nunca
houve tanta homofobia, tanto racismo
cordões sanitários sentimentos.
Essas pessoas estão enganadas, e se não
querem ouvir.”
Existe o direito de não ser caluniado.
sistémico, tanta injustiça de género, e tanto
desejo de silenciar quem não se encaixa nos
ou da vigilância acreditam em mim, que ao menos vejam os
Ælmes do velho Clint Eastwood, porque ele
Existe o direito de não ser injuriado. Existe o
direito de não ser difamado (e incluo aqui
elevados desígnios que nós estabelecemos
para a sociedade; quando nos sentamos a das palavras — é percebeu isso há muito tempo e muito bem.
@jornaisPT
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F
olami Vinho caiu com um esgar
de dor. Magrinho e de aspecto
frágil, movimenta-se com con-
Æança, mas como todo o pra-
ticante deste desporto radical
sabe que as quedas são inevi-
táveis. O mesmo sabe o pai.
Francisco Luís Vinho, 40 anos
— o homem que conseguiu concretizar a ideia
(alguns diriam “maluca”, outros “visionária”)
de construir um skatepark no seu quintal e
criar um projecto de educação num dos bair-
ros mais problemáticos da Matola, cidade sa-
télite de Maputo —, olha com atenção para o
Ælho no chão que inspecciona o cotovelo.
Francisco Vinho tem experiência suÆciente
para diferenciar à distância as lesões graves
das marcas ligeiras no corpo e feridas no or-
gulho, tão comuns quanto necessárias no pro-
cesso de aprendizagem de um skater. Depois
de uns segundos de tensão no corpo e de pers-
crutação à distância, descontrai-se e sem dei-
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ter vergonha e aceitar a ajuda dos outros [no O skate é uma arma condições mínimas para o projecto se man-
que toca ao conhecimento das letras].” O ac- Francisco Vinho (sentado na página ter”, o resto tem de ser angariado. “Ainda é
tivista quer “garantir que os alunos saibam anterior) criou uma série de regras a muito pouco. Gostava de ter doadores a longo
ler, escrever e fazer operações de somar, di- cumprir na Maputo Skate, uma delas é prazo para montar todo o programa.” Tem-no
minuir, multiplicar e dividir”, ao mesmo tem- de que todos têm de estudar. E sonha ter na cabeça e inclui fazer mais visitas de estudo,
po que aprendem as manobras no skate. um dia uma escola secundária com o por exemplo. “Vamos fazendo o que posso.
skate no centro e que inclua no currículo Se os apoios vierem, vieram, mas as coisas
Ilha de abrigo a fotografia, o vídeo, a moda, a não podem parar”, sublinha.
projecção de pistas. Sempre com a ideia
O skate não é um Æm em si próprio no projec- do empoderamento dos jovens Olímpico
to e o seu criador está sempre a lembrar isso
a todos os que se inscrevem — foram mais de E o que pode já é imenso. Um dos seus alunos,
130 no primeiro ano, reduzidos para 105 este Noel Cossa, de 18 anos, está quase a chegar a
ano por limitações de equipamento: skates, proÆssional. Já participou em competições em
capacetes, joelheiras e cotoveleiras são todos Angola e na África do Sul. E o trabalho de
partilhados. Francisco Vinho está prestes a ser reconheci-
“O skate é apenas uma base de atracção”, do pela Federação Moçambicana da Patina-
uma espécie de ilha de abrigo num bairro gem. Agora que o skate se transformou em
“onde não há um único local para as crianças modalidade olímpica (com estreia nos Jogos
fora de casa”, onde as “condições de vida são de Tóquio), a federação quer convidá-lo como
muito precárias e os pais desistem muito cedo responsável nacional.
dos Ælhos”. É uma consequência do bom trabalho e não
“Nós incentivamos muito a escola e eles fa- Conseguem um objectivo em si. Francisco Vinho olha para
zem um esforço mesmo”, acrescenta Francis- a situação mais como um novo degrau na di-
co Vinho. “O objectivo é conseguir mudar a
vida destas crianças através do skate. Há crian-
perceber que não recção certa. “Vamos continuar a fazer como
temos feito até agora, mas com o apoio deles
ças que estavam desmotivadas, que não ti-
nham sonhos, este projecto tem-lhes dado a
são só os da cidade, na parte desportiva”, explica. Além disso, a
maior visibilidade poderá trazer os tais me-
esperança de que podem ter uma vida muito
melhor”, acrescenta.
os de determinada cenas permanentes que podem garantir o Æ#
nanciamento sustentado do projecto. Como
Francisco Vinho acredita nisso, porque lhe
aconteceu. Começou a usar o skate tarde na
cor, os que têm mais aconteceu com a Wonders Around the World
que ajudou na conclusão do skatepark de
sua vida, em 1999, num país sem qualquer
tradição e onde os skaters eram discrimina-
condições que Khongolote, com a Skate World Better, que o
criador do projecto começou a construir no
dos. Primeiro como “um brinquedo”, um ano
depois, já mais a sério. Apanhou um livro na
conseguem fazer as seu quintal.
A nível pessoal, o seu sonho é ter um dia
biblioteca e a partir daí desenvolveu a sua pai-
xão.
coisas — que eles uma escola secundária que gire à volta do ska-
te e que inclua a fotograÆa, o vídeo, a moda,
“Não havia lojas, nem pistas. Ninguém me
ensinou, fui aprendendo sozinho, a ver Ælmes também podem. a projecção de pistas, ou seja, tudo aquilo que
gira à volta de um desporto radical que é tam-
e vídeos”, conta. Criou o Maputo Skate com
o irmão mais velho e mais seis pessoas como Percebem que essas bém um estilo de vida. E uma forma de em-
poderamento e de promoção da igualdade de
movimento, mas ainda sem âmbito social.
“Devido à discriminação que sofria o skater distinções não são género: não só as raparigas são muito bem-
vindas, e são 35 dos 105 alunos inscritos, como
em Moçambique, senti necessidade de agregar existe uma preocupação de lhes ensinar, além
um valor para mostrar que o ‘skatista’ não é
marginal”, explica Francisco Vinho, licencia-
importantes e que de tudo o mais, educação sexual, importante
num país onde em 2017 cerca de três mil ado-
do em Informática pela Universidade Eduar-
do Mondlane.
é tudo uma questão lescentes deixaram a escola por causa da gra-
videz precoce.
Parte do dinheiro injectado no Maputo Ska-
te vem directamente da sua empresa de in-
de oportunidades São os próprios alunos que zelam para que
as regras do projecto sejam cumpridas, como
formática, são “os fundos que garantem as Francisco Vinho Cristina e Violeta, duas das skaters, de 15 anos,
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A “turma” de miúdos do FC
Porto que levou Portugal à
V
inte e três rapazes juntaram- não se mexe”. E, quer no FC Porto, quer na xa-me de lágrimas nos olhos. É uma alegria destaque, secundado por Fábio Vieira, Daniel
se para irem à Eslovénia jo- selecção esta é uma “turma” de miúdos que poder falar dos meus meninos e choro de or- Bragança, Diogo Leite e Dany Mota. Destes cin-
gar à bola. No Europeu sub- ganha há muitos anos. gulho em vê-los terem sucesso no futebol sénior. co, Paulo Virgílio conhece três.
21, vestidos com as cores de Paulo Virgílio, ex-motorista e roupeiro dos Eu próprio transformo-me num menino a falar “O Vitinha era algo reservado, mas sempre
Portugal, estes jogadores escalões de formação do FC Porto — e também deles. Eu conheci-os com 10, 11, 12, 13 anos. muito bem-disposto e com um sorriso na cara.
podem dar ao país o primei- pai, irmão, tio, conselheiro e o que mais qui- Olhava para os olhos deles e já sabia se queriam No campo, era uma categoria. Uma capacida-
ro título nesta competição. sessem dele —, conheceu-os a todos. Viu-os uns calções ou umas meias. Via-os como Ælhos”, de de passe e leitura de jogo fantásticas”, diz.
Muitos deles têm “FC Porto” crescer e deu-lhes mimo. Como roupeiro, tra- conta ao PÚBLICO sobre os jogadores que viu “O Fábio também era um craque. Aquele pé
escrito nas testas. balhava, literalmente, com amor à camisola. E crescer. E, como qualquer pai, assume “uma esquerdo era impressionante. Como pessoa,
Os seis jogadores mais utilizados neste Eu- aos miúdos. Paulo Virgílio entra na perfeição felicidade extrema pelo sucesso deles”. era mais rebelde e reguila. Detestava perder.
ropeu foram formados no clube portista e jo- no lote dos “rostos esquecidos” dos títulos nas Começava logo a falar alto, impunha-se e não
gam juntos há muitos anos. É uma selecção de equipas desportivas. Os que trabalham longe “Estive a noite toda sem dormir gostava de ser picado. Ele tinha tão mau perder
miúdos, mas feita de “velhos” conhecidos. das câmaras, longe dos jornalistas e sem bola que chorava quando perdia, até mesmo nos
por culpa deles”
Desde 2010 que é Rui Jorge (na fotograÆa em no pé. Aqueles que aparecem sempre nos agra- treinos.”
baixo) quem os escolhe. Desta vez, fê-lo sob a decimentos dos craques e que ninguém conhe- Nesta selecção, Vítor Ferreira — “Vitinha”, para Apesar do perÆl irascível e dos predicados
frase batida que diz que “em equipa que ganha ce — mas eles existem. “Esta sua chamada dei- os amigos — tem sido, para muitos, o grande de líder, Fábio Vieira não é capitão da selec-
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à Ɗnal
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Semana de lazer
Por Sílvia Pereira
lazer@publico.pt
Teatro PORTO
Mosteiro de São Bento da Vitória
Castro “crioulizada” De 10 a 12 de Junho, às 19h.
Uma “crioulização” cénica de uma tragédia clássica do teatro Grátis
português. Assim se apresenta Kastrokriola, uma adaptação da
Castro escrita por António Ferreira no século XVI. Vem assinada pelo
dramaturgo cabo-verdiano Caplan Neves e é interpretada por actores
seus compatriotas. Resulta de uma residência artística dirigida por
Nuno Cardoso, que encenou recentemente o texto original. Estreia-se
no Porto, de onde partirá depois para uma temporada em Cabo Verde.
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Dragão M6. 11h (V.P.); Quo Vadis, Aida? M14. C. C. Oeirashopping. T. 16996
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Dia de Äcar
DOCUMENTÁRIO
Jones e o Templo Perdido (às 17h12) Portugal Fim de Semana 10.30 14.59 Folha de Sala 15.06 Desporto 2 23.15 The Grudge: Maldição 0.45 The
e Indiana Jones e o Reino da Caveira Eucaristia Dominical 11.30 Património 16.08 Caminhos 16.30 70x7 16.58 Keeping Room - O Último Refúgio
de Cristal (19h13). Mundial da UNESCO - A Cápsula do Andebol: Taça de Portugal - Final
Tempo da Humanidade 12.33 Unidos 19.00 Nome de Rua 19.06 Europa Wild Australia: Will to Survive
Jogo da Alta-Roda ao Clube 12.59 Jornal da Tarde 14.18 Minha 19.28 A Arte da Luz Tem 20.000 FOX MOVIES Nat Geo, 17h
AXN, 19h33 Faz Faísca 15.21 Missão: 100% Anos 20.26 Chegou a Felicidade 21.25 17.12 Indiana Jones e o Templo Perdido Estreia. O canal abre um ciclo,
Molly Bloom gere um jogo de Português Folha de Sala 19.13 Indiana Jones e o Reino da Caveira para ver ao domingo, dedicado à
póquer com apostas altas, em que de Cristal 21.15 12 Indomáveis 23.20 A terra dos cangurus, dos coalas e
participa um grupo altamente 16.14 André Rieu - Vamos Dançar? 21.30 Jornal 2 Origem do Dragão 0.59 O Ano do de muitas outras espécies (de
exclusivo de celebridades, mas Dragão animais mas também de plantas)
acaba por ser apanhada pelo FBI. que fazem da ilha “um dos países
Dirigido por Aaron Sorkin, este 19.00 Telejornal 21.48 Página 2 com maior diversidade biológica
biopic é interpretado por Jessica HOLLYWOOD do planeta”, frisa a nota de
Chastain, Idris Elba, Kevin Costner 18.15 A Torre Negra 19.50 Ataque ao imprensa, mostrando “habitats
e Michael Cera. 19.52 22.02
22.0 Voos Turbulentos Poder 22.00 O Sr. Perfeito 23.35 conhecidos e outros
Futebol:: Bangkok Dangerous - Vingança surpreendentemente novos”.
No Limite do Amanhã Campeonato
onato Silenciosa 1.15 Entrega Perdida
MÚSICA
Fox, 23h30 da Europa
pa 22.53
22.5 Marco Oliveira
eira
Um thriller de Æcção cientíÆca Sub-21 - - Ruas
Ru e Memórias
realizado por Doug Liman e Alemanhaha x Portugal AXN
inspirado na novela gráÆca 17.42 Wind River 19.33 Jogo da Marco Oliveira — Ruas e
japonesa All You Need Is Kill, de Alta-Roda 21.55 Verdade 0.15 Matem o Memórias
Hiroshi Sakurazaka e Yoshitoshi Mensageiro 2.10 Um Traidor dos Nossos RTP2, 22h53
ABe. Tom Cruise, Emily Blunt, Bill Aldina Duarte — Roubados
Paxton e Lara Pulver têm os 22.18 Got Talent Portugal 23.25 Aldina Duarte - Roubados RTP2, 23h25
papéis principais. O planeta Terra FOX Em escuta estão dois álbuns
foi invadido por alienígenas a que 19.24 A Grande Muralha 21.20 Sem gerados no fado. Primeiro, Marco
nenhuma força militar parece ser 2.30 Faz Faísca 3.25 Janela Indiscreta 0.01 Quatro Estações e Outono 1.42 Identidade 23.30 No Limite do Amanhã Oliveira conduz um passeio por
capaz de fazer frente. Bill Cage é Cinemax 2.56 Euronews 1.28 Maze Runner - Correr ou Morrer Ruas e Memórias, o recém-lançado
enviado em missão, mas depressa terceiro álbum. Foi o último
acaba morto. Contudo, no trabalho de produção de José
momento da sua morte, leva SIC TVI DISNEY CHANNEL Mário Branco e veio servido pelo
consigo um ser extraterrestre. 17.30 Casa da Coruja 18.20 Anfibilândia single Nenhum de nós, que Oliveira
Esse contacto transporta-o para 6.00 Camilo, o Presidente 6.30 6.00 Curious George 6.30 Todos 19.10 Os Green na Cidade Grande descreveu como um fado que
uma misteriosa dimensão que o Guardiões da Galáxia: Missão Evasão Iguais 7.00 O Bando dos Quatro 7.45 20.00 Casa da Coruja 20.50 Miraculous “acaba por contar a história de um
faz morrer e ressuscitar vezes sem 7.00 Uma Aventura 8.00 Minutos Diário da Manhã 10.00 Querido, - As Aventuras de Ladybug adeus inacabado”. A seguir, Aldina
conta, criando assim a Mágicos 9.00 Olhá SIC! 12.00 Vida Mudei a Casa! 11.00 Missa 12.35 Mesa Duarte canta temas Roubados a
possibilidade de encontrar forma Selvagem 13.00 Primeiro Jornal 14.15 Nacional 13.00 Jornal da Uma 14.20 Tony de Matos, Amália, Carlos do
de destruir o inimigo. Fama Show Somos Portugal DISCOVERY Carmo, Maria da Fé e Beatriz da
17.25 Barnwood Builders 19.10 O Conceição, entre outros. Foi esse o
Cowboys e Aliens Segredo das Coisas 21.00 A Febre do título que deu ao álbum que
TVI, 1h15 14.45 Domingão 19.57 Jornal das 8 Ouro: Águas Bravas lançou em 2019, ano em que
A Æcção cientíÆca encontra-se com cumpriu 25 anos de carreira,
o western neste Ælme de Jon como tributo às suas referências.
Favreau, baseado na banda 19.57 Jornal da Noite 21.45 All Together Now HISTÓRIA
INFANTIL
desenhada de Scott Mitchell 17.51 Os Bárbaros II 19.19 Os Últimos
Rosenberg. Um homem (Daniel Espartanos 20.50 A Maldição de Oak
Craig) acorda sem memória numa 21.15 Hell’s Kitchen - Final 23.45 Mulheres Island 22.57 O Ouro Perdido da II Guerra
pequena cidade do Velho Oeste. Mundial 0.47 A Comida Que Mudou o O Gato das Botas (v. port.)
Depressa se dá conta de que os Mundo 2.09 Grandes Descobertas Fox, 9h12
forasteiros não são bem-vindos e 22.30 Quem Quer Namorar com o 1.15 Cowboys e Aliens Uma aventura animada com
que quem dita a lei é o temível Agricultor? realização de Chris Miller, sobre o
coronel Dolarhyde (Harrison ODISSEIA passado do gato que fez furor no
Ford). Quando se dá um ataque de 17.44 Terra de Grandes Felinos 18.33 A segundo Ælme de Shrek. As
naves alienígenas, a população 0.40 Hell’s Kitchen - O Caminho da Minha Vida no Zoo 19.27 Bornéu: Uma qualidades deste felino sedutor,
entra em pânico e algumas Vitória Ilha Antiga 20.18 Viver Mais e Melhor carismático e corajoso — e dono de
pessoas são raptadas. É então que, 20.59 A História dos Emirados 21.58 um olhar capaz de comover o
numa conjugação de forças, Mestres da Engenharia 22.58 mais empedernido dos corações —
cowboys, criminosos e apaches se 1.55 Cinema em Casa: Mercado de Engenharia Letal 23.36 Red Arrows: são postas à prova ao cruzar-se
unem contra um adversário que Capitais 3.00 Fascínios Pilotos Acrobáticos com Kitty Patas Fofas, uma
não tenciona deixar ninguém vivo. misteriosa gata mascarada.
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MARÉS Preia-mar Baixa-mar *de amanhã
01 Jul. 21h11
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Estar bem
DANIEL ROCHA
rir as emoções como a frustração de
não nos emprestarem algo, ou de ver
os mais velhos chegarem primeiro
ao baloiço.
Estar presentes, “mesmo mesmo”
no parque com os miúdos é enviar
todos estes sinais: “Estou aqui se pre-
cisares, mas não vou a correr porque
acho que vais conseguir. Mas, se não
conseguires, estou aqui para te le-
vantar e consolar, para tentares de
novo quando quiseres.” Penso que
não se fala o suÆciente do benefício
de as crianças correrem riscos, de
brincarem, de se sujarem, de estra-
garem as roupas, de andarem na rua,
de se rebolarem no chão.
Olhamos muitas vezes para o risco
como algo negativo, para as possíveis
consequências, para o “e se correr
mal?” “E se cair e se magoar?” Mas
e se correr bem? Esquecemos por
vezes de olhar para o potencial trans-
formador de um risco corrido e de
um desaÆo ultrapassado, para o au-
mento da autonomia e da conÆança
que este desaÆo pode criar. Deixar
correr risco é nunca permitir à crian-
ça o confronto com os seus próprios
recursos, nunca a deixar surpreen-
der-nos com a sua capacidade de
resiliência, não a deixar sentir por
ela própria que foi capaz de ultra-
passar uma diÆculdade. E estar pre-
sente, presente mesmo, nestes mo-
mentos é deixar-se maravilhar pelo
Vamos brincar?
impacto positivo destas experiências
na relação, é termos visto a diÆcul-
dade, festejando em conjunto o su-
cesso, ou mesmo ajudar no insuces-
so, mas é partilha, são memórias, é
sincronia, é tempo de relação e de
O corpo estava, mas a cabeça e a atenção não, e por isso pedem mais, porque eles sentem, qualidade.
mesmo não sabendo o que é, que não estamos tanto quando podemos estar Da próxima vez que o vosso cora-
ção gritar desesperado para respon-
der sim ao “vamos brincar?” respon-
Inês Matos dam sim, dediquem o tempo porque
os benefícios desse momento deixam
“Mãe, vamos brincar? Pai, vamos ao táveis), mas estar em todo o lado ao zer que estávamos lá? O corpo esta- nas, terem estado tanto tempo com ecos profundos no bem-estar, na
parque?” Quantas vezes já ouvimos mesmo tempo gera nas famílias um va, mas a cabeça e a atenção não, e os pais em casa foi benéÆco em al- qualidade da relação e necessaria-
estas perguntas, quantas vezes o nos- cansaço tremendo e uma insatisfação por isso pedem mais, porque eles guns aspectos do desenvolvimento, mente terão impacto no envolvimen-
so coração desejou ardentemente crónica. sentem, mesmo não sabendo o que criaram-se laços mais estreitos e os to da criança na relação com os pais,
responder que sim, mas a agenda Mas, aÆnal, estamos todos juntos é, que não estamos tanto quando pais tiveram, de facto, oportunida- com os pares, na maneira como vai
gritou “não”, quantas vezes o dizer o tempo todo, porque estamos então podemos estar. de de assistir em primeira mão a encarar desaÆos, na auto-estima,
sim deixou um amargo de boca e um insatisfeitos? Porque pedem os miú- O preço a pagar é muitas vezes a muitas etapas a que só a escola ou mas também no sentimento de per-
sentimento de culpabilidade ou foi dos mais quando estamos sempre conexão com a criança: estamos lá, os cuidadores é que classicamente tença que torna mais fácil todos os
“recompensado” com noitadas no aqui e “por aqui”? A meu ver, é uma mas não estamos sintonizados, o que assistiam. desaÆos da oposição, das regras e
computador a tentar recuperar o questão com resposta simples, mas perdemos é por vezes a risada espon- O que é uma ida ao parque, no fun- dos limites, tantas vezes cansativos
tempo “perdido” no trabalho? de resolução complexa. Resposta: tânea do momento em que só olhan- do? É uma oportunidade de desen- e dolorosos na dinâmica familiar.
Enquanto mãe e psicóloga clínica, porque estamos sem “verdadeira- do uns para os outros já falámos sem volvimento. As crianças sobem obs- Quando as vossas mentes forma-
há algo que me toca profundamente mente estar”. Porque estamos com palavras, a cara de felicidade pura táculos, treinam a motricidade, aqui- tadas pela nossa sociedade dos “su-
e que me parece importante que seja a cabeça no email que precisamos de dos pequenos que conseguiram subir lo que era difícil num dia passa a ser per-humanos, superpais e supertra-
discutido em sociedade, mas sobre- enviar, porque estamos a brincar às ao escorrega dos grandes, sem ajuda, fácil no outro e mais tarde nem ve- balhadores” vos disserem que “brin-
tudo no interior de cada família: o construções estando a programar a e que olham em frente, com o peito mos que aquele obstáculo alguma car será perder tempo”, respondam
tempo do brincar, o tempo da famí- agenda de amanhã, mesmo que só cheio de orgulho e se deparam com vez lá esteve, de tal maneira a crian- orgulhosamente que brincar é inves-
lia. Em tempo de teletrabalho, pare- mentalmente, ou porque estamos a os pais que estão a olhar para outro ça evoluiu e tudo parece tão natural. tir tempo na relação e bem-estar das
ce-me ainda mais urgente reÇectir dar banho ou o jantar com os olhos lado e que, se tiverem sorte, vão per- Mas o parque é também uma opor- famílias e na verdade poupar tempo
sobre este tema, pois, apesar da pre- no telefone ou até, coisa inimaginá- ceber que algo aconteceu e dizer: tunidade única de desenvolver com- com birras e limites a impor, uma vez
sença constante junto aos Ælhos, o vel, mas que a realidade recente do “Boa!” Boa o quê? É um “boa” que petências sociais. Contrariamente à que os pequenos poderão desenvol-
trabalho persegue-nos sob a forma teletrabalho tornou possível, esta- se arrisca a ser inespecíÆco, é um escola, aqui os outros são muitas ve- ver-se de maneira mais harmoniosa,
de um computador sempre presente mos no parque com um auricular no “boa automático” não um “boa, vi- zes desconhecidos, cuja idas e voltas as famílias terão maior nível de satis-
e a ideia de que podemos ser tudo o ouvido e outro fora a “assistir a uma vemos isto em conjunto”. e as idades são imprevisíveis, é um fação na relação, então na verdade,
tempo todo (digo pais, trabalhado- reunião”, ao mesmo tempo que os Que o leitor não me interprete sem-número de oportunidades para brincar é, e muito, produtivo!
res, casal, Ælhos, 24 horas por dia miúdos dão passos de gigante no des- mal: a presença é importante e, de reconhecer o outro, os limites da pró-
sem barreiras e com baterias inesgo- envolvimento. Podemos mesmo di- facto, para as crianças mais peque- pria interacção, para aprender a ge- Psicóloga
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Obituário
DR
O artista solar,
mestre da cor
e da esperança
Escreveu muito sobre bichos
pequenos e, no entanto, era um
criador gigantesco. No talento, no
olhar. Eric Carle morreu aos 91 anos
Maria João Lopes
Quando era criança, o pai não é simplista. Conseguiu chegar
costumava levá-lo a passear por aos mais velhos e aos mais novos,
campos e bosques. Nessas sem infantilizar ninguém.
deambulações por entre os Tinha consciência dessa
mistérios e os fascínios da simplicidade, procurava-a. Em
natureza, o pai levantava uma 2002, numa entrevista à PBS
pedra ou tirava um pouco da casca admitia que as suas obras eram
de uma árvore e mostrava a vida “aparentemente simples”: “Toda a
que por ali acontecia. Falava-lhe minha vida tentei simplificar as
dos ciclos daquelas existências, de coisas. Quando era criança, na
uma ou de outra pequena criatura, escola, muitas vezes as coisas eram
abelhas, minhocas, formigas, e muito difíceis de entender,
depois voltava a pôr desenvolvi um talento, acho.
cuidadosamente o pequeno Desenvolvi um processo para
bichinho de volta na sua casa. simplificar as coisas de maneira a
Eric Carle, o ilustrador e escritor entendê-las. Há esta citação
de obras que correram e correm o maravilhosa de Leonardo da Vinci.
mundo, morreu a 27 de Maio, em Tenho-a ao pé da minha secretária
Northampton, Massachusetts, e diz: ‘Quanto mais à terra onde tinha nascido, o que fundo. Ainda que tenha ficado
Estados Unidos. Insuficiência
renal. Tinha 91 anos. Na sua obra e
minuciosamente descreveres, mais
vais confundir a mente do leitor, e
Eric Carle aconteceu: em 1952 chegou a Nova
Iorque. Conseguiu emprego como
chocado, sempre guardei aquele
dia no coração”, disse à NPR, em
nas suas criações, voltava muitas
vezes às memórias desses tempos
felizes da infância, em que
mais vais impedir que tenha um
conhecimento da coisa descrita.’”
Brincava com o seu talento, ao
1929-2021 designer gráfico no The New York
Times e trabalhou também como
director de arte numa agência de
2011. Pintar animais com cores não
convencionais foi também uma
forma de mostrar aos pequenos
descobria o mundo com o pai.
“Penso que nos meus livros
mesmo tempo que respeitava as
crianças, enquanto leitores e
Ilustrador publicidade, teve ajuda de outro
grande nome dos livros para a
leitores que não há cores erradas.
Na altura em que foi viver para a
homenageio o meu pai, quando pessoas criativas: “Os meus infância, Leo Lionni. Alemanha, o pai foi chamado para
escrevo sobre pequenas coisas desenhos são colagens. Não Foi a imagem de uma lagosta o Exército e foi prisioneiro de
vivas”, escreveu no seu site. inventei as colagens. Artistas como criada para um anúncio por Eric guerra na Rússia. Aos 15 anos, o
Em vários livros criou a partir da Picasso e Matisse e também Leo através de um furador de papel Carle que chamou a atenção de Bill regime nazi recrutou Eric Carle
existência de bichos pequenos, Lionni e Ezra Jack Keats fizeram que levou Carle a imaginar uma Martin Jr e que o levou a lançar-lhe para cavar trincheiras. O tempo
lagartas que se transformam em colagens. Muitas crianças fizeram traça que ia comendo um livro. O o desafio de ilustrar um texto que que passou em zonas de guerra
borboletas, aranhas muito colagens. Na realidade, algumas editor, porém, sugeriu que se tinha escrito. Urso Castanho, Urso influenciou o seu trabalho. Mas até
ocupadas, grilos silenciosos, crianças já me disseram: ‘Ah, trabalhasse a partir da ideia de Castanho, o Que Vês aqui? foi o essa influência foi transformada
joaninhas resmungonas. Criava consigo fazer isso.’ Considero-o o lagarta. Em 2019, no 50.º resultado da frutífera colaboração. em algo luminoso e positivo. Ao
muito em redor de animais, maior elogio.” aniversário de A Lagartinha muito Corria o ano de 1967 e, sem perder The Times, em 2007, explicou que
insectos, pequenas criaturas, mas Ilustrou mais de 70 livros, a Comilona, o autor disse, numa tempo, Eric Carle começou a os cinzentos, castanhos e
era um gigante. Tinha inúmeros maior parte dos quais também entrevista, que era um livro “sobre escrever também as suas próprias verdes-escuros “usados pelos nazis
leitores, de muitas idades, criou-se escreveu, e que venderam cerca de esperança”, que “as crianças histórias. para camuflar edifícios” só
a partir do que ele criou, era de 170 milhões de cópias no mundo. precisam de esperança”: “Tu, Durante o tempo na Alemanha, e aumentaram a sua paixão por
todos e, no entanto, era único, Urso Castanho, Urso Castanho, o pequena e insignificante lagarta, quando Carle era ainda cores intensas e alegres.
num estilo inimitável. Eric Carle Que Vês aqui?, com Bill Martin Jr.; A podes crescer e tornares-te uma adolescente, um professor de Arte Gostava de todas as cores, dizia
conseguiu o golpe de asa dos Joaninha Resmungona; 10 Patinhos linda borboleta e voar pelo mundo convidou-o para ir a sua casa. que a combinação entre elas era
grandes talentos e mestres: um de Borracha; A Aranha muito com o teu talento.” Nessa visita — e secretamente, mais importante do que cada uma
olhar inocente, uma vivacidade na Ocupada; O Artista Que Pintou Um Nascido em 1929 em Siracusa, porque o regime nazi o proibia — individualmente. Apesar disso,
cor, uma mensagem de esperança, Cavalo Azul; Amigos; Papá, Por estado de Nova Iorque, mudou-se mostrou-lhe arte expressionista e admitia um fraquinho pelo
um ritmo nas frases, nas Favor, Apanha-me a Lua … O mais com os pais para a Alemanha deu-lhe a conhecer o Cavalo Azul, amarelo e uma das razões era
enumerações e repetições, conhecido é A Lagartinha muito quando tinha seis anos (os pais de Franz Marc, que o inspirou para porque muitas crianças fazem um
conseguiu chegar ao lugar difícil Comilona. Publicado em 1969, foi eram alemães). Estudou na O Artista Que Pintou Um Cavalo sol amarelo nos desenhos. Eric
em que a simplicidade, sendo tão traduzido para mais de 70 línguas. Academia de Belas-Artes de Azul. “Estava habituado a quadros Carle também o fazia. Era um
delicada quanto transbordante, A ideia inicial para o livro surgiu Estugarda, mas sempre quis voltar bonitos com uma montanha ao artista solar.
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COMO É QUE
AINDA NÃO
SABE?
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