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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA - PPGLinC

ILMA TELES DE MENEZES DA LUZ

O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO - (PLAc) EM


CARTOGRAFIAS CRÍTICAS MULTILÍNGUES: REPERTÓRIOS DE
REFUGIADOS E IMIGRANTES COMPULSÓRIOS EM SALVADOR

Salvador
2022
ILMA TELES DE MENEZES DA LUZ

O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO - (PLAc) EM


CARTOGRAFIAS CRÍTICAS MULTILÍNGUES: REPERTÓRIOS DE
REFUGIADOS E IMIGRANTES COMPULSÓRIOS EM SALVADOR

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Língua e Cultura, do
Instituto de Letras da Universidade Federal
da Bahia - UFBA, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestra em Língua
e Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Gilvan Müller de


Oliveira

Salvador
2022
ILMA TELES DE MENEZES DA LUZ

O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO - (PLAc) EM


CARTOGRAFIAS CRÍTICAS MULTILÍNGUES: REPERTÓRIOS DE
REFUGIADOS E IMIGRANTES COMPULSÓRIOS EM SALVADOR

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do Programa de


Pós-Graduação em Língua e Cultura, do Instituto de Letras da
Universidade Federal da Bahia – UFBA, como requisito para
aquisição do título de Mestra em Língua e Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira.

Dissertação defendida e aprovada em 12 de janeiro de 2022.

Banca examinadora:
_______________________________________________________________________
Professor Orientador: Dr. Gilvan Müller de Oliveira (PPGLinC /UFBA)

_______________________________________________________________________
Examinadora Interna: Dra. Terezinha Oliveira Santos (PPGLinc/UFBA)

_______________________________________________________________________
Examinadora Externa: Dra. Letícia Telles da Cruz (UNEB)
Ao meu maior exemplo de coragem e amor pela vida:
Minha mãe, Hildete Teles.
AGRADECIMENTOS

Esse é o momento mais reconfortante dessa caminhada. Agradeço às muitas mãos que me
acolheram e me encaminharam para que eu chegasse até aqui.
Agradeço a Deus, pela existência e proteção diária.
A minha mãe, Hildete Teles de Menezes Dias, minha eterna fonte de inspiração.
A Tainá Corongiu e a Rafael Corongiu, meus filhos queridos, pela compreensão e apoio.
Aos meus familiares que, direta ou indiretamente, contribuíram nessa jornada.
Ao meu orientador, o Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira, pela paciência e compreensão
durante o curso.
As professoras da banca de qualificação, por indicarem as orientações para o aperfeiçoamento
desta pesquisa.
As professoras da banca de defesa, Dra.Terezinha Oliveira Santos (PPGLinC/UFBA) e Dra.
Letícia Telles da Cruz (UNEB), por aceitarem o convite para avaliação do meu trabalho e
pelas orientações propostas para a sua conclusão.
Aos colegas do Núcleo de Estudos em Língua, Cultura e Ensino (LINCE), pela troca de
conhecimentos e experiências.
Em especial, quero agradecer a querida Profa. Edleise Mendes, por todo o carinho e incentivo
durante o curso e, por mostrar-me os caminhos do Português como Língua de Acolhimento
(PLAc), que foi uma paixão, à primeira vista, e se tornou uma responsabilidade intelectual,
social e política.
Aos colegas de mestrado da turma 2018.1, denominada “As Vozes do Sul”, agradeço
imensamente pelas alegrias compartilhadas, bem como pelo afeto e empatia nos momentos
difíceis. Em especial, a Melissa Barbosa pela troca e cumplicidade na escuta.
Não poderia, também, deixar de agradecer aos amigos Amanda Santiago, Edna Oliveira e
Robson Moraes pela parceria e incentivo antes e durante o curso.
Por fim, agradeço aos participantes da pesquisa pela confiança e disposição em colaborar para
a realização desse trabalho acadêmico.
“O que tem que ser tem muita força, tem uma força enorme”.
(GUIMARÃES ROSA, J. Grande Sertão: Veredas, 2006).
“Daí que, estabelecida a relação opressora, esteja inaugurada a
violência, que jamais foi até hoje, na história, deflagrada pelos
oprimidos. Como poderiam os oprimidos dar início à violência, se eles
são o resultado de uma violência? Como poderiam ser os promotores
de algo que, ao instaurar-se objetivamente, os constitui? Não haveria
oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma
como violentados, numa situação objetiva de opressão. Inauguram a
violência os que oprimem, os que exploram, os que não se
reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não
são reconhecidos pelos que os oprimem como outro. Inauguram o
desamor, não os desamados, mas os que não amam, porque apenas se
amam. Os que inauguram o terror não são os débeis que a ele são
submetidos, mas os violentos que, com o seu poder, criam a situação
concreta em que se geram os “demitidos da vida”, os “esfarrapados do
mundo.”

(PAULO FREIRE, 1998, p. 42)


O Português como Língua de Acolhimento – (PLAc) em Cartografias Críticas Multilíngues:
Repertórios de Refugiados e Imigrantes Compulsórios em Salvador

RESUMO

O Brasil tem sido o destino de milhares de pessoas em situação de refúgio e de


deslocamento compulsório nos últimos anos, devido a graves violações de direitos humanos
provenientes de guerras, instabilidades econômicas, desastres ambientais, perseguições
políticas, religiosas, entre outros. Os novos fluxos migratórios (BAENINGER, 2018)
alteraram a rota tradicional Sul-Norte para o eixo Sul-Sul. A cidade de Salvador, capital da
Bahia, apesar de não estar localizada na região de fronteira, tem recebido um contingente
significativo de refugiados e imigrantes compulsórios, muitos deles devido ao programa de
interiorização do Governo Federal, apoiado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR). Esta dissertação tem por objetivo compreender o processo
imigratório em Salvador, visibilizar os seus protagonistas, verificar como eles vivem, quais
as características socioculturais apresentam e como constroem os seus repertórios
linguísticos. Além disso, busca-se saber de que forma o Português como Língua de
Acolhimento em contextos multilíngues e multiculturais pode ser uma ferramenta
intercultural eficaz para a integração e inclusão social de migrantes na sociedade
soteropolitana. Este estudo tem os seus fundamentos ancorados na área da Linguística
Aplicada Indisciplinar (MOITA LOPES, 2006) e Transgressiva (PENNYCOOK, 2006), bem
como nas epistemologias freirianas das Pedagogias do Oprimido e da Autonomia (FREIRE,
1998;1997) e da Educação Linguística Ampliada (CAVALCANTI, 2013). O referencial
teórico para os estudos do Português como Língua de Acolhimento está lastreado em
(GROSSO, 2010; AMADO, 2011; BIZON, 2013; LOPEZ, 2016; SÃO BERNARDO, 2016;
ANUNCIAÇÃO, 2018; DINIZ; NEVES, 2018). A metodologia tem abordagem
qualitativa-interpretativista (DENZIN e LINCOLN, 2006; BORTONI-RICARDO, 2008) e
de viés etnográfico (ERICKSON, 1981; LÜDKE E ANDRÉ, 1996). Foram utilizados
instrumentos para coleta, geração e análise de dados, e os respectivos resultados apontaram a
relevância do acesso à língua portuguesa como dispositivo de emancipação e autonomia para
migrantes compulsórios; ausências de políticas linguísticas e públicas institucionalizadas e
articuladas ao arcabouço jurídico para o contexto das migrações transnacionais. Portanto,
esta pesquisa exerceu o seu papel acadêmico e social no sentido de contribuir para
implantação de uma política de estado com interconexões nas estruturas das esferas federais,
estaduais e municipais, a fim de inserir dignamente pessoas em situação de indigência moral
e vulnerabilidade migratória, agravadas pela crise sanitária mundial do covid-19 e da grave
crise política e econômica que devasta o país.

Palavras-Chave: Português Língua de Acolhimento – (PLAc). Imigração Compulsória.


Refúgio.
Portuguese as a Host Language – (PHL) in Critical Multilingual Cartographies: Repertoires of
refugee and forced immigrants in Salvador

ABSTRACT

Thousands of people in refugee and forced displacement situations have come to Brazil in
recent years, due to serious human rights violations resulting from wars, economic instability,
environmental disasters, political and religious persecution, among others. The new migratory
flows (BAENINGER, 2018) have moved from the traditional South-North route to the
South-South axis. A significant contingent of refugees and forced immigrants has arrived in
Salvador, Bahia’s capital, even though it is not a border town. That is due to the Brazilian
Government's interiorization strategy, supported by the United Nations High Commissioner
for Refugees (UNHCR). This dissertation aims to understand the immigration process in
Salvador, to give the immigrants some visibility, to verify how they live, what sociocultural
characteristics they hold and how they build their linguistic repertoires. Furthermore, it
investigates how Portuguese as a Host Language in multilingual and multicultural contexts
can be an effective intercultural tool for the integration and social inclusion of immigrants in
Salvador’s society. This study is based on the conceptions of ​Indisciplinary Applied
Linguistics (MOITA LOPES, 2006) and Transgressive Applied Linguistics (PENNYCOOK,
2006), as well as on Freire’s writings, the pedagogy of the Autonomy and of the Oppressed
(FREIRE, 1998; 1997), and on the Expanded Linguistic Education (CAVALCANTI, 2013).
The Portuguese as a Host Language’s theoretical framework is based on (GROSSO, 2010;
AMADO, 2011; BIZON, 2013; LOPEZ, 2016; SÃO BERNARDO, 2016; ANUNCIAÇÃO,
2018; DINIZ; NEVES, 2018). This study uses a qualitative-interpretive approach (DENZIN
and LINCOLN, 2006; BORTONI-RICARDO, 2008) and an ethnographic approach
(ERICKSON, 1981; LÜDKE AND ANDRÉ, 1996). Instruments were used for collecting,
generating and analyzing the data. The results showed how relevant for forced immigrants’
emancipation and autonomy the access to the Portuguese language is. The absence of
institutionalized language and public policies articulated to the legal framework for the
transnational migrations context was also observed. Therefore, this research practiced its
academic and social role, contributing to the state policy implementation with
interconnections in the federal, state and municipal spheres. That may offer more dignity for
people in moral indigence and migratory vulnerability situations, which were aggravated by
the global covid-19 crisis and the serious political and economic crisis that devastates the
country.

Keywords: Portuguese Host Language – (PHL). Forced immigration. Refugee.


Portugais comme langue d'accueil (PLAc) dans les cartographies critiques multilingues :
répertoires des demandeurs d’asile à Salvador

RÉSUMÉ

Le Brésil a été la destination de milliers de personnes réfugiées et déplacées obligatoirement


ces dernières années, en raison de graves violations des droits humains résultant de guerres,
d'instabilité économique, de catastrophes naturelles, de persécutions politiques et religieuses,
entre autres. Les nouveaux flux migratoires (BAENINGER, 2018) ont modifié la route
traditionnelle Sud-Nord vers l'axe Sud-Sud. La ville de Salvador, capitale de Bahia a reçu un
important contingent de réfugiés et de demandeurs d’asile, dont beaucoup en raison du
programme d'intériorisation du gouvernement fédéral, soutenu par le Haut Commissariat des
Nations Unies pour les réfugiés (HCR), même s'elle n'est pas située à la frontière. Cette
mémoire de master vise à comprendre le processus d'immigration à Salvador, rendre ses
protagonistes visibles, observer comment ils vivent, quelles caractéristiques socioculturelles
ils présentent et comment ils construisent leurs répertoires linguistiques. En outre, elle
souhaite savoir comment le portugais en tant que langue d'accueil dans des contextes
multilingues et multiculturels peut être un outil interculturel efficace pour l'intégration et
l'inclusion sociale des migrants dans la société soteropolitaine. Cette étude s'appuie sur le
domaine de la linguistique appliquée indisciplinaire (MOITA LOPES, 2006) et transgressive
(PENNYCOOK, 2006), ainsi que sur les épistémologies freiriennes des pédagogies de
l'opprimé et de l'autonomie (FREIRE, 1998; 1997) et de l'Enseignement Linguistique Élargie
(CAVALCANTI, 2013). Le cadre théorique des études du portugais comme langue d'accueil
est basé sur (GROSSO, 2010; AMADO, 2011; BIZON, 2013; LOPEZ, 2016; SÃO
BERNARDO, 2016 ; ANUNCIAÇÃO, 2018 ; DINIZ ; NEVES, 2018). La méthodologie a
une approche qualitative-interprétative (DENZIN et LINCOLN, 2006;
BORTONI-RICARDO, 2008) et une approche ethnographique (ERICKSON, 1981; LÜDKE
ET ANDRÉ, 1996). On a été utilisés des instruments pour la collecte, la génération et
l'analyse des données, dont les résultats ont montré la pertinence de l'accès à la langue
portugaise comme dispositif d'émancipation et d'autonomie pour les migrants forcés ; absence
de langage institutionnalisé et de politiques publiques articulées au cadre juridique pour le
contexte des migrations transnationales. Alors, cette recherche a exercé son rôle académique
et social afin de contribuer à la mise en œuvre d'une politique de l'état avec des
interconnexions dans les structures des sphères fédérale, des États et des villes afin de rendre
digne les personnes en situation d'indigence morale et de vulnérabilité migratoire, aggravée
par la crise sanitaire mondiale du covid-19 et la grave crise politique et économique qui
dévaste le pays.

Mots-clés: Portugais comme langue d'accueil (PLAc). Demandeurs d’asile. Réfugiés.


Portugués como Lengua Anfitriona - (PLA) en Cartografías Críticas Multilingües:
repertorios de refugiado y inmigrantes forzados en Salvador

RESUMEN

Brasil ha sido destino de miles de personas en situación de refugiado y de desplazamiento


forzado en los últimos años, debido a graves violaciones a los derechos humanos
provenientes de guerras, inestabilidad económica, desastres ambientales, persecuciones
política, religiosa, entre otros. Los nuevos flujos migratorios (BAENINGER, 2018)
cambiaron la ruta tradicional Sur-Norte al eje Sur-Sur. La ciudad de Salvador, capital de
Bahía, aunque no esté ubicada en la región fronteriza, ha recibido un importante contingente
de refugiados e inmigrantes forzados, muchos de ellos debido al programa de interiorización
del Gobierno Federal, apoyado por el Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los
Refugiados (ACNUR). Esta disertación tiene como objetivo comprender el proceso
migratorio en Salvador, visibilizar a sus protagonistas, verificar cómo ellos viven, qué
características socioculturales presentan y cómo construyen sus repertorios lingüísticos.
Además, busca conocer de que forma el Portugués como Lengua Anfitriona en contextos
multilingües y multiculturales puede ser una herramienta intercultural efectiva para la
integración e inclusión social de los migrantes en la sociedad salvadoreña. Esta pesquisa
tiene sus fundamentos anclados en el área de la Lingüística Aplicada Indisciplinar (MOITA
LOPES, 2006) y Transgresora (PENNYCOOK, 2006), así como en las epistemologías
freirianas de las Pedagogías del Oprimido y de la Autonomía (FREIRE, 1998; 1997) y de la
Educación Lingüística Ampliada (CAVALCANTI, 2013).El marco teórico para los estudios
de Portugués como Lengua Anfitriona se basa en (GROSSO, 2010; AMADO, 2011; BIZON,
2013; LOPEZ, 2016; SÃO BERNARDO, 2016; ANUNCIAÇÃO, 2018; DINIZ; NEVES,
2018). La metodología tiene un enfoque cualitativo-interpretativo (DENZIN y LINCOLN,
2006; BORTONI-RICARDO, 2008) y un enfoque etnográfico (ERICKSON, 1981; LÜDKE
Y ANDRÉ, 1996). Fueron utilizados instrumentos para la recolección, generación y análisis
de datos, y los resultados respectivos señalaron la relevancia del acceso a la lengua
portuguesa como dispositivo de emancipación y autonomía para los migrantes forzados;
ausencias de políticas linguísticas y públicas institucionalizadas y articuladas al marco
júridico para el contexto de las migraciones transnacionales. Por lo tanto, esta investigación
ejerció su rol académico y social con el fin de contribuir a la implementación de una política
de estado con interconexiones en las estructuras de los ámbitos federales, estatales y
municipales, a fin de inserir dignamente a las personas en situación de indigencia moral y
vulnerabilidad migratoria, agravadas por la crisis sanitaria mundial del covid-19 y la grave
crisis política y económica que asola al país.

Palabras clave: Portugués como Lengua Anfitriona - (PLA). Inmigración Forzada. Refugio.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa da Bahia. 34


Figura 2 – Fotografia aérea da cidade de Salvador. 36
Figura 3 – Fotografia aérea do Pelourinho. 40
Figura 4 – Mapa de distribuição espacial da população segundo cor ou raça (pretos e pardos).
h 43
Figura 5 – Gráficos sobre os aspectos socioeconômicos da população negra em Salvador. 48
Figura 6 – Mapa da cidade de Salvador, Bahia. 50
Figura 7 – Mapa das línguas ameríndias. 58
Figura 8 – Mapa etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes. 63
Figura 9 – Fotografia das Expedições de Curt Nimuendajú (ao centro) pelo Brasil. 64
Figura 10 – Mapa da extração de pau-brasil pelos indígenas, em 1519. 65
Figura 11 – Imagem colorizada da cidade de Salvador e o seu porto, de John Ogilby, da
ilustração Urbs Salvador, publicada em 1671, na obra Arnoldus Montanus. 67
Figura 12 – Mapa das principais famílias e troncos linguísticos (século XVI). 70
Figura 13 – Mapa etno-histórico da Bahia de 1944. 71
Figura 14 – Fotografia do livro Gramática da Língua Portuguesa escrito por Fernando
Oliveira (1507 -ca 1581). O mesmo é um raro exemplar, comprado pela Biblioteca Nacional
em 1867, tendo pertencido à Livraria Gubian. 77
Figura 15 – Mapa das rotas do tráfico de escravizados para o Brasil. 80
Figura 16 – Fotografia de uma missa sincrética (Catolicismo e Candomblé), em Salvador. 87
Figura 17 – Gráfico dos deslocados forçados por status migratório ou grupo migrante,
2011-2019. 93
Figura 18 – Fotografia do posto de triagem da Operação Acolhida. 95
Figura 19 – Fotografia de um abrigo para refugiados. 95
Figura 20 – Embarque de migrantes no processo de interiorização. 96
Figura 21 – Gráfico do número anual de imigrantes internacionais registrados na Bahia entre
2000-2017, segundo regiões do mundo de nascimento e no de registro. 97
Figura 22 – Mapa de Salvador com a localização dos Centros de Idiomas e Universidades
(imagem por satélite). 100
Figura 23 – Gráfico sobre nível das principais dificuldade enfrentadas pelos imigrantes no
Brasil. 103
Figura 24 – Materiais Didáticos de PLAc: Pode Entrar, Vamos Juntos e Passarela. 107
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Perfis socioculturais e linguísticos dos participantes da pesquisa 24


Tabela 2 – Categorias detalhadas da pesquisa. 31
Tabela 3 – Estatística de escravizados do século XVI até 1830. 82
Tabela 4 – Número de solicitações de reconhecimentos da condição de refugiado, por gênero,
segundo principais países de nascimento – Brasil, 2019 94
Tabela 5 – Número de Imigrantes internacionais registrados 2000-2017 nos municípios da
Bahia. 97
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados


BNCC Base Nacional Comum Curricular
CF Constituição Federal
CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
LA Linguística Aplicada
L1 Língua Primeira
L2 Língua Segunda
LAI Linguística Aplicada Indisciplinar
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
OBMigra Observatório das Migrações Internacionais
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONGs Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PB Português Brasileiro
PLAc Português Língua de Acolhimento
PLE Português Língua Estrangeira
PLH Português Língua de Herança
PLNM Português Língua Não Materna
PPPLE Portal do Professor de Português Língua Estrangeira
RNE Registro Nacional Estrangeiro
RMS Região Metropolitana de Salvador
RLAM Refinaria Landulpho Alves
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 17
1.1 PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA............................... 19
1.1.1 Área Epistemológica Circunscrita a Pesquisa...................................................... 22
1.1.2 Cenário da Pesquisa e Perfis Socioculturais e Linguísticos dos Participantes.. 22
1.1.3 Geração e Análise dos Dados da Pesquisa............................................................ 26
2 SALVADOR, “TERRITÓRIO” ONDE CIRCULAM MUITAS LÍNGUAS:
UMA BREVE DESCRIÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DA CIDADE E DE SEU
POVO....................................................................................................................... 31
2.1 CARTOGRAFIAS MULTILÍNGUES NA HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS PO-
PULACIONAIS EM SALVADOR: COSTURAS E ENTRELAÇAMENTOS....... 50
3 A CIDADE DE SALVADOR NA COLÔNIA E NO IMPÉRIO: SITUAÇÃO
DE “MULTILINGUISMO GENERALIZADO” DOS POVOS INDÍGENAS,
PORTUGUESES E AFRICANOS......................................................................... 55
3.1 A IMIGRAÇÃO, OS IMIGRANTES E AS SUAS LÍNGUAS PÓS 1850 E NO
SÉCULO XX............................................................................................................. 88
3.2 REFUGIADOS E IMIGRANTES COMPULSÓRIOS COM AS SUAS LÍN-
GUAS-CULTURAS: CAPITAL LINGUÍSTICO NO SÉCULO XXI.................... 92
4. PLAc E SUA CAPILARIDADES RIZOMÁTICAS.......................................... 101
4.1 OS VENTOS QUE TROUXERAM O PLAc PARA O BRASIL........................... 102
4.2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA E SUAS ESPECIFICIDADES EM PLAc............... 105
4.3 OS GRANDES DESAFIOS DO PLAc-PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE A-
COLHIMENTO EM SALVADOR......................................................................... 107
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 109
6. REFERÊNCIAS.................................................................................................... 113
7. APÊNDICE 1......................................................................................................... 125
APÊNDICE 2......................................................................................................... 132
17

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação nasceu de inquietações constantes e latentes desta pesquisadora, no


que se refere às lacunas e omissões de ações consistentes e contínuas de políticas linguísticas
que ampliem os atos do Português como Língua de Acolhimento (PLAc) no contexto da
migração internacional. A cada ano, o mundo se surpreende com o crescimento da espiral das
migrações compulsórias em torno do planeta e preocupa a comunidade global, mas a sangria
humana não é estancada. É espantoso conviver com a inconcebível realidade de 82,4 milhões
de pessoas que foram obrigadas a sair de suas casas e de seu país, segundo os dados da
Organização Internacional para Migrações (OIM), por meio do Relatório Mundial de
Migração em 2021.
Do total apresentado, emergem 26,4 milhões de pessoas enquadradas como refugiadas
por fundado temor de perseguição em razão da sua raça, credo, posição política,
nacionalidade, entre outros. O problema se agudiza quando os números revelam que a metade
das pessoas em situação de refúgio é formada por crianças e adolescentes. Essa realidade
cruel mostra que, falhamos enquanto sociedade civil, pois para além de ser um problema
complexo decorrente de diversos e diferenciados fatores, se coloca em risco toda uma
construção por direitos humanos universais, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, instituída em 10 de dezembro de 1948, e tantos outros protocolos internacionais
criados para garantir e preservar a integridade e liberdade humana.
Portanto, a reflexão que se faz é perceber que, nesses 73 anos de instituição do
documento fundante do rol dos direitos internacionais, a humanidade vem mostrando a sua
incapacidade de gerir e resolver questões humanas, o que é uma grande contradição. Na esfera
da migração internacional, são inúmeras as contraposições. A pesquisadora Baeninger (2018),
afirma:

A Declaração Universal de Direitos Humanos reconhece a possibilidade da


emigração, mas não garante a entrada de pessoas em outros países. Por isso, as
contradições devem ser resolvidas dentro de uma lógica de Direitos Humanos mais
inclusivos. No caso brasileiro é preciso incorporar dentre os seus documentos de
referência a Lei de Migração, o Estatuto dos Refugiados e a Convenção de Proteção
dos Trabalhadores Migrantes (BAENINGER, 2018, p. 19).

Isto posto, urge, a necessidade de interlocução entre os governos, os organismos


internacionais instituídos, a sociedade civil e a prática social efetiva, para que sejam exercidos
e preservados os direitos fundamentais concernentes à dignidade da pessoa humana.
18

Dessa forma, as crises migratórias e sanitárias pelo COVID-19 associam-se a crise de


sentidos que envolve as sociedades modernas mundiais, como alertam dois grandes
sociólogos da contemporaneidade, Peter Berger e Thomas Luckmann em seu livro
Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido:

[...] quando numa sociedade ocorrem frequentes crises subjetivas e intersubjetivas de


sentido, de modo a se tornarem um problema social em geral, não devemos procurar
as causas no sujeito em si nem na suposta intersubjetividade da vida humana. O mais
provável é que as causas estejam na própria estrutura social (BERGER,
LUCKMANN, 2012, p. 31).

Logo, as estruturas sociais engendram as sociedades que provocam a Modernidade


Líquida, como atesta Bauman (2017), pois os sujeitos e sujeitas são desenraizados, imersos
em uma estrutura cultural coletiva de tipo globalizada, sem referenciais ou códigos
normativos, valorativos e identitários seguros.
O Brasil, tradicionalmente, foi o destino de migrantes internacionais e, nos últimos
anos, “é uma possibilidade para milhares de pessoas em situação de refúgio e de imigração
internacional” (BAENINGER, 2018), com um maior contingente devido aos fluxos
migratórios do Haiti e da Venezuela. A cidade de Salvador é uma das cidades que integra o
programa de interiorização da Operação Acolhida do Governo Federal.
Sendo assim, o Português como Língua de Acolhimento (PLAc) adquire a relevância
para o presente estudo, quando se constitui como uma ferramenta essencial de mediação
intercultural entre os migrantes que estão na cidade de Salvador, instrumentalizando-os a agir
de forma autônoma e emancipada na sociedade abrigadora.
Desta maneira, entendo1 a importância de reafirmar que o PLAc atua na e com a
língua portuguesa brasileira e também no reconhecimento e acolhimento de outras línguas
porque sua essência histórica é multilíngue e multicultural.
Portanto, o problema de pesquisa se inclina a responder: Quem são, como vivem e
quais as características socioculturais e linguísticas possuem os refugiados e imigrantes
compulsórios em Salvador e como eles constroem os seus repertórios linguísticos nas
interações de língua de acolhimento?
Face a isso, o objetivo geral é compreender quem são, como vivem e quais
características socioculturais e linguísticas possuem os refugiados e imigrantes compulsórios

1
É preciso alertar o leitor desta dissertação que, ao longo do texto, será percebida a alternância de pessoa do
discurso. Faço isso intencionalmente para marcar minha implicação com os meus interlocutores da pesquisa e
para demarcar meu posicionamento político. Alerto ainda que a presença da primeira pessoa do discurso não tira
o rigor acadêmico-científico desta investigação.
19

em Salvador e como constroem os seus repertórios linguísticos nas interações em língua de


acolhimento. As perguntas norteadoras estão ao longo do percurso teórico-metodológico.
A pesquisa está estruturada, em cinco seções, conforme seguem:
Na primeira seção, há o detalhamento do percurso teórico-metodológico da pesquisa,
indicando que se trata de uma pesquisa de caráter exploratório e fenomenológico, com
abordagem qualitativa, interpretativista e de viés etnográfico, inscrita no campo de estudos da
Linguística Aplicada. O cenário da pesquisa é traçado, assim como o delineamento dos perfis
socioculturais e linguísticos dos participantes, e, na sequência, há descrição da construção
para a geração e análise de dados.
A segunda seção, traz um breve panorama político-social da cidade de Salvador e de
seu povo como um território marcado pela presença de muitas línguas e culturas e a interface
com a essência filosófica do Português como Língua de Acolhimento (PLAc).
A terceira seção faz uma imersão histórica nas cartografias multilíngues dos
movimentos populacionais em Salvador. Evidencia e ressalta o multilinguismo histórico na
constituição antropológica do povo soteropolitano e na construção multilíngue e multicultural
do Português Brasileiro que se desafia e se renova como Português para Acolhimento de
migrantes e suas línguas-culturas provenientes dos novos fluxos migratórios de caráter
compulsório que chegam cada vez mais na cidade de Salvador.
A quarta seção retrata o campo de estudo do PLAc desde o seu local de origem até a
chegada em terras brasileiras. Revisita a literatura produzida internacional e nacionalmente
com suas percepções e contribuições para a área. Deste modo, apresento novas concepções de
língua para o PLAc e elenco os novos desafios para a área.
A quinta seção é relativa às considerações finais da pesquisa, isto é, depois de
retomada as perguntas de pesquisa, são apontadas as contribuições e as limitações
encontradas, assim indica intenções futuras para continuidade da pesquisa e produção do
conhecimento para esta área que ainda carece de mais produções acadêmico-científicas.

1.1 PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA

A presente pesquisa, ao trilhar o seu percurso teórico-metodológico para produção de


conhecimento científico, adquire a natureza exploratória porque o objeto a ser estudado é
relativamente desconhecido ou pouco conhecido na área científica. Segundo Gil (2019), é
necessário maior familiaridade com o problema a fim de torná-lo mais explícito. O seu
20

planejamento tende a ser bastante flexível, pois é necessário considerar os mais variados
aspectos relativos ao fenômeno estudado.
É fenomenológica porque está lastreada em bases filosóficas, uma vez que o seu
objeto se constitui de fenômenos humanos cercados de subjetividade e vicissitudes. Portanto,
questiona o “status quo” instituído, social e politicamente, e tensiona o pesquisador a não
assumir uma postura de neutralidade, uma vez que as suas crenças, seus valores e a sua
própria existência não podem estar apartados de si. Ainda sobre o espectro da fenomenologia
como esclarece Gil (2019), a pesquisa fenomenológica parte do cotidiano, da compreensão do
modo de viver das pessoas. Esse método afirma que a realidade não é algo objetivo, mas
entendida como o que emerge da intencionalidade da consciência diretamente para o
fenômeno. Isto equivale a dizer que, a primeira regra é “avançar para as próprias coisas”, para
o fenômeno, para o que é visto diante da consciência.
Nesse sentido, a pesquisa fenomenológica embasa a pesquisa qualitativa, portanto, o
presente estudo é qualitativo, interpretativista e de cunho etnográfico. É qualitativo porque
envolve seres humanos, suas culturas e línguas situadas no tempo-espaço, representados pelos
refugiados e imigrantes compulsórios. De acordo com Denzin e Lincoln (2006), o tipo de
pesquisa qualitativa possibilita a criação de um espaço interdisciplinar, transdisciplinar, e aqui
acrescenta-se a insurgência que atravessa as humanidades e as ciências sociais. Esses estágios
do conhecimento estão postos como requisitos irrevogáveis em uma pesquisa científica com a
temática da migração compulsória. Deste modo, estabelecer diálogos com outros campos do
conhecimento relacionados ao objeto deste estudo é primordial sob o ponto de vista,
acadêmico e intelectual.
Assim sendo, a pesquisa qualitativa é revolucionária e traz para o campo de
investigação uma visão multiparadigmática, como também é uma atividade situada que
localiza a observação-participante, método de investigação da pesquisa qualitativa
(BRANDÃO, 1984), lançando-a no campo de ebulição dos fenômenos humanos. Ademais,
possui um conjunto de atividades interpretativas que não privilegia nenhuma prática
metodológica em relação a outra. Ao mesmo tempo, trata-se de um espaço inerentemente
político e influenciado por múltiplas visões de mundo.
Partindo das práticas materiais que possibilitam interpretações e visibilizam o
fenômeno estudado, foi utilizado o processo de coleta de dados por meio do
instrumento “Questionário”, o qual designo como “Questionário Diaspórico” para conhecer
pessoas e experiências empíricas correlatas no espaço sensível da diáspora, bem como foi
21

utilizado com cuidado métodos observacionais de campo. Desta forma, Telles (2002) afirma
que há mais interesse pelas qualidades do que pelos números de fenômenos, os quais, na
maioria das vezes, não evidenciam a pluralidade da dimensão humana. É importante destacar
que, mesmo com as possibilidades deste método, nenhum método é autossuficiente para
apreender e compreender todas as variações tênues das experiências vivenciais.
A perspectiva interpretativista é de grande importância no processo da pesquisa, pois a
linguagem constitui o mundo por meio dos seus falantes, visto que, ao agirem nas suas
práticas sociais enunciam sentidos e, também, são constituídos por ela. Como esclarece Moita
Lopes (1994), na abordagem interpretativista, não é possível ignorar a visão dos participantes
da vida social, já que é esta que o determina. Para esse autor, os múltiplos significados que
constituem as realidades só são passíveis de interpretação. Cabe ressaltar, portanto, a
afirmação de Bortoni-Ricardo quanto “a capacidade de compreensão do observador está
enraizada em seus próprios significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um
agente ativo”. (BORTONI-RICARDO, 2008, p.32).
Avançando em torno dessas considerações, esta pesquisa utiliza o método de cunho
etnográfico para adentrar ao fenômeno e olhá-lo “de dentro”, bem como estreita a relação com
ele. Segundo Cançado (1994), a etnografia é literalmente a descrição de culturas ou de
grupos de pessoas que são percebidas como portadoras de certo grau de unidade cultural. É
um método muito utilizado em antropologia e enquadra-se em um paradigma qualitativo e
interpretativista de pesquisa. No entanto, Lüdke e André (1986) sinalizam para os cuidados e
preocupações que se deve ter quanto ao processo de transferência da etnografia na perspectiva
antropológica para a área da educação, tendo em vista as adaptações que devem ser
percebidas. Deste modo, essa pesquisa é de cunho etnográfico porque considera alguns
critérios da etnografia, pois mira elementos etnográficos e não a etnografia estrita, na sua
essência.
Por conseguinte, sociólogos, linguistas aplicados, educadores e psicólogos sociais têm
se interessado e utilizado muito esse método. Certamente, é possível afirmar que estes
cientistas sociais perceberam a importância de se estudar o comportamento humano de forma
empírica, no chão da vida, ou seja, no seu contexto social. Desta forma, seguindo as etapas
metodológicas, e de acordo com Erickson (1987), existem duas fontes principais de se obter
um corpus, que são: “olhar” e “perguntar”. “Olhar” refere-se a várias técnicas de observação
existentes, como anotações de campo, gravações de áudio e vídeo (e subsequentes
transcrições). “Perguntar” refere-se à utilização de questionários mistos, entrevistas
22

semiestruturadas, dentre outros. Essa pesquisadora fez um estudo de cunho etnográfico, a


partir de um processo de observação, e, à medida que seu convívio e entrosamento com os
participantes e a comunidade cresceram, por sua vez, acabei me tornando uma observadora
participante dessa interação. Foi estabelecida uma relação de confiança, construtiva e de
aproximação gradativa.

1.1.1 Área epistemológica circunscrita a pesquisa

Esta pesquisa se insere na área epistemológica da Linguística Aplicada Indisciplinar


(LAI). Esse ramo da ciência é concebido como “um modo de criar inteligibilidade sobre
problemas sociais em que a linguagem tem papel central” (MOITA LOPES, 2006, p.13-43).
Para esse autor, é essencial se pensar questões linguísticas à luz dos processos de
globalização, pois esses novos tempos exigem novas formas de se pensar, que sejam
responsivas às práticas sociais em que vivemos. Nesse sentido, Kumaravadivelu (2006) atesta
que a Linguística Aplicada como campo de estudos não pode deixar de considerar a realidade
emergente global.
Nessa mesma linha de pensamento, a presente pesquisa, também, se ancora na
Linguística Aplicada Transgressiva e Crítica (PENNYCOOK, 2006), pois transgride os
limites do pensamento tradicional colonial, fincado em paradigmas consolidados, estabelece
pontes para a transgressividade tão necessária para o novo fazer crítico científico e político.
Portanto, essa pesquisa não só está no âmbito da Linguística Aplicada Indisciplinar,
Transgressiva e crítica, mas em outras epistemologias insurgentes como a pedagogia do
oprimido e pedagogia da autonomia (PAULO FREIRE, 1998; 1997) e do pensamento
complexo (EDGAR MORIN, 2007). Sendo assim, é preciso refletir politicamente sobre os
problemas da linguagem em uso e as questões sociais envolvidas para compreender
o Português como Língua de Acolhimento (PLAc), no espectro das migrações compulsórias,
para desconstruir estereótipos históricos atinentes ao seu público-alvo, reescrevendo-os como
seres sociais distintos e portadores de direitos.

1.1.2 Cenário da pesquisa e perfis socioculturais e linguísticos dos participantes

O local da pesquisa é a cidade de Salvador, capital da Bahia, mas também é a minha


cidade. A localidade tem tradição histórica imigratória não só na composição do seu povo,
mas na recepção de imigrantes de todas as modalidades e de todas as partes do mundo, em
23

razão dos muitos atrativos que o local oferece em termos de beleza natural, festas tradicionais,
o carnaval, o clima, as praias, a música, a dança, a culinária, as pessoas e suas culturas, a
diversidade linguística e de tantas outras características. A demografia local tem sido
expandida com a entrada de novos fluxos de migrantes compulsórios, devido ao processo de
globalização e internacionalização de economias alterando a geopolítica mundial.
Os refugiados e imigrantes compulsórios chegam à cidade de Salvador, por diversas
formas, mas recentemente, tem sido significativa a entrada pelas fronteiras do norte do país
via o processo de interiorização, do programa Operação Acolhida, que é uma força-tarefa
logística e humanitária executada e coordenada pelo Governo Federal, que tem o apoio de
agências da ONU - Organização das Nações Unidas e instituições da sociedade civil. Várias
nacionalidades constituem a migração compulsória em Salvador, com as presenças mais
expressivas de africanos e venezuelanos. Há, também, haitianos, sírios, chineses, e mais
recentemente, de afegãos entre outras nacionalidades. Os diversos grupos populacionais de
migrantes que chegam à cidade e se encontram com outros residentes locais, formam um rico
e farto mosaico linguístico-cultural que torna Salvador um lugar peculiar para a construção de
uma pesquisa sobre a língua portuguesa que se reconfigura para acolher falantes e suas
línguas-culturas.
O processo de exploração do ambiente pesquisado, iniciou-se durante o primeiro ano
de mestrado em 2018, quando já me perguntavam se havia migrantes em refúgio na cidade, e
se a minha pesquisa era exequível. Diante disso, a resposta sempre foi positiva porque eu já os
encontrava nas ruas do centro e nos bairros periféricos. A partir de 2019, comecei
efetivamente o trabalho de campo. Por esta razão, o ano de 2018, é considerado como marco
temporal da pesquisa. O segundo semestre de 2019 e os primeiros meses de 2020, foram
períodos de observação a distância e posterior aproximação com possíveis participantes. Em
março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou o estado de pandemia da
COVID-19, uma crise sanitária e humanitária de grandes e inesperadas proporções que parou
o mundo. Devido a este fato, durante esse ano, o trabalho de campo foi prejudicado.
No segundo semestre de 2021, após o início do processo de vacinação, os contatos
com os participantes foram retomados, porém não foram mais encontradas as pessoas que já
estavam prospectadas como participantes, pois elas não respondiam aos chamados. Foi
necessário reiniciar novas conversações e traçar outros perfis dos participantes, os quais,
mencionamos no quadro que segue:
24

Tabela 1 – Perfis socioculturais e linguísticos dos participantes da pesquisa

Estado Tempo em Língua Língua


Nome Sexo Idade Origem
Civil Salvador Materna Oficial
Mbour M 42 Casado 2 anos Senegal Wolof Francês
Touba M 31 Solteiro 5 anos Senegal Wolof Francês
Dakar M 43 Solteiro 3 anos Senegal Wolof Francês
Tuy F 47 Casada 1 ano Venezuela Espanhol Espanhol
Anzoátegui F 46 Casada 5 anos Venezuela Espanhol Espanhol
Fonte: Elaborado pela autora.

Sendo assim, foi definido o número de cinco participantes, o que é adequado para uma
pesquisa de abordagem qualitativa, que admite poucos colaboradores, pois cada um é único
no mundo, ou seja, uma pessoa histórica e culturalmente situada no tempo-espaço e, por isso,
deve ser considerada na pluralidade da sua existência. Eles possuem características
socioeconômicas e culturais diferenciadas e foram identificados com os nomes das respectivas
cidades de origem. Na sua maioria, são homens negros, de nacionalidade africana,
senegaleses, que vieram sozinhos para o Brasil e, posteriormente, para Salvador. São
trabalhadores ambulantes e estão na faixa etária de 20 a 45 anos. Eles possuem o equivalente
ao ensino médio incompleto. Um outro grupo de participantes são mulheres, procedentes da
Venezuela, casadas, na faixa etária de 30 a 50 anos, uma exerce o trabalho doméstico e a outra
é profissional autônoma no comércio. Os homens e mulheres ouvidos na pesquisa, possuem
perspectivas diferenciadas com relação às expectativas de vida em Salvador.
Para um maior entendimento sobre os participantes da pesquisa, seguem alguns dados
levantados:

1) Mbour - Está há 3 anos no Brasil e há 2 anos reside em Salvador. Entrou no Brasil via
Roraima. Veio sozinho, tem dois filhos que ficaram no Senegal. O motivo da vinda foi
pela busca de melhores condições de vida, já que na sua cidade as condições
socioeconômicas são muito restritas, visto que o Senegal tem um dos piores IDH-
Índice de Desenvolvimento Humano. Ele é ambulante e vende roupas masculinas.
Obteve o visto de residência e não o de refugiado por ser integrante de migração
laboral. Sua língua oficial é o francês e a língua materna é o wolof. Não fez curso de
português, aprendeu pouco a língua no contato com falantes locais. Pretende voltar
para o seu país no próximo ano, pois a situação financeira piorou, está tendo prejuízo
25

nas vendas, não ganha mais dinheiro para viver na cidade e nem fazer remessas para a
sua família que está no Senegal. Frequenta uma associação de senegaleses no
Pelourinho, local onde encontra os compatriotas. Relatou que foi bem acolhido em
Salvador.

2) Dakar - Está no Brasil há 9 anos e em Salvador há 3 anos, é ambulante e vende roupas


masculinas. Veio sozinho, é solteiro, não tem filhos. Seu irmão já estava em Salvador.
Tem 43 anos. Entrou no Brasil pelo Acre (estava no Chile). Relatou muito aborrecido
que não é acolhido pelos ambulantes do local que a todo momento fala para ele ir
embora para o país dele, pois aqui não é o seu lugar. Segundo ele, ouve que está
tirando o espaço de trabalho deles. Dakar mostrou os seus documentos regularizados
como o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), bem como a carteira do sindicato de
ambulantes e disse que estava cumprindo com todos os seus deveres, inclusive
pagando impostos como qualquer um brasileiro. Não fez curso de português, aprendeu
com outros amigos senegaleses que já falam um pouco a língua e com as pessoas na
rua. Não tem tempo e nem recursos para se dedicar a um curso de português.

3) Touba - Está há 5 anos em Salvador, é ambulante e vende relógios. É solteiro e veio


para o Brasil sozinho. Tem 31 anos e aprendeu um pouco do português nas ruas. O que
mais aprecia em Salvador é a sua história que tem pontos em comum com a história do
seu país. Relatou que sofreu preconceito por ser negro e ser de outra nacionalidade.
Disse que estava investindo na compra de um imóvel, já tinha pago as parcelas, mas
agora desistiu e não quer ficar mais na cidade, quer voltar para o seu país.

4) Tuy – Está há 3 anos no Brasil e em Salvador há 1 ano. Tem 47 anos, é dona de casa,
mãe de 3 filhos (duas mulheres: uma de 30 e outra de 26 anos, e um rapaz de 28 anos).
Saiu do seu país devido a grave situação financeira e econômica. Veio só com uma
filha e o neto de 6 anos. Entrou no país por Roraima e ficou em abrigos naquela
cidade. Veio para Salvador através do programa de interiorização, da Operação
Acolhida do Governo Federal. Relatou que foi bem recebida na cidade, gosta muito da
cultura, mas não gosta de acarajé. Não vai ficar em Salvador, as condições de trabalho
não são muito boas e vai migrar para o Rio Grande do Sul onde tem amigos
venezuelanos instalados e com melhores condições de trabalho. Sente muita saudade
do seu país, apesar da situação atual. Fala espanhol, sua língua materna. Não fala
26

outros idiomas. Não teve aulas de português e fala pouco e não consegue se comunicar
bem quando sai as ruas da cidade. Ela considera a língua portuguesa difícil, diz que é
muito importante estudar o português para se integrar à cidade. Ouviu a proposta do
PLAc e falou que dessa maneira a língua fica mais fácil de ser entendida. Se sente
acolhida pelas pessoas, que considera humanitárias. Para ela, ser acolhida é ser tratada
como membro de uma família. Não percebe muita identificação da cultura local com a
do seu país, mas gosta das praias porque lembram as praias da sua cidade, na
Venezuela.

5) Anzoátegui - Tem 46 anos, é casada e possui 2 filhos. Veio com a família e chegou a
Salvador pelo programa de interiorização da Operação Acolhida, do Governo Federal.
Trabalha como autônoma num pequeno negócio e seu marido trabalha num mercado.
Saiu do seu país devido à crise financeira e econômica e pela restrição de liberdade.
Era assistente administrativo, porém não tinha perspectiva de crescimento na empresa.
Seus filhos têm 11 e 14 anos, respectivamente, estão estudando e relataram um bom
acolhimento por parte da escola, apesar dos problemas de comunicação entre as
línguas. Pretende estudar mais a língua portuguesa e frequentar uma universidade. Fez
curso de português em Roraima e seus filhos desenvolveram a língua mais
rapidamente e ensinam para ela. Eles não querem voltar para Venezuela, gostam da
cidade de Salvador e já fizeram amizades no local. Salvador é um bom lugar, apesar
da violência que existe em todos os lugares, pontuou. Sente acolhida pelas pessoas, e
para ela a palavra acolhimento representa um afago ou um incentivo como “tamos
juntas”. Ela disse gostar muito da cultura e dos lugares, principalmente, o Pelourinho.
Sua língua materna é o espanhol e não fala outras línguas. Considera importantíssimo
estudar a língua portuguesa para atender às suas necessidades de comunicação e
integração local, bem como crescer profissionalmente em outras áreas. Reportou um
preconceito vivido no norte do país, quando ao procurar um emprego doméstico, lhe
foi dito que era muito bonita para a ocupação, o que lhe causou estranheza, pois para
ela associar a beleza da mulher para qualquer tipo de trabalho é preconceito de gênero.

1.1.3 Geração e análise dos dados da pesquisa

A pesquisa qualitativa oferece diversos métodos para geração e análise de dados. A


coleta dos dados é uma estratégia para análise efetiva dos dados gerados; ela tem na
27

triangulação metodológica a base para cada instrumento aplicado. Para Cançado (1994), a
triangulação teórica implica o uso de várias perspectivas de diferentes análises do corpus, isto
porque quanto mais abrangente for a triangulação, mais confiáveis serão os dados obtidos.
Desta maneira, foi feita a opção pelo processo de triangulação dos dados nesta pesquisa,
visto que contempla as várias técnicas para validação dos dados coletados. No entanto, para
Davidson (2005), mesmo com uma diversidade de métodos, é preciso analisar os dados em
conjunto e chegar a conclusões levando-se em consideração o todo e não apenas métodos
individuais. Em seguida, há a etapa da categorização para a análise comparativa dos dados e
resultados.
Sendo assim, foram empregadas várias técnicas, para construção do trilho
metodológico:
Observação à distância – Observação estruturada no entorno do fenômeno – Plano de
aproximação do entorno e dos participantes – Observação-participante - Aplicação do
questionário diaspórico de dados – Triangulação e análise dos dados – Categorias –
Resultados (GIL, 2019).
Inicialmente, foi realizada observação à distância, para análise dos diversos ângulos
sobre o espaço onde ocorria o fenômeno. A etapa seguinte foi a observação estruturada no
entorno do fenômeno, planejada previamente, que permitiu a essa pesquisadora ativar vários
sentidos com o mister de captar o maior número possível de aspectos relativos à realidade em
volta do fenômeno e os consequentes reflexos sobre os participantes, em alguns casos, não
percebidos por eles. Isto quer dizer, detalhes que chamavam a atenção das pessoas, a exemplo
do vestuário. Foram várias idas aos locais pesquisados e diferentes modos de observação:
observação à distância; observação estruturada no entorno do fenômeno e
observação-participante no locus do fenômeno. Todas essas observações foram registradas no
caderno de notas de campo da pesquisadora. Na sequência foi estabelecido um plano de
aproximação do entorno e dos colaboradores como preparação para aplicação do questionário
diaspórico. Feito isso, foi aplicado o referido instrumento e atendidas algumas das perguntas
centrais preestabelecidas. Demais respostas surgiram espontaneamente na conversa dialogada.
Em seguimento, foram feitas interpretações críticas dos dados e realizada a
triangulação a partir dos instrumentos do questionário diaspórico, bem como das observações
exploratórias à distância e as observações estruturadas no campo. Esta pesquisadora, como
uma construtora bricoleur, procurou interpretar os dados de forma crítica, reflexiva e
decolonial. Com base em Kincheloe (2006), a bricolagem é uma forma de fazer ciência que
28

analisa e interpreta os fenômenos a partir de vários ângulos existentes na sociedade, sem


desconsiderar as relações de poder. A bricolagem rejeita ortodoxias e está pautada no
pensamento complexo de Morin (2007), que entende a aproximação entre as pesquisas
modernas e pós-modernas e considera os conflitos inerentes, sem hierarquizá-los ou
descartá-los. Nesta direção, a bricolagem é entendida como um fazer ciência que resiste e
re-existe frente a imposição da lógica positivista e do pensamento cartesiano ainda
impregnado na produção de conhecimentos.
Adentrando os caminhos metodológicos, depois da triangulação, emergiram várias
categorias, dentre essas:
a) Aquisição do PLAc; Afeto no Acolhimento; Translinguismo; Intérpretes (filhos de
migrantes).
Foi verificado por meio das respostas dos participantes e das observações de campo
que o processo de aquisição da língua portuguesa se deu, em grande parte, de maneira não
formal e nas ruas da cidade com pessoas conhecidas e de forma acolhedora. Alguns fatos,
chamaram a atenção: 1) O migrante acessou a língua por meio de um compatriota que já
estava morando na cidade e se comunicava bem; 2) a outra situação, foi quando a migrante
disse que estava aprendendo a língua com o seu filho que frequentava a escola e já falava o
português, inclusive, utilizando gírias locais do baianês. Exemplo: brocou (arrasou, mandou
bem). O baianês é um modo popular de falar bem característico dos baianos. Portanto, foi
registrado no trabalho de escuta dos colaboradores que alguns verbetes já haviam sido
incorporados ao repertório linguístico dos migrantes, facilitando assim a interação linguística
local.
Nesse sentido, para os participantes da pesquisa, houve o acolhimento dos voluntários
e dos professores ao se disporem a ensinar o português. Por isso, se analisa que o acolhimento
na e com a língua, não se configura, apenas, em meio formal ou com profissionais
especializados. Uma outra constatação observada foi a aprendizagem rápida do português
pelas crianças e adolescentes. Eles assumem o papel de intérpretes da língua entre a escola, a
comunidade e os seus responsáveis.
Com isso, o acolhimento no ensino da língua portuguesa brasileira e do entorno em
diferentes situações, ressalta a categoria afeto, pois além dos alunos migrantes estarem
integrados na escola devido ao aparato jurídico e documentos educacionais (Paridade
Constitucional entre nacionais e não nacionais; Lei de Migração 13.445 de 24/5/2017; Lei
sobre Refúgio 9.474 de 22/7/1997; Base Nacional Comum Curricular (BNCC); Resolução nº
29

1 de 13/11/2020, sobre o direito de matrícula de crianças e adolescentes no sistema público de


ensino, dentre outros.), eles se sentiram acolhidos, afetivamente, pois foram reconhecidos na
sua diferença. Exemplo: A criança venezuelana fez amizade com colegas brasileiros e não
quer voltar mais para o país de origem..
Para Amado (2011), a língua de acolhimento transcende a perspectiva
linguístico-cultural e liga-se ao prisma subjetivo e emocional da língua, situação expressa na
categoria acima. Dessa forma, as categorias atendem ao objetivo específico 2 e 3 relativos à
segunda e a terceira pergunta norteadora. Ou seja, constroem os seus repertórios na escola e
nas ruas em ambiente de língua de acolhimento. Os participantes reforçaram a importância de
aprender a língua como forma de inserção social.

b) Ausência de Políticas Públicas; Precarização do Trabalho; Crise Econômica.

Durante a coleta de dados, alguns migrantes mostraram, mesmo sem ser pedido,
documentos como o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) e a carteira de sindicato de
ambulantes e mencionaram também inscrição no SUS evidenciando a integração jurídica. Ou
seja, direitos sociais respaldados na Lei de Migração 13.445 publicada em 24/5/2017. Há de
se ressaltar, que tais garantias não são asseguradas na prática. Sendo assim, a maioria dessas
pessoas são ambulantes porque não encontraram melhores condições de emprego.
Dessa forma, vendem os seus produtos no centro da cidade, mais precisamente, na
Piedade, no camelódromo que dá acesso à estação de metrô. Esse mesmo centro da cidade é
um espaço tradicionalmente de trabalho informal, e foi temática de tese de doutorado,
defendida na França por um dos maiores geógrafos sociais do mundo, o baiano Milton Santos
(SANTOS, 1958). Com base na afirmação de Jubilut, Lopes e Silva (2018), o idioma é um
dos obstáculos para a entrada no mercado de trabalho formal e constitui-se num ponto
positivo para empregadores inescrupulosos que negam direitos trabalhistas e se recusam a
assinar a carteira de trabalho.
Deste modo, além do subemprego, dois desses participantes relataram as dificuldades
financeiras que estão atravessando, pois a crise econômica no país associada à crise sanitária
do covid-19, os impedem de auferir dinheiro necessário à sua sobrevivência e de fazer as
transferências de numerários, a fim de manter as suas famílias no exterior. É evidente a
relação de poder, de opressor e oprimido, a coisificação de seres humanos (FREIRE, 1997).
Por conseguinte, faltam políticas públicas concretas, apesar do expresso na Lei de
30

migração nº13.445/2017, no artigo 3, diz no inciso X - inclusão social, laboral e produtiva do


migrante por meio de políticas públicas. No entanto, a prática não corresponde ao texto da lei,
pois não há uma articulação integrada entre as políticas públicas, em especial, a política
linguística e a política migratória.
Logo, para esses migrantes compulsórios, a vida ficou muito difícil em Salvador
devido a toda crise econômica, política, institucional e sanitária que passa o Brasil. Então, eles
pretendem retornar aos seus países, mesmo alguns deles recebendo o auxílio emergencial. Na
outra ponta, uma participante realçou a importância do aprendizado do português para crescer
profissionalmente e afirmou o desejo de entrar para a universidade. Essa categoria está
relacionada aos objetivos específicos número 1 e 4 correspondentes às perguntas 1 e 4.

c) Xenofobia; Preconceito Racial; Preconceito de Gênero; Memória Afetiva; Retorno.

O participante Dakar mencionou casos de xenofobia (medo de pessoas que vêm de


outro país) dos ambulantes locais, que pediam para que ele voltasse para o seu país e que o
Brasil não era lugar para eles. Que estava tirando o emprego de outros brasileiros. Dakar
expressou revolta com aquela situação, pois é cumpridor dos seus deveres e está legalmente
registrado. Infelizmente, situações como essas são corriqueiras. Disse estar cansado. Além
disso, há o preconceito racial. A lei de migração 13.445 de 24 de maio de 2017, traz no seu
artigo 3, II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de
discriminação, porém, foi apontado no relatório de campo a prática de racismo em Salvador, o
que poderia ser uma contradição, pois é uma cidade eminentemente negra.
Uma das participantes revelou saudades das praias da sua cidade, acessando a
memória afetiva. A, outra colaboradora, revelou ter sofrido no norte do país, preconceito de
gênero, quando lhe foi dito que ela era bonita para ser empregada doméstica, relacionando
aspectos estéticos não privilegiados pela sociedade e direcionados às pessoas minoritarizadas
que prestam serviços domésticos. A autora Maher (2007) enfatiza que “o empoderamento
desses grupos minoritarizados depende não apenas de seu fortalecimento político ou da
existência de legislações a eles favoráveis, mas também da educação do seu entorno”. Essa
categoria está relacionada ao objetivo 1 e 3, e as perguntas 1 e 3, respectivamente.
31

Tabela 2 – Categorias detalhadas da pesquisa

CATEGORIAS OBJETIVOS ESPECÍFICOS PERGUNTAS NORTEADORAS

Aquisição PLAc Identificar os modos de acesso à De que forma, refugiados e imigrantes


Afeto/Acolhimento Língua Portuguesa brasileira compulsórios têm acesso a língua
Translinguismo; pelos refugiados e imigrantes portuguesa e como constroem os seus
Intérpretes (filhos compulsórios e a construção de repertórios em ambiente de língua de
migrantes) seus repertórios em ambiente de acolhimento? (PN2)
língua de acolhimento? (OE2)

Discutir de que forma o PLAc De que maneira o PLAc como


como mediador intercultural, mediador intercultural, pode contribuir
pode contribuir para inserção para a inserção social e cidadã de
social e cidadã de falantes e suas falantes e suas línguas na sociedade
línguas na sociedade local. local? (PN3)
Ausência de (OE3)
Políticas Públicas
Precarização do
Trabalho Mapear quem são e quais as Quem são e quais as características
Crise Econômica. características socioculturais e socioculturais e linguísticas dos
linguísticas dos refugiados e refugiados e imigrantes compulsórios
imigrantes compulsórios em em Salvador?
Salvador. (PN1)
(OE1)

Xenofobia Propor ações para a De que forma uma pesquisa sobre o


Preconceito Racial implementação de políticas PLAc pode subsidiar ações para a
e de Gênero linguísticas e de Estado nas implementação de políticas linguísticas
Memória Afetiva estruturas federais, estaduais e e de Estado nas estruturas federais,
Retorno. municipais. (OE4) estaduais e municipais? (PN4)

Fonte: Organizado pela autora.

2 SALVADOR, TERRITÓRIO ONDE CIRCULAM MUITAS LÍNGUAS: UMA BREVE


DESCRIÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DA CIDADE E DO SEU POVO

Salvador é uma cidade onde circulam muitas e diferentes línguas e culturas, não só
pela sua genealogia linguística, como, também, pela potencialidade e atratividade turística. O
32

multilinguismo e a multiculturalidade estão presentes nas ruas, ladeiras e esquinas da velha


capital. O local é um campo aberto e fértil para o desenvolvimento de pesquisas na área da
linguagem devido a sua riqueza histórica e a complexidade dos fenômenos linguísticos que
coexistem nos espaços urbanos entre os falantes e as suas línguas(gens). Essa relação é tecida
por fios que produzem sentidos e valores na construção dialética de experiências
socioculturais, ideológicas e políticas. Nas interações com as realidades das práticas sociais
cotidianas, os falantes e suas línguas-culturas compõem e vivificam a sociedade, dotando as
línguas de funcionalidade e poder, performando as identidades de sujeitos e sujeitas na sua
incompletude e no vir-a-ser da condição humana no mundo. (BAKHTIN, 2003, p. 21).
Deste modo, não há línguas(gens) fora dos seus usuários e nem do contexto social,
pois estão, inexoravelmente, entrelaçados num contínuo e dinâmico fluxo de relações
dialógicas intersubjetivas. Os habitantes vivem a cidade de forma interseccional por meio da
articulação de marcadores sociais e ideológicos, produtos das relações de poder cristalizadas
que estruturam os pilares institucionais e corporativos e instituem a lógica de estratificação
humana. Cabe alertar, que, para além da divisão e desigualdade de classes sociais
historicamente estabelecidas, emergem outras categorias de raça, etnia, gênero, sexualidade,
orientação sexual, geração, e outras, que se insurgem. Elas estavam submersas no anonimato,
na violência do silenciamento, numa zona cinzenta do não ser e passaram a reexistir, a
pretender ser visibilizadas e terem suas vozes mais que ecoadas, gritadas pelas frestas do
status quo social e que precisam ser escutadas. Esses gritos não provocam apenas sustos, eles
produzem mecanismos, estratégias de lutas, resistências, rupturas e transgressões (WALSH
2013, p. 19).
Sob essa perspectiva, fica entendido que essas experiências do viver cotidiano devem
estar no centro de toda e qualquer incursão no campo das ciências que prezam por intervir no
mundo para proporcionar melhores condições de existências para todos os seres vivos.
Contudo, nota-se, que é necessário seguir os rigores do fazer científico em interconexão com
o objeto pesquisado, mas esse fazer científico não pode e não deve estar na abstração, quer
dizer, apartado das vicissitudes da vida.
Partindo dessas considerações, esta pesquisadora justifica como locus da pesquisa a
cidade de Salvador, por reunir as condições de possibilidades para o transcorrer do
pensamento crítico decolonial na articulação com as diversidades e elementos culturais
intrínsecos ao local. Portanto, é nesse cenário tão miscigenado e plural que a Língua
Portuguesa Brasileira (LPB), uma língua-cultura-alvo para os seus falantes de diversas
33

matizes, adquiriu materialidades e maturidade. É preciso lembrar que, ao longo da sua


constituição histórica colonial, por meio do contato com línguas autóctones e alóctones, essa
mesma língua, produziu ações de glotocídio, epistemicídio, apagamentos e indiferença
linguística.
A despeito desses males linguísticos, a língua portuguesa, por ser um fenômeno social
vivo, dinâmico e em transformação, encampou no século XXI, o que é possível qualificar de
“virada linguístico-humanitária”.
Desta forma, quando se coloca como língua de acolhimento cujo ethos é para abrigar,
respeitar, se solidarizar com as diferenças e mediar as línguas-culturas de pessoas de várias
nacionalidades, que estão em situação de subalternização, exclusão e desumanização para
construir autonomias e emancipação.
Face ao exposto, e visando uma maior amplitude conceitual sobre o Português como
Língua de Acolhimento (PLAC) é possível afirmar que:

O conceito de língua de acolhimento, ao nosso entender, transcende a perspectiva


linguística e cultural e refere-se também ao prisma emocional e subjetivo da língua e
à relação conflituosa presente no contato inicial do imigrante com a sociedade de
acolhimento, a julgar pela situação de vulnerabilidade que essas pessoas enfrentam
ao chegarem a um país estrangeiro, com intenção de permanecer nesse lugar. (SÃO
BERNARDO, 2016, p. 65).

Em consonância com a autora, é importante considerar que o PLAc transcende a


competência linguístico-comunicativa porque se insere num ambiente de alta sensibilidade, no
qual as subjetividades estão afloradas e as questões psicossociais estão impostas pelo processo
migratório compulsório desumano. O profissional ou voluntário do PLAc, antes de se
comunicar com o aluno, terá que se conectar com o migrante destituído de sua dignidade e
com toda a carga de sentimentos e tensões que essa experiência vivencial traduz. Essa postura
crítica e de atenção à cultura do dessemelhante exige que esse mediador intercultural se
fortifique emocionalmente e culturalmente para enxergar o outro diferente de si, mas que se
encontra latente, indivisível em si mesmo, isto quer dizer o outro de si.
34

Com base nessas percepções, os professores e atuantes de PLAc, têm uma tarefa
hercúlea e complexa para enfrentar os desafios propostos e os que poderão advir. Desse modo,
os problemas serão enfrentados a partir do diálogo intercultural, conforme observa Papisca:

O diálogo intercultural, colocado em contexto global natural e transnacional, está


estreitamente unido à cidadania, isto é, à prática da democracia [...] como
instrumento transcultural que facilita a passagem da condição potencialmente
conflitiva da multiculturalidade para o estágio dialógico da interculturalidade
(PAPISCA, 2007, p. 44).

Avançando em torno dessas considerações, faz-se necessário traçar um breve


panorama da cidade de Salvador, delineando aspectos culturais, virtudes e contradições que se
resvalam no cotidiano do viver urbano que está imbricado nas relações e manifestações
linguísticas.

Figura 1 – Mapa da Bahia

Fonte: Portal Uol – Mundo Educação

O mapa acima evidencia a localização de Salvador, que está fincada numa península
de formato triangular na entrada da Baía de Todos os Santos, ao oeste e, ao leste, o Oceano
Atlântico. A cidade integra a Zona da Mata da Região Nordeste do Brasil, na faixa litorânea,
com área territorial de 693,453km². Possui clima tropical atlântico e tem o maior litoral
urbano do país, pois inclui a Baía de Todos os Santos, a mais extensa do mundo em volume
35

de águas e em profundidade, com 1.223km², atingindo até 70 metros, conforme a Revista


Brasileira de Geofísica, de 2007. É um importante museu subaquático natural e, ao longo dos
seus 520 anos, completados em 01/11/2021, abriga no solo navios holandeses, portugueses,
espanhóis, ingleses e franceses, que formam um recife natural tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e aos cuidados da Marinha do Brasil.
Tem uma importância histórica de grande magnitude, principalmente no período
colonial, época em que já foi denominada de Kirimurê, que significa “grande mar interior”
pelos tupinambás, indígenas que habitavam a região costeira de Salvador. Para se ter a
dimensão dessa baía, pode-se considerar a área do município do Rio de Janeiro, a segunda
metrópole do país.
A história brasileira foi iniciada na Bahia e a cidade de Salvador foi a primeira capital
do país, à época denominada de “São Salvador da Bahia de Todos os Santos”. Foi sede da
administração colonial até 1763. É a cidade mais populosa do Nordeste e a quarta do país,
com 2.675.656 milhões de habitantes (IBGE, 2010). Em 2021, a população estimada é de
2.900.319 pessoas. A densidade demográfica é de 3.859.44 habitantes por quilômetro
quadrados, com base no último censo do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010.
O município possui características urbanas especiais, devido a uma falha geológica,
sendo dividido entre Cidade Alta (localizada numa escarpa a sessenta metros do porto) e a
Cidade Baixa (situada na planície litorânea). Ambas as cidades estão ligadas pelos Elevadores
Lacerda (fundado em 8 de dezembro de 1873, considerado o primeiro elevador urbano do
mundo) e do Plano Inclinado, bem como pelas ladeiras do entorno. Quem nasce em Salvador
é chamado de soteropolitano(a) e, segundo o dicionário Caldas Aulete (2011), refere-se a
“soter” Salvador e “pólis”, cidade.
A economia da cidade está pautada no setor terciário, nas áreas de serviços, turismo e
comércio. No entanto, a região metropolitana de Salvador (RMS), conhecida como a grande
Salvador, concentra as atividades industriais. Na cidade de Camaçari, que integra a RMS, está
localizado o Polo Petroquímico de Camaçari (PIC) e, em Simões Filho, também nessa região,
está situado o Centro Industrial de Aratu (CIA). Segundo dados do IBGE, relativos ao ano de
2018, a RMS foi o oitavo polo de riqueza nacional. Nessa localidade, também, está situada a
primeira refinaria de petróleo nacional e a única do Nordeste: a Refinaria Landulpho Alves
(RLAM).
Dessa maneira, o turismo é a sua principal atividade econômica e um dos espaços de
difusão e enunciação de línguas. Salvador é visitada ao longo do ano, porém, o fluxo mais
36

intenso de visitantes ocorre no verão, estação recheada de festas tradicionais populares que
atraem milhares de pessoas não apenas das cidades do interior da Bahia para a capital, bem
como de outros lugares do Brasil e do mundo. É a cidade do Carnaval, a maior festa
plurilíngue de rua do planeta e um dos principais ativos do turismo local. Em 2020, a
Secretaria de Cultura da cidade registrou o número de 16,5 milhões de pessoas nas ruas da
capital. A movimentação econômica para o ano supracitado foi da ordem de 1,8 bilhões de
reais, com a disponibilidade de 215 mil vagas temporárias de emprego, para esse período.
Salvador tem outros tipos de turismo, por exemplo, o náutico, o empresarial e o
religioso. Este último, por sua vez, pela dimensão histórica que representa, uma vez que a
cidade possui 372 igrejas católicas, bem como templos de religião de matriz africana e demais
religiões que atraem milhares de turistas com as suas variedades linguísticas.

Figura 2 – Fotografia aérea da cidade de Salvador.

Fonte: Bahia Jornal 07/12/2020.

Importa destacar que Salvador produz e respira artes nas suas múltiplas modalidades,
sendo condição para disseminar encantamentos e fascínio por este local. Para fazer uma
pequena descrição de sua gente, suas crenças, suas cores e culturas, é possível buscar
inspiração nos versos dessas canções: “São Salvador, Bahia de São Salvador, a terra de nosso
senhor, do nosso senhor do Bonfim pedaço de terra que é meu”. “Nessa cidade todo mundo é
d'Oxum. Homem, menino, menina, mulher, toda gente irradia magia presente na água doce,
37

presente na água salgada e toda a cidade brilha. A força que mora n’água não faz distinção de
cor”. “Salvador, Bahia, território africano, baiano sou eu, é você, somos nós uma voz de
tambor”. São composições dos autores baianos, na sequência: Dorival Caymmi (1960),
Gerônimo Santana e Everaldo Calazans (1986) e Saulo Fernandes (2013), que desvela esse
chão.
Desta forma, Salvador traz, na sua essência, um povo que é multicultural, multirracial
e multiterritorial, é uma cidade que abraça povos de diferentes nacionalidades e naturalidades
fazendo com que línguas, culturas e identidades circulem nos seus territórios. Sendo assim, o
prefixo multi está associado às características antropológicas dos seus habitantes, nas suas
formas de ser, existir, de enunciar e de territorializar. Como expressam os versos das letras
acima mencionados, é a terra do sagrado, dos orixás, das comunidades mais diversas e
materializadas em suas linguagens. Nesse caminhar, é importante a posição conceitual do
geógrafo Rogério Haesbaert (2007), no que concerne às relações socioespaciais, quando
afirma que a multiterritorialidade é um poder simbólico de apropriação do espaço:

(...) a existência do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo menos no


sentido de experimentar vários territórios ao mesmo tempo e de, a partir daí,
formular uma territorialização efetivamente múltipla, não é exatamente uma
novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorialização parte do nível
individual ou de pequenos grupos, toda relação social implica uma interação
territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos
vivido sempre uma “multiterritorialidade”. (HAESBAERT, 2007, p. 19-46).

Desse modo, a cidade de Salvador é um local que constitui múltiplos territórios que
irão abrigar imigrantes em situação de vulnerabilidade num processo de territorialização. Eles
chegam, na sua maioria, sozinhos ou com alguns poucos familiares, e mudam a paisagem da
cidade com os seus corpos, suas línguas, culturas e identidades. Um grupo é enquadrado na
categoria jurídica de refugiados, conceitualmente definida pela Convenção do Estatuto dos
Refugiados de 1951:

Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,


nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de
nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país. Mas, há
um outro grupo de migrantes compulsórios que são pessoas que migram por
diversos motivos como fome, crises econômicas, políticas, climáticas, sanitárias e
desastres ambientais, entre outros, que põem em risco a sobrevivência, e estão sob a
proteção da Declaração de Cartagena de 1984, subscrita pelo Brasil e reconhecendo
que “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a
deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (Convenção
Relativa ao Estatuto dos Refugiados, 1951, art.1, inciso 2, p.2; Declaração de
Cartagena, 1984, Terceira Conclusão, p. 3).
38

Portanto, a Convenção do Estatuto dos Refugiados de 1951, define o que é o


refugiado. Era limitada geográfica e temporalmente, pois foi criada no período pós-guerra
para atender aos refugiados europeus e não contemplava a realidade do mundo fora da
Europa. Em 1967, foi assinado o Protocolo Nova York, que ampliou os termos da Convenção
de 1951, sobre o status de refugiado, deixando de limitar o reconhecimento do refúgio para os
casos ocorridos antes de 1/1/1951. Posteriormente, a Declaração de Cartagena de 1984,
ampliou o conceito de refugiado fornecendo proteção para pessoas em deslocamento
compulsório devido à grave e generalizada violação de direitos humanos.
Diante disso, a presente pesquisa sobre o PLAc - Português como Língua de
Acolhimento em cartografias críticas multilíngues tem como público-alvo refugiados e
imigrantes compulsórios, pessoas que foram forçadas a buscar condições dignas de vida, fora
do seu país. Assim, o PLAc interage com pessoas que foram impactadas por condições sociais
adversas como as migrações compulsórias. Desta forma, é imprescindível estabelecer pontes
interdisciplinares e transdisciplinares com outras áreas do conhecimento como a geografia
crítica, a sociologia, a antropologia, o direito, a filosofia, a psicologia, a cartografia crítica e
tantas outras, considerando os fatores linguísticos e extralinguísticos.
Desse modo, sob o lastro da geografia crítica, corrente da ciência geográfica que
rasurou a aparente neutralidade e estabilidade no campo teórico da geografia tradicional, e
imprimiu mais engajamento político com outras fontes de conhecimento, é importante
destacar que essa área do saber é bastante estratégica para os estudos das línguas.
É imperioso dizer que, no Brasil, um dos grandes nomes a ressaltar é do notável
intelectual baiano Milton Santos (1996), quando disse que é necessário tornar o território útil
para que seja fonte de análise crítica das relações sociais dos seus viventes.
Dessa maneira, nos espaços-territórios, as redes linguísticas são construídas
cotidianamente, com distintas e comuns experiências entre os seus usuários. Sendo assim,
esse lugar é permeado por elos de poder que se tensionam entre si, exigindo ações e
negociações simultâneas entre seus distintos sujeitos e sujeitas, os quais, inexoravelmente,
vão reconfigurar as suas identidades, pois são fluídas, voláteis e flexíveis (BAUMAN, 2004),
bem como são políticas, plurais e diversas (HALL, 2003).
Por conseguinte, os movimentos contínuos de territorialização, reterritorialização e
desterritorialização que ocorrem no espaço urbano da cidade de Salvador, afetam
sobremaneira as línguas e seus usuários em migração compulsória por meio das mobilidades
linguísticas. Esses deslocamentos involuntários acionam práticas e atitudes para o
39

desenvolvimento e implementação de ações políticas na esfera da linguagem. Portanto, na


territorialização, as pessoas sobrevivem, se comunicam e se estabelecem no território, na
(re)territorialização, as pessoas com suas línguas tentam se restabelecer no novo espaço nos
mais variados âmbitos: político, econômico, cultural e simbólico.
No entanto, é no processo de (des)territorialização que ocorre o desenraizamento e
adoção de linha de fuga em direção a uma outra possível (re) territorialização em algumas
situações de forma traumática, para os migrantes compulsórios. Este é um movimento cíclico.
Isso significa dizer, que as línguas e falantes na construção, reconstrução e
desconstrução das mobilidades humanas assumem a centralidade da dinâmica territorial, pois,
como afirma o geógrafo Haesbaert (2007), não se trata isoladamente de um “território-zona”,
pautado no controle estatal, mas também de “território-redes” ou “reticulares”, que projetam
as relações sociais e políticas.
Em sendo assim, diante da complexidade dos centros urbanos como espaços de
concentração, dispersão e circulação de pessoas, bem como veicularidades de
línguas-culturas, há uma outra perspectiva sobre o urbanismo via cidade-território da
jornalista e militante estadunidense Jane Jacobs (2007), no seu polêmico livro “Morte e Vida
de Grandes Cidades” (um estudo crítico aos princípios funcionalistas do planejamento urbano
ortodoxo), que revolucionou o urbanismo mundial e se estabeleceu como referência
inescapável aos estudos das cidades. A pensadora foi reconhecida como urbanista por suas
ideias contra a gentrificação e por ser adepta a criação de cidades amigáveis.
Neste ponto, trago para essa discussão a temática da gentrificação, termo cunhado pela
socióloga marxista britânica Ruth Glass, pois é um processo de reestruturação urbana,
presente nas grandes metrópoles, mas que tem ação direta sobre os seus habitantes e sobre as
suas línguas. É necessário salientar, que por mais distante que possa parecer, este fato está
conectado a área da linguagem, pois traz danos sociolinguísticos significativos, uma vez que
restringe os espaços de enunciação e de circulação de línguas, pois segrega comunidades de
fala consideradas minoritarizadas (CAVALCANTI, 2013).
Em contrapartida, os espaços para grupos socialmente prestigiados são expandidos e
demarcados na escala por privilégios linguísticos. É a lógica da acumulação capitalista e,
neste caso, línguas configuram mais-valia (conceito da teoria marxista sobre o sistema de
exploração capitalista). Sendo assim, há a reapropriação urbana com a exclusão dos mais
pobres, dos seus corpos e de suas línguas ou variantes populares para lugares periféricos de
vida mínima. Em outros termos, há um processo de higienização social e linguística, com o
40

afastamento de pessoas de suas casas e dos espaços de convivência dos centros urbanos,
denotando um preconceito linguístico e de classe.
Desse modo, essas pessoas tornam-se refugiados(as) em suas próprias cidades.
Convém lembrar que Salvador como toda grande metrópole, também, vivenciou um processo
de gentrificação no Pelourinho, área histórica e turística da cidade numa nítida perspectiva de
cidade-mercado com supressão do direito de ir e vir.
Esse é um ponto de convergência na questão migratória internacional, pois os
migrantes que aqui chegam são direcionados para as extremidades do município.
Nesse sentido, o direito à cidade é um direito humano e constitucional, e deve
possibilitar tanto a nacionais quanto a imigrantes compulsórios a livre circulação de seus
corpos, de suas línguas, vestuários, dentre outros elementos culturais nos espaços urbanos.
O termo direito à cidade foi proposto pelo filósofo marxista francês Henri Lefebvre e
significa na afirmação do autor:

O direito à cidade se manifesta como uma forma superior dos direitos: o direito à
liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra
(à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à
propriedade) estão implicados no direito à cidade. (LEFEBVRE, 2008, p. 134).

Figura 3 – Fotografia aérea do Pelourinho.

Fonte: Jornal Correio da Bahia – 31/03/2019.


41

Importa destacar, também, para a origem antropológica do povo de Salvador, uma vez
que é genealogicamente racializado, pois a sua população tem origem em três matrizes
distintas: indígenas, africanos e portugueses que juntos resultaram no “povo-novo”,
denominação dada por Darcy Ribeiro (1983). Para esse autor, houve um processo de
desindianização dos indígenas, desafricanização do negro e da deseuropeirização do branco
por vez que já não era eminentemente europeia, nem africana e nem indígena. No entanto,
demais europeus como franceses, holandeses, ingleses e povos de outras nacionalidades
transitaram pela cidade e compuseram a linhagem brasileira desde o início da colonização e,
ao longo dos tempos, pautada na herança biológica, linguística e cultural.
Não há dúvidas que o fenômeno da escravização que perdurou no país por 300 anos,
foi decisivo na formação do povo soteropolitano, bem como na formação da língua
portuguesa brasileira. Um contingente estimado de 5 milhões de africanos chegaram ao país
involuntariamente, portanto a primeira migração compulsória no Brasil se deu entre os
séculos XVI e XIX. Isso fez com que o país fosse o maior receptor de escravizados africanos
do mundo (VIANNA, 2015). Naquele período, Salvador e a Bahia, como um todo, foram os
locais de maior densidade negra, constituindo uma maioria de afrodescendentes frente aos
índio-descendentes e euro-descendentes.
Sendo assim, não se pode dar passos nessa pesquisa sem refletir criticamente as
questões cruciais das relações étnico-raciais que atravessam e constituem as línguas e culturas
presentes no tecido social das estruturas de poder e que marcam as subjetividades existenciais
do povo que habita essa cidade. Dessa forma, estão incluídos, nesse universo, não só os
nascidos que residem no local, como também, os imigrantes compulsórios que chegam de
países africanos e que são público-alvo do Português como Língua de Acolhimento (PLAc).
Em face ao exposto, Salvador, também conhecida como a “Roma Negra”, recebeu, no
último recenseamento do IBGE (2010), o título de cidade mais negra fora da África. Segundo
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), 2018, 8 em cada
10 moradores da capital se autodeclararam de cor preta ou parda. O IBGE (2010) – último
censo realizado no país - classifica a categoria negros como pretos mais pardos. Nesse estudo,
se observou que o crescimento da população parda é natural e esperado por causa do processo
de miscigenação da população ao longo do tempo, porém, um dos motivos do aumento do
número da população preta ocorre com a autodeclaração, pois não há dados quanto a taxa de
fecundidade da população preta em relação a outros grupos.
À luz dessas constatações, não se pode dissociar as questões étnico-raciais das
42

questões linguísticas, porque elas estão imbricadas, isto é, se constituem mutuamente.


Ademais, o locus dessa pesquisa tem uma relevante tradição histórica escravista que marca
diretamente a vida dos seus falantes negros e suas identidades, essencialmente na “fala
falada” do pretuguês, categoria linguística criada pela historiadora e filósofa Lélia Gonzalez,
quando disse:

É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é Framengo. Chamam
a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a
presença desse r no lugar do l nada mais é que a marca linguística de um idioma
africano, no qual o inexiste. Afinal, quem que é o ignorante? Ao mesmo tempo,
acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais,
que condensa você em cê, o está em tá e por aí afora. Não sacam que tão falando
pretuguês. (GONZALEZ, 1988, p. 69).

Com o entendimento que a língua ultrapassa as estruturas gramaticais e são as lentes e


os retrovisores que percebem o mundo e designam as coisas, a autora interpreta o pretuguês
como concepção de língua. Sendo assim, o PLAc comunga com essa ideia para acolher os
migrantes africanos na diáspora contemporânea.
Como adverte Roland Barthes (2004), a língua pode ser interpretada como a arena da
luta de classes de toda e quaisquer opressões. A língua e suas diversas manifestações
materializadas por meio das linguagens carregam estigmas coloniais de exclusões e
segregações, porque elas retroalimentam ideologicamente as colonialidades no mundo real.
Em se tratando da área da linguagem, é sabido que há um campo imenso a ser
desbravado no tocante ao racismo linguístico, que é a racialização que se dá através da língua
(NASCIMENTO, 2019). Assim sendo, é imperioso que a esfera da Linguística Aplicada
coloque em pauta, por meios das pesquisas acadêmicas, essas discussões, argumentos, e
acione as entidades vinculadas ao campo das Letras, no sentido de descolonizar e decolonizar
línguas/linguagens e suas práticas sociais pedagógicas.
O mapa que segue, evidencia a distribuição espacial da população segundo cor ou raça
no país, entre - pretos e pardos - 2010.
43

Figura 4 – Mapa de distribuição espacial da população segundo cor ou raça (pretos e pardos)

IBGE:2010

Contudo, não há estatísticas oficiais sobre o número de imigrantes negros


compulsórios que residem na cidade, como haitianos, congoleses, senegaleses, nigerianos e
outros. A questão racial no contexto migratório é vital e acentua as diferenças quanto aos
imigrantes negros, mesmo em Salvador, em detrimento dos imigrantes brancos de outras
nacionalidades portadores de capital simbólico que hierarquiza as culturas. Os falantes negros
carregam rótulos como não possui “boa origem” que alimentam a seletividade migratória. O
mapa acima é um recurso da cartografia crítica para maior compreensão do fenômeno racial.
Assim, verifica-se um Brasil que é enegrecido e com alta concentração em Salvador e
na Bahia como um todo. Por isso, Salvador, além de ser a capital da Bahia, é a capital mais
negra do país, isto a partir dos dados levantados no censo descrito. Um outro dado de análise
importante é o aumento da autodeclaração de pretos e pardos dentro da categoria negros. Esse
reconhecimento carrega sentimentos de autoestima e pertencimento pela origem, pela
44

aceitação dos corpos tão marcados, vigiados e castigados historicamente, os quais carregam a
responsabilidade da memória ancestral. As informações censitárias representadas nesse mapa
constituem fontes para traçar intervenções no status quo, pois demonstram um contingente
populacional brasileiro, baiano e soteropolitano (nascidos em Salvador), majoritariamente
negros (pretos e pardos), escancarando o déficit em termos de oferta de serviços públicos que
garantam cidadania a essas pessoas. Devido a pandemia, não foi realizado o censo em 2020, o
que subestima o número de afrodescendentes em dados atuais.
A descoberta do pertencimento negro, cada vez mais latente e assumido, na sua grande
maioria, não só pela juventude, como também, pelo processo de maturação e concepção
efetiva do tonar-se negro, do qual também me percebo em essência e corporeidade, possibilita
um resgate das origens e ancestralidade. Nesse deslocamento subjetivo, ecoa as palavras da
médica e psicanalista baiana Neusa Santos Souza, na introdução do seu célebre livro
Tornar-se Negro, quando diz:

Saber-se negra é ter tido a experiência de ter sido massacrada na sua


identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências,
compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a
experiência de comprometer-se a resgatar a sua história e recriar-se em suas
potencialidades. (SOUZA, 1983, p. 77).

Nessa direção, o aumento do percentual de autorreconhecimento de negros em


Salvador, deve-se não só ao trabalho incessante da militância corajosa dos movimentos negros
que ecoam desde 1974, período da ditatura empresarial-civil-militar, como também, da
organização política de grupos discriminados nas diversas áreas. O surgimento da Associação
Cultural Bloco Afro Ilê Aiyê, em 1975, foi um desses marcos de insurreição, quando ocupou
o espaço urbano e colocou a periferia no centro da cidade em sinal de protesto por direitos
raciais, rasurando a estética branca no carnaval de Salvador.
Um outro marco histórico foi a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em
1978, para o enfrentamento ao racismo estrutural. Para o filósofo Sílvio Almeida (2018), o
racismo é estrutural porque alicerça os pilares da sociedade sob o ponto de vista econômico e
político.
Na contemporaneidade, nos espaços cibernéticos, que são locais de disputas
ideológicas e de racismo por meio das linguagens oral e não-verbal, constituem conspirações,
alienações, mas, na outra ponta, indicam caminhos de desobediências civis e, também,
escrevivências, termo cunhado pela escritora Conceição Evaristo (2005), para falar das
45

interconexões entre a escrita e a vida. Nesse sentido, o linguista Bagno (2017), afirma que,
por meio de estudos da sociolinguística, há diferença entre a escrita masculina e feminina.
Avançando em torno dessa afirmação, e por ser uma mulher e pesquisadora negra,
afirmo, também, que há diferenças acentuadas no tocante à escala de privilégios entre as
intelectuais brancas e negras e suas pesquisas dentro das academias.
Trata-se, pois, da escrita negra acadêmica marcada pela carga emocional das cicatrizes
de violência e subalternização seculares. Portanto, para Conceição Evaristo (2005), “a nossa
escrevivência não pode ser lida como histórias para ninar os da casa grande e sim para
incomodá-los em seus sonos injustos”.
Com base nas afirmações da pedagoga negra Nilma Lino Gomes (2017), o movimento
negro educador, a partir do ano 2000, reelaborou a sua estratégia de ação para políticas
públicas sociais específicas que abarcassem a raça, em função do racismo desenvolvido
historicamente.
Segundo Hall (2003), conceitualmente:

[...] raça é uma construção política e social. É a categoria discursiva em


torno da qual se organiza um sistema de poder socioeconômico, de
exploração e exclusão, ou seja, o racismo. Todavia, como prática discursiva,
o racismo possui uma lógica própria. Tenta justificar as diferenças sociais e
culturais que legitimam a exclusão racial em termos de distinções genéticas e
biológicas, isto é, na natureza. (HALL, 2003, p. 69).

Nesse esse sentido, a implementação da Lei 12.990 de 9/6/14, relativa às ações


afirmativas nas universidades públicas, e as Leis 10.639/03, sobre a obrigatoriedade da
inclusão do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Lei 11.645/08, sobre a História e
Cultura Indígena nas redes nacionais públicas e privadas da educação brasileira, constituem
instrumentos válidos para a prática de uma educação antirracista para o enfrentamento de
desigualdades raciais e sociais via políticas públicas “in vitro” ou “top down”, decisões
verticalizadas e instituídas na sociedade para tirar das margens uma população estigmatizada
e precarizada.
Evidentemente são avanços, porém, não aprofundam ações de equidade efetiva e
justiça social. Os currículos escolares e universitários, em geral, ainda são conservadores e
não problematizam questões históricas de subalternização e exclusão, principalmente, no
ensino de línguas. Não contemplam nem a antiga e nem a nova diversidade das salas de aulas
e do entorno, principalmente, com o aumento do número de estudantes negros nas
universidades e escolas públicas, bem como os migrantes em situação de refúgio e
46

deslocamento compulsório, muitos negros, que representam a audiência em contexto de


língua de acolhimento.
Segundo Gomes (2017), as teorias racistas continuam a compor o cenário da educação
brasileira e dos cursos de letras. O aparato legal antirracista instituído no ambiente
educacional não se incorporou efetivamente às práticas teórico-metodológicas que, na sua
maioria, continuam euro-usa-cêntricas, acentuando opressões e retardando voos com destino à
libertação humana.
Um outro fator mobilizador de desarticulação de estruturas do racismo, este sim, mais
inclusivo, é o da multiplicação de coletivos que representam experiências e saberes
construídos por grupos ditos minoritarizados adstritos às universidades e em bairros
periféricos da cidade. Esses movimentos agenciadores são como lanças que perfuram as
bordas do sistema racial-sociopolítico-econômico estruturante das colonialidades e drenam
todos os tipo de preconceitos e estereótipos para a desconstrução do mito da democracia racial
incrustado no imaginário social e nas literaturas dos amplos segmentos do conhecimento.
Sem dúvida, nesses coletivos ecoam os sussurros do tsunami negro que se espraiou
desde o tráfico atlântico, passou pelas senzalas e quilombos e chegou até os dias atuais, em
tempestade, imprimiu mais força as palavras da escritora Fernanda Carneiro (2006), quando
disse que “nossos passos vêm de longe”, palavras essas que formam o título de seu artigo que
compõe o Livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe, organizado pela
pesquisadora e ativista negra, Jurema Werneck. O título do artigo carrega toda a pujança,
sabedoria e ancestralidade para desacorrentar mentes e encorajá-las à liberdade.
Apesar das investidas constantes do sistema ideológico branco cis-heteronormativo
patriarcal e capitalista em colonizar mentes e línguas, em despertencer os negros e negras do
seu contexto sócio-histórico-político, há em contraposição o processo de emancipação e
equidade nutrido pelos movimentos sociais libertários e decoloniais.
Nesse escopo, Paulo Freire (1998), alertou que o empoderamento, enquanto
instrumento político de transformação social, não se constrói de forma rudimentar e
individualizado, mas adquire maior amplitude no coletivo, uma vez que está ligado às classes
sociais subjugadas que se investem de poder político para desmontar os núcleos rígidos de
dominação através da educação libertadora.
Na outra ponta da cidade, são evidenciadas desigualdades sociais profundas que
refletem a pobreza urbana pela ausência de políticas públicas em vários bairros
estigmatizados, compostos por uma maioria minorizada da população negra. O contingente de
47

migrantes compulsórios que deixaram os seus países em crise e chegaram a Salvador, se


juntaram a uma maioria, também, em crise nessa cidade.
É importante ressaltar que o conceito teórico maioria minorizada foi concebido pelo
cientista social, comunicador e rapper negro baiano Richard Santos (2020), como um
dispositivo analítico de racialidade. Na obra, ele evidencia uma maioria de pretos e pardos nas
suas mais distintas colorações que são atravessados inexoravelmente pelo racismo antinegro,
por meio de suas experiências existenciais formando uma unidade, mesmo que muitos ali
contidos, ainda, não tenham ou não assumam a consciência racial.
É importante esclarecer que a tomada de consciência se dá num processo contínuo de
desconstrução das colonialidades, que são resquícios estruturais do perverso processo de
colonização racial imposto a toda comunidade negra, a partir da invenção da raça, do não ser,
desumanizando e causando dor crônica as populações negras.
Como já colocado, reitero que as questões raciais são centrais nesta pesquisa sobre
língua portuguesa em ação de acolhimento porque está direcionada a atender, principalmente,
os falantes negros que são segredados e estereotipados a partir do construto social raça e seus
desdobramentos, a exemplo das desigualdades e violências de toda ordem que se materializam
no cotidiano social. Portanto, os números falam por si na pesquisa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (2019), que constatou alguns indicadores de pobreza na Bahia e em
Salvador, com relação as categorias negro (pretos e pardos) e brancos, correspondentes ao ano
2018, o que é extremamente recorrente pelo vazio de políticas públicas que abarquem
demandas relativa à acesso a direitos sociais como saúde, educação, moradia digna, dentre
outros.
Esses aspectos sociais interferem diretamente no contexto linguístico, de forma
negativa aos migrantes, prioritariamente, os negros que chegam à nossa porta, pois os ataques
de eugenia e xenofobia facilmente são vistos pelas mídias impressas e televisivas.
48

Figura 5 – Gráficos sobre os aspectos socioeconômicos da população negra em Salvador.

Fonte: IBGE, 2019.

Os percentuais verificados, na pesquisa acima, atestam maior vulnerabilidade social da


população negra baiana e soteropolitana, confinadas em bairros periféricos, majoritariamente
49

espaços vazios de direitos, onde habitam as “vidas nuas” que não estão sob o abrigo jurídico
(AGAMBEN, 2004) e privadas dos lugares da vida, do direito à cidade desvelado pelo
racismo estrutural e estruturante anti-vidas, anti-culturas, anti-línguas.
Sendo assim, além de todas as mazelas de uma metrópole de país periférico, do Sul
global, a cidade de Salvador continua atrativa para migrantes voluntários nacionais e
transnacionais que aqui chegam, são bem recebidos e se estabelecem, mas a parcela de
migrantes internacionais compulsórios não é tão bem recebida, devido a “mixofobia” o medo
irrefreável de misturar-se com o diferente de si (BAUMAN, 2017. p. 15).
Acresce a isso, o espírito artístico presente por toda a cidade, pois a capital baiana
respira e produz artes com as mais variadas linguagens. Há uma frase criada pelo colunista
social Zózimo Barrozo do Amaral que ficou muito difundida pelo Brasil, ele diz “baiano(a)
não nasce, estreia”. Sob esse cenário, a cidade se coloca em destaque mundial através da
música, literatura, cinematografia, gastronomia e arquitetura, entre outros.
A sua música transnacional e criativa com diversos ritmos e acordes descortina ao
mundo grandes compositores, além dos citados no início do texto. Entretanto, um ritmo
popular se destaca como preferência mundial característico não só de Salvador como do
estado da Bahia: é o Samba e as suas variantes, originário do povo preto. O Samba de Roda,
uma das vertentes, foi gerado no Recôncavo Baiano, mais precisamente em 1860, de origem
africana, cuja dança está ligada ao culto dos orixás, caboclos, e à capoeira. Acompanhado de
atabaques, chocalhos, viola e um embalo ao soar das palmas, foi reconhecido pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio cultural e imaterial
desde 2004 e, em 2005, por seu estilo musical e coreográfico recebeu o título de obra prima
da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO).
Sendo assim, todo esse caldo cultural que brota da Capital da Música, título
internacional concedido a primeira capital brasileira como “Cidade da Música”, em 2015, e a
terceira brasileira a fazer parte da “Rede de Cidades Criativas, da Unesco, internacionaliza a
cidade, sua gente, culturas e línguas.
É, também, um chamariz para receber milhares de pessoas de diferentes localidades,
que, em Salvador, se encontram, fortalecendo a diversidade e o multilinguismo tão
característico do local.
A partir desse território ricamente diversificado e cultural, a língua portuguesa
brasileira se revigora no tempo-espaço como língua de acolhimento humanitária para acolher
50

a população de refugiados e migrantes compulsórios, a fim de mediar a inserção social na


sociedade abrigadora, com vistas a favorecer a construção de repertórios linguísticos que lhes
possibilitem agir de forma autônoma e busquem a cidadania nessa nesse novo local de
morada.

2.1 CARTOGRAFIAS MULTILÍNGUES NA HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS


POPULACIONAIS EM SALVADOR: COSTURAS E ENTRELAÇAMENTOS

Figura 6 – Mapa da cidade de Salvador, Bahia.

Fonte: http://www.sucom.ba.gov.br/wp-content/uploads/2016/07/PDDU. Acesso: 8/12/2021.

O mapa da primeira capital da Bahia, acima evidenciado, não é só um traçado gráfico,


mas é um documento sociológico que representa o território e as suas multiterritorialidades
em contextos históricos situados e que devem ser analisados e entendidos (HARLEY, 1990).
Desta forma, ao cartografar a história dos movimentos populacionais na cidade de
Salvador, não há dúvidas de que as línguas e linguagens constituem a formação sociopolítica
e multilíngue do povo soteropolitano nos mais variados espectros e está umbilicalmente
51

ligada desde a origem multiétnica aos diferenciados fluxos linguísticos-culturais da


historiografia local. É imperioso uma breve incursão no historicismo, a partir da História das
Ideias Linguísticas no Brasil, e uma releitura crítica e decolonial dos processos históricos e
das suas implicações na construção do multilinguismo local por meio de seus falantes, isto a
partir da percepção de uma educação linguística ampliada (CAVALCANTI, 2013).
Assim sendo, corroborar com a autora quando diz que a educação linguística ampliada
deve ir além das línguas e linguagens, desta forma contemplando a dinamicidade e
heterogeneidade dos fenômenos sociais que atravessam sujeitos, sujeitas, línguas e culturas,
considerando a transdisciplinaridade e transculturalidade na articulação social e política.
Ainda, percorrendo os caminhos da educação linguística, tive um feliz encontro com a
educação linguística crítica por meio do posicionamento teórico da professora e pesquisadora
Aparecida de Jesus Ferreira, quando a define:

A Educação linguística crítica é, para mim, a que está atenta aos alunos e às alunas
em suas identidades, sabendo que se trata de identidades sociais, sejam elas de raça,
de gênero, de classe social e de muitas outras categorias, e que estão interagindo em
sala de aula ou seja, ensinar a língua inglesa, ou outra língua adicional, perpassa por
esse entendimento (FERREIRA, 2018, p. 45).

É, extremamente, necessário e urgente trazer a discussão de questões sociais latentes


que transversalizam o ambiente institucionalizado de ensino e a aprendizagem de diferentes
línguas, bem como os espaços abertos de educação, a exemplo dos movimentos sociais nos
quais acontecem as transformações da vida. As demandas que se impõem socialmente são
conflitivas e estão no cerne dos marcadores sociais de raça, classe, gênero, sexualidade,
orientação sexual, geração, dentre outros, pois atingem os residentes nacionais e os migrantes
público-alvo do PLAc.
A língua portuguesa brasileira em movimento de acolhimento tem uma importante
função na emancipação humana, já que é um elemento constitutivo e experiencial das
existências. Ela deve, por meio da prática social na interação com o ethos dos seus falantes,
ou seja, na práxis social e cultural, agir criticamente sobre os marcadores sociais descritos
porque eles ferem e drenam o tecido social, que é o lugar de veicularidade de línguas.
Portanto, é um desafio gigantesco para os envolvidos com a educação linguística crítica
atuarem firmemente na descolonização e decolonialidade linguística. Isto é, procura não só se
desgarrar das heranças coloniais, mas romper com todo tipo de colonialidade para abraçar a
pluralidade de línguas e de seus usuários nos múltiplos territórios da cidade de Salvador.
Assim, enfatizo que o reconhecimento de línguas e falantes se dá na percepção da
52

intracultura, que é o movimento de imersão e percepção de si, de sua língua e cultura em


conexão com a do outro. Sendo assim, é uma busca reflexiva para estabelecer ligação com o
outro e com o entorno. Desta maneira, é necessário fazer a catarse histórica para desconstruir
preconceitos e discriminações enraizadas, através do processo contínuo de intercompreensão
linguística com o diferente de si. A contar dessa introspecção, deve haver um deslocamento
no sentido de construir a interculturalidade, pois ela não está pronta e embalada. Isto quer
dizer, é preciso compreender e reconhecer os seus pares atentando para as suas diferenças
interseccionais.
Desse modo, a língua portuguesa, suas variantes e demais línguas (autóctones,
alóctones, de sinais, dentre outras compõem o multilinguismo da cidade, a partir das
interações antropológicas, identitárias e performáticas entre os seus falantes e, se constituem,
num ativo linguístico.
De acordo com as afirmações de Calvet (2007), o multilinguismo é a coexistência de
diferentes línguas numa sociedade ou num espaço, mas não só isso, para esse autor não
existem países monolíngues e nem monoculturais, pois há várias formas de expressão de uma
mesma língua. Acresce que, no caso do português brasileiro e suas variantes, ou seja, o
pluricentrismo nos micros e macros centros em diversas partes do globo.
Sob essa perspectiva, Faraco (2008) atesta que:

No plano empírico, uma língua é constituída por um conjunto de variedades. Em


outras palavras, não existe língua para além ou acima do conjunto das suas
variedades constitutivas, nem existe a língua de um lado e as variedades de outro,
como muitas vezes se acredita no senso comum: empiricamente a língua é o próprio
conjunto das variedades. Trata-se, portanto, de uma realidade intrinsecamente
heterogênea. (FARACO, 2008, p 33).

Convém trazer a título de enriquecimento da presente investigação, um outro olhar


conceitual para o fenômeno do multilinguismo, com base na afirmação de Édouard Glissant
(2005, p. 145), “quando diz que o multilinguismo não é apenas a coexistência de línguas e
nem o conhecimento de várias línguas, mas a presença das várias línguas no mundo na prática
de sua própria língua”. O multilinguismo é a convivência de línguas e suas variedades que se
performam a partir de seus falantes e que podem vir a se intercomunicar por meio de um
processo intercultural e de alteridade linguística no espaço-tempo.
No tocante a interculturalidade, é necessário reafirmar o processo contínuo de
construção e reconstrução de caminhos que se encontram e se entrelaçam através de variadas
línguas e culturas, tornando-se fenômenos indissociáveis (KRAMSCH, 2013. Nesse sentido, a:
53

[...] interculturalidade significa, portanto, interação, solidariedade, reconhecimento


mútuo, correspondência, direitos humanos e sociais, respeito e dignidade para todas
as culturas... Portanto, podemos entender que a interculturalidade, mais do que uma
ideologia (que também o é) é percebida como um conjunto de princípios
antirracistas, antissegregadores, e com um forte potencial de igualitarismo. A
perspectiva intercultural defende que se conhecermos a maneira de viver e pensar de
outras culturas, nos aproximaremos mais delas (GARCÍA MARTÍNEZ et al. 2007,
p. 134).

Desta maneira, a intraculturalidade, a interculturalidade e a interseccionalidade se


articulam num verdadeiro tripé fundante de alteridade linguística que embasa os direitos
linguísticos e fundamentais para a dignidade humana. A alteridade linguística diz respeito à
heterogeneidade da língua, pois não há língua pura. Todas as línguas vivenciam outras línguas
por meio de empréstimos linguísticos e diferenciadas formas de enunciação.
O propósito dessa incursão histórica, tem o objetivo teleológico de desfazer o mito do
monolinguismo, monoculturalismo e monoepistemologismo, quando se analisa de forma
crítica o desenrolar dos fatos históricos no Brasil, por meio de outras fontes além do
tradicional cânon. Outras narrativas são necessárias à reflexão para que seja afastado o perigo
de uma história única, como menciona Chimamanda Adichie (2019). Assim sendo, essa
investigação procura por outras epistemologias críticas que evidenciem formas diferenciadas
de existir a partir do sul global, menos eurocentradas, que espelhem realidades sociais e
apontem para as multiplicidades de brasis.
Nesse intuito, urge descortinar esses brasis que, como evoca o poeta Cazuza, em
“Brasil mostra a sua cara”, precisam ser conhecidos e legitimados. E um dos caminhos mais
fidedignos para encontrá-los está no seio dos movimentos sociais que, com gritos, provocam
rasgos na teia social e agenciam as suas redes para lutar por demandas concretas a partir do
direito a ter direitos. Nessa perspectiva, emergem os direitos linguísticos como direitos
fundamentais humanos.
O último censo IBGE (2010), também nos mostra outros brasis, com a existência de
817 mil indígenas de 305 etnias distintas e 274 línguas autóctones. Esses dados refletem a
força e a resistência desses povos milenares, que ainda resistem, no território brasileiro.
No entanto, é preciso avançar com os estudos linguísticos e analisar se todas as
línguas proferidas são de fato línguas ou variações de uma mesma língua, isso se aplica
também no campo da antropologia quanto aos grupos étnicos e os seus respectivos segmentos.
Além das línguas indígenas, há as línguas de imigração, de herança, de fronteira, de sinais,
crioulos, de comunidades afro-brasileiras e o português brasileiro. Portanto, o Brasil é uma
potência linguística com 212,6 milhões de falantes (BANCO MUNDIAL, 2020), um país
54

multilíngue, multiculturalista e multi-epistêmico, com sítios de plurilinguismo. Mesmo assim,


a maioria da população brasileira desconhece ou não reconhece esse riquíssimo patrimônio
imaterial linguístico-cultural.
É mister que linguistas e pesquisadores afins, por meio dos seus ofícios, tornem
visíveis esse universo étnico-cultural e suas pluri-identidades fornecendo subsídios para
formulação de políticas linguísticas.
Sendo assim, Oliveira (2013), declara que as políticas linguística:

São uma contribuição importante para o que temos chamado de virada


político-linguística: o movimento pelo qual os linguistas (mais do que a linguística)
passam a trabalhar juntos com os falantes das línguas, apoiando tecnicamente suas
demandas políticas e culturais. (OLIVEIRA, 2013, p. 19-40).

O imaginário social e linguístico voltado para o monolinguismo é lastreado por uma


política linguística de estado expressa nas letras sucintas e frias da lei, no art. 13 da
Constituição Federal de 1988 – “A língua portuguesa é o idioma oficial da República
Federativa do Brasil”. Desta forma, se impõe mera e hierarquicamente como língua oficial,
nacional, franca e materna para a maioria da população brasileira. Na mesma Carta Magna de
1988, numa atitude inovadora no sentido de dar proteção às comunidades indígenas, o artigo
231, expressa: “São reconhecidos aos indígenas sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”
Apesar do reconhecimento das línguas indígenas pelo documento constitucional, não
existe uma política linguística de estado multilíngue efetiva para esses povos, com ações de
preservação e uso de suas línguas. O que há no campo prático é a designação oficial da língua
portuguesa como a única língua majoritária no Brasil, silenciando as milhares de outras
línguas brasileiras e não nacionais denominadas minoritárias.
De acordo com Altenhofen (2013), às línguas minoritárias estão em contraposição às
línguas majoritárias porque gravitam na periferia, partindo de uma posição de desprestígio
social e informal em relação às hegemônicas. O projeto nacional monolíngue de política
linguística “in vitro” ou “top down” é uma das ações, em nível macro, de intervenção estatal
sobre as línguas de forma vertical, homogênea, excludente, envolta em ranços e aderências
do modelo linguístico-lusofônico que ecoa desde o Brasil colônia até os dias atuais. Em
contrapartida, políticas linguísticas “in vivo” ou “bottom up” brotam do lastro da sociedade
civil. São micro ações que emergem das comunidades de fala em prol desses mesmos grupos,
55

como a cooficialização de línguas autóctones e alóctones as consideradas línguas de


imigração.
Esses elementos são integrantes do planejamento linguístico, conforme atesta Calvet:

[...] que procede das práticas sociais e outra da intervenção sobre essas práticas. A
primeira, que denominaremos de gestão in vivo, refere-se ao modo como as pessoas
resolvem os problemas de comunicação com que se confrontam cotidianamente. [...]
isso não tem nada a ver com uma decisão oficial, com um decreto ou uma lei: tem-se
aqui, simplesmente, o produto de uma prática. [...] outra abordagem dos problemas
do plurilinguismo ou da neologia: a do poder, a gestão in vitro. Em seus laboratórios,
linguistas analisam as situações e as línguas, as descrevem, levantam hipóteses sobre
o futuro das situações linguísticas, propostas para solucionar os problemas e, em
seguida, as políticas estudam essas hipóteses e propostas, fazem escolhas, as
aplicam. (CALVET, 2007, p. 12).

A natureza ontológica do multilinguismo se constitui nas múltiplas manifestações


humanas e dos diferentes modos de ser, estar e agir nos espaços do mundo a partir da
apreensão dos fenômenos pela consciência intencional de sujeitos e sujeitas materializados
através de suas línguas e linguagens. Desse modo, a consciência de algo, de abertura para o
outro, por meio de interconexões e subjetividades. No entanto, o apartheid linguístico
restringe o agir humano demarcando pessoas, línguas e culturas. Assim, é preciso reforçar que
a essência multilíngue deve ser esculpida na alteridade. Com isso, olhar para o seu “eu” e para
o “alter”, o outro diferente de si na interação linguística torna-se necessário. É no
desenvolvimento da co-construção da heterogenia e do dialogismo entre as línguas-culturas
enunciadas pelos seus usuários que se dá o encontro com o dessemelhante de forma não
dicotomizada entre o eu e os outros, mas intermediado pela leitura multilíngue de mundo.
Nessa simbiose, inexoravelmente, aflora um fervilhar de sentimentos que podem ser
harmoniosos ou conflituosos, pois são elementos indispensáveis e naturais à práxis linguística
transformadora. Sendo assim:

O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo.


Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo
impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto
homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial (FREIRE, 1997, p. 42).

Nesta perspectiva freiriana, o diálogo é uma ação revolucionária, que conduz a um


caminho salutar para o enfrentamento do autoritarismo e dogmatismo.

3 A CIDADE DE SALVADOR NA COLÔNIA E NO IMPÉRIO: SITUAÇÃO DE


“MULTILINGUISMO GENERALIZADO” DOS POVOS INDÍGENAS,
PORTUGUESES E AFRICANOS
56

Antes de percorrermos os caminhos históricos da cidade de Salvador no Brasil


Colônia e no Império, faz-se necessário radiografar o cenário multilíngue do continente da
América Latina, no qual o Brasil é integrante geograficamente, mas ainda assim, afastado da
ideia de pertencimento dessa identidade. Isto quer dizer que, no imaginário coletivo, há um
sentimento de não pertença com esparsas e rarefeitas conectividades com os vizinhos latinos.
No entanto, existem características afins como a alta heterogeneidade étnico-linguística, os
processos de colonização e subalternização vivenciados por esses povos que bravamente lutou
e luta por liberdade, justiça social e equidade, trincheiras essa, que nos unem historicamente.
Diante deste contexto, o revolucionário e intelectual cubano José Martí (1993), em sua
obra Nuestra América, reforçava a unidade da América Latina como Pátria Grande, isso
excluindo a América Anglo-Saxônica e a Norte-americana. Franz Fanon (2005) nos faz
lembrar, que é preciso ultrapassar a compreensão do sistema colonial não só no seu aparato
militar e administrativo para a dominação física de povos e territórios, mas atentar para os
discursos de inferiorização incorporados e reproduzidos culturalmente pelos seus habitantes
por meio de um processo de humilhação, sobretudo da subordinação linguística ainda vigente,
bem como da exploração e apropriação do empreendimento marítimo e comercial liderado
pelos países ibéricos, Portugal e Espanha, do século XV ao XIX.
Com isso, o autor afirma que “não é possível submeter à servidão aos homens sem
inferiorizá-los parte por parte”. Sendo assim, o pensador ressalta o profundo vínculo entre o
colonialismo e racismo, uma vez que “o racismo não é mais que a explicação emocional,
afetiva, algumas vezes intelectual, dessa inferiorização” (FANON, 2005, p. 48). Face ao
exposto, ratifica-se que o racismo se constitui, se estrutura e manifesta-se por meio da
linguagem.
Desta forma, a engenharia colonial, por meio das relações de poder e dominação, não
só instituiu a escravização, a servidão, a (des)possessão de terras, a espoliação de recursos
naturais, mas também, dissipou milhares de etnias com suas línguas e culturas numa ação de
extermínio que designo como um fenômeno necroetnolinguístico.
Com base no campo de estudos da linguística colonial (SEVERO, 2016), o mecanismo
colonial engendrou a ideia de América e de suas línguas por meio de processos de
discursivização para alimentar o dispositivo colonial (FOUCAULT, 2005, p. 244) com a
finalidade política de controlar e nomear povos e terras.
Sob esse cenário, Mignolo (2007) contribui com o conceito de América Latina quando
diz que é oriundo da noção de latinidade, palavra criada na França pela intelectualidade
57

francesa cujo expoente foi Michel Chevalier que, por meio da sua produção literária publicada
na década de 1830, delimitava o território latino e a sua gente denominando-a como “raça
latina”, pertencente a um grupo etnolinguístico indo-europeu de línguas itálicas procedentes
do latim.
A França defendia a hegemonia de países europeus de origem latina, isto é, Europa
Latina frente aos anglo-saxões sobre a América. Posteriormente, em 1856, o termo América
Latina foi utilizado pelo filósofo chileno Francisco Bilbao e pelo escritor colombiano José
María Torres Caicedos, em seu poema “Las dos Américas” (As duas Américas, em
Português). Desta forma, a concepção de América Latina foi imposta por um padrão de
civilização europeia meridional no hemisfério Sul, católico e latino que, ao mesmo tempo,
marcou as ausências étnico-político-linguístico-cultural dos índios e africanos na primeira
fase colonial, fase que se expande até a contemporaneidade, como atesta Mignolo (2007).
Segundo os estudos da socióloga e historiadora baiana Paraíso (2005), contrariamente
ao que atesta a historiografia canônica, a migração de povos para a América ocorreu bem
antes das invasões espanholas e portuguesas. Nesse sentido, estima-se que, no período
anterior a 12 mil anos, o percurso migratório não se deu apenas pelo Estreito de Bering. Isto
quer dizer, de um único povo que se deslocou a partir de um único ponto. Os novos estudos e
dados arqueológicos analisam que diversos povos e, não apenas um, ao longo do tempo
usaram trajetos distintos, embrearam-se pela América portando as suas diferentes línguas,
culturas e modos de existências.
Sob essa perspectiva, havia organizações sociais funcionalmente sofisticadas e
hierarquizadas como os Maias, Astecas e Incas, possuidores de um manancial de
línguas-culturas ameríndias. O Nahuatl é a língua dos Astecas e o Quiché dialeto Maia, ambas
são originárias da Mesoamérica. O Quéchua oriundo dos Andes, da região do antigo Império
Inca, o Yawalapíti da região Amazônia e o Guarani procedente do Sudeste e Sul do Brasil,
noroeste da Argentina, Bolívia e Paraguai.
O mapa que segue dimensiona geograficamente o rico universo multilíngue com as
mais conhecidas línguas ameríndias e a quantidade de falantes no continente:
58

Figura 7 – Mapa das línguas ameríndias.

Fonte: Instituto de Investigação e Desenvolvimento de Políticas Linguísticas (IPOL).


Publicado em 12.11.2013

Importa destacar, que a América espanhola foi receptora também de,


aproximadamente, um milhão quinhentos e cinquenta e dois mil escravizados, que trouxeram
suas línguas, culturas e tecnologias. Nesse sentido, a filósofa brasileira Lélia Gonzalez (1988),
caracterizou a América Latina como Améfrica Ladina, uma América Africana. Nas teorias
que desenvolveu, ela instituiu a categoria político-cultural de Amefricanidade na qual
aprofunda os estudos sobre experiências afro-diaspóricas nas Américas e suas interconexões.
Portanto, trouxe uma breve introdução sobre a importância linguística do continente
latino-americano para evidenciar a superdiversidade (VERTOVEC, 2007; BLOMMAERT,
2007, p.1024), isto é, um multilinguismo vasto, multiforme e generalizado a partir das
civilizações existentes. Para o profissional do PLAc, essa reflexão histórica sobre o continente
latinoamericano, as línguas e os povos, é de suma importância porque tem conexão direta com
os fluxos migratórios do eixo Sul-Sul, que chegam em Salvador procedentes de países latinos.
Nesse ambiente rico e diverso, a América Portuguesa, posteriormente, nomeada de
Brasil, teve o seu território invadido pelos portugueses, ou seja, pelos “migrantes armados”,
aqueles que chegam com os seus barcos e as suas armas (GLISSANT, 2005, p.17). É preciso
59

reafirmar que não comporta mais considerar o termo “descobrimento” do Brasil, plasmado
incorretamente no imaginário social e nos livros didáticos, reiterados por práticas pedagógicas
conservadoras e acríticas.
Assim sendo, é necessário problematizar a linearidade da história canônica, isto é, o
perigo de uma história única (ADICHIE, 2019). No compasso desse pensamento, a escola
historicista do início do século XX, por meio do filósofo e historiador alemão Wilhelm
Dilthey (1883-1911), quem introduziu a metodologia às ciências humanas, quando afirmou
que era possível fazer ciência dos fenômenos humanos com rigor e validade. Ele confrontou o
positivismo e inaugurou a filosofia da vida, da historicidade humana, “da vida vivida”. O
autor trouxe para a ciência o que não está no mundo natural, mas está no mundo do espírito e
da cultura e, por isso, foi muito criticado por alguns dos seus pares. Para ele, os
acontecimentos humanos constituem a História, portanto, têm valores, significados, intenções,
temporalidades e não são universais.
Para esse pesquisador, a palavra-chave das ciências humanas e, portanto, da História,
não é a explicação (Eklärung), pois esta pertence ao conhecimento natural, mas é por meio da
compreensão (Verstehen) que se chega aos outros (o não eu) com as suas distintas
manifestações.
Face ao exposto, mergulhar no passado histórico da cidade de Salvador, é trazer à tona
o pensamento desse historiador sem anacronismo e sem o intuito de deslocar essa
argumentação teórica do objeto da pesquisa, mas refletir, a partir do passado histórico, o
momento presente de profunda crise política e axiológica que o nosso país está imerso,
principalmente, com relação aos ataques que as ciências humanas vêm sofrendo, com as
tentativas de deturpação, falsificação ou silenciamento de eventos históricos.
Diante disso, o professor indiano da Universidade de Londres Sanjay Seth (2013)
afirma que, ao se escrever ou reconstruir os fatos históricos, é preciso despontar para a “crítica
da razão histórica” (proposta por Dilthey em contraposição a crítica da razão prática de Kant),
não por um viés imperialista e nem por leis categóricas do pensamento racional universal,
pois são diminutos e limitantes, mas olhar para as humanidades através das línguas e de seus
falantes. Isto é, reconhecer os diferentes povos e suas tradições, com os distintos “modos de
raciocínio”, e fazer, não só da escrita da história, mas da oralidade da história, uma prática
ética (HAMPATÉ BÂ, 2003, p.325).
Nessa direção, é importante destacar as contribuições do filósofo Dussel (1993) sobre
a origem do “mito” da modernidade na sua obra 1492, “O Encobrimento do Outro”. Ele
60

estabeleceu como marco simbólico o ano de 1492, para instauração do sistema-mundo, dos
estados-nações modernos. Isto é, uma pseudo-modernidade que se deslocou da periferia para
o centro a partir de invasões a vários continentes, como a invasão das américas (espanhola e
portuguesa), instituindo, assim, o colonialismo por meio do encobrimento do outro, de uma
lógica binária de subalternização, expropriação e apropriação de tecnologias, saberes e força
produtiva que se reifica com a colonização de indivíduos, línguas e culturas.
Desta forma, à época da invasão, viviam os povos originários, por volta de um milhão
de pessoas, que foram encobertas e dizimadas. De acordo com o linguista Aryon Rodrigues
(1986), havia no Brasil colônia 1.175 línguas indígenas, e, nos primeiros 500 anos de
colonização, foram exterminadas 1.000 línguas, um verdadeiro genocídio linguístico. Os
povos originários eram e são os reais e únicos protagonistas históricos do solo brasileiro, com
os seus sistemas sociais e linguísticos estabelecidos.
Importante ressaltar que o termo “índio”, comumente usado até os dias atuais, é
inapropriado. Segundo alguns relatos, foi nomeado a partir de um erro geográfico, pois os
portugueses pensaram que haviam chegado às Índias orientais, portanto, batizaram por
“índios” os povos ocupantes do novo mundo. Um outro equívoco, é a homogeneização do
termo como se não houvesse diferenças étnicas, culturais e linguísticas entre os povos
denominados como indígenas. Assim, Daniel Munduruku, escritor indígena, da etnia
Munduruku diz que: “ninguém pode ser chamado de “índio”, mas precisa ser reconhecido a
partir de sua gene Munduruku, Kayapó, Yanomami, Xavante ou Xucuru-Kariri, entre tantos
outros”.
Dessa maneira, a cidade de Salvador, no século XVI, respirava esse “multilinguismo
generalizado” por meio dos diversos troncos linguísticos étnicos, a exemplo dos Tupi da costa
que ocupavam todo o litoral e, consequentemente, de parte da Bahia. Havia, também, os
Macro-Jê e outros grupos atinentes às famílias dos botocudos, Maxakali, Kamakã e Pataxó.
Uma outra etnia que residia no entorno da baía era os Tapuia, expulsos pelos opositores, os
Tupinaé, também, banidos pelos Tupinambá que saíram das margens do rio São Francisco e se
instalaram em Salvador.
Cabe ressaltar, que a cidade de São Salvador da Baía de Todos os Santos, foi o
segundo núcleo português da Capitania da Bahia, o anterior foi a Vila Pereira. Salvador, foi
fundada em 29 de março 1549, quase cinquenta anos após a conquista. O português Tomé de
Souza, primeiro governador-geral do Brasil, desembarcou numa localidade que hoje é o Porto
da Barra, localizado na orla marítima da cidade. Ele iniciou a construção da cidade-fortaleza.
61

Salvador já nasceu com o foro de cidade-capital e não de província, conforme o regimento


1548, por questões estratégicas e de segurança. A Coroa Portuguesa, então, autorizou a
edificação da cidade num local escarpado e mais recuado da Baía de Todos os Santos.
Um outro fator, que determinou a mudança do local para edificação da cidade,
refere-se aos conflitos e lutas contínuas dos índios na Vila Pereira pela preservação do seu
território contra o primeiro donatário português, Francisco Pereira Coutinho.
A primeira capitania hereditária, denominada Arraial do Pereira, abrigava a grande e
importante aldeia Caramuru-Paraguassu, com cerca de 1.000 indígenas com suas distintas
línguas e culturas.
Desse modo, com a construção da cidade-fortaleza, primeiro projeto urbanístico e de
arquitetura militar portuguesa, vieram profissionais de diversos lugares da Europa. A
tecnologia empregada era de origem italiana, coordenada pelo engenheiro italiano Capitão
Alessandro Massaini. Os vários trabalhadores da construção civil e naval eram provenientes
de diferentes regiões de Portugal, que se somavam aos indígenas locais. Estabeleceu-se,
assim, um multilinguismo a partir de línguas europeias e línguas indígenas.
O historiador e antropólogo soteropolitano, Edison Carneiro, em seu livro A Cidade
do Salvador em 1549: uma reconstituição histórica, afirmou que a capitania da Bahia era a
Brasília do século XVI, fazendo correlação com a atual capital do país. No local, residiam os
governadores gerais, toda a elite monárquica, além dos colonos, indígenas e comerciantes
estrangeiros. Um habitat em profusão de línguas.
Para Darcy Ribeiro (1975), viviam, precipuamente, na costa brasileira, mais de 5
milhões de indígenas, com uma destacada diversidade linguística, cultural e racial. A
linguística teve papel preponderante e foi utilizada como categoria de diferenciação entre os
povos indígenas para classificar grupos e os correspondentes troncos ou famílias das línguas
indígenas.
No entanto, Houaiss (1985) previu um contingente de povos originários muito maior,
na ordem de 8 a 9 milhões de pessoas. Florestan Fernandes (1975), explica que, na época da
usurpação, vários grupos étnicos, linguísticos e culturalmente distintos habitavam o Brasil.
Contudo, os estudos publicados em 1948 e 1951, cujos títulos respectivos foram:
Organização Social dos Tupinambás e A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá,
estavam embasados em pesquisas realizadas em 1920, pelo suíço-estadunidense Alfred
Métraux, precursor de uma análise sobre os aspectos da cultura que chamou de Tupi-Guarani.
Estudo este realizado através de fontes dos primeiros cronistas que ancoraram por aqui nos
62

primórdios do Brasil, por meio das cartas jesuíticas de Padre Manuel da Nóbrega, José de
Anchieta, Frei Vicente do Salvador, Pero Magalhães Gândavo, Hans Staden e outros.
Um outro etnólogo alemão de nome Curt Unkel, mais conhecido por Curt
Nimuendaju, sobrenome batizado pelos indígenas da etnia Apapokuva-Guarani, que, em
tradução livre, significa: “aquele que constrói a sua própria morada”, foi considerado por
Hebert Baldus, como um dos maiores indigenistas de todos os tempos e pioneiro nos estudos
linguísticos, devido a um trabalho hercúleo e de grande estatura para os estudos indígenas que
durou 40 anos, também baseado em historiografias anteriores. Curt Nimuendajú, revelou no
seu mapa Etno-histórico e Países Adjacentes, editado em 1942, a existência de
aproximadamente 1.400 povos indígenas em mais de 500 rios, com suas línguas e respectivas
culturas, no território brasileiro na pré-invasão.
Em meados de 1938, Curt Nimuendaju veio a Salvador para um grande encontro com
o tupinólogo Frederico Edelweiss, a maior autoridade da língua autóctone no Brasil. Por duas
semanas, eles conversaram sobre a dialectologia tupi e a riquíssima biblioteca etnológica do
professor da faculdade de filosofia da Universidade Federal da Bahia, com suas obras: Tupis e
Guaranis: caráter da segunda conjugação tupi e estudos tupi-guarani. Posteriormente, o
pesquisador foi para o Sul da Bahia, a fim de desenvolver projeto de estudos, subsidiado pela
universidade da Califórnia, para observação dos descendentes dos Tupinaki da família dos
Tupiniquim, os kamakã e os pataxó, que, para a surpresa do pesquisador, já estavam
abandonando a língua e cultura original.
63

Figura 8 – Mapa etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes.

Fonte: IPHAN-1943 - Curt Nimuendaju

Este trabalho se constitui numa valiosa cartografia linguística e cultural, um minucioso


estudo da arte da etnologia colonial e multilíngue de Salvador e da Bahia, e com um enorme
banco de dados com informações sobre a distribuição no espaço e no tempo das diversas
etnias das populações indígenas brasileiras, bem como de suas respectivas línguas,
classificando-as com 41 cores e tons para identificar as famílias linguísticas, a localização
histórica e as trajetórias de migrações.
64

Figura 9 – Fotografia das Expedições de Curt Nimuendajú (ao centro) pelo Brasil.

Fonte: Cartas do Sertão.

Entretanto, apenas os grupos pertencentes ao tronco-linguístico Tupi-Guarani foram


descritos de forma relativamente extensa e precisa, apesar dos conflitos étnicos e linguísticos.
Para o linguista Aryon Rodrigues (1986), o Tupi-Guarani é uma família linguística e não um
idioma como muitos entendem. Para o autor, a família Tupi-Guarani pode se comparar à
família neolatina como o português, espanhol e francês, pois essas línguas têm em comum o
latim, mas diferem umas das outras. Para Fernandes (1975), os Tupi foram os primeiros a
manter contatos por meio de linguagem ágrafa e mímicas com os portugueses em todas as
regiões que estes tentaram ocupar e explorar.
Sendo assim, antes da efetiva colonização do país e de toda a montagem mercantilista,
que só teve início na década de 1530, a comunicação entre os colonizadores e os índios tupi
não era tão tensa, pois o período era de observação, estudo e aproximação, principalmente,
porque os portugueses necessitavam da mão de obra indígena para à sua empreitada colonial.
Assim, com a inauguração do capitalismo mercantil na América Portuguesa a partir de 1530,
iniciou-se a execução da política de exploração das riquezas e uma das primeiras atividades
econômicas. A extração e comercialização do pau-brasil, uma planta nativa, conhecida pelos
povos tupis como ibirapitanga, da Mata Atlântica local, um dos mais ricos biomas do planeta
e a segunda maior floresta em extensão por toda a costa de Salvador. Esta árvore nativa possui
uma resina vermelha utilizada na produção de corantes para tecidos e construção de móveis,
pisos e outros objetos. Verifica-se, mais adiante, de que forma todo esse processo tem
65

implicações na construção multilíngue local.

Figura 10 – Mapa da extração de pau-brasil pelos indígenas, em 1519.

Fonte: Lopo Homem, Pedro e Jorge Reinel (cartografia) e Antônio de Holanda (iluminuras), “Terra Brasilis”,
Atlas Miller, c. 1519, fl. 5. Paris, Biblioteca Nacional da França.

O mapa acima, a título de ilustração, delineia pontos de extração do pau brasil por toda
faixa litorânea, no século XVI. Os colonizadores empregavam uma política do resgate para
obter a confiança dos indígenas e ofereciam bugigangas, e quinquilharias em troca dos seus
serviços, principalmente, na derrubada e no transporte do produto. Essa mercadoria
proporcionou a rentabilidade dos navegantes e dos primeiros colonos que aqui se instalaram
nos idos de 1503. Apesar de toda exploração da mão de obra indígena, é importante
desconstruir o “mito” de que os aborígines na América lusa se limitaram a assistir a ocupação
das terras pelos portugueses sofrendo passivamente os efeitos da colonização. Trata-se, pois,
de uma inverdade, haja vista os relatos da época, reafirmaram que, nos limites das suas
possibilidades, os autóctones lutaram arduamente pelas terras, pela segurança e pela liberdade
que lhes foram arrebatadas isocronicamente.
Naquele mesmo ano, a expedição francesa denominada Paulmier de Gonneville
chegou ao Brasil, grandes concorrentes dos portugueses na exploração do produto na costa
brasileira. Desse modo, estabelecia-se os primeiros contatos entre a língua francesa e as
66

línguas indígenas e portuguesa. O multilinguismo comercial colonial fomentou espaços de


circulação linguística com as línguas majoritárias tupi/tupinambá em número de falantes na
costa atlântica, outras línguas indígenas, a língua portuguesa europeia e outros idiomas que
compuseram a logística multilíngue das negociações mercantis do comércio luso-brasileiro
naquela época.
Percorrendo a trajetória histórica do multilinguismo local, é importante destacar a
relevância geopolítica e econômica do porto de Salvador, principalmente, quanto às perfeitas
condições náuticas e de defesa. O bispo José Joaquim Coutinho, em seu ensaio sobre o
comércio de Portugal e suas colônias, comentou sobre a importância estratégica global do
porto, quando dizia: “situado no meio do mundo” e com os braços “abertos para à África,
Europa e Ásia portuguesa” (COUTINHO, 1966, p. 44-47), referindo-se à excepcional
localização.
Desse modo, o porto passou a integrar à Carreira da Índia, uma rota marítima
Lisboa-Goa-Lisboa, estabelecendo conexão mercantil entre Lisboa e o Índico. Havia um
movimento de “naus da Índia” que passava por Salvador com elo entre Lisboa, o sul da África
e o litoral Asiático. É neste contexto que o historiador José Roberto do Amaral Lapa (1968),
no seu livro. A Bahia e a Carreira da Índia, destaca a importância do porto como ponto tático
no planejamento de escalas dos navios que seguiam para o Oriente. A parada obrigatória na
Baía de Todos os Santos era para abastecimento e manutenção das frotas, devido ao largo
ancoradouro, acessibilidade, profundidade e calmaria das águas.
Na segunda metade do século XVI, a marinha portuguesa apresentava sinais de
declínio e o porto de Salvador era uma espécie de pulmão por onde a colônia respirava. Havia
um contingente expressivo de pessoas por navio, ou seja, cada nau de 500 ou 600 toneladas
levavam 120 pessoas na tripulação e 250 soldados na guarnição, com suas línguas, variedades
e culturas.
O historiador Lapa (1968), levantou nos seus estudos que, no período de 15 anos
(1697 a 1712), saíram de Portugal para as Índias 806 navios, passando e atracando em
Salvador, pois, nesse período, não há registros de interdição de navios que saiam do Oriente
com escala no porto de Salvador.
67

Figura 11 – Imagem colorizada da cidade de Salvador e o seu porto, de John Ogilby, da ilustração Urbs Salvador,
publicada em 1671, na obra Arnoldus Montanus.

Fonte: Bahia Turismo.com

Um outro aspecto relevante e que teve grande impacto no multilinguismo local foi o
ingresso de centenas de africanos que chegaram via porto de Salvador devido ao tráfico
negreiro para a Bahia. A paisagem étnica e linguística foi alterada com as várias etnias e
diferentes línguas que aportaram via operações casadas, ou seja, recebiam escravizados e
embarcavam o tabaco ou outros produtos agrícolas para portos portugueses, africanos e
asiáticos.
Mesmo com índice alto de mortalidades no transcorrer das viagens marítimas, não foi
pequeno o número de pessoas que, através do porto de Salvador, passaram ou ficaram, de
várias nacionalidades, línguas e culturas, formando um verdadeiro carrossel linguístico.
Avançando na pesquisa, foi detectado que o desenvolvimento interno da indústria
naval via navegação fluvial como estratégia para os transportes de madeiras provocou a
hibridização do multilinguismo ribeirinho. Sendo assim, as rotas deveriam explorar o interior
dos rios Paraguaçu e São Francisco. A tripulação deveria ser composta por colonos e por
nativos das mais variadas línguas da terra, mas com predominância da língua tupinambá,
língua materna desse grupo indígena e estabelecida como interlíngua da costa (SILVA NETO,
1979), para que fossem estabelecidos os contatos linguísticos e elaborados os relatos das
expedições que eram financiadas pelo governo português.
68

Tomando por base a costa brasileira, Ribeiro (1975), em Culturas e línguas indígenas
do Brasil, teria feito um cálculo de 1 milhão de tupinambás, que se localizavam nesse espaço,
antes do “achamento” de Portugal. No entanto, atualizando os seus estudos sobre o povo
brasileiro, o mesmo autor, requalifica esse dado para 5 milhões de indígenas.
Como verificado, historiograficamente, o multilinguismo brasileiro e soteropolitano
nos seus primórdios caracterizava-se por uma acentuada pluralidade linguística e cultural
indígena, além da língua portuguesa do colonizador, dos africanos e de outros invasores, a
exemplo das línguas francesa, holandesa, dentre outras. Para Freire (1998), a língua sempre
foi um fator desafiante para os colonizadores, pois, ao tentar estabelecer os primeiros contatos
com os indígenas, perceberam que o acesso à língua seria condição sine qua non de
sobrevivência, principalmente, pela extensa diversidade linguística. Era fator primordial
assegurar as implementações das estratégias de exploração de todo o projeto colonial. Várias
etnias viviam no litoral baiano e com elas uma profusão de dialetos, como: camaçãs,
gongoiós, crancaiós, nagoiós, maracás, anaiós, caiapós e tupiniquins.
A capitania da Bahia era essencialmente habitada por povos Tupinambás, numa
extensão que ia de Camamu passando por Salvador até Sergipe. Esses grupos indígenas
viviam em grandes malocas, isto é, uma unidade multifamiliar que abriga comunidades
indígenas, dos mais velhos aos mais novos. Cada grupo ou tribo tupinambá constituíam-se de
6 a 8 malocas. Elas possuem importância fundamental como locais para realização de grandes
rituais e cerimônias. Cabe pontuar que os termos “maloca” e “maloqueiro” adquiriram
conotação pejorativa na língua portuguesa quando traduzidos como local de moradia para
pessoas de baixa renda e pessoas de maus hábitos, respectivamente.
Nesse sentido, insisto na questão histórica porque há um desconhecimento difuso da
axiologia linguística das línguas que formaram o português brasileiro e que servem de lastro
para a concepção do PLAc. Segundo o IBGE (2020), a população residente nas malocas era
em torno de 200 indivíduos, mas podiam chegar a 600, levando em consideração que muitos
eram plurilingues.
De acordo com a pesquisadora baiana Paraíso (2005), não se sabe ao certo quantos
indígenas viviam em Salvador, pois não havia controle demográfico. Ela estima que existiam
centenas deles, mas muitos foram mortos por transmissão de doenças infecciosas vindas do
outro lado do Atlântico, por meio dos colonizadores, sucumbindo, assim, a moléstias como
gripes, sarampo, disenterias e, na sua maioria, por varíola. Esse fato, se repete na pandemia do
covid-19, com a morte de milhares de indígenas, jogados à própria sorte por negligência de
69

um desgoverno que está instalado no país.


Por consequência, o antropólogo baiano Antônio Risério, no seu livro “Uma História
da Cidade da Bahia”, a denominou como “aldeia euro tupinambá”, devido à união, em 1535,
da indígena Paraguaçu e o Caramuru, nome dado ao português Diogo Álvares Correia. O
primeiro povoado localizava-se onde, atualmente, estão os bairros da Graça e Vitória. Diogo
Correia prestou relevantes serviços no processo de construção da cidade por ter tido uma
excelente relação com os ameríndios, aprendeu a língua dos índios e fazia a interlocução entre
os povos nativos e a corte. Exercia o ofício de intérprete, que era uma função estratégica e
primordial no empreendimento de conquista e expansão marítima da época.
Os denominados “os línguas”, em sua maioria, eram náufragos e degredados que
conviviam entre os índios para aprender a língua e traduzir para os gestores da colônia. “Os
línguas”, além de tradutores linguísticos, tinham papel de mediadores nas reuniões
administrativas, informando sobre a área a ser dominada, a rotina e comportamento dos
grupos indígenas, da geografia e cultura local.
Importa realçar que a união entre Caramuru e Paraguassú deu origem às famílias
interraciais tradicionais baianas como os Moniz, os da Torre e os Garcia D’Ávila. Do
relacionamento interracial, originaram-se os mamelucos, descendentes de indígenas e
portugueses, constituindo uma relação de bilinguismo familiar.
Nesse período, o entrecruzamento linguístico já expunha as múltiplas características
funcionais das línguas autóctones em uso, essencialmente a língua tupinambá, devido às
funções de língua materna, língua de contato e segunda língua em momentos diferenciados da
enunciação. Havia alternância de usos, isso significa que, no ambiente familiar indígena, a
língua tupinambá era a língua materna (L1) mas, quando entrava em contato com outras
etnias, se colocava como língua franca, devido às semelhanças estruturais entre elas.
Com o nascimento da população mameluca, fruto do processo de miscigenação, na sua
maioria, violento entre portugueses e as mulheres indígenas, a língua tupinambá era a
primeira língua (L1), dos filhos dos portugueses com as índias, uma vez que essas crianças
eram criadas pelas mães e falavam a língua indígena (RODRIGUES, 1986).
No entanto, com o passar do tempo, foi-se construindo uma situação de bilinguismo
entre a língua indígena e o português, pois, ocasionalmente, as crianças mamelucas se
comunicavam com os pais portugueses, e suas línguas adquiriam o status de segunda língua
(L2).
70

Figura 12 – Mapa das principais famílias e troncos linguísticos (século XVI).

Fonte: Editora do Brasil.com.br

O mapa acima,auxilia a visualização da disposição geográfica de povos de diferentes


etnias e línguas no país. A grande diversidade linguística foi um obstáculo para que os
invasores brancos impusessem, naquele momento, a língua lusitana. Por já terem se
apropriado de outros povos no processo de conquista, eles sabiam que o mais eficiente e
prático era aprender a língua mais falada dos nativos, que era o tupinambá, portanto, a
comunicação seria mais rápida, como uma língua franca. Há correntes linguistas e teóricos
como Freire (1990), que defendiam que a língua tupinambá já estava se desenvolvendo como
língua franca antes mesmo da chegada dos colonizadores devido às interações interétnicas.
Assim sendo, os portugueses apenas aceleraram e ampliaram o processo de hibridização
linguística.
Avançando no rico universo das línguas indígenas e da cartografia, cabe trazer para o
71

texto o mapa etno-histórico da área da Bahia, publicado pelo IBGE e apresentado no VIII -
Encontro Nacional de Geógrafos (2016):

Figura 13 – Mapa etno-histórico da Bahia de 1944.

Fonte: IBGE, 1981.

Dessa forma, ao visualizar as informações cartográficas acima, cabe lembrar o valor


empregado aos estudos das línguas indígenas no nosso país, pelo etnólogo Curt Nimuendajú
(1948). Nas suas pesquisas em alguns municípios da Bahia e em Salvador, ele detectou mais
de 50 línguas em sociedades distintas. Sendo assim, é possível verificar algumas etnias e
línguas com traçados em cores na sequência: Kamakã, Kariri-isolada, Patasó-Pataxó (Gê),
Botocudo-Borun (Gê), isoladas diversas (não foram mencionadas as etnias), línguas
desconhecidas, Masacarí-Maxakali (Gê), Tupi e Gê. O azul representa os rios que cortam a
região. Verifica-se maior presença de grupos no sudeste, sul do estado e concentração ativa
72

dos tupi na faixa litorânea de Salvador e nas margens do Rio São Francisco.
As línguas e culturas dos “povos testemunhos” (RIBEIRO, 1975), chamados assim,
porque o autor, ao utilizar essa classificação, se refere as etnias, “as indianidades”, que
influenciaram acentuadamente as diversas áreas que constituíram a formação social brasileira.
No campo linguístico, essas línguas formam um vasto repertório do léxico e das
toponímias. Várias palavras que foram incorporadas à língua em uso no português brasileiro
têm origem tupi, a exemplo de: caatinga (ca-aá-t-enga = o mato ralo), jacaré (jaeça-caré = o
que olha de banda), ipê (casca de árvore), capoeira (mata secundária), Itiruçu (= morro
grande, cidade do interior da Bahia), Cabuçu ( = vespa grande, local de praia no município de
Saubara, Bahia), Saubara ( = comedor de formigas, município da Bahia), Itapuã ( ita = pedra,
puã= choro, gemido, bairro de Salvador), Itacaranha = peixe de pedra, bairro de Salvador) e
tantos outros.
O Multilinguismo pujante sempre se fez presente na história do Brasil e, em especial,
da cidade de Salvador, como retratou o padre jesuíta português Fernão Cardim, no seu
Tratado da Terra e Gente do Brasil (1980), nos escritos originais durante a sua estadia pelo
país.
Partindo dessas considerações, a historiografia sobre as línguas declaradas por Fernão
Cardim (1980) no seu minucioso tratado, constituiu-se em mais um valioso documento para o
Brasil do século XVI.
Sem dúvidas, as missões religiosas tiveram importância crucial para o sucesso da
empreitada colonial, no tocante à colonização linguística dos povos e dos territórios
conquistados. Com isso, toda estrutura montada alicerçava-se em critérios geopolíticos e
linguísticos e estava subordinada a Lei do Padroado ou jus patronatus, que organizava e
instituía as relações entre igreja e estado com regras bem determinadas, nas quais, concediam
regalias aos reis ibéricos.
De acordo com Mattos e Silva (2008), a coroa portuguesa estava sob o jugo desta lei e
tinha como dever proteger a igreja e cooptar fiéis de novos mundos invadidos. A lógica
colonial era pautada na verdade e na tarefa de fé e poder. Utilizavam a cristianização para
dominar, colonizar e salvar os povos através da obediência, que era um dos valores essenciais
na trama de despersonalização e subjugação dos povos encontrados no Brasil.
A língua portuguesa europeia, naquele momento, operava através de diversos gêneros
textuais como cartografias geográficas (mapas), crônicas missionárias, tratados, diários de
viajantes ou “literatura de viagem”. Para Florestan Fernandes (1975), as crônicas são fontes
73

ricas de pesquisa das culturas originárias do Brasil, com destaque para o modus operandi dos
tupinambás, emissores da língua geral. Porém, é necessário alertar que esses gêneros textuais
eram escritos por europeus para europeus. Eles descreviam de forma inusitada e
preconceituosa o “novo mundo”, pois estabeleciam correlações esdrúxulas entre os nativos
que aqui viviam e suas próprias crenças, construíram uma ideia pejorativa dos habitantes
locais internalizando em suas memórias. Nasciam, aí, os preconceitos, a raça inferiorizada, as
discriminações, a escala hierárquica de valores humanos, enfim, a “modernidade” fincava os
seus métodos cruéis.
Uma das mais curiosas narrativas foi a de Pedro Magalhães Gândavo (2008),
historiador já mencionado nesse texto, professor, cronista e gramático que, em 1570, escreveu
o Tratado da Terra do Brasil com o objetivo de incentivar a emigração portuguesa, relatando
as potencialidades do país quanto a fauna, a flora, os habitantes indígenas e seus exóticos
costumes, a organização administrativa das capitanias e, principalmente, ressaltando os
recursos econômicos do país como chamariz para a vinda da população pobre portuguesa no
intuito de povoar as terras brasileiras.
Desta forma, o historiador Gândavo (2008), no seu livro descreve e associa o espírito
combativo dos tupinambás à língua. Isto quer dizer que a língua deste gentio toda pela costa é,
uma: carece de três letras, não se acha nela nem F, nem L e nem R, coisa digna de espanto,
pois assim não têm FÉ, nem LEI, nem REI e, desta maneira, vivem sem justiça e
desordenadamente. Muito mais que uma observação etno-histórica, tais relatos serviram
como álibi do poder imperial para estabelecer métodos de pressão (GUICCI, 1993, p. 209).
Desse modo, a concepção linguística colonial, a partir desses relatos, evidenciou
ideologicamente a incompletude da língua do outro por meio das suas convicções
etnocêntricas, salientando as ausências de um poder religioso, de um poder monárquico e de
um aparato jurídico constituintes de um povo efetivamente civilizado e uma língua
hierarquicamente superior. Através dessas narrativas e conexões, constata-se o enraizamento
de crenças que, de forma negativa, se impregnou na língua.
Neste sentido, Barcelos (2004), define crenças como:

[…] forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de ver e


perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências e
resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal,
crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais.
(BARCELOS, 2004, p. 18).

As palavras do historiador português traduzem a matriz monocultural e monologuista


74

insculpida num modelo de poder. Alguns sociólogos, por exemplo, Quijano (2005), cunharam
o conceito de colonialidade do poder, a partir das lentes coloniais, e afirmaram que o
protótipo do poder imperial capitalista instituído desde o século VI é algo que transcende as
particularidades do colonialismo histórico e que não desapareceu com a independência e
descolonização. Há outras formas de colonialidade, a do saber e a do ser
(MALDONADO-TORRES, 2007), que, com os pés fincados desde o colonialismo, vêm
subalternizando, invisibilizando conhecimentos e saberes tidos como excêntricos numa escala
de violência epistêmica. A colonialidade do ser, que, a partir do colonizador, estabeleceu
hierarquizações, opressões e aniquilamentos aos que se opuseram, colocando-os numa zona
do “não ser” que desumaniza e exclui. Nesse bojo, nasceu a ideologização da língua via raça e
etnia, com estratificação legitimada no mundo ocidental. Portanto, declarou-se, também, o
preconceito linguístico no tocante a pseudo deficiência ou “déficit” estrutural da língua
tupinambá frente a dita supremacia e completude da língua portuguesa europeia.
Como foi mencionado, o papel dos jesuítas era catequizar os indígenas de forma
plena, uma vez que, segundo os sacerdotes, os povos originários não tinham condições de
assimilar a cultura europeia e cristã que eles consideravam superior e era preciso enquadrá-los
no modelo ocidental de “civilização”, já que eram selvagens e primitivos.
Sendo assim, optaram pelo método da “acomodação”, isto é, uma tática de exploração
colonial, uma vez que não entravam em confronto e procuravam respeitar os costumes
ameríndios para gradativamente abrir os espaços e introduzir os seus valores por meio da sua
língua, cultura e religião. Toda a atenção era dada ao aprendizado da língua Tupi-Guarani,
como instrumento de máxima importância comunicacional dentro da “empresa” colonial.
Esse método de “acomodação” foi aceito pela Coroa Portuguesa por um bom tempo,
posto que a meta naquele momento não era a imposição da língua e cultura portuguesa, mas a
expansão e utilização da fé como instrumento de cristianização dos indígenas.
Por meio da apropriação da língua hegemônica local como estratégia para a imposição
da lusitanização. Essa sensação de despertencimento foi traduzida por Sérgio Buarque de
Holanda, em Raízes do Brasil, quando disse:

A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de


condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é,
nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências.
Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas
ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e
hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra (HOLANDA, 1998, p. 31).
75

Nesse sentido, foi criada a primeira política linguística glotocida marcadamente


instituída no processo de conquista e colonização dos povos. Assim, nasceu a língua geral por
uma necessidade estratégica de comunicação interétnica no ambiente multilíngue entre o
colonizador e os falantes de línguas indígenas singulares. Fatos semelhantes ocorreram em
outros locais que instauraram sistemas de colonização, a exemplo da América espanhola.
Existem várias definições para o termo Língua Geral entre os linguistas, mas algumas
designações foram elencadas pelo pesquisador Lucchesi (2009):

(i) a koiné empregada na comunicação entre as tribos de línguas do tronco tupi


da costa brasileira;
(ii) a sua versão como língua franca usada no intercurso dos colonizadores
portugueses e indígenas;
(iii) a sua versão nativizada predominante nos núcleos populacionais mestiços
que se estabeleceram no início da colonização;
(iv) a versão ‘gramaticalizada’ pelos jesuítas sob o modelo português e utilizada
largamente na catequese, até de tribos de língua não tupi [...] (LUCCHESI, 2009, p.
43).

Diante desse contexto, a língua geral assume diversas modalidades quanto aos usos
cotidianos da população, bem como em situações específicas como de cunho administrativo.
Para as diversas formatações conceituais, Borges (2003) traz uma provocação quando
questiona que língua é a língua geral? Quais dos tupis é o tupi Jesuítico? Ele atesta que há o
tupi da costa e o tupi setentrional, os quais foram modificados na sua estrutura para fins
catequéticos. Sendo assim, apesar da diversidade linguística, houve a intencionalidade na
escolha do tupi Jesuítico para hibridar com a língua lusitana, muito em função da sua
hegemonia linguística entre os povos nativos.
No que se refere à língua geral, é necessário atentar para simplificação do termo língua
geral, pois tal artefato não cabe na designação expandida do termo. Neste ponto, o
posicionamento da pesquisadora Mattos e Silva (2008), afirma sobre a língua geral:

O que de diversidade linguística recobre essa designação genérica [língua geral] é


outra questão fundamental na reconstrução de uma história linguística do Brasil e,
consequentemente, da história do português brasileiro (MATTOS E SILVA, 2008, p.
78).

Desta forma, há uma complexidade na formatação dessa língua que envolve o


linguicídio (que é o assassinato de línguas), o culturicídio (extermínio de culturas em função
do esvaziamento da diversidade), a hierarquização das línguas (promoção de assimetrias
hierárquicas entre a língua geral e outras línguas nativas com a imposição de uma língua
única).
76

Constata-se, assim, a maior violência linguística brasileira, uma verdadeira mutilação


da língua tupi, uma vez que foi introduzido um sistema gramatical totalmente estranho, com
padrões determinados em uso e com sons desconhecidos que ocasionaram rupturas na
estrutura funcional da língua. Com isso, a primeira política linguística que impactou o
universo natural multilíngue já nasceu reducionista.
Para tal fato, os seguintes autores corroboram que:

Neste contexto de aculturação e etnocentrismo, o próprio fato de ter-se erigido o


tupi como modelo, como verdadeiro exemplo (“típico”) das línguas indígenas do
Brasil já é uma forma de redução e apagamento que também tem razões e
consequências históricas importantes. (ORLANDI; SOUZA, 1988, p. 31).

Desta forma, apreende-se que a história sociolinguística do Brasil foi construída a base
dos “ídios” (genocídios, linguicídios, epistemicídios, glotocídio, dentre outros), apagamentos
e mutilações linguísticas. Em contrapartida, o português europeu, apesar do poder e de ser a
língua do príncipe, também foi impactado no processo de dominação, pois a população
portuguesa que veio para o “Novo Mundo”, e no local estabeleceram residências,
inexoravelmente, sofreram transformações culturais no movimento de construção-híbrida de
uma nova língua (Língua geral).
É curioso perceber que, na engenharia colonial linguística, as forças centrípetas e
centrífugas, por meio de ondas de aproximação e distanciamento, criaram atritos entre a
língua do colonizador, a do colonizado e demais línguas europeias que coabitavam aquele
ecossistema linguístico marcando em definitivo essas línguas de forma gradual. Esse
fenômeno delineou o molde do português brasileiro.
Nesse sentido, Orlandi (2002), esclarece que a heterogeneidade linguística no âmbito
dos países colonizados na América Latina influenciou diretamente as línguas, principalmente,
as que se impuseram nos espaços-tempo de enunciações coloniais, porque ao entrarem em
contato linguístico, se hibridizam.
Desta forma, as línguas europeias faladas nas América espanhola e América
portuguesa eram as mesmas faladas na Europa, detentoras de sistemas inerentes de variações
linguísticas, no entanto, ao estabelecerem contatos com diferentes línguas em ambientes
adversos, com características diferenciadas nos aspectos socio-político e linguístico,
potencializaram-se e historicizaram-se nas relações com os países e povos que dominaram.
No entanto, é importante ressaltar, que essas feridas coloniais foram crivadas de dor,
violências e mortes, as quais repercutem até os dias atuais. O árduo trabalho de fixação da
77

língua geral se espraiou em imersão para diferentes atividades, como: rezar missas,
confissões, produção do catecismo e da bíblia, na forma escrita pelos jesuítas para
implementação do ensino-aprendizagem do novo idioma. A penalização por meio de castigos
físicos era sentenciada aos indígenas não falantes do tupi, conforme relatos do jesuíta João
Daniel que retratou a política linguística colonial até o século XVIII, como as formas de
repressão impostas para aqueles índios que não fizessem uso da língua geral.

Como porém as confissões dos tapuia por intérprete trazem consigo muitos
inconvenientes, tem-se empenhado muitos missionários a desterrar-se este abuso [de
não falar a língua geral], já com prácticas, e já com castigos [...] tanto que já houve
algumas, as quais, o seu missionário mandou dar palmatoadas até eles dizerem
“basta” ao menos, pela língua geral, antes se deixavam dar até lhes inchar as mãos e
arrebentar o sangue, até que se resolviam a fazer, o que deviam logo, que era o falar
a língua comum. (DANIEL, 2017, p. 272).

Sendo assim, no entender de Mattos e Silva (2016), a primeira política linguística já


estava tacitamente delineada na carta de Caminha e que atestou que o mais estratégico seria
aprender a língua dos gentios do que eles aprenderem o português, (como já exposto neste
texto) e uma das estratégias foi o processo de gramatização. Iniciou-se, então, a
instrumentalização da língua portuguesa europeia por meio da elaboração de gramáticas e
dicionários. A primeira gramática foi a Gramática da Lingoagem Portuguesa do padre,
gramático, historiador e cartógrafo Fernão de Oliveira, em 1536.
A língua portuguesa se elitizou, ainda mais, com esse lançamento.

Figura 14 – Fotografia do livro Gramática da Língua Portuguesa escrito por Fernando Oliveira (1507 -ca 1581).
O mesmo é um raro exemplar, comprado pela Biblioteca Nacional em 1867, tendo pertencido à Livraria Gubian.

Fonte: http://purl.pt/120/ . Acesso em 06/12/21.

Em especial, houve, também, a publicação da Arte da gramática da língua mais usada


78

na costa do Brasil, que era a língua tupi, obra escrita e compilada pelo padre José de Anchieta,
em 1595, que retratou diversas estruturas de línguas aborígenes quanto à fonologia,
morfologia, sintaxe e o léxico. Desta maneira, os impérios demarcavam os seus poderes de
dominação e expansão de territórios, com a criação de um espaço institucional onde a língua
fosse estabelecida como monumento nacionalista, ideológico e expansionista no período
histórico quinhentista.
Diversas outras gramáticas foram elaboradas e, para alguns linguistas, esse estudo
constituiu um caminho teórico fértil para disseminação conceitual dos estudos da linguística
moderna. Para Guimarães (1996), a História das Ideias Linguísticas (HIL), tem no seu cerne
de estudos apresentar a produção de instrumentos linguísticos, a exemplo de gramáticas e
dicionários desde o século XVI. Nesse sentido, Auroux (1992), também, enfatiza a
importância dessas duas tecnologias como base do saber metalinguístico.
Alerta-se, entretanto, para a complexidade e consequências adversas no processo de
gramatização de línguas em eventos específicos da história. Ou melhor, tanto na colonização
(gramatização da língua geral) quanto na descolonização de línguas (países que se tornaram
independentes do colonizador em diferentes tempos históricos) há a presença de fenômenos
sociais que segregam sociedades e extinguem línguas e seus usuários com sequelas
irreversíveis para o multilinguismo histórico (MH).
Com base nas trajetórias históricas, é nítido afirmar que a língua portuguesa constituiu
a implementação de uma necropolítica, isto é, definia quem iria viver e/ou morrer. Este termo
vigente na sociedade contemporânea, designado pelo historiador camaronês Mbembe (2018),
significa a política de morte.
A partir dessas considerações, é necessário e oportuno trazer à tona o epistemicídio,
conceito utilizado em texto de Boaventura Souza Santos (2009), que trata da demolição de
culturas com conhecimentos outros, tecnologias e crenças que destoavam da cultura
patriarcal, branca, europeia, eliminando o acesso a uma ecologia de saberes tradicionais.
Sendo assim, a língua geral que, apesar de conter elementos linguísticos indígenas, ao se
estabelecer exterminou ou encobriu outras culturas indígenas, proporcionando um
“canibalismo linguístico”. Dessa maneira, em 1758, o Marquês de Pombal extingue a língua
geral e institui a Língua Portuguesa como a única língua brasileira, com o propósito de
enfraquecer o poder da Igreja Católica sobre a colônia.
Um fato de relevância e divisor de águas na formação histórica, cultural e multilíngue
brasileira e, principalmente, soteropolitana ocorreu na segunda metade do século XVI, com a
79

inserção das línguas africanas a partir da imigração compulsória de milhares de africanos em


situação cruel de escravização. Para Glissant (2005), são os chamados “migrantes nus”,
pauperizados, reduzidos de si, de sua história, de sua língua:

Porque o ventre do navio negreiro é o lugar e o momento em que as línguas


africanas desaparecem porque nunca se colocaram juntas nem no navio negreiro,
nem nas plantações, pessoas que falavam a mesma língua”. São aqueles que foram
transportados à força e que formaram a base do povoamento do continente
americano (GLISSANT, 2005, p. 19).

Antes de discorrer sobre as línguas africanas e sua influência não só para o português
brasileiro (PB), como para a construção da sociedade brasileira, faz-se necessário desconstruir
alguns preconceitos, omissões e desconhecimentos sobre o continente africano que perduram
na atualidade envoltos em uma tradicional visão etnocêntrica e ocidental. Urge deslinearizar a
história. Em primeiro lugar, a África não é um país, é um continente com uma extensão
territorial de, aproximadamente, 31 milhões de km², ocupa 20% da área continental do planeta
com a concentração populacional de mais de um bilhão de habitantes. Possui 54 países
situados na África do Norte ou Setentrional e na África Subsaariana. É um continente
extremamente rico e diverso sob o ponto de vista linguístico, cultural, étnico, religioso,
geográfico, político e da sua biodiversidade. No tocante ao panorama linguístico, o continente
representa quase um terço das línguas no mundo, de acordo com o inventário da Ethnologue,
as línguas africanas são mais de 2.000, ou seja, 2092 (BONVINI, 2001, p.22). Um dado
relevante é que os povos africanos nunca foram escravos, mas escravizados por um pseudo
sistema dito qualificado intitulado “modernidade”.
É importante realçar que antes do tráfico atlântico, a prática da comercialização de
pessoas era recorrente em algumas áreas no continente africano, pois havia intensos fluxos de
migração forçada que demarcaram a história da África e de seus povos no mundo. Mas,
indubitavelmente, foi por meio da comercialização de homens, mulheres e crianças num
período entre 1550-1850, que se registrou uma das maiores tragédias humanas, com a
dizimação de 12 milhões de pessoas.
Desta forma, o historiador Luís Felipe de Alencastro num artigo que compõem o
e-book Dicionário da Escravidão e Liberdade (SCHWARCZ e GOMES, 2018), registra o
montante de 14.910 viagens, designadas como “passagens atlânticas”, com duração de três
séculos. Ele também menciona o Brasil como o maior negociador de escravizados das
Américas, contabilizando importações na ordem de 4,8 milhões de escravizados, praticamente
80

o dobro do Caribe Britânico, com 2,31 milhões, conforme o Banco de Dados do Comércio
Transatlântico de Escravos, em que o autor ratifica a confiabilidade da fonte.
No entanto, há muitas controvérsias sobre os números reais de africanos
desembarcados no Brasil e, consequentemente, na Bahia. Os estudos de Philip D. Curtin, no
The Atlantic Slave Trade: A Census (1969), por meio do artigo do mesmo autor, nomeado de
“The Slave Trade and the Numbers Game”, sobre a comercialização de escravizados entre
África e regiões da América mostram as contradições e análises dessas estatísticas. Este autor,
amparou-se em dados do livro de Maurício Goulart, A escravidão africana no Brasil (1949),
que reputou ser os dados mais apurados sobre os números do tráfico negreiro no país.

Figura 15 – Mapa das rotas do tráfico de escravizados para o Brasil.

Fonte: Reprodução do livro “O Trato dos Viventes” - Formação do Brasil no Atlântico Sul Séculos VI e VII -
José Felipe de Alencastro (2000).

O mapa acima traça as rotas percorridas no tráfico transatlântico de escravizados entre


o continente africano e o Brasil, apresentando intensos fluxos para Salvador, a partir das
regiões da Costa da Mina, do Reino de Loango (atual República do Congo), Luanda, Benin e
Benguela (hoje, província de Angola). Alencastro (2000), menciona a ligação das colônias
portuguesas no Atlântico, uma vez que a América portuguesa e as feitorias de Angola se
81

unem através do oceano atlântico para sedimentar um sistema de exploração colonial. O


maior impacto se deu no campo linguístico nos mais diversos aspectos por meio da
miscigenação cultural e linguística construindo e reconstruindo novas identidades no
espaço-tempo.
No âmbito dessas considerações, alguns dados sobre o tráfico de escravizados em
Salvador foram compilados por meio dos estudos do historiador baiano, jornalista e professor
Luis Vianna Filho, no seu livro “O Negro na Bahia” (VIANNA, 2008, p.99) - um ensaio
histórico-sociológico - considerado como fonte histórica de alta qualidade na academia,
principalmente, pela acuidade do trabalho etnográfico. Neste trabalho, foi estimado em 20 mil
o número de escravizados que aportaram na Bahia no século XVI e, no século seguinte, um
valor exponencial da ordem de 205 mil. Esses não eram apenas números, mas pessoas em
sofrimento, narrativas de vidas, detentoras de riquezas linguística e cultural que demarcaram a
história social, econômica e política desse país.
A pesquisa do autor é referência nos estudos sobre escravização na Bahia e está
amparada em documentos dos arquivos regionais da Prefeitura da cidade de Salvador. A
profundidade da investigação, a densidade dos dados coletados e fartura documental fizeram
com que a sua pesquisa quebrasse paradigmas estabelecidos, como a predominância numérica
e cultural dos povos bantus no lugar da etnia sudanesa no seio da população negra na cidade
de Salvador.
O tráfico baiano afro-brasileiro foi uma triste e lamentável experiência social que
trouxe feridas incuráveis e não reparáveis até os dias atuais.
Na maioria das vezes os negros e negras eram comercializados em vendas casadas, ou
seja, pessoas em lugar de fumo, mercadoria de interesse dos comerciantes africanos. Já a
avaliação da carga era feira por tonelada de carne viva. Era realizada uma análise na hora do
embarque com a classificação por peças. Isto quer dizer que duas peças continham 3 negros
de 12 a 15 anos, uma peça por duas crianças de 4 a 8 anos, bem como a última categoria eram
negros entre 35 e 40 anos. Os traficantes escravistas solteiros faziam exigências contratuais
que estabeleciam, na negociação para compra de escravizadas alguns critérios quanto a traços
estéticos e etários (CASTRO, 2005, p.20). É inimaginável como essa profissão era
considerada normal, de prestígio e rendia títulos.
Um fato curioso que se replica nas sociedades mundiais é o forte envolvimento e
braço estrutural da religião nos tecidos sociais em todos os tempos. Segundo Vianna (2008), a
irmandade religiosa era o sindicato dos senhores traficantes, que tinham um santo padroeiro.
82

O sindicato era instalado onde hoje é a igreja de Santo Antônio da Barra, de frente para a Baía
de Todos os Santos e o Atlântico. São José era o santo padroeiro cuja função era proteger as
embarcações em busca de negros e negras que, ao chegarem na América lusitana seriam
escravizados e cristianizados pelo batismo (VIANNA, 2008). O mesmo “modus operandi” foi
empregado aos indígenas.

Tabela 3 – Estatística de escravizados do século XVI até 1830.

Fonte: O Negro na Bahia, Vianna Filho (2008).

As estatísticas acima demonstram grande contingente de africanos arrancados da


África subsaariana, região com superdiversidade étnica, de aproximadamente 400 subgrupos
distintos, dentre eles os povos bantus procedentes de Angola, Congo e de Moçambique.
Apesar da heterogeneidade étnica, havia similaridades linguísticas, pois a língua materna
desses grupos e subgrupos advém da família das línguas bantus que pertencem a grande
família linguística Níger-Congo (FIGUEIREDO, 2011, p.144).
Como adverte Petter (2000), no momento do desembarque não era possível identificar
com acuidade quais eram as línguas faladas pelos escravizados, pois a expressão linguística
de negros e negras só foi detectada quando eles começaram a falar português, embora
algumas etnias conhecessem a língua portuguesa pelos contatos em solo africano. A partir
dessa etapa, estabeleceu-se uma divisão entre os escravizados: os ladinos que dominavam a
língua do branco (agiam como tradutores) e os boçais que não se expressavam bem na língua
portuguesa.
É imperioso dizer que toda a investigação que contemple a língua portuguesa
brasileira em diversos contextos e a sua relação com outras línguas não se pode omitir ou
minimizar a participação histórica das línguas indígenas e, preponderantemente, das línguas
africanas no contexto sociolinguístico brasileiro, com destaque para o universo negro baiano,
porque elas são marcadores estruturais para o conhecimento da formação linguística local e
nacional. Houve avanços significativos nesse cenário, mas ainda carece ampliar as pesquisas
83

no âmbito da educação linguística crítica e trazer a lume aspectos ainda não explorados na
historiografia riquíssima dessas línguas.
Portanto, nas diferenciadas áreas da linguagem, sempre houve a necessidade de mais
pesquisas que estudem e aprofundem os conhecimentos da diversidade e heterogenia das
línguas africanas e línguas indígenas em situação de contato com o português brasileiro,
considerando aspectos linguísticos e extralinguísticos, pois são as menos pesquisadas e
referenciadas. Logo, esta pesquisa, assume a responsabilidade de trazer essa reflexão e não
prescindir da imersão histórica linguística na construção da língua portuguesa brasileira.
Desse modo, Lucchesi (2009), também, mencionou que as pesquisas, até meados do
século XX, sobre as línguas africanas eram conservadoras, preconceituosas e utilizavam o
padrão europeu para inferiorizar as línguas indígenas e africanas. Esses estudos, em sua
maioria, privilegiam as análises comparativas entre o português brasileiro (PB) e português
europeu (PE) nas suas diferenças, mas não havia avanços com relação aos estudos de contato
entre as línguas que coabitavam no país por considerá-las estigmatizadas.
Face a isso, a professora Yeda Pessoa de Castro (2005) corrobora com o pensamento
de Lucchesi, por meio do seu estudo a “Influência Africana no Português”, quando focaliza o
“elemento africano” como um ser visto a partir das margens, segregado culturalmente e
linguisticamente. A influência negativa não despertou o incentivo suficiente para se pesquisar
as línguas africanas em situação de contato com o português brasileiro, mas direcionou as
pesquisas para a diversidade cultural africana como dança, música, culinária, religião, entre
outros. (PETTER, 2000, p.2).
Para a soteropolitana e etnolinguista Yeda Pessoa de Castro (2005), às línguas bantus
constituíam o maior número de falantes em solo brasileiro e acentuadamente na Bahia e em
Salvador. Elas são o quicongo, falado na República Popular do Congo, na República
Democrática do Congo e norte de Angola. Assim, o quimbundo que é a língua veiculada na
região central de Angola e o umbundo falado no sul de Angola e em Zâmbia. No entanto,
segue a autora, os povos sudaneses são procedentes do oeste da África e as línguas mais
importantes são da família kwa faladas no Golfo do Benim. Os representantes dessas línguas
em Salvador e na Bahia como um todo são os iorubás e os falantes de ewe-fon, conhecidos
pelo tráfico como de minas ou jejes. Ainda, segundo a autora, o Iorubá é falado no sudoeste
da Nigéria e no antigo reino do Queto (Ketu) e, também, conhecido no Benim como nagô.
Concentra os grupos linguísticos dos ijexá, oió, ifé, ondô, entre outros. Já os ewe-fon são
representados pelas línguas - mina, ewe, gun, fon e mahi faladas Gana, Togo e Benim.
84

As línguas africanas contribuíram fortemente para a formação cultural da população


da cidade de Salvador e da língua portuguesa brasileira de variante(s) soteropolitana quanto
aos aspectos sócio-históricos e linguísticos, notadamente na sua estrutura. Uma outra decisiva
contribuição emergiu da religiosidade, principalmente na línguas-de-santo dos candomblés da
Bahia, que resistiram à ação do tempo e, ainda, preservam fragmentos das línguas africanas
nos seus rituais. As palavras candomblé e macumba, conhecidas no âmbito das comunidades
litúrgicas de matriz africana têm origem bantu e representam as formas mais tradicionais de
religiosidade afro-brasileira que nasceram ao longo do período de escravização de negros
trazidos de várias regiões de África - e se interconectaram também ao catolicismo, por
estratégia de sobrevivência, originando o sincretismo religioso. Isto quer dizer, que os
escravizados para professarem a fé em suas divindades associavam-nas aos santos católicos.
Dessa forma, as denominações religiosas africanas traduziam marcas lexicais culturais dos
falantes das línguas bantus na construção do português e da identidade brasileira (CASTRO,
2005, p.15).
Desse modo, no século XIX, o candomblé, por meio dos seus cultos, se constituiu em
espaço plurilíngue, pois, nos rituais, se empregavam diversas línguas como eve-fon (jeje),
quimbundo-quicongo-umbundo (Angola) e, em sua maioria, o iorubá. Segundo Bonvini
(2008), essas línguas eram pidgnizadas devido ao léxico e a ausência de funcionamento
gramatical típico das raízes de referência. Sendo assim, Baxter (1996) conceitua línguas
pidgins como um gênero de língua reduzida formado a partir do contato de línguas diversas.
Na atualidade, nas celebrações do candomblé, ainda circulam palavras de algumas línguas
africanas, sem dúvida, é uma forma de resistência, pois foram praticamente dizimadas durante
o processo colonial. Há uma ideia preconceituosa de que o povo de santo ao expressarem
palavras oriundas de línguas africanas não sabem o que estão falando. Verifiquei por meio de
contatos com pessoas dessas religiões que há uma preocupação nesse entendimento como
forma de trazer essas línguas para o contexto linguístico local.
No entanto, as tradições foram mantidas, em especial as tradições orais, que são fontes
de vida das narrativas das línguas e culturas africanas fortemente vinculadas à religião de
matriz africana, como em vários segmentos sociais afro-brasileiro. Um dos maiores
pensadores da África, o malinês Amadou Hampâté Bâ, (2003, p. 51-95), disse: “Na África,
cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima”. O autor desperta para a riqueza dessa
experiência familiar, comunitária que perpassa espaços-tempo. Esse mesmo autor, foi pioneiro
na concepção dos estudos das fontes orais ordenadas, a exemplo da História Geral da África,
85

publicada pela Unesco em 1980. No Brasil atual (e aqui em Salvador e no restante da Bahia),
essa tradição ainda mantém a vivacidade e resistência apesar das intempéries históricas
transmitidas via boca a boca e pelos provérbios, contos, rezas, rituais entre outros., na maior
parte em língua portuguesa e, em alguns casos, em línguas africanas. (BONVINI, 2001, p.39).
Uma outra característica bem particular da herança cultural africana, está,
visivelmente, no comportamento alegre, festeiro e na ginga que adveio da capoeira, da
maneira de ser dos baianos e dos habitantes de Salvador.
Para Pessoa de Castro (2005), linguisticamente, herdamos a nossa forma de falar
“cantano”, devido a influência da língua bantu com a forte presença das vogais mantendo a
pronúncia vocalizada do português arcaico na pronúncia da variante brasileira, o que não
ocorre com o português europeu pois prevalecem as consoantes.
Em outros termos, o sistema de sete vogais orais (a, e, ê, i, o, ê u) e a estrutura silábica
ideal (consoante vogal, consoante vogal) mantém a conservação do centro vocálico de cada
sílaba, mesmo átona. Um outro fato interessante a considerar nas línguas africanas, de acordo
com a autora, é a ausência de pluralização, ou seja, não utilizam os marcadores prefixais
plurais dos artigos definidos “os” “as” como: “os menino” “as criança”, na língua bantu
“Muntu” (pessoa), “bantu” (pessoas), tais denominações são mais percebidas, ainda hoje, na
oralidade do português corrente, dito português popular, muito em função da transmissão e
interconexão linguística das línguas afro-brasileiras.
Ainda, no que se refere ao léxico, Petter (2000) menciona que, devido ao interesse por
esse estudo, houve o levantamento de vários inventários lexicais com o objetivo de rastrear os
“africanismos” que são empréstimos de línguas africanas para o português brasileiro (PB).
Desta maneira, expressivas contribuições do léxico africano foram incorporadas ao
português brasileiro (PB) como a inserção do termo angolano “caçula” ao invés de
“benjamim” do português europeu. O etnolinguista Renato Mendonça (2012) contabilizou
300 palavras da língua quimbundo da família bantu no seu livro “A Influência Africana no
Português do Brasil”, no entanto, o trabalho mais extenso foi o “Falares Africano na Bahia”,
da pesquisadora Yeda Pessoa de Castro (2005) que catalogou mais de 3.025 itens lexicais com
marcas de africania. Com isso, tem-se a dimensão gigantesca da influência das línguas
africanas no PB, principalmente na Bahia com o dialeto “baianês” falado de forma acentuada
em Salvador. É um dialeto classificado como meridional, possui um vasto e rico léxico com
pluralidade de sentidos, mas enfrenta um preconceito linguístico e de classe, uma vez que a
maioria dos falantes vêm de camadas sociais menos privilegiadas.
86

Desta forma, o dialeto baianês traz uma forte identificação linguístico-cultural nas
diversas comunidades de fala da cidade, pois conformam as identidades sociais e culturais. Os
usuários ao enunciar aspectos dialetais, são facilmente caracterizados na língua. Vários termos
do léxico do dialeto baianês estão incorporados de forma automática na maneira de falar local,
identificando a origem e quem são esses falantes.
Desse modo, é na performance da enunciação que são visualizados e reconhecidos os
traços específicos de uma ou multiculturas que constituem os indivíduos através da língua na
construção da identidade cultural de um determinado povo.
Como bem explica Hall (2003), a identidade apresenta incompletude porque ela está
sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. Fazendo uma analogia ao pensamento
Aristotélico, associa-se a identidade como ato e potência. Ato, pois é a existência de algo e
potência porque é tudo que um ente pode vir a ser a partir de suas experiências, portanto, essa
identidade cultural possibilita um espectro diversificado de leituras de mundo e suas
interseções a partir das relações e vivências com o meio social.
A etnologista Yeda Pessoa Castro (2005), em entrevista a Fundação Pedro Calmon, da
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, em 7/3/2016, com o título: Yeda Pessoa de Castro:
uma vida dedicada às línguas e culturas negroafricanas no Brasil, afirmou que a pronúncia de
uma variante local, tem uma riqueza de vogais que fornece musicalidade na forma de falar do
soteropolitano. Uma curiosidade é a não utilização de grupos consonantais nas palavras
terminadas em consoantes, exemplo: pneu (diz-se peneu).
Com isso, evita-se o encontro consonantal interpondo uma vogal com um ritmo de
uma consoante, uma vogal, uma consoante, vogal, sempre. Na pronúncia se omite a consoante
final: Dizê (dizer), Salvador, (Salvador), continua a autora, por isso falamos cantando, porque
a vogal é a parte sonora da palavra.
A pesquisadora segue explicando que o jeito peculiar de falar com gestos, de dançar
com o corpo enquanto falamos, é uma herança histórica dos antepassados angolanos.
Essa cadência de ginga na língua falada com a presença de vogais é oriunda do
multilinguismo histórico devido às línguas em contato, nesse caso em específico, entre o
português arcaico e as línguas angolanas, tornando o português do Brasil muito vocalizado
(CASTRO, 2005).
87

Cabe destacar que foi publicado um dicionário denominado baianês, em cuja última
edição foram levantados 1.700 verbetes. Alguns exemplos: “abrir o gás” (ir embora, sair),
“massa” (legal, joia), “aoooonde” (de jeito nenhum), “comer água” (beber muito bebida
alcoólica), “borboleta” (torniquete de ônibus), “tá barril" (tenso) e tantos outros verbetes que
foram incorporados ao português brasileiro baiano.
Seguindo a entrevista, Castro (2005) esclarece que criar palavras novas é uma
manifestação cultural dos povos, pois a língua é um ser social vivo, mas essa invenção não
ocorre sozinha, ela está vinculada a conexões multilíngues. Para a autora, os soteropolitanos
são criativos linguisticamente e, por terem forte influência do candomblé, se apropriam de
palavras da religião e as ressignificam, como a palavra “axé”, da língua africana iorubá, da
família linguística nigero-congolesa. O termo representa os princípios do candomblé e
significa energia sagrada dos orixás. Em Salvador, foi traduzido para “boa sorte, amém”.
Desta forma, os verbetes carregam mais que sentidos, pois são verdadeiras heranças ancestrais
africanas, materializadas através do português brasileiro da Bahia.
Nessa perspectiva, cabe realçar a magnitude do multilinguismo histórico como
substrato na conformação democrática do multilinguismo contemporâneo no que tange a
pluralidade e a complexidade sociocultural que essas línguas carregam, deixando
indelevelmente as suas impressões no devir linguístico.

Figura 16 – Fotografia de uma missa sincrética (Catolicismo e Candomblé), em Salvador.

Fonte: Jornal Salvador - Bahia - Brasil - https://www.salvadordabahia.com/. Acesso em: 16/10/21.


88

Sob esse horizonte das línguas africanas em Salvador, a foto acima demonstra um
ritual singular de uma missa católica na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Largo
do Pelourinho, com a presença do povo preto de religião de matriz africana. É um ato
belíssimo, com uma liturgia ao som dos atabaques das canções que tocam a ancestralidade dos
terreiros de candomblé, preservando, por meio da linguagem, na diáspora negra, os
fundamentos da cultura africana que se incorporou à identidade cultural do povo de Salvador,
da Bahia.
Desta forma, houve a participação em escala dos africanos na concepção da língua
geral. Alguns linguistas entendem que, como Mattoso e Silva (2008), havia dificuldade em
identificar a língua geral em si e o português geral brasileiro devido a acentuada influência
africana e indígena que não era vista com bons olhos pela corte portuguesa, pois o objetivo
era fortalecer o português. Como dito anteriormente, medidas foram tomadas para fortalecer e
impor a língua portuguesa, inicialmente com a expulsão dos jesuítas e a instalação do
Diretório dos Índios pelo Marquês de Pombal que vigorou entre 1757 e 1798, prevalecendo o
domínio e subordinação do outro (diferente de si), submetendo-o aos valores e princípios dos
colonizadores. Nesse sentido, é importante trazer a reflexão de Edward W. Said:
Nem o imperialismo, nem o colonialismo é um simples ato de acumulação e
aquisição. Ambos são sustentados e talvez impelidos por potentes formações
ideológicas que incluem a noção de que certos territórios e povos precisam e
imploram pela dominação, bem como formas de conhecimento filiadas `a
dominação: o vocabulário da cultura imperial oitocentista clássica está repleto de
palavras e conceitos como ‘raças servis’ ou ‘inferiores’, ’povos subordinados’,
‘dependência’, ‘expansão’ e autoridade. E as ideias sobre a cultura explicitadas,
reforçadas, criticadas ou rejeitadas a partir das experiências imperiais. (SAID, 1995,
p. 102).

Assim, paradoxalmente, as medidas pombalinas não foram suficientes para eliminar a


língua geral que continuou a existir no Sul da Bahia, mais precisamente na Vila de Olivença,
em 1794 (ARGOLO, 2013).

3.1 A IMIGRAÇÃO, OS IMIGRANTES E AS SUAS LÍNGUAS PÓS 1850 E NO SÉCULO


XX

É preciso lembrar que além do português europeu, das línguas indígenas e das línguas
africanas, como foi explicado no início do texto, a cidade de Salvador na segunda metade do
século XIX e a primeira metade do século XX, recebeu um contingente expressivo de
imigrantes estrangeiros, principalmente, advindos do pós-guerra de 1945. Para a cidade
vieram portugueses, italianos, espanhóis, alemães, japoneses e outras nacionalidades, como
89

parte do programa do governo federal para povoar as terras brasileiras e europeizar o país.
Essas línguas não só compuseram a história social-linguística brasileira, mas é necessário que
se registre as suas presenças e importância na Bahia, sobretudo na cidade de Salvador, lugar
desta investigação.
Em uma outra condição, os portugueses chegaram em Salvador, predominantemente,
do sexo masculino, jovens e solteiros, e se integraram rapidamente, devido as oportunidades
de trabalho, bem como, pela facilidade na língua. Evidentemente, a maioria migrava para o
Sul devido à empregabilidade na região cafeeira. Em Salvador, eles formaram famílias e,
alguns, enriqueceram. Tiveram participação ativa na sociedade local com a criação da
Sociedade de Beneficência, posteriormente, construíram um hospital, hoje denominado de
Hospital Português da Bahia. A maioria permaneceu na cidade e poucos foram para a região
do recôncavo baiano para trabalhar na agricultura. As profissões exercidas eram as mais
variáveis: com tendência mais forte para o comércio, por exemplo, caixeiros (empregados de
casas comerciais em geral). Segundo o cônsul local, Manuel Saldanha da Gama, havia em
1863, aproximadamente, 6 mil portugueses residindo em Salvador. Era a língua portuguesa
europeia, em outro tempo histórico, interagindo com outras línguas, numa situação de
multilinguismo.
Os espanhóis também chegaram a Salvador entre 1883 e 1950. Com base nos registros
de entrada via porto de Salvador, foram registrados 17.737 espanhóis (com predominância
para o sexo masculino), na sua maioria da Galícia, provenientes de Pontevedra e regiões
vizinhas. Eram trabalhadores agrícolas, mas se estabeleceram no centro da cidade e na cidade
baixa, mais precisamente no bairro da Calçada. Desenvolveram-se nas atividades comerciais,
ou seja, no ramo de alimentos e bebidas, contribuindo significativamente para a economia
local. Ao longo desses anos, participaram ativamente da vida em sociedade. Eles criaram
associações, o Hospital Espanhol da Bahia, o Centro Recreativo Espanhol e a Associação
Cultural Hispano-Galega Caballeros de Santiago, ainda vigente na cidade. A língua espanhola
e suas variantes em contato com as línguas locais contribuíram grandemente para a interação
na cultura baiana em diversos segmentos. A presença espanhola se faz evidente nas casas
comerciais, nos centros de língua espanhola e nos espaços públicos, a exemplo do Clube
Espanhol da Bahia.
É necessário lembrar que o ensino da língua espanhola se tornou obrigatório no Brasil
com o advento da Lei 11.161, de 5 de agosto de 2005, sancionada pelo presidente Luís Inácio
Lula da Silva ela deve ser lecionada nas escolas da rede pública e privada do ensino médio.
90

Infelizmente, a respectiva Lei foi revogada pela Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017,
(reforma do ensino médio). Em função dessa medida, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional excluiu a obrigatoriedade do ensino e transferiu para os estados a responsabilidade
de oferecer a disciplina de forma facultativa. Sendo assim, a não obrigatoriedade da língua
espanhola da grade curricular das escolas, foi bastante prejudicial ao multilinguismo local,
pois impossibilitou milhares de alunos a terem o seu direito linguístico preservado de acessar
a língua e cultura espanhola.

Desse modo, o movimento “Fica Espanhol” tem se expandido em vários estados


brasileiros, pois defende a reinserção da língua espanhola de forma obrigatória no ensino
médio das escolas brasileiras. É preciso garantir uma política multilíngue que contemple a
diversidade e diferença para fins de cidadania linguística.
Os italianos, também, contribuíram significativamente para o multilinguismo histórico
da cidade de Salvador e demais regiões da Bahia. O pesquisador e professor Giuseppe
Benedini em seu artigo “A Emigração Italiana para Bahia” (2013), explica que, em 1855,
chegaram em Salvador, 912 operários italianos procedentes de Turim, para trabalhar na
construção de ferrovias. Posteriormente, vieram mais 240 e o local de abrigo era no subúrbio
de Salvador, precisamente, numa fazenda em São Tomé de Paripe. Nesse período, diante das
condições sanitárias, alguns contraíram a febre amarela e vieram a óbito e outros resolveram
retornar para Itália. Porém, um contingente de 446, continuaram na construção da ferrovia que
era financiada por empresas inglesas. Cabe destacar, que operários de outras nacionalidades
eram, também, empregados. Do total de 2.639 operários, 2.069 eram brasileiros, 107 ingleses,
11 alemães, 4 franceses e 2 suíços. Há, aqui, a presença de um multilinguismo laboral que,
inexoravelmente, ao contatar as línguas locais modificaram a paisagem linguística do entorno
por onde passou os trilhos da linha férrea. Alguns desses imigrantes fixaram residência em
cidades às margens dessas ferrovias e outros foram para a região da Chapada Diamantina para
exploração das minas de diamantes e ouro.
Avançando nas considerações de Benedini (2010), quando diz que um outro fluxo com
1.267 italianos desembarcou em Salvador no ano de 1864 para continuar as obras da ferrovia
e outras atividades como mineração e agricultura. Havia, também, os mascates do Planalto do
Sul, mencionados por Thales de Azevedo, no seu livro Italianos na Bahia e outros temas
(1989). Eram os mascates italianos que atuavam como negociadores entre a Baía de Todos os
91

Santos e o Sertão, abastecendo as regiões com produtos. O autor pontua que no final do
século XIX, havia uma forte presença italiana na Bahia, em torno de 2.500 a 3.000 pessoas.
Desta maneira, a imigração de italianos segue para a Bahia após a Segunda Guerra
Mundial, devido às péssimas condições de vida no continente europeu. Segundo Benedini
(2010), o estado não era tão atraente em termos de incentivos e os colonos que chegavam não
tinham muita conexão com os já estabelecidos, a qual ele nomeia de “migração artificil”. No
entanto, ele enfatiza que, no governo de Octávio Mangabeira (1947-1951), foram implantadas
colônias agrícolas estaduais. Os colonos italianos estabeleceram residências na Colônia
Agrícola de Itiruçu e de Jaguaquara. Muitas famílias descendentes destes pioneiros continuam
nos locais, sendo que uma parcela dos jovens se desloca para a capital para completar os
estudos.
Sem dúvidas, os italianos, por meio da língua e cultura, deram forte contribuição à
história do multilinguismo nacional e local, apesar de o idioma italiano ter sido reprimido
pelo Estado Novo, via Campanha de Nacionalização do Ensino, mas os efeitos dessa ofensiva
foram ineficazes. Na atualidade, essa presença ainda é muito marcante em diversos segmentos
da cidade. Neste sentido, trago uma experiência pessoal, pois meus filhos falam a língua
italiana, são descendentes de italiano por parte de pai, um imigrante engenheiro, integrante de
migração laboral, portanto, a língua italiana se tornou muito próxima da pesquisadora que vos
fala e circula no meu espaço familiar.
Uma outra língua, apesar de distante da nossa cultura, mas que integra o
multilinguismo histórico e contemporâneo da cidade de Salvador é nipônica ou japonesa. A
colônia Juscelino Kubitschek, em Mata de São João, (a 51 km de Salvador, fundada em 1959,
lá há produção de verduras e frutas orgânicas) recebeu 120 famílias à época e se mantém em
número menor, por volta de trinta famílias. A cidade de Ituberá (a 170 km de Salvador, no
Baixo Sul, significa em tupi: cachoeira reluzente e com produção de cacau e derivados),
também recebeu famílias de imigrantes japoneses. As gerações de - sanseis, netos de
japoneses - residem no local e possuem casas em Salvador. A cultura japonesa é muito forte,
principalmente entre os jovens descendentes e brasileiros. Ela tem presença na dança, na
culinária, na religião, na música e na língua.
A cultura pop por meio da moda urbana e o Mangá moderno (cartuns e quadrinhos da
Disney) e o cosplay (palavra de origem inglesa, formado pela adição das palavras: costume =
fantasia e roleplay = brincadeira ou interpretação) é muito difundido entre a juventude.
Salvador abriga anualmente o festival de cultura japonesa com várias atrações e desfile de
92

cosplay. A língua japonesa circula entre a própria comunidade e em áreas específicas. Mas
está crescendo o interesse dos jovens em aprendê-la. Desta forma, a Associação Cultural
Nipo-Brasileira de Salvador ANISA vem promovendo a língua e cultura na cidade de
Salvador.
A imigração alemã na Bahia, apesar de pouco mencionada na historiografia nacional,
teve participação importante no contexto local. Como as demais imigrações já citadas, foi
instalada, também, uma colônia agrícola em meados do século XIX, que recebeu famílias
alemãs, bem como a colônia alemã, em Salvador. A primeira colônia foi instalada no extremo
sul da Bahia e chamava-se Leopoldina e, em 1818, outra colônia foi estabelecida entre Ilhéus
e Itabuna, somando 161 pessoas, denominada São Jorge dos Ilhéus. Os alemães tiveram
participação ativa na economia do Recôncavo Baiano, com a produção e exportação de fumo,
tendo sido a primeira indústria instalada em 1842, a “Charutos Juventude”. A partir daí,
vários armazéns se instalaram no entorno, nos municípios de Muritiba, Cruz das Almas,
Maragogipe, Cachoeira, São Gonçalo dos Campos e Governador Mangabeira. As empresas
mais conhecidas foram as exportadoras Suerdieck e a Dannemann.
A minha memória afetiva foi ativada, pois meu avô tinha uma pequena plantação de
fumo, ou melhor, roça de fumo como se chama na Bahia, na cidade de Cruz das Almas.
Lembro-me quando ele e sua equipe separavam as folhas secas, enrolavam-nas fazendo as
capas dos charutos artesanais que eram vendidos para Suerdieck, pois havia sido instalada
uma fábrica no município devido à grande demanda, mas que teve as suas atividades
encerradas em 30 de outubro de 1999. As famílias alemãs se estabeleceram no Recôncavo e
em Salvador, constituindo gerações de teuto-descendentes. A colônia alemã em Salvador
cresceu e diversificou a economia da cidade por meio de empresas de diversos segmentos.
A língua alemã veiculou por vários lugares, em diversos tempos históricos na cidade
do Salvador e se integrou ao multilinguismo local, embora tenha sido duramente perseguida
pelo governo de Getúlio Vargas, com a implantação da Campanha de Nacionalização do
Ensino, no entanto, resistiu, continua a fazer parte da vida cultural de Salvador. É ensinada em
diversos centros de ensino, na Universidade Federal da Bahia e no Goethe-Institut Salvador.

3.2 REFUGIADOS E IMIGRANTES COMPULSÓRIOS COM AS SUAS


LÍNGUAS-CULTURAS: CAPITAL LINGUÍSTICO NO SÉCULO XXI

Como toda grande metrópole, Salvador não está imune ao processo de imigração
compulsória que tem crescido assustadoramente nas últimas décadas e impactado o planeta.
93

Uma das maiores causas está no processo de globalização imposto pelo sistema capitalista
cruel e predador que mina economias, principalmente, de países que estão na periferia do
mundo. São 89,4 milhões de pessoas que foram obrigadas a sair de suas casas e vagueiam
pelo mundo, segundo os dados do Relatório Anual para as Migrações (OIM), relativo ao ano
de 2021. Esse cálculo ultrapassa o dobro de deslocados oriundos da Segunda Guerra Mundial,
na ordem de 40 milhões de pessoas, segundo especialistas.
O total de migrantes compulsórios representa a população da França e Holanda juntos,
sendo que desse total, 26.4 milhões são refugiados espalhados pelo globo e mais da metade
são menores de 18 anos, o que aprofunda ainda mais a crise migratória. São números
estarrecedores que se multiplicam com a nova crise humanitária no Afeganistão, com cenas
chocantes de luta pela vida difundidas pelas mídias. Estima-se que a população mundial
chegou a 7,8 bilhões em julho de 2021. Isto significa, 1% da humanidade está na condição de
“demitidos da vida e esfarrapados do mundo” (PAULO FREIRE, 1998). Esse percentual
representa 1 em cada 95 habitantes da terra, que não tem perspectivas de voltar para casa.
As migrações compulsórias comportam diferenciados status migratórios, conforme o
gráfico abaixo:

Figura 17 – Gráfico dos deslocados forçados por status migratório ou grupo migrante, 2011-2019.

Fonte: elaborado pelo OBMigra a partir dos dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR, 2020).

O gráfico acima evidencia uma ascendência de deslocados por grupos de migrantes, a


maioria sob a tutela da ACNUR. Percebe-se, também, um incremento no número de
venezuelanos deslocados no exterior.
94

O Brasil, tradicionalmente, já foi o destino de migrantes, mas atualmente é “uma


possibilidade para milhares de pessoas em situação de refúgio e de imigração internacional
compulsória” (BAENINGER, 2018, p.20). De acordo com o relatório anual 2020, do
OBMigra- Observatório das migrações internacionais, no período de 2011 a 2019, foram
registrados no Brasil 774,2 mil imigrantes com base em todos os amparos legais, porém, esse
número é maior pois não reflete os “indocumentados”, pessoas que entraram no país
informalmente.

Os contextos migratórios, também, são construídos por marcadores sociais de gênero,


pois há um crescimento de mulheres nas mobilidades migratórias compulsórias, conforme
dados na tabela que segue:

Tabela 4 – Número de solicitações de reconhecimentos da condição de refugiado, por gênero, segundo principais
países de nascimento – Brasil, 2019.

Fonte: Elaborado pelo OBMigra a partir dos dados da Polícia Federal, Solicitações de reconhecimento da
condição de refugiado – Brasil, 2019.

Os novos fluxos têm características peculiares pois demarcam um dinamismo nas


rotas entre os países do sul global ao invés das tradicionais rotas sul-norte, imprimindo um
novo cenário para as migrações no país. Nesse sentido, a cidade de Salvador é uma das praças
de recepção para os refugiados e imigrantes compulsórios no processo de interiorização da
Operação Acolhida, um programa do governo federal criado em 2018. Ele coordena uma rede
com apoio de entes da federação, da ONU, organismos internacionais, organizações da
95

sociedade civil e entidades privadas, e tem uma estimativa de mais de 100 parceiros. Tem
como objetivo assistir de forma emergencial os refugiados e migrantes que chegam pelo norte
do país, preponderantemente, por Roraima que faz fronteira com a Venezuela. Deste modo, o
programa tem três eixos de atuação: ordenamento de fronteira, acolhimento e interiorização.

Figura 18 – Fotografia do posto de triagem da Operação Acolhida.

Foto: Felipe Irnaldo. Fonte: ACNUR

O ordenamento da fronteira inclui recepção, identificação, documentação, triagem,


cuidados médicos e vacinação. Em seguida, há o acolhimento dessas pessoas em abrigos, até
que ocorra a interiorização, que tem o caráter de inclusão socioeconômica para outras regiões
do país.
No sentido de atender e acolher os imigrantes que entram pelo norte do país, a sua
maioria, formada por venezuelanos, foram criados 11 abrigos oficiais em Boa Vista e dois em
Pacaraima, porém são insuficientes para atender toda a demanda provocada pelo fluxo
migratório proveniente da Venezuela.

Figura 19 – Fotografia de um abrigo para refugiados.

Fotógrafa: Victoria Servilhano. Fonte: Médicos Sem Fronteiras – 14/08/201


96

Figura 20 – Embarque de migrantes no processo de interiorização.

Fotógrafo: Força Aérea - FAB. Fonte: Defesanet – 31/8/2018

A foto acima ilustra o momento em que um grupo de venezuelanos parte para outros
estados a partir do programa de interiorização. Eles estão dentre as nacionalidades que
chegam em Salvador. Houve um crescimento exponencial em 2016, de imigrantes
venezuelanos devido à grave crise econômica e à supressão da liberdade naquele país. Há,
ainda, haitianos - migrantes ambientais, que foram forçados a deixar o seu habitat tradicional,
temporária ou permanentemente, por causa de desastres climáticos, natural e ou desencadeada
por pessoas que comprometeu a sua existência e/ou afetou seriamente a qualidade de vida
(MigraMundo, 2018), nigerianos, senegaleses, congoleses, entre outros. Existe a perspectiva
que cheguem afegãos, pois em função da tomada do poder pelo regime talibã no Afeganistão,
a Comissão de Relações Exteriores defende a concessão, também, de visto humanitário aos
refugiados oriundos deste país.
Os migrantes que batem à nossa porta proveniente de países africanos são, geralmente,
homens adultos e chegam sozinhos, já os venezuelanos em sua maioria vêm com as suas
famílias e buscam reconstruir novas formas de vida e melhores condições para uma vida
digna. A Bahia é o estado do Nordeste que mais recebe migrantes internacionais, uma parcela
em deslocamentos forçados, conforme o “Atlas Temático: Migrações Internacionais na
Região Nordeste” (2019), que contém análise dos fluxos migratórios entre os anos de 2000 e
2017. Nesse período, 36.204 migrantes obtiveram o Registro Nacional de Estrangeiro - RNE,
no estado da Bahia.
97

Figura 21 – Gráfico do número anual de imigrantes internacionais registrados na Bahia entre 2000-2017,
segundo regiões do mundo de nascimento e no de registro.

Fonte: Sistema Nacional de Cadastro e Registros (SINCRE), Departamento da Polícia Federal –


Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil/OBMigra, Tabulações Observatório das Migrações
em São Paulo – NEPO/UNICAMP-Fapesp/CNPq.

O gráfico indica a procedência dos imigrantes registrados na Bahia, muitos deles em


situação de migração compulsória.
A cidade de Salvador, como vimos ao longo deste texto, tem um passado histórico
significativo e marcante de imigração, pois foi constituída por imigrantes, exceto os povos
originários que já estavam aqui e resistem até hoje. Ademais, a cidade foi palco da maior
imigração compulsória já vista, com o escravismo.
Diante disso, as novas ondas migratórias do século XXI que chegam à cidade, têm
características especiais que as diferenciam das anteriormente registradas na sua
historiografia. São novos fluxos de migração compulsória internacional, isto quer dizer
pessoas em situação de refúgio ou deslocamentos compulsórios, atingidas por diversas
violações que colocam a vida em risco de morte.

Tabela 5 – Número de Imigrantes internacionais registrados 2000-2017 nos municípios da Bahia.

Fonte: Atlas Temático para Migrações Internacionais da Região Nordeste, UNICAMP, 2019.

Desta forma, ainda segundo o Atlas Temático para Migrações Internacionais da


Região Nordeste 2019, emitido pela Universidade Estadual de Campinas revela que em 2017
foram registrados 20.187 imigrantes e uma parcela ainda não oficializada estatisticamente de
98

migrantes compulsórios. Salvador e a Bahia como um todo estão diante de um novo perfil
migratório. Mas quem são essas pessoas denominadas refugiados(as) e imigrantes
compulsórios? É preciso descolonizar e decolonizar esses conceitos e a visão colonial do
refúgio que beira a marginalidade. Essas duas categorias remetem, na maior parte das vezes, a
estereótipos por desconhecimento do contexto de migração forçada dentro da sociedade
abrigadora, o que seria uma ironia, abrigar e desconfiar pejorativamente.
A Lei de Migração nº 13.445 de 24 de maio de 2017, um documento progressista
apesar de suas lacunas e omissões, é amparada no escopo dos direitos humanos (CLARO,
2020). A Lei modifica terminologias empregadas no antigo estatuto do estrangeiro (Lei 6.815
de 19/8/80) que vigeu na ditadura militar, pois a palavra estrangeiro era vista como bandido,
perigoso, “o estranho” uma ameaça ao país. O novo instituto jurídico para as migrações
estabelece o termo migrante como sujeito de direitos garantidos pela Constituição Federal de
1988, ao invés de estrangeiro e tem o intuito de combater preconceitos de toda ordem,
principalmente a tão vista e usual xenofobia na vida real. A pesquisadora Grosso (2010)
esclarece os conceitos entre imigrante e estrangeiro expondo as suas diferenciações, quando
diz:
O âmbito conceptual de “imigrante” e de “estrangeiro” abrange vários componentes
comuns, e talvez por isso tendem a confundir- -se e a frequentemente serem
utilizados como sinônimos. Trata-se, porém, de universos distintos e, como tal,
também no ensino- -aprendizagem de línguas é necessário ter em conta essa
diferença (GROSSO, 2010, p. 65).

Portanto, essa é uma das funções do presente estudo, aclarar que uma pessoa em
situação de refúgio ou que migrou involuntariamente busca meios de sobrevivência e
perspectivas de melhores condições de existência e não deve ser vista de forma negativa ou
digna de caridade. Esses recentes contingentes de pessoas, com novas línguas e culturas em
movimento e que chegam à cidade, imprimem novos contornos à sociedade abrigadora,
modificando a paisagem do lugar, como também é um ativo para economia e um incremento
ao multilinguismo contemporâneo urbano local.
Diante do acima mencionado, o português brasileiro de origem multilíngue com toda a
sua subjetividade linguística e experiência histórica reúne as condições de possibilidade para
se recolocar como língua de acolhimento para recepcionar, acolher, mediar essas línguas e
ajudar os seus falantes a desenvolver os seus repertórios linguísticos que lhes possibilitarão
autonomia e afetividade para agenciar os projetos na nova morada.
99

Na opinião do coordenador de pesquisa da Cátedra Unesco sobre Políticas


Linguísticas para o Multilinguismo de Barcelona, professor Vicent Climent-Ferrando, em
2010, mais da metade da população mundial vivia nos centros urbanos e a ONU prevê 70% a
mais até 2050, devido às mobilidades humanas. Portanto, as cidades são potências
multiculturais e multilingues que demandam gestão de políticas linguísticas no tamanho da
sua importância.
Um outro ponto que se faz relevante para expandir o multilinguismo urbano
soteropolitano, está relacionado aos espaços educacionais que proporcionam o ensino de
línguas, como: centros de idiomas, escolas públicas, universidades que por meio dos seus
cursos de letras precisam formar professores com conhecimento em questões atinentes ao
processo migratório.
O mundo atual é globalizado e digitalizado, ter acesso ao conhecimento de línguas é
um direito fundamental e linguístico. Assim sendo, cria-se um aparato de grande envergadura
nas esferas pessoal, profissional, social, cultural, bem como um ativo estratégico para as
sociedades.
Um outro fator de grande importância relativo ao fenômeno migratório é a variedade
de repertórios multilíngues dos imigrantes em refúgio que chegam a Salvador e a construção
de novos repertórios em contato com as línguas locais constituem um capital linguístico
riquíssimo, porém, muitas vezes subutilizado. Sendo assim, é preciso enxergar a língua como
recurso econômico e de governabilidade (OLIVEIRA, 2013). Quer dizer, perceber a
mais-valia cultural ou “valor econômico das línguas”. No entender de Arnoux é: “componente
de la gestión económicamente eficaz de los recursos humanos (sobre todo, de los inmigrantes)
y un generador de plusvalía” “componente da gestão econômica eficaz dos recursos humanos
(sobretudo de imigrantes) e um gerador de ganho de capital. (ARNOUX, 1992, p.29).
Nesse sentido, é preciso descolonizar e decolonizar as crenças arraigadas pautadas no
discurso de falta sobre refugiados e imigrantes e constatar que são pessoas que por meio de
suas línguas, culturas e experiências diferenciadas podem contribuir decisivamente de
variadas formas para a sociedade acolhedora.
Nesta pesquisa, mais uma vez, recorremos à cartografia, a fim de ampliar a
comunicação com os leitores. Dessa maneira, pensando as línguas como recursos econômicos,
Salvador, também, é ativo na difusão de línguas. O mapa da cidade, na sequência, evidencia a
localização de alguns centros de ensino de línguas, como centros de idiomas e universidades.
100

Evidencia-se, portanto, pontos de concentração de ensino e difusão de línguas, na Avenida


Sete de Setembro e regiões próximas.

Figura 22 – Mapa de Salvador com a localização dos Centros de Idiomas e Universidades (imagem por satélite).

Fonte: Elaborado pela autora. Imagem de satélite a partir de print do Google Maps.

Os centros de ensino estão localizados ao longo da Avenida Sete de Setembro e áreas


próximas. Esta é uma das principais avenidas de Salvador, construída por arquitetos italianos
em 1915, que tem início no Farol da Barra (Avenida Oceânica) e finaliza na Praça Castro
Alves (Centro da cidade). É uma região turística, com intensa mobilidade de falantes não
nativos, como também, local de trabalho de alguns dos participantes desta pesquisa, área do
Centro de Salvador – região do Portão da Piedade), portanto um vetor multilíngue da cidade.
Em face do exposto, reforça-se a relevância e particularidade do multilinguismo
histórico miscigenado soteropolitano na construção do português brasileiro e dos falares dos
habitantes desta cidade, bem como as interconexões com o multilinguismo contemporâneo
emergente, diverso e de alta complexidade que coloca o planeta dentro de Salvador por meio
de migrantes voluntários, de refugiados e migrantes compulsórios. Os estudos linguísticos
dessa pesquisa e de tantas outras devem ser caracterizados e evidenciados pelos marcadores
da historiografia linguística brasileira e local operando como categorias de análises para a
101

gestão de redes de comunidades de fala díspares e da situação de contato estabelecida entre


elas.

4 PLAc E SUAS CAPILARIDADES RIZOMÁTICAS

O Português como Língua de Acolhimento - PLAc, é um campo de estudos dentro da


Linguística Aplicada relativamente novo, no entanto, como pesquisadora da área e estudiosa
da filosofia, concebo o PLAc como rizoma a partir da aproximação do conceito de Rizoma à
luz de Gilles Deleuze (1997) e Félix Guattari (1997). O termo é originário da botânica e foi
apropriado pelos autores para analisar comparativamente um evento da natureza e o fenômeno
da dinâmica da vida humana com suas inter-relações complexas num movimento em
múltiplos fluxos, onde não há uma árvore-raiz, inflexível, mas várias ramificações maleáveis
como um rizoma.
Desta forma, o PLAc como o rizoma ocorre num processo de interconexões com as
multiplicidades nele mesmo, através de uma representação imagética oriunda da biologia. O
rizoma semeia o broto que está ligado a vários vínculos, pois não há início e nem término,
mas meio. A função é mediar, fazer as interligações em várias direções num movimento
sinérgico e a língua portuguesa em situação de acolhimento tem essa perspectiva rizomática.
Nesse sentido, dá-se alguns princípios rizomáticos e suas interfaces com a língua
portuguesa em situação de acolhimento: i) Conexão e heterogeneidade - assim como o
rizoma, o português ao se reconfigurar em PLAc vai se descentrando do monolinguismo
estrutural e conectando-se a heterogeneidade que lhe é apresentada, ao acolher a diversidade
de línguas e falantes distintos; ii) Multiplicidade - como fator essencial no rizoma, a
multiplicidade também é uma característica do PLAc pela natureza interdisciplinar e
transdisciplinar com outras áreas do conhecimento acessando e potencializando sujeitos,
línguas-culturas e identidades; iii) Ruptura - o rompimento de um rizoma não o desconstitui,
mas traz diversas possibilidades, assim acontece com o PLAc que durante o processo da
língua em uso, na prática social e cultural se defronta com rupturas, porém instaura outros
recomeços e novos devires; iv) Cartografia e decalcomania - um rizoma não comporta
imitações, simulacros, o PLAc também não, a homogeneidade não compõem a sua essência,
pois seu universo é heterogêneo, plural e sugere novas significações para à área de pesquisa.
Os falantes com suas línguas e culturas são distintos e têm necessidades diferenciadas.
Partindo dessas considerações, olhar o Português como Língua de Acolhimento na
perspectiva rizomática remete ao mergulho histórico multilíngue realizado neste texto,
102

ressaltando as multiplicidades linguísticas e suas capilaridades na formação do português


brasileiro com característica soteropolitana que se propõe como língua de acolhimento em
abertura a recepcionar, acolher e interagir com toda complexidade advinda dos contextos de
migração compulsória.

4.1 OS VENTOS QUE TROUXERAM O PLAc PARA O BRASIL

A expressão “língua de acolhimento” surge no contexto português após o aumento dos


movimentos migratórios para Portugal. No final do século XX, os fluxos migratórios
originaram-se, em sua maioria, dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP),
com predomínio de cabo-verdianos e brasileiros. A partir do ano 2000, houve alteração dos
fluxos migratórios com procedência de países do leste europeu, do continente asiático e de
outros países da África. Com isso, o estado português, que antes tinha políticas centradas no
ensino de português como língua materna, teve que redefinir políticas públicas que
contribuíssem para a integração pessoal, social e profissional desses imigrantes.
Em 2001, foi criado o Programa Portugal Acolhe, e em 2008, ele se aperfeiçoou e
atualmente é designado como Programa Português para Todos - PPT. Essa iniciativa é uma
decisão estatal, uma política linguística in vitro (CALVET, 2002, 2007), relativa às ações
desenvolvidas por linguistas, na minoria das vezes, e implementadas pelo Estado com força
de lei.
Para a pesquisadora portuguesa Grosso (2010), a língua de acolhimento é orientada para
a ação e o seu exercício está diretamente ligado à vida real, cotidiana, às relações pessoais e
sociais de forma bidirecional. Para a autora, o direito ao ensino-aprendizagem da língua de
acolhimento possibilitará o uso de outros direitos, bem como o conhecimento dos deveres dos
cidadãos.
Neste ponto, a professora Cabete (2010) afirma que não conhecer a língua-alvo traz
obstáculos ao processo de territorialização na sociedade de destino.
No Brasil, o Instituto de Pesquisas e o Ministério da Justiça realizaram uma pesquisa
sobre as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes em solo brasileiro, evidenciando-as no
gráfico que segue:
103

Figura 23 – Gráfico sobre nível das principais dificuldade enfrentadas pelos imigrantes no Brasil

Fonte: IPEA/Ministério da Justiça, 2015.

Apesar da análise acima ter sido realizada em 2015, o idioma ainda aparece como uma
barreira linguística, um dos maiores obstáculos essenciais para os imigrantes no processo de
ambientação no país, seguido pela categoria trabalho. Como visto, o acesso à língua é um
direito constitucional e um desencadeador para alcançar outros direitos sociais, bem como é
um ativo na construção da autonomia e empoderamento na localidade receptora.
A literatura brasileira atual no campo da linguística aplicada para o contexto do
Português como Língua de Acolhimento vem se ampliando e solidificando com a crescente
produção acadêmica no Brasil, em conexão com as suas realidades. Enumera-se alguns
desses pesquisadores: Amado (2011), Bizon (2013), Barbosa e São Bernardo (2017),
Anunciação (2018). Algumas pesquisas da área colocam em xeque diversos termos e propõe
reflexões e ressignificações conceituais.
Assim sendo, se problematiza o discurso da falta que fragiliza ainda mais os
refugiados e migrantes compulsórios (DINIZ; NEVES, 2018; LOPEZ, 2016), é como se os
migrantes não possuíssem valores e riquezas experienciais porque faltam-lhe tudo. Desse
modo, corroboro com o argumento dos pesquisadores, mas realça-se que as condições de
miserabilidade que lhes foram impostas é de extrema vulnerabilidade e induzem para todo
tipo falta.
104

Um outro fator de relevância para os estudos, é repensar o tipo de acolhimento


linguístico que se deverá ofertar para essas pessoas tão fragilizadas pelas agruras da diáspora
forçada. A língua portuguesa não deverá ser item obrigatório e não deverá ser colocada de
forma impositiva e única (BIZON; CAMARGO, 2018). Assim, vejo que o PLAc é
potencialmente intercultural e decolonial, e deve atuar para abraçar e acolher o plurilinguismo
na sua diversidade linguístico-cultural em ambiente migratório.
Por conseguinte, para a pesquisadora Anunciação (2018), “é problemático transpor o
conceito europeu de língua de acolhimento para o contexto-brasileiro de migração e refúgio”.
Sem dúvida, estou de acordo com a autora, pois entendo que são realidades socioeducacionais
e culturais distintas e não podem ser, simplesmente, transplantadas devido aos diferentes
contextos. Além do que, há de se ter o cuidado na elaboração e execução de políticas
linguísticas que precisam estar afinadas com o diagnóstico real do lugar prospectado.
Em vista disso, reforço que o PLAc é uma área do conhecimento com abertura para
outros mundos no seu entorno, pois traz contribuições teórico-metodológicas e ressignifica
práticas das mais variadas matizes em conexão com os demais segmentos das ciências
humanas. Desse modo, a formação de docentes deve ser culturalmente sensível à questão
migratória com base na interculturalidade crítica, pois “não é possível conceber uma
experiência pedagógica desculturalizada, isto é, desvinculada das questões culturais da
sociedade” (CANDAU, 2008, p.13).
Em outros termos, concordo com a professora Candau, e acrescento que o sentido da
palavra interculturalidade, muitas vezes vem sendo utilizada e manipulada de forma
institucional, superficial e ausente de criticidade, pois blinda o “status quo” no tocante a
desigualdades estruturais que insistem em subalternizar e inferiorizar os sujeitos sociais.
Nesta mesma direção, afirma Freire, (1998): “é preciso primeiro que, os que assim se
encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito,
proibindo que este assalto desumanizante continue”. Portanto, não se pode prescindir das
pedagogias do oprimido e da autonomia (FREIRE, 1998;1997), na literatura que fundamenta
os estudos em PLAc.
Cabe destacar, ainda, que os novos fluxos migratórios do eixo Sul-Sul, constituem
uma categoria analítica na esfera dos estudos migratórios que instiga a reflexão numa
perspectiva decolonial. Isto quer dizer, que a partir dos estudos pós-coloniais
latino-americanos as colonialidades do ser (MALDONADO-TORRES, 2007) do saber
105

(MIGNOLO, 2018) e do poder (QUIJANO, 2005), precisam ser desconstruídas na


língua(gem).
Esse é o propósito de uma dissertação de mestrado em PLAc. Isto é, ouvir os
migrantes, reconhecer as suas línguas-culturas, tirá-los da invisibilidade, conhecer as suas
realidades e adentrar a academia para produzir epistemes outras que possam intervir na
sociedade para a solução dos problemas dos usos sociais da língua(gem).

4.2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA E SUAS ESPECIFICIDADES EM PLAc

Desse modo, a concepção de língua no âmbito do PLAc emerge da heterogeneidade


linguística constitutiva da própria língua que se insurge para o acolhimento democrático de
outras línguas-culturas e seus respectivos falantes. Portanto, a minha visão holística na área
da educação linguística aponta para a concepção sociointeracionista da língua em uso na
prática social em diversos contextos.
Ademais, segundo a pesquisadora Edleise Mendes: “defende-se o trabalho com a
língua em uso, o desenvolvimento de experiências situadas, nas quais o que está em jogo são
as ações que desenvolvemos na e com a língua que está sendo aprimorada”. (MENDES, 2015,
p.221). Esta afirmativa da autora é da maior importância pois na esfera do PLAc, a língua em
uso, também, é um ato de sobrevivência humana e salva literalmente vidas quando um
refugiado ou imigrante compulsório precisa verbalizar na língua do país receptor questões de
saúde como expressar uma dor ou uma doença que necessita de cuidados emergenciais.
Portanto, assume o lugar de língua humanitária.
Vê-se o PLAc, também, como recurso, devido a alta qualificação linguística das
pessoas no contexto de migrações internacionais (OLIVEIRA, 2013). A minha concepção
entende a língua como rizoma devido a horizontalidade das múltiplas capilaridades que
acessam diferentes línguas, desconstruindo hierarquias linguísticas num processo desafiador
de alteridade linguística. Percebo, também, o PLAc como língua pluricêntrica, pois está
presente nos 4 continentes afetados inexoravelmente pelo fenômeno das migrações
compulsórias. Desse modo, no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), o Brasil é um dos macrocentros e a cidade de Salvador um microcentro dentro da
lusofonia. Importa ressaltar, que o português brasileiro com suas naturais variações circula
fortemente na diáspora da geolinguística e é a língua de quem se dispõe a usá-la para os mais
diferenciados fins. Enfim, vejo a língua, também, como repertório, que cria e reproduz
106

práticas linguísticas por meio de vivências e experiências na interação com o outro e com o
mundo.
Sendo assim, o PLAc lida com as marcas emocionais, culturais e ideológicas
inscritas e circunscritas no contexto social do refúgio e de imigração compulsória,
diferenciando-se de outros contextos como Português como Língua Estrangeira - PLE;
Português Língua de Herança - PLH; Português Língua Materna - PLM; Português para Fins
Específico - PFE, dentre outros. Deste modo, a aquisição da língua portuguesa brasileira
como língua de acolhimento se dá num ambiente de maior pressão social e num curto tempo.
Em PLAc, “a proficiência na língua-alvo ultrapassa a motivação turística ou
acadêmica, interliga-se à realidade socioeconômica e político-cultural em que se encontra.”
(GROSSO, 2010, p.71). Um outro fator que a distingue das demais áreas está relacionada à
dificuldade que uma pessoa em condição de refúgio, normalmente tem para custear um curso
de português em Salvador, devido ao fator financeiro. Organizações Governamentais (ONGs),
pastorais de igrejas e as universidades têm assumido um papel da maior importância e
desenvolvido políticas linguísticas “in vivo” aquelas que emergem das comunidades, com o
objetivo de oferecer soluções para os problemas. Nesse sentido, geralmente são ofertados
cursos de extensão na modalidade presencial. Mas, devido a pandemia, têm sido ofertados
cursos on-line, porém, há o fator disponibilidade de tempo, visto que, o público-alvo do
PLAc, em sua maioria, está imerso em atividades precarizadas para conseguir sobreviver num
ambiente que não lhe é familiar.
É preciso considerar um outro fator de diferenciação no que se refere à construção de
materiais didáticos, eles deverão ser pensados a partir das necessidades e urgências reais dos
alunos migrantes e, em processo, de elaboração conjunta e colaborativa. Isto é, as migrações
compulsórias são atravessadas por intersecções que distinguem as pessoas entre si e essas
diferenças não deverão ser negligenciadas pelos mediadores. No entanto, há, na praça, as
publicações de alguns materiais didáticos direcionados ao contexto do ensino de Português
como Língua de Acolhimento, conforme seguem:
107

Figura 24 – Materiais Didáticos de PLAc: Pode Entrar, Vamos Juntos e Passarela.

Fonte: Acnur, 2015; Unicamp, 2020; Passarela (2020).

Sendo assim, temos, os livros “Pode Entrar”, uma das primeiras publicações da
ACNUR, 2015, o “Vamos Juntos”, publicado pela UNICAMP em 2020 e o PASSARELA,
publicado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2020, também disponível no site
da ACNUR. São recursos didáticos bem elaborados que podem ser utilizados e adaptados às
práticas pedagógicas e podem ser baixados gratuitamente pela internet no site
https://www.acnur.org/portugues/publicacoes, bem como no endereço de página
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/_vamosjuntos.php. A atual crise de COVID-19,
impôs o confinamento devido ao distanciamento social e as atividades educacionais foram
incorporadas ao ensino remoto emergencial, o que não contemplou a maioria dos estudantes,
pois não tem o equipamento e pode custear os gastos com internet.
Há, também, o Portal do Professor de Português Língua Estrangeira / Língua Não
Materna (PPPLE) um outro recurso pedagógico digital que foi criado de forma multilateral
como um potente instrumento de cooperação linguístico-cultural entre os Estados Membros
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Tem por finalidade oferecer à
comunidade de professores e demais interessados recursos e materiais por meio de unidades
didáticas para o ensino e a aprendizagem do português como língua estrangeira (PLE),
português língua não materna (PLNM) e, também, o português como língua de acolhimento
(PLAc).

4.3 OS GRANDES DESAFIOS DO PLAc-PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE


ACOLHIMENTO EM SALVADOR
108

O PLAc é uma área de estudos em desenvolvimento, que congrega diversos desafios


para a sua difusão e atuação. Precisa ser implementado dentro de uma política linguística de
estado com instrumentos eficazes e sensíveis à problemática do fenômeno da migração
internacional por refúgio.
Algumas ações são necessárias para avançar em diferentes frentes, a saber:
a) É imprescindível, mudar mentes e comportamentos, a fim de quebrar o
monolinguismo colonial e estrutural ainda entranhado nas formas de concepção de
língua e ensino;
b) Entender que esse movimento da língua portuguesa brasileira em língua de
acolhimento se constitui num “entrelugar” diverso e plural, caracterizado como
espaço de reflexão histórica sobre a formação multilíngue e multicultural do
português brasileiro, enquanto campo político de intervenção e transformação
social;
c) O PLAc precisa formar professores interculturais para promover práticas
pedagógicas decoloniais, a fim de potencializar o acesso às línguas de forma efetiva
e afetiva, bem como promover o engajamento crítico por meio da interculturalidade
crítica entre alunos e alunas e do entorno, para agir na sociedade;
d) A partir de políticas linguísticas “in vivo”, estabelecer interlocução por meio de
redes com a sociedade civil e autoridades estatais, para estimular a criação de
políticas públicas, em especial, políticas linguísticas “in vitro” que englobem um
Plano Nacional para as Migrações Internacionais, considerando as cadeias
interseccionais de opressões.
109

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa propôs, como objetivo geral, compreender quem são e quais as
características socioculturais e linguísticas possuem os refugiados e imigrantes compulsórios
em Salvador e como constroem os seus repertórios linguísticos nas interações de língua de
acolhimento.
No sentido de alcançar o objetivo geral, foi estabelecido um percurso
teórico-metodológico com objetivos específicos e respectivas perguntas norteadoras ou de
pesquisa que conduziram o presente estudo. Retomo as perguntas de pesquisa para maior
reflexão dos dados obtidos, bem como indico a que conclusão chegamos, como também os
possíveis questionamentos não abarcados por essa investigação e que poderão constituir em
subsídios para trabalhos futuros.
1) Quem são, o que fazem e quais as características socioculturais e linguísticas
possuem os refugiados e imigrantes compulsórios em Salvador?
Para responder a primeira pergunta foi estabelecido o seguinte objetivo específico:
Mapear quem são, o que fazem e quais as características socioculturais e
linguísticas possuem os refugiados e imigrantes compulsórios em Salvador.
2) De que forma os migrantes têm acesso a língua portuguesa brasileira e como
constroem os seus repertórios em ambiente de língua de acolhimento?
Objetivo específico: Identificar os modos de acesso à língua portuguesa brasileira e
a construção de repertórios pelos migrantes em ambiente de língua de acolhimento.
3) De que maneira o PLAc como mediador intercultural pode contribuir para a
inserção de falantes e suas línguas na sociedade local?
Objetivo específico: Discutir de que forma o PLAc como mediador intercultural
pode contribuir para a inserção de falantes e suas línguas na sociedade local.
4) De que forma uma pesquisa sobre o PLAc pode subsidiar ações para contribuir com
a implementação de políticas linguísticas e de estado nas estruturas federais,
estaduais e municipais?
Objetivo específico: Propor ações para subsidiar a implementação de políticas
linguísticas e de estado nas estruturas federais, estaduais e municipais.

Os dados foram obtidos por meio de procedimentos e instrumentos metodológicos,


que revelaram: foram mapeados 5 participantes, oriundos do Sul global, com características
110

socioculturais diferenciadas. Foi constatado que dos cinco participantes, apenas um não estava
trabalhando. Os quatro são trabalhadores autônomos. Apenas dois participantes estão com a
família em Salvador. Dois deles têm perspectivas de retornar ao seu país devido à
precarização do trabalho no Brasil e às condições financeiras. Quanto às características
linguísticas: três são bilíngues e apresentam situações de plurilinguismo e dois são
monolíngue, só fala a sua língua. Quanto ao quesito linguístico, é importante deixar registrado
que foram feitos contatos com outros migrantes plurilingues, porém eles não quiseram
participar da pesquisa. No trabalho de campo, foi observado situação de translinguismo.
Infere-se na questão 2: Foi identificado que o acesso a língua se dá, na sua maioria,
nas ruas, por meio da ajuda de amigos e compatriotas já residentes no país. Apenas um
colaborador fez curso de Português em Roraima. Os repertórios são construídos na prática
social cotidiana. Foi percebida a inserção de variantes locais na construção desses repertórios,
como palavras lexicais utilizadas no contexto do baianês.
Na questão 3, foi constatado que: O PLAc é uma ferramenta potentíssima,
independente, se utilizada em ambiente institucional ou informal. O grande diferencial é o
acolhimento do falante migrante e o reconhecimento de idiomas e culturas na prática social e
no ensino da língua, conforme apontaram os dados. Faz-se necessário dizer que o acolhimento
se dá na dinâmica do processo intercultural, pois na medida que há o interesse em acolher
essas pessoas ensinando-lhe a língua do país abrigador, há, de certa maneira, o olhar para o
outro diferente de si. Todos os participantes relataram o interesse e a paciência dos voluntários
em ensinar a língua, como também o desejo de trocar alguma palavras nas línguas dos
migrantes. Neste aspecto, o português popular adquiriu uma forte presença nessa interação.
É possível afirmar, na questão 4, que uma pesquisa como esta, a partir dos seus dados,
constituem elementos para criar ações no âmbito da sociedade civil para o alcance do PLAc,
não só nos espaços institucionais de educação, como também em espaços de entidades como
o Sindicato de Ambulantes ou Sindicato dos Senegaleses, entre outros. Os dados indicaram
ações de xenofobia, racismo, preconceito de gênero, precarização do trabalho, entre outros.
Desta maneira, os resultados apresentados revelaram pontos de extrema importância
que precisam ser considerados no sentido de criar ações efetivas para inserir migrantes
compulsórios, portanto, propomos:
- Ampliar a ação do PLAc no contexto da sociedade civil local, com a criação de cursos
gratuitos e ajuda de custo para deslocamento e alimentação, bem como cursos on-line;
111

- Criar interconexão entre entidades que atuam no âmbito das migrações, para dar
suporte em diferentes segmentos sociais, a fim de inserção laboral de migrantes na sociedade
soteropolitana;
- Fomentar a educação do entorno com relação a desconstrução de preconceitos e
discriminações às pessoas em situação de refúgio e imigração compulsória;
- Acionar os poderes públicos para legitimar ações que contemplem direitos e deveres
do público-alvo do PLAc;
- Proporcionar cursos de PLAc, através da Secretaria de Educação local e universidades,
para professores e técnicos de espaços educacionais nas cidades em que os filhos dos
imigrantes estejam matriculados;
- Criar estratégias para desenvolvimento e utilização das línguas próprias do fluxo
migratório como recursos no mercado das línguas;
- Criar ações culturais que envolvam os migrantes e a sociedade local, no sentido de
estabelecer trocas culturais;
- E demais ações que venham a ocorrer.
Em vista disso, este estudo não pretende esgotar os problemas que envolvem a alta
complexidade na esfera do PLAc, no contexto das migrações compulsórias, mas contribuir,
efetivamente, a partir dos resultados apurados.
Isto posto, é necessário elencar as limitações encontradas durante o percurso deste
trabalho, em tempos pandêmicos e de crise política ocasionada por um governo de
extrema-direita sem compromisso com o Estado Democrático de Direito:
- A pandemia, desencadeada pelo COVID-19, dificultou o acesso ao público migrante,
principalmente nas consultas on-line, pois as pessoas não estavam dispostas a atender para
esse fim diante do grave quadro de crise sanitária;
- A pandemia proporcionou abalos emocionais, diante dos riscos da própria existência,
como a perda de familiares e amigos, ocasionando bloqueios no meu sofrido processo de
escrita;
- Alguns migrantes, ao longo da segunda onda da pandemia, não atendiam aos contatos
telefônicos ou via rede social, provocando angústia a essa pesquisadora, por não saber se,
ainda, estariam vivos;
- Ao longo da segunda onda da pandemia, alguns migrantes não quiseram mais
participar do estudo, pois a prioridade era com a sobrevivência, com a vida;
112

- Foi muito difícil exercer a concentração e a concatenação de ideias para a escrita,


diante de todo o caos instalado.
Portanto, como resultado, penso que a dissertação cumpre o seu papel acadêmico,
social e político, mas há um longo caminho a ser trilhado e inúmeras possibilidades a serem
exploradas cientificamente. Quanto aos encaminhamentos futuros, sigo, agora, no doutorado,
expandindo e aprofundando esse conhecimento com a finalidade de cooperar para os estudos
linguísticos no campo da migração internacional compulsória.
113

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7 APÊNDICE 1

QUESTIONÁRIO DIASPÓRICO – (Diasporic Questionnaire)

Esse questionário é um instrumento de pesquisa de mestrado. Sua identidade será


mantida em sigilo e os seus dados serão analisados de forma conjunta aos dados dos demais
participantes. Ao responder esse questionário, você nos ajudará a analisar como a língua
portuguesa pode atuar como uma língua de acolhimento para a integração de imigrantes.
Desde já, agradecemos a sua participação.
This questionnaire is a master's research instrument. Your identity will be kept
confidential and your personal information will be analyzed together with the other
participants. When answering this questionnaire you will help us to analyze how portuguese
could act as host language and contribute for refugees and immigrants integration. We thank
you in advance for your participation.

Salvador, de 2021.

Concordo: Agree ( ) Não concordo: Not agree ( )

Nome / Name:

Cidade e país de origem / Birthplace – city and country:

Idade / Age:

Estado civil / Civil status:

Profissão / Profession or Occupation:

Tem filhos? / Do you have children?

( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Há quanto tempo você mora em Salvador? / How long have you lived in Salvador?

( ) 0 – 1 ano
( ) 1 – 3 anos
( ) 3 – 6 anos
( ) Há mais de 6 anos

Por que você saiu de seu país de origem? / Why did you leave your country?
126

( ) Guerra / War
( ) Perseguições religiosas / Religious persecution
( ) Perseguições políticas / Political persecution
( ) Desastres ambientais / Natural disasters
( ) Crise econômica / Financial crisis
( ) Outros / Other reasons

Você veio com a sua família? / Did you come with your family?
( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Quais integrantes da sua família vieram com você? / Which members of your family
came with you?

- Esposa/marido / Wife/Husband
- Filhos / Sons/daughters
- Irmãos / Brothers/sisters
- Pais / Parents
- Outros / Other members

Caso tenha filho(s), qual a idade deles? / If you have children, how old is she/he now?
( ) Menos de 3 anos / Less than three years old
( ) De 4 a 7 anos / From four to seven years old
( ) De 8 a 13 anos / From eight to thirteen years old
( ) De 14 a 18 anos / From fourteen to eighteen years old
( ) Acima de 18 anos / Over eighteen

Ao chegar em Salvador, onde você foi acolhido? / When did you arrive in Salvador,
where did you stay?

( ) Casa de abrigo governamental / The government shelter house


( ) Casa de abrigo de instituições religiosas / Shelter house of religious institutions
( ) ONGs - Organizações não governamentais (NGO non-governmental organizations)
( ) Casas de amigos / Friends' house

Você continua morando neste lugar? / Are you still live in this place?

( ) Sim / Yes ( ) Não / No


Se não, em qual bairro você mora agora? / If not, in which neighborhood you live now?

Quanto tempo você permaneceu em abrigos ou casas de amigos até passar a viver por
conta própria? / How long did you stay in shelters or friend 's house until live on your
own?
( ) Menos de 1 ano / Less than a year
( ) De 1 ano a 3 anos / From one to three
( ) Mais de 3 anos / Over three years

Você está trabalhando? / Are you working?


( ) Sim / Yes ( ) Não / No
127

Se sim, qual o tipo de trabalho? / If yes, what kind of your work?

( ) Por conta própria / On its own


( ) Fui contratado / Employed
( ) As duas opções acima / The two options above

Quanto tempo você levou para começar a trabalhar desde quando chegou a Salvador? /
How long did it take to start working since when did you come to Salvador?
( ) Menos de 1 ano / Less than a year
( ) De 1 a 3 anos / From one to three years
( ) De 3 a 6 anos / From three to six years
( ) Não estou trabalhando / I am not working

Se estiver trabalhando, o seu trabalho atual corresponde à sua profissão? / If you are
working your current job corresponds to your profession?

( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Quantos trabalhos você já teve ou exerceu desde quando chegou? / How many Jobs did
you have since you arrived in Salvador?

( )1 ( )2 ( )3 ( ) 4 a mais / 4 or more

Após quanto tempo trabalhando em Salvador você conseguiu voltar a exercer a sua
profissão? / After how long working in Salvador you were able to return to exercise your
profession?

( ) Menos de 1 ano / Less than a year


( ) De 1 a 3 anos / From one to three years
( ) De 3 a 6 anos / From three to six years
( ) Mais de 6 anos / Over six years
( ) Não exerço a minha profissão aqui / I do not practice my profession here

Caso tenha filhos, eles frequentam a escola ou a universidade? / If you have children,
are they studying at school or at university?

( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Você pretende estudar em alguma universidade aqui em Salvador? / Do you intend to


study at university here in Salvador?

( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Seus filhos estão se adaptando ou se adaptaram bem à Salvador? / Your children are
adapting or have they adapted well in Salvador?

( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Você gosta de Salvador? / Do you like Salvador?


128

( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Se sim, o que você mais gosta em Salvador? / If yes, what is like best in Salvador?

( ) O clima / The climate


( ) A beleza natural / The natural beauty
( ) O povo / The people
( ) A cultura - música, comida, danças, comemorações típicas etc / The culture - music,
dance, the food, the typical parties

Você tem intenção de voltar a morar em seu país? / Did you intend to live again in your
country?
( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Do que você sente mais falta do seu país de origem? / What are you miss the most of
your origin country?

( ) Familiares e amigos / Relatives and friends


( ) Cultura / Culture
( ) Rotina e hábitos / Routines and habits
( ) Locais e Paisagens / Places and landscapes
( ) Clima / The climate
( ) Comida / Foods
( ) Outros / Other things

Você tem contato com outras pessoas de seu país de origem que também moram aqui em
Salvador? / Do you have contact with other people of your origin country that live here
in Salvador?
( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Qual é a sua língua materna? / What is your mother tongue?

Qual é a língua oficial de seu país de origem? / What is the official language of your
country?
( ) Espanhol / Spanish
( ) Inglês / English
( ) Francês / French
( ) Português (Portugal) / Portuguese (from Portugal)
( ) Mandarim (Chinese)

Quantos idiomas você fala? / How many language do you speak?

( )1 ( )2 ( )3 ( ) Mais de 3 / More than three

Você fala ou entende a língua portuguesa (Brasil)? / Do you speak or understand


brazilian portuguese?

( ) Sim / Yes
129

( ) Um pouco / A little bit


( ) Não, não entendo / No, I don’t understand it

Você teve aulas de português quando chegou a Salvador? / Did you have any class when
you arrived in Salvador?

( ) Sim / Yes ( ) Não / No

Se não, como você aprendeu a falar ou entender a língua portuguesa? / If you didn’t
have it, how did you learn to speak or understand brazilian portuguese?

( ) Com os funcionários das casas de abrigo onde fui acolhido(a) / With the employees of
the shelters house.
( ) Nas ruas / On the streets.
( ) Com o trabalho / At my job.
( ) Com os meus filhos / With my children.
Foi ou está sendo difícil aprender o português? / Was hard or Is been hard to learn
portuguese?

( ) Sim, acho o português um idioma difícil de se aprender. / Yes, I think portuguese is a


difficult language to learn.
( ) Um pouco, no início. / A little, at the beginning.
( ) Não. Tenho/tive facilidade em aprender o idioma. / No. It was or it’s being easy for me
to learn.

Em quais atividades você sente mais dificuldade em falar português? / With which
activities do you have more difficult to speak portuguese?

( ) Trabalho / At work
( ) Burocracias / Bureaucracies
( ) Relações sociais / Social relationships
( ) Necessidades básicas / Basic needs

Você já tinha estudado português antes de chegar ao Brasil? / Had you already studied
portuguese before arrive in Brazil?

( ) Sim, tive aulas particulares. / Yes. I had particular classe


( ) Sim, fiz curso em centro de idioma. / Yes. I took a course in a language center
( ) Sim, na universidade. / Yes, at the university
( ) Sim, estudei sozinho. / Yes, I studied alone
( ) Não, nunca tinha estudado. / No, I had never studied

Você consegue se comunicar nas ruas de Salvador com o idioma oficial de seu país? /
Can you communicate on the streets of Salvador with your official language?

( ) Sim, quase sempre. / Yes, I almost Always.


( ) Às vezes. / Sometimes.
( ) Não consigo. / I can not.
130

Você se comunica ou já se comunicou em uma língua que não fosse o português nem o
seu idioma aqui em Salvador? / Do you communicate or did you already communicate
with people here in Salvador in other language?

( ) Sim, com frequência. / Yes, frequently.


( ) Sim, poucas vezes. / Yes, few times.
( ) Não, nunca. / No, never.

Se sim, quais? / If yes, which ones?

( ) Espanhol / Spanish
( ) Inglês / English
( ) Francês / French
( ) Mandarim / Chinese
( ) Iorubá
( ) Quimbundo
( ) Outros: _________________

Você se sente acolhido(a) em Salvador? / We will welcomed?

( ) Sim, me sinto bem acolhido. / Yes, I feel welcomed.


( ) Me sinto um pouco acolhido. / I feel a little welcomed.
( ) Não, não me sinto acolhido. / No, I did not welcomed.

Se não, por que você não se sente acolhido? / If not, why do not you feel?
___________________________________________________________________

__________________________________________________________________

Para você, o que é acolhimento? Como seria se sentir acolhido em uma cidade fora de
seu país de origem? / How you describe been welcome? How is been welcomed in a
foreign city/country?
___________________________________________________________________

Sente identificação com Salvador? Com quais características de Salvador você se


identifica? Existe semelhanças entre a cultura de Salvador e a de sua cidade natal?
/ Do you feel identified with Salvador? With which Salvador’s characteristics do you
feel identified? There is similarity between Salvador’s culture and your birthplace’s
culture?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Em uma escala de 1 a 5, quanto você acha importante fazer aulas de português em


131

Salvador? (1 - não é importante / 5 - é muito importante) / On a scale between one to


five, how important is have portuguese class in Salvador for foreign people?

1 | 2 | 3 | 4 | 5

Em uma escala de 1 a 5, o quanto saber falar português contribui para a sua integração
social e adaptação na cidade? / On a scale between one to five, how much know to speak
portuguese contribute for your social integration and adaptation in the city?

1 | 2 | 3 | 4 | 5
132

APÊNDICE 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PESQUISA: O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO - (PLAc) EM


CARTOGRAFIAS CRÍTICAS MULTILÍNGUES: REPERTÓRIOS DE REFUGIADOS E
IMIGRANTES EM SALVADOR.

PESQUISADORA: ILMA TELES DE MENEZES DA LUZ

ORIENTADOR: PROF.DR.GILVAN MÜLLER DE OLIVEIRA

Prezados Participantes,

Eu, Ilma Teles de Menezes da Luz, pesquisadora e estudante do Programa de


Pós-Graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia – UFBA, matrícula nº
218126469, sob a orientação do Prof.Dr.Gilvan Müller de Oliveira, convido-o(a) a participar
desta pesquisa.

O presente estudo pretende investigar o Português como Língua de Acolhimento


(PLAc) na Cidade de Salvador e como essa língua pode ser uma ferramenta linguística para a
inserção social de migrantes compulsórios. É importante saber sobre vocês, quais dificuldades
atravessam em Salvador, o que fazem para se comunicar, utilizando a língua portuguesa
brasileira no cotidiano. Portanto, a sua opinião é de muita importância para esse trabalho. A
participação é voluntária para responder ao Questionário Diaspórico. Sinta-se à vontade para
não responder o que não quiser.

Deixo claro que todos os participantes da pesquisa receberão uma via do termo de
Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Além disso, ressalto que os dados gerados serão
armazenados por no máximo 5 anos, em arquivo pessoal sob responsabilidade desse
pesquisador e do seu orientador. Ademais, todos os arquivos serão anonimizados. Depois de
publicada e, se você tiver interesse, pode ver os resultados da pesquisa.

Esclareço também, que não haverá nenhuma taxa, custo ou despesa para você em
qualquer fase do estudo e não terá nenhum tipo de pagamento ou compensação financeira pela
sua participação. Dessa forma, agradeço a sua participação nessa pesquisa dando ciência e
acordo.

Ciente e de acordo com o que foi exposto eu, _________ _______, autorizo
____________a minha participação nesta pesquisa, assinando este termo de consentimento
em duas vias. Acrescento que solucionei todas as dúvidas possíveis com a pesquisadora
responsável, Ilma Teles de Menezes da Luz, sobre os objetivos desse estudo, os métodos que
133

serão usados, não recebi pagamento ou cobrança, da divulgação dos resultados na área de
pesquisa/ensino e a garantia de que todos os dados pessoais serão secretos, além de poder
desistir em qualquer momento sem ter nenhum prejuízo. Reforço que em nenhum momento
fui obrigado(a) ou intimidado(a) para colaborar com a pesquisa.

Salvador, de de 2021.
Assinatura do participante.

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