RECEITAS SAUDÁVEIS

HOJE GRÁTIS
2º DE 3 GUIAS — CASA
Fundador: Francisco Pinto Balsemão 14 de maio de 2021
2533 O €4

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.pt

24h
MARCELO REBELO DE SOUSA SOBRE A FESTA DO SPORTING Eanes lidera Governo

“Espero que 28 chefes

militares
contra
avança com
fusão de
organismos
Costa reúne-se
com João Lourenço
e Filipe Nyusi
O primeiro-ministro reúne-
-se na terça-feira, em en-
aprendam. ministro do Estado

contros bilaterais, com os

Presidentes de Angola, Mo-
çambique, Egito e Tunísia, à
margem da Cimeira para o
Financiamento das Econo-
São todos Com o antigo PR à
cabeça, os ex-chefes de
Estado-Maior assinaram
uma carta violenta
para os responsáveis
Equipa vai estudar
sobreposições na
Administração Pública
e propor uma reforma.
Costa prometeu a Bruxelas
mias Africanas. Na reunião
de alto nível, que terá lugar
em Paris, participam vários
líderes africanos e europeus,
incluindo o Presidente fran-
cês, a chanceler alemã e os
primeiros-ministros espa-
responsáveis” da Defesa Nacional

“A perturbação provocada no
ambiente das Forças Armadas
obriga-nos a isto”, escrevem
numa rara mensagem todos
os ex-chefes militares (exceto
resultados em 2022

O Governo prometeu no PRR

entregue em Bruxelas lançar
uma reforma funcional e orgâ-
nica da Administração Pública.
A ideia, confirma o ministério
nhol e italiano. um). Críticos do processo e ao Expresso, é “obter ganhos
> Presidente da República exige organização para do conteúdo da ‘reforma Cra- de eficiência” através da “fu-
Bélgica rejeita 10 de as finais da Taça e da Champions > António Costa vinho’, dizem que o ministro
lhes fez “ameaças veladas”,
são de alguns organismos, da
centralização de determinadas
Junho de Marcelo
As autoridades belgas consi-
segura Cabrita, mas PS não quer passa-culpas que há “menosprezo pela con-
dição militar” e “interesses”
funções” ou na otimização de
processos. Os sindicatos não
deraram não ser oportuno, > Próximo cerco ao ministro é a reforma do SEF P6 nos negócios da Defesa. P14 foram ouvidos. P12
devido à pandemia, acolher
os festejos do Dia de Portugal
que Marcelo Rebelo de Sou- SALVADOR SOBRAL, FIÉIS EM FÁTIMA
sa tinha decidido partilhar UM MÚSICO EM BUSCA ULTRAPASSAM LIMITES
este ano entre a Madeira e DO DESCONFORTO R42 DA PANDEMIA P5
a Bélgica. Assim, as come-
morações que o Presidente
tem sempre estendido às
comunidades portuguesas
ficarão desta vez limitadas à
Madeira.

Morreu Maria
João Abreu
A atriz portuguesa, de 57
anos, morreu na quinta-fei-
ra, vítima de complicações
provocadas por um aneuris-
ma cerebral. Nome grande
da comédia, Maria João Cancro da mama subiu
Abreu fez cinema,
teatro e televisão,
mostrando a sua ver-
40% desde janeiro
satilidade ao longo de
uma carreira com qua-
tro décadas de duração. Atu-

A FESTA,
almente fazia parte do elenco O alerta é feito por Luís Costa, diretor
da série “Patrões Fora” e da do Departamento de Oncologia do Centro
19 ANOS
telenovela “A Serra”, ambas
Hospitalar Universitário Lisboa Norte P22
FOTO NUNO FOX

na SIC.

Integram esta edição semanal, além deste

corpo principal, os seguintes cadernos: DEPOIS
500 euros Casos como
ECONOMIA, REVISTA E e GUIA RECEITAS
SAUDÁVEIS 2 - CASA
SPORTING Este fim de semana os leões vão à Luz já como campeões, depois de um
percurso imaculado. Quais foram as principais estrelas da equipa? E ainda se lembra
de como era o país e o mundo da última vez que o Sporting tinha sido campeão? P36 E R36
para quem o de Odemira
completar repetem-se P8

PSP foi contra festejos e autocarro estudos P25

Luís Filipe
Polícia queria um
perímetro mais
Na reunião técnica em que
esteve um elemento do MAI,
com entradas controladas.
Também considerou que a
Costa sem Vieira pagou
circunscrito no Marquês
de Pombal e na Avenida
a DGS, o Sporting e a Câma- viagem de autocarro da comi- lugares vagos viagens em
www.mantovani.pt da Liberdade
ra, a PSP queria que os fes-
tejos fossem mais contidos,
tiva do Sporting era um “ce-
nário não aconselhável”. P6 em Bruxelas P10 jato de luxo E7

EUROPE BANKING AWARDS 2020 | REVISTA EMEA FINANCE Saiba mais em cgd.pt

A Caixa vence Europe Banking Awards 2020

na categoria de Best Bank em Portugal.
Este prémio é da exclusiva responsabilidade da entidade que o atribui.
Caixa Geral de Depósitos, S.A.
2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de maio de 2021

João Vieira Duelo Especialistas dividem-se sobre a requisição civil do Governo no Zmar
e sobre as questões de saúde pública e o direito à propriedade
Pereira
Jorge Duarte Nuno
O circo parlamentar Malheiros Correia
de inquérito Geógrafo, IGOT, Advogado e vogal do Conselho

D
esculpe a franqueza da
linguagem, mas já não há
pachorra para a Comissão
Parlamentar de Inquéri-
to ao Novo Banco (NB).
Aquelas sessões transfor-
maram-se numa espécie
de tribunal populista, sem enquadra-
Universidade de Lisboa Geral da Ordem dos Advogados
em aventuras empresariais, usufruir
de moratórias, acabar por não pagar o
que deve e ainda ter direito a um per-
dão de dívida e mais uns milhões para
pôr tudo em ordem. E, no fim, quando
O governo esteve bem na gestão
tudo correr mal, poder culpar quem
teve de resolver a porcaria criada por
do dossiê Odemira?
eles e pelos amigos banqueiros com

mento e onde desfilam figuras que des-
prezam o circo ali montado. Em 2021
discutimos negócios que ocorreram há
mais de 11 anos e que tiveram todos o
mesmo denominador comum: Ricardo
Salgado. Mas o foco dos deputados já
não é o de encontrar culpados para os
milhares de milhões que se evapora-
ram do ex-BES, mas sim o de chutar as
culpas das perdas do Novo Banco para
cima de alguém que não sejam eles pró-
prios ou, em alternativa, produzir novos
justiceiros contra os corruptos malan-
dros que gerem bancos e empresas.
O PS quer fazer crer que a culpa do
buraco do Novo Banco é do PSD e do
CDS, por não terem conseguido vender
o banco em 2015. O PSD quer que os
socialistas se responsabilizem por uma
venda desastrosa à Lone Star em 2017.
O Bloco de Esquerda e o PCP, que fazi-
am parte da ‘geringonça’ que vendeu o
Novo Banco, não querem ficar ligados
a essa mesma venda (e aproveitar para
atacar o vil capital).
Os políticos estão tão entretidos neste
jogo que nem perceberam que o desfile
está a sujar a imagem de todos e a bran-
quear os verdadeiros responsáveis. Luís
Filipe Vieira, o ‘empresário’, não teria
existido sem o seu amigo Morais Pires,
ex-CFO do BES e braço direito de Sal-
gado, com o qual partilhava não só as
assinaturas em créditos que chegaram
aos 800 milhões de euros mas também
os lugares no jatinho fretado por Gama
Leão, outro dos grandes devedores do
BES, para irem assistir a jogos do Ben-
fica. Não espanta por isso que quando
Ricardo Salgado foi finalmente expulso
do então BES e tentou escolher Mo-
rais Pires para o suceder, Vieira tenha
sido ‘patrocinador’ dessa candidatura e
Gama Leão outro dos grandes apoian-
tes. Tudo bons rapazes.
E enquanto Moniz da Maia espalhava
a sua falta de memória em relação a
500 milhões de créditos junto do BES,
os políticos ajudavam na festa deixando
que o próprio vendesse a teoria de que a
culpa de não ter pago tal montante é do
NB. Vejam que ele até queria pagar mas
a administração do banco não o ajudou
(sim, é ironia). Aliás, esta desculpa está
a ganhar tração, já que Luís Filipe Vi-
eira tem o mesmo entendimento de
que o banco devia ter perdoado mais
dívida, reduzido ainda mais os juros e
até emprestado mais dinheiro. E assim
sim, seria possível ter pago tudo.
Para estes senhores, ditos empresári-
os, não só a arrogância e o desrespeito
atingem níveis estratosféricos como vi-
vem num mundo onde qualquer pessoa
pode entrar num banco, ir até ao piso
da administração e sair de lá com cen-
tenas de milhões de euros para aplicar
quem partilhavam muito mais do que
negócios.
Enquanto somos bombardeados por
estas alarvidades, não passam na dita
Comissão Parlamentar de Inquérito os
exemplos dos milhares de empresários
que recorrem aos bancos, criam valor
e empregos e pagam as suas dívidas. E
no Novo Banco há exemplos desses. An-
tónio Ramalho, CEO do banco, referiu
um que devia quase dois mil milhões de
euros e que apesar da crise pagou tudo
até ao último cêntimo. Mas António
Mota, empresário da construção, não
vai desfilar na CPI. Não vai lá explicar
que é possível passar por momentos
menos bons e mesmo assim trabalhar
com os bancos para pagar o que deve.
Não vai, mas devia. Se é verdade que só
se deve “julgar” quem algum mal fez,
fazia bem ter alguém que servisse de
padrão. Para que aqueles deputados,
também eles muitas vezes arrogantes
e que não fazem ideia do que é ser res-
ponsável por milhares de trabalhadores
ou ter de fazer das tripas coração para
pagar salários, soubessem o que pen-
sam, o que fazem e como trabalham os
verdadeiros empresários. Os que não
Estes ditos empresários vivem
num mundo onde qualquer
pessoa pode entrar num banco,
ir até ao piso da administração
e sair de lá com centenas
de milhões de euros
vivem de favores de amigos obscuros,
os que têm os pés assentes na terra, os
que criam fundações com objetos soci-
ais nobres e obra feita e não para fugir
a impostos através de paraísos fiscais.
E no final de todas estas sessões o que
vamos reter? Que Salgado construiu
um império de interesses para salvar
a própria pele; que tinha amigos que
a troco, talvez de milhões, lhe faziam
favores; que no final da queda do BES
Salgado aproveitou para pagar a alguns
e derreter mais uns quantos milhares
de milhões, que a resolução do BES
foi uma experiência europeia que ti-
nha tudo para correr mal; que Passos
Coelho não quis meter mais dinheiro e
que isso condicionou o resgate do BES;
que o buraco era muito maior do que
se poderia ter imaginado; que a crise
da dívida pública impossibilitou uma
recuperação mais rápida do banco; que
a Lone Star fez um grande negócio; e
que no final quem paga a conta são os
clientes e acionistas dos outros bancos.
Mas isto tudo já sabemos agora. Com
ou sem circo.
jvpereira@expresso.impresa.pt
SIM NÃO
Esta questão implica separar, por um São pelo menos duas as vertentes
lado, a necessidade de atuação imedia- de análise dos acontecimentos de
ta, enquanto resposta à pandemia, da Odemira. Por um lado, as condições
gestão global da imigração em Odemira e, por outro, os de vida e de trabalho dos imigrantes, maioritariamente
princípios e processo de atuação das inabilidades regis- provenientes do Sudeste Asiático e da Ásia Meridional;
tadas em certas ações. É, pois, no plano da urgência e de por outro, a requisição civil, a invasão de propriedade
um procedimento justificado que nos situamos. privada e a violação do domicílio, a meio da noite, per-
Situações graves de calamidade pública, como uma petradas por forças policiais, sem mandado judicial, a
emergência sanitária, justificam a requisição temporária mando de um ministro.
de instalações privadas, ao abrigo da Lei de Bases da Há muito que se sabia das indigentes condições de
Proteção Civil. Não existe qualquer dúvida relativamente vida dos imigrantes e da exploração a que estavam
à existência de uma situação de calamidade e urgência sujeitos por algumas pessoas sem escrúpulos.
no município de Odemira, designadamente nas fregue- A solução que o Governo encontrou em outubro de
sias de Longueira/Almograve e São Teotónio; veja-se o 2019 veio a revelar-se desastrosa, como se confirmou
significativo número de casos de contágios por covid-19 pelos acontecimentos das últimas semanas. Em 2019,
entre os residentes e o seu incremento entre 30 de março o Governo aprovou a Resolução do Conselho de Mi-
e 20 de abril (mil casos por 100 mil habitantes). Ora, a nistros nº 179/2019, de 24 de outubro, que permitiu
transmissão do vírus da covid-19 faz- que cada unidade de alojamento
-se por contacto direto com outros pudesse albergar até 16 pessoas,
infetados (por via respiratória) ou A proteção da saúde prevendo que a área de referência
através do toque em superfícies/ob- pública sobrepõe-se por pessoa no quarto/dormitório
jetos contaminados. A convivência sempre ao direito fosse de 3,43 m2. Ou seja, o Go-
de muitas pessoas em alojamentos verno legitimou, parametrizou,
sobrelotados incrementa, pois, as à propriedade as degradantes condições de vida
probabilidades de contágio, mais a que os imigrantes estão sujei-
ainda se aquelas tiverem mobilidade O Governo cometeu tos. Foram estas condições quase
regular laboral. Este perfil de ativi- infra-humanas que potenciaram
dade e residência ajusta-se à maioria
erros atrás de erros, os contágios pelo SARS-CoV-2,
dos imigrantes trabalhadores agrí- motivado pela trazendo à ribalta a desastrada de-
colas em Odemira, cuja situação de vontade de esconder cisão governamental de autorizar
vulnerabilidade e sobre-exploração a inépcia com que que os imigrantes vivessem “uns
passou — finalmente! — a ocupar em cima dos outros”. Não fora a
o espaço público, o que prenuncia lidou com a situação situação de pandemia que atra-
o tempo das respostas estruturais. vessamos e este estado de coisas
Contudo, estas situam-se em plano distinto da resolução perpetuar-se-ia no tempo, com todos os responsáveis
do problema urgente de saúde pública. Torna-se essenci- a assobiarem para o lado.
al jogar nos dois tabuleiros: i) da resposta estratégica que A segunda vertente prende-se com a requisição civil
assegure direitos fundamentais e melhore as condições decretada pelo Governo, através do Despacho nº 4391-
de vida dos imigrantes, e ii) das medidas imediatas para -B/2021, de 28 de abril. A propriedade privada tem
estancar os contágios, reduzindo os graves riscos para a proteção constitucional. De facto, o artigo 62º garante
saúde pública. a todos, no seu nº 1, o direito à propriedade privada e o
Face à impossibilidade de encontrar, de modo imedia- nº 2 prevê que a requisição e a expropriação por utili-
to, alojamento necessário para colocar quer pessoas em dade pública só podem ser efetuadas com base na lei e
risco de infeção, por estarem instaladas em espaços sem mediante pagamento de justa indemnização. Mas, além
condições e sobrelotados, quer pessoas já contagiadas, o deste direito, a Constituição prevê no nº 2 do artigo 34º
recurso do Governo a alojamentos coletivos disponíveis a inviolabilidade do domicílio, estatuindo que a entrada
(Pousada da Juventude) ou a alojamentos de caráter no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade, ainda
temporário não ocupados — como o Zmar — é pertinen- para mais à noite, só pode ser ordenada pela autoridade
te e de elementar bom senso. Nestas circunstâncias, a judicial competente. Ou seja, fica claro que não é por
proteção da saúde pública sobrepõe-se sempre ao direito um simples despacho ministerial que o Governo pode
à propriedade, que nem foi efetivamente colocado em tomar as medidas que ordenou no caso de Odemira, até
causa, pois os imigrantes instalados temporariamente porque no complexo turístico em causa existem cons-
no Zmar (legalmente um parque de campismo loca- truções que funcionam como habitação permanente
lizado numa área classificada como Reserva Agrícola dos seus titulares. O Governo cometeu erros atrás de
e Ecológica) não ocuparam quaisquer estruturas de erros, motivado pela vontade de esconder a inépcia
alojamento pertencentes a particulares. Apenas as des- com que lidou com a situação desde o seu início ou
tinadas a alojamento temporário, que se encontravam pela teimosia de um ministro, fruto de uma obstinação
encerradas e são pertença da sociedade proprietária de ideológica, para quem a propriedade privada e o direito
um empreendimento declarado insolvente. Por último, ao domicílio podem ser objeto de qualquer desmando
embora o procedimento seja pertinente e justificado, as governamental, mesmo que seja pela calada da noite,
ações concretas registam inabilidades pouco aceitáveis, às quatro da manhã, sem autorização judicial.
desde uma requisição temporária equívoca quanto aos Em toda esta situação, assistimos, perplexos, ao Go-
espaços a ocupar até uma transferência de imigrantes verno de um estado de direito democrático, membro
com um aparato algo desproporcionado. Mas a reação da União Europeia, violar sem pudor e sem remorsos
de alguns proprietários e o seu discurso preconceituoso os direitos humanos dos imigrantes e dos que habitam
face aos imigrantes são também de lamentar. de forma permanente o complexo turístico em causa.

A Semana as considerar demasiado brandas

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
SPORTING
Depois de um longo jejum
de 19 anos, o Sporting conseguiu
conquistar o título nacional de
futebol, quando ainda faltam
duas jornadas para o fim do
campeonato. Rúben Amorim,
cuja contratação há um ano
era criticada pelos valores com
que foi feita, é hoje incensado.
SEF
Foi concluído o julgamento dos
inspetores do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras
acusados da morte do cidadão
ucraniano Ihor Homeniuk. Mas a
viúva já anunciou que vai
recorrer das penas de prisão, por
(sete e nove anos de prisão).
“BO”
Em 2008, quando
Barack e Michelle
Obama chegaram à
Casa Branca, de
imediato acolheram
mais um inquilino: um
cão de água português,
batizado como “Bo”, e
que chegou a ser o cão mais
famoso dos Estados Unidos. O
“Bo” morreu na última semana.
VIEIRA E O
NOVO BANCO
O presidente do Benfica esteve a
ser ouvido no Parlamento, na
comissão de inquérito ao Novo
Banco, na sua qualidade de
empresário, e a propósito das
dívidas que as suas empresas
foram acumulando, e a forma
como elas foram depois
reestruturadas (com os
conhecidos custos para o
contribuinte português,
sempre chamado a tapar
os buracos dos bancos).
MÉDIO ORIENTE
No coração da zona
mais explosiva do
planeta, volta a
agudizar-se a situação
de conflito entre Israel e
Palestina. Como contamos
na página 26 deste jornal, os
sinais de ódio entre judeus e
muçulmanos são crescentes
FESTEJOS
A forma como foi organizada a
festa de campeão do Sporting,
permitindo (e nem sequer
desaconselhando) fortes
concentrações de pessoas,
milhares junto ao estádio e pelas
principais artérias de Lisboa,
quase fez acreditar que não se
vive uma pandemia e que não
estamos em estado de
calamidade. Mas vive-se e
estamos. Mais um tema em que
choveram as críticas a Eduardo
Cabrita.
SEGURO
Na mesma altura em que
no Porto se realizava a
cimeira social, com o
governo de António
Costa ao leme da UE,
António José Seguro
aproveitava para
abandonar o seu longo
silêncio desde que deixou a
liderança do Partido Socialista
para, numa conferência sobre a
Europa lançar duras críticas aos
líderes europeus, acusando-os de
ambiguidade e falta de coragem.
FOGUETÃO CHINA
A China está a montar uma
estação espacial e na última
semana lançou para a atmosfera
um módulo, naquela que foi a
primeira de 11 missões previstas.
Mas o tema foi notícia sobretudo
pelos restos do foguetão chinês
que reentraram na atmosfera,
desintegrando-se e fazendo
com que um destroço de
20 toneladas caísse
sobre o Índico,
levantando a
discussão sobre os
perigos do lixo
espacial.
ODEMIRA
Foi finalmente levantada a
cerca sanitária em torno de duas
freguesias do concelho do litoral
alentejano, depois de controlada
a situação da pandemia. O caso
permitiu ainda que se voltasse a
dar atenção à situação
inacreditável em que vivem e
trabalham muitos migrantes no
nosso país.
Expresso, 14 de maio de 2021
Miguel Sousa Tavares
Não viram nada em Odemira
1
António Costa foi a Ode-
mira levar as boas notí-
cias: acabou a cerca sani-
tária e os escravos podem
voltar ao trabalho a tempo
de os “empresários” te-
rem quem lhes colha as
preciosas framboesas,
símbolo, disse alguém do
Governo, da “modernização da nossa
agricultura”. E, quanto às “degradantes
condições de habitação” dos escravos, o
PM levava dois protocolos para assinar
com a autarquia e as três associações
de empresários ditos agrícolas, para,
até Março do ano que vem, começarem
a pensar como substituir os conten-
tores transformados em habitações
condignas pela resolução do Conselho
de Ministros de 2019 por qualquer coisa
mais decente, talvez casas, daquelas
em que vive gente. Não foi difícil con-
vencer os ditos empresários a assinar
os protocolos: as casas vão ser pagas
com verbas da ‘bazuca’ e de outras ori-
gens — ou seja, na totalidade ou em
parte, os contribuintes vão chamar a si
a solução de alojamento dos trabalha-
dores destes empresários visionários.
Se considerarmos que ainda há pouco
o ministro da Administração Interna
e a secretária de Estado da Imigração
garantiam que Odemira era um caso
exemplar de humanidade e integração
de populações migrantes, não se pode
deixar de considerar isto um grande
avanço. Embora, como é óbvio, se tudo
se cumprir, aqueles infelizes ainda te-
nham de esperar muitos anos e de apa-
nhar muitas toneladas de framboesas
até conseguirem viver num local a que
se possa chamar casa e dormir numa
coisa a que se possa chamar cama.
De fora, porém, ficaram as ques-
tões laborais e ambientais. Quanto às
primeiras — as situações em que os
trabalhadores pagam à cabeça milha-
res de euros pelo privilégio de virem
trabalhar para Portugal, os contratos
em que lhes garantem vir ganhar mil
euros e depois lhes entregam 200, as
empresas que os subcontratam e de-
pois desaparecem, a falta de protecção
social a todos os níveis —, tudo isso é
matéria de investigação remetida para
CANDIDATURAS
2021·2022
um futuro sem data. Quanto à questão
ambiental, António Costa foi bem cla-
ro no Parlamento: Odemira são 7000
hectares (e o triplo dessa área previs-
to), que, por si só, representam 15%
das exportações de frutos, legumes
e flores do país. E está tudo dito. O
resto, a destruição da paisagem de um
Parque Natural, a contaminação dos
solos e o uso intensivo de água onde
ela escasseia e em Rede Natura e Zona
de Reserva Agrícola, isso pouco impor-
ta. Os discursos sobre a agricultura
sustentável e amiga do ambiente são
bons para os programas de Governo,
mas não servem para governar. Até o
PAN achou mais importante felicitar
antes o Governo por ter acabado com
a transmissão de touradas na RTP do
que exigir o fim da agricultura superin-
tensiva em parques naturais e reservas
ecológicas.
Tenho pena de quem quer governar
para governar assim. Tenho pena de
quem terá de pagar as consequências
no futuro por quem governou assim.
Porque não é só Odemira e o Sudoeste
alentejano: é o Alqueva, as Beiras, o
Algarve. Não é só a semear frutos silves-
tres e alfaces e flores: é frutos exóticos,
frutos tropicais e culturas predadoras
expulsas de outras paragens. Não é só
na agricultura: é na apanha da amêijoa
japonesa (invasiva e não comestível) no
estuário do Tejo e já começa a ser em
negócios que justamente só existem
porque existem empresários sedentos
por uma mão-de-obra dócil, disposta a
dormir aos 16 num contentor, a fritar de
calor no Verão e a morrer de frio no In-
verno, ganhando 3 euros à hora. E não
são só os empresários e as máfias dos
intermediários que não se importam
de os explorar: como se pode ver em
Odemira ou na região do Alqueva, são
também os locais, o povo, sim, o bom
povo português, que não tem escrúpu-
los em cobrar 130 euros mensais por
uma enxerga miserável num pardieiro
onde vivem 18 imigrantes (2340 euros
mensais pelo pardieiro) e onde nem
PÓS-GRADUAÇÃO, MESTRADOS
E DOUTORAMENTO
26 ABRIL A 2 JULHO 2021
LICENCIATURA EM CIÊNCIA POLÍTICA
E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ATÉ 9 AGOSTO 2021
António Costa foi a
Odemira levar as boas
notícias: acabou a
cerca sanitária e os
escravos podem voltar
ao trabalho a tempo
de os “empresários”
terem quem lhes
colha as preciosas
framboesas
animais deveriam viver. E não é só o
facto de toda esta próspera economia
viver à margem da lei, do Fisco, da Se-
gurança Social, do Estado de Direito:
é a miséria moral que tudo isto revela
sobre nós mesmos. A indecência colec-
tiva de quem se tem aproveitado, mas
também de quem sabia e nada fez, de
quem não quis ver e de quem — depois
de saber e de ver — continua a fingir que
vai resolver o problema, sabendo bem
que nada de essencial vai mudar. Entre
estes portugueses e aqueles que têm
desfilado pela comissão parlamentar
de inquérito ao Novo Banco, na quali-
dade de grandes devedores e na pose
de orgulhosos caloteiros, encontramos
um mesmo terrível sintoma: a falta de
vergonha.
2
Há ministro? Não, há Cabrita.
Eduardo Cabrita tornou-se uma
anedota ambulante, um persona-
gem que nem os autores do “Yes,
Minister” teriam conseguido imaginar,
tão grandiloquentemente vácuo ao
ponto de meter dó. Tudo nele é a en-
carnação da inutilidade do poder, como
aqueles objectos cujo volume se esgota
quase todo no papel de embrulho. Adi-
vinha-se que ensaia ao espelho poses e
sentenças que toma por sentido de Es-
1 ª FA S E
5 JULHO A 31 AGOSTO 2021
MAIS INFORMAÇÕES POSGRAD.IEP@UCP.PT
1 ª FA S E
ATÉ 20 SETEMBRO 2021
MAIS INFORMAÇÕES LICENCIATURA.IEP@UCP.PT
iep.lisboa.ucp.pt
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
tado e que julga que governar é despe-
jar dinheiro sobre qualquer problema
para se ver livre dele. É assim que está
convencido de que apaga incêndios,
mantém activo o SIRESP, faz esquecer
o assassínio de Ihor Homeniuk ou elege
presidentes. Em cada oportunidade,
também não se dispensou de se chegar
à frente nas fotografias e insinuar que
estava na linha da frente da vigilância
da nossa segurança colectiva durante
a pandemia. Mas bastou uma noite — a
noite do Sporting campeão — para que
a tão anunciada operação montada
pelas forças de segurança sob sua tutela
e em planeamento concertado, diziam,
4
com o Sporting e a DGS descambasse
no espectáculo de absoluta anarquia
que Lisboa viveu durante 12 horas. An-
dámos nós tantos meses, mais de um
ano, a observar tantas regras de segu-
rança, sem poder ir a espectáculos, ao
futebol, a passear nos jardins, aqui e
acolá, ainda proibidos de estarmos jun-
tos mais de seis, de estar nos restauran-
tes até depois das 22h30, e dezenas de
milhares de pessoas fazem o que que-
rem da cidade, sem quaisquer medidas
de segurança e sem que se veja sombra
de plano algum para o precaver!
E, perguntado sobre isto no Parla-
mento, o que diz o primeiro-minis-
tro? Primeiro que tudo, “parabéns ao
Sporting!” (dá votos e é politicamente
correcto). Depois, que não vai “atirar
pedras a ninguém”. E depois que o mi-
nistro Cabrita já fez um despacho para
que lhe expliquem qual era o plano
de segurança e por que razão ele não
funcionou. Ou seja, afinal, o ministro
não sabia de plano algum e fazendo
um despacho a posteriori a perguntar
qual era livra-se de responsabilidades!
Faça a si mesmo um favor, sr. ministro:
despache-se!
3
E vem aí mais do mesmo. O
Governo já autorizou a final
da Champions no Estádio do
Dragão, no Porto, e com pú-
IEP-UCP
Est.
1996
EPF
Est.
1993
2 ª FA S E
2O21
ESTORIL
POLITICAL
2 ª FA S E
FORUM
2 9 T H I N T E R N AT I O N A L M E E T I N G
I N P O L I T I C A L ST U D I E S [ E ST. 1 9 93 ]
MAIS INFORMAÇÕES SECRETARIADO.IEP@UCP.PT
PRIMEIRO CADERNO 3
blico: 12.500 adeptos. A final que
era para ser em Wembley, entre
dois clubes ingleses, vai ser transfe-
rida para o Porto porque o Governo
inglês não autorizou a presença de
adeptos. E então avança o Porto,
porque o nosso Governo, que não
autoriza a presença de adeptos por-
tugueses nos nossos estádios, já
autoriza a presença de adeptos es-
trangeiros — em nome dos interes-
ses da hotelaria, suponho. Apesar
de serem hooligans de que o Porto
guarda péssimas recordações, de
trazerem já com eles a variante in-
diana da covid e de o jogo nem se-
quer ser acessível aos portugueses
em canal aberto de televisão. Países
subdesenvolvidos são assim.
O episódio protagonizado por
João Galamba no Twitter se-
ria apenas um episódio mal-
-educado de um governante
se não fosse outra coisa, a meu ver,
mais grave. Que ele, como tantos
outros, não resista a desabafar nas
redes sociais, como se estivesse
numa roda de amigos, imaginando
que isso depois, mais tarde ou mais
cedo, não acabe por se virar contra
ele, é coisa que eu nunca consegui-
rei entender. Mas, enfim, eles lá sa-
bem porque não resistem e têm de
correr a confessar ao mundo todos
os seus estados de alma. Agora, o
que é grave e revela mais do que má
educação e desrespeito pelo jorna-
lismo é que, depois de ter escrito o
que escreveu e de se ter apercebido
de que aquilo se poderia virar con-
tra si — quem sabe, até, obrigar à
sua demissão —, tenha corrido a
apagar o que escreveu. Isso não é
de homenzinho. Ou assumia o que
tinha escrito ou arrependia-se e pe-
dia desculpa. Mas ir apagar à pressa,
a ver se passava despercebido... é de
garoto sem coragem de enfrentar as
consequências do que faz.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
“ON THE
80TH ANNIVERSARY
OF THE ATLANTIC
CHARTER
STRUCTURING
A NEW ALLIANCE
OF DEMOCRACIES”
18-20
OCTOBER
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Frederico
Varandas
Presidente do Sporting
Neste alto poderia estar sem qual-
quer dificuldade o treinador ainda
bebé de carreira mas que conse-
guiu construir uma equipa em que
ninguém acreditava e levá-la ao tí-
tulo. Mas está Varandas: Pegou
num clube esfrangalhado, dividi-
do e com as contas de pantanas. A
aposta em Rúben Amorim parecia
super arriscada. Não tinha experi-
ência no dirigismo desportivo. Em
2021, o clube que dirige conseguiu
o troféu de campeão nacional, que
lhe escapava há 19 anos. Um feito
assinalável.
Vítor
Bento
Economista
Depois de ter liderado a SIBS e de
ter sido o primeiro presidente do
Novo Banco (e o último do BES,
aliás), agora foi o escolhido para li-
derar a Associação Portuguesa de
Bancos, substituindo no lugar Fa-
ria de Oliveira.
E BAIXOS
João
Galamba
Secretário de Estado
Adjunto e da Energia
Durante muito tempo, Galamba foi
uma figura presente nas redes soci-
ais. Esquecendo o seu papel e res-
ponsabilidades atuais, decidiu vol-
tar a esse campo para chamar de
“estrume” a um programa de in-
formação da RTP. Acabou por apa-
gar o post publicado, mas não se li-
vrou de muitas críticas e até de um
puxão de orelhas do ministro que
tutela a sua pasta.
Luís Filipe
Vieira
Empresário
e presidente
do Benfica
Não foi na qualidade de presiden-
te do Benfica, mas na de empresá-
rio, e por causa das gigantescas dí-
vidas ao Novo Banco, que Luís Fili-
pe Vieira foi ouvido esta semana na
Comissão Parlamentar de Inquéri-
to à gestão do Novo Banco. Mas foi
usando o chapéu de presidente dos
encarnados que procurou defen-
der-se. Não só as suas explicações
não convenceram como ajudaram
a cimentar um perigoso sentimen-
to de impunidade em relação aos
mais poderosos e com mais aces-
so aos conselhos de administração
dos bancos.
Eduardo
Cabrita
Ministro da
Administração Interna
A forma como decorreram e foram
organizados os festejos do Spor-
ting campeão tem seguramente
muitos responsáveis. Do presiden-
te da Câmara de Lisboa, à DGS, ao
próprio clube, às suas claques. E
até a cada cidadão que individual-
mente não cumpriu com o que de-
via. Mas a atuação do responsável
máximo pela Administração Inter-
na continua a ser um acumular de
erros, omissões e más decisões. Foi
assim no caso do SEF. Foi assim
mais recentemente com a requisi-
ção civil em Odemira. E agora volta
a acontecer o mesmo.
Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Racismo “É preciso
reforçar o debate
sobre colonialismo”
A discussão pública do Plano
de Combate à Discriminação
acabou esta semana
com 141 contributos
Apenas 11,3% de um total de 141 con-
tributos apresentados durante o pe-
ríodo de discussão pública do Plano
Nacional de Combate ao Racismo e
à Discriminação foram negativos e a
secretária de Estado para a Cidada-
nia e Igualdade ficou satisfeita com
este resultado. Rosa Monteiro estava
preparada para ouvir alguns insul-
tos, como já aconteceu, mas desta
vez a maioria das manifestações foi
de apoio. “O tom dos 16 comentári-
os negativos é sobretudo de falta de
compreensão do que é a promoção
da igualdade e apenas três faziam um
ataque partidário”, avança.
O prazo para a apresentação de
propostas terminou à meia-noite de
segunda-feira e o objetivo do Gover-
no é agora aprovar o plano ainda
durante o primeiro semestre. E, em-
bora o compromisso do Executivo
com este projeto já existisse, Rosa
Monteiro assume que foi o assassínio
do ator negro Bruno Candé por um
ex-militar da Guerra Colonial, em
julho de 2020 — caracterizado no
despacho de acusação do Ministé-
rio Público como um crime de ódio
O Cartoon de António A Escócia dará o salto!?
Bitcoin Musk provoca
queda a pique
Líder da Tesla anunciou que
a empresa vai deixar de aceitar
a bitcoin no pagamento de
veículos elétricos
Após o líder da Tesla, Elon Musk, ter
anunciado que a empresa vai deixar
de aceitar a bitcoin como forma de
pagamento pelos veículos elétricos
que fabrica, o mercado das criptomo-
edas sofreu uma derrocada. O valor de
mercado das moedas digitais afundou
cerca de 13% de quarta para quinta-
-feira, perdendo mais de 300 mil mi-
lhões de dólares. À hora de fecho desta
edição, a capitalização de mercado das
racial —, que deu o empurrão final.
“Passei o mês de agosto a ler e estu-
dar”, confessa. Reconhece, contudo,
que o mais urgente é fazer acontecer,
porque, diz, “os diagnósticos estão
feitos, as áreas prioritárias de inter-
venção identificadas e muitas das
medidas do plano representam um
marco na forma de olhar para estes
problemas.”
A conversa com o Expresso ocor-
reu na quarta-feira, dois dias apenas
após o encerramento do prazo da
discussão pública do plano. “Estes
primeiros números são reveladores
do grande envolvimento com este
processo. Muitas das propostas su-
blinham mesmo a necessidade de se
reforçar o debate social acerca do co-
lonialismo e da escravatura enquanto
processos históricos e vão na linha do
discurso do Presidente da República
no 25 de Abril, de sublinhar a impor-
tância de reconhecermos que ainda
não debatemos estas questões”, afir-
ma Rosa Monteiro. A secretária de
Estado para a Igualdade não se es-
quece que “o verão de 2020 viu o in-
tensificar do discurso de ódio”. “Pela
primeira vez, Portugal teve discursos
políticos de extrema-direita, o que
vem levantar o véu sobre uma ferida
que estava cicatrizada mas não estava
curada. E que, com a pressão, está a
criptomoedas rondava os 2,2 biliões de
dólares, de acordo com dados da Co-
inMarketCap. A avaliação da bitcoin,
especificamente, caiu 12,33%, para
923 mil milhões de dólares (ou 49,63
mil dólares por unidade).
“Estamos preocupados com a utili-
zação crescente de combustíveis fós-
seis na mineração e transações com
bitcoins, especialmente o carvão, que
provoca as piores emissões de entre
os combustíveis”, declara o presidente
executivo da Tesla na sua conta do
Twitter. Elon Musk reconhece que
“as criptomoedas são uma boa ideia
a vários níveis” e diz acreditar “que
reabrir com muito mais dor. Este é
um processo de reconhecimento.”
Passo de gigante
Até agora, a medida do plano que me-
receu maior atenção foi a proposta
de criação de contingentes adicionais
para alunos das escolas do programa
Territórios Educativos de Intervenção
Prioritária (TEIP) no acesso ao ensino
superior e a cursos técnicos superiores
profissionais. “As quotas e as questões
das terminologias não foram consen-
suais mesmo no grupo de trabalho [no-
meado para elaborar o documento de
base ao plano]”, revela. “Há quem não
concorde em absoluto com a expressão
‘pessoas racializadas’ e há ativistas que
não abrem mão. E, por isso, adotámos
no plano a expressão ‘grupos discrimi-
nados’”, explica Rosa Monteiro.
Durante a discussão pública foram
feitos contributos por 108 pessoas
singulares, das quais vários investiga-
dores e ainda 24 organizações da soci-
edade civil, como, por exemplo, a Asso-
ciação de Professores para a Educação
Intercultural, o Conselho Português de
Refugiados, a Associação Portuguesa
de Apoio à Vítima, o movimento SOS
Racismo ou a Ordem dos Psicólogos,
a Casa da Índia e a Amnistia Inter-
nacional. E ainda por dois parceiros
sociais (CIP e Fenprof), por entidades
públicas, como a Casa Pia de Lisboa,
o Plano Nacional de Leitura ou a Au-
toridade para as Condições do Traba-
lho e por um organismo partidário, a
Juventude Popular. Sem esquecer os
comentários da Google Portugal e do
Facebook Irlanda, focados, sobretudo,
em estratégias de combate ao discurso
de ódio no ambiente digital.
“Alguns dos contributos são muito
extensos e a análise mais fina vai co-
têm um futuro promissor”, mas realça
que “este não pode surgir a custo do
ambiente”. O multimilionário adian-
ta ainda que a empresa está a olhar
para outras criptomoedas que usam
menos de 1% da energia por transação
da bitcoin.
Apesar da queda, a bitcoin continua
a valer 90% mais do que no início do
ano. A sua valorização tem sido acele-
rada pela entrada de novos investido-
res institucionais — como a fabricante
de automóveis Tesla, de Elon Musk,
que agora recua — ou o reforço de
outros, caso da empresa de software
Microstrategy, que têm apostado na
sua compra, arrastando outros peque-
nos investidores. Além disso, algumas
empresas, como a PayPal ou a comer-
cializadora de eletricidade portuguesa
Luzboa, passam a aceitar pagamentos
em bitcoins. Mas não só: a crise pro-
vocada pela pandemia e os receios de
inflação têm originado maior volatili-
dade no mercado de capitais, levando
Expresso, 14 de maio de 2021
meçar agora, mas já é possível perce-
ber que há propostas até de melhoria
conceptual e recomendações de que
se explicite o que se entende por pes-
soas afrodescendentes, por exemplo,
ou do que se compreende por racis-
mo. Há até referências bibliográficas.
O próximo passo será agora, feita a
análise dos contributos, a redação de
um relatório, com a incorporação de
propostas no que já estava no plano e
a redação de metas e objetivos estra-
tégicos”, explica a responsável.
Mas a discussão pública trouxe mais
do que reparos ou propostas, trouxe
testemunho: “Há vários elogios a este
primeiro passo de uma política siste-
mática nesta área em Portugal, com
pessoas que partilham vivências e re-
tratam trajetórias de discriminação.”
Rosa Monteiro sublinha, por isso, a
relevância desta medida: “Quando
tomamos esta iniciativa política, es-
tamos a reconhecer um problema e a
proposta de um plano nacional públi-
co desencadeia reações e este debate
é já de si muito importante.”
“Este plano é um passo de gigante
porque é um reconhecimento político
de um problema que ainda há quem
diga não existir. Tem havido evolução
e este é o momento de se avançar
com um instrumento que simboliza
a necessidade de uma política estru-
turada e tudo muda, nada fica igual”,
acredita Rosa Monteiro. “Não preten-
demos apenas um documento. Com
as políticas de igualdade queremos
provocar uma transformação social.
É uma questão de pertença e de con-
dições. Estamos a perder talentos e a
desperdiçar vidas. Mas temos de ser
realistas e de enfrentar as feridas”,
conclui.
Christiana Martins
camartins@expresso.impresa.pt
muitos investidores a virarem-se para
a bitcoin — que muitos consideram o
novo ouro.
Já esta semana, no programa norte-
-americano “Saturday Night Live”,
Musk afirmava que a dogecoin — uma
criptomoeda inspirada num meme de
um cão da raça Shiba Inu — não passa
de um esquema, levando a criptomoe-
da a afundar cerca de 30%.
Esta é uma reviravolta no discurso
de Musk, depois de, em fevereiro, ter
afirmado que a bitcoin estava perto
de ter maior aceitação pelos investi-
dores e que, por isso, comprara 1500
milhões de dólares em bitcoins no mês
anterior. Além disso, a Tesla comuni-
cou à SEC, o regulador do mercado
de capitais dos Estados Unidos, que
se preparava para aceitar a bitcoin
como meio de pagamento, empurran-
do assim a moeda digital para novos
máximos.
Maria João Bourbon
mjbourbon@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 5

NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO APOSTA GANHA
Situação epidemiológica mantém-se favorável, mas Governo mostra cautela. Novidades em junho “Queria muito ganhar

Novas regras só em junho

com uma evolução muito favorável.
pelos meus jogadores,
pelo clube e por outras
razões menos
saudáveis, não vou
dizer quais. Tenho
um orgulho imenso no
carácter desta equipa”
Rúben Amorim
mantém as atuais restrições face aos sendo depois avaliadas as condi- Treinador do Sporting, campeão 2020/2021

O
Liliana Coelho
país está no nível
verde da matriz
de risco, mas vai
continuar em es-
tado de calamida-
de até ao próximo
dia 30 de maio. Só
no próximo mês
as regras deverão
mudar. O anúncio foi feito esta quin-
ta-feira pela ministra de Estado e
da Presidência, Mariana Vieira da
Silva, após a reunião do Conselho de
Ministros. “O país evoluiu de forma
muito positiva, estando hoje clara-
mente no nível verde”, afirmou a
governante em conferência de im-
prensa.
Três concelhos avançam
e dois recuam
Na última semana assinalou-se um
“decréscimo muito significativo” de
covid-19 no país, com os níveis de
incidência neste momento abaixo
de 50 por 100 mil habitantes a 14
dias e o R(t) (índice de transmissi-
bilidade) a fixar-se em 0,92. “Isto
faz com que o país, olhando para a
matriz de risco definida, se encontre
Neste sentido, temos condições para
prosseguir um conjunto de medidas
já aprovadas”, explicou.
Carregal do Sal, Cabeceiras de
Basto e Paredes são os três conce-
lhos que avançam no desconfina-
mento, enquanto Arganil e Lamego
são os únicos que recuam para as
regras de 19 de abril. Decisão que
já foi contestada pelo autarca de
Arganil, que lamentou que o índice
de transmissibilidade não seja in-
cluído na equação. “Era importante
termos bem em atenção a realidade
demográfica de concelhos como o
de Arganil. Estamos a falar de cerca
de 65 casos num território com 332
quilómetros quadrados e 11 mil ha-
bitantes”, afirmou Luís Paulo Costa,
numa reação crítica à decisão do
Executivo.
Por outro lado, 12 concelhos estão
em alerta, enquanto há uma semana
eram quase o dobro (23). Albufeira,
Alvaiázere, Castelo de Paiva, Fafe,
Golegã, Melgaço, Montalegre, Oli-
veira do Hospital, Torres Vedras,
Vale de Cambra, Vila Nova de Poia-
res e Odemira estão na lista. Relati-
vamente a Odemira, a freguesia de
Longueira/Almograve junta-se às 11
outras freguesias que acompanham
as regras do país, mas São Teotónio
“níveis de incidência elevados”. A
boa notícia é que as autoridades de
saúde regionais confirmam que já
não há transmissão comunitária do
novo coronavírus.
Novas regras a partir de junho
Contudo, o cenário é ainda de caute-
la, mantendo-se a generalidade das
regras em vigor. As únicas exceções
são as atividades desportivas, que
passam a ter horário alargado, até às
22h30, à semelhança da restauração
e das atividades culturais, enquanto
os parques infantis, parques aquá-
ticos e os itinerantes de diversão
passam também a poder funcionar.
A obrigatoriedade do teletraba-
lho mantém-se até ao final do mês,
GOVERNO AGUARDA
O PLANO SOLICITADO
AOS PERITOS SOBRE
REGRAS A PARTIR
DO PRÓXIMO MÊS
ções em que o trabalho à distân-
cia poderá continuar, numa altu-
ra em que o Parlamento terá 60
dias para regular o teletrabalho.
Mariana Vieira da Silva sublinhou
ainda que o Governo já encomendou
um novo plano a Raquel Duarte e Ós-
car Felgueiras, dois dos especialistas
que marcaram sempre presença nas
reuniões no Infarmed, para o final
do mês. O objetivo é perceber que
regras deverão vigorar em junho,
quando a população com mais de 60
anos já tiver sido vacinada.
Se a vacinação mantiver o bom
ritmo, o coordenador da task force
já antecipou que no final de julho ou
início de agosto 70% da população
(acima dos 30 anos) poderá ter rece-
bido pelo menos uma dose da vacina
contra a covid-19. Ainda assim, o
Executivo garante que as regras de
acesso às praias e concessionários
são para manter este verão, como a
obrigatoriedade do uso de máscara,
com multas que podem variar entre
os €50 e os €100. “Não há nenhu-
ma alteração aos locais em que é
obrigatório usar máscara”, disse
Mariana Vieira da Silva, frisando
que a novidade é o regime contra-
ordenacional.
lpcoelho@expresso.impresa.pt
PRÉMIO SE É QUE
ME FAÇO ENTENDER
“Quem deve prevenir
não conseguiu prevenir
e quem deveria prevenir
são as entidades
responsáveis por isso”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República, sobre os incidentes
em Alvalade e no Marquês
PRÉMIO “O QUE PASSOU-SE”?
“O melhor património
imobiliário em Lisboa
era meu. Meu, com o
dinheiro do banco. [...]
Não fujo do meu país
nem vou delapidar
património”
Luís Filipe Vieira
Presidente do Benfica e da Promovalor, na AR
PRÉMIO JOGO DE PALAVRAS
“Sr. primeiro-ministro,
sobre a Administração
Interna já nada nos
Odemira”
Telmo Correia
Líder parlamentar do CDS

Fátima Fiéis ultrapassam Roma. Na abertura das celebrações, o PRÉMIO SAI MAIS UM RECADO
bispo de Leiria lembrou que Francisco “Em relação a Odemira,
prometeu voltar ao santuário em 2023, acho que se têm
na altura das Jornadas Mundiais da

limites da pandemia Juventude. “Não teria sentido nenhum

Depois de uma pausa forçada,
peregrinos regressaram em
força ao 13 de Maio e obrigam
santuário a repensar estratégia
O teste feito ao regresso dos peregri-
nos a Fátima para a maior celebração
anual da Cova da Iria pode obrigar os
responsáveis do santuário a rever a
estratégia para as próximas peregri-
nações. As restrições impostas pelas
autoridades de saúde levaram a uma
lotação máxima de 7500 pessoas no
recinto — abaixo dos números pro-
postos pelo santuário —, que acabou
por se revelar ser mínima para a pro-
cura dos fiéis. E o problema está em
que, entre as centenas de pessoas que
foram barradas à entrada do santuá-
rio, acabaram por se encontrar alguns
elementos dos (poucos) grupos de pe-
regrinos previamente inscritos para
assistirem às cerimónias neste ano.
É um dilema para as autoridades
católicas. O equilíbrio de abrir as por-
tas de Fátima, conseguindo garantir a
segurança dos visitantes, não é fácil,
mas ainda esta semana a Conferência
Episcopal optou por “reafirmar as
orientações em vigor” e “seguir as
orientações da DGS nas manifesta-
ções religiosas”. Apesar do recuo dos
números das infeções em Portugal e
dos sinais de abrandamento da pan-
demia, a Igreja faz questão de manter
regras ainda muito restritivas, tanto
para as missas como para quaisquer
outras celebrações. “Levamos muito
a sério esta responsabilidade”, diz o
bispo de Leiria Fátima no dia em que
se deu início à maior peregrinação
anual daquele santuário.
O teste deste 13 de Maio “correu
bem e o balanço é positivo”, disse o
reitor do santuário, Carlos Cabeci-
nhas, ao Expresso. Os responsáveis
do santuário estiveram em contac-
to permanente com as autoridades
de saúde, e foi da DGS que partiram
as maiores limitações para abertura
de Fátima aos peregrinos. Segundo
o Expresso apurou, a Igreja procu-
rou aumentar a lotação do recinto,
argumentando com a dimensão do
Reitor do santuário, Carlos Cabecinhas, considera que teste “correu
bem e o balanço é positivo” FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
santuário, que permite acolher mais
peregrinos sem pôr em causa o distan-
ciamento físico entre os presentes. Foi
ainda proposta a colocação de ecrãs
gigantes no exterior, para permitir
alargar o número de participantes nas
cerimónias, mas as autoridades de sa-
úde ‘chumbaram’ todas estas propos-
tas do santuário, invocando os riscos
de contágios ou da capacidade de as
autoridades policiais controlarem as
concentrações que se podiam formar
no exterior do recinto do santuário.
A Igreja cumpriu à risca e, com os
sucessivos apelos à contenção das ce-
lebrações, viu as inscrições de grupos
de peregrinos reduzir-se a pique. A 13
de outubro, 93 grupos organizados
rumaram ao santuário de Fátima, en-
quanto em maio — tradicionalmente a
maior peregrinação do ano — apenas
19 grupos se inscreveram. E, mesmo
assim, o santuário foi obrigado a fe-
char as portas várias horas antes do
arranque das cerimónias, porque a
lotação máxima tinha sido atingida e
deixado centenas de pessoas do lado
de fora e em protesto contra o facto
de serem impedidas de entrar. O em-
baraço dos responsáveis de Fátima foi
tanto maior quanto, entre os peregri-
nos travados de entrar no santuário,
se encontram precisamente membros
dos grupos previamente inscritos para
assistir às cerimónias.
Questionado sobre as aprendiza-
gens desta experiência de celebração
em Fátima, D. António Marto foi pe-
rentório: “Não foi um teste. Foi uma
experiência que não queremos que
se volte a repetir.” A tarefa de limitar
a entrada de peregrinos em Fátima é
“sempre dolorosa”, assume o reitor
do santuário. E a Igreja confia que o
progresso na vacinação seja “uma luz
ao fundo do túnel” para o fim da pan-
demia. E, com ela, o fim das restrições
impostas ao culto na Cova da Iria.
À espera do Papa
As celebrações deste 13 de Maio con-
taram com a presença de D. José To-
lentino Mendonça, enviado especial
do Papa que reforça cada vez mais o
papel de influência de Fátima junto de
ir a Portugal e não ir a Fátima, porque
Fátima é a alma de Portugal”, terá dito
o Papa a D. António Marto, segundo
de retirar muitas
consequências políticas”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República
relatou o próprio aos jornalistas.
O regresso de Francisco ao santu- PRÉMIO CONTRA
ário “é um sinal de grande esperan- VENTOS E MARÉS
ça” para Fátima, que não esquece a “Tenho um excelente
importância desse sinal “até mesmo ministro da
para a economia local, que tem sofri-
do um forte impacto com esta crise”. Administração Interna”
As contas do santuário caíram a pi- António Costa
que, com uma quebra de receitas de Primeiro-ministro
70% no ano passado, mas a situação
“é estável, embora difícil”, assume o PRÉMIO SALDO NEGATIVO
reitor de Fátima. As contas oficiais “Mais valia que tivesse
continuam, porém, a não ser divul- ficado na posse
gadas. O bispo reconhece que “não
tem havido avanços” nesta matéria e do Estado: não se
justifica a falta de informação com o venderiam ativos
diferendo entre a Igreja e as Finanças ao desbarato”
sobre as isenções fiscais da atividade
Rui Rio
religiosa previstas na Concordata. Presidente do PSD, sobre o Novo Banco
À margem de todas estas polémicas.
D. José Tolentino centrou toda a sua PRÉMIO TARDA, MAS NÃO FALHA
intervenção em torno da “contempo-
raneidade” da mensagem de Fátima.
“No mesmo dia, à
O cardeal e poeta recusou pronunci- mesma hora, uns anos
ar-se sobre quaisquer outras matérias depois. Cá estou”
e fez questão de chegar a pé — e com Pedro Santana Lopes
um grupo de peregrinos — ao santu- Candidato à Câmara da Figueira da Foz
ário. “Vim de Porto de Mós, porque
queria sentir o que sentem os pere- PRÉMIO INCONTINÊNCIA VERBAL
grinos”, disse aos jornalistas. “Estrume, só mesmo
É a primeira vez que um cardeal e
presidente das cerimónias do santuá- essa coisa asquerosa
rio chega a Fátima a pé. Mas o gesto de que quer ser
Tolentino é bem à imagem do despoja- considerada ‘um
mento e simplicidade que são marcas
do pontificado do atual Papa. Tal como
programa de
é na linha de Francisco a mensagem informação’”
de esperança que o cardeal veio deixar João Galamba
nas duas homilias que proferiu no san- Secretário de Estado da Energia, no Twitter,
tuário. Perante a “turbulência da pan- sobre o programa “Sexta às 9” na RTP1,
demia”, a “encruzilhada da história” ou publicação posteriormente apagada
neste “atribulado presente”, Tolentino
PRÉMIO CONTROLO DE DANOS
propõe um “relançamento espiritual”.
“Transformar a crise em oportuni- “O comentário, de uma
dade e a calamidade em esperança” linguagem desajustada,
é o mote, para uma “reconstrução” foi imediatamente
do mundo após a pandemia que não
pode ficar apenas pelo relançamento retirado, e isso
e a recuperação económica. “Sem o corresponde ao
pão não vivemos, mas não vivemos só arrependimento
de pão”, diz o cardeal. “É preciso que de quem o fez”
nos tornemos melhores. É preciso um
suplemento de alma. É preciso que João Matos Fernandes
desconfinemos o nosso coração.” Ministro do Ambiente
Rosa Pedroso Lima Paula Santos
rlima@expresso.impresa.pt paulasantos@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO
POLÉMICA
Falhanço Reunião entre PSP, CML, SCP, MAI
e DGS para planear festa do campeonato não
S
chegou a acordo. E não houve mais nenhuma
‘‘
Marcelo:
“Espero que
aprendam”
Os riscos Com a pandemia mais controlada em
Portugal, o risco de juntar milhares
de pessoas, como aconteceu esta se-
dos festejos mana com os festejos da vitória do
Sporting, pode ser menor, mas existe,
concordam os especialistas em saúde
na rua pública. “Fruto das circunstâncias, al-
guns excessos eram previsíveis , se ca-
lhar, inevitáveis, mas planear melhor
teria sido bom”, disse ao Expresso o
Celebrou na rua a vitória presidente da Associação Nacional
do Sporting? Especialistas de Médicos de Saúde Pública, Ricardo
aconselham a restringir Mexia. Para quem esteve nas ruas a
contactos e a fazer teste festejar, trata-se agora de prevenir
Texto Ângela Silva, Hugo
Franco e Mariana Cabral
Foto José Fernandes
ão todos responsáveis”,
afirma o Presidente da
República, que assis-
tiu a partir do Minho à
festa do Sporting que
violou todas as regras
sanitárias. Marcelo
Rebelo de Sousa co-
mentou, na altura, que
“quem devia prevenir não conseguiu
prevenir”, numa alusão a todos os en-
volvidos no processo — clube, adeptos,
responsáveis políticos e de segurança.
Ao Expresso, Marcelo diz agora: “Es-
pero que aprendam.” A poucos dias da
final da Taça de Portugal, que se realiza
em Coimbra a 23 de maio, entre o Ben-
fica e o Braga, e da final da Champions,
que levará milhares de adeptos do Man-
chester City e do Chelsea ao Porto dia
29, o Presidente espera que desta vez o
planeamento funcione.
Aos que voltam a pedir a cabeça do
ministro da Administração Interna, que
tutela as forças de segurança, Marcelo
lembra que “não estamos num sistema
presidencialista em que o Presidente
da República é primeiro-ministro ao
mesmo tempo“, e assim passa a bola
a António Costa. Mas a sua convicção,
sabe o Expresso, é de que o chefe do
Governo, a remodelar, nunca o fará
antes do final do ano, cumpridas as au-
tárquicas e a aprovação do Orçamento
do Estado. O facto é que Costa segurou
Cabrita no Parlamento (“um excelen-
te ministro”), mas o PS limitou-se a
eventuais (más) consequências, pelo
que a recomendação é: atenção a
eventuais sintomas, evitar o contacto
com pessoas mais vulneráveis, fazer
teste.
“Falar em quarentenas não vai re-
sultar”, considera Ricardo Mexia.
“Mas quem esteve a celebrar” deve
“reforçar os comportamentos indi-
viduais e medidas de segurança”, so-
bretudo “protegendo contactos mais
vulneráveis para limitar os riscos”.
Considerando que a doença pode
dar sinais a qualquer momento,
elogiar a sua condução dos estados de
emergência, com a líder parlamentar
Ana Catarina Mendes a sublinhar na
“Circulatura do Quadrado” não gostar
“de ver o passa-culpas de toda a gente”.
Marcelo não comenta o inquérito pe-
dido pelo Governo à atuação da PSP.
Pelo contrário, pediu informações aos
agentes de segurança que trabalham
na Presidência para apurar se é verda-
de que houve objeções colocadas pela
polícia aos festejos que não terão sido
aceites pelos responsáveis políticos, se-
jam autárquicos ou do Governo. A con-
firmar-se ter havido recomendações da
PSP, por escrito, não acatadas, Marcelo
admite estar-se perante um caso de
responsabilidade política. Até ao final
da tarde de ontem, as informações reco-
lhidas pelo PR, que também falou com
Medina, apontavam para uma ausência
de consenso entre as várias entidades
envolvidas no planeamento dos feste-
jos, e que, na sua opinião, acabou por
levar a que “todos encarassem o assun-
to com excessivo à-vontade”.
A reunião que não decidiu nada
Ao que apurou o Expresso, a PSP saiu
derrotada da única reunião técnica,
que se realizou na última sexta-feira,
para definir os moldes dos festejos do
Sporting. Estiveram presentes o chefe
de gabinete do secretário de Estado da
Administração Interna e representan-
tes do Sporting, da DGS, da Câmara
de Lisboa e da Polícia. A PSP começou
por propor que se abrisse o Estádio
de Alvalade aos adeptos, mas a ideia
foi afastada porque as autoridades de
saúde disseram que só seriam permi-
“durante 14 dias há que estar aten-
to”, lembra ainda, algo que a pró-
pria Direção-Geral da Saúde (DGS)
já veio repetir. Se houve momentos
em que a pessoa não respeitou as
medidas de proteção, é aconselhá-
vel “fazer um teste entre o 5º e o 10º
dia” após as celebrações, especifica
a DGS.
O virologista Paulo Paixão fala mes-
mo em “organizar um rastreio em
massa”. “Se fosse autoridade de saú-
de pública, perante este evento não
controlado, era o que faria”, garante
Expresso, 14 de maio de 2021
tidas 2500 pessoas nas bancadas, um
número muito abaixo das que eram
esperadas. O plano B sugerido pela PSP
passaria pelo controlo de adeptos num
perímetro fechado na zona do Marquês
de Pombal e na Avenida da Liberdade,
um pouco à imagem de festejos anterio-
res. “As pessoas seriam revistadas à en-
trada. Haveria menor risco de atirarem
pedras, garrafas e petardos, como veio
a acontecer”, conta o comissário Bruno
Pereira, vice-presidente do Sindicato
dos Oficiais de Polícia. Também esta
ideia não foi acolhida.
Nessa reunião, o Sporting propôs o
passeio de autocarro aberto com os
jogadores entre o estádio e o Marquês
de Pombal e apenas a PSP se mostrou
contra, considerando o cenário “não
aconselhável” por razões de segu-
rança. Fonte da autarquia considera,
pelo contrário, que esta foi a melhor
solução para garantir que os adep-
tos estivessem dispersos pela cidade,
permitindo um maior distanciamen-
O MAI, QUE MANDOU
A IGAI ABRIR UM
INQUÉRITO À ATUAÇÃO
DA PSP, DIZ SÓ QUE O
GABINETE DO MINISTRO
NÃO ESTEVE ENVOLVIDO
NA REUNIÃO TÉCNICA
o presidente da Sociedade Portuguesa
de Virologia. “Em alternativa a um
rastreio organizado, as pessoas po-
dem tentar entrar em contacto com
o seu médico ou com a linha SNS24”,
sublinha o especialista. Um teste PCR
é preferível, sublinha, mas há sempre
a opção de fazer o vulgarmente cha-
mado teste rápido.
Realizar um teste é o que defende
também o epidemiologista Manuel
Carmo Gomes: “As pessoas devem
procurar ser testadas nas 48/72 horas
seguintes ao evento, isto se for um tes-
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 7

to entre si. O Expresso sabe que na
reunião nada se decidiu. Não houve
entendimento entre PSP, CML, SCP
e DGS. “E não houve mais nenhuma”,
conta fonte do Governo.
Oposição monta
respeitado. Uma fonte do processo as-
segura que a PSP enviou um terceiro
e-mail à câmara com um parecer nega-
tivo sobre a colocação do palco, ecrãs

‘Manif’ da Juve Leo

Nesse mesmo dia, os serviços da Câma-
ra de Lisboa receberam um e-mail de
três cidadãos — omitindo que perten-
ciam à Juventude Leonina — a comuni-
car a “intenção de fazer uma manifes-
tação no dia 11 de maio, desde as 14h até
às 22h30, nas imediações do Estádio
de Alvalade”, com “a presença de um
veículo” onde iriam “transmitir o jogo
e com música durante esse período,
junto à sede da Juventude Leonina”. De
acordo com a lei, as manifestações não
carecem de autorização, basta a comu-
nicação. E o atual estado de calamidade
não as proíbe. Facto aproveitado pelos
três elementos da claque para orga-
nizarem os festejos. A autarquia, que
alega que “o direito de manifestação
não está sujeito, nos termos da Consti-
tuição, a qualquer autorização ou con-
dicionamento por parte das câmaras
municipais”, remeteu o e-mail para o
MAI e PSP, para esta verificar se havia
questões de segurança.
De acordo com e-mails a que o Ex-
presso teve acesso, o Comando Metro-
politano de Lisboa (Cometlis) da PSP
fez uma primeira objeção à questão de
o horário não estar definido. E num se-
gundo e-mail a Polícia considerou que a
‘manifestação’ se poderia realizar desde
que os organizadores garantissem o uso
de máscara quando não fosse possível
o distanciamento físico. O que não foi
te PCR. Se for um teste TRAg, sugiro
que o teste seja repetido no 3º e 4º dia
após o evento — caso tenha sido feito
outro antes e esteja negativo.”
Perante um teste positivo, a reco-
mendação do especialista é que a
pessoa infetada cumpra isolamento e
contacte a linha SNS24.
Como forma de minimizar os riscos,
Carmo Gomes reforça outro conse-
lho. No caso dos jovens presentes nos
festejos que eventualmente convivam
“com pessoas mais velhas ainda não
vacinadas” é conveniente evitarem
e Dj em frente ao Estádio de Alvalade,
pois iria concentrar pessoas e contra-
riar as indicações da DGS. E-mail que
o presidente da autarquia veio afirmar
outro cerco a Cabrita:
não ter tido conhecimento.
O que é certo é que no dia do jogo
a Juventude Leonina montou todo o
cenário para a festa sem obstáculos.
a extinção do SEF
O planeamento das autoridades de
saúde, CML, PSP e Sporting foi du-
ramente criticado após os confrontos
entre adeptos e polícia ao longo dos Depois de Odemira e da
festejos, que causaram feridos e deti- festa do Sporting, ministro
dos. O MAI, que mandou a IGAI abrir vai ser forçado a levar
um inquérito à atuação da PSP, apenas reforma ao Parlamento.
refere que o gabinete do ministro não Só o Bloco pode salvar a lei
esteve envolvido na reunião técnica
de preparação da festa verde e branca O anúncio foi feito no final do
(mas esteve o do secretário de Estado ano passado, no rescaldo da
sob sua tutela). morte do cidadão ucraniano
Já o secretário de Estado Adjunto Ihor Homeniuk nas instala-
e da Saúde, António Lacerda Sales, ções do SEF: Eduardo Cabrita
diz que “a Saúde fez o seu trabalho”, iria impulsionar uma reforma
deixando “recomendações para dar a do SEF que passava pela extin-
maior segurança possível ao aconte- ção daquele organismo (com
cimento”. E garantiu: “Não estamos delegação de competências na
aqui para atirar culpas a ninguém.” PSP e na GNR) e pela criação
Esta quinta-feira, Fernando Medina do Serviço de Estrangeiros e
disse que a autarquia não tinha compe- Asilo (SEA). Foi o que acon-
tências para travar a festa em Alvalade. teceu a 14 de abril, quando o
E que sempre defendeu a passagem do Governo aprovou isso mesmo
autocarro com a equipa do estádio para numa resolução do Conselho
o Marquês de Pombal, sendo contra a de Ministros, comprometen-
“péssima ideia” de colocar um palco do-se a avançar com essa re-
nesta praça, o que faria concentrar os forma sozinho, através de um
adeptos num só espaço, algo contrapro- decreto-lei. O problema é que
ducente em tempo de pandemia. não só não há ainda decreto
asilva@expresso.impresa.pt nenhum como todos os par-
tidos, da esquerda à direita,
são unânimes em dizer que
a reforma do SEF não deve
ser legislada pelo Governo so-
zinho, mas deve, sim, passar
pela Assembleia da República.
É nesse sentido que os parti-
dos, do PSD ao CDS, passando
pelo PCP e pelo Bloco de Es-
querda, admitem ao Expresso
a intenção de pedir a aprecia-
ção parlamentar do decreto-
-lei sobre a extinção do SEF
— quando ele for assinado —
para forçarem uma votação no
Parlamento.
O problema é de mais difícil
resolução quando quase toda a
oposição contesta os princípios
anunciados por Cabrita para
fazer a reforma. É assim para
o CDS, que, sabe o Expresso,
se prepara para levar a votos
uma resolução para forçar a
discussão parlamentar do dos-
siê. Mais: fortemente críticos
da extinção do SEF, os cen-
tristas admitem até recorrer
ao Tribunal Constitucional se o
Governo não levar o dossiê ao
Parlamento, invocando que as
leis sobre forças de segurança
são uma reserva de competên-
cia da AR.
O PSD acompanha e acres-
centa outro problema: é que
dois dias depois de o Governo
ter aprovado a extinção do SEF
numa resolução do Conselho
de Ministros, que não tem
força de lei, o ministério de
Eduardo Cabrita assinou um
despacho onde atribui com-
petências específicas ao novo
SEA — organismo que ainda
não está legalmente criado. No
Noite da festa despacho sobre “interoperabi-
culminou no lidade de dados da responsa-
Marquês de bilidade do SEF/SEA”, a que o
Pombal, mas Expresso teve acesso, datado
ajuntamentos, de 16 de abril, lê-se, entre ou-
violência tras coisas, que “ao SEA caberá
e intervenção dar continuidade aos desafios e
policial compromissos assumidos pelo
mancharam Estado português enquanto or-
os festejos ganismo que sucede ao SEF”,
listando-se em nove pontos
quaisquer contactos com essas mes- as funções que o organismo
mas pessoas “antes de saberem a sua passará a ter — incluindo “o
situação”. Sistema de Entrada/Saída; o
“É de esperar que possam ocorrer Sistema Europeu de Informa-
pequenos surtos causados pelo even- ção e Autorização de Viagem;
to. O evento ocorreu ao ar livre, em ou o Sistema de Informação
ambiente fechado teria sido muito Schengen”, lê-se.
pior, mas vi imagens de pessoas muito No entender do PSD, trata-se
perto umas das outras, sem máscara e de um “despacho surreal”, uma
aos gritos — se alguma estava infeta- vez que o SEA é uma entidade
da, pode perfeitamente ter infetado “inorgânica”, que “ainda não
outras”, acrescenta. foi criada”. Logo, “o Governo
Mafalda Ganhão está a atribuir competências a
mganhao@expresso.impresa.pt uma entidade que não existe”,
Administração Interna — polémicas para trás e mais
problemas pela frente... FOTO EDUARDO CABRITA
diz ao Expresso o deputado
social-democrata André Coe-
lho Lima, que tem acusado o
ministro de estar a fazer a re-
forma nas costas do Parlamen-
to e “debaixo do tapete”. “O
Governo está a driblar o Par-
lamento ao tentar esvaziar o
SEF de funções antes de a sua
eventual extinção poder ser
discutida na AR. É a teoria do
facto consumado, que repre-
senta um desrespeito institu-
cional próprio deste MAI, que
todos os dias dá mostras da sua
desadequação para uma fun-
ção de soberania como esta”,
diz Coelho Lima, que também
admite pedir a apreciação par-
lamentar do decreto-lei se o
Governo não levar a reforma
do SEF ao Parlamento.
Mas o cerco a Eduardo Ca-
brita na reforma do SEF não
se fica pelo PSD nem pelas
reticências do BE. Também o
PCP quer que a reforma saia
do gabinete do ministro e vá
para o Parlamento. Com o
serviço em sucessivas greves
e falando numa extinção “pro-
blemática” do SEF, António
Filipe não poupa o ministro:
“Esta reforma foi uma fuga
para a frente, mas é um salto
no escuro”, diz ao Expresso,
lembrando que ainda estão em
formação “mais de 100” novos
trabalhadores do SEF e que
estes, como os restantes, “nada
sabem sobre o seu futuro”.
A Eduardo Cabrita resta,
para salvar a sua “reforma”,
o apoio do Bloco de Esquerda,
o membro desavindo da ‘ge-
ringonça’. Mas esse eventual
apoio não virá sem um preço:
“Há várias dimensões que têm
de ser modificadas”, diz Bea-
triz Gomes Dias, explicando
que o partido exigirá não só
uma discussão parlamentar
como a garantia de formação
contínua do novo SEA, uma
“resolução rápida” dos proces-
sos de integração e uma “ava-
liação das queixas” transpa-
rente. A preocupação do Bloco
não é com a extinção do SEF,
mas com “os funcionários”,
que estão apreensivos, e com
os “migrantes, que é preciso
integrar”. Para Cabrita, fica o
alerta: “Até agora, o Governo
ainda não falou connosco.”
David Dinis e Rita Dinis
ddinis@expresso.impresa.pt
Cabrita sai?
Cabrita fica
A pergunta tem sido repetida
desde que, em 2017, o então
ministro Adjunto assumiu a
pasta da Administração
Interna no rescaldo da saída
de Constança Urbano de
Sousa, devido à tragédia dos
incêndios daquele ano. Esta
semana voltou a ser feita,
com a direita a questionar,
depois da polémica da
requisição civil em Odemira e
da falta de planeamento do
MAI, que tutela as forças de
segurança, nos previsíveis
festejos do Sporting após
vencer o campeonato de
futebol, se o
primeiro-ministro mantinha
a confiança no “amigo” ou se,
por ter “andando com ele na
escola”, nas palavras de João
Cotrim de Figueiredo, ele era
“inimputável”. A resposta foi
clara: “Tenho um excelente
ministro da Administração
Interna.” Antes disto, já
Marcelo Rebelo de Sousa
tinha pedido “muitas
consequências políticas” do
caso dos imigrantes em
Odemira, mas Cabrita ficou.
Tal como ficou quando o
Presidente, no final do ano
passado, pediu
responsabilidades pela inação
do Estado no caso da morte
de Ihor Homeniuk no SEF.
Nessa altura, a pressão
chegava de todos os lados,
até da esquerda, mas Cabrita
reafirmava que tinha feito
tudo o que estava ao seu
alcance. Antes já tinha havido
a polémica das golas
antifumo, que eram, afinal,
inflamáveis: demitiu-se o
adjunto do secretário de
Estado da Proteção Civil,
demitiu-se o secretário de
Estado. Ficou o ministro mais
contestado do Governo. R.D.
 8 PRIMEIRO CADERNO
MIGRANTES
Denúncia Trabalhadores confessam ter sido obrigados a pagar €10 mil a redes de tráfico de mão de obra
O lado oculto das
estufas de Torres Vedras
FOTO TIAGO MIRANDA
Textos Hugo Franco
T
rês migrantes de ca-
misola verde, com
o logótipo de uma
empresa de legu-
mes e frutas, saem
do carro decrépito
estacio nado num
terreno coberto de
poças de água das
últimas chuvadas. Estão visivelmente
cansados. Foi mais um dia a apanhar
batatas, curgetes e tomates num lu-
gar pertinho dali, em A dos Cunha-
dos, Torres Vedras; já eles vieram de
muito longe, do Punjab, na Índia, e
levam dois anos a trabalhar nas estu-
fas. A esta hora só querem percorrer
a ruela de casas onde vivem dezenas
como eles, amontoados, e onde o chei-
ro adocicado do caril cozinhado por
Ravi (nome fictício) no velho tacho
fumegante sai pelas janelas abertas
de cozinhas escuras. Aquele jantar
será o momento alto do dia, antes
de se espalharem, dormentes, pelos
beliches, para descansar as pernas.
A manhã seguinte trará de novo a
realidade.
“Temos tido alguns problemas des-
de que estamos em Portugal”, acaba
por confessar um deles, depois de
ultrapassadas as desconfianças ini-
ciais. Na primeira empresa em que
trabalharam, diz ele, recebiam 350
euros mensais e tinham de pagar mais
de 100 euros por cabeça pela renda
da casa. O magro ordenado nem era
o único problema. O pior eram os
salários em atraso, o que lhes difi-
cultava ainda mais a vida, sobrando
pouco para sobreviver e muito menos
para enviar uma parte para a família.
“Conseguimos sair da empresa, mas
ficaram a dever-nos dois mil euros.”
Agora, onde trabalham há poucos
meses, ganham o ordenado mínimo
nacional e têm as contas em dia. Estão
mais satisfeitos. Mas a sua viagem
para Portugal teve um custo elevado.
Ainda na Índia, viram-se obrigados
a pagar 10 mil euros cada um ao re-
crutador de mão de obra para terem
direito a um contrato de trabalho em
Portugal. “É muito dinheiro. Mas de
outra maneira não saíamos do nosso
país”, confessam.
O Expresso encontrou em Torres
Vedras outros casos semelhantes de
migrantes que pagaram quantias ele-
vadas a estas redes ilegais, ainda que
por valores um pouco inferiores. Um
deles é o nepalês Rana (nome fictí-
cio), que divide um quarto com três
conterrâneos na freguesia vizinha
de Sobreiro Curvo. Pouco lhe valeu
largar sete mil euros para ter trabalho
na Europa: o migrante, que antes de
aterrar em Portugal esteve algum
tempo na Polónia, está desempregado
e passa os dias à procura de uma opor-
tunidade em Torres Vedras. “Preciso
muito de trabalhar”, desabafa. Não é
o único.
A utopia e a covid
Numa das mais importantes estufas
do Oeste, a Hortomaria, mais de 60
nepaleses, tailandeses e ucranianos
apanham tomates, curgetes e feijão-
-verde. “Temos uma fila de espera de
estrangeiros à espera de trabalhar”,
conta o dono, Paulo Maria. O empre-
sário, de 53 anos, garante que sem os
migrantes as empresas hortícolas de
Torres Vedras já tinham fechado as
portas há muito tempo. “Pensar que
a horticultura sobrevive sem mão de
obra estrangeira é uma utopia.” Os
portugueses, garante, há muito que
não querem trabalhar na agricul-
tura, por não obedecer à lógica de
outros sectores. E dá o exemplo dos
feriados, que são incompatíveis com
os picos das campanhas hortícolas.
Ainda assim, assegura que os seus
empregados só trabalham aos sá-
bados nos picos das campanhas — e
descansam ao domingo. “Aqui no
Oeste não há trabalho escravo.” Mas
há covid.
Várias empresas hortícolas da re-
gião que também empregam mão de
obra oriunda da Ásia têm tido surtos,
ainda que numa escala mais reduzida
do que a verificada na Costa Vicen-
tina: os últimos números dão conta
de 38 casos de migrantes positivos
e muitos estão isolados no Centro
Diocesano do Turcifal. “Estão lá mui-
tos migrantes que residem em casas
cheias de pessoas e onde não existem
condições mínimas para se protege-
rem do vírus”, confidencia uma fonte
da proteção civil local. O Expresso pe-
diu autorização às autoridades locais
para visitar este centro de isolamento.
O acesso foi-lhe negado.
TRÊS MIGRANTES
FORAM OBRIGADOS
A PAGAR 10 MIL EUROS
CADA UM, AINDA
NA ÍNDIA, A UM
RECRUTADOR
DE MÃO DE OBRA
“Há um problema de habitação
com os migrantes”, admite a presi-
dente da Câmara Municipal de Tor-
res Vedras, Laura Rodrigues. Nas
últimas semanas, os responsáveis
municipais já detetaram três casos
“indignos de habitação”, que foram
denunciados às autoridades. A autar-
ca alerta também para as empresas
de prestação de serviços de trabalho
temporário, que não raras vezes for-
necem mão de obra aos produtores
hortícolas. “Em muitos casos, não
sabemos se o salário chega na tota-
lidade às mãos dos trabalhadores
migrantes.”
Há 4200 migrantes registados ofici-
almente em Torres Vedras, mas Lau-
ra Rodrigues acredita que o número
possa ser superior. E lembra que, ao
contrário do que acontece em Ode-
mira, os migrantes estão diluídos no
total da população, de 80 mil pessoas.
“Faz diferença no acolhimento que
recebem”, diz.
Não é bem assim. Num café na fre-
guesia do Ameal, os convivas falam
dos “indianos que gostam de viver
amontoados, sem ninguém saber
quantos são”, ou que “não se dão com
mais ninguém”. Já um proprietário
que aluga vários apartamentos à co-
munidade da Índia e do Nepal não
tem pejo em definir como “invasão”
o fluxo recente de migrantes para
Torres Vedras. Invasão da qual fica
a lucrar, já que aluga quartos de ta-
manhos diminutos, sem janelas, para
duas pessoas, e a mais de 100 euros
por cabeça. “Todos os dias aparecem
estrangeiros a perguntar por uma
habitação”, regozija-se. Os estran-
geiros que acordam de madrugada
para um trabalho que os locais não
querem fazer.
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021
Odemira: um
trio de soluções
Foi precisa uma pandemia para que
o país acordasse para a exploração
dos trabalhadores migrantes na
agricultura em Portugal, um
fenómeno antigo que se move por
várias geografias ao ritmo do
calendário das colheitas. Odemira
foi só a primeira face visível: no fim
de abril o concelho registou a
maior incidência de covid por 100
mil habitantes — 991 casos,
quando a média era de 68,3 — e
fechou-se numa cerca sanitária as
freguesias de São Teotónio e
Longueira-Almograve. Foi a análise
dos positivos que permitiu
desvendar as condições de
sobrelotação e insalubridade em
que viviam aí várias centenas de
migrantes, a maioria
hindustânicos, a cama paga à
cabeça a proprietários e
intermediários que são só dois elos
da cadeia de exploração.
Quando o assunto começou a
beliscar a esfera política, o
Governo foi a terreno apresentar
medidas urgentes: apoios aos
proprietários, em parte de fundos
europeus, para que construam
habitação condigna para os
trabalhadores, a estrear até março
de 2022; financiamento a 100% do
Plano de Recuperação e Resiliência
para que o município desenhe a
estratégia local de habitação; e
compensações pelas perdas a
comerciantes e empresários
durante a cerca sanitária,
levantada na quarta-feira.
Expresso, 14 de maio de 2021
Perder um dedo
a tentar ganhar a vida
Agricultura do Ribatejo
não precisa de tanta mão
de obra como no Alentejo,
mas foram detetadas 150
vítimas de tráfico
Ainda não são sete da manhã
e o homem alto de gorro de
malha atravessa até à paragem
de autocarro com o telemóvel
erguido à altura do rosto. É
demasiado cedo para telefonar
a alguém mas para onde liga
já o dia vai quase a meio. Do
outro lado do ecrã, uma mu-
lher de pele morena, longos
cabelos negros e roupas roxas
responde-lhe. O que lhe diz
não se ouve: está com fones
para conseguir um pouco da
privacidade que pouco tem.
Baldev Singh tem 47 anos, e
na Índia, onde ficaram a mu-
lher e os três filhos, já são qua-
se horas de almoço. A sua vida
é uma montanha-russa: saiu
de Punjab em direção à Malá-
sia, onde trabalhou durante 12
anos; depois, chegou à Europa
e esteve no Reino Unido por
quase oito anos. No final do ano
passado veio para Portugal, de
onde saiu no inverno e regres-
sou há menos de um mês, agora
direto para Almeirim, na regi-
ão do Ribatejo, para trabalhar
numa exploração agrícola. “Isto
MIGRANTES O recurso a mão de obra estrangeira e barata, sobretudo asiática, es-
tende-se à zona Oeste e ao Ribatejo, principalmente na agricultura. Só em Torres
Vedras há 4200 migrantes registados oficialmente. Os problemas são semelhantes
aos do Baixo Alentejo: salários baixos e condições de vida e de habitação deficientes
aqui aconteceu em novembro”,
aponta. Falta-lhe parte de um
dedo da mão esquerda. “Da ou-
tra vez que cá estive, tive um
acidente no trabalho e ninguém
me ajudou.” É muito preciso ao
relatar o “um mês e nove dias”
que passou ao serviço de uma
fábrica de carvão em Tomar,
que lhe prometeu “salário e
alojamento, mas nada”. “Ainda
tive que pagar a renda e a conta
de €20 da eletricidade.” Ao Ex-
presso, a Carbrica, a empresa
ao serviço da qual Baldev per-
deu o dedo, não negou o caso,
referindo que o homem“foi
acompanhado pela empresa
de trabalho temporário”, re-
correndo “excecionalmente” a
estes funcionários extra.
Da mesma rua empedrada
onde paira no ar o cheiro a
especiarias de onde Baldev
surgiu, muitos outros traba-
lhadores vão aparecendo. Os
homens, e as poucas mulheres,
migrantes que vivem em Al-
meirim trabalham sobretudo
em explorações agrícolas ou
fábricas. Quase todos chegam
por um agente que no país de
origem — Índia, Bangladesh
e Paquistão — pagaram mi-
lhares de euros e são enviados
através de empresas de tra-
balho temporário para onde
são necessários. O autocarro
e uma carrinha aproximam-se.
Enchem-se e saem da cidade.
Só voltam ao fim do dia.
Salários de €170
Quem passa nas estradas pou-
cas vezes vê trabalhadores nos
campos: estão longe em zonas
dos terrenos que os olhos não
alcançam o lugar onde se apa-
nha o morango, ao ar livre, e
a curgete. Dentro de pouco,
será o tempo da beringela, do
melão e da melancia.
Hoje, um homem que abre a
porta de uma das muitas casas
que são albergue dos estran-
geiros temporários em Alpi-
arça não foi trabalhar. “Estou
com dores de cabeça e indis-
posto, mas não é corona.” Os
sintomas dizem outra coisa e
ele, que tem 26 anos e tam-
bém nasceu na Índia, não foi
ainda testado. “Estou melhor,
trabalho numa fábrica.” Par-
tilha a casa com mais “umas
Além da agricultura,
muitos migrantes
trabalham também
em fábricas
Redes exploram
apanhadores de
amêijoa do Tejo
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
Há cada vez mais malaios,
nepaleses e moldavos na
apanha e máfias a controlá-
-los. Bivalves contaminados
vendidos na Europa
Na segunda-feira, ainda a ma-
nhã se despedia da madrugada,
o rio Tejo foi palco de duas me-
gaoperações internacionais de
combate ao tráfico da amêijoa
japonesa, com o apoio da Euro-
pol, Eurojust e de forças polici-
ais de Espanha, Itália e França.
Na zona de Almada e do Bar-
reiro, a Unidade Central de In-
vestigação Criminal da Polícia
Marítima dava cumprimento a
34 mandados de busca e apre-
ensão, com o apoio da PSP, e
assim desmantelava três redes
que operavam na zona, com a
detenção de cinco pessoas (to-
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
dos portugueses), a apreensão
de 16 viaturas, duas embarca-
ções, mais de €40 mil e três ar-
mas. A operação foi o culminar
de dois anos de investigação,
em que foram recolhidos indí-
cios de captura ilegal de bival-
ves, falsificação de documentos,
crimes contra a saúde pública,
fraude sobre mercadorias, frau-
de fiscal, branqueamento de
capitais e posse de arma ilegal.
Ao mesmo tempo, e quase
na mesma zona, a Unidade de
Ação Fiscal da GNR detinha,
sob a direção do DIAP de Alma-
da, os cabecilhas de uma outra
organização transnacional, seis
homens e duas mulheres entre
os 29 e os 50 anos. Apreende-
ram ainda €120 mil, 22 veícu-
los, 14 embarcações, ferramen-
tas e maquinaria de apanha, e
arrestaram seis contas bancá-
FOTO NUNO BOTELHO
rias e três imóveis. Durante a
operação “Tagus Clams”, mais
de 200 militares realizaram 53
buscas na margem sul e 11 em
Espanha e Itália, para onde é
escoado o produto.
Quer num caso quer noutro,
desta vez as investidas polici-
pessoas”; da entrada notam-se
as paredes pintadas de novo e
várias caixas de móveis novos.
“Vim para Portugal pela
ais visaram apenas as cúpulas
destas organizações milionári-
as. É preciso descer na cadeia
hierárquica para encontrar o
Áustria. Trabalhei no Porto
e Santarém. Num hostel em
Lisboa fui roubado.” Há uns
que lhes dá dinheiro e as faz
crescer: os apanhadores da
amêijoa. No estuário do rio, a
meses, estava nos campos apanha ilegal mantém-se há
agrícolas a €170 por mês. anos na mão de redes crimino-
“Embora o Ribatejo tenha sas organizadas, alimentadas
uma agricultura mecanizada, por milhares de apanhadores,
há tarefas em que é necessá- portugueses e estrangeiros —
ria mão de obra e estas pesso- mas só os migrantes são ex-
as têm vindo a colmatar essa plorados e coagidos. Vivem em
escassez”, diz Pedro Ribeiro, condições indignas, ganham o
presidente da CM de Almeirim. mínimo. É como olhar para as
“Temos pessoas integradas e estufas de Odemira, só que lá
que querem ficar. E outras que os migrantes ajoelham-se na
vêm fazer uma temporada e de- terra e aqui é no lodo do Tejo.
pois se vão embora. Quando há Em dezembro de 2017, o Ex-
casos, são comunicados às au- presso publicou uma reporta-
toridades.” No verão de 2020, gem sobre estes escravos do rio.
uma operação do Serviço de Es- Não mudou muito desde então
trangeiros e Fronteiras (SEF) no modus operandi, mas o negó-
detetou 150 potenciais vítimas cio cresceu. Algumas das redes
de tráfico de pessoas em Almei- foram desmanteladas, houve
rim e Alpiarça. O caso está a ser até condenações pesadas, mas
investigado e três pessoas estão subsistiu o esquema do ‘rei mor-
em prisão preventiva. “Estavam to rei posto’. E é fácil perceber
sujeitos a condições degradan- porquê: com bom tempo, cada
tes de trabalho, alojamento e trabalhador consegue apanhar
salubridade”, explicou o SEF. 30 quilos de bivalves a cada
Baljeet Singh pagou €10 mil maré. A €4 o quilo, mesmo que
a “um tipo na Índia” para vir faça apenas uma maré (há duas
para Portugal. Tem 31 anos por dia) e trabalhe 20 dias (é
e vive num andar de cima de sempre mais), por mês tira do
uma vivenda em Alpiarça. Dois Tejo €2400 de amêijoa que tem
quartos para quatro homens, de entregar a determinados in-
€350 de renda. Trabalha numa termediários. Não há recibos
empresa de flores ali ao lado e de compra nem venda, por isso
de Portugal tem apenas uma não há impostos. Ninguém tem
queixa: “Ninguém aluga casas licenças e, na verdade, nem a
a indianos.” atividade é permitida porque ali
Marta Gonçalves a amêijoa está contaminada com
com Rúben Tiago Pereira E.coli e metais pesados. Ainda
mpgoncalves@expresso.impresa.pt assim, o fruto do Tejo acaba
PRIMEIRO CADERNO 9
nas marisqueiras de Espanha, e
mais recentemente de França,
Itália, Bélgica e Holanda, graças
a guias com a origem falsificada
(Sado), e com o dobro do valor.
O Expresso sabe que, além
dos processos que culminaram
nas operações desta semana, há
pelo menos mais cinco inquéri-
tos ativos na zona e os investi-
gadores não têm dúvidas que
“existe já prova recolhida para
a abertura de investigações de
tráfico de seres humanos e au-
xílio à imigração ilegal”.
No caso das redes desmante-
ladas pela Polícia Marítima, os
trabalhadores eram da Moldá-
via, uma das últimas naciona-
lidades a chegar à margem sul
do Tejo. A romenos e tailande-
ses juntaram-se recentemente
moldavos, nepaleses e malaios.
Os hindustânicos vêm na maio-
ria da agricultura, já viviam na
Europa ou em Portugal quando
chegaram aqui à procura de
trabalho, sendo rapidamente
absorvidos pelas redes como
mão de obra barata e vulnerá-
vel. Os de Leste são angariados
no país natal e trazidos de auto-
carro até ao Samouco, ficando
presos a dívidas que levarão
anos a pagar. E nem o confina-
mento travou as viagens.
No passado dia 5 de abril, a
GNR intercetou um autocarro
com 50 moldavos que vinham
para o Samouco trabalhar. En-
trara em Portugal pela fron-
teira do Marco, em Arronches
(Portalegre), uma passagem
A GNR intercetou um
autocarro com 50
moldavos que vinham
para o Samouco.
Tinha passado pela
fronteira fechada
não autorizada quando ainda
estava encerrada a raia por
causa da covid. Foram reenca-
minhados para território espa-
nhol. “Horas depois detetámos
vários em Portugal, um até com
ordem de expulsão. Incrível é
que tiveram de passar pelo
menos mais duas fronteiras fe-
chadas, em França e Espanha.
E não foram os únicos”, revela
uma fonte da investigação.
Tal como em Odemira, tam-
bém aqui o alojamento fere os
direitos humanos. Os moldavos
vivem em quintas e alojamen-
tos precários, fornecidos pelos
angariadores e cuja renda é
descontada ao salário, tal como
o transporte, aluguer do mate-
rial ou passagem de barco. Os
hindustânicos foram colocados
numa dúzia de armazéns de
gado convertidos em habitação
openspace, ao lado do cemité-
rio. Uns dormem em tendas
instaladas no piso de cimento,
outros em colchões separados
por paredes de lençol.
Em 2017, durante uma opera-
ção do SEF e Polícia Marítima,
os donos das “casas”, uma co-
nhecida família do Samouco,
foram chamados a explicar
porque alugavam espaços in-
fra-humanos a €240 por mês.
Os armazéns mais expostos
tiveram entretanto obras e são
de ‘acesso livre’ a visitantes.
Em relação aos outros, sabe o
Expresso, há ordem para que
permaneçam, por estes dias,
sempre fechados. Odemira
acordou medos em todo o lado.
Raquel Moleiro
rmoleiro@expresso.impresa.pt
10 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA EUROPA
Ambição Mendes lançou-o, presidência reforçou-o. Mas o calendário e os labirintos da UE colocam obstáculos a Costa
UE sem cadeira para Costa (para já)
Cimeira do Porto e presidência
europeia deram palco, e Costa
aproveitou. Mas nem todos os
caminhos vão dar a Bruxelas
Texto Susana Frexes
A
Foto Rui Duarte Silva
discussão foi lan-
çada por um con-
selheiro de Estado,
Marques Mendes,
mas ganhou fôlego
com a Cimeira So-
cial, no Porto, na
última semana, e
com um elogio ras-
gado do comissário do Emprego: pode
António Costa vir a ser presidente do
Conselho Europeu, da Comissão ou
ter qualquer outro cargo europeu? “É
cedo para dizer”, adiantam ao Expres-
so fontes em Bruxelas. Apesar de vári-
as admitirem que o primeiro-ministro
tem capital político, há unanimidade
num ponto: a discussão não está em
cima da mesa e não há, para já, vonta-
de declarada de se mexer nas cadeiras.
A história europeia, de resto, tem pro-
vado que chegar a um lugar de topo na
União Europeia não depende apenas
de se querer lá chegar, mas de um con-
junto de variáveis de difícil negociação
e premonição, obrigando a conjugar o
peso das famílias políticas, equilíbrios
geográficos e até de género.
A oportunidade mais próxima che-
ga dentro de um ano. Os líderes terão
de decidir se mantêm Charles Michel
à frente do Conselho Europeu, que
junta os chefes de Estado e de Gover-
no dos 27, por mais dois anos e meio.
Porém, ao que o Expresso apurou, o
belga quer continuar e tem margem
para isso (até hoje, os seus anteces-
sores foram sempre reconduzidos
no cargo, cumprindo cinco anos). A
sombra nesta ambição é o chamado
Sofagate, o episódio polémico que
marcou a recente visita à Turquia.
Michel ficou mal na fotografia, ao
sentar-se numa cadeira semelhante
à do Presidente turco, enquanto a
presidente da Comissão era relegada
para um sofá lateral. Foram agitadas
as águas da desigualdade de género,
expostas as divergências e competi-
ções entre Michel e Von der Leyen,
e do Parlamento Europeu ouviram-
-se fortes críticas à continuidade do
belga no cargo. No entanto, não só os
eurodeputados não têm poder para
fazer cair o presidente do Conselho
Europeu como dos líderes não houve
movimentos nessa direção.
Michel nem sempre é visto como um
líder forte, e o Sofagate não veio aju-
dar à sua imagem, mas, de acordo com
várias fontes, o incidente protocolar
não é suficiente para o fazer cair. O
anterior presidente, o polaco Donald
Tusk, também passou por um mo-
mento difícil na hora da recondução
— tinha a oposição do seu próprio país
—, mas acabou por ser reconduzido.
Mais, notam fontes ouvidas pelo Ex-
presso: tirar Michel do lugar poderia
ameaçar o difícil equilíbrio de poderes
forjado em 2019. O cargo ficou para a
família política de Emmanuel Macron
e do Renovar Europa e dificilmente
os liberais vão querer abdicar dele,
principalmente se continuarem a ter
mais líderes no Conselho Europeu do
que os socialistas. Michel até poderia
sair, mas a lógica, lembra uma fonte,
seria de, primeiro, tentar encontrar
um outro liberal para o substituir —
sob pena de obrigar a mudar outras
pastas entregues ao PSE.
Mudando de cadeira: no próximo
ano, os eurodeputados serão chama-
dos a decidir o futuro de David Sassoli
como presidente do Parlamento Eu-
ropeu. O cargo também muda a cada
dois anos e meio, e em 2019 ficou no ar
o entendimento de que até janeiro de
2022 seria para os Socialistas e Demo-
cratas (S&D), passando depois para o
Partido Popular Europeu (PPE) e para
o alemão Manfred Weber. Só que, a
confirmar-se a mudança, não só pas-
saria a haver dois alemães a presidir a
instituições europeias — com Von der
Leyen na Comissão — como os socia-
listas perderiam uma presidência para
o PPE, que acumularia duas. Seria o
SEIS ANOS COMO
PM FAZEM DE COSTA
UM VETERANO
DO CONSELHO.
“É MUITO APRECIADO”,
DIZ FONTE DIPLOMÁTICA
argumento para um socialista tentar o
lugar de Michel? A questão é que nem
o PE manda no Conselho Europeu
nem os chefes de Estado votam para
a presidência do Parlamento Europeu,
e em tudo isto seria preciso convencer
os liberais, que não se conformariam
em ficar de mãos a abanar.
Os riscos internos
Facto é que Costa já teve uma oportu-
nidade. O nome do primeiro-ministro
português foi posto em cima da mesa
em 2019 e teria o apoio do Presidente
francês, Emmanuel Macron. O timing
nacional não era o pior, porque a toma-
da de posse no Conselho Europeu era
só depois das eleições legislativas, mas
na altura foi mais importante para Cos-
ta vencer no campeonato nacional. Em
São Bento, nessa altura, a expressão
repetida era “não fazer como Durão
Barroso” — que seguiu para Bruxelas
deixando o PSD em maus lençóis.
O facto é que, se em 2019 os astros
estavam alinhados para Costa, voltar a
alinhar vontades não será fácil. É que
as próximas legislativas são em 2023
e as europeias no ano seguinte. “O mo-
mento vai ser 2024”, diz ao Expresso
fonte europeia, apontando para o ano
em que as peças no tabuleiro têm obri-
gatoriamente de mexer. Nessa altura,
“António Costa, mas também Pedro
Sánchez”, podem surgir como ases na
mão da família socialista europeia. E
não necessariamente para o Conselho
Europeu, onde o presidente tem sido
sempre escolhido de entre os líderes
na sala.
A outra possibilidade passa por conse-
guir ser ele o candidato dos Socialistas
Europeus à presidência da Comissão
Europeia. Ser o Spitzenkandidat, uma
espécie de cabeça de lista às europeias.
Isso permitir-lhe-ia manter-se no ativo
e nas páginas da atualidade política
europeia entre a data das legislativas e a
das europeias. Um pouco à semelhança
do que fez o luxemburguês Jean-Claude
Juncker em 2014. Os escolhidos para os
cargos de topo são normalmente perso-
nalidades no raio imediato de visão da
bolha de Bruxelas. Problema: Von der
Leyen pode querer renovar o cargo e
Pedro Sánchez ainda pode fazer som-
bra (esta semana foi posicionado pelo
jornal digital europeu “Politico”).
As boas
intenções
da Cimeira
Social
António Costa definiu o
Compromisso Social do Porto,
assinado há uma semana, como
“o mais abrangente e ambicioso
alguma vez alcançado” a nível
europeu. O primeiro-ministro
não estava errado, uma vez que
o documento foi assinado pelas
instituições europeias e por
representantes de associações
empresariais e de parceiros
sociais, mas o anfitrião da
Cimeira Social também disse
gostar de “poucas declarações
proclamatórias”. O
compromisso põe em marcha o
plano de ação sobre o Pilar
Europeu dos Direitos Sociais e
fixa três grandes metas até 2030:
empregar 78% da população
entre os 20 e os 64 anos, formar
60% dos adultos naquela faixa
etária anualmente e retirar 15
milhões de pessoas, cinco
milhões das quais crianças, da
pobreza ou exclusão social. Este
é “um plano diferente dos
outros”, assegurou Costa, “não
são só palavras”. É igualmente
um plano que terá de ser
incluído no exercício do
semestre europeu, introduzindo
novos critérios de avaliação,
disse ainda. Agora já ‘só’ falta
concretizar as boas intenções
proclamadas, convertê-las em
legislação nacional e afinar os
mecanismos de monitorização
europeia.
Hélder Gomes
Expresso, 14 de maio de 2021
Num caso (Conselho Europeu)
como no outro (Comissão Europeia),
o português terá menos astros alinha-
dos — se Costa fosse primeiro-minis-
tro nessa altura, teria de sair no início
do novo mandato. E enfrentar três ris-
cos: o de Marcelo não aceitar correr o
risco de que Sampaio se arrependeu
em 2004, formando um novo Gover-
no PS sem eleições; o de travar uma
profunda divisão no PS, entre Pedro
Nuno Santos e outro candidato da ala
‘costista’, como Fernando Medina, e o
de evitar uma perda eleitoral para o
partido poderia levar o PSD ao poder
— com o perigo extra da influência de
André Ventura.
Porém, mais uma vez continua a ser
cedo para saber. Faltam três anos, o
que, em política, “é muito tempo”. Pri-
meiro, é preciso saber que equilíbrio de
forças sai das eleições para o Parlamen-
to Europeu para perceber quem poderá
ficar com o lugar mais cobiçado: a lide-
rança da Comissão Europeia. A lógica
do Spitzenkandidat funcionou para
Juncker (e para o PPE), mas os líderes
deram uma machadada no processo em
2019, quando ignoraram os candidatos
Frans Timmermans e Manfred Weber
e foram buscar Von der Leyen. Falta
saber se é possível ressuscitá-lo, se os
socialistas conseguem ser a força mais
votada (e até se António Costa quer
mesmo algum posto europeu).
Seis anos como primeiro-ministro
fazem dele um veterano nas reuniões
do Conselho Europeu, permitindo-lhe
somar créditos e consolidar uma po-
sição no seio da família socialista eu-
ropeia. “É muito apreciado”, diz fonte
diplomática. A presidência portuguesa
tem-lhe dado algum palco para brilhar
no plano europeu, e Costa não o tem
desperdiçado. Foi o que aconteceu na
Cimeira do Porto, na última semana, ou
nas vezes em que voou para Bruxelas,
em plena pandemia, para assinar um
regulamento ou uma declaração.
A fórmula que funcionou para Cente-
no e Barroso — a da exclusão de partes,
funcionando como o candidato que
menos afronta os principais blocos
europeus — costuma ser de sucesso e
pode até funcionar para Costa. Mas o
jogo político europeu é de difícil aposta.
Tudo pode acontecer.
Com David Dinis
politica@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 11
12 PRIMEIRO CADERNO
PRR
Marcelo quer regionalizar a ‘bazuca’
Pensamento do PR sobre regionalização evoluiu. Para já, pede desconcentração de poderes para as CCDR
Ângela Silva
e Isabel Paulo
Marcelo Rebelo de Sousa quer
forçar o Governo a desconcen-
trar poderes do Estado cen-
tral para as comissões de co-
ordenação e desenvolvimento
regional (CCDR), para já a pen-
sar na execução dos milhões
que vão chegar de Bruxelas. O
pensamento do Presidente so-
bre regionalização tem vindo a
evoluir, e esta semana, de visita
ao Minho, o PR assumiu que
depois das autárquicas o tema
“deve ser debatido”.
A justificação do Presidente
para este inesperado recolocar
do tema na agenda é a execu-
ção da ‘bazuca’. Preocupado
com o excesso de centralismo
na gestão dos fundos (para
mais com uma estrutura de
acompanhamento e fiscali-
zação que considera exces-
sivamente difusa), Marcelo
foi claro: “Uma das lições da
PRR esconde fusão
e concentração de
serviços do Estado
Reforma funcional e
orgânica da Administração
Pública arranca até junho.
Sindicatos dizem que
não foram ouvidos
É só ao fim de mais de 1400 pá-
ginas do Plano de Recuperação
e Resiliência (PRR) que se atinge
o verdadeiro alcance da “refor-
ma funcional e orgânica da Ad-
ministração Pública (AP)” que o
Governo português prometeu a
Bruxelas arrancar de imediato,
sob pena de não receber os che-
ques da ‘bazuca’ europeia.
“A reforma iniciar-se-á no se-
gundo trimestre de 2021, com a
criação da Estrutura de Missão,
prevendo-se a entrega de um
pandemia [...] é que vai ser
preciso haver uma instância
de poder entre o poder cen-
tral, municípios e comunida-
des intermunicipais (CIM), o
que recoloca o debate sobre a
regionalização”, afirmou. Ao
que o Expresso apurou, para
o Presidente a lei negociada
entre PS e PSD e que recente-
mente permitiu que os presi-
dentes das CCDR passassem
a ser eleitos de pouco serve se
não for seguida de uma outra
lei que delegue competências
nestas estruturas regionais.
E é isso que ele quer forçar,
motivado pelas recentes con-
versas que teve com os presi-
António Cunha, líder
da Comissão do Norte,
confirma ao Expresso
que o Governo não
ouviu as CCDR
sobre o PRR
relatório técnico de diagnósti-
co e definição das alterações
orgânicas e funcionais até ao
segundo trimestre de 2022. Até
ao final do quarto trimestre de
2022, prevê-se a aprovação do
pacote legislativo que aprovará
as alterações orgânicas a intro-
duzir, prevendo-se ainda a con-
centração física dos organismos
que forem definidos num único
local até 2023”, lê-se a meio do
19º capítulo do PRR dedicado à
“Transição digital da AP”.
É à ministra da Administra-
ção Pública, Alexandra Leitão,
que cabe nomear a Estrutura
de Missão, incluindo uma “co-
missão técnica de seis especia-
listas de reconhecido mérito”
dentes das cinco CCDR e pela
convicção de que é preciso dis-
tribuir o poder para melhor
controlar os gastos. As CCDR
queixaram-se, aliás, ao PR de
nem sequer terem sido ouvi-
das sobre o Plano de Recupe-
ração e Resiliência (PRR) que
irá ser posto em marcha com
os fundos europeus.
Regionalizar
sem referendo
Curiosamente, alguns autar-
cas que sempre foram regio-
nalistas entendem agora que,
com os dinheiros de Bruxelas
prestes a chegar e com prazos
curtos para os executar, não é
altura de perder tempo a re-
lançar o debate da regionali-
zação. E quando esta semana
ouviu o presidente da Câmara
do Porto a dizer isso mesmo,
Marcelo começou por concor-
dar, mas avisou logo de segui-
da que depois das autárquicas
há que reabrir o dossiê. Para o
que terá um ano para fazer “um
relatório técnico que definirá
um diagnóstico e o racional es-
tratégico subjacente à reorga-
nização do Estado”. Lá estarão
“os organismos que se deverão
criar, extinguir ou reorganizar”.
Fonte oficial deste ministério
confirma que o projeto de di-
ploma já está em preparação.
“Espera-se que desta reforma se
venham a obter ganhos de efi-
ciência no funcionamento dos
organismos da Administração
Pública, podendo resultar da
fusão de alguns organismos, da
centralização de determinadas
funções ou simplesmente da re-
engenharia de processos no sen-
tido da sua otimização. Assim, o
objetivo não é poupar, mas sim
utilizar melhor os recursos.”
A reforma tem por alvo os
“organismos da AP em geral e
respetivos trabalhadores e diri-
gentes” e resultará na “concen-
tração dos gabinetes ministeri-
ais e de organismos da AP num
único espaço físico/edifício”. Tal
implica “alterações legislativas
que implementem as alterações
Presidente, sabe o Expresso,
é absurdo que um presidente
de uma CCDR, mesmo eleito,
tenha menos poder do que um
diretor-geral em Lisboa, ou
que veja passar-lhe comple-
tamente ao lado a cadeia de
comando entre os diretores re-
gionais das diversas áreas (Sa-
úde, Educação ou Cultura, por
exemplo), que apenas respon-
dem aos respetivos ministéri-
os. Sensível aos que defendem
que as direções regionais de-
veriam passar a coincidir geo-
graficamente com as CCDR,
que, por sua vez, deveriam ver
as suas competências refor-
çadas por uma transferência
de poderes do Estado central,
o PR está a abrir espaço para
esta discussão.
A prazo, isto teria como re-
sultado que as cinco CCDR se
tornariam numa espécie de
regiões naturais, sem se assu-
mir uma regionalização pura e
dura, coisa que Marcelo disse e
repetiu na campanha eleitoral
orgânicas”, podendo “englo-
bar a fusão, extinção ou cria-
ção de estruturas” a três níveis:
ao nível dos “serviços comuns
de suporte ao edifício”, como
gestão de instalações, limpeza,
segurança, arquivo, relações
públicas e comunicação soci-
al; ao nível dos “serviços par-
tilhados de suporte à atividade
governativa”, como centros de
competências; e ao nível dos
“serviços de missão”, como as
direções ou inspeções-gerais.
O pacote legislativo terá de ser
publicado antes de 2023.
Foi Bruxelas que recomendou
“prioridade a despesas favorá-
veis ao crescimento, reforçando
simultaneamente o controlo de
despesa”. O Governo admite
Governo prestes
a nomear equipa que
fará “um diagnóstico e
o racional estratégico
para reorganizar
o Estado”
que nunca seria possível sem
um referendo. E sabe que o Go-
verno não quer reabrir este dos-
siê nesta altura, mas no segun-
do dia no Norte voltou a dizer
que depois de ouvir as CCDR
tenciona ouvir as CIM. Mais um
sinal claro de que não tenciona
desistir de forçar o poder se-
diado em Lisboa a contar com
os poderes locais não só para
executarem obra, mas para te-
rem uma palavra decisiva na
execução da ‘bazuca’.
CCDR não foram ouvidas
António Cunha, líder da Comis-
são de Coordenação e Desen-
volvimento Regional do Norte,
adianta ao Expresso que o PRR
e a descentralização foram os
temas da reunião com o Pre-
sidente, na quinta-feira, dia 6
de maio, duas questões já de-
batidas no Conselho Regional
do Norte e entre entidades
intermunicipais da região. O
ex-reitor da Universidade do
Marcelo reabriu dossiê
das regiões na primeira
Presidência aberta
do novo mandato
FOTO RUI DUARTE SILVA
“dispersão e redundâncias nos
serviços da Administração Cen-
tral do Estado” com serviços
“que tendem a repetir-se em
cada um dos ministérios”.
Note-se que 85% da atual ex-
plicação não constava da “meia
página” que o Governo dedicou
em anteriores versões do PRR.
Mas, quando questionado, o mi-
nistério rebate que já constava
do PRR colocado em consulta
pública e que o Programa do
Governo previa “a importân-
cia de desenvolver uma análise
organizacional sistemática da
Administração Central do Es-
tado que, nomeadamente nos
momentos de criação, fusão,
reestruturação e extinção de
serviços públicos, assegure
uma visão global das estrutu-
ras e modelos de gestão, para
identificar oportunidades de
otimização de estruturas orgâ-
nicas”. Isto sem mais detalhe.
Os sindicatos da Adminis-
tração Pública garantem ao
Expresso que nada lhes foi
apresentado pelo ministério de
Alexandra Leitão. “Não fala-
Expresso, 14 de maio de 2021
Minho confirma que as CCDR
não foram ouvidas na elabora-
ção do PRR, mas agora prefere
olhar para a frente às críticas ao
Plano “fechado” e entregue em
Bruxelas. “Há que ser pragmá-
tico. Se gostaria que o processo
tivesse sido desenhado de for-
ma menos centralizada, claro
que sim”, diz, salientando que
o importante agora é garantir
que a aplicação e execução dos
fundos no terreno seja feita “de
forma mais descentralizada”.
“As CCDR, as CIM, as autar-
quias, ou seja, quem conhece
melhor do que ninguém a regi-
ão, têm de ser os autores da ges-
tão local do PRR, sob pena de os
fundos não serem executados
na totalidade”, afirma António
Cunha. Se do PRR podiam cons-
tar outros projetos, não tem dú-
vidas de que sim, “mas o que
conta é o que lá está”, acrescen-
ta. “A execução vai correr bem
ou mal em função de gestão que
vier a ser feita, e já está provado
que sem gestão de proximidade
os fundos não são aplicados em
tempo útil”, diz, confessando
ser este um “dos maiores temo-
res” das CCDR.
O curto espaço de tempo para
a execução do PRR — “tudo tem
de estar decidido até 2023 e gas-
to até 2027” — é outra das preo-
cupações dos líderes locais, que
não querem “perder outra opor-
tunidade” de ajustar os fundos
estruturais às necessidades ter-
ritoriais. Já retomar a agenda da
regionalização, “evolução mais
ambiciosa e alargada”, é para o
líder eleito (pelos autarcas) da
Comissão de Coordenação e De-
senvolvimento Regional do Nor-
te um processo político encara-
do como “o caminho seguinte ao
reforço dos poderes das CCDR”
preconizado por Marcelo.
Sem revelar o que foi dito à
porta fechada na “reunião parti-
cular”, também António Ceia da
Silva refere que a posição do Pre-
sidente vai ao encontro do que
preconiza “há muito tempo”: a
territorialização dos fundos. “Só
com um maior peso local na de-
cisão e gestão dos investimentos
será possível que o PRR seja apli-
cado em todo o país”, diz o presi-
dente da Comissão de Coordena-
ção e Desenvolvimento Regional
do Alentejo, que na sua região
quer ver os fundos “executados
completamente, o que está lon-
ge de acontecer num processo
demasiado centralizado”.
avsilva@expresso.impresa.pt
ram connosco”, diz José Abra-
ão, da FESAP (afeta à UGT).
O sindicalista manifesta “preo-
cupação”, porque “qualquer
reforma deste tipo deve ser
discutida com as organizações
sindicais” e dada “a postura
do Governo de negociação de
faz de conta”. Também Sebas-
tião Santana, coordenador da
Frente Comum (afeta à CGTP),
confirma que “nada foi negocia-
do”. E diz-se preocupado por
não saber o que acontecerá aos
trabalhadores. “Exigimos ver
propostas concretas, negocia-
das com os sindicatos.” Hele-
na Rodrigues, presidente do
STE (afeto à UGT), não destoa:
“Nada foi discutido e preocupa-
-nos.” E lembra que “todos os
Governos têm uma reforma na
AP para fazer. Mas o que resul-
ta normalmente depois é mais
umas organizações com nomes
diferentes, que fazem o mesmo,
mas onde se colocam umas cli-
entelas partidárias”.
Joana Mateus
e Sónia M. Lourenço
slourenco@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 13
14 PRIMEIRO CADERNO
DEFESA
Nunca um ministro
fora tão abertamente
contestado por tantos
ex-chefes como está a
ser João Gomes Cravinho
FOTO PAULO CUNHA/LUSA
“Perturbação”. Eanes encabeça revolta
inédita de 28 ex-chefes militares
Todos os antigos chefes (menos um) assinam uma carta contra a reforma Cravinho das FA
Textos Vítor Matos
É a primeira vez em 47 anos
de democracia que há uma
manifestação de revolta desta
dimensão entre as mais altas
patentes militares na reforma,
que reflete o mal-estar nas
chefias, hierarquia e fileiras
das Forças Armadas (FA). A
espiral de animosidade entre
o ministro da Defesa, João
Gomes Cravinho, e os antigos
chefes militares atingiu esta
semana um novo máximo e
levou a uma iniciativa inédi-
ta, carregada de peso político
pelos nomes envolvidos: uma
carta de seis páginas, crítica da
reforma da estrutura superior
das FA e da crise que o sector
atravessa, subscrita pelo ‘Gru-
po dos 28’ ex-chefes militares
dos três ramos — com a única
exceção do general Valença
Pinto (Exército). A missiva é
assinada à cabeça pelos mais
antigos, o ex-Presidente da
República general Ramalho
Eanes (Exército), o almiran-
te Fuzeta da Ponte (Armada)
e o general Brochado Miran-
da (Força Aérea). Entre eles
contam-se seis antigos chefes
do Estado-Maior-General das
Forças Armadas (CEMGFA),
para expressarem “apreensão”
e lançarem um aviso: a “per-
turbação provocada no ambi-
ente das FA obriga-nos a isso”.
A mensagem, a que o Expresso
teve acesso, foi enviada ontem,
quinta-feira, ao Presidente da
República, primeiro-ministro,
ministro da Defesa e grupos par-
lamentares. O documento con-
testa a linguagem do ministro
Gomes Cravinho — classificada
como uma “novilíngua” que está
a “atingir proporções inusita-
das”—, mas manifesta, sobretu-
do, críticas ao método de deci-
são e ao conteúdo da reforma do
comando superior das FA, que
será votada na Assembleia na
terça-feira, dia 18, pelo PS, com
apoio do PSD (ver P&R).
O ministro da Defesa, que em
março classificou as resistên-
Expresso, 14 de maio de 2021
P&R
O que é a reforma
do comando superior
das Forças Armadas?
Trata-se de concentrar os
poderes operacionais (e al-
guns administrativos) no
chefe do Estado-Maior-Ge-
neral das Forças Armadas
(CEMGFA), que assim se
torna, efetivamente, superi-
or hierárquico dos chefes
dos três ramos, Exército,
Marinha e Força Aérea — no
sentido de não haver uma
fragmentação das orienta-
ções políticas. Na carta a que
o Expresso teve acesso (ver
texto ao lado), os antigos
chefes militares dizem que a
reforma é baseada em “pro-
jetos de terceiros” e não do
próprio ministro.
O que diz o ministro?
João Gomes Cravinho escre-
veu no Expresso que os prin-
cipais objetivos são: “Melho-
rar o comando político sobre
a instituição militar; melho-
rar a correspondência entre
responsabilidades atribuí-
das por lei e instrumentos
para as cumprir; melhorar a
unidade de comando militar,
eliminando ambiguidades; e
preparar as Forças Armadas
para o futuro.” E aproximar
Portugal da maioria dos paí-
ses da NATO.
Como foi o processo
de decisão?
As alterações às duas leis em
causa — Lei Orgânica de Ba-
ses da Organização das For-
ças Armadas e da Lei de
Defesa Nacional — foram
discutidas num Conselho
Superior de Defesa Nacional
cias dos militares na reforma os 28 respondem que “não se Quanto à reforma propria- convocado pelo Presidente
como “interesses corporati- deve estranhar que, na socie- mente dita, os oficiais-generais da República em fevereiro,
vos”, voltou à carga, no início dade civil, se manifeste uma reformados recomendam uma que fez um comunicado a
desta semana, contra “uma pluralidade de opiniões acer- “adequada prudência e refle- dizer que as chefias — que
agremiação de antigos chefes ca das decisões numa matéria xão” e classificam a “ação polí- apresentaram reservas — ti-
militares” que tenta “perpetu- tão “sensível”. Generais como tica” do ministro como “apres- nham de ser ouvidas. De-
ar a influência” nas FA — numa Garcia dos Santos, Cerqueira sada” e “não convencional”, pois, em março, houve um
referência implícita ao Grupo Rocha, Pina Monteiro ou Rocha através de um ”exercício político Conselho de Estado com
de Reflexão Estratégica In- Vieira (ex-governador de Ma- degradado”. Os militares lamen- maioria favorável, mas com
dependente (GREI), que tem cau) e almirantes como Men- tam que não tivessem sido reve- a voz crítica de Ramalho Ea-
movido influências, ao mais des Cabeçadas, Melo Gomes lados “quaisquer estudos justifi- nes. O ministro reuniria
alto nível, contra a reforma ou Macieira Fragoso subscre- cativos” e acusam o Governo (e o mais uma vez com as chefias
em curso. E avisou que “em vem o texto, onde pode ler-se: atual CEMGFA, almirante Silva em Conselho Superior Mili-
democracia não é assim que as “Assistimos a episódios de uma Ribeiro?), de inverter priorida- tar (CSM), onde os três co-
coisas funcionam”, acusando nova forma de fazer política”, des: “Deixaram-se por resolver mandantes dos ramos apre-
os velhos generais e almirantes com “avisos intempestivos e inúmeros problemas, públicos sentaram um memorando
de “manobras escusas”, pelas ameaças veladas, veiculadas e notórios, que se prendem com com propostas de alteração.
quais o ministro não se deixa publicamente”, que “deixaram a não coincidência dos recursos Após ter ajustado os diplo-
“intimidar”. Os ex-chefes de profundas marcas”. disponibilizados com os obje- mas, Cravinho enviou-os
Estado-Maior, sem terem o tivos definidos.” Ainda há uma para o Parlamento, onde de-
GREI como chapéu (do qual Interesses nos negócios semana o Expresso noticiou que vem ser aprovadas na próxi-
só três dos subscritores fazem a Marinha só tem uma de cinco ma terça-feira com os votos
parte), reagiram acusando o Os antigos chefes contestam o fragatas a navegar e que o ramo do PSD. Mas os ex-chefes
ministro da Defesa de “tenta- processo da reforma em curso, se debate com graves problemas militares têm criticado a fal-
tiva de imposição de pontos lembrando que em 2009 e 2014 de manutenção dos navios. ta de ”deliberação participa-
de vista únicos”, por vezes sob — nas mesmas circunstâncias Segundo os signatários, a “si- da” com os chefes de Estado-
a “pressão implícita de ‘des- — “foi sendo acolhida” a opini- tuação é hoje muito pior” do que -Maior.
qualificação’ e ‘destruição’ da ão dos chefes dos ramos, o que A carta do ‘grupo quando avançaram as anteriores
reputação de quem discorde”. não consideram ter acontecido dos 28’ é assinada reformas, cuja eficácia questio- O ministro aceitou as
Gomes Cravinho também agora. Valença Pinto, o único à cabeça pelos mais nam: “Degradação de efetivos e sugestões das chefias?
chegou a dizer, esta terça-feira, ex-chefe que não assina a carta, antigos de cada ramo: do sistema de forças, impossibi- Em parte. Quanto à polémi-
que a revisão das leis em causa era CEMGFA em 2009, quando os generais Ramalho lidade de cumprir o dispositivo ca mais pública, o despacho
é uma “matéria de debate po- a primeira tentativa de concen- Eanes (Exército) e algumas missões, menosprezo dos chefes de Estado-Maior
lítico” e é “na Assembleia da trar mais poder no Estado-Mai- e Brochado Miranda pela condição militar, assimetri- dos ramos com o ministro,
República” que “a discussão or-General das Forças Armadas (Força Aérea) as remuneratórias com outros não mudou muito: manteve
será feita entre as diferentes não se completou por oposição e o almirante Fuzeta corpos de servidores do Estado.” que estes se reúnem com o
forças partidárias”. Na carta, das chefias. da Ponte (Armada) Se o poder reincidir “nesse tipo ministro em CSM e despa-
de erros, as consequências serão cham sobre a execução da
cada vez em maior número e Lei de Programação Militar
mais graves”, garantem. (compra de equipamentos) e
Saúde militar deve €53 milhões aos privados O ‘Grupo dos 28’ ainda deixa com a Lei de Infraestruturas
no ar suspeitas em relação aos Militares (gestão de edifica-
O subsistema de saúde dos militares está Óscar Gaspar, presidente da Associação negócios da Defesa: “Qual a in- do), mas não em relação à
neste momento com uma dívida que ascende Portuguesa de Hospitalização Privada, fala de fluência dos grupos de interes- sua conceção; o Governo
a €73 milhões, apurou o Expresso. Desse valor, “uma situação completamente anómala” e ses e grupos de pressão que se acrescentou, porém, que o
cerca de €54 milhões correspondem a diz que “o memorando nunca foi cumprido”, movem na área das indústrias despacho pode incidir em
faturação por pagar aos privados e €19 embora “já tenha sido paga uma tranche de de defesa, dos programas de ree- “matérias administrativas e
milhões são referentes ao sector público (o cerca de €12 milhões”, admite. “O nó górdio quipamento militar e da gestão de execução orçamental que
que inclui o próprio Hospital das Forças está do lado das Finanças”, aponta, e garante do património imobiliário? Que resultem da lei”. Cravinho
Armadas). O sistema de Assistência aos que só não houve cancelamento de mais capacidade de resistência tem o deixou também cair o cha-
Militares na Doença (ADM), gerido pelo convenções por causa da covid-19. Gaspar diz Estado em relação a eventuais mado “recurso hierárquico”
Instituto de Ação Social das Forças Armadas ainda saber que tem causado “preocupação” pressões?”, perguntam. Quanto das decisões dos chefes, que
(IASFA), vive há anos em défice crónico, e no IASFA haver “operadores privados que a estas pressões, são encabe- era possível numa versão an-
espera por uma transferência de cerca de €30 venderam a dívida a entidades terceiras”, e çadas por um ex-Presidente a terior, e recuou noutra ques-
milhões das Finanças — que decorre de um que “parte deles começou a cobrar juros de quem Marcelo queria dar o ma- tão incómoda para os ramos,
memorando assinado, em 2019, por Finanças e mora à taxa legal”. O Ministério da Defesa já rechalato e que convidou para relacionada com a nomea-
Defesa, para um reforço orçamental de €45 tem o despacho para a transferência pronto presidir à Comissão de Honra ção dos comandantes opera-
milhões, mas ainda só foi transferida uma há mais de um mês, mas falta a assinatura da das Comemorações dos 50 Anos cionais, que permanece nos
tranche. Foi ela que permitiu, aliás, a ligeira secretária de Estado do Orçamento, Cláudia do 25 de Abril. chefes de Estado-Maior, ou-
descida dos €95 milhões registados em 2019. Joaquim, sabe o Expresso. vmatos@expresso.impresa.pt vido o CEMGFA.
Expresso, 14 de maio de 2021
CORRUPÇÃO
Penas negociadas esbarram em PS e PSD
Proposta de lei é criticada até dentro do PS. PSD quer consensos, mas não aceita “retrocessos civilizacionais”
Rita Dinis
As propostas do Governo de
combate à corrupção chega-
ram ao Parlamento esta se-
mana, sob a forma de propos-
ta de lei, mas, se nem no PS
são consensuais, ficam longe
de colher o apoio do PSD, que
tanto ambiciona um consenso
em torno da reforma da jus-
tiça. “O Governo soçobrou.
O que a ministra admite com
aquela proposta de lei é que
nós não conseguimos com-
bater o crime sofisticado e,
como não conseguimos, va-
mos introduzir a negociação
de penas”, diz ao Expresso a
deputada social-democrata
Mónica Quintela, admitindo
que há aspetos da proposta
que até vão ao encontro do
que o PSD tem falado — como
as mudanças no Tribunal
Central de Instrução Crimi-
nal e as regras para a separa-
ção de processos e eventual
conexão futura —, mas outros
aspetos, diz, são “um retro-
cesso civilizacional”.
CASO IHOR
Quem são e o que fizeram
os suspeitos do novo processo?
Vigilantes, chefes e
inspetores do SEF vão
ser investigados pelo que
fizeram e, acima de tudo,
pelo que não fizeram
A segunda investigação do Mi-
nistério Público aos aconteci-
mentos que levaram à morte de
Ihor Homeniuk foi aberta em
outubro de 2020, depois de um
relatório da Inspeção-Geral da
Administração Interna (IGAI)
apontar o dedo a nove inspetores
e chefes que terão cometido vá-
rias infrações ou mesmo crimes
no dia em que o cidadão ucrania-
no morreu nas instalações do
SEF no aeroporto de Lisboa. Até
agora, tem zero arguidos.
Mas o procurador Óscar
Ferreira — o mesmo que fez a
acusação contra os inspetores
E nisso o Governo não po-
derá contar com o PSD. O
ponto mais polémico é o da
negociação de penas, que,
no entender do PSD, não é
mais do que uma espécie de
delação premiada. Quando
apresentou as propostas, a
ministra Francisca van Du-
nem recusou sempre a ideia
de o Governo estar a avançar
para um sistema de delação
premiada, explicando que se
trata apenas de “aperfeiçoar”
os mecanismos para “dispen-
sa” ou “atenuação de pena”
para os denunciantes de es-
quemas de corrupção, bem
como a hipótese de suspensão
provisória do processo para
quem, tendo estado envolvido
no crime, o denuncie e colabo-
re com a justiça.
Mas o PSD, que não discor-
da do aperfeiçoamento do di-
reito premial e da transposi-
ção de uma diretiva europeia
de proteção do denunciante,
vê na intenção do Governo
uma violação do processo
penal português, que é por
natureza acusatório, e um ca-
Duarte Laja, Luís Silva e Bruno
Sousa e que também é respon-
sável pelo novo processo — vai
receber cópias das declarações
de várias testemunhas que, tan-
to para o juiz Rui Coelho como
para a procuradora Leonor Ma-
chado, poderão ter praticado
crimes que custaram a vida a
Ihor Homeniuk.
João Agostinho, então coor-
denador do SEF no aeroporto,
afirmou em tribunal ter ido ver
“Acharam bem
controlar o
comportamento de
Ihor amarrando-o como
uma embalagem”,
Rui Coelho, juiz
minho para aquilo a que Mó-
nica Quintela chama “justiça
de sofá” (assente em escutas
e negociação de penas), que
pode funcionar nos regimes
anglo-saxónicos, onde os tri-
bunais funcionam através de
um júri, mas não num regime
como o português, onde é de
facto o juiz quem vai avaliar
“Sem meios para
combater o crime
sofisticado, o Governo
quer a negociação
de penas:
é ‘justiça de sofá’”
Governo está a cair
na “armadilha
típica de um discurso
ideológico
galopante”
Ihor “por curiosidade”, quando
foi tomar o pequeno-almoço. Es-
preitou pela porta da Sala Médi-
cos do Mundo (onde o imigrante
foi espancado) duas vezes, an-
tes e durante a intervenção dos
três inspetores, e garantiu ter
visto Ihor de pé, sem estar pre-
so. “Algo que nem os arguidos
sustentam”, criticou o juiz, que
censura o responsável por se ter
“alheado” dos eventos e nada ter
“feito, comentado ou comunica-
do” sobre o que tinha visto.
António Henriques, ex-dire-
tor de Fronteiras, deu aval à
intervenção dos três arguidos
“e não se preocupou mais com o
assunto, escudando-se na dele-
gação de competências”. Mais:
segundo a IGAI, avalizou o re-
latório elaborado pelo SEF, que
atribuiu a morte a causas na-
se o arguido é ou não culpado.
Esta negociação, no entender
do PSD, não é justa, porque
fazê-la é “mercadejar com a
justiça” e “inverter” os princí-
pios da justiça, que dizem que
“a prova tem de ser obtida de
forma lícita”.
Discórdia no PS
É também esta a posição de
alguns deputados socialistas,
com Jorge Lacão à cabeça.
Num artigo muito duro pu-
blicado esta semana no jor-
nal “Público”, com o qual a
deputada social-democrata
Mónica Quintela “concorda
em absoluto”, Jorge Lacão
desmonta a proposta de lei
do Governo, afirmando que
parece estar a querer, perante
a “complexidade do comba-
te aos crimes de ‘colarinho
branco’” e perante “a falta de
investimento e de mobilização
de meios humanos e tecno-
lógicos”, enveredar por um
caminho “simplificador”, que
passa por “formas de delação
premiada”. No entender do
turais, incorrendo assim num
crime de falsificação.
O inspetor-chefe João Diogo,
que deu ordem aos três inspe-
tores para que “acalmassem
Ihor”, também é visado pelo
juiz. “Como é que seria conse-
guida tal calma é um segredo
não revelado por nenhuma das
testemunhas.” O juiz não tem
dúvidas de que estes responsá-
veis do SEF sabiam que Ihor
esteve algemado “horas” depois
da intervenção para o acalmar e
nada fizeram para “acompanhar
o desenrolar da situação”. Em
causa pode estar um crime de
omissão de auxílio.
Amarrado como
uma embalagem
O vigilante Paulo Marcelo foi o
protagonista de um boato que
esteve na origem das agressões
a Ihor. Como foi visto a coxear,
correu a versão de que teria
sido agredido pelo imigrante,
algo que o próprio desmentiu,
não evitando ainda assim que se
consolidasse a ideia de que Ihor
deputado socialista, tal não é
mais do que uma forma fácil
de o Governo apresentar re-
sultados, mesmo que sejam
“obtidos à custa do menor es-
forço” e daquilo a que chama
“uma magistratura meramen-
te sentada”.
Para Jorge Lacão, há “linhas
vermelhas” que o Governo
está a pisar com estas medi-
das de combate à corrupção,
acusando o Ministério da Jus-
tiça de estar a cair na “arma-
dilha típica de um discurso
ideológico galopante”. É nes-
se sentido que Lacão termina
o artigo atacando em cheio
a forma como o PS tem lida-
do com o caso quente de José
Sócrates: se um dia nos bater
à porta, “poderemos sempre
repetir ‘à política o que é da
política e à justiça o que é da
justiça’, que soa sempre bem”,
escreveu, com ironia.
A posição de Lacão, contu-
do, não é única. Também o
deputado socialista e cons-
titucionalista Pedro Bacelar
de Vasconcelos afirma ao
Expresso que tem “a maior
era violento. Antes do julga-
mento, Paulo Marcelo declarou
às autoridades que não tinha
visto qualquer agressão; em tri-
bunal, contou que viu Ihor le-
var uma bastonada e Laja com
uma bota na sua cabeça. O juiz
não valorizou o depoimento e
ainda mandou extrair certidão
por Marcelo ter admitido que
prendeu os pés de Ihor com fita
adesiva para o “acalmar”. Não
o podia ter feito. A defesa dos
arguidos suspeita que Marcelo
tenha mesmo agredido Ihor,
facto que o tribunal não deu
como provado.
Mas Marcelo não esteve so-
zinho na madrugada de 12 de
março: Manuel Correia ajudou-
-o a amarrar Ihor “como em-
“Não ajudaram porque
não queriam assumir
responsabilidades.
Mostraram o pior da
natureza humana" ,
Leonor Machado, MP
PRIMEIRO CADERNO 15
resistência em relação a algu-
mas questões” que roçam o
mecanismo da “delação pre-
miada”, embora seja caute-
loso a afirmar que “há outras
modalidades de proteção dos
denunciantes que são acei-
táveis”. Ou seja, pode haver
caminho.
Mesmo havendo, e sabendo-
-se à partida que a esquerda
é contra todas as formas de
delação premiada, a proposta
do Governo de combate à cor-
rupção já nasce coxa. O pro-
cesso legislativo já foi aberto,
mas falta ainda ouvir as enti-
dades no Parlamento e falta
os partidos avançarem. A re-
forma da justiça é uma velha
bandeira de Rui Rio, que tem
uma comissão a trabalhar em
propostas que devem chegar
à Assembleia antes do verão.
Ninguém acredita, contudo,
que o tema suba a plenário do
Parlamento antes das férias,
nota Pedro Bacelar de Vascon-
celos ao Expresso. E depois
do verão há Orçamento e de-
pois autárquicas.
rdinis@expresso.impresa.pt
balagem” e pode incorrer no
mesmo crime de maus-tratos.
O juiz critica ainda a atuação
do vigilante Rui Rebelo, que fez
questão de chamar os inspeto-
res para “resolverem a situa-
ção”, mas depois nada fez para
ajudar o imigrante.
Há mais nomes que não são
referidos pelo juiz Rui Coelho,
porque não foram testemunhas
no processo, e que podem vir a
fazer parte do rol de arguidos
do novo processo; não apenas
vigilantes como também ou-
tros inspetores. Mas nenhum
poderá ser acusado da morte
de Homeniuk. Para o tribunal,
foram os três inspetores que o
mataram, apesar de não pode-
rem ser condenados por homi-
cídio. Apanharam sete e nove
anos de prisão, decisão que vai
ser alvo de recurso de todos os
intervenientes. Ministério Pú-
blico e a viúva de Ihor acham
pouco. Os arguidos consideram
que nada foi provado e devem
ser absolvidos.
Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
16 PRIMEIRO CADERNO
DIREITA
Rio perde complexos com o Chega,
Ventura só alinha num Governo
PSD assume diálogo. Ventura sobe fasquia. Marcelo será o árbitro, se houver votos para isso
Rui Rio não vai
“ostracizar” um
partido como o Chega
FOTO ESTELA SILVA/LUSA
Hélder Gomes
e Rita Dinis
O que começou por ser dito com
alguns rodeios, há dois anos,
quando os três candidatos às
diretas do PSD discutiam a polí-
tica de alianças com partidos po-
pulistas ou extremistas, agora
sai com naturalidade: o PSD de
Rui Rio não vai “ostracizar” um
partido como o Chega, que re-
presenta neste momento 6% nas
sondagens e que pode vir a ser
importante para juntar os cacos
da direita na hora H. A narrativa
está traçada: se a extrema-di-
reita ganha gás fora do sistema
porque se predispõe a captar o
voto dos descontentes, então o
melhor é trazê-la para dentro
obrigando-a a moderar-se.
O sinal já começou a ser dado
ao partido, que vai renovar a
liderança interna em janeiro,
logo a seguir às autárquicas
(“vitais” para Rio), e que está
cansado da travessia no deser-
to. Foi o que fez Rui Rio esta
semana num discreto evento
promovido pela JSD de Lamego
e transmitido nas redes sociais.
Questionado sobre onde fica-
va a ética na aproximação do
PSD ao Chega nos Açores ou
na escolha de uma candidata
como Suzana Garcia, Rui Rio
foi claro: “O voto neles é um
voto igual aos outros, e o voto
espelha a vontade do povo.” Ou
seja, do ponto de vista democrá-
tico, o Chega deve ser tratado
como igual. E do ponto de vis-
ta “tático” também faz sentido
“integrá-los”, porque “ignorar
a vontade do povo seria dar
mais força aos que queremos
ostracizar”. Leia-se: integrar o
Chega é também reduzir a sua
expressão eleitoral; e reduzir
a sua expressão eleitoral é au-
mentar a do PSD ou a do CDS.
O ponto-chave está nas linhas
vermelhas que o PSD tem de sa-
ber traçar para trazer o Chega
para “dentro do que é aceitável
em democracia”, disse Rio.
Olho nos Açores e em Ayuso
A clarificação da narrativa foi
notada em algumas alas do parti-
do, embora outros garantam que
“não há nada de novo” no pensa-
mento de Rio — deixando como
prova o acordo parlamentar ce-
lebrado nos Açores com base em
quatro pontos tidos como “inó-
cuos” (ficou de fora do Governo
por causa do resto dessas ideias);
ou até o facto de Rui Rio ter sido
o primeiro a aceitar receber An-
dré Ventura no seu gabinete no
Parlamento, em novembro de
2019, em plena discussão do Or-
çamento do Estado. “Quem quer
combater o Chega fazendo-o de
ator principal, como a esquerda
faz, só o faz crescer”, ouve o Ex-
presso junto de rioístas.
Marcelo não irá facilitar
e pode impor linhas
vermelhas rígidas,
como evidenciou Chega exige, PR equilibra
no frente a frente Ainda assim, as incógnitas são
com Ventura muitas, e a primeira de todas é a
Miguel Pinto Luz, que em ja-
neiro de 2020 se candidatou
contra Rui Rio e Luís Montene-
gro nas diretas do partido, vê,
contudo, uma “clarificação”,
lembrando que, na altura, Rio
era cauteloso ao dizer que só
admitiria conversar com o Che-
ga se ele se “moderasse” — po-
sição que se distinguia da sua,
que sempre foi favorável a uma
política de alianças desde que
fosse o PSD a traçar as “linhas
vermelhas” —, e agora Rio já diz
que conversa, mas só nas áreas
onde o Chega é aceitavelmente
moderado. “Folgo em verificar
que Rui Rio se aproximou da
posição que tenho defendido”,
diz ao Expresso, sublinhando
que depois dos Açores e depois
da vitória de Isabel Ayuso em
Madrid “já deu para perceber
que é diferente aproximar ou
pô-los no governo”. A compa-
ração com o Bloco de Esquerda
também é lembrada por alguns
sociais-democratas: veja-se o
que era a UDP e o PSR e o que é
o BE agora, com Francisco Lou-
çã como conselheiro de Estado.
Outro passo dado por Rio
para dar corpo a esta narrativa
terá sido o facto de, pela primei-
ra vez em três anos, ter aceitado
participar na conferência orga-
nizada pelo Movimento Europa
e Liberdade (MEL), visto como
a Aula Magna da direita, onde
André Ventura vai estar. Se nas
primeiras duas edições Rui Rio
ficou de fora, naquilo que foi en-
tendido como uma nega por não
querer ser acantonado à direita,
desta vez aceitou ir alegando
que o painel era mais vasto.
Além de Ventura também estão
nomes socialistas, como Sérgio
Sousa Pinto ou Álvaro Beleza.
das autárquicas. Rui Rio tem dito
que o objetivo é “subir bastante”
e, numa entrevista à RTP3, che-
gou a dizer que sabe “distinguir”
o peso das várias câmaras. Ou
seja, não basta ganhar só mais
uma dezena. Desse resultado
também dependerá a continui-
dade ou não do líder do PSD e
tudo mudará se houver saída de
players. Mas uma coisa é certa: o
plano de Rio sempre foi sobrevi-
ver às legislativas, apostar tudo
nas autárquicas e contar com
a erosão do Governo quando a
crise chegar às carteiras. A par-
tir daí está preparado para ir a
votos. Problema: o PSD continua
com 28 ou 29% nas duas últimas
sondagens (da Católica e do ICT/
ISCTE) e o Chega mantém-se
nos 6% (atrás do BE). A estes jun-
Coligação
sem “qualquer
garantia de
estabilidade”
A maior abertura de Rio
relativamente a Ventura
deve-se “muito
provavelmente” à
estagnação do PSD nas
sondagens e à perceção de
que “a travessia do
deserto começa a ser
demasiado longa e sem
fim claro à vista”, defende
José Santana Pereira,
professor de Ciência
Política no ISCTE. Mas,
para o PSD, capitanear um
governo de coligação
alargada a vários partidos
“não é particularmente
interessante” porque teria
de “partilhar o poder e
envolver-se em processos
negociais provavelmente
complexos e demorados” e
sem “qualquer garantia de
estabilidade”, acrescenta
o politólogo ao Expresso.
Um PSD que não descola
nas sondagens, associado
à perspetiva de uma
coligação, pode ainda
“fazer oscilar os números”.
“Não ficaria surpreendido
se alguns eleitores
sociais-democratas
optassem por abandonar
o partido, abstendo-se ou
votando ‘com o nariz
tapado’ noutro partido,
por discordarem de uma
estratégia de coligação
com um partido populista
de direita radical”, remata
Santana Pereira.
ta-se o IL e o CDS. Será preciso
um boost em dois deles para o
cenário poder mudar de figura.
A medição de forças vai ser
uma constante. Primeiro por-
que André Ventura vai vender-
-se caro. Ao Expresso, o líder
do Chega afirma que só aceita-
rá estar ao lado do PSD se for
em coligação de Governo (não
basta apoio parlamentar); e se
tiver controlo sob “áreas-chave”
como “a administração inter-
na, o quadro fiscal português,
o sistema político, a política de
Segurança Social e o mundo ru-
ral e agricultura”. “Exigiremos
ter presença política ministerial
nestas áreas”, insiste Ventura,
ao mesmo tempo que pressiona
Marcelo: “Muito provavelmente
nem o senhor Presidente da Re-
pública daria posse a um Gover-
no em que o principal parceiro
de coligação (em número de vo-
tos) estivesse fora do Executi-
vo.” Ou seja, Ventura vai querer
mais. Mas tal não significa que,
se for confrontado com a viabili-
zação de um Governo de direita,
sob pena de o contraponto ser
um Governo de esquerda, vá sal-
tar fora. “É assunto para ver na
altura, depende do contexto”,
responde ao Expresso.
Depois, há Marcelo Rebelo de
Sousa, que vai estar à espreita e
que já fez saber, em plena cam-
panha eleitoral, que se houver
Açores em Lisboa haverá certa-
mente a obrigatoriedade de um
acordo escrito, por haver “dú-
vidas sobre o comportamento”.
Marcelo não irá facilitar e pode
impor linhas vermelhas, como
evidenciou no frente a frente
com Ventura. Ora, o Chega apos-
ta no crescimento para se vender
caro, o PSD aposta no seu enfra-
quecimento mas sem o descartar
(a soma das partes pode fazer a
diferença), e Marcelo aposta em
influenciar. As legislativas são
uma incógnita, mas é preciso a
narrativa estar preparada.
hgomes@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021
BREVES
TELETRABALHO
ATÉ FINAL DO MÊS
ANÚNCIO A ministra do Traba-
lho e da Segurança Social, Ana
Mendes Godinho, aproveitou a
reunião com os parceiros soci-
ais para confirmar o que já se
esperava: o Governo vai manter
o teletrabalho como obrigatório
até final de maio. Na reunião
da Comissão Permanente de
Concertação Social, a ministra
anunciou que o prazo, inicial-
mente definido até 16 de maio,
seria prolongado até nova ava-
liação da pandemia com os es-
pecialistas em saúde pública.
100
Entrar sem máscara numa
praia vai valer multa, entre
os 50 e os 100 euros. O valor
repete-se para quem não
usar o equipamento de
proteção no acesso a
restaurantes, paredões, mas
também a quem praticar
desportos com duas ou mais
pessoas ou quem entrar
numa praia já cheia. A
distância a manter entre
toalhas será de 1,5 metros.
Na água, as regras não
mudam: novamente metro e
meio de distância.
FISCO ABRE
INQUÉRITO A JURISTA
FOI Rui Rio quem, no Parla-
mento, denunciou a abertura
de inquérito do Fisco a um dos
seus juristas, um processo que
António Costa disse desconhe-
cer. Segundo avançaram “Pú-
blico” e “Observador”, o alvo
é José Maria Pires, antigo alto
dirigente do Fisco e integran-
te do Movimento Cultural da
Terra de Miranda — grupo que
alertou publicamente para as
possíveis implicações fiscais do
processo de venda de seis bar-
ragens no Douro pela EDP. Em
causa, diz a Autoridade Tribu-
tária e Aduaneira, está o dever
de exclusividade a que estão
obrigados os seus funcionários.
“O QUE PENSO
QUANDO VEJO 1%
NAS SONDAGENS?
UMA ENORME
TRISTEZA”
Cecília Meireles
Deputada do CDS
MNE PEDE “PAZ”
NO MÉDIO ORIENTE
APELO Augusto Santos Silva,
ministro dos Negócios Estran-
geiros, pronunciou-se sobre a
escalada do conflito em Jeru-
salém — sobre o qual pode ler
mais na pág. 26 —, garantindo
que a posição de Portugal “não é
uma posição equidistante”, mas
sim “a favor da paz e dos direitos
humanos”. “Portugal apoia a
solução dos dois Estados, numa
única solução capaz de garantir
a coexistência de dois Estados
soberanos vivendo pacificamen-
te lado a lado”, disse.
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 17

ESTATUTO INOVADORA COTEC

Fazemos mais pela

inovação em Portugal.
O Banco mais referenciado pelas empresas candidatas à 1ª edição do Estatuto Inovadora
COTEC.*

A inovação é essencial para o sucesso das empresas e a Caixa é o parceiro ideal para que
essa mudança aconteça. Através de financiamento especializado, de soluções digitais e de
apoio à gestão corrente, as empresas têm com a Caixa mais condições para se dedicarem ao
desenvolvimento do seu negócio.

*Fonte: COTEC Portugal.

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Caixa Geral de Depósitos, S.A.

18 PRIMEIRO CADERNO
PARLAMENTO
Assédio sexual: PAN coloca
pressão, PS pede calma
Sousa Real avança com mudanças à lei. PS e BE passam bola às empresas
A expansão do Movimento #MeToo
em Portugal, com cada vez mais
figuras públicas a denunciarem
casos de assédio sexual, leva o PAN
a pressionar o Governo para alterar
a legislação em vigor. Durante o de-
bate no Parlamento com o primei-
ro-ministro, Inês de Sousa Real le-
vou esta semana o tema a plenário,
questionando o Executivo se está
disponível para incluir esta matéria
no âmbito da revisão do Código do
Trabalho que está em curso. Mas a
resposta trouxe cautelas: “Estamos
sempre disponíveis para melho-
rar o enquadramento legislativo
desde que não desproteja mais as
mulheres e as vítimas de assédio”,
respondeu Mariana Vieira da Silva,
em nome do Governo.
O PS pede, aliás, calma legislati-
va: “Mais importante do que inicia-
tivas legislativas abruptas e sem
ponderação é a aposta na educação
VIOLÊNCIA D OMÉSTICA
Catarina Martins: uma polémica e candidatura perdida em cima da Convenção do Bloco...
Pressão da distrital do Porto
forçou BE a deixar cair deputado
Dirigentes recusavam
entrar na campanha de
Luís Monteiro e exigiram
inquérito a acusações de
violência doméstica
Rosa Pedroso Lima
Nas vésperas da Convenção que vai
reconfirmar a liderança de Catari-
na Martins, a direção do Bloco de
Esquerda foi obrigada a emendar
a mão, numa tentativa de estancar
a polémica crescente em torno de
Luís Monteiro, deputado e mem-
bro da atual maioria dirigente. O
deputado foi acusado de violência
doméstica por uma ex-namorada
(e também ex-militante bloquista)
e na distrital do Porto a confusão
instalou-se. Quatro dirigentes exi-
giram um inquérito interno e ex-
plicações por parte da direção. Na
concelhia de Gaia, cinco membros
da direção local exigiram a retirada
da candidatura de Luís Monteiro
àquela Câmara e ameaçaram não
participar na campanha autárquica.
para a igualdade e a aplicação dos
Códigos de Conduta nos locais de
trabalho”, afirma ao Expresso a
deputada Isabel Moreira.
Sem prejuízo de a legislação po-
der ser sempre aperfeiçoada, Isa-
bel Moreira considera que os eixos
prioritários nesta fase devem ser
o investimento na educação e na
prevenção. A deputada do PS — que
integrou há quatro anos o grupo de
trabalho para estudar as implica-
ções legislativas da Convenção de
Istambul, que reconhece todas as
formas de violência contra as mu-
lheres — sublinha também que o
enquadramento legal do assédio do
ponto de vista do local de trabalho
foi revisto recentemente e resultou
em “melhorias claras” ao nível da
proteção das vítimas e testemunhas.
Também o Bloco de Esquerda (BE)
entende que foram feitas “altera-
ções relevantes” em 2017 a nível da
“O caso está a afetar a imagem e
a confiança dos eleitores no Bloco”,
diz ao Expresso António Soares
Luz, dirigente da distrital do Porto
e um dos quatro subscritores de um
pedido de esclarecimento à direção
sobre os contornos do caso que foi
exposto na comunicação social.
“Infelizmente, a direção continua
a meter a cabeça na areia”, afirma,
explicando que todas as diligências
feitas ficaram sem resposta.
O facto de a polémica que envol-
ve o deputado dizer respeito a um
caso de violência doméstica, torna
o assunto ainda mais melindroso de
gerir para os dirigentes do Bloco.
“Esta é uma das nossas grandes
bandeiras e parece agora estar a
ser esfarrapada”, conclui Soares da
Luz. E a pressão interna para que
Luís Monteiro fosse retirado da
corrida autárquica para Gaia foi o
passo seguinte das exigências deste
movimento de contestação interna.
”Não tem condições para continuar
e está a prejudicar a imagem do
Bloco”, conclui o mesmo dirigente
do Porto.
legislação contra o assédio, ainda aponta para o Artigo 29º do Código
que reconheça que estão “longe de do Trabalho, que prevê a proibição
resolver” o problema, uma vez que da prática de assédio, conferindo à
continua a ser “difícil denunciar” e “vítima o direito de indemnização”
“fazer prova” nestes casos. Nessa al- e uma contraordenação muito gra-
tura, as empresas com sete ou mais ve para o infrator, “sem prejuízo
trabalhadores ficaram obrigadas a da eventual responsabilidade penal
estabelecer um Código de Conduta prevista nos termos da lei”. Esta
sobre situações de assédio, tal como norma, frisa Sousa Real, “parece
as entidades da Administração Pú- ela própria lançar o mote para a
blica — mas essa medida não passou necessidade de uma formulação
do papel. “Esse princípio tem de similar” e correlacionada no Có-
ser concretizado”, diz ao Expresso digo Penal português, “nomeada-
fonte oficial do Bloco. mente para a eventual criação de
Já a líder parlamentar do PAN uma norma autónoma, tal como já
contesta e diz que a legislação exis- se verifica noutros ordenamentos
tente nesta área é “insuficiente”, jurídicos, como é o caso do Código
sublinhando que a figura da impor- Penal em França e em Espanha”.
tunação sexual é a norma jurídica O partido já está a trabalhar em
que é quase sempre utilizada para iniciativas neste âmbito e promete
casos de assédio sexual, sendo “re- manter a pressão sob o Governo.
vestida de conceitos amplos, inde- Liliana Coelho
terminados e de natureza e gravi- e Rosa Pedroso Lima
dades diversas”. Inês de Sousa Real lpcoelho@expresso.impresa.pt
processo que envolve, afinal, um di-
rigente nacional e uma ex-militante
do seu partido.
Saída de emergência
Oficialmente, a direção do Bloco de
Esquerda tratou de limitar ao míni-
mo as declarações públicas sobre
o caso. Num primeiro momento, e
só depois de Luís Monteiro ter pu-
blicado um comunicado negando
ter agredido a sua ex-companheira
e assumindo ter sido ele próprio
vítima de violência doméstica, o
BE veio reafirmar a sua confiança
no deputado e confirmar que se
manteria em funções no Parlamen-
to, assim como cabeça de lista à
Câmara de Gaia.
FOTO ESTELA SILVA/LUSA
A pressão interna feita pela distri-
tal do Porto e o facto de a polémica
em torno do deputado continuar a
ter ecos nos media, acabaram por
obrigar a um volte-face. A apro-
ximação da Convenção bloquista
— marcada para o próximo fim de
semana, precisamente no Porto —
acabou por fazer o resto. O risco dos
efeitos colaterais poderem atingir
o debate político na convenção e,
pior ainda, afetarem o resultado da
eleição interna dos novos dirigentes
acabou por levar a um recuo estra-
tégico. Luís Monteiro, que chegou a
deputado em 2015, é um dos jovens
quadros que mais ganharam rele-
vância interna junto da liderança de
Ali mesmo ao lado, na concelhia Catarina Martins, crescendo politi-
de Gaia, cinco outros dirigentes camente com a ‘geringonça’. A esta
enviaram um pedido idêntico à di- Convenção apresentava-se como
reção distrital e nacional do Bloco. um dos subscritores da lista da atual
Alegavam a mesma falta de con- maioria que lidera o Bloco (e que
dições políticas de Luís Montei- junta as correntes de Catarina Mar-
ro avançar para uma campanha tins e dos ex-UDP liderados agora
eleitoral, no meio de um processo por Pedro Filipe Soares) e estaria na
tão complexo de alegada violên- calha para integrar a próxima Mesa
cia conjugal, e anunciavam que se Nacional e outros órgãos diretivos
recusariam a entrar em qualquer do Bloco.
ação de campanha, caso a direção Esta quarta-feira, porém, o caso
insistisse em manter aquele nome de Luís Monteiro teve uma tenta-
na corrida autárquica. tiva de encerramento definitivo. O
José Soeiro, deputado e líder da deputado acabou por apresentar a
distrital do Porto do Bloco de Es- sua demissão da candidatura a Gaia
querda, não promoveu qualquer e anunciou retirar-se de qualquer
reunião de quadros. Nem mandou corrida a cargos dirigentes no Bloco.
abrir qualquer inquérito interno no Mantém, porém, o seu mandato de
deputado na AR e para isso conta
com “a concordância” da direção do
seu partido. Uma fórmula minimal
Luís Monteiro é um dos de explicar a mudança de estatuto
subscritores da lista de de Luís Monteiro, que foi negociada
Catarina Martins e estaria internamente. A direção bloquista
'segurou’ politicamente o dirigente,
na calha para integrar a mas retira-lhe um papel de primeira
próxima Mesa Nacional linha. Pelo menos, por enquanto.
rlima@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021
Gente
Escatologia parlamentar Foi
o momento mais alto da semana
em São Bento: quando a socialista
Cristina Jesus falava na Comissão
de Defesa, ouviu-se uma voz em
jeito de confissão: “Tenho vontade
de fazer cocó, mas...” Sem saber o
que fazer, o presidente da comis-
são, Marcos Perestrello, levou as
mãos à cabeça e fez o pedido para o
auditório que seguia a reunião por
videoconferência: “Quem quer que
ele seja” que desligue o microfone.
O incidente escatológico provocou
risinhos e caras incrédulas entre
os deputados que participavam
presencialmente na reunião, mas
os trabalhos prosseguiram com
um sentido de Estado incontestá-
vel. Gente espera que o deputado
em causa não tenha demorado a
atender à necessidade invocada,
mas confirma que o microfone foi
desligado.
O que Cotrim quer saber Numa
semana fértil em comissões mediá-
ticas, a estrela maior foi o presiden-
te do Benfica, Luís Filipe Vieira. Na
CPI ao Novo Banco houve motivos
de sobra para fazer toda uma teoria
geral do ‘vieirismo’ mas também
sobre o sentido de Estado dos li-
berais à portuguesa: é que João
Cotrim Figueiredo quis fazer as
“duas perguntas mais importan-
tes que os portugueses querem ver
respondidas”. A primeira? “Como
é que se gastam 100 milhões de
euros num plantel e depois se fica
em terceiro?” Se Gente fosse mazi-
nha, perguntava a Cotrim se já tem
outro “plano B”.
O galhardete de Rio No dia em
que os sportinguistas saíram defi-
nitivamente da toca, o ex-ministro
Álvaro Santos Pereira partilhou no
seu sempre ativo Twitter a imagem
de um leão com uma frase curta
cheia de (fundada) esperança: “É
hoje!” Mas logo teve resposta de Rui
Rio, mesmo à letra: “Hoje não, pode
ser para a semana, que eu não me
importo!” E fechava com uma ban-
deira aos quadrados pretos e bran-
cos, à Boavista. Gente não quer dar
azar, mas recomendaria a Rui Rio
que não faça apostas semelhantes
no dia das próximas autárquicas.
O retweet de Galamba Meti-
do numa alhada por causa de um
comentário azedo sobre o “Sexta
às 9” da RTP (o #estrumegate), o
secretário de Estado João Galam-
ba remeteu-se ao silêncio no seu
Twitter. Silêncio? Não tanto: com a
censura de Costa (“os governantes
têm de ter nervos de aço”) e do seu
ministro, Galamba retweetou um
texto de dezembro de fina ironia:
“António Barreto continua a ser ví-
tima do condicionamento da liber-
dade de expressão. Todos o querem
silenciar. Mas escreve para vários
jornais portugueses e é convidado
frequente em programas na TV,
rádio e net.” Ai, a censura!
Promessas
CAMPANHA Moedas tinha
prometido fazer diferente em
Lisboa, sem insultos, como os
outros políticos, até ao dia da
primeira sondagem. À falta de
outras armas, disparou com o
caso Sócrates. E agora tem o
PSD a caricaturar Medina num
cartaz de campanha. Daqui até
setembro, que mais se segue?
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 19

PUBLICIDADE 05/2021
20 PRIMEIRO CADERNO
O
INSUSTENTÁVEL
PODER DO
ASSÉDIO
Os limites entre o que é sedução
e assédio não são claros. O assediador
é, normalmente, o chefe, as vítimas
demoram algum tempo a processar
e o prazo para a denúncia prescreve
rapidamente. São ainda muito poucos
os casos que chegam a tribunal, mas
poderão ser a ponta do icebergue
Texto Bernardo Mendonça e Cátia Mateus Ilustração Alex Gozblau
A
discussão sobre a frontei-
ra entre o que é assédio
sexual e o que é flirt e se-
dução parece não ter fim
desde que o tema voltou
a estar na ordem do dia. E
persiste a ideia difusa so-
bre estas duas realidades.
Para o médico psiquiatra e
sexólogo Júlio Machado Vaz, a fronteira
pode ser definida por um ‘não’, por uma
recusa ou por uma mera manifestação
de desinteresse, por vezes não verbal;
um silêncio perante um avanço ou um
convite. “Mas quando alguém, no caso
um superior hierárquico, se torna in-
sistente apesar de receber um ‘não’, ou
apesar de não ter qualquer retorno en-
corajador ou positivo do outro lado, já é
inaceitável.” O psiquiatra considera que
aqui o machismo e os estereótipos cultu-
rais entram em campo. “Ainda há aquela
ideia de que quando as mulheres dizem
‘sim’ é sim, mas quando dizem ‘não’ há
uma parte delas que quer que nós [ho-
mens] insistamos. É um machismo que
tem-se vindo a diluir, mas não morreu.”
Em termos legais, os advogados ten-
dem a concordar que as fronteiras são
difíceis de definir e, sobretudo, de com-
provar. “A banalização do assédio e a
falta de consciência de que a pressão
constante sob a forma de elogio ou ten-
tativa de sedução é crime faz com que
muitas vítimas não consigam identificar
que o que estão a viver é assédio”, admi-
te o advogado António Garcia Pereira.
Para Júlio Machado Vaz, é evidente
que as pessoas são livres de se envolve-
rem em contexto laboral e que são mui-
tas as relações e casamentos que nasce-
ram no trabalho. “Negar isto é estúpido.”
Mas o psiquiatra considera que também
não se deve ignorar quando existe uma
assimetria hierárquica de cargos entre
as pessoas e que a sedução da parte de
quem tem mais poder terá sempre mais
responsabilidade e implicações. Ou seja:
quem tem um poder hierárquico supe-
rior tem de colocar a hipótese de outra
pessoa se sentir coartada ou influenciada
por ele. “É um terreno pantanoso, que
pode ter influência no comportamento
das pessoas. E quem interpreta um si-
lêncio como um ‘sim’, como um ‘quem
cala consente’, achando que essa pessoa
não o rejeitou, tem de refletir se ela ou
ele não rejeitou porque tem medo de ser
despedido(a) ou de outras represálias.
Numa relação dessas, uma negativa não
expressa pode não refletir aceitação táci-
ta, mas sim o medo das consequências.”
FRONTEIRAS TÉNUES
Com consultório aberto há mais de 40
anos, foram muitos os casos de assédio
sexual contados a Júlio Machado Vaz.
Na maioria das vezes, os assediados dis-
seram-lhe que “se fizeram desentendi-
dos” e que “não era nada com eles” por
“sobrevivência”. Ironicamente, muitos
acabaram por abandonar os locais de
trabalho. “Tiveram de sair porque ti-
nham menos poder. O que tantas vezes
acontece é que a pessoa fica na situação
de se queixar ao poder sobre... o poder.
E as pessoas não têm ilusões quanto à
eficácia disso.” E não é assim tão raro
que uma questão que começa por as-
sédio sexual se transforme em assédio
moral. São casos de pessoas que não
cedem aos avanços do superior hierár-
quico e pagam o preço. “É um ajuste de
contas nestas relações de assimetria em
termos de poder.”
A socióloga Anália Torres, fundadora
e coordenadora do Centro Interdisci-
plinar de Estudos de Género (CIEG),
do ISCSP, e coordenadora do estudo
“Assédio Sexual e Moral no Local de
Trabalho em Portugal”, publicado em
2016, também separa águas: “Quan-
do um colega ou chefe faz um avanço
para alguém com quem trabalha — e
até pode ter boas intenções e querer en-
cetar uma relação romântica —, se essa
outra pessoa mostrar que não quer ou
não se revelar interessada, começa logo
o assédio quando após a rejeição se in-
siste em perseguir, mandar mensagens
e incomodar. E também, no caso de ser
um chefe, fazendo uso do poder para
que a outra pessoa vergue porque sabe
que depende hierarquicamente de si.”
A assimetria de poder é também
apontada pela secretária de Estado para
a Cidadania e Igualdade, Rosa Mon-
teiro. Reconhecendo que “o assédio
sexual tem sido muito desconsiderado
ao longo dos anos”, sinaliza que as situa-
ções mais reportadas são por mulheres
e estão frequentemente relacionadas
com aproximações físicas, contactos
não desejados, piadas ou comentários
ofensivos, “em regra praticados pelo
Expresso, 14 de
superior hierárquico ou chefe direto”.
Um contexto que, realça, “é lesivo da
igualdade e tem impactos muito ne-
gativos no campo laboral e também
psicológico”. “É preciso instituir uma
cultura de intolerância total em relação
a todo o tipo de assédio, de forma a que
nenhuma vítima seja descredibilizada e
perca a coragem para denunciar.”
O estudo que Anália Torres coorde-
nou, em 2015, permanece o mais atual.
Nele, a socióloga destacava que 14,4%
das mulheres assumiu que já sofreu
assédio sexual no trabalho, enquanto
apenas 8,6% dos homens passaram pela
experiência. Por outro lado, 16,7% das
mulheres já experimentou uma situa-
ção de assédio moral contra 15,9% de
homens. Verificou-se também que a
larga maioria destes incidentes de as-
sédio sexual foi causada por superiores
hierárquicos ou chefias diretas e que
as mulheres revelaram, acima de tudo,
“medo de consequências profissionais
negativas.” O que não é de desmerecer
nesta equação de forças é a “relação de
género”, porque as mulheres estão em
menos situações de poder no mercado
laboral. “E a probabilidade de assédio é
maior em situações em que os homens
estão nas chefias.”
PROIBIÇÃO RECENTE
Anália Torres recorda que o assédio
existe desde que há mulheres no mer-
cado de trabalho, mas só nos anos 70 do
século XX passou a ter um nome e a ser
identificado “como crime, que passou a
ser condenado”. Na verdade, a prática
de assédio está há muito inscrita no
Código do Trabalho. Mas só em 2017,
com uma atualização da lei, passou a ser
proibida e considerada uma contraor-
denação muito grave, com coimas que
podem chegar aos €61.200. Desde essa
altura, as empresas com mais de sete
trabalhadores estão obrigadas a adotar
códigos de conduta antiassédio, a abrir
processos disciplinares sempre que há
denúncias e a proteger as vítimas e as
suas testemunhas do despedimento.
Mas ainda que a revisão legislativa
tenha sido um passo importante, “falta
coragem às vítimas para denunciar e
alguma simplificação destes proces-
sos nos tribunais”, afirma a advogada
Carmo Sousa Machado, sócia da Abreu
e maio de 2021
O QUE É ASSÉDIO SEXUAL?
É um conjunto de
comportamentos indesejados,
percecionados como abusivos,
de natureza física, verbal ou não
verbal, podendo incluir
tentativas de contacto físico
perturbador, pedidos de favores
sexuais com o objetivo ou o
efeito de obter vantagens,
chantagem e mesmo uso de
força, de poder ou de estratégias
de coação da vontade da outra
pessoa. O assédio sexual pode
ser caracterizado em quatro
dimensões:
^ Insinuações sexuais
Piadas ou comentários sobre o
seu aspeto que o/a tenham
ofendido; piadas ou comentários
ofensivos sobre o seu corpo;
piadas ou comentários ofensivos
de carácter sexual
^ Atenção sexual não desejada
Convites para encontros
indesejados; propostas explícitas
e indesejadas de natureza
sexual; propostas indesejadas de
carácter sexual através de
e-mail, SMS ou sites e redes
sociais; telefonemas, cartas,
SMS, e-mails ou imagens de
carácter sexual ofensivos;
olhares insinuantes não
desejados e não correspondidos;
perguntas intrusivas e ofensivas
acerca da vida privada
^ Contacto físico
e agressão sexual
Contactos físicos não desejados
(tocar, mexer, agarrar, apalpar,
beijar ou tentar beijar); agressão
ou tentativa de agressão sexual
^ Aliciamento
Pedidos de favores sexuais
associados a promessas de
obtenção de emprego ou
melhoria das condições de
trabalho
ASSÉDIO
INVESTIGAÇÃO
Advogados. “Fazer prova de casos de
assédio continua a ser complexo, com
os tribunais a desvalorizarem a decla-
ração das vítimas em casos em que os
agressores não o fazem às claras e com
testemunhas”, reforça António Garcia
Pereira. E é também por isso que as
denúncias são tão poucas.
São três as entidades com poder ins-
petivo nesta matéria: Comissão para a
Igualdade no Trabalho e no Emprego
(CITE), Autoridade para as Condições
de Trabalho (ACT) e Inspeção-Geral de
Finanças (IGF), para o sector público.
Entre 2016 e 2021, a CITE recebeu 23
queixas, todas por assédio moral, mos-
tram os dados fornecidos ao Expresso
pelo Ministério do Trabalho (MTSSS).
A ACT levantou desde 2019 cinco autos
de contraordenação a entidades empre-
gadoras por assédio.
O MTSSS justifica o reduzido núme-
ro de denúncias com o medo que “a
maioria das vítimas tem de denunciar
este tipo de situações, quer porque tem
receio de perder o emprego, quer por
vergonha, e ainda porque teme que
ninguém acredite”. O que pode ajudar
a explicar a maior incidência de queixas
reportadas por funcionários públicos —
onde a possibilidade de perda de empre-
go é residual — à IGF. Este organismo
contabilizou desde outubro de 2017,
altura em que a lei 73/2017 entrou em
vigor, e até meados de abril de 2021,
“203 participações por assédio laboral
no sector público, das quais 189 foram
por assédio moral e duas por assédio
sexual e moral, sendo que nas restantes
12 não foi declarado o tipo de assédio”,
revela fonte oficial ao Expresso. Já este
ano e até abril, a IGF recebeu 28 parti-
cipações por assédio. Um universo que
os advogados admitem que não espelha
a realidade das empresas. “Há medo de
represálias e desconhecimento em rela-
ção aos processos de denúncia”, refere
Carmo Sousa Machado.
Anália Torres acrescenta à discussão
as questões culturais que favorecem o
assédio no trabalho. “As mulheres são
ensinadas a ceder. A imagem tradicio-
nal da mulher é ser suave, não é ser
assertiva. Para uma mulher ser profis-
sionalmente bem-sucedida tem de estar
sempre com um sorriso suave para a
chefia, para que não seja vista como
conflituosa e desagradável.”
Rosa Monteiro reconhece que “é pre-
ciso investir na formação” e sensibilizar
para estas questões, que “estão também
na base do problema”. Segundo a se-
cretária de Estado, “a CITE formou no
ano passado mais de 1700 pessoas em
matérias relacionadas com a igualdade,
entre elas o assédio”. E avisa: “É preciso
estabelecer uma linha vermelha em
matéria de assédio.”
O reforço da lei, em 2017, foi um pri-
meiro passo, mas Anália Torres diz que
há ainda caminho para melhorar: “O
tempo para a prescrição da denúncia
de assédio pode melhorar e aumentar.”
Esse prazo é, atualmente, de seis me-
ses. Mais: “Como se tem visto, há ainda
poucas empresas a aplicar essa lei e a
cumprir o Código do Trabalho, com
mecanismos sérios e rigorosos para as
pessoas fazerem queixa.”
O advogado Garcia Pereira confirma-
-o: “A lei determina a abertura de um
processo disciplinar em caso de denún-
cia, mas o que muitas vezes acontece é
que as empresas instauram processos
de inquérito e, mesmo com indícios
consistentes, não chega a haver proces-
so disciplinar.” O advogado identifica
ainda “a cultura de desvalorização dos
danos morais na justiça portuguesa”, e
“as custas destes processos são de tal
forma elevadas que, muitas vezes, a ví-
tima arrisca receber uma indemnização
que não chega para pagar as custas”.
É preciso mudar a lei? Garcia Pereira
considera que “é preciso melhorá-la”.
Rosa Monteiro também reconhece
que “há sempre aspetos que é possível
melhorar na lei”. Mas “não basta exigir
o Direito, é preciso garantir o acesso ao
Direito”. Repensar a questão da “admis-
são da prova” é para a secretária de Esta-
do essencial, “porque muitas vezes estas
vítimas não têm prova convencional”.
Em sentenças recentes já foram aceites
gravações de telemóvel como prova.
Sobre os excessos, alarmismos, no
que alguns já chamam de ‘caça às bru-
xas’, Anália Torres é perentória: “Não
se trata disso, e as falsas declarações
são puníveis e marginais. Isto é uma
coisa séria. O que não é marginal é a
desacreditação das vítimas. Por isso, as
vítimas têm medo de avançar. É preciso
criar um clima favorável para a denún-
cia destes casos.”
bmendonca@expresso.impresa.pt
MANUAL DE PREVENÇÃO*
Se for alvo de assédio...
1 Não se culpabilize
As pessoas que sofrem de
assédio sexual no trabalho
frequentemente responsabilizam-
-se e culpabilizam-se por aquilo
que lhes sucede, nomeadamente
pensando que encorajam ou
encorajaram de alguma forma
o/a seu/sua agressor/a. A única
pessoa a responsabilizar em caso
de assédio sexual no trabalho é o
agressor/a.
2 Não ignore a situação
Ignorar o facto de que está a
ser vítima de assédio sexual no
trabalho apenas encoraja o/a seu/
sua agressor/a e a situação pode
sair do controlo, porque lhe envia
a mensagem de que pode ou tem
o direito de continuar.
3 Seja assertivo/a
Se se sentir desconfortável ou
ofendido/a com a situação,
diga-o de forma clara a quem
lhe provoca o desconforto. Deve
dizer “não” à continuação desses
comportamentos. Exemplo: “Não
quero que isto se volte a repetir.”
4 Crie rasto e prova
Escreva à pessoa que o assedia
dizendo “não” àquilo que está
a sofrer. Estas mensagens têm
um efeito dissuasor, já que
dificilmente o/a assediador/a
invocará depois que desconhecia
que se sentia desconfortável ou
ofendido/a com a situação.
5 Não apague provas
Não apague e-mails, mensagens
escritas, mensagens nas redes
sociais, notas escritas em papel,
etc., que a pessoa que o/a assedia
lhe possa enviar. Estes podem ser
Parte da lei “não
chega ao terreno”
Legislação prevê que
condenações de empresas
por assédio sejam tornadas
públicas. Advogados
dizem que aplicação falha
É o que consta do Código do
Trabalho: o assédio, seja moral
ou sexual, é considerado uma
contraordenação muito grave. E,
para este crime, sem prejuízo da
eventual responsabilidade penal
prevista, está também definida
a aplicação da sanção acessória
de publicidade. Ou seja, uma vez
transitada em julgado a conde-
nação da empresa por assédio,
os órgãos de fiscalização com-
petentes — Autoridade para as
Condições de Trabalho (ACT),
no sector privado, e Inspeção-
-Geral de Finanças (IGF), no
empregador Estado — deverão
tornar pública a decisão, com a
caracterização da contraorde-
nação, a norma violada, a iden-
tificação do infrator, o lugar da
prática e a sanção aplicada. Os
advogados António Garcia Pe-
reira e Carmo Sousa Machado
reconhecem que, no que toca
ao assédio, isto não é cumprido.
“A lei prevê a divulgação pú-
blica de empresas condenadas
por assédio, cujo processo tenha
transitado em julgado. Mas isto
não chega ao terreno”, sinaliza
o advogado António Garcia Pe-
reira, que recorda que em 2017
foi anunciada a elaboração e
atualização regular de uma lis-
ta pública de infratores. Carmo
Sousa Machado reconhece que
a publicitação de condenações
“poderia ter um útil e necessário
efeito dissuasor, pelo potencial
impacto na imagem das orga-
nizações”. E Garcia Pereira
diz que “está a perder-se uma
PRIMEIRO CADERNO 21
meios fundamentais de prova da
ocorrência de assédio sexual.
6 Fale com colegas
Tente perceber se já viveram
situações semelhantes de assédio
e se a mesma pessoa assedia ou
assediou colegas seus. Fale com
outras pessoas em quem confie.
Encontre uma forma de contar e
desabafar aquilo que está a viver.
Não subestime o valor da sua
história. Partilhar a história de
assédio enquanto ela ocorre pode
ser importante para conseguir
testemunhas ou produzir prova
do assédio sexual.
7 Apresente queixa
Denuncie o caso internamente.
Contacte diretamente a CITE, os
sindicatos, a Autoridade para as
Condições de Trabalho (ACT) ou, se
for funcionário público, a Inspeção-
Geral de Finanças (que tem uma
plataforma própria para denúncia
de situações de assédio laboral
em organismos e serviços do
Estado) e exponha o seu caso. Os/
as assediadores/as imaginam que
as vítimas têm medo de apresentar
queixa e de expor a situação que
estão a viver. Em caso extremo,
apresente queixa na polícia.
8 Registe o trabalho
Registe e faça cópias de todas
as tarefas/trabalhos que realiza
e entrega, porque uma das
formas de retaliação dos/as
assediadores/as (quando se trata
de um superior hierárquico) é na
avaliação de desempenho e na
ameaça de despedimento. B.M.
*Recomendações do Centro
Interdisciplinar dos Estudos de Género
oportunidade de mudar menta-
lidades”.
SUSPENSÃO DE ATIVIDADE
TAMBÉM ESTÁ PREVISTA
A publicidade da condenação
consiste na inclusão em registo
público disponibilizado na pá-
gina eletrónica do serviço com
competência inspetiva do mi-
nistério responsável pela área
laboral. É promovida pelo tri-
bunal competente em relação à
decisão judicial ou pelo serviço
inspetivo. Nos casos de reinci-
dência na contraordenação, con-
siderando os efeitos gravosos
para o trabalhador ou o benefí-
cio económico retirado pelo em-
pregador com o incumprimento,
o artigo 562º do Código do Tra-
balho prevê que possa também
ser decretada a interdição do
exercício de atividade da empre-
sa ou a proibição de participar
em concursos públicos por um
período até dois anos.
E se, pela lei (artigo 563º),
a sanção de publicitação pode
ser dispensada se o agente tiver
pago imediatamente a coima a
que foi condenado e não tiver
praticado qualquer contraor-
denação grave ou muito grave
nos cinco anos anteriores, esta
dispensa não se aplica a casos
de assédio. O Expresso questio-
nou a ACT sobre esta matéria e
não obteve resposta até ao fecho
desta edição. Já a IGF esclareceu
por escrito que, nesta matéria,
“o regime aplicável é o constan-
te da Lei Geral do Trabalho em
Funções Públicas” e que, “tendo
em conta que a pena não pode
ser publicitada, ao abrigo do di-
ploma legal, a IGF não pode pro-
ceder a essa publicitação”. C.M.
22 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de maio de 2021

70% VACINADOS ATÉ
INÍCIO DE AGOSTO
COVID A meta de ter 70% da
população com pelo menos a
primeira dose da vacina con-
tra a covid-19 foi antecipada e
está prevista para o início de
agosto, e não apenas no final do
verão. Ouvido esta semana no
Parlamento, o vice-almirante
Gouveia e Melo indicou que a
meta até poderá ser atingida
mais cedo se a barreira de idade
da vacina da Janssen for elimi-
nada. “A partir de junho já não
teremos pessoas com mais de
50 anos por vacinar”, alerta,
indicando que nessa altura 2,7
milhões de vacinas da Janssen
já não poderão ser usadas.
SEGREDOS DE
SERVIÇOS SECRETOS
DINFO Esta era a si-
gla dos serviços de
informação milita-
res criados logo a
seguir ao 25 de Abril para com-
bater o terrorismo nacional e a
espionagem soviética. Duraram
até 1997, ano em que foram ex-
tintos, vítima do seu próprio
sucesso, segundo um dos seus
antigos agentes. É esse agen-
COVID Fizemos contas aos números de cá e lá de te, Fernando Cavaleiro Ângelo,
fora desde que há pandemia e chegámos a várias que acaba agora de publicar um
conclusões, que apresentamos em vários gráficos livro com as memórias desse
interativos. Duas delas: Portugal continua acima serviço secreto hoje esquecido.
da média europeia em casos e mortes por milhão de habi- Chama-se “DINFO – A Queda
tantes e, em comparação, tem mais infeções do que o Brasil. do Último Serviço Militar” (ed.
FOTO RUI DUARTE SILVA Casa das Letras).
9300
CAVALO DE TROIA
ESTÁ DE VOLTA
ENTRETENIMENTO
toneladas é a Nascido em Portu-
estimativa do gal em 2013, como
peso de lixo que um dos principais
existe no espaço. eventos mundiais de entre-
A órbita baixa da Terra tenimento digital, o projeto
está cada vez mais Trojan Horse Was a Unicorn
congestionada e poluída, (THU) está de volta a Troia,
existindo por lá mais de 26 após um interregno de dois
mil objetos, dos quais só anos. O Expresso falou com o
cerca de 2800 estão fundador da iniciativa — que
operacionais. Este balanço engloba as áreas de audiovi-
foi um dos artigos sual, filmes, jogos, animação,
exclusivos do Expresso efeitos visuais e realidade vir-
digital, que publicámos a tual e é considerada a maior
propósito da queda dos organização de empreende-
restos de um foguetão dorismo do sector — desejada
chinês por oito países.

ENTREVISTA

Luís Costa Diretor do Departamento de Oncologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte

“Este ano já recebemos mais 40%

de cancros da mama metastáticos”
por estádios, e fazer previsões para es-
Vera Lúcia Arreigoso tarmos preparados em termos de re-
cursos humanos. Se vamos ter doentes
Chama-lhe um “fogo lento que está a em estádios mais avançados, vamos
grassar”, e a pandemia foi uma acha precisar de mais vagas nos hospitais.
na fogueira: vão ser mais os doentes
com cancro e também mais os que P Qual foi o maior erro nas doenças
vão chegar aos hospitais em estado oncológicas durante a pandemia?
avançado da doença. O oncologista R O que fizemos mal — e somos to-
Luís Costa, professor da Faculdade dos responsáveis, alguns mais — foi a
de Medicina de Lisboa e investigador comunicação. Havia uma pandemia,
principal do Instituto de Medicina Mo- com períodos extremamente difíceis
lecular, afirma que o medo da covid-19 que era preciso ter na ordem do dia,
fez com que os doentes fugissem dos até para fazer alguma pressão políti-
médicos, e o prognóstico é, portan- ca para que se tomassem as medidas
to, muito reservado. O país vai ter de necessárias. Mas não houve contraba-
estar preparado para tratar cancros lanço: faltou literacia em Saúde para
mais graves nos próximos três a cin- dizer às pessoas que, se tivessem quei-
co anos, que é quando a mortalidade xas, deviam ir ao hospital — ficaram
deverá disparar. Não há cura para em casa a morrer de enfarte ou AVC
esta metástase da pandemia e, para —, não fugirem das consultas, porque
minimizar os efeitos, é necessário “um houve doentes que fugiram e outros
esforço grande para que os programas que não fizeram os exames pedidos.
de rastreio estejam a 100%, para que
as consultas com os médicos de famí- P Houve quem quisesse ir ao médico e
lia, ou o médico assistente, estejam a tenha encontrado uma porta fechada.
funcionar em pleno”. A luta contra a R É verdade, foi o segundo maior
mortalidade por cancro “não se ganha erro. Deveria ter havido — e cheguei
nos hospitais, ganha-se antes”. a sugeri-lo a responsáveis — pessoas
concentradas em resolver os proble-
P Os hospitais estão a rebuscar os do- mas de saúde graves não covid, como
FOTO TIAGO MIRANDA

entes perdidos durante a pandemia? as doenças cardiovasculares e oncoló-

R Houve um esforço por manter o
tratamento a todos os doentes cujo
diagnóstico era conhecido, mas, quan-
do olhamos para a estatística de 2020
face a 2019, vemos que estamos a re-
ceber mais doentes com cancro me-
tastatizado. Não acho que tenha sido
por um ano de pandemia que a doença
avançou logo — porque essa onda está
por chegar —, mas porque alguns do-
entes só recorreram aos médicos já
com sintomas importantes ou sinais
de alerta, que não foram encontra-
dos porque não tiveram consultas. No
Hospital de Santa Maria já recebe-
mos este ano mais 40% de cancros da
mama metastáticos.
P Se não foi devido à pandemia, a que
se deveu esse aumento?
R Muitas senhoras só recorreram
ao médico quando o cancro já estava
avançado e com sintomas. O atraso
no diagnóstico precoce vai-se refletir
nos próximos três a cinco anos. Já
tínhamos dificuldade de cobertura
nos programas de rastreio de base
Oncologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, pede retoma total das consultas com os médicos de família
medicamentos, mais apoio dos cui-
dados paliativos e por aí fora. Temos
de estar preparados. A Europa tem
2,2 milhões de mortes por cancro
por ano, Portugal cerca de 30 a 40
mil. Não é uma pandemia, no termo
técnico, mas é um fogo lento que está
a grassar, o aumento da incidência.
Mesmo que estejamos a aumentar
a taxa de cura em alguns cancros, a
capacidade de resposta está sempre
em questão.
PESSOAS FICARAM
EM CASA A MORRER
P O grupo de trabalho para as doen-
ças oncológicas, que diz ser necessá-
rio, ainda não existe porquê?
R Há uma comissão de coordenação
oncológica para o plano nacional,
que tem feito um trabalho meritório,
mas é claro para todos que não basta
termos diretivas vindas de cima. O
Serviço Nacional de Saúde funciona
muito da base para o topo, e cada uma
das unidades hospitalares e de saúde
familiar tem de criar task forces para a
recuperação de consultas e rastreios.
Não basta só vir uma diretiva.
P Acha que o seu serviço se preparou
para isso?
R Espontaneamente, mantivemos
reuniões para analisarmos como pro-
P Já se nota um fluxo de doentes se-
melhante ao anterior à pandemia?
R Os números estão a aproximar-se,
mas volto a dizer: os doentes vão che-
gar em estádios mais avançados. Tem
de fazer-se um esforço grande para
que os programas de rastreio estejam
a 100%, para que as consultas com os
médicos de família, ou o médico assis-
tente, estejam a funcionar em pleno.
Quem faz colonoscopias pelo país fora
diz repetidamente que, numa sessão,
entre 20 a 30 casos, se encontraram
mais dois ou três cancros do cólon.
Vamos assistir nos próximos dois ou
três anos a um aumento de cancro
avançado. Essas pessoas não vão mor-
rer logo, porque têm tratamentos que
permitem manter a sobrevivência —
gicas, as causas de morte principais.
P Nos cuidados primários parece que
não houve desconfinamento...
R Esse é um ponto crítico, e é mais
importante do que os hospitais. Aquilo
que a ciência sabe é que o principal
fator para a cura é o diagnóstico pre-
coce. Se não o fizermos o mais cedo
possível e depois tivermos uma estra-
tégia de terapêutica bem feita o mais
cedo possível, perdemos a batalha.
P É precisamente nesse elo que con-
tinuamos sem recuperar...
R Essa é a minha mensagem princi-
pal. A luta contra o cancro — e vou
dizer uma coisa um pouco forte, que
não sei se deva dizer, mas enfim —, no
que diz respeito à mortalidade, não se
ganha nos hospitais, ganha-se antes.
P Os programas de rastreio que te-
mos são os adequados?
R Isso é outro debate. Os rastreios
não estão a ser aplicados com a mes-
ma eficácia no país. A Liga Portuguesa

DE ENFARTE OU AVC
populacional; estamos agora num es- tegeríamos os doentes da infeção de para os cancros frequentes, mama, Contra o Cancro tem tido um trabalho
forço de recuperação, mas não vamos covid e como manteríamos a capaci- próstata, intestino ou cólon —, mas a importante, e há patologias com uma

(...) HOUVE DOENTES

conseguir aumentar além do que con- dade de resposta para os tratamentos. mortalidade vai acentuar-se bastante grande dispersão, caso do cancro do
seguíamos fazer antes da pandemia. Mas somos um hospital terciário, que a partir dos cinco anos. colorretal. Os programas de rastreio

P O aumento de cancro da mama me-
tastatizado vai ter um efeito mensurá-
vel na mortalidade?
R É óbvio, e também num maior nú-
mero de consultas, maior gasto com
QUE FUGIRAM já recebe os doentes para tratar. O
problema está antes, na forma como
DAS CONSULTAS vamos recuperar os programas de
diagnóstico precoce, no âmbito do
rastreio e dos doentes que já têm uma
sintomatologia.
P Sabe-se qual será a fasquia?
R Não, mas ao nível das task forces
deviam existir elementos da saúde pú-
blica e da epidemiologia a olhar para
o quer está a acontecer na incidência,
eficazes não se fazem nos hospitais,
começam nos médicos de família. Nos
hospitais, o trabalho é tratar o doente
no estádio em que chega e fazer o me-
lhor que se puder.
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021
SAÚDE
Esperar pelo
dia de receber
para ir
à farmácia
Pandemia acentuou o
comportamento dos portugueses
Vera Lúcia Arreigoso
Antes, eram apenas os idosos,
mas os tempos alteraram o
padrão: os portugueses, na ge-
neralidade, esperam cada vez
mais pelo dia em que recebem
para “irem à farmácia buscar os
medicamentos ou pagar a con-
ta”, diz Ema Paulino. “Acontece
todos os meses: durante o atual
contexto, com atraso nas recei-
tas, houve um pico no crédito,
com as farmácias a dispensarem
sem cobrarem o preço na totali-
dade”, assegura a tesoureira da
Ordem dos Farmacêuticos. Os
velhos eram os mais atingidos,
mas a redução — ou mesmo a
perda — de rendimentos devi-
do à atual pandemia alargou as
dificuldades no acesso às tera-
pêuticas a mais portugueses. É
nas semanas em que são pagas
reformas, subsídios sociais ou
vencimentos que as farmácias
mais vendem. E há escolhas que
têm ser feitas.
“Os idosos vêm dos Correios
com o envelope com o dinheiro
da reforma diretos à farmácia.
E vemos pessoas com dificul-
dades que escolhem os medi-
camentos que podem pagar”,
explica a também farmacêutica
comunitária. A análise das dis-
PROCURA
2
picos de vendas de
medicamentos são registados
a cada mês: na segunda
e na quarta semana. Isto
corresponde ao pagamento
do complemento solidário
para idosos e pensões
e depois ao pagamento
das prestações familiares,
subsídios de desemprego
e de cuidador e vencimentos
3
grupos de terapêuticas,
sobretudo medicação crónica
para a diabetes, hipertensão
ou antidepressivos, são
os mais procurados pelos
utentes com dificuldades
económicas que limitam
o acesso aos tratamentos
PRIMEIRO CADERNO 23
Associação Nacional
das Farmácias tem
um programa para
dar medicamentos
a famílias com
dificuldades
FOTO DAVID CLIFORD
LEIA A ENTREVISTA
A EMA PAULINO
EM EXPRESSO.PT
pensas é evidente: “As vendas porque os laboratórios estão o Infarmed garante uma reser- precisa, a farmacêutica defen- têm um serviço dedicado, de
aumentam na segunda semana a tentar sobreviver”, e “é pre- va estratégica. No entanto, isto de também ajuda para a toma preparação individualizada de
do mês, quando é pago o com- cisa, sim, regulamentação que não chega: “Para as pessoas é dos remédios. “Temos pessoas medicação, e há autarquias que
plemento solidário para idosos garanta o equilíbrio”. tudo [medicamentos] essencial.” com dez a 12 medicamentos por o oferecem a munícipes, mas
e pensões, e na quarta semana, Para que não faltem medica- A par do apoio no acesso aos dia, sem apoio em casa e que se são ainda muito poucas.
com as prestações familiares e mentos essenciais à população, medicamentos a quem mais confundem.” As farmácias já varreigoso@expresso.impresa.pt
subsídios de desemprego ou de
cuidador e vencimentos.”
Os dados da IQVIA, multina-
cional especializada na área da
Saúde, confirmam a perceção
de quem está ao balcão: os dias
8 e 22 de cada mês têm sido de
pico, pelos menos, desde 2019.
Por exemplo, este ano esses to-
pos de vendas foram de 72.558
e 79.388 unidades na segunda
e quarta semanas de janeiro,
62.248 e 59.336 em fevereiro;
março somou 63.689 e 89.784
(o mais elevado do ano até ago-
ra) e abril, 66.137 e 80.295. A
medicação crónica, para a dia-
betes, hipertensão e os antide-
pressivos, é a mais procurada.
Comparticipações
são ‘manta de retalhos’
“Portugal tem uma situação
particular, que nos preocupa: o
preço dos medicamentos pago
pelas pessoas. Segundo os dados
da OCDE em termos de despesa
individual, é o país onde a popu-
lação paga mais”, critica Ema
Paulino. “Na farmácia existem
copagamentos para muitos me-
dicamentos”, mas a fatura não
se resume aos remédios. A far-
macêutica explica que também
“pesam as despesas com óculos
e medicina dentária”.
A Associação Nacional das
Farmácias (ANF) tem um
programa específico para dar
apoio às famílias carenciadas
que não conseguem comprar
a medicação de que precisam.
Ainda assim, Ema Paulino não
acredita que esta seja a solução.
“Projetos de solidariedade são
ótimos, mas se há comprovada-
mente um problema de acesso
ao medicamento, o apoio devia
ser equacionado ao nível do Mi-
nistério da Saúde”. Por isso, “já
reivindicamos há muito uma
solução e a revisão do sistema
de comparticipação, que é uma
verdadeira manta de retalhos”.
A exigência é uma das muitas
que Ema Paulino pretende fazer
e pela qual se assume como a
primeira candidata à presidên-
cia da ANF, em eleições no fi-
nal do mês. “É preciso perceber
onde estamos a falhar às pesso-
as.” E um dos erros que aponta
é o preço dos fármacos.
Sobrevivem as alternativas
farmacológicas mais caras
“O Governo tem de perceber
que a pressão faz ricochete. Ou
seja, ao não permitir pequenas
alterações no preço dos medi-
camentos, os que estão muito
baixos, ficam apenas as alter-
nativas mais caras”, assegura
Ema Paulino. A tesoureira da
ANF reconhece que há expor-
tações para mercados mais fa-
voráveis, que também levam
à falta de oferta nas farmáci-
as portuguesas, mas sublinha
que “não se pode diabolizar,
24 PRIMEIRO CADERNO
COVID-19
Não basta suspender patentes para
fazer chegar vacinas aos mais pobres
A vacinação avança no mundo a ritmos diferentes. As empresas fabricantes argumentam que partilhar
a receita não fará com que se produzam mais vacinas no curto prazo. Mas sobe a pressão para se fazer mais
Texto Isabel Leiria
Infografia Sofia Miguel Rosa
Entre os 63% ou os 46% de pessoas
vacinadas contra a covid-19 em Israel
e nos Estados Unidos e os 10% na Ín-
dia, um dos países mais populosos do
mundo, ou os 1,4% em Angola, é fácil
de constatar as diferenças de ritmo a
que se combate a pandemia. E mesmo
com todos os recordes batidos — nunca
uma vacina tinha sido desenvolvida em
menos de um ano nem nunca tantas
doses tinham sido produzidas tão ra-
pidamente —, a urgência de proteger
uma percentagem muito elevada da
população mundial permanece. A gran-
de questão é como acelerar o processo.
Suspender temporariamente as pa-
tentes sobre as vacinas contra a co-
vid-19 é uma das opções que passou
a estar em cima da mesa a partir do
momento em que a Administração nor-
te-americana de Joe Biden fez saber, na
semana passada, que não se oporia a tal
decisão, que terá de ser discutida e con-
sensualizada no seio da Organização
Mundial do Comércio (OMC). Mas há
muitas dúvidas sobre a eficácia de tal
medida para o escalar da produção, o
risco de poder dissuadir futuros investi-
mentos em inovação feitos por privados
e até sobre o que realmente pretendem
os EUA com este volte-face em relação
à oposição manifestada ainda há uns
meses, quando Índia e África do Sul
mencionaram tal pretensão.
As patentes funcionam como uma
proteção para quem inventa novas
tecnologias e produtos, garantindo
que durante 20 anos não são ‘copiadas’
— leia-se fabricadas e comercializadas
— por terceiros. É este monopólio que
garante aos criadores — empresas, ins-
titutos de investigação, universidades
— margens de lucro durante um certo
período que permitam compensar o
muito dinheiro investido no processo
de investigação e desenvolvimento.
Determinar que uma empresa vê esse
direito temporariamente suspenso é
raro, mas está previsto em circunstân-
cias excecionais. E a crise pandémica
atual é um desses momentos, argu-
mentou a Administração de Biden.
“O levantamento de patentes faz
sentido se a restrição ao aumento de
produção for o preço elevado que é es-
tabelecido ao abrigo da patente — o que
não sucede nas atuais vacinas — ou se
a empresa detentora da patente não li-
cenciar a produção a outras entidades,
o que não também não se verifica”, co-
Fórmulas diferentes
podem gerar
mais anticorpos
Estudo mostra que a
combinação de duas doses, uma
com a técnica mRNA e outra
com adenovírus, melhorou a
resposta imunitária em ratos
Tipicamente, qualquer vacina composta
por duas doses não mistura marcas. Os
fármacos já aprovados contra a covid-19
não são exceção. São administradas
duas doses da Pfizer, duas doses da Mo-
derna ou duas doses da AstraZeneca.
Mas desde fevereiro que investigadores
britânicos estão a tentar perceber até
que ponto misturar duas vacinas com
fórmulas diferentes pode potenciar
uma resposta imunitária mais robusta.
meça por assinalar Pedro Pita Barros,
professor da Faculdade de Economia
da Universidade Nova de Lisboa e espe-
cialista em Economia da Saúde.
Suspender ou fazer mais acordos
É ao abrigo desses vários acordos que
há institutos no Brasil a produzir va-
cinas da Sinovac e da AstraZeneca; o
mesmo se passa na Índia ou na Euro-
pa, com a norte-americana Moderna a
recorrer à suíça Lonza para produzir
a sua vacina. Há dias foi anunciada
uma nova parceria entre as alemãs
BioNTech e a chinesa Fosun Pharma-
ceutics para pôr de pé uma fábrica
capaz de fabricar mil milhões de doses
por ano naquela região.
“Este tipo de licenciamento da pro-
dução e transferência de tecnologia
negociada entre quem criou as vaci-
nas e empresas em países terceiros
parece-me uma forma mais eficaz e
Pedidos de registo de patentes europeias
No Instituto Europeu de Patentes
TOTAL EM 2020
180.250 ]
VAR. 2019/20
-0,7%
EMPRESAS QUE MAIS
PATENTES PEDIRAM
1 SAMSUNG
3276
2 HUAWEI
3113
3 LG
2909
4 QUALCOMM
1711
5 ERICSSON
1634
6 SIEMENS
1625
7 ROBERT BOSCH
1597
8 SONY
1477
9 ROYAL PHILIPS
1419
# BASF
1305
O Instituto Europeu de Patentes recebe os pedidos de quem quer ver a sua inovação protegida nos 44 países
associados e já atribuiu perto de quatro milhões de patentes. Em 2020, a área médica foi a que mais cresceu
Nas experiências feitas com ratos, uma
dose de uma vacina que usa a técnica
de mRNA — como a da Pfizer ou da
Moderna — e outra dose que usa genes
inativados de adenovírus, a combinação
melhorou a resposta imunitária. Ensai-
os clínicos estão agora a ser feitos em
humanos por investigadores da Escola
de Higiene e Medicina Tropical de Lon-
dres, ao mesmo tempo que outros estu-
dos ocorrem. Também em fevereiro, a
Universidade de Oxford, em Inglaterra,
deu início a um ensaio clínico no qual
830 voluntários são vacinados com a
vacina da Pfizer/BioNTech e também
com a da AstraZeneca. Autoridades de
saúde francesas e alemãs já começaram
rápida de aumentar a produção. O
esforço financeiro que implica pode
ser financiado pelos governos”, de-
fende João Gonçalves, professor da
Faculdade de Farmácia da Universi-
dade de Lisboa.
Quem questiona a eficácia do levan-
tamento da suspensão das patentes
lembra que, ao contrário do que acon-
tece com os medicamentos — existem
milhares de genéricos no mercado que
resultam exatamente da libertação
dos direitos de propriedade intelectual
ao fim de 20 anos —, as vacinas em
geral e, em particular, as que foram
criadas para a covid-19 com uma tec-
nologia nunca antes usada de molé-
culas de mRNA (dominada por muito
poucas empresas no mundo) são de
produção muito mais complexa.
“Os fabricantes têm dito que estas
vacinas precisam de 280 matérias-
-primas diferentes, vendidas por 19
países”, lembra João Gonçalves. “Para
PEDIDOS APRESENTADOS
POR PORTUGAL
249
250
200
150
100
50
0
2016 2017 2018 2019 2020
ÁREAS COM MAIOR
CRESCIMENTO EM PORTUGAL
Variação em relação a 2019
VAR. 2019/20 2020
Farmacêutica +44% 26
+32% 29
Tecnologia médica
Biotecnologia +21% 17
FONTE: “ÍNDEX DE PATENTES 2020”, INSTITUTO EUROPEU DE PATENTES
a encorajar pessoas inoculadas com a
vacina da AstraZeneca a tomarem uma
segunda dose da Pfizer ou da Moderna,
depois de a EMA (Agência Europeia
do Medicamento) ter confirmado, em
abril, a possibilidade de uma ligação
entre a vacina da AstraZeneca e um
pequeno número de coágulos sanguí-
neos — e também após vários países
terem anunciado a suspensão tempo-
rária da administração desta vacina por
precaução.
Fotografias diferentes do vírus
Se todas as vacinas tentam mostrar ao
organismo um agente patogénico, si-
mulando que está a invadi-lo, para que
aprenda a defender-se dele, no caso da
chamada “vacinação heterogénea” a
vantagem está em mostrar ao sistema
imunitário duas “fotografias” diferentes
do mesmo vírus. Uma imagem de perfil
e outra de frente ajudá-lo-á a reconhe-
cer melhor o SARS-CoV-2 e, portanto,
a defender-se dele.
O que uma vacina contra a covid-19
tenta induzir é a produção de anticorpos
neutralizantes ou de células T para a
proteína Spike, aquela à qual o vírus se
ter maior produção é necessário ter co-
nhecimento, matérias-primas e insta-
lações onde produzir. O levantamento
da patente não responde a nenhum
desses desafios”, argumenta Pedro
Pita Barros. É que não basta saber qual
“Para aumentar a produção
é preciso conhecimento,
matérias-primas e
instalações. O levantamento
das patentes não responde
a nenhum desses desafios”,
diz Pedro Pita Barros
a receita da vacina. É preciso ter aces-
so aos ingredientes e às informações
para o seu processo e pessoas capazes
de a executar com toda a qualidade e
segurança exigidas, lembram ambos
os professores. Garantir tudo isto, pas-
PRINCIPAIS
REQUERENTES
1 UNIVERSIDADE DO MINHO
20
2 A4TEC
14
3 INESC PORTO
12
4 SARONIKOS TRADING & SERVICES
7 enorme, já que “95% dos medicamen-
5 UNIVERSIDADE DE ÉVORA
7 Ainda assim, o CEO da farmacêutica
POR REGIÃO
NORTE
56%
CENTRO
15,7%
LISBOA
16,1%
ALENTEJO
6,2%
MADEIRA 2,8% AÇORES 0,4%
liga e que lhe permite invadir as células
humanas. Mas “as vacinas utilizam for-
mas diferentes de pôr o sistema imuni-
tário em presença da mesma proteína”,
explica ao Expresso Luís Delgado, imu-
nologista e professor de Medicina na
Universidade do Porto. “Quer um tipo
de vacina quer outro tentam veicular
essa proteína com transportes diferen-
tes: numa é através de uma mensagem
de RNA [ácido ribonucleico], noutra é
em ADN incorporado num vírus inativa-
do (que não causa patologia). Hoje sabe-
-se que essa configuração é importante
para a resposta imunológica”, explica.
Algumas empresas já estão a desen-
volver uma vacina que contenha duas
doses diferentes, como é o caso da
Gritstone, da Califórnia, EUA. O CEO
Andrew Allen defende que “a vacina
que utiliza o vírus inativado é muito boa
a estimular a produção de células T, en-
Método pode aumentar
a resposta imunitária
e minorar o problema
da escassez de vacinas
Expresso, 14 de maio de 2021
sando pelos testes necessários, levaria
meses ou anos a pôr de pé.
Da parte de quem defende o levan-
tamento da suspensão — e há vários
países, personalidades e organizações
a fazê-lo — acredita-se que este é um
passo necessário num pacote mais
abrangente de medidas. Por exemplo, a
possibilidade de exportação de vacinas,
algo que os EUA e o Reino Unido não
têm feito, ao contrário da União Euro-
peia, lembra a presidente da Comissão
Europeia. Ou ainda o investimento dos
países mais ricos na capacidade de pro-
dução mundial que faça chegar mais
vacinas aos quatro cantos do mundo.
As farmacêuticas criticaram a toma-
da de posição de Joe Biden, mas Pedro
Pita Barros lembra o contexto pouco
favorável à indústria: “A introdução de
inovação com preços muito elevados,
baseados na proteção de patente, leva
a uma posição intuitiva de ser a favor
do levantamento desta proteção (mes-
mo que não seja o crucial para resolver
o problema específico da produção
atual de vacinas).”
“Os preços elevados durante a vida
da patente remuneram a I&D, que, a
prazo, garante que a sociedade benefi-
cie de um constante fluxo de invenções
extraordinárias a preços por compri-
mido por vezes mais baixos que os dos
rebuçados”, quando o monopólio ter-
mina e a produção de genéricos avan-
ça, explica o CEO da Hovione, uma
das empresas portuguesas que mais
patentes tem registado nos últimos
anos. Guy Vallax lembra o custo médio
“elevadíssimo” do desenvolvimento
de um medicamento, com um risco
tos que vão a ensaios clínicos falham”.
admite a exceção: “Mesmo que acredi-
temos que o levantar das patentes não
vai ter grande efeito na capacidade de
produção, esta deve acontecer durante
a situação de pandemia e se ajudar a
salvar uma vida que seja.”
Já o CEO da Pfizer, Alberto Bourla,
lembra que a empresa apresenta preços
diferenciados da sua vacina consoante
a riqueza do país comprador e que se
a distribuição está ainda muito dese-
quilibrada isso deve-se aos enormes
pedidos de reserva feitos logo de início
ALGARVE
2,4%
pelos países mais ricos e à capacidade
de produção das vacinas de mRNA, que
é limitada. A Pfizer conta produzir até
três mil milhões de doses em 2021 “para
todos, ricos e pobres”. A discussão pros-
seguirá nas próximas reuniões da OMC.
ileiria@expresso.impresa.pt
quanto que a vacina que utiliza a técnica
de mRNA provoca uma boa resposta dos
anticorpos. Por isso, juntar as duas é ter
o melhor de dois mundos”.
A técnica já foi testada para doenças
como a malária, o VIH, e até para o vírus
influenza, que provoca a gripe comum,
bem como já foi aprovada pelos regu-
ladores europeus para a Ébola, no ano
passado. Mas nem sempre o que pode
fazer sentido para a ciência faz sentido
para o mercado, razão pela qual Bali
Pulendran, professor de imunologia e
microbiologia na Universidade de Stan-
ford pensa que “cada empresa prefere,
em geral, seguir com a sua própria cri-
ação”. Para o também investigador do
CINTESIS, Luís Delgado, é preciso cau-
tela porque “o que eles demonstrarem
é válido para aquela experiência, não se
pode generalizar para outra associação
ou para aquela ao contrário. Pode não
dar o mesmo resultado”. O que é certo
é que o desenvolvimento da técnica e
a certeza da sua utilidade pode revolu-
cionar a vacinação contra a covid-19,
principalmente contrariando a escassez
destes fármacos.
Joana Ascensão
jascensao@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021
EDUCAÇÃO
Governo dá apoio
de €500 a quem
queira completar
a sua formação
Incentivo deve abranger 100 mil
adultos, com habilitação inferior
ao secundário, até 2025
Isabel Leiria
Dos mais de 132 mil adultos que desde
2017 se inscreveram em processos de
reconhecimento e certificação de com-
petências, menos de metade (57.500)
concluíram-no e viram os seus níveis
de qualificação aumentarem por essa
via. E é para tentar aumentar também
as taxas de conclusão que o Gover-
no vai criar um incentivo financeiro
atribuído a quem tenha avançado no
processo e esteja na fase final: €548.
O montante está previsto no âmbito
do Programa Qualifica, uma espécie
de sucessor do Novas Oportunidades
Responda pela internet
censos2021.ine.pt
— o plano para aumentar a formação
e qualificação de adultos criado no Go-
verno de José Sócrates —, e conta com
as verbas da ‘bazuca’ europeia. Ao
todo, o Plano de Recuperação e Resili-
ência (PRR) apresentado por Portugal
prevê €55 milhões a distribuir por 100
mil adultos inscritos em processos de
reconhecimento, validação e certifi-
cação de competências (RVCC) até
2025. O apoio, chamado de Acelera-
dor Qualifica, terá um valor “até 1,25
IAS – Indexante dos Apoios Sociais,
o que em 2021 equivalia a €548 por
adulto”, lê-se no documento.
Os processos de RVCC são um dos
caminhos possíveis para ver formal-
Linha de apoio
21 054 2021
mente alterados os níveis de habilita-
ção, escolares ou profissionais, com
que um adulto se apresenta no mer-
cado de trabalho. Essencialmente,
trata-se de ver reconhecidos conhe-
cimentos e capacidades adquiridos ao
longo da vida, de forma informal, por
exemplo durante o exercício de uma
profissão. Uma pessoa que tenha fica-
do com o 11º na escola, mas que tenha
adquirido entretanto conhecimentos
matemáticos, de línguas ou outros,
pode tentar completar a formação por
esta via e ficar com um diploma do en-
sino secundário. O raciocínio aplica-se
a todos os níveis de escolaridade não
superior, com a possibilidade de obter
uma certificação de 4º, 6º ou 9º anos.
Ou profissional.
Durante a vigência do Novas Opor-
tunidades, mais de 270 mil adultos
aumentaram as suas qualificações de
nível básico e secundário através de
um processo de RVCC. O programa
foi suspenso durante o Governo de
Passos Coelho e retomado em 2017
com um novo nome — Programa Qua-
lifica — e algumas alterações. Agora,
qualquer processo de reconhecimento
— seja para alcançar um diploma de
6º, 9º ou 12º ano ou uma qualificação
profissional — tem de ser acompanha-
do por um mínimo de 50 horas de for-
mação, algo que não era obrigatório
no anterior programa.
Além disso, nota Filipa Henriques
de Jesus, presidente da Agência Na-
cional para a Qualificação e o Ensino
Profissional (Anqep), a maioria dos
600 mil adultos que se inscreveu des-
de 2017 até hoje num dos 310 centros
Qualifica espalhados pelo país passou
a ser encaminhada para cursos de
Quase metade (48%) da
população ativa portuguesa
tem, no máximo, o 9º ano
completo. A média na União
Europeia é de 22% FOTO JOSÉ CARIA
educação e formação de adultos (ofer-
tas mais estruturadas e mais vocacio-
nadas para desempregados) e para as
chamadas “formações modulares”. E
os RVCC perderam peso nesta oferta.
Incentivo à conclusão
A presidente da Anqep explica, no en-
tanto, que esta última modalidade de
formação era a única que não contava
com qualquer tipo de apoio para os
adultos em formação. “Durante a cri-
se financeira, houve muitas pessoas a
frequentarem ações de formação de
forma avulsa, mas que não contaram
para um aumento das qualificações.
Queremos trazê-las para esta moda-
lidade, e ainda as que ficaram apenas
com certificações parciais, e tentar
com este incentivo que concluam os
seus percursos. As reduzidas taxas
de conclusão são um problema”, su-
blinha.
Os detalhes deste prémio, a pagar
num momento “mais avançado do
percurso de RVCC”, estão ainda a
ser afinados, mas a expectativa é a de
que comecem a ser atribuídos ainda
este ano.
Apesar da evolução registada na
escolarização dos mais jovens, pra-
ticamente metade (48%) da popula-
ção ativa tem, no máximo, o 9º ano
completo, quando a média na União
Europeia é de 22%. Segundo a An-
qep, 83 mil adultos aumentaram as
suas habilitações entre 2017 e abril
de 2021 através de processos RVCC e
outras modalidades de qualificação. O
objetivo até 2025 é garantir que isto
aconteça com mais 100 mil.
ileiria@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 25
O FUTURO
DO FUTURO
Um robô
no Atlântico
“Mayflower 400” zarpa
a 15 de maio para uma
travessia do Atlântico
com piloto robótico
“Mayflower” entrou para a
história da colonização dos
EUA com a chegada do pri-
meiro barco de colonos vindos
de Inglaterra. Passados 401
anos, é a vez de “Mayflower
400” tentar fazer o mesmo
— mas sem tripulação ou pas-
sageiros. No trimarã criado
pela ProMare e pela IBM só
há equipamentos automatiza-
dos, sensores e um piloto ro-
bótico. A concretizar-se, será
a primeira vez que um navio
controlado por inteligência
artificial cruza um oceano. O
navio zarpa a 15 de maio com
o objetivo de percorrer 4500
quilómetros entre Plymouth,
na Inglaterra, e Plymouth, nos
EUA, em duas semanas.
“Se cumprir a travessia,
o projeto desbloqueia um
novo conceito e confirma que
é possível usar um sistema
autónomo por longos perí-
odos no mar”, refere Tiago
Lança, oficial que liderou o
desenvolvimento de drones
numa equipa especializada
da Marinha portuguesa e
que atualmente trabalha na
Agência Europeia da Guarda
de Fronteiras e Costeira.
Não há lei internacional
Com cinco toneladas e 15
metros de comprimento, o
“Mayflower 400” põe à pro-
va dois tipos de autonomia:
o primeiro, relativo à pilota-
gem automatizada (os huma-
nos só atuam remotamente
se necessário); e o segundo,
relacionado com autonomia
energética recorrendo a pai-
néis fotovoltaicos.
Tiago Lança recorda que as
leis internacionais não con-
templam barcos pilotados
por robôs — mas acredita
que é uma oportunidade para
reduzir custos ou mitigar er-
ros humanos. As condições
meteorológicas adversas e
a relação pouco saudável da
eletrónica com a corrosão
marítima também merecem
atenção. “Por muito boa que
seja a engenharia, só se per-
cebe se realmente funciona
depois de testar em ambiente
real”, conclui.
Hugo Séneca
sociedade@expresso.impresa.pt
Responda até
31/05
26 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL ISRAEL-GAZA
Guerra A mais recente escalada entre Israel e o Hamas fez estalar a violência entre judeus e árabes em cidades israelitas
Ódio inédito no conflito de sempre
Tensão entre palestinianos e forças israelitas junto à Porta de Damasco, na Cidade Velha de Jerusalém FOTO RONEN ZVULUN/REUTERS
N
Margarida Mota
os últimos 12 anos,
Israel e o Hamas, o
grupo islamita que
controla a Faixa de
Gaza, enfrentaram-
-se abertamente
três vezes. A última
dessas guerras, em
2014, foi ao mesmo
tempo a mais longa (sete semanas)
e a mais mortífera (mais de dois mil
palestinianos mortos). Disse-se en-
tão que Israel quis dar aos islamitas
uma lição inesquecível por atentarem
contra território judeu. Passados sete
anos, a chuva de mísseis que o Hamas
despejou esta semana sobre Israel
— à qual o primeiro-ministro, Benja-
min Netanyahu, prometeu responder
“com força” — mostra, desde logo, que
o Hamas não leva a sério as reprimen-
das do poderoso vizinho.
A mais recente contenda entre is-
raelitas e palestinianos levou poucos
dias a evoluir de um conflito locali-
zado num bairro árabe de Jerusalém
para uma operação militar na Faixa de
Gaza. Quatro leituras parciais desta
crise ajudam a perceber a facilidade
com que o rastilho se acende entre
os dois povos e porque é complexa a
solução para o conflito mais antigo
do mundo.
OCUPAÇÃO
A gradual (e radical)
judaização de Jerusalém
A solução de “dois Estados para dois
povos” continua a ser o grande chavão
diplomático para o problema israelo-
-palestiniano, mas é desmentido todos
os dias por casos como o que está na
origem da crise atual. No bairro de
Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental
— a parte árabe da Cidade Santa con-
quistada por Israel na guerra de 1967
—, há famílias árabes a serem despe-
jadas das casas onde sempre viveram.
Segundo a organização israelita
Peace Now, desde o início do ano a
justiça de Israel deu ordem de ex-
pulsão a 22 famílias palestinianas,
nos bairros de Sheikh Jarrah e Batan
al-Hawa, num total de 139 pessoas.
Mal são evacuadas, as casas são de
imediato ocupadas por colonos ju-
deus. Aos poucos, a presença árabe
em Jerusalém — cidade que também
os palestinianos querem para sua ca-
pital — vai-se erodindo e Israel pode
reclamar a posse de mais terras.
Nas ruas, a tensão à volta de Sheikh
Jarrah foi sendo inflamada por atos
provocatórios. Há três semanas, numa
marcha supremacista pelo “resta-
belecimento da dignidade judaica”,
ouviu-se repetidamente: “Morte aos
árabes.” Já esta semana, foi a vez de
sair à rua a tradicional manifestação
nacionalista do Dia de Jerusalém, em
que milhares de israelitas empunham
a bandeira do país para celebrarem a
conquista da cidade aos árabes.
Nesse exato dia, os deputados ex-
tremistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel
Smotrich, eleitos pelo partido de ex-
trema-direira Sionismo Religioso, des-
locaram-se a Sheikh Jarrah, rodeados
de segurança e de colonos. Há cerca
de 20 anos, a visita à Esplanada das
Mesquitas do ex-primeiro-ministro
Ariel Sharon (então líder da oposição)
desencadeou protestos violentos num
prenúncio da segunda intifada pales-
tiniana, que não tardaria a começar.
Com a tensão em Jerusalém em
máximos e a sua população muçul-
mana a cumprir o mês sagrado do
Ramadão — assinalou-se entre quarta
e quinta-feira a festa de Eid al-Fitr,
que marca o fim desse período —, as
forças israelitas impuseram restrições
no acesso à Esplanada das Mesquitas,
procurada diariamente por milhares
de palestinianos para as orações. Daí à
deflagração de confrontos foi questão
de (pouco) tempo. Quando latas de
gás lacrimogéneo e granadas de cho-
que disparadas pelas forças israelitas
rebentaram no interior da Mesquita
de Al-Aqsa — o terceiro lugar santo
do Islão —, todo o mundo muçulmano
foi automaticamente arrastado para
o problema.
RESISTÊNCIA
Só o Hamas defende
os palestinianos
Em resposta à violência em Jerusalém
e, em especial, aos raides da polícia
israelita nas imediações da Mesquita
de Al-Aqsa, voaram rockets da Faixa
de Gaza na direção de Israel. Este
tipo de ataques por parte do Hamas
não é novo, foi-o, sim, a quantidade
de foguetes disparados em simultâneo
sobre cidades como Telavive.
A chuva de mísseis sem preceden-
tes — batizada em Gaza de Espada de
Jerusalém — enfiou milhões de israe-
litas em bunkers, receosos de nova
guerra num momento em que ainda
gozavam o regresso à normalidade
pós-pandemia. A esmagadora maioria
dos projéteis foi intercetada pelo so-
fisticado sistema de defesa antimíssil
Cúpula de Ferro. Alguns dos que não
foram destruídos no ar provocaram
sete mortos em Israel.
Em Gaza, os bombardeamentos is-
raelitas de retaliação pelos rockets
— operação Guardião das Muralhas —
provocaram, até ontem de manhã, 69
mortos, incluindo 17 crianças. Israel
disse ter eliminado vários comandan-
tes do Hamas, o que perspetiva a von-
tade de vingança e um agravamento
da situação.
Na Cisjordânia — o outro território
palestiniano ocupado por Israel —, o
Presidente palestiniano reagiu com
palavras de condenação e apelos infru-
tíferos à comunidade internacional.
Mahmud Abbas tem a sua quota de
responsabilidade na falta de ânimo
dos palestinianos de Gaza e da Cis-
jordânia. No final de abril, o líder da
Autoridade Palestiniana — cujo man-
dato expirou em 2009 — adiou as tão
aguardadas eleições com que os pales-
tinianos ameaçavam “despedir” a elite
que os governa, a quem rotulam de
corrupta, e enterrar de vez a divisão
Fatah-Hamas que fragiliza a causa.
Abbas é acusado de ter adiado as le-
gislativas para precaver a possibilida-
de de vitória do Hamas. A seu favor, o
grupo islamita (que a UE e os Estados
Unidos consideram terrorista) tem o
facto de ser das poucas alternativas
políticas organizadas e de ser a real
oposição palestiniana à ocupação.
INTOLERÂNCIA
“Guerra civil” onde antes
havia coexistência
Paralelamente aos problemas em Je-
rusalém e na Faixa de Gaza, a crise
abriu uma inédita terceira frente. Vá-
rias cidades israelitas com população
mista, que se orgulhavam de um quo-
tidiano de coexistência entre judeus e
árabes, tornaram-se cenários de vio-
lência intercomunitária.
Em São João de Acre, Ramle e Lod
multidões de árabes em fúria incendia-
ram e vandalizaram sinagogas, lojas,
carros e casas de judeus, o que levou
o autarca de Lod a alertar para um
clima de “guerra civil”. “É a Noite dos
Cristais em Lod”, disse Yair Revivo,
invocando o pogrom contra os judeus,
na Alemanha nazi, na noite de 9 para
A CHUVA DE MÍSSEIS
SEM PRECEDENTES
ENFIOU MILHÕES
DE ISRAELITAS EM
BUNKERS, QUANDO
GOZAVAM O REGRESSO
À NORMALIDADE
PÓS-PANDEMIA
Expresso, 14 de maio de 2021
10 de novembro de 1938. “É um inci-
dente gigante, uma intifada de árabes
israelitas. Todo o trabalho [de coexis-
tência] que temos feito aqui desde há
anos foi pelo ralo abaixo.” Em Israel,
20% da população é árabe, detentora
de passaporte e com direito a voto.
Nunca antes tinham tomado parte em
confrontos desta envergadura.
POLÍTICA
Benjamin Netanyahu
tal qual uma fénix
A mais recente contenda com o Ha-
mas apanhou o primeiro-ministro de
Israel num momento de grande fragi-
lidade. Netanyahu está a ser julgado
por corrupção e, no plano político,
falhou recentemente a formação de
um Governo de coligação. Esta crise
fê-lo recuperar estatuto e assumir-se
como o líder que vai de novo resgatar
Israel do sufoco.
A ironia é que, teoricamente, pode
estar prestes a terminar a sua lon-
ga carreira. A tarefa de formar um
Executivo está agora entregue a Yair
Lapid, líder do Yesh Atid (centro), que
se propôs formar um “Governo da mu-
dança” e vê esta crise dificultar-lhe os
planos, dada a oposição dos partidos
árabes, de cujo apoio necessita, aos
bombardeamentos em Gaza.
“Os acontecimentos da última se-
mana não podem ser desculpa para
deixar Netanyahu e o seu Governo no
poder”, disse Lapid. “É exatamente o
oposto: são o motivo pelo qual precisa
de ser substituído o mais depressa
possível.” Netanyahu já anunciou aos
israelitas que o “conflito atual pode
durar algum tempo”. A Lapid foram
dados 28 dias para formar Gover-
no, que começaram a contar a 5 de
maio. Se o prazo se esgotar sem que
o consiga, Israel estará mais perto de
voltar a ir a votos. Serão as quintas
eleições em pouco mais de dois anos,
que, é óbvio, Netanyahu espera voltar
a vencer.
mmota@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 27

DESEMPENHO SUSTENTABILIDADE

Na Caixa temos
um compromisso
com a sustentabilidade.
A Ana é um dos mais de 6 mil colaboradores que todos os dias contribuem
para um desempenho mais sustentável da Caixa.
Descubra alguns dos resultados alcançados em 2020.

• Redução de 33% de emissões de gases com efeito de estufa e 4.966 GJ

de energia renovável produzida
• 4 mil M€ de fundos de investimento com critérios ESG (Environmental
Social and Governance)
• 52 instituições apoiadas e 161.928 beneficiários estimados ao abrigo
dos Prémios Caixa Social 2020 e 2021
• 67.070 moratórias e 1.621 M€ de financiamento em linhas de crédito
Covid-19 (dados a 31/01/2021)

Orgulhamo-nos destes e de muitos mais.

Conheça todos os nossos resultados em cgd.pt
Informação publicada na íntegra no Relatório de Sustentabilidade 2020.

Ana Perdigão
Assistente Comercial

Caixa. Para todos e para cada um.

Caixa Geral de Depósitos, S.A.

28 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de maio de 2021

AMÉRICA LATINA

Reportagem Revogada a reforma fiscal

que fez o povo sair à rua, a tensão persiste
em Bogotá, Cali, e não só. Violência policial
e novas reivindicações alimentam bloqueio

Colômbia
Em pé
de guerra
pela paz
que foge

Antes disso, fora arrumada a re- Todas elas, e muitas mais (depen- de uma urbanização. A cidade soma “A situação é insuportável. Há um
Daniel Lozano forma fiscal que deu origem à para- dendo de quem for o interlocutor), metade das mortes violentas durante ataque aos jovens, uma estigmatiza-

O
em Bogotá
investigador Alber-
to Sánchez utiliza
uma comparação
lúcida para descre-
ver o que se passa
na Colômbia há
17 dias, desde que
deflagrou uma vio-
lenta revolta social:
“O Governo procura resolver com um
martelo algo que requer uma chave
de fendas. Enquanto não perceberem
isso, será impossível encontrar uma
saída.” Os últimos acontecimentos
deram razão ao especialista. As ce-
dências relevantes do Presidente Ivan
Duque não aplacaram os protestos,
que ontem se estendiam às ruas de
meio país, apesar do fastio causado
pelos bloqueios de estradas.
A principal concessão é a universi-
dade gratuita para jovens dos níveis
1, 2 e 3, ou seja, das classes popula-
res. Era uma das exigências do Co-
mité Nacional de Paralisação (CNP),
lisação nacional, com a queda do seu
promotor, o todo-poderoso ministro
das Finanças, Alberto Carrasquilla.
Mas para quem protesta na rua não
bastou.
Não houve fumo branco, mas tam-
bém ninguém o esperava. A demis-
são serviu para que Governo e mani-
festantes mostrassem o jogo, após 13
dias de protestos, bloqueios, distúr-
bios e violência policial. “Exigimos o
fim do massacre, que pare a violência
oficial e privada contra pessoas que
estão a exercer o direito legítimo a
protestar”, denunciaram sindicalis-
tas e ativistas depois da reunião, que
durou três horas.
Achas policiais para a fogueira
Em cima da mesa ficaram as exigên-
cias do CNP, que vão da revogação
da reforma da saúde ao fim das as-
persões aéreas de glifosato contra
os cultivos ilegais. Rendimento bási-
co equivalente a um salário mínimo,
defesa do emprego e da produção
confirmam a profundidade de uma
crise que as autoridades tentaram
apagar com o fogo da repressão poli-
cial, que não fez mais do que agravar
o descontentamento num país em-
pobrecido pela pandemia e onde a
violência nunca desapareceu, apesar
dos acordos de paz com a guerrilha
das Forças Armadas Revolucionárias
Colombianas (FARC).
“Não me contaram, vi com os meus
olhos. Vi a polícia atingir violentamente
miúdos e mulheres diante da minha
casa. Lançaram-nos gás para dentro de
casa, porque lhes deu na gana. O meu
filho, de sete anos, não dorme bem há
muitos dias. O estado assassina sem jus-
tificação”, lamenta Milena H, habitante
de Cali, de 27 anos, em declarações
ao Expresso. Embora os bloqueios a
tenham impedido de sair do país, como
planeara, reafirma o apoio aos jovens
que cortam estradas na capital do Valle
del Cauca, epicentro dos protestos.
Ao bairro de Milena, Puerto Rellena,
chamam agora Puerto Resistencia. O
Presidente Duque deslocou-se a Cali,
o conflito, que os relatórios recebidos
pela Provedoria do Povo elevam a 42,
incluindo uma agente da polícia. O or-
ganismo investiga cada um dos óbitos.
Em paralelo à repressão policial sur-
giram o vandalismo e a ira, que em
Cali e Bogotá destroçaram centenas
de autocarros e dezenas de estacões,
precisamente as que mais utilizam os
jovens e as classes trabalhadoras no
quotidiano. A polícia identificou cé-
lulas de terrorismo urbano das guer-
rilhas que se escondem na Venezuela,
bem como bandos de delinquentes.
A QUEDA DO MINISTRO
DAS FINANÇAS
E A RETIRADA DA SUA
POLÉMICA REFORMA
FISCAL NÃO
ção. Sentimos que não temos lugar
no país, para o Governo somos guer-
rilheiros que é preciso pôr a milhas.
Isto gera frustração e ansiedade. Nu-
merosas universidades pararam, por-
que a saúde mental dos alunos está
afetada, uma vez que os seus colegas
são atacados com uma bala na cabeça
ou sufocados em gás lacrimogéneo.
Isso dói, sentes que tens um inimigo”,
explica ao Expresso o psicólogo Die-
go Alejandro Sánchez, especializado
em governação e assuntos públicos e
estudante de Filosofia.
Nova vaga de covid-19
Sonya C. tem 29 anos e está prestes
a dar à luz. “É evidente que quero
deixar um país melhor ao meu bebé,
mas não podíamos deixar que ris-
sem de nós enquanto povo. Saímos
de uma coisa que nos marcou muito, a
pandemia, e agora querem fazer-nos
mal outra vez”, critica esta jovem de
Cali. A reforma fiscal, considerada
tão injusta quanto inoportuna, atingia

ACALMARAM QUEM
que na segunda-feira abandonou nacional também integram a lista de de emergência, para anunciar o re- especialmente as classes médias e
a mesa de negociação aberta pelo reivindicações, que até agora se têm forço da vigilância policial após troca trabalhadoras, poupando os rendi-

PROTESTA NA RUA
Executivo, a quem acusa de “falta visto ultrapassadas por outras recla- de tiros entre indígenas chegados de mentos mais altos num país onde há
de empatia”. mações dos que saem à rua. outras partes do país e moradores 42% de pobreza.

Chile Um futuro sem de indígenas da população, re-

a sombra de Pinochet
Pela primeira vez em dois
séculos, uma Constituição
resultará do voto popular.
Eleições serão as maiores
em 31 anos de democracia
Depois de 40 anos com uma
Constituição liberal, herança
do ex-ditador Augusto Pino-
chet (1973-1990), e considera-
da a génese da desigualdade no
país, os chilenos vão às urnas,
sábado e domingo, para eleger
os 155 membros da Assembleia
Constituinte. Esta terá um ano,
a partir de junho, para definir
um novo contrato social entre
o Estado e a população.
“Existe muita expectativa no
país. Os chilenos veem a nova
Constituição como mudança
concreta e de curto prazo para
combater o pior da socieda-
de chilena: a desigualdade. O
Chile não tem problemas de
crescimento económico nem
de qualidade democrática, mas
de desigualdade”, explica ao
Expresso o cientista político
Carlos Meléndez, da Universi-
dade Diego Portales, no Chile.
“Os chilenos canalizam através
da nova Constituição o reflexo
das suas frustrações, de tudo
aquilo que não funciona no
Chile, começando pela desi-
gualdade social”, acrescenta,
em declarações ao Expresso,
o sociólogo e analista políti-
co Patricio Navia, que ensina
também na Universidade Diego
Portales e na Universidade de
Nova Iorque.
Iniciativa popular
As eleições deste fim de sema-
na têm características únicas
na região e até no mundo. Pela
primeira vez na História, um
país vai redigir uma nova Lei
Fundamental e há paridade de
género entre os seus autores:
metade homens, metade mu-
lheres. O processo constituin-
te chileno, único no mundo a
acontecer durante uma pan-
demia, também vai reconhe-
cer, pela primeira vez numa
Constituição chilena, os 12,8%
servando 17 lugares no Parla-
mento aos seus representantes.
No âmbito latino-americano,
o processo constituinte chileno
foi arrancado à força, a par-
tir das grandes manifestações
populares iniciadas em outu-
bro de 2019 sem que houvesse
líderes políticos a conduzir o
processo. É muito diferente das
Constituições da Venezuela,
Bolívia e Equador, que nos últi-
mos anos nasceram a partir do
projeto de poder de um líder.
“O processo chileno é órfão
de projeto político. Os proces-
sos constituintes na América
do Sul tiveram uma liderança
Pela primeira
vez haverá uma
Constituição popular.
As de 1833, 1925 e 1980
(atualmente em vigor)
foram impostas
populista de esquerda, como
Hugo Chávez (Venezuela), Evo
Morales (Bolívia) e Rafael Cor-
rea (Equador), ou de direita,
como Alberto Fujimori (Peru)”,
compara Meléndez. “O proces-
so chileno emerge das ruas. Nos
demais países, chegou um líder
ao poder e impulsionou uma
nova Constituição. No caso do
Chile, a nova Constituição não
tem um líder”, sublinha Navia.
Pela primeira vez o Chile terá
uma Constituição que nasce do
voto popular. As Constituições
anteriores, de 1833, 1925 e a
atual, de 1980, foram impostas.
Quatro eleições
Além dos membros da chama-
da Convenção Constituinte, os
chilenos vão às urnas eleger
vereadores, presidentes de câ-
maras municipais e, pela pri-
meira vez no país, governado-
res. Trata-se de um processo
de descentralização do poder
da capital, Santiago, para as
demais 15 regiões do Chile. Até
agora os governadores eram
designados pelo Presidente.
Não há sondagens que mar-
cam uma tendência política. Os
candidatos da esquerda vão divi-
didos; os da direita, unidos. Essa
diferença pode ajudar a direita
a obter mais de um terço dos
votos. Esse resultado dar-lhe-ia
capacidade de veto e poder de
negociação para a aprovação
das propostas, que requerem
maioria de dois terços.
“Quanto aos eleitores, o país
está inclinado à esquerda, mas
não existe oferta convincente
para esse eleitorado. O voto de
esquerda deve pulverizar-se. A
direita perderá, mas não será
por nocaute. Terá mais capa-
cidade de resistência do que se
espera”, aposta Meléndez.
Risco orçamental
A Convenção Constituinte
é consequência do plebiscito
de outubro de 2020, através
Expresso, 14 de maio de 2021
“A Colômbia deixou acumular vári-
os problemas, que se agravaram todos
nesta conjuntura: um problema so-
cial, atenuado pela receita da econo-
mia informal e ilegal; um problema
financeiro, ampliado pela incapaci-
dade de tocar nas grandes fortunas
e proprietários rurais; um problema
político, resultante da eleição de um
Presidente que não chegou lá por mé-
rito próprio; e uma crise da instituição
policial, que dura há mais de um lustro
e que se reflete na atitude perante
jovens inconformados”, resume ao
Expresso o politólogo Jorge Giraldo,
decano de Humanidades.
Tudo isto é multiplicado pelo coro-
navírus, que não cessa de morder: a úl-
tima onda de novos casos causou qua-
se 500 mortes diárias esta semana. A
situação em Bogotá tornou-se crítica,
quarta-feira, ao atingir-se 100% de
ocupação nos cuidados intensivos,
ficando 500 doentes em cama.
Os bloqueios que persistem nas es-
tradas dificultam não apenas o abas-
tecimento de alimentos e gasolina às
cidades como o de medicamentos e
vacinas. A Provedoria do Povo abriu
mais de 180 canais humanitários, em-
bora se mantenham mais de 500 cor-
tes espalhados por todo o país.
internacional@expresso.impresa.pt
do qual os chilenos decidiram
substituir a Constituição de
1980, que define educação, saú-
de, pensões, habitação e até o
acesso à água como serviços
privados. Este foi convocado
pelo Presidente Sebastián Pi-
ñera em reação à contestação
multitudinária. “O risco é que
os membros da Constituinte
decidam que o Estado passe a
pagar todos os direitos sociais.
A perceção generalizada dos
chilenos é de que o Estado tem
dinheiro, mas distribui-o mal.
O slogan das manifestações diz
que ‘o Chile acordou’. O pro-
blema é que, ao acordar, pode
perceber que está na América
O Chile é dos países
que mais vacinaram.
Em 19 milhões de
pessoas, 8,7 milhões
tomaram uma dose
e 7,3 tomaram as duas
Confrontos
entre manifestantes
e polícia de choque
em Bogotá
FOTO JUAN BARRETO/AFP
VIA GETTY IMAGES
Latina”, observa Patricio Navia.
“Na América Latina, os re-
cursos acabam porque o gasto
aumenta mais rápido do que a
receita. Os países acabam por
ter problemas de dívida. Esse
é o risco do Chile: os membros
constituintes vão colocar todas
as promessas na Constituição.
Vão assinar os cheques, mas
serão os futuros governantes
quem terá de pagar a conta”,
adverte Navia.
Apesar de o processo cons-
tituinte ser o objetivo dos pro-
testos de massas, estes não de-
vem terminar. Pelo contrário,
podem mesmo aumentar. “As
manifestações são mais fortes
do que a Constituinte e vão
pressionar por direitos”, prevê
Carlos Meléndez.
Votar em confinamento
“Os protestos devem aumen-
tar porque, se a Assembleia
Constituinte não fizer o que
a rua pede, os manifestantes
Leopoldo López Opositor ao regime da Venezuela
Venezuela “Há mercado negro
de vacinas, comida e testes PCR”
Leopoldo Eduardo López
Mendoza, 50 anos, militan-
te e cofundador, com Juan
Guaidó, do partido Vontade
Popular, esteve esta quarta-
-feira em Lisboa, onde se en-
controu com deputados do
PS e do PSD. Vive em Madrid
desde outubro e, na véspera
desta entrevista ao Expres-
so, o Supremo Tribunal de
Justiça venezuelano declarou
“procedente” um pedido de
extradição a Espanha, para
que cumpra o tempo que falta
da “sua condenação em ter-
ritório venezuelano, que é de
oito anos, seis meses, 25 dias
e 12 horas”. López tornou-se
conhecido no seu país depois
de presidir ao município de
Chacao, onde há uma grande
comunidade de origem portu-
guesa. Em 2015 foi condenado
a 14 anos de prisão por incita-
mento à violência, numa onda
de protestos (entre fevereiro e
maio de 2014) contra o gover-
no de Nicolás Maduro.
Até passar “clandestinamen-
te a fronteira para a Colômbia”
— expressão usada pelas auto-
ridades venezuelanas — a 24 de
outubro de 2020, López viveu
ano e meio em casa do embai-
xador de Espanha em Caracas,
com estatuto semelhante ao
de hóspede, para evitar “nova
prisão” pela tentativa de golpe
contra Maduro, a 30 de abril
de 2019.
López beneficia do apoio ati-
vo ou passivo de Madrid, inde-
pendentemente de quem está
no poder. O seu pai, que tam-
bém se chama Leopoldo López,
tem cidadania espanhola desde
2015 e é eurodeputado desde
2019 pelo Partido Popular.
P A sua passagem por Lisboa
é parte de uma ronda de con-
tactos. Qual é o objetivo deste
périplo e em que países já es-
teve e vai estar?
R Viemos aqui porque Por-
tugal tem uma grande comu-
nidade na Venezuela, o que
acontece lá é discutido em
Portugal, e queremos articu-
lar a nossa ação com a presi-
dência portuguesa da União
Europeia [UE]. Precisamos de
apoio internacional e o da UE
é muito importante, mesmo
que seja só declarativo, como
tem sido. O regime de Maduro
irão cercar os constituintes até
conseguirem o que querem.
A pressão social vai aumentar
porque as expectativas são mui-
to altas”, calcula Patricio Navia.
A votação vai acontecer com
algumas regiões do Chile em
confinamento. A região me-
tropolitana de Santiago, com
sete milhões de habitantes, viu-
-se livre das maiores restrições
esta quinta-feira.
Dos 19 milhões de habitan-
tes do país, 8,7 milhões foram
vacinados com uma dose, equi-
valentes a 46% da população
(7,3 milhões já levaram as duas
doses). Estes valores fazem do
Chile um dos países que mais
vacinaram no mundo. O eleva-
do nível de vacinados tende a
fortalecer o processo eleitoral,
ao aumentar a participação po-
pular num país onde o voto não
é obrigatório.
Márcio Resende
Correspondente
em Buenos Aires
internacional@expresso.impresa.pt
tem mais apoios internacio-
nais do que nós.
P Quais, e o que quer dizer
com “mais”?
R Da China, Rússia, Irão e
Cuba. Apoios efetivos com pre-
sença militar, não são só decla-
rativos.
P Voltando ao seu périplo por
vários países...
R Antes de vir a Portugal es-
tivemos [o plural refere-se ao
facto de López ter consigo uma
assessora, que tem base em
Madrid e faz contactos para di-
versos países] em Itália, no Va-
ticano, em Haia e no Tribunal
de Justiça Europeu, que é mui-
to importante para nós. Desde
2015 que pedimos que seja feita
uma investigação internacio-
nal ao regime venezuelano e
ao que se passa no país. Ficá-
mos com a ideia de que podem
estar reunidas condições para
avançar com essa investigação.
Precisamos de apoio internaci-
onal. Para a semana vou estar
no Equador, dias antes da posse
do novo Presidente [Guillermo
Lasso]. Para nós é muito im-
Caracas exige a
Espanha a extradição
de Leopoldo López
FOTO NUNO FOX
portante que a nossa proposta
tenha apoio dos vizinhos na
América Latina, da Colômbia
e do Brasil, da UE e dos Estados
Unidos. E que estes apoios se
articulem entre si, o que parece
mais fácil com a Administração
de Joe Biden.
P Juan Guaidó disse esta se-
mana que quer negociar com
o regime de Maduro. É essa a
proposta de que está a falar?
R Sim, sim. Queremos promo-
ver um processo de negocia-
ção para a democratização do
país, que tem neste momento
uma ditadura. A Venezuela já
foi um país rico, um relatório
muito recente do FMI [Fun-
do Monetário Internacional],
coloca-a entre os mais pobres
do mundo, abaixo do Haiti:
60% da população vive em
pobreza extrema. Dois terços
da população só têm dinheiro
para fazer uma refeição por
dia, não há água potável em
muitas zonas, há falhas cons-
tantes de energia, temos as
maiores reservas de petróleo
do planeta e importamos ga-
solina do Irão, porque não há
PRIMEIRO CADERNO 29
capacidade de o refinar. As de-
sigualdades sociais estão a au-
mentar. Há bolhas de aumen-
to da riqueza, gente à volta de
Maduro, controlam negócios
como o tráfico de cocaína,
que sai do país pelo hangar do
avião presidencial, o caso dos
sobrinhos de Maduro [referin-
do-se à condenação em 2015,
por tráfico de cocaína, num
tribunal de Nova Iorque, de
dois sobrinhos de Cila Flores,
mulher do Presidente].
P A Venezuela tem 29 milhões
de habitantes, quase o triplo
de Portugal. Segundo o site
Worldmeter, tem 211 mil casos
de covid-19 e pouco mais de
2300 óbitos. Maduro tem geri-
do bem a pandemia?
R Se falarmos com quem
lá vive, toda a gente conhe-
ce uma ou duas pessoas que
morreram de covid-19, o que
mostra que os números não
são reais. Não há comunicação
[eficaz] de números, a vacina-
ção está a correr muito mal,
foram vacinadas as pessoas
à volta de Maduro, há merca-
do negro de vacinas, como há
mercado negro de comida e de
testes PCR. O salário mínimo
são três dólares (€2,46) por
mês e as vacinas estão a ser
vendidas no mercado negro a
350 dólares (€289). Quem é
que pode ser vacinado?
P Como é a sua relação com
Guaidó e que papel vê para si
no futuro?
R Muito boa. Admiro-o muito
por correr os riscos de liderar
este processo de transição. Es-
tou focado neste meu trabalho
no exterior [angariar apoios], é
o que me importa, e não tenho
planos. O que for será.
P A sua atividade atual é re-
presentar a oposição venezue-
lana no exterior. Tem três fi-
lhos pequenos, como sobrevive
em Madrid?
R Vendi coisas como muitos
venezuelanos que saíram do
país, o carro, outras coisas.
Tenho apoio da família, a mi-
nha mulher trabalha na área
do coaching de nutrição. Era o
que já fazia na Venezuela, e está
a correr bem.
Manuela Goucha Soares
mgoucha@expresso.impresa.pt
30 PRIMEIRO CADERNO
ESPANHA
Sánchez nega sismo madrileno,
mas as placas movem-se
Primeiro-ministro aposta nos fundos europeus e no fim da pandemia. Centro-direita
recuperou fôlego e aparece à frente numa sondagem posterior às eleições na capital
Ángel Luis de la Calle
Correspondente em Madrid
Pablo Iglesias cortou o seu emblemá-
tico rabo de cavalo. Poderá parecer
frivolidade, mas este gesto, que marca
o começo de uma vida fora da primei-
ra linha, confirma que se abrem novos
tempos na política espanhola, em boa
parte decorrentes dos resultados das
eleições regionais madrilenas de 4 de
maio. Apesar da insistência dos atuais
governantes — a coligação entre o
Partido Socialista Operário Espanhol
(PSOE, centro-esquerda) e a Unidas
Podemos (UP, esquerda populista,
que Iglesias chefiava) — em rejeitar
extrapolações nacionais do triunfo do
Partido Popular (PP, conservador) na
região da capital, são muitos os sinais
contrários.
Uma sondagem da Sigma Dos para
“El Mundo” divulgada na segunda-fei-
ra indica que o PP ganharia legislati-
vas em Espanha com 30,2% dos votos,
uma vantagem de 4,5% sobre o PSOE
(25,7%). Os populares, animados pelos
resultados de Madrid, sobem 7,3% em
relação às últimas eleições gerais, em
dezembro de 2019. Em março, a sonda-
gem do mesmo jornal situava o líder do
PP, Pablo Casado, 4% abaixo do primei-
ro-ministro socialista, Pedro Sánchez.
A reconfiguração do centro-direita
espanhol é um dos elementos mais
nítidos da política nacional. Casado,
reforçado pela candidata madrilena
Isabel Díaz Ayuso (reconduzida à fren-
te do governo autonómico, que chefia
desde 2019), colhe frutos da estratégia
de atacar o Governo de coligação pela
gestão errática da pandemia, presen-
ça de comunistas no Executivo ou
acordos parlamentares com partidos
separatistas bascos e catalães.
Como o Cidadãos (Cs, centro-direita
liberal) prossegue em Madrid o seu
inexorável caminho para a inanidade
e o Vox (extrema-direita) não cresce o
suficiente para se tornar imprescindí-
vel, são cada vez menos os obstáculos
a que o PP recupere as asas do garajau
que encima o seu símbolo e abarque
na sua envergadura de asa o espectro
conservador nacional.
A analista Sandra León afirma ao
Expresso que “a consequência mais
relevante das eleições de Madrid, a
longo prazo, é ter acelerado a trans-
formação do Podemos e do Cidadãos,
os partidos que em 2015 puseram
fim ao bipartidarismo em Espanha”.
Segundo esta professora da Univer-
sidade Carlos III de Madrid, reduzi-
das aquelas forças à sua verdadeira
dimensão, consolidam-se dois blocos
ideológicos sólidos. O centro-direita
e o centro-esquerda, assegurados os
seus núcleos de incondicionais, pro-
curam ir beber ao viveiro dos votantes
moderados e reflexivos.
O primeiro-ministro Sánchez
reconheceu os resultados
“rotundamente maus”
dos socialistas em Madrid,
mas excluiu legislativas
antecipadas a nível nacional
Os maiores obstáculos ao
Governo virão da estratégia
de desgaste do PP, das
tensões na Catalunha e da
tática de crispação máxima
da extrema-direita do Vox
O primeiro ensaio realizou-se em
Madrid: além dos votos que iam para
o Cs e alguns dos que fortaleciam o
Vox, Ayuso recolheu, atestam especia-
listas, mais de meio milhão de votos
que eram até agora do PSOE.
Sánchez, que reconheceu os resulta-
dos como “rotundamente maus”, des-
cartou com firmeza uma antecipação
das legislativas. Os socialistas rece-
beram instruções para eliminar qual-
quer indício de preocupação. “Temos
o Boletim Oficial do Estado e ano e
meio pela frente”, diz ao Expresso um
dirigente do PSOE, que pede anoni-
mato. Os estrategos que aconselham
o chefe do Governo enumeram fato-
res favoráveis: reforço da coligação
PSOE-UP com a presença de Yolanda
Díaz (a vice-primeira-ministra e titu-
lar da pasta do Trabalho é menos con-
flituosa do que Iglesias, que a apontou
como sucessora); bom andamento da
luta contra a covid-19, com números
de vacinação que permitem acalentar
esperanças de imunidade de grupo an-
tes do final do verão; relançamento da
economia, sustentado por vários indi-
cadores e pelas previsões da UE, com
recuperações notáveis no turismo e
no emprego; e chegada dos ansiados
fundos comunitários.
Sobre estas bases, que alimentam
o otimismo dos socialistas, a agenda
legislativa do Governo para os próxi-
mos meses parece repleta: leis sobre
alterações climáticas e de proteção à
infância; reforma do sistema de pen-
sões e da legislação laboral do PP; lei
da memória histórica e redefinição de
normas sobre segurança dos cidadãos.
O objetivo é terminar a legislatura
após o semestre em que Espanha as-
sumirá a presidência da UE, no final
de dezembro de 2023, e marcar as
legislativas para janeiro de 2024.
Os obstáculos mais significativos
podem vir da estratégia de desgaste
do PP e de Pablo Casado, do processo
de formação de governo regional na
Catalunha (o prazo termina a 26 de
maio) ou de uma expansão por toda
Espanha da tática de crispação máxi-
ma do Vox, ensaiada em Madrid.
Autocrítica no PSOE Os socialistas
admitem os erros que conduziram o
PSOE de Madrid a péssimos resultados.
Há indícios de contestação interna,
sobretudo por históricos como o ex-
-presidente da região, Joaquín Leguina.
“O maior responsável por ter levado o
socialismo madrileno para o buraco és
tu”, escreveu numa carta a Sánchez,
publicada pelo diário “ABC”. Em junho
haverá primárias na Andaluzia e em
outubro congressos regionais e federal.
PP recupera centralidade Impe-
lido por figuras como Núñez Feijóo
na Galiza, Juan Manuel Moreno na
Andaluzia e Fernández Mañueco em
Castela e Leão, aliviado da pressão
do Vox e do Cs, Casado diz-se pronto
“a aprimorar Espanha em três meses
e dez Conselhos de Ministros”, pois
Pablo Casado, líder do PP
(de costas), quer fazer
da vitória de Isabel Díaz
Ayuso em Madrid
o trampolim para o PP
voltar a governar Espanha
FOTO CHEMA MOYA/EPA
“nem os seus barões nem a UE” con-
fiam em Sánchez.
Nova era na UP A saída de Iglesias pa-
rece empurrar a frente esquerdista para
uma liderança bicéfala entre Yolanda
Díaz, na gestão da coligação governa-
mental, e a ministra dos Assuntos So-
ciais, Ione Belarra, à frente do partido.
Os deputados da UP continuam vitais
para Sánchez, mas as suas perspetivas
de crescimento eleitoral são más.
Rearmar o Cs Inés Arrimadas, lí-
der do Cs, não atira a toalha e quer
desmentir os que dão o partido como
morto. Vai iniciar uma digressão pelo
país com fins de rearmamento estru-
tural e ideológico, após numerosas
fugas de dirigentes para o PP. Sem
deputados em Madrid e com escasso
financiamento, o Cs não tem dívidas
e dispõe de um remanescente de 10
milhões de euros. “Embora não pa-
reça, as eleições de Madrid foram um
bom ponto de partida. Voltámos a
conectar-nos com as essências”, diz a
vice-alcaide de Madrid, Begoña Villa-
cís, próxima de Arrimadas.
Mais Madrid: alternativa? O partido
fundado por Íñigo Errejón como cisão
do Podemos superou o PSOE em votos
e é a maior força de oposição ao PP em
Madrid. A sua candidata regional, Mó-
nica García, pode ganhar dimensão
nacional. Errejón crê que o êxito se
deveu à atenção prestada a assuntos
da vida quotidiana: saúde mental, con-
ciliação familiar, redução da jornada
laboral. Propõe semear “o caminho
para um espaço político de futuro, que
se identifica com formações verdes, de
esquerda e periféricas”.
Vox: decisivos A presidente de Ma-
drid não precisa do Vox no Governo
regional, mas sabe que os votos da
ultradireita são decisivos para os seus
planos legislativos. Rocío Monasterio,
sua candidata às eleições de dia 4,
quer baixar os impostos, proteger as
famílias, incentivar a natalidade, com-
bater as leis de ideologia de género e a
doutrinação de esquerda na educação.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 14 de maio de 2021
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
miguelmonjardino@gmail.com
Poder naval
e política
internacional
A
o longo desta década as
Marinhas nacionais desem-
penharão um papel mais
importante na política inter-
nacional do que nos últimos 30 anos.
O melhor indicador de que esta-
mos num novo período estratégico
tem sido a forma como algumas das
principais potências marítimas utili-
zam os seus porta-aviões e as respe-
tivas forças-tarefa. Os porta-aviões
chineses “Liaoning” e “Shadong”
concluíram recentemente uma série
de manobras perto da ilha de Oki-
nawa e leste de Taiwan e no mar do
Sul da China. Os porta-aviões norte-
-americanos “Theodore Roosevelt”
e “Nimitz” estiveram em operações
nesta última região. Paris também
deslocou o “Charles de Gaulle” para
o Índico.
As Marinhas dos EUA, França e
Reino Unido estão a ser utilizadas
pelos seus Governos para manter a
ordem internacional que tem sido
mais favorável aos seus interesses.
As visões de Xi Jinping e de Vladimir
Putin são diferentes das de Joe Biden
e dos líderes europeus.
Ao mesmo tempo, a estratégia de
Washington está a mudar de forma
considerável. Olha para Pequim e
Moscovo como adversários princi-
pais. O poder naval americano está
a ser usado para tentar influenciar
o cálculo estratégico das outras ca-
pitais. Todavia, os EUA sabem que a
eficácia estratégica da sua Marinha
depende das vulnerabilidades navais
da China e da Rússia. No caso de
Pequim, as suas vulnerabilidades são
menores do que há 10 ou 20 anos.
Acrescem a geografia e os proble-
mas operacionais que a distância
oceânica levanta para Washington.
A manutenção da superioridade
aeronaval dos EUA no Pacífico, Ín-
dico, golfo Pérsico e Atlântico será
cada vez mais difícil de manter, devi-
do ao seu custo financeiro crescente.
Uma das propostas do Pentágono é
uma nova divisão de trabalho com os
principais aliados. O “HMS Queen
Elizabeth”, um dos novos porta-avi-
ões do Reino Unido, partiu esta se-
mana para o Índico e Pacífico com a
força-tarefa mais significativa desde
a guerra nas Falkland, em 1982. A
bordo estão F-35B norte-america-
nos. Será muito interessante avaliar
como Washington e Londres coo-
peram nesta área e ver que outros
aliados estão dispostos a utilizar as
suas Marinhas desta forma coopera-
tiva para defender os seus interesses.
No ar fica uma pergunta: este tipo
de navios, cada vez mais vulneráveis
a armas de precisão convencionais,
será o mais adequado a este tipo de
missões?
Em Portugal somos diferentes.
Como Vítor Matos chamou a aten-
ção neste jornal, na passada semana,
a Marinha portuguesa está a cami-
nho da inoperabilidade e da obso-
lescência. Num país arquipelágico
como o nosso, que, ainda por cima,
apostou na extensão da sua platafor-
ma continental, é incompreensível.
A retórica estratégica nacional
está em contradição com os meios
existentes. A capacidade de con-
tribuirmos em termos navais para
as alianças que garantem a nossa
segurança é diminuta. É duvidoso
que os nossos aliados o façam por
nós. Um país que deixa as coisas
chegarem a este ponto não parece
muito interessado em continuar a
escrever a sua história.
In memoriam Nuno P. Monteiro
(1971-2021), amigo, professor em Yale
e académico extraordinaire. Até sempre.
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 31
32 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de maio de 2021

Editorial&Opinião
Editorial Dezanove anos depois,
o Sporting fez a festa. Mas os festejos O meu assédio em segunda mão
estiveram longe de ser exemplares
Escolhi o assédio da Vera por seguir, vou fazer da tua vida um provas suficientes para demons-
dar importância ao processo de inferno”. trar ter sido objeto de assédio.
fabrico do que uso. Assisti à ra- Partilhado o testemunho da Daí a opção por um modelo mais

E que tal zão pela qual a Vera foi parar à

capa da revista “Sábado”. Numa
discussão em que se questionava
Vera, fui jantar. Quando voltei a
ligar o telemóvel para verificar o
sucesso do meu assédio, fiquei
sóbrio, mesmo se não é o último
grito. Denunciar com um nome
é mais corajoso? Possivelmente,

aprender
a razão pela qual as mulheres
insistiam em não denunciar na
Eugénia Galvão Teles devida altura quando a socieda-
egteles@gmail.com
de coloca ao seu dispor todos os
em estado de choque. Estava mesmo se pode ser problemático
inundada de comentários, mas num mundo de Torquemadas
todos a criticar a minha opção. instantâneos. Mas não compre-
Aparentemente, o meu assédio ender as razões para manter o

com os erros?
C
meios para o fazer, a Vera con- está ultrapassado. Assédio que é anonimato do agressor revela,
om o desconfinamento, tou a sua história. E explicou, assédio tem de “dar os nomes aos no mínimo, ausência de empatia.
deparei-me com um pro- melhor do que ninguém, o que bois”. É verdade que tinha visto Quem se dê ao trabalho de ler
blema: o que vestir. Bas- leva as vítimas a ficarem caladas: um manual de apoio às vítimas
tou-me dar uma vista de quem denuncia está a assinar de assédio, na parte dirigida aos
olhos aos comentários a várias uma autorização para ter a sua Estas insistentes exigências próximos vai encontrar as se-
declarações de figuras públicas vida devassada. Quando já vive de identificação do guintes instruções: se a vítima
para perceber que preciso de com a dúvida permanente sobre agressor não fazem muito te abordar para falar no assun-
Os festejos do título nacional de futebol só costumam um assédio. Problema: não te- a possibilidade de ter contribuí- sentido. Há mil razões para to, ouve. Não pressiones para ir
ser um problema para os adeptos das equipas que não nho um assédio apresentável no do para o facto e com a culpa de não dizer um nome. Nem à polícia; nunca digas “se fosse
conseguiram lá chegar. Desta vez, com o que sucedeu armário. Consciente dos male- ter deixado um agressor à solta. que seja evitar um processo eu”. Pode querer apenas isso —
em Lisboa, entre o Estádio Alvalade XXI e o Marquês fícios da fast fashion, dirige-me Nas palavras da própria, “depois falar. Pode ser o primeiro passo
de Pombal, perante a evidente falta de organização e ao mercado em segunda mão. de falar nisto, sinto que contei algumas jovens criadoras, mais para agir. Se ninguém te pedir
segurança dos festejos, quando o país ainda vive em Na revista “Sábado”, acabei por uma intimidade, e não um crime. arrojadas, a fazê-lo. Garantiam- um conselho, fica calada. Se pe-
estado de calamidade com a pandemia de covid-19, a escolher o assédio da Vera Gou- Quando há um assédio, somos -me que, isso sim, é coragem. Di- direm, dá. Mas nunca digas nada
questão tornou-se rapidamente um problema político, veia Barros, economista. A Vera nós os vandalizados”. zer apenas fui assediada é uma que possa ser interpretado como
uma vez mais com o ministro Eduardo Cabrita, nos foi assediada na universidade, Também me assenta par- cobardia e só serve para alimen- um julgamento. Se nos pedem
últimos dias muito fustigado pelos acontecimentos de por um colega, que também ticularmente bem por não ter tar a cultura de vitimização. isto individualmente, por que
Odemira, no olho do furacão. Mesmo sabendo-se que as presidia à comissão científica. dúvidas sobre tratar-se de um Estas insistentes exigências de razão coletivamente o nosso pri-
responsabilidades podem ser divididas pela Câmara de Depois de recusar os seus avan- assédio. Este é, primariamente, identificação do agressor não fa- meiro instinto é resumir tudo a
Lisboa, pelo Sporting, pela DGS e pelas forças policiais, ços, passou a ser mudada de um exercício abusivo de poder. zem muito sentido. Há mil razões uma nova moda sem pés nem
a fragilidade atual do ministro da Administração Interna cadeira todos os anos e foi-lhe O problema não está no “vais para não dizer um nome. Nem cabeça — quando não exigimos
torna-o um alvo apetecível. recusada dispensa de serviço ser minha” — mesmo se não é que seja evitar um processo por o hashtag #eufuibeneficiada e
No seu estilo acutilante, Miguel Sousa Tavares critica a docente. agradável —, mas no “se não con- difamação quando não se tem “até me coloquei a jeito”?
atuação do ministro Cabrita e observa que “andámos nós
tantos meses, mais de um ano, a observar tantas regras
de segurança, sem poder ir a espetáculos, ao futebol,
a passear nos jardins, aqui e acolá, ainda proibidos de
estarmos juntos mais de seis, de estar nos restaurantes
O futuro é dos zelotas
até depois das 22h30, e dezenas de milhares de pessoas
fazem o que querem da cidade, sem quaisquer medidas de
segurança e sem que se veja sombra de plano algum para do que temos sido capazes, e é A RTP tem toda a justificação seus inimigos, entre a tolerân-
o precaver!” recompensada pelos telespec- de existir — mesmo no dia cia e o dogmatismo, entre o ho-
Depois do campeonato, que termina a meio da próxima tadores: 30% de share no Reino em que só seja vista em casa mem histórico e o homem novo,
semana, e já com público nas bancadas na última jornada, Unido e, em 2020, um número pelo sr. secretário de Estado entre o prazer e o puritanismo
vamos ter a final da Taça de Portugal, entre Braga recorde de audiência global e pelo seu indefeso agregado. virtuoso; do rural, do miste-
e Benfica. E, a seguir, o jogo derradeiro da Liga dos na ordem de 482 milhões de Porquê? Porque a RTP é uma rioso e do ancestral contra a
Campeões, que apesar de não ter clubes nacionais decorre pessoas. A BBC é, portanto, força moral e a sua missão suficiência da horda sentencio-
uma vez mais em Portugal, depois da experiência do ano um instrumento poderoso de na Terra é servir a causa do sa, superficialmente acultura-
passado. E, para mais, com público (milhares de ingleses Sérgio Sousa Pinto afirmação da língua e cultu- bem. É apenas isto que está da; venha o mundo novo, sem
política@expresso.impresa.pt
adeptos do Chelsea e do Manchester City). ra britânicas no mundo; o seu em causa com a interdição do touros bravos a vaguear pelos

D
Que os erros de organização que aconteceram, e foram
evidentes, não se repitam, apela Marcelo Rebelo de Sousa e acordo com dados
neste jornal. “Espero que aprendam”, afirma o chefe do publicados, no ano pas-
Estado num recado para o Governo mas também para sado a RTP recolheu a
todos os responsáveis envolvidos. preferência de 11% dos
Organizar, planear, prever e prevenir são aqui essenciais. telespectadores, contra cerca
Mas os sinais que tivemos depois da festa do Sporting de 75% que preferiram a oferta
não são animadores e mostraram um permanente privada, cabo incluído. A mar-
passa-culpas, com cada responsável e entidade a garantir ginalização do canal público pe-
que do seu lado correu tudo bem. los consumidores de televisão
Muitas vezes se diz, mas não custa repetir: errar é devia apoquentar todos os que
humano, mas não aprender com os erros é só estúpido. continuam à espera do suave
parto de uma BBC portuguesa,
desiderato benigno que com-
partilho, embora tenha o cuida-
do de me poupar, entretanto, e
em linha com as estatísticas de
Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. audiometria, à quase totalidade
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
dos seus “conteúdos”.
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, A BBC permanece uma refe-
Paulo de Saldanha, Paulo Miguel Reis, Nuno Miguel Conde e Cristina Vaz Tomé
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, rência de qualidade, a anos-luz
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970
valor estratégico amplamente
justifica os apoios de que é be-
neficiária.
Sendo a realidade esta, e não
outra, seria lícito esperar que
a RTP e a sua tutela, esmaga-
das pelo penoso balanço dos
seus esforços, pusessem mãos
à obra no sentido de reverter o
lento deslizamento da RTP em
direção ao abismo, uma triste
sorte ditada pelos telespecta-
dores, que conduzirá inexora-
velmente a um desfecho por
ninguém desejado: a impossi-
bilidade de financiar uma tele-
visão sem audiência.
Infelizmente, o secretário
de Estado que tutela a RTP
já anunciou que não sabe por
onde vai, mas não vai por aí.
televisionamento de touradas
— um mandamento ditado por
forças superiores, ungidas pela
moral e pela hierarquia. Talvez
se pudesse encomendar um
coche alegórico, a estacionar
no respetivo museu, no qual a
moral e a hierarquia, unidas,
esmagam a hidra tauromáqui-
ca, a inaugurar porventura no
dia em que a RTP alcance os
5% de share. Aliás, até parece
mal trazer o share à colação: é
reflexo mesquinho e tara neoli-
beral que não capta que a RTP
existe porque tem uma missão,
e o secretário é o seu profeta.
Nada a acrescentar ao debate
entre touradas e antitouradas,
que é uma reedição do eterno
duelo entre a liberdade e os
campos, com meia dúzia de bes-
tas selvagens no Zoo, em cati-
veiro; venha, enfim, a ditadura
da sensibilidade urbana, dos
boémios pequeno-burgueses
que pensam que o seu tributo
à natureza está encapsulado na
sua varanda, na bicicleta, num
vaso de manjericão ou no gato
Salvador. Tudo está condenado
a desaparecer, porque os ze-
lotas prevalecerão mais cedo
ou mais tarde, é irremediável.
Quando a sua mundividência
esmagar a alheia nos touros,
o zelota mudará de causa, e o
zelo do justo encontrará no-
vas vítimas. Esqueçam a RTP,
esqueçam os touros, mas não
esqueçam os zelotas: deem-lhes
luta. Em nome da liberdade.

Diretor Geral Documentação (Gesco) Marketing, Comunicação

de Informação IMPRESA
Ricardo Costa

Diretor
scliente@gesco.impresa.pt
Delegação Norte
Rua Conselheiro Costa Braga,
502; 4450-102 Matosinhos
e Criatividade
Mónica Balsemão (diretora)
Ana Paula Baltazar (coord.
de marcas de informação)
A TAP é um Novo Banco? Esperemos que sim
João Vieira Pereira Tel: 220 437 000 Susana Freixo (gestora
de marcas) e Carla Martins
Diretores-Adjuntos Publicidade (coord. de comunicação
David Dinis João Paulo Luz (diretor) para relações externas) cândalos do BES, há de receber de um quinto do dinheiro inje- um valor, mas custa dinheiro se
Martim Silva Carlos Lopes (diretor
Miguel Cadete coordenador) Produção mais dinheiro do Estado, há de tado. Quer um terceiro título de as negociações com sindicatos
Paula Santos Ângela Almeida Maria João Lopes (diretora)
(diretora da Delegação Norte) João Paulo Batlle y Font ser vendido e acabar com um um futuro mais longínquo? “Es- implicaram cláusulas incom-
Diretor de Arte Hugo Rodrigues (coordenador)
Marco Grieco (diretor publicidade) Carlos Morais e Joaquim prejuízo para o Estado próxi- tado livra bancos de pagar conta portáveis. 4. O custo político
Editores
Dinorá Casanova e Nuno
Martins (gestores de conta)
Rodrigues (produtores) mo de dez mil milhões de euros. total do Novo Banco”. É uma fez preferir rescisões amigáveis
Joana Pereira Miguel Teixeira Diniz e Sérgio Circulação e Assinaturas Quase nove já lá estão, há ainda antiga aposta minha, de que um a despedimentos, o que suaviza
Bastos (Sociedade)
Pedro Cordeiro (Internacional)
Alves (gestores de conta)
Marta Teixeira e Helena
Pedro M. Fernandes (diretor)
Milton Silva (responsável um backstop de 1,6 mil milhões dia os outros bancos deixarão impactos mas arrasta a reestru-
Pedro Candeias (Desporto) Almeida (gestores de conta pela circulação) e Rita Silva que provavelmente nem será de pagar contribuições para o turação. 5. O prolongamento da
João Silvestre (Economia)
Pedro Lima
da Delegação Norte)
Tel: 214 544 073/214 698 798
(responsável pelo serviço
de apoio ao cliente)
Pedro Santos Guerreiro usado, mas há riscos legais que Fundo de Resolução, acabando indefinição e da reestruturação
(Editor-adjunto Economia) Fax: 214 698 516 Serviço de Apoio ao Assinante: cidadepsg@gmail.com
Jorge Araújo (Revista E) Tel: 214 698 801 podem custar mais. Quer ler já com a charada de que o dinheiro acontece enquanto as concor-
Germano Oliveira (Online) Publicidade On Line (dias úteis, das 9h às 19h)

Filipe Garcia
(Editor-adjunto Política)
José Cardoso
(Editor-adjunto)
Joana Beleza (Multimédia)
João Carlos Santos (Fotografia)
Grande Repórter
Micael Pereira
Coordenadores
Gerais de Arte
Jaime Figueiredo (Infografia)
Mário Henriques (Desenho)
Coordenadores
Raquel Moleiro (Sociedade)
Elisabete Miranda (Economia)
Vítor Andrade (Economia)
Ricardo Marques (Revista E)
Rui Tentúgal (Fecho)
Tiago Pereira Santos
(Desenho Expresso Diário)
Cristina Pombo,
João Cândido da Silva e
João Pedro Barros (Online)
A
publicidadeonline@impresa.pt Fax: 214 698 501; e-mail: um título de uma possível notí- não é público. Sim, temos iras rentes já viraram a página, em
apoio.cliente.ip@impresa.pt frase “a TAP é um Novo cia de um futuro não muito dis- pela frente com o Novo Banco. agosto as outras companhias
Tiragem média abril:
81.840 exemplares
Atendimento Ponto de Venda Banco” colou há um tante? “Tribunal manda Fundo Mas, no final, mesmo com er- já estarão a voar em busca de
pontodevenda.ip@impresa.pt
Associação Portuguesa
ano, pelos quase 4 mil de Resolução pagar mais 600 ros, o banco terá sido salvo sem receitas, enquanto a TAP conti-
para o Controlo de Tiragem Impressão
Lisgráfica Impressão
milhões que há de cus- milhões”. É o que acontecerá perdas para os depositantes nuará enredada nos custos.
e Artes Gráficas, S.A. tar ao Estado — já vai quase em se o Tribunal Administrativo nem colapsos no sistema. Não conhecemos as negocia-
Estrada de São Marcos, 27
2735-521 Agualva-Cacém metade disso e a reestruturação decidir que as obrigações subor- Com a TAP, reitero a defe- ções com a Comissão, mas é bom
Associação Portuguesa
de Imprensa Distribuição mal começou. Para quem, como dinadas de dois mil milhões que sa do resgate mas vejo riscos que o plano venha depressa. Que
VASP-MLP,
Media Logistics Park
eu, defendeu a salvação da TAP o Banco de Portugal passou em crescentes o no futuro: 1. A re- se despolitizem as decisões. E
Quinta do Grajal, Venda Seca com asteriscos, a dúvida já não 2015 para o “banco mau” afinal estruturação segue às cegas, que se termine capazmente
2735-511 Agualva Cacém
Tel: 214 337 000 é o dinheiro, a certeza é de que devem estar no “banco bom”. falta o plano por Bruxelas, que o corte de custos e se mude o
Pontos de venda:
contactcenter@vasp.pt
haverá comissões de inquérito Quer outro título de um futuro pode implicar mais cortes de foco para as receitas. Tudo isto
Tel: 808 206 545 e a questão é se valerá a pena: mais distante? “Estado injetou custos e, pior, perda de slots, é para já, falta depois o difícil
A Impresa Publishing não é como estará a TAP depois? 14 milhares mas só receberá cente- retirando dimensão e rentabi- combate no mercado. Se tudo
responsável pelo conteúdo
dos anúncios nem pela meses depois da paragem súbita nas na venda do Novo Banco”, o lidade. 2. Estamos em maio e correr bem, muitas iras teremos
exatidão das características
Este jornal utiliza papel produzido por empresas e propriedades dos produtos as preocupações adensam-se. que acontecerá quando o banco ainda não há nova administra- também, mas a empresa levanta
certificadas segundo a norma ISO14001

Redação, Administração
(Certificação de sistemas de Gestão Ambiental)
CUIDE DO MEIO AMBIENTE
e/ou bens anunciados.
A respetiva veracidade
Esperemos que acabe como o for vendido (por dois, três mil ção nem equipa de gestão. 3. É e daqui uns anos é vendida com
e Serviços Comerciais
a garantia do hub. Mas se nos
Utilize melhor esta revista depois de a ler

Rua Calvet de Magalhães, 242

Colabore com a sua reciclagem
e conformidade com a
realidade são da integral e
Novo Banco. milhões?) e a Lone Star receber o Governo quem está a “gerir”
2770-022 Paço de Arcos
Tel: 214 544 000
ESTATUTO EDITORIAL DISPONÍVEL EM exclusiva responsabilidade Calma, não discorde já. O três quartos do encaixe depois a companhia, o que internaliza arrastarmos em terra, 4 mil mi-
www.impresa.pt/Lei78/2015 dos anunciantes e agências
ipublishing@impresa.pt ou empresas publicitárias. Novo Banco é uma caixa de es- de ter contribuído com menos custos políticos. A paz social é lhões serão para nada.
Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 33

Daniel Oliveira Henrique Raposo

danieloliveira.lx@gmail.com henrique.raposo79@gmail.com

Lesados Araújo
de Vieira e Zambujo

A T
comissão de inquérito ao Novo
Banco é palco para o striptease
de uma elite económica que
fez fortuna sentada em dívidas
eternamente reestruturadas. Falemos
de Luís Filipe Vieira, com um calote su-
perior a €400 milhões, e da sua relação
com José António dos Santos. Em 2017,
o homem que todos conhecem como
“Rei dos Frangos” comprou ações do
Benfica à Somague e ao NB por €1. Dois
anos depois, o Benfica estava disposto a
comprá-las por €5, quando eram tran-
sacionadas a €2,67. Se a OPA não tives-
se sido abortada pela CMVM, José An-
tónio dos Santos poderia ter ganho €10
milhões. Por coincidência, o “Rei dos
Frangos”, que passou a ser o maior aci-
onista individual da SAD, era sócio de
Vieira. E foi ele quem comprou as suas
dívidas, salvando-o de uma insolvência
que o poderia afastar da presidência do
SLB. A Imosteps, mais uma empresa
do ruinoso império de Luís Filipe Viei-
ra, devia €54 milhões ao NB. O crédito,
incluído na carteira Nata2, foi vendido
pelo NB ao fundo Davidson Kemper
por €5 milhões. E José António dos
Santos comprou-o por oito. Quando o
NB se livra de dívidas, o fundo que as
comprou saca algum lucro, Vieira deixa
de ser devedor de €54 milhões e o seu
sócio faz um bom negócio, quem fica a
perder? O contribuinte, que através do
Fundo de Resolução cobre quase todo
o calote. E talvez o Benfica, onde se
trocam favores na fronteira nebulosa
A foto da
semana
Por João Carlos Santos
jcsantos@expresso.impresa.pt
Se, em vez de proibirem festejos, os planearem, tudo se faz com mais
segurança. Vimos isso no 1º de Maio, na Festa do “Avante!” e em Fátima
Os festejos do Sporting
endo em conta os festejos fute-
bolísticos permitidos pelo Go-
verno, parece que a pandemia
acabou. Só se esqueceram de
enviar o memorando à população, um
detalhe sem importância. Portanto, to-
dos os sectores reprimidos por regras
tantas vezes exageradas têm agora a
autoridade moral para exigir o fim das
restrições. Nesse sentido, eu gostava
de voltar a ver e ouvir um concerto sem
fiscais de fita métrica a medir distânci-
POR ESTE RIO ACIMA O rio Grande é apenas mais um obstáculo a ultra-
passar pelas centenas de pessoas oriundas da América Latina que tentam
as de segurança. Será pedir muito? E
será pedir muito não passarmos a vida
transpor a fronteira para os Estados Unidos. Na fotografia, uma família
venezuelana luta contra a fúria das águas, deixando para trás o México,
com o Texas como destino. Chegam a ser detidas, por dia, cerca de 200
entre o 8 (vem aí o apocalipse!) e o 80
(o vírus não penetra em manifs do meu
partido ou clube)?
pessoas pela guarda fronteiriça norte-americana. Semanas, ou mesmo Sarcasmo à parte, este regresso do
meses, de marcha numa viagem alimentada pela esperança de uma vida país à normalidade precisa mesmo de
melhor. FOTO JAMES BREEDEN/REUTERS festivais e pede sobretudo concertos
da dupla Araújo e Zambujo. Se tivesse
de explicar a portugalidade através da
cultura musical a um estrangeiro, eu
não iria recorrer ao fado, mas sim aos
concertos destes dois cantautores. Ara-
újo e Zambujo, até nos nomes, fazem a
síntese de Portugal de norte a sul. Por
falar em síntese, o Miguel Araújo é a
síntese da simpatia do Norte. A alegria
cortês das gentes do Porto escorre pe-
las letras e músicas do Araújo. Tenho
apalavrada com o Paulino Coelho (Rá-
dio Renascença) uma playlist conjunta
de música boa e alegre. Do meu lado, o
Araújo vai ser um dos portentos desse
júbilo musical. Reparem que não é a
alegria castiça do folclore. Araújo pega

Quem defende Vieira
não percebe que ele usa
o Benfica como usou o Novo
Banco. E que o banco o usou a ele
entre o clube e os interesses empresa-
riais do presidente.
Quem defende Vieira por clubismo
não percebe que ele usa o Benfica como
usou o NB. E que o banco o usou a ele,
como o próprio reconheceu esta sema-
na: “A minha ida para o Benfica foi a
pedido de várias instituições financei-
ras.” Várias ou o BES? Não sabemos.
Mas o homem que deixou um calote
de €400 milhões no BES diz que o es-
colheram porque confiavam na sua
palavra. É impossível perceber o ca-
minho que o BES levou sem perceber
que era uma plataforma de troca de
favores — e não ficam de fora as dívi-
das do Sporting —, onde os devedores
serviam os interesses de Salgado. Um
fresco do capitalismo parasitário num
país sem capital. Ali atingiu proporções
patológicas, como se percebe quando se
compara a dimensão dos calotes com a
irrelevância das atividades económicas
destes “empresários”.
Chegado à comissão de inquérito,
Vieira explicou que era vítima de pre-
conceito, porque não é da elite. Modés-
tia sua. Como lhe faltavam os apelidos
certos, Salgado abriu-lhe a porta das
traseiras para um clube restrito. Para
além de usar (e deixar usar) o Benfica
como plataforma de negócios, Vieira
usa-o como escudo contra os ataques.
Mal chegou à comissão de inquérito,
disse que estava ali porque é presidente
do Benfica. Sabe, como Vale e Azevedo
sabia, que pode ter outro tratamento
quando deixar de o ser. Apenas o depu-
tado do Iniciativa Liberal lhe fez o favor,
atirando umas piadas à gestão do clube
e transformando o Parlamento no bar
do Estádio da Luz. Já Ventura não co-
mentou. É um homem de princípios:
só fala de assaltos ao Estado cometidos
por quem ganhe menos do que o salário
mínimo. Todos os partidos, à exceção
do BE e do PAN, andaram com Vieira
ao colo. E a culpa é de quem deixa que
o amor ao seu clube sirva para proteger
quem o usa. Não percebendo que o
Benfica é um dos lesados de Vieira.
R
euniram-se multidões para tiveram a doença e que ganharam
festejar o campeonato do imunidade natural e, obviamente, Se tivesse de explicar
Sporting. Muitos se indig- grande parte dos principais gru- a portugalidade através da
naram, lembrando que ain- pos de risco já estão vacinados. cultura musical a um estrangeiro,
da estamos em pandemia e que A chamada “força de infeção” do eu não iria recorrer ao fado,
tais festejos são um risco para a sa- SARS-CoV-2 terá sido fragiliza- mas sim aos concertos destes
úde pública. Mas, como disse Vera da. Não esqueçamos, claro, que dois cantautores
Gouveia Barros, uma hooligan os sportinguistas são pessoas com
portista, no Facebook, “pensem
Luís Aguiar-Conraria comprovada resistência.
nas vantagens; se daqui a 15 dias Professor de Economia da Univ. do Minho Fazer uma abertura planeada é na alegria intrínseca da sua cultura e
lfaguiar@eeg.uminho.pt
os números de covid não exibirem mais seguro do que uma não pla- dá-lhe uma roupagem universal e pop.
nenhum aumento, saberemos que neada. Se 20 mil daqueles adeptos Um brasileiro ou sueco ouve “balada
não é a cloroquina, não é a ivermectina, é a naftalina”. sportinguistas estivessem no estádio, não estariam nas astral” ou “marido das outras” e não
Num registo mais sério, insisto: pensem nas vanta- ruas sem qualquer controlo. Se, em vez de proibirem percebe que o Araújo é um gajo do
gens. Tivemos milhares de voluntários para fazer uma festejos, os planearem, tudo se faz com mais seguran- Porto, sente apenas uma alegria e uma
experiência da qual devemos retirar lições. Se em duas ça. Vimos isso no 1º de Maio, na Festa do “Avante!” e serenidade universais.
semanas observarmos um pico de infeções de covid em em Fátima. E, já que falamos de futebol, temos a final Sei explicar porque é que gosto do
Lisboa, especialmente se for seguido de um pico de da Taça a chegar. Que sentido faz, nas condições atuais, Araújo: faz-me dançar, rir e abraçar
hospitalizações, ficamos a saber que atividades ao ar manter os adeptos fora do estádio? pessoas, transporta-me logo para o
livre são um risco sério. Nesse caso, as restrições sobre Permitir um estádio a um terço da lotação (eventual- Porto, a minha cidade favorita. Se
distanciamentos físicos, mesmo ao ar livre, serão para mente o de Alvalade ou o do Dragão, que têm lotação Deus, antes de eu nascer, me tivesse
manter por mais tempo. superior ao do Jamor), com lugares marcados, com dito, ‘Olha, pá, hoje estou bem dispos-
Mas tenho esperanças de que aconteça o contrário. especial cuidado com as entradas e saídas, fazendo o to, onde é que tu queres nascer?’, a mi-
Que nada de especial aconteça. Nesse registo dos espectadores para se poder nha resposta teria sido, ‘Cum carago!’.
caso, a lição é a oposta: nas condições fazer rastreios posteriores, em que cada É no Porto que me sinto em casa. E o
atuais, nada justifica algumas das res- um assina uma declaração de honra em Araújo universaliza essa minha casa
trições que ainda se mantêm. Pelo con- A palavra de que se compromete a fazer um teste de adotiva. Pois bem, se consigo explicar
trário, ao se manterem regras inúteis, ordem devia ser antigénio 15 dias depois e a comunicar com o intelecto a minha paixão pelo
algumas das quais ridículas, perde-se a oposta: saiam às autoridades um eventual resultado Araújo, já não consigo explicar o meu
o foco e contribui-se para a descredi- para a rua, vão positivo (para que se alertem os adep- apego pelo Zambujo.
bilização de normas que sejam úteis. tos que ficaram próximo do infetado) é Não gosto de fado. Não gosto de cante.
Vários especialistas em saúde pública, para as praias, perfeitamente realizável e terá o acordo Então porque é que gosto do Zambujo?
entre os quais destaco Bernardo Go- reabram os da enorme maioria dos especialistas em Porque, como já expliquei no Expresso
mes, têm defendido a libertação do ar parques e deixem saúde pública. Diário, ele subverte as regras e acaba
livre. Essencialmente por dois motivos. (Declaração de interesses: gostava no jazz, na milonga, na bossa nova, no
Por um lado, ao ar livre o risco de con-
as crianças brincar mesmo de ir à final da Taça de Portugal tango, no blues. Mas, para ser honesto, a
tágio é muito mitigado; por outro, ao ver o Braga-Benfica. E, caso os guerrei- minha ligação ao som sulista do Zambu-
se restringir a circulação das pessoas, ros do Minho ganhem, quero festejar jo não se deve apenas a esta heterodoxia
elas acabam por se refugiar em espaços fechados, com a minha filha.) musical que consigo explicar com a ra-
locais de risco bastante maior. Falo por mim, antes de As provas científicas de que as atividades ao ar livre cionalidade melómana. Quer eu queira
as esplanadas reabrirem, havia muito mais encontros são de baixo risco acumulam-se. É cada vez mais claro ou não, sou do Sul; passei a infância a
com amigos dentro de casas e apartamentos. que é muito difícil ficar contaminado por contacto ouvir o cante dos meus tios, cantei-o,
Já houve várias manifestações em que poucas regras com superfícies infetadas. O argumento de que os sei muitas modas de cor e — não digam
de distanciamento foram cumpridas, como a do Chega jovens podem apanhar covid numa festa e, mesmo isto a ninguém, por favor — choro mui-
de há umas semanas, sem que se observasse nenhum que pouco ou nada sofram, podem contaminar o avô tas vezes quando os oiço a cantar nas
surto especial. Lembro-me, quando foram as mani- é, com a população mais velha vacinada, cada vez mais poucas festas que sobram, porque já
festações em várias cidades americanas por causa do inválido. Insistir com deveres gerais de recolhimento estamos no ocaso dos funerais. Quer
assassínio de George Floyd, que muitos temeram que já só pode ser explicado pela casmurrice e por medos eu queira ou não, eu sou da melancolia
os casos disparassem. Mas, na verdade, nada de especi- irracionais. A palavra de ordem devia ser a oposta: sai- alentejana que o Zambujo também ele-
al foi detetado na sequência desses ajuntamentos. Se o am para a rua, vão para as praias, para as montanhas, va ao universal através das sonoridades
mesmo se verificar agora, torna-se ainda mais óbvio de reabram os parques e deixem as crianças lá brincar e pop. E esta melancolia pode ser tão ou
que estamos a ser muito lentos a ir para a rua. os velhos sentarem-se nos bancos de jardim. De nada mais espiritual do que a religiosidade
Percebo o dilema das autoridades. Se nada de grave nos adianta ter vencido o vírus se depois continuamos católica dos povos do Norte. Sinto-me
se passar, haverá quem argumente que isto é prova de a viver com medo. mais perto de Deus junto de um amigo
que as restrições passadas eram inúteis. Poderão sem- P.S. — Parabéns ao Sporting. Rúben Amorim mani- alentejano e ateu do que num grupo
pre responder que não é verdade. Que efetivamente as festou o desejo de conseguir terminar o difícil curso de católicos portuenses. A razão não
condições atuais são diferentes: há muito menos gente de treinadores. Que o consiga acabar com boa nota é explica tudo; não explica sobretudo o
com covid, há um número considerável de pessoas que o meu desejo. caos que tentamos esconder.
34 PRIMEIRO CADERNO
Opinião
Pedro Adão e Silva
padaoesilva@gmail.com
A ponta
do icebergue
C
om o levantamento da cer-
ca sanitária, a situação em
Odemira tenderá a sair da
agenda. O problema de fundo,
contudo, persistirá. Mesmo se fosse
possível resolver todos os casos de
abuso no trabalho ou até eventuais
situações de escravatura laboral e de
tráfico de pessoas, o crescimento para
lá do razoável da agricultura intensiva
continuaria a colocar uma pressão
incomportável sobre o território.
Há dias, o Presidente da República
afirmava que “a sociedade prefere
ver a ponta do icebergue em lugar de
discutir a parte fundamental, as con-
dições sociais”. A questão é essa, mas,
na verdade, não é essa. Em Odemira,
os problemas sociais persistirão, a
menos que se repense o equilíbrio
entre a aposta necessária numa agri-
cultura mais moderna e um território
que é um recurso ambiental de valor
inestimável. Nos últimos tempos, esta
relação desequilibrou-se, provocando
problemas sociais.
Não é possível um concelho com cer-
ca de 25 mil habitantes, com serviços
públicos escassos e um parque habi-
tacional subdimensionado albergar
uma população migrante que se esti-
ma superar os 10 mil trabalhadores
sazonais e tenderá a crescer muito. Em
O absurdo nasce também
da resolução do Conselho
de Ministros aprovada há
dois anos e que enquadra
a exploração agrícola
nos 12 mil hectares do
perímetro de rega do Mira
abstrato, até se podia pensar em fazer
de Odemira um grande parque agríco-
la, mas numa região atravessada por
um parque natural seria um absurdo e
uma ameaça ao património ambiental.
E o absurdo nasce também da reso-
lução do Conselho de Ministros apro-
vada há dois anos e que enquadra a ex-
ploração agrícola nos 12 mil hectares
do perímetro de rega do Mira. Uma
resolução que se propunha promover
uma solução temporária para o aloja-
mento (os muito propalados conten-
tores) e fixar a área passível de ser
ocupada por estruturas de cobertura.
De acordo com a resolução, 40% dos
12 mil ha podiam ser dedicados à ex-
ploração em estruturas cobertas. Ou
seja, com esta decisão, é possível ter
4800 ha de agricultura em estruturas
cobertas. Em 2013, estas estruturas
ocupavam cerca de 400 ha, atualmen-
te ocupam 1600 ha, e o ritmo de cres-
cimento anda em redor de 15% ao ano.
Neste momento, são necessários mais
de 10 mil trabalhadores, imagine-se
quando atingirmos os 4800 ha per-
mitidos. Uma situação social ingerível.
É neste contexto que surpreende
a interpretação que o ministro do
Ambiente fez da resolução em vigor.
Segundo Matos Fernandes, “a área de
estufas não pode ter mais de 40% da
parcela de cada propriedade”. Em que
é que ficamos? Afinal, são 40% de cada
parcela ou, como era o entendimento
até aqui, 40% da área do perímetro
de rega do Mira? Se for levada a sério
a declaração do ministro, quase todas
as explorações com estas estruturas
criadas após 2019 são ilegais, pois
ocupam muito mais do que 40% das
parcelas onde se inserem. Ou os vários
organismos da Administração Pública
se entendem e o Governo clarifica a
sua posição ou brevemente o país será
confrontado com um icebergue na sua
totalidade. Não será por falta de aviso.
A alegoria do Zmar
C
omo no mito da caverna de
Platão, a sociedade que não
vê as pessoas acorrentadas à
pobreza e à violência das re-
des criminosas internacionais só vê o
fundo da parede, habituada que está
à escuridão e à ignorância. A saúde
pública é apenas mais uma dessas
correntes na sombra da realidade
enganosa.
Procurar ver além do acantona-
mento dos imigrantes é o tema des-
ta alegoria, onde só vemos o fundo
da parede e a sombra das coisas.
Metáfora sobre a condição huma-
na que pode ajudar-nos a decifrar a
existência das redes internacionais
de tráfico de seres humanos por de-
trás de certas condições de trabalho
escravo.
Segundo a apresentação feita pela
União Europeia em abril, da estraté-
gia de combate ao crime organizado
e ao tráfico de seres humanos, o cri-
me organizado continua a dominar
as redes de tráfico para a exploração
laboral e de mulheres para a explo-
ração sexual. A pandemia é só mais
uma oportunidade para vampiriza-
rem as desigualdades sociais, a extre-
Presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas
O solo é a solução
Volkan Bozkir
O
que é que pensa quando ouve
a palavra “desertificação”?
Dunas de areia que invadem
lentamente abundantes ter-
ras agrícolas? O Saara e o Gobi a
conquistarem a África e a Ásia? Rios
e riachos que secam? Estes fenóme-
nos contribuem certamente para a
desertificação. Porém, o principal
impacto da desertificação é na de-
gradação da terra — de tal forma
que o solo fica tão danificado que se
torna incapaz de gerar vida.
O solo é muito mais do que terra
e pó. Um solo saudável é essencial
para um planeta saudável. Esta re-
serva negligenciada alimenta a nos-
sa agricultura e indústrias alimenta-
res. Ajuda a regular as emissões de
gases de efeito de estufa e mantém
as plantas, animais e seres humanos
fortes.
Contudo, hoje, mais de um quinto
das terras do planeta — incluindo
mais de metade das nossas terras
agrícolas — está a sofrer. Todos os
anos, mais de 12 milhões de hectares
de terra são perdidos devido à de-
Economista, deputado e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS
Groundforce: daqui não saio, daqui ninguém me tira
Carlos Pereira
E
m 2012, a Autoridade da Con-
corrência aprovou o acordo
de princípio de aquisição de
50,1% da Groundforce à Pa-
sogal, detida por Alfredo Casimiro.
Esta operação, ao que se sabe hoje,
surge pela mão de Miguel Relvas,
ou, para ser mais compreensível,
pelo telefonema daquele ex-gover-
nante, na altura ministro dos As-
suntos Parlamentares. Sem fugir
da tentação especulativa, diria que
esse contacto não deve ter sido feito
do seu (?!) escritório do Rossio, que
dizem que utiliza, mas que é Alfredo
Casimiro quem possui um contra-
to e (não) paga às Infraestruturas
de Portugal. Segundo parece, por
essa altura o essencial nem era que
o empresário tivesse capital para
levar a bom porto esta “oferta de
projeto empresarial”. O acordo de
aquisição de mais de 50% do capital
foi de €3,7 milhões. A esta natural
obrigação pecuniária, que exigiria
Justiça de Perdição
Maria José Morgado
sociedade@expresso.impresa.pt
ma vulnerabilidade dos imigrantes, a
fragmentação dos quadros jurídicos
dos Estados na União Europeia, as
falências e o desemprego massivo.
A ameaça continua muito elevada
na Europa, atendendo à adaptação
constante dos modus operandi à crise
sanitária, à situação económica volá-
til, com crescente risco de infiltração
na economia legal e na sociedade.
Como?
Precisamente, através da aquisição
de empresas falidas ou enfraqueci-
das, de imóveis, do aproveitamento
das necessidades desesperadas de
injeções de capital no turismo e na
restauração. Por outro lado, têm à
sertificação, à degradação da terra
e à seca. Esta perda atinge mais de
três mil milhões de pessoas, princi-
palmente nas comunidades pobres
e rurais dos países em desenvolvi-
mento. Ao mesmo tempo, quando a
terra é convertida, apressadamente,
em terreno agrícola, sem considerar
a saúde do nosso meio ambiente,
o carbono e o óxido nitroso são li-
bertados para a atmosfera. As alte-
rações climáticas aceleram, a bio-
diversidade decresce e as doenças
infecciosas propagam-se. Tudo isto
coloca em risco o abastecimento de
água, os meios de subsistência e a
nossa capacidade de enfrentar de-
sastres naturais e eventos climáticos
extremos.
A menos que atuemos agora, esta
situação só vai piorar. Nos próximos
25 anos, a degradação da terra pode
reduzir a produtividade global de
alimentos até 12%, levando a um au-
mento de 30% dos preços mundiais
dos alimentos. Nunca alcançaremos
os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável se permanecermos
complacentes.
Mas há muitos motivos para ter
esperança — e muita coisa que po-
capacidade financeira do empre-
sário, foi associado um pagamento
de um criativo fee de gestão anual
que até 2015 rondou €2 milhões em
cada ano (€7,6 milhões até 2015) e,
não menos importante, um contrato
de serviços com a própria TAP a um
custo acima do mercado, correspon-
dente (hoje) a cerca de 70% da tota-
lidade da faturação da Groundforce.
O telefonema, que acredito tenha
sido para resolver um problema ao
país, como Casimiro lembrou numa
audição na Assembleia da Repúbli-
ca, não era difícil de fazer. Até dá
para imaginar o diálogo: “Ficas com
a empresa, controlas a gestão, rece-
bes por isso, e não é pouco, e tens
a garantia de uma empresa viável,
porque, ao mesmo tempo, será assi-
nado um contrato de cinco anos com
a TAP para os serviços de handling,
ainda por cima pagos acima do cus-
to. Ah, já agora. Pagas a aquisição
do capital social quando puderes.”
Foi em 2018, seis anos depois e de
muitas dezenas de milhões de euros
de lucros!
sua disposição os milhões de desem-
pregados desiludidos com o sistema,
presas fáceis do crime organizado
ou mesmo disponíveis para o recru-
tamento pelo crime organizado, bem
como exércitos de imigrantes deses-
perados.
Segundo a Europol, as receitas pro-
venientes das atividades dos grupos
criminosos atingem milhões de euros
por semana, o que envolve um poder
considerável. Daí que a corrupção
seja um elemento central em cerca
de 60% das suas atividades na União
Europeia. Com tal poder financeiro,
Não é com testes rápidos
à covid que o Governo
poderá dotar as
autoridades policiais
dos instrumentos e
competências necessários
para combater em
linha esta criminalidade
organizada
demos alcançar juntos. Como vimos
com o rápido desenvolvimento das
vacinas da covid-19, quando a vonta-
de existe e os recursos são disponibi-
lizados, a humanidade pode realizar
feitos realmente surpreendentes.
Restaurar 350 milhões de hecta-
res de terras degradadas até 2030
pode reverter a presença de entre
Nos próximos 25 anos,
a degradação da terra
pode reduzir
a produtividade global
de alimentos até 12%
13 e 26 gigatoneladas de gases de
efeito de estufa na atmosfera. Para
cada dólar gasto na recuperação de
terras podem ser esperados, pelo
menos, nove dólares de benefícios
económicos. Restaurar terras não
gera apenas oportunidades de em-
pregos verdes numa ampla gama de
indústrias, mas também nos permi-
tirá cultivar alimentos mais nutri-
tivos, garantir maiores reservas de
Hoje é capaz de não ser despiciendo
concluir que Casimiro ficou mal-ha-
bituado e ganhou vícios, ou apenas
perdeu toda a vergonha e escanca-
rou o seu desplante ao país e aos
trabalhadores em particular. Mas,
em boa verdade, Portugal assiste
O pedido de insolvência
da Groundforce pela TAP
é o corolário de episódios
sucessivos de obstáculos,
de mentiras
e de malfeitorias
engendrados
por Alfredo Casimiro
à tortura em torno da Groundforce
na sequência de um ministro expe-
dito, com uma curtíssima agenda
de contactos telefónicos, agarrado
a um impedimento legal baseado
numa diretiva europeia que não per-
mite a TAP, por ter mais de 50%
Expresso, 14 de maio de 2021
os dirigentes e intermediários destes
negócios criminosos têm capacidade
de instalação, de compra de informa-
ções, documentos e decisões, onde
precisarem. De notar que a União
Europeia, até agora, apenas confisca
1% dos bens de origem criminosa.
Não é com testes rápidos à covid
que o Governo poderá dotar as auto-
ridades policiais dos instrumentos e
competências necessários para com-
bater em linha esta criminalidade
organizada.
Precisamos de autoridades polici-
ais centradas e especializadas nestas
tarefas, que cumpram os objetivos
principais: o desmantelamento des-
tes gangues, o confisco dos proven-
tos das suas atividades e a proteção
efetiva dos denunciantes. O método
eficaz passará ainda por proteger os
sectores de risco, partilhar a infor-
mação, evitando perseguir as vítimas
ou os autores secundários e fiscalizar
os empregadores. Porventura o de-
senvolvimento de um novo código de
cooperação policial e o intercâmbio
internacional. Talvez deste modo
sejamos capazes de encarar a luz do
sol sem cegarmos.
água potável, lidar com a perda de
biodiversidade e mitigar as altera-
ções climáticas.
Aqui, nas Nações Unidas, promo-
ver a regeneração de terras é uma
parte crítica do nosso trabalho.
Nos próximos meses, as principais
conferências de acompanhamen-
to das três Convenções do Rio — a
Convenção das Nações Unidas para
o Combate à Desertificação, para
as Alterações Climáticas e sobre a
Biodiversidade — acontecerão, pela
primeira vez, no mesmo ano. Esta é
uma oportunidade única para refle-
tir sobre a saúde do nosso planeta.
Da minha parte, a 20 de maio irei
organizar uma reunião de alto nível
sobre desertificação, degradação da
terra e seca — a primeira deste tipo
em mais de uma década terá como
base os avanços já alcançados, des-
tacará as lacunas nos nossos esforços
coletivos e estimulará a ação. Lem-
brar-nos-á que a degradação da terra
é real e precisa de ser combatida.
No entanto, precisaremos de tra-
balhar juntos. Precisamos de mudar
algumas das nossas práticas. E es-
pero que as Nações Unidas possam
contar com o seu apoio.
da quota do Aeroporto Humberto
Delgado, deter a maioria do capital
do handling.
Por isso, o pedido de insolvência da
Groundforce pela TAP é o corolário
de episódios sucessivos de obstácu-
los, de mentiras e de malfeitorias
engendrados por Alfredo Casimiro
para a salvaguarda do seu interesse
exclusivo. A TAP adiantou quase €13
milhões para pagar salários, Casimi-
ro escondeu que tinha ações penho-
radas, a TAP adquiriu equipamento
para voltar a pagar salários, Casimiro
rasgou o contrato, a TAP quis saber
quando recebia os seus créditos, Ca-
simiro responde com espalhafato
mediático e demissões internas.
Sabemos que Alfredo Casimiro não
vai baixar a guarda, que é o mesmo
que dizer que: se não tiver de pagar
nada, se não for obrigado a dar qual-
quer garantia, se não lhe exigirem boa
gestão com boas práticas e se tiver
contratos assegurados, sem ter de
procurar clientes, estará totalmente
disponível para colaborar. Essa seria
a altura para os telefonemas fáceis.
Expresso, 14 de maio de 2021
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
A incapacidade
de tomar decisões ou,
como dizem
os brasileiros, a falta
de jogo de cintura
A lei é para cumprir (dura lex,
sed lex), mas a rigidez inconse-
quente é altamente perniciosa.
Todos sabiam que o Sporting
seria potencialmente declarado
Campeão Nacional de Futebol
hoje, dia 11 de maio.
A PSP tinha preparado tudo
para o passeio triunfal da equipa
ao Marquês de Pombal; todos
sabiam e foi notícia em todos os
meios de comunicação social.
Só o Governo é que parece que
não sabia ou não teve a lucidez
e a coragem de tomar a única
decisão lógica, ainda que não le-
gal — abrir as portas do estádio,
onde as pessoas estariam mais
afastadas que na rua, todos ao
molho.
A alternativa, que felizmente
não tomaram, seria colocar a
polícia em peso e talvez mesmo
a tropa a correr com os adeptos
à pancada. Assumindo tolerar
que a lei não fosse cumprida,
deveriam ter tido a clarividência
que aquela medida teria repre-
sentado. Assim, com um “nim”
ficaram mal na fotografia e tira-
ram o prazer a tantos milhares
com um jejum de 19 anos.
O respeito impõe-se mas tam-
bém se conquista no dia a dia.
Seria um grave precedente?
Talvez, mas assim o desrespeito
será sempre maior. A situação
explicada a tempo e não acei-
te como facto consumado seria
sempre preferível, ainda que
continuando a ser má, mas a
menos má possível.
José Eduardo Mendonça Santos,
Médico
Santana na Figueira,
Isaltino em Oeiras
Santana Lopes assumiu a candi-
datura à Câmara Municipal da
Figueira da Foz pelo movimento
independente Figueira A Pri-
meira, enquanto Isaltino Morais
é recandidato independente à
Câmara Municipal de Oeiras.
Dois emblemáticos sociais-de-
mocratas que o PSD não teve
talento e arte de os candidatar
nas suas listas autárquicas. Os
movimentos independentes
conquistam cada vez mais espa-
ço político. Santana Lopes tem
uma vivência invejável.
O antigo primeiro-ministro
do XVI Governo Constitucional,
do PSD e das câmaras lisboeta e
figueirense, foi também presi-
dente do Sporting Club de Por-
tugal. Irá Santana ser recoroado
daquela que foi conhecida como
rainha das praias de Portugal?
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
A Armada sem
meios financeiros
A ser verdade a notícia sobre a
situação que se vive na Arma-
da, concretamente o impasse
à volta da modernização da
fragata “Vasco da Gama”, já
com 30 anos de uma excelente
carreira ao serviço do país, isso
levar-nos-ia mais longe, pois a
real situação das nossas forças
armadas é complexa e o seu
futuro afigura-se-me sombrio.
Na verdade, os vários gover-
nos vêm ao longo de há já mui-
tos anos tudo fazendo para re-
duzir o poder militar nacional,
como se o país prescindisse
desse vetor importante para
a defesa dos seus interesses e
ignorando por completo o que
é uma instituição com as ca-
racterísticas peculiares como
é a militar.
A situação que se vive na Ar-
mada não é única e, quando se
vê o poder político mais pre-
ocupado com a limitação dos
poderes dos chefes dos três
ramos, dá que pensar, pois os
verdadeiros problemas estão
na gritante falta de pessoal,
nomeadamente no Exército, e
porque a captação dos jovens
para seguirem uma carreira
militar não tem resultado
por muitos e diversos fatores,
como são os vencimentos de
miséria, os equipamentos ob-
soletos e a pouca ou nenhuma
publicidade que consiga atrair
os nossos jovens a aceitar uma
vida muito difícil e com eleva-
dos riscos para a sua integri-
dade física.
Ou será que o poder po-
lítico considera um militar
um mero funcionário público
comodamente sentado a uma
secretária no seu trabalho,
com um computador e com
um horário estabelecido na
lei laboral?
A maior parte dos meios ao
serviço dos três ramos está
obsoleta por falta de substi-
tuição atempada ou de uma
necessária modernização de
alguns equipamentos. O caso
mais gritante é mesmo o das
três fragatas da classe Vasco
da Gama, pois são unidades
que foram concebidas para,
face aos módulos que têm
atribuídos, poderem ser mo-
dernizadas em tempo opor-
tuno e com custos razoáveis.
Quanto mais tempo decor-
rer sobre essa moderniza-
ção mais complexa será a
viabilidade e oportunidade
da mesma e, nos tempos que
correm, uma fragata custa
entre 800 e 1000 milhões
de euros, sem meios aéreos,
e a sua construção demora
alguns anos.
Quanto à tão debatida
questão da carência de pra-
ças no Exército, em meu en-
tender o que deve preocupar,
e muito, o senhor ministro
da Defesa, é como se pode
dar um salto qualitativo sem
um quadro de praças nesse
ramo, porque, na verdade, é
ridículo termos juramentos
de bandeira de apenas seis
(?) jovens de uma incorpora-
ção de cerca de oitenta/cem.
A este ritmo, um dia des-
tes, esses juramentos arris-
cam-se a ser realizados no
gabinete do comandante da
unidade instrutora, dispen-
sando-se a banda de música,
recorrendo-se a uma peque-
na aparelhagem de som que
reproduza uma marcha mili-
tar e o hino nacional.
Corre-se o sério e patéti-
co risco de, a curto prazo,
termos mais oficiais e sar-
gentos do que praças, com
as consequências e a quebra
de prestígio que daí advirão.
Como faz falta o SMO, que,
uma das coisas boas que pro-
porcionava era dar a conhe-
cer a todos os jovens que
Portugal não é apenas o hino
que se canta num estádio de
futebol, mas é, também, uma
instituição que, devidamen-
te reformulada, pode e deve
orgulhar os jovens que a ser-
vem.
O que me espanta é que o
senhor ministro da Defesa,
que cumpriu como oficial mi-
liciano o SMO, não seja sen-
sível a esta realidade quando,
em muitos países da Europa,
a reintrodução daquele ser-
viço começa a ser repensada.
Manuel Alves, Lisboa
1953-2021 A rainha agora falecida era meia irmã de Mswati III,
rei dos Suazis, o último monarca absoluto de África.
Mantfombi Dlamini
H
ouve clamores e rumo-
res, suspeitas de assas-
sínio e, de facto, não
era caso para menos,
pois o reinado fora brevíssimo,
curto de um mês apenas. Um
príncipe importante apressou-
-se a dissipar tais boatos, infor-
mando o mundo que a rainha
se encontrava doente desde há
muito, coisa que o palácio tinha
ocultado do povo, para não o
assustar. Mais disse o príncipe
que a monarca, depois de ter
recuperado da covid, fora inter-
nada num hospital de Durban
para remoção de pedras renais,
mas, como já estava muito fra-
ca para a operação, decidiu
consultar antes um médico de
Joanesburgo. Acabou por fale-
cer aí pelas 20h15 do passado
29 de Abril, quando se encon-
trava hospitalizada no Mil-
park Hospital, uma das mais
conceituadas clínicas privadas
do país, onde estiveram igual-
mente Oscar Pistorius, Nelson
Mandela e a segunda mulher
deste, Winnie, a qual também
faleceu lá, numa coincidência
fatal de rainhas consortes que
não é, como veremos, o único
traço comum entre a monarca
há pouco desaparecida e o clã
principesco do Madiba.
Mantfombi Shiyiwe Dlamini
Zulu nasceu em 15 de Feve-
reiro de 1953, sendo princesa
do reino de Essuatíni (antiga
Suazilândia), da Casa de Dla-
mini. Seu pai, Sobhuza II, filho
de Ngwane V, foi monarca da
Suazilândia durante 82 anos e
254 dias, o mais longo reinado
de que há registo em toda a
história do mundo: ascendeu
ao poder em 1899, com quatro
meses de idade (o seu pai mor-
rera subitamente, enquanto
dançava no incwala, o ritual
tradicional dos Suazis), e go-
vernou até morrer de velho,
em 1982. Ostentava o título
honorário de “Touro dos Su-
azi” com provas dadas — 70
mulheres, 210 filhos e mais de
mil netos — e, desde 1973 até
1978, optou por reinar como
monarca absoluto, tendo abo-
lido a Constituição e dissol-
vido o parlamento, facto que
não parece ter desagradado
de todo ao seu povo, feliz com
a prosperidade económica que
OBITUÁRIO
Maria João Abreu
1964-2021 Atriz, estreou-
se com 18 anos no musical
“Annie”, no Teatro Maria
Matos e começou por se
destacar no teatro de revista,
onde ganhou visibilidade pelo
talento cómico. No início dos
anos 90 fez “O Último dos
Marialvas”, de Neil Simon, na
Casa da Comédia, peça que
lhe daria o reconhecimento
da crítica e a afirmação
definitiva como atriz de
enorme popularidade. Apesar
da carreira na televisão,
onde entrou em inúmeras
telenovelas e séries (Lucinda,
de “Médico de Família”,
talvez tenha sido a sua
Mantfombi casou
em 1977 com
Goodwill Zwelithini
kaBhekuzulu,
rei dos Zulus, após
um longo noivado
de quatro anos
o país, rico em recursos natu-
rais, atravessou nesses anos
dourados.
Sendo filha de Sobhuza II, a
rainha Mantfombi, agora fale-
cida, era, portanto, meia irmã
de Mswati III, rei dos Suazis,
o último monarca absoluto de
África, a quem a comunidade
internacional não perdoa os
gastos astronómicos, as viola-
ções de direitos humanos, com
o assassínio de rivais e críticos,
e o facto de ter sido apoiado e fi-
nanciado secretamente pelo re-
gime sul-africano do apartheid,
além de manter as tradições
polígamas (15 mulheres, das
quais apenas duas são rainhas)
e misóginas (as concubinas só
ascendem a esposas depois de
engravidarem, prova de que
podem dar herdeiros ao rei e
personagem mais marcante),
nunca abandonou o teatro
de revista, que tentou, com
o então marido José Raposo,
ressuscitar e manter vivo
não só pela participação em
espetáculos mas também pela
produção de várias revistas,
como “Ó Troilaré, Ó Troilará”
e o musical “Mulheres
ao Poder”. Filha de uma
família humilde, contou
numa entrevista ter sido
vítima de bullying quando
já trabalhava no teatro e
de ter sido acompanhada
por um permanente medo
de falhar durante toda a
carreira. Isso não a impediu
de ter sucesso e de trabalhar
com grandes nomes, como
Jorge Silva Melo, Fonseca
e Costa ou Filipe La Féria.
Há pouco mais de um ano,
contracenou com o ex-marido
e com o filho, Miguel Raposo,
em “Sonho de Uma Noite
de Verão”, de Shakespeare.
Dia 13, na sequência de um
aneurisma.
Desastres Naturais
FOTO GETTY IMAGES
o sexo pré-nupcial é proibido a
todas as raparigas do país).
Já agora, Mantfombi era
também meia irmã do prínci-
pe Thumbumuzi Dlamini, que
casou em 1973 com Zenani
Mandela, filha de Winnie e de
Nelson (o qual era também de
sangue azul, dos reis do povo
Thembu). A princesa Zenani-
-Dlamini conheceu o marido
na América, quando ambos
estudavam na Universidade de
Boston, e acabou nomeada em-
baixadora da África do Sul na
Argentina (actualmente, está
na Coreia do Sul), à semelhança
da sua irmã, a controversa Zind-
zi, há pouco falecida de covid,
a qual, enquanto embaixadora
na Dinamarca, gerou grande
polémica ao proferir no Twitter
declarações contra os “medro-
sos cobardes brancos”, a quem
chamou “violadores e ladrões”.
Mantfombi casou em 1977
com Goodwill Zwelithini ka-
Bhekuzulu, rei dos Zulus, após
um longo noivado de quatro
anos em que foram negociadas
as condições do enlace: como
a noiva pertencia à casa real
de um Estado soberano, só
aceitaria casar com o monarca
zulu se lhe fosse dado o lugar
Lloyd Price
1933-2021 Músico americano,
foi uma estrela do mundo
R&B, onde era conhecido
como Mr. Personality, graças
ao maior êxito da carreira,
‘Personality’, que chegou a
número 2 dos tops americanos
em 1959. Mas esse nem sequer
foi o seu maior sucesso, já que
chegou ao topo com o single de
estreia, ‘Lawdy Miss Clawdy’,
que teve versões de Elvis
Presley e Paul McCartney. Foi
o primeiro negro a fundar a
própria editora discográfica
e foi um dos promotores do
célebre combate entre Ali e
Foreman no Zaire. Dia 9, de
diabetes.
PRIMEIRO CADERNO 35
Por António Araújo
de “Grande Esposa”, título
que desde o Egipto dos faraós
confere a uma certa mulher
primazia no harém régio e a ga-
rantia de que o seu filho varão
ascenderá ao trono.
Com receio de ser assassi-
nado, Goodwill esteve fugido
no Transval nos três primeiros
anos do seu reinado, de 1968 a
1971. Até morrer de covid-19,
no passado 12 de Março, gover-
nou o país com mão de ferro,
mantendo relações estreitas,
mas nem sempre fáceis, com o
ANC de Nelson Mandela e des-
tacando-se, como tantos outros
dirigentes africanos, pelas suas
posições xenófobas e homofó-
bicas (em 2012, terá dito que
as relações entre pessoas do
mesmo sexo eram “uma coi-
sa podre”) e pelos seus gastos
sumptuários, que incluíram a
construção de novos palácios
e viagens milionárias para as
suas seis mulheres e 28 filhos.
O rei Goodwill, que, enquan-
to presidente do Ingonyama
Trust, detinha pessoalmente
32% do KwaZulu/Natal, um ter-
ritório com 94 mil quilómetros
quadrados e uma população
de 11 milhões de habitantes,
era doutor honoris causa em
direito pelo Coker College da
Carolina do Sul e em ciências
agrárias pela Universidade da
Zululândia. Morreu no passa-
do mês de Março, aos 72 anos,
sucedendo-lhe como regente
a rainha Mantfombi, na quali-
dade de “Grande Esposa”, mas
também esta, que não aparecia
em público há muito tempo,
viria a falecer a 29 de Abril, aos
68 anos. Três dias depois, outra
das rainhas veio contestar em
tribunal a validade do testa-
mento do rei Goodwill, dizendo
que a sua assinatura era falsa,
mas isso não impediu a ascen-
são ao trono, no passado 7 de
Maio, do filho da rainha Mant-
fombi, o príncipe Misuzulu,
solteiro e de 46 anos, que uns
dizem ser formado em relações
internacionais e outros garan-
tem que ainda não terminou
o curso.
António Araújo
escreve de acordo
com a antiga ortografia
> Tempest Storm (1928-2021),
nome artístico de Anne Banks,
atriz e bailarina americana, que
conquistou o título de rainha do
burlesco e a alcunha de “Tem-
pestade Copa D” graças a um
talento particular para a dança
e espetáculos então inovadores
de striptease. Entrou em filmes
que misturavam crime e ero-
tismo, foi dançarina residente
em bares de strip e tema para
um filme que contou o início da
sua vida numa cidade do inte-
rior no seio de uma família dis-
funcional de que fugiu depois
de ser violada por um grupo
de rapazes. Dia 20, de causas
não reveladas. > Tawny Kitaen
(1961-2021), nome artístico de
Julie Kitaen, foi atriz, entrou
em “Solteiros e Tarados”, e es-
trela de um par de telediscos de
bandas de hard rock dos anos
80 que a tornariam um ícone:
‘Here I Go Again’, dos Whites-
nake, do então marido David
Coverdale, e ‘Back for More’,
dos Ratt. Dia 8, de causas des-
conhecidas.
36 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 14 de maio de 2021

TRIBUNA SPORTING

RÚBEN
AMORIM
Não revolucionou o futebol, mas é possível que tenha revolucionado uma certa forma de estar no futebol,
pelo menos em Portugal. Aos 36 anos, Rúben Amorim foi num vendaval que passou rapidamente
e com estragos em Braga antes de viajar para o Sporting, onde em pouco mais de um ano venceu
uma Taça da Liga, que foi o prelúdio para o feito de dar aos leões o seu primeiro campeonato
em 19 anos, com uma equipa feita de jogadores experientes reabilitados, aos quais juntou
a irreverência da juventude. Descomplexado, com a frescura de quem não se leva assim muito
a sério, inteligente e sarcástico, terá inaugurado uma nova forma de comunicar, que
teve em campo e nos seus jogadores uma admirável extensão. Ainda invicto esta
temporada na I Liga, já terá pago várias vezes os mais de 10 milhões
de euros que custou ao Sporting, e nem as recorrentes suspensões
ou as corporativistas questões do curso que não tem — como
se um papel conferisse talento — foram impedimento
para que a equipa de Alvalade fosse em velocidade
de cruzeiro até ao título, depois de chegar ao topo da
tabela à 6ª jornada. Fiel à sua ideia de jogo, à sua linha
defensiva bem definida e ao seu ataque simples
e eficaz, em 3-4-3, Rúben Amorim foi manager, diretor
de comunicação, porta-voz, advogado de defesa e um pouco
de tudo num clube pouco habituado a figuras consensuais.
É certo que os títulos se fazem de muita gente, mas foi
com ele que tudo mudou em Alvalade.

Futebol O Sporting sagrou-se campeão nacional 19 anos

depois e estas são as maiores figuras de um feito improvável

RÚBEN E AS SUAS
ESTRELINHAS

U
Lídia Paralta Gomes

ma vitória por 1-0

VARANDAS
É o grande vencedor da temporada. O homem que sucedeu
a Bruno de Carvalho nunca foi consensual entre
os adeptos, e a gestão desportiva das
primeiras duas épocas aumentou
a desconfiança. Mas o all in que
fez com Rúben Amorim,
pagando mais
de 10 milhões de euros
pelo treinador, acabou
em jackpot.
ADÁN
Guarda-redes veterano e com experiência em algumas das melhores
equipas de Espanha, Antonio Adán chegou a Alvalade, no entanto,
envolto em alguma desconfiança depois de dois anos
no Atlético de Madrid em que mal jogou. Cedo se
tornou parte do sucesso defensivo da equipa,
com várias intervenções essenciais,
nomeadamente frente ao
B-SAD, no Jamor, ou em Faro, na
jornada 27, assegurando a vitória
do Sporting num dos períodos mais
complicados da equipa.
em casa frente ao
Boavista (golo de
Paulinho, ainda
na 1ª parte) confir-
mou aquilo que há
19 anos não se via
em Portugal: um
Sporting campeão
nacional. Desde o último título, em
2001/02, que o clube de Alvalade vi-
veu altos e baixos, perdeu títulos por
pouco, falhou com estrondo numa SEBASTIÁN
final da Liga Europa (então Taça
UEFA) jogada em casa e ainda COATES
levou o baque que foi o ataque Um líder na defesa menos batida do campeonato e decisivo no ataque quando o
à Academia de Alcochete, que momento apertou, com golos que deram pontos e vitórias ao último suspiro
muitos pensaram ser o perpetuar de (Gil Vicente, Santa Clara, B-SAD). Mais impressionante terá sido a
uma travessia no deserto. exibição frente ao Sp. Braga na 29ª ronda, um desempenho
Agora chegou a recompensa, uma defensivo perfeito com o Sporting a jogar com menos
improvável recompensa, diga-se, um. Com uma carreira feita de luzes e sombras,
oferecida por um treinador que foi o uruguaio de 30 anos encontrou na
uma aposta de risco de uma direção ideia defensiva de Amorim, com três
contestada e que fez de um plantel centrais, uma casa que há muito
curto e com muitos jovens uma equi- procurava. Não só é candidato a
pa coesa, muito competitiva e difícil jogador mais influente do título mas
de bater, algo que, aliás, só LASK a melhor jogador da Liga 2020/21.
Linz (na Liga Europa) e Marítimo
(na Taça de Portugal) se podem dar
ao luxo de dizer até agora.
Num ano em que o coletivo foi
a força maior do Sporting, que
partiu para a temporada com uma
equipa que, no papel, parecia a anos-
-luz daquilo que FC Porto e Benfica
poderiam render, houve estrelinhas
que brilharam com um pouco mais
de intensidade para levar os leões
a uma época inesquecível, em que
juntaram campeonato à Taça da Liga
conquistada em janeiro.
lpgomes@expresso.impresa.pt
 Expresso, 14 de maio de 2021 PRIMEIRO CADERNO 37

JOÃO
JOGOS DECISIVOS

PALHINHA
Começou o ano no mercado e a treinar-se à parte, mas Amorim
terá feito força para que não fosse vendido. Em boa hora
o fez, já que o médio foi o pêndulo perfeito
e a primeira ligação de uma equipa segura
a defender e eficaz no ataque.
Protagonista de um dos casos
Aos 18 anos, foi a grande revelação da Liga, assegurando a ala
disciplinares do ano, os
assuntos de escritório nunca
tiveram efeito no seu
rendimento em campo.
NUNO
MENDES
esquerda do Sporting, com capacidade defensiva e faro
para zonas mais adiantadas. A boa época
valeu-lhe a chamada à Seleção Nacional A.
Frederico Varandas prometeu que
Amorim valorizaria o plantel,
e Nuno Mendes é disso o
melhor exemplo — vai
seguramente deixar milhões
nos cofres do Sporting.
Sporting – LASK (1-4, play-off da Liga Europa)
Ainda com o plantel não totalmente definido, o leão saiu
humilhado da Liga Europa logo no início da temporada. Nos
festejos do título, muitos jogadores apontaram esta derrota
como decisiva para a união do grupo, depois de receberem
duras críticas
Famalicão – Sporting (2-2, jornada 9 da I Liga)
O golo anulado a Coates nos derradeiros segundos do jogo
deu origem à situação no túnel que, por sua vez, resultou na
expressão de Rúben Amorim “onde vai um, vão todos”, que se
tornaria uma espécie de mantra para a época
Nacional – Sporting (0-2, jornada 13 da I Liga)
Num encontro jogado em plena tempestade “Filomena”
— o avião que transportava a equipa quase não aterrou — e
num relvado quase impraticável, o Sporting mostrou que
também sabia ganhar na atitude e no sacrifício

Sporting – Benfica (1-0, jornada 16 da I Liga)

Num jogo altamente tático, o golo de Matheus Nunes aos
90’+2 aumentou a diferença entre Sporting e Benfica para
nove pontos

PEDRO Gil Vicente – Sporting (1-2, jornada 18 da I Liga)

GONÇALVES A perder até aos últimos 10 minutos, o Sporting contou

com um dos vários milagres de Coates, com golos aos 83’ e
Depois de uma época no Famalicão em que foi uma das revelações 90’+1, para dar a volta a um jogo que parecia perdido
do campeonato, a passagem para um patamar superior em nada
atemorizou o transmontano. No Sporting, a jogar em FC Porto – Sporting (0-0, jornada 21 da I Liga)
terrenos mais adiantados do que no Minho, O nulo manteve a diferença nos 10 pontos entre Sporting e
rapidamente se tornou uma referência não só FC Porto. Muitos terão passado a acreditar a partir daqui
na hora de marcar golos (e já lá vão 18, que o Sporting era, de facto, candidato
partilhando o topo da lista de
goleadores na I Liga com Sporting – Santa Clara (2-1, jornada 22)
Seferovic) mas também a fazer Mais um momento heroico de Coates, a ir de novo lá à
jogar. A espaços, o médio atacante frente para dar a vitória ao Sporting aos 90’+3, evitando
de 22 anos fez esquecer Bruno assim o segundo empate consecutivo da equipa
Fernandes.
Sp. Braga – Sporting (0-1, jornada 29)
Pressionado pela aproximação do FC Porto (então a 4
pontos) e a jogar com menos um a partir dos 18’, por expulsão
de Gonçalo Inácio, este foi o definitivo jogo de sacrifício, 80
minutos a defender na perfeição e eficácia total na única
oportunidade, aos 81’, por Matheus Nunes

PUB

SOLIDÁRIOS COM ISRAEL

A ÚNICA DEMOCRACIA NO MÉDIO ORIENTE

Condenamos os disparos de milhares de rockets contra a população civil israelita.

Israel tem todo o direito a defender-se.
Apoiamos o esforço de Israel em impedir que o Hamas e a Jihad Islâmica, patrocinados pelo Irão,
destruam a possibilidade de alcançar a Paz.
ZĞũĞŝƚĂŵŽƐŽƵƐŽĐşŶŝĐŽĚĞĐŝǀŝƐƉĂůĞƐƟŶŝĂŶŽƐĐŽŵŽĞƐĐƵĚŽƐŚƵŵĂŶŽƐƉŽƌĞƐƚĂƐŽƌŐĂŶŝnjĂĕƁĞƐ
terroristas, numa instrumentalização monstruosa do seu próprio povo para exercer pressão
sobre Israel.
>ĂŵĞŶƚĂŵŽƐĂƐďĂŝdžĂƐƚĂŶƚŽĚŽůĂĚŽŝƐƌĂĞůŝƚĂĐŽŵŽƉĂůĞƐƟŶŝĂŶŽ͘
dŽĚŽƐƐĆŽǀşƟŵĂƐĚŽƐƟƌĂŶŽƐƚĞƌƌŽƌŝƐƚĂƐƋƵĞƚŽŵĂƌĂŵ'ĂnjĂĐŽŵŽƌĞĨĠŵ͘
ISRAEL NÃO ESTÁ SOZINHO
38 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO SAÚDE
Muitos doentes com cancro
em estado avançado
preferem morrer em casa,
junto da família
Pandemia Depois de um ano e meio a trabalhar em exclusivo com doentes covid, milhares
de doentes estão a chegar aos hospitais com doenças oncológicas em estado avançado.
A grande vaga ainda está para chegar
É
Textos André Rito
apenas uma questão
de tempo. A pandemia
fechou os hospitais a
praticamente todas
as patologias, à exce-
ção da covid-19. Com
milhares de cirurgias,
exames, consultas e
rastreios adiados em
2020 — e no início de 2021—, o Serviço
Nacional de Saúde (SNS) prepara-se
para enfrentar agora uma vaga de
novos doentes, sobretudo oncológicos,
em estado avançado. Os números são
escassos, mas já é possível ter uma
ideia do futuro a médio prazo: de meio
milhão de exames preparatórios —
colonoscopias, por exemplo — reali-
zados antes da pandemia, registou-se
uma quebra a pique de 30% no ano
passado.
“Significa que fizemos menos 100 mil
exames de diagnóstico, tendo em conta
que 50 mil seriam colonoscopias repe-
tidas (de doentes já diagnosticados)”,
projeta ao Expresso o diretor do Servi-
ço de Gastrenterologia e Hepatologia
do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
“Desde o início da pandemia, percebeu-
-se que uma das consequências seria
o atraso nos rastreios e diagnósticos,
principalmente do cancro do cólon,
um dos que tem maior incidência em
Portugal. Fomos obrigados a suspender
toda a atividade programada. Já sabía-
mos que isto iria acontecer. A medicina
de catástrofe tem por missão prever
as consequências, e estamos agora a
tentar recuperar os exames”, afirma
Rui Tato Marinho.
“Estamos em perda
constante”, diz bastonário
da Ordem dos Médicos
Segundo os últimos dados consolidados
do Registo Oncológico Nacional, em
2018 houve um aumento de 52 mil no-
vos casos de cancro, a maior parte dos
quais (cerca de 7600) do cólon e reto,
da mama (7400), da próstata (6100) e
do pulmão (4600). Registou-se ainda
cerca de 2900 novos casos de cancro
do estômago, 2200 da bexiga, além
de 3700 casos de cancros do sangue
(linfomas, leucemias, mielomas). Com
a pandemia instalada durante um ano e
meio, uma coisa parece agora certa: es-
tes dados vão sofrer alterações signifi-
cativas — disso ninguém tem dúvidas —,
embora não seja possível prever quan-
do chegará a vaga de novos cancros.
100
mil
diagnósticos
de cancro
a menos
em 2020
TENHO CANCRO. E DEPOIS?
A SIC Notícias e o Expresso
lançaram um site —
www.tenhocancroedepois.pt
— dedicado ao cancro.
Ao longo do ano, a
plataforma recolherá a
opinião de médicos, doentes e
especialistas sobre os desafios
de uma doença que afeta cada
vez mais pessoas. O projeto
tem o apoio da Médis e da
Novartis, além da colaboração
da Liga Portuguesa contra
o Cancro e da Sociedade
Portuguesa de Oncologia.
“Não há um mês em que o número de
consultas, cirurgias, rastreios, exames
complementares de diagnóstico, entra-
das no serviço de urgência tenha atin-
gido valores homólogos aos de 2019,
antes da pandemia. Estamos em perda
constante”, alerta ao Expresso Miguel
Guimarães, bastonário da Ordem dos
Médicos. Lembrando a necessidade
emergente de recuperar o tempo per-
dido, o bastonário diz que é necessário
“um plano” para identificar os milha-
res de doentes que estão em casa, não
diagnosticados, com doenças oncológi-
cas e outras patologias que desaparece-
ram da estatística dos hospitais.
Menos 400 mil rastreios
durante a pandemia
“Praticamente, todos os doentes on-
cológicos com diagnóstico feito viram
os seus tratamentos adiados, porque
não era possível ter acesso à Unidade
de Cuidados Intensivos (UCI). E mui-
Expresso, 14 de maio de 2021
Uma
família
com
cancro
Silenciosa e mortal: é
como a doença se instala
em casa. A “alta” é uma
espécie de autorização
para viver os últimos
tempos em família
A casa cheirava a hospital.
Depois de meses com dores
abdominais, Jorge Antunes,
comercial numa empresa de
telemóveis, fez uma bateria
de exames: análises, biópsias,
ecografias, endoscopias e uma
TAC. O diagnóstico chegou em
algumas semanas: cancro no
pâncreas. “Comprámos uma
cama semelhante à dos hospi-
FOTO GETTY IMAGES
tais, para que pudesse fazer as
refeições e estar confortável
em casa”, recorda a mulher,
Conceição Antunes, que dei-
xou o emprego para cuidar do
marido a tempo inteiro. “Sa-
bíamos que estava a prazo, os
médicos nunca esconderam
a gravidade da situação.” Du-
rante um breve internamento,
os filhos, ambos menores, mu-
daram-se para casa dos tios e
só regressaram quando o pai
tos destes doentes precisam destes teve alta. Todos sabiam que a
cuidados depois de serem operados, “alta” era uma espécie de au-
o que era impossível dado o número torização para viver os últimos
de doentes covid que ocupavam estas tempos em família. “Os filhos
unidades. São decisões difíceis, com tinham esperança e todos ado-
implicações éticas, quase escolher támos o regime alimentar que
quem vive”, diz Miguel Guimarães, era exigido ao meu marido. O
reforçando ter havido uma redução cancro não afeta apenas quem
drástica do rastreio a vários tipos de tem a doença, é como se toda
cancro. “Os rastreios existem para a família passasse a sofrer do
detetar precocemente um cancro. Es- mesmo mal.”
tima-se que tenha havido menos 400
mil rastreios durante a pandemia. Va-
mos ter cancros diagnosticados mais
tarde, numa fase diferente da evolução
da doença, que pode ditar a diferença
entre um tratamento que pode não ser
O cancro do pâncreas
é uma das doenças
oncológicas com maior
curativo, mas paliativo.” incidência em Portugal:
cinco meses é o tempo
Maior impacto vai sentir-se médio de sobrevivência
nos próximos anos nos casos mais graves
Na Unidade de Cuidados Paliativos do
Hospital da Luz, a médica e ex-deputa-
da do CDS-PP Isabel Galriço Neto nota
“O cancro do pâncreas é um
dos cancros mais mortais em
que “vão chegando doentes em fases Portugal. Uma grande parte
mais avançadas” da doença. “Para dos doentes não chega a viver
muitos, a pandemia significou passar um ano após o diagnóstico.
de curável para incurável, doentes sem Não são facilmente detetáveis,
reversibilidade nas suas patologias e e quando chegam aos serviços
que têm de ser apoiados em cuidados de saúde normalmente estão
paliativos. Isto é uma realidade ine- numa fase já de cuidados pa-
quívoca”, afirma Isabel Galriço Neto. liativos”, explica ao Expresso
E considera urgente o reforço de re- Rui Tato Marinho, diretor do
cursos humanos nos serviços de saúde Serviço de Gastrenterologia
— sobretudo nas unidades que foram do Hospital de Santa Maria,
“desfalcadas”, como aconteceu com em Lisboa. É preciso estar
os cuidados paliativos. “Muitos médi- atento aos sinais. “Cada can-
cos dos cuidados de saúde primários cro é um cancro, mas o do pân-
estão a transmitir a sua experiência creas tem um aspeto particu-
de receber doentes com diagnóstico lar, porque quando aparece já
atrasado. A insuficiência de médicos está medianamente avançado.
explica-se porque muitos estão a ser Não há rastreio possível, não
desviados para a vacinação e outras existe colonoscopia, é preciso
tarefas”, diz a médica, sublinhando estar atento a sintomas como
que “o maior impacto vai sentir-se nos icterícia (olhos amarelados),
próximos anos”. é obrigatório ir ao hospital.”
Maior investimento, um plano de Além destes, há três sinais de
recuperação estruturado, melhor dis- alerta: urina escura, fezes de
tribuição dos recursos humanos, estes cor clara ou oleosas e comi-
são os vetores que os especialistas di- chão na pele.
zem ser necessário para fazer frente Jorge Antunes queixava-se
à onda de cancros que se adivinha a apenas de dores abdominais.
médio prazo. Uma espécie de corrida Perdeu peso e apetite. Nas úl-
contra o tempo, que vai ditar o anda- timas semanas, praticamente
mento dos serviços de saúde nos pró- não conseguia falar. Morreu
ximos anos. “Estamos sempre atrás ao fim de nove meses em casa,
do prejuízo”, lamenta Isabel Galriço mas durante esse período teve
Neto. Para recuperar os doentes “que tempo de se despedir da famí-
ficaram para trás”, Miguel Guima- lia, dos amigos, recebeu de-
rães também apela à criação de uma zenas de visitas em casa, teve
estratégia nacional. “Temos de fazer sempre a mulher ao seu lado.
muito mais do que era esperado para “Morreu durante a noite, em
recuperar quem ficou para trás.” paz. É isso que ainda hoje me
sociedade@expresso.impresa.pt alivia.”
Expresso, 14 de maio de 2021
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
FUTEBOL DE RUA
Não escondo que sou sócio
do Sporting e me vi envolvido
na destituição do anterior
presidente, um populista
de maus princípios em tudo
contrastante com quem lhe
sucedeu. É-me impossível
ocultar a felicidade da vitória,
ou a forma elevada como
presidente, dirigentes, treinador
principal, outros treinadores e
jogadores e, claro, o roupeiro
Paulinho, se portaram na hora
do triunfo. Posto isto, há os
arruaceiros do Sporting — de
quem, aliás, Varandas começou,
e bem, a tratar. Se todos sabem
que eles existem (pelo menos
desde o assalto a Alcochete,
faz amanhã três anos), o que
levou a Câmara (porque manda
na via pública) a autorizar uma
manifestação e ecrãs gigantes à
Juve Leo? Não sabia que, atrás,
viria a venda de álcool? Claro
que muitos adeptos têm culpa
por não medir o impacto da sua
celebração, mas ainda que eu
seja sportinguista, pergunto: de
quem foi a responsabilidade da
falta de planeamento, previsão
e policiamento? Há muito
sabem que, se a maioria vai lá
com sensibilização, também há
muito conhecem aquela espécie
de hooligans que é necessário
combater. Aqui posso falar de
cátedra: sempre os combati (no
meu e noutros clubes) e mais de
uma vez tive de ser escoltado
para não ser eu a vítima.
FÁTIMA
Mesmo com peregrinos
obrigados a ficar à porta, Fátima
foi um exemplo de organização.
Talvez porque certos decisores
tenham mais medo dos gangues
do futebol, que são um inferno
na terra, do que da Igreja. Bem...
é só uma hipótese para
a qual não tenho provas.
CABRITA GO HOME !
Acredito que o Dr. António
Costa, magnífico primeiro-
-ministro da nação, tenha
um excelente ministro da
Administração Interna. O
problema é que o país tem
um desastrado ministro da
Administração Interna. Por isso,
o senhor primeiro-ministro,
ainda que sob pena de perder
um pouco do que é seu, devia
pensar no que é de todos,
e mandá-lo descansar para
casa. No entanto, se persistir,
cá estamos para ver as cenas
dos próximos episódios. É que
Eduardo Cabrita — benza-o
Deus! — não falha uma gaffe.
ALERTA JUROS
As perspetivas de retoma
trazem consigo a possibilidade
de existência de inflação. Só esse
facto faz aumentar os juros, na
realidade. E essa realidade já nos
custou mais 80 milhões de euros
na última emissão de dívida.
Toda a gente sabe que um dia
a situação muda, e aí a nossa
dívida gigantesca mostrará, com
a maré baixa, como andamos a
nadar sem calções, como disse
um dia Warren Buffett.
NB, PAGAMOS?
Há uma espécie de controvérsia
entre o Tribunal de Contas,
o Governo e o Banco de
Portugal, à volta de saber se
o dinheiro colocado no Novo
Banco é pago pelo Estado,
ou apenas emprestado.
Sem me querer envolver
em tão elevados coturnos,
aposto que, de uma forma
ou de outra, pagamos nós.
ISRAEL
Deus ajude palestinianos e
israelitas e ponha o Hamas
na ordem. Quase tudo o que é
mau na zona nasce deles. E do
radicalismo apoiado, neste caso,
pelo Irão e o xiismo radical.
Ideias para governantes modernos
que gostam de ser mal-educados
H
á incompetentes; há cí-
nicos; há honestos; há
sabedores; há os que
gostam de empurrar
com a barriga; há ingénuos; há
idealistas; há utópicos; e no fim
da escala, que não está ordena-
da, há mal-educados. A esses
governantes, em particular, se
destinam estas linhas.
Um membro do Governo não
é apenas ele. Não responde por
si próprio, uma vez que tem a
seu cargo responsabilidades no
país que dependem do dinheiro
dos cidadãos, dos contribuin-
tes. Penso que isto deve estar
claro para qualquer ser dotado
de razão que aceite um lugar
no Governo. Assim sendo, uma
figura governamental não deve
fazer determinados comentári-
os nem promover determinadas
ações. Por exemplo: por muito
desajeitado que seja, deve ter
um conhecimento geral do Es-
tado de Direito e das leis nor-
mais em democracia. Isso levá-
-lo-á a ter em conta que, salvo
perante a iminência de guerra
ou de atentado terrorista grave,
não se invade propriedade ne-
nhuma onde durmam pessoas
(seja pública, privada, falida ou
próspera), às quatro da manhã,
muito menos com os célebres bi-
nómios polícia-cão-polícia, que
neste caso deveria ser um trinó-
mio, por envolver o ministério
respetivo. Eis uma regra-base
que qualquer governante deve
conhecer de cor e salteado!
Outra, não menos importan-
te, é que o trabalho feito por
outrem não deve ser desconsi-
derado. Pode ser, obviamente,
criticado, mas ainda assim deve
o governante ter tino; pode ser
contraditado, sem qualquer
dúvida, desde que a adversão
se baseie em factos e não em
teorias da conspiração, dignas
de um mau livro. Mas jamais
deve ser alvo de insulto. Vou ver
se me recordo de exemplos...
Imaginem que um membro de
um Governo se referia a um
programa da televisão pública
nos seguintes termos: “Estrume
só mesmo essa coisa asquerosa
Em qualquer dos
casos, haveria
um significado
importante
em tal atitude:
ou o chefe do
Governo passara
a estar-se
nas tintas para
o que dizem
os seus colegas
ou perdera
a autoridade que
em tempos tivera
que quer ser considerada um
programa de informação.” Isto
seria profundamente errado,
creio mesmo que até o pri-
meiro-ministro, que integra a
categoria dos que empurram
com a barriga (mesmo que seja
a barriga de outro ministro),
não toleraria tal ‘linguagem de
cavador’, como um dia o fale-
cido Sousa Franco, então mi-
nistro socialista das Finanças,
O perigo não
é que uma
determinada classe
seja inadequada
para governar. Todas
são inadequadas
para governar
Lord Acton (1834-1902),
historiador britânico, numa
carta a Mary Gladstone (1881)
PRIMEIRO CADERNO 39
CONFORTOS
DE ALMA
ESTRUME
Voltamos aos
confortos de
alma, até porque
tenho a alma
confortada.
E começamos
com um autor
telúrico (palavra
que os críticos
literários
adoram) e muito conhecido
cá em casa: Aquilino
Ribeiro. Há quem diga ser de
leitura difícil, porque nunca
experimentaram. O que aqui
trago é uma delícia: o “Jardim
das Tormentas”, conjunto de
pequenos contos ou novelas,
com prefácio de Carlos
Malheiro Dias. Sou possuidor,
por razões familiares, da 1ª
edição, de 1913. E a história
que trago é ‘A Pele do
Bombo’. Desventuras de um
velho cavalo que servia para
carregar o leite a distribuir
FOTO NUNO BOTELHO
na vila. Um dia, o cavalo não
dá mais. Foi quando (escreve
Aquilino) “relinchou até lhe
doer a goela, e como tivesse
fome pôs-se a mondar o
estrume e os argueiros pelos
cantos”. Pois é, há quem
tenha de se alimentar do que
o estrume pode conter, como
esta cavalgadura, cujo destino
foi ser pele de bombo para as
festas da Senhora da Lapa.
ESTERCO
Alguns
caracterizou uma intervenção indianos,
do falecido Jorge Coelho, mi- para os quais
nistro do mesmo Governo, que a vaca é
se referia aos buracos deixa- um animal
dos nas contas públicas (e que sagrado,
saudades de gente educada!). acreditam que a sua bosta
Não; o primeiro-ministro é pri- e urina previnem a covid-19.
meiro em tudo. Recordo como Como apareceu tal teoria
ele abriu a porta pela qual saiu não se sabe ao certo, mas
um ministro (João Soares) de- os médicos do segundo país
pois de este ter ameaçado uns mais populoso do mundo,
cronistas com duas bofetadas. a braços com um pico da
Imaginem se um membro do pandemia, já avisaram que
Governo do mesmo primeiro- o efeito é nulo e pode até
-ministro ousasse tratar como provocar outras doenças aos
estrume um programa inteiro! muitos que se besuntam com
Essa “coisa asquerosa” (o que o esterco dos animais. Mas
é falso, além do mais, porque o alguns insistem, mostrando, ó
estrume, como explicará qual- caro Galamba, que nem tudo
quer agricultor, faz falta)... o que é estrume deixa de ter
Seria insuportável, porque interesse noticioso, razão pela
quereria dizer que, ou o pri- qual jamais devemos negar à
meiro-ministro não veria ne- partida o que desconhecemos.
nhum inconveniente em tratar A menos, claro, que antes de
desse modo um programa da falar nos tenhamos informado
televisão pública ou o primeiro- bem sobre o assunto, ou
-ministro baixara os elevados melhor, sejamos desde logo
padrões que em tempos tivera. especialistas nos temas.
Em qualquer dos casos, have-
ria um significado importante FUTEBOL
em tal atitude: ou o chefe do Quarta-feira
Governo passara a estar-se nas volta o
tintas para o que dizem os seus público aos
colegas ou perdera a autorida- estádios
de que em tempos tivera. de futebol.
Fosse de que modo fosse, É a última
nenhum dos supracitados en- jornada da I Liga, onde há
tenderia algo tão simples como muito por decidir sobre quem
isto: à medida que aumenta a desce de divisão. O campeão
responsabilidade do cargo, au- está definido desde terça-feira
menta a exigência da comuni- passada. É o Sporting! (Digo-o
cação. As responsabilidades, com o modo desinteressado
mesmo tão curtas como as mi- de quem é sócio há mais de
nhas, impedem-me de dizer o 50 anos...) O Benfica fica em
que penso que outros merecem. terceiro lugar (e aposto com
Quanto mais falar em estrume! quem quiser), com o Porto
hmonteiroexpresso@gmail.com em segundo. Já este sábado,
ainda sem público nem TV
que não seja a do clube da
casa, há um Benfica-Sporting,
onde os de Alvalade podem
ir jogar só de calcanhar, ou
ao pé-coxinho, porque nada
muda (embora espere que não
percam, a fim de manterem a
folha limpa de derrotas até ao
fim do campeonato). Depois,
na quarta-feira, às 18h, com
teste negativo e em número
restrito, os sportinguistas
podem ir a Alvalade aplaudir
os campeões, que vão jogar
contra o Marítimo. O Porto
também joga em casa, com
o B-SAD, mas o Benfica não,
vai a Guimarães, onde se
encontra com o Vitória.

Ricardo
Costa
O cordão
imaginário
do SNS
U
ma das discussões
mais absurdas e
inúteis da pande-
mia foi a que se
centrou na utiliza-
ção do setor priva-
do no combate à pandemia.
Quando quase todos os países
debatiam a utilização da capa-
cidade instalada, Portugal en-
treteve-se nesse debate inútil.
Foi preciso chegar a brutal
crise de janeiro e fevereiro para
que a conversa desaparecesse.
Na campanha das presidenci-
ais, o espantoso conceito de re-
quisição a preço de custo ainda
foi transformado em bandeira
da pureza inicial do SNS (até
Francisco Ramos entrou na
campanha de Marisa Matias).
Quando a pandemia apertou
e as proclamações foram tro-
cadas pela eficácia do comba-
te hospitalar e da vacinação, a
discussão desapareceu e Fran-
cisco Ramos entregou o lugar.
Quem olhar com frieza para
a rapidez com que se desco-
briram vacinas eficazes, não
encontrará uma solução única.
O sucesso dependeu de um tra-
balho conjunto de cientistas e
investigadores, de instituições
privadas e públicas, investi-
dores e capital de risco, enco-
mendas públicas e garantias de
Estado de todo o tipo.
A solução mais revolucioná-
ria, de RNA mensageiro, era
uma aposta de empresas que
acumulavam prejuízos. A BioN-
Tech perdeu €179 milhões em
2019 e a Moderna era um bu-
raco. Hoje são duas empresas
milionárias. Sem apoio público
não teriam tido sucesso, muito
A quase liquidação
das PPP na Saúde
é um erro. Ninguém
ganha com isso
e as perdas para
os utentes são reais
menos com esta rapidez. Sem
investimento de risco nem se-
quer tinham nascido.
É importante ter estes exem-
plos presentes quando olhamos
para o artigo sobre o relatório
do Tribunal de Contas das PPP
na saúde (pág. 4 da Economia).
A análise conclui que o Estado
poupou €203 milhões com este
modelo em Braga, Vila Fran-
ca de Xira, Cascais e Loures.
A poupança ficou aquém dos
€671 milhões previstos, mas
foi significativa, eficiente e boa
para os utentes.
A pandemia mostrou, a quem
tivesse dúvidas, a brutal impor-
tância do SNS. Mas também
destapou fragilidades e a im-
portância de se poder trabalhar
em rede com o resto do siste-
ma, quando necessário.
As quatro PPP da saúde trou-
xeram, sobretudo, pressão de
eficiência ao sistema, termos
de comparação e de satisfa-
ção. Por discussões menores
em torno de custos extra (so-
breprodução, doentes de sida,
etc.) e com forte pressão ideo-
lógica, estão todas a acabar. A
CUF abandonou Braga e Vila
Franca, os Lusíadas vão sair
de Cascais, a Luz parece querer
deixar o Hospital de Loures.
Não consigo vislumbrar o que
o SNS ganha em não ter um
pequeno número de PPP den-
tro do perímetro. Seguirá o seu
caminho, enquanto os privados
expandem as redes para uten-
tes com seguro ou ADSE. En-
contram-se na próxima crise.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
Tecnologia
A guerra dos
chips está a
afetar o mundo E10
Israel-Hamas: o pior
conflito em sete anos
Situações de tensão em
Jerusalém evoluíram, em
poucos dias, para uma
guerra aberta entre Israel
e a Faixa de Gaza
Israel e o Hamas não dão
sinais de trégua no intenso
conflito que travam desde o
início da semana. A chuva de
rockets, lançada pelo grupo
islamita que controla a Fai-
xa de Gaza, já provocou sete
mortos em Israel e os bom-
bardeamentos de retaliação
das forças israelitas já fizeram
pelo menos 83 vítimas mortais
no território palestiniano, in-
cluindo 17 menores.
O primeiro-ministro de Is-
rael, Benjamin Netanyahu, já
preparou os seus cidadãos para
dias difíceis, dizendo que a cam-
panha militar “demorará mais
tempo”. Pouco tempo após ce-
lebrarem o regresso à normali-
dade, fruto de uma campanha
de vacinação à covid-19 eficaz,
os israelitas veem-se agora for-
çados a confinar em bunkers
para se protegerem dos rockets.
Ao final da manhã de ontem,
os militares israelitas tinham
contabilizados 1369 foguetes
lançados desde Gaza em qua-
tro dias. “É possível vermos
PRÉMIO CARREIRA BOA CAMA BOA MESA 2021
Lurdes Graça e Emílio
Fernando distinguidos
Responsáveis do Manjar do Marquês e da Adega da Tia Matilde
A título excecional e em ano
fortemente marcado pelo
impacto da pandemia de co-
vid-19 na restauração, o Pré-
mio Carreira Boa Cama Boa
Mesa é atribuído ex aequo a
duas personalidades com uma
longa carreira dedicada à gas-
tronomia. Lurdes Graça, com
89 anos, e Emílio Fernando,
com 100.
Pela primeira vez e a título
excecional, o Prémio Carreira
Boa Cama Boa Mesa é atribu-
ído ex aequo a duas persona-
lidades “emblemáticas e com
uma vida profissional dedicada
à restauração, destacando-se
a longa, consistente e sólida
carreira, e o amplo reconheci-
mento pela comunidade”. Os
premiados são Lurdes Gra-
ça, do restaurante Manjar do
Marquês, e Emílio Andrade, do
restaurante Adega Tia Matilde.
Proprietários dos respetivos
restaurantes, Lurdes Graça,
notabilizou-se na cozinha, e
Emílio Andrade, no trabalho
de sala.
( (
Assédio
Onde está
o limite da
sedução? P20
quão diferente é esta campa-
nha por comparação com a
anterior”, disse o brigadeiro-
-general Itzik Bar, referindo-se
à guerra de 2014, quando fo-
ram disparados cerca de 4000
rockets em 50 dias.
Para já, a operação israelita
“Guardião das Muralhas” só
envolve bombardeamentos aé-
reos, mas há forças terrestres
Em quatro dias,
foram disparados
desde a Faixa de
Gaza 1369 rockets.
Em 2014, foram
lançados 4000
em 50 dias de guerra
de prontidão junto à fronteira
com a Faixa de Gaza.
Ontem, o Hamas — que cha-
mou à sua ofensiva “Espada
de Jerusalém” — fez mais uma
demonstração de força e lan-
çou um projétil que voou cerca
de 250 km, caindo perto de
Eilat, no sul de Israel. Foi o
míssil de maior alcance algu-
ma vez disparado desde Gaza.
Igualmente, as Forças de
Defesa de Israel divulgaram
Além do reconhecido per-
curso profissional, a resiliência
dos dois premiados é também
evidenciada “pela vontade de
continuar a servir mesmo em
tempos tão adversos como os
atuais”. Com 89 anos, cele-
brados em dezembro, Lurdes
Graça continua diariamente
a trabalhar no restaurante em
Pombal, que fundou em 1986,
com o marido, e é, hoje, um
exemplo notável de resistência
e de amor à cozinha. O ‘seu’
arroz de tomate já ganhou
notoriedade internacional.
Com 100 anos, cumpridos em
abril, Emílio Andrade come-
çou muito cedo a trabalhar
para ajudar os pais na então
taberna, fundada em 1926, e
transformada na atual Adega
Tia Matilde, em Lisboa. Hoje,
quase um século depois, con-
O GUIA “BOA CAMA
BOA MESA 2021” VAI
SER PUBLICADO
NO DIA 18 DE JUNHO
(
Saúde
Estado poupou mais
de 200 milhões com
PPP da saúde E4
um vídeo onde se vê um caça
F-16 a destruir um “drone sui-
cida” lançado de Gaza, car-
regado com cerca de cinco
quilos de explosivos.
A mais recente escalada en-
tre israelitas e palestinianos
começou com situações de
grande tensão em Jerusalém
e, em poucos dias, evoluiu
para um conflito aberto so-
bre a fronteira com a Faixa
de Gaza e confrontos inéditos
entre judeus e árabes, em ci-
dades israelitas de população
mista que se orgulhavam do
quotidiano de coexistência.
Perante a gravidade desta
complexa escalada — a mais
grave entre Israel e o Hamas
nos últimos sete anos —, a co-
munidade internacional vai
reagindo a conta-gotas. O
Conselho de Segurança das
Nações Unidas dá mostra de
ineficácia, com os Estados
Unidos a travarem uma con-
denação da violência, consi-
derando que tal pudesse ser
contraproducente. A Admi-
nistração Biden parece mais
apostada numa diplomacia de
bastidores que possa contribu-
ir para um cessar-fogo — que,
para já, parece muito longe de
ser alcançado. P26
tinua a fazer o que mais gosta,
gerir o restaurante e a receber
os clientes sempre de sorriso
aberto e franco. Presidido por
Francisco Pinto Balsemão e
composto por José Bento dos
Santos, Vítor Sobral, Fortuna-
to da Câmara e Paulo Brilhan-
te, o Júri do Prémio Carreira
2021 do guia “Boa Cama Boa
Mesa” destaca que ambos os
distinguidos “são exemplos
notáveis do espírito de entrega
que a atividade da restauração
requer”, tendo em conta o úl-
timo ano e o forte impacto da
pandemia de covid-19 neste
sector da economia.
O Prémio Carreira do guia
“Boa Cama Boa Mesa” tem
como propósito prestar ho-
menagem e elogiar, de uma
forma pública, uma persona-
lidade que se destaque nas
diversas vertentes associadas
à boa cama e à boa mesa e já
distinguiu Vítor Sobral, Eva-
risto Cardoso, Dionísio Pesta-
na, João Pires e Jorge Rebelo
de Almeida.
Últimas
CGD com lucros de €81 mi-
lhões A Caixa registou um lu-
cro consolidado de €81 milhões
no primeiro trimestre de 2021,
uma redução de 6,5% face a
igual período de 2020. O ban-
co público contabilizou €59,6
milhões de imparidades para
antever impacto da pandemia.
Os custos caíram 6%.
Jorge Coelho condecora-
do O Presidente da República
condecorou, a título póstumo,
o antigo ministro e dirigente
socialista Jorge Coelho com a
grã-cruz da Ordem do Infante
D. Henrique. A cerimónia foi
restrita e decorreu quinta-feira
no Palácio de Belém.
Vaticano e Gaudium Ma-
gnum assinam acordo A
Santa Sé e a Fundação Gau-
dium Magnum — Maria e João
Cortez de Lobão assinaram um
acordo para proceder, pela pri-
meira vez, ao levantamento,
digitalização, seleção e estudo
de documentos relevantes da
história das relações entre o
Vaticano e Portugal.
Portugal acolhe final da
Liga dos Campeões O Es-
tádio do Dragão, no Porto, vai
receber a final da maior pro-
va europeia de clubes, a 29 de
maio. A UEFA anunciou que o
jogo entre Manchester City e
Chelsea, originalmente previs-
to para Istambul, na Turquia,
poderá ter 12 mil adeptos no
recinto.
700 pessoas comunica-
ram autotestes positivos
ou inconclusivos Mais de
700 pessoas comu-
nicaram ao SNS 24
resultados de auto-
testes positivos ao
novo coronavírus
ou inconclusivos desde o dia
5 de abril.
Cartões marcam o ritmo
do comércio Com base na fa-
turação proveniente de cartões
nacionais, a Reduniq conclui
que os negócios portugueses
registaram uma subida de 17%
na semana de 3 a 9 de maio, em
comparação com 2019.
Crescimento económico
em alta A economia portu-
guesa registou um crescimento
acelerado na primeira semana
de maio, segundo o Banco de
Portugal, com uma variação
homóloga de 27%, similar à da
semana anterior.
Novo podcast Acompanhe
as tendências do sector e des-
cubra as novidades no “Volan-
te SIC”, com Rui Pedro Reis,
André Pacheco, Luísa Correia
e Pedro Amante. Um podcast
quinzenal sobre o mundo au-
tomóvel.
TEMPO FIM DE SEMANA
SEXTA SÁBADO
Bragança 20° 4° 19° 10°
Porto 17° 8° 19° 13°
Guarda 17° 5° 19° 8°
Sexta-feira
14 de maio Lisboa 24° 14° 24° 14°
14
de 2021
Évora 26° 11° 26° 10°
Faro 29° 14° 31° 16°
P. Delgada 20° 15° 22° 17°
05
Funchal 25° 18° 27° 18°
MARÉS SEXTA SÁBADO
Baixa Alta Baixa Alta
Porto 11:07 17:22 11:40 17:56
Lisboa 11:12 17:43 11:44 18:16
Faro 10:31 17:05 11:03 17:38
#2533 FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
expresso.pt
Variado “Minha casa sou eu e
os meus caprichos. / O orgulho
carregado de inocência...”, es-
creveu Vitorino Nemésio. Nu-
vens a norte, céu limpo a sul.