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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Rose Hellen de Carvalho Santos

A CONSTRUÇÃO E REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA NOS


LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA

São Cristóvão – SE
2022
ROSE HELLEN DE CARVALHO SANTOS

A CONSTRUÇÃO E REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA NOS


LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade
Federal de Sergipe como requisito parcial para obtenção
do título de mestre em Letras.

Orientador: Prof. Dr. Vanderlei José Zacchi

São Cristovão- SE
2022
ROSE HELLEN DE CARVALHO SANTOS

A CONSTRUÇÃO E REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA NOS


LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade
Federal de Sergipe como requisito parcial para obtenção
do título de mestre em Letras.

São Cristóvão, 29/08/2022.

_____________________________________________________
Professor e orientador Dr. Vanderlei José Zacchi
Universidade Federal de Sergipe
______________________________________________________
Professora Dra. Doris Cristina Vicente da Silva Matos
Universidade Federal de Sergipe
______________________________________________________
Professora Dra. Suzana Mizan
Universidade Federal de São Paulo
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Rosely Soares, e a minha tia, Josefa Soares, por todo suporte financeiro,
emocional e intelectual que contribuiu para meu desenvolvimento humano, pois, sem seus
ensinamentos para lutar, seguir em frente e enfrentar todas as barreiras da vida eu não teria
conseguido finalizar esse novo ciclo da minha vida.

À minha irmã, Hellen Rose, por acreditar em mim e por me incentivar constantemente a trilhar
esse caminho e realizar esse sonho. Sou grata também aos meus cachorros, Txuxtxuca e Paçoca,
pelo companheirismo e amizade durante anos, apesar de não estarem mais presentes nesta etapa,
eles foram fundamentais para eu descobrir o significado de amar.

Ao meu orientador, professor Dr. Vanderlei Zacchi, pela paciência e compreensão durante esses
dois anos e seis meses. Tenho a total consciência de que este trabalho não poderia ter sido
concretizado sem seu apoio e suas orientações que permitiu ampliar minhas visões de mundo.

Aos professores que tive contato nas disciplinas da pós-graduação que contribuíram para meu
crescimento intelectual e para a evolução deste trabalho. Agradeço à professora Dra. Amália
Vargas Façanha por aceitar o convite para participar da banca do exame de qualificação e pelas
suas sugestões e contribuições teóricas.

À professora Dra. Doris Matos por eu ter a grande sorte de ser sua aluna na disciplina de
Linguística Aplicada Decolonial e por aceitar o convite para participar como membro da banca
examinadora na defesa e qualificação, como também pelas suas orientações e contribuições
para a melhoria deste estudo.

Estendo também meus agradecimentos para a professora Dra. Suzana Mizan que aceitou fazer
parte da banca examinadora na defesa, assim como sou grata por suas sugestões de aporte
teórico e por ter a oportunidade de conhecê-la para além de seus textos escritos.

Por fim, agradeço aos meus amigos que sempre acreditaram em mim e vibraram em cada passo,
conquista e avanço nesta jornada da minha vida, as minhas amigas de infância, Michelle Santos,
Ana Paula Oliveira, Bruna Paixão, aos xepeiros, Mônica Valle, Matheus Ribeiro, André Lucas,
Larissa Oliveira, as patricinhas graduadas, Karla Monique, João Romualdo, e aos demais
colegas Eliane Modesto, Gabriely Monteiro, Sara Marine, Wanderson Santos, Diogo Silva e
Jefferson Ducarmo.
RESUMO

Recentemente, estudiosos e pesquisadores da Linguística Aplicada, assim como de outras


ciências humanas, têm se dedicado a discutir sobre identidade. Muitas das pesquisas
desenvolvidas nesse campo científico, têm demonstrado a importância de discutir sobre as
questões das identidades sociais de raça, etnia, classe social, sexualidade, gênero etc. tanto no
âmbito da vida social quanto no âmbito escolar, mais especificamente, no que diz respeito ao
processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras e a produção de livros didáticos
aprovados pelo Programa do Livro Didático (PNLD), que são distribuídos para todas as escolas
públicas do Brasil. Diante disso, o objetivo geral da pesquisa, é analisar a construção e a
representação das identidades dos povos indígenas nos livros didáticos de Língua Inglesa do
Ensino Médio, aprovados pelo PNLD de 2018. Para tanto, serão analisados os materiais
didáticos com base na perspectiva de uma linguística aplicada indisciplinar (MOITA LOPES,
2016) e transgressiva (PENNYCOOK, 2016), como também à luz dos novos letramentos,
letramento visual e crítico (DUBOC, 2017; JANKS, 2014; JORDÃO, 2017; MENEZES DE
SOUZA, 2011; MIZAN, 2012; ZACCHI, 2016d), para perceber como as representações
imagéticas e verbais presentes nessas obras didáticas buscam promover a visibilidade e
diversidade cultural dos povos originários. Para isso, a pesquisa terá como base teóricos que
discutem sobre identidade (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006, 2016; MOITA
LOPES, 2002; CASTELLS, 2018), sobre livros didáticos (MENDES, 2012; SIQUEIRA, 2012;
TÍLIO, 2012; FERREIRA, 2012, 2014; PARAQUETT, 2012), e sobre os povos indígenas
(RIBEIRO, 1970; CUNHA, 2012; GONZAGA, 2021; MUNDURUNKU, 2020, 2021a;
KRENAK, 2020a, 2021). Realiza-se, então, uma pesquisa com abordagem qualitativa, com
procedimentos bibliográficos e documentais. No decorrer do estudo, observou-se que embora
os autores das coleções têm buscado construir e representar a identidade dos povos ameríndios,
é perceptível que em alguns casos essa tentativa por grande parte dos autores não é somente
porque compreendem a relevância de discutir temas da atualidade, mas pelo fato de serem
obrigados a seguir as exigências do edital do PNLD de 2015. Por fim, constatou-se que o
objetivo geral do presente estudo, analisar a formação e a representação das identidades dos
povos indígenas brasileiros nos materiais didáticos de Língua Inglesa, foi atendido, bem como
o problema foi respondido.

Palavras-chaves: Identidades, Representação, Livros didáticos, Língua inglesa, Povos


indígenas.
ABSTRACT

Recently, scholars and researchers from Applied Linguistics, as well as from other human
sciences, have been dedicated to discussing identity. Many of the researches developed in this
area of science have demonstrated the importance of discussing the issues of social identities
of race, ethnicity, social class, sexuality, gender, etc. both in the scope of social life and in the
school setting, more specifically, with regard to the process of teaching and learning foreign
languages and the production of textbooks approved by the National Textbook Program
(PNLD), which are distributed to all schools public in Brazil. Accordingly, the general objective
of the research is to analyze the construction and representation of the identities of indigenous
peoples in the high school English language textbooks, approved by the PNLD of 2018. For
this purpose, the textbooks will be analyzed from the perspective of an interdisciplinary
(MOITA LOPES, 2016) and transgressive (PENNYCOOK, 2016) applied linguistics, as well
as by the approach of new literacies, visual and critical literacy (DUBOC, 2017; JANKS, 2017;
JANKS, 2016). 2014; JORDÃO, 2017; MENEZES DE SOUZA, 2011; MIZAN, 2012;
ZACCHI, 2016d), to understand how the images and verbal representations present in these
textbooks seek to promote the visibility and cultural diversity of native peoples. For this, the
research will be based on theorists that discuss identity (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990,
1996, 2006, 2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018), textbooks (MENDES, 2012;
SIQUEIRA, 2012; TÍLIO, 2012; FERREIRA, 2012, 2014; PARAQUETT, 2012), and
indigenous peoples (RIBEIRO, 1970; CUNHA, 2012; GONZAGA, 2021; MUNDURUNKU,
2020, 2021a; KRENAK, 2020a, 2021). That way, it is carried out research with a qualitative
approach, with bibliographic and documentary procedures. During the work, it was observed
that although the authors of the collections have sought to construct and represent the identity
of the indigenous peoples, it is noticeable that in some cases this attempt by most authors is not
only because they understand the relevance of discussing current topics, but due to the fact that
they are obliged to follow the requirements of the PNLD public notice of 2015. Thus, it was
found that the general objective of the present study, to analyze the formation and representation
of the identities of Brazilian indigenous peoples in English Language textbooks, as well as the
problem both were answered.

Keywords: Identities, Representation, Textbooks, English language, Indigenous peoples.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 8
1.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS ..................................................................................... 10
2 TECENDO IDENTIDADES............................................................................................ 14
2.1 RACIALIZAÇÃO DO “OUTRO” .................................................................................. 19
2.2 IDENTIDADE INDÍGENA ............................................................................................ 34
3 COLONIALIDADE DO LIVRO DIDÁTICO ............................................................... 50
3.1 MOVIMENTO INDÍGENA ..............................................................................................56
3.2 COLEÇÃO VOICES PLUS ............................................................................................61
3.2.1VOICES PLUS VOLUME 1 ...........................................................................................62
3.2.2 VOICES PLUS VOLUME 2...........................................................................................85
3.2.3 VOICES PLUS VOLUME 3...........................................................................................90
3.3 COLEÇÃO LEARN AND SHARE IN ENGLISH …………………………………...96
3.3.1 LEARN AND SHARE IN ENGLISH VOLUME 1 e 3 …..…………….......................96
3.3.2 LEARN AND SHARE IN ENGLISH VOLUME 2 …………………….......................98
4 VOICES PLUS X LEARN AND SHARE IN ENGLISH ……………………………111
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………………………………….......117
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 121
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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, estudiosos e pesquisadores no campo da Linguística Aplicada têm-


se dedicado a discutir a relevância das questões das identidades sociais de raça, etnia, classe
social, sexualidade, gênero etc. em todas as ocorrências da vida social. Essa inquietação por
grande parte desses estudiosos, é em virtude das ações coletivas desempenhadas pelos
indivíduos no campo dos movimentos populares e no âmbito acadêmico, os quais vêm
contribuindo para a inserção de debates e para a construção e implementação de políticas
públicas do Brasil.
Além disso, conforme Azevedo (2012), o cenário atual pode ser um momento favorável
para problematizar os mecanismos de controle, como também “são tempos propícios para o
surgimento de oportunidades para que as ‘vozes das minorias’, de negros, movimentos de
GLBTS, etc., reivindiquem seus espaços frente aos discursos hegemônicos” (AZEVEDO, 2012,
p. 53). No entanto, no que se refere às pesquisas de identidades de raça e etnia, Ferreira (2014)
afirma que a quantidade de estudos voltados para essas questões é bastante inferior em
comparação às questões de identidades de gênero.
Ademais, a autora declara que essa quantidade é ainda menor em publicações de análises
de livros didáticos de línguas estrangeiras que trouxeram reflexões sobre a representação étnico-
racial. Diante dessas informações, pensar sobre a construção e representação das identidades
étnico-raciais no contexto brasileiro é perceber que as relações de poder constroem identidades
a partir de uma visão hegemônica de raça e etnia que reproduzem e perpetuam estereótipos em
grupos considerados marginalizados.
Anteriormente, no contexto brasileiro, os materiais didáticos de línguas estrangeiras
eram organizados e produzidos pelos próprios professores “fosse recriando a partir do pequeno
universo a que tinham acesso, fosse pautando-se na literatura, gênero bastante utilizado naquele
contexto para a aprendizagem de línguas estrangeiras” (PARAQUETT, 2012, p. 383). No caso
desses poucos livros didáticos aos quais os docentes conseguiam ter acesso, eles eram
confeccionados em países falantes de línguas estrangeiras e destinados ao mercado
internacional global, o que, provavelmente, poderia causar conflitos entre as identidades globais
e locais, já que acabava padronizando o global e não era capaz de dar conta das especificidades
locais de todos os seus consumidores (TÍLIO, 2012, p.121).
Entretanto, foi somente no ano de 2011 e 2012, que os livros didáticos de línguas
estrangeiras –– Inglês e Espanhol –– passam a ser contemplados nos editais do Programa
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Nacional do Livro didático (PNLD) –– O PNLD é um Programa do Governo Federal que tem
o objetivo de avaliar e disponibilizar materiais didáticos para dar suporte nas práticas
pedagógicas –– e são distribuídos para todas as escolas públicas do Brasil.
Apesar desse grande avanço nas produções de materiais didáticos de línguas
estrangeiras no Brasil, os quais procuram fornecer a possibilidade de ter materiais mais
flexíveis (MENDES, 2012) e que possam ser adaptados, ajustados aos contextos dos seus
usuários –– professores e alunos –– parece ter havido um novo retrocesso. Os livros didáticos
de Línguas Estrangeiras de Língua espanhola que antes ganharam visibilidade por meio do
Programa do PNLD, atualmente, não são mais contemplados nos editais. Então, o grande
motivo desses materiais de terem sidos retirados do Programa foi devido à execução da
Medida Provisória –– MPV–– n° 746, de 2016 e da sanção da Lei n° 13.415, de 2017, que
visam alterar a estrutura do Ensino Médio por meio da criação de Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em tempo integral. Assim, uma das principais
alterações realizadas pela MPV e Lei n° 13.415 foi a revogação da Lei n° 11.161, de 5 de
agosto de 2005, que dispõe a obrigatoriedade de oferta do ensino de Língua espanhola no
Ensino Médio, com matrícula de caráter facultativa. Em razão disso, a Língua Inglesa é
ofertada como obrigatória no Ensino Médio, sendo facultado o oferecimento de outros
idiomas, preferencialmente o espanhol, conforme a disponibilidade de cada sistema de ensino.
Dessa forma, apenas o material didático de língua inglesa continua sendo beneficiado no
Programa do PNLD com a justificativa de ser uma língua franca e da globalização ou como
Siqueira afirma (2012), a língua do poder hegemônico.
Essa perspectiva não é somente enfatizada pela MPV e Lei n° 13.415, a Base Nacional
Comum Curricular –– BNCC –– do Ensino Médio na área de Linguagens e suas Tecnologias
destaca em seu texto a obrigatoriedade da oferta do ensino da Língua inglesa no Ensino Médio.
Então, essa obrigatoriedade é devido à compreensão de que essa língua é de uso mundial e
global, por apresentar pluralidade, multiplicidade e variedade de usos e usuários ao redor do
mundo. Pensando na América Latina a partir de uma perspectiva suleada (SILVA JÚNIOR;
MATOS, 2019), a retirada da participação e produção de livros didáticos de língua espanhola
nos editais do programa PNLD provoca a invisibilidade, o apagamento e silenciamento desse
idioma pôr o colocar em posição de subalternidade e inferioridade em relação a outras línguas
estrangeiras, como, por exemplo, a língua inglesa.
Diante desse contexto, muitos pesquisadores, professores e instituições começaram a
refletir acerca dos livros didáticos de línguas estrangeiras das escolas públicas, não apenas em
relação aos conteúdos linguísticos, mas também aos aspectos multiculturais, na tentativa de
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promover a diversidade cultural e sócio-histórica dos povos brasileiros. Embora exista


bastante pesquisas de análises de livros didáticos de línguas estrangeiras, ainda há uma
pequena quantidade de pesquisas relacionadas às questões das identidades de raça/etnia, mais
especificamente, no que diz respeito às questões das identidades dos povos indígenas
brasileiros.
No entanto, é importante evidenciar a contribuição dos documentos oficiais na
produção das obras didáticas que pretendem participar do Programa do PNLD, como, por
exemplo, as Orientações Curriculares do Ensino Médio –– OCEM-LE –– (BRASIL, 2006), os
Parâmetros Curriculares de Língua Estrangeira –– PCN-LE –– (BRASIL, 2000), as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Ensino Médio (DCNEM) de 1998, a LDB (BRASIL, 1996), a Lei
n° 10.639/2003 e a Lei n° 11.645/2008, que orientam em seus textos a necessidade de
promover, no ensino de línguas estrangeiras e em todo currículo escolar, a visibilidade e a
diversidade cultural dos povos originários nos diversos âmbitos sociais. Dessa maneira, os
autores e as editoras que desejam que seus livros didáticos façam parte do Programa do PNLD
devem ser produzidos com base nesses documentos oficiais que orientam a educação brasileira
(PARAQUETT, 2012).
Assim, a motivação de pesquisar sobre a temática indígena partiu-se da urgência da
pouca quantidade de análises de livros de línguas estrangeiras no que se refere às questões das
identidades dos povos originários –– na busca de encontrar pesquisas relacionadas aos livros
didáticos e às questões das identidades dos povos indígenas foi observado uma quantidade
relevante de estudos sobre esse assunto em outras áreas do conhecimento (na Sociologia,
Antropologia, História, Geografia, etc.) ––, como também da (quase) ausência de
representações ou de representações normalmente estereotipadas e essencializadas desses
povos nas obras didáticas. Nessa perspectiva, diante desse quadro, percebe-se a necessidade de
analisar a construção e a representação da identidade dos povos ameríndios nos livros didáticos
de Língua Inglesa do Ensino Médio aprovados pelo PNLD/2018.
Portanto, indaga-se de que forma as identidades dos povos indígenas estão sendo
construídas e representadas nos livros didáticos de Língua Inglesa? A partir disso, o objetivo
geral da presente pesquisa é analisar a formação e a representação das identidades dos povos
indígenas brasileiros nos materiais didáticos de Língua Inglesa.

1.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS


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A análise dessa pesquisa se fundamenta em uma abordagem qualitativa, com


procedimentos bibliográficos e documentais. As duas coleções de livros didáticos de Língua
Inglesa analisadas –– Voices Plus (2016a, 2016b, 2016c) e Learn and share in English (2016a,
2016b, 2016c) –– participaram do Edital de Convocação n° 04/2015 do Programa do Livro
Didático (PNLD) para o Ensino Médio e de acordo com o Guia de Livros Didáticos de Língua
Estrangeira Moderna (BRASIL, 2017), essas duas coleções aprovadas seguiram todos os
critérios específicos e gerais do referido edital. A escolha de analisar a coleção Voices Plus foi
pela razão de conhecer alguns trabalhos e pesquisas desenvolvidos pelo autor da obra didática.
O autor da coleção Voices Plus, Rogério Tílio, produz pesquisas que apresentam discussões em
torno das questões de identidade, mais especificamente identidade de gênero, como também de
livros didáticos. A outra coleção, Learn and Share in English, foi selecionada pelo motivo de
ter fácil acesso na versão online no site da editora.
Dessa forma, pretendo analisar as obras didáticas de Língua Inglesa do Ensino Médio
aprovadas pelo PNLD de 2018, visando à construção e representação de uma identidade
indígena contemporânea, híbrida, movente e múltipla (MUNDURUKU, 2019, 2021a;
GONZAGA, 2021; KRENAK, 2020a; BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006,
2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018; MIGNOLO, 2003; ZACCHI, 2016c;
GLISSANT, 2005; BHABHA, 1996; CANCLINI, 1995; BURKE, 2003). Visto isso, serão
analisados todos os elementos que estiverem relacionados aos povos originários nos livros
didáticos, isto é, todas as representações verbais e visuais que busquem visibilizar a diversidade
da identidade desses povos.
A seleção por materiais didáticos do Ensino Médio, partiu-se da premissa de que, é nessa
fase da vida que os estudantes além de lidarem com as obrigações educacionais, também têm
que lidar com as incertezas de suas identidades –– de saber quem eles são? quem eles se
tornaram? Ou como são construídas suas identidades? A depender de determinados contextos
que esses sujeitos são posicionados e de outros fatores de diferença (CRENSHAW, 2004;
DAVIES, 2016; COLLINS, 2019; AKOTIRENE, 2019; GARCEZ, 2020) que estarão
imbricados nas suas identidades como raça, “classe social, gênero e sexualidade” (AZEVEDO,
2012, p.54) –– e ainda com as exigências das sociedades, de “inserir-se no mercado de trabalho
e participar ativamente de um mundo interconectado e em constante transformação” (TÍLIO,
2016a, p.3).
Segundo Garcez (2020), as identidades são complexas, múltiplas e incompletas, pois
buscamos sempre que não temos certeza de quem somos, de quem nos tornarmos ou de onde
pertencemos. As identidades estão em constante mudança, nunca fixas e estáveis. E esse aspecto
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inconstante da identidade é mais intenso na fase da adolescência pelo fato de estarem “vivendo
em uma fase transitória, na qual várias coisas estão acontecendo simultaneamente e eles não
sabem como lidar em várias situações” (GARCEZ, 2021, p.19).
Ademais, o objetivo maior da pesquisa é discutir a questão identitária e a representação
dos povos indígenas nos livros didáticos de língua Inglesa do Ensino Médio, de modo a
perceber como essas obras didáticas –– os autores, as editoras e entre outros envolvidos na
produção do material –– buscam promover a visibilidade ,a diversidade cultural , o
protagonismo e a participação desses povos em diversos meios sociais com o intuito de não
contribuírem “com as práticas que reforçam a discriminação de toda a natureza e a
marginalização ou segregacionismo de povos ,crenças, e modos de viver particulares”
(MENDES, 2012, p.358).
Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: Identificar as
representações visuais e verbais pertencentes à identidade indígena; Analisar a construção e a
representação da identidade indígena nas propostas das unidades das obras didáticas; e analisar
as implicações coloniais na formação e representação da imagem dos povos indígenas nos livros
didáticos.
É importante evidenciar que os materiais didáticos foram analisados com base na
perspectiva de uma linguística aplicada indisciplinar (MOITA LOPES, 2006, 2009) ou
transgressiva (PENNYCOOK, 2006) por perceber a relevância de outros campos do
conhecimento na compreensão do objeto pesquisado. Assim como, foram utilizadas as práticas
dos novos letramentos, letramento visual e crítico (DUBOC, 2017; JANKS, 2014; JORDÃO,
2017; MENEZES DE SOUZA, 2011; MIZAN, 2012; ZACCHI, 2016), para analisar os diversos
modos de representação –– imagéticos e verbais –– presentes nos livros didáticos, que ao serem
apresentados para seus usuários, professores e alunos, por possuírem uma dimensão simbólica,
persuasiva e ideológica, podem favorecerem para a construção de significados estereotipados e
preconceituosos a depender de quem a produz ou interpreta (KRESS; VAN LEUUWEN, 1996;
HALL, 1996, 2016), como também podem serem utilizados, a depender das tomadas de atitudes
dos professores (JORDÃO, 2017), para o desfazimento dos discursos discriminatórios e
excludentes.
Dessa forma, trarei no segundo capítulo uma breve discussão a respeito das noções de
identidade que vem sendo desenvolvida por vários teóricos sociais. A discussão inicia-se com
a construção da ideia de uma identidade fixa, rígida, estável e de raiz única (BAUMAN, 1996,
2005; GLISSANT, 2005; Hall, 1990), na qual o sujeito busca ser leal a uma identidade para se
sentir-se pertencido a uma cultura ou nação. Logo depois, é discutido a identidade do sujeito
13

pós-moderno, a construção da identidade desse sujeito é marcada pela diferença e exclusão


(HALL, 1996), e por ser constituído por várias identidades, ele é visto “como descentrado, sem
identidade fixa, e caracterizado por multiplicidade, dinamismo e fragmentação” (FABRÍCIO;
MOITA LOPES, 2004, p.13).
Na sequência, são debatidas as implicações dos projetos coloniais no processo de
construção da identidade do “outro”. Ou seja, a forma como os colonizadores produziram e
estabeleceram estratégias de controle sobre os indivíduos para manter as assimetrias de poder
e as relações de dominação. Um dos primeiros mecanismos utilizados pelos os dominadores,
foi a categorização social do indivíduo de acordo com a ideia de raça. Além dessa concepção,
outros mecanismos foram produzidos, como, por exemplo, a perspectiva do conhecimento
eurocêntrico que privilegia o conhecimento ocidental como superior, e as práticas binárias que
classificam de forma hierárquica as relações, sempre existindo um lado dominante em relação
ao outro. E por fim, apresento os quatro pontos que constituem o estereótipo como um dos
principais mecanismos estratégicos do exercício de poder no sistema colonial.
Na seção seguinte, discutirei como os projetos coloniais influenciaram na construção e
representação dos povos indígenas através da fixação das estratégias discursivas, as quais os
diferenciavam por características fenotípicas e biológicas em relação ao padrão de
representação europeia. Além disso, demonstrarei que na atualidade, a formação e a
representação da imagem indígena ainda permanecem de forma inalterável, sendo associada ao
olhar e a imaginação do dominador. Para isso, analisarei diversos modos de construção de
sentidos (THE NEW LONDON GROUP, 2000; ZACCHI, 2009; FAÇANHA e LUCENA,
2020) ou fontes de informação (PAIVA, 2015), como relatos e crônicas de viajantes, notícias
de jornais eletrônicos e livros didáticos, que manifestem essa reencenação colonial (HALL,
1990; KILOMBA, 2019; WALTER, 2012).
No capítulo 3, discutirei que o livro didático, como um produto colonial, privilegia
conteúdo da cultura do conhecimento eurocêntrico por meio das diferentes práticas
representacionais. Ainda nesse capítulo, analisarei como os livros didáticos de língua Inglesa
do Ensino Médio estão construindo e representando a identidade dos povos indígenas, já que
os documentos oficias orientam em seus textos a promoção da visibilidade, da participação, do
protagonismo e da diversidade cultural e multicultural desses povos brasileiros. E por fim, no
capítulo 4, trarei uma breve discussão entre a forma como a coleção Voices plus e Learn and
share in English escolhem construir e representar a identidade indígena.
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2 TECENDO IDENTIDADES

A discussão contemporânea sobre a concepção de identidade tem despertado o


interesse no campo das Ciências Humanas (Psicologia, Antropologia, Educação, Sociologia,
etc.) na busca de compreender quem somos ou quem nos tornamos por meio de nossas práticas
sociais. Essa preocupação em discutir o conceito de identidade na era pós-moderna (BAUMAN,
1996) ou nos tempos modernos tardios (HALL, 1996) é “devido à percepção sociopolítica de
um mundo plural em que modos de ver a experiência humana de forma homogênea dão lugar
à heterogeneidade que nos constitui ou ao intricado mosaico de que somos feitos” (MOITA
LOPES, 2002, p.58).
No entanto, é a partir dos anos 1960/70 com as contribuições teóricas de Claude Lévi-
Strauss e de Fredrik Barth que marcam o surgimento de um objeto de análise no campo da
Antropologia, chamado “identidade” (AGIER, 2001). Nos anos posteriores, a questão da
identidade torna-se destaque não somente na antropologia, mas também em outros campos da
Ciências Humanas. De acordo com Agier, esse objeto possuía características duplas como ponto
de orientação para a Antropologia, o primeiro ponto estava relacionado ao aparecimento da
identidade em todo o âmbito da vida social e o segundo estava ligado a probabilidade de sua
descoberta e autonomia como objeto de investigação a partir de seus limites. Sob o mesmo
ponto de vista, Jenkins (2008) afirma que o debate em torno de uma identidade antiessencialista
–– não fixa ou imutável, mas negociável e flexível –– surge dentro da antropologia social com
influência dos estudos de Barth, e tem uma caminhada mais longa na sociologia interacionista.
Embora esse último autor tenha uma visão de identidade movente e fluida, que a
qualquer momento tem a possibilidade de ser produzida e reproduzida nas interações, ele
defende a ideia de que essa perspectiva de identidade não é nova e muito menos pós-moderna.
Esse argumento sustentado pelo sociólogo acaba indo em confronto com as ideias defendidas
pelos teóricos sociais de que o aparecimento do “problema da identidade” é enfatizado na pós-
modernidade. Na verdade, o que Jenkins (2008) defende é que os debates sobre uma identidade,
aberta e flexível, já aconteciam em proporções menores, o que afirma sua existência. Porém, é
na chamada pós-modernidade que a centralidade do “problema da identidade” se destaca e se
torna “um assunto de extrema importância e em evidência” (BAUMAN, 2005, p.23).
Nesse mundo cada vez mais globalizado, onde as oportunidades são momentâneas, as
seguranças frágeis e as vidas humanas mais diversas, “as identidades ao estilo antigo, rígidas e
inegociáveis, simplesmente não funcionam” (BAUMAN, 2005, p.33). Essas identidades
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acabam não funcionando mais, pelo fato, de o mundo novo não ser mais estável e contínuo,
mas, sim líquido e flutuante. Na pós-modernidade a identidade e diferença são temas
predominantes quando se trata de saber quem somos ou quem são os outros por meio nossas
das práticas, dos nossos discursos e das nossas posições. Diante dessas informações, partiremos
para discussões que apresentem à virada da construção da “identidade” –– de fixa, durável para
flexível e incompleta ––.
A busca por identidade inicia-se pelo nascente Estado Moderno com o objetivo de
estabelecer estratégias de controle e de subordinação aos indivíduos (BAUMAN, 2005). A
criação da ideia de identidade ou identidade nacional na era Moderna foi introduzida nas mentes
dos sujeitos como se fosse algo natural de suas experiências de vida, mas, na verdade, ela era
uma fantasia, uma ilusão, uma imaginação, ou como o próprio Bauman (2005, p.26) afirma,
“uma ficção”. Por ser considerada uma ficção, essa ideia de identidade empregada pelo nascente
Estado Moderno precisava convencer para conseguir solidificar e consolidar numa realidade
imaginável. Para que isso tivesse êxito, o Estado Moderno teve a necessidade de desenvolver a
ideia de identidade ligada ao pertencimento, ou seja, cria a ficção da natividade por nascimento.
“A ideia de ‘identidade’ nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou
no sentido de transpor a brecha entre o ‘deve’ e o ‘é’ e erguer a realidade ao nível dos padrões
estabelecidos pela ideia –– recriar a realidade à semelhança da ideia” (BAUMAN, 2005, p.26).
Segundo Bauman (2005), existia uma dependência entre o Estado e a nação. Dessa
forma, para garantir a continuidade e o futuro da nação, o Estado buscava nos indivíduos o
cumprimento dos deveres obrigatórios e a obediência, já que eles estavam sob seu poder. Por
ser criada pelo Estado, a identidade nacional, diferente de outras identidades, exigia das pessoas
lealdade e exclusividade para que permanecesse na posição de superioridade em relação as
outras. Para Bauman (2005, p.29),

A severidade das exigências era um reflexo da endêmica e incurável


precariedade do trabalho de construir e manter a nação. Permitam-me
repetir: a “naturalidade” do pressuposto de que “pertencer-por-nascimento”
significava, automática e inequivocamente, pertencer a uma nação foi uma
convenção arduamente construída –– a aparência de “naturalidade” era tudo,
menos “natural”.

Outro aspecto em torno da problemática identitária na modernidade diz respeito à sua


durabilidade. A grande preocupação do nascente Estado Moderno não era de como construir
uma identidade, mas de como mantê-la de forma sólida, estável, fixa e contínua (BAUMAN,
1996). O Estado Moderno fez o necessário para que as pessoas buscassem essa identidade
16

nacional –– construída pelo Estado –– para se sentirem pertencidos. Da mesma forma que o
Estado Moderno possibilitava o acesso a identidade, ele também negava, provocando no
indivíduo uma incerteza de saber quem ele era ou onde pertencia. De acordo com Bauman
(1996, p.19). “A identidade é um nome dado à fuga buscada daquela incerteza”.

A pessoa pensa em identidade sempre que não tem certeza de onde pertence,
ou seja, não se sabe ao certo como se colocar entre a variedade evidente de
estilos e padrões de comportamento e como garantir que as pessoas ao redor
aceitariam este posicionamento como correto e adequado, de modo que ambos
os lados saberiam como continua na presença um do outro (BAUMAN, 1996,
p.19).

De maneira idêntica, Hall (1996) declara que esse conceito de identidade tradicional e
essencialista visa uma unidade estável, contínua onde as histórias do início ao fim não sofrem
mudanças e permanecem sempre na mesmice, inalterável ao longo do tempo. Tendo como base
a concepção de identidade na contemporaneidade, a qual é oposta a esse primeiro conceito
apresentado, o autor demonstra duas posições de identidade cultural. O primeiro sentido da
identidade cultural corresponde a uma cultura compartilhada, onde as pessoas dividem entre si
histórias, ancestralidades e códigos culturais comuns que proporcionam estabilidade,
imutabilidade e continuidade de referência e significado. Aqui a identidade é constituída pela
semelhança e similaridade.
O segundo sentido de identidade cultural defendida pelo teórico, reconhece a
semelhança na contribuição da construção da identidade, mas também confirma a presença da
diferença no processo constitutivo. É através da diferença que realmente sabemos quem somos
e quem nos tornamos –– desde que em determinadas situações aconteçam intervenções
históricas.

As identidades surgem dentro das modalidades específicas de poder e,


portanto, são mais o produto da marcação de diferença e exclusão, do que são
o sinal de um idêntico, unidade naturalmente constituída –– uma identidade
em seu significado tradicional (ou seja, uma mesmice abrangente, contínua,
sem diferenciação interna). As identidades são constituídas por meio, não fora
da diferença (HALL, 1996, p.4).

Com as mudanças rápidas e as constantes acelerações do mundo, o conceito construído


de uma identidade contínua e durável, nos tempos atuais, não faz mais sentido, já que as
sociedades não são mais estáveis. É na chamada pós-modernidade, que a concepção de
identidade é transformada devido à necessidade da busca de saber quem somos interligados
“em um contexto de globalização acelerada” (AGIER, 2001, p. 7). Desse modo, o sujeito que
17

anteriormente procurava permanecer leal a uma “identidade fixa, essencial e permanente”


(HALL, 2006, p.12), está cada vez mais descentrado, fragmentado por produzir identidades
múltiplas. Segundo Woodward (2004), as identidades por possuírem características fluidas,
mutáveis e moventes produzem mudanças, incertezas e dúvidas na vida dos indivíduos em saber
quem são e de onde pertencem.
De acordo com as ideias de Hall (2006), essa visão de identidade complexa, variável e
provisória produz o sujeito pós-moderno. Por ser móvel e dinâmica, a identidade tem a
capacidade constante de produzir e se reproduzir através dos contextos específicos as quais os
sujeitos se posicionam ou são posicionados.

As identidades nunca são unificadas, nos tempos modernos tardios, cada vez
mais fragmentadas e fraturadas, nunca singular, mas multiplicamente
construída em diferentes, muitas vezes se cruzando e antagonizando,
discursos, práticas e posições. As identidades são construídas dentro e não fora
do discurso, são produzidos em dados históricos específicos e instituições
dentro de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias
enunciativas específicas (HALL, 1996, p.4).

Do mesmo modo, Moita Lopes (2002) indica, que as identidades são construídas por
meio das práticas discursivas em condições particulares, nas quais os participantes ao agir no
mundo constroem significados ao se envolverem e ao envolverem o outro no discurso.

É por meio desse processo de construção do significado, no qual o


interlocutor é crucial, que as pessoas se tornam conscientes de quem são,
construindo suas identidades sociais ao agir no mundo por intermédio da
linguagem (MOITA LOPES, 2002, p.30).

As identidades na era pós-moderna não são evidentes, são construções que nunca estão
completas, que nunca são assuntos finais ou resolvidos (JENKINS, 2008), sempre em processo
e sempre constituída dentro da representação e não fora (HALL, 1990). Nesse mundo líquido
moderno, no qual as identidades dos sujeitos são múltiplas, desincorporadas, frágeis,
provisórias e flutuantes, algumas são de suas próprias escolhas, outras impostas e lançadas por
outras pessoas (BAUMAN, 1996, 2005) a depender do contexto em que eles estejam agindo e
de como estejam posicionados (ZACCHI, 2016a; MOITA LOPES, 2002).
Para Woodward (2004), a identidade apresenta um vínculo entre o pessoal – sujeitos
assumindo identidades –– e o social –– as interações socias nas quais as pessoas adotam
algumas identidades e tornam outras inacessíveis.
18

A identidade apresenta a interface entre o pessoal –– o que está acontecendo


dentro de nossas cabeças, como nós, como indivíduos, nos sentimos sobre
quem somos –– e o social –– as sociedades em que vivemos e as questões
sociais, culturais e econômicas fatores que moldam a experiencia e
possibilitam que as pessoas adotem algumas identidades e tornam outras
inacessíveis ou impossíveis (WOODWARD, 2004, p.21).

A identidade e o pertencimento na modernidade não são firmes como uma rocha, não
podem ser garantidos para toda uma vida, são abertos, flexíveis e reconstruídos, e as escolhas
que os indivíduos fazem e suas ações no mundo são fatores indispensáveis “tanto para o
pertencimento quanto para a identidade” (BAUMAN, 2005, p.17).

Nós habitantes do líquido mundo moderno, somos diferentes. Buscamos,


construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades em
movimento –– lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e
velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um
momento, mas não por muito tempo (BAUMAN, 2005, p.32).

Na contemporaneidade, o problema de identidade não está preocupado em como manter


a constituição de identidade sólida, estável e fixa, mas como evitar a firmeza, fixação e manter
as escolhas livres. A estratégia de identidade pós-moderna não está focada na construção ou na
invenção, mas a evitação da fixação. A identidade na modernidade líquida, não pode ser
comparada a um quebra-cabeça que já tem a tarefa preestabelecida –– a imagem final na caixa
do produto. Pelo contrário, deve ser compreendida como um processo, sempre incompleta e
incerta. Para explicar essa passagem da fase sólida para fluida Bauman (2005, p.57) declara que

Estamos agora passando da fase “sólida” da modernidade para a fase “fluida”.


E os “fluidos” são assim chamados porque não conseguem manter a forma por
muito tempo, e a menos que sejam derramados num recipiente apertado,
continuam mudando de forma sob a influência até mesmo das menores forças
(BAUMAN, 2005, p.57).

Conforme Hall (1996) aponta, as identidades são constituídas dentro do jogo de poder,
diferença e exclusão e os sujeitos são obrigados a assumir posições que são representadas por
meio de uma falta, de uma divisão, do lugar do outro. Com base nessa construção de identidade
marcada pelas relações de poder, Castells (2018) apresenta três formas que geram resultados
distintos no processo de constituição da sociedade: a identidade legitimadora, a identidade de
resistência e a identidade de projeto.
Para o autor, a identidade legitimadora envolve as instituições e organizações
dominantes na sociedade, como também atores sociais estruturados que reproduzem e
19

racionaliza fontes de dominação estrutural. De outro modo, a identidade de resistência é


construída pelos atores sociais que se depara em posição de subordinação pela dominação,
desenvolve maneiras de resistência e sobrevivência fundamentado em modos diferentes dos
que estão presentes nas instituições da sociedade. E por último a identidade de projeto, na qual
os atores sociais manuseia com materiais culturais que contribuem para a constituição de uma
nova identidade “capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a
transformação de toda a estrutura social” (CASTELLS, 2018, p.63).
Partindo-se dos fundamentos de Hall (1990, 1996, 2006) de que as identidades dos
sujeitos são construídas pela marcação da diferença, ou seja, que é no processo de diferenciação
do “outro” que as identidades são constituídas. Utilizaremos a segunda posição de identidade
cultural defendida pelo teórico social para entender o processo e a experiência traumática
colonial que produz a classificação dos sujeitos sociais com base na ideia de raça –– uma
suposta diferenciação do “outro” por meio de características biológicas que os colocavam em
situações de inferioridade –– com objetivo de estabelecer e manter as relações dominação entre
conquistadores e conquistados.
Na próxima seção, discutiremos a respeito do processo de racialização que se inicia com
a formação da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como novo padrão
de poder. Para se assentar, esse padrão de poder produz e estabelece a categorização social dos
indivíduos de acordo com a ideia de raça. Dessa forma, os conquistadores construíam a
identidade do “outro” pela a lógica da marcação da diferença e da exclusão que era exigida na
conquista para manter as relações de poder. No primeiro momento, os conquistadores se
diferenciavam dos conquistados por características biológicas, isto é, por meio da construção
da ideia de raça. No segundo momento, os dominadores utilizavam a ideia de racialização
associada as formas de controle de trabalho, assim, as diferenças fenotípicas estabeleciam um
sistema de divisão racial de serviços. Além dessas estratégias utilizadas pelos projetos coloniais,
o discurso colonial é considerado como uma das práticas mais importantes, pelo fato de
construir o sujeito em uma falsa representação da realidade que o reduz a poucas características
simplificadas e distorcidas que são constituídas como fixas por natureza.

2.1 RACIALIZAÇÃO DO “OUTRO”

Como já foi apontado anteriormente, a globalização é um termo que vem sendo


amplamente discutido, nos tempos modernos tardios, pelo motivo de ter tornado a vida humana
mais diversa e plural (JENKINS, 2008). Embora esse termo tenha ganhado destaque pelos
20

teóricos sociais na chamada pós-modernidade (JENKINS, 2008), o processo de globalização,


de acordo com Quijano (2005), aparece bem antes do que presumíamos.
Em conformidade com Quijano (2005), o processo de globalização inicia com a
formação da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão
de poder. Esse novo padrão de poder produz e estabelece a categorização social dos indivíduos
de acordo com a ideia de raça, uma construção mental que tem origem e caráter colonial que
permeia até hoje na sociedade. Em vista disso, os colonizadores, no período colonial,
construíam a identidade do “outro” pela lógica da marcação da diferença e da exclusão (HALL,
1990, 1996), que foi a forma estratégica de controle e subalternização (MARTINS, 2019)
exigida na conquista para manter as assimetrias de poder e a relações de dominação.
Em concordância com Said (2003), essa fixação da diferença e da exclusão, que o autor
nomeia como a lógica do Orientalismo, é uma maneira de representar o Oriente. Para o autor,
a forma como o Ocidente representa as pessoas e os locais do Oriente Médio constrói uma
imagem distorcida e alterada da realidade, ou seja, uma imagem fora da história, estática que é
recorrente do outro (SAID, 2003). Dessa forma, o Oriente é representado, pela a imaginação e
fantasia europeia, como um local misterioso, mágico, com seres exóticos, cheio de segredos e
monstros (SAID, 2003). Além disso, para Said, Ocidente se define como superior,
desenvolvido, civilizado, padrão representacional hegemônico ao contrastar com as
características, imagens e ideias do Oriente. Com referência a essa incompletude humana e a
racialização do “outro”, Carneiro (2005) explica que

O Não-ser assim construído afirma o Ser. Ou seja, o Ser constrói o Não-ser,


subtraindo-lhe aquele conjunto de características definidoras do Ser pleno:
autocontrole, cultura, desenvolvimento, progresso e civilização. No contexto
da relação de denominação e reificação do outro, instalada pelo processo
colonial, o estatuto do Outro é o de “coisa que fala” (CARNEIRO, 2005, p.99).

Desse modo, essa ideia de raça 1, que foi construída pelos conquistadores no período
da conquista, é considerada como elemento principal nas relações de poder que se associa aos
níveis, lugares e papéis que os sujeitos podem ocupar na sociedade. A respeito disso, Quijano
(2005) apresenta dois eixos fundamentais que foram produzidos pelo novo padrão de poder, o
primeiro corresponde a diferenciação dos colonizadores e dos colonizados por meio da

1
A ideia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida antes da América. Talvez se tenha originado
como referência às diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados, o que importa é que desde muito
cedo foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre grupos (QUIJANO, 2005,
p.107).
21

construção da ideia de raça, ou seja, os conquistadores se diferenciavam dos conquistados por


características biológicas, que posicionavam uns em relação aos outros em situações de
inferioridade.

As relações entre europeus, indígenas e africanos foram marcadas por


distinções de cunho racial. Ora por argumentos espirituais, ora por argumentos
biológicos e médicos, e até mesmo pelo senso comum senhorial, negros e
indígenas eram classificados e reclassificados ao olhar do europeu de forma
racializada, isto é, de forma a estabelecer distinções entre esses três grandes
grupos, não apenas com um sentido de hierarquização, mas de definição do
que era ou não considerado humano (ORTEGAL, 2018, p.417).

Assim, no que diz respeito a esse assunto, Viveiros de Castro (2004) discute as
cosmologias indígenas, ou seja, o perspectivismo ameríndio, que se trata da perspectiva de que
o universo é habitado por diferentes seres, humanos e não humanos, a depender dos diversos
modos de percepções e pontos de vista.

A uma concepção indígena segundo a qual o modo como os seres humanos


veem os animais e outras subjetividades que povoam o universo – deuses,
espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, planetas, fenômenos
meteorológicos, acidentes geográficos, objetos e artefatos – é profundamente
diferente do modo como esses seres veem os humanos e se veem a si mesmos.
Os humanos veem os humanos como humanos e os animais como animais;
quanto aos espíritos, ver estes seres usualmente invisíveis. Os animais
predadores e os espíritos, entretanto, veem os humanos como animais de
presa, ao passo que os animais de presa veem os humanos como espíritos ou
como animais predadores. Vendo-nos como não humanos, é a si mesmos que
os animais e espíritos veem como humanos (VIVEIROS DE CASTRO, 2004,
p.227).

O segundo eixo refere-se a ideia da racialização do “outro” 2 associada com todas as


formas de controle do trabalho. As diferenças fenotípicas dos dominadores e dominados
estabeleciam uma sistemática divisão racial do trabalho, que mais tarde foram atribuídas a
outros aspectos, como, por exemplo, aos conhecimentos religiosos, culturais etc.

As novas identidades históricas produzidas sobre a ideia de raça foram


associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle
do trabalho. Assim, ambos os elementos, raça e divisão do trabalho, foram
estruturalmente associados e reforçando-se mutuamente, apesar de que
nenhum dos dois era necessariamente dependente do outro para existir ou para
transformar-se (QUIJANO, 2005, p.108).

2
A ideia de racialização do “outro” refere-se à produção de novas identidades no período da formação da América,
identidades indígenas, negras e mestiças, como também a redefinição de outras identidades que possuem
procedência geográfica ou país de origem, tal como, português, espanhol, europeu, que também foram atribuídas
conotações raciais.
22

Com a racialização do trabalho imposta pelos colonizadores, os povos indígenas das


Américas foram os primeiros povos a serem reduzidos à escravização com a justificava de
serem considerados como seres sem religião, em outras palavras, povos sem alma, sem
humanidade e inferiores por natureza (GROSFOGUEL, 2016). Segundo Viveiros de Castro
(2004), enquanto os povos indígenas questionavam se os europeus tinham corpo humano ou
corpo de espírito, ou seja, se eram divindades, os europeus, entretanto, questionavam se os
povos originários tinham alma.

Para os europeus, tratava-se de decidir se os outros tinham uma alma; para os


índios, de saber que tipo de corpo tinham os outros. O grande diacrítico, o sítio
da diferença de perspectiva para os europeus é a alma (os índios são homens
ou animais?); para os índios, é o corpo (os europeus são homens ou espíritos?).
Os europeus não duvidavam que os índios tivessem corpos –– animais
também os têm. O que os índios queriam saber era se o corpo daquelas ‘almas’
era capaz das mesmas afecções e maneiras que os seus: se era um corpo
humano ou um corpo de espírito, imputrescível e proteiforme. Em suma: o
etnocentrismo europeu consiste em negar que outros corpos tenham a mesma
alma; o ameríndio, em duvidar que outras almas tenham o mesmo corpo
(VIVEIROS DE CASTRO, 2004, p.241).

Para Ortegal (2018), categorizar determinado grupo como não humano, na época da
conquista, resultava em total exploração, escravização e extermínio do grupo. Após o vasto
extermínio –– perecido por doenças, escravização e guerras –– e a resistência desses povos à
dominação, os povos indígenas das Américas deixam de ser a principal exploração e seus
serviços são substituídos 3 pelos dos negros africanos (que foram trazidos a força da África para
as Américas pelos europeus).
No caso do Brasil 4, a transição da escravidão indígena para a africana ocorreu nas
regiões de forma lenta. E essa variação de tempo entre as regiões dependia muito das condições
econômicas e de outros aspectos locais, como a exigência do trabalho, o poder da igreja e das
instituições, as séries de epidemias etc. Para Schwartz (2018), a transição para a escravidão
africana no contexto brasileiro não pode ser entendida apenas por forças ou restrições locais,
mas também pelo processo de africanização de mão de obra nas Américas.
Apesar de ter ocorrido esse processo de escravização nas populações indígenas, as
relações inicias entre os “habitantes do Novo mundo” (SCHWARCZ, 2018, p.420), os povos

3
É importante evidenciar que a substituição da mão de obra indígena para a africana não aconteceu rapidamente
e esses povos não foram apartados nos mundos coloniais. No início, as populações indígenas e africanas
escravizadas, trabalhavam lado a lado, juntos e misturados nos espaços de produção ou engenhos (GOMES e
SCHWARCZ, 2018).
4
Essa transição dos sistemas escravistas ocorreu em todos os territórios das Américas.
23

indígenas, com os europeus, não se sustentavam em mão de obra escravizada, mas, sim, em um
sistema de troca –– o chamado escambo ––, na qual os povos originários trabalhavam para os
colonizadores “encontrando e carregando troncos de pau-brasil até a costa, em troca de produtos
comerciais, instrumentos de metal ou armas” (SCHWARTZ, 2018, p.227). A pintura
“Derrubada do Pau-Brasil” de 1575, produzida por André Thevet, revela este cenário, no qual
os povos indígenas procuravam e derrubavam o pau-brasil –– já que eles conheciam bastante
as terras –– para os portugueses.

Figura 1 - Derrubada do Pau-Brasil

Fonte: Domínio público, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publicada no livro La


Cosmopraphie Universelle, produzida por André Thevet em 1575.

No entanto, é a partir de 1534 que as relações entre os portugueses e indígenas se


modificam com a incorporação de engenhos nos territórios brasileiros. A tela de Baptiste Debret
“Escravos”, de 1830, apresentada logo abaixo, exibe esse processo de escravização dos povos
originários. É relevante mencionar que, o artista romantiza o regime escravocrata em sua
pintura, ao representar esses povos com uma hospitalidade generosa sem nenhuma relutância
em serem explorados e escravizados.
24

Com a implantação do sistema de capitanias a partir de 1534, o assentamento


português e, em algumas capitanias, a introdução da cana-de açúcar e dos
engenhos mudaram as relações com as populações indígenas. Os índios se
mostravam relutantes em trabalhar continuamente na roça, pois consideravam
este um trabalho de mulher, e, em alguns casos, a demanda indígena de bens
como machados de ferro e armas de fogo encarecia cada vez mais sua mão de
obra para os portugueses. Ademais, a relutância dos índios em fazer este tipo
de trabalho e a resistência armada contra a apropriação portuguesa de suas
terras levaram a campanhas militares entre as décadas de 1540 e 1560, nas
capitanias nordestinas da Bahia e de Pernambuco, que resultaram na
escravização de índios capturados numa “guerra justa” 5 (SCHWARTZ, 2018,
p.228).

Figura 2- Escravos

Fonte: Baptiste Debret, 1830, Escravos.

Com a disseminação rápida de doenças nas regiões do Brasil, os números das


populações indígenas, por serem povos mais suscetíveis a doenças (SCHWARTZ, 2018), foram
reduzidas e como consequência desse fato, a coroa por pressão dos jesuítas, decide pelo o fim
da escravidão indígena e acaba promulgando a primeira lei que proíbe a sua escravização. Desse
modo, com a redução dos povos originários e a legislação real contra o processo de

5
“A guerra justa” era a maneira pela qual a Coroa portuguesa autorizava a escravização dos povos indígenas
caso tivesse algum confronto entre os colonos portugueses e as tribos indígenas.
25

escravização, a circunstância torna-se mais propensa para a escravização dos negros africanos.
Daí em diante, os negros não eram apenas “os explorados mais importantes, já que a parte
principal da economia dependia do seu trabalho. Eram, sobretudo, a raça colonizada mais
importante” (QUIJANO, 2005, p.107).

O fato é que já desde o começo da América, os futuros europeus associaram o


trabalho não pago ou não assalariado com as raças dominadas, porque eram
raças inferiores. O vasto genocídio dos índios nas primeiras décadas da
colonização não foi causado principalmente pela violência da conquista, nem
pelas enfermidades que os conquistadores trouxeram em seu corpo, mas
porque tais índios foram usados como mão de obra descartável, forçados a
trabalhar até morrer (QUIJANO, 2005, p.109).

Por conseguinte, da classificação racial hierárquica desses povos, os colonizadores


europeus construíram suposições e preconceitos sobre as capacidades e as posições de trabalho
que os povos indígenas e os negros africanos poderiam ocupar. Em relação aos povos indígenas,
o discurso colonial construído sobre seus corpos corresponde a baixa produtividade, a
vulnerabilidade a doenças, a predisposição à fuga, a barbárie e a indolência. Os africanos por
sua vez, eram considerados mão de obra mais produtivas, menos propensos à fuga e menos
suscetíveis a doenças, embora o preço de um escravo africano fosse três vezes mais caro de que
um escravo indígena. Segundo SCHWARTZ (2018), a preferência pelo tráfico de escravos
africanos foi devido ao grande fornecimento internacional de mão de obra escravizada, assim
como da abertura e estabilidade desse novo “negócio”. Com isso, os senhores de escravos
tinham que pensar se compensava “em usar africanos mais caros para tarefas arriscadas ou em
investir no treinamento de trabalhadores indígenas” (SCHWARTZ, 2018, 230).
Posteriormente, os colonizadores atribuíram como cor 6 os traços fenotípicos dos
colonizados, os quais marcam as formas de pensar as relações entre os sujeitos sociais
“marcados pelas categorias identitárias ‘branco’ e ‘negro’” (MARTINS, 2019, p.55). Dessa
forma, os dominantes se designaram como brancos e superiores em relação aos outros
indivíduos produzindo, assim, uma hierarquia na classificação social da população. Com a
expansão do colonialismo europeu e a constituição da Europa como nova identidade
(QUIJANO, 2005), os dominadores comandaram a produção da perspectiva do conhecimento
eurocêntrico correlacionada a ideia de raça –– que foi primeiro classificada a população da

6
De acordo com Grosfoguel (2016), o racismo de cor surge depois do racismo de religião, a qual subjugava os
povos afirmando que eram povos sem alma e consequentemente não eram humanos. Então, esses foram um dos
mecanismos utilizados pelo projeto colonial para permanecer nas relações de dominação e poder.
26

América e mais tarde do mundo –– como forma de naturalizar as relações de dominação entre
europeus e não europeus.
Deste modo, a perspectiva eurocêntrica do conhecimento foi estabelecida como uma
nova forma de legitimar as antigas ideias e práticas das relações de superioridade e inferioridade
entre os colonizadores e colonizados. Confirmando, assim, a durabilidade e estabilidade das
práticas coloniais de dominação nas estruturas sociais, nas quais os povos conquistados foram
posicionados em situações de inferioridade, como também seus traços e suas descobertas
mentais e culturais (QUIJANO, 2005). Ou ainda como afirma Hall (1990) a respeito da
racialização do sujeito negro.

As maneiras pelas quais os negros, as experiências negras, foram posicionados


e submetidos aos regimes dominantes de representação eram efeitos de um
exercício crítico de poder e normalização cultural. Eles tinham o poder de nos
fazer ver e experimentar nós mesmos como ‘outro’. (HALL, 1990, p.225).

Do mesmo modo, Fanon (2008) evidencia, que a colonialidade do padrão de poder não
somente trabalhou na subordinação política e econômica, mas também na subjetividade do
colonizado, o colocando como posição de objeto e projetando na sua mente a negação de si e
de seu corpo. Esse sentimento de inferioridade projetado, isto é, o complexo de inferioridade
do sujeito é compreendido como o descrédito da sua cultura, fazendo parte da estrutura da
dominação colonial de desconsiderar que o subalterno possa ter cultura, civilização e linguagem
(FANON, 2008).

Todas as experiências, histórias, recursos e produtos culturais terminaram


também articulados numa só ordem cultural global em torno da hegemonia
europeia ou ocidental. Em outras palavras, como parte do novo padrão de
poder mundial, a Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle
de todas as formas de controle da subjetividade, da cultura, e em especial do
conhecimento, da produção do conhecimento (QUIJANO, 2005, p.110).

Como se sabe, o sucesso da hegemonia da Europa e da perspectiva eurocêntrica de


conhecimento sobre o mundo (no controle econômico, político, da subjetividade, da produção
do conhecimento e de todas as regiões e populações do planeta), caracteriza um novo modo de
relações de dominação entre a Europa e os demais sujeitos do universo. Para Quijano (2005), o
resultado desse processo, que leva a Europa como domínio colonial, é devido às diversas
práticas exercidas pelos colonizadores na configuração desse novo universo. O sociólogo
apresenta três estágios que confirma as operações desempenhadas pelos próprios dominadores.
27

Em primeiro lugar, expropriaram as populações colonizadas –– entre seus


descobrimentos culturais –– aqueles que resultavam mais aptos para o
desenvolvimento do capitalismo e em benefício do centro europeu. Em
segundo lugar, reprimiram tanto como puderam, ou seja, em variáveis
medidas de acordo com os casos, as formas de produção de conhecimento dos
colonizados, seus padrões de produção de sentidos, seu universo simbólico,
seus padrões de expressão e de objetivação da subjetividade. Em terceiro
lugar, forçaram –– também em medidas variáveis em cada caso –– os
colonizados a aprender parcialmente a cultura dos dominadores em tudo que
fosse útil para a reprodução da dominação, seja no campo da atividade
material, tecnológica, como da subjetiva, especialmente religiosa (QUIJANO,
2005, p.111).

Com a transformação da Europa no centro do sistema mundo, os europeus


desenvolvem uma particularidade comum a todos os colonizadores, o chamado etnocentrismo,
que nada mais é do que “a aplicação das normas da própria cultura para a dos outros” (BROWN,
1965, p.183 apud HALL, 2016, p.192). Dessa forma, ao associarmos a perspectiva etnocêntrica
com a racialização da população, compreendermos o porquê dos europeus se sentirem não só
superiores a todos os povos, mas naturalmente superiores. “Os europeus imaginaram ser a
culminação de uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza, levou-os também a
pensar-se como os modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo
tempo o mais avançado da espécie” (QUIJANO, 2005, p.111). Acerca dessa discussão, Said
(2003) explica essa concepção de Europa, ou seja, esse aspecto eurocêntrico sobre todas as
culturas.

Uma noção coletiva que identifica a “nós” europeus contra todos “aqueles”
não-europeus, e pode-se argumentar que o principal componente da cultura
europeia é precisamente o que tornou hegemônica essa cultura, dentro e fora
da Europa: a ideia de uma identidade europeia superior a todos os povos e
culturas não europeus. Além disso, há a hegemonia das ideias europeias sobre
o Oriente, elas próprias reiterando a superioridade europeia sobre o atraso
oriental, anulando em geral a possibilidade de que um pensador mais
independente, mais cético, pudesse ter visões diferentes sobre a questão
(SAID, 2003, p.29).

Além da construção do mito de “pureza racial” (BHABHA, 2018) e do sucesso da


Europa como a nova identidade de padrão de poder, os europeus também apresentaram novas 7
categorias de “dualidade dicotômica” (AKOTIRINE, 2019, p.48) nas suas relações culturais
entre o restante do mundo –– tendo raça como elemento principal –– tais como
civilizado/primitivo, branco/negro, racional/irracional, científico/ mítico etc. De acordo com

7
Segundo Quijano (2005), a perspectiva binária do conhecimento eurocêntrico se expandiu no mesmo fluxo que
a hegemonia da Europa sobre o mundo.
28

Hall (2016), as oposições binárias classificam a diversidade do mundo entre os extremos ––


estabelece uma diferença entre as coisas com o objetivo de classificá-las –– e ao mesmo tempo
são reducionistas, brutas e simplificadoras no estabelecimento dos significados. Dentro desse
processo de poder, sempre existirá um lado dominante em detrimento do outro –– uma
hierarquização violenta, isto é, as oposições binárias “nós/eles” (HALL, 2016, p.192)
determinam os saberes de ordem superior e inferior, dominantes e subordinados (BAPTISTA,
2019).
Com base nessas informações, podemos resumir de forma clara, os três pilares
fundamentais que contribuem para a fixação da construção da diferença do “outro” ou das
“práticas representacionais conhecidas como estereotipagem” (HALL, 2016, p.1190) no
discurso colonial.

• A ideia de raça –– como elemento principal na construção da identidade do


outro. Que diferencia o conquistador e conquistado por características
fenotípicas e biológicas.
• A perspectiva da produção do conhecimento eurocêntrico 8 –– que invisibiliza
e mascara qualquer tipo de manifestação cultural, histórica de conhecimento
produzido pelos povos subalternos.
• A perspectiva das oposições binárias –– a construção de novas categorias
atribuídas nas relações, as quais colocam o colonizador em posição de
superioridade e o colonizado em inferioridade, criando, assim, uma
hierarquização.

Tendo em mente esses três aspectos do discurso do colonialismo, conseguimos melhor


entender os regimes dominantes de representação, ou seja, a estereotipagem como modo de
representação da alteridade (BHABHA, 2019) que naturaliza, essencializa, reduz e fixa os
sujeitos por meio da marcação da diferença. Então, sendo uma das estratégias discursivas
utilizada no projeto colonial, “o estereótipo é um modo de representação complexo,
ambivalente e contraditório” (BHABHA, 2018, p.110) que se apossa de poucos aspectos
“simples, vívidos, memoráveis, facilmente compreendidos e amplamente reconhecidos sobre

8
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos denomina essa prática da perspectiva do conhecimento eurocêntrico
como um epistemicídio, ou seja, a morte do conhecimento.
29

uma pessoa; tudo sobre ela é reduzido a esses traços que são, depois, exagerados e
simplificados” (HALL, 2016, p.191).
Como objeto do discurso colonial, o estereótipo usa da fixidez e da repetição
“demoníaca” (BHABHA, 2018) para empregar um sistema de representação e um regime de
verdade que parece similar a realidade social, em outras palavras, o estereótipo produz o sujeito
em uma falsa representação da realidade que o reduz a poucos atributos simples e essências que
são constituídos como fixos por natureza. Dessa forma, a estereotipagem envolve o jogo de
poder, no qual classifica as pessoas segundo a uma norma (o modelo europeu) e definem os
excluídos como o “outro”.
Diante desse quadro, apresentarei os quatros pontos que constituem o estereótipo como
um dos principais mecanismos estratégicos do exercício de poder no sistema colonial. O
primeiro ponto que caracteriza o processo de estereotipagem é na sua forma de reduzir,
essencializar, naturalizar e fixar a diferença. No projeto colonial, os europeus/colonizadores,
reduziu os povos indígenas e africanos a poucos atributos que foram produzidos em excesso e
ao mesmo tempo simplificados –– a simplificação refere-se a forma rígida, presa e fixa da
representação do sujeito ––, como, por exemplo, povos primitivos, selvagens, canibais,
preguiçosos, bestas, sexuais, malandro etc.
O segundo aspecto manifestado do estereótipo está relacionado a estratégia de divisão,
na qual divide o normal e aceitável do anormal e inaceitável (dentro e fora dos regimes de
poder), e também exclui tudo que é diferente. Os colonizadores no processo de diferenciação
utilizam da ideia de raça –– identifica a diferenciação por meio das estruturas biológicas e
fenotípicas –– para classificar os colonizados e simultaneamente colocá-los fora dos regimes
dominantes de representação. Mesmo que os povos subalternos fossem posicionados dentro de
seus regimes, não queria dizer que eles eram vistos como seus semelhantes, mas como os
diferentes, excluídos dessa esfera colonial. Portanto, as práticas de produções de significados
(estereótipos) eram sempre marcadas pela falta e ausência de algo. “A diferença não era sinal
de mais, e sim de menos, pois implicava a carência de costumes, de ordem e responsabilidade”
(SCHWARCZ, 2018, p.420).

A estereotipagem, em outras palavras, é parte da manutenção de ordem social


e simbólica. Ela estabelece uma fronteira simbólica entre o “normal” e o
“pervertido”, o “normal” e o “patológico”, o “aceitável” e o “inaceitável”, o
“pertencente” e o que não é pertence ou é o “Outro”, entre “pessoas de dentro”
(insiders) e “forasteiros” (outsiders), entre nós e eles (HALL, 2016, p.192).
30

O terceiro ponto envolve a função ambivalente do estereótipo, isto é, sua função


contraditória de medo e desejo. O estereótipo foi uma das principais estratégias discursivas
usadas pelos colonizadores pela justificativa de se sentirem ameaçados pela diferença do
“outro”. No processo de recusa e de repúdio da alteridade se esconde o fetiche, o desejo e a
atração do colonizador pelo objeto detestado (SHOHAT e STAM, 2007). Deste modo, tudo que
é considerado negativo, tabu, perigoso, contaminado é projetado nessas novas identidades e
deve ser simbolicamente excluído. Aqui podemos citar o episódio do primeiro contato dos
povos originários com os portugueses, que ficaram maravilhados com as novas terras e
espantosos com o que seria essa nova humanidade que tinham “hábitos como canibalismo, a
poligamia ou nudez” (SCHWARCZ, 2018, p.420), ou seja, comportamentos considerados
proibidos, banidos e repudiados da imaginação europeia. Em conformidade com Kilomba
(2019), nesse processo de negação, o colonizador afirma algo sobre o “outro” que se recusa a
reconhecer em si mesmo, assim, o sujeito subalterno torna-se aquilo ao qual colonizador não
quer ser relacionado.

No mundo conceitual branco, o sujeito negro é identificado como o objeto


“ruim”, incorporando os aspectos que a sociedade branca tem reprimido e
transformando em tabu, isto é, agressividade e sexualidade. Por conseguinte,
acabamos por coincidir com a ameaça, o perigo, o violento, o excitante e
também sujo, mas desejável (KILOMBA, 2019, p.37).

O quarto tópico é que a estereotipagem acontece onde existem desigualdades de poder.


Esse aspecto é dirigido contra grupos excluídos e subordinados como é o caso das novas
identidades formadas na América. Para exemplificar tudo o que vimos até agora, exibirei três
representações visuais, as quais manifestam esses aspectos aterrorizantes do estereótipo na
representação da diferença racial, cultural e histórica (HALL, 2016; BHABHA, 2018). As duas
primeiras obras a serem exemplificadas é da artista brasileira Tarsila do Amaral e a última é do
artista Theodor Galle. As três obras, produzidas por esses dois pintores, exibem a
permeabilidade e durabilidade das formas coloniais. Embora o período colonial tenha chegado
ao fim, as suas formas e práticas ainda permanecem fixadas e rígidas no mundo contemporâneo.
31

Figura 3 - A negra

Fonte: Tarsila do Amaral, 1923, A Negra.

A tela “A Negra” de 1923, produzida por Tarsila do Amaral, não é somente uma fonte
de imagem ou uma fonte de ilustração que traz a representação visual da mulher negra, ela
representa muito mais do que isso. A obra tem uma origem, um contexto e uma intenção de
quem a produz, ou como próprio Hall (1990) afirma, as práticas de representações sempre
implicam nas posições das quais falamos ou escrevemos. Dessa maneira, podemos perceber a
presença das práticas coloniais europeias –– de como posicionou e submeteu os sujeitos negros
dentro dos seus regimes dominantes de representação –– na forma como a artista reproduz a
representação visual da mulher negra através da sua imaginação. Assim, com base nos estudos
pós-coloniais e decoloniais que enfatizam críticas ao eurocentrismo, é perceptível que a obra é
carregada de estereótipos que reduz o sujeito negro a poucas características que são produzidas
em exagero e depois fixadas. Então, todos esses elementos presentes na tela, os lábios grandes
e grossos, o nariz largo, a cabeça e os olhos pequenos, o corpo grande, as mãos grandes e largas
–– dando um sentido de força, trabalho ––, as pernas e os pés enormes, os seios grandes e fartos
32

–– trazendo uma conotação sexual –– representam o poder e a violência simbólica do olhar


colonizador sobre o colonizado.
Essas informações são mais evidentes quando comparamos a obra “A Negra”, de 1923,
com a tela “Autorretrato”, de 1923, ambas pintadas por Tarsila do Amaral. As diferenças entre
as duas telas são bem nítidas. Nessa obra, percebemos a maneira como Tarsila se auto
representa visualmente –– sendo uma mulher branca e da elite ––, ou seja, tendo uma posição
de privilégios na sociedade, seus traços finos, delicados, suas vestes elegantes, sua maquiagem
harmônica, o corte de seu cabelo como tendência da época e suas mãos pequenas. Dessa forma,
o modo como ela constrói sua identidade –– como ela constrói uma percepção de si –– é
completamente diferente daquela da “negra”, que retrata em forma de caricatura e com traços
exagerados. Em outros termos, a forma como os colonizadores se auto designaram como seres
superiores, civilizados e os mais avançados das espécies e produziram mecanismos de controle
e subalternização sobre o “outro” –– na diferenciação por estruturas biológicas, na divisão racial
em todos os âmbitos, nas oposições binárias, na fixação de estereótipos, na imposição de
conhecimento único e universal, etc.–– confirmam a existência das práticas coloniais.

Figura 4- Autorretrato

Fonte: Tarsila do Amaral, 1923, Autorretrato.


33

Outro exemplo de representação visual que exibe essas formas coloniais de dominação
entre colonizador e colonizado é a obra “America”, de 1580, pintada por Theodor Galle. Ao
observar a imagem percebermos o encontro do Velho ao Novo mundo –– “que só era ‘novo’
em relação à designação que os europeus deram a si próprios, como habitantes de um Velho
mundo” (SCHWARCZ, 2018, p.420) –– baseado na formação e percepção do conquistador,
colonizador sobre o conquistado (VERONELLI, 2015). Assim, podemos reconhecer na pintura
alguns dos estereótipos que marcam, atribuem e classificam os povos originários, a presença da
rede onde a indígena está sentada nos leva a pensar a indolência, os hábitos canibais
representado lá no fundo, a nudez e descalço, os animais exóticos ao lado simbolizam a
barbárie, a selvageria e o primitivo, e a sua “bestialidade” por conceder a presença do
colonizador como amigável ao esticar a sua mão.
No pensamento indígena, como afirma Viveiros de Castro (2004), os animais e os
outros seres não-humanos que habitam o universo, têm uma forma interna humana, ou seja,
uma essência idêntica à consciência humana que é normal a esses seres e uma característica
corporal mutável de cada ser. Essa humanidade dos não-humanos normalmente não é evidente
aos olhos dos seres humanos, mas visível a própria espécie ou a indivíduos específicos, como,
por exemplo os xamãs, que possuem habilidades de ver estes seres não-humanos como eles se
veem –– como humanos.
Em conformidade com Sahlins (2013), os nativos australianos veem os animais e as
plantas como seus parentes, isto é, eles veem os animais e outros seres não-humanos como
pessoas e que se oferecer esses seres aos outros estão dando, na verdade, parte de sua própria
essência. Assim, para os aborígenes australianos se alimentar dos animais e das plantas que
nutrem e protegem ritualmente pode ocorrer casos de incestos ou autocanibalizações, mesmo
sendo em casos de alimentar outras pessoas.
Por outro lado, a construção da formação de uma percepção do colonizador de si
mesmo na figura é totalmente oposta, o que irá afirmar a declaração de Veronelli (2015), que
os colonizadores constroem uma percepção de si mesmos como seres humanos completos 9. A

9
Essa percepção dos colonizadores de completude humana pode ser comparada com o Homem Vitruviano de
Leonardo da Vinci, que também é concebido como ser humano completo, como a perfeita representação do
humanismo e modernismo, de acordo com a perspectiva eurocêntrica. Segundo Mizan (2018), o Homem
Vitruviano de da Vinci representa o corpo masculino perfeito –– potencializa a representação do homem branco e
sua razão cartesiana como o centro do universo –– que busca as medidas e proporções ideais do corpo humano
colocadas num círculo e um quadrado, “formas geométricas que representam a capacidade do homem de organizar
o universo e seus seres em categorias para explicar de forma científica como o mundo funciona” (MIZAN, 2018,
p.228-229).
34

figura do português pintada por Theodor marca essa ideia de civilização por parte dele, o
português bem vestido, calçado, e com o astrolábio na mão, criando uma idealização de serem
seres mais evoluídos, mais humanos por possuírem acesso a esses materiais.
Figura 5- America

Fonte: Theodor Galle, 1580, America

Na seção seguinte, discutiremos a respeito da identidade indígena construída no


processo de formação da América. Em que os dominadores utilizaram de estratégias discursivas
para construir e representar uma imagem distorcida, equivocada e fantasiada dos povos
tradicionais. Na atualidade, essa imagem do ser indígena ainda permanece sendo construída de
forma estereotipada. Para explicar essa relação dialógica, das narrativas do passado em
interação com as do presente, propomos apresentar alguns modos de representação ou fontes
de informação como fragmentos de relatos e crônicas de viajantes, notícias de jornais
eletrônicos e livros didáticos que demonstrem essa figura imaginada e estereotipada dos povos
ameríndios como se fosse a representação da realidade.

2.2 IDENTIDADE INDÍGENA

Sendo uma das novas identidades construídas na formação da América, a constituição


da identidade indígena, isto é, a imagem construída, fantasiada e imaginada desses povos ao
longo da história é vista “como um subproduto de projetos coloniais europeus”(RIBEIRO,
35

1970, p.106) –– nos quais os colonizadores se utilizaram de estratégias discursivas na


construção identitária e na representação dos povos originários fundamentado na ideia de raça
que os diferenciavam por características biológicas e fenotípicas em relação ao padrão
representacional. Conforme já apontado, os colonizadores se utilizaram de vários mecanismos
estratégicos de dominação de poder e controle sobre o “outro” como forma de justificar suas
práticas no processo da conquista e, assim, outorgar legitimidade na formação de uma nova
concepção da identidade indígena por meio de uma inexistência do padrão de poder de
representação europeia.
Na época atual, a imagem construída dos povos indígenas mantém ainda de forma
inalterada, em outras palavras, ela ainda continua sendo associada ao olhar e a imaginação do
dominador, ou como afirma Ribeiro (1970, p.94), a construção de uma nova concepção da
imagem do “índio” 10 é “reflexo das ideias de seus dominadores e necessariamente degradante,
porque os descrevia como criaturas grotescas, intrinsicamente inferiores e, por isto, incapazes
de progresso”. Sob o mesmo ponto de vista, Cunha (2012, p.9) menciona, que “somos tentados
a pensar que as sociedades indígenas de agora são a imagem do que foi o Brasil pré-cabralino”.
Além disso, quando a discussão é sobre a questão dos povos originários, eles ainda são vistos
como generosos, ingênuos e simultaneamente indolentes e perigosos, principalmente quando
são retratados como obstáculo ao progresso e ao desenvolvimento do país (LAMAS;
VICENTE; MAYRINK, 2016).

Os estereótipos dos indígenas permanecem até os dias atuais e expõem os


discursos de uma suposta superioridade dos colonizadores, que pretendiam
submeter esses povos visando concretizar o seu projeto de expansão colonial.
Para executar o projeto de conquista das terras brasileiras, os colonizadores
não hesitaram em atribuir aos indígenas diferenças raciais que os rebaixavam
e excluíam. Eles os taxavam de selvagens e diziam que não tinham alma
(PAIVA, 2015, p.15).

Ademais, devido à reencenação colonial, ou seja, as narrativas do passado em uma


relação dialógica com o presente (HALL, 1990; KILOMBA, 2019; WALTER, 2012), é
possível, no entanto, percebermos as implicações dos discursos coloniais na formação da
imagem dos povos originários nos diversos modos de construção de significados (THE KNEW
LONDON GROUP, 2000; ZACCHI, 2009; FAÇANHA; LUCENA, 2020) ou nas diversas
fontes de informação (PAIVA, 2015). Como forma de exemplificar essas narrativas do passado

10
“É importante evidenciar que Colombo pensou ter chegado às índias e, por isso, chamou de “índios” os povos
que encontrou. Deste engano geográfico eurocêntrico, o “índio” emerge como nova identidade.” (GROSFOGUEL,
2016, p.37).
36

imposta por poderes coloniais e presentes na atualidade, demonstraremos alguns fragmentos de


relatos e crônicas de viajantes, como também de notícias de jornais eletrônicos e de livros
didáticos que demonstrem essa imagem fantasiada e estereotipada dos povos originários como
se fosse a representação da realidade (HALL, 2016).
A carta de Pero Vaz de Caminha (2000), é um dos primeiros modos de representação
que constroem a imagem dos povos indígenas. No primeiro momento, em uma tentativa de
comparação, Caminha busca encontrar características semelhantes com esses povos e registra
que essa nova humanidade é “gente”, “desde o primeiro instante, não há dúvida de que são
humanos” (CUNHA, 2012, p.27). A subjugação da humanidade desses povos se inicia no
momento da chegada dos jesuítas – “gestores de alma” (CUNHA, 2012, p.37) –– em que
discutem se os povos indígenas têm uma religião ou um Deus, caso não tivessem, eram vistos
como povos sem alma, isto é, povos sem humanidade (GROSFOGUEL, 2016) que poderiam
estar sujeitos a qualquer tipo de violência física ou cultural (GLISSANT, 2005; FANON, 2008).
De acordo com Gonzaga (2021), no período da conquista e exploração do Velho Mundo,
a humanidade dos povos indígenas foi subjugada pelas diferentes formas de resistência e de
existência desses povos frente às diversas ações europeias. Diante disso, construiu-se vários
mitos repletos de preconceitos, os chamados estereótipos, a respeito da dignidade do sujeito
indígena, “que vai desde o ser dócil, generoso, gentil e honrado até o ser violento, arredio,
arisco, ferino e traiçoeiro” (GONZAGA, 2021, p.22). Dessa forma, essa figura projetada a
identidade dos povos ameríndios possibilita representar as comunidades indígenas como
diferentes dos seres humanos e ao mesmo tempo associá-las a características que definem os
próprios animais. “Quando as projeções que se desenvolvem por relações de diferença e de
contraste vêm à tona, depare-se com a ocorrência da desumanização, que é definida pela total
negativa de humanidade aos demais” (GONZAGA, 2021, p.25).
Para Gonzaga (2021), o processo de desumanização é resultado da fixação de
hierarquias entre os grupos, os quais acreditam ser mais humanos do que os outros e mais
dotados de qualidades desconsiderando nesse “outro” a existência de tais atributos. Assim, as
práticas de categorização condicionam à realização e legitimação de diversos mecanismos de
crueldade, que reflete o “outro” como não-humano, diabólico, animal etc.
No entanto, ao passo que Caminha tenta encontrar semelhanças com esse “outro”, ele
também busca as diferenças. O discurso utilizado pelo cronista evidencia um olhar de
estranhamento e repúdio sobre esses povos. Esse episódio pode ser constatado na forma como
o autor descreve os traços, as características físicas (PAIVA, 2015), os costumes e os hábitos
dos povos originários, fazendo com que se estabeleça as relações de dominação por apresentar
37

uma ausência “em relação às normas europeias, sem ordem, inteligência, decoro sexual,
civilização ou mesmo história” (SHOHAT e STAM, 2007, p.52).

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e


bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam
de cobrir ou de mostrar suas vergonhas e nisso têm tanta inocência como em
mostrar o rosto (CAMINHA, 2000).

Por representar os povos originários como inocentes e generosos, os colonizadores


consideravam os indígenas como povos atrasados e ao mesmo tempo estúpidos pelo fato de não
reconhecerem seus valores (SHOHAT e STAM, 2007). Então, esse olhar de diferenciação dos
colonizadores para os povos ameríndios, explica Gonzaga (2021), foi devido à existência da
grande diversidade de costumes, crenças, rituais, tradições indígenas que proporcionava cada
comunidade atuar de diferentes modos em relação aos padrões europeus. Por apresentar a falta
de lei, de norma e de civilização, os dominadores visibilizaram as coletividades indígenas por
meio de apelidos pejorativos que, na verdade, não representavam quem o apelidado era, mas o
que eles acreditavam e pensavam sobre essas populações.
Outro modo de produção de significado sobre os indígenas é registrado na carta de
Piratininga, que transmite a ideia de uma afirmação de ausência (SHOHAT e STAM, 2007;
SCHWARCZ, 2018) de lei, de ordem, de rei, de civilização em relação ao regime dominante
europeu. Assim, em virtude da falta dessas normas, os povos indígenas, por uma visão europeia,
não poderiam tornar-se seres políticos, membros de uma sociedade que lhes legitimaria a
racionalidade (CUNHA, 2012), tão pouco livrar-se da barbárie e da bestialidade que vivem. No
trecho da carta, Piratininga utiliza o termo de “domar” e submeter esses povos à “obediência”
dando a noção de que eles não são percebidos como humanos, mas sim animais, já que seus
hábitos eram considerados como exóticos. Logo, na visão dos colonizadores, para ter êxito na
missão de “amansá-los” era preciso estabelecer regras a essa nova humanidade.

Não são sujeitos a nenhum rei ou capitão, só têm em alguma conta os que
alguma façanha fizeram, digna do homem valente, e por isso comumente
recalcitram, porque não há quem os obrigue a obedecer; os filhos dão
obediência aos pais quando lhes parece; finalmente, cada um é rei em sua casa
e vive como quer; pelo que nenhum ou certamente muito pouco fruto se pôde
colher deles, se a força e o auxílio do braço secular não acudirem para domá-
los e submetê-los ao jugo da obediência (CARTA DE PIRATININGA, 1933,
p.45).

Segundo Gonzaga (2021), quando os dominadores exigiram uma força de trabalho


obediente para realizar as ações coloniais, os povos ameríndios que eram considerados como
38

bons, serenos e gentis, passaram a ser conhecidos como animais, agressivos e indolentes. A
partir disso, duas concepções foram construídas em relação os povos tradicionais, sendo vistos
como “bons” e “maus” selvagens. Assim, o “bom” selvagem diz respeito ao sujeito indígena
que possuía atributos e condutas parecidas com os colonizadores, enquanto o “mau” selvagem
possuía hábitos e maneiras particulares, diferentes e primitivas no ponto de vista dos europeus.
Em conformidade com Shohat e Stam (2007), a cultura colonialista chamava os
indígenas de bestas e selvagens para se beneficiar e, assim, se apropriar de suas terras. Como
também tentava destituir “o conhecimento produzido por epistemologias, cosmologias e visões
de mundo ‘outras’” (GROSFOGUEL, 27, p.2016).

Os índios eram chamados de “bestas” e “selvagens” para que os brancos


europeus pudessem se apropriar de suas terras; os mexicanos eram tachados
de “bandidos” para facilitar a ocupação de seu território; e os povos
colonizados eram ridicularizados por não terem uma cultura e uma história
porque o colonialismo, em nome do lucro, procurava destruir as bases
materiais de sua cultura, assim como a memória de sua história (SHOHAT e
STAM, 2006, p.45).

Ademais, outros adjetivos –– com a função de desqualificá-los –– foram elencados pelos


dominadores na formação identitária dos povos indígenas, como, por exemplo, primitivos,
canibais, indolentes, preguiçosos, selvagens, atrasados, inúteis, bestas e, além disso, eles são
apresentados como obstáculo para o progresso do país. Segundo Ribeiro (1970), os povos
colonizados por muito tempo aprenderam a ver a si mesmos e os seus semelhantes como uma
subumanidade destinada a ocupar a posição subalterna, por ser classificados como inferiores
pela superioridade europeia.
Esse cenário de desumanização não somente aconteceu com os povos originários, de
acordo com Zacchi (2016c), essa situação se repete com os Sem-Terra. Normalmente, as
pessoas do MST são representadas pelas narrativas hegemônicas como indivíduos preguiçosos,
vagabundos, vadios, fúteis, bandidos, ladrões e até mesmo suas atividades são vistas pelos
proprietários rurais como improdutivas e que dificultam o desenvolvimento do país. Dessa
forma, os grupos hegemônicos e a grande mídia utilizam da construção dessas narrativas como
uma forma de manter o controle sobre os grupos subalternos.
Apesar de ter ocorrido o período colonial há bastante tempo, as suas práticas ainda
continuam tendo impacto na maneira como as pessoas pensam e agem no mundo (WALTER,
2012). Na atualidade, a construção da identidade indígena permanece da mesma forma, sendo
“identificados por meio de estereótipos ligados aos seus corpos, que os produzem e os
39

posicionam socialmente” (PAIVA, 2015, p.15). Outros modos de produção de significados que
expõem essa identidade enraizada (GLISSANT, 2005) são os meios de comunicação, mais
especificamente, os jornais eletrônicos online.
Então, não é incomum, no atual governo, encontrarmos nos jornais eletrônicos notícias
que informem a respeito das declarações e dos discursos discriminatórios e excludentes, que
apresentam a repetição histórica representacional, produzidos pelo presidente da república, Jair
Bolsonaro. Nesses discursos, os povos indígenas são frequentemente tachados como seres do
passado, atrasados, pré-históricos, animais e em constante extinção (GONZAGA, 2021;
KRENAK, 2020a, 2020b). No ano de 2020, a Folha Uol 11 (2020) noticiou aos seus leitores que
durante a transmissão de vídeo em uma das redes sociais, o presidente da república, Jair
Bolsonaro, mencionou que o “Índio tá evoluindo, cada vez mais é ser humano igual a nós”.
Segundo Krenak (2020b), nós estamos vivendo em um tempo sombrio em que o
governo central do Brasil declara que os povos indígenas tem que cessar ou que são seres
inanimados, primitivos. É importante salientar que esse pensamento colonizado sempre existiu
nos governos anteriores, mas no governo Bolsonaro a situação está ainda mais complicada.

O estado brasileiro vive nessa espécie de balança, uma hora o estado protege,
outra hora o estado depreda. Se olhar a história do Brasil nos últimos cem anos
vai ver que o estado no começo e depois do estado novo, depois da constituinte
de 46, depois da ditadura, toma terra dos índios, mata os índios, o sobrevivente
reivindica, pega um pedaço, é desse jeito a história, não é de agora foi sempre
assim (KRENAK, 2020a).

Para Almir Suruí (2021), o direito dos povos indígenas tem sido perseguido pelos
sujeitos que deveriam ter a responsabilidade de respeitar e implementar esse direito, como, por
exemplo, o atual governo. Deste modo, os povos originários têm problematizado a atuação e o
desrespeito desse governo no que diz respeito aos direitos dos indígenas e ao meio ambiente.
Isso é confirmado pelo depoimento de Alice Pataxó (2021)

Por conta desse governo ultra machista, a gente não é escutada. A gente já tem
um grande diferencial no mercado de trabalho, por exemplo, a gente recebe
menos, ocupamos menos cargos. Então, a gente está falando de uma questão
que vai muito além de só ouvir e respeitar os direitos individuais. As pessoas
não têm mais vergonha de dizer que elas não gostam de preto, que elas não
gostam de indígenas, que elas acham ridícula uma pessoa LGBT. Então é
justamente isso, o fato de que o governo fale abertamente sobre isso, se
posiciona de uma maneira negativa, ajuda muito na influência da sociedade
nacional (PATAXÓ, 2021).

11
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/01/23/indio-ta-evoluindo-cada-vez-
mais-e-ser-humano-igual-a-nos-diz-bolsonaro.htm . Acessado em 26 de julho de 2021.
40

Em relação à declaração do presidente, Gonzaga (2021) discorre que quando grande


parte da sociedade brasileira utiliza o termo “índio” é com a intenção de atribuir o sentido do
apelido, do estereótipo, do descrédito, do desdém. É relevante mencionar que o vocábulo
“índio” é resultado de um equívoco histórico construído pelos portugueses, segundo Alice
Pataxó (2020a), quando os portugueses chegaram no Brasil nomearam os povos originários de
“índios” por acreditarem que estavam nas Índias. Ademais, o termo “índio”, por possuir um
sentido ideológico forte, os indivíduos normalmente o associam a características negativas
resultando, assim, no desconhecimento e menosprezo de toda heterogeneidade cultural
existente nas comunidades ameríndias.
De acordo com o Dicionário Online de Português, Priberam, a palavra “índio”
(PRIBERAM, 2022) não se refere primordialmente aos sujeitos que fazem parte das
coletividades indígenas, visto que o primeiro significado para o termo no dicionário é de
“elemento químico metálico, de número atômico 49. = ÍNDIUM”. Outro significado
encontrado no dicionário para o referido termo é de “indígena americano ou indiano”. Assim,
o verbete “índio” não possue um significado apropriado para se referir aos povos tradicionais,
pois não informa a ideia de originalidade. Porém, quando pesquisa o verbete “indígena”
(PRIBERAM, 2022) no Dicionário Online de Português, Priberam, apresenta três significados:
(1) “Que ou aquele que é natural da região em que habita. = Aborígene, Autóctone, Nativo”;
(2) “Que ou quem pertence a um povo que habitava originalmente um local ou uma região antes
da chegada dos europeus. = Aborígene”; (3) “Natural de um país ou localidade”. Portanto, este
verbete sim expõe o significado de naturalidade, pois informa a ideia de que os indígenas estão
presentes no território nacional antes dos demais (GONZAGA, 2021).
É relevante mencionar que o termo “índio” não somente está presente em nosso
vocabulário, como também no vernáculo dos povos indígenas. Na década de 70, com o
surgimento do movimento indigenista o termo “índio” que é usado pela grande maioria das
pessoas como uma forma de desumanizar ou menosprezar as coletividades tradicionais, passa
a ter um novo significado e ser utilizado como um instrumento de luta e resistência pelos povos
indígenas.

A palavra índio está no nosso vocabulário e também no vocabulário dos povos


indígenas. Porque é algo que foi sendo repetido à exaustão. Nos anos 1970,
quando essa juventude começou a olhar, a se perceber parte de uma sociedade
maior, que foi assim que começou o movimento indígena, essa juventude usou
esse termo “índio” como uma forma de luta, como uma forma de identificação
daqueles que eram parceiros. Então, essa palavra ainda é usada, e se é usada
41

por uma liderança dessa, é nesse sentido. Quando essa palavra é usada pela
sociedade brasileira, é no sentido do apelido, no sentido do desdém. É no
sentido do estereotipo, é no sentido da ideologia (MUNDURUKU, 2018).

Dessa forma, o emprego da palavra “índio” é inadequado e genérico, pois apenas é


utilizado pelo corpo social como uma maneira de desqualificar e desumanizar, invisibilizando
toda heterogeneidade e riqueza cultural dos povos originários. Por esse motivo, não devemos
usar esse termo para se referir as populações indígenas.
Além disso, a sociedade brasileira quando fala das coletividades indígenas tende a
pensar na imagem do ser indígena associada ao passado e a um contexto estático e inalterável,
a qual legitima a veracidade, isto é, o status de indígena puro, originário e real (GONZAGA,
2001; MUNDURUKU, 2021a). Entretanto, a identidade e o pertencimento étnico não podem
ser considerados como processos fixos e imutáveis, visto que possuem características dinâmicas
e moventes. Sendo assim, não é aceitável o corpo social identificar quem é ou não indígena,
mas assegurar que seja reconhecida a existência de diferentes experiências culturais que
contribuem para a formação e construção de identidades sociais (GONZAGA, 2021). Sobre
esse assunto explanou Alice Pataxó (2021),

Ser indígena é uma missão não só de guardar a cultura, de lutar por questões
de comunidade, mas principalmente de lembrar que a gente está aqui para
manter vivo tudo aquilo que nos proibiram por muito tempo. Eu não quero
mais escutar que indígena é ladrão de terra. Eu não quero mais escutar que nós
somos aborígenes, que nós somos pessoas selvagens. Que eu deixo de ser
indígena porque eu ando de roupa, porque eu faço faculdade, porque eu sou
LGBT, porque eu uso celular (PATAXÓ, 2021).

Ademais, essa identidade idealizada, fantasiada e romantizada dos povos indígenas,


produzida pela grande mídia, pelo estado e pela literatura, faz acreditar que as comunidades são
destituídas de memórias ou possuem grupos presos no tempo pelo motivo de não se alterarem
do mesmo modo que as sociedades ocidentais. Porém, como qualquer outra coletividade, as
comunidades indígenas possuem suas próprias dinâmicas o que faz com que elas se
desenvolvam e se transformem constantemente.

A maior dessas armadilhas é talvez a ilusão de primitivismo. Na segunda


metade do século XIX, essa época de triunfo do evolucionismo, prosperou a
ideia de que certas sociedades teriam ficado na estaca zero da evolução, e que
eram, portanto, algo como fósseis vivos que testemunhavam o passado das
sociedades ocidentais. Foi quando as sociedades sem Estado se tornaram, na
teoria ocidental, sociedades “primitivas”, condenadas a uma eterna infância
(CUNHA, 2012, p.9).
42

As comunidades indígenas não são primitivas, violentas, arcaicas ou


selvagens e nem representam formato primitivo de humanidade. As práticas
culturais, idiomas e composições socias indígenas são tão elaborados e
multifacetados como quaisquer outros (GONZAGA, 2001, p. 35).

Além das produções de discursos preconceituosos e discriminatórios, no cenário atual


do Brasil, segundo Txaí Suruí (2021), os povos originários têm vivenciado práticas de
genocídio por parte do governo. Na terra indígena Yanomami, por exemplo, tem sofrido
constantemente ataque aos direitos humanos, tendo suas crianças desnutridas e a coletividade
envenenada. Além dos povos Yanomami, o povo Paiter Suruí tem sido bastante afetado durante
a pandemia do Novo Coronavírus. Por causa desse vírus, Txaí Suruí relata que o povo Paiter
Suruí não somente teve perdas de familiares, mas também de pessoas amadas e de suas
sabedorias.
O que a gente está vendo não é só uma omissão por parte do governo em
relação aos nossos territórios, mas também um incentivo de invasão e um
ataque aos nossos direitos principalmente por parte do legislativo com o
Marco Temporal, com a PL 490 12, que são projetos de lei que quer acabar com
as terras indígenas (SURUÍ, 2021).

O genocídio e o epistemicídio movem-se juntos no processo de extermínio físico e


intelectual. Dessa forma, como já foi refutado por Txaí Suruí, o Marco Temporal é uma das
ferramentas utilizadas pelo governo para tentar se apropriar das terras indígenas e exterminar
os povos originários. O Marco Temporal da Terra Indígena é uma ação do Supremo Tribunal
Federal que declara que as coletividades indígenas somente podem solicitar e reivindicar terras
que já habitavam na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Para Gonzaga
(2021), esse argumento é defendido pelos agropecuários que utilizam o caput do art. 231 da
Constituição para justificar que novas terras apenas podem ser demarcadas para indígenas que
já ocupavam o espaço em disputa na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Desse modo, compete aqui a transcrição do art. 231 da Constituição Federal (BRASIL, 1988)
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Sobre o objetivo da tese do
Marco Temporal, explica Txaí Suruí (2021)

12
De acordo com Munduruku (2021b), a PL 490 é uma lei que tira a possibilidade de manutenção das culturas
indígenas. Ela afeta completamente o jeito indígena de ser, ela afeta as culturas indígenas, ela afeta tanto os povos
que estão no contexto de isolamento quanto aqueles que estão no contato mais intermitente, permanente ou no
contexto urbano. Então, é uma PL completamente antissocial, antidemocrática e anticultural, sendo assim, uma PL
genocida que contribui para o extermínio das culturas tradicionais do nosso país (MUNDURUKU, 2021b).
43

O Marco Temporal é decretar a destruição dos povos indígenas. A gente sabe


que as nossas vidas estão muito ligadas ao nosso território. O nosso território
é sagrado para a gente e falar de terra indígena não é só falar da vida dos povos
indígenas, mas é falar da vida de todo mundo. Hoje, quem vem segurando a
floresta somos nós e a tese do Marco Temporal passa abrir a destruição da
floresta, derrubar a floresta e decretar o genocídio destes povos mais uma vez.
A tese do Marco Temporal é inconstitucional, porque está em oposição com o
que está escrito na nossa constituição (SURUÍ, 2021).

Em conformidade com Carneiro (2005), o conceito de epistemicídio transcende a ideia


de negação, descrédito, deslegitimação das formas de conhecimento produzidas pelos grupos
marginalizados. Para a autora, o epistemicídio é um instrumento persistente de produção da
indigência cultural (CARNEIRO, 2005, p.97).

Para nós, porém, o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação


do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção
da indigência cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de
qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes
mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de
conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência
material e/ou pelo comprometimento da autoestima pelos processos de
discriminação correntes no processo educativo. Isto porque não é possível
desqualificar as formas de conhecimento dos povos dominados sem
desqualificá-los também, individual e coletivamente, como sujeitos
cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição para alcançar o
conhecimento “legítimo” ou legitimado. Por isso o epistemicídio fere de morte
a racionalidade do subjugado ou a sequestra, mutila a capacidade de aprender
etc. (CARNEIRO, 2005, p.97).

Nos dias atuais, essa indigência cultural produzida pelo epistemicídio, pode ser
perceptível no cenário pandêmico onde várias comunidades indígenas tiveram dificuldade ao
acesso à educação escolar e a assistência de saúde de qualidade. Para Txaí Suruí (2021), a
questão da educação escolar no seu território foi afetada pela pandemia, pois necessitava do uso
de aparelhos eletrônicos e de internet tão boa quanto da cidade. Por esse motivo, sua aldeia se
distanciou cada vez mais da educação tradicional, porque a educação indígena continuava sendo
praticada dentro do território, ensinando as crianças para a vida e o mundo. Assim, a pandemia
nos revelou como esse país é desigual, na saúde, na educação e em outras dimensões. E como,
nós, povos indígenas precisamos de nossas vozes para participar das proposições de políticas
públicas e trabalhar com a educação indígena que progressivamente está em uma situação
delicada. Cabe reproduzir aqui o relato de Alice Pataxó (2021)

Há cinco anos, era muito mais difícil a gente ter acesso à tecnologia. Até
porque algumas comunidades que não têm energia o sinal não chega, como a
44

minha aldeia. São situações que dificultam muito esse processo, ainda mais
agora na pandemia, quando a gente fala que estudar precisa ser pelo celular.
Então, pense na realidade em que a gente se encontra (PATAXÓ, 2021).

No que diz respeito ao acesso à saúde, na pandemia de covid-19, os povos indígenas


foram mais afetados do que os não indígenas pelo fato de serem mais vulneráveis a
disseminação de doenças em razão das condições sociais e econômicas em que vivem. Em
outras palavras, condições essas que dificultam o acesso aos serviços de saúde, seja pelo
afastamento das áreas urbanas ou pela falta de disponibilidade dos profissionais de saúde. As
grandes capitais do Brasil, explica Almir Suruí (2021), como, por exemplo, São Paulo, teve
problemas de enfrentamento com o novo coronavírus. Então, imagine os locais que possuem
um mínimo de infraestrutura, como é o caso das comunidades indígenas, para conseguir
enfrentar esse tipo de problema. Isso evidencia a ausência de políticas públicas de qualidade
desenvolvidas por parte do governo para as terras indígenas.
Nos discursos hegemônicos, os povos originários são permanentemente representados
como indolentes, vagabundos, preguiçosos e improdutivos pelo fato de serem vistos como um
empecilho para os negócios do desenvolvimento e progresso do país (GONZAGA, 2021;
ZACCHI, 2016c). No ano de 2018, o G1 Globo 13 (2018) informou aos seus leitores que em um
evento o candidato à vice-presidência, General Antônio Hamilton Mourão, declarou que “temos
uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena”. No ano posterior, a Rede Brasil
Atual 14 (2019) noticiou que o procurador de Justiça do Ministério Público, Ricardo
Albuquerque, durante a palestra em uma Universidade particular de Belém mencionou que o
“problema da escravidão no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar, até hoje”.
Dessa forma, sabe-se que esse pensamento preconceituoso a respeito do caráter indígena
não foi construído de agora. A construção dessa imagem distorcida da identidade dos povos
tradicionais inicia-se no período colonial no momento em que os dominadores exigem uma mão
de obra escravizada com o intuito de cumprir os serviços coloniais. Devido à resistência e luta
dos povos indígenas a essa forma de trabalho, eles passaram a ser conceituados, pelos europeus,
como selvagens, indolentes e perigosos. Em concordância com Ribeiro (1970, p.93)

13
Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2018/08/06/vice-de-bolsonaro-afirma-que-
brasil-herdou-indolencia-do-indio-e-malandragem-do-africano-durante-evento-no-rs.ghtml. Acessado em 26 de
julho de 2021.
14
Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2019/11/problema-da-escravidao-no-brasil-foi-
porque-o-indio-nao-gosta-de-trabalhar-afirma-procurador-de-justica/. Acessado em 26 de julho de 2021.
45

Os povos coloniais eram degradados ao assumirem como autoimagem um


reflexo da visão europeia que os descrevia como racialmente inferiores,
porque negros, indígenas ou mestiços e só por isto condenados ao atraso, como
uma fatalidade decorrente de suas características inatas de preguiça, falta de
ambição, de tendência à luxúria, etc.

No entanto, apesar de a colonização já haver terminado, ainda podemos encontrar


resquícios de suas práticas na atualidade, onde agropecuários, latifundiários, madeireiros e
grandes corporações extrativistas por possuir interesses lucrativos e desejar apossar-se das áreas
indígenas argumentam que os povos ameríndios são improdutivos, preguiçosos, vagabundos
para explorar e cuidar das riquezas dessas terras (GONZAGA, 2021).
Além dos proprietários rurais e das elites capitalistas difundirem os respectivos
conceitos, as grandes mídias também contribuem na divulgação e propagação dessa ideia, ao
relatar os conflitos que envolvem os povos originários e os agropecuários, e os discursos
produzidos por esses grupos dominantes de “que as terras correm risco de se tornarem
improdutivas” (GONZAGA, 2021, p.34) pelo fato dos indígenas não possuírem capacidade
produtiva. Assim, essa visão discriminatória que busca representar os indígenas como
improdutivos, vagabundos e indolentes acaba os encarando como inimigos do plano de
desenvolvimento e progresso para a nação. Pela razão de serem considerados como um estorvo
aos interesses de exploração e manuseio de elementos minerais e hídricos nos territórios
(GONZAGA, 202; MUNDURUKU, 2012).
Segundo Gonzaga (2021), a construção do conceito de que os indígenas não gostam de
trabalhar, são indolentes e preguiçosos é devido ao nosso desconhecimento e a nossa ignorância
da grande diversidade cultural desses povos, como também pelo motivo de considerarmos seus
modos de vida sob o viés da nossa cultura. Isto é, uma cultura que é marcada pelos interesses
lucrativos, capitalistas, acumulativos e pelo desenvolvimento das tecnologias ocidentais que
resulta na desvalorização das diferentes formas de produção e compreensão.

Verifica-se que hoje existem muitos indígenas atuando como docentes,


profissionais de saúde e advogados, enquanto outros atuam em áreas rurais
cultivando a terra, lidando com a pesca ou com a pecuária. A concepção de
que os indígenas são preguiçosos é oriunda, então, da ignorância a respeito de
suas maneiras de vida, do prejulgamento e do etnocentrismo de uma
coletividade colonizadora que classifica os demais sob o crivo de seus
próprios juízos, ou seja, a produtividade sem limites de bens de consumo e o
abuso da força de trabalho indispensável à sua reprodução (GONZAGA, 2021,
p.34).
46

Deste modo, a imagem construída do indígena brasileiro sobre a visão europeia


configura não somente novas formas de relação entre os povos do novo e do velho mundo, mas
também de “como as imagens desses eventos traumáticos perseguem estes pensamentos e
agenciamentos” (WALTER, 144, p.2012) dos sujeitos até nos dias de hoje. Além dessas fontes
de informações analisadas (PAIVA, 2015), o livro didático é outro documento que constrói e
representa a imagem dos povos ameríndios de forma estereotipada, essencializada ou “quando
não totalmente invisível” (TÍLIO, 2012, p.122). Normalmente, os povos indígenas são
apresentados como povos primitivos, selvagens e inocentes nos livros didáticos de História e
Geografia, especificamente, no capítulo sobre a colonização portuguesa ou até mesmo são
retratados de maneira romantizada nos livros didáticos de Português, na parte de literatura.
Conforme Gonzaga (2021), a fixação dessa imagem estereotipada, idealizada e fictícia
dos indígenas nos livros de História do Brasil não condiz com os povos ameríndios da realidade,
pois os povos de hoje acompanham a dinamicidade da cultura, em outras palavras, eles estão
em constante transformações que são promovidas dentro e fora de suas comunidades. Portanto,
definir e reconhecer quem é ou não indígena fundamentada na ideia de uma identidade estática
e associada ao passado, “que não considera a autonomia dos povos indígenas para se delinearem
e se redefinirem na evolução da história, significa reeditar uma visão discriminatória e
excludente” (GONZAGA, 2021, p.20).
É relevante mencionar a existência da imensa diversidade cultural dos povos indígenas,
que não se pode resumir a concepção de mata ou floresta, onde é construída a ideia de que
indígena de verdade é aquele que anda nu, com pena na cabeça, carregando uma flecha e arco
e morando em uma oca ou até mesmo aquele que não tenha sido aculturado. Como se a cultura
fosse imutável, estática e que não se transformasse com os referidos progressos sociais
(GONZAGA, 2021).
De acordo com Munduruku (2019), as pessoas acreditam que os povos tradicionais que
possuem menos contato com outras culturas são mais indígenas do que aqueles que tem 519
anos de interação. No entanto, essas pessoas estão repetindo equívocos de uma história mal
contada por não compreender o aspecto dinâmico da cultura. A dinamicidade da cultura
proporciona as identidades dos sujeitos não serem as mesmas e se modificarem ao longo do
tempo. Para o autor, outro equívoco cometido pela sociedade é de acreditar que os povos
indígenas estão presos no passado e são atrasados. Então, as pessoas pensam que pertencer a
uma tradição quer dizer que os coletivos indígenas estão atrelados a um tempo pretérito, mas
quem acredita nessa ideia não sabe nada da dinâmica da cultura, das transformações e das
alterações. Não existem povos indígenas puros sem contato, todos os povos estão em interação
47

uns com os outros. “Pode ser que não tenham contato com uma sociedade mais desenvolvida
como as sociedades urbanas, mas eles certamente se encontram com povos nas mesmas
condições e situações culturais” (MUNDURUKU, 2019).

Um brasileiro que estuda idiomas, se veste com calça jeans e consome Coca-
Cola não deixa de ser brasileiro e nosso dia a dia contemporâneo não é o
mesmo que nossos ascendentes viveram. Da mesma forma que podemos nos
modificar, ter acesso às novas tecnologias e contato com bens e hábitos vindos
de diversos cenários, as comunidades indígenas não precisam permanecer
estáticas no tempo e isoladas para que sejam admitidas como tais. Toda
manifestação cultural é vivida e inexiste cultura estática, seja ela do homem
branco, seja oriunda dos coletivos indígenas (GONZAGA, 2021, p.18).

Figura 6- A primeira missa no Brasil

Fonte: (VAINFAS et al. 2016, v.1, p.248)

Na ilustração acima, podemos perceber a evidencia dessa figura estática da identidade


dos povos tradicionais. Os autores do material didático de História do 1° ano do Ensino Médio
(2016), no capítulo sobre a colonização, escolhem a obra de Victor Meirelles “A primeira missa
no Brasil” (1860), para representar o momento do “descobrimento” do Brasil. De acordo com
Schwarcz (2019), essa tela, produzida por Meirelles, não corresponde ao período colonial pelo
fato de que ela foi financiada pelo império de Pedro II com a intenção de construir a ideia de
que a “descoberta” do Brasil foi de maneira pacífica e harmoniosa. Nesse contexto, as imagens
48

não são apenas ilustrações, elas possuem uma dimensão simbólica de poder por manifestar as
intenções de quem a produz. Assim, podemos notar como Meirelles constrói a imagem dos
povos indígenas na tela. Os povos indígenas, no canto da obra, são retratados como povos
subalternos, ingênuos, calmos, curiosos, e sobretudo, primitivos e exóticos. Enquanto os povos
no centro, os portugueses e a igreja, são representados com uma posição de superioridade por
serem considerados como os mais avançados e os mais civilizados das espécies.
Dessa maneira, não somente a sociedade tem negado e menosprezado a existência da
imensa diversidade cultural das identidades indígenas, como também o governo brasileiro tem
incentivado o desconhecimento e desrespeito da “socio diversidade nativa contemporânea dos
coletivos indígenas” (GONZAGA, 2021, p.17). Nesse sentido, o poema de Márcia Kambeba 15,
expõe as ações do corpo social no processo de negação das etnicidades e identidades dos povos
originários no Brasil.
IDENTIDADE

Minha indianidade, meu caminho na cidade,


Meus cabelos longos carregam minha identidade,
Identidade que represento com clareza na afirmação,
Orgulho na minha alma resisto a negação.

Negação de ser indígena e assumir a vida na cidade,


No direito de poder vencer convivendo com dignidade,
Mas o preconceito é vilão e vem feroz como jaguar,
Como flecha acertou o meu ser.

E meu cabelo o branco me fez cortar,


Para conseguir um emprego essa dor tive que passar,
Cortei não só o cabelo, mas a magia que nele podia mostrar,
A tristeza que sinto agora é maldade do opressor.

Que sabendo da minha luta,


Uma ordem me passou,
Para trabalhar aqui,
O cabelo vai ter que cortar,
Mas a minha identidade,
Essa ele não conseguiu apagar.

Expressa no meu canto, na minha flauta a tocar,


Canto a solidão para aldeia quero voltar,
Comer caça do mato,
Pescar com meu irmão,
Cantar na minha língua,
Sem ser motivo de gozação.
15
Poema Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=OHPVqUHLXCg>. Acesso em: 04 mai. 2022.
49

No capítulo a seguir, discutiremos a respeito das conquistas de direitos dos povos


tradicionais devido às lutas e mobilizações do movimento indígena articulado. Além disso,
analisaremos os livros didáticos de Língua Inglesa do Ensino Médio, as coleções Voices Plus
volume 1, 2 e 3; e Learn and Share in English volume 1, 2 e 3, para identificar como as
identidades dos povos indígenas estão sendo construídas e representadas nessas obras didáticas.
50

3 COLONIALIDADE DO LIVRO DIDÁTICO

A escola é uma das instituições sociais dominantes (DAVIES, 2016) que produzem o
“racismo/sexismo epistêmico” (GROSFOGUEL, 2016, p.25) por “frequentemente trabalhar
sob um viés monocultural” (AZEVEDO, 2012, p.55) e por construir determinados discursos e
identidades sociais que privilegiam as epistemologias ocidentais/ocidentalizadas no processo
de ensino e aprendizagem. No entanto, ao mesmo tempo em que ela é considerada como uma
instituição de poder que propaga preconceitos, por lidar com padrões fixos e homogêneos
(DAVIES, 2016), também é vista como um espaço de resistência e de reflexão a esses discursos
que são construídos “para a diluição das diferenças” (AZEVEDO, 2012, p.56). Além disso,
como parte do processo de dominação, os livros didáticos também não estão livres dessas
estruturas de poder. Eles são fontes de informação (PAIVA, 2015) ou ainda como afirma
PENNYCOOK, produtos do colonialismo (1998 apud SIQUEIRA, 2012, p.316), que
constantemente privilegiam a cultura do conhecimento eurocêntrico através dos diferentes
modos de construção de significados.
Como já foi apontado anteriormente, o colonialismo, em nome do lucro (SHOHAT e
STAM, 2007) e poder, utilizou da fixação de estereótipos na constituição da identidade dos
povos indígenas, que os posicionaram em situações de inferioridade e submeteram aos regimes
hegemônicos de representação (HALL, 1992), ao mesmo em que os próprios colonizadores se
auto dignificam como seres superiores para justificar a hierarquização racial (RIBEIRO, 1970).
Como consequência da aventura colonial (FANON, 2008), os livros didáticos, como quaisquer
outros produtos, não estão isentos do processo hegemônico. De acordo com Zacchi (2016a,
2016b), apesar do Programa do Livro Didático de línguas estrangeiras (BRASIL, 2015) buscar
promover a visibilidade da diversidade multicultural brasileira, ao exigir que as obras didáticas
apresentem “temas como diversidade, criticidade, cidadania etc.” (ZACCHI, 2016a), isso não
quer dizer que esses materiais não manifestem valores neoliberais ou outras forças ideológicas,
como é o caso do colonialismo.
Normalmente, os materiais didáticos, até mesmo os aprovados pelo PNLD, apresentam
características eurocêntricas em seus conteúdos (SILVA, 2019), podendo, no entanto, resultar
na desqualificação e apagamento de “outros conhecimentos e outras vozes críticas frente aos
projetos imperiais/coloniais/patriarcais que regem o sistema-mundo” (GROSFOGUEL, 2016,
p.25). Dessa forma, a produção de conhecimento da ciência moderna, para Santos (1999), é
uma ciência privilegiada por produzir a única forma de conhecimento legitimado. Essa
51

legitimação é demonstrada pela intemporalidade da verdade científica, “o que permite fixar


determinismos e formular previsões” (SANTOS, 1999, p.282). Então, segundo o autor, para se
estabelecer como a única forma de conhecimento válido e se distanciar da característica de
aparência, o padrão epistemológico procura por uma realidade permanente, fixa e estável, ao
contrário da ciência pós-moderna que produz conhecimentos temporais, momentâneos e
conectados as práticas sociais e as culturas dos sujeitos.
De acordo com Santos (1999), a ciência moderna não reconhece outras formas de
conhecimentos pelo fato de estarem em contraposição aos fundamentos e interesses que a
sustenta. Nesse sentido, ao suprimir, deslegitimar e descredibilizar todas as práticas sociais de
conhecimento produzidas por outros corpos, a ciência moderna constitui o epistemicídio
(SANTOS; MENESES, 2009). Além disso, o autor aponta que o genocídio também é uma
prática de epistemicídio, por exterminar de forma cognitiva e física os grupos dominados, pela
justificativa de serem povos estranhos e de produzirem conhecimentos estranhos, de acordo
com o padrão epistemológico.

O genocídio que pontuou tantas vezes a expansão europeia foi também um


epistemicídio: eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de
conhecimento estranho e eliminaram-se formas de conhecimento estranho
porque eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos. Mas o
epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio porque ocorreu sempre
que se pretendeu subalternizar, subordinar, marginalizar, ou ilegalizar práticas
e grupos sociais que podiam constituir uma ameaça à expansão capitalista ou,
durante boa parte do nosso século, à expansão comunista (neste domínio tão
moderno quanto a capitalista); e também porque ocorreu tanto no espaço
periférico, extra europeu e extra norte-americano do sistema mundial, como
no espaço central europeu e norte-americano, contra os trabalhadores, os
índios, os negros, as mulheres e as minorias em geral (étnicas, religiosas,
sexuais). (SANTOS, 1999).

Nesse sentido, uma dessas várias vozes silenciadas e invisibilizadas é a dos povos
indígenas. Frequentemente, os povos originários são representados nos materiais didáticos
apenas na perspectiva do passado, sendo posicionados como coadjuvantes e não como sujeitos
que contribuíram para a história da sociedade brasileira (SILVA, 2019; BATISTA e JÚNIOR,
2016). Ou ainda mais, quando são retratados como selvagens, primitivos, sem civilização,
preguiçosos, canibais, exóticos etc.
Segundo Paiva (2015), a imagem dos povos ameríndios é construída através de
estereótipos que marcam seus corpos enquanto os produzem e os posicionam socialmente.
Além disso, no que diz respeito aos livros didáticos utilizados nas escolas públicas, a autora
afirma que nos textos imagéticos os povos originários aparecem portando um “pacote da
52

identidade indígena”, em outros termos, eles são “representados de forma genérica” (SILVA,
2019, p.132) usando cocar, arco, flecha, comendo peixe e andando nus. Esse tipo de
representação que é constantemente encontrada nos materiais didáticos, ocasiona o apagamento
e a invisibilidade dos povos indígenas (PAIVA, 2015; SILVA, 2019) por não mostrar a tamanha
importância da diversidade cultural que existe entre as diferentes etnias, línguas,
conhecimentos, rituais –– os colocando em posição de singularidade por construir a concepção
de que todos os indígenas são iguais, sem levar em conta as pluralidades, especificidades e
particularidades existentes. Segundo Batista e Júnior (2016), a maneira como o assunto é tratado
nos livros didáticos, geralmente, deturpa “a verdadeira imagem exposta do índio, não o
diferenciando entre as comunidades indígenas e/ou costumes, acabam de certa forma
generalizando e caracterizando como ‘índios’” (BATISTA; JÚNIOR, 2016, p.110). Do mesmo
modo, nas mídias, como afirma Mizan (2012), os povos indígenas são frequentemente
representados por meio de imagens que são produzidas pelas instituições criadoras da
representação, que favorecem para o estabelecimento de determinados tipos de relações
políticas, econômicas, culturais e éticas. Assim como, contribuem para que os leitores ao ter
contato com essas imagens produzam pontos de vista com base nessas representações. Para a
autora, a forma como as mídias escolhem representar os grupos subalternos, nesse caso os povos
indígenas, são assentadas em concepções de suas próprias culturas e de suas ideologias, “pois
o lugar de onde falamos afeta a maneira como nós concebemos a realidade e damos sentido a
ela” (MIZAN, 2012, p.267).
Diante disso, para analisar os livros didáticos de língua inglesa do Ensino Médio utilizo
como base os documentos educacionais oficiais, como, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) de 1996, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) de
2006, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN) de 2000, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Ensino Médio (DCNEM) de 1998, a Base Nacional Comum
Curricular da área de linguagens e suas tecnologias (BNCC) de 2018 e o edital Programa do
Livro Didático (PNLD) de 2015 , que ressaltam a relevância de discutir questões, no ensino de
línguas e em todo currículo escolar, “que considerem as identidades sociais dos alunos”
(FERREIRA, 2012, p. 21) e a diversidade cultural e multicultural brasileira.
No que se refere às Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), este
documento propõe a inclusão de questões sociais, políticas, culturais e educacionais no ensino
de línguas estrangeiras, visando desenvolver o caráter heterogêneo da linguagem vinculado às
práticas socioculturais contextualizadas. Isto é, a linguagem não pode ser desvinculada de seus
contextos de usos e de seus usuários, pelo fato de que o uso da língua varia a depender das
53

posições e lugares que os sujeitos ocupam. Em divergência a essa visão de linguagem


heterogênea, o conceito de linguagem homogênea visa trabalhar o ensino da linguagem de
forma fixa, abstrata e neutra “distante de qualquer contexto sociocultural específico, de
qualquer comunidade de prática e de qualquer conjunto específico de usuários” (BRASIL,
2006, p.107). Do mesmo modo, a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC)
na área de Língua Inglesa, sugere a utilização da língua inglesa em diferentes contextos sociais,
culturais, históricos etc. com o objetivo de ampliar os pontos de vista dos discentes no que diz
respeito a vida social e profissional. Além disto, possibilita a aproximação e interação com
grupos sociais multilíngues e multiculturais ao redor do mundo, bem como desenvolve a
consciência crítica dos alunos em relação as funções e usos dessa língua na sociedade
contemporânea.

Nas situações de aprendizagem do inglês, os estudantes podem reconhecer o


caráter fluido, dinâmico e particular dessa língua, como também as marcas
identitárias e de singularidade de seus usuários, de modo a ampliar suas
vivências com outras formas de organizar, dizer e valorizar o mundo e de
construir identidades. Aspectos como precisão, padronização, erro, imitação e
domínio da língua são substituídos por noções mais abrangentes e
relacionadas ao universo discursivo nas práticas situadas dentro dos campos
de atuação, como inteligibilidade, singularidade, variedade, criatividade/
invenção e repertório. Trata-se de possibilitar aos estudantes cooperar e
compartilhar informações e conhecimentos por meio da língua inglesa, como
também agir e posicionar-se criticamente na sociedade, em âmbito local e
global (BRASIL, 2018, p.476-477).

Ademais, as OCEM orientam os professores de Línguas Estrangeiras a planejar as suas


aulas a partir de temas como, “cidadania, diversidade, igualdade, justiça social,
dependência/interdependência, conflitos, valores, diferenças regionais/nacionais” (BRASIL,
2006, p.112) , que possibilitam um ensino de línguas que leva em conta a variedade de uso da
linguagem, os diferentes contextos e os diferentes usuários que determinam a utilização de
formas específicas da língua a depender das necessidades dos contextos específicos. Em
conformidade com as OCEM (2006), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (PCN) de 2000, sugerem que os professores de Línguas Estrangeiras não se limitem a
considerar o ensino de línguas a partir de suas normas gramaticais desvinculadas de quaisquer
contexto e realidade, mas, sim um ensino de línguas contextualizado sendo os conteúdos
utilizados pelos docentes vinculados às especificidades culturais, sociais, históricas e reais dos
alunos ,dando assim, “amplitude e sentido a essa aprendizagem, ao mesmo tempo em que os
estereótipos e os preconceitos deixarão de ter lugar e, portanto, de figurar nas aulas” (BRASIL,
2000, p.31).
54

Outro documento que manifesta a necessidade de inserir em todo currículo escolar a


diversidade das identidades sociais é as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM) de 1998. As DCNEM (1998), são compostas por princípios, fundamentos e
procedimentos que tem a função de organizar os sistemas de ensino e os currículos escolares
com o intuito de “vincular a educação com o mundo do trabalho e a prática social” (BRASIL,
1998, p.1). Nessa resolução, no artigo 3°, é orientado que a administração pedagógica e os
sistemas de ensino devem estar conectados com os princípios estéticos, políticos e éticos que
promovem a construção das identidades dos estudantes. Além do art. 3°, os artigos 6° e 7°
trazem a importância de incluir em todo currículo do ensino médio os princípios da identidade,
diversidade e autonomia, da interdisciplinaridade e da contextualização, na busca da melhor
adequação possível às necessidades dos alunos e do meio social (BRASIL, 1998).

Art. 3º I- a Estética da Sensibilidade, facilita a constituição de identidades


capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o
imprevisível, acolher e conviver com a diversidade.
II - a Política da Igualdade, visa à constituição de identidades que busquem
e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais.
III- a Ética da Identidade, busca constituir identidades sensíveis e
igualitárias no testemunho de valores de seu tempo, praticando um
humanismo contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e acolhimento
da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade, da
responsabilidade e da reciprocidade como orientadoras de seus atos na
vida profissional, social, civil e pessoal. (BRASIL, 1998, pp.1-2, grifo
nosso).

Da mesma forma, a Lei n°10.639/2003 e a Lei n°11.645/2008 constituem a


obrigatoriedade do ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, como também o estudo
da História e Cultura dos povos indígenas brasileiros nos estabelecimentos de ensino,
fundamental e médio, públicos e privados. Essas duas leis integram a Lei de Diretrizes e Bases
(1996), “a qual determina as diretrizes e as bases da organização do sistema educacional no
Brasil” (ZOHBI; SANTOS, 2012, p.463).
Em conformidade com as outras legislações da educação, o Programa do Livro Didático
(PNLD) no edital de convocação de 2015 do PNLD de 2018 para o Ensino Médio, sendo este
documento que rege a escolha dos livros didáticos para análise dessa pesquisa, estabelece
alguns critérios e princípios de cada componente curricular –– gerais e específicos –– que são
determinantes no processo de avaliação, aprovação e eliminação das obras didáticas. Dentre
esses critérios e princípios apresentados nesse regimento, destacarei alguns dos princípios
55

fundamentais que pretendem promover a visibilidade dos grupos minoritários com o objetivo
de construir a imagem deles de maneira positiva e respeitosa.

1.1.6. promover positivamente a imagem de afrodescendentes e dos povos


do campo, considerando sua participação e protagonismo em diferentes
trabalhos, profissões e espaços de poder;
1.1.7. promover positivamente a cultura e história afro-brasileira e dos
povos indígenas brasileiros, dando visibilidade aos seus valores, tradições,
organizações, conhecimentos, formas de participação social e saberes
sociocientíficos, considerando seus direitos e sua participação em diferentes
processos históricos que marcaram a construção do Brasil, valorizando as
diferenças culturais em nossa sociedade multicultural;
1.1.8. abordar a temática das relações étnico-raciais, do preconceito, da
discriminação racial e da violência correlata, visando à construção de uma
sociedade antirracista, solidária, justa e igualitária. (BRASIL, 2015, p.32,
grifo do autor).

Diante das sugestões e das orientações dos documentos oficias da educação, os quais
buscam promover a visibilidade, o protagonismo, a participação e a diversidade cultural dos
povos indígenas brasileiros em todo currículo escolar, fundamento-me nesses documentos,
principalmente, no edital de convocação de 2015 do PNLD de 2018, na busca de analisar os
materiais didáticos de Língua Inglesa do Ensino Médio, a coleção Voices plus (vol.1,2,3) e a
coleção Learn and share in English (vol.1,2,3), visando à construção e representação de uma
identidade indígena contemporânea, do agora, do presente, da realidade (MUNDURUKU,
2019, 2021a; GONZAGA, 2021; KRENAK, 2020a), ou seja, um sujeito descentrado,
fragmentado, com identidades moventes, fluidas, múltiplas e diversas e não com identidades de
raiz única, universal, fixa, e essencialista (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006,
2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018; GLISSANT, 2005; ZACCHI, 2016a, 2016b,
2016c; BHABHA, 1996; CANCLINI, 1995; BURKE, 2003).É importante destacar que
segundo o Guia de livros didáticos do Ensino Médio de Inglês (2017), todas as obras
aprovadas 16 obedeceram a todos os critérios gerais e específicos do referido edital de 2015.
Contudo, como já foi aludido, analisarei apenas duas das coleções aprovadas para o PNLD do
Ensino Médio de 2018.

16
Para o componente curricular de Inglês do Ensino Médio para 2018, foram aprovadas 5 coleções de livros
didáticos pelo Programa do Livro Didático. São elas: Way to go (Claudio Franco/Kátia Tavares); Learn and share
in English (Amadeu Marques/Ana Carolina Cardoso); Alive high (Junia Braga/ Magda Velloso/ Marcos Racilan/
Marisa Carneiro/ Ronaldo Gomes/ Vera Menezes); Circles (Carolina Pereira/ Elaine Hodgson/ Rita Ladeia/
Viviane Kirmeliene); Voices plus (Rogério Tílio).
56

3.1 MOVIMENTO INDÍGENA

O povo indígena tem um jeito de pensar, tem um jeito de viver, tem condições
fundamentais para sua existência, para a manifestação da sua cultura, tradição
e de sua vida. Não coloca em risco e nunca colocaram a existência se quer dos
animais que vivem ao redor das áreas indígenas quanto mais de outros seres
humanos. Hoje, nós somos alvo de uma agressão que pretende atingir na
essência a nossa fé, a nossa confiança de que ainda existe dignidade, de que
ainda é possível construir uma sociedade que sabe respeitar os mais fracos,
que sabe respeitar aqueles que não tem o dinheiro para manter uma campanha
incessante de difamação que saiba respeitar um pouco que sempre viveu
(KRENAK 17, 1987).

A conquista da promulgação da Lei N°11.645, de 10 de março de 2008, que traz como


obrigatoriedade o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, nos estabelecimentos
de ensino Fundamental e Médio, públicos e privados, é resultado das estratégias de resistência,
organização e mobilização dos movimentos sociais. No que diz respeito aos direitos dos povos
ameríndios, essa grande conquista do Estado brasileiro de reconhecer e de promover a
visibilização das diversas práticas culturais, de valores, de saberes, de epistemologias, de
tradições, de cosmologias dos povos tradicionais somente aconteceu por causa das muitas lutas,
pressões e mobilizações realizadas pelo movimento indígena. Então, antes das muitas
conquistas do movimento indígena, a Lei N°11.645 é apenas uma das ações alcançadas, o corpo
social desconhecia e ignorava a heterogeneidade cultural dos coletivos indígenas, sendo dessa
forma, considerados pela sociedade brasileira como sujeitos invisibilizados por não possuírem
direitos, pensamentos e intelectos (MUNDURUKU, 2012; LUCIANO, 2006; GONZAGA,
2021).
Previamente ao nascimento do movimento indígena, as coletividades ameríndias eram
marcadas pela tradição individualista, onde cada comunidade ou povo buscava lutar pelas suas
próprias urgências, dificuldades de existência e seus interesses. Não percebendo, assim, a
similaridade dos modos de vida de outros povos e comunidades. Isso porque cada povo
procurava apenas solucionar seus problemas em níveis locais, sem se comprometer com as
necessidades e dificuldades das comunidades que estavam além de seus territórios. Mas é a
partir de 1970, com o surgimento do movimento indígena, conforme afirma Munduruku (2012),
que as lideranças indígenas transcendem os âmbitos de suas próprias áreas e percebem que a

17
Discurso de Ailton Krenak na Assembleia Constituinte em defesa da Emenda Popular da União das Nações
Indígenas (UNI), no plenário da câmera dos Deputados, no dia 04 de setembro de 1987.
57

apropriação de normas estabelecidas é importante para a afirmação da diferença e para lutar


pelos seus direitos, não mais como um povo individualizado, mas integrado com todas as
comunidades indígenas do Brasil. De acordo com Munduruku (2012), a apropriação do termo
“índio” pelas lideranças indígenas foi importante para o movimento. Esse termo era
normalmente utilizado pelo senso comum para menosprezar e desdenhar a heterogeneidade
cultural das coletividades indígenas. No entanto, com esse novo movimento de participação o
termo “índio” é ressignificado e passa a ser utilizado pelos líderes como um instrumento de
luta, de identificação e de resistência. De maneira similar, o termo “sem-terra”, conforme
explica Zacchi (2016c), é utilizado por fazendeiros e agropecuários para desclassificar os
trabalhadores que fazem parte do MST, porém, com a apropriação do termo pelo movimento,
a palavra “sem-terra” é atribuída um novo significado sendo utilizada para a reafirmação da
identidade dessas pessoas.
Sobre o caráter individualista dos povos indígenas Munduruku (2012, p.64) relata que

O que me pareceu bastante significativo foi perceber que a trajetória


individual de cada um desses indivíduos é muito parecida e que, por caminhos
absolutamente pessoais, eles acabaram sendo portadores de uma consciência
que se foi formando à medida que se encontravam e passavam a articular o
movimento. Antes disso, traziam consigo a marca da tradição individualizada.
Juntos, construíram uma consciência coletiva. Antes traziam a fragmentação.
Juntos, construíram a memória coletiva. Saíram, portanto, de uma articulação
de cunho individualista própria da sociedade englobante para uma
mobilização capaz de dar maior visibilidade a todo o agrupamento indígena
(MUNDURUKU, 2012, p.64).

Segundo Luciano (2006), o movimento indígena procura vincular as diversas ações e


estratégias dos povos originários, objetivando uma luta articulada macrorregional que envolve
uma agenda de direitos e interesses comuns diante de outras partes e dimensões nacionais e
regionais. Para o autor, essa perspectiva estratégica de articulação não extingue ou altera o
aspecto particular e diverso das coletividades contemporâneas indígenas. Pelo contrário, esse
envolvimento das lideranças “valoriza, visibiliza e fortalece a pluralidade étnica, na medida que
articula, de forma descentralizada, transparente, participativa e representativa os diferentes
povos” (LUCIANO, 2006, p.59).
Com o amadurecimento do movimento indígena, as mobilizações se desenvolveram e
fortaleceram no momento em que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) começou a
contribuir na organização e na realização de assembleias de lideranças indígenas. Nessas
assembleias reuniam lideranças de diversas regiões do Brasil, mobilizando as mais de 200 etnias
e tendo como pauta discussões direcionadas para a proteção do território indígena –– objeto de
58

manutenção da cultura ancestral. As reuniões organizadas pelo CIMI não tinham somente o
objetivo de desenvolver reflexões e reivindicações sobre o poder hegemônico, mas também
desenvolver a consciência dos povos indígenas em relação a sua transformação identitária no
território nacional (MUNDURUKU, 2012).

Essas mobilizações indígenas eram patrocinadas pelas organizações não-


governamentais brancas e consistiam basicamente na realização de encontros
e de assembleias indígenas, como espaços de intercâmbios entre as
comunidades e os povos. Ao se conhecerem, perceberam uns e outros que não
eram poucos e que, unidos e articulados, poderiam ganhar mais forças para
enfrentar os problemas comuns. Quando descobririam que enfrentavam
problemas e tinham potencialidades comuns, passaram a se unir e a se
mobilizar para fazer frente a inimigos também comuns e a atuar de forma
conjunta e coordenada em busca de seus direitos e interesses, principalmente
aquele que diz respeito à terra (LUCIANO, 2006, p.73).

Em conformidade com Munduruku (2012), as primeiras reuniões ocorreram no ano de


1974, com 17 líderes indígenas oriundos de diferentes regiões do país. As reuniões foram
relevantes para o desenvolvimento da consciência indígena em que os líderes começaram a ter
uma visão mais ampla em virtude das dificuldades e demandas dos outros povos nativos
brasileiros. Além disso, as assembleias proporcionaram o protagonismo ameríndio,
possibilitando com que os povos originários abandonassem um comportamento passivo e
mobilizasse sua consciência para a defesa de seus direitos e interesses dentro da sociedade.
Em 1980, com a contribuição do CIMI nas organizações das assembleias, as discussões
cada vez mais ganhavam força pelo envolvimento dos líderes indígenas resultando, assim, na
conscientização da necessidade de criar uma entidade direcionada por eles, sendo capaz de
propiciar um novo ambiente de diálogo com o governo. No primeiro momento, essa entidade
foi nomeada pelas lideranças indígenas como União das Nações Indígenas (UNIMD), logo em
seguida, sua sigla foi alterada para União das Nações Indígenas (UNI) (MUNDURUKU, 2012).
De acordo com Munduruku (2012), uma das primeiras movimentações que esses chefes
realizaram foi a de manter articulação entre os líderes nacionais, locais, internacionais e Estado,
com o objetivo de visibilizar sua existência e de revelar que era possível construir uma união
entre os diversos povos em prol de lutar por seus direitos.

Com essa mobilização estratégica, o movimento influenciou a criação de


novas entidades de apoio como o Centro de Trabalho Indigenista de São Paulo
(CTI), a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI), o Núcleo de Direitos
Indígenas (NDI), além de suscitar a participação dos segmentos mais
politizados da sociedade: estudantes, artistas, cientistas, em particular a
59

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação


Brasileira de Antropologia (ABA) (MUNDURUKU, 2012, p.54).

Além da criação dessas entidades, as articulações realizadas pelo movimento indígena


colaboraram para a promulgação da Constituição Federal de 1988. Esse documento normativo,
menciona Gonzaga (2021), apresenta em seus textos ordenamentos e regulamentações que
passa a reconhecer a heterogeneidade cultural e a socio diversidade das coletividades indígenas,
como também os identifica como sujeitos de direitos. Por possuir um caráter democrático e
pluralista, a Constituição Federal de 1988 procura garantir a existência das diferenças, o
multiculturalismo, a dignidade de pessoa humana, a liberdade e a igualdade diante dos grupos
hegemônicos (GONZAGA, 2021). Aqui cabe transcrição do que foi afirmado por Luciano

Foi esse movimento indígena articulado, apoiado por seus aliados, que
conseguiu convencer a sociedade brasileira e o Congresso Nacional
Constituinte a aprovar, em 1988, os avançados direitos indígenas na atual
Constituição Federal. Foi esse mesmo movimento indígena que lutou para que
os direitos à terra fossem respeitados e garantidos, tendo logrado importantes
avanços nos processos de demarcação e regularização das terras indígenas.
Foi também esse movimento que lutou –– e continua lutando –– para que a
política educacional oferecida aos povos indígenas fosse radicalmente
mudada quanto aos seus princípios filosóficos, pedagógicos, políticos e
metodológicos, resultando na chamada educação escolar indígena
diferenciada, que permite a cada povo indígena definir e exercitar, no âmbito
de sua escola, os processos próprios de ensino-aprendizagem e produção e
reprodução dos conhecimentos tradicionais e científicos de interesse coletivo
do povo (LUCIANO, 2006, p.59-60).

Portanto, a década de 1980 foi bastante significativa para o movimento indígena, pois
representou um momento em que as articulações dos seus líderes, provenientes de diferentes
regiões do Brasil, se afirmaram e fortaleceram a favor de uma urgência comum de luta, terra,
educação, saúde e de outros direitos. Nos anos de 1990, as ações e estratégias desenvolvidas
pelos líderes indígenas dentro do movimento tiveram novo rumo. Nessa época, as lideranças
estavam preocupadas para que fosse cumpridas as promessas que foram apresentadas na
Constituição de 1988. Ademais, os anos de 1990 foi relevante para consolidar projetos com o
objetivo de atender as demandas criadas pela política do Estado brasileiro (MUNDURUKU,
2012). Conforme Munduruku (2012), vários projetos foram produzidos e propostos pelas
comunidades indígenas para a proteção dos territórios demarcados ou em processo de
demarcação, como propostas sustentáveis, formação de docentes bilíngues –– de língua
portuguesa e de línguas indígenas ––, projetos de radiofusão, realização de cursos para capacitar
os povos indígenas a fim de desempenhar serviços e funções dentro de suas organizações etc.
60

Essas ações ocorriam de forma local e regional, como também existiam as tentativas em
níveis nacionais capazes de mobilizar as coletividades e organizações para a compreensão do
contexto político nacional, objetivando ocupar os ambientes políticos institucionais. A
motivação que orientava estas ações era a emergência de cessar com a ideia que colocava os
povos ameríndios em situação de tutelados, ou seja, sujeitos que possuíam uma incapacidade
social e intelectual e que necessitavam do Estado para gerenciar seus caminhos
(MUNDURUKU, 2012). Para Munduruku (2012), a “Marcha Indígena” e a “Conferência
Indígena” são exemplos de demonstração da mobilização das coletividades ameríndias. A
“Marcha” era constituída por um grupo que percorria em direção contrária à da ocupação
europeia. Essa movimentação tinha aproximadamente 3.600 indígenas que faziam reuniões em
várias cidades e manifestavam em prol de conseguir sensibilizar o corpo social a respeito dos
direitos dos povos nativos e não nativos. No que se refere à “Conferência”, participaram 6 mil
povos tradicionais na Aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, nos dias 18 e 21 de abril de 2000,
sendo representadas 140 etnias de todo território nacional.
Os anos 2000, de acordo com Luciano (2006), foram marcados pela consolidação de
oportunidades de representação do movimento indígena em diversas políticas públicas.

No início da década de 2000, ocorreu a consolidação de espaços de


representação do movimento indígena –– nas esferas públicas, com a
internalização e a gestão de recursos governamentais e de várias lideranças de
organizações indígenas, que passaram a ocupar funções públicas e políticas na
esfera da Administração Pública, trazendo novas conquistas, mas também
novos desafios. Como conquista em função da participação política das
lideranças indígenas, citamos surgimento de novas políticas públicas
específicas para os povos indígenas, notadamente nas áreas de saúde e
educação, políticas estas orientadas por novos conceitos e diferentes
metodologias de práticas políticas, na tentativa de superação das históricas
práticas tutelares, paternalistas e clientelistas da velha política indigenista
oficial (LUCIANO, 2006, p.79).

Segundo o autor, as conquistas do movimento indígena, tendo como exemplo a


promulgação da Constituição Federal de 1988, a ratificação da Convenção 169/ OIT em 2003,
a participação dos povos indígenas na política, os programas governamentais: PPTAL ––
Projeto de proteção às Terras Indígenas da Amazônia Legal––; DSEIs –– Distrito Sanitário
Especial Indígena ––; carteira indígena, o programa de Educação Escolar Indígena Específica
e Diferenciada e as Demarcações de terras etc., somente foram possíveis por causa da proposta
de articulação do movimento de participação.
61

Atualmente, conforme Munduruku (2016) explica, o movimento indígena


contemporâneo tem permanecido preso no tempo. Os indígenas que tiveram acesso à
universidade não estão proporcionando nenhuma possibilidade de refletir a respeito de sua
atuação dentro do Estado brasileiro. Eles precisam criar alternativas que utilizem de toda sua
experiência e de todo seu conhecimento de mundo para conseguirem influenciar a sociedade
sobre uma outra perspectiva de preservar os seus direitos, seus territórios, sua educação
diferenciada e a sua assistência à saúde. Por que senão ficarão presos eternamente a um Estado
que ordene e determine as suas vidas.

Nós precisamos avançar nisso, precisamos oferecer alternativas para não


permitir que as pessoas fiquem na internet falando em nosso nome, sobre nós
ou sendo assunto interminável de debates e discussões, que acabam levando a
nada. Precisamos criar coisas novas para que a sociedade brasileira nos
perceba como parte dela e não como inimigo. E não como alguém que está aí
para simplesmente aproveitar ou simplesmente está à mercê de políticas
públicas que nem sempre são tão favoráveis a nós (MUNDURUKU, 2016).

Embora Munduruku defenda esse ponto de vista em relação ao movimento indígena


contemporâneo, Samela Sataré Mawé (2020) informa que, no presente, muitos jovens indígenas
que fazem parte do movimento compreendem a relevância do acesso à educação como uma
“arma” potente de luta para conseguir proteger seus direitos, suas cosmovisões e ter espaços de
voz e melhorias para as comunidades ameríndias. Sendo assim, apesar de todo o processo
histórico de luta articulada do movimento indígena, ainda nos dias atuais, os povos tradicionais
da contemporaneidade continuam tendo que lutar, de diversas formas, para conseguir defender
sua cultura, sua terra, seus direitos, como também a aplicação de políticas públicas para que
garanta novas oportunidades de autonomia para as coletividades indígenas.

3.2 COLEÇÃO VOICES PLUS

A primeira obra didática a ser analisada é a coleção Voices plus. Essa coleção, segundo
o organizador do livro, procura proporcionar a aprendizagem significativa da língua estrangeira
por permitir que o estudante tenha acesso a outras culturas, experiências e interações no mundo,
como também oferece conteúdos que sejam capazes de dialogar com a sua realidade. Ademais,
o autor ainda afirma que a coleção Voices plus não apenas empenha-se em promover uma
aprendizagem considerável de língua inglesa, mas também procura ajudar o aluno a ser
protagonista de sua própria história, auxiliando “a aprofundar seus conhecimentos sobre si
mesmo/a, a pensar seu lugar num mundo globalizado e plurilíngue e a refletir sobre seu futuro
62

e o futuro da sociedade” (TÍLIO, 2016a, 2016b, 2016c, p.3). Em relação às unidades, cada
unidade é organizada pelas seções Contextualization, Audio Literacy, Oral Literacy, Reading
Literacy, Linguistic Literacy, Writing Literacy, as quais tem como objetivo trabalhar com
atividades que possibilitem desenvolver a consciência crítica dos alunos por meio dos
letramentos visual e crítico (DUBOC, 2017; JANKS, 2014; JORDÃO, 2017; MENEZES DE
SOUZA, 2011; MIZAN, 2012; ZACCHI, 2016a). Essa obra didática é dividida em três
volumes. cada volume trabalha com uma temática e os assuntos que são discutidos no decorrer
das unidades estão relacionados a esse tema principal.

3.2.1 VOICES PLUS VOLUME 1

A primeira representação da identidade indígena é identificada na unidade 1, intitulada


Autobiography, na seção Reading Literacy da página 28. A proposta dessa unidade é discutir
assuntos que estejam relacionados a autorrepresentação, autobiografia e autorretrato. O autor
apresenta diversos modos de construção de significados, como, por exemplo, um texto
autobiográfico, uma música autobiográfica, um blog, um autorretrato, um perfil de rede social,
uma selfie etc., que representam diferentes formas de narrar uma história de vida, um momento
importante dela ou de se representar e se construir. A intenção da unidade é fazer com que os
estudantes reconheçam as diversas maneiras de se identificar e se construir a partir do seu
conhecimento de mundo. Além disso, podemos notar que a unidade proporciona momentos de
reflexão em que os alunos necessitam buscar pelas suas identidades, ao pensar quem eles são,
de onde eles pertencem, quais características os constituem etc.
Antes de trabalhar com a atividade da seção Reading Literacy da página 28, a qual
manifesta por meio de imagens a representação da identidade indígena, o autor, na seção
Linguistic Literacy da página 23, introduz o assunto que será discutido e trabalhado na atividade
da página 28. A seção Linguistic Literacy, inicia com a questão “What is the difference between
an autobiography and a biography?” (Qual a diferença entre autobiografia e biografia?). A
proposta é fazer com que os alunos percebam a diferença entre autobiografia e biografia, sendo
a primeira caracterizada por narrar uma história de vida de uma pessoa contada por ela mesma,
e a segunda um relato sobre a vida de outra pessoa. É importante salientar que desde o início
dessa unidade o autor vem desenvolvendo a ideia de autobiografia através de diversas formas
de se representar e se construir. Mas é somente na seção Linguistic Literacy que o termo
biografia é apresentado aos discentes.
63

Conforme Moita Lopes (2002), as narrativas são mecanismos que usamos para criar
sentido do mundo a nossa volta, como também é um dos principais recursos que utilizamos no
processo de construção de nossas identidades no mundo social.

No processo de construção das identidades sociais, mediado pelo discurso, as


narrativas como formas de organizar o discurso através das quais agimos no
mundo social, têm sido entendidas como desempenhando um papel central no
modo como aprendemos a construir nossas identidades na vida social. Ou seja,
as narrativas são instrumentos que usamos para fazer sentido do mundo a
nossa volta e, portanto, de quem somos neste mundo (MOITA LOPES, 2002,
pp.63-64).

Com base nos pressupostos de Bruner, Zacchi (2016c) apresenta dois tipos de narrativas,
as narrativas canônicas e as contra narrativas. Segundo o autor, as narrativas canônicas, ou
conhecidas como hegemônicas e dominantes, são identificadas com os grupos dominantes, os
quais privilegiam uma história em detrimento das outras com o objetivo de manter o controle
sobre os corpos sociais e de legitimar essas narrativas como histórias oficiais. Entretanto, as
contra narrativas são identificadas com os grupos marginalizados, que procuram romper e
criticar o privilégio das narrativas hegemônicas através de suas contra narrativas. Dessa forma,
as narrativas podem tanto ser um instrumento para construir uma identidade para si mesmo
quanto para construir uma identidade para o outro (MOITA LOPES, 2002; ZACCHI, 2016c).
Na seção Linguistic Literacy, as atividades convidam os estudantes a utilizar de seus
conhecimentos já desenvolvidos nas atividades anteriores sobre autobiografia, para comparar
com os exemplos apresentados de biografia e perceber a diferença e semelhança entre essas
duas formas de se representar e se narrar. Além disso, essa seção trabalha com vocabulário e
estruturas gramaticais relacionados ao tema principal do respectivo volume.
A seção Reading Literacy propõe atividades em que os alunos desenvolvam sua
capacidade de leitura e interpretação de forma crítica. Essa atividade pede aos estudantes que
façam uma leitura das selfies, que são consideradas por essa unidade como uma forma de se
autorrepresentar, e com base nessa interpretação discutam com o colega sobre as pessoas
representadas nelas. Nessa atividade, o autor tem como objetivo trabalhar com os conceitos
desenvolvidos anteriormente sobre autobiografia e biografia, já que os alunos por meio de suas
leituras das selfies (autorrepresentações) produzirão sentidos de acordo com seus contextos
sociais, culturais, ideológicos, políticos etc. na busca de representar e construir a identidade do
“outro” (biografia).
64

Figura 7- Atividade Reading Literacy página 28

Fonte: (Voices plus, 2016, v.1, p.28)

Ademais, esse exercício não está apenas focado em demonstrar aos discentes que a
maneira como uma pessoa se representa, se constrói ou se narra pode ser diferente (produzir
significados diferentes) de como o outro a representa, a constrói e a narra, mas também em
evidenciar que diferentes pessoas constroem diferentes significados por possuir contextos
específicos e particulares (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; HALL, 2016, 1996). A exemplo
disso, no enunciado dessa atividade solicita que o aluno debata com um colega. É nesse sentido,
que os estudantes ao entrar em contato com essas autorrepresentações podem produzir
representações diversas, como também podem construir sentidos semelhantes caso os
participantes sejam das mesmas comunidades de práticas (HALL, 2016). Em conformidade
com Hall (1996), as práticas de representação estão sempre relacionadas às posições de
enunciação, a partir das quais falamos ou escrevemos, ou seja, damos sentidos às coisas pela
maneira como as representamos em um determinado contexto.
A atividade recomenda que o educando faça uma leitura de todas as selfies e discuta
com o colega o que essas autorrepresentações revelam sobre as pessoas representadas nelas.
65

Embora o enunciado peça para interpretar todas as imagens nessa seção, apenas darei ênfase na
autorrepresentação indígena, já que minha pesquisa é voltada em analisar a construção e
representação da identidade dos povos originários. Então, ao analisar a selfie, podemos
considerar que essa imagem escolhida e inserida no livro didático pelo autor, mais
especificamente, nessa atividade busca promover a visibilidade, o protagonismo e a diversidade
dos povos indígenas, como vem sendo orientado nos documentos oficiais e no edital do PNLD
de 2015 (BRASIL, 2015), por construir e representar uma identidade indígena contemporânea,
descentrada, fragmentada, isto é, um sujeito híbrido que além de conviver com sua tradição de
origem, também tem interações com outras formas de conhecimentos e culturas (BAUMAN,
1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006, 2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018;
GLISSANT, 2005; BHABHA, 1996; CANCLINI, 1995; BURKE, 2003).
Nesse sentido, é perceptível que o autor visa à construção e representação da identidade
indígena para além da formação de uma “identidade de raiz única” (GLISSANT, 2005), um
sujeito que possuirá uma “identidade nova”, uma “identidade híbrida” (BHABHA, 1996;
CANCLINI, 1995; BURKE, 2003) por ter vários encontros, contatos, interações, trocas com
outras culturas e outras epistemologias (BURKE, 2003). Além disso, as escolhas feitas pelo
autor não são parciais e neutras, mas, sim carregadas de intenções e ideologias por estar
implicadas com o seu contexto cultural, social, histórico e específico (KRESS; VAN
LEEUWEN, 1996; JANKS, 2014; MIZAN, 2012; HALL, 1996, 2016). Desse modo, a maneira
como o produtor da imagem escolhe representar esse sujeito –– como um sujeito híbrido por
utilizar de artefatos da tecnologia de informação e comunicação e por ter acesso a outras
epistemologias –– se distancia de uma identidade essencialista, estereotipada, fantasiada que
foi construída e imposta pelos projetos coloniais.
Segundo Kress e Van Leeuwen (1996), as representações visuais constituem e mantém
interações entre os participantes –– os criadores, os espectadores e os sujeitos representados –
–, pelo fato de que ao entrar em contato com essas representações cada participante produzirá
sentidos diversos por possuir posições e contextos ideológicos, culturais, históricos e sociais
diferentes (MIZAN, 2012). No caso da proposta dessa atividade da página 28, o produtor, autor
do livro didático, escolhe aspectos criteriosos para construir e representar o objeto, neste caso
a identidade indígena, ou seja, o autor procura representar a identidade indígena focada nesse
aspecto, como já foi mencionado, uma identidade fragmentada, diversa e múltipla. No entanto,
o espectador (os alunos) ao entrar em contato com as selfies (autorrepresentações), da mesma
forma, irá construir e representar a identidade do “outro” por meio de aspectos criteriais de suas
66

escolhas, que são decorrentes dos seus contextos culturais, sociais, históricos e específicos
(KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; HALL, 1996, 2016).
Figura 8- Representação indígena da atividade Reading Literacy página 28

Fonte: (Voices plus, 2016, v.1, p.28)

Assim, tanto o produtor de imagens quanto quem as interpretam (espectador) produzem


sentidos a partir dos seus contextos. Nessa perspectiva, podemos considerar que as
representações visuais são textos reais carregados de sentidos que têm o potencial de
demonstrar diferentes significados a depender de quem a produz ou interpreta (FAÇANHA;
LUCENA, 2019; BARBOSA; ARAÚJO; ARAGÃO, 2016, p.630). As representações visuais
são persuasivas, simbólicas, investidas de ideologias e de relações de poder que têm o “poder
de representar alguém ou alguma coisa de certa maneira –– dentro de um determinado regime
de representação” (HALL, 2016, p.193).
Diante dessas informações, que produzimos sentidos e significados dentro de
determinados contextos e somos conduzidos a escolher um aspecto do objeto a ser representado
(HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996), nos leva a questionar que aspecto o
espectador, ao entrar em contato com essa autorrepresentação indígena, escolhe na tentativa de
representar e construir a identidade desse sujeito como um sujeito indígena. No que diz respeito
a atividade da página 28, no momento em que o educando é requerido que faça uma leitura e a
partir de sua interpretação discuta com o colega quem é a pessoa representada na selfie, é nesta
circunstância que ele escolhe o aspecto do objeto a ser representado e define essa representação
por esse aspecto específico. Então, o espectador é levado a utilizar esse aspecto como critério
para representar a identidade desse sujeito.
Apesar do autor da obra didática na proposta dessa atividade buscar construir e
representar a identidade indígena como uma identidade antiessencialista, podemos identificar
67

alguns aspectos (das práticas coloniais) que podem contribuir na construção do imaginário do
espectador no processo de representar e construir esse sujeito como pertencente a uma
identidade indígena. Devido à formação de uma imagem fantasiada, imaginada e construída
pelos projetos coloniais, a identidade indígena é “visualmente marcada por causa de sua cor de
pele, textura de cabelo, estrutura corporal” (MIZAN, 2012, p.272) e uso de trajes e adornos
típicos indígenas (PAIVA, 2015). De acordo com Mizan (2012), as representações visuais dos
povos originários realizadas por instituições dominantes, produzem determinados significados
à identidade indígena através de características simples que foram atribuídas e marcadas sobre
seus corpos.
Ao longo dos anos, a identidade dos povos indígenas esteve em jogo pelo padrão de
poder representacional. Os regimes dominantes de representação construíram e representaram
a identidade desses povos pela lógica da marcação e diferença. Como já foi discutido no
capítulo 3 “Racialização do ‘Outro’”, os projetos coloniais utilizaram de diferentes práticas
representacionais, como, por exemplo, a fixação do estereótipo para diferenciar os
colonizadores dos colonizados.
Desse modo, os colonizadores atribuíram poucas características simples e essenciais
sobre os povos indígenas, reduzindo-os a esses poucos traços estereotipados e depois
exagerando-os e fixando-os na representação da diferença (HALL, 2016). Em relação à
atividade Reading Literacy, são essas poucas características essencializadas e naturalizadas da
estereotipagem sobre os corpos dos povos indígenas que podem possibilitar o olhar e a
imaginação ocidental do espectador ao entrar em contato com a selfie (autorrepresentação) e
produzir representações a partir desse aspecto colonial. Assim, podemos notar que a
representação desse sujeito pode ter sido definida por esses poucos traços estereotipados, cor
da pele, textura de cabelo, trajes e adornos típicos da cultura indígena (MIZAN, 2012; PAIVA,
2015).
Segundo Blommaert, Ying e Kunming (2019), as identidades online ou identidades
selfies são construídas por meio de interações e condições de produção online específicas. Para
os autores, nas ações online as identidades dos participantes são construídas com base nas
informações criadas, exibidas e mostradas em seus perfis de usuários enquanto interagem com
outros participantes. Assim, as identidades selfies/online são autorrepresentações configuradas
pelo fato de que o participante escolhe as informações que ele quer exibir ou que pode exibir
em uma determinada interação online específica. Então, no caso da representação da identidade
selfie do indígena nessa atividade, ela não se configura necessariamente como uma
autorrepresentação, pois é uma foto de uma selfie que o representado, nesse caso o indígena,
68

não participa do processo de construção de sua própria identidade (MIZAN, 2012). No entanto,
no que diz respeito a selfie, o autor da selfie, o indígena, escolhe utilizar de artefatos típicos
indígenas, o cocar, para se autorrepresentar e auto afirmar sua identidade ameríndia. “Quando
os povos indígenas buscam reivindicações, eles frequentemente usam trajes e adornos típicos
de índios brasileiros que fazem parte da identidade que procuram construir para eles mesmos
em situações em que entram em contato com o homem branco e com a mídia” (MIZAN, 2012,
p.269). No caso do autor da foto selfie é perceptível que ele também escolhe evidenciar o uso
do cocar para relacionar a identidade dos povos originários, porém com outro propósito, não
como um objeto simbólico importante para a cultura e autorrepresentação da identidade desses
povos, mas, sim, como um objeto que é atribuído características essencializadas e
estereotipadas na construção e representação da identidade ameríndia.
Em conformidade com Alice Pataxó (2020b), o cocar é uma simbologia importante
para a sabedoria e o poder dos povos indígenas, pois é uma forma de reconhecer o outro, sua
influência e inteligência, por isso não pode ser apenas entendido pelo senso comum como um
mero enfeite. Da mesma forma que existe uma diversidade cultural das coletividades
ameríndias, existe uma variedade de modelos de cocares, bem como diferentes significados que
variam a depender da etnia. Além disso, Pataxó menciona que o uso do cocar não é determinado
pela idade, sendo assim, é comum encontrar em algumas culturas o uso desse objeto simbólico
por indígenas jovens pelo fato de seu merecimento e preparo espiritual.
Para Kress e Van Leeuwen (1996), a representação é um processo no qual os produtores
de significados buscam representar algum objeto, pessoas, lugares e coisas a partir do contexto
particular e específico de produção. Sob o mesmo ponto de vista, Hall (2016) afirma que a
representação é uma das práticas que produzem cultura, pelo fato de que damos sentidos às
coisas pela forma como as utilizamos em nossas práticas. Apesar disso, o autor (1996) afirma
que os sentidos são construídos dentro da representação por possuírem implicações das
posições de quem produz esses significados.
Dessa maneira, podemos constatar que a construção e representação da identidade
indígena na atividade da página 28 é compatível com a proposta da unidade, não somente com
a unidade, mas também com o tema principal do volume da obra didática, ao trabalhar com as
diversas maneiras de se autorrepresentar e de representar o outro a partir do contexto do
produtor de significados. Apesar disso, embora o autor se fundamente nos documentos oficias
da educação na tentativa de construir e representar a identidade desse sujeito como
contemporânea, fragmentada, por possuir identidades híbridas e múltiplas, como também de
promover a visibilidade, a diversidade, a participação e o protagonismo desses povos em outros
69

contextos culturais, sociais e históricos (BRASIL, 2015), a imagem escolhida nessa atividade
tem potencialidade de reforçar uma visão estereotipada e essencialista do ser indígena.
Ademais, o autor da coleção não aproveita a brecha da atividade para trazer informações sobre
os povos indígenas da atualidade, que cada vez mais utilizam de ferramentas tecnológicas ––
demarcando telas –– para denunciar violências, estereótipos e discriminações praticadas pelos
não indígenas, assim como para lutar por seus direitos, terras, culturas etc. Sobre esse assunto
explica Txaí Suruí (2021)

Hoje os povos indígenas usam da tecnologia como uma arma, exatamente para
poder estar levando as nossas vozes a cada mais espaços e, assim, a gente vai
demarcando as telas. É levando para todo mundo a nossa realidade e levando
também que os povos indígenas podem estar onde eles quiserem, porque nós
ainda somos muito invisibilizados. A gente ainda não é escutado da mesma
forma que a Greta, uma menina branca do norte global, mas acredito que a
gente só pode mudar esses espaços decolonizando e levando mais pessoas
indígenas para todos os espaços. Por exemplo, para TV, para as empresas, para
todos os lugares e é só assim que a gente vai mudar se não o mundo vai
continuar sendo o mesmo (SURUÍ, 2021).

De modo semelhante, segundo Zacchi (2016c), o Movimento dos Trabalhadores Rurais


Sem Terra (MST) tem usado das novas tecnologias da comunicação, por exemplo da webpage,
como uma forma de compartilhar informações do movimento, ou seja, de apresentar outros
pontos de vista as pessoas que frequentemente não são divulgadas pelas grandes mídias. Além
disto, com base nos relatos de uma integrante do setor de comunicação do movimento, o autor
ainda informa que a utilização das novas mídias também possibilita a interação, o contato e a
troca de experiências entre os movimentos sociais do Brasil e do mundo. Similarmente, de
acordo com Castells (2018), o movimento dos zapatistas no México formados por camponeses
e indígenas usaram de estratégias de comunicação de mídias, como o uso da internet, de vídeos
e computador, para lutar e reivindicar seus direitos e denunciar a exclusão social e a corrupção
política do governo mexicano ao mundo.
Ainda no mesmo volume, podemos identificar a segunda representação da identidade
indígena na unidade 2, intitulada Body and mind, na seção Contextualization da página 48. A
proposta da unidade é discutir sobre hábitos de saúde ou atividades cotidianas que ao serem
praticadas proporcionam ao indivíduo uma sensação de bem-estar ou um estilo de vida
saudável. O autor da obra didática apresenta, na abertura da unidade, diversas práticas de
atividades que representam estilos de vida saudáveis ou sensações de bem-estar não somente
relacionadas as práticas de atividades físicas, como também aos hábitos cotidianos. A intenção
da unidade é fazer com que os alunos percebam e reconheçam as diferentes maneiras de
70

adquirirem hábitos saudáveis e de se sentirem bem. Ademais, o organizador do livro não só se


preocupa a trabalhar com questões de saúde voltadas para o corpo físico, mas também para a
saúde mental.
A seção Contextualization pretende contextualizar o tema que será abordado na
unidade, “possibilitando o desenvolvimento dos letramentos visual e crítico” (TÍLIO, 2016a,
p.4). Para introduzir o assunto que será tratado nessa unidade, Body and mind, o organizador
da obra didática escolhe trabalhar inicialmente com a frase em latim “Mens sana in corpore
sano”, que significa mente sã em corpo são. Assim, toda a discussão na seção Contextualization
está relacionada a essa frase. No primeiro item dessa seção é sugerido que os docentes
perguntem aos discentes se eles já ouviram a frase em latim “Mens sana in corpore sano”? E
qual o significado? Aqui o professor é orientado a fazer com que os alunos por meio de suas
leituras críticas das imagens apresentadas na abertura relacionem com a frase para que
consigam interpretar a ideia central da proposta da unidade, que propõe discutir assuntos sobre
hábitos de saúde e bem-estar. É importante mencionar que as respostas são pessoais podendo
ter diversas interpretações a depender do contexto social, cultural e histórico desses alunos
(HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; MIZAN, 2012).
Logo em seguida, no item dois, solicita que os estudantes façam uma leitura de dois
pequenos textos que apresentam explicações sobre a origem, a história e o significado dessa
expressão. Depois da leitura dos dois trechos, o autor pede que os estudantes respondam quatros
itens relacionados aos textos lidos. Esses itens abordam assuntos já mencionados nos trechos
anteriores, mas os alunos precisam responder de acordo com suas particularidades e seus
contextos –– os textos servem como base para contextualizar o tema a ser discutido nas questões
e nas próximas atividades. A questão “What do you consider a healthy lifestyle?” (O que você
considera um estilo de vida saudável?) introduz a discussão da próxima atividade na página 48,
a qual manifesta por meio de elementos verbais a representação da identidade indígena. A
discussão dessa questão, pode fazer com que os alunos percebam que cada pessoa produz
significados diferentes, possue concepções diferentes, perspectivas diferentes por depender de
suas especificidades locais, históricas e culturais, conforme mencionado no parágrafo anterior.
A seguir, na atividade três da página 48, é informado no enunciado que a frase “Mens
sana in corpore sano” expressa como as culturas ocidentais compreendem por saúde. Essa
atividade solicita que os alunos leiam logo abaixo trechos de outras culturas e grupos de
diferentes idades que falam sobre saúde. E considerando suas opiniões, até que ponto esses
conceitos fazem sentido para eles. O autor recomenda que essa atividade seja trabalhada em
grupos para debater o assunto. Além disso, o autor sugere que os professores discutam as
71

informações que causaram surpresa aos alunos, já que a atividade traz diferentes pontos de
vistas de um mesmo assunto (saúde), e que os orientem em relação as maneiras de ver, entender
e se referir à cultura do outro, para que evite construir uma visão estereotipada. Então, nessa
atividade, é visível que o autor tem como objetivo trabalhar com uma perspectiva plural e
diversa de concepções que cada pessoa, povo ou cultura produz de um determinado assunto,
bem como mostrar aos discentes que existem diferentes pontos de vistas e não somente a
produção e a legitimação do conhecimento e da cultura dos homens ocidentais
(GROSFOGUEL, 2016; KRENAK, 2021; CARNEIRO, 2005; SANTOS, 1999).
De acordo com Krenak (2021), na terra podemos encontrar diferentes produções de
conhecimentos e saberes plurais. E que há bastante tempo foi negado aos povos os seus modos
de produções epistemológicas, como também o valor de equidade em relação à cultura
ocidental. “Mas nem, por isso, precisamos acreditar que é “outra” ciência, porque ciência é
ciência. Assim como, sabedoria é sabedoria” (KRENAK, 2021). Na verdade, o que o autor
afirma é que no mundo existe diferentes perspectivas, saberes e cosmovisões. E pelo fato dessas
produções epistêmicas serem diferentes do padrão epistêmico ocidental não quer dizer que
devem ser classificadas como outro tipo de ciência. “Assim como tudo é vida, tudo também é
ciência” (KRENAK, 2021).
Desse modo, essa diversidade existente entre as produções epistemológicas pode ser
devido ao contexto “multicultural e multiétnico em que vivemos no Brasil", conforme explica
Munduruku (2020), pois, essas produções são constituídas por diversos grupos sociais que
possuem diferentes identidades étnicas, linguísticas e culturais. Por esse motivo, é inconcebível
acreditar que os sujeitos possuem uma identidade estática e imutável, já que o Brasil foi um
país construído de diferentes povos culturais.
Em contraste com o pensamento de Munduruku (2020), Canen (2007) explica que
mesmo que o multiculturalismo –– o crítico –– pressuponha reconhecer a pluralidade cultural,
questionar as desigualdades das relações sociais de poder entre as diversas culturas e os
preconceitos, ainda essa vertente trabalha com a ideia de uma identidade essencialista e estável
por não considerar o dinamismo, os choques, as interações, os conflitos, o hibridismo e o
movimento que caracteriza a formação de novas identidades. Similarmente, Silva, Souza e
Zacchi (2018), afirmam que apesar desse multiculturalismo buscar promover o reconhecimento
da pluralidade e diversidade sociocultural, o contato entre as diferentes culturas permanece em
uma relação limitada e restrita provocando a separação “por fronteiras tanto físicas e quanto
simbólicas” (SILVA, SOUZA, ZACCHI, 2018, p.75).
72

É o caso, por exemplo, em que se decide desenvolver estratégias para desafiar


o preconceito contra o índio, mas não se considera a complexidade cultural
das nações indígenas, com suas linguagens múltiplas, seus significados plurais
etc. Ainda que a intenção seja crítica, a homogeneidade da categoria ‘índio’,
assenta-se em uma visão da identidade como ‘essência acabada’, o que pode
resultar em um congelamento das identidades e das diferenças (CANEN,
2007, p.95).

Embora os autores acima possuam visões diferentes da perspectiva apresentada por


Munduruku (2020) no que concerne ao multiculturalismo, isso não quer dizer que sua visão é
inferior ou errada em relação a dos outros, pois cada indivíduo pode produzir diferentes
perspectivas, conhecimentos e saberes de um determinado assunto.
Figura 9– Seção Contextualization página 48

Fonte: (Voices plus, 2016, V.1, p.48)

Essa atividade da página 48 apresenta cinco textos com diferentes pontos de vista de
diversas culturas a respeito do tema saúde. Os textos são identificados por letras, da letra “a”
até “e”, e o texto que remete a identidade dos povos ameríndios está localizado na letra “a”.
Embora a atividade mostre perspectivas de outras culturas em relação à saúde, apenas analisarei
o trecho que se refere a identidade dos povos indígenas. O texto da letra “a” é um fragmento
73

apresentado sem título. Logo abaixo do texto é informado o link do site que dá acesso ao texto
original, bem como informações de que o texto é adaptado por possuir nível de linguagem e
publicidade inadequada. Apesar do autor informar o link que dá acesso ao texto original, o site
não está mais disponível. Dessa maneira, não temos como saber se o texto adaptado mantém a
ideia central do texto original. Assim, o fragmento adaptado remete a perspectiva dos povos
originários na forma de ver, entender e se referir a saúde.
Ainda que, o autor do livro didático procure construir e representar uma identidade
indígena contemporânea, ao analisar o texto da letra “a”, podemos perceber que a forma como
ele propõe trabalhar com esse elemento escolhido na atividade provoca o apagamento e
invisibilidade da identidade dos povos originários, pelo fato desse exercício não promover
problematização e reflexão acerca da heterogeneidade cultural existente entre as coletividades
ameríndias. Além disso, é notório que o autor da obra didática também busca promover o
reconhecimento da existência da diversidade e pluralidade sociocultural no que diz respeito aos
diversos pontos de vista sobre o tema saúde. No entanto, o modo como desenvolve a atividade
apresenta uma perspectiva conservadora por não contestar a complexidade de interação das
diversas culturas resultando, assim, na produção de preconceitos, estereótipos e exclusões.
Dessa forma, é perceptível que essa atividade apresenta aspectos das práticas coloniais
pela maneira como o autor do livro didático escolhe desenvolver e trabalhar o exercício, sem
problematizar o dinamismo dos choques e interações entre as diferentes culturas, relacionado
ao elemento que representa a identidade dos povos indígenas. Ademais, essa implicação
colonial também pode ser observada no momento em que o autor sugere que os professores
orientem aos alunos a respeitar a diversas culturas, supondo que a convivência entre os
diferentes grupos é de forma harmoniosa e sem conflitos. Sobre esse tipo de atividade, Zacchi
(2016d, p.619) explica que

Promover discussões sobre o outro não causa (e não deve) necessariamente


causar algum tipo de empatia e identificação como forma de eventualmente
apagar a diferença. Pelo contrário, este é o momento em que a diferença pode
ser trazida à tona como um poderoso recurso. Se por um lado não é desejável
que os grupos sociais permaneçam totalmente apegados aos seus próprios
valores, sem chance de mudança, por outro, simplesmente abraçar o outro,
sem crítica, não será suficiente para causar qualquer tipo de transformação.

Ainda na mesma unidade, Body and mind, podemos identificar a terceira e quarta
representação da identidade indígena na seção Linguistic Literacy das páginas 64 e 65. Essa
seção tem como finalidade trabalhar com vocabulários e estruturas gramaticais relacionados ao
tema principal da unidade. Então, a proposta dessa seção, Linguistic Literacy das páginas 64 e
74

65, é trabalhar com a gramática e o vocabulário referente a temática esportes, identidade e


saúde.
Figura 10 – Seção Linguistic Literacy página 64

Fonte: (Voices plus, 2016, V.1, p.64)

A seção inicia-se com uma atividade, cuja intenção é de informar sobre os eventos de
esportes que acontecem no Brasil. A atividade solicita que se observe a página da web, logo
abaixo, e responda duas questões, What does it have in common with the 2016 Olympic Games?
What are the differences? (O que tem em comum com os Jogos Olímpicos de 2016? Quais são
as diferenças?). Para compreender qual é o assunto a ser discutido nas questões é indispensável
a leitura da página da web. Essa página da web trata dos Jogos Mundiais Indígenas. Segundo o
autor da obra didática, o que os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas têm em comum com os
Jogos Olímpicos de 2016, é que ambos envolvem esportes, atletas e competições. Já a diferença
é que os Jogos Mundiais Indígenas são somente para os povos indígenas de diferentes etnias.
Na parte inicial da página da web é apresentada uma área específica chamada de The
Games, que tem a intenção de informar sobre os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. O texto
selecionado da primeira atividade, da seção Linguistic Literacy da página 64, é retirado dessa
75

parte The Games. O texto é exibido sem título, apenas é indicado o nome da área The Games.
Logo abaixo do texto é informado o link da página da web que dá acesso ao texto original,
assim como informações de que o texto é adaptado por possuir nível de linguagem e publicidade
inadequada. Embora o autor informe o link do site que dá acesso ao texto original, o site não
está mais disponível. Desse modo, não sabemos se o texto adaptado mantém a ideia principal
do texto original.
O texto adaptado explica sobre a realização do primeiro Jogos Mundiais dos Povos
Indígenas que ocorreu na cidade Palmas em Tocantins, localizada no Brasil. O evento aconteceu
em 23 de outubro a 1 de novembro no ano de 2015. Os 2.000 atletas indígenas vieram de toda
parte do país e também do mundo para participarem do primeiro evento esportivo mundial dos
povos indígenas. Nesse evento, havia uma diversidade de práticas esportivas, algumas
competições de estilo ocidental, como, por exemplo, futebol e atletismo, e outras competições
de jogos tradicionais indígenas. Alguns jogos eram disputados de forma competitiva, já outros
eram apenas demonstrados pelos povos indígenas como uma forma de mostrar sua herança e
cultura viva. A exemplo disso, o Xikunahity, um jogo de futebol indígena em que a bola é
controlada apenas com a cabeça. Além disso, esse evento busca reunir a diversidade
representada nos jogos, como também a cultura e a tradição dos povos indígenas do país e do
mundo.
Depois da primeira atividade da página 64, que introduz o assunto que será trabalhado
na próxima atividade, a atividade dois da página 65 apresenta vocabulários relacionados as
práticas esportivas. Os vocabulários esportivos apresentado no box da segunda questão
representam tanto esportes de estilo ocidental quanto esportes de tradições indígenas. Essa
segunda questão solicita que se identifique os esportes nas imagens abaixo usando os nomes
informados dentro do box. Para ajudar a identificar qual esporte corresponde a cada palavra, o
autor sugere que se estimule os estudantes a usar cognatos e conhecimentos de mundo para
completar a atividade. Além de pedir para nomear cada prática esportiva, a atividade ainda pede
para que os alunos identifiquem quais desses esportes participam dos Jogos Mundiais dos Povos
Indígenas. Para isso, os alunos precisam fazer leitura crítica das imagens localizadas na
atividade dois da página 65, como também necessitam das informações do texto da atividade
um da página 64 para deduzir quais esportes fazem parte do evento, visto que o texto da
atividade um informa que somente atletas indígenas participam do evento dos Jogos Mundiais
dos Povos Indígenas, podendo ser tanto do Brasil quanto de outras partes do mundo. Diante
disso, os estudantes podem utilizar dessas ideias do texto e das informações contidas nas
imagens para identificar quais esportes fazem parte dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.
76

Figura 11 – Seção Linguistic Literacy página 65

Fonte: (Voices plus, 2016, V.1, p.65)

No que diz respeito às informações das imagens, os discentes, como espectador, no


processo de produzir significados a partir de seus contextos particulares escolhem um aspecto
criterioso na construção e representação da identidade dos povos indígenas. E é exatamente
esse aspecto específico que contribui no processo de identificar quais esportes fazem parte do
evento dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Segundo Mizan (2012), o espectador é
conduzido pela imaginação, fantasia, pelo fetichismo e olhar ocidental ao construir e representar
a identidade dos povos ameríndios por meio de características simples que são atribuídas e
fixadas sobre seus corpos, como, por exemplo, pela sua cor de pele, o uso de vestimentas típicas
indígenas, adornos, textura de cabelo, características físicas etc. (MIZAN, 2012; PAIVA, 2015;
GONZAGA, 2021). Assim, o espectador para identificar quais esportes fazem parte desse
77

evento mundial, precisa identificar quem são os povos indígenas representados nas imagens, e
para isso, utiliza do aspecto específico escolhido.
Conforme já discutido anteriormente, Gonzaga (2021) afirma que nos tempos
contemporâneos não faz mais sentido a construção de identidades étnicas ligadas a concepções
estáticas e imutáveis pelo fato de que as identidades são dinâmicas, moventes e vivas. Desse
modo, não é aceitável construir e representar a identidade dos povos indígenas de forma
genérica, relacionada a uma identidade estática e permanente, visto que existe uma imensa
diversidade de experiência cultural, linguística e epistemológica entre os coletivos indígenas.
Da mesma forma, Hall (1996) explica que na pós-modernidade a discussão em torno do
conceito de identidade não manifesta pontos estáveis, sendo do início ao fim da história sem
alterações, permanecendo fixos e sólidos ao longo do tempo. Para o autor, as identidades dos
sujeitos não são unificadas e singulares, elas são múltiplas, fragmentadas, fraturadas produzidas
em diferentes contextos, discursos, histórias, culturas e posições.
Dessa forma, podemos notar que os elementos verbal e imagético, que representam a
identidade ameríndia nessa atividade das páginas 64 e 65, foram escolhidos com o objetivo de
construir e representar uma identidade indígena do presente, do agora (MUNDURUKU, 2019,
2021a; GONZAGA, 2021; KRENAK, 2020a), porém o modo como o autor da obra didática
propõe desenvolver a atividade acaba resultando em uma representação da identidade indígena
genérica, estática, do passado (GONZAGA, 2021). Além disso, esses elementos apenas foram
colocados nessa atividade para trabalhar com os vocabulários de práticas esportivas,
invisibilizando e apagando, assim, toda diversidade cultural e cosmológica das comunidades
ameríndias. Diante disso, essa atividade novamente não possibilita problematização, somente
apresenta essas representações para relacionar com o aprendizado do conteúdo de vocabulário
e estruturas gramaticais –– como é proposto pela seção Linguistic Literacy ––, ou seja, trabalha
com esses elementos de forma simplista e básica, sem proporcionar o aprofundamento de
discussões de temas atuais e complexos. Por esse fato, essa atividade apresenta aspectos das
práticas coloniais por escolher representar os povos originários relacionados a esse tipo de
exercício que promove pouca ou quase nenhuma reflexão e reforça mais os traços da
estereotipagem e do essencialismo.
Os chamados estereótipos particulares e culturais, explica Gonzaga (2021), são
construídos nos processos socializantes que muitas das vezes ocasionam em preconceitos e
discriminação. Frequentemente, os estereótipos pejorativos representam os grupos
marginalizados associados a características de animais ou de outras coisas que necessitam de
vivacidade e os afastam de traços que definem o ser humano. “Quando as projeções que se
78

desenvolvem por relações de diferença e de contraste vêm à tona, depara-se com a ocorrência
da desumanização, que é definida pela total negativa de humanidade aos demais” (GONZAGA,
2021, p.25).
Por fim, a última representação da identidade indígena é encontrada na unidade 3,
intitulada Cultural Identity, na abertura da unidade e na seção Contextualization das páginas 94
e 96. A proposta da unidade é discutir as definições de cultura, identidade e identidade cultural
que se relacionam aos modos de comportamento dos povos, aos aspectos cognitivos e
simbólicos que são adquiridos em uma determinada comunidade, como também as habilidades,
crenças, valores, línguas, vestimentas, normas, e entre outras coisas que caracterizam um modo
de vida na sociedade. O autor apresenta na abertura da unidade várias imagens que demonstram
a diversidade cultural de diferentes povos ao redor do mundo, como, por exemplo, hábitos
alimentares, crenças religiosas, vestimentas, artesanatos, arquitetura local, pintura etc., que
contribuem na construção da identidade de um indivíduo. A intenção da unidade é fazer com
que os estudantes reconheçam as diversas práticas, costumes, valores, comportamentos etc.
adquiridas na sociedade que contribuem no processo de formação da identidade do sujeito.
Além disso, a unidade proporciona momentos de reflexão ao expor que as identidades dos
sujeitos são múltiplas, plurais, fragmentadas pelo fato de que as sociedades e as culturas são
diversas (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990, 1996, 2006, 2016; CASTELLS, 2018).
Logo após a abertura da unidade, que apresenta diversas práticas culturais que
contribuem para a formação da identidade do sujeito, o autor introduz a seção Contextualization
na página 95, que já foi conceituada anteriormente. Para introduzir o tema que será abordado
nessa unidade, Cultural Identity, o organizador do livro didático inicia a seção
Contextualization com uma reflexão ao pedir para que os alunos reflitam sobre o que eles têm
estudado até agora e como eles podem explicar o conceito de identidade. Nessa atividade, o
autor propõe que os estudantes pensem sobre o que tem estudado ao longo das unidades
anteriores, que também trabalharam com a temática identidade, mas com diferentes aspectos.
Ademais, o produtor da obra sugere que os professores proporcionem os alunos a reconhecerem
que a identidade não é fixa, mas complexa, plural, múltipla e fragmentada, pois os sujeitos
possuem diversos traços identitários que os constituem e dependem do contexto e da situação
para que um traço esteja mais em evidência do que o outro, como também está relacionado aos
modos como os indivíduos veem a si próprios e aos outros, ou seja, como eles constroem suas
identidades e a dos outros a partir de suas perspectivas (BAUMAN, 1996, 2005; HALL, 1990,
1996, 2006, 2016; MOITA LOPES, 2002; CASTELLS, 2018; ZACCHI, 2016c; GONZAGA,
2021).
79

Conforme já mencionado no capítulo Tecendo Identidades, para Bauman (1996; 2005),


as identidades são frágeis e possuem condições eternamente provisórias e inconclusas, estão
sempre em movimento e nunca completas ou estáveis.

Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas


identidades em movimento –– lutando para nos juntarmos aos grupos
igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter
vivos por um momento, mas não por muito tempo. Com o mundo se movendo
em alta velocidade e em constante aceleração. No admirável mundo novo das
oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo
antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam (BAUMAN,
2005, p.32-33).

De acordo com Jenkins (2008), a identidade não é fixa, imutável, mas negociável e
flexível. Buscamos por identidade quando queremos compreender quem somos e quem são as
outras pessoas, da mesma forma que as outras pessoas buscam compreender a si mesmas e aos
outros.

A identidade é capacidade humana –– enraizada na linguagem –– de saber


‘quem é quem’ (e, portanto, ‘o que é o que’). Isso envolve saber quem somos,
saber quem são os outros, eles saber quem somos, nós saber quem eles pensam
que somos. A identidade é um processo identificação – não uma ‘coisa’. Não
é algo que se pode ter ou não, é algo que se faz (JENKINS, 2008, p.5).

Em conformidade com Castells (2018), a identidade pode ser entendida como um


processo de construção de significado baseado em uma particularidade cultural ou um conjunto
de experiências culturais de um povo que sobressaem sobre outras construções de significados.
Para o sociólogo, as identidades dos indivíduos ou dos atores coletivos podem ser múltiplas e
plurais, entretanto, essa diversidade pode ser caracterizada por fontes de tensão e contraste na
autorrepresentação e na ação social. “Isso porque é necessário estabelecer a distinção entre a
identidade e o que tradicionalmente os sociólogos têm chamado de papéis, e conjunto de
papéis” (CASTELLS, 2018, p.61). Ainda conforme o autor, as identidades podem ser
construídas através de um processo de individuação pelos próprios atores sociais, assim como
podem ser constituídas por meio de instituições dominantes, então, somente é possível quando
e se os atores constituem as fontes de significados a partir da internalização.
Para Brah (2006), os problemas de identidade estão diretamente vinculados a questões
de experiência, subjetividade e relações sociais pelo fato de que identidades são marcadas por
meio das experiências culturais constituídas nas relações sociais. Além disso, a autora afirma
que as identidades podem ser entendidas como pessoais e coletivas. As identidades pessoais
estão ligadas a experiência coletiva de um grupo social, em que a particularidade da experiência
80

de vida de um sujeito construída nas relações sociais diárias constitue percursos que não
exclusivamente propagam a vivência do grupo. Já as identidades coletivas são compreendidas
como um processo de construção de significados em que as experiências coletivas em torno de
pontos específicos de diferenciação são constituídas de significados particulares.
Ainda na mesma seção, no item três solicita que os alunos definam o conceito de cultura
e discuta com um colega (How can you define “culture”? Discuss it with a partner.). Aqui os
estudantes precisam utilizar-se de seus conhecimentos de mundo e prévios para refletir sobre o
conceito. É importante evidenciar que da mesma forma que o conceito de identidade é
complexo, a definição de cultura também apresenta um nível complexidade semelhante.
“Conceituar cultura é uma tarefa difícil, complicada e que exige grande cuidado e
responsabilidade. Isso ocorre devido à variedade de acepções contidas nesse vocábulo” (LIMA,
2008, p.91). Para Nieto (2010), definir cultura é complicado pelo fato de significar várias coisas
para diferentes pessoas em diferentes contextos.
O objetivo desse item é preparar os estudantes para a discussão da próxima questão. No
item quatro apresenta dois trechos que explicam a definição de cultura. E pedem para que os
discentes leiam e percebam a semelhança e a divergência dessas concepções com as suas
discutidas anteriormente, no item três, com o colega. O primeiro fragmentado retirado do livro
“Small Places, Large Issues: An introduction to social and cultural anthropology” escrito por
Thomas Hylland Eriksen informa a concepção de cultura pelo viés antropológico. Segundo
Thomas Eriksen a antropologia cultural diz respeito aos conhecimentos sobre aqueles aspectos
da humanidade que não são naturais, mas adquiridos. Cultura pode ser definida como as
habilidades, noções e formas de comportamento que as pessoas têm adquiridos como membros
da sociedade, cultura se refere ao que é adquirido, aos aspectos cognitivos e simbólicos da
existência.
O segundo fragmento é retirado do livro “An introduction to sociology” escrito por Ken
Browne trata da concepção de cultura pela perspectiva sociológica. Para Ken Browne o termo
cultura é utilizado pelos sociólogos para se referir à linguagem, crenças, valores e normas,
costumes, vestimentas, dieta, papéis, conhecimentos e habilidades, e todas as outras coisas que
as pessoas aprendem que constituem o "modo de vida" de qualquer sociedade. Cultura é
transmitido de geração em geração através do processo de socialização. É importante salientar
que os dois fragmentos expostos no item quatro foram adaptados pelo o autor da obra didática
para a proposta da atividade.
Para Viveiros de Castro (2010), o lado natural e o lado cultural do homem é uma
distinção que não é natural, mas cultural. Essa diferenciação tem uma história, origem e ligação
81

nas tradições culturais do ocidente, no cristianismo etc., sendo assim, um conjunto de fontes
fundamentais para a cultura hegemônica e ao mesmo tempo diferentes para outras tradições
culturais, que são constituídas por uma perspectiva diferente do homem.
Figura 12 – Abertura da unidade 3 página 94

Fonte: (Voices plus, 2016, V.1, p.94)

As imagens apresentadas no início da unidade, inclusive a imagem que representa a


identidade indígena, são solicitadas suas análises apenas nos itens oito e nove da seção
Contextualization localizados na página 96. Na questão oito o autor do livro didático solicita
que os alunos façam a leitura das imagens da abertura da unidade na página 94. E depois,
relacione as imagens com as descrições exibidas abaixo da questão. Essa atividade propõe
trabalhar em pequenos grupos, mas não sugere que os discentes discutam o que aquelas imagens
representam. Assim, a atividade é bastante simples, não promove debate e proporciona pouca
reflexão, visto que as descrições são repostas já predeterminadas (definidas). O que podemos
notar é que somente no momento em que é solicitada a leitura das imagens a atividade pode
desenvolver consciência crítica dos alunos, pois é no processo de construção de significados
que utilizam de seus contextos sociais, culturais, históricos, específicos etc. (HALL, 1996,
2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996).
82

Figura 13 – Seção Contextualization página 96

Fonte: (Voices plus, 2016, V.1, p.96)

No entanto, na questão nove podemos perceber a discussão proposta nesse item. O item
nove sugere que discuta quais aspectos da identidade cultural os alunos podem ver nas figuras
da página 94 “Which aspectos of cultural identity can you see in the pictures?”. Para isso, o
autor recomenda que os discentes façam as leituras dessas imagens e utilizem de seus
conhecimentos aprendidos e adquiridos ao longo da seção Contextualization para conseguir
desenvolver a discussão. No decorrer da seção, desenvolveu-se discussões com as temáticas
identidade, cultura e identidade cultural, proporcionou os alunos utilizarem de seus
conhecimentos de mundo e adquiridos para conceituar identidade e cultura e apresentou
conceitos de cultura pelo viés antropológico e sociológico. Então, com base nas informações
aprendidas durante a seção, os discentes podem responder em relação aos diferentes valores,
práticas, costumes, vestimentas, adornos, tipos de comida, rituais religiosos, tipos de
cumprimento, arquitetura local e etc. Além disso, o organizador da obra aconselha que os
professores informem que cultura não representa somente aquilo é diferente, “exótico”,
“excêntrico”, mas também valores, costumes e práticas comuns de uma pessoa. Segundo
Krenak (2020a), a cultura não pode ser vista como estática, fixa, mas sim dinâmica e viva pela
razão de estarmos sempre criando cultura. “Toda manifestação cultural é vivida e inexiste
cultura estática, seja ela do homem branco, seja oriunda dos coletivos indígenas” (GONZAGA,
2021, p.18).
Conforme já discutido anteriormente, para Hall (1990) a identidade cultural é construída
em dois sentidos, o primeiro na semelhança e o segundo na diferença. A identidade cultural no
primeiro sentido diz respeito a uma cultura compartilhada, isto é, pessoas que possuem
contextos históricos, traços culturais, ancestralidade compartilhadas em comum. “A identidade
83

cultural reflete nas experiências históricas comuns e códigos culturais compartilhadas que nos
fornecem, como um povo, com quadros estáveis, imutáveis e contínuos de referência e
significado” (HALL, 1990, p.223).
O segundo sentido de identidade cultural identifica que existe a semelhança no processo
de construção de identidade, mas também existe a diferença. E a diferença é ponto significativo
na constituição de sabermos quem somos e o que nos tornamos, além disso, as rupturas,
fragmentações e descontinuidades constituem o ser. “As identidades culturais são pontos
identificação instáveis de identificação ou sutura, que são feitas, dentro dos discursos, da
história e da cultura” (HALL, 1990, p.226).
Conforme aponta Lima (2008), culturas podem ser entendida como padrões
compartilhados de comportamentos, valores, práticas que se adquire por meio de interações
sociais. E esses padrões comuns compartilhados contribuem tanto no reconhecimento de
membros de um determinado grupo quanto os diferenciam de outros.

Cultura é vista como algo que é transmitido de geração em geração; é


conhecimento de mundo que capacita as pessoas a verem as coisas de certa
maneira; é um sistema de signos em que a visão de mundo é compartilhada
por meio do processo de interação humana; é um sistema de mediação em que
o processo de interação física e social se realiza por meio dos instrumentos
construídos pelo homem (LIMA, 2008, p.91).

Sobre esse assunto, discorreu Sonia Nieto (2010)

A cultura é complexa e intrincada; inclui conteúdo ou produto (o que da


cultura), processo (como é criado e transformado) e os agentes da cultura
(quem é o responsável por criá-lo e mudá-lo). A cultura não pode ser reduzida
a feriados, comidas ou danças, embora estes sejam, é claro, elementos da
cultura. Essa definição também deixa claro que todos têm uma cultura porque
todas as pessoas participam do mundo por meio de relações sociais e políticas
informadas pela história bem como por raça, etnia, idioma, classe social,
gênero, orientação sexual e outras circunstâncias relacionadas à identidade e
experiência (NIETO, 2010, p.136).

Assim, percebe-se que essa unidade apresenta alguns momentos de reflexão ao


questionar sobre a temática identidades e ao expor que as identidades dos sujeitos são múltiplas
e diversas, mas no que diz respeito a atividade que representa a identidade indígena existe uma
ausência por parte do autor da obra didática de proporcionar problematização acerca da
diversidade da identidade cultural dos povos originários. Ademais, é perceptível que nessa
atividade mais uma vez o organizador do livro didático apenas promove a imagem do indígena
84

a fim de relacionar com o tema principal da unidade sem fazer conexão com o contexto dele
nos dias atuais. Além disso, a atividade não explora questões sobre preconceito, discriminação
e exclusão que são a base para ocasionar práticas genocidas, visto que os povos originários têm
constantemente sofrido essas condutas pela sociedade pelo simples fato de autoafirmar suas
identidades.
Apesar do organizador da obra didática buscar construir e representar uma identidade
indígena antiessencialista e descentrada por visibilizar a tradição, cultura, os valores e
conhecimentos desses povos, o autor perde a oportunidade de mostrar na unidade a
representação da identidade dos indígenas como coletividade, como diferentes povos e como
diferentes sujeitos, que em todos esses casos as identidades são plurais e dinâmicas. Então,
devido à intenção do autor do livro didático de construir e representar a identidade dos povos
originários por meio da escolha daquela imagem na abertura da unidade, bem como pela
maneira que propõe desenvolver a atividade resulta na formação de uma identidade ameríndia
estereotipada, essencialista e imutável do que uma identidade indígena contemporânea.
Figura 14 – Imagem da identidade indígena

Fonte: (Voices plus, 2016, V.1, p.94)

Diante disso, podemos notar que a depender do aspecto escolhido pelo espectador no
processo de identificar a identidade cultural dos povos indígenas pode apresentar alguns dos
aspectos das práticas coloniais. Por consequência de uma imagem idealizada, fantasiada e
romantizada pelos projetos coloniais, a construção da identidade indígena é frequentemente
relacionada ao passado e a um contexto estático e inalterável (GONZAGA, 2021). Desse modo,
pela forma como a unidade representa a identidade indígena na abertura da unidade pode levar
85

a imaginação fetichista do espectador a construir e representar a identidade cultural indígena de


forma romantizada, fictícia e inacessível, ou seja, baseada em um status de um indígena “puro”.
Para Gonzaga (2021), essa representação de um indígena “real”, “verdadeiro”, “puro”
construído pelas políticas públicas governamentais, pela literatura e pela mídia nada mais é do
que uma maneira de invalidar e invisibilizar os indígenas contemporâneos que são diferentes
dessa imagem fictícia e também diferentes entre si, a chamada heterogeneidade cultural. “É
relevante recordar que há uma imensa diversidade de status indígenas, das quais o ‘habitar a
mata’ é somente uma” (GONZAGA, 2021, p.18). “As culturas são diferentes, as pessoas acham
que os povos indígenas são todos iguais quando na verdade cada um tem sua própria cultura,
própria autonomia, sua própria história” (SURUÍ, 2021). Posto isto, é notável que são essas
poucas características essencializadas, projetadas e fixadas a identidade ameríndia que pode
conduzir a escolha do espectador no momento de identificar quais aspectos da identidade
cultural indígena pode ser vista na figura do início da unidade.

3.2.2 VOICES PLUS VOLUME 2

A primeira representação da identidade indígena é identificada na unidade 2, intitulada


Artistic manifestations, na abertura da unidade e na seção Contextualization das páginas 48 e
50. A proposta da unidade é discutir assuntos que estejam relacionados a manifestação artística,
arte e globalização. O autor apresenta na abertura da unidade diversas imagens que demonstram
diferentes produções artísticas que representam a diversidade cultural de um povo e a sua arte.
A intenção da unidade é fazer com que os estudantes reconheçam as diversas manifestações
artísticas produzidas por diferentes culturas que se tornam acessíveis ao redor do mundo devido
ao processo de globalização. Ademais, a unidade proporciona alguns momentos de reflexão por
mostrar que as produções artísticas não se limitam a uma cultura ou um povo que foi produzida,
mas que se torna acessível ao mundo inteiro através de museus, exposições online, escritos e
traduções para diversas línguas etc.
86

Figura 15 – Seção Contextualization página 48

Fonte: (Voices plus, 2016, V.2, p.48)

Logo depois do início da unidade, na seção Contextualization, como já foi anteriormente


conceituada, o autor da obra didática solicita que os discentes façam leitura das imagens na
abertura da unidade das páginas 48 e 49 e discutam em grupos as questões da atividade um. O
que as imagens na abertura da unidade representam? (What do they represent?); Como você
definiria arte? (How would you define “art”?); em sua opinião, todo mundo pode fazer arte? (In
your opinion, can anybody do art?); E para que serve a arte? (What is art for?). Nessa atividade,
o organizador propõe que os estudantes reflitam sobre o conceito de arte e utilizem de seus
conhecimentos de mundo para desenvolver a discussão em grupo. É importante mencionar que
as respostas das questões são pessoais e podem variar a depender dos contextos sociais,
históricos, específicos e culturais dos alunos (HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN,
1996; MIZAN, 2012).
Após a discussão em grupo, o item dois recomenda que os aprendizes leiam os trechos
abaixo que apresentam diferentes pontos de vista sobre o conceito de arte. E a partir dessa
leitura, os alunos verifiquem se suas respostas que foram discutidas anteriormente são
diferentes ou similares dos trechos. Os trechos são citações de filósofos e autores retirados do
site Good Reads. Os links informados abaixo das citações são acessíveis. Então, o autor do livro
didático mantém a ideia central dos fragmentos que apresentam a definição do que é arte. Ainda
87

mais, o produtor tem a intenção de mostrar que não existe um único pensamento para definir o
que é arte, mas diferentes pontos de vista. Desse modo, nesses trechos, o autor tem como
objetivo apresentar aos estudantes que não existe apenas um significado para conceituar o que
é arte, mas, sim, infinitas possibilidades de definições.
Segundo Naine Terena (2021), para os povos indígenas não existe a possibilidade de
conceituar arte através de um único entendimento, pois cada povo tem seu conhecimento de
arte e de artista.

Não existe uma separação do que seria a arte e a vida entre os povos indígenas,
porque tudo acontece dentro de um mesmo contexto, dos mesmos fazeres. Isso
também faz parte de uma educação da convivência com o outro. O que é arte
entre os povos indígenas? Tem dito para muitas pessoas que não tem como
categorizar a arte indígena a partir de um único pensamento, porque cada povo
tem seu entendimento de arte e de artista. Uma jovem ensinando uma criança
a fazer uma saia, isso é arte para nosso contexto. Como também uma pessoa
sentada debulhando o milho para alguns povos isso também é um processo de
arte. Temos entendimento de que esses fazeres englobam e fazem parte de
contexto de produção artística, de sentido, de produção estética, de fazeres que
não se desconectam de outros segmentos da vida (TERENA, 2021).

Sobre o assunto, explanou Jaider Esbell (2021)

A arte indígena para nós está essencialmente no dia a dia, na comunidade, na


coletividade, nas práticas que transcendem uma habilidade manual ou oral.
Pressupõe todo um composto de vida, onde a arte maior é esse viver
harmônico com o ambiente, isso que o ocidente já separou como natureza 18.
A arte tem sido esse ponto de encontro, o que eu chamo de uma preparação
para que a gente talvez consiga de fato dialogar em nível de igualdade mínima
não mais sendo visto como exótico ou como um conhecimento menor ou como
um conhecimento que ficou no passado e que não tem utilidade nesse
momento (ESBELL, 2021).

Na questão três solicita que os alunos relacionem as imagens da abertura da unidade


com as manifestações artísticas correspondentes. Logo abaixo da questão, o autor do livro
didático apresenta uma lista com nomes que correspondem as manifestações artísticas. Os
alunos precisam fazer uma leitura das imagens para conseguir pontuar os nomes das artes que
já são definidas no exercício. Essa atividade não propõe trabalhar em grupos ou até mesmo
discutir o que as imagens representam. Dessa forma, a atividade é bastante simples, não
promove debate e proporciona pouca reflexão, visto que as nomeações são repostas já

18
Conforme já discutido no capítulo anterior, segundo Viveiros de Castro (2004), no pensamento ameríndio os
animais e outros seres que povoam o universo veem os humanos como animais e veem a si próprios como
humanos. Essa concepção está relacionada a ideia de que os corpos de cada espécie são um tipo de roupa que
esconde a essência humana, que dificilmente pode ser visível para outros seres, a não ser para a própria espécie.
88

predeterminadas. É perceptível que somente no momento que é solicitado a leitura das imagens
a atividade pode desenvolver consciência crítica dos alunos, pois é no processo de construção
de significados que utilizam de seus contextos sociais, culturais, históricos, específicos etc.
(HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996).
Figura 16 – Arte indígena

Fonte: (Voices plus, 2016, V.2, p.48)

Assim, nota-se que a unidade apresenta alguns momentos de reflexão ao mostrar que as
produções artísticas estão cada vez mais acessíveis ao redor do mundo por causa do processo
de globalização. Além disso, essa unidade propõe refletir acerca da existência de diferentes
perspectivas, e não de um pensamento único, para definir o que é arte. No que se refere à
atividade que representa a identidade indígena, o autor da obra didática não tem a preocupação
de promover problematização e reflexão nos itens, visto que nesse exercício apenas é solicitada
a leitura das imagens e depois pede para relacionar com as descrições já pré-determinadas.
Ademais, é perceptível que nessa atividade mais uma vez o organizador do livro didático
somente promove a imagem do indígena para relacionar com a temática central da unidade.
Assim como perde a oportunidade de trazer informações sobre a arte indígena e como os povos
ameríndios conceituam a arte, para mostrar que tanto a produção artística quanto sua definição
podem mudar de etnia para etnia ou até mesmo modificar de cultura para cultura. Então, a forma
como o organizador da obra didática apresenta a imagem da arte indígena no início da unidade
–– fundamentado em uma única visão de identidade ameríndia –– manifesta uma exaltação da
89

diferença, um mero exotismo da cultura, o chamado multiculturalismo 19 folclórico discutido


por Canen (2007), que enaltece o pluralismo cultural limitando-o apenas a aspectos exóticos
das identidades culturais, como, por exemplo, recitas típicas, dias festivos etc., sem considerar
a dinâmica, a hibridização e os conflitos das identidades.
Embora o autor do livro didático tenha a inquietação de construir e representar uma
identidade indígena contemporânea, a maneira como ele propõe trabalhar a atividade, sem
problematização e por apresentar uma única categoria da arte indígena sem considerar a
complexidade da heterogeneidade cultural dos povos ameríndios, resulta, assim, em uma
construção e representação da identidade indígena como genérica, fictícia, do passado. Diante
dessas informações, essa atividade apresenta aspectos das práticas coloniais por escolher
representar a arte indígena relacionada a esse tipo de exercício que não promove reflexão e
reforça uma identidade ameríndia estereotipada, romantizada e inacessível, ou seja, baseado em
uma única concepção do “ser indígena”
Sobre a identidade indígena contemporânea, expôs Daniel Munduruku (2021a)

Somos seres da contemporaneidade. A maioria das pessoas quando falam de


povos indígenas ou do índio genérico, elas tendem a pensar no passado. O
povo indígena é um povo do presente, o passado para nós serve como uma
espécie de empurrão, impulso para que a gente possa viver melhor o presente.
E as populações indígenas têm demostrado isso o tempo inteiro através da
própria resistência ou através da própria existência que a gente vai fazendo,
vai criando instrumentos. Inclusive para mostrarmos para as pessoas que nós
somos seres do presente, seres do agora, vivendo nesse mesmo mundo com
esses mesmos conflitos e nós estamos aprendendo o tempo inteiro a utilizar
essa linguagem a nosso favor (MUNDURUKU, 2021a).

De acordo com Gonzaga (2021), a identidade e o pertencimento étnico não pode ser
entendido como conceitos fixos e estáticos, mas como processos dinâmicos de formação social
e individual. Sobre esse tema, conforme já discutido anteriormente, explanou Daniel
Munduruku (2020)

19
Para Viveiros de Castro (2004), o perspectivismo ameríndio não é um multiculturalismo, que pressupõe uma
multiplicidade de representações parciais e arbitrárias, mas um multinaturalismo que propõe “uma unidade
representativa ou fenomenológica puramente pronominal, aplicada indiferentemente sobre uma diversidade real”.
Assim, segundo o autor, nessa perspectiva os seres humanos e não-humanos veem o mundo da mesma forma,
“uma só ‘cultura’”, o que muda é a consciência de cada espécie, “múltiplas ‘naturezas’”. Então, os animais usam
de princípios e valores semelhantes aos dos humanos porque seus mundos, como o dos humanos, vivem em função
da pescaria, caça, comida e das bebidas. Além disso, os animais veem coisas diversas como os humanos, mas essas
coisas são vistas diferentemente porque os corpos dos não-humanos são diferentes dos humanos. “O que para nós
é sangue, para o jaguar é cauim; o que para as almas dos mortos é um cadáver podre, para nós é mandioca
fermentado; o que vemos como um barreiro lamacento, para as antas é uma grande casa cerimonial” (VIVEIROS
DE CASTRO, 2004, p. 239-240)
90

Vivemos em um país multiétnico, multicultural. E essa multiculturalidade é


impossível pensar numa única identidade. O Brasil é uma nação de muitos
“Brasis”. É um lugar da diversidade étnica, da diversidade linguística, da
diversidade cultural. Nós somos um país que foi constituído de diferentes
povos e culturas que formou essa identidade híbrida que nós carregamos. E
essa identidade precisa poque ela não está acabada, ela está sempre em
constante formação (MUNDURUKU, 2020).

Para Gonzaga (2021), essa imagem fantasiada dos povos ameríndios, isto é, essa visão
construída pelo senso comum de um indígena puro, verdadeiro e originário não condiz com os
povos indígenas da realidade. Isso porque os povos indígenas contemporâneos são diferentes
dessa figura idealizada e também entre si mesmos, sendo caracterizados pela sua
heterogeneidade cultural e pelos seus projetos diversificados (GONZAGA, 2021). Segundo
Adichie (2009), o problema da criação de uma única história não é somente caracterizado pela
produção de estereótipos, mas também de tornar essa única história como um fato real. Isto é,
apresenta um povo ou cultura com uma determinada característica, que logo em seguida é
repetida, e depois fixada.

A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que


eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história
torna-se a única história. Claro, África é um continente repleto de catástrofes.
Mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E é muito importante, é
igualmente importante, falar sobre elas. Eu sempre achei que era impossível
relacionar-me adequadamente com um lugar ou pessoa. A consequência de
uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o
reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como
nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes (ADICHIE, 2009).

Sob o mesmo ponto de vista, Gonzaga (2021) afirma que não se deve identificar quem
é indígena ou não a partir de uma única concepção, pois esse pensamento é preconceituoso,
discriminatório e excludente. Embora exista uma grande diversidade cultural entre as
comunidades indígenas, ainda é muito comum o conceito de que os verdadeiros indígenas são
aqueles que não foram aculturados, que vivem em florestas, andando nus, com uma pena na
cabeça, usando arco e flecha e morando em uma oca. “Como se sua cultura fosse um bem
permanente, estático e que não se alterasse com a passagem temporal com os ditos progressos
sociais” (GONZAGA, 2021).

3.2.3 VOICES PLUS VOLUME 3


91

A primeira representação da identidade indígena é identificada na unidade 2, intitulada


Education and work, na abertura da unidade e na seção Contextualization das páginas 56 e 57.
A primeira representação da identidade indígena é identificada na unidade 2, intitulada
Education and work, na abertura da unidade e na seção Contextualization das páginas 56 e 57.
A proposta dessa unidade é discutir assuntos que estejam relacionados a educação e o mercado
de trabalho. Na abertura da unidade são apresentadas várias imagens que mostram os diferentes
tipos de trabalho e instâncias da educação que representam as particularidades culturais e
profissionais. A intenção da unidade é fazer com que os discentes percebam e reconheçam as
diferentes possibilidades no mundo do trabalho e no âmbito educacional devido às
especificidades locais, culturais e profissionais. Ademais, a unidade proporciona momentos de
inquietação por evidenciar que o processo educacional não só acorre em ambientes de
aprendizagem institucionalizadas, como também ocorre nas diversas interações sociais, família,
comunidade, amigos etc.
Figura 17 – Seção Contextualization página 57

Fonte: (Voices plus, 2016, V.3, p.57)

Após a abertura da unidade, que apresenta diferentes possibilidades de trabalhos e


instâncias de educação que representam as peculiaridades culturais e profissionais, o autor
introduz a seção Contextualization na página 57, que já foi explicada nas unidades anteriores.
92

Para introduzir o assunto que será discutido nessa unidade, Education and work, o organizador
da obra didática inicia a seção Contextualization sugerindo que os alunos leiam o título da
unidade e respondam o que vem em suas mentes quando pensam sobre educação e trabalho?
(Read the title of this unit. What comes to your mind when you think about education? What
about work?). Nessa atividade, o autor propõe que os estudantes reflitam sobre a temática
educação e trabalho e utilizem de seus conhecimentos de mundo e prévios para conseguir
responder à questão. É importante salientar, mais uma vez, que as respostas das questões são
pessoais e podem variar a depender dos contextos sociais, históricos, específicos e culturais dos
alunos (HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; MIZAN, 2012).
Depois da reflexão desenvolvida no item anterior, o item dois solicita que os estudantes
façam a leitura das imagens da abertura da unidade nas páginas 56 e 57. E em seguida, observe
os diversos elementos apresentados nas figuras. “In pairs, explore the pictures. What
observations can you make about each of them?”. Essa atividade propõe trabalhar em duplas,
bem como discutir o que as imagens representam. Então, os alunos ao fazerem as leituras das
figuras, podem observar os diferentes elementos que compõem as imagens, como, por exemplo,
os diversos tipos de trabalhos, trabalhos voluntários, carpinteiro, tarefas domésticas etc. as
diversas instâncias educacionais, educação escolar indígena, escola de ensino técnico etc.
Assim como as especificidades locais, culturais e profissionais que podem ser notadas nos
costumes, nas tradições, nas vestimentas, nos adereços, nas decorações, nos ambientes e entre
outros aspectos. Dessa forma, a atividade busca ser significativa, no entanto, não promove
problematização e proporciona pouca reflexão, posto que apenas solicita a leitura das imagens.
Em relação à imagem na abertura da unidade que representa a educação escolar
indígena, Luciano (2006) afirma que a educação indígena envolve processos diferentes da
educação escolar indígena. A educação indígena diz respeito aos modos próprios de transmissão
e produção dos conhecimentos dos povos ameríndios, em contrapartida a educação escolar
indígena relaciona-se aos modos de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos
ameríndios e não ameríndios por meio da instituição escolar. A educação escolar indígena
quando é apropriada pelos povos indígenas e voltada para suprir às suas necessidades, pode ser
um recurso de fortalecimento das culturas e das identidades indígenas e uma possível via de
conquista da “sonhada” cidadania, “entendida como direito de acesso aos bens e aos valores
materiais e imateriais do mundo moderno” (LUCIANO, 2006, p.129).
93

Figura 18 – Educação escolar indígena página 57

Fonte: (Voices plus, 2016, V.3, p.57)

De acordo com Munduruku (2012), a educação para os povos indígenas é um processo


essencial para a formação do ser humano e inicia-se na fase da infância. A criança é ensinada a
conviver com as pessoas e com o ambiente de forma integrada e não separada, com o intuito de
se perceber como parte do ambiente e não alguém que o explora economicamente. Mas explora
no sentido de se integrar com esse ambiente para que possa conviver de forma maravilhosa e
humana.

A educação indígena, a educação que a criança indígena recebe na sua própria


comunidade não precisa de material didático. O material está dado pela
própria natureza. A criança aprende a partir daquilo que ela está vendo,
daquilo que ela explora enquanto conhecimento, daquilo que ela utiliza para
seu crescimento. Porque a educação não é algo que se dá de uma vez, é um
processo (MUNDURUKU, 2012).

Sobre esse assunto explanou Baniwa (2021)

A educação para os povos indígenas é uma educação que tem que ser diferente
dos não índios. Tem que contemplar as suas cosmologias, as suas filosofias,
os seus modos de vida, suas línguas. Nós não somos da língua portuguesa,
cada povo tem sua língua. Então, essa ideia que nossa educação tem que prezar
pela língua portuguesa porque somos um país que só tem uma língua oficial,
isso não é verdade. Nois temos ainda 180 línguas indígenas (BANIWA, 2021).

Nos tempos pandêmicos, o processo educativo, a educação institucionalizada, tem


necessitado que os estudantes tenham acesso a aprendizagem via internet. No caso dos povos
indígenas, segundo Txaí Suruí (2021), a educação escolar nas comunidades indígenas tem sido
afetada pela questão da pandemia, pois muitas aldeias possuem conexão à internet, porém, não
94

possuem internet de qualidade em comparação com a da cidade. Como consequência desse


cenário, os povos indígenas se distanciaram cada vez mais da educação escolar, mas a educação
indígena continuou sendo ensinada para as crianças, ou seja, continuou a produção e a
transmissão dos conhecimentos sobre a vida e sobre o mundo (LUCIANO, 2006; SURUÍ,
2021).
Embora a unidade busque desenvolver alguns momentos de reflexão por demonstrar as
diversas possibilidades do mundo do trabalho e do ambiente educacional por causa das
particularidades locais, culturais e profissionais, a atividade que representa a identidade
indígena pontua o tema da unidade de forma rasa sem aprofundar em questões problemáticas
da atualidade. Em outras palavras, o exercício apenas solicita para ler e debater as imagens da
abertura da unidade que representam o âmbito educacional ou do trabalho sem promover
problematização e reflexão nos itens.
Novamente, nessa coleção, o autor da obra didática somente promove a imagem do
indígena para relacionar com a temática principal da unidade. Além disso, é perceptível que ele
também perde a oportunidade de trazer informações a respeito da educação escolar indígena e
educação indígena, que possui nomes semelhantes, mas caracteriza processos diferentes. Como
também não tem a preocupação de mostrar indígenas contemporâneos ocupando vários espaços
e lugares no ambiente profissional, como, por exemplo, professores, advogados, médicos,
enfermeiros, jornalistas etc., que são considerados como cargos não apropriados para os povos
ameríndios, segundo o senso comum, por acreditar que por ter acesso a esses bens eles estão
“perdendo” sua cultura. Ademais, o organizador do livro didático não traz representações de
educadores indígenas, como Daniel Munduruku, Márcia Kambeba, Eliane Potiguara etc., que
estão na contemporaneidade reivindicando e lutando pelos seus direitos por meio de seus
trabalhos, pesquisas e obras literárias.
Entretanto, é notório que o autor visa à construção e representação da identidade
indígena do presente, mas a maneira como ele promove a imagem do indígena e desenvolve a
atividade, sem problematizar e mostrar a diversidade cultural dos povos originários, ocasiona o
apagamento e invisibilidade desses povos. Assim, em virtude dessa escolha de representar a
educação escolar indígena relacionada a esse tipo de atividade, podemos perceber que essa
unidade apresenta implicações coloniais pelo fato de que a intenção do autor era de construir e
representar uma identidade ameríndia contemporânea, porém acaba reforçando mais uma
identidade estereotipada, fictícia e irreal dos povos originários.
Segundo Gonzaga (2021), as identidades étnicas não possuem aspectos estáveis e fixos,
mas processos móveis e dinâmicos de formação individual e social. Por isso, não é apropriado
95

o Estado identificar e estabelecer quem é ou não indígena, pois existe uma grande diversidade
cultural dos coletivos indígenas, “das quais ‘habitar a mata’ é somente uma” (GONZAGA,
2021, p.18). Assim, conforme já foi mencionado anteriormente, é incompreensível a
conceituação de que indígenas reais são somente aqueles que vivem nus nas florestas, usando
adereços como uma pena na cabeça, apresentando arco e flecha e morando em uma oca, “como
se sua cultura fosse um bem permanente, estático e que não se alterasse com a passagem
temporal com os ditos progressos sociais” (GONZAGA, 2021, p.18).
Para Munduruku (2019), tem existido uma discussão em torno da questão de definir e
estabelecer quem é ou não “índio”. Então, as pessoas por não compreenderem o assunto em
questão e por se basearem em uma história mal contada ou uma única versão de uma história
contada se consideram no direito de dizer quem pode ser e quem não pode ser indígena. Em
razão disso, é comum as pessoas possuírem pensamentos atrelados a um estereótipo de
questionar se existe índio de verdade? Se existe índio falso? Ou se existe índio puro e impuro?
Então, esses pensamentos colonizados tem conduzido os sujeitos a não entenderem a dinâmica
da cultura, das mudanças e das transformações.

Os desavisados, normalmente, pensam que aqueles que têm menos contato


são mais índios do que aqueles que tem 519 anos de contato. E que, portanto,
tiveram uma transformação identitária, lembrando que a cultura é dinâmica,
cultura se transforma, cultura muda. O dinamismo da cultura permite a gente
não ser o mesmo, a gente mudar, a gente se transformar. Mas o mais
importante é a gente continuar a ser quem nós somos, a preservar os princípios
da nossa tradição. Quando a gente fala que somos um indígena pertencente a
um povo originário, nós estamos lembrando para as pessoas que nós
pertencemos a uma tradição ancestral. As pessoas acham que pertencer a uma
tradição significa que a gente está aprisionado ao passado, quem pensa assim
não sabe nada da dinâmica da cultura, das mudanças, das transformações. Não
existe povos puros, todos os povos estão sempre em contato uns com os outros
(MUNDURUKU, 2019).

Portanto, nessa coleção, em (quase) todas as atividades, é perceptível que o autor da


obra didática busca promover a representação da identidade ameríndia a fim de relacionar com
o tema principal ou com os aspectos linguísticos e gramaticais da respectiva unidade, dando a
impressão de que esses exercícios foram apenas inseridos para contemplar as exigências do
edital do PNLD. Ademais, as tentativas disfarçadas da representação dos povos originários
propostas pelo organizador da coleção têm ocasionado em alguns momentos o apagamento da
identidade desses povos, pois a forma como ele propõe desenvolver as discussões e as questões
dos exercícios, sem proporcionar problematização sobre temas contemporâneos e sem articular
com os contextos atuais deles, pode resultar na construção e representação de uma identidade
96

indígena genérica. Além disso, a ausência de atividades mais problematizadoras e reflexivas


pode levar os alunos a ler os textos, verbais e imagéticos, a partir dos seus pontos de vista,
individuais e coletivos, sendo, portanto, suscetíveis a atribuir poucas características simples,
essencializadas, estereotipadas e fixadas a identidade dos povos ameríndios que normalmente
são construídas pelo senso comum.

3.3 COLEÇÃO LEARN AND SHARE IN ENGLISH

A segunda obra didática a ser analisada é a coleção Learn and Share in English. Essa
coleção, de acordo com os organizadores do livro, não apenas proporciona a ampliação e a
construção do conhecimento da língua inglesa, como também integra a relevância de outras
disciplinas e temas. Ademais, os autores afirmam que além da coleção Learn and Share in
English promover uma aprendizagem significativa da língua inglesa por explorar, discutir e
refletir assuntos de diversas áreas comunicativas, também busca ajudar os estudantes a serem
protagonistas da própria aprendizagem e da sua formação como cidadãos (MARQUES;
CARDOSO, 2016a, 2016b, 2016c). Essa coleção é dividida em três volumes. Cada volume, em
todas as unidades, possibilita que os alunos “compartilhem seus saberes e conhecimentos,
manifestem opiniões, reflitam criticamente aos temas, trabalhem de forma colaborativa com os
colegas e usem recursos tecnológicos para pesquisar e aprofundar esses saberes e
conhecimentos etc.” (MARQUES; CARDOSO, 2016a, 2016b, 2016c p.3). No que diz respeito
às unidades, cada unidade é estruturada pelas seções Let’s Start, Reading, Word Study,
Language Study, Listening, Speaking, Writing, Check your English, Project, as quais tem como
objetivo trabalhar com temas contemporâneos de forma contextualizada que possam dialogar
com a realidade dos alunos e que possibilitem desenvolver a criticidade por meio do
compartilhamento de seus saberes e conhecimentos, da reflexão e da manifestação de opiniões.
Além disto, a coleção informa que cada unidade apresenta um tema principal que dialoga com
temas de outras disciplinas do currículo escolar (MARQUES; CARDOSO, 2016a, 2016b,
2016c).

3.3.1 LEARN AND SHARE IN ENGLISH VOLUME 1 e 3

Apesar dos documentos oficiais da educação e o edital do PNLD de 2015 orientar que
as práticas pedagógicas e as produções de materiais didáticos busquem promover a
visibilização, a participação, o protagonismo e a heterogeneidade cultural dos povos
97

ameríndios, a coleção Learn and Share in English nos volumes 1 e 3 (MARQUES; CARDOSO,
2016a, 2016c) não evidencia nenhum elemento que representa a identidade indígena. Ainda por
cima, os autores dessa obra didática não têm a preocupação de se fundamentar nesses
documentos oficiais para construir e representar uma identidade ameríndia contemporânea,
fragmentada, descentrada, plural, híbrida, em outras palavras, uma identidade de um sujeito que
manifeste diversidade e pluralidade de práticas culturais, valores, tradições, conhecimentos,
saberes, hábitos, costumes e cosmologias etc.
Além disso, eles não apresentam informações a respeito das identidades indígenas
contemporâneas por não mostrar a complexidade da heterogeneidade cultural das coletividades,
como também por não trazer indígenas relevantes para a coletividade que reivindicam seus
direitos e denunciam violências, discriminações praticadas pelo senso comum. Assim, percebe-
se que por causa da escolha dos organizadores desses volumes de não manifestar nenhum
elemento que representa a identidade ameríndia em suas unidades acarreta, dessa forma, no
total apagamento e invisibilidade da pluralidade linguística, epistemológica e cultural desses
povos.
De acordo com Zacchi (2016b), essa circunstância pode acontecer devido à grande parte
das editoras e dos autores envolvidos na produção de materiais didáticos que adotam os critérios
do Programa Nacional do Livro Didático não porque compreendem a importância de inserir
questões relevantes como racismo, sustentabilidade, meio ambiente, direitos humanos etc., mas
pelo fato de que o PNLD é um programa do governo para as escolas públicas que engloba uma
dimensão lucrativa. Sendo assim, não é estranho perceber heterogeneidade e pluralidade nos
livros didáticos representados por grupos multiétnicos, já que o mercado comercial se apropriou
dessas dimensões para que as obras não sejam recusadas.
Sobre as obras que queiram ser contempladas no programa do PNLD, neste caso mais
especificamente de língua espanhola, explanou Márcia Paraquett (2012)

Isso significa que todas as obras que queiram ter o privilégio de ser incluídas
neste programa precisam ser produzidas a partir dos documentos que orientam
a educação brasileira, mais especificamente, a LDB de 1996 (BRASIL, 1996),
os PCN de 1998 (BRASIL, 1998) e as OCEM de 2006 (BRASIL, 2006). No
meu ponto de vista, este é o grande passo nas políticas públicas do Brasil, pois
estão colaborando para o fim do acesso a materiais desvinculados de nossas
realidades socioculturais, como aconteceu nas décadas de 1980 e 1990,
quando houve o predomínio de obras importadas da Espanha (PARAQUETT,
2012, p.390).
98

3.3.2 LEARN AND SHARE IN ENGLISH VOLUME 2

A primeira representação da identidade indígena é identificada na unidade 3


(MARQUES; CARDOSO, 2016b), intitulada Why Humanity must Unite, na seção Think About
it das páginas 60 e 61. A proposta da unidade é discutir assuntos relacionados a cultura,
diversidade cultural e estereótipo cultural que se referem a existência de diferentes identidades
culturais e modos de comportamentos que caracterizam um povo dentro da sociedade, como
também pode se referir a aspectos essencializados, simplificados e estereotipados que são
construídos para um determinado grupo social. A intenção da unidade é fazer com que os
discentes percebam as diversas práticas culturais, costumes, modos de vida, valores e crenças
adquiridas na sociedade que contribuem na construção identitária do indivíduo.
Antes de trabalhar com a atividade da seção Think About it das páginas 60 e 61, as quais
manifestam por meio de elementos verbais e visuais a representação da identidade indígena, os
autores, na seção Let’s Start da página 50, introduzem o assunto que será discutido e trabalhado
em toda unidade. A seção Let’s Start procura desenvolver o conhecimento prévio e explorar o
vocabulário a respeito do tema que será abordado na unidade por meio de atividades
(MARQUES; CARDOSO, 2016b). Para introduzir o tema que será discutido nessa unidade,
Why Humanity must Unite, os autores da obra didática iniciam a seção Let’s Start solicitando
que os discentes relacionem as palavras Cultural Diversity, Cultural stereotype, Cultural
heritage e Culture –Diversidade Cultural, Estereotipo Cultural, Herança Cultural e Cultura–
com as seguintes definições: a) The customs, arts, beliefs, social institutions, and achievements
of a particular Society, group, place, or time; –a) os costumes, artes, crenças, instituições
sociais e realizações de uma determinada sociedade, grupo, lugar ou época;– b) The existence
of a variety of cultural or ethnic groups within a Society; –b) A existência de vários grupos
culturais ou étnicos dentro de uma sociedade;– c) The legacy of physical artifacts and intangible
attributes of a group or Society that are acquired from past generations, maintained in the
present and offered for the benefit of future generations; –c) O legado de artefatos físicos e
atributos intangíveis de um grupo ou sociedade que são adquiridos de geração passadas,
mantidos no presente e oferecidos em benefício das gerações futuras– d) readily available
image of a given social group usually based on rough, often negative generalizations –d)
Imagem prontamente disponível de um determinado grupo social geralmente baseada em
generalizações grosseiras, muitas vezes negativas. E depois, transcrevam as respostas no
caderno e discutam com um colega. É importante salientar que apesar da questão possuir
99

definições já pré-determinadas, no momento da discussão, por utilizar dos conhecimentos


prévios as respostas podem ser diversas a depender dos contextos sociais, históricos, específicos
e culturais dos alunos (HALL, 1996, 2016; KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; MIZAN, 2012).
A seção Think About it busca explorar, refletir e discutir outros textos relacionados ao
tema principal da unidade, assim como trabalhar o assunto em destaque com a realidade dos
alunos (MARQUES; CARDOSO, 2016b). A seção inicia-se com uma atividade, que tem a
finalidade de informar sobre a diversidade dos povos indígenas no Brasil. A atividade solicita
que os discentes leiam o texto abaixo e em seguida responda as questões. O texto é um
fragmento apresentado com título e retirado do site Povos Indígenas no Brasil. Logo abaixo do
texto é informado o link que dá acesso ao texto original, assim como os organizadores informam
que o texto teve algumas partes adaptadas. O texto adaptado é retirado do artigo Who are they?
que retrata sobre a heterogeneidade cultural dos povos originários do Brasil.
Embora os autores retiraram algumas partes do texto original, a ideia central permanece.
Então, o texto explica que apesar do Brasil completar 500 anos em 2000 ainda permanece
ignorando a grande diversidade dos povos indígenas que vivem em seu território. Estima-se
que, quando os europeus chegaram pela primeira vez, foram mais de 1.000 denominações, com
um total entre de 2 e 4 milhões de pessoas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), nos dias atuais são 246 povos, falando mais de 150 idiomas diferentes e
somando 896.917 indivíduos.
Além disso, o texto ainda informa que o processo de colonização e constituição de novas
nações foram extremamente violentas pela extinção de povos inteiros, dizimação demográfica,
apropriações de terras, destruição de meios tradicionais de sobrevivência, desaparecimento de
identidades étnicas particulares dentro das novas formações das sociedades nacionais. Por
consequência de tanto tempo, tanta opressão e miscigenação existe um problema de
identificação, isto é, um problema em conhecer quem é ou não indígena. No caso do Brasil, a
autoidentificação étnica é o critério mais aceito. Assim, é considerado indígena qualquer
membro de um grupo de pessoas que se identificam como uma coletividade distinta da
sociedade nacional (MARQUES; CARDOSO, 2016b, p. 60).
Ademais, no canto esquerdo da página 60, os autores da obra didática inserem uma
informação adicional a respeito dos povos indígenas. No trecho explica que a nomeação “índio”
é uma consequência de um erro histórico cometido pelos primeiros Europeus que chegaram na
América e que pensavam que tinham chegado na Índia. Devido à semelhança entre os indígenas
da América do Norte, Central e Sul existe a preferência de todos serem chamados de
ameríndios.
100

Figura 15 – Seção Think About it página 60

Fonte: (Learn and Share in English, 2016, V.2, p.60)

Em conformidade com Gonzaga (2021), mesmo que o Movimento indígena na década


de 70 tenha contribuído em revelar a sociedade brasileira da existência da heterogeneidade
cultural, linguística e epistemológica entre os coletivos indígenas, o Brasil, com mais de 520
anos, ainda demonstra incompreensão e desvalorização da socio diversidade contemporânea
dos povos indígenas. Do mesmo ponto de vista, Txaí Suruí (2021) afirma que o senso comum
acredita que os povos indígenas são todos iguais, que possuem a mesma língua, o mesmo
costume, a mesma cultura. Mas, na verdade, cada povo possue sua própria cultura, autonomia
e história. “Cultura é dinâmica, cultura é viva, toda hora criamos cultura” (KRENAK, 2020).
Além disto, conforme mencionado anteriormente, compreende-se que a utilização da
palavra “índio” é preconceituosa, inadequada e inconveniente. Segundo Gonzaga (2021), a
utilização do termo “índio” pela sociedade brasileira é atribuída a significados pejorativos e
101

associada a aspectos negativos, “como o pensamento de que indígena é preguiçoso, indolente,


primitivo, selvagem, atrasado ou mesmo canibal, além do fato de ignorar toda a diversidade
presente entre os povos indígenas” (GONZAGA, 2021, p.3). No entanto, com o surgimento do
Movimento indígena nos anos de 1970, a palavra “índio” é ressignificada dentro do contexto
das coletividades indígenas, pelo fato de ter sido reproduzida exaustivamente. Então, o termo
“índio” começa ser usado como um instrumento de identificação, luta e resistência pelas
coletividades ameríndias, ao contrário da utilização do termo pelo senso comum que atribuí no
sentido do estereótipo, da desumanização (MUNDURUKU, 2018). Assim, esse processo de
ressignificar um termo não somente aconteceu dentro do Movimento Indígena, mas também de
forma semelhante dentro de outros movimentos sociais, como, por exemplo no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conforme já mencionado. Zacchi (2016c) afirma que
dentro das narrativas canônicas a utilização do termo “Sem Terra” é associada a significados
negativos e pejorativos, sendo essas pessoas representadas como preguiçosas, indolentes,
desocupadas, vagabundas etc. Porém, o MST se apropria desse termo como uma forma de
romper esses discursos e de se autorrepresentar como “Sem Terra”, ou seja, utiliza desse termo
como um instrumento de identificação.
Depois da leitura realizada no item anterior, o item dois solicita que os discentes
identifiquem as afirmativas corretas, de acordo com o texto da página 60. A questão apresenta
alternativas que expõem os possíveis assuntos discutidos no texto e que pretendem buscar a
compreensão textual. As questões são as seguintes: “The process of colonization in Brazil was
not peaceful at all. (O processo de colonização no Brasil não foi nada pacífico.); The Indigenous
peoples in Brazil have been oppressed for a long time. (Os povos indígenas no Brasil têm sido
oprimidos há muito tempo); The Indigenous peoples have faced historical injustices and have
been struggling for compensation. (Os povos indígenas enfrentaram injustiças históricas e
foram lutando por uma indenização.); Pre-Columbian populations are not considered
Indigenous. (As populações pré-colombianas não são consideradas indígenas.). Então, todas as
alternativas utilizam-se de informações do próprio texto para construir as afirmativas. As três
primeiras alternativas exibem informações a respeito da consequência do processo colonial que
os povos indígenas têm resistido e lutado no Brasil. Já a última alternativa apenas nega uma
informação presente no texto sobre as populações pré-colombianas. As alternativas exibem as
possíveis compreensões das práticas coloniais que os povos ameríndios enfrentaram e ainda
enfrentam nos dias atuais. Assim, é notório que as questões desse item não possibilitam
desenvolver discussões problematizadoras e reflexivas acerca do assunto, visto que as respostas
podem ser encontradas no texto da página 60.
102

Em seguida, no item três, pede para que os estudantes discutam as questões abaixo com
o colega. As questões apresentadas nesse item não necessitam do texto anterior para ser
respondidas, pelo motivo de ser respostas pessoais. Qual o critério para identificar um índio no
Brasil? – What’s the criterion to identify an Indigenous person in Brazil? –; Muitos brasileiros
têm algum tipo de ancestralidade indígena. Você tem algum tipo de ancestralidade indígena? –
– Many Brazilians have Indigenous ancestry of some kind. Do you have some sort of Indigenous
ancestry? ––; Existe alguma área indígena próxima à região onde você mora? ––Is there any
Indigenous area near the region where you live? ––; Os povos indígenas certamente têm o
direito de viver de acordo com suas tradições. Qual você diria que é a melhor maneira de
garantir que esse direito seja respeitado? –– Indigenous peoples certainly have a right to live
according to their traditions.What would you say is the best way to make sure that right is
respected ? ––; O que você e seus colegas podem fazer para aumentar a conscientização sobre
os direitos dos povos indígenas no Brasil? –– What can you and your classmates do to raise
awareness of the rights of the Indigenous peoples in Brazil? ––. Nessa atividade, os
organizadores propõem que os discentes desenvolvam discussões no que se refere aos povos
ameríndios e não a respeito da existência da heterogeneidade cultural desses povos.
Assim, é notório que essa atividade que representa a identidade indígena, da mesma
forma que as atividades da coleção anterior, não possibilita problematização e reflexão nas
alternativas. Os itens utilizam-se de informações do próprio texto para encontrar as devidas
respostas e quando os autores da obra didática têm a possibilidade de promover discussão e
questionamento a respeito da diversidade cultural, linguística e cosmológica dos povos
originários, as questões são simplistas e superficiais não proporcionando problematização sobre
temas relevantes e problemáticos presentes na sociedade contemporânea.
Dessa forma, os organizadores do livro didático perdem a oportunidade de explorar
questões sobre preconceito, discriminação, estereótipos culturais que os povos ameríndios
vivenciam constantemente pelo fato deles se identificarem como pertencentes as coletividades
indígenas. Embora a atividade apresenta informações sobre a diversidade cultural indígena
retirada do texto, os autores da obra didática deixam a desejar na escolha da representação
imagética dos povos originários –– que usam de vestimentas típicas indígenas –– provocando
o olhar fetichista do espectador e ocasionando, assim, a construção e representação de
identidades estáticas, generalizadas e essencializadas assentada em uma única concepção da
identidade ameríndia.
Ademais, de modo similar a coleção Voices Plus, os organizadores não aproveitam a
brecha para trazer representações indígenas em contextos atuais, ou seja, de mostrar indígenas
103

reais ocupando vários espaços e lugares na sociedade, como advogados, profissionais da saúde,
influencers, professores etc., assim como produtores rurais que lidam com a terra, pecuária e
pesca. Além disso, é perceptível que eles buscam representar a identidade indígena, mas não
têm a intenção de construir e representar uma identidade ameríndia contemporânea, ao contrário
da coleção anterior, pois a maneira como esses povos são representados nessa atividade não
articula com a situação atuais deles. Então, pelo motivo dos autores escolherem representar a
identidade dos povos originários relacionada apenas ao tema da unidade, sem promover
problematização e reflexão nas alternativas da atividade, podemos perceber que suas escolhas
acarretam aspectos das práticas coloniais por reforçar a formação e representação de uma
identidade indígena essencialista e imutável.
Sobre esse assunto, explanou Gonzaga (2021)

Identidade e pertencimento étnico não são conceitos estáticos e imutáveis, mas


processos dinâmicos de composição individual e social. Assim, não é cabível
ao Estado reconhecer e definir quem é ou não indígena, mas garantir que sejam
respeitados os processos individuais e sociais de construção e formação de
identidades étnicas. O grupo étnico, povo ou etnia é uma categoria de
indivíduos que se identificam entre si, usualmente tendo como base uma
genealogia ou ancestralidade compartilhada (GONZAGA, 2021, p.10).

Segundo o autor, conforme já aludido, a grande maioria das pessoas desconhecem e


desvalorizam a diversidade cultural dos coletivos indígenas por acreditarem na concepção de
que indígena “real e puro” é aquele que não teve contato com outras culturas e objetos, que vive
nu nas florestas, com pena na cabeça, possuindo adereços como arco e flecha e morando em
ocas Porém, esse conceito de ser indígena é extremamente preconceituoso e discriminatório
pela razão de que a cultura não é algo inalterável ou estático, mas é algo que se altera
constantemente devido às mudanças sociais.

Da mesma forma que podemos nos modificar, ter acesso às novas tecnologias
e contato com bens e hábitos vindos de diversos cenários, as comunidades
indígenas não precisam permanecer estáticas no tempo e isoladas para que
sejam admitidas como tais. Toda manifestação cultural é vivida e inexiste
cultura estática, seja ela do homem branco, seja oriunda dos coletivos
indígenas (GONZAGA, 2021, p18).

Conforme já mencionado anteriormente, para Munduruku (2019, 2021a), quando a


sociedade brasileira fala sobre os povos indígenas tende a associar a imagem de um indígena
genérico ou do passado. No entanto, essa concepção é incabível, os povos ameríndios são seres
do presente, seres do agora, seres da contemporaneidade. Então, as pessoas que não
104

compreendem o dinamismo da cultura, normalmente, idealizam que o indígena por possuir um


curso superior ou por usar objetos materiais como Hilux ou iphone são considerados menos
indígenas do que os que vivem na floresta.

Aquelas pessoas que acham que existem índios mais civilizados que outros ou
que existam índios puros sem contato e, portanto, são mais índios que os
outros, essas pessoas estão repetindo um equívoco que foi sendo construído
na cabeça delas. Nós não temos o direito de julgar o outro, de querer que o
outro seja o que sou ou de achar que o outro por viver do jeito que ele vive,
dentro das condições que ele tem que ele perdeu a sua identidade
(MUNDURUKU, 2019).

Para o autor, esse pensamento colonizado, infelizmente, não compreende a dinâmica da


cultura, da mudança e da transformação. E quando esses povos declaram que pertencem a um
povo originário, não quer dizer que são puros ou que estão presos a um passado, mas eles estão
lembrando para os indivíduos que pertencem a uma tradição ancestral. Sendo assim, não existe
povos indígenas puros, pela razão de que estão sempre em interação com outras culturas,
saberes e tradições.
De acordo com Adichie (2009), as diferentes versões de uma única história produzem
estereótipos sobre uma determinada pessoa ou povo que ao serem repetidas exaustivamente
tornam-se essa única história como definitiva. “A consequência de uma única história é essa:
ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada
difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos iguais” (ADICHIE, 2009).
Logo, a figura projetada do indígena originário, purificado, idealizado, a qual confirma o status
de indígena “real”, produzido pela grande mídia, pela sociedade e pelas políticas
governamentais não faz mais sentido. No entanto, essa representação de um indígena genérico,
que está sempre preso a um passado e a um contexto fixo em nenhum momento existiu. Os
povos ameríndios reais são diferentes dessa imagem fictícia e entre si, lutam e militam a favor
de projetos diferenciados para revelar sua heterogeneidade cultural e a própria dinâmica das
comunidades indígenas (GONZAGA, 2021).
Ainda no mesmo volume, podemos identificar a segunda representação da identidade
indígena na unidade Check your English da página 79. A proposta da unidade é revisar
conteúdos estudados a cada quatro unidades por meio de práticas estratégicas de leituras e
preparar os estudantes para o Exame Nacional do Ensino Médio na parte “De Olho no Enem”
(MARQUES; CARDOSO, 2016b). Nessa unidade, no item nove, apresenta uma atividade que
manifesta por meio de elementos verbais e visuais a representação da identidade ameríndia. A
105

atividade tem o objetivo de informar sobre a heterogeneidade linguística dos povos indígenas
no Brasil. Essa atividade solicita que os discentes façam um escaneamento do texto, ou seja,
sugere uma leitura mais específica para buscar informações objetivas e em seguida responder
as questões. O texto é um fragmento apresentado com título e retirado do site Povos Indígenas
no Brasil. Logo abaixo do texto é informado o link que dá acesso ao texto original, assim como
os autores informam que o texto teve algumas partes adaptadas. O texto adaptado é retirado do
artigo Languages que retrata a diversidade de línguas que são faladas pelos povos originários
no Brasil nos dias atuais. Apesar dos organizadores retirarem algumas partes do texto original,
a ideia central permanece. Assim, o texto explica que atualmente, no Brasil, são mais de 150
idiomas e dialetos falados pelos povos indígenas. Antes da chegada dos portugueses, somente
nas terras brasileiras eram aproximadamente 1.000 idiomas.
Figura 16 – Seção Check your English página 79

Fonte: (Learn and Share in English, 2016, V.2, p.79)

Além disso, no texto dessa atividade informa que no processo de colonização do Brasil,
a língua Tupinambá, a mais falada ao longo da costa, era adotada por muitos colonos e
missionários, ensinados aos indígenas nas missões e reconhecidos como língua geral. Além
disso, muitas palavras de origem tupi fazem parte do vocabulário dos brasileiros, como também
106

as línguas tupis influenciaram o português falado. Por existir uma interação entre os povos, as
línguas indígenas não existem isoladamente e mudam constantemente. Então, além dessas
influências, as línguas têm entre si origens comuns. Elas fazem parte de famílias linguísticas,
que podem fazer parte de uma divisão maior, o ramo linguístico. No Brasil existem muitos
povos indígenas que podem falar ou compreender mais de um idioma e não é raro encontrar
aldeias onde várias línguas são faladas. Entre essa diversidade, no entanto, apenas 25 povos
contam com mais de 5.000 falantes de línguas: Apurinã, Ashaninka, Baniwa, Baré, Chiquitano,
Guajajara, Guarani (Guarani Ñandeva/Guarani Kaiowá/Guarani Mbya), Galibi do Oiapoque,
Ingarikó, Kaxinawá, Kubeo, Kulina, Kaingang, Kayapó, Makuxi, Munduruku, Sateré-Mawé,
Taurepang, Terena, Ticuna, Timbira, Tukano, Wapixana, Xavante, Yanomami, Ye’kuana.
Portanto, conhecer esse vasto repertório tem sido um desafio para os linguistas. Mantê-lo vivo
tem sido o objetivo de muitos projetos de educação escolar indígena (MARQUES; CARDOSO,
2016b, p. 79).
Logo após o texto, no item nove, temos as seguintes questões: a) Number of languages
and dialects currently spoken by indigenous peoples in Brazil. (Número de línguas e dialetos
falados atualmente pelos povos indígenas no Brasil.); b) Approximate number of languages and
dialects spoken by indigenous peoples in Brazil before the year 1500. (Número aproximado de
línguas e dialetos falados pelos indígenas no Brasil antes do ano de 1500.); c) The most widely
spoken Indigenous language along the Brazilian coast. (A língua indígena mais falada na costa
brasileira.); d) The name of five Indigenous peoples in Brazil. (O nome de cinco povos
indígenas no Brasil.); e) The goal of many projects of Indigenous school education in Brazil.
(O objetivo de muitos projetos de educação escolar indígena no Brasil.). Assim, novamente, as
alternativas dessa coleção utilizam de informações do próprio texto para construir os itens. As
três primeiras questões manifestam informações a respeito da diversidade linguística dos povos
indígenas tanto antes do período colonial quanto depois. Já as duas últimas informam sobre as
etnias dos povos indígenas e a preocupação dos projetos de educação indígena em manter as
línguas vivas. As alternativas exibem as possíveis compreensões da grande diversidade de
línguas e dialetos falados pelos povos ameríndios no Brasil. Logo, os discentes para responder
as questões precisam usar de práticas de estratégias de leitura para conseguir buscar
informações específicas.
Em seguida, na questão dez, solicita que os alunos leiam o texto da página 79 e
identifiquem a alternativa que não está correta. A questão apresenta alternativas que exibem os
possíveis temas discutidos no texto e que pretendem buscar a compreensão textual. As questões
são as seguintes: The Portuguese language as spoken in Brazil has been influenced by
107

Indigenous languages. (A língua portuguesa falada no Brasil tem sido influenciada pelas
línguas indígenas.); In some Indigenous villages, people speak more than one language. (Em
algumas aldeias indígenas, as pessoas falam mais de uma língua.); The Languages spoken by
the Infeginous peoples who live in isolation change constantly. (As línguas faladas pelos povos
indígenas que vivem isolados mudam constantemente.); Contact among diferente peoples, who
speak different languages, causes changes in those languages. (O contato entre povos
diferentes, que falam línguas diferentes, provoca mudanças nessas línguas.). Então, mais uma
vez, todas as alternativas usam de informações do respectivo texto para construir as afirmativas.
As alternativas exibem informações a respeito da heterogeneidade linguística dos povos
indígenas no Brasil. Apenas uma alternativa, que não é a correta, nega uma informação presente
no texto sobre os povos originários. As alternativas mostram as possíveis compreensões da
diversidade de línguas e dialetos falados pelos povos ameríndios no território nacional.
Depois da leitura realizada no item anterior, no item doze, pede para que os discentes
discutam a questão abaixo com os colegas. A questão apresentada nesse item não necessita do
texto da página 79 para ser respondida, pelo motivo de possuir resposta de cunho pessoal. A
questão é a seguinte: Indigenous peoples have deeply influenced the formation of Brazilian
society. Can you notice any aspects os Indigenous language, culture or ways of life in the region
where you live? (Os povos indígenas influenciaram profundamente a formação da sociedade
brasileira. Você consegue notar algum aspecto da língua, cultura ou modo de vida indígena na
região onde você mora?). Os autores da obra didática sugerem que os professores incentivem
os alunos a discutir a respeito da influência dos povos ameríndios na formação da sociedade
brasileira, não apenas no que se refere à miscigenação, mas também a aspectos culturais, por
exemplo, a sua relação com a natureza, o respeito aos ancestrais e aos mais velhos, dignidade,
rituais, medicina, a língua etc. Então, nessa atividade, apesar dos organizadores proporem que
os discentes discutam sobre a influência da diversidade cultural dos povos indígenas na
formação da sociedade brasileira, eles não conseguem promover problematização nessa questão
ficando a cargo dos professores desenvolverem a discussão do assunto.
Então, novamente, a atividade dessa coleção apenas usa das informações do texto para
encontrar as respostas corretas, assim como trabalha com estratégias de leitura –– compreensão
leitora –– sem a intenção de promover criticidade e reflexão a respeito de assuntos da
atualidade. Além disso, os autores da obra didática não aproveitam a brecha para explorar nas
alternativas acerca do processo histórico das línguas ameríndias, isto é, toda proibição e
interdição do uso dessas línguas as populações indígenas desenvolvidas pelos projetos coloniais
e pelas políticas do Estado.
108

Ademais, as informações no texto sobre a diversidade linguística dos povos originários


são apresentadas pelos organizadores do livro didático de forma romantizada e superficial, pois
apenas mostram que nos dias atuais a quantidade de línguas indígenas é bem menor se
comparado com o período antes da chegada dos europeus. Assim, eles perdem a oportunidade
de evidenciar que essa discrepância foi devido à repressão e inibição por parte das práticas
coloniais e ações do Estado que usam de mecanismos para proibir o uso das línguas indígenas
aos povos originários. E que ainda, essa pouca quantidade de línguas indígenas existentes no
contexto atual do Brasil só foi possível em virtude da luta e resistência dos povos ameríndios
frente as estratégias de discriminação e repressão por parte da sociedade.
Embora os autores da obra didática apresentem conhecimentos a respeito da
heterogeneidade linguística dos povos originários, essa unidade, mais uma vez, não constrói e
representa uma identidade indígena do presente, pois a forma como propõem desenvolver e
trabalhar as alternativas, sem promover criticidade e problematização, remete a representação
essencialista do ser indígena. Nessa perspectiva, a escolha de representar a identidade ameríndia
relacionada a esse tipo de atividade, que somente pretende contribuir em aspectos linguísticos
sem ter a intenção de proporcionar reflexão e questionamento no que se refere a temas
problemáticos, acarreta, assim, em práticas coloniais por invisibilizar e apagar todo o processo
histórico da existência da diversidade linguística indígena e por construir e representar a
identidade ameríndia fundamentada em traços essencializados, estereotipados e generalizados.
Apesar de toda a repressão e inibição que se estabeleceu as populações indígenas ao
proibir o uso da língua por meio de missões religiosas e de ações do Estado, hoje, temos mais
de 200 povos indígenas falando mais de 180 línguas, além do português, em todo o território
nacional (KRENAK, 2015). De acordo com Joenia Wapichana (2019), o processo de
colonização foi um dos principais fatores que contribuíram para a extinção das línguas
indígenas no Brasil. Anteriormente, tínhamos entre 1.200 a 1.500 línguas indígenas, nos dias
atuais, temos 305 povos e apenas 188 línguas são faladas.
No que diz respeito a esse assunto explanou Rodrigues (1986)

Falam-se no Brasil, hoje em dia, umas 170 línguas indígenas. Quantas,


exatamente, não sabemos, não só porque até hoje não se incluem nos
recenseamentos oficiais brasileiros informações linguísticas, nem
informações sobre os povos indígenas, mas também porque línguas são coisas
muito difíceis de contar, mesmo quando são bem conhecidas. Quando as
línguas são mal conhecidas, como é frequentemente o caso das línguas
indígenas brasileiras, essa situação de indefinibilidade ocorre muitas vezes: há
uma língua Tupi-guarani? Ou uma língua Tupi e uma língua Guarani? Mesmo
quando se adquire conhecimento razoável das línguas, ainda restam
109

problemas técnicos, como a definição de língua em contraposição à definição


de dialeto, a distinção entre formas antigas e modernas do que pode ser uma
mesma língua (RODRIGUES, 1986, p.19).

Segundo Rodrigues (1986), é provável que a quantidade de falantes de línguas indígenas


no período da chegada dos primeiros europeus no Brasil fosse muito maior do que hoje em dia.
Então, o autor ainda afirma que a redução de falantes dessa língua foi causada pelo extermínio
dos povos, pelo processo de escravização, pela inibição de suas práticas culturais promovidas
pelos projetos coloniais ou até mesmo devido às epidemias de doenças infecciosas do velho
mundo. No entanto, atualmente, ainda essas 180 línguas indígenas faladas no território
brasileiro estão sendo ameaçadas de extinção, pela razão de ter uma quantidade pequena de
número de falantes, pouca transmissão aos mais jovens, poucos anciões que as dominam ou
estão ocorrendo a substituição por outras línguas majoritárias (LUCIANO, 2006). “Certos
povos indígenas já perderam suas línguas originais, adotando as de outros povos indígenas ou
mesmo o português” (LUCIANO, 2006, p.120).
Sendo assim, essa proibição das línguas indígenas promovida pelas práticas coloniais
resultou em grandes danos culturais e identitários aos povos ameríndios do Brasil, pelo fato de
que as línguas para esses povos são expressões individuais e coletivas que tem a capacidade de
compartilhar as tradições e experiências vividas dessas coletividades. Para Luciano (2006), as
línguas indígenas por serem caracterizadas pela oralidade e transmitidas de geração a geração,
elas são elementos culturais importantes para a autoafirmação identitária dos povos originários.
A exemplo disso, os nomes e os sobrenomes tradicionais, além de firmar a identidade,
manifestam a posição social que o sujeito ocupa em sua comunidade. “Desta forma, proibir a
utilização de nomes na língua indígena resulta em um profundo processo de desestruturação
social dos povos indígenas” (LUCIANO, 2006, p.124). Em concordância com Jama Perry
(2019), as línguas indígenas são importantes para autoafirmação das identidades, de se auto
reconhecer como indígenas, pois as línguas estão interligadas com a dinâmica da cultura. Não
tem como separarmos as línguas da cultura.
Embora as línguas indígenas são elementos culturais relevantes para a autoestima,
afirmação identitária, construção e transmissão dos conhecimentos tradicionais e dos novos
conhecimentos, elas não podem ser consideradas como elementos principais no processo de
identificação de um povo. A língua indígena é um dos aspectos culturais dos povos indígenas
e não o único, pois existem outros elementos que compõem a identidade indígena como as
crenças, tradições, a ancestralidade, as epistemologias, as interações com a mãe terra etc. Desse
modo, é relevante mencionar que a perda da língua por um povo não deve ser utilizada para
110

negar a autenticidade de sua identidade. Consoante Luciano (2006), esse episódio aconteceu
com os povos originários do Nordeste, por apenas utilizar a língua portuguesa para se
comunicarem, por consequência da opressão e repressão cultural promovida pelos projetos
coloniais, têm experenciado preconceito e discriminação pela sociedade, pelo Estado e pelos
próprios indígenas.
Em conformidade com Azilene Inácio (2015), era muito comum encontrar nos contextos
escolares a repreensão e proibição da utilização das línguas indígenas pelos povos ameríndios.
Porque essas línguas eram vistas pela sociedade como não verdadeiras, inferiores, vergonhosas,
assim, falar o português tornariam esses povos superiores e um passo para civilização. Ademais,
tendo conhecimento da importância da língua para os povos indígenas, os colonizadores não
mediram esforços para tornar a língua portuguesa como a única a ser reconhecida em todo o
território nacional (LUCIANO, 2006). A partir de então, a sociedade tem recusado a aceitar as
línguas indígenas como reais, sendo que não existem línguas insignificantes ou irrelevantes,
mas sim “as que são oprimidas, como foram e ainda são as línguas indígenas brasileiras”
(LUCIANO, 2006, p.123).
Nos anos de 1970, com a contribuição do movimento indigenista na luta e na resistência
das opressões praticadas pelo o Estado, o contexto do monolinguismo no Brasil começa a ser
transformado. Diante desse cenário, os povos indígenas juntos com outras lideranças lutam em
prol de seus direitos e organizam os rumos das escolas estabelecidas em suas comunidades
(LUCIANO, 2006). Outro fato importante para a alteração do monolinguismo, menciona
Luciano (2006), foi a implementação da Constituição Federal de 1988 que institui o
reconhecimento da heterogeneidade cultural dos povos indígenas, o direito de falarem suas
diversas línguas, de possuírem seus próprios processos educacionais, como, por exemplo, o
bilinguismo. Sob o mesmo ponto de vista, Krenak (2015) afirma que essa conquista foi bastante
importante para os povos originários, pois com a Constituição de 1988 estabeleceu o direito
desses povos continuar falando suas diversas línguas, de ensinar suas diversidades culturais nas
escolas e de pressionar o Estado a apoiar as suas iniciativas.

O salto histórico possibilitado pela Constituição Federal de 1988 ocasionou


uma revolução na concepção e na prática do bilinguismo no Brasil. Antes,
quem era bilíngue porque falava a língua portuguesa e a língua indígena não
podia ser índio, pois para ser índio teria que falar apenas a língua indígena.
Hoje, o cidadão índio é, em muitos casos, plurilíngue. Na longa história
colonial, aprender a falar o português significava esquecer a língua indígena,
assim como aprender a escrita objetivava acabar com oralidade. Atualmente,
os povos indígenas realizavam uma inversão dessa história: a língua
estrangeira –– o português –– é considerada uma língua a mais e a escrita é
111

expressão da oralidade, sem que isso tenha diminuído o sentimento de


pertencimento à identidade nacional, do qual manifestamente se orgulham
(LUCIANO, 2006, p.126).

Assim, nessa coleção, as atividades propostas pelos autores do livro didático buscam
construir e representar a identidade indígena para articular com o tema central da unidade ou
com os aspectos linguísticos. As atividades dessa coleção em comparação com as da coleção
Voices Plus, promove poucas questões discutíveis do conteúdo, como também possibilita
poucos momentos de os alunos utilizarem de seus pontos de vista para responder as alternativas,
visto que a grande maioria das respostas são encontradas no próprio texto não proporcionando
desenvolver nenhuma reflexão e criticidade aos discentes. Ademais, é notório que as escolhas
dos organizadores dessa obra didática na procura de construir e representar a identidade dos
povos ameríndios na unidade se baseiam, aparentemente, na perspectiva da interculturalidade
funcional (WALSH, 2009). Pois, reconhecem a diversidade e diferença cultural existente entre
os sujeitos, mas não problematizam as questões das causas da assimetria de poder e
desigualdade social presente na sociedade. Além disso, ao contrário da coleção anterior, os
organizadores dessa coleção em nenhum momento solicitam que os aprendizes façam a leitura
dos elementos imagéticos que representam a identidade indígena, dando a impressão de que
essas imagens somente foram colocadas nas atividades para dar suporte ao texto verbal. Dessa
forma, nessa coleção é mais evidente que os autores têm a preocupação de manifestar
representações da identidade indígena nas atividades apenas para contemplar as exigências do
edital do PNLD, já que em alguns de seus volumes a identidade dos povos ameríndios é
totalmente apagada e invisibilizada.

4 VOICES PLUS X LEARN AND SHARE IN ENGLISH

É possível notar que nas unidades e nas atividades das coleções Voices Plus e Learn and
Share in English os autores procuram construir e representar a identidade ameríndia, como vem
sendo proposto nos documentos oficias da educação e nos critérios do edital de 2015 do PNLD.
No entanto, a coleção Voices Plus se mostra mais ousada nas escolhas de suas representações
por buscar representar os povos originários em vários cenários sociais e por tentar desenvolver
discussões nos exercícios. No que diz respeito a essa coleção, o autor busca construir e
representar uma identidade indígena contemporânea, mas o modo como ele escolhe, na maior
parte das vezes, representar esses povos por meio de elementos verbais e não verbais
encontrados na abertura das unidades ou nas atividades, que somente têm a intenção de articular
112

com os temas principais das unidades e os conteúdos gramaticais e linguísticos, acarreta, na


verdade, em uma construção e representação de uma identidade oposta, isto é, uma identidade
indígena essencialista, como vimos, por exemplo, na unidade Artistic Manifestations do vol.2
dessa coleção. Além disso, o organizador da obra didática não explora nas alternativas questões
polêmicas de relevância social, como violência, preconceito e discriminação que os povos
originários têm passado diariamente. As alternativas, no entanto, desenvolvem discussões de
forma superficial sem aprofundar no tema ficando a cargo do professor proporcionar a
problematização, criticidade e reflexão acerca da heterogeneidade cultural dos povos
ameríndios. Ademais, a ausência de atividades mais problematizadoras e reflexivas pode levar
os alunos a ler os textos, verbais e imagéticos, a partir dos seus pontos de vista, individuais e
coletivos, sendo, portanto, suscetíveis a atribuir poucas características simples, essencializadas,
estereotipadas e fixadas a identidade dos povos ameríndios que normalmente são construídas
pelo senso comum.
Já a coleção Learn and Share in English demonstra ser mais conservadora na forma
como propõe desenvolver e trabalhar as unidades e os exercícios, promovendo poucas
atividades e questões discutíveis e nenhuma problematização e reflexão, que estão relacionadas
a representação indígena. As alternativas das atividades são produzidas a partir de informações
do próprio texto e suas respectivas respostas são encontradas nele. Assim, os elementos verbais
e imagéticos que representam a identidade indígena são apenas inseridos na unidade para
trabalhar com a temática da unidade, com as estratégias de leitura e a compreensão de textos.
No que se refere aos elementos imagéticos que representam a identidade indígena, eles somente
foram inseridos nas atividades para dar suporte ao texto escrito, contrariando as características
próprias da multimodalidade (MIZAN, 2012; ZACCHI, 2016d; FAÇANHA; LUCENA, 2020;
KRESS; LEEUWEN, 1996; THE NEW LONDON GROUP, 2000). Nessa coleção, é
perceptível que os autores da obra didática procuram construir e representar uma identidade
indígena – baseada na perspectiva intercultural funcional (WALSH, 2009), conforme já
discutido anteriormente –, mas não uma identidade ameríndia contemporânea e do presente, ao
contrário da coleção anterior, pois a maneira como esses povos são representados não articulam
com os contextos atuais deles produzindo, assim, uma identidade estática e estereotipada.
Ademais, os organizadores não têm a preocupação de trazer representações indígenas relevantes
para as coletividades ameríndias que reivindicam seus direitos e denunciam práticas violentas,
discriminatórias e preconceituosas praticadas pelo senso comum.
Apesar de apresentar propostas diferentes, as duas coleções pouco retratam indígenas
da atualidade pela forma como propõem relacionar a representação da identidade indígena com
113

os temas das unidades e as atividades, dando a impressão de que essas representações apenas
foram inseridas nos exercícios para contemplar o edital do PNLD, embora esse aspecto seja
mais visível na coleção Learn and Share in English. Em outras palavras, os autores perdem a
oportunidade de trazer informações a respeito das identidades dos povos indígenas
contemporâneos e da complexidade da diversidade cultural existente nas coletividades
ameríndias. Além disso, os autores por escolherem representar os povos originários dessa forma
reforçam a ideia de que a pluralidade se torna singularidade, ou seja, que a existência da imensa
heterogeneidade cultural dos diferentes povos tradicionais das diversas regiões do Brasil
transforma-se na simples concepção de que todo indígena é igual por construir e representar as
identidades baseadas em uma única categoria do ser ameríndio.
Segundo Gonzaga (2021), conforme já discutido anteriormente, o senso comum acredita
que o indígena de verdade, puro e originário é aquele que nunca teve interações com outras
culturas e outros modos de vida, sendo assim, projetado a figura de um indígena genérico que
é atrelado ao passado e a um contexto estável e imutável. Para o autor, essa representação
estereotipada do ser indígena não foi construída de forma inconsciente pelas políticas públicas
brasileiras. As políticas do Estado, no entanto, têm praticado ações que valorizam a figura desse
indígena fictício, idealizado e inacessível e ignoram os povos originários reais que lutam por
propostas diferenciadas, diversas e criativas.
Da mesma forma, Munduruku (2019) informa que no território nacional, tem existido
uma discussão a respeito da questão de reconhecer e estabelecer quem é ou não indígena, em
outras palavras, o corpo social tem questionado se existe indígena “puro”, “verdadeiro” ou
“originário”. As pessoas que pensam dessa maneira não compreendem o aspecto dinâmico da
cultura e acreditam que os povos indígenas que tiveram uma transformação identitária ou
contato com outras culturas são menos indígenas do que aqueles que tiveram pouca interação.
Em virtude da dinamicidade da cultura, as identidades dos sujeitos se transformam e modificam
constantemente, por isso, não tem como permanecerem o mesmo ao longo do tempo. Outro
ponto importante para mencionar do aspecto dinâmico da cultura é em relação ao significado
do termo “originário”. Então, quando os povos indígenas declaram que pertencem a um povo
originário não quer dizer que eles estão presos ao passado, mas que pertencem a uma cultura
ou tradição ancestral. Desse modo, não existe indígenas purificados, pois eles estão sempre em
interação com sociedades em condições diferentes ou semelhantes de suas práticas culturais
(MUNDURUKU, 2019).
114

Nós não somos mais ou menos indígena porque usamos um objeto de uma
outra cultura. Nós somos o que somos quando alimentamos a tradição que
mora na gente. E não importa se você fala bem o português ou fala bem o
inglês, não importa se você usa um tênis de uma marca X ou de uma marca Y,
se você anda descalço, não importa o corte de cabelo que você tem. Tudo isso
faz parte de um momento histórico que se vive (MUNDURUKU, 2019).

No Brasil, conforme os dados do Censo 2010 20, são 896.917 indivíduos que se
autodeclararam ou consideraram como indígenas, sendo que 57,7% dessas pessoas moram em
territórios indígenas oficialmente reconhecidos. Além disso, o Censo Demográfico revelou que
foram identificadas 274 línguas indígenas faladas por sujeitos pertencentes a 305 etnias
diferentes no Brasil. De acordo com Luciano (2006), são encontradas 180 línguas indígenas
distintas faladas por 222 povos étnicos diversos no território nacional. Em razão da enorme
diversidade cultural e étnica dos povos tradicionais, cada povo tem sua maneira particular de
organizar suas relações sociais, políticas, culturais e econômicas que envolvem uma visão
cosmológica manifestada por meio dos mitos e dos ritos.
Em conformidade com o autor, essa diversidade cultural dos povos originários revela
a existência da pluralidade de povos e de seus modos de vida com relação ao meio ambiente,
ao religioso e as diversas formas de organizações políticas, econômicas e sociais. Assim,
percebe-se que essas organizações culturais dos povos tradicionais mudam de povo para povo
de acordo com o tipo de relações que é determinada com o meio natural e místico, como também
variam seus locais e estilos de habitação. Tem povos que moram nas margens dos rios, nas
florestas, nas montanhas, em malocas comunitárias, nas aldeias ou até mesmo em casas
distantes das matas. Da mesma forma, que existe indígenas que cultivam as terras, outros lidam
com a pesca e ainda outros com a pecuária (LUCIANO, 2006).
Sobre a riqueza dessa diversidade sociocultural dos povos indígenas explica Luciano
(2006)

São povos que representam culturas, línguas, conhecimentos e crenças únicas,


e sua contribuição ao patrimônio mundial –– na arte, na música, nas
tecnologias, nas medicinas e em outras riquezas culturais –– é incalculável.
Eles configuraram uma enorme diversidade cultural, uma vez que vivem em
espaços geográficos, sociais e políticos sumamente diferentes. A sua
diversidade, a história de cada um e o contexto em que vivem criam
dificuldades para enquadrá-los em uma definição única. Eles mesmos, em
geral, não aceitam as tentativas exteriores de retratá-los e defendem como um
princípio fundamental o direito de autodefinirem (LUCIANO, 2006, p.47).

20
Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/20506indigenas.ht ml. Acessado
em 05 de abril de 2022.
115

Antes da contribuição do movimento indígena de divulgar e revelar a existência da


diversidade cultural dos povos originários, a sociedade brasileira desconhecia e ignorava a
heterogeneidade sociocultural desses povos. Com o surgimento do movimento indígena na
década de 70, notou-se um acréscimo da população que se autoafirmava e autodeclarava como
indígena não somente nas áreas rurais, mas também nas áreas urbanas. Esse aumento
populacional se deve ao momento oportuno em que os indígenas se reconheceram como sujeitos
pertencentes de uma sociedade e buscaram lutar pelos seus direitos e por melhores condições
de vida (GONZAGA, 2021).
Outra circunstância que deve ser considerada no crescimento da população indígena é o
fenômeno denominado de etnogênese. Em conformidade com Gonzaga (2021), esse fenômeno
se refere aos povos indígenas que omitiam sua identidade para não sofrer com a violência e
discriminação das políticas de colonização e integração imposta. Em seguida, a um contexto
mais propício para visibilidade dos direitos indígenas, com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, os povos ameríndios começaram a se reconhecer como sujeitos pertencentes
a identidade indígena e ao Estado brasileiro. A respeito desse fenômeno Luciano (2006) afirma
que

Desde a última década do século passado vem ocorrendo no Brasil um


fenômeno conhecido como “etnogênese” ou “reetinização”. Nele, os povos
indígenas que, por pressões políticas, econômicas e religiosas ou por terem
sido despojados de suas terras e estigmatizados em função dos seus costumes
tradicionais, foram forçados a esconder e a negar suas identidades tribais como
estratégia de sobrevivência – assim amenizando as agruras do preconceito e
da discriminação – estão reassumindo e recriando as suas tradições indígenas.
Esse fenômeno está ocorrendo principalmente na região Nordeste e no sul da
região Norte, precisamente no estado do Pará (LUCIANO, 2006, p.28).

Por esse fato, não cabe as pessoas reconhecerem e definirem quem pode ser ou não
indígena por meio da concepção de que indígenas verdadeiros são somente aqueles que andam
nus, portam arco e flecha, usam adereços, moram em ocas e nas florestas. Os povos ameríndios
da realidade são diferentes dessa concepção e entre si mesmos, pelo motivo de possuírem uma
grande heterogeneidade cultural e linguística. Assim, a discussão da sociedade em torno do
questionamento se existe indígena de “verdade” ou “puro” se deve a ideia de que os povos
tradicionais contemporâneos não representam a figura estereotipada que o senso comum
construiu a respeito de suas identidades. Logo, por não se enquadrarem nos padrões
representacionais, supõe-se que esses indígenas “originários”, “puros”, “verdadeiros” estão
perdendo sua identidade ou desaparecendo na sociedade (GONZAGA, 2021). Para Munduruku
(2019), as pessoas pensam que os povos indígenas por possuir um curso superior, ter acesso às
116

tecnologias, a objetos como Hilux ou Iphone ou utilizar uma determinada roupa não são
indígenas de verdade como os outros indígenas que tem dificuldade em ter acesso a esses bens
materiais. Desse modo, os sujeitos que pensam assim não entendem o processo dinâmico da
cultura.
Portanto, é notório que as coleções Voices Plus e Learn and Share in English promovem
pouca representatividade das identidades dos povos ameríndios pela tamanha diversidade
cultural das coletividades indígenas existentes no Brasil. Na maioria dos volumes dessas
coleções, os povos indígenas são representados poucas vezes ou até mesmo nenhuma, sendo
assim, invisibilizados (TÍLIO, 2012). Logo, percebemos essa pouca representatividade
disfarçada pelos os organizadores em suas tentativas de buscar visibilizar, protagonizar e inserir
os povos originários em diversos contextos sociais, culturais, históricos, específicos etc., como
também de construir e representar uma identidade indígena contemporânea, híbrida e múltipla.
Diante dessa circunstância, é visível que a preocupação por grande parte dos autores dessas
obras não é somente pelo fato de compreenderem a importância de introduzir e discutir temas
contemporâneos nas atividades e nas unidades, mas também porque são obrigados a seguir as
exigências do edital do PNLD de 2015 para que suas obras sejam aprovadas e, assim,
contempladas no programa.
Em conformidade com Zacchi (2016b), as editoras e os autores implicados na produção
de materiais didáticos adotam os critérios do Programa Nacional do Livro Didático não porque
compreendem a relevância de inserir conteúdo da atualidade como racismo, sustentabilidade,
meio ambiente, direitos humanos etc., mas pela razão de que o PNLD é um programa do
governo para as escolas públicas que envolve uma dimensão de fins lucrativos. Por esse fato,
atualmente, não é raro se deparar com materiais didáticos que tentam desenvolver discussões a
respeito da diversidade e pluralidade representada por grupos multiétnicos, já que o mercado se
apossou desses fatores para que as obras não sejam descartadas no programa. Além disso, o
autor informa que essa maneira de buscar representar os grupos étnicos não possibilita a
superação da intolerância e violência entre os grupos socias distintos, da mesma forma que não
enfrenta o cenário das desigualdades sociais. No entanto, esse tipo de representação contribui
para disfarçar os conflitos por fingir que todos os sujeitos são similares e evidenciar a concepção
de que os grupos multiétnicos retratados nas obras didáticas “podem ser visto como mera
curiosidade” (ZACCHI, 2016b, p. 169).
117

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando iniciei o trabalho de pesquisa constatei que existia uma pequena quantidade de
estudos de análises de livros didáticos de línguas estrangeiras que trouxessem discussões
relacionadas às questões das identidades de raça/etnia, mais especificamente, no que se refere
às questões das identidades dos povos ameríndios. Por esse motivo, nos deparamos com a
relevância de estudar sobre a construção e a representação da identidade dos povos tradicionais
nos livros didáticos de língua inglesa do Ensino Médio aprovados pelo Programa Nacional do
Livro didático –– PNLD –– de 2018.
Diante disso, a pesquisa teve como objetivo geral analisar a formação e a representação
das identidades dos povos indígenas brasileiros nos materiais didáticos de língua inglesa. No
decorrer do estudo, observou-se que o objetivo geral foi atendido porque efetivamente o
trabalho conseguiu demonstrar a maneira como as coleções, Voices Plus e Learn and Share in
English, buscaram construir e representar as identidades dos povos originários em suas obras
didáticas.
O primeiro objetivo específico era identificar as representações visuais e verbais
pertencentes à identidade indígena. Esse objetivo foi cumprido porque a pesquisa conseguiu
apresentar os elementos imagéticos e verbais presentes nas obras didáticas que representavam
a identidade dos povos indígenas brasileiros. O segundo objetivo específico era analisar a
construção e a representação da identidade indígena nas propostas das unidades das obras
didáticas. Esse objetivo foi realizado pelo fato de a pesquisa mostrar como as unidades das
coleções, Voices Plus volume 1, 2, 3; e Learn and Share in English volume 1, 2, 3, propôs
construir e representar a identidade indígena de acordo com a temática central de suas
respectivas unidades. O último objetivo específico era analisar as implicações coloniais na
formação e representação da imagem dos povos indígenas nos livros didáticos. Esse objetivo
foi atendido porque a pesquisa foi capaz de demonstrar os mecanismos estratégicos
desenvolvidos pelos projetos coloniais que contribuiu no processo de construção e
representação da identidade dos povos originários nos livros didáticos.
Assim, para elucidar as considerações finais deste estudo resgatou-se a pergunta
norteadora: De que forma as identidades dos povos indígenas estão sendo construídas e
representadas nos livros didáticos de língua inglesa?
O estudo demonstrou que a coleção Voices Plus buscou construir e representar uma
identidade ameríndia contemporânea, embora em alguns momentos das unidades e das
118

atividades, que somente promovia a imagem do indígena para articular com os conteúdos sem
aprofundar em discussões de assuntos de relevância social, ocasionou o apagamento e a
invisibilidade desses povos e a construção de uma identidade estereotipada e generalizada do
indígena. Ademais, foi observado que as atividades que evidenciavam representações da
identidade indígena somente foram inseridas, aparentemente, para contemplar as exigências do
edital do PNLD, pela forma como o autor propôs trabalhar os exercícios. Além disso, a ausência
de atividades mais problematizadoras e reflexivas pode levar os alunos a ler os textos, verbais
e imagéticos, a partir dos seus pontos de vista, individuais e coletivos, sendo, portanto,
suscetíveis a atribuir determinadas características simplistas, essencializadas, estereotipadas e
fixadas a identidade dos povos ameríndios que frequentemente são construídas pelo senso
comum, como já foi enfatizado.
Diante dessa circunstância, é relevante salientar a importância das propostas
pedagógicas de letramento, como, por exemplo, o letramento crítico que busca desenvolver a
construção de sentidos a partir das leituras dos alunos –– ter a consciência de “como estou lendo
e construindo significados” (MENEZES DE SOUZA, 2011, p. 296), “em vez de extrair o
sentido do texto” (BRASIL, 2006, p. 115), pois os sentidos são construídos com base nos
contextos sociais, históricos, culturais e específicos dos alunos e não em torno das escolhas ––
produções de significados –– do autor do texto. Dessa forma, o letramento crítico tem como
proposta problematizar o texto e o contexto, contribuindo, assim, para que os alunos sejam
capazes “compartilhar, recriar, recontextualizar e transformar” (BRASIL, 2006, p. 108)
diferentes conhecimentos existentes em diferentes comunidades socioculturais, como também
desenvolver sua consciência crítica para compreender a sua posição no mundo.
Já a coleção Learn and Share in English, é mais perceptível que os autores dessa
coleção tiveram a preocupação de manifestar representações da identidade indígena nas poucas
atividades apenas para contemplar as exigências do edital do PNLD, já que em alguns de seus
volumes a identidade dos povos ameríndios foi apagada e invisibilizada. Em virtude das
escolhas dos organizadores de representar a identidade ameríndia relacionados aos temas das
unidades e das atividades, que promoveu pouca discussão e nenhuma problematização,
resultou, na formação de uma imagem do indígena romantizada, fictícia, inacessível que está
sempre associada ao passado. Ademais, os organizadores perdem a oportunidade de trazer nas
atividades representações indígenas relevantes para as coletividades ameríndias que
reivindicam seus direitos e denunciam práticas violentas, discriminatórias e preconceituosas
praticadas pelo senso comum. As atividades, dessa coleção, apenas proporcionaram poucos
momentos aos alunos de utilizarem de seus pontos de vista, visto que as informações das
119

alternativas poderiam ser encontradas no texto. Além disto, os organizadores em nenhum


momento solicitaram que os discentes fizessem leitura das imagens que representavam a
identidade ameríndia, dando a impressão de que elas apenas foram colocadas nas atividades
para dar suporte ao texto verbal.
Além disto, foi perceptível por parte de alguns volumes dessas coleções, que os autores
tiveram essa “preocupação” de valorizar a heterogeneidade cultural dos povos originários do
Brasil, conforme já mencionado no capítulo anterior, não porque compreendem a relevância de
inserir e discutir temas contemporâneos como racismo, preconceito, meio ambiente e etc. Mas
porque o PNLD é um programa governamental que tem fins lucrativos e exige que os
envolvidos na produção das obras didáticas adotem as exigências do edital para que seus
materiais sejam comtemplados no programa (ZACCHI, 2016b; PARAQUETT, 2012).
Partindo do pressuposto de trazer informações a respeito da construção e representação
das identidades dos povos indígenas nos livros didáticos de língua inglesa. Este estudo pautou-
se na metodologia bibliográfica e documental, com uma abordagem qualitativa. A escolha de
analisar a coleção Voices Plus foi pelo motivo de conhecer alguns trabalhos relacionados as
questões de identidade de gênero e de livros didáticos desenvolvidos por Rogério Tílio, o
organizador da obra didática. Já a outra coleção, Learn and Share in English, foi escolhida pela
razão de ter a versão digital disponível no site da editora.
Ademais, a seleção por materiais didáticos do Ensino Médio, partiu-se da premissa de
que é nessa fase da vida que os estudantes além de lidarem com suas obrigações educacionais,
também têm que lidar com as complexidades de suas identidades. Dessa forma, analisei todos
os elementos pertencentes às identidades dos povos indígenas nessas duas coleções do Ensino
Médio, Voices Plus e Learn and Share in English, visando à construção e representação de uma
identidade indígena contemporânea, da realidade, híbrida e múltipla.
Em virtude do contexto pandêmico, e, consequentemente a ausência de aulas presenciais
no âmbito escolar, este estudo trouxe limitação. A limitação encontrada na pesquisa foi
referente à procura das coleções, Voices Plus e Learn and Share in English, nas escolas da
minha região –– Lagarto/SE. Por causa da pandemia do novo coronavírus, as aulas presenciais
foram suspensas, dessa forma, não teve como entrar em contato com as instituições de ensino
para tentar adquirir a versão dos livros didáticos físicos. Por essa razão, tive que procurar por
esses materiais na versão digital no site das editoras.
Portanto, indica-se que estudos posteriores possam ser realizados de forma aplicada com
professores e alunos, investigando a maneira como os docentes têm buscado inserir, em sala de
aula, discussões a respeito das questões das identidades sociais de raça, etnia, classe social,
120

gênero etc. que são assuntos contemporâneos, supostamente, propostos nos materiais didáticos
aprovados pelo Programa Nacional do livro Didático –– PNLD.
121

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