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All content following this page was uploaded by Juan Rafael de Abreu da Silva on 13 December 2022.
RESUMO: Este artigo traz informações a respeito da incidência do portunhol em uma perspectiva voltada
ao preconceito linguístico. O portunhol é uma variante da língua portuguesa e da espanhola/platina muito
recorrente na fronteira entre as cidades de Sant’Ana do Livramento no Brasil e Rivera no Uruguai. Como
objetivos, buscamos apontar se ocorre a utilização da variante linguística, constatar seu reconhecimento
e prestígio como uma fala que contribui na construção da identidade regional e cultural fronteiriça,
além de registrar a presença de preconceito linguístico, tanto pelos próprios usuários como pelos seus
interlocutores, a fim de identificar as características e origens do preconceito. E, para isso, fomos a campo,
mais precisamente ao Instituto Federal Sul-rio-grandense, localizado na cidade brasileira, o qual oferta
à população fronteiriça cursos técnicos binacionais. Por meio de questionário investigativo, obtivemos
dados da comunidade acadêmica que foram entrecruzados com os da literatura sobre o portunhol, com a
finalidade de comprovar a sua importância e relevância como uma língua identitária da fronteira, bem como
o prestígio que a variante recebe de sua comunidade de fala. Com o presente estudo, constatamos que
o portunhol atualmente detém uma relevância por parte da comunidade fronteiriça, visto ter se tornado
marca da identidade e da constituição linguística e sociocultural do povo fronteiriço, além de estar em
contínua expansão e utilização.
ABSTRACT: This article aims to bring information about the incidence of Portunhol in a perspective
focused on linguistic prejudice. Portunhol is a variant of Portuguese and Spanish languages that is very
common on the border between the cities of Sant’Ana do Livramento in Brazil and Rivera in Uruguay.
Our objective is to point out if the use of this linguistic variant occurs, verify its recognition and prestige
as a speech that contributes to the construction of the border regional and cultural identity and register
the presence of linguistic prejudice, both by the users themselves and by their interlocutors, in order to
identify the characteristics and origins of the prejudice. In order to achieve this, we got field data at the
Federal Institute of Rio Grande do Sul located in the Brazilian city, which offers binational technical courses
to the border population. We obtained this data from the academic community through an investigative
questionnaire and intertwined it with data from the literature on Portunhol, in order to demonstrate its
importance and relevance as an identity language from the border as well as the prestige that the variant
receives from its speaking community. With this study, we found that Portunhol currently holds a relevance
from the border community, since it has become a mark of the identity and the linguistic and socio-cultural
constitution of the border people, in addition to being in continuous expansion and use.
INTRODUÇÃO
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Graduado em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Orientador(a): Profa. Dra. Andrea Ad Reginatto. E-mail: juan.r.silva@ufv.br
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sua identidade nacional. Dentro desse contexto, é sabido que tal identidade nacional
provém de diversas representações e manifestações que despertam o sentimento de
pertencimento a um determinado país. Uma dessas representações de identidade é a
língua. Contudo, não nascemos com essa identidade intrínseca às nossas personalidades,
porque é com a aquisição da linguagem que construímos nossas identidades nacionais
e mesmo assim ela não é uniforme em seu processo de construção já que recebe
interações das mais diversas culturas e, consequentemente, de outras línguas que também
representam identidades nacionais.
Sabe-se que dentro de um país a língua se desdobra em variantes, as quais
determinam identidades regionais e que, devido a diversos aspectos históricos e
socioculturais, definem as características que diferenciam cada região. Além do mais, o
Brasil faz fronteira com sete países onde o espanhol é uma das línguas oficiais, fato que
torna inevitável o contato linguístico entre duas grandes línguas e suas variações que
se misturam em determinados contextos. Visto isso, cabe salientar que algumas destas
fronteiras têm apenas uma rua como divisor entre os países. É o caso das cidades de
Sant’Ana do Livramento no Brasil e Rivera no Uruguai, onde tal situação é vivenciada
diariamente pelos seus habitantes.
Historicamente, conforme Sturza e Tatsch (2016), esse espaço entre as cidades
que chamamos de fronteira é caracterizado por estar limitado a um bioma comum tanto
ao sul do Brasil como também à Argentina e ao Uruguai. Além de suas características
geográficas e ecológicas, segundo a literatura e a história, este local também é reconhecido
como o lugar de onde surge a figura do gaúcho e, consequentemente, um tipo social
em um espaço marcado em sua história por inúmeros conflitos que se destinavam à
delimitação territorial da região do Rio da Prata e do Estado do Rio Grande do Sul.
Consoante às autoras,
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se llama Imperio del Brasil; pero es preciso que sepáis que felizmente no es así!
Al pasar al otro lado del río Yaguarón, señores, el traje, el idioma, las costumbres,
la moneda, los pesos, las medidas, todo, todo señores, hasta la otra banda del río
Negro, todo, todo señores, hasta la tierra: todo es brasilero (PINTOS, 1990, p. 112).
[...] a Fronteira não significa apenas pela sua relação espacial, como o lugar que
marca o limite entre territórios. Os limites cartográficos são referências simbólicas
que significam a fronteira através de um marco físico, embora a vida da fronteira,
o habitar a fronteira signifique, para quem nela vive muito mais, porque ela já se
define em si mesma como um espaço de contato, um espaço em que se tocam
culturas, etnias, línguas, nações. (STURZA, 2006, p. 26).
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METODOLOGIA
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DISCUSSÃO E RESULTADOS
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relaciona-se a um conjunto de fatores que têm a ver com a identidade dos falantes
e também com a organização sociocultural da comunidade de fala. Classe social,
idade, sexo e situação ou contexto social são fatores que estão relacionados às
variações de natureza social. (MARTINS, 2011, p.8).
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importante salientar que julgamos relevante saber em qual língua os participantes foram
alfabetizados, visto que classificamos primordial esse primeiro passo para formação
de falantes e da (re)construção de suas respectivas identidades político-pessoais. Em
respostas, constatamos que 67,8% foram alfabetizados em português e 32,2% na língua
espanhola.
Investigando a respeito do portunhol e sua incidência no contexto da pesquisa,
obtivemos os seguintes resultados: 100% dos entrevistados sabem o que é e do que se
trata o portunhol; além disso, 98,3% conhecem alguém que se comunica em portunhol.
Ampliando o foco desse questionamento, perguntamos onde já leram e/ou ouviram
alguma manifestação do portunhol. É oportuno acrescentar que, para responder a
essa questão no questionário, os participantes poderiam apontar mais de um local de
manifestação do portunhol. Obtivemos resultados como a internet, o rádio e as letras
de músicas sendo os maiores locais de manifestação do portunhol. Outros meios como
placas de divulgação, televisão e livros foram citados pelos participantes.
Esses dados constatam que o portunhol é entendido e falado pela grande maioria
dos participantes e, principalmente, pelos próprios fronteiriços em algum momento de
suas vidas. Tal conhecimento é importante para a difusão da língua/variante, o que pode
ser usado para evitar o preconceito e os estigmas, a fim de estimular a maior aceitação
e consideração de um fenômeno com características históricas e culturais latentes na
fronteira, e que está amplamente ativo no dia a dia dos habitantes locais, o que denota
ampla característica e função social da variedade em questão. De acordo com Martins
(2015),
Portunhol é uma língua predominantemente oral, talvez por essa razão venha se expandindo,
venha marcando um espaço de interação comunicativa, necessária para a manutenção de
uma fluidez nas relações entre grupos sociais e comunitários distintos (STURZA, 2019, p. 108).
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O preconceito lingüístico se baseia na crença que só existe [...] uma única língua
portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada
nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação lingüística que
escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do
preconceito lingüístico, “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”, e não é
raro a gente ouvir que “isso não é português” (BAGNO, 2007, p. 38).
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Podemos afirmar que a aceitação do portunhol nos dias atuais está mais flexível
do que alguns anos atrás, pois, enquadrando-o como uma variante linguística, podemos
perceber que ele está desenvolvendo muito bem o seu papel na intercompreensão
comunicativa entre os sujeitos fronteiriços. Quando houver falta de fluência em língua
portuguesa ou em língua espanhola, os sujeitos podem usar o portunhol em sua forma
oral na tentativa de se enquadrarem aos atos comunicativos. “Essa nossa tentativa de
adequação se baseia naquilo que consideramos ser o grau de aceitabilidade do que
estamos dizendo por parte de nosso interlocutor ou interlocutores.” (BAGNO, 2007,
p. 118). E para isso, não há a necessidade de que saibamos falar “bem” o português, o
espanhol e o próprio portunhol, mas que saibamos falar, comunicar, interagir. De acordo
com Bagno, “Todo falante de uma língua sabe essa língua. Saber uma língua, no sentido
científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade
as regras básicas de funcionamento dela.” (BAGNO, 2007, p. 33).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a análise das citadas afirmações e com base na literatura sobre o tema,
podemos perceber a relevância e a importância que o portunhol tem nas vidas da fronteira
como uma fala identitária do povo fronteiriço. O portunhol, que há mais de 300 anos é
falado na região, a despeito de toda trama forjada em prol do seu desaparecimento,
ainda é o mesmo e começou a entrar na música, na literatura, na história, na culinária, na
poesia, nas propagandas de televisão, nos festivais da fronteira, na internet e nos estudos
acadêmicos da região, e está cada dia mais vivo, mais falado, mais apreciado pelos seus
usuários, mesmo que sua utilização seja em ocasiões esporádicas e não formais. O
portunhol está “na boca do povo”, do seu povo, do povo fronteiriço; povo guardião
de uma variedade linguística que age como catalisador para as relações que na fronteira
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A citação acima foi extraída do que o autor chama em sua obra de “Dez Cisões
para um ensino de língua não (ou menos) preconceituoso”, com a finalidade de desconstruir
o preconceito linguístico sofrido pelos usuários das variantes da língua portuguesa faladas
no Brasil, em que uma delas é o portunhol, uma língua única nascida na e para a região
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da fronteira entre o Brasil e o Uruguai e que ainda se faz – e se fará – presente, na alma
e na boca dos sujeitos que ali vivem, interagem e constroem seus futuros. Como afirma
Martins (2015):
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Loyola, 2007.
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STURZA, E. R. Portunhol: língua, história e política. Gragoatá. v. 24. n. 48. Niterói, p. 95-116, 2019.
Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33621. Acesso em: 03 nov. 2021.
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STURZA, E. R. Portunhol: a intercompreensão em uma língua da fronteira. Revista
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