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DA REVISTA

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HOJE GRÁTIS
Fundador: Francisco Pinto Balsemão 28 de julho de 2023
2648 O €4,90

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

24h
JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE Costa e PR
negociaram
Ajustes diretos professores
em escala
disparam antes
Marcelo prepara
viagem à Ucrânia no Dubai
O Presidente da República
conta ir a Kiev no final de
agosto ou início de setembro,

da vinda do Papa
cumprindo uma promessa Governo acede a não
de há meses, se a situação encerrar dossiê em
no terreno o permitir. Os definitivo, mas sem
gabinetes de Marcelo Rebe- calendário. Telefonemas
lo de Sousa e de Volodymyr foram decisivos P11
Zelensky estiveram em con-
tacto esta semana.
> Maioria dos contratos públicos nos últimos 30 dias foram feitos
Pensão de Pinho
alvo de novo arresto sem concurso > Governo permite ajustes diretos para JMJ: Multas de
O juiz de instrução criminal
Carlos Alexandre decretou
representam 76% desde 2020 > Custos totais superam €38 milhões P5 velocidade
um novo arresto da pensão sobem em
de 26 mil euros de Manuel
Pinho, que é arguido no COMIDA E COMBUSTÍVEIS UNIDADE DE CUIDADOS flecha P18
processo EDP. Um primeiro
arresto à pensão do antigo
ministro da Economia tinha
PREOCUPAM AUTORIDADES P8 INTENSIVOS SÓ PARA O PAPA P10

sido revogado pelo Tribunal

da Relação de Lisboa em Prestação
maio passado.
Guia do crédito
Não há impossíveis
para a seleção
completo
para seis dias
“A QUESTÃO à habitação
já aumentou
A seleção feminina de fute-
bol, a disputar o seu primeiro
de exceção DOS ABUSOS até 77%
FERIU-ME”
Mundial, busca o apuramen-
to para a fase seguinte, preci-
sando para tal de uma vitória
frente às campeãs mundiais, O programa completo,
os EUA, na terça-feira. “Não o trânsito, os transportes, Subida dos juros agrava
há impossíveis”, diz o sele- onde ir e o que evitar P6 pagamento mensal
cionador Francisco Neto ao em 77% para créditos
Expresso. Leia a reportagem a 30 anos e em 49% nos
do nosso enviado à Nova Ze- empréstimos a 20 anos E6
lândia, Pedro Barata. P32
Políticos
Lucro dos CTT em romaria
dispara
A empresa de correios teve para ver Hospital
um lucro 26 milhões de eu-
ros entre janeiro e junho, o Francisco P5
de Santa
que significa um aumento de
79% em termos homólogos,
Maria fecha
beneficiando do crescimen- obstetrícia
“O PAPA SÓ
P20
to de receitas nos serviços
financeiros, no Banco CTT e
nas encomendas.
VEM AQUI Altice:
Catarina Furtado PORQUE empresário
divorcia-se
A apresentadora de televi- SOMOS ajuda genro
são Catarina Furtado e o ator
João Reis decidiram divor-
MISERÁVEIS” de Armando
ciar-se, pondo termo a uma
Pereira a fugir
FOTO TIAGO MIRANDA

união de 18 anos. “Decidimos Reportagem num

virar uma página na nossa bairro que vai
vida”, afirmam os dois em receber o Sumo
comunicado.
Pontífice P10
Ministério Público acredita
que Vaz Antunes permitiu
Integram esta edição semanal, além deste
corpo principal, os seguintes cadernos: Opinião Clara Ferreira D. MANUEL CLEMENTE Fez há dias 75 anos, cumpriu este mês 10 anos como fuga de Yossi Benchetrit
ECONOMIA, REVISTA E e ainda
EXPRESSO BPI GOLF CUP, GUIA
Alves escreve sobre “A patriarca de Lisboa e será nos próximos dias o anfitrião da JMJ, uma ideia sua. no dia das buscas
ESTUDANTE e ESPECIAL TINTAS grande invasão papal” R3 Na hora da despedida, uma entrevista exclusiva, por Maria João Avillez. R40 da Operação Picoas P3

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registada junto do Banco de Portugal sob o n.º 35.
2 PRIMEIRO CADERNO
A fé é de cada um,
o escrutínio é de todos
O
ano, 2019. O local, Pana-
má. Decorria a Jornada
Mundial da Juventude.
Marcelo Rebelo de Sou-
sa, esfusiante, não cabia
em si de alegre: “Conse-
guimos! Conseguimos,
Portugal, Lisboa. Esperávamos, de-
sejávamos, conseguimos. Vitória.”
Descontando o natural exagero na
reação do católico Marcelo, a visita
do Papa Francisco a Portugal na pró-
xima semana para, entre quarta-fei-
ra e domingo, participar na Jornada
Mundial da Juventude de Lisboa, é
um daqueles eventos cujo impacto e
significado ultrapassam em muito os
domínios reservados da fé, que a cada
um dizem respeito. No final do ano,
quando olharmos para 2023, este terá
sido seguramente um dos aconteci-
mentos, se não o acontecimento, mais
importante no nosso país.
Portugal é ainda o quinto país da Uni-
ão Europeia com maior percentagem
de população cristã, o que naturalmen-
te inclui católicos, ortodoxos e protes-
tantes, embora os primeiros sejam
largamente maioritários no nosso país.
Dessa forma, não só não choca como é
perfeitamente natural que, sem preju-
ízo do respeito integral pela separação
entre Estado e confissões religiosas,
aliás consagrada constitucionalmente,
a vinda do Papa Francisco a Portugal
na próxima semana para participar na
Jornada Mundial da Juventude tenha a
maior relevância e mereça a maior das
atenções e interesse.
Para mais, a vinda do líder católico
ao nosso país surge num momento de
enorme desconforto, entre crentes e
não crentes, com a atuação da Igreja.
Depois do enorme abalo que signifi-
cou a denúncia e investigação dos abu-
sos sexuais continuados, e escondidos,
no seio da instituição ao longo de anos
a fio, esta visita a Portugal do Papa e
as palavras e ações que possa ter neste
caso merecem um olhar muito atento
— como na altura se disse, o destapar
do horror dos abusos e encobrimentos
exige ao mesmo tempo uma atuação
firme e determinada para que nada
fique como dantes na instituição.
Dito isto, uma coisa é o reconheci-
mento da importância de um evento
que reúne no nosso país mais de um
milhão de pessoas durante um con-
junto de dias, vindos dos mais diversos
pontos do globo, para um encontro
religioso, festivo e celebrativo, ou-
tra é considerarmos que as entidades
públicas, do Estado central à menor
SETE DIAS, SETE RAZÕES PARA GUARDAR O EXPRESSO
Se comprou o Expresso, aproveite o código que está na capa da Revista E. Co-
loque-o em código.expresso.pt e, durante a próxima semana, poderá: 1 Ler
todas as notícias e conteúdos digitais do jornal; 2 Receber newsletters exclu-
sivas com o resumo diário das principais histórias; 3 Fazer comentários em
expresso.pt, dando a sua opinião; 4 Visitar a redação do Expresso e conversar
com os jornalistas; 5 Ter acesso a eventos exclusivos do Expresso; 6 Jogar on-
line palavras cruzadas, sudokus e sopas de letras; 7 Procurar edições anterio-
res em formato digital. GRÁTIS, DURANTE SETE DIAS, COM ESTE JORNAL
A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
ESPANHA
O PP venceu as eleições, mas o
líder tem o lugar em risco e a
dificuldade de um acordo para
governar é enorme. O PSOE, que
governa, ficou em segundo, mas
tem mais hipóteses de governar,
embora necessite dos
independentistas catalães. Os
independentistas perderam nas
urnas mas são decisivos para
desbloquear a governação. A
extrema-direita desceu.
AIMA
Luís Goes Pinheiro, presidente do
Conselho de Administração dos
Serviços Partilhados do
Ministério da Saúde (SPMS), foi
Martim Silva
Diretor-adjunto
das autarquias devem nesta altura
criar uma espécie de ‘bolha’ em que
as regras que vigoram para o resto do
tempo nesta altura não contam para
nada. Em particular, as regras que
dizem respeito à boa utilização dos
recursos, escassos, públicos de que
dispomos.
Sem radicalismos, jacobinismos ou
confessionalismos, sem posições bar-
ricadas, com bom senso e modera-
ção, mas sempre com determinação,
a realização de visitas ou de grandes
eventos populares não eliminam a
necessidade de escrutínio jornalístico
sobre o que se passa.
É por isso da maior relevância que
um jornal como o Expresso, que pro-
cura informar o melhor possível e
dentro da maior independência os
seus leitores, olhe nesta última edição
do semanário antes da chegada do
Papa a Portugal na quarta-feira para
os dinheiros públicos que estão a ser
O que se passa no Estado central
e nas principais autarquias
envolvidas na Jornada é
um autêntico despautério.
Multiplicam-se os contratos sem
concurso, em que o controlo
sobre as despesas é mais difícil
gastos, e de que forma, na preparação
do evento (e ainda há faturas das quais
desconhecemos o valor final, olhe-se
por exemplo para as polémicas à volta
dos palcos nos últimos meses).
Todos, a começar por Francisco e
a terminar no peregrino que se des-
locou do mais longínquo ponto do
planeta até Lisboa, são muito bem
vindos. Mas isto não retira o direito de
questionar o porquê da multiplicação
como cogumelos dos processos de
contratação direta pelo Estado, para
os mais variados serviços relacionados
com a Jornada, sem o recurso a um
concurso público. Ou seja, a regra
de contratação pública em Portugal
é o concurso público. Mas quando as
coisas se tornam sérias, fechamos os
olhos e a regra já não vale. O que se
passou no Estado central e nas prin-
cipais autarquias envolvidas na Jorna-
da, em particular nos últimos meses,
é mesmo um autêntico despautério.
Multiplicam-se os contratos sem con-
curso, três quartos do total foram já
em 2023 e metade só no último mês.
Alguém entende isto?
mgsilva@expresso.impresa.pt
nomeado presidente do conselho
diretivo da Agência para a
Integração, Migrações e Asilo
(AIMA), a agência que vai
substituir o SEF.
TWITTER
O Twitter deu lugar ao
X, a aplicação que por
ora ainda se parece
em quase tudo com a
rede social, mas que se
irá tornar uma
“superaplicação”, de
acordo com os planos do
seu proprietário, Elon Musk.
PROFESSORES
O braço de ferro entre
professores e Governo teve um
desenvolvimento relevante, com
o Presidente da República a
chumbar o diploma em que o
Executivo se recusou a considerar
a contagem do tempo de serviço
reclamado pelos docentes.
Expresso, 28 de julho de 2023
Espanha foi a votos, mas o resultado das eleições trouxe um impasse
Duelo que parece de difícil resolução... e até podem surgir novas eleições
Diana Filipe
Soller Vasconcelos
Romão
Investigadora Professor da Universidade
do IPRI Autónoma de Lisboa
O PSOE devia viabilizar
um Governo minoritário do PP?
SIM NÃO
Mesmo que a democracia fosse Num sistema parlamentar, a defesa do
apenas um método para escolher o direito do partido mais votado em elei-
novo líder — que não é, é muito mais ções legislativas ou com maior número
do que isso —, o respeito pela vontade da maioria não de deputados eleitos a liderar o Governo é, essencial-
pode ser permanentemente atropelado. O Partido mente, um instrumento retórico utilizado por políticos
Popular ganhou as eleições de domingo, ou seja, a em função das suas circunstâncias (ou conveniências).
maioria dos espanhóis mostrou vontade que Alberto Observando a realidade europeia (onde este sistema de
Núñes Feijóo fosse o próximo presidente do Governo. Governo é dominante), constata-se que a correlação entre
Essa vontade deveria ser soberana. a primeira força partidária e a chefia do Governo depende
No entanto, o sistema político exige uma maioria da sua capacidade de entendimento com outros partidos ou
de 176 deputados, o que, dada a fragmentação parti- de leis eleitorais que facilitem maiorias absolutas ou amplas
dária, se tornou virtualmente impossível para qual- maiorias relativas. Essa, por agora, não é a realidade espa-
quer formação política. Assim, a Espanha criou uma nhola. Apesar de socialistas e populares terem subido e re-
espécie de dilema das “duas vitórias”. Por um lado, presentarem quase 65% dos eleitores, ainda estão longe de
o PP é o partido que ganhou as eleições, por outro, 2008, quando, em conjunto, contavam com 84% dos votos.
a esquerda em bloco parece ser a maioria aritmética Em Espanha, o registo histórico de o partido mais
com maior capacidade de formar Governo. Pela votado encabeçar o Governo também já foi quebrado:
razão indicada acima, a primeira deve prevalecer. Pedro Sánchez governou, entre 2018 e 2019, na sequência
Para complicar a situação, às for- da moção de censura que liderou e
mações partidárias regionais junta- que provocou a queda do Executivo
ram-se, nos últimos anos, partidos A vontade dos minoritário de Mariano Rajoy. O
extremistas à direita e à esquerda. eleitores tem de PSOE tinha, na altura, 85 deputa-
Moderados veem com preocupação ser soberana. Caso dos e o PP 137, mas o Parlamento
— e bem — a chegada ao poder, e às preferiu um Sánchez minoritário a
pastas ministeriais, de formações contrário, perde um Rajoy desgastado pela corrup-
com programas utópicos ou anti- a democracia ção no seu partido.
democráticos. Sabem que o poder e a governabilidade Nas comunidades autónomas,
pode moderá-los, mas sabem que o instituições muito relevantes na
contrário também pode acontecer. A correlação entre política territorial do país (e que
Como se poderia resolver esta si- gerem a maioria da despesa públi-
tuação? Haveria apenas uma forma a primeira força ca, excluindo a Segurança Social),
de evitar todas estas questões. Um partidária e a chefia à esquerda e à direita, é prática co-
compromisso permanente para a do Governo depende mum uma política de alianças que
viabilização do Governo do parti- viabilize governos regionais mino-
do que ganhasse as eleições. Não da sua capacidade ritários ou de coligação liderados
apenas para estas, para o futuro. de entendimento por segundos e até por terceiros
Caberia sempre ao vencedor esco- com outros partidos partidos mais votados.
lher os seus parceiros de coligação, A história parlamentar também
preferencialmente anunciados em é relevante. No actual quadro de-
campanha, mas haveria a garantia de que teria a pos- mocrático, o Partido Popular nunca viabilizou qualquer
sibilidade de representar os espanhóis. Aplicado a estas Governo minoritário do PSOE. Felipe González (1993),
eleições, Pedro Sánchez deveria viabilizar um Governo Rodríguez Zapatero (2004 e 2008) e Pedro Sánchez
minoritário de Núñes Feijóo. (2019) contaram com a aberta hostilidade dos populares
Dir-me-ão que Pedro Sánchez deve defender os seus desde o primeiro instante das respectivas legislaturas.
interesses e as suas ideias de uma tomada do poder Pelo contrário, os socialistas viabilizaram o segundo
pela extrema-direita. Se a preocupação fosse essa, Governo de Mariano Rajoy (2016), o que levou ao fim da
haveria espaço para negociar a exclusão do Vox da primeira liderança de Sánchez no PSOE.
coligação do Partido Popular. Não é uma exigência Alberto Núñez Feijóo colocou a questão da viabiliza-
de Feijóo. No entanto, a viabilização não parece ser a ção de um seu Governo pelos socialistas exclusivamente
maior prioridade do PSOE. porque a vitória do PP era previsível, o que é mais do que
Independentemente destas considerações, nenhum legítimo. Durante as duas campanhas eleitorais de 2019,
dos dois maiores partidos parece conseguir encontrar o PP não utilizou este argumento, porque sabia que se
uma solução de Governo, o que implica o regresso dos conformasse maioria com o Ciudadanos poderia chegar
espanhóis às urnas. Não há indícios de que o resultado ao Governo, mesmo com um PSOE em primeiro lugar,
eleitoral possa ser muito diferente. O que será diferente postura que também era legítima.
é a forma como os eleitores poderão percecionar a sua O Partido Popular assentou a sua campanha eleitoral na
democracia. Se o seu voto não determina quem vai ser total rejeição a Sánchez. Caso o PSOE tivesse tido um mau
o presidente do Governo, é assim tão importante votar? resultado, a denominada velha guarda socialista, ainda
O sistema político espanhol tornou-se obsoleto. tutelada por Felipe González — que, quando liderava a
Desenhado para garantir estabilidade, a criação não oposição, não viabilizou os governos de Adolfo Suaréz
institucionalizada de blocos de direita e de esquerda (1979), Calvo Sotelo (1981) ou José María Aznar (1996) —,
perverteu o seu sentido à custa da vontade expressa poderia ter uma palavra a dizer a este respeito. Porém, os
do eleitorado espanhol. Desconfio que, ou as lideran- socialistas tiveram uma prestação acima do esperado e os
ças políticas lhe retomam o espírito ou terá de ser seus eleitores, ao votar, estavam perfeitamente conscientes
reformado, mais cedo do que tarde. A vontade dos de que este líder nunca viabilizaria um Governo do PP.
eleitores tem de ser soberana. Caso contrário, perde
a democracia e a governabilidade. Filipe V. Romão escreve de acordo com a antiga ortografia
NATAÇÃO
Fez-se história na natação
nacional, com a medalha de
venceu o segundo jogo no
Mundial, e agora se verá o que
faz frente às superfavoritas
ALTICE
O empresário Hernâni
Vaz Antunes foi alertado
prata do jovem Diogo Ribeiro nos norte-americanas. no final de junho, duas
50 metros mariposa, nos semanas antes das buscas da
campeonatos mundiais de CATIVAÇÕES Operação Picoas (em que é
natação em piscina longa. O ministro das Finanças, um dos quatro arguidos), de
Fernando Medina, anunciou que que iria haver uma diligência
SPOTIFY as cativações orçamentais, que da fiscalização das Finanças
O Spotify aumentou tanto ajudaram o seu antecessor de Braga aos seus negócios,
os preços das Mário Centeno a cumprir as que estão espalhados pela
assinaturas premium metas orçamentais, vão acabar Madeira, Luxemburgo,
em Portugal, à em 2024. Emirados Árabes Unidos,
semelhança do que fez República Dominicana
nos Estados Unidos. BALSEMÃO e Estados Unidos.
No ano em que
CHINA o Expresso assinala KEVIN SPACEY
O ministro dos Negócios os 50 anos de vida, O ator norte-
Estrangeiros chinês, Qin Gang, o seu fundador, -americano Kevin
foi removido do cargo, no dia em Francisco Pinto Spacey
que se assinalou um mês da sua Balsemão, foi foi absolvido,
ausência da esfera pública. homenageado com em Londres, das
a medalha de mérito acusações de nove
NAVEGADORAS do concelho de Oeiras crimes sexuais,
Depois de uma primeira derrota, (onde ficam as instalações alegadamente cometidos
a seleção nacional feminina do Expresso e da SIC). entre 2001 e 2013.
Expresso, 28 de julho de 2023
EM DESTAQUE
Justiça Ministério Público acredita que empresário permitiu fuga de Yossi Benchetrit no dia das buscas da Operação Picoas.
Pai de Yossi acumulou 56 milhões de euros nos Emirados. Segundo a investigação, o dinheiro é do sogro e fundador da Altice
Genro de Armando Pereira foge
com a ajuda de Hernâni Antunes
Hugo Franco
U
e Micael Pereira
m dos personagens
considerados mais
relevantes pelo Mi-
nistério Público na
intriga de corrup-
ção, fraude fiscal e
branqueamento de
capitais montada
por Armando Perei-
ra, cofundador do Grupo Altice, está
aparentemente em parte incerta. Ca-
sado com a filha de Armando Pereira
e gestor de topo na Altice USA, Yossi
Benchetrit é encarado pelo procura-
dor Rosário Teixeira como um testa
de ferro do sogro e estava na compa-
nhia de Vaz Antunes quando as buscas
da Operação Picoas começaram a 13
de julho, uma quinta-feira, mas de-
sapareceu entretanto. O Ministério
Público está convencido de que Vaz
Antunes o ajudou a fugir, evitando
assim a sua detenção e interrogatório.
Benchetrit estava alojado na aldeia
de Guilhofrei, na quinta do sogro, que
chegou nessa semana para gozar fé-
rias em Portugal. Foi aí que o marido
de Gaëlle Pereira dormiu na véspera
das buscas, de acordo com a investiga-
ção, mas já não voltou lá nessa noite,
quinta-feira, quando Armando Pereira
já se encontrava detido e o caso come-
çava a ser amplamente divulgado.
Na segunda-feira seguinte de manhã,
17 de julho, a Altice USA emitiu um
comunicado em que informava que
Benchetrit foi entretanto suspenso das
suas funções de diretor de compras da
empresa e que estará de licença força-
da enquanto durar uma investigação
interna aos factos relacionados com
o que parece ter sido um esquema sis-
temático de sobrefaturação ao Grupo
Altice em Portugal, em França e nos
Estados Unidos. Segundo o que o De-
partamento Central de Investigação
e Ação Penal (DCIAP) e a Autoridade
Tributária apuraram durante a Ope-
ração Picoas, esse esquema foi prota-
gonizado por empresas controladas
por Hernâni Vaz Antunes através de
companhias offshore nos Emirados
Árabes Unidos. Para isso, Vaz Antu-
nes tinha a cumplicidade de Armando
Pereira e também de outras figuras,
como Alexandre Fonseca, um antigo
Armando Pereira (na foto) tem uma filha casada com Yossi Benchetrit, diretor na Altice USA FOTO LUCÍLIA MONTEIRO
CEO da Altice Portugal que ocupava
ultimamente a posição de presidente
da Altice USA e coCEO do Grupo Alti-
ce, até se demitir de funções no dia em
que Benchetrit foi suspenso.
Durante o interrogatório a que foi
sujeito, Armando Pereira negou que
tivesse uma relação próxima com o
genro, admitindo estar apenas duas
ou três vezes por ano com ele, mas a
equipa de investigadores dirigida pelo
AO TODO, DUAS
EMPRESAS DETIDAS
FORMALMENTE PELO
PAI DE BENCHETRIT
CONSEGUIRAM
ACUMULAR €56 MILHÕES
EM CINCO ANOS
procurador Rosário Teixeira defende
que Benchetrit é uma peça-chave na
solução alegadamente encontrada
pelo cofundador da Altice para escon-
der os lucros ilegais partilhados por
Vaz Antunes com base em contratos
de fornecimento de serviços e equi-
pamentos sobrefaturados ao grupo.
Testa de ferro de €56 milhões
Ao todo, entre 2018 e 2023, duas
empresas detidas formalmente pelo
pai de Benchetrit num dos Emira-
dos, Ajmã, conseguiram acumular
56 milhões de euros de pagamentos
oriundos de companhias offshore de
Vaz Antunes. Para o Ministério Pú-
blico, a Sanjy International Commer-
cial Broker and Consultant LLC e a
CBIC Business Intermediary & Ma-
nagement Consultancy FZE, as duas
empresas em causa, pertencem na
realidade a Armando Pereira.
Yossi Benchetrit, de origem france-
sa, é engenheiro e possui um mestrado
em física. Segundo um site sobre gente
rica, Apumone, estudou engenharia
eletrotécnica em Lyon e terá trabalha-
do na antiga Portugal Telecom (atual
Altice Portugal) até 2013, algo que o
Expresso não conseguiu confirmar.
O pai, David Benchetrit, foi iden-
tificado pelo MP como um médico
nutricionista famoso. Segundo a in-
vestigação criminal, no seu papel de
dono formal das duas companhias
offshore em Ajmã, David disponibili-
zou-se para assinar contratos de con-
sultoria alegadamente forjados por
Armando Pereira e Vaz Antunes, de
modo a justificar as transferências de
dinheiro. Entre esses contratos está
um acordo estabelecido em 2018 entre
a CBIC Business e a Vintagepanóplia,
uma das empresas do universo de Vaz
Antunes, em que a offshore represen-
tada por Benchetrit passou a cobrar
uma comissão de 20% sobre os ganhos
obtidos em negócios com clientes an-
gariados por aquela offshore.
Quando os pagamentos ocultos à
Sanjy Internacional e à CBIC Busi-
ness começaram em 2018, Yossi já era
diretor de compras da Altice USA. O
gestor foi confrontado pelo Expres-
PRIMEIRO CADERNO 3
>>
so por escrito, através do seu e-mail
institucional da empresa, mas uma
resposta automática informou que
Yossi Benchetrit “não está disponível
para responder a e-mails”. Nenhum
dos cinco funcionários da Altice USA
a quem o Expresso escreveu depois a
pedir para estabelecerem uma ponte
com o diretor de compras da empresa
mostrou-se pronto a ajudar. Também
não foi possível encontrar qualquer
contacto do seu pai.
Gaëlle Pereira e Yossi fizeram-se
notar nos Estados Unidos por estarem
por detrás da compra do apartamento
mais caro do ano em Nova Iorque. Se-
gundo um artigo do site The Real Deal
publicado em abril de 2022, a filha e
o genro de Armando Pereira estavam
na iminência de adquirirem um apar-
tamento de 743 metros quadrados por
70 milhões de dólares num arranha-
-céus perto de Central Park, depois
de já terem comprado um primeiro
apartamento num piso mais abaixo
com 418 metros quadrados por 23,9
milhões de dólares. Ao todo, gastaram
o equivalente a 86 milhões de euros
nos dois andares.
Desligada dos negócios do pai, Gaël-
le é descrita num site de entreteni-
mento, o MEAWW, como uma das
concorrentes num programa de reali-
ty show produzido este ano sobre dan-
ça na Bravo TV, “Dancing Queens”, e
aparece no LinkedIn como fundadora
e dona da Clinique des Champs Ely-
sées, em Nova Iorque. De acordo com
outro site de entretenimento, o SK
Pop, trata-se do primeiro spa médico
francês da cidade, com sucursais em
Paris e no Dubai.
No dia das buscas estava também
com Yossi e Hernâni Vaz Antunes ou-
tro personagem da investigação cri-
minal, Hakim Boubazine, que foi pre-
sidente da Altice USA até 2021 e terá
beneficiado de pagamentos indevidos.
A imprensa chegou a noticiar a fuga
de Vaz Antunes, mas o empresário
desmentiu essa informação no sábado,
15 de julho. E acabou por se apresen-
tar voluntariamente para ser interro-
gado. Ao Expresso, Rui Patrício, ad-
vogado de Vaz Antunes diz não fazer
comentários sobre temas do processo,
quaisquer que sejam. “Revelar direta
ou indiretamente temas do processo é
violação do segredo de justiça.”
hfranco@expresso.impresa.pt
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Diogo
Ribeiro
Nadador
O jovem de 18 anos bateu o recorde
nacional e alcançou o melhor resul-
tado de sempre para a natação por-
tuguesa na prova de 50 metros ma-
riposa, no Campeonato do Mundo
que decorre no Japão. Diogo Ribei-
ro fez história ao conquistar a me-
dalha de prata na prova em que se
estreou na qualidade de sénior.
Lídia
Jorge
Escritora
A autora venceu o Grande Prémio
de Romance e Novela da Associação
Portuguesa de Escritores. A obra
“Misericórdia” foi escolhida por
unanimidade pelo júri, que não lhe
poupou elogios, entre um conjun-
to de 86 livros admitidos a concur-
so em 2022. Lídia Jorge conquista
o prémio pela segunda vez, 20 anos
depois de já ter sido distinguida.
E BAIXOS
Manuel
Pizarro
Ministro da Saúde
A contestação obrigou esta sema-
na ao encerramento de vários blo-
cos de cirurgia dos hospitais públi-
cos e centros de saúde de norte a
sul do país. O protesto foi convoca-
do pelo sindicato independente dos
médicos para exigir atualizações
salariais que estão em discussão há
mais de um ano. O braço de ferro
que surge numa altura em que não
faltam notícias sobre exemplos de
degradação e demissões nos servi-
ços do SNS que ameaçam uma res-
posta adequada aos utentes.
António
Costa
Primeiro-ministro
O veto do Presidente ao diploma
sobre a carreira dos professores
reabre uma discussão e coloca uma
pressão acrescida no Governo que
tem repetido que fechou a porta à
recuperação integral do tempo de
serviço congelado. Marcelo fala em
desigualdade de tratamento entre
os professores das regiões autóno-
mas e do continente e sugere cami-
nhos para responder às exigências
dos sindicatos, que já fizeram saber
que querem regressar às negocia-
ções. O PR também deixa um sinal
de apoio à luta do sector da saúde
em semana de contestação. Reca-
dos com novo impacto nas relações
Belém/São Bento.
Armando
Pereira
Cofundador da Altice
O juiz de Instrução decidiu que Ar-
mando Pereira e o seu braço-di-
reito, Hernâni Vaz Antunes, ficam
em prisão domiciliária a aguardar
a acusação e o julgamento da Ope-
ração Picoas. As medidas de coa-
ção não seguiram a linha mais du-
ra sugerida pelo Ministério Públi-
co, mas as acusações são graves.
Em causa estão crimes de corrup-
ção, branqueamento de capitais e
fraude fiscal, que podem ter lesado
o Estado em mais de 100 milhões
de euros.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Pineal GNR bateu
à porta da seita à
procura de mulher
Investigação à seita tem cerca
de um ano, altura em que
foram interrogados ex-acólitos.
PJ foi à autarquia esta semana
Há dois dias, a GNR deslocou-se pela
segunda vez no espaço de poucos
dias até à herdade do Reino do Pi-
neal, a 20 quilómetros de Oliveira
do Hospital, para notificar Cátia G.,
companheira de um dos principais
membros daquela seita, James M.,
conhecido por Jah. Os militares que-
riam que a acólita assinasse o docu-
mento judicial para comparecer em
tribunal para a disputa da custódia da
filha de sete meses. Os avós maternos
querem a guarda da neta, por suspei-
tarem que a bebé não foi vacinada
nem tem acesso a cuidados médicos e
têm receio que lhe possa acontecer o
mesmo que ao bebé de 14 meses que
morreu na herdade em abril de 2022.
Só que, como apurou o Expresso
junto de fonte judicial, a missão da
GNR não resultou. Se na primeira vez
ninguém compareceu no portão da
herdade, nesta ocasião um membro do
Reino do Pineal acabou por falar com
os militares. Mas garantiu que ali não
havia ninguém com o nome de Cátia
G., recusando-se a chamar qualquer
outra pessoa da seita para esclarecer
o assunto. Os membros da seita as-
O Cartoon de António O impasse da bravura
Mécia e Jorge de Sena
Reunidos na morte
A cerimónia que juntará as
cinzas de Mécia de Sena aos
restos mortais do marido terá
lugar no Cemitério dos Prazeres
As cinzas de Mécia de Sena (1920-
2020) vão juntar-se aos restos mor-
tais de Jorge de Sena (1919-1978),
45 anos depois do desaparecimento
dele, e três do dela. A cerimónia, que
os filhos pretendem manter privada,
está prevista, para esta sexta-feira,
dia 28, pelas 11h, no Cemitério dos
Prazeres, apurou o Expresso.
Cumpre-se o destino de “um amor
que nunca diminuiu, pelo contrário”,
conforme Mécia de Sena confessou,
sumem nomes diferentes dentro do
grupo e isso terá sido usado como des-
culpa pelo representante interpelado
pela GNR para dizer que desconhecia
Cátia G. Sem poder fazer mais nada, a
Guarda acabou por se ir embora sem
notificar a mulher, que já deveria ter-se
apresentado em tribunal esta semana.
A família de Cátia G. está inconso-
lável. “É possível que tenham dito à
GNR que a Cátia não estava lá apenas
no sentido de evitar que fosse notifi-
cada para comparecer em tribunal.
Mas agora estamos ainda mais an-
gustiados por não saber dela. E se se
foi embora e levou a filha com ela?
Não tivemos mais informações dela”,
conta uma familiar ao Expresso, que
pediu o anonimato. Esta familiar cri-
tica a inação das autoridades, nomea-
damente do Ministério Público, neste
caso. “Porque não deram à GNR a
autorização para entrar na proprie-
PJ está a recolher
informação sobre
a presença do líder
da seita na reunião
do executivo municipal
no final de 2022
em 2003, a Joana Pontes, no docu-
mentário “O Escritor Prodigioso”.
Conheceram-se no Porto, num “bai-
larico de receção aos caloiros da Fa-
culdade de Farmácia. (...) Marquei-o
logo no primeiro dia, como ele me
marcou a mim”. Casaram-se a 12 de
março de 1949, após cinco anos de
noivado e intensa troca de correspon-
dência. Tiveram nove filhos e uma
relação exemplar. “Não acredito que
possa existir mais entendimento e
mais profundo entendimento do que
nós tínhamos”, confessou Mécia, ain-
da que a vida os sacuda. Em Portugal,
devido à atividade política de Sena
de oposição ao regime, enfrentam a
dade? E porque não vemos a PJ a
fazer buscas à seita?”
Questionado por e-mail pelo Ex-
presso sobre este assunto, um mem-
bro do Reino do Pineal recusou-se
a revelar o paradeiro de Cátia G.
“Sem comentários, não divulgamos
publicamente assuntos familiares
privados.”
PJ em Oliveira do Hospital
No início desta semana, vários inspe-
tores da Polícia Judiciária estiveram
nas instalações da Câmara de Oliveira
do Hospital, de acordo com uma fonte
da autarquia. O Expresso sabe que os
inspetores estarão a recolher informa-
ção sobre a presença do líder da seita
na reunião pública do executivo mu-
nicipal em dezembro do ano passado.
O chef britânico Martin Junior Ken-
ny, agora conhecido por Água Akbal
Pinheiro, exigiu então que o Estado
português reconhecesse a “autono-
mia” do terreno onde residem. Algo
que não foi aceite pela autarquia, que
fez um relatório sobre as condições
de vida na herdade, detetando várias
ilegalidades.
Uma fonte da PJ da diretoria do
centro confirma que foi aberto um
inquérito sobre o caso — a pretexto
da morte do bebé —, mas recusa-se
a revelar detalhes por este estar em
segredo de justiça.
O Expresso sabe que a investigação
criminal à seita começou há cerca de
um ano, quando a GNR de Oliveira
do Hospital interrogou testemunhas e
acólitos desavindos. Uma dessas pes-
soas foi Ana Sofia, que saiu do Reino
do Pineal em junho de 2021 e foi in-
terrogada pela Guarda em outubro do
ano seguinte. “Os militares já tinham
falado com outras pessoas ligadas à
vigilância da PIDE e, no exílio, preo-
cupações de ordem económica.
A ligação de Sena ao golpe falhado
dos Claustros da Sé leva-o a abando-
nar o trabalho de engenheiro civil
nas Estradas de Portugal, em 1959,
e ao exílio no Brasil, país onde pode,
por fim, dedicar-se às letras. Adquire
a nacionalidade brasileira, termina
o doutoramento com nota máxima
e ovação da assistência e do júri, e
começa a lecionar.
Perante a instauração da ditadura
militar no Brasil, em 1964, Mécia,
Jorge e os filhos partem de novo. Nos
EUA, em Wisconsin, e, mais tarde,
em Santa Bárbara, na Califórnia,
Sena prossegue a carreira de profes-
sor e a produção literária. Apesar do
mar estar perto, a vida na Califórnia
“era como estar num barco sem mo-
lhar os pés” (...) “as pessoas não con-
viviam”. São as cartas que o seguram
aos amigos portugueses, ainda que a
escrita epistolar não possa colmatar
a grande mágoa que sente perante
Expresso, 28 de julho de 2023
seita e estavam a construir um caso
contra eles”, diz Ana ao Expresso.
A ex-acólita foi a primeira portuguesa
a integrar o Reino do Pineal, em se-
tembro de 2020. Esteve lá cerca de um
ano a viver, mas não gostou do que viu
e sentiu. “Não havia abusos físicos, mas
assisti a abusos psicológicos por parte
dos três homens mais importantes do
grupo: coação, manipulação e lavagem
ao cérebro, sobretudo às mulheres que
se encontravam numa situação mais
frágil, e até algum bullying com pes-
soas que discordassem da sua visão.”
Ana Sofia lembra-se também de
casos de poligamia entre alguns dos
homens da seita. “Dois dos principais
membros assumiram-se como polí-
gamos desde o início (Jah e Jey), ao
contrário de Água Akbal Ribeiro. Mas
à medida que aqueles dois foram ga-
nhando mais poder na comunidade, a
poligamia começou a ser incentivada e
todas as outras regras absurdas come-
çaram a aparecer.”
O Reino do Pineal refuta as “injustas”
acusações de abusos psicológicos. “O
papel dos homens na nossa comunida-
de é e será sempre o de servir e prote-
ger todas as nossas crianças, mulheres
e animais o melhor que pudermos”,
dizem ao Expresso. E argumentam
que algumas pessoas juntaram-se à co-
munidade “na esperança de viver uma
vida fácil e descontraída no campo e
não estavam preparados ou dispostos
a trabalhar na terra, nas hortas ou a
contribuir fisicamente com quaisquer
competências para a comunidade”.
Assumem, no entanto, a poligamia,
garantindo que apenas uma família a
pratica. “Como comunidade, orgulha-
mo-nos da liberdade de escolha.”
Hugo Franco
e Pedro Miguel Coelho
hfranco@expresso.impresa.pt
os “oficiais” que dominam o meio
literário nacional.
“Terra do Inefável”
Sem uma segunda pátria, eterno exi-
lado, Sena volta a Portugal, após o
25 de Abril, para se desiludir. Numa
entrevista que dá nos EUA, pouco an-
tes de morrer, sublinha a importância
da sua própria obra e coloca-a num
patamar superior àquele que atribui
à produção literária nacional.
Em 2009, Mécia consegue apoio
para trasladar os restos mortais do
marido para o Cemitério dos Praze-
res, em Lisboa. Nessa altura, conclui
também a doação do espólio do poeta,
escritor, ensaísta, professor e tradutor
à Biblioteca Nacional. Agora, é a vez de
Mécia se juntar ao marido, “na terra do
inefável”. Não surpreende que o casal
tenha sido comparado a outros pares
românticos da história da literatura.
Cristina Margato
cmargato@expresso.impresa.pt
Expresso, 28 de julho de 2023
JMJ
Políticos
em
romaria
para ver
o Papa
O primeiro-ministro
e outros elementos
do Governo vão marcar
presença em, pelo menos,
três eventos com o Papa
Há pelo menos três momentos
da Jornada Mundial da Juventu-
de (JMJ) que vão contar com a
presença do primeiro-ministro
ou de membros do Governo: a
chegada do Papa Francisco a
Lisboa, o encontro com jovens
na Universidade Católica e a
missa de envio, que encerra a
semana da Jornada. Na cerimó-
nia de boas-vindas ao Papa, dia
2 de agosto, também os líderes
políticos do PSD, IL, PCP e PAN
estão entre os convidados. Só
o Bloco de Esquerda e o Livre
não vão participar em nenhum
evento da JMJ. Até à data da
publicação, o Chega não deu
qualquer resposta.
Na chegada do Papa a Lisboa
haverá uma “cerimónia de boas-
-vindas” no Palácio Nacional de
Belém, seguida por uma “visita
de cortesia” ao Presidente da
República. Na mesma manhã
haverá um encontro com as au-
toridades, a sociedade civil e o
corpo diplomático no Centro
Cultural de Belém. É aqui que
se irão juntar “diversos mem-
bros” do Governo, assim como
Luís Montenegro, Rui Rocha,
Paulo Raimundo e Inês Sousa
Real, confirmou o Expresso. O
encontro oficial com o primei-
ro-ministro acontecerá quatro
horas mais tarde.
Já fora do âmbito protocolar,
António Costa e “vários outros
membros do Governo” irão par-
ticipar na missa de envio, que
marca o final da JMJ, celebra-
da pelo Papa no dia 6. Também
Luís Montenegro confirmou a
presença neste evento.
A meio da semana da JMJ, os
caminhos do Papa e do Execu-
tivo socialista voltam a cruzar-
-se. Pedro Adão e Silva e Elvira
Fortunato vão estar ao lado
do Sumo Pontífice durante o
encontro deste com jovens na
Universidade Católica Portu-
guesa, no dia 3. Também está
previsto que Ana Catarina Men-
des, a ministra com a tutela da
JMJ, acompanhe “diferentes
momentos da visita do Papa”.
Fora do Governo, o grupo par-
lamentar do PS não terá “qual-
quer representação oficial”,
contudo os deputados socialis-
tas podem vir a participar em
alguns eventos da JMJ a “título
individual”.
Do lado da oposição, também
Luís Montenegro deixou a por-
ta aberta para participações
“a título individual”, além das
boas-vindas ao Papa e da mis-
sa final. Caso aconteça, poderá
encontrar Joaquim Miranda
Sarmento, líder da bancada par-
lamentar social-democrata, que
confirmou a presença na vigília,
na noite de 5 de agosto, e na
missa de envio, na manhã do dia
seguinte, ambas a “título indivi-
dual”. Também a IL admitiu que
elementos do partido podem
participar a “nível individual”.
À esquerda, o cenário é dife-
rente. Só o PCP terá o seu se-
cretário-geral no momento pro-
tocolar com o Papa Francisco,
enquanto Bloco e Livre ficarão
de fora de qualquer iniciativa.
Margarida Coutinho
mcoutinho@expresso.impresa.pt
JMJ Quase metade dos contratos públicos para o evento foram
celebrados nos últimos 30 dias. Valor total supera 38 milhões de euros
Contratos a correr
antes de o Papa chegar
Texto Tiago Soares
S
Foto João Girão
ão 194 os contra-
tos celebrados por
entidades públicas
relacionados com
a Jornada Mundial
da Juventude (JMJ)
desde 2020, num
valor total superi-
or a 38,33 milhões
de euros. Destas adjudicações, só
seis contratos foram celebrados em
2020, nove no ano seguinte e apenas
27 em 2022. Significa isto que a es-
magadora maioria das adjudicações
(78,50%) foram feitas já em 2023,
nos últimos sete meses. E há outro
dado a mostrar como a receção ao
Papa acelerou nos últimos meses:
dos 194 contratos contabilizados
pelo Expresso, 91 (46,9% do total)
foram celebrados no último mês,
num valor próximo dos 6 milhões
— praticamente 200 mil euros por
dia, em média. Nesse período, o peso
dos ajustes diretos subiu 13 pontos,
para 83,50% de todos os contratos
celebrados, em comparação com a
percentagem verificada entre 2020
e 26 de junho deste ano.
Estes mais de 38 milhões não re-
presentam os gastos totais do Estado
com o certame: podem já ter sido
celebrados outros contratos públi-
cos que ainda não foram publicados
no Base ou que tenham escapado às
combinações testadas pelo Expres-
so. Por exemplo, após a polémica
entre Governo e autarquia de Lisboa
no final de janeiro, a Igreja Católica
comprometeu-se a custear o palco do
Parque Eduardo VII (450 mil euros),
valor que não tem de ser reportado
ao Base.
Artigo no OE 2022
permite ajustes diretos
O pontapé de saída do Estado no in-
vestimento para o evento previsto
para o ano passado mas adiado pela
pandemia foi a 25 de junho de 2020:
o município de Ourém celebrou um
contrato para requalificar a Avenida
Papa João XXIII, em Fátima. Foi a
primeira de 17 adjudicações feitas
pela autarquia para preparar o espa-
ço onde o Papa Francisco vai passar
este sábado: destas, nove dizem res-
peito ao tratamento de “jardins” e
“espaços verdes” em vários pontos
de Ourém (695 mil euros).
Outro número: 75,8% dos contratos
identificados pelo Expresso foram ce-
lebrados por ajuste direto — mesmo
contratos chorudos que em condições
normais exigiriam um concurso pú-
blico e o visto do Tribunal de Contas
(TdC), como a preparação dos terre-
nos na zona ribeirinha da Bobadela
(no valor de 4,29 milhões adjudicado
por Loures); ou a construção do al-
tar-palco no Parque Tejo-Trancão,
trabalho de 4,24 milhões que a Mota
Engil arrecadou à SRU, uma empresa
municipal de Lisboa criada em 2004
e dedicada à reabilitação urbana. To-
dos estes ajustes diretos — 147 no
total — só foram possíveis graças ao
artigo 149º da lei do Orçamento do
Estado de 2022, aprovado pela mai-
oria do Governo e que alarga os mon-
tantes máximos de todos os contratos
públicos feitos para a JMJ. Dessa for-
ma, só 11% dos contratos analisados
pelo Expresso (22) passaram por um
concurso público; e apenas 24 (ou
12,4%) mereceram uma consulta pré-
via por parte das entidades públicas.
Lisboa paga metade das despesas
Há várias entidades públicas que se
destacam — quer no número de con-
tratos realizados quer nos montantes
despendidos. O município de Loures é
a entidade pública que mais contratos
celebrou: 30, num total superior a
5,40 milhões, ou 14,1% do ‘bolo’ total
da JMJ analisado pelo Expresso. Na
linha da frente também está o Gover-
no: a Secretaria-Geral da Presidência
do Conselho de Ministros, gerida por
André Moz Caldas e sob a tutela dire-
ta de Mariana Vieira da Silva, ministra
da Presidência, já gastou cerca de
9,96 milhões de euros em 24 contra-
tos, incluindo na “instalação de torres
de som e ecrãs no Parque Tejo”, junto
ao Aterro Sanitário de Beirolas.
Governo e Loures só ficam atrás
da SUR, empresa municipal lisboe-
ta de reabilitação e a entidade mais
gastadora até agora: quase 15,33 mi-
ENTRE OS CONTRATOS
IDENTIFICADOS
PELO EXPRESSO,
75,8% FORAM
POR AJUSTE DIRETO
PRIMEIRO CADERNO 5
NO FIM ERA
O VERBO
Palco junto ao Tejo
e ao Trancão que vai
PRÉMIO ATIRAR AO ALVO
“Entendo que deveria
acolher a JMJ está pronto
figurar a ideia
de que não encerra
definitivamente o
processo [da contagem
do serviço prestado
pelos professores do
continente] não há nem
pode haver comparação
entre o estatuto dos
professores, tal como
o dos profissionais
de saúde, e o de
outras carreiras”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República a justificar o veto ao
diploma sobre a carreira dos professores
PRÉMIO NOVO FÔLEGO
“Já não é só
uma posição dos
professores que
merece concordância
da opinião pública, mas
do próprio Presidente”
Mário Nogueira
Secretário-geral da Fenprof
PRÉMIO ALIVIAR O CINTO
“O OE para 2024 será
o primeiro Orçamento,
em muitos anos,
a não ter cativações”
Fernando Medina
Ministro das Finanças à RTP
PRÉMIO AUTOAVALIAÇÃO
“Procurei exercer
uma presidência
lhões espalhados por 26 contratos,
ou 40% das despesas totais da JMJ contida, imparcial
em análise. A Empresa de Gestão e aglutinadora”
de Equipamentos e Animação Cul- Augusto Santos Silva
tural (EGEAC, também detida pela Presidente da Assembleia da República
autarquia) já desembolsou mais de
2,88 milhões em 19 contratos. E o PRÉMIO RIMAR PARA
próprio município liderado por Carlos CONQUISTAR
Moedas já gastou quase um milhão “O dr. António Costa
em 20 contratos. Somando estas três
entidades municipais, aliás, conclui- e o PS estão a viver
-se que 50% dos gastos publicados até na lua. O melhor que
agora ficaram a cargo de estruturas temos a fazer a esse
da capital. Governo é pô-lo na rua”
Luís Montenegro
Custos totais por divulgar Presidente do PSD sobre a leitura do
Governo no debate do estado da nação
Várias autarquias de fora de Lisboa —
Felgueiras, Benavente, Amares, Es-
PRÉMIO ANALOGIAS
posende, por exemplo — investiram
milhares para garantir transportes “É um bom exemplo
e refeições aos munícipes que se vão para todos nós. Perante
deslocar à capital. Há contratos de a adversidade, o que
todo o tipo: seguranças privados e
assessores para atividades várias, podemos fazer é lutar
95 mil euros pagos por Carlos Moe- e, quando as coisas não
das à TVI para promover a cidade na estão a correr bem,
televisão e em plataformas digitais, é dar a volta e seguir
ou os mais de 684 mil euros que o
município de Oeiras deu há dias à em frente”
promotora Everything Is New para António Costa
gerir a logística das atividades mar- Primeiro-ministro após o jogo de estreia da
cadas para o Passeio Marítimo de Al- seleção de futebol feminino no Mundial
gés — onde se realiza o Festival NOS
Alive, também da empresa de Álvaro PRÉMIO LEITURA SELETIVA
Covões. Aliás, o município de Isaltino “Os que defendiam o
Morais está no topo dos mais gasta- machismo, o retrocesso
dores: mais de um milhão de euros nos direitos e liberdades
em 11 contratos. Além disso, a GNR
adquiriu geradores de energia no va- fracassaram, o PP e o
lor de quase 9,5 mil, o INEM avançou Vox saíram derrotados”
há poucos dias para a compra de 70 Pedro Sánchez
telemóveis por quase 15 mil euros, e Presidente do PSOE
até o Instituto do Vinho, do Bordado
e do Artesanato da Madeira (IVBAM) PRÉMIO SABOR A DERROTA
gastou 3,5 mil euros por ajuste direto
numa “caixa de embutidos persona-
“Superámos o partido
lizada para oferta a Sua Santidade, o socialista em votos e
Papa Francisco”, lê-se no contrato. lugares no Parlamento.
Tudo somado, esta é apenas uma fa- Ninguém tenha
tia do bolo JMJ em comparação com
as estimativas de custos avançadas a tentação de voltar
nos últimos meses: o Governo esti- a bloquear Espanha”
mou a sua parte em 30 milhões, Lis- Alberto Núñez Feijóo
boa avançou com 35 milhões (mais Presidente do PP
13,5 do que previa inicialmente) e
Loures com 9 milhões. Mas os cus-
tos agregados para o erário público
PRÉMIO NO PÓDIO
“Estou sem palavras,
com a visita do Papa ainda não fo-
ram comunicados oficialmente por ainda não acredito”
nenhuma das partes envolvidas, e o Diogo Ribeiro
retorno para o país desse investimen- Nadador, após a conquista da medalha
to também não. de prata nos Mundiais de natação
Com Sofia Miguel Rosa Paula Santos
tsoares@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

Inédito Romaria de católicos vai mudar a face

Parque Eduardo VII
do país durante uma semana. Fiéis prometem
“alegria”, mas há ainda dúvidas e incertezas
Textos João Diogo Correia Infografia Jaime Figueiredo

Guia para
os dias
de exceção
com o Papa

Terça-feira, 1 de agosto Quarta-feira, 2 de agosto Parque Tejo-Trancão

A abertura com D. Manuel Clemente Um dia com Marcelo e Costa

O dia 1 da JMJ é também o primeiro O Papa Francisco aterra na base área

dia de condicionamentos em Lisboa,
mesmo que ainda sem a presença do
Papa Francisco. O momento-chave é a
missa de abertura presidida pelo car-
deal-patriarca de Lisboa, D. Manuel
Clemente, durante uma hora e meia
no Parque Eduardo VII (19h-21h30).
Nessa altura, estarão já encerradas
quatro estações de Metro, além dos
outros condicionamentos previstos
para os dias 1, 3 e 4 de agosto (ver
legenda). São esperados cerca de
300 mil peregrinos. Mas há mais:
terça-feira é também o dia em que
nasce a chamada Cidade da Alegria,
em Belém, onde estarão stands de
vários movimentos e associações de
cariz religioso e social (Parque Vo-
cacional) e os 150 confessionários
construídos por reclusos (Parque do
Perdão), a funcionar durante quatro
dias seguidos.
Scholas Occurrentes
Cascais
de Figo Maduro, logo às 10h. Porém,
este é uma espécie de “dia extra” da
JMJ, que o Papa fez questão de adici-
onar à agenda e que serve mais para o
contacto com as altas figuras do Esta-
do e da Igreja do que com os peregri-
nos. É por isso que dia 2 é também a
exceção, sem restrições de maior, em-
bora com medidas de segurança per-
manentes. De manhã, o Papa é recebi-
do no Palácio de Belém por Marcelo
Rebelo de Sousa (10h45), antes de um
encontro com as autoridades e com o
corpo diplomático, também em Belém,
no CCB. É de lá que faz o primeiro de
oito discursos que tem preparados
para a semana. À tarde, encontra-se
com António Costa na Nunciatura
Apostólica (16h45) e encerra o dia
com uma homilia no Mosteiro dos
Jerónimos perante bispos, sacerdotes
e outras figuras da Igreja.
A5
Estoril
Quinta-feira, 3 de agosto
O acolhimento do Papa
É na quinta-feira que se dá o primeiro
grande encontro entre o Papa e os mi-
lhares de peregrinos que visitam Por-
tugal. Às 17h45, o Parque Eduardo
VII, batizado Colina do Encontro,
recebe a cerimónia de acolhimento
ao responsável máximo da Igreja.
Não será ainda o maior encontro no
Parque (são esperados entre 400 mil
a meio milhão de peregrinos), mas
servirá para medir, e se necessário
aumentar, as restrições à circulação.
Entre elas, destaque para o fecho de
quatro estações de metro, a deslocali-
zação do terminal da Carris do Mar-
quês de Pombal (que, aliás, vai estar
encerrado durante toda a semana) e
que obrigará a deslocar várias linhas
para um terminal provisório, e a cria-
ção de uma “zona vermelha”, onde
é apenas permitida a circulação a pé
(à exceção de moradores e veículos
autorizados). Essa zona ocupa todo o
corredor que vai do Marquês de Pom-
bal até ao Terreiro do Paço. À vol-
ta, a “zona amarela” estará também
condicionada (quem trabalha deve
levar uma declaração da entidade pa-
tronal), o que inclui as freguesias de
Santa Maria Maior, Santo António
e Avenidas Novas, chegando, junto
ao rio, ao Cais do Sodré e a Santa
Apolónia. Andar de bicicleta também
não será permitido nestas zonas.
Durante a manhã, o Papa Francisco
tem previsto um discurso na Univer-
sidade Católica Portuguesa (9h), se-
guindo depois para Cascais (10h40),
que terá durante esta manhã vários
condicionamentos de trânsito no cen-
tro da vila e junto às zonas de praia.
No centro histórico, o Papa visita o
Scholas Occurrentes, um programa
educativo iniciado em 2001 em Bue-
nos Aires pelo então arcebispo da ca-
pital argentina: Jorge Bergoglio, hoje
Papa Francisco.
Sexta-feira, 4 de agosto
A Via Sacra e o trânsito
O grande momento da JMJ em Lisboa e
o de maior constrangimento para quem
vive e trabalha na cidade. São esperadas
750 mil pessoas, que vão chegando ao
longo do dia e recebem o Papa Francis-
co pelas 18h, para a Via Sacra no Parque
Eduardo VII (até às 19h30). Há, antes
disso, alguns espetáculos em palco.
Para os fiéis, a Via Sacra um momen-
to de comunhão, em que é percorrido,
simbólica e mentalmente, o percurso
de Jesus até à cruz, em 14 estações
coreografadas.
Os condicionamentos previstos são
os mesmos dos dias 1 e 3, incluindo as
zonas “vermelha”, “amarela” e “verde”,
a de menor constrangimento. No en-
tanto, dada a afluência prevista, é pos-
sível que sejam feitos “cortes pontuais”
Estádio Nacional
3000 lugares

Carcavelos Paço de Arcos

1.200.000
Oeiras

é o número de peregrinos com que a Igreja está a contar para a edição da JMJ em
Lisboa, segundo o bispo, agora elevado a cardeal, D. Américo Aguiar em entrevista ao
Observador. A organização tem repetido que há incerteza quanto ao número exato de
participantes, sobretudo pelos que decidem participar perto da data do evento

Locais onde o evento decorre Zonas de restrição à circulação rodoviária

Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira, Sábado, Domingo, Zona “vermelha” Zona “amarela” em que existem Zona “verde” em que não
1 de agosto 2 de agosto 3 de agosto 4 de agosto 5 de agosto 6 de agosto onde o trânsito condicionamentos e a população é há restrição prévia, mas pode
está proibido aconselhada a não usar carro próprio haver “cortes pontuais”
Expresso, 28 de julho de 2023
FOTOS JOÃO GIRÃO
Passeio Marítimo de Algés
nas zonas circundantes. É também
por isso que foi concedida tolerância
de ponto aos funcionários públicos e
recomendado o teletrabalho.
O dia começa com alguns jovens
católicos a confessarem-se perante o
Papa (9h), no Parque do Perdão, em
Belém, e tem outro momento relevante
logo depois, na visita ao Bairro da Se-
rafina (9h45), em Campolide. Por lá,
Francisco deverá insistir na importân-
cia de olhar para “as periferias”, num
bairro marcado por anos de pobreza
e fracas condições de habitabilidade.
Apesar da expectativa, é pouco prová-
vel que o Papa faça grandes circuitos,
concentrando-se na visita ao Centro
Social e Paroquial do bairro, que presta
assistência à população. Também aqui
o responsável máximo da Igreja fará
um discurso.
Algés
Mosteiro
dos Jerónimos
Palácio de Belém
Passeio
Marítimo de Algés “Cidade da Alegria” (Parque do Perdão e Parque Vocacional)
Plano de transportes
Estacionamento Interfaces entre os vários
para veículos ligeiros modos de transporte público
Ponte sobre o rio Trancão
Sábado, 5 de agosto
Um milhão no Parque Tejo-Trancão
É o dia mais longo e com mais viagens
do Papa em Portugal. A mobilidade
limitada de Francisco chegou a amea-
çar a sua presença, mas nem por isso
a agenda encolheu. É certo que há
algumas horas livres, que em parte
servirão para recuperar energia, mas
também é verdade que algumas dessas
horas poderão servir para encontros
com vítimas de abusos sexuais. Por
questões de segurança e privacidade,
estes não serão anunciados.
Para sábado, estão previstos dois dis-
cursos. E um é logo de manhã, quando
o Papa se desloca a Fátima num he-
licóptero militar, para um encontro
de cerca de duas horas (9h-11h), onde
fará uma oração com jovens doentes e
reclusos, na Capelinha das Aparições,
no Santuário de Fátima. E de onde se
espera ainda que faça uma oração pela
paz na Ucrânia, segundo o que foi, en-
tretanto, anunciado pelo Vaticano.
Entre o regresso a Lisboa e o en-
contro privado com os membros da
Companhia de Jesus, no Colégio
de São João de Brito, em Lisboa,
às 18h, há um espaço em branco na
agenda papal. Com a capital já menos
congestionada, é por esta altura que a
JMJ se desloca para oriente.
Para os terrenos que dividem Lis-
boa e Loures, do Parque Tejo-Tran-
cão, que nesta semana será conhecido
Colégio de São João de Brito
Colégio Militar
Universidade Católica
Centro Paroquial de Serafina
Parque Eduardo VII
“Colina do Encontro”
(terça, quinta e sexta)
Alcântara
Belém
Estações encerradas
Metro (1, 3 e 4 de agosto)
Avenida, Marquês de Pombal,
Parque e Restauradores
PRIMEIRO CADERNO 7
>>
Domingo, 6 de agosto
O anúncio e a despedida Tal como no sábado, também no
domingo haverá quatro estações da
Encerramento do maior encontro ca- CP fechadas nesta zona: Moscavide,
tólico do mundo, começado na década Sacavém, Bobadela e Santa Iria.
de 1980 por iniciativa do Papa João Além disso, a saída do recinto, depois
Paulo II. do Papa, será feita a conta-gotas e vai
A missa final é celebrada também exigir dos peregrinos cuidados com a
FOTO MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
no Parque Tejo-Trancão pelo Papa hidratação e a proteção do sol. Pelo
Francisco, mais uma vez fugindo às recinto estão espalhadas cerca de mil
horas de maior calor (começa às 9h) torneiras, sendo que os peregrinos
e precedida do anúncio da cidade que com kit de alimentação, além de 1,5
vai acolher a próxima JMJ. Foi assim litros de água, têm direito a garrafas
há quatro anos, no Panamá, que Lis- recicladas, que devem ir enchendo.
boa foi anunciada para 2022, antes de Para as 16h30 está previsto o último
ser adiada para este ano por causa da momento do Papa Francisco no país,
pandemia de covid-19. já depois do encerramento oficial.
Dos vários momentos da JMJ, este Embora haja ainda lugar a um der-
é, porventura, o de maior impacto e radeiro discurso, a tarde é dedicada
maior cobertura internacional, com aos cerca de 30 mil voluntários que
a homilia do Papa e a concentração vão contribuir para a Jornada, que se
de todos os peregrinos que vêm a reúnem com o Papa, que lhes vai agra-
como Campo da Graça, vão todos os Portugal. Segundo a organização, o decer o esforço, no Passeio Marítimo
peregrinos esperados para a JMJ, a recorde foi batido em 1995, em Mani- de Algés, em Oeiras.
rondar 1 milhão. É impossível saber o la, capital das Filipinas, quando qua- Sem surpresa, é nessa altura que as
número exato dos que vão querer assis- tro milhões de pessoas assistiram ao restrições passam para esse conce-
tir à cerimónia, que é de entrada livre. encerramento. lho, sobretudo para a zona conhecida
Todos os peregrinos inscritos na JMJ Embora milhares de peregrinos pelos concertos e festivais, que vai
têm um espaço próprio para assistir à só consigam ver o palco à distância, estar fechada ao trânsito. O Papa des-
cerimónia e pernoitar, ao contrário está previsto um momento em que pede-se de seguida, pouco antes das
dos não inscritos, que ficarão numa o Papa se desloca pelo recinto. A 18h, numa pequena cerimónia na base
zona mais afastada do palco — aliás, ponte que liga Lisboa a Loures aérea de Figo Maduro, e regressa a
para esses, ver o Papa só mesmo atra- tem estrutura para, além de cumprir Roma pelas 22h15. “Maria levantou-se
vés dos ecrãs gigantes que vão estar a função pedonal, suportar a pas- e partiu apressadamente” foi a citação
montados ao longo dos 100 hectares sagem do papamóvel que vai levar bíblica escolhida pelo Papa Francisco
do Parque Tejo-Trancão. Francisco a cumprimentar os fiéis para a edição da JMJ em Lisboa.
Os condicionamentos à circulação de perto. jdcorreia@expresso.impresa.pt
no fim de semana são nesta zona da
cidade, que vai estar com trânsito
cortado ou limitado desde o Oriente Basílica
até à Póvoa de Santa Iria. Também é
junto ao Campo da Graça que vai estar
um dos parques de estacionamento de Santuário
autocarros, com cerca de mil lugares, de Fátima O Papa Francisco vai viajar
que vão sendo ocupados ao longo do entre Lisboa e Fátima
(100 km), num helicóptero
dia. No entanto, milhares de fiéis che-
EH-101 Merlin da Força
garão ao local a pé, fazendo jus à ideia Aérea. O voo terá uma
de peregrinação. duração de 50 minutos
Uma vez que o calor é uma das preo- Capelinha
cupações, num parque aberto e sem das Aparições
sombras, a vigília com o Papa Fran- Parque Tejo-Trancão
cisco está marcada para as 20h45. “Campo da Graça”
É mais um momento de oração e (sábado e domingo)
comunhão, precedido de alguns es-
petáculos (a cantora Carminho está
confirmada), que antecede a missa Loures
2000 lugares
final, no mesmo local. Os peregrinos
não deverão abandonar o espaço.
Sacavém Ponte
Alta de Lisboa sobre o rio
Trancão
Altar-palco
Base aérea
de Figo Maduro
Moscavide
Campo Grande
2ª Circular
Oriente
Parque das Nações
400 lugares
Sete Rios
Roma/Areeiro
Nunciatura Apostólica
Saldanha
Marquês
de Pombal
Rossio Ponte sobre o rio
Trancão que vai ligar
Lisboa e Loures, no que
Santa Apolónia se espera vir a ser um
futuro parque urbano,
foi estruturada a
pensar na passagem
Cais do Sodré Terreiro do Paço do Papa Francisco
CP (5 e 6 de agosto) Carris Metropolitana (1 a 6 de agosto)
Moscavide, Sacavém, Bobadela Relocalização do terminal do Marquês de
e Santa Iria Pombal para a Rua Marquês Sá da Bandeira
8 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

IGREJA GARANTE
QUE PASSA FATURAS
IMPOSTOS Depois de um tes-
temunho que alegava que ti-
nha sido negada a fatura do
pagamento do “kit peregri-
no”, a Fundação JMJ Lisboa
2023, responsável da Igreja
pela organização do even-
to, garante ao Expresso que
“emite as faturas que lhe são
solicitadas”.
1.000.000 SNS
24 E INEM
EM 69 LÍNGUAS
de hóstias foram fabricadas
com duas toneladas de trigo
alentejano que foram
doadas às irmãs Clarissas,
do Mosteiro do Imaculado
Coração de Maria,
na Estrela, em Lisboa.
As hóstias serão oferecidas
em vários eventos, com
destaque para a missa final
com o Papa Francisco
MUNDO Dadas as diferentes
origens dos peregrinos, o
atendimento do SNS 24 e do
INEM vai estar disponível em
69 línguas durante a semana
da JMJ, em articulação com a
Linha de Apoio a Migrantes e o
Serviço de Tradução Telefóni-
ca do Alto Comissariado para
as Migrações.
8799
é o número de famílias de
acolhimento de peregrinos.
No total, há quase 30 mil
jovens a ficar nas casas destas
famílias ao longo da semana
da JMJ, nas áreas das dioceses
de acolhimento (Lisboa,
Setúbal e Santarém)
TENDAS URGENTES
E TENDAS “DA CALMA”
SAÚDE Além de 59 tendas de
primeiros socorros no Parque
Tejo e 16 no Parque Eduardo
VII, estão montadas cinco “ten-
das da calma” em cada um des-
tes espaços dedicadas à saúde
mental. Psicólogos e psiquia-
tras vão dar apoio a peregri-
nos em eventuais situações de
pânico ou de ansiedade.

Preparação Abastecimento a Lisboa é uma prioridade para as autoridades.

Aeroporto e estações de serviço são pontos-chave na JMJ

Camiões com horário noturno

para abastecer Lisboa
Outra das maiores dores de cabeça Lisboa, com a Europol e Interpol, bem A chegada do Santo

N
Hugo Franco
os últimos dias têm-
-se multiplicado as
reuniões e os brie-
fings entre as diver-
sas forças de segu-
rança, da proteção
civil, dirigentes do
Ministério das Infra-
estruturas e da gran-
de distribuição: no topo da agenda está
o delicado dossiê do abastecimento de
mercadorias e de combustível à Gran-
de Lisboa durante a Jornada Mundial
da Juventude (JMJ).
As autoridades temem que a enchen-
te de carros e de autocarros com os
milhares de peregrinos possa preju-
dicar e até, no pior cenário, bloquear
o acesso dos camiões que trazem os
alimentos e a gasolina de vários pontos
do país para a capital.
O Expresso sabe que foi já criado um
horário especial noturno para estes
pesados chegarem até às superfícies
comerciais, de modo que as esperadas
filas nas estradas e autoestradas não ge-
rem prateleiras vazias em hiper e super-
mercados. “Entre a meia-noite e as 7h
vão circular os camiões para a grande
distribuição. Já os pequenos e médios
comerciantes serão abastecidos entre
as 7h e as 10h”, confidencia uma fonte
próxima da organização do evento.
Uma das infraestruturas críticas é o
aeroporto de Lisboa. Todos os dias, de
meia em meia hora, chega um camião
vindo de Aveiras com combustível para
abastecer os aviões que partem e ater-
ram na pista do Humberto Delgado.
“Se começar a existir falhas no abas-
tecimento às aeronaves, elas não le-
vantam voo e outras deixam de poder
aterrar, provocando um efeito cascata.
Ou seja, ficaria tudo empancado na
Portela”, acrescenta esta fonte. Num
cenário de caos, turistas e peregrinos
ficariam acumulados em grande nú-
mero à espera de voo, sem local para
pernoitar e com o risco de se gerar
algum tipo de pânico ou revolta.
Para evitar este tipo de situações fo-
ram já criadas rotas alternativas para
que estes pesados não passem pelo
centro da cidade, onde se espera uma
maior concentração de veículos.
As estações de serviço dentro e em
redor da cidade são outros dos locais
considerados críticos. Dias antes do
início da JMJ, muitas das gasolinei-
ras já terão tido um reforço no abas-
tecimento de combustível para não
ficarem ‘secas’ no período de maior
procura. Também é visto como “im-
prescindível” que as estações de servi-
ço tenham stocks adicionais de água e
assumidas pelas várias fontes contacta-
das pelo Expresso é a vinda de peregri-
nos não inscritos na JMJ. A experiência
em eventos religiosos anteriores nou-
tros países diz que para cada um que
se inscreve há outros dois que viajam
sem notificar que irão participar no
evento ou que vão estar próximo do
local. Atualmente são mais de 300 mil
os peregrinos inscritos, o que significa
que poderão estar mais de um milhão
em Portugal.
É certo que muitos destes peregrinos
incógnitos viajarão para Lisboa de car-
ro, mas são também esperados cente-
nas de autocarros que ainda não estão
naturalmente contabilizados. Para já
são 5200, e Lisboa estará preparada
para receber cerca de 7 mil.
A maior tensão
As deslocações do Papa Francisco en-
tre a zona oriental e central de Lisboa,
Fátima e Oeiras serão, sem qualquer
dúvida, os momentos de maior tensão,
já que é provável que grande parte das
centenas de milhares de fiéis queiram
seguir de perto o percurso da figura
mais importante da Igreja Católica. E
nessas alturas haverá peregrinos blo-
queados no meio de estradas e auto-
estradas sob temperaturas elevadas.
“Momentos como esses serão decisivos
para se perceber se tudo vai correr bem
ou, pelo contrário, se o evento será um
desastre”, desabafa fonte ligada à JMJ.
O dia 6 de agosto, o último da JMJ,
afigura-se “especialmente compli-
cado”, já que uma grande parte dos
peregrinos irá embora em massa si-
multaneamente nesse domingo. Ao
contrário do que acontece à chegada,
em que entram em Portugal a conta-
-gotas e em dias e a horas diferentes.
“Seria muito difícil de acontecer, mas
se multiplicarmos o número de auto-
carros, e dado o seu comprimento, po-
díamos ter filas com 90 quilómetros”,
alerta outra fonte.
A polícia portuguesa contará com
o apoio da segurança do Papa (a gen-
darmerie do Vaticano e a Guarda Suí-
ça), que chegou no último domingo a
“SE MULTIPLICARMOS
O NÚMERO DE
AUTOCARROS, E DADO
O SEU COMPRIMENTO,
PODÍAMOS TER FILAS
como de polícias de Espanha, França Padre tem várias
e até da Polónia. O terrorismo é tido implicações ao nível da
como uma “preocupação intermédia” segurança, do trânsito e
para o secretário-geral do Sistema de da logística para a cidade
Segurança Interna (SSI), Paulo Vizeu FOTO ALBERTO PIZZOLI/
Pinheiro, como disse numa entrevista /AFP VIA GETTY IMAGES
ao “DN” esta semana. A maior preo-
cupação é mesmo um ataque de um
denominado “lobo solitário”, embora
não haja informações sobre ataques
iminentes.
Na rua, a contestação social já está
programada por alguns sectores, como
polícias, professores e profissionais
da saúde. Mas são nos protestos não
agendados, e que podem resultar em
alguma violência no limite, que reside
a maior preocupação. A JMJ de Madrid
é tida como um dos piores exemplos
do passado recente, já que a capital
espanhola foi palco de inúmeras ma-
nifestações de grandes dimensões por
sectores anticatólicos. “O Papa Bento
XVI tinha mais anticorpos. Este Sumo
Pontífice é tido como mais humanis-
ta e por isso mais consensual. Mas há
quem discorde em absoluto deste even-
to e pode haver grupos a quererem
demonstrar essa insatisfação”, salienta
outra fonte ligada às informações.
O Expresso sabe que os grupos mais
radicais contra a Igreja, bem como os
mais ortodoxos no seio do universo
católico, estão há muito a ser moni-
torizados com especial atenção. “Até
ao momento não existem indícios de
movimentos para se manifestarem
em Lisboa. Mas tudo pode acontecer.
E cá estaremos preparados para os
receber”, garante uma fonte policial.
Não está igualmente posta de parte
a hipótese de grupos ecologistas
radicais avançarem com ações
de protesto.
As autoridades têm esta-
do especialmente atentas
aos peregrinos inscritos
de países com altos índi-
ces de criminalidade ou
problemas de terroris-
mo — e em que só uma
minoria da população é
católica — e têm usado
o sistema de vetting para
negar a entrada a pessoas
consideradas suspeitas.
O SSI tem também es-
tado a verificar entre
as pessoas creden-
ciadas para o even-
to aquelas que são
ou foram alvo de
condenações
ou constituí-
das arguidas
por crimes
violentos,

COM 90 QUILÓMETROS”,
de comida, porque muitas das pessoas entre elas de
que ficarem paradas no trânsito será nacionalidade

ALERTA FONTE DA JMJ

aí que vão tentar comprar os bens de portuguesa.
primeira necessidade. hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 28 de julho de 2023
2000 PADRES PARA
OUVIR CONFISSÕES
FÉ Entre os dias 1 e 4 de agosto,
os peregrinos podem confessar-
-se num dos 150 confessioná-
rios do Jardim Vasco da Gama,
em Belém, construídos por
reclusos. Para os ouvir foram
organizados turnos com 150
padres que falam 55 línguas.
No total, a organização recebeu
inscrições de 2000 padres.
1000
torneiras em lavatórios,
aproximadamente, vão estar
disponíveis para os peregrinos
no Parque Tejo-Trancão.
A ideia é garantir a hidratação
dos visitantes no momento
mais longo da JMJ. Além
de 1,5 litros de água a que
cada peregrino tem direito,
serão distribuídas garrafas
recicladas
APAV COM TRÊS
CENTROS DE APOIO
ABUSOS A JMJ conta com três
centros de apoio da APAV, dois
no Parque Tejo e um no Parque
Eduardo VII. As equipas vão
responder em português e in-
glês a “pessoas que possam ser
vítimas de qualquer forma de
crime e de violência”. Américo
Aguiar já havia informado que
a JMJ iria recorrer à APAV.
Papa traz
transformação
do mundo e da
Igreja na bagagem
Que mensagens trará
ao país e aos jovens do
mundo inteiro? — é o
que dois especialistas
tentam responder
Francisco estará em Lisboa,
pela primeira vez, de 2 a 6 de
agosto, depois de ter estado ape-
nas 24 horas no centenário das
aparições em Fátima, em 2017.
São cinco dias de agenda inten-
sa que vai além dos eventos da
JMJ. É o Papa que mais dias pas-
sa em Portugal numa só visita.
Que mensagens trará ao país
e aos jovens do mundo inteiro?
Juan Ambrósio, professor da
Faculdade de Teologia, da Uni-
versidade Católica Portuguesa,
vê no pontificado de Francis-
co “um plano pensado” cujos
pilares são “renovar a Igreja
para que ela seja uma Igreja em
saída, em missão, não fecha-
da sobre si mesma; renovação
para quê? Para cuidar da causa
comum, encíclica ‘Laudato Si’,
e cuidar do humano comum,
encíclica ‘Fratelli Tutti’”. Para
concretizar este “projeto do
pontificado”, dá especial aten-
ção aos jovens e famílias e ins-
creve aí a JMJ.
Luísa Ribeiro Ferreira, profes-
sora universitária de Filosofia,
salienta também o “marco es-
sencial” do cuidado com a casa
comum com a “Laudato Si”, “a
atenção às diferentes culturas e
diferentes civilizações, e o facto
de não nos colocarmos no cen-
tro do universo”. Do mesmo
modo, a atenção aos mais novos
no centro da JMJ. “Os jovens
normalmente são as pessoas
mais esquecidas. Colocá-los no
centro das preocupações é algo
que o Papa tem feito. Tem cha-
mado imensos jovens, mesmo
aqueles que não são católicos,
mas que se sentem interpelados
por este chamamento.”
As mudanças de muitos bis-
pos em Portugal este ano po-
dem ser, para Juan Ambrosio,
“oportunidade clara” para a
renovação da Igreja “se entrar-
mos plenamente neste jogo”.
Ou seja, haverá mudanças, mas
“não sabemos que tipo de tran-
sição pode ser, não sabemos
como cada bispo que é nomea-
do interpreta os desafios que
lhe são levantados”. Cer-
to é que este “momento
decisivo marcará cer-
tamente o rumo da
Igreja em Portugal
nos próximos tem-
pos”. Nesse sentido,
vê a JMJ como “um
acontecimento
muitíssimo im-
portante, capaz
de galvanizar e
introduzir no-
vas dinâmi-
cas”. Para
Juan Am-
brosio,
9
praias da Linha de Cascais
— Carcavelos, Parede,
São Pedro do Estoril, Poça,
Conceição, Duquesa,
Tamariz, Cresmina
e Guincho — vão ter
reforço de segurança
durante a JMJ
tem faltado à Igreja portuguesa
“esta atenção e preocupação
com a missão, comprometer-
-se com a missão claramente,
fazendo disso critério primei-
ro” e também “uma dimensão
profética, uma palavra, uma
ação que seja verdadeiramente
profética, capaz de introduzir
novos horizontes, novas metas,
nesta linha da casa comum e do
humano comum”.
Luísa Ribeiro Ferreira desta-
ca a defesa que Francisco tem
feito “da reforma da Igreja, de
abertura, de integração, vamos
ver se é só abertura ou se tam-
bém é concretização do papel
É preciso que a JMJ
“não seja apenas
um happening”,
diz Juan Ambrósio,
professor de Teologia
das mulheres na Igreja”. Acre-
dita que a visita e a mudança de
bispos “devia ser” uma opor-
tunidade para essa concretiza-
ção. Porém, “há movimentos na
Igreja que estão anquilosados
dentro das suas perspetivas e
dificilmente aceitarão alguma
mudança. Acho desejável e
estou convencida de que esta
vinda do Papa vai ser um aba-
não, mas não me parece que vá
haver muito próximo da visita
orientações que se alterem”.
Acredita que o Papa pedirá aos
jovens para “se empenharem,
não ficarem só na teoria, no en-
tusiasmo deste encontro, mas
que este encontro deixe marcas
não só para um diálogo maior
como também para fomentar
atividades que chamem outras
pessoas para um modo de vida
mais partilhado, mais fraterno,
menos consumista”.
Juan Ambrosio também an-
tevê que Francisco “convocará
Paredes faz seis cadeiras para Francisco
INDÚSTRIA O Papa vai ter seis cadeiras made in Paredes, por
empresas de mobiliário, para estrear em cinco dias. A Fenabel
fez quatro iguais, bordadas com o brasão de Francisco, para
as cerimónias e receções oficiais durante a JMJ, e uma quinta,
com o escudo de Portugal, para Marcelo Rebelo de Sousa. A
Laskasas fez mais duas para as cerimónias litúrgicas. FOTO D.R.
PRIMEIRO CADERNO 9
>>
UMA CALCULADORA
PARA PEGADAS
VERDE Vai ser disponibilizada
uma calculadora de pegada car-
bónica a cada peregrino para
medir o impacto da JMJ. O “Ma-
nual do Peregrino” traz algumas
ideias, como trocar o carro por
transportes públicos durante
dois anos, ser vegetariano du-
rante um ano e apoiar progra-
mas de conservação de árvores.
os jovens para o compromisso
com a transformação do mun-
do e da Igreja”. Este professor
deixa até uma ideia: “O que
teria sido conseguir fazer um
manifesto que diria assim: ‘nós,
jovens de todo o mundo com-
prometemo-nos na transforma-
ção da sociedade para que ela
possa ser mais fraterna, mais
justa, mais inclusiva’. A força
simbólica que uma coisa destas
poderia ter!” Juan Ambrosio
recorda que algo semelhante
foi promovido pelo bispo dos
Açores recentemente.
É preciso, diz, que a JMJ “não
seja apenas um happening, ou
seja, que terminado o evento
tende a esquecer-se. É muito
importante e fundamental que
as dinâmicas que se estão a ins-
taurar não terminem”.
A agenda oficial do Papa é
intensa e sabe-se que haverá
encontros que não são públi-
cos. Um deles é com vítimas de
abusos sexuais na Igreja. Fran-
cisco chega a Portugal dia 2 de
manhã e encontra-se com auto-
ridades, sociedade civil e mem-
bros da Igreja portuguesa. No
dia seguinte, na Universidade
Católica Portuguesa e na Scho-
las Occurrentes estará com jo-
vens estudantes. A participação
na JMJ começa com a cerimó-
nia de acolhimento, no Parque
Eduardo VII, ao final da tarde.
Sexta-feira, dia 4, o Papa con-
fessa jovens, em Belém, de onde
segue para o Bairro da Serafina
para encontro com membros
de instituições sociocaritativas.
O almoço será com jovens e o
dia termina com a Via-Sacra no
Parque Eduardo VII. Sábado,
dia 5, reza com jovens doen-
tes e presos, na Capelinha das
Aparições do Santuário de Fá-
tima. Ao final da tarde, encon-
tra-se com jesuítas e participa
na vigília da JMJ, no Parque
Tejo. O domingo e último dia
começa com a missa no mesmo
local e inclui um encontro com
voluntários, em Algés, à tarde,
de onde sai para o aeroporto e
regressa a casa.
“A alegria é uma atitude do
Papa e é uma atitude que ele
pretende partilhar e difundir”,
diz Luísa Ribeiro Ferreira. Dia
6 se verá se a alegria e a trans-
formação do mundo e da Igreja
ficam como marca destes dias.
Cláudia Sebastião
sociedade@expresso.impresa.pt
10 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

Liberdade Paróquia que Francisco visita fica num bairro no centro de Lisboa, onde falta quase tudo

“O Papa só vem aqui

porque somos miseráveis”
Texto Marta Gonçalves

A
Fotos Nuno Botelho

casa de Vanessa
está cheia de coi-
sas e coisinhas que
em tempos enche-
ram um T2 com-
pletamente banal.
Desempacotaram
tudo o que tinham
há ano e meio e en-
caixaram-se numa casa demasiado
pequena, com três pequenas divisões:
uma cozinha-entrada, uma sala-quarto
e um quarto que é uma sala de jantar.
Não há casa de banho, apenas uma sa-
nita atrás de uma porta, num cubículo
mais pequeno do que um armário; os
duches tomam-se na rua durante o
verão e no meio da cozinha no inverno.
“Tenho esta piscina aqui”, conta a mu-
lher de 32 anos, enquanto abre a cor-
tina que esconde a chaminé e tira um
pequeno insuflável colorido, daqueles
em que bebés de fralda chapinham na
praia com água do mar. Aqui serve de
banheira no meio de uma cozinha.
Vanessa vive com o marido Fernan-
do e a filha Gabriela, de nove anos, no
Bairro da Liberdade. Foi ali que, quan- Vanessa, Fernando
do os valores das rendas dispararam, e Gabriela deixaram
encontraram onde morar por €120, a casa onde viviam por
numa casa “sem condições de habi- causa do aumento da
tabilidade”, mas que pelo menos não renda. Tomam banho numa
era uma tenda. “Era isto ou a rua, era piscina insuflável na cozinha
pagar uma renda de €600 ou comer.”
Enfiaram toda a vida ali, encafuada
numa casa sem portas e só com uma muita gente do bairro, praticante ou e incapaz de trabalhar. Conta que ven-
janela. “Ter uma sanita neste bairro não, mas a polícia e a segurança do deu droga para não ter de ir roubar,
é um luxo. Há aqui quem não tenha e Vaticano só vão deixar entrar quem es- foi preso e saiu em condicional. Pediu
use a fossa comum.” As pessoas usam tiver credenciado. Vai ser tudo contro- ajuda na Junta de Freguesia de Cam-
um balde, vão à rua e atiram os dejetos lado, temos as ruas cheias de polícia e polide, à qual pertence o bairro. “Tudo
para um buraco. “Não deviam ficar fechadas”, diz o pároco. “Há aqui tanta o que se vê aqui em redor é uma ver-
contentes com a vinda do Papa cá, gente que gostaria de vê-lo e saudá-lo.” gonha. Eles não fazem nada, querem
mas tristes. Se vem, não é por este ser é o cu deles e para os amigos.” O tom
o bairro mais bonito.” “Que dignidade é esta?” de voz de Luís eleva-se com a revolta.
Do Bairro da Liberdade veem-se as “O Papa vem cá, os senhores minis-
torres das Amoreiras. Fica a três ou Faltam ainda 14 dias para que Luís tros vêm cá, vem cá toda a gente, mas
quatro quilómetros do Parque Eduar- Alves, 55 anos, possa ir buscar o ca- só meteram cá merda e remendos”,
do VII, onde um palco foi erguido para baz alimentar ao centro paroquial. diz, desculpando-se a cada instante
receber a Jornada Mundial da Juven- Na parede, entalado numa moldura, pelo palavreado. Queixa-se de como
tude (JMJ), e a outros tantos de Campo está um retângulo de papel impresso o Liberdade foi esquecido enquanto
de Ourique, uma das zonas mais caras a computador. Parece uma senha de outros bairros desapareceram para
da capital. É atravessado pelo Aquedu- racionamento. Tem dia e hora mar- dar lugar a novas casas camarárias.
to das Águas Livres, monumento naci- cados, garantia de que vai ter comida “Se não sabem o que se passa aqui foi
onal visitado por centenas de pessoas na despensa. A fachada do sítio onde porque não quiseram saber. Agora
— os seus pilares estão a pouco mais José desce as escadas até ao pátio para usar a casa de banho, mora parece ser apenas uma casa de- querem porque vem o Papa. Daqui a
de 50 metros das casas daquilo a que partilhada com os vizinhos. A banheira é só um chuveiro ao lado da sanita gradada, mas para lá da porta junto pouco, quando tudo isto passar, já se
chamam “a favela de Lisboa”. ao alcatrão há um pátio com várias esqueceram de mim.”
Os caminhos são tão estreitos que das. Aos telhados faltam telhas. Quem pela Igreja que o Papa vem cá, vem cá pequenas casas. A de Luís é no pri- O bairro nasceu como dormitório de
provocam uma sensação de aperto, su- caminha na São Jacob nem percebe porque somos miseráveis.” Paulo é um meiro andar: tem uma cozinha, que é centenas de pessoas que vieram dos
foco. Apesar de colados a um dos eixos as portas e caminhos labirínticos que dos filhos do bairro que, já adulto, saiu também a entrada, e um quarto-sala meios rurais à procura de trabalho em
com mais trânsito de Lisboa, o som da existem para lá desta rua principal. da Liberdade para criar os filhos numa onde cabe apenas uma cama de soltei- Lisboa nos primeiros anos do século
cidade desaparece pelas ruelas e é im- Tal como as fossas comuns — tapa- casa com melhores condições. ro, um armário e uma secretária. “Que passado. Criaram-se filhos, nasceram
possível passar mais que uma pessoa das com placas de madeira para im- A visita de Francisco ao Centro Paro- dignidade é esta?” netos e, em alguns casos, já chegaram
ao mesmo tempo pelo corredor. As pedir que ratos subam para as ruas e quial de São Vicente de Paulo, que fica A casa de banho fica no rés do chão, os bisnetos e a requalificação do Li-
construções são precárias, cheias de casas —, também existem pelo bairro às portas do Bairro da Liberdade, está José mal cabe lá dentro e partilha-a berdade não aconteceu. “Não estavam
acrescentos e obras feitas sem autori- chafarizes que ainda funcionam. Nem marcada para sexta-feira (4) e com um com mais “três ou quatro pessoas”. à espera disto em 2023, pois não?”,
zação, janelas remendadas com panos todos têm acesso à água, menos ain- plano diferente daquele que o padre Há 20 anos que um acidente grave de pergunta Paulo.
e plásticos, portas de madeira e parti- da têm saneamento básico. “Não é só Crespo tinha idealizado. “Queria ter moto o deixou vários meses em coma mpgoncalves@expresso.impresa.pt

Médicos “O plano de Saúde para a jor-

nada é muito robusto e devo
dizê-lo, com orgulho, que dei-
em cinco pilares: prevenção,
promoção de condições de se-
gurança, acesso, prestação de
saúde primários, o país conta
com 59 centros de saúde com
horário alargado, 225 abertos
bém foi testada e de forma não
programada”, salienta.
“No pré-hospitalar, são agora
possível ter acesso a todos os
dados que permitem saber e
‘não achar’ e tomar decisões
treinados xa um legado para o futuro,
como exemplo de ‘como se faz
cuidados e rede de emergência.
António Marques afasta as sus-
ao sábado e 190 ao domingo,
num total de 1265 unidades de
mais 100 meios (ambulâncias
e motos) do que o habitual e
em tempo real. Esta interope-
rabilidade dos sistemas vai ser

para e bem’”, garante o responsá-

vel pelo dispositivo, António
Marques. O anestesista do
peições sobre a falta de meios:
“As diversas entidades foram
capazes de mobilizar os meios
portas abertas já esta semana.
A nível hospitalar, as unida-
des mais nevrálgicas para os
quatro hospitais de campanha,
mais dois do que fora previsto.”
Dois vão estar no Parque Tejo,
um legado para o futuro”, afir-
ma António Marques.
Sem poder dar detalhes, o
acudir Porto explica “que o país teve
a capacidade de ter um plano
necessários para uma resposta
digna, robusta e estruturada.
eventos atualizaram os planos
de contingência para catás-
um no Parque Eduardo VII e
um em Fátima. Juntam-se 17, e
médico sublinha que haverá
ainda “uma resposta específica,

Francisco muito detalhado, que vai fazer

a diferença e ser uma marca da
experiência portuguesa”.
A estratégia preparada tem
pouco de fé e muito de planea-
Plano assenta na mento pragmático, que já obri-
prevenção, promoção gou a reforçar a resposta pensa-
de condições de segurança, da inicialmente para assegurar
acesso, prestação mais meios e maior segurança
de cuidados e rede na capacidade de prestar cui-
de emergência dados. O dispositivo assenta
Há tranquilidade e orgulho.”
Em termos concretos, o plano
prevê recomendações de saúde
sobre o calor ou a alimentação
em cinco línguas oficiais ou o
atendimento pela linha SNS24
ou 112 em 17 línguas em pou-
cos minutos e em outras 61 me-
diante acesso a tradutores atra-
vés do Alto Comissariado para
as Migrações. Nos cuidados de
trofes e para darem resposta
nacional, por exemplo, para
receber queimados. Estão na
lista Santa Maria, São José, São
Francisco Xavier e Loures, na
área de Lisboa; Coimbra e São
João e Santo António, no Porto.
“Fizemos simulações. Se hou-
ver dificuldades na comunica-
ção habitual, haverá rede de
emergência SIRESP, que tam-
não apenas dez, postos médicos
avançados do INEM com su-
porte avançado de vida: dez no
Tejo, cinco no Parque Eduardo
VII, um no Terreiro do Paço
e um em Algés. Os postos de
socorro serão 76 e vão circular
124 equipas apeadas.
Tudo estará debaixo de olho,
numa sala de gestão e monito-
rização com 17 entidades. “Será
equipas próprias e planos alter-
nativos nacionais para as altas
individualidades”, incluindo o
Papa. Em Lisboa, Santa Maria
tem uma unidade de cuidados
intensivos só para o sumo pon-
tífice. “Há elementos [médicos
e enfermeiros] treinados e dife-
renciados só para essa resposta.”
Vera Lúcia Arreigoso
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 28 de julho de 2023
POLÍTICA PROFESSORES
Costa saiu do Conselho de Estado
para apanhar um avião para a
Oceânia. E foi no voo de regresso que
negociou com Marcelo solução para
os professores FOTO NUNO FOX
Governo Versão pós-veto tem abertura negocial futura. Marcelo falou com Costa duas vezes
Acordo de palácios
em escala no Dubai
David Dinis
O
e Joana Pereira Bastos
Presidente vetou
“ e deu a tática no
mesmo texto”, dizia
ontem ao Expresso
uma fonte socialista
que há muito acom-
panha as tensões na
Educação. E assim
foi: Marcelo deixou
“perplexos” muitos membros do Go-
verno, não só por vetar o diploma dos
professores, mas sobretudo pelos moti-
vos invocados: a necessidade de igualar
a recuperação de tempo perdido face
ao decidido na Madeira e Açores; a
possibilidade de uma solução gradual
que mitigasse custos; a alegada impor-
tância superior da Educação e Saúde
face à restante Administração Pública.
Mas, no texto da devolução do diploma,
o Presidente abria também um cami-
nho, com uma queixa sui generis sobre
a proposta do Governo: “Nem sequer,
no texto do articulado, ou no preâm-
bulo, inclui uma referência, mesmo
não datada, de abertura ao futuro.” Ao
que o Expresso apurou, foi isso que o
Executivo fez: uma pequena alteração
no preâmbulo dando uma indicação
genérica de que alguma porta se pode-
rá reabrir à discussão.
Procurando não beliscar mais a re-
lação com Belém, na conferência de
imprensa, a ministra da Presidência
deixou claro que nenhum dos princí-
pios contestados por Marcelo foi acei-
te: nem igualar às regiões autónomas
(“nada mudou”, disse Mariana Vieira
da Silva), nem a necessidade de manter
a Educação a par das carreiras gerais
do Estado (“olhámos desde 2015 para
esse tema da mesma forma nas várias
carreiras”). E acrescentou uma fra-
se que indicia que nem uma fórmula
de redução gradual terá sido aceite,
afirmando que o Executivo manteve
a preocupação de que “todos os cami-
nhos abertos não se traduzam em ex-
pectativas a que não temos capacidade
(orçamental) de responder”.
Ao que o Expresso apurou, num te-
lefonema que durou muito tempo de
Lisboa para Díli, onde estava o primei-
ro-ministro quando o PR o avisou que
iria vetar o diploma, Marcelo lamentou
a Costa isso mesmo: que só pedia “o mí-
nimo dos mínimos”, que era uma frase
aberta de abertura futura, ainda que
fosse só no próximo Governo. Costa,
esse, terá respondido que aí já não será
com ele — mas isso não chegou para
convencer o Presidente, que considera
que várias decisões que estão a ser to-
madas terão implicação na legislatura
seguinte, começando no aeroporto de
Lisboa e na TAP.
Mas a tentativa de conciliação foi
feita, sabe o Expresso, na escala que
Costa fez no Dubai, quando voava a
caminho de Lisboa. Foi na noite de
quarta-feira que Marcelo acedeu a ana-
lisar um novo diploma, que não vincula
o Governo a calendarizar uma nova
recuperação do tempo de serviço. Mas
que contempla uma concessão adicio-
nal, que poderá, por exemplo, passar
por ter mais professores abrangidos
pelo mecanismo de aceleração de car-
reiras ou por uma maior rapidez na
progressão. Em qualquer caso, a ideia
é que o Presidente não saia também
mal na fotografia, conseguindo alguma
conquista para o lado dos docentes —
ainda que não no essencial.
Enquanto Costa e Marcelo falavam,
o Governo agitava-se, ponderando se
a solução não teria de passar pela en-
trega do diploma ao Parlamento, de
modo a que a maioria socialista apro-
vasse a mesma lei — que, pelo menos à
segunda volta, teria de ser promulgado
pelo PR. O próprio Marcelo admitia
também essa hipótese expressamente
no texto do veto. Mas a solução teria
um enorme problema: prolongar a
contestação dos professores por vários
meses do novo ano letivo, enquanto
a aprovação na AR decorria (“corre
o risco de ficar com mais um ano de
greves”, admitia Miguel Prata Roque,
ex-secretário de Estado de Costa, ao
Expresso). Ademais, iria bater com as
eleições europeias, o risco político mais
alto do PS nesta legislatura.
Assim, Costa optou pela solução mais
simples, que escudará o Governo de ain-
da maior pressão para reabrir o dossiê
e sem fazer subir a tensão com Belém.
As alterações — disse Mariana Vieira da
Silva — foram feitas em “grande articu-
lação entre o primeiro-ministro e o Pre-
sidente da República”, acrescentando
que “cabe agora ao Presidente respon-
der às alterações feitas pelo Governo”.
Ou seja, ser consequente e aceitar uma
alteração cosmética que nada muda e
em nada compromete o Governo em
ceder mais aos sindicatos. Se o chefe
de Estado promulgar à segunda, só
mudará mesmo isso: fica inscrito num
preâmbulo a possibilidade de o tema
voltar à mesa de negociações”.
A dúvida entre os socialistas é se isso
— ou seja, a entrada em vigor de um
diploma que dá um pequeno empurrão
nas carreiras a cerca de 60 mil profes-
sores — chega para que o ano letivo seja
menos conturbado do que o anterior.
A crença era de que sim, se o PR não
tivesse feito o que fez esta semana.
“Essa abertura será explorada agora
pelos sindicatos”, admite uma fonte so-
cialista ao Expresso, que lembra como
Marcelo parece deixar vários sinais de
não concordar com a política educativa
de António Costa (desde a revisão em
baixa dos acordos com o ensino priva-
do à nota crítica sobre a revisão dos
exames de acesso ao Superior na nota
de promulgação de há uma semana).
E aproveitou para dar uma bicada a
um Governo a “calcular dividendos
políticos”.
No Executivo, faz-se um esforço para
não contribuir para azedar mais as
relações com Belém. Mas há quem
assinale preocupação com o pós-cri-
MARCELO NÃO VAI
VETAR PROGRESSÕES
NAS CARREIRAS GERAIS,
AMNISTIA, NEM NOVA
LEI DA DROGA. SÓ
HABITAÇÃO PODE
AINDA SER PROBLEMA
se João Galamba — Marcelo não tem
vetado mais, mas assinala com grande
frequência e transparência todas as di-
vergências que tem com as leis de vári-
os ministérios. E até quem não esconda
a preocupação com os meses que se
seguem até às europeias: “A Jornada
de Juventude e a vinda do Papa eram o
mote do PR para o segundo mandato.
Até aqui houve algum esforço. Mas
depois da próxima semana pode ser
tudo ainda mais difícil”, dizia uma fon-
te ouvida pelo Expresso. Há, porém,
mais otimistas, seja com a intenção
de Marcelo, ou com a redobrada con-
testação dos professores a partir de
setembro: “Não creio que o caminho
do Presidente seja esse. A contestação
dos professores (como o próprio PR
já tinha dito) perde força ao longo do
tempo, visto que as famílias e o país
deixam de entender e apoiar. Acho
que procurou salvar a face junto dos
sindicatos, mas que não pretende nem
ganha com um conflito prolongado.”
Ao que apurou o Expresso, Marcelo
não vai para agosto com muitas mais
preocupações legislativas na mão. A
lei do Governo que promoverá a acele-
ração das progressões nas carreiras ge-
rais do Estado — que vem na sequência
desta lei vetada dos professores — vai
ser promulgada. Enquanto o diploma
da ‘Amnistia Papal’ não merece a sua
concordância absoluta (ao que corre,
a solução encontrada pela bancada do
PS nem será consensual no interior
do Governo), mas não vai ter um tra-
vão em Belém, tão-pouco a polémica
alteração à lei. Com a lei das ordens
profissionais adiada para setembro,
sobra apenas o pacote Mais Habitação,
que no início deixava várias dúvidas até
constitucionais a Marcelo. Esta versão
final, mais mitigada, ainda levanta dú-
vidas pontuais, mas como ainda não
chegou oficialmente a Belém só depois
da partida do Papa Francisco será lida
com detalhe pelo Presidente.
Quanto à lei dos professores, ontem
foi dia de silêncio presidencial. Mas
ao primeiro-ministro, Marcelo deixou
uma segurança: mesmo que o Governo
insistisse na lei, não seria por aí que a
relação se estragaria em definitivo.
ddinis@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 11
ORÇAMENTO
Medina
faz contas
a redução
maior
de IRS
Desta vez não foi Costa,
mas Medina, a dar ‘boas
novas’: fim das cativações
e mais apoios. No OE, o
Governo quer um fôlego
“Desta vez ficou combinado
assim”, diz uma fonte gover-
namental ao Expresso, pelo
que as boas notícias vieram em
dose dupla não pela boca do
primeiro-ministro, que estava
em Timor-Leste, mas do seu
ministro das Finanças, Fer-
nando Medina, um potencial
candidato à sucessão na mes-
ma linhagem: primeiro uma
entrevista ao jornal “Público”,
confirmando que o IVA zero
vai ficar até ao fim do ano (e
que ainda pode vir a aplicar-se
em 2024), mas também que se-
rão prolongados por mais uns
meses os apoios na energia e
que virão mais apoios aos mais
aflitos com a subida do crédito
à habitação. Depois, à noite,
uma outra entrevista à RTP3,
onde Medina punha uma pe-
dra sobre um duro símbolo da
austeridade em versão socia-
lista: as cativações acabarão
em 2024.
No PS há quem duvide que
a promessa seja inteiramen-
te cumprida (“haverá sempre
um mecanismo qualquer”), e
também quem anote a Medina
que não deixe de reforçar os
serviços públicos de Saúde e
Educação — o deputado Pedro
Delgado Alves disse-o na SIC-
-Notícias. Mas a aposta do nú-
cleo duro do Governo é outra:
fazer da anunciada redução de
IRS (os mil milhões previstos
no Programa de Estabilidade
até 2026) uma redução maior
ainda.
Mais anúncios positivos
As contas estão a ser feitas ain-
da, sem garantias de ser pos-
sível. Mas o próprio António
Costa deixou cair no debate do
estado da nação a condição es-
sencial para que se verifique:
a crença de que está em curso
uma mudança estrutural na
economia, tornando-se menos
dependente do turismo e com
maior aumento de produtivida-
de. “Não seria possível diminuir
impostos se o crescimento da
economia fosse pontual”, diz
uma fonte do Executivo, acre-
ditando que vai ser possível ter
uma descida de IRS já em 2024
superior ao que estava previsto.
Embora focado nas “classes
médias”, expressão repetida
por Medina, o Governo tem
consciência que a medida será
mais sentida pelos escalões
mais baixos. Mas isso, junto
ao alargamento da base do
IRS Jovem, garante ao Go-
verno um duplo momento de
anúncios positivos: primeiro
em setembro, com medidas
referentes a este ano ainda;
depois outro em outubro, com
as do OE 2024.
Ainda que mantendo a linha
central de “equilíbrio financei-
ro”, baixando dívida e reduzin-
do défice acima das expecta-
tivas, o objetivo está traçado:
um regresso de férias que dê
fôlego a um Governo neces-
sitado de respirar, depois de
um ano debaixo de fogo e no
ano político de maior risco, que
acaba nas eleições europeias
de junho. D.D.
ddinis@expresso.impresa.pt
12 PRIMEIRO CADERNO
PSD
PSD quer secar Chega, mas divide-se na forma
As eleições em Espanha acabaram em ressaca, e há quem respire de alívio por não ver o Vox a governar.
Mas o “não” definitivo a Ventura divide e tarda. Mesmo que uma sondagem dê motivos para romper com ele
João Diogo Correia
As leituras estão longe de ser
consensuais e, em público,
as tropas sociais-democratas
insistem na ideia de que Es-
panha não é Portugal nem o
Partido Popular espanhol (PP)
é o PSD português. Mas, à boca
pequena, vão-se fazendo contas
de somar à vitória amarga de
Alberto Núñez Feijóo. O que
significa, afinal, que o centro-
-direita em Espanha tenha sido
o mais votado mas que isso não
chegue para formar Governo?
“Cinicamente”, Espanha
foi “um bom resultado” para
o PSD, comenta ao Expresso
fonte social-democrata. “É cla-
ro” que uma maioria absoluta
do PP que confirmasse os tais
“ventos de mudança” antissan-
chista [contra Pedro Sánchez,
socialista espanhol] e desse gás
ao anticostismo, de António
Costa, seria o ideal para tentar
provar o valor do voto útil à di-
reita. Seria também a vitória do
guião Feijóo, que, por esta altu-
ra, é o mesmo do PSD, de não
rejeitar liminarmente acordos,
mas tentar secar a direita radi-
cal colocando-se como a única
“alternativa responsável”.
Mas com um cenário de
maioria absoluta à partida di-
fícil, sobretudo por causa do
País Basco e da Catalunha, um
resultado que levasse o PP a
coligar-se com o Vox poderia
trazer mais dificuldades aos
sociais-democratas — seria
“imprevisível” e poderia tor-
nar “muito difícil” convencer
os eleitores de que é possível
moderar um partido em muito
análogo ao Vox, o Chega.
As fontes ouvidas pelo Ex-
presso ao longo da semana
convergem, pelo menos, numa
ideia: a eleição “mostrou que
é possível o centro-direita ir
buscar votos à direita radical”
e que o crescimento desses
partidos pela Europa “não é
uma inevitabilidade”, como diz
outro social-democrata.
Em comparação com Espa-
nha, o PSD até encontra ou-
tras vantagens competitivas:
a direita espanhola só tem
dois partidos, enquanto Por-
tugal tem “uma constelação”
que abre espaço ao PSD para
pensar em acordos que não
incluam André Ventura. E a
outra vantagem é, precisamen-
te, o Chega só ter o seu líder, o
“único capaz”, ao contrário do
que acontece no Vox, um parti-
do de quadros que deriva do PP.
“Inaceitável”: PSD
Açores desafia
Montenegro
Presidente do Governo
Regional dos Açores
considera “inaceitável”
que PSD aceite revisão
constitucional sem
aprofundar autonomias
O presidente do Governo Regio-
nal dos Açores, José Manuel Bo-
lieiro, considera “inaceitável que
o PSD ceda ao PS na intenção
de fazer uma revisão constitu-
cional cirúrgica sem conteúdos
autonómicos”, que não inclua
Montenegro esteve quatro dias na Madeira. Depois das regionais, o PSD espera não incluir o Chega, mas Albuquerque não o exclui FOTO HOMEM DE GOUVEIA/LUSA
Com mais ou menos varia-
ções, as sondagens vão pondo
o PSD colado ou à frente do
PS, com a Iniciativa Liberal a
dar garantias de, pelo menos,
5% do eleitorado. “E o CDS a
tentar renascer: claro que é
possível secar o Chega”, ouve
o Expresso.
A dúvida internamente é
como. Cortar definitivamente
com Ventura, como pedem al-
guns, ou ser “o líder do PSD a
secar o Chega”, endurecendo
Esvaziamento
da direita radical
em Espanha visto
como sinal de que
também o Chega
pode ser posto de lado
o aprofundamento das compe-
tências próprias dos Açores e da
Madeira. O líder do PSD-Açores,
cujo Governo foi viabilizado pelo
Chega e pela Iniciativa Liberal,
diz que “não é aceitável que o
partido mais autonomista da de-
mocracia faça um acordo” com
os socialistas sem contemplar
estes aspetos.
A proposta do PSD, em apre-
ciação na comissão eventual de
revisão constitucional, propõe
alterações com base no pres-
o discurso, “sem ser extremis-
ta”, como diz ainda um outro
social-democrata.
Esta semana, um dos vice-
-presidentes, António Leitão
Amaro, deixou a sua via ao dizer
que os eleitores tiveram prova
de que ou votam em quem que-
rem que ganhe ou, num voto de
protesto, “arriscam-se a estar
sujeitos ao impasse e à chan-
tagem de partidos muito mais
pequenos, com uma força des-
proporcional”. Duarte Pacheco,
um dos deputados históricos,
deu um passo à frente: “O PSD
tem de ser claro, temos de dizer
que queremos governar sem
precisar do Chega”, disse ao
Expresso, seguindo o que por
exemplo Paulo Rangel sempre
afirmou. Mas na São Caetano,
nem todos pensam exatamente
da mesma forma.
Montenegro, esse, mantém o
silêncio, a não ser para repetir
as frases que escolheu como
mantra para lidar com as per-
guntas sobre futuros acordos —
só governa se ficar em primeiro
suposto de “valorizar a auto-
nomia regional”, através do
seu “aprofundamento”, como
a “extinção do representante
da República com a transfe-
rência das respetivas compe-
tências para o Presidente da
República”, e um “reforço e cla-
rificação de competências” dos
órgãos das regiões autónomas.
No projeto de revisão, que
obriga ao voto de dois terços
dos deputados, os sociais-demo-
cratas sugerem que os emigran-
tes portugueses — com dupla
residência numa região autóno-
ma e no estrangeiro — possam
votar nas eleições regionais.
Querem ainda clarificar com-
petências das regiões quanto à
gestão das zonas marítimas e
atribuir um valor reforçado aos
estatutos político-administrati-
vos da Madeira e dos Açores.
Depois das polémicas que se
lugar e só rejeita governar com
“políticos ou políticas racistas e
xenófobas”.
Eleitores do PSD
recusam Chega
Se há estudos de opinião a dar
força à leitura do PSD sobre o
movimento do eleitorado, tam-
bém os há a deixar um guião
para a liderança. Um estudo
do Centro de Investigação do
Instituto de Estudos Políticos
(CIEP-UCP) e do Centro de
Sondagens (CESOP-UCP), fei-
to para o “Observador”, mostra
o que pensam os eleitores do
PSD sobre coligações à direita.
Iniciativa Liberal? 76% dos
que votaram PSD em 2022
aprovam (positivo ou muito
positivo). Aliás, até 27% dos
do PS validam essa hipótese.
E coligação com o Chega? A
esmagadora maioria responde
com um claro “não” (72%).
Mesmo o argumento da equi-
valência com o extremismo à
esquerda, que tem sido invoca-
José Manuel Bolieiro,
presidente do Governo
Regional dos Açores
Expresso, 28 de julho de 2023
do por várias figuras da direita,
PSD incluído, parece não co-
lher na maior parte do eleitora-
do. Nas perguntas sobre parti- NÚMEROS
dos extremistas e sobre se estes
72%
“ameaçam a democracia”, o
Chega aparece muito à frente
de Bloco ou PCP — 55% con-
sideram o Chega extremista e
44% veem-no como ameaça à
democracia, face a apenas 6%
no caso de Bloco e PCP. O que dos eleitores do PSD
sugere que uma reedição da recusam acordos com o Chega
‘geringonça’ é vista com menos
44%
receio do que dar responsabi-
lidade governativa a Ventura.
É também aí que entra outro
passo do guião que Montene-
gro partilha com Feijóo: se a
direita radical ameaça a de-
mocracia, é preciso empurrar dos mais de dois mil inquiridos
a pergunta para o PS e saber consideram o Chega uma
o que os socialistas estão dis- ameaça para a democracia;
postos a fazer para o impedir. 6% dizem o mesmo de PCP
Viabilizar um eventual Gover- e Bloco de Esquerda
no minoritário do PSD? Feijóo
desafiou Sánchez e vai, com
toda a probabilidade, morrer
na praia. O dilema continua.
jdcorreia@expresso.impresa.pt
deram durante a pandemia, o
PSD também quer que sejam
os Governos Regionais a asse-
forçado aos decretos legislati-
vos, tornando-os leis regionais”
e ao estatuto político-adminis-
gurar a execução do estado de
emergência nas suas regiões.
trativo das regiões, para esta lei
passar a estar noutra posição
O PS pretende uma revisão li-
mitada, apenas para enquadrar
constitucionalmente uma futu-
hierárquica, passando a ser
“infraconstitucional e suprale-
gal”. O presidente do Governo
ra lei para o uso de metadados Regional dos Açores também
das comunicações por parte considera essencial “resolver
da justiça — que já chegou a a confusão quanto às compe-
chumbar no Tribunal Constitu- tências da gestão partilhada do
cional, ilibando réus e arguidos mar, nas componentes da frui-
em muitos processos — e para ção ambiental e económica”,
criar um novo quadro para o diz ao Expresso. Bolieiro gos-
estado de emergência de saúde taria ainda que ficassem claras
pública. Os socialistas ainda as competências regionais em
admitem mexer nas questões matéria de estado de emergên-
de violência doméstica e de gé- cia. Mas tudo isto depende da
nero, reforço do Estado Social vontade do PS: Resta saber se
e proteção ambiental e animal, Luís Montenegro fará das au-
mas nada relacionado com as tonomias uma questão de vida
autonomias. ou de morte.
José Manuel Bolieiro diz ser Vítor Matos
importante “dar um valor re- vmatos@expresso.impresa.pt
Expresso, 28 de julho de 2023 PRIMEIRO CADERNO 13
14 PRIMEIRO CADERNO
INICIATIVA LIBERAL
Ainda sem “onda”, Rui Rocha
pede “clareza” a Montenegro
Sem ser “tutor” do PSD, líder da IL adverte sobre Ventura. Em casa tem desafios
Papa-quilómetros: durante seis meses, Rui Rocha correu o país e focou-se no escrutínio do Governo FOTO NUNO BOTELHO
Liliana Coelho
Ainda na sombra de Cotrim de Fi-
gueiredo, a notoriedade do novo
líder liberal é um “trabalho em
construção”. Mas a cumprir seis
meses à frente do partido, Rui Ro-
cha não esconde, contudo, a satis-
fação em ver que já muito mudou.
“Têm sido meses muito intensos
do ponto de vista do escrutínio ao
Governo. Mas também na proximi-
dade com o país”, diz ao Expresso,
assumindo que lhe parece mais o
tempo passado à frente do partido.
Ao longo de meio ano, Rocha
fez quilómetros e quilómetros a
percorrer o território, visitou 16
distritos, assim como as Regiões
Autónomas da Madeira e dos Aço-
res, tudo no âmbito das ‘Rotas
Liberais’. Um périplo — não mui-
to diferente da iniciativa ‘Sentir
Portugal’ , de Luís Montenegro —,
que tem servido para o líder liberal
se aproximar dos núcleos locais,
para conhecer os problemas dos
portugueses e sobretudo para se
apresentar aos muitos que ainda
não o reconhecem. O objetivo é
garantir uma postura “mais po-
pular”, segundo a receita deixada
pelo seu antecessor: se Cotrim de
Figueiredo admitia que tinha uma
imagem mais elitista e recusava o
‘roteiro da carne assada’, Rocha
não hesita agora em correr todas
as capelinhas de olho nas urnas.
“Devo dizer que agora já sou mais
de peixe do que de carne. Prefiro
escolher algo mais leve, porque
precisamente tem havido muita
carne nestas visitas pelo país”, afir-
ma, entre risos.
Sondagens mostram
duas tendências
Uma das sondagens mais recentes,
da Intercampus para “Jornal de Ne-
gócios”, “CM” e CMTV, divulgada
no início de julho, mostra que há
motivos para os liberais sorrirem
— a IL ultrapassa o Bloco e cresce
para 9,1% nas intenções de voto.
Mas há outras menos entusiásti-
cas: “Em termos de tendências, a
IL cresceu relativamente aos seus
resultados eleitorais de 2022. Não
cresceu tanto como desejaria, é cer-
to, mas sabemos interpretar esse
sinal”, garante Rocha. Resultado?
Além de continuar a fazer o seu
trabalho de escrutínio e fiscaliza-
ção, o partido terá que ser “muito
mais eficaz” na divulgação das suas
propostas.
O presidente dos liberais lembra
que várias sondagens têm indicado
que o PS perdeu “quase um terço
da base eleitoral”. Mas lamenta,
por outro lado, que a insatisfação
ainda não se tenha transformado
numa “onda de apoio a uma alter-
nativa”. A conclusão mantém-se: é
“preciso trabalhar mais”, com vista
à construção de uma alternativa de
direita. E é aqui que entra o PSD.
Em maio, no almoço entre Ro-
cha e Montenegro, os dois líderes
quiseram dar um sinal ao país e
mostrar ao PR que estão dispostos
a discutir uma alternativa. O canal
ficou teoricamente aberto, mas
não houve qualquer outro contacto
entre ambos. “Foi um almoço tão
transparente entre as duas partes
que não há necessidade de estar-
mos sistematicamente a sinalizar
novas questões”, justifica Rocha.
Ainda assim, deixa um recado dire-
to a Montenegro: o PSD deve aban-
donar a postura ziguezagueante e
Rocha reconhece
que ainda falta uma
“onda de apoio”
à alternativa de direita
ao Governo socialista
mostrar “clareza” ao fechar a porta
ao Chega: “Não sou tutor do PSD,
mas não posso ter outro desejo a
não ser que haja uma clarificação
também por parte do partido, tal
como já houve há bastante tempo
por parte da IL. Eu tornei isso ain-
da mais claro”, observa. Em causa
está o facto de Rocha ter criticado
o acordo nos Açores e assegurado
que não replicaria essa solução.
Para o líder liberal, se há lição a
retirar do resultado das eleições
espanholas é que votos em partidos
extremistas à direita perpetuam o
socialismo no poder. Nesse sentido,
Rui Rocha recorda que Rui Rio, tal
como Alberto Núñez Feijóo, só em
cima das eleições assumiu que não
alinharia em alianças com os parti-
EXPRESSO.PT PCP atrás do PAN nas
sondagens. Posição sobre Ucrânia pode
dificultar conquista de novos eleitores
dos de extrema-direita, acabando
por não convencer os eleitores pre-
sos à perceção de uma promessa
“não genuína”. A consequência,
vinca, é que os eleitores tiveram
receio desse tipo de alianças e o
PS acabou por alcançar maioria
absoluta.
Já o diagnóstico de “degrada-
ção política, social e económica”
no país é comum a toda a direita,
assim como a acusação de “rolo
compressor” da maioria. Mas os
partidos divergem quanto a algu-
mas soluções. “Não basta estar
zangado, é preciso ter respostas”,
atira o líder liberal, que aposta no
esvaziamento do Chega e não se
compromete quanto à votação da
sua nova moção de censura ao Exe-
cutivo. Na rentrée, a IL quer focar-
-se na campanha para as eleições
regionais da Madeira, insistir com
a discussão na sua proposta de lei
de bases da Saúde, assim como a
redução da carga fiscal em sede de
Orçamento.
Desalinhados e críticos internos
Internamente, nem tudo são ro-
sas. Rocha enfrenta também desa-
fios, como a revisão estatutária, a
reparação das fraturas instaladas
no partido desde a corrida inter-
na e convencer os adversários e
antigos apoiantes de Carla Castro
e José Cardoso. Mantém-se tam-
bém um coro de críticos entre os
conselheiros nacionais, que não só
reclamam por mais atenção como
ainda acusam a comissão executi-
va da IL de partilhar os vícios da
anterior direção — ainda há 15 dias
o conselheiro Pedro Martins pediu
a exoneração da função com farpas
à atual postura do partido. Rocha
tem caminho feito, mas tem ainda
outro tanto por fazer, na rua e em
casa.
“Eu não faço juízos de intenções.
Estatutariamente há formas de
contribuir, não vou fazer juízos
de intenções, o que digo é que o
processo está a envolver o partido
e o partido decidirá aquilo que é
melhor”, aquando da revisão dos
seus estatutos, diz ao Expresso,
afirmando que nestes seis meses
encontrou “um partido motivado,
cheio de energia”.
lpcoelho@expresso.impresa.pt
REVISÃO ESTATUTÁRIA
Liberais
divididos
A oposição interna critica
os atuais estatutos da IL,
seja pela questão das inerências
que dão à direção direito
de voto no Conselho Nacional,
seja por omissões como
o papel dos núcleos de
coordenação local da IL.
Alguns dos críticos temem
também que as convenções
do partido deixem de ter
carácter universal e que passem
a funcionar com eleição de
delegados, à semelhança de
outras forças políticas. Garantir
“estatutos mais liberais”, de
acordo com o que dizem ser
os princípios do partido, é o que
propõe um grupo de liberais
liderado por Miguel Ferreira
da Silva, primeiro presidente
da IL, e Tiago Mayan,
ex-candidato a Belém.
Apresentada há uma semana,
a iniciativa já conta “com
cerca de 180 subscritores”,
ao que apurou o Expresso,
ultrapassando o número
necessário (150) para ser
apresentada uma proposta
de alteração de estatutos
na convenção plenária
de revisão estatutária,
que deve ser agendada
até ao final do ano. L.C.
Expresso, 28 de julho de 2023
Gente
Pacheco, o bem humorado
Boa disposição e comentário po-
lítico não fazem a mistura mais
fácil, mas (felizmente) há quem a
consiga fazer, mesmo entre os de-
canos da análise política. Gente as-
sinala com agrado que no passado
domingo, no “Princípio da Incer-
teza”, Pacheco Pereira se apresen-
tou inspirado. E como perceber o
que representam os resultados das
eleições espanholas para a direita
portuguesa? “É ver um dia inteiro
de tristeza no ‘Observador’”, dispa-
rou o bem humorado comentador.
Montenegro… na Lua? Ainda
sobre as eleições em Espanha, foi
grande a agitação no Twitter este
domingo. Pedro Sales, antigo as-
sessor de BE e Medina, também
não deixou de se juntar à festa e
disparou sobre Luís Montenegro.
Partilhando o post em que o líder
social-democrata aparece com
Alberto Feijóo prevendo “ventos
de mudança vindos de Espanha”,
Sales deixou o seu contexto: “Luís
Montenegro depois de ter compra-
do um T6 na Lua”.
Gente de bem? Carlos Lourenço
foi eleito em 2019 pelo Chega na
União de Freguesias de Malveira e
São Miguel de Alcainça, concelho
de Mafra, e esta semana aprovei-
tou as redes sociais para anunciar
a nova contratação política da sua
equipa: nem mais nem menos que
Mário Machado, assumido neonazi
com um longo cadastro na justiça
portuguesa. “Início de uma nova
etapa. Contarei com a ajuda de
um amigo que transborda valores
e princípios”, escreve Carlos Lou-
renço numa selfie a dois. Gente fica
na dúvida: para o Chega, será Má-
rio Machado um cidadão de bem?
Quem não se sente... Como sa-
bemos, não é filho de boa gente, já
diz o ditado. Esta semana, Manuel
Luís Goucha não resistiu. “Des-
ta vez levas resposta”, escreveu o
apresentador depois de Maria Vi-
eira ter recorrido ao Twitter para o
acusar — juntamente com Cristina
Ferreira — de promover “a homos-
sexualidade e a transexualidade”.
Goucha começa por estranhar o
facto da atriz nunca ter recusado
um convite para aparecer no ar,
mas diz mais. “Que pena que a atriz
de algum talento (não ofendamos
as grandes atrizes) de jeito simpá-
tico e brincalhão tenha dado lugar
a uma pessoa refém de quem lhe
escreve os arrazoados”, escreve.
A Cruz de Moedas
SÍMBOLOS Que o presidente
da Câmara Municipal de Lisboa
é popular nas redes sociais
há muito que é sabido. E esta
semana, em vésperas da JMJ,
Carlos Moedas voltou a estar
em foco, tudo por causa da cruz
que, assinalando a chegada
dos símbolos da Jornada à
CML, carregou em ombros.
Gente viu quem lembrasse a
recusa de Moedas em hastear
a bandeira LGBT na varanda da
autarquia, também viu na TV
quem comentasse que o gesto
talvez tivesse sido excessivo
num Estado laico. Será o Twitter
(agora X) a verdadeira cruz de
Moedas? FOTO D.R.
Expresso, 28 de julho de 2023 PRIMEIRO CADERNO 15

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16 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE EDUCAÇÃO
Escolas ganham milhares de
novos alunos com imigração
Aumento da população estrangeira inverteu a diminuição de alunos
registada nos últimos anos. Listas de espera crescem nos colégios
Isabel Leiria
e Joana Pereira Bastos
O número de alunos matricula-
dos nas escolas públicas está a
disparar, graças ao aumento da
população imigrante, que atin-
giu este ano o valor mais alto
de sempre. Só no 3º ciclo estão
inscritos para o próximo ano
letivo mais 10.186 alunos do que
há dois anos, enquanto o pré-
-escolar, por exemplo, regista
um acréscimo de quase 5400
crianças. A chegada de cada vez
mais estrangeiros faz-se sentir
igualmente na procura de co-
légios com currículo interna-
cional, onde são às centenas os
candidatos em lista de espera.
Norte-americanos, france-
ses, ingleses, brasileiros, mas
também nepaleses e indianos
estão a contribuir para que a
população escolar inverta o
decréscimo que antes se fazia
sentir anualmente. O ponto de
viragem aconteceu no último
ano letivo, quando o número
de matriculados aumentou pela
primeira vez numa década.
“Todos os dias estou a autori-
zar novas turmas de pré-escolar
e 1º ciclo. É uma boa notícia para
o país”, afirmou esta semana o
secretário de Estado da Educa-
ção, António Leite. Uma vez que
a maioria destes novos alunos
são crianças e jovens que não fa-
lam português, o Ministério vai
reforçar no próximo ano letivo
as medidas de apoio nas escolas.
Os distritos com maior au-
mento de população estran-
geira são também aqueles que
registam um maior acréscimo
de matrículas na rede escolar.
Braga, por exemplo, ganhou
mil novos alunos no ano letivo
que agora terminou, a maioria
no 1º ciclo.
No distrito vizinho de Viana
do Castelo, onde o número de
imigrantes aumentou 22,4%,
somaram-se mais cerca de 500
alunos só no último ano letivo.
“O saldo migratório positivo
permitiu inverter a tendência
de diminuição da população
em idade escolar, com ganhos
sobretudo no pré-escolar e no 1º
ciclo”, informa a autarquia, que
aponta o aumento da atividade
económica no concelho (com os
estaleiros navais, a indústria ou
o cluster automóvel, por exem-
plo) como uma das razões que
têm contribuído para um au-
mento dos imigrantes, que se
“intensificou muito no último
ano”, sobretudo brasileiros.
Em Leiria houve mesmo a
necessidade de abrir três novas
turmas a meio do último ano le-
tivo para dar resposta aos filhos
de imigrantes que estavam a
chegar. Em 2023/24, os alunos
estrangeiros serão já 14% da
população escolar do concelho.
E, perante a sobrelotação das
escolas da zona urbana, a autar-
quia admite aumentar o núme-
ro de turmas nos colégios com
contrato de associação, onde a
frequência é paga pelo Estado.
Em Aljezur, o número de alu-
nos disparou 25% nos últimos
cinco anos, graças à chegada
de população imigrante, “es-
sencialmente jovem, maiorita-
riamente europeia e brasileira,
com filhos em idade escolar”.
Para acomodar o acréscimo de
Escolas multiplicam
abertura de novas
turmas para integrar
crianças estrangeiras
Expresso, 28 de julho de 2023
crianças e jovens, o único Agru-
pamento de Escolas do con-
celho já teve de ser ampliado
duas vezes e mesmo assim não
chega. No próximo ano letivo
serão instalados três contento-
res climatizados para acomodar
salas de aulas do 2º e 3º ciclos.
Na maior parte do país, no en-
tanto, as escolas públicas con-
tinuam a ter capacidade para
acolher os novos estudantes,
com a abertura de mais salas e
a constituição de mais turmas.
O que não é garantido é que
os pais consigam inscrever os
filhos nas escolas de primeira
opção e mais próximas da sua
residência.
O que é público é bom de relocation (mudança), que imensa de imigrantes. Quanto
inclui, além da procura de casa, mais sobem os preços em Lis-
Patrícia Lemos, carioca, publi- a inscrição dos filhos na escola. boa e Cascais, mais as pessoas
citária, chegada a Portugal em “Eu explico aos pais que, vão para cidades menores, que
2017 com o marido e dois filhos dependendo da cidade, pode podem não ter infraestruturas
gémeos de 5 anos, conhece bem haver um tempo maior de espe- para receber esses alunos to-
a oferta do sistema educativo ra, mas podem ter a certeza de dos”, explica Patrícia Lemos.
em Portugal. É atualmente a que, em algum momento, vão A qualidade acaba por sur-
maior influenciadora digital, no ter vaga para os filhos, porque é preender. “No Brasil há uma au-
Instagram e no YouTube, junto lei em Portugal. Isto se for uma sência muito grande de serviço
dos brasileiros que querem aju- mudança a meio do ano letivo e público e chegamos aqui com
da no processo de emigração em cidades como Braga, Leiria muita dúvida se vai funcionar.
para terras lusas, oferecendo, ou Aveiro, que não tinham a Mas pouco tempo depois as fa-
por exemplo, o serviço completo expectativa dessa quantidade mílias percebem que público
Expresso, 28 de julho de 2023
é bom, que a criança não vai
ficar o dia todo na rua, que vai
à escola e que vai fazer com
que o filho fale inglês e tenha
uma formação apta para fazer
a universidade e trabalhar em
qualquer lugar da Europa.”
Patrícia Lemos dá exemplos
concretos: “Em Oeiras, a secun-
dária Luís Freitas Branco tem
um átrio digno de Oscar Nie-
meyer e a Quinta do Marquês
é o sonho de toda a mãe. Ven-
demos muitas casas e 90% dos
pais que hoje compram casa no
concelho fazem-no pensando
na escola pública dos filhos”,
elogia, alargando o leque a ou-
tras cidades, como Leiria, onde
existe uma secundária onde se
entra “pensando que se está
numa galeria de arte”.
Listas de espera
Mas se a escola pública ainda
consegue acolher novos alu-
nos, os colégios privados com
Só no 3º ciclo
estão inscritos para
o próximo ano letivo
mais 10.186 alunos
do que há dois anos
FOTO NUNO BOTELHO
currículo internacional já não
têm capacidade para dar res-
posta ao aumento da procura.
Os números do Ministério da
Educação mostram que o nú-
mero de escolas com planos
de estudos estrangeiros pas-
sou de 37 em 2019/20 para
43 em 2021/22, a maioria na
Área Metropolitana de Lis-
boa, com mais dois mil alunos
inscritos em dois anos letivos.
E mais seriam, se mais vagas
houvesse.
Na Escola Americana de
Cascais, a única em Portugal
apoiada pelo Departamento
de Estado norte-americano,
passou-se de “cerca de 400
candidaturas em 2015/16 para
cerca de 1000 por ano nos úl-
timos anos” e, apesar de um
aumento de vagas em cerca de
15%, a lista de espera é, nes-
te momento, de “mais de 300
crianças”, revela a direção.
“Lamentavelmente, há muitas
famílias que não conseguimos
ajudar”, admite. Pela primeira
vez, a escola conta com uma
maioria de alunos de nacionali-
dade americana, que tem vindo
a crescer; 23% são portugueses
e os restantes 51% de outras 55
nacionalidades.
No Redbridge, em Lisboa,
que abriu em 2017 e que irá
expandir-se para a Ajuda (ver
texto à direita), os 450 alunos
matriculados no ano passado
representavam 36 nacionalida-
des. Este ano, em particular, há
muitas candidaturas de “famí-
lias portuguesas, americanas,
francesas e inglesas”.
A TASIS Portugal Interna-
tional School abriu em 2020
na Beloura (Sintra) e o núme-
ro de inscritos veio sempre a
crescer. “Pensávamos abrir
com 100 estudantes, mas co-
meçámos com 245”, recorda
Aimme Gruber, responsável
na direção pelos serviços de
matrículas. E nos últimos anos
quadruplicaram as candidatu-
ras. “40% dos alunos inscritos
não viviam antes em Portu-
gal.” Para o próximo ano letivo
serão 800 alunos, do pré-esco-
lar ao 10º ano, estando previs-
ta a extensão até ao final do
secundário em 2025.
Com Raquel Moleiro
ileiria@expresso.impresa.pt
Colégio ganha concurso lançado
por universidade pública
A escola Redbridge, que abriu
em 2017 pelas mãos de três
mães francesas que trocaram
Paris por Lisboa, é apenas um
exemplo de um sector que
cresce ano após ano com a
procura por parte de famílias
estrangeiras, mas não só. O
colégio, frequentado por cerca
de 450 alunos, do pré-escolar
e ensino básico, com uma
secção bilingue francesa/
inglesa e outra portuguesa/
inglesa numas instalações no
bairro de Campo de Ourique,
ganhou este mês um concurso
público lançado pelo Instituto
Superior de Agronomia para
a renovação e concessão
de um estabelecimento
escolar no seu campus na
Tapada da Ajuda. O concurso
internacional, limitado a
“serviços de Educação”,
previa a reabilitação de
cinco edifícios “com uma
área bruta de 1400 m2” e a
exploração de uma “área
natural envolvente de cerca de
2 hectares, para a realização
de atividades pedagógicas”,
esclarece a direção do ISA,
que integra a Universidade de
Lisboa. O concurso recebeu
três candidatos — do grupo
Artemis, detentor da Lisboan
International School, que, por
motivos de obras, teve de adiar
para 2024 a abertura da sua
escola em Alcântara; da Vila
Sustentável — Educação para
a Liberdade; e do Redbridge.
Venceu este último, que já
tinha, aliás, comprado um
PRIMEIRO CADERNO 17
terreno nas imediações do
Palácio da Ajuda, em 2021,
para garantir um espaço
destinado aos alunos mais
velhos. O valor do contrato,
publicado no portal Base, é
de €7,2 milhões e vale por 35
anos. “No campus da Tapada
da Ajuda, com capacidade
para 300 alunos, vamos
desenvolver em parceria com
o ISA um programa científico
STEEM (Ciência, Tecnologia,
Engenharia, Ecologia e
Matemática) pré-universitário
para os alunos integrados
no ensino equivalente ao 3º
ciclo e secundário. É uma
oportunidade única que muito
nos entusiasma”, explica a
direção do Redbridge, que
conta mudar os alunos
do secundário para essas
instalações em 2024. Do
lado do ISA, há vantagens
imediatas — a reabilitação
dos edifícios desocupados e
degradados e a contrapartida
financeira pela concessão
—, mas também se pensa
na sensibilização e possível
atração de alunos para
cursos lecionados naquela
escola. “Uma das áreas onde
pensamos reforçar essa
colaboração é nas ciências
florestais, domínio profissional
muito importante para
Portugal e que tem mantido
uma atratividade muito
inferior à que seria expectável
nas candidaturas ao superior”,
explica o diretor do instituto,
António Guerreiro de Brito.
18 PRIMEIRO CADERNO
SINISTRALIDADE
A cidade tem 41 radares colocados nos locais com mais acidentes, incluindo vias com inclinação elevada ou três faixas no mesmo sentido FOTO NUNO BOTELHO
Por dia, há quase 900 multas por
excesso de velocidade em Lisboa
Infrações na capital são metade do total do país. Receitas da CML mais do que triplicaram
Texto Raquel
Albuquerque
Infografia Carlos Esteves
Em todo o país, contam-se 342
mil multas por excesso de velo-
cidade nos primeiros seis meses
deste ano. Quase metade das
infrações aconteceu em Lisboa,
que soma 157 mil coimas, segun-
do os dados da Autoridade Na-
cional de Segurança Rodoviária
(ANSR). São quase 900 multas
por dia na capital, mais 60% do
que no mesmo período do ano
passado. O aumento da fiscali-
zação não passa despercebido a
quem conduz na cidade e mui-
tos têm recebido em casa várias
multas, de uma só vez, referentes
a infrações cometidas há meses.
No caso de Lisboa, as multas
graves praticamente duplica-
ram, saltando de 52 mil para
102 mil. São quase dois terços
do total de infrações, o que sig-
nifica que, na maior parte dos
casos, os condutores superam
em mais de 20 km/h o limite de
velocidade no local onde está o
radar, ficando sujeitos a coimas
entre €120 e €600. As infrações
muito graves também cresce-
ram, ainda que bastante menos
(2%), resultando da circulação
a mais de 40 km/h além do li-
mite, com multas entre €300 e
€1500. Nos primeiros seis me-
ses deste ano, a parte das recei-
tas que coube à Câmara Muni-
cipal de Lisboa (CML) chegou
aos €3,3 milhões, mais do triplo
do que cobrou no mesmo perío-
do do ano passado (€986 mil),
segundo os dados enviados
pelo município ao Expresso.
Além das autarquias, também a
ANSR e o Estado recebem uma
fatia das receitas das coimas.
A cidade tem 41 radares, dos
quais 20 começaram a funcio-
nar em junho de 2022. Segundo
a CML, o objetivo é a “diminui-
ção da velocidade praticada nas
vias e, em consequência, a redu-
ção do número de acidentes e a
minimização dos seus impac-
tos nas vítimas”. A localização
dos novos radares foi decidida
“com base na monitorização
da sinistralidade, efetuada pela
autarquia em articulação com a
ANSR, considerando três crité-
rios: controlar as entradas e saí-
das da cidade, complementar
posições de radares existentes
e mitigar fatores de risco, prin-
cipalmente estradas com incli-
nação elevada e com três vias
de trânsito no mesmo sentido”.
Entre os locais com maior
sinistralidade está a Avenida
Infante Dom Henrique (que vai
de Santa Apolónia até Mosca-
vide), a Avenida da República,
a Segunda Circular, o Campo
Grande e a Avenida 24 de Julho,
segundo os dados da CML, refe-
rentes aos feridos leves, graves
e mortes em acidentes entre
2017 e 2019. Juntam-se ainda à
lista outras vias onde também
houve vítimas mortais, como a
Avenida de Ceuta ou a Lusíada.
Radares de velocidade média
deverão arrancar no verão
Estão a ser feitos os
últimos testes aos
radares de
velocidade média
que deverão
começar a
funcionar ainda
neste verão em
vários pontos do
país, embora não
haja ainda uma data
definida. “Vão estar em várias
estradas da rede rodoviária
nacional, designadamente
autoestradas, itinerários
complementares e estradas
nacionais”, indica a ANSR.
“Estes radares fiscalizam a
velocidade média praticada
pelos condutores através da
medição do tempo que o
veículo demora a percorrer
Reduzir a velocidade dentro
das localidades é considerada
pelos especialistas como uma
prioridade — e uma recomen-
dação da Organização Mundial
da Saúde. No caso de Lisboa,
foi aprovada há mais de um
ano uma proposta do Livre no
sentido de haver uma redução
generalizada da velocidade.
Multas demoradas
A nível nacional, as 342 mil in-
frações por excesso de velocida-
de nos primeiros seis meses des-
te ano são mais 16% do que no
mesmo período de 2022 e mais
de metade são graves, mostram
os dados da ANSR, referentes
às infrações de detetadas em
radares operados pelas forças
de segurança, ANSR e municí-
pios. Nos últimos cinco anos, o
recorde de multas foi atingido
em 2022, com um total de 786
mil. Já nos primeiros seis meses
deste ano, a seguir a Lisboa vem
uma determinada
distância
predefinida entre
dois pontos de
controlo.”
A localização e
entrada em
funcionamento dos
equipamentos será
divulgada
previamente pela
autoridade, incluindo através
de um site, onde poderá ser
consultada a sua localização.
Junto de cada um estará o
novo sinal de trânsito
(imagem ao lado).
No total, haverá 20 locais de
controlo de velocidade média,
com um total de dez radares,
que serão deslocados entre
esses 20 locais.
Expresso, 28 de julho de 2023
BREVES
NAVIO “MONDEGO”
TINHA “GRAVES
AVARIAS”
RELATÓRIO Jorge Silva Paulo,
capitão-de-mar-e-guerra na re-
forma e perito indicado pela Ar-
mada no Tribunal Marítimo de
Lisboa, garantiu, num relatório
independente a que o Expresso
teve acesso, que o navio em que
13 marinheiros se recusaram a
embarcar tinha “graves avarias
e riscos para a segurança da
guarnição e do material”.
90
é o número de pessoas
que tiveram de abandonar
as suas habitações devido
ao incêndio que deflagrou
na terça-feira, dia 25,
em Alcabideche, no
distrito de Lisboa. Foram
retiradas das localidades
de Zambujeiro, Cabreiro
e Murches. O fogo deflagrou
perto das 17h, obrigando
a cortes na circulação.
Foi dado como dominado
pelas 4h, altura em que
estavam no local 591
operacionais, apoiados
por 182 viaturas.
ACÓRDÃO DE
RUI PINTO CONHECIDO
A 11 DE SETEMBRO
FOOTBALL LEAKS A leitura do
acórdão está marcada para 11
de setembro, uma vez que a
proposta de lei da amnistia,
concebida por ocasião da Jor-
nada Mundial da Juventude,
que pode abranger alguns dos
o concelho do Porto, com 52 mil crimes imputados a Rui Pinto,
infrações, na sua maioria leves, MULTAS DE VELOCIDADE entra em vigor a 1 desse mês.
e em menor quantidade que no NO CONCELHO DE LISBOA... A amnistia pode abranger 82
Nos primeiros seis meses de cada ano
mesmo período de 2022. dos 90 crimes de que é acusa-
“O controlo eficaz do excesso 2022 2023 do, mas estão excluídos crimes
de velocidade é uma das fer- 135.000 REPRESENTAM como o de extorsão.
65% DO TOTAL
ramentas indispensáveis para
reduzir a sinistralidade rodoviá- 90.000
ria, mas não é a única. É preciso
rever o desenho das estradas 45.000 “FOMOS UM DOS
que levam à prática de velocida-
des superiores e era importante 0
PRIMEIROS PAÍSES
A RECONHECEREM
LEVE GRAVE MUITO TOTAL
que nas aulas de condução se
GRAVE
desse formação sobre a veloci-
dade e as suas consequências”,
… E DO PORTO A INDEPENDÊNCIA
DE CUBA.
diz José Miguel Trigoso, presi-
Nos primeiros seis meses de cada ano
dente da Prevenção Rodoviária
2022
TEMOS UMA
Portuguesa (PRP). 2023
O problema está na demora 60.000 REPRESENTAM
excessiva entre o momento em
POSIÇÃO CRÍTICA
66% DO TOTAL
que é cometida a infração e a 40.000
chegada da notificação a casa.
Há casos em que passam meses 20.000 RELATIVAMENTE AO
e, de uma vez só, o condutor re-
cebe várias multas, sendo que a 0 BLOQUEIO DOS EUA”
primeira delas poderia ter tido LEVE GRAVE MUITO TOTAL
Manuel Pizarro
GRAVE
um papel eficaz na alteração de Ministro da Saúde
comportamento se tivesse che-
gado pouco tempo depois da in- MULTAS DE VELOCIDADE
fração. “Essa demora é um pro- A NÍVEL NACIONAL
Em milhares
blema que já tem alguns anos
e que, em parte, se tem devido
ao atraso na disponibilização de
verbas financeiras para a ANSR
800
enviar as notificações”, afirma 600
José Miguel Trigoso. Nos re-
latórios anuais de Segurança 400
342
Interna de 2022, 2021 e 2020,
tem sido referida a ausência 200
de serviços postais na ANSR BANDEIRA VERDE
DE NOVO HASTEADA
pontualmente, durante alguns 0
meses do ano, embora a auto- 2018 2019 2020 2021 2022 2023*
ridade tenha já referido que a
situação se encontra resolvida.
* primeiros seis meses do ano
NO ALGARVE
A aposta num sistema de fis-
calização rápido, que garanta a DISTRITOS PRAIAS A bandeira verde vol-
notificação dos condutores pou- COM MAIS INFRAÇÕES tou a ser hasteada nas praias
Por mil habitantes, no 1º semestre 2023
co depois de cometerem a infra- de Quarteira e Vale do Lobo, no
ção, foi referida recentemente DISTRITO MULTAS TOTAL Algarve, depois de terem sido
ao Expresso pelo presidente da 1 Lisboa 70 160.666 ali interditados os banhos devi-
ANSR, Rui Ribeiro, como um 2 Faro 68 32.207 do à presença de bactérias pre-
dos avanços positivos consegui- 3 Coimbra 48 19.657 judiciais à saúde. A Autoridade
dos em Espanha, onde as multas 4 Porto 33 59.735 Marítima Nacional indicou,
chegam rapidamente a casa e os 5 Leiria 24 11.394 após uma nova análise à quali-
condutores têm 50% de descon- Média 33 dade das águas, que “os valores
to se pagarem em 20 dias. microbiológicos estavam den-
ralbuquerque@expresso.impresa.pt FONTE: ANSR tro dos padrões de qualidade”.
 Expresso, 28 de julho de 2023
SAÚDE
Porque é que estou em greve?
Numa semana marcada por greves no SNS, três médicos em diferentes fases da carreira explicam
na primeira pessoa o que não os satisfaz na profissão
FOTOS NUNO BOTELHO
“Não
quero
viver
para o
trabalho”
Sou médico interno do primei-
ro ano de Doenças Infecciosas
no Hospital Curry Cabral, em
Lisboa, e olho para esta greve
como importante para definir
aquilo que será o meu futuro
na medicina. Aderi à greve,
estou escalado a cumprir ser-
viços mínimos, e é claro que
me desagrada um conjunto
de pontos, desde a falta de re-
cursos materiais até à falta de
recursos humanos que se vive
hoje em dia nos hospitais. Mas
para nós, médicos que ainda
estão a estudar para termina-
rem uma especialidade, o pon-
to fulcral prende-se com uma
falta de valorização da nossa
formação e da responsabilida-
de que nos é exigida. Eu estu-
dei durante seis anos para ter
a profissão que sempre quis
e, sinceramente, deparar-me
com o cenário que tenho des-
motiva qualquer médico que
ainda tenha 40 anos de me-
dicina pela frente. Apesar de
internos, nós somos médicos
como os outros. Somos um em
cada três no SNS. E além de
fazermos muitas das funções
dos especialistas, ainda temos
o trabalho de investigação para
apresentar que nos é exigido e
que, de alguma forma, é muito
PERFIL
Nome José Ganicho
Idade 25 anos
Especialidade Doenças
Infecciosas, Hospital Curry
Cabral, Lisboa
pouco valorizado no nosso dia
a dia. Para bem do meu futuro
como médico, gostaria de ver
surgir destas negociações uma
mudança de postura por parte
do Governo, para que passasse
a estar mais sensível à valoriza-
ção da carreira médica, o que
se traduz necessariamente nos
salários. Gostaria de ver estas
reivindicações respondidas de
forma séria, com propostas
concretas e sem um arrastar de
discussão que não leva a lado
nenhum.
O bem-estar
Apesar de no meu horário
constarem 40 horas semanais,
sou sempre escalado para tur-
nos de horas extraordinárias
e raramente faço menos de 60
horas por semana, sem contar
com a parte da investigação.
Se fosse contabilizar as horas
de estudo e de preparação de
trabalhos, seriam muitas mais.
Com isto, a minha formação
fica duplamente prejudicada.
Faço mais urgências e mais
trabalho extraordinário, por
falta de recursos humanos,
e deixo de ter o tempo para
estudo e investigação que a
fase em que estou prevê estar
garantido. Ao mesmo tempo,
ainda sou igualmente prejudi-
cado pelas questões que ame-
açam os colegas especialistas.
É verdade que nós já assumi-
mos que os anos de internato
são penosos, mas vivemo-los
acreditando que depois o es-
forço será compensado. Se no
fim de cinco anos me torno
especialista e fico com uma
situação idêntica à que os co-
legas têm agora, claro que me
desmotivarei. Principalmente
porque eu não vivo para traba-
lhar. Esforço-me no dia a dia,
faço tudo pelos meus doentes
e quero muito vê-los bem, mas
não abdico do meu bem-es-
tar físico e mental. Principal-
mente depois da pandemia, e
por ter observado o estado de
exaustão de muitos profissio-
nais de saúde, impus-me ga-
rantir que chego aos 40 anos
com uma qualidade mínima
de vida e não completamente
exausto.
Textos Joana Ascensão
“Ministro
quer
atrair-
-nos com
vinagre”
Sou especialista desde 2014 e
há nove anos que o meu orde-
nado é o mesmo — cerca de
€2700 brutos. Já formei um
médico especialista e este meu
colega ganha exatamente o
mesmo que eu, nem mais nem
menos. O que eu tenho visto
é uma estagnação na carrei-
ra. O Governo tem a avaliação
dos médicos congelada, pelo
que, ao longo dos anos, para
ver uma subida no vencimen-
to, preciso de ir para o nível
de assistente graduado, nível
para o qual são precisos, no
mínimo, cinco anos de médi-
co-assistente (especialista).
Concorri a esse nível em 2021
e em setembro passado fiz o
exame. Ainda estou à espera
dos resultados. Se conseguir,
passo a receber €3200 e este
pode ser o salário mais alto
que venho a ter, uma vez que
existem quotas para o último
nível, o de assistente graduado
sénior. A carreira está estag-
nada e isso nem é assunto nas
negociações. O que o Gover-
no quer com esta proposta de
suplemento salarial de 20%
para quem aderir à “dedicação
plena” é aumentar o ordenado
aos médicos face a um esforço
sobre-humano, materializado
PERFIL
Nome Ângela Rodrigues
Idade 38 anos
Especialidade Anestesiologia,
Hospital Amadora-Sintra,
Amadora
em aceitar passar de um má-
ximo de 150 para 350 horas
extraordinárias por ano. Isto
não só vai colher pouca ou ne-
nhuma adesão da classe, como
também perpetua a dependên-
cia que o SNS já está tem deste
trabalho extraordinário dos
médicos, sacrificando os que
ainda restam por causa da falta
de atratividade sentida pelos
que decidiram sair.
O mel
Eu não aceitaria a “dedicação
plena”. Primeiro, porque é pre-
ciso perceber que ganho numa
manhã no privado o equiva-
lente a meio salário do SNS.
Mas também há que ter em
conta que, em especialidades
cirúrgicas, como a minha, nós
ficamos muito para trás no que
toca à tecnologia se ficarmos
presos ao SNS. Só para dar um
exemplo: ontem atrasei uma
cirurgia uma hora porque no
Hospital Amadora-Sintra só
temos um ecógrafo para 11 blo-
cos operatórios e uma colega
precisou dele para anestesiar
um bebé. Com a velocidade
com que a inteligência artifi-
cial está a entrar na medicina
e pela forma como o privado
está 20 anos à frente do SNS
em tecnologia, não vejo que os
médicos se comprometam a
nunca ir para o privado — isso
também os prejudicaria em
conhecimento. No meu caso,
não só trabalho no privado
como faço trabalho em regime
de produção adicional no meu
hospital para complementar o
meu ordenado. Mas penso nos
colegas de especialidades com
menos oportunidades destas. É
por isso que, para mim, o mais
importante que saia desta ne-
gociação é uma atualização da
grelha salarial para todos os
médicos — e não apenas para
quem aceita a dedicação plena.
Se eu já sei que vou ficar a ga-
nhar o mesmo que o meu inter-
no, ao menos que sejamos mais
bem pagos. Enquanto dirigente
sindical do Sindicato Indepen-
dente dos Médicos (SIM), já
tenho dito ao ministro que ele
tem de nos atrair com mel e
não com vinagre.
“Aumento
para 350
horas é
uma coisa
louca”
Nunca fiz greve na vida e não
vai ser agora que vou começar,
mas há mais do que razões para
fazer greve — e digo-o com al-
guma mágoa. Para mim, que
estou em exclusividade no SNS
desde 1995, viver sem medicina
é como viver sem oxigénio. É
uma forma de estar na medi-
cina. Quando um político esco-
lhe uma palavra diferente para
substituir outra que já existe,
temos de pensar que poderá ter
uma intenção escondida. Com
esta “dedicação plena” que o
Governo propõe, os médicos
podem continuar a trabalhar no
privado, só não podem aceitar
cargos de chefia. Além disso,
está inerente um aumento para
350 horas máximas de trabalho
extraordinário por ano, uma
coisa louca que, digo-vos já, nin-
guém vai aceitar. Do que nós
precisamos não é de mais mé-
dicos no SNS, é de uma maior
disponibilidade deles. Multipli-
cam-se os que trabalham ape-
nas o equivalente a meio horá-
rio por semana. Aqueles que
estão a tempo inteiro, se não
forem chefes de equipa, como
eu, e não estiverem no final de
carreira, levam menos de €2
mil para casa. Por isso, as pes-
soas compensam o ordenado
PERFIL
Nome João Araújo Correia
Idade 63 anos
Especialidade Medicina
Interna, Hospital Santo
António, Porto
PRIMEIRO CADERNO 19
FOTO TERESA NUNES
com as horas extraordinárias
ou com o privado, e deixam de
ter tanta disponibilidade para o
SNS. Como já devem ter perce-
bido, eu sou totalmente a favor
da exclusividade, bem remune-
rada. Na maior parte da Europa
as pessoas só trabalham ou no
sector público, ou no sector pri-
vado. Com uma transição gra-
dual, acredito que pelo menos
25% do quadro do SNS deveria
ter exclusividade. E penso que
os diretores de serviço têm um
papel fulcral em identificar os
trabalhadores que gostariam
que tivessem maior disponibi-
lidade para o serviço, pela dife-
renciação que oferecem.
A competição
Nós temos de ter a noção de
que o SNS nunca vai competir
ombro a ombro com o privado,
mas não vejo nem uma medi-
da estrutural para estancar a
saída. No meu tempo tentava
motivar-se quem escolhia fa-
zer carreira no sector público.
Agora, pelo contrário, dá a im-
pressão que só se governa pelas
manchetes dos jornais. Fala-se
nas urgências, como se fossem
o maior problema que há para
resolver, sem explicar que é só
um sintoma do que se passa
a montante, nas Unidades de
Saúde Familiar, e a jusante,
no Sector Social, onde os ver-
dadeiros imbróglios ficam por
resolver. Sinceramente, a certa
altura, parece haver um jogo
político para que os privados
continuem a absorver os médi-
cos que considerem melhores.
Esta é a minha última semana
como diretor de serviço, mas se
há reflexão que tenho feito é a
das diferenças nas gerações de
médicos que neste momento
compõem o SNS. A geração dos
60, onde me incluo, é a geração
dos ideais. Na geração dos 40
e 50, já há uma mistura. Têm
ideais mas também não abdi-
cam de ganhar o correspon-
dente. E os mais novos, os dos
30, são pessoas que, indepen-
dentemente do que lhes deem a
ganhar, não abdicam de tempo
para eles mesmos e de qualida-
de de vida. É importantíssimo
perceber isto para salvar o SNS.
20 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de

OBSTETRÍCIA
INVESTIGAÇÃO

N Como nasce
a terça-feira, o Serviço
Nacional de Saúde (SNS)
vai ter um parto progra-
mado: nasce uma nova
maternidade na cidade
de Lisboa e os progenito-
res São Francisco Xavier

uma maternidade
e Santa Maria já sabem
que não vai ser natural.
A gestação da nova unidade tem tido
várias complicações e sucessivos riscos
e espera-se, por isso, um parto difícil e
instrumentalizado, talvez até a precisar
de cesariana.
Nos próximos oito meses, no melhor
prognóstico, o Hospital de São Francis-
co Xavier (HSFX) vai ser a casa da nova
maternidade, recebendo as equipas de
obstetrícia do Hospital de Santa Maria,
cujos serviços vão fechar para obras
para, assim, crescerem. Todos os dias,
pelo menos, 25 profissionais do Santa
Maria — obstetras-ginecologistas, anes-
O Hospital de Santa Maria vai mudar os partos e toda a assistência
tesiologistas, pediatras, neonatologistas
e outros especialistas, enfermeiros e as-
obstétrica para São Francisco Xavier. Obstetras não querem ir
sistentes operacionais — vão assegurar Textos Vera Lúcia Arreigoso Fotos José Fernandes
escalas no HSFX. “Começámos com as
reuniões de planeamento em finais de
abril e a um mês de estarmos a funcio- O projeto que o antigo responsável e maternidade do Santa Maria não tinha rino da obstetrícia e diretor da gineco- e “perdeu a confiança”. Já os médicos
nar em conjunto estava tudo preparado, os médicos do serviço reivindicam não capacidade de resposta.” logia, Alexandre Valentim Lourenço. continuam ao lado dos diretores afas-
incluindo a rede informática”, afirma previa o aumento da capacidade, ape- Com seis milhões de euros, será cons- As máquinas vão entrar em agosto tados e, há um mês, iniciaram um pro-
o diretor da obstetrícia-ginecologia do nas a modernização das instalações. truída “a maior e mais moderna ma- nos pisos 6 (bloco de partos), 5 (inter- testo às horas extraordinárias que tem
HSFX, Fernando Cirurgião. Assim, as obras poderiam decorrer ternidade do país”. Poderão nascer ali namento pós-parto) e 2 (urgência obs- impedido o funcionamento das urgênci-
O entusiasmo não é partilhado por sem fechar, recorrendo, no entanto, 4500 bebés. As obras vão ser feitas “em tétrica). Haverá ainda intervenção na as com as dotações mínimas, obrigando
todos no Santa Maria. Pediatras, a contentores. Mas a administração harmónio e em vários pisos”, impondo neonatologia, para aumentar de 19 para a transferir partos sem complexidade
anestesiologistas, neonatologistas, en- do Centro Hospitalar Universitário de o encerramento, explica o diretor inte- 29 camas, e continuarão os trabalhos para os privados. Até meio da semana
fermeiros e assistentes, entre outros, Lisboa Norte, que agrega o Hospital no piso 3, da ginecologia e onde o bloco tinham sido uma dezena.
vão trabalhar em equipas mistas, mas de Santa Maria, e o Governo querem cirúrgico está em obras. As instalações O mecanismo SOS foi criado pela di-
os obstetras recusam-se. Os seus turnos mais. Já esta semana, no Parlamento, da obstetrícia serão reconvertidas em reção executiva para colmatar a falta de
serão assegurados apenas entre si. A ge-
neralidade dos 52 médicos, 15 deles em
o ministro da Saúde reiterou o seu
apoio. “O conselho de administração OBSTETRAS salas individuais de ecografia, um puer-
pério maior e com casas de banho por
médicos na região de Lisboa durante o
verão, mas só o Santa Maria foi obri-
formação, são contra o fecho temporá-
rio da maternidade, convictos de que as
tem toda a razão. O que seria errado
era fazer uma obra desta dimensão
DO SANTA MARIA quarto, entre outros. Junto ao piso 2
nascerá a maternidade, com mil metros
gado a acioná-lo, devido ao braço de
ferro, que nem as idas ao Parlamento
obras são possíveis mantendo o serviço
aberto. Defendem o projeto de Diogo
para um nível de procura igual, que
já não é suficiente”, disse Manuel Pi-
APOIAM PROJETO quadrados.
Os obstetras estão contra e as missi-
dos envolvidos ou as intervenções pú-
blicas do bastonário Carlos Cortes e de
Ayres de Campos, exonerado em junho zarro. Irritado, até respondeu a uma DE REMODELAÇÃO vas de alerta enviadas quase semanal- Manuel Pizarro nos bastidores demo-

SEM AUMENTAR
da liderança do departamento por, pre- interpelação sobre a grávida que mor- mente valeram o afastamento de Diogo veram. A antiga diretora da obstetrícia
cisamente, questionar a ampliação da reu após ter sido transferida do Santa Ayres de Campos, arrastando a diretora foi convidada a voltar, mas a imposição

A CAPACIDADE
maternidade e a resposta concentrada Maria para o HSFX: “O caso particular da obstetrícia. A administração apon- de assumir também o antigo lugar de
no HSFX. que ocorreu há um ano foi porque a tou-lhe o dedo por “criar dificuldades” Diogo Ayres de Campos na liderança
e julho de 2023
do departamento fez voltar tudo à es-
taca zero.
A ferida não só não sarou como alas-
trou. Santa Maria iria manter os partos
eletivos, casos complexos, internamen-
tos e consultas de obstetrícia, mas esta
semana a administração decidiu trans-
ferir todos os cuidados obstétricos para
o HSFX. A Ordem dos Médicos fez
visitas e decidiu que o serviço tem de
fechar, e sem demora (ver texto ao
lado).
AS DIFERENÇAS
Com o nascimento da nova materni-
dade de São Francisco Xavier e Santa
Maria deixam de existir buracos nos
turnos. “Não haverá falta de médicos.
As primeiras escalas vão ser feitas com
seis elementos e depois cinco, o adequa-
do para 3500 partos por ano”, explica
Fernando Cirurgião. “A maternidade
não será 1+1 porque a procura vai dis-
sipar-se. Mas o HSFX tem capacidade
para até 4500 partos, que não fazemos
por não ser necessário.”
E há outras contas. O HSFX tem 13
obstetras e faz 2200 partos; o Santa Ma-
ria tem mais de 50 médicos e faz 2500 a
2600. “A maior e mais diferenciada da
maternidade do país não tem condições.
Os partos são feitos nos mesmos quar-
tos há 70 anos”, diz Alexandre Valentim
Lourenço. Os obstetras do Santa Maria
dizem que faltam condições no HSFX
para os receber.
O Expresso visitou as maternidades
e há diferenças claras entre ambas.
No Santa Maria os cuidados estão dis-
persos por pisos, degradados. Os fios
estão à vista, falta tinta nas paredes,
o piso está esburacado, as camas são
antigas e os quartos são exíguos, onde
o pai não cabe, e faltam sanitários. Isto
seriam pormenores se não faltasse
também espaço para os equipamentos
— por exemplo, mesa de reanimação
para os bebés nas salas de partos —, e
blocos cirúrgicos para cesarianas ou
Em cima, à esq., uma sala de partos no São Francisco Xavier. Há acesso a
vários procedimentos para o nascimento do bebé (quarto cor de rosa).
Contrastam com as instalações no Santa Maria. Faltam técnicas e conforto
e sobra degradação, mesmo junto ao bloco cirúrgico, o único (em baixo)
salas de ecografia suficientes e com
privacidade.
A mais diferenciada maternidade
do país tem sete salas de partos, na
verdade, quartos comuns, e um bloco
operatório de obstetrícia. “Só conse-
guimos ter sete partos em simultâneo
— se entrar um oitavo despachamo-nos
SANTA MARIA TEM
UM BLOCO
CIRÚRGICO. EM
CASO DE DUAS
CESARIANAS, UMA
É FEITA NO QUARTO
ou transferimos — e uma cesariana.
Se forem necessárias duas cesarianas,
uma terá de ser feita no quarto sem
condições de assepsia como no bloco”,
explica Alexandre Valentim Lourenço.
Nascido, bebé e mãe transitam para o
puerpério. São 27 camas, todas servidas
pela mesma casa de banho.
Apesar de não muito distante, o vizi-
nho HSFX está muito longe na qualida-
de dos serviços. “Recebemos material
do Santa Maria e nada está em condi-
ções. Desde camas a colchões. Vamos
utilizar tudo nosso”, diz Fernando Ci-
rurgião. De base, tem oito salas de parto
completamente equipadas, com espaço
para três acompanhantes e possibilida-
de de várias técnicas para o nascimento;
três blocos cirúrgicos e 28 camas de
puerpério, em quartos duplos com WC
e vista para o mar. Entretanto, foram
feitas ampliações (ver números ao lado).
COMPARAÇÃO
25
profissionais do Hospital de Santa
Maria, obstetras-ginecologistas,
anestesiologistas, pediatras,
neonatologistas e outros, enfermeiros
e assistentes operacionais, vão
integrar as escalas no Hospital
de São Francisco Xavier
12
camas para partos estão preparadas
no São Francisco Xavier, mais cinco
do que no Hospital de Santa Maria
3
blocos cirúrgicos estão dedicados à
obstetrícia, para cesarianas, no São
Francisco Xavier; no Santa Maria há um
40
vagas, duas por quarto com casa de
banho, é a capacidade no puerpério
no São Francisco Xavier, mais 16 para
internar grávidas; no Santa Maria há
27 camas, todas com o mesmo WC
A maternidade tem as demais va-
lências, como a ecografia, moderni-
zadas. Por exemplo, as salas de parto
estão numa estrutura circular, com as
equipas no centro, permitindo moni-
torização constante ou acesso imedi-
ato ao bloco. Os cuidados funcionam
todos na mesma área, permitindo a
movimentação rápida entre consultas,
urgência, salas de partos, blocos ope-
ratórios, etc.
A administração do Santa Maria re-
afirma que nenhum obstetra é forçado
a ir para a nova maternidade conjunta,
mas avisa que são “contratualmente
obrigados” a isso e salienta que vão
trabalhar menos. Os turnos de urgência
serão de 12 e não de 24 horas. A adesão
só será avaliada em setembro, pois 75%
dos obstetras foram autorizados pelo
antigo diretor a ir de férias em agosto.
varreigoso@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 21
Ordem
manda
fechar
serviço
Colégio obstétrico avisa que
há “riscos graves” no Santa
Maria e a administração
decide transferir todos
os cuidados, até consultas
A população vai deixar de ter
qualquer assistência obstétri-
ca no Hospital de Santa Maria.
Além das urgências e blocos
de partos, vão fechar também
o internamento, intervenções
programadas, mesmo casos
complexos, e as consultas.
O fecho total da obstetrícia
acontece a partir do dia 1, para
quando já estava decidida a
transferência da assistência ur-
gente e dos partos não eletivos
para o Hospital de São Fran-
cisco Xavier (ver texto ao lado),
por força do encerramento para
obras, e é justificada pelos “ris-
cos graves para a segurança das
grávidas, doentes e profissionais
de saúde” identificados numa
avaliação feita pela Ordem dos
Médicos e que o Expresso re-
velou na terça-feira. Na prática,
o serviço “não tem condições
para continuar aberto como tem
estado a funcionar.”
Perante o diagnóstico severo
do Colégio de Obstetrícia sobre
a falta de qualidade do atendi-
mento com a repetida falta de
médicos, a administração do
Centro Hospitalar Universitá-
rio de Lisboa Norte, que agrega
o Santa Maria, decidiu recolocar
a equipa toda no São Francisco
Xavier. Os médicos começaram
a ser informados no final da se-
mana, as utentes transferidas e
as consultas remarcadas.
No relatório da visita, o pre-
sidente do colégio de obstetras
pede “um contacto urgente com
a tutela do SNS, dado o sério ris-
co regional que está em causa”.
E faz outras recomendações: “A
população deve ser serenamen-
te alertada e devidamente orien-
tada” e “os organismos compe-
tentes, incluindo da Ordem dos
Médicos, devem, sem mais de-
moras, acionar os mecanismos
de que dispõem para pôr em
prática as medidas enunciadas”.
Isto porque a administração não
tinha respondido nem atuado.
“Continuaram sem resposta os
apelos, em contactos pessoais,
em reuniões formais e por escri-
to, pelos médicos, pelo colégio e
pelo bastonário.”
É sublinhado também que a
urgência e o bloco de partos
estão integrados “num hospital
de apoio perinatal diferenciado
de ‘fim de linha’, isto é, dota-
do de recursos que permitem
receber as situações clínicas
mais graves e diferenciadas” e
que, tendo 2500 a 2600 partos
anuais”, exige “equipas-tipo
médicas de urgência de cinco
especialistas”. Mas, “segundo
as denúncias, e com o verifi-
cado na visita, têm realizado
turnos que exigem a ativação
de níveis de contingência 2 ou
3, sem que tenha acontecido,
face a equipas constituídas
por apenas dois especialistas
ou por um especialista e um
médico interno, considerando
que os do 1º ano não devem ser
contabilizados”.
A administração mantém o
silêncio. O problema vai ser ‘re-
solvido’, pelo menos, nos oito
meses previstos para as obras e
durante os quais os cuidados vão
estar concentrados no Hospital
de São Francisco Xavier.
22 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

VERÃO 2023

O
AS DICAS DO FELNER s truques de chef soam a
impostura de apresenta-
Ricardo dor de canal de culiná-
ria, mas muitos valem a
Dias Felner pena. Ainda há pouco tempo,
ensinaram-me a descascar gen-
O melhor gibre com uma colher de sobre-
mesa. Foi um espanto.
casa, qual era o segredo. Ele des-
pachou o assunto: “Tratamo-lo
de outra forma.” Tempos depois
haveria de o reencontrar e insisti.
“Como assim?” Galapito desven-
dou então a sua fórmula, num
gesto de abnegado desprendi-
mento. “Afogas o pão, pões o
Era só um saloio de Rio Maior.
Com a fórmula Galapito, qual-
quer pão resulta e pode-se usar
a fornada do dia, da véspera
ou da antevéspera (desde que
não se cometa o erro trágico de
comprar pão fatiado). Funciona
sempre e, por isso, atualmente,
com calor de cima e de baixo. forno e regule o alarme para
Não atalhe, deixe mesmo a tem- o tirar daí a 20 minutos. Se
peratura chegar aos 180°C.
Agarre num pão grande e afun-
reaquecer dois ou três pães de
uma vez, ou se o pão for mui-
de-o numa panela cheia de água, to grande, mal cozido e mui-
até ficar submerso, durante dois to hidratado (como acontece
segundos. Em alternativa, dê-lhe
um duche com um fiozinho de
com alguns de Rio Maior ou
mesmo de Mafra) pode ir até

truque de Muitas destas técnicas facili-

tam, outras tornam a comida
mais saborosa e há uma que
forno a 180°C e aqueces durante
20 minutos.”
A partir daí, nos jantares para
o truque é norma em restau-
rantes gastronómicos de todo
o mundo e nas casas dos meus
água a correr na torneira do lava-
tório, só o tempo suficiente para
molhá-lo de forma uniforme.
aos 22-25 minutos. Eu gosto da
côdea castanha escura, quase
queimada.
chef que vai muda a vida das pessoas. De to-
das as pessoas. É sobre ela que
amigos em minha casa, o pão
passou a ser o prato principal.
amigos — mesmo que o do Prado
continue a ser o mais perfeito e
[A ideia de molhar um pão cau-
sa choque. Mas não tenha medo.
Retire o pão com um pano.
Com a outra mão, serre o pão
fazer muitas vos quero escrever.
Aprendi-a no restaurante Pra-
Podia caprichar nos assados
de quatro horas, nos queijos
consistente.
Cá em casa, com a prática, fui
percebendo nuances e só fiz li-
Confie. O que acontece é muito
simples e é ciência. A água vai
em fatias de dois centímetros,
sem todavia chegar a separá-

vezes do, há uns anos. O restaurante

Prado, em Lisboa, tem vários
encantos, que vão da tosta de
franceses, na charcutaria 100%
bolota, nas tostas de fígado
de tamboril com kimchi, nas
geiros ajustes consoante o pão e
a quantidade.
ajudar a reidratar o miolo e pro-
mover a formação de um gel de
amido na superfície, que tornará
-las completamente, deixando
a côdea da base intacta.
Disponha num prato e regue
ou 180°C, sardinha, salsa e lardo (toucinho)
ao tártaro de boi mirandês com
anchovas do Cantábrico, que
o protagonista haveria de ser
Ora, tome nota da minha ver-
são aumentada.
a côdea mais grossa e mais cro-
cante. Eis a magia.]
com muito azeite extravirgem
de boa qualidade. Regar é regar

20 minutos couve grelhada, passando pelo

Como quase todas as coisas
maravilhosas da vida é uma
receita simples. Só precisa
de um forno, pão e água
já mítico berbigão com acelgas.
E depois tem o pão.
O pão do Prado é igual ao com-
prado por outros restaurantes
em Lisboa.
Quando o conheci vinha de
uma padaria artesanal que en-
tretanto se tornou industrial e
passou a fornecer tudo o que é
cozinha gourmet e pseudogour-
sempre aquela fornada de tri-
go crocante acabada de sair do
forno. “Que pão é este?”, ad-
Preaqueça o forno a 180°C, no
modo normal (sem ventilação),
De seguida, coloque o pão
diretamente sobre a grelha do
mesmo, ensopar. Deixe que es-
corra entre as fatias, da côdea
ao miolo.
miravam-se os convivas, olhos Salpique de sal marinho ou
esbugalhados, enquanto das flor de sal, com cuidado (ler
mandíbulas ressoava, estriden- crónica da semana passada).
te, o restolho da côdea. “Foste Por fim, pique dois ou três
tu que fizeste em casa”, pergun- dentes de alho, bem fininho (ou
tavam, questionando-se se teria rale no Microplane diretamen-
fermentado ao som de Chopin, te sobre o pão), espalhando
se seria dos cereais biodinâmi- pelos mesmos caminhos do sal.

ILUSTRAÇÃO ANA FIDALGO

met desta cidade.
Sucede que, quando chegava à
mesa, o pão do Prado era sempre
melhor: mais untuoso por den-
tro, mais estaladiço por fora. O
pão do Prado parecia diferente.
Há uns anos, perguntei ao chef
António Galapito, à frente da
cos ou de uma massa-mãe sur- Não há forma de errar. Não
ripiada ao poeta-padeiro Mário há forma de não ficar fã. É pão.
Rolando. Quente.
Quando lhes dizia a verdade, Húmido. Estaladiço. É pão
ficavam atónitos. Era só um melhor do que se tivesse aca-
Mafra comprado na pastelaria bado de cozer. E vai sair que
do bairro. Era só uma baguete nem... pãezinhos quentes.
de supermercado. ricardofelner@gmail.com

ONDE COMER ONDE DORMIR

Natureza selvagem Alformil

em Montesinho
A casa mais antiga da aldeia de
Formil transformou-se num
alojamento com seis quartos,
sala de estar, enoteca e sala
de pequenos-almoços.
Tel. 969 016 158
A partir de €70

G Pousada
É o único restaurante com estrela
Michelin em Trás-os-Montes
e o mérito deve-se aos irmãos
Óscar e António Gonçalves
que transportam para a
mesa a alma da região.
Tel. 273 331 493
Preço médio €95
Bétula Studios
Em pleno Parque Natural de
Montesinho há quatro casas, feitas
com materiais sustentáveis,
perfeitas para famílias. Explorar
as imediações com o anfitrião.
Tel. 960 237 459
A partir de €80

Restaurante Típico D. Roberto

Abriu em 1935 como taberna e
mantém-se nas mãos da família,
com petiscos e pratos de conforto
FOTO D.R.

como a “Posta à D. Roberto” ou a

Explore as aldeias de montanha a pé, de BTT ou a cavalo, saboreie
o porco Bísaro e descubra os segredos do parque natural.
Teresa Castro Viana
Respira-se ruralidade no Parque Na-
tural de Montesinho que se desenvol-
ve a norte dos concelhos de Vinhais
e Bragança, na chamada terra fria
transmontana, na fronteira com Es-
panha. Há fornos, moinhos e lagares
comunitários, carvalhais, azinheiras
e mais de 250 espécies, com desta-
que para as aves, os lobos-ibéricos, os
corços, os javalis e os veados — entre
setembro e novembro, vale a pena
estar atento à brama, o chamamento
destes animais para o acasalamen-
to, ou solicitar um guia da Anda
D’i (Tel. 935 355 633). A paisagem
é deslumbrante em qualquer altu-
ra do ano e há muito para descobrir
ao longo de quase 75 mil hectares.
Os mais aventureiros podem percor-
rer Montesinho de BTT, numa rota
que inicia e termina no centro históri-
co de Bragança e percorre, ao longo de
255 quilómetros, pontos de interesse
como a aldeia de Aveleda, a barra-
gem da Serra Serrada e as Minas da
Ribeira, ou a cavalo, com percursos
equestres organizados pelo Centro
Hípico de França (Tel. 273 919 141), na
aldeia com o mesmo nome. Também
lá, em dias quentes, a praia fluvial e
a magnífica Cascata do Poço Negro,
alimentada pelo rio Sabor, convidam
a mergulhos.
Aldeias de montanha
e uma ode à natureza
Para percorrer a pé, os trilhos PR3 Por-
to Furado, com 7,8 quilómetros, que
começa e acaba na aldeia de Montesi-
nho, passando pelo complexo de arte
rupestre do Castro Curisco, com direito
a vista panorâmica sobre o vale do rio
Sabor, e PR7 VNH Calçada, com a mes-
ma extensão, que atravessa Moimenta,
permitem descobrir algumas das mais
bonitas aldeias locais. É incontornável
sugerir a visita a Gimonde, terra de
tesouros gastronómicos, e rio de Onor,
dividida entre Portugal e Espanha, e
marcada pelo comunitarismo. É por lá
que passa a recém-inaugurada Grande
Rota dos Moinhos e dos Lameiros, com
cerca de 30 quilómetros, e onde está
sediada a Dear Wolf (Tel. 939 676 600).
Se quiser observar o lobo no seu habi-
tat, inscreva-se n’ O Trilho do Lobo, um
programa de quatro dias com guias bió-
logos especializados em investigação e
conservação do lobo-ibérico.
Em Vinhais, Capital do Fumeiro, par-
ta à descoberta do Parque Biológico,
um paraíso para miúdos e graúdos,
onde se pode observar o quotidiano
de alguns animais, fazer passeios de
“Trilogia de porco Bísaro”.
Tel. 273 302 510
Preço médio €20
O Abel
Pousada de Bragança
Com 27 quartos e uma suíte,
A carne é o ex-líbris do menu varandas e burel de Miranda do
e os clássicos “Posta”, “Costela” Douro, abriu em 1959 e foi sendo
burro mirandês e participar em ati- e “Cordeiro” merecem alvo de melhorias. Aprecie a vista
vidades como peddy-paper e caça ao a devida atenção. À saída, para o castelo de Bragança.
tesouro. A poucos quilómetros, na al- visite a pequena loja. Tel. 273 331 493
deia Lagarelhos, na freguesia de Vi- Tel. 273 382 555 A partir de €90
lar de Ossos, vale a pena admirar o Preço médio €20
Castanheiro de Lagarelhos, um dos
castanheiros com maior perímetro de Solar Bragançano
Portugal, classificado como Árvore de Esta antiga casa senhorial é uma
Interesse Público. joia gastronómica de Bragança,
Divirta-se a 3 de agosto na Festa do com destaque para os pratos de
Emigrante, em Vinhais, e em Bragan- caça. Entre outros, há “Arroz de
ça, no Verão Bragança, a 5. De 18 a lebre”, “Faisão com castanhas” e
22 de agosto acontecem as festas da “Veado à D. Teodósio”.
cidade. Regresse à região em feverei- Tel. 273 323 875
ro, para se abastecer de enchidos de Preço médio €25
porco Bísaro, mel e castanhas na Feira Montesinho Eco Resort
do Fumeiro de Vinhais, que em 2024 Ao longo de quatro hectares,
comemora a 44ª edição. distribuem-se três apartamentos e
bcbm@impresa.pt oito casas, ideais para descansar.
Parque infantil, parque geriátrico e
piscina coberta, garantem
NÃO PERCA momentos de lazer para todos.
A edição 2023 do Tel. 969 361 386
guia “Boa Cama A partir de €105
Boa Mesa” reúne
uma seleção Solar do Morgado Oliveira
dos melhores O Javali Com cinco quartos e uma suíte,
restaurantes Os sabores transmontanos são esta que é a casa mais antiga
e alojamentos protagonistas, em pratos como o de Macedo de Cavaleiros, datada
nacionais. “Javali” estufado com castanhas e o de 1674, é também um
Com mais de mil “Cordeiro bragançano”. A seleção alojamento familiar e clássico,
locais que merecem visita, de doces e vinhos é vasta. com piscina exterior.
custa €18,90 e está disponível Tel. 273 333 898 Tel. 278 432 276
na Loja Impresa (tel. 214 698 801). Preço médio €20 A partir de €70
Expresso, 28 de julho de 2023 PRIMEIRO CADERNO 23

0:59 UM MINUTO PARA PENSAR Manuel Cardoso — quem é que nunca teve as férias es-
tragadas por causa de um chumbo. É o
integral do tempo de serviço. Bem sei
que os professores exigem ser coloca-

Qual o peso dos católicos típico ambiente de fim de ano letivo: já o

encontro do Conselho de Estado — uma
dos em escolas perto de casa, mas isto
seria capaz de justificar um movimento

e cristãos em Portugal? espécie de reunião de pais — tinha sido

encerrado à pressa porque Costa estava
ansioso para embarcar na viagem de
pendular a nado. Honestamente, não
encontro razão para que os professores
continentais não tenham os mesmos
finalistas à Nova Zelândia. António es- direitos dos professores das regiões
POPULAÇÃO CRISTÃ NA UNIÃO EUROPEIA (2020)
Inclui católicos, protestantes, ortodoxos e outras religiões cristãs. Em percentagem
tava perfeitamente convencido de que autónomas. Será mais difícil lidar com
ia ter um verão descansado, a celebrar crianças que vivem numa ilha? Só estou
a sobrevivência do socialismo ibérico a ver uma explicação para esta discrimi-
1. 99% E se a carreira e a curtir a ressaca da crise política. À nação: quem fez a lei tinha acabado de
ROMÉNIA última hora, foi-lhe exigido um trabalho ler “O Deus das Moscas”.
docente fosse de casa com um exercício que nunca Há quem considere que os professo-
2. 97% decente? conseguiu resolver. res estão a pedir demasiadas notas para
MALTA O primeiro-ministro António Costa dar notas. António Costa, por exemplo,
e o ministro João Costa têm arrastado já disse que os professores “são muito
3. 93,3% a questão da carreira docente como injustos”. Sobre os médicos que pe-

H
CROÁCIA quem arrasta um curso universitário: dem aumentos, o primeiro-ministro
á o professor Marcelo e o deixam-se andar, não têm qualquer afirmou ter outras prioridades. Real-
4. 92,5% Marcelo professor. O primeiro interesse em fazer um brilharete, des- mente, uma pessoa olha para o país e
POLÓNIA diverte-se a comentar aspetos conhecem os professores e dizem a conclui de imediato: “Incrível, estes
Portugal surge mundanos da vida política, ati- toda a gente que não há que ter pressa, profissionais da saúde e da educação
5. 90,5% em 5º lugar çando chusmas de jornalistas com um é para se ir fazendo. Por outro lado, o andam a viver demasiado bem!” Faz
PORTUGAL na UE com gelado da Santini ou uma garrafa de todo o sentido a ideia de que há um
maior peso Fortimel. O segundo é um pedagogo sentimento generalizado de inveja face
6. 89,9% de cristãos. A que contribui positivamente para re- António Costa prosseguiu às condições de trabalho dos médicos e
LITUÂNIA percentagem centrar os debates fundamentais para na senda da displicência dos professores. Na rua, ouço sempre
estimada pelo o país. Esta semana, foi Marcelo pro- quanto à escola: não coisas como “quem me dera trabalhar
7. 89,7% think tank fessor a aparecer para dar uma aula. a centenas de quilómetros de casa e a
IRLANDA Em junho, Marcelo relembrou António prestou atenção aos aturar adolescentes negligenciados a
americano é
superior à dos Costa como um aluno que “estudava professores, estudou os partir das 8h da manhã” ou “ui, sabes o
8. 83,6% Censos (85%) muito pouco”. Agora, voltou a dar uma mínimos e tentou passar que é que me caía bem agora? Era estar
ESLOVÁQUIA descasca ao seu cábula favorito. com o 10. Desta vez, acabou visivelmente debilitado e, ainda assim,
O Presidente da República devolveu reprovado por Marcelo. fazer direta numa urgência sobrecarre-
9. 81,9% sem promulgação o decreto do Governo gada”. Quem é que não almeja ter a vida
DINAMARCA sobre a recuperação do tempo de ser- destes excêntricos.
viço congelado dos professores, como, executivo tem os Costas quentes. Sem- A verdade é que estamos a sone-
10. 81% aliás, tinha ameaçado fazer. O diploma, pre que a opinião pública conclui que gar direitos adquiridos precisamente
BULGÁRIA criticado pelos sindicatos, contemplaria, os professores têm razão em reclamar à geração de professores que operou
não a recuperação integral dos anos de o tempo de serviço congelado, basta uma mudança radical na educação. E
Estimativas do Pew Research Center para 2020 congelamento, mas um mecanismo de convocar o ministro das Finanças para a garantir que não haverá uma nova

A
aceleração de carreira que só abrange que ele venha dizer que não há dinhei- geração de professores com motivação
uns dias de arrancar em Lisboa parte dos profissionais. Ou seja, António ro. Tem resultado. Junto do eleitorado, para aprofundá-la. É que, em Portugal,
a Jornada Mundial da Juventu- Costa prosseguiu na senda da displicên- as contas certas são aparentemente metade da população ativa não tem
de (JMJ), o maior evento cató- cia quanto à escola: não prestou atenção mais populares do que as boas notas a o ensino obrigatório. Por outro lado,
lico do mundo, uma leitura dos aos professores, estudou os mínimos Matemática. nos bairros sociais de Lisboa, os filhos
dados sobre religião mostra que cerca e tentou passar com o 10. Desta vez, Uma das razões que sustentam o veto dos moradores já têm o triplo dos
de 7 milhões de pessoas em Portugal se acabou reprovado por Marcelo. do Presidente da República é a de que estudos dos pais. Eu não sou de Ci-
consideram católicas e o número sobe A revelação da má nota apanhou o o diploma cria “uma disparidade de ências, mas parece-me que três vezes
para 7,4 milhões se juntarmos as que primeiro-ministro de surpresa. O Ex- tratamento entre o Continente e as mais não é pouco. Façam lá as contas,
têm outras religiões cristãs, segundo presso revelou que António Costa es- Regiões Autónomas”. É que, nas ilhas, mas dava jeito que a carreira docente
a resposta dada nos Censos 2021 do tava num avião no momento do veto a solução adotada foi a da devolução fosse decente.
Instituto Nacional de Estatística (INE).

RELIGIÃO ASSUMIDA PELOS PORTUGUESES NOS CENSOS

Em milhares de respostas ao inquérito
Até que fixo um par de Hoka One porque tinha feito imensas coisas. Ti-
Joel Neto One, da mesma marca das que trago nha lido. Tinha conversado com os
8 nos pés. A seguir, e ao fundo de umas pais. Tinha pensado nos presentes de
SEM RELIGIÃO
pernas atravessadas sobre dois assen- anos que ia oferecer aos amigos — dava
7 OUTRAS NÃO CRISTÃS tos vazios, umas Converse como as que os melhores presentes, os mais aten-
OUTRAS JUDAICO-CRISTÃS
levei para a faculdade. Depois umas ciosos e exatos —, e até no que queria
6 lonas brancas, tipo Chuck Taylor’s, que fazer nas férias, para que tinha sempre
CATÓLICA
me fazem lembrar as Sanjo com que os planos fascinantes. Entretanto, imagi-
Nas últimas 5 continentais se conformavam quando nara personagens, dragões, perigos. As
duas décadas, nós sonhávamos com Nikes, Mirages histórias que nos contava eram sempre
desceu o 4 e Roos — e, pelo meio, várias Elesse, incríveis. E, além disso, nenhum de nós
número
de pessoas 3
A imaginação, como é normal num avião italiano,
e que de repente me trazem de volta
era capaz de dizer sobre ele o que ele
saberia dizer sobre nós. Conhecia-nos.
católicas em
2
a memória e quando Angra representou Portugal
nos Jogos Sem Fronteiras e o Nuno
Observava-nos. Se não fosse aquela
onda que o levou, seria ele a escrever
Portugal e
aumentou o
1
o medo numas Freitas, que deu um show nas provas esta coluna, não eu.
físicas (até a apresentadora italiana, Acontece que o Hélder era filho da
dos que não
têm religião
Hoka One One uma brasa, disse o nome dele) e voltou desocupação, como todos nós os desse
0 à ilha vestido de Elesse dos pés à cabe- tempo em que uma boa solução de
1981 1991 2001 2011 2021 ça, para inveja de nós todos. educação era deixar as crianças ocupa-

Isso significa que cerca de 85% dos
portugueses se assumem como cris-
tãos, dos quais 80% católicos. Em
2020, o Pew Research Center, um
think tank americano, estimou uma
percentagem de cristãos superior
em Portugal (91%), colocando-o em
quinto lugar no ranking europeu.
Com a JMJ, este ano, é expectável
que o número de viagens dos portu-
gueses por motivos religiosos cresça,
mantendo a recuperação registada
em 2022, depois do tombo durante a
pandemia, mostra a Pordata.
Raquel Albuquerque
e Sofia Miguel Rosa
VIAGENS DOS PORTUGUESES POR MOTIVOS RELIGIOSOS
Viagens em território nacional e no estrangeiro. Em milhares
250
200
150
100
50
0 mergulhou num silêncio e eu deixei
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
FONTES: INE, PORDATA E PEW RESEARCH CENTER
A
O número s minhas primeiras sapatilhas
de viagens em condições foram uma Nike
por motivos Air tipo Stan Smith’s, número
religiosos foi 40 — eu calçava o 37. Era a Ter-
crescendo ceira dos anos 80: tínhamos uma base
entre 2009 e americana, de onde toda a gente tenta-
2019, travado va encomendar sneakers e jeans, mas
apenas pela vivia-se a ressaca de um terramoto que
pandemia atirara muitas famílias para a pobreza.
Eu já devia ter uns 13 anos quando os
meus pais conseguiram comprar-me
umas Nike, que na altura definiam a
fronteira entre quem podia sair à rua e
quem não merecia o ar que respirava.
Mas, como nós não tínhamos ninguém
com acesso ao perímetro, recorremos
ao primo de um amigo de um colega
de uma vizinha: os ténis vieram três
números acima, e só me restou usá-los
até ao fim com enchumaços de dimen-
sões humilhantes.
E agora eu podia contar que a se-
2022 guir suspirei meses por umas Mirage
183,4 e, quando deitei mãos a umas, as que
estavam na moda já eram as Roos. Mas
a história não é essa. A história é que,
neste momento, sobrevoo um pedaço
da Europa com a Marta e o Artur, a
caminho de uns urgentes dias de féri-
as, e tenho os olhos perdidos no chão.
O bebé dorme no meu colo, a cabina
os óculos na bagageira — não me resta
senão deixar-me a sós com os pensa-
mentos, a ver se não acordo o pequeno.
Isto é: em cinco minutos, viajei ao
passado uma série de vezes. O tempo
da escassez, as ruínas de um sismo,
famílias lutando pelo seu quinhão
de dignidade, a TV do canal único:
tudo inscrito no chão sonolento deste
avião, e a pretexto de algo tão pueril
Mas será que é mesmo
preciso uma criança
estar no violino e no
saxofone, no judo
e na natação, na
catequese, nos escoteiros
e no instituto de inglês?
como sapatos de ténis. Se tivesse os
óculos, estava a ler apontamentos
para os textos que ainda vou ter de
despachar nestes primeiros dias, an-
tes de descansar. E, se houvesse inter-
net, talvez até estivesse no Facebook,
a ver tolices como as que eu próprio lá
ponho. Fosse como fosse, não voltava
a passado nenhum: não exercitava a
memória nem (muito menos) a ima-
ginação — não criava o que quer que
fosse nem o acrescentava ao mundo.
E não tem de ser o chão: pode ser o
teto. O Hélder era assim. Alguém lhe
perguntava o que tinha feito no fim de
semana e ele dizia: “Nada. Olhei para o
teto.” O único erro era aquele “nada”,
rem-se um pouco do seu próprio cres-
cimento. As crianças já eram mesmo
crianças, ao contrário do que os pais
tinham sido, mas ainda lhes cabia so-
breviver como melhor conseguissem,
porque estes estavam ocupados com
a subsistência. A sua grande tarefa
era esperar. E daí vinha a criatividade,
na maior parte das vezes: a vida podia
tornar-se tão chata que era preciso
inventar.
Hoje, as crianças têm uma tal agenda
que nem respirar podem. Trabalhamos
tanto, e sentimos tanta culpa, que é
tudo quanto lhes oferecemos. E eu per-
gunto-me: será que é mesmo preciso
um garoto estar no violino e no saxofo-
ne, no judo e na natação, na catequese
e nos escoteiros? Será que tem mesmo
de estar no instituto de inglês, a não ser
que tenha dificuldades com o inglês?
Como é que o meu filho, que tem agora
oito meses, vai exercitar a imaginação,
ou sequer a memória, com toda a ocu-
pação que as crianças têm hoje?
O mundo não está pior, mas isto pre-
ocupa-me: como vamos encontrar o
ponto certo até ao qual o Artur possa
experimentar para dirimir, mas tam-
bém abdicar para sua própria sani-
dade? Onde é que ele vai ter tempos
mortos para se aborrecer? Como é que
vamos libertá-lo desta obrigação de se
ser produtivo a toda a hora — e como
hei de fazê-lo eu, aqui, a trabalhar em
plenas férias?
24 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

PROJETOS EXPRESSO LONGEVIDADE

Demografia Nas últimas duas décadas, o número de pessoas com mais de 100 anos aumentou 78%. Existem, atualmente,
quase 3 mil cidadãos residentes em Portugal que ultrapassam essa barreira. Quem são? Como vivem? Têm saúde?

Guardiões do tempo:
a longa vida dos centenários
Textos André Rito

S
Foto Nuno Fox

ão 10h45 quando os
técnicos do Centro In-
tergeracional da Fer-
reira Borges (CIFB)
tocam à campainha
da utente mais velha
da instituição. Gui-
lhermina da Costa
Paiva tem 101 anos,
vive sozinha com um gato — o “Xico”
— e caminha todas as manhãs pela
calçada portuguesa até ao local onde
passa seis horas por dia. Nascida em
1921, atravessou guerras e pandemias,
e apesar dos seus 40 quilos agarra-se à
vida como as árvores centenárias que
existem no jardim mais próximo da sua
casa, em Lisboa.
Estamos, curiosamente, no dia dos
avós — 26 de julho. Guilhermina, que
nunca casou nem teve filhos, pode, ain-
da assim, dizer que tem muitos netos,
graças ao projeto da Santa Casa da Mi-
sericórdia de Lisboa (SCML), que junta
muitos miúdos do bairro com os mais
velhos. “Perguntam sempre: ‘onde está
a avó’”, conta, sentada no primeiro an-
dar do centro, onde decorre uma aula
de ioga para idosos. A ‘avó’ representa
de forma fiel uma estatística recente:
só nos últimos 20 anos, a percentagem
de pessoas com 100 anos e acima mais
do que duplicou e cresceu 77%.
São quase 3 mil as pessoas residen-
tes em Portugal com esta idade. Nem Guilhermina Paiva tem 101 anos e vai diariamente a pé até ao centro de dia. Chega mais depressa do que se fosse na carrinha da instituição

todos terão a saúde e vontade de vi-
ver de Guilhermina, que regressa do
centro ao fim da tarde para jantar,
ver uma maratona de telenovelas e
repousar finalmente os seus 101 anos
na cama. Uma rotina simples que lhe
preenche dias carregados de boa dispo-
sição. Saúde não lhe falta: “Tomo três
comprimidos por dia, para o coração e
circulação.”
A caminhada diária e o contacto com
outras pessoas contribuem para a lu-
cidez e força física desta mulher, que
quando nasceu tinha uma esperança
de vida muito inferior ao tempo que já
conquistou. Em 1921 podia viver pouco
mais de 38 anos, a acreditar na média
de então, ou seja, já conta com 63 de
avanço em relação às estatísticas. Vá-
rios fatores ajudam a explicar o seu
e outros fenómenos de longevidade,
tais como a melhoria das condições de
vida ou os progressos na saúde e nos
cuidados médicos, decisivos para viver
mais e com melhor saúde.
O sociólogo António Barreto, fun-
dador do site Pordata (que explica em
números, gráficos e estatísticas a evo-
lução demográfica em Portugal), acres-
centa outras justificações: “vale a pena
assinalar fatores concretos, e um dos
mais importantes é, sem dúvida, a água
potável e os sistemas de canalização
nas casas portuguesas. Nesse aspeto
houve uma alteração radical compa-
rando com os anos 50 e 60”, explica, a
que se juntam as “vacinas e os antibió-
ticos”. “Há outro que facilmente se es-
quece, os serviços de emergência. Uma
das causas de morte frequente entre os
idosos são as quedas e a dificuldade que
existia no socorro das pessoas. Entre o
momento do acidente e a chegada da
assistência podiam passar-se horas ou
até dias. Hoje o socorro é muito mais
rápido e eficaz.”
Diretora aos 100
Um braço partido. Ao fazer a retrospe-
tiva de uma longa vida de 100 anos, o
pior episódio de saúde que Albertina
Madeira recorda foi uma queda ao
subir os degraus de casa, que resul-
tou num osso partido. “Também tive
sarampo e um pequeno problema na
vesícula”, conta esta centenária, des-
LONGEVIDADE de a sua casa em Alte, freguesia do
É o ano dois do projeto que município de Loulé, com apenas 1746
o Expresso lançou em 2022, habitantes. Nascida a 2 de janeiro de
com o apoio da Fidelidade 1923, “numa segunda-feira”, Alber-
e da Novartis. Durante tina é a moradora mais antiga desta
o ano vamos olhar para região, afastada do litoral turístico do
os desafios da longevidade Algarve, entrincheirada na Serra do
que se colocam às pessoas, Caldeirão.
às comunidades, às empresas Albertina tinha pouco mais de 20
e ao Estado. Agora que vamos anos quando dali partiram vários sol-
viver mais anos, a meta dados para combater na Guerra Co-
é chegarmos novos a velhos. lonial e foi através da criação de um
jornal que ela e a irmã — professora
primária, já falecida — começaram a
levar as notícias da região aos com-
batentes. Intitulado “Ecos da Serra”,
integrava cerca de 20 colaboradores e
era distribuído nos locais de conflito.
“Enviávamos por correio para Angola,
Moçambique, Guiné, até para a Índia”,
assinala a ainda diretora do periódico
cuja edição mais recente foi publicada
na semana passada.
BEST OF DOS TEXTOS DE LONGEVIDADE NO SITE
A solidão, o emprego formação superior destes
e o marketing desempregados e ajudando-os a
voltar ao mercado de trabalho.
^ Isolamento O projeto Porta 55+, Entre os 45 e 64 anos, 80% das
desenvolvido em Vila do Conde, pessoas deixam de procurar
promove o envelhecimento ativo emprego.
e o combate à solidão de quem ^ Marcas O envelhecimento da
tem mais de 65 anos com população é cada vez mais uma
recurso ao apoio de voluntários realidade no mundo ocidental. É
com mais de 55 anos. A lógica é a por isso que as marcas começam
de um trabalho entre pares, em a apostar no segmento acima
que as duas gerações ajudam-se dos 50 anos: só na Europa, este
mutuamente. mercado reúne 220 milhões de
^ Trabalho Encontrar emprego pessoas, que procuram produtos
depois dos 50 é uma tarefa difícil. ligados à saúde e bem-estar.
Por isso há um projeto que
pretende inverter esta Veja tudo em
tendência, aproveitando a www.expresso.pt
Albertina leva uma rotina simples
mas ativa: “Deito-me à meia-noite,
acordo às 7h, faço a lida da casa e var-
ro os bichos-da-conta que tanto me
arreliam.” A viver com uma afilhada,
durante a tarde cuida de um pequeno
pomar no quintal da casa e conta “as
laranjas que caíram ao chão, os limões,
os figos”. Depois senta-se no seu canto
da sala para tricotar, ler, rezar e escre-
ver bilhetes com tarefas, para não se
esquecer. Também faz aguardente de
licor de medronho, apesar de nunca ter
bebido nem fumado. Talvez esteja aqui
um dos segredos da sua longevidade:
“Passo anos sem ir ao médico.”
Três gerações
Voltemos ao passeio matinal em que
acompanhamos Guilhermina, enquan-
to ouvimos a diretora do CIFB. “Temos
utentes entre os 80 e os 95. Já tivemos
alguns centenários que morreram du-
rante a pandemia”, diz Isabel Araújo,
cuja instituição promove múltiplas
atividades para os idosos como ioga,
ginástica ou pintura. “Se me sinto
doente, mal chego aqui fico logo boa”,
interrompe Guilhermina.
Se a vida não lhe proporcionou casar
e ter filhos, o mesmo não pode dizer
Ana Rebello Andrade. A poucos dias
de completar 101 anos, tem 10 filhos,
26 netos e 41 bisnetos. Numa casa sem
elevador, já pouco sai à rua, mas nunca
está sozinha. As três gerações são visita
habitual da matriarca que sempre vi-
veu para a família. “Trabalhei em casa,
muita gente para alimentar”, conta,
não escondendo a felicidade de ter as
três gerações vivas e com saúde. “So-
mos uma família muito unida e tenho
memórias felizes. Sou muito ligada à
família. O meu filho mais novo tem 60
anos e o mais velho 75.” Se o marido
fosse vivo teria 121 anos. E o futuro?
“Não posso fazer planos. É esperar que
nosso Senhor me leve para o Cemitério
dos Prazeres.”
sociedade@expresso.impresa.pt
P&R
Quais são os países
com mais centenários?
Além de ser o país onde as
pessoas vivem mais anos, o
Japão é também a nação com
maior número de centenários.
Em média, 48 em cada 100
habitantes ultrapassam os 100
anos. Considerada uma das
zonas azuis — conceito que
define os lugares do mundo com
pessoas mais longevas e onde se
vive mais do que 100 anos —,
existem quatro regiões onde as
populações chegam à idade
centenária: Sardenha (Itália),
Loma Lima (EUA), Península de
Nicoya (Costa Rica) e Icária
(Grécia)
Em Portugal qual é
o rácio de pessoas
com mais de 65 anos
por número de jovens?
Segundo o índice de
envelhecimento, há 184 pessoas
com mais de 65 anos por cada
100 jovens. Este indicador é,
segundo António Barreto, o que
melhor define a demografia
portuguesa. “É verdade que há
mais idosos, mas o problema é
que há menos jovens com menos
de 15 anos. Isto é a base do
envelhecimento”, aponta o
sociólogo.
Que lugar ocupa Portugal
no ranking da UE
de pessoas com
mais de 65 anos?
Segundo lugar. Foi no virar do
milénio que a população sénior
ultrapassou o número de crianças
e jovens.
Expresso, 28 de julho de 2023 PRIMEIRO CADERNO 25

CULTURA
O QI artificial
Com a inteligência
artificial de nova
geração, as máquinas
passaram a superar
com facilidade o
famoso teste de
Turing. Serão as
máquinas inteligentes
ou apenas imitam bem
os humanos?
Ser tão bom como os
humanos pode não ser o
melhor cartão de visita na
inteligência artificial (IA).
Luís Paulo Reis, profes-
sor da Faculdade de En-
A Câmara do Porto mandou fechar 105 das 126 lojas usadas por artistas FOTO RUI OLIVEIRA genharia da Universidade
do Porto (FEUP), dá um
O FUTURO
DO FUTURO
dável para os humanos.
Como humano, também
acho mais agradável fa-
lar com humanos do que
com máquinas”, lembra
Luís Paulo Reis.
Ainda que limitado ao
discurso e com alguns
casos de máquinas que
o superaram, o teste de
Turing não deixou de ser
a referência da IA. Até
que surgiram os grandes
modelos de linguagem e
o já referido ChatGPT.
De súbito, as máquinas
passaram a escrever com
coerência comparável à
dos humanos, mas parte
um teste que permitisse
averiguar a capacidade
de uma IA para idealizar
um negócio e faturar um
milhão de dólares depois
de receber 100 mil. Inde-
pendentemente da inte-
ligência, esse teste terá
a vantagem de apurar o
impacto gerado. “É um
teste à autonomia e à cria-
tividade. E é possível que
surjam no futuro outros
testes, como, por exem-
plo, a atribuição do Óscar
à IA que cria o melhor fil-
me”, refere Alípio Jorge,
professor da Faculdade
de Ciências da Universi-

Stop, um caso mal

exemplo: “Se perguntar da comunidade científica dade do Porto. “Apurar
a um humano quantos continua a achar que o fei- se um agente artificial é
países tem a Europa, to não chega para atestar inteligente pode não ser
possivelmente responde inteligência. a melhor forma de colo-

parado no Porto?
Há muito que o futuro do centro comercial estava
ameaçado. Haverá luz verde para que o Stop siga?
André Manuel Correia
A situação é de pára-arranca
no Stop, o centro comercial da
Invicta que uma comunidade
artística composta por cerca de
500 músicos transformou num
viveiro criativo, até a Câmara
Municipal do Porto (CMP) ter
mandado selar mais de uma
centena de lojas, usadas como
salas de ensaio ou estúdios de
gravação. Para a autarquia,
está em causa a segurança do
edifício. Para os artistas, a ex-
tinção de centenas de postos
de trabalho.
O que é o Stop?
O espaço foi inaugurado em
1982, na Rua do Heroísmo,
como um centro comercial. É
um dos vários shoppings de pri-
meira geração que surgiram no
Porto entre o final da década
de 1970 e o início da década
de 1980, tal como o Brasília ou
o Dallas. Ao longo do tempo,
as lojas foram fechando e há
mais de 20 anos que os músi-
cos transformaram o centro
comercial num centro cultural,
um viveiro criativo para uma
comunidade de cerca de 500
artistas que transformaram as
mais de 100 frações do Stop
em salas de ensaio e estúdios
de gravação.
A quem pertence?
Os músicos, artistas e os pou-
cos lojistas que ainda resistem
no antigo centro comercial são
inquilinos e pagam rendas —
que oscilam entre os €100 e
os €250 — aos senhorios. Exis-
tem cerca de uma centena de
do Porto tivesse dado ordem
para a Polícia Municipal selar
105 das 126 lojas, por falta de
licenças de utilização.
Já houve problemas
de segurança no local?
Sim, já foram registados dois
incêndios no centro comer-
cial Stop. Em junho de 2012,
as chamas deflagraram num
estúdio de gravação no tercei-
ro piso, o que provocou três
feridos e obrigou à evacuação
do edifício. No ano seguinte,
no dia de Natal, o Stop voltou a
arder, provocando dois feridos
ligeiros.
A Câmara pode fazer
obras no edifício?
Para que a Câmara do Porto
possa intervir no Stop, é neces-
sário que o Ministério da Cultu-
ra avance com uma declaração
de utilidade pública do edifício.
De acordo com Rui Moreira, a
tutela já mostrou disponibili-
dade para o fazer. Isso permi-
tiria ao município expropriar o
imóvel e, dessa forma, realizar
obras de requalificação.
É possível reabrir
o Stop de imediato?
A CMP apresentou à comuni-
dade artística uma proposta
nesse sentido, desde que a ad-
ministração do condomínio e
Câmara reabre
o Stop se os artistas
aceitarem regras
de segurança e
restrição de horário
com os países maiores ou Mustafa Suleyman, lí- car a questão. O conceito
avança com uma estima- der da Inflection AI e de inteligência não está
tiva. Em contrapartida, fundador da DeepMind, assim tão bem definido”,
uma máquina indica o nú- surpreendeu na Techno- acrescenta.
mero exato e apresenta a logy Review ao propor Luís Paulo Reis recorda
lista de países. A máquina que, depois dos anos 50,
já supera o humano, mas surgiram outros testes
tem de adaptar respos- As máquinas que avaliam habilidades e
tas se quiser ser tomada
como humana.”
passaram a escrever
com coerência
desempenho da IA em di-
ferentes tarefas, mas essa
Em 1950, o britânico comparável evolução não conseguiu
Alan Turing transformou à dos humanos gerar o consenso sobre se
os utilizadores aceitem cum- um jogo popular num tes- o teste de Turing reflete
prir um conjunto de regras de te que averigua se uma IA inteligência ou imitação.
segurança. Uma das exigências se consegue fazer passar “Não é preciso novo teste
é a redução de horário de fun- por um humano através de Turing. As máquinas
cionamento: o Stop só poderá do discurso. A ideia era provaram que são inte-
estar aberto entre as 10h30 e de fácil perceção: se os ligentes ao superá-lo”,
as 22h30. Além disso, um carro humanos se distinguem defende António Branco,
de bombeiros e cinco operacio- pela fala, então as má- professor da Faculdade de
nais dos Sapadores do Porto quinas podem ser consi- Ciências da Universidade
terão de estar em permanên- deradas inteligentes se de Lisboa. “O que passou
cia no local, durante 12 horas tiverem diálogo similar a interessar às pessoas é
por dia. Rui Moreira anunciou ao dos humanos. O con- se as máquinas são ou não
igualmente que “será feito um ceito manteve-se por sete conscientes”, diz. O deba-
investimento em meios de se- décadas, até que algo mu- te vai recomeçar.
gurança, mangueiras, agulhe- dou: “O ChatGPT respon- Hugo Séneca
tas, todas aquelas condições de assim porque é agra- sociedade@expresso.impresa.pt
que há noutros centros comer-
ciais e que ali não existem e
será dada também formação
aos utilizadores do espaço para
no caso de haver um incêndio
eles saberem como agir”.
Porque é que ainda não
se alcançou um acordo?
Entre a Câmara do Porto e o
condomínio do Stop está tudo
resolvido: o administrador as-
sinou um termo de responsa-
bilidade indispensável para a
reabertura do espaço. Todavia,
as duas associações que repre-
sentam os artistas do Stop e a
Câmara ainda não chegaram
a um entendimento. Os músi-
cos apresentaram uma contra-
proposta, na qual dizem estar
disponíveis para aceitar a re-
dução de horário, desde que a
restrição não se prolongue por
mais do que 15 dias. Além disso,
exigem acesso permanente às
lojas, inclusivamente durante CARTÓRIO NOTARIAL DE LISBOA
a noite, para cargas e descargas
DR.ª JÚLIA SILVA
de material. A contraproposta
foi apresentada por uma das
associações, a Alma Stop, mas
a Câmara do Porto só aceita

proprietários, alguns em parte
incerta, que são representados
por Ferreira da Silva, adminis-
trador do condomínio do Stop.
Porque é que a Câmara
mandou fechar?
Há mais de uma década que
a continuidade do Stop está
ameaçada. Ao longo dos anos,
foram várias as queixas apre-
sentadas pelos vizinhos por
causa do ruído, apesar do in-
vestimento que os músicos fize-
ram para insonorizar as salas.
Além disso, o edifício apresenta
problemas de segurança, uma
vez que não possui sistema de
deteção de incêndio nem saí-
das de emergência. Tudo isso
contribuiu para que a Câmara
REGRESSO À ATIVIDADE
avaliar uma posição comum e
O edifício não pede aos dois coletivos que “se
entendam”.
tem sistema de
NOTARIAL
deteção de incêndio Há alternativas ao Stop?
nem saídas de A CMP apresentou duas alter-
emergência. Já nativas para acolher os artistas
do Stop: o parque de estaciona-
ocorreram dois mento Silo Auto e a escola Pi- Faz-se público que, por sentença proferida em trinta de junho
incêndios no Stop res de Lima. Ao Expresso, Rui de 2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, foi
Guerra, presidente da Asso-
ciação Cultural de Músicos do decretada providência cautelar de suspensão de eficácia do
Stop, disse que o Silo Auto “não despacho da Senhora Secretária de Estado da Justiça, datada de
oferece grandes condições” e
que a escola seria uma hipótese catorze de outubro de 2020, que aplicou à Lic. Júlia Maria Mateus
“mais viável”. A Câmara garan- da Silva – Cartório Notarial de Lisboa –, a sanção disciplinar de
te que a transformação de salas
de aula em salas de música é interdição definitiva do exercício da atividade notarial.
“relativamente fácil” e pode
ficar pronta em setembro. (Consulta: https://irn.justica.gov.pt/Notariado/Conselho-do-Notariado)
amcorreia@expresso.impresa.pt
26 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO AGRICULTURA
Diversificar Pequenos agricultores abrem a porta ao turismo para dar a conhecer qualidade,
modos de produção e território como forma de acrescentar valor aos produtos
“Saber como se faz
valoriza o produto”
A
Ana Maria Fonseca
postar em produtos
de nicho, inovar e
abrir as portas ao
turismo são estra-
tégias que os agri-
cultores convida-
dos pelo Expresso
a debater os Novos
Desafios da Agri-
cultura no Espaço Europeu têm ado-
tado para acrescentar valor ao que
produzem, enfrentar a concorrência
global e a incerteza ditada pelas alte-
rações climáticas, que exigem adapta-
ção constante.
Ligar o sector agroalimentar ao tu-
rismo é a principal via de crescimento
da Bísaro Transmontano, assegura
Alexandrina Fernandes, que tem nas
mãos os destinos do negócio iniciado
pela bisavó, na década de 1930. Tudo
começou com o comércio de produtos
agrícolas e uma taberna na aldeia de
Gimonde, em Bragança. Mais recente,
a produção de porco Bísaro, raça au-
tóctone que esteve praticamente ex-
tinta, conta 30 anos. O caminho tem
sido traçado “com base nos produtos
endógenos e alguma inovação”. Tam-
bém o turismo tem sido determinante
em várias frentes: um restaurante,
vários alojamentos e, mais recente-
mente, um pequeno resort de monta-
nha, todos na aldeia, dão a conhecer
a origem e dinamizam a economia
FUTURO DA PAC
Ao longo dos próximos meses,
o Expresso vai discutir o futuro
da Política Agrícola Comum
(PAC). Prioridades para a
Agricultura: rejuvenescer,
digitalizar, inovar. Este ciclo
de debates é cofinanciado
pela União Europeia.
local. Por todo o país a procura por
este produto certificado tem cresci-
do à boleia do turismo até porque “a
origem é cada vez mais valorizada
pelos chefes, restaurantes e hotéis”.
Além de serem importantes clientes,
contribuem para a divulgação, afirma
a empresária.
Mostrar para acrescentar valor
“Uma pequena empresa como a mi-
nha preocupa-se muito em mostrar.
Conhecer a história e saber como se
faz valoriza o produto”, defende Célia
Rodrigues, responsável pela Neptun
Pearl, que produz ostras a partir do
Estuário do Sado e mantém, desde a
origem, as portas abertas a visitan-
tes. Dar a conhecer “a ligação à terra,
como o produto é feito e a nossa his-
tória” permite “um maior crescimento
e uma subida na cadeia de valor”, que
tem ocorrido também através do tra-
balho de diversos chefes nacionais,
clientes fiéis, e que acabam por ser
passar o conhecimento sobre a quali-
dade deste ingrediente.
No Fundão, a Quinta da Porta dedi-
ca-se à produção de cereja e Pêssego
da Cova da Beira IGP. A propriedade
familiar que tem atravessado gera-
ções abriu recentemente a porta ao
alojamento turístico, revela José Cas-
telo Branco, que há duas décadas está
à frente do negócio. “Acreditamos
que ao dar a conhecer o modo como
produzimos, conseguimos captar in-
teresse”, argumenta. A procura tem
sido sobretudo por parte de clientes
frequentes que desta forma entram
em contacto com a origem das cerejas
e dos pêssegos que habitualmente
consomem.
“É preciso dar a conhecer, de prefe-
rência no local, o produto” sublinha
Jorge Raiado que na Salmarim, em
Portimão, produz flor de sal seguindo
métodos tradicionais. Principalmente
para que quando “as pessoas compa-
ram com o preço de um quilo de sal no
supermercado”, compreendam a dife-
rença. Também neste caso os maiores
impulsionadores do ingrediente certi-
ficado e da inovação na empresa têm
sido os chefes de cozinha: “O melhor
produto fica com cozinheiros portu-
gueses. Quem quiser conhecer tem de
vir a um dos nossos locais”, em visitas
que apresentam o modo de produção
artesanal.
Inovar, diversificar
e cuidar do território
Com pequenas produções, incapazes
de concorrer com a escala de produção
global, inovar e diversificar torna-se in-
dispensável para equilibrar as contas. É
o que tem feito José Azóia, jovem agri-
cultor que depois de correr o mundo
regressou a casa, em Santarém, para
instalar a Egocultum, que produz grão-
-de-bico a partir das sementes mais
resistente e generosas, selecionadas a
ALÉM DA PRODUÇÃO,
TAMBÉM A
PRESERVAÇÃO
DA PAISAGEM
MERECE “INCENTIVOS
PRÓPRIOS”, JÁ QUE SÃO
OS AGRICULTORES QUEM
“CUIDA DO TERRITÓRIO
NA PRIMEIRA LINHA”
Expresso, 28 de julho de 2023
Em plena Reserva Natural
do Sapal de Castro Marim, a
Salmarim produz flor de sal
através de métodos artesanais
FOTO RICARDO BERNARDO
partir da exploração familiar. “Como
somos muito pequenos à escala global
temos de encontrar novos produtos
e diferentes maneiras de trabalhar o
produto”, bem como “diversificar os
canais de escoamento”. Atualmente,
o cultivo sob a chancela Casal Vouga
“é bom para os solos e pode ser vanta-
joso economicamente se conseguimos
transformá-lo”, assegura.
Preservar a paisagem
A mais premente adaptação dos negó-
cios agrícolas é face às alterações cli-
máticas. Se nos tanques onde crescem
as ostras da Neptun Pearl Célia Ro-
drigues já teve de aumentar os muros
devido à subida do nível da água, em
Santarém José Azóia tem abraçado a
agricultura regenerativa.
Já para o proprietário da Quinta da
Porta, encostada à serra da Estrela, é
importante refletir sobre o facto de
serem os agricultores quem “cuida do
território na primeira linha”. Conside-
ra que “deviam ser dados incentivos
próprios” tendo em vista não apenas
a produção, mas também a preserva-
ção da paisagem. José Castelo Branco
reflete sobre as particularidades do
sector primário e afirma que “a agri-
cultura é um modo de vida”, em que
não se corre o risco de deslocalizar o
negócio: “A atividade agrícola e piscí-
cola é ligada a formas de vida. Aquilo
que criamos e investimos é neste ter-
ritório e fica cá”, destaca.
A laborar na Reserva Natural do
Sapal de Castro Marim, Jorge Raiado
garante ser “o principal cuidador” e
responsável por preservar o patrimó-
nio. “Se não vender o meu produto
[a flor de sal], a economia da reserva
pode-se perder.” Aponta também para
culturas que “não se enquadram com
a economia local”, como o abacate,
que gasta “um dos principais recur-
sos [água]” enquanto falta “um plano
para ressuscitar produtos naturais e
endógenos”.
“Devia haver apoios para pequenas
empresas altamente sustentáveis”,
concorda Célia Rodrigues, que aponta
ainda para a necessidade de ser o pró-
prio Governo a “concorrer a fundos
comunitários para apostar no marke-
ting” deste tipo de produtos endóge-
nos e certificados.
amfonseca@impresa.pt
Expresso, 28 de julho de 2023
INTERNACIONAL GUERRA NA UCRÂNIA
Odessa Da cidade portuária não parte
nenhum navio com grãos ucranianos desde que
a Rússia recusou renovar o acordo de cereais
Kiev perde
o derradeiro
acesso ao
Mar Negro
A
Texto André Luís Alves
sequência de ata-
ques é vertiginosa
na maior escalada
do conflito desde o
início da contrao-
fensiva ucraniana.
Na madrugada de
17 de julho, a Ucrâ-
nia atingiu a ponte
de Kerch, pela segunda vez, com re-
curso a drones marítimos. Duas pes-
soas morreram e uma criança ficou
ferida. Moscovo prometeu resposta.
No fim do dia não renova o acordo
do cereais. Dia 18, ataque no porto de
Odessa com drones Shahed-136 dos
quais 21 foram abatidos não causando
quase danos, em Mykolaiv uma fábri-
ca é destruída. Dia 19, o porto de Chor-
nomorsk, em Odessa, é fustigado, 32
drones e 31 mísseis cruzeiro de vários
tipos, todos disparados da Crimeia.
Gruas, hangares e silos contendo 60
mil toneladas de cereais foram destru-
ídos, no maior ataque ao porto desde
o início da guerra. No mesmo dia os
ucranianos destroem um depósito
de munições em Staryi Krym, na Cri-
meia, com um drone.
Dia 20, mais ataques com drones
e mísseis provocaram estragos ainda
maiores do que o ataque preceden-
te. Uma pessoa morreu e várias fica-
ram feridas, incluindo uma criança.
O edifício da administração do porto
foi arrasado. Cem toneladas de er-
vilhas e 20 toneladas de cevada são
carbonizadas.
A Federação Russa diz que todos os
navios que partam de portos ucrania-
nos serão considerados alvos milita-
res. No dia seguinte a Ucrânia afirma
o mesmo sobre os navios russos que
usem portos de territórios ocupados
estendendo a diretiva que torna ilegal
a navegação no Mar de Azov, e es-
treito de Kerch-Yenikale. Começam
manobras com o navio militar russo
“Ivanovets” carregado com mísseis
antinavio, numa ação de treino ao
largo de Odessa.
Na noite de 22 e madrugada de 23
de julho o centro histórico de Odessa,
classificado como património da hu-
manidade pela UNESCO, foi atingido
e pelo menos 25 edifícios históricos
danificados. A Casa Porro e a Casa
Solomos foram os mais destruídos. A
Catedral da Transfiguração, do século
XVII, a maior de Odessa, foi também
atingida por um míssil. Nestes ataques
duas pessoas perderam a vida e 22
ficam feridas, quatro delas crianças.
Foi o pior ataque na cidade Odessa.
Catedral reduzida a escombros
A catedral pertence à Igreja Ortodoxa
Ucraniana do Patriarcado Russo em-
bora os seus representantes se distan-
ciem das declarações do patriarca de
Moscovo. “Nós somos a igreja ortodo-
xa ucraniana. O patriarcado russo não
existe. Conseguimos salvar o ícone da
virgem Maria Kasperovskaya, do meio
do escombros no altar. Mas o ícone or-
todoxo do Salvador sem mãos, trazido
para a catedral pelo patriarca Cirilo l,
em 2010, desapareceu na explosão.
Creio que não foi um presente do co-
ração”, afirma o sacerdote da diocese
de Odessa, Maksymian Pogorelovsky.
O arcebispo da mesma igreja, Vik-
tor de Artsyz escreveu uma carta ao
patriarca de Moscovo: “O míssil que
abençoou destruiu o nosso altar. Per-
cebi nesta noite que as nossas igrejas
não têm nada em comum.”
O sentimento antirrusso exacerbou-
-se com o último ataque ao centro da
cidade. “Odessa é uma cidade mul-
ticultural. Na verdade há quem fale
hebreu, iídiche e russo como língua
materna, eu sempre falei ucraniano e
aprendi russo em Odessa. Os ataques
vão continuar até ao fim da guerra”,
afirma Anastasiia Chumak que está
a ajudar a mãe, ambas médicas e vo-
luntárias, a limpar escombros na Casa
dos Cientistas, onde o piano pintado à
TODOS OS PRÉDIOS
DE ODESSA TÊM PELO
MENOS UMA BANDEIRA
UCRANIANA, OUTROS
DUAS, UMA DE TECIDO
E OUTRA PINTADA NA
PEDRA COM SÉCULOS
Catedral da Transfiguração foi atingida por um míssil FOTO ANDRE ALVES/ANADOLU/ GETTY IMAGES
mão em que Liszt tocou está coberto
de pó e vidros partidos. “Participámos
aqui em tantas conferências. Tínha-
mos que vir ajudar”, explica a mãe Ev-
genia, de 55 anos. A casa apalaçada de
vários andares pertencia a um familiar
de Tolstoi. Quase todas janelas bem
como a claraboia foram reduzidas a
escombros.
Oleksandr Babich, historiador, con-
duz o Expresso numa visita guiada às
novas ruínas da cidade. “O infantário
dos meus filhos foi danificado porque
fica ao lado da Casa Porro, totalmen-
te destruída”, conta. Oleksandr, que
também é arqueólogo e especialista
em escavação de corpos de soldados
da Segunda Guerra Mundial, explica:
“No início da guerra estava na região
de Kiev a recolher corpos de soldados.
O turismo em Odessa, entretanto,
parou. Primeiro o mar ficou contami-
nado com a explosão da barragem em
Kherson, agora esta torrente de ata-
ques aéreos. A economia está sofrer.”
Um carro soterrado por blocos de
pedra e pedaços de estuque e madeira
pintados à mão, estacionado em frente
à Casa Porro, ostenta um pequeno
cartaz com um garrafão de plástico
cortado, onde pode ler-se: “Foto —
10 grivnas” (moeda ucraniana) . Há
também instalações criadas com de-
tritos do local pelo teatro subterrâneo
TEO, que foi destruído. Podem atacar
o centro da cidade histórica, mas não
destruirão a alma dos habitantes de
Odessa nem o seu sentido de humor
mordaz.
“Não vou sair de Odessa é a minha
casa”, declara Anastasiia Sirchenko,
23 anos, nacionalista ucraniana. Tem
uma conta de TikTok com uma ami-
ga onde promove a língua e cultura
ucranianas. Faz parte do projeto “Ne
roby meni nervi” [Não me enerves],
em que vários jovens vão a locais pú-
blicos onde se fala russo e pedem para
se falar em ucraniano, por exemplo
em bares e restaurantes em Odessa.
“Estarei satisfeita quando usarmos
a língua ucraniana durante o sexo”,
afirma com um brilho nos olhos.
Todos os prédios de Odessa têm
pelo menos uma bandeira ucraniana,
outros duas, uma de tecido e outra
pintada na pedra com séculos, mas
nas ruas a língua franca é o russo das
histórias de Isaac Babel.
Na segunda-feira, os portos de Reni
e Izmail, na foz do Danúbio foram
fortemente atacados por drones rus-
sos. Estes portos na fronteira com a
Roménia, um país da NATO, passam
uma mensagem clara: a Rússia quer
bloquear o acesso da Ucrânia ao Mar
Negro de todas as formas. Tese corro-
borada por Sidhart Kausal, investiga-
dor de um centro de estudos militares
em Londres. “Na realidade é pouco
provável que qualquer navio turco se
aventure no Mar Negro, no sentido
de garantir o transporte de cereais. É
fácil de provar a origem de um ataque
com um rocket, mas com minas sub-
A UCRÂNIA TENTA
ESPREMER A RÚSSIA
COMO PODE NA
CRIMEIA, AO MESMO
TEMPO QUE PEDE
MAIS ARMAS, MAIS
MUNIÇÕES E CAÇAS F-16
PRIMEIRO CADERNO 27
marinas não. Para a NATO seria um
quebra-cabeças. Na prática vai ficar
tudo parado”, afirma.
Crimeia controla o Mar Negro
Na mesma manhã, o centro de Mos-
covo foi atingido por drones, um deles
intercetado a 200 metros do Ministé-
rio da Defesa, e mais um depósito de
munições ficou destruído na Crimeia.
O grão russo continua a ser transpor-
tado em navios de “carga cinzenta”,
sem seguros, quase como se de piratas
se tratasse, numa política decalcada
da imposta pelo Império Russo à Ucrâ-
nia. Os mercados reagiram fazendo
subir o preço do trigo e do milho, na
casa dos 9% a 5% respetivamente.
Já a Crimeia é a fortaleza que per-
mite controlar o Mar Negro, o que
explica que a Federação Russa nunca
tenha abdicado da sua base militar
em Sevastopol, acabando por ane-
xar ilegalmente a Crimeia em 2014.
Aquele território é ainda mais impor-
tante para Moscovo, tendo em conta
que perdê-lo poderá pôr em causa o
poder de Putin. O vetor político do
conflito desde a cimeira da NATO
tornou-se claro com o fim do acordo
dos cereais. A Rússia pressiona e
chantageia o Ocidente e a Ucrânia
tenta espremer a Rússia como pode
na Crimeia, ao mesmo tempo que
pede mais armas, mais munições e
caças F-16. Entrámos oficialmente
no tudo ou nada desta guerra e para
já a Ucrânia está a perder. Os EUA
parecem querer pôr água na fervura
e não enviam mísseis de longo alcan-
ce ATACMS, há tanto prometidos.
Segundo a Administração Biden,
“não são precisos, há outras neces-
sidades mais urgentes”.
internacional@expresso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

ESPANHA

Sánchez esfria caldeira

política e vai de férias
Sucedem-se as tentativas
do sector conservador
para conseguir um grande
pacto de Estado entre
o PP e o PSOE
Impõe-se o sossego. Depois das
turbulências causadas pelos
resultados das eleições legisla-
tivas do 23-J em Espanha e a
incerteza que esses resultados
provocaram no horizonte polí-
tico, chega a necessidade de re-
flexão. O presidente do Gover-
no em funções, Pedro Sánchez,
esfriou de propósito a fervente
caldeira em que a política espa-
nhola se converteu desde a noi-
te de domingo, escapando dela
para umas férias de pouco mais
de duas semanas em Lanzarote,
pedindo aos seus colaborado-
res que descansem também, e
exigindo atenção permanente,
mas discrição absoluta.
O destino de Sánchez é La
Mareta — um palácio que foi
oferecido pelo rei Hussein da
Jordânia a Juan Carlos em 1989
CALENDÁRIO
17 de agosto
Constituição das Cortes
gerais, com a tomada
de posse dos deputados
e senadores, eleitos no
último domingo, e a
nomeação do presidente
e mesas do Congresso e
Senado.
21 de agosto
O rei Felipe VI deverá
iniciar as conversações
com os responsáveis dos
partidos representados.
Setembro
A segunda semana é a
altura apontada para
a primeira sessão de
investidura.
Novembro
Se ainda não
houver Governo, o
Parlamento dissolve-se
taforma A Grande Coligação,
sugere que seja o Partido Popu-
lar a apoiar os socialistas na in-
vestidura de Sánchez para evitar
que, nos bastidores, “governem
os independentistas”.
Alguns meios identificados
com a ideologia conservadora
já começaram a verbalizar esta
hipotética aliança: “O PP e o
PSOE representam — dizia o
diário ‘El Mundo’ num edito-
rial publicado na terça-feira, dia
25 — a maioria social com 15,8
milhões de votos, 64,6% dos
que foram sufragados, e 258
assentos parlamentares. Um
acordo entre ambas as forças
no terreno contribuiria para
restaurar a concórdia, mas ele
é imprescindível para que Espa-
nha continue a atalhar os seus
problemas estruturais. Feijóo
tem a oportunidade de oferecer
ao PSOE um pacto para o con-
seguir e dotar-se de legitimida-
de e de autoridade moral. Será
responsabilidade de Sánchez
se, como é previsível dada a sua
Coligações Em Castela e Leão, a extrema-direita

e agora pertence ao Património
Nacional —, onde ficará até 16 de
agosto, véspera da data de cons-
tituição das Cortes gerais, com a
tomada de posse dos deputados
e dos senadores eleitos em 23-J
e a nomeação do presidente e
das mesas do Congresso e do
automaticamente e são
realizadas novas eleições
no prazo de 47 dias.
Os movimentos subterrâneos
que já se iniciaram vão em duas
vias. O PP procura apoio nas
Vox caiu
trajetória, o recusar, mas não deixou escapar cinco deputados para o PP
poderá defender que carecia de
uma alternativa à de reforçar as
suas alianças disruptivas”.
Entretanto, começam a vis-
lumbrar-se algumas brechas na
solidez do apoio interno do PP
ao seu líder, como aquelas que

Senado, que deverão surgir de
um acordo de partilha entre os
grupos maioritários. O rei Felipe
VI iniciará as conversações com
Feijóo mantém
proximidades da sua área ideo-
lógica, incluindo a ultradireita
do Vox, e já sondou o Partido Na-
cionalista Basco (PNV), a Coliga-
ção Canária (CC) e a União do
Povo Navarro (UPN). Só obteve
resposta positiva deste último,
onde já
oferece a dirigente popular e an-
tiga presidente da Comunidade
de Madrid, Esperanza Aguirre,
a qual assegurou em público que
“Conseguimos travar

a tese de que Sánchez
tem a obrigação
moral de facilitar
a sua investidura
os responsáveis dos partidos re-
presentados por volta de 21 de
agosto. O presidente do Parti-
do Popular (PP, centro-direita),
Alberto Núñez Feijóo, dá por
assente que o monarca, na pri-
meira ronda, o encarregará de
formar Governo enquanto ven-
cedor das eleições, apesar de o
mais provável ser que nesse mo-
mento o líder conservador não
tenha apoios suficientes para
ser investido. Feijóo está dispos-
to a cumprir esse trâmite para
enquanto o PNV e a CC se ne-
gam a conversar sequer enquan-
to se mantiver a perspetiva do
imprescindível apoio ao PP por
parte do Vox — 33 lugares no
novo Parlamento. O outro cami-
nho é o que foi iniciado através
de entrepostos emissários pelo
PSOE e pelo seu aliado mais pró-
ximo, o Somar, para reduzir as
exigências dos independentistas
catalães que se centram numa
amnistia geral e num referendo
de autodeterminação, ambas
as coisas impossíveis se não se
modificar a atual Constituição.
Os dois grandes referentes do
secessionismo, a Esquerda Re-
publicana e o Juntos pela Ca-
talunha, que se confrontam na
política local, tentam formar
uma frente comum para exer-
governa
a situação de aliança
entre a direita
e a extrema-direita”,
disse Iratxe García
“o futuro do PP está em Isabel
Díaz Ayuso”, a atual titular desse
cargo. Outro antigo presidente,
desta vez o socialista Joaquín Le-
guina, ofereceu um importante
ponto de apoio ao líder conser-
vador, que anda tão necessitado
de ânimo por estes dias: “Feijóo,
que herdou um partido feito em
cacos, conseguiu em pouco tem-
po uma rede territorial potente,
subir 13 pontos em relação às
eleições de 2019 e ficar com a
maioria absoluta no Senado e coligações na Comunidade Valenciana

marcar os tempos a partir da
primeira sessão de investidura,
que provavelmente se celebrará
na segunda semana de setem-
bro. Se dois meses após essa pri-
meira sessão de investidura não
houver Governo, o Parlamento
dissolver-se-á automaticamente
e serão celebradas novas elei-
ções no prazo de 47 dias.
A julgar pelas declarações
públicas dos líderes políticos,
ninguém quer uma repetição
eleitoral. Sánchez assim o ma-
nifestou com ênfase, mostran-
do-se convencido de que “a
democracia encontrará uma
fórmula de governabilidade”
para resolver o labirinto que os
eleitores traçaram: um partido
maioritário em votos e assen-
tos, o PP, que não pode formar
Governo porque não tem apoi-
os suficientes nem aliados onde
ir buscá-los; o segundo classifi-
cado, o PSOE (Partido Socialis-
ta Operário Espanhol, centro-
-esquerda) que, esse sim, dispõe
de opções sólidas para repetir
a chefia do Executivo com os
mesmos apoios de que dispôs
nos últimos quatro anos, alguns
dos quais — os independentistas
catalães — imporão exigências
cerem maior pressão nas suas
negociações com Madrid.
Brechas internas no PP
Feijóo continua a manter a tese
de que Sánchez tem a obriga-
ção moral de facilitar a sua in-
vestidura como cabeça da lista
mais votada no 23-J. O Governo,
através da sua vice-presidente e
líder da coligação de esquerda
Somar, Yolanda Díaz, recorda
a Feijóo que em Espanha não
vigora um sistema presidencia-
lista, mas um que assenta no
parlamentarismo, e que forma
Governo aquele que tiver mais
apoios para o fazer. O presiden-
te do PP, depois de semanas de
rejeições e de desprezos ao seu
adversário socialista, propõe-lhe
agora conversações para que se
chegue a um pacto. A organiza-
ção patronal CEOE, que reúne
os empresários espanhóis, pede
que ambos os grupos cheguem
a um acordo de governabilidade
baseado no facto de que “existe
75% de coincidência nos seus
programas e objetivos”. E não
falta quem proponha um pacto
ao contrário. O catedrático Ja-
vier Paniagua, antigo deputado
com o maior grupo parlamentar
do Congresso”.
A complexa trama de datas e
de cenários políticos está a in-
fluir em acontecimentos alhei-
os, mas muito transcendentes.
Um deles é o juramento da
Constituição espanhola por par-
te da herdeira do trono Leonor
de Borbón, que está obrigada a
fazê-lo ao cumprir 18 anos no
próximo dia 31 de outubro. Este
trâmite deve efetuar-se perante
as Cortes — Congresso e Sena-
do —, mas pode acontecer que
nessa data não haja um governo
formado, o que não retira eficá-
cia legal ao acontecimento, mas
sim solenidade. O outro é a al-
teração na continuidade de Es-
panha a exercer o seu turno se-
mestral da presidência da União
Europeia, que já sofre de alguns
atrasos. Em Bruxelas, decerto,
contempla-se com alívio o re-
trocesso da extrema-direita em
Espanha. “Conseguimos travar
a situação de aliança — disse a
este jornal a presidente do gru-
po social-democrata no Parla-
mento Europeu, a espanhola
Iratxe García — entre a direita
e a extrema-direita.”
Ángel Luis de la Calle
O
Hélder Gomes
Vox passou de 52
para 33 mandatos
no Congresso dos
Deputados, a câ-
mara baixa do Par-
lamento espanhol,
na sequência das
eleições do último
domingo. Foi uma
queda acentuada em quatro anos que,
em boa medida, também contribui
para inviabilizar um Governo de co-
ligação de âmbito nacional entre o
Partido Popular (PP, centro-direita)
e a formação de extrema-direita. Os
dois partidos já governam coligados
em três comunidades autónomas — e
em todas elas o Vox caiu. O caso mais
paradigmático é Castela e Leão, onde
o PP e o Vox governam há 15 meses:
com o Partido Socialista Operário Es-
panhol (PSOE, centro-esquerda) a
manter os 12 mandatos conquistados
em 2019, o Vox passou de seis para
um, sendo que os cinco que perdeu
foram transferidos diretamente para
o PP, que engordou para 18. Também
na Comunidade Valenciana e na Ex-
tremadura, o Vox saiu a perder e o PP
a ganhar: no primeiro caso, a extrema-
-direita perdeu dois mandatos e os po-
pulares ganharam cinco; no segundo,
e na Extremadura são muito recentes,
tendo resultado das eleições munici-
pais e regionais do último 28 de maio.
Mas, tendo em conta esta tendência
de perda, será que fazer parte de uma
solução governativa é o verdadeiro
teste do algodão e, no limite, pode
até contribuir para desinsuflar o Vox?
Jordi Rodríguez Virgili, professor de
Comunicação Política na Universida-
de de Navarra, acredita que sim. “Em
parte foi o que se passou com o Unidas
Podemos. É o princípio da realidade.
É fácil prometer grandes mudanças,
mas a realidade é mais complexa e
cheia de matizes”, diz ao Expresso.
O académico não prevê, todavia, uma
“crise interna” ou que o líder do Vox,
Santiago Abascal, veja a sua lideran-
ça “contestada” na sequência deste
desaire eleitoral. Trata-se, afinal, de
APESAR DO DESAIRE
ELEITORAL, ABASCAL
NÃO É “CONTESTADO”,
PORQUE O VOX É
“CESARISTA” E “GERIDO

COM MÃO MILITAR”

difíceis de assumir do ponto de socialista em quatro legislaturas Correspondente em Madrid o Vox perdeu um e o PP ganhou um.
vista constitucional. consecutivas, e diretor da pla- internacional@expresso.impresa.pt Importa, ainda assim, referir que as
Expresso, 28 de julho de 2023
Nacionalistas
decidem o futuro
político de Sánchez
O voto afirmativo de
19 deputados soberanistas
e a abstenção do Junts
é o objetivo dos socialistas
para formar Governo
Um total de 1.573.294 cidadãos
bascos e catalães votaram em
alguma das cinco candidatu-
ras nacionalistas que se apre-
sentaram às eleições gerais de
domingo. Quase um milhão de
sufrágios a menos do que em
2019, o que fez minguar a sua
representação parlamentar, de
35 deputados para 25, aos quais
haveria que somar um assento
FOTO JUAN MEDINA/REUTERS
FOTO JUAN MEDINA/REUTERS
do Bloco Nacionalista Galego
(BNG). Um desastre em termos
numéricos mas um êxito sem
paliativos quanto ao seu poder
de influência sobre o tabuleiro
da governabilidade do país. O
sociólogo Imanol Zubero, um
dos fundadores da organização
Gesto por la Paz que tanto con-
tribuiu para o desaparecimento
da ETA em 2010, recorda que
a questão que agora se coloca
não consiste em verificar se es-
tas formações iniciaram o seu
declive, “já que estas eleições
tiveram uma dinâmica ao nível
nacional que as prejudicou”
mas em saber “como conse-
guem conversar civicamente,
com pragmatismo e empatia”.
Zubero refere-se ao engenho
que todas as partes terão de de-
monstrar para assegurarem os
FOTO VIOLETA SANTOS MOURA/REUTERS
apoios necessários sem porem
em risco as causas essenciais
do nacionalismo periférico:
proteção das suas línguas au-
tóctones, maiores níveis da sua
autonomia política, regimes
fiscais próprios e o reconheci-
mento de que tanto o País Bas-
co como a Catalunha são duas
nações dentro de Espanha. O
direito de autodeterminação
que exigem com tanto ardor os
dois partidos catalães, Juntos
Pedro Sánchez, secretário-geral pela Catalunha e Esquerda Re-
do PSOE e primeiro-ministro em publicana da Catalunha (ERC),
funções (em cima, à esq.); Alberto é uma linha intangível que o Es-
Núñez Feijóo, presidente do PP tado espanhol jamais trespas-
(em cima, à dir.); Yolanda Díaz, sará. Governe quem governar.
atual ministra do Trabalho e líder
da plataforma de esquerda Somar Cenário endiabrado
(em cima); e Santiago Abascal,
presidente do Vox (ao lado) E ainda que essa dependência
dos votos nacionalistas possa
desenhar um cenário endia-
brado para Pedro Sánchez, o
cedo para sentenciar que não crescerá panorama aritmético é muito
mais”, sugere Xavier Peytibi. “Tudo semelhante ao que este teve na
dependerá do contexto, se os pactos anterior legislatura. Apesar da
do PSOE, a existirem, mobilizam a ala perda de representação de bas-
mais à direita do PP e se há uma mu- cos e catalães — a ERC perde
dança de voto”, entre outros fatores. seis lugares, a CUP desaparece,
Mesmo não havendo um Governo o Junts e o PNV perdem um as-
nacional PP-Vox, os caminhos de am- sento cada um, e só o EH Bildu
bos os partidos continuarão a cruzar- aumenta a sua representação
FOTO VINCENT WEST/REUTERS
-se. “O que acontecerá com o Vox tam- — unir este bloco no próximo
bém depende muito do que ocorrer no dia 17 de agosto, como fez em
PP”, reforça Aitor Tresserras. Apesar 2019, voltará a ser imprescindí-
de ter vencido as eleições, mas sem vel. Certo é que o apoio dos 19
vias abertas para conseguir formar deputados nacionalistas é insu-
Governo, já há quem peça a cabeça de ficiente para investir Sánchez
Alberto Núñez Feijóo. E há uma clara na primeira votação. Mas não
vaga de fundo para que a presiden- na segunda ronda. Se obtiver o
te da Comunidade de Madrid, Isabel apoio de uma maioria simples,
Díaz Ayuso, lhe suceda na liderança os 172 deste bloco contra os 169
“um partido gerido com mão militar”. Alex Comes e Nerea Sanabria, diretor dos populares. Se isso acontecer, “Ay- da direita, conseguirá. Bastaria
O consultor de comunicação Aitor e consultora política da agência de uso arrastará ainda mais o eleitorado que os sete representantes do
Tresserras também duvida que haja comunicação LaBase, em respostas do Vox”. Mas, para já, a líder madrile- Junts, os mesmos que juraram
“agitação interna”, o que, de resto, enviadas ao Expresso por e-mail. O na promete fidelidade a Feijóo. “Não nunca apoiar uma candida-
poderia equivaler a uma sentença de consultor de comunicação política Xa- podemos atirá-lo da ponte. Não somos tura da direita espanhola, se
morte. “Uma mudança na lideran- vier Peytibi junta-se ao coro — “nem assim”, declarou esta semana. abstivessem.
ça poderia levar o Vox ao colapso”, agitação, nem, muito menos, mudan- Todos esperam para ver se o par- É por isto que o analista Jona-
como aconteceu “recentemente” com ça de liderança, pelo menos por en- tido de Abascal será capaz de furar than Martínez sugere que a go-
o Cidadãos e o Podemos, recorda. De quanto” — e sublinha que “Abascal um teto eleitoral eventualmente já vernabilidade não depende só
facto, o primeiro eclipsou-se nas elei- não fez autocrítica e responsabilizou atingido. De qualquer modo, “os 52 dos caprichos soberanistas de
ções de maio e já nem concorreu às o PP e a imprensa pela perda de as- assentos parlamentares que o Vox Carles Puigdemont “mas tam-
legislativas de domingo, enquanto sentos parlamentares”. obteve nas eleições de 2019 são um bém da capacidade dos socialis-
o Podemos foi aglutinado na ampla número muito, muito alto para o con- tas para seduzir os partidos do
plataforma de esquerda Somar. Teto ou margem para crescer texto político atual, tanto no plano bloco que derrubou Mariano
“O Vox é um partido extremamente nacional como ao nível do próprio Rajoy em 2018, entre os quais
cesarista, pelo que nos parece utópi- E terá o Vox atingido um teto em partido”, sinalizam Alex Comes e Ne- estão os pós-convergentes do
co que possa haver uma mudança a termos de resultados eleitorais? “O rea Sanabria. Junts”. Para Martínez, “é um
curto prazo na liderança”, convergem partido está em declínio, mas ainda é hgomes@expresso.impresa.pt grupo heterogéneo com inte-
PRIMEIRO CADERNO 29
resses díspares que vão além
da inimizade ou do medo da
ultradireita e que deveriam ser
levados a sério porque são uma
realidade” do país. Evidente
parece ser o interesse de Puig-
demont e do seu partido em
comprometer Sánchez com a
celebração de um referendo
na Catalunha antes do fim da
legislatura. E para isso move-
ram os seus peões de modo a
unir forças com a ERC na dura
negociação que se aproxima.
Para o líder do PSOE, esta
proposta sem matizes acarre-
ta um risco extremo, inclusive
para a sua carreira política.
Mas dada a comprovada habili-
dade dos socialistas para apro-
veitarem as mínimas vantagens
que o embaraçoso panorama
político espanhol lhes oferece,
nada se pode descartar nestas
horas incertas.
A intenção de Sánchez con-
centra-se em assegurar o voto
afirmativo dos sete deputados
da ERC aceitando as três con-
dições que estes colocaram so-
bre a mesa: negociar o défice
fiscal da Catalunha, transferir
para a Generalitat a gestão
O direito de
autodeterminação
é uma linha intangível
que o Estado
espanhol jamais
trespassará
dos comboios dos arredores
que são propriedade da Renfe
e reativar a mesa de diálogo
com vista à criação de um ca-
lendário para a celebração de
um hipotético referendo de
autodeterminação no futuro,
vinculativo ou não. “A negoci-
ação com a ERC vai ter um alto
preço porque estão a passar
muito mal na Catalunha onde
ela governa”, indica o sociólogo
Imanol Zubero.
Com os nacionalistas bascos,
o EH Bildu e o PNV, o acordo
parece mais simples ainda que
restem pontas soltas. A coliga-
ção de Arnaldo Otegi já anun-
ciou que irá oferecer a Sánchez
a bomba de oxigénio dos seus
seis deputados. E não só isso.
Num gesto de compromisso
que deixou todos atónitos, Ote-
gi afirmou que a sua formação
iniciou contactos para conven-
cer ERC e Junts a postergarem
as suas diferenças e evitarem
meter as suas causas nacionais
num beco sem saída. “Pedi a
toda a gente que faça exercí-
cios de responsabilidade, que
se faça pouco ruído e se traba-
lhe muito”, acrescentou.
No próximo mês de maio o
País Basco tem eleições e há al-
gum tempo que a sua hegemo-
nia está seriamente ameaçada.
“O Bildu de hoje não é a Herri
Batasuna de há 30 anos. Otegi
é um político que faz discursos
sociais, de esquerda, sem per-
der a sua base independentista,
absolutamente comparáveis
com os que poderia realizar
Jeremy Corbyn ou outro lí-
der parecido. E a prova é que
reforçou o ‘corpus social’ de
Espanha com o seu apoio às
leis sobre pensões, salários ou
emprego.” Quem o diz é Imanol
Zubero, que viveu os últimos 12
anos da negra história da ETA,
ameaçado de morte e protegi-
do por escoltas.
Gorka Castillo
em Madrid
internacional@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

ISRAEL

Vitória no Parlamento, derrota nas ruas

Polémica reforma do sistema judicial começou a ganhar forma. Nas ruas, a contestação dura há 30 semanas
Margarida Mota

Por estes dias, há uma piada

em Israel que traduz o estado
de espírito de muitos cidadãos.
Dois israelitas encontram-se e
um deles pergunta: “Numa pa-
lavra, como te sentes?” O outro
responde: “Bem!” O primeiro
insiste: “E como te sentes em
duas palavras?” “Nada bem!”
Este diálogo é uma caricatura
da confusão que assaltou mui-
tas pessoas. Nos últimos anos,
a sociedade polarizou-se a um
nível sem precedentes — confir-
mado pela realização de cinco
eleições legislativas em quatro
anos — e, mais recentemente,
um projeto de reforma judicial
pôs os nervos à flor da pele de
muita gente no país.
“Há uma enorme tensão en-
tre as pessoas”, diz ao Expresso
o advogado israelita Itay Mor,
desde Telavive. “Se uma pessoa
de esquerda conversa com ou-
tra de direita, começam a discu-
tir com muita facilidade. É uma
situação muito inflamável.”
Esta semana, o Governo de
Benjamin Netanyahu averbou
uma importante vitória na sua
intenção de alterar o funcio-
namento da justiça ao ver o
Parlamento (Knesset) aprovar
um projeto de lei que limita a
possibilidade do Supremo Tri-
bunal recorrer à “doutrina da “Ajudem-nos a salvar a democracia”, pede-se numa marcha de protesto, de Telavive para Jerusalém FOTO AMIR COHEN/REUTERS
razoabilidade” para bloquear
decisões governamentais que Itay Mor diz que a prerrogati- sor, Reuven Rivlin, passou por semana, outros seguir-se-ão. órgão está nas mãos de uma eli-
considere serem implausíveis. va da razoabilidade “não depen- uma situação semelhante: opôs- O Knesset vai agora de férias te homogénea e que os 15 juízes
O Knesset vai de de critérios objetivos, mas -se a outro diploma controverso, e só após o verão haverá mais não representam os diferentes
agora de férias e só apenas de subjetivos. Depende a Lei do Estado-Nação (2018), debates — previsivelmente sem sectores da sociedade. Filho de
Democracia sobrevive
após o verão haverá apenas do ponto de vista do juiz mas acabou por assiná-lo, apro- acordo entre maioria e oposi- imigrantes marroquinos, o mi-
“Na prática, a nova legislação mais debates que, num dia, diz que vai ajudar veitando o momento para fazer ção — e novas votações. nistro dos Negócios Estrangei-
reduz significativamente a — previsivelmente as minorias e noutro decide que um gesto de protesto. Decre- Nas ruas e nas fileiras da opo- ros, Eli Cohen, defendeu que
capacidade do Supremo Tri- não”, afirma. “O Supremo tem tando essa lei que Israel — onde sição, a reforma judicial é um alguém com antecedentes se-
bunal de fiscalizar as decisões
sem acordo entre autoridade, mas não tem res- cerca de 20% da população são ataque à democracia num país melhantes ao seus seria excluído
tomadas pelo Governo. Mas maioria e oposição ponsabilidade. E o Governo tem árabes — “é o Estado-nação do que tem uma estrutura cons- do Supremo “porque somente
o Supremo tem outros recur- — e novas votações responsabilidade, mas não tem povo judeu” e que “o hebraico titucional única. Israel é uma pertencendo a uma certa paneli-
sos para desqualificar deci- autoridade. É uma distorção.” é a língua do Estado”, secunda- democracia parlamentar, onde nha é possível ser-se nomeado”.
sões governamentais”, diz ao Após a votação no Knesset — rizando a língua árabe, Rivlin o Presidente não pode vetar leis Tamar Hermann admite a ne-
Expresso Tamar Hermann, frequência. Tornou-se um as- viabilizada pelos 64 deputados assinou a lei escrita... em árabe. e o Parlamento é unicameral. cessidade de mudanças, “mas
investigadora no Instituto de sunto sensível no início do ano, da maioria e boicotada pela opo- Esta semana, na véspera da Não existe uma estrutura fede- feitas com base num consenso
Democracia de Israel. “Em- após o tribunal invalidar a no- sição —, várias petições deram votação, o ex-Presidente dis- ral nem um sistema eleitoral e não de uma forma que afaste
bora o ambiente esteja muito meação de Aryeh Deri, líder entrada no Supremo pedindo o cursou num protesto antigo- regional. O país não tem uma grande parte do povo. Estar nas
dramático, não significa que do partido ultraortodoxo Shas bloqueio da lei. O órgão agen- vernamental em Jerusalém: Constituição rígida, mas an- mãos de uma elite não significa
o Supremo não tenha forma e aliado antigo de Netanyahu, dou o debate para setembro, “Temos 24 horas para salvar o tes Leis Básicas, algumas das ser um esquema. Isto foi um de-
de controlar o Governo. Esta para ministro do Interior e da mas rejeitou bloqueá-la até lá. nosso maravilhoso país.” quais podem ser alteradas por senvolvimento histórico. E du-
decisão é importante, mas não Saúde, invocando precisamen- Outra possibilidade de estan- maioria simples no Knesset. O rante muitos anos, o Supremo
é crítica para o modelo de de- te o critério da razoabilidade. car o processo seria o Presidente Mais debates após as férias Supremo Tribunal é o único não aceitou críticas. Não nego
mocracia israelita.” Deri tinha sido condenado na Isaac Herzog, que pugnou até à contrapeso ao poder executivo. que alguns aspetos devam ser re-
A prerrogativa da razoabili- justiça por crimes fiscais e esta- última por adiar a votação, não Para o Governo, o processo é Para os defensores da refor- vistos, mas não da forma brutal
dade não é um instrumento ao va em liberdade condicional ao assinar o diploma. Não é expec- como fatiar um salame: o pri- ma, há também um problema de como este Governo está a fazer”.
qual o Supremo recorra com abrigo de um acordo judicial. tável que o faça. O seu anteces- meiro pedaço foi cortado esta representatividade. Dizem que o mmota@expresso.impresa.pt

CHINA

MNE afastado sem questão de saúde ou familiar,

alguma situação trágica, difícil,
que tem de acompanhar, ou
rupção ou de um escândalo de
informações ainda por divul-
gar, Tavares da Silva considera
explicações após entrou em contramão em rela-
ção a Xi Jinping (Presidente da
que o afastamento possa ter
origem em questões de política

longa ausência China)”, observou Raquel Vaz

As causas do afastamento
de Qin Gang não são
conhecidas. Ex-ministro
é substituído pelo
diplomata Wang Yi
Qin Gang foi afastado do cargo
de ministro dos Negócios Es-
trangeiros chinês na terça-feira
e horas depois, a sua fotografia e
as atividades em que participara
já não constavam na página ele-
trónica do ministério. Não são
conhecidos os motivos que le-
varam ao seu afastamento, que
surge após um mês de ausência
do ex-ministro da esfera pública
que gerou grande especulação.
Os meios estatais locais noti-
ciaram que o cargo passa a ser
assumido por Wang Yi, que du-
rante este período representou
o país em diversos encontros di-
plomáticos. A decisão foi tomada
terça-feira numa reunião urgen-
te da Comissão Permanente do
Congresso Nacional do Povo.
A última vez que Qin Gang
apareceu em público foi a 25 de
junho. A sua ausência num en-
contro diplomático na Indoné-
sia foi justificada com motivos
de saúde, mas Pequim não vol-
tou a apresentar explicações.
“Penso que há duas hipó-
teses: ou saiu devido a uma
Pinto, investigadora do Insti-
tuto Português de Relações In-
ternacionais. No entanto, uma
questão familiar ou de saúde
não justificaria que o seu nome
e imagem fossem apagados,
defende.
Num momento de tensão com
os Estados Unidos e em contex-
to de guerra, a investigadora
não exclui a possibilidade de
se tratar de um aviso “a outras
pessoas até em lugares mais
importantes que possam estar
a ter dúvidas face a Xi Jinping”.
Ascensão e queda
Jorge Tavares da Silva, analista
de assuntos chineses, ressalva
que está em causa um “sistema
político opaco” e que as leitu-
Qin Gang não é visto desde junho FOTO THOMAS PETER REUTERS
ras sobre os acontecimentos
contam com “uma margem de
erro elevada em função deste
secretismo”.
Qin assumiu a pasta dos
Negócios Estrangeiros em
dezembro, depois de ter sido
embaixador nos Estados Uni-
dos durante apenas 17 meses.
O académico entende que a
rapidez da ascensão pode ter
gerado anticorpos no partido.
Não excluindo a hipótese de
se tratar de um caso de cor-
interna.
“Os dados que temos até
ao momento parecem indici-
ar uma luta política se calhar
com o próprio Wang Yi, que
é muito próximo também de
Xi Jinping, e fruto disso pare-
ce haver aqui um afastamento
político neste processo”, diz ao
Expresso.
Com a saída de Qin Gang, o
responsável pela política exter-
na do Partido Comunista Chi-
nês, Wang Yi, volta ao cargo
que ocupou entre 2013 e 2022.
Dada a sua experiência, anteci-
pa-se uma política de continui-
dade e a diplomacia da política
externa chinesa “ficará salva-
guardada”, considera Tavares
da Silva.
Salomé Fernandes
sfernandes@expresso.impresa.pt
Expresso, 28 de julho de 2023
GRÉCIA
Chamas ameaçam turistas
e forçam evacuações
Calor e fogo atingem sul da Europa. Grécia com maior operação de resgate de sempre
Sofia Correia Baptista
Há mais de uma semana que as cha-
mas devastam a Grécia. Três pessoas
morreram na sequência dos incêndios
florestais — entre os quais dois pilotos
de um Canadair que se despenhou em
combate — e mais de 20 mil tiveram
de ser retiradas da ilha de Rodes, des-
tino que atrai cerca de 1,5 milhões de
turistas estrangeiros no verão.
Esta foi a maior operação de trans-
porte seguro de residentes e turistas
em condições de emergência alguma
vez realizada na Grécia. Outros mi-
lhares de pessoas também tiveram de
ser retiradas de várias localidades das
ilhas gregas de Corfu e Evia nos últi-
mos dias. Já arderam mais de 35 mil
hectares na Grécia devido a incêndios
florestais este ano, um valor quase
duas vezes e meia superior à média
para esta altura do ano.
Tal como noutras zonas do Mediter-
râneo, a vegetação da Grécia é “muito
fácil de arder”, aponta Francisco Cas-
tro Rego ao Expresso. O especialista,
que presidiu ao Observatório Técnico
Independente — órgão que avaliou os
incêndios em território nacional —,
explica que a “acumulação e continui-
dade” deste tipo de vegetação propi-
cia incêndios “muitíssimo difíceis de
controlar”.
Para Paulo Fernandes, professor
da Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro (UTAD), a Grécia repre-
senta um “clássico exemplo” de uma
política “muito focada no combate”:
tem êxito quando os meios são sufi-
cientes, mas quando a meteorologia
é “mais complicada”, não é possível
combater incêndios com estas carac-
terísticas, “a não ser que o território
esteja preparado, que haja gestão de
combustíveis e uma paisagem mais
diversificada”. E a Grécia tem mais
meios aéreos do que Portugal, mas
“intervém ainda menos no território”.
Francisco Castro Rego refere uma
particularidade do contexto grego: o
facto de ser “um dos poucos países na
Europa” que proíbem a utilização de
fogo controlado na prevenção. “Não
havendo esta experiência de utilização
do fogo controlado durante o inverno
na prevenção, a capacidade de o utili-
zar no combate é mínima.”
O professor do Instituto Superior
de Agronomia realça ainda outra
grande dificuldade: a “falta de meca-
nismos europeus de intervenção ade-
quados”. É necessário um “trabalho
e treino conjuntos, uma linguagem
comum” que permita a atuação coor-
denada entre equipas e vá além da
cooperação ao nível da mobilização
de aviões.
“Os aviões não resolvem o proble-
ma, diminuem-no. Funcionam duran-
te o dia, mas estes fogos de grande di-
mensão combatem-se e extinguem-se
à noite”, destaca. A União Europeia
mobilizou, após um pedido das auto-
ridades gregas, aviões da frota #res-
cEU estacionados em França e Itália
e equipas de combate a incêndios,
incluindo veículos de emergência, he-
licópteros e bombeiros.
Mediterrâneo
é “ponto crítico”
São vários os países na região do Me-
diterrâneo que têm sido assolados
pelo calor e pelo fogo. Na Argélia,
pelo menos 34 pessoas morreram e
mais de 1500 foram deslocadas, com
8 mil bombeiros a combaterem as
chamas. Na vizinha Tunísia, uma pes-
soa morreu e foram retiradas mais
de 300. Na região italiana da Sicília,
os termómetros ultrapassaram os 47
graus e os incêndios provocaram a
morte de pelo menos sete pessoas. Na
Turquia, o fogo obrigou à evacuação
de um hospital na cidade de Kemer. O
departamento de Bouches-du-Rhône,
em França, foi colocado sob alerta
vermelho devido ao risco de incêndio,
enquanto na Croácia o vento impediu
alguns aviões de combate de descolar.
Vento que no Montenegro provocou
dois afogamentos e vários feridos.
Aqui ao lado, na ilha espanhola da
Gran Canária, estradas foram fecha-
das e centenas de pessoas retiradas
devido a um incêndio em rápida pro-
pagação, que atingiu pelo menos 200
hectares.
Na Grécia, os incêndios florestais
no verão não são novidade, mas o
aumento das temperaturas, da seca
e do vento, resultado das alterações
climáticas, agravam a situação. “Face
ao que todo o planeta está a enfrentar,
especialmente o Mediterrâneo, que é
um ponto crítico das alterações cli-
máticas, não existe um mecanismo de
defesa mágico”, declarou o primeiro-
-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis.
A ilha grega de Rodes foi uma das
mais atingidas pelos incêndios que
obrigaram a retirar mais de 20 mil
pessoas, entre turistas e habitantes
NÚMEROS
20
mil pessoas foram
retiradas da ilha de Rodes
35
mil hectares arderam
na Grécia este ano
3
mortes foram provocadas
pelos incêndios florestais
dos últimos dias na Grécia
47
graus foram registados
pelos termómetros
na ilha da Sicília,
em Itália, esta semana
Para saber se determinado incêndio
é resultado das alterações climáticas,
é preciso fazer “estudos de atribui-
ção”, mas “não há grande margem de
erro” ao fazer essa associação, indica
Paulo Fernandes. Certo é que vamos
assistir a um aumento destes fenó-
menos extremos nos próximos anos.
Um cenário que se tem verificado nas
regiões “mais a norte”, como o Alasca
ou a Sibéria. “São as regiões do mundo
onde se nota maior agravamento dos
fogos e que coincidem com as regiões
que estão a aquecer mais.”
Além de dificultar o combate, as
temperaturas elevadas proporcionam
FOTO NICOLAS ECONOMOU/REUTERS
uma “secura dos combustíveis bas-
tante maior”, o que os torna “mais
disponíveis para a propagação dos in-
cêndios”, esclarece Francisco Castro
Rego. Mas há outro fator relevante
associado às alterações climáticas: o
aumento da energia acumulada na
atmosfera, que provoca fenómenos
como fortes ventos, determinantes
no caso do fogo na ilha de Rodes, por
exemplo.
Portugal em risco?
Nas regiões do norte e centro de Por-
tugal, a situação é “relativamente
favorável” este ano devido às “con-
dições muito amenas” e à chuva que
caiu no outono e também em alguns
períodos da primavera, retrata Paulo
Fernandes. Relativamente às áreas da
tragédia dos incêndios que marcaram
o ano de 2017, o risco de arderem no-
vamente “ainda é pequeno” porque
a vegetação “ainda não é tão contí-
nua, não tem tanta biomassa, ainda
não amadureceu para poder arder
de novo”, justifica. Depois de gran-
des incêndios, “há sempre uns anos
de alguma acalmia porque muitos
dos combustíveis foram consumidos”,
acrescenta Francisco Castro Rego.
Ainda assim, “corremos sempre esse
risco”.
Uma situação meteorológica que fa-
voreça incêndios de grande dimensão
pode acontecer “em poucos dias”, re-
corda o professor da UTAD. “Se tiver-
mos dias de meteorologia severa, em
zonas que nunca arderam, podemos
ter grandes incêndios. É muito difícil
de prever porque as ocorrências de
fogo têm de coincidir com áreas com
muita vegetação contínua e com dias
em que a meteorologia de fogo é mui-
to favorável”, diz. Trata-se, portanto,
de uma conjugação de fatores. “O fogo
é como os interruptores, temos de os
ligar todos para que ocorra: haver
biomassa, estar suficientemente seca,
haver vento. Tudo isso se conjuga para
uma ignição.”
Neste contexto, Francisco Castro
Rego defende que a Força Especial de
Proteção Civil “ainda não tem o mús-
culo que deveria ter. Para pequenas
intervenções funciona, quando estas
aumentam ou as linhas da frente são
maiores, não existe capacidade sufi-
ciente”, considera o especialista.
scbaptista@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 31
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
A diplomacia
do silêncio
E
nvio-vos como ovelhas para o
meio de lobos; sede, pois, pru-
dentes como as serpentes e sim-
ples como as pombas,” diz S.
Mateus (10:16). A reconciliação ocupa
um lugar central na diplomacia da
Igreja Católica. Todavia, ser prudente
como as serpentes só é possível com
paciência, conhecimento e experiên-
cia do mundo.
A Jornada Mundial de Juventude
(JMJ) que terá lugar na próxima se-
mana em Lisboa é uma boa oportuni-
dade para abordarmos a diplomacia
da Santa Sé e a sua afirmação em to-
dos os continentes. O Papa tem um
estatuto único nas relações interna-
cionais. Por um lado, é um chefe de
Estado que tem relações diplomáticas
com praticamente todos os países do
mundo. Por outro, é o líder espiritual
da Igreja Católica. Na JMJ, veremos
o Papa Francisco nesta última qua-
lidade. Todavia, a discreta atividade
diplomática da Santa Sé continuará a
operar longe das redes sociais, jornais
e televisões.
A necessidade levou o Papa Silvestre
a criar a diplomacia da Igreja Católica.
Em 325, Roma enviou três represen-
tantes ao Concílio de Niceia. Ao longo
dos séculos, a grande vantagem desta
diplomacia tem sido a sua discrição
e sigilo. A partir do final da primeira
guerra mundial em 1918, o papel diplo-
mático do Vaticano na política interna-
cional passou a ser mais visível e orien-
tado para o objetivo da manutenção da
paz. Entre essa data e 1978, todos os
papas fizeram parte do corpo diplo-
mático da Santa Sé, o que teve grande
influência na forma como a igreja se
relacionou com o mundo. O Papa rara-
mente se pronuncia de forma explícita
e pública sobre os acontecimentos in-
ternacionais. Quando o faz, o principal
objetivo da sua intervenção tende a
ser manter as condições políticas para
uma negociação.
A guerra da Rússia contra a Ucrânia
é um bom exemplo. A misericórdia,
uma grande virtude, exige o seu fim e
o cardeal Matteo Zuppi foi nomeado
enviado especial do Papa Francisco
para tentar encontrar um caminho
para a negociação entre as partes.
Como era de esperar, embora todas
as guerras tenham um fim, esta é uma
missão diplomática extremamente
difícil. O facto de a religião ortodoxa
ser tão importante para Moscovo e
Kyiv complica ainda mais as coisas.
Para o Kremlin e a Igreja Ortodoxa
da Rússia, a fé religiosa justifica a
necessidade de dominar a Ucrânia.
Para a sociedade ucraniana e a Igreja
Ortodoxa da Ucrânia, a religião é o
símbolo da sua independência em
relação a Moscovo e a sua igreja. Am-
bos os lados se prepararam para uma
guerra longa durante este ano. Hoje,
a Ucrânia é o maior laboratório de
inovação militar do mundo. A Santa
Sé tem tentado dar pequenos passos
e ser paciente.
Por definição, a religião sempre faz
parte do treino dos diplomatas da
Santa Sé. Infelizmente, o mesmo não
acontece na maioria das chancelarias
dos Negócios Estrangeiros. Ali tende a
pensar-se que a modernidade tornará
a religião irrelevante na arte diplo-
mática. Erro crasso. A religião é uma
das componentes maiores da cultura
de qualquer povo. É por isso que a
relação entre a política internacional e
as diferentes fés religiosas deve passar
a fazer parte da educação dos novos
diplomatas portugueses.
A pedido de Miguel Monjardino,
o Expresso respeitou a grafia Kyiv
usada pelo autor neste texto e não
a forma Kiev que o jornal adotou
32 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA MUNDIAL FEMININO
Jéssica Silva disputa a
bola com duas adversárias
vietnamitas, em Hamilton,
Nova Zelândia
FOTO DAVID ROWLAND/REUTERS
Portugal Depois da estreia a ganhar num Mundial contra o Vietname, é preciso bater o pé aos EUA
A equipa que “quebra
barreiras” terá de superar
o maior obstáculo
Pedro
Barata
Enviado
N
à Nova Zelândia
o frio de Hamilton,
um toque aqueceu a
seleção. A finaliza-
ção de Telma Encar-
nação, aos 7 minutos
do Portugal-Vietna-
me, abriu caminho
para o triunfo (2-0)
da equipa de Fran-
cisco Neto, selado por Kika Nazareth,
e deu mais primeiras vezes a uma equi-
pa para quem tudo é novo. Depois da
estreia no Mundial, com derrota (1-0)
frente às vice-campeãs da competi-
ção, os Países Baixos, a madeirense
tornou-se a pioneira a marcar no gran-
de palco, protagonizando um triunfo,
também, nunca visto.
Desconfortável a falar em público,
com uma relação de fuga aos micro-
fones totalmente oposta à atração que
tem pelas balizas, Telma Encarnação
era toda timidez misturada com ale-
gria na sala de conferências de im-
prensa. Entre o sublinhar do “orgu-
lho” pelo momento que a eternizará,
a dianteira do Marítimo confessou que
“as palavras não saíam”, sendo pron-
tamente interrompida por Francisco
Neto: “Desde que saiam os golos...”,
gracejou o selecionador.
A vitória contra as vietnamitas é mais
um marco para um grupo de jogadoras
que estreou Portugal nos grandes cená-
rios internacionais, a nível continental
e global. Como disse Tatiana Pinto, no
final da partida, ao Expresso, esta equi-
pa “já nos habituou a fazer história e a
quebrar barreiras”. Se contra as neer-
landesas, na primeira ronda da fase de
grupos, a seleção nacional competiu
com bravura e dificultou a vida de uma
potência, mas quase sem criar reais
oportunidades de perigo, na segunda
partida a equipa foi bem mais ofensiva,
venenosa, intencional, ficando a dever
a si própria uma goleada, tal a quanti-
dade de oportunidades falhadas.
Portugal vai, assim, para a última jor-
nada a depender só de si para passar,
cumprindo o objetivo inicial traçado
por Francisco Neto. Mas quando fo-
rem 8h da próxima terça-feira, em
Auckland, pela frente estará o mais
difícil dos adversários, a mais alta das
fasquias que superar.
Um embate contra
as rainhas do soccer
Caso os Países Baixos pontuem con-
tra o Vietname — cenário altamente
provável —, Portugal só chegará aos
oitavos de final, continuando a des-
bravar território desconhecido, caso
consiga o que ninguém faz desde 2011:
derrotar os Estados Unidos da Améri-
ca num Mundial.
As vencedoras das edições de 2015
e 2019 da maior das competições lide-
ram o ranking FIFA e se para as por-
tuguesas tudo o que se vive na Oceânia
tem ares de debute, para as rainhas do
soccer é costume e hábito. Quando os
EUA ganharam o primeiro dos quatro
Mundiais que têm, em 1991, a seleção
portuguesa nem estava em atividade,
encontrando-se mergulhada no longo
interregno que foi imposto às jogado-
ras que queriam representar o país
entre 1983 e 1993.
Apesar da dimensão da montanha
que há por escalar, Lúcia Alves, a mu-
lher que assistiu para o primeiro golo
de Portugal na competição, está “con-
fiante” nos três pontos. Ana Borges, a
mais internacional de sempre, avisa
que é “proibido falhar estas oportu-
nidades contra os EUA”, mas a poli-
valente deixa uma garantia: “Se nós
não acreditássemos que era possível
passar, fazíamos agora as malas e ía-
mos embora. Queremos estar nestes
palcos e jogar contra as melhores do
mundo”, disse ao Expresso após a sua
161ª partida com a camisola nacional.
Em 11 embates contra os EUA, Por-
tugal perdeu 10 vezes e empatou uma.
Nunca marcou, sequer, um golo. Se o
mote desta equipa é virar a história do
futebol no feminino no nosso país de
pernas para o ar, derrubando medos
e cruzando novas fronteiras, aí está o
maior dos desafios.
“Há um antes e um
depois desta seleção”
No inverno do Hemisfério Sul, com
temperaturas perto de zero, vento
gélido e chuva recorrente, Portugal
começou por entrar em campo em Du-
nedin, a sul da ilha sul, e fê-lo, depois,
em Hamilton, no mesmo estádio onde
garantira a qualificação. Agora, para
medir-se à realeza da bola redonda,
visitará uma catedral da oval.
O desafio contra os EUA será no
Eden Park de Auckland. Lá disputa-
ram-se as finais dos Mundiais de râ-
guebi de 1987 e 2011, ambas vencidas
pelos All Blacks, que não perdem no
recinto desde 1994, frente à França.
TELMA ENCARNAÇÃO
MARCOU O PRIMEIRO
GOLO DE PORTUGAL
EM MUNDIAIS, TENDO
KIKA NAZARETH
SELADO O TRIUNFO
Andar pelas ruas da cidade com
mais habitantes da Nova Zelândia,
mesmo quando não é dia de jogo das
bicampeãs, é ver camisolas de Alex
Morgan e Megan Rapinoe, esbarrar
com produtos da equipa à venda, evi-
denciar que há dezenas e dezenas de
jornalistas norte-americanos no Mun-
dial. Portugal, que nas bancadas tem
estado sempre em minoria, terá de
superar todas as desvantagens para
conseguir um feito que entraria para a
galeria de honra do desporto nacional.
Depois de alguma desilusão nos ros-
tos após a derrota contra os Países Bai-
xos — que fez intuir que para seguir
em frente seria preciso bater o pé aos
EUA —, a seleção emana confiança e
ambição. Os festejos após o Vietname
tiveram o ‘Melhor de Mim’ de Mariza,
espécie de hino oficioso desta equipa,
como banda sonora.
Demonstrando semelhante luci-
dez nas palavras que no comando do
meio-campo, Tatiana Pinto recorda
a natureza inédita deste conjunto:
“É espetacular olharmos para estes
anos e sabermos que fazemos parte
da mudança, os nossos nomes estarão
para sempre associados ao futebol
feminino em Portugal. Não há nada
que pague esse feito, há um antes e
um depois desta seleção. Que o futuro
seja risonho, temos muitas gerações
boas e creio que estamos a abrir o
caminho para que as pessoas possam
desfrutar muito”, deseja a futebolista
que brilhou no Levante e que está na
Nova Zelândia como jogadora livre,
depois de terminar contrato.
Sempre com um olho em honrar as
que desbravaram caminho no passado
e em inspirar as do futuro, Portugal
vai aprendendo à custa de vivências
novas. Superar os EUA e seguir em
frente no Mundial seria digno de
epopeia.
pmbarata@expresso.impresa.pt
Expresso, 28 de julho de 2023
CINCO PERGUNTAS A
Francisco Neto
Selecionador nacional
P Fala muito do processo global
de crescimento desta seleção, mas
nessa escada que se sobe, quão
grande foi este passo e importante
esta vitória?
R É um passo de gigante, enorme,
de muita felicidade, e uma afirma-
ção internacional, mais uma vez. É
aproximarmo-nos das equipas de
topo, conseguindo não só compe-
tir, mas também vencer em Mundi-
ais. Agora é desfrutar o momento,
sabendo da responsabilidade que
aí vem: defrontar as bicampeãs do
mundo, uma equipa muito podero-
sa, que está em crescimento, que fez
uma segunda parte contra os Países
Baixos incrível [jogo terminou 1-1].
Será um adversário muito, muito
difícil, mas já o sabíamos à partida
para o torneio. Teremos de estar
muito bem preparados para ele.
P O que sentiu quando ouviu o
‘Melhor de Mim’ da Mariza depois
dos golos da Telma Encarnação
e da Kika Nazareth ou no final do
jogo?
R É uma grande felicidade, porque é
a nossa música, a última música que
ouvimos antes de entrarmos para o
campo. Já há muito que acompanha
esta equipa. É uma alegria enorme
escutá-la no momento de festejo dos
golos ou logo após o apito final. Que-
remos ouvi-la mais vezes e faremos
de tudo para que a música se escute
mais vezes e que o hino se cante mais
vezes neste Mundial.
P Todos sabemos que é muito di-
fícil derrotar os Estados Unidos da
América, que são bicampeãs do
mundo, quatro vezes vencedoras
da competição e nunca termina-
ram abaixo do terceiro lugar. O
que diria aos portugueses para
convencê-los que é possível ganhar
e seguir para Sydney, como vence-
doras do grupo, ou para Melbour-
ne, como segundas classificadas?
R Diria que não há impossíveis. Esta
equipa já provou que não há impos-
síveis, mas temos de ter a humildade
de perceber que vamos jogar contra
a melhor equipa do mundo. Já as de-
frontámos algumas vezes e tivemos
sempre algumas dificuldades, que
são naturais. Mas nunca virámos
a cara à luta, acreditámos sempre
até final, independentemente do
resultado das partidas. Tenho a cer-
teza que é isso que acontecerá no
próximo dia 1 de agosto, na terça-
-feira: independentemente de qual
for sendo o resultado, iremos estar
a trabalhar e lutar muito para que
os portugueses se orgulhem de nós.
P Após o encontro, voltou a men-
cionar as jogadoras do passado e
do futuro. Quando este jogo frente
ao Vietname terminou, pensou no
quê?
R Pensei na felicidade de poder, ao
segundo jogo, já ter 22 de 23 joga-
doras portuguesas que pisaram um
Mundial. Acho que ter a maior parte
das jogadoras a dizerem que já atu-
aram num Mundial é um contributo
muito grande para o futebol femini-
no português, ainda que não tenha
sido por isso que as colocámos em
campo contra o Vietname, claro.
P Mas estar na seleção não é um
presente, certo?
R Não, não é e elas sabem disso,
porque já fomos a outras fases fi-
nais, em Campeonatos da Europa,
e algumas não jogaram. Mas con-
fiamos em todas. É um claro sinal
do crescimento do futebol feminino
português. No primeiro Europeu,
em 2017, apenas foram utilizadas
15 ou 16 [foram 15], no segundo, em
2022, foram 19 e agora, aqui na Nova
Zelândia, já jogaram 22 [apenas falta
a guarda-redes Rute Costa]. Além
destas, em casa ficaram algumas
futebolistas que poderiam estar
aqui, sem dúvida nenhuma. Isso é
um grande sinal de crescimento de
Portugal e nós estamos muito con-
tentes por isso.
Expresso, 28 de julho de 2023 PRIMEIRO CADERNO 33

NATAÇÃO

Uma bala de prata chamada Diogo Ribeiro

O atleta de 18 anos conquistou nos Mundiais a medalha mais importante da história da natação portuguesa
Lídia Paralta Gomes

Vinte e dois segundos e oitenta

centésimos parece uma fração
de tempo ínfima, que dá para
tão pouco e, ao mesmo tempo,
para fazer história. Foi aí, nos
22,80 segundos, que o cronó-
metro se deteve quando Diogo
Ribeiro tocou por fim a parede
na final dos 50 metros maripo-
sa, o 2º mais rápido a fazê-lo
naquela piscina de Fukuoka,
oferecendo a Portugal, na últi-
ma segunda-feira, um feito até
então inédito: uma medalha em
Mundiais de natação de piscina
longa.
Há um ano que até o mais
anónimo dos cidadãos nacio-
nais começou a ouvir falar de
um rapaz de Coimbra que ia
mais longe e mais rápido nas
águas turbinadas de cloro das
piscinas de 50 metros. Ficámos
pasmados, por não estarmos
habituados a ver um português
nestas andanças. Nos Europeus
de Roma de 2022, Diogo Ri-
beiro foi medalha de bronze
nos 50 mariposa e semanas
depois escancarava ainda mais
as nossas bocas com três títu-
los e um recorde planetário
nos Mundiais de juniores, em
Lima, no Peru. Tinha apenas
17 anos, e um ano antes havia
visto a vida quase a passar-lhe
entre as mãos num acidente
de mota, que o deixou maltra-
tado, com uma fratura no pé
direito, um ombro amassado e Diogo Ribeiro mordisca a prata dos 50 metros mariposa, a primeira medalha para Portugal em Mundiais de piscina longa FOTO ISSEI KATO/REUTERS
algumas queimaduras. Perdeu
o indicador da mão direita, que 1984. Foi prata nos Europeus até porque o registo de entrada dalha de prata não deverá fazer A bala de prata que é ago-
foi depois reconstruído. em 1985 e 5º um ano depois nos do português estava fora dos 16 acelerar o plano a longo prazo ra Diogo Ribeiro não deve, no
Não terá sido por acaso que O objetivo nos Jogos Mundiais. Em 2002, José Cou- primeiros. O que deve refrear traçado para Diogo Ribeiro, entanto, ser confundida com a
as primeiras palavras do vice- Olímpicos de Paris to foi prata nos 50 m bruços os ânimos daqueles que já pe- que vislumbra meias-finais e solução para todos os proble-
-campeão mundial Diogo Ri- deverá continuar a nos Mundiais, mas de piscina dem o mundo a um rapaz de talvez uma ou outra final para mas da natação portuguesa,
beiro tenham rebobinado no passar por meias-finais curta, e em 2016 Alexis San- 18 anos. a capital francesa, admitiu Al- que continua com escassez
tempo, lembrando esse mo- e uma ou outra final tos foi bronze nos 200 estilos A linha temporal da evolu- berto Silva ao Expresso em ou- de talento nos escalões mais
mento que poderia ter sido dos Campeonatos da Europa. ção de Diogo Ribeiro não é um tubro. O comentador e profes- baixos. O agora vice-campeão
tristemente decisivo. “Tive um Diogo Ribeiro pode muito bem sprint, mas sim uma marato- sor acredita que, “cauteloso e mundial é um daqueles atletas
acidente de moto e, por tudo obliterar todos estes registos. na, onde os pódios olímpicos experiente como Alberto Silva que aparecem “a cada 20 ou
isso, chegar aqui e conseguir mor. Ainda o atleta do Benfica A participar nos seus primei- seriam assunto, teoricamente, é”, a pressão não aumentará. 30 anos”, um fenómeno e não
uma medalha... não consigo recuperava do acidente quando ros Mundiais a nível sénior, ver apenas para os Jogos Olímpi- “O Diogo não tem obrigação necessariamente fruto de uma
explicar. É a primeira medalha Alberto Silva, treinador bra- “Diogo perto do pódio já seria cos de Los Angeles, em 2028. nenhuma de ter uma medalha estrutura, opina Nuno Albu-
para Portugal, é muito impor- sileiro que forjou medalhistas um resultado excecional”, diz Os 50 mariposa, a sua melhor nos Jogos Olímpicos de Paris”, querque, que acredita que falta
tante para nós”, disse aos meios olímpicos e mundiais como ao Expresso Nuno Albuquer- prova, têm um problema para sublinha Albuquerque, lem- trabalho estratégico a longo
da World Aquatics, assumindo César Cielo ou Thiago Pereira, que, treinador e voz da natação o imediato: não são distância brando, no entanto, que as ex- prazo por parte da Federação
que “não esperava, de todo” chegou a Portugal com a sua na RTP. O atleta do Benfica, de olímpica. Também por isso, pectativas podem sempre mu- Portuguesa de Natação.
a medalha, como um dia che- equipa, o biomecânico Samie 18 anos, tinha o 8º tempo de Nuno Albuquerque lembra que, dar caso o jovem de Coimbra “Não podemos ficar cegos
gou a não esperar voltar a na- Elias e o preparador físico Igor inscrição na distância, esperar- para estes Mundiais, Diogo Ri- chegue ao pódio em distâncias com os resultados de ponta
dar após aquele infortúnio na Silveira, para tentar mudar o -se-ia uma final, mas a medalha beiro deve focar-se em chegar olímpicas nestes ou nos próxi- de um atleta. Depois olhamos
estrada. paradigma da nossa natação, é um inesperado e maravilhoso às meias-finais nas provas que mos Mundiais, em fevereiro, para trás e onde estão os juni-
que vivia de memórias de pon- bónus para alguém que, para lhe restam, os 100 mariposa e em Doha, num calendário da ores?”, questiona, vaticinan-
Medalha inesperada tuais resultados de relevo. Ale- todos os efeitos, ainda está a co- os 50 livres, porque “mais que natação ainda a tentar compor- do que “daqui a um ou dois
xandre Yokochi, hoje profes- meçar. Na quarta-feira, Diogo isso não se pode exigir”. Pelo -se depois da pandemia. Entre anos não vai haver ninguém”
Não esperaria Diogo a prata e sor universitário nos Estados Ribeiro ficou-se pelas meias-fi- menos para já. as provas olímpicas, Diogo Ri- e Portugal não terá juniores
tampouco aqueles com quem Unidos, continua a ser o nosso nais nos 100 livres, mas apenas Daqui a um ano, nos Jogos beiro já tem mínimos para os de “topo mundial ou sequer
trabalha diariamente no Cen- único finalista olímpico, nos a sete centésimos de uma final Olímpicos de Paris, o discurso 50 e 100 livres, bem como para europeu”.
tro de Alto Rendimento do Ja- 200 bruços, em Los Angeles que seria também ela histórica, não deverá mudar muito. A me- os 100 mariposa. lpgomes@expresso.impresa.pt

Estamos
convosco
Força Navegadoras no Mundial 2023.

Veja aqui
o filme da
campanha

BANCO BPI, S.A.

34 PRIMEIRO CADERNO
PS tira ilações das
legislativas espanholas
e afasta coligação
com nacionalistas
transmontanos
e algarvios
Os resultados eleitorais em Espanha
estão a ser analisados ao detalhe pe-
los partidos portugueses e já encala-
craram o PAN, que não percebe a dis-
persão de votos dos linces ibéricos.
Luís Montenegro e André Ventura
planeiam nunca ser vistos, no mesmo
sítio e à mesma hora, nos próximos 3
anos e o PS tem a forte convicção de
que uma geringonça, em 2026, com a
esquerda, os nacionalistas transmon-
tanos e algarvios e o Dr. Tallon só terá
pernas se a GNR de Oliveira do Hos-
pital mantiver o Reino do Pineal como
território português. M.B.
André Ventura
adverte para cachecóis
de contrafação da
‘Jornada Mundial da
Puberdade’ vendidos
nas praças dos ciganos
André Ventura deseja que a JMJ se
realize com sucesso e por isso mos-
trou-se preocupado com os cache-
cóis da “Jornada Mundial da Puber-
dade”, as toalhas de praia do “Papa
Francês” vendidas ao lado das toa-
lhas do Tupac Shakur, do Bob Mar-
ley e do Bruno de Carvalho, os falsos
posters da especialista católica
Aura Miguel com a cara de uma can-
tora portuguesa famosa e de um fi-
lho do Tony Carreira (a Aurea
Mickael) e com meia brancas de
desporto com um crucifixo em vez
de uma raquete. André Ventura
teme ainda que feirantes ciganos
vendam bonecos da Nossa Senhora
a aparecer aos Três Porquinhos. V.E.
Pedro Adão e Silva
nomeado comissário
para as celebrações
do 50º aniversário
da vinda do Papa
Francisco a Lisboa
A JMJ ainda não começou, mas o mi-
nistro Pedro Adão e Silva já foi no-
meado comissário para as celebra-
ções do 50º aniversário, recebendo
para tal salário, automóvel oficial (a
Renault 4 encarnada de coleção con-
fiscada à socapa pela PJ a Rui Rio, an-
teriormente pertencente ao Noddy)
e um relógio do Dick Tracy para o
proteger dos deputados das comis-
sões de inquérito que se comportam
como procuradores de cinema ame-
ricano de série B. Pedro Adão e Silva
vai atirar-se às celebrações dos 50
anos da JMJ assim que acabar de tra-
balhar nas comemorações dos 50
anos do 25 de Abril e nas comemora-
ções oficiais dos 50 anos do próprio
Pedro Adão e Silva, que se ce-
lebram em 2024. V.E.
GUIA PARA ATEUS,
ÍMPIOS E HEREGES
ESCAPAREM AO
CAOS DE LISBOA
Refugie-se na casa de
banho do ministério das
Infraestruturas.
Peça a Jorge Mendes para lhe
sacar um contrato na Arábia
Saudita.
Faça como Costa e deixe tudo
a meio para ir à bola na Nova
Zelândia.
É milionário? Vá ver os
destroços do Titanic.
Imite o tipo da extrema-
esquerda norueguesa, game
uns óculos de sol Boss e fique
detido durante uma semana.
A melhor forma de
desaparecer do mapa: seja
dirigente do CDS. M.B.
Lagarde ligou a Costa a
pedir opinião sobre juros,
mas apanhou-o a dormir
Se não aconteceu, podia ter acontecido
em Timor por causa de
diferença horária
Nº 82 SÉRIE II O DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
A viagem de António Costa ao Mun-
dial de Futebol feminino e a Timor-
-Leste deixou-o distante de algumas
decisões relevantes na Europa.
PSP DE LISBOA REFORÇADA COM TRÊS Além da notícia do veto de Marcelo
ao diploma dos professores, que o
MIL AGENTES E APOIO AÉREO DE QUERUBINS apanhou durante o voo de regresso
a Portugal, também Christine La-
Portugal repôs o controlo de fronteiras para evitar que gangs internacionais garde não conseguiu falar com Pri-
de gatunos, ou a máfia chechena de “Barry”, tentem roubar o milionário meiro-ministro por causa da dife-
palco do Papa. Com a greve da polícia, teme-se que faltem efetivos para rença horária. A presidente do
levar a caixa de segurança dos cultos satânicos até ao recinto da Jornada e Banco Central Europeu contactou
para evitar que imitadores de Frederico Pinheiro arremessem bicicletas ao Costa para saber o que fazer à taxa
papamóvel. Para evitar tudo isto, o comando de Lisboa será reforçado com de juro, antes da reunião de ontem,
três mil agentes, uma esquadrilha de querubins e, em caso de necessidade, mas, à falta de conselho, acabou por
distribuem-se metralhadoras aos escuteiros. M.B. decidir por moeda ao ar. A.P.
Rui Moreira anuncia
que o Porto vai receber
COSTA ANDA a Jornada Mundial
da Terceira Idade
SEMPRE PREPARADO Lisboa está pronta para receber a
Jornada Mundial da Juventude, ten-
PARA FUGIR E IR
do Rui Moreira anunciado hoje mes-
mo que o Porto está a ultimar os
preparativos para a Jornada Mun-
dial da Terceira Idade, na qual vai re-
VER A BOLA ceber a visita do Dalai Lama, duran-
te a qual, confundindo-o com uma
criança, vai pedir que o Rui Barros
O Primeiro-ministro passou a andar com uma mala para vários dias, lhe lamba a língua. Durante a JMTI
panamás e cachecóis de 20 cores diferentes, uma vuvuzela e o PDF vai ainda assistir-se à canonização
com o calendário de todos, mesmo todos, todos os jogos de futebol da de Sérgio Conceição, que todas as
Europa, África, Ásia, América, Oceânia, Polo Norte e Lua que Jorge épocas faz o milagre da omelete
Mendes lhe emprestou. Foi uma ideia que lhe ocorreu quando deixou o sem ovos e da tortilha sem botulis-
Conselho de Estado, de sexta passada, no momento em que estava a mo, bem como Pinto da Costa que,
ser sovado à vez pelos conselheiros e ainda faltava a coça do mais alto segundo o MP e a CM TV, realizou o
sovador da Nação, com a desculpa de apanhar o avião para ir ver a milagre de almoçar numa maris-
seleção feminina à Nova Zelândia. Desde aí, seja em Beja, Braga ou queira e sair com mais dinheiro do
Bobadela, assim que se vê entalado pela contestação, o PM diz “a que aquele com que entrou. V.E.
conversa está boa, mas tenho de ir ver a bola”, diz adeus-ó-vai-
te-embora e manda os batedores abrirem
caminho para um dos três aeroportos
(Portela, Montijo ou Alcochete). M.B.
Expresso, 28 de julho de 2023
Seita Pineal terá
quiosque para católicos
terraplanistas
Vai uma caixa-aberta, de Oliveira
do Hospital para a Bobadela, com
seguidores do guru Água Akhabl
Pinheiro, mesa de campismo, pu-
dins do Abade de Priscos, ventoi-
nha, extensão elétrica de 780 me-
tros, BD do Recruta Zero e a
estatueta de um freire obeso que
mostra o pénis quando se puxa um
cordel. Objetivo: instalar um quios-
que da Seita Pineal, no Campo da
Graça bobadelense, para a venda
de t-shirts “O meu guru foi à Jorna-
da Mundial da Juventude e só me
trouxe esta t-shirt, mas felizmente
a Terra é plana porque se fosse re-
donda os aviões levantavam e se-
guiam direitos ao Espaço, o que
não é o caso.”. M.B.
Papa vai escolher
local do novo
aeroporto de Lisboa
Francisco começa a Jornada a todo
o vapor, na próxima quarta, indo di-
retamente da base de Figo Maduro
para o Palácio de Belém, onde aben-
çoará as gravatas azuis de Marcelo,
três pavões e uma dúzia de pastéis
de nata. Na quinta, na Colina do En-
contro (antigo Parque Eduardo VII),
o Papa participa numa cerimónia de
dá-cá-mais-cinco com milhares de
jovens, anuncia a localização do
novo aeroporto de Lisboa e canta
“The greatest love of all”, de Whit-
ney Houston, acompanhado pelos
Resistência e com Maria Leal e Pas-
sos Coelho nos trá-lá-lás. M.B.
Papa pediu à EMEL
dístico de residente
para o Papamóvel
Ao contrário do que avançou a
Gazzetto dello Sport, não é verdade
que o Papamóvel tenha chumbado
na inspeção periódica obrigatória e
que Francisco vá ser obrigado a fa-
zer as viagens Bobadela/marisquei-
ras e Patriarcado/Vagos Metal Fest
num TVDE. Pelo contrário, a Santa
Sé teve o cuidado de pedir dísticos
de residente para o Papamóvel, Pa-
pabicla, Papa-skate, Papacilheiro,
Papa-tuk-tuk, Papatinete, Papa-car-
ro-do-Armando e Batmóvel, pelo
que a mobilidade e o estacionamen-
to papais, muito provavelmente, es-
tarão assegurados. M.B.
Lisboa recupera
tradição dos autos de
fé com um milhão de
católicos a assar ao sol
A capital prepara-se para receber
mais de um milhão de pessoas, o
maior número do género desde a
entourage que Madonna arrastava
até às casas de fado. Também será
o auto de fé mais concorrido a que
a capital assiste, em séculos, com
uma multidão nunca antes vista de
católicos a sofrer insolações, quei-
maduras e exorcismos enquanto re-
fogam ao sol na Bobadela. O bispo
Américo espera que o total de jo-
vens a fritar ao calor e a renegar o
punk rock, o sexo pré-marital e Sa-
tanás, por esta ordem, vá direto
para o Guiness. M.B.
Conjugação de eventos à
escala planetária: estão
aí a Jornada Mundial de
Juventude, o Mundial de
Futebol Feminino e a III
Guerra Mundial
Dois politólogos e um criativo de
canções de intervenção / jingles
radiofónicos lembraram que o
mundo vai assistir ao alinhamen-
to inédito de três eventos com po-
tencial para pôr o eixo terrestre a
girar na direção oposta a Gulpi-
lhares: a Jornada Mundial de Ju-
ventude, o Mundial de Futebol Fe-
minino e a III Guerra Mundial.
“Junte-se a isto o concerto dos 40
anos dos Delfins, Carlos César e o
que os sauditas oferecem a Mbap-
pé, e é o fim do mundo em cuecas”,
garante este think tank, que está
disponível para fazer as férias de
José Miguel Júdice na TV e vende
rissóis para fora. M.B.
Expresso, 28 de julho de 2023 PRIMEIRO CADERNO 35
CONTEÚDO PATROCINADO

Cinema exibiu rosa onde, como reformada

OPINIÃO norte-americana, não pago
“Oppenheimer” dupla tributação, não me
com legendas preocupo minimamente com a
Por corrupção, onde sou nomeada
de “Barbie” e discurso Barbie administradora da TAP e vou à
de Montenegro minha vida com 500 mil euros
no bolso que ninguém quer
com legendas
de Ventura
VOU MUDAR-ME receber de volta, onde posso

PARA PORTUGAL
fazer adjudicações por ajuste
direto às empresas falidas do
As bilheteiras mundiais estão ao ru-
bro com “Barbie”, “Oppenheimer”, o E VIVER NO MUNDO Ken e, quando sou descoberta,
dizer que à justiça o que é da
Papa no Parque Eduardo VII e os di-
retos da detenção de quadros da Al-
COR DE ROSA DO justiça e que o tempo da justiça
não é o tempo da política porque
tice. O fenómeno Barbenheimer lá
está e até ganhou novos contornos
PARTIDO SOCIALISTA se rege pelo antigo calendário
Maia e onde, por fim, o Allan,
quando um cinema indiano se bara- assessor do Ken, manda a sua
lhou e exibiu “Oppenheimer” com as Olá, meus queridos bicicleta cor de rosa contra o
legendas de “Barbie” e um discurso portugueses, devem ter ministério, obriga três Barbies
de Luís Montenegro, sobre coisas notado no meu filme que eu a refugiarem-se num WC, o Ken
que ele diz e ninguém fixa lá muito decidi trocar a Barbilândia manda o He-Man e o Skeletor
bem, legendado com frases de Ven- - uma sociedade matriarcal recuperarem o computador de
tura a culpar os imigrantes pelo onde todas as mulheres brincar e permanece no cargo,
trânsito na Nacional 125 durante o são autoconfiantes, marimbando-se para a opinião
verão. M.B. autossuficientes e bem- que o Presidente da Mattel primas mais velhas e malvadas, as
-sucedidas, como na direção
Bloco de Esquerda - pela vida
manifesta, enquanto come
gelados cor de rosa de sabor
FENÓMENO MUNDIAL orcas, bem como que estava farta
de andar rodeada daqueles pedin-
Armando Pereira real, onde passei a ter pés mais a amora e pastilha-elástica. E BARBENHEIMER tes e que recusava dar-lhes dinhei-
fica sem pulseira chatos do que as conversas na
Rádio Observador entre o Jaime
agora adeus, meus queridos,
porque eu e as minhas amigas
ARREBATA PORTUGAL ro, mas que não se importava de ir
ao cardume mais próximo pagar-
eletrónica porque Nogueira Pinto e o Jaime Gama Barbies vamos participar numa A febre Barbenheimer (ver -lhes umas anchovas. A baleia ma-
alguém que tem um sobre assuntos fascinantes competição de hipismo com de seguida os filmes “Barbie” nifestou ainda enfado porque, por
Bugatti, um Aston como os 67 anos da criação do unicórnios da My Little Pony e “Oppenheimer”) inspirou ser comum, está sempre a ser cri-
MPLA no Rei dos Leitões de na Barbilândia, para onde o outras sessões duplas: ticada pelos comentadores da
Martin e um Benguela, mas arrependi- António Costa voou de Falcon Costegro “Passadeira Vermelha” e a rece-
helicóptero não -me e por isso decidi viver em para assistir aos saltos Costa + Montenegro ber convites indecentes de cacha-
Portugal, um mundo cor de ao vivo. V.E. Eixo da Incerteza lotes mais velhos. V.E.
constitui perigo Eixo do Mal + Princípio
de fuga da Incerteza Boa Cama
Ventazar Ventura + Salazar
O juiz Carlos Alexandre decidiu Baleia avistada Uma baleia-comum foi avistada Marosta Marcelo + Costa Boa Mesa:
que Armando Pereira poderia ficar
na costa portuguesa
na costa portuguesa rodeada de Pedrundágua Papa Francisco
em prisão domiciliária sem vigilân- uma centena de golfinhos, tendo Pedro Nuno + Raimundo +
cia eletrónica, limitando-se a usar rodeada de uma relatado à Tânia Laranjo, monta- Mortágua vai ao Algarve
no tornozelo uma pulseira da sor-
centena de da numa mota-de-água em direto Obiberal abençoar a
te do Senhor do Bonfim, porque, para a CM TV, que estava a ser ví- Observador + Iniciativa Liberal
segundo o juiz, ser proprietário de golfinhos está farta tima de um ar- Gyolinho
amêijoa-boa
um Bugatti, um Aston Martin e um rastão de golfi- Gyökeres + Paulinho M.B.
helicóptero, bem como um barco,
de pedintes nhos a mando das suas O guia do “Expresso” Boa Cama
um submarino, um bigode falso, Boa Mesa vai fazer uma edição de-
quatro passaportes e um gato per- Pipeline de dicada a JMJ sobre as melhores pa-
água mineral
sa branco, de olhos azuis, que aca- darias onde se realiza o milagre da
VEM DEVAGAR, PEREGRINO
diretamente
ricia enquanto fala com os magis- dos Himalaias multiplicação dos pães e da divisão
trados do MP não constitui um para os lugares em folhas dos mil-folhas, as melho-
Confissão
indício de perigo de fuga. Ainda as-
sim, o implacável juiz ordenou a GUIA OFICIAL IP DA JORNADA drive thru de Cardeal para
cima
Diogo ‘Hot
Jesus’ Morgado
res pastelarias do Porto onde co-
mer um “bispo” e um pito de Santa
MUNDIAL DA JUVENTUDE
Lugar de caminha sobre o
apreensão de todas as colheres de Tolentino
Luzia, as melhores termas onde en-
sopa da cozinha de Armando Perei- Tejo às costas de contrar água benta quente e uma
Mendonça, em dois mergulhadores
ra para impedi-lo de cavar um tú- alinhamento perfeito dos sapadores
reportagem sobre a cerimónia em
nel e contactar os restantes argui- Evento Hospital com o Cristo-rei e o bombeiros que o Papa Francisco vai canonizar
dos. V.E. alternativo do de campanha monólito de “2001 – as ameijoas do Algarve que são
Rock in Rio para reverter Odisseia no boas e excomungar as ameijoas bu-
Febras, a Jornada conversões à “Vida Espaço”
UEFA quer de Brian”, distas e xintoístas do Tejo que são
Mundial das
dos Monty Coreografia vietnamitas e japónicas. Já numa
que Arábia Febras
Python
Palco-altar de corvinas edição especial de “Ir é o Melhor
com cristais treinadas para
Saudita passe a Exorcismo de
gente possuída
Swarosvski, formar a frase “A
Remédio”, Martim Cabral vai jantar
cadeiras Hermès no Tavares Rico com o Papa Fran-
fazer parte das Posto de pelo bichinho e descansa-pés
avifauna do Tejo
saúda o Santo cisco, enquanto Teresa Conceição
da televisão
competições vigia de snipers
do GOE e de
Louis Vuitton Padre” vai almoçar numa tasca com o An-
tónio Sala. V.E.
europeias arqueiros da
Cabine de
Guarda Suíça
A UEFA está a estudar a possibilida- vídeo árbitro
Sessão
de de integrar as equipas da Arábia para assinalar
de autógrafos
comunhões Saída
Saudita. Se a ideia avançar, será ne- do Padre
direta do Equipa oInimigoPúblico
mal dadas
cessário facilitar a mobilidade en- Borga “Se não aconteceu… podia
Papa-submarino
ter acontecido!” O Inimigo Público
tre aquele país do Médio Oriente e Faixa para o Tejo é um suplemento satírico,
os principais palcos do futebol eu- Papamóvel na
Banca de sendo todo o seu conteúdo ficcional.
ropeu. Para isso, está em estudo a Ponte Vasco da
Diretor Luís Pedro Nunes
t-shirts de Desfibrilhadores Gama, exclusiva
construção de um megaviaduto Redação Alexandre Parreira,
Che Guevara a cada 50 metros para Francisco e Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
que ligará Riade aos principais es- para quem vem para acudir Pinto da Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
tádios de futebol europeu. A Luz, ao engano e acha quem fica com Costa Projeto gráfico @oinimigo_pronto
Alvalade e o Dragão não fazem par- que isto é a Festa taquicardia à Editor online João Martins
te da lista, mas, em contrapartida, do Avante décima repetição Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
do “Kumbaya” O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
terão apeadeiros do novo metro hi- M.B.
@oinimigo_pronto conjunto Expresso/Produções Fictícias/
perrápido que ligará o Golfo Pérsi- Farol de Ideias através de O Estado do Sítio
co à Europa. A.P.
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

Editorial&Opinião
Editorial A Jornada Mundial da Juventude Paridade no TC: Fui ler e não me convenceu
é um enorme encontro que vai trazer
à capital um milhão de peregrinos
sem mencionar quaisquer outros revestir uma componente fun- que pensava ter sido contesta-
critérios restritivos, tais como, damentalmente meritocrática”. da no seio do GPPS. Pelos vis-
por exemplo, residência em certa Depois diz que seria tão absurdo tos não. Parece que há quem

A ferida região do país, idade ou género.”

Ora, aqui temos “exemplos” de
critérios que Mota Pinto tem por
enveredar por quotas de género
como por quotas de representa-
tividade regional.
ache bem comprar carreiras
de concurso curricular com um
Tribunal com uma componente

em que tem
“irrelevantes”, não previstos no
preceito lido isoladamente: “re-
Isabel Moreira sidência”, “idade” ou “género”.
sociedade@expresso.impresa.pt
Note-se: é tudo igual e, sobretu-
Ainda estou a tentar perceber política evidente e com eleição,
como é possível haver socialistas por isso mesmo, dependente do
determinantes para a decisão Parlamento cujas leis anula.
do coletivo que aderem à tese Finalmente, o deputado do

de se tocar
D
esafiaram-me ler a decla-
ração do deputado Paulo
Mota Pinto. Aparente-
mente perceberia que foi
bom o PS votar contra a paridade
no Tribunal Constitucional (TC).
Fui ler.
A visita de cinco dias do Papa Francisco a Portugal, na Em primeiro lugar, todo o res-
próxima semana, para participar na Jornada Mundial da peito pelo professor Paulo Mota
Juventude de Lisboa, com a presença esperada de mais de Pinto e pela sua opinião. A minha
um milhão de peregrinos, centra já todas as atenções. Do questão não é a fundamentação
intenso programa festivo e religioso não consta no entanto em causa, mas a adesão a ela por
nada de oficial na agenda relacionado com o tema que parte de quem tem na sua histó-
mais tem abalado a Igreja, um pouco por todo o mundo e ria a aprovação de todas as leis
nos tempos mais recentes em Portugal: o comportamento das quotas, sendo certo que o
da Igreja perante os abusos sexuais a menores no seio PSD, ao contrário, votou a favor
da instituição. As palavras (para as vítimas, mas também da paridade.
para os responsáveis da instituição) e os atos (como Na sua declaração de voto, Pau-
encontros com vítimas de abusos) do Papa Francisco em lo Mota Pinto afirma que a Cons-
Portugal vão ser decisivos para se perceber de que modo tituição (CRP) define os critérios
esta ferida pode ser curada. da composição do TC: “São obri-
gatoriamente escolhidos de en-
tre juízes dos restantes tribunais
e os demais de entre juristas”,
do, tudo irrelevante. “Género”
ou “residência” não são exem-
plos iguais, comparáveis, numa
CRP que consagra a promoção
da igualdade de género como
tarefa fundamental do Estado
no artigo 9º, base de várias leis
de quotas de género. Na nossa
CRP, ser mulher é reconhecido
como critério de discriminação
histórica, porque há uma história
social, religiosa, moral, penal e
jurídica em geral de terror para
contar sobre as mulheres. É por
isso que faz parte da República,
enquanto tarefa, promover essa
igualdade específica.
Mota Pinto entende assim que
“em particular, tenho por claro
que o artigo 109º da Constituição
da República não constitui tal
credencial (…) antes a sua com-
posição, embora resultante na
sua maior parte de eleição pela
Assembleia da República, deve
meritocrática e à equiparação
da hipótese de quotas de género
a quotas de representatividade
regional. O PS animou-se com
Paulo Mota Pinto
é dos que acredita que
basta vontade. Haja fé.
As mulheres que esperem
a tese segundo a qual até agora
foi mérito e, depois de quotas, lá
vinha o “terror” da escolha en-
tre mérito e “mulheres”. No PS
encontrei o lugar da consciência
da discriminação histórica das
mulheres, consciência essa ver-
tida no nº 2 do artigo 13º da CRP
(princípio da igualdade).
Paulo Mota Pinto considera as
quotas inconvenientes e alinha
na comparação entre o TC e os
demais tribunais, comparação
PSD afirma que “a solução (...)
é, também, destituída de sentido
— ou só se compreende como
medida demagógica e com um
sentido populista, afirmativo
de forças políticas com agendas
pretensamente fraturantes —,
pois é claro que, sendo a Assem-
bleia da República o órgão que
elege 10 dos 13 juízes do TC, po-
derá sempre, em qualquer elei-
ção, respeitar e fazer respeitar
a paridade, ou a percentagem
de diversidade de género que
entender adequada, por maioria
de dois terços”
Mota Pinto é assim, dos que
acredita que basta vontade. Haja
fé. As mulheres que esperem.
Sim senhora. Perdão. Sim se-
nhores. Estou esclarecida.
Entretanto vou reler as pro-
fessoras e professores de Direito
que escreveram aquilo que soa
a PS.

O nó dos Espanha
professores Os espanhóis acordaram Os filhos da bomba atómica
esta segunda-feira num
Seis anos, seis meses e verdadeiro impasse, depois
23 dias. Este é o grande de eleições gerais em que O filme pouco adianta, con- ou após a detonação. A bomba foi muito mais forte do que o
nó no diferendo que há o partido incumbente tudo, sobre um lado menos foi detonada numa comunidade previsto e que a nuvem em for-
muito opõe sindicatos dos ficou em segundo lugar conhecido da história, de con- rural num teste com o nome de ma de cogumelo irradiado tam-
professores, que exigem mas é o que parece em tornos sombrios e difíceis de código “Trinity”. Viviam milha- bém atingiu uma altitude muito
a contagem integral do melhores condições de aceitar à luz de cânones de de- res de pessoas num raio de 50 superior ao previsto. Só agora se
tempo de serviço congelado conseguir o poder. Em que cência civilizacional (na história quilómetros do local da explo- começa a perceber o real alcan-
nos tempos da troika, e o vencedor, até agora na do nuclear muito se discutiu e são. O teste realizou-se em 16 de ce da mesma. Essa incapacidade
o Governo de António oposição, subiu de votação, Teresa Violante avançou entretanto, designada- julho de 1945, dois meses depois de prever o efeito destrutivo da
Costa, que não cede neste controlou o Senado e politica@expresso.impresa.pt
mente no Direito Internacional da rendição da Alemanha, com arma viria a replicar-se em Hi-
ponto, por mais que as a maioria das regiões, Público, sobre as linhas admis- Hitler já fora de cena. roxima: Oppenheimer estimou

O
greves e as manifestações mas vê-se praticamente síveis de decência civilizacio- Além dos danos imediatos pro- que a bomba viesse a causar cer-
e as palavras de ordem se sem hipóteses de formar êxito cinematográfico nal): trata-se do modo como os vocados pelo calor da explosão e ca de 20 mil mortes diretas, mas
tenham multiplicado nos governo. Em que os do momento, de Chris- Estados Unidos decidiram levar contaminação de água, cancros o resultado real oscilou entre os
últimos meses. O chumbo independentistas sofreram topher Nolan, debruça- a cabo um ataque sem prece- radioativos causaram a morte a 70 mil e os 80 mil (as estimativas
esta semana do diploma revés eleitoral mas são -se sobre a vida do físico dentes sobre o seu próprio ter- milhares de pessoas nas décadas variam)…
do Executivo, por Marcelo decisivos para a solução Robert Oppenheimer, respon- ritório e parte da sua população, seguintes. Três dias após a vitória ameri-
Rebelo de Sousa, acendeu de governo. É por isso sável pelo desenvolvimento da sob a justificação da competição As comunidades locais, com- cana, no rescaldo de Hiroxima
uma luz de esperança para que é bem possível que primeira bomba atómica em desenfreada pelo poder de ani- postas essencialmente por mi- e Nagasáqui, Oppenheimer es-
a luta dos professores. Mas os espanhóis ainda sejam 1945, testada uma única vez no quilar o inimigo. Destruir Hitler norias étnicas bastante pobres, creveu um memorando a Henry
o tema ainda está longe de novamente chamados às deserto do Novo México antes justificava tudo, até correr ris- lutam há décadas para obter Stimson, secretário da Guerra, e
ficar resolvido. urnas este ano. de ser lançada sobre Hiroxima cos, eventualmente reduzidos, uma compensação do Governo ao Presidente Truman assumin-
e Nagasaki umas semanas mais de incendiar a atmosfera. dos Estados Unidos pelos danos do a incapacidade da comunida-
tarde. O filme é eminentemente O deserto do Novo México foi causados pelas radiações resul- de científica em garantir que a
biográfico, focando-se na histó- escolhido por ser um local remo- tantes do “Trinity”. hegemonia no campo das armas
ria da sua vida — a vida daquele to e isolado, de geografia plana, Um estudo recentíssimo, re- de destruição maciça viesse a
que é, justamente, apelidado de e com ventos previsíveis, para fa- velado este mês pelo “The New permanecer sob soberania nor-
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. pai da bomba atómica pois con- zer o primeiro teste à bomba ató- York Times”, demonstra que a te-americana. E concluiu, omi-
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
tribuiu como mais ninguém para mica. Devido à natureza secreta precipitação radioativa do tes- nosamente: “A segurança pode
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de Saldanha, o desenvolvimento da que era do projeto, os residentes das te nuclear atingiu 46 estados, o basear-se apenas em tornar im-
Paulo Miguel Reis, Nuno Conde e Bruno Mateus Padinha
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, então a arma mais mortífera da áreas circundantes não foram Canadá e o México. Esse estudo possíveis as guerras futuras.” A
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970 história da humanidade. avisados nem evacuados, antes revela que a explosão resultante História riu-se dele.

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Não cale, a violência doméstica é crime público
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morreram três mulheres, às bater e prevenir situações de vio- vítima. Desde julho de 2021,
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Circulação e Assinaturas algumas no 2º trimestre. intimidade. Trata-se de um pro- Espaço Vida e 68 tiveram apoio
Miguel Pacheco (diretor)
Pedro M. Fernandes (diretor 26 de junho o telefone to- As Estruturas de Apoio à Víti- jeto pioneiro numa instituição de psicológico no SAIV da CESPU.
de circulação e produtos
Expresso) João Braz
cou cedo no SAIV, o Ser- ma são essenciais na identifica- ensino superior em Portugal, que Nem todas as vítimas necessi-
(responsável pela circulação) viço de Apoio e Informa- ção de situações, na mitigação do presta apoio psicológico e psi- tam de intervenção psicológica.
e Rita Silva (responsável pelo
serviço de apoio ao cliente) ção à Vítima do Instituto impacto das dinâmicas abusivas cossocial especializado, de forma Mas, também, nem todas con-
Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel. 214 698 801 (dias úteis, Universitário Ciências da Saúde e na criação de oportunidades de gratuita, contribuindo para uma seguem encontrar a motivação
das 9h às 19h); e-mail: da CESPU, em Gandra, Paredes. mudança. A existência de uma resposta mais célere e eficaz. para encetar um processo desta
apoio.cliente.ip@impresa.pt
“Viste a notícia? Era nossa?” Re- articulação entre estas estruturas natureza.
Atendimento Ponto de Venda
pontodevenda.ip@impresa.pt feriam-se a mais uma tentativa de e outras entidades dos territórios Sempre que me confronto com
Impressão
homicídio enquadrada numa re- é fundamental para um trabalho As Estruturas de Apoio uma situação desta natureza, re-
Lisgráfica Impressão lação conjugal marcada pela vio- de qualidade e de proximidade. à Vítima são essenciais na gressa a pergunta: o que estamos
e Artes Gráficas, S.A.
Estrada de São Marcos, 27 lência. Desta vez no nosso conce- As equipas técnicas estão muni- identificação de situações, a fazer mal, enquanto sociedade,
2735-521 Agualva-Cacém
lho, em Bitarães. Nesse dia, mais das de instrumentos de avaliação na mitigação do impacto para não conseguirmos prote-
Distribuição a sul, reportaram-se mais duas do risco da perigosidade, da rein- das dinâmicas abusivas ger as pessoas? Na esmagadora
VASP-MLP,
Media Logistics Park situações da mesma natureza. cidência, e de planos de seguran- e na criação de maioria, a família ou a vizinhan-
Quinta do Grajal, Venda Seca
2735-511 Agualva Cacém Segundo o Observatório de ça. Ainda assim, o fenómeno de oportunidades de mudança ça têm conhecimento do que se
Tel. 214 337 000 Mulheres Assassinadas da violência doméstica é complexo passa. Comenta-se. Sussurra-se.
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt UMAR, entre janeiro e novem- e a imprevisibilidade da natureza Critica-se, até. Só que as pessoas
Tel. 808 206 545
bro de 2022 ocorreram 22 fe- humana é frustrante face a estas O SAIV articula de forma pró- afastam-se ou fazem de conta
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo micídios em Portugal, todos em dinâmicas abusivas. xima e direta com o Espaço Vida, que não veem.
dos anúncios nem pela
exatidão das características e relações de intimidade e leva- O nosso SAIV integra a Rede sediado na Câmara Municipal de Ainda somos uma sociedade
propriedades dos produtos e/ou
bens anunciados. A respetiva
dos a cabo por homens. Cerca Nacional de Estruturas de Apoio Paredes, que presta apoio social pouco mobilizada e que desco-
veracidade e conformidade
com a realidade são da integral
de metade das situações era do à Vítima, coordenada pela Comis- e jurídico. O objetivo é conseguir nhece que a violência é um crime
e exclusiva responsabilidade conhecimento de familiares e são para a Igualdade de Género, e dar uma resposta multidiscipli- público. É preciso sensibilizar
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. vizinhos. Até março deste ano, foi criado com o objetivo de com- nar mais integrada à alegada mais e atuar sempre.
Expresso, 28 de julho de 2023
Miguel Poiares Maduro
política@expresso.impresa.pt
Polarização
A D
s eleições espanholas estão a
ser objeto de múltiplas leituras.
Muitos retiram conclusões polí-
ticas para a realidade portugue-
sa que, em muitos casos, têm tanto de
análise como de desejo. O meu confir-
mation bias é que confirmam o que se
passou nas últimas eleições portugue-
sas: em países com um histórico de di-
taduras de direita uma fatia importante
do eleitorado moderado rejeita (e teme)
uma eventual coligação pós-eleitoral
entre o centro-direita e a extrema-direi-
ta. Tal hipótese tem também um efeito
mobilizador na esquerda. Um partido
moderado que não exclua essa coligação
parece pagar um preço por isso. Mas,
sendo intelectualmente honesto, não
posso garantir que sem esse preço o PP
tinha ganho em condições de governar
nem é automático tirar conclusões para
Portugal. Por um lado, porque várias
variáveis contribuem para os resultados
eleitorais, muitas delas específicas de
Espanha. Por outro lado, porque se trata
sempre de um contrafactual, impossível
de provar. Dito isto, posso afirmar que
ninguém testou se a abordagem contrá-
ria e que defendo não produz melhores
resultados sendo claro que a atual não
está a funcionar.
Não transpor a realidade espanho-
la para Portugal não significa que não
podemos aprender com a realidade es-
panhola. A lição até pode até vir da iden-
tificação das diferenças. E, sobretudo,
o que se passa em Espanha suscita um
debate que precisamos de ter entre nós.
Esse debate diz respeito a como organi-
zar o nosso sistema político para lidar
com a crescente fragmentação e polari-
zação. Uma política mais fragmentada
põe em causa a governabilidade e abre
espaço a um papel mais relevante dos
extremos políticos se forem estes a asse-
gurar essa governabilidade. Isso irá, por
sua vez, alimentar a polarização uma vez
que a agenda política será dominada pe-
las concessões a fazer a esses extremos
para assegurar a governabilidade.
Há alternativas. Na primeira, um par-
tido transforma-se em pivô do sistema,
a única alternativa dos moderados. Foi
aquilo que aconteceu em França — des-
truindo a alternância dentro do espaço
moderado — e é aquilo que o PS pro-
cura fazer em Portugal. Explorando a
circunstância de a extrema-esquerda
ser vista como mais aceitável do que
a extrema-direita o PS procura trans-
mitir a ideia de que a única alternativa
a um PSD “prisioneiro” do Chega é o
PS. Mas isto reduz a governabilidade
ao PS, contribuindo para a definitiva
mexicanização do país.
A outra alternativa passa por um acor-
do entre os dois partidos moderados
para se viabilizarem mutuamente dei-
xando de fora os extremos. Isto não im-
plica qualquer equivalência entre esses
extremos, apenas o reconhecimento de
que, mesmo não sendo equivalentes nas
ameaças que representam, todos têm
em comum a polarização do sistema
político e um acordo entre os partidos
moderados é fundamental para existir
alternância dentro do espaço moderado.
No fundo, aqueles que tanto temem a
extrema-direita têm de explicar por que
motivo não deve a esquerda moderada
viabilizar um governo do centro-direita
para esta não depender dessa extrema-
-direita. Dizer que o centro-direita não
deve governar com a extrema-direita,
ao mesmo tempo que se recusa viabi-
lizar um governo desse centro-direita,
equivale a dizer que afinal a linha ver-
melha só existe para limitar o acesso
do centro-direita ao poder e conferir ao
centro-esquerda o poder em permanên-
cia. Mesmo que o único objetivo comum
seja limitar ao acesso da extrema-direita
ao poder, quer a esquerda quer a direita
moderada deviam ambas aceitar pagar
um preço por isso. Querer que seja ape-
nas a direita moderada a estar disponível
para abdicar do poder é usar a defesa da
democracia contra a democracia.
PRIMEIRO CADERNO 37
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Hino
omingo de manhã. Quando
chego à cozinha, o meu pai já
está na poltrona a chorar. Por
um segundo, penso no pior. À
beira dos 70, o meu pai está naquela
fase da vida em que os funerais são
tão comuns como os aniversários.
Mas não: as lágrimas são de alegria
porque a seleção de futebol feminino
acabou de cantar o hino. Vou até à
sala em bicos de pé para não acordar
a miudagem e rebobino a fita na box.
Também choro. Como é que tantos
estranhos podem chorar em conjun-
A foto da EM TIMOR Em cima do Conselho de Estado, a partida de António Costa
para a viagem foi polémica. Depois de assistir ao vivo ao primeiro jogo da
to sem trocarem palavras? Como é
que tanta gente que não se conhece
semana seleção feminina num Mundial de Futebol, António Costa rumou a Timor
para reforçar os laços entre países. Com Xanana Gusmão por perto, desta
pode ficar emocionada ao mesmo
tempo tendo apenas uns acordes mal
vez o primeiro-ministro cumpriu a promessa de não falar de política nacio- amanhados como intermediários?
nal no estrangeiro, mesmo que por cá um veto presidencial (ver página 11) Seja como for, uma coisa é certa: o
Por Filipe Garcia tenha voltado a pôr a sua relação com Marcelo Rebelo de Sousa no centro futebol feminino tem uma pureza
fgarcia@expresso.impresa.pt da agenda mediática. FOTO ANTONIO DASIPARU/EPA que se perdeu há muito no futebol
masculino. Esta cena já não é pos-
sível no mundo dos homens, não só
porque eles ainda acham que chorar
é para meninas, mas também porque
Combater a desigualdade criando uma quota para mulheres no TC eles são marketizados logo aos 16
anos. Quando chegam aos 20, já são
é dar um empurrãozinho à carreira de três ou quatro mulheres produtos e não aquilo que vimos no
Feminismo às pinguinhas?
domingo: seres humanos emociona-
dos e sem medo que essa emoção po-
nha em causa o seu profissionalismo.
O futebol nunca é só futebol. O que
leva um homem de 70 anos a chorar
ao ver miúdas de 20 a cantar o hino?
A
O amor ao país, claro. A comoção
ideia de que cortes de im- e Berta Esteve-Volart, num estudo perante uma emoção tão pura, claro.
postos, ou outros benefícios também publicado na revista já re- Mas também um sentido de justiça e
financeiros, atribuídos aos ferida, relativamente ao impacto de igualdade. Ter duas netas tão presen-
mais ricos beneficiam todos haver paridade de género nos comi- tes na sua vida ajuda a compreender
ficou pejorativamente conhecida tés de contratações para o sistema este ponto. Reparem: são 7h20 da
com a teoria do trickle down econo- judiciário espanhol — que incluía manhã de quinta-feira, e estamos os
mics. O argumento vai de cima para juízes e procuradores —, chegaram dois à espera do jogo com o Vietname
baixo: beneficiando os ricos, eles in- a uma conclusão surpreendente: a enquanto trabalhamos, eu escrevo,
vestirão mais, criando assim empre-
Luís Aguiar-Conraria probabilidade de uma mulher ser ele cava a horta mesmo ao lado. Não
Professor de Economia da Univ. do Minho
gos que beneficiarão os mais pobres. lfaguiar@eeg.uminho.pt contratada cai significativamente
Não sei como traduzir trickle down, quando o comité é composto por
mas o sentimento que expressa é a mais mulheres. O feminismo, com ou
de um pequeno curso de água que vai escorrendo por Não fique com uma ideia errada. Há estudos que che- sem futebol feminino,
ali abaixo, chegando umas pinguinhas a quem está na gam a conclusões diferentes, encontrando provas de que é também uma libertação
base. Os pobres que fiquem com as migalhas que caem as mulheres diretamente atingidas não são as únicas que para rapazes e homens
da mesa dos ricos. beneficiam. Eu próprio continuo a ser favorável relati-
A proposta do BE relativamente à criação de quotas de vamente este instrumento e acho absolutamente óbvio
género entre juízes do Tribunal Constitucional fez-me que já todos beneficiámos do impacto destas quotas nos estamos à espera devido à febre da vi-
lembrar a desacreditada doutrina económica. Combater nossos representantes políticos. Apenas pretendo deixar tória. Ao contrário do que se passa no
a desigualdade de género criando uma quota para mu- claro que, para já, o mérito de narrativas que assentam campo masculino, não estamos entre
lheres no Tribunal Constitucional é dar um empurrãozi- nesta ideia de trickle down feminism está ainda por os favoritos. Estamos à espera porque
nho à carreira de três ou quatro mulheres que estão, na comprovar. é um jogo de Portugal; é indiferente se
pirâmide social, acima de 99% da população portuguesa. A argumentação a favor de quotas parece-me frágil é jogado por homens ou mulheres. É
Pretende-se combater a desigualdade de quando pensamos no Tribunal Consti- esse o simbolismo. E, a seguir, falta o
género beneficiando as mulheres mais tucional. A começar pelo universo de passo seguinte: se o jogo é do Benfica,
privilegiadas da sociedade. mulheres atingidas. Estamos a falar de não interessa se é jogado por homens
A ideia não é nova. As quotas que foram
As quotas são beneficiar três ou quatro mulheres. É um ou mulheres.
sendo criadas em vários países, incluindo, um mal necessário âmbito muito curto. É difícil acreditar “Um sonho realizado” é uma frase
recentemente, em Portugal, para lugares para atingir que sobrem bastantes migalhas para as tão batida que perdeu o seu signi-
de administração em grandes empresas um fim meritório. mulheres na base (até porque o Tribunal ficado. Devia ser usada com mais
também têm este objetivo. Contam-se Constitucional não é propriamente uma parcimónia, devia ser reservada para
com pelo menos três mecanismos para Quando se carreira). Depois, não é de todo claro que situações como esta: na década pas-
promover a equidade de género. Em pri- adivinha que as quotas venham fazer mais do que ace- sada, quando estas jogadoras tinham
meiro, há as mulheres que são contrata- o fim será lerar um processo inevitável. Apostaria 15 anos, a presença de Portugal num
das e promovidas para os lugares de topo alcançado sem mesmo que, num prazo não muito longo, Mundial era de facto uma quime-
que são beneficiadas. Como é evidente, beneficiariam os homens. Porque digo ra. Essa ideia irreal estava fecha-
a desigualdade de género diminui no necessidade de isso? Quando olhamos para os números da numa câmara sem janelas e sem
topo com estas regras — e vários estu- quaisquer quotas, de juízes e juízas, rapidamente perce- portas, sem acesso ao mundo real;
dos mostram que as empresas não ficam insistir nelas não bemos que a feminização da carreira já esta geração partiu as paredes da
nada prejudicadas, bem pelo contrário, ocorreu. Em 1991, em cada 100 juízes, câmara para que a ideia entrasse na
falsificando-se a ideia de que não havia
deve muito menos de 20 eram mulheres. Era uma realidade. E o milagre da consubs-
mulheres com as necessárias compe- ao bom senso proporção de quase cinco homens para tanciação ocorreu num país ainda
tências. Em segundo, espera-se que, em uma mulher. Em 2022, 64% do corpo de profundamente machista, um país
havendo mais mulheres em lugares de juízes é composto por mulheres. Já falta onde os pátios da escolas ainda são
decisão e administração, o ambiente laboral se torne mais pouco que haja duas mulheres para cada homem. Não dos meninos mesmo quando elas jo-
propício ao desenvolvimento da carreira das mulheres. conheço a repartição de género nos tribunais superiores, gam melhor e numa idade em que as
Em terceiro, há a expectativa de que as jovens, ao verem mas ainda deverá ser favorável aos homens. Pela simples futuras diferenças biológicas ainda
outras mulheres chegar ao topo, se sintam motivadas a razão de que subir na hierarquia demora tempo e, supo- não se notam, um país onde as pesso-
apostar mais nessa carreira, engrossando assim o núme- nho, continue a haver algum machismo. as tratam as meninas por “princesa”
ro de gestoras com elevadas qualificações. Mas sendo o recrutamento para o Tribunal Constitu- e os meninos por “campeão”, um
A Noruega aprovou quotas nos conselhos de adminis- cional feito entre juízes de carreira e juristas — maiori- país onde se pergunta aos meninos
tração há 20 anos, pelo que já há dados para avaliar as tariamente, professores universitários de Direito, onde “és do Benfica ou do Sporting” en-
suas consequências. Quatro professoras de economia, também as mulheres começam a ser em maior número quanto se pergunta às meninas “qual
Marianne Bertrand, Sandra Black, Sissel Jensen e Adri- (na Universidade do Minho, já o são) — é razoavelmente é a tua disciplina favorita na escola”
ana Lleras-Muney, estudaram os dados e publicaram-nos evidente que em alguns anos quotas de género servirão — e por aqui se vê que o feminismo,
numa das melhores revistas de economia, “The Review para beneficiar os homens, que não são vítimas de dis- com ou sem futebol feminino, é tam-
of Economic Studies”. As conclusões não são boas. Cito criminações relevantes em questões laborais, e não as bém uma libertação para rapazes e
(e traduzo): “Além do efeito direto nas mulheres que che- mulheres. homens.
garam aos Conselhos de Administração, não há qualquer As quotas são um mal necessário para atingir um fim Na próxima terça-feira, lá estarei
outro impacto discernível nas restantes gestoras.” meritório. Quando se adivinha que o fim será alcançado em frente à TV à espera de um mo-
Estes resultados não são nem específicos da Noruega sem necessidade de quaisquer quotas, insistir nelas não mento Carlos Manuel perante o co-
nem de empresas privadas. Aqui ao lado, Manuel Bagues deve muito ao bom senso. losso americano.
38 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 28 de julho de 2023

Opinião

Presidente do ISQ Colaboradores de todo o mundo, uni-vos!

É a água,
estúpido! C
ontando a história de nas uma vez. Foi para reverter para proteger os seus direitos sobre propriedade
um jovem chefe de su- a degradação das condições intelectual querem retirar direito de identidade e
cesso que, no meio de contratuais e salariais que imagem a quem está na origem da propriedade
uma tragédia pessoal, os argumentistas entraram intelectual que tão zelosamente defendem.
troca a sofisticada cozinha de numa greve a que se juntaram Hollywood transformou-se numa parte da gig
um restaurante de três estre- os atores e que vai durar me- economy, em que todos são tratados como estafe-
las pela recuperação de uma ses. tas da Uber. Acontecerá o mesmo até aos que se
decadente casa de sandes da Daniel Oliveira Metade dos argumentistas, julgam protegidos por profissões até hoje privi-
Pedro Matias família, “The Bear” foi o gran- danieloliveira.lx@gmail.com do mais novo ao mais premia- legiadas. Se nada fizermos, avanços tecnológicos

Q
uando em 1992, James Carvil-
le, o estratego da campanha de
Clinton afixou na sede a frase
“Its the economy” estava certa-
mente longe de imaginar que esta frase
havia de se tornar o centro da campa-
nha e à famosa frase de Clinton: “Its the
economy, stupid.”
É certo que esta fazia parte de um
conjunto de três nas quais Clinton se
deveria focar: “Change vs more of the
same” (mudança vs mais do mesmo) e
“don’t forget health care” (não esquecer
a assistência médica).
Vem isto a propósito do tema tão em
voga da “Água” e por isso podemos dizer
que um dos temas centrais da sociedade
do séc. XXI é de facto a água, ou melhor
a falta de água que irá assolar o mundo.
A grande riqueza do século XXI e do
século XXII (se a Humanidade lá che-
gar...), não é o petróleo, nem tão pouco
o lítio (que até faz o Presidente Xi Jiping
ter insónias), mas sim a água.
Todos os recursos são finitos e, por
isso, a água é finita. É certo que o pla-
neta parece ter uma capacidade qua-
se infinita de regeneração, mas não.
Tudo é finito e o ser humano tem uma
capacidade feroz para acelerar estes
processos.
Nesse sentido, a Humanidade precisa
de lançar rapidamente um programa
mundial de eficiência “aquática” as-
sente em três pilares: i) mais eficácia e
eficiência na sua utilização e consumo;
ii) reutilização de “diferentes” tipo de
águas; e iii) o desenvolvimento de so-
luções tecnológicas de última geração
que permitam “obter” água através de
diferentes fontes.
É aqui que entra uma tecnologia que
tem vindo a ser desenvolvida há alguns
anos e que permite a utilização da água
do mar para utilização humana. A tão
de sucesso das séries lança- do, recebem o valor mínimo como a inteligência artificial não servirão, como
das no último verão. O êxito acordado com o sindicato. Há podem servir, para nos libertar de atividades
estrondoso, ampliado na segunda temporada, uma década, eram apenas um terço. O vencimen- pouco interessantes ou melhorar o nosso desem-
esconde as condições miseráveis em que vivem to caiu em 23% no mesmo período. Quase 90% penho, mas para concentrar ainda mais a riqueza.
alguns dos fazedores deste sucesso. Sem dinheiro dos atores recebem menos de 26 mil dólares por Hoje, como no início do século XIX, não vale a
para manter o aquecimento do seu minúsculo ano, o mínimo para ter direito a seguro de saúde. pena destruir as máquinas. Não é a tecnologia que
apartamento em Brooklyn, Alex O’Keefe, o re- Não há dinheiro para mais? Como em todo o lado, nos escraviza, é a relação de poder que lhe é pré-
dator da equipa de argumentistas que deu cor à dinheiro não falta. Há é quem, aproveitando este via. A greve em Hollywood é, como em qualquer
trama, teve de escrever a sua parte do episódio momento disruptivos, fique com grande parte fábrica, sobre essa relação de poder.
final da temporada numa biblioteca pública. do bolo. Só contando os últimos cinco anos, o Com o teletrabalho, meses em casa e pleno em-
Quando foi receber o prestigiado prémio CEO da Warner Bros recebeu 498 mi- prego, a pandemia mudou a noção de trabalho.
da Writers Guild of America, tinha lhões de dólares em salário e ações, Não é por acaso que a ressaca coincide com uma
saldo negativo na conta. Familia- o da Netflix 209 milhões e o seu onda de sindicalização nos EUA. A imprensa fala
res e amigos arranjaram-lhe número dois 192 milhões. Na no verão de todas as greves. Para lá dos piquetes
o smoking, mas o laço teve Walt Disney, que anunciou
de ser comprado a crédito. um programa de cortes e
O glamour da televisão despedimentos, Bob Iger Não são a tecnologia e o modelo
tem como motor uma acumulou 195 milhões.
mão de obra precária Quantos argumentistas de negócio que determinam as
que dificilmente con- sem cheta são precisos perdas ou ganhos. É a capacidade
segue pagar as contas para fazer um CEO mi- de mover a balança do poder. Até
ao fim do mês. Quanto lionário?
mais o seu trabalho é A intenção de redu-
em Hollywood, onde se inventou
reconhecido e cultural- zir os direitos e o ren- o “sonho americano”, o percebem
mente influente, pior são dimento distribuído aos
as suas condições de vida. criadores intelectuais,
O modelo de negócio dos agora com o recurso à inte- que se tornaram comuns nas lojas da Starbucks
estúdios de streaming teve ligência artificial, não podia ou da McDonald’s, mais de 650 mil trabalhado-
um efeito disruptivo na forma ser mais clara. Apesar de não res estão em greve ou em processo de discussão
de fazer televisão. Onde uma série ser a razão mais relevante para nesse sentido, incluindo sectores como a indústria
típica nos canais tradicionais tinha 20 a esta greve, também contou a preten- automóvel, camionistas, assistentes de bordo da
22 episódios, o streaming aposta em temporadas são, anunciada pelos estúdios, de que os atores American Airlines ou trabalhadores dos hotéis
de oito a dez. O resultado para o espectador são cedam os direitos para a utilização ilimitada no em Los Angeles. Seja com operários e mineiros
níveis de produção idênticos ao dos melhores futuro da sua voz e imagem. É uma medida que ou estafetas e motoristas da Uber, investigadores
filmes, com uma atenção ao detalhe e direção ar- não afeta os principais nomes, que continuarão precários ou argumentistas e atores, chamem-lhes
tística impensáveis até ao aparecimento da HBO. a ganhar bem e a ser chave em qualquer produ- “trabalhadores” ou “colaboradores”, não são a
O resultado para quem os faz foi uma redução de ção, mas arrisca-se a encher de réplicas de IA as tecnologia e a mudança de modelo de negócio que
40 para 20 semanas de tempo médio de trabalho dezenas de pequenos papéis que dão vivacidade a determinam as perdas ou ganhos de quem vive do
em casa série, num meio onde se é pago à peça. qualquer série ou filme. Vitais para o ganha-pão seu trabalho. É a capacidade de resistir e mover a
E se dantes recebiam por cada reposição nas e possível ascensão na carreira a milhares de ato- balança do poder. Até em Hollywood, onde se in-
televisões, agora, com o streaming, recebem ape- res. Os mesmos estúdios que movem montanhas ventou a fantasia do sonho americano, o percebem.
Pres. da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria Empresário e ex-deputado

Perante um recurso que se vai O uso de psicadélicos Ferrovia: um crime

tornar escasso, a humanidade não
tem outro caminho senão recorrer
à tecnologia para sobreviver na doença mental económico
famosa dessalinização que desperta na perturbação de stress pós-trau- ses e em França comboios espanhóis.
horrores nos mais céticos, mas que per-
João Bessa mático, estando em curso ensaios
Henrique Neto Com o resultado dos preços terem caí-

mite fornecer, já atualmente, água a
milhares de pessoas em todo o mundo.
Uma coisa parece certa, perante um
recurso que se vai tornar escasso, a hu-
manidade não tem outro caminho senão
recorrer à tecnologia para sobreviver.
Felizmente a inteligência humana
consegue desenvolver conhecimento
sobre matérias cada vez mais complexas
e consegue já hoje de forma muito eficaz
e eficiente proceder não ao milagre da
multiplicação dos pães, mas à dessali-
nização da água. Veja-se os casos para-
digmáticos de Israel, Arábia Saudita ou
Singapura, mas também de Espanha e
mesmo Portugal que tem uma em Porto
Santo desde os anos 80.
Assim, parece-nos oportuno que mais
do que rejeitar liminarmente este tipo
de tecnologias os Governos procedam a
estudos técnicos aprofundados que per-
mitam cada vez mais ter conhecimento
sobre este processo, porque vamos mes-
mo precisar dele.
É certo que é um processo com con-
sumos energéticos elevados, é certo
que é um processo que gera resíduos.
Mas a mesma tecnologia que permite a
dessalinização da água também permite
baixar o custo de produção, a eficiência
energética do processo e a “transforma-
ção” dos resíduos em matérias-primas
secundárias.
A terminar fica ainda uma nota: que
a Europa não cometa com a água o
mesmo erro crasso que cometeu nos
últimos anos quando deixou delibe-
radamente deslocalizar para a Ásia a
produção industrial de todo um con-
junto de bens e de equipamentos, assim
como ficar dependente de cadeias de
abastecimento e de matérias-primas
com origem em países de forte instabi-
lidade política.
N O
a área da saúde mental, em
que a vulnerabilidade do indi-
víduo com doença psiquiátri-
ca assume particular relevo, a
prática de uma medicina baseada na
evidência é essencial não só para ga-
rantir os melhores cuidados à pessoa
em sofrimento como para salvaguar-
dar os seus direitos, nomeadamente
no exercício esclarecido do consenti-
mento informado.
No atual contexto de desinvesti-
mento em investigação para o tra-
tamento de alguns dos problemas
mais sérios de saúde mental como
a depressão resistente ao tratamen-
to ou as dependências, tem surgido
um renovado interesse científico em
antigos compostos, que partilham
entre si um efeito psicadélico, e que
trazem novas perspetivas de inter-
venção terapêutica com grande po-
tencial, frequentemente exploradas
em associação a psicoterapia.
O efeito psicadélico de substâncias
naturais como a psilocibina ou as que
se encontram no ayahuasca, ou de
compostos sintéticos como o LSD,
MDMA ou cetamina, reside na sua
capacidade de induzir alterações do
estado de consciência com efeitos
no pensamento, perceção e humor,
através da sua ação direta em neuro-
transmissores como a serotonina e o
glutamato. No entanto, a relação en-
tre este efeito e o seu potencial tera-
pêutico nas diferentes perturbações
psiquiátricas não é ainda consensual.
Nas duas últimas décadas, têm-se
acumulado evidências científicas so-
bre o potencial terapêutico da ceta-
mina e da psilocibina na depressão
resistente ao tratamento e do MDMA
clínicos para demonstrar a sua efi-
cácia e segurança. No entanto, na
ausência de uma aprovação formal
para o seu uso, a sua utilização na
prática clínica continua a ser conside-
rada off-label (sem indicação clínica
formal pelas autoridades) no caso da
cetamina e ilícita no caso da psiloci-
bina e MDMA.
Na atual narrativa sobre o uso de
psicadélicos torna-se assim vital re-
conhecer os desafios éticos e deon-
tológicos que decorrem dos seus
efeitos psicoativos, nomeadamente
das alterações do estado de cons-
ciência, pensamento e perceção, da
vulnerabilidade e sugestionabilidade
e das questões relacionadas com a
obtenção de um consentimento in-
formado e esclarecido.
Para abordar estes desafios e pro-
curar soluções, a Sociedade Portu-
guesa de Psiquiatria e Saúde Mental
promoveu, em conjunto com a Fun-
dação Champalimaud, a criação de
um grupo interdisciplinar de traba-
lho que envolve o Colégio de Especia-
lidade de Psiquiatria da Ordem dos
Médicos, o Conselho de Especialida-
de de Psicologia Clínica e da Saúde da
Ordem dos Psicólogos, a Ordem dos
Farmacêuticos e o Conselho Nacio-
nal de Ética para as Ciências da Vida.
Esta reflexão conjunta entre en-
tidades e grupos profissionais tor-
na-se necessária e premente numa
altura em que proliferam ofertas de
intervenções terapêuticas que muitas
vezes ultrapassam as indicações clíni-
cas exploradas na literatura científica
e que podem criar falsas expectativas
na população que carece de infor-
mação sobre estas novas formas de
tratamento.
Governo planeia gastar mi-
lhares de milhões de euros em
três parcerias público priva-
das para a construção da linha
férrea de passageiros entre Lisboa e
o Porto que serão pagos por nós, em
vez da União Europeia (UE) se a bito-
la utilizada fosse europeia em vez da
bitola ibérica. Resta saber o que está
por detrás de tão estranha decisão.
A UE planeou uma rede ferroviária
normalizada em toda a Europa com
a mesma bitola, o mesmo sistema
elétrico e as mesmas normas de se-
gurança, de forma a permitir o livre
acesso das diferentes empresas ao
transporte de passageiros e de mer-
cadorias a preços baixos, com maior
eficiência e rapidez e com menor
poluição. Dessa rede faz parte o Cor-
redor Atlântico pensado para servir
a Espanha e Portugal, em via dupla
com entrada a norte em direção a
Aveiro, depois Lisboa e entrada no-
vamente em Espanha por Badajoz. O
que deu origem ao acordo luso/espa-
nhol que sobreviveu até 2016, quan-
do o Governo do PS decidiu manter a
bitola ibérica e transformar Portugal
numa ilha ferroviária. Enquanto isso
Espanha construiu a mais moderna
rede ferroviária da Europa com a
ajuda dos fundos europeus e em Por-
tugal nem um único quilómetro foi
construído em bitola europeia, com
a perda de milhares de milhões de
euros de fundos de Bruxelas.
A única razão apresentada para tão
estranha decisão foi a de evitar a con-
corrência das empresas europeias.
Concorrência que Espanha aceitou de
bom grado e hoje circulam em Espa-
nha comboios de passageiros france-
do, as viagens internas de avião terem
praticamente desaparecido e com
uma redução dos índices de poluição.
Além dos ganhos para a economia es-
panhola no desenvolvimento de uma
forte indústria ferroviária hoje expor-
tadora e da capacidade de atração do
investimento industrial estrangeiro,
dadas as novas condições logísticas
oferecidas através da combinação dos
transportes ferroviário e marítimo.
A posição do Governo nesta ques-
tão ferroviária é criminosa porque
torna as importações e exportações
portuguesas reféns do transporte
rodoviário mais caro e mais poluente,
além de contrário às diretivas euro-
peias. Sem esquecer que o Corredor
Atlântico implica a construção de
três quartas partes da linha de Lis-
boa ao Porto, além da parte restante
poder ser também financiada pela
UE. Trata-se de um crime estratégico
para a economia portuguesa, pela
adoção de uma estranha estratégia
protecionista num mundo em que as
regras da concorrência são adotadas
por quase todos os países.
Portugal está no centro do Ociden-
te entre os dois maiores mercados da
Europa e das Américas, mas é o país
europeu mais distante dos mercados
europeus, que são o destino de mais
de 70% das exportações portuguesas.
Contrariamente às posições dos em-
presários portuguesas que há muito
compreenderam esta realidade, o
Governo do PS nem sequer se dá ao
trabalho de explicar o que está detrás
de tão estranha política, ao arrepio de
toda a Europa, para não dizer de todo
o mundo. Voltámos, 50 anos depois
do 25 de Abril, às razões de Salazar
do “orgulhosamente sós”.
Expresso, 28 de julho de 2023
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1960-2023 Aristocrata espanhola que agitou o jet set na imprensa cor de rosa
no final da década de 80, suscitando curiosidade em tudo o que vestiu e não vestiu
Marta Chávarri
C
ostuma dizer-se que
“quem é vivo sempre apa-
rece”. É uma expressão
simpática para dizer a
alguém que há muito não apare-
cia. Acontece que hoje ninguém
“desaparece”. As redes sociais
tornaram a expressão obsoleta,
não só porque mantêm toda a
gente “a aparecer”, como aju-
dam a esbater as diferenças en-
tre os que precisam de aparecer
e os que não precisam. Os ricos,
por exemplo, não precisam de
aparecer. E quanto mais ricos
forem, mais próxima do zero es-
tará essa necessidade. Temos,
porém, o Instagram a desmentir
esta tese, porque a vaidade é co-
mum a todas as classes sociais
e há sempre ricos e muito ricos
que gostam de aparecer, por
muito desagradável nos possa
parecer tal ideia.
Tamara Falcó, marquesa de
Griñón, filha de Isabel Presley
e de Carlos Falcó, marquês de
Griñón, tem um milhão e meio
de seguidores na sua conta de
Instagram. Aí registou o seu
casamento com Iñigo Onieva,
putativo empresário. Nenhum
é candidato a uma vida perfeita
no sentido em que aqui a enten-
demos como a vida que acaba,
mas a noiva é para aqui chamada
por causa de Marta Chávarri, tia
direita de Tamara.
Na segunda metade dos anos
80, estávamos longe de imagi-
nar que cada um de nós poderia
ver a sua socialite preferida sem
ter de esperar pelas novidades
semanais da “¡Hola!”, da “Diez
Minutos” ou da “Interviú”. A
sociedade espanhola, com uma
aristocracia de fortunas e ex-
centricidade por vezes aparecia
por vontade própria, abrindo as
portas à imprensa cor de rosa,
outras era apanhada em escân-
dalos relacionados com adultério
e sexo em geral que animavam
Obituário
Sinéad O’Connor
1966-2023
Nunca fugiu da controvérsia,
ergueu a sua voz a favor
de causas que considerava
meritórias — do abuso
perpetrado sobre crianças
à defesa dos refugiados — e
raramente escamoteou as
duras lutas que travou consigo
mesma. “I Do Not Want What
I Haven’t Got”, o segundo
álbum de Sinéad O’Connor,
foi lançado em março de 1990,
numa era ainda distante em
que a televisão era o maior dos
palcos. Sinéad soube usá-lo da
melhor forma: a lágrima que
escorria do seu rosto filmado
em grande plano no vídeo
de ‘Nothing Compares 2 U’
(canção original de Prince,
dos anos 80, que O’Connor
tornaria maior) era tão real
que não houve quem não se
tivesse quedado de amores
por aquela jovem cantora de
20 e poucos anos, de cabelo
rapado, rosto angelical e voz
de transparência absoluta. A
mesma cantora que, um par
de anos depois, em protesto
contra os abusos de crianças
no seio da Igreja Católica,
rasgou uma foto do Papa João
Paulo II em direto na televisão
norte-americana, durante uma
atuação no famoso programa
“Saturday Night Live”: “As
pessoas dizem: ‘Destruíste a
tua carreira’, mas estão a falar
da carreira que tinham em
o público leitor. Tanto em Espa-
nha como em Portugal, vivíamos
uma era de crescimento econó-
mico impulsionado por fundos
europeus, e havia festas, vida
social e revistas interessadas em
mostrar como viviam essas pes-
soas. Por cá, a aristocracia era
mais falida, a excentricidade era
pontual e lá tínhamos uma re-
vista ou outra onde aparecia di-
nheiro novo. A grande excitação
vinha claramente de Espanha.
A última aparição pública de
Marta Chávarri aconteceu no
ano passado no casamento do
filho, Álvaro Falcó. O pai era Fer-
nando Falcó, marquês de Cu-
bas, o primeiro marido de Marta.
Fernando era irmão de Carlos
Falcó, pai de Tamara. Álvaro
casou com Isabella Junot, filha
de Philippe Junot, banqueiro e
primeiro marido de Carolina do
Mónaco. E Marta Chávarri? Terá
tido um caso amoroso tórrido,
como de resto devem ser todos
os casos amorosos, com Philipe
Junot. De amantes passariam a
ser compadres, o que apesar de
divertido não deixa de ter um
travo deserotizante a doméstico.
Mas antes dessa última apa-
rição houve uma vida inteira.
Marta Figeroa Chávarri nasceu
em 1960. Era neta do conde de
mente para mim”, declararia
ao “The Guardian”, em
2021. Em “Rememberings”
(2021), o livro em que expôs
os episódios traumatizantes
da sua vida, Sinéad explicou
detalhadamente a origem
da fotografia que rasgou,
pertença de sua mãe: “Tirei-a
da parede do quarto dela. Foi
registada aquando da visita
deste à Irlanda em 1979.
‘Jovens irlandeses’, disse ele
depois de beijar o chão no
aeroporto de Dublin, como se
o voo tivesse sido demasiado
assustador, ‘amo-vos’. Que
grande treta. Ninguém nos
amava. Nem mesmo Deus.
Até os nossos pais e mães não
nos suportavam.” Mulher
profundamente crente,
abraçou o Islão no final da vida,
declarando tratar-se de uma fé
“antirreligião”: “A pior coisa
que alguma vez aconteceu a
Deus foi a religião.” Em 2020,
ao Expresso, diria: “Culpo a
aos maridos, tudo o que dizia
respeito à gestão. Assim como
receberam este prémio, assim
FOTO GIANNI FERRARI/COVER/GETTY IMAGES
tudo lhes foi retirado. Ao mes-
mo tempo que a infidelidade de
Cortina saía nos jornais, Alcocer
era apanhado com a secretária.
As irmãs Koplowitz, sobretudo
Esther, despachavam os Alber-
tos e voltavam a tomar as rédeas
da empresa.
A separação é relevante na vida
de Chávarri porque as irmãs Ko-
plowitz foram aplaudidas, Corti-
na continuou a sua vida, e a re-
putação de Marta, na altura com
30 anos, foi sendo manchada
Romanones, uma família pode- a cada dia na mesma imprensa
rosa de proprietários de terras, que a tinha aclamado. Em 1989,
políticos e homens de negócios a revista “Interviú” publica uma
e filha de um diplomata. Passou capa a anunciar “o que nunca
uma juventude nómada, entre viu de Marta Chávarri”, em que
os Estados Unidos e a Europa. aparece com um maillot roxo e
Regressada a Madrid casa em collants amarelos. Nas páginas
1982 com o solteiro cobiçado do meio, há fotos de Chávarri de
Fernando Falcó y Fernández de vestido cor de laranja, colar de
Córdoba. O casamento dura sete pérolas. Está sentada como Sha-
anos e nasce o seu único filho, ron Stone em “Instinto Fatal”,
Álvaro. Tudo o que usa interessa mas sem as pernas cruzadas.
às revistas: calças de ganga, car- Cortina estaria a ser chantagea-
teiras Vuitton, vestidos curtos, do por causa do negócio da fusão
gargantilhas com cinco voltas, sa- entre dois bancos, o Banesto e o
patilhas brancas, meias de vidro, Banco Central, promovido pelos
madeixas louras. É eleita Lady Albertos e que não interessaria a
España e em 1988 as revistas pu- Mario Conde que estava à frente
blicam fotografias de Chávarri a do Banesto.
sair de um hotel em Viena com Depois da reportagem publi-
Alberto Cortina. O escândalo cada pela “Interviú”, o negócio
causa um dano irreversível no da fusão dos bancos ficou sem
casamento com Falcó e Álvaro efeito e os Albertos separaram-
fica com o pai. -se das milionárias Koplowitz.
Alberto Cortina era conselhei- Chávarri processou a revista e
ro numa empresa de constru- ganhou. A indemnização foi bas-
ção importante que pertencia tante avultada, cerca de €220
à mulher, Alicia Koplowitz e à mil. Marta e Cortina casaram e
irmã desta, Esther Koplowitz. divorciaram-se em 1995. Depois
Eram ambas casadas com dois disso, Chávarri foi desaparecen-
primos, os Albertos: Cortina com do das páginas das revistas que
Alicia e Alberto Alcocer com ganharam milhões à sua custa
Esther. As irmãs eram riquíssi- e que exaltaram e humilharam
mas, mas não percebiam nada como se não fosse uma mulher
de negócios quando herdaram adulta com direito a viver como
a empresa do pai e entregaram entendia.
religião, que não nos ensinou
a cuidarmos dos outros mais
> Tony Bennett (1926-2023), len-
da da música norte-americana.
do que de nós próprios.” É Ao longo de mais de 70 anos de
possível ver na forma como carreira, vendeu mais de 50 mi-
geriu a sua carreira um lhões de discos. Cantou com os
prolongamento dessa atitude maiores nomes do século XX e
de confronto. Se na era de ouro XXI, de Frank Sinatra a Lady
da MTV a pop era uma espécie Gaga. Recebeu 20 Grammys,
de nova religião, Sinéad não incluindo um pela excelência da
iria ser uma santa. A sua vida sua obra. Luís Guerra > Trevor
plasmou-se na música e nas Francis (1954-2023), ex-futebo-
atitudes. Fazê-lo foi a única lista inglês, autor do golo que
solução possível: Sinéad esteve deu ao Nottingham Forest a pri-
internada ainda adolescente meira de duas Taças dos Clubes
por roubar em lojas, foi vítima Campeões Europeus, na época
de abusos vários, teve quatro 1978/79. Meses antes, tornara-
filhos de quatro homens e -se o primeiro jogador britânico
nos últimos anos passou por a atingir a fasquia de um milhão
instituições de saúde mental. de dólares, quando se transferiu
“Serei sempre um pouco do Birmingham para o Forest.
maluca, mas está tudo bem”, Jogou 52 vezes pela seleção de
a citação que serviu de título Inglaterra. Dia 24, vítima de ata-
ao referido artigo do “The que cardíaco. Lídia Paralta Go-
Guardian” espelhava a sua mes > Leny Andrade (1943-2023),
desarmante honestidade, a cantora brasileira, referência do
mesma que nunca disfarçou lado mais jazzístico da bossa
na voz que adornou uma nova e do samba, teve uma car-
dezena de álbuns. Há pouco reira que percorreu seis décadas,
mais de um ano, perdeu um começando por se fazer notar
filho, Shane, que se suicidou nas ‘boates’ de Copacabana na
ainda adolescente. Dois anos década de 60. L.G. > Eduardo
antes, revelava ao Expresso Pitta (1949-2023), escritor, crí-
que “a lua mais bonita” que tico e ensaísta, morreu na ter-
vira na vida “foi em Portugal”: ça-feira devido a complicações
“parecia que bastava esticar a após um AVC. Nascido na atual
mão para a agarrar”. Por cá, Maputo, veio para Lisboa em
deu apenas um concerto, no 1975. Deixou dez livros poéticos,
Coliseu de Lisboa, em junho quatro de ensaios e críticas, dois
de 1995. Sinéad O’Connor foi de crónicas, três memórias e três
encontrada sem vida na sua obras de ficção, uma das quais
casa de Londres, para onde se um romance. O seu último livro,
mudara há pouco tempo. Tinha “Devastação”, saiu em 2021, pela
56 anos. Rui Miguel Abreu D. Quixote. Luciana Leiderfarb
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
Reino
do Pineal
Portugal que deu novos mun-
dos ao mundo vê despontar o
“Reino do Pineal” ali para os
lados de Oliveira do Hospital.
Que o ordenamento jurídico
seja para todos na salvaguarda
da dignidade humana. Se as
crianças não são registadas ao
nascer algo vai mal na pátria
lusa. O grupo que escolheu
Portugal para se instalar fez
a opção com a manifesta fa-
cilidade com que se entra no
nosso país. Até Lula da Silva já
disse que os brasileiros serão
em maior número do que os
portugueses. Se assim for é
a salvação do sistema de Se-
gurança Social e o alavancar
da construção civil. Com imi-
grantes vivendo em condições
degradantes, até lojas servem
de dormitórios.
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
O Ocidente
e a liberdade
Alexandre Soljenítsin, que
sofreu grandes torturas no
mundo socialista soviético, es-
creveu no seu livro “O Erro do
Ocidente” (1980): “O mundo
ocidental está a chegar a um
momento decisivo. Ele vai pôr
em causa no decurso dos pró-
ximos anos da sua existência
a civilização que criou. Penso
que não tem consciência disso.
O tempo deteriorou a vossa
noção de liberdade. Mantives-
tes a palavra mas fabricastes
uma outra noção. Esqueces-
tes o sentido da liberdade.
Quando a Europa a conquis-
tou, era uma noção sagrada.
A liberdade desembocava na
virtude e no heroísmo. E isso
foi algo que esquecestes. Essa
liberdade que, para nós, é ain-
da uma chama que ilumina
a nossa noite, tornou-se no
vosso mundo uma realidade
raquítica e por vezes dececi-
onante, porque cheia de um
brilho enganador, de riqueza
e de vazio. Por esse fantasma
da antiga liberdade já não sois
capazes de fazer sacrifícios,
apenas compromissos...”. A
realidade atual no Ocidente
ultrapassa, em muito, a pre-
visão deste escritor, vítima do
socialismo.
Cândido Morais, Braga
O estado da nação
e as Forças Armadas
No debate na AR sobre o es-
tado da nação o senhor pri-
meiro-ministro ignorou os
gravíssimos problemas que
se avolumam na Segurança e
Defesa Nacional, em especial
no seu esteio, o pessoal mili-
tar. O Governo não pode alijar
responsabilidades dos anos
sucessivos de redução de efe-
tivos por falta de candidatos
voluntários por um lado e, por
pedidos de rescisão de contra-
tos por outro, afetando não só
os praças mas agora também
militares experimentados dos
quadros permanentes. Urge
tornar a carreira militar mais
atrativa. Nas conclusões do
ultimo congresso da SEDES,
avultam os apelos a urgência
em colmatar a gravíssima si-
PRIMEIRO CADERNO 39
tuação das Forças Armadas,
agudizada pelas ameaças que
se perfilam no plano interna-
cional.
João Nobre de Carvalho, Parede
Os reinos que
há nas Beiras
Em certas aldeias das Beiras,
entre Arganil e Oliveira do
Hospital, houve uma implan-
tação de estrangeiros, britâni-
cos, germânicos, holandeses
que se esgueiraram nas serras
comprando currais e viven-
do à parte sem o menor con-
trolo e condições. Ninguém
sabia quem eram, como se
chamavam, se eram ou não
procurados, de que viviam, o
que cultivavam nestas serras,
as crianças, sempre muitas,
não se misturavam. Hoje em
dia, começam a comprar ca-
sas nas aldeias — os velhos
vão morrendo e os herdeiros
desfazem-se das heranças a
qualquer preço. Na Páscoa,
numa aldeia desta zona, estava
uma inglesa aí residente, com
oito crianças com um ou dois
anos de diferença, todas entre
os cinco e os sete anos, obri-
gadas a tomar banho numa
ribeira de água gelada. Impos-
sível serem dessa “mãe”. Não
vão à escola portuguesa, têm
uma escola “deles”. Quem são?
Como se chamam? Quem são
os pais? Ninguém sabe e nem
quer saber. Quem vive na al-
deia o ano inteiro, não quer
problemas. Quem vem passar
férias também não. As autori-
dades assobiam para o lado.
“Reinos do Pineal” há muitos,
bem escondidos nas serras.
Elisabeth M. Pacheco de Oliveira,
Faro
O melhor
da Jornada
Todos os dias há mais um facto
negativo ou um constrangi-
mento à vida de quem vive em
Lisboa e arredores a anexar à
Jornada Mundial da Juventu-
de. Provavelmente serão todos
verdade. E, provavelmente,
tudo foi mal planeado desde
o início, gastou-se demasiado
dinheiro e o retorno será resi-
dual. Contudo, ninguém pode
negar que esta JMJ apresenta
mais uma excelente montra
para expor as três atividades
em que somos dos melhores
do mundo: servir, desenras-
car e aguentar. Por isso, agora
só resta encher o peito de ar
e ficar sem respirar apenas
por seis dias. Dia sete, já tudo
passou e tudo ficou esquecido.
Este é o momento de discutir
se queremos receber um mun-
dial de futebol, para se evita-
rem escalas que se poderão
revelar desnecessárias.
Alexandre Ferreira, Capelo
Retificação
Na secção “0:59 Um Minuto
para Pensar”, publicada na
passada semana, uma frase
saiu com dados incorretos. A
redação certa é: “De 2015 para
2022, o número de casamentos
entre pessoas do sexo oposto
subiu de 32 mil (99% do total)
para 36 mil (98%). E os matri-
mónios entre pessoas do mes-
mo sexo subiram de 350 para
801 neste mesmo período”.
Os advogados de Armando
Pereira, na Operação Picoas,
são uma dupla constituída por
Pedro Marinho Falcão e Maga-
lhães e Silva, e não apenas por
este último como o Expresso
escreveu na última edição.

Ricardo
Costa
Quando
a terra
treme
H
á ou não lições a
tirar das eleições
espanholas? A per-
gunta atravessou o
Caia no domingo e
vai percorrer Por-
tugal por muito tempo. Ao lon-
go da semana, ouviram-se todo
o tipo de respostas. As diferen-
ças históricas e políticas entre
os dois países são tantas que
qualquer transposição direta
falha. Ainda assim, discordo
dos que defendem que não há
quaisquer lições a tirar.
Ao contrário da maioria
das análises, que se centram
na “geometria política” ou na
estéril teoria da equivalência
dos extremos, as lições são
práticas: não se deve apostar
em campanhas sujas onde a
palavra mentira é central; as-
sentar uma campanha no anti
qualquer coisa (em Espanha,
o mote era o antissanchismo)
mobiliza o adversário; a pola-
rização extrema só cria caixas
de ressonância; as guerras cul-
turais nada dizem à maioria do
eleitorado; a extrema-direita
mobiliza a esquerda em força;
as tracking polls são um ins-
trumento que os media não
percebem.
Estas pequenas lições são
todas aplicáveis em Portugal,
onde estas tendências se insta-
laram nos últimos meses. Com
exceção da overdose de sonda-
gens — em Espanha, entre 1 e
17 de julho publicaram-se 105
sondagens ! —, a miragem de
uma dissolução arrastou muito
discurso para campos de políti-
ca primária e sem amplitude.
Em Portugal,
a relação de forças
no centro-direita
está longe de
estar estabilizada
Em cima destas lições, há em
Portugal uma diferença eviden-
te, que quase ninguém subli-
nha. Ao contrário de Espanha,
onde o sistema partidário de
centro-direita se rearrumou
(o Ciudadanos desapareceu,
o PP regressou a um primei-
ríssimo plano, o Vox recuou
estruturalmente), em Portugal
a relação de forças está longe
de estabilizar.
O maior problema que o PSD
tem não é a diferença para o
PS, é ter no seu espectro alar-
gado dois partidos que estão
em fase de potencial cresci-
mento e um terceiro que tenta
regressar ao Parlamento onde
estava desde 1975.
Não há um palmo de terra
firme no centro-direita. O PSD
quer recuperar a hegemonia,
a IL vê espaço para crescer, o
Chega sonha com os 15% e o
CDS luta por um regresso hon-
roso à primeira linha.
De uma forma muito sim-
ples, não vejo como é que esse
terreno se arruma sem ser em
eleições. Não arruma, como
é óbvio. Vai cada um por si —
o caso do CDS é o único que
pode ser diferente — e depois
acertam contas.
É por isto ser óbvio que não
percebo a obsessão que muitos
dirigentes do PSD têm com o
Chega. Acordam e deitam-se
a falar nisso. Tanto o Chega
como a IL podem crescer. Se
o PSD o quiser impedir, tem
que crescer sozinho, sem estar
paralisado por cálculos aritmé-
ticos. É relativamente simples.
rcosta@expresso.impresa.pt
VERÃO 2023
( (
O melhor truque
de chef que
vai fazer
RICARDO DIAS FELNER P22
BCE sobe juros,
mas admite pausa
Taxa diretora aumenta
0,25 pontos, para 4,25%.
Lagarde deixa tudo
em aberto para
a próxima reunião
O Banco Central Europeu
(BCE) subiu ontem os juros
em 0,25 pontos percentuais. A
taxa diretora do euro está ago-
ra em 4,25%, o valor mais alto
desde outubro de 2008. A de-
cisão anunciada por Christine
Lagarde vem confirmar o que
era esperado nos mercados e
vai agravar a subida das taxas
de juro do crédito à habitação.
O BCE cumpriu o que tinha
antecipado na última reunião,
em junho, e que Lagarde re-
forçou no fórum anual em Sin-
tra: apesar da pressão política,
não iria travar a subida dos
juros nem fazer uma pausa,
como fizeram recentemente
os bancos centrais da Austrá-
lia e da Nova Zelândia.
Os banqueiros centrais da
zona euro continuam a achar
que, apesar da inflação estar a
descer rapidamente — em ju-
nho abrandou para 5,5% e na
próxima semana conhecere-
mos os dados de julho — ,“ain-
da se espera que permaneça
demasiado elevada durante
O Expresso em Beja
Lucro do BCP cresce
quase sete vezes
Apenas 700 clientes
do BCP conseguiram,
até agora, a bonificação
dos juros ao abrigo
do diploma do Governo
O lucro do BCP subiu quase
sete vezes nos primeiros seis
meses do ano, totalizando
€423 milhões. O rendimento
obtido com os juros nos crédi-
tos ajudaram a essa evolução,
bem como os mais de €120
milhões conseguidos com a
venda da maioria do capital da
seguradora na Polónia.
Números que o banco re-
gistou num período em que
Miguel Maya, presidente exe-
cutivo, continua sem ver um
O professor
Marcelo e o
Marcelo professor
MANUEL CARDOSO P23
demasiado tempo”. Ainda as-
sim, Lagarde deixou tudo em
aberto para as decisões se-
guintes. Em particular sobre
o que acontecerá na próxima
reunião, agendada para 14 de
setembro, não antecipando
qualquer sinal da decisão que
poderá ser tomada nessa al-
tura. Ao contrário do que fez
em junho.
Dados, dados, dados
A linguagem oficial do banco
mudou inclusive. Coube à pre-
sidente Lagarde deixar isso
muito claro na conferência
de imprensa em Frankfurt.
“Estamos nas mãos dos dados
económicos”, enfatizou. Usan-
do uma expressão jurídica, a
advogada de profissão disse
que “o ónus da prova está nos
dados económicos” daqui para
a frente. Em setembro — e nas
reuniões seguintes — tanto se
pode decidir por mais subi-
das como por uma paragem.
O sentido de voto vai ser de-
cidido reunião a reunião em
função do que ditarem os da-
dos económicos e financeiros.
Chegou mesmo a dizer que se
pode fazer uma pausa e depois
regressar a uma subida (como,
problema generalizado nos
créditos à habitação; há, sim,
casos específicos em que é
preciso renegociar, mas não
uma floresta atingida. Houve,
de janeiro a junho, cerca de
9600 renegociações de cré-
dito, mas, sublinha o CEO, “é
uma ficção pensar que nin-
guém fica para trás”.
Sobre as novas medidas de
auxílio ao crédito à habitação
anunciadas por Fernando Me-
dina, Maya não se quis posi-
cionar, mas mostrou a pouca
abrangência da bonificação
dos juros: foram cerca de 700
clientes aqueles que viram a
candidatura aprovada, e a aju-
da média é de €37.
(
Montanha:
natureza selvagem
em Montesinho
“BOA CAMA, BOA MESA” P22
aliás, o fizeram o Banco do Ca-
nadá e a Reserva Federal dos
Estados Unidos ainda esta se-
mana) e vice-versa.
Para sustentar a nova orien-
tação, a presidente do banco
do euro ‘limpou’ do discurso
duas frases até agora sinto-
máticas da postura rígida do
BCE. Perguntada se repetiria
a frase perentória — dita em
junho — de que o BCE “não
estava a pensar em qualquer
pausa”, Lagarde respondeu
que quem manda são os dados
económicos. E eles, no futuro,
tanto podem aconselhar uma
paragem como o contrário no
ciclo de subida dos juros que
já leva 13 meses e um aumen-
to acumulado de 425 pontos-
-base, o maior de sempre na
história do BCE. Uma subida
que tem estado a agravar sig-
nificativamente as prestações
do crédito à habitação dos
portugueses, que são, na sua
grande maioria, de taxa variá-
vel. Sobre outra expressão
muito usada até agora de que
“há mais terreno para cobrir”
(ou seja, mais necessidade de
subir os juros para restringir a
dinâmica económica), a fran-
cesa surpreendeu: “Neste mo-
mento, não diria isso.”
50 ANOS História e tecnolo-
gia. Foi esta a marca que o Ex-
presso deixou em Beja, acen-
tuou o presidente da Câmara
Municipal, Paulo Arsénio,
depois de inaugurar a exposi-
ção e o banco que assinalam
os 50 anos do jornal na sua
cidade. No final de uma visita
guiada pela diretora-adjun-
ta, Paula Santos, o autarca
sinalizou a informação que
o código QR desvenda em
cada uma das primeiras pá-
ginas: “É uma exposição ex-
traordinária sobre a história,
que nos permite, através das
novas tecnologias disponibi-
lizadas em cada um dos pai-
néis, interagir não só sobre a
capa de cada um dos jornais,
mas sobre todo o ano civil
daquela capa.” Os 50 anos
do Expresso em Beja foram
ainda marcados pela oferta
de livros à cabine de leitura
e à Biblioteca Municipal de
Beja — José Saramago, onde
está patente a mostra “Eu e o
Expresso”. FOTO JOSÉ FERNANDES
Impresa com
prejuízo de
€4 milhões
Receitas atingiram €86
milhões, embora a cair
2,5%. Publishing teve
o melhor desempenho
As receitas do grupo Impresa,
dona da SIC e do Expresso,
caíram 2,5% em termos homó-
logos no primeiro semestre,
para €86 milhões, anunciou
a empresa em comunicado à
CMVM. O segmento de publi-
shing viu as receitas aumenta-
rem 13,8% para €12 milhões,
ao passo que na televisão re-
cuaram 4,8%. A Impresa teve
um prejuízo de €4 milhões na
primeira metade do ano, agra-
vando-se em €1,9 milhões face
ao primeiro semestre de 2022.
Últimas
Pingo Doce é o maior pa-
trocinador da JMJ O Pingo
Doce é o maior patrocinador
da Jornada Mundial da Juven-
tude, com um donativo de €5
milhões dividido em duas fa-
tias iguais: uma é um donativo
monetário e a outra envolve
400 mil kits a distribuir aos
peregrinos.
Mais duas unidades locais
de saúde O SNS vai con-
tar com mais duas Unidades
Locais de Saúde, passando a
ter 39 até ao final do ano. Na
Região Norte, vai erguer-se a
ULS de Trás-os-Montes e Alto
Douro, cobrindo desta forma
toda a região com o modelo
das ULS. Lisboa ganha a ULS
de Amadora-Sintra.
Bolsas Gulbenkian A Gul-
benkian atribuiu 25 bolsas a
estudantes de Música, Artes
Visuais, Teatro, Dança e Cine-
ma para prosseguirem os seus
estudos fora de Portugal. As
Bolsas totalizam um apoio de
mais de 900 mil euros. Cen-
tenas de jovens já usufruíram
deste apoio da Fundação no
passado, como o cineasta João
Gonzalez ou a pianista Marta
Mata.
Novo Campus da Católica
O Papa Francisco vai, dia 3,
abençoar a primeira pedra do
Campus Veritati da Univer-
sidade Católica, onde vai ser
construído o edifício da Cató-
lica Lisbon School of Business
& Economics, que passará a
chamar-se Edifício José Ma-
nuel de Mello, em resultado de
uma doação de 12 milhões de
euros do Grupo José de Mello.
Espanha concede nacio-
nalidade a Sara Khadem
A jogadora de xadrez iraniana
que competiu num campeo-
nato internacional no Caza-
quistão sem hijab recebeu
nacionalidade espanhola. A
ministra da Justiça de Espa-
nha propôs atribuir a naciona-
lidade a Sarasadat Khademal-
sharieh, também conhecida
como Sara Khadem, “em res-
posta às circunstâncias exce-
cionais” desta.
Putin: Ofensiva de char-
me sobre África Segurança
alimentar e guerra na Ucrânia
dominam os temas abordados
na cimeira Rússia-África, que
teve início na quinta-feira em
São Petersburgo. O Presidente
russo, Vladimir Putin, lança
charme sobre os parceiros afri-
canos uma semana depois de
se ter retirado do acordo dos
cereais do Mar Negro, afetan-
do os países mais pobres.
Golpe no Níger Militares
do país da África Ocidental
anunciaram ter derrubado o
regime. A ONU condenou a
“mudança inconstitucional”.
TEMPO E MARÉS
SEXTA SÁBADO
Bragança
Porto
31˚ 13˚
25˚ 17˚
30˚ 16˚
24˚ 17˚
Sexta-feira Guarda 27˚ 11˚ 26˚ 15˚
28 de julho
28
de 2023 Lisboa 28˚ 18˚ 30˚ 20˚
Évora 34˚ 15˚ 34˚ 17˚
Faro 34˚ 19˚ 35˚ 22˚
07
Ponta
27˚ 22˚ 27˚ 22˚
Delgada
Funchal 27˚ 21˚ 27˚ 20˚
SEXTA SÁBADO
MARÉS Baixa Alta Baixa Alta
Porto 17:57 00:14 19:06 01:21
#2648 Lisboa 18:01 00:26 19:08 01:35
expresso.pt Faro 17:34 23:59 18:41 01:02
FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
Limpo “O prestígio aumen-
ta com a distância”, escreveu
Tácito. Vento e nuvens pela
manhã