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A lógica da ação conectiva: mídias digitais e a personalização

do confronto político

W. Lance Bennett1 e Alexandra Segerberg2

Resumo: Da Primavera Árabe aos Indignados na Espanha, passando pelo Occuppy


Wall Street nos Estados Unidos e além, protestos contínuos e de larga escala têm
utilizado mídias digitais de um modo que ultrapassa o simples envio e recebimento de
mensagens. Algumas dessas ações contêm relativamente poucos papeis desempenhados
por organizações de ação coletiva tradicionais. Outras, envolvem organizações de
advocacy estabelecidas em relações híbridas com outros tipos de organização, utilizando
tecnologias que permitem um engajamento público personalizável. Ambos os modelos
contrastam com a forma de ação mais organizacionalmente estruturada, marcada pela
presença de lideranças intermediadoras e convencionalmente associada aos movimentos
sociais e grupos de advocacy. Este artigo examina as dinâmicas organizacionais que
emergem quando a comunicação se torna uma parte proeminente da estrutura desses
fenômenos de ação. Argumentamos que a compreensão dessas variações em redes de
ação de larga escala requer a distinção entre ao menos duas lógicas que podem estar em
jogo: i) a lógica convencional da ação coletiva, associada a altos níveis de recursos
organizacionais e à formação de identidades coletivas; e ii) a lógica menos convencional
da ação conectiva, baseada no conteúdo personalizável, compartilhado por meio de
redes sociais midiatizadas. No primeiro caso, a introdução de mídias digitais não altera
as dinâmicas centrais da ação. No segundo, sim. Estruturando-se a partir dessas
distinções, o artigo aponta três tipos ideais de redes de ação de larga escala que são
proeminentes nas políticas de confronto contemporâneas.

Palavras-chave: ação coletiva; políticas de confronto; mídias digitais

(Recebido em 14 de novembro de 2011; versão final recebida em 22 de fevereiro de 2012)

1
Dep. de Ciência Política e Comunicação. Universidade de Washington, Seattle, EUA. lbennett@uw.edu
2
Departamento de Ciência Política. Universidade de Estocolmo, Suécia. alex.segerberg@ statsvet.su.se

1
Com a crise econômica mundial, lideranças das 20 principais economias do mundo (G20)
promoveram uma série de reuniões, que tiveram início no outono de 2008, para
coordenar políticas de resgate financeiro. Onde quer que os líderes do G20 se
encontrassem – Washington, Londres, Saint Andrews, Pittsburgh, Toronto ou Seul – eles
eram recebidos com protestos. Em Londres, grupos anticapitalistas, ambientalistas e
organizações não-governamentais (ONGs) sustentaram ações coordenadas por vários
dias. A maior dessas manifestações foi levada a cabo por ONGs proeminentes, como
Oxfam, Amigos da Terra, Save the Children e Visão Mundial. Essa coalização lançou, à
época, o Put People First (PPF)3, campanha que promovia uma mobilização pública
contra os danos sociais e ambientais atrelados às soluções tradicionais para a crise
financeira, que privilegiavam os negócios. O website da campanha apresentava a seguinte
declaração:
Mesmo antes do colapso bancário, o mundo sofria com pobreza, a
desigualdade e a ameaça do caos climático. O mundo tem seguido um modelo
financeiro que criou uma economia alimentada por uma crescente dívida, tanto
em termos financeiros quanto ambientais. Nosso futuro depende da criação de
uma economia baseada na justa distribuição de renda, em trabalhos descentes
para todos e de baixas emissões de carbono (Put People First, 2009).

O ponto central da campanha foi uma marcha com cerca de 35 mil pessoas pelas
ruas de Londres, a poucos dias da reunião do G20, buscando dar voz e mostrar
engajamento com o tema.
A ação do Put People First, em Londres, reuniu um amplo e diversificado
protesto que enfatizava a expressão pessoal dos participantes, mas ainda exibia os
elementos que Charles Tilly (2004, 2006) nomeou como WUNC4. No caso do PPF, i)
dignidade (worthiness) corporificada pela presença de 160 organizações da sociedade
civil de destaque e pelo reconhecimento de suas demandas por vários proeminentes
burocratas; ii) unidade (unity) refletida na organização do evento e iii) no número
(numbers) de participantes que fizeram do PPF o maior de uma série de protestos em
Londres durante o G20 e a maior manifestação durante o conjunto de reuniões do G20

3
N.T.: Pessoas em Primeiro Lugar.
4
N.T.: O termo WUNC, criado por Charles Tilly, é a fusão das iniciais das palavras de língua inglesa
worthiness (dignidade), unity (unidade), numbers (números) e commitment (comprometimento).

2
em diferentes partes do mundo; e iv) comprometimento (commitment) materializado na
presença de delegações de cerca de 20 países diferentes, que se uniram aos cidadãos
locais para passar boa parte do dia ouvindo os oradores pelos alto-falantes, em Hyde
Park, ou participando de cultos religiosos realizadas por organizações sociais ligadas a
igrejas.5 O grande volume de cobertura da imprensa – em sua maior parte positiva –
refletiu todos esses pontos e as respostas dos chefes de Estado às manifestações
acentuaram o mérito do evento (Bennett e Segerberg, 2011).6
Os protestos prosseguiam ao mesmo tempo em que o G20 divulgava uma
declaração que deixava claro que a redução das dívidas e a austeridade fiscal seriam as
peças centrais de um programa político que poderia afetar a população através da
economia dos seus países – dos Estados Unidos ao Reino Unido, passando por Grécia,
Itália e Espanha. Ao mesmo tempo, o G20 colocava em banho-maria ações mais
decisivas contra as mudanças climáticas. A ira pública varreu as cidades, de Madison, nos
EUA, a Madri, na Espanha, com cidadãos protestando sob o argumento de que seus
governantes, independentemente da filiação partidária, não ofereciam nenhuma
alternativa às diretrizes econômicas do denominado regime neoliberal, parecendo
operarem a partir dos centros corporativos e financeiros, distantes do accountability
popular e, como posto por alguns, até mesmo fora do controle dos Estados.
Alguns desses protestos pareciam operar com o envolvimento surpreendentemente
baixo de organizações de ação coletiva convencionais. É o exemplo dos indignados, na
Espanha, mobilizados em 2011 sob a alcunha 15M, em alusão à data (15 de maio) de uma
das mobilizações de massas que resultaram em protestos em cerca de 60 cidades daquele
país. Um dos aspectos mais marcantes do 15M foi o seu sucesso em manter de fora de
suas manifestações os partidos políticos, sindicatos e outras organizações poderosas –
além disso, essas instituições foram alvejadas como parte do problema. Havia, é claro,
organizações da sociedade civil apoiando o 15M, mas elas geralmente ficavam na

5
Protestos simultâneos ocorreram em outras cidades europeias, com dezenas de milhares de
manifestantes se reunindo nas ruas de Berlim, Frankfurt, Viena, Paris e Roma.
6
O vice-presidente dos Estudos Unidos, Joe Biden, pediu paciência aos cidadãos, compreensivelmente
chateados, enquanto os líderes estivessem trabalhando em soluções. O primeiro-ministro britânico à
época, Gordon Brown, disse: “...a ação que queremos tomar [no G20] será voltada para responder às
questões que os manifestantes levantaram hoje” (Vincour e Barkin, 2009).

3
retaguarda, em respeito à identidade específica do movimento: os rostos e vozes de
milhões de pessoas ordinárias afetadas pela crise financeira e política. A organização mais
visível naquele momento consistia numa rede de comunicação digital e interpessoal,
disposta em múltiplas camadas, gravitando em torno da plataforma do movimento
Democracia real YA!.7 Na época em que este artigo estava sendo escrito, essa rede incluía
links para cerca de 80 nós locais em cidades espanholas e para inúmeras redes de
solidariedade internacionais. Por um lado, o Democracia real YA! se assemelhava a um
website. Por outro, era uma organização densamente povoada e eficiente. Faz sentido
pensarmos no cerne da organização dos indignados a partir dessas duas formas (website e
organização), mas também de outras maneiras, o que revela a natureza híbrida de
organizações digitalmente mediadas (Chadwick, 2011).
Dada a sua aparente organização informal, a mobilização do 15M surpreendeu
muitos observadores por conseguir sustentar, e mesmo ampliar, a sua força com o passar
do tempo, fazendo uso de um mix de atividades online e offline, incluindo atividades
face-a-face, acampamentos nos centros das cidades e marchas pelo país. Durante todo o
processo, os participantes comunicavam uma identidade coletiva que evocava a ausência
de lideranças, sinalizando que sindicatos, partidos e grupos de movimentos radicais
deveriam ficar às suas margens. Um survey com manifestantes do 15M, aplicado por uma
equipe de pesquisadores espanhóis, mostrou que a relação entre essas pessoas e as
organizações políticas apresentava ao menos três diferenças quando comparada com a
relação dos participantes de movimentos de protestos mais convencionais – no caso, uma
greve geral, um protesto regional e uma manifestação “pró-vida”. As diferenças são as
seguintes: i) enquanto a grande maioria dos participantes em outros protestos
reconheciam o envolvimento com organizações tradicionais, somente 38% dos
participantes dos indignados o fizeram; ii) somente 13% das organizações citadas pelos
participantes do 15M ofereciam alguma possibilidade de filiação – um contraste com o
fato de a grande maioria das organizações citadas como importantes por participantes de
protestos tradicionais oferecerem a possibilidade de filiação; e iii) a idade das
organizações citadas no grupo de controle variou de 10 a 40 anos, enquanto as
7
www.democraciarealya.es

4
organizações citadas pelos participante do 15M tinham, em média, menos de três anos
(Anduzia et al., 2011). Apesar, ou talvez por causa, dessas interessantes diferenças
organizacionais, a série de protestos do 15M já contou com a participação de algo entre 6
e 8 milhões de pessoas, algo considerável num país de 40 milhões de habitantes (RTVE,
2011).
De modo similar ao PPF, os indignados alcançaram níveis impressionantes de
comunicação com os públicos externos, tanto diretamente, por meio de imagens e
mensagens virais espalhadas por redes sociais, quanto indiretamente, quando
transmissões de vídeo em streaming pelo Twitter e YouTube foram tomadas como fontes
de informação pela imprensa hegemônica. As ações dos indignados se tornaram parte do
cardápio diário dos noticiários na Espanha e no exterior, com as mensagens dos
manifestantes recebendo, em geral, cobertura positiva na imprensa local e nacional –
negando a usual suposição acerca da dificuldade de se conseguir cobertura positiva da
imprensa para ações coletivas que extrapolam as fronteiras institucionais e tomam as ruas
(Gitlin, 1980).8 Além de expressar preocupação em relação a empregos e economia, a
mensagem mais evidente era de que as pessoas sentiam que o sistema democrático havia
quebrado, a ponto de todos os partidos e líderes estarem sob influência dos bancos e de
forças financeiras internacionais. Apesar de evitarem a associação com as organizações
da sociedade civil convencionais, buscando negar a existência de lideranças e exibindo
pouco da organização convencional, os indignados, de forma similar ao PPF, alcançaram
níveis elevados dos elementos WUNC – worthiness (dignidade), unity (unidade),
numbers (números) e commitment (compromisso).
Dois amplos padrões organizacionais caracterizam essas redes de ação
viabilizadas digitalmente e que se tornam cada vez mais comuns. Em alguns casos, como
o do PPF, essas redes são coordenadas, por detrás das cenas, por redes de organizações
de advocacy já estabelecidas, que são cautelosas diante da possibilidade de demarcar a
ação em frames (enquadramentos) que privilegiem uma organização particular ou formas

8
Para além do grande volume de cobertura pela imprensa espanhola, a história dos indignados atraiu a
atenção mundial. O BBC World News deu nada menos que oito matérias jornalísticas sobre o
movimento num período de dois meses, incluindo a cobertura de uma marcha de parte do grupo que
cruzou o país até Madri, com várias entrevistas e relatos nas palavras dos próprios manifestantes.

5
convencionais de pertencimento e de ação coletiva. Ao invés disso, esses grupos moldam
uma rede de engajamento público mais ampla, utilizando mídias digitais interativas e
temáticas de ação facilmente personalizáveis (no sentido de poderem ser apropriadas),
frequentemente distribuindo soluções tecnológicas para ajudar os cidadãos a espalharem
a palavra em suas redes de relacionamento pessoal. No segundo padrão, tipificado pelos
indignados na Espanha e pelo occupy nos Estados Unidos, plataformas tecnológicas e
aplicativos assumem o papel de organizações políticas estabelecidas. Nesse modo de
atuação em rede, demandas políticas e queixas são frequentemente compartilhadas por
relatos personalizáveis que circulam por redes de relacionamento social, listas de e-mail e
plataformas de coordenação online. Por exemplo, o enquadramento facilmente
personalizável da expressão “nós somos os 99 por cento”, que em 2011 emergiu das
manifestações do occupy nos Estados Unidos, rapidamente cruzou o mundo por meio de
histórias pessoais e de imagens compartilhadas em redes sociais como Tumblr, Twitter e
Facebook.
Quando comparadas às formas de protesto convencionais dos movimentos sociais
– em que organizações com pertencimento identificável definem o caminho a ser trilhado,
com faixas e quadros de identidade coletiva –, essas novas formas de ação, mais
personalizáveis e digitalmente mediadas, têm se mostrado frequentemente maiores; elas
se ampliaram mais rapidamente e têm sido flexíveis em relação aos adversários políticos
e às abordagens de diferentes questões. Se olharmos para o PPF, para a Primavera Árabe,
para os indignados e para o occupy notamos um sucesso surpreendente no processo de
comunicação de mensagens políticas claras, diretamente para os públicos externos, graças
ao uso de tecnologias digitais comuns, como o Facebook e o Twitter. Essas mídias são
frequentemente utilizadas como fontes de informação para as organizações jornalísticas
convencionais.9 Ademais, essas redes de ação digitalmente mediadas parecem alcançar,
com frequência, níveis mais elevados de WUNC que os movimentos sociais

9
Por exemplo, nossa análise do occupy, nos EUA, mostra que a crescente atenção da mídia à
desigualdade econômica no país esteve associada com a cobertura das manifestações desse movimento.
Enquanto as elites políticas eram frequentemente relutantes em relacionar os manifestantes à
preocupação sobre desigualdade, eles [manifestantes], no entanto, parecem ter conseguido fazer com
que a opinião pública, com um clima propício, e a mídia passassem a lidar com essa questão
historicamente negligenciada.

6
convencionais. Essas observação é baseada na comparação entre ações coletivas
anticapitalistas mais convencionais, organizadas por movimentos sociais, com os
protestos organizacionalmente mediados do Put People First e com as mobilizações
relativamente autogestionadas do 15M e do Occupy Wall Street, que rapidamente se
espalharam para centenas de outros lugares. A diferença entre esses dois tipos de ação
digitalmente mediadas e as ações coletivas mais convencionais, centradas em
organizações e lideranças, nos permite observar variações interessantes na constituição
das lógicas organizacionais e no papel da comunicação como um princípio organizador.
A ascensão da ação por redes digitais (digitally networked action – DNA) foi alvo
de um ceticismo compreensível acerca do que realmente haveria de novo em tal ação. A
esse questionamento somou-se a preocupação quanto ao que a DNA significaria para as
capacidades políticas de organizações dissidentes. Estamos, porém, mais interessados em
compreender como essas variações mais personalizáveis da ação coletiva funcionam:
como se organizam, o que as sustenta e quando elas são politicamente efetivas.
Admitimos que tratar essas questões de forma convincente requer o reconhecimento de
diferentes lógicas de ação que sustentam tipos distintos de redes de ação coletiva. Desse
modo, esse artigo desenvolverá uma abordagem conceitual dessas lógicas que servirá de
base para que mais questões sobre a ação por redes digitais sejam trabalhadas.
Propomos que a melhor compreensão das redes de confronto político
contemporâneas passa pela distinção entre ao menos duas lógicas de ação: i) a já
conhecida lógica da ação coletiva e ii) a lógica menos habitual da ação conectiva. Ter
isso em mente nos permite discernir três tipos ideais de ação. O primeiro deles é
caracterizado pela lógica comum da ação coletiva e os outros dois tipos envolvem
formações mais personalizáveis de ação, que se diferem a partir da maior ou menor
presença de organizações formais e de como essa presença interfere numa lógica
comunicativa conectiva. Um primeiro passo no entendimento da DNA como base da ação
conetiva, reside na definição da comunicação personalizável e no seu papel, em conjunto
com as mídias digitais, na organização daquilo que nomeamos ação conectiva.

7
Quadros de ação personalizáveis e redes de mídias sociais
A fragmentação estrutural e a individualização em muitas sociedades contemporâneas
constituem um pano de fundo importante para a presente discussão. Resultado de
pressões oriundas da globalização econômica, vários desarranjos no pertencimento a
grupos e a lealdades institucionais ocorreram nas democracias industriais mais
economicamente desenvolvidas, no período que vai dos anos 1970 até o fim do século
passado (Bennett, 1998; Putnam, 2000). Essas mudanças significativas produziram
alterações nas orientações sociais e políticas entre as gerações mais jovens daquelas
democracias, que denominamos hoje como pós-industriais (Inglehart, 1997). Essas
orientações individualizadas resultam num engajamento político como expressão de
esperanças pessoais, estilos de vida e sentimentos de injustiça. Quando ativadas por
vários tipos de tecnologias de comunicação, as DNAs resultantes de democracias pós-
industriais carregam algumas similaridades marcantes com formas de ação em regimes
decididamente não democráticos, como aqueles atingidos pela Primavera Árabe. Em
ambos os contextos, um grande número de indivíduos descontentes apoderou-se de
oportunidades para se organizar coletivamente, fazendo uso do acesso a múltiplas
tecnologias (Howard e Hussain, 2011). Essas conectividades foram alimentadas pelas
interações face a face frequentemente intensas que acontecem em praças, acampamentos,
mesquitas e assembleias gerais.
Em formações de ação personalizáveis, as questões políticas podem se assemelhar
às preocupações de velhos movimentos e partidos quanto aos tópicos em jogo (meio
ambiente, direitos, equidade para mulheres, justiça comercial), mas as ideias e
mecanismos que organizam a ação se tornam mais personalizáveis que em casos onde a
ação é organizada com base em identidades de grupo, pertencimento ou ideologia. Esses
processos multifacetados de individualização são articulados de diferentes formas em
diferentes sociedades, mas incluem a propensão dos sujeitos a desenvolver identificações
políticas flexíveis, baseadas em modos de vidas particulares (Giddens, 1991; Inglehart,
1997; Bennett, 1998; Bauman, 2000; Beck & Beck-Gernsheim, 2002) com implicações
na ação coletiva (McDonald , 2002; Micheletti, 2003; della Porta, 2005) e na participação
organizacional (Putnam, 2000; Bimber et al., no prelo). As pessoas ainda podem se

8
agrupar em ações de larga escala, mas a referência identitária é derivada mais de uma
expressão pessoal inclusiva e diversa do que de um grupo comum ou de uma
identificação ideológica.
Essa mudança de sociedades baseadas em grupos para sociedades baseadas em
indivíduos é acompanhada pela emergência de redes flexíveis com laços fracos
(Granovetter, 1973), que permitem expressões identitárias e a orientação em complexas
paisagens políticas e sociais em transformação. Redes sociais sempre foram parte da
sociedade, auxiliando as pessoas a seguirem suas vidas dentro de grupos ou entre grupos,
mas a sociedade moderna tardia carrega redes que se tornaram formas mais centrais de
organização, transcendendo grupos e constituindo organizações de bases próprias
(Castells, 2000). Essas redes são estabelecidas e constituídas através de vários tipos de
tecnologias digitais, que não são de maneira alguma neutras, ao permitir a formação de
tipos bastante diferentes de comunidades e a organização de ações diversas – desde os
leilões no e-Bay até protestos em diferentes contextos sociais e culturais. Assim, os dois
elementos de “comunicação personalizável” que identificamos como particularmente
importantes em formações de ação conectiva em larga escala são:
(1) O conteúdo político, na forma de ideias facilmente personalizáveis: como as
do PPF, nos protestos londrinos de 2009, ou o “nós somos os 99 por cento”, nos protestos
do occupy, nos EUA. Esses frames requerem pouco no que tange à persuasão, reflexão ou
um reenquadramento que conecte diferenças com o modo como outros se sentem sobre
um problema semelhante. Esses frames de ação personalizáveis conseguem ser
inclusivos quanto a diferentes motivos pessoais que contestam uma situação que precisa
ser transformada.
(2) As variadas tecnologias de comunicação pessoal que permitem o
compartilhamento desses temas: seja através de textos, tuítes, compartilhamento em
mídias sociais ou postagem de mashups no YouTube, o processo comunicativo, por si só,
envolve uma personalização adicional, por meio da difusão de conexões online entre
amigos e seguidores. Algumas plataformas mais sofisticadas podem se assemelhar a
organizações que existem mais online que offline.

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Ao acompanhar os vários protestos globais, percebemos um deslumbrante
conjunto de frames pessoais que se espalharam pelas mídias sociais. O compartilhamento
de convocações personalizadas para a ação e as tecnologias sociais por meio das quais
elas se espalharam ajudam a compreender tanto a forma com que os eventos são
comunicados para audiências externas, quanto o modo como a ação, em si, é organizada.
Além disso, numa situação limite, as redes de comunicação se transformaram na forma
de organização da ação coletiva (Earl & Kimport, 2011). Exploramos o leque de
diferentes formas organizadas de confronto que utilizam a comunicação personalizada até
o ponto em que elas entram no terreno das formas convencionalmente entendidas como
movimentos sociais. É essa a zona fronteiriça na qual aquilo a que nos referimos com
ação conectiva dá lugar à ação coletiva.
O caso do PPF ocupa um lugar interessante nesse leque de ações de confronto
político devido às muitas organizações convencionais envolvidas naquela mobilização –
de igrejas a ONGs de justiça social. No entanto, aos visitantes da sofisticada plataforma
online do PPF (que funcionava como um interessante tipo de organização em si mesma)
não era requisitado jurar lealdade às demandas políticas específicas presentes nas agendas
das organizações que serviam de base aos protestos. Ao invés disso, os visitantes do site
encontravam um impressionante conjunto de tecnologias sociais que permitia a eles se
comunicarem de maneira própria uns com os outros e com vários alvos políticos. A peça
central do site do PPF era uma proeminente caixa de texto sob a imagem de um
megafone que convidava o visitante a “enviar sua própria mensagem ao G20”. Muitas das
mensagens ao G20 ecoavam o frame de ação facilmente personalizável do PPF, mas elas
também revelavam uma ampla gama de pensamentos particulares sobre a crise e sobre
possíveis soluções a ela.
O PPF, enquanto um frame de ação pessoal, era facilmente moldável e
compartilhado com amigos próximos e distantes. Ele se tornou um exemplo poderoso
daquilo que estudantes de comunicação viral se referem como meme: um pacote
simbólico que viaja facilmente por uma população vasta e diversa por ser fácil de imitar,
adaptar e personalizar, e de ser compartilhado com várias pessoas. Memes são fruto da
construção de redes e são também unidades conectoras e transmissoras de informação

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social – similares aos genes na esfera biológica (Dawkins, 1989). Eles viajam através de
apropriações pessoais, por imitação e expressão personalizada, via compartilhamento
social, em modos que facilitam a apropriação, imitação e transmissão por outros
(Shifman, inédito). O meme de protesto do PPF “viajou” de forma interpessoal, se
fazendo ecoar por meio de jornais, blogs, redes de amizade no Facebook, postagens no
Twitter, páginas do Flickr e em outros sites da internet, deixando vestígios anos após a
ocorrência dos eventos.10 Além disso, parte do meme se deslocou para Toronto, mais de
um ano depois, onde grupos protagonistas da sociedade civil local nomearam as suas
manifestações como People First (Primeiro as Pessoas). E muitas pessoas na multidão
que se reuniu contra a última daquela série de reuniões do G20, em Seul, podiam ser
vistas carregando mensagens com os dizeres PPF, nas cores verdes e vermelho, tanto em
inglês quanto em coreano (Weller, 2010).
Algo semelhante aconteceu no caso dos indignados, onde manifestantes da
Espanha levantavam faixas e coros de “Shhh... os gregos estão dormindo”, em referência
à esmagadora crise da dívida e à severa austeridade fiscal que atingiam a Grécia. A ideia
rapidamente chegou a esse país, onde redes no Facebook combinaram uma manifestação
em que despertadores foram ajustados para tocar na mesma hora. Faixas em Atenas
proclamavam: “Nós acordamos! Que horas são? É a hora deles partirem”, e “Shhh... os
italianos estão dormindo” e “Shhh... os franceses estão dormindo”. Esses esforços para
disseminar temas de protestos personalizáveis através de fronteiras nacionais e culturais
resultou em sucesso variado, o que nos chama a atenção para um ponto importante:
precisamos reforçar que nem todos os frames de ação personalizáveis se deslocam
territorialmente com o mesmo sucesso e a mesma medida. O fato de que essas mensagens
circularam mais facilmente na Espanha e na Grécia do que na França ou na Itália é um
exemplo interessante que aponta para a necessidade de se estudar as falhas e os sucessos
desses processos. Somente a facilidade de personalizar (por exemplo: “Estou
pessoalmente indignado com x, y, z, então eu me junto aos indignados”) não garante o
sucesso da difusão de um frame. Tanto as oportunidades políticas quanto as condições
10
Uma pesquisa no Google por “ put the people first G20” trouxe, mesmo após dois anos dos eventos em
Londres, mais de 1,5 milhão de resultados em mais de 75 páginas de pesquisa acerca dos eventos e da
pauta dos protestos, a maior parte dos quais relevantes,.

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para a adoção social de um termo podem diferir de caso a caso. No caso italiano, por
exemplo, os limites podem refletir a existência de uma rede antigoverno já estabelecida,
centrada no comediante e ativista Bepe Grillo. No caso francês, pode ter relação com os
esforços irônicos de grupos de esquerda já estabelecidos na tentativa de liderar protestos
solidários aos indignados, mas que foram desajeitados ao sugerirem mensagens e
programas de ação.
Frames de ação personalizáveis não se espalham automaticamente. As pessoas
devem mostrar umas às outras o modo como os temas devem ser apropriados, moldados e
compartilhados. Nesse processo interativo de personalização e compartilhamento, redes
de comunicação podem se ampliar e estabilizar por meio das tecnologias digitais
utilizadas para o compartilhamento de ideias e para o relacionamento interpessoal. Essas
tecnologias e seus padrões de uso frequentemente são tidos como mecanismos
organizacionais. Nos protestos do PPF e dos indignados, os processos comunicativos
representaram formas importantes de organização.
Em contraste com os frames de ação pessoal, outros modos de convocação para
a ação requerem relações mais claras com grupos ou ideologias já estabelecidos. Esses
frames de ação coletiva convencionalmente compreendidos estão mais propensos a
ficarem circunscritos dentro das fronteiras de comunidades, podendo demandar outros
recursos além das tecnologias de comunicação para conectar espaços separados ou para
alinhar frames coletivos diferentes (Snow e Benford, 1988; Benford e Snow, 2000). Por
exemplo, outra série de protestos em Londres, no início da crise financeira mundial, foi
organizada por uma coalização de grupos mais radicais, sob o nome de G20 Meltdown.
Ao invés de mobilizar expressões de interesses pessoais mais amplos, eles demandaram o
fim das chamadas políticas econômicas neoliberais do G20 e alguns até clamaram pelo
fim do capitalismo. Esse tipo de reivindicação geralmente emerge em conjunto com
demandas mais exigentes de participação em repertórios de ação coletiva mais
específicos. Sejam esses repertórios violentos ou não, eles requerem a adoção de ideias e
comportamentos compartilhados. Essas manifestações anarco-socialistas se basearam em
slogans anticapitalistas familiares, trouxeram clamores como “ataquem os bancos” ou
“comam os ricos” (eat the rich) e encenaram marchas dramáticas contra os cavaleiros do

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apocalipse financeiro, caminhando dos portões da Londres antiga até o Banco da
Inglaterra. Esses eventos londrinos mais radicais tiveram menor comparecimento de
público (cerca de cinco mil pessoas na marcha do Banco da Inglaterra e duas mil num
acampamento sobre questões climáticas), maiores níveis de violência e cobertura
midiática geralmente negativa (Bennett e Segerberg, 2011). Enquanto se apoiavam
fortemente no comprometimento com a desobediência civil, em termos de custos
pessoais, e na expressão de unidade em torno de frames de ação coletiva anticapitalistas,
faltava a essas manifestações os atributos de dignidade pública (como o reconhecimento
de funcionários públicos e da imprensa) e os números que deram ao PPF seus níveis
elevados de WUNC.
Frames de ação coletiva que trazem demandas acentuadas para que os
indivíduos compartilhem identificações comuns ou reivindicações políticas também
podem serem considerados enquanto memes, na medida em que slogans como “eat the
rich” têm um bem-sucedido histórico de transmissão social. Essa frase particularmente
icônica, por exemplo, seria possivelmente um aforismo de Rousseau: “Quando as pessoas
não tiverem mais nada para comer, elas comerão os ricos”. A curiosa trajetória da
apropriação desse meme ao longo do tempo inclui o seu aparecimento em camisetas nos
anos 1960 e como título de canções de rock compostas por Aerosmith e Motorhead – só
para ficarmos em alguns casos que atestam o seu deslocamento pelo tempo e espaço e
que refletem a sua capacidade de apropriação, expressão pessoal e compartilhamento.
Uma distinção entre memes de ação pessoal e de ação coletiva parece ser que os últimos
requerem pacotes de ação mais elaborados e ritualizados para serem reintroduzidos em
novos contextos. Por exemplo, os organizadores da formulação “Ataquem os bancos”
(Storm the banks) encenaram um elaborado ritual, com oportunidades para expressões
carnavalescas, enquanto os manifestantes marchavam contra os Cavaleiros do Apocalipse
do sistema financeiro.11 Ao mesmo tempo, o discurso do G20 Meltdown era bastante
fechado, demandando que seus seguidores compartilhassem uma causa comum. A
coalizão Meltdown tinha uma presença online, mas não oferecia meios que facilitassem a
11
Notaríamos, no entanto, que expressões carnavalescas ou teatrais podem implicar formas de expressão
estrategicamente despersonalizadas, nas quais indivíduos assumem ser outras pessoas que,
frequentemente, têm qualidades histórica ou dramaticamente construídas.

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expressão dos participantes com as suas próprias vozes (Bennett e Segerberg, 2011). Isso
sugere que frames de ação coletiva mais restritivos também podem se deslocar como
memes, porém encontram, com maior frequência, obstáculos na intersecção das redes
sociais definidas por organizações políticas. Para serem superadas, essas barreiras
frequentemente requerem recursos que vão além de tecnologias sociais.
Enquanto o conceito de meme pode nos ajudar a observar as diferenças entre os
mecanismos de transmissão envolvidos em frames de ação mais pessoais e aqueles mais
coletivos, usaremos os termos frames de ação pessoal e frames de ação coletiva como
nossos conceitos básicos. Esse pareamento conceitual coloca nosso trabalho ao lado de
categorias analíticas utilizadas por pesquisadores de movimentos sociais (Snow e
Benford, 1988; Benford e Snow, 2000). Como parece ser óbvio, as diferenças que
estamos demarcando entre frames de ação coletiva e frames de ação pessoal não são
relativas a estar online ou offline. Todas as redes de ação confrontacionais são
corporificadas e instituídas por pessoas fisicamente reunidas, o que é muito importante
(Juris, 2008; Routledge e Cumbers, 2009). Além disso, a maioria das organizações
políticas formais descobriram que a sofisticação crescente e a ubiquidade das mídias
sociais podem reduzir os custos dos recursos de sensibilização e coordenação pública,
mas esses usos de mídia não mudam a dinâmica da ação, não alteram os princípios
fundamentais de organizações coletivas. Em contraste, redes sociais de mídias digitais
podem transformar o jogo organizacional, dada a interação direta entre tecnologia,
frames de ação pessoal e, quando organizações estão no jogo, a sua capacidade de
flexibilizar requisitos de identificação coletiva, favorecendo redes sociais personalizadas
entre os seus seguidores.
A lógica da ação coletiva que tipifica a ordem social moderna de instituições
hierárquicas e de grupos de pertencimento reforça o dilema organizacional de se
conseguir reunir indivíduos, superando a resistência das pessoas às ações conjuntas, onde
custos de participação pessoal podem prevalecer sobre ganhos marginais –
particularmente porque algumas pessoas podem pegar carona (ser free rider) nos esforços
alheios e colher os benefícios quando esses que se esforçam ganharem o dia. Em resumo,
a ação coletiva convencional requer, tipicamente, que as pessoas façam escolhas mais

14
difíceis e adotem identidades mais automoldáveis, em contraste com a ação lastreada em
redes digitais (DNA), ligada a frames de ação pessoal organizados no entorno de
tecnologias sociais. A difusão de identidades coletivas requer, tipicamente, mais
educação, pressão e socialização, o que, por sua vez, traz maiores demandas de
organização formal e de recursos, como dinheiro para o pagamento de alugueis de
escritórios, para publicidade e contratação de pessoal (McAdam et al., 1996).12 Mídias
digitais podem ajudar a reduzir alguns custos nesses processos, mas elas não alteram os
fundamentos das dinâmicas de ação.
Como notado acima, o modelo alternativo emergente que nomeamos como
lógica de ação conectiva se aplica cada vez mais nas sociedades modernas tardias, nas
quais organizações formais têm perdido a pregnância com os indivíduos e laços de grupo
têm sido substituídos por redes sociais fluidas e amplas (Castels, 2000). 13 Essas redes
podem operar de maneira importante por meio dos processos organizacionais das mídias
sociais, e as suas lógicas não requerem um controle organizacional forte ou a construção
simbólica de um “nós” único. Sugerimos que a lógica da ação conectiva implica uma
dinâmica própria e, assim, também requer análises com termos específicos.

Duas lógicas: ação coletiva e ação conectiva


Os movimentos sociais e a política do confronto se estendem sob variados tipos de
fenômenos e ações (Melucci, 1996; McAdam et al., 2001; Tarrow, 2011). A discussão
sobre novas formas de ação coletiva deve refletir ecologias de ação que são cada vez
mais complexas (Chesters e Welsh, 2006). Muitas das formas organizacionais que
operam no interior dessas ecologias podem ser de difícil caracterização, inclusive porque

12
Não estamos argumentando que toda a análise contemporânea da ação coletiva recai em explicações
sobre a mobilização de recursos (embora alguns o façam desse modo). Nosso ponto é que, estando as
premissas dos recursos em primeiro ou segundo plano, muitas análises de ação coletiva tipicamente
recaem num conjunto de questões centradas ora em níveis de organização formal, ora na intensidade da
força da identidade coletiva que estabelece ligações comuns entre os participantes. Esses elementos se
tornam mais marginais quando refletimos sobre a organização da ação conectiva.
13
Enquanto focamos primariamente em casos na modernidade tardia, em democracias pós-industriais,
também tentamos desenvolver proposições teóricas que possam ser aplicadas para outros contextos,
como a Primavera Árabe, nos quais regimes autoritários também pode resultar em populações
individualizadas, que estão foram da sociedade civil organizada, mas que também podem ter acesso
direto ou indireto a tecnologias de comunicação como os telefones celulares.

15
elas podem se metamorfosear dependendo do tempo e do contexto, revelando
hibridizações de vários tipos (Chadwick, 2011). Além disso, os protestos e os trabalhos
organizacionais ocorrem tanto online quanto offline, utilizando tecnologias de diferentes
tipos, algumas vezes tornando a distinção online/offline relevante, mas na maioria das
vezes não (Earl e Kimport, 2011; Bimber et al, no prelo).
A Batalha de Seattle, em 1999, com a icônica união de “carroceiros e tartarugas”
foi um sinal do ponto de inflexão nos padrões do confronto político contemporâneo – que
mescla diferentes estilos de organização e comunicação, junto à interseção de diferentes
questões. Naquele evento, sindicalistas corpulentos marcharam ao lado de ativistas
ambientais vestindo trajes de tartaruga na luta contra o então crescente regime comercial
neoliberal, que era visto como uma ameaça tanto ao controle democrático das economias
nacionais quanto ao meio ambiente mundial. Estudos sobre esses tipos de evento
mostram que ainda há uma abundância de reuniões, articulações de questões públicas e
construções de coalizões ocorrendo à moda antiga (Polletta, 2002). Ao mesmo tempo, no
entanto, tem aumentado a coordenação das ações por organizações e indivíduos que usam
mídias digitais para criar redes, estruturar atividades e comunicar as suas visões e
opiniões diretamente ao mundo. Isto significa que há também um grau importante de
redes tecnologicamente habilitadas (Livingston e Asmolov, 2010) que tornam processos
de comunicação altamente personalizados e socialmente mediados em elementos
fundamentais e estruturantes da organização de diferentes formas de ações conectivas.
Como podemos classificar quais processos organizacionais – e com quais
qualidades – contribuem para redes de ação coletivas e conectivas? Como identificamos
os limites entre tipos fundamentalmente diferentes de formas de ação? Quer dizer, quais
são as diferenças entre ação coletiva e conectiva e onde elas têm sobreposições híbridas?
Propomos como ponto de partida, visando resolver parte da complexidade e da
sobreposição nas formas de ação, a distinção entre as duas lógicas. As duas lógicas estão
associadas com dinâmicas distintas e, assim, chamam a atenção para duas dimensões de
análise diferentes. É importante separá-las analiticamente, já que uma é menos familiar
do que a outra, o que, por sua vez, constitui um obstáculo importante para o estudo de

16
boa parte da ação política contemporânea que nomeamos como ação conectiva.14
A lógica de ação mais familiar é a lógica da ação coletiva, que enfatiza os
problemas de se reunir indivíduos que contribuam para o esforço coletivo – o que, por
sua vez, envolve tipicamente a busca por algum tipo de bem público (como reformas
democráticas) que poderia ser melhor alcançado ao se forjar uma causa comum. A
formulação clássica desse problema foi articulada por Olson (1965), mas as implicações
da sua lógica geral foram muito além do conceito original. A observação intrigante de
Olson era de que não se pode esperar que as pessoas ajam juntas somente porque elas
compartilham uma meta ou um problema comum. Ele sustentava que em grandes grupos,
nos quais contribuições individuais são menos noticiadas, indivíduos racionais pegam
carona nos esforços alheios: o custo-benefício de não contribuir é maior, já que você pode
se beneficiar de um bem sem lutar por ele. Além disso, se o número necessário de pessoas
não se juntar em prol desse bem, os esforços iniciais serão em vão. De qualquer maneira,
é individualmente racional não contribuir, mesmo se todos concordassem que seria
melhor se todos o fizessem. Esse raciocínio dá atenção à problemática dinâmica da ação
racional de indivíduos atomizados e, ao mesmo tempo, tem como preocupação central
organizações ricas em recursos. Ambas as soluções expostas por Olson – coerção e
incentivos seletivos – implicam organizações com capacidade substancial para monitorar,
administrar e distribuir tais medidas.
Nessa visão, organizações formais, com recursos, são essenciais para mobilizar e
coordenar indivíduos numa ação comum. A aplicação inicial dessa formulação sobre a
ação confrontacional coletiva foi primeiramente exemplificada na Teoria de Mobilização
de Recursos (TMR), na qual pesquisadores de movimentos sociais adotaram,
explicitamente, a abordagem do problema da ação coletiva de Olson, bem como a sua
solução centrada nas organizações. Sendo parte de uma onda mais ampla, que rejeitava a
ideia de que movimentos sociais eram um comportamento irracional que irrompia da
disfunção social, os primeiros pesquisadores da Teoria de Mobilização de Recursos viam
o problema dos free-riders racionais como um desafio fundamental, e consideravam as
14
Routledge e Cumbers (2009) pontuam algo semelhante ao discutir modelos verticais e horizontais
enquanto heurística útil para a análise de lógicas organizacionais em redes de justiça global (cf.
Robinson e Tormey, 2005; Juris, 2008).

17
organizações e as suas habilidades para mobilizar recursos enquanto elementos críticos
para o sucesso de movimentos sociais. Formulações clássicas foram feitas por McCarthy
e Zald (1973, 1977), que teorizaram sobre o aumento de suporte externo e de recursos
disponíveis para organizações de movimentos sociais (OMS), deram atenção à
profissionalização da organizações de movimentos e das lideranças como forma de
garantir esforços para a mobilização de recursos.
O campo contemporâneo de pesquisas sobre movimentos sociais caminhou em
direções que vão além da orientação sobre a escolha racional que marcava esses
primeiros trabalhos. Na verdade, tradições importantes se desenvolveram de forma
independente (ou mesmo rejeitando) toda a perspectiva de mobilização de recursos (ou ao
menos parte dela), propondo que devemos dar mais atenção para a análise do papel das
identidades, culturas, emoções, laços sociais, processos políticos e estruturas de
oportunidade (Melucci, 1996; McAdam et al., 2001; della Porta e Diani, 2006). Não
sugerimos que essas abordagens se conectam aos princípios da escolha racional. No
entanto, sugerimos que ecos da lógica moderna da ação coletiva ainda podem
desempenhar um papel de fundo, mesmo em pesquisas com abordagens que estejam
muito distantes do argumento da ação racional presente na obra de Olson. Essa suposição
fica evidente quando olhamos para a importância de formas particulares de coordenação
organizacional e de identidade, bem como na atenção dada às organizações, recursos,
líderes, coalizões, aglutinação de diferenças, comunidades culturais ou epistêmicas, e na
importância da formulação de frames de ação e das conexões e diferenças entre os
mesmos. Redes de ação conectiva podem variar em termos de estabilidade, escala e
coerência, mas são organizadas por diferentes princípios. Tipicamente, elas são conjuntos
de processos muito mais individualizados e tecnologicamente organizados, que resultam
em ações sem a exigência de enquadramentos de identidade coletiva ou dos níveis de
recursos organizacionais necessários para responder efetivamente às oportunidades.
A análise dos enquadramentos (frames) da ação coletiva é uma das abordagens
mais utilizadas atualmente, tendo sido uma das grandes responsáveis pelo deslocamento
das pesquisas sobre os movimentos sociais para longe das raízes da escolha racional, e
em direção a uma lógica mais expansiva acerca da ação coletiva. Ela está centrada em

18
processos de negociação de interpretações comuns de identidade coletiva, conectados às
questões públicas confrontacionais que o grupo têm em mãos (Snow et al., 1986; Snow e
Benford, 1988; Hunt et al., 1994; Benford e Snow, 2000). Esse trabalho de
enquadramento pode ajudar a mobilizar indivíduos e, em última instância, diminuir os
custos de recursos ao manter o comprometimento emocional das pessoas com a ação. Ao
mesmo tempo, a formulação de frames coletivos ideologicamente exigentes, socialmente
excludentes, ou altamente conflituosos cria fraturas, o que nos leva à necessidade
analítica de compreender como organizações gerenciam ou falham em lidar com essas
diferenças. A resolução desses conflitos de enquadramento pode exigir a mobilização de
recursos para solucionar as diferenças entre grupos que tenham diferentes objetivos e
modos de compreensão sobre questões. Assim, enquanto a evolução de diferentes
vertentes da teoria dos movimentos sociais se moveu para longe dos modelos de ação
coletiva econômica, muitos ainda tendem a enfatizar a importância de organizações que
possuem laços fortes com seus membros e seguidores, bem como as maneiras pelas quais
as identidades coletivas são forjadas e fraturadas, em meio a coalizões entre essas
organizações e suas redes.
Em uma perspectiva interpretativa mais ampla, a ação coletiva sustentada e
efetiva requer, tipicamente, níveis variados de mobilização de recursos organizacionais a
serem utilizados na organização, na liderança, no desenvolvimento de frames de ação
comuns e nas mediações para solucionar diferenças organizacionais. A abertura ou
retração nas oportunidades políticas afeta esse cálculo de recursos (Tarrow, 2011). Mas,
acima de tudo, redes de ação em larga escala que refletem essa lógica de ação coletiva
tendem a ser caracterizadas em termos de grupos distintos que se articulam para trazer
mais membros e afiliados para a ação e mantê-los envolvidos naquele processo. No nível
individual, a lógica de ação coletiva enfatiza o papel das redes de relações sociais e das
conexões enquanto pré-condição para mobilizações mais centralizadas (por exemplo, na
formação e difusão de frames de ação, ou ao forjar identificações comuns e relações de
solidariedade e confiança). No nível organizacional, o trabalho estratégico de mediação e
construção de coalizações entre organizações com distintos pontos de vista e públicos se
torna uma atividade central para a análise (Diani, 2011). Já que a dinâmica de ação em

19
redes caracterizadas por essa lógica tende a não mudar significativamente com as mídias
digitais, é interessante analisar como essas ferramentas auxiliam os atores a continuarem
a agir da mesma forma como eles o faziam anteriormente (Bimber et al., 2009; Earl e
Kimport, 2011).
Movimentos e redes de ação caracterizados por essas variações na lógica de ação
coletiva são claramente visíveis na sociedade contemporânea. Eles se uniram a muitas
mobilizações que, superficialmente, se parecem com movimentos, mas que quando
olhadas com atenção não possuem várias das características tradicionais que os definem.
Esforços para colocar esses tipos de organização dentro da categoria de movimentos
sociais diminuem a nossa capacidade de compreender um dos fenômenos mais
interessantes do nosso tempo: como populações fragmentadas, individualizadas, difíceis
de serem sensibilizadas e de serem induzidas a compartilharem identidades coletivas
personalizadas encontram, de alguma forma, maneiras de mobilizar redes de protestos em
Wall Street, Madri ou na Cidade do Cairo. De fato, quando as pessoas são
individualizadas nas suas orientações sociais e, por isso, estruturalmente ou
psicologicamente indisponíveis para participarem em formas modernas de organizações
de movimentos políticos, a mobilização de recursos se torna muito custosa e traz poucos
retornos. Organizar essas populações para superar o free riding e ajudá-las a formatar
identidades comuns não é necessariamente a lógica mais eficaz ou efetiva para organizar
a ação coletiva. Quando pessoas que buscam caminhos mais personalizados para a ação
estão familiarizadas com as práticas de conexões sociais na vida cotidiana, tendo acesso a
tecnologias como telefones celulares e computadores, elas já são familiarizadas com uma
lógica diferente de organização: a lógica da ação conectiva.
A lógica da ação conectiva põe em primeiro plano um conjunto de dinâmicas
distintas daquelas elencadas anteriormente. No centro dessa lógica está o reconhecimento
das mídias digitais como agentes organizadores. Vários pesquisadores de ação coletiva
têm explorado como as tecnologias digitais de comunicação alteram os parâmetros da
teoria de Olson. Lupia e Sin (2003) mostram como a hipótese central de Olson, acerca do
fraco comprometimento individual em grandes grupos (o free riding), pode se desenrolar
de modo distinto em condições de custos comunicacionais radicalmente reduzidos.

20
Bimber et al. (2005), por sua vez, argumentam que os bens públicos podem assumir
novas definições teóricas já que, agora, é mais fácil para aqueles que eram free riders
participarem de redes políticas que reduzem as fronteiras entre público e privado –
fronteiras que se tornaram turvas, em parte, pelo cruzamento simultâneo entre os
domínios do público e do privado pelas onipresentes mídias sociais.
Um ponto importante para os nossos propósitos é ressaltar a lógica econômica
das redes sociais digitais, explicada com afinco por Benkler (2006). O autor propõe que a
participação se tornou interessante do ponto de vista pessoal na medida em que conteúdos
de expressão personalizáveis são compartilhados com (e reconhecidos por) outros que,
por sua vez, repetem essas atividades de compartilhamento em rede. Quando essas redes
interpessoais são ativadas por plataformas tecnológicas de variados desenhos que
coordenam e dimensionam as conexões, a ação resultante pode assemelhar-se à ação
coletiva, ainda que sem o mesmo papel desempenhado por organizações formais e que
não haja transformação em identificações sociais. No lugar de conteúdos distribuídos e de
relações que são intermediadas por organizações hierárquicas, redes sociais digitais
envolvem coprodução e codistribuição, revelando lógicas econômicas e psicológicas
distintas: coprodução e compartilhamento baseados na expressão personalizável. Isso não
significa que toda a comunicação online funcione desse modo. Ao olharmos para boa
parte dos jornais online, blogs e sites de campanha política fica claro que a lógica
organizacional do mundo offline é frequentemente reproduzida online, com pequenas
alterações na lógica para além de possíveis ganhos de eficácia (Bimber e Davis, 2003;
Foot e Schneider, 2006). Porém, muitas redes sociais mediadas operam com lógicas
alternativas, o que ajuda a explicar porque as pessoas trabalham coletivamente e sem
remuneração para criar coisas como a Wikipeadia, o WikiLeaks e os softwares livres e de
código aberto que possibilitam muitas das redes digitais de protestos pelo mundo
(Calderaro, 2011).
Nessa lógica conectiva, se engajar numa ação pública ou contribuir para uma
causa comum se torna um ato de expressão pessoal e de reconhecimento (ou
autovalidação) realizado por meio do compartilhamento de ideias e ações em redes de
relações de confiança. Algumas vezes, as pessoas envolvidas nessas trocas podem estar

21
do outro lado do mundo, mas elas não exigem um clube, um partido ou um frame
ideológico compartilhado para se conectarem com as outras. No lugar da problemática
inicial da ação coletiva sobre como reunir indivíduos dispostos a contribuir, o ponto de
partida da ação conectiva é o compartilhamento automotivado (embora não
necessariamente autocentrado) de ideais, planos, imagens e recursos já internalizados ou
personalizados com redes de outras pessoas. Esse compartilhamento pode ocorrer em
sites de redes sociais, como o Facebook, ou via de mídias mais públicas, como Twitter e
YouTube, por meio, por exemplo, de comentários e retuítes. 15 Redes de ação
caracterizadas por essa lógica podem se ampliar rapidamente por meio da combinação
entre frames de ação pessoal facilmente dissemináveis e tecnologias que possibilitem
essa comunicação. Isso convoca um olhar analítico para compreender a rede social digital
como uma estrutura organizacional em si.
Redes de comunicação personalizável possibilitadas pela tecnologia envolvem
mais do que apenas uma troca de informações e mensagens. A natureza flexível e
recombinante da ação conectiva digital faz dessas esferas da web e de suas extensões
offline mais do que somente sistemas de comunicação. Essas redes são organizações
flexíveis, frequentemente possibilitando ajustes coordenados e ações rápidas voltadas,
muitas vezes, para objetivos políticos, até mesmo cruzando fronteiras geográficas e
culturais no processo. Como Diani (2011) argumenta, as redes digitais não são somente
precursoras da construção de grupos de ação coletiva: elas são, em si mesmas, estruturas
organizacionais que podem transcender as unidades elementares de organizações e
indivíduos.16 Como já pontuado, tecnologias de comunicação não transformam as
15
Estamos em débito com Bob Boyton por pontuar que esse compartilhamento ocorre tanto em redes
confiáveis de amigos, como Facebook, quanto em trocas mais públicas entre estranhos, como as que
ocorrem no YouTube, no Twitter e em blogs. Compreender as dinâmicas e relações entre essas
diferentes redes de mídia social, bem como as suas interseções, é uma direção importante para a
pesquisa.
16
Desenvolvemos métodos para mapear redes online e inventariar os tipos de mídias digitais que
permitem que ações e informação fluam por meio delas. Apontar como essas redes são constituídas, em
parte, pela tecnologia nos permite mover por níveis de ação sobre os quais, frequentemente, é difícil
teorizar. Redes de tecnologia permitem a reflexão sobre indivíduos, organizações e redes num escopo
mais amplo. Essa abordagem, assim, revisa o ponto de partida de modelos sobre ação coletiva
clássicos, os quais examinam, tipicamente, as relações entre indivíduos e organizações, e mesmo
apenas entre organizações. Expandimos o escopo para incluir tecnologias que permitem a formação de
redes de ação fluídas, nas quais a agência se torna compartilhada ou distribuída através de atores
individuais, e em que organizações, como redes, se reconfiguram em resposta às transformações em

22
dinâmicas de ação em redes de larga escala caracterizadas pela lógica da ação coletiva.
Mas nas redes caracterizadas pela ação conectiva, elas o fazem.
A estrutura organizacional das pessoas e das tecnologias sociais emerge mais
claramente se olhamos para a teoria do ator-rede, de Latour (2005), reconhecendo os
mecanismos de redes digitais (por exemplo, as várias mídias sociais e os dispositivos que
lhes suportam) enquanto potenciais agentes de rede – ao lado dos atores humanos (como
indivíduos e organizações). Dentre esses mecanismos digitais estão: conectores
organizacionais (como web links), coordenadores de evento (como calendários de
protestos), o compartilhamento de informação (via YouTube e Facebook, por exemplo) e
plataformas de redes multifuncionais nas quais outras redes são incorporadas junto aos
dispositivos que as fazem funcionar (como links no Twitter e posts no Facebook). Essas
tecnologias não somente criam lugares de encontro online e coordenam atividades
offline, como também ajudam a calibrar relações ao estabelecer níveis de transparência,
privacidade, segurança e confiança interpessoal. Também é importante que os vestígios
virtuais dessas interações possam permanecer na web, provendo a memória dos
repertórios de ação que podem ter sido mobilizados em diferentes mecanismos e
associados com formas de ação coletiva mais convencionais, como rituais ou
documentação formal.
O ponto aqui é simples: lógicas coletivas e lógicas conectivas de ação são
distintas (tanto em termos de processos de identidade quanto de escolha) e, assim, ambas
merecem análises específicas. Assim como esforços de ações coletivas tradicionais
podem falhar na tentativa de criar movimentos efetivos ou sustentáveis, não há nada
predeterminado a respeito dos resultados dos processos de formação de redes
digitalmente mediados. Com grande frequência, eles falham enormemente. A transmissão
de expressões pessoais por meio de redes pode – ou não – ampliar-se em escala,
estabilizar-se, ou atingir vários alvos, dependendo dos tipos de tecnologia social
projetados e apropriados pelos participantes e dos tipos de oportunidades que possam
motivar raiva ou compaixão em um grande número de indivíduos. Assim, os protestos do
Occupy Wall Street, que se espalharam em um mês de Nova York para cerca de 80 países

questões públicas e eventos (Bennett et al., 2011).

23
e 900 cidades pelo mundo, poderiam não ter obtido sucesso sem os modelos inspiradores
da Primavera Árabe ou dos Indignados, da Espanha, ou sem a piora das condições
econômicas que provocou raiva num grande número de indivíduos afetados. Quando as
redes do Ocuppy se disseminaram a partir de frames de ação facilmente personalizáveis,
com os dizeres “nós somos os 99 por cento”, havia poucas organizações políticas
estabelecidas no centro delas. Havia até mesmo um esforço consciente para se evitar a
designação de líderes e porta-vozes. As formas organizacionais mais básicas eram as
camadas de tecnologia sociais e websites que disseminavam notícias reportadas pelos
participantes e que disponibilizavam ferramentas para o estabelecimento de relações em
rede. Um desses sites era o “15.10.11 united for #global change” (15 de outubro de 2011,
unidos pela mudança global).17 Ao invés da seção usual “quem somos”, o site perguntava
“quem é você?”.
As ações coletivas e conectivas podem ocorrer simultaneamente em várias
formações com a mesma ecologia de ação. É, no entanto, possível discernir três tipos
ideais claros de redes de ação em larga escala. Enquanto um é primariamente
caracterizado pela lógica da ação coletiva, os outros dois são redes de ação conectivas
que se diferem quanto ao papel das organizações formais na facilitação do engajamento
pessoal. Como pontuamos anteriormente, em redes relativamente auto-organizadas as
organizações convencionais desempenham um papel menos central do que as tecnologias
sociais – é o caso, por exemplo, dos indignados, na Espanha, dos levantes da Primavera
Árabe, ou dos protestos do occupy, que se espalharam de Wall Street para o mundo. Em
contraste com essas redes viabilizadas tecnologicamente, também observamos redes
híbridas (como o PPF), onde organizações convencionais operaram nos bastidores dos
protestos e no advocacy de questões de interesse público, de modo a permitir o
engajamento pessoal. Essa forma híbrida de ação conectiva, ativada organizacionalmente,
se situa em algum lugar entre os dois tipos ideais que abordamos anteriormente (a ação
coletiva gerida convencionalmente via organizações e a relativamente autoorganizada
ação conectiva). A próxima seção apresenta os detalhes dessa tipologia tripartite. Também
sugerimos que a coexistência, a estratificação e a movimentação entre os três modelos
17
http://www.15october.net (acessado em 19 de outubro de 2011). [N.T.: fora do ar].

24
são aspectos de grande importância.

Uma tipologia das redes de ação coletiva e de ação conectiva


Partimos dessas lógicas distintas de ação (e da forma híbrida que revela uma tensão entre
elas) para desenvolver uma tipologia das três formas de redes de ação em larga escala que
se revelam proeminentes na política de confronto contemporânea. O primeiro tipo
representa as redes organizacionais intermediadas, caracterizadas pela lógica da ação
coletiva, enquanto os demais representam duas variações significativas de redes
caracterizadas, primariamente, pela lógica da ação conectiva. Todos os três modelos
podem explicar as diferenças entre as dinâmicas das redes de ação de larga escala em
confrontos centrados em eventos, como os protestos e as sequencias de protestos dos
exemplos já discutidos. Eles também podem ser aplicados para a compreensão de redes
de advocacy mais estáveis, que engajam as pessoas em práticas da vida cotidiana, dando
suporte a causas fora de protestos, como em campanhas. A tipologia se destina a ser uma
ampla generalização que auxilie o entendimento de diferentes dinâmicas. Nenhum dos
três tipos é um modelo exaustivo acerca dos movimentos sociais. Assim, essa não é uma
tentativa de capturar ou solucionar as muitas diferenças entre aqueles que estudam
movimentos sociais. Nós simplesmente queremos destacar a ascensão de duas formas de
redes de ação conectivas digitais, que se diferem de alguns pontos comuns na ação
coletiva de movimentos sociais – que dependem, por sua vez, de redes sociais
intermediadas para aspectos substanciais de suas organização.
A figura 1 apresenta um panorama dos dois tipos de redes de ação conectiva,
contrastando suas propriedades organizacionais com as características das redes de ação
coletiva. O tipo ideal de ação coletiva no lado direito da figura descreve redes de ação em
larga escala que dependem de organizações intermediadoras – que carregam o fardo de
facilitar a cooperação e unir as diferenças, quando possível. Assim, como exemplificaram
os grupos de ação direta anticapitalistas dos protestos contra ao G20, em Londres, essas
organizações tendem a promover frames de ação coletiva mais restritivos, que requerem a
realização de conexões com outros enquadramentos se desejarem crescer. Elas podem
utilizar mídias digitais e tecnologias sociais mais como meios de mobilização, para o

25
gerenciamento da participação e para a coordenação de objetivos, do que como forma de
interpelar as pessoas por interpretações sobre os problemas em jogo ou para a auto-
organização da ação. Além de um grande número de movimentos sociais clássicos
(McAdam, 1986), uma série de redes de ONGs, discutidas por Keck e Sikkink (1998)
também se encaixam nessa categoria (Bennett, 2005).

Figura 1 – Elementos de redes de ação conectiva e de ação coletiva

AÇÃO CONECTIVA AÇÃO CONECTIVA AÇÃO COLETIVA


Redes auto-organizadas Redes viabilizadas por Redes de organizações
organizações intermediadoras
- Pequena ou nenhuma - Coordenação organizacional - Forte coordenação
coordenação organizacional frouxa da ação organizacional da ação
de ação - Organizações bancam os - Tecnologias sociais usadas por
- Acesso pessoal, em larga custos com tecnologias organizações para coordenar
escala, a tecnologias sociais sociais digitais – tanto participação e objetivos
de múltiplas camadas daquelas personalizadas - Conteúdo comunicativo
<=>
- Conteúdo comunicativo <=> quanto das comerciais centrado em frames de ação
centrado nos emergentes e - Conteúdo comunicativo coletiva
inclusivos frames de ação centrado em frames de ação - Gestão organizacional de redes
pessoal organizacionalmente gerados, sociais: maior ênfase em redes
- Expressão pessoal mas inclusivos e interpessoais para a construção
compartilhada em redes personalizados de relacionamentos voltados
sociais digitais - Alguma moderação para a ação coletiva
- Coletividades organizacional das expressões - Organizações no primeiro
frequentemente se esquivam pessoais nas redes sociais plano enquanto coalizões, com
do envolvimento em digitais diferenças mediadas com a
organizações formais - Organizações em segundo aplicação de grandes recursos
existentes plano, em redes articuladas
por conexões frouxas

No outro extremo, do lado esquerdo da figura, temos as redes de ação conectiva


que se auto-organizam, na maior parte das vezes, sem atores ou “lideranças”

26
organizacionais centrais, utilizando as tecnologias enquanto importantes agentes
organizacionais. Ainda que algumas organizações formais possam estar presentes nesse
tipo ideal, elas tendem a permanecer na periferia e podem existir tanto nas formas online
quanto offline. No lugar de frames de ação coletiva, frames de ação personalizáveis se
transformaram nas unidades de transmissão através das redes sociais digitais confiáveis.
O modelo de coordenação descentralizada dos indignados exemplifica esse tipo ideal,
com organizações convencionais deliberadamente mantidas na periferia, enquanto frames
de ação personalizáveis, facilmente moldáveis, se deslocavam em ambientes online e
offline, com a ajuda de plataformas tecnológicas como o Democracia Real Ya!.18
Entre as redes de ação coletiva, intermediadas organizacionalmente, e as redes
de ação conectiva, mais auto-organizadas (por meio da tecnologia), está o padrão híbrido
apresentado acima. Esse tipo intermediário envolve atores organizacionais formais que se
colocam num lugar secundário quanto à projeção de agendas e de identidades políticas e
coletivas, em detrimento do uso de recursos de tecnologia social que permitem que redes
públicas frouxas se formem no entorno de temas de ação personalizados. O conceito
intermediário também pode envolver atores organizacionais mais informais que
desenvolvem algumas capacidades das organizações convencionais, como a mobilização
de recursos e a construção de coalizões, mas sem a imposição de identidades coletivas e
de grupo.19 Por exemplo, muitas das assembleias gerais nos protestos do occupy
tornaram-se fonte de recursos, com o comparecimento regular de participantes, divisão de
trabalho, alocação de dinheiro e comida, e coordenação de ações. Ao mesmo tempo, as
grandes redes comunicacionais no entorno desses eixos de protestos expandiram
enormemente seus impactos. As redes de comunicação tecnológicas no entorno das ações
convocaram participantes por laços fracos que, frequentemente, entravam em tensão com
o ethos das interações face-a-face das assembleias, nas quais manifestantes mais
comprometidos passavam longas horas com um número cada vez menor de pares,
debatendo sobre como expandir a participação sem diluir os níveis de comprometimento

18
Gostaríamos de enfatizar que há muito trabalho de organização face a face em curso em muitas dessas
redes, e que agendas diárias e decisões se dão principalmente offline. Entretanto, a conectividade e o
fluxo da coordenação da ação ocorrem principalmente online.
19
Agradecemos ao parecerista anônimo desta revista por nos apontar esse subtipo.

27
e ação que eles julgavam ser chave em seus conjuntos de valores. Então, mesmo que o
occupy possuísse algum desenvolvimento organizacional, ele era definido, de fato, por
suas bases auto-organizantes.
Nesse modelo híbrido, as redes engajam os indivíduos em causas que podem não
ser de grande interesse quando são requisitadas demandas fortes de pertencimento ou de
filiação a demandas coletivas. Organizações que facilitam essas redes de ação, na maior
parte dos casos, implementam tecnologias de comunicação personalizadas (por exemplo:
“envie a sua mensagem”) ou “terceirizadas” (como pelo Twitter). Esse padrão se encaixa
nas manifestações do PPF, apresentadas anteriormente, nas quais aproximadamente 160
organizações da sociedade civil – incluindo grandes ONGs, como Oxfam, Tearfund,
Catholic Relief e WWF – recuaram das suas bandeiras organizacionais para formar uma
rede social frouxa, convidando o público a se engajar e agir. Elas agiram dessa forma
mesmo quando negociavam pontos com as outras organizações, como, por exemplo, os
dias a serem separados para os protestos (Bennett e Segerberg, 2011).
As formações do tipo intermediário refletem as pressões observadas por Bimber
et al. (2005) em organizações de interesse que têm sofrido com o declínio no número de
seus membros e, por isso, precisaram desenvolver laços mais frouxos com os seus
seguidores. Muitas também desenvolvem laços frouxos com outras organizações, de
modo a formar vastas redes online que compartilham e aproximam causas variadas.
Embora a escala e a complexidade dessas redes sejam diferentes do foco das observações
de Granovetter (1973) sobre a força de laços fracos em redes sociais, podemos associar
suas ideias com os elementos da ação conectiva: as ligações frouxas entre as
organizações, as implementações tecnológicas e os frames de ação pessoal. Ao observar o
padrão híbrido de organizações de advocacy que facilitam redes de protestos
personalizados, encontramos variadas redes sociais de justiça econômica e ambiental,
protestos gráficos, campanhas e redes sobre políticas públicas, no Reino Unido,
Alemanha e Suécia (Bennett e Segerber, inédito).20 Em cada caso descobrimos (com
20
Nossas investigações empíricas focam, primeiramente, dois tipos de redes que alcançam projeções
locais, nacionais e transnacional: as de promoção de justiça econômica, pela defesa de normas
comerciais mais justas entre o Norte e o Sul Globais (fair trade), e as redes para proteção ambiental e
humana diante dos efeitos do aquecimento global (mudanças climáticas). Essas redes apresentam
níveis impressionantes de ação coletiva e engajamento cidadão e parecem que permanecerão ativas no

28
interessante variações teóricas) campanhas, protestos e redes de advocacy cotidiano que
apresentam assinaturas organizacionais semelhantes: (a) ONGs convencionais e outras
organizações da sociedade civil se reunindo, por meio de laços frouxos, para formar algo
como uma cadeia de redes, (b) redes de mídias digitais engajando públicos com questões
políticas controversas, ainda que com (c) notavelmente poucos esforços para marcar as
questões ao redor de organizações específicas, controlar as mensagens ou o entendimento
de participantes individuais. As organizações tinham as suas agendas a oferecer, é claro,
mas, como membros de redes de organizações sobre questões de interesse público,
colocaram a dimensão pública no cidadão individual e forneceram tecnologias sociais
que permitiam o engajamento pessoal por meio do compartilhamento de imagens e de
frames de ação personalizáveis.
Nesse modelo híbrido, as organizações que se privam de expressar fortemente
suas bandeiras ou agendas políticas próprias não necessariamente desistem de suas
missões ou agendas como grupos de advocacy. Em vez disso, algumas organizações,
interessadas na mobilização de potencial de grandes públicos e de elementos WUNC na
época das redes sociais, estão aprendendo a transitar entre diferentes repertórios
organizacionais, passando lentamente do modelo de ONGs hierárquicas impulsionadas
por missões, em alguns momentos, para o de facilitadoras de redes livres de engajamento
público, em outros. Como observado por Chadwick (2007, 2011), o hibridismo
organizacional faz com que seja difícil aplicar categorias fixas para muitas organizações,
uma vez que elas transitam entre modalidades variadas – ONGs de advocacy; grupos de
reflexão; movimentos sociais organizados (MSO) executando campanhas ou protestos;
organizações de múltiplos interesses –, mas sendo sempre redes centrais para a ação
conectiva. Em outras palavras, dependendo de quando, onde e como se observa uma
organização, ela pode aparecer de forma diferente: como organização não-governamental,
movimento social organizado, organização não-governamental internacional, organização
não governamental transnacional, organização não-governamental de desenvolvimento,
futuro próximo. Elas frequentemente se cruzam em campanhas compartilhadas nas arenas locais,
nacionais e transnacional. Essas redes de questões de interesse público representam bons casos para a
compreensão do uso de tecnologias digitais e de diferentes frames de ação (do personalizável ao
coletivo) no engajamento e mobilização de cidadãos, e para o exame das várias qualidades e efeitos
desses esforços.

29
como um grupo de advocacy, como uma rede política central, e assim por diante. De fato,
uma das vantagens de se observar as diferentes lógicas em jogo na nossa tipologia é a de
se afastar de esquemas de categorização fixas e observar, de fato, as combinações que
ocorrem nos diferentes tipos de ação e nas complexas ecologias de protesto, encontrando
mudanças nos tipos dominantes em resposta a eventos e oportunidades ao longo do
tempo.
O mundo real é, naturalmente, muito mais confuso do que este modelo de três
tipos. Em alguns casos, vemos lado a lado e no mesmo espaço de ação formações
correspondentes aos nossos três modelos. O protesto do G20, em Londres, ofereceu uma
situação rara em que ações coletivas organizacionalmente viabilizadas e mais
convencionais foram cuidadosamente separadas em diferentes dias. Porém, é mais
frequente que as diferentes formas se sobreponham, por vezes com interrupções violentas
e, em outras, com mobilizações pacíficas, como ocorreu no movimento Occupy Rome,
nos protestos de 15 de Outubro de 2011, e em alguns confrontos entre os movimentos
Occupy com a polícia dos Estados Unidos. Em alguns ciclos de ação, ao longo do tempo,
vemos ainda o deslocamento de um modelo para outro. Em algumas redes relativamente
amplas observa-se um padrão de busca informal de recursos organizacionais, sendo os
recursos organizacionais informais e os espaços de comunicação ligados e
compartilhados (por exemplo, em retuítes), permitindo com que as preocupações e metas
políticas emergentes sejam alimentadas sem serem cooptadas pelas organizações
existentes e as suas agendas políticas já definidas. Esse padrão ocorreu na rede auto-
organizada do Twitter que surgiu em torno da 15ª Conferência do Clima da ONU, em
Copenhague. Como a amplitude da rede permitiu que os participantes fossem além do
fluxo do Twitter dedicado à conferência seguinte, em Cancún, vimos um aumento de
links para organizações de vários tipos, juntamente com crescentes vínculos entre
blogueiros climáticos (Segerberg & Bennett 2011). Tais variações em diferentes formas
organizacionais oferecem instigantes oportunidades para análises posteriores, que
busquem explicar se as mobilizações alcançaram objetivos e se atingem diferentes níveis
de WUNC.
Nestas formas variadas de ação, redes de ação conectivas e personalizáveis

30
cruzam caminhos (às vezes com organizações individuais se transformando no processo)
com redes mais convencionais de ação coletiva, centradas em movimentos sociais
organizados, organizações de interesse e ONGs. Como resultado, enquanto
argumentamos que essas redes são formas organizacionais em si mesmas, elas são,
muitas vezes, difíceis de serem entendidas e mais difíceis ainda de serem analisadas,
porque não se comportam como organizações formais. A maioria das organizações
formais são centradas (por exemplo, localizadas em um espaço físico), hierárquicas,
delimitadas por missão e território, definidas por associações relativamente conhecidas e
membros quantificáveis (ou, no caso dos partidos políticos, conhecidos e
demograficamente alcançáveis).
Por outro lado, hoje em dia muitas redes de questões de interesse público e causas
são relativamente descentralizadas (constituídas por várias organizações e por ativistas
diretos ou cyberativistas), distribuídas ou dispostas horizontalmente como um resultado
desses múltiplos centros – relativamente ilimitados, no sentido de cruzar tanto fronteiras
geográficas quanto de assuntos e dinâmicas – em termos da evolução dos participantes
que podem optar por nelas atuar e das diferentes oportunidades de engajamento
apresentadas (Bennett, 2003 e 2005). Entender como a ação conectiva envolve ou não
diversas populações constitui parte do desafio analítico.
Em comparação com o grande número de estudos teoricamente fundamentados
sobre a organização de movimentos sociais, há um número reduzido de trabalhos que
ajudam a explicar o leque de formações da ação coletiva, que sai de uma relativa auto-
organização e chega a uma rede de ação conectiva possibilitada organizacionalmente.
Embora existam muitos relatos descritivos e sugestivos deste tipo de ação, muitos deles
inspiradores (ex. Castells, 2000; Rheingold, 2002), a lógica organizacional e as dinâmicas
subjacentes de tal ação não estão bem estabelecidas. É importante estabelecermos
entendimentos mais claros sobre como essas redes funcionam e sobre quais princípios
organizadores explicam a sua crescente proeminência na política de confronto.

Conclusão
As redes de ação digitais emergem em meio a uma mudança histórica nas democracias

31
modernas tardias: os cidadãos mais jovens estão se afastando de partidos, de movimentos
que lutam por reformas amplas e das ideologias. Os indivíduos estão se relacionando de
forma diferente com a política organizada, e muitas organizações estão descobrindo que
devem envolver as pessoas de outro modo: elas estão desenvolvendo relacionamentos
com os públicos como afiliados ao invés de tratá-los como membros, e oferecendo-lhes
opções pessoais para se envolver e se expressar. Isto inclui uma maior escolha sobre os
conteúdos publicizados e introduz recursos micro-organizacionais, em termos de redes
pessoais e da criação de conteúdo, o que exige habilidades no desenvolvimento de
tecnologias. A ação coletiva baseada em identificações coletivas exclusivas e em laços
fortes continua a desempenhar um papel no cenário político, mas ela se uniu e foi
intercalada (e, por vezes, suplantada) por formações de ação coletiva personalizáveis, nas
quais as mídias digitais se tornam partes organizacionais integrais. Algumas redes DNA
resultantes vieram a ser surpreendentemente ágeis, demonstrando intrigante flexibilidade
em várias circunstâncias e diante de variadas questões públicas e escalas.
Tem sido tentador para alguns críticos descartar a participação em tais redes,
como se elas fossem ruídos – particularmente em reações às declarações arrebatadoras de
entusiastas sobre o poder democrático e participativo das mídias digitais. Não importa se
vinda de entusiastas ou críticos, hipérboles são inúteis. Compreender o potencial
democrático e a eficácia das instâncias de ação conectiva e coletiva exige uma análise
cuidadosa. Ao mesmo tempo, há, muitas vezes, consideravelmente mais elementos em
jogo na DNA do que o “ativismo de sofá”, ou uma fácil terceirização organizacional das
redes sociais para sites comerciais, como o Facebook.21 O ponto chave do nosso
argumento é que explicar e compreender totalmente tais ações e confrontos exige mais do
que apenas ajustar os clássicos esquemas de ação coletiva de movimentos sociais. A ação
conectiva tem uma lógica própria e, assim, está subordinada a sua própria dinâmica. Ela
merece uma análise em seus próprios termos.
O ponto central da ação conectiva é o elemento formativo do
21
A tecnologia não é neutra. O grau em que várias coletividades se apropriaram e se tornaram
dependentes das limitações de plataformas tecnológicas comerciais, como Flickr, Facebook, Twitter ou
YouTube é uma questão de considerável importância. Por enquanto, basta observar que pelo menos
algumas das tecnologias e seus recursos de rede são projetados por ativistas para a criação de redes
políticas e para a organização de ação (Calderaro, 2011).

32
“compartilhamento”: a personalização que faz com que ações e conteúdos sejam
distribuídos amplamente através de redes sociais. Tecnologias de comunicação permitem
o crescimento e a estabilização de estruturas através dessas redes. Juntos, os agentes
tecnológicos que permitem o papel constitutivo de compartilhamento nesses contextos
deslocam a centralidade do cálculo free rider e, por extensão, a dinâmica que dele flui –
deslocando, de maneira mais evidente, a lógica da centralidade da organização rica em
recursos. Em seu lugar, a ação conectiva dá foco à dinâmica de redes recombinantes, uma
situação em que as redes e a comunicação se tornam mais do que meras condições
prévias e de informação. O que observamos nessas redes são aplicações de tecnologias de
comunicação que contribuem para um princípio organizacional que é diferente das
noções de ação coletiva baseadas em suposições fundamentais sobre o papel dos
recursos, das redes e das identidades coletivas. Nós chamamos este princípio estruturante
diferente de lógica da ação conectiva.
O desenvolvimento de maneiras de analisar as formações de ação conectiva nos
dará uma base mais sólida para voltarmos às questões persistentes sobre como essa ação
poder ser politicamente eficaz e sustentada (Tilly 2004; Gladwell 2010; Morozov 2011).
Mesmo que os contornos da ação política possam estar mudando, é imperativo
desenvolver meios significativos para pensar sobre a capacidade de permanência e
eficácia da ação conectiva, de forma que tenhamos uma compreensão sistemática de
como tal ação se desenrola em diferentes contextos e condições.
A série de protestos em torno do G20 e da crise financeira mundial mostra que
diferentes estratégias organizacionais desenroladas em cenários políticos diversos
produzem uma ampla gama de resultados. Os protestos nas Cúpulas do G20 em
Pittsburgh e Toronto, em 2009 e 2010, respectivamente, foram muito mais caóticos e
exibiam muito menos WUNC do que aqueles organizados sob a bandeira do PPF, em
Londres. Perturbados por ataques policiais e pela fraca coordenação organizacional, os
protestos de Pittsburgh exibiam uma cacofonia de mensagens políticas que foram mal
traduzidas na imprensa e até mesmo se tornaram alvo de piadas. O Daily Show (programa
satírico de TV nos EUA) enviou um correspondente para Pittsburgh, que apresentou uma
série de mensagens políticas lá encontradas. Elas incluíam: uma banda marcial em defesa

33
do Tibet Livre, defensores da paz na Palestina, cartazes condenando o genocídio em
Darfur, slogans de sensibilização para a causa da maconha e denúncias contra a indústria
de carne bovina – juntamente com, mais previsíveis, condenações à globalização e ao
capitalismo. Um manifestante carregava um cartaz dizendo “eu protesto contra tudo" e
outro, vestido como Batman, afirmou que estava protestando contra a escolha de
Christian Bale para representar o seu herói no cinema. O correspondente concluiu que
faltava unidade e foco nos protestos de Pittsburgh e alertou para o fato de que algumas
pessoas sabiam bem como fazer o trabalho: os membros do Tea Party. O quadro do Daily
Show sobre especialistas do Tea Party incluía uma mulher usando um coldre preto da
fábrica de armas Smith & Wesson, com um crucifixo de madeira e adesivado por uma
bandeira dos EUA. Quando perguntados sobre o que os manifestantes em Pittsburgh
estavam fazendo de errado, todos eles concordaram que houve um problema na
mensagem. Um deles disse: "Eu ainda não sei qual é a mensagem deles”, e outro afirmou:
"Mantenha a mensagem e acredite no que você diz". O repórter do Daily Show cortou de
volta para mostrar um batalhão de policiais vestidos como Darth Vader, alinhados contra
os manifestantes – e que de acordo com o correspondente era "o único ponto de fala
compreensível” em Pittsburgh (Daily Show, 2009). Humor à parte, esse exemplo
representa um forte contraste em relação aos protestos mais organizados do PPF Londres,
que receberam cobertura positiva da imprensa quanto aos seus temas centrais, de justiça
econômica e ambiental (Bennett e Segerberg, 2011).
O desafio é entender quando a ação digital em rede se torna caótica e improdutiva
e quando atinge níveis mais elevados de foco e de comprometimento contínuo, ao longo
do tempo. Nossos estudos sugerem que as diferentes capacidades políticas em redes
dependem, entre outras coisas: (a) no caso de redes conectivas viabilizadas por
organizações, da rede ter um núcleo estável de organizações que compartilham conexões
comunicativas e que implementam mecanismos que favoreçam grandes volumes de
engajamento pessoal; (b) no caso de redes auto-organizadas, das redes digitais serem
redundantes e densas, com caminhos para a convergência de redes individuais que
permitam a transmissão viral de frames de ação pessoal que venham a ocorrer.
A atenção dada para a ação conectiva não irá nem explicar todas as políticas de

34
confronto nem substituir o modelo de ação coletiva clássico, que permanece útil para
analisar os movimentos sociais. Ela lança, porém, luz sobre um importante modo de ação
que marca a política de confronto atual. Um modelo focado na dinâmica da ação coletiva
clássica tem dificuldades em lidar com elementos importantes da Primavera Árabe, dos
indignados, com as manifestações do occupy ou com os protestos globais contra as
mudanças climáticas. Uma melhor compreensão da ação conectiva projeta o
preenchimento de algumas dessas lacunas. Tal entendimento é essencial se quisermos
alcançar uma perspectiva crítica acerca de algumas das importantes formas de
engajamento público na era digital.

Agradecimentos
Este artigo é fruto de um trabalho financiado pelo Conselho de Pesquisa Sueco,
subvenção No. 421-2010-2303. Ele foi beneficiado pelos comentários recebidos em suas
versões iniciais, incluindo aquelas apresentadas na Conferência do ECPR em 2011 e no
Simpósio iCS/OII “Uma década de internet”. Os autores agradecem a Bruce Bimber, Bob
Boyton, Andrew Chadwick, Nils Gustafsson, Rasmus Kleis Nielsesn, Annette Schnabel,
Sidney Tarrow e aos pareceristas anônimos por seus excelentes comentários.

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Traduzido do inglês por Filipe Motta, com revisão de Daniel Reis.

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