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Movimentos sociais e ações coletivas no Brasil em 2020 com a COVID-19:


solidariedade, protestos, conflitos, confrontos e interpretações teóricas.
Maria da Glória Gohni

UNICAMP-UFABC-CNPq

Resumo

A questão central é: como analisar as ações coletivas no Brasil em 2020, com a


pandemia do Covid-19. Para responder são investigados atos de resistência,
solidariedade e de confronto promovidos por grupos autonomistas,
progressistas, socialistas e conservadores. Quais seus repertórios, como se
organizam e se expressam em tempo de isolamento social? Parte dos atos
advém de coletivos atuando via redes sociais. Que novidades eles trazem?
Podem ser chamados de movimentos sociais ou são uma nova forma de ação
coletiva? E os movimentos clássicos, de luta pela terra, emprego, moradia?
Como agiram/reagiram às reformas na crise? Os movimentos identitários,
especialmente das mulheres, como se manifestam, com políticas públicas tão
conservadoras? As IPS-Instituições Participativas, desapareceram? Se as ruas
perderam o protagonismo na quarentena, quais os novos espaços? O trabalho
faz uma retrospectiva deste cenário indagando também: quais as interpretações
teóricas possíveis para entendê-los?

Palavras Chaves: Movimentos Sociais, Coletivos, Pandemia, Ações


Coletivas, Atos Antidemocráticos

Movimentos sociais e ações coletivas no Brasil em 2020 com a COVID-19:


solidariedade, protestos, conflito, confrontos e interpretações teóricas.

O paper tem como questão: qual o cenário das ações coletivas no Brasil em
2020, com a pandemia do Covid- 19 e como analisá-lo? Para responder são
investigados grupos de autonomistas, progressistas, socialistas e
conservadores. Atos de resistência, solidariedade e de confronto. Quais seus
repertórios, como se organizam e se expressam em isolamento social? Parte
dos atos advém de grupos organizados como coletivos atuando via redes
sociais. Que novidades eles trazem? Podem ser chamados de movimentos
sociais ou são uma nova forma de ação coletiva? E os movimentos clássicos, de
luta pela terra, emprego, moradia? Como agiram/reagiram às reformas
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neoliberais na crise? Os movimentos identitários, especialmente das mulheres,


como se articulam com a sociedade e com as políticas públicas conservadoras?
Se as ruas perderam o protagonismo na quarentena, quais os novos espaços?
O trabalho faz uma retrospectiva desses grupos indagando também - quais as
interpretações teóricas possíveis para entendê-los?

O paper é uma versão preliminar de um artigo e parte de pesquisa em


andamento com apoio do CNPq. Ele tem duas partes: a primeira é um estudo
visando caracterizar o contexto sociopolítico, econômico e cultural da década de
2010, e uma retrospectiva de 2020, com a pandemia do Covid-19. A segunda
focaliza algumas interpretações acadêmicas sobre as ações coletivas em
movimentos e coletivos, em manifestações públicas durante a pandemia, a
exemplo de DELLA PORTA. Algumas das categorias teóricas utilizadas foram
desenvolvidas e estão explicitadas em publicação recente (GOHN,2019) e
outras estão sendo investigadas neste momento. As fontes dos dados são:1-
mídia (escrita e ON Line) e de redes sociais de grupos que organizaram
protestos nas ruas, como manifestações, carreatas, buzinaços, etc. 2- Atos de
protesto ou de solidariedade, espontâneos ou não, noticiados pelo jornal Folha
de São Paulo, Rede Globo, e TV CNN.3- Depoimentos e declarações de
organizadores.4- Artigos publicados em jornais, sites de associações científicas
(como a ANPOCS, SBS e ABCP), artigos em periódicos, e os primeiros livros
a respeito. Busca-se qualificar as ações coletivas num momento de crise e
tensionamento da democracia, tanto em termos de seus projetos políticos e
econômicos, como em termos dos espaços e territórios em que se viabilizam.

Primeira Parte: O contexto Sociopolítico que antecedeu 2020

A Década de 2010

Faz-se necessário uma breve retrospectiva dos fatos para situar o debate sobre
ações coletivas durante a Covid19. A década de 2010 iniciou-se sob a sombra
da crise financeira de 2008, e foi marcada pelo encolhimento da economia em
várias partes do globo, desemprego, aumento das desigualdades sociais,
reformas do estado, perda de direitos dos trabalhadores, ressurgimento de
grupos conservadores e do nacionalismo, e protestos sociais. O povo nas ruas
em manifestações tornou-se usual e não apenas prática de sindicatos,
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estudantes, sem-terra ou sem teto. Nos atos de protestos, novos atores se


recolocaram na cena pública: as mulheres, os jovens, a população
afrodescendente, os imigrantes etc. A participação das mulheres foi além das
lutas pela identidade porque criaram formas de participação, entraram na cena
pública e na política, se constituíram como novos sujeitos políticos. Demarcam-
se novos campos na luta das mulheres como a do feminismo negro (RIBEIRO,
2018). A questão racial teve avanços na luta histórica contra discriminações. Os
jovens renovaram a cena pública e tornaram-se protagonistas de novas formas
de participação, via redes, mídias sociais e coletivos (CASTELLS, 2013, 2018),
sendo junho de 2013 o marco referencial de inflexão no Brasil (GOHN, 2014).
Grupos conservadores também se organizaram e promoveram atos de confronto
(ALONSO, 2017). A democracia foi tencionada. No Brasil e em vários países da
América Latina, a década de 2010 trouxe mudanças no regime político com a
retomada ao poder central por grupos conservadores ou liberais. As IPS-
Instituições Participativas criadas durante o período de governos progressistas
no Brasil foram canceladas ou esvaziadas, nos casos em que são obrigatórias
por lei. (LAVALLE; CARLOS; DOWBOR, e SZWAKO, 2019).

Chegamos em 2019 com atos de protestos em várias partes do globo. Teve-se


eventos na Europa, especialmente na Espanha e os Coletes Amarelos na
França; no Oriente o Movimento Pró Democracia em Hong Kong, desde junho
de 2019, ganhou a cena da mídia global. A luta dos imigrantes para fugir de
regimes opressivos acentuou-se. Na América Latina - no Chile, Equador, Bolívia,
Colômbia etc. No Brasil, a pauta dos movimentos ficou mais no plano da
resistência às reformas econômicas e previdenciárias, mas cresceu o número de
organizações e movimentos políticos que, por meio da mídia, fake news etc.
acirram a ‘política do ódio’, as guerras culturais e as manifestações antissistema,
anti a política, imperante desde a fase das manifestações pelo impeachment, em
2015-2016.

2020- O início de uma nova década- A Pandemia do COVID 19

Logo no início de 2020 o cenário sociopolítico e cultural se altera, no Brasil e no


resto do mundo, e no prazo de três meses instaura-se um clima similar ao de
uma guerra criado pela pandemia do Covid- 19 na maioria dos países. No Brasil,
a cena mudou bruscamente logo após o Carnaval, com medidas sanitárias para
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combater ou minorar os efeitos do vírus. Com a pandemia, alteram-se formas,


performances e conteúdo das demandas.

E nas ações coletivas, há novas configurações emergentes? Inicialmente a


população criou meios de expressão, com performances onde as redes e mídias
sociais tornaram-se os principais meios das mobilizações. Já que as ruas não
podem ser ocupadas, o espaço privado, as janelas e varandas também
passaram a ser locais de protesto com panelaços, ou atos de solidariedade,
como as lives musicais (ALONSO, 2020). Mas as ruas foram espaços para
carreatas e ‘buzinaços’ e flash mobs. também, e aí surge outro dado da
conjuntura. Os atos na cena pública, na década que se encerrou, conforme
mencionado acima, não se limitou aos setores progressistas, organizados ou
não, em movimentos, coletivos etc. As manifestações se tornaram também
formas de expressão e performances de grupos e organizações e movimentos
políticos conservadores, antidemocráticos, como as carreatas, manifestações
em praças e avenidas, acampamentos em Brasília, São Paulo etc. Com a Covid-
19, essas manifestações antidemocráticas crescem e se tornam o ponto
nevrálgico no cenário político brasileiro da tensão entre progressistas, liberais ou
socialistas, e os conservadores- clássicos ou radicais da extrema direita.
Observa-se que as oportunidades políticas foram apropriadas por grupos, com
projetos de vida e mundo muito diferentes.

Uma novidade que o Covid-10 trouxe, com a quarentena, foi a necessidade de


distanciamento social, e a urgência de pronunciamentos coletivos de protesto
contra a gestão governamental federal. Com isso teve-se a emergência de atos
virtuais, que se multiplicaram e se aperfeiçoaram com usos de recursos da
tecnologia. No início de maio de 20, por exemplo, a SBPC-Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência, com apoio de inúmeras outras entidades, utilizando
um aplicativo, projeta-se frases (como a defesa e apoio à ciência), slogans e
protestos políticos, em prédios ou lugares públicos emblemático, como
Congresso Nacional/ Brasília, ou em prédios da Av. Paulista/SP. Tuitaços em
defesa da vida, também ocorreram, como gritos possíveis e necessários naquele
momento. A ‘política do ódio’, as guerras culturais e as manifestações
antissistema e anti a política acrescentou-se o acirramento do negacionismo à
ciência.
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Ao final de maio de 2020, após quase três meses de quarentena, com atos
públicos presenciais nas ruas apenas do grupo antidemocrático, manifestações
de grupos progressistas retornam às ruas, com demandas pró-democracia, em
defesa da democracia. Isto em um momento em que a curva de infectados e de
mortos pelo Covid-19 estava em ascensão, e, em meio a grave crise sanitária, e
a crise econômica-social emergindo com o aumento do desemprego, explode
novas facetas da crise política, com a demissão de dois ministros da saúde em
um mês, a saída do Ministro da Justiça, denúncias de interferência na Polícia
Federal, e crise entre os poderes do Estado. Tudo isso mobilizou diferentes
setores sociais para a luta em defesa da democracia. Manifestos, Campanhas e
Movimentos Sociais vieram à público, saíram às ruas, alguns já existentes,
outros novos. Tentaram se reinventar, serem propositivas, não só reativos.

A luta pautada na defesa do regime democrático em 2020, contra os atos


antidemocráticos fez emergir também, por força das circunstâncias de fatos
internacionais, a luta contra o racismo. A cena pública nos Estados Unidos com
a morte de Jorge Floyd em 25 de maio de 2020, fez explodir a luta contra o
racismo. BLP- Black Lives Mater, movimento criado nos USA durante o governo
do ex Presidente Barak Obama, cresceu e explodiu e foi além de um movimento
social, tornou-se um refrão universal, pela vida, pela igualdade, pela liberdade,
motivando multidões se integrarem às Marchas contra o Racismo em todo o país.
Foi uma reação mundial, levando a atos e marchas em vários países, assim
como em capitais de várias cidades brasileiras. Aqui, estes fatos repercutiram
justamente no momento de grande tensão entre as forças democráticas e os
antidemocráticos. Tudo isso acabou contribuindo para impulsionar vários grupos
a saírem às ruas em atos de manifestações pela Democracia e Contra o
Racismo,

As manifestações contra o racismo e pela defesa da democracia, em 2020,


reacendeu a esperança para mudanças culturais na sociedade ocorram.
Inúmeros ativistas e analistas reafirmaram: não existe democracia com a
existência do racismo! Este foi um marco histórico importante nas manifestações
de junho de 2020. Se o racismo foi “inventado” pelos brancos, naturalizado pelos
mesmos, que ignoram nos problemas da pobreza e da desigualdade social, que
há uma cor predominante na pobreza, a de negros; e há um racismo estrutural
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(ALMEIDA, 2018), cabe também aos brancos lutarem contra todas as formas de
racismo (SCHWARCZ, 2020).

Na luta pela democracia, várias entidades se pronunciaram como a CNBB


(Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros), ABC (Academia Brasileira de
Ciências), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), SBPC (Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência), ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e alguns
partidos políticos. O debate sobre o que é democracia também se generalizou
na academia e imprensa. Deve-se registrar também a série de Manifestos
lançados por grupos da sociedade civil e do meio político, via a mídia On Line e
na imprensa escrita, em defesa da democracia. Tudo isso tem gerado
aprendizados e lições aos cidadãos, segundo formulações que temos
desenvolvido ao longo dos anos sobre a educação não formal (vide GOHN, 2017
a).

A pandemia desnudou algo presente há séculos na sociedade brasileira- a


desigualdade socioeconômica (ADORNO, 2020).A precariedade das condições
de habitação (moradia e saneamento básico) entrou no horário nobre dos
noticiários da TV. Mas foram nos recantos onde existe mais desigualdade, em
comunidades carentes, vulneráveis, favelas e outras denominações existes no
país, que a solidariedade brotou com força e soluções criativas surgiram. Ações
coletivas organizaram o que políticas e políticos não conseguiram, a exemplo da
organização criada pela comunidade de Paraisópolis/São Paulo. Donatella Della
Porta registra este fato também em outros lugares do mundo ao dizer: “Diante
das manifestas insuficiências do Estado e, mais ainda, do mercado, as
organizações dos movimentos sociais são constituídas – como ocorre em todos
os países afetados pela pandemia – em grupos de apoio mútuo, promovendo
ações sociais diretas, ajudando os mais carentes. Assim, eles produzem
resistência, respondendo à necessidade de solidariedade. (DELLA PORTA,
Open Democracy, 2020).

Em função da necessidade de isolamento, a paralisação de atividades


presenciais, o home office, o home school etc., acelerou-se o uso dos meios de
comunicação, a Internet etc. O aumento das conexões se faz num momento em
que os indivíduos estão desconectados de seus grupos presencialmente. Duas
anotações são importantes a respeito. De um lado, formam-se tribos de
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pertencimentos a dadas causas e coisas, num processo crescente de


individualização; não é um ativismo articulado, é um ativismo de seguidores de
dogmas, de diferentes tipos. Não há um projeto emancipatório, há seguidores
que agem segundo as emoções, a razão não tem vez, muito menos o diálogo.

De outro lado, como afirma Della Porta, “Eu penso que desde WEB 1.0 até a 2.0
você teve transformações na capacidade dos indivíduos de produzir suas
próprias formas de comunicação, telefones, iPhones e assim por diante. E isso
mudou ... como posso dizer? Isso transformou as estruturas dos movimentos
sociais. Jeffrey Juris falou de uma mudança de uma lógica de rede para uma
lógica de agregação. Assim, é verdade que algumas dessas novas tecnologias
permitem movimentos de tipo instantâneo, mobilização muito rápida, mas
também desmobilização rápida, porque elas [as novas tecnologias] tornam a
estrutura da organização menos relevante. Mas, ao mesmo tempo, penso que
os ativistas dos movimentos sociais estão cientes dos desafios. Então você tem
pouquíssimas campanhas baseadas apenas em mídias sociais. E, pelo
contrário, se você pensar na chamada Primavera Árabe, ou nos Indignados, ou
nos movimentos no México e assim por diante, há um uso das mídias sociais,
mas também há muitas preocupações sobre a reocupação física dos espaços.
(DELLA PORTA, 2019: 386).

Na pandemia cada um faz de seu confinamento uma ficção pois fala, vê, escreve
e envia sinais para quem quiser. As novidades tecnológicas foram apropriadas
rapidamente pelos agentes econômicos que as transformaram não apenas em
meios de comunicação social mas fontes geradoras de empregos precários e
renda, como o comércio On Line e os entregadores de alimentos, os motoboys
que passaram a ser, em grande maioria, ‘cicloboys’, com longas distâncias e
cargas pesadas para entrega em suas bicicletas. Este contexto gerou também a
emergência da organização dos motoboys que chegaram a paralisar o trânsito
nas capitais. O invisível, ao se tornar visível, deu espaço também para a
organização, para a luta.

A nova crise deixou evidente a fragilidade dos sistemas nacionais de saúde, de


suas estruturas e condições sanitárias, mesmo com todos os méritos do SUS-
Sistema Único de Saúde. Revelou o fracasso das políticas econômicas
existentes, focadas em ajustes fiscais, reestruturação do Estado, retirada de
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direitos sociais dos trabalhadores, promotoras de novas formas de concentração


de renda e geradoras de novas desigualdades socioeconômicas. Explicitou-se
ainda mais a crise ambiental, ecológica. Portanto, uma crise civilizatória, nos
dizeres se SOUZA SANTOS, (2020).

A pandemia gerou, no mundo todo, atos de solidariedade na sociedade civil aos


profissionais da saúde, doentes, trabalhadores de apoio a serviços essenciais
etc. Propiciou-se mobilização civil, cidadã, assim como estratégias comunais e
convivencialistas na população. O comum, que nos torna humanos, destaca-se.
“Fique bem” virou cumprimento/despedida. O comum é público, e, portanto, o
público não é só o estatal. Aprendizagens para todos. Desenvolveu-se também
instrumentos de controle social dos indivíduos, via celulares, por exemplo; ou
autoritarismo, moralismo e práticas de denuncismo. O tempo de duração da
catástrofe poderá gerar mudanças em hábitos culturais. Ausências, urgências e
emergências entraram no cenário do debate sobre a pós pandemia.

2ª Parte: Fragmentos iniciais das interpretações teóricas possíveis para


entender as ações coletivas em 2020

Desde a década de 1960, época de minha graduação, acompanho a temática


dos movimentos sociais. Participei dos primeiros encontros do GT da ANPOCs
sobre o tema, já fui sua coordenadora. Tenho um grande arquivo vivo, na
memória, e em textos; publiquei dezenas de artigos e 22 livros sobre a temática.
Tenho também um arquivo de documentos sobre movimentos sociais no Brasil
e uma biblioteca de livros sobre o tema dignos de um centro de pesquisa pública.
O objetivo sempre foi um só: conhecer a realidade das ações coletivas e debater
a produção do conhecimento sobre o tema. Que teorias, categorias, conceitos e
métodos de abordagem têm sido utilizados nos estudos a respeito? Atualmente
indago: essas abordagens continuam adequadas no cenário de crise mundial de
2020, com a pandemia da COVID-19? Ou há deslocamentos e a necessidade
de novos aportes e conceitos? As linhas delineadas a seguir insere-se neste
campo de preocupações.

O estudo dos movimentos sociais, do ponto de vista das abordagens teóricas e


as possibilidades de sua aplicação para entender a realidade de um país, região
etc. é de suma importância. Mas é preciso destacar que há várias abordagens e
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em cada uma há diferenças em seu interior. Neste texto, vou dar destaque a uma
autora que até a década anterior foi sempre associada a Teoria da Mobilização
Política, depois rebatizada como Teoria do Confronto Político, de TILLY,
TARROW, McADAM e outros: Donatela Dela Porta. Na década de 2010, DELLA
PORTA resgata elementos da estrutura econômica da sociedade, e não apenas
as questões políticas, aproximando sua abordagem das análises dialéticas
críticas ao enfatizar a questão das classes sociais, não enfatizando
exclusivamente aspectos institucionalistas.

Como ponto de partida entendemos que, para a compreensão dos processos de


mobilização e formas de participação desde a década de 2010 temos que
retornar e aprofundar a clássica questão: o que são movimentos sociais,
discussão já realizada pelos autores já clássicos nas teorias sobre os
movimentos sociais tais como:CASTELLS,1974, 1996, 1997, e 1998;
TOURAINE1965, 1973, 1997; TILLY 1978, 2004; MELUCCI, 1980; TARROW,
1994, entre outros; assim como examinar as contribuições contemporâneas,
internacionais e nacionais., (DIANI e BISON, 2010; DIANI e McADAM, 2003;
DELLA PORTA e DIANI, 2015; DELLA PORTA, 2019, 2020; GOHN, 2017b e
2019.) entre outros Deve-se ter como ponto de partida as diferenciações porque
temos nas ações coletivas atuais a presença de inúmeros movimentos de
correntes político-ideológicas distintas. Num passado já distante, falar de
movimento social era sinônimo de estar falando de movimentos contestatórios e
reivindicantes de direitos, vistos como movimentos progressistas,
emancipatórios. A questão central, ou a novidade como dizia o debate na época,
era diferenciá-los entre velhos, ou clássicos (sindicais, estudantes, luta pela terra
etc.), dos movo-os identitários, culturalistas. Mas todos estavam numa mesma
chave-movimento social. Com o passar das décadas, organizações políticas ou
pré-políticas passaram a mobilizar e organizar a população, e algumas se
transformaram em movimentos sociais (ou passaram a auto denominarem-se
movimentos), ou movimentos políticos, dentro de um espectro político-ideológico
de valores de centro e de direita, conservadores, reacionários ou liberais,
neoliberais. Por isso deve-se também fazer a diferenciação entre movimento
social, movimento cívico, movimento político, movimento cultural, movimento
dialógico-midiático e suas múltiplas articulações. Muitos deles são
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fragmentados, não são consistentes, fluem tanto na forma como no conteúdo


conforme o conflito em tela. É necessário portanto qualificar os termos dos
debates e narrativas para sabermos de que tipo de movimento estamos tratando
pois generalizar e focalizar um só conceito, o de movimento social, poderá
confundir os sujeitos em cena. O mesmo ocorre com as categorias de apoio que
são utilizadas na sua análise como identidade, mobilização etc. Ser de
esquerda/direita, conservador/progressista, globalista/nacionalista, localista;
secular/religioso etc. passou a ser parte do universo das identidades, que
assumiram formas antagônicas e mutuamente excludentes na atualidade. No
centro dos antagonismos estão as polarizações. LEVITSKY e ZIBLATT (2018)
destaca que a polarização atualmente se estende para além das diferenças
políticas e adentra nas questões e conflitos de raça, cultura. Podemos resumir
que ela está no campo da política, das ideologias, das crenças religiosas, dos
costumes e comportamentos etc. A polarização passa a ser o grande divisor de
águas na política, na economia e na sociedade, adentrando a maioria dos
espaços onde há relações humanas, especialmente nas famílias, escolas,
igrejas e comunidades locais. Guerras culturais são travadas entre diferentes
grupos sociais. É importante destacar que resulta deste cenário de polarizações,
não uma amplificação do debate, ou o exercício da democracia, mas resulta o
contrário- um processo de desdemocratização (TILLY, 2007; PRZEWORSKI,
2020.), de enfraquecimento de sistemas e instituições democráticas, quando não
a sua supressão, como a extinção de vários conselhos participativos na esfera
pública.

Além de termos de ampliar o escopo analítico para entendermos ações coletivas


a partir da década de 2010, o leque de formas associativas civis, tanto no campo
progressista como no conservador, também se ampliou com a proliferação dos
coletivos. A maioria desses últimos baseiam-se em valores, projetos societários
e organização diferentes dos movimentos sociais. Não são mais centrados em
movimentos de transformações econômicas e políticas como os movimentos de
oposição política do século XX, a maioria atuante em movimentos sindicalistas.
Muitos coletivos têm orientações libertárias, com posições demarcadas pelo anti
institucionalismo, são múltiplos e fragmentados, por isso é difícil enquadrá-los
em alguma tipologia; são ativistas que se envolvem com lutas mais diretas e
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imediatas. É importante entender os 'autonomistas', não apenas porque eles


tratam os movimentos fora das instituições estatais, mas também porque tem
outros referenciais de projeto societário. Muitas vezes são compostos de jovens
com menos de 30 anos, a chamada geração Z, envolvem-se em causas de áreas
temáticas como o feminismo, racismo e questões LGBTQI+ e apresentam-se
como apartidários, mas com causa. Encontramos muitos coletivos no campo da
cultura. Raymond Williams, décadas atrás, já havia chamado atenção para este
fenômeno quando escreveu sobre “formas de organização e de auto-
organização que parecem muito mais próximas da produção cultural.”
(WILLIAMS, 2000, pág. 57).

Há também coletivos que não descartam atuar politicamente via instituições


públicas estatais, a exemplo dos coletivos que tem crescido nos últimos dois
anos para apoiar e lançar candidatos a cargos públicos no legislativo e executivo,
em diferentes esferas. Há destaque aqui para coletivos formados basicamente
por mulheres. “A Vote Perifa é uma plataforma que surgiu como um movimento
popular para compartilhar candidaturas da periferia de São Paulo. Já o Café
Filosófico da Periferia atua como um grupo formado por educadores, artistas e
coletivos culturais, que promove discussões sobre educação popular e produção
de conhecimento nas periferias da zona sul da cidade. Com a pandemia, essas
iniciativas deixaram de realizar suas atividades em espaços físicos para ocupar
as diversas plataformas digitais e as redes sociais, passando a organizar
encontros através de grupos de Facebook e WhatsApp... - Veja mais em
https://www.uol.com.br/tilt/colunas/quebrada-tech/2020/11/04/coletivos-
debatem-eleicoes-nas-redes-sociais-com-moradores-da-quebrada.

E para complicar a cena temos coletivos dentro de movimentos sociais, como


forma de organização interna, como no MST-Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra. O tema é complexo e longo e não é possível abordar todas as nuances e
as diferenciações neste momento. Tenho discutido isso em dois outros trabalhos
(GOHN, 20197e 2019).

Categorias sociológicas muito pouco teorizadas e debatidas na academia ou na


literatura da área, como isolamento e distanciamento social, entraram na ordem
do dia, nas políticas públicas e na mídia. Surge a necessidade de retomar essas
categorias na literatura dos clássicos, assim como atualizar e buscar quais as
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novas categorias teóricas são necessárias para explicar uma realidade onde se
observa o confronto de duas correntes: o racionalismo (defesa da ciência, do
saber científico, e defesa da vida humana) e o não racionalismo (que se
aproveita das emoções fragilizadas daqueles acuados pelo medo e pelo
desemprego, para proporem soluções irracionais, voltadas para o mercado). Isso
tudo em um cenário de guerras culturais e disputas de narrativas. Talvez teorizar
sobre as emoções para além das abordagens de recorte exclusivamente
psicologizantes, ver as possibilidades que as emoções podem despertar na ação
coletiva, na linha que assinala Dela Porta: “Eu penso que as emoções são
importantes, porque elas produzem espirais positivas. Então elas [as emoções]
mudam as pessoas. Essa é uma das lições em movimentos sociais: você precisa
de esperança para se mobilizar, e acho que alguns desses eventos estão dando
esperança. É um desafio, mas não diria que é um momento em que basta
sobreviver à grande regressão. É um momento de luta, eu acho. (DELLA
PORTA, 2019:387).

Temos de qualificar a participação na democracia, tanto em termos de seus


projetos políticos e econômicos, como em termos dos espaços e territórios em
que se viabilizam. Pesquisar os engajamentos, não só do ponto de vista
individual, das escolhas de cada um visando retribuições, numa lógica de custos
versus benefícios, como fez Mancur Olson na década de 1960. Pesquisar do
ponto de vista da construção de busca de sentidos, ver as pautas a partir de
narrativas coletivas, construídas nas redes de compartilhamento e solidariedade.
Os espaços de socialização dos indivíduos são diversos, para além de recursos
oriundos da socialização familiar, religiosa ou escolar. Isso implica em retomar
as categorias da solidariedade e isolamento social nas teorias clássicas da ação
coletiva, não apenas sob perspectivas humanistas ou psicológicas, mas do ponto
de vista das relações e contextos políticos, culturais, sociais e econômicos
existentes. As teorias institucionalistas das oportunidades políticas e a das
identidades culturais, que imperaram nas últimas dias décadas para analisarem
os movimentos sociais, também devem ser revisadas. Oportunidades políticas,
por exemplo, sempre estiveram associada a mobilizações de movimentos
progressistas, mas nos últimos anos observa-se que elas são apropriadas por
vários grupos, com projetos de vida e mundo muito diferentes. O sinal mudou e
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o que restou é a qualificação da oportunidade como brecha, como espaço


apropriado para determinado objetivo.

A respeito dessas categorias, Della Porta observa:

Se volvió evidente que conceptos conocidos como el papel de las oportunidades


políticas, la movilización de los recursos y los procesos de encuadramiento,
requerían ser actualizados para tener en cuenta las condiciones
socioeconómicas de las protestas. En lo que sigue argumentaré que, para volver
a poner al capitalismo dentro del análisis de las protestas, necesitamos vincular
la literatura sobre movimientos sociales con los aportes críticos a la economía
política del capitalismo neoliberal” (DELLA PORTA, Donatella. Capitalismo, clase
y protesta. Diálogo Global. Internacional Sociological Association. Vol. 10, no 1,
abril de 2020, p 49.). Ou seja, retomar análises estruturais, recolocar a política
no centro, no foco dos conflitos, é uma tarefa da atualidade.

Outro exemplo são as tensões entre singularidade e identidade, indivíduo e


coletividade; as identidades que foram destacadas no passado, por redes e
relacionamentos diretos, em reuniões e mobilizações em espaços que
constituíam um coletivo das identidades. Estes espaços construíam os alicerces
políticos e simbólicos dos movimentos. O tempo mudou, ocorreu a emergência
de uma nova geração de ativistas e de movimentos; e os espaços das ações
coletivas também mudaram, tornaram-se predominantemente virtuais. Continuo
com Della Porta ao analisar a questão da (das) identidade(s). Recorto uma longa
citação que diz:

Touraine tem uma ideia de identidade coletiva que se inclinaria para a


consciência de classe, enquanto outros acadêmicos, também em estudos de
movimentos sociais, usaram o conceito de identidade coletiva em um tipo de
perspectiva micro, observando mais as maneiras pelas quais os indivíduos vão
de uma identidade individual para uma identificação com outros e como o
processo é em seguida politizado e assim por diante. Assim, Bert Klandermans,
por exemplo, como psicólogo, analisou esse tipo de dinâmica no nível micro,
enquanto Touraine tentou entender como as grandes transformações nas
identidades de classes (e dos movimentos sociais como um dos atores
desafiadores da sociedade) desenvolveram-se. Eu trabalhei mais no nível
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intermediário, portanto olhando mais para o tipo organizacional de identidades,


e a minha impressão é que existe hoje muito "trabalho de identidade", o trabalho
que é feito para tentar abordar os problemas das sociedades líquidas. Então,
para tentar fornecer identificações que sejam mais fáceis de serem abordadas
pelos movimentos sociais progressistas. Assim, as identificações tendem, é
claro, a interagir com a ideologia, as narrativas, e penso que isso [o "trabalho de
identidade"] é extremamente importante hoje em dia, porque um dos desafios é
desenvolver um tipo contra hegemônico de narrativas. Então, para mim isso está
relacionado com as identidades coletivas agora. Os movimentos sociais
tenderam a sempre trabalhar muito na tentativa de desenvolver novas
identidades emergentes: movimento de mulheres, movimento ambiental, por
exemplo. Agora, penso que o desafio é passar do tipo fragmentado e específico
de identidades para identidades mais amplas e globais. Então, ao mesmo tempo,
a linguagem do passado precisa ser atualizada: a classe trabalhadora não
poderia ser a única identidade coletiva, mas também acho que há uma tentativa
de ir além da fragmentação, e o "trabalho de identificação" é importante. (Della
Porta, 2019, 385.).

Com estas notas encaminho para a seguinte conclusão: sem colocar a questão
das classes sociais não é possível compreender as desigualdades
contemporâneas (que sempre existiram, não foram criadas pela pandemia) e
não é possível alavancar as demandas identitárias para além dos protestos; e
para além das conquistas de reconhecimento jurídico, de inscrição de leis. Mas
também não se pode ignorar o papel da subjetividade, das emoções, numa
sociedade onde predomina o relacionamento virtual, onde as narrativas
modelam e mudam as opiniões das pessoas. Tem-se que avançar na questão
de mudança cultural na sociedade, para que as leis sejam respeitadas, para que
o reconhecimento seja efetivo. Volto novamente para Della Porta, em mais duas
citações, na mesma entrevista:

“.. não se trata apenas de olhar para o tipo de base estrutural dos movimentos
sociais, mas ainda é preciso entender quando e em que direção esses tipos de
conflitos de classe estão se desenvolvendo. Então a política ainda é importante
para mim, as agências de movimentos ainda são importantes para mim, mas
isso precisa ser combinado com questões de classe. Em seguida, outro tipo de
15

desafio é que os estudos de movimento sociais focalizaram principalmente


movimentos de esquerda e progressistas, enquanto hoje em dia você sempre
questiona qual é a relação entre os movimentos sociais de esquerda e o
desenvolvimento de desafiantes à direita. É verdade que muitas vezes os
oponentes da direita assumiram formas mais partidárias do que formas de
movimento social, mas eles [os partidos] com certeza constantemente tentaram
mobilizar também suas bases” (DELLA PORTA, 2019: 386)

“Não é tão clara a distinção entre movimentos de distribuição e movimentos de


reconhecimento, porque o que conta é a construção social da reivindicação, da
classe, das identidades coletivas[,,,] classe não é apenas o interesse material.
Mas também envolve questões de status e questões de reconhecimento político.
Então, penso que, se juntarmos isso, veremos que não há realmente
movimentos que possam ser lidos apenas como movimentos de reconhecimento
ou movimentos que poderiam ser lidos apenas como movimentos de
redistribuição, mas as questões são combinadas no que hoje é definido
interseccional idade, mas que eu acho que uma ideia sofisticada de classes já
possuía. Então, as discriminações em termos de classe estreitamente entendida,
de gênero, de raça, de idade e assim por diante eu penso que se combinam
umas com as outras. (DELLA PORTA, 2019: 386).

Breve Conclusão

A análise do cenário sociopolítico de 2020 com a pandemia nos revelou “la


pandemia como un acontecimiento crítico global que marca una inflexión
histórica. Aunque haya habido muchas pandemias anteriores y podamos
identificar elementos comunes y distintivos entre ellas, se trata de la primera
pandemia que se vive simultáneamente en todos los rincones del mundo con
una inédita resonancia global[.]afecta a las personas y a los lugares de maneras
muy distintas, por lo cual es fundamental captar las desigualdades y la diversidad
de situaciones y posiciones (BRINGEL y PLEIYERS, 2020:11- 12). Até o
momento, final de 2020, o que se observa é uma realidade conflituosa, com
desdobramentos imprevisíveis. Nosso estudo indica que as ações coletivas são
difusas, fragmentadas, representam uma ampla gama de tendências político-
ideológicas- de grupos emancipatórios a conservadores passando pelos
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autonomistas e libertários- que recusam a política partidária, mas não a


participação na esfera pública. A emergência de novos repertórios e gramáticas
de contestação levam-nos a concluir que: progressistas/socialistas concentram-
se na crítica ao neoliberalismo e ao governo federal conservador e caótico, não
mudaram discursos e práticas. Os conservadores avançaram, aproveitaram
oportunidades políticas dadas pelo status quo das diretrizes do governo federal
e produziram atos de buzinaços’, carreatas e acampamentos públicos. Mas
causaram repulsa da população pelos incivilidade, e pelos seus repertórios
clamando atos de exceção etc. Ou seja, há tensões nas relações entre os
movimentos emergentes, de diferentes espectros político ideológicos e os
diversos atores presentes nas ruas e nas redes sociais, ampliando o campo dos
conflitos sociopolíticos.

Mas houve reinvenções nas ações coletivas e a solidariedade ganhou a cena


pública. Já que as ruas não podem ser ocupadas, o espaço privado, as janelas
e varandas passaram a ser locais do protesto, mas também de agradecimento
aos profissionais da saúde e serviços essenciais. Iniciativas cidadãs e
movimentos comunitários de bairros desempenharam papel relevante nas
urgências e emergências da crise.

Ou seja, oportunidades políticas têm sido apropriadas por vários grupos, com
projetos de vida e mundo muito diferentes, e este ponto das teorias de Tilly e
Tarrow são importantes. Mas os pontos desta teoria focalizados excessivamente
em análises institucionais, tem de serem revistos. As teorias identitárias são
ainda muito importantes nas análises de grupos específicos, como os
movimentos de mulheres, povos indígenas e negros. Mas terão de ser revistas
no que diz respeito ao foco exclusivo nas identidades culturais. Estes grupos
avançaram em suas pautas e conquistas, adquiriram visibilidade, porque
politizaram as demandas, no campo das desigualdades, injustiças e processos
de significação e subjetivação da realidade social, mas as políticas identitárias
criaram também divisionismos (LILLA, 2018). Talvez a discussão tenha que
trilhar para universos mais amplos. A questão das classes tem de entrar no
debate, tem que analisar a intersecção das diferentes questões em jogo. Há
também a necessidade de fundamentar novas categorias teóricas para explicar
a realidade. Hoje os movimentos sociais mais ativos passam pela questão das
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mulheres, dos negros e do meio ambiente. Como entrecruzar esta discussão? O


feminismo negro é tema só para os negros? Qual é o papel e o lugar da fala dos
negros, brancos, amarelos, vermelhos etc. Ou seja, estigmas ideológicos
impedem o avanço do debate e a construção/reconstrução de categorias que
expliquem a realidade multifacetada atual, especialmente devido a
reconfiguração das identidades, cada vez mais complexas e multi-referenciais.

O poder das redes sociais é uma realidade que veio para ficar. Associamo-nos
aos analistas que afirmam: as forças democráticas e progressistas precisam se
unir, superar divergências regionalizadas e ideológicas, e passem a dialogar e a
utilizar as redes para a construção de novos rumos, em direção ao retorno da
democracia, a reafirmação de seus valores e a reconstrução de seus processos.
A polarização esgarça o tecido democrático e reduzi-la é um dos grandes
desafios da atualidade, para que líderes populistas possam ser destronados.
Colocar a questão da democracia no centro dos debates leva-nos a dar
visibilidade as demandas, aos movimentos sociais, a exemplo do que tem feito
clássicos e contemporâneos sobre o tema ((PRZEWRSKI, 2020; MOUNK, 2019;
LEVITSKY e ZIBLATT, 2018; DIAMOND, 2017; RANCIÈRE, 2014; NOBRE,
2013; TILLY, 2007), entre outros.

O cenário da COVID 19, ao atuação de múltiplos atores sociais, e o papel do


Estado no período nos indica a urgência e necessidade de políticas públicas que
priorizem a justiça social pois além de termos a desigualdade
revelada/desvelada, o desenrolar da crise tende a acentuar estas desigualdades,
a perda de pequenos avanços e conquistas. Deve-se recolocar no debate e na
formulação de proposições o papel das políticas sociais nas políticas públicas. E
as demandas e organização da sociedade civil tem de entrar nesta agenda.

Concluo com três novas citações de Della Porta:

“. A crise também abre oportunidades de mudança, evidenciando a necessidade


de responsabilidade pública e senso cívico, de regras e solidariedade. Se as
crises têm o efeito imediato de concentrar o poder, até sua militarização, elas
demonstram, no entanto, a incapacidade dos governos de agir simplesmente
pela força. [..] A necessidade de compartilhamento e amplo apoio para lidar com
a pandemia pode trazer reconhecimento da riqueza da mobilização da sociedade
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civil. A presença de movimentos sociais poderia, portanto, contrastar com os


riscos envolvidos em uma resposta autoritária à crise.” (DELLA PORTA, 2020a:
50:),

“Tender un puente entre este campo de estudios y la economía política (crítica)


es un paso fundamental para captar la variedad, intensidad y temporalidad de
los movimientos sociales que se han movilizado en diversas regiones del mundo,
en contra de la crisis generada por el capitalismo neoliberal. Para lograrlo, la
teoría de los movimientos sociales debería asumir un mayor compromiso con los
análisis críticos de la transformación capitalista que investigan los procesos
actuales de acumulación y explotación. Al mismo tiempo, el análisis de las
transformaciones estructurales del capitalismo puede beneficiarse de la atención
prestada por la teoría de los movimientos sociales a la movilización del malestar”.
(DELLA PORTA, 2020b: 50).

“E para isso eu acho que precisamos também desenvolver conceitos e métodos.


Porque sempre tivemos a sorte de trabalhar e fazer pesquisas empíricas sobre
os movimentos sociais de que gostamos, povoados por “pessoas legais” que
normalmente nos acolhem, mas agora é preciso pensar também em como
atualizar não apenas o conjunto de ferramentas teóricas, mas também as
ferramentas metodológicas” (DELLA PORTA, 2019: 384)

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i
Maria da Glória Gohn-Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e pós-
doutoramento em Sociologia pela New School University, Nova York, EUA. Professora
Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
e Profa. Visitante Sênior da Universidade Federal do ABC (UFABC) no Programa de
Pós Graduação em Políticas Públicas. Pesquisadora 1A do CNPq. Foi profa. visitante
da Universidade de Córdoba e da Universidade Complutense de Madri. Fez estágio de
pesquisa na Fundação Rockfeller em Belágio/Itália, e na UNESCO. Atua nos seguintes
temas: movimentos sociais, participação social, educação não formal, associativismo,
cidadania e políticas públicas. Publicou 22 livros e inúmeros artigos.

http://lattes.cnpq.br/8315862641929394

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