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São Cristóvão – SE
2022
ROSE HELLEN DE CARVALHO SANTOS
São Cristovão- SE
2022
ROSE HELLEN DE CARVALHO SANTOS
_____________________________________________________
Professor e orientador Dr. Vanderlei José Zacchi
Universidade Federal de Sergipe
______________________________________________________
Professora Dra. Doris Cristina Vicente da Silva Matos
Universidade Federal de Sergipe
______________________________________________________
Professora Dra. Suzana Mizan
Universidade Federal de São Paulo
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Rosely Soares, e a minha tia, Josefa Soares, por todo suporte financeiro,
emocional e intelectual que contribuiu para meu desenvolvimento humano, pois, sem seus
ensinamentos para lutar, seguir em frente e enfrentar todas as barreiras da vida eu não teria
conseguido finalizar esse novo ciclo da minha vida.
À minha irmã, Hellen Rose, por acreditar em mim e por me incentivar constantemente a trilhar
esse caminho e realizar esse sonho. Sou grata também aos meus cachorros, Txuxtxuca e Paçoca,
pelo companheirismo e amizade durante anos, apesar de não estarem mais presentes nesta etapa,
eles foram fundamentais para eu descobrir o significado de amar.
Ao meu orientador, professor Dr. Vanderlei Zacchi, pela paciência e compreensão durante esses
dois anos e seis meses. Tenho a total consciência de que este trabalho não poderia ter sido
concretizado sem seu apoio e suas orientações que permitiu ampliar minhas visões de mundo.
Aos professores que tive contato nas disciplinas da pós-graduação que contribuíram para meu
crescimento intelectual e para a evolução deste trabalho. Agradeço à professora Dra. Amália
Vargas Façanha por aceitar o convite para participar da banca do exame de qualificação e pelas
suas sugestões e contribuições teóricas.
À professora Dra. Doris Matos por eu ter a grande sorte de ser sua aluna na disciplina de
Linguística Aplicada Decolonial e por aceitar o convite para participar como membro da banca
examinadora na defesa e qualificação, como também pelas suas orientações e contribuições
para a melhoria deste estudo.
Estendo também meus agradecimentos para a professora Dra. Suzana Mizan que aceitou fazer
parte da banca examinadora na defesa, assim como sou grata por suas sugestões de aporte
teórico e por ter a oportunidade de conhecê-la para além de seus textos escritos.
Por fim, agradeço aos meus amigos que sempre acreditaram em mim e vibraram em cada passo,
conquista e avanço nesta jornada da minha vida, as minhas amigas de infância, Michelle Santos,
Ana Paula Oliveira, Bruna Paixão, aos xepeiros, Mônica Valle, Matheus Ribeiro, André Lucas,
Larissa Oliveira, as patricinhas graduadas, Karla Monique, João Romualdo, e aos demais
colegas Eliane Modesto, Gabriely Monteiro, Sara Marine, Wanderson Santos, Diogo Silva e
Jefferson Ducarmo.
RESUMO
Recently, scholars and researchers from Applied Linguistics, as well as from other human
sciences, have been dedicated to discussing identity. Many of the researches developed in this
area of science have demonstrated the importance of discussing the issues of social identities
of race, ethnicity, social class, sexuality, gender, etc. both in the scope of social life and in the
school setting, more specifically, with regard to the process of teaching and learning foreign
languages and the production of textbooks approved by the National Textbook Program
(PNLD), which are distributed to all schools public in Brazil. Accordingly, the general objective
of the research is to analyze the construction and representation of the identities of indigenous
peoples in the high school English language textbooks, approved by the PNLD of 2018. For
this purpose, the textbooks will be analyzed from the perspective of an interdisciplinary
(MOITA LOPES, 2016) and transgressive (PENNYCOOK, 2016) applied linguistics, as well
as by the approach of new literacies, visual and critical literacy (DUBOC, 2017; JANKS, 2017;
JANKS, 2016). 2014; JORDÃO, 2017; MENEZES DE SOUZA, 2011; MIZAN, 2012;
ZACCHI, 2016d), to understand how the images and verbal representations present in these
textbooks seek to promote the visibility and cultural diversity of native peoples. For this, the
research will be based on theorists that discuss identity (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990,
1996, 2006, 2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018), textbooks (MENDES, 2012;
SIQUEIRA, 2012; TÍLIO, 2012; FERREIRA, 2012, 2014; PARAQUETT, 2012), and
indigenous peoples (RIBEIRO, 1970; CUNHA, 2012; GONZAGA, 2021; MUNDURUNKU,
2020, 2021a; KRENAK, 2020a, 2021). That way, it is carried out research with a qualitative
approach, with bibliographic and documentary procedures. During the work, it was observed
that although the authors of the collections have sought to construct and represent the identity
of the indigenous peoples, it is noticeable that in some cases this attempt by most authors is not
only because they understand the relevance of discussing current topics, but due to the fact that
they are obliged to follow the requirements of the PNLD public notice of 2015. Thus, it was
found that the general objective of the present study, to analyze the formation and representation
of the identities of Brazilian indigenous peoples in English Language textbooks, as well as the
problem both were answered.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 8
1.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS ..................................................................................... 10
2 TECENDO IDENTIDADES............................................................................................ 14
2.1 RACIALIZAÇÃO DO “OUTRO” .................................................................................. 19
2.2 IDENTIDADE INDÍGENA ............................................................................................ 34
3 COLONIALIDADE DO LIVRO DIDÁTICO ............................................................... 50
3.1 MOVIMENTO INDÍGENA ..............................................................................................56
3.2 COLEÇÃO VOICES PLUS ............................................................................................61
3.2.1VOICES PLUS VOLUME 1 ...........................................................................................62
3.2.2 VOICES PLUS VOLUME 2...........................................................................................85
3.2.3 VOICES PLUS VOLUME 3...........................................................................................90
3.3 COLEÇÃO LEARN AND SHARE IN ENGLISH …………………………………...96
3.3.1 LEARN AND SHARE IN ENGLISH VOLUME 1 e 3 …..…………….......................96
3.3.2 LEARN AND SHARE IN ENGLISH VOLUME 2 …………………….......................98
4 VOICES PLUS X LEARN AND SHARE IN ENGLISH ……………………………111
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………………………………….......117
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 121
8
1 INTRODUÇÃO
Nacional do Livro didático (PNLD) –– O PNLD é um Programa do Governo Federal que tem
o objetivo de avaliar e disponibilizar materiais didáticos para dar suporte nas práticas
pedagógicas –– e são distribuídos para todas as escolas públicas do Brasil.
Apesar desse grande avanço nas produções de materiais didáticos de línguas
estrangeiras no Brasil, os quais procuram fornecer a possibilidade de ter materiais mais
flexíveis (MENDES, 2012) e que possam ser adaptados, ajustados aos contextos dos seus
usuários –– professores e alunos –– parece ter havido um novo retrocesso. Os livros didáticos
de Línguas Estrangeiras de Língua espanhola que antes ganharam visibilidade por meio do
Programa do PNLD, atualmente, não são mais contemplados nos editais. Então, o grande
motivo desses materiais de terem sidos retirados do Programa foi devido à execução da
Medida Provisória –– MPV–– n° 746, de 2016 e da sanção da Lei n° 13.415, de 2017, que
visam alterar a estrutura do Ensino Médio por meio da criação de Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em tempo integral. Assim, uma das principais
alterações realizadas pela MPV e Lei n° 13.415 foi a revogação da Lei n° 11.161, de 5 de
agosto de 2005, que dispõe a obrigatoriedade de oferta do ensino de Língua espanhola no
Ensino Médio, com matrícula de caráter facultativa. Em razão disso, a Língua Inglesa é
ofertada como obrigatória no Ensino Médio, sendo facultado o oferecimento de outros
idiomas, preferencialmente o espanhol, conforme a disponibilidade de cada sistema de ensino.
Dessa forma, apenas o material didático de língua inglesa continua sendo beneficiado no
Programa do PNLD com a justificativa de ser uma língua franca e da globalização ou como
Siqueira afirma (2012), a língua do poder hegemônico.
Essa perspectiva não é somente enfatizada pela MPV e Lei n° 13.415, a Base Nacional
Comum Curricular –– BNCC –– do Ensino Médio na área de Linguagens e suas Tecnologias
destaca em seu texto a obrigatoriedade da oferta do ensino da Língua inglesa no Ensino Médio.
Então, essa obrigatoriedade é devido à compreensão de que essa língua é de uso mundial e
global, por apresentar pluralidade, multiplicidade e variedade de usos e usuários ao redor do
mundo. Pensando na América Latina a partir de uma perspectiva suleada (SILVA JÚNIOR;
MATOS, 2019), a retirada da participação e produção de livros didáticos de língua espanhola
nos editais do programa PNLD provoca a invisibilidade, o apagamento e silenciamento desse
idioma pôr o colocar em posição de subalternidade e inferioridade em relação a outras línguas
estrangeiras, como, por exemplo, a língua inglesa.
Diante desse contexto, muitos pesquisadores, professores e instituições começaram a
refletir acerca dos livros didáticos de línguas estrangeiras das escolas públicas, não apenas em
relação aos conteúdos linguísticos, mas também aos aspectos multiculturais, na tentativa de
10
inconstante da identidade é mais intenso na fase da adolescência pelo fato de estarem “vivendo
em uma fase transitória, na qual várias coisas estão acontecendo simultaneamente e eles não
sabem como lidar em várias situações” (GARCEZ, 2021, p.19).
Ademais, o objetivo maior da pesquisa é discutir a questão identitária e a representação
dos povos indígenas nos livros didáticos de língua Inglesa do Ensino Médio, de modo a
perceber como essas obras didáticas –– os autores, as editoras e entre outros envolvidos na
produção do material –– buscam promover a visibilidade ,a diversidade cultural , o
protagonismo e a participação desses povos em diversos meios sociais com o intuito de não
contribuírem “com as práticas que reforçam a discriminação de toda a natureza e a
marginalização ou segregacionismo de povos ,crenças, e modos de viver particulares”
(MENDES, 2012, p.358).
Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: Identificar as
representações visuais e verbais pertencentes à identidade indígena; Analisar a construção e a
representação da identidade indígena nas propostas das unidades das obras didáticas; e analisar
as implicações coloniais na formação e representação da imagem dos povos indígenas nos livros
didáticos.
É importante evidenciar que os materiais didáticos foram analisados com base na
perspectiva de uma linguística aplicada indisciplinar (MOITA LOPES, 2006, 2009) ou
transgressiva (PENNYCOOK, 2006) por perceber a relevância de outros campos do
conhecimento na compreensão do objeto pesquisado. Assim como, foram utilizadas as práticas
dos novos letramentos, letramento visual e crítico (DUBOC, 2017; JANKS, 2014; JORDÃO,
2017; MENEZES DE SOUZA, 2011; MIZAN, 2012; ZACCHI, 2016), para analisar os diversos
modos de representação –– imagéticos e verbais –– presentes nos livros didáticos, que ao serem
apresentados para seus usuários, professores e alunos, por possuírem uma dimensão simbólica,
persuasiva e ideológica, podem favorecerem para a construção de significados estereotipados e
preconceituosos a depender de quem a produz ou interpreta (KRESS; VAN LEUUWEN, 1996;
HALL, 1996, 2016), como também podem serem utilizados, a depender das tomadas de atitudes
dos professores (JORDÃO, 2017), para o desfazimento dos discursos discriminatórios e
excludentes.
Dessa forma, trarei no segundo capítulo uma breve discussão a respeito das noções de
identidade que vem sendo desenvolvida por vários teóricos sociais. A discussão inicia-se com
a construção da ideia de uma identidade fixa, rígida, estável e de raiz única (BAUMAN, 1996,
2005; GLISSANT, 2005; Hall, 1990), na qual o sujeito busca ser leal a uma identidade para se
sentir-se pertencido a uma cultura ou nação. Logo depois, é discutido a identidade do sujeito
13
2 TECENDO IDENTIDADES
acabam não funcionando mais, pelo fato, de o mundo novo não ser mais estável e contínuo,
mas, sim líquido e flutuante. Na pós-modernidade a identidade e diferença são temas
predominantes quando se trata de saber quem somos ou quem são os outros por meio nossas
das práticas, dos nossos discursos e das nossas posições. Diante dessas informações, partiremos
para discussões que apresentem à virada da construção da “identidade” –– de fixa, durável para
flexível e incompleta ––.
A busca por identidade inicia-se pelo nascente Estado Moderno com o objetivo de
estabelecer estratégias de controle e de subordinação aos indivíduos (BAUMAN, 2005). A
criação da ideia de identidade ou identidade nacional na era Moderna foi introduzida nas mentes
dos sujeitos como se fosse algo natural de suas experiências de vida, mas, na verdade, ela era
uma fantasia, uma ilusão, uma imaginação, ou como o próprio Bauman (2005, p.26) afirma,
“uma ficção”. Por ser considerada uma ficção, essa ideia de identidade empregada pelo nascente
Estado Moderno precisava convencer para conseguir solidificar e consolidar numa realidade
imaginável. Para que isso tivesse êxito, o Estado Moderno teve a necessidade de desenvolver a
ideia de identidade ligada ao pertencimento, ou seja, cria a ficção da natividade por nascimento.
“A ideia de ‘identidade’ nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou
no sentido de transpor a brecha entre o ‘deve’ e o ‘é’ e erguer a realidade ao nível dos padrões
estabelecidos pela ideia –– recriar a realidade à semelhança da ideia” (BAUMAN, 2005, p.26).
Segundo Bauman (2005), existia uma dependência entre o Estado e a nação. Dessa
forma, para garantir a continuidade e o futuro da nação, o Estado buscava nos indivíduos o
cumprimento dos deveres obrigatórios e a obediência, já que eles estavam sob seu poder. Por
ser criada pelo Estado, a identidade nacional, diferente de outras identidades, exigia das pessoas
lealdade e exclusividade para que permanecesse na posição de superioridade em relação as
outras. Para Bauman (2005, p.29),
nacional –– construída pelo Estado –– para se sentirem pertencidos. Da mesma forma que o
Estado Moderno possibilitava o acesso a identidade, ele também negava, provocando no
indivíduo uma incerteza de saber quem ele era ou onde pertencia. De acordo com Bauman
(1996, p.19). “A identidade é um nome dado à fuga buscada daquela incerteza”.
A pessoa pensa em identidade sempre que não tem certeza de onde pertence,
ou seja, não se sabe ao certo como se colocar entre a variedade evidente de
estilos e padrões de comportamento e como garantir que as pessoas ao redor
aceitariam este posicionamento como correto e adequado, de modo que ambos
os lados saberiam como continua na presença um do outro (BAUMAN, 1996,
p.19).
De maneira idêntica, Hall (1996) declara que esse conceito de identidade tradicional e
essencialista visa uma unidade estável, contínua onde as histórias do início ao fim não sofrem
mudanças e permanecem sempre na mesmice, inalterável ao longo do tempo. Tendo como base
a concepção de identidade na contemporaneidade, a qual é oposta a esse primeiro conceito
apresentado, o autor demonstra duas posições de identidade cultural. O primeiro sentido da
identidade cultural corresponde a uma cultura compartilhada, onde as pessoas dividem entre si
histórias, ancestralidades e códigos culturais comuns que proporcionam estabilidade,
imutabilidade e continuidade de referência e significado. Aqui a identidade é constituída pela
semelhança e similaridade.
O segundo sentido de identidade cultural defendida pelo teórico, reconhece a
semelhança na contribuição da construção da identidade, mas também confirma a presença da
diferença no processo constitutivo. É através da diferença que realmente sabemos quem somos
e quem nos tornamos –– desde que em determinadas situações aconteçam intervenções
históricas.
As identidades nunca são unificadas, nos tempos modernos tardios, cada vez
mais fragmentadas e fraturadas, nunca singular, mas multiplicamente
construída em diferentes, muitas vezes se cruzando e antagonizando,
discursos, práticas e posições. As identidades são construídas dentro e não fora
do discurso, são produzidos em dados históricos específicos e instituições
dentro de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias
enunciativas específicas (HALL, 1996, p.4).
Do mesmo modo, Moita Lopes (2002) indica, que as identidades são construídas por
meio das práticas discursivas em condições particulares, nas quais os participantes ao agir no
mundo constroem significados ao se envolverem e ao envolverem o outro no discurso.
As identidades na era pós-moderna não são evidentes, são construções que nunca estão
completas, que nunca são assuntos finais ou resolvidos (JENKINS, 2008), sempre em processo
e sempre constituída dentro da representação e não fora (HALL, 1990). Nesse mundo líquido
moderno, no qual as identidades dos sujeitos são múltiplas, desincorporadas, frágeis,
provisórias e flutuantes, algumas são de suas próprias escolhas, outras impostas e lançadas por
outras pessoas (BAUMAN, 1996, 2005) a depender do contexto em que eles estejam agindo e
de como estejam posicionados (ZACCHI, 2016a; MOITA LOPES, 2002).
Para Woodward (2004), a identidade apresenta um vínculo entre o pessoal – sujeitos
assumindo identidades –– e o social –– as interações socias nas quais as pessoas adotam
algumas identidades e tornam outras inacessíveis.
18
A identidade e o pertencimento na modernidade não são firmes como uma rocha, não
podem ser garantidos para toda uma vida, são abertos, flexíveis e reconstruídos, e as escolhas
que os indivíduos fazem e suas ações no mundo são fatores indispensáveis “tanto para o
pertencimento quanto para a identidade” (BAUMAN, 2005, p.17).
Conforme Hall (1996) aponta, as identidades são constituídas dentro do jogo de poder,
diferença e exclusão e os sujeitos são obrigados a assumir posições que são representadas por
meio de uma falta, de uma divisão, do lugar do outro. Com base nessa construção de identidade
marcada pelas relações de poder, Castells (2018) apresenta três formas que geram resultados
distintos no processo de constituição da sociedade: a identidade legitimadora, a identidade de
resistência e a identidade de projeto.
Para o autor, a identidade legitimadora envolve as instituições e organizações
dominantes na sociedade, como também atores sociais estruturados que reproduzem e
19
Desse modo, essa ideia de raça 1, que foi construída pelos conquistadores no período
da conquista, é considerada como elemento principal nas relações de poder que se associa aos
níveis, lugares e papéis que os sujeitos podem ocupar na sociedade. A respeito disso, Quijano
(2005) apresenta dois eixos fundamentais que foram produzidos pelo novo padrão de poder, o
primeiro corresponde a diferenciação dos colonizadores e dos colonizados por meio da
1
A ideia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida antes da América. Talvez se tenha originado
como referência às diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados, o que importa é que desde muito
cedo foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre grupos (QUIJANO, 2005,
p.107).
21
Assim, no que diz respeito a esse assunto, Viveiros de Castro (2004) discute as
cosmologias indígenas, ou seja, o perspectivismo ameríndio, que se trata da perspectiva de que
o universo é habitado por diferentes seres, humanos e não humanos, a depender dos diversos
modos de percepções e pontos de vista.
2
A ideia de racialização do “outro” refere-se à produção de novas identidades no período da formação da América,
identidades indígenas, negras e mestiças, como também a redefinição de outras identidades que possuem
procedência geográfica ou país de origem, tal como, português, espanhol, europeu, que também foram atribuídas
conotações raciais.
22
Para Ortegal (2018), categorizar determinado grupo como não humano, na época da
conquista, resultava em total exploração, escravização e extermínio do grupo. Após o vasto
extermínio –– perecido por doenças, escravização e guerras –– e a resistência desses povos à
dominação, os povos indígenas das Américas deixam de ser a principal exploração e seus
serviços são substituídos 3 pelos dos negros africanos (que foram trazidos a força da África para
as Américas pelos europeus).
No caso do Brasil 4, a transição da escravidão indígena para a africana ocorreu nas
regiões de forma lenta. E essa variação de tempo entre as regiões dependia muito das condições
econômicas e de outros aspectos locais, como a exigência do trabalho, o poder da igreja e das
instituições, as séries de epidemias etc. Para Schwartz (2018), a transição para a escravidão
africana no contexto brasileiro não pode ser entendida apenas por forças ou restrições locais,
mas também pelo processo de africanização de mão de obra nas Américas.
Apesar de ter ocorrido esse processo de escravização nas populações indígenas, as
relações inicias entre os “habitantes do Novo mundo” (SCHWARCZ, 2018, p.420), os povos
3
É importante evidenciar que a substituição da mão de obra indígena para a africana não aconteceu rapidamente
e esses povos não foram apartados nos mundos coloniais. No início, as populações indígenas e africanas
escravizadas, trabalhavam lado a lado, juntos e misturados nos espaços de produção ou engenhos (GOMES e
SCHWARCZ, 2018).
4
Essa transição dos sistemas escravistas ocorreu em todos os territórios das Américas.
23
indígenas, com os europeus, não se sustentavam em mão de obra escravizada, mas, sim, em um
sistema de troca –– o chamado escambo ––, na qual os povos originários trabalhavam para os
colonizadores “encontrando e carregando troncos de pau-brasil até a costa, em troca de produtos
comerciais, instrumentos de metal ou armas” (SCHWARTZ, 2018, p.227). A pintura
“Derrubada do Pau-Brasil” de 1575, produzida por André Thevet, revela este cenário, no qual
os povos indígenas procuravam e derrubavam o pau-brasil –– já que eles conheciam bastante
as terras –– para os portugueses.
Figura 2- Escravos
5
“A guerra justa” era a maneira pela qual a Coroa portuguesa autorizava a escravização dos povos indígenas
caso tivesse algum confronto entre os colonos portugueses e as tribos indígenas.
25
escravização, a circunstância torna-se mais propensa para a escravização dos negros africanos.
Daí em diante, os negros não eram apenas “os explorados mais importantes, já que a parte
principal da economia dependia do seu trabalho. Eram, sobretudo, a raça colonizada mais
importante” (QUIJANO, 2005, p.107).
6
De acordo com Grosfoguel (2016), o racismo de cor surge depois do racismo de religião, a qual subjugava os
povos afirmando que eram povos sem alma e consequentemente não eram humanos. Então, esses foram um dos
mecanismos utilizados pelo projeto colonial para permanecer nas relações de dominação e poder.
26
América e mais tarde do mundo –– como forma de naturalizar as relações de dominação entre
europeus e não europeus.
Deste modo, a perspectiva eurocêntrica do conhecimento foi estabelecida como uma
nova forma de legitimar as antigas ideias e práticas das relações de superioridade e inferioridade
entre os colonizadores e colonizados. Confirmando, assim, a durabilidade e estabilidade das
práticas coloniais de dominação nas estruturas sociais, nas quais os povos conquistados foram
posicionados em situações de inferioridade, como também seus traços e suas descobertas
mentais e culturais (QUIJANO, 2005). Ou ainda como afirma Hall (1990) a respeito da
racialização do sujeito negro.
Do mesmo modo, Fanon (2008) evidencia, que a colonialidade do padrão de poder não
somente trabalhou na subordinação política e econômica, mas também na subjetividade do
colonizado, o colocando como posição de objeto e projetando na sua mente a negação de si e
de seu corpo. Esse sentimento de inferioridade projetado, isto é, o complexo de inferioridade
do sujeito é compreendido como o descrédito da sua cultura, fazendo parte da estrutura da
dominação colonial de desconsiderar que o subalterno possa ter cultura, civilização e linguagem
(FANON, 2008).
Uma noção coletiva que identifica a “nós” europeus contra todos “aqueles”
não-europeus, e pode-se argumentar que o principal componente da cultura
europeia é precisamente o que tornou hegemônica essa cultura, dentro e fora
da Europa: a ideia de uma identidade europeia superior a todos os povos e
culturas não europeus. Além disso, há a hegemonia das ideias europeias sobre
o Oriente, elas próprias reiterando a superioridade europeia sobre o atraso
oriental, anulando em geral a possibilidade de que um pensador mais
independente, mais cético, pudesse ter visões diferentes sobre a questão
(SAID, 2003, p.29).
7
Segundo Quijano (2005), a perspectiva binária do conhecimento eurocêntrico se expandiu no mesmo fluxo que
a hegemonia da Europa sobre o mundo.
28
8
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos denomina essa prática da perspectiva do conhecimento eurocêntrico
como um epistemicídio, ou seja, a morte do conhecimento.
29
uma pessoa; tudo sobre ela é reduzido a esses traços que são, depois, exagerados e
simplificados” (HALL, 2016, p.191).
Como objeto do discurso colonial, o estereótipo usa da fixidez e da repetição
“demoníaca” (BHABHA, 2018) para empregar um sistema de representação e um regime de
verdade que parece similar a realidade social, em outras palavras, o estereótipo produz o sujeito
em uma falsa representação da realidade que o reduz a poucos atributos simples e essências que
são constituídos como fixos por natureza. Dessa forma, a estereotipagem envolve o jogo de
poder, no qual classifica as pessoas segundo a uma norma (o modelo europeu) e definem os
excluídos como o “outro”.
Diante desse quadro, apresentarei os quatros pontos que constituem o estereótipo como
um dos principais mecanismos estratégicos do exercício de poder no sistema colonial. O
primeiro ponto que caracteriza o processo de estereotipagem é na sua forma de reduzir,
essencializar, naturalizar e fixar a diferença. No projeto colonial, os europeus/colonizadores,
reduziu os povos indígenas e africanos a poucos atributos que foram produzidos em excesso e
ao mesmo tempo simplificados –– a simplificação refere-se a forma rígida, presa e fixa da
representação do sujeito ––, como, por exemplo, povos primitivos, selvagens, canibais,
preguiçosos, bestas, sexuais, malandro etc.
O segundo aspecto manifestado do estereótipo está relacionado a estratégia de divisão,
na qual divide o normal e aceitável do anormal e inaceitável (dentro e fora dos regimes de
poder), e também exclui tudo que é diferente. Os colonizadores no processo de diferenciação
utilizam da ideia de raça –– identifica a diferenciação por meio das estruturas biológicas e
fenotípicas –– para classificar os colonizados e simultaneamente colocá-los fora dos regimes
dominantes de representação. Mesmo que os povos subalternos fossem posicionados dentro de
seus regimes, não queria dizer que eles eram vistos como seus semelhantes, mas como os
diferentes, excluídos dessa esfera colonial. Portanto, as práticas de produções de significados
(estereótipos) eram sempre marcadas pela falta e ausência de algo. “A diferença não era sinal
de mais, e sim de menos, pois implicava a carência de costumes, de ordem e responsabilidade”
(SCHWARCZ, 2018, p.420).
Figura 3 - A negra
A tela “A Negra” de 1923, produzida por Tarsila do Amaral, não é somente uma fonte
de imagem ou uma fonte de ilustração que traz a representação visual da mulher negra, ela
representa muito mais do que isso. A obra tem uma origem, um contexto e uma intenção de
quem a produz, ou como próprio Hall (1990) afirma, as práticas de representações sempre
implicam nas posições das quais falamos ou escrevemos. Dessa maneira, podemos perceber a
presença das práticas coloniais europeias –– de como posicionou e submeteu os sujeitos negros
dentro dos seus regimes dominantes de representação –– na forma como a artista reproduz a
representação visual da mulher negra através da sua imaginação. Assim, com base nos estudos
pós-coloniais e decoloniais que enfatizam críticas ao eurocentrismo, é perceptível que a obra é
carregada de estereótipos que reduz o sujeito negro a poucas características que são produzidas
em exagero e depois fixadas. Então, todos esses elementos presentes na tela, os lábios grandes
e grossos, o nariz largo, a cabeça e os olhos pequenos, o corpo grande, as mãos grandes e largas
–– dando um sentido de força, trabalho ––, as pernas e os pés enormes, os seios grandes e fartos
32
Figura 4- Autorretrato
Outro exemplo de representação visual que exibe essas formas coloniais de dominação
entre colonizador e colonizado é a obra “America”, de 1580, pintada por Theodor Galle. Ao
observar a imagem percebermos o encontro do Velho ao Novo mundo –– “que só era ‘novo’
em relação à designação que os europeus deram a si próprios, como habitantes de um Velho
mundo” (SCHWARCZ, 2018, p.420) –– baseado na formação e percepção do conquistador,
colonizador sobre o conquistado (VERONELLI, 2015). Assim, podemos reconhecer na pintura
alguns dos estereótipos que marcam, atribuem e classificam os povos originários, a presença da
rede onde a indígena está sentada nos leva a pensar a indolência, os hábitos canibais
representado lá no fundo, a nudez e descalço, os animais exóticos ao lado simbolizam a
barbárie, a selvageria e o primitivo, e a sua “bestialidade” por conceder a presença do
colonizador como amigável ao esticar a sua mão.
No pensamento indígena, como afirma Viveiros de Castro (2004), os animais e os
outros seres não-humanos que habitam o universo, têm uma forma interna humana, ou seja,
uma essência idêntica à consciência humana que é normal a esses seres e uma característica
corporal mutável de cada ser. Essa humanidade dos não-humanos normalmente não é evidente
aos olhos dos seres humanos, mas visível a própria espécie ou a indivíduos específicos, como,
por exemplo os xamãs, que possuem habilidades de ver estes seres não-humanos como eles se
veem –– como humanos.
Em conformidade com Sahlins (2013), os nativos australianos veem os animais e as
plantas como seus parentes, isto é, eles veem os animais e outros seres não-humanos como
pessoas e que se oferecer esses seres aos outros estão dando, na verdade, parte de sua própria
essência. Assim, para os aborígenes australianos se alimentar dos animais e das plantas que
nutrem e protegem ritualmente pode ocorrer casos de incestos ou autocanibalizações, mesmo
sendo em casos de alimentar outras pessoas.
Por outro lado, a construção da formação de uma percepção do colonizador de si
mesmo na figura é totalmente oposta, o que irá afirmar a declaração de Veronelli (2015), que
os colonizadores constroem uma percepção de si mesmos como seres humanos completos 9. A
9
Essa percepção dos colonizadores de completude humana pode ser comparada com o Homem Vitruviano de
Leonardo da Vinci, que também é concebido como ser humano completo, como a perfeita representação do
humanismo e modernismo, de acordo com a perspectiva eurocêntrica. Segundo Mizan (2018), o Homem
Vitruviano de da Vinci representa o corpo masculino perfeito –– potencializa a representação do homem branco e
sua razão cartesiana como o centro do universo –– que busca as medidas e proporções ideais do corpo humano
colocadas num círculo e um quadrado, “formas geométricas que representam a capacidade do homem de organizar
o universo e seus seres em categorias para explicar de forma científica como o mundo funciona” (MIZAN, 2018,
p.228-229).
34
figura do português pintada por Theodor marca essa ideia de civilização por parte dele, o
português bem vestido, calçado, e com o astrolábio na mão, criando uma idealização de serem
seres mais evoluídos, mais humanos por possuírem acesso a esses materiais.
Figura 5- America
10
“É importante evidenciar que Colombo pensou ter chegado às índias e, por isso, chamou de “índios” os povos
que encontrou. Deste engano geográfico eurocêntrico, o “índio” emerge como nova identidade.” (GROSFOGUEL,
2016, p.37).
36
uma ausência “em relação às normas europeias, sem ordem, inteligência, decoro sexual,
civilização ou mesmo história” (SHOHAT e STAM, 2007, p.52).
Não são sujeitos a nenhum rei ou capitão, só têm em alguma conta os que
alguma façanha fizeram, digna do homem valente, e por isso comumente
recalcitram, porque não há quem os obrigue a obedecer; os filhos dão
obediência aos pais quando lhes parece; finalmente, cada um é rei em sua casa
e vive como quer; pelo que nenhum ou certamente muito pouco fruto se pôde
colher deles, se a força e o auxílio do braço secular não acudirem para domá-
los e submetê-los ao jugo da obediência (CARTA DE PIRATININGA, 1933,
p.45).
bons, serenos e gentis, passaram a ser conhecidos como animais, agressivos e indolentes. A
partir disso, duas concepções foram construídas em relação os povos tradicionais, sendo vistos
como “bons” e “maus” selvagens. Assim, o “bom” selvagem diz respeito ao sujeito indígena
que possuía atributos e condutas parecidas com os colonizadores, enquanto o “mau” selvagem
possuía hábitos e maneiras particulares, diferentes e primitivas no ponto de vista dos europeus.
Em conformidade com Shohat e Stam (2007), a cultura colonialista chamava os
indígenas de bestas e selvagens para se beneficiar e, assim, se apropriar de suas terras. Como
também tentava destituir “o conhecimento produzido por epistemologias, cosmologias e visões
de mundo ‘outras’” (GROSFOGUEL, 27, p.2016).
posicionam socialmente” (PAIVA, 2015, p.15). Outros modos de produção de significados que
expõem essa identidade enraizada (GLISSANT, 2005) são os meios de comunicação, mais
especificamente, os jornais eletrônicos online.
Então, não é incomum, no atual governo, encontrarmos nos jornais eletrônicos notícias
que informem a respeito das declarações e dos discursos discriminatórios e excludentes, que
apresentam a repetição histórica representacional, produzidos pelo presidente da república, Jair
Bolsonaro. Nesses discursos, os povos indígenas são frequentemente tachados como seres do
passado, atrasados, pré-históricos, animais e em constante extinção (GONZAGA, 2021;
KRENAK, 2020a, 2020b). No ano de 2020, a Folha Uol 11 (2020) noticiou aos seus leitores que
durante a transmissão de vídeo em uma das redes sociais, o presidente da república, Jair
Bolsonaro, mencionou que o “Índio tá evoluindo, cada vez mais é ser humano igual a nós”.
Segundo Krenak (2020b), nós estamos vivendo em um tempo sombrio em que o
governo central do Brasil declara que os povos indígenas tem que cessar ou que são seres
inanimados, primitivos. É importante salientar que esse pensamento colonizado sempre existiu
nos governos anteriores, mas no governo Bolsonaro a situação está ainda mais complicada.
O estado brasileiro vive nessa espécie de balança, uma hora o estado protege,
outra hora o estado depreda. Se olhar a história do Brasil nos últimos cem anos
vai ver que o estado no começo e depois do estado novo, depois da constituinte
de 46, depois da ditadura, toma terra dos índios, mata os índios, o sobrevivente
reivindica, pega um pedaço, é desse jeito a história, não é de agora foi sempre
assim (KRENAK, 2020a).
Para Almir Suruí (2021), o direito dos povos indígenas tem sido perseguido pelos
sujeitos que deveriam ter a responsabilidade de respeitar e implementar esse direito, como, por
exemplo, o atual governo. Deste modo, os povos originários têm problematizado a atuação e o
desrespeito desse governo no que diz respeito aos direitos dos indígenas e ao meio ambiente.
Isso é confirmado pelo depoimento de Alice Pataxó (2021)
Por conta desse governo ultra machista, a gente não é escutada. A gente já tem
um grande diferencial no mercado de trabalho, por exemplo, a gente recebe
menos, ocupamos menos cargos. Então, a gente está falando de uma questão
que vai muito além de só ouvir e respeitar os direitos individuais. As pessoas
não têm mais vergonha de dizer que elas não gostam de preto, que elas não
gostam de indígenas, que elas acham ridícula uma pessoa LGBT. Então é
justamente isso, o fato de que o governo fale abertamente sobre isso, se
posiciona de uma maneira negativa, ajuda muito na influência da sociedade
nacional (PATAXÓ, 2021).
11
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/01/23/indio-ta-evoluindo-cada-vez-
mais-e-ser-humano-igual-a-nos-diz-bolsonaro.htm . Acessado em 26 de julho de 2021.
40
por uma liderança dessa, é nesse sentido. Quando essa palavra é usada pela
sociedade brasileira, é no sentido do apelido, no sentido do desdém. É no
sentido do estereotipo, é no sentido da ideologia (MUNDURUKU, 2018).
Ser indígena é uma missão não só de guardar a cultura, de lutar por questões
de comunidade, mas principalmente de lembrar que a gente está aqui para
manter vivo tudo aquilo que nos proibiram por muito tempo. Eu não quero
mais escutar que indígena é ladrão de terra. Eu não quero mais escutar que nós
somos aborígenes, que nós somos pessoas selvagens. Que eu deixo de ser
indígena porque eu ando de roupa, porque eu faço faculdade, porque eu sou
LGBT, porque eu uso celular (PATAXÓ, 2021).
12
De acordo com Munduruku (2021b), a PL 490 é uma lei que tira a possibilidade de manutenção das culturas
indígenas. Ela afeta completamente o jeito indígena de ser, ela afeta as culturas indígenas, ela afeta tanto os povos
que estão no contexto de isolamento quanto aqueles que estão no contato mais intermitente, permanente ou no
contexto urbano. Então, é uma PL completamente antissocial, antidemocrática e anticultural, sendo assim, uma PL
genocida que contribui para o extermínio das culturas tradicionais do nosso país (MUNDURUKU, 2021b).
43
Nos dias atuais, essa indigência cultural produzida pelo epistemicídio, pode ser
perceptível no cenário pandêmico onde várias comunidades indígenas tiveram dificuldade ao
acesso à educação escolar e a assistência de saúde de qualidade. Para Txaí Suruí (2021), a
questão da educação escolar no seu território foi afetada pela pandemia, pois necessitava do uso
de aparelhos eletrônicos e de internet tão boa quanto da cidade. Por esse motivo, sua aldeia se
distanciou cada vez mais da educação tradicional, porque a educação indígena continuava sendo
praticada dentro do território, ensinando as crianças para a vida e o mundo. Assim, a pandemia
nos revelou como esse país é desigual, na saúde, na educação e em outras dimensões. E como,
nós, povos indígenas precisamos de nossas vozes para participar das proposições de políticas
públicas e trabalhar com a educação indígena que progressivamente está em uma situação
delicada. Cabe reproduzir aqui o relato de Alice Pataxó (2021)
Há cinco anos, era muito mais difícil a gente ter acesso à tecnologia. Até
porque algumas comunidades que não têm energia o sinal não chega, como a
44
minha aldeia. São situações que dificultam muito esse processo, ainda mais
agora na pandemia, quando a gente fala que estudar precisa ser pelo celular.
Então, pense na realidade em que a gente se encontra (PATAXÓ, 2021).
13
Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2018/08/06/vice-de-bolsonaro-afirma-que-
brasil-herdou-indolencia-do-indio-e-malandragem-do-africano-durante-evento-no-rs.ghtml. Acessado em 26 de
julho de 2021.
14
Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2019/11/problema-da-escravidao-no-brasil-foi-
porque-o-indio-nao-gosta-de-trabalhar-afirma-procurador-de-justica/. Acessado em 26 de julho de 2021.
45
uns com os outros. “Pode ser que não tenham contato com uma sociedade mais desenvolvida
como as sociedades urbanas, mas eles certamente se encontram com povos nas mesmas
condições e situações culturais” (MUNDURUKU, 2019).
Um brasileiro que estuda idiomas, se veste com calça jeans e consome Coca-
Cola não deixa de ser brasileiro e nosso dia a dia contemporâneo não é o
mesmo que nossos ascendentes viveram. Da mesma forma que podemos nos
modificar, ter acesso às novas tecnologias e contato com bens e hábitos vindos
de diversos cenários, as comunidades indígenas não precisam permanecer
estáticas no tempo e isoladas para que sejam admitidas como tais. Toda
manifestação cultural é vivida e inexiste cultura estática, seja ela do homem
branco, seja oriunda dos coletivos indígenas (GONZAGA, 2021, p.18).
não são apenas ilustrações, elas possuem uma dimensão simbólica de poder por manifestar as
intenções de quem a produz. Assim, podemos notar como Meirelles constrói a imagem dos
povos indígenas na tela. Os povos indígenas, no canto da obra, são retratados como povos
subalternos, ingênuos, calmos, curiosos, e sobretudo, primitivos e exóticos. Enquanto os povos
no centro, os portugueses e a igreja, são representados com uma posição de superioridade por
serem considerados como os mais avançados e os mais civilizados das espécies.
Dessa maneira, não somente a sociedade tem negado e menosprezado a existência da
imensa diversidade cultural das identidades indígenas, como também o governo brasileiro tem
incentivado o desconhecimento e desrespeito da “socio diversidade nativa contemporânea dos
coletivos indígenas” (GONZAGA, 2021, p.17). Nesse sentido, o poema de Márcia Kambeba 15,
expõe as ações do corpo social no processo de negação das etnicidades e identidades dos povos
originários no Brasil.
IDENTIDADE
A escola é uma das instituições sociais dominantes (DAVIES, 2016) que produzem o
“racismo/sexismo epistêmico” (GROSFOGUEL, 2016, p.25) por “frequentemente trabalhar
sob um viés monocultural” (AZEVEDO, 2012, p.55) e por construir determinados discursos e
identidades sociais que privilegiam as epistemologias ocidentais/ocidentalizadas no processo
de ensino e aprendizagem. No entanto, ao mesmo tempo em que ela é considerada como uma
instituição de poder que propaga preconceitos, por lidar com padrões fixos e homogêneos
(DAVIES, 2016), também é vista como um espaço de resistência e de reflexão a esses discursos
que são construídos “para a diluição das diferenças” (AZEVEDO, 2012, p.56). Além disso,
como parte do processo de dominação, os livros didáticos também não estão livres dessas
estruturas de poder. Eles são fontes de informação (PAIVA, 2015) ou ainda como afirma
PENNYCOOK, produtos do colonialismo (1998 apud SIQUEIRA, 2012, p.316), que
constantemente privilegiam a cultura do conhecimento eurocêntrico através dos diferentes
modos de construção de significados.
Como já foi apontado anteriormente, o colonialismo, em nome do lucro (SHOHAT e
STAM, 2007) e poder, utilizou da fixação de estereótipos na constituição da identidade dos
povos indígenas, que os posicionaram em situações de inferioridade e submeteram aos regimes
hegemônicos de representação (HALL, 1992), ao mesmo em que os próprios colonizadores se
auto dignificam como seres superiores para justificar a hierarquização racial (RIBEIRO, 1970).
Como consequência da aventura colonial (FANON, 2008), os livros didáticos, como quaisquer
outros produtos, não estão isentos do processo hegemônico. De acordo com Zacchi (2016a,
2016b), apesar do Programa do Livro Didático de línguas estrangeiras (BRASIL, 2015) buscar
promover a visibilidade da diversidade multicultural brasileira, ao exigir que as obras didáticas
apresentem “temas como diversidade, criticidade, cidadania etc.” (ZACCHI, 2016a), isso não
quer dizer que esses materiais não manifestem valores neoliberais ou outras forças ideológicas,
como é o caso do colonialismo.
Normalmente, os materiais didáticos, até mesmo os aprovados pelo PNLD, apresentam
características eurocêntricas em seus conteúdos (SILVA, 2019), podendo, no entanto, resultar
na desqualificação e apagamento de “outros conhecimentos e outras vozes críticas frente aos
projetos imperiais/coloniais/patriarcais que regem o sistema-mundo” (GROSFOGUEL, 2016,
p.25). Dessa forma, a produção de conhecimento da ciência moderna, para Santos (1999), é
uma ciência privilegiada por produzir a única forma de conhecimento legitimado. Essa
51
Nesse sentido, uma dessas várias vozes silenciadas e invisibilizadas é a dos povos
indígenas. Frequentemente, os povos originários são representados nos materiais didáticos
apenas na perspectiva do passado, sendo posicionados como coadjuvantes e não como sujeitos
que contribuíram para a história da sociedade brasileira (SILVA, 2019; BATISTA e JÚNIOR,
2016). Ou ainda mais, quando são retratados como selvagens, primitivos, sem civilização,
preguiçosos, canibais, exóticos etc.
Segundo Paiva (2015), a imagem dos povos ameríndios é construída através de
estereótipos que marcam seus corpos enquanto os produzem e os posicionam socialmente.
Além disso, no que diz respeito aos livros didáticos utilizados nas escolas públicas, a autora
afirma que nos textos imagéticos os povos originários aparecem portando um “pacote da
52
identidade indígena”, em outros termos, eles são “representados de forma genérica” (SILVA,
2019, p.132) usando cocar, arco, flecha, comendo peixe e andando nus. Esse tipo de
representação que é constantemente encontrada nos materiais didáticos, ocasiona o apagamento
e a invisibilidade dos povos indígenas (PAIVA, 2015; SILVA, 2019) por não mostrar a tamanha
importância da diversidade cultural que existe entre as diferentes etnias, línguas,
conhecimentos, rituais –– os colocando em posição de singularidade por construir a concepção
de que todos os indígenas são iguais, sem levar em conta as pluralidades, especificidades e
particularidades existentes. Segundo Batista e Júnior (2016), a maneira como o assunto é tratado
nos livros didáticos, geralmente, deturpa “a verdadeira imagem exposta do índio, não o
diferenciando entre as comunidades indígenas e/ou costumes, acabam de certa forma
generalizando e caracterizando como ‘índios’” (BATISTA; JÚNIOR, 2016, p.110). Do mesmo
modo, nas mídias, como afirma Mizan (2012), os povos indígenas são frequentemente
representados por meio de imagens que são produzidas pelas instituições criadoras da
representação, que favorecem para o estabelecimento de determinados tipos de relações
políticas, econômicas, culturais e éticas. Assim como, contribuem para que os leitores ao ter
contato com essas imagens produzam pontos de vista com base nessas representações. Para a
autora, a forma como as mídias escolhem representar os grupos subalternos, nesse caso os povos
indígenas, são assentadas em concepções de suas próprias culturas e de suas ideologias, “pois
o lugar de onde falamos afeta a maneira como nós concebemos a realidade e damos sentido a
ela” (MIZAN, 2012, p.267).
Diante disso, para analisar os livros didáticos de língua inglesa do Ensino Médio utilizo
como base os documentos educacionais oficiais, como, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) de 1996, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) de
2006, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN) de 2000, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Ensino Médio (DCNEM) de 1998, a Base Nacional Comum
Curricular da área de linguagens e suas tecnologias (BNCC) de 2018 e o edital Programa do
Livro Didático (PNLD) de 2015 , que ressaltam a relevância de discutir questões, no ensino de
línguas e em todo currículo escolar, “que considerem as identidades sociais dos alunos”
(FERREIRA, 2012, p. 21) e a diversidade cultural e multicultural brasileira.
No que se refere às Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), este
documento propõe a inclusão de questões sociais, políticas, culturais e educacionais no ensino
de línguas estrangeiras, visando desenvolver o caráter heterogêneo da linguagem vinculado às
práticas socioculturais contextualizadas. Isto é, a linguagem não pode ser desvinculada de seus
contextos de usos e de seus usuários, pelo fato de que o uso da língua varia a depender das
53
fundamentais que pretendem promover a visibilidade dos grupos minoritários com o objetivo
de construir a imagem deles de maneira positiva e respeitosa.
Diante das sugestões e das orientações dos documentos oficias da educação, os quais
buscam promover a visibilidade, o protagonismo, a participação e a diversidade cultural dos
povos indígenas brasileiros em todo currículo escolar, fundamento-me nesses documentos,
principalmente, no edital de convocação de 2015 do PNLD de 2018, na busca de analisar os
materiais didáticos de Língua Inglesa do Ensino Médio, a coleção Voices plus (vol.1,2,3) e a
coleção Learn and share in English (vol.1,2,3), visando à construção e representação de uma
identidade indígena contemporânea, do agora, do presente, da realidade (MUNDURUKU,
2019, 2021a; GONZAGA, 2021; KRENAK, 2020a), ou seja, um sujeito descentrado,
fragmentado, com identidades moventes, fluidas, múltiplas e diversas e não com identidades de
raiz única, universal, fixa, e essencialista (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006,
2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018; GLISSANT, 2005; ZACCHI, 2016a, 2016b,
2016c; BHABHA, 1996; CANCLINI, 1995; BURKE, 2003).É importante destacar que
segundo o Guia de livros didáticos do Ensino Médio de Inglês (2017), todas as obras
aprovadas 16 obedeceram a todos os critérios gerais e específicos do referido edital de 2015.
Contudo, como já foi aludido, analisarei apenas duas das coleções aprovadas para o PNLD do
Ensino Médio de 2018.
16
Para o componente curricular de Inglês do Ensino Médio para 2018, foram aprovadas 5 coleções de livros
didáticos pelo Programa do Livro Didático. São elas: Way to go (Claudio Franco/Kátia Tavares); Learn and share
in English (Amadeu Marques/Ana Carolina Cardoso); Alive high (Junia Braga/ Magda Velloso/ Marcos Racilan/
Marisa Carneiro/ Ronaldo Gomes/ Vera Menezes); Circles (Carolina Pereira/ Elaine Hodgson/ Rita Ladeia/
Viviane Kirmeliene); Voices plus (Rogério Tílio).
56
O povo indígena tem um jeito de pensar, tem um jeito de viver, tem condições
fundamentais para sua existência, para a manifestação da sua cultura, tradição
e de sua vida. Não coloca em risco e nunca colocaram a existência se quer dos
animais que vivem ao redor das áreas indígenas quanto mais de outros seres
humanos. Hoje, nós somos alvo de uma agressão que pretende atingir na
essência a nossa fé, a nossa confiança de que ainda existe dignidade, de que
ainda é possível construir uma sociedade que sabe respeitar os mais fracos,
que sabe respeitar aqueles que não tem o dinheiro para manter uma campanha
incessante de difamação que saiba respeitar um pouco que sempre viveu
(KRENAK 17, 1987).
17
Discurso de Ailton Krenak na Assembleia Constituinte em defesa da Emenda Popular da União das Nações
Indígenas (UNI), no plenário da câmera dos Deputados, no dia 04 de setembro de 1987.
57
manutenção da cultura ancestral. As reuniões organizadas pelo CIMI não tinham somente o
objetivo de desenvolver reflexões e reivindicações sobre o poder hegemônico, mas também
desenvolver a consciência dos povos indígenas em relação a sua transformação identitária no
território nacional (MUNDURUKU, 2012).
Foi esse movimento indígena articulado, apoiado por seus aliados, que
conseguiu convencer a sociedade brasileira e o Congresso Nacional
Constituinte a aprovar, em 1988, os avançados direitos indígenas na atual
Constituição Federal. Foi esse mesmo movimento indígena que lutou para que
os direitos à terra fossem respeitados e garantidos, tendo logrado importantes
avanços nos processos de demarcação e regularização das terras indígenas.
Foi também esse movimento que lutou –– e continua lutando –– para que a
política educacional oferecida aos povos indígenas fosse radicalmente
mudada quanto aos seus princípios filosóficos, pedagógicos, políticos e
metodológicos, resultando na chamada educação escolar indígena
diferenciada, que permite a cada povo indígena definir e exercitar, no âmbito
de sua escola, os processos próprios de ensino-aprendizagem e produção e
reprodução dos conhecimentos tradicionais e científicos de interesse coletivo
do povo (LUCIANO, 2006, p.59-60).
Portanto, a década de 1980 foi bastante significativa para o movimento indígena, pois
representou um momento em que as articulações dos seus líderes, provenientes de diferentes
regiões do Brasil, se afirmaram e fortaleceram a favor de uma urgência comum de luta, terra,
educação, saúde e de outros direitos. Nos anos de 1990, as ações e estratégias desenvolvidas
pelos líderes indígenas dentro do movimento tiveram novo rumo. Nessa época, as lideranças
estavam preocupadas para que fosse cumpridas as promessas que foram apresentadas na
Constituição de 1988. Ademais, os anos de 1990 foi relevante para consolidar projetos com o
objetivo de atender as demandas criadas pela política do Estado brasileiro (MUNDURUKU,
2012). Conforme Munduruku (2012), vários projetos foram produzidos e propostos pelas
comunidades indígenas para a proteção dos territórios demarcados ou em processo de
demarcação, como propostas sustentáveis, formação de docentes bilíngues –– de língua
portuguesa e de línguas indígenas ––, projetos de radiofusão, realização de cursos para capacitar
os povos indígenas a fim de desempenhar serviços e funções dentro de suas organizações etc.
60
Essas ações ocorriam de forma local e regional, como também existiam as tentativas em
níveis nacionais capazes de mobilizar as coletividades e organizações para a compreensão do
contexto político nacional, objetivando ocupar os ambientes políticos institucionais. A
motivação que orientava estas ações era a emergência de cessar com a ideia que colocava os
povos ameríndios em situação de tutelados, ou seja, sujeitos que possuíam uma incapacidade
social e intelectual e que necessitavam do Estado para gerenciar seus caminhos
(MUNDURUKU, 2012). Para Munduruku (2012), a “Marcha Indígena” e a “Conferência
Indígena” são exemplos de demonstração da mobilização das coletividades ameríndias. A
“Marcha” era constituída por um grupo que percorria em direção contrária à da ocupação
europeia. Essa movimentação tinha aproximadamente 3.600 indígenas que faziam reuniões em
várias cidades e manifestavam em prol de conseguir sensibilizar o corpo social a respeito dos
direitos dos povos nativos e não nativos. No que se refere à “Conferência”, participaram 6 mil
povos tradicionais na Aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, nos dias 18 e 21 de abril de 2000,
sendo representadas 140 etnias de todo território nacional.
Os anos 2000, de acordo com Luciano (2006), foram marcados pela consolidação de
oportunidades de representação do movimento indígena em diversas políticas públicas.
A primeira obra didática a ser analisada é a coleção Voices plus. Essa coleção, segundo
o organizador do livro, procura proporcionar a aprendizagem significativa da língua estrangeira
por permitir que o estudante tenha acesso a outras culturas, experiências e interações no mundo,
como também oferece conteúdos que sejam capazes de dialogar com a sua realidade. Ademais,
o autor ainda afirma que a coleção Voices plus não apenas empenha-se em promover uma
aprendizagem considerável de língua inglesa, mas também procura ajudar o aluno a ser
protagonista de sua própria história, auxiliando “a aprofundar seus conhecimentos sobre si
mesmo/a, a pensar seu lugar num mundo globalizado e plurilíngue e a refletir sobre seu futuro
62
e o futuro da sociedade” (TÍLIO, 2016a, 2016b, 2016c, p.3). Em relação às unidades, cada
unidade é organizada pelas seções Contextualization, Audio Literacy, Oral Literacy, Reading
Literacy, Linguistic Literacy, Writing Literacy, as quais tem como objetivo trabalhar com
atividades que possibilitem desenvolver a consciência crítica dos alunos por meio dos
letramentos visual e crítico (DUBOC, 2017; JANKS, 2014; JORDÃO, 2017; MENEZES DE
SOUZA, 2011; MIZAN, 2012; ZACCHI, 2016a). Essa obra didática é dividida em três
volumes. cada volume trabalha com uma temática e os assuntos que são discutidos no decorrer
das unidades estão relacionados a esse tema principal.
Conforme Moita Lopes (2002), as narrativas são mecanismos que usamos para criar
sentido do mundo a nossa volta, como também é um dos principais recursos que utilizamos no
processo de construção de nossas identidades no mundo social.
Com base nos pressupostos de Bruner, Zacchi (2016c) apresenta dois tipos de narrativas,
as narrativas canônicas e as contra narrativas. Segundo o autor, as narrativas canônicas, ou
conhecidas como hegemônicas e dominantes, são identificadas com os grupos dominantes, os
quais privilegiam uma história em detrimento das outras com o objetivo de manter o controle
sobre os corpos sociais e de legitimar essas narrativas como histórias oficiais. Entretanto, as
contra narrativas são identificadas com os grupos marginalizados, que procuram romper e
criticar o privilégio das narrativas hegemônicas através de suas contra narrativas. Dessa forma,
as narrativas podem tanto ser um instrumento para construir uma identidade para si mesmo
quanto para construir uma identidade para o outro (MOITA LOPES, 2002; ZACCHI, 2016c).
Na seção Linguistic Literacy, as atividades convidam os estudantes a utilizar de seus
conhecimentos já desenvolvidos nas atividades anteriores sobre autobiografia, para comparar
com os exemplos apresentados de biografia e perceber a diferença e semelhança entre essas
duas formas de se representar e se narrar. Além disso, essa seção trabalha com vocabulário e
estruturas gramaticais relacionados ao tema principal do respectivo volume.
A seção Reading Literacy propõe atividades em que os alunos desenvolvam sua
capacidade de leitura e interpretação de forma crítica. Essa atividade pede aos estudantes que
façam uma leitura das selfies, que são consideradas por essa unidade como uma forma de se
autorrepresentar, e com base nessa interpretação discutam com o colega sobre as pessoas
representadas nelas. Nessa atividade, o autor tem como objetivo trabalhar com os conceitos
desenvolvidos anteriormente sobre autobiografia e biografia, já que os alunos por meio de suas
leituras das selfies (autorrepresentações) produzirão sentidos de acordo com seus contextos
sociais, culturais, ideológicos, políticos etc. na busca de representar e construir a identidade do
“outro” (biografia).
64
Ademais, esse exercício não está apenas focado em demonstrar aos discentes que a
maneira como uma pessoa se representa, se constrói ou se narra pode ser diferente (produzir
significados diferentes) de como o outro a representa, a constrói e a narra, mas também em
evidenciar que diferentes pessoas constroem diferentes significados por possuir contextos
específicos e particulares (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; HALL, 2016, 1996). A exemplo
disso, no enunciado dessa atividade solicita que o aluno debata com um colega. É nesse sentido,
que os estudantes ao entrar em contato com essas autorrepresentações podem produzir
representações diversas, como também podem construir sentidos semelhantes caso os
participantes sejam das mesmas comunidades de práticas (HALL, 2016). Em conformidade
com Hall (1996), as práticas de representação estão sempre relacionadas às posições de
enunciação, a partir das quais falamos ou escrevemos, ou seja, damos sentidos às coisas pela
maneira como as representamos em um determinado contexto.
A atividade recomenda que o educando faça uma leitura de todas as selfies e discuta
com o colega o que essas autorrepresentações revelam sobre as pessoas representadas nelas.
65
Embora o enunciado peça para interpretar todas as imagens nessa seção, apenas darei ênfase na
autorrepresentação indígena, já que minha pesquisa é voltada em analisar a construção e
representação da identidade dos povos originários. Então, ao analisar a selfie, podemos
considerar que essa imagem escolhida e inserida no livro didático pelo autor, mais
especificamente, nessa atividade busca promover a visibilidade, o protagonismo e a diversidade
dos povos indígenas, como vem sendo orientado nos documentos oficiais e no edital do PNLD
de 2015 (BRASIL, 2015), por construir e representar uma identidade indígena contemporânea,
descentrada, fragmentada, isto é, um sujeito híbrido que além de conviver com sua tradição de
origem, também tem interações com outras formas de conhecimentos e culturas (BAUMAN,
1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006, 2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018;
GLISSANT, 2005; BHABHA, 1996; CANCLINI, 1995; BURKE, 2003).
Nesse sentido, é perceptível que o autor visa à construção e representação da identidade
indígena para além da formação de uma “identidade de raiz única” (GLISSANT, 2005), um
sujeito que possuirá uma “identidade nova”, uma “identidade híbrida” (BHABHA, 1996;
CANCLINI, 1995; BURKE, 2003) por ter vários encontros, contatos, interações, trocas com
outras culturas e outras epistemologias (BURKE, 2003). Além disso, as escolhas feitas pelo
autor não são parciais e neutras, mas, sim carregadas de intenções e ideologias por estar
implicadas com o seu contexto cultural, social, histórico e específico (KRESS; VAN
LEEUWEN, 1996; JANKS, 2014; MIZAN, 2012; HALL, 1996, 2016). Desse modo, a maneira
como o produtor da imagem escolhe representar esse sujeito –– como um sujeito híbrido por
utilizar de artefatos da tecnologia de informação e comunicação e por ter acesso a outras
epistemologias –– se distancia de uma identidade essencialista, estereotipada, fantasiada que
foi construída e imposta pelos projetos coloniais.
Segundo Kress e Van Leeuwen (1996), as representações visuais constituem e mantém
interações entre os participantes –– os criadores, os espectadores e os sujeitos representados –
–, pelo fato de que ao entrar em contato com essas representações cada participante produzirá
sentidos diversos por possuir posições e contextos ideológicos, culturais, históricos e sociais
diferentes (MIZAN, 2012). No caso da proposta dessa atividade da página 28, o produtor, autor
do livro didático, escolhe aspectos criteriosos para construir e representar o objeto, neste caso
a identidade indígena, ou seja, o autor procura representar a identidade indígena focada nesse
aspecto, como já foi mencionado, uma identidade fragmentada, diversa e múltipla. No entanto,
o espectador (os alunos) ao entrar em contato com as selfies (autorrepresentações), da mesma
forma, irá construir e representar a identidade do “outro” por meio de aspectos criteriais de suas
66
escolhas, que são decorrentes dos seus contextos culturais, sociais, históricos e específicos
(KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; HALL, 1996, 2016).
Figura 8- Representação indígena da atividade Reading Literacy página 28
alguns aspectos (das práticas coloniais) que podem contribuir na construção do imaginário do
espectador no processo de representar e construir esse sujeito como pertencente a uma
identidade indígena. Devido à formação de uma imagem fantasiada, imaginada e construída
pelos projetos coloniais, a identidade indígena é “visualmente marcada por causa de sua cor de
pele, textura de cabelo, estrutura corporal” (MIZAN, 2012, p.272) e uso de trajes e adornos
típicos indígenas (PAIVA, 2015). De acordo com Mizan (2012), as representações visuais dos
povos originários realizadas por instituições dominantes, produzem determinados significados
à identidade indígena através de características simples que foram atribuídas e marcadas sobre
seus corpos.
Ao longo dos anos, a identidade dos povos indígenas esteve em jogo pelo padrão de
poder representacional. Os regimes dominantes de representação construíram e representaram
a identidade desses povos pela lógica da marcação e diferença. Como já foi discutido no
capítulo 3 “Racialização do ‘Outro’”, os projetos coloniais utilizaram de diferentes práticas
representacionais, como, por exemplo, a fixação do estereótipo para diferenciar os
colonizadores dos colonizados.
Desse modo, os colonizadores atribuíram poucas características simples e essenciais
sobre os povos indígenas, reduzindo-os a esses poucos traços estereotipados e depois
exagerando-os e fixando-os na representação da diferença (HALL, 2016). Em relação à
atividade Reading Literacy, são essas poucas características essencializadas e naturalizadas da
estereotipagem sobre os corpos dos povos indígenas que podem possibilitar o olhar e a
imaginação ocidental do espectador ao entrar em contato com a selfie (autorrepresentação) e
produzir representações a partir desse aspecto colonial. Assim, podemos notar que a
representação desse sujeito pode ter sido definida por esses poucos traços estereotipados, cor
da pele, textura de cabelo, trajes e adornos típicos da cultura indígena (MIZAN, 2012; PAIVA,
2015).
Segundo Blommaert, Ying e Kunming (2019), as identidades online ou identidades
selfies são construídas por meio de interações e condições de produção online específicas. Para
os autores, nas ações online as identidades dos participantes são construídas com base nas
informações criadas, exibidas e mostradas em seus perfis de usuários enquanto interagem com
outros participantes. Assim, as identidades selfies/online são autorrepresentações configuradas
pelo fato de que o participante escolhe as informações que ele quer exibir ou que pode exibir
em uma determinada interação online específica. Então, no caso da representação da identidade
selfie do indígena nessa atividade, ela não se configura necessariamente como uma
autorrepresentação, pois é uma foto de uma selfie que o representado, nesse caso o indígena,
68
não participa do processo de construção de sua própria identidade (MIZAN, 2012). No entanto,
no que diz respeito a selfie, o autor da selfie, o indígena, escolhe utilizar de artefatos típicos
indígenas, o cocar, para se autorrepresentar e auto afirmar sua identidade ameríndia. “Quando
os povos indígenas buscam reivindicações, eles frequentemente usam trajes e adornos típicos
de índios brasileiros que fazem parte da identidade que procuram construir para eles mesmos
em situações em que entram em contato com o homem branco e com a mídia” (MIZAN, 2012,
p.269). No caso do autor da foto selfie é perceptível que ele também escolhe evidenciar o uso
do cocar para relacionar a identidade dos povos originários, porém com outro propósito, não
como um objeto simbólico importante para a cultura e autorrepresentação da identidade desses
povos, mas, sim, como um objeto que é atribuído características essencializadas e
estereotipadas na construção e representação da identidade ameríndia.
Em conformidade com Alice Pataxó (2020b), o cocar é uma simbologia importante
para a sabedoria e o poder dos povos indígenas, pois é uma forma de reconhecer o outro, sua
influência e inteligência, por isso não pode ser apenas entendido pelo senso comum como um
mero enfeite. Da mesma forma que existe uma diversidade cultural das coletividades
ameríndias, existe uma variedade de modelos de cocares, bem como diferentes significados que
variam a depender da etnia. Além disso, Pataxó menciona que o uso do cocar não é determinado
pela idade, sendo assim, é comum encontrar em algumas culturas o uso desse objeto simbólico
por indígenas jovens pelo fato de seu merecimento e preparo espiritual.
Para Kress e Van Leeuwen (1996), a representação é um processo no qual os produtores
de significados buscam representar algum objeto, pessoas, lugares e coisas a partir do contexto
particular e específico de produção. Sob o mesmo ponto de vista, Hall (2016) afirma que a
representação é uma das práticas que produzem cultura, pelo fato de que damos sentidos às
coisas pela forma como as utilizamos em nossas práticas. Apesar disso, o autor (1996) afirma
que os sentidos são construídos dentro da representação por possuírem implicações das
posições de quem produz esses significados.
Dessa maneira, podemos constatar que a construção e representação da identidade
indígena na atividade da página 28 é compatível com a proposta da unidade, não somente com
a unidade, mas também com o tema principal do volume da obra didática, ao trabalhar com as
diversas maneiras de se autorrepresentar e de representar o outro a partir do contexto do
produtor de significados. Apesar disso, embora o autor se fundamente nos documentos oficias
da educação na tentativa de construir e representar a identidade desse sujeito como
contemporânea, fragmentada, por possuir identidades híbridas e múltiplas, como também de
promover a visibilidade, a diversidade, a participação e o protagonismo desses povos em outros
69
contextos culturais, sociais e históricos (BRASIL, 2015), a imagem escolhida nessa atividade
tem potencialidade de reforçar uma visão estereotipada e essencialista do ser indígena.
Ademais, o autor da coleção não aproveita a brecha da atividade para trazer informações sobre
os povos indígenas da atualidade, que cada vez mais utilizam de ferramentas tecnológicas ––
demarcando telas –– para denunciar violências, estereótipos e discriminações praticadas pelos
não indígenas, assim como para lutar por seus direitos, terras, culturas etc. Sobre esse assunto
explica Txaí Suruí (2021)
Hoje os povos indígenas usam da tecnologia como uma arma, exatamente para
poder estar levando as nossas vozes a cada mais espaços e, assim, a gente vai
demarcando as telas. É levando para todo mundo a nossa realidade e levando
também que os povos indígenas podem estar onde eles quiserem, porque nós
ainda somos muito invisibilizados. A gente ainda não é escutado da mesma
forma que a Greta, uma menina branca do norte global, mas acredito que a
gente só pode mudar esses espaços decolonizando e levando mais pessoas
indígenas para todos os espaços. Por exemplo, para TV, para as empresas, para
todos os lugares e é só assim que a gente vai mudar se não o mundo vai
continuar sendo o mesmo (SURUÍ, 2021).
informações que causaram surpresa aos alunos, já que a atividade traz diferentes pontos de
vistas de um mesmo assunto (saúde), e que os orientem em relação as maneiras de ver, entender
e se referir à cultura do outro, para que evite construir uma visão estereotipada. Então, nessa
atividade, é visível que o autor tem como objetivo trabalhar com uma perspectiva plural e
diversa de concepções que cada pessoa, povo ou cultura produz de um determinado assunto,
bem como mostrar aos discentes que existem diferentes pontos de vistas e não somente a
produção e a legitimação do conhecimento e da cultura dos homens ocidentais
(GROSFOGUEL, 2016; KRENAK, 2021; CARNEIRO, 2005; SANTOS, 1999).
De acordo com Krenak (2021), na terra podemos encontrar diferentes produções de
conhecimentos e saberes plurais. E que há bastante tempo foi negado aos povos os seus modos
de produções epistemológicas, como também o valor de equidade em relação à cultura
ocidental. “Mas nem, por isso, precisamos acreditar que é “outra” ciência, porque ciência é
ciência. Assim como, sabedoria é sabedoria” (KRENAK, 2021). Na verdade, o que o autor
afirma é que no mundo existe diferentes perspectivas, saberes e cosmovisões. E pelo fato dessas
produções epistêmicas serem diferentes do padrão epistêmico ocidental não quer dizer que
devem ser classificadas como outro tipo de ciência. “Assim como tudo é vida, tudo também é
ciência” (KRENAK, 2021).
Desse modo, essa diversidade existente entre as produções epistemológicas pode ser
devido ao contexto “multicultural e multiétnico em que vivemos no Brasil", conforme explica
Munduruku (2020), pois, essas produções são constituídas por diversos grupos sociais que
possuem diferentes identidades étnicas, linguísticas e culturais. Por esse motivo, é inconcebível
acreditar que os sujeitos possuem uma identidade estática e imutável, já que o Brasil foi um
país construído de diferentes povos culturais.
Em contraste com o pensamento de Munduruku (2020), Canen (2007) explica que
mesmo que o multiculturalismo –– o crítico –– pressuponha reconhecer a pluralidade cultural,
questionar as desigualdades das relações sociais de poder entre as diversas culturas e os
preconceitos, ainda essa vertente trabalha com a ideia de uma identidade essencialista e estável
por não considerar o dinamismo, os choques, as interações, os conflitos, o hibridismo e o
movimento que caracteriza a formação de novas identidades. Similarmente, Silva, Souza e
Zacchi (2018), afirmam que apesar desse multiculturalismo buscar promover o reconhecimento
da pluralidade e diversidade sociocultural, o contato entre as diferentes culturas permanece em
uma relação limitada e restrita provocando a separação “por fronteiras tanto físicas e quanto
simbólicas” (SILVA, SOUZA, ZACCHI, 2018, p.75).
72
Essa atividade da página 48 apresenta cinco textos com diferentes pontos de vista de
diversas culturas a respeito do tema saúde. Os textos são identificados por letras, da letra “a”
até “e”, e o texto que remete a identidade dos povos ameríndios está localizado na letra “a”.
Embora a atividade mostre perspectivas de outras culturas em relação à saúde, apenas analisarei
o trecho que se refere a identidade dos povos indígenas. O texto da letra “a” é um fragmento
73
apresentado sem título. Logo abaixo do texto é informado o link do site que dá acesso ao texto
original, bem como informações de que o texto é adaptado por possuir nível de linguagem e
publicidade inadequada. Apesar do autor informar o link que dá acesso ao texto original, o site
não está mais disponível. Dessa maneira, não temos como saber se o texto adaptado mantém a
ideia central do texto original. Assim, o fragmento adaptado remete a perspectiva dos povos
originários na forma de ver, entender e se referir a saúde.
Ainda que, o autor do livro didático procure construir e representar uma identidade
indígena contemporânea, ao analisar o texto da letra “a”, podemos perceber que a forma como
ele propõe trabalhar com esse elemento escolhido na atividade provoca o apagamento e
invisibilidade da identidade dos povos originários, pelo fato desse exercício não promover
problematização e reflexão acerca da heterogeneidade cultural existente entre as coletividades
ameríndias. Além disso, é notório que o autor da obra didática também busca promover o
reconhecimento da existência da diversidade e pluralidade sociocultural no que diz respeito aos
diversos pontos de vista sobre o tema saúde. No entanto, o modo como desenvolve a atividade
apresenta uma perspectiva conservadora por não contestar a complexidade de interação das
diversas culturas resultando, assim, na produção de preconceitos, estereótipos e exclusões.
Dessa forma, é perceptível que essa atividade apresenta aspectos das práticas coloniais
pela maneira como o autor do livro didático escolhe desenvolver e trabalhar o exercício, sem
problematizar o dinamismo dos choques e interações entre as diferentes culturas, relacionado
ao elemento que representa a identidade dos povos indígenas. Ademais, essa implicação
colonial também pode ser observada no momento em que o autor sugere que os professores
orientem aos alunos a respeitar a diversas culturas, supondo que a convivência entre os
diferentes grupos é de forma harmoniosa e sem conflitos. Sobre esse tipo de atividade, Zacchi
(2016d, p.619) explica que
Ainda na mesma unidade, Body and mind, podemos identificar a terceira e quarta
representação da identidade indígena na seção Linguistic Literacy das páginas 64 e 65. Essa
seção tem como finalidade trabalhar com vocabulários e estruturas gramaticais relacionados ao
tema principal da unidade. Então, a proposta dessa seção, Linguistic Literacy das páginas 64 e
74
A seção inicia-se com uma atividade, cuja intenção é de informar sobre os eventos de
esportes que acontecem no Brasil. A atividade solicita que se observe a página da web, logo
abaixo, e responda duas questões, What does it have in common with the 2016 Olympic Games?
What are the differences? (O que tem em comum com os Jogos Olímpicos de 2016? Quais são
as diferenças?). Para compreender qual é o assunto a ser discutido nas questões é indispensável
a leitura da página da web. Essa página da web trata dos Jogos Mundiais Indígenas. Segundo o
autor da obra didática, o que os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas têm em comum com os
Jogos Olímpicos de 2016, é que ambos envolvem esportes, atletas e competições. Já a diferença
é que os Jogos Mundiais Indígenas são somente para os povos indígenas de diferentes etnias.
Na parte inicial da página da web é apresentada uma área específica chamada de The
Games, que tem a intenção de informar sobre os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. O texto
selecionado da primeira atividade, da seção Linguistic Literacy da página 64, é retirado dessa
75
parte The Games. O texto é exibido sem título, apenas é indicado o nome da área The Games.
Logo abaixo do texto é informado o link da página da web que dá acesso ao texto original,
assim como informações de que o texto é adaptado por possuir nível de linguagem e publicidade
inadequada. Embora o autor informe o link do site que dá acesso ao texto original, o site não
está mais disponível. Desse modo, não sabemos se o texto adaptado mantém a ideia principal
do texto original.
O texto adaptado explica sobre a realização do primeiro Jogos Mundiais dos Povos
Indígenas que ocorreu na cidade Palmas em Tocantins, localizada no Brasil. O evento aconteceu
em 23 de outubro a 1 de novembro no ano de 2015. Os 2.000 atletas indígenas vieram de toda
parte do país e também do mundo para participarem do primeiro evento esportivo mundial dos
povos indígenas. Nesse evento, havia uma diversidade de práticas esportivas, algumas
competições de estilo ocidental, como, por exemplo, futebol e atletismo, e outras competições
de jogos tradicionais indígenas. Alguns jogos eram disputados de forma competitiva, já outros
eram apenas demonstrados pelos povos indígenas como uma forma de mostrar sua herança e
cultura viva. A exemplo disso, o Xikunahity, um jogo de futebol indígena em que a bola é
controlada apenas com a cabeça. Além disso, esse evento busca reunir a diversidade
representada nos jogos, como também a cultura e a tradição dos povos indígenas do país e do
mundo.
Depois da primeira atividade da página 64, que introduz o assunto que será trabalhado
na próxima atividade, a atividade dois da página 65 apresenta vocabulários relacionados as
práticas esportivas. Os vocabulários esportivos apresentado no box da segunda questão
representam tanto esportes de estilo ocidental quanto esportes de tradições indígenas. Essa
segunda questão solicita que se identifique os esportes nas imagens abaixo usando os nomes
informados dentro do box. Para ajudar a identificar qual esporte corresponde a cada palavra, o
autor sugere que se estimule os estudantes a usar cognatos e conhecimentos de mundo para
completar a atividade. Além de pedir para nomear cada prática esportiva, a atividade ainda pede
para que os alunos identifiquem quais desses esportes participam dos Jogos Mundiais dos Povos
Indígenas. Para isso, os alunos precisam fazer leitura crítica das imagens localizadas na
atividade dois da página 65, como também necessitam das informações do texto da atividade
um da página 64 para deduzir quais esportes fazem parte do evento, visto que o texto da
atividade um informa que somente atletas indígenas participam do evento dos Jogos Mundiais
dos Povos Indígenas, podendo ser tanto do Brasil quanto de outras partes do mundo. Diante
disso, os estudantes podem utilizar dessas ideias do texto e das informações contidas nas
imagens para identificar quais esportes fazem parte dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.
76
evento mundial, precisa identificar quem são os povos indígenas representados nas imagens, e
para isso, utiliza do aspecto específico escolhido.
Conforme já discutido anteriormente, Gonzaga (2021) afirma que nos tempos
contemporâneos não faz mais sentido a construção de identidades étnicas ligadas a concepções
estáticas e imutáveis pelo fato de que as identidades são dinâmicas, moventes e vivas. Desse
modo, não é aceitável construir e representar a identidade dos povos indígenas de forma
genérica, relacionada a uma identidade estática e permanente, visto que existe uma imensa
diversidade de experiência cultural, linguística e epistemológica entre os coletivos indígenas.
Da mesma forma, Hall (1996) explica que na pós-modernidade a discussão em torno do
conceito de identidade não manifesta pontos estáveis, sendo do início ao fim da história sem
alterações, permanecendo fixos e sólidos ao longo do tempo. Para o autor, as identidades dos
sujeitos não são unificadas e singulares, elas são múltiplas, fragmentadas, fraturadas produzidas
em diferentes contextos, discursos, histórias, culturas e posições.
Dessa forma, podemos notar que os elementos verbal e imagético, que representam a
identidade ameríndia nessa atividade das páginas 64 e 65, foram escolhidos com o objetivo de
construir e representar uma identidade indígena do presente, do agora (MUNDURUKU, 2019,
2021a; GONZAGA, 2021; KRENAK, 2020a), porém o modo como o autor da obra didática
propõe desenvolver a atividade acaba resultando em uma representação da identidade indígena
genérica, estática, do passado (GONZAGA, 2021). Além disso, esses elementos apenas foram
colocados nessa atividade para trabalhar com os vocabulários de práticas esportivas,
invisibilizando e apagando, assim, toda diversidade cultural e cosmológica das comunidades
ameríndias. Diante disso, essa atividade novamente não possibilita problematização, somente
apresenta essas representações para relacionar com o aprendizado do conteúdo de vocabulário
e estruturas gramaticais –– como é proposto pela seção Linguistic Literacy ––, ou seja, trabalha
com esses elementos de forma simplista e básica, sem proporcionar o aprofundamento de
discussões de temas atuais e complexos. Por esse fato, essa atividade apresenta aspectos das
práticas coloniais por escolher representar os povos originários relacionados a esse tipo de
exercício que promove pouca ou quase nenhuma reflexão e reforça mais os traços da
estereotipagem e do essencialismo.
Os chamados estereótipos particulares e culturais, explica Gonzaga (2021), são
construídos nos processos socializantes que muitas das vezes ocasionam em preconceitos e
discriminação. Frequentemente, os estereótipos pejorativos representam os grupos
marginalizados associados a características de animais ou de outras coisas que necessitam de
vivacidade e os afastam de traços que definem o ser humano. “Quando as projeções que se
78
desenvolvem por relações de diferença e de contraste vêm à tona, depara-se com a ocorrência
da desumanização, que é definida pela total negativa de humanidade aos demais” (GONZAGA,
2021, p.25).
Por fim, a última representação da identidade indígena é encontrada na unidade 3,
intitulada Cultural Identity, na abertura da unidade e na seção Contextualization das páginas 94
e 96. A proposta da unidade é discutir as definições de cultura, identidade e identidade cultural
que se relacionam aos modos de comportamento dos povos, aos aspectos cognitivos e
simbólicos que são adquiridos em uma determinada comunidade, como também as habilidades,
crenças, valores, línguas, vestimentas, normas, e entre outras coisas que caracterizam um modo
de vida na sociedade. O autor apresenta na abertura da unidade várias imagens que demonstram
a diversidade cultural de diferentes povos ao redor do mundo, como, por exemplo, hábitos
alimentares, crenças religiosas, vestimentas, artesanatos, arquitetura local, pintura etc., que
contribuem na construção da identidade de um indivíduo. A intenção da unidade é fazer com
que os estudantes reconheçam as diversas práticas, costumes, valores, comportamentos etc.
adquiridas na sociedade que contribuem no processo de formação da identidade do sujeito.
Além disso, a unidade proporciona momentos de reflexão ao expor que as identidades dos
sujeitos são múltiplas, plurais, fragmentadas pelo fato de que as sociedades e as culturas são
diversas (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006, 2016; CASTELLS, 2018).
Logo após a abertura da unidade, que apresenta diversas práticas culturais que
contribuem para a formação da identidade do sujeito, o autor introduz a seção Contextualization
na página 95, que já foi conceituada anteriormente. Para introduzir o tema que será abordado
nessa unidade, Cultural Identity, o organizador do livro didático inicia a seção
Contextualization com uma reflexão ao pedir para que os alunos reflitam sobre o que eles têm
estudado até agora e como eles podem explicar o conceito de identidade. Nessa atividade, o
autor propõe que os estudantes pensem sobre o que tem estudado ao longo das unidades
anteriores, que também trabalharam com a temática identidade, mas com diferentes aspectos.
Ademais, o produtor da obra sugere que os professores proporcionem os alunos a reconhecerem
que a identidade não é fixa, mas complexa, plural, múltipla e fragmentada, pois os sujeitos
possuem diversos traços identitários que os constituem e dependem do contexto e da situação
para que um traço esteja mais em evidência do que o outro, como também está relacionado aos
modos como os indivíduos veem a si próprios e aos outros, ou seja, como eles constroem suas
identidades e a dos outros a partir de suas perspectivas (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990,
1996, 2006, 2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018; ZACCHI, 2016c; GONZAGA,
2021).
79
De acordo com Jenkins (2008), a identidade não é fixa, imutável, mas negociável e
flexível. Buscamos por identidade quando queremos compreender quem somos e quem são as
outras pessoas, da mesma forma que as outras pessoas buscam compreender a si mesmas e aos
outros.
de vida de um sujeito construída nas relações sociais diárias constitue percursos que não
exclusivamente propagam a vivência do grupo. Já as identidades coletivas são compreendidas
como um processo de construção de significados em que as experiências coletivas em torno de
pontos específicos de diferenciação são constituídas de significados particulares.
Ainda na mesma seção, no item três solicita que os alunos definam o conceito de cultura
e discuta com um colega (How can you define “culture”? Discuss it with a partner.). Aqui os
estudantes precisam utilizar-se de seus conhecimentos de mundo e prévios para refletir sobre o
conceito. É importante evidenciar que da mesma forma que o conceito de identidade é
complexo, a definição de cultura também apresenta um nível complexidade semelhante.
“Conceituar cultura é uma tarefa difícil, complicada e que exige grande cuidado e
responsabilidade. Isso ocorre devido à variedade de acepções contidas nesse vocábulo” (LIMA,
2008, p.91). Para Nieto (2010), definir cultura é complicado pelo fato de significar várias coisas
para diferentes pessoas em diferentes contextos.
O objetivo desse item é preparar os estudantes para a discussão da próxima questão. No
item quatro apresenta dois trechos que explicam a definição de cultura. E pedem para que os
discentes leiam e percebam a semelhança e a divergência dessas concepções com as suas
discutidas anteriormente, no item três, com o colega. O primeiro fragmentado retirado do livro
“Small Places, Large Issues: An introduction to social and cultural anthropology” escrito por
Thomas Hylland Eriksen informa a concepção de cultura pelo viés antropológico. Segundo
Thomas Eriksen a antropologia cultural diz respeito aos conhecimentos sobre aqueles aspectos
da humanidade que não são naturais, mas adquiridos. Cultura pode ser definida como as
habilidades, noções e formas de comportamento que as pessoas têm adquiridos como membros
da sociedade, cultura se refere ao que é adquirido, aos aspectos cognitivos e simbólicos da
existência.
O segundo fragmento é retirado do livro “An introduction to sociology” escrito por Ken
Browne trata da concepção de cultura pela perspectiva sociológica. Para Ken Browne o termo
cultura é utilizado pelos sociólogos para se referir à linguagem, crenças, valores e normas,
costumes, vestimentas, dieta, papéis, conhecimentos e habilidades, e todas as outras coisas que
as pessoas aprendem que constituem o "modo de vida" de qualquer sociedade. Cultura é
transmitido de geração em geração através do processo de socialização. É importante salientar
que os dois fragmentos expostos no item quatro foram adaptados pelo o autor da obra didática
para a proposta da atividade.
Para Viveiros de Castro (2010), o lado natural e o lado cultural do homem é uma
distinção que não é natural, mas cultural. Essa diferenciação tem uma história, origem e ligação
81
nas tradições culturais do ocidente, no cristianismo etc., sendo assim, um conjunto de fontes
fundamentais para a cultura hegemônica e ao mesmo tempo diferentes para outras tradições
culturais, que são constituídas por uma perspectiva diferente do homem.
Figura 12 – Abertura da unidade 3 página 94
No entanto, na questão nove podemos perceber a discussão proposta nesse item. O item
nove sugere que discuta quais aspectos da identidade cultural os alunos podem ver nas figuras
da página 94 “Which aspectos of cultural identity can you see in the pictures?”. Para isso, o
autor recomenda que os discentes façam as leituras dessas imagens e utilizem de seus
conhecimentos aprendidos e adquiridos ao longo da seção Contextualization para conseguir
desenvolver a discussão. No decorrer da seção, desenvolveu-se discussões com as temáticas
identidade, cultura e identidade cultural, proporcionou os alunos utilizarem de seus
conhecimentos de mundo e adquiridos para conceituar identidade e cultura e apresentou
conceitos de cultura pelo viés antropológico e sociológico. Então, com base nas informações
aprendidas durante a seção, os discentes podem responder em relação aos diferentes valores,
práticas, costumes, vestimentas, adornos, tipos de comida, rituais religiosos, tipos de
cumprimento, arquitetura local e etc. Além disso, o organizador da obra aconselha que os
professores informem que cultura não representa somente aquilo é diferente, “exótico”,
“excêntrico”, mas também valores, costumes e práticas comuns de uma pessoa. Segundo
Krenak (2020a), a cultura não pode ser vista como estática, fixa, mas sim dinâmica e viva pela
razão de estarmos sempre criando cultura. “Toda manifestação cultural é vivida e inexiste
cultura estática, seja ela do homem branco, seja oriunda dos coletivos indígenas” (GONZAGA,
2021, p.18).
Conforme já discutido anteriormente, para Hall (1990) a identidade cultural é construída
em dois sentidos, o primeiro na semelhança e o segundo na diferença. A identidade cultural no
primeiro sentido diz respeito a uma cultura compartilhada, isto é, pessoas que possuem
contextos históricos, traços culturais, ancestralidade compartilhadas em comum. “A identidade
83
cultural reflete nas experiências históricas comuns e códigos culturais compartilhadas que nos
fornecem, como um povo, com quadros estáveis, imutáveis e contínuos de referência e
significado” (HALL, 1990, p.223).
O segundo sentido de identidade cultural identifica que existe a semelhança no processo
de construção de identidade, mas também existe a diferença. E a diferença é ponto significativo
na constituição de sabermos quem somos e o que nos tornamos, além disso, as rupturas,
fragmentações e descontinuidades constituem o ser. “As identidades culturais são pontos
identificação instáveis de identificação ou sutura, que são feitas, dentro dos discursos, da
história e da cultura” (HALL, 1990, p.226).
Conforme aponta Lima (2008), culturas podem ser entendida como padrões
compartilhados de comportamentos, valores, práticas que se adquire por meio de interações
sociais. E esses padrões comuns compartilhados contribuem tanto no reconhecimento de
membros de um determinado grupo quanto os diferenciam de outros.
a fim de relacionar com o tema principal da unidade sem fazer conexão com o contexto dele
nos dias atuais. Além disso, a atividade não explora questões sobre preconceito, discriminação
e exclusão que são a base para ocasionar práticas genocidas, visto que os povos originários têm
constantemente sofrido essas condutas pela sociedade pelo simples fato de autoafirmar suas
identidades.
Apesar do organizador da obra didática buscar construir e representar uma identidade
indígena antiessencialista e descentrada por visibilizar a tradição, cultura, os valores e
conhecimentos desses povos, o autor perde a oportunidade de mostrar na unidade a
representação da identidade dos indígenas como coletividade, como diferentes povos e como
diferentes sujeitos, que em todos esses casos as identidades são plurais e dinâmicas. Então,
devido à intenção do autor do livro didático de construir e representar a identidade dos povos
originários por meio da escolha daquela imagem na abertura da unidade, bem como pela
maneira que propõe desenvolver a atividade resulta na formação de uma identidade ameríndia
estereotipada, essencialista e imutável do que uma identidade indígena contemporânea.
Figura 14 – Imagem da identidade indígena
Diante disso, podemos notar que a depender do aspecto escolhido pelo espectador no
processo de identificar a identidade cultural dos povos indígenas pode apresentar alguns dos
aspectos das práticas coloniais. Por consequência de uma imagem idealizada, fantasiada e
romantizada pelos projetos coloniais, a construção da identidade indígena é frequentemente
relacionada ao passado e a um contexto estático e inalterável (GONZAGA, 2021). Desse modo,
pela forma como a unidade representa a identidade indígena na abertura da unidade pode levar
85
mais, o produtor tem a intenção de mostrar que não existe um único pensamento para definir o
que é arte, mas diferentes pontos de vista. Desse modo, nesses trechos, o autor tem como
objetivo apresentar aos estudantes que não existe apenas um significado para conceituar o que
é arte, mas, sim, infinitas possibilidades de definições.
Segundo Naine Terena (2021), para os povos indígenas não existe a possibilidade de
conceituar arte através de um único entendimento, pois cada povo tem seu conhecimento de
arte e de artista.
Não existe uma separação do que seria a arte e a vida entre os povos indígenas,
porque tudo acontece dentro de um mesmo contexto, dos mesmos fazeres. Isso
também faz parte de uma educação da convivência com o outro. O que é arte
entre os povos indígenas? Tem dito para muitas pessoas que não tem como
categorizar a arte indígena a partir de um único pensamento, porque cada povo
tem seu entendimento de arte e de artista. Uma jovem ensinando uma criança
a fazer uma saia, isso é arte para nosso contexto. Como também uma pessoa
sentada debulhando o milho para alguns povos isso também é um processo de
arte. Temos entendimento de que esses fazeres englobam e fazem parte de
contexto de produção artística, de sentido, de produção estética, de fazeres que
não se desconectam de outros segmentos da vida (TERENA, 2021).
18
Conforme já discutido no capítulo anterior, segundo Viveiros de Castro (2004), no pensamento ameríndio os
animais e outros seres que povoam o universo veem os humanos como animais e veem a si próprios como
humanos. Essa concepção está relacionada a ideia de que os corpos de cada espécie são um tipo de roupa que
esconde a essência humana, que dificilmente pode ser visível para outros seres, a não ser para a própria espécie.
88
predeterminadas. É perceptível que somente no momento que é solicitado a leitura das imagens
a atividade pode desenvolver consciência crítica dos alunos, pois é no processo de construção
de significados que utilizam de seus contextos sociais, culturais, históricos, específicos etc.
(HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996).
Figura 16 – Arte indígena
Assim, nota-se que a unidade apresenta alguns momentos de reflexão ao mostrar que as
produções artísticas estão cada vez mais acessíveis ao redor do mundo por causa do processo
de globalização. Além disso, essa unidade propõe refletir acerca da existência de diferentes
perspectivas, e não de um pensamento único, para definir o que é arte. No que se refere à
atividade que representa a identidade indígena, o autor da obra didática não tem a preocupação
de promover problematização e reflexão nos itens, visto que nesse exercício apenas é solicitada
a leitura das imagens e depois pede para relacionar com as descrições já pré-determinadas.
Ademais, é perceptível que nessa atividade mais uma vez o organizador do livro didático
somente promove a imagem do indígena para relacionar com a temática central da unidade.
Assim como perde a oportunidade de trazer informações sobre a arte indígena e como os povos
ameríndios conceituam a arte, para mostrar que tanto a produção artística quanto sua definição
podem mudar de etnia para etnia ou até mesmo modificar de cultura para cultura. Então, a forma
como o organizador da obra didática apresenta a imagem da arte indígena no início da unidade
–– fundamentado em uma única visão de identidade ameríndia –– manifesta uma exaltação da
89
De acordo com Gonzaga (2021), a identidade e o pertencimento étnico não pode ser
entendido como conceitos fixos e estáticos, mas como processos dinâmicos de formação social
e individual. Sobre esse tema, conforme já discutido anteriormente, explanou Daniel
Munduruku (2020)
19
Para Viveiros de Castro (2004), o perspectivismo ameríndio não é um multiculturalismo, que pressupõe uma
multiplicidade de representações parciais e arbitrárias, mas um multinaturalismo que propõe “uma unidade
representativa ou fenomenológica puramente pronominal, aplicada indiferentemente sobre uma diversidade real”.
Assim, segundo o autor, nessa perspectiva os seres humanos e não-humanos veem o mundo da mesma forma,
“uma só ‘cultura’”, o que muda é a consciência de cada espécie, “múltiplas ‘naturezas’”. Então, os animais usam
de princípios e valores semelhantes aos dos humanos porque seus mundos, como o dos humanos, vivem em função
da pescaria, caça, comida e das bebidas. Além disso, os animais veem coisas diversas como os humanos, mas essas
coisas são vistas diferentemente porque os corpos dos não-humanos são diferentes dos humanos. “O que para nós
é sangue, para o jaguar é cauim; o que para as almas dos mortos é um cadáver podre, para nós é mandioca
fermentado; o que vemos como um barreiro lamacento, para as antas é uma grande casa cerimonial” (VIVEIROS
DE CASTRO, 2004, p. 239-240)
90
Para Gonzaga (2021), essa imagem fantasiada dos povos ameríndios, isto é, essa visão
construída pelo senso comum de um indígena puro, verdadeiro e originário não condiz com os
povos indígenas da realidade. Isso porque os povos indígenas contemporâneos são diferentes
dessa figura idealizada e também entre si mesmos, sendo caracterizados pela sua
heterogeneidade cultural e pelos seus projetos diversificados (GONZAGA, 2021). Segundo
Adichie (2009), o problema da criação de uma única história não é somente caracterizado pela
produção de estereótipos, mas também de tornar essa única história como um fato real. Isto é,
apresenta um povo ou cultura com uma determinada característica, que logo em seguida é
repetida, e depois fixada.
Sob o mesmo ponto de vista, Gonzaga (2021) afirma que não se deve identificar quem
é indígena ou não a partir de uma única concepção, pois esse pensamento é preconceituoso,
discriminatório e excludente. Embora exista uma grande diversidade cultural entre as
comunidades indígenas, ainda é muito comum o conceito de que os verdadeiros indígenas são
aqueles que não foram aculturados, que vivem em florestas, andando nus, com uma pena na
cabeça, usando arco e flecha e morando em uma oca. “Como se sua cultura fosse um bem
permanente, estático e que não se alterasse com a passagem temporal com os ditos progressos
sociais” (GONZAGA, 2021).
Para introduzir o assunto que será discutido nessa unidade, Education and work, o organizador
da obra didática inicia a seção Contextualization sugerindo que os alunos leiam o título da
unidade e respondam o que vem em suas mentes quando pensam sobre educação e trabalho?
(Read the title of this unit. What comes to your mind when you think about education? What
about work?). Nessa atividade, o autor propõe que os estudantes reflitam sobre a temática
educação e trabalho e utilizem de seus conhecimentos de mundo e prévios para conseguir
responder à questão. É importante salientar, mais uma vez, que as respostas das questões são
pessoais e podem variar a depender dos contextos sociais, históricos, específicos e culturais dos
alunos (HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; MIZAN, 2012).
Depois da reflexão desenvolvida no item anterior, o item dois solicita que os estudantes
façam a leitura das imagens da abertura da unidade nas páginas 56 e 57. E em seguida, observe
os diversos elementos apresentados nas figuras. “In pairs, explore the pictures. What
observations can you make about each of them?”. Essa atividade propõe trabalhar em duplas,
bem como discutir o que as imagens representam. Então, os alunos ao fazerem as leituras das
figuras, podem observar os diferentes elementos que compõem as imagens, como, por exemplo,
os diversos tipos de trabalhos, trabalhos voluntários, carpinteiro, tarefas domésticas etc. as
diversas instâncias educacionais, educação escolar indígena, escola de ensino técnico etc.
Assim como as especificidades locais, culturais e profissionais que podem ser notadas nos
costumes, nas tradições, nas vestimentas, nos adereços, nas decorações, nos ambientes e entre
outros aspectos. Dessa forma, a atividade busca ser significativa, no entanto, não promove
problematização e proporciona pouca reflexão, posto que apenas solicita a leitura das imagens.
Em relação à imagem na abertura da unidade que representa a educação escolar
indígena, Luciano (2006) afirma que a educação indígena envolve processos diferentes da
educação escolar indígena. A educação indígena diz respeito aos modos próprios de transmissão
e produção dos conhecimentos dos povos ameríndios, em contrapartida a educação escolar
indígena relaciona-se aos modos de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos
ameríndios e não ameríndios por meio da instituição escolar. A educação escolar indígena
quando é apropriada pelos povos indígenas e voltada para suprir às suas necessidades, pode ser
um recurso de fortalecimento das culturas e das identidades indígenas e uma possível via de
conquista da “sonhada” cidadania, “entendida como direito de acesso aos bens e aos valores
materiais e imateriais do mundo moderno” (LUCIANO, 2006, p.129).
93
A educação para os povos indígenas é uma educação que tem que ser diferente
dos não índios. Tem que contemplar as suas cosmologias, as suas filosofias,
os seus modos de vida, suas línguas. Nós não somos da língua portuguesa,
cada povo tem sua língua. Então, essa ideia que nossa educação tem que prezar
pela língua portuguesa porque somos um país que só tem uma língua oficial,
isso não é verdade. Nois temos ainda 180 línguas indígenas (BANIWA, 2021).
o Estado identificar e estabelecer quem é ou não indígena, pois existe uma grande diversidade
cultural dos coletivos indígenas, “das quais ‘habitar a mata’ é somente uma” (GONZAGA,
2021, p.18). Assim, conforme já foi mencionado anteriormente, é incompreensível a
conceituação de que indígenas reais são somente aqueles que vivem nus nas florestas, usando
adereços como uma pena na cabeça, apresentando arco e flecha e morando em uma oca, “como
se sua cultura fosse um bem permanente, estático e que não se alterasse com a passagem
temporal com os ditos progressos sociais” (GONZAGA, 2021, p.18).
Para Munduruku (2019), tem existido uma discussão em torno da questão de definir e
estabelecer quem é ou não “índio”. Então, as pessoas por não compreenderem o assunto em
questão e por se basearem em uma história mal contada ou uma única versão de uma história
contada se consideram no direito de dizer quem pode ser e quem não pode ser indígena. Em
razão disso, é comum as pessoas possuírem pensamentos atrelados a um estereótipo de
questionar se existe índio de verdade? Se existe índio falso? Ou se existe índio puro e impuro?
Então, esses pensamentos colonizados tem conduzido os sujeitos a não entenderem a dinâmica
da cultura, das mudanças e das transformações.
A segunda obra didática a ser analisada é a coleção Learn and Share in English. Essa
coleção, de acordo com os organizadores do livro, não apenas proporciona a ampliação e a
construção do conhecimento da língua inglesa, como também integra a relevância de outras
disciplinas e temas. Ademais, os autores afirmam que além da coleção Learn and Share in
English promover uma aprendizagem significativa da língua inglesa por explorar, discutir e
refletir assuntos de diversas áreas comunicativas, também busca ajudar os estudantes a serem
protagonistas da própria aprendizagem e da sua formação como cidadãos (MARQUES;
CARDOSO, 2016a, 2016b, 2016c). Essa coleção é dividida em três volumes. Cada volume, em
todas as unidades, possibilita que os alunos “compartilhem seus saberes e conhecimentos,
manifestem opiniões, reflitam criticamente aos temas, trabalhem de forma colaborativa com os
colegas e usem recursos tecnológicos para pesquisar e aprofundar esses saberes e
conhecimentos etc.” (MARQUES; CARDOSO, 2016a, 2016b, 2016c p.3). No que diz respeito
às unidades, cada unidade é estruturada pelas seções Let’s Start, Reading, Word Study,
Language Study, Listening, Speaking, Writing, Check your English, Project, as quais tem como
objetivo trabalhar com temas contemporâneos de forma contextualizada que possam dialogar
com a realidade dos alunos e que possibilitem desenvolver a criticidade por meio do
compartilhamento de seus saberes e conhecimentos, da reflexão e da manifestação de opiniões.
Além disto, a coleção informa que cada unidade apresenta um tema principal que dialoga com
temas de outras disciplinas do currículo escolar (MARQUES; CARDOSO, 2016a, 2016b,
2016c).
Apesar dos documentos oficiais da educação e o edital do PNLD de 2015 orientar que
as práticas pedagógicas e as produções de materiais didáticos busquem promover a
visibilização, a participação, o protagonismo e a heterogeneidade cultural dos povos
97
ameríndios, a coleção Learn and Share in English nos volumes 1 e 3 (MARQUES; CARDOSO,
2016a, 2016c) não evidencia nenhum elemento que representa a identidade indígena. Ainda por
cima, os autores dessa obra didática não têm a preocupação de se fundamentar nesses
documentos oficiais para construir e representar uma identidade ameríndia contemporânea,
fragmentada, descentrada, plural, híbrida, em outras palavras, uma identidade de um sujeito que
manifeste diversidade e pluralidade de práticas culturais, valores, tradições, conhecimentos,
saberes, hábitos, costumes e cosmologias etc.
Além disso, eles não apresentam informações a respeito das identidades indígenas
contemporâneas por não mostrar a complexidade da heterogeneidade cultural das coletividades,
como também por não trazer indígenas relevantes para a coletividade que reivindicam seus
direitos e denunciam violências, discriminações praticadas pelo senso comum. Assim, percebe-
se que por causa da escolha dos organizadores desses volumes de não manifestar nenhum
elemento que representa a identidade ameríndia em suas unidades acarreta, dessa forma, no
total apagamento e invisibilidade da pluralidade linguística, epistemológica e cultural desses
povos.
De acordo com Zacchi (2016b), essa circunstância pode acontecer devido à grande parte
das editoras e dos autores envolvidos na produção de materiais didáticos que adotam os critérios
do Programa Nacional do Livro Didático não porque compreendem a importância de inserir
questões relevantes como racismo, sustentabilidade, meio ambiente, direitos humanos etc., mas
pelo fato de que o PNLD é um programa do governo para as escolas públicas que engloba uma
dimensão lucrativa. Sendo assim, não é estranho perceber heterogeneidade e pluralidade nos
livros didáticos representados por grupos multiétnicos, já que o mercado comercial se apropriou
dessas dimensões para que as obras não sejam recusadas.
Sobre as obras que queiram ser contempladas no programa do PNLD, neste caso mais
especificamente de língua espanhola, explanou Márcia Paraquett (2012)
Isso significa que todas as obras que queiram ter o privilégio de ser incluídas
neste programa precisam ser produzidas a partir dos documentos que orientam
a educação brasileira, mais especificamente, a LDB de 1996 (BRASIL, 1996),
os PCN de 1998 (BRASIL, 1998) e as OCEM de 2006 (BRASIL, 2006). No
meu ponto de vista, este é o grande passo nas políticas públicas do Brasil, pois
estão colaborando para o fim do acesso a materiais desvinculados de nossas
realidades socioculturais, como aconteceu nas décadas de 1980 e 1990,
quando houve o predomínio de obras importadas da Espanha (PARAQUETT,
2012, p.390).
98
Em seguida, no item três, pede para que os estudantes discutam as questões abaixo com
o colega. As questões apresentadas nesse item não necessitam do texto anterior para ser
respondidas, pelo motivo de ser respostas pessoais. Qual o critério para identificar um índio no
Brasil? – What’s the criterion to identify an Indigenous person in Brazil? –; Muitos brasileiros
têm algum tipo de ancestralidade indígena. Você tem algum tipo de ancestralidade indígena? –
– Many Brazilians have Indigenous ancestry of some kind. Do you have some sort of Indigenous
ancestry? ––; Existe alguma área indígena próxima à região onde você mora? ––Is there any
Indigenous area near the region where you live? ––; Os povos indígenas certamente têm o
direito de viver de acordo com suas tradições. Qual você diria que é a melhor maneira de
garantir que esse direito seja respeitado? –– Indigenous peoples certainly have a right to live
according to their traditions.What would you say is the best way to make sure that right is
respected ? ––; O que você e seus colegas podem fazer para aumentar a conscientização sobre
os direitos dos povos indígenas no Brasil? –– What can you and your classmates do to raise
awareness of the rights of the Indigenous peoples in Brazil? ––. Nessa atividade, os
organizadores propõem que os discentes desenvolvam discussões no que se refere aos povos
ameríndios e não a respeito da existência da heterogeneidade cultural desses povos.
Assim, é notório que essa atividade que representa a identidade indígena, da mesma
forma que as atividades da coleção anterior, não possibilita problematização e reflexão nas
alternativas. Os itens utilizam-se de informações do próprio texto para encontrar as devidas
respostas e quando os autores da obra didática têm a possibilidade de promover discussão e
questionamento a respeito da diversidade cultural, linguística e cosmológica dos povos
originários, as questões são simplistas e superficiais não proporcionando problematização sobre
temas relevantes e problemáticos presentes na sociedade contemporânea.
Dessa forma, os organizadores do livro didático perdem a oportunidade de explorar
questões sobre preconceito, discriminação, estereótipos culturais que os povos ameríndios
vivenciam constantemente pelo fato deles se identificarem como pertencentes as coletividades
indígenas. Embora a atividade apresenta informações sobre a diversidade cultural indígena
retirada do texto, os autores da obra didática deixam a desejar na escolha da representação
imagética dos povos originários –– que usam de vestimentas típicas indígenas –– provocando
o olhar fetichista do espectador e ocasionando, assim, a construção e representação de
identidades estáticas, generalizadas e essencializadas assentada em uma única concepção da
identidade ameríndia.
Ademais, de modo similar a coleção Voices Plus, os organizadores não aproveitam a
brecha para trazer representações indígenas em contextos atuais, ou seja, de mostrar indígenas
103
reais ocupando vários espaços e lugares na sociedade, como advogados, profissionais da saúde,
influencers, professores etc., assim como produtores rurais que lidam com a terra, pecuária e
pesca. Além disso, é perceptível que eles buscam representar a identidade indígena, mas não
têm a intenção de construir e representar uma identidade ameríndia contemporânea, ao contrário
da coleção anterior, pois a maneira como esses povos são representados nessa atividade não
articula com a situação atuais deles. Então, pelo motivo dos autores escolherem representar a
identidade dos povos originários relacionada apenas ao tema da unidade, sem promover
problematização e reflexão nas alternativas da atividade, podemos perceber que suas escolhas
acarretam aspectos das práticas coloniais por reforçar a formação e representação de uma
identidade indígena essencialista e imutável.
Sobre esse assunto, explanou Gonzaga (2021)
Da mesma forma que podemos nos modificar, ter acesso às novas tecnologias
e contato com bens e hábitos vindos de diversos cenários, as comunidades
indígenas não precisam permanecer estáticas no tempo e isoladas para que
sejam admitidas como tais. Toda manifestação cultural é vivida e inexiste
cultura estática, seja ela do homem branco, seja oriunda dos coletivos
indígenas (GONZAGA, 2021, p18).
Aquelas pessoas que acham que existem índios mais civilizados que outros ou
que existam índios puros sem contato e, portanto, são mais índios que os
outros, essas pessoas estão repetindo um equívoco que foi sendo construído
na cabeça delas. Nós não temos o direito de julgar o outro, de querer que o
outro seja o que sou ou de achar que o outro por viver do jeito que ele vive,
dentro das condições que ele tem que ele perdeu a sua identidade
(MUNDURUKU, 2019).
atividade tem o objetivo de informar sobre a heterogeneidade linguística dos povos indígenas
no Brasil. Essa atividade solicita que os discentes façam um escaneamento do texto, ou seja,
sugere uma leitura mais específica para buscar informações objetivas e em seguida responder
as questões. O texto é um fragmento apresentado com título e retirado do site Povos Indígenas
no Brasil. Logo abaixo do texto é informado o link que dá acesso ao texto original, assim como
os autores informam que o texto teve algumas partes adaptadas. O texto adaptado é retirado do
artigo Languages que retrata a diversidade de línguas que são faladas pelos povos originários
no Brasil nos dias atuais. Apesar dos organizadores retirarem algumas partes do texto original,
a ideia central permanece. Assim, o texto explica que atualmente, no Brasil, são mais de 150
idiomas e dialetos falados pelos povos indígenas. Antes da chegada dos portugueses, somente
nas terras brasileiras eram aproximadamente 1.000 idiomas.
Figura 16 – Seção Check your English página 79
Além disso, no texto dessa atividade informa que no processo de colonização do Brasil,
a língua Tupinambá, a mais falada ao longo da costa, era adotada por muitos colonos e
missionários, ensinados aos indígenas nas missões e reconhecidos como língua geral. Além
disso, muitas palavras de origem tupi fazem parte do vocabulário dos brasileiros, como também
106
as línguas tupis influenciaram o português falado. Por existir uma interação entre os povos, as
línguas indígenas não existem isoladamente e mudam constantemente. Então, além dessas
influências, as línguas têm entre si origens comuns. Elas fazem parte de famílias linguísticas,
que podem fazer parte de uma divisão maior, o ramo linguístico. No Brasil existem muitos
povos indígenas que podem falar ou compreender mais de um idioma e não é raro encontrar
aldeias onde várias línguas são faladas. Entre essa diversidade, no entanto, apenas 25 povos
contam com mais de 5.000 falantes de línguas: Apurinã, Ashaninka, Baniwa, Baré, Chiquitano,
Guajajara, Guarani (Guarani Ñandeva/Guarani Kaiowá/Guarani Mbya), Galibi do Oiapoque,
Ingarikó, Kaxinawá, Kubeo, Kulina, Kaingang, Kayapó, Makuxi, Munduruku, Sateré-Mawé,
Taurepang, Terena, Ticuna, Timbira, Tukano, Wapixana, Xavante, Yanomami, Ye’kuana.
Portanto, conhecer esse vasto repertório tem sido um desafio para os linguistas. Mantê-lo vivo
tem sido o objetivo de muitos projetos de educação escolar indígena (MARQUES; CARDOSO,
2016b, p. 79).
Logo após o texto, no item nove, temos as seguintes questões: a) Number of languages
and dialects currently spoken by indigenous peoples in Brazil. (Número de línguas e dialetos
falados atualmente pelos povos indígenas no Brasil.); b) Approximate number of languages and
dialects spoken by indigenous peoples in Brazil before the year 1500. (Número aproximado de
línguas e dialetos falados pelos indígenas no Brasil antes do ano de 1500.); c) The most widely
spoken Indigenous language along the Brazilian coast. (A língua indígena mais falada na costa
brasileira.); d) The name of five Indigenous peoples in Brazil. (O nome de cinco povos
indígenas no Brasil.); e) The goal of many projects of Indigenous school education in Brazil.
(O objetivo de muitos projetos de educação escolar indígena no Brasil.). Assim, novamente, as
alternativas dessa coleção utilizam de informações do próprio texto para construir os itens. As
três primeiras questões manifestam informações a respeito da diversidade linguística dos povos
indígenas tanto antes do período colonial quanto depois. Já as duas últimas informam sobre as
etnias dos povos indígenas e a preocupação dos projetos de educação indígena em manter as
línguas vivas. As alternativas exibem as possíveis compreensões da grande diversidade de
línguas e dialetos falados pelos povos ameríndios no Brasil. Logo, os discentes para responder
as questões precisam usar de práticas de estratégias de leitura para conseguir buscar
informações específicas.
Em seguida, na questão dez, solicita que os alunos leiam o texto da página 79 e
identifiquem a alternativa que não está correta. A questão apresenta alternativas que exibem os
possíveis temas discutidos no texto e que pretendem buscar a compreensão textual. As questões
são as seguintes: The Portuguese language as spoken in Brazil has been influenced by
107
Indigenous languages. (A língua portuguesa falada no Brasil tem sido influenciada pelas
línguas indígenas.); In some Indigenous villages, people speak more than one language. (Em
algumas aldeias indígenas, as pessoas falam mais de uma língua.); The Languages spoken by
the Infeginous peoples who live in isolation change constantly. (As línguas faladas pelos povos
indígenas que vivem isolados mudam constantemente.); Contact among diferente peoples, who
speak different languages, causes changes in those languages. (O contato entre povos
diferentes, que falam línguas diferentes, provoca mudanças nessas línguas.). Então, mais uma
vez, todas as alternativas usam de informações do respectivo texto para construir as afirmativas.
As alternativas exibem informações a respeito da heterogeneidade linguística dos povos
indígenas no Brasil. Apenas uma alternativa, que não é a correta, nega uma informação presente
no texto sobre os povos originários. As alternativas mostram as possíveis compreensões da
diversidade de línguas e dialetos falados pelos povos ameríndios no território nacional.
Depois da leitura realizada no item anterior, no item doze, pede para que os discentes
discutam a questão abaixo com os colegas. A questão apresentada nesse item não necessita do
texto da página 79 para ser respondida, pelo motivo de possuir resposta de cunho pessoal. A
questão é a seguinte: Indigenous peoples have deeply influenced the formation of Brazilian
society. Can you notice any aspects os Indigenous language, culture or ways of life in the region
where you live? (Os povos indígenas influenciaram profundamente a formação da sociedade
brasileira. Você consegue notar algum aspecto da língua, cultura ou modo de vida indígena na
região onde você mora?). Os autores da obra didática sugerem que os professores incentivem
os alunos a discutir a respeito da influência dos povos ameríndios na formação da sociedade
brasileira, não apenas no que se refere à miscigenação, mas também a aspectos culturais, por
exemplo, a sua relação com a natureza, o respeito aos ancestrais e aos mais velhos, dignidade,
rituais, medicina, a língua etc. Então, nessa atividade, apesar dos organizadores proporem que
os discentes discutam sobre a influência da diversidade cultural dos povos indígenas na
formação da sociedade brasileira, eles não conseguem promover problematização nessa questão
ficando a cargo dos professores desenvolverem a discussão do assunto.
Então, novamente, a atividade dessa coleção apenas usa das informações do texto para
encontrar as respostas corretas, assim como trabalha com estratégias de leitura –– compreensão
leitora –– sem a intenção de promover criticidade e reflexão a respeito de assuntos da
atualidade. Além disso, os autores da obra didática não aproveitam a brecha para explorar nas
alternativas acerca do processo histórico das línguas ameríndias, isto é, toda proibição e
interdição do uso dessas línguas as populações indígenas desenvolvidas pelos projetos coloniais
e pelas políticas do Estado.
108
negar a autenticidade de sua identidade. Consoante Luciano (2006), esse episódio aconteceu
com os povos originários do Nordeste, por apenas utilizar a língua portuguesa para se
comunicarem, por consequência da opressão e repressão cultural promovida pelos projetos
coloniais, têm experenciado preconceito e discriminação pela sociedade, pelo Estado e pelos
próprios indígenas.
Em conformidade com Azilene Inácio (2015), era muito comum encontrar nos contextos
escolares a repreensão e proibição da utilização das línguas indígenas pelos povos ameríndios.
Porque essas línguas eram vistas pela sociedade como não verdadeiras, inferiores, vergonhosas,
assim, falar o português tornariam esses povos superiores e um passo para civilização. Ademais,
tendo conhecimento da importância da língua para os povos indígenas, os colonizadores não
mediram esforços para tornar a língua portuguesa como a única a ser reconhecida em todo o
território nacional (LUCIANO, 2006). A partir de então, a sociedade tem recusado a aceitar as
línguas indígenas como reais, sendo que não existem línguas insignificantes ou irrelevantes,
mas sim “as que são oprimidas, como foram e ainda são as línguas indígenas brasileiras”
(LUCIANO, 2006, p.123).
Nos anos de 1970, com a contribuição do movimento indigenista na luta e na resistência
das opressões praticadas pelo o Estado, o contexto do monolinguismo no Brasil começa a ser
transformado. Diante desse cenário, os povos indígenas juntos com outras lideranças lutam em
prol de seus direitos e organizam os rumos das escolas estabelecidas em suas comunidades
(LUCIANO, 2006). Outro fato importante para a alteração do monolinguismo, menciona
Luciano (2006), foi a implementação da Constituição Federal de 1988 que institui o
reconhecimento da heterogeneidade cultural dos povos indígenas, o direito de falarem suas
diversas línguas, de possuírem seus próprios processos educacionais, como, por exemplo, o
bilinguismo. Sob o mesmo ponto de vista, Krenak (2015) afirma que essa conquista foi bastante
importante para os povos originários, pois com a Constituição de 1988 estabeleceu o direito
desses povos continuar falando suas diversas línguas, de ensinar suas diversidades culturais nas
escolas e de pressionar o Estado a apoiar as suas iniciativas.
Assim, nessa coleção, as atividades propostas pelos autores do livro didático buscam
construir e representar a identidade indígena para articular com o tema central da unidade ou
com os aspectos linguísticos. As atividades dessa coleção em comparação com as da coleção
Voices Plus, promove poucas questões discutíveis do conteúdo, como também possibilita
poucos momentos de os alunos utilizarem de seus pontos de vista para responder as alternativas,
visto que a grande maioria das respostas são encontradas no próprio texto não proporcionando
desenvolver nenhuma reflexão e criticidade aos discentes. Ademais, é notório que as escolhas
dos organizadores dessa obra didática na procura de construir e representar a identidade dos
povos ameríndios na unidade se baseiam, aparentemente, na perspectiva da interculturalidade
funcional (WALSH, 2009). Pois, reconhecem a diversidade e diferença cultural existente entre
os sujeitos, mas não problematizam as questões das causas da assimetria de poder e
desigualdade social presente na sociedade. Além disso, ao contrário da coleção anterior, os
organizadores dessa coleção em nenhum momento solicitam que os aprendizes façam a leitura
dos elementos imagéticos que representam a identidade indígena, dando a impressão de que
essas imagens somente foram colocadas nas atividades para dar suporte ao texto verbal. Dessa
forma, nessa coleção é mais evidente que os autores têm a preocupação de manifestar
representações da identidade indígena nas atividades apenas para contemplar as exigências do
edital do PNLD, já que em alguns de seus volumes a identidade dos povos ameríndios é
totalmente apagada e invisibilizada.
É possível notar que nas unidades e nas atividades das coleções Voices Plus e Learn and
Share in English os autores procuram construir e representar a identidade ameríndia, como vem
sendo proposto nos documentos oficias da educação e nos critérios do edital de 2015 do PNLD.
No entanto, a coleção Voices Plus se mostra mais ousada nas escolhas de suas representações
por buscar representar os povos originários em vários cenários sociais e por tentar desenvolver
discussões nos exercícios. No que diz respeito a essa coleção, o autor busca construir e
representar uma identidade indígena contemporânea, mas o modo como ele escolhe, na maior
parte das vezes, representar esses povos por meio de elementos verbais e não verbais
encontrados na abertura das unidades ou nas atividades, que somente têm a intenção de articular
112
os temas das unidades e as atividades, dando a impressão de que essas representações apenas
foram inseridas nos exercícios para contemplar o edital do PNLD, embora esse aspecto seja
mais visível na coleção Learn and Share in English. Em outras palavras, os autores perdem a
oportunidade de trazer informações a respeito das identidades dos povos indígenas
contemporâneos e da complexidade da diversidade cultural existente nas coletividades
ameríndias. Além disso, os autores por escolherem representar os povos originários dessa forma
reforçam a ideia de que a pluralidade se torna singularidade, ou seja, que a existência da imensa
heterogeneidade cultural dos diferentes povos tradicionais das diversas regiões do Brasil
transforma-se na simples concepção de que todo indígena é igual por construir e representar as
identidades baseadas em uma única categoria do ser ameríndio.
Segundo Gonzaga (2021), conforme já discutido anteriormente, o senso comum acredita
que o indígena de verdade, puro e originário é aquele que nunca teve interações com outras
culturas e outros modos de vida, sendo assim, projetado a figura de um indígena genérico que
é atrelado ao passado e a um contexto estável e imutável. Para o autor, essa representação
estereotipada do ser indígena não foi construída de forma inconsciente pelas políticas públicas
brasileiras. As políticas do Estado, no entanto, têm praticado ações que valorizam a figura desse
indígena fictício, idealizado e inacessível e ignoram os povos originários reais que lutam por
propostas diferenciadas, diversas e criativas.
Da mesma forma, Munduruku (2019) informa que no território nacional, tem existido
uma discussão a respeito da questão de reconhecer e estabelecer quem é ou não indígena, em
outras palavras, o corpo social tem questionado se existe indígena “puro”, “verdadeiro” ou
“originário”. As pessoas que pensam dessa maneira não compreendem o aspecto dinâmico da
cultura e acreditam que os povos indígenas que tiveram uma transformação identitária ou
contato com outras culturas são menos indígenas do que aqueles que tiveram pouca interação.
Em virtude da dinamicidade da cultura, as identidades dos sujeitos se transformam e modificam
constantemente, por isso, não tem como permanecerem o mesmo ao longo do tempo. Outro
ponto importante para mencionar do aspecto dinâmico da cultura é em relação ao significado
do termo “originário”. Então, quando os povos indígenas declaram que pertencem a um povo
originário não quer dizer que eles estão presos ao passado, mas que pertencem a uma cultura
ou tradição ancestral. Desse modo, não existe indígenas purificados, pois eles estão sempre em
interação com sociedades em condições diferentes ou semelhantes de suas práticas culturais
(MUNDURUKU, 2019).
114
Nós não somos mais ou menos indígena porque usamos um objeto de uma
outra cultura. Nós somos o que somos quando alimentamos a tradição que
mora na gente. E não importa se você fala bem o português ou fala bem o
inglês, não importa se você usa um tênis de uma marca X ou de uma marca Y,
se você anda descalço, não importa o corte de cabelo que você tem. Tudo isso
faz parte de um momento histórico que se vive (MUNDURUKU, 2019).
No Brasil, conforme os dados do Censo 2010 20, são 896.917 indivíduos que se
autodeclararam ou consideraram como indígenas, sendo que 57,7% dessas pessoas moram em
territórios indígenas oficialmente reconhecidos. Além disso, o Censo Demográfico revelou que
foram identificadas 274 línguas indígenas faladas por sujeitos pertencentes a 305 etnias
diferentes no Brasil. De acordo com Luciano (2006), são encontradas 180 línguas indígenas
distintas faladas por 222 povos étnicos diversos no território nacional. Em razão da enorme
diversidade cultural e étnica dos povos tradicionais, cada povo tem sua maneira particular de
organizar suas relações sociais, políticas, culturais e econômicas que envolvem uma visão
cosmológica manifestada por meio dos mitos e dos ritos.
Em conformidade com o autor, essa diversidade cultural dos povos originários revela
a existência da pluralidade de povos e de seus modos de vida com relação ao meio ambiente,
ao religioso e as diversas formas de organizações políticas, econômicas e sociais. Assim,
percebe-se que essas organizações culturais dos povos tradicionais mudam de povo para povo
de acordo com o tipo de relações que é determinada com o meio natural e místico, como também
variam seus locais e estilos de habitação. Tem povos que moram nas margens dos rios, nas
florestas, nas montanhas, em malocas comunitárias, nas aldeias ou até mesmo em casas
distantes das matas. Da mesma forma, que existe indígenas que cultivam as terras, outros lidam
com a pesca e ainda outros com a pecuária (LUCIANO, 2006).
Sobre a riqueza dessa diversidade sociocultural dos povos indígenas explica Luciano
(2006)
20
Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/20506indigenas.ht ml. Acessado
em 05 de abril de 2022.
115
Por esse fato, não cabe as pessoas reconhecerem e definirem quem pode ser ou não
indígena por meio da concepção de que indígenas verdadeiros são somente aqueles que andam
nus, portam arco e flecha, usam adereços, moram em ocas e nas florestas. Os povos ameríndios
da realidade são diferentes dessa concepção e entre si mesmos, pelo motivo de possuírem uma
grande heterogeneidade cultural e linguística. Assim, a discussão da sociedade em torno do
questionamento se existe indígena de “verdade” ou “puro” se deve a ideia de que os povos
tradicionais contemporâneos não representam a figura estereotipada que o senso comum
construiu a respeito de suas identidades. Logo, por não se enquadrarem nos padrões
representacionais, supõe-se que esses indígenas “originários”, “puros”, “verdadeiros” estão
perdendo sua identidade ou desaparecendo na sociedade (GONZAGA, 2021). Para Munduruku
(2019), as pessoas pensam que os povos indígenas por possuir um curso superior, ter acesso às
116
tecnologias, a objetos como Hilux ou Iphone ou utilizar uma determinada roupa não são
indígenas de verdade como os outros indígenas que tem dificuldade em ter acesso a esses bens
materiais. Desse modo, os sujeitos que pensam assim não entendem o processo dinâmico da
cultura.
Portanto, é notório que as coleções Voices Plus e Learn and Share in English promovem
pouca representatividade das identidades dos povos ameríndios pela tamanha diversidade
cultural das coletividades indígenas existentes no Brasil. Na maioria dos volumes dessas
coleções, os povos indígenas são representados poucas vezes ou até mesmo nenhuma, sendo
assim, invisibilizados (TÍLIO, 2012). Logo, percebemos essa pouca representatividade
disfarçada pelos os organizadores em suas tentativas de buscar visibilizar, protagonizar e inserir
os povos originários em diversos contextos sociais, culturais, históricos, específicos etc., como
também de construir e representar uma identidade indígena contemporânea, híbrida e múltipla.
Diante dessa circunstância, é visível que a preocupação por grande parte dos autores dessas
obras não é somente pelo fato de compreenderem a importância de introduzir e discutir temas
contemporâneos nas atividades e nas unidades, mas também porque são obrigados a seguir as
exigências do edital do PNLD de 2015 para que suas obras sejam aprovadas e, assim,
contempladas no programa.
Em conformidade com Zacchi (2016b), as editoras e os autores implicados na produção
de materiais didáticos adotam os critérios do Programa Nacional do Livro Didático não porque
compreendem a relevância de inserir conteúdo da atualidade como racismo, sustentabilidade,
meio ambiente, direitos humanos etc., mas pela razão de que o PNLD é um programa do
governo para as escolas públicas que envolve uma dimensão de fins lucrativos. Por esse fato,
atualmente, não é raro se deparar com materiais didáticos que tentam desenvolver discussões a
respeito da diversidade e pluralidade representada por grupos multiétnicos, já que o mercado se
apossou desses fatores para que as obras não sejam descartadas no programa. Além disso, o
autor informa que essa maneira de buscar representar os grupos étnicos não possibilita a
superação da intolerância e violência entre os grupos socias distintos, da mesma forma que não
enfrenta o cenário das desigualdades sociais. No entanto, esse tipo de representação contribui
para disfarçar os conflitos por fingir que todos os sujeitos são similares e evidenciar a concepção
de que os grupos multiétnicos retratados nas obras didáticas “podem ser visto como mera
curiosidade” (ZACCHI, 2016b, p. 169).
117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando iniciei o trabalho de pesquisa constatei que existia uma pequena quantidade de
estudos de análises de livros didáticos de línguas estrangeiras que trouxessem discussões
relacionadas às questões das identidades de raça/etnia, mais especificamente, no que se refere
às questões das identidades dos povos ameríndios. Por esse motivo, nos deparamos com a
relevância de estudar sobre a construção e a representação da identidade dos povos tradicionais
nos livros didáticos de língua inglesa do Ensino Médio aprovados pelo Programa Nacional do
Livro didático –– PNLD –– de 2018.
Diante disso, a pesquisa teve como objetivo geral analisar a formação e a representação
das identidades dos povos indígenas brasileiros nos materiais didáticos de língua inglesa. No
decorrer do estudo, observou-se que o objetivo geral foi atendido porque efetivamente o
trabalho conseguiu demonstrar a maneira como as coleções, Voices Plus e Learn and Share in
English, buscaram construir e representar as identidades dos povos originários em suas obras
didáticas.
O primeiro objetivo específico era identificar as representações visuais e verbais
pertencentes à identidade indígena. Esse objetivo foi cumprido porque a pesquisa conseguiu
apresentar os elementos imagéticos e verbais presentes nas obras didáticas que representavam
a identidade dos povos indígenas brasileiros. O segundo objetivo específico era analisar a
construção e a representação da identidade indígena nas propostas das unidades das obras
didáticas. Esse objetivo foi realizado pelo fato de a pesquisa mostrar como as unidades das
coleções, Voices Plus volume 1, 2, 3; e Learn and Share in English volume 1, 2, 3, propôs
construir e representar a identidade indígena de acordo com a temática central de suas
respectivas unidades. O último objetivo específico era analisar as implicações coloniais na
formação e representação da imagem dos povos indígenas nos livros didáticos. Esse objetivo
foi atendido porque a pesquisa foi capaz de demonstrar os mecanismos estratégicos
desenvolvidos pelos projetos coloniais que contribuiu no processo de construção e
representação da identidade dos povos originários nos livros didáticos.
Assim, para elucidar as considerações finais deste estudo resgatou-se a pergunta
norteadora: De que forma as identidades dos povos indígenas estão sendo construídas e
representadas nos livros didáticos de língua inglesa?
O estudo demonstrou que a coleção Voices Plus buscou construir e representar uma
identidade ameríndia contemporânea, embora em alguns momentos das unidades e das
118
atividades, que somente promovia a imagem do indígena para articular com os conteúdos sem
aprofundar em discussões de assuntos de relevância social, ocasionou o apagamento e a
invisibilidade desses povos e a construção de uma identidade estereotipada e generalizada do
indígena. Ademais, foi observado que as atividades que evidenciavam representações da
identidade indígena somente foram inseridas, aparentemente, para contemplar as exigências do
edital do PNLD, pela forma como o autor propôs trabalhar os exercícios. Além disso, a ausência
de atividades mais problematizadoras e reflexivas pode levar os alunos a ler os textos, verbais
e imagéticos, a partir dos seus pontos de vista, individuais e coletivos, sendo, portanto,
suscetíveis a atribuir determinadas características simplistas, essencializadas, estereotipadas e
fixadas a identidade dos povos ameríndios que frequentemente são construídas pelo senso
comum, como já foi enfatizado.
Diante dessa circunstância, é relevante salientar a importância das propostas
pedagógicas de letramento, como, por exemplo, o letramento crítico que busca desenvolver a
construção de sentidos a partir das leituras dos alunos –– ter a consciência de “como estou lendo
e construindo significados” (MENEZES DE SOUZA, 2011, p. 296), “em vez de extrair o
sentido do texto” (BRASIL, 2006, p. 115), pois os sentidos são construídos com base nos
contextos sociais, históricos, culturais e específicos dos alunos e não em torno das escolhas ––
produções de significados –– do autor do texto. Dessa forma, o letramento crítico tem como
proposta problematizar o texto e o contexto, contribuindo, assim, para que os alunos sejam
capazes “compartilhar, recriar, recontextualizar e transformar” (BRASIL, 2006, p. 108)
diferentes conhecimentos existentes em diferentes comunidades socioculturais, como também
desenvolver sua consciência crítica para compreender a sua posição no mundo.
Já a coleção Learn and Share in English, é mais perceptível que os autores dessa
coleção tiveram a preocupação de manifestar representações da identidade indígena nas poucas
atividades apenas para contemplar as exigências do edital do PNLD, já que em alguns de seus
volumes a identidade dos povos ameríndios foi apagada e invisibilizada. Em virtude das
escolhas dos organizadores de representar a identidade ameríndia relacionados aos temas das
unidades e das atividades, que promoveu pouca discussão e nenhuma problematização,
resultou, na formação de uma imagem do indígena romantizada, fictícia, inacessível que está
sempre associada ao passado. Ademais, os organizadores perdem a oportunidade de trazer nas
atividades representações indígenas relevantes para as coletividades ameríndias que
reivindicam seus direitos e denunciam práticas violentas, discriminatórias e preconceituosas
praticadas pelo senso comum. As atividades, dessa coleção, apenas proporcionaram poucos
momentos aos alunos de utilizarem de seus pontos de vista, visto que as informações das
119
gênero etc. que são assuntos contemporâneos, supostamente, propostos nos materiais didáticos
aprovados pelo Programa Nacional do livro Didático –– PNLD.
121
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