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INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA - PPGLinC
Salvador
2022
ILMA TELES DE MENEZES DA LUZ
Salvador
2022
ILMA TELES DE MENEZES DA LUZ
Banca examinadora:
_______________________________________________________________________
Professor Orientador: Dr. Gilvan Müller de Oliveira (PPGLinC /UFBA)
_______________________________________________________________________
Examinadora Interna: Dra. Terezinha Oliveira Santos (PPGLinc/UFBA)
_______________________________________________________________________
Examinadora Externa: Dra. Letícia Telles da Cruz (UNEB)
Ao meu maior exemplo de coragem e amor pela vida:
Minha mãe, Hildete Teles.
AGRADECIMENTOS
Esse é o momento mais reconfortante dessa caminhada. Agradeço às muitas mãos que me
acolheram e me encaminharam para que eu chegasse até aqui.
Agradeço a Deus, pela existência e proteção diária.
A minha mãe, Hildete Teles de Menezes Dias, minha eterna fonte de inspiração.
A Tainá Corongiu e a Rafael Corongiu, meus filhos queridos, pela compreensão e apoio.
Aos meus familiares que, direta ou indiretamente, contribuíram nessa jornada.
Ao meu orientador, o Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira, pela paciência e compreensão
durante o curso.
As professoras da banca de qualificação, por indicarem as orientações para o aperfeiçoamento
desta pesquisa.
As professoras da banca de defesa, Dra.Terezinha Oliveira Santos (PPGLinC/UFBA) e Dra.
Letícia Telles da Cruz (UNEB), por aceitarem o convite para avaliação do meu trabalho e
pelas orientações propostas para a sua conclusão.
Aos colegas do Núcleo de Estudos em Língua, Cultura e Ensino (LINCE), pela troca de
conhecimentos e experiências.
Em especial, quero agradecer a querida Profa. Edleise Mendes, por todo o carinho e incentivo
durante o curso e, por mostrar-me os caminhos do Português como Língua de Acolhimento
(PLAc), que foi uma paixão, à primeira vista, e se tornou uma responsabilidade intelectual,
social e política.
Aos colegas de mestrado da turma 2018.1, denominada “As Vozes do Sul”, agradeço
imensamente pelas alegrias compartilhadas, bem como pelo afeto e empatia nos momentos
difíceis. Em especial, a Melissa Barbosa pela troca e cumplicidade na escuta.
Não poderia, também, deixar de agradecer aos amigos Amanda Santiago, Edna Oliveira e
Robson Moraes pela parceria e incentivo antes e durante o curso.
Por fim, agradeço aos participantes da pesquisa pela confiança e disposição em colaborar para
a realização desse trabalho acadêmico.
“O que tem que ser tem muita força, tem uma força enorme”.
(GUIMARÃES ROSA, J. Grande Sertão: Veredas, 2006).
“Daí que, estabelecida a relação opressora, esteja inaugurada a
violência, que jamais foi até hoje, na história, deflagrada pelos
oprimidos. Como poderiam os oprimidos dar início à violência, se eles
são o resultado de uma violência? Como poderiam ser os promotores
de algo que, ao instaurar-se objetivamente, os constitui? Não haveria
oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma
como violentados, numa situação objetiva de opressão. Inauguram a
violência os que oprimem, os que exploram, os que não se
reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não
são reconhecidos pelos que os oprimem como outro. Inauguram o
desamor, não os desamados, mas os que não amam, porque apenas se
amam. Os que inauguram o terror não são os débeis que a ele são
submetidos, mas os violentos que, com o seu poder, criam a situação
concreta em que se geram os “demitidos da vida”, os “esfarrapados do
mundo.”
RESUMO
ABSTRACT
Thousands of people in refugee and forced displacement situations have come to Brazil in
recent years, due to serious human rights violations resulting from wars, economic instability,
environmental disasters, political and religious persecution, among others. The new migratory
flows (BAENINGER, 2018) have moved from the traditional South-North route to the
South-South axis. A significant contingent of refugees and forced immigrants has arrived in
Salvador, Bahia’s capital, even though it is not a border town. That is due to the Brazilian
Government's interiorization strategy, supported by the United Nations High Commissioner
for Refugees (UNHCR). This dissertation aims to understand the immigration process in
Salvador, to give the immigrants some visibility, to verify how they live, what sociocultural
characteristics they hold and how they build their linguistic repertoires. Furthermore, it
investigates how Portuguese as a Host Language in multilingual and multicultural contexts
can be an effective intercultural tool for the integration and social inclusion of immigrants in
Salvador’s society. This study is based on the conceptions of Indisciplinary Applied
Linguistics (MOITA LOPES, 2006) and Transgressive Applied Linguistics (PENNYCOOK,
2006), as well as on Freire’s writings, the pedagogy of the Autonomy and of the Oppressed
(FREIRE, 1998; 1997), and on the Expanded Linguistic Education (CAVALCANTI, 2013).
The Portuguese as a Host Language’s theoretical framework is based on (GROSSO, 2010;
AMADO, 2011; BIZON, 2013; LOPEZ, 2016; SÃO BERNARDO, 2016; ANUNCIAÇÃO,
2018; DINIZ; NEVES, 2018). This study uses a qualitative-interpretive approach (DENZIN
and LINCOLN, 2006; BORTONI-RICARDO, 2008) and an ethnographic approach
(ERICKSON, 1981; LÜDKE AND ANDRÉ, 1996). Instruments were used for collecting,
generating and analyzing the data. The results showed how relevant for forced immigrants’
emancipation and autonomy the access to the Portuguese language is. The absence of
institutionalized language and public policies articulated to the legal framework for the
transnational migrations context was also observed. Therefore, this research practiced its
academic and social role, contributing to the state policy implementation with
interconnections in the federal, state and municipal spheres. That may offer more dignity for
people in moral indigence and migratory vulnerability situations, which were aggravated by
the global covid-19 crisis and the serious political and economic crisis that devastates the
country.
RÉSUMÉ
RESUMEN
Palabras clave: Portugués como Lengua Anfitriona - (PLA). Inmigración Forzada. Refugio.
LISTA DE FIGURAS
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 17
1.1 PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA............................... 19
1.1.1 Área Epistemológica Circunscrita a Pesquisa...................................................... 22
1.1.2 Cenário da Pesquisa e Perfis Socioculturais e Linguísticos dos Participantes.. 22
1.1.3 Geração e Análise dos Dados da Pesquisa............................................................ 26
2 SALVADOR, “TERRITÓRIO” ONDE CIRCULAM MUITAS LÍNGUAS:
UMA BREVE DESCRIÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DA CIDADE E DE SEU
POVO....................................................................................................................... 31
2.1 CARTOGRAFIAS MULTILÍNGUES NA HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS PO-
PULACIONAIS EM SALVADOR: COSTURAS E ENTRELAÇAMENTOS....... 50
3 A CIDADE DE SALVADOR NA COLÔNIA E NO IMPÉRIO: SITUAÇÃO
DE “MULTILINGUISMO GENERALIZADO” DOS POVOS INDÍGENAS,
PORTUGUESES E AFRICANOS......................................................................... 55
3.1 A IMIGRAÇÃO, OS IMIGRANTES E AS SUAS LÍNGUAS PÓS 1850 E NO
SÉCULO XX............................................................................................................. 88
3.2 REFUGIADOS E IMIGRANTES COMPULSÓRIOS COM AS SUAS LÍN-
GUAS-CULTURAS: CAPITAL LINGUÍSTICO NO SÉCULO XXI.................... 92
4. PLAc E SUA CAPILARIDADES RIZOMÁTICAS.......................................... 101
4.1 OS VENTOS QUE TROUXERAM O PLAc PARA O BRASIL........................... 102
4.2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA E SUAS ESPECIFICIDADES EM PLAc............... 105
4.3 OS GRANDES DESAFIOS DO PLAc-PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE A-
COLHIMENTO EM SALVADOR......................................................................... 107
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 109
6. REFERÊNCIAS.................................................................................................... 113
7. APÊNDICE 1......................................................................................................... 125
APÊNDICE 2......................................................................................................... 132
17
1 INTRODUÇÃO
1
É preciso alertar o leitor desta dissertação que, ao longo do texto, será percebida a alternância de pessoa do
discurso. Faço isso intencionalmente para marcar minha implicação com os meus interlocutores da pesquisa e
para demarcar meu posicionamento político. Alerto ainda que a presença da primeira pessoa do discurso não tira
o rigor acadêmico-científico desta investigação.
19
planejamento tende a ser bastante flexível, pois é necessário considerar os mais variados
aspectos relativos ao fenômeno estudado.
É fenomenológica porque está lastreada em bases filosóficas, uma vez que o seu
objeto se constitui de fenômenos humanos cercados de subjetividade e vicissitudes. Portanto,
questiona o “status quo” instituído, social e politicamente, e tensiona o pesquisador a não
assumir uma postura de neutralidade, uma vez que as suas crenças, seus valores e a sua
própria existência não podem estar apartados de si. Ainda sobre o espectro da fenomenologia
como esclarece Gil (2019), a pesquisa fenomenológica parte do cotidiano, da compreensão do
modo de viver das pessoas. Esse método afirma que a realidade não é algo objetivo, mas
entendida como o que emerge da intencionalidade da consciência diretamente para o
fenômeno. Isto equivale a dizer que, a primeira regra é “avançar para as próprias coisas”, para
o fenômeno, para o que é visto diante da consciência.
Nesse sentido, a pesquisa fenomenológica embasa a pesquisa qualitativa, portanto, o
presente estudo é qualitativo, interpretativista e de cunho etnográfico. É qualitativo porque
envolve seres humanos, suas culturas e línguas situadas no tempo-espaço, representados pelos
refugiados e imigrantes compulsórios. De acordo com Denzin e Lincoln (2006), o tipo de
pesquisa qualitativa possibilita a criação de um espaço interdisciplinar, transdisciplinar, e aqui
acrescenta-se a insurgência que atravessa as humanidades e as ciências sociais. Esses estágios
do conhecimento estão postos como requisitos irrevogáveis em uma pesquisa científica com a
temática da migração compulsória. Deste modo, estabelecer diálogos com outros campos do
conhecimento relacionados ao objeto deste estudo é primordial sob o ponto de vista,
acadêmico e intelectual.
Assim sendo, a pesquisa qualitativa é revolucionária e traz para o campo de
investigação uma visão multiparadigmática, como também é uma atividade situada que
localiza a observação-participante, método de investigação da pesquisa qualitativa
(BRANDÃO, 1984), lançando-a no campo de ebulição dos fenômenos humanos. Ademais,
possui um conjunto de atividades interpretativas que não privilegia nenhuma prática
metodológica em relação a outra. Ao mesmo tempo, trata-se de um espaço inerentemente
político e influenciado por múltiplas visões de mundo.
Partindo das práticas materiais que possibilitam interpretações e visibilizam o
fenômeno estudado, foi utilizado o processo de coleta de dados por meio do
instrumento “Questionário”, o qual designo como “Questionário Diaspórico” para conhecer
pessoas e experiências empíricas correlatas no espaço sensível da diáspora, bem como foi
21
utilizado com cuidado métodos observacionais de campo. Desta forma, Telles (2002) afirma
que há mais interesse pelas qualidades do que pelos números de fenômenos, os quais, na
maioria das vezes, não evidenciam a pluralidade da dimensão humana. É importante destacar
que, mesmo com as possibilidades deste método, nenhum método é autossuficiente para
apreender e compreender todas as variações tênues das experiências vivenciais.
A perspectiva interpretativista é de grande importância no processo da pesquisa, pois a
linguagem constitui o mundo por meio dos seus falantes, visto que, ao agirem nas suas
práticas sociais enunciam sentidos e, também, são constituídos por ela. Como esclarece Moita
Lopes (1994), na abordagem interpretativista, não é possível ignorar a visão dos participantes
da vida social, já que é esta que o determina. Para esse autor, os múltiplos significados que
constituem as realidades só são passíveis de interpretação. Cabe ressaltar, portanto, a
afirmação de Bortoni-Ricardo quanto “a capacidade de compreensão do observador está
enraizada em seus próprios significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um
agente ativo”. (BORTONI-RICARDO, 2008, p.32).
Avançando em torno dessas considerações, esta pesquisa utiliza o método de cunho
etnográfico para adentrar ao fenômeno e olhá-lo “de dentro”, bem como estreita a relação com
ele. Segundo Cançado (1994), a etnografia é literalmente a descrição de culturas ou de
grupos de pessoas que são percebidas como portadoras de certo grau de unidade cultural. É
um método muito utilizado em antropologia e enquadra-se em um paradigma qualitativo e
interpretativista de pesquisa. No entanto, Lüdke e André (1986) sinalizam para os cuidados e
preocupações que se deve ter quanto ao processo de transferência da etnografia na perspectiva
antropológica para a área da educação, tendo em vista as adaptações que devem ser
percebidas. Deste modo, essa pesquisa é de cunho etnográfico porque considera alguns
critérios da etnografia, pois mira elementos etnográficos e não a etnografia estrita, na sua
essência.
Por conseguinte, sociólogos, linguistas aplicados, educadores e psicólogos sociais têm
se interessado e utilizado muito esse método. Certamente, é possível afirmar que estes
cientistas sociais perceberam a importância de se estudar o comportamento humano de forma
empírica, no chão da vida, ou seja, no seu contexto social. Desta forma, seguindo as etapas
metodológicas, e de acordo com Erickson (1987), existem duas fontes principais de se obter
um corpus, que são: “olhar” e “perguntar”. “Olhar” refere-se a várias técnicas de observação
existentes, como anotações de campo, gravações de áudio e vídeo (e subsequentes
transcrições). “Perguntar” refere-se à utilização de questionários mistos, entrevistas
22
razão dos muitos atrativos que o local oferece em termos de beleza natural, festas tradicionais,
o carnaval, o clima, as praias, a música, a dança, a culinária, as pessoas e suas culturas, a
diversidade linguística e de tantas outras características. A demografia local tem sido
expandida com a entrada de novos fluxos de migrantes compulsórios, devido ao processo de
globalização e internacionalização de economias alterando a geopolítica mundial.
Os refugiados e imigrantes compulsórios chegam à cidade de Salvador, por diversas
formas, mas recentemente, tem sido significativa a entrada pelas fronteiras do norte do país
via o processo de interiorização, do programa Operação Acolhida, que é uma força-tarefa
logística e humanitária executada e coordenada pelo Governo Federal, que tem o apoio de
agências da ONU - Organização das Nações Unidas e instituições da sociedade civil. Várias
nacionalidades constituem a migração compulsória em Salvador, com as presenças mais
expressivas de africanos e venezuelanos. Há, também, haitianos, sírios, chineses, e mais
recentemente, de afegãos entre outras nacionalidades. Os diversos grupos populacionais de
migrantes que chegam à cidade e se encontram com outros residentes locais, formam um rico
e farto mosaico linguístico-cultural que torna Salvador um lugar peculiar para a construção de
uma pesquisa sobre a língua portuguesa que se reconfigura para acolher falantes e suas
línguas-culturas.
O processo de exploração do ambiente pesquisado, iniciou-se durante o primeiro ano
de mestrado em 2018, quando já me perguntavam se havia migrantes em refúgio na cidade, e
se a minha pesquisa era exequível. Diante disso, a resposta sempre foi positiva porque eu já os
encontrava nas ruas do centro e nos bairros periféricos. A partir de 2019, comecei
efetivamente o trabalho de campo. Por esta razão, o ano de 2018, é considerado como marco
temporal da pesquisa. O segundo semestre de 2019 e os primeiros meses de 2020, foram
períodos de observação a distância e posterior aproximação com possíveis participantes. Em
março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou o estado de pandemia da
COVID-19, uma crise sanitária e humanitária de grandes e inesperadas proporções que parou
o mundo. Devido a este fato, durante esse ano, o trabalho de campo foi prejudicado.
No segundo semestre de 2021, após o início do processo de vacinação, os contatos
com os participantes foram retomados, porém não foram mais encontradas as pessoas que já
estavam prospectadas como participantes, pois elas não respondiam aos chamados. Foi
necessário reiniciar novas conversações e traçar outros perfis dos participantes, os quais,
mencionamos no quadro que segue:
24
Sendo assim, foi definido o número de cinco participantes, o que é adequado para uma
pesquisa de abordagem qualitativa, que admite poucos colaboradores, pois cada um é único
no mundo, ou seja, uma pessoa histórica e culturalmente situada no tempo-espaço e, por isso,
deve ser considerada na pluralidade da sua existência. Eles possuem características
socioeconômicas e culturais diferenciadas e foram identificados com os nomes das respectivas
cidades de origem. Na sua maioria, são homens negros, de nacionalidade africana,
senegaleses, que vieram sozinhos para o Brasil e, posteriormente, para Salvador. São
trabalhadores ambulantes e estão na faixa etária de 20 a 45 anos. Eles possuem o equivalente
ao ensino médio incompleto. Um outro grupo de participantes são mulheres, procedentes da
Venezuela, casadas, na faixa etária de 30 a 50 anos, uma exerce o trabalho doméstico e a outra
é profissional autônoma no comércio. Os homens e mulheres ouvidos na pesquisa, possuem
perspectivas diferenciadas com relação às expectativas de vida em Salvador.
Para um maior entendimento sobre os participantes da pesquisa, seguem alguns dados
levantados:
1) Mbour - Está há 3 anos no Brasil e há 2 anos reside em Salvador. Entrou no Brasil via
Roraima. Veio sozinho, tem dois filhos que ficaram no Senegal. O motivo da vinda foi
pela busca de melhores condições de vida, já que na sua cidade as condições
socioeconômicas são muito restritas, visto que o Senegal tem um dos piores IDH-
Índice de Desenvolvimento Humano. Ele é ambulante e vende roupas masculinas.
Obteve o visto de residência e não o de refugiado por ser integrante de migração
laboral. Sua língua oficial é o francês e a língua materna é o wolof. Não fez curso de
português, aprendeu pouco a língua no contato com falantes locais. Pretende voltar
para o seu país no próximo ano, pois a situação financeira piorou, está tendo prejuízo
25
nas vendas, não ganha mais dinheiro para viver na cidade e nem fazer remessas para a
sua família que está no Senegal. Frequenta uma associação de senegaleses no
Pelourinho, local onde encontra os compatriotas. Relatou que foi bem acolhido em
Salvador.
4) Tuy – Está há 3 anos no Brasil e em Salvador há 1 ano. Tem 47 anos, é dona de casa,
mãe de 3 filhos (duas mulheres: uma de 30 e outra de 26 anos, e um rapaz de 28 anos).
Saiu do seu país devido a grave situação financeira e econômica. Veio só com uma
filha e o neto de 6 anos. Entrou no país por Roraima e ficou em abrigos naquela
cidade. Veio para Salvador através do programa de interiorização, da Operação
Acolhida do Governo Federal. Relatou que foi bem recebida na cidade, gosta muito da
cultura, mas não gosta de acarajé. Não vai ficar em Salvador, as condições de trabalho
não são muito boas e vai migrar para o Rio Grande do Sul onde tem amigos
venezuelanos instalados e com melhores condições de trabalho. Sente muita saudade
do seu país, apesar da situação atual. Fala espanhol, sua língua materna. Não fala
26
outros idiomas. Não teve aulas de português e fala pouco e não consegue se comunicar
bem quando sai as ruas da cidade. Ela considera a língua portuguesa difícil, diz que é
muito importante estudar o português para se integrar à cidade. Ouviu a proposta do
PLAc e falou que dessa maneira a língua fica mais fácil de ser entendida. Se sente
acolhida pelas pessoas, que considera humanitárias. Para ela, ser acolhida é ser tratada
como membro de uma família. Não percebe muita identificação da cultura local com a
do seu país, mas gosta das praias porque lembram as praias da sua cidade, na
Venezuela.
5) Anzoátegui - Tem 46 anos, é casada e possui 2 filhos. Veio com a família e chegou a
Salvador pelo programa de interiorização da Operação Acolhida, do Governo Federal.
Trabalha como autônoma num pequeno negócio e seu marido trabalha num mercado.
Saiu do seu país devido à crise financeira e econômica e pela restrição de liberdade.
Era assistente administrativo, porém não tinha perspectiva de crescimento na empresa.
Seus filhos têm 11 e 14 anos, respectivamente, estão estudando e relataram um bom
acolhimento por parte da escola, apesar dos problemas de comunicação entre as
línguas. Pretende estudar mais a língua portuguesa e frequentar uma universidade. Fez
curso de português em Roraima e seus filhos desenvolveram a língua mais
rapidamente e ensinam para ela. Eles não querem voltar para Venezuela, gostam da
cidade de Salvador e já fizeram amizades no local. Salvador é um bom lugar, apesar
da violência que existe em todos os lugares, pontuou. Sente acolhida pelas pessoas, e
para ela a palavra acolhimento representa um afago ou um incentivo como “tamos
juntas”. Ela disse gostar muito da cultura e dos lugares, principalmente, o Pelourinho.
Sua língua materna é o espanhol e não fala outras línguas. Considera importantíssimo
estudar a língua portuguesa para atender às suas necessidades de comunicação e
integração local, bem como crescer profissionalmente em outras áreas. Reportou um
preconceito vivido no norte do país, quando ao procurar um emprego doméstico, lhe
foi dito que era muito bonita para a ocupação, o que lhe causou estranheza, pois para
ela associar a beleza da mulher para qualquer tipo de trabalho é preconceito de gênero.
triangulação metodológica a base para cada instrumento aplicado. Para Cançado (1994), a
triangulação teórica implica o uso de várias perspectivas de diferentes análises do corpus, isto
porque quanto mais abrangente for a triangulação, mais confiáveis serão os dados obtidos.
Desta maneira, foi feita a opção pelo processo de triangulação dos dados nesta pesquisa,
visto que contempla as várias técnicas para validação dos dados coletados. No entanto, para
Davidson (2005), mesmo com uma diversidade de métodos, é preciso analisar os dados em
conjunto e chegar a conclusões levando-se em consideração o todo e não apenas métodos
individuais. Em seguida, há a etapa da categorização para a análise comparativa dos dados e
resultados.
Sendo assim, foram empregadas várias técnicas, para construção do trilho
metodológico:
Observação à distância – Observação estruturada no entorno do fenômeno – Plano de
aproximação do entorno e dos participantes – Observação-participante - Aplicação do
questionário diaspórico de dados – Triangulação e análise dos dados – Categorias –
Resultados (GIL, 2019).
Inicialmente, foi realizada observação à distância, para análise dos diversos ângulos
sobre o espaço onde ocorria o fenômeno. A etapa seguinte foi a observação estruturada no
entorno do fenômeno, planejada previamente, que permitiu a essa pesquisadora ativar vários
sentidos com o mister de captar o maior número possível de aspectos relativos à realidade em
volta do fenômeno e os consequentes reflexos sobre os participantes, em alguns casos, não
percebidos por eles. Isto quer dizer, detalhes que chamavam a atenção das pessoas, a exemplo
do vestuário. Foram várias idas aos locais pesquisados e diferentes modos de observação:
observação à distância; observação estruturada no entorno do fenômeno e
observação-participante no locus do fenômeno. Todas essas observações foram registradas no
caderno de notas de campo da pesquisadora. Na sequência foi estabelecido um plano de
aproximação do entorno e dos colaboradores como preparação para aplicação do questionário
diaspórico. Feito isso, foi aplicado o referido instrumento e atendidas algumas das perguntas
centrais preestabelecidas. Demais respostas surgiram espontaneamente na conversa dialogada.
Em seguimento, foram feitas interpretações críticas dos dados e realizada a
triangulação a partir dos instrumentos do questionário diaspórico, bem como das observações
exploratórias à distância e as observações estruturadas no campo. Esta pesquisadora, como
uma construtora bricoleur, procurou interpretar os dados de forma crítica, reflexiva e
decolonial. Com base em Kincheloe (2006), a bricolagem é uma forma de fazer ciência que
28
Durante a coleta de dados, alguns migrantes mostraram, mesmo sem ser pedido,
documentos como o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) e a carteira de sindicato de
ambulantes e mencionaram também inscrição no SUS evidenciando a integração jurídica. Ou
seja, direitos sociais respaldados na Lei de Migração 13.445 publicada em 24/5/2017. Há de
se ressaltar, que tais garantias não são asseguradas na prática. Sendo assim, a maioria dessas
pessoas são ambulantes porque não encontraram melhores condições de emprego.
Dessa forma, vendem os seus produtos no centro da cidade, mais precisamente, na
Piedade, no camelódromo que dá acesso à estação de metrô. Esse mesmo centro da cidade é
um espaço tradicionalmente de trabalho informal, e foi temática de tese de doutorado,
defendida na França por um dos maiores geógrafos sociais do mundo, o baiano Milton Santos
(SANTOS, 1958). Com base na afirmação de Jubilut, Lopes e Silva (2018), o idioma é um
dos obstáculos para a entrada no mercado de trabalho formal e constitui-se num ponto
positivo para empregadores inescrupulosos que negam direitos trabalhistas e se recusam a
assinar a carteira de trabalho.
Deste modo, além do subemprego, dois desses participantes relataram as dificuldades
financeiras que estão atravessando, pois a crise econômica no país associada à crise sanitária
do covid-19, os impedem de auferir dinheiro necessário à sua sobrevivência e de fazer as
transferências de numerários, a fim de manter as suas famílias no exterior. É evidente a
relação de poder, de opressor e oprimido, a coisificação de seres humanos (FREIRE, 1997).
Por conseguinte, faltam políticas públicas concretas, apesar do expresso na Lei de
30
Salvador é uma cidade onde circulam muitas e diferentes línguas e culturas, não só
pela sua genealogia linguística, como, também, pela potencialidade e atratividade turística. O
32
Com base nessas percepções, os professores e atuantes de PLAc, têm uma tarefa
hercúlea e complexa para enfrentar os desafios propostos e os que poderão advir. Desse modo,
os problemas serão enfrentados a partir do diálogo intercultural, conforme observa Papisca:
O mapa acima evidencia a localização de Salvador, que está fincada numa península
de formato triangular na entrada da Baía de Todos os Santos, ao oeste e, ao leste, o Oceano
Atlântico. A cidade integra a Zona da Mata da Região Nordeste do Brasil, na faixa litorânea,
com área territorial de 693,453km². Possui clima tropical atlântico e tem o maior litoral
urbano do país, pois inclui a Baía de Todos os Santos, a mais extensa do mundo em volume
35
intenso de visitantes ocorre no verão, estação recheada de festas tradicionais populares que
atraem milhares de pessoas não apenas das cidades do interior da Bahia para a capital, bem
como de outros lugares do Brasil e do mundo. É a cidade do Carnaval, a maior festa
plurilíngue de rua do planeta e um dos principais ativos do turismo local. Em 2020, a
Secretaria de Cultura da cidade registrou o número de 16,5 milhões de pessoas nas ruas da
capital. A movimentação econômica para o ano supracitado foi da ordem de 1,8 bilhões de
reais, com a disponibilidade de 215 mil vagas temporárias de emprego, para esse período.
Salvador tem outros tipos de turismo, por exemplo, o náutico, o empresarial e o
religioso. Este último, por sua vez, pela dimensão histórica que representa, uma vez que a
cidade possui 372 igrejas católicas, bem como templos de religião de matriz africana e demais
religiões que atraem milhares de turistas com as suas variedades linguísticas.
Importa destacar que Salvador produz e respira artes nas suas múltiplas modalidades,
sendo condição para disseminar encantamentos e fascínio por este local. Para fazer uma
pequena descrição de sua gente, suas crenças, suas cores e culturas, é possível buscar
inspiração nos versos dessas canções: “São Salvador, Bahia de São Salvador, a terra de nosso
senhor, do nosso senhor do Bonfim pedaço de terra que é meu”. “Nessa cidade todo mundo é
d'Oxum. Homem, menino, menina, mulher, toda gente irradia magia presente na água doce,
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presente na água salgada e toda a cidade brilha. A força que mora n’água não faz distinção de
cor”. “Salvador, Bahia, território africano, baiano sou eu, é você, somos nós uma voz de
tambor”. São composições dos autores baianos, na sequência: Dorival Caymmi (1960),
Gerônimo Santana e Everaldo Calazans (1986) e Saulo Fernandes (2013), que desvela esse
chão.
Desta forma, Salvador traz, na sua essência, um povo que é multicultural, multirracial
e multiterritorial, é uma cidade que abraça povos de diferentes nacionalidades e naturalidades
fazendo com que línguas, culturas e identidades circulem nos seus territórios. Sendo assim, o
prefixo multi está associado às características antropológicas dos seus habitantes, nas suas
formas de ser, existir, de enunciar e de territorializar. Como expressam os versos das letras
acima mencionados, é a terra do sagrado, dos orixás, das comunidades mais diversas e
materializadas em suas linguagens. Nesse caminhar, é importante a posição conceitual do
geógrafo Rogério Haesbaert (2007), no que concerne às relações socioespaciais, quando
afirma que a multiterritorialidade é um poder simbólico de apropriação do espaço:
Desse modo, a cidade de Salvador é um local que constitui múltiplos territórios que
irão abrigar imigrantes em situação de vulnerabilidade num processo de territorialização. Eles
chegam, na sua maioria, sozinhos ou com alguns poucos familiares, e mudam a paisagem da
cidade com os seus corpos, suas línguas, culturas e identidades. Um grupo é enquadrado na
categoria jurídica de refugiados, conceitualmente definida pela Convenção do Estatuto dos
Refugiados de 1951:
afastamento de pessoas de suas casas e dos espaços de convivência dos centros urbanos,
denotando um preconceito linguístico e de classe.
Desse modo, essas pessoas tornam-se refugiados(as) em suas próprias cidades.
Convém lembrar que Salvador como toda grande metrópole, também, vivenciou um processo
de gentrificação no Pelourinho, área histórica e turística da cidade numa nítida perspectiva de
cidade-mercado com supressão do direito de ir e vir.
Esse é um ponto de convergência na questão migratória internacional, pois os
migrantes que aqui chegam são direcionados para as extremidades do município.
Nesse sentido, o direito à cidade é um direito humano e constitucional, e deve
possibilitar tanto a nacionais quanto a imigrantes compulsórios a livre circulação de seus
corpos, de suas línguas, vestuários, dentre outros elementos culturais nos espaços urbanos.
O termo direito à cidade foi proposto pelo filósofo marxista francês Henri Lefebvre e
significa na afirmação do autor:
O direito à cidade se manifesta como uma forma superior dos direitos: o direito à
liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra
(à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à
propriedade) estão implicados no direito à cidade. (LEFEBVRE, 2008, p. 134).
Importa destacar, também, para a origem antropológica do povo de Salvador, uma vez
que é genealogicamente racializado, pois a sua população tem origem em três matrizes
distintas: indígenas, africanos e portugueses que juntos resultaram no “povo-novo”,
denominação dada por Darcy Ribeiro (1983). Para esse autor, houve um processo de
desindianização dos indígenas, desafricanização do negro e da deseuropeirização do branco
por vez que já não era eminentemente europeia, nem africana e nem indígena. No entanto,
demais europeus como franceses, holandeses, ingleses e povos de outras nacionalidades
transitaram pela cidade e compuseram a linhagem brasileira desde o início da colonização e,
ao longo dos tempos, pautada na herança biológica, linguística e cultural.
Não há dúvidas que o fenômeno da escravização que perdurou no país por 300 anos,
foi decisivo na formação do povo soteropolitano, bem como na formação da língua
portuguesa brasileira. Um contingente estimado de 5 milhões de africanos chegaram ao país
involuntariamente, portanto a primeira migração compulsória no Brasil se deu entre os
séculos XVI e XIX. Isso fez com que o país fosse o maior receptor de escravizados africanos
do mundo (VIANNA, 2015). Naquele período, Salvador e a Bahia, como um todo, foram os
locais de maior densidade negra, constituindo uma maioria de afrodescendentes frente aos
índio-descendentes e euro-descendentes.
Sendo assim, não se pode dar passos nessa pesquisa sem refletir criticamente as
questões cruciais das relações étnico-raciais que atravessam e constituem as línguas e culturas
presentes no tecido social das estruturas de poder e que marcam as subjetividades existenciais
do povo que habita essa cidade. Dessa forma, estão incluídos, nesse universo, não só os
nascidos que residem no local, como também, os imigrantes compulsórios que chegam de
países africanos e que são público-alvo do Português como Língua de Acolhimento (PLAc).
Em face ao exposto, Salvador, também conhecida como a “Roma Negra”, recebeu, no
último recenseamento do IBGE (2010), o título de cidade mais negra fora da África. Segundo
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), 2018, 8 em cada
10 moradores da capital se autodeclararam de cor preta ou parda. O IBGE (2010) – último
censo realizado no país - classifica a categoria negros como pretos mais pardos. Nesse estudo,
se observou que o crescimento da população parda é natural e esperado por causa do processo
de miscigenação da população ao longo do tempo, porém, um dos motivos do aumento do
número da população preta ocorre com a autodeclaração, pois não há dados quanto a taxa de
fecundidade da população preta em relação a outros grupos.
À luz dessas constatações, não se pode dissociar as questões étnico-raciais das
42
É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é Framengo. Chamam
a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a
presença desse r no lugar do l nada mais é que a marca linguística de um idioma
africano, no qual o inexiste. Afinal, quem que é o ignorante? Ao mesmo tempo,
acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais,
que condensa você em cê, o está em tá e por aí afora. Não sacam que tão falando
pretuguês. (GONZALEZ, 1988, p. 69).
Figura 4 – Mapa de distribuição espacial da população segundo cor ou raça (pretos e pardos)
IBGE:2010
aceitação dos corpos tão marcados, vigiados e castigados historicamente, os quais carregam a
responsabilidade da memória ancestral. As informações censitárias representadas nesse mapa
constituem fontes para traçar intervenções no status quo, pois demonstram um contingente
populacional brasileiro, baiano e soteropolitano (nascidos em Salvador), majoritariamente
negros (pretos e pardos), escancarando o déficit em termos de oferta de serviços públicos que
garantam cidadania a essas pessoas. Devido a pandemia, não foi realizado o censo em 2020, o
que subestima o número de afrodescendentes em dados atuais.
A descoberta do pertencimento negro, cada vez mais latente e assumido, na sua grande
maioria, não só pela juventude, como também, pelo processo de maturação e concepção
efetiva do tonar-se negro, do qual também me percebo em essência e corporeidade, possibilita
um resgate das origens e ancestralidade. Nesse deslocamento subjetivo, ecoa as palavras da
médica e psicanalista baiana Neusa Santos Souza, na introdução do seu célebre livro
Tornar-se Negro, quando diz:
interconexões entre a escrita e a vida. Nesse sentido, o linguista Bagno (2017), afirma que,
por meio de estudos da sociolinguística, há diferença entre a escrita masculina e feminina.
Avançando em torno dessa afirmação, e por ser uma mulher e pesquisadora negra,
afirmo, também, que há diferenças acentuadas no tocante à escala de privilégios entre as
intelectuais brancas e negras e suas pesquisas dentro das academias.
Trata-se, pois, da escrita negra acadêmica marcada pela carga emocional das cicatrizes
de violência e subalternização seculares. Portanto, para Conceição Evaristo (2005), “a nossa
escrevivência não pode ser lida como histórias para ninar os da casa grande e sim para
incomodá-los em seus sonos injustos”.
Com base nas afirmações da pedagoga negra Nilma Lino Gomes (2017), o movimento
negro educador, a partir do ano 2000, reelaborou a sua estratégia de ação para políticas
públicas sociais específicas que abarcassem a raça, em função do racismo desenvolvido
historicamente.
Segundo Hall (2003), conceitualmente:
espaços vazios de direitos, onde habitam as “vidas nuas” que não estão sob o abrigo jurídico
(AGAMBEN, 2004) e privadas dos lugares da vida, do direito à cidade desvelado pelo
racismo estrutural e estruturante anti-vidas, anti-culturas, anti-línguas.
Sendo assim, além de todas as mazelas de uma metrópole de país periférico, do Sul
global, a cidade de Salvador continua atrativa para migrantes voluntários nacionais e
transnacionais que aqui chegam, são bem recebidos e se estabelecem, mas a parcela de
migrantes internacionais compulsórios não é tão bem recebida, devido a “mixofobia” o medo
irrefreável de misturar-se com o diferente de si (BAUMAN, 2017. p. 15).
Acresce a isso, o espírito artístico presente por toda a cidade, pois a capital baiana
respira e produz artes com as mais variadas linguagens. Há uma frase criada pelo colunista
social Zózimo Barrozo do Amaral que ficou muito difundida pelo Brasil, ele diz “baiano(a)
não nasce, estreia”. Sob esse cenário, a cidade se coloca em destaque mundial através da
música, literatura, cinematografia, gastronomia e arquitetura, entre outros.
A sua música transnacional e criativa com diversos ritmos e acordes descortina ao
mundo grandes compositores, além dos citados no início do texto. Entretanto, um ritmo
popular se destaca como preferência mundial característico não só de Salvador como do
estado da Bahia: é o Samba e as suas variantes, originário do povo preto. O Samba de Roda,
uma das vertentes, foi gerado no Recôncavo Baiano, mais precisamente em 1860, de origem
africana, cuja dança está ligada ao culto dos orixás, caboclos, e à capoeira. Acompanhado de
atabaques, chocalhos, viola e um embalo ao soar das palmas, foi reconhecido pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio cultural e imaterial
desde 2004 e, em 2005, por seu estilo musical e coreográfico recebeu o título de obra prima
da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO).
Sendo assim, todo esse caldo cultural que brota da Capital da Música, título
internacional concedido a primeira capital brasileira como “Cidade da Música”, em 2015, e a
terceira brasileira a fazer parte da “Rede de Cidades Criativas, da Unesco, internacionaliza a
cidade, sua gente, culturas e línguas.
É, também, um chamariz para receber milhares de pessoas de diferentes localidades,
que, em Salvador, se encontram, fortalecendo a diversidade e o multilinguismo tão
característico do local.
A partir desse território ricamente diversificado e cultural, a língua portuguesa
brasileira se revigora no tempo-espaço como língua de acolhimento humanitária para acolher
50
A Educação linguística crítica é, para mim, a que está atenta aos alunos e às alunas
em suas identidades, sabendo que se trata de identidades sociais, sejam elas de raça,
de gênero, de classe social e de muitas outras categorias, e que estão interagindo em
sala de aula ou seja, ensinar a língua inglesa, ou outra língua adicional, perpassa por
esse entendimento (FERREIRA, 2018, p. 45).
[...] que procede das práticas sociais e outra da intervenção sobre essas práticas. A
primeira, que denominaremos de gestão in vivo, refere-se ao modo como as pessoas
resolvem os problemas de comunicação com que se confrontam cotidianamente. [...]
isso não tem nada a ver com uma decisão oficial, com um decreto ou uma lei: tem-se
aqui, simplesmente, o produto de uma prática. [...] outra abordagem dos problemas
do plurilinguismo ou da neologia: a do poder, a gestão in vitro. Em seus laboratórios,
linguistas analisam as situações e as línguas, as descrevem, levantam hipóteses sobre
o futuro das situações linguísticas, propostas para solucionar os problemas e, em
seguida, as políticas estudam essas hipóteses e propostas, fazem escolhas, as
aplicam. (CALVET, 2007, p. 12).
francesa cujo expoente foi Michel Chevalier que, por meio da sua produção literária publicada
na década de 1830, delimitava o território latino e a sua gente denominando-a como “raça
latina”, pertencente a um grupo etnolinguístico indo-europeu de línguas itálicas procedentes
do latim.
A França defendia a hegemonia de países europeus de origem latina, isto é, Europa
Latina frente aos anglo-saxões sobre a América. Posteriormente, em 1856, o termo América
Latina foi utilizado pelo filósofo chileno Francisco Bilbao e pelo escritor colombiano José
María Torres Caicedos, em seu poema “Las dos Américas” (As duas Américas, em
Português). Desta forma, a concepção de América Latina foi imposta por um padrão de
civilização europeia meridional no hemisfério Sul, católico e latino que, ao mesmo tempo,
marcou as ausências étnico-político-linguístico-cultural dos índios e africanos na primeira
fase colonial, fase que se expande até a contemporaneidade, como atesta Mignolo (2007).
Segundo os estudos da socióloga e historiadora baiana Paraíso (2005), contrariamente
ao que atesta a historiografia canônica, a migração de povos para a América ocorreu bem
antes das invasões espanholas e portuguesas. Nesse sentido, estima-se que, no período
anterior a 12 mil anos, o percurso migratório não se deu apenas pelo Estreito de Bering. Isto
quer dizer, de um único povo que se deslocou a partir de um único ponto. Os novos estudos e
dados arqueológicos analisam que diversos povos e, não apenas um, ao longo do tempo
usaram trajetos distintos, embrearam-se pela América portando as suas diferentes línguas,
culturas e modos de existências.
Sob essa perspectiva, havia organizações sociais funcionalmente sofisticadas e
hierarquizadas como os Maias, Astecas e Incas, possuidores de um manancial de
línguas-culturas ameríndias. O Nahuatl é a língua dos Astecas e o Quiché dialeto Maia, ambas
são originárias da Mesoamérica. O Quéchua oriundo dos Andes, da região do antigo Império
Inca, o Yawalapíti da região Amazônia e o Guarani procedente do Sudeste e Sul do Brasil,
noroeste da Argentina, Bolívia e Paraguai.
O mapa que segue dimensiona geograficamente o rico universo multilíngue com as
mais conhecidas línguas ameríndias e a quantidade de falantes no continente:
58
reafirmar que não comporta mais considerar o termo “descobrimento” do Brasil, plasmado
incorretamente no imaginário social e nos livros didáticos, reiterados por práticas pedagógicas
conservadoras e acríticas.
Assim sendo, é necessário problematizar a linearidade da história canônica, isto é, o
perigo de uma história única (ADICHIE, 2019). No compasso desse pensamento, a escola
historicista do início do século XX, por meio do filósofo e historiador alemão Wilhelm
Dilthey (1883-1911), quem introduziu a metodologia às ciências humanas, quando afirmou
que era possível fazer ciência dos fenômenos humanos com rigor e validade. Ele confrontou o
positivismo e inaugurou a filosofia da vida, da historicidade humana, “da vida vivida”. O
autor trouxe para a ciência o que não está no mundo natural, mas está no mundo do espírito e
da cultura e, por isso, foi muito criticado por alguns dos seus pares. Para ele, os
acontecimentos humanos constituem a História, portanto, têm valores, significados, intenções,
temporalidades e não são universais.
Para esse pesquisador, a palavra-chave das ciências humanas e, portanto, da História,
não é a explicação (Eklärung), pois esta pertence ao conhecimento natural, mas é por meio da
compreensão (Verstehen) que se chega aos outros (o não eu) com as suas distintas
manifestações.
Face ao exposto, mergulhar no passado histórico da cidade de Salvador, é trazer à tona
o pensamento desse historiador sem anacronismo e sem o intuito de deslocar essa
argumentação teórica do objeto da pesquisa, mas refletir, a partir do passado histórico, o
momento presente de profunda crise política e axiológica que o nosso país está imerso,
principalmente, com relação aos ataques que as ciências humanas vêm sofrendo, com as
tentativas de deturpação, falsificação ou silenciamento de eventos históricos.
Diante disso, o professor indiano da Universidade de Londres Sanjay Seth (2013)
afirma que, ao se escrever ou reconstruir os fatos históricos, é preciso despontar para a “crítica
da razão histórica” (proposta por Dilthey em contraposição a crítica da razão prática de Kant),
não por um viés imperialista e nem por leis categóricas do pensamento racional universal,
pois são diminutos e limitantes, mas olhar para as humanidades através das línguas e de seus
falantes. Isto é, reconhecer os diferentes povos e suas tradições, com os distintos “modos de
raciocínio”, e fazer, não só da escrita da história, mas da oralidade da história, uma prática
ética (HAMPATÉ BÂ, 2003, p.325).
Nessa direção, é importante destacar as contribuições do filósofo Dussel (1993) sobre
a origem do “mito” da modernidade na sua obra 1492, “O Encobrimento do Outro”. Ele
60
estabeleceu como marco simbólico o ano de 1492, para instauração do sistema-mundo, dos
estados-nações modernos. Isto é, uma pseudo-modernidade que se deslocou da periferia para
o centro a partir de invasões a vários continentes, como a invasão das américas (espanhola e
portuguesa), instituindo, assim, o colonialismo por meio do encobrimento do outro, de uma
lógica binária de subalternização, expropriação e apropriação de tecnologias, saberes e força
produtiva que se reifica com a colonização de indivíduos, línguas e culturas.
Desta forma, à época da invasão, viviam os povos originários, por volta de um milhão
de pessoas, que foram encobertas e dizimadas. De acordo com o linguista Aryon Rodrigues
(1986), havia no Brasil colônia 1.175 línguas indígenas, e, nos primeiros 500 anos de
colonização, foram exterminadas 1.000 línguas, um verdadeiro genocídio linguístico. Os
povos originários eram e são os reais e únicos protagonistas históricos do solo brasileiro, com
os seus sistemas sociais e linguísticos estabelecidos.
Importante ressaltar que o termo “índio”, comumente usado até os dias atuais, é
inapropriado. Segundo alguns relatos, foi nomeado a partir de um erro geográfico, pois os
portugueses pensaram que haviam chegado às Índias orientais, portanto, batizaram por
“índios” os povos ocupantes do novo mundo. Um outro equívoco, é a homogeneização do
termo como se não houvesse diferenças étnicas, culturais e linguísticas entre os povos
denominados como indígenas. Assim, Daniel Munduruku, escritor indígena, da etnia
Munduruku diz que: “ninguém pode ser chamado de “índio”, mas precisa ser reconhecido a
partir de sua gene Munduruku, Kayapó, Yanomami, Xavante ou Xucuru-Kariri, entre tantos
outros”.
Dessa maneira, a cidade de Salvador, no século XVI, respirava esse “multilinguismo
generalizado” por meio dos diversos troncos linguísticos étnicos, a exemplo dos Tupi da costa
que ocupavam todo o litoral e, consequentemente, de parte da Bahia. Havia, também, os
Macro-Jê e outros grupos atinentes às famílias dos botocudos, Maxakali, Kamakã e Pataxó.
Uma outra etnia que residia no entorno da baía era os Tapuia, expulsos pelos opositores, os
Tupinaé, também, banidos pelos Tupinambá que saíram das margens do rio São Francisco e se
instalaram em Salvador.
Cabe ressaltar, que a cidade de São Salvador da Baía de Todos os Santos, foi o
segundo núcleo português da Capitania da Bahia, o anterior foi a Vila Pereira. Salvador, foi
fundada em 29 de março 1549, quase cinquenta anos após a conquista. O português Tomé de
Souza, primeiro governador-geral do Brasil, desembarcou numa localidade que hoje é o Porto
da Barra, localizado na orla marítima da cidade. Ele iniciou a construção da cidade-fortaleza.
61
primórdios do Brasil, por meio das cartas jesuíticas de Padre Manuel da Nóbrega, José de
Anchieta, Frei Vicente do Salvador, Pero Magalhães Gândavo, Hans Staden e outros.
Um outro etnólogo alemão de nome Curt Unkel, mais conhecido por Curt
Nimuendaju, sobrenome batizado pelos indígenas da etnia Apapokuva-Guarani, que, em
tradução livre, significa: “aquele que constrói a sua própria morada”, foi considerado por
Hebert Baldus, como um dos maiores indigenistas de todos os tempos e pioneiro nos estudos
linguísticos, devido a um trabalho hercúleo e de grande estatura para os estudos indígenas que
durou 40 anos, também baseado em historiografias anteriores. Curt Nimuendajú, revelou no
seu mapa Etno-histórico e Países Adjacentes, editado em 1942, a existência de
aproximadamente 1.400 povos indígenas em mais de 500 rios, com suas línguas e respectivas
culturas, no território brasileiro na pré-invasão.
Em meados de 1938, Curt Nimuendaju veio a Salvador para um grande encontro com
o tupinólogo Frederico Edelweiss, a maior autoridade da língua autóctone no Brasil. Por duas
semanas, eles conversaram sobre a dialectologia tupi e a riquíssima biblioteca etnológica do
professor da faculdade de filosofia da Universidade Federal da Bahia, com suas obras: Tupis e
Guaranis: caráter da segunda conjugação tupi e estudos tupi-guarani. Posteriormente, o
pesquisador foi para o Sul da Bahia, a fim de desenvolver projeto de estudos, subsidiado pela
universidade da Califórnia, para observação dos descendentes dos Tupinaki da família dos
Tupiniquim, os kamakã e os pataxó, que, para a surpresa do pesquisador, já estavam
abandonando a língua e cultura original.
63
Figura 9 – Fotografia das Expedições de Curt Nimuendajú (ao centro) pelo Brasil.
Fonte: Lopo Homem, Pedro e Jorge Reinel (cartografia) e Antônio de Holanda (iluminuras), “Terra Brasilis”,
Atlas Miller, c. 1519, fl. 5. Paris, Biblioteca Nacional da França.
O mapa acima, a título de ilustração, delineia pontos de extração do pau brasil por toda
faixa litorânea, no século XVI. Os colonizadores empregavam uma política do resgate para
obter a confiança dos indígenas e ofereciam bugigangas, e quinquilharias em troca dos seus
serviços, principalmente, na derrubada e no transporte do produto. Essa mercadoria
proporcionou a rentabilidade dos navegantes e dos primeiros colonos que aqui se instalaram
nos idos de 1503. Apesar de toda exploração da mão de obra indígena, é importante
desconstruir o “mito” de que os aborígines na América lusa se limitaram a assistir a ocupação
das terras pelos portugueses sofrendo passivamente os efeitos da colonização. Trata-se, pois,
de uma inverdade, haja vista os relatos da época, reafirmaram que, nos limites das suas
possibilidades, os autóctones lutaram arduamente pelas terras, pela segurança e pela liberdade
que lhes foram arrebatadas isocronicamente.
Naquele mesmo ano, a expedição francesa denominada Paulmier de Gonneville
chegou ao Brasil, grandes concorrentes dos portugueses na exploração do produto na costa
brasileira. Desse modo, estabelecia-se os primeiros contatos entre a língua francesa e as
66
Figura 11 – Imagem colorizada da cidade de Salvador e o seu porto, de John Ogilby, da ilustração Urbs Salvador,
publicada em 1671, na obra Arnoldus Montanus.
Um outro aspecto relevante e que teve grande impacto no multilinguismo local foi o
ingresso de centenas de africanos que chegaram via porto de Salvador devido ao tráfico
negreiro para a Bahia. A paisagem étnica e linguística foi alterada com as várias etnias e
diferentes línguas que aportaram via operações casadas, ou seja, recebiam escravizados e
embarcavam o tabaco ou outros produtos agrícolas para portos portugueses, africanos e
asiáticos.
Mesmo com índice alto de mortalidades no transcorrer das viagens marítimas, não foi
pequeno o número de pessoas que, através do porto de Salvador, passaram ou ficaram, de
várias nacionalidades, línguas e culturas, formando um verdadeiro carrossel linguístico.
Avançando na pesquisa, foi detectado que o desenvolvimento interno da indústria
naval via navegação fluvial como estratégia para os transportes de madeiras provocou a
hibridização do multilinguismo ribeirinho. Sendo assim, as rotas deveriam explorar o interior
dos rios Paraguaçu e São Francisco. A tripulação deveria ser composta por colonos e por
nativos das mais variadas línguas da terra, mas com predominância da língua tupinambá,
língua materna desse grupo indígena e estabelecida como interlíngua da costa (SILVA NETO,
1979), para que fossem estabelecidos os contatos linguísticos e elaborados os relatos das
expedições que eram financiadas pelo governo português.
68
Tomando por base a costa brasileira, Ribeiro (1975), em Culturas e línguas indígenas
do Brasil, teria feito um cálculo de 1 milhão de tupinambás, que se localizavam nesse espaço,
antes do “achamento” de Portugal. No entanto, atualizando os seus estudos sobre o povo
brasileiro, o mesmo autor, requalifica esse dado para 5 milhões de indígenas.
Como verificado, historiograficamente, o multilinguismo brasileiro e soteropolitano
nos seus primórdios caracterizava-se por uma acentuada pluralidade linguística e cultural
indígena, além da língua portuguesa do colonizador, dos africanos e de outros invasores, a
exemplo das línguas francesa, holandesa, dentre outras. Para Freire (1998), a língua sempre
foi um fator desafiante para os colonizadores, pois, ao tentar estabelecer os primeiros contatos
com os indígenas, perceberam que o acesso à língua seria condição sine qua non de
sobrevivência, principalmente, pela extensa diversidade linguística. Era fator primordial
assegurar as implementações das estratégias de exploração de todo o projeto colonial. Várias
etnias viviam no litoral baiano e com elas uma profusão de dialetos, como: camaçãs,
gongoiós, crancaiós, nagoiós, maracás, anaiós, caiapós e tupiniquins.
A capitania da Bahia era essencialmente habitada por povos Tupinambás, numa
extensão que ia de Camamu passando por Salvador até Sergipe. Esses grupos indígenas
viviam em grandes malocas, isto é, uma unidade multifamiliar que abriga comunidades
indígenas, dos mais velhos aos mais novos. Cada grupo ou tribo tupinambá constituíam-se de
6 a 8 malocas. Elas possuem importância fundamental como locais para realização de grandes
rituais e cerimônias. Cabe pontuar que os termos “maloca” e “maloqueiro” adquiriram
conotação pejorativa na língua portuguesa quando traduzidos como local de moradia para
pessoas de baixa renda e pessoas de maus hábitos, respectivamente.
Nesse sentido, insisto na questão histórica porque há um desconhecimento difuso da
axiologia linguística das línguas que formaram o português brasileiro e que servem de lastro
para a concepção do PLAc. Segundo o IBGE (2020), a população residente nas malocas era
em torno de 200 indivíduos, mas podiam chegar a 600, levando em consideração que muitos
eram plurilingues.
De acordo com a pesquisadora baiana Paraíso (2005), não se sabe ao certo quantos
indígenas viviam em Salvador, pois não havia controle demográfico. Ela estima que existiam
centenas deles, mas muitos foram mortos por transmissão de doenças infecciosas vindas do
outro lado do Atlântico, por meio dos colonizadores, sucumbindo, assim, a moléstias como
gripes, sarampo, disenterias e, na sua maioria, por varíola. Esse fato, se repete na pandemia do
covid-19, com a morte de milhares de indígenas, jogados à própria sorte por negligência de
69
texto o mapa etno-histórico da área da Bahia, publicado pelo IBGE e apresentado no VIII -
Encontro Nacional de Geógrafos (2016):
dos tupi na faixa litorânea de Salvador e nas margens do Rio São Francisco.
As línguas e culturas dos “povos testemunhos” (RIBEIRO, 1975), chamados assim,
porque o autor, ao utilizar essa classificação, se refere as etnias, “as indianidades”, que
influenciaram acentuadamente as diversas áreas que constituíram a formação social brasileira.
No campo linguístico, essas línguas formam um vasto repertório do léxico e das
toponímias. Várias palavras que foram incorporadas à língua em uso no português brasileiro
têm origem tupi, a exemplo de: caatinga (ca-aá-t-enga = o mato ralo), jacaré (jaeça-caré = o
que olha de banda), ipê (casca de árvore), capoeira (mata secundária), Itiruçu (= morro
grande, cidade do interior da Bahia), Cabuçu ( = vespa grande, local de praia no município de
Saubara, Bahia), Saubara ( = comedor de formigas, município da Bahia), Itapuã ( ita = pedra,
puã= choro, gemido, bairro de Salvador), Itacaranha = peixe de pedra, bairro de Salvador) e
tantos outros.
O Multilinguismo pujante sempre se fez presente na história do Brasil e, em especial,
da cidade de Salvador, como retratou o padre jesuíta português Fernão Cardim, no seu
Tratado da Terra e Gente do Brasil (1980), nos escritos originais durante a sua estadia pelo
país.
Partindo dessas considerações, a historiografia sobre as línguas declaradas por Fernão
Cardim (1980) no seu minucioso tratado, constituiu-se em mais um valioso documento para o
Brasil do século XVI.
Sem dúvidas, as missões religiosas tiveram importância crucial para o sucesso da
empreitada colonial, no tocante à colonização linguística dos povos e dos territórios
conquistados. Com isso, toda estrutura montada alicerçava-se em critérios geopolíticos e
linguísticos e estava subordinada a Lei do Padroado ou jus patronatus, que organizava e
instituía as relações entre igreja e estado com regras bem determinadas, nas quais, concediam
regalias aos reis ibéricos.
De acordo com Mattos e Silva (2008), a coroa portuguesa estava sob o jugo desta lei e
tinha como dever proteger a igreja e cooptar fiéis de novos mundos invadidos. A lógica
colonial era pautada na verdade e na tarefa de fé e poder. Utilizavam a cristianização para
dominar, colonizar e salvar os povos através da obediência, que era um dos valores essenciais
na trama de despersonalização e subjugação dos povos encontrados no Brasil.
A língua portuguesa europeia, naquele momento, operava através de diversos gêneros
textuais como cartografias geográficas (mapas), crônicas missionárias, tratados, diários de
viajantes ou “literatura de viagem”. Para Florestan Fernandes (1975), as crônicas são fontes
73
ricas de pesquisa das culturas originárias do Brasil, com destaque para o modus operandi dos
tupinambás, emissores da língua geral. Porém, é necessário alertar que esses gêneros textuais
eram escritos por europeus para europeus. Eles descreviam de forma inusitada e
preconceituosa o “novo mundo”, pois estabeleciam correlações esdrúxulas entre os nativos
que aqui viviam e suas próprias crenças, construíram uma ideia pejorativa dos habitantes
locais internalizando em suas memórias. Nasciam, aí, os preconceitos, a raça inferiorizada, as
discriminações, a escala hierárquica de valores humanos, enfim, a “modernidade” fincava os
seus métodos cruéis.
Uma das mais curiosas narrativas foi a de Pedro Magalhães Gândavo (2008),
historiador já mencionado nesse texto, professor, cronista e gramático que, em 1570, escreveu
o Tratado da Terra do Brasil com o objetivo de incentivar a emigração portuguesa, relatando
as potencialidades do país quanto a fauna, a flora, os habitantes indígenas e seus exóticos
costumes, a organização administrativa das capitanias e, principalmente, ressaltando os
recursos econômicos do país como chamariz para a vinda da população pobre portuguesa no
intuito de povoar as terras brasileiras.
Desta forma, o historiador Gândavo (2008), no seu livro descreve e associa o espírito
combativo dos tupinambás à língua. Isto quer dizer que a língua deste gentio toda pela costa é,
uma: carece de três letras, não se acha nela nem F, nem L e nem R, coisa digna de espanto,
pois assim não têm FÉ, nem LEI, nem REI e, desta maneira, vivem sem justiça e
desordenadamente. Muito mais que uma observação etno-histórica, tais relatos serviram
como álibi do poder imperial para estabelecer métodos de pressão (GUICCI, 1993, p. 209).
Desse modo, a concepção linguística colonial, a partir desses relatos, evidenciou
ideologicamente a incompletude da língua do outro por meio das suas convicções
etnocêntricas, salientando as ausências de um poder religioso, de um poder monárquico e de
um aparato jurídico constituintes de um povo efetivamente civilizado e uma língua
hierarquicamente superior. Através dessas narrativas e conexões, constata-se o enraizamento
de crenças que, de forma negativa, se impregnou na língua.
Neste sentido, Barcelos (2004), define crenças como:
insculpida num modelo de poder. Alguns sociólogos, por exemplo, Quijano (2005), cunharam
o conceito de colonialidade do poder, a partir das lentes coloniais, e afirmaram que o
protótipo do poder imperial capitalista instituído desde o século VI é algo que transcende as
particularidades do colonialismo histórico e que não desapareceu com a independência e
descolonização. Há outras formas de colonialidade, a do saber e a do ser
(MALDONADO-TORRES, 2007), que, com os pés fincados desde o colonialismo, vêm
subalternizando, invisibilizando conhecimentos e saberes tidos como excêntricos numa escala
de violência epistêmica. A colonialidade do ser, que, a partir do colonizador, estabeleceu
hierarquizações, opressões e aniquilamentos aos que se opuseram, colocando-os numa zona
do “não ser” que desumaniza e exclui. Nesse bojo, nasceu a ideologização da língua via raça e
etnia, com estratificação legitimada no mundo ocidental. Portanto, declarou-se, também, o
preconceito linguístico no tocante a pseudo deficiência ou “déficit” estrutural da língua
tupinambá frente a dita supremacia e completude da língua portuguesa europeia.
Como foi mencionado, o papel dos jesuítas era catequizar os indígenas de forma
plena, uma vez que, segundo os sacerdotes, os povos originários não tinham condições de
assimilar a cultura europeia e cristã que eles consideravam superior e era preciso enquadrá-los
no modelo ocidental de “civilização”, já que eram selvagens e primitivos.
Sendo assim, optaram pelo método da “acomodação”, isto é, uma tática de exploração
colonial, uma vez que não entravam em confronto e procuravam respeitar os costumes
ameríndios para gradativamente abrir os espaços e introduzir os seus valores por meio da sua
língua, cultura e religião. Toda a atenção era dada ao aprendizado da língua Tupi-Guarani,
como instrumento de máxima importância comunicacional dentro da “empresa” colonial.
Esse método de “acomodação” foi aceito pela Coroa Portuguesa por um bom tempo,
posto que a meta naquele momento não era a imposição da língua e cultura portuguesa, mas a
expansão e utilização da fé como instrumento de cristianização dos indígenas.
Por meio da apropriação da língua hegemônica local como estratégia para a imposição
da lusitanização. Essa sensação de despertencimento foi traduzida por Sérgio Buarque de
Holanda, em Raízes do Brasil, quando disse:
Diante desse contexto, a língua geral assume diversas modalidades quanto aos usos
cotidianos da população, bem como em situações específicas como de cunho administrativo.
Para as diversas formatações conceituais, Borges (2003) traz uma provocação quando
questiona que língua é a língua geral? Quais dos tupis é o tupi Jesuítico? Ele atesta que há o
tupi da costa e o tupi setentrional, os quais foram modificados na sua estrutura para fins
catequéticos. Sendo assim, apesar da diversidade linguística, houve a intencionalidade na
escolha do tupi Jesuítico para hibridar com a língua lusitana, muito em função da sua
hegemonia linguística entre os povos nativos.
No que se refere à língua geral, é necessário atentar para simplificação do termo língua
geral, pois tal artefato não cabe na designação expandida do termo. Neste ponto, o
posicionamento da pesquisadora Mattos e Silva (2008), afirma sobre a língua geral:
Desta forma, apreende-se que a história sociolinguística do Brasil foi construída a base
dos “ídios” (genocídios, linguicídios, epistemicídios, glotocídio, dentre outros), apagamentos
e mutilações linguísticas. Em contrapartida, o português europeu, apesar do poder e de ser a
língua do príncipe, também foi impactado no processo de dominação, pois a população
portuguesa que veio para o “Novo Mundo”, e no local estabeleceram residências,
inexoravelmente, sofreram transformações culturais no movimento de construção-híbrida de
uma nova língua (Língua geral).
É curioso perceber que, na engenharia colonial linguística, as forças centrípetas e
centrífugas, por meio de ondas de aproximação e distanciamento, criaram atritos entre a
língua do colonizador, a do colonizado e demais línguas europeias que coabitavam aquele
ecossistema linguístico marcando em definitivo essas línguas de forma gradual. Esse
fenômeno delineou o molde do português brasileiro.
Nesse sentido, Orlandi (2002), esclarece que a heterogeneidade linguística no âmbito
dos países colonizados na América Latina influenciou diretamente as línguas, principalmente,
as que se impuseram nos espaços-tempo de enunciações coloniais, porque ao entrarem em
contato linguístico, se hibridizam.
Desta forma, as línguas europeias faladas nas América espanhola e América
portuguesa eram as mesmas faladas na Europa, detentoras de sistemas inerentes de variações
linguísticas, no entanto, ao estabelecerem contatos com diferentes línguas em ambientes
adversos, com características diferenciadas nos aspectos socio-político e linguístico,
potencializaram-se e historicizaram-se nas relações com os países e povos que dominaram.
No entanto, é importante ressaltar, que essas feridas coloniais foram crivadas de dor,
violências e mortes, as quais repercutem até os dias atuais. O árduo trabalho de fixação da
77
língua geral se espraiou em imersão para diferentes atividades, como: rezar missas,
confissões, produção do catecismo e da bíblia, na forma escrita pelos jesuítas para
implementação do ensino-aprendizagem do novo idioma. A penalização por meio de castigos
físicos era sentenciada aos indígenas não falantes do tupi, conforme relatos do jesuíta João
Daniel que retratou a política linguística colonial até o século XVIII, como as formas de
repressão impostas para aqueles índios que não fizessem uso da língua geral.
Como porém as confissões dos tapuia por intérprete trazem consigo muitos
inconvenientes, tem-se empenhado muitos missionários a desterrar-se este abuso [de
não falar a língua geral], já com prácticas, e já com castigos [...] tanto que já houve
algumas, as quais, o seu missionário mandou dar palmatoadas até eles dizerem
“basta” ao menos, pela língua geral, antes se deixavam dar até lhes inchar as mãos e
arrebentar o sangue, até que se resolviam a fazer, o que deviam logo, que era o falar
a língua comum. (DANIEL, 2017, p. 272).
Figura 14 – Fotografia do livro Gramática da Língua Portuguesa escrito por Fernando Oliveira (1507 -ca 1581).
O mesmo é um raro exemplar, comprado pela Biblioteca Nacional em 1867, tendo pertencido à Livraria Gubian.
na costa do Brasil, que era a língua tupi, obra escrita e compilada pelo padre José de Anchieta,
em 1595, que retratou diversas estruturas de línguas aborígenes quanto à fonologia,
morfologia, sintaxe e o léxico. Desta maneira, os impérios demarcavam os seus poderes de
dominação e expansão de territórios, com a criação de um espaço institucional onde a língua
fosse estabelecida como monumento nacionalista, ideológico e expansionista no período
histórico quinhentista.
Diversas outras gramáticas foram elaboradas e, para alguns linguistas, esse estudo
constituiu um caminho teórico fértil para disseminação conceitual dos estudos da linguística
moderna. Para Guimarães (1996), a História das Ideias Linguísticas (HIL), tem no seu cerne
de estudos apresentar a produção de instrumentos linguísticos, a exemplo de gramáticas e
dicionários desde o século XVI. Nesse sentido, Auroux (1992), também, enfatiza a
importância dessas duas tecnologias como base do saber metalinguístico.
Alerta-se, entretanto, para a complexidade e consequências adversas no processo de
gramatização de línguas em eventos específicos da história. Ou melhor, tanto na colonização
(gramatização da língua geral) quanto na descolonização de línguas (países que se tornaram
independentes do colonizador em diferentes tempos históricos) há a presença de fenômenos
sociais que segregam sociedades e extinguem línguas e seus usuários com sequelas
irreversíveis para o multilinguismo histórico (MH).
Com base nas trajetórias históricas, é nítido afirmar que a língua portuguesa constituiu
a implementação de uma necropolítica, isto é, definia quem iria viver e/ou morrer. Este termo
vigente na sociedade contemporânea, designado pelo historiador camaronês Mbembe (2018),
significa a política de morte.
A partir dessas considerações, é necessário e oportuno trazer à tona o epistemicídio,
conceito utilizado em texto de Boaventura Souza Santos (2009), que trata da demolição de
culturas com conhecimentos outros, tecnologias e crenças que destoavam da cultura
patriarcal, branca, europeia, eliminando o acesso a uma ecologia de saberes tradicionais.
Sendo assim, a língua geral que, apesar de conter elementos linguísticos indígenas, ao se
estabelecer exterminou ou encobriu outras culturas indígenas, proporcionando um
“canibalismo linguístico”. Dessa maneira, em 1758, o Marquês de Pombal extingue a língua
geral e institui a Língua Portuguesa como a única língua brasileira, com o propósito de
enfraquecer o poder da Igreja Católica sobre a colônia.
Um fato de relevância e divisor de águas na formação histórica, cultural e multilíngue
brasileira e, principalmente, soteropolitana ocorreu na segunda metade do século XVI, com a
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Antes de discorrer sobre as línguas africanas e sua influência não só para o português
brasileiro (PB), como para a construção da sociedade brasileira, faz-se necessário desconstruir
alguns preconceitos, omissões e desconhecimentos sobre o continente africano que perduram
na atualidade envoltos em uma tradicional visão etnocêntrica e ocidental. Urge deslinearizar a
história. Em primeiro lugar, a África não é um país, é um continente com uma extensão
territorial de, aproximadamente, 31 milhões de km², ocupa 20% da área continental do planeta
com a concentração populacional de mais de um bilhão de habitantes. Possui 54 países
situados na África do Norte ou Setentrional e na África Subsaariana. É um continente
extremamente rico e diverso sob o ponto de vista linguístico, cultural, étnico, religioso,
geográfico, político e da sua biodiversidade. No tocante ao panorama linguístico, o continente
representa quase um terço das línguas no mundo, de acordo com o inventário da Ethnologue,
as línguas africanas são mais de 2.000, ou seja, 2092 (BONVINI, 2001, p.22). Um dado
relevante é que os povos africanos nunca foram escravos, mas escravizados por um pseudo
sistema dito qualificado intitulado “modernidade”.
É importante realçar que antes do tráfico atlântico, a prática da comercialização de
pessoas era recorrente em algumas áreas no continente africano, pois havia intensos fluxos de
migração forçada que demarcaram a história da África e de seus povos no mundo. Mas,
indubitavelmente, foi por meio da comercialização de homens, mulheres e crianças num
período entre 1550-1850, que se registrou uma das maiores tragédias humanas, com a
dizimação de 12 milhões de pessoas.
Desta forma, o historiador Luís Felipe de Alencastro num artigo que compõem o
e-book Dicionário da Escravidão e Liberdade (SCHWARCZ e GOMES, 2018), registra o
montante de 14.910 viagens, designadas como “passagens atlânticas”, com duração de três
séculos. Ele também menciona o Brasil como o maior negociador de escravizados das
Américas, contabilizando importações na ordem de 4,8 milhões de escravizados, praticamente
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o dobro do Caribe Britânico, com 2,31 milhões, conforme o Banco de Dados do Comércio
Transatlântico de Escravos, em que o autor ratifica a confiabilidade da fonte.
No entanto, há muitas controvérsias sobre os números reais de africanos
desembarcados no Brasil e, consequentemente, na Bahia. Os estudos de Philip D. Curtin, no
The Atlantic Slave Trade: A Census (1969), por meio do artigo do mesmo autor, nomeado de
“The Slave Trade and the Numbers Game”, sobre a comercialização de escravizados entre
África e regiões da América mostram as contradições e análises dessas estatísticas. Este autor,
amparou-se em dados do livro de Maurício Goulart, A escravidão africana no Brasil (1949),
que reputou ser os dados mais apurados sobre os números do tráfico negreiro no país.
Fonte: Reprodução do livro “O Trato dos Viventes” - Formação do Brasil no Atlântico Sul Séculos VI e VII -
José Felipe de Alencastro (2000).
O sindicato era instalado onde hoje é a igreja de Santo Antônio da Barra, de frente para a Baía
de Todos os Santos e o Atlântico. São José era o santo padroeiro cuja função era proteger as
embarcações em busca de negros e negras que, ao chegarem na América lusitana seriam
escravizados e cristianizados pelo batismo (VIANNA, 2008). O mesmo “modus operandi” foi
empregado aos indígenas.
no âmbito da educação linguística crítica e trazer a lume aspectos ainda não explorados na
historiografia riquíssima dessas línguas.
Portanto, nas diferenciadas áreas da linguagem, sempre houve a necessidade de mais
pesquisas que estudem e aprofundem os conhecimentos da diversidade e heterogenia das
línguas africanas e línguas indígenas em situação de contato com o português brasileiro,
considerando aspectos linguísticos e extralinguísticos, pois são as menos pesquisadas e
referenciadas. Logo, esta pesquisa, assume a responsabilidade de trazer essa reflexão e não
prescindir da imersão histórica linguística na construção da língua portuguesa brasileira.
Desse modo, Lucchesi (2009), também, mencionou que as pesquisas, até meados do
século XX, sobre as línguas africanas eram conservadoras, preconceituosas e utilizavam o
padrão europeu para inferiorizar as línguas indígenas e africanas. Esses estudos, em sua
maioria, privilegiam as análises comparativas entre o português brasileiro (PB) e português
europeu (PE) nas suas diferenças, mas não havia avanços com relação aos estudos de contato
entre as línguas que coabitavam no país por considerá-las estigmatizadas.
Face a isso, a professora Yeda Pessoa de Castro (2005) corrobora com o pensamento
de Lucchesi, por meio do seu estudo a “Influência Africana no Português”, quando focaliza o
“elemento africano” como um ser visto a partir das margens, segregado culturalmente e
linguisticamente. A influência negativa não despertou o incentivo suficiente para se pesquisar
as línguas africanas em situação de contato com o português brasileiro, mas direcionou as
pesquisas para a diversidade cultural africana como dança, música, culinária, religião, entre
outros. (PETTER, 2000, p.2).
Para a soteropolitana e etnolinguista Yeda Pessoa de Castro (2005), às línguas bantus
constituíam o maior número de falantes em solo brasileiro e acentuadamente na Bahia e em
Salvador. Elas são o quicongo, falado na República Popular do Congo, na República
Democrática do Congo e norte de Angola. Assim, o quimbundo que é a língua veiculada na
região central de Angola e o umbundo falado no sul de Angola e em Zâmbia. No entanto,
segue a autora, os povos sudaneses são procedentes do oeste da África e as línguas mais
importantes são da família kwa faladas no Golfo do Benim. Os representantes dessas línguas
em Salvador e na Bahia como um todo são os iorubás e os falantes de ewe-fon, conhecidos
pelo tráfico como de minas ou jejes. Ainda, segundo a autora, o Iorubá é falado no sudoeste
da Nigéria e no antigo reino do Queto (Ketu) e, também, conhecido no Benim como nagô.
Concentra os grupos linguísticos dos ijexá, oió, ifé, ondô, entre outros. Já os ewe-fon são
representados pelas línguas - mina, ewe, gun, fon e mahi faladas Gana, Togo e Benim.
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publicada pela Unesco em 1980. No Brasil atual (e aqui em Salvador e no restante da Bahia),
essa tradição ainda mantém a vivacidade e resistência apesar das intempéries históricas
transmitidas via boca a boca e pelos provérbios, contos, rezas, rituais entre outros., na maior
parte em língua portuguesa e, em alguns casos, em línguas africanas. (BONVINI, 2001, p.39).
Uma outra característica bem particular da herança cultural africana, está,
visivelmente, no comportamento alegre, festeiro e na ginga que adveio da capoeira, da
maneira de ser dos baianos e dos habitantes de Salvador.
Para Pessoa de Castro (2005), linguisticamente, herdamos a nossa forma de falar
“cantano”, devido a influência da língua bantu com a forte presença das vogais mantendo a
pronúncia vocalizada do português arcaico na pronúncia da variante brasileira, o que não
ocorre com o português europeu pois prevalecem as consoantes.
Em outros termos, o sistema de sete vogais orais (a, e, ê, i, o, ê u) e a estrutura silábica
ideal (consoante vogal, consoante vogal) mantém a conservação do centro vocálico de cada
sílaba, mesmo átona. Um outro fato interessante a considerar nas línguas africanas, de acordo
com a autora, é a ausência de pluralização, ou seja, não utilizam os marcadores prefixais
plurais dos artigos definidos “os” “as” como: “os menino” “as criança”, na língua bantu
“Muntu” (pessoa), “bantu” (pessoas), tais denominações são mais percebidas, ainda hoje, na
oralidade do português corrente, dito português popular, muito em função da transmissão e
interconexão linguística das línguas afro-brasileiras.
Ainda, no que se refere ao léxico, Petter (2000) menciona que, devido ao interesse por
esse estudo, houve o levantamento de vários inventários lexicais com o objetivo de rastrear os
“africanismos” que são empréstimos de línguas africanas para o português brasileiro (PB).
Desta maneira, expressivas contribuições do léxico africano foram incorporadas ao
português brasileiro (PB) como a inserção do termo angolano “caçula” ao invés de
“benjamim” do português europeu. O etnolinguista Renato Mendonça (2012) contabilizou
300 palavras da língua quimbundo da família bantu no seu livro “A Influência Africana no
Português do Brasil”, no entanto, o trabalho mais extenso foi o “Falares Africano na Bahia”,
da pesquisadora Yeda Pessoa de Castro (2005) que catalogou mais de 3.025 itens lexicais com
marcas de africania. Com isso, tem-se a dimensão gigantesca da influência das línguas
africanas no PB, principalmente na Bahia com o dialeto “baianês” falado de forma acentuada
em Salvador. É um dialeto classificado como meridional, possui um vasto e rico léxico com
pluralidade de sentidos, mas enfrenta um preconceito linguístico e de classe, uma vez que a
maioria dos falantes vêm de camadas sociais menos privilegiadas.
86
Desta forma, o dialeto baianês traz uma forte identificação linguístico-cultural nas
diversas comunidades de fala da cidade, pois conformam as identidades sociais e culturais. Os
usuários ao enunciar aspectos dialetais, são facilmente caracterizados na língua. Vários termos
do léxico do dialeto baianês estão incorporados de forma automática na maneira de falar local,
identificando a origem e quem são esses falantes.
Desse modo, é na performance da enunciação que são visualizados e reconhecidos os
traços específicos de uma ou multiculturas que constituem os indivíduos através da língua na
construção da identidade cultural de um determinado povo.
Como bem explica Hall (2003), a identidade apresenta incompletude porque ela está
sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. Fazendo uma analogia ao pensamento
Aristotélico, associa-se a identidade como ato e potência. Ato, pois é a existência de algo e
potência porque é tudo que um ente pode vir a ser a partir de suas experiências, portanto, essa
identidade cultural possibilita um espectro diversificado de leituras de mundo e suas
interseções a partir das relações e vivências com o meio social.
A etnologista Yeda Pessoa Castro (2005), em entrevista a Fundação Pedro Calmon, da
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, em 7/3/2016, com o título: Yeda Pessoa de Castro:
uma vida dedicada às línguas e culturas negroafricanas no Brasil, afirmou que a pronúncia de
uma variante local, tem uma riqueza de vogais que fornece musicalidade na forma de falar do
soteropolitano. Uma curiosidade é a não utilização de grupos consonantais nas palavras
terminadas em consoantes, exemplo: pneu (diz-se peneu).
Com isso, evita-se o encontro consonantal interpondo uma vogal com um ritmo de
uma consoante, uma vogal, uma consoante, vogal, sempre. Na pronúncia se omite a consoante
final: Dizê (dizer), Salvador, (Salvador), continua a autora, por isso falamos cantando, porque
a vogal é a parte sonora da palavra.
A pesquisadora segue explicando que o jeito peculiar de falar com gestos, de dançar
com o corpo enquanto falamos, é uma herança histórica dos antepassados angolanos.
Essa cadência de ginga na língua falada com a presença de vogais é oriunda do
multilinguismo histórico devido às línguas em contato, nesse caso em específico, entre o
português arcaico e as línguas angolanas, tornando o português do Brasil muito vocalizado
(CASTRO, 2005).
87
Cabe destacar que foi publicado um dicionário denominado baianês, em cuja última
edição foram levantados 1.700 verbetes. Alguns exemplos: “abrir o gás” (ir embora, sair),
“massa” (legal, joia), “aoooonde” (de jeito nenhum), “comer água” (beber muito bebida
alcoólica), “borboleta” (torniquete de ônibus), “tá barril" (tenso) e tantos outros verbetes que
foram incorporados ao português brasileiro baiano.
Seguindo a entrevista, Castro (2005) esclarece que criar palavras novas é uma
manifestação cultural dos povos, pois a língua é um ser social vivo, mas essa invenção não
ocorre sozinha, ela está vinculada a conexões multilíngues. Para a autora, os soteropolitanos
são criativos linguisticamente e, por terem forte influência do candomblé, se apropriam de
palavras da religião e as ressignificam, como a palavra “axé”, da língua africana iorubá, da
família linguística nigero-congolesa. O termo representa os princípios do candomblé e
significa energia sagrada dos orixás. Em Salvador, foi traduzido para “boa sorte, amém”.
Desta forma, os verbetes carregam mais que sentidos, pois são verdadeiras heranças ancestrais
africanas, materializadas através do português brasileiro da Bahia.
Nessa perspectiva, cabe realçar a magnitude do multilinguismo histórico como
substrato na conformação democrática do multilinguismo contemporâneo no que tange a
pluralidade e a complexidade sociocultural que essas línguas carregam, deixando
indelevelmente as suas impressões no devir linguístico.
Sob esse horizonte das línguas africanas em Salvador, a foto acima demonstra um
ritual singular de uma missa católica na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Largo
do Pelourinho, com a presença do povo preto de religião de matriz africana. É um ato
belíssimo, com uma liturgia ao som dos atabaques das canções que tocam a ancestralidade dos
terreiros de candomblé, preservando, por meio da linguagem, na diáspora negra, os
fundamentos da cultura africana que se incorporou à identidade cultural do povo de Salvador,
da Bahia.
Desta forma, houve a participação em escala dos africanos na concepção da língua
geral. Alguns linguistas entendem que, como Mattoso e Silva (2008), havia dificuldade em
identificar a língua geral em si e o português geral brasileiro devido a acentuada influência
africana e indígena que não era vista com bons olhos pela corte portuguesa, pois o objetivo
era fortalecer o português. Como dito anteriormente, medidas foram tomadas para fortalecer e
impor a língua portuguesa, inicialmente com a expulsão dos jesuítas e a instalação do
Diretório dos Índios pelo Marquês de Pombal que vigorou entre 1757 e 1798, prevalecendo o
domínio e subordinação do outro (diferente de si), submetendo-o aos valores e princípios dos
colonizadores. Nesse sentido, é importante trazer a reflexão de Edward W. Said:
Nem o imperialismo, nem o colonialismo é um simples ato de acumulação e
aquisição. Ambos são sustentados e talvez impelidos por potentes formações
ideológicas que incluem a noção de que certos territórios e povos precisam e
imploram pela dominação, bem como formas de conhecimento filiadas `a
dominação: o vocabulário da cultura imperial oitocentista clássica está repleto de
palavras e conceitos como ‘raças servis’ ou ‘inferiores’, ’povos subordinados’,
‘dependência’, ‘expansão’ e autoridade. E as ideias sobre a cultura explicitadas,
reforçadas, criticadas ou rejeitadas a partir das experiências imperiais. (SAID, 1995,
p. 102).
É preciso lembrar que além do português europeu, das línguas indígenas e das línguas
africanas, como foi explicado no início do texto, a cidade de Salvador na segunda metade do
século XIX e a primeira metade do século XX, recebeu um contingente expressivo de
imigrantes estrangeiros, principalmente, advindos do pós-guerra de 1945. Para a cidade
vieram portugueses, italianos, espanhóis, alemães, japoneses e outras nacionalidades, como
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parte do programa do governo federal para povoar as terras brasileiras e europeizar o país.
Essas línguas não só compuseram a história social-linguística brasileira, mas é necessário que
se registre as suas presenças e importância na Bahia, sobretudo na cidade de Salvador, lugar
desta investigação.
Em uma outra condição, os portugueses chegaram em Salvador, predominantemente,
do sexo masculino, jovens e solteiros, e se integraram rapidamente, devido as oportunidades
de trabalho, bem como, pela facilidade na língua. Evidentemente, a maioria migrava para o
Sul devido à empregabilidade na região cafeeira. Em Salvador, eles formaram famílias e,
alguns, enriqueceram. Tiveram participação ativa na sociedade local com a criação da
Sociedade de Beneficência, posteriormente, construíram um hospital, hoje denominado de
Hospital Português da Bahia. A maioria permaneceu na cidade e poucos foram para a região
do recôncavo baiano para trabalhar na agricultura. As profissões exercidas eram as mais
variáveis: com tendência mais forte para o comércio, por exemplo, caixeiros (empregados de
casas comerciais em geral). Segundo o cônsul local, Manuel Saldanha da Gama, havia em
1863, aproximadamente, 6 mil portugueses residindo em Salvador. Era a língua portuguesa
europeia, em outro tempo histórico, interagindo com outras línguas, numa situação de
multilinguismo.
Os espanhóis também chegaram a Salvador entre 1883 e 1950. Com base nos registros
de entrada via porto de Salvador, foram registrados 17.737 espanhóis (com predominância
para o sexo masculino), na sua maioria da Galícia, provenientes de Pontevedra e regiões
vizinhas. Eram trabalhadores agrícolas, mas se estabeleceram no centro da cidade e na cidade
baixa, mais precisamente no bairro da Calçada. Desenvolveram-se nas atividades comerciais,
ou seja, no ramo de alimentos e bebidas, contribuindo significativamente para a economia
local. Ao longo desses anos, participaram ativamente da vida em sociedade. Eles criaram
associações, o Hospital Espanhol da Bahia, o Centro Recreativo Espanhol e a Associação
Cultural Hispano-Galega Caballeros de Santiago, ainda vigente na cidade. A língua espanhola
e suas variantes em contato com as línguas locais contribuíram grandemente para a interação
na cultura baiana em diversos segmentos. A presença espanhola se faz evidente nas casas
comerciais, nos centros de língua espanhola e nos espaços públicos, a exemplo do Clube
Espanhol da Bahia.
É necessário lembrar que o ensino da língua espanhola se tornou obrigatório no Brasil
com o advento da Lei 11.161, de 5 de agosto de 2005, sancionada pelo presidente Luís Inácio
Lula da Silva ela deve ser lecionada nas escolas da rede pública e privada do ensino médio.
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Infelizmente, a respectiva Lei foi revogada pela Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017,
(reforma do ensino médio). Em função dessa medida, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional excluiu a obrigatoriedade do ensino e transferiu para os estados a responsabilidade
de oferecer a disciplina de forma facultativa. Sendo assim, a não obrigatoriedade da língua
espanhola da grade curricular das escolas, foi bastante prejudicial ao multilinguismo local,
pois impossibilitou milhares de alunos a terem o seu direito linguístico preservado de acessar
a língua e cultura espanhola.
Santos e o Sertão, abastecendo as regiões com produtos. O autor pontua que no final do
século XIX, havia uma forte presença italiana na Bahia, em torno de 2.500 a 3.000 pessoas.
Desta maneira, a imigração de italianos segue para a Bahia após a Segunda Guerra
Mundial, devido às péssimas condições de vida no continente europeu. Segundo Benedini
(2010), o estado não era tão atraente em termos de incentivos e os colonos que chegavam não
tinham muita conexão com os já estabelecidos, a qual ele nomeia de “migração artificil”. No
entanto, ele enfatiza que, no governo de Octávio Mangabeira (1947-1951), foram implantadas
colônias agrícolas estaduais. Os colonos italianos estabeleceram residências na Colônia
Agrícola de Itiruçu e de Jaguaquara. Muitas famílias descendentes destes pioneiros continuam
nos locais, sendo que uma parcela dos jovens se desloca para a capital para completar os
estudos.
Sem dúvidas, os italianos, por meio da língua e cultura, deram forte contribuição à
história do multilinguismo nacional e local, apesar de o idioma italiano ter sido reprimido
pelo Estado Novo, via Campanha de Nacionalização do Ensino, mas os efeitos dessa ofensiva
foram ineficazes. Na atualidade, essa presença ainda é muito marcante em diversos segmentos
da cidade. Neste sentido, trago uma experiência pessoal, pois meus filhos falam a língua
italiana, são descendentes de italiano por parte de pai, um imigrante engenheiro, integrante de
migração laboral, portanto, a língua italiana se tornou muito próxima da pesquisadora que vos
fala e circula no meu espaço familiar.
Uma outra língua, apesar de distante da nossa cultura, mas que integra o
multilinguismo histórico e contemporâneo da cidade de Salvador é nipônica ou japonesa. A
colônia Juscelino Kubitschek, em Mata de São João, (a 51 km de Salvador, fundada em 1959,
lá há produção de verduras e frutas orgânicas) recebeu 120 famílias à época e se mantém em
número menor, por volta de trinta famílias. A cidade de Ituberá (a 170 km de Salvador, no
Baixo Sul, significa em tupi: cachoeira reluzente e com produção de cacau e derivados),
também recebeu famílias de imigrantes japoneses. As gerações de - sanseis, netos de
japoneses - residem no local e possuem casas em Salvador. A cultura japonesa é muito forte,
principalmente entre os jovens descendentes e brasileiros. Ela tem presença na dança, na
culinária, na religião, na música e na língua.
A cultura pop por meio da moda urbana e o Mangá moderno (cartuns e quadrinhos da
Disney) e o cosplay (palavra de origem inglesa, formado pela adição das palavras: costume =
fantasia e roleplay = brincadeira ou interpretação) é muito difundido entre a juventude.
Salvador abriga anualmente o festival de cultura japonesa com várias atrações e desfile de
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cosplay. A língua japonesa circula entre a própria comunidade e em áreas específicas. Mas
está crescendo o interesse dos jovens em aprendê-la. Desta forma, a Associação Cultural
Nipo-Brasileira de Salvador ANISA vem promovendo a língua e cultura na cidade de
Salvador.
A imigração alemã na Bahia, apesar de pouco mencionada na historiografia nacional,
teve participação importante no contexto local. Como as demais imigrações já citadas, foi
instalada, também, uma colônia agrícola em meados do século XIX, que recebeu famílias
alemãs, bem como a colônia alemã, em Salvador. A primeira colônia foi instalada no extremo
sul da Bahia e chamava-se Leopoldina e, em 1818, outra colônia foi estabelecida entre Ilhéus
e Itabuna, somando 161 pessoas, denominada São Jorge dos Ilhéus. Os alemães tiveram
participação ativa na economia do Recôncavo Baiano, com a produção e exportação de fumo,
tendo sido a primeira indústria instalada em 1842, a “Charutos Juventude”. A partir daí,
vários armazéns se instalaram no entorno, nos municípios de Muritiba, Cruz das Almas,
Maragogipe, Cachoeira, São Gonçalo dos Campos e Governador Mangabeira. As empresas
mais conhecidas foram as exportadoras Suerdieck e a Dannemann.
A minha memória afetiva foi ativada, pois meu avô tinha uma pequena plantação de
fumo, ou melhor, roça de fumo como se chama na Bahia, na cidade de Cruz das Almas.
Lembro-me quando ele e sua equipe separavam as folhas secas, enrolavam-nas fazendo as
capas dos charutos artesanais que eram vendidos para Suerdieck, pois havia sido instalada
uma fábrica no município devido à grande demanda, mas que teve as suas atividades
encerradas em 30 de outubro de 1999. As famílias alemãs se estabeleceram no Recôncavo e
em Salvador, constituindo gerações de teuto-descendentes. A colônia alemã em Salvador
cresceu e diversificou a economia da cidade por meio de empresas de diversos segmentos.
A língua alemã veiculou por vários lugares, em diversos tempos históricos na cidade
do Salvador e se integrou ao multilinguismo local, embora tenha sido duramente perseguida
pelo governo de Getúlio Vargas, com a implantação da Campanha de Nacionalização do
Ensino, no entanto, resistiu, continua a fazer parte da vida cultural de Salvador. É ensinada em
diversos centros de ensino, na Universidade Federal da Bahia e no Goethe-Institut Salvador.
Como toda grande metrópole, Salvador não está imune ao processo de imigração
compulsória que tem crescido assustadoramente nas últimas décadas e impactado o planeta.
93
Uma das maiores causas está no processo de globalização imposto pelo sistema capitalista
cruel e predador que mina economias, principalmente, de países que estão na periferia do
mundo. São 89,4 milhões de pessoas que foram obrigadas a sair de suas casas e vagueiam
pelo mundo, segundo os dados do Relatório Anual para as Migrações (OIM), relativo ao ano
de 2021. Esse cálculo ultrapassa o dobro de deslocados oriundos da Segunda Guerra Mundial,
na ordem de 40 milhões de pessoas, segundo especialistas.
O total de migrantes compulsórios representa a população da França e Holanda juntos,
sendo que desse total, 26.4 milhões são refugiados espalhados pelo globo e mais da metade
são menores de 18 anos, o que aprofunda ainda mais a crise migratória. São números
estarrecedores que se multiplicam com a nova crise humanitária no Afeganistão, com cenas
chocantes de luta pela vida difundidas pelas mídias. Estima-se que a população mundial
chegou a 7,8 bilhões em julho de 2021. Isto significa, 1% da humanidade está na condição de
“demitidos da vida e esfarrapados do mundo” (PAULO FREIRE, 1998). Esse percentual
representa 1 em cada 95 habitantes da terra, que não tem perspectivas de voltar para casa.
As migrações compulsórias comportam diferenciados status migratórios, conforme o
gráfico abaixo:
Figura 17 – Gráfico dos deslocados forçados por status migratório ou grupo migrante, 2011-2019.
Fonte: elaborado pelo OBMigra a partir dos dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR, 2020).
Tabela 4 – Número de solicitações de reconhecimentos da condição de refugiado, por gênero, segundo principais
países de nascimento – Brasil, 2019.
Fonte: Elaborado pelo OBMigra a partir dos dados da Polícia Federal, Solicitações de reconhecimento da
condição de refugiado – Brasil, 2019.
sociedade civil e entidades privadas, e tem uma estimativa de mais de 100 parceiros. Tem
como objetivo assistir de forma emergencial os refugiados e migrantes que chegam pelo norte
do país, preponderantemente, por Roraima que faz fronteira com a Venezuela. Deste modo, o
programa tem três eixos de atuação: ordenamento de fronteira, acolhimento e interiorização.
A foto acima ilustra o momento em que um grupo de venezuelanos parte para outros
estados a partir do programa de interiorização. Eles estão dentre as nacionalidades que
chegam em Salvador. Houve um crescimento exponencial em 2016, de imigrantes
venezuelanos devido à grave crise econômica e à supressão da liberdade naquele país. Há,
ainda, haitianos - migrantes ambientais, que foram forçados a deixar o seu habitat tradicional,
temporária ou permanentemente, por causa de desastres climáticos, natural e ou desencadeada
por pessoas que comprometeu a sua existência e/ou afetou seriamente a qualidade de vida
(MigraMundo, 2018), nigerianos, senegaleses, congoleses, entre outros. Existe a perspectiva
que cheguem afegãos, pois em função da tomada do poder pelo regime talibã no Afeganistão,
a Comissão de Relações Exteriores defende a concessão, também, de visto humanitário aos
refugiados oriundos deste país.
Os migrantes que batem à nossa porta proveniente de países africanos são, geralmente,
homens adultos e chegam sozinhos, já os venezuelanos em sua maioria vêm com as suas
famílias e buscam reconstruir novas formas de vida e melhores condições para uma vida
digna. A Bahia é o estado do Nordeste que mais recebe migrantes internacionais, uma parcela
em deslocamentos forçados, conforme o “Atlas Temático: Migrações Internacionais na
Região Nordeste” (2019), que contém análise dos fluxos migratórios entre os anos de 2000 e
2017. Nesse período, 36.204 migrantes obtiveram o Registro Nacional de Estrangeiro - RNE,
no estado da Bahia.
97
Figura 21 – Gráfico do número anual de imigrantes internacionais registrados na Bahia entre 2000-2017,
segundo regiões do mundo de nascimento e no de registro.
Fonte: Atlas Temático para Migrações Internacionais da Região Nordeste, UNICAMP, 2019.
migrantes compulsórios. Salvador e a Bahia como um todo estão diante de um novo perfil
migratório. Mas quem são essas pessoas denominadas refugiados(as) e imigrantes
compulsórios? É preciso descolonizar e decolonizar esses conceitos e a visão colonial do
refúgio que beira a marginalidade. Essas duas categorias remetem, na maior parte das vezes, a
estereótipos por desconhecimento do contexto de migração forçada dentro da sociedade
abrigadora, o que seria uma ironia, abrigar e desconfiar pejorativamente.
A Lei de Migração nº 13.445 de 24 de maio de 2017, um documento progressista
apesar de suas lacunas e omissões, é amparada no escopo dos direitos humanos (CLARO,
2020). A Lei modifica terminologias empregadas no antigo estatuto do estrangeiro (Lei 6.815
de 19/8/80) que vigeu na ditadura militar, pois a palavra estrangeiro era vista como bandido,
perigoso, “o estranho” uma ameaça ao país. O novo instituto jurídico para as migrações
estabelece o termo migrante como sujeito de direitos garantidos pela Constituição Federal de
1988, ao invés de estrangeiro e tem o intuito de combater preconceitos de toda ordem,
principalmente a tão vista e usual xenofobia na vida real. A pesquisadora Grosso (2010)
esclarece os conceitos entre imigrante e estrangeiro expondo as suas diferenciações, quando
diz:
O âmbito conceptual de “imigrante” e de “estrangeiro” abrange vários componentes
comuns, e talvez por isso tendem a confundir- -se e a frequentemente serem
utilizados como sinônimos. Trata-se, porém, de universos distintos e, como tal,
também no ensino- -aprendizagem de línguas é necessário ter em conta essa
diferença (GROSSO, 2010, p. 65).
Portanto, essa é uma das funções do presente estudo, aclarar que uma pessoa em
situação de refúgio ou que migrou involuntariamente busca meios de sobrevivência e
perspectivas de melhores condições de existência e não deve ser vista de forma negativa ou
digna de caridade. Esses recentes contingentes de pessoas, com novas línguas e culturas em
movimento e que chegam à cidade, imprimem novos contornos à sociedade abrigadora,
modificando a paisagem do lugar, como também é um ativo para economia e um incremento
ao multilinguismo contemporâneo urbano local.
Diante do acima mencionado, o português brasileiro de origem multilíngue com toda a
sua subjetividade linguística e experiência histórica reúne as condições de possibilidade para
se recolocar como língua de acolhimento para recepcionar, acolher, mediar essas línguas e
ajudar os seus falantes a desenvolver os seus repertórios linguísticos que lhes possibilitarão
autonomia e afetividade para agenciar os projetos na nova morada.
99
Figura 22 – Mapa de Salvador com a localização dos Centros de Idiomas e Universidades (imagem por satélite).
Fonte: Elaborado pela autora. Imagem de satélite a partir de print do Google Maps.
Figura 23 – Gráfico sobre nível das principais dificuldade enfrentadas pelos imigrantes no Brasil
Apesar da análise acima ter sido realizada em 2015, o idioma ainda aparece como uma
barreira linguística, um dos maiores obstáculos essenciais para os imigrantes no processo de
ambientação no país, seguido pela categoria trabalho. Como visto, o acesso à língua é um
direito constitucional e um desencadeador para alcançar outros direitos sociais, bem como é
um ativo na construção da autonomia e empoderamento na localidade receptora.
A literatura brasileira atual no campo da linguística aplicada para o contexto do
Português como Língua de Acolhimento vem se ampliando e solidificando com a crescente
produção acadêmica no Brasil, em conexão com as suas realidades. Enumera-se alguns
desses pesquisadores: Amado (2011), Bizon (2013), Barbosa e São Bernardo (2017),
Anunciação (2018). Algumas pesquisas da área colocam em xeque diversos termos e propõe
reflexões e ressignificações conceituais.
Assim sendo, se problematiza o discurso da falta que fragiliza ainda mais os
refugiados e migrantes compulsórios (DINIZ; NEVES, 2018; LOPEZ, 2016), é como se os
migrantes não possuíssem valores e riquezas experienciais porque faltam-lhe tudo. Desse
modo, corroboro com o argumento dos pesquisadores, mas realça-se que as condições de
miserabilidade que lhes foram impostas é de extrema vulnerabilidade e induzem para todo
tipo falta.
104
práticas linguísticas por meio de vivências e experiências na interação com o outro e com o
mundo.
Sendo assim, o PLAc lida com as marcas emocionais, culturais e ideológicas
inscritas e circunscritas no contexto social do refúgio e de imigração compulsória,
diferenciando-se de outros contextos como Português como Língua Estrangeira - PLE;
Português Língua de Herança - PLH; Português Língua Materna - PLM; Português para Fins
Específico - PFE, dentre outros. Deste modo, a aquisição da língua portuguesa brasileira
como língua de acolhimento se dá num ambiente de maior pressão social e num curto tempo.
Em PLAc, “a proficiência na língua-alvo ultrapassa a motivação turística ou
acadêmica, interliga-se à realidade socioeconômica e político-cultural em que se encontra.”
(GROSSO, 2010, p.71). Um outro fator que a distingue das demais áreas está relacionada à
dificuldade que uma pessoa em condição de refúgio, normalmente tem para custear um curso
de português em Salvador, devido ao fator financeiro. Organizações Governamentais (ONGs),
pastorais de igrejas e as universidades têm assumido um papel da maior importância e
desenvolvido políticas linguísticas “in vivo” aquelas que emergem das comunidades, com o
objetivo de oferecer soluções para os problemas. Nesse sentido, geralmente são ofertados
cursos de extensão na modalidade presencial. Mas, devido a pandemia, têm sido ofertados
cursos on-line, porém, há o fator disponibilidade de tempo, visto que, o público-alvo do
PLAc, em sua maioria, está imerso em atividades precarizadas para conseguir sobreviver num
ambiente que não lhe é familiar.
É preciso considerar um outro fator de diferenciação no que se refere à construção de
materiais didáticos, eles deverão ser pensados a partir das necessidades e urgências reais dos
alunos migrantes e, em processo, de elaboração conjunta e colaborativa. Isto é, as migrações
compulsórias são atravessadas por intersecções que distinguem as pessoas entre si e essas
diferenças não deverão ser negligenciadas pelos mediadores. No entanto, há, na praça, as
publicações de alguns materiais didáticos direcionados ao contexto do ensino de Português
como Língua de Acolhimento, conforme seguem:
107
Sendo assim, temos, os livros “Pode Entrar”, uma das primeiras publicações da
ACNUR, 2015, o “Vamos Juntos”, publicado pela UNICAMP em 2020 e o PASSARELA,
publicado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2020, também disponível no site
da ACNUR. São recursos didáticos bem elaborados que podem ser utilizados e adaptados às
práticas pedagógicas e podem ser baixados gratuitamente pela internet no site
https://www.acnur.org/portugues/publicacoes, bem como no endereço de página
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/_vamosjuntos.php. A atual crise de COVID-19,
impôs o confinamento devido ao distanciamento social e as atividades educacionais foram
incorporadas ao ensino remoto emergencial, o que não contemplou a maioria dos estudantes,
pois não tem o equipamento e pode custear os gastos com internet.
Há, também, o Portal do Professor de Português Língua Estrangeira / Língua Não
Materna (PPPLE) um outro recurso pedagógico digital que foi criado de forma multilateral
como um potente instrumento de cooperação linguístico-cultural entre os Estados Membros
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Tem por finalidade oferecer à
comunidade de professores e demais interessados recursos e materiais por meio de unidades
didáticas para o ensino e a aprendizagem do português como língua estrangeira (PLE),
português língua não materna (PLNM) e, também, o português como língua de acolhimento
(PLAc).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa propôs, como objetivo geral, compreender quem são e quais as
características socioculturais e linguísticas possuem os refugiados e imigrantes compulsórios
em Salvador e como constroem os seus repertórios linguísticos nas interações de língua de
acolhimento.
No sentido de alcançar o objetivo geral, foi estabelecido um percurso
teórico-metodológico com objetivos específicos e respectivas perguntas norteadoras ou de
pesquisa que conduziram o presente estudo. Retomo as perguntas de pesquisa para maior
reflexão dos dados obtidos, bem como indico a que conclusão chegamos, como também os
possíveis questionamentos não abarcados por essa investigação e que poderão constituir em
subsídios para trabalhos futuros.
1) Quem são, o que fazem e quais as características socioculturais e linguísticas
possuem os refugiados e imigrantes compulsórios em Salvador?
Para responder a primeira pergunta foi estabelecido o seguinte objetivo específico:
Mapear quem são, o que fazem e quais as características socioculturais e
linguísticas possuem os refugiados e imigrantes compulsórios em Salvador.
2) De que forma os migrantes têm acesso a língua portuguesa brasileira e como
constroem os seus repertórios em ambiente de língua de acolhimento?
Objetivo específico: Identificar os modos de acesso à língua portuguesa brasileira e
a construção de repertórios pelos migrantes em ambiente de língua de acolhimento.
3) De que maneira o PLAc como mediador intercultural pode contribuir para a
inserção de falantes e suas línguas na sociedade local?
Objetivo específico: Discutir de que forma o PLAc como mediador intercultural
pode contribuir para a inserção de falantes e suas línguas na sociedade local.
4) De que forma uma pesquisa sobre o PLAc pode subsidiar ações para contribuir com
a implementação de políticas linguísticas e de estado nas estruturas federais,
estaduais e municipais?
Objetivo específico: Propor ações para subsidiar a implementação de políticas
linguísticas e de estado nas estruturas federais, estaduais e municipais.
socioculturais diferenciadas. Foi constatado que dos cinco participantes, apenas um não estava
trabalhando. Os quatro são trabalhadores autônomos. Apenas dois participantes estão com a
família em Salvador. Dois deles têm perspectivas de retornar ao seu país devido à
precarização do trabalho no Brasil e às condições financeiras. Quanto às características
linguísticas: três são bilíngues e apresentam situações de plurilinguismo e dois são
monolíngue, só fala a sua língua. Quanto ao quesito linguístico, é importante deixar registrado
que foram feitos contatos com outros migrantes plurilingues, porém eles não quiseram
participar da pesquisa. No trabalho de campo, foi observado situação de translinguismo.
Infere-se na questão 2: Foi identificado que o acesso a língua se dá, na sua maioria,
nas ruas, por meio da ajuda de amigos e compatriotas já residentes no país. Apenas um
colaborador fez curso de Português em Roraima. Os repertórios são construídos na prática
social cotidiana. Foi percebida a inserção de variantes locais na construção desses repertórios,
como palavras lexicais utilizadas no contexto do baianês.
Na questão 3, foi constatado que: O PLAc é uma ferramenta potentíssima,
independente, se utilizada em ambiente institucional ou informal. O grande diferencial é o
acolhimento do falante migrante e o reconhecimento de idiomas e culturas na prática social e
no ensino da língua, conforme apontaram os dados. Faz-se necessário dizer que o acolhimento
se dá na dinâmica do processo intercultural, pois na medida que há o interesse em acolher
essas pessoas ensinando-lhe a língua do país abrigador, há, de certa maneira, o olhar para o
outro diferente de si. Todos os participantes relataram o interesse e a paciência dos voluntários
em ensinar a língua, como também o desejo de trocar alguma palavras nas línguas dos
migrantes. Neste aspecto, o português popular adquiriu uma forte presença nessa interação.
É possível afirmar, na questão 4, que uma pesquisa como esta, a partir dos seus dados,
constituem elementos para criar ações no âmbito da sociedade civil para o alcance do PLAc,
não só nos espaços institucionais de educação, como também em espaços de entidades como
o Sindicato de Ambulantes ou Sindicato dos Senegaleses, entre outros. Os dados indicaram
ações de xenofobia, racismo, preconceito de gênero, precarização do trabalho, entre outros.
Desta maneira, os resultados apresentados revelaram pontos de extrema importância
que precisam ser considerados no sentido de criar ações efetivas para inserir migrantes
compulsórios, portanto, propomos:
- Ampliar a ação do PLAc no contexto da sociedade civil local, com a criação de cursos
gratuitos e ajuda de custo para deslocamento e alimentação, bem como cursos on-line;
111
- Criar interconexão entre entidades que atuam no âmbito das migrações, para dar
suporte em diferentes segmentos sociais, a fim de inserção laboral de migrantes na sociedade
soteropolitana;
- Fomentar a educação do entorno com relação a desconstrução de preconceitos e
discriminações às pessoas em situação de refúgio e imigração compulsória;
- Acionar os poderes públicos para legitimar ações que contemplem direitos e deveres
do público-alvo do PLAc;
- Proporcionar cursos de PLAc, através da Secretaria de Educação local e universidades,
para professores e técnicos de espaços educacionais nas cidades em que os filhos dos
imigrantes estejam matriculados;
- Criar estratégias para desenvolvimento e utilização das línguas próprias do fluxo
migratório como recursos no mercado das línguas;
- Criar ações culturais que envolvam os migrantes e a sociedade local, no sentido de
estabelecer trocas culturais;
- E demais ações que venham a ocorrer.
Em vista disso, este estudo não pretende esgotar os problemas que envolvem a alta
complexidade na esfera do PLAc, no contexto das migrações compulsórias, mas contribuir,
efetivamente, a partir dos resultados apurados.
Isto posto, é necessário elencar as limitações encontradas durante o percurso deste
trabalho, em tempos pandêmicos e de crise política ocasionada por um governo de
extrema-direita sem compromisso com o Estado Democrático de Direito:
- A pandemia, desencadeada pelo COVID-19, dificultou o acesso ao público migrante,
principalmente nas consultas on-line, pois as pessoas não estavam dispostas a atender para
esse fim diante do grave quadro de crise sanitária;
- A pandemia proporcionou abalos emocionais, diante dos riscos da própria existência,
como a perda de familiares e amigos, ocasionando bloqueios no meu sofrido processo de
escrita;
- Alguns migrantes, ao longo da segunda onda da pandemia, não atendiam aos contatos
telefônicos ou via rede social, provocando angústia a essa pesquisadora, por não saber se,
ainda, estariam vivos;
- Ao longo da segunda onda da pandemia, alguns migrantes não quiseram mais
participar do estudo, pois a prioridade era com a sobrevivência, com a vida;
112
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Samuels (eds.), Humanistic Geography: Prospects and Problems. Chicago: Maaroufa Press,
1978.
125
7 APÊNDICE 1
Salvador, de 2021.
Nome / Name:
Idade / Age:
Há quanto tempo você mora em Salvador? / How long have you lived in Salvador?
( ) 0 – 1 ano
( ) 1 – 3 anos
( ) 3 – 6 anos
( ) Há mais de 6 anos
Por que você saiu de seu país de origem? / Why did you leave your country?
126
( ) Guerra / War
( ) Perseguições religiosas / Religious persecution
( ) Perseguições políticas / Political persecution
( ) Desastres ambientais / Natural disasters
( ) Crise econômica / Financial crisis
( ) Outros / Other reasons
Você veio com a sua família? / Did you come with your family?
( ) Sim / Yes ( ) Não / No
Quais integrantes da sua família vieram com você? / Which members of your family
came with you?
- Esposa/marido / Wife/Husband
- Filhos / Sons/daughters
- Irmãos / Brothers/sisters
- Pais / Parents
- Outros / Other members
Caso tenha filho(s), qual a idade deles? / If you have children, how old is she/he now?
( ) Menos de 3 anos / Less than three years old
( ) De 4 a 7 anos / From four to seven years old
( ) De 8 a 13 anos / From eight to thirteen years old
( ) De 14 a 18 anos / From fourteen to eighteen years old
( ) Acima de 18 anos / Over eighteen
Ao chegar em Salvador, onde você foi acolhido? / When did you arrive in Salvador,
where did you stay?
Você continua morando neste lugar? / Are you still live in this place?
Quanto tempo você permaneceu em abrigos ou casas de amigos até passar a viver por
conta própria? / How long did you stay in shelters or friend 's house until live on your
own?
( ) Menos de 1 ano / Less than a year
( ) De 1 ano a 3 anos / From one to three
( ) Mais de 3 anos / Over three years
Quanto tempo você levou para começar a trabalhar desde quando chegou a Salvador? /
How long did it take to start working since when did you come to Salvador?
( ) Menos de 1 ano / Less than a year
( ) De 1 a 3 anos / From one to three years
( ) De 3 a 6 anos / From three to six years
( ) Não estou trabalhando / I am not working
Se estiver trabalhando, o seu trabalho atual corresponde à sua profissão? / If you are
working your current job corresponds to your profession?
Quantos trabalhos você já teve ou exerceu desde quando chegou? / How many Jobs did
you have since you arrived in Salvador?
( )1 ( )2 ( )3 ( ) 4 a mais / 4 or more
Após quanto tempo trabalhando em Salvador você conseguiu voltar a exercer a sua
profissão? / After how long working in Salvador you were able to return to exercise your
profession?
Caso tenha filhos, eles frequentam a escola ou a universidade? / If you have children,
are they studying at school or at university?
Seus filhos estão se adaptando ou se adaptaram bem à Salvador? / Your children are
adapting or have they adapted well in Salvador?
Se sim, o que você mais gosta em Salvador? / If yes, what is like best in Salvador?
Você tem intenção de voltar a morar em seu país? / Did you intend to live again in your
country?
( ) Sim / Yes ( ) Não / No
Do que você sente mais falta do seu país de origem? / What are you miss the most of
your origin country?
Você tem contato com outras pessoas de seu país de origem que também moram aqui em
Salvador? / Do you have contact with other people of your origin country that live here
in Salvador?
( ) Sim / Yes ( ) Não / No
Qual é a língua oficial de seu país de origem? / What is the official language of your
country?
( ) Espanhol / Spanish
( ) Inglês / English
( ) Francês / French
( ) Português (Portugal) / Portuguese (from Portugal)
( ) Mandarim (Chinese)
( ) Sim / Yes
129
Você teve aulas de português quando chegou a Salvador? / Did you have any class when
you arrived in Salvador?
Se não, como você aprendeu a falar ou entender a língua portuguesa? / If you didn’t
have it, how did you learn to speak or understand brazilian portuguese?
( ) Com os funcionários das casas de abrigo onde fui acolhido(a) / With the employees of
the shelters house.
( ) Nas ruas / On the streets.
( ) Com o trabalho / At my job.
( ) Com os meus filhos / With my children.
Foi ou está sendo difícil aprender o português? / Was hard or Is been hard to learn
portuguese?
Em quais atividades você sente mais dificuldade em falar português? / With which
activities do you have more difficult to speak portuguese?
( ) Trabalho / At work
( ) Burocracias / Bureaucracies
( ) Relações sociais / Social relationships
( ) Necessidades básicas / Basic needs
Você já tinha estudado português antes de chegar ao Brasil? / Had you already studied
portuguese before arrive in Brazil?
Você consegue se comunicar nas ruas de Salvador com o idioma oficial de seu país? /
Can you communicate on the streets of Salvador with your official language?
Você se comunica ou já se comunicou em uma língua que não fosse o português nem o
seu idioma aqui em Salvador? / Do you communicate or did you already communicate
with people here in Salvador in other language?
( ) Espanhol / Spanish
( ) Inglês / English
( ) Francês / French
( ) Mandarim / Chinese
( ) Iorubá
( ) Quimbundo
( ) Outros: _________________
Se não, por que você não se sente acolhido? / If not, why do not you feel?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Para você, o que é acolhimento? Como seria se sentir acolhido em uma cidade fora de
seu país de origem? / How you describe been welcome? How is been welcomed in a
foreign city/country?
___________________________________________________________________
1 | 2 | 3 | 4 | 5
Em uma escala de 1 a 5, o quanto saber falar português contribui para a sua integração
social e adaptação na cidade? / On a scale between one to five, how much know to speak
portuguese contribute for your social integration and adaptation in the city?
1 | 2 | 3 | 4 | 5
132
APÊNDICE 2
Prezados Participantes,
Deixo claro que todos os participantes da pesquisa receberão uma via do termo de
Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Além disso, ressalto que os dados gerados serão
armazenados por no máximo 5 anos, em arquivo pessoal sob responsabilidade desse
pesquisador e do seu orientador. Ademais, todos os arquivos serão anonimizados. Depois de
publicada e, se você tiver interesse, pode ver os resultados da pesquisa.
Esclareço também, que não haverá nenhuma taxa, custo ou despesa para você em
qualquer fase do estudo e não terá nenhum tipo de pagamento ou compensação financeira pela
sua participação. Dessa forma, agradeço a sua participação nessa pesquisa dando ciência e
acordo.
Ciente e de acordo com o que foi exposto eu, _________ _______, autorizo
____________a minha participação nesta pesquisa, assinando este termo de consentimento
em duas vias. Acrescento que solucionei todas as dúvidas possíveis com a pesquisadora
responsável, Ilma Teles de Menezes da Luz, sobre os objetivos desse estudo, os métodos que
133
serão usados, não recebi pagamento ou cobrança, da divulgação dos resultados na área de
pesquisa/ensino e a garantia de que todos os dados pessoais serão secretos, além de poder
desistir em qualquer momento sem ter nenhum prejuízo. Reforço que em nenhum momento
fui obrigado(a) ou intimidado(a) para colaborar com a pesquisa.
Salvador, de de 2021.
Assinatura do participante.